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INTRODUÇÃO
à GEOGRAFIA
(Geografia e Ideologia)

NELSON WERNECK SODfíÉ

PETRÓPOLIS 1976
rioso e anticultural, como o neocolonialismo, que também
abandonou as roupagens ostensivas do colonialismo tradicio-
nal — a que a Geografia esteve tão estreitamente ligada —
para apresentar-se em travestis esfarrapados. Não é demais,
pois, sumariar a génese e a função da Geopolítica, apesar de
A Geopolítica tudo. Rebentos seus apodrecem à nossa vista. Não custa com-
preendê-los e situá-los pela informação sobre a matriz e so-
bre as condições que a geraram.
Procurando estabelecer, no volume inicial de UEvolution
de 1'Humanité, dirigida por Henri Berr, uma «introdução geo-
gráfica à História», Lucien Febvre lembrava: «O geógrafo
o E o DETERMINISMO geográfico é um dos traços mais- ca-
parte do solo e não da sociedade. Não vai, sem dúvida, ao
racterísticos da Geografia da época do imperialismo, a Geo-
ponto de pretender que esse solo é a 'causa' da sociedade.
política assinala deformação levada à monstruosidade — é
a Geografia do fascismo. Desde que Ratzel lançara as bases Ratzel se contenta em dizer que ele é 'o único liame de coe-
do determinismo, abrem-se à Geografia dois caminhos: o cien- são essencial de cada povo'». Mas é ao solo, antes de tudo,
tífico e o ideológico. A Geopolítica representa a culminância que vai sua atenção ( . . . ) . Ratzel, dominado, a um tempo,
da trilha ideológica. Claro está que, sendo a ciência sempre pelo seu preconceito de antropogeógrafo e pelas preocupações
vinculada à ideologia, também os chamados possibilistas tra- de ordem mais política que científica — que, por momentos,
balham uma ciência de classe. Defendem-se, até mesmo por foram assemelhar-se a mais recente e a menos fecunda de
decoro profissional, de misturar-se à tropilha dos geopolíti- suas grandes obras, a Politische Geographie a uma espécie
cos. A obra que edificaram, maior ou menor, assinala uma de manual de imperialismo alemão — escreve: «Se os tipos
fase do desenvolvimento histórico da Geografia, a fase con- os mais simples de Estado são irrepresentáveis sem um solo
dicionada, em larga faixa do mundo, pela dominação burgue- que lhes pertença, o mesmo deve ser, assim, com os tipos os
sa; essa fase não pode ser ignorada e o que ela apresentou mais simples da sociedade: a conclusão impõe-se». E prosse-
de melhor está incorporado ao património da cultura huma- gue: «Família, tribo, comuna não são possíveis senão sobre
na. A Geopolítica não tem esse caráter: oriunda da Geogra- um solo e seu desenvolvimento não pode ser compreendido
fia da etapa imperialista, e pretendendo-se geográfica, não senão em relação com esse solo». C3
passa de construção ideológica desprovida de sentido cientí- Pouco adiante, Lucien Febvre reafirma: «O solo, não o
fico, marginal, com papel no plano político unicamente. Seu Estado: eis o que deve reter o geógrafo». 64 E; lembra, depois,
estudo não deve duixar de ser feito, entretanto, pois encerra as reações que a obra de Ratzel despertou, na França, algu-
preciosos ensinamentos, e particularmente quanto ao grau de mas já apreciadas aqui: «Havia já muito tempo — era em
descomedimento e de falsidade a que pode atingir o conheci- 1898, no dia seguinte ao aparecimento da Politische Geogra-
mento, quando a ficrviço das forças reacionárias, necessaria- phie e no ano mesmo em que E. Durkheim examinava a obra
mente obscurantistas. A rigor, uma reconstituição histórica de Ratzel — que Vidal de Ia Blache declarava, de sua parte:
da Geografia só s<? poderia e deveria ocupar do material geo- «Os fatos da Geografia Política se delineiam ainda demasia-
gráfico acumulado; não sendo a Geopolítica parte desse ma- do esparsos, sem adaptação aos da Geografia Física». E ajun-
terial, porque estranho e marginal, poderia, legitimamente, tava: «Acreditamos firmemente, de nossa parte, que nada
ser omitida. Não ficou a humanidade, entretanto, livre da poderia ser, em definitivo, mais fecundo para a Geografia
deformação política que gerou aquele produto empírico; o Política que o desenvolvimento, tão notável, que assume, sob
fascismo retorna ao palco, às vezes disfarçado — batizando-
63. Lucien Febvre: op. cit., p. 43 e 48/49.
se, aqui e ali, cinicamente, de democracia — mas sempre fu- 64. Idem, p. 78.

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nossos olhos, o estudo físico do Globo. As relações entre o vidos, desde Bodin, que os produziu com vigor, mil vezes refu-
homem e o meio no qual se exerce sua atividade não podem tados também, e pelos fatos os mnis elementares». 66
deixar de se revelar ainda mais claramente, à medida que Ora, aquilo que, em Heródoto, em Hipócrates, em Bodin
se tateia menos através do estudo das formas, dos climas e ou em Montesquieu mesmo, e ainda em deterministas poste-
da distribuição da vida» ( . . . ) . E. Gallois, por seu turno, riores, pode ser historicamente situado e compreendido — e
em livro que citamos muitas vezes: «É preciso, quando se quer tais figuras, cada um em seu tempo, em seu meio, em sua
ter em conta fatos humanos, pensar sempre na influência atividade, fizeram o conhecimento avançar, já resulta de de-
possível do meio. Ora, como reconhecer essa influência sem liberada e reacionária opção, em figuras dos fins do século
um estudo preliminar, independente do meio físico? Como XIX e particularmente em figuras do século XX, e tais figu-
discernir o que é o fato do homem do que é o fato da natu- ras retardaram o avanço do conhecimento. O que importa,
reza — se se começa por confundir, nos mesmos quadros, como conclusão? Importa observar que, pelas condições pe-
as obras dos homens e as condições naturais?» 66 Procuran- culiârfi&_ac_d6£línio da bujrgueaijT ria fase imperialista, as
do deslindar as relações entre a natureza e o homem — en- teorias de..JRatzel £ncjojitravãrn~^arhinhò"ãl)értõ, mesmo naqu£
tre, conseqtientemente, a Geografia Física e a Geografia Hu- lês círculos que não as adotavam. i'ais círculos ffáõ estavam
mana — Lucien Febvre deixa clara a perplexidade ou a timi- empenhados em repudiá-las. Assim, travestidas de ciência,
dez das figuras mais eminentes da Geografia francesa diante acobertadas por um nome respeitado, tido como fundador da
das teses de Ratzel. Posição ideológica, no fundo, em que pese Antropogeografia, elas acabaram se transformando, de que-
o saber daquelas figuras, sua autoridade. Na verdade, só da em queda, numa monstruosidade pseudogeográfica. Note-
podiam repudiar aquelas teses — e as repudiaram — aque- se — porque os aspectos formais são, por vezes, diáfanos dis-
les que se haviam emancipado da ideologia burguesa. Febvre farces daquilo que é conveniente esconder ou desconhecer —
não se detém em explicar aquela tolerância estranha. que duas controvérsias semânticas assumiram largas propor-
Outra é a sua posição ante deterministas do passado: ções : entre os partidários do título Antropogeografia e os
«É uma ação que, de longa data, abalou os sábios, inclinados partidários do título Geografia Humana, para o novo ramo
dos estudos geográficos; e entre os partidários, pouco adian-
a notar que os agentes climáticos exerciam nos seres huma-
te, de Geopolítica ou de Geografia Política, como título para
nos uma ação direta somática, de toda forma análoga à que
outro ramo da mesma Geografia. Com a diferença, do segun-
eles notavam em todos os seres vivos, animais ou vegetais.
do em relação ao primeiro caso, de que o título Geopolítica,
Sob a influência de stimuli particulares, apareciam, dizem- tendo sido desmoralizado, os partidários do título Geografia
nos, adaptações fisiológicas. Darwin fazia delas um dos ele- Política passavam a explicar que esta nada tinha a ver com
mentos da seleção natural. Lamarck aí forjava sua doutrina aquela.
da evolução. Filósofos, Herbert Spencer ou Augusto Comte,
Ratzel teve seguidores que procuraram manter-se, ain-
atribuíam a esses fatos considerável importância. Em seu da que deterministas, no campo da Geografia. A americana
seguimento, toda uma plêiade de antropólogos e de médicos Ellen C. Semple, por exemplo, autora da American History
acumulava observações, anotações, constatações de detalhe. and its Geographic Conditions. Ela sustentava que se deve-
Desde muito tempo, usava-se, ou abusava-se por vezes, de ria comparar povos típicos de todas as raças e de todos os
considerações gerais sobre a tonicidade dos diversos climas, estágios de civilização, situados em condições geográficas se-
O calor debilita, enerva, enlanguesce o organismo humano. melhantes; se houvesse diferença, provinha da raça; se hou-
O frio torna-o mais pesado, mas também mais robusto e como vesse concordância, derivaria do meio. Assim, dois elementos
que mais concentrado: lugares-comuns, mil vezes desenvol- apenas influíam na História: a raça e o meio. Ellen Semple
explicava que cossacos e hunos, separados por séculos, foram
65. Lucien Febvre: op. cit., P. 98/99, A citação de Ia Blache é dos Amwles dr.
Géoyraphie, VII, Paris, 1898, p, 98. A de L. Gallois é de Régions Naturelles et Nnma
de Pays, Paris, 1907, p. 224, 66. Lucien Febvre: op. cit., p. 117.

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levados ao deslocamento pela natureza do ar, seco e excitante, tulo e teoria, abandonando progressivamente qualquer carac-
e pelas dificuldades de vida no meio originário. Ou como terística geográfica, encontrariam acolhimento, ampliação e
A. Supan, autor de Leitlinien der Allgemeinen Politischen influência considerável graças às condições criadas na Ale-
Geographie, e W. Vogel, autor de uma Politische Geographie, manha pela derrota e no mundo pela vitória da Revolução
na Alemanha. Ou mesmo de um Camille Vallaux, autor da de Outubro e criação da União Soviética, com a resistência
Geographie Sociale: lê Sol et 1'Etat, na França. Até que pon- desta ao cerco e ocupação, como à guerra civil, apresentando-
to teria essa corrente influído, ou sido influenciada, na obra se como acontecimento histórico irreversível. A Geopolítica
de T. T. Mahan, The Influences of the Sea Power upon the passa de concepção desvairada de um geógrafo medíocre a
French Revolution and Empire, é duvidoso. Mahan foi, sem instrumento teórico de destacado papel, assim, graças, de um
dúvida, um dos teóricos da expansão imperialista norte-ame- lado — o geral — ao advento do socialismo no poder de um
ricana, iniciada em fins do século XIX e de que resultou a grande Estado e, de outro lado — o particular — à neces-
conquista das Filipinas, Cuba e Porto Rico, anteriores posses sidade de aproveitar os ressentimentos e dificuldades da der-
coloniais espanhola». Com Mahan, os limites da Geografia rota e frustração para armar ideologicamente a burguesia
foram ultrapassados, incontestavelmente. A disputa imperia- alemã, tornando-a tropa de choque para a destruição da
lista por nova repartição do mundo, levada à ebulição com União Soviética, ao mesmo tempo que teoria justificatória
a ascensão germânica, propiciaria as condições em. que, nos da expansão imperialista na América, Ásia e África.
países em competição, surgisse a passagem do campo da Geo- O formulador político da teoria geográfica consequente
grafia ao da Geopolítica, isto é, ao esforço para revestir de foi o jurista reacionário e germanófilo sueco Rudolf Kjellén,
caráter científico aquilo que não passava, na realidade, de o primeiro a empregar a expressão Geopolítica. Profunda-
espoliação colonialista ou imperialista. mente impressionado pelas ideias de Ratzel, o professor de
A passagem da Geografia à Geopolítica se deve ao ca- Upsala defendeu uma divisão singular da ciência política C 7 :
racterizado teórico da expansão imperialista inglesa Halford a Cratopolítica, ciência da organização legal do poder do Es-
Mackinder, cujo renome como geógrafo lhe permitira chegar tado; a Geopolítica, ciência do Estado como dominador do
à vice-presidência da Royal Geographical Society e à cátedra espaço; a Demopolítica, ciência das formas de organização
universitária em Londres. Em 1904 — por coincidência, o política das massas; a Ecopolítica, ciência dos processos de
ano da morte de Ratzel — Mackinder leu, naquela agremia- produção e de consumo; e a Sociopolítica, ciência do controle
ção, pequeno estudo intitulado Geographical Pivot of History. da sociedade. A predominância das concepções ratzelianas no
Nesse trabalho, .ele estabelecia uma arbitrária divisão do pensamento de Kjellén ressalta de suas formulações. Esta,
mundo, com duas amplas faixas circulares — crescente in- por exemplo: «Os Estados procuram escolher unidades geo-
terior, ou marginal, e crescente exterior, ou insular — tendo gráficas, como seja uma região, para se aliarem com elas e,
como centro a ampla área, que denominava «área pivot» ou por meio dessa aliança, se transformarem em unidades natu-
heartland (terra-coração). À base dessa divisão, Mackinder rais». cs Ou esta, já contendo algo do próprio Kjellén, como
formulou uma «lei»: «Quem dominar a Europa Oriental do- teorizado? do imperialismo alemão: «Estados vitalmente for-
minará o coração continental; quem dominar o coração con- tes, com uma área de soberania limitada, são dominados pelo
tinental controlará a ilha-mundo; quem dominar a ilha-mun- categórico imperativo de dilatar seu território pela coloniza-
do controlará o mundo». Essa «lei» foi formulada após o ção, união com outros Estados, ou conquistas de diferentes
fim da Primeira Guerra Mundial, no livro Democratic Ideais espécies. Foi esse o caso com a Inglaterra, e é o caso com
and Reality. Nem em 1904, quando Mackinder divulgou sua a Alemanha e o Japão; como vedes, não é o instinto primi-
concepção, nem em 1919, quando a resumiu na «lei» citada, tivo da conquista, mas a tendência natural e necessária para
sua teoria suscitou maior interesse, seja nos domínios da a expansão como meio de autoconservação». C9
Geografia, seja nos da Política. Mas o fato é que se deve 67'. R. Kjellén: Der Staat Ais Lebensform, Leipzig, 1917.
a Mackinder, também, ter fundido aqueles dois campos. Tí- 1. R. Kjellén: op. cif., 4» edição, Berlim, 1924, p. 61.
69.''. YdemTv^n.
liem, p. 76.

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Ora, como vedes, é o imperialismo colocado como expan- mundo e, com esse fim, usar essa imensa fonte de poder,
são natural e justa. Claro na sorte a que ficam destinados os que lhe parece faltar no momento, a fé em tal missão». Isto,
Estados mais fracos: «Quanto mais o mundo se organizava, constante do livro de Kjellén As Grandes Potências de Nos-
mais os vastos espaços, como Estados grandes, faziam sen- sos Dias, publicado, na edição alemã, em 1914, encontraria
tir sua influência, e, quanto maior o desenvolvimento dos eco nos geógrafos germânicos e se ampliaria em dezenove
grandes Estados, menor a importância do pequeno Estado». 70 edições, seguido por outro livro, As Grandes Potências e a
Que resta aos pequenos Estados, então? Kjellén não tem ne- Crise Mundial. Morto Kjellén, em 1922, a Alemanha atraves-
nhuma dúvida: «Aos Estados pequenos parece estar reser- sava a crise consequente da derrota. Começaram a aparecer
vada, no mundo da política, sorte idêntica à que têm os po- obras de Geopolítica, assinadas não apenas por geógrafos.
vos primitivos, no mundo da cultura. São repelidos para a O mentor desse movimento ideológico que, surgindo pa-
periferia, mantidos nas áreas marginais e zonas fronteiras, ralelamente ao nazismo e das mesmas condições, com ele se
ou desaparecem».71 O livro de Kjellén, O Estado como For* fundiria, pouco adiante, seria o soldado e geógrafo Karl Haus-
ma de Vida, de 1916, foi vertido para o alemão e publicado hofer. Como militar, ele viajou pela Ásia e esteve no Japão,
em 1917, no momento em que, entrando os Estados Unidos em 1908; lutou na Primeira Guerra Mundial, passando à re-
na guerra, a derrota germânica se delineava. Definindo a serva, em 1919, como major-general. fim 1921, tornou-se pro-
Geopolítica «ciência do Estado como organismo geográfico fessor de Geografia na Universidade de Munique. Estreara,
e, significativamente, como soberania», e achando que Ratzel em livro, em 1913, escrevendo sobre o Japão, à base de sua
havia sido «o grande abridor de sulcos no solo virgem da experiência direta. Na imprensa, insistiu em trabalhos sobre
Geopolítica», Kjellén ultimava a fase em que ela abandonava o Oriente, assumindo logo a categoria de especialista. Foi em
a área da Geografia. consequência dessa especialização que apareceu, em 1924, sua
Mas sua influência no pensamento dos geógrafos ale- obra Geopolitik dês Pazifischen Õzcans. Discutindo diferen-
mães, discípulos de Ratzel, naquela fase especial, foi enor- ças entre Geografia Política e Geopolítica, Haushofer susten-
me. Entre eles estavam alguns dos nomes mais conhecidos, tava que esta era «essencialmente dinâmica» e constituía «um
como Otto Maull e Ernst Obst, a que logo outros se vieram modo de educar as massas no conceito de espaço». Assim,
juntar. 7 2 Maull considerava o Estado, ortodoxamente ratze- escrevia: «Geopolítica é a ciência que determina e condicio-
liano, como organismo espacial, e distinguia entre categorias na a evolução política ao solo». Concluindo: «Definida nes-
de Estado, os das planícies, os das montanhas, os mediter- ses termos, a Geopolítica quer fornecer os instrumentos para
râneos, os costeiros, os oceânicos. Dissertando sobre a neces- as atividades políticas e ser um guia na vida política ( . . , ) .
sidade de expansão de determinado tipo de Estado, afirmava, A Geopolítica pretende e deve se tornar a consciência geo-
com absoluta clareza, que a penetração económica exercida gráfica do Estado».
por eles era perfeito substituto da dominação territorial." Estes trechos constam de uma espécie de declaração de
Kjellén apresentara, abertamente, a «missão» da Alemanha: princípios, publicada no número inaugural do Zeitschrift fúr
«Nessa situação, a Alemanha surge como o líder mais natu- Geopolitik, fundado por Haushofer, com a ajuda de Obst e
ral, quer do ponto de vista geográfico, quer do cultural. Isto Lautensach. Paralelamente, era fundado, em Munique, o Insti-
significaria, para a Alemanha, como administradora do di- tui filr Geopolitik, também sob a direção de Haushofer. Por
reito de primogenitura, aceitar a posição de dirigente do essa época, criava-se a interdependência entre a renascente
indústria pesada alemã, os departamentos do governo, as Uni-
70. Idem, p. 74. versidades e o incipiente Partido Na/ista. Quando fracassou
71. Idem, p. 81/82.
72. Otto MaulI, autor de uma PoUti.schc Gvographie (Berlim, 1925), como, muito o putsch da cervejaria, Haushofer foi apresentado a Hitler,
mais tarde, de Das Wesen der Geopolittk (Berlim, 1935), na fase de expansão do poder
nazista, esteve no Brasil, em 1922. então preso, pelo seu ex-aluno Rudolf Hess. Hitler, preso
73. Maull escreveu o ensaio "Brasiliens geopolitische Struktur", publicado no Zcit- privilegiado, ocupava o seu tempo em ditar o Mein Kampf;
schrift fiír Geopolitik, voi. I, p. 90/100, Berlim, 1924, pouco conhecido pelos pró-
prios geopollticos brasileiros. seu capítulo IV é considerado como diretamente inspirado por
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Haushofer. O Instituí fiir Geopolitik, entretanto, prosseguia para a vida prática. Permite-lhe passar do saber ao poder,
em suas atividades, ocupando cerca de mil peritos. A Geo- quer ser a consciência geográfica do Estado». Haushofer
política ampliava-se, agora, em geojurisprudência, geomedici- afirmaria o sentido prático, no caso da Alemanha nazista,
na, geopsicologia e outras Geowissenschaften (geociências). nos termos seguintes: «Uma grande nação tem de romper de
Uma das teses du geopsicologia, por exemplo, é que a_ expe- um espaço singularmente estreito, amontoado de gente, sem
dição militar aliada contra a Rússia bolchevista, em 1919, ar fresco, um espaço vital acanhado e mutilado há um milé-
fracassara, em Arkangelsk, pelo efeito depressivo da deso- nio. . . a menos que toda a Terra se abra à livre imigração
lada tundra sobre os soldados ingleses e franceses. Muito de- dos povos melhores e mais capazes ou que os espaços vitais
pois, aproveitando a «lição», ao que se diz, o Afrika Korps, ainda não ocupados sejam redistribuídos segundo as reali-
de Rommel, era submetido a exercícios em gigantesco galpão zações anteriores e a capacidade de criar». 75 Em 1932, Hen-
aquecido, em Berlim. Pouco antes, aliás, da anexação da ning, Maull e Arthur Dix escreveram livros didáticos de Geo-
Tchecoslováquia, o Zeitschrift dedicara número especial a política. Haushofer lançava Baustein zur Geopolitik (As Pe-
esse país. dras Angulares da Geopolítica). Schmitthenner, em 1938,
Hitler ascendeu ao poder em 1933. No ano seguinte, editou o seu livro Lebensráume im Kampf der Kulturen (Es-
Haushofer foi escolhido presidente da Academia Germânica. paços Vitais na Batalha das Culturas) para, já durante a
Sua escola foi instalada em magnífico edifício, em Munique. guerra, lançar Lebensraumfragen der Võlker. Norbert Krebs
Nesse mesmo ano, Ewald Banse via seu livro Raum und editara, em 1937, as primeiras folhas do Atlas dês Deutschen
Volk im Weltkri<>,(je (Espaço e Povo na Guerra Mundial) tra-, Lebensraumes in Mitteleuropa.
duzido para o inglês e passava da Universidade de Bruns- Sem o nazismo, a Geopolítica não teria ultrapassado os
wick a chefe de seção técnica no Estado Maior do Exército limites daquilo que, com frequência, na fase de decadência
Alemão. O princípio básico pregado pelos geopolíticos, em do capitalismo, em vários campos, confunde a novidade com
todos os campos, ativamente mobilizados, era curto e fácil de o novo. Seu ingresso na área científica estaria naturalmente
gravar: «Espaço é poder». Provando que tal princípio ser- vedado. O regime, entretanto, compeliu, de forma irresistí-
vira à expansão inglesa e norte-americana, a Geopolítica ale- vel, à submissão, todos aqueles que necessitavam continuar a
mã estendeu sua influência a esses países, onde encontrou exercer, na Alemanha, atividades culturais: «É difícil dizer-
adeptos, embora nenhum nome dotado de lastro cultural ou, se como os geógrafos germânicos, em conjunto, encaravam
pelo menos, de notoriedade. 74 a situação política que, em 1933, levou Hitler ao poder. Al-
E levou àa últimas consequências os ensinamentos de guns deles, militantes da Geopolítica, conforme nos referi-
Ratzel. Otto Maull opinava que Ratzel deixara a Geografia mos, eram a favor do novo regime; outros pareciam por de-
Política em nívi-1 que «não podia bastar aos desejos da polí- mais mergulhados em discussões teóricas para se preocupa-
tica prática, despertados pelo abalo da Grande Guerra». rem com as consequências do novo governo em sua vida e
Henning, por seu lado, seria também franco: «A Geopolítica estudos. De qualquer forma, não poderiam influir; a propa-
quer fornecer materiais à ação política, quer servir de guia ganda emocional já produzira seus efeitos nocivos e a Ale-
74. Em artigo, desprovido de caráter cientifico, procurando informar sobre o tema,
manha, inclusive a Geografia alemã, começou uma nova era,
intitulado "Geopolítica", publicado em Time (Chicago, 21 de dezembro de 1942) e
transcrito no Boletim Geográfico (Eio, setembro de 1948), Joseph J. Thorndike Jr.
hesitantemente, porém sem grandes perturbações. Foi esta
chama a isso de "sistema científico Que um inglês inventou, os alemães usaram e os
americanos precisam estudar". No texto, o repórter — e disso não passa — mostra
a época sombria da Geografia germânica. Era uma época de
que Hamilton foi geopolítico, como Jefferson ao comprar a Luisiana, como Sewar, interferência e normas governamentais, de deterioração da
ao defender a compra do Alaska. E acrescenta: "Neste século, Teodoro Roosevelt mos-
profissão e de falta de vontade de protestar». 7Õ
75. In Zeitachríft fiir Geopolitik, vol. II, Munique, 1934.
76. Samuel van Valkenburg: "Escola Germânica de Geografia", in Boletim Geo-
gráfico, nl 159, Rio, nov.-dez., 1960, p. 984/986.
imperiaiiamo, evidentemente, que não tivesse sido assim.

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Esse processo de capitulação da inteligência diante da «Geografia Política é a ciência que estuda a sede e a esfera j
força se repetiria, embora jamais nas mesmas proporções. O de poder dos Estados. Sua zona de observação é d oujMJfréi
nazismo, o fascismo, são necessariamente obscurantistas, ini- da Terra, contemplada como campo de atividade das socie-
migos da cultura, pelo fermento de verdade que ela contém. dades humanas e como cenário onde se desenvolve a vida dos
Quem não capitula é perseguido: na Alemanha nazista, Phi- povo? "organizados em Estados. Ocupa-se, por conseguintèT
lippson foi recolhido a um campo de concentração; como Ley- "dãsrelaçjoes das coietividades políticas com o espaço que ha-
den, que passara à Holanda e, com a invasão desta, morreu bitam e a área de tráfico». ™ Dix, em suas posições, varia
na prisão; o mesmo aconteceu ao francês Jacques Ancel, entre o simples determinismo e a Geopolítica germânica. As-
quando da ocupação de seu país. Este cometera, em 1936, o sim, a Geografia determina o comércio: «Em grandes traços,
crime de denunciar: «a Geopolítica forneceu suas armas ao os fundamentos geográficos explicam com bastante clareza o
hitlerismo». Pagou com a vida essa verdade. Leo Waibel, co- desenvolvimento do tráfico». 80 O poder marítimo definiria o
mo outros, foi obrigado a deixar a Alemanha. Como narrou predomínio comercial: «Desde que o horizonte geográfico se
um especialista: «O expurgo racista atingiu também a Geo- estendeu à quase totalidade do Planeta, o mundo teria de cor-
grafia». Waibel era casado com uma judia, O especialista responder à nação mais forte nos mares que, enfim, rodeiam
conclui, melancolicamente: «Diferentes geógrafos tiveram de e envolvem as massas continentais, representando o meio
escolher entre ingressarem no partido ou perderem o cargo: mais cómodo de comunicação e de tráfico». S1 Os Estados,
geralmente optaram pela primeira solução». 7Y A Geopolítica para Dix e, segundo ele, «partindo da base das circunstân-
alemã teve um fim trágico, como o do próprio regime que cias económicas», seriam distribuídos_jem_Sête gruposj. «1.
a mantivera, como o do próprio Haushofer e de seu filho: E'stados de economia autónoma e independente. 2. Estados de
«O filho via com toda clareza aproximar-se e desenrolar-se superprodução agrária. 3. Estados de superprodução indus- !
a grande catástrofe da pátria. A influência da família no trial, 4. Estados de superprodução financeira. 5. Estados que
partido, que tinha sido considerável, desde a época da luta, necessitam um suplemento de produções agrícolas. 6. Esta-
foi-se extinguindo, pouco a pouco, depois de 1938 e, princi- dos que necessitam um suplemento industrial. 7. Estados que
palmente, depois da fuga de Rudolf Hess para a Inglaterra, necessitam ajuda financeira». Conclui: «Em troca, os Estados
apesar de os filhos de Haushofer, para os quais o título de do terceiro e quarto grupos experimentam forte necessidade
'ariano', do partido, não tinha sido suficiente, terem sido de- de expansão e neles figuram os países que encarnaram prin-
clarados 'arianos de honra'. A. Haushofer afastou-se de seu cipalmente a aspiração a dominar com seu influxo a política /
pai e, juntamente com outros patriotas, meditou na salvação mundial». 8 2
de sua pátria antes de sua completa ruína. Como prisioneiro É claro que a Alemanha, como os demais países impe-
da Gestapo, encontrou, porém, um fim triste, mas honroso. rialistas, estava no grupo 3 e no grupo 4. Mas Dix — que
Os seus poemas Sonetos Moabitanos, escritos na prisão, são escreve entre as duas Grandes Guerras, após a derrota ale-
um documento estarrecedor de sua trágica agonia. Mas tam- mã na primeira, portanto — torna-se mais claro, adiante:
bém ao pai, que posteriormente deixou o mundo dos vivos «O povo alemão, no entanto, não abandona seu ideal de cons-
pelo caminho do suicídio, não se poderá negar que viveu sob tituir uma grande Germânia, entre o Reno, o Vístula e o
a fatalidade de um destino trágico». 78 Danúbio. A própria natureza pareço atribuir à nação alemã
Arthur Dix foi uma das figuras mais destacadas da Geo- a missão de reunir e agrupar os países da Europa central;
política germânica. Autor de manual destinado a difundir-lhe o cumprimento dessa missão tem sido sua obra histórica, de
os ensinamentos, Dix, que ainda desenvolve seus trabalhos na acordo com a Geografia e o sentimento popular que, muitas
área da Geografia Política, define esta da maneira seguinte: vezes, assinalou o caminho às classe» dirigentes e às dinastias
70. A. Dix: Geografia Política, Barcelona, 191ÍU, p. 9.
77, Samuel van Valkenburg: art. cit,, p. 988. SO. Idcrii, p. 173.
78. C. TroU; "A Geografia científica na Alemanha„ n.10 período de 1933 a 1945" 81, A. Dix: op. cit,, 11, 157.
1960, p. 1277.
in Boletim Geográfico, Rio, n» 82 e 83, jan.-fev, de 1960 82, Idem, p. 21.

64 65
principescas». 83 Mas como é preciso travestir de ciência esse de Washington, «através de um sistema combinado de conces-
amontoado ideológico de sonhos e desejos, Dix formula algu- sões e ameaças», mas onde «o sopro das concessões deve sem-
mas «leis», isto é, alguns traços do determinismo geográfico, pre indicar a picada da força». Rematando, sem nenhum dis-
/agora gerais: «Avanço sobre a linha de menor resistência» 84 ; farce : «A força deve estar sempre presente, pronta para ser
/ «Aspiração ao domínio da totalidade da bacia hidrográfica» 85 ; usada, seja pelo processo indireto de sanções económicas,
«Aspiração a uma saída para o mar» 8 6 ; «Tendência a possuir seja pela direta explosão de bombas atómicas». Trata-se, co-
vários acessos ao mar» 87 ; «Aspiração às costas opostas» 88 ; mo se vê, de pessoa com as melhores intenções, tal como os
«Função das grandes rotas transcontinentais» 89 ; «Aspiração atuais futurólogos, profetas de catástrofes e juizes de países
dos Estados a arredondar sua esfera de domínio» 9 0 ; «Aspi- que condenam à servidão perpétua, gordos, pretensiosos e
ração à unidade nacional». 91 Obedecendo a tais aspirações, ignorantes. Encontram, por vezes, nos países satélites, políti-
seria possível justificar qualquer tipo ou forma de expansão cos que defendem a traição, achando que a soberania, hoje,
| territorial ou de prática imperialista. deve ser limitada e que as fronteiras que se devem conside-
A Geopolítica, que passara por transitório eclipse, e ape- rar não são as políticas mas as ideológicas, isto é, defendem
nas parcial, com a derrota nazi-fascista, ganhou corpo, nova- o direito de usar a canga.
mente, com a chamada «guerra fria», definindo claramente Nos Estados Unidos, sob o rótulo de Geografia Política,
seu conteúdo ideológico. Pela sua natureza e pelos seus pro- para cobrir conteúdo de clara e escandalosa Geopolítica, Ni-
pósitos, deveria acolher-se particularmente nos Estados Uni- cholas Spykman, professor da Universidade de Yale, discutia,
dos e, em proporções mais reduzidas, nos países dependentes/ em 1942, as teses necessárias, a seu ver, ao papel dos E's-
dos Estados Unidos. Trata-se, nessa nova fantasia carnava- tados Unidos no mundo: America's Strategy and World Po-
lesca, de estabelecer a naturalidade e até a necessidade da litics (Estratégia Americana e Política Mundial). Spykman
hegemonia mundial de uma grande potência, capaz de dar afirmava que, ao contrário do que pregavam alguns salva-
segurança aos povos seus tutelados e servidores e de assegu- dores do «mundo livre», os esforços no sentido da conquista
rar neles a vigência ou a continuidade de regimes políticos e preservação do poder não visavam a realização de valores
autoritários, apresentados como preservadores da «civilização morais; os valores morais é que eram feitos para a conquista
cristã e ocidental». Tais países, carentes de «ajuda», renun- e preservação do poder. Era, evidentemente, levar muito lon-
ciam, para alcançar tão alta proteção, à sua soberania eco- ge os ensinamentos de Ellen C. Semple e deformar os de
nómica e política, passando a simples fornecedores compul- Isaiah Bownan, que tratara a Geografia Política e comba-
sórios de matérias-primas, de força de trabalho barata ou tera a Geopolítica como os alemães a haviam elaborado. Re-
de ambas, a preços fixados pelos compradores. Daí a obra capitulando trabalhos editados após a Segunda Guerra Mun-
de geopolíticos como Harrison e Weigert ou de doutrinado- dial, alguém resumiria a situação da maneira seguinte: «Uma
res, já fora do campo geográfico, como Merryem, Larmeroux, verdadeira escola americana de Geopolítica está ainda para
Jessup, Lanterpath, para não falar em impostores como Ja- nascer. Mas está claramente a caminho. Este ano, cerca de
mes Burnham, economista e professor da Universidade de 1.500 cursos de Geopolítica estão sendo dados nos colégios
Nova York, autor de obra muito celebrada pela crítica, em estadunidenses. Nas Universidades, em todas as partes do
seu país e nos satélites, Struggle for the World, em quejpre- país, velhos geógrafos estão surgindo como novos geopolíti-
ga a criação de um império universal, dirigido naturalmente cos. Embora haja alguns fracos, há outros com inteligência
de primeira ordem. Entre os eminentes geógrafos que estão
83. Idem, p, 136/136.
84. Idem, p. 28. preparando o caminho para uma escola de Geopolítica ver-
85. Idem, p. 29.
86. Idem, p. 42. dadeiramente americana estão: o presidente Isaiah Bowman,
87. Idem, p. 46.
88. Idem, p. 63. da John Hopkins University; o padre Walsh, de Georgetown;
89.
90.
Idem,
Idem,
p.
p.
69.
77. i :> '
Nicholas Spykman, de Yale; Derwent Whittlesey, de Har-
91. Idem, p. 91. vard; Edward Mead Earle e Harold Sprout, de Princeton. O
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proporcionalmente a um grau de maior adversidade geo-his-
Exército tem autoridades geopolíticas capazes no coronel Wil- tórica. O mérito da doutrina de Toynbee reside em haver
liam S. Curbertson, do Estado Maior, e no coronel Herman formulado, como já dissemos, a «medida de ouro»: «O estí-
Beokema, de West Point». Derwent Whittlesey retomou, em mulo mais efetivo é o que se situa ontre a carência e o exces-
1944, com o seu livro The Earth and the State, o velho tema so de adversidade». 89
das relações entre o solo e o Estado. Seguia e aprofundava
Claro que as absurdidades da Geopolítica não definem,
teses do conhecido determinista norte-americano, E. Hunting-
ton, professor de Yale, cujo trabalho, de 1915, Civilization por si sós, o nível dos estudos geográficos, nem mesmo em
and Climate recolocou, em termos extremados, a causação do países como a Alemanha, sob regime nazista, como os Esta-
clima como condição imperativa do avanço da civilização, dos Unidos, sob as condições da «guerra fria», ou de filiais,
culminando, em 1945, com o livro Mainsprings of Civilization, como a Espanha, sob o franquismo. Os Spykman ou os Hun-
de texto enriquecido por gráficos e estatísticas, retomando e tington não são a Geografia norte-americana. Seria demais
reafirmando aquela causação. alinhar nomes de autores e de obras que nos provem isso.
Apenas a título de exemplo, convém mencionar, como Apenas a título de exemplo, convém referir as colocações de
típica, a atividade geopolítica de J, Vicens Vives, da Univer- um professor como Jan O. M. Broek, da Universidade de
sidade de Barcelona. Lastimando a derrota de seus confra- Minnesota. Sobre o determinismo: «Ninguém nega a signi-
des hitleristas, cuja posição nazista impugna, ele escreve: ficação do clima, solo, água ou características da superfície
«Foi um crasso e imperdoável erro, uma traição a si mesmos para a humanidade. Mas explicar a variedade do comporta-
e à jovem ciência que cultivavam». 82 E retoma, na Espanha mento humano simplesmente pela diferença do ambiente fí-
franquista, as teses deterministas mais comuns: «K um fato sico é uma forma de adoração do sol».100 Sobre clima: «Por
evidente, confirmado pela experiência histórica, que a hege- esse motivo, seria absurdo dizer que o clima é responsável
monia cultural e política não se manteve no mesmo lugar pelas plantações de laranjas da Flórida ou pelos recantos de
desde as origens da civilização. Existe uma real marcha des- esquiagem na Nova Inglaterra. O clima vem sendo o mesmo
sa hegemonia das zonas temperadas subtropicais e meridio- há muito tempo, constituindo apenas um fator permissivo.
nais para as zonas frias e úmidas do norte ( . . . ) . Da mesma O americano moderno age como quer, embora sempre den-
maneira que cada espécie vegetal e animal conta com uma tro das limitações da estrutura sócio-econômica».m Ainda
zona ótima biológica, em redor da qual se pode traçar uma1: sobre clima: «Um bom exemplo de mito geográfico é a
auréola de possibilidades decrescentes, a espécie humana en- crença popular nas Zonas Frígida, Tórrida e Temperada,
contra, para seu adequado florescimento na superfície terres- originalmente desenvolvida pelos gregos antigos. Foi, essen-
tre, zonas ótimas. Estas obedecem a fatores climatológicos cialmente, uma divisão da Terra segundo a sua exposição
precisos, entre os quais figuram, em primeiro lugar, a umi- aos raios solares». m A respeito da influência da Geografia
dade e o tipo de tempo». 93 Aquilo que o geopolítico alemão A. no conhecimento da sociedade: «Outra concepção errónea, ain-
Dix denominava «aspirações», Vives denomina «estímulos» e da comum entre os leigos, é que a finalidade da Geografia é
alinha-os, dissertando sobre a necessidade de cada um: «Estí- descobrir como o ambiente físico (ou natural) determina,
mulos das comarcas mais duras» 9l1 ; «Estímulos das novas ou, pelo menos, condiciona o comportamento humano». 103 A
pátrias» 9 G ; «Estímulos dos choques» 3 6 ; «Estímulos das pres- posição de Broek nos restitui ao terreno da Geografia. Sua
sões»" 7 ; «Estímulos das punições». 98 Concluindo: «Os estí- condenação do determinismo é idêntica à de todos os geógra-
mulos a que acabamos de nos referir não se desenvolvem fos dotados de um mínimo de noção de ciências sociais.
92. J. V. Vives: op. cit., p. 6. 99. Idem, p. 94.
93. J. V. Vives: op. cit,, P. 95/96 e 98. 100. J. O. M. Broek: Iniciação ao Estudo da, Geografia, 2» edição, Rio, 1972, p. 32.
94. Idem. p. 90. 101. Idem, p. 38/89.
95. Idem, p. 90. 102. Idem, p. 70.
96. Idem, p. 91.
97. Idem, p. 92. 103. J. O. M. Broek: op. cit,., p. 106.
98. Idem, p, 98.

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fel!;
A Geopolítica, denunciada cedo por Demangeon e_ por é largamente responsável pela catástrofe da Alemanha atual,
Jacques Ancel, na França, antes da Segunda Guerra Mun- e não foi sem razão que o seu principal representante, o ma-
dial, já com o nazismo instalado na Alemanha, não passa de jor-general Karl Haushofer, em 1945, suicidou-se, na idade de
singular deformação que geógrafo algum de responsabilida- 78 anos! Os seus principais sequazes eram mestres-escolas,
de e autoridade aceita sequer considerar. É como a definiu calouros de Universidades, jornalistas e, naturalmente, os di-
Pierre George: «A pior das caricaturas da Geografia apli- rigentes do Partido Nacional Socialista. Todos foram atraí-
cada da primeira metade do século XX foi a Geopolítica, dos pela sua linguagem mística, suas palavras de ordem e sua
justificando, autoritariamente, qualquer reivindicação territo- fraseologia oca, sem apreender a sua pouca ciência, a sua caça
rial, qualquer «pilhagem», por pseudos-argumentos científi- de efeitos e sua incapacidade de pensar clara e logicamente.
cos». 104 Pertenceria a um geógrafo alemão, que o Brasil co- Ele tinha muito poucos seguidores, entre os geógrafos ale-
nheceu, Leo Waibel, colocar o problema em seus mais adequa- mães, conforme escreveu, recentemente, Karl Troll, e a maio-
dos termos. Waibel apreciou, preliminarmente, o problema do ria destes concordava com as críticas dirigidas pelos geógra-
determinismo: «Entendemos por determinismo geográfico o fos franceses contra a Geopolítica».10G Esta a palavra auto-
conceito de que os elementos da Geografia Humana sejam rizada, séria, científica, a respeito da Geopolítica e do que
determinados principalmente pelos fatores naturais, ou me- representou no regime nazista. Porque o regime é que a colo-
lhor, físicos. Este conceito foi introduzido na Geografia por cou em primazia, deu-lhe foros de ciência oficial, consagrou
Friedrich Ratzel. Em contraste com esta filosofia materia- seus princípios como verdades. Daí a conclusão de que a Geo-
lista, Vidal de Ia Blache, na Franca, e Alfred Hettner, na política é a Geografia do fascismo.107
Alemanha, afirmaram que os fatores físicos não exercem in-
fluência determinativa e que a consideração de tais fatores
pode chegar somente à «possibilidade». A decisão cabe ao
homem, ao seu wttágio de desenvolvimento, ao poder da sua
vontade (que é forte) e ao espírito. Esta é a filosofia geográ-
fica que, hoje em dia, é geralmente aceita, na França e na
Alemanha, ao pa«so que, nos Estados Unidos, devido à in-
fluência de Ellen Semple, discípula de Ratzel, o determinis-
mo geográfico ainda é aceito e ensinado; o desenvolvimento
da Geografia alemã, nos últimos 50 anos, é tão pouco co-
nhecido aqui que Friedrich Ratzel, que faleceu em 1906,
ainda é considerado a última palavra da geografia alemã, e
a fama do meu mestre Alfred Hettner ainda não atingiu o
Brasil».
Posta em questão a Geopolítica, tendo Waibel sido acusa-
do de não ter querido se «elevar até o plano geopolítico do
problema» 105, responde, e nessa resposta está a qualificação
da Geopolítica: «Mais uma vez, ele errou; o que eu não
quero é rebaixar o meu padrão profissional ao nível de um
geopolítico! Para os geógrafos alemães, a palavra Geopolitik 106. Leo Waibel: "Determinismo geográfico e Geopolitloa", in: Boletim Geográfico,
n» 164, Elo, setembro-outubro de 1961. Waibel foi provavelmente o mais destacado
tem sabor amargo. A Geopolítica é aquela pseudociência que geógrafo a trabalhar no Conselho Nacional de Geografia. Este foi o único de Beus
artigos publicados no Brasil não recolhido ao seu livro Capítulos de Geografia Tro-
pical e do Brasil, editado pelo IBGE. Foi reputado inconveniente.
104. Pierre George e outros: A Geografia- Ativa, S. Paulo, 1966, p. 14. 107. O juízo é do conjunto, e não de indivíduos. No Brasil, ao lado de adesões
106. Trateva-se da mudança da capital para o planalto central, com a escolha da visceradas de radicalismo político direitista, houve, também, seguidores ingénuos, sem
região para sua sede. compromisso maior.

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