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NOÇÕES PRELIMINARES

0.1. Não oferece maior dificuldade apresentar um concei-


to de filosofia, meramente operacional, que seja mais uma resposta,
espontânea, intuitiva, à questão do que se pode esperar da filosofia,
de um pensamento filosófico, em uma época cuja forma de pensa-
mento dominante é aquele técnico-científico.
Poderíamos tomar essa resposta como síntese da concepção
aqui defendida, e passar agora a desenvolvê-la, analisar seus compo-
nentes, traçando como que um círculo, tendo-a como ponto de partida
e de chegada, círculo esse em que “aprisionaríamos” a filosofia, de
modo a poder mostrá-la, tê-la exposta diante de nós. Não optarei por
esse caminho, embora devamos cruzá-lo em nosso percurso. Isso por-
que nós também ficaríamos presos ao que determinou a pergunta, de
que o conceito apresentado é uma resposta, e essa pergunta (1º) deter-
mina um esclarecimento do que seja a filosofia em relação a um só tipo
de saber, aquele designado como técnico-científico, quando aqui se
pretende captar o que seja a filosofia em geral; (2º) indaga da utilidade
do pensamento filosófico, tomando como subentendido que essa utili-
dade existe, pela evidência de que há uma utilidade do conhecimento
técnico-científico, com o qual se comparou o pensamento filosófico,
quando a utilidade desse último (e mesmo o seu caráter cognitivo, como
veremos adiante) é questionada e, inclusive, negada, seja em um sen-
tido positivo, em que essa utilidade seria um atributo desabonador,
como para os antigos filósofos gregos, a exemplo de Aristóteles, seja
em sentido negativo, como nas filosofias cientificistas contemporâneas.
Em terceiro lugar, pergunta-se o que representaria a filosofia em uma
determinada época histórica, a nossa, o que não favorece a obtenção
de um conceito que a ela se aplique em épocas passadas.
A pergunta, então, que aqui devemos formular, de molde
a permitir nos livrarmos de limitações como aquelas que viemos de

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assinalar, a fim de podermos captar o que seja a filosofia com a am-
plitude máxima desejada, só pode ser: que é filosofia?1
Ao fazermos essa pergunta, somos projetados diretamen-
te para dentro da filosofia, ou seja, somos levados a filosofar, pois,
como pretendemos demonstrar em seguida, o que teria marcado o
surgimento da filosofia seria precisamente a colocação dessa pergun-
ta sobre o Ser, sobre o Ser do que é (= os entes, as coisas) e, poste-
riormente, sobre o Ser em si mesmo considerado, como diverso do
não-Ser. A primeira dessas indagações aparece historicamente naque-
les pensadores que formaram a chamada Escola Jônica, na Grécia do
século V a. C., encabeçada por Tales de Mileto, seguido por Anaxi-
mandro e Anaxímenes, que com ela desenvolveram um estudo de
física, ao procurar estabelecer o(s) princípio(s) que governava(m) a
organização cósmica, ou, para utilizar seus próprios termos, a arkhé
da physis (donde sua qualificação como “físicos”). A segunda per-
gunta aparece no famoso poema de Parmênides e instaura um tipo de
reflexão que, posteriormente, se passará a chamar de metafísica.
Ao perguntar “que é filosofia?”, como se vê, somos levados
para a companhia dos primeiros filósofos, daqueles que procuraram
oferecer resposta a perguntas semelhantes, sem para isso empregar
elementos de natureza mitológica, religiosa etc. Essa possibilidade de
estabelecer um diálogo com outros pensadores a respeito do tema que
nos ocupa foi desde sempre um dos traços distintivos da filosofia.
A pergunta por “que é isto, a filosofia”, não só nos reme-
te aos primeiros filósofos, mas também a outros, bem mais próximos
de nós, no tempo e no espaço. Isso porque essa pergunta, nesses
precisos termos, foi colocada pelo grande filósofo contemporâneo
Martin Heidegger, com quem muito temos a aprender sobre ela. Por
outro lado, se dissemos que é próprio da filosofia indagar “que é isto:
um ente” e “que é que é Ser”, e se fazemos a pergunta se voltar sobre
ela mesma, a filosofia, perguntando “que é isto, a filosofia, que inda-
ga sobre que é isto e aquilo ou o que é que é Ser”, então estamos nos
propondo a “discorrer filosoficamente sobre a filosofia”.

1. Cf. nesse sentido Willis Santiago Guerra filho, Conceitos de filosofia, Forta-
leza: Casa José de Alencar, 1996, p. 19-30.

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A abordagem heideggeriana retorna ao sentido originário
da filosofia buscando as raízes, a atitude do filosofar, bem como o
seu próprio começo e fim.
Portanto, do sentido grego ela apreende o ponto de parti-
da inicial para o caminho de uma discussão acerca da filosofia. Há,
nesse sentido, uma ligação nomeada pela palavra filosofia ao seu
diálogo, que se dá em relação a uma tradição historial. Assim, a
questão acerca da filosofia é carregada de historicidade e não sim-
plesmente de cunho histórico, ou seja, carrega em si um destino,
nosso destino, uma questão historial de nossa existência.
A filosofia se insere, nesse sentido, na perquirição da
procura do que é o ente, enquanto é; ela está a caminho do ser do
ente, do ente sob o ponto de vista do ser. A pergunta sobre a filosofia
nos leva para uma resposta filosofante que se inicia e se abre no diá-
logo com os filósofos, portanto a resposta à filosofia é muito mais a
co-respondência que corresponde ao ser do ente.
Com isso podemos afirmar que, na verdade, não encon-
tramos a resposta da questão o que é a filosofia através de enunciados
históricos sobre as próprias definições da filosofia, mas através do
diálogo com aquilo que nos foi transmitido como ser do ente.
Nesse momento, podem-se notar certos atributos da filo-
sofia que a distinguem claramente da ciência — pelo menos tal como
tradicionalmente é praticada: (1º) sua reflexividade, o que significa
que ela, a filosofia, se coloca como objeto a ser conhecido por ela
própria, e, talvez como conseqüência da colocação de um problema
dessa natureza, aquilo que se pode denominar como (2º) sua circu-
laridade, para indicar o fato (apontado exemplarmente por Karl
Jaspers, em obra de introdução à filosofia) de que não há, em filoso-
fia, como há na ciência, um “progresso do conhecimento”, pois
sempre se volta às mesmas questões, que em tempo e lugar diferentes
requerem respostas diversas, sem que, por isso, perca-se o interesse
pelas respostas dadas pelos filósofos de outros tempos e lugares;
muito pelo contrário, pois dessas respostas, ao se recolocarem as
perguntas que a suscitaram, extraem-se esclarecimentos antes ainda
não percebidos.
O incluir até a si mesma como objeto de estudo indica
outra característica da filosofia, sempre lembrada por quem a pratica,

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que se pode nomear como uma busca da totalidade das explicações,
isto é, de a tudo pretender explicar, numa investigação globalizante,
ao contrário da ciência, com sua marcada tendência à especialização
(e conseqüente fracionamento) do conhecimento. Finalmente, vale
destacar que, por essa circunstância de a filosofia colocar a si mesma
como uma questão para ela resolver, ela assume um caráter aporéti-
co, pois as aporias, tal como aparecem no pensamento dos filósofos
pré-socráticos da Escola Eleática (Xenófanes, Parmênides e Zenon),
são questões que têm a si mesmas como objeto, donde não se poder
realmente solucioná-las: dizer que se chegou a essa solução se asse-
melha à bravata do Barão de Münchhausen, que teria conseguido voar
puxando a si mesmo pelo próprio cabelo... Daí ser a única “saída”
para resolver uma aporia — que, etimologicamente, é a pergunta sem
(a) saída (poros) — decidir por uma das possíveis soluções, encer-
rando o questionamento ad infinitum, em determinado momento2.
Como o esclarecimento do que seja a filosofia é uma das
questões que mais têm ocupado aqueles que a ela se dedicam, poden-
do-se ver nesse fato um dos principais traços distintivos dessa disci-
plina ou forma de conhecimento de outras, anteriores e posteriores a
ela, isso lhe confere um caráter aporético. E esse questionamento que
tem a si próprio (também) como objeto, as aporias, já nos mostraram
os seus descobridores da Escola Eleática, quando não leva a soluções
paradoxais, permanece irresoluto. Apesar disso, não se podem deixar
de enfrentar questões aporéticas, e a simples tentativa de resolvê-las
já poderá ser bastante instrutiva. Quando de uma dessas questões,
porém, depende uma série de outras, que já não seriam aporéticas,
então elas terminam, de uma forma ou de outra, sendo resolvidas ou
dadas por resolvidas.
Com isso se pretende evidenciar a natureza dogmática da
filosofia, de toda(s) ela(s), pois dogmas são opiniões transformadas

2. Cf. Tércio Sampaio Ferraz Jr., A filosofia como discurso aporético, in A filo-
sofia e a visão comum do mundo, em colaboração com Bento Prado Jr. e Oswaldo
Porchat Pereira, São Paulo, 1981; Pragmatische Begründbarkeit von Rechtsnormen,
in: Archiv für Rechts und Sozialphilosophie (ARSP), n. 65, Stuttgart, 1979, p. 223 e
s., esp. p. 225-6.

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em respostas indiscutíveis do que não se pode responder definitiva-
mente: as aporias, e a filosofia só pode ser praticada com base numa
concepção do que seja fazer isso, filosofar, o que por sua vez é um
fator determinante do conteúdo e resultado desse filosofar. Atribuir
uma tal natureza à filosofia, note-se bem, não é o mesmo que conde-
ná-la ao dogmatismo, o que só acontece quando há a recusa em
discutir os dogmas, tornando-os imunes à crítica. Um passo impor-
tante para prevenirmo-nos do dogmatismo em filosofia seria justa-
mente essa assunção do caráter dogmático da filosofia, em vez de
tentar mascará-lo, insinuando possuir uma resposta verdadeira onde
se erige um dogma3.
Importa, então, reconhecer também o conhecimento filo-
sófico como fundamentalmente conjetural4, o que deflui já da cir-
cunstância de qualquer empreendimento em filosofia, seja em que
campo específico for (ética, epistemologia, estética etc.), depender
de um quadro conceitual fornecido pela metafísica ou “ontogno-
seologia” (Miguel Reale), ao se ocupar da questão do que é o Ser por
trás dos fenômenos que percebemos.
Uma tal problemática escapa completamente da possibi-
lidade de um tratamento científico, por faltar-lhe referenciais empí-
ricos, o que a torna integrante de um domínio inacessível à crescente
cientifização do conhecimento. Apesar disso, ou mesmo por isso, não
se pode simplesmente desprezá-la, considerando-a irracional e ab-
surda, pois ela diz respeito ao que há de mais fundamental, à nossa

3. Com apoio em Husserl, pode-se dizer que a estrutura dogmática é a única


alternativa que se apresenta a quem não pretende cometer o suicídio filosófico do
ceticismo. Cf. Philippe van den Bosch, A filosofia e a felicidade, São Paulo, 1998,
p. 14, texto e nota, e 256.
4. Para Platão, conjectura é o menor grau de conhecimento sensível, aquele que
tem por objeto as sombras e as imagens das coisas, assim como a opinião, no mesmo
grau sensível, tem por objeto as próprias coisas (Rep., VI, 510 e 511). Nicolau de
Cusa retomou essa palavra para indicar a natureza de todo conhecimento humano,
que, como conjectura, seria um conhecimento por alteridade, isto é, que remete ao
que é outro, à verdade como tal, e só por essa razão está em relação com a verdade
e dela participa (De Conjecturis, I, 13). Cf. Nicola Abbagnano, Dicionário de filo-
sofia, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 184.

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forma de conceber a realidade e conhecê-la, o que não deixa de in-
fluenciar, imperceptível e decisivamente, a própria ciência, ou melhor,
a sua prática. Demarcar até aonde vai o conhecimento de natureza
científica e o que pode ser objeto dele, distinguindo o começo daque-
le domínio meta (grego, “após”) físico (= empírico), é já algo tipica-
mente metafísico, enquanto determinação de um princípio (e, logo,
também de um fim), variação da pergunta básica sobre o que é (o
Todo) e o que não é (o Nada).
Essa propriedade de constituir o objeto de conhecimento
no processo de conhecê-lo, que já assinalamos como especificamen-
te filosófica e denominamos aporética, indica como é essencial o
papel desempenhado pela imaginação criativa, o que aproxima o tipo
de conhecimento produzido pela filosofia daquele transmitido pela
arte geral e, particularmente, pela literatura, por se valer do meio mais
empregado na realização filosófica: a escrita.
Pode-se, então, afirmar que o mesmo significado que a
techné possui para a ciência, tem a poiesis para a filosofia, o que
ajuda a entender o valor gnoseológico tanto da filosofia como da arte.
Ambas podem ser associadas ao esforço humano para compreender
a si e ao mundo, enquanto a ciência se ocupa com a explicação da
realidade fenomênica, o que ajuda a alcançar aquela compreensão,
mas não é suficiente. O caráter racional e objetivo de uma explicação
científica para determinado fenômeno não pode ser atingido quando
se trata de uma compreensão do significado desse fenômeno (digamos,
a Morte) no contexto global de nossa existência, do estar no mundo.
A compreensão permanece sempre pessoal, e não faz sequer sentido
pretender que ela seja verdadeira. Na medida em que se procura
comunicá-la, porém, ingressa-se naquela dimensão intermediária
entre a subjetividade e a objetividade, a dimensão da intersubjetivi-
dade, onde se estabelece uma ligação entre o que se vivencia indivi-
dualmente e a experiência compartilhada com os demais, o que é
possível pela existência de “formas de vida” (Ludwig Wittgenstein),
comum a todos, do que faz parte, por exemplo, a linguagem.
A filosofia, portanto, não pode elaborar assertivas com a
pretensão de serem verdadeiras, mas também não deve limitar-se a
emitir meras opiniões, tornando-se “filodoxia”5 — termo cunhado

5. Cf. A. Lalande, Vocabulaire technique et critique de la philosophie, 10. ed.


Paris: PUF, 1968, p. 771.

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por Kant para designar, pejorativamente, uma forma de diletantismo
intelectual, que se satisfaz com apenas suscitar problemas filosóficos,
sem chegar a solucioná-los de forma universalmente aceitável —,
solipsismo, uma “questão de gosto”, livre de qualquer parâmetro
racional de avaliação dos seus resultados, capaz, por exemplo, de
determinar quando se chega à compreensão almejada. Dizer que isso
ocorre quando as proposições filosóficas forem convincentes é trans-
formar a filosofia em pura ideologia. O objetivo não é convencer,
persuadir, dissuadir, mas, sem dúvida, é preciso atingir um certo padrão
de satisfatoriedade para assim obter a concordância, o assentimento
de outros sujeitos e, em tese, de todos aqueles dispostos a se entregar
com a mesma radicalidade à empresa, à aventura filosófica.
A compreensão ocorrerá, então, quando houver uma co-
munidade, um consenso na forma de apreender, de interpretar algo
em suas relações com uma totalidade, o que vai depender basicamen-
te do modo de apresentar a compreensão atingida, dando razões para
ela do maior número possível de pontos de vista: ético (a forma de
compreender que se sugere é benéfica), estético (ela é também agra-
dável aos sentidos), científico (não entra em contradição com resul-
tados de investigações empíricas, chegando mesmo a se valer delas)
etc. Importante é ter sempre presente que não se trata de “fechar
questão” sobre o tema enfocado, mas sim de tentar estabelecer um
ponto de partida capaz de dar início a uma discussão, na qual seja
possível chegar a um acordo ao menos quanto ao que se espera ao
desenvolvê-lo.
Dentro da concepção que se está tentando esboçar aqui
sobre o que seja a filosofia importa distinguir dela uma espécie de
“ciência da filosofia”, uma “metafilosofia”, que é uma disciplina que
se ocupa de estudar não os problemas filosóficos diretamente, mas
antes as soluções que a eles têm sido apresentadas na história da fi-
losofia, ou por um filósofo, ou por uma Escola específica. Isso é o
que mais se pratica atualmente sob o pretexto de fazer filosofia, sen-
do cada vez mais raro encontrar quem se disponha a produzir filoso-
fia “de primeiro grau”, quem tenha a coragem de exercitar sua liber-

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dade de fazer isso. Ora, elaborar uma “má” filosofia é muito melhor
do que nenhuma, pois já representa pelo menos uma provocação a
que se faça uma outra, melhor. Entretanto, em vez disso, os “amantes
da sabedoria” preferem contribuir para aumentar o entendimento do
modo como determinado filósofo compreende a realidade, o que
termina por não contribuir muito mais para nossa própria compreen-
são da realidade, mas antes para se desviar disso.
Esse trabalho exegético é o responsável pelo surgimento
dos diversos “ismos” e pelo confronto que entre eles se estabelece,
tendo levado a filosofia a um afastamento tal da tarefa que lhe cumpre
desincumbir, donde já se falar, justificadamente, em seu fim.
As ciências, ao se desenvolverem, jamais poderiam tomar
esse lugar da filosofia, mas sim fortalecê-lo ainda mais, ao nutri-la
com uma massa crescente de informações, matéria bruta para ela
trabalhar. A “inibição” não se teria dado por uma causa externa qual-
quer, mas por um defeito intrínseco da filosofia, ou melhor, daqueles
que com ela se têm ocupado. Também não se venha dizer que a vo-
cação tecnológica da sociedade atualmente rejeita o projeto filosófi-
co, pois podem inverter-se os termos e atribuir à ausência da produção
filosófica requerida por essa sociedade o seu “embrutecimento”.
O “retorno para as coisas mesmas” pretendido por Husserl
e a filosofia existencial que se seguiu, a valorização do senso comum
e da linguagem ordinária na filosofia anglo-saxônica, ligada a nomes
como Moore e Wittgenstein, são indícios de uma possível reabilitação
da filosofia para atender aos reclamos de vital significação que de-
terminaram o seu aparecimento e justificam sua existência.
Culminemos, então, essa primeira aproximação à questão,
filosófica por excelência, do conceito de filosofia, com quem nos deu
uma das melhores respostas à pergunta sobre o que é a filosofia:
Martin Heidegger. “Quando é filosofante a resposta à pergunta: Que
é isto, a filosofia? Quando filosofamos? Evidentemente só quando
entramos em colóquio (Gespräch) com os filósofos. Isto significa que
discutimos (durchsprechen) com eles aquilo do qual eles falam (spre-
chen). Este mútuo discutir sobre o que sempre de novo concerne
expressamente aos filósofos como o Mesmo, é o falar, o légein no
sentido de dialégestai”. Em seguida, sublinha que “uma coisa é fixar

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e descrever as opiniões dos filósofos” — o que em outro lugar deno-
minou “ciência da filosofia”. “Outra coisa muito diferente”, continua,
“é discutir com eles o que eles dizem, isto é, aquilo acerca do qual
dizem. Estabelecido assim que os filósofos são interpelados (anges-
prochen) pelo Ser do ente, segundo o que eles dizem o que o ente seja
enquanto é, então nosso colóquio com os filósofos deve ser também
interpelado pelo Ser do ente. Nós mesmos, por nosso pensar, devemos
ir ao encontro de para onde a filosofia se encaminha. Nosso falar deve
co-responder àquilo pelo qual os filósofos são interpelados”6. Propo-
nho que tentemos essa via, a via produtora de filosofia, sem com isso
descuidarmos da “ciência da filosofia”, indo ao encontro de filósofos
e teóricos em geral, com suas produções, para construirmos nossa
própria filosofia. Antes, porém, aprofundemos a reflexão sobre o que
seja a filosofia, situando-a (e situando-nos) historicamente.
Antes de mais nada, então, isso de filosofia, que é? Con-
siste exatamente na atividade de colocar tal pergunta — “que é?”
— em relação a tudo e a todos. É a pré-ocupação com o Ser das
coisas, dos seres, ou melhor, dos “sendo”, os entes que constituem
a re-alidade (do latim res, “coisa”), na qual se encontra o ser sendo
ente humano. Distingue-se, portanto, radicalmente de outras formas
de pensamento, embora com elas sempre guarde algum ponto de
interseção, pelo simples fato de serem todas, afinal, formas de pen-
samento. Nas mitologias, os seres são deuses; na religião, em que já
existe a idéia de transcendência, o Ser é Deus. As ciências, por sua
vez, à diferença da religião e tal como as mitologias, não se “pré-
ocupam” com o Ser das coisas, mas sim ocupam-se diretamente com
elas, procurando entender o que acontece (o factum ou fenômeno)
em função do modo como elas podem ser relacionadas entre si, para
o que não precisam nem procuram saber o que elas são em si mesmas,
o seu Ser: o que importa é obter um pensamento que funcione, isto
é, que se reverta em tecnologia. É interessante notar, contudo, como
a mitologia, a religião e a tecnologia antecedem e preparam o sur-

6. Martin Heidegger, Que é isto, a filosofia?, trad. José Henrique dos Santos,
Belo Horizonte, 1962, p. 51, editado também no volume dedicado ao filósofo na
Col. Os Pensadores, da Abril Cultural.

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gimento da filosofia, e como, em seguida, esta se perde e desapare-
ce em mitologias, religiões e tecnologias. Examinemos, então, a
genealogia e a escatologia do pensamento filosófico, para buscar o
que irá sucedê-lo na tarefa capital que é a sua de afrontar questões
como aquela do sentido da existência desse ser que a questiona, o
homem.
O sentido genealógico desse exame filosófico caminha
pari passu com a proposta heideggeriana historial sobre a filosofia a
que anteriormente nos referimos. Genealogia predispõe, no sentido
em que se propõe, antes de tudo, des-ligamento do tempo histórico.
É um retorno originário, à origem, para um resgate do que se perdeu
no próprio tempo historicamente. Através dela se alcança respostas
para questionamentos de problemas e insatisfações atuais que são
frutos da própria história, são descobertos problemas que sequer eram
considerados problemas, pois estavam mascarados por seus próprios
efeitos danosos. Isso tudo remonta ao problema do surgimento da
filosofia em relação ao seu sentido questionador. Daí podermos afir-
mar a antecedência do sentido genealógico ao escatológico7 que
passa a complementar a condução desse fio de perquirição da filoso-
fia. O surgimento da filosofia e o seu sentido projetado no decorrer
da história traz também uma reflexão além da história da filosofia,
um pensamento da filosofia da história.
O problema do momento em que surgiu a filosofia parece
despropositado se tomarmos o termo em algum de seus sentidos
mais amplos, quando se confunde com o próprio esforço humano
para entender e explicar o Universo e sua existência nele. Então,
como escreve Karl Jaspers, ela brotaria “allí donde despierten los

7. Giorgio Agamben, A linguagem e a morte: um seminário sobre o lugar da


negatividade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 13-18. O autor se refere à
experiência da relação essencial entre morte e linguagem e o surgimento do pensa-
mento filosófico a partir do reconhecimento da morte. Muito relevante sobre o as-
sunto é, também, a proposta de uma análise genealógica nietzscheana em aproxi-
mação com o Direito; nesse sentido cf. Oswaldo Giacoia Jr., Nietzsche e a genealo-
gia do Direito in Crítica da modernidade: diálogos com o direito. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2005.

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hombres”8. O mesmo autor, distinguindo entre começo histórico e
origem da filosofia, identifica o impulso originário a filosofar em
múltiplas fontes: (1) seguindo lição clássica de Platão e Aristóteles,
no assombro ou admiração diante do cosmos; (2) na dúvida diante
dos resultados obtidos com as tentativas de apaziguar essa inquieta-
ção, quando se chega a duvidar até da própria existência, tal como
Descartes, ou, então, como Kant, da própria capacidade para chegar-
mos a um conhecimento seguro da essência das coisas; e ainda (3)
na comoção do homem diante de sua debilidade e impotência para
explicar a si mesmo e justificar sua existência, em face das limitações
que lhe são impostas por sua situação vital, dentre as quais avulta
aquela insuperável de sua finitude individual, sua mortalidade9. É
essa última perspectiva que privilegiam os pensadores moralistas
de todas as épocas e lugares, como Epicuro, tido como hedonista, o
estóico Epiteto, os chineses Lao Tsé e Confúcio, Buda na Índia, mais
recentemente, na tradição cristã, Kierkegaard, seus admiradores em
filosofia, adeptos da chamada filosofia existencial, como Unamuno
na Espanha, além do próprio Jaspers, J. P. Sartre e, modus in rebus,
Ortega y Gasset e Heidegger, em quem mais nos inspiramos para a
concepção ora exposta.
Considerada nesse sentido amplíssimo, a filosofia existiu
desde sempre entre os homens, assim como existiria nas tribos do Alto
Xingu. Por outro lado, também em um sentido amplo, todo mundo
tem uma “filosofia”, a sua filosofia de vida, que seria uma “filosofia”
elaborada pelo senso comum, a qual, inclusive, foi bastante privile-
giada no pensamento de filósofos10 (?!) recentes, como G. E. Moore,
na Inglaterra, ou Oswaldo Porchat, no Brasil, confrontados pelo beco
sem saída e pelo grau de insatisfação alcançado pela filosofia em nossa
época. E é essa filosofia que naufraga, a filosofia e esse naufrágio, o

8. Introducción a la filosofía, México-Buenos Aires, 1953, p. 8.


9. Cf. id. ib., p. 15 e s.
10. Interessante nesse sentido é a contribuição de Will Durant em obra cujo tí-
tulo original em inglês é The Mansion of Philosophy e cuja tradução em nossa língua
por Monteiro Lobato ganhou o título Filosofia da Vida, a nona e última parte da obra
se ocupa justamente da questão sobre a vida e a morte e indica um caminho entre a
indagação do pessimismo e da felicidade. Cf. Will Durant, Filosofia da vida, 11. ed.,
trad. Monteiro Lobato, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959, p. 455-457.

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que aqui se questiona — logo, não qualquer filosofia, qualquer forma
explicativa ou qualquer esforço explicativo que se apresentem como
tal, mas uma certa e determinada filo-sofia: ânsia, vontade, desejo de
saber. Importa, assim, para diferenciar as “filosofias”, e a filosofia
das diversas formas de saber — o mito, a religião, a arte, a ciência
e o próprio senso comum —, determinar o objeto do desejo que im-
pulsiona o homem a forjar um saber sob cada uma dessas formas, ou
seja, o que ele quer saber com elas.
Grosso modo, o mito — no que se assemelha à arte
— procura explicar a realidade pela criação de uma supra-realidade;
a religião, por sua vez, ocupa-se com a realidade incriada e criadora,
a que chamamos divindade; a ciência, conforme já referido, procura
(e quer) mostrar como as coisas causam e são causadas umas pelas
outras; o senso comum, como indica o próprio sentido da expressão,
pretende explicar as coisas do modo usual como elas nos são expli-
cadas, por comum, tácito e consensual acordo.
Radicalmente diverso é o impulso que conduz à filosofia,
pois ele pressupõe uma frustração com o que se consegue como ex-
plicação, pelos esforços precedentes, realizados no mito, na religião,
na ciência e no senso comum. Recorremos a ela quando não nos
contentamos com o recurso a elementos externos e imponderáveis
para explicar as coisas, nem apenas com estabelecer uma relação de
causa e efeito entre elas e, muito menos, com uma ordem tradicional
e cotidianamente estabelecida, pois, como ensinou Heidegger em
suas lições introdutórias à metafísica, filosofar é um questionar ex-
tra-ordinário (außer-ordentliches)11, para além da ordem estabelecida
das coisas.
A primeira vez que teria surgido um questionamento
“extra-ordinário”, uma posição “hetero-doxa”, ou seja, uma opinião
(doxa) diferente (hetero), filosófica, seria no século VI a. C., numa
colônia grega na Ásia menor, em região então conhecida como Jônia.
Quem o teria expressado chamava-se Tales, de Mileto, uma cidade
jônica. Um político, ocupado com as ciências embrionárias então
existentes, tais como a astronomia e a geometria, e — o que é mais

11. Cf. Introduction a la métaphisique, Paris, 1958, p. 20-1.

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importante para que se tornasse o primeiro filósofo — descrente da
mitologia religiosa, então dominante. Isso é o que penso se poder
inferir de uma das poucas frases de sua autoria que chegaram até
nós: “Tudo está cheio de deuses”. Para mim, ela soa irônica e cética,
quando cotejada com um outro dito seu, aquele que resumiria seu
pensamento: “Tudo é água”. Ou ela ou os deuses. Se tudo está cheio
deles, e daí? Que importa, mesmo se assim for? Isso não me explica
nada, não elucida nada. Há que se buscar o fundamento que comanda
toda a organização do caos, isto é, o cosmos, onde se inclui o mundo
e, nele, o homem, junto com todas as coisas, tudo o que for. A esse
fundamento os “filósofos” gregos da época de Tales12, os chamados
“pré-socráticos” — e, em certo sentido, “pré-filosóficos”, embora já
filósofos, assim como nós estaríamos numa época “pós-filosófica”,
embora ainda possamos ser filósofos — denominavam arkhé, sendo o
que em última instância buscavam determinar, por ser esse o princípio
que tudo determinava. Já a totalidade cósmica, o conjunto de tudo o
que fosse, sujeitos e objetos, os entes (em alemão, die Seienden, em
francês, les étants, o que seria melhor traduzido pela palavra “sendos”,
inexistente em português, mesmo no jargão filosófico, pois “ente”
teria o duplo defeito de ter sido derivado de “estar”, e não de “ser”,
e também de ter como modo o particípio, quando o gerúndio é mais
adequado), denominavam physis.
Para Tales, portanto, a água é o fundamento a tudo subja-
cente, o princípio que preside desde a formação até as transformações
do Universo, a arkhé da physis, integrante de sua própria estrutura
(física), de sua matéria ou substância. E ele tinha razão. Pela primeira
vez alguém “teve razão”, ou melhor, “deu razões” para o que afir-
mava, apresentou uma fundamentação justificadora. Aliás, mesmo
hoje, tempo de valorização do conhecimento mais aproximado da
verdade, não erraria quem dissesse que o elemento que predomina
na composição química do homem e do mundo é a água.

12. Tales, como informa Diógenes Laércio, em sua obra Vidas ilustres, era um
dos chamados “sete sábios” da Grécia. Logo, seu conhecimento era uma “sabedoria”
(sophia), que os pósteros, enquanto philo-sóphos, inclinavam-se favoravelmente no
sentido de obter, ansiavam reaver.

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Pela primeira vez, com Tales, o véu com que a visão
comum e cotidiana das coisas recobre o mundo foi des-coberto,
des-velado, mas também re-velado, re-coberto com um véu mais
sutil, mais aderente, mais adequado ao que se encontra sub-jacente.
Isso porque pela primeira vez procurou-se dizer a verdade, dando
uma explicação de tudo, e ao que foi dito deu-se o nome de alethéia,
literalmente, “sem véu”13.
A fim de dar a dimensão do que foi para Tales e seus pós-
teros a nova realidade com que se depararam, i. e., o Ser, nada melhor
que a leitura da seguinte passagem da Metafísica de Aristóteles: “A
maioria dos primeiros filósofos entendiam que os princípios (arkhas)
são apenas aqueles que se dão sob a forma da substância (húles — ori-
ginalmente, ‘madeira’), pois afirmavam que (esse) princípio primeiro
e elementar de todas as coisas (i. e., da totalidade dos entes, ta onta ta
panea) é aquele a partir do qual elas existem, chegam pela primeira
vez a ser e no que terminam por converter-se quando degeneram,
permanecendo a substância, modificando-se apenas seus acidentes,
pois tal natureza se conserva sempre. Por isso, eles achavam que nada
jamais é gerado ou destruído...” (Liv. I, cap. 3, 983b).
Essa concepção é precisamente a que se pode ver expres-
sa na primeira sentença filosófica de que se tem registro, devida ao
discípulo, concidadão e sucessor de Tales, Anaximandro. De acordo
com essa sentença, o princípio dos seres, sua arkhé, seria o Indefinido
ou Ilimitado, o ápeiron, já que, nas palavras de Teofrasto, citado por
Simplício, no texto em que se conservou a sentença em apreço, do
ápeiron “advém para as coisas existentes (i. e., os seres, ta onta) o
nascimento (génesis) e nele se convertem, ao perecer”. Em seguida,
como apoio, é feita a citação da sentença de Anaximandro: “(todas as

13. Para Nietzsche, “contempla Tales a unidade de tudo o que é: e quando


quis comunicar-se falou da água!” (A filosofia na época trágica dos gregos, in Os
pré-socráticos, Col. Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 12). Já
para Heidegger, nesse momento primevo da filosofia, apresentou-se para o homem
o Ser, o que já é a verdade em si, pois seria um preconceito absurdo da metafísi-
ca supor que essa é uma propriedade dos entes (A sentença de Anaximandro, in
ibidem, p. 34).

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coisas ocorrem) segundo a necessidade (to khreón)14, pois se pagam
(didonai)15 mutuamente em acordo (díken) e16 estimativa (tísin) do
próprio Ser segundo a ordem temporal que rege as coisas (autá tes
adikías katà tèn tou khrónou táxin)”.
Observa-se, na forma como se expressou Anaximandro
para descrever alegoricamente o processo constitutivo da physis, sua
arkhé, o emprego de vocábulos com uma ressonância jurídica (di-
dónai, díke, tísis, adikía). Essa influência da nomenclatura jurídica
grega na formação da terminologia e, conseqüentemente, do próprio
pensamento filosófico, em seus primórdios, quando ainda carente de
meios próprios de expressão, tem sido com freqüência registrada17.
Isso não significa, porém, como se chegou a pensar, que a ordem
cósmica fosse então concebida em estreita simetria com a organização
social, apesar de o próprio termo cosmos ter tido originariamente o
significado de “reta ordem do Estado (!?) e de toda a comunidade”18.
Trata-se, apenas, da forma como os “proto-filósofos” tentavam trans-

14. A expressão to khreón é objeto de detida consideração por parte de Heideg-


ger, no trabalho apenas citado, que a traduz por der Brauch, o uso — “uso” no sen-
tido de “costume”, mas também como “usufruto”, “fruição”, “gozo”, logo, para o
gosto ou sabor, que é o sapere latino, em que derivou “saber” —, conferindo-lhe um
sentido todo especial, em que aparece como equivalente a to apéiron, aquilo que se
desdobra sem limites no próprio ser, sendo, donde vislumbrar aí o filósofo da Flores-
ta Negra, “o nome mais antigo no qual o pensamento traz o ser do ente para linguagem”
— loc. ult. cit., p. 42 —, pensamento precursor da unidade fundamental ou da “ma-
nifestação do Ser enquanto Uno unificante” — id. ib., p. 45 —, que Parmênides
posteriormente chamaria Hen, Um, e Heráclito, Logos. Já na tradição religiosa grega
falava-se em Moira, o Destino, ao qual se submeteriam homens e deuses.
15. A palavra pode ser traduzida também por “presentear”, “brindar”, pois, como
explica Heidegger, um pagamento, que é mútuo, próprio do Ser, é uma forma de
presentear, de oferenda: “Um tal brindar deixa pertencer ao outro o que lhe é próprio
como pertença. O que pertence ao que se presenta é a articulação de sua demora,
que ordena advento e desaparecimento” (ob. ult. cit., p. 38).
16. Heidegger anota que kaí seria um “e” apenas coordenativo, mas também
denotaria uma conseqüência inexorável, para o que teria sido expressamente acres-
centado.
17. Cf., v. g., W. Jaeger, Paedeia, São Paulo, 1990, p. 133 e s.; H. C. de Lima
Vaz, Filosofia no Brasil, hoje, Cadernos SEAF, n. 1, Petrópolis, 1978, p. 8 e s.
18. Jaeger, ob. loc. cit.

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mitir aos seus contemporâneos, com suas mentes tão centradas nos
assuntos da polis, o conhecimento filosófico que atingiram.
Mais do que essa denotação jurídica, porém, merece ser
enfatizada a conotação poética desses primeiros discursos filosófi-
cos, tal como foi observado já por Teofrasto, citado por Simplício,
referindo-se à sentença de Anaximandro. Este último, aliás, teria sido
o primeiro sábio grego (sóphos) a dispensar a forma versificada de
organizar seu discurso, escrevendo em prosa. E não é de estranhar
essa aliança originária da filosofia com a poesia, levando-se em conta
a tarefa atribuída ao poeta por um deles, dos maiores de nossa época,
Stéphane Mallarmé: “donner un sens plus pur aux mots de la tribu”.
Sim, porque o nomear poético confere um sentido todo próprio às
palavras, autentificando-as, de forma que elas aparecem carregadas
com a emoção que o poeta experimentou na sua experiência direta
e imediata da realidade. Cabe-lhe, portanto, compartilhar com os
demais o que sente, subjetivamente, por ser o que sentem também
em relação ao dado objetivamente, mas não conseguem expressar de
modo inteligível, intersubjetivamente.
Seria preciso, então, estar atento a essa íntima conexão
entre poesia e filosofia no momento em que surge esta última, para
bem entendê-la e, também, para saber o que dela ainda se pode esperar,
quando de seu perecimento.
O entendimento da relação entre filosofia e poesia foi bas-
tante prejudicado pelo anátema lançado por Platão contra os poetas,
ao bani-los da “República dos Filósofos”. E Platão é, por assim dizer,
o primeiro — e talvez o único — filósofo tout court, donde já se ter
afirmado, em tom jocoso — mas, mesmo assim, dando o que pensar
—, ser toda a filosofia posterior a ele (e houve alguma, propriamente,
antes dele?) algo como notas de rodapé aduzidas à sua obra.
Ocorre, porém, que, de acordo com pesquisas recentes,
essas “notas” não estariam sendo colocadas na obra platônica como
um todo. E isso não porque faltem partes dessa obra, que realmente
se teria preservado completamente, ao contrário do que se deu com
a maioria dos demais pensadores helênicos, inclusive posteriores
a Platão, como seu discípulo Aristóteles. Na verdade, do primeiro
escaparam à ação do tempo não só todos os livros de que se tem

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notícia, como também uma correspondência, privada, a chamada sé-
tima carta, na qual afirma que nunca escreveu nem jamais escreveria
uma linha sobre os assuntos que considerava mais importantes, por
não ser adequada essa forma de expressão, pública, de tais idéias, as
quais só se poderiam realmente transmitir no decorrer de um longo
convívio filosófico. Um exemplo dessas idéias seria a sua doutrina dos
princípios, referida por Aristóteles, de acordo com a qual a realidade
última é representada por dois princípios, complementares: um po-
sitivo, o “Nome do Um” (ou Bem), e o outro, negativo, denominado
“Secundidade Indeterminada”.
Assim é que, desde o princípio da década de 60, pesqui-
sadores da Universidade de Tübingen, começando por Hans Joachim
Krämer, secundado por Konrad Gaiser, até, mais recentemente, Tho-
mas A. Szlezák19, começaram a seguir o rastro desse pensamento
não-escrito, “esotérico”, de Platão, em sua obra, encontrando também
aí uma série de referências a ele. O problema de Platão com os poe-
tas, por conseguinte, não diz respeito à poesia, mas sim deve relacio-
nar-se com a “ousadia” do poeta de “falar sobre o que se deve calar”,
como dirá já em nossos dias Wittgenstein. Mas afinal esses assuntos,
segundo o próprio Wittgenstein, em um dito célebre, representam o
que há de mais importante para nós, enquanto seres filosofantes,
preocupados em compreender(-se). Então, não podemos simplesmen-
te nos esquivar deles, embora para falar sobre eles não nos sirvam as
formas usuais de discursos.
No princípio, a filosofia aparece incrustada naquela forma
de pensamento que a precede imediatamente, a mitologia, e de modo
especial quando esta vinha veiculada em poemas como a Teogonia,
de Hesíodo, que lhe inspirou as Musas.
Ainda sob a forma de poema, foi exposta a mais radical
— por ser a primeira e mais bem-acabada versão de que se tem
notícia — doutrina sobre o Ser (e o não-Ser), a de Parmênides. Ali
se podem colher expressões que retornam, com grande impacto,

19. Cf., por último, Platon lesen, Tübingen, 1993, e seu artigo no folhetim
cultural do fim de semana no Süddeutsche Zeitung, n. 59, 11/12-3-1995.

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em nossa época de consumação da filosofia, como aquela de que
“o mesmo é pensar e ser”, conclusão a que chegou Kant em sua
Crítica da razão pura, ponto de partida do pensamento de Husserl,
onde, definitivamente, o Ser (Sein) torna-se “Ser-Consciente”
(Bewußt-sein). Que “todas as coisas são nomes dados pelos homens
convencidos de que são verdadeiros” é algo com que concordariam
Wittgenstein e os filósofos da linguagem por ele influenciados. E
quando Parmênides, em seu poema, esforça-se para separar o Ser,
o que é, do não-Ser, o que não é, e diz que este último também “é”,
de certa forma antecipa Heidegger, quando ele conclui sobre o
Nada, i. e., o não-Ser é.
Nesse poema didático que é o “Sobre a Natureza” (Peri
physeos — logo, melhor traduzi-lo por “Sobre o Ser”, sendo este
entendido como a verdadeira constituição das coisas), pretende-se
ensinar “como as aparências, passando todas através de tudo, devem
alcançar a aparência de ser”20, ou seja, trata do processo de des-vela-
mento e re-velação, a que se dava o nome de alethéia, a verdade. Com
isso, busca-se estabelecer uma outra via (hodos), para além (meta)
daquela tradicional, a fim de entender e explicar a realidade. Esse
“mét(a-h)odo(s)” para chegar à verdade, portanto, necessariamente
iria contra (para) a opinião comum, a doxa, donde não poder deixar
de ser “para-doxa(l)”.
O ponto de partida de todo o pensamento de(a) verdade
é o pensamento de(o) Ser, e, quando se toma em consideração em
sua inteireza esse fato, de que o que há “é” ou de que há o “é” (és-
tin), o Ser, “um só discurso (mútos) como via (hodois) resta”, a “via
da verdade”. Ora, o que é já é completo, completamente, já que nega
o nada, negando, portanto, a própria negação, donde não admitir
qualquer limite, qualquer fim ou começo, não nasceu nem caminha
para um fim, não se movimenta em direção ao futuro, nem vem do
passado, ou seja, não será ou foi, pois é, e se é, acima de tudo, não
pode “não ser”. O não-Ser não tem nome, é inominável (anónimon),
donde nem sequer ser pensável ou dizível, pois o que se pensa e diz
é o que é — pensado (nous) e dito (logos). “Portanto”, escreve

20. Note-se a similitude com o que Husserl chama “redução eidética”.

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Parmênides em seu poema, “tudo são nomes que as pessoas estatu-
íram, convencidas de ser verdadeiro o engendrar e perecer, o ser e
o não-ser, a mudança de lugar e a variação no brilho da cor resplan-
descente”.
Apesar de ser apresentada nos manuais como antípoda ao
pensamento parmenídeo, a reflexão, cronologicamente anterior, des-
se que primeiro falou na figura do philosophós, Heráclito, preserva-
da em fragmentos de um texto em prosa, cujo título é também Peri
physeos, tem na verdade o mesmo sentido último.
Ali também está presente o sinal de alerta para uma rea-
lidade, a real e una, subjacente além das aparências contraditórias, e,
logo, a mesma ênfase em apontar a unidade essencial de tudo o que
é, o ser, e também o não-ser, que apenas parecem ser opostos no
fluxo de tudo (panta rei, panta khorei). Mas um movimento constan-
te não é diverso de uma imobilidade eterna, como bem se percebe no
frag. 84: “Transformando-se, repousa”21.

0.2. O que é ainda de se esperar da filosofia em uma épo-


ca de predomínio do pensamento técnico-científico? Uma reflexão
sistemática, em sintonia com o pensamento que outros manifestaram,
sobre temas residuais, dos quais não pode dar conta o pensamento
científico, por algum dos seguintes motivos:
(a) Por não ser matéria adequada à reflexão levada a cabo
pela ciência, em virtude do modo mesmo como esta se estrutura
enquanto forma de produzir conhecimento. Entre essas matérias
aparecem aquelas que podem ser consideradas centrais em filosofia
do Direito, envolvendo toda a problemática relativa aos valores e,
especificamente, à Justiça.
(b) Por cuidar de problemas criados para o homem pelo
desenvolvimento das ciências e técnicas delas extraídas, tais como a
destruição do meio ambiente e a produção de armas de extermínio,
que ameaçam a própria vida sobre a Terra, ou a manipulação genéti-
ca do material biológico, humano ou não, e a crescente interferência

21. Heráclito, Fragmentos, edição bilíngüe com tradução, introdução e notas


de Emmanuel Carneiro Leão, Rio de Janeiro, 1980, p. 105.

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médica na constituição natural do ser humano (inseminação artificial,
mudança de sexo, transplante de órgãos etc.).
(c) Por envolver o questionamento a respeito do próprio
conhecimento científico, das condições que o possibilitam e do bali-
zamento de seus limites, demarcando o seu território, hoje tão vasto,
mas ainda circundado (e influenciado) por outros modos de aquisição
de conhecimento, mais antigos, como a filosofia, a arte, a religião, a
mitologia e, pelo menos em (grande) parte, o direito.
(d) Por demandar uma meditação globalizante sobre o
momento histórico em que vivemos, para se poder alcançar um en-
tendimento acerca do nosso presente e dos possíveis mundos futuros
que se nos apresentam. Essa perquirição do futuro e o caráter indivi-
so de seu objeto são características reconhecidamente incompatíveis
com o pensamento científico. Vale notar, aqui, ser o desenvolvimen-
to desse ponto que fornece a “quadratura” dentro da qual se há de
desenvolver a reflexão sobre os demais.
A partir de cada um desses pontos é que se pretende indicar
direções para se trabalhar em filosofia do direito e do Estado de uma
forma que esteja à altura do momento histórico em que vivemos.
Iniciando pelo último dos pontos acima mencionados,
partiremos da pressuposição de que, na segunda metade do século XX,
ingressamos em uma fase histórica diversa daquela que Hegel, no
princípio do século XIX, chamou de moderna. Estaríamos, então,
vivendo na pós-modernidade, devido ao modo radicalmente diverso
como se organiza, econômica e politicamente, a sociedade egressa da
modernidade, com uma correlata mudança no conjunto de crenças e
pressuposições que formam a mentalidade dos que a compõem, bem
como pela natureza dos problemas que nela se apresentam, alguns dos
quais já foram referidos aqui. Portanto, compreender a modernidade
implica no entendimento do sentido que se passa a considerar sobre
a própria pós-modernidade, ou seja, compreender a pós-modernidade
pressupõe uma idéia da própria modernidade como determinante de
um paradigma através do qual se compreenda a pós-modernidade. Há,
afirma Ernildo Stein, certamente, uma consciência em torno deste
nome — modernidade — que durante uma época apenas serviu para
se fazer uma periodização dos tempos históricos e que no nosso sécu-
lo passou a ter características inteiramente diferentes, agora não se

20

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pergunta mais pela modernidade como um período histórico, mas,
sobretudo pela substância da modernidade22. Assim, com referência
ao ponto (c), tem-se a falência da idéia, tipicamente moderna, de que
o conhecimento científico forneceria ao sujeito a verdade sobre os
objetos que se colocavam diante dele, como se estivessem radicalmen-
te separados o sujeito cognoscente e os objetos cognoscidos, e fossem
estes últimos independentes das determinações das faculdades cogni-
tivas e afetivas do primeiro. Isso acarretou não só a revalorização de
formas “pré-modernas” de pensamento, como a retórica, enquanto
doutrina do discurso razoável e persuasivo, e a hermenêutica, com seu
intuito de compreender, mais do que de explicar. Deu-se também o
aparecimento de novas propostas para se trabalhar cientificamente,
enfatizando a interdisciplinariedade, o aspecto “holístico”, como o
emprego de modelos em que a oposição básica entre sujeito/objeto é
substituída, por exemplo, por aquela entre sistema/ambiente, como na
teoria dos sistemas, descendente da cibernética, forma tipicamente
pós-moderna (ou “transclássica”) de pensamento científico. Nesse
sentido, deve-se levar em conta principalmente que, originalmente, a
teoria ou “doutrina” geral do direito, Allgemeine Rechstelehre, resul-
ta de um desenvolvimento tardio do pandectismo alemão, que busca-
va abstrair as categorias empregadas no estudo do direito romano e
generalizar a validade delas para a compreensão de qualquer ordena-
mento jurídico, o que hoje não se coaduna mais com o que se pratica
em teoria do direito (Rechtsthorie) que abrange além de uma temática
de “teoria geral” como as fontes do direito, norma jurídica, etc., atin-
gindo novas e diversas formas de estudo do Direito como: teoria dos
sistemas, semiótica, lógica simbólica e matemática etc23.

22. Cf. Ernildo Stein, Epistemologia e crítica da modernidade, 3. ed., Ijuí:


Editora uniIjuí, 2001, p. 13-31.
23. Cf. Willis Santiago Guerra Filho, Teoria processual da constituição, 3. ed.,
São Paulo, RCS, 2007, p. 41 e ainda a referência de Verdross, Abendlandische Re-
chtsphilosophie, 2. ed., Wien, 1963, p. 176, 189 e Guido Fasso, Historie de la Phi-
losophie du Droit (XIXe et XXe siècles), Paris: 1976, p. 144 e s., a Adolf Merkel
como introdutor da nova disciplina. De maneira independente e paralela desenvolve-
se na Inglaterra, com Austin, a partir da obra de Bentham, uma escola Analítica, com
uma abordagem semelhante do Direito.

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Assumem maior destaque, igualmente, nesse contexto,
posturas científicas que não descuidam da inserção do conhecimento
produzido pela ciência em dada sociedade, com estruturas de poder
que determinam essa produção, tal como fazem aquelas que se apre-
sentam como críticas perante o positivismo reinante no terreno
científico. Também se podem mencionar como um signo da “mudan-
ça de paradigmas” em ciência o aparecimento e a importância cres-
cente das investigações psicanalíticas do inconsciente, o qual não se
pode deixar de levar em conta para entender concretamente o sujeito
cognoscente, que só enquanto abstração está livre de suas determi-
nações. Tais colocações fornecem indicativos para aquela que seria
a primeira tarefa a enfrentarmos em nosso estudo de filosofia do di-
reito, correspondente ao ponto (a), acima referido, que se pode qua-
lificar como um estudo de epistemologia jurídica. Neste dever-se-á
abordar, em suas co-implicações, diversos modos de conhecer o di-
reito, a começar pela própria filosofia do direito, passando pela teoria
do direito, entendida como diversa da teoria “geral” do direito, che-
gando ao questionamento de como se poderia configurar uma ciência
do direito, definindo seu objeto de estudo, e a metodologia a ser
empregada para efetivá-lo, a partir de diversas propostas a respeito.
Pode-se, então, diferenciar entre posturas analíticas, de
tradição positivista e neopositivista, sendo próprio desta última o
tratamento do direito como fenômeno lingüístico, a ser estudado por
disciplinas recentes, como a teoria da comunicação, a semiótica e a
lógica deôntica — exemplo desse tipo de abordagem se encontraria
exemplarmente na Escola Analítica Argentina, fundada por Ambrosio
Gioja, que tem no teórico Roberto Vernengo um de seus principais
representantes na atualidade —, ou por outras, não-formais, isto é,
materiais, já antigas, como a retórica e a tópica, preferidas por quem,
abandonando a postura meramente analítica, assume o caráter práti-
co da ciência jurídica, enquanto disciplina que se presta não só a
compreender, mas também, e principalmente, a orientar a conduta
humana através das normas que estuda: nessa linha se situariam jus-
filósofos como Theodor Viehweg.
A essas posturas analíticas, formais e materiais podem-se
acrescentar posturas críticas, que sugerem uma concepção da ciência

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do direito como transformadora da sociedade em que ele se insere,
bem como aquela postura que defende como legitimamente científi-
co apenas o estudo do direito na forma de uma ciência social24.
No âmbito dessa reflexão epistemológica cabe também
estudar a hermenêutica, por ser a interpretação o meio pelo qual o
jurista conhece o direito. Nesse passo, deve-se buscar situar a herme-
nêutica especificamente jurídica — cujo principal sistematizador, não
por acaso, foi aquele que com primazia defendeu a necessidade de
se constituir uma ciência jurídica, ou seja, F. C. von Savigny — em
um contexto mais amplo, no qual a hermenêutica aparece como uma
tradição filosófica extremamente antiga, que remonta aos gregos,
mantida viva em disciplinas outrora de importância capital, como a
teologia, ganhando novo impulso, após a vitória do racionalismo
cartesiano, com a tentativa de se desenvolver uma metodologia espe-
cífica das chamadas ciências humanas diversa daquela das ciências
naturais, ao que se associam nomes como os de Wilhelm Dilthey e
Max Weber. A hermenêutica vem a ocupar um lugar central no pen-
samento de filósofos contemporâneos, como Heidegger e, principal-
mente, seu discípulo, H.-G. Gadamer, ou o filósofo francês Paul
Ricouer, bem como em concepções epistemológicas “pós-modernas”,
a exemplo daquela apresentada pelo português Boaventura de Sousa
Santos, sociólogo do direito, em obra recente25. Também não se podem
ignorar os desenvolvimentos da hermenêutica nos estudos de crítica
literária, que muito bem podem refluir para o estudo do direito, não
sendo à toa que o mais recente movimento jusfilosófico nos E.U.A.
propõe uma aproximação entre o direito e a literatura. E nesse mesmo
sentido, direcionado mais diretamente à própria filosofia do Direito,

24. Nesse sentido é muito importante, no Brasil, a contribuição de Cláudio


Souto que explora o Direito como um fenômeno social e identifica uma sociologia
jurídica diante da definição de uma estrutura social do Direito. Cf. Cláudio Souto,
Introdução ao direito como ciência social, Brasília: UNB, 1971 e Ciência e ética
no direito: uma alternativa de modernidade, 2. ed., Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 2002.
25. Boaventura de Sousa Santos, Introdução a uma ciência pós-moderna, 3.
ed., Graal Editora, 2000.

23

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vale ressaltar ainda dentre esses concepções pós-modernas a propos-
ta de K. H. Ladeur sobre uma teoria pós-moderna do Direito26.
Um aspecto do direito na pós-modernidade que necessa-
riamente haverá de ser examinado é o de sua crescente procedimen-
talização. Isso significa que a natureza dos problemas que se colocam
para serem resolvidos pela regulamentação jurídica seria de um ine-
ditismo e complexidade tal que o modo principal de resolver proble-
mas jurídicos na modernidade, através da legislação, com suas normas
gerais e abstratas, feitas a partir de espécies de fatos ocorridos no
passado e para regular toda uma série indeterminada de fatos seme-
lhantes a ocorrerem no futuro, mostra-se disfuncional. Daí a neces-
sidade crescente de se desenvolver a dimensão processual do Direito,
em que há normas para permitir, em toda e qualquer hipótese, a apli-
cação de outras normas para a solução dos problemas jurídicos,
ainda que se tenha de lançar mão de normas sem uma referência di-
reta a espécies de fatos, mas sim a valores, como é o caso das normas
constitucionais consagrando direitos fundamentais, os princípios.
A compreensão da filosofia do processo se identifica com
o sentido da própria filosofia e da responsabilidade e atitude filosó-
fica que ela invoca, remetendo-nos para duas indagações, a primeira
sobre a possibilidade de contribuição de uma filosofia do Direito
Processual para a própria filosofia, e a segunda, em conseqüência e
relação com a primeira, sobre o entendimento de um período, de
certa maneira constante e vivencial, de uma crise da filosofia.
A crise da filosofia identifica uma crise em seu sentido e
da sua autonomia em relação à situação nos tempos atuais entendidos
como pós-modernos ou mesmo hipermodernos num contexto de
abertura filosófica pós-metafísica e até mesmo pós-filosófica27.
Nesse sentido se contextualiza o pensamento da filosofia
do Direito e sua crise, surgindo assim o ambiente crítico de se averi-

26. Cf. Karl-Heinz Ladeur, Postmoderne Rechtstheorie: Selbstrefernz – Selbst-


organisation – Prozeduralisierung, Berlin: Duncker und Humblot, 1992.
27. Cf. A. Castanheira Neves, A crise actual da filosofia do Direito no contexto
da crise global da filosofia: tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabili-
tação, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 7-19.

24

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guar a possibilidade de uma filosofia do Direito e não simplesmente
uma filosofia dos juristas, através da perquirição filosófica sobre a
compreensão da própria filosofia do Direito tout court em relação aos
seus aportes teóricos, práticos e acadêmicos o que nos direciona para
o sentido e o destino de todas filosofias.
Essa construção filosófica do Direito direciona tal enten-
dimento a um corpus filosófico no sentido da filosofia geral, há um
implemento filosófico do Direito através e de encontro com a filo-
sofia.
O pensamento sobre uma filosofia do Direito Processual
inaugura uma atitude em si filosófica fundante, essa fundação, esse
estabelecimento de algo novo em filosofia possibilita uma nova fon-
te, uma nova abertura de conhecimentos para a ciência jurídica, bem
entendido também especificamente a uma ciência processual, e tam-
bém essencialmente, para uma filosofia geral28.
O direcionamento e a possibilidade de uma filosofia do
Direito Processual reconhece um ambiente diferenciado de colocação
de perquirição filosófica sobre o processo, a diferenciação do estudo
filosófico do processo daquele científico, o que implica já a questão
do próprio saber científico do processo, identifica a questão filosófi-
ca pela qual se abre uma filosofia do Direito processual.
A contribuição, portanto, da filosofia do Direito proces-
sual para a própria filosofia se lança em vários caminhos a serem
percorridos, identificados e previamente encontrados no diálogo fi-
losófico.
Há um implemento prático e de aplicabilidade filosófica
através da filosofia do Direito processual que possibilita um revigo-
ramento da filosofia em geral.
Questões práticas sociais são atingidas abrindo um diálo-
go filosófico inovador possibilitando novos rumos, o que contribui
sobremaneira para uma discussão que deve visar ir além29 da manu-

28. Cf. Willis Santiago Guerra Filho, Teoria processual da Constituição, 3. ed.,
São Paulo: RCS Editora, 2007, p. 38-39.
29. O que se quer dizer, com esforços, nessa passagem é o que quisemos de-
terminar no começo da resposta em relação ao que é a filosofia na linha em que

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Teoria da Ciencia Juridica - 00125 25 4/2/2009 13:31:46


tenção do status quo filosófico, o que remete a questão à própria fi-
losofia do Direito que também assim pode ser implementada.
A filosofia geral recebe atitude e responsabilidade filosó-
fica através de uma filosofia do Direito Processual que levada adian-
te possibilita uma prática tanto filosófica quanto do Direito mais
aprimoradas de acordo com as necessidades sociais.
Isso faz aparecer também um sentido muito importante
para a teoria do Direito quanto para a teoria do Processo em razão de
ratificar o enfoque epistemológico que permeia o estudo do Direito
em relação à responsabilidade e função social daqueles que sobre ele
se debruçam.
Enfim, há uma possibilidade de potencialização da filo-
sofia geral através da filosofia do Direito Processual, tendo em vista
uma averiguação e identificação do mundo que ela (de)mo(n)stra,
assim a filosofia passa a se mostrar capaz e de maneira unívoca com
várias possibilidades de concretização de contribuir para o esclareci-
mento de questões prementes na organização da vida humana e assim
possibilitar uma atitude no sentido construtivo da práxis, como afir-
ma Manfredo Araújo de Oliveira “através da práxis, a razão se liber-
ta de sua auto-alienação na teoria”30.
Nesse ponto, tocamos em problemas cruciais, colocados
para o pensamento filosófico sobre o Direito e o Estado, na medida
em que a forma judicial de atuar o Direito passa a ter mais importân-
cia, diante da forma legislativa, exigindo maior reflexão sobre aspec-
tos processuais do direito, a ponto de se propor o desenvolvimento
de uma filosofia do processo. Também se é levado a repensar a con-
cepção tradicional sobre como se organiza o poder estatal, em que o
processo adquire maior relevância no exercício das demais funções,
além da judicial, enquanto esta última, ao mesmo tempo, passa a

Heidegger a coloca na crítica à instrumentalização da linguagem, tendo em vista sua


radicalização de uma hermenêutica existencial carregada de historicidade e que,
portanto, transforma a linguagem em centro de discussão através da idéia da destrui-
ção da ontologia tradicional.
30. Manfredo Araújo de Oliveira, A filosofia na crise da modernidade, São
Paulo: Loyola, 1990, p. 20.

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Teoria da Ciencia Juridica - 00126 26 4/2/2009 13:31:46


assumir um peso bem maior do que aquele que tradicionalmente se
lhe atribui na divisão e equilíbrio com as demais.
Nesse contexto, vale retomar um dilema, já tradicional na
moderna filosofia jurídica, entre a decisão ou a norma como forma
principal de manifestação do Direito. Importante é a contribuição da
filosofia do Direito anglo-americana para a compreensão da diversi-
dade de normas que compõem o ordenamento jurídico, sendo aqui
de se lembrar os nomes de H. L. A. Hart e Ronald Dworkin.
Também caberia, neste momento, uma reflexão sobre
como o ordenamento jurídico se estrutura enquanto sistema auto-
referencial e autopoiético, no qual se produzem normas aplicando
outras normas. O marco teórico para essa reflexão é a teoria dos
sistemas desenvolvida por Niklas Luhmann, que em seu estado atual
toma de empréstimo a noção de “autopoiese” à “biologia do conhe-
cimento” do chileno Humberto Maturana, desenvolvida sob a influên-
cia de Gregory Bateson e Warren McCulloch, em colaboração com
Francisco Varela.
Finalmente, não se pode descurar de uma possível conse-
qüência epistemológica do maior destaque assumido pela função
judicial e decisória em geral no direito, que representaria a preocu-
pação crescente com o raciocínio jurídico.
No que diz respeito ao tópico (b), acima indicado, tem-se
como exemplo do que pode ser tratado, em primeiro lugar, a chamada
“questão ambiental”, para o que se sugere a discussão do livro de
Michel Serres, O contrato natural. Inseminação artificial e aborto são
outros temas situados nesse campo que atualmente demandam uma
reflexão ética para solucionar problemas colocados para o direito.
Quanto à temática suscitada em (a), supra, surge como
tema de estudo a denominada teoria da justiça, recentemente revi-
ficada pela importante obra de John Rawls, Uma teoria da justiça.
Em correlação aos novos estudos de teoria da Justiça é importante
que se estudem os desenvolvimentos contemporâneos da chamada
“meta-ética”, em que se toma a ética como objeto de um estudo
analítico, fundamentado pelo racionalismo crítico de Popper, pela
doutrina do agir comunicativo de Habermas ou por teorias da argu-
mentação, como a de Alexy. Uma exposição sumária do status dis-
cussionis a respeito é encontrada em El constructivismo ético, de

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Carlos Santiago Nino, autor recentemente falecido, cuja obra cons-
titui um raro exemplo de repercussão no debate contemporâneo
travado no Hemisfério Norte31.
Esses estudos de teoria da Justiça e meta-ética repercutem
no tratamento de dois temas que podem muito bem ser colocados no
centro de um curso sobre filosofia do Direito (e do Estado) hoje: os
direitos humanos e a Democracia. Ambos podem ser abrangidos por
temática mais ampla, de cujo tratamento estamos necessitando mais
do que qualquer coisa, especialmente no Brasil pós-Constituição de
1988: o Estado Democrático de Direito. É legítimo esperar que a
filosofia do Direito e do Estado explicitem a significação dessa fór-
mula político-jurídica, com base na qual se deve configurar nosso
ordenamento jurídico. A simples leitura de nossa Constituição não
deixa dúvida quanto ao papel central que ocupa nessa fórmula a
defesa dos direitos fundamentais da pessoa, que seriam uma transpo-
sição, no plano do direito positivo, da problemática, comum à jusfi-
losofia e à filosofia política, em torno dos direitos humanos.
Para captar o significado do que seja o “Estado Democrá-
tico de Direito”, deve-se, ainda, levar em conta o desenvolvimento do
ideal democrático, iniciado, obviamente, na Grécia antiga e tendo
alcançado momentos de grande expressão nos pensadores que forne-
ceram a fundamentação ideológica para as revoluções na América do
Norte, França e União Soviética. Esse estudo haverá de ser comple-
mentado pelo da evolução da idéia de Estado de Direito, originária da
doutrina publicista alemã do século XVIII, com um cunho extrema-
mente formal, adequado à ideologia liberal, então predominante, para
depois vir a assumir uma conotação de Estado social e cultural de
Direito, por ocasião da República de Weimar, sob o influxo de idéias
como a de Smend, derrotada por outra concepção, não-formal e não-
democrática de Estado de Direito, a concepção nazista de um “Estado
racial de Direito”, e retomada logo após sua derrocada, para propiciar
a formação do atual “Estado Constitucional Democrático” alemão.

31. Além desses, outros autores que promovem um embate em torno da discus-
são da teoria da justiça nesse contexto, que se demonstra bastante atualizada e
produtiva, são Ronald Dworkin, Amartya Sen e Robert Nozick.

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Apontadas algumas direções que os estudos de filosofia
do Direito e do Estado podem desenvolver hoje em dia, perseguiremos
uma delas no correr desta obra, a saber, a da pesquisa em epistemo-
logia. Antes, porém, a título introdutório, pareceu-nos necessário
defini-la. A epistemologia é disciplina voltada ao estudo e ao contro-
le das condições de possibilidade e validade do conhecimento cien-
tífico. Não se confunde, portanto, quer com a gnosiologia (Erkennt-
nistheorie ou -lehre), cujo objeto é o conhecimento em geral, quer
com a filosofia da ciência (Wissenschaftstheorie ou -lehre), enquan-
to especulação em torno das hipóteses e resultados fornecidos pelas
ciências particulares. A etimologia da palavra, como de costume, é
esclarecedora: do grego, epístasthai, epi-histamai: “sich in der erfor-
derten Haltung etwas gegenüberstellen”32. Associada a logos, tem-se
como significado possível o seguinte: “estudo da posição adequada
exigida em relação a algo para estudá-lo”.

32. Hofmann, Etymologisches Worterbuch der Griechischen Sprache, 1950, p.


88. Em vernáculo: “colocar-se na posição exigida em relação a algo”.

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1
O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA JURÍDICA

1.1. A pergunta sobre o sentido do estudo do Direito como


científico pode ser respondida de, pelo menos, três maneiras, depen-
dendo do critério adotado. De uma perspectiva histórica, aqui a ser
desenvolvida, uma concepção de ciência jurídica ainda permanece
em desenvolvimento, podendo se situar o início mais evidente desse
desenvolvimento na Antigüidade Clássica, em Roma, estando o seu
acabamento ainda inconcluso. Se considerarmos a questão de uma
perspectiva estritamente epistemológica, de forma sincrônica, a-his-
tórica, adotamos um conceito de ciência que nos força a pensar que
a ciência só surgiria propriamente na modernidade, e de acordo com
esse conceito tem-se enorme dificuldade em considerar científicos os
estudos do Direito que se faziam antigamente e mesmo os de hoje
em dia. Por fim, quando o saber científico adquire a posição privile-
giada que é a sua até hoje, na modernidade, surgem esforços no
sentido de se constituir uma verdadeira ciência jurídica, com preten-
sões teóricas mais ambiciosas, diversa daquele saber prudencial e
meramente prático que é próprio do Direito. Dentre esses esforços,
merece destaque, pelo pioneirismo, aquele realizado no âmbito da
Escola Histórica do Direito, na Alemanha, no século XIX, liderada
por Friedrich Karl von Savigny e o da chamada Escola de Viena, no
século XX, capitaneada por Hans Kelsen.
A expressão “ciência jurídica” é relativamente recente,
constituindo uma criação da chamada Escola Histórica do Direito,
surgida na Alemanha no século XVIII. Entretanto, a primeira gran-
de elaboração teórica do Direito deve-se aos romanos, que incorpo-
raram para isso as categorias forjadas pelos gregos para o conheci-
mento em geral.
O modo de produção da vida social na Roma antiga
determinou o aparecimento da necessidade de elaboração de um
sistema jurídico complexo, sem levar em consideração o fato de

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Teoria da Ciencia Juridica - 00131 31 4/2/2009 13:31:47


essa prática constituir uma técnica ou uma ciência — “os romanos
nunca levaram muito a sério a questão de saber se sua atividade era
uma ciência ou uma arte”33. A jurisprudentia, termo designativo da
atividade jurídica em Roma, recebia, indistintamente, os mais di-
versos qualificativos: ars, disciplina, scientia ou notitia. Seu centro
gravitacional era uma noção que está contida na própria palavra: a
prudentia.
A questão do caráter científico do Direito romano tem
como pano de fundo a teoria da ciência vigente na época, que era
grega por excelência. Aristóteles concebia a ciência como o conhe-
cimento da coisa como ela é, ou seja, o conhecimento de sua neces-
sidade, de suas causas e relações. Assim, naquela época, conheci-
mento científico era aquele de validez universal e que captava a
essência dos fenômenos. Os instrumentos desse conhecimento, como
para os positivistas de ontem e hoje, eram a lógica formal e a ma-
temática.
O filósofo grego apenas citado, ao mesmo tempo, refere-
se à prudência como o conhecimento ético e pragmático, ou seja,
aquele referido ao valor e à utilidade das coisas, destinado a apreen-
der, na mutabilidade constante em que se acham envolvidas, um
padrão para avaliar a correção e a justeza do comportamento huma-
no. O instrumento básico da práxis prudencial seria a dialética,
técnica para confrontar opiniões contraditórias, captando-lhes as
verdades parciais e pondo os falseamentos a descoberto pelo exer-
cício da retórica, pois “o que é verdadeiro e naturalmente superior
presta-se melhor ao silogismo (da dialética) e é mais fácil de persu-
adir” (pela retórica)34.
Assim como a dinâmica jurídica, em Roma, era regida pela
arte retórica e pelas técnicas dialéticas herdadas da Grécia, também a
estática — recorrendo à contraposição notabilizada por Kelsen, em sua
Teoria pura do direito —, responsável pela construção dos conceitos
que até hoje nos ensinam, como os de actio in rem e actio in perso-

33. Cf. Tércio S. Ferraz Jr., A ciência do direito, São Paulo, 1977, p. 19.
34. Aristóteles, Arte retórica, cap. 19, n. IV, 12, in Arte retórica e arte poética,
Rio Janeiro, s/d, p. 33.

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nam, jus publicum e jus privatum, res corporales e res incorporales,
era informada pela própria gramática grega35.
A conjunção desses fatores autoriza-nos a considerar
científico o estudo do Direito já em Roma, desde que se tenha uma
concepção ampla do que seja ciência, enquadrando-a em uma pers-
pectiva histórica, como faz a moderna epistemologia não-positivista.
Tratava-se de um saber prático, guiado por um método próprio, ade-
quado a seu objeto, dotado de um senso de rigor na construção de sua
terminologia36 e mesmo de uma intuição para atingir a veracidade por
intermédio da retórica.
Essa disciplina peculiar, a retórica, “não é ciência, nem
puro empirismo; não se funda no geral, mas no que se produz as mais
das vezes; não é prática, ou seja, não influi no comportamento geral
da vida; nem é teorética, isto é, não tem por objeto a essência. É
poética, visto que formula as regras da criação”37. Dá, portanto, ao
Direito romano o caráter de algo que o jurista “não se limita a aceitar,
mas constrói de modo responsável”. Esse é um aspecto essencial do
Direito em qualquer época histórica. Na jurisprudentia “está presen-
te, de modo agudo, a problemática da chamada Ciência prática do
saber que não apenas contempla e descreve, mas também age e pres-
creve”38. Eis o principal traço distintivo da ciência jurídica, que ju-
ristas imbuídos de uma concepção de ciência baseada na racionali-
dade matemática tentam apagar, sem se darem conta de que com isso
inviabilizam a ciência adequada ao estudo do Direito, afastando-se o
método apropriado ao seu objeto, como exige a práxis jurídica na
convivência social.

35. Tércio S. Ferraz Jr., ob. cit., p. 19-20.


36. “A ciência não é outra coisa que uma língua bem feita”, disse Taine. Atribuir
importância à construção terminológica para que uma ciência se constitua é algo
extremamente valorizado, pelo menos desde a ascensão do positivismo lógico. Para
um exame da escola em relação ao Direito, cf. Hernandez Gil, Metodología de la
ciencia del derecho, Barcelona, 1977, v. 2, cap. IV.
37. J. Voilquim e J. Capeele, Introdução, in Aristóteles, Arte retórica e arte
poética, cit., p. 22.
38. Tércio S. Ferraz Jr., ob. cit., p. 20 e 21.

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1.2. Ocorre com o Direito o mesmo que se dá com a His-
tória. Tanto nesta como naquele usa-se, indistintamente, igual nome
para designar o objeto de estudo e a ciência que o estuda. Assim como
o objeto da história é a História, o objeto da ciência jurídica é o Di-
reito. Este é por natureza um objeto multifacetado, donde a necessi-
dade de uma “divisão de trabalho no estudo do Direito”39.
Em sentido estrito, a ciência do Direito teria por objeto o
sistema de normas jurídicas que compõe determinado ordenamento
jurídico positivo, constituindo, assim, a Dogmática Jurídica.
A palavra “dogmática” pode trazer à lembrança significa-
dos distintos daquele da expressão acima. Primeiramente, dogma, na
linguagem comum, são aquelas “verdades” religiosas postas acima
de qualquer questionamento por parte dos simples mortais, isentos,
portanto, da necessidade de justificar racionalmente sua validade.
Para Kant, dogma seria uma proposição diretamente sintética que
deriva de conceitos e como tal distinta de uma proposição do mesmo
gênero, derivada da construção dos conceitos, que é um matema; em
outros termos os dogmas são “proposições sintéticas a priori de na-
tureza filosófica, ao passo que não poderiam ser chamadas a propo-
sições do cálculo e da geometria”40. Já para Cícero e Sêneca o termo
se configurava como juízo, decisão, decreto de ordem, indicando
assim as crenças fundamentais das escolas filosóficas e para indicar
as decisões dos concílios e das autoridades eclesiásticas sobre as
matérias fundamentais da fé41. Já o dogmatismo, como postura dian-
te do problema gnosiológico, é a confiança ingênua na capacidade
da razão humana para conhecer a realidade sem precisar de maiores
ponderações, ou seja, duma análise mais acurada42. Esses significados
da palavra não correspondem àquele da dogmática jurídica, embora
não sejam totalmente desvinculados. Como assinala Karl Popper, em

39. Cf. Francisco Uchoa de Albuquerque, A divisão do trabalho no estudo do


direito, Rev. do Curso de Direito, v. 20, Fortaleza, 1979, p. 79-95.
40. Cf. Immanuel Kant, Crítica da razão pura. Mais especificamente, II, Dis-
ciplina da razão pura, Seç. I.
41. Cf. Abbagnano, p. 293.
42. Cf. Johannes Hessen, Teoria do conhecimento, Coimbra, 1974, p. 37-40.

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Teoria da Ciencia Juridica - 00134 34 4/2/2009 13:31:47


sua autobiografia intelectual (Unended Quest, p. 51), o conhecimen-
to científico forma-se por oposição ao conhecimento dogmático, como
uma crítica a este, que resulta, portanto, imprescindível enquanto
etapa inicial. Já Franz Wieacker, em obra fundamental sobre História
do Direito, mostra como a ciência jurídica européia se forma sob a
égide da Igreja, donde advém uma influência marcante da teologia
dogmática na metodologia jurídica. Assim, na Idade Média, com a
sua redescoberta, o corpus juris civilis vai representar para o Direito
o que a Bíblia era para a religião: dogmas indiscutíveis, pois nesses
textos a razão (logos) tinha-se convertido em palavra escrita, em
ratio scripta. É o período dos Glosadores.
As universidades italianas do século XII promoveram um
renascimento dos estudos do direito romano, aplicando à sua pesqui-
sa o método didático concebido por Irnerius, no ano 1100, derivado
da filosofia escolástica, à época dominante. A metodologia de Santo
Tomás de Aquino exige que cada argumento seja baseado na autori-
dade; é o dogmatismo que a Igreja Católica adotou como filosofia
oficial e que vai ser incorporado ao estudo da jurisprudentia de ma-
neira tão intensa que até os nossos dias os dois serão confundidos
como uma só coisa43. Irnerius, cognominado primus illuminator
scientiae nostrae, predicava que se construísse um aparato de glosas,
notas explicativas dos textos da compilação do direito romano, co-
nhecida por Corpus Juris Civilis, que fornecia a autoridade ou a le-
gitimidade necessária à aceitação das opiniões emitidas pelos juristas.
Irnerius teve seguidores ilustres, tais como Bulgarus, Martinus, Ja-
cobus e Hugo, que, juntamente com seus discípulos, formaram a
chamada Escola dos Glosadores44.

43. Cf. Norberto Bobbio, Contribuición a la teoría del derecho, Valencia, 1980,
p. 146-50, e Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Função social da dogmática jurídica,
São Paulo, 1978, p. 31-7.
44. Apenas para bem matizar a importância capital da citada escola jurídica
para o direito ocidental como um todo, vale mencionar uma passagem de um tra-
balho não jurídico, mas sim histórico, sobre as origens do movimento universitário
europeu, de autoria de Aldo Janotti (publicado na Revista de História da USP, n.
82, São Paulo, abr./jun., v. XLI, 1970, p. 32), no qual, após destacar Irnério como
seu patrono, lembra que este deixou quatro discípulos maiores, os “quatro doutores”

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Esses estudos precursores nos séculos XII, XIII e princí-
pios do século XIV prepararam o aparecimento de um autor cuja obra
é um grande marco na ciência jurídica, Bartolus de Saxoferrato (1314-
1357), fundador da escola dos pós-glosadores ou bartolistas, segunda
fase da escola estatutária italiana45. O trabalho de Bártolo e de seus
discípulos traz uma consolidação dos princípios adotados na época
para solucionar os conflitos de leis no espaço, além de introduzir uma
terminologia que foi essencial ao desenvolvimento do direito inter-
nacional privado. Tal obra o faz merecedor do título de “pai do direi-
to internacional privado” (Casteltani).
Como aponta, José Reinaldo Lima Lopes, para Bártolo a
jurisprudência, a disciplina intelectual do direito, constitui uma civi-
li sapientia, uma sabedoria regrada sobre o bem comum e, assim, a
compreensão do bem comum é indispensável na compreensão da lei.
Esse posicionamento esclarece sua inclinação sobre a ciência do
Direito pressupondo a ética, algo como o direito sendo uma especia-
lização da ética, um saber das ações devidas e boas e das respectivas
regras. Nesse sentido ético, Bártolo passa a considerar o direito como
um derivado da justiça, ou seja, se a justiça é uma igualdade, o direi-
to é o resultado da aplicação desta igualdade, assim a jurisprudência
é uma ciência, saber ou conhecimento do direito, que se presume que
está de acordo com a justiça46.

— Bulgarus, Martinus, Hugo e Jacó —, que continuam seu trabalho, formando, por
sua vez, numerosos discípulos que, “ou levados pelo fervor apostólico, ou não po-
dendo mais permanecer na Itália por se terem comprometido nas lutas intestinas que
lavravam suas cidades, migraram, levando o direito romano, qual boa nova, para a
França — como, por exemplo, Rogério, Azzo e Piacentino — e para a Inglaterra,
como foi o caso de Vacário”, onde parece que melhor foi mantida a estrutura, digamos,
tópica do método das glosas, para o qual se presencia hoje um refluxo sintomático,
com a já célebre Topik und Jurisprudenz, de Theodor Viehweg (München, 1953).
45. A divisão da Escola Estatutária em duas fases tendo como marco a obra de
Bártolo é feita por Savigny em Geschichte des römischen Rechts in Mittelalter, t. 2,
p. 162 e s.
46. José Reinaldo Lima Lopes, As palavras e a lei: direito, ordem e justiça na
história do pensamento jurídico moderno. Tese apresentada ao concurso de livre-
docência do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito, São Paulo, USP,
2003, p. 65-68.

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Teoria da Ciencia Juridica - 00136 36 4/2/2009 13:31:47


Utilizando-se de um método eivado de tomismo e nomi-
nalismo47, método gramatical ou etimológico, que leva à realização
de análises puramente conceituais, Bártolo opera a distinção básica
entre statuta realia, statuta personalia e statuta mixta, que, para
Arthur Nussbaum48, constitui a própria teoria dos estatutos. Os sta-
tuta realia são aqueles que se aplicam às pessoas e coisas dentro do
território (p. ex., leis sobre imóveis); os statuta personalia acompa-
nham as pessoas fora de seu domicílio (p. ex., leis sobre o estado da
pessoa); e os statuta mixta são aqueles de natureza duvidosa (p. ex.,
leis sobre contratos).
Os estudiosos apontam que Bártolo não fez qualquer sis-
tematização, limitando-se a uma casuística, embora fosse uma casu-
ística judiciosa, por afeita à prudentia romana. Niboyet defende a
opinião, explicando que os pós-glosadores não edificaram qualquer
sistema, mas apenas procuraram soluções específicas para cada caso
particular, inspirados pelo bom senso e sentido de eqüidade (a aequi-
tas predicada por Cícero), buscando resolver as questões baseadas no
que depois se chamou natureza das coisas49. Benjamin de Oliveira,
em sua Introdução à ciência do direito, já assinalou que o casuísmo
é a morte da ciência, mas Niboyet explica que a maneira empírica de
proceder dos estatutários italianos não fechou os horizontes de onde
surgiu o direito internacional privado e deixou o campo demarcado
e livre para investigações científicas posteriores50.
O certo é que Bártolo, tendo por base o texto romano
Cunctos Populos e a glosa Quod si bononiensis51, firmou duas hipó-

47. Jacques Chevallier, Historia del pensamiento, Madrid, 1960, t. 2, p. 443-97.


48. Arthur Nussbaum, Principios de derecho internacional privado, Buenos
Aires, 1947, p. 17.
49. Para um estudo significativo da expressão, veja-se Bobbio, ob. cit., p. 143-4.
50. Cf. Principios de derecho internacional privado, Madrid, 1928, p. 212.
51. A glosa Quod si bononiensis, de 1228, geralmente atribuída a Acursio
(± 1263), dizia: “...quod si Bononiensis conveniatur Munitinae; non debet judicare
secundum Statuta Munitinae, cuibus non subest, cum dicat (cunctos populos) quos
nostra clementiae regit imperium”. Em tradução para o vernáculo, teríamos: “Porém
se um bolonhês for acionado em Modena, não deve ser julgado segundo os estatutos
de Modena, aos quais não está submetido, conquanto se diga que a eles rege o poder
da nossa clemência”.

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teses fundamentais: 1) se o estatuto próprio de um território estende-
se às pessoas; 2) se o efeito do estatuto prolonga-se para fora do ter-
ritório. O campo de incidência das hipóteses abrange diversas matérias,
tendo-as Bártolo dividido em nove: a) contratos; b) delitos cometidos
no território por estrangeiros; c) testamentos; d) matérias que não são
nem contratos nem delitos nem atos de última vontade; e) aplicação
ao clero de estatutos feitos para os leigos; f) extensão dos estatutos
além de seu território, no que diz respeito às disposições proibitivas;
g) disposições permissivas; h) disposições penais; e i) aplicação das
sentenças penais fora dos limites da jurisdição que as ditou52.
Daí se depreende facilmente que Bártolo emprega o mé-
todo escolástico, fazendo divisões e subdivisões no tratamento da
matéria estudada. Observa-se, também, que, se não foi ele quem
classificou os estatutos em reais, pessoais e mistos, pelo menos fazia
a distinção entre os três tipos, assim como também entre os estatutos
pessoais, proibitivos (estabelecem capacidades) e permissivos (con-
ferem faculdades); os primeiros, por sua vez, podiam ser favoráveis
(extraterritoriais) ou odiosos (territoriais)53.

1.3. Uma noção muito cara para a moderna metodologia


das ciências é a de “sistema”. Em Direito, o termo aparece já no sé-
culo XVIII, com o Movimento do Direito Racional Jusnaturalista,
surgido sob o influxo das meditações cartesianas, fundamentantes da
concepção de ciência vigente nos tempos modernos. “Sistema”,
conforme se entendia à época, coincidia com a idéia geral que se tem
de um todo funcional composto por partes relacionadas entre si e
articuladas de acordo com um princípio comum.
Nessa altura, a ciência jurídica rompe a dependência da
prática jurisprudencial e dos procedimentos exegéticos dogmáticos,
sem, entretanto, descartar-se do seu caráter dogmático, que na ver-
dade tentou aperfeiçoar, inserindo-o em um sistema construído em
bases racionais, conforme o rigor lógico da dedução. A teoria jurídi-

52. Bartolus, Lex Cunctos Populos, n. 13 a 51.


53. Werner Goldschmidt, Sistema y filosofía de derecho internacional privado,
Barcelona, 1948, t. 1, p. 93-4.

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ca passa a ser um construído sistemático da razão e, em nome da
própria razão, um instrumento de crítica da realidade, aguçando-se o
sentido crítico-avaliativo do Direito em normas e padrões éticos
contidos nos princípios reconhecidos pela razão54.
O século XIX traz à baila a chamada Escola Histórica, a
qual, conforme já aludimos, emprega pela primeira vez a expressão
“ciência do direito” (Rechtswissenschaft, Jurisprudenz). Nesse
momento, instaura-se o confronto que serve de orientação às mais
diversas teorias jurídicas aparecidas desde então. Trata-se da opo-
sição entre a concepção sistemática, de caráter formal-dedutivo,
representada pelo jusnaturalismo racionalista, e aquela que acentua
a inserção histórica e social do Direito, que determina a busca do
jurídico onde ele se dê concretamente, ou seja, na experiência jurí-
dica dos povos. Não é à toa que Savigny, representante máximo da
Escola Histórica, pugna-se contra a sistematização do Direito em
códigos escritos.
Alinham-se entre as doutrinas que enfatizam o aspecto da
conceituação abstrata: ainda no século XIX, a “jurisprudência dos
conceitos” (Puchta, Windscheid, primeira doutrina de Jhering, Bin-
ding, Wach, Kohler etc.), a Escola Exegética Francesa e a Escola
Analítica Inglesa (Bentham, Austin); já no século XX, a Teoria Pura
do Direito (Kelsen), a Teoria Fenomenológica do Direito (Nicolai
Hartmann, Reinach, Gerhard Husserl etc.), o neopositivismo analítico
em suas diversas versões — inglesa (H. L. A. Hart), italiana (Scar-
pelli), argentina (Vernengo) etc. Dentre os que enfatizam o aspecto
da concreção histórico-social, temos a “jurisprudência dos interesses”
(concepção tardia de Jhering, Philip Heck, Stoll, Müller-Erzbach), o
Movimento do Direito Livre (Oskar von Bülow, Eugen Ehrlich,
Kantorowicz), a Escola de Baden (Windelband, Lask, Rickert, Rad-
bruch), o neo-hegelianismo de Julius Binder e Karl Larenz, a Teoria
Sociológica de Duguit e Gurvitch, a Escola de Upsala (Hägerström,
Lundstedt, Alf Ross), a Tópica de Viehweg e a concepção pragmáti-
ca do realismo norte-americano, cuja oposição radical ao sistematis-

54. Cf. F. C. von Savigny, “Von Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und
Rechtswissenschaft”.

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mo é expressa na célebre frase do Juiz Holmes: “The life of the law
has not been logic: it has been experience”55.

1.4. Franz Wieacker, abordando em sua monumental His-


tória do direito privado o tema “pandectística e positivismo científi-
co” (§ 28), coloca que, apesar da aparência do programa daquela
manifestação tardia da Escola Histórica, ela terminou por contribuir
menos para o estudo histórico do Direito do que para a construção
de uma sistematização conceitual, iniciada já pelo jusracionalismo,
tendo como base a civilística do direito comum europeu. Essa siste-
mática, posteriormente, é transposta para o direito público por juris-
tas como Jhering, Gerber, Laband e, especificamente, para o direito
processual por Büllow, Wach, Goldschmidt etc. No plano epistemo-
lógico, seguindo a orientação do programa de Savigny, Puchta propõe
a chamada “jurisprudência (= ciência jurídica) dos conceitos”, legi-
timando a dedução de normas e a construção do Direito, desenvol-
vendo conceitos por uma lógica imanente ao sistema jurídico. Win-
dscheid, o expoente máximo da pandectística, por seu turno, defendia
a aplicação do Direito utilizando elementos exclusivamente jurídicos,
com a separação de outros quaisquer, de ordem política, econômica,
ética etc. Eis aí a idéia central do positivismo científico, a qual re-
monta à rigorosa diferenciação operada por Kant entre as ordens
moral e jurídica, donde resulta o formalismo como princípio retor da
prática científica.
Do formalismo advém a disposição em deduzir o Direito
a partir de um sistema de conceitos e princípios, com a crença de que
a correção material decorre do acerto formal dessa operação. Como
conseqüência, tem-se que: (1º) A ordem jurídica passa a ser vista
como um sistema fechado e pleno, com autonomia e independência
perante a realidade social, uma realidade a se, portanto. (2º) Não há
lacunas no ordenamento jurídico, por ser sempre possível a subsunção
lógica a princípios ou conceitos devidamente construídos. (3º) A
atividade judicial de aplicação do Direito é “automática”, por ser

55. De um modo geral, para uma exposição das doutrinas supracitadas, consul-
te-se Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, Lisboa, 1978.

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escrava dessa subsunção silogística. (4º) O ensino jurídico torna-se
um treino no manejo de conceitos desvinculados da realidade prática.
(5º) O isolamento e a especialização técnica da elaboração jurídica,
excluindo a consideração de outra ordem qualquer, terminam por
favorecer a manutenção do status quo, protegendo-o dos embates
ideológicos e sociais.
Nelson Saldanha56 mostra o comprometimento ideológico
do tipo de abordagem da ciência jurídica nascente e seu legalismo
com o Estado liberal e capitalismo burgueses. Os conceitos centrais
dessa ciência, como os de autonomia privada, direito subjetivo,
propriedade individual, relação jurídica, liberdade contratual, vieram
ao encontro dos interesses particulares da classe empresarial emer-
gente, ajudando a romper com o imobilismo das sociedades tradi-
cionais, com sua organização profissional corporativista. Com o
estado de coisas insuportável que se gerou, levantaram-se críticas de
todos os lados, não só por parte de socialistas, como Karl Marx e
Karl Renner (responsável pela idéia da função social da propriedade),
e das correntes autoritárias, como também de próceres do próprio
liberalismo, como os ingleses Jeremy Bentham e John Stuart Mill,
com seu utilitarismo, que tanto influenciou a “virada” de Jhering do
pandectismo para o que, com Philip Heck, veio a se chamar “juris-
prudência dos interesses”. Nesse novo paradigma científico propõe-
se um tipo de explicação finalística, teleológica, para o Direito, le-
vando-se em conta principalmente a categoria extranormativa dos
interesses em conflito a serem juridicamente harmonizados, mas
evitando-se, contudo, o recurso a elementos suprapositivos. O coro-
amento dessa evolução é o advento do Estado social, estabelecido
constitucionalmente.
A ciência jurídica surge condicionada pela entronização
da idéia de norma, a qual fornece um padrão universal de aferência
do jurídico, com uma ciência jurídica legalista; portanto, sendo a lei
a norma por excelência, as demais só se tornam também positivas
quando ela o admite. Pois bem. Essa ciência jurídica culminará, então,

56. Cf. Legalismo e ciência do direito, São Paulo, 1977 e Teoria do direito e
crítica histórica, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1987.

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na doutrina kelseniana, a Reine Rechtslehre. Nela se reafirma de
forma extremamente convicta (e convincente) o postulado fundamen-
tal do positivismo científico, que determina se evite o sincretismo
metodológico em prol da certeza e objetividade dos resultados. Com
ela, a teoria do direito se liberta de concepções ingênuas de seus
primórdios, nas quais ao Direito e a seus institutos se conferiam
atributos de “fatos do ser” (Seintatsachen), ao ver, por exemplo, a
norma jurídica como ordem, vontade, ou o direito subjetivo como
direito inerente ao sujeito, e a relação jurídica como modalidade do
relacionamento humano fundante da — ao invés de fundada na — or-
dem jurídica. Para ela, a ciência jurídica deve ocupar-se exclusiva-
mente com as normas de direito, que fornecem o esquema de inter-
pretação (Deutungschema) especificamente jurídico dos fatos e
contêm um juízo de valor objetivo destes, único a ser levado em
consideração pelo jurista enquanto tal. Ao considerar essas normas
como doadoras do significado objetivo que um ato e a conduta hu-
mana em geral adquirem para o Direito, a “teoria pura” consagra
definitivamente a ordem jurídica como um “texto” em que se lê algo
sobre a realidade, explicando o comportamento a ser adotado em face
dela — por esse aspecto, o objeto da ciência jurídica teria a particu-
laridade de não apenas requerer uma explicação, mas ser ele próprio,
as normas jurídicas, uma explicação de como interpretar fatos de
acordo com o Direito57.
A superação da teoria da ciência jurídica de Kelsen, vale
observar, não ocorre em outras teorias com a mesma base normativo-
legalista, que podem ser vistas como ressonâncias daquela. Assim é
na teoria egológica de Cossio e na teoria tridimensional de Reale.
Dizer, como o primeiro, que o objeto da ciência jurídica não é a nor-
ma, mas a conduta humana conhecida através de normas, não deslo-
ca estas como referencial cognitivo principal dessa ciência. Lembre-
mos, ainda, que é de Kelsen a definição do Direito como “ordenação
da conduta humana”58. Com relação ao tridimensionalismo, é de se
notar que na norma, para o mestre austríaco, já está contido o fato, o

57. Cf. Kelsen, Reine Rechtslehre, 2. ed., Wien, 1960, n. 2, 3 e 4.


58. Id. ib., n. 6, a.

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Tatbestand, tornado por ela relevante para o Direito. Também o valor
seria inerente ao Direito, pois, pelo simples fato de ele se manifestar
como norma, elas contêm valores, valores jurídicos, com sentido
objetivo, resultantes da referência de uma conduta à norma59.
O modelo de ciência jurídica proposto por Kelsen encon-
tra-se atualmente superado não só pelo evolver natural dos paradigmas
científicos, hoje distanciados do positivismo de outrora, i. e., por um
fator intelectual, mas também por motivos histórico-sociais, já que a
“teoria pura”, em suas linhas gerais, foi desenvolvida tendo como
parâmetro o Direito nas sociedades européias pré-Segunda Guerra
Mundial — antes, portanto, de encerrado o ciclo histórico da moder-
nidade e principiado o que já se vem convencionando chamar “pós-
modernidade”. Nesse descompasso histórico podem-se talvez iden-
tificar elementos para a explicação da permanência do prestígio da
doutrina kelseniana em países como o nosso, em grande parte ainda
em vias de completar sua “modernização”.

1.5. Conforme exposto anteriormente neste trabalho, hou-


ve um momento em que a teoria jurídica formalista, aferrada a um
positivismo normativista, para não dizer mesmo legalista, viu-se
forçada a ceder à “revolta dos fatos”, abdicando de se manter ocupa-
da apenas com a construção de uma sistemática conceitual abstrata,
voltada para a manutenção da harmonia e coerência da ordem jurídi-
ca. Surgiram, então, em vários países realismos jurídicos, escolas de
cunho sociológico, preocupadas com a inserção do Direito e de seu
conhecimento na realidade social. Muito antes, porém, já houvera
Marx inaugurado uma abordagem desse tipo do Direito, em escritos
da primeira fase de seu pensamento, quando os estudos de economia
política ainda não se colocavam no centro de suas preocupações. Não
se pode, contudo, deixar de reconhecer uma diferença essencial entre
a abordagem marxista das diversas versões de realismo e sociologis-
mo jurídicos, em que pese a coincidência de todas no tratamento das
questões do Direito como questões sociais. Essa diferença pode ser
bem compreendida considerando que a primeira se esteiaria numa

59. Cf. id. ib., n. 4, b e e, 11 e 13.

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concepção da sociedade baseada no que se pode chamar de “modelo
de conflito”, ao passo que as demais seriam fiéis ao modelo oposto,
“modelo integrante ou de equilíbrio”, havendo, no primeiro caso, um
comprometimento com a modificação da realidade social, como re-
sultado do esforço de conhecê-la, enquanto no segundo modelo o
engajamento se faz no sentido de manutenção da ordem social que
se estuda60.
Nesse sentido, pretendo sustentar que a contribuição de
Marx para a epistemologia jurídica há de ser necessariamente apro-
priada por quem pretenda fazer um estudo científico do Direito, o
que significa o mesmo que se referir a quem tem por intenção fazer
um estudo (científico) do Direito com um sentido emancipatório, pois
o ideal científico implica necessariamente exposição e crítica do
conhecimento dado, bem como promoção do gênero humano a um
estado mais liberto das circunstâncias adversas que o afligem.
Vou ocupar-me em seguida da reconstrução de uma teoria
da ciência jurídica de corte estritamente marxiano, ou seja, levando
em conta elementos fornecidos exclusivamente por Marx em um
período de seu pensamento, logo no início, antes de ele dedicar a
maior parte de seus esforços teóricos à economia política.
Para tanto, vou me valer dos resultados de pesquisa em-
preendida pelo filósofo do direito e brasilianist alemão, professor
da Universidade de Frankfurt am Main, Dr. Wolf Paul61. Essa pes-
quisa, apesar de feita já há mais de vinte anos, ainda é pouco co-
nhecida no Brasil. Agora, parece ter-se apresentado um momento
mais propício para tomarmos contato com seus resultados, após a
eclosão de movimentos como o do Direito Alternativo. A conclusão
a que se chega vai então coincidir com teses difundidas por epígo-
nos desse movimento, como Oscar Correas62 e Edmundo Lima de

60. Cf., a propósito, meu trabalho A evolução científica do direito, in Estudos


jurídicos, Fortaleza, 1985, p. 9 e s., e Roberto Lyra Filho, A filosofia jurídica nos
EUA: revisão crítica, Porto Alegre, 1977, p. 55, 77, passim.
61. Cf. Marxistische Rechtstheorie als Kritik des Rechts, Diss., Frankfurt a. M.,
1974, esp. p. 90 e s.
62. Cf. Marxismo y derecho en America Latina, hoy, Revista de Direito Alter-
nativo, n. 2, São Paulo, 1992, p. 146.

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Arruda Jr.63, quanto à relevância, na atualidade, do aspecto episte-
mológico-jurídico do pensamento marxiano.
A contribuição de Marx para a teoria epistemológica do
direito dá-se a partir da crítica a que submete o modelo de ciência
proposto, pioneiramente, na chamada Escola Histórica do Direito,
cujo representante máximo era um ex-professor seu na Faculdade de
Direito da Universidade de Berlim, F. K. von Savigny. É claro que,
como já se pode antever, ao explorarmos essa perspectiva, logo nos
depararemos com uma questão bastante tormentosa: a teoria da ciên-
cia jurídica de Marx traria uma contribuição para a expansão do pa-
radigma científico jurídico, o modelo dogmático de estudo do Direi-
to, ou, na verdade, o que Marx propõe não chega a configurar uma
ciência jurídica alternativa, uma ruptura do paradigma dominante.
Bem, antes de decidirmos sobre a compatibilidade entre a teoria ju-
rídica marxiana e aquela tradicional, examinemos o procedimento
adotado por Marx ao tratar da dogmática jurídica com o caso, por ele
analisado, do roubo de lenhas.
Trata-se de assunto que viria a ser regulado por uma das
leis produzidas pelo então “Ministro para Legislação” da Prússia,
ninguém menos que Von Savigny, que se notabilizou por sua defesa
do direito costumeiro contra “a vocação de nosso tempo para a legis-
lação”. A idéia de Marx era, a partir da análise de um problema
concreto — a colheita de pedaços de madeira caídos nas florestas à
beira do Reno —, examinar o tratamento legislativo a ser dado ao
assunto em projeto de lei, que passava a considerar como roubo de
lenha esse fato, prevendo pena de multa ou trabalhos forçados, pres-
tados ao dono da floresta, por quem praticasse tal ato.
Em primeiro lugar, não se dá como aceita de antemão a
compatibilidade de semelhante lei com a ordem jurídica pelo simples
fato de emanar de um poder autorizado para produzir tal norma. E se
hoje isso nos parece trivial, à época não era, tendo sido feito por Marx
graças à postura crítica, negadora do que é dado, própria do método
dialético por ele adotado. Com o distanciamento da perspectiva for-

63. Cf. Marxismo e direito: alguns apontamentos, in Introdução à sociologia


jurídica alternativa, Acadêmica, São Paulo, 1993, p. 90.

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malista, dogmática — pela qual, não importa que conteúdo esteja
vertido na forma da lei, esta terá validade jurídica —, Marx nega-se
a ver como fatos idênticos, ou mesmo assemelhados, o roubo de lenha
através do corte de árvores e a simples colheita de galhos caídos no
chão para fazer fogo, absolutamente necessário à sobrevivência de
um camponês na Alemanha. Marx vê aí um atentado insuportável ao
“princípio da adequação e verdade”, ao qual se deve submeter também
o Direito, por mais que utilize ficções, analogias e outros artifícios
para cumprir a função que lhe é própria. Com isso Marx reporta-se
a um topos argumentativo, que foi colocado no centro das discussões
com o chamado renascimento do jusnaturalismo, no segundo pós-
guerra, e, depois, na década de 70, com a teoria crítica do direito:
aquele de natureza das coisas.
O Direito tem aí um limite à manipulação de conceitos,
visando subsumir fatos concretos das hipóteses legais abstratas. Não
é da natureza jurídica das coisas equiparar roubo de lenha a colhei-
ta de galhos, e a lei não pode pretender alterar essa natureza das
coisas, mas sim conformar-se a ela, sob pena de se tornar uma lei
mentirosa, falsa, pois leva ao que Montesquieu chamou de “corrup-
tion du droit par la loi”. Chega-se, assim, a produzir um ilícito legal
(gesetzliches Unrecht).
Um segundo ponto assinalado por Marx, analisando o caso
do ponto de vista estritamente jurídico, é o de que se transpõe uma
medida sancionadora, a pena — e uma pena de trabalhos forçados,
que se aplica sobre a pessoa do imputado, e não sobre o seu patrimô-
nio —, do campo do direito público para aquele das relações jurídicas
privadas. A própria multa, que se colocou como alternativa, vai para
o particular, supostamente ofendido em seu direito de propriedade, e
não para os cofres públicos. Verifica-se, assim, o que ele chama de
jurisdição patrimonial, para defender não os interesses públicos,
como deve ser, mas sim aqueles privados, de natureza patrimonial.
Isso é a negação, pelo Estado, de si próprio; um suicídio, como diz
Marx, pois rompe com princípios fundamentais do Estado de Direito,
como a isonomia e a generalidade das leis.
Um terceiro ponto levantado por Marx é o de que havia
um costume estabelecido de recolher esses galhos livremente, logo,

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um direito consuetudinário a fazê-lo, que foi simplesmente ignorado
— e justamente por quem defendia uma concepção, como a da Es-
cola Histórica, que toma o costume como fonte primária do Direito,
a qual à legislação e à doutrina caberia apenas explicitar. Aqui, Marx
se depara com uma contradição flagrante entre teoria e prática, fun-
dada nos interesses de classe do teórico — no caso, um aristocrata,
Von Savigny. Daí é que ele vai apontar para a necessidade imperiosa
de se realizar uma crítica da ideologia, que mostra contradições
entre a prática de alguém e sua própria concepção de mundo.
A próxima etapa do procedimento marxiano de análise
crítica do Direito é então aquela em que desvenda, por trás do prin-
cípio legal das conseqüências jurídicas de um fato, um interesse
querendo impor-se a outro, um interesse patrimonial preponderan-
do sobre interesses vitais do ser humano, do próprio gênero huma-
no, cuja emancipação, segundo um topos argumentativo extraído
da filosofia hegeliana — e já prenunciado por Kant —, é a própria
tendência da Weltbürgerlichen Gesellschaft, da sociedade civil
universal.
Marx, nesse contexto, faz referência seguidamente a um
outro topos, que ocupa lugar central na moderna teoria da argumen-
tação, tal como é desenvolvida por Robert Alexy e outros64, a partir
do que propõe um dos mais recentes modelos de ciência jurídica:
trata-se do topos da proporcionalidade65. É desproporcional o sacri-
fício a que, no caso concreto examinado, se submete o interesse
fundamental da classe desfavorecida em garantir sua subsistência,
em nome do atendimento ao interesse particular do proprietário da
floresta em manter o seu patrimônio.
Eis que, resumindo, o projeto de lei que criminaliza a
colheita de galhos nas florestas prussianas ofende princípios jurídicos
fundamentais do Estado de Direito, tal como a igualdade perante as

64. Cf., v. g., W. Krawietz et al., Argumentation und Hermeneutik in der Juris-
prudenz, Berlin, 1979; W. Krawietz e R. Alexy, Metatheorie juristischer Argumen-
tation, Berlin, 1983.
65. Cf. Willis S. Guerra Filho, O princípio constitucional da proporcionalidade,
in Ensaios de Teoria Constitucional, Fortaleza, 1989, p. 69 e s.

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leis e a generalidade destas, bem como princípios de racionalidade e
de humanidade, donde se poder afirmar que, uma vez aprovada essa
lei, ela estaria ferindo, assim, mais do que princípios de direito, ver-
dadeiros axiomas, em que se funda uma ordem jurídica.
Após lançar tantos elementos para a renovação episte-
mológica do direito, os quais, se não romperam o paradigma dessa
ciência em evolução desde a Roma Antiga, muito o ampliaram, pois
foram depois retomados pelas mais diversas linhas de pensamento na
ciência jurídica, desde a “Jurisprudência dos Interesses”, prenunciada
já no pensamento tardio de Jhering, até a atual “Jurisprudência das
Valorações”, a tópica de Viehweg ou o “Modelo Tridimensional” de
Dreier e Alexy. Pois bem. Após ter concebido, na prática de uma in-
terpretação crítica, fazendo um estudo de caso, um procedimento
capaz de “desdogmatizar” o sistema jurídico, tornando-o aberto, e não
mais fechado, imune a críticas, algo absolutamente necessário ao
pensamento científico, Marx não prossegue seus estudos de direito,
pois se teria deparado com uma tarefa prévia: a pesquisa do setor da
vida humana em sociedade em que se dá o conflito daqueles interesses
de que as leis são a expressão, realizando-os ou obstaculizando-os,
por ser um conflito gerado pela impossibilidade de atender às neces-
sidades das pessoas em geral na fruição de certos bens. Marx, então,
dedica-se à pesquisa da base sob a qual se sustentam as representações
ideais, como o Direito, a base material, econômica, onde se produz e
reproduz a vida em sociedade. A partir daí, no contexto de uma pes-
quisa que não era jurídica, mas que dizia respeito também ao jurídico,
vão surgir colocações marxianas sobre o Direito que servirão de fun-
damento a alegações de uma postura cientificista, mecanicista e posi-
tivista de sua parte, por tentar explicar os fenômenos jurídicos a partir
do fenômeno econômico, tal como ele o descrevia. Essa crítica vem
amparada, em grande parte, em desenvolvimentos posteriores da
doutrina marxista, devidos a outros teóricos, especialmente àqueles
que estavam comprometidos com um Estado que pretendia realizar a
doutrina política marxista, os quais terminaram ideologizando com-
pletamente a teoria do direito marxista, tornando-a tão ou mais dog-
mática do que aquela dita “burguesa”. Crítica da ideologia é a nossa
garantia epistemológica maior, como nos ensinou o próprio Marx.
A proposta que se faz, então, é que se “desconstrua” o
pensamento jurídico de corte marxista, retrocedendo à própria obra

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de Marx, e, dentro dela, ao período inicial, em que se dedicou espe-
cificamente a estudos sobre o Direito. Depois, que se reconstrua essa
teoria, fazendo o que Marx não teria tido tempo de fazer por ter ne-
cessitado dedicar o restante de sua vida concebendo uma teoria capaz
de explicar e criticar o regime econômico capitalista, ou seja, que, de
posse dos resultados dessa pesquisa sobre a “base econômica”, reto-
me-se o estudo do direito, inserindo-o em contexto social e vital
concreto, para detectar, inclusive, a influência transformadora dele
sobre aquela base. Trata-se de proposta que pode indicar um novo
caminho para a pesquisa do direito, a qual, sem deixar de ser “jurí-
dica”, apresentaria uma forte conotação científico-social. Em sendo
assim, aponta para uma possibilidade inexplorada também para a
teoria sociológica do direito.
No panorama da atual teoria do direito, verifica-se, nos
mais diversos países “herdeiros” da abordagem inaugurada por Marx,
um tipo de pensamento que se denomina “crítico”, do qual se distin-
gue aquele outro, também bastante praticado, dito “analítico”. O
primeiro, defendido no Brasil pelo grupo formado na UnB em torno
de Roberto Lyra Filho, a chamada Nova Escola Jurídica Brasileira,
e, individualmente, por teóricos como Luiz Fernando Coelho, do
Paraná, seria movido, nas palavras deste último, pelo intento de re-
cusar o papel de legitimação da ordem jurídica assumido pelas demais
teorias, absorvidas pelo que um outro jurista “crítico” atuante no
Brasil, o argentino Luis Alberto Warat, chamou de “senso comum
teórico dos juristas”, para procurar inculcar na mentalidade jurídica,
por natureza conservadora, um princípio de transformação, prospec-
tivo66. Nota-se, portanto, que um dos pontos centrais de preocupação
do pensamento crítico seria exatamente com o papel desempenhado
pelo estudioso do direito na configuração que seu objeto de estudo
assume na sociedade, considerando que, em última instância, é o
jurista que cria o seu objeto de estudo do Direito. A teoria crítica, em
sendo assim, põe em xeque não só a ordem jurídica estabelecida, mas

66. Cf. L. F. Coelho, Lógica jurídica e interpretação das leis, 2. ed., Rio de
Janeiro, 1981, p. 62-3; L. A. Warat, Mitos e teorias de interpretação da lei, Porto
Alegre, 1979, p. 17 e s., passim.

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também a própria atividade de conhecê-la, em harmonia com a ide-
ologia a ela subjacente, tal como fariam teóricos não-críticos. Nesse
aspecto, cabe chamar a atenção para a importância, mesmo para quem
adote a postura crítica, de conhecer o trabalho realizado por aquele
que se dedica apenas a explicar a ordem jurídica, sem pretender al-
terá-la. Vale lembrar a esse respeito palavras do teórico espanhol Juan
Ramón Capella, que, com seu primeiro livro, El derecho como len-
guaje, projetou-se como expoente do pensamento jurídico analítico,
convertendo-se posteriormente para a vertente crítica. Para ele, vive-
mos contemporaneamente imersos “en una espesa red de relaciones
jurídicas”, cumprindo ao estudioso do direito “conocer esa red de
relaciones para orientarse dentro de ella”, para o que não se pode
abdicar das contribuições da dogmática, da zetética, da analítica ju-
rídica e das mais diversas fontes. Continua o autor, dando o salto para
a dimensão crítica: “pero cabe conocerla, además, para modificarla,
para ponerla al servicio del hombre...”67.
O crítico do direito, no nosso sentir, deve preocupar-se em
manter o diálogo com aqueles que não compartilham sua postura
ideológica, “falando a mesma língua”, para que seu trabalho venha
efetivamente a ser incorporado no conjunto da produção teórica sobre
o direito também. Nos EUA, onde os estudos críticos já há duas dé-
cadas são florescentes, tendo como um dos principais incentivadores
o brasileiro, professor em Harvard, Roberto Mangabeira Unger,
existe um trabalho recente comparando esses estudos com os filmes
do cineasta francês Jean-Luc Godard, alertando que, assim como
esses filmes para muitos espectadores não são considerados como
legítimos representantes da arte cinematográfica, também o trabalho
dos “críticos”, por sua estranheza, podem não ser considerados como
parte do acervo jurídico, como “direito”68.

67. El derecho y la reflexión sobre el derecho, in Materiales para la crítica de


la filosofía del Estado, Barcelona, 1976, p. 123-4, grifo do autor.
68. Cf. J. L. Harrison e A. R. Mashburn, Jean-Luc Godard and critical legal
studies or because we need the eggs, Michigan Law Review, n. 87, 1989, p. 1924 e
s. Para uma visão panorâmica do movimento crítico nos EUA, v., na mesma revista,
n. 88, John Stick, Charting the development of critical legal studies, p. 407 e s.

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1.6. A adoção em teoria do direito de um princípio (me-
tateórico) como o do formalismo, com o corte epistemológico que
opera entre os diversos setores objeto do conhecimento, termina por
exercer um efeito paralisante sobre a atividade cognitiva e subseqüen-
tes distorções no conhecimento por ela gerado. O formalismo, além
de distribuir as diversas matérias do conhecimento em compartimen-
tos estanques, instaura uma cisão radical entre o sujeito cognoscente
e o objeto cognoscível, postulando o valor científico de conhecimen-
tos objetivos, válidos universalmente, cuja veracidade se impõe a
qualquer sujeito. A validade universal e a objetividade de um conhe-
cimento só podem ser asseveradas se nos reportarmos a um princípio
metateórico qualquer, que, nas chamadas ciências empíricas, por
exemplo, pode ser identificado como o chamado “princípio verifica-
cionista” dos neopositivistas: objetivo e verdadeiro é o conhecimen-
to que se baseia em fatos (fora disso o que há é metafísica, fabulações
subjetivas desprovidas de sentido). No direito, a objetividade e a
universalidade do conhecimento baseiam-se, freqüentemente, em um
princípio que não é propriamente empirista, mas transcendental, com
o qual se afirma a existência de proposições éticas universalmente
válidas, apreensíveis imediatamente por qualquer sujeito no uso de
suas faculdades normais, a partir das quais se podem identificar as
normas jurídicas, tarefa da ciência do direito. Essa é a proposta do
jusnaturalismo. O positivismo normativista de Kelsen, por seu turno,
vai lançar mão também de um princípio transcendental, suprapositi-
vo, para identificar as normas jurídicas positivas, com a diferença,
contudo, de que, graças à postura formalista que adota, esse princípio
é esvaziado de conteúdo, tornando-se simplesmente a Norma Funda-
mental. Daí já se ter dito que a “teoria pura” termina por configurar
um “direito natural formal” (Luiz Fernando Coelho), e suas propos-
tas purificadoras de elementos morais, políticos e metafísicos seriam
uma espécie de “puritanismo, uma forma moral, metafísica e política
de afirmação de esquemas de pensamentos repressores da prática
cognitiva dos juristas” (Luis Alberto Warat)69.

69. Cf. Estudos de filosofia do direito: uma visão integral da obra de Kelsen,
de Luiz Regis Prado e Munir Karam (Coords.), São Paulo, 1984, p. 52 e 101.

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Em um plano metateórico, em que o objeto das reflexões
não seria o Direito, mas a teoria do direito, a insatisfação causada
pelo tratamento concedido aos problemas jurídicos apenas como
problemas atinentes às normas, tal como era feito pela chamada
“ciência do direito em sentido estrito”, a dogmática jurídica, acarre-
ta não só uma valorização de disciplinas abrangidas no conceito de
“ciência jurídica em sentido amplo” — a ponto de alguma dentre elas
ser vista como a “verdadeira e única” ciência de direito — no caso,
a sociologia jurídica —, como também uma exigência de inclusão
das demais perspectivas de estudo do direito, além daquela normati-
va, no trabalho do jurista enquanto tal. Foi com a preocupação de
atingir uma “ciência jurídica completa” que Theodor Viehweg intro-
duz, no final da década de 60, a distinção entre as formas de pensa-
mento jurídico dogmática e zetética, com uma referência explícita à
concepção de Gustav Hugo, mestre de Savigny, sobre a ciência do
direito (Jurisprudenz), em que já aparecia a tripartição de seu campo
de estudo como um todo em aspectos normativos, valorativos e fáti-
cos, aos quais corresponderiam a dogmática jurídica, a filosofia e a
história do direito, respectivamente70.
As considerações metateóricas de Viehweg (ou, como ele
as chama, “dogmatológicas”), vale acentuar, inserem-se no contexto
da superação do modelo de ciência jurídica normativista, referida na
parte anterior da presente exposição, quando se buscam critérios para
solucionar as questões jurídicas diversas das simples normas do di-
reito positivo, tendo em vista, inclusive, a necessária interpretação
dessas normas, que não mais se fazia satisfatória apenas com base
em outras normas. Abandonava-se, então, o enfoque meramente
formal, enfatizando a necessidade de buscar a inserção social daque-
las questões, os interesses que estavam por trás delas, os valores que
elas faziam entrar em choque. Na definição dada por Viehweg de
ciência do direito, logo no princípio de seu célebre opúsculo Topik
und Jurisprudenz, o objetivo não é propriamente a norma jurídica,
mas sim o procedimento de suscitar os problemas que com elas se

70. Cf. Viehweg, Ideologie und Rechtsdogmatik, in Ideologie und Recht, de


Maihofer (Ed.), Frankfurt a. M., 1969, p. 84 e s.

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pretende solucionar71. Apreciar problemas e solucioná-los seriam,
então, as duas tarefas fundamentais da investigação jurídica das for-
mas de regulamentação do comportamento humano, donde se ter um
“aspecto-pergunta” e um “aspecto-resposta”, sendo a ênfase no pri-
meiro ou no segundo, respectivamente, que confere caráter zetético
ou dogmático à investigação, conforme expôs o introdutor dessas
categorias em nosso país, Tércio Sampaio Ferraz Jr.72. Na formulação
de Viehweg, à teoria dogmática do direito é atribuída uma função
social, precisamente, a de ensejar uma regulamentação do compor-
tamento de acordo com o Direito, com o mínimo de perturbação,
objetivando, portanto, influir nesse comportamento e no julgamento
dele para a manutenção da ordem social. Tendo em vista essa finali-
dade de manutenção da ordem é que se fixam certos dogmas funda-
mentais, opiniões sobre como ela será atingida, o que requer, ao
mesmo tempo, uma rigidez no respeito a essas determinações e uma
flexibilidade na sua aplicação a situações sempre mutáveis. Já uma
teoria zetética do direito teria função primariamente cognitiva, não
estando condicionada ao atingimento de uma resposta coerente com
os dogmas inquestionáveis. Na pesquisa zetética é que haveria o
momento adequado para a inclusão de resultados provenientes de
disciplinas empíricas, como a sociologia, a antropologia, a psicologia,
e também das especulações jusfilosóficas.
Nesse sentido, portanto, a tópica de Viehweg pode ser
entendida como uma argumentação que visa à resolução dos proble-
mas por eles mesmos, através da observação da realidade das ocor-
rências sociais, algo que tenha força persuasiva no meio social, este
algo seria o topoi, o lugar comum.
Na verdade a argumentação da sustentação da tópica emer-
ge do entendimento de que o pensamento dogmático (tradicionalmen-
te aplicado) contribui para obscurecer os topois da argumentação jurí-
dica, dessa maneira, o pensamento tópico jamais seria adequado à

71. Vale registrar que já Max Salomon, em sua obra Grundlegung zur Rechts-
philosophie, 2. ed., Basiléia, 1925, p. 23 e s., asseverara que objeto da ciência jurí-
dica eram os problemas, e não as normas do Direito.
72. Cf. A ciência do direito, cit., p. 45 e s.

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decidibilidade obrigatória e à plenitude do ordenamento jurídico, uma
vez que “pressupor que todo problema tem uma solução não é compa-
tível com a tomada do próprio problema como ponto de partida”73.
A sua utilização pode ser incorporada à dogmática jurídi-
ca desde que nem uma nem outra sejam absolutas, é preciso um
senso de adequação, pois assim a contribuição se dará ao nível da
práxis jurídica.
Segundo Viehweg “a dicotomia pergunta-resposta, que
encontra sua formulação no questionamento pelo ordenamento justo,
e conduz cabalmente entender o direito positivo em sua função de
resposta, como uma parte integrante da busca do direito que é a in-
vestigação”74.
A impressão que se tem, então, é de que, com a bipartição
da teoria do direito em dogmática e zetética, buscou-se uma solução
de compromisso, que permite admitir a validade de investigações do
direito desvinculadas da normatividade positiva, ao mesmo tempo
em que se imuniza contra os resultados dessas investigações a analí-
tica jurídico-dogmática, legitimando a continuação do trabalho teó-
rico dos juristas sem outra preocupação que não aquela com a har-
monização do sistema normativo.
As investigações zetéticas no Direito têm como objeto o
seu estudo no âmbito da Filosofia, Sociologia, Psicologia, História
etc. Todas essas disciplinas gerais dispõem de preocupações originá-
rias de sentido jurídico.
Na investigação zetética, não existem observações mera-
mente estanques, mas sim interdisciplinares. De acordo com Tércio
Sampaio Ferraz Junior o ponto comum que distingue e agrupa essas
investigações é seu caráter zetético, “a investigação zetética tem sua
característica principal na abertura constante para o questionamento
dos objetos em todas as direções (questões infinitas)”75.

73. João Maurício Adeodato, Ética e retórica: para uma teoria de dogmática
jurídica, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 38.
74. Luis Alberto Warat, Introdução geral ao Direito: epistemologia jurídica da
modernidade, v. II, Porto Alegre: Safe, 2002, p. 26.
75. Tércio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,
dominação, 3. ed., São Paulo: Atlas, 2001.

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Percebe-se que para a utilização e desenvolvimento da
zetética, parte-se de alguns pressupostos admitidos como verdadeiros,
é possível e necessário distinguir limites zetéticos.
A investigação desta maneira pode se dar em um nível
empírico, prático, experimental, como também num nível meramen-
te especulativo ou pode produzir resultados com base numa aplicação
técnica à realidade76.
Assim, “a zetética seria um pensamento que tornaria fle-
xível a dogmática para provocar sua desdogmatização parcial; mostrar
a problemática jurídica e as soluções para os seus problemas. Encon-
traria as respostas às perguntas que determinam os problemas”77.
Na verdade, o que parece ser mais coerente é uma con-
cepção do direito não como um sistema fechado de proposições,
representado pela idéia da codificação, ou, ao contrário, como algo
exclusivamente judicial, voltado para a solução particular em cada
caso concreto. Aquilo que mais se aproxima do ideal é um sistema
aberto, reconhecidamente pontilhado por lacunas a serem preenchidas
pela decisão no caso concreto.
Segundo Esser, todas as culturas jurídicas se repetem no
“processo circular de descobertas de problema, formação de princípios
e consolidação dos problemas”78, donde a razão da tendência atual
do pensamento jurídico dos países de direito legislado de não conce-
ber seu sistema jurídico como algo fechado em si mesmo, pretenden-
do conter resposta para toda e qualquer questão porventura surgida,
resposta esta que poderia ser inferida do sistema mediante operações
lógicas. Ao mesmo tempo, observa-se atualmente no direito casuís-
tico anglo-saxônico uma fase de formação e consolidação de princí-
pios, um início de codificação sistemática.
Portanto, há que se conceber um “modelo dogmático”
(Miguel Reale) como um sistema aberto “que ordena as soluções

76. Seria interessante e complementar o quadro exposto por Ferraz Jr. em sua
obra Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p. 45, quanto à
zetética jurídica em sua divisão empírica e analítica.
77. Warat, p. 27 e 28.
78. Esser, Grundsatz und Norm, p. 7, apud Larenz, Metodologia da ciência do
direito, cit., p. 187.

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encontradas para os problemas concretos numa conexão inteligível,
e torna ainda mais fácil reconhecê-los noutros casos e aplicá-las a
problemas análogos, mas mantém-se aberto também às novas influi-
ções problemáticas, e não pode portanto nunca estar ‘incluído’,
apenas e sempre ‘a caminho’, não reivindicando mais que uma vali-
dez provisória”79. Na verdade, verifica-se, como fez Jørgensen, que
o método sistemático corresponde “à necessidade de solidez e segu-
rança no Direito”, e o método do direito do caso a “uma adaptação
às exigências práticas e à justiça concreta” e, portanto, “não se ex-
cluem, antes se promovem mutuamente”80.
Acontece, porém, que o homem moderno ocidental não
pode renunciar à sua tradição racionalista, donde não ser suficiente
que a regra jurídica ou uma decisão correspondam aos usos para
serem aceitas, mas é necessário que se apresentem como algo signi-
ficativo, racionalmente sustentável.
Do que até agora foi estabelecido sobre a ciência do di-
reito, pode-se sintetizar dizendo que a dogmática jurídica erigiu-se
sobre a base fornecida pelas heranças jurisprudencial, exegética e
sistemática, tendo o século XIX e a primeira metade do século XX
acrescentado a perspectiva histórica e social, enquanto os estudos
mais recentes fazem com que ela passe por um reexame, acentuando
sobretudo suas deficiências exegéticas e a necessidade de inseri-la no
desenvolvimento da sociedade, cujo acelerado processo de cresci-
mento em nossos dias provocou uma enorme diferenciação no siste-
ma jurídico. Daí se dizer que a polêmica à qual nos referimos não é
“uma polêmica contra a abstração, contra a conceptualidade, contra
a pretensão de um dispor conceitual autônomo sobre questões jurí-
dicas, apenas sobre um ponto de vista cognitivo”81.
É preciso que se evite, de qualquer maneira, o risco de um
distanciamento progressivo da realidade, na medida em que os juris-
tas se preocupam com a elaboração de nomenclaturas e classificações,
e os aplicadores do direito assumem uma postura estritamente lega-

79. Id. ib., p. 187.


80. Cf. Stig Jørgensen, Vertrag und Recht, apud Larenz, op. cit., p. 186.
81. Tércio S. Ferraz Jr., Função social da dogmática jurídica, cit., p. 4-5.

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lista, de fidelidade extrema ao texto legal. A partir de uma observação
de Tullio Ascarelli a respeito do defasamento das categorias jurídicas
na atual sociedade industrial, assinala Denti que, desde o início do
século XX, “a ciência processual se dedicou à construção de grandes
arquiteturas conceituais sem contato direto com a realidade econô-
mica e social de seu tempo”82. Portanto, cabe ao juiz a tarefa de
adaptar os preceitos legais às situações existenciais que tem diante
de si, jamais esquecendo-se que o escopo do processo é a realização
de Justiça.
Talvez a maior contribuição da atualidade no campo da
ciência jurídica ou, mais especificamente, na teoria (da ciência) do
direito, seja aquela aportada pela teoria crítica do direito. Esta última
tem suas raízes históricas assentadas no século XIX, precisamente
na concepção jurídica do jovem Marx, forjada em contraposição
crítica à Escola Histórica e à filosofia do direito (e do Estado) hege-
liana, ambas igualmente idealistas e ingenuamente românticas.
Valendo-se do método dialético, Marx faz inicialmente a
negação antitética da tese historicista, ao propugnar que esta sofre de
uma petição de princípio e é radicalmente falsa quando pretende
conhecer o direito como história dos conceitos, princípios, normas e
instituições jurídicas, pois essa história simplesmente não existe. Em
seguida, conclui com a negação da negação (Aufhebung), síntese
superadora da oposição, afirmando que o Direito não tem uma histó-
ria própria, autônoma, distinta do conjunto dos fenômenos sociais
em que se inclui, todos voltados, em última instância, para a organi-
zação, a um só tempo política e econômica, dos meios materiais de
garantir a existência em sociedade.
Dentro desse quadro, compreende-se perfeitamente a in-
terrupção das pesquisas de Marx no campo do direito, enfeixadas em
obras como A sagrada família ou A questão judaica, passando a
ocupar-se da crítica da economia política e do estudo da sociedade
civil, por se tratar do contexto mais amplo em que se insere o Direi-
to e dentro do qual este deve ser compreendido. Isso, ao que parece,

82. Processo civile e giustizia sociale, Milano, 1971, p. 29.

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não significa retirar a especificidade do Direito e a possibilidade de
ele erigir-se como objeto cognitivo, reduzindo-o a um mero invólucro
legitimante das relações econômicas burguesas. Diante da vastidão
do campo de estudos ainda virgem com que se deparou Marx, apro-
fundando suas reflexões sobre o direito, não lhe sobrou alento para
completar a tarefa de reunir subsídios suficientes para que pudesse,
a final, voltar ao seu ponto de partida, que era a explicação crítica e
renovadora do direito83.
Atualmente, sente-se das mais diversas proveniências um
apelo convocatório para completar sua obra. Nos últimos vinte e
poucos anos, puderam-se observar, nos principais centros culturais
do Ocidente, tentativas de repensar o Direito e o Estado dentro de
semelhante perspectiva crítica, que se insere naquela tradição. Re-
presenta um intento também de pensar o Direito em sua situação
concreta e problematicamente localizada, enfatizando a necessidade
de oferecer soluções dentro de padrões éticos, que freqüentemente
divergem do padrão normativo abstrato. Adotam esse ponto de vista
cognitivo estudiosos de países como a Itália (Cerroni, Treves), Fran-
ça (Poulantzas, Miaille, Edelman), Espanha (Capella, Elíaz Díaz),
EUA (Critical Legal Studies), Argentina (Cárcova, Correa, Mari),
Brasil (Roberto Lyra Filho, José Geraldo de Souza Jr., Roberto Aguiar,
Luis Fernando Coelho, “Direito Alternativo”) e Alemanha (Maihofer
e Wolf Paul, seu discípulo, além dos demais estudiosos que se reuni-
ram em torno da Revista Justiça Crítica e dos teóricos da chamada
Jurisprudência Política-Alemã, Abendroth, Wiethölter etc.). Também
em estudiosos portugueses como Vital Moreira e Boaventura de
Sousa Santos pode-se identificar uma filiação ao modelo marxista de
ciência jurídica, enquanto Junichi Aomi aponta o marxismo como o
“segundo componente básico da filosofia do direito, logo após o
jusnaturalismo”, em seu país, o Japão84.

83. Cf. nesse sentido a abordagem num sentido político-crítico através dos es-
tudos marxianos, Willis Santiago Guerra filho, Teoria política do direito: uma in-
trodução política do direito, Brasília: Brasília Jurídica, 2000, principalmente o
Capítulo V – História do(ab)uso político da força de trabalho humano.
84. Cf. Tendências do pensamento jurídico, Rio de Janeiro, 1970, p. 31.

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Essa nova dimensão da ciência jurídica, mais sociológica
que normativa, não significa uma negação absoluta do modelo dog-
mático tradicional, sendo-lhe, na verdade, complementar. É uma
forma “zetética” de fazer ciência jurídica, para retomar a expressão
empregada por Viehweg, posto em voga entre nós por Tércio S. Fer-
raz Jr.85, que em sua busca da verdade não limita a pesquisa com o
dogma do direito positivo, mas transcende-o, para explicá-lo de fato,
pragmaticamente. Parafraseando Sartre, dir-se-ia que se trata da teo-
ria da ciência jurídica (epistemologia jurídica) insuperável de nosso
tempo, enquanto tempo da modernidade.

85. V. o prefácio escrito por mim em Dimas Macêdo, Estudos de teoria do


direito, Fortaleza, 1985, além, é claro, da própria obra, onde o assunto é abordado.

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2
A CONTRIBUIÇÃO DE JHERING PARA A
METODOLOGIA JURÍDICA

2.1. Inicialmente, é necessário que se ofereça um quadro


geral da obra jheringuiana, para melhor situarmos o tema propria-
mente deste capítulo. Essa obra, iniciada com a Dissertatio de here-
ditate possidente, em 1842, quando seu autor contava apenas vinte e
dois anos, conquista grande notoriedade a partir da publicação, ini-
ciada dez anos depois, do tratado, em vários volumes, onde consubs-
tancia as lições que desde 1845 vinha proferindo em diversas univer-
sidades (Basiléia, Rostock, Kiel e Gießen): “Der Geist des römischen
Rechts auf den Stufen seiner Entwicklung” (O espírito do direito
romano nos vários estágios de sua evolução).
No primeiro volume desse trabalho, verdadeiro Le-
benswerk, Jhering alinha-se dentre os que, a partir de G. Hugo e F.
K. von Savigny, pretendiam realizar estudos em direito aos quais se
pudesse atribuir um caráter de cientificidade, em consonância com a
época de prestígio do pensamento técnico-científico, que então se
iniciava. Entre os §§ 3 e 5 do livro mencionado86, o autor apresenta
o “Método da Exposição Histórica do Direito”, com o qual pretende
encetar suas investigações, partindo de uma concepção do Direito,
no início anunciada, em que ele é tido como “um organismo objetivo
da liberdade humana”, dotado de “qualidades de um produto da na-
tureza”, donde se depreende não estar referindo-se ao “organismo”
como categoria geral, mais que biológica, uma totalidade significativa,

86. Utilizei a versão francesa, L’esprit du droit roman dans les diverses phases
de son développement, trad. O. de Meulenaere, Paris, 1877, cit. pela abrev. L’esprit.
Há versão castelhana de trechos da obra, publicada na coletânea intitulada La dog-
mática jurídica, trad. E. Príncipe y Satorres, Buenos Aires, 1946, cit. pela abrev.
Dogmática.

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ao modo de filósofos como Schelling e Hegel e dos juristas da Esco-
la Histórica. Apregoa, como Savigny — pioneiro em sua preocupação
com a metodologia jurídica —87, a utilização de um método histórico,
mas não, como esse último propunha, valendo-se primordialmente
do instrumental empregado em pesquisas filológicas e da hermenêu-
tica desenvolvida nos estudos teológicos. Trata-se, portanto, de uma
simplificação falseadora, de que padece a concepção mais difundida
a respeito do pensamento metodológico de Jhering, ao situá-lo, em
sua primeira fase, como mero seguidor da Escola Histórica e da pan-
dectística, reservando para a segunda fase, com pensamento total-
mente diverso da primeira, a originalidade de nosso autor. Na verda-
de, Savigny introduz na ciência jurídica um paradigma das chamadas
Geistwissenschaften, as “ciências do espírito” ou “culturais”, tais
como a história, a filologia e a teologia, de onde toma de empréstimo
os cânones da hermenêutica. Já Jhering vai buscar uma aproximação
com as Naturwissenschaften, as “ciências da natureza”, de forma mais
evidente na primeira fase, mas também, com menos ingenuidade, na
segunda, como veremos adiante.
Conseqüente com a idéia do Direito como organismo
natural, o paradigma de Jhering era fornecido pela história natural:
a taxionomia da botânica, bem como a “fisiologia do organismo
jurídico” e a análise dos elementos que compõem os “corpos jurí-
dicos”, à maneira da química, de que fala no segundo volume da
obra em apreço, entre os §§ 44 a 4688. Daí ser o seu método deno-
minado “histórico-natural”89, já que ele preconiza seja superada o

87. A metodologia jurídica de Savigny acha-se exposta em obra originada das


anotações feitas por Jakob Grimm de um curso dado entre 1802 e 1803, publicada
por G. Wesenberg, com o título Juristische Methodenlehre, Stuttgart, 1951. Há
versão castelhana, Metodología jurídica, trad. J. J. Santa-Pinter, Buenos Aires, 1979.
A evolução do pensamento do autor a respeito da matéria está contida no início do
System des heutigen Römischen Recht (Sistema do direito romano atual), de 1840.
Há versão castelhana, publicada na coletânea La ciencia de derecho, trad. Werner
Goldschmidt, Buenos Aires, 1949, p. 29 e s.
88. Cf. L’esprit, v. 3, p. 48, e Dogmática, p. 133.
89. Cf. K. Larenz, Metodologia da ciência do direito, cit., p. 20; F. Wieacker,
História do direito privado moderno, trad. A. M. Botelho Hespanha, Lisboa, 1980,
p. 515.

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que chama de “jurisprudência inferior” — “jurisprudência” aqui
sempre entendida no sentido de “ciência do direito” ou “dogmática
jurídica”, tal como designa a palavra alemã Jurisprudenz —, ocu-
pada apenas com a interpretação e a sistematização do material
jurídico positivamente dado — como em linhas gerais propunha
Savigny —, sem “criar nada de novo”, e então que fosse ela desen-
volvida para tornar-se uma “jurisprudência superior”, dotada efeti-
vamente de “um caráter científico próprio, que a distingue das
outras ciências”, sendo essa “uma concepção particular do direito,
que denominarei história natural”90.
Note-se que a mesma preocupação “construtiva” é encon-
trada no discípulo de Savigny e professor de Jhering, G. F. Puchta, o
qual resgata para a pandectística o método de dedução lógico-formal,
axiomático, more geometrico, do jusnaturalismo racionalista, livre,
agora, de suas especulações metafísicas. É Puchta quem vai fornecer
a orientação seguida na Escola Histórica, e, em geral, na dogmática
jurídica alemã, a partir dos anos 30 do século XIX, influenciando,
inclusive, Savigny e entusiasmando Jhering quando jovem, segundo
atesta Wieacker91. Com ele, inicia-se a chamada “jurisprudência dos
conceitos” (Begriffsjurisprudenz), que, em consonância com o espí-
rito da filosofia idealista alemã, aponta como critério supremo da
racionalidade — e, logo, também da cientificidade — do conheci-
mento a sua exposição na forma de um sistema conceitual, deduzido
todo ele a partir de um conceito mais geral e abstrato, do qual se vão
extraindo outros, por dedução, de conteúdo mais determinado. Puchta
fala em uma “genealogia de conceitos”. Ao jurista caberia colaborar
na construção de uma “pirâmide conceitual”, em cujo vértice estaria
o conceito de Direito, revelando, assim, as “proposições jurídicas,
ocultas no espírito do Direito nacional”, sendo, portanto, seu trabalho
científico de se considerar fonte produtora de Direito92.
Espelhando-se nas ciências naturais, Jhering, por seu
turno, procura assentar na indução as instituições e noções jurídicas

90. V. loc. ult. cit.


91. Cf. ob. cit., p. 455-6.
92. Cf. Larenz, ob. cit., p. 15.

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Teoria da Ciencia Juridica - 00163 63 4/2/2009 13:31:48


que extrai da matéria jurídica amorfa, formada por disposições e
princípios normativos desconexos, a ponto de se ter, nas primeiras,
verdadeiros “corpos jurídicos” dotados de existência e vida indivi-
dual93. A semelhante concepção refere-se Larenz com ironia, por sua
pretensão de igualar-se às ciências da natureza, dizendo desconhecer
estudioso delas “a quem passasse pela idéia, através da pura combi-
nação de notas conceituais indutivamente adquiridas, algo como as
que utiliza a sistemática botânica, poder construir novas plantas, cuja
existência se desse como provada só porque fossem racionalmente
concebíveis!”94.
A tal colocação haveria como que uma resposta em Jhe-
ring, quando diz, a respeito de sua particular concepção histórico-
natural do direito, não se ter detido no exame “do que possa ter de
artificioso ou de natural nessa maneira de ver, e se ela se aproxima
da verdade das coisas ou se afasta dela”95. Estranha posição meto-
dológica, como que a solicitar um julgamento baseado no critério
pragmático de um avanço efetivo do conhecimento pelos resultados
obtidos, o que dispensaria maior fundamentação epistemológica,
com a qual também pouco se preocupavam os cientistas naturais da
época, coroados de triunfos em seu trabalho. Nesse sentido parece
ir a avaliação de Wieacker, para quem as “imagens do tipo ‘histó-
rico-natural’ não constituem declarações (verdadeiras ou falsas)
sobre o conteúdo das normas jurídicas, mas apenas apoios intelec-
tivos para a descoberta (inventio) de uma solução eficaz para os
problemas”96. Daí poder-se vislumbrar já nesse período inicial do
pensamento de Jhering algo do que virá à tona em sua fase tardia,
certas características comuns da postura fundamental assumida em
ambas, tais como a ousadia de criar, de produzir um pensamento
formador ou “con-formador” do Direito, de modo que este possa
atender sua missão, eminentemente prática, de fornecer soluções

93. Cf. Jhering, locs. ult. cits.


94. Ob. cit., p. 22. A tradução foi cotejada com o original em Methodenlehre
der Rechtswissenschaft, 4. ed., Berlin-Heidelberg-New York, p. 28.
95. Id. ib.
96. Ob. cit., p. 497.

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para problemas da convivência social. O que não está presente,
nessa primeira fase, e que dará o tom daquela posterior, é o desen-
cantamento com a possibilidade de se dar conta desses problemas
com a ciência jurídica, assim como ela vinha sendo praticada, o que
seria reflexo já de uma perda de “fé” na própria ciência, e nos pro-
gressos que traria, à luz da situação social na época.

2.2. Os juristas do século XIX, conforme já referido,


optaram por seguir o caminho indicado por Puchta, ignorando o
“desvio pseudocientífico natural”, proposto por Jhering, como ates-
ta a produção de B. Windscheid, o último grande sistematizador do
direito comum romano-germânico, um dos que mais contribuíram
para o que viria a ser o Código Civil alemão, o BGB, em vigor a
partir do primeiro dia do século XX. Windscheid, apesar das palavras
elogiosas ao método de construção jurídico-conceitual descrito por
esse último, opta por um “positivismo racionalista legal”, cujo for-
malismo o situa como lídimo representante da jurisprudência dos
conceitos97.
A partir de meados do século XIX, ou, mais precisamen-
te, entre 1861 e 1866, Jhering publica, anonimamente, as Vertrauliche
Briefe eines Unbekannten an die Herausgeber der Preußischen Ge-
richtszeitung (cartas confidenciais de um desconhecido aos editores
do jornal do Tribunal Prussiano), reunidas posteriormente na obra
Scherz und Ernst in der Jurisprudenz (O jocoso e a seriedade na
jurisprudência), de 1884, juntamente com outros trabalhos, como Im
juristischen Begriffshimmel (No paraíso dos conceitos jurídicos),
onde satiriza e até ridiculariza os adeptos de uma metodologia con-
ceitual na jurisprudência, seja na forma proposta por Puchta, seja
naquela aventada por ele próprio. Dá-se, aí, a “virada” de Jhering
para uma “jurisprudência pragmática” (Larenz), sendo de acordo com
essa nova orientação metodológica que será escrito o quarto e último
volume publicado do Espírito do direito romano, de 1864, bem como
o panfleto Der Kampf ums Recht (A luta pelo direito), de 1872, im-

97. V. Larenz, ob. cit., parte I, cap. 1, n. 1, ed. port., p. 24.

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buído da idéia evolucionista de Darwin, da “luta pela vida” (struggle
for life), vencida por quem tivesse mais força, e a obra de maior
significação desse período, ou, talvez, dentre todas as outras: Der
Zweck im Recht (A finalidade no direito), cujo primeiro volume apa-
rece em 1877 e o segundo em 1884, além de Der Besitzwille (A
vontade de posse), de 188998.
No mencionado quarto volume do Espírito do direito
romano, § 66, abandona-se o procedimento analítico, até então uti-
lizado na “descoberta de um sistema de regras, todas elas derivadas
de um princípio superior e intimamente ligadas entre si”, em prol do
desenvolvimento de uma “economia jurídica”, onde mais do que
construir uma teoria importa resolver problemas, casos concretos,
apresentados na vida moderna, ainda que com o Direito e a técnica
dos romanos, mas tendo em mente as instituições da época contem-
porânea e suas finalidades99. No fim desse mesmo volume, uma
segunda parte se inicia com um título dedicado à “teoria geral dos
direitos”, onde é apresentada a célebre definição de Jhering para o
direito subjetivo, como sendo “interesse juridicamente protegido”,
sobre a qual mais adiante nos debruçaremos. Pára por aí a obra,
restando inacabada, pois as forças intelectuais e o gênio de seu autor
se voltaram para a elaboração de projetos diversos, dentro de um
novo espírito.

2.3. A finalidade no direito é, como se disse, o trabalho


mais representativo dessa nova fase, em que as fantasias lógicas se

98. Também é nessa época, ano de 1868, em que Jehring apresenta em Viena
três importantes conferências que demonstram o contexto e a guinada de seus pen-
samentos sobre o Direito. Na conferência inaugural intitulada Ist die jurisprudenz
ein Wissenschaft? (É o Direito uma ciência?) Jhering afirma a necessidade de afas-
tamento do positivismo jurídico e também deixa claro sua diferenciação de Savigny
a respeito de que a verdade histórica não está estabelecida desde o início da história
no espírito do povo (Volksgeist), mas desenvolve-se no próprio processo histórico.
Entre nós há publicação da conferência referida traduzida por Hiltomar Martins de
Oliveira e prefaciada por Diógenes Madeu. Cf. Rudolf von Jhering, É o direito uma
ciência?, São Paulo: Rideel, 2005.
99. Cf. L’esprit, p. 238-9.

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desfazem pelo contato com a dura realidade social de um regime
capitalista já avançado, abandonado a sua própria sorte. No segundo
volume dessa obra o sofrimento, mais que o pensamento, é apresen-
tado como fator de modificação social. Desse sofrimento ter-se-iam
valido as doutrinas socialistas para “levantar” as massas, “as quais,
com poderosas batidas na porta, despertam os sonâmbulos de seus
sonhos”. Fala ainda da “pressão que as instituições estabelecidas
precisam exercer para que sejam percebidas, o abuso penetre profun-
da e dolorosamente na carne viva, para que o homem seja sacudido
e submeta à sua crítica as condições vigentes na atualidade”100.
A situação em que se encontrava a sociedade na época era
legitimada ideologicamente, na instância jurídica, por dogmas como
o da “autonomia da vontade”. Jhering vai, então, na obra A finalida-
de no direito, especialmente em seu primeiro volume, apresentar sua
“leitura econômica” do Direito e da ordem social como um todo,
procurando substituir o papel preponderante até aquele momento
atribuído, em teoria do direito, à “vontade” e à idéia que lhe é corre-
lata, do “arbítrio individual”, pelas figuras do “interesse” e da “coa-
ção social” para satisfazê-lo. Nesse deslocamento do eixo central na
teoria do direito da vontade para o interesse, Jhering recorre ao apoio,
por exemplo, de A. Schopenhauer, de quem cita a frase “querer sem
interesse é querer sem motivo; é um efeito sem causa”101. Aliás, a
influência desse filósofo parece ser mais presente no pensamento
tardio de Jhering do que até o momento se teria detectado, já que em
ambos se nota a preocupação com o homem concreto, dotado de
condicionamentos outros, até mais fortes, que a racionalidade102. “Se

100. Cf. Jhering, Der Zweck im Recht, Leipzig, 1905, v. 2 — cit. pela abrev.
Zweck, com a página da 1ª edição entre parênteses, p. 134-5 (172-3).
101. A evolução no direito (Der Zweck im Recht, v. 1), s/trad., Salvador, 1950
— cit. pela abrev. Finalidade —, n. 24, p. 73, nota.
102. Sobre o conteúdo da obra e acompanhando a crítica, interessante conferir
o entendimento de Arthur Kaufmann que demonstra como Jhering, na obra Zweck
im Recht, se afastou da sua jurisprudência construtiva que defendera inicialmente
tendo em vista que o lema da obra: o fim é criador de todo Direito, caracteriza ex-
plicitamente a nova projeção do pensamento, “Jhering opôs-se, decidido, ao culto
do lógico, pois a ciência jurídica não seria matemática. Determinante seria a consi-

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a vontade fosse uma potência lógica deveria ceder à coação da idéia
abstrata; mas é um ser real que se não deixa mover por simples de-
duções lógicas. Só atua sob o influxo de uma pressão real. Para a
vontade humana essa pressão é o interesse.”
Não falta, porém, razão a quem veja uma forte influência
de J. Bentham e sua filosofia utilitarista nessa fase tardia do pensa-
mento de Jhering, bem como em ilustres discípulos seus, como A.
Merkel103. Apenas, se se quiser ter uma fiel compreensão desse pen-
samento, é necessário despi-lo da conotação individualista, associa-
da normalmente ao utilitarismo. O próprio Jhering chama atenção
para esse fato, quando, citando Bentham, aponta para a transforma-

deração dos fins e esta levantaria a questão do sujeito que os produz (Zwecksubjekt),
porque os fins não produziriam, por si sós, o direito. Jhering via como verdadeiro
legislador a sociedade, que ele entendia como “acção conjunta dirigida a fins comuns”,
na qual cada um, na medida em que age para outros, age, também, para si, e enquan-
to age para si, age também para outros”. No entanto, em estranha contradição com
isto, Jhering ateve-se à concepção legal-positivista do monopólio estatal do estabe-
lecimento do Direito: “o direito é a suma coactivas vigentes num Estado...; o Estado
(é) a única fonte do direito”. Ainda assim, o direito é referido a um fim social, do
qual recebe seu conteúdo; todas as normas jurídicas têm “como fim o assegurar das
condições de vida da sociedade”. Jhering já não argumentava nem em termos lógicos,
nem psicológicos, mas sim em termos sociológico-utilitaristas (aqui já se toca,
claramente, no problema da relação entre racionalidade dos fins e racionalidade dos
valores, problema esse que, mais tarde, preocupou, sobretudo, Max Weber). Mas de
onde vem a “valoração dos fins”? Este é o calcanhar de Aquiles da sua teoria do
direito e não menos da jurisprudência dos interesses, que tem em Jhering seu autor
moral. Cf. Arthur Kaufmann, Introdução à filosofia do Direito e à teoria do Direi-
to contemporâneas, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, p. 172.
103. Cf. H. Coing, Benthams Bedeutung für die Entwicklung der Interessenju-
risprudenz un der allgemeinen Rechtslehre, ARSP, n. 54, Stuttgart, 1968, p. 67 e s.
De outro lado, é de se ressaltar a influência do pensamento da segunda fase de Jhe-
ring sobre a jusfilosofia realista e pragmática americana, através de expoentes seus
como Roscoe Pound. Cf., nesse sentido, J. Esser, Grundsatz und Norm in der ri-
chterlichen Fortbildung des Privatsrechts, 2. ed., Tübingen, 1964, p. 48 e s.; B. H.
Oppermann, Die Rezeption des nordamerikanischen Rechtsrealismus durch die
deutsche Topikdiskussion, Diss., Frankfurt a. M., 1985, p. 62; A. Gromitsaris, The-
orie der Rechtsnormen bei Rudolph von Jhering, Berlin, 1989, passim; e, por último.
O. Behrends (Ed.), Jherings Rechtsdenken. Theorie und Pragmatik im Dienste evo-
lutionärer Rechtsethik, Göttingen, 1996.

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ção de um critério de utilidade subjetiva e individual em medida da
utilidade social que sua doutrina permite, ao associar a virtude com
a busca de prazer e afastamento do desprazer, o que seria um erro,
que deve ser isolado das verdades que contém a doutrina104. Seu
utilitarismo, portanto, é por ele mesmo designado “utilitarismo so-
cial” (gesellschaftlichen Utilitarismus), para distingui-lo da versão
individualista inglesa105.
O princípio utilitário, porém, tal como enunciado por
Bentham, expressa um imperativo social de busca da “maior felici-
dade possível para o maior número possível”, e o indivíduo, agindo
para satisfação de seu próprio interesse, apenas por desconhecimen-
to ou falta de orientação, deixa de atuar de forma socialmente bené-
fica, pois as coisas irão melhor para ele à medida que forem melhor
também para a sociedade106. Por isso H. L. A. Hart, em livro publi-
cado em 1982, Essays on Bentham, ocupa-se em mostrar como o
realismo da doutrina social utilitarista teria prestado um serviço
muito maior ao desenvolvimento da sociedade em um sentido de
maior bem-estar de seus membros do que o idealismo das concepções
socialistas. Sem ter a clara percepção disso, Jhering posiciona-se
francamente contra o individualismo e a favor do socialismo, sem
deixar, porém, de fazer o registro de que este também pode levar ao
exagero, em sua ênfase na dimensão social da vida humana, em de-
trimento daquela individual, o que só pode ser evitado “se reconhe-
cermos a verdade que ele (o socialismo — WSGF) propaga”107.
Passando agora em revista as idéias centrais de A finali-
dade no direito, tem-se que, coerente com o pensamento que se vem

104. Zweck, p. 133-4 (171).


105. Id., p. 165 (212). Também no “prefácio”, p. XIII, há referência à forma
diferenciada de utilitarismo do autor, dito, igualmente, “objetivo”, talvez para rela-
cioná-lo ao “idealismo objetivo” de Hegel.
106. Nesse sentido, um dos primeiros a se posicionar foi o sábio belga Élie
Halévy, em lições recolhidas por Mary Morris e publicadas sob o título The growth
of philosophical radicalism, New York: The Macmillan Company, 1928, apud. O.
H. Taylor, em A history of economic thought, New York-Toronto-London, 1960,
p. 130.
107. Zweck, p. 135 (173).

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de apresentar, o autor aponta como fundamento de todo seu estudo a
distinção entre duas espécies de fins, que determinam a vontade e
orientam as ações humanas: aqueles individualistas, cujo móvel é a
realização egoísta dos próprios interesses, e aqueles que altruistica-
mente se voltam para o atendimento dos interesses comunitários da
vida em sociedade. Aqui, fica claro o distanciamento da filosofia de
Bentham, para quem a benevolência e o altruísmo são apenas uma
forma especial de buscar, egoisticamente, através dos outros, a própria
felicidade. Em Jhering, há uma autonomia da esfera da moralidade,
que se manifesta objetivamente, enquanto Sittlichkeit, em ações do
sujeito que não são voltadas para si mesmo, mas para os outros. As
ações egoístas movimentam a sociedade e por esta são reguladas
através de dois mecanismos jurídicos básicos: um econômico, o sa-
lário, e outro estatal, a coação. Não bastam, porém, o pagamento e
o constrangimento dos indivíduos para que se mantenha a ordem
social, o que só se dá por serem eles movidos por outras finalidades,
seja pelo sentimento do dever, seja pelo amor108. Deixemos, porém,
que nosso homenageado tenha a palavra para explicar sua postura
básica e programa de estudo:
“Eu não pretendo, como o direito natural, despedaçar ar-
bitrariamente a relação histórica que une o indivíduo à sociedade,
isolando-o, e opondo essa existência para si, puramente imaginária,
à existência para outrem, ou à vida real na sociedade. Eu tomo o
homem na posição que ele ocupa de fato no mundo real. Perscrutan-
do sua vida eu irei revelar nela os fins que têm por objeto a sua pró-
pria pessoa com exclusão da sociedade, isto é, de qualquer outra
pessoa, de qualquer outro fim superior. Estes fins, que nascem do
indivíduo e a ele regressam, são, como se sabe, designados pelo nome
de fins egoístas. Entre estes apenas três merecem a nossa atenção:
vou dispô-los em ordem sob a denominação geral de afirmação indivi-
dual ou egoísta de si, distinguindo-os segundo as suas diversas ten-
dências de afirmação — física, econômica, jurídica”.
“Os fins que compõem o segundo grupo são os fins sociais,
ou os que têm por objeto a vida em comum, e aos quais se liga tam-

108. Cf. id., p. 1 e s., e Finalidade, n. 25, p. 73.

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bém a missão do Estado. O seu interesse, para nós, não reside neles
mesmos: importam-nos pela maneira por que a sociedade e o Estado
chamam o indivíduo a cooperar na sua realização. A atividade desen-
volvida pelo indivíduo neste sentido será exatamente qualificada pela
designação de social. Dois móbeis geram a ação social do indivíduo.
Já conhecemos o primeiro, o egoísmo. O Estado e a sociedade subor-
dinam-no por meio da recompensa e do castigo. O segundo móbil é
o que nos dá a chave do problema da abnegação. É o sentimento do
destino moral da existência: o indivíduo não existe só para si, antes
é solidário com toda a humanidade. Obedecendo a este sentimento e
realizando assim o fim supremo de sua existência, o homem afirma-
se a si mesmo, e os atos desta categoria constituirão o que eu chama-
rei a afirmação moral do indivíduo”109.
O primeiro volume da “Finalidade no direito” inicia com
uma justificação do ponto de vista teleológico que adotará a exposi-
ção, seguida por considerações sobre o modo como indivíduo, so-
ciedade e Estado se posicionam um perante o outro, problemática
que Hegel desenvolve em sua Filosofia do direito e na qual podemos
ver o ponto central da reflexão na filosofia política de todos os tempos.
A solução apresentada por Jhering para essa questão a respeito do
que chama “a posição do homem no mundo” é condensada em três
aforismos, “as três pedras angulares de toda ordem jurídica, como de
toda ordem moral do mundo”:
“1º Eu existo para mim;
2º o mundo existe para mim;
3º eu existo para o mundo”110.
Adiante, os três aforismos são resumidos em uma só regra,
fundamental para a existência da sociedade, bem como para o homem,
que dela depende para existir: “cada um para o mundo e o mundo
para cada um”111.
O restante desse volume é dedicado ao estudo da “mecâ-
nica social” sob a perspectiva do indivíduo, o que significa estudar

109. Finalidade, n. 28-9, p. 77-8.


110. Id., n. 33, p. 84.
111. Id., n. 49, p. 105.

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os dois “motores inferiores ou egoístas do movimento social”: o sa-
lário e a coação. Dentre esses dois, “a coação é, sob o ponto de vista
psicológico, o menos nobre”112. Como se vê, Jhering não é tão “coa-
tivista” como se costuma apresentá-lo. Ali, importa acima de tudo
partir da consideração de como se dá a satisfação das necessidades
humanas, no que se percebe que, “para o homem como para o animal,
o meio mais simples de dar satisfação às suas necessidades é recorrer
às suas próprias forças”113. A diferença entre os dois estaria na cir-
cunstância de que os homens se viram forçados a unir-se em socie-
dade para suprir sua deficiência de força, se comparados com os
animais. Daí que se reúnem em comunidade, onde se servem uns dos
outros para satisfazer suas necessidades.
Como conseqüência, tem-se a rejeição de uma “concepção
tradicional do direito e da filosofia”, segundo a qual a força seria
algo de absolutamente negativo, que o Direito tratava de submeter e
afastar do convívio social, quando ela, na verdade, “exerce uma
função original de fundadora da ordem e de criadora do direito”114.
O Direito, portanto, origina-se da força, nasce do poder do mais
forte, que, em seu próprio interesse, o restringe, quando a vontade
individual se mostra aquebrantada a ponto de reconhecer a necessi-
dade de colaborar para a realização das finalidades comuns. Mesmo
quando se chega a esse estágio de desenvolvimento, em que o exer-
cício da força se acha regulado pelo Direito e organizado na forma
do Estado, ela ainda se mostra imprescindível para a realização
concreta, em última instância, da ordem jurídica, diante de sua vio-
lação. Necessária sim, suficiente não, pois, como já vimos, é impen-
sável uma ordem social em que os seus integrantes atuem apenas
mediante o constrangimento.
Com acerto aponta Wieacker, apoiando-se em Welzel, que
tal concepção do Direito como “força, tornada consciente de suas
vantagens”, apresentada na obra A finalidade no direito, aproxima
seu autor do modo como a doutrina marxista propõe seja encarada a

112. Id., n. 51, p. 111.


113. Id., n. 52, p. 113.
114. Id., n. 118, p. 223.

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relação entre o Estado e o Direito. Outro ponto de contato pode-se
vislumbrar na concepção marxista de ideologia, em que idéias se
mostram como a expressão de interesses de dominação. O mesmo
estudioso da história do direito que se vem de mencionar aponta que
a “genealogia do direito”, estabelecida por Jhering, colocando a
força como valoroso momento originário, teria exercido influência
sobre a concepção nietzschiana de “genealogia da moral”, bem como
em sua filosofia vitalista, exaltadora da “vontade de poder”115.
Não é de estranhar esse caso raro de influência de uma
obra jurídica em um círculo cultural mais amplo, em se tratando de
Jhering, pois é notória a penetração, inclusive entre o grande público,
de sua produção intelectual da fase tardia116. Um outro grande pen-
sador germânico, cuja afinidade, já devidamente registrada em sua
fortuna crítica117, com as idéias de Marx e Nietzsche, o aproximaria
também de Jhering, é Max Weber. Para detectar a coincidência entre
os pontos de vista do jurista que homenageamos e aquele sociológi-
co de Weber basta que se mencione a seguinte passagem, da lavra
deste último: “O direito existe quando há uma probabilidade de que
a ordem seja mantida por um quadro específico de homens que usa-
rão a força física ou psíquica com a intenção de obter conformidade
com a ordem, ou de impor sanções pela sua violação”118.
A finalidade no direito prossegue em um segundo volume,
que se ocupa exclusivamente de um dos “motores superiores da me-
cânica social”, ditos “não-egoístas ou éticos”: a moralidade social ou
costume (das Sittliche), a qual se uniria ao direito e à ética para formar
o “ordenamento moral” (die sittliche Ordnung)119. Nesse trabalho,
ainda carente de maior divulgação entre nós, o autor — como ele
próprio esclarece no “prefácio” (p. VII) — emprega o “método jurí-
dico” para obter clareza conceitual e segurança na manipulação de

115. Cf. ob. cit., p. 516-7 e 654-5, notas.


116. Cf. id., p. 514.
117. Cf. H. H. Gerth e C. Wright Mills, Introdução, in M. Weber, Ensaios de
sociologia, trad. Waltensir Dutra, rev. téc. Fernando Henrique Cardoso, 3. ed., Rio
de Janeiro, 1974, p. 80 e s.
118. Ib., p. 211, ou Economia e sociedade, parte III, cap. 4, princípio.
119. Zweck, p. 167 (214).

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noções não-jurídicas, pertencentes a um território vizinho ao do Di-
reito, ainda inexplorado, onde se situam gestos sociais de civilidade,
como a gentileza (Höfflichkeit), a consideração (Achtung), o decoro
(Anstand), a etiqueta (Umgangsformen), as formas verbais de corte-
sia (verbale Höfflichkeitsformen) e, até, as imposições da sociedade
quanto ao trajar-se, que é a moda, bem como em relação a posturas
do próprio corpo dos indivíduos, o simbolismo (Symbolik des mens-
chlichen Körpers) que se revela no aperto de mãos, numa simples
inclinação de cabeça ou no beijo como cumprimento, o levantar-se
com a entrada de alguém num recinto etc. “Todas essas expressões,
modos e atos”, resume nosso Clóvis Beviláqua, “convergem para o
mesmo fim: a proteção positiva das pessoas, antitética à proteção
negativa exercida pelo direito e pelo decoro”120.
Dentre os méritos do trabalho apresentado nesse segun-
do volume de A finalidade no direito poder-se-ia destacar, apenas
a título exemplificativo, a preocupação demonstrada, tanto no prin-
cípio como ao final da obra, em extrair da linguagem ensinamentos
sobre o tema estudado, um campo que, conforme sublinha o autor,
deveria no futuro vir a ser explorado, e mais pelos filósofos que
pelos lingüistas121. Efetivamente, a “virada lingüística” por que
passou a filosofia no século XX, sob a influência de filósofos, no
mais tão distintos em suas posturas básicas, como Wittgenstein e
Heidegger, comprovou o acerto do prognóstico e a correção do
procedimento, à frente de seu tempo, de Jhering. Também nos cha-
ma atenção sua perspicácia quanto ao poder simbólico que se ma-
nifesta através do corpo humano, nas diversas posições que assume
em determinados contextos — sentar-se, levantar-se, deitar-se, in-
clinar-se etc. —, algo para o que muito posteriormente atentará,
igualmente, o literato Elias Canetti, em seu monumental estudo de
toda uma vida, Massa e poder122. Nesse mesmo rumo, desenvolve-
se o conhecido estudo de Michel Foucault, Vigiar e punir, onde o

120. Juristas philosophos, Salvador, 1897, p. 81-2. Nesse sentido, v. também


Zweck, p. 377-9 (481-4).
121. Zweck, p. 14 (18).
122. Trad. R. Krestan, Brasília-São Paulo, 1983, p. 431 e s.

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corpo humano123 é apresentado como local privilegiado para se
fazerem conhecidas prescrições normativas, de modo ostensivo
em sociedades arcaicas, e de forma mais sutil nas sociedades
modernas124.
A finalidade no direito deveria ter prosseguido, comple-
tando-se sua primeira parte após o tratamento do “sentimento do
dever” e do “amor”, enquanto outros “motores sociais não-egoístas
do movimento social”, e em seguida com o precisamento do modo
como se relacionam as noções de “interesse” e “fim”. Numa segunda
parte, então, os resultados obtidos seriam empregados no repensar do
direito, tarefa que, infelizmente, foi interrompida, com sua morte, em
novembro de 1892.

2.4. Em relação à chamada “jurisprudência dos interesses”,


preconizada no princípio do século XX por P. Heck, é consenso entre
os estudiosos ter sido ela propiciada pela “virada metodológica”
empreendida por Jhering na fase tardia de seu labor científico, o que
era reconhecido pelo próprio Heck125. Com isso, dá-se uma funda-
mental mudança de enfoque, em teoria do direito, no sentido de se
visualizarem os problemas que as normas jurídicas se destinam a
resolver, o que deve suscitar uma preocupação maior com a solução
daqueles, advinda da aplicação das normas, do que, por exemplo,
com a manutenção dogmática de uma no sistema normativo. Já mais

123. Cf. nesse sentido, Marcel Mauss, Sociologia e antropologia, São Paulo,
Cosac Naify, 2003, em especial a sexta parte – As técnicas do corpo. Mauss influen-
ciou muito com esse ensaio os escritos de M. Foucault a que nos referimos e é,
também, importante autor para uma reflexão sobre a identificação de um estudo do
Direito nas sociedades primitivas.
124. Cf. Willis S. Guerra Filho, Sobre a inscrição jurídica e o disciplinamento
dos corpos, Revista de Ciências Sociais, v. 20-1, Fortaleza, 1989/1990, p. 265 e s.
125. Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz, 1932, p. 50 e s., apud Larenz,
ob. cit., p. 63, nota 18. V. também W. Krawietz, Zum Paradigmenwechsel im juris-
tischen Methodenstreit, cit., p. 141; M. Franzen de Lima, Da interpretação jurídica,
2. ed., Rio de Janeiro, 1955, p. 43; Tércio S. Ferraz Jr., Função social da dogmática
jurídica, cit., p. 72, texto e nota 83; J. de Oliveira Ascensão, O direito — introdução
e teoria geral, Lisboa, 1978, p. 497; Celso Lafer, A reconstrução dos direitos huma-
nos, São Paulo, Companhia das Letras, 1988, p. 57.

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Teoria da Ciencia Juridica - 00175 75 4/2/2009 13:31:49


próximo de nós, no segundo pós-guerra, a retomada da forma tópica,
problematizante, de pensamento na ciência do direito, propugnada
por T. Viehweg, representou um vigoroso impulso, no sentido de
reforçar a absoluta necessidade de uma tal postura para que a dog-
mática jurídica possa cumprir sua função social. Para usar termo de
N. Hartmann, empregado por Viehweg, trata-se de retomar uma for-
ma “aporética” de pensamento, complemento necessário da forma
sistêmica, axiomática126.
Jhering introduz o método teleológico de interpretação,
pelo qual se há de buscar, para além da intelecção gramatical, filoló-
gica, histórica e sistemática, a finalidade social, os interesses indivi-
duais, coletivos e públicos, que são beneficiados ou prejudicados,
com determinada interpretação, em busca do estabelecimento de um
equilíbrio entre esses diversos interesses, para que sejam atendidos
na justa proporção, requerida pela idéia de igualdade127. É essa idéia
de proporcionalidade, de sopesamento entre bens jurídicos conflitan-
tes, que será projetada no centro da metódica interpretativa, na Juris-
prudência dos Interesses e mais ainda naquela forma como ela hoje
se apresenta, a “Jurisprudência das Valorações” (Wertungsjurispru-
denz)128. Nessa “mudança de paradigmas” (Krawietz), não se pode
deixar de assinalar a evolução da idéia inicial de Jhering, até chegar
à atual Jurisprudência das Valorações, em que os interesses são trans-
mutados em valores, consagrados em princípios jurídicos, positivados,
em geral, na Constituição, um passo que, segundo G. Radbruch,
faltou ser dado por Jhering para escapar ao determinismo da sua
posição original129.
Entre nós, porém, é de se lamentar que, nesse aspecto
metodológico — que é, afinal de contas, o fundamental —, o pensa-

126. Cf. Viehweg, Topik und Jurisprudenz, 5. ed., München, 1974, p. 34.
127. Cf. Finalidade, n. 165, p. 302 e s. Um exemplo de seu método exegético
é dado por Jhering, ao tratar da questão dos lucros nos contratos. V. Jhering, Questões
e estudos de direito, Rio de Janeiro, Borsoi, 1967, p. 194 e s.
128. Cf. Willis S. Guerra Filho, O princípio constitucional da proporcionalida-
de, in Ensaios de teoria constitucional, cit., p. 69 e s.
129. Filosofia do direito, trad. Cabral de Moncada, 4. ed., Coimbra, 1961, v. 1,
p. 86.

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mento tardio de Jhering não teve a mesma influência registrada em
sua fase inicial, mais tradicionalmente dogmática130. Em que pese a
própria norma do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que
prescreve o atendimento de fins sociais com a interpretação das leis,
não é ainda predominante entre nós o entendimento, inerente à inter-
pretação teleológica, de que por seu intermédio o intérprete assume
uma necessária participação ativa na criação do direito131, o que re-
sulta, igualmente, numa expectativa maior em relação ao Judiciário
para que realize, concretamente, o equilíbrio entre os interesses sociais
conflitantes. Também essas idéias, ainda tão atuais, de que a doutrina
constrói o Direito e de que cabe ao Judiciário, fazendo-se permeável
a essas construções, a tarefa primordial de possibilitar ao Direito o
atendimento de seus fins últimos de paz, justiça e segurança na so-
ciedade, são as que se colhem in nuce na obra de R. von Jhering.

130. A filosofia jurídica de Jhering, como anota Clóvis, foi uma das principais
influências de Tobias Barreto e, com isso, da importante “Escola do Recife”, que o
teve como mentor. Cf. História da Faculdade de Direito do Recife, Rio de Janeiro,
1927, v. 2, p. 105. Já sobre a influência em Clóvis, v. Raimundo de Menezes e Ma-
nuel Ubaldino, Clóvis Beviláqua, São Paulo, 1960, p. 144 e s.; Paulo Bonavides,
Rodolfo von Jhering, uma fonte alemã na obra de Clóvis Beviláqua, in Teoria do
Estado, São Paulo, 1967, p. 221 e s.; A. L. Machado Neto, História das idéias jurí-
dicas no Brasil, São Paulo, 1969, p. 114.
131. Nesse sentido, Tércio S. Ferraz Jr., Função social da dogmática jurídica,
cit., p. 154.

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3
CONTRIBUIÇÕES RECENTES À
EPISTEMOLOGIA JURÍDICA

3.1. Iniciemos a presente revisão do pensamento epis-


temológico-jurídico com o que sugerimos chamar “modelo Dreier-
Alexy”, já que abordaremos uma concepção esboçada pelos pro-
fessores nas universidades alemãs de Göttingen e Kiel, Ralf Dreier
e Robert Alexy132, respectivamente. Este último, que pode muito
bem ser tido como discípulo do primeiro, denomina sua concepção
“tese da tridimensionalidade” (Dreidimensionalitätsthese)133, que
evitaremos para não confundi-la com a tridimensionalidade de
Reale.
Alexy desenvolve sua hipótese de trabalho procurando
esclarecer como se constituiria uma teoria (= ciência) jurídica e
dogmática ocupada com determinada ordem jurídica positiva. Con-
siderando tal teoria como aquilo que efetivamente se pratica sob o
nome de “ciência jurídica em sentido estrito”, “jurisprudência” ou
“dogmática jurídica”, o autor em apreço distingue três dimensões de
estudos desenvolvidos no âmbito dessa disciplina: uma dimensão
analítica, outra empírica e uma terceira normativa. Vejamos as tare-
fas atribuídas a cada uma delas.

132. Cf. Dreier, Recht — Moral – Ideologie, Frankfurt a. M., 1981, p. 10 e s.,
51 e s., 88 e s.; Alexy, Theorie der Grundrechte, Baden-Baden, 1985, p. 23 e s.
133. Alexy, ao referir posições aparentadas com a dele e Dreier, indica apenas
os sociólogos alemães do direito Rottleuner e Rehbinder, que empregariam a distin-
ção das três dimensões para individualizar as tarefas da dogmática jurídica, teoria
do direito e sociologia jurídica, o que caracterizaria tais posições, segundo Reale,
como dotadas de uma tridimensionalidade tão-somente genérica e abstrata, algo
praticado já desde há muito por teóricos de todas as latitudes, inclusive alemães. Cf.
Alexy, ib., nota 7; Reale, Teoria tridimensional do direito — situação atual, São
Paulo, l986, p. 25 e s., 71, passim.

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Na dimensão analítica realizar-se-ia um trabalho de ela-
boração conceitual e sistemática do direito positivo (eine begrifflich-
systematische Durchdringung des geltenden Rechts). Aqui se trata de
analisar conceitos jurídicos fundamentais, originários ou derivados
(p. ex., o de norma jurídica, sujeito de direito etc.), bem como cons-
truções doutrinárias (v. g., a teoria da imprevisão ou da desconside-
ração da pessoa jurídica), chegando-se até a investigar a estrutura do
sistema jurídico e dos instrumentos de fundamentação em direito, e.
g., quando se procura determinar as conseqüências de admitir que o
juiz regulamente uma situação jurídica concreta prescindindo da
necessária normatividade, julgando mandado de injunção, ou o em-
prego de um “princípio de proporcionalidade” para harmonizar
princípios e/ou direitos fundamentais em conflito em dado caso con-
creto, respectivamente134.
De uma dimensão empírica da ciência do direito, segundo
Alexy, interessa falar enquanto momento dedicado a conhecer uma
ordem jurídica, objetiva e positivamente dada, para descrevermos leis
e decisões judiciais e chegarmos, inclusive, a fazer um prognóstico,
uma previsão de como as últimas podem vir a ser tomadas135.
Objeto de estudo na dimensão normativa seriam “questões
relativas a valores” (Wertungsfragen), que o material normativo, es-
tudado na dimensão empírica, deixa em aberto ou resolve mal, dan-
do margem a que se faça uma crítica, fundamentada de forma racio-
nal136, para o que são condições prévias necessárias a clareza e a
univocidade dos conceitos, bem como a coerência do sistema forma-
do por eles em conjunto, trabalho que se faz na dimensão analítica.
Eis que as três dimensões mostram-se estreitamente interdependentes
no estudo de fatos, valores e normas que compõem o direito.

134. Cf., v. g., Willis S. Guerra Filho, Ensaios de teoria constitucional, cit., p.
39 e s., 69 e s.
135. Cf., a propósito, Atias, Épistemologie juridique, Paris, 1985, p. 132 e s.,
bem como a recensão da obra em Willis S. Guerra Filho, ARSP, n. 73, Stuttgart,
1988.
136. No mesmo sentido, Wróblewski, Cognizione delle norme e cognizione
attraverso le norme, in U. Scarpelli (Ed.), Studi dedicati a Norberto Bobbio, Milano,
1983, p. 427.

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A ênfase maior em um ou outro dos três aspectos suscita-
dos é que vai marcar a diferença entre abordagens conflitantes em
ciência jurídica, tanto na tradição continental e, mais especificamen-
te, germânica como naquela anglo-americana, resultando em enfoques
analíticos (Begriffsjurisprudenz, Analytical Jurisprudence, Kelsen,
H. L. A. Hart), empíricos (Movimento do Direito Livre, as diversas
Escolas históricas, sociológicas e realistas) ou axiológicos (Interessen
e Wertungsjurisprudenz, Ethical Jurisprudence, Teorias da Justiça e
do Direito Natural). A vinculação e o indissociamento das três di-
mensões seriam, porém, uma condição necessária para se ter uma
verdadeira ciência jurídica, racional, apesar de dogmática, pronta para
cumprir seu papel de disciplina prática, voltada para a solução de
problemas, dúvidas sobre o comportamento devido em face das nor-
mas jurídicas existentes.
A compreensão das três dimensões da maneira que propõe
o que aqui se considera como “modelo Dreier-Alexy” traz em rele-
vância ainda uma reflexão acerca da possibilidade de se identificar
uma quarta dimensão a ser proposta como implemento da própria
reflexão que se inaugurou.
Com isso, a intenção não é diretamente no sentido de
complementar a proposta de Alexy, mas sim de demonstrar os nuan-
ces de proposta pessoal adotada em epistemologia jurídica, uma te-
oria inclusiva em epistemologia da dogmática jurídica, nos próximos
tópicos a ser lançada e considerada.
Resta claro que a “modelo Dreier-Alexy” busca uma
descrição teórica sobre a ciência jurídica de maneira determinada
em relação à República Federativa da Alemanha, razão pela qual a
consideração de uma quarta dimensão se dar nos moldes que se
propõe.
Essa quarta dimensão seria uma dimensão deontológica
(doutrinária). Para entender a possibilidade de uma dimensão deon-
tológica através do “modelo Dreier-Alexy”, no entanto, é preciso,
anteriormente, situar o sentido de uma deontologia no campo da ci-
ência jurídica, o que pode se dar em direcionamento ao que se quer
atingir, pelo estudo da norma jurídica.
Na norma jurídica, sem cair na antiga discussão entre
imperativistas ou anti-imperativistas, não se divisa nem um impera-

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tivo, uma ordem, resultante de uma manifestação volitiva, algo da
ordem ôntica, do ser (Sein), nem um juízo, resultante de uma mani-
festação cognitiva, de natureza gnoseológica, mas sim algo interme-
diário a isso, uma expressão deôntica, uma prescrição de determina-
do tipo, que adquire seu caráter especificamente jurídico quando
inserida no contexto de um ordenamento jurídico137.
Portanto, essa expressão deôntica, inserida no contexto do
ordenamento jurídico, revela uma projeção também do sentido jurí-
dico do ordenamento, um ponto de efetividade, de concreção.
Nesse sentido, a dita dimensão deontológica (doutrinária),
que toma sentido na compreensão e desenvolvimento da teoria do
Direito, pode se dar de uma maneira também intermediária e se pro-
jetando ainda além da dimensão analítica (análise das construções
doutrinárias) e empírica (compreensão da descrição das leis e decisões
judiciais) e em extensão à dimensão normativa (discussão sobre a
clareza e univocidade dos conceitos). Isso, no sentido de configuração
dum corpus teórico substancial que implemente de maneira crítica o
próprio desenvolvimento da ciência do Direito considerado, agora
sim, em sua multidimensionalidade.
Essa dimensão deontológica possibilita um asseguramen-
to crítico da teoria do Direito enquanto possibilitadora de um estudo
potencialmente científico do Direito em atenção ao exercício e função
social que o mesmo tem como característica enquanto solucionador
das questões jurídicas. Daí surge a sua importante função de manter
aberta a discussão problematizante da teoria do Direito num viés
prático e de direta repercussão social, sustentando a possibilidade
através dessa abertura do emprego dos resultados das mais diversas
disciplinas a serem aproveitadas para o desenvolvimento científico
do Direito (Teoria Inclusiva) a ser mantida e produzida no contexto
dessa instância crítica mesma, ou seja, o revestimento crítico é a ela
inerente e ao mesmo tempo lhe ampara como potencial construtivo
do sentido de cientificidade do Direito.

137. Cf. Willis Santiago Guerra Filho, Processo constitucional e direitos


fundamentais, 5. ed., São Paulo: RCS, 2007, p. 51.

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3.2. Miguel Reale alinha o jusfilósofo polonês Jerzy
Wróblewski dentre os que se posicionam por um tridimensionalis-
mo de tipo “abstrato”138, abstratividade essa que residiria na cir-
cunstância de, por razões exclusivamente metodológicas e analíti-
co-formais, distinguirem-se três campos diversos de pesquisa,
polarizados em torno ora do fato, ora do valor, ora da norma, em
vez de captá-los em sua relação dialética de implicação-comple-
mentaridade. O pensamento de Wróblewski, que teria antecedentes
na tradição filosófica de seu país, em obras como as de J. Lande,
Studia z filosofi prawa, de 1959, e antes, em L. Petrazycki, Wstep
do nauki poiytyki prawa, veio a se tornar uma posição abertamen-
te assumida por toda a Escola polonesa, como se vê na obra cole-
tiva Teoria panstwa i prawa (2. ed., 1980, cap. II), de W. Lang, S.
Zawadzki e Wróblewski. De acordo com ele, a melhor solução do
problema epistemológico-jurídico obter-se-ia elaborando um mo-
delo integrativo, com uma abordagem multidimensional do direi-
to139. Também Alexy140 fala da ciência jurídica como uma “disci-
plina integrativa e multidimensional” — eine integrativ und
mehrdimensionale Disziplin.
De pronto, vale salientar que o recurso a “modelos” em
teoria jurídica foi pioneiramente recomendado por Reale, em
comunicação ao Congresso Internacional de Filosofia Jurídica e
Social de Viena, em 1968141, idéia desenvolvida amplamente em
O direito como experiência, do mesmo ano. Já o caráter “integra-
tivo”, preconizado como ideal para a ciência jurídica, traz-nos à
mente a Integrative Jurisprudence de Jerome Hall, considerada
por Reale142 como exemplo de um tridimensionalismo que já não
seria mais “abstrato”, e sim “específico”, por apontar para a ne-
cessária co-implicação de fato, valor e norma no estudo do direi-

138. Cf. ob. ult. cit., n. 10, p. 46-7.


139. Cf. Wróblewski, ob. cit., p. 413 e s.
140. Cf. ob. cit., p. 27.
141. Cf. Reale, Teoria tridimensional do direito, cit., p. 111.
142. Teoria tridimensional do direito, cit., p. 48-50.

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to, tenha esse estudo escopo filosófico, sociológico ou técnico-
normativo143.
O ponto de vista adotado pelo autor para “construir” qua-
tro dos modelos mais freqüentemente empregados por quem se dispõe
a fazer ciência jurídica — considerada um compósito de dogmática
jurídica e teoria do direito —, por ele denominado “modelo jurídico
tradicional”, “modelo jurídico moderno”, “modelo antijurídico” e o
seu “modelo integrativo”, é um “ponto de vista metateórico”. Empre-
gando uma terminologia elaborada pela chamada Escola Analítica
italiana, de Norberto Bobbio a Mario Jori, passando por Umberto
Scarpelli, pode-se dizer que estamos diante de uma “metajurispru-
dência”, a um só tempo “descritiva” e “prescritiva”144.
Seu caráter prescritivo, além do meramente descritivo, ao
qual, para muitos, deve cingir-se o enfoque metodológico, evidencia-
se quando Wróblewski destaca que as diferenças entre o modelo que
propõe e os demais residiria na variedade de posições no que chama
“axiologia do direito”145. Essa disciplina ocupar-se-ia da determinação
do tipo de assertivas aptas a fazer parte de uma ciência jurídica. Em
seguida, aponta a diversidade na valoração dos distintos campos das
“ciências jurídicas”, no âmbito das teorias subjacentes a cada mode-
lo. Para aquela do modelo integrativo, no entanto, todos esses campos
de estudo seriam de igual importância em seu approccio multidimen-
sionale al diritto146.

143. Reale registra que, não obstante sua tomada de posição em favor de uma
“coalescência específica”, o trabalho de Hall teria um cunho pronunciadamente
sociológico, subordinando os demais elementos àquele fático. A coincidência dos
pensamentos dos dois autores é anotada por Pedro R. David, Prólogo, apud Hall,
Razón y realidad en el derecho, Buenos Aires, 1959, p. 16 e 19. Hall é referido por
Wróblewski, loc. ult. cit., p. 424, nota 31, juntamente com autores e escolas contem-
porâneas orientadas para a captação do fenômeno jurídico em toda sua complexida-
de, chegando a citar a Teoria Egológica de Carlos Cossio, mas não a Teoria Tridi-
mensional de Reale.
144. Cf. Jori, Saggi di metagiurisprudenza, Milano, 1986, e Guerra Filho, loc.
ult. cit., ARSP, 1988.
145. Cf. ob. cit., p. 426.
146. Em suas próprias palavras, o autor resume da seguinte forma sua abordagem:
“Abbiano a che fare con l’area tradizionalmente inclusa nella dogmatica giuridica,

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O autor se bate, portanto, contra o reducionismo e pelo
incremento das fontes cognitivas para estudos e pesquisas em direito,
e, logo, pelo que chamamos em outro local de “teoria inclusiva em
epistemologia jurídica”147, um traço, aliás, da chamada “discussão
pós-moderna”148.
Examinando o modo como o estudioso polonês detalha
sua proposta, não fica claro até que ponto ela implica uma opção
por uma “multidimensionalidade”, que, nos termos de Reale, seria
a um só tempo “concreta” e “dinâmica”149, ao contrário do que se
verificou no modelo Dreier-Alexy. A concreção e a dinamicidade
do modelo integrativo estariam comprometidas, por exemplo, quan-
do se fala da necessidade de estabelecer “áreas de competência”,
demarcando o campo de pesquisa e atuação dos especialistas em
ciências diversas, a fim de solucionar de forma “multidimensional”
(rectius: interdisciplinar) determinado problema jurídico, evitando
os “óbvios perigos do ecletismo superficial”150. A intenção da Teo-

ma questa dogmatica giuridica é legata alla considerazione dei diritto come fenome-
no sociale ed è connessa a scelte valutative esplicite che si giustificano secondo la
specifica assiologia accettata dalla teoria data”.
147. V. Willis Guerra Filho, Inclusive theories and conjectural knowledge in
legal epistemology, ARSP, n. 75, 1989.
148. Cf. Z. Bauman, Legislators and interpreters: on modernity, post-moderni-
ty and intellectuals, Oxford, 1987, p. 4 e 143-5; Boaventura de Sousa Santos, Intro-
dução a uma ciência pós-moderna, Porto, 1989, p. 27, 39, passim.
149. Cf., v. g., Reale, Teoria tridimensional do direito, cit., p. 57.
150. Cf. Wróblewski, ib., p. 429. Nesse contexto, vale lembrar, com Boaventu-
ra de Sousa Santos (Introdução a uma ciência pós-moderna, cit., p. 83), que o uso
concomitante de várias investigações, próprio de um pluralismo metodológico que
todos desejamos, não se deve confundir, por um lado, com o “anarquismo metodo-
lógico” do everything goes de Paul Feyerabend, nem, por outro lado, com o “ecle-
tismo metodológico”, já que, “ao contrário do primeiro, parte de uma lógica de in-
vestigação que prescreve normas para a seleção e utilização dos métodos, e porque,
ao contrário do segundo, a mesma lógica de investigação limita a diversidade de
métodos utilizados e estabelece hierarquias entre eles”. Posta a questão nesses termos,
é forçoso concluir que, se o anarquismo metodológico é claramente repudiado na
(meta)teoria em exame, não parece que ao ecletismo esteja ela totalmente imune.
Isso se evidencia no que poderíamos chamar de exagerado “liberalismo” do modelo
integrativo polonês, que abrangeria tanto “teorias axiologicamente orientadas”, como

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ria Tridimensional do Direito, porém, como sabemos, é evitar
qualquer isolamento de um dos três aspectos do fenômeno jurídico,
quando objeto de investigação, seja de que natureza for, jurídica,
científico-social ou filosófica.
O que também traz à reflexão a maneira como Reale ao
propor como fontes materiais (fato e valor) e como fonte material
(norma) uma herança positivista, de matriz kantiana, ao passo que a
formulação da norma se dá enquanto os fatos são implicados valora-
tivamente pela norma, ou seja, após o surgimento da norma passam
a estar de lado o fato e o valor.
A esse respeito foi precisa a observação do Mestre Leo-
nardo van Acker, o inolvidável patriarca da filosofia contemporânea
no Brasil, quando qualificou de “transcendental” a posição de Reale
em face do problema da determinação das condições que possibilitam
o acesso à experiência jurídica, indicando o fato e o valor, integrados,
como essas condições, permanecendo a norma jurídica como objeto
inteligido, ainda que “con-criado” por um “ato objetivante”, o “ato
fundante da ciência”151. Já Wróblewski, acompanhando Carlos Cos-
sio, considera a própria norma como condição transcendental do
conhecimento jurídico, tida como “um fato social que pode ser usado
para adquirir conhecimento sobre outros fatos sociais”152.

3.3. O autor dos “ensaios de metajurisprudência”153, Ma-


rio Jori, conforme já referido, pertence à Escola italiana de positi-
vismo jurídico analítico, assim como Norberto Bobbio, Umberto
Scarpelli e outros menos conhecidos. Ao primeiro é devida, por
exemplo, a noção de “metajurisprudência” (jurisprudência entendi-

são classificadas doutrinas tão díspares como aquelas jusnaturalistas, fenomenoló-


gicas e culturalistas, como também aquelas ditas “axiologicamente neutras”, exem-
plificadas por posturas analíticas, empíricas e mesmo as marxistas.
151. Cf. Van Acker, Experiência e epistemologia jurídica, Revista Brasileira de
Filosofia (RBF), fasc. 74, São Paulo, 1969, p. 146-8; Reale, ib., 234-5; Ferraz Jr.,
id., p. 227-8.
152. Cf. Carlos Cossio, Teoría de la verdad jurídica, Buenos Aires, 1964, p. 63
e s.; Wróblewski, ob. cit., p. 441.
153. Jori, Saggi di metagiurisprudenza, cit.

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da como “ciência jurídica”), que aparece no título da obra, bem como
a especificação ulterior, distinguindo entre metajurisprudência “pres-
critiva” e “descritiva”. A metajurisprudência, ou “metodologia jurí-
dica”, está no mais elevado dos três planos, através dos quais é
possível identificar relações metalingüísticas significativas (meanin-
gful) no direito. No primeiro plano está situada a visão “de baixo”
das relações entre as normas da ordem jurídica, i. e., entre normas e
metanormas. No meio, temos as relações metalingüísticas entre
normas jurídicas e o estudo delas pela jurisprudência, considerada
como um “discurso” sobre o Direito. A abordagem “do alto” é aque-
la da metajurisprudência, enquanto “filosofia de direito que se ocu-
pa do pensamento jurídico” (p. 15). A metajurisprudência descritiva
analisa os discursos sobre o Direito, para mostrar como eles são re-
almente, ao passo que aquela prescritiva tenta dizer como eles deve-
riam ser. Mario Jori considera um princípio analítico fundamental a
distinção entre descrição e prescrição, que ele chama “a Grande Di-
visão”, observando ser possível aplicá-la em todos aqueles três planos,
já que é possível “do alto” prescrever à jurisprudência que descreva
ou prescreva, assim como é possível descrever uma jurisprudência
que descreva ou que prescreva, e assim por diante (p. 38).
Em sua obra, Jori enfatiza o aspecto prescritivo, pois, de
acordo com sua própria avaliação da chamada filosofia analítica ou
lingüística, sua primeira fase, de empirismo radical, já passou, e o
neopositivismo encontra-se agora em uma fase de “empirismo liberal”,
após a “revolução prescritiva”, iniciada com o livro de R. M. Hare
The language of the law. E, afinal de contas, uma metodologia tem
de lidar com regras, i. e., prescrições. Dessa forma, é compreensível
que a teoria de Scarpelli venha considerada como exemplo de uma
metodologia prescritiva. Esse autor nega qualidades empíricas à ci-
ência jurídica, bem como a possibilidade de ela se tornar uma ciência
empírica, já que deve ater-se a um direito positivo determinado. Para
Jori, esse é um tipo de juspositivismo já superior àqueles de Kelsen
ou Bobbio, na medida em que é uma forma “aberta” de normativismo,
a qual admite outras posições, não-positivistas, pois ela nos deixa
cônscios do fato de que todo método repousa em opções metodoló-
gicas, que requerem justificativas e responsabilidades sobre elas, com

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base em interesses e critérios políticos. Como se pode ver, uma tal
abordagem traz para o positivismo idéias críticas como as de Haber-
mas em Conhecimento e interesse. Nós teremos uma oportunidade
melhor para discutir o modelo de Scarpelli adiante, se começarmos
agora a passar em revista o livro de Jori, capítulo por capítulo.
O primeiro capítulo tem o título curioso de “O jurista
selvagem”, uma alusão a O pensamento selvagem, de Lévi-Strauss,
e é uma tentativa de esboçar uma metodologia interdisciplinar. Seu
ponto de partida é a comparação do chamado “pensamento primi-
tivo ou selvagem” com processos cognitivos estabelecidos, relacio-
nados a disciplinas não-empíricas, como direito, história, teologia,
lingüística, e de forma bastante instrutiva ele passa a comparar
também a forma como a mentalidade primitiva foi encarada em
antropologia com o modo como uma epistemologia empírica orto-
doxa considera os resultados dos estudos daquelas disciplinas. Um
exemplo esclarecedor é fornecido por Alf Ross em seu conhecido
ensaio “Tû-Tû”, em que a crença de uma tribo fictícia no poder de
certas expressões é apresentada como uma metáfora do engano
universal de juristas a respeito de conceitos como os de “direito
subjetivo” ou “propriedade”, ao considerá-los substancialmente,
hipostasiando-os. Tanto os especialistas em direito como os “selva-
gens” não estão conscientes do erro fundamental em que incorrem
no julgamento que fazem sobre a natureza real de meras palavras.
Os realistas como Ross seriam então uma espécie de missionários
catequizadores, com a incumbência de mostrar o modo real e cien-
tífico de entender o direito (p. 51-2).
Para Jori, uma tal postura é semelhante àquela dos segui-
dores de uma corrente em antropologia social, iniciada por E. E.
Evans-Pritchard, para quem o modo selvagem de pensar é tão racio-
nal e lógico como o nosso. A grande diferença entre os dois repousa
na diversidade de suas matrizes (background) culturais. Essa aborda-
gem (approach) conduz a um relativismo cultural e a teorias “piedo-
sas” (merciful), mas não supera os limites do positivismo, pois, para
o positivismo lógico, influenciado pelas idéias de Ludwig Wittgens-
tein, em suas Investigações filosóficas, todo sistema lingüístico ou
conceitual tem uma racionalidade interna, de forma que o pensamen-

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to coerente pode ser encontrado também em discursos não-científicos.
Não obstante, a superioridade da razão científica continua implicita-
mente associada ao empirismo (p. 53-7).
O próximo passo em teoria antropológica é dado por Peter
Winch (em The idea of a social science), com a assertiva de que
devemos interpretar as ações humanas “de dentro”, tomando como
real o que os agentes pensam ser real, para entender o significado que
atribuem a elas. Esse significado encontra-se entendendo as regras
que pautam aquelas ações. Não surpreende que Jori aponte a concep-
ção de ciência social de Winch como uma fonte da distinção de H.
L. A. Hart entre assertivas ou pontos de vista internos e externos ao
sistema jurídico (ambos, na verdade, “beberam” de uma fonte comum,
o citado filósofo austríaco Wittgenstein, com quem estudaram em
Oxford). Inesperada, porém, é sua sugestão de como a teoria de Hart
pode contribuir para aperfeiçoar aquela de Winch, com a introdução
da “regra de reconhecimento”. O relativismo cultural absoluto desse
último conduz a uma rejeição da possibilidade de contradições inter-
nas entre ações e ideologia imperante em um sistema cultural, bem
como à exigência de descrições científicas que correspondam exata-
mente à imagem que os membros da sociedade fazem dela, compro-
metendo seus resultados. A regra de reconhecimento (rule of recog-
nition) de Hart torna possível falar de uma perspectiva externa, na
medida em que deve ser identificada “de fora”, ao mesmo tempo em
que permite individualizar cada norma de uma ordem jurídica de
forma empírica, ao associá-las com o fato de que causam a conduta
de observá-las (p. 63-74).
No segundo capítulo, Jori discute algumas posições sobre
a relação entre modelo empírico de ciência e status científico da
dogmática jurídica. Muitas dessas posições baseiam-se na crença de
que um discurso razoável deve ser empírico para oferecer um conhe-
cimento confiável, o que Jori denomina “falácia descritivista”. Ele
examina algumas teorias jurídicas de destaque que sobrestimam o
significado do empirismo, começando com aquela de Giovanni Ta-
rello, para quem a ciência jurídica tradicional não pode ser científica
devido à sua natureza ideológica. Esse autor desenvolve o que Jori
chama de “micrometajurisprudência”, na medida em que considera

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os problemas de uma dogmática jurídica cognitiva relacionados com
as proposições e enunciados de uma ordem jurídica isoladamente,
que seriam dados empíricos falsificados pelas inúmeras (e inevitáveis)
interpretações feitas, ao se proceder à descrição da malha de normas
de uma ordem jurídica. Tal teoria é classificada como realista, assim
como aquela dos escandinavos, como Alf Ross e Karl Olivecrona,
examinadas em seguida. Este último, à diferença de Ross, não reco-
nhece sequer um valor prático aos resultados da ciência jurídica
tradicional que sejam controláveis intersubjetivamente, já que ele,
como Tarello, dá muita ênfase aos seus compromissos ideológicos
(p. 81-101).
Contra todas essas versões de realismo jurídico atentaria
sua recusa da possibilidade de se fazerem assertivas axiologicamen-
te neutras que não tenham um suporte empírico, o que acarreta um
ceticismo quanto à imparcialidade da interpretação de normas e uma
tendência a aquiescer conformistamente com a interpretação domi-
nante. Um exemplo recente de teoria jurídica que tenta superar
essas dificuldades é a do finlandês Aulis Aarnio, de acordo com a
qual há um consenso básico entre os juristas (o que os romanos
chamavam comunis opinio doctorum) sobre a interpretação correta,
que confere um critério racional para a aceitação dela pela “comu-
nidade jurídica” ou “audiência”. À diferença do realismo, na con-
cepção de Aarnio, a pesquisa jurídica não precisa ser empírica, o
que ele considera mesmo impossível, já que sua função é fornecer
um instrumento auxiliar neutro para suprir necessidades práticas
dos usuários do direito, buscando entender o significado das normas
com que operam. Jori se pergunta se a busca de consenso assim
requerida não é análoga à investigação da eficácia social das normas
jurídicas pela sociologia do direito. Ele pensa também que o mun-
do de normas, consenso e práticas é um assunto que a ciência jurí-
dica compartilha com outras disciplinas igualmente não-empíricas,
como a semiótica. Ele propõe, então, uma ciência jurídica descriti-
va enquanto disciplina ocupada com a descrição de normas, man-
tendo neutralidade em face das opções (políticas), de que elas são
a expressão, observando que ao lado de toda disciplina desse tipo
pode haver sempre uma outra, de natureza empírica, para estudar o

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mesmo objeto, sendo isso o que a sociologia jurídica representa
para o direito (p. 103-8)154.
O próximo capítulo é sobre o método analítico de Hart,
acentuando sua ocupação com a linguagem ordinária, no que revela
seu background filosófico. Ao sopesar a influência de J. L. Austin e
Wittgenstein, procura demonstrar a vantagem do primeiro, pela forma
como Hart recolhe inicialmente o que pode aproveitar de discursos
e teorias anteriores, antes de apresentar sua própria versão, dando
assim um bom exemplo daquele tipo de abordagem chamada “pie-
dosa”. Já um monografista alemão entende ser muito maior a ascen-
dência de Wittgenstein na forma como Hart formula conceitos jurí-
dicos, o que merece ser considerado, levando ainda em conta que
também Austin foi discípulo do mestre vienense155.
O quarto capítulo desenvolve uma comparação entre o
que é chamado uma abordagem “objetual” e uma outra, dita “me-
todológica”, em ciência jurídica. A primeira lida com a determina-
ção do objeto do discurso jurídico, sendo o melhor exemplo dela
dado justamente pela investigação de Hart do conceito de Direito.
Essa é uma abordagem “de baixo”, que certos condicionamentos
históricos e sociais tomam como típica para sistemas de common
law. A outra tende a ser prescritiva e a explicar o Direito “do alto”.
Aqui o modelo de Scarpelli é considerado exemplar e comparado
com o de Hart. Para Jori, o primeiro é melhor, no sentido de que
está mais próximo da prática em ciência jurídica, pelo motivo de
ordem cultural de que a eficácia normativa é menos importante num
país de Civil Law como a Itália. Scarpelli considera uma ordem
jurídica e sua norma fundamental como expressão das forças polí-
ticas predominantes em uma sociedade, quando ela se organiza
constitucional e democraticamente, e admite que outra ideologia
implicaria definição diferente dessa sua e, por isso, identificaria
outra norma fundamental e, a partir dela, uma ordem jurídica total-

154. Cf. Aarnio, Lo racional como razonable. Un tratado sobre la justificación


jurídica, trad. Ernesto Garzón Valdés, Madrid, 1991, p. 178 e s.
155. Cf. Horst Eckmann, Rechtspositivismus und sprachanalytische Philosophie.
Der Begriff des Rechts in der Rechtsheorie M. L. A. Harts, Diss., p. 101-7.

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mente diversa. Daí ter ele falado em uma “variedade de normas
fundamentais” (p. 234-8, passim).
O capítulo seguinte apresenta uma tentativa de analisar o
“pensamento jurídico positivo”, isto é, a concepção que os operado-
res do direito têm dele. Para eles não há dificuldade em afirmar a
existência da ordem jurídica com a qual trabalham, enquanto os filó-
sofos nunca concordam sobre esse ponto, mas suas especulações são
de qualquer forma desprovidas de interesse para os primeiros, segun-
do eles próprios, para quem uma ordem jurídica é o que confere meios
para identificar o que é de se considerar como “Direito”. Para o sen-
so comum dos juristas, portanto, o próprio direito diz que coisa ela
é, sendo essa tida como uma questão jurídica, e não filosófica. Nesse
ensaio de “metajurisprudência descritiva”, Jori entende, contudo, que
o processo de individuação de uma ordem jurídica demanda tanto
uma fase “filosófica” de definição, como uma outra, propriamente
jurídica, na qual se toma a definição de Direito adquirida na primei-
ra como critério para encontrar a norma (positiva) fundamental, sobre
a qual repousa todo o sistema. Característico desse pensamento jurí-
dico “positivo” — que não se confunde com o “positivista” — não é
nem a recusa de fazer aquela definição de Direito, nem a adoção de
uma definição qualquer em particular, mas sim a complexidade do
processo mesmo, através do qual essa definição é adquirida, e a for-
ma como ela adere aos conteúdos da ordem jurídica que ela individua
(p. 297-8). Assim, os profissionais do direito usariam um conceito
(lexical) de linguagem ordinária do direito, corrente como um dado
cultural em determinada “comunidade” (a jurídica), o que os torna
aversos a tentativas filosóficas de impô-los algum outro conceito.
Em sua análise, Jori usa uma distinção semiótica entre
áreas conceituais “sólidas” e “mórbidas”, que associa ao que John
Austin chamou “direito propriamente dito” (law properly so called)
e Hart “casos patológicos” de existência do direito, respectivamente.
Ele refere também a diferença entre “postura definidora livre” (atte-
ggiamento definitorio libero) e “postura definidora vinculada norma-
tivamente” (atteggiamento definitorio vincolato al dato giuridico). A
área sólida do conceito de Direito é dada pela referência à norma
fundamental, e, se adotarmos aí uma postura definidora livre, a nor-

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ma fundamental, assim definida, pode adquirir características que
determinadas normas do ordenamento podem não possuir, como, por
exemplo, “justiça” ou “eficácia”, com o que se explica aquela rejeição
natural dos operadores jurídicos a esse tipo de definição. Na verdade,
várias dessas normas e institutos, isoladamente considerados, termi-
nam por estar localizados na “penumbra” da área mórbida, no “lim-
bo” entre o Direito e o não-Direito. Haveria, então, dois caminhos
para “solidificar” tais áreas: uma forma jurídica, através de modifi-
cação na ordem jurídica por meio das autoridades investidas de poder
para realizá-las, e uma forma filosófica, pela qual se modificam os
próprios conceitos no sistema jurídico, para abranger também a ano-
malia verificada. No tratamento desses casos patológicos é que o
jurista positivo aceita a utilização da postura definidora livre, mas
não a ponto de reconhecer no teórico do direito uma autoridade nor-
mativa e sua opinião como “fonte do Direito” (p. 279-89).
A discussão desse assunto, por último suscitado, é apro-
fundada no último capítulo da obra aqui resenhada, sobre os princípios
no Direito italiano, os quais são um excelente exemplo de fenômenos
da “área mórbida”, com importância decisiva para o sistema e pen-
samento jurídico, em que o papel a ser desempenhado pela teoria do
direito é fundamental.

3.4. A obra de Atias, anteriormente referida, representa


uma tentativa de fundamentar uma “epistemologia jurídica descri-
tiva”, a qual teria caráter teórico, embora distinta da epistemologia
enquanto ramo da filosofia, já que seria uma disciplina científica,
cujo objeto não é o Direito propriamente, mas sim o seu conheci-
mento. A tarefa dessa disciplina seria entender os diversos proce-
dimentos através dos quais o Direito é conhecido. O autor distingue
dois tipos básicos de procedimentos, chamando um deles de forma
“incontestável” de saber jurídico, ao passo que os demais seriam
formas “vulneráveis”. No primeiro caso, o que se tem em mente é
a dogmática jurídica, que o autor chama “ciência jurídica aplicada”,
enquanto entre as disciplinas do segundo tipo figuram a filosofia
do direito, rebatizada de “ciência jurídica fundamental”, e a episte-
mologia jurídica.

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A chamada ciência jurídica aplicada é considerada um
primeiro plano do conhecimento jurídico. Seu objetivo é a previsão
de decisões jurídicas dos mais variados tipos, i. e., não só aquelas
oriundas dos tribunais e juízos. É a esse objetivo que se subordina a
sistematização racional levada a cabo por aqueles que a praticam, os
operadores do direito. Não é preciso nem dizer que essa modalidade
de ciência jurídica é a que goza de maior prestígio social. Num se-
gundo plano coloca-se a ciência fundamental do direito, que colabo-
ra naquela obra de sistematização realizada pela primeira, e, como
ela, também se propõe a realizar uma pesquisa de natureza científica,
visando a descoberta de regularidades, leis em sentido científico. Em
terceiro plano, numa posição já bem mais frágil, estaria a filosofia do
direito, considerada como uma espécie de instância crítica, respon-
sável pela possibilidade de mudança e progresso na ordem jurídica
positiva. No quarto e último plano, na posição mais vulnerável de
todas, é que se coloca o estudo epistemológico dos princípios, pos-
tulados, métodos e resultados da cognição do fenômeno jurídico,
voltado para sua melhoria. A esse fenômeno pertencem não só as
disposições normativas de legisladores e juízes como também as
doutrinas jurídicas, o que significa que a ciência jurídica contribui
para a constituição de seu próprio objeto (p. 91).
No segundo capítulo da obra, Atias situa a epistemologia
jurídica no contexto mais amplo da epistemologia em geral, uma vez
que assume ser o problema de conhecer um objeto um só e o mesmo
para todas as áreas, apesar de cada uma ter dificuldades peculiares
para serem superadas, como, para a ciência jurídica, a necessidade
de lidar com a liberdade inerente ao homem e com outras realidades
intangíveis, que obstaculizam, por exemplo, um tratamento experi-
mental156.
O autor sumaria algumas posições a respeito da questão
epistemológica, desde aquelas clássicas de Aristóteles, Tomás de

156. Sobre esse problema propõe-se que a história forneceria uma experiência
do passado, que atuaria como substituta da verificação indutiva em laboratórios,
apesar de não fornecer uma experiência imediata do fenômeno jurídico — v. Atias,
Épistemologie juridique, cit., p. 105.

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Aquino, Descartes e Kant, até as contemporâneas de Bolzano,
Whewell, Bachelard, Piaget, Von Bertalanffy, os neopositivistas do
“Círculo de Viena”, Wittgenstein, Karl Popper, Hayek e T. S. Kuhn.
De acordo com Atias, Hayek deve ser considerado o “pai” da episte-
mologia jurídica, já que devemos a ele o reconhecimento da riqueza
de uma tradição intelectual seletiva e antiqüíssima no campo dos
estudos jurídicos. O racionalismo crítico de Popper, por seu turno,
estaria exercendo a maior influência no momento, como se nota na
demanda pluralística de cooperação de outras ciências e disciplinas,
mesmo aquelas especulativas, na busca sempre incerta (“falibilista”)
do conhecimento. Outra influência decisiva sobre Atias é exercida
por Jeanne Parain-Vial, principal fonte para a investigação de maior
vulto na obra aqui comentada sobre a natureza do fato nas ciências
jurídicas, que passamos agora a examinar.
O fato para a ciência aplicada do direito é tudo aquilo a
que o Direito conecte conseqüências jurídicas, i. e., um efeito. Já a
ciência fundamental do direito estuda os fatos em um segundo plano,
tal como eles lhe são transmitidos pela ciência aplicada, cabendo-lhe
investigar toda sorte de condicionamentos, ideológicos, históricos,
sociológicos, antropológicos, filosóficos, demográficos etc., que in-
fluenciam as decisões sobre o que devem ser aquelas conseqüências
ou efeitos. Tais dados não estritamente jurídicos são os fatos objeto
de estudo da teoria geral do direito, enquanto ciência jurídica funda-
mental — ou, pelo menos, deveriam ser. A epistemologia do direito
examinaria a elaboração dos fatos pela ciência do direito, visando
demonstrar como as doutrinas jurídicas contribuem para o desenvol-
vimento do Direito (p. 143-4, passim).
Em capítulo dedicado ao estudo do método da ciência
jurídica, Atias aponta para a necessidade de o jurista estar atento à
variedade das atividades que desempenha. Uma primeira distinção a
ser feita é aquela que funda a epistemologia jurídica, nomeadamente,
a distinção entre a dupla origem, institucional e doutrinária, de um
conceito jurídico. A segunda distinção seria aquela das atividades de
um jurista enquanto professor e cientista, já que o primeiro, por razões
didáticas, tende a simplificar os assuntos que trata e a apresentar seus
ensinamentos como algo revestido de certeza, o que prejudica a fa-

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culdade científica básica da dúvida. Uma última distinção concerne
aos dois tipos de ciência jurídica, a fundamental e a aplicada, de modo
que a primeira possa manter sua postura crítica em face da segunda,
de molde a permanecer uma salvaguarda contra os perigos da espe-
cialização excessiva imposta pelas exigências da práxis.
O próximo passo no trabalho do Prof. Atias é o desenvol-
vimento de uma teoria “dialógica”, que implica uma concepção não-
redutiva de ciência do direito, já que, afinal de contas, ela comporta
sempre grandes divergências de opiniões, que devem ser incluídas na
prática dessa ciência. Por isso ela é considerada uma ciência “com-
preensiva”, e não “explicativa”, pelo que a controvérsia, enquanto
aproximação de duas lógicas diferentes, “dia-logicamente”, é tão
importante para ela. Daí tratar-se de uma ciência “aberta” e “frágil”,
e, empregando a terminologia de T. S. Kuhn, pode-se dizer que o seu
“estado normal” é aquele de uma ciência “revolucionária”, a qual se
ocupa basicamente da refutação das doutrinas dominantes (p. 201).
O último capítulo do trabalho em tela trata do tema, tipi-
camente popperiano, do progresso do conhecimento em ciência jurí-
dica, posto em relação à idéia de Kuhn de que não haveria evolução
contínua, mas sim séries de revoluções científicas. A conclusão de
Atias, com relação à ciência do direito, é de que não se aplicaria a
ela a distinção de Kuhn entre fases “normal” e “revolucionária”, pois
essa ciência “permanecerá sempre aberta e frágil; ela não pode se
abandonar à auto-satisfação da ciência normal”. O principal motivo
apontado para essa situação é a sua sensibilidade, muito maior que a
das ciências naturais, à influência de elementos ideológicos157.

3.5. O primeiro “obstáculo epistemológico” (Bachelard)


que se deve superar ao refletir sobre a ciência do direito é a refutação
freqüente de seu status científico. Ninguém duvida da existência de
uma técnica jurídica, para se operar em uma determinada ordem
jurídica, bem como para auxiliar na sua construção e manutenção. É
também evidente que uma tal atividade repousa em um conhecimen-

157. V. Épistemologie juridique, cit., p. 201.

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to tecnológico, transmitido em monografias, manuais e universidades.
O que se torna difícil identificar, contudo, é a ciência da qual emanam
essa tecnologia e as técnicas correspondentes, tendo em vista os
critérios definitórios da atividade científica, identificados na prática
das “ciências-modelo”. Hernandez Gil discute esses critérios na pri-
meira parte de seu opúsculo sobre epistemologia jurídica158, iniciando
com o conhecido ataque ao valor científico da dogmática jurídica por
parte de Kirchmann, no século XIX, passando em seguida a consi-
derar posição negativista contemporânea, devida a Lévi-Strauss. O
autor sustenta que aquilo tudo que já se disse contra o caráter cientí-
fico dos estudos jurídicos, como, por exemplo, a variação incontro-
lável de seu objeto e a ausência de rigor em seus conceitos, pode hoje
em dia ser dito também para as “ciências-modelo”, como a matemá-
tica e a física.
Em seguida, considera a possibilidade de a chamada ci-
ência jurídica em sentido estrito, a dogmática jurídica, ter natureza
realmente científica, uma vez que ela não pode deixar de ser, pelo
menos em certa medida, normativa. A resposta dada é positiva, com
a observação de que para atingir esse objetivo ela deve evitar tanto a
redução positivista à mera descrição de normas como a extensão
jusnaturalista à prescrição destas, para limitar-se à formulação de
assertivas válidas apenas para determinada ordem jurídica, como foi
feita pelo fundadores da ciência do direito, no século XIX, estudando
o direito romano. Também se predica o “incremento dos pontos de
vista cognitivos do direito”, o que significaria a abertura da ciência
jurídica tradicional para contribuições de ciências empíricas, tais
como o direito comparado, a história e a sociologia do direito, bem
como para as de ciências formais, sendo assim consideradas a teoria
geral do direito, a lógica jurídica e a juscibernética. Esta última per-
tenceria ao grande número daquelas disciplinas recentes, que se
ocupam da análise da relação de elementos com o todo que compõem,
dentre as quais figura o estudo semiótico da linguagem jurídica, de
onde Hernandez Gil espera advir os resultados mais proveitosos para

158. Problemas epistemológicos de la ciencia jurídica, Madrid, 1981.

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o conhecimento do direito, conforme assinala inúmeras vezes em sua
obra, desde o prefácio, e fundamenta na última parte do trabalho.

3.6. Passemos em seguida a analisar as mais valiosas


contribuições da doutrina brasileira à epistemologia jurídica.

3.6.1. Em Verdade e conjectura, Reale pretende consumar


sua posição a respeito de questões ontológicas, próprias da metafísi-
ca, ou, como ele a prefere denominar, “ontognoseologia”, as quais
entende que estejam implícitas nas investigações filosóficas do valor,
do conhecimento etc., feitas pela ética, jusfilosofia, axiologia e epis-
temologia. Interessa-nos aqui mostrar implicações de sua abordagem
no nosso assunto específico, a epistemologia jurídica.
A tese central do trabalho é a de que é possível adquirir
conhecimento sobre aquelas realidades além da experiência empírica
situadas no domínio da metafísica. Esse conhecimento, no entanto,
tem uma natureza diversa do científico, o qual se reporta à realidade
fenomênica, entendendo o autor que a primeira dessas formas de
conhecimento pode ser tão racional quanto a outra se reconhecermos
seus limites e possibilidades. O conhecimento metafísico é tido como
conjetural, e não devemos esperar que nos dê conceitos como aque-
les da ciência, mas sim idéias que condicionem nossa experiência e
envolvam os objetos de nossa percepção em um horizonte, o qual
pode ser ampliado à medida que ampliamos nosso conhecimento. A
conjetura, aqui, não é um ponto de partida para um conhecimento
científico, como aparece no racionalismo crítico de Popper, mas sim
um conhecimento em si mesmo, de um tipo diferente, em que a con-
jetura convincente já é o ponto de chegada, uma vez que não é pos-
sível fornecer soluções verificáveis empiricamente, como faz o co-
nhecimento científico. O fato de não possuir um objeto de estudo
empírico não impede que se trate questões “como se” fossem tais
objetos, uma vez que elas são encontradiças na experiência intersub-
jetiva. O que ocorre, então, é que uma investigação desse tipo cons-
titui seu objeto no processo de conhecê-lo, de forma que é difícil
exagerar o papel que nela desempenha a imaginação criativa. Não
obstante, esse não é um domínio a ser deixado apenas para a intuição

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e a fé, já que lida com questões de importância decisiva, que devemos
encarar da maneira mais racional possível, de forma que o autor
enfatiza a utilidade do recurso a estudos semióticos de realidades
como “linguagem não-verbal” ou das noções de “vaguidade” e “in-
determinação”.
As conseqüências desse pensamento para a epistemologia
jurídica são evidentes, já que o conhecimento jurídico seria, em
grande parte, de se considerar conjetural, no sentido que lhe atribui
Reale. Nessa perspectiva, disciplinas como a política do direito, teo-
ria da justiça, hermenêutica jurídica, teoria geral do direito e mesmo
a dogmática jurídica recebem uma legitimação de seu status cogni-
tivo, ao mesmo tempo em que se aponta para rumos de sua prática,
bem como para o tipo de resultados que delas se pode esperar. O
autor termina sua exposição defendendo a aceitação de um pluralis-
mo em assuntos científicos, com o que vem ao encontro da posição
inclusiva, referida há pouco com relação ao problema específico da
epistemologia jurídica.
Já Nova fase do direito moderno é o título do novo livro
do filósofo do direito mais famoso do Brasil no século XX, o qual se
tornou conhecido, dentre outras, pela sua Teoria da Tridimen-
sionalidade no âmbito da ontologia jurídica — ou seja, segundo sua
própria expressão, através da qual esse campo de estudos filosóficos
vem denominado: “ontognoseologia jurídica”. O livro é uma coletâ-
nea de ensaios, e seu próprio título já mostra que o autor não se
deixa impressionar pelo atual discurso tão repetido a respeito do fim
da modernidade e começo da pós-modernidade. Reale segue ainda
as idéias dos antigos racionalistas, as quais ele descreve num contex-
to atualizado, que combinaria com a jurisprudência dos valores do-
minantes desde a época do pós-guerra. Um bom exemplo disso é a
sua postura em face do direito natural.
Passando do segundo ensaio desse volume, “Historicismo
axiológico e direito natural”, ao terceiro, “Do direito segundo a na-
tureza ao direito para a natureza”, indo até o quarto, “A pessoa. Valor
essencial — fonte do direito”, é defendida uma interpretação do di-
reito natural que quer afastar-se das versões “transcendentes” e das
“transcendentais” remanescentes. A primeira concepção é típica da

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idade antiga e média, a qual via o direito natural sob um plano ideal,
universal e imutável, ou seja, sob um plano não-histórico e claramen-
te endeusado. O “direito natural transcendental” torna necessário,
naturalmente, um retorno a Kant, que descreveu o homem como
sendo condição transcendental de todas as possíveis experiências
jurídicas (cf. p. 60 e s.). A “Humanidade” é uma qualidade inalienan-
te de cada ordenamento jurídico, que apenas poderá ser caracterizado
como tal através da sua apreensão. Na opinião de Reale seria, porém,
necessário superar todas as concepções abstratas e formais de Kant,
assim como já aconteceu com Hegel. Mas também a sua “fusão” do
“ser” e do “dever ser”, ou seja, a redução do “dever ser” ao “ser” não
é satisfatória. A concepção de Reale é, como ele mesmo enfatiza, a
pregada por E. Husserl. Aquela de um “historicismo axiológico” —
como foi denominada pelo filósofo italiano Luigi Bagolini —, con-
cepção essa que prevê a dupla determinação e complementação do
“ser” e do “dever”, assim como do aspecto pessoal, isto é, subjetivo
do mundo das pessoas, de um lado, e aspectos sociais, ou seja, obje-
tivos, de outro. O direito natural é sempre mais, ou um pouco dife-
rente das prescrições consolidadas no direito positivo, mesmo que
elas já tenham sido alguma vez concebidas como princípios do direi-
to natural. Ele somente poderia ser concebido através do reconheci-
mento da forma “conjetural”, que teria de partir da “conjetura” de
que os valores e a liberdade da natureza humana estão constantemen-
te se ampliando (p. 46 e s.).
Aqui, tem-se de chamar atenção para o fato de que,
como é apontado na “Introdução” do livro, este deve ser entendi-
do como tendo tido sua base na obra, anteriormente comentada,
do autor Verdade e conjetura, com sua concepção de um “conhe-
cimento conjetural, ou seja, da razão”, que o descreve como uma
tentativa de falar sobre as coisas da forma mais racional possível,
quando não se possa fazer sobre elas nenhuma formulação cien-
tífica comprovável.
O novo livro de filosofia do direito de Reale deverá, então,
ser lido como uma aplicação do “modo de pensar conjetural” num
campo em que ele parece ser mais apropriado que em qualquer outro.
A discussão a respeito do direito natural oferece um exemplo disso,

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assim como aquela sobre “Teoria da Justiça”, objeto da primeira — e
a mais elucidativa — parte desse livro. Lá, Reale discute a respeito
tanto do desenvolvimento tradicional como também do desenvolvi-
mento mais moderno nessa área. Ele chega, então, à conclusão de
que a Justiça tem de ser abordada como uma idéia transcendental,
que determina a experiência jurídica e ao mesmo tempo mostra sem-
pre novos aspectos nessa experiência. Para a designação dos novos
aspectos são usadas expressões como “igualdade”, “imparcialidade”,
“adequabilidade”, “proporcionabilidade” e semelhantes (p. 41). A
experiência jurídica, ou seja, a experiência da idéia de Justiça, é,
então, resumida como uma tentativa sempre suscetível a renovações,
uma tentativa constantemente renovada de alcançar o máximo de
objetivos individuais e coletivos possível ao mesmo tempo. No final
é abordada a “conjetura”, que nos recorda o moderno “discurso ético”,
tão abordado na filosofia alemã, na qual a Justiça é apresentada como
sendo um ideal, jamais realizável, de convivência de pessoas, as quais
se comuniquem livremente e com respeito mútuo relativamente às
suas singularidades.

3.6.2. Aloysio Ferraz Pereira propõe a recuperação de um


“paradigma perdido”, o direito natural (jus naturale), assim como era
concebido na filosofia aristotélica, que, juntamente com o correspon-
dente modelo científico para o estudo jurídico, foi empregado pelos
“pais” do direito romano, com seu método abrangente da observação,
dialética e interpretação, para encontrar soluções de casos concretos
em harmonia com a Justiça. O Direito é tido como “um modo de ser,
entre outros, do homem em sua existência”, relacionado com o “ho-
mem em sua totalidade, sua estrutura originária” (p. 102), enquanto
ser social, onde o direito encontra sua “naturalidade”. A ciência ju-
rídica é considerada uma “virtude”, ao buscar a realização de justiça
em um ambiente social concreto159.
Correlatamente aos três aspectos do método antigo de
abordagem do direito, acima mencionados, o autor distingue entre

159. Cf. O direito como ciência, São Paulo, 1980, p. 25.

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três manifestações da atividade téorica no direito: 1ª) uma ciência
humana, dedicada à observação de regularidades na sociedade, para
o que se aconselha o uso da abordagem fenomenológica, a fim de se
ter acesso à “natureza” dos fenômenos envolvidos; 2ª) uma tecnolo-
gia, lidando com problemas da práxis do direito, para o que se reco-
menda o exercício da dialética, tal como concebida numa tradição
que remonta a Aristóteles, chegando às contribuições modernas de
Kant, Hegel e Marx; 3ª) uma técnica, ou “arte”, enquanto hermenêu-
tica existencial, a ser aplicada na interpretação de situações concre-
tas, o que requer a absorção de ensinamentos das mais diversas
fontes e mestres, tais como Heidegger, Freud e Marx, como faz, por
exemplo, Paul Ricoeur.
A conclusão a que se chega do exame das posições, aqui
sumariadas, de Hernandez Gil e Aloysio Ferraz Pereira sobre a pro-
blemática jurídico-epistemológica seria no sentido de defini-las como
“teorias inclusivas”, já que ambas recomendam a inclusão no campo
de estudos tradicional do direito de resultados provenientes de pes-
quisas em ciências empíricas, formais e da especulação filosófica.
Nesse contexto, pode-se observar a importante tarefa reservada à
epistemologia jurídica, que seria mostrar como diversos esforços no
tratamento de assuntos jurídicos podem ser reunidos na realização de
um estudo científico do Direito, o qual, de acordo com ambos os
autores em questão, deve estar pronto para ir além de sua abordagem
tradicional, a fim de descobrir, como qualquer outra ciência, a natu-
reza ideológica equivocada de soluções jurídicas, através da revelação
de estruturas mentais recônditas e invariáveis, os paradigmas que
condicionam valorações e racionalizações da prática jurídica no
âmbito de uma ordem normativa positiva.

3.6.3. A título de contribuição pessoal, apresento em se-


guida um esboço de minha proposta para abordar a questão funda-
mental da epistemologia jurídica. Em primeiro lugar, parece correto
afirmar que se verifica atualmente, em diversos posicionamentos
sobre o conhecimento jurídico, uma aceitação generalizada da varie-
dade de saberes que o compõem e da necessidade de inclui-los todos,
ou o máximo possível, a fim de obter uma qualidade científica mais

102

Teoria da Ciencia Juridica - 001102 102 4/2/2009 13:31:51


elevada para aquele conhecimento. Esse tipo de abordagem vem
sendo qualificado recentemente de “pós-moderno”, por relacionado
com uma necessidade de convergência dos diversos sistemas de co-
nhecimento, os quais se autolegitimam em sua prática e se tornam
válidos na medida em que nos conscientizamos de que todos estão
fundamentados em opções arbitrárias com caráter localizado. É a
consciência dessas limitações e o consenso em torno dos requisitos
essenciais para o entendimento mútuo que tornam possível a troca de
conhecimentos entre esses sistemas160. Para pressupor um consenso
sobre a natureza do trabalho científico, um sólido ponto de partida
hoje em dia é fornecido pela epistemologia de Karl R. Popper. Para
ele, ciência é um conhecimento sobre um objeto, que pode ser testa-
do intersubjetivamente pela referência a uma base empírica161. Ten-
temos aplicar esse esquema ao conhecimento jurídico.
Em relação às propriedades do objeto desse conhecimen-
to, devemos reconhecer que ele é parcialmente objetivo, se conside-
rarmos o fato de que toda forma humana de organização social possui
regras, que podem ser identificadas como jurídicas, de acordo com
um certo conceito de direito, livre de um viés estatal. Mas essas regras
não são em si mesmas objetivas, uma vez que o seu conteúdo é esta-
belecido subjetivamente, pela observância de determinações ideo-
lógicas prevalecentes no grupo submetido às regras, sobre a forma
como reagir no futuro a possíveis condutas. Um outro componente
da discussão pós-moderna de que se pode lançar mão agora para
explicar o sistema jurídico é a noção de autopoiesis, a qual corres-
ponde à propriedade de certos sistemas de (re)produzirem a si mesmos.
Para evitar o perigo de se perder o contato com os objetivos da pro-
dução da ordem jurídica, em virtude de sua autoprodução, sendo
nesses objetivos que se encontra o fundamento justificador de todo o
sistema, é que se propõe como primeiro (e/ou último) requisito para
entender o Direito a prática daquelas disciplinas especulativas ou
“conjeturais”, como a filosofia do direito, com uma abordagem crí-

160. Cf. Zygmunt Bauman, Legislators and interpreters: on modernity, post-


modernity and intellectuals, cit., esp. p. 4 e 143-5.
161. V. The logic of scientific discovery, London, 1972, p. 43 e s., 93 e s.

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tica da idéia de justiça e dos demais valores pertencentes à esfera
ideológica.
O controle intersubjetivo de assertivas científicas sobre o
Direito pode ser aperfeiçoado por aquelas disciplinas formais que
tratam do fenômeno da comunicação, como, por exemplo, a ciberné-
tica, a teoria da informação, a semiótica, a teoria geral dos sistemas,
e também por abordagens filosóficas, como as da filosofia da lingua-
gem, da filosofia hermenêutica e da epistemologia, a qual fornece a
moldura teórica (framework) para atestar cientificamente o que dis-
cutem os sujeitos. No Direito, em particular, encontramos disciplinas
trabalhando nessa dimensão, como a teoria geral do direito e do es-
tado ou a teoria geral do processo, além daquelas mais recentes, como
as teorias da legislação, administração e jurisdição (Gesetzgebung,
Verwaltung e Rechtsprechungslehre). Também se podem mencionar
a lógica específica das normas, a lógica deôntica, e os modos de
pensamento não-formais, como a retórica, a tópica, lógicas do diálo-
go (dia-lógicas) em geral, lógica do razoável e da persuasão, teorias
da argumentação e interpretação etc.
A base empírica para testar resultados em ciência jurídica
é fornecida por fatos coletados por ciências sociais como a antropo-
logia e a sociologia do direito, a ciência política etc., enquanto outras
disciplinas fornecem dados sobre a ordem jurídica de outras perspec-
tivas: a pesquisa diacrônica é feita pela história do direito, enquanto
a sincrônica, num eixo horizontal, paradigmático, pelo direito com-
parado, e, no plano vertical, hic et nunc, sintagmático, pela dogmá-
tica jurídica, à qual cumpre sistematizar o corpo de regras e decisões
judiciais de uma dada ordem jurídica, a fim de aperfeiçoá-la. Essa
última é a ciência jurídica por excelência, e nossa tese é de que,
quanto mais se empregarem resultados das diversas disciplinas aqui
mencionadas, consciente de suas funções, maior será a cientificidade
do estudo do direito.
A partir da concepção epistemológica ora esboçada, po-
dem-se estabelecer alguns parâmetros metodológicos para o trata-
mento científico da matéria jurídica pelos estudiosos da dogmática
jurídica. É o que se passa a expor em seguida.

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4
PARÂMETROS METODOLÓGICOS DE UMA
ABORDAGEM CIENTÍFICA DO DIREITO

4.1. A investigação dos assuntos jurídicos, tendo em vista


o estado atual da ciência que lhe é correspondente — em um momen-
to de transformação produtora e não de reprodução metódica162 —,
não pode prescindir ainda, como ocorre usualmente em outras áreas
do conhecimento, de uma maior discussão do método utilizado em
sua execução. Isso porque nem sequer em relação a esse problema
fundamental e primeiro chegaram já a um consenso os estudiosos da
matéria.
Inicialmente, cumpre esclarecer qual a natureza desse
trabalho de fixação de parâmetros metodológicos, para o que se in-
voca a palavra de autor reconhecidamente capacitado para tanto. “A
metodologia de uma ciência”, afirma Karl Larenz, “é a sua reflexão
sobre a própria atividade. Ela não pretende somente, porém, descre-
ver os métodos aplicados na ciência, mas também compreendê-los,
isto é, conhecer a sua necessidade, a sua justificação e os seus limites.
A necessidade e a justificação de um método decorre do significado,
da especificidade estrutural do objeto que por meio dele deve ser
elucidado. Não se pode, portanto, tratar da ciência do Direito sem,
simultaneamente, tratar também do próprio Direito. Toda e qualquer

162. O conceito de “transformação produtora” denota o momento em que um


saber se constitui como ciência. É utilizado por Thomas Herbert, em Remarques
por une théorie générale des idéologies, Cahiers pour l’Analyse, n. 9, Paris, 1968.
O estudo clássico sobre esse primeiro momento, em relação às ciências naturais,
deve-se ao grande sábio francês Gaston Bachelard: La formation de l’esprit scien-
tifique, Paris, 1937 (trad. bras. Estela dos Santos Abreu, Rio de Janeiro, 1996). Já
o momento da “reprodução metódica” é tematizado pelo mesmo Bachelard em
obras posteriores como Le rationalisme appliqué, ib., 1949, e Le matérialisme
rationnel, id., 1952.

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metodologia do Direito se funda numa teoria do Direito, ou, quando
menos, implica-a”163.
Não se tem, evidentemente, nenhuma pretensão ou possi-
bilidade de forjar toda uma teoria do direito nos limites de uma dis-
cussão preliminar. Vai-se cuidar apenas de tematizar o problema
central na fundamentação de uma metodologia jurídica, que seria
aquele da cientificidade do direito como disciplina cognitiva.
Prosseguindo ainda com Larenz a reflexão, que conjectu-
ra se o saber dos juristas não passaria, por exemplo, de uma técnica
ou tecnologia (a expressão utilizada em alemão, de sentido pleonás-
tico se traduzida literalmente, é technische Kuntslehre), responde o
autor que a seu ver “a ciência do Direito é de fato uma ciência (e não
apenas uma técnica ou tecnologia, embora seja também isso), na
medida em que desenvolveu certos métodos que se dirigem a um
conhecimento racionalmente comprovável. Conclusão a que não
obstam nem a circunstância de ela nunca poder atingir o grau de
‘exatidão’ que caracteriza a matemática e as ciências da natureza,
nem a de muitos dos seus conhecimentos só terem uma validade
circunscrita no tempo”164. Nessa passagem, evidencia-se aquela es-
pécie de “complexo de inferioridade”165 de que se ressentem as ciên-
cias sociais de um modo geral, em face das ciências naturais, em
relação às quais é vedado o estatuto de ciência e diante do que pre-
cisam afirmar-se como tais. Entretanto, a situação atual é bem distin-
ta daquela de meados do século XIX, quando Kirchmann externou
seu descrédito no caráter científico do direito, porque este varia con-
forme a latitude e a vontade do legislador.
Tomando a título de exemplo as ciências físicas, cuja
elaboração matemática dos dados naturais é tida como paradigmáti-
ca, ter-se-ia que, pela sua evolução no século XX, o “inimigo” pode

163. Metodologia da ciência do direito, cit., Prefácio, p. X.


164. Id., ib., Introdução, p. XIII.
165. Do “complexo de inferioridade” do jurista em relação ao cientista e da
ciência que estuda o Direito em relação às demais, falou já Norberto Bobbio em
lições coligidas em livro. Cf. Teoria della scienza giuridica, Torino, 1950, p. 56
e 204.

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ser vencido em seu próprio terreno. A pesquisa do nível subatômico
de organização da matéria, realizada no âmbito do novo ramo da
Mecânica Quântica, demonstrou uma completa inadequação da abor-
dagem clássica própria da Mecânica newtoniana, pois, ao contrário
do que se dá no plano macroscópico, no mundo infinitesimal das
partículas atômicas não se pode prever com precisão a ocorrência de
eventos isolados, mas apenas fornecer uma probabilidade estatística
do comportamento de sistemas. Assim, pelo princípio da incerteza
ou indeterminação de Heisenberg, não é possível determinar com
exatidão a posição e o momentum (dimensão, velocidade e direção)
de uma partícula, tendo sido verificado continuamente, através da
experimentação, que quanto mais se sabe sobre um, menos se conhe-
ce do outro. Pelo princípio fundamental da complementaridade,
formulado por Niels Bohr, em se tratando, por exemplo, de uma
partícula de luz (fóton), esta pode simplesmente, em dado momento,
deixar de ser um corpúsculo e tornar-se uma onda de energia, isso
sem nenhuma causa identificável ou razão determinante, o que in-
fringe, a um só tempo, os dois princípios básicos do modo axiomá-
tico de raciocínio, assentados por Aristóteles e Leibniz, o princípio
da contradição e o princípio da razão suficiente166.
Por outro lado, os estudos contemporâneos de epistemo-
logia apontam para a possibilidade de se constituir, em termos lógicos,
um conhecimento preciso das realidades humanas, ao qual se possa,
inclusive, atribuir o valor-verdade167, o que tem sido bastante traba-

166. Naturalmente, o leigo poderá informar-se melhor em livros de divulgação


científica, sendo particularmente indicado The dancing Wu Li Masters — an overview
of the new physics, de Gary Zukav, que não requer um mínimo conhecimento de
matemática para sua compreensão. Da mesma forma, como também por sua signi-
ficação jusfilosófica, é de um valor excepcional a obra de Goffredo Telles Jr., O
direito quântico, São Paulo, 1974, onde se propõe que o Direito “é a ordenação
quântica das sociedades humanas”, ao concluir que “(A) Ciência do Direito não
anunciará jamais que um homem, ou um determinado grupo de homens, procederá
desta ou daquela maneira, como a Física não pode prever o percurso que um elétron
ou um grupo de elétrons irá fazer” (ob. cit., p. 285).
167. A verdade como valor é algo como uma função matemática, que admite,
enquanto expressão formal, determinados conteúdos, dotados daquela coerência

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lhado, em campos como a estética e o direito, a partir de modelos
fornecidos pela teoria da informação, cibernética etc.168.
Com relação à vigência temporária do Direito, lembre-se
que também as cosmologias, por exemplo, modificam-se no correr
da história, em que o sistema ptolemaico é como que “revogado” pelo
copernicano, o qual, por sua vez, é corrigido por Newton, Kepler e

intrínseca que ela impõe. Em uma frase, esta é a idéia fundamental, desenvolvida
nos trabalhos sobre o assunto de Tarski e Carnap, com precedência, Chrisholm,
Lehrer e outros, em seguida. De um modo geral, cf. L. Hegenberg, Significado e
conhecimento, São Paulo, 1975, p. 104 e s., 121 e s. e passim. Por outro lado, de
acordo com o propugnado por Wright, no âmbito da lógica deôntica, um enunciado
prescritivo (Sollsatz, na terminologia de Kelsen) pode ser considerado verdadeiro
dentro de um contexto normativo, isto é, se alguma norma prescreva ou permita o
que o enunciado afirma. A existência de tal obrigação ou permissão, por sua vez,
requer um fundamento de verdade que a justifique, no qual se incluem não só um
elemento anancástico — a regra técnica ou condicional que confere a necessária
competência, para estabelecer a norma —, mas também um outro, apofântico mes-
mo, pressuposto igualmente por esse último, que é o juízo indicativo básico, do qual
se pode predicar a verdade ou a falsidade. Cf. G. H. von Wright, Norma y acción.
Una investigación lógica, Madrid, 1979; J. M. Delgado Ocando, Sobre el fundamen-
to de verdad del enunciado normativo (anotaciones a la teoría de G. H. von Wright),
tese apresentada no VIII Congresso Interamericano de Filosofia, Revista de Infor-
mação Legislativa, n. 36, Brasília, 1972, p. 187-92.
168. Cf., v. g., Ottmar Ballweg, Das Kybernetische Modell, Rechtswissenschaft
und Jurisprudenz, Basel, 1970, p. 76 e s.; Helmar Frank, Cibernética e filosofia, Rio
de Janeiro, 1970, p. 131; Ulrich Klug, Máquinas electrónicas para la elaboración de
datos en el derecho, in Problemas de la filosofía del derecho, Buenos Aires, 1966,
p. 54 e s.; Mario Losano, A formalização da linguagem, in Informática jurídica, São
Paulo, 1976, p. 85 e s.; Pérez Luño, Razonamiento jurídico y razonamiento ciber-
nética, in Cibernética, informática y derecho, Bolonha, 1976, p. 83 e s.; Miguel
Reale, O direito como experiência, São Paulo, 1968, p. 176-7, texto e nota 37 — re-
ferências bibliográficas. Aqui cumpre lembrar a advertência de Reinhold Zippelius,
diante da possibilidade de um “Direito calculável” (kalkulisiertes Recht): “Die
Übertreibung ist der Mode liebes Kind. So wird es in der heutigen Methodenlehre
als modern empfunden, die Rationalität des Rechts entweder zu übertreiben oder
aber zu unterschätzen”. Ou seja: “O exagero é o filho predileto da moda. É assim
que nas atuais metodologias foi considerado moderno exagerar a racionalidade do
Direito ou então menosprezá-la” (Einführung in die juristische Methodenlehre,
München, 1974, prefácio, p. 5). Cf. Luis Satie, Teoria estética do Direito, Brasília:
Mínima, 2006.

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outros, estando atualmente superado pelas teorias relativistas de
Einstein, que nada nos garante terão validade eterna.
Finalmente, cabe assinalar o fato curioso e sintomático
da insistência com que epistemólogos e filósofos da ciência, na
construção de suas doutrinas, empregam termos carregados de juri-
dicidade, tais como “legitimidade”, gesetzmäßig (al., “em confor-
midade com uma lei”, regular) etc., havendo mesmo quem explique
o procedimento científico valendo-se, como metáfora, do ordena-
mento jurídico169.
Uma vez satisfeita a necessidade de exorcizar o fantasma
da negação da cientificidade do direito pela comparação com o cará-
ter das ciências naturais, pode-se agora oferecer um conceito abran-
gente de “ciência” e elaborar os critérios a serem atendidos pela ci-
ência jurídica para se adequar a ele.
Ciência seria o intento de estabelecer um conhecimen-
to objetivo e rigoroso da realidade, a partir de hipóteses firmadas
pela observação desta, cuja verdade, ou acerto, baseia-se em
dados fornecidos pela experiência. Tal objetividade, a rigor, é
resultante da possibilidade de controle intersubjetivo das asser-
tivas elaboradas170.
A colocação nesses termos do problema permite distinguir
duas ordens fundamentais de preocupações, no estabelecimento de

169. Cf. Arthur Kaufmann, Methodology of the social sciences, New York, 1944,
caps. III e IV, esp. p. 44-5 e 49-51. Já o pensador contemporâneo Max Bense obser-
va a incidência atual, na formação das teorias físicas, de “princípios metodológicos
que no sólo tienen un sentido ‘gnoseológico y ontológico’, sino además y sobre todo,
un sentido ‘deóntico, normativo’”. “Se emplean, por ejemplo”, continua o filósofo
de Stuttgart, “expresiones tales como ‘obligatorio’, ‘permitido’, ‘indistinto’ y ‘pro-
hibido’. Se habla, por ejemplo (fundándose en el postulado fundamental de Bohr),
de ‘condiciones estacionadas permitidas o no permitidas’, de ‘trayectorias permitidas
o no permitidas’, de ‘valores enérgicos del átomo permitidos o no permitidos’”
(Estética — consideraciones metafísicas sobre lo bello, Buenos Aires, 1960, p. 77-
8). Também para Gregory Bateson a epistemologia é uma disciplina normativa. Cf.
Una unidad sagrada. Pasos ulteriores hacia una ecologia de la mente, Barcelona,
1999, p. 287.
170. Cf. Karl Popper, A lógica da investigação científica, São Paulo, 1980, p.
18 e passim.

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parâmetros para uma pesquisa que se pretenda científica: uma rela-
tiva ao modo de experimentar ou experienciar o seu objeto; outra
quanto à forma de comunicar ou objetivar os resultados obtidos.
Ambas, porém, experiência e objetivação, seriam momentos do mes-
mo processo de configuração e doação de sentido ao objeto estudado,
que não é propriamente algo externo ao sujeito cognoscente e inde-
pendente do processo heurístico mesmo.
A fim de esclarecer a compreensão das idéias expostas,
bem como a título introdutório às que se desenvolverão em seguida,
tomemos em consideração algumas palavras de dois dos principais
jusfilósofos do século XX em nosso país, professores Miguel Reale
e Tércio Sampaio Ferraz Jr. Para o primeiro, “o processo histórico-
cultural assinala os momentos da objetivação cognoscitiva, revelando-
se como ‘experiência’, na qual se insere a ‘experiência do Direito’.
Esta corresponde, pois, a um caso particular e a um momento da
objetivação progressiva do espírito humano enquanto instaura as
‘estruturas da ciência’, recortando-as no plano ‘infinitamente deter-
minável’ daquilo que se supõe fora dele como ‘natureza’, isto é, como
dado não constituído, mas oferecido à fonte espiritual doadora de
sentido, para só então se apresentar como objeto”.
“A esse ato fundamental de concreção e de ‘con-criação’
denomino ‘ato objetivante’, que é o ato fundante da ciência, a qual
só é possível a estrutura da ‘expressão’, intersubjetivamente comu-
nicável, não é mera cópia, nem adequação extrínseca a algo, mas
antes um modo necessário de ser algo. Por outras palavras, onde
não há objetividade não há ciência: e toda ciência é a objetivação
de algo”171.
Tércio Ferraz Jr., por seu turno, reflete sobre semelhan-
tes proposições, reflexões coincidentes também com a tese central
da teoria egológica do direito, do argentino Carlos Cossio, igual-
mente influenciado, como Reale, o autor da Teoria Tridimensional,
pela fenomenologia: “No processo das objetivações, a possibilida-
de de se obter uma forma invariante e ao mesmo tempo dinâmica

171. Miguel Reale, Conversa com meus críticos, Revista Brasileira de Filosofia,
(RBF), fasc. 74, São Paulo, 1969, p. 234-5.

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do mundo do direito, o que fundaria a sua cientificidade, é correla-
ta com a idéia de que é o homem o fundamento constitutivo — o
único valor que se põe a si mesmo — para a construção de uma
ciência objetiva. O ser do homem aparece como estando em uma
gênese envolvente, a qual, por sua vez, é instaurada por um consti-
tuir-se a si mesmo do ser do homem. A objetividade, portanto, re-
sulta de uma atividade da experiência ‘reflexa’, que se ‘reflete’ por
sua vez no desenvolvimento histórico da cultura (Reale, O Direito
como Experiência, p. 53, 47 ss.). A cientificidade, que se funda na
possibilidade de objetivação, não pode, pois, ignorar, tendo mesmo
de pressupor, necessariamente, uma referência à atividade intencio-
nal da subjetividade”172.
O primeiro problema que se precisa enfrentar seria então
o da determinação das condições que possibilitam lidar com a expe-
riência especificamente jurídica, o qual, no entender daquele que
seria um verdadeiro patriarca da filosofia contemporânea no Brasil,
Leonardo van Acker, “constitui precisamente toda a filosofia do di-
reito, enquanto é epistemologia jusfilosófica ou crítica da razão jurí-
dica”173. Para atingir uma solução, vislumbra o mestre Van Acker três
perspectivas principais: a posição imanentista, própria do empirismo,
bem como do idealismo hegeliano e do materialismo marxista, que
negam a distinção entre fato e valor na experiência jurídica; a posição
transcendente, inspirada no ontologismo axiológico de Nicolai Hart-
mann, que distingue fato e valor, situando porém este último em
plano superior àquela experiência; e, finalmente, a posição transcen-

172. Algumas observações em torno da cientificidade do direito segundo Miguel


Reale, ib., p. 227-8.
173. Experiência e epistemologia jurídica, ib., p. 146. A questão da experiência
jurídica ocupou importantes teóricos do Direito, tais como J.-P. Haesaert, Recaséns
Siches, Luigi Bagolini e Cesarini-Sforza, sendo particularmente significativa para o
desenvolvimento das obras de Georges Gurvitch e Giuseppe Capograssi (uma boa
apresentação encontra-se em Enrico Opocher, Esperienza giuridica, in Enciclopedia
del diritto, 1958, v. 15, p. 735-47. No Brasil, foi bastante discutida, por ocasião da
publicação de O direito como experiência, de Miguel Reale, comentada por Renato
Cirell Czerna, Irineu Strenger, Theóphilo Cavalcanti Filho, além dos mencionados
Leonard van Acker e Tércio Sampaio Ferraz Jr., na revista por último citada).

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dental, adotada aqui, na esteira de Miguel Reale, que integra ambos,
fato e valor, como condições necessárias à própria experiência. Con-
forme já mencionado anteriormente, seu ponto de partida é a filoso-
fia de Kant, que não considera a experiência como algo exclusiva-
mente empírico, e sim constitutiva do próprio objeto ou fenômeno,
pela aplicação a este das formas a priori do conhecimento, pressu-
postos do entendimento humano. Na filosofia transcendental origi-
nária, e também no neokantismo da Escola de Marburgo, contudo, é
excluída a possibilidade da experiência propriamente ética (abran-
gente do Direito e da Moral), por incluir-se esta no âmbito da liber-
dade, dependente da vontade incondicional do homem, que escapa
do domínio da causalidade física determinística. É na reflexão feno-
menológica de Husserl que a experiência igualmente na esfera da
motivação humana é admitida, no plano da intersubjetividade, que,
entretanto, configura-se como exclusivamente psicológica. Impõe-se,
então, sua complementação pelas doutrinas historicista de Giambat-
tista Vico e culturalista de Wilhelm Dilthey, que contrapõem à razão
analítica e explicativa cartesiana a razão compreensiva concretamen-
te situada174.
A peculiaridade da experiência com o Direito não desca-
racteriza a cientificidade do conhecimento dela advindo, mas apenas
exige uma abordagem orientada por métodos igualmente peculiares,
para o que haveria três procedimentos possíveis, segundo Hans Albert:
“a relativação histórica, obtida pelo levantamento explícito do rela-
cionamento espácio-temporal do direito; a relativização analítica, que
refere o direito à sua condicionalidade lógica; e a relativização estru-
tural, que pretende evidenciar a relação do direito com sua condicio-
nalidade empírica”175.
A conclusão a que se chega é no sentido da utilização
concomitante dos três procedimentos, na ciência jurídica, sendo o
primeiro satisfeito com a investigação histórica e comparatista do
Direito; o segundo, pela utilização dos recursos da nova disciplina da

174. Cf. Van Acker, loc. cit., p. 146-8.


175. Theorie und Prognose in den Sozialwissenschaften, apud Tércio Ferraz Jr.,
loc. ult. cit., p. 224.

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semiótica, bem como da lógica própria para o tratamento das questões
jurídicas — que recebe denominações como “lógica do concreto”
(Engisch), “lógica do razoável” (Recaséns Siches), “tópica jurídica”
(Viehweg) ou, de forma mais generalizada, “lógica deôntica” (Von
Wright) —, para cujo estudo conjunto Miguel Reale propõe a desig-
nação “analítica jurídica”176; finalmente, o terceiro procedimento pode
ser atendido pelo recurso ao levantamento da jurisprudência perti-
nente às questões tratadas e também pela identificação das doutrinas
subjacentes às diversas propostas para solucioná-las.
Adiante, retomaremos e desenvolveremos as idéias apre-
sentadas nesta parte introdutória, que aqui se encerra, para darmos
início ao tratamento mais sistemático da matéria, examinando-a ini-
cialmente em seu desenvolvimento histórico177.

4.2. Primeiramente, é de se assinalar a convicção de que


a experiência jurídica, enquanto atividade no campo do direito, situada
espácio-temporalmente, é a principal instância legitimante de um
procedimento científico neste âmbito. O logos do razoável, a pruden-
tia subjacente a toda heurística jurídica mais bem elaborada, seja em
que tempo e lugar for, oferece lições de validez universal, extraídas
das soluções apresentadas a problemas recorrentes na organização
jurídica das sociedades. Daí a insistência em enfatizar a importância
do papel dos estudos da história dos institutos, bem como da doutri-
na e legislação comparada. Na ciência jurídica, como em todas as
demais que giram em torno de problemas humanos, não é possível
induzir a experimentação artificialmente — por certo discordariam
de tal afirmativa os pesquisadores de orientação behaviorista, que
utilizam método e chegam a resultados extremamente duvidosos,
tanto do ponto de vista científico como ético, donde a necessidade de

176. Cf. O direito como experiência, cit., p. 73. V. ainda, de um modo geral,
Willis S. Guerra Filho, Inclusive theories and conjectural Knowledge in legal epis-
temology, ARSP, Stuttgart, n. 75, 1989, p. 397 e s., esp. p. 400.
177. Sobre uma análise histórica sincrônica e diacrônica e uma explicitação
sobre tempo lógico e cronológico, cf. Victor Goldschimidt, Tempo histórico e tempo
lógico na interpretação dos sistemas filosóficos in A religião de Platão, trad. Ieda e
Oswaldo Porchat Pereira, 2. ed., São Paulo: DIFEL, 1970.

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se valer a experiência fornecida pelo estudo dos fenômenos jurídicos
em outras sociedades, atuais — eixo sintagmático: investigação sin-
crônica — ou passadas — eixo paradigmático: investigação diacrô-
nica, para utilizar a terminologia semiológica.
O valor primordial dos estudos históricos para a ciência
jurídica, como se sabe, foi enfatizado pela Escola encabeçada por
Savigny, o qual, segundo Cossio, “percibió por primera vez, con
claridade completa, la existencia de una experiencia jurídica; supo
que esa experiencia era de tipo histórico, y comprendió que el
conocimiento científico del Derecho solo podía basarse en esa
experiencia misma”178. A observação desse fato levou Gény a con-
siderar a história do direito como a física experimental da teoria
jurídica179.
A comparação dos Direitos, por sua vez, é recurso comu-
mente utilizado, através dos tempos, no estudo e elaboração do di-
reito. Consta, por exemplo, que Licurgo, em Esparta, e Sólon, em
Atenas, viajaram pelo mundo então conhecido a fim de conhecer as
Instituições estrangeiras antes de produzir a legislação das respecti-
vas cidades. Da mesma forma, os decênviros, segundo a lenda,
conceberam a lei romana das XII Tábuas depois de realizar um in-
quérito nas cidades da Grande Grécia. Platão, em As leis, utiliza
comparações; Aristóteles baseia seu trabalho sobre a Política no
estudo das constituições de 158 cidades gregas e bárbaras; da mesma
forma, Tácito, nos seus Costumes dos germanos (Roma, século I);
Fortescue, no De Laudibus Legum Angliae (Inglaterra, século XV);
Jean Bodin, na República (França, século XVI); e, já de modo sis-
temático, Montesquieu, em O espírito das leis (1748), e, definitiva-

178. Cf. Teoría de la verdad jurídica, cit., p. 22. V. ainda Guido Fassò, La
storia come esperienza giuridica, Milano, 1953. Não se pode deixar de mencionar,
nesse contexto, a perspectiva crítica marxiana — cf. Antônio Hespanha, A história
do direito na história social, Lisboa, 1978, p. 9 e s.; Wolf Paul, Existe la teoría
marxista del derecho?, Sistema, n. 33, Madrid, 1979, p. 74; Marx versus Savigny,
Anales de la Cátedra Francisco Suárez, Madrid, 1978/1979.
179. Apud Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de
Janeiro, 1981, p. 134. De um modo geral, cf. G. Ambrosetti, Razionalità e storicità
del diritto, Milano, 1953, p. 100-57.

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mente, Sumner Maine, com Ancient Law (1861)180. O direito com-
parado é reconhecidamente uma disciplina metodológica, com a
função essencial de emprestar ao direito o caráter universal de toda
ciência, como afirma um de seus mais destacados estudiosos da
atualidade, René David181, resultando, entre outras coisas, em um
melhor conhecimento do direito nacional182, bem como no aperfei-
çoamento da linguagem jurídica, por favorecer a formação de uma
terminologia aceita internacionalmente, de maneira semelhante ao
que se dá nos demais ramos do conhecimento183.

4.3. Os estudos históricos e comparatistas, contudo, não


esgotam todos os aspectos que se há de levar em consideração para

180. Cf. R. David, Os grandes sistemas do direito contemporâneo (direito


comparado), Lisboa, 1978, Introdução, p. 25; v. também Marc Ancel, Utilidade e
métodos do direito comparado, Porto Alegre, 1980, p. 19-20.
181. Cf. Traité élémentaire de droit civil comparé, Paris, 1980, Prólogo.
182. “Sin el auxilio del método comparativo”, esclarece Héctor Fix-Zamúdio,
“el jurista se acostumbra a considerar las soluciones de la legislación, la doctrina y
la jurisprudencia de su país, como las únicas posibles, con lo que obtiene una con-
cepción estrecha y limitada de su propio ordenamiento jurídico” (Ensayos sobre
metodología, docencia y investigación jurídicas, México, 1981, p. 331).
183. A discussão desses e de outros objetivos do direito comparado encontra-
se nas obras recém-mencionadas. Subsídios para o aprofundamento das questões
relativas aos métodos históricos e comparativos podem ser obtidos também nos
seguintes autores: T. Ascarelli, Premesse allo studio del diritto comparato, in Sa-
ggi di diritto comerciale, Milano, 1954, p. 481 e s.; G. Capograssi, Il problema
della scienza del diritto, Milano, 1962, parte VI, n. 3; M. Cappelletti, Processo e
ideologie, Bologna, 1969, p. 255 e s., esp. nota 23; La testimonianza della parte
nel sistema dell’oralità, Milano, 1974, Prefácio, p. 415-8; G. Gorla, Studio stori-
co-comparativo e scienza del diritto, Riv. Trim. Dir. Proc. Civ., 1962, p. 25 e s.; I.
Kisch, Droit comparè et terminologie juridique, in Buts et méthodes du droit
comparè, Padova-New York, 1973, p. 401 e s.; V. Knapp, Science juridique, Paris,
1972, p. 67-82; Lino Leme, Direito civil comparado, p. 22-5, 36-8; E. Pattaro, In
che senso la storia è esperienza giuridica: l’istituzionalismo transcendentale de
Guido Fassò, Riv. Trim. Dir. Proc. Civ., 1983, fasc. 2, p. 389-428; Pontes de Mi-
randa, Sistema de ciência positiva do direito, Rio de Janeiro, 1972, v. 4, cap. III,
n. 10; A. Tripiccione, La comparazione giuridica, Padova, 1961; K. Zweigert,
Methodological problems in comparative law, Israel Law Review, Jerusalém, out.
1972, p. 465 e s.

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adquirir um conhecimento adequado da realidade jurídica184. Isso é
evidenciado na seguinte passagem de conferência célebre proferida
por Benjamin Cardozo: “Algumas concepções do direito devem a sua
atual forma quase que exclusivamente à história. Só podem ser com-
preendidas quando encaradas como uma evolução histórica. (...)
Outras concepções, apesar de ter uma história, como é natural, ga-
nharam corpo e forma muito mais sob a influência da razão ou da
ciência do direito comparado”185.
A “razão”, segundo o autor, atua por processos lógicos,
valendo-se do que chamou de “método filosófico”, o qual, atualmen-
te, estaria melhor designado pela expressão “analítica jurídica”,
cunhada por Miguel Reale, cujo conteúdo restou determinado ante-
riormente186.
Realmente, dentro da perspectiva proposta no início, é
imperativo que o labor científico culmine com o estabelecimento de
definições precisas, informadas por dados fornecidos pela experiên-
cia, e significativas dentro de um sistema coerente em que se inserem,

184. Vale lembrar, desde logo, que o pensamento histórico sobre o Direito
surge sob o influxo dos estudos de filologia clássica dos séculos XVII e XVIII, nos
quais é de se destacar o papel de Giambattista Vico. Leve-se em conta, igualmente,
a influência do chamado Trivium das artes liberais da Idade Média, formado pela
gramática, retórica e dialética, disciplinas voltadas para o estudo da linguagem e do
discurso, que, portanto, se fez presente no momento em que o Direito é erigido à
posição de disciplina dotada de racionalidade própria, na época dos Glosadores
italianos. “La storia del diritto ebbe dunque a battesimo la filologia e la ragione”,
escreve Bruno Paradisi, “e la ragione filologica, che siera in tal modo rivelata, si uni
alla ragione giuridica, cioè alla vecchia ragione che da sempre i giuristi avevano
usato nella costruzione dei loro concetti e nell’analise delle norme” (Questione
fondamentale per una storia del diritto, Quaderni Fiorentini per la Storia del Pen-
siero Giuridico Moderno, Milano, 1972, p. 10). Na mesma publicação, consulte-se
ainda, com proveito para o aprofundamento dos princípios epistemológicos esboça-
dos aqui, o trabalho de Pietro Costa, Semantica e storia del pensiero giuridico,
Bologna, p. 45-87. V. também Fazzalari, Giudici, diritto, storia, Riv. Trim. Dir. Proc.
Civ., 1982, p. 757 e s.
185. A natureza do processo e a evolução do direito, Porto Alegre, 1978, 2ª
conferência, p. 80.
186. Cf. M. Reale, O direito como experiência, cit., p. 73 e, supra, Introdução,
n. 4, na altura da nota 32.

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para que seja atendido o pré-requisito da comunicação intersubjetiva
unívoca e rigorosa dos resultados alcançados187. Sob esse ângulo,
avulta o mérito daqueles que se dedicaram à “purificação” dos con-
ceitos jurídicos e sua sistematização, como é o caso de Kelsen ou,
anteriormente, Puchta e os propugnadores da “Jurisprudência dos
Conceitos” (Begriffsjurisprudenz).
Como certa feita afirmou Taine, “la science n’est autre
chose qu’une langue bien faite”. Esse fato é plenamente assumido
pela filosofia contemporânea, que, reconhecendo a maior autoridade
das ciências na aquisição segura de conhecimentos, volta-se para a
pesquisa dos fundamentos daqueles, de natureza lingüística, pois é
comum a todas o fato de se constituírem como linguagem, entendida
esta no sentido de “conjunto sistemático de signos”. Para cumprir
essa tarefa, surge no século XX uma nova disciplina, a semiótica, a
partir do trabalho de lógicos e filósofos como Charles Sanders Peir-
ce, Frege, Bertrand Russell e, principalmente, L. Wittgenstein, bem
como sob o influxo de movimentos que se respaldam no pensamen-
to deste último, como o positivismo lógico do Círculo de Viena ou a
filosofia analítica do Grupo de Oxford.
A semiótica, de acordo com um de seus principais pro-
pugnadores, pioneiro na retomada da orientação da Peirce, Charles
Morris, “poderá ser de grande importância num programa de unifi-
cação da ciência, pelo fato de estudar as coisas ou as propriedades
das coisas em sua função de signos; ela é também o instrumento de
todas as ciências, visto que toda ciência faz uso de signos e expressa
os seus resultados em termos de signos. (...) Mas como nada pode ser
estudado sem signos que denotem os objetos do campo a ser estuda-
do, o estudo da linguagem da ciência deve fazer uso de signos que se
refiram a signos e princípios para o prosseguimento desse estudo, (...)
e, assim fazendo, aperfeiçoe a linguagem da ciência”188.

187. Cf. Pedro Paulo Christovam dos Santos, A objetividade da experiência


jurídica, Revista de Informação Legislativa, n. 36, Brasília, 1972, p. 267-70; Nor-
berto Bobbio, Teoria della scienza giuridica, cit., p. 213 e s.
188. Fundamentos da teoria dos signos, São Paulo, 1976, p. 10-1.

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A semiótica é essa disciplina que lida com signos, refe-
rente aos signos. Signo, em termos bem simples, é algo que significa
alguma coisa para alguém189.
Nos estudos semióticos é possível distinguir três dimen-
sões distintas, subordinadas e interdependentes mutuamente, identi-
ficadas a partir dos três diferentes modos como podem relacionar-se
os signos, os objetos a que se referem e os seus intérpretes ou usuários.
Na sintaxe, estuda-se a relação dos signos entre si, tal como o fazem
a lógica formal ou a gramática. Na semântica, estuda-se a relação
deles com os objetos a que se aplicam. Finalmente, na pragmática,
o tema é a relação dos signos com os usuários, e vice-versa. O termo
característico da sintaxe é “implica”, enquanto os da semântica são
“designa” e “denota”, assim como “expressa” e “conota” o são da
pragmática190.
O aspecto sintático do conhecimento é tradicionalmente
trabalhado no âmbito da lógica formal. “Acantonada em seu próprio
domínio”, escreve o eminente lógico e filósofo do direito que é o Prof.
Lourival Vilanova, “o domínio do formal, a lógica é sintaxe, quer
dizer, um sistema de leis que estabelecem combinações de símbolos
(...) conduzem ao sem-sentido, ao contra-sentido e ao sentido formal-
mente consistente (...)”191. Não só Kant, como lembra em seguida o
professor pernambucano, mas também aquele que é reconhecidamen-
te um seguidor deste no campo do direito, Hans Kelsen, perseguem
essa linha do analítico-formal192, assim como um dos mais festejados
teóricos da atualidade, George von Wright, com sua aplicação da
logística ou lógica simbólica ao material deôntico, constituído pela
linguagem prescritiva — isto é, aquela regida pela cópula “deve ser”

189. Cf. Peirce, Semiótica e filosofia, Octanny Silveira e L. Hegenberg (orgs.),


São Paulo, 1975, p. 94.
190. Tal esquema, proposto por Morris, é devido a um desenvolvimento lógico
da concepção de Peirce do signo como uma relação triádica entre objeto, meio ou
veículo do signo e interpretante.
191. Cf. Lógica jurídica, São Paulo, 1976, p. 62.
192. Cf. Cossio, a respeito, La teoría egológica del derecho y el concepto jurí-
dico de liberdad, Buenos Aires, 1964, p. 356 e s.

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— do discurso não apofântico, ao qual não se aplicam as proposições
“verdadeiro” e “falso”, mas sim os funtores “obrigatório”, “proibido”
e “permitido”193.
As funções semântica e pragmática, por sua vez, cor-
responderiam ao campo da lógica material, que gira em torno de
objetos mundanais194, cujo principal, para o Direito, é a Justiça.
São lógicas materiais jurídicas, portanto, as técnicas argumenta-
tivas e persuasivas como a “Nova Retórica”, propugnada por
Chaim Perelman 195, ou a “Tópica”, redescoberta por Theodor
Viehweg196. Elaboração magistral de uma teoria semântica jurí-

193. De Von Wright, consulte-se Deontic logic, Mind, Edinburgh, jan. 1951, p.
3 e s.; An essay in modal logic, Amsterdam, 1951; e sua obra fundamental Norm and
action. A logical enquiry, London, 1963 (trad. esp. Norma y acción. Una investiga-
ción lógica, cit.).
194. A expressão foi consagrada por Heidegger, em Sein und Zeit, § 14. V.
também Essência do fundamento, cap. II.
195. Cf. Logique juridique. Nouvelle rhétorique, Paris, 1954, bem como, em
colaboração com Olbrechts-Tyteca, Traité de l’argumentacion. La nouvelle rhéto-
rique, Bruxelles, 1970.
196. Cf. Topik und Jurisprudenz, cit. (trad. bras. Tércio S. Ferraz Jr., Brasília:
Ministério da Justiça, 1979). Essa obra inaugura a tendência que mais se destacou,
em teoria do direito, no último terço do século XX, em alguns de seus centros mais
avançados, como a Alemanha. Trata-se de uma proposta de estudo do Direito orien-
tado para o tratamento de problemas concretos, tal como sempre foi feito na família
do Common Law, que apenas manteve a tradição que remonta à época da criação da
ciência jurídica européia, na Itália, entre os séculos X e XI, quando Irnério introdu-
ziu o estudo integral do Corpus Juris Civilis pelo método das glosas e desenvolveu
uma espécie de casuística, condensando alguns textos em máximas, isto é, topoi
argumentativos, bem como colocando e isolando problemas para solucioná-los.
Apenas para bem matizar a importância capital da citada Escola Jurídica para o
direito ocidental como um todo, vale mencionar uma passagem de um trabalho não-
jurídico, mas sim histórico, sobre as origens do movimento universitário europeu,
de autoria de Aldo Janotti, publicado na Revista de História da USP, n. 82, São
Paulo, 1970, abril-junho, v. 41, p. 33, onde, após destacar Irnério como seu patrono,
lembra que este deixou quatro discípulos maiores, os “quatro doutores” — Bulgarus,
Martinus, Hugo e Jacó —, que continuam seu trabalho, formando, por sua vez,
numerosos discípulos, que, “ou levados pelo fervor apostólico, ou não podendo mais
permanecer na Itália por se terem comprometido nas lutas intestinas que lavravam
suas cidades, migraram, levando o direito romano, qual boa nova, para a França

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dica é realizada por Juan Ramon Capella197, sendo da autoria de
nosso Tércio Sampaio Ferraz Jr. um modelo de pragmática do

como por exemplo Rogério, Azzo e Piacentino — e para a Inglaterra, como foi o
caso de Vacário”, onde parece que melhor foi mantida a estrutura, digamos, tópi-
ca do método das glosas, para a qual se presencia hoje um refluxo sintomático. O
chamado “método tópico” é fundado por Aristóteles, em sua Topiká (tópicos), onde
se propõe a “encontrar um método de investigação graças ao qual possamos racio-
cinar, partindo de opiniões geralmente aceitas, sobre qualquer problema que nos
seja proposto” (ob. cit., in col. Os Pensadores, São Paulo, 1973, p. 7). Na Idade
Moderna, a tópica é propugnada por Vico, em sua De nostri temporis studium
rationae, em defesa da ratio studiorum dos antigos, contra o positivismo raciona-
lista cartesiano, que, como é sabido, orientou o labor científico do homem de
forma monolítica até nosso século. Hodiernamente, Nicolai Hartmann, talvez o
principal teórico do conhecimento da primeira metade do século XX, distinguiu
duas modalidades fundamentais do pensamento, ambas legítimas, o sistemático e
o aporético, afirmando que o primeiro “parte do todo. A concepção é aqui primor-
dial e permanece dominante. Não buscamos aqui o ponto de vista, previamente
dado (...) (o) conteúdo do problema que não se compadece com o ponto de vista
é recusado” (no original: “Systematische Denkweise geht von Ganzen aus. Die
Konzeption ist hier das Erst und bleibt das Beherrschende. Nach dem Standpunkt
wird hier nicht gesucht, er wird zuallerest eingenommem (...) Problemgehalte, die
sich mit dem Standpunkt nicht vertragen, werden abgewiesen”). Quanto ao pen-
samento aporético, “em tudo procede de forma diferente. Os problemas antes de
mais nada se lhe afiguram sagrados. (...) O próprio sistema não lhe é indiferente,
mas vale para ele apenas como idéia, como perspectiva” (no original: “Aporetische
Denkweise verfahrt in allem umgekehrt. Ihr sind die Problem vor allem heilig. (...)
Das System selbst ist ihr nicht gelichgülting, aber es gilt ihr nur als Idee, als Aus-
blick”) (Diesseits von Idealismus und Realismus, Kantstudien, v. 29, Könisberg,
1924, p. 163-4, apud Viehweg, Topik und Jurisprudenz, cit., p. 34). No direito, o
pensamento tópico é recuperado, de forma explícita, por Theodor Viehweg, com
a publicação, em 1953, desta pequena obra-prima, Topik und Jurisprudenz, rece-
bendo de imediato a adesão de uma tendência já identificável na Escola do Direi-
to Livre (Freierechtsschule) e na Jurisprudência dos Interesses (Interessenjuris-
prudenz) de Philip Heck, também voltada para a consideração do problema, tido
como “questões abertas” (offene Fragen) para o pesquisador. Posteriormente, a
tópica sofreu uma série de críticas, oriundas principalmente dos teóricos do mais
afeitos ao direito público, a fim de impedir a tendência inerente a toda doutrina de
absolutizar-se. Nesse sentido, cf., v. g., Canaris, Systemdenken und Systembegriff
in der Jurisprudenz, Berlin, 1969, p. 150-60, e Kriele, Theorie der Rechtsgewin-
nung, Berlin, 1976, p. 150.
197. Cf. El derecho como lenguaje, Barcelona, 1968.

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discurso normativo que aporta importante contribuição ao estudo
do Direito198.
Uma vez apontados os modos de atender às exigências
de relativização histórica e analítica, conforme o esquema de Hans
Albert anteriormente referido, resta fazer o mesmo para a captação
do aspecto estrutural do Direito e seus institutos, para o que se
preconiza o recurso à pesquisa jurisdicional e à conscientização dos
condicionamentos ideológicos inerentes a todo processo de produ-
ção jurídica.

4.4. Embora não se possa afirmar, tendo em vista o cará-


ter legislativo de nosso sistema jurídico, que o Direito é o que os
tribunais dizem ser em seus pronunciamentos, como fazem os pro-

198. Sua “teoria pragmática do discurso normativo” começa a tomar forma em


Direito, retórica e comunicação, São Paulo, 1973, cristalizando-se na Teoria da
norma jurídica — ensaio de pragmática da comunicação normativa, Rio de Janeiro,
1978. Uma síntese pode ser encontrada em seu trabalho publicado na obra coletiva
A norma jurídica (por ele coordenada), Rio de Janeiro, 1980, p. 7-37, e, em língua
alemã, Rhetorisch-pragmatische Analyse der Erlaubnisnorm, in Rhetorische Rechts-
theorie, Ottmar Ballweg e Thomas-Michael Seibert (orgs.), München, 1984, p.
281-95. Uma bibliografia vasta sobre lógica e linguagem jurídicas encontra-se em
A. Franco Montoro, Estudos de filosofia do direito, São Paulo, 1981, p. 145-62.
Acrescentam-se os seguintes trabalhos: N. Bobbio, Linguaggio e scienza del diritto,
Riv. Dir. Proc. Civ., 1956, de se considerar responsável pela introdução da temática
na Itália, bem como da influência do positivismo lógico, donde resultou a fecunda
Escola Analítica italiana; H. L. A. Hart, The concept of law, Oxford, 1961, obra de
influência profunda, escrita sob a inspiração direta das idéias e Wittgenstein em sua
fase inglesa; G. Lazzaro, Diritto e linguaggio comune, Riv. Trim. Dir. Proc. Civ.,
Milano, 1981; A. Nasi, Reflessioni sulla scienza del processo civile, ib., 1968; F. S.
C. Northrop, Language, law and morals, Yale Law Journal, 1962; S. Pugliatti, Sis-
tema gramaticale e sistema giuridico, Riv. Trim. Dir. Proc. Civ., 1973; A. Ross, Sobre
el derecho y la justicia, Buenos Aires, l977; Lógica de las normas, Madrid, 1971;
U. Scarpelli (org.), Diritto e analisi del linguaggio, Milano, 1976; Semantica giuri-
dica, in Novissimo digesto italiano, Torino, 1969, v. 16; G. Tarello, Osservazioni
sulla individuazione dei precetti (la semantica del neustico), Riv. Trim. Dir. Proc.
Civ., 1965; Orientamenti analitico-linguistici e teoria dell’interpretazione giuridica,
ib., 1971, onde se lê: “nella semantica linguistica si realiza una confluenza di fini e
di recerche tra i giuristici e teorici de diritto inclini ad un approccio analitico ed i
giuristici e teorici inclini ad un approccio storicistico” (p. 3).

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pugnadores escandinavos e anglo-saxônicos do realismo jurídico, é
inegável o papel relevantíssimo exercido pela jurisprudência reite-
rada em determinado sentido na configuração, hic et nunc, do ma-
terial jurídico positivo e consubstanciada nas decisões judiciais.
Como bem salienta o Prof. Vilanova, “a interpretação e aplicação
jurisprudencial do Direito são completamente imprescindíveis para
se ter o ‘Direito como experiência’ e, com base nessa experiência,
obter-se o vínculo husserliano entre ‘juízo e experiência’, ou entre
lógica e realidade”199.
Torna-se, então, necessário realizar um levantamento o
mais minucioso possível da jurisprudência, pois só assim nos defron-
taremos com a aplicação concreta e atual dos termos abstratos e vagos
das leis, abertos a uma infinidade de interpretações. Propicia, igual-
mente, o conhecimento das questões práticas suscitadas pelos temas
estudados, deixando transparecer a problematicidade intrínseca à
consecução dos fins do Direito. Portanto, desponta como um foro de
verificação da utilidade dos resultados obtidos, ao confrontá-los com
as dúvidas, questões e soluções que afloram quotidianamente no
trato com o Direito200.
Neste passo, cumpre lembrar o pioneirismo, entre nós, de
Pontes de Miranda, em mais esse aspecto do fenômeno jurídico,
quando insistia em referir a jurisprudência relativa aos assuntos abor-
dados, em época que ninguém o fazia, demonstrando um alcance de
visão próprio daqueles bafejados pelo dom da genialidade.

4.5. Historicamente, nem no passado, nem nos tempos


atuais houve a proposição de uma definição única do termo ideologia,
isso porque o próprio termo “ideologia” tem toda uma série de sig-
nificados convenientes e nem todos compatíveis entre si.

199. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, São Paulo, 1977,


Introdução, p. XXII.
200. Cf. Lincoln Magalhães da Rocha, Jurisprudência, modelo da experiência
jurídica, São Paulo, 1975; Direito sumular, uma experiência vitoriosa do Poder
Judiciário — ensaio de técnica jurídica comparada sobre o stare decisis do direito
anglo-americano e o precedente judicial do sistema romanista, Rio de Janeiro, 1983;
Lombardi Vallauri, Saggio sul diritto giurisprudenziale, Milano, 1973.

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Teoria da Ciencia Juridica - 001122 122 4/2/2009 13:31:52


A palavra ideologia possui uma grande riqueza de signi-
ficados, sendo inútil e até mesmo pejorativo sintetizá-la em um
único conceito. Conforme expõe Terry Eagleton, a palavra ideologia
é, por assim dizer, um texto, tecido com uma trama inteira de dife-
rentes fios conceituais, que é traçado por divergentes histórias, sendo
importante determinar o que há de valioso em cada uma delas e o que
pode ser descartado ao invés de se criar algo como uma grande Teo-
ria Global da Ideologia201.
Dentre essa variedade de significados, cabe então a aná-
lise direcionada para o sentido da ideologia que corresponda à pro-
posta apresentada e que sirva de base para o entendimento do Direi-
to como fenômeno ideológico.
O termo ideologia foi inicialmente criado por Destutt de
Tracy, que publicou em 1801 um livro chamado Éléments d’I Idéo-
logie. Para o autor a ideologia é o estudo científico das idéias e as
idéias são resultado da interação entre organismo vivo e a natureza,
o meio ambiente.
Após alguns anos, Destutt de Tracy e seu grupo de enci-
clopedistas entram em conflito com Napoleão, ganhando o termo um
sentido pejorativo, uma vez que Napoleão o utilizava para demonstrar
que eles, ideologistas franceses, eram ultrapassados, sem nexo polí-
tico ou contato com a realidade, que viviam num mundo especulati-
vo. Paradoxalmente, ao passo em que Destutt e seu grupo queria
fazer uma análise científica materialista da ideologia, foram chama-
dos por Napoleão no sentido de especuladores metafísicos, sendo
essa, diríamos, por força ideológica, a maneira de se utilizar o termo
na época202.
Já em meados do século XIX, Karl Marx, que encontra a
palavra em folhetins e jornais ainda usada em termos napoleônicos,
passa a utilizá-la a partir de 1846 em sua obra chamada A ideologia

201. Cf. Terry Eagleton, Ideologia: uma introdução, trad. Silvana Vieira e Luís
Carlos Borges. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, Boitempo,
1997, p. 15.
202. Cf. Michael Löwy, Ideologia e ciência social: elementos para uma análi-
se marxista, São Paulo: Cortez, 1985, p. 13.

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Teoria da Ciencia Juridica - 001123 123 4/2/2009 13:31:52


alemã. Nessa obra o termo se refere a ideologia equivalente à ilusão,
falsa consciência, como um conjunto de crenças, trazendo a idéia de
que o ideólogo é aquele que inverte as relações entre a idéia e o real.
Esse conceito, após, é ampliado por Marx passando a abranger as
formas ideológicas através das quais os indivíduos tomam consciên-
cia da vida real, para ele a ideologia é um conceito pejorativo, um
conceito crítico que implica ilusão.
Mesmo depois de Marx, o conceito continua sua trajetória
no marxismo, restando mais claro e combatente o sentido da ideolo-
gia como um conceito de algo ilusório, enublecedor da realidade,
espectral, a ideologia representativa.

4.5.1. O sentido representativo da ideologia, a ideologia


como representação, é aquele causador do efeito de enublação, ob-
nublante, ilusório, formador de uma consciência inerte ou desenvol-
vida a partir do erro, da simulação, do auto-engano.
O paradoxo que envolve o efeito da ideologia representa-
tiva, segundo Slavoj Zizek, apresenta-se como a própria forma de
escravização a ela, portanto deve-se separar a ideologia da problemá-
tica representativista, a ideologia é distinta da ilusão203.
Os filósofos frankfurtianos, Horkheimer e Adorno, enten-
dem que “os que sucumbem à ideologia são exatamente os que
ocultam a contradição, em vez de acolhê-la na consciência de sua
própria produção”204.
Essa produção da ideologia predispõe uma postura crítica
diante do próprio velamento do sentido ideológico representativo205.

203. Cf. Salvoj Zizek, O Espectro da Ideologia in Um mapa da ideologia, Rio


de Janeiro: Contraponto, 1996. Assim expõe o autor: “Eis aí uma das tarefas da
crítica pós moderna da ideologia: nomear, dentro de uma ordem social vigente, os
elementos que à guisa de ficção, isto é, de narrativas utópicas de histórias alternati-
vas possíveis, mas fracassadas – apontam para o caráter antagônico do sistema e,
desse modo, nos alienam da evidência de sua identidade estabelecida”.
204. Cf. Max Horkheimer e Theodor Adorno, Dialética do esclarecimento:
fragmentos filosóficos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 19.
205. “Contudo, a credulidade, a aversão à dúvida, a temeridade no responder,
o vangloriar-se com o saber, a timidez no contradizer, o agir por interesse, a pregui-

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Na verdade esta postura ideológica representativa se fortifica, se
(re)cria e se relaciona com a inauguração do Estado Liberal, o que
faz com que os autores frankfurtianos alertem que “neste país, não
há nenhuma diferença entre o destino econômico e o próprio homem...
na consciência dos homens, a máscara econômica e o que está debai-
xo dela coincidem nas mínimas ruguinhas. Cada um vale o que ganha,
cada um ganha o que vale”206.
A produção desse ambiente ideológico se promove no
contexto da experiência vivencial dos seres humanos envoltos numa
rede formada pelo capitalismo religiosamente exercido.
Como, então, superar, ir além deste ambiente ideológico
representativo, há possibilidade de um exercício para a desmistifica-
ção ideológico-representativa?
Na verdade, esta formação espectral da ideologia repre-
sentativa deve ser observada na resolução do impasse da “antino-
mia da razão crítico-ideológica”, ou seja, a ideologia não é tudo,
há um lugar do qual se possa denunciá-la e tal lugar tem que per-
manecer vazio, não pode se desvirtuar por uma realidade deter-
minada, pois a partir do momento em que se cede a essa tentação
se volta à ideologia.
O problema do sentido representativo da ideologia está
situado num locus composto, há a necessidade de o ser humano pre-
dispor-se criticamente e essa própria predisposição já apresenta um
sentido ideológico, no entanto além-representativo.
Com isso deve-se retomar um dos significados do termo
ideologia, aquele em que ela é aquilo que confere certa posição a
um sujeito, ou seja, a postura intelectual, crítica, emancipadora já
predispõe uma ideologia, de qualquer maneira a ideologia está rela-
cionada aos atos humanos. Esse conceito é extremamente importan-

ça nas investigações pessoais, o fetichismo verbal, o deter-se em conhecimentos


parciais: isto e coisas semelhantes impediram um casamento feliz do entendimento
humano com a natureza das coisas e o acasalaram, em vez disso, a conceitos vãos e
experimentos erráticos: o fruto e a posteridade de tão gloriosa união pode-se facil-
mente imaginar”. Horkheimer e Adorno, p. 19.
206. Horkheimer e Adorno, p. 197.

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te e deve ser observado em contraposição ao sentido ideológico-
representativo207.
Todo essa complexidade da significação da palavra
ideologia ganha uma certa organização sociológica, muito impor-
tante para o presente estudo, dada por um famoso sociólogo, Karl
Mannheim em seu livro Ideologia e utopia.
Para Mannheim, ideologia é um conjunto das concepções,
idéias, teorias, que se orientam para a estabilização, ou legitimação
ou reprodução, da ordem estabelecida, ou seja, todas aquelas doutri-
nas que consciente ou inconscientemente, voluntária ou involuntaria-
mente, servem à manutenção da ordem estabelecida, enquanto as
utopias, ao contrário, são aquelas idéias, concepções, teorias que
aspiram uma outra realidade, uma realidade ainda inexistente, têm,
portanto, uma dimensão crítica ou de negação da ordem social exis-
tente. As utopias têm uma função subversiva, crítica e até mesmo
revolucionária.
Diante desta proposta, nota-se que ideologia e utopia são
duas formas de um mesmo fenômeno que se manifesta de duas ma-
neiras distintas, podendo se expressar num primeiro caso ideologi-
camente em outro, utopicamente. Assim, Mannheim utiliza esse fe-
nômeno em relação às classe sociais como “ideologia total”.
Deste modo, o conceito de ideologia se abre em dois
sentidos, o primeiro, ideologia total como conjunto de idéias, formas
de pensar relacionadas a posições sociais de grupos ou classes; e
ideologia em sentido estrito, que é a forma conservadora que essa
ideologia total pode tomar, em oposição à forma crítica que ela
chama de utopia208.

207. Com isso não estamos querendo criar um maniqueísmo entre uma ideolo-
gia melhor ou pior, mas justamente demonstrar a acepção do conceito de ideologia
nas relações humanas e o quão é importante a concretização de uma postura ética
comprometida com a sociedade. Essa questão é tão importante que como será dis-
corrido no próximo tópico essa postura ética no Direito se relaciona com seu senti-
do epistemológico, a palavra episteme em seu sentido original se refere à postura,
postura ética.
208. É a partir desta conceituação que Michel Löwy cria um termo que se re-
fere ao mesmo tempo tanto à ideologia quanto à utopia, visão social de mundo. Para

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Portanto, Karl Mannheim, partindo de uma concepção
particular para uma total de ideologia, demonstra que um grupo reu-
nido de indivíduos tende a forçar a modificação do mundo envolven-
te da natureza e da sociedade, ou procura perpetuá-lo sob uma dada
condição, sob um determinado aspecto, e é a direção desta vontade
de mudar ou conservar que explica o aparecimento de seus problemas
e de sua forma de pensar209.
Tal conceito admite dois aspectos que são antagônicos, o
primeiro, transformador e o segundo, conservador, de maneira que
ambos atuam nas formações sociais específicas como fator de legi-
timação.
Essa produção da ideologia se dá em relações de poder na
esfera social, é a partir deste aspecto que se pode abordar o sentido
de ascensão ideológica.
O poder da ideologia se apresenta nesta produção. István
Mészarós, enfaticamente, observa que por óbvio as ideologias domi-
nantes da ordem social estabelecida desfrutam de uma importante
posição privilegiada em relação a todas as variedades de “contracons-
ciência”, fazendo valer os mecanismos auto-reprodutivos da socie-
dade, tendo como apoio principais instituições econômicas, culturais
e políticas, portanto, a ideologia, neste sentido, tem forte potencial
de transformação ou des-truição social210.
Enfim, a ideologia é necessária, sua necessidade se apre-
senta no sentido natural de sua formação, de seu acontecimento; daí
a importância da superação constante do seu sentido representativo
não enganado por uma impossível des-ideologização; nisso reside o
potencial transformador, emancipador social da ideologia.

ele as visões sociais de mundo seriam todos aqueles conjuntos estruturados de valo-
res, representações, idéias e orientações cognitivas unificados por uma perspectiva
determinada, por um ponto de vista social, de classes sociais determinadas. Cf. Löwy,
p. 13.
209. Karl Mannheim, Ideologia e utopia, Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1968.
210. István Mészarós, O poder da ideologia, trad. Paulo Cezar Castanheira, São
Paulo: Boitempo, 2004, p. 233.

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4.5.2. O Direito como uma criação humana, como produ-
ção da linguagem, se encontra a todo o momento com a ideologia, e
desse encontro cabe uma reflexão filosófica dos contornos e poten-
cialidades do próprio Direito enquanto fenômeno ideológico.
Para tanto, resta ainda identificar o sentido da ideologia
num ponto de vista individual, a partir do indivíduo, reforçando a
questão da necessidade da ideologia e da ascensão ideológica, ante-
riormente expostos.
Hans Barth em sua obra Veritá e ideologia, anuncia que a
ideologia no século XX tem como base quatro pressupostos que se
relacionam pelo sentido da atividade espiritual humana em íntima
correlação com a atividade econômica, que formam de algum modo
a maneira como o indivíduo orienta-se no mundo, predispõe-se ao
mundo e transforma-o, (re)cria-o211.
Atualmente a criação do Direito está muito relacionada e
muito pressionada pela realidade vivencial (experiencial/existencial)
que a sociedade presencia, as questões processuais se estruturam em
modelos e atitudes utilitaristas, caracteristicamente representadas por
um individualismo ideológico-representativo.
Segundo Ovídio Baptista da Silva a ideologia, de um
ponto de partida individualista, deve ser observada sob dois aspectos:
o primeiro refere-se à atribuição aos nossos opositores à condição de
ideológicos, na suposição que predispomos de um “Ponto de Arqui-
medes”, como se houvesse o acesso privilegiado à verdade absoluta,
e o segundo, como que uma conseqüência do primeiro, de que o
“outro” não aceitasse nossa idéia por não conseguir atingir a nossa
verdade, o que a determinaria como implicitamente válida, permane-
cendo como única212.
Esta postura “é a marca do pensamento conservador. Tudo
o que questiona a “realidade”, construída pelo pensamento conser-

211. Hans Barth, Veritá e ideologia, Bologna: Societá Editrice el Mulino, 1971,
p. 347 e 348.
212. Cf. Ovídio Baptista da Silva, Processo e ideologia: o paradigma raciona-
lista, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 9.

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vador, é ideológico, no sentido do irreal, pois a visão conservadora
supõe que nosso “mundo” seja o único possível”213.
O direito está tomado pelo pensamento conservador e nele
nitidamente a ideologia em seu sentido representativo tem grande
força e se alastra por questões teóricas e científicas até questões prá-
ticas do cotidiano.
Esse aspecto negativo, no entanto, é um dos pontos de
partida para o entendimento do Direito como fenômeno ideológico,
tendo em vista o que se propôs como a necessidade da ideologia,
deve-se entender que as ideologias “não são superficiais, irrelevantes
ou nefastas... não se pode apenas visualizar seu aspecto negativo de
distorção e com isso descartar sua função e minimizar sua operacio-
nalidade, ainda que sob novas roupagens e rotulações nos horizontes
do atual estágio das sociedades pós-industriais e globalizadas”214.
A formação epistemológica jurídica é construída em for-
mação e relação com a ideologia. Raymond Boudon se refere aos
efeitos epistemológicos no conhecimento científico, de maneira que
“não somente o conhecimento científico está ao abrigo das crenças
não demonstradas, como não poderia existir sem elas”215, ou seja, seu
objetivo é demonstrar que a ideologia se desenvolve mesmo no co-
ração do trabalho científico.
A questão que vem à tona diante de realidade da ideologia
no estudo científico é que desde as discussões dos modelos levantadas
por Popper, Kuhn e Feyerabend, atrás disso, há, sobretudo, um efei-
to epistemológico, ambientado pela ideologia.
A epistemologia jurídica, a tentativa do estudo científico
do Direito, acontece de maneira diferente de algumas outras ciências,
a proposta do estudo científico do Direito deve necessariamente de-
mandar uma função e atuação social direta, daí a importância de seu
entendimento enquanto fenômeno ideológico.

213. Ovídio B. da Silva, p. 9.


214. Cf. Antonio Carlos Wolkmer, Ideologia, estado e direito, 3. ed., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000, p. 189.
215. Raymond Boudon, A ideologia ou a origem das idéias recebidas, trad.
Emir Sader, São Paulo: Ática, 1989, p. 188.

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Portanto, referimo-nos aqui “à assunção de uma nova
ideologia, porosa em relação às demais, mas consciente de seu cará-
ter ideológico... esse tipo de ideologia “superideologia”.... deve ser
utilizada como uma “prototeoria”, ou seja, “um corpo de idéias que
podem servir de ponto de partida para diferentes concepções da rea-
lidade e possibilidades sociais”216.
Esta porosidade ideológica potencializa o sentido de
aplicabilidade do Direito, deste modo “a hermenêutica crítica não
rejeita a ideologia (...); mas exige que a ideologia do Direito não
permaneça inconsciente e que, tornando-a consciente, possa estar
o jurista em condições de questioná-la quanto aos seus efeitos na
vida social...”217.
Portanto, retomando a proposta ideológica de Mannheim
e os dois estratos em que se divide a ideologia, pode-se dizer que o
Direito como fenômeno ideológico apresenta outros dois aspectos
que de certa forma derivam do antagonismo que foi demonstrado, um
interno e outro externo, que se relacionam; dizer a ideologia interna
do Direito é defini-lo em suas características historicamente aceitas
pelo senso comum como essenciais; dizer a ideologia externa é vin-
cular essa caracterização com as formas históricas dominantes do
saber e atuar.
4.5.3. O momento ideológico, por sua vez, insere-se na
relação entre conhecimento (ciência) e ação (política), sendo por
demais evidente em uma ciência como a do direito, enquanto ciência
de um certo direito positivo, sempre vinculada ao espírito que anima
uma específica ordem jurídica e às valorizações que estão em sua
base, por uma determinada opção, eleita em um processo decisório
de conotações inegavelmente políticas e, logo, ideológicas também218.

216. Willis Santiago Guerra Filho, A filosofia do direito aplicada ao direito


processual e à teoria da Constituição, São Paulo: Atlas, SP, 2001, p. 102 e 103.
217. Guerra Filho, p. 103.
218. Atualmente, é quase pacífico o entendimento de que a pesquisa científica,
em qualquer área, sempre se reveste de um caráter ideológico, não passando a pre-
tendida “neutralidade axiológica” positivista de um mito, ele mesmo, ideológico.
No parecer de Helmar Frank, “(N)ão há sentido em ficarmos refletindo sobre se há
lugar para ideologia ou não, no processo de trabalho científico, pois essa reflexão já

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Como certa feita afirmou Emge, de uma perspectiva sociológica, a
dogmática jurídica presta-se “à elaboração, sempre em desenvolvi-
mento, da ideologia em que assenta o Estado histórico”219. É de se
assumir, então, que nenhuma questão jurídica, por mais técnica, é
“ideologicamente neutra”220. “Il compito di interpretare la norma”,
leciona Cappelletti, “impone anche il compito di interpretare, di ca-
pire i momenti ideologici”221.
Como já dito, “ideologia”, entretanto, é termo dos mais
imprecisos, sendo empregado em diversas acepções. Na tradição
que remonta a Marx, em que se situou na primeira fase de seu pen-
samento o frankfurtiano Habermas222, para quem a verdade é algo
inseparável da sociedade que a concebe e essencialmente animada

é ideológica”. “Ao contrário”, arremata ele, “em princípio não apenas o direito de
existência dessa ou daquela ciência, mas também o direito de existência da ciência
em si (...), pode ser posto em dúvida e só pode ser julgado sobre base ideológica”
(Cibernética e filosofia, cit., p. 124). Por outro lado, cientistas políticos têm discu-
tido, modernamente, o fim da ideologia como orientadora da atividade política, que
se tornou realista e pragmática, não havendo mais lugar para uma coerência com
um ideário utópico. Sobre o primeiro aspecto, v. Karl Manheim, Ideología y utopia,
Madrid, 1958; Noam Chomsky, Objectivity and liberal scholarship, in American
power and the new mandarins, London, s/d, p. 23 e s.; Bertrand Russell, O impac-
to da ciência na sociedade, Rio de Janeiro, 1976. Sobre o segundo, Raymond Aron,
Fin de l’áge idéologique?, in Sociologia, T. W. Adorno e M. Dirks (orgs.), Frankfurt,
1955; Daniel Bell, The end of ideology, Glencoe, 1960; Seymour Lipset, O fim da
ideologia?, Post scriptum a O homem político, Rio de Janeiro, 1961; em polêmica
com Joseph Lapalombara, Sociologia política, Maria Stella de Amorim (org.), Rio
de Janeiro, 1970, v. 3; Fernandez de la Mora, El crepúsculo de las ideologías,
Madrid, 1965.
219. Philosophie der Rechtswissenschaft, apud Larenz, Metodologia, cit.,
p. XIV.
220. Cf., v. g., W. G. Friedman, Legal theory, London, 1960, p. 401-2.
221. Ideologia nel diritto processale, Riv. Trim. Dir. Proc. Civ., 1962, p. 216.
222. Habermas, em importante obra publicada originariamente em 1968, Téc-
nica e ciência como “ideologia” (Technick und Wissenschaft als “ideologie”), al-
cança uma boa crítica ao positivismo quando assevera que o tecnicismo consiste em
uma ideologia que tenta pôr em prática, sob qualquer preço, o conhecimento técni-
co e a ilusão objetiva das ciências. Cf. Jürgen Habermas, Técnica e ciência como
“ideologia”, Lisboa: Edições 70, 2001.

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por um interesse, nem sempre confessado223, parte-se de uma con-
cepção prévia, de certa forma considerada justa, de organização
social, o que possibilita, em caso de discrepância, a denúncia ide-
ológica ou Ideologiekritik. A metodologia jurídica de inspiração
marxista — no Ocidente, bem entendido, pois, no Oriente, a ciência
“marxista” (rectius, soviética) do direito é de um dogmatismo es-
clerosado — é das mais profícuas, possibilitando uma análise, se-
guida de uma crítica, baseada no estudo de casos concretos, do
cotidiano judiciário, tal como chegou a fazer o próprio Marx, em
artigos publicados na Gazeta Romana, coligidos no volume A sa-
grada família.
Ao lado dessa concepção dita “crítica”, e em polêmica
com ela, existe a perspectiva sistêmico-funcionalista, representada
na Alemanha por Niklas Luhmann, de acordo com a qual é descabi-
do avaliar as ideologias por seu conteúdo de verdade224. O papel
delas é reduzir a complexidade das relações sociais, por um recurso
a valores que orientam significativamente as condutas225. O que há
de mais condenável — e superado — nessa teoria seria sua tendência
à minimização do papel dos conflitos na análise social, como se ve-
rifica na abordagem de Talcott Parsons — não na de Luhmann, tal se

223. “In der Kraft der Selbstreflexion sind Erkenntnis und Interesse eins” (na
força da auto-reflexão, conhecimento e interesse são um só), escreve Habermas, em
Erkenntis und Interesse, Frankfurt, 1968, p. 164, nota 47 (ed. bras., Conhecimento
e interesse, Rio de Janeiro: Forense, 1982). De acordo com sua tese, é o interesse
que dirige a busca de conhecimento, podendo aquele ser espúrio ou emancipador.
224. “Systemtheorie Analyse ist ein neuer Gedanke. In der europäischen denktra-
dition hatte man die letzten Masstabe in den Kriterien der Wahrheit und der Gere-
chtigkeit gesucht, unsere Themabegriffe daran zu messen, Ideologien nach ihrem
Wahrheitsgehalt zu befragen und positives Recht nach seiner Gerechtigkeit” (em
vernáculo: “A análise da teoria sistêmica é uma concepção nova. Na tradição do
pensamento europeu procurou-se a medida última de avaliação nos critérios de
verdade e justiça, e ainda hoje procuramos aferir com eles os conceitos de nosso
tema, questionando as ideologias pelo seu conteúdo de verdade e o direito positivo
por sua justiça”) (Wahrheit und Ideologie, Soziologische Aufklärung, n. 8, Köln,
1970, p. 196).
225. A propósito, cf. o prefácio de Tércio S. Ferraz Jr. à obra de Luhmann,
Legitimação pelo procedimento, Brasília: UnB, 1980.

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procurou evidenciar em outro local226 —, que pode ser considerado
seu fundador, conhecida (a teoria) em sociologia como “estrutural-
funcionalismo”. De acordo com a visão parsoniana, os conflitos so-
ciais não passam de distúrbios ocasionais, a serem prontamente in-
corporados e eliminados pela organização social227. Isso, a nosso ver,
equivale a pôr antolhos diante da realidade social, onde os conflitos
não são a exceção, mas a regra, sendo esta a própria condição de
existência e necessidade do Direito228. Torna-se, assim, compreensí-
vel que a verdade, entendida sistemicamente, corresponda à trans-

226. Cf. Willis S. Guerra Filho, Autopoiese do direito na sociedade pós-moder-


na, Porto Alegre, 1997, p. 63 e s.
227. A doutrina de Parsons encontra-se enfeixada em obras como The structu-
re of social action, Glencoe, 1949, e The social system, ib., 1951. Essa doutrina é
desenvolvida por Robert K. Merton, para quem os contatos são disfunções, prejudi-
cam o funcionamento da sociedade, provocando inadaptações e desajustamentos no
sistema social — cf. Social theory and social structure — toward the codification of
theory and research, Glencoe, 1949, p. 50. Esse imobilismo é atenuado na doutrina
mais recente desses autores, que adotam uma perspectiva denominada “neo-evolu-
cionária” — cf. W. E. Moore, O funcionalismo, in História da análise sociológica,
Tom Bottomore e Robert Nisbet (orgs.), Rio de Janeiro, 1980, p. 450-68.
228. Sobre o papel do conflito na teoria social, cf. Ralf Dahrendorf, As funções
dos conflitos sociais, Brasília, s/d, textos de aula da UNB, bem como Lewis Coser,
The functions of social conflict, Glencoe, 1956. Para o primeiro, “a missão cons-
tante, o sentido e o efeito dos conflitos sociais concretizam-se, ao manterem e fo-
mentarem a evolução das sociedades, nas partes e no seu todo. (...) Os conflitos são
indispensáveis, enquanto um fator do processo universal social. Sempre que faltam,
são suprimidos ou dissolvem-se na aparência, faz-se mais lenta ou detém-se a
mudança. Quando se admitem e regulam os conflitos, mantém-se o processo evo-
lutivo enquanto desenvolvimento gradual” (p. 7-8). Coser coloca-se em uma posi-
ção intermediária entre Dahrendorf e Merton, quando considera que certo tipo de
conflito pode ser benéfico para estabelecer ou re-estabelecer a unidade e coesão do
grupo social, ameaçado por animosidades entre os membros do grupo. Esses são
conflitos “which concern goals, values or interests that do not contradict the basic
assumptions upon which the relationship is founded”, isto é, que dizem respeito a
objetivos, valores ou interesses que não contradizem as assunções fundamentais
sobre as quais o relacionamento social se baseia. Assim, os conflitos internos em
que as partes contendoras não compartilham os valores básicos, que conferem a
necessária legitimidade do sistema social, ameaçam romper a estrutura social. (cf.
loc. ant. cit., p. 151 e s.).

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missão de um sentido funcional, dentro de um sistema coerente e
livre de contradições e ambigüidades229, portanto, sem uma abertura
para a verificabilidade empírica.
Há quem se refira à ideologia como um conhecimento de
caráter científico, porém defeituoso, algo como um intermediário
entre o mítico e o propriamente científico, como a teologia e a filo-
sofia na fase pré-científica230. Viehweg fala de um sentido neutro do
vocábulo, como sendo simplesmente uma teoria que cumpre deter-
minada função social231. Kelsen, por sua vez, distingue duas acepções
para o termo: uma positiva, que inegavelmente se aplica ao Direito,
enquanto “sistema de relações distinto da natureza” (ein von der
Natur verschiedener Systemzusammenhang), estudado por “leis que
não afirmam, como as leis naturais, uma conexão causal mas uma
conexão de imputação” (Zurechnungszusammenhang); a outra nega-
tiva, na medida em que, emanada da vontade, encobre a realidade,
ligando-se a interesses diversos daquele da busca da verdade, desfi-
gurando-a, seja para defender e assegurar a preservação de certo
statu quo, seja para atacá-lo, destruí-lo e substituí-lo por outro, havi-
do por melhor — com isso, como é notório, não se compadece a
Teoria Pura do Direito232.
Entretanto, parece assente na atual filosofia da ciência a
impossibilidade de se depurar totalmente a pesquisa, não só no direi-
to, mas nas ciências em geral, de elementos ideológicos e de com-
promissos políticos e sociais, mesmo que estes tenham incidência
não conscientizada pelo pesquisador, atingindo-se com isso a “neu-
tralidade axiológica”, preconizada pelo positivismo. Não obstante, e
por isso mesmo, é indeclinável a postura crítica perante a ideologia,

229. Cf. Luhmann, Sistema jurídico y dogmática jurídica, Madrid, 1983.


230. Nesse sentido, E. Topisch, Vom Ursprung und Ende der Metaphysik, Wien,
1959, p. 290, bem como em outras obras do autor. De certa forma, também H. G.
Frank, ob. cit., § 5º, trad. bras., p. 42, quando define ideologia como campo de re-
flexão que ultrapassa os limites da ciência.
231. Cf. Ideologie und Rechtsdogmatik, in Recht und Ideologie, cit., p. 89.
232. Cf. Reine Rechtslehre, cit., 1960, p. 111-3 (Teoria pura do direito, Coim-
bra, 1979, p. 159-62). V. também Carlos Carcova, La idea de ideología en la teoría
pura del derecho, Buenos Aires, 1973.

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que no direito se encontra agregada ao próprio objeto, pois a confi-
guração dos institutos jurídicos é determinada pela visão de mundo
ou mundividência (Weltanschauung) subjacente ao ordenamento
jurídico, ou seja, sua “ideologia”, no sentido empregado na obra
pioneira de Destutt de Tracy233.
A crítica da ideologia, no direito, tendo em vista a própria
tridimensionalidade do fenômeno jurídico por ele estudado, pode
dar-se em três instâncias distintas. Existe a perspectiva extra-siste-
mática, em que a crítica tem um sentido de formulação de juízos de
valor, apresentando-se como crítica transcendente, função da filoso-
fia do direito, pois, segundo Maihofer, trata da questão de se procurar
a solução mais “humana”, baseada em critérios de justiça e retidão,
ou de adequação social234. O mesmo autor identifica também uma
espécie de crítica dita imanente, de caráter mais sociológico, que
torna manifestas as contradições entre fatos e normas235. Contudo,
pode-se ainda asseverar a existência de uma crítica transcendental, a
ser realizada no âmbito da própria dogmática jurídica, no trato com
o ordenamento positivo, pela identificação dos valores que o animam,
sem a postura “utópica” da filosofia236.
Bastante elucidativa, apesar de ter caído no esquecimento,
é aquela que se pode considerar como a primeira teoria da ideologia,
devida a Francis Bacon, tal como se encontra exposta na primeira
parte de seu opus magnum, o Novum Organon, de 1605. O filósofo
inglês, justamente considerado um dos principais elaboradores do

233. Éléments d’idéologie, Paris, 1801. Clóvis Beviláqua desenvolve, com a


clareza e a maestria que lhe são habituais, a idéia do Direito como reflexo de uma
concepção de mundo global, em ensaio publicado em Criminologia e direito, Reci-
fe, 1896.
234. Cf. Zum Vertältnis von Rechtssoziologie und Rechtstheorie, in Rechtsthe-
orie, Frankfurt a. M., 1971, p. 209.
235. Um exemplo de crítica imanente da ideologia encontra-se em P. Trappe,
Genossenschaftsrecht-Genossenschaftsideologie-Genossenschaftswirklichkeit, in
Rechtssoziologie und Rechtspraxis, Neuwied, 1970, p. 27 e s.
236. Maihoffer faz alusão à função utópica da filosofia jurídica, em sua contri-
buição à crítica ideológica, considerando como crítica da ideologia em sentido estri-
to a crítica transcendente (cf. Rechtssoziologie und Ideologiekritik, in Rechtstheorie
und Ideologie, cit.).

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moderno método científico, ao lado de Descartes, concebe categorias
de aplicação frutífera ainda hoje para compreender o fenômeno cog-
nitivo, ao distinguir quatro fontes de erro que viciam o entendimento
humano: o idola tribus, resultante da própria condição vital da espé-
cie humana, que nos força a perceber a realidade não como de fato
ela é, mas tal como a apreende nosso entendimento limitado e nossos
sentidos deturpadores; o idola specus (lat., “caverna”), resultante do
particular horizonte de conhecimento de cada um; o idola fori (id.,
“praça pública”), derivado das perturbações do entendimento como
conseqüência do intercâmbio estabelecido pelos homens, obrigados
a comunicar-se por meio de um instrumento deficiente, como é a
linguagem, em que freqüentemente o sentido das mensagens é dis-
torcido; e, finalmente, o idola theatri, como denominou as represen-
tações e os estereótipos provenientes da tradição, autoridade e erros
do passado.

136

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5
METODOLOGIA JURÍDICA E
INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

5.1. A entrada em vigor de uma nova Constituição no


Brasil trouxe consigo a exigência de renovação também no plano
doutrinário do direito em nosso país, já que a partir de agora se enten-
de haver definitivamente modificado a demarcação do espaço em que
se desenvolve a atividade jurídica. Se, por um lado, contudo, a pers-
pectiva de trabalhar em um contexto bastante modificado e cheio de
novidades é extremamente estimulante, por outro lado, o operador
jurídico pode, com razão, sentir-se também intimidado diante da ta-
refa gigantesca com que se depara, quando se lhe põe em mãos, sem
maiores explicações, um texto constitucional desconhecido, voltado
para a instauração de novas práticas institucionais. É aí que se mostra,
com toda clareza, o papel a ser desempenhado pelo teórico do direito,
a quem cabe fornecer meios para o entendimento desse material jurí-
dico inédito. Urge, portanto, tematizar o problema, ainda pouco ex-
plorado entre nós, do método adequado para se interpretar uma
Constituição, tal como a que recebemos no Brasil, com o intuito de
fornecer a necessária legitimidade ao ordenamento jurídico, para o
que deve servir de instrumento de radicais transformações no País.
O objetivo do presente capítulo é procurar trazer para a
discussão entre nós uma contribuição a partir do estudo da experiên-
cia constitucional vitoriosa e da teoria do direito extremamente de-
senvolvida que possui a Alemanha Federal.
Ali, prevalece uma forma de interpretar a Lei Fundamen-
tal pela instância superior encarregada institucionalmente desse as-
sunto, a Corte Constitucional, que se pode dizer em perfeito acordo
com o paradigma predominante na metodologia do estudo jurídico.
Trata-se de um paradigma valorativo, próprio da chamada
“jurisprudência dos valores” (Wertjurisprudenz), a qual se apresenta

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como um ulterior desenvolvimento da “jurisprudência dos interesses”
(Interessenjurisprudenz), cujo desenvolvimento se vincula, particu-
larmente, à última fase do pensamento de Jhering e à figura de Philip
Heck, em seu combate contra as abstrações conceituais e o legalismo,
então correntes na passagem do século XX237.
Característica desse “pensamento jurídico orientado por
valores”238 é a compreensão da norma jurídica como prescrição de
um padrão avaliativo para a apreciação de casos concretos, o qual se
pode fazer remontar a juízos de valor esclarecedores do sentido nor-
mativo. Esse padrão, por sua vez, estando consagrado abstratamente
na norma, só vem a adquirir pleno significado quando ela é aplicada
aos fatos a que se destina a regular.
Para que tais valorações, por definição subjetivas e pes-
soais, atinjam um estado de objetivação máxima, ao se concretizarem
normas em que elas se acham expressas, é necessário que se as verta
em princípios jurídicos positivados, os quais possuem diferentes graus
de generalidade, caso pertençam à Constituição ou a apenas algum
setor infraconstitucional do Direito.
Vê-se, portanto, que não se trata de recurso a um sistema
suprajurídico239 de valores, como aqueles desenvolvidos no âmbito
das teorias jusnaturalistas, da filosofia moral ou da religião.

237. De Heck, no Brasil, cf. Interpretação da lei e jurisprudência dos interesses,


São Paulo, 1947. Especificamente sobre a “discussão metodológica” (Methodenstreit),
Begriffsbildung und Interessenjurisprudenz, Tübingen, 1932. O leitor de língua portu-
guesa pode ainda consultar Larenz, Metodologia da ciência do direito. A quem for
acessível, aconselha-se particularmente o extenso ensaio de Werner Krawietz, Zum
Paradigmenwechsel im juristischen Methodenstreit, in Argumentation und Hermeneu-
tik in der Jurisprudenz, Rechtstheorie, Beiheft 1, Berlin, 1979, p. 113 e s. Na perspec-
tiva que iremos enfocar nosso tema, literatura nacional, praticamente só existem os
estudos de Paulo Bonavides, O método tópico de interpretação constitucional, Revista
de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 1, Rio de Janeiro, 1983, p. 3 e s., e o
capítulo referente à interpretação constitucional, seu Direito constitucional, Rio de
Janeiro, 1980, p. 26, agora Curso de direito constitucional, São Paulo, várias edições.
238. Cf. Larenz, ob. cit., 4. ed. alemã (Methodenlehre der Rechtswissenschaft),
1979, p. 192 e s., passim.
239. Cf. Martin Kriele, Theorie der Rechtsgewinnung (entwickelte Probleme
aus der Verfassungsinterpretation), cit., p. 100.

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O estabelecimento de valores em princípios no âmbito
constitucional e a sua concretização máxima nas decisões dos agen-
tes jurídicos conferem-lhes a necessária objetividade para se tornarem
aptos a um tratamento científico, destinado a realizar a elaboração de
um “sistema interno”240, no qual se procura compatibilizar os diversos
princípios, entre si muitas vezes contraditórios, realizando um esca-
lonamento (Rangordnung) por importância, tendo em vista o resul-
tado a que levam concretamente quando se trata de subsumir fatos a
normas, que são reflexo deles, os princípios.
A possibilidade de lidar com valores no direito de forma
racional e intersubjetivamente controlável, que é própria da ciência,
assume uma importância decisiva ao se pretender adotar um modelo
epistemológico que supere a antítese entre aquele do positivismo
normativista, axiologicamente neutro, e o seu oposto jusnaturalista,
das mais diversas formas. A essa questão retornar-se-á no final da
exposição. Por hora, manter-se-á a atenção na teoria e prática cons-
titucional no ocidente alemão.

5.2. A tendência metodológica apenas mencionada encon-


tra eco na concepção típica da Alemanha Federal de uma Constituição
como o fundamento e ordem de valores da convivência social (Wer-
tgrundlage und -ordnung des Gemeinwesens), além de forma jurídi-
ca garantidora da divisão e controle do poder estatal. Seu apareci-
mento data do período do entreguerras, na República de Weimar, cuja
Constituição representou um compromisso provisório entre as classes
em estado de conflito pré-revolucionário, surgindo assim como que
um compromisso, a um só tempo, sobre a autoridade estatal e sobre
a vinculação social em torno de valores básicos (Herrschafts- und
Gesellschaftsvertrag), a fim de manter a sociedade política.
Para a Teoria do Estado da época, isso representou a opor-
tunidade de superar os impasses do positivismo reinante antes da
guerra, aproximando-se da filosofia de cunho axiológico então em

240. Cf. Claus-Wilhelm Canaris, Systembegriff in der Jurisprudenz (entwickelt


am Beispiel des deutschen Privatrechts), Berlin, 1969, p. 40 e s.; Larenz, ob. ed. cit.,
p. 458 e s.

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voga241. Nesse sentido vai a doutrina constitucional de Smend, base-
ada no método por ele fundado, orientado por valores, como próprio
de uma ciência cultural (geistwissenschaftlich-wertbezogene), e por
ele denominada “integrativa”, já que a Constituição aparece ali do-
tada de uma função dinâmico-integrativa de valores e bens culturais,
capaz, por isso, de garantir a unidade do corpo político e social.
Contra essa concepção insurge-se C. Schmitt, em sua
Verfassungslehre (item 3, in fine), procurando estabelecer o momen-
to decisório como aquele no qual a Constituição catalisa em torno de
si a união e a unidade do esforço comum na sociedade.
Esse período, como se sabe, é violentamente encerrado
com o voluntarismo irracionalista do nazismo.
No período da redemocratização, após 1945, ocorre o
conhecido “renascimento” do jusnaturalismo, menos por seus méritos
intrínsecos do que pela flagrante contradição da neutralidade axioló-
gica do positivismo em face do terrorismo estatal praticado no “III
Reich”.
No plano da teoria constitucional, com a vigência da nova
Carta, retoma-se a discussão interrompida, agora com franca vantagem
para a corrente “axiológica”, apesar do protesto renovado de Schmitt,
num plano estritamente filosófico, sob o lema “tirania dos valores”,
que habilmente toma de empréstimo a Nicolai Hartmann, defensor
da teoria objetiva dos valores, bastante influente nos doutrinadores
daquela corrente. O culto e muito controvertido mestre mostra-se
preocupado com juristas que se concebem como estabelecedores
diretos de valores, em sua atividade, levando assim preferências
subjetivas a transitar em julgado, ao serem transpostas para as decisões
judiciais242.

241. Cf. Ernst-Wolfgang Böckenförde, Grundrechtstheorien und Grundrecht-


sinterpretation, Neue Juristische Wochenzeitschrift (NJW), 1974, p. 1529 e s., esp.
p. 1533 e s.; Ulrich Karpen, Die verfassungrechtliche Grundordnung des Staates
— Grundzüge der Verfassungstheorie und Politischen Philosophie, Juristen Zeitung
(JZ), 1967, p. 431 e s., esp. p. 435 e s.
242. Cf. Carl Schmitt, Die Tyrannei der Werte, in FS Forsthoff (Ebracher Stu-
dien), Berlin, 1967, p. 37 e s., esp. p. 62.

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A jurisprudência, contudo, ao contrário do que acontece-
ra na época de Weimar, seguiu abertamente a doutrina dos valores,
agora com a força e a autoridade atribuídas à Corte Constitucional,
que a adota já em seus primórdios, permanecendo a ela fiel até o
presente, contribuindo, decisivamente, para o seu desenvolvimento243.
Um de seus principais impulsionadores, no plano teórico, é Günter
Dürig, para quem a intangibilidade da dignidade humana (die unan-
tastbare Menschenwurde), estabelecida na primeira frase do primei-
ro artigo da Lei Fundamental alemã, situa-se na base de todo um
sistema de valores, positivamente objetivados na parte em que se
garantem os direitos fundamentais e em outras normas da Constitui-
ção, os quais sempre se deve entender e compatibilizar, tendo em
vista a máxima realização possível daquele valor maior: a máxima
da proporcionalidade dos meios e fins — Grundsatz der Verhältnis-
mässigkeit244.
As primeiras manifestações de dissenso, no âmbito da
jurisprudência constitucional tedesca, porém, já se fazem presentes,
e, embora continuem minoritárias, observa-se uma tendência a que
se fortaleçam245. Sua argumentação retorna à crítica feita, já há vinte

243. Cf., v. g., Böckenförde, Geschichtliche Entwicklung und Bedeutungswan-


del der Verfassung, in FS Gmür, 1982, p. 7 e s., esp. p. 18.
244. A doutrina de Dürig foi desenvolvida no ensaio Der Grundrechtssatz von
der Menschenwürde — Entwurf eines praktikablen wertsystems der Grundrechte
aus Art. 1 Abs. I in Verbindung mit Art. 19 Abs. II des Grundgesetzes”, Archiv für
öffentliches Recht (AöR), 1950, p. 117 e s., e resumida posteriormente em obra de
comentário à Lei Fundamental, publicada em colaboração com Maunz, na parte
referente ao art. lº, 1ª frase. Sobre a máxima da proporcionalidade, v. Robert Alexy,
Theorie der Grundrechte, cit., p. 100 e s.
245. A primeira opinião dissidente foi registrada no “voto especial” dos juízes
constitucionais Böckenförde e Mahrienholz na sentença sobre a duração do servi-
ço a ser prestado por quem se recuse a fazer o alistamento militar por questão de
consciência. Cf. Entscheidung des Budesverfassungsgericht, n. 69 (BVerfGE 69),
1985, Nr. 1, p. 1 e s., esp. p. 63-5. Uma “solução de compromisso” encontra-se
em BVerfGE 73, 1987, Nr. 5, p. 261 e s., quando se nega a vinculação imediata do
juiz aos direitos fundamentais, ao desenvolver sua atividade judicante no campo
do direito privado, sem deixar de reconhecer, porém, que na parte referente a esses
direitos a Constituição estabeleceu elementos de uma ordem objetiva com valida-
de para todos os campos do direito e por isso “influencia” também o direito pri-

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anos, por um eminente discípulo de Schmitt, E. Forsthoff, logo quan-
do a teoria dos valores foi encampada pelo Tribunal Constitucional,
para quem ela seria responsável pela dissolução do rigor conceitual
em um palavreado inócuo, além de desrespeitar o princípio da divisão
dos poderes estatais, por justificar uma supremacia intolerável da
judicatura, em detrimento do legislador246. Com isso, a teoria men-
cionada está sendo levada a prosseguir desenvolvendo-se e aperfei-
çoando-se, como demonstram contribuições recentes ao debate da
metodologia jurídica, que em seguida se toma em consideração.

5.3. As duas posturas contrapostas que se vêm de iden-


tificar, com relação ao tema que nos ocupa, o método adequado de
interpretar Constituições, apóiam-se, evidentemente, em concepções
também divergentes sobre o papel do Estado na sociedade, bem
como sobre aquele da Constituição, no contexto político e no estri-
tamente jurídico, em que o problema transpõe seus termos para a
questão da função específica das normas constitucionais no orde-
namento jurídico.
A preferência por uma ou outra postura referida termina,
então, sendo ideologicamente condicionada, e vai depender da
opção que se faz pelo Estado de Direito, em sua feição clássica li-
beral, ou pelo Estado Social de Direito, ou por fórmulas compa-
tibilizadoras, as quais, por sua vez, terminam enfatizando mais um
ou outro dos valores básicos conflitantes. Então se passa a insistir
mais na preservação da liberdade, defendendo a supremacia da idéia
democrática, ou se acentua a igualdade, apregoando a precedência
do socialismo.
Em um plano jusfilosófico, a antítese registrada exprime-
se no confronto, sempre renovado, entre posições que se apegam

vado. A doutrina do “princípio normativo de conteúdo valorativo” (wertentscheiden-


de Grundsatznorm) foi reafirmada posteriormente, a propósito do artigo que garan-
te as instituições do casamento e da família (art. 6º) — Cf. BVerfGE 76, 1988, Nr.
1, p. 1 e s., esp. p. 49 e s.
246. Cf. Ernst Forsthoff, Zur heutigen Situation einer Verfassungslehre, in FS
C. Schmitt, Berlin, 1968, v. 1, p. 185 e s., esp. p. 191 e s.

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ao Direito positivado como o único dotado de validade e aquelas
que, de uma forma ou de outra, não reconhecem uma cisão total
entre Ser e Dever-Ser jurídico, buscando, assim, quer em um plano
fático, quer em outro plano, o metafísico, a verdadeira fonte da
validade jurídica.
Toda essa polarização na filosofia política e jurídica pro-
cura superar-se, modernamente, com uma postura que se entende
pragmática247. Com essa qualificação estar-se-ia sinalizando a dispo-
sição em resolver questões teóricas levando-se em conta não só os
resultados práticos das diversas soluções apresentadas, como também
o modo como tais questões, normalmente de forma implícita, são
resolvidas, ou já o foram, por aqueles que precisam definir-se para
atuar concretamente. Uma tal postura sempre procura uma forma de
estabelecer um diálogo entre posições teóricas opostas, para chegar

247. De uma perspectiva pragmática, escreveu pela primeira vez Kant, em sua
obra Anthropologie in pragmatischer Hinsischt, tentando através dela aplicar conhe-
cimentos gerais para fins práticos de orientação ética na condução da vida — cf. a
Introdução, de Wolfgang Becker, a uma nova edição da obra kantiana, Stuttgart,
1982, esp. p. 22-5. Seguindo a indicação de Kant, o genial lógico e filósofo norte-
americano Charles Sanders Peirce introduz o termo “pragmatismo”, dando início ao
primeiro e mais legítimo movimento filosófico do “Novo Mundo”, contando entre
os mais proeminentes seguidores F. S. C. Schiller, William James, Dewey. Posterior-
mente, Peirce irá insurgir-se contra o rumo tomado pela vulgarização de sua idéia
original, anunciando, então, em contraposição ao que chamou de filosofia dos homens
de sucesso, e que viria a se tornar característica do American way of life, o “prag-
maticismo”. Com aquele termo pretendia ele, na verdade, expressar um “princípio
lógico”, pelo qual se deveriam levar em consideração os efeitos práticos imagináveis
que se podem associar ao conceito dado a um objeto em nosso pensamento. Esse é
considerado como um conjunto de signos e uma atividade (pragma). O signo, assim,
deveria ser entendido como uma relação entre ele, o objeto por ele representado e a
pessoa que o interpreta ao agir, relação essa denominada “semiose” — cf. What
pragmatism is, in Colected Papers of C. S. Peirce, Cambridge, 1965, v. 5, p. 284 e
s. A idéia é retomada por Charles Morris, em 1938, ao propugnar o desenvolvimen-
to da “semiótica” — cf. Fundamentos da teoria dos signos, cit. No campo do direi-
to, além da sociological jurisprudence americana, podem-se notar tendências
pragmáticas na chamada Escola de Zurique (Schindler, Kagi, Hsu Dau Lin), bem
como em constitucionalistas alemães como Maunz, Ehmke e Hennis — cf. Karpen,
loc. cit., p. 438.

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ao acordo possível entre elas, o que decorre de sua determinação
fundamental em conciliar teoria e prática.
O recurso a diretrizes pragmáticas faz-se notar não só na
orientação contemporânea da filosofia para a análise lingüística248,
como também se encontra na origem de disciplinas formais, surgidas
recentemente para estudar o fenômeno da comunicação em geral
(semiótica, cibernética, informática etc.), sem contar a sua introdução
no campo tradicional da lógica249.

248. Como se sabe, é decisiva a influência do filósofo anglo-austríaco Ludwig


Wittgenstein nessa que se pode considerar a tendência predominante da filosofia
contemporânea, de se voltar para (dis)solução de (falsos) problemas, realizando uma
terapêutica do emprego inadequado da linguagem, ao formulá-los. Sob essa influên-
cia é que se desenvolve toda uma escola filosófica na Inglaterra, à qual se associam
nomes como Searle, autor da conhecida teoria dos speech-acts, Austin (How to do
things with words é o título emblemático de sua obra principal, na qual se pode
destacar, por sua dimensão pragmática, a idéia de “enunciados performativos”), o
teórico das ciências sociais Peter Winch e o jusfilósofo H. L. A. Hart. O acento
pragmático faz-se notar, com toda nitidez, na segunda fase do pensamento wittgens-
teiniano, na qual se dedica à reflexão sobre a “linguagem comum”, enquanto em seu
primeiro livro, tão apreciado pelo positivismo lógico, o filósofo vienense via na
formulação de uma “linguagem artificial” precisa e livre de contradições ou “absur-
dos” o caminho para resolver as questões passíveis de serem resolvidas (sobre as
demais, pertencentes ao campo místico do Inefável, deveríamos calar). É quando
passa a trabalhar seguindo a máxima, que já se encontra no Tractatus logico-philo-
sophicus, segundo a qual o significado das palavras é determinado pelo uso que se
faz delas, e passa então a se valer de “jogos de linguagem” (Sprachspiele), em que
os termos podem ser compreendidos dentro dos diversos contextos em que aparecem
— cf. as Investigações filosóficas, publicadas no Brasil, parcialmente, na Col. Os
Pensadores. Mais extensamente, Willis S. Guerra Filho, Conceitos de filosofia,
Fortaleza, cap. 4, 1996; Introdução à filosofia e à epistemologia jurídica, Porto
Alegre, 1999, p. 54 e s.
249. Trata-se da fundamentação lógica “dialógico-pragmática” de P. Lorenzen
e K. Lorenz (Dialogische Logik, Darmstadt, 1978), desenvolvida, dentre outros, por
E. Kambartel (cf. Überlegungen zum pragmatischen und zum argumentativem
Fundament der Logik, na obra por ele editada, Konstruktionen versus Positionen,
Berlin-New York, 1978, v. 1, p. 216 e s.), no contexto de uma teoria geral da argu-
mentação. Uma interessante aplicação ao estudo do processo judicial encontra-se
em Rudiger Inhetveen, Dialogische Logik in der Jurisprudenz: Dialogregeln und
Prozessordnungen, in Argumentation und Hermeneutik in der Jurisprudenz, Rechts-
theorie, cit., p. 231 e s.

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A “pulsão” pragmática manifesta-se, também, com toda
clareza, no “renascimento” de disciplinas orientadas para a prática,
outrora tão importantes, como a Retórica e a Tópica. Trata-se, por-
tanto, de uma idéia-motriz, que se revela frutífera, tanto no plano
abstrato da análise formal, como naquele concreto e existencial das
questões vitais, donde a possibilidade de através dela se chegar à
conjunção de tradições filosóficas tão distintas, como o idealismo
kantiano e a filosofia lingüística, no pragmatismo transcendental de
K. O. Apel250, ou a hermenêutica e o criticismo marxista, na teoria da
ação comunicativa de Habermas.
Todas essas direções gerais do pensamento encontram-se
representadas também na filosofia do direito, sendo aí de extrema
atualidade251.
No que diz respeito à questão específica, que ora nos in-
teressa, isso se faz notar no modo como diante do confronto entre o
método valorativo e aquele normativo se procura elaborar uma alter-
nativa, em que tanto as exigências éticas do primeiro quanto o ideal
de racionalidade científica do segundo seriam satisfeitas ao máximo,
a um só tempo, já que terminam por convergir e se promover mu-
tuamente. É o que se passa a examinar no próximo item.

5.4. O festejado jusfilósofo inglês H. L. A. Hart, passando


em retrospectiva a filosofia política e jurídica nos últimos dois sécu-

250. Cf. Kommunikation und Reflexion. Zur Diskussion der Tranzendental


Pragmatik. Antworten auf K. O. Apel, Kuhlmann e Buhler (eds.), Frankfurt, 1982.
Apel, discípulo de E. Cassirer, partindo de pressupostos da filosofia kantiana, bem
como influenciado por Peirce, de quem é o introdutor na Alemanha, e Wittgenstein,
estabelece um diálogo com a filosofia hermenêutica, tanto em sua vertente fenome-
nológica, cujo representante atual mais conhecido é Gadamer, como naquela ligada
ao criticismo marxiano, de Habermas. O resultado desse “sincretismo filosófico” é
uma proposta de “transformação da filosofia” que leve à sua “realização (Verwirkli-
chung), ao atribuir-lhe a tarefa de restabelecer o vínculo perdido entre a teoria e a
práxis, na sociedade. Isso importa em um ajustamento entre as abstrações do conhe-
cimento científico e as necessidades concretas de conhecimento das pessoas, com
uma fundamentação crítica das ciências particulares. Cf., de Apel, Transformation
der Philosophie, Frankfurt a. M., 1973, 2 v., esp. a Introdução, v. 1, p. 11 e s.
251. Theorie des kommunikativen Handels, 4. ed., Frankfurt a. M., 1987, 2 v.

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los em seu país, detectou sintomas do advento de uma nova era, com
o ocaso do utilitarismo positivista de Bentham, e da sua submissão
dos princípios de justiça ao objetivo de assegurar o maior bem-estar
possível ao maior número de pessoas, separando radicalmente os
domínios da moral e do Direito.
As teses utilitaristas foram rebatidas com grande sucesso
por autores recentes, dentre os quais se destaca J. Rawls, enquanto
o positivismo jurídico, cujo principal representante atual é o próprio
Hart, foi mortalmente vitimado pelas críticas que contra sua doutri-
na move aquele que o sucedeu na cátedra em Oxford, R. Dworkin252.
Essas críticas são motivadas pela constatação (pragmática) de que a
concepção positivista do Direito como sistema de regras (rules)
resulta em um modelo que não é fiel à complexidade e sofisticação
de sua prática, especialmente quando se ocupa dos chamados hard
cases, nos quais se torna evidente o recurso a outras fontes, igual-
mente normativas, os standards. Esses tanto podem ser princípios
éticos, enquanto “a requirement of justice or fairness or some other
dimension of morality”, quanto imposições para atingir melhorias
econômicas, políticas ou sociais, em dada comunidade, o que se
denomina policy253.
Essas novas correntes britânicas são incorporadas ao
debate travado na Alemanha Federal por Robert Alexy, do qual têm

252. Cf. H. L. A. Hart, Law in the perspective of philosophy: 1776-1976, New


York University Law Review, n. 51, 1976, p. 541; Rawls, A theory of justice, Cam-
bridge (Mass.), 1971; R. Dworkin, Taking rights seriously, London, 1977. Repre-
sentativo também da nova tendência é o livro, menos conhecido entre nós, mas de
grande influência na teoria política contemporânea, de Robert Nozick, Anarchy,
State and utopia, New York, 1974, que se inicia com a frase “Os indivíduos têm
direito, e há coisas que nenhuma pessoa ou grupo podem fazê-los (sem que com isso
deixem de violar seus direitos)”. O autor refere-se mesmo a direitos “eternos e
imutáveis”, independentes de qualquer legislação, intrínsecos aos indivíduos, por-
tanto. Cf. G. H. von Wright, Is and ought, in Man, law and modern forms of life, E.
Bulygin et al. (eds.), Dordrechht-Boston-Lancaster, 1985, p. 267.
253. Sobre o termo e as dificuldades de traduzi-lo para outras línguas ocidentais,
cf. Arnold J. Heidenheimer, “Politics”, “policy” and “policey” as concepts in English
and continental languages: an attempt to explain divergences, The Review of Politics
(University of Notre Dame, Ind.), n. 1, v. 48, 1986, p. 3 e s.

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participado ativamente autores de outros países, tais como Argen-
tina (Alchourron, Bulygin, Vernengo), Áustria (Weinberger) ou,
notadamente, Finlândia (Aulis Aarnio, Ilkka Niiniluoto, sem esque-
cer o célebre Von Wright) e Polônia (Aleksander Peczenik, Jerzy
Wróblewski).
A tônica da discussão é dada pela perspectiva de mútua
fertilização entre os procedimentos lógico-formais de análise da es-
trutura do sistema normativo e os estudos (pragmáticos) de sua fun-
cionalidade em determinado contexto, o que leva ao desenvolvimen-
to de uma teoria da argumentação jurídica, capaz de assegurar a ra-
cionalidade (prática) do processo de aplicação do direito254.
Dentre os resultados alcançados por mencionados estudos
pode-se destacar, de antemão, que, de um modo geral, nega-se a
possibilidade de se vir a estabelecer um sistema metodológico de
diretrizes, capaz de levar a conclusões de acerto indubitável sobre
cada caso. Não importa que haja várias posições, igualmente funda-
mentadas, sobre o mesmo caso, contanto que a argumentação forne-
ça também os critérios adotados, a fim de que se possa avaliar sua
razoabilidade.
Essa variedade de posições decorre da pluralidade de
valorações possíveis, o que nos leva a outra constatação fundamental:
a necessidade de sopesar princípios, além da mera subsunção de fatos
a normas, princípios esses que são, tal como as normas, partes do
ordenamento jurídico, especialmente quando se trata de fazer uma
interpretação “à luz da Constituição”, ou da própria Constituição, que
é o texto normativo onde tais princípios naturalmente se localizam.
Note-se, portanto, que críticas como as acima menciona-
das, movidas por Forsthoff e outros, são claramente rebatidas, pois
não se desconhece a necessidade de resolver problemas jurídicos com
normas, ou muito menos a existência delas, mas tão-somente a sua
(eventual) insuficiência é reconhecida, juntamente com a exigência
de se lançar mão de princípios dotados de validade juspositiva.

254. Cf. Alexy, Rechtssystem und praktische Vernunft, Rechtstheorie, n. 18,


1987, p. 405 e s.

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Também a importância de se preservar e desenvolver um
aparato de conceitos não é negada, mas, sim, pelo contrário, afirma-
da e louvada, já que a maior precisão e clareza terminológica é um
dos principais fatores ou postulados de uma argumentação conduzi-
da nos parâmetros da racionalidade prática: por esse meio se alcança
a unidade interna e coerência sistemática entre os princípios e as
normas do ordenamento. Isso, porém, não deve suscitar a pretensão
no teórico do direito de vir a estabelecer conceitos dotados de um
caráter “definitivo”, isto é, capazes de sobreviver às circunstâncias
em que foram elaborados, com os fatos e a respectiva valoração des-
ses fatos surgidos naquele momento determinado.
A característica marcante da disciplina praticada pelo
estudioso do direito, a dogmática jurídica, consiste, precisamente, na
sua capacidade de aparentar uma fidelidade a noções prefixadas,
normativa e doutrinariamente (os “dogmas”), mantendo-se assim
íntegra através de séculos, quando, na verdade, sempre se lhe confe-
rem novos sentidos, mais adequados à permanente mutação da so-
ciedade e dos valores culturais255.

5.5. As considerações e dados até agora apresentados


possuem um caráter preparatório para a abordagem de um problema
que está dentre os principais que se colocam aqui, ou seja, do méto-
do adequado para interpretar uma Constituição, o qual se passa a
tratar de maneira mais direta.
Inicialmente, vale ressaltar a peculiaridade da interpre-
tação de normas constitucionais em face de normas de escalão in-
ferior na ordem jurídica, pois, se é certo que todas são normas ju-
rídicas, isso não impede de reconhecer a diferença específica
existente entre elas256.

255. Cf. Niklas Luhmann, Rechtssystem und Rechtsdogmatik, Stuttgart, 1974,


p. 45 e s., esp. p. 54-5.
256. Posição diversa é costumeira na Itália — cf., v. g., A. Pensovecchio Li
Bassi, L’interpretazione delle norme costituzionali, Milano, 1972, p. 23 e s.; Como-
glio, “La garanzia costituzionale dell’azione ed il processo civile, Padova, 1970, p.
6-33. Também autores alemães, como Forsthoff, coerentes com a sua posição

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Normas constitucionais assumem o caráter, em geral, de
princípios, enquanto as demais normas costumam adotar a estrutura
de regras, no sentido acima apresentado, e, se para essas últimas os
cânones tradicionais da hermenêutica jurídica bastam para aplicá-las
de forma adequada, para aquelas os mesmos cânones são necessários
mas não suficientes. Isso pelo simples motivo de que a elas próprias
faltam normas superiores, como elas são para as demais normas, para
ajudar na determinação de seu alcance e significado257.
Regras e princípios distinguem-se: a) quanto à sua estru-
tura lógica e deontológica, pela circunstância de as primeiras vincu-
larem-se a fatos hipotéticos (Tatbestande) específicos, um determi-
nado funtor ou operador normativo (“proibido”, “obrigatório”,
“permitido”), enquanto aqueles outros — os princípios — não se
reportam a qualquer fato particular, e transmitem uma prescrição
programática genérica, para ser realizada na medida do jurídico e
faticamente possível258. Dessa diferença estrutural básica decorrem
inúmeras outras, como: b) quanto à técnica de aplicação, já que
princípios normalmente colidem entre si, diante de casos concretos,
o que leva ao chamado “sopesamento” (Abwägung), para aplicar o

“legalista”, oposta ao “constitucionalismo” (terminologia de Alexy, loc. ult. cit.),


aconselham um retorno à interpretação constitucional exclusivamente de acordo com
os cânones tradicionais da hermenêutica jurídica, assentados por Savigny — cf. Zur
Problematik der Verfassungsauslegung, Stuttgart, 1961, p. 34 e s., esp. p. 39-40. O
resultado, porém, seria uma prática constitucional incoerente com a sua metodologia,
já que para ela aqueles cânones não são jamais suficientes, por terem sido desenvol-
vidos para fazer uma interpretação de textos normativos, enquanto as normas cons-
titucionais não são tão determinadas pelo sucinto texto da Constituição como pelo
processo mesmo de interpretá-las com vistas à sua concretização — cf. Friedrich
Müller, Juristische Methodik, 2. ed., Berlin, 1976, p. 101 e s.
257. Daí a importância bem maior da dimensão pragmática para a “linguagem
constitucional”, pois, se as suas normas são muito pouco esclarecidas por meio do
procedimento formal (sintaxe), de determinação da validade por remissão a normas
(indubitavelmente), de grau superior, o que vai mesmo prevalecer são as significações
emanadas da situação comunicativa, da interação entre os usuários da linguagem.
Cf. Marcelo Neves, Teoria da inconstitucionalidade das leis, São Paulo, 1986, p.
66-7, 80 e s., 160-2.
258. Cf. Alexy, loc. ult. cit., p. 407.

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mais adequado, ao passo que regras, uma vez aceita a subsunção a
elas de certos fatos, inevitavelmente decorrem as conseqüências ju-
rídicas nelas previstas, a não ser que elas não sejam válidas por
conflitarem com outras de um grau superior, quando então, ao con-
trário do que se dá com os princípios, que apesar de contraditórios
não deixam de integrar a ordem jurídica, a regra de grau inferior é
derrogada. É certo que pode haver um dissenso com relação à sub-
sunção dos fatos à hipótese legal, existindo mecanismos institucionais
que garantem (e impõem) a chegada a um consenso, de forma racio-
nal, por explicitarem um procedimento a ser adotado, no qual se abre
a oportunidade para a demonstração dos fatos e apresentação dos
argumentos e interpretações divergentes.
Quando se trata de interpretar e aplicar princípios, porém,
ocorre uma inversão, pois eles já são o resultado de um consenso
em torno da adoção de certos valores, cujo conflito só poderá vir a
ser democraticamente resolvido com a garantia do dissenso, do
debate sobre eles, na instância competente do Poder Público. Ao
assumir a natureza de um debate judicial, não resta dúvida que ele
também necessita da garantia de um procedimento formalmente
estabelecido para ser solucionado, cuja importância, contudo, é
bastante diminuída pela ausência dos critérios materiais para o
julgamento, por serem eles justamente o objeto do litígio. Daí a
necessidade muito maior de outro “procedimento”, o método de
argumentação e interpretação, quando se trata de aplicar os princí-
pios ínsitos nas normas constitucionais259.
Esse método, portanto, não só se dirige primordialmente
a apreciar e implementar valores expressos em princípios, como
também, ele próprio, é estruturado por meio de uma valoração, na
qual se explicitam os objetivos que, com seu emprego, se pretende
alcançar. Isso revela determinações históricas, políticas e culturais a

259. Cf. Peter Häberle, Die offene Gesellschaft der Verfassungsinterpreten. Ein
Beitrag zur pluralistischen und prozessualen Verfassungsinterpretation, Juristenzei-
tungen, 1975, p. 297 e s.; Lerche, Vorbereitung grundrechtlicher Ausgleiche durch
gesetzgeberisches Verfahren, in Verfahren als staats- und verwaltungsrechtliche
Kategorie, Heidelberg, 1984, p. 97 e s.

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atuar na adoção e elaboração de um tal método, que será tanto melhor
quanto maior a sua adequação às necessidades de uma sociedade, em
dado momento, o que, por sua vez, pode-se tentar atingir tematizan-
do, explicitamente, as opções que se oferecem e indicando aquela
escolhida.
O ponto a que acabamos de chegar, tratando da questão
que nos propomos a enfrentar, mostrou, com toda evidência, um
caráter aporético. Aporias, por definição, não podem ser solucionadas,
permanecendo sempre em aberto, o que não impede que se decida
por um modo de resolvê-las, de forma consistente, apresentando os
fundamentos da opção por um e não por outros possíveis modos de
solucioná-las.
Tal forma de enfrentar um problema é própria do pensa-
mento dogmático e, ao mesmo tempo, crítico. Por outro lado, sua
renúncia à pretensão de atingir a verdade (alethéia), em benefício do
diálogo, da dialética, juntamente com a intenção manifesta de exercer
uma influência transformadora da atuação humana (pragma) e a
disposição de interpretá-la não só a partir de textos, mas sim pela sua
situação em um “con-texto”, são características de uma postura prag-
mática. Em outra oportunidade, apresentou-se um modelo pragmáti-
co para a interpretação jurídica operativa, montado com base no modo
como os operadores jurídicos realizam a atividade hermenêutica e
valendo-se do aparato conceitual das disciplinas formais, como a
semiótica, a lingüística, a teoria da comunicação etc.260.
Deparamo-nos, agora, com a necessidade de elaborar um
modelo para a interpretação doutrinária, que requer discussão de
conteúdo filosófico-político, a ser conduzida de forma pragmática
também, na medida em que está em questão o controle da conduta
por si mesma, tendo em vista situações e objetivos postos no futuro261.

260. Cf. Willis S. Guerra Filho, Introdução a uma hermenêutica pragmática do


discurso normativo, in Estudos jurídicos: teoria do direito — direito civil, Fortaleza,
1985, p. 55 e s.
261. Cf. Peirce, ob. cit., p. 284; Roberta Kevelson, Peirces philosophy of signs
and legal hermeneutics, in Man, law modern forms of life, cit., p. l25 e s., esp. p.
130-2.

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Não é possível, assim, realizar um trabalho meramente descritivo,
devendo ele ser, necessariamente, normativo.
A mudança constitucional por que passou o Brasil em
1988 foi conseqüência de uma evolução dos fatos políticos, no sen-
tido de superar o autoritarismo e arbítrio então vigentes, rumo à de-
mocratização e ao pleno Estado de Direito.
É com tal objetivo e nesse contexto que aparece a Carta
de 1988, e, embora o seu texto esteja marcado de contradições, já que
foi elaborado dentro da estrutura política que justamente se pretende
superar, justifica-se a esperança de a modificação do arcabouço jurí-
dico vir a operar “de cima” as mudanças desejadas “embaixo”, na
organização econômica e política da sociedade262.
Isso vai depender, em grande parte, da capacidade
(= poder + saber) de se interpretar e efetivamente aplicar, de acordo
com aqueles propósitos de reforma, a nossa Lei Maior, que assim tem
a sua legitimidade e a do ordenamento jurídico que repousa sobre ela
garantidas. Este, aliás, foi o motivo pelo qual se precisou de uma nova
Constituição: a crise de legitimidade do regime político e da ordem
jurídica brasileira, ocasionada pelo governo militar.
A reunião de uma Assembléia Nacional Constituinte,
eleita por voto direto, para elaborar um texto normativo já indica o
caminho tomado para resgatar a legitimidade perdida: democracia e
legalidade, ou seja, Estado Democrático de Direito.
Legitimidade pressupõe consenso e assentimento básico
em torno de um valor-retor, de uma opção fundamental (pelo menos
isso)263, já que não é possível sequer pressupor um consentimento
generalizado. Daí por que, apesar de soberana e de toda a divergência
entre os seus membros, aquela Assembléia jamais poderia ter tomado

262. Hoje dificilmente se encontrará alguém que, em nome de uma ortodoxia


marxista, não veja o Direito também como fator de mudança na “infra-estrutura”
socioeconômica. Os países com governo de ideologia oficial marxista são os pri-
meiros a dar exemplo de como se procura condicionar e orientar o comportamen-
to da população por meio da legislação, a fim de se realizarem objetivos de me-
lhoria social.
263. Cf. Willis S. Guerra Filho, Legitimidade da norma jurídica, in loc. ult. cit.,
p. 31 e s., esp. p. 34.

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outra decisão, quanto a esse ponto, pois ela própria já surge para
realizar esse manifesto desejo nacional de pôr fim ao arbítrio e auto-
ritarismo vigentes anteriormente, para o que recebe a delegação do
detentor da real soberania no prisma democrático: o povo.
É a constatação desse fato que vai, então, nos permitir
identificar o valor que se tornou o princípio ou norma fundamental
de todo o ordenamento jurídico nacional, ao ser expresso na Cons-
tituição da República de 1988, e com base no qual a própria Lei
Básica e todas as demais normas do ordenamento deverão ser in-
terpretadas.
Aí encontra-se um critério gnosiológico e axiológico, que
permite determinar o significado e a validade, tanto em sentido téc-
nico-formal de pertencente ao “sistema jurídico”, como em sentido
deontológico, de adequação ou falta de contradição, igualmente, com
o “sistema suprajurídico” daquelas normas. Esse princípio maior é o
que deverá decidir, em última instância, qual dentre duas regras jurí-
dicas (rules) antinômicas é aquela que se deve considerar em vigor
e qual deve ser expurgada do ordenamento, bem como, se forem dois
outros princípios, menores mas do mesmo escalão (Rang), que estão
em conflito, em determinado caso concreto, qual deverá prevalecer.
Com isso, concebe-se a ordem jurídica como um sistema
normativo, cuja necessária unidade e coerência é fornecida por uma
norma fundamental, princípio construtivo, positivado em uma Cons-
tituição que é, ela própria, expressão dele. Esse princípio, no qual
se encontram reunidos a condição transcendental de inteligibilidade
e o juízo de valor fundante de um ordenamento jurídico, caracteriza
aquilo que se pode chamar, com Wittgenstein, uma “forma de vida”
(Lebensform)264.

264. “Certo e errado é o que as pessoas dizem, e no discurso elas concordam


entre si. Essa, porém, não é uma concordância de opiniões, mas sim de ‘forma de
vida’” (Investigações filosóficas, n. 241). O conceito de Lebensform é empregado
pelo teórico finlandês Aulis Aarnio como fundamento de sua importante teoria da
argumentação jurídica — cf. Denkweisen der Rechtswissenchaft, Wien-New York,
1979; On truth and acceptability of interpretative propositions in legal dogmatics,
in Argumentation und Hermeneutik in der Jurisprudenz, Rechtstheorie, Beiheft 1,
Berlin, 1979, p. 33 e s.

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A fórmula “Estado Democrático de Direito”, porém, não
identifica ainda qual é esse princípio, no atual ordenamento jurídico
brasileiro, pois ele, na verdade, não faz outra coisa senão sintetizar
uma série de princípios, os quais se promovem mutuamente in abs-
tracto, mas, necessariamente, irão muitas vezes conflitar-se in con-
creto. Já “Estado de Direito” e “democracia” são eles próprios ex-
pressões sintetizadoras de (sub) séries de princípios e valores, dos
quais esses princípios são a manifestação positiva e objetiva.
Pode-se dizer, portanto, que aquela fórmula representa,
antes de mais nada, a intenção de conciliar da melhor forma possível
no presente e cada vez mais no futuro aqueles princípios e valores
que, ao serem reunidos para sua aplicação conjuntamente, aumentam
o seu alcance e potencializam-se, ao mesmo tempo em que impõem
limites uns aos outros, para impedir que a ênfase exagerada em um
ou alguns deles perverta-os.
A prova de que os princípios da democracia e do Estado
de Direito, apesar de sua implicação necessária, de um ponto de
vista pragmático, não precisam aparecer associados encontra-se em
exemplos históricos de regimes totalitários que, de um prisma for-
mal, possuem uma ordem jurídica, a qual pode mesmo ser conside-
rada como essencial para a consecução de seus objetivos autoritários;
por outro lado, em um Estado ideal, regido por uma democracia
perfeita e absoluta, em que todos os membros agem de acordo com
as determinações de sua própria vontade, sem com isso ir contra a
“vontade geral”, nem sequer há necessidade de ordenamento coa-
tivo jurídico-estatal.
O Estado de Direito, portanto, atende primordialmente às
exigências de legalidade, enquanto a democracia é um princípio de
legitimidade, tendo aquela um caráter formal, cujo conteúdo é pre-
enchido por este último.
Leis e normas jurídicas em geral podem oferecer uma
garantia formal do reconhecimento da liberdade dos indivíduos e do
seu tratamento justo e igualitário, pelo Estado e na sociedade, con-
tribuindo assim para atingir a paz e o bem-estar social. O objetivo
delas, contudo, é exercer um controle que confira segurança às rela-
ções sociais, ao fixarem padrões de comportamento para reduzir a

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probabilidade de divergências. Um exemplo que ilustra muito bem o
modo como se atinge essa segurança através do Direito é o instituto
processual da “coisa julgada”, o estado de imutabilidade em que
ingressam as decisões judiciais quando não mais se pode recorrer
contra elas, ficando assim o caso resolvido, bem ou mal, de uma vez
por todas265.
A democracia, por seu turno, representa o reconhecimen-
to de uma igual dignidade em todas as pessoas, individualmente, a
ser acatada no convívio social. Essa dignidade não pode ser sacri-
ficada em nome da segurança, na hipótese de um confronto entre
os dois valores, o que pode ocorrer com freqüência, embora a ga-
rantia de segurança seja essencial para haver respeito à dignidade
humana.
Cabe, porém, distinguir entre a segurança individual e a
segurança coletiva, enquanto esta, por sua vez, tanto pode ser a se-
gurança de uma parte ou grupo da sociedade, como a segurança
dessa mesma sociedade como um todo.
Essas diversas formas não convivem harmonicamente,
mas antes encontram-se em tensão no plano concreto da realidade
histórica. O mesmo ocorre com os demais valores derivados da
concepção ética e “onto-antropológica” (isto é, da natureza humana),
em que se radica o conceito de democracia, tais como a liberdade,
a igualdade e a fraternidade, ou o imperativo de realização de justi-
ça, os quais também estão implicados na noção de Estado de Direi-
to, só que nela aparecem em uma outra dimensão, com um aspecto
formal e abstrato, compromissados que estão com a manutenção do
Estado e do Direito.
A segurança, ali, é a segurança do Estado, é a segurança
jurídica, assim como a igualdade torna-se igualdade perante a lei,
igualdade declarada, prescrita, sem considerar a real desigualdade
das pessoas entre si, e, da mesma forma, a justiça passa a ser um
valor esvaziado de conteúdo, que impõe seja dado a cada um o que

265. Cf. Gustav Radbruch, Rechtsphilosophie, 8. ed., Stuttgart, 1973, § 25, p.


278-9; Franz Scholz, Die Rechtssicherheit, Berlin, 1955, p. 55; Helmut Coing,
Grundzüge der Rechtsphilophie, 4. ed., Berlin-New York, 1985, p. 148.

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lhe for devido, suum cuique tribuere, de acordo com o ordenamento
jurídico, sem fornecer um critério que determine, material e concre-
tamente, o que é devido.
Não é diferente em relação à liberdade, que, sob esse
prisma, se torna um conceito negativo, liberdade para fazer o que não
for proibido e aquilo a que se estiver obrigado (a positividade).
Já a fraternidade passa a ser algo como o “espírito de
corporação” (esprit de corps) ou um affectio humanitatis abstrato, e
não a afeição ao ser humano, em sua concretude, e a solidariedade
para com ele266.
É fácil perceber como a perspectiva material de respeito
à dignidade humana, à qual se reporta a idéia democrática, requer
uma concepção diferenciada do que seja “segurança”, “igualdade”,
“justiça”, “liberdade” etc., onde o ser humano jamais pode ser trata-
do como o “objeto” e o “meio” de realização de qualquer desses
valores, mas sim como o sujeito a que eles se referem e à promoção
de quem essa realização tem por finalidade.

5.6. A questão central que se coloca, então, para enfrentar


o problema do correto entendimento de nossa Constituição da Repú-
blica, é a de se estabelecer o princípio e valor maior, à luz do qual se
poderão esclarecer dúvidas quanto à forma adequada de equacionar
o conflito entre os princípios da Democracia e do Estado de Direito.
Tais princípios, em abstrato, aparecem como complementares, de
modo que não se trata de nenhuma aberração a fórmula “Estado
Democrático de Direito”, sendo isso o que nos anima a considerar
como possível a existência de tal princípio superior e sintetizante, o
qual, obviamente, não poderá ser nenhum dos demais, daqueles dois
derivados, e de um modo geral referidos expressa e textualmente na
Carta de 1988.
O princípio construtivo e fundamental que procuramos
encontra-se, portanto, implícito e pressuposto na reunião entre
Estado de Direito e Democracia, e sua função hermenêutica é hie-

266. Vale lembrar, para esclarecer, a diferença proposta por Duguit entre a so-
lidariedade orgânica e a mecânica.

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rarquizar, em situações concretas de conflito, todos os demais
princípios a serem aplicados, fornecendo, assim, a unidade e con-
sistência desejadas.
Uma sugestão idealista aponta esse princípio ordenador
como a “idéia do Direito” (Rechtsidee)267, o que, porém, não se mos-
tra plenamente satisfatório, por seu caráter subjetivo e abstrato, além
de facilmente confundível com a justiça ou com qualquer outro dos
valores e princípios subsumíveis aos princípios maiores que se pre-
tende com ele harmonizar (Estado de Direito e Democracia). Não
obstante, trata-se de uma sugestão valiosa, pois, tentando exprimir o
que seja essa “idéia”, mostra-se um caminho para alcançarmos nosso
intento. Para isso, vamos contentar-nos com a palavra do inspirado
poeta maior da língua italiana, que, valendo-se da concisão esclare-
cedora do latim, asseverou: “Jus est realis ac personalis hominis ad
hominem proportio”. O Direito encerraria, portanto, essa idéia de
proporção, real e pessoal, logo, concretamente determinável, de
pessoa para pessoa, intersubjetivamente.
A conclusão a que se quer chegar, então, é que o princípio
máximo procurado, que, por sua especialidade, tanto se diferencia dos
demais, acha-se expresso na já mencionada “máxima de propor-
cionalidade”. A imposição nela contida é a de que se realiza através do
Direito, concretamente e cada vez melhor, o que for jurídica e fatica-
mente possível, para obter-se a otimização no adequamento da norma,
com seu dever-ser de entidade ideal, à realidade existencial humana.
É esse equilíbrio a própria idéia do Direito, manifestado
inclusive na simbologia da balança, e é a ele que se pretende chegar
com Estado de Direito e Democracia. A proporcionalidade na aplica-
ção é o que permite a coexistência de princípios divergentes, podendo-
se mesmo dizer que entre eles e a proporcionalidade há uma relação
de mútua implicação268, já que os princípios fornecem os valores para
serem sopesados269, e sem isso eles não podem ser aplicados.

267. É o que faz Canaris (ob. cit., p. 16), seguindo seu mestre, Karl Larenz. V.
também Engisch, Auf der Suche nach der Gerechtigkeit, München, 1971, p. 186 e s.
268. Cf. Alexy, Theorie der Grundrecht, cit., p. 100.
269. Cf. Larenz, ob. cit., p. 465.

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Aquela máxima de proporcionalidade, contudo, não é
puramente formal e abstrata, já que se pode determinar com bastan-
te precisão o seu não-acatamento — quando houver o excesso na
conduta de alguém, acarretando a violação (ou ameaça de violação)
do núcleo essencial de direito(s) fundamental(is), ou faltar a adequa-
ção entre o fim almejado e o meio utilizado, e ainda quando houver
meio menos ofensivo a direito(s) fundamental(is) do que aquele
empregado para atingir determinado fim — o que deve ter como
conseqüência uma anulação de pleno direito: daí já se ter chegado
mesmo a falar que a máxima da proporcionalidade se traduz em
norma passível de subsunções, o que a torna um misto de regra e
princípio (!). Nela, então, pode-se vislumbrar a norma fundamental
que procurávamos, que não se situa somente no ápice de uma “pirâ-
mide” normativa — e não há que se falar em uma única norma nesse
“ápice”, nem mesmo em uma só “pirâmide” —, estática, sendo pas-
sível de emprego também na “base” do ordenamento jurídico, em
decisões de autoridades judiciais ou administrativas, instaurando
encadeamentos novos e válidos de normas, para atender às necessi-
dades de transformações e adaptações do sistema normativo270.
O modelo desse sistema que se pretendia esboçar aqui,
com vistas à orientação daqueles que se deparam com a tarefa de
interpretar a atual Constituição brasileira, é formado por dois tipos
básicos de normas, isto é, regras e princípios, a serem aplicados
mediante uma ordenação, em que as primeiras são entendidas e va-
lidadas pela sua referência aos últimos, os quais, por sua vez, possuem
graus diversos de relevância para o atingimento da finalidade do
sistema (legalidade, com respeito à dignidade humana), o que requer
uma aplicação baseada na proporcionalidade, a fim de que haja o
maior atendimento possível de certos princípios, com a mínima de-
satenção dos demais. Tal aplicação, por seu turno, requer procedi-
mentos, procedimentos institucionalizados e procedimentos (mera-
mente) cognitivos, realizados no âmbito dos primeiros, em que se dá
o confronto das diversas argumentações, criando assim as condições

270. Cf. G. Haverkate, Rechtsfragen des Leistungsstaats, Tübingen, 1983, p. 11.

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para discussões e decisões, cuja racionalidade se pode aferir, na me-
dida em que são objetivamente fundamentadas271.
Examinando, agora, o texto de nossa Constituição de 1988,
encontra-se amplo respaldo para as considerações que se vêm de
expender. Logo no primeiro artigo declara-se instaurado o Estado
Democrático de Direito e no inciso III assenta-se, como um dos
fundamentos da República Federativa, “a dignidade da pessoa huma-
na”, do que se pode entender, como uma decorrência direta, os seus
“objetivos fundamentais”, estabelecidos no art. 3º: “promover o
avanço social com liberdade, justiça, solidariedade e igualdade”. O
exaustivo elenco de “direitos fundamentais” que aparece no art. 5º
torna mais explícitas as medidas que o legislador constitucional en-
tendeu dever ser tomadas para a consecução daqueles objetivos,
dentro de uma legalidade democrática, cuidando ainda de fazer uma
ressalva, no § 2º, do mesmo art. 5º, de que não ficam excluídos os
demais “decorrentes do regime e dos princípios adotados”. Não res-
ta margem para dúvida, portanto, com relação à positividade de
normas com caráter de princípios, dentre os quais parece justificada
a inclusão daquele relativo à proporcionalidade.

5.7. Antes de encerrar, há ainda de se levar em conta cer-


tas implicações da adoção do método preconizado para interpretação
das normas constitucionais, orientado por valores (ou por normas que
são a expressão mais pura de valores: os princípios), tendo em vista
o paradigma científico-jurídico predominante em nosso país, espe-
cialmente na área do direito público, ainda fortemente influenciado
pela ortodoxia kelseniana. A esse respeito, é de esperar que à mudan-
ça ideológica e institucional representada pelo advento da Carta
Constitucional de 1988 corresponda também uma evolução da ciên-
cia jurídica nacional, no que inclusive se pode ver um dos fatores
decisivos para a realização do projeto sociopolítico ali delineado.

271. Requerida, aqui, é uma “ética do discurso”, ocupada com o estabelecimen-


to de regras e condições que garantam a racionalidade da argumentação. Cf. Haber-
mas, Diskursethik — Notizien zu einem Begründungsprogramm, in Moralbewusst-
sein und kommunikatives Handeln, Frankfurt a. M., 1983, p. 53 e s.

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É chegado o momento oportuno para livrarmo-nos de
certos “clichês”, desenvolvidos a partir de leituras acríticas e de “se-
gunda mão” da obra kelseniana, que permitem ao jurista brasileiro
extrair do seu trabalho preocupações outras que não aquelas atinentes
à sistemática das regras jurídicas.
Não se quer pleitear aqui o abandono simplesmente da
doutrina “pura” do direito, mas, antes, a sua superação dialética (Au-
fhebung), através de sua incorporação em um modelo mais abrangen-
te de ciência jurídica. Vale ressaltar que o próprio Kelsen, em escritos
publicados postumamente, sob o título Teoria geral das normas, mos-
tra-se capaz de realizar alterações e acréscimos à sua doutrina, tal como
se apresenta na edição definitiva da Reine Rechtslehre (1960).
Trata-se, na verdade, de prosseguir desenvolvendo e ex-
traindo conseqüências inexploradas das teses fundamentais do posi-
tivismo normativista. Uma delas é a de que o Direito constitui um
ordenamento da conduta humana, o que é feito através de normas, as
quais podem ser identificadas pelo fato de, no ordenamento, integra-
rem um sistema, cuja unidade é conferida pela referência última de
todas elas a um mesmo fundamento de validade272. O ordenamento
jurídico, portanto, é formado por normas e condutas humanas, atos
de vontade que estabelecem normas, de acordo com outras, preexis-
tentes, e normas que conferem um sentido jurídico àqueles atos —
conforme se enfatize um ou o outro, ter-se-á uma perspectiva estáti-
ca ou dinâmica do sistema273. O fundamento último de validade do
ordenamento jurídico seria fornecido pela “norma-fundamento”, a
norma fundamental (Grundnorm).
O conceito de “norma fundamental”, como se sabe, origina-
se da doutrina kelseniana, tendo a ele já sido atribuído, pelo próprio
Kelsen e outros, os mais diversos sentidos e funções, o que foi mostra-
do, recentemente, na acurada análise de Jensmichael Priester274, o qual,
porém, termina chegando à conclusão, a nosso modo de ver errônea,

272. Cf. Kelsen, Reine Rechtslehre, cit., n. 6, a, p. 32.


273. Id. ib., passim.
274. Em Die Grundnorm — eine Chimäre?, Rechtstheorie, Beiheft 5 — Rechts-
system und gesellschaftliche Basis bei Hans Kelsen, W. Krawietz e H. Schelsky
(eds.), Berlin, 1984, p. 211 e s.

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de que se deve suprimir o uso do conceito. Entendemos que este é
necessário ao pensamento jurídico, como já W. Jellinek há muito acen-
tuou275, e no final parece ter sido o que levou Kelsen a não abdicar dele
definitivamente, ao considerá-la uma norma ficta (fingierte Norm),
desprovida de positividade, mas pressuposta no pensamento276. Da
forma que a empregamos no texto ela apresenta semelhança com a
noção de “norma-origem”, devida a Juan-Ramon Capella277, embora
não possamos compartilhar sua justificativa da validade dessa norma
pela sua efetividade. Semelhante, também, é a concepção pragmática
de Tércio Sampaio Ferraz Jr. sobre a norma fundamental, que a trans-
forma, na verdade, em um conjunto de normas fundamentais, havendo
uma na base de determinado encadeamento normativo e em outros
possíveis (porque de fato realizados) outras tantas normas fundamentais.
A unidade do ordenamento jurídico, contudo, fica assim ameaçada.
Importante é reconhecer que, apesar dos níveis diferentes de validade,
ocorrem modificações na ordem jurídica vindas “de baixo para cima”
— logo, não só “de cima para baixo”, como sugere a teoria tradicional
da norma fundamental. Isso torna-se evidente de uma perspectiva sis-
têmica, como mostra Krawietz278. A norma que se propõe como norma
fundamental não é passível de receber a crítica feita por J. W. Harris,
partindo da suposição de que a complexidade necessária a uma tal
norma, para que forneça o critério de identificação de todas as normas
inferiores, torna-a imprestável para integrar a prática social das auto-
ridades encarregadas de velar pelo cumprimento do direito279. Ela de-
termina, de forma clara, não só que se deve observar a Constituição,
como predica a “norma-ápice”, segundo Peczenik280, mas também como
se deve fazê-lo. Com Mac Cormick, pode-se dizer que, ao mesmo

275. Cf. Gesetz, Gesetzanwendung und Zwecksmässigkeitserwägung, Tübingen,


1913, p. 27.
276. Cf. Allgemeine Theorie der Normen, Wien, 1979, cap. 59, n. 1, d, p. 206-7.
277. “El derecho como lenguaje, cit., p. 131.
278. Em Recht und moderne Systemtheorie, Rechtstheorie, Beiheft 10 — Ver-
nunft und Erfahrung im Rechtsdenken der Gegenwart, Berlin, 1986, p. 300.
279. Cf. Law and legal science, Oxford, 1979, p. 79 e s.
280. Em The nature and function of the Grundnorm, Rechtstheorie, Beiheft 2,
cit., p. 280, passim.

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tempo em que é “regra de reconhecimento” (Hart) para as demais do
ordenamento jurídico, fornecendo-lhes o necessário pedigree, e o
critério para evitar contradição entre elas (sua compatibilidade com
a Constituição), é também o princípio mais alto entre os princípios,
e, ao determinar um emprego proporcional deles para que cumpram
adequadamente sua função racionalizadora, sistematizante, das regras,
dá a explicação última para obter-se, além da coerência (ausência de
contradição), a consistência com os valores e policies, que animam
a ordem jurídica281. O emprego da “proporcionalidade dos meios com
atenção aos interesses de terceiros” mostra ainda seu valor e signifi-
cado na importante discussão sobre a compatibilidade de desobe-
diência civil com o Estado Democrático de Direito, um ato que in-
fringe a legalidade, mas não o Direito, na medida em que se reveste
de legitimidade e consegue justificar-se com princípios constitucio-
nais, contribuindo assim, decisivamente, para o processo de aprendi-
zado (Ernst Tugendhart) e renovação permanente requeridos na rea-
lização daquela forma de Estado282.
Não se pretende, portanto, refutar globalmente, in totum,
a chamada Teoria Pura do Direito. A insuficiência da teoria de Kelsen
estaria no seu apego excessivo à perspectiva normativa, sendo a norma,
segundo ele, o “prisma explicativo” (Deutungschema) da realidade
jurídica, quando a conduta é que instaura as significações cristalizadas
nas normas, e é ela que se deve tomar em consideração para compre-
ender, adequadamente, as modificações por que passa um sistema
normativo, sem por isso deixar de ser o mesmo sistema.
Utilizando o divulgado jargão semiótico283, dir-se-ia que

281. Cf. Legal reasoning and legal theory, Oxford, 1978, p. 106, 156, 232 e s.
282. Cf., a propósito, Habermas, Die neue Unübersichtlichkeit (Kleine politis-
che Schriften V), Frankfurt a. M., 1985, p. 84 e s., 112 e s.
283. Nos estudos semióticos é possível distinguir três dimensões, subordinadas
e interdependentes mutuamente, identificadas a partir dos três diferentes modos como
podem relacionar-se os signos, os objetos a que se referem e os seus intérpretes ou
usuários. Na síntese, estuda-se a relação dos signos entre si, tal como fazem a lógi-
ca formal ou a gramática. Na semântica, estuda-se a relação deles com os objetos a
que se aplicam. Finalmente, na pragmática, o tema é a relação dos signos com os
usuários, e vice-versa. V. ainda, supra, n. 4.3.

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Kelsen cuidou predominantemente de questões relacionadas à sinta-
xe, deixando de lado aquelas atinentes à pragmática do discurso
normativo. Não lhe passou despercebido, como importa salientar, a
relação entre normas e valores, os quais, para ele, adquirem um sen-
tido objetivo ao serem consagrados positivamente pelas primeiras284.
Os seus escritos reunidos postumamente trazem uma contribuição
valiosa para a distinção entre os tipos diferentes de normas a partir
de sua estrutura lógica, a qual se reduziria mais apenas ao esquema
“fato-tipo (Tatbestand) — conseqüência jurídica (Rechtsfolge): san-
ção”, próprio das chamadas “regras”285.
As idéias desenvolvidas neste trabalho não se confrontam
diretamente com uma tal concepção, embora não se possa deixar de
assinalar uma discrepância, que não é de se menosprezar, no que diz
respeito ao caráter da interpretação realizada no âmbito da ciência
jurídica.
É certo que não se pode admitir, nesse terreno, qualquer
pretensão a uma interpretação “certa”, isto é, verdadeira, verificável
por sua correspondência a dados empíricos ou deduzidos de uma
ordem objetiva e suprapositiva de valores. Ao mesmo tempo não se
pode ir ao extremo oposto, atribuindo à hermenêutica jurídica apenas
a tarefa de apontar os diversos significados possíveis de uma norma
ou de uma constelação delas, pois cabe a ela também fundamentar a
opção por um desses significados, com fatos e valores consagrados
em normas e com a(s) norma(s) de maior grau que se puder relacio-
nar em apoio.
A compreensão do modo como se devem comportar pes-
soas, a qual, em última instância, é o que se pretende alcançar, im-
plica, necessariamente, justificações normativas286, que terminam por
se converter em dogmas. Importante, para a salvaguarda do estatuto
científico da dogmática jurídica, é não transformá-la em instrumento
de imunização desses dogmas a crítica e contra-argumentações ra-

284. Cf. id., n. 4, e, p. 20.


285. Cf. ob. ult. cit., cap. 59, n. II, b, p. 211 e s.
286. Cf. Apel, ob. cit., p. 32-3.

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cionais (ou “razoáveis”, já que não só fatos, mas também valores,
estão envolvidos)287.
O resultado do emprego de um paradigma valorativo,
conforme sugerido no presente trabalho, é uma ciência jurídica dog-
mática, sim, mas também hermenêutica e crítica, como toda ciência,
pronta para ajudar na reformulação e renovação de um sistema nor-
mativo utilizando os recursos disponíveis nesse mesmo sistema, isto
é, seus princípios constitutivos e ordenadores, bem como os padrões
valorativos que lhe são intrínsecos288: uma ciência socioemancipatória,
portanto289.
Enfim, uma última proposta que se projeta a partir e além
do paradigma kelseniano e que aqui se revela interessante mencionar
é a de Friedrich Müller com a teoria estruturante da norma e sua
proposta da metódica jurídica (Juristische methodik)290.

287. Cf. Hans Albert, Erkenntnis und Recht. Die Jurisprudenz im Lichte des
Kritizismus, in Konstruktion und Kritik, Hamburg, 1972, p. 221 e s., esp. p. 222-3,
e a crítica feita a esse trabalho por Eike von Savigny, Die Jurisprudenz im Schatten
des Empirismus, in Jahrbuch fur Rechtssoziologie und Rechtstheorie, Herford, 1972,
v. 2, p. 97 e s.
288. Cf. Werner Maihofer, Rechtstheorie als Basisdisziplin der Jurisprudenz,
in Rechtstheorie, Frankfurt a. M., 1972, p. 51 e s., esp. p. 74-5; Wolf Paul, Kritsche
Rechtsdogmatik und Dogmatikkritik, in Rechtstheorie. Ansätze zu einem kritischen
Rechtsverständnis, Arthur Kaufmann (ed.), Karlsruhe, 1971, p. 53 e s., esp. p. 63.
289. Cf. Apel, loc. cit., p. 56.
290. A intenção da abordagem sobre a proposta de Müller é descritiva e tem
a função de um apontamento sobre o tema, tendo em vista, principalmente, o
escopo que se quer atingir com esta obra, seria, em momento oportuno, interes-
sante aprofundar a questão principalmente pela discussão que ela insere com
relação a teoria da norma de direito fundamental e o tema da proporcionalidade
de Robert Alexy que não se adentrará em profundidade, primeiro para não fugir
do objetivo da proposta e também para evitar qualquer deszelo ou diletantismo
com a proposta dos autores, sobre uma abordagem mais profunda sobre a propor-
cionalidade. Cf. Willis Santiago Guerra Filho, Processo constitucional e direitos,
5. ed., São Paulo: RCS Editora, 2007 e sobre a proposta de Müller, além do texto
original em alemão Juristische methodik publicado pela Duncker & Humblot,
entre nós há uma interessante obra traduzida sobre o tema da metódica jurídica,
cf. Friedrich Müller, Métodos de trabalho do direito constitucional, 2. ed., São
Paulo, Max Limonad, 2000.

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Alexy, na obra já referida, Teoria dos direitos fundamen-
tais, explicita em duas importantes passagens a proposta de Müller.
Müller considera sua teoria da norma de Direito Funda-
mental como uma teoria das normas que supera o positivismo jurídi-
co, seu enunciado central, de sua teoria estrutural pós-positivista da
norma jurídica (teoria estruturante), é a de que não há identidade
entre norma e texto normativo, para Müller a norma jurídica é algo
mais que seu texto literal, a constituição da norma constituída somen-
te linguisticamente é que traz a compreensão formalista do Estado
de Direito, já uma teoria pós-positivista centrada a partir da diferen-
ciação entre norma e texto normativo parte do entendimento adequa-
do de que a norma jurídica também está determinada pela realidade
social, pelo âmbito normativo.
Para Müller, o texto da norma que expressa o programa
normativo, a ordem jurídica em seu sentido tradicional, com igual
hierarquia, pertence à norma, ao âmbito normativo, ou seja, o setor da
realidade social em sua estrutura básica, que o programa normativo há
escolhido ou, em parte, tenha criado, como seu âmbito de regulação.
Assim, a norma jurídica há de ser entendida como um
projeto vinculante tanto o que se regra como o que há de ser regrado,
assim se superaria a contraposição entre ser e dever-ser.

5.8. Uma observação há de ser feita quanto ao significado


do ideário constitucionalista, a fim de que se possa precisar com maior
exatidão o papel a ser cumprido pela atual Constituição brasileira e
pela ciência que se dedicar a interpretá-la, auxiliando em sua reali-
zação. Isso requer inicialmente que se tomem em consideração as
circunstâncias históricas que favoreceram a afirmação e consagração
universal da necessidade de se registrar em um documento o atestado
de nascimento (ou “renascimento”) de uma formação política nova,
autônoma e soberana. Esse fenômeno, como se sabe, aparece asso-
ciado ao amadurecimento da sociedade em sua forma estatal, quando
da ascensão, no século XVIII, do modo capitalista de produção da
vida econômica e da ideologia laica, racionalista e liberal, com suas
necessidades de ampla e imparcial (ao menos aparentemente) regu-
lamentação, adequada para a organização do exercício do poder.

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A idéia motriz para alcançar esse objetivo foi a de contra-
to, tanto do ponto de vista macro como microssocial, já que os diver-
sos segmentos sociais se reuniam em torno de um pacto fundamental,
do que a Constituição é a expressão direta, delegando poderes para
que se velasse pela sua integridade, segurança e direitos individuais,
enquanto as relações econômicas também seriam regidas pelo res-
peito mútuo, ao se basearem em contratos de trabalho, de compra e
venda etc.
Observou-se, então, um fenômeno de “jurisdicização” das
relações sociais em geral, que passaram a ser idealizadas e formali-
zadas nas normas de uma ordenação cada vez mais exaustiva, até
chegar à formação de uma verdadeira “dupla realidade”: a do Direi-
to, com seu caráter imponderável de “dever-ser”, ao lado daquela a
que ele se destina a regular. Note-se que nessa altura é que o próprio
termo “Constituição” adquire o sentido normativo que hoje lhe é
característico, pois até então se entendia a Constituição de um povo
como um dado empírico, a forma em que ele se organiza de fato, tal
como já no antigo termo grego correspondente, politeia.
Uma das primeiras e mais sérias reflexões sobre o consti-
tucionalismo, ainda hoje revestida de fundamental importância, deve-
se a Ferdinando Lassale, e parte exatamente dessa distinção entre a
Constituição como documento, escritura jurídica, e como expressão
das relações de poder de fato existentes na sociedade, uma força
atuante que determina serem leis e institutos jurídicos dessa socieda-
de de uma forma tal que não possam deixar de ser, por obra daquele
documento, como efetivamente já são.
Ora, em ambos os sentidos têm-se conceitos de Constitui-
ção infrutíferos, que tiram dela qualquer importância, pois tanto
aquela que é mero flatus vocis como a que se limita a descrever a
ordem fundamental vigente na sociedade mostram-se como perfeita-
mente inúteis e dispensáveis, correspondendo, respectivamente, na
conhecida classificação de Loewenstein, às Constituições “nomina-
listas” e “semânticas”.
O importante na identificação desses dois extremos é a
possibilidade de elaborar uma “solução de compromisso”, pela qual
se chega ao conceito de uma “Constituição normativa”, como aquela

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que realmente regula o processo político, ao ser adotada efetivamen-
te como critério para julgar a legalidade (ou ilegalidade) das relações
de poder existentes, o que, se não leva a modificar diretamente a
realidade, não deixa de ser um fator de grande influência mediata
para modificá-la. Nesse sentido, a Constituição aparece não só como
o resultado do jogo daquelas forças, mas principalmente condicio-
nando-o, o que vai depender, em grande parte, da circunstância de
ela já trazer estabelecidos em seu próprio bojo os requisitos necessá-
rios à sua realização e efetivação. Dentre esses, ocupa posição des-
tacada a previsão de uma instância jurisdicional de nível constitucio-
nal, vista como meio de trazer o confronto político de grupos anta-
gônicos — cada vez mais organizados em torno de seus interesses
próprios, na forma de entidades classistas, associações de defesa,
lobbies, a ponto de já se falar em uma tendência “neocorporativista”
— para um espaço relativamente imparcial, em que o debate é regido
por normas procedimentais e se objetiva alcançar uma solução em
conformidade com o texto constitucional291.
Trata-se, portanto, de uma via de acesso a modificações
sociais através das instituições e com o seu fortalecimento, o que se
torna de extrema necessidade em uma época como a nossa, na qual
o aparato de defesa estatal se encontra armado a um ponto que invia-
biliza as revoluções populares, vistas no passado como a forma de
resgatar a legitimidade e a normatividade do ordenamento jurídico,
dando-lhe uma constituição em consonância com os anseios de trans-
formação da sociedade.
É preciso, então, estar alerta para o fato de que vivemos
um momento histórico totalmente diferente daquele que deu origem
ao constitucionalismo, quando imperava a crença de que a sociedade
seria capaz de reger a si mesma, com o mínimo de interferência es-
tatal, o que hoje se mostra indispensável, embora não com o recurso
exclusivo aos mecanismos clássicos de coação e (pseudo)comandos,
mas, de preferência, através de uma motivação indireta da obediência
dos agentes sociais.

291. Cf. Dieter Grimm, Verfassung, in Staatslexikon, 7. ed.

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Em um contexto como o atual, com elevada complexida-
de e velocidade no surgimento de inovações nas sociedades, não se
pode ter ilusões quanto ao que esperar do texto que é a Constituição,
em seu sentido estritamente jurídico, que não pode ser visto como
portador de soluções prontas para problemas dessa ordem. Seu texto
é como uma obra aberta; ao ser interpretado, atribui-se-lhe a signifi-
cação requerida no presente, levando em conta a Constituição em seu
sentido empírico.
A partir, justamente, do atual contexto de elevada comple-
xidade e velocidade no surgimento das inovações na sociedade e a
superação no âmbito jurídico do rigorismo do positivismo jurídico
com a afirmação dos princípios jurídicos surge uma reflexão muito
importante sobre o próprio sentido dessa ocorrência que relaciona a
pós-modernidade, a afirmação dos princípios jurídicos e a necessi-
dade de uma procedimentalização do Direito para alcançar com maior
concretude e eficiência sua função social.
Na verdade, a compreensão da necessidade de uma pro-
cedimentalização do Direito na pós-modernidade implica, como já
afirmado no início da obra, o entendimento do sentido que se passa
a considerar sobre a própria pós-modernidade.
O sentido de procedimentalização do Direito nesse con-
texto pós-moderno, em que há um resgate, uma nova forma de se
conceber a Constituição que passa a ser centrada na idéia do proces-
so, retoma a concepção desenvolvida pelo jusfilósofo frankfurtiano
Rudolf Wiethölter, segundo a qual o Direito, em seu desenvolvimen-
to nas sociedades pós-industriais, na pós-modernidade ingressa numa
fase caracterizada por uma necessidade de procedimentalização
(Prozeduralisierung) em seu modo de manifestar-se292.
Há, com ela, a consumação da superação dialética dos
dois períodos definidos na sociedade civil moderna por Max Weber
em sua teoria sociológica, como uma tendência à formalização do
primeiro e materialização do segundo que predomina no Direito
moderno.

292. Cf. Willis Santiago Guerra Filho, Teoria processual da Constituição, 3.


ed., São Paulo, RCS, 2007, p. 49.

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O exercício de consumação do Direito nos moldes até
então expostos e enquadrados na sociedade da época se torna insufi-
ciente diante dos então, atuais, reclames a que ele deveria se destinar.
Há uma falência, diríamos, política do Direito de suprir os reclames
básicos e coletivos da sociedade, que se estende no âmbito constitu-
cional diante da discussão dos Direitos Fundamentais nas esferas de
concretização dos direitos tanto individuais como coletivos.
A resposta a esse momento e a essas questões pode ser
dada a partir do estabelecimento de procedimentos que garantam
através de suas características a função sócio-política que eles assu-
mem no contexto para que se chegue às decisões.
Tal discussão traz à tona a proposta inicial de Luhmann,
anteriormente à virada autopoiética da “legitimidade pelo procedi-
mento”, e traz à tona também, em outro sentido, a da dogmática ju-
rídica, a idéia da Tópica proposta por Viewheg, de maneira que ao se
estruturar um procedimento ele permita a integração do maior núme-
ro possível de pontos de vista da questão a ser decidida e também que
a decisão alcançada possa vir a sofrer modificações, diante da expe-
riência adquirida ao aplicá-la. Idéia que também se pode estender aos
percursos do pensamento de Habermas, algo como um caminho do
meio, tendo em vista a complexidade e inefetividade das grandes
promessas solucionadoras, algo como no qual as soluções melhores
apareçam a partir da comunicação das opiniões divergentes partindo
de um consenso para se chegar em torno da possibilidade de um
entendimento mútuo293.
De qualquer maneira, o importante é compreender que
através da procedimentalização as respostas para e do processo não
estão mais simplesmente dadas, mas sim passam a ser construídas,
não há uma verdade ou decisão já pronta, escondida no processo, na
verdade ela se dá na construção e no desenvolvimento do processo.
Nesse contexto, diante da necessidade da procedimenta-
lização como uma resposta aos agouros tanto da sociedade como do
Direito, a reflexão sobre a adoção de um procedimento que possibi-
lite e traga uma resposta, uma decisão num sentido prático para a

293. Guerra Filho, p. 49-53 e 73-77 e passim.

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vida humana, se pauta na afirmação e compreensão, também nessa
linha diríamos pós-moderna, dos princípios jurídicos.
A discussão dos princípios a partir e além da relação po-
sitivismo e jusnaturalismo, o que faz alguns teóricos afirmarem uma
fase pós-positivista, tem como expoentes dois importantes teóricos
do Direito, também já mencionados anteriormente na obra, Ronald
Dworkin, inglês, que rebatendo as idéias daquele a quem sucedeu,
Herbert Hart, busca por uma abrangência do sentido e aplicabilidade
dos princípios a partir da constatação de que a concepção positivista
do Direito como sistema de regras resulta em um modelo infiel à
complexidade e sofisticação suas práticas e o alemão, Robert Alexy,
que traz como tônica da discussão a perspectiva de mútua fertilização
entre procedimentos lógico-formais de análise da estrutura do sistema
normativo e os estudos de sua funcionalidade em determinado con-
texto, o que possibilita o desenvolvimento de uma teoria argumenta-
tiva do Direito capaz de num plano de racionalidade prática assegurar
o processo de aplicação do Direito. Os princípios para Alexy são
“determinações de optmização” que se cumprem na medida das
possibilidades fáticas e jurídicas que se oferecem concretamente.
Nesse mesmo contexto, portanto, os princípios passam a ser distintos
das regras294.
Enfim, o método de aplicação dos princípios e da aprecia-
ção e implementação dos valores neles expressos se estrutura por
meio de uma valoração explicitativa dos objetivos que se pretende
alcançar com seu emprego.
Por fim cabe ainda ressaltar, tendo em vista a compreensão
tanto do surgimento da necessidade da procedimentalização do Di-
reito como da afirmação dos princípios, o sentido de aplicabilidade
e realidade das normas constitucionais que assumem em geral o ca-
ráter de princípios, que nos direciona a ressaltar a peculiariedade da
interpretação das normas constitucionais com referência crítica mui-
to importante a partir de Friedrich Müller e Peter Häberle.
O primeiro com a já mencionada Teoria Estruturante, a
partir da qual busca pela concretização da norma num sentido de

294. Sobre a diferenciação conferir o ponto 5.6 deste mesmo capítulo.

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efetividade constitucional projetando-se na diferenciação entre a
norma e seu texto e o segundo que a partir da idéia da sociedade
aberta de Karl Popper identificando a necessidade de uma hermenêu-
tica constitucional aberta, pluralista e procedimental.
Uma aplicabilidade constitucional, através de um proce-
dimento que produza a resposta que se busca construir no processo,
concretizando o sentido normativo na extensão de sua função social
no exercício da vida humana indica um fortalecimento do Estado
Democrático de Direito, uma contribuição que visa “tomar o Estado
de Direito ao pé da letra e fazer da democracia mais do que mera
palavra”295.
Mostra-se aí, com toda clareza, a demanda do emprego
de uma metodologia de pesquisa do direito que se tem chamado
“inclusiva”296, voltada para a incorporação de conhecimentos advin-
dos de ciências sociais empíricas e disciplinas jurídicas diversas,
além da dogmática do Direito positivo nacional, como a história, o
direito comparado, a filosofia jurídica e a teoria do Direito na sua
feição atual, sensível tanto às contribuições das ciências formais
contemporâneas (semiótica, cibernética, teoria da comunicação etc.),
como ao desenvolvimento de uma lógica material própria do discur-
so normativo (tópica, nova retórica, teorias da argumentação, lógica
deôntica etc.), onde ação e pensamento, ética e lógica, se encontram
numa situação comunicativa concreta de diálogo, em que, pragma-
ticamente, são produzidas sempre novas interpretações, novos sig-
nificados297.
Em conclusão, pode-se dizer, portanto, que o trabalho da
Assembléia Constituinte, tendo chegado ao seu término, o que cons-
tou na nova Carta, de tema, passou a ser premissa no debate político,
restando sempre um permanente processo de fazê-la realidade, inter-

295. Cf. Prefácio de Paulo Bonavides à obra referida anteriormente de F. Mül-


ler em indicação ao prefácio da 5ª edição alemã.
296. A ela referem-se diversos teóricos contemporâneos da ciência jurídica,
como Dreier, Alexy, Krawietz e Pecznik. V., supra, cap. 3.
297. Cf. Viehweg, Rethorik, Sprachpragmatik, Rechtstheorie, in FS H. Schelsky,
Berlin, 1978, p. 712 e s.

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pretando-a e aplicando-a com o emprego de uma teoria e metodolo-
gia também renovadas.

5.9. Como deve ter ficado já evidente pelo exposto até


aqui, é de suma importância, para desenvolver uma teoria da ciência
jurídica atualizada, sublinhar o significado de atribuir a determinadas
normas, sejam processuais ou não, desde que consagrem direitos
fundamentais, a natureza de um princípio. Já se torna cada vez mais
difundido entre nós esse avanço fundamental da teoria do direito
contemporânea, que, em uma fase “pós-positivista”298, com a supe-
ração dialética da antítese entre o positivismo e o jusnaturalismo,
distingue normas jurídicas que são regras, em cuja estrutura lógico-
deôntica há a descrição de uma hipótese fática e a previsão da con-
seqüência jurídica de sua ocorrência, daquelas que são princípios,
por não trazerem semelhante descrição de situações jurídicas, mas
sim a prescrição de um valor, que assim adquire validade jurídica
objetiva, ou seja, em uma palavra, positividade299.
Esse desenvolvimento recente em sede de teoria do direi-
to resulta, precisamente, de uma aproximação desta com a prática
interpretativa de textos constitucionais, revelada no exercício da ju-
risdição constitucional por parte das Cortes a que ela é atribuída, bem
como da doutrina elaborada levando em conta essa prática, munician-
do-a com um quadro teórico justificativo. São os chamados hard
cases, as questões mais tormentosas, aquelas que terminam sendo

298. Cf. Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, São Paulo, 1997, p.
247; Willis S. Guerra Filho, Pós-modernismo, pós-positivismo e a filosofia do direi-
to, NOMOS — Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC, n. 15, Fortaleza,
1996.
299. Na teoria do direito anglo-saxônica, e, de um modo geral, quem deu o
maior impulso para o reconhecimento da natureza diferenciada dos princípios en-
quanto norma jurídica foi, a nosso ver, conforme salientado anteriormente, Ronald
Dworkin, com sua tentativa de superação do conceito de ordenamento jurídico como
um conjunto de regras primárias e secundárias, devida a H. L. A. Hart, em The
concept of law, Oxford, 1994, esp. p. 238-76 (Postscript). Cf., de Dworkin, v. g.,
Taking rights seriously, cit., p. 38 e s., esp. p. 45 e s. A recepção dessa proposta de
superação do positivismo na Alemanha deve-se principalmente a Robert Alexy.

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examinadas no exercício da jurisdição constitucional, as quais não se
resolvem satisfatoriamente com o emprego apenas de regras jurídicas,
mas demandam o recurso aos princípios, para que sejam solucionadas
em sintonia com o fundamento constitucional da ordem jurídica300.
Uma das características dos princípios jurídicos que me-
lhor os distinguem das normas que são regras é sua maior abstração,
na medida em que não se reportam, ainda que hipoteticamente, a
nenhuma espécie de situação fática que dê suporte à incidência de
norma jurídica. A ordem jurídica, então, enquanto conjunto de regras
e princípios, pode continuar a ser concebida, à la Kelsen, como for-
mada por normas que se situam em distintos patamares, conforme o
seu maior ou menor grau de abstração ou concreção, em um ordena-
mento jurídico de estrutura escalonada (Stufenbau). No patamar mais
inferior, com o maior grau de concreção, estariam aquelas normas
ditas individuais, como a sentença, que incidem sobre situação jurí-
dica determinada, à qual se reporta a decisão judicial. O grau de
abstração vai então crescendo até o ponto em que não se tem mais
regras, e sim princípios, dentre os quais, contudo, se podem distinguir
aqueles que se situam em diferentes níveis de abstração.
A ambiência natural dos princípios jurídicos, como é fácil
deduzir, será o texto constitucional. Tendo por base a terminologia,
anteriormente referida, proposta por Gomes Canotilho, inspirado em
modelo germânico, pode-se elencar, como espécies de princípios, em
ordem crescente de abstratividade, “princípios constitucionais espe-
ciais”, “princípios constitucionais gerais” e “princípios estruturantes”.
Estes últimos são aqueles que traduzem as opções políticas funda-
mentais sobre as quais repousa toda a ordem constitucional e, logo,
toda a ordem jurídica, e que seriam, no Direito brasileiro, como se
deflui já do “Preâmbulo” e do primeiro artigo de nossa Constituição,
o princípio do Estado de Direito e o princípio democrático, bem como
o princípio federativo. O princípio da isonomia pode ser apontado
como um dos princípios constitucionais gerais, assim como a isono-

300. Cf., a respeito, R. Dworkin, ob. ult. cit., esp. cap. IV (Hard Cases), p. 81
e s., bem como A matter of principle, Cambridge (Mass.), 1985 (Is there really no
right answer in hard cases?), p. 119 e s.

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mia entre homens e mulheres, referida no art. 5º, I, seria exemplo de
princípio constitucional especial.
A ordem jurídica, então, vai-se mostrar como um entrela-
çado de regras e princípios; um conjunto de normas que, em diferen-
tes graus, concretizam uma idéia-retora, a qual, de um ponto de
vista filosófico, metapositivo, pode ser entendida como a “idéia do
Direito” (Rechtsidee), fórmula sintetizadora das idéias de paz jurídi-
ca e justiça301, mas que, para nós, se condensa positivamente na fór-
mula política adotada em nossa Constituição: “Estado Democrático
de Direito”.
Uma constatação que se faz absolutamente necessária, no
que toca à natureza diversa de regras e princípios, dá-se quando
ocorre um choque entre suas disposições. Assim, caso sejam duas
regras que dispõem diferentemente sobre uma mesma situação, ocor-
re um excesso normativo, uma antinomia jurídica, que deve ser
afastada com base em critérios que, em geral, são fornecidos pelo
próprio ordenamento jurídico, para que se mantenha sua unidade e
coerência. Essas, aliás, são exigências que podem decorrer da própria
isonomia, com seu imperativo de que se regulem igualmente situações
idênticas.
Já com os princípios tudo se passa de modo diferente, pois
eles, na medida em que não disciplinam nenhuma situação jurídica
específica, considerados da forma abstrata como se apresentam para
nós no texto constitucional, não entram em choque diretamente, são
compatíveis (ou “compatibilizáveis”) uns com os outros. Contudo,
ao procurarmos solucionar um caso concreto que não seja resolvido
de modo satisfatório aplicando-se-lhe as regras pertinentes, inquirin-
do dos princípios envolvidos no caso, logo se percebe que esses
princípios se acham em um estado de tensão conflitiva, ou mesmo
em rota de colisão. A decisão tomada, em tais casos, sempre irá pri-
vilegiar um (ou alguns) dos princípios, em detrimento de outro(s),
embora todos eles se mantenham íntegros em sua validade e apenas
diminuídos, circunstancial e pontualmente, em sua eficácia.

301. Nesse sentido, Larenz, Metodologia, cit., p. 200, 511, 577 e passim; De-
recho justo, trad. Luiz Díez-Picazo, Madrid, 1990, p. 42 e s.

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Esse estado potencial de conflito dos princípios de um
ordenamento jurídico se vê já naquela fórmula política da nossa
Constituição, há pouco mencionada, que condensa dois princípios
estruturantes de nosso sistema jurídico, o princípio do Estado de
Direito e o princípio democrático, pois, na medida em que eles se
implicam mutuamente, pode-se imaginar que o respeito unilateral de
um deles leve ao desrespeito do outro. Exemplificando, tem-se a si-
tuação de exagero no atendimento ao princípio democrático levando
ao desvio excessivo de poderes para o legislativo — ou, mesmo, di-
retamente para o Povo —, rompendo-se, assim, o equilíbrio entre os
poderes estatais, e, com isso, desatendendo ao princípio do Estado
de Direito, com comprometimento da própria democracia, pela inse-
gurança institucional daí resultante.
Do mesmo modo, podem-se figurar situações em que um
excessivo apego à igualdade formal de todos os cidadãos perante a
lei, exigência do princípio do Estado de Direito, leve a que se esque-
ça a desigualdade material entre eles e se cometa ofensa ao princípio
democrático, o que termina desvirtuando o próprio sentido da isono-
mia302. Em ambas as hipóteses, para evitar o excesso de obediência
a um princípio que destrói o outro e termina aniquilando os dois,
deve-se lançar mão daquele que, por isso mesmo, há de ser conside-
rado o “princípio dos princípios”: o princípio da proporcionalidade303.
E isso, após o emprego de uma nova metodologia hermenêutica,
exigida nessas situações, em que se tem um “caso difícil” (hard case)
para resolver: a interpretação especificamente constitucional. É com
a abordagem desses dois assuntos que encerraremos esta primeira
parte, de fundamentação teórica, do presente trabalho.
Praticar a “interpretação constitucional” é diferente de
interpretar a Constituição de acordo com os cânones tradicionais da
hermenêutica jurídica, desenvolvidos, aliás, em época em que as

302. Cf. Paulo Bonavides, A Constituição aberta, Belo Horizonte, 1993, p. 141.
303. Cf. Willis S. Guerra Filho, Ensaios de teoria constitucional, Fortaleza,
1989, cap. 3 (O princípio constitucional da proporcionalidade), p. 69 e s.; Paulo
Bonavides, Curso de direito constitucional, São Paulo, 1993, cap. 11 (O princípio
constitucional da proporcionalidade e a Constituição de 1988), p. 314 e s.

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matrizes do pensamento jurídico assentavam-se em bases privatísti-
cas304. A intelecção do texto constitucional também se dá, em um
primeiro momento, recorrendo aos tradicionais métodos filológico,
sistemático, teleológico etc. Apenas haverá de ir além, empregar
outros recursos argumentativos, quando com o emprego do instru-
mental clássico da hermenêutica jurídica não se obtiver como resul-
tado da operação exegética uma “interpretação conforme a Consti-
tuição”, a verfassungskonforme Auslegung dos alemães, que é uma
interpretação de acordo com as opções valorativas básicas expressas
no texto constitucional305.
A referência feita a um jargão em língua alemã não foi
mero acaso, pois é da recente experiência constitucional alemã —
quando após a hecatombe nazista se retoma o projeto político-jurídi-
co antipositivista da época da República de Weimar — que se extra-
em os melhores subsídios para aprofundar a questão aqui colocada
da necessidade de desenvolver uma forma específica de interpretar a
Constituição. O contato com essa experiência modelar mostra como
a nova metódica hermenêutico-constitucional resultou de uma íntima
colaboração entre produção teórica e elaboração jurisprudencial, em
nível de jurisdição constitucional.
A partir do que se vem de expor, justifica-se que conside-
remos a Constituição, assim como todo o sistema de normas interno
ao ordenamento jurídico, um sistema de regras e princípios. Importa,
então, explicitar melhor a distinção entre normas que são regras e
normas que são princípios. Para tanto, com base em Gomes Canoti-
lho306, podemos distingui-los: (1) pelo grau de abstração, em que se
tem os princípios como muito mais abstratos e vagos em sua formu-
lação — eu diria mesmo que não é só uma questão quantitativa, mas

304. Nesse sentido, Comparato, Estudos de direito público, São Paulo, 1996,
p. 74 e s.
305. A expressão aparece na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão
em decisão de 1958 (BverfGE 8, 28), merecendo elaboração doutrinária exemplar
por parte de Konrad Hesse, em Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik
Deutschland, 20. ed., Heidelberg, 1995, p. 30 e s.
306. Direito constitucional, Lisboa, 1989, p. 119.

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qualitativa: não é que o princípio seja “mais” abstrato, pois é inco-
mensurável a abstratividade do princípio em relação à das regras,
visto que estas, por mais abstratas, sempre trazem referência a algu-
ma hipótese normativa, enquanto os princípios não se reportam a
nenhuma, sendo uma expressão direta de valores, não de fatos; (2)
pelo grau de determinabilidade de aplicação, que, como conseqüên-
cia de (1), implica a necessidade da intermediação normativa de
outros princípios e regras para facilitar a aplicação de princípios,
enquanto regras se deixam aplicar diretamente com facilidade; (3)
pelo conteúdo de informação, bem menor nas regras, que se reportam
a um determinado fato, nelas tipificado, enquanto os princípios refe-
rem-se a valores, o que permite uma ampliação de seu conteúdo com
maior facilidade; (4) pela separação “onto-lógica” (rectius: “deon-
tológica”) radical de ambos os tipos de normas, quando se tem, por
exemplo, a possibilidade de princípios, em virtude de sua natureza,
existirem implicitamente no sistema normativo, algo impensável para
regras, ou ainda a circunstância de regras contraditórias gerarem uma
antinomia normativa, a ser desfeita com o afastamento de uma delas,
ao passo que é da própria natureza dos princípios, como já salientamos,
se apresentarem como contrapostos uns aos outros. Esse último pon-
to, na verdade, torna de todo evidente a radical “diferença deontoló-
gica” entre regras e princípios, já que o conflito entre regras é uma
anomalia, enquanto o conflito de princípios deve ser visto como algo
corriqueiro, e que só não percebemos tanto quanto poderíamos quan-
do não estudamos o Direito munidos do instrumental teórico adequa-
do. Vale notar, também, que não pode haver, em razão dessa diferen-
ça deontológica, verdadeiro conflito entre princípio e regra. Ele será
sempre aparente, pois o verdadeiro conflito se dará entre um princí-
pio e o(s) outro(s) concretizado(s) na regra com ele “conflitante”.
É essa natureza diferenciada de princípios e regras que
suscita a necessidade de se desenvolver uma hermenêutica consti-
tucional igualmente diferenciada, diante da hermenêutica tradicio-
nal. Especialmente a distinção por último referida, segundo a qual
os princípios se encontram em estado latente de colisão uns com
os outros, requer o emprego dos princípios da interpretação cons-
titucional, que passamos a expor, na formulação já clássica de

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Konrad Hesse, secundado, em língua portuguesa, por Gomes Ca-
notilho307 e 308.
(1) O primeiro — e mais importante — desses princípios
é o da unidade da Constituição, que determina que se observe a in-
terdependência das diversas normas da ordem constitucional, de modo
a que formem um sistema integrado, no qual cada norma encontra
sua justificativa nos valores mais gerais, expressos em outras normas,
e assim sucessivamente, até chegarmos ao mais alto desses valores,
expresso na decisão fundamental do constituinte. No caso da nossa,
a decisão política fundamental se acha claramente indicada no “Pre-
âmbulo” e no seu art. 1º, enquanto opção por um Estado Democrá-
tico de Direito. Ela há de se situar ao nível do que na hermenêutica
filosófica de Gadamer se denomina “pré-compreensão” (Vorverständ-
nis), designando a pré-disposição orientadora do ato hermenêutico
de compreensão.
(2) Princípio do efeito integrador, indissoluvelmente as-
sociado ao primeiro, ao determinar que, na solução dos problemas
jurídico-constitucionais, dê-se preferência à interpretação que mais
favoreça a integração social, reforçando a unidade política.
(3) Princípio da máxima efetividade, também denomina-
do princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, por determinar
que, na interpretação de norma constitucional, atribua-se a ela o
sentido que a confira maior eficácia, sendo de se observar que, atu-
almente, não mais se admite haver na Constituição normas que sejam
meras exortações morais ou declarações de princípios e promessas a
serem atendidos futuramente309. Tal princípio assume particular rele-
vância na inteligência das normas consagradoras de direitos funda-
mentais.

307. Cf. K. Hesse, ob. loc. ult. cit.; J. J. Gomes Canotilho, ob. ult. cit., p. 162-5.
Para um desenvolvimento mais amplo, consulte-se Bonavides, ob. ult. cit., caps. 13,
14 e 17, e as obras fundamentais de Friederich Müller, Metódica jurídica (Juristische
Methodik) e Teoria estruturante do direito (Strukturiende Rechtslehre).
308. Sobre o assunto, cf., ainda, Willis Santiago Guerra Filho, Processo cons-
titucional e direitos fundamentais, 5. ed., São Paulo: RCS Editora, 2007, mais espe-
cificamente o Capítulo V.
309. Cf. Gomes Canotilho, ob. cit., p. 132.

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(4) Princípio da força normativa da Constituição, que
chama a atenção para a historicidade das estruturas sociais, às quais
se reporta a Constituição, donde a necessidade permanente de se
proceder a sua atualização normativa, garantindo, assim, sua eficácia
e permanência. Esse princípio nos alerta para a circunstância de que
a evolução social determina sempre, se não uma modificação do
texto constitucional, pelo menos alterações no modo de compreendê-
lo, bem como as normas infraconstitucionais.
(5) Princípio da conformidade funcional, que estabelece
a estrita obediência do intérprete constitucional à repartição de funções
entre os poderes estatais, prevista constitucionalmente.
(6) Princípio da interpretação conforme a Constituição,
que afasta interpretações contrárias a alguma das normas constitu-
cionais, ainda que favoreça o cumprimento de outras delas. Determi-
na, também, esse princípio a conservação de norma, por incons-
titucional, quando seus fins possam harmonizar-se com preceitos
constitucionais, ao mesmo tempo em que estabelece como limite à
interpretação constitucional as próprias regras infraconstitucionais,
impedindo que ela resulte numa interpretação contra legem, que
contrarie a letra e o sentido dessas regras.
(7) Princípio da concordância prática ou da harmo-
nização, segundo o qual se deve buscar, no problema a ser solucio-
nado em face da Constituição, confrontar os bens e valores jurídicos
que ali estariam conflitando, de modo a que, no caso concreto sob
exame, se estabeleça qual ou quais dos valores em conflito deverá
prevalecer, preocupando-se, contudo, em otimizar a preservação,
igualmente, dos demais, evitando o sacrifício total de uns em bene-
fício dos outros. Nesse ponto, tocamos o problema crucial de toda
hermenêutica constitucional, que nos leva a introduzir o topos argu-
mentativo da proporcionalidade.
Para resolver o grande dilema da interpretação constitu-
cional, representado pelo conflito entre princípios constitucionais,
aos quais se deve igual obediência, por ser a mesma a posição que
ocupam na hierarquia normativa, preconiza-se o recurso a um “prin-
cípio dos princípios”, o princípio da proporcionalidade, que deter-
mina a busca de uma “solução de compromisso”, na qual se respeita

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mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito, pro-
curando desrespeitar o mínimo o(s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando
minimamente com o respeito, isto é, ferindo-lhe seu “núcleo essen-
cial”. Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma indivi-
dualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastá-
vel da própria fórmula política adotada por nosso constituinte, a do
“Estado Democrático de Direito”, pois sem a sua utilização não se
concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula de
respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos.
O princípio da proporcionalidade, tal como hoje se apre-
senta no direito constitucional alemão, na concepção desenvolvida
por sua doutrina, em íntima colaboração com a jurisprudência
constitucional, desdobra-se em três aspectos, a saber: proporciona-
lidade em sentido estrito, adequação e exigibilidade. No seu em-
prego, sempre se tem em vista o fim colimado nas disposições
constitucionais a serem interpretadas, fim esse que pode ser atingi-
do por diversos meios, dentre os quais se haverá de optar. O meio
a ser escolhido deverá, em primeiro lugar, ser adequado para atingir
o resultado almejado, revelando conformidade e utilidade ao fim
desejado. Em seguida, comprova-se a exigibilidade do meio quan-
do este se mostra como “o mais suave” dentre os diversos disponí-
veis, ou seja, menos agressivo dos bens e valores constitucional-
mente protegidos, que porventura colidem com aquele consagrado
na norma interpretada. Finalmente, haverá respeito à proporciona-
lidade em sentido estrito quando o meio a ser empregado se mostra
como o mais vantajoso, no sentido da promoção de certos valores
com o mínimo de desrespeito de outros que a eles se contraponham,
observando-se, ainda, que não haja violação do “mínimo” em que
todos devem ser respeitados. Após essa apresentação resumida, por
sua importância inigualável, passemos a tratar em separado e mais
extensamente desse princípio.

5.10. Examinemos agora o significado de se ter uma ordem


jurídica que, como a nossa, vem definida na Constituição como a de
um “Estado Democrático de Direito”, fórmula política que represen-
ta a síntese em que se supera, dialeticamente, Estado liberal de Di-

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reito e Welfare State, de um lado, e, de outro, Estado social e socia-
lista de Direito.
Inicialmente, vale recordar, com Pablo Lucas Verdú310,
que “a fórmula política de uma Constituição é a expressão ideoló-
gica que organiza a convivência política em uma estrutura social”.
Trata-se, portanto, do elemento caracterizador da Constituição,
principal vetor de orientação para a interpretação de suas normas
e, através delas, de todo o ordenamento jurídico. Enquanto mani-
festação de uma opção básica por determinados valores, caracterís-
ticos de uma ideologia, a fórmula política inserida na Constituição
apresenta-se como um programa de ação a ser partilhado por todo
integrante da comunidade política, e, por isso, responsável a um só
tempo pela sua mobilidade e estabilidade. “A fórmula política”,
acrescenta porém o eminente catedrático da Universidade de Madri,
“é um fator essencialmente dinâmico, pois toda ideologia pretende
realizar-se mediante sua institucionalização e sua implantação na
realidade social”.
Tal circunstância, por si só, já justifica que se veja a Cons-
tituição como um processo, tal como propusemos em outra oportu-
nidade311. Sim, porque a simples elaboração de um texto constitucio-
nal, por melhor que ele seja, não é suficiente para que o ideário que
o inspirou se introduza efetivamente nas estruturas sociais, passando
a reger com preponderância o relacionamento político de seus inte-
grantes. Também é importante a percepção de que a realização efe-
tiva da organização política idealizada na Constituição depende de
um engajamento maciço dos que dela fazem parte nesse processo, e
um Estado Democrático de Direito seria, em primeiro lugar, aquele
em que se abrem canais para essa participação.
Essa concepção “procedimental” da Constituição mostra-
se adequada a uma época como a nossa, apelidada já de “pós-mo-
derna”, em que caem em descrédito as “grandes narrativas”312,

310. Curso de derecho político, Madrid, 1977, v. 2, p. 532.


311. Guerra Filho, Ensaios de teoria constitucional, Fortaleza, 1989, p. 7 e s.
Agora, mais extensamente, em Teoria processual da Constituição, São Paulo, 2000.
312. Grand-récits (J.-F. Lyotard, 1979, 1986).

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legitimadoras de discursos científicos e políticos, não havendo mais
um fundamento aceito em geral como certo e verdadeiro, a partir
do qual se possa postular “saber, para prever, prever para poder”.
Radicaliza-se, assim, a inversão da perspectiva temporal em que se
legitima o Direito, com a introdução, nos sistemas políticos moder-
nos, de uma Constituição, quando o juridicamente válido o é não
mais porque se encontram argumentos num passado, histórico ou
atemporal (ordem divina, estado de natureza ou outra coisa do tipo),
para justificá-lo. Ao contrário, como aponta Niklas Luhmann313, a
partir da instituição das Constituições, culminando o processo de
positivação do Direito, dá-se uma “abertura para o futuro” (Zukunft-
soffenheit), na forma de ele legitimar-se, pois passa a “prever as
condições de sua própria modificabilidade e isso, juridicamente,
acima de tudo, através de regras procedimentais...”314. A importân-
cia que Luhmann atribui ao procedimento (Verfahren) em sua
concepção do Direito é tamanha que em certa passagem chega a
identificar com o primeiro as normas jurídicas, dizendo ser o Di-
reito tudo o que essas normas, procedimentalmente, transformam
em Direito — “(...) alles, was nach rechtlichen Regeln (Verfahren)
zu Recht gemacht wird”315.

313. A posição dos tribunais no sistema jurídico, Ajuris, n. 49, Porto Alegre,
1990, p. 192.
314. Para um maior desenvolvimento desse aspecto na perspectiva da teoria
sistêmica, v., infra, cap. 6. Vale observar que nesse processo, que é um processo
de absorção de contingência e redução da complexidade do ambiente, em que se
verifica a ruptura com o passado, já fixo, e a abertura para o futuro, a ser fixado,
o Direito torna-se cada vez mais improvável, aumentando a sua própria comple-
xidade e contingência — agora, sob a forma de “dupla contingência”. O Direito,
então, na palavra autorizada de Raffaele de Giorgi, em Democracia, Estado e di-
reito na sociedade contemporânea, trad. Juliana N. Magalhães, Cadernos da Es-
cola do Legislativo, n. 4, Belo Horizonte, 1995, p. 47, “é o sistema de produção e
de controle seletivo dessa contingência, dessa contínua possibilidade de outras
possibilidades”. Isso significa, porém, que o Direito — assim como os sistemas
sociais em geral na sociedade contemporânea — passa a operar em condições de
alto risco: risco de que as opções feitas no presente não se mostrem as mais ade-
quadas no futuro.
315. Luhmann, Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt a. M., 1993, p. 37.

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Também Habermas, em trabalhos recentes316, atribui um
papel central aos procedimentos de realização do Direito, ao exami-
nar como é possível obter legitimação através da legalidade. Nesse
passo, termina pondo em xeque uma das idéias centrais da moder-
nidade, associada a nomes como Kant e Max Weber: a da autonomia
das esferas da moral, do Direito e da política por sua rigorosa sepa-
ração, mostrando que na atualidade esses campos se re-articulam,
sem com isso perderem sua autonomia. Para ele, foi uma mudança
na consciência moral da era moderna que trouxe a exigência da di-
ferenciação entre normas, princípios justificadores e procedimentos
para examinar a adequação daquelas a esses últimos. A “moralidade”
do Direito moderno, bem como a sua “racionalidade” e “autonomia”
não resultariam apenas do fato de ter-se verificado a positivação de
exigências morais de racionalização nas Constituições, mas também
— e principalmente — da circunstância de haverem sido instituídos
procedimentos para a (auto)regulação e o (auto)controle da funda-
mentação do Direito de acordo com esses padrões morais de racio-
nalidade. A fundamentação moral e política dos princípios jurídicos,
isto é, a legitimidade do Direito e a sua “procedimentalização”
acham-se intimamente relacionadas, já que seus valores legitimado-
res não se encontrariam propriamente no conteúdo de suas normas,
mas sim nos procedimentos, que fundamentam algum de seus pos-
síveis conteúdos.
Finalmente, podemos encontrar uma concepção procedi-
mental da Constituição em autor cuja obra recentemente ocupou o
centro dos debates em filosofia política, ao mesmo tempo em que
reavivou o interesse pela discussão ética da justiça. Trata-se de John
Rawls, para quem a Constituição ideal seria um procedimento bali-

316. Cf. Wie ist Legitimität durch Legalität möglich?, Kritische Justiz, n. 20,
Baden-Baden, 1987, p. 1 e s.; Volkssouveranität als Verfahren, Merkur, n. 43, Frank-
furt a. M., 1989, p. 465 e s., esp. p. 475 e s. Ambos os trabalhos estão reunidos na
obra de Habermas, de filosofia jurídico-política, Geltung und Faktizität (1992), cuja
continuidade encontra-se em um de seus livros mais recentes, Die Einbeziehung des
Anderen (1996).

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zado por princípios de justiça, capaz de conformar as forças políticas
responsáveis pela produção normativa317.
Essa visão do texto constitucional como uma “obra aber-
ta”, cujo sentido é permanentemente construído e reconstruído por
seus destinatários, seria ela própria um reclamo do Estado Democrá-
tico de Direito, visto que este representa um intento de conciliar
valores que só abstratamente se compatibilizam perfeitamente, pois
no momento de sua concretização podem chocar-se, por exemplo, a
segurança jurídica (= respeito à legalidade) e a igualdade perante a
lei, valores associados ao Estado de Direito formal, com a segurança
e igualdade das situações em que se encontram inseridos os indivíduos
na sociedade, a qual se pretende seja democrática. Daí a necessidade
de que se constitua o que, tomando de empréstimo uma expressão de
Karl Popper, se chamou de “sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição”318, a fim de que se estabeleça um amplo debate entre
os defensores das diversas concepções a respeito de como melhor
compatibilizar os valores em conflito, e isso sempre com a preocu-
pação de preservá-los todos, em seu conteúdo mínimo319. Como na
pós-modernidade, com o elevadíssimo grau de complexidade e novi-
dade dos problemas sociais que se apresentam, não há mais por que
recorrer a nenhuma “receita” ideológica previamente elaborada para

317. Em suas próprias palavras: “Ideally a just constitution would be a just


procedure arranged to insure a just outcome. The procedure would be the political
process governed by the constitution, the outcome the body of enacted legislation,
while the principles of justice would define an independent criterion for both pro-
cedure and outcome” (A theory of justice, Oxford, 1972, p. 197). É conhecida a
concepção processual da natureza da Constituição norte-americana, devida a John
H. Ely, em Democracy and distrust. A theory of judicial review, Cambridge, 1980,
p. 90, para quem até normas dessa carta constitucional paradigmática no Ocidente,
que é a dos EUA, “that at first glance might seem primarily designed to assure or
preclude certain substantive results seem on reflection to be principally concerned
with process”.
318. Peter Häberle, Die offene Gesellschaft der Verfassungsinterpreten, Juris-
tenzeitungen, cit., p. 297 e s.
319. Vale chamar a atenção para a simetria entre o que se pretende propor e a
idéia de “democracia dialógica”, de A. Giddens, Para além da esquerda e da direi-
ta, trad. Alvaro Hattnher, São Paulo, 1995, p. 24 e s.

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obter soluções, só mesmo com procedimentos é que se forja da melhor
maneira tais soluções, abrindo a possibilidade de cada posição diver-
gente demonstrar a parcela de razão que lhe cabe e a superioridade
de uma em face das demais, em dada situação particular320.
Nossa compreensão do quanto o Estado Democrático de
Direito depende de procedimentos, não só legislativos e eleitorais,
mas especialmente judiciais, para que se dê sua realização, aumen-
ta na medida em que precisamos melhor o conteúdo dessa fórmula
política.
Historicamente, poder-se-ia localizar o seu surgimento nas
sociedades européias recém-saídas da catástrofe da II Guerra Mundial,
que representou a falência tanto do modelo liberal de Estado de Di-
reito, como também das fórmulas políticas autoritárias que se apre-
sentaram como alternativa. Se em um primeiro momento observou-se
o prestígio de um modelo social e, mesmo, socialista de Estado, a
fórmula do Estado Democrático firma-se a partir de uma revaloriza-
ção dos clássicos direitos individuais de liberdade, que se entende
não poderem jamais ser demasiadamente sacrificados em nome da
realização de direitos sociais. O Estado Democrático de Direito,

320. O que se deseja enfatizar aqui é a circunstância de que na pós-modernida-


de dá-se uma pluralidade de descrições da realidade social igualmente válidas. Em
decorrência disso, também as prescrições feitas a partir de tais descrições são plúri-
mas. O ideal, então, é tentar combiná-las, a fim de obtermos soluções mais adequa-
das, porque mais abrangentes, para problemas sociais. Nesse sentido, Luhmann, Die
Geltung des Rechts, Rechtstheorie, n. 22, Berlin, 1991, p. 44, 55 e s., apesar de ele,
como Habermas, advogar a continuidade e o inacabamento da modernidade, em
nossos dias, denominado “modernidade intermédia”, o período imediatamente an-
terior ao que vivemos, o qual, para mim, já foi a última fase da modernidade. V.
também Luhmann, Verfassung als evolutionäre Errungenschaft, Rechtshistorisches
Journal, n. 9, Frankfurt a. M., 1990, p. 10 e s.; Das Recht der Gesellschaft, cit., p.
539 e s., Luhmann e De Giorgi, Teoria della società, 7. ed., Milano, 1995, p. 399 e
s. Note-se que não se trata aqui de defender o “fim das ideologias”, mas sim, ao
contrário, a assunção de uma nova ideologia, porosa em relação às demais, mas
consciente de seu caráter ideológico. Pode-se chamar esse tipo de ideologia de “su-
perideologia”, correlacionando-a com o que denominamos em outro lugar “teorias
inclusivas em epistemologia jurídica” — cf. Guerra Filho, Inclusive theories and
conjectural knowledge in legal epistemology, ARSP, n. 75, Stuttgart, 1989.

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então, representa uma forma de superação dialética da antítese entre
os modelos liberal e social ou socialista de Estado321.
Em sendo assim, tem-se o compromisso básico do Estado
Democrático de Direito na harmonização de interesses que se situam
em três esferas fundamentais: a pública, ocupada pelo Estado, a
privada, em que se situa o indivíduo, e um segmento intermediário,
a esfera coletiva, na qual há os interesses de indivíduos enquanto
membros de determinados grupos, formados para a consecução de
objetivos econômicos, políticos, culturais ou outros.
Há quem veja na projeção atual desses grupos, no campo
político e social, um dos traços característicos da pós-modernidade,
quando então as ações mais significativas se deveriam a esses novos
sujeitos coletivos, e não a sujeitos individuais ou àqueles integrados
na organização política estatal. Indubitavelmente, o problema bási-
co a ser solucionado por qualquer Constituição política contempo-
rânea não pode mais ser captado em toda sua extensão por aquela
formulação clássica, em que se tinha um problema de delimitação
do poder estatal em face do cidadão individualmente considerado.
Hoje entidades coletivas demandam igualmente um disciplinamen-
to de sua atividade política e econômica, de modo a que possam
satisfazer o interesse coletivo que as anima, compatibilizando-o com
interesses de natureza individual e pública, com base em um “prin-
cípio de proporcionalidade”322. Para solucionar as colisões entre

321. Nessa perspectiva, tem-se a obra de Elíaz Díaz, Estado de derecho y so-
ciedad democrática, Madrid, 1975, bem como a monografia já clássica na literatura
política e constitucional em nosso país do Mestre Paulo Bonavides, Do Estado libe-
ral ao Estado social.
322. Aqui não é o local para explorar em toda sua extensão as propriedades
teóricas — e práticas — desse princípio. Um estudo anterior — cf. Guerra Filho, O
princípio constitucional da proporcionalidade, in Ensaios de teoria constitucional,
cit. — demonstrou, por exemplo, que ele pode ser considerado o “princípio dos
princípios”, dentre todas as normas jurídicas, uma vez que é a ele, em última instân-
cia, que se recorre para resolver, em “casos difíceis” (hard cases), o conflito entre
diversos valores e interesses, expressos em outros princípios fundamentais da ordem
jurídica. Isso porque o princípio da proporcionalidade é capaz de dar um “salto
hierárquico” (hierarchical loop), ao ser extraído do ponto mais alto da “pirâmide”
normativa para ir até a sua “base”, onde se verificam os conflitos concretos, validan-

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do as normas individuais ali produzidas, na forma de decisões administrativas, judi-
ciais etc. Essa forma de validação é tópica, permitindo atribuir um significado dife-
rente a um mesmo conjunto de normas, a depender da situação a que são aplicadas.
É esse o tipo de validação requerida nas sociedades hipercomplexas da pós-moder-
nidade — ou, se preferirmos, para evitar o desgaste desse significante, o “pós-mo-
derno”, podemos falar em “sociedades hipermodernas”, ou em uma só sociedade
hipermoderna, a sociedade mundial, a sociedade da comunicação em rede. Nela se
misturam criação (legislação) e aplicação (jurisdição e administração) do Direito,
tornando a linearidade do esquema de validação kelseniano pela referência à estru-
tura hierarquicamente escalonada do ordenamento jurídico em circularidade, com o
embricamento de diversas hierarquias normativas, as tangled hierarchies da teoria
sistêmica — cf., v. g., Neves, A constitucionalização simbólica, São Paulo, 1994, p.
66 e s., texto e notas 71 e 78. Concretamente, isso significa que assim como uma
norma ao ser aplicada mostra-se válida pela remissão a princípios superiores, ins-
culpidos na Constituição, esses princípios validam-se por serem referidos na aplica-
ção daquelas normas. É o princípio da proporcionalidade, portanto, que permite
realizar o que os norte-americanos chamam balancing de interesses e bens. A mes-
ma idéia de sopesamento, ponderação, é expressa pela Abwägung dos alemães. Cf.,
v. g., R. Alexy, Rechtssystem und praktische Vernunft, cit.; Luhmann, Sistema jurí-
dico y dogmática jurídica, trad. Ignacio de Otto Prado, Madrid, 1983, p. 64 e s.; Das
Recht der Gesellschaft, cit., p. 480. A sua valorização viria suprir o déficit da teoria
jurídica e do próprio direito, que Luhmann denunciava já no final da década de 60,
por não “jurisdificarem” a relação entre meio e fim, deixando seu tratamento para a
administração e economia — cf. Luhmann, Zweckbegriff und Systemrationalität.
Über die Funktion von Zwecken in sozialen Systemen, 5. ed., Frankfurt a. M., 1991,
p. 98 e s., passim. Em sua autoproclamada “teoria pós-moderna do direito”, K. H.
Ladeur considera que a Abwägung aponta para a característica mais saliente do
paradigma jurídico na atualidade, uma vez que permite oferecer soluções adequadas
a cada caso em particular – cf. Ladeur, “Abwägung” — ein neues Rechtsparadigma?
Von der Einheit der Rechtsordnung zur Pluralität der Rechtsdiskurse, ARSP, n. 69,
Stuttgart, 1983; Perspektiven einer post-modernen Rechtstheorie: Zur Auseinander-
setzung mit Niklas Luhmanns Konzept der “Einheit des Rechtssystems”, Rechtsthe-
orie, n. 16, Berlin, 1985. M. Neves, em Verfassung und Positivität des Rechts in der
peripheren Moderne. Eine theoretische Betrachtung und eine Interpretation des Falls
Brasiliens, Berlin, 1992, p. 43, por seu turno, observa com perspicácia que “in der
paradoxen Perspektive des Postmodernismus ist das allgemeine Paradigma (die
Abwägung) die Negation von allgemeinen Paradigmen” (em vernáculo: “na pers-
pectiva paradoxal do pós-modernismo o paradigma geral (a ponderação) é a negação
de paradigmas em geral”). Mas Ladeur adota aqui uma das atitudes mais caracterís-
ticas de seu mestre, N. Luhmann: a disposição para gerar paradoxos e fazer um uso
teórico criativo deles, transformando-os em tautologias, tornando assim mais com-
plexas nossas representações da realidade, que já percebemos como hipercomplexa.
Cf. Luhmann, Die soziologische Beobachtung des Rechts, Frankfurt a. M., 1986,

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interesses diversos de certas coletividades entre si e interesses indi-
viduais ou estatais, tão variadas e imprevisíveis em sua ocorrência,
não há como se amparar em uma regulamentação prévia exaustiva,
donde a dependência incontornável de procedimentos para atingir
as soluções esperadas.
Compreende-se, então, como o centro de decisões politi-
camente relevantes, no Estado Democrático contemporâneo, sofre
um sensível deslocamento do Legislativo e Executivo em direção ao
Judiciário. O processo judicial que se instaura mediante a propositu-
ra de determinadas ações, especialmente aquelas de natureza coletiva
e/ou de dimensão constitucional — ação popular, ação civil pública,
mandado de injunção etc. —, torna-se um instrumento privilegiado
de participação política e exercício permanente da cidadania323.
É compreensível, então, que devamos enfocar aquela es-
trutura de poder do Estado que se utiliza do processo como instru-
mento de sua atuação, ao aplicar o conjunto de normas que formam
essa ordem jurídica: o Judiciário.
O papel do Judiciário em um Estado que se quer demo-
crático é distinto daquele que se lhe atribui na formulação clássica
sobre suas relações com os demais poderes estatais. Do Judiciário
hoje não é de se esperar uma posição subalterna perante os outros
poderes, a quem caberia a produção normativa. O juiz não há de se

p. 15 e s.; Tautologie und Paradoxie in den Selbst-beschreibung der modernen Ge-


sellschaft, Zeitschrift für Soziologie, n. 16, 1987; The third question: the creative use
of paradoxes in law and legal history, Journal of Law and Society, n. 15, Denver,
1988; Die Wissenschaft der Gesellschaft, Frankfurt a. M. 1990, p. 716; e, para uma
descrição do caráter paradoxal e antinômico de sistemas auto-referenciais, Varela,
A calculus for self-reference, International Journal of General Systems, n. 2, London,
1975. Por fim, vale lembrar, com Broekman, em Recht und Anthropologie, Freiburg-
München, 1992, p. 178 e s., passim, que “proporcionalidade”, “sopesamento” e
equilibrium são idéias inerentes ao pensamento jurídico e a contrapartida necessária
de uma “justiça poética” para se atingir a beauté géométrique do direito enquanto
uma arte – nesse sentido, Commaille, Sociologie de l’art juridique: le droit comme
science du politique, Paris, 1990, p. 35.
323. Cf., v. g., Ada Pellegrini Grinover et al., Participação e processo, São
Paulo, 1988, bem como Elival da Silva Ramos, A ação popular como instrumento
de participação política, São Paulo, 1991.

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limitar a ser apenas, como disse Montesquieu, la bouche de la loi,
mas sim la bouche du droit, isto é, a boca não só da lei, mas do pró-
prio Direito. Sobre esse ponto, aliás, explicitou a jurisprudência
constitucional alemã que a Lei Fundamental, quando estabelece, em
seu art. 97, que o juiz está vinculado apenas à lei, essa vinculação
deve ser entendida como ao Direito324.
A atividade judicial não se reduz à mera aplicação de
Direito preexistente, sendo, na verdade, criativa, produtora de Direi-
to, como se evidencia mesmo na tão atacada doutrina kelseniana, na
qual a sentença aparece como uma norma jurídica, diversa daquelas
gerais e abstratas em que se costuma basear, e o ato de interpretação
e aplicação do Direito pelo juiz como integrante da política do direi-
to (Rechtspolitik), ao importar na opção por algum dos valores obje-
tivamente consagrados nas normas positivas. Mais esclarecedora

324. Cf. Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deuts-


chland, 14. ed., Heidelberg, 1984, p. 210, nota 54. Nesse sentido, a indeterminação
e a subjetividade das decisões judiciais (tanto que elas podem ser baseadas em di-
versos sentidos plausíveis, muitos até mesmo em oposição), apontadas por D. Ken-
nedy, não levam, como ele declara, ao “não-fechamento do acordo dos sistemas
jurídicos a respeito de seu próprio critério” — cf. The role of law in economic thou-
ght: essays on the fetishism of commodities, The American University Law Review,
n. 34, 1985, p. 999. Isso iria acontecer se nós estivéssemos representando um “sis-
tema alopoiético (= não-autopoiético)”. Em um sistema jurídico autopoiético o re-
sultado de uma decisão judicial tem sempre a natureza de uma declaração de vali-
dade prima facie sobre o que tem de ser considerado “direito”, “lícito” (Recht), no
sistema, uma vez que o sistema, ele mesmo, é a condição de sua validade (Geltung)
— v. Luhmann, Die Geltung des Rechts, Rechtstheorie, n. 22, Berlin, 1991, p. 278.
Aqui temos também de lembrar a observação feita por Trubek, em Back to the fu-
ture: the short, happy life of the law and society movement, Florida State Universi-
ty Law Review, n. 18, Miami, 1990, p. 43, de que “a mais avançada destas idéias
pós-modernas difunde-se na cultura legal quanto mais começamos a ver o Direito
não como um conjunto de comandos determinados, ou mesmo como um conjunto
de normas ‘contraditórias mas ainda estruturadas’, princípios, e visões, mas até
certo ponto como uma série de fragmentos, os quais são dispostos, no entanto, em
uma larga cadeia de processos e práticas localizadas”. Esses processos podem ser
vistos como o meio de circulação de comunicação no sistema jurídico. O significa-
do disso ficará mais claro adiante, após a apresentação da teoria do direito como
sistema autopoiético.

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ainda sobre a posição dos órgãos jurisdicionais no sistema jurídico é
a última versão da teoria de Niklas Luhmann, ainda pouco conhecida
entre nós — e espero que não deixem de tomar contato com ela os
partidários de uma abordagem crítica em teoria do direito, bem como
os epígonos do Direito alternativo, por ter sido seu autor já taxado de
“um pós-moderno de direita”325, quando ele, na verdade, em sua te-
oria, não admite que esteja estudando a sociedade para além do ho-
rizonte da modernidade, e seu “direitismo” não seria mais do que
uma centralização do enfoque nas sociedades do chamado “Primeiro
Mundo”326, com uma proposta de antes descrevê-las que criticá-las.
Vamos então expor aqui o que seria a teoria do direito
como sistema autopoiético, em suas linhas gerais, mas não sem
antes apresentar a teoria geral dos sistemas sociais autopoiéticos,
tal como foi desenvolvida, basicamente, por Niklas Luhmann, presti-
gioso professor da Universidade de Bielefeld, Alemanha, conheci-
do mundialmente por suas contribuições para o desenvolvimento
da perspectiva sistêmica no estudo de fenômenos sociais os mais
diversos, a começar pelo Direito e pela política327, passando pela
administração pública328, economia329, ecologia330, religião331, peda-
gogia332, mídia, em um de seus últimos livros333, para chegar ao
amor334 e, mesmo, à própria ciência335. Por sua vez, para bem com-

325. Edmundo Lima de Arruda Jr., Introdução à sociologia jurídica alternativa,


São Paulo, 1993, p. 86.
326. Cf., a propósito, Marcelo Neves, ob. ult. cit., p. 41-2, passim.
327. Grundrechte als Institution. Ein Beitrag zur politischen Soziologie, Berlin,
1965.
328. Theorie der Verwaltungswissenschaft. Bestandsaufnahme und Entwurf,
Köln-Berlin, 1966.
329. Die Wirtschaft der Gesellschaft, Frankfurt a. M., 1988.
330. Ökologische Kommunikation. Kann die moderne Gesellschaft auf sich auf
ökologischen Gefährdung einstellen?, Opladen, 1986.
331. Funktion der Religion, Frankfurt a. M., 1977.
332. Reflexionsprobleme im Erziehungssystem, Stuttgart, 1979.
333. Die Realität der Massenmedien, Opladen, 1996.
334. Liebe als Passion. Zur Codierung von Intimität, 2. ed., Frankfurt a. M.,
1994.
335. Die Wissenschaft der Gesellschaft, Frankfurt a. M., 1990.

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preender o significado gnosiológico dessa teoria, é necessário que
entendamos o seu caráter “autológico”, a auto-referencialidade que
lhe é própria, e que ela pressupõe ser uma propriedade definidora
também do seu objeto de estudo, os sistemas. Trata-se de uma “su-
perteoria”, e de uma superteoria especialmente impressionante336.
Isso porque ela, ao mesmo tempo em que reconhece a possibilida-
de (e validade) de outras descrições da realidade por ela estudada,
levanta a pretensão universalizante de abranger, para além de sua
própria teorização, aquelas que a ela se opõem, que dela são dife-
rentes337, postulando que há sempre uma unidade das diferenças de
duas interfaces. Por exemplo — e esse exemplo aponta para o que
é, literalmente, fundamental em nossa (super)teoria, sua arché:
“Mundo” (Welt) representa a unidade da diferença entre sistema e
meio circundante ou ambiente (Umwelt).
A necessidade de superar as oposições pela afirmação
de sua unidade fundamental já foi invocada por outros “sistêmicos”,
como Hegel e Talcott Parsons, mas a contribuição decisiva (grund-
legend) para que se configurasse com sua especificidade da teoria
— ou, porque não dizer, a forma de racionalidade, a racionalidade
sistêmica338 — desenvolvida por Luhmann veio da matemática, ou
melhor, da lógica matemática, ou, melhor ainda, da metamatemá-
tica de Spencer-Brown339. Faz-se, portanto, se não necessário,
certamente recomendável, que nos inteiremos a respeito dessa teo-
rização, fundamental para a superação do paradigma baseado nos
princípios da lógica clássica, como o do terceiro excluído e o da
não-contradição, com sua racionalidade linear, por um outro para-
digma, em que o conhecimento avança assumindo contradições e

336. Luhmann, Soziale Systeme. Grundriß einer allgemeinen Theorie, 3. ed.,


Frankfurt a. M., 1987, p. 19.
337. Isso mostra como é difícil, se não impossível — por carecer de sentido —,
assumir uma posição parcial em relação a semelhante teoria, ficando contra ou a
favor dela.
338. V. Luhmann, Zweckbegriff und Systemrationalität. Über die Funktion von
Zwecken in sozialen Systemen, cit.
339. Cf. Soziale Systeme. Grundriß einer allgemeinen Theorie, cit., p. 34 e s.,
texto e nota 5.

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paradoxos, como o de sua autofundamentação e o de que quanto
mais conhecemos tanto mais percebemos o que nos falta ainda
conhecer — o contrário de “mais conhecimento” não é, apenas,
“menos desconhecimento”...

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6
TEORIA DA AUTOPOIESE DO DIREITO

6.1. No ensaio programático “A arquitetura da matemá-


tica”340, Bourbaki341 parte da constatação de que a matemática — à
semelhança do que se pode dizer do pensamento em geral, em sua
atual “condição pós-moderna” — encontra-se extremamente frag-
mentada, a um ponto que matemáticos de um determinado campo
não são capazes de acompanhar em todos os detalhes o que se faz em
outros. Daí, fica-se tentado a falar na existência de distintas matemá-
ticas, ao invés de uma só, unificada.
O problema, apesar de não ter a conotação dramática que
assume na atualidade, estaria presente já nos primórdios da matemá-
tica ocidental, quando se tinha o dualismo entre aritmética e geometria.
Da mesma forma, aí também surgiam as primeiras tentativas de uni-
ficação, que, desde os pitagóricos, com seu favorecimento da aritmé-
tica — “tudo é número” —, sempre se baseiam no modo como se
concebe a relação entre a matemática e o mundo concreto dos objetos,
os quais, afinal de contas, são o que se descreve no espaço geométri-
co e se calcula pela aritmética. Tais concepções, por seu turno, apare-
cem sempre situadas no âmbito de algum sistema filosófico.
Em sua tentativa de (re)estabelecer a unidade fundamental
da matemática, Bourbaki parte daquilo que nela é comum, em suas
diversas formas: o método axiomático. Toda teoria matemática, como
até externamente nós leigos podemos observar, se nos apresenta como
uma seqüência de enunciados vinculados uns aos outros de forma
silogística. É certo que essa unidade metódica não é suficiente para

340. Cf. N. Bourbaki, Die Architektur der Mathematik, in Mathematiker über


die Mathematik, M. Otte (ed.), Berlin-Heidelberg-New York, 1974.
341. Pseudônimo sob o qual publica desde o princípio da década de 60 um
grupo de matemáticos americanos e franceses.

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Teoria da Ciencia Juridica - 001193 193 4/2/2009 13:31:56


unificar a matemática, assim como a utilização do mesmo método
experimental não unifica as diversas ciências empíricas. Também esse
aspecto externo, meramente formal, do método axiomático, próprio
do que se denomina “formalismo lógico” ou “logística”, graças ao
qual se estabelece a sintaxe da dedução silogística correta, deve ser
visto como apenas um de seus aspectos — e não é sequer o mais
interessante deles.
Para encontrar o sentido mesmo do método axiomático,
seu modus operandi, há que se determinar aquilo que permite à
matemática aprofundar-se cada vez mais na exploração do domínio
que ela estabelece como o seu próprio, até chegar a encruzilhadas
que unificam diversos campos desse domínio, para logo em segui-
da descobrir novos campos e novos problemas. Externamente, o que
possibilita isso, o “motor” da matemática, estaria naquele mecanis-
mo chamado análise, isto é, na distinção de dificuldades para melhor
resolvê-las, com o que se dá uma progressão do pensamento no
sentido de uma crescente abstração. Esse movimento, contudo,
requer um outro, em sentido inverso, de retorno ao problema con-
creto, que teve suas partes constituintes isoladas, para melhor serem
entendidas. Esse é o momento da síntese, que não aparece externa-
do quando se utiliza o método axiomático, mas que, na verdade, é
o que o justifica.
Aqui tocamos a questão de grande significado filosófico,
que Bourbaki prefere apenas mencionar, evitando-a: a do isomor-
fismo entre o mundo ideal da matemática e o mundo real dos fenô-
menos, que se revela tão clara como enigmaticamente na aplicação
da geometria riemanniana para o desenvolvimento da teoria da re-
latividade geral ou das equações schrödingerianas na mecânica
quântica. Para ilustrar o que se quer dizer, retornemos, porém, ao
velho e bom Newton, que, para resolver os problemas a que se
propôs e formular as leis da mecânica clássica, teve de criar um
aparato matemático adequado, o qual veio a ser o cálculo diferencial
e integral. É certo que as possibilidades de desenvolvimento da
matemática então abertas excederam muito a sua aplicação direta
e imediata na física newtoniana, mas esse desenvolvimento sempre
resulta no enriquecimento de um thesaurus de formas abstratas,

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Teoria da Ciencia Juridica - 001194 194 4/2/2009 13:31:56


combinadas de modo rigorosamente predeterminado em estruturas,
que servem como instrumento de intervenção mais efetiva do pen-
samento na realidade, por tornar mais econômica — e, logo, mais
ampla — a sua expressão.
Matemática e dialética assemelham-se não só por opera-
rem com análise e síntese do “universal simples”342, sendo que na-
quela ressalta o primeiro desses procedimentos, enquanto a última
enfatiza o segundo. Outro forte elo de ligação é o impacto, que se
registra em ambas, da idéia de infinito. Pelo depoimento que se tem
de vários matemáticos, desde a Antiguidade Clássica, com os famo-
sos parodoxos de Zenão de Eléia ou com a descoberta dos números
irracionais pela Escola Pitagórica, passando por trabalhos dos mais
significativos para a matemática moderna, como Paradoxien des
Unendlichen, de Bolzano (1851), ou Über das Unendliches, de Hil-
bert (1925), pode-se dizer, com outro grande matemático contem-
porâneo, Hermann Weyl, que a matemática é “a ciência do infinito”343,
assim como a dialética, para Hegel, conduz, para além do “saber
finito”, analítico e abstrato, ao “saber (do) absoluto”, que é também
sintético e concreto344.

342. As expressões não seriam equivalentes, pelo menos na Antiguidade, pois


o fundador do modo geométrico de pensar, i. e., da geometria, Euclides, não funda-
menta seu sistema em “axiomas” (axiómata), mas sim em “postulados” (eitémata),
quando a distinção entre ambos já fora estabelecida por Aristóteles (em Analyt. Post.
I 19, 76b/31), sendo os primeiros referidos como princípios últimos que carecem de
demonstração por fornecerem o fundamento da prova em matemática. Já os postu-
lados seriam assertivas que para uso docente dispensavam a prova, pois poderiam
ser empregados em sala de aula sem necessidade de serem provados. No uso hoje
generalizado, porém, um procedimento intelectual é dito “axiomático” quando se
fornece uma lista o mais completa possível das assertivas consideradas válidas,
apesar de não-demonstradas, de que se parte para chegar a conclusões por dedução.
Cf. F. O. Sauer, Mathematisches Denken auf dem Wege zur Philosophie, München,
1965, p. 71, nota 62, e 155.
343. Apud E. Brieskorn, Über die Dialektik in der Mathematik, in Mathemati-
ker über die Mathematik, M. Otte, (ed.), cit., p. 267.
344. Cf. Gw. Jarczyk, A lógica de Hegel, princípio do sistema, in Dialética e
liberdade (Festschrift Cirne-Lima), Ernildo Stein e Luís A. de Boni, (orgs.), Porto
Alegre-Petrópolis, 1993, p. 180 e s.

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Teoria da Ciencia Juridica - 001195 195 4/2/2009 13:31:56


Retomando o exemplo do cálculo diferencial e integral,
agora para exemplificar a dialética do finito e infinito na matemática,
pode-se dizer que diferenciar uma função é sua decomposição infi-
nitesimal, uma análise até o “infinitamente pequeno”, enquanto inte-
grá-la é dar o passo no sentido inverso, da síntese, recompondo-a no
finito, pela fixação de seu limite.
A exploração matemática do infinito fornece igualmente
um excelente exemplo para o que se disse mais acima sobre como o
aprofundamento dessa exploração, por motivos teóricos e práticos,
leva a que se encontrem pontos de interseção entre diversos campos
da matemática e, a um só tempo, à descoberta de novos campos e de
uma problemática também nova. Trata-se da questão topológica de
como estabelecer uma fórmula algébrica que corresponda à descrição
do trajeto de uma reta num plano contínuo irregular, o que requer o
emprego da teoria dos números transfinitos e da hipótese do contínuo,
tal como formuladas por Cantor345. Dessa teoria deriva a teoria dos
conjuntos, um novo campo da matemática, que veio a revelar-se
isomórfico àquele outro, da lógica matemática, desenvolvido por
Boole, Frege, Russell etc.
A teoria dos conjuntos representou um impulso no sentido
de obter uma fundamentação lógica da teoria das funções e, especial-
mente, do cálculo infinitesimal, além de unificar uma série de esfor-
ços voltados para o desenvolvimento de uma descrição rigorosa do
contínuo346. Somando-se o desenvolvimento contemporâneo do cál-
culo lógico, i. e., da logística — que depois se reconheceu como seu
equivalente em um outro domínio de discurso —, tem-se como re-
sultado uma tendência à algebraização e, logo, com Hilbert, a crença
inabalável na possibilidade de uma axiomatização oniabrangente,
capaz de unificar a matemática.

345. A questão foi apresentada em palestra de Newton da Costa em dezembro


de 1990, no Mestrado em Lógica da Universidade Federal da Paraíba. A hipótese
referida postula que a potência do contínuo, i. e., o conjunto dos números reais, é
igual aos primeiros números cardiais transfinitos incontáveis, enquanto o primeiro
número transfinito, denominado com a primeira letra do alfabeto hebraico, aleph, é
igual ao último número da série infinita de números inteiros.
346. Cf. Sauer, ob. cit., p. 73.

196

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A idéia de “conjunto” (Menge) — termo que na verdade
não é utilizado por Cantor, que emprega vários outros, como “classes”
(Klassen), “compósito” (Inbegriff) e “sistema” — ocorre, na verdade,
espontaneamente, a toda criança, ainda mesmo antes de ir para a
escola, como mostram estudos bem conhecidos de Piaget. E, já nos
primeiros anos de escola, pelo método da “matemática moderna”,
transmitem-se aos alunos rudimentos da teoria dos conjuntos. Aí,
porém, trata-se de conjuntos de objetos concretos e conjuntos finitos.
Esse fato, segundo Brieskorn347, teria sido de uma influência maior
do que se costuma perceber, na formulação de Cantor, cuja preocu-
pação com a relação entre sua teoria e a realidade, bem como a in-
serção dessa teoria e de sua concepção do infinito num quadro filo-
sófico mais amplo, tem um significado que autores como Bourbaki
não reconhecem devidamente. De qualquer forma, a idéia de conjun-
to concebida por Cantor é aquela de conjuntos infinitos, e isso em
um grau de abstração sem par na matemática de então, já que con-
juntos são por ele entendidos como uma unidade com pluralidade de
elementos, sejam eles o que forem. Assim, apesar de extremamente
abstrata, a teoria dos conjuntos tem um referente bastante concreto,
como demonstra o fato de nela encontrarem aplicação os postulados
da aritmética, que, em sua versão transfinita, renovou as esperanças
de se obter um fundamento comum e seguro para a matemática.
Essa via, tomada pela matemática, através da teoria dos
conjuntos, de, por abstração, encontrar na concretude de cada coisa
a universalidade de todas as coisas, a unidade (do conjunto) na plu-
ralidade (dos elementos), é precisamente a mesma via para a qual
aponta a dialética.
Na virada do século, porém, a teoria dos conjuntos come-
ça a apresentar resultados paradoxais; esbarra em antinomias, em
contradições, apesar de se observar um procedimento lógica e mate-
maticamente correto. Apenas para dar um exemplo, bastante conhe-
cido, pode-se mencionar o paradoxo que representa a questão de como
conceber o conjunto de todos os conjuntos sem ser um elemento de

347. Ob. cit., p. 271.

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si mesmo, paradoxo semelhante àquele que levou B. Russell a criar
sua “teoria dos tipos”, na lógica matemática. Também o questio-
namento por Frege do conceito de “número”348 estremeceu os funda-
mentos da aritmética e, logo, da matemática como um todo, que nela
voltava a buscar apoio, com trabalhos como os de Hilbert, que reage
proclamando que “do paraíso que Cantor criou para nós ninguém vai
poder nos expulsar”. É quando a matemática torna-se decididamente
reflexiva — como, aliás, a filosofia, que é crítica e dialética, enquan-
to episteme epistemes (Platão, Charmides) —, i. e., metamatemática,
ao introduzir em seu objeto de estudo o próprio procedimento de
prova matemática349. Mesmo assim, um gênio de nossa época, Kurt
Gödel, expulsou-nos também daquele “paraíso” com dois teoremas
matematicamente hipercomplexos, mas que podem ser resumidos da
seguinte forma350:

348. Em Grundlagen der Arithmetik, de 1884, Frege se propõe a fundamentar


a aritmética em termos lógicos o mais primitivos possível, o que o leva a adotar uma
postura puramente analítica — no que muitos vêem o ato inaugural da filosofia
analítica contemporânea — e esbarrar na necessidade de definir primeiro o que é um
número (cardeal) e, só depois, a sua sucessão. No § 74 da referida obra, propõe que
se defina o “zero” como “o que não é idêntico a si mesmo”, pois de nada (i. e., zero)
pode-se dizer que não é idêntico a si mesmo. Adianta, porém, que poderia ter esco-
lhido qualquer outro conceito, que não se aplica a nenhuma coisa — e, logo, aplica-
se ao que não é, ao nada, zero. Contudo, a construção paradoxal “o que não é igual
a si mesmo”, um objeto impossível — mas ainda assim um objeto, matemático — pa-
receu-lhe a mais favorável para definir o primeiro número, para, a partir dele, definir
o segundo, o “um”, como o que não é zero, mas seu sucessor imediato; e toda a
seqüência dos números naturais se obtém repetindo essa operação, onde cada núme-
ro contém seus antecessores mais um: o zero. Então, tem-se que se na ordem do real
estamos diante de três objetos, ao contê-los, no domínio da matemática, empregamos
quatro números, pois aí sempre há, adicionalmente, o zero, que conta como um
número, o primeiro...
349. Sauer, ob. cit., p. 109 e s., refere o matemático suíço A. Speiser como um
dos primeiros a reconhecer essa reflexividade ou In-sich-Reflektiertheit da matemá-
tica contemporânea, tendo ele, não por acaso, se ocupado extensamente com a lógi-
ca de Hegel, em sua obra Elemente der Philosophie und der Mathematik. Eine An-
leitung zum inhaltlichen Denken (1952).
350. De acordo com Hilbert, em seu ensaio Logische Grundlagen der Mathe-
matik, de 1922, dever-se-ia, então, “zu der eigentlichen, formalisierten Mathematik

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Primeiro teorema: com todo cálculo axiomático livre de
contradições pode-se chegar a expressões ou fórmulas indecidíveis
(unentscheidbare) pelo cálculo, apesar de verdadeiras em seu conte-
údo e passíveis de serem comprovadas por artifícios que não estão
codificados no cálculo, isto é, que se colocam fora do sistema. De-
nominando essas fórmulas de A, então tem-se que, pelo cálculo,
tanto A como não-A são indedutíveis.
Segundo teorema: por meio de um formalismo axiomático
do tipo acima mencionado, livre de contradições, não se pode de-
monstrar, com seus próprios meios, essa falta de contradição do
sistema axiomático, isto é, para realizar uma prova da falta de con-
tradição (Widerspruchsfreiheitsbeweis) há que se empregar meios
validados fora do sistema.
Dessas “assertivas da incompletude” (Unvollständigkeits-
sätze) de Gödel resulta uma mudança radical na concepção até então
estabelecida sobre a natureza da matemática, pois, mesmo que se
possam obter provas da falta de contradição de dado sistema axiomá-
tico, essa falta de contradição não pode ser provada para a matemá-
tica como um todo.
Nesse ponto, chega o momento de apresentar outra tenta-
tiva de (re)construção de estruturas fundamentais em lógica e mate-

eine gewissermaßen neue Mathematik kommen, eine Metamathematik, die zur siche-
rung jener notwendig ist, in der — im Gegensatz zu den rein formalen Schlußweisen
der eigentlichen Mathematik — das inhaltliche Schließen zur Anwendung kommt,
aber lediglich zum Nachweis der Widerspruchsfreiheit der Axiome. In dieser Meta-
mathematik wird mit den Beweisen der eigentlichen Mathematik operiert, und diese
letzteren bilden selbst den Gegenstand der inhaltlichen Untersuchung. Auf diese
Weise vollzieht sich die Entwicklung der mathematischen Gesamtwissenschaft in
beständigem Wechsel auf zweierlei Art: durch Gewinnung neuer beweisbarer Formeln
aus den Axiomen mittels formalen Schließens und andererseits durch Hinzufügung
neuer Axiome nebst dem Nachweis der Widerspruchsfreiheit mittels inhaltlichen
Schließens. Die Axiome und beweisbaren Sätze, d.h. die Formeln, die in diesem
Wechselspiel entstehen, sind die Abbilder der Gedanken, die das übliche Verfahren
der bisherigen Mathematik ausmachen, aber sie sind nicht selbst die Wahrheiten im
absoluten Sinne. Als die absoluten Wahrheiten sind vielmehr die Einsichten anzuneh-
men, die durch die Beweistheorie hinsichtlich der Beweisbarkeit und der Widerspru-
chsfreiheit jener Formalsysteme geliefert werden” (apud Sauer, ib., p. 96).

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mática, que será de fundamental importância para o desenvolvimen-
to epistemológico da teoria de sistemas autopoiéticos — aquela de-
vida a George Spencer-Brown351.
Spencer-Brown, no prefácio à primeira edição americana
de sua obra Laws of Form (1979), fornece um exemplo bastante cla-
ro do procedimento que adota para realizá-la. Propõe que se consi-
dere a seguinte fórmula: x2 + 1 = 0. Daí resulta x2 = –1, e, dividindo-
se ambos os lados por x, tem-se x = –1/x.
O autor aponta, então, para o caráter auto-referencial
desse procedimento, semelhante àqueles que em lógica levaram à
introdução — desnecesária, segundo ele — da teoria dos tipos, por
Russell, que distingue níveis de discurso para que uma assertiva
possa referir-se a ela própria sem contradição. E isso porque “the
root-value of x that we seek must be put back into the expression from
which we seek it” (1979:XV). Em seguida, assevera que facilmente
se constata a necessidade de x assumir a forma de uma unidade para
que a equação se equilibre numericamente. Partindo do pressuposto
de que x pode ser um número positivo, negativo ou zero, e que um
número diferente de zero só pode ser positivo ou negativo, têm-se,
como opção para o valor de x, +1 e –1. Sendo x = +1, então +1 = –1/+1 =
–1, o que é paradoxal. Sendo x = –1, logo –1 = –1/–1 = +1, o que é
igualmente paradoxal.
Para escapar de uma tal situação paradoxal introduz-se
uma quarta classe de números, chamados imaginários, de forma que
a potência buscada na equação é ±i, onde i é um novo tipo de unida-
de, igual à raiz quadrada de menos um (i = √ –1).
Aplicando essa concepção a álgebras booleanas, Spencer-
Brown propõe que um argumento válido pode assumir não só três
estatutos, i. e., verdadeiro, falso e sem sentido, mas também um
quarto, a saber, imaginário. As consequências de se aceitar essa in-
trodução de valores booleanos imaginários, segundo o autor, são de
grande impacto na lógica, filosofia, matemática e, mesmo, na física,
pois lança nova luz sobre nossos conceitos de matéria e tempo, pre-

351. G. Spencer-Brown, Laws of form, London, 2. imp., 1971 (New York, 1979
— 1. ed., 1969).

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parando-nos para conceber um universo que tende para o caos (v. 2ª
lei da termodinâmica). Com a introdução desses novos valores também
são superadas as limitações de um cálculo gödeliano, ao permitir que
se empregue produtiva e construtivamente a auto-referencialidade,
principal fonte dessas limitações352.
A “aceitação” das contradições e antinomias produzidas
por um discurso auto-referencial, que decorre de trabalhos como esse
de Spencer-Brown, irá fertilizar, na verdade, muito mais campos do
conhecimento humano do que suspeitava o próprio autor — e até as
artes plásticas, como mostra a obra gráfica de M. C. Escher, com suas
estruturas auto-referentes. Isso porque virá ao encontro do desenvol-
vimento contemporâneo de disciplinas ditas “transclássicas”, por já
não serem mais um campo especializado de estudo, mas sim uma
perspectiva a partir da qual se poderiam estudar os mais diversos
fenômenos — donde o seu “holismo”, em contraposição (ou melhor,
talvez, em complementação) ao reducionismo da ciência moderna.
Refiro-me a “disciplinas” como a cibernética (N. Wiener), a teoria
geral de sistemas (L. von Bertalanffy), a semiótica, as teorias gerais
da informação e comunicação etc. Assim, H. von Foerster vai propor
a “cibernética de segunda ordem” para descrever sistemas cibernéti-
cos, dotados de inteligência artificial, que se auto-regulam; G. Bate-
son e P. Watzlawick vão empregar no estudo da comunicação huma-
na e da psicologia essa descoberta do significado da capacidade
inerente a todo discurso para produzir paradoxos através do emprego
da auto-referência; e, last but not the least, o desenvolvimento, sob
a influência direta desses trabalhos apenas mencionados, da concep-
ção de autopoiese, na biologia, pelos chilenos H. Maturana e F. Va-
rela, de autopoiesis, para designar o processo pelo qual o que é vivo
se (auto)reproduz, idéia estendida aos mais diversos campos das ci-
ências formais, naturais e, principalmente graças a N. Luhmann,
sociais, donde já se vê aí a emergência de um novo paradigma353.

352. Cf. Francisco J. Varela, A calculus for self-reference, International Journal


of General Systems, n. 2, London, 1975, p. 21.
353. Cf., v. g., C. Garcia (org.), Autopoiese — um novo paradigma em ciências
humanas, físicas e biológicas, Belo Horizonte, 1987.

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É certo que esse ensaio não comporta uma exposição
exaustiva da obra de Spencer-Brown, mas indicar alguns de seus
traços fundamentais se faz necessário para dar seguimento — e
concluir — à presente argumentação. Essa obra, aliás, conta dentre
seus méritos, como ressalta o próprio autor na sua introdução, a
preocupação em “começar do zero”, numa exposição que pode ser
acompanhada por quem não tem conhecimentos especializados em
matemática, ao realizar uma “gradual building up of mathematical
notions and common forms of procedure without any apparent
break from common sense”354. E isso porque nosso autor, em con-
sonância com o que se defendeu acima, entende que o formalismo
da matemática é apenas um de seus aspectos, pois, em última ins-
tância, o que se pretende alcançar desenvolvendo essa forma, capaz
de tanto expressar com tanta concisão, “is to provide a more gene-
ral form in which the ordinary language of experience is seen to
rest”355. A matemática busca, então, continuamente, transcender
uma forma dada de visualização, para atingir outra, inaparente, o
que implica uma expansão de consciência, tornando-a, nesse senti-
do, “psicodélica”356.
Da mesma forma, o objeto da lógica, por mais que esta
se revista de simbolismo, não será equiparável ao da matemática se
não transcender o domínio do puramente lógico, conectando-se com
outros da “realidade”, o que ocorre quando através dela “we are
able to perceive its ground as a part of a more general form, in a
process” (ib.:XX). Ora, é precisamente isso que Hegel almejava
com sua lógica dialética, em que essa “more general form” é cha-
mada “idéia absoluta”.
Assim, tanto a matemática como a lógica se apresentam
como “a treatment of the form in which our way of talking about our
ordinary living experience can be seen to be cradled”357. O objetivo
de sua obra, então, é expressar as leis dessa forma.

354. Cf. ob. cit., 1971, p. XII.


355. Ib., p. XIX.
356. Id. ib., p. 85.
357. Id. ib.

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Teoria da Ciencia Juridica - 001202 202 4/2/2009 13:31:56


Seu ponto de partida, o que se assume como dado, é que
fazemos distinções. Uma distinção é uma bipartição no mundo: “isso”
e “aquilo”, “nós” e “eles”, “eu” e “o(s) outro(s)”, “sistema” e “am-
biente”. As distinções que fazemos dependem do objetivo que temos
em mente, do que desejamos com elas, o que já se manifesta em um
segundo momento, quando fazemos uma indicação, marcando um
dos dois aspectos que se distinguiu como sendo primordial — o sis-
tema, sendo o resto ambiente358. A forma como se faz a indicação, tal
como ela aí se revela, é o que se toma como a forma a ser estudada359.
Para tanto, é necessário que se faça uma distinção, donde no princípio
estar um comando: “faça uma distinção” (“draw a distinction” — ib.:3),
o qual também pode ser expresso em formas deônticas mais fracas
que a do comando, tais como “let there be a distinction, find a distinc-
tion, see a distinction, describe a distinction, define a distinction” ou
“let a distinction be drawn”, pois “we have here reached a place so
primitive that active and passive, as well as a number of other more
peripheral opposites, have long since condensed together, and almost
any form of words will suggest more categories than there really are”360.
Esse comando primitivo, contudo, encontra-se oculto na matemática
e na lógica, embora seja dele que advenha seu impulso criador, pois
se trata de um “command to construct” 361. O que se usa na própria
construção, i. e., no cálculo, são cânones, estruturas deônticas mais
fracas que, por exemplo, os dogmas, do tipo “considerando ou supon-
do isso pode-se concluir aquilo”, equivalentes a convites para acom-
panhar a cadeia de implicações que se está deduzindo362.

358. Cf. Goguen e Varela, Systems and distinctions: duality and complementa-
rity, International Journal of General Systems, n. 5, 1979, p. 32.
359. Cf. Spencer-Brown, ob. cit., p. 1. “The conception of the form lies in the
desire do distinguish. Granted this desire, we cannot escape the form, although we
can see it any way we please. The calculus of indications is a way of regarding the
form. We can see the calculus by the form and the form in the calculus unaided
and unhindered by the interventions of laws, initials, theorems, or consequences”
(ib.: 69).
360. Ib., p. 84.
361. Cf. id. ib., p. 3, 80.
362. Cf. id. ib., p. 80-81.

203

Teoria da Ciencia Juridica - 001203 203 4/2/2009 13:31:56


Fazer uma distinção é traçar uma marca para indicar o
que está de um lado e do outro de um certo limite (boundary). O
estado das coisas, depois de feita uma marca, é um outro estado, pois
dele (e nele) já se conhece algo, graças à distinção que se fez. A
primeira distinção é também a primeira marca e revela-se como
sendo o próprio sujeito que a fez, enquanto se autopercebe como
distinto do e no mundo. A forma dessa primeira distinção é o que se
considera a forma363. Para prosseguir distinguindo (e conhecendo),
há momentos que se tem de fazer a re-entrada na forma (re-entry
into the form), (re)introduzindo a distinção na distinção, fazendo
uma segunda marca, obtendo, assim, um outro estado de (conheci-
mento das) coisas. Foi o que ocorreu no exemplo dado acima, quan-
do, a partir da antinomia gerada por x2= –1, para resolvê-la, se re-
introduziu no domínio em que se trabalhava, o dos números reais,
uma nova unidade, um número imaginário, i. e., i, a raiz quadrada
de –1, o que expandiu o domínio aritmético em que se operava para
aquele dos números complexos.
Uma re-entering expression, como explica F. Varela364,
pode, em si, ser substituída um número indefinido de vezes, geran-
do uma expressão infinita, apta a fazer as “excursões pelo infinito”
requeridas pela matemática e pelas ciências em geral, quando li-
damos com descrições de descrições de descrições...365. Essa ex-
pressão infinita, em que descrevemos o que observamos, é também
uma descrição do observador, pois seu móvel é a auto-referência,
i. e., a reflexão, a reduplicação de si mesmo. Aqui, pode-se dizer,
com Cirne-Lima366, que se está diante de “um processo autocons-
titutivo e auto-sustentado, no qual se fundamentam toda a lógica e

363. Cf. ib., p. 4, 76.


364. Ob. cit., p. 20.
365. “Thus the world, when ever it appears as a physical universe, must always
seem to us, its representatives, to be playing a kind of hide-and-seek with itself. What
is revealed will be concealed, but what is concealed, will again be revealed. And
since we ourselves represent it, this occultation will be apparent in our life in gene-
ral, and in our mathematics in particular” (Spencer-Brown, ob. cit., p. 106).
366. Carlos R. V. Cirne-Lima, Sobre a contradição, Porto Alegre, 1993, p. 45.

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Teoria da Ciencia Juridica - 001204 204 4/2/2009 13:31:56


a teoria da linguagem”367, e, logo, o próprio conhecimento, filosó-
fico ou não.
Para nos darmos conta disso, porém, temos que nos con-
frontar — e não evitá-la, por paradoxal e antinômica — com a
contradição que representa a auto-referência. Foi precisamente isso
o que fez Spencer-Brown quando se recusou a aceitar o caminho
proposto em teorias como aquela dos tipos, de Russell — e, diga-se
de passagem, com a aquiescência do próprio Russell368, que já en-
contrara sérias objeções por parte de Wittgenstein, quando seu
aluno —, em que se afasta o paradoxo da auto-referência por um
expediente ad hoc. Como propõe Varela369, se dermos vazão livre-
mente à capacidade inerente a todo discurso de se referir a si mes-
mo, se buscarmos a circularidade da auto-referência e do paradoxo,
em vez de temermos o dano que causam à linearidade do pensa-
mento axiomático, então nos daremos conta de que aí não há ne-
nhuma anomalia, mas sim um sinal da autonomia de um novo do-
mínio do discurso, que se nos revela.
Ao formular um paradoxo, radicalizam-se absurdamente
distinções que fazemos, o que remete à distinção básica que nos
permite iniciar o processo de conhecimento: aquela entre sujeito
cognoscente e objeto cognoscitivo370. Então, o absurdo do paradoxo,
da antinomia, leva-nos a conceber um novo domínio, mais amplo, em
que os opostos podem re-encontrar sua unidade. Assim fizeram, no
início da filosofia, Eubúlides e demais representantes da Escola Me-
gárica com seus jogos mentais, os Eleatas, com seus paradoxos,

367. Pelo que se expôs até agora, penso ser possível ver na “reduplicação”,
como sugere Cirne-Lima (ib., p. 64), senão o único, pelo menos um dos elos entre
dialética e analítica.
368. Cf. Spencer-Brown, ob. cit., 1979, p. XIII-XIV.
369. Cf. A calculus for self-reference, International Journal of General Systems,
cit., p. 5, 21 e s.
370. “(...) o sujeito se refere aparentemente a um outro — seu objeto de conhe-
cimento. Em realidade, o sujeito em seu outro se refere sim, mais uma vez, a estru-
turas que ele mesmo atribuiu a este. Neste sentido ele refere-se a si mesmo” (Kes-
selring, Reconstrução racional da dialética no sentido de Hegel, in Dialética e li-
berdade, cit., p. 578).

205

Teoria da Ciencia Juridica - 001205 205 4/2/2009 13:31:57


Sócrates, com seu questionamento irônico; assim fazem, em outro
ambiente cultural, os monges zen-budistas, com os koan que propõem
aos seus discípulos; assim fizeram Nietzsche, com seus aforismos
morais “inversores”, Wittgenstein, com os jogos de linguagem de
suas “investigações filosóficas”, marcos da filosofia contemporânea;
e assim fez Hegel, com seu método dialético, baseado na estrutura
auto-referencial da “negação da negação”.
Como lembra Kesselring371, negação é distinção, logo,
separação, análise, do que originariamente aparece como junto, e
“[U]ma forma do distinguir ou separar é o interromper da auto-re-
ferência. Negar significa por conseguinte também não se referir a si
ou referir-se a um outro, ter em vista algo de outro que não a si mes-
mo, e também abstrair de sua própria atividade” (grifos como no
original). A “negação da negação”, portanto, vai recuperar a unidade
perdida, apontando para a auto-referência pressuposta no discurso de
negação da contradição, axiomático, analítico, ao mesmo tempo em
que nos projeta em um outro nível cognitivo, em que se apresenta a
verdade do uni-versum, na unidade dos opostos.
A teoria de Spencer-Brown, aqui esboçada, aponta para
um princípio normativo sobre o qual repousa a matemática372. Tam-
bém os estudos filosóficos de Carlos R. V. Cirne-Lima sobre a con-
tradição apontam para o caráter deôntico desse princípio fundamen-
tal de toda lógica, tanto formal como dialética373. Segundo Manfre-
do Araújo de Oliveira374, o idealismo objetivo, defendido por ele,
Cirne-Lima e Vittorio Hösle, propõe “que nem o ser fundamenta o

371. Th. Kesselring, loc. cit., p. 576.


372. “In all mathematics it becomes apparent, at some stage, that we have for
some time been following a rule without being consciously aware of the fact” (Spen-
cer-Brown, ob. cit., p. 85). “Seguir uma regra” é o que fazemos em nossa atividade
simbólica, no uso da linguagem, segundo Wittgenstein, nas Investigações filosóficas
(cf., v. g., §§ 199 e s., e W. S. Guerra Filho, Conceitos de filosofia, cit., p. 102 e s.).
373. Para Deleuze e Guattari, em Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia, trad.
Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão, Rio de Janeiro, 1995, v. 2, p. 11 e s.,
a unidade mais elementar da linguagem, o enunciado primordial, é uma ordem, re-
dundante sui-referente.
374. Manfredo A. de Oliveira, Sobre a fundamentação, Porto Alegre, 1993, p. 104.

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Teoria da Ciencia Juridica - 001206 206 4/2/2009 13:31:57


dever-ser, nem ser e dever-ser são esferas totalmente irredutíveis,
mas que o ser provém do dever-ser, ou melhor, que o dever-ser (pró-
prio do espírito finito) e o ser são ambos principiados de uma esfera
ideal, normativa”.
Ora, estruturas normativas são sempre resultado de uma
convenção, surgida na interação discursiva entre as pessoas, não se
podendo pretender chegar a afirmar, por meio delas, algo definitivo
sobre a natureza das coisas a que elas se referem, e sim, no máximo,
sobre a natureza dessas estruturas mesmas. Então, o melhor é nos
darmos conta de que em todo discurso operamos com distinções, as
quais se podem definir como “perfeita continência”375. Saibamos
conter-nos nos limites da compreensão possível.
Sendo o discurso, seja ele proveniente do senso comum,
da arte, da religião, da filosofia ou da ciência, uma “tela” (framework)
que construímos para captar a realidade, e, uma vez que essa cons-
trução repousa numa estrutura normativo-dogmática, pode-se transpor
o que disse o antropólogo hermeneuta Clifford Geertz sobre aquela
ordem normativa por excelência, em nossa sociedade, que é o Direi-
to, para caracterizar a matemática, a lógica e a filosofia, analítica ou
dialética, como diferentes formas de propor um mundo em que suas
descrições — e distinções — fazem sentido, e, logo, como formas
diversas de “imaginar o real”376. Nem mais nem menos que isso.

6.2. O conceito de “autopoiese” foi introduzido pelos bió-


logos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela (em De ma-
quinas y seres vivos, 1973) para caracterizar os seres vivos, enquan-
to sistemas que produzem a si próprios (to autón poiéin). A extensão
do conceito à teoria sociológica deve-se a Niklas Luhmann.
A teoria sistêmica, como se vê, é dotada de uma univer-
salidade que a torna extremamente atraente em uma época como a
nossa, em que se busca reencontrar o “fio da meada”, perdido com a

375. Spencer-Brown, ob. cit., p. 1.


376. Cf. Clifford Geertz, Local knowledge: fact and law in comparative pers-
pective, in Local knowledge. Further essays in interpretative anthropology, New
York, 1983, p. 173.

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Teoria da Ciencia Juridica - 001207 207 4/2/2009 13:31:57


alta especialidade do conhecimento nos tempos modernos. A essa
universalidade se associa uma outra característica sua, que ao mesmo
tempo é um dos conceitos básicos por ela empregados: a reflexivida-
de. Por pretender uma universalidade, de tudo poder explicar, a teoria
de sistemas há de, por si mesma, explicar a si própria. Isso lhe con-
fere uma terceira característica, que é também atribuída aos sistemas
por ela estudados: a auto-referência.
A teoria de sistemas deve, então, poder tudo explicar
(“universalidade”), inclusive o próprio teorizar (“reflexividade”), o
que faz explicando tudo como sendo sistema (“auto-referência”) + o
que não é esse sistema: o meio circundante ou ambiente (Umwelt).
A “diferenciação sistêmica” entre “sistema” e “ambiente” é o artifício
básico empregado pela teoria, diferenciação essa que é trazida “para
dentro” do próprio sistema, de modo que o sistema total, a sociedade,
aparece como “ambiente” dos próprios sistemas parciais, que dele (e
entre si) se diferenciam por reunirem certos elementos, ligados por
relações, formando uma unidade. Uma “unidade”, além de diferen-
ciada no “ambiente”, também pode aparecer como “meio” para outras
“unidades”, permitindo, assim, que por ela se aplique, recorrente-
mente, um número mais ou menos grande de vezes, a diferença sis-
tema/ambiente, sem com isso perder sua organização. A “organiza-
ção” é o que qualifica um sistema como uma “unidade”, com carac-
terísticas próprias, decorrentes das “relações” entre seus “elementos”,
mas que não são características desses elementos. A unidade de ele-
mentos de um sistema é mantida enquanto se mantém sua organiza-
ção, o que não significa que não variem os elementos componentes
do sistema e as relações entre eles. Essas mudanças, porém, se dão
na estrutura do sistema, que é formada por elementos componentes
do sistema relacionados entre si. Os elementos da estrutura podem
sempre ser outros; o sistema se mantém enquanto permanecer inva-
riante a organização. Note-se que para a organização o que importa
é o tipo peculiar de relação (recorrente) entre os elementos, enquan-
to para a estrutura o que conta é que há elementos em interação,
elementos esses que podem ser fornecidos pelo meio ao sistema, sem
que por isso a ele não se possa atribuir o atendimento de duas condi-
ções gerais para que se tenham “sistemas autopoiéticos”: a autonomia
e a clausura do sistema.

208

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Sistema autopoiético é aquele dotado de organização au-
topoiética, em que há a (re)produção dos elementos de que se compõe
o sistema e que geram sua organização pela relação reiterativa (“re-
cursiva”) entre eles. Esse sistema é autônomo porque o que nele se
passa não é determinado por nenhum componente do ambiente mas
sim por sua própria organização, isto é, pelo relacionamento entre
seus elementos. Essa autonomia do sistema tem por condição sua
clausura, quer dizer, a circunstância de o sistema ser “fechado”, do
ponto de vista de sua organização, não havendo “entradas” (inputs)
e “saídas” (outputs) para o ambiente, pois os elementos interagem no
e através dele, que é “como o agente que conecta as extremidades do
sistema (como se fosse uma gigantesca sinapse) e o mantém fechado,
autopoiético”377.
Maturana, com sua abordagem sistêmica para pesquisas
em Biologia, desenvolve conceitos que impedem a extensão dessa
abordagem a estudos sociológicos sem que se proceda a certos ajus-
tes. Para ele, por exemplo, só se poderia falar em sistema social sob
circunstâncias análogas àquelas em que se têm sistemas vivos, os
quais se relacionam por meio de acoplamentos estruturais, o que se
dá através de interações seqüenciais mútuas entre sistemas, operando
em um “domínio consensual”, ou seja, em um ambiente redundante,
fechado, onde (por isso mesmo) há condutas comunicativas, que são
condutas pertencentes a esse domínio — uma conduta desviante,
diferente, não-recursiva, muda a interação para outro domínio. Como
resultado, tem-se que “uma interação criativa é sempre uma interação
não-comunicativa”378.
Torna-se, assim, perfeitamente compreensível que para
Maturana só haja relacionamento social quando se dêem relações de

377. Nelson Vaz, Autopoiese: a criação do que vive, in Um novo paradigma em


ciências humanas, físicas e biológicas, Célio Garcia (org.), cit., p. 20. Em apoio à
elaboração conceitual desenvolvida até aqui, consultem-se, na mesma obra, o traba-
lho de Maturana e Luhmann, Soziale Systeme. Grundriß einer allgemeinen Theorie,
3. ed., Frankfurt a. M., 1987, p. 22.
378. Cf. Maturana, Funções de representação e comunicação, in Autopoiese.
Um novo paradigma em ciências humanas, físicas e biológicas, Célio Garcia (org.),
cit., p. 49.

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aceitação mútua, com respeito um pelo outro como legítimo outro
— isto é, como diferente — na convivência, onde negar o outro para
se afirmar é, na verdade, negar também a si mesmo, ou ao “si mesmo”
(self), por negar a diferença do que não é “si mesmo”, diferença que
o constitui e que é o “outro”. Em sendo assim, é perfeitamente coe-
rente que relações hierárquicas, enquanto fundadas na sobrevaloração
de um indivíduo, que manda, e conseqüente desvalorização do outro,
que obedece, não sejam tidas como relações sociais. Também só se
terá um sistema social, nessa perspectiva, quando nele haja uma
congruência espontânea na conduta dos indivíduos que o integram,
por resultar de sua convivência em um domínio consensual, de mútua
aceitação. Logo, “sistemas legales se constituyen como ‘mecanismos’
de coordinación conductual entre personas que no constituyen siste-
mas sociales”. As leis interferem para regular relações que não seriam
já relações sociais, impondo uma conduta que, em sendo assim, não
é uma conduta mais da pessoa, mas sim uma conduta que lhe é atri-
buída para ser aceita, por ela e pelos outros. “En el marco de las re-
laciones sociales no caben los sistemas legales, porque las relaciones
humanas se dan en la aceptación mutua...”379.
O que permitiria Luhmann teorizar sobre “sistemas so-
ciais”, conforme seu entendimento, seria uma mudança do “ângulo”,
a partir do qual se vê a relação entre o sistema e seus elementos, que
em Maturana é, digamos, “de baixo para cima”, e, para o primeiro,
“de cima para baixo”. Como Maturana desenvolve seu pensamento
com base na observação de sistemas vivos, que são autopoiéticos
porque cada elemento seu o é também, o sistema é formado a partir
de seus elementos, reunidos em unidades, e tem uma existência,
enquanto sistema vivo. Para Luhmann, a unidade entre elementos do
sistema não emerge “de baixo”, mas sim é constituída “de cima”,
para fins de explicação, e por isso esses elementos “são elementos
apenas para os sistemas, que os empregam como unidades, e eles o
são apenas através do sistema”, quer dizer, existem apenas enquanto
parte de um sistema, teoreticamente diferenciado do seu meio, e que

379. Maturana, Emociones y lenguaje en educación y política, 2. ed., Santiago,


p. 65.

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dessa forma produziria e reproduziria (= produção de produtos), re-
flexiva e auto-referencialmente, seus elementos, enquanto auto-
poiético380. Ao que parece, portanto, em Maturana a autopoiese dá-se
ao nível dos elementos, que se autoproduzem, enquanto em Luhmann,
ao nível do sistema, que autoproduziria seus elementos, a unidade
formada por eles e, logo, também a si mesmo.
O próprio Luhmann aponta para a diferença entre ele e
Maturana no emprego do conceito de autopoiese, dizendo que o bi-
ólogo trata de sistemas vivos, em cujo ambiente se encontram outros
sistemas vivos, inclusive aquele que é o observador, um sistema
consciente, responsável pelo estabelecimento da diferença entre
ambiente e sistema, e que existe num ambiente onde há outros siste-
mas conscientes. Sistemas vivos, então, teriam como elementos cé-
lulas e moléculas, que produzem outras células e moléculas, em um
ambiente onde há outros sistemas que fazem o mesmo, assim como
sistemas conscientes teriam como elementos significações e pensa-
mentos, que produziriam outras significações e pensamentos, em um
ambiente onde há outros sistemas que fazem o mesmo. Sistemas
sociais, por sua vez, teriam como elementos comunicações, que pro-
duzem outras comunicações, que, porém, não existem no ambiente,
mas sim apenas na sociedade, enquanto sistema comunicativo global,

380. Cf. Luhmann, ob. ult. cit., p. 43. Essa colocação remete à questão do esta-
tuto ontológico dos sistemas, estudados pela teoria dos sistemas sociais autopoiéti-
cos, a qual parte do pressuposto de que existe o seu objeto de estudo, i. e., os sistemas
sociais autopoiéticos. É o que estabelece a frase de abertura do primeito capítulo de
Soziale Systeme (cit., p. 30): “Die folgende überlegungen gehen davon aus, dass es
Systeme gibt”. E existem enquanto “sistemas reais do mundo real” (reale Systeme
der wirklichen Welt — ib.). Para uma discussão do estatuto epistemológico e onto-
lógico da abordagem luhmanniana em teoria sistêmica, cf. Armin Nassehi, Wie
wirklich sind Systeme? Zum ontologischen und epistemologischen Status von Luh-
manns Theorie selbstreferentieller Systeme, in Kritik der Theorie sozialer Systeme,
W. Krawietz e M. Welker (eds.), Frankfurt a. M., 1992, p. 43 e s., enquanto o seu
conceito de “mundo” é abordado em G. Thomas, Welt als relative Einheit oder als
Letzthorizont? Zur Azentrizität des Weltbegriffs, in Kritik der Theorie sozialer
Systeme, W. Krawietz e M. Welker (eds.), cit., p. 327. A reação de Luhmann encon-
tra-se em Stellungsnahme, in ib., p. 371.

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onde sistemas parciais, também ditos “sistemas funcionais”, aparecem
como ambiente uns para os outros.
Para a autopoiese dos sistemas sociais é fundamental a
presença de um mecanismo de auto-observação, próprio de sistemas
cognitivos, que traz para dentro do sistema a diferença sistema/am-
biente e, assim, garante que os elementos reproduzidos são os de um
determinado sistema, dentro do sistema global “sociedade”, e não de
um outro. A observação em sistemas sociais, portanto, é interna e
necessária para sua autopoiese381.
Gunther Teubner, um teórico do Direito discípulo de Luh-
mann, refere que na concepção deste último, para estudar a sociedade
como um sistema comunicativo autopoiético, há que se lançar mão
de um conceito de “autopoiese” em que esta não seria “um processo
‘cego’, como para Maturana, mas sim uma combinação de autopro-
dução e auto-observação”382.

6.3. O sistema jurídico aparece como um dos “sistemas


funcionais” do sistema social global, com a tarefa de reduzir a com-
plexidade do ambiente, absorvendo a contingência do comportamen-
to social, ao garantir certa congruência entre as expectativas de como
os indivíduos vão comportar-se e a generalização dessas expectativas,
pela imunização do perigo de decepcionarem-se. Daí ser o Direito
definido, na teoria sociológica luhmanniana, como “generalização
congruente de expectativas comportamentais”, generalização essa
que fornece “uma imunização simbólica de expectativas contra outras
possibilidades”383. O sistema jurídico, para Luhmann, integra o “sis-
tema imunológico” das sociedades, imunizando-as de conflitos entre
seus membros, surgidos já em outros sistemas sociais (político, eco-
nômico, familiar etc.). Isso, porém, é feito não pela negação dos

381. Cf. Soziale Systeme, cit., p. 60-4.


382. Cf. Teubner, Episodenverknupfung. Zur Steigerung von Selbstreferenz im
Recht, in Theorie als Passion — Festschrift Luhmann, Dirk Baecker et al. (eds.),
Frankfurt a. M., 1987, p. 423.
383. Luhmann, Rechtssoziologie, Reinbeck bei Hamburg, 1972, v. 1, p. 94 —
trad. bras. Sociologia do direito I, G. Bayer (trad.), Rio de Janeiro, 1983, p. 110.

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conflitos, isto é, contra os conflitos, e sim com os conflitos, assim
como os sistemas vivos se imunizam das doenças com seus germes.
Para tanto, a complexidade da realidade social, com sua extrema
contingência, é reduzida pela construção de uma “para-realidade”,
codificada a partir do esquematismo binário “Direito/não-Direito”
(ou “lícito/ilícito” — Recht/Unrecht), em que se prevêem os conflitos
que são conflitos para o Direito e se oferecem as soluções que são
conformes ao Direito384.
O Direito, então, desenvolve-se reagindo apenas aos seus
próprios impulsos, embora estimulado por “irritações” provindas do
ambiente social. “Mesmo as mais poderosas pressões só serão levadas
em conta e elaboradas juridicamente a partir da forma como aparecem
nas ‘telas’ internas, onde se projetam as construções jurídicas da re-
alidade (rechtlichen Wirklichkeitskonstruktionen). Nesse sentido, as
grandes evoluções sociais ‘modulam’ a evolução do Direito, que, não
obstante, segue uma lógica própria de desenvolvimento”385.
Nessa altura, vale chamar atenção para o paralelismo que
se verifica entre o Direito e a ciência, ambos voltados para o desen-
volvimento de segurança e estabilidade no sistema social global, ao
darem uma garantia de expectativas, realizando o que Luhmann
denomina “dupla seletividade”, por fornecerem a possibilidade de
uma seleção dentre as diversas seleções possíveis do modo como se
agir. Há, é claro, diferenças radicais entre expectativas normativas,

384. Cf. Luhmann, Soziale Systeme, cit., p. 507 e 509 e s.; Rechtssoziologie,
cit., v. 1, p. 40 e s., 104-5, passim, v. 2, p. 354 (refere o objeto da ciência do direito
como sendo não a realidade do Direito, mas sim uma “realidade simbólica”). Gerhard
Roth, em Die Entwicklung kognitiver Selbstreferentialität in menschlichen Gehirn,
in Theorie als Passion — Festschrift Luhmann, Dirk Baecker et al. (eds.), cit., p. 414
e s., mostra que essa construção de uma para-realidade, uma Wirklichkeit, de com-
plexidade reduzida, em cima da realidade propriamente dita, a Realität, é feita já
pelo próprio sistema nervoso, sendo o que permite ao homem realizar prognósticos
e tomar decisões complexas, “por ele não lidar mais com ‘dados brutos’, mas sim
com dados já elaborados...” (p. 415).
385. Teubner, Reflexives Recht: Entwicklungsmodelle des Rechts in verglei-
chender Perspektive, ARSP, n. 68, 1982, p. 21. V. também, do mesmo autor, Subs-
tantive and reflexive elements in modern law, Law & Society Review, v. 17, n. 2,
Denver, 1983, p. 249.

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garantidas pelo Direito, e expectativas cognitivas, garantidas pela
ciência, já que estas, ao se verem frustradas pela realidade, por esta-
rem preparadas para aprender com ela, devem procurar adaptar-se
aos fatos que as frustram, enquanto as primeiras, ao contrário, são
concebidas para se manterem “contrafaticamente”, isto é, mesmo
depois de frustradas.
Os dois modos básicos de expectativas aqui mencionados,
porém, não existem absolutamente separados um do outro, como na
Sociologia do direito Luhmann parecia colocá-los386. Em Sistemas
sociais (Soziale Systeme), o autor refere que a pesquisa sociológica
cada vez mais esclarece como as duas posturas, cognitiva e normati-
va, se interpenetram387. De fato, não se pode deixar de reconhecer na
ciência, com sua função tipicamente cognitiva, uma estrutura norma-
tiva, responsável pela manutenção, por certo tempo, de conhecimen-
tos adquiridos, que não mais se coadunam com resultados de pesqui-
sas mais acuradas. Nesse caso, normalmente, não se passa simples-
mente a sustentar uma tese oposta à que se mostrou falsa, pois essa
nova tese, muito provavelmente, também se revelará falsa. O que se
dá, em geral, é uma mudança da própria estrutura que a mantinha,
possibilitando oferecer uma solução, ao mesmo tempo em que apon-
ta para uma série de novos problemas.
Também o Direito não seria absolutamente imutável, já
que para realizar sua função social adequadamente tem que, ao mes-
mo tempo, preservar a integridade do sistema social, evitando mu-
danças excessivas e viabilizar as transformações necessárias para
evitar sua estagnação — e, conseqüentemente, seu fim. É por isso
que para cumprir sua função normativa dispõe de uma estrutura cog-
nitiva, a qual o permite dar conta, por exemplo, do constante descum-
primento de suas normas, ao que poderá reagir não só insistindo em
sua aplicação, mas também revogando-a e/ou editando outra, ou
mesmo todo um conjunto de outras (exemplo recente no País: o Có-
digo de Defesa do Consumidor), solucionando problemas e, ao

386. Cf. Rechtssoziologie, loc. ult. cit., v. 1, trad. bras., p. 53 e s., 126 e s.
387. Cf. p. 436 e s., texto e nota 119.

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mesmo tempo, criando vários outros, potenciais, pelo simples aumen-
to de normas.
Hoje em dia se coloca a questão de se não caberia pôr li-
mites a esse processo, que se verifica tanto na ciência como no Di-
reito, de oferecer soluções criando outros problemas, demarcando
setores em que a pesquisa científica e a regulamentação jurídica não
deveriam avançar, evitando causar distúrbios em outros sistemas
sociais388. Fala-se, então, de “desregulamentação da economia”,
“desjurisdicização de relações íntimas”, “freios” à pesquisa da ener-
gia atômica e da genética humana etc.
O sistema jurídico, enquanto autopoiético, é fechado, logo,
demarca seu próprio limite, auto-referencialmente, na complexidade
própria do meio ambiente, mostrando o que dele faz parte, seus ele-
mentos, que ele e só ele, enquanto autônomo, produz, ao conferir-lhes
qualidade normativa (= validade) e significado jurídico às comuni-
cações que nele, pela relação entre esses elementos, acontecem. No
processo evolucionário de diferenciação e reprodução do Direito, a
teorização sobre o sistema, i. e., sua estrutura cognitiva, é introduzi-
da no sistema, conferindo-lhe a capacidade de auto-observar-se e,
com isso, seu caráter autopoiético, pois é pela auto-observação que
controla operações de autoprodução389.
De importância decisiva, nesse contexto, é a consumação,
no sistema do Direito, da evolução ocorrida no sistema da ciência, o

388. Assim, a determinação das condições do possível, comum ao direito en-


quanto dogmática jurídica e à ciência, da mesma forma como outros “conceitos de
disposição”, tais como verificabilidade, falsificabilidade, operacionalidade e deci-
dibilidade, de “conceitos modais” passam a assumir conotação deôntica. Cf. Luh-
mann, Sistema jurídico y dogmática jurídica, cit., p. 34, texto e nota 30.
389. Cf. Teubner, loc. ult. cit., p. 429. V. ainda, sobre as colocações feitas nesse
parágrafo, extensamente, Luhmann, Die Einheit des Rechtssystems, Rechtstheorie,
n. 14, Berlin, 1983, p. 129 e s., e Karl-Heinz Ladeur, Perspektiven einer post-mo-
dernen Rechtstheorie: Zur Auseinandersetzung mit Niklas Luhmanns Konzept der
“Einheit des Rechtssystems”, Rechtstheorie, n. 16, Berlin, 1985, p. 393 e s., esp. p.
397-9, bem como, do mesmo autor, anteriormente, “Abwägung” — ein neues Re-
chtsparadigma? Von der Einheit der Rechtsordnung zur Pluralität der Rechtsdiskur-
se, ARSP, n. 69, Stuttgart, 1983, p. 475-6.

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qual, como o primeiro, no início da era moderna, encontrava-se “alo-
poieticamente” orientado para um conhecimento transmitido pelas
mais diversas fontes, não-científicas. A passagem para um sistema
autopoiético dá-se quando a ciência se estrutura no sentido de per-
mitir a constante aquisição de novos conhecimentos, por ela mesma
produzidos, em vez de ter como objetivo a manutenção de um conhe-
cimento transmitido tradicionalmente390.
Também o Direito “emanava” de fontes as mais díspares,
tais como o direito romano, glosas deste feitas por jurisconsultos
medievais, costumes e práticas judiciárias locais. O conceito mesmo
de “fontes do Direito”, até o presente, é empregado na teoria jurídica,
que há de superá-lo, para se firmar enquanto unidade de auto-obser-
vação do Direito como sistema autopoiético.
A superação da doutrina das fontes do Direito por uma
“teoria dos modelos” é proposta por Miguel Reale391, nesse ponto
influenciado, como Luhmann, pelo estrutural-funcionalismo de Tal-
cott Parsons392. A substituição de um paradigma pelo outro corres-
ponderia, no entender de Reale, a uma atualização do pensamento
jurídico com a forma contemporânea de pensar científico, por seu
caráter operacional, portador de significação em uma totalidade de
sentido, contrastando com o conceito de “fonte jurídica”, ligado a
uma visão evolucionista, própria da compreensão científica no sécu-
lo XIX. Por isso mesmo, esse conceito tem uma conotação retrospec-
tiva, enquanto a de modelo é prospectiva.
A noção de “fontes do Direito”, por fim, adquiriu sentido
sobretudo “formal”, sendo com este que passou a ocupar-se o estu-
dioso do direito, distinguindo-o do seu sentido “material”, corres-
pondente aos fatores reais — valores, estruturas de poder, fatos so-
ciais —, determinantes do surgimento das chamadas fontes formais,

390. Cf. Rudolf Stichweh, Die Autopoiesis der Wissenschaft, in Theorie


als Passion — Festschrift Luhmann, Dirk Baecker et al. (eds.), cit., p. 450-1,
453 e 463.
391. Cf. O direito como experiência — introdução à epistemologia jurídica,
São Paulo, 1968, p. 147 e s., esp. p. 167 e s. e 179 e s.
392. Nesse sentido, João Baptista Moreira, Um estudo sobre a teoria dos mo-
delos de Miguel Reale, São Paulo, 1977, p. 56.

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que seriam aquelas reconhecidas pelo Direito como capazes de gerar
Direito, o que nos ordenamentos estatais se confunde com a noção
de norma jurídica.
No conceito de modelo jurídico, coerente com sua Teoria
Tridimensional do Direito, Reale inclui já os “motivos determinantes
da estrutura normativa”393, qual seja, a valoração de fatos realizada
por sujeitos investidos do poder de realizá-la de forma vinculante
para outros, externando-a em uma norma do Direito.
A teoria dos modelos de Reale, por ele apresentada no IV
Congresso Internacional de Filosofia Jurídica e Social, em 1970, foi
incorporada à perspectiva sistêmica394. Para atender à condição cog-
nitiva necessária à auto-reflexão e autoprodução do Direito, porém,
os modelos jurídicos devem ser concebidos como modelos internos
do sistema, construtores de uma realidade especificamente jurídica,
com o que não se coaduna a distinção feita por Reale entre “modelos
jurídicos” e “modelos dogmáticos”, em que estes últimos seriam
modelos “criados” pela teoria do direito.
O sistema jurídico como um todo, para a teoria de sistemas
autopoiéticos, é uma criação dos membros da sociedade em interação
comunicativa. Os modelos jurídicos que permitem definir o que é um
contrato ou uma sociedade comercial para o Direito enraízam-se em
uma percepção jurídica peculiar da realidade social, moldada, basi-
camente, pelos que se dedicam à produção de conhecimento sobre o
Direito395. A autonomia do Direito, portanto, resulta não apenas da

393. Cf. ob. cit., p. 172.


394. V. Luhmann, Sistema jurídico y dogmática jurídica, cit., texto e nota 107;
Teubner, Generalklauseln als sozio-normative Modelle, in Generalklauseln als
Gegenstand der Sozialwissenschaften, Lüderssen (ed.), Baden-Baden, 1978, p. 13 e
s.; Reflexives Recht: Entwicklungsmodelle des Rechts in vergleichender Perspektive,
cit., p. 55-6, nota 150.
395. “These perceptions differ significantly from our day-to-day understanding
of these phenomena as well as from sociological or economic theories. The legal
system develops certain specific social constructions of reality (Berger and Luckmann,
1966) in order to decide social conflicts under the guidance of legal norms. In creating
its own reality from the perspective imposed by the exigencies of conflict resolution,
the legal systems abstracts heighly selective models of the world, thereby neglecting
many politically, economically, and socially ‘relevant’ elements” (Teubner, Substan-
tive and reflexive elements in modern law, Law & Society Review, cit., p. 279).

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autoprodução de suas normas, mas também da autoconstituição de
figuras jurídico-dogmáticas que permitam reformular, em termos
especificamente jurídicos, uma problemática extrajurídica (econômi-
ca, política, moral etc.)396.
O Direito, para se autoproduzir, necessita, obviamente,
como todo sistema, de elementos do meio ambiente. Para que haja
um ordenamento jurídico regulando condutas, é preciso não só normas
para fornecer essa regulamentação, como também condutas que es-
tabeleçam essas normas, e, em sendo esse ordenamento autônomo,
as condutas que estabelecem novas normas já são elas próprias regu-
ladas por normas anteriores. Atento a essa circunstância, presente nos
ordenamentos jurídicos dos Estados de Direito contemporâneos, Hans
Kelsen, em sua influente Teoria pura do direito (Reine Rechtslehre,
2. ed., 1960), introduz a diferença entre um “sistema estático” e outro
“dinâmico”, na ordem jurídica, onde no primeiro haveria “normas
regulando condutas” e no outro “condutas produzindo normas”, ob-
servando normas que as regulam, (auto)regulando essa produção
normativa. As condutas, então, que produzem as normas são elemen-
tos do meio, provenientes de outro sistema, sistema condutual (Han-
dlungssystem), mas adquirem significado jurídico objetivo quando a
elas se reporta uma norma jurídica, e esse significado pode ser o de
que uma outra norma foi produzida. Assim, exemplificando com
Kelsen397, tem-se que em uma sala pessoas se reúnem, discursam,
algumas (a maioria) levantam suas mãos, outras ficam impassíveis:
olhando “de fora”, eis o que acontece em uma Câmara de Deputados.
“De dentro” do sistema jurídico, porém, tem-se que uma lei foi vo-
tada, de acordo com o procedimento previsto na Constituição, nos
Estatutos da Câmara etc., e o Direito foi (auto)produzido.
Há uma organização (jurídica) produzindo os elementos
(atos jurídicos, normas jurídicas) de sua estrutura (jurídica), pelas
relações que se estabelecem entre eles, formando unidades (as “leis
federais” de um país, as normas de Direito Privado etc.). O sistema

396. Cf. Luhmann, Soziale Systeme, cit., p. 440-1.


397. Ob. cit., p. 2.

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(jurídico) é autopoiético e diferenciado de outros, pois estabelece
conexões que conferem sentido (jurídico) a condutas referidas, assim,
umas às outras e delimitadas, no sistema, em relação ao ambiente.
Para que o Direito tenha chegado a se constituir como
sistema autopoiético foi de essencial importância a formação de
determinadas unidades, as quais de um modo geral se podem deno-
minar “procedimentais”. Um dos grandes méritos de Kelsen foi ter
voltado a atenção para o seu estudo em sua teoria do direito398. Elas
são formadas por aquelas normas que Herbert L. A. Hart qualifica
de “normas secundárias”399, por serem normas que se reportam a
outras normas, seja para determinar se uma delas pertence ao siste-
ma (“normas de reconhecimento”), seja para disciplinar, como para
retirar ou acrescentar norma ao sistema (“normas de câmbio”), seja
para regular a aplicação de norma em um caso concreto (“normas
de julgamento”).
O Direito, em uma sociedade com alta diferenciação fun-
cional de seus sistemas internos, mantém-se autônomo em face dos
demais sistemas, como aqueles da moral, da economia, da política,
da ciência, na medida em que continua operando com seu próprio
código, e não por critérios fornecidos por algum daqueles outros
sistemas. Ao mesmo tempo, sem que seus componentes percam seu
conteúdo especificamente jurídico, para adotar outros, de natureza
moral, política, econômica etc., o sistema jurídico há de realizar o
seu acoplamento estrutural com outros sistemas sociais400, para o que

398. Nesse sentido, Luhmann, Legitimation durch Verfahren, Opladen, 1969,


p. 11, nota 2.
399. The concept of law, cit., p. 77 e s.
400. Penso que o significado do acoplamento estrutural entre os diversos siste-
mas sociais pode ser iluminado por uma formulação de Luhmann em obra anterior
à “virada” para o paradigma autopoiético, quando já falava da necessidade de cada
um desses sistemas se coordenar para cumprir a função comum de reduzir a com-
plexidade do meio social, quando então os diversos sistemas, perseguindo cada um
a finalidade que lhe fosse específica, “neutralizariam” o seu campo de atuação. O
modo como coordenariam essa “divisão de trabalho” seria pela transformação de
meio (Mittel) para um sistema do que era o fim (Zweck) específico de um outro, de
modo que “para um ficaria no centro das atenções o que para o outro não passava

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desenvolve cada vez mais procedimentos de reprodução jurídica,
procedimentos legislativos, administrativos, judiciais, contratuais.
Tais procedimentos são instituídos para (auto)regulação e
(auto)controle na fundamentação de algum dos possíveis conteúdos
das normas jurídicas que seja adequado a exigências sociais de ra-
cionalidade, participação democrática, pluralismo de valores, efici-
ência econômica etc. Os procedimentos jurídicos é que haverão de
ser estruturados atendendo já a essas exigências, pois não é mais
possível, nas sociedades hipercomplexas de hoje em dia, que o Di-
reito se limite a consagrá-las formalmente, nem se pode pretender
que ele as realize plenamente401.
É nesse contexto que a Constituição se revela como gran-
de responsável pelo acoplamento estrutural entre os (sub)sistemas
jurídico e político402, jurisdicizando relações políticas e mediatizando
juridicamente interferências da política no direito, ao condicionar
transformações nas estruturas de poder a procedimentos de mutação
previstos constitucionalmente. Os direitos fundamentais tornam-se,
assim, o que há de mais importante a ser consagrado na Constituição

de um fenômeno secundário, quase imperceptível (kaum noch wahrnehmbare Ran-


derscheinung)”. Cf. Luhmann, Zweckbegriff und Systemrationalität. Über die
Funktion von Zwecken in sozialen Systemen, 5. ed., Frankfurt a. M., 1991, p. 273.
401. Cf. Alexy, Rechtssystem und praktische Vernunft, Rechtstheorie, n. 18,
Berlin, 1987; E. Denninger, Gouverment assistance in the exercise of basic rights
(procedure and organization), in Critical legal thought: an American-German de-
bate, Ch. Joerges e D. M. Trubek (eds.), Baden-Baden, 1989; Habermas, Wie ist
Legitimität durch Legalität möglich?, Kritische Justiz, n. 20, 1987; Luhmann, Re-
chtssoziologie, cit., v. 1, p. 171 e s. — trad. bras. Sociologia do direito I, cit., p. 207
e s.; Das Recht der Gesellschaft, cit., p. 344 e s., 558; Teubner, Reflexives Recht:
Entwicklungsmodelle des Rechts in vergleichender Perspektive, ARSP, cit., p. 26;
Substantive and reflexive elements in modern law, Law & Society Review, cit., p.
254 e s.; Das regulatorische Trilemma, Quaderni Fiorentini per la storia del pensie-
ro giuridico moderno, n. 13, Firenze, 1984, p. 109 e s.; Jurisdification — concepts,
aspects, limits, solutions, in Jurisdification of Social Spheres, Berlin-New York, 1987,
p. 441 e s.; Wiethölter, Entwicklung des Rechtsbegriffes, Jahrbuch für Rechtssozio-
logie und Rechtstheorie, n. 8, Bielefeld, 1982; Willis S. Guerra Filho, Ensaios, cit.,
p. 22 e s.; O direito como sistema autopoiético, Revista Brasileira de Filosofia, n.
163, São Paulo, 1991, p. 195.
402. Cf. Neves, A constitucionalização simbólica, São Paulo, 1994, p. 61 e s.

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de um Estado Democrático, com sua multidimensionalidade, enquan-
to direitos de liberdade, direitos a prestações (os direitos sociais),
direitos à participação na formação da vontade política estatal, direitos
de natureza processual etc.403. Neles acham-se expressos valores inte-
grantes das ideologias as mais diversas, tornando a Constituição que
os consagra uma representação fiel ou, ao menos, bastante aproxima-
da da sociedade hipercomplexa que a instituiu. A Constituição, sem
identificar-se com nenhuma das diversas — e muitas vezes contradi-
tórias — concepções de mundo vigentes na sociedade e, de certo modo,
contemplando-as todas, na forma de direitos fundamentais de várias
“gerações”404, viabiliza a continuidade da diferenciação sistêmica e a
intensificação das comunicações intra e intersistêmicas.
Para que se caracterize o sistema jurídico, de forma defi-
nitiva, como um sistema social autopoiético, é necessário identificar
sua especificidade na realização do que é próprio de todo sistema
social, ou seja, sob que forma exclusiva a esse sistema, o do Direito,
se veiculam comunicações, forma essa pela qual as mais diversas
maneiras de se fazer circulá-las podem ser representadas. Para que se
tenha uma idéia mais clara do que se busca, digamos que seria o equi-
valente do que o pagamento é para o sistema econômico, no qual, é
certo, nem toda operação assume a forma de um pagamento, mas, em
última instância, é através dele que se dá a circulação do fluxo mone-
tário, que nesse sistema é a forma comunicacional específica405.

403. Guerra Filho, Conceitos de filosofia, cit.


404. Cf. Bonavides, Curso de direito constitucional, cit., p. 516 e s. Aqui, pen-
so ser mais adequado falar em “dimensões”, em vez de “gerações”, pois a partir da
terceira geração eles se mostraram como “transgeracionais”, já que a realização
plena dos da primeira geração pressupõe a daqueles de segunda e terceira, e assim
por diante. Cf., em apoio, Marcelo Neves, Entre subintegração e sobreintegração: a
cidadania inexistente, Dados — Revista de Ciências Sociais, v. 37, n. 2, Rio de Ja-
neiro, 1994, p. 71 e s.
405. Cf. Luhmann, Positivität als Selbsbestimmtheit des Rechts, Rechtstheorie,
n. 19, Berlin, 1988; Die Wissenschaft der Gesellschaft, Frankfurt a. M., 1990, p. 53
e s., 181 e s.; Luhmann e De Giorgi, Teoria della società, cit., p. 163; Die Kunst der
Gesellschaft, Frankfurt a. M., 1995, p. 165 e s.; Die Wirtschaft der Gesellschaft, 2.
ed., Frankfurt a. M., 1996, p. 52 e s., passim; Die Gesellschaft der Gesellschaft,
Frankfurt a. M., 1997, v. 1, p. 195 e s.

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No sistema econômico, então, circula moeda através de
pagamentos. O sistema da ciência, analogamente, como mostra Sti-
chweh406, veicula conhecimento através de publicações do resultado
de pesquisas407. No sistema jurídico, por seu turno, transmite-se a
regulamentação de conduta, garantindo expectativas de comporta-
mentos, através de aplicações das normas do sistema, feitas por juí-
zes ao decidirem lides, por particulares ao fazerem um contrato,
pelos legisladores ao elaborarem novas leis etc.
Fazer a aplicação do Direito pressupõe uma compreensão
dele, assim como a publicação científica pressupõe a pesquisa. A
compreensão de regras do Direito, porém, pressupõe que se imagine
sua aplicação e possíveis resultados dela, tendo em vista o sistema
jurídico como um todo408. É nessa circularidade auto-referencial,
reflexiva, que o Direito, de forma recursiva, vai-se autoproduzindo,
continuamente, enquanto sistema autopoiético.

6.4. Recolocando agora o centro de nossas atenções no


Judiciário, com o enfoque da teoria sistêmica, tem-se que Luhmann
aponta para a dependência que há entre Legislativo e Judiciário,
quando se estabelece, como no já mencionado art. 97 da Constituição
alemã, que, verbis, “os Juízes são independentes e estão sujeitos
apenas à lei”, o que, se, de um lado, lhes retiraria a atribuição polí-
tica de fornecer as pautas de conduta na sociedade, de outro lado,
tem-se que, por não poderem ser responsabilizados politicamente
por suas decisões, tornam-se livres para operar com o Direito, a
partir do próprio Direito, transformando, pela interpretação, os ins-
titutos em que se assentam as bases sociais: propriedade, contrato,
família etc.409.

406. Loc. cit., p. 447 e s., esp. p. 459 e s.


407. Cf. Luhmann, Die Wissenschaft der Gesellschaft, Frankfurt a. M., 1990,
p. 296, 319, 349 e, esp., p. 432 e s.
408. Cf. Josef Esser, Vorverständnis und Methodenwahl in der Rechtsfindung,
Frankfurt a. M., 1970, p. 136, onde emprega a expressão “círculo de aplicação”,
Anwendungszirkel, para denominar esse estado de coisas.
409. Cf. Luhmann, A posição dos tribunais no sistema jurídico, Ajuris, n. 49,
Porto Alegre, 1990; Das Recht der Gesellschaft, cit., p. 297 e s.

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Por ser o Judiciário a única unidade que opera apenas
com elementos do próprio sistema jurídico — o qual, ao prever a
proibição do non liquet, força-o a sempre dar um enquadramento
jurídico a quaisquer fatos e comportamentos que sejam levados
perante ele —, postula-se que essa unidade ocuparia o centro do
sistema jurídico, ficando tudo o mais em sua periferia, inclusive o
Legislativo, em uma região fronteiriça com o sistema político. Eis
o “paradoxo da transformação da coerção em liberdade”, uma vez
que o juiz se acha vinculado às leis, mas não à legislação, que é
sempre objeto de sua interpretação, inclusive a norma que o vincu-
la à lei, levando em conta textos com autoridade superior como
aquele da Constituição. “Quem se vê coagido à decisão e, adicio-
nalmente, à fundamentação de decisões, deve reivindicar para tal
fim uma liberdade imprescindível para construção do Direito”410. É
uma tal unidade que garante a autonomia do sistema e a sua “auto-
reprodutibilidade” (= autopoiesis)411, para o que recebe o apoio
imprescindível de uma “unidade cognitiva”, a chamada “doutrina”,
que não apenas é responsável pela sofisticação da hermenêutica
jurídica, como fornece interpretações passíveis de serem adotadas
pelo Judiciário e, assim, introduzidas no sistema jurídico normati-
vo412. Daí se poder falar em uma “unidade de discurso” entre as
práticas discursivas da academia e do Judiciário413.

410. Cf. id. ib., p. 163.


411. Cf. Arthur J. Jacobson, Autopoietic law: the new science of Niklas Luhmann,
Michigan Law Review, n. 87, 1989; Willis S. Guerra Filho, O direito como sistema
autopoiético, Revista Brasileira de Filosofia, n. 163, São Paulo, 1991.
412. A doutrina ou dogmática jurídica, como sustenta Luhmann em trabalho já
clássico, Sistema jurídico e dogmática jurídica, cit., caracteriza-se, igualmente, por
constituir uma liberdade de pensamento sob a aparência de vinculação a conceitos
dogmatizados, inquestionáveis, mas que, na verdade, tanto podem oferecer respostas
como tornarem-se instrumento de questionamentos, enquanto formas cujo conteúdo
e, logo, também o seu sentido podem sempre ser atualizados, para atender às exi-
gências sociais de segurança ou, ao menos, da “insegurança suportável” de um
problema para o qual se pode oferecer uma solução, encerrando-o com uma decisão.
Cf. ib., p. 29 e s., 40 e 102.
413. Cf. Edward L. Rubin, The practice and discourse of legal scholarship,
Michigan Law Review, v. 86, n. 6, Lincoln, 1988.

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A mencionada autonomia do sistema jurídico não há de
ser entendida no sentido de um isolamento deste em face dos demais
sistemas sociais, o da moral, religião, economia, política, ciência etc.,
funcionalmente diferenciados em sociedades complexas como as que
se têm na atualidade. Essa autonomia significa, na verdade, que o
sistema jurídico funciona com um código próprio, sem necessidade
de recorrer a critérios fornecidos por algum daqueles outros sistemas,
aos quais, no entanto, o sistema jurídico se acopla, através de proce-
dimentos desenvolvidos em seu seio, procedimentos de reprodução
jurídica, de natureza legislativa, administrativa, contratual e, princi-
palmente, judicial414.
Aqui topamos novamente com um aspecto que me inte-
ressa particularmente destacar, por se tratar daquilo em que a doutri-
na jurídica européia atual, cada vez mais, vê residir o traço caracte-
rístico do ordenamento jurídico de sociedades como as suas, “pós-
modernas”: a procedimentalização desse ordenamento. A ênfase no
aspecto processual do Direito foi uma das características marcantes
já da influente doutrina kelseniana, como ressalta Luhmann em obra
que no final dos anos 60 avançou a tese, então vivamente discutida,
da legitimação pelo procedimento415. No princípio dessa mesma dé-

414. Cf. Willis S. Guerra Filho, Ensaios, cit., p. 195. Hoje em dia, tais proce-
dimentos precisam ser reformulados, de molde a poderem atender a demandas co-
letivas apresentadas por movimentos sociais, de tal maneira organizados que já se
fala em verdadeiros “sujeitos coletivos”, para referi-los — cf. Souza Jr., Movimen-
tos sociais — emergência de novos sujeitos: o sujeito coletivo de direito, in Lições
de Direito Alternativo, n. 1, Arruda Jr. (ed.), São Paulo, 1991, p. 131 e s. V. ainda
Rojas Hurtado, Les services juridiques alternatifs en Amérique Latine. Réflexions
à propos des résultats d’une recherche, Droit et Société, n. 22, Paris, 1992; Paoli,
Citzenship, inequalities, democracy and rights: the making of a public space in
Brazil, Social & Legal Studies, n. 1, London-Newbury Park-New Delhi, 1992, e,
para um suporte a partir da teoria autopoiética do direito, Teubner, How the law
thinks: toward a constructivist epistemology of law, Law & Society Review, n. 23,
Denver, 1989.
415. Cf. Luhmann, Legitimation durch Verfahren, cit., p. 11, nota 2. Como P.
Barcellona apropriadamente observa, pode-se considerar a teoria sistêmica de Luh-
mann uma Aufhebung do “paradigma kelseniano dell’ordinamento senza soggetto,
che funziona secondo il principio della autoproduzione normativa (del diritto che

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cada, já se referira Elio Fazzalari à difusão crescente da “fórmula
processual”416, como aquela mais democrática e racional para dar
conta dos problemas cada vez mais complexos que as sociedades
atuais apresentam, já que essa fórmula implica a solução de problemas
pelo envolvimento dos interessados em um debate dialético. Daí
surgirem cada vez mais novos “ramos” do direito processual, e não
só com caráter jurisdicional, mas também no âmbito da Administra-
ção, do Legislativo, na própria eleição dos titulares desses Poderes,
no campo das relações privadas e empresariais, com o direito proces-
sual societário etc.417.
A tese da “procedimentalização do Direito” deve-se, no
entanto, ao jusfilósofo frankfurtiano Rudolf Wiethölter418, partindo
da constatação de que, nas sociedades pós-industriais, o Direito de
natureza formal, com predomínio de normas gerais e abstratas, des-
crito por Max Weber como sendo aquele das sociedades modernas,
não se mostra adequado para garantir a concretização de objetivos
e interesses coletivos, tal como se mostrou eficaz na proteção de
liberdades civis dos indivíduos, em face do Estado e pelo Estado.
Diante da complexidade do mundo pós-moderno, as soluções me-
lhores dos problemas que lhe são peculiares hão de surgir do con-

regola la produzione di se stesso) e della democrazia procedurale come selezione


dei rappresentanti...” (Dallo Stato sociale allo Stato immaginario. Critica della
“ragione funzionalista”, Torino, 1994, p. 101. V. também Machura, Prozedurale
Gerechtigkeit, Zeitschrift für Rechtssoziologie, v. 14, Opladen, 1993, p. 1 e s.; Röhl,
Verfahrensgerechtigkeit (procedural justice). Einführung in den Themenbereich und
Überblick, in ib., p. 19 e s.
416. Cf. Fazzalari, Diffusione del processo e compiti della dottrina, in Studi in
onore de A. D. Giannini, Milano, 1961.
417. V., a propósito, o que Roberto M. Unger, em Law in modern society, New
York-London, 1976, p. 192 e s., assevera em relação às “sociedades pós-liberais”.
Note-se, também, a importância que Trubek e Esser, “Critical empirism” and Ame-
rican critical legal studies: paradox, program, or pandora’s box?, in Critical legal
thought: an American-German debate, Joerges et al. (eds.), cit., p. 126 e s., atribuem
aos processos jurídicos em sua defesa do “empirismo crítico”.
418. Cf. Entwicklung des Rechtsbegriffes, cit.; Proceduralization of the category
of law, in Critical legal thought: an American-German debate, Ch. Joerges e D. M.
Trubek (eds.), cit.

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fronto entre opiniões divergentes, desde que se parta de um consen-
so básico quanto à possibilidade de se chegar a um entendimento
mútuo, para o que não se pode partir de idéias preconcebidas, a serem
impostas aos outros. A procedimentalização do Direito, portanto,
como escrevi em outra oportunidade, “se mostra como a resposta
adequada ao desafio principal do Estado Democrático de Direito, de
atender a exigências sociais garantindo a participação coletiva e li-
berdade dos indivíduos, pois não se impõem medidas sem antes
estabelecer um espaço público para sua discussão, pela qual os in-
teressados deverão ser convencidos da conveniência de se perseguir
certo objetivo e da adequação dos meios a serem empregados para
atingir essa finalidade”419.
Ocorre, então, que em geral os interesses coletivos, con-
quanto respaldados em normas de nível constitucional, não o são por
leis regulamentadoras dos direitos fundamentais delas advindos, e
não é por isso que se vai admitir o seu desrespeito. Caberá, assim,
ao Judiciário suprir a ausência completa ou os defeitos da produção
legislativa, no sentido da realização tanto dos direitos sociais, eco-
nômicos e culturais, como dos chamados “direitos fundamentais de
terceira geração”, ou “direitos de solidariedade”, precisamente aque-
les relativos à preservação do meio ambiente, das peculiaridades
culturais de minorias, étnicas ou “éticas” etc. Pode-se, assim, dizer,
com Gomes Canotilho420, que com esses desenvolvimentos “o pro-
cedimento adquiria, no mundo jurídico-constitucional, uma narra-
tividade emancipatória em plena consonância com os movimentos
sociais, culturais e econômicos de finais da década de 60”421.
Vê-se, portanto, como efetivamente se pode sustentar a
tese, que talvez seja a principal, que a mim interessa defender no

419. Willis S. Guerra Filho, Ensaios, cit., p. 90-1.


420. Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais, processo e
organização, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, n. 66,
Lisboa, 1990, p. 4.
421. Para uma discussão do debate “modernidade x pós-modernidade” a res-
peito da procedimentalização do Direito e da justiça, consulte-se José Eduardo Faria,
Justiça e conflito, São Paulo, 1991, p. 143 e s.

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momento: a de que o Judiciário deve assumir, na atualidade, a po-
sição mais destacada, dentre os demais Poderes estatais, na produção
do Direito.
As decisões a respeito de problemas envolvendo conflitos
sociais sobre interesses coletivos da natureza daqueles acima men-
cionados realmente encontram uma regulamentação insuficiente,
mas também, por sua novidade, não seria de se ver aí algo muito
inconveniente, pois é melhor mesmo que eles sejam inicialmente
tratados e resolvidos no âmbito de procedimentos judiciais. Esses
procedimentos devem ser estruturados de forma a permitir a mais
ampla participação daqueles “sujeitos coletivos”422, com a integração
do maior número possível de pontos de vista sobre a questão a ser
decidida, havendo ainda de se prever a possibilidade de a decisão se
tornar, a um só tempo, vinculante para casos futuros semelhantes e
passível de ser modificada diante da experiência adquirida em sua
aplicação.
Note-se, aí, que os procedimentos judiciais, tal como se
apresentam tradicionalmente estruturados, para dar soluções efetivas
a conflitos que não são apenas interindividuais, hão de sofrer profun-
das alterações em institutos basilares, como o da legitimidade de agir
e da coisa julgada, para dar conta satisfatoriamente da solução de
conflitos sociais. Esses procedimentos são instaurados por ações
coletivas, como a ação popular e a ação civil pública, que funcionam
como verdadeiros instrumentos processuais de participação política,
a permitirem aos cidadãos o exercício da cidadania ativa, na medida
em que viabilizam uma participação pluralística dos representantes
dos mais diversos segmentos da sociedade, com a interpretação jurí-
dica que lhes parece correta, inclusive do texto constitucional, for-
mando o que o constitucionalista alemão Peter Häberle chamou de
“sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”423.
Assim é que se pode chegar a ter um texto constitucional
que efetivamente forneça a pauta de todo debate político, em um

422. Cf. José Geraldo de Souza Jr., ob. loc. ult. cit.
423. Die offene Gesellschaft der Verfassungsinterpreten, Juristenzeitung, n. 30,
1975.

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verdadeiro Estado Democrático de Direito424. E nesse ponto não se
pode deixar de frisar a importância inexcedível que assume a insti-
tuição de um Tribunal Constitucional, com funções judicantes e
também explicitamente políticas, para servir de árbitro das grandes
questões sociais, a serem resolvidas num sentido que realize o co-
mando superior da Constituição brasileira: o estabelecimento de um
Estado Democrático de Direito425. Esse Tribunal Constitucional nós
ainda não temos, sendo essa, a meu ver, a principal razão por que
ainda não avançamos mais no sentido da concretização desse coman-
do e, de um modo geral, apresentamos deficiências na efetivação de
nossa Constituição. Àquele Tribunal cabe também a tarefa fundamen-
tal de manter o equilíbrio entre os Poderes estatais, para o que está
melhor posicionado, uma vez que não integra nenhum deles426.
Para encerrar essa parte, penso que se pode deixar um
alerta ao Judiciário brasileiro, no sentido de que, caso não assuma
o papel central que lhe está reservado, na solução dos conflitos

424. Cf. Luhmann, Das Recht der Gesellschaft, cit., p. 478 e s.


425. Sobre esse assunto e nos liames teóricos que aqui se propõe é relevante o
entendimento de Marcelo Neves para quem, especificamente em referência ao Bra-
sil, o modelo textual de Constituição de Estado Democrático de Direito é adotado
(formação constitucional), porém carece amplamente de concretização, sua reflexão
diante desta carência de concretização é bem demonstrada na seguinte passagem, in
verbis: “Por fim, não se pode excluir a hipótese de que esse tipo de Estado, em de-
corrência da expansão hipertrófica do código da economia, no contexto da globali-
zação econômica, seja vencido pela economia mundial também no Ocidente desen-
volvido, de tal maneira que se consolidem tendências à propagação da “exclusão”
sobre as regiões privilegiadas da Europa e da América do Norte (“periferização do
centro”) com efeitos destrutivos sobre o Estado de Direito, a democracia e o regime
de bem-estar. As perspectivas e tendências negativas não devem, porém, levar a uma
“despedida”. Esforços pela renovação e disseminação do Estado Democrático de
Direito são justificáveis na medida em que ele, na sociedade mundial do presente,
ainda se apresenta como a forma político-jurídica mas bem adequada e bem-suce-
dida para a promoção da inclusão social, o combate ao expansionismo destrutivo e
excludente do código econômico, a proteção dos direitos humanos e a confrontação
com os fundamentalismos” (Marcelo Neves, Entre Têmis e Leviatã: uma relação
difícil, São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 283).
426. Em apoio, v. Ada P. Grinover, A crise do Poder Judiciário, Revista de Di-
reito Público, n. 98, 1991, p. 22.

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Teoria da Ciencia Juridica - 001228 228 4/2/2009 13:31:58


sociais, nosso quadro atual, objeto de pesquisas inclusive no estran-
geiro427, em que se indica a absorção desses conflitos de formas
alternativas, as quais deixam sempre um resíduo significativo de
conflituosidade e insatisfação, tenderá a assumir cores sombrias,
distanciando-nos cada vez mais da realização do ideal de sociedade
delineado em nosso texto constitucional, ao qual, acima de tudo, os
juízes devem respeito428.
Essas circunstâncias fazem do Judiciário a unidade do
sistema legal que, por definição, opera de forma recursiva (i. e., numa
relação auto-referencial) somente com elementos desse sistema, o
que o torna um sistema “funcional diferenciado”. Embora haja ele-
mentos a serem encontrados nesse ambiente que também pertençam
a outros — da moral, da economia, da política etc. —, enquanto eles
são usados pelo Judiciário para justificar decisões, como por um
“toque de Midas” são convertidos em elementos do sistema jurídico:
o sistema é fechado com e não para o meio429 e 430. E é porque esse

427. Por exemplo, nos trabalhos de doutoramento de Boaventura de Sousa


Santos, The law of the oppressed: the construction and reproduction of legality in
pasargada, Law & Society Review, n. 12, Madison, 1977, e Hans-Joachim Henckel,
Zivilprozeß und Justizalternativen in Brasilien, Frankfurt a. M., 1991.
428. A propósito, veja-se a constatação feita por L. M. Friedman em Trial courts
and their work in the modern world, Jahrbuch für Rechtssoziologie und Rechtsthe-
orie, n. 4, Opladen, 1976, sobre a mudança do papel dos órgãos judiciais nas socie-
dades industrializadas do mundo moderno, os quais passam a ocupar-se cada vez
menos com a resolução de litígios individuais, para ocuparem-se com a solução de
problemas sociais.
429. “Nur in der Welt ist das System ein operativ geschlossenes System” (Luh-
mann, Die Geltung des Rechts, Rechtstheorie, n. 22, Berlin, 1991, p. 305, grifos como
no original. Em vernáculo: “Apenas no mundo o sistema é operativamente fechado).
Nesse passo, é bom relembrar que na teoria luhmanniana “mundo” representa a
unidade da diferença entre sistema e meio ambiente. O sistema, então, no mundo
(Welt), está fechado em um ambiente (Umwelt). Para uma discussão do sentido espe-
cífico do conceito de “mundo” na teoria sistêmica, cf. G. Thomas, Welt als relative
Einheit oder als Letzthorizont? Zur Azentrizität des Weltbegriffs, in Kritik der Theo-
rie sozialer Systeme, W. Krawietz e M. Welker (eds.), cit., p. 327 e s.
430. A. Goldsmith, em Positively postmodern Stanley, The American Law Re-
view, n. 56, Oxford-Cambridge, 1993, p. 257, vê aqui muito em comum entre o que
denomina concepção de Luhmann/Teubner e a tese fundamental de Stanley Fish da
“autonomia permeável do Direito”.

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Teoria da Ciencia Juridica - 001229 229 4/2/2009 13:31:58


fechamento operacional é postulado que o Judiciário ocupa o centro
mesmo de sistemas jurídicos que são autônomos, ou “autoprodutivos”
(= autopoiéticos), enquanto o Legislativo, juntamente com outras
unidades, é periférico431. No sistema político, ao contrário, o Legis-
lativo ocupa o centro, enquanto o Judiciário aparece na periferia432.
A suposição de que o sistema jurídico é autônomo — no
sentido de um sistema social autopoiético, auto-referencial433 — não
implica advogar o seu isolamento de outros sistemas sociais como os
da moral, religião, economia, ciência, política etc., que são funcio-
nalmente diferenciados uns dos outros nas sociedades complexas do
mundo moderno434. Autonomia não significa “autarquia”435, nem
“autismo”. Autonomia, nesse contexto, significa apenas que o sistema

431. Nesse ponto é interessante referir um estudo de Mario Bunge (System


boundary, International Journal of General Systems, n. 20, London, 1990, p. 219),
onde assevera que (a) periférico em um sistema é o que ocorre em suas fronteiras;
(b) uma função específica das fronteiras dos sistemas é proceder a trocas entre o
sistema e o meio; (c) na fronteira encontramos os elementos do sistema que estão
diretamente acoplados com componentes do meio ambiente. Isso nos leva a concluir,
por exemplo, que uma Corte Constitucional se situaria na fronteira entre os sistemas
jurídicos e políticos, sendo um dos componentes mais importantes no acoplamento
estrutural dos dois sistemas.
432. W. H. Clune, em 1989, também usa o “centro” e a “periferia” na sua cons-
trução de um “modelo (topológico) básico de pensamento jurídico”. Na dimensão
em que se situam agências decisórias, processos e decisões, ele também coloca o
Judiciário no centro e o Legislativo na periferia (ib.: 190 e s.). Boaventura de Souza
Santos, em Droit: une carte de la lecture déformée. Pour une conception post-mo-
derne du droit, Droit et Société, n. 10, Paris, 1988, usa igualmente a distinção em
sua tentativa de esboçar uma cartographie symbolique du droit.
433. Cf. Varela, A calculus for self-reference, International Journal of General
Systems, cit., p. 20, primeira col., princípio e s., segunda col., in fine.
434. Cf., v. g., W. Kargl, Gesellschaft ohne Subjekt oder Subjekt ohne Gesells-
chaft? Kritik der rechtssoziologischen Autopoiese-Kritik, Zeitschrift für Rechtsso-
ziologie, n. 12, Opladen, 1991, e, numa visão diferente, porém errônea, A. J. Arnaud,
Le droit, un ensemble peu convivial, Droit et Société, n. 11-2, Paris, 1989; Raising
some problems on the closure of the legal system, Rechtstheorie, Beiheft 11, W.
Krawietz et al. (eds.), Berlin, 1991, e J. Bjarup, Niklas Luhmann’s paradigm and his
theory of law, Rechtstheorie, n. 23, Berlin, 1992, p. 328.
435. Cf., v. g., Neves, Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania ine-
xistente, Dados — Revista de Ciências Sociais, cit., p. 258.

230

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jurídico funciona com o seu próprio código (binário), ou seja, que na
determinação do que seria lícito e juridicamente correto (Recht) ou
ilícito e juridicamente incorreto (Unrecht) não há necessidade de
importar critérios de outros sistemas, mesmo estando eles conectados
ao sistema jurídico, através de procedimentos de várias espécies — le-
gislativos, administrativos, contratuais e, especialmente, judiciais
—, que são de fundamental importância para as operações dentro dos
sistemas da auto-reprodução judicial (= operational closeness, ope-
rative Geschlossenheit). A autonomia do sistema e seu fechamento
operacional são condições de possibilidade de sua conexão com
outros sistemas, ou seja, de sua “abertura” (Offenheit) cognitiva436.
Na manutenção da autonomia dos sistemas jurídicos, o
Judiciário é apoiado acima de tudo por uma “unidade cognitiva”, que
é a doutrina437. Essa unidade é essencialmente necessária para a au-
topoiese de sistemas sociais, uma vez que ela é responsável por sua
auto-observação (é isso, por exemplo, que diferencia sistemas sociais
de sistemas biológicos ou químicos)438, e para o reconhecimento de
elementos que são desse sistema específico, e não de um outro, loca-
lizado em seu meio ambiente439: “Auch die Beschreibung des Rechts
muß rechtlich brauchbar sein”440.

436. Cf. Luhmann, Soziale Systeme, cit., p. 603 e s.; Neves, Verfassung und
Positivität des Rechts in der peripheren Moderne. Eine theoretische Betrachtung und
eine Interpretation des Falls Brasiliens, Berlin, 1992, p. 36 e s.
437. Essa circunstância está na base da afirmação foucaultiana de Edward L.
Rubin, em The practice and discourse of legal scholarship, Michigan Law Review,
v. 86, n. 6, Lincoln, 1988, de que haveria uma “unidade de discurso” entre a doutri-
na e a jurisprudência.
438. Luhmann, Soziale Systeme, cit., p. 64.
439. Cf. id. ib., p. 60 e s.
440. Id., Positivität als Selbsbestimmtheit des Rechts, Rechtstheorie, n. 19,
Berlin, 1988, p. 13. Em vernáculo: “As descrições do Direito também têm que ser
aproveitáveis juridicamente”. Um dos traços distintivos da abordagem luhmanniana
em sociologia jurídica pode ser visto justamente no compromisso assumido com a
produção de conceitos com relevância jurídica que sirvam aos que trabalham com o
Direito na sua atividade de intelecção do jurídico e, logo, também na sua prática.
Como a teoria sistêmica é uma aquisição evolutiva de nossa sociedade, que através
dela observa e compreende melhor, uma vez que o objeto dessa teoria é essa mesma

231

Teoria da Ciencia Juridica - 001231 231 4/2/2009 13:31:58


As teorias críticas apresentam-se nessa perspectiva como
um momento avançado no processo reflexivo do sistema de auto-
observação, contribuindo conseqüentemente para o seu fechamento
operacional441. O mesmo acontece com teorias jusnaturalistas e axio-
lógicas, as quais não têm de ser necessariamente rejeitadas pelos
sistemas teóricos (autopoiéticos), mas são, até certo ponto, incluídas
em sua arquitetônica teorética mais compreensiva442.
A teoria do direito não apenas enriquece o aparato inter-
pretativo usado pelo Judiciário, como fornece interpretações que
podem vir a ser adotadas por juízes, e nessa cooperação preencher a
sua tarefa fundamental de definir os conflitos e soluções que devem
ser considerados relevantes para o Direito, no modelamento da per-
cepção especificamente judicial da realidade social443. “Essas percep-

sociedade, ela é objeto de si mesma, e, na medida em que a teoria reflete as trans-


formações da sociedade, ela vai transformando-se, transformando também a socie-
dade que a produziu. O mesmo se aplica ao sistema jurídico e à teoria sistêmica do
Direito. Cf. Luhmann, Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt a. M., 1993, p. 540 e
s., e Sistema jurídico y dogmática jurídica, cit., cap. V, p. 95 e s.
441. Die Geltung des Rechts, cit., p. 277.
442. Cf. Positivität als Selbsbestimmtheit des Rechts, Rechtstheorie, cit., p. 15
e s. Aqui vale lembrar que a concepção da “sociedade como um sistema” é conside-
rada por Trubek, em Back to the future: the short, happy life of the law and society
movement, Florida State University Law Review, n. 18, Miami, 1990, p. 5, como “a
major advance in legal thought” trazido para a América do Norte pelo movimento
law and society, o que a aproxima da tradição de estudos críticos sociojurídicos.
443. O “uso alternativo do direito” da Magistratura Democrática na Itália dos
anos 70 e o mais recente Movimento do Direito Alternativo no Brasil são exemplos
do impulso que determinadas concepções teóricas podem dar, no sentido da trans-
formação da ordem jurídica através da implementação de interpretações divergentes
pelo Judiciário. Cf. Arruda Jr., Introdução à sociologia jurídica alternativa, São
Paulo, 1993, p. 169 e s.; Bergalli, Usos y riesgos de categorías conceptuales: con-
viene seguir empleando la expresión “uso alternativo del derecho”?, 1991, p. 17 e
s.; Capeller, Un regard différent: l’Amérique Latine, les juristes et la sociologie,
Droit et Société, n. 22, Paris, 1992, p. 370; Faria e Campilongo, A sociologia jurí-
dica no Brasil, Oñati Proceedings, n. 6, Oñati, 1991, p. 116 e s.; Junqueira, La so-
ciologie juridique brésilienne à travers le miroir, Droit et Société, n. 22, Paris, 1992.
Interessante, nesse contexto, é a observação feita por V. Ferrari a partir do estudo
sociológico da magistratura italiana, a qual terminou sobrecarregada com a respon-
sabilidade política, como resultado do seu intenso engajamento na solução de con-

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ções diferem significantemente do entendimento cotidiano desses
fenômenos assim como das teorias sociológicas ou econômicas. O
sistema jurídico desenvolve certas construções sociais específicas da
realidade (Berger e Luckmann), no sentido de solucionar conflitos
sociais sob a orientação das normas jurídicas. No momento da criação
de sua realidade, de acordo com a perspectiva imposta pelas exigên-
cias oriundas da resolução do conflito, o sistema jurídico abstrai os
modelos seletivos melhores, negligenciando assim alguns elementos
políticos, econômicos e sociais”444.
Como P. Barcelona evidenciou445, referindo-se à teoria de
Luhmann, de forma crítica, mas precisa, “non esistono infatti per il
sistema nessi causali oggettivi, giaché è ‘il sistema stesso che sceglie
criteri per risolvere i propri problemi interni’, formando in tal modo
‘una certa interpretazione del reale’. Il sistema è una trama d’istituzioni
che selezionano le possibilità indeterminate dell’ambiente ed trasfor-

flitos sociais com o “uso alternativo do Direito”. “Benché i giudici, da anni ormai,
rivendichino il ritorno alla rassicurante formula montesquiviana della bouche de la
loi, la loro creatività è ormai un fatto acquisito, proprio per volontà della classe
politica, che pure afferma ricorrentemente l’esatto contrario” (Ferrari, Il giudice
come interprete del conflitto: permanente vitalità di una formula iconoclastica, in
Giustizia e conflitto sociale. In ricordo di Vicenzo Tomeo, A. Giasanti (ed.), Milano,
1992, p. 449.
444. Teubner, Substantive and reflexive elements in modern law, cit., 1983, p.
279. Nesse contexto pode ser de interesse recordar que a tese de produção da reali-
dade como sendo característica do Direito é sustentada por Edelman num trabalho
clássico da tradição crítica francesa: Le droit saisi par la photographie, Paris, 1973.
Na tradição crítica norte-americana a noção de “discursividade”, abordada por Tru-
bek, em Back to the future: the short, happy life of the law and society movement,
Florida State University Law Review, cit., p. 34 e s., pode também ser correlaciona-
da a isso. As mesmas idéias parecem ser ponto central na aproximação interpretati-
va da pesquisa sociojurídica apresentada por Harrington e Yngvesson, em Interpre-
tative sociolegal research, in Law & Social Inquiry, Chicago, 1990, p. 144 e s., e a
antropologia jurídica — cf., v. g., L. Assier-Andrieu, L’anthropologie et la moder-
nitè du droit, Anthropologie et Sociétés, n. 13, Paris, 1989, p. 29 e s.; C. Geertz,
Local Knowledge: fact and law in comparative perspective, in Local Knowledge.
Further essays in interpretative anthropology, cit.
445. Dallo Stato sociale allo Stato immaginario. Critica della “ragione funzio-
nalista”, cit., p. 105.

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mano in alternative e strategie compativili con gli obiettivi della
stabilizzazione e della conservazione”. Mas aqui é necessário relem-
brar que, de acordo com Luhmann446, a proposta da teoria do sistema
autopoiético não suporta uma conservação que chegue a comprome-
ter a identidade social, que precisa ser conservada, mas, se não for
também se transformando, torna-se disfuncional e destrói-se. Daí que
tal teoria vai apontar para a necessidade de haver autonomia e evo-
lução dos sistemas sociais a um estágio de estabilidade dinâmica.
Como assevera Luhmann447, mudanças no sistema social “exigem em
todos os casos a operacionalização com, não contra ‘o sistema’”.
Como G. Teubner formulou exemplarmente448, “quanto
mais os sistemas jurídicos se especializam em sua função de criar
expectativas na regulamentação de conflitos, tanto mais desenvol-
ve normas e formas mais refinadas de procedimentos, os quais
podem ser usados para um controle de comportamento orientado
para o futuro. Isso somente pode ser formulado nos seguintes ter-
mos paradoxais: o Direito, posicionado como autônomo em sua
função — formalidade —, torna-se progressivamente dependente
das demandas para performances em seu meio social — materia-
lidade”449. A procedimentalização, portanto, significa a saída do
conflito aporético entre a característica tipicamente moderna da
formalidade e aquela pré-moderna da materialidade dos valores,
na pós-modernidade.

446. Cf. Luhmann, Die soziologische Beobachtung des Rechts, cit., p. 122,
nota 2.
447. Ib., p. 135.
448. Soziale Systeme, cit., p. 20.
449. No original: “[t]he more the legal systems specializes in its function of
creating expectations by conflicting regulation, the more it develops and refines
norms and procedures, which can be used for future oriented behavior control. This
can only be formulated in the following paradoxical terms: Law, by being posited as
autonomous in its function — formality — becomes increasingly dependent on the
demands for performance from its social environment — materiality” (grifos do
autor). Veja, para um entendimento discordante, Blakenburg, The poverty of evolu-
tionism: a critique of Teubner’s case for “reflexive law”, Law & Society Review, n.
18, Madison, 1984, e a resposta de Teubner em Autopoiesis in law and society: a
rejoinder to Blakenburg, ib.

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6.5. A teoria de sistemas sociais autopoiéticos desenvolve
uma arquitetônica conceitual a ser aplicada no estudo de sociedades
que atingem uma condição histórica particular, às quais pertencem,
em primeiro plano, a característica democrática de suas instituições
políticas e o predomínio de valores econômicos capitalistas450. O
processo de globalização leva-nos a figurar o mundo como uma só
sociedade, a “sociedade mundial” (Weltgesellschaft)451. Consideran-
do essa sociedade como um sistema, teremos, então, neste, como em
todo sistema, um “centro” e uma “periferia”. Em sendo assim, integra
a parte “central” da sociedade mundial onde quer que tenha chegado
o capitalismo mais avançado, enquanto outras partes permanecem
“periféricas” até alcançar sua integração na “sociedade econômica
mundial” (wirtschaftliche Weltgesellschaft).
Aqui temos de relembrar que a diferença “centro” e
“periferia”, em termos de sistemas sociais autopoiéticos, não pode
mais ser vista como correspondente a um critério — de resto, pré-

450. Isso significa, nas palavras do próprio Luhmann, a emergência gesells-


chaftlicher Primat der Wirtschaft (“primado social da economia”), e, logo, de uma
wirtschaftliche Gesellschaft (“sociedade econômica”) no lugar de uma political
society (societas civilis, “sociedade política”), de forma que “das politische Teil-
system der Gesellschaft seine führende Stellung an die Wirtschaft abgibt, das heißt
sich primär wirtschaftlichen Problemstellungen unterordnet” (Positivität des Rechts
als Voraussetzung einer modernen Gesellschaft, in Ausdifferenzierung des Rechts:
Beiträge zur Rechtssoziologie und Rechtstheorie, Frankfurt a. M., 1981, p. 149.
Em vernáculo, numa tradução livre: “o subsistema social da política transfere sua
posição diretiva para o da economia, o que significa que o primeiro reger-se-ia
primariamente pela problemática econômica”. É por ter chegado a tal constatação
que Luhmann conclui seu último tratado de sociologia jurídica, Das Recht der
Gesellschaft (“O direito da sociedade”), cit., prevendo que a proeminência atual
do sistema jurídico e a dependência da sociedade, e da maioria de seus subsistemas
funcionais, do funcionamento do código do Direito, enfraqueça-se com a evolução
da sociedade mundial, revelando-se uma mera “anomalia européia” (no original:
“Es kann daher durchaus sein, dass die gegenwärtige Prominenz des Rechtssyste-
ms und die Angewiessenheit der Gesellschaft selbst und der meisten ihrer
Funktionssysteme auf ein Funktionieren des Rechtscodes nichts weiter ist als eine
europäische Anomalie, die sich in der Evolution einer Weltgesellschaft abs-
chwächen wird”) (ob. ult. cit., p. 586).
451. Cf. Luhmann, Rechtssoziologie, cit., p. 333 e s.

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moderno — de divisão geopolítica do mundo, pelo qual, por exem-
plo, no momento, a América Latina como um todo seria “uma
parte periférica do Ocidente”452, e assim por diante. Como Luhmann
esclarece, sociedade moderna (ou, em meus termos, pós-moderna)
é uma só e única sociedade mundial, ou seja, um sistema global,
pois “como uma conseqüência da diferenciação funcional, unica-
mente um sistema societário pode existir. Sua rede comunicativa se
estende sobre o mundo. Ela inclui toda a comunicação humana” (i.
e., que seja significativa)453. No sistema global alguns subsistemas,
como o científico e o econômico, por exemplo, já superam frontei-
ras territoriais, enquanto outros simplesmente a elas aderem, como
é o caso de sistemas políticos e jurídicos454. Se bem que, como há
diversidade na distribuição econômica do capital em algumas so-
ciedades, existe uma diferença na distribuição de democracia polí-
tica e valores jurídicos do centro a toda a sociedade, seja no sul ou
no norte do globo455.

452. Pérez Perdomo, 1993, p. 127.


453. Luhmann, Die Weltgesellschaft, ARSP, n. 57, Stuttgart, 1971, p. 132. V.
também id. ib., p. 137, nota 9; Verfassung als evolutionäre Errungenschaft, Rechtshis-
torisches Journal, n. 9, Frankfurt a. M., 1990, p. 619; 1993, p. 333 e s.; Luhmann e
De Giorgi, Teoria della società, cit., p. 13 e s., 45 e s. No mesmo sentido do texto,
Neves, A constitucionalização simbólica, cit., p. 147 e s.; Virilio, O espaço crítico,
trad. Paulo Roberto Pires, Rio de Janeiro, 1993, p. 95 e s. “O que não significa, de
modo algum”, vale lembrar, com Chesneaux, “que desapareça o antagonismo entre
povos ricos e povos pobres, entre os pólos de prosperidade e os pólos de miséria.
Mas esse antagonismo cessa de se reduzir à dicotomia geopolítica elementar entre
um ‘centro’ explorador e uma ‘periferia’ explorada. Não somente o ‘centro’ está hoje
disperso por todo o planeta, não somente a ‘periferia’ invadiu os países ricos, mas
ambos estão ‘submissos’ com igual rigor — se bem que em níveis bem diversos de
prosperidade e miséria — ao mesmo sistema global, ao mesmo tempo hegemônico
e inerte” (Modernidade: mundo. Brave modern world, trad. João da Cruz, Petrópo-
lis, 1995, p. 67).
454. Cf. Das Recht der Gesellschaft, cit., p. 555.
455. Cf., para uma concepção semelhante, Sousa Santos, Droit: une carte de la
lecture déformée. Pour une conception post-moderne du droit, cit., p. 376; State, law
and community in the world system: an introduction, Social & Legal Studies, n. 1,
London-Newbury Park-New Delhi, 1992, p. 138.

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A teoria dos sistemas sociais autopoiéticos é uma “aqui-
sição evolutiva”456 da sociedade pós-industrial, tendo sido modelada
com o intuito de descrever sua realidade (virtual). Ela substitui a
oposição epistemológica “sujeito x objeto” (abordagem objetivo-
teorética) pela diferenciação funcional “sistema x meio” (abordagem
diferencial-teorética) e considera como seu objeto não o ser humano,
mas o intercâmbio de comunicação457, conseqüentemente gerando a
arquitetônica conceitual mais adequada para a sociedade informacio-
nal da era pós-moderna. Isso acontece tão logo a teoria dos sistemas
autopoiéticos pretenda “aprimorar os instrumentos da auto-observa-
ção, i. e., da comunicação com a sociedade acerca da sociedade”458.
A concepção da ordem jurídica como um sistema auto-
poiético não se ajusta à realidade dos setores pré-modernos ou tra-
dicionais (periféricos) das sociedades e/ou grupos sociais459, e isso,
na maioria dos casos, em razão do seu baixo nível de integração so-
cial460. Todavia, assim como a ordem jurídica não é somente uma

456. Cf. N. Luhmann e R. de Giorgi, ob. cit., p. 221 e s.


457. Cf. Luhmann, Soziale Systeme, cit., p. 192 e s.
458. Luhmann, Die Weltgesellschaft, cit., p. 137.
459. Assim, e. g., Adeodato, Vorstudien zu einer emanzipatorischen Legiti-
mationstheorie für unterentwickelte Länder, Rechtstheorie, n. 22, Berlin, 1991,
p. 122.
460. Cf. Neves, Verfassung und Positivität des Rechts in der peripheren Moder-
ne, cit., 1992, p. 155 e s., 210; Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania
inexistente, cit.; A constitucionalização simbólica, cit., p. 71, 150 e s.; Ribeiro,
Processo e conflito: a crise de legitimação das decisões judiciais, Revista de Direito
Alternativo, n. 1, São Paulo, 1992, p. 79. Luhmann está consciente dessa circuns-
tância, uma vez que estabelece, em relação à sociedade (mundial) (pós)moderna,
que, como ela “depende mais de processos auto-regulativos do que qualquer outra
sociedade anterior (...), ela não pode suportar um alto grau de integração social” (Die
Weltgesellschaft, cit., p. 133). Essa observação o levou a distinguir “integração” — de-
finida como limitação da liberdade de agir em razão do status e papéis sociais de-
correntes da integração — de “inclusão”, adotando o esquema “inclusão/exclusão”
como um “metacódigo”, que mediatiza a aplicação dos códigos de todos os subsis-
temas sociais — a exclusão de um sistema funcional impede a inclusão em outros.
Assim, em relação ao Direito, tem-se que, nessa perspectiva, os excluídos é que
estão mais integrados à sociedade, ainda que de forma negativa, pois eles é que
podem menos. “Em contrapartida, a inclusão possibilita uma integração menor, ou

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realidade, um Sein, mas também uma idealidade, um Sollen, a teoria
do sistema jurídico autopoiético fornece uma importante contribuição
acerca das possibilidades do Direito na periferia da sociedade mundial
(pós-moderna), ou seja, acerca de como ela poderia — e como não
deveria — ser. Isso pode levar a um uso crítico (normativo) desse
tipo de estudo sociojurídico (descritivo e construtivista)461.
Se, de acordo com C. Geertz462, “assim como os negócios,
a ciência, a religião, ou a arte, o Direito, o qual é um pouco de tudo
isso, propõe um mundo no qual suas descrições façam sentido”,
tanto que isso seria “uma maneira distintiva de imaginar o real”, logo
a teoria dos sistemas jurídicos autopoiéticos é uma forma para ima-
ginar essa “maneira de imaginar o real”. Sua natureza universalística
e “holística” (no sentido de “não-reducionista”) pode induzir-nos
facilmente a considerá-la como uma espécie de “grande teoria” ou,

seja, maior liberdade, e dessa forma ela se adequa à lógica da diferenciação fun-
cional. A diferenciação funcional exige um ‘acoplamento frouxo’ (loose coupling)
entre os sistemas funcionais, o corte de vínculos entre os diferentes papéis sociais
— aí é que aparecem possibilidades de violações da lei e corrupção. As possibili-
dades trazidas pela inclusão podem ser convertidas em vantagens pessoais, me-
lhores posições e impulso na carreira profissional” (Luhmann, Das Recht der
Gesellschaft, cit., p. 584). São constatações assim que suscitam reações a essa
teoria, como a de Sibylle Tönnies, Komplexität und Chaos, Rechtstheorie, n. 23,
1992, p. 535, para quem “o conceito de autopoiese é um eufemismo para referir o
estado natural de exploração do mais fraco pelo mais forte” (no original: “Der
Begriff der Autopoiese ist ein Euphemismus für den natürlichen Zustand der Aus-
beutung der Schwachen durch die Starken”). Aqui me parece que a crueldade não
é da teoria, mas da situação que ela, corretamente, descreve, sem que com isso seu
autor se torne um cínico, como o (des)qualifica a estudiosa por último referida (ib.,
p. 539).
461. Um exemplo pode ser visto nos trabalhos de Marcelo Neves — Verfassung
und Positivität des Rechts in der peripheren Moderne, cit., p. 182 e s., passim;
Entre subintegração e sobreintegração: a cidadania inexistente, cit., p. 257 e s.;
A constitucionalização simbólica, cit., p. 149 e s. — quando ele identifica a falta
de legitimidade do direito constitucional no Brasil com problemas na “auto-refle-
xão” e “auto-reprodução” do Direito nacional enquanto sistema autopoiético,
apontando a autonomia do sistema jurídico como condição para o exercício pleno
da cidadania.
462. Ob. ult. cit., p. 173.

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usando os termos de R. M. Unger463, “teoria de estruturas profundas”,
quando ela se propõe a ser uma “superteoria”, caso a meu ver em que
deveríamos utilizá-la como uma “prototeoria”, ou seja, “um corpo de
idéias que podem servir de ponto de partida para diferentes concepções
da realidade e possibilidades sociais”464 Esse tipo de teoria sociológica
do direito representa uma tentativa de escapar da presente “exaustão
de paradigma” nessa área — e, por último, ela proporciona abertura
para um diálogo interdisciplinar sem precedentes465.

463. False necessity. Anti-necessitarian social theory in the service of radical


democracy. Politics, a work in constructive social theory, Cambridge-New York-New
Rochelle-Melbourne-Sydney, 1987, v. 1, p. 37 e s.
464. Id. ib., p. 52 e s. Uma confirmação encontra-se em Luhmann, ob. ult. cit.,
p. 540 e s.
465. Cf. Abel, Redirecting social studies of law, Law & Society Review, n. 14,
Denver, 1980, p. 826.

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7
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegando ao fim desde já longo percurso, é hora de resu-


mir, antes de concluir. O tema que nos ocupou foi o da possibilidade
de se praticar a ciência do direito em sentido estrito, a chamada Dog-
mática Jurídica, atendendo padrões de cientificidade aceitos de forma
generalizada.
Para tanto foi adotado um iter, identificando previamente
uma certa sistematicidade na exposição que se inicia com uma aná-
lise sobre Ciência e Filosofia, após relacionada a uma abordagem
original sobre a Epistemologia Jurídica e a Filosofia do Direito Con-
temporânea, sobre essa última ressaltando-se com ênfase aquilo que
propomos como uma filosofia do processo e sua importância nos
tempos atuais.
Ao se estabelecer a necessidade e possibilidade de um
estudo epistemológico e filosófico do (no) Direito, como ponto ob-
jetivo da obra, segue-se com o estudo do desenvolvimento da ciência
jurídica de maneira específica sob uma perspectiva histórica, uma
concepção de ciência jurídica situada de forma originária mais evi-
dente em Roma e que ainda permanece em desenvolvimento, estando
o seu acabamento, portanto, ainda inconcluso.
Na projeção desse desenvolvimento, revela-se de grande
importância, após a análise da escola histórica do Direito e da crítica-
ideológica marxista, o exame da contribuição de Rudolf von Jhering
que é responsável por uma reviravolta nos estudos jurídicos com a
sua virada pragmática. Jhering foi um dos mais brilhantes dos segui-
dores da Escola Histórica, mas com o desenvolvimento de seus estu-
dos, bem como de sua sensibilidade para o agravamento da miséria
social, devido ao avanço do capitalismo em sua fase “selvagem”,
percebeu a necessidade de ir além da abordagem formalista dos ju-
ristas imunizada quanto às influências de ordem política, moral,
econômica etc., como preconizava o modelo de ciência da moderni-

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Teoria da Ciencia Juridica - 001241 241 4/2/2009 13:31:59


dade. Sendo assim, passa a adotar uma perspectiva mais realista de
estudo, influenciado pelo pragmatismo e utilitarismo anglo-saxão,
bem como pelo evolucionismo darwinista. Nessa, segunda fase, a
categoria do “interesse” ocupa o lugar central, que antes fora ocupa-
do pela noção de “vontade”. Jhering vai, então, apontar para a neces-
sidade que se vislumbra, por detrás das formas fantasmagóricas das
leis e conceitos doutrinários, o jogo dos interesses em conflito, bus-
cando amparo numa ordem jurídica objetiva. Há uma inversão de
perspectiva, que estimula uma atuação efetiva para o desenvolvimen-
to da função social do Direito ainda muito pouco concretizada, ainda
mais em nosso país, com sua tendência fortíssima para idealizar o
Direito, por um lado, e por outro lado, torná-lo um objeto de disputa
meramente retórica.
Toda essa investigação sobre a o desenvolvimento histó-
rico da ciência jurídica delimita um outro objetivo da obra, qual seria
apresentar algumas contribuições recentes à epistemologia jurídica,
assim, dando continuidade a esse desenvolvimento histórico e ao
mesmo tempo proporcionando uma revisão do pensamento episte-
mológico-jurídico. Essa revisão que almeja a apresentação de um
esboço sobre uma proposta inclusiva a partir da questão fundamental
da epistemologia jurídica percorre um estudo sobre alguns modelos
teóricos tridimensionais como de Reale e Wróblewsky acompanhados
com a abordagem inicial da tese da tridimensionalidade (Dreidimen-
sionalitätsthese) de Dreier e Alexy — sobre a qual refletimos ainda
sobre a possibilidade de uma quarta dimensão e de uma multidimen-
sionalidade — vai se chegar na idéia da “epistemologia jurídica
descritiva” de Atias, nos problemas (obstáculos) epistemológicos de
Hernandes Gil e na tentativa de reavivar a ciência jurídica por meio
da recuperação de um “paradigma perdido” relacionado ao direito
natural como era concebido na filosofia aristotélica por Aloysio Fer-
raz Pereira, todas convergindo como pontos reflexivos para o que
aqui consideramos como uma Teoria Inclusiva em epistemologia da
dogmática jurídica.
A revisitação do pensamento epistemológico-jurídico
necessita, conseqüentemente, de ser acompanhada de um revisitação
dos parâmetros metodológicos de uma abordagem científica do Di-

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reito, através da adoção de parâmetros que são adotados pelas ciências
em geral, com as adaptações que se fazem necessárias, em face do
objeto de estudo diferenciado que se tem no direito, tal como pesqui-
sado pelo jurista. Em primeiro lugar, precisamos de um referencial
empírico, em relação ao qual experimentamos as hipóteses suscitadas
para solução dos problemas jurídicos. Como não se pode induzir
artificialmente a experiência jurídica em laboratórios, devemos ir em
busca dessa experiência onde ela se revela, e ela se revela de modo
especial quando estudamos história, o direito comparado, a jurispru-
dência, a legislação e a doutrina, o que não exclui a possibilidade de
estudos empíricos utilizando metodologias mais próprias de ciências
sociais explicativas. O direito, contudo, é uma ciência hermenêutica,
que explica explicando-se, auto-referencialmente, donde a importân-
cia para nós de propostas filosóficas de cunho hermenêutico e de
modelos mais recentes, como aquele sistêmico autopoiético apresen-
tado no último capítulo. Por fim, como toda ciência, também aquela
voltada para o direito precisa aperfeiçoar o meio de comunicação dos
conhecimentos por ela desenvolvidos, e aqui a matemática não de-
sempenha o papel que tem em outros campos do saber, havendo uma
tendência recente, em teoria jurídica, de se utilizar os recursos de
ciências formais como a semiótica e a lógica deôntica para aperfei-
çoar o instrumental terminológico no campo do direito. Mais do que
na maioria dos outros domínios do saber, no entanto, ao estudar o
Direito precisamos ir em busca dos fundamentos ideológicos das
assertivas, para assim nos aproximarmos do ideal de objetividade que
é constitutivo da ciência — e que, enquanto ideal, também recai no
âmbito da ideologia, termo sobre o qual nos debruçamos de maneira
descritiva e relacional com o Direito.
Ao passo em que uma revisitação do pensamento episte-
mológico-jurídico necessita de um revisitação dos parâmetros meto-
dológicos do Direito, cabe ainda, e essencialmente a partir de tal re-
flexão e do atual contexto da necessidade de efetivação de um Estado
Democrático de Direito, uma abordagem sobre a metodologia e in-
terpretação constitucional como contributo para efetividade e con-
cretização da nossa Constituição legitimamente através de um pro-
cesso constitucional construtivo e solucionador dos problemas sociais.

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Essa abordagem traz à tona todo o conteúdo da obra desde seu pri-
meiro capítulo, primeiramente com relação à filosofia do processo e
após percorrendo todo o sentido da investigação epistemológico-ju-
rídica e dogmática traçado.
Para, ao menos, se delimitar a potencialidade de efetivação
de um processo constitucional é preciso evidenciar os principais
problemas metodológicos suscitados atualmente pela interpretação
constitucional, que seriam aqueles decorrentes da diferença deonto-
lógica radical entre normas jurídicas, que são regras, daquelas que
são princípios, sendo a metodologia constitucional voltada para a
compreensão destes últimos, levando às últimas conseqüências essa
diferença. Os direitos fundamentais, como defendido, são consagra-
dos por normas que têm a natureza de princípios, e só poderão ser
bem compreendidos e, em seguida, efetivados, levando em conta os
avanços dessa nova metodologia.
Por fim, chegando na última parte desse resumo sintético
sobre os capítulos da obra que enseja a apresentação da conclusão,
resta-nos explicitar o sentido exposto da Teoria da Autopiese do
Direito que, em linhas gerais, trata-se de uma proposta de observar
como o direito se realiza, levando em conta, dentre muitos fatores, o
papel dessa observação — e de outras, as chamadas “doutrinas” ou
“teorias jurídicas” —, nesse processo de (auto)realização e fazer-se
a si mesmo (auto — si mesmo, poiéin — fazer) do Direito. Como já
dito, o Direito é uma ciência hermenêutica, que explica explicando-se,
auto-referencialmente, daí surgindo a grande importância de se aten-
tar para as propostas filosóficas de cunho hermenêutico e de modelos
mais recentes, como o que abordamos no último capítulo a partir da
obra de Niklas Luhmann, denominado sistêmico autopoiético.
Portanto, conclusivamente podemos afirmar que a pers-
pectiva teórica adotada foi a de considerar o modelo de ciência jurí-
dica buscado como possuidor de uma relevância para os estudos
desenvolvidos por aquela disciplina cultivada pelos que se ocupam
profissionalmente com o Direito, a saber, a chamada “dogmática
jurídica”. Trata-se, portanto, de uma teoria jurídica, voltada para a
formulação de enunciados a serem validados por uma referência a
normas de Direito positivo, e não através, por exemplo, do recurso a

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dados empíricos e esquemas conceituais fornecidos por ciências
sociais ou a uma ordem de valores elaborada filosoficamente.
Uma teoria jurídica, é certo, lida com um material empí-
rico, formado por normas, decisões judiciais e mesmo doutrinas,
vinculantes para os indivíduos, e que são também dados objetivos.
Ao mesmo tempo, em se tratando de pautas normativas, possuem
uma inegável carga axiológica. De uma tal teoria se espera, no entan-
to, que forneça instrumentos conceituais e metodológicos de análise
e sistematização daquele material, colaborando no sentido de solu-
cionar os problemas de convivência humana e organização política
que se colocam para o Direito e sua ciência, a dogmática jurídica.
A constatação dessa função social e a tarefa política, que
aparecem associadas à dogmática jurídica, por ser ela indissociável
da própria realidade que estuda, o Direito, criam enormes dificulda-
des para que certos teóricos aceitem apor-lhe o atributo da cien-
tificidade. Daí decorrem posturas, como a que aceita essa cienti-
ficidade, desde que o estudo do Direito ponha entre parênteses seu
conteúdo político e axiológico, contentando-se com uma abordagem
formalista, ou então aquela outra que simplesmente nega a compati-
bilidade entre “ciência” e “dogmática”, atribuindo a esta última o
papel ideológico e a função social de orientar a conduta humana de
forma não-cognitiva466.
Bem, para começar, penso que, pelo estado atual do pen-
samento epistemológico, não há nenhuma heresia em negar o supos-
to caráter descompromissado da ciência. A história da ciência — e
já o simples fato de que haja um horizonte histórico-social, e mesmo
político, em que ela é situada, tal como se faz notar em obra tão im-
portante para a epistemologia contemporânea, como é aquela de
Thomas S. Kuhn, A estrutura das revoluções científicas — evidencia

466. Em termos de América Latina, a primeira postura, de derivação neoposi-


tivista, legítima herdeira do aporte kelseniano, encontra-se, v. g., em Roberto J.
Vernengo, Las dimensiones del derecho y las teorías jurídicas, NOMOS — Revista
do Curso de Mestrado em Direito da UFC, n. 11-2, Fortaleza, 1992/1993, p. 205 e
s., enquanto a segunda, próxima do racionalismo crítico popperiano e tributário, em
termos de teoria do direito, de idéias de Theodor Viehweg, seria defendida por Tér-
cio S. Ferraz Jr., Introdução ao estudo do direito, São Paulo, 1988, p. 84 e s.

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os vínculos entre a ciência, especialmente as “sociais” ou “humanas”,
e as demais esferas ou instâncias constitutivas da organização social.
Hoje em dia, inclusive, o que se espera dos que praticam ciência é
que assumam determinados compromissos e responsabilidades pe-
rante uma ética que adota, por sua vez, compromissos com uma ra-
cionalidade de corte científico467. Eis que novas tarefas se apresentam
para o pensamento filosófico, quando já se falava, novamente, de sua
exaustão na época de predomínio do pensamento técnico-científico:
tratar dos problemas causados por esse pensamento e, logo, de sua
fundamentação, ética e epistêmica.
A cientificidade, então, pode ser encarada como atributo
de uma forma de conhecimento que persegue um determinado ideal,
cujo atingimento — ou melhor, tentativa de atingimento, pois um
ideal, por definição, não se realiza — implica a assunção de certos
compromissos. Dentre estes ressaltem-se aqueles com a resolução de
problemas a partir de hipóteses, testadas intersubjetivamente por
referência a uma base empírica objetiva, da qual se inferem respostas,
expressas em linguagem que, por sua precisão, enseje um entendi-
mento adequado por parte dos integrantes da comunidade científica.
Relacionados a tais compromissos aparecem ideais como o da neu-
tralidade axiológica (e política), objetividade e rigor do conhecimen-
to científico.
Pois bem. A cientificidade de um estudo de direito, a meu
ver, poder-se-ia determinar de acordo com sua capacidade de honrar
aqueles compromissos, sem, contudo, negligenciar outros, alguns dos
quais foram assumidos já há muito tempo, antes mesmo da era de
predomínio do conhecimento científico — por exemplo, quando da
própria constituição de um saber metódico sobre o Direito —, ao
passo que outros são compromissos que contemporaneamente se
espera sejam assumidos por qualquer disciplina que estude cientifi-
camente o Direito.

467. Cf., a propósito, Michel Serres, O contrato natural, Rio de Janeiro, 1991,
p. 65 e s.; Manfredo A. de Oliveira, Ética e racionalidade moderna, São Paulo, 1993,
p. 153 e s.

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Passando em revista a evolução do paradigma de pensa-
mento jurídico468, tem-se que os primeiros compromissos foram as-
sumidos pelos jurisconsultos romanos, fundadores da jurisprudentia,
termo do qual se origina a denominação de nossa disciplina nos idio-
mas ocidentais em geral. Em primeiro lugar, estava o compromisso
com respostas a problemas práticos de uma sociedade que se havia
tornado de uma complexidade sem paralelo em sua época, respostas
essas oferecidas com base em noções éticas e epistemológicas de
origem helênica, centradas em idéias, ainda hoje presentes, como a
de eqüidade e aquela, própria da gramática grega, das distinções di-
cotômicas de categorias — direito (objetivo) público x privado, e,
dentro deste último, direito (subjetivo) real x pessoal etc.
Um segundo momento importante é aquele em que, após
a fusão — e confusão — decorrente do encontro histórico entre as
civilizações germânicas e latinas, no Ocidente, redescobre-se o Corpus
Juris Civilis no Oriente, logo considerado, pela mentalidade teológica
então vigente, como um análogo da Bíblia, um texto contendo a ratio
scripta, do qual, por meio da exegese, se poderiam extrair as soluções
novas para os novos problemas de um período em que se intensifica-
vam as relações comerciais, e já não mais entre pessoas de um mesmo
feudo, mas entre “citadinos”, “burgueses”, i. e., habitantes de diferen-
tes “burgos”. Esse seria o momento da introdução da dogmaticidade
no estudo do direito, representando o compromisso com uma respos-
ta aos problemas jurídicos que fosse compatível com textos preexis-
tentes — e, quando não havia esses textos, conforme hoje se sabe, eles
eram simplesmente forjados, com uma perfeição que martiriza os
atuais pesquisadores da historiografia jurídica medieval.
O momento seguinte é o do advento do jusracionalismo.
Tem-se aí a introdução da forma sistemática de conceber o Direito,
não só em nível teórico, mas também naquele positivo, representada
pela idéia de codificação. O historicismo de F. K. von Savigny irá

468. Cf., mais extensamente, Willis S. Guerra Filho, Estudos jurídicos, Forta-
leza, 1985, p. 9 e s.; Introdução à filosofia e à epistemologia jurídica, Porto Alegre,
1999; Tércio S. Ferraz Jr., ob. ult. cit., p. 53 e s.; A ciência do direito, São Paulo,
1988.

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contrapor-se a essa última idéia, em nome da defesa do direito con-
suetudinário, gerado espontaneamente no “espírito do povo”, sem,
no entanto, deixar de pôr no centro mesmo de suas preocupações a
“construção do sistema (conceitual)”. Na verdade, uma das teses que
se pretende aqui defender é a de que nunca houve uma ruptura de
paradigma em ciência jurídica, ou seja, ele vem evoluindo, desde
que se tornou visível, em Roma, até nossos dias, sem as “revoluções”
detectadas por T. S. Kuhn no terreno da física469. A nossa ciência,
portanto, para usar os seus termos, sempre teria sido “normal”, o que
talvez se explique pela circunstância de ela ser “normativa”470.
Com isso não se quer negar a existência de modificações
dentro desse paradigma, do que, aliás, está-se precisamente tratando
no momento. O que se afirma é a capacidade que tal paradigma vem
demonstrando de rearticular-se, absorvendo posições que a ele se
contrapõem.
Retomando nosso discurso, tem-se que a Escola Histórica
do Direito significa um marco fundamental no âmbito da evolução
do paradigma científico-jurídico, pois é nela que se dá nada menos
do que a afirmação, por vez primeira, da necessidade (e possibilida-
de) de se constituir — como vinha ocorrendo em outros campos —
uma ciência para estudar o Direito, com uma metodologia própria,
mais próxima daquela, gestada na teologia, e empregada em discipli-
nas como a história e a filologia: a hermenêutica471.

469. Sobre as mudanças de paradigmas na ciência, cf. Valéria Álvares Cruz, O


direito e a nova visão da ciência, São Paulo, 2000, esp. p. 109 e s.
470. Para percepções diferenciadas, cf., v. g., Christian Atias, Épistémologie
juridique, Paris, 1985, p. 193 e s., e José Eduardo Faria, A noção de paradigma na
ciência do direito: notas para uma crítica ao idealismo jurídico, in A crise do direito
numa sociedade em mudança, Brasília, 1988, p. 21 e s. Em sentido que me parece
convergente com o meu próprio entendimento, posiciona-se Zuleta Puceiro, Teoría
del derecho, Buenos Aires, 1987, p. 41-3.
471. De importância seminal, nesse contexto, é a contribuição de F. K. von Sa-
vigny, delineada a partir do curso de inverno de 1802 sobre metodologia jurídica, em
Stuttgart, e consumada no v. 1 do System des heutigen Römischen Rechts (sistema do
direito romano atual), Berlin, 1840, quando os principais cânones da hermenêutica
jurídica são fixados. Para versões em espanhol desses trabalhos, cf. Savigny et al., La
ciencia del derecho, Buenos Aires, 1949, e Metodología jurídica, Buenos Aires, 1979.
V. ainda, a propósito, Larenz, Metodologia da ciência do direito, cit., p. 1 e s.

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No âmbito da Escola Histórica, a tendência formalista,
já presente no jusracionalismo, vai ser retomada pela “jurisprudên-
cia conceitual” (Begriffsjurisprudenz), desenvolvida por Puchta,
que dará o tom dominante do paradigma jurídico durante todo o
século XIX, como avulta em projetos epistemológicos como aque-
les das “teorias gerais” do direito (privado), do processo e do Esta-
do, bem como da pandectística, em que se destaca o nome de
Bernard Windscheid. Já no século XX, tal perspectiva será reafir-
mada e aperfeiçoada em doutrinas como aquela do positivismo
normativista kelseniano472.
Ainda no próprio século XIX, mais precisamente em sua
segunda metade, porém, a situação verdadeiramente calamitosa que
afligia a maior parte da população nas sociedades em que se encon-
trava mais desenvolvida a articulação entre o liberalismo político, o
capitalismo e o legalismo, havia gerado no plano jus-epistemológi-
co uma série de posturas dissidentes, antiformalistas, em geral de
inspiração política socialista. Aqui se podem referir, como exemplo,
os trabalhos de crítica legislativa de Karl Marx, publicados em 1842
na Gazeta Renana473, da chamada “jurisprudência crítica alemã”
(Ferdinand Lassalle, Otto V. Gierke, Hugo Sinzheimer, Otto Kahn
Freund, Ernst Fraenkel, Karl Korsch), dos “catedráticos socialistas”
austríacos (Anton Menger, F. Klein, Karl Renner), bem como de
Jhering, após sua “virada” para uma “jurisprudência pragmática”,
renegando seu passado pandectista, e o Movimento do Direito Livre
(Oskar von Bülow, H. Kantorowicz, Eugen Ehrlich etc.). Dentre as
contribuições oriundas dessas correntes de pensamento pode-se
destacar o sentido mais concreto, empírico mesmo, que conferem
ao estudo do direito, chamando atenção para suas conseqüências
sociais e comprometimentos ideológicos.

472. Cf. Willis Guerra Filho, Material para estudos de teoria do direito, NOMOS
— Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC, n. 9-10, Fortaleza, 1990/1991,
p. 49-58.
473. Cf. K. Marx e F. Engels, Werke, Berlin, 1956, v. 1, p. 148 e s.; Wolf Paul,
Marxistische Rechtstheorie als Kritik des Rechts, Frankfurt a. M., 1974.

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Em termos de metodologia jurídica, após toda essa ebuli-
ção de idéias antiformalistas e antidogmáticas, torna-se predominan-
te, no primeiro terço do século XX, na área de influência alemã, a
chamada “jurisprudência dos interesses”, que se associa com o nome
de Philip Heck. O “renascimento” do jusnaturalismo, no segundo
pós-guerra, bem como a reabilitação de formas antigas de racionali-
dade (a retórica, a tópica, a hermenêutica etc.), diversas daquela
moderna, cientificista — a qual, por essa época, se torna suspeita e
desacreditada em suas promessas de emancipação graças ao conhe-
cimento que propiciaria —, contribuem para que o paradigma jurídi-
co dominante evolua, ensejando o aparecimento da “jurisprudência
das valorações” (Wertungsjurisprudenz).
Inicia-se, então, uma fase “pós-positivista”, a atual, de
cunho marcadamente pragmatista, em que se privilegia uma aborda-
gem a partir dos fatos tal como se dão concreta e particularmente, em
relação aos quais se estuda a ordem jurídica, procurando utilizá-la
para enquadrá-los com respeito aos valores consagrados em seus
princípios fundamentais. Afastado é aquele tipo de abordagem em
que, ao contrário, se estudam mais os fatos, como aparecem abstrata
e hipoteticamente descritos em normas do ordenamento jurídico,
procurando, em seguida, amoldar os fatos concretos de acordo com
a “para-realidade” normativa. Exemplos típicos dessa postura “pós-
positivista” encontram-se na “doutrina estruturante do direito”, do
constitucionalista alemão Friedrich Müller, bem como em teorias
como aquelas que se apresentam como tri ou multidimensionais, e
que já propus denominar “inclusivas”474. Em sintonia com essa pers-
pectiva é que se passa, agora, a sugerir parâmetros metodológicos
para se pesquisar em direito com um sentido de cientificidade475.

474. Cf. Willis Guerra Filho, Inclusive legal theories and conjectural Knowled-
ge in legal epistemology, ARSP, cit., p. 397 e s.; Teorias tri e multidimensionais em
epistemologia jurídica: o modelo Dreier-Alexy e o modelo integrativo polonês, Anais
do IV Congresso Brasileiro de Filosofia do Direito, João Pessoa, 1990, p. 153 e s.
475. Essas idéias foram desenvolvidas e aplicadas, originariamente, em minha
dissertação de mestrado, Do litisconsórcio necessário nas ações de estado, na PUCSP,
São Paulo, 1986.

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Primeiramente, cabe postular que um estudo científico do
Direito, como todo estudo dessa natureza, deve partir de problemas,
e problemas de um determinado tipo, problemas jurídicos, que en-
volvem a regulamentação da conduta dos indivíduos em face uns dos
outros, de modo particularmente vinculante. Eis o objeto da ciência
jurídica em sentido próprio, a ciência dos juristas. Para solucionar
tais problemas, cientificamente, deve-se suscitar hipóteses, cuja va-
lidade haverá de se poder aferir, referindo-as a uma base empírica.
Em Direito, essa empiria é constituída pela experiência jurídica,
acumulada historicamente, no trato de problemas semelhantes. Essa
experiência tanto pode ser captada sincronicamente, no Direito vi-
gente em nosso país — ou em outros, pelo direito comparado476 —,
como diacronicamente, em épocas anteriores, pela história do direi-
to. Como fonte dessa experiência, têm-se não só a legislação, mas
também a jurisprudência e a doutrina. Decisivo, porém, é que a so-
lução, advinda do confronto da hipótese de trabalho com o material
empírico utilizado, seja compatível com o ordenamento jurídico
positivo no âmbito do qual trabalha o pesquisador, para que ele man-
tenha o compromisso básico, responsável pela classificação de seu
trabalho científico como jurídico, ou melhor, “dogmático-jurídico”.
Há ainda uma outra dimensão, fundamental para que se
atinja a cientificidade em uma pesquisa, que diz respeito à comuni-
cação intersubjetiva dos resultados obtidos com a pesquisa. É aí que
avulta a importância de se ter uma linguagem que empregue concei-
tos definidos com precisão e rigor, por ser ela o instrumento ideal

476. Em obra do primeiro quartel do século XX, Julius Binder já definira a


tarefa da comparação jurídica em termos que punha à mostra seu papel de tratar de
problemas recorrentes da vida social, permitindo, assim, uma abertura à empiria no
Direito e o oferecimento de soluções para os problemas com os quais nos defronta-
mos hoje a partir das soluções dadas por outros povos e em outros tempos. Cf. J.
Binder, Philosophie des Rechts, Berlin, 1925 (Aalen, 1967), p. 23 e s. É essa ênfase
no problema que torna a abordagem comparativa convergente com aquelas mais
recentes, na história do paradigma jurídico, como são as das “jurisprudências” (Ju-
risprudenz) dos interesses e das valorações e também aquelas influenciadas pela
retomada do pensamento tópico por Viehweg e outros. Cf., a respeito, Rheinstein,
Einführung in die Rechstvergleichung, 2. ed., München, 1987, p. 27 e 47.

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dessa comunicação. Nesse nível, haveremos de nos apropriar de uma
grande tradição de estudos, no campo do direito, da qual são herdei-
ros, em nossos dias, neopositivistas, jusfilósofos analíticos da lingua-
gem, cultores da semiótica e análise do discurso jurídico etc.
Finalmente, uma pesquisa jurídica em sentido estrito, para
sê-lo plenamente, haverá de se defrontar com o aspecto valorativo
da matéria estudada. Nessa dimensão, que Robert Alexy denomina
“normativa”, é que se vão consumar as soluções para os problemas
jurídicos, que o mesmo autor divide em “problemas de comple-
mentação” e “problemas de fundamentação”477. É aqui que se faz
necessário o exercício de uma crítica da ideologia que revele vincu-
lações políticas e éticas, subjacentes a posições assumidas por dou-
trinadores, juízes e legisladores no âmbito do Direito. Com isso,
evita-se uma politização exacerbada da teoria jurídica, que a torna
desprovida de um mínimo de objetividade, outro requisito necessário
para que se possa considerá-la científica478.
Nesse passo, encontramos o que seria o “ponto fraco” da
ciência propriamente jurídica, responsável maior por sua, segundo
alguns, incapacidade de se constituir como verdadeira ciência, ou,
pelo menos, como uma “ciência normal”479. Na verdade, a ciência
jurídica — como toda ciência, aliás — não tem como escapar com-
pletamente das influências ideológicas. É certo, também, que para
ela é particularmente difícil uma “neutralização axiológica”, e pode-
mos mesmo duvidar de que isso seja desejável, pois, se perseguirmos
esse já tão desgastado ideal com demasiada obstinação, terminaremos
por não cumprir um dos principais compromissos que se deveria
assumir, ao fazer ciência em geral, e, especialmente, ciência do di-
reito: o compromisso com a democracia e a emancipação social480.

477. Cf. Alexy, Theorie der Grundrechte, cit., p. 23 e s.


478. Aqui se dá a possibilidade, vislumbrada por Zuleta Puceiro, ob. cit., p. 69-
70, de se articularem a nova filosofia da ciência e a teoria crítica, de corte marxiano.
479. Nesse sentido, Atias, ob. cit., p. 201.
480. Leonel S. Rocha, Introdução à teoria jurídica contemporânea, mimeo.,
Florianópolis, 1993, p. 4, chega mesmo a preconizar o compromisso com a demo-
cracia como o maior compromisso da teoria jurídica. V., do mesmo autor, Epistemo-
logia jurídica e democracia, São Leopoldo, 1998.

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Assim sendo, vemo-nos diante da necessidade de, para
evitar que a epistemologia jurídica se torne puramente ideológica,
propor que o saber jurídico assuma seu caráter ideológico, consti-
tuindo um paradigma que inclua o laço entre ciência, ética e política.
Há, então, que se abraçar uma ideologia que seja compatível com a
ciência, o que foi intentado por Marx e, na atualidade, por Karl Popper,
em grande parte, confrontando-se com a concepção marxiana481.
Entre nós, Alberto Oliva estaria apostando nessa possibilidade, quan-
do intenta embasar epistemologicamente o liberalismo482.
A ideologia que melhor se compatibilizaria com a ciên-
cia seria aquela que, como esta, admite e estimula o exercício da
crítica, da faculdade do juízo, unificadora das faculdades dos co-
nhecimentos teórico e prático, para aludirmos a um dos “pais
fundadores” da epistemologia, Immanuel Kant483. O jurista, por-
tanto, tem como dada uma das pré-condições para realizar um
trabalho científico em dogmática jurídica quando a ideologia que
embasa o ordenamento jurídico, no âmbito do qual sua pesquisa
deve desenvolver-se, é uma ideologia democrática, que concebe a
democracia como um resultado do exercício pleno do Estado de
Direito484. Essa pré-condição foi atendida em nosso ordenamento
jurídico com a Constituição de 1988, na qual, onde, seguindo uma
tendência universal — universalidade, outro requisito do trabalho
científico —, já no Preâmbulo e no primeiro artigo, encontra-se
manifestada a determinação de instaurar no País um “Estado De-
mocrático de Direito”.

481. Cf. Popper, A miséria do historicismo, São Paulo, 1982; A sociedade


aberta e seus inimigos, Belo Horizonte-São Paulo, 1987; José Carlos Rothen, A
relação entre epistemologia e ética: estudo dos argumentos de Karl Popper contra
o marxismo, Diss., PUCCamp, Campinas, 1992.
482. Cf. Oliva, Entre o dogmatismo arrogante e o desespero cético, Rio de
Janeiro, 1993, p. 13 e s.
483. Cf. Kant, Crítica da faculdade do juízo, Rio de Janeiro, 1993, p. 20 e s.
484. Nesse sentido, Jürgen Habermas, Geltung und Faktizität, Frankfurt a. M.,
1992, p. 151 e s., 541 e s., passim; Luis Alberto Warat, Dónde está el derecho?,
mimeo., Florianópolis, 1993, p. 11; Miguel Reale, O Estado Democrático de Direi-
to e o conflito das ideologias, 2. ed., São Paulo, 1999.

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Por fim, vale ressaltar que a opção por buscar um conhe-
cimento digno de ser qualificado como científico atende a um impe-
rativo ético, do qual abdicamos quando nos contentamos em desen-
volver um estudo do direito como mera “tecnologia de dominação e
controle social”485. É certo que a dogmática jurídica não se encaixa
perfeitamente no padrão moderno de cientificidade, mas parece me-
lhor e mais adequado pensar que isso ocorre não por ela ser menos
do que uma ciência, e sim por ser mais do que isso, até porque é uma
forma de racionalidade mais antiga. Em sendo assim, talvez seja
melhor falarmos de “epistemologia jurídica” e de “estatuto episte-
mológico da dogmática jurídica”, entendendo “epistemologia” não
no sentido tradicional, associado à determinação das condições de
possibilidades e limites dentro dos quais a verdade sobre um objeto
se produz para o sujeito, mas antes naquele sentido em que se fala de
uma “epistemologia freudiana”486, em que a psicanálise, como a
dogmática jurídica, aparecem como dispositivos produtores de “ver-
dades”, que, a despeito de seu caráter ficcional, constituem a subje-
tividade e a “objetividade”, o real487.

485. Cético em relação à possibilidade de se ter um estudo científico do Direito,


apesar de consciente da subserviência de um saber meramente tecnológico em relação
ao poder, apresentou-se, na esteira de Tércio S. Ferraz Jr., Fábio Ulhoa Coelho, em
Direito e poder: ensaio de epistemologia jurídica, São Paulo, 1992, p. 17 e s.
486. Cf. Sérgio Paulo Rouanet, A epistemologia freudiana, Revista Tempo
Brasileiro — Modos de Interpretação, v. 82, Rio de Janeiro, 1985.
487. Cf. L. A. Warat, loc. ult. cit., p. 6 e s. Jacques Lacan, em A ética da psica-
nálise, in O seminário, Rio de Janeiro, 1991, livro VII, p. 22, recorrendo à doutrina
benthamiana das ficções jurídicas, elabora a noção de que “toda verdade tem estru-
tura de ficção”, donde o Direito, grande encarregado de “cimentar” as ficções em que
se sustenta a “construção social da realidade”, ser um lugar privilegiado para perce-
bermos “como o discurso estrutura o mundo real” (mais, ainda, in O seminário, cit.,
livro XX, p. 15). Para um maior desenvolvimento, cf. Enrique E. Mari et al., Derecho
y psicoanálisis: teoría de las ficciones y función dogmática, Buenos Aires, 1987.

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Não por acaso a articulação entre direito e psicanálise
prenuncia-se como importante contribuição da década passada, a
última do século XX, para o “crescimento” do paradigma jurídico,
juntamente com aquelas oriundas do “paradigma da complexidade”,
dentre as quais se inclui a abordagem construtivista da teoria de sis-
temas autopoiéticos de Maturana e Varela, assim como, no campo
específico das ciências jurídicas e sociais, de Niklas Luhmann. Na
verdade, essas formas “transclássicas” de pensamento científico,
superando as limitações do modelo moderno de ciência — e nada
mais moderno do que a ciência —, recuperam muitas das caracterís-
ticas do antigo pensamento filosófico, i. e., de sua matriz histórica e
originária, tais como a sua reflexividade e caráter totalizante — ho-
lístico, como hoje se prefere denominar a tentativa de superar as li-
mitações do reducionismo em benefício de uma visão mais integra-
tiva, inclusiva, adequada aos tempos “para além do apenas moderno”,
como diria Gilberto Freyre, os nossos tempos hipermodernos. É por
isso que nos propusemos a fazer aqui teoria da ciência jurídica, que-
rendo colaborar na preparação de um pensamento jurídico que se faça
legítimo herdeiro de seu passado milenar, ficando à altura das exigên-
cias do presente e construindo um futuro melhor, pelo exercício de
uma ciência jurídica dogmática, do Direito positivo, sim, mas também
hermenêutica, conceitualmente rigorosa, comparativo-universalista
e crítico-avaliativa, para ser socioemancipatória.

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