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6:67-75, 1983.
A M U L H E R E AS CONTRADIÇÕES DO
CAPITALISMO AGRÁRIO
Heleieth SAFFIOTI*
Vera Lúcia Silveira Botta F E R R A N T E *
RESUMO: O artigo lida com a transição da economia rural familiar para o salariato. O status da
mulher sofre redução e os elementos femininos perdem também funções econômicas.
UNITERMOS: Mulher; trabalho; capitalismo agrário; salariado; economia rural; relação
rural-urbana.
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mens. Com efeito, enquanto os homens lhador volante, podendo-se engajar enor-
representam 39,3% do total de emprega- mes quantidades de braços nos momentos
dos masculinos na agricultura, as mulhe- de pico da atividade agrícola e dispensá-
res participam com 32,5% dos contingen- los quando já não são mais necessários.
tes femininos nesta categoria. Dentre os Ora, o caráter temporário do engajamen-
agricultores, 45,2% são trabalhadores au- to na produção agrícola deixa a porta
tônomos, enquanto apenas 26,6% das aberta aos elementos com outros afazeres
mulheres estão neste caso. A proporção na residência e na economia de subsistên-
de homens empregadores é de 3,2%, ao cia e, portanto, disponíveis para a aceita-
passo que tão-somente 1,0% das mulheres ção eventual do salariato. Verifica-se,
está neste caso. A maior disparidade, to- pois, que vários fatores contribuem para
davia, se situa na categoria dos trabalha- transformar a mulher numa assalariada
dores não-remunerados. Dentre os ho- eventual. Este fenômeno não chega a ca-
mens os membros não-remunerados da racterizar uma real e completa proletari-
família significam somente 13,2%, en- zação, pelo menos da mesma forma em
quanto esta cifra alcança, dentre as mu- que ocorre com o homem. Em decorrên-
lheres, 39,7%. Este dado é suficiente para cia disto, o lumpen proletariado é, não
que se conclua sobre o enorme significado apenas, mas maciçamente integrado por
do aporte feminino na economia familiar mulheres.
da zona rural.
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que vão atingindo 7 ou 8 anos do que es- cidade. O patrão tem especial interesse em
perar que a mulher se liberte da fase de manter as mulheres como força de traba-
procriação. Os filhos são, às vezes, apro- lho reserva para ser aproveitada em mo-
veitados na esfera doméstica para dar lu- mentos de pico de atividade. Ademais, o
gar à constituição da mãe enquanto traba- trabalhador eventual não representa ne-
lhadora assalariada. Entretanto, observa- nhum ônus trabalhista. Desta sorte, a na-
se com muito maior freqüência a utiliza- tureza das tarefas desenvolvidas pelas mu-
ção da estratégia de contar com os filhos lheres no seio da família revela-se profun-
menores ganhando algum dinheiro. damente adequada à sazonalidade do
trabalho agrícola, baixando extraordina-
Quando é a mulher que sai para tra- riamente os custos de produção.
balhar, deixando a casa aos cuidados dos
filhos mais velhos, ela se torna necessaria- Via de regra, a mulher não chega a
mente uma trabalhadora eventual. Não ser contratada. Sendo seu trabalho cir-
podendo assumir compromissos com um cunstancial, entra subsidiariamente para
trabalho contínuo porque necessita aten- aumentar a produção e/ou ganho do ma-
der às necessidades da família, a mulher rido. Na verdade, o processo de indivi-
engaja-se, via de regra, quando é esta a es-dualização do trabalho implícito no regi-
tratégia adotada pelo grupo familiar, em me de salariato não chega a se concretizar
trabalho eventual. para a maioria das mulheres. O regime
anterior representava a sujeição à família,
Ora, é exatamente a natureza even- o trabalho contínuo, a não distinção entre
tual do trabalho feminino na agricultura local de domicílio e local de trabalho e a
que a deixa a descoberto dos benefícios fartura na medida em que a mulher pro-
sociais, tão escassos e tão duramente con- duzia alimentos. O salariato representa
quistados pelos trabalhadores. Com efei- teoricamente a individualização do traba-
to, a lei 5.889, de 8-6-1973, que revogou o lhador. Isto se concretiza, todavia, apenas
Estatuto do Trabalhador Rural e atual- para os homens; raramente para as mu-
mente rege as relações de trabalho no lheres. Estas continuam a auxiliar o mari-
campo, considera empregado rural "toda do, a trabalhar por um salário que vem
pessoa física que, em propriedade rural embutido no do cônjuge e a não gozar de
ou prédio rústico, preste serviços de nenhum benefício estipulado pela lei, por-
natureza não eventual a empregador ru- que legalmente ela não constitui uma tra-
ral, sob a dependência deste e mediante balhadora. In concreto, pois, é muito raro
salário". Esta definição permite o apare- que a rurícola se beneficie da relativa au-
cimento de acentuadas diferenças entre tonomia que o salário individual garante.
trabalhadores residentes e volantes e entre Seu engajamento na força de trabalho é
homens e mulheres. A situação de traba- dificultado pela separação radical entre as
lho do morador é, com maior freqüência, esferas domésticas e do trabalho, mesmo
regulada pelo registro em carteira, o que que se trate de trabalho esporádico. A
lhe permite usufruir do salário estipulado mulher já não produz alimentos, por-
pela lei, de repouso semanal remunerado, quanto a economia é inteiramente mone-
de férias e do 13.° salário. Já com os vo- tarizada. Há, portanto, uma perda de sta-
lantes, seja pela natureza sazonal do tra- tus social e uma perda do ponto de vista
balho, seja pela presença do empreiteiro, da dieta alimentar das famílias rurais.
a legislação raramente é cumprida. Quan-
to à mulher, é muito rarefeito o cumpri- As mulheres não apenas sentem, mas
mento da lei, quer ela resida na fazenda, verbalizam a continuidade da dependên-
quer viaje diariamente porque reside na cia do elemento feminino em relação ao
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ABSTRACT: The article deals with the transition from familial rural economy to wage labor. The
status of women goes down and they loose also economic functions.
KEY-WORDS: Women; work; agrarian capitalism; proíetariat; wage; rural economy; rural-urban
dialects.
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