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Perspectivas, São Paulo

6:67-75, 1983.

A M U L H E R E AS CONTRADIÇÕES DO
CAPITALISMO AGRÁRIO

Heleieth SAFFIOTI*
Vera Lúcia Silveira Botta F E R R A N T E *

RESUMO: O artigo lida com a transição da economia rural familiar para o salariato. O status da
mulher sofre redução e os elementos femininos perdem também funções econômicas.
UNITERMOS: Mulher; trabalho; capitalismo agrário; salariado; economia rural; relação
rural-urbana.

Na articulação dinâmica e contradi- tindo simultaneamente a expansão deste


tória que se estabelece entre os setores ca- setor e maior viabilidade de realização da
pitalistas e não-capitalistas das economias mais valia nele gerada.
periféricas, reside parcela apreciável da Quando o modelo de desenvolvimen-
explicação do mundo subdesenvolvido. Se to do capitalismo baseia-se numa distri-
o exército industrial de reserva é impres- buição altamente desigualitária da renda
cindível à sobrevivência do capitalismo nacional, sofisticando os bens industriali-
por permitir-lhe uma maior taxa de explo- zados para um reduzido mercado interno,
ração do exército ativo de trabalhadores, verifica-se uma tendência para a recriação
assim como a expansão periódica das ati- de atividades não capitalistas. No meio
vidades econômicas, este modo de produ- urbano, este refluxo de mão-de-obra para
ção alimenta-se, em grande parte, das re- atividades que se situam fora do sistema
lações assimétricas que desenvolve, nutre dominante de produção dá-se sobretudo
e recria com os setores não-capitalistas da no setor de serviços prestados individual-
economia de uma formação social. Nas mente. Aumenta, assim, o número de em-
formações sociais, subdesenvolvidas, o pregadas domésticas, de lavradores e de
modo de produção capitalista tende a vigias de automóveis, de jardineiros, de
açambarcar os bolsões pré-capitalistas, manicures a domicílio, etc. Na zona rural,
quando a conjuntura exige ampliação de o refluxo faz-se em direção à economia de
mercado interno, monetarizando a renda subsistência, seja em área de fronteira
dos trabalhadores destes setores e am- agrícola, seja em minifúndio cujo título
pliando, desta forma seu campo de opera- de propriedade é detido pelo trabalhador,
ção para fins de realização da mais-valia. seja em parcelas de terras cedidas, como o
A força de trabalho formada pela ação de roçado no nordeste e o terreno para o cul-
contingentes humanos integrados em ati- tivo de hortaliças e a criação de animais
vidades não-capitalistas é absorvida pelo de pequeno porte no regime de colonato
segmento capitalista da economia, permi- nas regiões sul e sudeste do país. Em qual-

* Departamento de Sociologia - Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação - U N E S P -14.800 - Araraquara-SP.

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quer dos casos, trata-se da utilização per- Os países periféricos, penetrados de


manente da força de trabalho familiar. fora pelo modo de produção capitalista,
Rigorosamente, o modo de produção experimentam altas taxas de desemprego,
capitalista é o grande beneficiário do in- quando adotam o modelo capital
tercâmbio que estabelece com os bolsões intensivo de industrialização. O desem-
pré-capitalistas, tanto mobilizando mão- prego recai, com muito maior intensida-
de-obra para cuja formação não contri- de, sobre elementos femininos, membros
buiu, nos momentos de expansão de suas de uma categoria social extremamente
atividades econômicas, quanto nos mo- frágil. Disto deriva a correção da assertiva
mentos em que o mercado interno é se- de que a penetração e a expansão do capi-
cundário, fazendo refluir para as ativida- talismo nos países periféricos deslocam a
des de subsistência contingentes antes mo- mulher de um grande número de funções
bilizados como assalariados em relações econômicas. É verdade que o número de
de produção capitalistas. A família exten- empregos detidos por mulheres cresce à
sa na época do colonato e a família nu- medida que se expandem as atividades or-
clear no momento da expansão do salaria- ganizadas em moldes capitalistas. Mas, de
to revelam-se formas de organização do nenhuma forma, estas duas afirmações se
grupo reprodutor perfeitamente adequa- contradizem. Numerosas funções antes
das às necessidades de reprodução am- desempenhadas por mulheres em âmbito
pliada do capital em ritmo acelerado. doméstico foram encampadas pela indús-
tria, deixando-se no domínio da residên-
A articulação do modo de produção cia as tarefas que, do ponto de vista eco-
capitalista com as formas não-capitalistas nômico, não eram interessantes para os
de trabalho incide diretamente sobre a si- empresários. A separação radical entre lo-
tuação da mulher, uma vez que esta se si- cal de trabalho e domicílio teve repercus-
tua, de preferência, em atividades organi- sões desastrosas para as mulheres vivendo
zadas em moldes não-capitalistas. Este fe- em sociedades de corte capitalista. Este
nômeno adquire maior intensidade nas fenômeno não teve lugar meramente no
formações sociais subdesenvolvidas, onde setor urbano da economia. Ocorreu tam-
o peso relativo das formas de trabalho bém em seu segmento agrário, agravando
não-capitalistas é mais significativo do sobremodo as condições de vida da mu-
que o existente nas formações sociais alta- lher rural.
mente industrializadas. Embora nem nes-
tas formações o capitalismo tenha chega- Simultaneamente, reduz-se a partici-
do a recobrir todo o espaço econômico, o pação feminina na economia familiar ru-
imperialismo elimina parte da necessidade ral e incrementa-se esta participação nos
de recriação permanente de atividades empregos oferecidos pelas empresas que
não-capitalistas na nação desenvolvida. Es- exploram capitalisticamente a terra. En-
ta passa a jogar com as vantagens auferi- tretanto, o número de mulheres absorvi-
das nas relações com as áreas não- das pelo setor agrário capitalista é muito
capitalistas situadas na periferia do siste- inferior, em termos relativos, ao montan-
ma capitalista internacional. Desta sorte, te empregado na economia de subsistên-
os contingentes humanos que se dedicam cia. A dona-de-casa, quer na cidade, quer
a atividades não-capitalistas são objeto de no campo, constitui uma criação do capi-
exploração por parte do "capitalismo na- talismo.
cional" e do capitalismo internacional. No Brasil, tomando-se a totalidade
Em virtude deste fenômeno encontra-se das mulheres que trabalham na agricultu-
maior homogeneidade, nos países alta- ra, verifica-se que sua distribuição pelas
mente desenvolvidos, quanto à taxa de diferentes posições na ocupação é bastan-
atividade feminina. te diversa daquela que caracteriza os ho-
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mens. Com efeito, enquanto os homens lhador volante, podendo-se engajar enor-
representam 39,3% do total de emprega- mes quantidades de braços nos momentos
dos masculinos na agricultura, as mulhe- de pico da atividade agrícola e dispensá-
res participam com 32,5% dos contingen- los quando já não são mais necessários.
tes femininos nesta categoria. Dentre os Ora, o caráter temporário do engajamen-
agricultores, 45,2% são trabalhadores au- to na produção agrícola deixa a porta
tônomos, enquanto apenas 26,6% das aberta aos elementos com outros afazeres
mulheres estão neste caso. A proporção na residência e na economia de subsistên-
de homens empregadores é de 3,2%, ao cia e, portanto, disponíveis para a aceita-
passo que tão-somente 1,0% das mulheres ção eventual do salariato. Verifica-se,
está neste caso. A maior disparidade, to- pois, que vários fatores contribuem para
davia, se situa na categoria dos trabalha- transformar a mulher numa assalariada
dores não-remunerados. Dentre os ho- eventual. Este fenômeno não chega a ca-
mens os membros não-remunerados da racterizar uma real e completa proletari-
família significam somente 13,2%, en- zação, pelo menos da mesma forma em
quanto esta cifra alcança, dentre as mu- que ocorre com o homem. Em decorrên-
lheres, 39,7%. Este dado é suficiente para cia disto, o lumpen proletariado é, não
que se conclua sobre o enorme significado apenas, mas maciçamente integrado por
do aporte feminino na economia familiar mulheres.
da zona rural.

No seio da miséria que atinge os tra- Na economia agrícola de subsistência


balhadores rurais brasileiros, instalou-se a mulher constitui, muitas vezes, o esteio
uma divisão sexual do trabalho através da da produção de bens para autoconsumo.
qual o homem constitui o elemento privi- Quando sobrevém o salariato na zona ru-
legiado do processo de proletarização, en- ral, uma parcela das mulheres se proleta-
quanto à mulher se reservou a posição de riza. Todavia, os maiores contingentes
lumpen proletária. A presença de maciços perdem as funções produtivas que desem-
contigentes femininos na economia de penhavam ou mantêm-se como força de
subsistência garante o baixo custo da pro- trabalho reserva. Desta sorte, o regime de
dução diária e da reprodução da força de salariato descaracteriza uma enorme mas-
trabalho, mercadoria que deve ser oferta- sa de mulheres como trabalhadoras pro-
da em abundância, a fim de que o proces- dutivas. As portas que se abrem aos ele-
so de acumulação do capital não sofra ne- mentos femininos são as do trabalho
nhum percalço e possa elevar seu ritmo. eventual, insuficiente para caracterizar
Por outro lado, as trabalhadoras familia- uma relação empregatícia garantidora de
res constituem um imenso manancial de direitos trabalhistas. Exatamente em de-
mão-de-obra ao qual o setor capitalista da corrência deste fato torna-se extremamen-
agricultura poderá recorrer, pagando diá- te fácil burlar a legislação que regula as
rias mais baixas que as masculinas e sem relações de trabalho no campo,
nenhum receio de enfrentar causas traba- praticando-se uma ostensiva discrimina-
lhistas. As mudanças operadas nas for- ção salarial. Estas condutas patronais
mas de produção agrícola, nos tipos de acentuam o desejo das mulheres de não
cultivo e na tecnologia empregada real- duplicarem sua jornada de trabalho. As-
mente aumentam sobremodo o grau de sim, os fatores que descaracterizam a mu-
sazonalidade do trabalho agrícola. Nestas lher como trabalhadora produtiva e ge-
circunstâncias, a empresa agrária encare- ram a dona-de-casa potenciam-se mutua-
ceria seus custos se operasse exclusiva- mente.
mente com trabalhadores permanentes. A Não se nega que haja no Brasil, assim
resposta a este problema reside no traba- como em outros países periféricos, um
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movimento de trabalhadores, inclusive liar, para assegurar o abastecimento de


mulheres, da economia familiar para o re- alimentos à sua população.
gime de salariato. Porém, não se pode es-
quecer a existência do vetor inverso, na São Paulo paga baixos preços pelos
medida em que o minifúndio e os arreme- produtos alimentares gerados pela unida-
dos de reforma agrária constituem o coro- de familiar. Desta forma, a economia fa-
lário natural do latifúndio. Nestas cir- miliar subsidia o processo de acumulação
cunstâncias, a agricultura capitalista, tal do capital. Graças ao fornecimento de ar-
como se desenvolve no Brasil, jamais ofe- roz e feijão por parte da economia de sub-
recerá para a mulher os níveis de emprego sistência situada fora dos limites do Esta-
correspondente à sua atividade na econo- do, São Paulo pôde expandir em ritmo
mia de subsistência. O estabelecimento de acelerado as culturas de soja (aumento de
relações industriais na agricultura dá-se 38% no período de 1968 a 1977), da cana
simultaneamente com a absorção de tec- (crescimento de quase 50% no mesmo
nologia poupadora de mão-de-obra. Este período) e de outras matérias-primas para
processo, no Brasil, tem sido altamente a indústria, como é o caso da laranja.
favorecido pelo Estado, que subsidia a Aparentemente, se trata de uma ex-
mecanização a um alto custo social. Com ploração regional: São Paulo explorando
efeito, não obstante os preços aviltados outras áreas do País. Esta aparência, po-
da força de trabalho, os custos de produ- rém, esconde uma relação espoliativa por
ção são mais baixos nas empresas intensi- parte da classe dominante, detentora do
vas em capital. Este modelo de industriali- capital, em relação a segmentos de classes
zação da agricultura, altamente excluden- historicamente derivadas de outras for-
te das camadas subprivilegiadas, mas de produção. A expulsão da econo-
apresenta-se com todo vigor sobretudo mia de subsistência do Estado para outras
nas áreas destinadas ao cultivo de produ- regiões da nação não significa que o capi-
tos de exportação ou de produtos que, tal industrial haja recoberto todo o espaço
uma vez processados pela indústria, se agrícola em São Paulo. A o contrário,
tornam exportáveis. O Estado de São mais de um quinto da área cadastrada do
Paulo constitui exatamente um caso deste Estado constitui reserva de valor, não
gênero. produtivamente utilizada. O fato é que no
Estado de São Paulo não sobram mais
terras sem dono que possam servir de re-
A expansão da empresa agrícola ca- fúgio para produtores de subsistência.
pitalista, em São Paulo, voltada para as Como é exatamente este tipo de organiza-
culturas modernas (cana-de-açúcar, soja e ção da produção agrícola que absorve
laranja) que apresentam mais alto nível de maior quantidade de força de trabalho fe-
rentabilidade, empurra os cultivos tradi- minina, a conclusão óbvia aponta para a
cionais para fora dos limites do Estado, direção de uma menor presença da mulher
tornando esta unidade da Federação de- na agricultura paulista que no País como
pendente de outras regiões do país para um todo. Esta situação poderá ser verifi-
seu aprovisionamento de alimentos. Esta cada através de tabelas.
é apenas uma das contradições deste mo-
delo de desenvolvimento. De uma parte, A primeira constatação a que se che-
São Paulo ostenta os mais altos níveis de ga na comparação destas tabelas é que en-
capitalização, de produtividade e de renda quanto o número de pessoas ocupadas na
agrícola da nação; de outra parte, depen- agricultura brasileira sofreu, no período,
de de outras áreas, de mais baixo nível um crescimento superior a 100%, a cifra,
técnico e onde a produção muitas vezes em São Paulo, correspondente a 1980 é
está organizada na base do trabalho fami- semelhante à de 1950. Considerando-se
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apenas as duas últimas décadas do perío- homens. Acrescente-se, ademais, que as


do, São Paulo perdeu, em números abso- mulheres não têm, na agricultura, acesso
lutos, população economicamente ativa às máquinas. São conservadas em tarefas
nas zonas rurais. Outro dado que chama a manuais ou que se executam com auxílio
atenção diz respeito à rarefeita presença de instrumentos rudimentares. Os imple-
feminina na agricultura paulista em com- mentos agrícolas mais sofisticados
paração com a brasileira. Com efeito, em destinam-se aos homens e estes é que são
números relativos, o comparecimento da treinados para operá-los.
mulher na P E A agrícola do País é 47%
superior àquela que se encontra no Esta- A transição do regime de economia
do. Trata-se dos 22,3% representados por familiar na agricultura para o sistema de
mulheres ativas na agricultura de São salariato ocorre concomitantemente com
Paulo, em contraposição aos 32,37% de a transformação da família extensa em
trabalhadoras agrícolas da nação. É evi- família nuclear. De fato, embora o fenô-
dente que esta diferença superior a 10 meno família extensa ainda persista, fá-lo
pontos percentuais reflete-se nas outras numa medida insignificante face à impor-
duas categorias. Em São Paulo, na cate- tância deste fato antes da agricultura ser
goria de 14 anos e mais, as mulheres com- dominada pelo capital. Na população
parecem com um contingente inferior a investigada este fenômeno ficou patente:
um quinto dos trabalhadores agrícolas. a família, mesmo rural, no Estado de São
No Brasil como um todo, elas represen- Paulo, é predominantemente nuclear. Es-
tam mais de um quarto. A categoria de te tipo de família, ao lado da ausência de
menores de 14 anos, todavia, contém os equipamentos sociais que permitam à mu-
dados mais interessantes para confirmar a lher casada desempenhar função econô-
tese de que o regime de salariato reduz as mica extra-lar, torna-se incompatível com
oportunidades femininas de desempenhar a proletarização dos elementos femininos.
funções econômicas. O trabalho de meno- O homem se proletariza por necessidade,
res é muito mais freqüente na agricultura imposição sócio-econômica e pela sua
de subsistência do que nas empresas agrá- atribuição de provedor do lar. A mulher,
rias capitalistas. Efetivamente, notam-se profundamente vinculada ao espaço do-
brutais diferenças de participação do tra- méstico e sem infra-estrutura de serviços
balho infantil no Brasil como um todo e que lhe permita resolver o problema dos
em São Paulo. Tanto no caso dos meni- filhos, destina-se a ser o pilar, na esfera
nos, quanto no das meninas, a utilização privada, da família nuclear. Diante da au-
do trabalho infantil é bem inferior no Es- sência de um membro não-ativo da
tado. O dado para o Brasil revela um em- família que possa se encarregar das tare-
prego de mão-de-obra infantil masculina fas domésticas, a mulher permanece
134% superior àquele encontrado em São amarrada à esfera privada, pelo menos
Paulo. No caso das meninas, esta diferen- enquanto os filhos necessitam de seus cui-
ça é ainda bem mais acentuada: no País a dados.
utilização de força de trabalho de meninas
menores de 14 anos é 139% superior à que
tem lugar no Estado. Como se sabe que o Poder-se-ia pensar numa certa dispo-
Estado de São Paulo utiliza-se, em grande nibilidade da mulher para o exercício de
escala, de força de trabalho infantil em funções extra-lar, na medida em que os fi-
outras áreas da economia, não é o caso de lhos fossem atingindo a idade escolar. To-
ser otimista com relação a este dado. A o davia, a estratégia de sobrevivência das
contrário, trata-se de mais um indício de famílias pobres, que dependem do traba-
desemprego tecnológico, com maiores lho agrícola, consiste muito mais em lan-
conseqüências sobre mulheres que sobre çar no mercado de trabalho as crianças
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que vão atingindo 7 ou 8 anos do que es- cidade. O patrão tem especial interesse em
perar que a mulher se liberte da fase de manter as mulheres como força de traba-
procriação. Os filhos são, às vezes, apro- lho reserva para ser aproveitada em mo-
veitados na esfera doméstica para dar lu- mentos de pico de atividade. Ademais, o
gar à constituição da mãe enquanto traba- trabalhador eventual não representa ne-
lhadora assalariada. Entretanto, observa- nhum ônus trabalhista. Desta sorte, a na-
se com muito maior freqüência a utiliza- tureza das tarefas desenvolvidas pelas mu-
ção da estratégia de contar com os filhos lheres no seio da família revela-se profun-
menores ganhando algum dinheiro. damente adequada à sazonalidade do
trabalho agrícola, baixando extraordina-
Quando é a mulher que sai para tra- riamente os custos de produção.
balhar, deixando a casa aos cuidados dos
filhos mais velhos, ela se torna necessaria- Via de regra, a mulher não chega a
mente uma trabalhadora eventual. Não ser contratada. Sendo seu trabalho cir-
podendo assumir compromissos com um cunstancial, entra subsidiariamente para
trabalho contínuo porque necessita aten- aumentar a produção e/ou ganho do ma-
der às necessidades da família, a mulher rido. Na verdade, o processo de indivi-
engaja-se, via de regra, quando é esta a es-dualização do trabalho implícito no regi-
tratégia adotada pelo grupo familiar, em me de salariato não chega a se concretizar
trabalho eventual. para a maioria das mulheres. O regime
anterior representava a sujeição à família,
Ora, é exatamente a natureza even- o trabalho contínuo, a não distinção entre
tual do trabalho feminino na agricultura local de domicílio e local de trabalho e a
que a deixa a descoberto dos benefícios fartura na medida em que a mulher pro-
sociais, tão escassos e tão duramente con- duzia alimentos. O salariato representa
quistados pelos trabalhadores. Com efei- teoricamente a individualização do traba-
to, a lei 5.889, de 8-6-1973, que revogou o lhador. Isto se concretiza, todavia, apenas
Estatuto do Trabalhador Rural e atual- para os homens; raramente para as mu-
mente rege as relações de trabalho no lheres. Estas continuam a auxiliar o mari-
campo, considera empregado rural "toda do, a trabalhar por um salário que vem
pessoa física que, em propriedade rural embutido no do cônjuge e a não gozar de
ou prédio rústico, preste serviços de nenhum benefício estipulado pela lei, por-
natureza não eventual a empregador ru- que legalmente ela não constitui uma tra-
ral, sob a dependência deste e mediante balhadora. In concreto, pois, é muito raro
salário". Esta definição permite o apare- que a rurícola se beneficie da relativa au-
cimento de acentuadas diferenças entre tonomia que o salário individual garante.
trabalhadores residentes e volantes e entre Seu engajamento na força de trabalho é
homens e mulheres. A situação de traba- dificultado pela separação radical entre as
lho do morador é, com maior freqüência, esferas domésticas e do trabalho, mesmo
regulada pelo registro em carteira, o que que se trate de trabalho esporádico. A
lhe permite usufruir do salário estipulado mulher já não produz alimentos, por-
pela lei, de repouso semanal remunerado, quanto a economia é inteiramente mone-
de férias e do 13.° salário. Já com os vo- tarizada. Há, portanto, uma perda de sta-
lantes, seja pela natureza sazonal do tra- tus social e uma perda do ponto de vista
balho, seja pela presença do empreiteiro, da dieta alimentar das famílias rurais.
a legislação raramente é cumprida. Quan-
to à mulher, é muito rarefeito o cumpri- As mulheres não apenas sentem, mas
mento da lei, quer ela resida na fazenda, verbalizam a continuidade da dependên-
quer viaje diariamente porque reside na cia do elemento feminino em relação ao

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masculino. Os laços familiares aliados à rio, condenando sua companheira à mais


superabundância de oferta de mão-de- extrema miséria.
obra, porém, obstaculizam sua ação no
sentido de reivindicar seus direitos. O pre-
juízo que sua não sujeição às regras do jo- A misoginia da Lei combinada com o
go poderá causar ao marido impede-a de não cumprimento de sua parte igualitária
fazer valer seus direitos. E a perda do em- coloca a mulher numa situação de ex-
traordinária inferioridade social. Diante
prego por parte do marido refletirá sobre
disto, sujeita-se a receber salários inferio-
toda a família. Assim, a mulher, em de- res aos masculinos pela realização das
corrência de sua fragilidade social, aceita mesmas funções. Aceita trabalhar apenas
a tutela do marido, a tutela do pseudo pa- nos períodos de pico de atividade, acredi-
trão, a marginalização em relação à prote- tando residir aí uma vantagem: sua " l i -
ção oferecida pela legislação trabalhista. berdade" de trabalhar por um salário ou
O não cumprimento das leis, fenômeno apenas cuidar da casa. Esta "liberdade" é
ancorado no machismo, reforça o patriar- bem trabalhada, a nível ideológico, pelo
calismo da família e da sociedade, impe- patrão, que induz a mulher a perceber este
dindo que a mulher desabroche para o constrangimento enquanto vantagem, en-
mundo da política e, portanto, das reivin- quanto possibilidade de opção.
dicações de seus direitos mais elementares
como o direito ao trabalho.
No plano do sindicato também a mu-
lher é um ser dependente. O caráter assis-
Por outro lado, a própria lei contém tencialismo impresso ao sindicato, que
uma alta dose de misoginia. A o homem presta serviços mediante o pagamento de
assiste o direito de aposentar-se ao atingir uma taxa, faz com que a mulher dele par-
os 65 anos de idade. Qualquer que seja ticipe apenas via marido. Se o marido é
seu estado civil, ao homem é assegurado o associado do sindicato, a mulher, como
direito à aposentadoria. Para a mulher a sua dependente, tem direito aos serviços
realidade é outra. Só lhe assiste o direito prestados pelo organismo. Nestas condi-
de aposentar-se caso seja só, isto é, não ções, a mulher apenas usa o sindicato co-
vinculada a um homem pelos laços do ca- mo órgão de assistência, deixando de nele
samento. Sendo casada, deve partilhar penetrar para pleitear igualdade social
com o marido dos parcos recursos ofereci- com os homens. Há, entretanto, indícios
dos pela aposentadoria deste, ou seja, de que este estado de coisas poderá sofrer
meio salário mínimo. Ainda que a mulher alterações substanciais. Em Dobrada,
seja efetivamente chefe de família, seu es- município-dormitório de bóias-frias, 9
tado de casada impedi-la-á de aposentar- dentre doze dirigentes sindicais rurais são
se, só ao homem cabe este direito. mulheres. Estas mulheres estão imprimin-
do um novo caráter à gestão sindical.
Conseqüências ainda piores decor- Dentre as conquistas já alcançadas por es-
rem do amparo previdenciario. Este am- te grupo cabe mencionar a elevação do re-
paro consiste em meio salário mínimo, gistro de trabalhadoras rurais. Se antes da
pago mensalmente ao trabalhador rural penetração destas mulheres na direção do
que, tendo atingido a idade de 70 anos, sindicato apenas 10% das trabalhadoras
não pôde comprovar sua atividade de em- rurais eram registradas, no momento este
pregado agrícola para fins de aposentado- índice já atinge a 80%. O número de sin-
ria. Mais uma vez fica patente o caráter dicalizados e sindicalizadas está crescen-
misógino da lei, que concede este amparo do, assim como a sua participação nas as-
apenas ao homem. Mais do que isto, o sembléias do sindicato. Os homens já es-
amparo cessa com a morte do beneficiá- tão acatando o comando feminino.
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ABSTRACT: The article deals with the transition from familial rural economy to wage labor. The
status of women goes down and they loose also economic functions.
KEY-WORDS: Women; work; agrarian capitalism; proíetariat; wage; rural economy; rural-urban
dialects.

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