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Roberto Dutra Torres Junior

O PROBLEMA DA DESIGUALDADE SOCIAL NA TEORIA DA


SOCIEDADE DE NIKLAS LUHMANN**

Roberto Dutra Torres Junior*

A teoria da sociedade de Niklas Luhmann é frequentemente acusada de conservadorismo, visto que


negligencia a relevância das estruturas de desigualdade na sociedade moderna. Este artigo propõe uma
leitura alternativa dessa teoria, a qual implica uma reconsideração do papel das estruturas de desigual-
dade para a reprodução dos sistemas sociais. O argumento principal é que as estruturas de desigualdade
orientam o modo pelo qual os sistemas sociais selecionam os indivíduos para suas operações. Ao mes-
mo tempo, é feita uma defesa da tese luhmanniana sobre o primado da diferenciação funcional, pois,
enquanto as estruturas de desigualdade podem variar, assumindo formas contingentes, cuja transfor-
mação não representa a transformação da sociedade, a diferenciação funcional, ao contrário, representa
a própria identidade da sociedade, permanecendo como uma dimensão invariável e necessária nos
horizontes de sentido da modernidade.
Palavras-chave: Teoria da sociedade. Diferenciação funcional. Desigualdade social. Contingência. Moderni-
dade.

INTRODUÇÃO diferenciação funcional teria substituído a dife-


renciação estratificada como forma primária de
O esforço de reatar os vínculos entre as diferenciação social. Nesse sentido, essa tese é
análises sociológicas sobre a desigualdade e a frequentemente interpretada como se ela impli-
teoria social ocupa grande espaço na sociologia casse a impossibilidade de um conceito de de-
alemã e é fortemente marcado pela discussão sigualdade social estruturada (Schwinn, 2007).
que busca relacionar desigualdade social e di- Neste texto, busco formular uma leitura
ferenciação funcional (Schwinn, 1998, 2000, alternativa da tese do primado da diferencia-
2004, 2007; Schimank, 1998, 2008; Stichweh, ção funcional. Esta leitura implica uma recon-
2009, 2010; Weiß, 2004; Nassehi, 2004a, 2004b; sideração do papel das estruturas de desigual-

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Kieserling, 2008; Münch, 2010). O debate gira dade para a reprodução dos sistemas sociais e
em torno do significado e do lugar desses dois desdobra-se em duas teses sobre a teoria da so-
conceitos numa teoria geral da sociedade. Ape- ciedade de Luhmann. A primeira (I) é a de que
sar de ser um debate que congrega weberianos, o primado da diferenciação funcional deve ser
luhmannianos e bourdiesianos, o foco principal entendido como o fato de que essa forma de
tem sido a tese de Luhmann segundo a qual a diferenciação sistêmica tornou-se “autoevi-
dente” (Selbstverständlichung). Essa interpre-
* Doutor em Sociologia. Professor Associado do Labora- tação baseia-se na constatação, ressaltada por
tório de Gestão e Políticas Públicas (LGPP), Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). alguns luhmannianos como Armin Nassehi,
Av. Alberto Lamego, 2000. Parque Califórnia. Cep: de que o primado da diferenciação funcional
28013600. Campos dos Goytacazes – Rio de Janeiro – Bra-
sil. robertodtj@yahoo.com.br refere-se à “dimensão objetiva” (Sachdimen-
** Este artigo resume os argumentos apresentados nos
capítulos um e dois de minha tese de doutorado, defen- sion) do sentido social: ele define o horizonte e
dida em dezembro de 2012 no Institut für Sozialswissens-
chaften da Humboldt Universität zu Berlin: Funktionale a alcançabilidade de temas e problemas que se
Differenzierung, soziale Ungleichheit und Exklusion: eine diferenciam junto com os sistemas funcionais.
theoretische Interpretation und eine Analyse des Falls
Brasilien. A tese foi publicada como livro: Funktionale Di- Assim, é preciso analisar as relações entre essa
fferenzierung, soziale Ungleichheit und Exklusion. Kons-
tanz/Münch: UVK, 2013. “dimensão objetiva” e as demais dimensões

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do sentido social: a dimensão social (Sozialdi- estratificação social, diz-se que a tese do pri-
mension) e a dimensão temporal (Zeitdimen- mado é incompatível com uma compreensão
sion). Essa interpretação da tese do primado adequada da desigualdade social estruturada
não implica nem a dissolução do conceito de (Schwinn, 2007, p. 15); que, em decorrência
desigualdade social estruturada nem a sua ir- dela, seria necessário postular “[...] o desmonte
relevância para a questão da ordem social. das formas verticais e hierarquizadas de desi-
A segunda tese (II) é a de que o primado gualdade social nas sociedades do bem-estar
da diferenciação funcional implica a possibili- social” (Haller, 1986, p. 180).
dade de que estruturas de desigualdade sejam Essas críticas não são injustificadas, pois
percebidas como contingentes (como possíveis Luhmann não define de modo claro o conceito de
de outro modo) em sua contribuição para a or- primado e, consequentemente, a relação entre as
dem social. Por desigualdade social deve-se formas primárias e “secundárias” de diferenciação:
entender a distribuição desigual de chances de
Deve-se falar em primado de uma forma de diferen-
participação comunicativas por meio da cons- ciação [...] quando se pode identificar que esta regula
trução e da atribuição de endereços sociais as possibilidades de emprego das outras. Neste sen-
(dimensão social). A contingência da desigual- tido, as sociedades de nobreza (Adelsgesellschaften)
dade social decorre de que a construção e a são sociedades primariamente diferenciadas por
atribuição de endereços sociais é sempre uma estratificação, mas elas mantêm uma diferenciação
segmentar em comunidades domésticas (Haushalte)
operação interna dos sistemas sociais, rom-
e famílias, a fim de permitir a endogamia da nobre-
pendo-se, assim, o imperativo de que as de- za assim como de assegurar que as famílias nobres
sigualdades produzidas em um sistema sejam possam se distinguir das famílias não nobres. Na
tomadas como necessárias por outro sistema.1 sociedade funcionalmente diferenciada existe estra-
tificação na forma de classes sociais e diferenças en-
tre centro e periferia, mas estes fenômenos são agora
produtos colaterais da dinâmica própria dos sistemas
O PRIMADO DA DIFERENCIAÇÃO
funcionais (Luhmann, 1997b, p. 612 tradução nossa).
FUNCIONAL
Parece ser inquestionável que estratifi-
A tese do primado da diferenciação fun- cação e diferenciações entre centro e periferia
cional é frequentemente compreendida como têm a ver com a dinâmica própria dos sistemas
se ela implicasse a dissolução do conceito de funcionais. Assim com não há dúvida de que
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desigualdade social estruturada. Compreende- esses fenômenos, por assim dizer, se alimen-
se o conceito de primado como se as “formas tam da não transparência mútua entre os sub-
secundárias de diferenciação” (diferenciação sistemas funcionais. O que está em questão é
segmentar, estratificação e diferenciação entre como definir conceitualmente a relação entre
centro e periferia) tivessem de ser deduzidas essas diferentes formas de desigualdade social
da forma primária de diferenciação. Afirma-se, e a diferenciação funcional. Mas a afirmação
portanto, que a tese do primado e a existência de que elas são produtos colaterais da dinâmi-
dessas “formas secundárias” de diferenciação ca própria dos sistemas funcionais certamente
como dimensões estruturais de tipo próprio não contribui para a busca de precisão con-
negam-se mutuamente.2 No que se refere à ceitual, pois ela traz exigências ao conceito de
primado que ele não pode atender. Seguindo
1
O fato de romper-se esse imperativo, definidor de socie-
dades primariamente diferenciadas em estamentos hierár- essa linha de interpretação (que chamarei de
quicos, não significa que não possa ocorrer a transmissão
de desigualdades entre sistemas sociais, como é o caso do “versão ortodoxa da tese do primado funcio-
fenômeno da cumulação de exclusões. nal”), André Kieserling3 defende a tese de que
2
Um das mais importantes contribuições para a análise da
relação entre a diferenciação centro–periferia e a diferen- 3
Nesse sentido, Kieserling é mais preciso do que Luhmann,
ciação funcional é a do brasileiro Marcelo Neves (2006). pois ele especifica o que se deve compreender por regular

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diferenciação funcional implica a neutraliza- das desigualdades sociais a partir da diferen-


ção dos condicionantes de origem social sobre ciação funcional como a neutralização de de-
as decisões internas dos subsistemas (Kieser- sigualdades externas e dos condicionantes de
ling, 2008, p. 16, rodapé 32). Segundo ele, a origem no contexto das operações dos sistemas
origem social permanece relevante no que se funcionais. Mas só se pode falar em primado
refere ao recrutamento ou seleção de pessoas quando e somente se houver uma assimetria
para participar dos sistemas funcionais (inclu- entre distintas formas de diferenciação. Nesse
são), mas não no que tange às decisões inter- sentido, sugiro que é possível, a partir dos es-
nas e ao comportamento que os indivíduos de- critos do próprio Luhmann, redefinir essa assi-
sempenham nos papéis sociais que assumem metria da seguinte forma: a diferenciação fun-
quando incluídos nesses sistemas. A neutrali- cional tornou-se uma forma de diferenciação
zação de desigualdades externas é entendida social autoevidente (Selbstverständlichung), de
como condição necessária para a autonomia modo que os sistemas funcionais podem dis-
operacional dos diferentes sistemas funcionais pensar qualquer fundamento externo, ao passo
em particular e para o primado da diferencia- que as outras formas de diferenciação, por não
ção funcional como um todo (Kieserling, 2008, serem (mais) autoevidentes, precisam se funda-
p. 17). Gostaria de designar essa interpretação mentar na diferenciação funcional. Isso decorre
da teoria luhmanniana da sociedade como a do fato de a diferenciação funcional significar
versão ortodoxa da tese do primado funcional. essencialmente que a diferenciação entre sub-
Se a tese do primado estiver fundamenta- sistemas sociais passa a se orientar por proble-
da nessa neutralização, ela está refutada desde mas fundamentais objetivos (dimensão objeti-
o começo. A sociologia da desigualdade social va) (Bommes; Tacke, 2006, p. 42), de modo que
já demonstrou, de modo suficiente (Schwinn, a diferença entre os problemas específicos de
2007), que a grande maioria dos sistemas fun- cada sistema funcional se afirma como um dado
cionais, mesmo possuindo uma lógica própria, necessário (não contingente) da vida social,
não neutraliza os condicionantes de origem e, como se não fosse possível haver sociedade de
além disso, que o acesso às posições, em um outro modo. A esse primado funcional-objetivo
sistema funcional, nas quais decisões internas corresponde o fato de que a construção de “en-
ao sistema são tomadas, não pode ser deduzi- dereços sociais” (dimensão social) e, junto com
do da própria diferenciação funcional. Foi, so- isso, a distribuição ou atribuição de chances

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bretudo, Thomas Schwinn (2007, p. 11) quem comunicativas passa a ser percebida como con-
questionou a tese do primado a partir dessas tingente, como se fosse possível de outro modo.
constatações da sociologia da desigualdade. A O primado da diferenciação funcional
questão agora é averiguar se essa tese, ou seja, refere-se a um horizonte de problemas funda-
se a regulação das formas “secundárias” de di- mentais objetivos – assegurar provisão futura
ferenciação através da forma primária pode ter em condições presentes de escassez (econo-
outro significado que não seja o da derivação mia), tomada de decisões coletivamente vincu-
de desigualdades sociais a partir da lógica pró- lantes (política), preparação para a vida futura
pria dos sistemas funcionais, o que, por sua (ensino), assegurar expectativas normativas
vez, pressupõe a neutralização de desigualda- (direito) – que abarca todas as comunicações
des externas. possíveis em seu aspecto temático (Nassehi
Minha tese é a de que o primado da dife- 2004a). O critério para a assimetria, sem a qual
renciação funcional dispensa tanto a derivação não se pode falar em primado, é, portanto,
as possibilidades de emprego de outras formas de diferen-
uma fronteira do sentido (Sinngrenze) regula-
ciação como critério do primado: neutralizar os efeitos da da pela diferenciação funcional, na qual todas
estratificação nas operações dos sistemas funcionais, res-
tringindo o seu significado à “esfera privada”. as concepções de ordem social encontram seu

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limite e além da qual não se pode imaginar ne- em que elas se tornam insubstituíveis em relação às
nhuma possibilidade de ordem. Essa fronteira funções que desempenham.

constitui o limite inalcançável da sociedade Essa definição do conceito da socieda-


como aquele sistema social que abarca todos de – que é inseparável do conceito de primado
os outros sistemas sociais. Por isso, a sociedade – leva em conta o fato de que a diferenciação
não pode ser definida como uma entidade, mas funcional tornou-se uma “ordem autossubsti-
somente como um horizonte de todas as comu- tutiva” (Luhmann, 1997b, p. 158), ou seja, uma
nicações possíveis. Nesse ponto, tomo empres- ordem no interior da qual todas as concepções
tada a sugestão de Nassehi (2004a, p. 102), de mudança estrutural (incluindo toda crítica
Assim como nenhuma operação monetária é capaz
social possível) se remetem a uma (re)estrutu-
de fugir da lógica econômica, toda fé é sempre uma ração dos desempenhos funcionais e (ou) do
fé religiosa e toda crítica estética da arte acaba se acesso às soluções que os sistemas funcionais
afirmando como arte. Mas não se pode alcançar a ofertam para os problemas fundamentais que
estrutura daquilo que, como o “econômico”, o “reli- eles mesmos produzem e reproduzem. Dito
gioso” e o “artístico”, produz ondas comunicativas.
de outro modo: na “ordem autossubstitutiva”
É preciso compreender a sociedade funcionalmente
diferenciada como um horizonte inalcançável de
da diferenciação funcional, só se concebe mu-
comunicações4 – se ele fosse alcançável, não seria dança estrutural como autossubstituição dos
um horizonte –, no qual, com a ajuda de meios de sistemas funcionais, mas não como dissolução
comunicação simbolicamente generalizados,5 emer- destes sistemas. Cito Luhmann (1992, p. 47-
gem relações em que a conectividade entre ele- 48, tradução nossa) mais uma vez:
mentos é altamente provável; essas comunicações
se fecham como sistemas funcionais no momento Nesse sentido, é difícil imaginar nossa sociedade
sem Estado, sem direito, sem dinheiro, sem pes-
4
A comunicação é o componente elementar, a operação es-
pecífica dos sistemas sociais. Ela consiste na síntese de três quisa e sem comunicação de massas. Funções com
seleções: participação (Mitteilung), informação (Informa- esse alcance produzem ordens autossubstitutivas.
tion) e compreensão (Verstehen) da diferença entre partici-
pação e informação. Deve-se falar em comunicação quando É difícil imaginar uma ordem social sem sistemas
Ego compreende que Alter participou a ele uma informa- funcionais diferenciados, ou seja, encontrar uma al-
ção; essa informação pode, assim, ser atribuída a Alter. A
comunicação só acontece se ela for compreendida: quando ternativa para a diferenciação funcional.
a informação (“está chovendo”) e a intenção que Alter vin-
cula à participação (Alter deseja, por exemplo, fazer com Condição necessária para o surgimento
que Ego pegue um guarda-chuva) são compreendidas como
seleções diferentes. A informação não é algo transmitido dessa “ordem autossubstitutiva” é a autono-
na comunicação, mas sim construída na comunicação. Nos
sistemas sociais, as comunicações são produzidas em uma mização das dimensões do sentido (dimensão
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rede recursiva de comunicações, a qual define a unidade temporal, dimensão social, dimensão objeti-
dos sistemas sociais (Baraldi, Corsi, Esposito, 1997).
5
Meios de comunicação simbolicamente generalizados são
va), de modo que, por exemplo, a dimensão
estruturas específicas que asseguram possibilidade de su- temática de toda comunicação (dimensão
cesso à comunicação, tornando provável algo inicialmente
improvável: que a seleção de Alter seja aceita por Ego. O objetiva) não seja confundida com o fato de
sucesso da comunicação é improvável porque Ego pode re-
cusar a seleção sugerida por Alter (um favor, uma sugestão, cada indivíduo possuir uma perspectiva pró-
uma ordem, uma proposta de compra) como premissa para pria sobre o mundo (dimensão social). Nesse
sua conduta seletiva. Nem todas as comunicações linguis-
ticamente codificadas precisam de um meio de comunica- sentido, a autonomização da dimensão obje-
ção simbolicamente generalizado. Em sociedades nas quais
toda comunicação é oral, as chances de recusa e aceitação tiva (Sachdimension) desemboca no desaco-
de uma comunicação são estruturadas por experiências va-
lorativas e uma memória social compartilhada, assim como plamento de diferentes problemas funcionais
pela pressão em favor do consenso exercida pela presença fundamentais tanto entre si como em relação à
interativa. Com a difusão da comunicação entre ausentes
– o que torna a aceitação da comunicação improvável –, dimensão social (Luhmann, 1984, p. 133-134).
isso se torna impossível. A motivação de Ego em aceitar a
seleção de Alter torna-se improvável, e o desenvolvimento A especialização e a monopolização funcio-
dos meios de comunicação simbolicamente generalizados
é precisamente uma reposta a esse problema da comuni- nais desses problemas fundamentais ocorrem
cação entre ausentes e desconhecidos. Em seu desenvolvi- através da formação de sistemas funcionais
mento e diferenciação, os meios de comunicação simboli-
camente generalizados se constituem como constelações que se diferenciam de seu entorno (Umwelt),
de atribuição e coordenação de ações e vivências aos parti-
cipantes da comunicação (Baraldi; Corsi; Esposito, 1997). na medida em que desempenham uma função

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própria para a sociedade. Isso implica que to- sições no sistema científico e para decidir sobre
dos os outros subsistemas situados no entorno o uso do código da ciência, ou seja, para decidir
social (innergesellschaftliche Umwelt) sejam o que é uma verdade científica e o que não é. O
percebidos como incompetentes em relação fato de existir um conjunto de estratégias de clas-
ao desempenho dessa função. Isso ocorre, so- se que permitem a conversão de poder aquisitivo
bretudo, porque a especialização de funções em prestígio científico, assim como mecanismos
assegura um alto nível de desempenho no que permitem que certas classes ou “milieus”
preenchimento de funções sociais. Esse nível sociais monopolizem o acesso a posições de des-
de desempenho decorre do aumento da com- taque, como as de juiz, professor, empresário,
plexidade interna dos sistemas funcionais, ou político etc., não contradiz a dinâmica própria
seja, das relações possíveis entre os elementos dos sistemas funcionais. Isso porque tais estraté-
e operações que pertencem à rede de comuni- gias de conversão e monopolização de chances
cações de um sistema funcional. A atualização de acesso precisam levar em conta os programas
seletiva dessas relações deve-se ao surgimento sistêmicos, assim como o nível interno que rege o
de organizações e “especialistas” (Leistungs- desempenho das respectivas funções sociais, não
rollen) que condicionam o desenvolvimento podendo ignorá-los.
dos programas sistêmicos, ou seja, das estru- Mas o desacoplamento dos diferentes
turas que regulam a redução da complexidade problemas fundamentais somente se consolida
interna e o uso do código sistêmico. quando os subsistemas funcionais conseguem
O aumento e a redução de complexidade diferenciar sua forma de comunicação das ou-
interna pressupõem que os subsistemas sociais tras formas de comunicação através de uma
sejam liberados de uma relação estreita com seu codificação binária de suas operações. Códi-
entorno, isto é, com os outros sistemas sociais. gos binários como lícito e ilícito, ter e não ter,
Os subsistemas conseguem evitar essa relação verdadeiro e falso, governo e oposição, entre
estreita através de mecanismos que Luhmann outros, são, em primeiro lugar, esquematiza-
(1997b, p. 759 e 776ss) denomina “acoplamen- ções altamente abstratas, diferenciadas entre
tos estruturais”.6 Trata-se, nesse caso, de uma si e que sustentam a reprodução autopoiética
relação seletiva com as irritações do entorno. Es- de um sistema funcional, desde que as opera-
pecialização funcional e acoplamentos estrutu- ções deste sistema orientem-se exclusivamen-
rais permitem que os subsistemas desenvolvam te pela diferença binária do código. Trata-se da

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e sejam conduzidos por uma dinâmica própria projeção de uma diferença entre valores dico-
(Luhmann, 1997b, p. 761 e 768), a qual também tômicos a partir da qual cada operação, cada
se baseia numa temporalidade e em desigualda- valoração, é percebida como contingente em
des próprias. Decisivo aqui é que a influência de relação à possibilidade de uma operação com o
desigualdades externas sobre as operações dos valor oposto. Tais códigos “[...] vinculam cada
sistemas funcionais não pode mais se dar sem operação a uma diferença de dois valores – o
mediações; elas são mediadas pelos programas próprio código – e garantem, com isso, que uma
sistêmicos – embora não neutralizadas. Pessoas comunicação marcada pelo valor oposto se dê
com alto poder aquisitivo não possuem, direta- a partir da comunicação presente.” (Luhmann,
mente, por conta de sua riqueza, as competências 1997b, p. 749). Códigos binários são “formas
reconhecidas como necessárias para ocupar po- de dois lados” que, exatamente pelo fato de,
6
Acoplamento estrutural deve ser entendido, segundo sem a mediação de qualquer outra instância,
Luhmann, como o conceito que indica o momento de aber-
tura dos sistemas funcionais operativamente fechados. Ele poderem se diferenciar uma das outras como
busca observar a seletividade nas relações de dependência forma, facilitam, em seu contexto de aplicação,
entre os subsistemas. Em última instância o esquema di-
ferenciação-integração (Durkheim, Parsons) deve ser subs- a passagem de um lado da forma ao outro, de
tituído pelo binômio autopoiesis-acoplamento estrutural
(Luhmann, 1997b, p. 778). um valor para o “contravalor”.

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Essa extrema redução de possibilidades Caso contrário, o sistema deixaria de existir.


a somente dois valores permite que o respec- Mas, nesse caso, não se trata de necessidade
tivo sistema só considere como informação as no sentido de um “dado natural”, cujos funda-
seleções feitas a partir de seu código, ou seja, mentos estão, como na concepção de mundo
seleções que já pertencem às operações básicas da Idade Média, “fora do tempo”, mas sim de
do sistema. A seletividade do código exclui a uma necessidade que podemos chamar de ne-
possibilidade de que informações sejam impor- cessidade temporalizada. Com isso, refiro-me
tadas do entorno. Além disso, os códigos são ao fato de que a unidade da diferença – que
também “abstrações condicionais” com aplica- constitui a forma de um código binário e que
ção universal. Sempre quando se tratar de ga- é usada e reproduzida em todas as suas opera-
nho de conhecimento na ciência (seja na China ções – não é indicada como unidade nas ope-
ou no Paraguai), é incontornável usar o código rações que por ela se orientam. Se a diferença
verdadeiro ou falso. A autopoieses de um sis- do código aparecesse como unidade no nível
tema funcional corresponde ao fato de que seu das operações sistêmicas, essas operações não
código se mantém constante e capaz de per- seriam possíveis, pois a unidade da diferença
mitir a reprodução permanente de uma forma representa ou um paradoxo ou uma tautologia
de comunicação que pertence somente a esse que, quando identificada como tal, bloqueia
sistema funcional. Um sistema social é sem- qualquer operação que por ela se oriente. Dito
pre o modo como uma forma de comunicação de outro modo: as operações que usam o códi-
se diferencia de outras formas comunicativas, go binário não podem empregá-lo sobre si mes-
erigindo, assim, uma fronteira que o destinge mas. Em todos os subsistemas cujas operações
do seu entorno. O que o código, na verdade, são codificadas de modo binário surge esse pro-
faz é criar uma relação circular entre seus valo- blema. O sistema do direito, que se diferencia
res positivos e negativos, de modo que o valor do entorno por meio da diferença entre lícito
de conexão de suas operações seja resultado e ilícito, se encontraria em uma situação para-
direto da diferença entre os dois valores. Com doxal ou tautológica se, em suas operações, al-
isso, produz-se um contexto de contingência guém perguntasse: “Com que direito o sistema
específico do código, no qual as operações são estabelece quem tem direito e quem não tem?”.
sempre vistas como possíveis de outro modo Através desse autoemprego, a unidade da di-
(contingentes) (Luhmann, 1997b, p. 750): cada ferença que constitui o código, seja como um
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operação é observada à luz da possibilidade de paradoxo (ninguém tem o direito de decidir so-
seu correlato negativo. Isso permite que o códi- bre o direito alheio), seja como uma tautologia
go seja reproduzido em todas as operações do (direito é direito), funcionaria como um sabota-
sistema, seja através da alocação do valor posi- gem insuportável para as operações sistêmicas.
tivo, seja através da alocação do valor negativo. A autorreferência circular do código precisa,
Mas, ao contrário da alocação de seus valores, o por meio de uma referência externa como a se-
próprio código não pode ser tratado como con- mântica da vontade popular e da constituição,
tingente pelo sistema funcional: “Somente a di- que acoplam o direito à política, ser interrom-
ferença pode dar estabilidade a seus dois lados, pida no tempo, de modo a evitar o curto-cir-
e isso porque ela está vinculada a um contexto cuito no processo de produção de sentido. So-
funcional, porque ela se diferencia junto com mente quando as operações sistêmicas tomam
este contexto e parece ser necessária para ele” o código como diferença entre valores que se
(Luhmann, 1988, p. 209). contradizem, e não como unidade da diferença,
O código precisa se reproduzir como é que elas podem se orientar pelo código.
uma referência invariável e necessária do sis- Com isso se consegue o desdobramento da autorre-
tema (Luhmann, 1997b, p. 771, 1987, p. 184). ferência, ou seja, evitar que ela seja, sem mediações

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e de modo compacto, vista como uma unidade (em- estrutura social, de tal modo assegurada, para além
bora essa autorreferência jogue um jogo, por assim de contextos específicos, que nenhum interesse
dizer, dialético, já que cada valor ganha sua iden- contra a própria disjunção consegue se formar nem
tidade em relação a um ‘contravalor” (Luhmann, tornar-se compreensível, mas somente o interesse
1986, p. 77, tradução nossa). na licitude, na verdade científica, na propriedade
(Luhmann, 1981, p. 228, tradução nossa).
A sociedade e seus subsistemas funcio-
nais são reproduzidos, desdobrados e tornados A diferenciação entre sistemas funcio-
invisíveis como unidade, no decorrer das ope- nais, códigos valorativos e problemas funda-
rações sistêmicas. Eles existem, como unida- mentais generaliza-se em tal medida, que sua
de, somente no plano da latência operativa, no existência se desacopla de qualquer estrutura-
plano da autofundamentação de esquemas de ção específica da dimensão social, assim como
valoração diferenciados entre si, ou seja, como de qualquer programa sistêmico específico
“ponto cego” da forma primária da diferencia- que regula a alocação dos valores sistêmicos
ção. Nas palavras de Luhmann (1997b, p. 369, em determinadas regiões da sociedade global.
tradução nossa): A ordem sistêmica orientada pela diferencia-
ção funcional torna-se “uma não contingência
O código concede a si mesmo, por assim dizer, a
permissão necessária para operar, sem que para isso fundada no próprio fato de essa ordem existir”
tenha de recorrer a valores superiores. Sua autofun- (Luhmann, 1984, p. 465). O primado da dife-
damentação não é tematizada, ela permanece laten- renciação funcional significa que, na sociedade
te. Com isso, ela se livra do risco envolvido em toda (mundial) moderna, existem possibilidades de
performance comunicativa (Mitteilung): o risco de
comunicação que ultrapassam as fronteiras de
receber um sim ou um não. Exatamente nesse sen-
estruturas de desigualdade social, assim como
tido é que os lados positivos e negativos do código
são ‘valores’[...] E o código pode, assim, afirmar sua as fronteiras criadas por diferenciações segmen-
autonomia e evitar que seu paradoxo fique visível, tares (como os estados nacionais), mas não as
e tudo isso com alta plausibilidade. Pois em que al- fronteiras da própria diferenciação funcional.
guém poderia se apoiar para questionar o direito de Resumindo: o primado da diferencia-
se estabelecer a diferença entre licitude e ilicitude!
ção funcional significa que essa forma de di-
O primado da diferenciação funcional ferenciação tornou-se autoevidente, de modo
se mostra nessa capacidade de autovalidação que a diferença entre subsistemas funcionais
das fronteiras sistêmicas, a qual desonera os é percebida como uma fronteira de toda ordem

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sistemas sociais de terem de fundamentar seus imaginável, que, desse modo, regula o empre-
respectivos códigos binários. Na medida em go das demais formas de diferenciação fun-
que esses códigos tornam seus paradoxos invi- cional. Essa “capacidade de regulação” não é,
síveis, eles aparecem aos indivíduos, apesar da portanto, definida como uma direção dedutiva
diferença de perspectivas (dimensão social), – como se as formas “secundárias” de diferen-
como algo “autoevidente”. Por isso, a varieda- ciação fossem derivadas da forma primária –,
de e mesmo as divergências de perspectivas, mas como uma fronteira da construção de sen-
interesses e pretensões na dimensão social tido social: a forma primária de diferenciação
tendem a reproduzir esse caráter autoevidente ultrapassa as fronteiras das outras formas “não
dos códigos binários, assim como a autoevi- primárias”, sem poder ser ultrapassada por ne-
dência da diferenciação (funcional) entre eles nhuma delas. Precisamente por isso, deve se
(Sachdimension): definir diferenciação funcional como o hori-
zonte de todas as comunicações possíveis e a
A disjunção entre lícito e ilícito – como também
unidade da sociedade como a unidade de sua
outros esquematismos binários relevantes para a
sociedade, como a lógica de dois valores ou a dife- forma primária de diferenciação sistêmica.
rença entre propriedade e não propriedade – é, na

553
O PROBLEMA DA DESIGUALDADE SOCIAL...

A CONTINGÊNCIA DA DESIGUAL- falar em primado da diferenciação funcional


DADE SOCIAL quando outras formas de diferenciação (sobre-
tudo a estratificação social) não podem mais
Em sociedades primariamente diferen- ser justificadas de modo autoevidente (exone-
ciadas por estamentos ou castas, mesmo exis- radas de justificação), carecendo de legitima-
tindo esferas sociais em processo de diferen- ção perante os códigos binários dos sistemas
ciação, como religião e política, a existência funcionais, ou seja, quando a autoevidência
de uma diferença unitária e hierárquica entre da diferenciação funcional substitui a autoevi-
“base” e “topo” era tida como um princípio de dência da estratificação social:
diferenciação autoevidente e necessário. O pri-
Com a transição da estratificação para a diferencia-
mado da estratificação se expressa no fato de
ção funcional, muda-se a forma de diferenciação da
que, mesmo nas esferas sociais em vias de se sociedade, mas isso não significa, de modo algum,
diferenciar, a ordem social era sempre percebi- a eliminação da estratificação social [...]. Mas houve
da como dependendo de uma sobredetermina- uma mudança fundamental: agora a estratificação
ção através de uma diferenciação hierárquica não representa mais a ordem visível da sociedade,
transcontextual. Sem uma respectiva ordem não mais aquela ordem sem a qual nenhuma outra
seria possível. Por isso, a estratificação perde sua le-
sistêmica hierárquica concreta, segundo a qual
gitimação por falta de alternativas e, desde o século
o sistema do “topo”, por meio de uma legiti- dezoito, é confrontada com o postulado da igualda-
mação moral e religiosa, domina os estamentos de entre todos os seres humanos, segundo a qual as
inferiores, a ordem social seria impensável em desigualdades são identificadas e expostas à neces-
qualquer contexto: sidade de uma justificação funcional. No plano se-
mântico, essa mudança fundamental fica registrada
Quero falar de estratificação somente quando a so- na transição do conceito de estamento para o con-
ciedade é representada como uma ordem hierárqui- ceito de classe social, o qual aponta mais claramen-
ca e quando a ordem tenha se tornado impensável te a pura arbitrariedade da estratificação (Luhmann,
sem essa hierarquia (Luhmann, 1997b. p. 679) E o 1997b, p. 772-773, tradução nossa).
primado da estratificação só existe quando outras
formas de diferenciação (sobretudo a diferenciação Embora o primado da diferenciação fun-
segmentar de famílias e comunidades domésticas)
cional não elimine a estratificação, ele permi-
se orientam pela estratificação (Luhmann, 1997b, p.
685-686, tradução nossa).
te, pelo menos, que a ordem social não seja
vinculada a uma estrutura de desigualdade so-
Caderno CRH, Salvador, v. 27, n. 72, p. 547-561, Set./Dez. 2014

Consequentemente, a transição para o cial tida como a única possível. Nesse sentido,
primado da diferenciação funcional só é pos- ele é o pressuposto para a que desigualdade so-
sível quando a ordem social pode ser produzi- cial seja criticada socialmente. Isso contradiz
da mesmo quando as fronteiras de estruturas a tese comum de que a especificidade da so-
de estratificação concretas são ultrapassadas. ciedade moderna reside na “ascensão da bur-
E isso acontece exatamente com o desenvolvi- guesia” (Luhmann, 1980, p. 7). O que define a
mento (diferenciação) dos códigos binários e especificidade da sociedade moderna com re-
seus respectivos subsistemas sociais: através lação à estratificação social não é o surgimento
da diferenciação de dicotomias específicas en- nem a decadência de nenhuma classe social
tre “sim” e “não” (ter e não ter, governo e opo- específica, mas o fato de que qualquer estrutu-
sição, lícito e ilícito, doente e saudável etc.), os ra de estratificação social pode ser observada
sistemas funcionais podem observar estrutu- como contingente.
ras de desigualdade como sendo contingentes, A contingência da desigualdade social
como sendo mutáveis, sem que isso represente faz-se presente também no nível das trajetórias
uma “catástrofe evolutiva” para esses sistemas individuais, as quais, na sociedade moderna,
e para a sociedade como um todo. Deve-se são constituídas por um “futuro em aberto.”

554
Roberto Dutra Torres Junior

Por causa da diferenciação mais intensa en- tamento da urgência econômica – precisam
tre os contextos de socialização e os contextos ser tornadas invisíveis. Essa assimetria, que
de inclusão (Luhmann, 1989, p. 171 e 220), é constitutiva do conceito de primado, fica
a posição de origem traz, no máximo, vanta- evidente quando se constata que é impossível
gens socializatórias, cujo significado, para uma inversão do argumento: as operações dos
os destinos individuais, passa a depender de sistemas funcionais não podem ser fundamen-
eventos contingentes, principalmente do en- tadas em desigualdades externas.
cadeamento de decisões em organizações. A Mas o primado da diferenciação funcio-
mera pertença a uma “família nobre” não pode nal não significa que essa forma de diferencia-
substituir as competências e recursos relevan- ção seja capaz de produzir todos os mecanis-
tes para os sistemas funcionais (Frie, 2005). mos necessários para a reprodução dinâmica
“Nascimento, socialização doméstica e situ- da sociedade moderna. Ao contrário: visto que
ação de classe não são mais suficientes para a diferenciação entre subsistemas é deslocada
construir expectativas que orientem uma traje- para a dimensão objetiva, aparece o proble-
tória de vida normal” (Luhmann, 1989, p. 232). ma da “seleção de pessoas” como uma ques-
Por isso, a origem social só é recursiva quando tão especial que a construção da ordem social
ela permite aos indivíduos que se preparem precisa enfrentar e que não pode ser resolvido
para disputar e ocupar posições que somente pela diferenciação funcional. Com a dissolu-
se tornam acessíveis com a sequência seleti- ção do primado da estratificação, também se
va de eventos na trajetória de vida. Trata-se de dissolve o essencialismo pré-moderno que
um controle dinâmico e temporalizado (condi- regulava a seleção social de pessoas por meio
cionado por eventos contingentes) de chances da referência direta ao seu pertencimento esta-
de carreira, cujo êxito depende da preparação mental. No lugar desse essencialismo, aparece,
para lidar com a contingência dos eventos so- no século dezenove, o conceito de população.
ciais (Luhmann, 1997b, p. 742). Uma população consiste de uma variedade
O fato de a estratificação social não ser de indivíduos (Luhmann, 1997a, p. 25), defi-
mais a forma primária de diferenciação impli- nidos precisamente por sua indeterminação,
ca também que as estruturas de desigualdade pela inexistência de tipificações rígidas, pela
social são obrigadas a se fundamentar e a se necessidade de educação e pelo desenvolvi-
legitimar pela diferenciação funcional. Es- mento de pretensões próprias. Essa variedade

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sas estruturas de desigualdade, precisamente de indivíduos, formatáveis pela educação e ca-
quando se trata de desigualdades externas que pazes de desenvolver suas próprias aspirações,
influenciam as operações dos sistemas funcio- é, segundo Luhmann, um correlato direto da
nais, têm de ser observadas, reconstruídas e diferenciação funcional, pois um indivíduo só
descritas como se fossem internas ao sistema. pode ser relevante para a esse tipo de socieda-
Tomemos o exemplo bourdieusiano da “distin- de à medida que é capaz de: a) assegurar sua
ção pelo bom gosto” (Bourdieu, 1982): as for- identidade, mesmo participando de situações
mas de classificação (rude e fino, entre outras) sociais muito distintas e sendo exposto a exi-
que, através da atribuição de “bom gosto”, vin- gências comportamentais também diversas; e
culam desigualdades do sistema artístico com b) ao perseguir suas aspirações e seus interes-
as desigualdades das condições externas (não ses, tomar parte nos diferentes públicos dos
artísticas) necessárias para incorporar esse sistemas funcionais e, com suas demandas por
“bom gosto”, precisam se fundamentar no pró- funções sociais, contribuir para a reprodução
prio sistema artístico e em seus critérios, e é dos sistemas funcionais.
exatamente por conta disso que as vantagens Trata-se aqui de uma relação entre a
(externas) ligadas à origem – sobretudo o afas- auto-organização dos sistemas funcionais e

555
O PROBLEMA DA DESIGUALDADE SOCIAL...

a microdiversidade de seus respectivos pú- de diferentes códigos não pode se dar por meio
blicos. Cada um desses públicos representa, de um denominador comum. Programas de
no plano da microdiversidade, um excedente investimento e de consumo na economia não
de possibilidades operativas que os sistemas são capazes de orientar a atribuição dos valo-
funcionais precisam constantemente domar res lítico e ilícito no sistema do direito, pois
para que haja ordem social no nível de sua au- somente normas jurídicas desempenham este
to-organização. Tudo indica que os mecanis- papel. Além disso, os programas, ao contrário
mos que permitem reduzir esse excedente de dos códigos, são contingentes e variáveis. Nes-
possibilidades operativas precisam ir além da se sentido, o conceito de programa não serve
individualização das identidades pessoais. Na para uma concepção da desigualdade social
verdade, uma vez que essa individualização que pretenda explicar o acesso aos valores dos
consiste em neutralizar diferenças de classe e diferentes sistemas funcionais por meio de
origem social, é de se esperar que ela contribua uma noção unitária de estrutura social.
para formar o excedente de possibilidades co- Mas é possível supor, sendo coerente
municativas, e não para reduzi-lo. A redução com o conceito, que os programas sistêmicos
dessas possibilidades só é possível quando os se vinculam de dois modos com estruturas de
sistemas funcionais aceitam assimetrias e de- desigualdade social. Em primeiro lugar, os sis-
sigualdades capazes de estruturar a construção temas funcionais precisam que a contingência,
de “endereços sociais” na dimensão social. no plano dos programas, seja reduzida de tal
A contribuição das assimetrias e desi- modo, que a atribuição dos valores de um úni-
gualdades da dimensão social para a produção co e mesmo código não seja, no mesmo con-
e a reprodução da ordem social pode ser ob- texto e ao mesmo tempo, disputada por vários
servada mais precisamente quando levamos programas. As possibilidades de programação
em conta a diferença entre código e programa. precisam ser controladas de algum modo, o
Embora o código binário seja constitutivo para que tipicamente ocorre por meio de “especia-
a identidade do sistema funcional, ele não car- listas” em organizações. No caso desse contro-
rega, em si mesmo, nenhum critério de seleção le, o “terceiro valor” introduzido no contexto
que oriente a atribuição de seus valores nega- funcional de um código binário serve não ape-
tivos e positivos. Por isso, o código sozinho nas para decidir sobre a alocação de valores,
não é capaz de produzir nenhuma operação do mas também sobre as premissas que vão orien-
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sistema. Para isso, são necessários programas, tá-la. Esse terceiro valor pode ser, por exem-
ou seja, premissas de decisão que definam as plo, o prestígio de um cientista, que o permite
condições sob as quais a atribuição dos valores transformar suas novas teorias em programa
sistêmicos é “correta”. Trata-se da reintrodu- de sua disciplina científica. Em segundo lu-
ção de um terceiro valor no sistema, ou seja, gar, toda programação sistêmica, a fim de po-
de contornar, em outro nível, o binarismo in- der determinar as condições de correção dos
contornável no nível do código. Mesmo que comportamentos vinculados à atribuição dos
o sistema só oriente suas operações pelos va- valores binários, exige que a dimensão social
lores positivo e negativo de seu código – caso seja devidamente estruturada. Para que o com-
contrário, deixaria de existir como sistema portamento de várias pessoas possa ser coor-
funcional –, ele precisa aceitar um terceiro va- denado segundo as condições de correção para
lor no nível de seus programas, pois esse valor atribuir os valores sistêmicos, é preciso que a
adicional é que permite a realização das ope- dimensão social tenha sua complexidade re-
rações sistêmicas. Luhmann enfatiza que tais duzida por meio da construção de “pontos de
programas são específicos de cada código e de atribuição” (endereços sociais). Esses “pontos
cada sistema funcional: a alocação dos valores de atribuição” orientam a seleção de pessoas

556
Roberto Dutra Torres Junior

cujo comportamento social condiz com a res- estrutura do público financeiro, decorrentes
pectiva programação das operações sistêmicas. da inclusão de indivíduos que, segundo a atri-
A “questão” dos programas é reduzir o exce- buição dos estabelecidos, não tomam decisões
dente de possibilidades operativas que a im- de compra e venda de ações e demais papéis
possibilidade de se construírem “endereços so- segundo os próprios cálculos, reflexões e opi-
ciais” – ou seja, de se personalizarem expecta- niões, mas sim como parte de uma “massa irra-
tivas de comportamento no plano dos códigos cional”, imitando o comportamento dos outros
sistêmicos – produz na dimensão social. especuladores (Stäheli, 2009, p. 267).
Para realizar essa redução de possibili- Mesmo enfatizando a individualidade
dades operativas, os programas se vinculam, pessoal, esses mecanismos de construção sele-
de modo constitutivo, a mecanismos de sele- tiva dos públicos dos sistemas funcionais pre-
ção social. Essa vinculação fica evidente quan- cisam, tanto quanto possível, ignorar as espe-
do se leva em conta a importância das constru- cificidades individuais, pois somente assim a
ções ou observações sistêmicas sobre seu pú- complexidade do entorno humano pode ser es-
blico. Tais construções ou observações, como truturada (reduzida) pelos sistemas sociais. Ao
mostra Stäheli (2009), reduzem as possibilida- contrário da atribuição meramente individua-
des operativas dos sistemas porque criam uma lizante de expectativas de comportamento, as
fronteira entre os “endereços sociais” com as atribuições realizadas por esses mecanismos
competências para participar das operações de seleção de pessoas são generalizadas não
dos sistemas funcionais e um “lado de fora” apenas na dimensão temporal (ou seja, como
que ou é percebido como uma ameaça a ser duração das expectativas individuais de com-
afastada e excluída das operações sistêmicas, portamento), mas também na dimensão social.
ou como uma população dotada de um poten- A autonomização da dimensão social signifi-
cial de inclusão capaz de, no futuro, permitir ca a produção de uma dimensão do sentido
a ampliação das fronteiras do público. Precisa- que ressalta a singularidade das perspectivas
mente porque tais construções ou observações individuais, mesmo que os temas e objetos da
não são derivadas da forma de diferenciação comunicação (dimensão objetiva) sejam idên-
funcional é que os sistemas funcionais de- ticos. Quando essa dimensão do sentido torna-
pendem de programas em geral produzidos e se autônoma, não é mais possível determinar
reproduzidos em organizações que delimitem as possibilidades de comportamento dos indi-

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as possibilidades de ação e vivência das pes- víduos por meio de uma definição objetiva do
soas, ou seja, que sejam capazes de construir ser humano como uma “coisa”, ou um ser es-
“endereços sociais”. Em sua análise sobre a pecial entre outras “coisas” e seres. Isso porque
construção do “público financeiro” nos EUA, a dimensão social ressalta justamente a parti-
Stäheli mostra que tais delimitações são ob- cularidade do “horizonte interior do eu” como
jeto de disputa no contexto dos sistemas fun- um problema que precisa ser solucionado com
cionais. Que competências são indispensáveis construções de sentido específicas. E esse é o
para um “especulador vocacionado” é algo que caso das generalizações supraindividuais de
está submetido às contingências da história e expectativas de comportamento que tomam
das disputas sociais. E, com isso, também a um “outro generalizado” (Schneider, 2011, p.
programação do acesso aos valores (ao tipo de 111) como referência para a atribuição de pro-
propriedade) em jogo no universo financeiro, priedades compartilhadas no que tange à es-
pois os programas tomam essas competências trutura das perspectivas individuais, ou seja,
como critérios de inclusão e de correção das para a atribuição de consenso e (ou) dissenso
operações sistêmicas. A disputa central gira com relação a determinadas expectativas de
em torno das possíveis consequências para a comportamento. Essa generalização consiste

557
O PROBLEMA DA DESIGUALDADE SOCIAL...

exatamente em substituir o enfoque concreto bre a distribuição de posições sociais nos sis-
nas especificidades individuais por um enfo- temas sociais também se estende às decisões
que mais abstrato em modelos de individua- sobre a alocação dos valores em jogo nos siste-
lização. Mesmo assim, ela não alcança o nível mas funcionais. Vale repetir: os programas não
estrutural de papéis sociais com expectativas neutralizam essas desigualdades externas, mas
comportamentais formalmente definidas, mas sim as transformam em desigualdades internas
sim o nível da tipificação informal de indiví- por meio de processos de atribuição que tor-
duos aptos a assumirem esses papéis sociais. nam as influências externas invisíveis. A tese
A relação entre a programação e as ge- da neutralização (Kieserling), além de caren-
neralizações sobre o público dos sistemas fun- te de qualquer sustentação empírica, desvia o
cionais acontece, sobretudo, por meio da atri- foco de uma questão decisiva na relação entre
buição de preferências valorativas que tornam desigualdades sociais “não funcionais” (exter-
os indivíduos “endereços sociais” legítimos das nas aos sistemas funcionais) e diferenciação
operações sistêmicas. E isso inclui também os funcional: a questão do grau de autonomia que
valores positivos dos respectivos códigos biná- os programas sistêmicos possuem em relação
rios. Tais preferências valorativas funcionam às desigualdades externas (produzidas por ou-
como índice de que os indivíduos fazem um tros sistemas sociais) nos processos internos
uso adequado dos meios de comunicação sim- de distribuição e atribuição de chances comu-
bolicamente generalizados (dinheiro, poder, fé, nicativas. Essa autonomia – eis a hipótese de
amor, verdade etc.). Os sistemas sociais podem, pesquisa decorrente dessas reflexões teóricas –
por exemplo, atribuir aos indivíduos “[...] a pre- pode ser definida como o grau de liberdade dos
ferência pela obtenção, pela estabilização ou programas em tratar as desigualdades externas
pela ampliação do poder político, pela multipli- como referências contingentes para orientar as
cação da propriedade (pela obtenção de lucro), operações de distribuição e atribuição de chan-
ou pelo desenvolvimento de teorias novas e to- ces comunicativas. Um alto grau de autonomia
madas como verdadeiras. (Schneider, 2011, p. significa que essas operações podem selecionar
112). Com isso, os sistemas funcionais passam internamente os critérios de discriminação de
a dispor de endereços sociais com o potencial pessoas, ou seja, que nenhuma seleção externa
de se identificarem com as formas sociais pro- prévia impõe-se como necessária. Quando, por
duzidas pelo uso dos códigos binários, ou seja, exemplo, indivíduos se distanciam das neces-
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de realizar e, assim, confirmar as assimetrias sidades econômicas imediatas, ou seja, quan-


constitutivas desses códigos. A construção de do agir segundo critérios econômicos, torna-se
“endereços sociais” (e, logo, a delimitação das algo contingente, sua posição econômica pas-
fronteiras dos públicos sistêmicos) é constituti- sa a não ser tão decisiva na forma como eles
va para as estruturas de programa dos sistemas participam da política, de modo que partidos
funcionais. Como “complexos de condições de podem formular programas voltados para esses
correção (ou seja, de condições da aceitação indivíduos a partir de critérios que, não neces-
social) do comportamento” (Luhmann, 1984, sariamente, passem pela satisfação de suas ne-
p. 432, tradução nossa) que estruturam a alo- cessidades imediatas.
cação dos valores sistêmicos, essas estruturas
de programa dependem de assimetrias que
reduzam as possibilidades de ação e vivência CONCLUSÃO
dos indivíduos. Questões de programação são
inseparáveis das questões relativas à seleção de O objetivo deste artigo foi demonstrar que
pessoas (Luhmann, 2002, p. 397ss), de modo a teoria da sociedade de Niklas Luhmann é plena-
que a influência de desigualdades externas so- mente compatível com uma abordagem que res-

558
Roberto Dutra Torres Junior

salte a relevância das estruturas de desigualdade desigualdade como as concepções sobre justiça
para a reprodução social. Para isso, buscou-se social – aí incluídos tanto as utopias políticas
precisar a concepção de primado da diferencia- como o “igualitarismo primitivo” dos sociólo-
ção funcional como traço definidor da sociedade gos (Müller, 2002, p. 497-498) – pressupõem,
moderna. O primado não significa a neutraliza- portanto, uma ordem social na qual a mutabili-
ção da influência de fatores externos aos siste- dade e a construção de estruturas de desigual-
mas funcionais na produção das desigualdades dade possam se tornar visíveis sem que essa
internas a esses sistemas. Essa versão do conceito ordem social entre em colapso. É precisamente
não se sustenta face aos sólidos achados da so- por isso que o estatuto da desigualdade como
ciologia da desigualdade, os quais confirmam a problema social e sociológico é uma conquis-
influência de fatores do entorno sobre as chances ta evolutiva (evolutionäre Errungenschaft) da
de participação individual nas operações dos sis- sociedade moderna, constitutivamente vincu-
temas sociais. O primado da forma funcional de lada ao primado da diferenciação funcional e
diferenciação sistêmica – como Luhmann enfati- ao princípio normativo da inclusão de todos os
za em várias passagens – refere-se ao fato de que indivíduos nos diferentes subsistemas sociais.
as formas de comunicação mais importantes e O primado funcional diz exatamente que a re-
abrangentes da sociedade (economia, política, di- produção da sociedade não é idêntica à repro-
reito, comunicação de massas, ciência etc.), sem dução e à ontologização de uma determinada
as quais a ordem social não é percebida como hierarquia social. Somente por conta dessa não
possível, não se constituem primariamente pela identidade entre sociedade e estratificação so-
hierarquização ontológica de pessoas, mas sim cial é que os sistemas funcionais, no processo
pela especificação de relações entre distintos pro- de construção de suas desigualdades internas,
blemas funcionais e soluções. podem tomar distância das desigualdades en-
Mas qual o ganho que a tese do primado contradas em seu entorno, isto é, percebê-las
funcional traz para a análise da desigualdade? como contingentes e não como necessárias.
O ganho refere-se, sobretudo, à articulação dos Nesse quadro teórico, a desigualdade,
pressupostos sociológicos da observação dis- embora não seja identificada como o eixo pri-
tanciada da desigualdade, tanto como proble- mário da sociedade, tem relevância para a re-
ma social como problema de pesquisa. A ques- produção das operações dos distintos sistemas
tão primordial para uma teoria social da desi- sociais. Em sua relação com o seguimento de

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gualdade precisa ser o que Luhmann chama seu entorno composto por indivíduos – o ser
de “questão autológica”, ou seja, a questão das humano não é, em Luhmann, parte da socieda-
condições de possibilidade da problematização de, mas sim de seu entorno! –, os sistemas so-
sociológica (como problematização social!) das ciais precisam de orientações generalizáveis,
assimetrias entre as pessoas. Como é possível que ultrapassem as particularidades de cada
que a vida social nos permita ver a desigualda- sistema psíquico individual. Trata-se de meca-
de como um problema, ao invés de como um nismos de generalização de expectativas com-
fundamento inquestionável da própria ordem portamentais na dimensão social, generaliza-
social? A interpretação da teoria da sociedade ção essa que, sendo reiterada, funciona como
de Luhmann – como teoria da diferenciação – critério estrutural de seleção e inclusão dos
aqui proposta leva em conta que a criticidade indivíduos nas operações comunicativas cons-
e a problematização da desigualdade social a titutivas dos sistemas sociais. A desigualdade
partir de perspectivas sobre a justiça e a igual- refere-se, aqui, à distribuição e à atribuição de-
dade pressupõem uma ordem social compatí- siguais dessas expectativas comportamentais,
vel com a mutabilidade (não confundir com o que, na prática, significa a distribuição e atri-
eliminação!) desse fenômeno. Tanto a crítica da buição desiguais de chances comunicativas.

559
O PROBLEMA DA DESIGUALDADE SOCIAL...

A diferenciação funcional implica, po- Suhrkamp, 1988.


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_______. Die Wirtschaft der Gesellschaft. Frankfurt a. M.:

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Roberto Dutra Torres Junior

THE PROBLEM OF SOCIAL INEQUALITY IN LE PROBLÈME DES INÉGALITÉS SOCIALES DANS


NIKLAS LUHMANN’S THEORY OF SOCIETY LA THÉORIE DE LA SOCIÉTÉ NIKLAS LUHMANN

Roberto Dutra Torres Junior Roberto Dutra Torres Junior

Niklas Luhmann’s Theory of Society is frequently La théorie de la société de Niklas Luhmann est
accused of being conservative since it neglects the souvent accusée d’être conservatrice vu qu’elle
relevance of the structures of inequality in modern ne prend pas en considération l’importance des
society. This article proposes an alternative reading structures d’ inégalités dans la société moderne. Cet
of this theory which implies a reconsideration article propose une lecture alternative de cette théorie
of the part of the structures of inequality for the qui consiste à reconsidérer le rôle des structures
reproduction of social systems. The main argument d’inégalités pour la reproduction des systèmes
is that the structures of inequality guide the manner sociaux. L’argument principal consiste en ce que les
with which social systems select individuals for their structures d’inégalités guident la manière qu’ont les
operations. At the same time, the luhmannian thesis systèmes sociaux de sélectionner les individus pour
about the superiority of functional differentiation is effectuer leurs opérations. On y défend en même
defended, because while the structures of inequality temps la thèse luhmanienne concernant la primauté
may vary, assuming contingent strengths whose de la différenciation fonctionnelle puisque lorsque
transformation does not represent the transformations les structures d’inégalités peuvent varier en assumant
of society, the functional differentiation represents des formes contingentes dont la transformation ne
the identity of society, remaining as an invariable représente pas la transformation de la société, la
and necessary dimension in the horizon of meaning différenciation fonctionnelle, au contraire, représente
in modern times. l’identité elle-même de la société et se maintient
comme une dimension invariable et nécessaire aux
horizons du sens de la modernité.

Keywords: Theory of Society. Functional differentiation. Mots-clés: Théorie de la société. Différenciation


Social inequality. Contingency. Modernity. fonctionnelle. Inégalité Sociale. Contingence.
Modernité.

Caderno CRH, Salvador, v. 27, n. 72, p. 547-561, Set./Dez. 2014

Roberto Dutra Torres Junior – Doutor em Sociologia. Professor Associado do Laboratório de Gestão
e Políticas Públicas (LGPP), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF).
Temas de interesse: teoria social, sociologia da estratificação social, sociologia da religião, teoria do
reconhecimento social, teoria da modernidade, teoria dos sistemas, sociologia da administração pública.
Publicações recentes: Das Primat funktionaler Differenzierung und die Kontingenz sozialer Ungleichheit:
Gesellschaftliche Voraussetzungen für den Begriff des sozialen Milieus?. Zeitschrift für theoretische
Soziologie, v. 1, p. 382-397, 2014; Por uma sociologia sistêmica da gestão de políticas públicas. Conexão
Política, v. 2, p. 11-47, 2014; O neopentecostalismo e o novo espírito do capitalismo na modernidade
periférica. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais (UNESP. Araraquara. Impresso), v. 32, p. 85-125,
2007.

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