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Resumo
Estudos a respeito do preconceito e da discriminação realizados em vários países demonstram que esse fenômeno vem
assumindo formas cada vez mais sutis. Este trabalho insere-se nesse campo de estudo e investiga os efeitos da orientação sexual
no processo de infra-humanização. Dele participaram 135 estudantes de pós-graduação na área de recursos humanos. A eles era
solicitado que respondessem um questionário no qual avaliavam indivíduos homossexuais ou heterossexuais, atribuindo-lhes
traços naturais e culturais, objetivando verificar a presença do processo de infra-humanização no preconceito contra os homos-
sexuais. Diferentemente de outros estudos na área, os resultados indicaram que o preconceito contra os homossexuais se
expressa de forma mais sutil que flagrante, apresentando uma maior atribuição de características positivas para o grupo
majoritário e não se diferenciando em termos de atribuição de características negativas para o grupo minoritário. Esses
resultados são discutidos, ressaltando-se a importância de mais estudos sobre o tema, tão pouco estudado por psicólogos sociais.
Unitermos: homossexualidade; infra-humanização; preconceito; orientação sexual.
Abstract
Studies about prejudice and discrimination carried out in several countries have demonstrated that such phenomenon is taking more subtle
shapes. This work is inserted in this field and investigates sexual orientation effects in the infra-humanization process. Participants were 135
students from the human resources post-graduation course. They had answered a questionnaire that required them to evaluate individuals
who could be either homosexuals or heterosexuals by the attribution of natural or cultural characteristics in order to verify the presence of
the infra-humanization process in the prejudice against homosexuals. Different from the previous studies, the results indicated that the
prejudice against homosexuals is expressed in a more subtle way through the attribution of more positive characteristics to heterosexuals
and the attribution of the same level of negative characteristics to both groups of individuals. These results are discussed emphasizing the
importance of more studies about the subject which has been neglected by social psychologist.
Uniterms: homosexuality; infra-humanization; prejudice, sexual orientation. PRECONCEITO CONTRA HOMOSSEXUAIS
Gordon Allport foi um dos pioneiros no estudo atitude evitativa ou hostil contra uma pessoa que
do preconceito em Psicologia Social. Sua definição, pertence a um grupo simplesmente porque ela pertence
publicada em 1954, é ainda hoje a mais utilizada nos àquele grupo, e está, portanto, presumido que obje-
estudos sobre o tema. Para ele, o preconceito seria “uma tivamente ela tem as qualidades atribuídas ao grupo”3
▼▼▼▼▼
1
Artigo elaborado a partir da dissertação de A.R.D. FLEURY, intitulada: “Homossexualidade e preconceito: o que pensam os profissionais de recursos humanos”,
Universidade Católica de Goiás, 2006.
2
Universidade Católica de Goiás, Departamento de Psicologia. Av. Universitária, 1440, Setor Universitário, 74000-000, Goiânia, GO, Brasil. Correspondência
para/Correspondence to: A.R.R. TORRES. E-mail: <arr.torres@gmail.com>.
3
An aversive or hostile attitude toward a person who belongs to a group, simply because he belongs to that group, and is therefore presumed to have
the objectionable qualities ascribed to the group. 475
476 4
From an etymological point of view, infra-humanization conveys the meaning that some humans are considered less humans than other ones.
O trabalho de Falcão (2004) tinha como objetivo Para compreender o processo de infra-humani-
investigar se havia relação entre as explicações que as zação é necessário desenvolver o entendimento sobre
pessoas davam para a homossexualidade e as atitudes o essencialismo psicológico e como ele atua na catego-
dessas pessoas acerca da adoção de crianças por rização social e, conseqüentemente, no fenômeno do
homossexuais. Os resultados demonstraram que a preconceito.
relação existe e se diferencia conforme as crenças quanto
O essencialismo psicológico caracteriza-se pela
às causas da homossexualidade. As pessoas que dão
crença de que objetos naturais e sociais são detentores
explicações psicossociais para a homossexualidade, e
de essências ou naturezas fundamentais que fazem deles
acreditam que se deva tentar compreendê-la em sua
o que eles são. Como tal, constitui uma forma de pensa-
totalidade, são favoráveis à adoção de crianças por
mento que auxilia o processo de categorização e a
homossexuais. Já as pessoas que consideram a falta de
formação de estereótipos.
caráter, de respeito e de valores morais como causas da
Conforme Lima et al. (2006), nessa forma de
homossexualidade são contrárias à adoção de crianças
pensamento, características visíveis e superficiais seriam
por homossexuais, além de terem sido classificadas
preditoras de características profundas e invisíveis do
como preconceituosas flagrantes, ou seja, acreditam
objeto. Dessa maneira, podemos dizer que se referem
que a explicação da condição do homossexual por si
mais à forma de como o objeto é percebido do que à
só justifica as atitudes discriminatórias dirigidas ao
sua real natureza. O essencialismo psicológico apóia-se
grupo. Nessa pesquisa também ficou evidenciado que,
na necessidade cognitiva do indivíduo de transcender
de maneira geral, as mulheres são mais tolerantes tanto
a informação dada a fim de melhor compreender dado
com a homossexualidade em geral como com a lega-
objeto ou fenômeno social (Allport, 1954).
lização da união entre pessoas do mesmo sexo.
A atuação do essencialismo psicológico na
Este estudo trabalha com a concepção da ho- categorização social fornece pré-julgamentos que
mossexualidade como construção social e, como tal, delinearão nossos comportamentos nas nossas relações.
está baseada nas relações sociais de poder que Essa tendência em extrair do objeto elementos outros a
configuram a estrutura do preconceito em determinada partir de alguns percebidos contribui na elaboração dos
sociedade. Entende-se essa construção social como conteúdos que irão determinar nossos preconceitos. A
resultado de processos sociocognitivos e, por isso, essencialização das diferenças poderá conduzir a sua
ligados à relação estabelecida entre indivíduo e hierarquização, caracterizando o preconceito e infra-
A.R.D. FLEURY & A.R.R. TORRES
sociedade, na qual a influência é recíproca, ou seja, não -humanizando objetos naturais e sociais.
há uma relação de causalidade, mas sim uma relação O fato de a essencialização estar presente entre
de mão-dupla, de influência mútua. Com base nessa os grupos, leva-nos a crer que ela é base para a formação
concepção, acreditamos que mudanças sociais, de categorias e de seus respectivos grupos sociais,
econômicas e políticas produzam modificações fornecendo, assim, argumentos para a diferenciação
comportamentais que atendem às novas condições entre eles. Para Leyens et al. (2000), na perspectiva do
ambientais ao mesmo tempo em que essas condições essencialismo psicológico, as pessoas tendem a explicar
são retroalimentadas pelas modificações produzidas nos as diferenças entre os grupos atribuindo a eles diferentes
indivíduos por elas afetados. Essa concepção influenciou essências, acreditando, assim, que elas podem definir a
478 a utilização de uma medida de preconceito sutil neste natureza dos grupos. E esse fato independe do status do
riormente, estabelecemos que, conforme resultados dos privado na cidade de Goiânia, Goiás. A maioria dos
estudos recentes sobre a expressão do preconceito nas participantes é do sexo feminino (87%). A idade média
sociedades ocidentais (Vala et al., 1999), deveríamos (M) desses profissionais é igual a 30 anos (desvio-padrão
utilizar uma teoria que nos oferecesse condições de (DP)=7,2 anos).
investigar novas formas de expressão do preconceito,
já que há uma concordância entre os teóricos estudiosos Instrumentos
do fenômeno do preconceito (Gaertner & Dovídio, 1986;
Pettigrew & Meertens, 1995; Vala et al., 1998, 1999) de O instrumento desenvolvido para este estudo
que ele está assumindo formas de expressão mais sutis foi baseado no trabalho de Lima (2002) e validado em
480 e menos flagrantes, buscando atender, assim, às normas um estudo-piloto realizado em Goiânia.
Tabela 1. Média, desvios-padrão e teste estatístico das avaliações dos traços positivos para os homossexuais e heterossexuais (n=135).
Tabela 2. Média, desvios-padrão e teste estatístico das avaliações dos traços negativos para os homossexuais e heterossexuais (n=135).
Uma hipótese explicativa sobre a diferença nos Algumas pesquisas no Brasil (Falcão, 2004; Green,
resultados do estudo de Falcão (2004) com o presente 1999; Lacerda et al., 2002; Pereira, 2004; Rios, 2002)
estudo estrutura-se na questão do público e do privado, apontam resultados que indicam a existência do pre-
já que a adoção refere-se à esfera privada e aos vários conceito e da discriminação na vida desse grupo mino-
mitos que o assunto envolve, tal como a idéia de que ritário. As atitudes negativas dos heterossexuais para
uma criança criada em um ambiente homossexual com o grupo de homossexuais são experienciadas,
acumulará traumas psicológicos e sociais que irão refletir provavelmente, de diferentes formas, em graus distintos,
no desenvolvimento de sua personalidade. Além disso, mas a persistência do fenômeno incita respostas sobre
esse mito serviria de justificativa para que as pessoas as conseqüências dessas atitudes no cotidiano dos
agissem de forma mais flagrante, sem preocupação com homossexuais.
a norma antidiscriminatória. O governo brasileiro lançou, no dia 25 de maio
Já o estudo de Pereira (2004) teve como amostra de 2004, o programa “Brasil sem Homofobia”. O objetivo
A.R.D. FLEURY & A.R.R. TORRES
estudantes de Teologia, o que, de fato, colabora para do programa é desenvolver ações que previnam a
expressões mais flagrantes do preconceito, pois, violência contra as minorias sexuais. Dados oficiais do
conforme Herek (2002), a retórica religiosa é extrema- governo brasileiro revelam que, de 1963 a 2001, tivemos
mente conservadora e opõe-se aos direitos gays, conde- 2.092 homossexuais assassinados no país. O programa
nando tanto a homossexualidade masculina quanto a tem como prioridade implementar ações que consigam
feminina. diminuir a discriminação contra essa minoria.
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