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Escola Secundária do Restelo - Português – 12º ano – Marina Prino

ESCOLA SECUNDÁRIA DO RESTELO PORTUGUÊS – 12º ANO- LEITURA INTERTEXTUAL3


OS LUSÍADAS DE LUÍS DE CAMÕES E MENSAGEM DE FERNADO PESSOA
Os excertos / poemas que se seguem, permitem enfatizar a relação intertextual entre as duas obras.
1. OS LUSÍADAS – CANTO I – DEDICATÓRIA E MENSAGEM – 1ª PARTE – “BRASÃO” BLOCO III – “AS QUINAS”

CANTO I – DEDICATÓRIA 16 D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL2


6 Em vós os olhos tem o Mouro frio,
E vós1, ó bem nascida segurança Em quem vê seu exício afigurado; Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Da Lusitana antígua liberdade, Só com vos ver o bárbaro Gentio Qual a sorte não dá.
E não menos certíssima esperança Mostra o pescoço ao jugo já inclinado; Não coube em mim a minha certeza;
De aumento da pequena Cristandade; Tethys todo o cerúleo senhorio Por isso onde o areal está
Vós, ó novo temor da Maura lança, Tem para vós por dote aparelhado; Ficou meu ser que houve, não o que há.
Maravilha fatal da nossa idade, Que afeiçoada ao gesto belo e tenro,
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, Deseja de comprar-vos para genro. Minha loucura, outros que a tomem
Para do mundo a Deus dar parte grande; 17 Como o que nela ia.
7 Em vós se vêm da olímpica morada Sem a loucura que é o homem
Vós, tenro e novo ramo florescente Dos dois avós as almas cá famosas, Mais que a besta sadia,
De uma árvore de Cristo mais amada Uma na paz angélica dourada, Cadáver adiado que procria?
Que nenhuma nascida no Ocidente, Outra pelas batalhas sanguinosas; 20 / 02 / 1933
Cesárea ou Cristianíssima chamada; Em vós esperam ver-se renovada
(Vede-o no vosso escudo, que presente Sua memória e obras valerosas;
Vos amostra a vitória já passada, E lá vos tem lugar, no fim da idade,
Na qual vos deu por armas, e deixou
As que Ele para si na Cruz tomou) (…)
No templo da suprema Eternidade.

RELAÇÃO INTERTEXTUAL
OS LUSÍADAS - CANTO I – DEDICATÓRIA MENSAGEM - “BRASÃO” – “D. SEBASTIÃO, REI DE PORTUGAL”
 Camões dedica a sua obra a D. Sebastião.  Pessoa evoca, na sua obra, o mito sebastianista, apresentando
 O poeta caracteriza o Rei em tom laudatório para o enaltecer. o rei como “O Desejado”.
(“Vós, poderoso Rei, cujo alto império / O Sol, logo em ascendo,  Simultaneamente, dá cumprimento à aglutinação mítica que se
vê primeiro” - est. 8) encontra na origem do mito português como “O Encoberto”.
 Para o poeta o rei, senhor de um vasto império, significa a  No poema “D. Sebastião, Rei de Portugal” – o rei surge como
segurança e a garantia da independência do país.(Est.8) uma figura arquetipal do esforço e da grandeza do herói
 D. Sebastião surge como aquele a quem cabe uma missão, no português – a sua loucura associa-se à capacidade de sonhar e
cumprimento da vontade de Deus – alargar a fé cristã.(Est.6) à esperança que caracterizam o herói (capaz de superar “a
 [De facto, D. sebastião viria a contribuir para a perda da besta”.
independência com o seu desaparecimento na batalha de  O sujeito poético, cuja voz se identifica com a de D. Sebastião,
Alcácer Quibir, o que constituiu a motivação para a criação do dirige um apelo aos portugueses, estabelecendo a união entre o
mito sebastianista, de fundo messiânico, expressão da tentativa passado e o presente da nossa história.(2-vv.6 e 7).
desesperada de reconquista da identidade perdida e da  Para Pessoa, a “loucura” de D. Sebastião, deveria constituir-se
restauração da nacionalidade.] como o sonho que permitiria ao homem português do século XX
a renovação do país e a construção de um futuro promissor, i.e.,
o renascimento de Portugal.

1 Na terceira parte de Os Lusiadas (tendo em conta a estrutura da epopeia), Camões dedica o poema a D. Sebastião, que considerava o garante da
independência da nação.
2 Nesta Primeira parte da Mensagem - Brasão, Pessoa apresenta-nos D. Sebastião como Rei de Portugal, ou seja, é retratada a Figura do rei, príncipe

mártir, traído pela sua ambição, mas o quinto mártir, e por isso ungido de sagrado significado futuro,
3 Fontes: Jacinto, C. e Lança G. (2007), Análise das obras “Os Lusíadas” de Luís de Camões e “Mensagem” de Fernando Pessoa, Porto Ed.

Unidades 1 e 2 – “Os Lusíadas” e “Mensagem”- 1


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2.OS LUSÍADAS - CANTO III E MENSAGEM – 1ª PARTE – “BRASÃO” BLOCO I – “OS CAMPOS”
CANTO III 21 O DOS CASTELLOS4
17 "Esta é a ditosa pátria minha amada, A Europa jaz, posta nos cotovellos:
"Eis aqui se descobre a nobre Espanha, A qual se o Céu me dá que eu sem perigo De Oriente a Occidente jaz, fitando,
Como cabeça ali de Europa toda, (…) Torne, com esta empresa já acabada, E toldam-lhe românticos cabellos
Acabe-se esta luz ali comigo. Olhos gregos, lembrando.
20 Esta foi Lusitânia, derivada
"Eis aqui, quase cume da cabeça De Luso, ou Lisa, que de Baco antigo O cotovello esquerdo é recuado;
De Europa toda, o Reino Lusitano, Filhos foram, parece, ou companheiros, O direito é em ângulo disposto.
Onde a terra se acaba e o mar começa, E nela então os Íncolas primeiros. Aquelle diz Itália onde é pousado;
E onde Febo repousa no Oceano. Este diz Inglaterra onde, afastado,
Este quis o Céu justo que floresça A mão sustenta, em que se appoia o rosto.
Nas armas contra o torpe Mauritano,
Deitando-o de si fora, e lá na ardente Fita, com olhar sphyngico e fatal,
África estar quieto o não consente. O Occidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

(08 / 12 / 1928)

RELAÇÃO INTERTEXTUAL
OS LUSÍADAS - CANTO III MENSAGEM - “BRASÃO” – “O DOS CASTELLOS”
 Tanto Camões como Pessoa enfatizam, nas suas obras, a localização de Portugal e a sua importância no contexto geográfico da Europa.
 O poeta, pela voz de Vasco da Gama, dá a entender que  A Europa aguarda, numa atitude passiva, a ação regeneradora
Portugal assume uma dimensão primordial na cristianização dos de Portugal para recuperar a glória perdida. No poema “O dos
povos, realizando a vontade divina. Castellos”, surge personificada numa figura feminina, que se
 Para Camões, a cristianização efetua-se enquanto expressão da encontra em posição de espera e de vigília.
vontade divina.  Pessoa apresenta as linhas vectoriais que em “O Infante” (2ª
 Para Camões, é em nome do Amor (a Deus, que conduz ao Parte – “Mar Portuguez”), surgem como a expressão da vontade de
desejo de expansão da fé cristã), que a se realiza a viagem. Deus, após o sonho e a realização da obra humana.
 Cabia ao povo português a responsabilidade de propagar a fé  Pessoa apresenta reminiscências do passado histórico para
cristã. enfatizar a herança cultural e o lugar de Portugal na nova epopeia.
 Cabe a Portugal a missão de reencontrar a identidade europeia e
reconquistar a glória do passado através da construção do Quinto
Império, a ocidente.
 O Quinto Império não seria material, mas espiritual –
corresponderia a uma era de fraternidade entre todos os povos,
depois de um aperfeiçoamento da interioridade de cada ser humano,
com vista à espiritualização da humanidade.

3. OS LUSÍADAS - CANTO III E MENSAGEM – 1ª PARTE – “BRASÃO” BLOCO II – “OS CASTELLOS”


CANTO III 97 “D. DINIZ”
96 "Fez primeiro em Coimbra exercitar-se Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
"Eis depois vem Dinis, que bem parece O valeroso ofício de Minerva; O plantador de naus a haver,
Do bravo Afonso estirpe nobre e dina, E de Helicona as Musas fez passar-se E ouve um silêncio múrmuro comsigo:
Com quem a fama grande se escurece A pisar do Monde-o a fértil erva. É o rumor dos pinhaes que, como um trigo
Da liberalidade Alexandrina. Quanto pode de Atenas desejar-se, De Império, ondulam sem se poder ver.
Com este o Reino próspero florece Tudo o soberbo Apolo aqui reserva.
(Alcançada já a paz áurea divina) Aqui as capelas dá tecidas de ouro, Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Em constituições, leis e costumes, Do bácaro e do sempre verde louro. Busca o oceano por achar;
Na terra já tranquila claros lumes. 98 E a falla dos pinhaes, marulho obscuro,
"Nobres vilas de novo edificou É o som presente desse mar futuro,
Fortalezas, castelos mui seguros, É a voz da terra anciando pelo mar.
E quase o Reino todo reformou
Com edifícios grandes, e altos muros; (…)

4Trata-se do primeiro poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem. Nesta primeira parte da obra aborda-se a origem, a fundação o princípio de
Portugal. O título “O dos Castelos” remete-nos de imediato para os sete castelos que passaram a proteger Portugal a leste e a sul após a conquista do Algarve
aos Mouros, levada a cabo por D. Afonso III.

Unidades 1 e 2 – “Os Lusíadas” e “Mensagem”- 2


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RELAÇÃO INTERTEXTUAL
OS LUSÍADAS - CANTO III MENSAGEM - “BRASÃO” – “D.DINIZ”
Para ambos os poetas, a figura de D. dinis simboliza o criador da alma portuguesa, ao nível dos valores espirituais que a enformam.
 Em Camões, a figura real remete para o construtor da  Em Pessoa D. Diniz corporiza essa mesma alma que, de noite,
mentalidade e da cultura do jovem país. escreve o “seu Cantar de Amigo” – A noite surge como um período
 D. Dinis é referido na sua vertente cultural, uma vez que a obra de gestação de um império a construir num tempo futuro, na época
enfatiza a sua responsabilidade na construção da Universidade de dos Descobrimentos (“mar futuro”) que encontrará a sua realização
Coimbra (est. 97) num futuro mais longínquo – Império espiritual de fraternidade
 Camões recorre a elementos associados à história nacional para universal – Quinto Império.
valorizar o papel do Rei – poeta, plantador.  elementos histórico-culturais – a poesia e o pinhal de Leiria que
permitiu ao Infante D. Henrique a construção das naus, para
desvendar os mares e cuja ação se virá a ligar à construção do
Quinto Império.
 Pessoa enfatiza a associação entre a criação poética e a criação
de uma nação.(”Arroio, esse cantar jovem e puro / Busca o oceano
por achar”).
 D. Dinis tem, para Pessoa, o valor simbólico enquanto elemento
fecundador do futuro (“O plantador de naus a haver”) – Portugal e
Humanidade.

4. OS LUSÍADAS - CANTO V E MENSAGEM – 2ª PARTE – “MAR PORTUGUEZ” – I - “O INFANTE”


CANTO V 13 “O INFANTE”
4 "Ali o mui grande reino está de Congo,
"Assim fomos abrindo aqueles mares, Por nós já convertido à fé de Cristo, Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Que geração alguma não abriu, Por onde o Zaire passa, claro e longo, Deus quis que a terra fosse toda uma,
As novas ilhas vendo e os novos ares, Rio pelos antigos nunca visto. Que o mar unisse, já não separasse.
Que o generoso Henrique descobriu; Por este largo mar enfim me alongo Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.
De Mauritânia os montes e lugares, Do conhecido pólo de Calisto,
Terra que Anteu num tempo possuiu, Tendo o término ardente já passado, E a orla branca foi de ilha em continente,
Deixando à mão esquerda; que à direita Onde o meio do mundo é limitado. Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
Não há certeza doutra, mas suspeita. 14 E viu-se a terra inteira, de repente,
12 "Já descoberto tínhamos diante, Surgir, redonda, do azul profundo.
"Sempre enfim para o Austro a aguda proa Lá no novo Hemisfério, nova estrela,
No grandíssimo gólfão nos metemos, Não vista de outra gente, que ignorante Quem te sagrou criou-te português.
Deixando a serra aspérrima Leoa, Alguns tempos esteve incerta dela. Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Co'o cabo a quem das Palmas nome Vimos a parte menos rutilante, Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
demos. E, por falta de estrelas, menos bela, Senhor, falta cumprir-se Portugal!
O grande rio, onde batendo soa Do Pólo fixo, onde ainda se não sabe
O mar nas praias notas que ali temos, Que outra terra comece, ou mar acabe.
Ficou, com a Ilha ilustre que tomou
O nome dum que o lado a Deus tocou.

RELAÇÃO INTERTEXTUAL
OS LUSÍADAS - CANTO V MENSAGEM - “MAR PORTUGUÊS” – “O INFANTE”
 Camões apresenta a missão dos Portugueses na conquista do  Pessoa, no poema “O Infante”, exalta o valor do sonho humano
Oriente como um Fado já traçado (Os Lusíadas – Canto I – Est. 28 – como expressão da vontade divina que conduz à realização da obra
Consílio dos Deuses – “Prometido lhe está o Fado eterno, / Cuja – “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”
alta lei não pode ser quebrada, / Que tenham longos tempos o  Para Pessoa, os Descobrimentos portugueses não são apenas
governo / Do mar que vê do Sol a roxa entrada.”) uma fora de conquista de espaços físicos e de alcançar o
 A epopeia de Camões, apresenta-nos os factos, a conquista real conhecimento até então vedado ao Homem. Significaram também a
que os portugueses realizaram: união entre os povos – imagem circular do planeta (1ª estrofe)
o contactando com novas terras e novas gentes,  A ação do ser humano é interpretada como uma realização da
o espalhando a fé cristã vontade de Deus, pelo que os Descobrimentos portugueses
o adquirindo um conhecimento intrinsecamente ligado ao representam, para o poeta, a manifestação de algo (vontade divina)
valor da experiência. que transcende o próprio povo português. A demanda apresenta um
carácter esotérico.
 A expansão marítima portuguesa faz parte de um objetivo oculto
que ainda não foi cumprido. É esta crença que leva o sujeito poético

Unidades 1 e 2 – “Os Lusíadas” e “Mensagem”- 3


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a afirmar, em tom de prece: “Senhor, falta cumprir-se Portugal!”


 O período que se seguiu aos Descobrimentos foi catastrófico
para Portugal (perda de independência que daria origem ao mito
sebastianista) e apagou a glória nacional do espírito dos
portugueses, determinando o seu comportamento caracterizado pela
inércia, nos séculos seguintes. Pessoa acreditava que Portugal
deveria cumprir o seu destino, sonhando com a realização de um
novo império, um império espiritual que surgiria após um período de
estagnação, associado à morte, ao qual deveria suceder-se o
renascimento para um novo período da História da Humanidade.

5. OS LUSÍADAS - CANTO V E MENSAGEM – 2ª PARTE – “MAR PORTUGUEZ” – IV - “O MOSTRENGO”


CANTO V “O MOSTRENGO”
37 41
"Porém já cinco Sóis eram passados "E disse:-"Ó gente ousada, mais que quantas O mostrengo que está no fim do mar
Que dali nos partíramos, cortando No mundo cometeram grandes cousas, Na noite de breu ergueu-se a voar;
Os mares nunca doutrem navegados, Tu, que por guerras cruas, tais e tantas, À roda da nau voou três vezes,
Prosperamente os ventos assoprando, E por trabalhos vãos nunca repousas, Voou três vezes a chiar,
Quando uma noite estando descuidados, Pois os vedados términos quebrantas, E disse: “Quem é que ousou entrar
Na cortadora proa vigiando, E navegar meus longos mares ousas, Nas minhas cavernas que não desvendo
Uma nuvem que os ares escurece Que eu tanto tempo há já que guardo etenho, Meus tectos negros do fim do Mundo?”
Sobre nossas cabeças aparece. (…) Nunca arados d'estranho ou próprio lenho: E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!”
39 42
"Não acabava, quando uma figura - "Pois vens ver os segredos escondidos “De quem são as velas onde me roço?
Se nos mostra no ar, robusta e válida, Da natureza e do úmido elemento, De quem as quilhas que vejo e ouço?”
De disforme e grandíssima estatura, A nenhum grande humano concedidos Disse o mostrengo e rodou três vezes,
O rosto carregado, a barba esquálida, De nobre ou de imortal merecimento, Três vezes rodou imundo e grosso,
Os olhos encovados, e a postura Ouve os danos de mim, que apercebidos “Quem vem poder o que só eu posso,
Medonha e má, e a cor terrena e pálida, Estão a teu sobejo atrevimento, Que moro onde nunca ninguém me visse
Cheios de terra e crespos os cabelos, Por todo o largo mar e pela terra, E escorro os medos do mar sem fundo?”
A boca negra, os dentes amarelos. Que ainda hás de sojugar com dura guerra. E o homem do leme tremeu, e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”
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"Tão grande era de membros, que bem posso - "Sabe que quantas naus esta viagem Três vezes as mãos do leme ergueu,
Certificar-te, que este era o segundo Que tu fazes, fizerem de atrevidas, Três vezes ao leme as reprendeu,
De Rodes estranhíssimo Colosso, Inimiga terão esta paragem E disse no fim de tremer três vezes:
Que um dos sete milagres foi do mundo: Com ventos e tormentas desmedidas. “Aqui ao leme sou mais do que eu:
Com um tom de voz nos fala horrendo e grosso, E da primeira armada que passagem Sou um Povo que quer o mar que é teu;
Que pareceu sair do mar profundo: Fizer por estas ondas insofridas, E mais que o mostrengo, que a alma teme
Arrepiam-se as carnes e o cabelo Eu farei d'improviso tal castigo, E roda nas trevas do fim do mundo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo. Que seja mor o dano que o perigo. Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”

RELAÇÃO INTERTEXTUAL
OS LUSÍADAS - CANTO V MENSAGEM - “MAR PORTUGUEZ” – “O MOSTRENGO”
Ambos os textos enfatizam a figura monstruosa que, simbolicamente, apresenta os receios que dominam o inconsciente humano face ao
desconhecido. Vencer o monstro significa a superação do medo e da inibição que paralisa. Com Pessoa, a ação é associada à verbalização.
 Em Os Lusíadas, a descrição física do monstro caracteriza-se Mensagem, por sua vez, apresenta um carácter encantatório,
pelo valor enfático da adjetivação, que realça a feição hedionda da dinâmico, ao qual também não é alheio o carácter monstruosos do
figura apresentada e que, numa primeira fase, provoca o medo que animal alado - ” O mostrengo que está no fim do mar / Na noite de
domina os nautas. (est. 39) breu ergueu-se a voar;”
 Para Camões, esta figura representa, de forma dicotómica, a  O misto de animal e monstro desta figura corporiza a oposição
segurança terrena e o apelo do mar, o que merece a crítica do entre a natureza hostil e a coragem indómita dos portugueses, que se
gigante num discurso que acaba por funcionar como uma forma de liga a um ritual de passagem - para que ultrapassem a sua condição
enaltecer os feitos do povo luso, que se atreveram a penetrar “os humana e conquistem a dimensão olímpica, têm de superar os seus
vedados términos”, navegando os “longos mares”, espaço físico medos, conotados com a noite e com o mistério – “ noite de breu” e
associado ao Adamastor. “fim do mar”. Só esta atitude os pode conduzir a um conhecimento
 O Adamastor, criado por Camões, surge numa reminiscência dos progressivo do universo e à condição de um ser interior harmónico, a
titãs da Mitologia clássica. partir do caos inicial – representado pelo monstro / mostrengo.

Unidades 1 e 2 – “Os Lusíadas” e “Mensagem”- 4


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 O “homem do leme””, não representa um ser individual, mas um


Povo metonimicamente associado à figura e à vontade do seu rei: D.
João II.
 D. Diniz corporiza essa mesma alma que, de noite, escreve o
“seu Cantar de Amigo” – A noite surge como um período de gestação
de um império a construir num tempo futuro, na época dos
Descobrimentos (“mar futuro”) que encontrará a sua realização num
futuro mais longínquo – Império espiritual de fraternidade universal –
Quinto Império.
 elementos histórico-culturais – a poesia e o pinhal de Leiria que
permitiu ao Infante D. Henrique a construção das naus, para
desvendar os mares e cuja ação se virá a ligar à construção do
Quinto Império.
 Pessoa enfatiza a associação entre a criação poética e a criação
de uma nação.(”Arroio, esse cantar jovem e puro / Busca o oceano
por achar”).
 D. Dinis tem, para Pessoa, o valor simbólico enquanto elemento
fecundador do futuro (“O plantador de naus a haver”) – Portugal e
Humanidade.

6. OS LUSÍADAS - CANTO IX E MENSAGEM – 2ª PARTE – “MAR PORTUGUÊZ” – II - “HORIZONTE”


CANTO IX 68 “HORIZONTE”
51 Começam de enxergar subitamente,
Cortando vão as naus a larga via Por entre verdes ramos, várias cores, Ó mar anterior a nós, teus medos
Do mar ingente pera a pátria amada. Cores de quem a vista julga e sente Tinham coral e praias e arvoredos.
Desejando prover-se de água fria Que não eram das rosas ou das flores, Desvendadas a noite e a cerração,
Pera a grande viagem prolongada, Mas da lã fina e seda diferente, As tormentas passadas e o mistério,
Quando, juntas, com súbita alegria, Que mais incita a força dos amores, Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
Houveram vista da ilha namorada, De que se vestem as humanas rosas, ‘Splendia sobre as naus da iniciação.
Rompendo pelo céu a mãe fermosa Fazendo-se por arte mais fermosas. (…)
De Menónio, suave e deleitosa. Linha severa da longínqua costa –
83 Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
52 Oh! Que famintos beijos na floresta, Em árvores onde o Longe nada tinha;
De longe a ilha viram, fresca e bela, E que mimoso choro que soava! Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
Que Vénus pelas ondas lha levava Que afagos tão suaves, que ira honesta, E, no desembarcar, há aves, flores,
(Bem como o vento leva branca vela) Que em risinhos alegres se tornava! Onde era só, de longe a abstracta linha.
Pera onde a forte armada se enxergava; O que mais passam na menhã e na sesta,
Que, por que não passassem, sem que nela Que Vénus com prazeres inflamava, O sonho é ver as formas invisíveis
Tomassem porto, como desejava, Milhor é esprimentá-lo que julga-lo; Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Pera onde as naus navegam, a movia Mas julgue-o quem não pode esprimentá- Movimentos da esp’rança e da vontade,
A Acidália, que tudo, enfim, podia. (…) lo. Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –
64 84 Os beijos merecidos da Verdade.
Nesta frescura tal desembarcavam Destarte, enfim, conformes já as fermosas
Já das naus os segundos Argonautas, Ninfas cos seus amados navegantes,
Onde pela floresta se deixavam Os ornam de capelas deleitosas
Andar as belas Deusas, como incautas. De louro e de ouro e flores abundantes.
Algûas, doces cítaras tocavam, As mãos alvas lhe davam como esposas;
Algûas, harpas e sonoras frautas; Com palavras formais e estipulantes
Outras, cos arcos de ouro, se fingiam Se prometem eterna companhia,
Seguir os animais que não seguiam. Em vida e morte, de honra e alegria. (…)

65 91
Assi lho aconselhara a mestra experta: Não eram senão prémios que reparte,
Que andassem pelos campos espalhadas; Por feitos imortais e soberanos,
Que, vista dos barões a presa incerta, O mundo cos barões que esforço e arte
Se fizessem primeiro desejadas. Divinos os fizeram, sendo humanos;
Algûas que da forma descoberta Que Júpiter, Mercúrio Febo e Marte,
Do belo corpo estavam confiadas, Eneias e Quirino e os dous Tebanos,
Posta a artificiosa fermosura, Ceres, Palas e Juno com Diana,
Nuas lavar-se deixam na água pura. (…) Todos foram de fraca carne humana.

Unidades 1 e 2 – “Os Lusíadas” e “Mensagem”- 5


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RELAÇÃO INTERTEXTUAL
OS LUSÍADAS - CANTO IX MENSAGEM - “MAR PORTUGUEZ” – “HORIZONTE”
Ambos os poetas escolhem uma ilha, fora do espaço e do tempo para, simbolicamente, representar o regresso da Humanidade ao Paraíso
perdido e a um período idílico em que o homem vivia em comunhão com a Natureza.
 Em Os Lusíadas, o prémio merecido é conquistado através do  Na Mensagem, a criação do mundo, metonimicamente ligado ao
amor que permite aos deuses descer ao “vil terreno”, humanizando- império, faz-se através da água, num princípio gerador de unidade.
se, e aos homens “subir ao Céu sereno”, divinizando-se.5  Concretizam-se no poema os desígnios de Deus, previamente
 Simbolicamente ligada ao Paraíso terrestre, a Ilha dos Amores 6 anunciados em “O Infante” – “Deus quis que a terra fosse toda uma /
representa o acesso ao conhecimento e à plena realização das Que o mar unisse, já não separasse.”
potencialidades humanas – visão renascentista.  A conquista do “mar novo” faz-se através da apóstrofe ao mar de
 O episódio situa-se no Canto IX – simbolicamente o número 9 Ulisses ou de Eneias – “Ó Mar anterior a nós, teus medos / Tinham
está ligado à fertilidade e à gestação. Assim, o renascimento dos coral e praias e arvoredos” – navegado posteriormente pelos
portugueses realiza-se através da união / casamento sagrado entre portugueses que cumpriram a vontade de Deus.
os homens e os deuses.  O mar representa o universo espiritual a que os portugueses têm
 Há uma representação do Paraíso / Éden onde os humanos que aceder por predestinação divina, numa alusão clara a um
renascem numa dimensão olímpica, heroica, reconhecidos pelas percurso iniciático que visa a obtenção do conhecimento – “(…) com
deusas – conceção clássica da Ilha dos Bem-Aventurados. sensíveis movimentos da esp’rança e da vontade, / (…) Os beijos
 O espaço da ilha remete também para o final do percurso que, merecidos da Verdade”
para o herói, se traduz no conhecimento supremo da divindade  À sagração dos nautas lusos, presente em “O Infante”, alia-se o
criadora do seu universo, alegoricamente representado pela união da desvendar dos mares – demanda associada à esperança e à vontade
entidade física – Portugal, corporizado em Vasco da Gama – coma do ser humano de se ultrapassar a si mesmo e de atingir uma outra
divindade – Thetys, representando o Amor e a Sabedoria. dimensão, alcançando a verdade.
 Nota-se a idealização da pátria a que regressam os navegadores,  Conquistada a terra e conquistado o mar, realiza-se a união
após a conquista dos mares - ligação que se estabelece através do mística entre Portugal e o mar, por vontade de Deus.
clima e da vegetação.

5Os Lusíadas, Canto IX, est. 20


6A localização exata da Ilha dos Amores tem sido alvo da apresentação de possibilidades variadas, havendo autores que consideram, por exemplo, Zanzibar e
Bombaim, golfo de Cambaia, no oceano Índico, Angediva, Ceilão e as ilhas Canárias, ou a ilha Terceira, nos Açores.

Unidades 1 e 2 – “Os Lusíadas” e “Mensagem”- 6

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