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MINHAS
VIVÊNCIAS
NA PALESTINA, NO EGITO E NA ÍNDIA
UNIVERSALISMO
ADVERTÊNCIA
A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se
aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa
mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.
Por quê?
Enquanto viajava pelos mundos, dava ordem aos mundos para viajarem
através de mim, que me mostrassem o mesmo homem já conhecido em
perspectivas várias.
Nesses espelhos vi o que sem espelho não poderia ver: o meu próprio
semblante refletido neles, atitude de minha alma, o caráter do meu Eu
individual.
***
Leitor amigo. Não esperes encontrar nas seguintes páginas algo como um guia
de turismo, descrições de culturas alheias, visões panorâmicas dos países e
povos que visitei.
Nada disto encontrarás neste livro. Direi apenas – mais a mim do que a ti – o
que pessoas e povos me disseram, mais pelo seu ser do que pelo seu dizer,
enquanto viajavam através de mim. Nada direi da sua onilateral totalidade –
algo direi da sua unilateral parcialidade, no setor peculiar em que eles afinarem
com a frequência vibratória de minha alma.
Certamente, não vi esses países e povos como eles são – mas tão-somente
assim como eu sou.
E se tu, ignoto leitor, tiveres outras idéias desses mesmos países e povos,
reconheço as tuas idéias, embora discordantes das minhas, como igualmente
verdadeiras. Diversidade de opinião não é hostilidade. Se não houvessem
opiniões várias, seria este mundo uma insuportável monotonia.
EM TORNO DE UM INSETO
Afeganistão
Alemanha
Argélia
Argentina
Austrália
Áustria
Bélgica
Brasil
Bulgária
Canadá
Chile
Chipre
Dinamarca
Espanha
Finlândia
França
Grécia
Irlanda
Hungria
Índia
Inglaterra
Irã
Irlanda
Israel
Iugoslávia
Kênia
Líbano
Marrocos
Noruega
Polônia
Portugal
Rodésia
România
Rússia
Suécia
Suíça
Tchecoslováquia
Turquia.
Por espaço de uma semana inteira, de 1 a 7 de agosto, estiveram mais de
3.000 pessoas reunidas, na vasta área da Feira de Exposições, falando,
estudando, discutindo – sobre quê?
Sobre um inseto!
***
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Em 1969, havia apenas dois decênios que Israel, após quase 2.000 anos de
dispersão pelo mundo inteiro, voltara a ser um Estado independente. E em dois
decênios conseguiu Israel realizar um autêntico milagre: transformou o antigo
deserto árido num magnífico pomar e em vastos campos de agricultura.
Máquinas gigantescas tiravam água das profundezas do solo e lançavam
chuvas artificiais à grande distância, preparando a terra para o plantio. Vastos
laranjais exportam seus produtos para diversos países europeus.
Os kibutzim, ou cooperativas agrícolas, são maravilhas de organização de
agricultura racional.
Israel está rodeado de haréns nos países árabes, mas não existe um único
harém em Israel. O espírito de família unida, a fidelidade conjugal fazem parte
do caráter do judeu genuíno, tanto na antiga poligamia mosaica, como na
monogamia atual. Parece que a disciplina sexual favorece a genialidade
cerebral; que vigora uma secreta simbiose entre sexo e cérebro.
NOS RASTROS DO NAZARENO
Tenho a impressão de que esses lugares sagrados viajam mais através de mim
do que eu através deles...
***
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Em Nazaré fui visitar a casa de Maria, onde “o Verbo se fez carne”. Com
estranheza ouvi que a anunciação referida por Lucas se deu numa espécie de
gruta ou porão da casa, onde Maria estava em meditação (talvez em êxtase ou
samadhi), de no meio de sacos de cereais e outros mantimentos. Por cima
dessa gruta há um painel representado a visita do anjo Gabriel à Virgem. Pela
primeira vez vi o anjo representado sem asas; é a figura de um jovem humano,
de mãos erguidas, em atitude de dar algo a alguém. Do outro lado está Maria,
com as mãos baixas e palmas voltadas para cima, em estado de receber aquilo
que o jovem lhe dá. Entre o jovem doador e a jovem receptora paira o símbolo
radiante do Espírito Santo, o “poder do alto”, como que uma ponte de luz entre
o doador e a recebedora.
Por via de regra, como explanei no citado livro, e melhor ainda no livro “A Nova
Humanidade”, a concepção comum se faz via espermatozoide-óvulo; mas, em
casos excepcionais, é ela possível via verbo-óvulo. O radical de “verbo” e de
“vibração” é o mesmo. Certa vibração, astral ou espiritual, pode causar
fecundação, mesmo que na zona do consciente não haja eco desse
acontecimento.
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[1] Este belo lago, em cujos arredores se passou em grande parte a atividade pública de Jesus, fica 212
m abaixo do nível do Mediterrâneo; mede 165 km2 de superfície, 21 km de comprimento, 13 km de
largura e 49 m de profundidade em alguns lugares.
Para lembrança levei umas pedras lisas e roliças do fundo do lago de Jesus e
de seus primeiros discípulos.
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Não longe daí fica o Tabor, com o seu cume arredondado, onde o Mestre se
transfigurou, entre Moisés e Elias. Fiz uma longa meditação, ou melhor,
sintonização crística, e quase tive vontade de dizer com Pedro: “Que bom que
é estarmos aqui!”
Toda a vez que o homem regressa do mundo divino do êxtase da luz e recai ao
mundo humano das trevas, tem vontade de repetir estas palavras do Mestre.
Depois duma hora de intensa sintonização espiritual, a gente, no princípio, não
compreende mais o mundo dos homens – desses homens que se têm em
conta de muito sensatos. A que vem toda essa palhaçada, essa ridícula
comédia? Por que essa louca correria de norte ao sul, de leste a oeste? Por
que toda essa desenfreada caça a dinheiro e prazeres? Por que toda essa
gritaria de energúmenos civilizados? Por que sempre ganhar e gastar – para
depois morrer, no marco zero? Que sentido tem a vida desses sonhadores de
sonhos e caçadores de sombras?
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Armas secretas?
Não! Alma em lugar de arma. O ego humano considera a arma como símbolo
de força – mas o Eu divino no homem sabe que arma é sinal de fraqueza, e
alma é sinônimo de força.
Vi o Mestre sentado sobre uma das colinas de Kurun Hattin... Ao redor dele
seus discípulos... Mais além, pelas fraldas das colinas, a variegada multidão
dos outros ouvintes, “vindos da Galiléia, da Decápole e de Jerusalém”...
Quando voltei a mim, olhei em derredor – mas o Mestre não estava mais. Desci
das colinas e fui seguindo rumo ao litoral florido do lago de Tiberíades. Cheguei
a Mágdala (Migdála, dizem eles lá).
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Segundo a nossa ciência nuclear de hoje não existe matéria como matéria,
nem existem os 92 elementos da química – existe tão-somente a Luz Cósmica,
absolutamente invisível e intangível. Esta Luz é a única realidade física, ao
passo que os elementos são apenas manifestações parciais, facticidades
transitórias dessa única realidade permanente. Todas as coisas do Universo
são lucigênitas, e todas podem ser lucificadas.
Jesus, em Cafarnaum, faz ver aos cépticos que a realidade do pão será
transformada na realidade do seu corpo – mas a materialidade (facticidade) do
pão não será transformada na materialidade (facticidade) do seu corpo. Há
uma transubstanciação real, mas não uma transubstanciação material.
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[2] O texto grego não diz que Judas se “enforcou”, mas sim que se “precipitou”, isto é, lançou-se de um
penhasco ao abismo, onde, diz o texto, “arrebentou ao meio e se difundiram todas as suas vísceras”.
Como se explicaria isto se se tivesse enforcado?
Só mais tarde, no Pentecostes, é que eles comungaram em espírito e em
verdade, não a materialidade de Jesus, mas a realidade do Cristo...
Somente em nossos dias, em que a física se torna cada vez mais metafísica, é
possível criar uma base para a compreensão das palavras que Jesus proferiu
na sinagoga de Cafarnaum.
JERUSALÉM-EMAÚS
Num desses dias, em Jerusalém, fiz do passado o presente, e revivi o que foi
vivido 20 séculos atrás.
Era o ano 33, dia 9 de abril, primeiro dia da semana pelas 4 horas da tarde.
Era na tarde da primeira Páscoa – mas na alma desses dois era ainda
Quaresma, luto e tristeza. Havia uns três anos que os dois tinham vindo de
Emaús a Jerusalém. Cheios de entusiasmo e expectativa, tinham seguido a
trajetória de um profeta que viera de Nazaré da Galiléia. Esse homem falava
como nunca ninguém falara, focalizando sempre “o reino de Deus”, que, como
ele dizia, estava dentro de cada homem como tesouro oculto e devia ser
manifestado.
Mas agora, três anos depois... Agora, lá se fora o sonho dourado deles, que
acabara em lúgubre pesadelo e tremenda decepção... O grande profeta fôra
morto, condenado ao ignominioso suplício da crucificação, por exigência dos
chefes espirituais da sinagoga de Israel, que consideravam o Nazareno como
falso Messias...
Pela manhã desse terceiro dia após a morte do profeta restava ainda um tênue
vislumbre de esperança aos dois, porque ele prometera “ressuscitar”; e eles
haviam esperado, entre esperanças e dúvidas, esse incrível acontecimento.
Mas agora ia terminar o terceiro dia – e nada de ressurreição. Apagou-se na
alma dos dois a derradeira centelha de fé e de esperança no Nazareno; mas o
seu amor sobrevivia ao naufrágio universal...
Nisto ouviram passos de alguém que vinha de trás e seguia o mesmo caminho.
Quando estamos com a alma em chaga viva, sofridos de nós mesmos, não
gostamos de falar com estranhos, não queremos saber de ninguém que possa
profanar o sacrário do nosso sofrimento. Queremos solidão e silêncio...
Mas o estranho que vinha de trás, em vez de passar adiante, como os dois
esperavam, também retardou o passo e emparelhou com eles. E sem mais
nem menos tentou invadir o santuário das dolências deles, perguntando:
– Que conversas são essas que entretendes entre vós? E por que andais tão
tristes?
Calou-se. Aqui deve ter vindo uma longa pausa, durante a qual os três
andavam em silêncio pela estrada Jerusalém-Emaús, enquanto as sombras
dos escuros e esguios ciprestes que margeavam o caminho alongavam cada
vez mais as suas sombras, contribuindo para a melancolia geral.
Não percebem que nada disto dá sentido lógico para uma pessoa não
devidamente enfronhada no assunto. O narrador omite diversos fatos
intermediários, sem os quais o resto não tem sentido. Deveria ter explicado ao
desconhecido que o Nazareno prometera ressuscitar ao terceiro dia, e que isto
não acontecera. Tudo isto é omitido, mas intensamente pensado – e sofrido.
Pouco a pouco, como se vê, os dois peregrinos falam com mais desembaraço
e fervor, desabafando a sua mágoa perante um ouvinte atento e interessado.
As cinzas que cobriam ligeiramente a brasa viva do seu amor é soprada por
estas palavras, e a fagulha está para romper em vívida chama...
O estranho já lhes era menos estranho... Quem participa das nossas mágoas
não é mais um estranho.
De repente, o desconhecido parou diante deles e os fez parar também;
encarou-os bem de frente e disse:
– Não devia então o Cristo sofrer tudo isto e assim entrar na sua glória?
No princípio não o queriam ver em sua companhia; mas agora não querem
mais ficar sem ele. Quando alguém nos consola em nossas mágoas e nos dá
novas esperanças, é amigo querido. Esperavam passar boa parte da noite com
ele, falando do profeta de Nazaré.
O estranho não pôde senão aceitar o convite feito com tamanha veemência.
Ainda nesta mesma noite, os dois regressaram a Jerusalém. Não levaram duas
horas, como antes; mas voltaram de corrida, empolgados pela alegria e pelo
entusiasmo.
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Não foi há quase 2000 anos, em terras longínquas, que se deram estes
episódios; é aqui e agora que eles estão acontecendo...
ROCHEDOS DO LÍBANO
Cada um de nós levava consigo uma garrafa d’água, pão e uvas. Cada um
escolheu a sua caverna e separamo-nos para o resto do dia.
Falar me parece ser uma espécie de febre cerebral, ou uma comichão bucal;
quanto mais a gente se coça mais coceira dá.
Falar é o melhor modo para não ter pensamentos, ou, pelo menos, para não
deixar crescer e desenvolver um único pensamento decente. Quem muito fala
pouco pensa. É como se alguém passasse constantemente a enxada pelo
chão, raspando, raspando, e cortando qualquer plantinha que, porventura,
quisesse brotar. Nada terá tempo para brotar e crescer.
Só quem não fala nem pensa, mas se conserva plenamente vígil, esse
receberá intuição, inspiração, revelação.
Por vezes, tenho de passar pelas ruas desta ruidosa Paulicéia, acompanhado
de pessoas das minhas relações. Uma dessas pessoas, quando eu não falo
durante um ou dois minutos, pergunta-me se estou zangado; se passo cinco
minutos em silêncio, pergunta se estou doente, e está disposta para me levar
ao médico.
***
Eu quis responder, por conta do meu ego, que estar calado é não falar, nem
pensar, nem querer nada; é fazer esse tríplice silêncio, como tenho dito nos
meus livros e nas minhas aulas de filosofia univérsica. Mas a voz inaudível me
antecipou a resposta, com uma nova pergunta, também sem som:
Sabes o que é o calado de um navio?
Depois a voz cósmica, falando de dentro e sem som, me fez ver que calar quer
dizer afundar-se no Infinito, no Eterno, no imenso Oceano da Realidade, na
Divindade. Só quando o homem está assim, afundado em Deus, é que ele está
realmente calado. E, para que o homem tenha esse calado de profundeza,
deve ele estar devidamente carregado de espiritualidade. O homem não-
espiritual é superficial, sem calado suficiente, flutuando e boiando na superfície
das coisas ilusórias do ego...
Depois comecei a pensar, por minha conta, coisas como estas: Isto calou
fundo... os soldados avançaram de baioneta calada... E verifiquei que calar que
dizer abaixar, aprofundar.
E lembrei-me dos livros sacros, que dizem: Cala-te – e saberás que eu sou
Deus...
***
Não é necessário ver, ouvir, tanger, pensar – basta intuir e ser cosmo-pensado
– e tudo que aconteceu milênios atrás está acontecendo aqui e agora.
Estava eu com vontade de passar uma noite, sozinho, numa dessas câmaras
mortuárias das pirâmides, como fez Paul Brunton; mas não sabia se estava
devidamente encouraçado com armas espirituais para resistir à possível
ofensiva do mundo astral, que parece ser extremamente denso nesses recintos
milenares.
Essas câmaras parecem saturadas de energia astral, ou que outro nome tenha.
O silêncio profundo e prolongado potencializa grandemente a nossa
sensibilidade. Quando todos os ruídos externos – materiais, mentais e
emocionais – morrem, então o silêncio começa a falar. E do seio do silêncio
nasce uma voz cuja plenitude plenifica a nossa vacuidade. Se o homem
cultivasse devidamente essa arte suprema do silêncio dinâmico, do silêncio-
presença, chegaria a saber de coisas que nem pensamentos nem palavras lhe
podem revelar...
Os antigos egípcios sabiam, certamente, que o corpo astral dos seus reis
permanecia ao redor do corpo material e podia, um dia, servir de ponte para a
revivificação dele.
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[3] Provavelmente, Moisés não era filho material, embora real, da princesa egípcia, concebido
astralmente, por indução vital, como expliquei no meu livro “A Nova Humanidade”. Esse mistério de tele-
concepção astral vai por todas as antigas literaturas; sempre de novo aparecem virgens-mães. Essa
concepção astral daria ao filho um corpo perfeito, isento de doenças e morte compulsória, como era o
corpo de Moisés, de Jesus e de alguns outros representantes da nova humanidade.
Consta por mensagens esotéricas que o pai de Moisés era um escultor hebreu por nome Itamar, que, na
ausência material dele, atuou sobre a princesa, iniciando a formação do corpo de Moisés. Mas, como esta
tele-concepção astral não era compreensível aos profanos da corte do faraó, constou que ela havia
adotado um pequeno hebreu exposto entre os canaviais do Nilo.
Se Moisés tivesse sido apenas filho adotivo da princesa egípcia, e não filho real, seria inexplicável o
carinho com que ela, durante 40 anos, o educa e instrui em toda a sabedoria dos egípcios.
***
CRISTÃOS
Eu, por mim, conheço um único homem realmente cósmico, que havia
ultrapassado tanto o plano dos profanos como o dos místicos, pelo menos nos
últimos anos de sua vida terrestre. Mesmo João Batista era ainda do número
dos místicos e ascetas. Quem nunca passou pela mística não pode ser
cósmico – e onde estão os nossos místicos, os ascetas, os campeões da
renúncia?
E o próprio Cristo disse a seus seguidores: “Quem quiser ganhar a sua vida
perde-la-á – mas quem perder a sua vida por minha causa, ganha-la-á”.
– Bem... – retrucou o primeiro – guerra... guerra... é uma coisa muita feia, que
não se deve fazer.
– Não sei explicar... Mas vamos brincar de guerra, para compreenderes o que
é. Olha aqui, eu tenho um livro; tu não tens livro algum. Eu digo: Este livro é
meu! Tu respondes: Não! Este livro é meu! Eu grito: Este livro é meu! Assim
começa a guerra. Vamos brincar de guerra: Este livro é meu!...
–?
– Responde!
– Responder, o quê?...
– Ora, ora... Tu não tens vocação para guerra... Já acabaste com a guerra
antes de começar... Os homens lá fora não fazem assim. Brigam sem fim, por
causa de coisas que não são nem de um nem de outro.
Santo Antão ergueu as mãos ao céu e disse: Graças a Deus, que ainda há
verdadeiros monges na face da terra...
***
Ashram, Tebaida, Himalaia, Sinai, não são apenas lugares de Retiro Espiritual,
retirados da vida social urbana; devem ser verdadeiras metánoias, palavra
usada pelo texto grego do Evangelho para “transmentalização”: um modo de
pensar e viver para além da mente da personalidade egocêntrica. Metánoia é
conversão. Quando o homem está, por assim dizer, de costas voltadas para a
suprema Realidade (Deus), e de rosto voltado para as coisas do mundo; está
“avertido”; mas, quando dá meia volta, voltando o rosto conscientemente para a
Realidade, então é um “convertido”. Passou da ilusão para a verdade. Não é
“remendo novo em roupa velha”, como todo ego virtuoso continua a ser; o
convertido despojou-se do homem velho, revestiu-se do homem novo e fez-se
totalmente “nova creatura em Cristo”.
***
É deveras estranho, e mesmo trágico, que o lugar do antigo Egito onde esteve,
durante séculos, a Tebaida cristã, não se encontre um vestígio do seu glorioso
passado. Os Himalaias continuam a ser o el-dorado dos yoguis – mas a
Tebaida deixou de ser espiritual. Os atuais habitantes são árabes,
muçulmanos, maometanos, geralmente indolentes, só interessados nas coisas
mais rasteiras do velho ego. Pouco sabem de meditação. Perderam até a
magia mental de seus antepassados. Dinheiro, sexo e divertimentos – e nada
mais, como a maioria dos chamados cristãos do ocidente. Parece que a lei do
menor esforço impera tão despoticamente no plano mental como no mundo
material. O grosso da humanidade, em qualquer continente, que apenas tornar
mais agradável a vida do velho ego; pouquíssimos procuram superar a
horizontal por uma vertical. Impera o continuísmo comodista – quando nascerá
um novo início? Quando surgirá uma nova vivência em lugar da vida velha?
Regressei das regiões da antiga Tebaida cristã mais do que nunca convencido
da imperiosa necessidade duma intensa interiorização do homem – mesmo em
proveito da verdadeira felicidade aqui na terra.
ARUNÁCHALA
Do Cairo voei, durante a noite, para Bombay, uma das grandes cidades da
Índia Ocidental. Daí, cruzando toda a Índia, para Madras, no litoral oriental.
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[4] A recente edição deste livro é da Editora PENSAMENTO, de São Paulo, edição revista e anotada por
Huberto Rohden. Consideramos este livro, “Dias de Grande Paz”, como um dos melhores canais para
auto-conhecimento e auto-realização, tanto mais porque reflete as experiências imediatas de um discípulo
do grande iniciado.
E lá vou eu, durante diversas horas fatigantes, num ônibus primitivo, que me
deixou em Tiruvannamalai. Ali aluguei uma carrocinha de duas rodas puxada
por um cavalinho magro, e consegui chegar a Arunáchala. Excetuando o
ashram e algumas casas vizinhas, Arunáchala tem aspecto de uma favela, com
casas de barro coberta de sapé ou folha de palmeira. Consta de uma única rua
comprida, sujíssima e cheia de mendigos, como quase todas as cidades da
Índia.
Era intenção minha ficar aqui alguns dias, na esperança de fazer um Retiro
Espiritual com alguns dos mestres, que cuidava encontrar. Mas Ramana
Maharshi tinha morrido havia quase dois decênios, e seus supostos discípulos
não davam impressão de espiritualidade.
Ao meio-dia tomei o meu almoço numa sala ladrilhada, sentado no chão, diante
duma folha de bananeira, sobre a qual o servente jogou um punhado de arroz
que arrancou com a mão de uma panela; jogou-o com tanta força que parte
espirrou para os lados e foi cair ao redor do prato, no chão poeirento; mas o
servente teve a habilidade de catar o arroz disperso e recolocá-lo na folha de
bananeira, que me servia de prato. Depois veio outro servente com uma panela
de feijão; com uma concha tirou do conteúdo e deitou sobre o arroz; depois
disto, coroando tudo, um grande punhado de pimenta malagueta.
Fiquei com a boca em fogo, com a sobrecarga de pimenta vermelha. Pedi água
para apagar o incêndio e veio uma caneca de latão com água morna; pois não
existe geladeira no ashram e a Índia é um país tropical.
Ao anoitecer nos mostraram a casa dos hóspedes. Havia no quarto uma velha
cama de madeira com um colchão de capim meio podre e um lençol que, pelo
aspecto, já devia ter tido uso frequente por longa data. Joguei fora o lençol e
me deitei sobre o colchão esfarelado. Meu companheiro se deitou no chão e
dormimos – tanto quanto as aranhas, baratas e mosquitos o permitiram.
Na manhã seguinte, fui visitar a casinha ocupada, por algum tempo, por Mouni
Sadhu, o autor do livro “Dias de Grande Paz”; vi também a de Paul Brunton,
que, por algum tempo, foi discípulo imediato de Ramana Maharshi.
Mas, nesse mesmo dia tive mais uma grande decepção e consolidei-me na
velha convicção de que a maior tragédia para um grande mestre é o fato de ter
discípulos após a morte. Levaram-me ao quartinho onde o grande Vidente tinha
dado o último suspiro – ou, como dizem eles, onde entrou no mahasamadhi. Lá
estavam livros e manuscritos dele. Na parede havia um nicho, com algumas
bananas, pedaços de coco e outras frutas. Em face da minha estranheza e
pergunta, explicaram-me que esses alimentos lá estavam, e eram
constantemente renovados, porque a alma dele poderia ter vontade de se
alimentar... Coitado do Mestre tão mal compreendido por seus chamados
discípulos!... Quero crer, todavia, que haja outros discípulos de Ramana
Maharshi, mesmo em Arunáchala, que estivessem mais sintonizados com o
espírito dele. Nesse mesmo dia me encontrei com Arthur Osborne e sua
esposa, ingleses, editores da mencionada revista “The Mountain Path”, que um
amigo me manda regularmente de Arunáchala e cujo conteúdo é um retrato fiel
do santo.
SEVAYATAN
Levava comigo uma carta do meu antigo guru indiano, de Washington, Swami
Premananda, endereçada a Swami Satyananda, chefe do ashram de
Sevayatan, no Bengal ocidental. Em Calcutá, capital desse Estado, tomei o
trem, que, em algumas horas, me deixou na estação ferroviária de Ihargram.
Mas, daí para Sevayatan não havia condução regular, a não ser uns veículos
particulares que eu nunca vira: umas grandes bicicletas – aliás monociclos –
ligados a uma pequena carruagem com dois assentos. O ciclista montava
nessa roda e pedalava valentemente, movendo o veículo. Assim cheguei,
dentro de meia hora, através de vastas planícies, a uma espécie de fazenda,
que o povo denominava The School (a escola).
Silêncio é algo como música... Não atua pelo que diz, mas sim pelo que é... A
música é uma linguagem internacional, como o silêncio...
Fiquei quase cinco dias nesse ashram, onde residiam numerosos monges,
yoguis, swamis, alguns dos quais também eram professores de escolas
secundárias e colégios do governo, na redondeza. Deram-me um quarto
próprio, com cama e mesa e outros móveis, quase à moda ocidental. Não
cheguei a saber como os monges vivem entre si. Será que comem e dormem
no chão, como em Arunáchala? Aqui há um conforto razoável, sem confortismo
nem confortite, que são a desgraça de muita gente do mundo ocidental. Falo
de experiência própria. Quando, há anos, loteei o meu antigo sítio, em São
Paulo, e convidei alunos da ALVORADA para fazerem os seus bangalôs, para
residência rural ou fim-de-semana, tive enorme decepção. Quase todos
resolveram transportar para o campo um pedacinho da cidade, com todas as
suas misérias civilizadas – rádio, televisão, jornais, revistas, visitas tagarelas e
todas as consagradas sujeiras da nossa cidade. Quase todos eles são hoje
sitiados em vez de sitiantes, sitiados, em permanente “estado de sítio”... E, pior
de tudo, adoram esse estado de sítio, essa idolatrada tirania do confortismo
mórbido e da confortite mortífera...
Num dos últimos capítulos do meu livro “Entre Dois Mundos”, com o título “Nos
Mistérios do LSD”, tentei descrever as experiências produzidas pelo ácido
lisérgico. Mas o que experimentei em Sevayatan, na presença de Swami
Satyananda em samadhi, era bem diferente, por ser uma vivência natural e não
uma técnica artificialmente provocada por umas gotinhas de injeção material.
Aldous Huxley, no seu livro “Às Portas da Percepção – Céu e Inferno” faz ver
esta enorme diferença entre o samadhi natural e o pseudo-samadhi artificial. É
enorme a auto-decepção do êxtase artificial. J. W. Hauer, no livro monumental
“Der Yoga”, faz ver que para a experiência do Eu central não conduz nenhum
caminho psico-técnico. E Einstein adverte que “do mundo dos fatos não conduz
nenhum caminho para o mundo dos valores, porque estes vêm de outra
região”.
Não sei até que ponto a minha alma acompanhava a alma do yogui, nessas
fantásticas jornadas cósmicas... O certo é que a presença do mestre auxiliava
grandemente o desprendimento do meu espírito – a “graça do mestre”, como
diz Mouni Sadhu –, deve ser essa evanescente aura ou vibração peculiar que
irradia de um ser humano altamente realizado, se difunde pelo ambiente e
funciona como um poderoso catalizador para as pessoas que se encontram no
âmbito dessa irradiação e tenham suficiente receptividade para captar essa
onda invisível. Um homem desses vale mais para a redenção do mundo do que
legiões de eruditos não-realizados. Isto me faz lembrar as palavras de
Mahatma Gandhi: Quando um único homem chega à plenitude do amor,
neutraliza o ódio de muitos milhões.
Cada dia, pelas 20 horas, havia uma reunião de culto, numa sala espaçosa do
ashram. Cantavam-se hinos sacros, liam-se os Vedas e a Bhagavad Gita. Na
primeira noite fui apresentado por Swami Satyananda, que a custo se arrastara
até lá, e fui convidado a falar sobre as minhas experiências pessoais, no
mundo da suprema Realidade. Falei cerca de meia hora sobre o Golden Lotus
Temple, em Washington, o templo do lótus de ouro, fundado há diversos
decênios por Swami Premananda, filho de Sevayatan e fundador do ashram
local. A mãezinha dele, de 80 anos, estava presente, e vivia me pedindo
notícias do filho, ausente há uns 30 anos. Tive pena da mãe do meu antigo
guru, que chorava de saudades; mas eu nada pude fazer por ela, porque ela
não entendia uma palavra de inglês, e eu nada sei da língua dela. Ela não tinha
idéia da distância entre o Brasil e os Estados Unidos, e pensava que eu tivesse
vindo diretamente de Washington e para lá voltaria e me encontraria com seu
querido filho, que nunca mais voltara a Índia.
Nesta primeira conferência contei aos 30 ou 40 ouvintes o que era o ashram de
Washington e como eu tinha sido discípulo e, mais tarde, colaborador de
Swami Premananda, fundador do ashram de Sevayatan.
Na última noite fui convidado por alguns dos professores para lhes falar de
“Filosofia Cósmica” ou, como prefiro dizer, “Univérsica”, que eu mencionara nas
palestras anteriores. Atendi ao convite e expus longamente o que os leitores
dos meus livros e alunos dos meus cursos já conhecem.
DO HIMALAIA
Na excursão rumo ao Sagarmatha visível tive uma sorte única. Embora fosse
fora de estação e todos me tivessem prevenido que os picos do Himalaia
estariam envoltos em espessas nuvens e neblinas, gênios benignos me
favoreceram: na manhã da minha contemplação, não havia uma nuvem nem
neblina no horizonte, e por espaço de quase meia hora, não havia uma nuvem
nem neblina no horizonte, e por espaço de quase meia hora pude contemplar,
com diáfana nitidez, os gigantes gelados. Parecia uma solene liturgia feita de
neve, gelo e luz... Parecia a própria alma do Universo que me falava através
desse trovejante silêncio...
Ó Sagarmatha! Ó Everest! Como anseio por ver o meu corpo sepultado nas
tuas neves puríssimas!... Como suspiro por sentir a minha alma flutuando por
cima das tuas excelsas alturas, rumo ao Infinito...
***
É deveras estranho... Quando estou totalmente só, como agora, nesta imensa
solidão de montanhas e neves, então é que me sinto realmente livre,
indizivelmente feliz.
Quando estou em sociedade, mesmo na melhor das sociedades, sinto
dolorosamente as minhas limitações. Sinto-me encarcerado, cercado de
fronteiras por todos os lados.
O que sinto e saboreio aqui nos Himalaias, experimento também, até certo
ponto, quando estou a bordo dum transatlântico, em pleno mar: a imensa
vastidão produz um senso benéfico de solitude... Viajar dia e noite entre o
Infinito do mar e o Infinito do céu – que inefável sensação de vacuidade-
plenitude, de ausência-presença!... Que inefável libertação de todas as
barreiras da Finitude...
Compreendo cada vez mais porque Deus é eterno Silêncio; é que ele é a
infinita Presença-Plenitude...
Quem saboreou uma única vez, por um momento sequer, esta delícia da
solitude não pode mais viver do bagaço dos ruidosos prazeres em que os
inexperientes procuram a sua felicidade.
Ó solitude!...
Ó beatitude!...
Ó solitária beatitude!...
Ó beatífica solicitude!...
DO HIMALAIA
(À vista do Sagarmatha)
Himalaia eterno...
Em absoluta solitude...
Fala-me, Himalaia,
Porque eu me calo...
Calo-me verbalmente,
Mentalmente...
Emocionalmente...
Espiritualmente...
À minha vacuidade...
A minha ausência...
As tuas alturas,
Os meus abismos,
Em ti vibram ainda
As auras puríssimas
Da madrugada do Gênesis...
Do orvalho sagrado
Cosmo-vivido,
Cosmo-agido...
Nada mais sei de mim mesmo.
Deixei de existir,
...............................................................................................................................
E iniciar
Dissolve-me em ti!
O meu espírito!...
Desegofica-me,
Cosmifica-me!...
Os super-homens,
Os mahatmas,
Os maharishis,
Os inomináveis,
...............................................................................................................................
...............................................................................................................................
Himalaia eterno!
Dentro em breve deixarei
DO GANGES
Mas esta cidade não existe. Na Índia se chama oficialmente Varanasi. Alguns
lhe chamam, à inglesa, Banaras. De todas as cidades da Índia que visitei é
esta a mais suja e caótica, física e espiritualmente. Em todas as cidades deste
país, é imensa a miséria e a mendicidade – mas aqui essas coisas atingem o
zênite. Apenas, apareça alguém com cara de estrangeiro, e logo se forma atrás
dele uma fila de mendigos, que o acompanham de rua em rua, pedindo,
exigindo, gritando... E, se ele tiver a imprudência de distribuir moedas, está
perdido; logo a fila duplica. Alguns se agarram ao transeunte insistindo em
receber algo para prolongar a sua miséria.
De noite a de manhã cedo não se pode passar pelas calçadas das ruas, sem
passar por cima de cadáveres vivos, homens e crianças dormentes. Mesmo
pelo leito das ruas é difícil passar, seja a pé, seja de carro, porque há filas de
vacas ruminando calmamente e olhando filosoficamente para os bípedes
humanos, como se dissessem: Que vêm vocês intrusos fazer aqui? Nós somos
os donos desta cidade e deste mundo...
As mulheres andam quase todas de sari multicor, que vai do pescoço até aos
pés; quando andam, sempre de sandálias, jogam a parte inferior do sari para
frente, com os pés, com muito jeito.
Não visitei nenhuma fazenda de criação do bicho da seda; mas, a julgar pela
enorme quantidade de tecidos de seda, deve haver na Índia muita sericultura.
***
Tive de procurar uma cabine, que, com muito custo, achei: quatro paredes de
tábua, sem porta, e com tanto barro mole no chão que não consegui despir-me
sem me atolar; fui procurar umas pedras na vizinhança e, firmado nelas,
consegui, com muita acrobacia, tirar e pôr a roupa sem me sujar.
Entretanto, o pária não se sente na Índia como se sentiria num país ocidental.
Está satisfeito com a sua condição de inferioridade e sofrimento; pois vive na
firme convicção de que sofre agora para pagar débitos do passado – e por que
não seria bom pagar suas dívidas? Não é melhor pagar os débitos agora do
que deixá-los para uma futura reencarnação?
Não se vê, na Índia, nenhuma revolta contra o destino, contra a sorte; tudo faz
parte de um grande plano cósmico. Nem tampouco se vê revolta dos pobres
contra os ricos, exceto quando essa mentalidade inconformista veio de algum
país estrangeiro. Ao voltar do ashram de Sevayatan para Calcutá, tive de
esperar mais de uma hora na estação ferroviária, porque havia uma passeata
comunista da juventude indiana, e o nosso táxi não podia romper a fila
quilométrica, formada por milhares e milhares de pessoas, todas empunhando
a bandeira vermelha com foice e martelo. Mas não houve brigas, desordens,
mortes – nada. O hindu é incrivelmente passivo, tanto para o bem como para o
mal. Mahatma Gandhi, Vinoba Bhave e outros homens de dinâmica atividade
não representam essa Índia passiva dos últimos 150 anos de dominação
estrangeira. Indira Gandhi, filha do falecido presidente Nehru, fez ver, num dos
seus discursos, que um século e meio de jugo estrangeiro reduziu a Índia a um
estado de estoicismo negativo e de inércia que não é a mentalidade da Índia
autêntica. Em tempos antigos, a Índia já revelou grande dinamismo. A própria
filosofia da Índia manda “trabalhar intensamente”, como diz a Bhagavad Gita.
Não proclama simples karman (agir), nem akarman (não agir), mas sim
naiskarman (reto agir). O mal está não está no agir, nem o bem está no não-
agir, mas sim num agir inspirado numa atitude interna correta.
EM NOVA DELHI
A última grande cidade da Índia que visitei foi Delhi, ou Nova Delhi, como nós
estamos acostumados a dizer; pois há também uma Velha Delhi.
Mas o tal swami não me atendeu, e não recebeu o dinheiro. Só podia profetizar
em face do dinheiro. Desistiu da profecia. Passou a outro terreno:
– Rosa.
– Maçã.
Ele desdobrou outro papelzinho, desta vez entregue por mim, e lá estava a
palavra “apple” (maçã).
Mas, por que o tal swami não captou a emissão cerebral sobre a data do meu
nascimento?...
***
Num dos arrabaldes mais belos de Nova Delhi existe o maravilhoso Museu
Mahatma Gandhi, onde se conserva tudo que tenha qualquer relação com a
pessoa do grande libertador da Índia. Logo na entrada defronta o visitante com
um gigantesco painel mural representando o caminho do céu: é uma larga faixa
luminosa que se projeta às alturas; e nesta faixa de luz andam três homens:
Buda, Jesus e Gandhi. Buda à frente, com as mãos erguidas à luz, que irradia
de cima; atrás dele Jesus, com as mãos apoiadas nos ombros de Buda; atrás
de Jesus, Gandhi, com as mãos nos ombros de Jesus. Assim, esses três
grandes mestres espirituais da humanidade mostram o caminho do céu a
todos, indo eles mesmos à frente com sua própria vida e vivência.
Quem concebeu este quadro já devia estar liberto de todos os sectarismos que
ainda escravizam tantas religiões. Aliás, não há sectarismos dogmáticos na
Índia; a filosofia hindu aceita todo e qualquer caminho ou credo, porque está
convencida de que há tantos métodos quantos homens, mas que há uma única
meta, como uno é o próprio Deus.
--------------
[5] Traduzi e publiquei este livrinho, com o título “Assim dizia Mahatma Gandhi”.
TAJ MAHAL – UM SONHO
EM MÁRMORE
Poucas horas distante de Nova Delhi fica Agra com o famoso Taj Mahal, talvez
a mais perfeita obra de arquitetura e escultura da Índia. Quem visita a Índia e
não viu esse “sonho em mármore”, perdeu grande parte da sua viajem.
Apesar de tanto amor e tanta beleza, a vida do chefe muçulmano não foi feliz.
Passou os últimos anos à sombra duma fortaleza próxima, aprisionado por um
filho, usurpador do trono, e morreu nesse cárcere.
Mausoléu como Taj Mahal nunca poderia ser realizado por um hindu monista,
mas somente por um monoteísta dualista, como são os discípulos de Maomé:
O hindu não crê com suficiente firmeza na realidade da morte para perpetuar a
memória de um defunto com tamanho aparato. Todas as religiões dualistas,
crentes num Deus distante, enxergam um profundo abismo entre a vida e a
morte, ou melhor, entre os vivos e os mortos. Para o monista, vida e morte não
são coisas contrárias, mas complementares; são apenas o anverso e o reverso
da mesma medalha, o dia e a noite de uma e a mesma existência. Se
cristianismo ocidental fosse monista, como a filosofia oriental e o Evangelho,
não teríamos nos cemitérios esse luxo que temos.
A SERENIDADE DO HINDU
Uma das experiências mais estranhas para o ocidental que visita a Índia é a
imperturbável serenidade do hindu. Ele não se altera com coisa alguma.
Essa serenidade não é uma indiferença passiva, mas uma atitude ativa de
equilíbrio.
Quando o turista nega uma esmola ao pedinte, este não se ofende, não se
irrita, não o xinga nem roga pragas, como entre nós; retira-se, sereno e calmo,
e tenta outra oportunidade.
Quando o hindu nada tem que comer hoje, consola-se com o dia de amanhã.
As leis cósmicas são justas e não perdoam ninguém, não há prêmio nem
castigo, há somente a lei inexorável de causa e efeito, que ninguém pode
mudar. Também não há tal coisa como perdão, no sentido teológico, Deus não
perdoa a ninguém, no sentido de o dispensar do cumprimento da lei, que seria
uma injustiça. Cedo ou tarde, o homem tem de cumprir a lei inexorável. Deus é
a própria lei, no dizer de Einstein.
DAS CATACUMBAS
A etapa final da minha viagem por três continentes se passou em Roma, onde
fiquei alguns dias antes de tomar o jato da “Alitália”, que ia cruzar a África e o
Oceano Atlântico, em vôo noturno direto, em 11 horas, Roma – Rio.
O que sempre me fascina na “cidade das sete colinas” não são, em primeiro
lugar, os seus edifícios monumentais, as suas obras-primas de pintura e
escultura, mas sim as misteriosas galerias subterrâneas onde nossos irmãos
em Cristo viveram durante três séculos, perseguidos, trucidados, mas
profundamente felizes e gloriosos. As catacumbas de São Calisto têm mais de
20 km de extensão, e foram sempre as minhas prediletas. Disseram-me que há
no subsolo de Roma 52 catacumbas, entre maiores e menores, sendo algumas
de 5 andares sobrepostos; mas o último subsolo é praticamente inacessível,
porque está quase sempre cheio de água.
Guiado por um dos peritos, que nos foi designado pelos padres Salesianos que
residem à entrada destas catacumbas, no meio dum esplêndido jardim,
perambulamos, meditativamente, parte do primeiro plano desses estreitos
subterrâneos. De vez em quando, os corredores se alargam e formam salas,
onde os discípulos do Nazareno faziam as suas reuniões litúrgicas, oravam e
cantavam hinos de amor e alegria. Aliás, tem-se a impressão de que, na
penumbra desses cemitérios subterrâneos, só reinava paz e alegria, embora os
cristãos não tivessem certeza de um único dia de vida. A vida verdadeira deles
não era do corpo mortal, mas do espírito imortal. Viviam num céu subterrâneo.
Ainda ardia em sua alma aquele fogo que o divino Mestre viera trazer do céu à
terra, e que ninguém podia extinguir. A permanente insegurança da vida
terrestre parecia funcionar até como combustível para alimentar a chama da
vida celeste. Não havia ainda nenhuma organização eclesiástica, como surgira
mais tarde; em vez disto, imperava o poder da experiência crística direta e
genuína; o fogo de Pentecostes continuava a arder no coração de cada um.
A lei romana proibia que alguém fosse preso ou morto em lugar sagrado, como
eram templos e cemitérios – e as catacumbas eram tanto isto como aquilo – o
que não impedia que, de vez em quando, essa lei fosse desrespeitada e os
lugares sagrados fossem invadidos por profanos e inimigos.
Esse fator “aura”, ou que outro nome tenha, nunca foi devidamente explicado
nem considerado, em nossas reuniões espirituais. Também, como se poderia
analisar algo tão intangível e alusivo com esses fluidos metafísicos?... Os
inexperientes acham que se trata de simples crendice ou auto-sugestão.
Poucos sabem, porque não saborearam, que auras são realidades, tão reais
como ondas elétricas ou eletrônicas, mas de uma frequência vibratória mil
vezes mais sutil e poderosa. Uns decênios atrás, quem teria acreditado em
eletrônica? Que alguém pudesse ouvir em São Paulo ou no Rio de Janeiro a
voz de um amigo que falasse em Tóquio ou Washington? Que pudesse até ver
na pequena tela do seu televisor, em plena noite, o rosto de uma pessoa
distante?
A parapsicologia dos últimos tempos já trata “cientificamente” de transmissão
de pensamentos, telepatia, clarividência e outros fenômenos que, ainda há
pouco, pertenciam ao domínio da crendice popular ou da superstição.
Auras espirituais são irradiações sutis de pessoas que atingiram elevado grau
de consciência da Realidade Cósmica, que se aproximaram do grande e
invisível “Uno”, que age em todos os visíveis “Verso” do Universo. Esse “Uno”
no homem se chama alma, o verdadeiro Eu; e o “Verso" no homem são as
coisas do seu ego, físico, mental e emocional. Quando o “Uno”, o Eu central,
atinge intensa consciência de si mesmo, quando a Realidade inconsciente no
homem se realiza conscientemente, pelo autoconhecimento, então esta
vibração de alta voltagem permeia, pouco a pouco, as periferias do ego, e,
através desse ego personal, se comunica também aos objetos impersonais do
ambiente. E então esses objetos do ambiente são impregnados ou imantados
dessas mesmas vibrações do Eu central. Os canais recebem da fonte. E os
objetos, assim imantados, onerados da radioatividade do Eu, irradiam algo do
seu magnetismo e facilitam o despertamento do outro Eu dormente. Um ímã
comunica magnetismo transitório a um pedaço de ferro comum; e comunica
magnetismo permanente a um aço de alta têmpera. “Imam” é a palavra árabe
para “fiel”, ou “diretor espiritual” (guru, rabi). O ferro comum tem pouca
fidelidade ao ímã; o aço possui alta fidelidade ao ímã.
Muitos são os que estão dentro do âmbito das auras emitidas por uma fonte
espiritual – poucos são os que reagem a essa irradiação, conscientizando a
sua presença.
Cinco milênios antes da era cristã já florescia na Índia uma grande cultura e
uma mentalidade mística, que foi a fonte da qual outros países receberam as
águas vivas da espiritualidade. A raça privilegiada dos antigos Ários (nobres),
vindos do norte da Ásia, invadiu as vastas planuras dos Hindus e, além do
progresso horizontal, difundiu uma ideologia intensamente vertical, inquirindo
sobre o donde, o para onde e o porquê do homem e do mundo.
O monoteísmo admite um único Deus para seu povo e seu país, e esse Deus é
transcendente, ausente do mundo e presente no céu. O monoteísmo é uma
concepção dualista. O monismo proclama um Deus único para o mundo inteiro;
e esse Deus, embora transcendente em sua essência, é ao mesmo tempo
imanente nas suas existências.
***
Lava fria lançada por vulcões ígneos – poderá a lava morta dar idéia do fogo
vivo?
Umas gotinhas de metafísica produziram esses mares de física – essas coisas
físicas que os turistas profanos enxergam, mas além das quais nada
percebem...
Em todos esses países tive um trabalho imenso para afastar de mim os tais
“guias”, oficiais ou particulares, que se oferecem obstinadamente aos visitantes
para desfiarem mais uma vez o seu chavão rotineiro, que já sabem de cor e
salteado. Nada sabem da alma do Taj Mahal, das pirâmides, da esfinge, do
Gólgota... Vêem apenas o corpo sem alma – o cadáver... A física sem a
metafísica...
“Do mundo dos fatos – diz Einstein – não conduz nenhum caminho para o
mundo dos valores; porque estes vêm de outra região.”
A resposta que temos de dar a essa pergunta é tão desconcertante que chega
a ser absurda – e estamos com vontade de repetir com Tertuliano: credo quia
absurdum. A resposta é esta: nenhum homem pode atingir a realidade – mas a
realidade pode atingir o homem, se ele for atingível. Ninguém pode achar a
Deus – mas Deus pode achar o homem, se ele for achável.
Nenhum homem pode invadir o reino da verdade – mas a verdade pode invadir
o homem, se ele for invadível. “De mim mesmo eu nada posso fazer – é o Pai
em mim que faz as obras.”
“Nunca fales, se não tiveres plena certeza que o teu falar vale mais que o teu
calar.”
Nunca deveríamos falar a não ser que a plenitude do nosso calar nos obrigue a
isto.
Se tão belas coisas diz o Evangelho daquilo que o Nazareno falou – quão
estupendas devem ter sido as coisas que ele calou... A sua recipiência atingiu
o zênite durante o seu longo silêncio.
Pouco adianta que o homem viaje pelo mundo – é necessário que os mundos
viajem através dele, não para o encherem de ruídos, mas para intensificarem o
seu silêncio...
RETORNO AO CRISTO DO
EVANGELHO
--------------
[1] Entrementes, em 1971, também este partiu.
Agora, 25 anos mais tarde, sou convidado como “prezado colega” por um
cardeal e chamado “pioneiro do Concílio do Vaticano II” por um Monsenhor... E
esse último afirma que ele fala em nome de muitos dos meus colegas, que
pensam como ele.
***
E agora surge a momentosa pergunta: que foi que levou a igreja romana (que
se ufana de católica, ou universal) a pensar e agir em moldes menos clericais e
bem mais crísticos do que decênios atrás?
Para os que têm olhos para ver e mente para pensar, é evidente que, nesses
últimos 50 anos, se operou profunda modificação no tocante à concepção da
natureza humana e da realidade de Deus.
Jung faz ver que o cristão que queira praticar yoga superior deve, em primeiro
lugar, passar da teologia medieval para o Evangelho do Cristo, e deste ponto
de vista pode tranquilamente praticar yoga, sem remorsos de consciência – e
proclamar o princípio de auto-redenção, que é doutrina genuinamente Cristo-
evangélica.
Agora, que o papa soltou as rédeas ao clero, muitos têm a coragem de aceitar
a mensagem do Cristo.
Aquele Monsenhor, afirmando que eu sou pioneiro do Concílio Vaticano II, quis
certamente elogiar-me com isto. Entretanto, em muitos pontos não me
considero como pioneiro. Afinal de contas, que foi que o Concílio Vaticano II
modificou? Nenhum ponto essencial. Continua a aceitar os dogmas teológicos
de Tomás de Aquino e do Concílio de Trento, mas não regressou ao puro e
integral Evangelho do Cristo; nem jamais o fará, porque isto equivaleria a um
clerocídio, seria sacrificar o poder pela Verdade – passo que o papa não dará
jamais. O Concílio Vaticano II melhorou a situação em muitos pontos
secundários e periféricos, mas continua a ser 90% teológico e apenas 10%
cristo-evangélico.
A mensagem do Cristo não é ritual, nem intelectual, nem moral, nem altruísta,
nem social, nem espiritual – ela é 100% metafísica, ontológica, realista. O
Nazareno exige do homem uma nova visão de si mesmo; que ele não é o seu
ego periférico, físico-mental-emocional, a sua humana persona ou
personalidade; mas sim a sua divina realidade, o seu Eu, o Pai, a luz, o reino
de Deus. Não se contenta com “remendo novo em roupa velha”; o mestre exige
uma “nova creatura em Cristo”.
E CÓSMICOS
N.º 1: O profano vive com o rosto voltado às coisas finitas, e com as costas
voltadas ao Infinito. Nada sabe da Realidade, de tão mergulhado que está nas
facticidades, que os sentidos e o intelecto lhe apresentam. Para ele, realidade
são esses reflexos, as creaturas, todas as coisas empíricas e analíticas.
Quando o profano é de má vontade nega ou descrê da existência duma
Realidade para além dessas facticidades. Essa classe de profanos se chamam
agnósticos (os que ignoram) ou ateus (os que negam). Quando o profano é de
boa vontade, mais ainda sem compreensão ou sapiência, chama-se crente. Ele
crê que existe algures uma Realidade, com a qual espera encontrar-se um dia,
no futuro e em regiões distantes da terra. Está 180 graus voltada para os
Finitos. É mundo-converso e teo-averso.
Quem nunca amou Deus sem o mundo não pode amar o mundo em Deus, mas
amará o mundo sem Deus.
Não se atreva a ser solidário com o mundo quem nunca foi solitário em Deus!
A fim de oferecer aos homens de boa vontade lugares apropriados para esse
ingresso periódico no silêncio e na solidão, mantém a ALVORADA ashrams,
casa de Retiro Espiritual, tanto coletivo como individual. Nesses lugares
sagrados pode o homem carregar a sua bateria espiritual e depois utilizar
essas energias no meio da sociedade. Deve o homem aprender a ser solitário
em Deus a fim de poder ser, sem perigo, solidário com o mundo e com os
homens.
DIRETIVAS PARA
8 – Meditar é ser tudo sem fazer nada; é o nadir do ego e o zênite do Eu.
12 – Nenhum homem pode ser Fonte, mas todo homem pode e deve ser canal,
para que as águas vivas da Fonte fluam através dele.
13 – Tanto mais cosmo-pleno ficará o canal quanto maior for a sua ego-
vacuidade.
14 – Durante a meditação não deve homem preocupar-se com o modo de pôr
em prática as suas experiências espirituais – deve ser totalmente Maria e nada
Marta.
30 – O homem assim auto-realizado, “escolheu a parte boa, que não lhe será
tirada”.
PRELÚDIO
EM ISRAEL
A SERENIDADE DO HINDU
CONCLUSÃO E SÍNTESE
HUBERTO ROHDEN
VIDA E OBRA
Nasceu na antiga região de Tubarão, hoje São Ludgero, Santa Catarina, Brasil
em 1893. Fez estudos no Rio Grande do Sul. Formou-se em Ciências, Filosofia
e Teologia em universidades da Europa – Innsbruck (Áustria), Valkenburg
(Holanda) e Nápoles (Itália).
Rohden não está filiado a nenhuma igreja, seita ou partido político. Fundou e
dirigiu o movimento filosófico e espiritual Alvorada.
Ao fim de sua permanência nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado
para fazer parte do corpo docente da nova International Christian University
(ICU), de Metaka, Japão, a fim de reger as cátedras de Filosofia Universal e
Religiões Comparadas; mas, por causa da guerra na Coréia, a universidade
japonesa não foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em São Paulo foi
nomeado professor de Filosofia na Universidade Mackenzie, cargo do qual não
tomou posse.
Nos últimos anos, Rohden residia na capital de São Paulo, onde permanecia
alguns dias da semana escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos
definitivos. Costumava passar três dias da semana no ashram, em contato com
a natureza, plantando árvores, flores ou trabalhando no seu apiário-modelo.
À zero hora do dia 8 de outubro de 1981, após longa internação em uma clínica
naturista de São Paulo, aos 87 anos, o professor Huberto Rohden partiu deste
mundo e do convívio de seus amigos e discípulos. Suas últimas palavras em
estado consciente foram: “Eu vim para servir à Humanidade”.
A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
O SERMÃO DA MONTANHA
O NOSSO MESTRE
ÍDOLOS OU IDEAL?
ESCALANDO O HIMALAIA
O CAMINHO DA FELICIDADE
DEUS
EM ESPÍRITO E VERDADE
PORQUE SOFREMOS
LÚCIFER E LÓGOS
A GRANDE LIBERTAÇÃO
FILOSOFIA DA ARTE
ORIENTANDO
ROTEIRO CÓSMICO
A METAFÍSICA DO CRISTIANISMO
A VOZ DO SILÊNCIO
A NOVA HUMANIDADE
O HOMEM
ESTRATÉGIAS DE LÚCIFER
O HOMEM E O UNIVERSO
IMPERATIVOS DA VIDA
PROFANOS E INICIADOS
NOVO TESTAMENTO
LAMPEJOS EVANGÉLICOS
A EXPERIÊNCIA CÓSMICA
MARAVILHAS DO UNIVERSO
ALEGORIAS
ÍSIS
COLEÇÃO BIOGRAFIAS:
PAULO DE TARSO
AGOSTINHO
MAHATMA GANDHI
JESUS NAZARENO
PASCAL
MYRIAM
COLEÇÃO OPÚSCULOS:
CENTROS DE AUTO-REALIZAÇÃO