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A Construção do Self Saudável

A Teoria do Apego em diálogo com outras abordagens


Odila Weigand

Introdução

O desenvolvimento do self saudável, numa visão de alguns autores, enfatizando a


Teoria do Apego e a Análise Bioenergética, é o enfoque deste trabalho. Para
dialogar com as visões do apego e da bioenergética, busquei Heinz Kohut e Donald
W. Winnicott, por suas elaborações originais e atuais a respeito das origens do self.

Self – O que é isso?

Self costuma ser identificado com essência, mas falta um acordo consensual sobre o
que é essência.

Freud, por sua vez, utilizava de forma indiscriminada os conceitos de ego e self.
Quando utilizava Ich em oposição ao superego e ao id, referia-se ao ego; quando
utilizava Ich em oposição ao objeto, referia-se ao self.

Ramos (2001, p. 14), tentando simplificar estes conceitos, coloca:

1. A teoria do aparelho psíquico elaborada por Freud estabeleceu três instâncias


psíquicas: Ego, Id e Superego.

2. O Ich usado por Freud como ego, possui a função de mediador entre o id, o
superego e o mundo externo

3. O Ich usado por Freud como self, quer dizer a própria pessoa, em oposição ao
objeto.

Hartmann (1939) apud Zimerman (2001) esclarece que “até algum tempo, as
palavras ego e self eram utilizadas de forma indistinta. Se bem que ainda exista
alguma superposição e indiscriminação conceitual entre ambas, agravadas por
eventuais falhas de tradução dos textos originais, foi a partir de Hartmann que se
tornou possível estabelecer uma distinção”.

Com Hartmann, criador da Escola da Psicologia do Ego, o vocábulo ego passa a


designar uma das instâncias psíquicas, sendo, portanto apenas uma importante
subestrutura da personalidade, tal como foi descrita por Freud. O termo self, de sua
parte, foi conceituado como a “imagem de si-mesmo” sendo composto de estruturas,
entre as quais consta não somente o ego, mas também o id, o superego e, inclusive,
a imagem do corpo, ou seja, a personalidade total.

Com outras palavras, pode-se dizer que Hartmann postulou uma diferenciação entre
ego-função (um conjunto de funções, tanto as conscientes como as provindas do
inconsciente) e ego-representação, que alude à imagem de si mesmo, ou seja, do
self. Ambos os aspectos são indissociados e criam um paradoxo intelectual: embora
seja mais abrangente e amplo do que o ego, é o self que está representado (como
que contido e fotografado) dentro do primeiro.
Na obra de Hartmann, a ênfase predominante recai no ego-função, enquanto na de
Lacan a prioridade cabe ao ego-representação”. (Zimerman, 2001, p. 376)

Heinz Kohut

Heinz Kohut (1913-1981) Criador da Escola chamada Psicologia do Self, com ênfase
na normalidade e patologia dos transtornos narcisistas. Nascido em Viena, formou-
se neurologista e psiquiatra e desenvolveu seu trabalho em Chicago. Postulou duas
novas estruturas em relação ao self, ambas de formação arcaica: o self grandioso e
a imago parental idealizada.

Concepção de Self

De acordo com Ramos (2001), que resume as descobertas de Kohut sobre o self,
este self, restrito ao conteúdo do aparelho mental, possuía uma dinâmica própria
que pertencia ao nível da experiência do self com o objeto.

“Kohut elaborou uma teoria para o self no sentido lato, ou seja, para a dinâmica
vivenciada entre o self e o objeto. Assim, o self, se visto sob o ângulo de visão do
sentido restrito, seria um conteúdo do aparelho psíquico (uma extensão da
metapsicologia clássica); se visto sob o ângulo de visão do sentido lato seria
diferenciado das três instâncias psíquicas (ego-id-superego), podendo-se examinar a
sua gênese, o seu desenvolvimento e os seus componentes. É importante frisar que,
ao diferenciar o self das três instâncias psíquicas, isto é feito apenas no contexto
teórico. Na prática jamais poderia ser ignorado que o self é um conteúdo do
aparelho.

Primeiramente, Kohut pensou os primórdios da formação do self como algo


fragmentado que iria se aglutinando ao longo de seu desenvolvimento. Este modelo
surgiu emparelhando o desenvolvimento do self com o desenvolvimento das zonas
erógenas, ou seja, através da observação de que a criança inicialmente possuiria
sensações isoladas de seu corpo e, também, de suas funções mentais. Ao longo do
desenvolvimento, a criança iria aglutinando as partes do self, antes vivenciadas
isoladamente, em um todo, formando uma noção globalizante e integrada de si
mesma. Como um exemplo, a criança iria compreendendo que suas pernas fariam
parte da mesma “engrenagem” que os seus braços, tórax, olhos, pensamento etc.

Posteriormente, reformulou esta visão da formação do self. Achava que não havia
dados suficientes para afirmar que o self se estruturaria por aglutinação de partes.
Isto porque Kohut propõe abrir mão da idéia de que o objeto de pesquisa da
psicanálise esteja contido apenas no contexto do prazer e, assim, acrescentou ao
objeto de pesquisa da psicanálise algo que denominou como “além do princípio do
prazer: o self e as suas vicissitudes”.

No entanto, é importante esclarecer que este “além do princípio do prazer”, proposto


para o self e as suas vicissitudes, nada tem a ver com o “além do princípio do
prazer”, com o instinto de morte, proposto por Freud. O sentido empregado por
Kohut diz respeito apenas a algo que estaria fora do contexto do prazer-desprazer,
ou melhor dizendo, do âmbito das necessidades instintivas.
Assim, se o self possui um desenvolvimento fora do contexto das necessidades
instintivas e se o self possui uma linha própria de desenvolvimento, Kohut propôs um
desenvolvimento de estruturação do self diferente e independente da experiência
que a criança possui de suas partes corporais e funções mentais isoladas. As partes
experimentadas pela criança de suas experiências corporais e atividades mentais
não formariam o self, mas se desenvolveriam dentro dele.[1]

No entanto, Kohut nos aponta que a busca de prazer persiste sempre pela vida do
indivíduo, paralela ao desenvolvimento do self.

“O aspecto de busca de prazer do mundo de experiência de nossa organização


corpo-mente persiste pela vida afora: por um lado, torna-se o mundo das
gratificações e dos prazeres inibidos em seu objetivo e, por outro, o mundo dos
conflitos (estruturais) da tensão, da angústia e da culpa (...) Quando finalmente o self
está bem-estabelecido, ele toma sua posição como estrutura superior, acima do
mundo da experiência de partes e funções isoladas. Mas esse caminho de
experiência continua a existir (...) Tanto no setor de suas ambições quanto no de
seus ideais, o self não busca o prazer através da estimulação e da descarga de
tensão; o self procura satisfação através da realização de suas ambições e de seus
ideais nucleares. Sua satisfação não dá prazer, como acontece na satisfação do
impulso instintivo, mas sim o triunfo e o brilho da alegria. E seu bloqueio não
desperta o sinal de angústia (por exemplo, de angústia de castração - angústia pela
perda do pênis, suprema fonte de prazer), mas o pressentimento do desespero (por
exemplo, da vergonha ou da depressão vazia - desespero antecipado pelo
esmagamento do self e pela derrota final de suas aspirações). O Homem Trágico
não teme a morte como punição simbólica (castração) ; teme, sim, a morte
prematura, morte que impede a realização dos objetivos de seu self nuclear. E, à
diferença do Homem Culpado, o Homem Trágico aceita a morte como parte da curva
de sua vida satisfeita e satisfatória”.[2] (Ramos, 2001, p. 16)

Desenvolvimento do Self segundo Heinz Kohut

Sem selfobjeto o bebê não se estrutura psicologicamente. Kohut assenta a sua


construção teórica na observação empírica da relação self-selfobjeto e compara a
importância do selfobjeto para a sobrevivência emocional da criança com a
importância do oxigênio para a sobrevivência biológica do indivíduo. Nisto há
concordância entre sua teoria e os teóricos do apego.

De acordo com uma analogia feita por Kohut, assim como a fisiologia do aparelho
respiratório de um bebê necessita de uma atmosfera que contenha oxigênio para
sobreviver, o self nascente de um bebê necessita de um meio ambiente que
contenha selfobjetos, respondendo empaticamente às suas necessidades
psicológicas, para sobreviver.

Se pensarmos, passo a passo, na importância para o desenvolvimento do self, do


selfobjeto e do aparelho psíquico na formação de estruturas, podemos compreender
que:
1. Inicialmente o bebê encontra-se em fusão com o selfobjeto. Este desempenha as
funções ainda impossíveis para um bebê que não possui um self estruturado, mas
apenas um núcleo de self.

2. O selfobjeto idealizado exerce a função de atender à necessidade fundamental


do bebê de se fusionar com um objeto onipotente, a fim de sentir-se amparado e
seguro.

3. O selfobjeto especular exerce a função de espelhar o bebê atendendo à


necessidade fundamental que a criança possui de sentir-se aceita e valorizada.

4. O selfobjeto gemelar exerce a função de atender à necessidade fundamental


que todo indivíduo possui de uma semelhança essencial, a fim de garantir à criança
o sentimento de que ela pertencente a um contexto humano, onde se sente
compreendida e é capaz de compreender o outro.

5. Sabendo-se que é utópico um selfobjeto perfeito, podemos afirmar que este


sempre irá falhar. Irá falhar no atendimento a uma ou mais das três necessidades
básicas, acima citadas, existentes em todos os indivíduos.

6. Para o desenvolvimento do self é importante que o aparelho psíquico esteja


preparado para formar estruturas. As estruturas serão formadas em função da
capacidade maturacional do aparelho psíquico associadas às experiências
adequadas a cada fase do desenvolvimento do bebê.

7. Se estas falhas acontecerem de acordo com a capacidade maturacional do


aparelho psíquico serão chamadas de “falhas ideais”.

8. Em conseqüência das falhas ideais, o aparelho psíquico do bebê, por uma


questão psicoeconômica, irá retirar a catexia do objeto que falhou e, fragmentando
os aspectos da imagem do objeto que está sendo internalizado, vivenciará o que
Kohut chamou de “frustração ótima”.

9. O resultado da frustração ótima será a despersonalização dos aspectos da


imagem do objeto internalizado que será, então, transformado em estrutura do self.

10. Mas, de acordo com as idéias de Kohut, entre a despersonalização do objeto


internalizado e a estruturação do self, deverá ocorrer um processo que transforme os
aspectos da imagem do selfobjeto internalizado em estrutura. A este processo
transformador Kohut denominou de “internalização transmutadora”.

11. Assim, havendo falhas ideais por parte do selfobjeto e a experiência das
frustrações ótimas por parte do bebê, este vai, por meio da internalização
transmutadora,transformando a função antes exercida pelo selfobjeto em uma
estrutura própria capaz de assistir a si mesmo.

A desidealização gradual e a internalização do selfobjeto é também o que possibilita


a construção, na visão da psicologia psicanalítica do self, do superego.
Diante das falhas dos pais na fase pré-edipiana, a criança, desidealizando os
mesmos, irá formar uma estrutura de self, pelo processo da internalização
transmutadora. O investimento da libido objetal mistura-se com o investimento da
libido narcísica e, assim, o processo de internalização dar-se-á sempre com o
objetivo de investimento narcísico.

Quando um self não encontra no ambiente um selfobjeto empático, com falhas


ideais, mas encontra um selfobjeto capaz de realizar falhas traumáticas,
possibilitando uma desidealização abrupta, o self não pode ir se estruturando
gradualmente pela internalização transmutadora.

Se pensarmos, passo a passo, nas conseqüências das falhas traumáticas como


impedimento da formação de estrutura, podemos compreender que:

1. O self inicialmente necessita apoiar-se em um selfobjeto (mantendo assim, a


fusão dos instintos) para seguir o seu desenvolvimento;

2. Se o selfobjeto falha traumaticamente, não respeitando a capacidade


maturacional do aparelho psíquico (como exemplo: a morte do selfobjeto), o
aparelho psíquico ao invés de desidealizar o selfobjeto que falhou abruptamente, o
mantém internalizado de forma idealizada.

3. Fica fácil compreendermos porque é mais econômico para o aparelho psíquico


funcionar desta forma. O aparelho psíquico ainda precisa de um selfobjeto
idealizado para sobreviver psicologicamente e, portanto, se o desidealizasse,
quando ainda necessita da idealização, ocorreria sem dúvida a “morte” do self.
Utilizando a analogia proposta por Kohut, podemos concluir que a desidealização
abrupta corresponderia a falta repentina de oxigênio para o bebê respirar. Assim
como não pode faltar oxigênio para a sobrevivência física do bebê, não pode faltar
selfobjeto para a sua sobrevivência psicológica.

4. A desidealização abrupta promove a internalização de um objeto idealizado,


reprimido para o inconsciente, contribuindo para a formação de um superego rígido e
punitivo.

5. Deste processo resultam certas patologias do self. O indivíduo permanece com


um selfobjeto internalizado, incapaz, salvo através de uma análise, de transformá-lo
em estrutura de self.

Em relação ao selfobjeto que falhou abruptamente à criança, esta, ao invés de


desidealizá-lo, o internaliza idealizado. Isto porque, como já vimos, o self necessita
apoiar-se em um selfobjeto idealizado para se desenvolver. Neste caso, a criança
permanece, devido à internalização de um selfobjeto arcaico, com um sentimento
enorme de força e de grandiosidade, ou melhor dizendo, com uma onipotência
extremada; e, ainda, permanece sempre dependente de um selfobjeto arcaico
idealizado que fica impossibilitado, por não possuir mais correspondência no mundo
externo, de uma transformação através da internalização transmutadora. Em
situações extremas são aqueles indivíduos que desenvolvem uma onipotência
extremada, ao lado de um grande sentimento de desvalorização, além de uma forte
propensão para a idealização, pois é o selfobjeto arcaico idealizado que contém todo
o valor.

A gravidade destas estruturas defensivas na patologia do self irá variar de acordo


com a etapa de desenvolvimento em que se encontrava o self do indivíduo,
associada à quantidade de falhas não ideais ocorridas por parte do selfobjeto.

Como verificamos, Kohut baseou toda a sua construção teórica para o


desenvolvimento do self na idéia de que a libido narcísica era capaz de catexizar os
objetos mostrando-se, assim, um grande teórico das relações objetais. Kohut não
concebeu a visão de um homem sem um objeto. Até mesmo para a relação
narcísica, na visão de Kohut, faz-se necessário o objeto.

O Período Edípico em Kohut

De acordo com a Psicologia Psicanalítica do Self, todos os seres humanos


vivenciam o que Kohut denominou de “período ou fase edipiana”, uma fase que não
se qualifica como normal ou patológica, mas corresponde apenas àquele período ou
fase de vida da criança. O complexo edípico deixa de ser hegemônico, colocando
em seu lugar as falhas dos self-objetos primitivos.

Se a fase edipiana for vivenciada com sofrimento, devido à falha empática por parte
dos selfobjetos parentais, ocorrerá a derrocada do self, em que os impulsos
incestuosos e destrutivos e o temor aos pais serão vivenciados pela criança durante
o período edipiano sob a forma de complexo de Édipo, como foi descrito pela
Psicanálise Clássica. O complexo de Édipo seria, então, uma patologia, uma
patologia edipiana.

Se a fase edipiana for atravessada com alegria e compreensão por parte dos
selfobjetos parentais, a criança vivenciará o que Kohut denominou “estágio
edipiano.” Este estágio lhe proporcionará sentimento de orgulho pela realização da
conquista de uma etapa evolutiva do seu desenvolvimento, oferecendo-lhe auto-
afirmação, capacidade de afeição e alegria de viver; enfim, a criança vivenciará no
período edipiano o estágio edipiano, no qual não experimentará conflito ou
sofrimento.

A fim de exemplificar o que significa a alegria dos selfobjetos parentais pelo


desenvolvimento de seus filhos, lembramos de que certa vez, muito feliz, uma mãe
dizia a todos: “Ontem foi a maior festa lá na minha casa. A minha filha ficou mocinha.
O meu marido comprou rosas para ela, eu fiz um bolo e ela ficou toda prosa”.
(Ramos, 2000, p. 52)

A menina, de acordo com a Psicologia Psicanalítica do Self, não possuirá inveja do


pênis, se encontrar por parte do selfobjeto mãe, um espelhamento de admiração por
sua feminilidade. O mesmo acontece com o menino. O temor do menino não é o de
ser castrado, mas sim o de vivenciar o que Kohut chamou de “mãe sem rosto” -
aquela mãe que não é capaz de sorrir, espelhando ao menino o sentimento de
alegria por sua masculinidade e existência.
De acordo com Kohut, os medos edipianos primários da menina são de se defrontar
com selfobjetos não empáticos, em que o selfobjeto pai seja sedutor e o selfobjeto
mãe funcione com hostilidade e competitividade para com a menina, não podendo
aceitar com orgulho, o crescimento de sua filha. De forma semelhante, os medos
edipianos primários do menino são de se defrontar com selfobjetos não empáticos,
em que o selfobjeto mãe seja sedutor e o selfobjeto pai funcione com hostilidade e
competitividade para com o menino, não podendo aceitar com orgulho o crescimento
de seu filho.

Comparando a visão de Kohut com a da Análise Bioenergética, representada por


Virginia Hilton (1987), vemos que há uma concordância a respeito do que seria a
atitude dos pais para a estruturação de um self saudável na fase edipiana.

“Se nós tivéssemos tido a situação ideal da parte dos pais, teria sido assim:

O pai do sexo oposto é seguro na sua sexualidade; suas necessidades são


satisfeitas e desta forma ele não faz nenhuma exigência da criança. A mensagem é
clara e não ambivalente: [Eu afirmo, aceito e tenho prazer na sua sexualidade. Eu
não tenho medo dos seus sentimentos, e eu não faço nenhuma exigência com
relação a você a fim de preencher minhas necessidades. E eu sou enfaticamente e
inequivocamente indisponível. Por isso você está completamente seguro para ter e
experienciar seus sentimentos. Eu posso sinceramente dar suporte ao seu
movimento no mundo para achar o objeto certo para a sua paixão e seu amor.]

O pai do mesmo sexo, na situação ideal, entende a projeção da ameaça. Seguro de


si mesmo, ele manda esta mensagem: [Eu tenho prazer na nossa semelhança e
similaridade, e satisfação no poder da sua sexualidade. Eu fico atrás de você e lhe
dou suporte enquanto você confronta o objeto do seu desejo, pronto com
entendimento e empatia para a rejeição e perda que você vai experienciar, e com
alegria e satisfação à medida que você vai em busca de felicidade e realização].

Não preciso insistir no fato de que não são muitos os seres humanos que
experienciam algo próximo àquele ideal com seus pais. Quando pacientes vêm aos
nossos consultórios, se eles estão conscientes disso ou não, isto é o que eles
querem experienciar”. (Hilton, 1987)

Donald W. Winnicott

O Self verdadeiro e o falso Self

Winnicott (1970) diz a respeito da palavra Self: “Fico pensando se poderia escrever
algo a respeito desta palavra, mas naturalmente, assim que me ponho a fazê-lo,
descubro que há muita incerteza, mesmo em minha própria mente ... Para mim o
self, que não é o ego, é a pessoa que é eu, que é apenas eu, que possui uma
totalidade baseada no funcionamento do processo de maturação. Ao mesmo tempo,
o self tem partes e, na realidade, é constituído dessas partes. Elas se aglutinam
desde uma direção interior para exterior no curso do funcionamento do processo
maturacional, ajudado como deve ser (maximamente no começo) pelo meio
ambiente humano que sustenta e maneja e, por uma maneira viva, facilita. O self se
descobre naturalmente localizado no corpo, mas pode, em certas circunstâncias,
dissociar-se do último, ou este dele. O self se reconhece essencialmente nos olhos e
na expressão facial da mãe e no espelho que pode vir a representar o rosto da mãe.
O self acaba por chegar a um relacionamento significante entre a criança e a soma
das identificações que (após suficiente incorporação e introjeção de representações
mentais) se organizam sob a forma de uma realidade psíquica interna viva. O
relacionamento entre o menino ou a menina e suas próprias organizações psíquicas
internas se modificam de acordo com as expectativas apresentadas pelo pai e pela
mãe e por aqueles que se tornaram importantes na vida externa do indivíduo. São o
self e a vida do self que, sozinhos, fazem sentido da ação ou do viver desde o ponto
de vista do indivíduo que cresceu até ali e está continuando a crescer, da
dependência e da imaturidade para a independência e a capacidade de identificar-se
com objetos amorosos maduros, sem perda da identidade individual.” (p. 210)

Apesar de Winnicott afirmar que existe uma diferença entre ego e self, essa
distinção não fica clara ao longo de sua obra e seguidamente os termos aparecem
superpostos. No entanto, ele sempre valorizou a formação de um self total – o qual
implica uma diferenciação entre eu e não-eu numa crescente integração, até permitir
uma imagem unificada de si mesmo e do mundo exterior.

Isso acontece a partir de um “ambiente suficientemente bom” que possibilite o


desenvolvimento das potencialidades de um self rudimentar que já existe desde o
nascimento, embora de forma extremamente frágil. Nos casos em que falha a função
materna de integrar as sensações corporais do bebê, os estímulos ambientais e o
despertar de suas capacidades motoras, a criança sente sua continuidade
existencial (ser) ameaçada e procura substituir a proteção que lhe falta por outra,
“fabricada” por ela.

Esse fenômeno Winnicott expressa com as seguintes palavras, ao comparar a


formação do self com uma casca de árvore, às custas da qual se cresce e se
desenvolve o self do sujeito: “Então, o indivíduo se desenvolve mais como uma
extensão da casca do que do núcleo (...) O self verdadeiro permanece escondido, e
o que temos que enfrentar clinicamente é o self falso, cuja missão se estriba em
ocultar o self verdadeiro”.

Foi no célebre trabalho “A deformação do ego, em termos de um self verdadeiro ou


falso” (1960) que Winnicott deu uma contribuição mais completa e definitiva do
verdadeiro e do falso self. Nessa obra, ele considera que o verdadeiro self seria o
que resulta de a mãe ter aceitado os gestos espontâneos da criança. Nos casos em
que a mãe não tem capacidade para entender e satisfazer as necessidades do filho,
ela coloca seu próprio gesto, assim submetendo a criança a ela, o que começa a
gerar um falso self.

A princípio, Winnicott considerou o falso self como uma formação presente apenas
nos pacientes graves, provocada por falta de cuidados maternos. Tempos depois,
porém, ele propôs uma gradação de matizes, na qual o falso self estaria sempre
presente, em qualquer pessoa, embora com diferentes níveis de implicação
patológica. Nos casos mais próximos da saúde, o self falso agiria como uma forma
de defender e proteger o verdadeiro, que se mantém oculto, enquanto nos casos
mais graves, o falso self substitui o verdadeiro. Desse modo, a visão que o sujeito
tem de si e a visão que as pessoas que o rodeiam têm dele, na verdade são uma
visão da casca espessa que ele criou.

Winnicott assevera que o falso self, especialmente quando se encontra nos


extremos mais patológicos da escala, é acompanhado por uma sensação subjetiva
de vazio, de futilidade e de irrealidade. Como se constitui às expensas do núcleo
autêntico do self, obriga este a renunciar às suas pulsões (que constituem sua
essência) em favor de uma adaptação “bem-sucedida”. Talvez o grau mais
extremado de um falso self seja o da figura impostora que impõe aos outros uma
personalidade totalmente falsa, como é o caso de alguém sem formação fazer-se
passar por médico. Ou como retrata Woody Allen, o personagem de Zellig, que
mudava de identidade conforme as circunstâncias.

Zimerman (2001) comenta que, partindo do ponto de vista que o falso self resulta de
um continuado esforço da criança para assegurar o amor dos pais, nem que seja às
custas de renunciar à espontaneidade e sujeitar-se às expectativas daqueles, dois
aspectos devem ser destacados:

1. Os portadores de um falso self não devem ser necessariamente considerados


como pessoas falsas. É freqüentemente possível que os êxitos conseguidos pelo
sujeito sejam devidos a suas reais capacidades, embora persista nele uma sensação
de falsidade devido à dificuldade que se estabeleceu nele de distinguir o que é falso
daquilo que é verdadeiro.

2. O falso self nem sempre é construído como forma de aparentar aspectos


considerados como positivos: muitas vezes, no afã de ser reconhecido pelo grupo
social – extensão de seu grupo familiar internalizado como estando em oposição ao
seu sucesso – o sujeito pode funcionar com um falso self negativo, aparentando
mazelas e desvalia encobridoras de reais valores positivos.

A Função Especular na formação do self

Zimerman (2001), comentando a função do Espelho na formação do Self segundo


Freud, Lacan, Winnicott e Kohut, observa que inúmeros pesquisadores que se
dedicam à observação direta de crianças mostram a importância do espelho físico e
da função especular desde as mais precoces etapas evolutivas.

Lacan, em 1936, em Écrits (1970), descreveu o estágio (ou etapa do espelho),


afirmando que a partir dos seis meses a criança começa a conquistar a imagem da
totalidade do seu corpo, que até então está toda despedaçada (corps morcelé no
original francês). Essa etapa do espelho, segundo Lacan, prolonga-se dos seis aos
dezoito meses e processa-se em três fases fundamentais.

Em um primeiro momento, a criancinha percebe seu reflexo no espelho, como se


fosse um outro ser real, do qual procura aproximar-se ou apoderar-se. Em uma
segunda fase, a criança percebe que o outro do espelho não é um ser real, que não
passa de uma imagem e, por isso, ela não vai mais procurá-lo atrás do espelho. A
terceira fase consiste em que a criança já sabe que o refletido é apenas uma
imagem dela própria. Nessa ocasião, ela manifesta um intenso júbilo e gosta de
brincar com os movimentos do seu próprio corpo no espelho.
Lacan também entende o espelho como uma metáfora do vínculo entre a mãe e o
filho, que progride desde a dimensão visual e imaginária, a qual permite a ilusão de
uma completude onipotente (da primeira fase) até o da dimensão simbólica,
coincidente com a aquisição da linguagem verbal.

Winnicott, em seu trabalho de 1967 “O papel de espelho da mãe e da família no


desenvolvimento da criança” (1975), concebeu uma de suas mais originais e
frutíferas contribuições, numa concepção diversa de Lacan, embora admitindo que
se baseou na etapa do espelho deste último. Assim textualmente, no trabalho acima
aludido, Winnicott afirma que: “O precursor do espelho é o rosto da mãe. O trabalho
de Jacques Lacan, Le Stade du Miroir (1949), por certo me influenciou (...)
Entretanto, Lacan não pensa no espelho em termos do rosto da mãe da maneira
como desejo fazer aqui: o que o bebê vê, quando olha para o rosto da mãe? Sugiro
que, normalmente, o bebê vê é ele mesmo”.

Numa frase poética, Winnicott afirma que “o primeiro espelho da criatura humana é o
rosto da mãe, sobretudo o seu olhar. Ao olhar-se no espelho do rosto materno, o
bebê vê a si mesmo (...) Quando olho, sou visto, logo existo. Posso agora me
permitir olhar e ver”.

Nesse contexto, cresce muito a responsabilidade da mãe real, pois, sendo um


espelho de seu filho, ela tanto pode refletir o que ele realmente é, ou, qual um
espelho que distorce imagens, típicos dos parques de diversão, a mãe pode refletir o
que ela própria é, ou imagina ser.

Kohut utiliza a expressão objetos do self (1971) para referir-se a dois tipos de
objetos primordiais, especulares:

1. Os que funcionam como um espelho da criança e que, mediante incessantes


elogios e admiração a este, outorgam-lhe uma imagem do self grandioso.

2. O objeto parental que reflete para o filho uma imagem grandiosa que os pais têm
de si próprios, constituindo a imagem parental idealizada. (Zimerman, 2001)

A Representação de Deus e o Desenvolvimento do Self

Rizzuto (1981) desenvolveu um estudo sobre as representações de Deus, nos pais e


na criança, observando que “o processo relacionado com o desenvolvimento, na
formação da representação de Deus, é sumamente complexo e é influenciado pelos
múltiplos fenômenos culturais, sociais, familiares, individuais, que vão desde os
níveis biológicos mais profundos da experiência humana até as realizações
espirituais mais sutis. Todas as representações têm origem em múltiplas fontes de
experiência (desde a proprioceptiva até à conceitual) e têm potencial para múltiplos
significados . Todas as representações podem ser usadas dinamicamente para auto-
integração, subordinadas à permanente função sintética da psique. O nível de
significado, bem como a forma e os aspectos de uma dada representação
dependem do contexto intrapsíquico do momento sintético em que a representação
estiver sendo usada. Sob este ponto de vista, componentes representacionais
primários (como os elementos táteis e sensoriais) podem servir no contexto de um
nível de signficado bem mais maduro e muito posterior (por exemplo, a experiência
subjetiva das mãos consagradoras de um sacerdote) como um processo constante
de auto-integração no qual todos os níveis de desenvolvimento podem estar
simultaneamente presentes”.

Uma criança não nasce num vácuo, mas nasce para um casal, que pertence a uma
família. Os pais, quando estavam na sua própria crise edípica, tinham desejado e
alimentado fantasias sobre as crianças que queriam ter. No curso do
desenvolvimento cada genitor elaborou fantasias e desejos com alguns
componentes representacionais sobre as crianças que iriam ter. Durante a infância
os pais também elaboraram suas próprias representações de Deus, que mais tarde
iriam apresentar aos seus filhos, tanto consciente como inconscientemente. Assim,
os dois caracteres principais deste processo – Deus e a criança que deveria nascer
– estão, em graus diferentes, pré-formadas como representações nas mentes dos
genitores. Muitas vezes, a concepção da criança será considerada uma dádiva de
Deus, ou uma punição imposta por Ele, ou uma nova tribulação enviada para testar
o fiel. Seja de modo consciente, contando a história em palavras, ou
inconscientemente, por meio de atitudes, alusões, e comportamento, os genitores
irão, de início, informar à criança qual foi o tipo de intervenção de Deus que a trouxe
para a vida. Se os pais não são religiosos, a criança ainda terá que lidar com a
noção de que veio ao mundo como resultado de desejos dos seus pais, ou em razão
de um “acidente” biológico. Cada uma dessas possibilidades começa a formar uma
“mitologia” sobre a origem da criança, que desde o princípio pode dar colorido a
mensagens sutis dos pais para a criança. No seu devido tempo, esta “mitologia‟ será
utilizada pela criança para a sua própria representação de Deus e de si mesma.
Uma paciente tratada por Rizutto, Bernardine Fischer, ilustra muito bem a
importância desta mitologia precoce. Ela sabia que não tinha sido concebida porque
os pais a amavam e a queriam – ela não era um dom de Deus – mas sim porque
eles pensavam infantilmente que um filho, qualquer filho, iria trazer felicidade para
eles, pais. Essa decepção, acrescentada à totalidade de sua experiência com os
pais, contribui para o estado de inimizade de Bernadine para com seu Deus, que
não dá a ela sinais de amor, e até a convence de que a odeia. A paciente
Bernardine Fischer, descrita por Rizzutto (2000) seria classificada, em termos da
Teoria do Apego, como Apego Desorganizado.

Nenhuma criança nasce fora deste contexto mitológico de sonhos e desejos (Freud,
1914, p. 91). Ao conceber um filho, todos os pais precisam reelaborar as suas
experiências pré-edípicas e edípicas, de querer ganhar um filho de seus pais, ou de
querer dar um filho para os pais. Os pais elaboraram a sua própria representação de
Deus durante as respectivas infâncias, e o despertar dos sentimentos pós-edípicos
também revive – ou suprime mais ainda – qualquer representação de Deus que cada
um dos genitores tem. Depois do nascimento da criança, muitos pais, mesmo muitos
que não praticam religião, irão realizar um ritual religioso para oferecer a criança a
Deus, consagrando-a a ele como um membro do seu povo (circuncisão, batismo).
Assim sucede que muitas crianças, antes de terem a capacidade psíquica de se
perceberem, já estão definidas como sendo ou não sendo dádivas de Deus (o
começo de sua história pessoal) e já estão marcadas física e espiritualmente pelo
sinal de Deus. Em muitos casos o sinal inclui a cerimônia de dar um nome à criança,
uma questão de importância decisiva no desenvolvimento da representação de seu
self e da identidade. É neste cenário pré-estabelecido de significados e de mitos
privados que o bebê começa o longo processo de se perceber, de perceber os
outros e perceber o mundo.

Concluindo as observações sobre a influência da representação de Deus na


formação do self, vimos que as representações de ambos os pais, bem como os
eventos culturais, os rituais de iniciação, o ambiente familiar no que diz respeito à
origem da criança como um dom, um castigo, um acidente, etc. são fatores
constituintes e inseparáveis dos demais eventos que marcam a relação da criança
com seus cuidadores.

A Visão da Teoria do Apego

Teoria do Apego e Regulação do Afeto: O modelo de Allan Schore

A teoria do apego também é chamada teoria da regulação do afeto (Feeney e Noller,


1996). Por regulação, entende-se uma capacidade de alterar a si próprio, para
acomodar-se ao ambiente externo ou interno. Os padrões afetivos são manifestados
a partir dos MOI. Os modelos definem as regras, comportamentos, sentimentos e
pensamentos. Definem também outros canais de comunicação como as crenças, os
mitos e as seqüências repetitivas. Possuindo uma auto-regulação efetiva, além de
alterar a si próprio, é possível alterar o modelo operativo interno do outro e, por
conseqüência, alterar a qualidade da relação. Existe convergência com a teoria de
Winnicott da relação mãe-bebê, assim como com a de Kohut, da relação self-objeto,
no sentido que concordam que a relação é uma via de mão dupla.

O sistema comportamental de apego, segundo Bowlby, funciona como um recipiente


externo protetor de respostas fisiológicas, possibilitando respostas diferenciadas ao
estresse. Schore (2001) mostra, conforme ilustrado na figura 1 abaixo, que na
comunicação cérebro a cérebro a mãe “empresta” a função de regulador de
emoções à criança. Desta maneira a capacidade de regular emoções vai sendo
integrada ao MOI da criança, desde a mais tenra idade.

Segundo Schore (2001), a resposta emocional positiva resultante de parentalização


suportiva envolve a participação dos sistemas cortical e sub-cortical do hemisfério
direito do cérebro, que participam na modulação tônica das emoções.
Além de situar os reguladores emocionais na região límbica do hemisfério direito,
Schore (2001) sugere que os reguladores intrínsecos do crescimento do cérebro
infantil são especificamente adaptados para se acoplarem, por comunicação
emocional, aos reguladores dos cérebros adultos. Esta comunicação emocional
espontânea constitui uma conversação entre sistemas límbicos. É uma comunicação
biologicamente sustentada que envolve os organismos diretamente um com o outro:
os indivídos em comunicação espontânea constituem literalmente uma unidade
biológica. O envolvimento direto com o outro, intrínseco à comunicação espontânea,
respresenta um apego que pode satisfazer profundas motivações emocionais
socializantes.

Modelos Operativos Internos e o senso de self

MOI, segundo Fonagy et al (2000) é uma noção derivada da teoria psicanalítica das
relações objetais, especialmente como ela foi formulada pelos teóricos britânicos.
Bowlby (1997) comenta que o conceito de “objeto interno” foi muito influenciado pela
teoria que atribui um papel muito especial à amamentação e à oralidade, sugerindo
que “em seu lugar pode ser colocado o conceito (...) de um indivíduo que desenvolve
dentro de si mesmo um ou mais modelos operacionais representando as principais
características do mundo à sua volta e de si mesmo como um agente nesse mundo.”
( p. 156)

MOI ajudam a manter uma visão consistente de si e dos outros, bem como
interpretar o mundo interno e externo. Tendem a se manter ao longo da vida, mas
podem ser alterados. São a base da percepção do que é comunicado e do tipo de
comunicação emitido.
Main, Kaplan e Cassidy (1985) apud Santos (2000) confirmam que os modelos
operativos internos construídos na infância se transformam em estruturas cognitivas.

Os pesquisadores do Apego supõem que, a partir de repetidas experiências de


padrões característicos de interação, as crianças desenvolvem expectativas a
respeito da natureza das interações entre ela e a figura de apego. Por exemplo, a
repetida experiência de ser levantada pelo cuidador sensível, sempre que cai, leva à
expectativa que seu sofrimento encontrará reasseguramento e consolo. Essas
expectativas são incorporadas em representações mentais (MOI) que tem a
capacidade de agregar experiências passadas. Integradas a essas expectativas, e
talvez tendo a função de integrá-las, estão as emoções associadas a essas
interações, conforme Stern (1992) em O mundo interpessoal do Bebê. O
desenvolvimento de um sistema de apego seguro (e portanto, segundo minha
hipótese, de um senso de self saudável) está intimamente associado a tais
experiências positivas repetidas.

Stern detalhou os elementos que compõem os MOI: “esquemas de estar com” que
são segmentos temporais ou “bytes” da vida mental. MOI são estruturas
supraordenadas que combinam numerosos “esquemas-de-estar-com”.

Transmissão Intergeracional do Padrão de Apego

Fonagy et al numa pesquisa com 200 casais, usando AAI[3], verificou concordância
entre apego seguro da mãe e do pai, e o padrão da criança na situação estranha,
após a reunião com a mãe ou o pai, separadamente.
Não houve indício de que o status de segurança de um dos pais afetasse a relação
da criança com o outro pai/mãe. Deduz-se que a influência dos dois MOI dos pais, é
independente, na medida em que afeta a segurança da criança nos primeiros 24
meses de vida.

A pesquisa sugere que cada pai/mãe transmite seu MOI, independentemente das
ações do outro pai/mãe. A criança manteria, então, distintos conjuntos de
expectativas em relação a cada um dos cuidadores primários.

A capacidade das crianças (pelo menos até dois anos) de manter MOI isolados,
permite a criação de MOI seguro, ao lado de um ou mais MOI inseguros. Isto pode
explicar a resiliência[4] de algumas crianças sujeitas a abusos ou maus-tratos.
Deduz-se daí que a presença de pelo menos uma, mesmo que relativamente
distante, figura de apego que seja estável e responsiva (avó por exemplo) na
primeira infância, pode ser um fator de proteção que favorece um MOI interno
seguro e contribui para a resiliência em situações adversas.

“Parece que a criança pequena tem a capacidade de codificar, diferenciar e isolar os


MOI dos cuidadores primários, independentemente. Eventualmente, de maneiras
que não entendemos, a criança vai preferir, e deixar-se guiar, por um MOI
dominante”. (Fonagy, 2000, p. 241)

A partir dessas constatações, entendo que o senso de self é uma função do MOI de
cada um. Inclusive acho interessante especular como se articularia um MOI diferente
para diferentes papéis. Uma pessoa pode ser insegura nas relações de apego,
portanto nas relações íntimas, mas pode ter construído um MOI seguro para
relações profissionais, por exemplo.

Transmissão Intergeracional e Controle Reflexivo ou Metacognitivo

“A consciência de si existe em si e por si quando, e pelo fato de que existe para um


outro; isto é, ela existe apenas ao ser reconhecida. Isto tem duplo significado:
primeiro, o self perdeu a si mesmo, porque ele (o self) se encontra como um outro
ser; segundo, ao fazer isso, ele se sobrepôs ao outro, porque não vê o outro como
um ser essencial, mas vê no outro o seu próprio self” .

HEGEL (1807, p. 111) apud Fonagy (2000, p.256)

Fonagy (2000, p. 250) relata pesquisa sobre a transmissão intergeracional do estilo


de apego, na qual tentaram operacionalizar a noção de Main (1991) de diferenças
individuais nas capacidades metacognitivas de adultos. Fonagy se perguntou se a
capacidade autoreflexiva demonstrada nas narrativas do AAI, poderia ser um
preditor de segurança.

Avaliaram, utilizando uma “escala autoreflexiva”, que queria avaliar a clareza da


representação do indivíduo sobre estados mentais dos outros bem como a
representação de seus próprios estados mentais.

O termo „reflexivo‟ provém de William James (1890), apud Fonagy (2000, p.250) que
o usava em sua descrição do “ponto na evolução da estrutura do self, quando o
estado mental do individuo começa a se tornar tema do pensamento (pensar sobre
nós mesmos como pensadores)”.

A literatura foi dando diferentes nomes a essa função;

- Uma teoria da mente – 1988.

- Monitoração metacognitiva. Main, 1991.

- Mentalização – Fonagy, 1989, 1991; Morton & Frith, 1995.

- Teoria da Mente – Premack & Woodruff, 1978.

- Função auto-reflexiva – Fonagy et al 1993 e 1994.

Tal função, segundo Fonagy (2000, p. 250) “é uma conquista intrapsíquica e


interpessoal desenvolvimental que emerge plenamente apenas no contexto de uma
relação de apego seguro”.

Os pesquisadores focalizaram no papel desempenhado pela mentalização para


tornar pais mais ou menos vulneráveis à transmissão intergeracional. Interessaram-
se também pela possibilidade da mentalização ser capaz de circunscrever a
necessidade de repetir nosso próprio passado, na nossa relação com nossos filhos.

As pessoas que tiveram classificação alta refletiam boa capacidade de compreender


estados psicológicos, de avaliar o impacto de conflitos psicológicos e assim
demonstrariam perceber que a consciência é limitada para monitorar todos os
aspectos da atividade mental. Estes sujeitos também foram capazes de se dar conta
da dimensão desenvolvimental, isto é, que o pensamento do adulto é
freqüentemente diferente, em qualidade e conteúdo, do pensamento das crianças e
dos desejos das crianças.

Observou-se que pais e mães com marcas elevadas de auto reflexividade têm três a
quatro vezes mais chances de ter filhos seguros do que pais com baixa capacidade
auto-reflexiva. Por outro lado, nesta pesquisa, um número significativo de cuidadores
tinha crianças seguras, apesar de baixa classificação em auto-reflexividade. Mas o
número com filhos inseguros entre aqueles com alta classificação foi pequeno.

A seqüência da pesquisa mostrou que mesmo mães que vivem em condições de


privação e stress, porém com alto nível de auto-reflexividade, tiveram filhos seguros,
na totalidade das mães pesquisadas, que era um número pequeno (10).

No grupo sem privação e stress, a auto-reflexividade não foi tão importante. Conclui-
se que privação, stress, mais baixa auto-reflexividade, são cumulativos para levar ao
apego inseguro.

A pesquisa de Fonagy et al (2001) confirma que a capacidade de refletir sobre idéias


relacionadas ao apego, serve uma função protetora, que aumenta a resiliência e
reduz a probabilidade de transmissão intergeracional da insegurança.
Fonagy (2000) informa que estão em andamento estudos para verificar se a relação
de apego seguro provê realmente um contexto congruente, ou “base segura” para a
criança explorar a mente do cuidador e que se supõe que, apenas através desse
conhecimento da mente do outro, a criança pode desenvolver uma plena apreciação
da natureza dos estados mentais.

O processo é intersubjetivo: a criança consegue conhecer a mente do cuidador à


medida que o cuidador se dedica a compreender e conter o estado mental da
criança. A pesquisa de Schore (2001) vem ao encontro desta proposta de Fonagy,
na medida em que sugere que há um contato direto cérebro a cérebro entre criança
e cuidador, que é a característica do apego seguro.

Ao aceitarmos a perspectiva do desenvolvimento dialético do self, a ênfase


tradicional da psicanálise se desloca: da internalização do objeto contenedor para a
internalização do self pensante que provém de dentro do objeto contenedor (Figura
abaixo). Tradicionalmente as teorias psicanalíticas assumem que a criança
internaliza a imagem do cuidador, o qual é capaz de prover continente emocional.
Através dessa internalização, o cuidador possuindo as qualidades adequadas, a
criança adquirirá uma estrutura de self capaz de conter conflito e sofrimento.
A visão da teoria do apego é diferente (figura acima). A criança não só percebe no
MOI do cuidador a postura mentalizadora, mas internaliza a imagem que o cuidador
faz dela, como um ser desejante e confiante. Se o cuidador possui uma capacidade
reflexiva que lhe permite imaginar a postura de intencionalidades da criança, esta
tem oportunidade de “encontrar a si própria no outro” como um indivíduo
mentalizador. Se falta ao cuidador essa capacidade, o que a criança encontra é uma
versão de si própria como um indivíduo que pensa em termos de realidade física em
vez de estados mentais. Se a criança não encontrar contextos interpessoais
alternativos, onde ela é concebida como mentalizadora, este seu potencial não será
desenvolvido.

Sumarizando, Fonagy (2000, p.269) propõe:

A) Que a qualidade do apego da criança a cada um dos pais está ligada


intrinsecamente a dois fatores, que se estruturam antes do nascimento da criança:

1. A representação interna de relacionamentos que predomina naquele pai/mãe

2. A capacidade de refletir o estado mental da criança. O fundamento cognitivo deste


segundo aspecto, pode-se dizer que seja o pai/mãe possuir um “Teoria da Mente” da
criança. Uma teoria robusta permite ao cuidador “conter” (refletir e lidar com) os
afetos incontroláveis, bem como possibilita à criança não ter que se proteger contra
a presença psicológica do cuidador – Fonagy supõe que sem essa teoria da mente,
o cuidador seria percebido como invasivo pela criança. Quando o cuidador confronta
a criança, utilizando suas próprias defesas habituais, a criança internaliza essas
defesas.

B) A criança tem a chance de adquirir apego seguro se:

1. O modelo interno de relacionamento do pai/mãe é benigno, dominado por


experiências favoráveis ou,

2. Se a função reflexiva do pai/mãe é boa o suficiente para impedir a ativação de


MOI baseados em experiências adversas inapropriadas para a situação atual da
relação com o cuidador.

C) As experiências de apego seguro criam um contexto favorável para a aquisição


de uma “Teoria da Mente”, que é a capacidade sócio-cognitiva que, acreditamos, dá
suporte à função reflexiva do self. Mesmo uma única experiência de relação segura /
compreensiva pode ser suficiente para o desenvolvimento de processos reflexivos.
Experiências íntimas positivas, se suficientemente intensas, são capazes
possivelmente de reverter esta anomalia do desenvolvimento, mesmo que
aconteçam mais tarde na infância ou mesmo no adulto.

Uma das causas da desordem Borderline de Personalidade seria essa incapacidade


de refletir adequadamente a respeito de estados mentais (próprios e do outro).

Fonagy (2000) conclui com um trecho da poesia:

“Não peço sua piedade


Apenas peço sua compreensão –
Nem mesmo isso – não
Apenas seu reconhecimento de mim em você,
E do inimigo, o tempo, em nós todos”

Tennessee Williams, Sweet Bird of Youth (p. 271)

A VISÃO DA ANÁLISE BIOENERGÉTICA

O self na Análise Bioenergética Clássica

Self e Ego

É preciso aclarar o conceito do self , para entender a diferença entre amor do self,
em contraste com uma preocupação narcisista, na visão de Lowen (1993). O bebê
nasce com um self que é um fenômeno biológico, não psicológico, acredita ele. O
ego, em contrapartida, é uma organização mental que se desenvolve à medida que
a criança cresce. O senso de self ou a consciência do self nasce quando o ego (o
“eu” mental) passa a estar definido através da autoconsciência, da auto-expressão e
do autocontrole. Mas esses termos referem-se à sensibilidade – à consciência,
expressão e domínio das sensações. O self, portanto, pode ser definido como um
aspecto sensível do corpo.
No entanto, ao afirmar que “o self só pode ser vivenciado como uma sensação”
(1993, p. 36), a ênfase recai demasiadamente sobre o aspecto vitalidade e corpo, o
que parece justificar a crítica feita a Lowen, por exemplo por Cipullo (2000) de que
Lowen não se dedica suficientemente a questões existenciais.

Segundo Lowen (1993) o ego não é o mesmo que self, embora seja parte da
personalidade que percebe o self. Na realidade, o ego representa a autoconsciência
ou consciência do self: Eu (ego) sinto (percebo) que o meu self está colérico. Lowen
acha que “Descartes estava certo quando disse: [Eu penso, logo eu existo] (com
ênfase sobre o eu). Ele estaria errado se acreditasse que o pensamento determinou
o self. O contrário é verdadeiro. Pode-se dizer que os computadores pensam; o que
eles não podem fazer é sentir” (p. 37).

De fato, o ser humano é uma identidade dual – derivando uma parte da identificação
com o ego e sua capacidade de representar, e a outra da identificação com o corpo
e suas sensações.

A nossa identidade dual assenta em nossa capacidade para formar uma imagem do
self em nossa percepção consciente do self corporal. Numa pessoa saudável, as
duas identidades são congruentes. A imagem ajusta-se à realidade do corpo como
uma luva à mão de seu dono. Quando existe falta de congruência entre a imagem
do self e o self, ocorre então um distúrbio de personalidade. A seriedade desse
distúrbio está em proporção direta ao grau de incongruência. A discrepância é
extremamente marcada na esquizofrenia, onde a imagem quase não tem relação
alguma com a realidade. “As instituições psiquiátricas abrigam muitas pessoas que
se consideram Jesus Cristo, Napoleão ou alguma outra figura célebre”. (Lowen,
1993, p. 39).

Como essa imagem conflita nitidamente com a realidade corporal, o resultado é


confusão. O esquizofrênico tenta desfazer essa confusão, dissociando a realidade
de seu corpo, o que leva a uma retirada da realidade em geral. Nos distúrbios
narcisistas, a incongruência é menor do que na esquizofrenia, mas suficiente para
produzir uma divisão na identidade, com a resultante confusão. Os narcisistas
evitam a confusão, negando a identidade baseada em seus corpos sem, entretanto,
dissociarem seus corpos. Ao concentrarem sua atenção e interesse exclusivamente
na imagem, eles podem ignorar o self corporal. Ao impedirem que quaisquer
sentimentos fortes cheguem a consciência, podem tratar o corpo como um objeto
submetido ao controle da vontade deles. No entanto, porque permanecem
conscientes do corpo, continuam orientados no tempo e no espaço.

Assim como Damásio (2000), que fala de um proto-self[5] original e biológico, a


análise bioenergética considera que não vivemos por nossa vontade (Lowen, 1997).
Esse pode ser um conceito tranqüilizador, segundo ele, pois se o inverso fosse
verdade, a vida sofreria um colapso ao primeiro fracasso da vontade. O núcleo do
self, baseado na vivência corpórea, garante a estabilidade necessária para que as
mudanças possam acontecer. Esta função paradoxal de manter uma certa
estabilidade, que garante a possibilidade de mudanças, foi chamada por Damásio
(2000, p. 188) de “invariância do organismo e impermanência da permanência”.
O proto-self de Damásio, no entanto, não é o mesmo que o senso de self completo e
integrador da pessoa como um todo. O proto-self é o “provável precursor biológico
daquilo que finalmente se torna o elusivo sentido do self”(p. 42).

A imagem idealizada, a grandiosidade e o sentimento de ser especial

Lowen (1997) descreve a pessoa que carece de um senso seguro de self como
alguém que se agarra à própria imagem idealizada, grandiosa. Essa grandiosidade
pode ser negativa, isto é, grandiosamente ruim ou denegrida. Como perde o senso
do próprio corpo, perde o senso de quem realmente é. “Sou tão horrível que não
tenho jeito”, pensa. Ou “Ninguém dá conta disso, nem a terapia” .

Não basta falar apenas de imagens e representações, como algo que se passa na
mente e que determinaria a personalidade, segundo Lowen (1977). O que se passa
no corpo influencia o pensamento, o comportamento e as emoções.

A consciência se interessa pelas imagens que regulam as ações, (ou até mesmo
depende delas). Mas cumpre lembrar que uma imagem subentende a existência de
um objeto que ela representa. A auto-imagem – seja ela grandiosa, idealizada ou
real – deve ter alguma relação com o self, que é mais do uma imagem. Precisamos
dirigir nossa atenção para o self corpóreo, que é projetado nos olhos da mente como
uma imagem. “Em outras palavras, equiparo o self ao corpo vivo, que inclui a mente.
O sentimento do self depende da percepção do que se passa no corpo vivo. A
percepção é uma função da mente e cria imagens”.

Esta visão de Lowen pode ser explicada pela afirmação de Damásio (2000, p. 40), o
qual acredita que, do lado do organismo, temos uma curiosa situação: “...algumas
partes do cérebro são livres para perambular pelo mundo e ao fazê-lo, mapear
qualquer objeto que a estrutura do organismo lhes permita mapear. Em
contrapartida, outras partes do cérebro, as que representam o próprio estado do
organismo, não são livres para perambular. Elas estão presas. Não podem mapear
nada além do corpo, e fazem isso com mapas em grande medida pré-estabelecidos.
São a audiência cativa do corpo, e estão à mercê da mesmice dinâmica deste”.

Damasio conclui também que o organismo, conforme representado no interior do


cérebro, é um provável precursor biológico daquilo que finalmente se torna o elusivo
sentido do self. As raízes profundas do self, incluindo o self complexo que abrange a
identidade e a individualidade, encontram-se no conjunto de mecanismos cerebrais
que de modo contínuo e inconsciente mantém o estado corporal dentro dos limites
estreitos e na relativa estabilidade requeridos para a sobrevivência. Esses
mecanismos representam continuamente, de modo inconsciente, o estado do corpo
vivo, em suas numerosas dimensões. “Denomino proto-self o estado de atividade no
conjunto desses mecanismos, o precursor inconsciente dos níveis do self que
aparecem em nossa mente como protagonistas conscientes da consciência: self
central e self autobiográfico”(2000, p.41-42).

Se o corpo é o self, conforme propõe a bioenergética, a auto-imagem real (a imagem


real do self) deve ser necessariamente uma imagem corporal. A pessoa só pode
rejeitar a auto-imagem real negando a realidade de um self corporificado. Os
narcisistas não negam que têm corpo, porque guardam uma razoável apreensão da
realidade. Mas vêem o corpo como um instrumento da mente, submetido à vontade
deles, que funciona unicamente de acordo com suas imagens, sem sentimento.
Embora o corpo possa funcionar eficientemente como instrumento, ter um
desempenho igual ao de uma máquina, ou dar a impressão de uma estátua, falta-
lhe, no entanto, “vida”. E é esse sentimento de vida – vida emocional – que dá
origem à experiência do self.

O distúrbio básico na personalidade narcisista, segundo Lowen (1993) é a negação


do sentimento. Freud afirmava que, no narcisismo, a libido é retirada dos objetos no
mundo e dirigida para o ego. Lowen acrescenta que a libido é retirada do corpo e
investida no ego, e acredita que os dois enunciados são idênticos, dado que
somente através do corpo vivenciamos o mundo externo. Se negamos os sentimento
do corpo, cortamos nossas relações de sentimento com o mundo. As relações
prosseguem de forma mecânica. A capacidade reflexiva, na linguagem de Fonagy
(2000), estaria prejudicada pela falta de contato com o self corpóreo.

Na falta de um senso de self enraizado na realidade corpórea, o indivíduo teria


dificuldade com a intimidade, sugere Lowen (1993). O sexo passaria a ser usado
como substituto do amor e da intimidade, já que a intimidade requer uma exposição
do self, sem máscaras e sem imagens projetadas. A proximidade física, o abraço, a
escuridão, facilitam um sexo mecânico, enquanto os sentimentos são despertados
por parceiros imaginários, nos quais a mente se concentra. Com sua acuidade,
Lowen observa que “os narcisistas, sendo pessoas solitárias, são afeiçoadas aos
abraços, mas desconfio que fazem isto por ser menos ameaçador do que ver ou ser
vistos. Entretanto, esconder o self nega o self e acaba em sua perda. Aconselho as
pessoas a olhar antes de tocar” (p. 117).

Ao referir-se ao sentimento de ser especial, que faz parte do indivíduo cujo self não
pode se desenvolver satisfatoriamente, Lowen está dizendo o mesmo que Fonagy
(2000), no esquema desenvolvido na figura 4, na qual ilustra a capacidade reflexiva
e a habilidade mentalizadora do cuidador sensível, qualidades que permitem à
criança “encontrar a si própria no outro” e desenvolver um MOI capaz de regular as
emoções. O cuidador a quem falta essa capacidade, oferece à criança uma imagem
especial de si mesma, em geral em detrimento do desenvolvimento da sexualidade
associada aos sentimentos do coração. A criança passa a basear sua identidade em
sua capacidade de ser especial, e quando não se sente especial, sente-se sem
valor.

Lowen salienta que evidentemente as pessoas tem dotes especiais, mas o que as
torna comuns é sua herança comum, a natureza humana, a capacidade de sentir e
viver em seus corpos. Não vale a pena, segundo ele, trocar a satisfação de sentir-se
ligado ao corpo, aos sentimentos sexuais e do coração, integrados, por uma
satisfação derivada de realizações impulsionadas pelo desejo de ser especial. Mais
cedo ou mais tarde esse sentimento se revela vazio, deixando o sujeito à mercê do
desespero existencial.

Sumário e Considerações Finais


Vimos que a Teoria do Apego é apoiada pelas neurociências, confirmando que a
regulação do afeto ocorre a partir de uma sintonia cérebro-cérebro, a qual influencia
também as funções cognitivas.

Modelos Operativos Internos surgem a partir do senso de self. Numa inter-relação


contínua, os MOI passam a se modificar ao longo da vida, numa recriação constante
do senso do self, que por sua vez tem a capacidade de alterar os MOI. Esta
recriação acontece baseada nas expectativas que se repetem. Por outro lado, a
capacidade reflexiva, ou seja, habilidade de perceber estados emocionais do outro,
parece ser segundo Fonagy (2000) um elemento protetor favorável ao
desenvolvimento de resiliência e apego seguro, mesmo em circunstâncias de
privação e stress.

À sua própria maneira, Lowen tem uma abordagem existencial da vida, embora seu
enfoque comece e termine com uma visão de self que passa pela vivência corporal,
e não apenas pelas representações criadas na mente, sem no entanto excluir estas
últimas.

Apoiando-se na conceituação de Winnicott, de um self falso que se desenvolve


compensatoriamente no lugar do self espontâneo, ou verdadeiro, Lowen afirma que
tanto a origem, quanto a base para a restauração do self verdadeiro, reside na
vivência de um self enraizado no corpo. Considera que “estabelecer uma ligação
com nosso Deus interior é a meta da terapia. Esse Deus reside no self natural do
corpo, sob várias camadas de tensões que representam as injunções do superego e
os sentimentos reprimidos” (1997, p. 24). A plena vivência da vitalidade e
congruência entre ego e self propiciariam inclusive o desenvolvimento de uma
espiritualidade que se manifesta na realidade externa (1995). Lowen não explicita,
como faz Rizzutto, a influência de uma imagem de Deus na mente dos pais, nem as
projeções culturais da religiosidade materializadas nos rituais de iniciação, para a
constituição do self. Enfatiza os sentimentos de vitalidade e uma vivência integrada
destes com os sentimentos do coração e da sexualidade, como base de onde pode
nascer o senso do contato com o divino. Desse contato com o divino resulta o que
ele chama de graça natural do organismo. Lowen (1995) utiliza a palavra graça no
duplo sentido, de espontaneidade de movimentos e de “estar em estado de graça”,
como metáfora de estar com Deus dentro de si. Essa graça é, segundo ele, a
manifestação visível de um self saudável.

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