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SALMOS
Autoria
A descoberta dos chamados Rolos do Mar Morto, nas cavernas do monte Qunram, é considerada
a maior descoberta arqueológica do século XX, e deu origem a uma série de pesquisas e relatórios
científicos que colaboram, até hoje, para melhor compreensão dos manuscritos bíblicos, além de
atestar a autenticidade de muitas cópias historicamente mais recentes.
A primeira coletânea pré-exílica de salmos foi organizada na época de Davi, quando a liturgia do
culto a Javé (Yahweh o nome santo e impronunciável de Deus, em hebraico transliterado muitas
vezes em Jeová, Iavé ou Adonai – o Eterno – é em geral traduzido por Senhor) começava a tomar
forma.
Os primeiros salmos a serem agrupados, e que mais tarde dariam origem ao Saltério, foram deno-
minados “Orações de Davi, filho de Jessé” (72.20). Outros foram compostos durante o exílio. Contu-
do, foi durante o reinado do seu filho Salomão (um dos reis considerados “davídicos”) e o exercício
do serviço litúrgico e religioso no primeiro templo, que os salmos, definitivamente, passaram a fazer
parte da tradição judaica. Assim, o livro dos salmos é a compilação de várias coletâneas da fina obra
literária bíblico-canônica-judaica (poemas, hinos e cânticos espirituais) e representa a etapa final de
um processo que demandou séculos de vívida história. Foram os mestres e servos pós-exílicos do
templo, entretanto, que completaram e concluíram a coletânea final de 150 salmos (número com o
qual concordam a Septuaginta e o Texto Hebraico, ainda que cheguem a essa cifra de modo dife-
rente), ao final do séc. III a.C.
As expressões “Salmos” e “Saltério” provêm da Septuaginta (a primeira e mais notável tradução
grega do AT, elaborada por um grupo de eruditos de Alexandria, por volta do ano 285 a.C.) e, a princí-
pio, referiam-se aos instrumentos de cordas usados nas liturgias da época (harpa, lira, alaúde etc...).
Mais tarde, passaram a designar não apenas os instrumentos mas, igualmente, os cânticos que
acompanhavam os cultos. Os títulos hebraicos originais tehilim (louvores) e tephillot (orações) deram
origem ao termo que usamos hoje: Salmos. É costume, nas sinagogas em todo o mundo, recitar uma
oração anterior e em preparação reverente à leitura devocional dos salmos, cujo primeiro parágrafo
aqui transliteramos: lehi ratson milefanêcha Adonai Elohênu velohê avotênu, habocher bedavid avdo
uvezar’o acharav, vehabocher beshirot vetishbachot, shetefen berachamim el keriat mizmorê tehilim
sheecrá keilu amaram David hamélech alav hasshalom beatsmo, zechuto toguen alênu. “Ó Eterno,
nosso Deus e Deus de nossos pais, que com amor acolheste Teu servo David e seus descendentes,
e que Te deleitas com cânticos e louvores, possam ser de Teu agrado os Salmos que vou pronunciar.
Considera-os como se pelo próprio rei David – de abençoada memória – tivessem sido recitados.”
De acordo com os títulos (parte integrante do texto bíblico que, na Bíblia King James e, posterior-
mente, em outras traduções, aparece como subtítulo ou junto ao primeiro versículo), Davi foi autor ou
fonte de inspiração de 73 salmos. O próprio Senhor Jesus Cristo afirmou categoricamente a validade
do título do Salmo 110 e a autoria de Davi (Mc 12.36).
Devido à fraseologia hebraica empregada nos manuscritos, que significa, de modo geral, “perten-
cente a”, surge uma dificuldade na precisão das autorias, pois essa expressão pode ser igualmente
interpretada no sentido de “concernente a”, “para uso de”, ou ainda “dedicado a”. Portanto, o nome
pode referir-se ao título de uma coleção de salmos que havia sido reunida em torno de determinada
personagem (como “de Asafe” ou “dos coraítas”, por exemplo). Contudo, especialmente depois
dos estudos sobre os Rolos do Mar Morto, não há dúvida entre os mais renomados biblistas, de
que houve um Saltério composto por esse notável compositor, músico e cantor; coletânea que pode
ter incluído hinos e escritos a respeito de alguns dos reis “davídicos” posteriores, ou ainda salmos
escritos “à moda de Davi”. O nome “Davi” também é usado no Saltério, em sua forma original, como
substantivo coletivo, a fim de representar os reis de sua dinastia. Nos livros hebraicos de orações,
a memória de Davi é tradicionalmente reverenciada como “o doce cantor de Israel”, cujos Salmos
manifestam sua exaltação, esperanças, tristeza e alegria, temor e angústias, perseverança e amor a
Am Israel, o Povo de Israel, sempre invocando a ajuda do Eterno (Adonai) e, mesmo nos momentos
mais difíceis, manifestando sua confiança absoluta no socorro dEle!”
Sendo assim, Asafe foi autor de 12 salmos, os filhos de Corá compuseram 11, Salomão foi autor de
dois, e Moisés e Etã foram autores de um salmo cada. Cerca de 50 salmos não têm autor definido,
embora a Septuaginta apresente Ageu e Zacarias como autores de cinco salmos.
Os mais recentes relatórios baseados nos Papiros ou Rolos do Mar Morto e, portanto, em averigua-
ções e estudos apurados em relação aos mais antigos manuscritos do AT, atestam que a maioria dos
salmos foi escrita por volta do ano 1000 a.C. e que não há um único salmo canônico que tenha sua
composição datada depois do ano 300 a.C.
Propósitos
Qualquer tentativa de estudo, sistematização ou esboço do Livro dos Salmos deve ser geral e
considerar dois aspectos fundamentais da sua constituição: o Saltério é oração, devoção e poesia,
do começo ao fim. E a teologia que perpassa os Salmos deve ser analisada em sua essência con-
fessional e doxológica; jamais de forma abstrata ou, de outro extremo, como um mero catecismo de
doutrinas. Alguns pregadores, na tentativa de sistematizar a teologia inerente ao Saltério, transforma-
ram obras de arte canônica, teológica e de louvor a Deus, em pílulas pragmáticas de doutrina e, não
raro, propagaram muitas heresias. Portanto, cada salmo deve ser analisado e compreendido à luz
da coletânea e, evidentemente, do todo das Escrituras, pois que uma verdade bíblica isolada deve
corresponder e harmonizar-se à Verdade geral das Escrituras Sagradas.
Portanto, a essência teológica dos Salmos, o centro gravitacional da História e de toda a criação,
seja a filosofia, a ética, a moral e a fé, ou ainda os mistérios da terra e dos céus, resume-se em Deus
(Yahweh – Javé ou Iavé – o Senhor). É muito sintomático que o mais respeitado e imponente rei dos
judeus tenha-se curvado, humildemente, diante do Rei dos reis, o Senhor dos senhores, clamando
por sua misericórdia e reconhecendo a soberania, a justiça e o amor leal de Deus.
O Saltério é dividido em cinco livros, cada um dos quais encerrado com uma doxologia. Portanto,
no estudo dos salmos, mais significativo que algum diagrama geral é a classificação deles, de acor-
do com os assuntos tratados.
Cerca de metade dos salmos é de Davi ou de algum dos seus descendentes (davídicos) e, conforme
seus títulos, vêm quase todos do período áureo de Israel, isto é, de aproximadamente 1.000 a.C. E, sem
dúvida, alguns deles foram compostos mais tarde, até mesmo no tempo do cativeiro, como o salmo
137, por exemplo. A grande virtude dos cânticos espirituais, hinos e, portanto, dos salmos, é atingir –
simultaneamente – espírito, razão e coração, provando que conhecimento intelectual não é o bastante:
o âmago do espírito humano deve também ser tocado pelo poder da Graça remidora de Deus.
É importante frisar, especialmente para os leitores ocidentais, de língua portuguesa, que a poesia
milenar hebraica não consiste em rima, nem obedece a um sistema métrico semelhante ao nosso,
mas consiste principalmente em repetição de pensamento (idéias) numa cláusula paralela. Como
neste exemplo: “Não nos trata segundo os nossos pecados nem nos retribui de acordo com as
nossas culpas” (Sl 103.10). A simples observação a essa regra do paralelismo hebraico pode nos
ajudar a interpretar palavras obscuras e, algumas vezes, certos enigmas bíblicos, ao lermos com
atenção o paralelo mais claro. Ou seja, uma frase ajuda na compreensão da outra e do sentido geral
da mensagem, pela associação ou esclarecimento da idéia central que está sendo comunicada.
Outro recurso lingüístico observado com freqüência nos poemas hebraicos é a dramatização, assim
como as figuras de linguagem (símiles e metáforas, em profusão). Davi escrevia como quem sentia
o coração dos seus leitores e ouvintes. Quando interpretamos os salmos messiânicos, é importante
ficarmos alertas para o fato de que, nesse caso, Davi também escreveu na primeira pessoa, ainda
que exiba, com vívidos detalhes, as experiências do Mestre e Messias (Sl 22).
Cerca de metade dos salmos pode ser classificada como “orações de fé em tempos de crise”.
Quantas pessoas atravessaram guerras, longos períodos de graves enfermidades, calamidades, de-
pressões profundas, falências, desilusões, traições, amarguras terríveis, dor e medo, orando, com
fé e persistência lendo os salmos bíblicos. Alguns desses salmos passaram para a História como
ícones universais de devoção, piedade e confiança em Deus. É comum ver a Bíblia aberta em um
desses salmos, como um símbolo de reverência e convite à leitura (Sl 23; 91 e 121). Aproximada-
mente outros 40 salmos foram consagrados especialmente ao tema da adoração e louvor (Sl 100 e
103, por exemplo), os quais deveriam ter uma participação em nossas leituras e meditações diárias.
Considerando que uma classificação detalhada dos salmos é uma tarefa extremamente difícil e,
de certa forma, sempre imprecisa, o Comitê de Tradução da Bíblia King James deixa aqui apenas
uma sugestão didática de reunião dos salmos, para estudo: Salmos do Homem Sábio (Sl 1; 15; 101;
112 e 113); Salmos Reais (Sl 2; 21; 45; 72; 110 e 132); Orações Pessoais (Sl 3,7,8); Louvor Salvífico
(Sl 30,34); Louvores Comunitários (Sl 12; 44; 79); Louvor Pela Salvação da Comunidade (Sl 66; 75);
Expressão de Fé (Sl 11; 15; 52); Hinos à Majestade de Deus (Sl 8; 19; 29; 65); Hinos à Soberania de
Deus (Sl 47; 93 – 99); Cânticos de Sião (Sl 46; 48; 76; 84; 122; 126; 129 e 137); Cânticos de Pere-
grinação (Sl 120 – 134); Cânticos Litúrgicos (Sl 15; 24; 68); Cânticos Didáticos (Sl 1; 34; 37; 73; 112;
119; 128; 133); Salmos Penitenciais (tradicionalmente assim chamados, e que incluem partes dos
salmos 38; 130 e 143, além dos conhecidos Sl 51 e 32); Salmos Vindicativos (Sl 69; 101; 137 e certas
porções dos salmos 35; 55 e 58); Salmos Históricos (Sl 78; 81; 105 e 106); Salmos de Revelação
(19; 119); Salmos Messiânicos (Sl 2; 8; 16; 22; 40; 41; 45; 68; 69; 89; 102; 109; 110; 118); Salmos
Messiânicos Proféticos (2; 45; 110). É importante notar as revelações feitas, por meio dos salmos,
em relação ao Messias (Cristo, em grego). No Sl 45.6, o Cristo aparece como Deus; no salmo 110,
Ele é o Rei-Sacerdote e Senhor de Davi; no salmo 2, Ele é o Filho de Deus, digno de todo louvor e
adoração. Outros salmos anunciam: os sofrimentos do Messias (Sl 22), seu sacrifício vicário (Sl 40),
e sua ressurreição miraculosa (Sl 16.10, 11). O salmo 89 nos apresenta o Cristo como Aquele que
completará o pacto davídico (Aliança), em cumprimento às esperanças garantidas pelo Senhor a
Israel e a todo o povo de Deus.
LIVRO I
Como vencer os momentos de crise, angústia e depressão (Sl 1 – 41)
Louvando e adorando ao Senhor Deus Yahweh (8; 24; 29; 33)
Exaltando a majestade e o amor leal do Senhor (2; 21)
Reverenciando a justiça misericordiosa e severa de Deus (1; 15)
Confessando e abandonando o pecado (32)
Crendo, absolutamente, na revelação do Senhor (19)
LIVRO II
Como orar com fé, em meio às adversidades da vida (Sl 42 – 72)
Louvando e adorando ao Senhor – Adonai (47; 48; 50; 65 – 68)
Exaltando a majestade e o amor leal do Senhor (45; 72)
Confessando e abandonando o pecado (51)
Entregando nossos adversários à justiça divina (58 e 59)
LIVRO III
Como manter a fé em Deus diante das aflições nacionais (Sl 73 – 89)
Louvando e adorando a Deus Todo-Poderoso (75; 76)
Observando o mover de Deus na História (78; 81)
Analisando o amor leal de Deus por Sião e pelo Templo (84; 87)
Suplicando a repreensão de Deus contra os ímpios (82)
LIVRO IV
Como descobrir a força que Deus dá para vencer as crises (90 – 106)
Cultivando uma fé inabalável diante dos obstáculos (90; 91; 94)
Observando o mover de Deus na História (105; 106)
Reconhecendo a justiça amorosa e certeira do Senhor (101)
LIVRO V
Como manter plena confiança em Deus diante das provações (107 – 150)
Crendo e exaltando a majestade soberana do Senhor (110; 132)
Esperando pelo socorro do Altíssimo nas aflições nacionais (129; 137)
Agarrando-se com toda a fé ao amor e à justiça de Deus (112; 116)
Agarrando-se com todo amor e confiança à Palavra de Deus (119)
Analisando o amor leal de Deus por Jerusalém (112)
Encontrando consolo, paz e forças no Espírito de Deus (120 – 134)
Dando sempre graças a Deus – Halel (113 – 118; 136 e 146 – 150).
SALMOS
PRIMEIRO LIVRO Julgamento, nem os pecadores na con-
Salmos de 1 a 41 gregação dos justos.4
6 Pois conhecer o SENHOR é o caminho
Os dois únicos caminhos dos justos; o caminho dos ímpios, po-
1 Abençoado com felicidade1 é o ho-
mem que não segue o conselho dos
ímpios,2 não se deixa influenciar pela
rém, conduz à destruição.5
1 Abençoado com felicidade: ou, como no original hebraico “Quão verdadeiramente feliz”. A chave da felicidade é a
obediência à Palavra de Deus (A Tôrâ, Lei em hebraico, no AT). Os Salmos 1 e 2 são o prefácio do Saltério (conjunto de poemas
e hinos hebraicos de adoração a Deus). Como guardiães da Sabedoria apontam para os únicos dois caminhos possíveis ao ser
humano: a “roda dos zombadores” ou a “congregação dos justos” (v.5).
2 Ímpios: pessoas sem piedade, cruéis, desumanas, sem o devido respeito a Deus e à sua Palavra, incrédulas, auto-suficientes,
arrogantes, que não enxergam seus erros e não se arrependem. O termo hebraico chataim significa a perversidade franca,
impiedosa e permanente.
3 Senhor: em hebraico YHWH (o nome sagrado e impronunciável de Deus, mais tarde transliterado para Yahweh ou Javé), é o
mais significativo nome de Deus no AT. Tem um sentido duplo: o Ser auto-existente, pois a palavra no original é relacionada ao
verbo “ser” (Êx 3.14), e o Redentor de Israel (Êx 6.6). Esse nome ocorre 6.823 vezes no AT, especialmente associado à santidade
de Deus (Lv 11.44-45), a seu ódio contra o pecado (Gn 6.3-7) e a sua misericordiosa provisão de redenção (Is 53.1-10).
A tradição judaica e cristã considera este Salmo como messiânico, da mesma forma que o Sl 110. Suas perspectivas são
messiânicas e escatológicas.
Na expressão original “conhecer o Senhor” ou, literalmente, “conhecendo o Senhor”, o particípio hebraico yôdêa está no estado
construto, que rege o objeto direto. Portanto, “Senhor” é objeto do verbo “conhecer” e não, sujeito. Na frase, está subentendido
o sujeito de totalidade.
4 Os pagãos e perversos não suportarão a ira de Deus no dia do Juízo Final (76.7; 130.3; Ed 9.15; Ml 3.2; Mt 25.31-46; Ap 6.17).
A expressão original “comunidade” refere-se à “assembléia” dos crentes em Deus (justos); os adoradores que se reúnem no
santuário para o culto e serviço espiritual dedicado ao Senhor (15.1,2; 22.25; 26.12; 35.18; 40.9,10; 111.1; 149.1).
5 O resultado final de uma vida dedicada à impiedade, sob a influência do maligno, é a punição eterna (Ap 20.11-15).
Capítulo 2
1 Amotinam: revoltam-se ou se enfurecem como na LXX (Septuaginta, tradução para o grego pré-cristão de todo o AT, realizada
por um grupo de 70 eruditos de Alexandria em 285 a.C.).
2 Cristo: ou Cristos, em grego, transliterado da forma aramaica Mashíah, que deu origem às palavras Messias e Cristo, ambas
significando o Ungido de Deus – Jesus.
3 A humanidade insana fugindo dos “laços” e “vínculos” do amor de Deus. Uma profecia do Calvário, onde os reis e governan-
tes estão representados por Herodes e Pilatos, e os povos, pela população de Israel, todos unidos contra Jesus Cristo, o Ungido
do Senhor (At 4.25-28 e 1Co 2.8).
4 O motivo do riso de Deus é a arrogância daqueles que se acham sábios e, não, o sofrimento humano. Deus tem prazer em
confundir (apavorar) os falsos sábios (1Co 1.20; Cl 2.15; Ap 11.18; 18.20).
7 SALMOS 2, 3
5 O primeiro “monte sagrado de Deus” foi o Sinai (Êx 3.1; 18.5), onde Moisés recebeu de Deus a Lei ( Êx 24.12-18; Dt 33.2; cf.
1 Rs 19.8). Quando Davi edificou o Templo sobre a colina de Sião (2 Sm 5.9), ela tornou-se o único monte (residência) de Deus,
para onde as pessoas “subiam” a fim de ouvi-lo e adorá-lo. Sião deu seu nome a toda a cidade de Jerusalém, cidade do Rei
messiânico, em que se reunirão todos os povos e nações (Sl 48.1; Is 2.1-3; 11.9; 24.23; 56.7; Jl 3.6; Zc 14.16-19, cf. Hb 12.22;
Ap 14.1; 21.2).
6 Depois dos rebeldes (v.3) e de Yahweh (v.6), o Messias (Cristo) toma a palavra. O decreto desenvolve a promessa de adoção
dada ao herdeiro de Davi em 2Sm 7.14. Estas palavras eram pronunciadas como oráculos pelo rei, no rito de coroação, para
marcar o momento em que o novo soberano formalmente assumia sua herança e títulos (Dt 17.18; 1Sm 10.25; 2Rs 11.12). A
conexão entre esta proclamação e a ressurreição, em At 13.33 (cf. Rm 1.4), é duplamente significativa. Na ocasião do batismo
de Cristo e na sua transfiguração, o Pai O proclamou Filho e Servo, usando palavras extraídas deste versículo e de Isaías 42.1
(Mt 3.17; 17.5; 2Pe 1.17).
7 O livro de Apocalipse cita estas palavras três vezes; uma vez, a respeito do cristão vitorioso (2.27) e duas vezes, a
respeito do seu Senhor (12.5; 19.15). A LXX usa o verbo “reger” (literalmente, em hebraico, pastorear) em vez de “que-
brar”, utilizado em algumas versões. Isso permite percebermos o largo alcance da promessa. Contemplando, inicialmente,
uma disciplina de ferro e, em seguida, a derrota final dos incorrigíveis (cf. Jr 19.10-11). O cetro (ou vara) de ferro tinha as
funções de um cajado para o pastoreio e uma arma contra os assaltantes (Lv 27.32; Ez 20.37). Veio, assim, a ser símbolo
de governo.
8 Filho: em aramaico, Bar, e em hebraico pode ser entendido também como “puro” ou “pureza, sinceridade”. Os versículos
11 e 12 permitem traduções alternadas.
9 A tradução da Bíblia King James Atualizada contou com a cooperação de um grupo com cerca de 60 eruditos de vários
países e denominações cristãs, que tiveram acesso aos mais antigos e melhores manuscritos, especialmente após as últimas
publicações dos estudos sobre os Rolos do Mar Morto. Essa é a razão pela qual alguns textos bíblicos, especialmente em língua
portuguesa, diferenciam-se da maioria das versões tradicionais, mesmo das novas edições da King James em inglês.
Capítulo 3
1 Este salmo (dirigido ao chefe dos cantores para ser musicado) faz parte dos salmos históricos de Davi (3, 7, 18, 30, 34, 51, 52,
54, 56, 57, 59, 60, 63, 142). Davi teve de fugir da revolta de seu próprio filho, Absalão (2Sm 15.13), e estava rodeado de inimigos
e sofrimento (2 Sm 15.26; 18.33).
2 Os salmos (em hebraico, meez-mohr ou mizmôr) são poemas acompanhados de música e eram usados no louvor
e adoração a Deus. Por isso, os salmos apresentam alguns termos técnicos, como “Pausa” ( Selal ou Selah, palavra
derivada da raiz hebraica slh e que corresponde ao verbo aramaico “curvar”), um sinal de reverência ainda maior e uma
notação musical para indicar interlúdio, mudança de acompanhamento musical ou uma indicação, para o regente do coro,
sobre a entoação de uma frase do respectivo versículo, em voz cantada para servir de antífona (recitação) responsória dos
fiéis. Outro termo comum é “Ao mestre de canto”, em salmos que faziam parte de uma coleção de poemas reservados para
ocasiões especiais.
SALMOS 3–5 8
3 Davi, arrependido e perdoado, buscou com fé o livramento de Yahweh, que o abençoou com sua graça, misericórdia e poder.
Deus tinha a reputação histórica de desferir poderosos golpes nos maxilares dos homens arrogantes e rebeldes.
Capítulo 4
1 Literalmente: “Tu, que no aperto me abriste espaço”.
2 Salmo de confiança e gratidão para com Deus, do qual unicamente vem a felicidade. Também conhecido como oração da
tarde com origem no passado (Gn 48.15-16).
3 Estremecei de ira, como, literalmente, em hebraico, ou “irai-vos”, como em algumas versões. Os sentimentos de insatisfa-
ção e cólera jamais devem dar ocasião a qualquer tipo de violência ou agressividade. O conselho aqui é, literalmente: “durma,
meditando no caso, antes de agir”. Paulo vai além e nos exorta a acabar com o sentimento de revolta e indignação antes do
pôr-do-sol (Ef 4.26).
4 O sangue de um animal inocente e sem mácula (defeito) era o ritual (símbolo) requerido para a expiação dos pecados de um
coração quebrantado e sinceramente arrependido. Deus não aceita sacrifícios, ofertas e rituais hipócritas como os oferecidos por
Absalão (2 Sm 15.1-14). Sacrifícios justos ou de justiça são aqueles oferecidos de acordo com a Lei (Ml 1.6-14) e, acima de tudo,
com verdadeiro amor ao Senhor (Mc 12.33). Em Cristo, toda a necessidade de sangue como holocausto cessou; e a fé genuína
no Filho de Deus e o amor cristão passaram a ser os sacrifícios exigidos pelo Senhor para a plena redenção (Sl 51.17; Pv 15.8;
Os 6.6; Rm 12.1; Ef 5.2; Hb 10.5; 1 Pe 2.5).
5 Face, ou fisionomia. Expressões freqüentes no Saltério (Salmos), que indicam a bondade de Deus e dos reis quando permi-
tiam que seus súditos os olhassem no rosto. É a face que demonstra os pensamentos e sentimentos e designa a personalidade.
Embora o homem não possa ver a face de Deus (Êx 33.20; 34.29-35), é possível ter um vislumbre da sua glória por meio da
comunhão com seu Espírito, o que faz dissipar todo temor e aflição.
6 Uma tradução do aramaico e siríaco: “Em felicidade me deito e logo pego no sono, pois vós, ó Senhor, me fazeis permanecer
em segurança, na solidão”. A palavra hebraica – lebadad indica que só o Senhor nos pode proporcionar toda a segurança
de que precisamos para descansar confiantes e em paz. (Dt 12.10; 33.28). O temor gera preocupação que nos tira o sono, mas
o que confia no Senhor pode descansar em paz e sem receio (Pv 1.33).
Capítulo 5
1 Este é um salmo em que Davi pede a Deus que responda a sua oração da manhã. Seu lamento íntimo é contra a propaganda
fraudulenta dos inimigos que o rodeiam. Descreve o ódio divino ao pecado e pede que o Senhor o guie na justiça. A expressão
mais literal, “pensamentos íntimos”, pode também ser traduzida como “meditação”, como aparece na antiga KJ (1611). Outras
versões usam a palavra “gemido”.
2 Davi não gritou como se o fizesse aos ouvidos de quem não ouve; mas toda a sua tristeza e o ímpeto de sua angústia in-
terior jorravam num choro abafado e sofrido. O verbo hagah, do qual deriva o substantivo hagig (discurso), significa tanto falar
distintamente como sussurrar ou murmurar. Uma antiga versão hebraica traduziu “ao meu clamor por socorro” assim: “aos meus
lamentos como o de pombo” (Is 38.14).
9 SALMOS 5, 6
por socorro, meu Rei e meu Deus, pois é mulo aberto, e com suas línguas sedu-
a ti que eu suplico. zem e enganam.7
3 Pela manhã, ó SENHOR, ouves a minha 10 Condena-os8 ó Deus! Caiam eles em
voz; logo cedo te apresento o meu sacri- suas próprias tramas. Expulsa-os por
fício3 e aguardo com esperança.4 causa dos seus muitos pecados, porque
4 Porque tu, ó Deus, não tens prazer na in- se rebelaram contra ti.
justiça, e contigo não pode habitar o mal. 11 Mas alegrem-se todos os que em ti
5 Os arrogantes não são aceitos na tua colocam a sua fé; cantem de felicida-
presença; odeias todos os que agem com de para sempre! Estende sobre eles a
maldade. tua proteção. Rejubilem-se em ti os que
6 Destróis os mentirosos; os que têm sede amam o teu Nome!
de sangue e os fraudulentos são abomi- 12 Em verdade, SENHOR, tu abençoas o
náveis ao SENHOR . justo e, como escudo, o cercas9 da tua be-
7 Quanto a mim, graças à tua grande nevolência.
misericórdia,5 poderei entrar em tua
casa; e me prostrarei em direção ao teu Súplicas durante a provação
sagrado templo, com reverência e ado- Para o mestre de música.
ração. Com instrumentos de cordas. Em oitava.
8 Conduze-me, ó SENHOR, na tua justiça, Um salmo de Davi.
por causa dos que me espreitam.6 Aplaina
à minha frente o teu caminho!
9 Na boca deles não há palavra sincera,
6 SENHOR, não me castigues na tua ira
nem me corrijas no teu furor!1
2 Tem piedade de mim, ó SENHOR, pois
suas mentes tramam continuamente o estou perdendo as forças. Cura-me, SE-
mal. Suas gargantas são como um tú- NHOR! Pois estremecem meus ossos.
3 O hebraico não tem substantivo aqui, só o verbo anterior “preparar”, que pode ser usado para apresentar algo em uma festa
ou cerimônia (23.5). É um termo sacerdotal para preparar o fogo do altar e dispor os pedaços do holocausto (Lv 1.6-7). Uma
alusão ao sacrifício diário, à porta do tabernáculo de Deus, local marcado por Deus para falar com seu ungido (Êx 29.42). Davi
ora nesse sentido, expressando sua certeza de perdão (expiação) e fé na resposta do Senhor.
4 Deus marcou um encontro com Davi na tenda da congregação (templo; no NT, nosso corpo) e certamente viria. Não apenas
para ouvir, mas também para falar ao coração amargurado e temeroso de Davi. A expressão “aguardando com esperança” nos
remete aos profetas que ficavam esperando (vigiando) os primeiros sinais do cumprimento da Palavra do Senhor (Is 21.6,8;
Mq 7.7; Hc 2.1). A palavra hebraica , tsapah (esperança), tem o sentido de depositar diante de Deus as aflições e esperar a
resposta libertadora do Senhor.
5 Davi reconhece que, se Deus fosse julgar simplesmente seu caráter e não sua causa, seria arruinado. A palavra hebraica
hesed, traduzida por “misericórdia” tem o sentido de “amor leal e interminável” (Os 2.19-20).
6 Os que me espreitam , segundo a derivação do original hebraico, traz a idéia de vigilância em relação aos adversários que não
perderão uma oportunidade para destruir os que estão no Caminho do Senhor (Lc 11.53-54). Davi não é apenas um adorador,
mas um peregrino fiel que, a cada passo, encontra resistência. Sua oração por um “caminho plano” não busca conforto, mas,
sim, o progresso legítimo e o livramento dos ardis de seus inimigos.
7 “Os que têm sede de sangue e os fraudulentos” usam todos os recursos da comunicação para efetivar suas maldades. Os
métodos são os da Serpente no Éden e de seus filhotes: o Sedutor e o Difamador. A expressão “túmulo aberto” indica o sofrimen-
to a que todos estamos expostos, pelo fato de vivermos em um mundo hostil à realidade espiritual (Rm 3).
8 O termo hebraico asam significa “cortar” ou “destruir”, sendo uma palavra única para expressar o oposto de “justificar” (34.21-
22) neste grande julgamento em que toda a humanidade está envolvida: desmascaramento dos ímpios, colapso dos maus e
expulsão (ou rejeição) dos que se insurgem contra Deus e seu Reino (2 Sm 15.31).
9 As expressões hebraicas katsinah “como um escudo” e ratson “favor ou benevolência” são combinadas para assegurar ao
fiel (justo ou justificado) o cerco protetor de Deus. A expressão “o cercas” ocorre uma única outra vez em 1Sm 23.26-29, para
descrever a força hostil que rodeava Davi até que o Senhor providenciou o livramento (pedra de escape), evidenciando que é
Deus quem, de fato, ampara seus filhos. O escudo da época tinha uma grande saliência que se erguia de seu centro, encimada
por uma adaga, o que o fazia uma eficiente arma de defesa e ataque.
Capítulo 6
1 Este é o primeiro dos “Salmos Penitenciais de Davi” (6, 32, 38, 51, 102, 130 e 143). É um salmo de alguém profundamente
perturbado. As orações e as lágrimas derramadas diante de Deus não foram em vão, pois, ao final do saltério, há louvor pela
resposta do Senhor. Este salmo traz palavras para aqueles que não encontram ânimo sequer para orar.
SALMOS 6, 7 10
2 As palavras no original hebraico nibhalah meod apontam para as emoções altamente perturbadas do ser em geral
(alma e corpo) e são muito semelhantes àquelas pronunciadas por Jesus Cristo em sua agonia (Mt 26.38).
3 Os salmos nos ensinam que todas as demoras de Deus são para amadurecimento do tempo apropriado (37) ou da pessoa (119.67).
4 Liberta minha alma é a forma mais literal de se traduzir a expressão hebraica no original. O termo hebraico nefesh (Gn 2.7)
designa a respiração vital dos seres viventes e que se retira por ocasião da morte. A expressão “minha alma” equivale freqüente-
mente ao pronome reflexivo “eu próprio, mim mesmo, minha face, minha vida, minha glória”. Esses diferentes sentidos de “alma”
permanecerão vivos no NT como “psiqué”, do grego, psiché (Mt 2.20; 10.28; 16.25-26; 2Co 4.16; 15.44).
5 Entre os mortos, lugar dos mortos, além, sepulcro ou túmulo, são algumas das traduções do termo hebraico Sheol, que indica o
estado dos seres sem vida e a tragédia da morte como aquilo que silencia a adoração do ser humano, na terra, a seu Criador (Is 38.18-
19). Os gritos do salmista proclamam que o tempo de vida é curto demais, tudo passa muito depressa, e a morte é inexorável e certa
(Jo 9.4; Hb 9.27). Davi sabe que o Senhor tem acesso ao Sheol, e que haverá ressurreição (139.8; Pv 15.11; Is 26.19; Dn 12.1-3), mas
pede a Deus que o poupe para que ele recorde (louve e adore), ainda nesta vida, os grandes feitos do Senhor (Is 63.7).
6 A KJ traduz: “envelhecem por causa dos meus inimigos”, mas a palavra hebraica ‘ategah significa “insolência”; e ‘atgah “en-
velheceu” é conjetura. Os opressores não são apenas os inimigos e adversários, mas também os remorsos e tormentos mentais
(31; 35; 38; 69 e os amigos de Jó).
7 A mesma expressão usada no original já comentada (nibhalah meod) para descrever a extrema perturbação no ser de Davi
(vv. 2,3) agora é aplicada aos inimigos do Senhor em sua derrocada e expulsão.
Capítulo 7
1 A justiça será a salvação, pois as duas coincidem quando Deus julga a causa do oprimido. Deus é o juiz de toda a terra e a
maldade derrota a si mesma. Este é o primeiro dos salmos imprecatórios, que pedem juízo ou maldição contra os inimigos de
Deus. O termo hebraico Shiggaion, traduzido neste salmo por “canto”, significa uma canção arrebatadora, que ajudava a expres-
sar a confissão dos pecados de Davi, seu arrependimento e sua fidelidade ao Senhor. Quanto ao nome Kush (Cuxe, Cuch ou
ainda Cush), o benjamita, que aparece no título, não é mencionado em nenhum outro texto bíblico. Sabemos que em Benjamim,
a tribo de Saul, havia alguns inimigos mortais de Davi (2Sm 16.5-14).
2 Pior que a perseguição é a calúnia (Jó 31). Davi revela algo do seu código de honra (conduta, caráter) com Deus e que fazia
parte da tradição judaica dos fiéis (Êx 23.4-5; Lv 19.17-18; 1Sm 24.10-11; Pv 25.21).
3 A palavra hebraica kebod significa literalmente “minha glória”, mas também se refere aos órgãos onde os antigos semi-
tas acreditavam localizar-se os sentimentos e emoções (fígado, ventre, rins, entranhas). Um termo que, como no caso, também
pode designar a alma, quando usado em paralelo com os elementos vitais do ser humano. Davi estava disposto a ter seu nome
(reputação) enxovalhado, mesmo após a morte (pó ou túmulo), caso seus inimigos provassem sua culpa diante de Deus.
4 Em paralelo aos apelos de Davi por vindicação pessoal, há uma revelação maior sobre a justiça universal de Deus. A justiça
e o juízo não são uma preocupação, mas sim uma convicção (At 17.31). A expressão hebraica urah, “desperta-te”, tem o
sentido mais amplo de construir ou estabelecer o direito.
11 SALMOS 7, 8
7 Reúna-se ao teu redor a assembléia dos 16 Assim, sua maldade se voltará contra
povos. Das alturas reina sobre todas as ele e sobre a própria cabeça cairá sua vio-
nações da terra.5 lência.
8 O SENHOR é quem julga os povos. Julga- 17 Eu, porém, darei graças ao SENHOR por
me, SENHOR, conforme a minha justiça, se- sua justiça, salmodiarei e cantarei louvo-
gundo a inocência que há em mim! res ao Nome do SENHOR, o Altíssimo!9
9 Deus justo, que sondas as mentes e
entranhas,6 dá fim à maldade dos ímpios, A glória do Criador
e ao justo dá segurança e paz. Para o mestre de música.
10 Deus é o escudo que me cobre, o salva- Conforme a melodia Os lagares.1
dor dos corações retos. Hino de louvor de Davi
11 Deus é o justo juiz! Deus que demons-
tra, a cada dia, seu extremo zelo.
12 Caso o homem não se converta, Deus
afiará sua espada; pois já armou seu arco
8 SENHOR, nosso soberano Deus,2 como
é majestoso o teu Nome por toda a
terra! Tu cuja glória é cantada acima dos
e o aponta, céus!3
13 preparou para si armas de morte e 2 Pela boca4 das crianças e dos recém-
produziu suas flechas flamejantes. nascidos instruíste os sábios e poderosos,
14 Todo aquele que gera maldade conce- silenciando os inimigos e maldosos, por-
be o sofrimento e dá à luz a desilusão.7 que são adversários teus.
15 Quem cava um buraco como armadi- 3 Quando admiro os teus céus, obra
lha cai em fossa profunda, que ele mes- dos teus dedos, a lua e as estrelas que ali
mo fez.8 estabeleceste,5
5 Calvino, em seu comentário, lembra que Davi sugere que Deus se manteve quieto e, por algum tempo guardou silêncio, para, no
momento certo, erguer-se tão alto que não só uma ou duas, mas todas as nações da terra pudessem contemplar sua glória.
6 Deus tem o poder de sondar e pôr à prova os pensamentos mais racionais e os sentimentos mais apaixonados e complexos
da nossa alma. Literalmente: “pões à prova o coração e os rins”.
7 Deus é o sujeito das ações narradas no v.13, ao passo que o v.14 descreve as atitudes do ímpio, cuja fertilidade para o mal é
comparada ao processo da gestação e parto. O raciocínio é o mesmo usado por Jesus Cristo a respeito da árvore má e do tesouro
mau (Lc 6.43-45). Metáfora semelhante é usada por Paulo ao explicar sobre o ciclo da tentação: cobiça–pecado–morte (Tg 1.15).
8 O mal sempre se voltará contra quem o pratica, mesmo que leve tempo. O efeito que uma atitude maldosa tem sobre a pessoa
que a acalenta e destina é mais desastroso para ela própria do que qualquer sofrimento que possa causar a outras pessoas (1Jo
2.11). Calvino e Lutero concordaram em que “aprofundar a cova” significava, no original, construir um tipo de armadilha para
caçar leões e outros animais selvagens, muito comum no oriente, e que consistia na escavação de um grande buraco que era
superficialmente coberto com ramos e pequenos galhos de árvore.
9 O verbo hebraico zamar (em grego: psallein) traz o sentido de salmodiar, tocando instrumentos musicais e cantando os feitos
de Deus. O título “Altíssimo” (em hebraico: Élyôn ) aparece raras vezes fora dos Salmos. Surge, pela primeira vez, na história de
Melquisedeque e Abrão (Gn 14.18). As religiões cananitas davam um título semelhante ao deus Baal, mas tanto Abrão como Davi
explícita e claramente, reivindicaram esse título, para o Senhor.
Capítulo 8
1 Este salmo é um dos mais belos exemplos de como um hino de louvor a Deus deve ser composto: celebra a glória e a graça
de Deus, enquanto descreve a natureza e os feitos do Senhor, bem como o mundo em relacionamento com Ele. Davi expressa
sua admiração diante da majestade do Senhor, que usa os fracos para destronar os poderosos. A palavra lagares (em hebraico,
gittith) é derivada de Gate e indica uma melodia associada a essa cidade.
2 A primeira palavra é o nome incomunicável de Deus; a palavra seguinte, em hebraico, Adonenu, nosso Soberano ou
Senhor, é derivada da raiz dan, que significa governar, julgar, suportar.
3 O uso do verbo hebraico tenah (colocar ou pôr) faz que possamos ler literalmente: “Puseste a tua glória acima dos céus”
(Is 6.3).
4 Contra os poderosos, pretensos sábios, vingadores, adversários e inimigos, Deus apresenta o simples louvor que brota “da
boca” (em hebraico mephi) dos mais fracos deste mundo. Entretanto, conforme a Entrada Triunfal haveria de demonstrar (Mt
21.15-16), a livre confissão de amor e fé é uma resposta devastadora ao acusador.
5 Entre todas as criaturas da terra, somente o ser humano é capaz de olhar com admiração (refletir ao contemplar algo). Deus
ensina que, ao olhar os céus, não devemos pensar num Criador ordeiro, mas distante e, sim, no Deus que cuida de cada detalhe
e visita os seus como o mais amoroso dos pais (Is 40.26-31). O universo criado por Deus não é destituído de significado, frio e
vazio, mas um lar aconchegante para sua grande família (Is 45.18; 51.16).
SALMOS 8, 9 12
4 pergunto: Que é o homem6 para que 4 Pois defendeste o meu direito e a minha
com ele te importes? E o filho de Adão demanda: sentaste em teu trono como
para que venhas visitá-lo? justo juiz.2
5 Tu o fizeste um pouco menor do que os Guimel
anjos7 e o coroaste de glória e de honra. 5 Corrigiste as nações, destruíste os ím-
6 Tu o fizeste dominar sobre as obras das pios; por toda a eternidade apagaste o
tuas mãos; tudo sujeitaste debaixo dos nome deles.3
seus pés: 6 O adversário foi totalmente derrotado
7 todos os rebanhos e manadas e os ani- para sempre; arrasaste as suas cidades e
mais selvagens também, já não há quem delas se lembre.
8 as aves do céu, os peixes do oceano e tudo 7 O SENHOR reina para sempre; para o jul-
o que percorre as correntes marítimas. gamento firmou o seu trono.
9 SENHOR, nosso soberano Deus, como é He
majestoso o teu nome por toda a terra! 8 Ele julga o mundo com justiça, governa
os povos com retidão.
Graças a Deus: Justo Juiz! Vav
Do mestre de música. Para oboé e harpa. 9 O SENHOR é abrigo seguro para os opri-
Um salmo de Davi.1 midos, uma fortaleza nos tempos de an-
Alef gústia.
6 Segundo a tradição judaica, a palavra enosh (homem) expressa a fragilidade humana em razão de seu doloroso estado
resultante do pecado. A segunda expressão, traduzida como “homem”, é ben Adam, literalmente, “o filho de Adão”. Como
o designativo Adão significa “homem”, formado de Adamah (pó e terra), “o filho do homem” é uma referência à descendência
humana, terrena, caída e apóstata. Uma forma de conscientizar o homem sobre sua origem e fim (Gn 2.7; 3.19). Entretanto, a
forma ben Adam é superior à simples enosh e, usada pelos monarcas, indica o homem em sua melhor condição humana (quando
demonstra características divinas como bondade, lealdade, amor e justiça). Nesse caso, a frase “o filho de Adão” poderia ser,
literalmente, “o melhor dos homens” ou “o maior príncipe do mundo”, segundo defende Calvino.
7 Em hebraico Elohim (Deus ou divindade), nome algumas vezes aplicado aos seres celestiais. Os melhores e mais
antigos textos judaicos, bem como a Septuaginta e as sucessivas revisões da KJ, traduzem Elohim, nesta frase, como “anjos”.
Capítulo 9
1 Davi louva ao Senhor, o justo Juiz, por destruir os ímpios. O termo “exultar”, em hebraico, E-eltsah, significa literalmen-
te “saltar de alegria”. Em algumas versões aparece Muth-Labben (nome de uma melodia de significado desconhecido). A partir
deste salmo, serão observadas algumas diferenças entre as versões da Bíblia quanto à numeração dos salmos, sendo que a
Septuaginta e a Vulgata (seguidas mais de perto pela Igreja Católica Romana) contam os Salmos 9 e 10 como um poema único,
enquanto as igrejas evangélicas herdaram a forma de contagem hebraica. Entretanto, neste caso, a ausência de título para o Sl 10
e a presença de um acróstico fragmentário que se inicia no Sl 9 e termina no Sl 10 justificam o entendimento de ser uma peça po-
ética que se complementa, pois falam da dupla realidade de um mundo caído: o triunfo certo e futuro de Deus e o sucesso atual e
passageiro dos ímpios. O Sl 9 tem a maioria das primeiras 11 letras do alfabeto hebraico (com 22 letras ao todo), como iniciais de
versículos alternados; o Sl 10, no entanto, depois de começar com a 12ª letra, abandona o esquema alfabético até os versículos
12-18, onde aparecem as quatro últimas letras. Isso ocorre devido ao mau estado do Textus Receptus e de outros originais.
2 O AT considera o julgamento divino como já realizado, sendo que o “Dia do Senhor” o trará à luz. Esse tema escatológico é
freqüente nos salmos.
3 Embora a maioria das versões traduza alguns verbos hebraicos no tempo passado como presente, na realidade esses verbos
são “perfeitos proféticos”, formando uma característica vital para o correto entendimento do AT, pois descrevem acontecimentos
futuros como se já tivessem acontecido, tão certo é o cumprimento deles e tão clara a visão.
4 Literalmente, no original: “Ele busca o sangue derramado e exige contas”.
13 SALMOS 9, 10
quece jamais do clamor do necessitado. terra, que não são mais do que seres hu-
Het manos.
13 Misericórdia, SENHOR! Vê minha afli- (Pausa)
ção! O sofrimento causado pelos que
me odeiam. Salva-me das portas da Deus ouve a oração do aflito e vence o mal
morte,
14 para que, junto às portas da cidade5 de
Sião, possa eu cantar louvores a ti e ali
10 Por que, SENHOR, permaneces
afastado e te ocultas no tempo da
aflição?
exulte em teu livramento. Lamed
15 Os povos caíram na cova que com as- 2 Com arrogância os ímpios perseguem
túcia abriram; no laço que ocultaram, o indefeso; que fiquem emaranhados em
seus pés se prenderam. suas próprias tramas!
Tet 3 O infiel se gaba de sua própria ambição,
16 O SENHOR é conhecido pela justiça que o avarento menospreza1e insulta a Deus.
exerce; os ímpios caem em suas próprias 4 O ímpio é soberbo, não quer saber des-
tramas. se assunto. “Deus não existe!” é tudo o
Interlúdio6 (Pausa) que de fato pensa.
Yud 5 Seus negócios têm contínuo sucesso;2
17 Voltem os ímpios para o inferno,7 to- muito além da sua compreensão está a
dos os povos que se esquecem de Deus! tua Lei, por isso ele faz pouco caso dos
Kaf seus adversários,
18 Mas os necessitados jamais serão esque- 6 pensando consigo mesmo: “Eu sou ina-
cidos, nem será frustrada a esperança dos balável! Desgraça alguma me atingirá,
pobres e humildes. nem a mim nem aos meus descendentes”.
19 Ergue-te, SENHOR! Não permitas que Pê
um simples mortal vença! Julgados se- 7 Sua boca está sempre cheia de fraudes,
jam todos os povos na tua presença. maldições e ameaças; violência e todo
20 Coloca em seus corações o terror,8 ó tipo de maldade estão em sua língua.
SENHOR! Para que saibam as nações da 8 Põe-se de emboscada próximo aos vi-
5 Cidade ou filha, em hebraico. Davi descobre que o melhor antídoto contra o sofrimento está no louvor ao Senhor. Assim, as
portas da morte não poderão impedi-lo de atravessar as portas de Sião.
6 Interlúdio ou Higaiom, no original hebraico. Momento solene, apropriado para a meditação, recitação de textos bíblicos em
voz baixa, com ou sem acompanhamento de instrumentos suaves (arpejo).
7 Os perversos (ímpios e infiéis) voltarão para o inferno. Eles não apenas “partirão” ou “serão lançados”, como traduzido
em algumas versões, mas retornarão ao seu estado natural de morte e de atos de morte (maldade). A palavra hebraica
Sheol ou Sheolah, traduzida aqui como “inferno”, também pode ser entendida como “sepultura”, “volta ao pó” e “profundezas
da morte”.
8 É notório como Deus tem permitido o terror entre as nações como mais uma chance para que o homem observe o produto
de seu egoísmo e ambição. É necessário que o homem se humilhe e reconheça sua pequenez e a necessidade da direção
divina. Mas a humanidade, em sua arrogância, tem se rebelado ainda mais contra Deus e, por isso, passará por mais aflições e
sofrimentos, entristecendo sobremaneira o coração do Criador.
Capítulo 10
1 No original hebraico, esta palavra tem o sentido mais apropriado de “ignorar “ e “desprezar”. Não crer na participação pessoal
de Deus em nossas vidas, relacionamentos e negócios é uma forma de blasfêmia, termo empregado semelhantemente em 1Rs
21.10; Jó 1.5. Em algumas versões essa expressão foi traduzida por “maldiz ou amaldiçoa” interpretando o eufemismo usado
para o termo literal: “abençoar” em seu sentido amplo: “despedir-se de”.
2 Deus, nesse intervalo de tempo, coloca-se distante, permitindo que o tirano ganancioso prospere muito bem às custas dos
pobres. A palavra hebraica significa “sucesso”. É uma missão dos Salmos tocar no âmago desse problema, conservando
viva a sua dor, em contraste com nossa passividade, familiaridade e, às vezes, triste cumplicidade com um mundo corrupto. É
importante lembrar que Deus é favorável ao progresso, sucesso e a todo o bem-estar humano. Mas esses desejos só serão
legítimos e honestos quando realizados na companhia de Deus, evitando assim a exploração do homem pelo homem. Mas o
soberbo e avarento estão presos às coisas da terra (pó e terra têm muita afinidade) e ocupados demais no chão para dar atenção
à grandiosidade do que paira sobre eles.
SALMOS 10, 11 14
3 Algumas versões traduzem, neste versículo, a palavra hebraica haçirîm como “juncos”, como em Is 35.7, mas aqui a palavra
correta é haçerîm, que significa “vilarejos”, “povoados” ou “recinto”. Jerônimo traduziu a expressão hebraica como
um particípio: “Põe-se de espreita perto das fazendas”. O sentido no original é o de uma raposa que durante a noite se coloca de
tocaia junto ao curral e espera por uma presa.
4 Este versículo mostra as artimanhas que o tirano usa para enganar e devorar suas vítimas, consideradas como pobres,
desamparadas e infelizes em suas mãos. A expressão hebraica qerê, literalmente, “se rebaixa” e, em grego, ketib “rebaixado”,
ilustram o quanto de falsidade e demagogia é usado pelos poderosos para iludir os incautos.
5 Algumas revisões usam a expressão “defendes o órfão” ou “fazes justiça ao órfão”; a expressão no original usa a metáfora
da orfandade, para trazer à luz o desejo de Deus de ser reconhecido, como Pai, pela humanidade. Assim, o homem deixaria
sua condição de simples “criatura de pó e terra” e herdaria as características divinas do seu Pai e Criador. Entretanto, por mais
distante que seja o dia da justiça, a promessa do Pai não é adiada: Ele fortalecerá os corações (v. 17). Os arrogantes e perversos
serão lembrados em sua humana insignificância e não mais causarão terror aos pobres e mais fracos. Esse é o sentido do verbo
hebraico arots. A graça do Senhor é a nossa força (2Co 12.8-10).
Capítulo 11
1 A expressão hebraica “contemplar a face de Deus” é freqüentemente usada nos Salmos, no sentido de estar em pé ante sua
presença, como servos diante de um Senhor misericordioso e amável, que autoriza seu servo a assumir essa postura. (16.8-11;
17.15; 23.6; Is 38.11). Evidentemente, não há qualquer contradição em relação à impossibilidade de o ser humano ver a face de
Deus (Êx 33.20). Este salmo termina como começou: com o Senhor, cuja natureza é justa, apresentado como a resposta para o
medo e a frustração (v. 3). A primeira frase do salmo revelou onde está a segurança daquele que crê; a última linha mostra onde
deve estar seu coração. Os salmistas podiam ver a Deus com os olhos da alma (ser), e aguardavam o dia da ressurreição, quando
poderiam, então, olhar para a face do Senhor sem que fossem destruídos.
15 SALMOS 12–14
1 No original hebraico, “anseia” é, literalmente, “ofega”. Deus virá em socorro de todo aquele que de todo o coração o busca.
2 Quando as pessoas de um povo (sociedade) começam a valorizar positivamente as atitudes ardilosas e desonestas de ho-
mens maldosos (Jz 9.4), a corrupção se instala como estilo de vida daquela geração e todos passam a viver se enganando, numa
neurose coletiva, em busca de vantagens pessoais. No original, a expressão “vagueiam” sugere um modo, bem público e sem
receio da lei, de perambular pela cidade, com más intenções.
Capítulo 13
1 A palavra hebraica yomam tem o sentido de uma dor que volta dia após dia. Davi, ao repetir quatro vezes “até quando”,
demonstra toda a sua aflição no que diz respeito a seu relacionamento com Deus, com os inimigos e consigo mesmo. No AT “en-
cobrir a tua face” ou “ocultar o rosto” significava a recusa da ajuda prática de Deus. As expressões “olha para mim”, “lembra-te”
ou “desperta-te” não têm a ver com estados de consciência de Deus, mas, sim, são prelúdios à intervenção poderosa do Senhor
na vida de seus filhos (Êx 2.24-25).
2 Por maior que seja uma pressão emocional, tentação ou dor, a escolha de confiar em Deus é do fiel, não do inimigo. A aliança
de amor com Deus deve prevalecer em qualquer aflição. Assim o salmista lembra o pacto de amor de Deus, reafirma sua confiança
nesse amor e passa a concentrar sua atenção, não na qualidade da sua fé, mas no objeto dela – o Senhor – e em seu resultado final:
a vitória. Davi crê de tal forma na providência divina, que a frase em que aparece “todo o bem que me tem feito” tem, no original
hebraico, o sentido de agradecer a Deus por haver concedido muito mais do que o salmista desejava. Davi tem certeza de que ainda
cantará esse louvor a Deus, olhando para trás e contemplando o dia de dores, quando o Senhor ouviu sua oração e o salvou.
Capítulo 14
1 Este salmo é muito semelhante ao 53, no qual o profeta revela um detalhe a mais sobre como Deus protege os justos (53.5);
literalmente: “Pois Deus espalhará os ossos daqueles que se acampam contra ti, tu os confundirás; porque Deus os rejeitou”.
2 O espírito de impiedade se revela de duas maneiras: pelo desrespeito público às leis de Deus (1-3) e pela exploração do Seu
SALMOS 14–16 16
messem pão, e não clamam pelo SENHOR? 4 A seus olhos, o ímpio é desprezível; mas
5 Agora todos estão tomados de terror, por- dedica honra aos que temem o SENHOR.
que Deus está presente a favor dos justos. Mantém a palavra empenhada3 e, mesmo
6 Vós, malfeitores, tentais frustrar a es- saindo prejudicado, não volta atrás;
perança dos humildes, mas o refúgio do 5 não empresta seu dinheiro com usura,4
pobre é o SENHOR. nem aceita suborno contra o inocente.
7 Que a salvação de Israel venha de Sião! Quem assim conduz sua vida caminhará
Quando o SENHOR restaurar o seu povo,3 seguro e em paz.
Jacó exultará e Israel celebrará com grande
alegria! A fidelidade de Deus
Um canto silencioso de Davi.
O homem de Deus
Um salmo de Davi. 16 Defende-me, ó Deus, pois eu me
abrigo em ti.
povo (4-6). A palavra hebraica para “tolo” ou “insensato” é nābāl (1Sm 25.25) que, neste salmo, significa um tipo de perversi-
dade violenta, injusta e sem piedade. No NT, Paulo demonstra os malefícios de não se crer em Deus (Rm 1.18-32).
Como na ocasião que precedeu o Dilúvio, Deus observa a raça humana e não vê ninguém que “tenha juízo e sabedoria” em
suas atitudes, tampouco encontra “um que faça o bem”. O sentido original do v.3 indica uma degeneração moral entre os seres
humanos, mais literalmente, um apodrecimento das virtudes divinas que fazem de uma pessoa um ser humano (Rm 3.10-12).
3 A KJ (1611) traz: “Quando o Senhor fizer voltar os cativos do seu povo”. Estudos sobre os melhores e mais antigos originais
reforçam a fidelidade da tradução usada aqui. O apóstolo Paulo nos ensina a orar com a expectativa de redimidos por Deus para
a grande celebração que se aproxima (Rm 8.19-25). No início do Sl 126 há outro exemplo desse antegozo.
Capítulo 15
1 Há duas idéias na palavra tabernáculo: uma, de adoração formal e sacrifício (Êx 29.42), e a outra, demonstrando a generosi-
dade e a hospitalidade de Deus, que aguarda a chegada do peregrino (adorador e hóspede ansioso) a seu lar. Algumas versões
apresentam as palavras “santuário” ou “tenda”, à imagem do antigo santuário do deserto (Êx 23.19).
2 Davi descreve o caráter de uma pessoa qualificada para viver (literalmente: tabernacular) com Deus. As perguntas paralelas e
sinônimas do v.1 são respondidas nos versículos seguintes por uma descrição de onze pontos vitais que distinguem uma pessoa
justa, correta, em ação, palavra, atitude e finanças. Essas qualidades não são naturais no homem (que é pó); são virtudes divinas,
concedidas por Deus.
3 O homem e a mulher de Deus devem orar e refletir no Senhor antes de empenhar sua palavra, sabendo que uma pessoa de
Deus não deve agir como aqueles que, não tendo o Espírito de Deus, tratam levianamente seus compromissos e, muitas vezes,
usam a palavra firmada apenas para enganar e tirar alguma vantagem do seu próximo. Entretanto, ao perceber o erro cometido
em determinado contrato ou palavra afiançada, o fiel a Deus pode corretamente implorar sua desobrigação (Pv 6.1-5), desde que
aceita pela outra parte. No caso de recusa da desobrigação e de impossibilidade de uma renegociação, a palavra dada deverá
ser cumprida (2Co 1.15-23).
4 A Palavra de Deus não desaprova o ato de se receberem juros e correção monetária por dinheiro emprestado (Dt 23.20; Mt
25.27). O que Deus condena é a exploração financeira (usura) do aflito e necessitado, no sentido de tirar proveito das desgraças
do próximo e obter lucro abusivo (Lv 25.35-38; Dt 23.19). O AT proíbe a venda de alimentos, com lucro, para os necessitados. No
contexto da família, o membro em situação difícil deveria ser sustentado por seus parentes até se reerguer financeiramente. Fora
da família, a Lei permitia o ganho de juros moderados, ao mesmo tempo que proibia a extorsão e encorajava a generosidade (Êx
23.9; Lv 19.33-34). Davi vai além neste salmo, e não faz diferença entre um irmão e um desconhecido necessitado.
Capítulo 16
1 Neste cântico de confiança, que deveria ser entoado de forma silenciosa para não provocar a ira dos pagãos que dominavam
Jerusalém na época, Davi declara que assim como confiou no Senhor como sua suficiente porção nesta vida (vv.1-8), da mesma
maneira confiará em Deus para preservá-lo na morte (vv.9-11).
17 SALMOS 16, 17
2 Davi expressa que Deus é sua maior e melhor herança e que jamais pensaria em seguir outros deuses, ou em compartilhar
louvores que não fossem dirigidos ao Senhor. Davi lembra que o fato de ter sido deserdado é uma honra e uma indicação de que
ele só depende do Senhor, pois Deus também não dera a seus sacerdotes qualquer porção de terra, assegurando-lhes somente:
“Eu sou a tua porção e a tua herança” (Nm 18.20). A tribo mais favorecida na partilha das fronteiras (divisas) não possuiu herança
mais rica do que a que coube a Davi (Js 19.51; Fl 1.21; 3.8).
3 Davi faz uma alusão messiânica que será mais tarde, no NT, enfatizada pelos apóstolos Pedro e Paulo (At 2.29ss.; 13.34-37).
4 Andar nos caminhos do Senhor é viver em plenitude (25.10; Pv 4.18). A presença de Deus ou “a face do Senhor” são expres-
sões que no original que indicam felicidade total e eterna. Um tipo de gozo que o sistema mundial, sob o qual vivemos, não pode
proporcionar. A palavra hebraica para “alegria” ou “felicidade” (literalmente: alegrias) refere-se a delícias e satisfação (plenitude,
derivada da mesma raiz que “satisfação” em 17.15). O Senhor concede as alegrias da sua face (o significado de presença) e
da sua mão direita (destra). O refugiado do v.1 se vê, agora, herdeiro, e sua herança é maior do que jamais poderia imaginar. A
expressão correta, no final do versículo, é “na tua destra” e não “à sua direita”, pois o sentido, diferente do v.8, é mostrar que da
mão direita (destra) de Deus procedem todas as bênçãos e dádivas (Gn 48.14ss.; Pv 3.16).
Capítulo 17
1 Davi não está afirmando que é um homem sem falhas ou pecados. Está defendendo sua integridade de fé, assim como Deus
defendeu a honestidade espiritual de Jó (Jó 1.8; 42.8). Nem Jó muito menos Davi eram isentos de pecados, mas foram homens
sinceros diante de Deus, que amaram o Senhor de todo o coração e preferiram o Senhor a todos os demais bens da terra. Davi
filtra seus sentimentos e conclui que sua religiosidade não é fingida (1Jo 3.18-21) e por isso apela a Deus para que pronuncie a
sentença favorável.
2 A mesma expressão usada por Deus na repreensão à falta de fé de Sara (Gn 18.14). O fiel não pode esquecer que nada
é impossível (literalmente: maravilhoso) para Deus. O termo “amor leal”, como já foi visto, refere-se à bondade interminável do
Senhor; à fidelidade de Deus a uma aliança feita com um homem que, confiando sua vida nas mãos do Senhor, crê que essa
aliança jamais será quebrada por Ele, mesmo considerando a infidelidade do homem (Os 2.19-20).
3 Pupila ou “a menina dos olhos” é figura de linguagem que, ao lado de outras expressões como “asas protetoras”, demonstra
de forma clara e eloqüente, o quanto Deus é sensível às nossas necessidades, e com que carinho nos protege. Os olhos são
SALMOS 17, 18 18
seus olhos estão fitos em mim, prontos servo do SENHOR. Ele cantou as palavras deste
para derrubar-me. hino de louvor ao SENHOR, quando este o livrou
12 São como um leão ávido pela presa das mãos de todos os seus inimigos e das garras
escolhida, como feras sanguinárias sali- de Saul. Assim se expressou Davi:1
vando pela vítima, na tocaia.
13 Levanta-te, SENHOR! Confronta-os! Arrasa-
os! Com tua espada, livra-me dos ímpios.
18 Eu te amo2 com todo o meu ser, ó
SENHOR, minha força.
2 O SENHOR é o meu penhasco3 e minha
14 Com tua mão, SENHOR, livra-me das pes- fortaleza, quem me liberta é o meu Deus.
soas mundanas, dos homens maldosos des- Nele me abrigo; meu rochedo, meu escu-
ta terra, cuja recompensa está nesta vida. do e o poder que me salva, minha torre
Enche-lhes o ventre de tudo o que lhes re- forte e meu refúgio.
servaste; fartem-se disso os seus filhos, e o 3 O SENHOR seja louvado! Pois clamei a
que sobrar fique para suas crianças de colo. Deus por livramento e estou salvo dos
15 Eu, contudo, graças à tua justiça, verei a meus inimigos.
tua face; quando despertar, terei a plena sa- 4 As cordas da morte me enredaram; as
tisfação de ver tua semelhança em mim.4 torrentes da destruição me aterrorizaram.
5 Os laços do inferno me envolveram,4 e
Deus soberano salvador as ciladas da morte me atingiram.
(2Sm 22.1-51) 6 No meu desespero clamei ao SENHOR;
Para o mestre de música. Um salmo de Davi, gritei por socorro ao meu Deus. Do seu
os órgãos mais sensíveis do corpo humano. A presença de qualquer cisco nos olhos é imediatamente comunicada ao cérebro
que ordena sua pronta remoção. Assim também, qualquer situação que venha a causar preocupação ao servo de Deus é digna
da atenção especial do Senhor, que nos cobre com suas poderosas asas, como a águia protege seus filhotes (Rt 2.12; Sl 36.7;
57.1; 63.7; 91.4).
4 No versículo anterior, Davi diz para Deus que não quer ter nada a ver com os perversos, que só buscam prazeres da carne,
ostentação, vaidade, orgulho e os bens materiais deste mundo (sistema econômico, político, social e religioso). Davi chega ao
ponto de pedir a Deus que dê aos mundanos abundância do que eles mais amam; assim eles naufragarão em sua própria lama.
O fiel de coração, porém, tem prazer no Senhor e nas coisas celestiais. Sabe que suas necessidades materiais serão supridas
diretamente pelo Pai e se alegra com aquele grande dia em que verá o Senhor face a face. Davi sabia que só os semelhantes
podem se comunicar mutuamente (Tt 1.15 com Mt 5.8). Temos a promessa de que o veremos como Ele é e de que seremos
semelhantes a Ele! (1Jo 3.2; 2Co 3.18). Conhecer a face de Deus foi um privilégio de Moisés (Nm 12.6-8; Dt 34.10). Moisés não
viu a face de Deus como num sonho, mas acordado. Assim, os fiéis verão a Deus na ressurreição e desfrutarão desse prazer por
toda a eternidade (Is 26.19; Dn 12.2). A hora do despertar, a aurora, é o momento privilegiado da generosidade divina e simboliza
a salvação (Is 8.20; 9.1; 33.2; Lm 3.22-23; Sf 3.5; Jo 1.4-5; 8.12).
Capítulo 18
1 É importante lembrar que estas notas, impressas em letras menores, logo abaixo do título da maioria dos Salmos, fazem parte do
texto canônico da Bíblia Hebraica (diferentemente das notas marginais acrescentadas pelos massoretas e que não constam na KJ), e
se incluem na numeração dos versículos desta. Quase a metade dos Salmos tem a anotação: ledáwîd (de Davi) e 55 salmos trazem a
expressão: lam-e-natssêah (Ao mestre de música). Em muitos salmos, os versículos no texto hebraico têm sua numeração desencontra-
da em relação aos publicados em nossas Bíblias, devido ao fato de o versículo número 1 ser atribuído a essas notas (como em algumas
edições católicas). O Novo Testamento reafirma a autenticidade bíblica e canônica desses títulos (Mc 12.35-37; At 2.29-34; 13.35-37).
Neste hino de louvor a Deus, por grande vitória alcançada, Davi relata o que o Senhor fez por ele (vv.1-3), relembra o livramento
de Deus (vv.4-19), apresenta o fundamento para o livramento (vv.20-30), relembra uma vez mais a vitória (vv.31-48) e se compro-
mete a viver continuamente louvando a Deus (vv.49-50). Esse cântico também é encontrado em 2Sm 22, tendo sido escrito após
a morte de Saul e o estabelecimento do reino davídico. Como afirmava Calvino, muitas verdades neste salmo aplicam-se melhor
a Jesus Cristo (o Messias) do que a Davi (Rm 15.9).
2 A palavra no original em hebraico racham, é rara, muito emotiva e expressiva. Significa amar com as mais profundas e
veementes afeições do coração, com a comoção de todas as entranhas (como era na época, a típica forma oriental de se referir
aos sentimentos). Uma tradução literal e antiga: “Eu te amarei com todos os anelos do afeto, ó Jehovah”.
3 A palavra hebraica sela , usada aqui, significa aqueles precipícios íngremes que oferecem refúgio a homens e animais;
onde as abelhas fazem colméias e de onde o mel era coletado em grande abundância (Dt 32.13). Esse é um termo diferente
daquele traduzido nos versículos seguintes por “rocha”, significando “penhasco” ou “rochedo” (1Sm 23.25-28; 24.22), apesar de
essas palavras serem menos comunicativas do que “rocha” para o leitor ocidental nos dias de hoje.
4 Embora Davi fosse rei e, como tal, pudesse falar em nome de seu povo, todo o salmo está no singular para expressar a
emoção da experiência pessoal. Davi foi abençoado porque Deus teve “amor leal a mim”, ou como em algumas traduções “se
19 SALMOS 18
templo Ele ouviu a minha voz; minhas roso, de todos os meus inimigos, muito
súplicas chegaram à sua presença e seus mais fortes do que eu.
ouvidos me deram atenção. 18 Eles me atacaram no dia da minha in-
7 Então, toda a terra estremeceu e agitou- felicidade, mas o SENHOR foi o meu abri-
se5 e os fundamentos dos montes se abala- go e protetor.
ram; tremeram por causa da ira de Deus. 19 Ele me concedeu plena libertação;
8 Das suas narinas subiu fumaça; da sua livrou-me por causa do seu amor leal a
boca saíram brasas vivas e fogo devorador. mim.
9 Ele rompeu os céus e desceu; nuvens 20 O SENHOR me tratou conforme o meu
escuras estavam sob seus pés. justo coração; conforme a honestidade
10 Montou um querubim e voou,6 desli- das minhas mãos, recompensou-me.
zando sobre as asas do vento. 21 Pois tenho andado nos caminhos do
11 Fez das trevas um manto no qual se SENHOR; não tenho agido como ímpio,
ocultou; das nuvens escuras, carregadas afastando-me do meu Deus.
de água, o abrigo que o envolvia. 22 Todos os seus mandamentos estão
12 Com o fulgor da sua presença, as nu- presentes em meu ser; não me desviei
vens se desfizeram em granizo e raios, dos seus decretos e preceitos.
13 quando dos céus trovejou o SENHOR e 23 Tenho sido irrepreensível para com ele
fez ressoar a voz do Altíssimo. e não me permiti praticar qualquer mal.
14 Atirou suas flechas e afugentou meus 24 O SENHOR me recompensou segundo
inimigos, com os seus raios os arrasou. a minha justiça, conforme a pureza que
15 O fundo do mar apareceu e os alicer- seus olhos viram em minhas mãos.
ces da terra foram expostos por causa da 25 Ao fiel e bondoso te revelas fiel e
tua severa repreensão, ó SENHOR, com o bondoso,8 ao irrepreensível te revelas ir-
sopro forte das tuas narinas. repreensível,
16 Das alturas estendeu a mão e me agarrou;7 26 ao puro te revelas puro, mas com o
arrancou-me das águas profundas. perverso reages à altura.
17 Livrou-me do meu adversário pode- 27 Salvas os pobres9 e os que são humil-
agradou” dele (v.19), e não só porque, como monarca, representava seu povo. Vemos Deus movendo o mundo, usando armas
devastadoras contra a morte e as hostes do inferno, por amor a um insignificante ser humano. (Belial, como aparece em algumas
versões, é a palavra registrada no original, mas de difícil tradução, estando ligada sempre à descrição de coisas malignas ou des-
trutivas. Forma sinônimo com as palavras morte e Sheol, sendo ainda um dos nomes de Satanás, em 2Co 6.15). O salmo ensina
que grande é o valor do indivíduo para o Senhor, bem como a dívida da pessoa humana para com seu Deus.
5 Davi utiliza esplendorosamente as metáforas para revelar a teofania (manifestação de Deus) que relembra o grande livramento
do mar Vermelho, por meio do fogo, da nuvem e da separação das águas (v.15), assim como os fenômenos ocorridos no monte Si-
nai, que “tremia violentamente” e “estava coberto de fumaça”, pois Deus “havia descido sobre ele em chamas de fogo” (Êx 19.18).
6 Os versículos anteriores revelaram a ira contra os poderes do mal. A “fumaça”(Is 6.4) dramatiza a reação da santidade do
Senhor diante do pecado, e “narinas”, em hebraico, têm a ver com o “órgão da ira”. O “fogo devorador” (Dt 4.24) representa o
zelo de Deus, e a lista continua enquanto a tempestade se aproxima, escurecendo a terra para o julgamento divino (Ez 10.2). Em
Ez 1.4-14, o temporal com raios e trovões terríveis forma o cenário para o surgimento de seres sobrenaturais que prenunciam a
presença santa e justa do Senhor Deus. Esses “seres viventes” (querubins, conforme Ez 9.3) surgem em contextos que enfatizam
a santidade inviolável de Deus: guardam a árvore da vida (Gn 3.24), o Santo dos Santos (Êx 26.31,33), o propiciatório (Êx 25.18-
22), e carregam o carro-trono sobre o qual Deus cavalgava para exercer julgamento (Ez 1.15-25; 10.1-8).
7 Deus não apenas socorre, busca e segura seus filhos, mas literalmente os “agarra”, não permitindo que nem o mundo nem o
diabo os arranque de Suas amorosas “garras” (Jo 10.28; Rm 8.35). Este salmo é rico em alusões ao êxodo, assim como ocorre
em Jz 5.4-5 e Hc 3.
8 A palavra hebraica hasîd, benignidade, ou “bondoso”, relaciona-se à expressão hesêd “amor fiel” ou “amor leal”, amor em
que se comprometem, fielmente, parceiros de uma aliança e que passou a ser, nos Salmos, um termo que representa os servos
de Deus como “piedosos” e “santos”(50.5).
9 Davi pede a intervenção de Deus em favor dos desprotegidos e necessitados. Eles são as vítimas sociais que freqüentemente
aparecem nos Salmos. A palavra hebraica anî tem o sentido de pobreza material. Neste versículo, Davi refere-se à situação de
desamparo social do povo antes de falar da virtude daqueles que reconhecem sua condição humana (pó e terra) dependente
de Deus (o Espírito da vida).
SALMOS 18, 19 20
des, mas humilhas os soberbos e altivos. quem os livrasse; clamaram até pelo SE-
28 Tu, SENHOR, conservas brilhando a mi- NHOR, mas Ele não lhes respondeu.
nha luz; o meu Deus transforma em luz 42 Eu os reduzi a pó, poeira que o ven-
as minhas trevas. to carrega. Pisei-os como quem pisa na
29 Com a tua ajuda posso atacar uma lama das estradas.
tropa; com o meu Deus posso transpor 43 Tu me livraste de um povo rebelado;
muralhas. fizeste-me o grande chefe das nações; um
30 Este é o Deus cujo caminho é perfeito; povo que não conheci coloca-se ao meu
a palavra do SENHOR é comprovadamente serviço.
verdadeira. Deus é um escudo para todos 44 Assim que me ouvem, me obedecem;
aqueles que nele buscam abrigo. são estrangeiros que se curvam a mim.
31 Pois quem é Deus além do SENHOR?10 E 45 Todos perderam a coragem; enfraque-
quem é a Rocha a não ser o nosso Deus? cidos e apavorados saem dos seus redu-
32 O SENHOR é o Deus que me reveste de tos.
poder e faz o meu caminho perfeito. 46 O SENHOR vive! Bendita a Rocha da
33 Torna os meus pés ágeis como os da minha vida! Exaltado seja Deus, o meu
corça, sustenta-me firme nas alturas. Salvador!
34 Exercita minhas mãos para a batalha e 47 Este é o Deus que pelo meu bem exe-
fortalece meus braços para vergar o arco cutou vingança,11e que faz as nações me
de bronze. servirem.
35 Tu me dás o teu escudo da salvação; 48 Tu me salvaste dos meus inimigos;
tua mão direita me garante a vitória; des- sim, fizeste-me vencer os meus adversá-
ces ao meu encontro para dignificar-me. rios, e dos meus agressores violentos me
36 Aplainaste o meu caminho, para que, livraste.
andando livre, meus tornozelos não se 49 Por isso, eu te bendirei entre todas as
torçam. nações, ó SENHOR; cantarei louvores ao
37 Persegui os meus inimigos e os alcan- teu santo Nome.
cei; e não regressei enquanto não foram 50 Deus dá grandes vitórias ao seu rei; e
destruídos. age por seu Ungido com amor fiel,12 por
38 Arrasei-os, e não conseguiram reer- Davi e por toda a sua descendência, para
guer-se; morreram debaixo dos meus sempre.
pés.
39 Deste-me poder para a batalha; sub- Deus do universo e da alma
jugaste os que me traíram e se voltaram Para o mestre de música. Um salmo de Davi.
contra mim.
40 Colocaste os meus inimigos em fuga e
exterminei os que me odiavam.
19 Os céus revelam a glória de Deus,
o firmamento proclama a obra de
suas mãos.
41 Gritaram por salvação, mas não houve 2 Um dia discursa1 sobre isso a outro dia,
10 Davi se inspira no Cântico de Moisés (Dt 32.4, 31) para exaltar ao Deus Único e Todo-Poderoso: a Rocha (no original he-
braico: sûr).
11 Não é permitido ao fiel se vingar, mas, sim, entregar essa difícil e delicada tarefa a Deus, que o fará com justiça e amor
corretivo pelo ser humano (Dt 32.35; Rm 12.19, 13.4).
12 O apóstolo Paulo cita o v.49 deste salmo como a primeira de uma série de profecias que demonstram que Jesus Cristo veio
para os gentios e não somente para os judeus (Rm 15.8-12). Embora Davi exalte a fama de Javé como conhecida em todo o
mundo, a compreensão integral de suas palavras retrata o Ungido do Senhor, como o próprio Cristo (Messias), louvando a Deus
entre seus irmãos, adoradores gentios. Embora todo rei davídico pudesse apropriar-se destas verdades, este salmo pertencia es-
pecialmente a Davi, de quem era o próprio testemunho, e a Jesus Cristo, seu “descendente” (no original, um substantivo singular
e coletivo ao mesmo tempo) por excelência, assim como era o descendente supremo de Abraão (Gl 3.16).
Capítulo 19
1 Davi usa alguns dos temas preferidos pelos assírio-babilônicos (os astros, os ciclos do sol e da lua) para exaltar o Senhor,
o Criador. Os antigos tinham o costume de “beijar as mãos” em reverência ao sol, à lua e às hostes celestiais (Jó 31.26-27; 2Rs
21 SALMOS 19
23.5); os modernos tentam compreender personalidade e futuro por meio da astrologia. Mas somente o cristão pode compre-
ender a amplitude da alegria filial que sente, ao olhar para o firmamento e para os astros como criação do seu Pai (Rm 1.18-23;
Rm 1.20). O termo “discursa” sugere, no original, o borbulhar irreprimível de uma fonte. Os capítulos 37 e 38 de Jó desenvolvem
esse tema com lirismo e verdade.
2 Ao falar do movimento do sol, Davi usa expressões igualmente encontradas na mitologia babilônica. Contudo, Davi faz
questão de frisar que, embora magnífico, poderoso e exultante, o sol é obediente ao Senhor, pois Deus posicionou-o no espaço
e indicou a trajetória que deveria cumprir todos os dias (do ponto de vista do poeta e observador); o céu inteiro é apenas uma
“tenda” e trilho para que ele caminhe. E tudo isso é somente “a borda das suas obras” (Jó 26.14).
3 Davi usa o nome revelado de Deus, Javé (o Senhor) sete vezes; antes disso, empregou o nome específico de Deus (em
hebraico, El) apenas uma vez, e no v.1. O famoso filósofo Kant afirmou: “Duas constatações povoam a mente de admiração e
reverência sempre novas e crescentes: os céus estrelados por sobre nós, e o padrão ético e moral escrito em nosso íntimo”.
4 A expressão hebraica mispâtîm significa as decisões judiciais ou ordenanças que o Senhor registrou sobre as várias situ-
ações humanas. A Lei (em hebraico Tôrâ ou Torah) é a vontade revelada de Deus, enquanto edût tem a ver com o aspecto da
verdade atestada pelo próprio Deus (1Jo 5.9) e também com a declaração pactual do Senhor (Êx 25.16; Dt 9.9). “Preceitos” e
“mandamentos” revelam a maneira precisa e fiel com que Deus se dirige à humanidade, enquanto temor e reverência deve ser a
resposta humana à Palavra de Deus.
5 Foi a lei mosaica que estabeleceu certas distinções entre pecados; porém, foram elas também que enfatizaram que nenhum
pecado (tipo, qualidade ou dimensão) seria tolerado diante de Deus. O ser humano tem grande dificuldade para discernir e reco-
nhecer seus erros e pecados; ou porque imagina que ser humano é tentar acertar mediante a prática de muitos erros, ou porque
acha que, tendo chegado a determinada posição de maturidade ética e espiritual, seus erros são irrelevantes, comparados à mo-
ral de nossa sociedade. Porém, a Palavra de Deus revela o coração humano (Lv 18.5) e, por isso, não devemos confiar apenas em
nossas consciências, no que diz respeito à percepção de erros cometidos. Somos culpados diante de Deus não por uma falta ou
duas, mas por incontáveis pecados, os quais nos privam da plena bênção divina. O termo hebraico shegioth, aqui traduzido por
“erros”, além de significar faltas menores, também pode ser compreendido como a astúcia de Satanás em lidar com o egoísmo e
a vaidade humana, a ponto de neutralizar a capacidade de autocrítica das pessoas. Por esse motivo a grande maioria dos homens
não consegue ver “um por cento dos seus erros”, segundo afirmou Calvino. Davi usa o verbo hebraico nakan, oriundo de uma
palavra que significa “ser inocente”, ou seja, Davi reconhece a incapacidade humana de ser justo a ponto de enumerar todas as
suas faltas e confessá-las a Deus, mas suplica que o Senhor lhe revele os pecados cometidos e o “purifique” (torne-o inocente),
especialmente do pecado do orgulho, o qual é a porta de entrada para uma série de calamidades na vida humana.
6 Davi aprendeu que é impossível evitar o pecado, mas sabe que sacrificar a mente e o coração ao Senhor (Os 14.1-2; Rm
12.1-5) é agradável a Ele e a melhor maneira de se afastar da prática do pecado. Deus é visto por Davi não como juiz, pois se o
considerasse simplesmente assim, Davi seria destruído por causa dos seus pecados; mas ele considera o Senhor como “Rocha”
(refúgio, abrigo). E mais que isso, Davi exalta a Deus usando a palavra hebraica go’el, o vingador do sangue (Nm 35.19), redentor
SALMOS 20, 21 22
e campeão (Lv 25.25, 47-49; Jó 19.25; Jr 50.34; Is 41.14; 43.14; 44.6, 24; 49.7; 59.20). Javé que vinga, salva e tira da morte (das
mãos de Satanás) seus fiéis em todos os povos, tribos e nações (v.4).
Capítulo 20
1 Em Israel não se atribuía ao nome divino nenhuma potência mágica, como era costume de algumas religiões pagãs. Havia o
pacto de Deus com Jacó e sua descendência. Com a bênção sacerdotal de Nm 6.24-27, o Senhor permitiu que seu Nome fosse
colocado sobre os filhos de Israel, para distingui-los com a sua marca de possessão. A essa idéia foi acrescentada a de agirem
em prol de Deus (v.5), é o que fica expresso na declaração de Asa: “Em ti confiamos, e no teu Nome viemos contra a multidão”
(2Cr 14.11). Toda essa carga espiritual e cultural é transportada para o NT (Jo 14.14; 17.6; At 3.6; Ap 3.12).
2 As palavras “santuário” e “Sião” são as mesmas originalmente usadas para a expressão “santidade”, onde a arca de Deus
(mas ainda não seu Templo) significava sua presença (2Sm 6.17). Davi não coloca sua fé na arca, como nos dias de Eli, nem nos
holocaustos (sacrifícios de animais que eram totalmente queimados em louvor a Deus), como nos dias dos profetas, mas sim no
Nome e na Pessoa de Deus.
3 É importante voltar a frisar que a palavra hebraica, aqui traduzida por “Ungido”, significa “Messias” ou “Cristo” (Mt 1.17; Sl
2.2; Êx 29.7; 1Sm 9.16; 16.13) e que também se aplicava a Davi, rei legítimo e sagrado, de quem Deus testificara, pela unção
externa, ser ele o seu escolhido (ungido) para reinar sobre o povo do Senhor. E toda a nação foi testemunha ocular dos mara-
vilhosos feitos de Deus por meio de Davi. Todavia, o Ungido do Senhor, em quem toda a raça humana se personifica é também
chamado de “o fôlego da nossa vida”, “a sombra protetora” (Lm 4.20), “a lâmpada de Israel” (2Sm 21.17) - títulos que prenunciam
o Messias, o Cristo, o Filho de Deus. A própria palavra traduzida por “vitória” (vv.6 e 9), traduz palavras afins, derivadas da raiz
“salvar” (o nome de Jesus).
4 Devemos ter em mente que “carros e cavalos” eram as forças militares mais poderosas da antigüidade, mas que, para Israel,
traziam à memória as intervenções milagrosas de Deus junto ao mar Vermelho e no rio Quisom (Êx 14; Jz 4).
Capítulo 21
1 A expressão hebraica traduzida aqui, e em vários salmos, por “vitórias” é derivada da raiz “salvar” (o nome de Jesus) e quando
usada em contextos de batalha, acrescenta um significado positivo (triunfal) a “salvação”. Algumas versões usam simplesmente
a expressão “salvação”, com isso perdem o aspecto vitorioso da expressão.
2 A lealdade de Deus é comunicada no original pela expressão hebraica hesed (Os 2.19), que significa o amor fiel e inextinguível
de Deus por seus filhos. A expressão Elyon traduzida aqui por “Altíssimo” é um dos nomes de Deus em hebraico e expressa o
poder e a soberania do Senhor Deus.
23 SALMOS 21, 22
1 A expressão “A Força da Manhã”, no subtítulo, vem do hebraico: ayeleth hashachar. Este é um típico salmo profético-messi-
ânico e um dos mais citados no NT. Jesus Cristo citou esta primeira frase enquanto estava na cruz (Mt 27.46) em aramaico: Eloí,
Eloí, Lemá sabactâni. Em alguns textos, o nome de Deus, Eloí, foi vertido para o hebraico Eli. Quando Jesus tomou sobre si o
pecado de toda a humanidade, sentiu a mais terrível das dores: o afastamento (abandono) do Pai (2Co 5.21), pois Cristo fez-se
maldição em nosso lugar (Gl 3.13).
2 Davi sente a retirada protetora, familiar, da doce comunhão de Deus, enquanto o inimigo se aproxima envolvendo a atmosfera
ao seu redor com toda a sorte de sentimentos angustiantes e aterradores. Contudo, Davi cessa de debater-se em suas próprias
mágoas, remorsos e tristezas, para não se afundar ainda mais numa diabólica melancolia, e busca auxílio na rocha da santidade
de Deus: canto de louvor dos adoradores do Senhor. Em algumas versões da KJ aparece: “entronizado entre os louvores de
Israel” (v.3). O sentido da expressão no original quer revelar o significado interior das instituições visíveis, ou seja, o palácio ou o
trono de Deus não está no Templo, monte ou nação, mas no coração do Seu povo, daqueles que o adoram sinceramente em fé e
prática (Is 66.1-2). Nosso louvor deve ser um trono para Deus e não uma plataforma para a vaidade humana.
3 O argumento filosófico daqueles que não conhecem a Deus é, de fato, sempre equivocado e utilitarista: “se Deus existe, por que
há tanto sofrimento?”, “por que as guerras e a fome?”, “por que os crimes e a violência?”, “por que a tragédia?”. Tais frases revelam
uma humanidade em busca de um “deus de conveniência” para serviços gerais de proteção, conforto e bem-estar. Evidentemente,
devemos combater o mal e buscar a justiça, a começar por nosso próprio coração. É importante salientar que os gestos e as pala-
vras dos vv.7 e 8 foram reproduzidos no Calvário (Mt 27.39,43) mais de mil anos depois de este salmo ter sido escrito.
4 A verdadeira confiança é mãe da segurança. Confiar em Deus é sentir-se seguro, mesmo em meio às mais severas tribula-
ções. Deus é o Senhor do universo, dono de todo ouro e prata e rico em amor por aqueles que nele aprenderam a confiar, seus
adoradores. Sem fé (confiança) no Senhor, qualquer lugar, por mais confortável que pareça ser, será um tormento (Jr 12.5b).
5 Região do norte da Transjordânia, famosa por suas criações de bovinos bem nutridos em suas colinas de pastos verdejantes
(Am 4.1). Basã ou Bashan, em grego, significa “animais gordos”.
SALMOS 22, 23 24
6 Este é o drama humano: os fortes contra os fracos, muitos contra um só, os maus contra os bons. A turba é retratada como
bestial (touros, bois, búfalos, leões, cachorros) e refere-se à turba humana, quando age com sutileza e falsidade, ou com a
brutalidade do Calvário. O contexto sugere alguns dos motivos pelos quais as pessoas são levadas a tramar o mal contra seus
semelhantes: a inveja (v. 8), a compulsão de agir motivada por um grupo (vv.12,16 ; cf. Êx.23.2), a ganância (v. 18), o gosto per-
vertido (v. 17), ódio e desejos destrutivos influenciados pelo Diabo (Jo 8.44).
7 A Bíblia hebraica cria uma polêmica ao traduzir a palavra caäru (traspassaram) por caäri (como um leão). O Comitê Inter-
nacional de Tradução da KJ para a língua portuguesa entende que no processo de transcrição dos originais a letra yod ( )יfoi
substituída pela letra vav ( )וpor serem muito semelhantes. Esse pequeno descuido fez que muitos judeus não aceitassem o fato
de este salmo ser uma perfeita profecia da crucificação de Jesus Cristo. Entretanto, as traduções Septuaginta (compilada dois
séculos antes da crucificação), Vulgata, Siríaca, Arábica e Etiópica rejeitam as vogais massoréticas, acrescentadas às consoantes
hebraicas muito tempo depois de Cristo, e apresentam redação semelhante à KJ. Todos os autores dos Evangelhos também
citaram e aplicaram este salmo à crucificação de Jesus.
8 O autor de Hebreus faz referência a este versículo como sendo uma expressão do Messias de que “não se envergonha de
(nos) chamar irmãos” (Hb 2.11,12) e que, portanto, fica entre nós e não somente nas alturas. Em sua festa de ações de graças,
os pobres (humildes) são bem-vindos para se alimentar até ficarem plenamente satisfeitos (v. 26).
9 Davi se refere ao banquete da alegria, na chamada festa votiva. A lei mosaica encorajava aqueles que haviam prometido
algum serviço a Deus, no caso de serem atendidos nas suas orações e súplicas, a cumprirem seu voto com um sacrifício, a ser
seguido por uma festa que poderia durar até dois dias (Lv 7.16). A felicidade do contemplado nunca deveria ser reservada apenas
para si e seus familiares, mas, sim, compartilhada com seus amigos, servos, e especialmente com os levitas e necessitados (po-
bres). Todos comeriam, testemunhariam os feitos de Deus e cantariam salmos diante do Senhor (Dt 12.17-19).
10 Davi tem a visão da pregação da cruz às gerações de mil anos à sua frente. Vê também a grande festa do Senhor, quando
os ricos e poderosos se banquetearão com os pobres e humildes, pois todos serão um em Deus (Is 25.6). O salmo que começou
com um grito de aflição e desespero se encerra com um brado de glória a Deus que “tudo fez”. Uma declaração semelhante ao
clamor do Senhor: “Está consumado!” (Jo 19.30).
Capítulo 23
1 Este é considerado o mais belo e conhecido cântico de confiança de Davi em Deus. Neste salmo não se manifestam queixas
de aflição ou súplicas por livramento. É uma expressão poética e profética de gratidão ao Senhor (Yahweh). Um salmo de plena
25 SALMOS 23
confiança e visão messiânica, ao mesmo tempo. Davi usa a metáfora preferida dos reis, e a mais compreensível e íntima, para
retratar o Senhor como o supremo Pastor que provê todas as necessidades de suas ovelhas (seu povo, seus filhos) e as protege
e defende. As figuras de linguagem até então usadas (rei, libertador, rocha, escudo) eram apropriadas, porém não transmitiam a
idéia de proximidade pessoal, companheirismo constante e amizade fraterna que a palavra “pastor” revela (Gn 48.15; Is 40.10;
49.10; Jr 17.16; 31.9-10; Ez 34; Sl 80.1; 95.7).
2 Os “verdes prados” eram remansos ou campinas de relvas com pequenas lagoas (em hebraico: , neoth) onde as ovelhas
podiam encontrar refrigério, segurança, paz e repouso (a mesma expressão, em hebraico: , rabats, usada ao descrever a Arca
da Aliança na busca por um lugar de descanso para Israel - Nm 10.33). Deus se coloca como Pastor para mostrar ao mundo que
não trata seu rebanho como um mercenário (Jo 10). Assim como um pai que compreende sua condição altruísta de homem de
família, o Senhor igualmente decidiu viver em família (em rebanho) para cuidar dos seus, por meio de uma relação permanente
de amor e ensino.
3 Em algumas versões aparece a tradução “refrigera-me a alma” no início deste versículo. Entretanto, essa expressão hebraica,
nos melhores e mais confiáveis originais disponíveis, traz o sentido literal de “conversão de todo o ser” ou “renascimento do fiel”.
Pode retratar, ainda, a ovelha desgarrada que é trazida de volta (Is 49.5; 60.1; Os 14.1-2; Jl 2.12 e Hb 2). Por outro lado, “restaura
o vigor” é muito mais do que simples refrigério. Significa a possibilidade de um novo começo de vida (físico ou psicológico Is
58.12; Pv 25.13; Lm 1.11,16,19).
Deus, por zelo (amor) ao seu Nome, nos converterá e transformará em pessoas cujos caminhos serão os do Senhor; e
nossos testemunhos demonstrarão ao mundo o poder e a misericórdia de Yahweh – o único e soberano Senhor do universo
(Ez 36.22-32).
4 Os “verdes prados” e “o vale da sombra da morte” são ambos “caminhos” do Senhor. Esse fato coloca em Deus
a responsabilidade última sobre tudo o que acontece em nossas vidas. Nossos inimigos podem tramar, o Diabo pode
tentar, nós podemos fraquejar, mas só Deus dirige as nossas vidas e permite, ou não, cada um de todos os eventos que
ocorrem conosco, com um propósito soberano, instrutivo e benéfico. Além disso, a presença do Senhor nos livra do pior
dos monstros: o medo. A palavra hebraica salmâwet, cujo significado literal é “sombra da morte”, que ocorre cerca de
20 vezes no AT, tem igualmente o sentido de “escuridão” e de fases críticas na vida, quando não conseguimos enxergar
a saída (Jó 38.17; Jr 2.6; Mt 4.16; Lc 1.79). Nosso Senhor é Deus e também Pastor e companheiro. Sempre que neces-
sário, ele caminha ao nosso lado e não só à nossa frente. O Senhor nos acompanha armado de “vara” (uma espécie de
cassetete carregado à cintura) e de “cajado” (para ajudar a caminhar e para conduzir o rebanho), que eram também arma
e instrumento de controle, pois a disciplina gera confiança e segurança (1Sm 17.35). Em última análise, só o Senhor
pode nos guiar através da morte; todos os demais guias, parentes e amigos recuam ou permanecem, e o viajante tem de
prosseguir sozinho.
5 A metáfora usada ganha tons mais íntimos, deixa de tratar os homens como ovelhas e revela o grande banquete do triunfo
eterno, onde o próprio Senhor é o Anfitrião. No Oriente antigo, um homem que fosse perseguido por seus inimigos precisava
entrar, ou ao menos tocar, na tenda do monarca em quem buscasse refúgio, para estar seguro. Seus inimigos eram obrigados
a deter-se e olhar de fora para dentro, sem nada poder fazer contra o perseguido, agora hóspede, e, portanto, protegido por
seu hospedeiro. Como era costume dos anfitriões mais hospitaleiros, a cabeça do hóspede era ungida (untada, umedecida
com substância oleosa e perfumada) e farta refeição era oferecida (41.9; Gn 31.54; Ob 7). O Anfitrião divino ultrapassa todas as
expectativas de hospitalidade. A refeição assume proporções de banquete, quando ungüentos de alto valor e perfumes suaves
são derramados sobre a cabeça do hóspede ilustre (45.7; 104.15; Êx 24.8-12; 2Sm 12.20; Sl 16.5; Ec 9.8; Dn 10.3; Lc 7.46; 1Jo
2.20). Todas as necessidades são supridas e todos os inimigos afastados, pois o Anfitrião é mais que um hospedeiro; é amigo
do hóspede. O quadro retrata tranqüilidade, segurança e fé em meio às aflições da vida. Um equivalente veterotestamentário
de Rm 8.31-39 ou 2Co 12.9-10.
6 A profecia é muito melhor que a perspectiva de uma grande festa. No mundo do AT, comer e beber na casa de alguém criava
um vínculo de compromisso, amizade e lealdade mútuas. Foi assim em Êx 24.8-12, onde os anciãos de Israel viram a Deus, e
comeram e beberam. O mesmo ocorreu na Última Ceia, quando Jesus anunciou ser aquele o cálice de uma nova Aliança em
seu sangue (1Co 11.25). Somos muito mais que simples convidados para uma festa, ou hóspedes por alguns dias. Deus deseja
conviver conosco por todo o sempre, literalmente “para a duração dos dias” (Mt 22.32). Nesse compromisso, a felicidade e as
misericórdias (amor leal) de Deus acompanham (literalmente: perseguem) os fiéis, assim como Seus juízos perseguem os ímpios
(83.15), hoje e sempre.
SALMOS 24, 25 26
1 Este é um salmo cantado tradicionalmente no Dia da Ascensão, o qual já inspirou grandes obras sacras. Este salmo foi ento-
ado para escoltar a arca, em cânticos, com harpas e alaúdes, de Quiriate-Jearim até o monte Sião (1Cr 13.8), o que, igualmente,
é comemorado nos salmos 68 e 132. Assim como Davi e a arca transformaram a fortaleza dos jebusitas em monte e cidade de
Deus, o Vencedor chegará para possuir a cidade que conquistou. Os salmos cantados naquela ocasião (96 e partes de 105 e 106)
têm a finalidade de exaltar a vinda final e permanente do Senhor (1Cr 16).
2 Esta expressão, no original, é clara e enfática ao dizer que tudo pertence ao Senhor. Ele é o Criador, Fundador, Estabelecedor
e Sustentador do universo; da terra em todos os seus aspectos: frutífera (1.a), habitada (1.b) e sólida (2). A expressão “tudo o
que nela existe” é a mesma palavra traduzida por “plenitude” em outras passagens. As riquezas e fertilidade da terra pertencem
prioritariamente ao Senhor, para santificação e posterior bênção à humanidade (Is 6.3). Os salmos reivindicam o mundo habitado
(1.b), para Deus como Criador (2), Rei e Juiz (9.7-8). O NT revela uma perspectiva ainda mais abrangente (Jo 3.16-17). O Senhor
criou a terra “sobre os mares” (literalmente: “acima dos mares”) como em 8.1, mas a figura poética retrata a terra sólida surgindo
das águas, com alusão a Gn 1.9-10, conforme 2Pe 3.5. No AT as profundezas dos mares relembram a falta de forma da terra (Gn
1.2), a ameaça iminente (46.5) e a falta de paz (Is 57.20). Entretanto, os mares, rios (literalmente: “correntes de águas abaixo”) e
toda a terra seca pertencem ao Senhor e a seu povo (46.2-4; 74.13; 96.10,11).
3 Os limpos de coração estarão em pé diante do trono, louvando ao Senhor (Ap 7.9). “Subir ao monte do Senhor” expressa o
desejo sincero de conhecer a Deus para verdadeiramente adorá-lo em todos os lugares (Gn 13.14; 19.27-28; Is 2.2-3; Mc 9.2). A
bênção do Senhor era compreendida no AT como o sorriso de aprovação de Deus ao caráter do fiel. Essa pessoa tem aceitação,
recebe ajuda divina para viver em retidão, é abençoada na saúde, família e negócios. A maioria dos manuscritos do Texto Masso-
rético registra a expressão: “a tua face, Jacó”. Ocorrendo a haplografia da consoante “” hebraica, a frase fica mais compreensí-
vel: “a tua face como Jacó”, numa referência à bênção e ao encontro de Deus com Jacó, em Peniel (Gn 32.29-30).
4 Os versículos de 7 a 10 falam profeticamente da ascensão de Cristo, o Senhor, depois de sua vitória sobre o pecado e a morte,
e também de seu Reino vindouro, quando sua soberania será reconhecida sobre toda a terra. “Portas” e “Portais” relembram o
regresso da arca a Jerusalém (Êx 15.1-18; Sl 46; 48; 76; 87; 132.8, 14; 68.7,8; Jz 5.4,5; Hc 3.3-7; Is 14.31; Mt 21.1-11) e a entrada
à Nova Jerusalém pelas doze portas (Ap 21.12). A palavra hebraica ראשים, rashim, traduzida por “frontões” (cabeças), aparece
em algumas traduções derivadas da Septuaginta, como “príncipes”; mas, o pronome “vossos”, anexado a ela, demonstra que o
sentido mais apropriado e literal é este: que os portões ergam suas cabeças ao Rei da Glória, o Vencedor.
Capítulo 25
1 Neste salmo, Davi suplica ao Senhor proteção, orientação e perdão (vv.1-7), descreve alguns dos atributos de Deus (vv.8-14),
e ora por livramento (vv.15-22). Com pequenas exceções, cada verso deste acróstico (composição poética, muito usada pelos
escritores hebraicos, na qual o conjunto das letras iniciais dos versos forma, verticalmente, palavras ou frases) começa com letras
sucessivas do alfabeto hebraico.
2 Os “inimigos”, sempre presentes nos salmos davídicos, se opõem a Davi ideologicamente, e não apenas pessoalmente. A
27 SALMOS 25
vitória deles o desmoralizaria, mas principalmente tudo quanto representava: sua convicção de que a humanidade deveria viver
pela ajuda e comunhão de Deus, e não simplesmente por sua natural astúcia. Os versos 20 e 21 ajudam a esclarecer esse tema,
definindo a sinceridade e a retidão como sendo a defesa de Davi e de todo o que crê, virtudes essas consideradas ingênuas por seus
inimigos. Davi ainda confessa que, sem o amor misericordioso de Deus, sua defesa não resistiria às armas mundanas da traição (ci-
lada, armadilha, cf. 15) e do ódio (cf.19, o mesmo de Caim – Gn 4.1-9). Logo, não foram os inimigos que conseguiram ditar as regras
da batalha, mas, sim, o Deus de Davi. Todos aqueles que cantam ou recitam este salmo (poema) proclamam a mesma fé de Davi.
3 Em primeiro lugar, o servo de Deus pede a instrução geral de Deus (v.4: “teus caminhos”, “tua vereda”), após o que suas
faculdades de discernimento serão aperfeiçoadas (Hb 5.14). Esta oração altruísta (não interesseira, nem egoísta) tem algumas
características: 1) Persistência: ao ficar pacientemente alerta pelo “primeiro sinal das mãos do Senhor” nos vv.5, 15 e no Salmo
123.2. Era costume o servo ficar atento às mãos do seu senhor para lhe obedecer prontamente a seus sinais de comando. 2) Peni-
tência: palavra muito usada pela igreja Católica, cujo sentido é reconhecer-se como “pecador” (palavra que, no original hebraico,
identifica aqueles que erram o alvo – v.8), e não como um aluno capaz, aplicado e merecedor. 3) Obediência: a atitude dócil que
se compreende pelas palavras “humilde” e “paciente” (derivadas da expressão hebraica ‘ānāw v.9 e 18.27). 4) Reverência: o
Senhor honra com sua intimidade, graça e misericórdia aqueles que o respeitam (temem – vv.12,14) em amor como Deus – Único
e Soberano – sobre todo o Universo. A palavra hebraica sôd significa: amizade, intimidade, concílio, conselho, como em Jr. 23.18;
Am 3.7. Essa busca de orientação divina é muito diferente das consultas pagãs quanto a destino e futuro (Is 47.13).
4 Davi sabe que não é o tempo que cura uma mente culpada, mas a graça de Deus. Por isso, seu apelo à lembrança da Aliança
não é leviano nem uma forma de escapar ao castigo divino. Davi fala a verdade e pede que o Senhor olhe para a sinceridade do seu
coração. Deus “reensina” os pecadores e “dirige” os humildes, não apenas por sua bondade e misericórdia, mas porque Ele mesmo
é “misericordioso e justo” e deseja reproduzir seu caráter em seus filhos humanos. O salmista revela a manifestação da graça divina,
a qual o Senhor concede àqueles que, sendo subjugados por seu poder e trazidos debaixo de seu jugo, suportam espontaneamente
e se submetem a seu governo. Mas essa docilidade ou mansidão jamais será encontrada no ser humano, até que o coração, que
é naturalmente arrogante, egoísta e presunçoso, seja humilhado e vencido pelo Espírito Santo. Ao empregar, no original, a palavra
hebraica ענדים, anavim, que significa: o pobre, infeliz ou aflito, cujo sentido metafórico refere-se àquele que se tornou manso, doce,
paciente e humilde, Davi nos revela as aflições que servem para restringir e subjugar tanto a obstinação da carne quanto a graça da
própria humildade. É Deus quem nos humilha e Ele mesmo é quem nos toma pelas mãos e nos guia por toda a vida.
5 A tradição dos sábios de Israel ensinava que o temor do Senhor produz uma bênção espiritual (a salvação e proteção de
Deus) e uma bênção material (família, terra e os bens), bênçãos cuja duração seria perene, uma vez que a descendência dos
servos de Deus herdaria suas posses na terra e seu testemunho de vida com Deus. Os servos gozariam da companhia do Senhor
na terra e ao longo da eternidade. No NT, o apóstolo Paulo também defende a idéia da plena bênção de Deus (1Tm 4.8), embora
entendendo que nem sempre Deus trata com os servos segundo seus desejos mais imediatos. Quando Deus retrai sua bênção de
seu próprio povo, é porque deseja despertá-los para o senso de sua condição e levá-los a descobrir o quanto se acham afastados
do perfeito amor e temor do Senhor. Entretanto, em comparação com a sociedade mundana em que vivemos e em relação às
pessoas que desprezam a Palavra de Deus, todos os servos são grandemente abençoados e se sentem felizes, visto que, mesmo
em meio a dificuldades financeiras ou nas aflições, sofrimento e dor, jamais perdem a certeza da presença pessoal de Deus e
podem usufruir das consolações e da paz que somente o Espírito Santo pode proporcionar ao salvo.
SALMOS 25, 26 28
6 Davi tinha profetizado que o Senhor seria o mestre dos piedosos e humildes. Os segredos mais íntimos de Deus estão
reservados para os servos fiéis. A Aliança de Deus é seu segredo, mistério e conselho. Ao chamar a Lei de segredo, o Senhor
demonstra que sua doutrina vai muito além da letra e só poderá ser compreendida por quem verdadeiramente amar a Deus –
Único e Soberano - de todo o coração, alma, entendimento e força; e ao próximo como a si mesmo (Dt 6.5; Mc 12.29-31). Para
os perversos, ímpios, arrogantes, e para todos que se aproximam das Escrituras sem verdadeira humildade e temor do Senhor,
o conselho de Deus é como “um livro lacrado” (Is 29.11). As Sagradas Escrituras (os segredos de Deus) foram entregues pelo
Senhor para instrução do seu povo e não apenas para os eruditos. A prerrogativa básica para compreender a Palavra de Deus
não é erudição, mas santidade e amor ao Senhor.
7 A expressão hebraica usada nos originais, יחיר, yachid, significa um estado de solidão e desolação. Ou seja, Davi não sentia
falta da companhia de pessoas, sentia falta da presença de Deus. Por isso, sentia-se destruído (desolado); no sentido hebraico:
empobrecido, infeliz.
8 Para Davi, “confiar” é “esperar em Deus”, o que significa “aceitar o tempo e a sabedoria do Senhor”. A fé de Davi está expressa
desde o v.2 e declarada nos vv.5, 8-10 e 14-15. Essa “fé esperançosa” marcava a diferença entre as atitudes de Davi e de Saul diante de
Deus (1Sm 26.10-11; 13.8-14), assim como entre Isaías e o povo de Israel (Is 30.15-18). A palavra originalmente empregada e traduzida
neste salmo, como “confiança” tem a ver com “confiança e zelo” mais do que simples e estática resignação. Ao final do salmo, essa “es-
perança” ainda não foi concretizada, mas Davi continua firme e corajosamente “crendo e esperando”. É por isso que este salmo torna-se
ainda mais relevante para aqueles que aceitam com alegria o encorajamento tranqüilo, certo e seguro, do Senhor, em Is 30.18 e 64.4.
Capítulo 26
1 No original hebraico, o sentido de “integridade” não se refere a isenção absoluta de pecados, erros ou defeitos, mas, sim, à
sinceridade de propósito e a uma certeza de devoção exclusiva e integral ao Senhor (1Rs 9.4).
2 A palavra hebraica צרף, tsaraph, significa “pôr à prova”, como o refinador testa seu ouro, dissolvendo-o e fundindo-o. Nesse
sentido ela é usada também no Sl 66.10. Davi sabe que Deus observa o íntimo de cada ser humano e busca os verdadeiros ado-
radores. Por isso pede que o Senhor o veja por dentro e considere seu amor e lealdade. Deus não se comove com cerimônias,
rituais, ladainhas e palavras lisonjeiras. Deus vê “nossos rins e entranhas”, como aparece em algumas traduções mais literais.
Para os antigos hebreus, as entranhas controlavam as decisões, e os rins, os sentimentos mais íntimos e secretos.
3 Como no Sl 1, Davi sabe que as más companhias podem corromper boas pessoas. Por isso se afasta de todos que agem com
falsidade e astúcia fraudulenta. A expressão hebraica נעל־מים, naälamim, significa: “encerrados e encobertos pela dissimulação” ou
“aqueles que se camuflam com a falsidade, para praticar o mal”.
4 A lavagem das mãos em solene demonstração de inocência (pureza), em ocasiões especiais, era ordenada pelo ritual mo-
29 SALMOS 26, 27
8 Eu amo, ó SENHOR, a casa em que habitas SENHOR garante a minha existência; o que
e o lugar onde tua glória permanece.5 eu haveria de recear?1
9 Não ceifes minha alma com a dos 2 Quando os perversos, meus inimigos,
ímpios, nem minha vida com a dos avançarem contra mim para dilacerar-
assassinos;6 me, eles é que tropeçarão e cairão por
10 suas mãos executam planos perversos, terra.2
e a prática do suborno lhes é peculiar.7 3 Ainda que um exército me cerque, meu
11 Mas eu vivo em integridade; livra-me e ser não se entregará ao temor; ainda que
tem misericórdia de mim. uma guerra estoure contra mim, mante-
12 Os meus pés estão firmes na verdade; rei minha fé inabalável.
e, perante a grande assembléia, bendirei 4 Um anseio manifestei ao SENHOR, e sua
o SENHOR.8 realização buscarei: que eu possa viver
na casa do SENHOR todos os dias da mi-
Minha luz e salvação nha vida, para contemplar a glória do
Um salmo da Davi. SENHOR e buscar sua orientação no seu
saico, e era comum entre os judeus (Dt 21.6,7). Era usual entre eles antes da oração; e os sacerdotes, em particular, não podiam
realizar qualquer ofício sacro no santuário enquanto não derramassem água limpa do lavatório, lavando suas mãos (Êx 40.30-33).
O termo hebraico original נקיון, nikkayon, significa ao mesmo tempo “o ato de limpar algo” e o estado moral de pureza e inocência.
Davi faz uma alusão à prática dos sacerdotes que, quando ofereciam sacrifícios, andavam ao redor do altar; sua intenção era
demonstrar que, como primeiramente lavavam suas mãos e, então, exerciam seu sacro ofício no altar, os sacerdotes sentiam pro-
funda necessidade de pureza pessoal, para poderem se envolver-se no serviço divino. Com esse gesto, Davi igualmente lembra a
Festa dos Tabernáculos, na qual o povo, ao sétimo dia, circundava o altar sete vezes, levando ramos de palmeiras em suas mãos
e cantando hosanas, em memória à queda de Jericó. Cerca de 1000 anos mais tarde, Pilatos repetiria o gesto de “lavar as mãos”,
proclamando-se “inocente do sangue deste justo”. Procurava eximir-se de culpa, diante do povo judeu que clamava pela crucifi-
cação de Jesus Cristo (Mt 27.24), o Cordeiro de Deus sacrificado por nossos pecados e para nossa Salvação (Hb 10.1-14).
5 Davi entra no santuário, como sincero adorador, em busca da comunhão e proteção do Senhor. Os profanos e dissimulados
(falsos), até quando freqüentam assembléias sacras, cometem pecado, pois não vão em busca de perdão e reconciliação com
Deus, mas por interesse pessoal ou conveniência social e política. Algumas traduções mais literais trazem: “a habitação de tua
casa”, o que é um hebraísmo, uma maneira bem hebraica de se referir ao “lugar da tua habitação”. Essa expressão também era
o título dado ao tabernáculo (1Sm 2.29,32) e, posteriormente, ao templo de Salomão (2Cr 36.15). No deserto, a glória de Deus
permanecia visivelmente sobre o tabernáculo (Êx 40.34ss.); no judaísmo essa expressão que significa “habitação” (shekînah),
veio a ser o termo para definir fatos dessa natureza. Mas é em Jo 1.14 que temos a declaração integral da realidade prenunciada
na nuvem e no fogo. A expressão “habitou” ou, mais precisamente, “tabernaculou” nos remete ao Tabernáculo de Deus, que hoje,
somos nós, o Corpo de Cristo, onde o Espírito Santo habita. É impressionante que João tenha escolhido a palavra grega skēnē
(tenda), tão semelhante ao termo hebraico shekînah (habitação), na formação dos verbos usados.
6 A imagem visualizada por Davi é a de um grande ajuntamento (em hebraico: אסףasaph) de tudo o que deve ser destruído,
uma alusão a Abraão, em Gn 18.25, e à parábola do joio, em Mt 13.30. A expressão no original “homens de sangue” (vv.4,5),
aparece em algumas versões como “homens sanguinários”, o que em nossos dias corresponde àqueles por meio dos quais
vidas inocentes são aniquiladas.
7 O termo hebraico זמה, zimmah, significa a habilidade em tramar o mal e planos ardilosos. Davi se reporta a Dt 16.19 e admo-
esta especialmente os notáveis da sociedade que, muitas vezes, são os que mais se dão a subornar e a serem subornados. Davi
lamenta que a justiça estivesse exposta à venda e de que tão facilmente pessoas vendessem sua honra e o temor a Deus.
8 A profissão de fé de um homem piedoso: 1) integridade e devoção (v.1). Davi está determinado a persistir no caminho do Senhor;
2) humildade (v.11), ao reconhecer que não poderia ser aceito sem o perdão e o acolhimento divino; 3) confiante certeza (v.12), pois
ninguém implora (v.11b), nem confia (v.1b), em vão. E, assim, o salmo que começou defensivo e apreensivo quanto aos inimigos,
termina com louvor e a alegria de juntar a voz aos companheiros de fé na grande assembléia dos salvos (justificados).
Capítulo 27
1 Nas mãos de Yahweh – O Senhor – estão o nosso passado, presente e futuro. Aquele que o ama, obedecerá à sua Palavra,
terá certeza da sua proteção, e poderá repetir, com coragem, a proclamação do apóstolo Paulo: “...Se Deus é por nós, quem
será contra nós?” (Rm 8.31).
“Luz” é a metáfora que simboliza tudo o que deriva da verdade e do amor, as mais belas virtudes, o poder e a alegria da vitali-
dade. (43.3; Is 5.20; 97.11; 36.9). O poder das forças do mal não é ignorado, mas está subjugado pela “luz de Yahweh” (Javé em
hebraico). Mesmo que nossa vida na terra se extinga, é o Senhor quem garante vida perene à alma fiel.
2 Algumas versões usam os verbos no pretérito, como se Davi estivesse se referindo ao passado. No entanto, essa ênfase é
SALMOS 27 30
desnecessária, pois o próprio contexto, nos melhores originais, é claro e forte o suficiente. O termo hebraico קרבkarab é usado
aqui com o propósito de descrever uma alcatéia de lobos preparando-se e salivando para atacar e devorar a carne de sua presa.
Mas Davi é iluminado pelo Senhor para registrar que os filhos de Deus jamais serão “devorados” pelo inimigo. Ao contrário, a
ênfase “eles é que” reforça a idéia de que Deus nos livrará dos inimigos enquanto os veremos tropeçando em suas próprias
maldades e caindo pelo caminho. O Senhor, além de ser a Luz que nos conduz, é também a fortaleza, o refúgio que rechaça e
aniquila os perseguidores. (Êx 14.19-24; 1Sm 23.26-27; 2Rs 6.15).
3 Davi usa algumas variações da palavra “casa”, como templo (que é a palavra padrão para descrever a residência divina ou
real, cf. 45.15,16), mas isso não significa que o Templo de Salomão já existisse. Essa palavra, bem como “tabernáculo”, emprega-
se por suas associações religiosas e, não, pelos materiais de construção, pois não se podem interpretar as duas palavras literal-
mente. Assim como a expressão “recôndito”, que no original é “caverna do leão” (10.9; 76.2; Am 1.2; 3.8), tabernáculo fala do tipo
de proteção acolhedora com a qual um hóspede era agraciado por um monarca. Davi recorda-se do seu refúgio nas montanhas
e sabe que o Senhor o abençoará com paz ainda maior. Por isso, o oferecimento de ações de graça (2Sm 6.14-17; Sl 18.1-3,
26.6-8). Em latim Sacrificia jubili e, em francês, nas palavras de Calvino, Sacrifice de triomphe. Literalmente em hebraico: “Sacri-
fícios de aclamação e retumbância jubilosa”. Atos que se reportam à Lei - que apontava para as trombetas soando no momento
dos sacrifícios (Nm 10.10), cujo som principal era mais alto, jubiloso e triunfante - chamavam-se precisamente תרועהtrughnah ou
truah, que no original hebraico quer dizer “triunfo” (Nm 10.5-7).
4 Segundo os melhores e mais antigos originais hebraicos, a expressão “Buscai a minha face” remete a Am 5.4ss. e significava
“ir consultar a Yahweh” em seu santuário (2 Sm 21.1). Esse termo assumiu um sentido mais geral: “procurar conhecê-lo, viver em
sua santa presença” e servir ao Senhor com sinceridade e fidelidade, apesar das nossas falhas (Dt 4.29; Sl 40.17; 69.7; 105.3).
5 Uma das primeiras características de uma pessoa afastada de Deus é seu estado contínuo e sistemático de ira. A expressão
hebraica original נטהnatah traduz um abandono da presença do Senhor, abandono que lança o rebelde num estado de íntima e
constante murmuração, frustração, agonia, desespero e contrariedade irrompendo em manifestações de desprazer e ira. Davi
suplica pela constante companhia do Senhor, a fim de não perder a lucidez e a sabedoria divina para agir na segurança da
verdade, em busca da paz.
6 O sentido do termo hebraico לףleka é ambíguo, uma vez que a letra ל, lamed, é freqüentemente usada como preposição “de”
ou “concernente a”. Mas o fato é que Davi está imerso em profunda reflexão sobre a Palavra do Senhor e em verdadeira oração,
que é o diálogo franco e aberto com Deus. A situação triunfante (v.6) está no futuro, na esperança certa de Davi quanto ao socorro
do Senhor. Entretanto, no presente, a realidade parece mostrar um afastamento de Deus. Mas Davi evoca sua confiança no “amor
ajudador” do Senhor, que sempre tomou a iniciativa de “estar ao lado” (em grego, paraklêtos; ou advocatus, em latim) dos seus
filhos, para socorrê-los (Zc 13.9; Jo 14.16).
7 Davi usa uma linguagem forte e hipotética para demonstrar ao Senhor toda a sua confiança no amor leal e misericordioso de
Deus para com seu povo. Não há qualquer evidência de que Davi tivesse sido desprezado por seus pais. Davi expressa que o
amor de Deus vai muito além dos sentimentos humanos e começa onde o amor humano se esgota. Deus não se esquece do seu
povo, assim como uma mãe que amamenta não se esquece do seu bebê (Is 49.15).
8 Davi não se tornou apenas um adorador que busca a presença de Deus (v.8), mas também um seguidor (discípulo) e
peregrino que se compromete a seguir o Caminho, ao longo do qual encontra obstáculos e resistências dos inimigos. Em sua
oração, não pede conforto (o caminho dos justos), mas progresso certo (protege-me dos que me perseguem). Os inimigos estão
representados pelos “que me perseguem” ou “os que me espreitam”, termos que no original hebraico trazem a mesma idéia de
vigilância em relação aos adversários que nos observam com o objetivo de encontrar um motivo para nos destruir (Lc 11.54).
9 O Comitê de Tradução da Bíblia King James optou por uma tradução mais próxima dos originais hebraicos, hoje disponíveis
para estudo dos exegetas. Portanto, os versos 13 e 14 diferem da própria tradução da King James de 1611 que, nesse caso,
31 SALMOS 28
assemelha-se à tradução francesa de Calvino, baseada na Septuaginta (tradução grega do AT) na qual a expressão grega άνδρζου
“Sê varonil” ou, como na Vulgata - tradução em latim do AT, Viriliter age “Age como homem”, foi traduzida, em algumas versões
da Bíblia, por “Seja forte”, “Coragem!” ou ainda “Tenha bom ânimo”.
Capítulo 28
1 Davi estaria passando por alguma doença grave. Seu medo não era da morte em si, mas de morrer em meio à zombaria dos
inimigos e à vergonha injusta. Davi precisava da companhia perdoadora e restauradora do Senhor. A expressão “voltam ao pó”
tem a ver com o Seol (Sl 6.5), mas ao mesmo tempo sugere o isolamento das masmorras destinadas aos piores pecadores (Is
14.15-19; Ez 32.27-30). O silêncio de Deus é o pior dos castigos. E a pessoa que anda sobre a terra sem poder conversar com
Deus é como um zumbi (morto-vivo).
2 As mãos erguidas expressam diversos aspectos da oração: aqui o gesto tem a ver com a súplica de um livramento. O Salmo 63.4
expressa o anseio de buscar a Deus; Êx 17.9ss. refere-se à intercessão que roga o poder divino sobre outras pessoas. O apóstolo Paulo,
em 1Tm 2.8, dá instruções para que se levantem mãos “santas” e “em harmonia”. O termo hebraico דבירdebir significa a sala interior do
tabernáculo ou do templo, podendo ser também o “lugar santíssimo”, onde se encontrava a arca do concerto. É sugestivo que esse ter-
mo seja derivado de דבדdabar que significa o ato de se expressar por meio de palavras. Ou seja, Deus criou o homem para dialogar com
ele. O ser humano não pode viver sem ouvir o Senhor. Ao mesmo tempo Deus deseja falar com o homem e revelar seus maravilhosos
segredos. O ser humano é convidado a abrir seu coração no Santo dos Santos (lugar santíssimo) e ouvir o coração de Deus. Davi via
no santuário o emblema do pacto de Deus e a graça prometida, exatamente como hoje os cristãos invocam o Senhor Jesus Cristo – que
desceu dos céus para que pudéssemos ser elevados ao Pai – sempre que desejam orar e abrir seus corações a Deus (Jo 14).
3 O verbo hebraico משך, mashak, é melhor traduzido, a partir de seu contexto original, por “apreender” ou “apoderar-se de”,
como os soldados se apoderaram de Cristo para crucificá-lo (Jo 19.16). O sentido da palavra “junte” é o de “arrastar juntamente”.
Davi rogava que não fosse confundido e tomado com a multidão dos ímpios pela fúria avassaladora do juízo, pois seu coração era
sincero em seu amor pelo Senhor. A Septuaginta traduz essa expressão para o grego: Mὴ συνελκύση̣ς την ψυχήν μου, “não ajuntes
minha alma com”, e acrescenta: Κίαν μὴ συναπολέλη̣ς με, “e não me destruas juntamente com”. Davi expressa a indignação de
todos os fiéis quanto à injustiça que ainda reina na terra e quanto à convicção de que um dia de juízo torna-se uma necessidade
moral, pelo que devemos “clamar dia e noite”, pois a ira do Senhor já foi despertada (Lc 18.7).
4 Esta expressão também pode ser traduzida de forma mais literal: “que Ele os destrua, e não os edifique”. Essa era uma figura
de linguagem comum entre os hebreus, segundo podemos ver em Malaquias de Edom (literalmente): “eles edificarão, Eu, porém,
demolirei” (Ml 1.4).
5 É comum na literatura hebraica sagrada os profetas alterarem os tempos verbais com o objetivo de enfatizar o cumprimento
das promessas do Senhor. Este versículo obedece aos tempos verbais do hebraico original. Uma demonstração da certeza da
resposta divina (Sl 12.5,6).
6 Davi relembra sua condição de ungido; o escolhido do Senhor. Esse termo é, no original, a base da palavra Messias (con-
ceito que só seria melhor elaborado no NT – Ef.1.3-13) e, por paralelismo (estilo poético dos salmos), se refere ao povo ungido
(escolhido) de Deus.
7 Davi tinha plena consciência de sua missão, desde quando fora ungido por Deus pelas mãos de Samuel. Em diversas ocasiões
as Escrituras atribuem a Davi o título de pastor, mas ele mesmo atribui tal ofício ao Senhor, salvo no caso em que ele é ministro (ser-
vo) de Deus. Foi Calvino quem observou que “A humanidade é pisoteada pelos pés dos reis (governantes), uma vez que a maioria
rejeita e desdenha carregar a cruz de Cristo”. (Veu que la plus grand part rejette et desdaigne de porter le joug de Christ).
SALMOS 29 32
1 A palavra hebraica ‘ אליםēlîm é plural de ‘ēl, sinônimo de ‘ễlōhîm, Deus. Em certas expressões compostas, ‘ēl significa “poder”
(Gn 31.29; Dt 28.32). A Septuaginta traduziu essa expressão para o grego, primeiramente no caso vocativo “vós, filhos de
Deus”. As traduções Vulgata, Arábica e Etiópica a seguem literalmente. Jerônimo dá o mesmo sentido em latim Afferte Domino filios
arietum. As paráfrases caldaicas é que traduziram “A assembléia dos anjos, filhos de Deus”, significando anjos de Deus. Entretanto,
neste texto de Davi, não se trata de “anjos” (como ocorre no Sl 8.5,6), mas, sim, de “os poderosos da terra”. Assim, a melhor tradu-
ção para essa expressão é: “vós, filhos dos poderosos”. Davi não está convidando os seres celestiais para adorarem a Deus, pois
isso eles já fazem diuturnamente. Davi, sim, está sendo dirigido por Deus para conclamar os reis e governantes da terra, do mais
nobre ao mais vil, a se humilharem e se renderem em louvor e adoração ao Rei dos Reis e Senhor dos Senhores: Yahweh.
2 A soberba, o orgulho e a arrogância são os grandes obstáculos humanos à verdadeira e plena adoração a Deus – o Criador.
Davi exorta nobres e plebeus a terem a mesma atitude dos anjos, em sua devoção ao Senhor. As palavras “glória” e “santo” são
exatamente as mesmas usadas pelos serafins em Is 6.3 para expressar louvores a Deus: nesta passagem, “santo” se refere ao
que Deus é, e “glória” tem a ver com tudo quanto procede do Senhor. Sua glória como Criador – o Eterno – enche toda a terra,
como cantam os serafins, enquanto a “glória do seu nome” é a revelação explícita de quem Ele é, que é oferecida a seus servos
por meio de suas palavras e grandes feitos. A expressão hebraica “ בהררתna beleza da sua santidade” (derivada da expressão הרר
“honrar ou magnificar”) é a forma mais literal e tecnicamente correta de dar eloqüência à santidade de Deus.
3 Davi nos apresenta a mais dramática imagem do poder e da majestade de Yahweh – nosso Deus, Soberano e Juiz. O Nome
do Senhor (Yahweh – Javé – Jehovah, em hebraico) é mencionado dezenove vezes, reverenciado em glória e poder sobre todos
os elementos da terra: a natureza e a humanidade. As repetições relembram o estilo de alguns poemas hebraicos da antigüidade,
como o Cântico do Mar (Êx 15), os oráculos de Balaão (Nm 23 e 24) e o Cântico de Débora (Jz 5). Este poema profético de Davi
revela uma terrível tempestade que se levanta do oeste sobre o mar Mediterrâneo, passa por sobre toda a Canaã, desde o Líbano
e o Monte Hermom (Siriom), no extremo norte, a Cades (Cadesh), no extremo sul. Aí Israel permanecera por algum tempo com
Moisés, enquanto peregrinava pelo deserto. Num clímax sereno, os trovões vão desaparecendo e o Senhor surge entronizado,
em julgamento sobre seu mundo, mas também – e principalmente – para ser uma bênção entre aqueles que o amam: seus filhos,
seu povo. Os vv.5 e 6, quando comparados a Is 2.12-17, nos profetizam o Dia do Senhor, quando os “cedros do Líbano” (reis e
poderosos pagãos), bem como todos os arrogantes, ímpios e maldosos e todas as artes e edificações nas quais o ser humano
coloca seu orgulho e louvor, serão aniquilados pelo poder da glória do Senhor. Embora esse quadro sugira o terrível dia do juízo
final, neste salmo o tom dominante é o júbilo do crente, expresso no v.9: “todos bradam: Glória!”
4 Literalmente, em hebraico: “O Eterno os faz saltar como bezerros, os próprios montes do Líbano e Siriom, como filhotes”. Os
sidônios chamavam o monte Hermom de Siriom; os amorreus o chamavam de Senir (Dt 3.9).
5 Algumas versões trazem: “faz as corsas darem à luz”. Entretanto, o termo hebraico original יחילyachil, às vezes traduzido
como “abortar”, neste caso significa “tremer”. Por outro lado, em aramaico, a expressão tem o sentido de “sacudir os animais da
floresta”. A expressão hebraica transliterada “os carvalhos” difere da expressão “faz darem cria as corças”. Entretanto, as majesto-
sas árvores (como o cedro e o carvalho), simbolizam a arrogância dos inimigos de Deus e do seu povo, e que serão humilhados a
ponto de reconhecer a glória do Senhor (Is 2.13; 10.18,33; 32.19; Jr 21.14; 46.23; Ez 21.2; Zc 11.2). Por isso, a expressão “todos
bradam” foi transliterada do original hebraico como “tudo grita”, enfatizando que “tudo” pertence a Deus. Portanto, Deus requer
um brado de “Glória!”, não apenas ao santuário material, mas principalmente dos “templos vivos” (1Co 3.16-17; 6.19).
6 A palavra hebraica traduzida por “Dilúvio” só aparece nos originais de Gn 6 a 11. Davi escolheu a expressão mais significativa
para mostrar ao mundo de sua época e a todas as gerações futuras: 1) Que o poder e a majestade do Senhor são sobre todas
as potestades: 2) O universo e tudo o que há pertencem ao Senhor. 3) Os ímpios, arrogantes e toda a glória humana serão ani-
quilados. 4) Assim como Deus primeiro julgou o mundo por meio do Dilúvio, mediante o fogo virá o juízo final (2Pe 3.3-10). 5) Os
33 SALMOS 30
salvos e fiéis devem bradar: Glória! Pois seremos abençoados com a paz do Senhor para sempre. Veremos o “arco da aliança do
Senhor” nos céus, como os salvos do Dilúvio testemunharam a graça de Deus, cujo sinal se perpetua até nossos dias. O salmo
que começou em Gloria in excelsis termina com in terra pax.
Capítulo 30
1 A expressão original em aramaico aqui traduzida por “Casa” é a mesma utilizada para “templo” ou “palácio” (2Sm 5.11; 6.9-14; 1
Rs 8.63). A tradição judaica aponta para a celebração – ainda hoje vigente – de Hanuká, comemoração da dedicação do altar do tem-
plo: רבירdebir “sala interior do templo” ou “lugar santíssimo”. Davi consagra seu palácio real ao Senhor e ensina o povo a consagrar
suas vidas (seus templos) e suas casas ao Senhor. Pois sem ações de graças não existe qualquer uso puro e lícito dos bens que Deus
nos permite possuir por um tempo. Por isso, ao oferecerem as primícias a Deus, reconheciam que estavam oferecendo ao Senhor o
excedente do ano inteiro (essa é a idéia básica do dízimo, melhor compreendida no NT). De igual forma, ao consagrar a Deus suas
habitações, declaravam-se arrendatários de Deus, confessando-se estrangeiros, e que Deus era quem os hospedava e lhes concedia
a moradia. A cerimônia passou a ser levada tão a sério pelo povo de Deus, que uma família só declarava sua residência “consagrada”,
quando se sentia segura para afirmar que aquela “casa” podia ser considerada como um “santuário de Deus”, pois nela reinava
genuína piedade e imaculado culto a Deus – Yahweh. Embora o rigor dessas leis não prevaleça no NT, o apóstolo Paulo nos exorta a
que todas as coisas, as quais Deus nos concede a graça de conquistar, sejam ainda “santificadas pela palavra de Deus e pela oração”
(1Tm 4.4-5). Davi estava exultante pela dupla bênção recebida: havia recebido a restauração da própria vida e a restauração do reino.
Em algumas traduções da Bíblia, bem como no AT em hebraico, este subtítulo é considerado como o primeiro versículo do salmo.
2 Estando debilitado física e psicologicamente, Davi rogava a Deus que seus inimigos não vissem, em sua ruína, motivo para
zombar do poder e do cuidado que o Senhor dispensa aos que nele esperam. De modo semelhante, Ezequias, mais tarde,
buscaria no Senhor forças para que suas esperanças prevalecessem sobre seus inimigos (2Rs 19.3). No NT, o apóstolo Paulo
expressa sua preocupação positiva (At 20.24), e vê o cumprimento da graça do Senhor (2Tm 4.7). Mais importante do que co-
meçar bem é terminar bem.
3 O termo hebraico original רפאrapha significa “curar”, mas seu sentido é ainda mais amplo, podendo ser compreendido
também como “restaurar” ou “recompor”. Algumas vezes é aplicado à “reforma” de uma casa e em outros casos refere-se a um
“livramento” importante. Deus respondeu às orações de Davi e o abençoou com cura física, emocional, e o livrou de todos os seus
inimigos. Por isso Davi conclama todos os fiéis – de todas as épocas – a se unirem num brado de louvor ao Senhor.
4 Davi esteve muito doente, à beira da morte. Ao mesmo tempo foi perseguido cruelmente por seus inimigos que, como lobos,
procuravam destruí-lo e festejar sua derrota com seu próprio sangue. Esta expressão é a mesma usada em Êx 2.10, quando a
filha do faraó dá o nome de Moisés ao filho adotivo, dizendo: “Porque eu o tirei das águas”. Nos originais, em hebraico, oדליתני
“içar de um poço”. Literalmente seria: “Tu me tens içado para fora de um calabouço”. Davi se viu próximo do Sheol (sepulcro,
profundezas, pó ou lugar dos mortos) Ez 32.18-32; Jó 3.13-19; 10.22; Ec 2.16; Is 5.14; 14.13; 26.19; 38.18-19; Dn 12.1-3; Jn 2.2;
Hc 2.5; Mt 16.18; Jo 9.4; Hb 9.27.
5 O termo hebraico חסיריםchasidin significa “mansidão”, mas com freqüência descreve os fiéis e sua adoção celestial, a qual
deve motivá-los à prática do bem em favor do próximo (Mt. 5.45).
6 O termo hebraico transliterado em “indignação” deve ser compreendido ao lado da expressão “pequeno intervalo de tempo”,
demonstrando a cólera ou ira momentânea do Senhor com sua repreensão e correção, severa e amorosa, e nunca desassociada
de sua eterna misericórdia e proteção para com os seus. O NT tornará mais claro esse conceito de “tristeza que produz alegria”
(2Co 4.17; Jo 16.20-22), bem como a correlação entre os problemas agudos, graves, mas passageiros, e o “eterno peso de
glória” (2Co 4.17).
Literalmente: “Ao entardecer, o choro pode chegar para passar uma noite...”.
7 A expressão hebraica שלוהshiluah tem a ver com um tipo de segurança que é fruto da fé nas circunstâncias favoráveis, as
quais podem nos induzir a crer que somos auto-suficientes, esquecendo-nos de nossa dependência constante de Deus. É saudá-
vel desenvolver uma elevada auto-estima e autoconfiança. Entretanto, quando essas virtudes se tornam em arrogância e soberba,
a queda está próxima (Pv 1.32-33; Jr 22.21).
SALMOS 30, 31 34
8 O termo usado no hebraico original é יהוהYahweh,Yehovah ou Jehovah. Modernamente os textos judaicos traduzem como
Adonai (Javé) ou Eterno. Calvino traduziu por Dominus.
9 O sangue contém a vida (Gn 9.6; Lv 1.5; Sl 72.14; 106.38), portanto, Davi se refere à possibilidade da sua morte. Alguns
tradutores acham a expressão “proveito” um tanto comercial, mas qualquer sinônimo não poderá fugir ao sentido original de
“prejuízo”. Davi está refletindo sobre seu grave pecado de desobediência direta às ordens de Deus e à Lei, ao promover, em
Israel, um censo com finalidade militar e por vaidade pessoal (Êx 30.12-15; Nm 1.2-4, 47-49; 2Sm 24; 1Cr 21). Deus se enfurece
com a falta de obediência (que em última análise é traição) de Davi a Ele e à Lei, da qual deveria ser fiel guardião e promotor, e
permite que uma epidemia mate cerca de setenta mil israelenses; sendo Davi, como ungido do Senhor, o responsável direto por
essa desolação entre seu povo.
10 Davi cometera muitos erros e pecados, mas não nutria qualquer insensibilidade estóica (impassibilidade diante da dor e
dos infortúnios), como ocorria com os reis pagãos. Ao ver seu povo perecendo por sua causa, Davi prostrou-se e suplicou a
misericórdia e o perdão do Único que poderia socorrê-lo: Yahweh – o Senhor. Davi cobriu-se de cilício (em hebraico: שקsak),
uma pequena túnica feita de crina, lã áspera ou farpas de madeira, que por penitência os antigos usavam sobre a pele, sem
qualquer proteção. Era um sinal público de arrependimento e martírio por um pecado cometido. A tristeza leva o fiel ao arre-
pendimento e à sabedoria (2Co 7.10). Deus se compadeceu de Davi e reconheceu a sinceridade do seu arrependimento; pois
o Senhor não olha as lágrimas, mas vê o coração, e perdoou a Davi. O perdão liberta e promove alegria interior. Davi agora
podia ir ao templo, trocar a roupa de luto e tristeza por vestes de regozijo, fazer novos votos de fidelidade a Deus e oferecer
sacrifícios de louvor e gratidão ao Senhor com cânticos e danças espirituais, conforme a tradição judaica da época (2Sm 6.16;
Sl 26.6-7; 118.27-28).
11 O termo hebraico original כבורkebod significa “glória” e pode também ser usado no sentido abstrato de “plenitude do ser”,
o que no pensamento grego seria “alma” e para nós “coração”: o centro dos sentimentos, num sentido figurado. Os antigos
hebreus criam que o ser humano recebia a “Imago Dei” (Imagem de Deus) dentro de si, e que essa “glória” ia se intensificando e
dominando a natureza humana à medida que a pessoa se consagrasse em devoção a Deus. Davi vencera uma batalha, mas não
a guerra. Outros embates e fraquezas viriam, mas uma certeza permaneceu: a vitória será sempre daquele que, em obediência,
crer no Senhor (Rm 8.28-37).
Capítulo 31
1 Diversos homens de Deus fizeram uso deste salmo: Jeremias escreve suas confissões olhando para o v.13; Jonas faz uso do
v.6, e Jesus faz uso da primeira parte do v.5, suas últimas palavras, ao padecer na cruz do Calvário, cerca de mil anos mais tarde.
O próprio Davi, em sua velhice, começa uma de suas últimas orações, o salmo 71, retomando o conteúdo dos primeiros versos
deste salmo 31. Em algumas cópias gregas, surge a expressão “Liberta-me” que aqui foi traduzida por “abriga-me”, por estar mais
de acordo com os mais antigos e fiéis originais em hebraico. Davi buscou proteção no Senhor e a resposta de Deus é prova de sua
existência e de seu cuidado pessoal para com aqueles que nele crêem. O silêncio de Deus acarretaria a zombaria dos inimigos sobre
seu nome e a destruição de seu servo. Davi não pede porque é inocente ou mereça, mas, sim, porque é redimido (v.5).
2 Depois de presenciar a morte de milhares de pessoas do seu povo, Davi chega ao mais profundo entendimento sobre o que
é viver: é entregar sua força vital (o espírito) nas mãos do Senhor. Davi louva a Deus por seu resgate. A palavra hebraica original
transliterada em pāđâh raras vezes é empregada com respeito a expiação; o sentido mais comum e correto é o de libertação ou
resgate das aflições. O livramento aqui é tão certo como se já tivesse ocorrido (o verbo hebraico está no tempo perfeito, o que
corresponde ao pretérito perfeito em português), ou que os livramentos do passado motivam Davi a esse ato de completa entrega
do seu ser a Yahweh (em hebraico, – )יהוהDeus Único e Verdadeiro (Lv 6.4; 1Rs 14.27; Jr 36.20; Lc 23.46). Davi condena a idolatria
e aponta para o Único capaz de nos livrar das ciladas do inimigo e da morte eterna. Cerca de mil anos mais tarde, Jesus Cristo
repete a expressão de entrega de Davi, diante do seu povo. Agora não eram milhares de pessoas morrendo por causa do pecado
35 SALMOS 31
6 Repudio os que se mantêm em crenças vêem na rua fogem para longe da minha
vãs e enganosas. Eu, porém, confiarei só presença.
no SENHOR!3 12 Sou esquecido por eles como se esti-
7 Exultarei com grande alegria por tua vesse morto; sou considerado como um
misericórdia, pois viste a minha aflição e vaso quebrado.
compreendeste a angústia da minha alma. 13 Ouço muitos murmurando sobre mim;
8 Não me entregaste nas mãos do inimi- o pavor me cerca por todos os lados,6 pois
go, mas aplainaste um caminho para que sei que conspiram contra mim, tramando
meus pés passassem seguros.4 como tirar-me a vida.
9 Tem misericórdia de mim, ó SENHOR! 14 Mas em ti confiei, ó SENHOR, e procla-
Pois o desespero tomou conta da minha mei: “Tu és o meu Deus!”
alma e do meu corpo; os meus olhos se 15 Os meus dias estão em tuas mãos;
consomem em prantos. livra-me dos meus inimigos e daqueles
10 A minha vida tem transcorrido em que me perseguem.7
aflição, em lamentos, meus anos; devi- 16 Faze resplandecer sobre mim a tua
do à culpa, minhas forças se esgotaram e face;8 salva-me por tua benevolência.
meus ossos se enfraqueceram.5 17 Não seja eu decepcionado, pois com fé
11 Por causa da quantidade de inimigos te invoquei; humilhados e sem esperança
que me cercam, tornei-me um escândalo; deixa os ímpios; que calados, fiquem no
para meus vizinhos, objeto de desonra; e túmulo.9
terror, para os meus amigos. Os que me 18 Sejam emudecidos os seus lábios men-
de um ungido do Senhor, mas sim o Ungido de Deus que entregava seu fôlego de vida humana, seu espírito, em sacrifício ao Pai,
para a salvação de milhões e milhões de cristãos, pelos séculos dos séculos. Por isso, Estêvão o invoca para que seja seu refúgio,
ao clamar: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito” (At 7.59).
3 Davi tinha uma convicção inegociável: ele amava ao Senhor de todo o seu coração, e só no Senhor confiava como sendo o
Único e verdadeiro Deus – Criador do universo e da raça humana. Assim como creram Abel, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés e
todos os demais profetas e homens de Deus (Hb 11). A expressão hebraica הבלhebel não se refere apenas a adoração a ídolos,
mas também inclui em seu amplo significado, as crenças em teorias fúteis, ilusórias e inverossímeis. Por isso, todos quantos
se deixam influenciar por cultos a ídolos, superstições, benzeduras, astrologia ou amuletos, assim como os animistas, deístas,
heréticos ou agnósticos precisam ouvir a voz de Deus, arrepender-se de seus pecados, e entregar-se ao Senhor (Cl 2.8). Algumas
versões trazem “tu detestas” ou “aborreces”, mas o termo no original hebraico indica que Davi é quem se expressa; “eu rejeito”
ou “eu detesto” podendo ser estas outras traduções plausíveis.
4 O verbo hebraico original, aqui traduzido por “entregaste” era, normalmente, usado para indicar a condenação de alguém à
prisão, contrastando com a liberdade declarada no v.8, o que dá à poesia hebraica beleza e significado ainda maiores. Deus usa
seu poder para amorosamente escutar o íntimo (alma) de cada um de nós, e nos responde segundo sua misericórdia infinita e
seu plano maravilhoso para cada indivíduo, por quem ele anseia ser chamado de Abba (papai ou pai querido, em aramaico Êx
3.6; Mc 14.36; Rm 8.15; Gl 4.6).
5 A expressão hebraica עוןon tem um significado amplo e curioso para a cultura ocidental: tanto pode significar “pecado” como
castigo – especialmente na forma de culpa – que advém do erro cometido e persegue renitentemente o culpado, aterrorizando
sua mente, chegando a provocar depressões profundas e diversas reações psicossomáticas (cefaléias, dores musculares, diabe-
tes, alergias, bronquites, úlceras e até cânceres). Além disso, a forma hebraica usada aqui ( )וןעsignifica a “aflição” do remorso que
a iniqüidade (extrema injustiça) sempre produz (Gn 4.13; 1Sm 28.10; 2Rs 7.9; Is 53.6-11). Ocorre que não era Deus quem estava
condenando Davi, mas, sim, ele mesmo (a consciência), os homens (inimigos), e o diabo (o Inimigo), nossos maiores acusado-
res. Ao tirar os olhos do perdão de Deus, veremos um exército pronto a nos fuzilar. Jeremias conhecia esse assédio perverso (Jr
6.25; 20.3-10; 46.5; 49.29; Lm 2.22), a que chamou de “terror de todos os lados”.
6 A expressão hebraica “Magor- Missabib” (Terror-por-todos-os-lados) foi o mesmo nome que Jeremias deu a Pasur, o sacerdote
que havia mandado açoitar o profeta, significando que “ele seria terrível para si e para todos os seus amigos” (Jr 20.1-4).
7 Em meio aos rumores de morte e às ciladas dos inimigos, Davi recorre à sua mais poderosa arma: sua fé absoluta em Yahweh
– Nosso Único e Poderoso Deus. E afirma sua convicção no livramento do Senhor conjugando, no original hebraico, o futuro,
como se passado fora. Além disso, Davi enfatiza a soberania de Deus e sua intimidade e dependência do Senhor para viver cada
dia, antes de expressar suas petições.
8 Davi recorre à Palavra de Deus, como todos nós deveríamos proceder – especialmente em meio às tribulações da vida – e
suplica a bênção do Senhor (Nm 6.25), que se tornou marca e tradição do povo de Deus. Essa expressão hebraica traz, em seu
sentido original, a idéia de: “Senhor, mostra tua misericórdia e generosidade para com teu servo”.
9 Davi suplica que o Senhor demonstre, uma vez mais, que a fé daqueles que confiam em Deus não é vã; ao contrário dos
SALMOS 31, 32 36
tirosos, pois com arrogância e desprezo 23 Amai o SENHOR, vós todos os seus fiéis.
desonram os justos. O SENHOR defende os leais, mas aos arro-
19 Imensa é a misericórdia que destinas gantes retribui com largueza.12
àqueles que te temem e que, à vista de 24 Sede fortes e corajosos; Ele fortalecerá
todos, dispensas aos que em ti buscam o vosso ser, vós todos os que confiam e
refúgio. esperam no SENHOR!13
20 No recôndito da tua presença os abri-
gas das intrigas dos soberbos; na tua ha- O perdão que restaura
bitação, os proteges das línguas maledi- Um salmo didático de Davi.1
centes.
21 Bendito seja o SENHOR que me fez
conhecer sua misericórdia e lealdade
32 Bem-aventurado aquele que tem
suas transgressões perdoadas e
seus pecados apagados!
quando eu estava em uma cidade cer- 2 Como é feliz aquele a quem o SENHOR
cada.10 não considera iníquo e em cuja alma não
22 Em meu desespero, pensei: Fui excluí- há hipocrisia!2
do da tua presença! Contudo, tu ouviste 3 Enquanto mantive meus pecados in-
as minhas súplicas quando clamei por confessos, meu ossos se definhavam e
teu socorro.11 minha alma se agitava em angústia.3
caluniadores e ímpios, cuja astúcia e crueldade os conduzirá para o silêncio do Sheol (expressão hebraica para morte, túmulo,
sepulcro ou volta ao pó) e à completa falta de esperança. Os incrédulos e faladores serão obrigados a se calar diante da justiça
e do poder do Senhor – nosso salvador.
10 Davi exalta a proteção que o Senhor concede a seus fiéis, realizando seus feitos em público (“diante dos filhos dos homens”,
como traduziu Calvino). Por isso, com esse eulogium (louvor, em latim), o salmista proclama o poder da divina providência,
porquanto ela é suficiente para eliminar todos os males e promover o livramento e a justiça; enquanto brilha sobre os piedosos,
concedendo alívio, consolo e vitória, ela cega, cala e debilita as mãos dos perversos. A expressão hebraica ריבסיםrikasim indica
que as pessoas perversas e malévolas são antes de tudo “soberbas”, pensam sobre si mesmas muito além do que convém e, por
isso, se julgam merecedoras do serviço e louvor dos mais humildes (v.20). Aos fiéis, entretanto, o Senhor os guarda, protegidos,
em seu recôndito; “seu mais oculto” ou “à sombra da tua presença”, como em alguns textos hebraicos.
11 A expressão hebraica חפזchaphaz, traduzida em algumas versões por “pressa” ou “espanto”, realmente tem um significado
mais amplo, refletindo o estado de ansiedade, pânico e desespero que conturbava o equilíbrio psicológico de Davi naquele
momento, assim como já havia ocorrido outras vezes (116.11). O termo hebraico אבןaken deve ser entendido aqui como palavra
adversativa, “todavia” ou “não obstante”, a fim de mostrar que apesar dos maus pensamentos e sentimentos de deserção, com
os quais todos nós somos tentados, a graça e a imensurável bondade do Senhor trouxeram Davi à sensatez da fé, venceram a
incredulidade, e moveram sua alma a conclamar seu povo para confiar em Deus e adorá-Lo.
12 A expressão hebraica original על־יתרal-yether aparece em algumas versões com o sentido de “dar ao ímpio o que ele me-
rece”. Entretanto, a expressão tem um sentido mais complexo e abrangente, mostrando que a justiça de Deus é extremamente
severa para com o incrédulo, podendo estender-se a seus filhos e netos.
13 Esta é uma tradução mais significativa do ponto de vista do conteúdo dos melhores originais hebraicos. Estamos diante
de uma garantia de ajuda e companheirismo de Deus, se tivermos a ousadia (coragem) de aceitar o convite do Senhor, em vez
de uma dupla exortação, como aparece em algumas versões. De qualquer forma, não se trata de uma promessa de pôr fim aos
problemas, mas de conceder capacidade para vencê-los (Lc 22.42,43).
Capítulo 32
1 Este salmo é uma seqüência do Salmo 51, e são chamados de “salmos penitenciais”. Neles Davi confessa seus pecados
cometidos a partir do momento em que se permitiu tentar e seduzir pelos encantos físicos de Bate-Seba. A expressão hebraica
maskil, traduzida aqui como “didático”, significa um poema contemplativo e pedagógico, em que as duas partes (vv.1-7 e
8-11) de ritmo diferente se respondem. Tendo experimentado, no corpo e na alma, quão severa é a correção (o peso da mão divi-
na) do Senhor contra aqueles que fazem o que não é justo diante de Deus, proclama seu aprendizado: estar em íntima comunhão
com Deus é a verdadeira felicidade. Davi descreve a bênção do perdão do Senhor, que restaura plenamente o fiel, e que se seguiu
à disciplina e à confissão (vv.1-5); depois anima outros a buscarem o livramento divino em vez de teimosamente se recusarem a
segui-lo (vv.6-10), exortando-os, finalmente, a se alegrarem no Senhor (v.11).
2 No NT, o apóstolo Paulo fará uso deste texto para mostrar que a justiça em nós criada, não vem de nós mesmos, mas é uma
dádiva de Deus, concedida aos fiéis (Rm 4.6-8). Somente pela fé no Senhor, é possível apropriar-se da justificação e, portanto,
sentir-se plenamente restaurado (Gn 15.6). A expressão “alma” ou “espírito” traduz o sentido hebraico antigo de “entranhas” ou
“íntimo dos sentimentos e decisões humanas”.
3 O reconhecimento do erro, com a devida e sincera confissão ao Senhor, e o forte propósito de se afastar dele, incluindo,
quando possível, restituição do prejuízo causado, fazem parte de um processo terapêutico que conduz o pecador a libertação
37 SALMOS 32, 33
4 Pois dia e noite a tua mão pesava sobre no caminho a seguir; os meus olhos esta-
mim e minhas forças se desvaneceram rão sobre ti para aconselhar-te.
como a seiva em tempo de seca.4 9 Não sejais como o cavalo ou a mula,
Pausa que não possuem compreensão, mas
5 Confessei-te o meu pecado, reconhe- precisam ser controlados com o uso de
cendo minha iniqüidade, e não encobri as freios e rédeas, caso contrário não pode-
minhas culpas. Então declarei: Confessa- riam obedecer.
rei minhas transgressões para o SENHOR, e 10 Muitos são os sofrimentos do ímpio,
tu perdoaste a culpa dos meus pecados. mas a bondade do SENHOR protegerá
Pausa quem nele confia.
6 Dessa maneira, todos os que têm fé 11 Alegrai-vos no SENHOR, ó justos, e can-
orem a ti, enquanto podes ser encontra- tai bem alto, vós todos que sois retos de
do; quando as muitas águas se levanta- coração!7
rem, elas não os alcançarão.5
7 Tu és o meu abrigo seguro; tu me livras Louvai o Criador do Universo
das aflições e com cânticos de salvação
me envolves.6
Pausa
33 Ó justos, exultai no SENHOR! O de-
sejo dos retos é louvar a Deus.1
2 Celebrai ao SENHOR com harpa, ofere-
8 Diz o SENHOR: Instruir-te-ei e te guiarei cei-lhe música com lira de dez cordas.
e felicidade plenas. O verbo hebraico חרש, na conjugação hiphil, significa: ponderar, considerar, estar em profunda meditação
e preocupação. No texto, seu sentido não é o de “cobrir” ou “calar”, como aparece em algumas versões, mas, sim, o de “não
confessar” ou “não declarar” ao Senhor – com genuíno arrependimento – os erros (pecados) cometidos. Em 1Co 11.30, o após-
tolo Paulo esclarece sobre o auto-exame das consciências diante de Deus, antes de se participar da comunhão dos fiéis. Muitas
doenças são fruto de consciências pesadas e em falta diante do Senhor, cuja cura estaria na confissão a Deus e na comunhão
com os irmãos de fé.
4 As expressões hebraicas transliteradas em lesaday “um feixe de palha ou um campo” e leshaddi “minha seiva” formam um
jogo de palavras poéticas de difícil decifração. Tanto que Jerônimo traduziu por: “revolvi-me em minha miséria enquanto se
inflamava a ceifa”.
O texto siríaco apresenta uma boa tradução: “minha dor se revolveu em meu peito até aniquilar-me”. Em aramaico: “minha
seiva se alterava com o ardor da seca”.
5 Davi se refere ao tempo da Graça, ou seja, hoje. Haverá um tempo em que a Graça do Senhor será recolhida da terra e, nesse
dia, não haverá mais possibilidade de se falar com Deus por meio da oração com a certeza de que ele está pronto para ouvir com
misericórdia e perdão (Is 55.6-7). Na versão Septuaginta (o AT em grego), a tradução é: “No tempo de achar favor”; na Arábica,
“Numa época de se ouvir”; e na Siríaca, “Num tempo aceitável”. A expressão “as muitas águas” tem a ver com a lembrança do
grande juízo do dilúvio e se refere a todos os perigos e sofrimentos dos quais parece não haver qualquer possibilidade de escape.
Entretanto, para aquele que coloca toda a sua confiança (fé) no Senhor – Yahweh, permanece a profecia de Joel: “E ocorrerá que
todo aquele que clamar o nome do Senhor será salvo” (Jl 2.32).
6 Os salmos de Davi são recitados até hoje nas casas judaicas e nas sinagogas em todo o mundo. Alguns judeus costumam ler
todo o livro uma vez por semana, outros completam a leitura e recitação em um mês. Este versículo é assim transliterado: Ata séter
li mitsar titserêni, ranê falet tessovevêni sêla. Como já foi explicado, o termo sêla ou selá foi traduzido como Pausa.
7 Davi confessou seus pecados ao Senhor e, tendo sido perdoado pelas misericórdias de Deus (1Jo 1.9), agora retoma sua
posição de rei e profeta ungido. Nos melhores textos hebraicos, aparece a tradicional intervenção do Senhor, quando fala por
meio do profeta: “Diz o Senhor:”(v.8), para todos nós, pois no texto original as instruções do Senhor estão no plural (v.9). Somos
exortados a cultivar uma alma (espírito) capaz de aprender e adquirir sabedoria. Se o perdão é bom, a comunhão é melhor. Se
já sentimos o “peso da mão” do Senhor, é melhor valorizarmos seu toque mais suave e seus conselhos. Somos convidados a
uma cooperação inteligente e amiga com Deus (Jo 15.15). Por mais que se adestre um cavalo, jamais se poderá ensiná-lo a
refletir sobre um conselho dado. Por isso, as expressões hebraicas ( רשעatitude indomável e impensada) e ( בטחatitude dócil e
reflexiva) são usadas em bela oposição poética para ilustrar o contraste dos irracionais em relação aos sábios. Cavalos e mulas
só aprendem a obedecer em função de pressões e condicionamentos físicos (Jr 8.6). Mas todos aqueles que amam o Senhor
com sinceridade podem bradar de alegria, expressando na adoração os cantos de livramento, já antecipados pelo salmista, em
meio à aflição (v.7).
Capítulo 33
1 Não há indicação de autoria neste salmo. Entretanto, a convocação inicial retoma a nota com a qual terminou o salmo anterior:
“exultai”, é da mesma raiz que “cânticos de salvação” e “cantai bem alto” (32.7,11). O termo hebraico אוהavah significa “querer”
ou “desejar”. Embora algumas versões o tenham traduzido por “ficar bem”, o sentido mais fiel da expressão original é mostrar que
os fiéis sentem naturalmente um forte desejo de louvar a Deus por meio de poemas, hinos e cânticos; notadamente em voz alta
SALMOS 33 38
3 Entoai-lhe um cântico novo, tocai com para sempre, os projetos do seu coração
arte e júbilo na ovação.2 por todas as gerações.
4 Porque a Palavra do SENHOR é verdadei- 12 Feliz a nação cujo Deus é o SENHOR, o
ra; Ele é fiel em tudo o que realiza. povo que Ele escolheu para lhe pertencer!
5 Ele ama a justiça e o direito; a terra está 13 O SENHOR olha dos céus e observa toda
repleta da bondade do SENHOR.3 a humanidade;
6 Os céus foram criados mediante a pala- 14 do seu trono Ele contempla todos os
vra do SENHOR, e todos os corpos celestes, habitantes da terra;
pelo sopro de sua boca.4 15 Ele que forma o coração de todos, que
7 Ele recolhe as águas do mar num vaso, e conhece tudo o que fazem.
dos abismos faz reservatórios.5 16 Não há um monarca que se salve com
8 Toda a terra tema o SENHOR; tremam dian- a força dos seus exércitos; nem o guerrei-
te dele todos os habitantes do mundo. ro mais poderoso pode se livrar.
9 Pois ele falou, e tudo se fez; Ele ordenou, 17 O cavalo é ilusão de livramento, e todo
e tudo surgiu. o seu vigor não ajuda a escapar.
10 O SENHOR desfaz os planos das nações 18 Eis que os olhos do SENHOR estão sobre
e frustra os intentos dos povos.6 os que o temem, sobre os que firmam
11 Mas os planos do SENHOR permanecem toda a esperança em suas misericórdias,
e com muita alegria espiritual. Os anjos são mestres nesse mister. Enquanto, no verso 3 o verbo “entoai” reflete com propriedade
os gritos de aclamação ao Rei (Nm 23.21), pede, também, três qualidades raramente encontradas juntas em músicas religiosas:
originalidade, perícia e santo fervor.
2 Quanto mais os fiéis são dedicados a fazer a vontade de Deus, mais belo e eloqüente é o louvor que produzem. A expressão
hebraica היטיבheytib é uma convocação a que se cante com força e harmonia; alto e afinado. Esse termo tem origem nos gritos de
guerra do passado (Êx 32.17; Js 6.5; Jz 7.20-21; 1Sm 17.20,52; Jr 4.19; 49.2; Os 5.8; Am 1.14). Era uma saudação a Yahweh – o
Senhor, como Rei e Comandante da guerra (Nm 23.21; Sf 1.14; cf. 1Sm 10.24), e à arca sagrada, seu baluarte (1Sm 4.5; 2Sm
6.15). Depois do Exílio esse “grito ritual” (ovação ou aclamação) toma um sentido cultural e litúrgico; ele exalta Yahweh, Rei de
Israel e dos gentios (Sl 47.2,6; 89.16; 95.1; 98.4,6), o Salvador (Is 44.23) e o Juiz (Jl 2.1), bem como seu Messias (Zc 9.9). Esse
brado de louvor é lançado nos dias de festa (Ed 3.11, cf. Jó 38.7), nos sacrifícios de ação de graças (Sl 27.6; 100.1; Jó 33.26) e
nas liturgias (Sl 95.1,2; 100.1 cf. Nm 10.5).
3 Os versículos 4 e 5 são o coração deste salmo: Deus é fidedigno em todas as suas palavras e obras, caracterizadas por
retidão, justiça e graça. O sofrimento e a injustiça que ainda cobrem a terra não provêm de Deus, são frutos de desobediência,
ignorância, arrogância e avareza humanas, insufladas pelos ideais destrutivos e perversos de Satanás. Olhemos, por exemplo,
a figura do deus grego Zeus, deus que odiava e guerreava com outros deuses e com a humanidade. Milhões de pessoas, ainda
hoje, crêem em deuses semelhantes, e o resultado dessa fé descabida é dor e ódio.
4 O salmista invoca o ato da criação (Gn 1) para exaltar o poder e o propósito de Deus para com a humanidade. Deus ordenou,
e as coisas vieram a existir do nada. Deus fez tudo o que existe mediante sua “palavra” e “sopro”, ou seja, seu “hálito”, cujo vo-
cábulo original hebraico é o mesmo para “espírito” (Jó 26.13). O sopro de Deus é o “verbo”, a “palavra”, o “logos eterno”: Jesus
Cristo – a expressão criadora exalada por Deus – o Pai (Jo 1.1-5). A palavra de Deus é sempre criadora e produtiva, jamais volta
vazia (Is 55.11). Por isso, devemos viver e pregar a Palavra. O salmista confirma a veracidade e originalidade do primeiro capítulo
de Gênesis, refuta qualquer teoria sobre a geração espontânea e casual do universo, e afirma – na seqüência – que todas as
pessoas da terra poderiam estar gozando de excelente condição de vida, se apenas, cressem, com sinceramente, no verdadeiro
Deus e Pai – Yahweh (Is 1.1-20).
5 A bondade de Deus para com a humanidade se revela na maneira amorosa e especial com que o Senhor colocou nosso pla-
neta em sua órbita elíptica e precisa, ao redor do Sol. Mais próximos não suportaríamos o calor, mais distantes a terra seria apenas
uma grande esfera congelada no espaço. O zelo de Deus para com sua criação levou-o a fazer da terra um grande jardim para os
seres humanos. A expressão hebraica transliterada em nō’đ significa odre – normalmente usado para conter o vinho – botija ou
vaso. As traduções antigas, lendo o Texto Massorético, traduziram equivocadamente a expressão nē’ď, que significa “montão”.
As versões antigas entendiam que as consoantes hebraicas significavam “odre”. Os textos hebraicos hoje usados nas sinagogas
trazem a expressão “vaso”, no sentido de “lugar” ou “recipiente” onde o Senhor, delicadamente, represou as águas dos mares e
oceanos para desenvolver nosso ecossistema planetário.
6 O salmista compara a glória obediente da natureza à rebeldia injusta do homem. Os planos do Senhor serão todos imple-
mentados e sua vontade permanecerá eternamente (Is. 40). Todos os projetos humanos e as próprias ciladas do diabo redundam
em nada e apenas servem para cumprir a Palavra de Deus (Is 44.25ss; 45.4-5) onde, aos escolhidos de Deus, são reveladas as
implicações da salvação (v.12; Is 41.8-13; 42.1). A tradução grega, Septuaginta, acrescenta uma frase que não está no original
hebraico nem nas versões Caldaicas e Siríaca, a saber: Καὶ άθετει βουλὰς άρχόντων, ou seja, “e frustra os conselhos dos príncipes”.
A Vulgata, Arábica e Etiópica, copiando a Septuaginta, cometem o mesmo equívoco e apresentam também esse acréscimo.
39 SALMOS 33, 34
7 O julgamento e a salvação ficaram evidentes, pois o poderoso domínio de Deus não é tirano. Baseia-se no perfeito conheci-
mento (vv.13-15), controle (vv.16-17) e amor (vv.18-19). A palavra hebraica para “todos”, no v.15, é “juntos”, o que assevera não sua
uniformidade, mas, sim, o discernimento que Deus tem de todos os seres humanos, como indivíduos. Os versos 18 e 19 são uma
afirmação de que o fiel, com Deus, é maioria, contrariando o antigo adágio secular, nascido no coração amargurado de Voltaire: “Di-
zem que Deus sempre favorece os grandes exércitos”. Mesmo em nosso mundo corrupto e violento, não é a força que tem a última
palavra. Quando ela prevalece, é por algum propósito divino, não por seu próprio poder (Is 10.15; Jr 27.5-6). Mas o olhar amoroso e
justo de Deus estará para sempre sobre seus fiéis, para protegê-los e os livrar de todo mal. Finalmente, a esperança está no “Nome
de Deus”, ou seja, em seu caráter revelado (Êx 34.5-7). Essa “esperança certa” não se concentra na dádiva – mesmo considerando
que há lugar para isso (Rm 8.18-25) – mas no Doador. Essa esperança (fé), jamais nos decepcionará (Rm 5.5).
Capítulo 34
1 Como já foi comentado, todos os textos iniciais dos Salmos, aqui apresentados em forma de subtítulos, fazem parte do texto
sagrado original em hebraico e compõem o primeiro versículo: Ledavid, beshanoto et tamo lifne Avimélech, vaigareshêhu vaielach.
Este é um salmo de gratidão pelo livramento milagroso de Davi das mãos de Aquis, cujo título monárquico era Abimeleque, rei
de Gate, e que significa “pai e rei”. O subtítulo indica a ocasião como sendo a de 1Sm 21.10ss, e que colocara em risco a vida
de Davi. É um acróstico, cujos versículos (menos o último) começam com as letras sucessivas do alfabeto hebraico (que aqui
aparecem antes do início dos versículos), excetuando-se waw ou vav. Passados mais de mil anos, o apóstolo Pedro faz menção
deste salmo em suas orientações à Igreja do Senhor (1Pe 2 e 3).
2 Davi tem mais uma experiência do poder e da atenção pessoal que Deus concede aos seus servos. O original hebraico nos
transmite a idéia de um contínuo louvor a Deus, independentemente das circunstâncias. Quando, enfim formos colocados em
terreno seguro e em melhores condições, poderemos comemorar o amor de Deus e testemunhar ao mundo, o valor de colo-
carmos toda a nossa esperança no Senhor e a Ele sermos fiéis. O NT é ainda mais explícito: “Em tudo dai graças” (1Ts 5.18;
conforme Rm 8.28,37).
3 Em sua humilhação, Davi louva ao Senhor e conclama todos os fiéis que passam por situações humilhantes e que estão se
sentindo oprimidos a erguerem louvores ao Senhor em todo o tempo, ou seja, sob qualquer condição. Assim como Paulo, que
também passou pela vergonha de ter de fugir do governador nomeado pelo rei Aretas, mas que se “orgulhou” nas fraquezas e
perseguições por causa do Senhor (2Co 11.30-33).
A expressão hebraica ענויםanavim descreve um tipo de pessoa que, ao passar por situações humilhantes ou aflitivas, não se
revolta, mas humildemente busca, com fé, uma solução divina.
4 O verbo hebraico נהרוnaharu é derivado da raiz אורor e significa “iluminados”, como em Is 60.5, onde descreve o rosto
radiante da mãe que revê seus filhos, considerados perdidos para sempre. O mesmo termo se refere ao rosto de Moisés, em Êx
34.29, quando descia do monte, após falar com Deus. O NT também usa um termo semelhante, ao descrever o rosto do cristão
contemplando a glória de Jesus Cristo (2Co 3.18). Calvino faz a seguinte observação: “Iluminados são aqueles que anteriormente
se definhavam em trevas, ergueram seus olhos para Deus, como se a luz lhes surgisse repentinamente; os que se sentiram
oprimidos e submersos na humilhação, novamente revestirão seus rostos de jovial alegria”. A palavra “decepção” também pode
ser entendida como “vexame” ou “vergonha”.
SALMOS 34 40
5 A expressão hebraica traduzida por “O Anjo do Senhor” e extraída do versículo em hebraico, aqui transliterado em Chone
mal’ach Adonai saviv lireav vaichaletsem, surge em várias partes das Sagradas Escrituras. Em muitos casos, esse termo se refere
ao próprio Deus vindo à Terra (Gn 12.7; Gn 16.7; Gn 18.22-33;). Outras vezes, refere-se também a Deus, mas na pessoa de Jesus
Cristo: o Príncipe do Exército do Senhor, como em Js 5.14; 6.2. A essas aparições de Deus e seu Filho se dá o nome de teofania.
Mas o termo “O Anjo do Senhor” também pode ser usado para identificar “um anjo” ou “legiões de anjos” que o Senhor destaca
para missões específicas e para nos acompanhar e zelar por nossas vidas. Esses “anjos” também são chamados de “principados
e potestades” e, por ordem do Senhor, estão sempre ao nosso redor (acampados e vigilantes), cuidando da preservação da
nossa vida e, às vezes, em luta contra as potestades do mal, evitando que o diabo possa cumprir em nós seu alvo destrutivo
(2Rs 6.8-20). São “espíritos ministradores” criados por Deus para servirem “aos que hão de herdar a salvação” (Hb 1.14). Dessa
forma, jamais estamos sós. Temos o Pai e o Filho, unidos ao Espírito Santo, que reside na alma dos cristãos. E dispomos de
uma multidão de anjos ministradores observando-nos diuturnamente. Não é comum vê-los ou ouvi-los, por causa dos planos de
Deus (que espera de nós, primeiramente, fé em sua Palavra – Jo 20.29; Hb 6.5; 1Pe 1.3-12), e devido à diferença de dimensões
nas quais vivemos, mas ao deixarmos essa vida nos encontraremos com eles para o início do eterno regozijo com Nosso Senhor
(Lc 16.22; At 23.9). Uma vez que “o Anjo do Senhor” deixa de aparecer depois da Encarnação, infere-se freqüentemente que “o
Anjo do Senhor”, na maioria das vezes em que o termo aparece no A.T, refere-se à Segunda Pessoa da Trindade: Jesus Cristo, A
Palavra (logos, em grego), o Verbo Eterno.
6 Se o discípulo de Eliseu viu e creu, muito melhor é crer em Deus primeiro e reservar os louvores para o momento da concre-
tização da esperança (Jo 20.29). Hb 6.5 e 1Pe 2.3 insistem em que o primeiro passo para ver é acreditar, pela fé. A defesa e as
provisões eram as necessidades de Davi nesse momento, registradas em 1 Samuel 21, que é o cenário deste salmo. O rei usa
algumas expressões (falta/faltará), relembrando as verdades do salmo 23. O Senhor permite a fome, mas supre as necessidades
(Dt 6.24; 8.3; Rm 8.28,37).
7 Este é um trecho escrito na antiga linguagem da sabedoria hebraica, como em Provérbios, como se um velho, sábio e amoro-
so pai estivesse ensinando seu amado filho a caminhar pela vida, com sucesso. A fórmula não mudou desde a criação do univer-
so e não mudará: o temor do Senhor é o princípio da sabedoria. O bem que se ensina (v.12) vai de mãos dadas com o bem que
se pratica (v.14). Davi, numa primeira fase da vida, andava de acordo com esses princípios e os recomendava a todos, como faz
aqui (1Sm 24.7; 26.9,23). Pedro lê Davi e cita trechos deste salmo em suas mensagens à Igreja de Cristo (1Pe 2.1,22; 3.10-12).
8 Deus acompanha pessoalmente cada ser humano em sua trajetória sobre a terra. Essa companhia é tão pessoal que as
Escrituras revelam (v.15) que os olhos de Deus vêem o que nos é oculto, de modo que possa suprir nossas necessidades antes
de pensarmos em lhe pedir, mas seus ouvidos estão abertos para nós, o que significa que ele leva a sério nossas palavras e
orações e pode conversar conosco. A expressão hebraica צדיקיםtsaddikim foi omitida de algumas versões, mas significa o clamor
dos justos. Entretanto, a triste situação das pessoas que deixam o mal lhes dominar o coração e as intenções colocam-se igual-
mente de forma pessoal, no sentido de o rosto de Deus se virar contra elas (v.16). Nós não sabemos o que se passa no íntimo
da alma humana, e muito menos quem são os escolhidos do Senhor, por isso a ninguém devemos julgar (essa não é a nossa
função). Devemos proclamar a Palavra de Salvação, pois mesmo a mais cruel das pessoas ainda tem uma chance de salvação
e reabilitação em Deus (v.18).
41 SALMOS 34, 35
mas de todas elas o SENHOR o liberta. 2 Veste a armadura e toma o escudo; le-
Resh vanta-te e vem em meu socorro!2
20 O SENHOR preserva-lhe todo o ser, ne- 3 Empunha a lança e o machado de guer-
nhum osso sequer é quebrado.9 ra contra os meus perseguidores; dize à
Shin minha alma: Eu Sou a tua salvação.
21 Os ímpios serão destruídos por sua 4 Sejam humilhados e cobertos de vexa-
própria maldade, e os que odeiam os jus- me os que buscam tirar-me a vida; retro-
tos serão condenados.10 cedam envergonhados e sejam aniquila-
Tav dos os que tramam a minha ruína.
22 O SENHOR resgata a vida dos seus ser- 5 Sejam como a palha que o vento carrega,
vos; todos os que nele buscarem refúgio quando o Anjo do SENHOR os espalhar.
serão absolvidos.11 6 Tornem-se-lhes os caminhos tenebro-
sos e escorregadios, quando o Anjo do
O Senhor é o vingador SENHOR os perseguir.3
Um salmo de Davi 7 Pois sem motivo prepararam uma ar-
9 Deus tem um cuidado todo especial para com seus filhos. Por isso, as metáforas usadas apontam para os detalhes desse
amor leal (Lc 12.7). Entretanto, este trecho da Escritura vai mais além e se revela uma profecia acerca do Messias, que se cumpre
em Jo 19.36, tendo como pano de fundo a história da libertação de Israel e a marca do sangue do cordeiro nos umbrais das
portas (Êx 12.46).
10 O termo hebraico רעהraäh pode ser traduzido por “maldade”, “malícia” ou “miséria”. Entretanto, o contexto do versículo
demonstra que a impiedade (com a qual os cruéis abastecem suas motivações) recairá sobre suas próprias cabeças. Tendo ensi-
nado não haver maior defesa e segurança que uma vida justa, piedosa e irrepreensível, Deus declara perversos (mesmo quando
ninguém ou coisa alguma parece se opor a eles) de repente as coisas se voltarão contra eles e os aniquilarão. Os ímpios são a
causa e o instrumento da própria destruição.
11 O termo “absolvidos” vem da expressão “não serão condenados” que advém do mesmo verbo hebraico que se traduz
“declara-os culpados” ou “condena-os!” (5.10 cf. Hb 11). É uma palavra que se associava fortemente a culpa e a sua devida
punição ou expiação (perdão e salvação) (Os 5.15; 10.2). Assim, Davi leva a interpretação para “nenhuma condenação” ou
plena absolvição daqueles que verdadeiramente se refugiam no Senhor (Rm 8.1, 33-34). Desse modo, o cristão pode cantar com
grande alegria este salmo, adicionando gratidão e louvores, por conhecer o custo inimaginável da salvação no verso 22a e o
alcance ilimitado do amor em 22b.
Capítulo 35
1 Este é um salmo da coleção dos denominados “imprecatórios” (Sl 7,35,55,58,59,69,79, 109,137 e 139). São salmos que
invocam juízo ou maldição sobre os inimigos do salmista. Entretanto, os propósitos dessas imprecações são: demonstrar o justo
e reto juízo de Deus contra os ímpios (58.11); demonstrar a autoridade de Deus sobre os ímpios (59.13); levar o ímpio a buscar
o Senhor (83.16); motivar os justos a louvarem a Deus (7.17). Por isso, encorajados por seu zelo para com Deus e sua repulsa
para com o pecado, os salmistas clamam a Deus para que puna o perverso e os vingue com sua justiça e sabedoria. A libertação
celebrada no Salmo 34 agora é vista como nem sempre imediata ou indolor, mas sujeita, de acordo com a vontade de Deus, a
atrasos (do nosso ponto de vista) e a momentos agonizantes. Davi, no entanto, jamais duvida em seu coração de que seu dia virá.
Cada pedido de socorro já prevê o momento da vitória e do livramento: todas as três grandes divisões deste salmo terminam com
esperança (35.1-10: discorre sobre as tramas; 35.11-18: revela o cerco dos cruéis e 35.19-28: a exultação maligna é aniquilada
pelo Senhor). Segundo recentes estudos, este salmo é da mesma época em que Davi estava sendo perseguido por Saul, sendo,
de certa forma, um desenvolvimento de 1Sm 24.15. A imprecação não é exatamente contra Saul (pois Davi mesmo havia poupado
a vida de Saul), mas contra aqueles que fomentavam a inveja doentia que Saul sentia por Davi.
2 A palavra hebraica traduzida por escudo é מגןmaguen. Os recentes estudos sobre os chamados Rolos do Mar Morto, en-
contrados nas imediações do monte Qunram, revelaram que a expressão transliterada por Hachazec maguen vetsiná, vecúma
beezrati refere-se ao uso de uma proteção para o corpo e um escudo mais leve, no centro do qual se ergue uma forte saliência
encimada por uma adaga; arma de defesa e ataque usada especialmente pela cavalaria. Algumas versões traduziram essa
expressão por “pavês” ou “broquel”.
3 Este salmo é uma espécie de continuação do Salmo 34; justamente por isso foram colocados lado a lado pelo Cânon. O
contraste entre 34.5,7 e este verso demonstra claramente as bênçãos de buscar a face do Senhor e a maldição que está sobre os
ímpios e aqueles cujo coração não ama a Deus e seus princípios. As expressões “vexame, envergonhados, aniquilados, espalhar
e caminhos tenebrosos” têm a ver com a essência do castigo eterno (Dn 12.2), enquanto “o Anjo do Senhor” é a nossa salvação
e a condenação de todos aqueles que insistem em não render seus corações ao Senhor Deus, Yahweh (Êx 23.20-22).
SALMOS 35 42
a destruição: sejam enredados pela pró- por um amigo ou irmão; prostrei-me en-
pria cilada que me armaram, caiam na lutado, como quem chora por sua mãe.
cova que escavaram para me matar e lá 15 Contudo, assim que tropecei, eles se
se arruínem de vez.4 alegraram e contra mim se ajuntaram;
9 Então, todo o meu ser transbordará de reuniram-se às ocultas para me atacar e
gratidão ao SENHOR e se regozijará na sua agrediram-me sem cessar.
salvação. 16 Como ímpios zombando do meu refú-
10 Proclamarei ao mundo, de corpo e gio rangem os dentes contra mim.
alma: Quem poderá se assemelhar a ti, ó 17 Ó SENHOR! Até quando tolerarás essa
SENHOR? injustiça? Livra-me a alma das tramas
Tu livras os humilhados e fracos, do dos impiedosos; minha vida, dos que me
opressor, e os necessitados e pobres, dos atacam como leões.
exploradores.5 18 Render-te-ei graças perante a grande
11 Falsas testemunhas se levantam e me assembléia; louvar-te-ei diante das mul-
interrogam sobre atos que não cometi. tidões.8
12 Retribuem-me o bem com o mal, e 19 Que sobre mim não se rejubilem aque-
essa decepção enluta a minha alma.6 les que traíram minha amizade, nem
13 Da minha parte, entretanto, quando permitas que esses inimigos gratuitos
estiveram doentes, usei vestes de lamento; troquem olhares de escárnio.9
humilhei-me com jejum e derramei sobre 20 Não é de paz que se ocupam; ao con-
meu próprio peito muitas orações.7 trário, planejam falsas acusações contra
14 Andei vagueando e lamentando como os que vivem em paz na terra.
4 A expressão hebraica aqui traduzida por “sem motivo” e “sem causa”, e que também aparece no v.19 toca no próprio nervo da
dor de Davi, o que fica ainda mais claro nos versos centrais (v.11-18). O termo שואהshoah aqui traduzido por “destruição”, não tem
o sentido de “confusão”, como aparece em algumas versões. O salmista se revela extremamente sensível à mágoa da injustiça; é
o Evangelho que faz da injustiça uma situação a ser redimida, uma oportunidade para se amar como Cristo, e seguir seus passos
(1Pe 2.18-22). Quanto à “justiça poética” reivindicada no v.8, o Evangelho a aceita como tragédia que pode ser evitada dentro do
alcance miraculoso das orações e súplicas, e não como um fim desejado (Mt 5.44; 23.37-39).
5 A expressão “Quem poderá se assemelhar a ti, ó Senhor?” evoca o cântico de Moisés (cf. Êx 15.11), como lembrança de uma
crise ainda maior que a de Davi, e do seu resultado maravilhoso. O mesmo ocorre com o apóstolo Paulo em 2Co 1.8-10, que ao
chegar à beira do desespero, lembrou-se da gloriosa ressurreição dos mortos, e isso lhe foi grande motivo de alento e esperança.
Algumas versões trazem “meus ossos” ou “meu ser”, mas como já vimos, são formas de se referir ao indivíduo completo – ma-
terial e imaterial (corpo e alma).
6 Estas “testemunhas” não eram amigos próximos, mas pessoas a quem Davi havia tratado com respeito e solidariedade (Rm
12.15). Sua surpresa e profunda decepção é reconhecer essas pessoas entre seus algozes (em hebraico: “ עריחמסtestemunhas
injustas e violentas”). Outros salmos expressarão ainda mais dramaticamente os sentimentos de desolação (luto) da alma, ao se
deparar com a traição de pessoas íntimas e queridas (41.9; 55.12-14). Segundo a cultura da época, a dor que Davi sente é como
se o Bom Samaritano caísse em poder de assaltantes e, ao receber uma bofetada, identificasse o agressor como aquele a quem
salvara a vida tempos atrás (Lc 10.25-37).
7 O sentido geral deste desabafo de Davi revela que ele sofreu e intercedeu a Deus por seus supostos “amigos” (agora falsos
acusadores), não apenas nas ocasiões de doença, mas também em outras adversidades. No antigo Oriente, os judeus que ama-
vam a Deus, quando oravam em profunda dor, recolhiam-se para derramar suas lágrimas a sós com Deus, e reclinavam o rosto
sobre o peito em sinal de humilhação diante do Senhor.
8 Davi se refere aos louvores próprios da “festa votiva” (22.22-26) – uma cerimônia definida pela Lei e que regulava os atos de
gratidão daqueles que se comprometiam a prestar algum serviço especial a Deus, no caso de serem atendidos em suas petições
e suplicas. Deveriam cumprir seus votos com um sacrifício, a ser seguido por uma festa que poderia durar até dois dias (Lv 7.16).
Além disso, sua felicidade não poderia ser reservada a eles e a seus filhos; pelo contrário, deveriam convidar seus servos e os
pobres e necessitados, e especialmente os levitas, a comerem com eles diante do Senhor (Dt 12.17-19). Deveriam, ainda, relatar
pormenorizadamente à congregação aquilo que Deus fizera por eles (40.9-10; 116.14), convocando-a, finalmente, a participar na
proclamação de um salmo como este (cf. 34.3 e o testemunho que se segue).
9 O ódio gratuito, ou seja, sem motivo algum é a característica própria do diabo e do mal. Jesus via neste versículo (e em
69.4) não apenas um triste acontecimento na vida de Davi, mas uma profecia do que estava reservado para si (Jo 15.25). Era a
Palavra sendo cumprida cabalmente na vida de Jesus Cristo – o Messias, e de forma fragmentada em Davi e em nossas vidas (Jo
15.18ss.) A expressão hebraica קרץkarats aqui significa “piscar os olhos em sinal de zombaria em relação a uma terceira pessoa”
e, assim como em 22.8, denota também a atitude de menear a cabeça e espichar os lábios para frente, em sinal de desprezo.
43 SALMOS 35, 36
10 Davi usa um contraste perfeito para mostrar que o falso testemunho dos inimigos (“Vimos tudo...) será desmentido pela
verdade, total e abrangente, que está em Deus (“Tu, Senhor, os viste...), que tudo e a todos vê e julga (Êx 3.7; cf. 2Rs 19.14ss;
At 4.29).
11 Como no início deste salmo, o louvor está aguardando o momento certo para irromper. Davi demonstra ao Senhor que, ao
contrário dos inimigos, usará sua voz (língua) para proclamar a justiça de Deus na terra e cantar louvores ao Senhor, pois a verda-
de e a justiça sempre vencerão. É o que afirma o texto original transliterado: Ulshoni teguê tsidkêcha, col haiom tehilatêcha.
Capítulo 36
1 Este é um salmo de grandes contrastes. Num relance, descreve a maldade presente no coração de todos os seres humanos
em sua forma mais cruel; por outro lado, revela todo o esplendor e alcance da multiforme bondade divina. O termo “servo do
Senhor” utilizado para descrever Davi foi escolhido e atribuído pelo próprio Senhor, como rei e ungido de Deus (2Sm 3.18; 7.5,8).
Esta forma se acha apenas aqui e no título do Salmo 18, no qual é comentada.
2 Embora haja outras versões, esta tradução mais se aproxima dos melhores e mais recentes originais disponíveis. A expressão
“Palavra do Senhor” significa “oráculo”, ou seja, a comunicação expressa de Deus ao seu servo (Gn 22.16; 2Sm 23.1-2). Enquanto
o fiel faz do Senhor seu alvo maior, o ímpio nem sequer leva em conta o respeito e o temor do Senhor, que todos os seres hu-
manos devem nutrir em seus corações. Esse é o sintoma culminante do pecado, como revelado em Rm 3.9-20, passagem que
descreve a triste condição de toda a raça humana (salvo aqueles agraciados com a salvação de Deus).
3 O salmo revela a espiral descendente do pecado, as atitudes do pecador para consigo mesmo, contra Deus, e agora em re-
lação a seus relacionamentos interpessoais. Sua mente não se cansa de maquinar o mal (Mq 2.1). O pecador segue (para baixo)
em sua trajetória, por ter espontaneamente abandonado o bem, e progressivamente se encantado com o mal (v.3b), e não como
quem nunca teve oportunidade (Rm 1.28-32).
4 Davi volta-se rapidamente para o Senhor e nos revela “hesed”, expressão hebraica, transliterada, que significa, “o amor leal e
a misericórdia pactual” do Senhor para com todos aqueles que nele crêem de todo o coração. As dimensões do amor e da justiça
de Deus são incomensuráveis: inexauríveis (céus e nuvens), inexpugnáveis (montanhas) e insondáveis (fundo dos oceanos). En-
tretanto, apesar dessa imensidão, o Senhor nos acolhe com hospitalidade e carinho paternos. A inconstância do caráter corrupto
do ser humano forma os tristes contrastes com as qualidades altaneiras do amor de Deus, conforme sua bondade e lealdade
(v.5) que formam sua aliança perpétua. Os padrões pós-modernos de nossa sociedade, onde tudo é relativo, são um pântano,
comparados com as indestrutíveis “Montanhas de Deus”; assim como descreveu Calvino em seu comentário ao texto hebraico
“Montagnes de Dieu”, pois os hebreus costumavam descrever coisas eminentes, adicionando-lhes o nome de Deus; como “rio
de Deus” (65.9), “monte de Deus” (68.15), “cedros de Deus” (80.10), “árvores de Deus” (104.16). As corretas decisões (juízos) de
Deus são incompreendidas por nossa mente limitada, e nossa sabedoria obscurecida pelo pecado.
SALMOS 36, 37 44
sombra das tuas asas os filhos de Adão A passageira alegria dos ímpios
encontram refúgio.5 Ao mestre de música. Um salmo de Davi, servo
8 Eles se banquetearão na plenitude da do SENHOR.
tua casa; tu lhes saciarás a sede com as Alef
águas puras do teu rio do Éden.6
9 Pois em ti está a fonte da vida; graças à
tua luz somos iluminados.
37 Não te indignes por causa das
más pessoas; nem tenhas inveja
daqueles que praticam a injustiça.1
10 Estende a tua benignidade aos que se 2 Pois eles em pouco tempo secarão como
consagram a ti, a tua justiça aos que são o capim, e como a relva verde logo mur-
puros de coração. charão.2
11 Não permitas que o soberbo pise sobre Bet
mim, nem que a mão do ímpio me faça 3 Confia no SENHOR e pratica o bem; as-
retroceder. sim habitarás em paz na terra e te nutri-
12 Eis que tombaram todos os que prati- rás com a fé.3
caram o mal; foram lançados ao chão e 4 Deleita-te no SENHOR, e Ele satisfará os
jamais se levantarão!7 desejos do teu coração.
5 Da imensidão do cosmo e das dimensões do amor e da justiça de Deus, Davi é levado a observar o cuidado detalhado do
Criador com a humanidade e com todas as criaturas do planeta, assunto que se elabora em sua totalidade no Sl 104, e que será
retomado por Jesus Cristo, em Mt 6.25-34, para mostrar o alto valor que cada ser humano tem para Deus. No v.7, a figura de
linguagem “À sombra de tuas asas...” é uma evocação de Dt 32.11, igualmente usada por Boaz em relação a Rute (Rt 2.12), e por
Jesus Cristo (Mt 23.37), para mostrar um aspecto da salvação que embora exija humildade, oferece total segurança. A expressão
hebraica כן ארםBen Adam, filho de Adão ou filho do homem, já vista no Sl 8.3, refere-se aqui aos “filhos dos homens”, uma vez
que אנושenosh significa “homem frágil”, e miserável em seu estado de pecado, que é formado do pó da terra, “Adamah”. Por isso
é que se chamam “Adão ou filhos de Adão”, isto é, “terrenos”, todos criados a partir do pó da terra para onde voltarão (Gn 2.7;
3.19). Curiosamente, a expressão hebraica אדם, Ben Adam, filho do homem, pertence à linguagem dos príncipes e, às vezes, se
refere ao “maior dos príncipes” como ao “maior dos homens”.
6 As experiências de Davi como refugiado iluminam este quadro sobre a participação nas riquezas de uma rica e grande casa:
a festa tantalizante de Nabal (1Sm 25) e a fartura em presentes oferecidos por Barzilai e seus amigos (2 Sm 17.27-29). As palavras
no original hebraico – נחל ערניךnachal adanecha, “o rio de teu Éden”, fazem alusão ao próprio jardim do ערן, Éden, que significa
“jardim das delícias ou dos prazeres”. As referências ao grande banquete, e ao saciar da sede com águas puras são uma promes-
sa de plena satisfação e refrigério às almas cansadas e necessitadas dos peregrinos do Senhor, após longa jornada em meio a
escassez e provações. O homem tem uma sede dentro de si que só poderá ser saciada no jardim do Senhor (Jo 4.11-15).
7 A conclusão deste salmo comemora a vitória reivindicada pela fé; o texto no original está escrito no presente, como se a
súplica vislumbrada já estivesse acontecendo, de forma clara e concreta. Isso nos ajuda a entender o que é fé (Hb 11.1). Ou seja,
colocarmos plena confiança naquilo que esperamos e estarmos certos daquilo que ainda não pode ser visto. Davi estava disposto
a lutar contra o mal que o tentava; a louvar o Senhor em meio às provações; a suplicar com fé, pelo pleno livramento, a ponto de já
se sentir vitorioso, com os inimigos derrotados; usufruindo a graça completa e revigorante proporcionada por Deus no Éden.
Capítulo 37
1 Este é um salmo sapiencial de Davi , cujo arcabouço é um acróstico formado por letras do alfabeto hebraico introduzindo cada
par de versículos. Tertuliano o chamou de “O espelho da Providência”, sendo a melhor exposição da terceira Bem-aventurança
(Mt 5.5), na qual Jesus o citou (v.11). É, portanto, um salmo de sabedoria sobre a retribuição temporal dos justos e dos ímpios (Ec
8.11-14). Grandes hinos e muitos livros já foram escritos sobre este trecho das Escrituras.
2 O verbo hebraico אל־תחרal-tithechar significa literalmente “não te esquentes”, e nos encoraja a não perdermos a paciência ou
nos irritarmos com o aparente progresso das pessoas desonestas, que usam de todo tipo de engano e crueldade para conquistar
o sucesso que almejam. Nutrir raiva pelo sucesso do ímpio é dar chance ao coração para – ouvindo o Diabo – começar a con-
siderar que talvez Deus não esteja mais tão atento a certas injustiças neste mundo. O passo seguinte é desenvolver certa inveja
pela maneira como os infiéis conquistam o que querem; em seguida vem o distanciamento da obediência à Palavra de Deus e a
apostasia que pode transformar um servo de Deus num esquizofrênico espiritual, viciado no pecado, com saudade da santidade
e aterrorizado com a iminência do juízo (Pv 23.17-18; 24.1-2,19; Is 40.8; 1Jo 2.17).
3 A confiança (fé) no Senhor é nossa garantia de posse da terra (vitória ou sucesso total). Entretanto, estamos a caminho dessa
plenitude e, como peregrinos, seremos tentados e provados durante a viagem. Somos lembrados de que a estratégia de Deus
para vencer o “mal” é atacar com o “bem”; até porque a ira humana é incapaz de produzir a justiça divina (Tg 1.20 cf. Rm 12.21).
Jesus aprofunda esse princípio de sabedoria em Lc 6.27, cf. Pv 25.21. Para os contemporâneos de Davi e para o povo judeu de
todos os tempos e lugares, o texto fala da Terra Santa e da maneira sábia como os judeus deveriam tomar posse da terra e nela
viver em paz, alimentando-se da fé em Deus (25.13; Dt 16.20). O verbo hebraico רעהre-eh deve ser tomado no sentido passivo
“sê nutrido ou alimentado”. A expressão אמונה, emunah, não apenas significa “veracidade” ou “fé”, mas também “prosseguimento
seguro por longo tempo”. Este verso fica assim transliterado: Betach badonai vaasse tov, shechan érets ur’e emuna.
45 SALMOS 37
4 Calvino, em seu comentário ao texto em hebraico, observa que o verbo גלל, galal, literalmente significa “passar, rolar ou
transferir” (Js 5.9), e que, neste verso, a expressão “Entrega”, tem o sentido de “transferir para o Senhor” nossos anseios, pre-
ocupações, frustrações e todo tipo de carga emocional, física e psicológica, a fim de que ele nos supra todas as necessidades
(55.22; Pv 16.3). A expressão foi tomada da observação do camelo em sua atitude auxiliadora, ao deitar sobre as patas para que
a carga lhe seja transferida e acumulada sobre o dorso.
5 O termo hebraico aqui traduzido por “Aquieta-te” é רום, dom, que tem o sentido de um silêncio altamente esperançoso quanto
à iminente intervenção de Deus (Is 30.15). Algumas versões trazem impropriamente a expressão “Descansa”, proveniente da
palavra hebraica ħŭl, semelhante graficamente a yāħal, mas com um sentido diferente. Esta palavra é traduzida para o grego pela
Septuaginta como ύποταγηθι que significa “estar sujeito”, o que não é uma tradução completa do termo, mas expressa bem o
sentido de um silêncio submisso à vontade de Deus, não emburrado ou murmurante. Não devemos alimentar inveja pelo sucesso
do próximo, muito menos por aquele que usa de desonestidade para alcançar seus intentos (Sl 125.3). Este verso fica assim
transliterado: Dom ladonai vehitcholel lo, al titchar bematsliach darco, beish osse mezimot.
6 A inveja é como um “câncer espiritual” que pode consumir a paz e a felicidade de um servo de Deus. A cura consiste em extir-
par as primeiras manchas de ciúme e inveja que surgirem em nossas almas; depois, evitar todo tipo de ira, furor e cólera, e jamais
desejar sucesso a qualquer custo (Sl 73.3). A melhor e maior das vitórias é aquela que vem das mãos do Senhor, em função da
nossa fé sincera e do trabalho perseverante e pacífico. A expressão hebraica que significa “não se deixe enfurecer” é traduzida –
como alerta – em diversos sinônimos ao longo do salmo: “não te indignes” (v.1), “não te irrites” (v.7), “não te impacientes” (v.8).
Esta é a transliteração hebraica deste versículo: Héref meaf vaazov chema, al titchar ach leharêa.
7 Algumas versões iniciam este versículo com a expressão “os mansos”; todavia essa palavra, especialmente na sociedade
ocidental atual, não comunica a idéia do termo hebraico original de “fé paciente e perseverante”, característica daqueles que
aprenderam a esperar pela ação de Deus, enquanto perseveram na fé e na prática do bem. Somente os “humildes” são “ensiná-
veis”, ou seja, podem aprender a ouvir e obedecer às orientações de Deus, crendo que esse é o caminho da felicidade perpétua.
O contexto indica que “a terra” se refere à Terra Prometida ou à área dada ao povo de Deus (Dt 34.1-4). Contudo, Nosso Senhor
Jesus Cristo, em Mt 5.5, amplia as dimensões dessa bênção: a herança recebida pelos “humildes” não será apenas de um terri-
tório ou região, mas o reino inteiro (Ap 21).
8 O verbo hebraico yãdha, traduzido aqui por “zelar”, tem o sentido de “conhecer profundamente”, “contribuir para o sucesso”.
SALMOS 37, 38 46
9 A expressão hebraica yãrash, tem sentido muito mais amplo do que simplesmente “herdar” um bem de um parente que mor-
rera. Essa palavra revela a “partilha de bem prometido”, “um dom ou talento”. A herança eterna nos céus é um “dom oferecido
gratuitamente”: a vida eterna em Jesus Cristo (Rm 6.23).
10 A expressão hebraica aqui traduzida por “Espera no Senhor!” refere-se à atitude de “prosseguir trabalhando na plena con-
fiança da providência divina”. Possuir uma terra na qual pudessem viver em paz e liberdade era a concretização da promessa de
Deus a Abraão. Os israelitas sonharam com essa terra durante séculos de cativeiro no Egito ou vagueando pelo deserto do Sinai.
Assim como receberam Canaã de maneira extraordinária e maravilhosa, de igual forma foram incentivados a crer num milagre
ainda maior: receber gratuitamente a vida eterna nos céus, a “herança celestial” a qual a expressão “possuir a terra” passou a
significar (Hb 4.1).
Capítulo 38
1 O pecado sempre produz uma reação negativa das leis naturais (conseqüências) e um profundo desagrado de Deus, que
as Escrituras chamam de “ira” ou “indignação” (3,4). Na tradição da Igreja, este é um dos sete salmos davídicos penitenciais (os
demais são: 6; 32; 51; 102; 130 e 143). Davi, ao reconhecer seus erros e pecados, usa de uma vívida metáfora (flechas cravadas)
para suplicar ao Senhor que amenize sua repreensão, ou seja, a correção e a disciplina divina (2.5; 32.3-5; 39.3-11; Jó 6.4; 34.6;
Lm 3.12; Ez 5.16).
47 SALMOS 38, 39
5 Minhas feridas cheiram mal e supuram, por causa do meu sofrimento, tampou-
devido à minha insensatez. co triunfem sobre mim, quando meu pé
6 Ando encurvado e todo abatido; o dia escorregar!”
inteiro perambulo e pranteio. 17 Porquanto, estou a ponto de tropeçar,
7 Estou sendo consumido pela febre; e e a minha dor me acompanha sempre.
sinto todo o meu corpo enfermo. 18 Sim, confesso a minha culpa, estou
8 Estou esgotado e, ao extremo, alque- aflito em razão do meu pecado.3
brado; minha alma geme de angústia. 19 Sem motivo algum acumulei numero-
9 SENHOR, diante de ti estão todos os meus sos inimigos, e muitos injustamente me
anseios; nem mesmo o meu suspiro te é odeiam.4
oculto. 20 Os que me pagam o bem com o mal ca-
10 Meu coração palpita e as forças se afas- luniam-me, porquanto sigo o que é bom!
tam do meu corpo; até a luz dos meus 21 SENHOR, não me abandones! Meu Deus,
olhos me abandonou. não fiques tão distante!
11 Meus companheiros e amigos me evi- 22 Vem depressa em meu socorro, ó SE-
tam por causa da doença que me aflige; e NHOR, meu Salvador!
os meus vizinhos se mantêm à distância.2
12 Armam laços os que desejam atentar A frágil e fugaz vida humana
contra minha vida, os que me querem Salmo davídico ao regente do coro, para ser
mal proclamam a minha ruína; dedicam cantado no estilo de Jedutum.1
o dia todo a planejar calúnias.
13 Eu, todavia, como um surdo, não ouço;
como mudo, não abro a boca.
39 Eu declarei: Vigiarei os meus atos
e não pecarei em palavras; atarei
uma mordaça em minha boca enquanto
14 Fiz-me como um homem que não per- os ímpios estiverem próximos a mim.2
cebe o que ocorre à sua volta e sua língua 2 Emudeci, desisti de expressar o bem, e
não sabe replicar. minha angústia se agravou.
15 Em ti, SENHOR, espero: Tu me respon- 3 Meu coração ardia-me dentro do peito
derás, ó SENHOR meu Deus! e, enquanto eu meditava, minha alma se
16 Pois eu declarei: “Ouve-me, ó SENHOR, rompeu em chamas. Então, soltei a lín-
para que tais pessoas não se divirtam gua e bradei:3
2 Muitas vezes, quando mais precisamos de ajuda, compreensão e companheirismo, vemos não apenas nossos inimigos
ansiosos por nossa total falência e ruína, mas também até mesmo nossos antigos e bons amigos se afastarem ou se oporem a
nós. Nesses momentos de crise, o melhor é ficar calado e entregar toda a situação nas mãos de Deus. Não dar vazão à raiva, ódio
e decepção, nem alimentar desejos de vingança, pois o Senhor é o justo Vingador. O comportamento de Davi nesta passagem
tem muito a nos ensinar (11-15).
3 Davi não tenta justificar ou mitigar a gravidade dos seus pecados; ele faz uma profunda e honesta reflexão sobre seus atos e
conclui que errou; portanto, precisa mudar de rumo (converter-se – 2Co 7.10).
4 Este versículo foi traduzido a partir do texto Qunram (4QPsa), por ser mais antigo e fiel aos originais, não se optando aqui
pelos tradicionais textos “Receptus” ou “Majoritário”.
Capítulo 39
1 Jedutum é o Etã de 1Cr 6.44; 15.19, e representava a família de Merai, da mesma forma que Asafe, a família de Gérson e
Hemã, a família de Coate, sendo esses três filhos de Levi, os chefes das famílias. Jedutum era, portanto, um dos três mestres
de corais de Davi (1Cr 16.41,42; 25.1,6; 2Cr 5.12), conhecido como “o vidente de Davi” (2Cr 35.15; 1Cr 6.16-44; Sl 62; 77 e 89).
Este preâmbulo ao salmo, que em hebraico faz parte integrante do texto canônico, pode ser assim transliterado: Lamnastsêach
lidutun mizmor ledavid.
2 No Sl 38, Davi nos fala do silêncio diante do inimigo; aqui, fala do silêncio perante o Senhor. Duas orações em tempos de
enfermidade (compare os Salmos 40; 49 e 90). As duas reconhecem os erros e transgressões (pecados), ambas expressam
profunda fé em Deus (em hebraico antigo: “confiança”). Os sofrimentos decorrentes dos erros cometidos ensinaram a Davi que a
língua é uma das maiores ferramentas do pecado (Tg 3.1-12). A expressão hebraica original , machsom, tem o sentido de
“mordaça”, e não de freio como aparece em algumas versões (Dt 25.4).
3 Davi havia decidido manter-se absolutamente calado, pois sentia-se indigno de falar e não queria parecer rebelde diante dos
ímpios que o rodeavam (Sl 73). Entretanto, a angústia reprimida só causa mais frustração e revolta; o bem represado só contribui
para o mal (Jr 20.8-9).
SALMOS 39, 40 48
4 Davi percebe quão frágil é (37.20; 78.39) e o quanto a vida é breve; o tempo é inexorável, e apenas viajamos nele. É preciso
sabedoria divina para aproveitar o tempo e construir o que é perene. Por isso, devemos focalizar nossa atenção no Pai da eterni-
dade e orar como o Sl 90.12. A nossa vida não passa de um sopro (v.11; 144.4; Jó 14.2; Ec 6.12).
5 Davi reconhece que o Senhor corrige e repreende seus filhos amados que a ele desobedecem. No entanto, a disciplina do Pai
dura pouco tempo, e logo podemos recuperar nossas forças e nos alegrarmos com Deus (Hb 12.6-11; Jó 7.17-19; 9.27; 10.21-22;
14.6). Este versículo pode ser assim transliterado do original hebraico: Hasha mimeni veavlíga, betérem elech veenêni.
Capítulo 40
1 Davi oferece ao Senhor ações de graças e louvores pelos livramentos que recebera em várias situações aflitivas no passado.
Seu testemunho e louvor levaram muitas pessoas a temer (amar com fé e reverência) a Deus (7.17; 9.1; 18.49; 22.22-31; 30.1;
34.8-14). Um salmo em que as lembranças das misericórdias e intervenções do Senhor no passado motivam o crente a confiar
totalmente no socorro de Deus em todas as horas (observe os Salmos 4 e 9).
2 Deus é benevolente para com todos aqueles que nele confiam. Bem-aventurado é aquele que aceita o convite da graça divina
e recebe o Senhor como Pai. É incomparável a felicidade conquistada pelo crente que obedece à Palavra do Senhor, pois ela é
eterna e não se desvanece ao longo dos embates diários desta vida (1.1; 31.23; 32.1-2; 146.5; Jr 17.7).
3 Os planos de Deus para seu povo são de acordo com seu propósito soberano e predeterminado (Is 25.1; 46.10-11).
4 Este versículo pode ser assim transliterado, a partir do manuscrito original hebraico: Zévach uminchá lo chafáts’ta, oznáyim
caríta li, olá vachataá lo shaálita. Para o Senhor, o mais importante é a obediência à Lei geral e moral de Deus (1Sm 15.22; Is
49 SALMOS 40, 41
1.10-17; Am 5.21-24; Mq 6.6-8), que se traduzem nos dez mandamentos da sua aliança (Êx 20.3-17; Dt 5.7-21). Deus fez Davi
entender seus propósitos a partir da graça de lhe “abrir a compreensão e o desejo de ouvir a Deus” (Pv 28.9; Is 48.8; 50.4,5). O
exemplo supremo desse amor e obediência ao Pai reside na pessoa de Jesus Cristo, o Messias (Hb 10.5-9). Devemos ser justos e
verdadeiros, antes de exigir que as outras pessoas o sejam. Os salmos de Davi sempre reconhecem a justiça, o amor, a lealdade,
a graça e a verdade do Senhor.
5 Todas as pessoas que tiveram um encontro autêntico e profundo com o Senhor, e que experimentam a ação poderosa do
Espírito de Deus reinando em suas almas e corpos, não conseguem deixar de testemunhar ao mundo o amor e a paz que agora
sentem da parte de Deus, mesmo em meio às circunstâncias mais difíceis da vida. Por isso, a evangelização na Igreja não é
apenas um programa, muito menos uma técnica, mas a expressão natural, real e viva da ação misericordiosa e transformadora
do Senhor, na vida dos crentes (1.5; 9.1; 38.13-16; 39.1; 68.11; 96.2; 1Rs 1.42; Is 40.9; 41.27; 52.7; 61.1).
Capítulo 41
1 Esta oração de louvor encerra o Livro I dos Salmos, que começa e termina com um salmo de bem-aventurança. Felizes são as
pessoas que estão sempre dispostas a ser uma bênção na vida dos enfermos, dos pobres e daqueles que passam por crises de
todo tipo. O exercício da compaixão, tão bem exemplificado na vida de Cristo, recebe a promessa do contínuo suprimento divino
e de bênçãos específicas: libertação, proteção e terna assistência do Pai, nas horas mais difíceis. Há uma correspondência entre
a maneira como tratamos as pessoas ao nosso redor e o modo como o Senhor age conosco (Mt 18.23-35).
2 Davi lamenta a atitude fria e desleal de uma pessoa muito especial, em quem havia depositado sua confiança; que partilhava
a intimidade de sua mesa; portanto, amigo honrado e confidente do rei (31.11,12). Alguém com quem selara um pacto de fideli-
dade (23.5). Cristo aplica essa passagem à sua própria experiência humana, ao cumprir o papel majestoso do seu antepassado,
como rei ungido por Deus sobre Israel. Assim, o Messias, o grande Filho de Davi, também sofreu a imensa dor da traição de um
grande amigo (Jo 13.18).
SALMOS 41, 42 50
meu inimigo não cantará vitória sobre rumo à Casa de Deus, com cantos de jú-
mim. bilo e louvor entre a multidão que feste-
12 São e salvo me sustentarás e em tua java.3
presença me manterás eternamente!3 5 Por que estás assim tão abatida, ó mi-
13 Louvado seja o Eterno, Deus de Israel, nha alma? Por que te angustias dentro de
para todo o sempre! Assim seja!4 mim? Deposita toda a tua esperança em
Deus! Pois ainda o louvarei por seu livra-
SEGUNDO LIVRO mento; Ele é o meu Salvador.
Salmos de 42 a 72 6 Ó meu Deus, esmorecida está a minha
alma; por isso em ti fixo o meu pensa-
Ao regente do coro. Um poema dos filhos de Corá.1 mento desde a terra do Jordão, das altu-
O crente tem sede de Deus ras do Hermom, desde o monte Mizar.
3 Este versículo pode ser assim transliterado dos originais hebraicos: Vaani betumi tamáchta bi, vatatsivêni lefanêcha leolam.
Quanto às expressões idiomáticas “permanecer na minha presença para sempre”, “a quem sirvo”, veja: 101.7; 1Sm 16.21,22;
1Rs 10.8; 17.1; 2Sm 7.15,16).
4 Este versículo em hebraico, transliterado: Baruch Adonai Elohe Yisrael mehaolam vead haolam, amen veamen. Essa é a doxo-
logia com que os crentes (a comunidade dos adoradores do Senhor) devem corresponder ao conteúdo das Sagradas Escrituras
e, portanto, aos ensinos que foram transmitidos por este primeiro Livro dos Salmos (72.18-19; 89.52; 106.48; 150).
Capítulo 42
1 Este salmo dá início ao Livro II do Saltério e forma uma unidade poética, e uma só grande oração com o Sl 43; ainda que
desde a Septuaginta (a mais antiga tradução grega do AT) apareçam separados e em seqüência, especialmente devido às suas
finalidades litúrgicas. Quem narra este salmo é um dos destacados descendentes de Corá, responsáveis pela liturgia no templo
(v.4, de acordo com Sl 32), membros do coro levítico nomeados por Davi para servirem como adoradores no templo. Os coraítas
(filhos de Levi) representavam a família levítica de Coate, cujo líder, nos dias de Davi, era Hemã (Sl 88); assim como Asafe dirigia
o coral dos gersonitas, e Jedutum (Etã) regia o coral dos meraritas (1Cr 6.31-47; Sl 39). Este é o primeiro dos sete salmos dos
“Filhos de Corá” (Sl 42-49; 84,85; 87,88 no Livro III).
2 Assim como a corça ou o cervo anseiam pelas águas frescas e tranqüilas, especialmente quando acossados pelos caçadores,
também a alma daquele que crê almeja a intensa comunhão com o Pai. O autor deste salmo desempenhava liderança espiritual
e litúrgica sobre o povo no templo, mas fora levado cativo pelos arameus numa de suas invasões de Judá, como a de Hazael
(2Rs 12.17-18; Js 21.4-19). As circunstâncias impedem que o salmista se reúna com seu povo, no templo, para adorar ao Senhor
(Êx 19.17; 29.42-43; 30.6,36; Dt 5.26; Sl 43.1,2). Assim como observou Jesus, todo o nosso ser clama pela presença do Espírito
de Deus (Jo 4.13-14; 7.37-39).
3 Esta passagem lembra o rei Davi em seu momento de glória, quando caminhou com seu povo amado em direção ao templo
de Jerusalém, conduzindo a arca do Senhor (2Sm 6.12-19). Em nossas orações é sempre bom recordarmos o que o Senhor já
fez por nós.
4 Todas as calamidades e tempestades da vida foram despejadas sobre o salmista e seu povo, mas em meio às adversidades
puderam observar, ainda melhor, o poder amoroso do Senhor para com seus filhos. Este texto hebraico pode ser transliterado
desta forma: Tehom el tehom core lecol tsinorêcha, col mishbarêcha vegalêcha alai aváru. Uma alusão literária às cachoeiras por
intermédio das quais os reservatórios de Deus derramam suas águas nos rios que deságuam nos mares (o abismo embaixo);
retratando, ao lado da figura das ondas e vagalhões, a correção e a provação divina (36.8; 69.1,2; 88.7; Jn 2.3-5; Sl 43.2; 44.77).
51 SALMOS 42–44
duzida pela zombaria dos meus adversá- O Deus do passado está presente
rios, questionando-me sem parar: “Onde Para o regente do coro. Um salmo didático dos
está o teu Deus?” filhos de Corá.
11 Por que estás assim tão triste, ó minha
alma? Por que martirizas o meu ser? Põe
a tua esperança em Deus! Porquanto ain-
44 Ó Deus, ouvimos com nossos
próprios ouvidos nossos antepas-
sados nos contaram os grandes feitos que
da o louvarei por tua presença salvadora, realizaste na época deles, nos dias do pas-
ó meu Deus!5 sado distante.1
2 Como, com tua própria mão, expulsas-
Súplicas ao Senhor nas aflições te nações inteiras para que nossos pais
5 O salmista pede ao Senhor uma compreensão quanto a estas adversidades, mas descobre que não tinha motivo para se quei-
xar, porquanto o Espírito do Senhor caminhava com ele, controlando todas as circunstâncias de modo que lhe produzissem um
coração verdadeiramente sábio e grato e contribuíssem para seu bem eterno (Rm 8.28). É interessante notar que neste segundo
Livro do Saltério, o nome hebraico original, usado para se referir a Deus, é Elohim (divindade única, criadora e suprema) enquanto
no primeiro Livro foi priorizado o uso do nome Yahweh (Iavé ou Jeová), o Deus verdadeiro, o Senhor.
Capítulo 43
1 Uma súplica que evoca a imagem forense do Sl 17 e ecoa 42.9.
2 A “Luz” e a “Verdade” são personificadas como mensageiras de Deus para conduzirem o coração humano à salvação (27.1),
aos cuidados paternais do Senhor (26.3; 30.9; 40.10) e, portanto, de volta à Casa do Eterno (2.6; 7.17).
3 A expressão hebraica literal yëšû‘ôt “salvação para mim” está no plural devido à relação genitiva com pānāy “para mim”; pěnê
como pronome oblíquo, em lugar do pronome possessivo, “minha salvação”, usa-se para evitar ambigüidade, pois quer dizer
“minha própria”, isto é, “minha auto-salvação”.
Capítulo 44
1 Este é um brado nacional por livramento. Israel fora praticamente destruído por um de seus muitos inimigos. Tudo indica que
esta é a narrativa de uma difícil provação passada pelo reino de Judá, nação que não rompeu sua aliança com o Senhor, senão
posteriormente na história. A oração segue a teologia veterotestamentária, na qual obediência e fidelidade a Deus correspon-
dem a imediata e proporcional soma de bênçãos e prosperidade na terra. O salmista expressa seu louvor a Deus pelas muitas
e grandes vitórias do passado (vv.1-8); a aflição da presente derrota e suas conseqüências (vv.9-16); a declaração de lealdade,
inocência – mérito – (vv.17-22), e concluindo, a súplica pelo socorro divino (vv.23-26). O poder salvador de Deus, do passado, é
invocado, no presente, por seu povo – com base na fé que tem em seu amor leal e permanente.
2 O Deus da história (Sl 30) é também o nosso Salvador pessoal em quem confiamos em todas as horas (Fp 4.13; 2Co 2.14;
10.4). Nossa força e inteligência nada podem contra todas as adversidades da vida, mas em Cristo, o Messias, somos mais que
vencedores (vv. 6-8; Rm 8.31-39).
SALMOS 44, 45 52
8 A ti louvamos o dia todo; a teu Nome nós um covil de chacais, e com densas
agradecemos continuamente. trevas nos cobriste.5
(Pausa) 20 Se, porventura, houvéssemos esqueci-
9 Agora, entretanto, nos rejeitaste e en- do o Nome do nosso Deus e tivéssemos
vergonhaste e já não marchas com os estendido nossas mãos a qualquer outro
nossos exércitos. deus,
10 Fizeste-nos retroceder ante o inimigo 21 não o teria Deus percebido tal afronta?
e permitiste que fôssemos saqueados por Pois Ele é quem conhece todos os segre-
nossos adversários. dos do coração!
11 Nos entregaste como um rebanho a 22 Entretanto, por amor de ti somos
ser devorado, e entre muitos povos nos entregues à morte todos os dias; fomos
dispersaste. considerados como ovelhas para o ma-
12 Por quase nada vendeste o teu povo; tadouro.6
nem mesmo valorizaste o preço. 23 Acorda, ó Senhor! Por que pareces
13 Tu nos converteste em motivo de ver- dormir? Desperta-te! Não nos abando-
gonha dos nossos vizinhos, objeto de nes para sempre.
zombaria e menosprezo dos que nos ro- 24 Por que nos ocultas a tua face e ignoras
deiam.3 a nossa desgraça e opressão?
14 Fizeste de nós um provérbio entre to- 25 Prostrada até o pó está a nossa alma;
das as nações; os povos meneiam a cabe- desfalecido sobre o chão jaz nosso corpo.
ça quando nos avistam.4 26 Levanta-te! Vem em nossa ajuda e nos
15 Padeço humilhação dia após dia, e o resgata por tua imensa benignidade!
meu rosto está coberto de vergonha
16 ante as injúrias e os insultos que me O casamento profético do Ungido
dirige o inimigo vingativo. Ao regente do coro, de acordo com a melodia
17 Tudo isso sobreveio a nós, sem que nos Os Lírios. Dos filhos de Corá. Poema didático.
tivéssemos esquecido de ti, nem houvés- Uma canção matrimonial.1
semos traído a tua aliança.
18 Nossos corações não retrocederam na
fé em ti, tampouco nossos pés se desvia-
45 Com o coração transbordando de
boas palavras, recito os meus ver-
sos em honra ao rei; seja a minha língua
ram da tua vereda. como a pena de um sábio escritor.
19 Contudo, tu nos esmagaste e fizeste de 2 És dos seres humanos o mais notável;
3 Israel reconhece que Deus é quem opera bênçãos e provações, de acordo com seu propósito soberano e sua misericórdia
infinita (veja o uso acentuado do verbo na 2ª pessoa (Deus) e (vv.10-14) e de pronomes de 2ª pessoa (vv.2-13). Nem sempre os
sofrimentos são derivados do pecado ou das falhas morais do sofredor (vv.17-18). O livro de Jó nos revela claramente que nem
toda aflição tem como causa o pecado, mas o ser humano revela seu caráter ao passar por dor, frustração e humilhação. O reino
israelita do norte foi literalmente espalhado pelo mundo conhecido da época (721 a.C.), e o reino do sul, no ano 587 a.C. Esse
episódio, relatado por Davi (entre 1011 e 971 a.C.), serve de palavra profética para nós e para Israel, que já passou por vários
momentos terríveis de dispersão de suas terras.
4 Foi esta a profecia que Moisés entregou a Israel como advertência, caso o povo de Deus viesse a desobedecer à Lei do Se-
nhor (Dt 28.37). O povo alegava não ter abandonado a Deus (vv.17-22), mas somente o Senhor, que sonda os corações de cada
indivíduo conhece a verdade e sabe como melhor nos corrigir (v.21).
5 O termo “chacal” referia-se aos nômades do deserto, que viviam de assaltar as caravanas de mercadores. Tudo indica que
houve uma grande batalha no deserto de Edom (2Cr 20), no reinado de Josafá (870-840 a.C.).
6 Se o ser humano precisa passar por sofrimentos, então que seja a favor da causa do Senhor e da maneira como Deus nos
ensina. Pois, nenhuma alegria vale a pena sem a aprovação do Espírito de Deus (1Pe 4.12-19). Jesus, o Messias, é nosso maior
exemplo, porquanto preferiu sofrer com o Pai a obter toda a glória e alegria contrariando a vontade de Deus (Is 53.7; Hb 5.8). O
sofrimento e a tristeza, quando encarados com sabedoria, levam o crente a orar mais e melhor.
Capítulo 45
1 Este salmo segue o padrão dos cânticos de louvor entoados nas cerimônias de casamento dos reis de Israel. Como a noiva
retratada aqui é uma princesa estrangeira (vv.10-12), este casamento reflete a imagem de um rei cujo poder é também reconhe-
cido em outras terras (v.9), e caracterizado por vitórias internacionais (vv.3-5; Sl 2; 110). Como filho régio de Davi, é uma prefigu-
ração de Cristo, o Messias, especialmente após o Exílio (vv.6,7; Hb 1.8,9). O cabeçalho indica que esta obra poética e musical
53 SALMOS 45, 46
derramou-se graça em teus lábios, visto teus ouvidos em atenção; esquece o teu
que o Altíssimo te abençoou para sem- povo e a casa paterna.
pre.2 11 E assim encantará tua beleza o Rei, e
3 Mantém a espada à cintura, ó herói! sendo Ele teu senhor, inclina-te em reve-
Cobre-te de esplendor e majestade. rência perante Ele.
4 Em tua majestade, cavalga vitoriosa- 12 A ti, filha de Tiro, os poderosos corte-
mente pela verdade, pela misericórdia e jarão com seus presentes.4
pela justiça; que a tua mão direita realize 13 Mais que em suas vestimentas reco-
feitos portentosos. bertas de ouro, está, em seu interior, a
5 Tuas flechas afiadas e certeiras atingem dimensão de sua honra.
o coração dos inimigos do Rei; e sob teus 14 Com trajes bordados com ouro é con-
pés caem as nações. duzida perante o Rei; as virgens de seu
6 O teu trono, ó Deus, permanece incólu- séqüito a acompanharão.
me por toda a eternidade; cetro de justiça 15 E, com regozijo e grande emoção, en-
é o cetro do teu reino. trarão no palácio do Rei.
7 Amas a justiça e abominas a impiedade 16 Os teus filhos sucederão no trono dos
e, por isso, o Eterno, teu Deus, escolheu- teus pais; por toda a terra os tornarás
te dentre todos os teus companheiros e príncipes.
ungiu-te com o óleo de júbilo.3 17 Por todas as gerações lembrarei o teu
8 Todas as tuas vestes exalam aroma de nome e eternamente hão de te louvar to-
mirra, aloés e cássia; nos palácios ador- das as nações!5
nados de marfim ressoam os instrumen-
tos de corda que te alegram. Deus é a nossa segurança e paz
9 As filhas dos reis te visitam, prestando Para o mestre de música. Dos filhos de Corá.
honras, e à tua direita se posta a noiva Um cântico para vozes de soprano.1
real ornamentada com jóias em ouro
puro de Ofir.
10 Escuta, ó filha, considera e inclina os
46 Deus é nosso refúgio e a nossa
fortaleza, auxílio sempre presente
na adversidade.
foi composta e apresentada por um membro do coro levítico do templo (que abrigava a sala do trono terrestre do Rei celestial de
Israel). O título da melodia é uma forma abreviada de “O Lírio da Aliança” citado nos cabeçalhos dos salmos 60 e 80.
2 O Noivo é apresentado com santo entusiasmo; e sua descrição, como o mais notável e varonil dos homens, aplica-se à pes-
soa de Cristo, o Messias e Rei (1Sm 9.2; 16.18; Pv 22.11; Ec 10.12; Is 50.4; Lc 4.22). O verso 16 revela que o Rei será perpetuado
nos seus filhos para sempre (v.6).
3 Cristo, o Messias e Rei, reina como Deus, com autoridade e sabedoria sem igual entre os seres humanos, pois, mesmo con-
siderando que Jesus Cristo viveu na terra como um homem, tendo homens por “companheiros”, mesmo os mais nobres da terra,
está muito acima deles, como verdadeiro e eterno Rei. Regressará à terra brevemente, com poder e glória, e todos reconhecerão
sua majestade e terão de adorá-lo (vv.3-5). Jesus ama a justiça e rejeita toda espécie de iniqüidade, e, portanto, julgará todos os
ímpios e maldosos. Cristo, o Noivo, é a grande revelação deste salmo (Mt 25.1-13; Hb 1.8).
4 Este versículo, no original hebraico, pode assim ser transliterado: Uvat tsor beminchá panáyich iechalú ashirê am. A expressão
literal “filha de Tiro” é uma personificação da “cidade de Tiro” e dos seus habitantes (2Rs 19.21). O rei de Tiro foi o primeiro go-
vernante estrangeiro a reconhecer a dinastia de Davi (2Sm 5.11). Salomão manteve grande amizade e bons negócios com esse
rico e grande centro comercial à beira do Mediterrâneo que, como diz a profecia, buscou em Israel os favores da bela esposa do
Rei (1Rs 5; 9.10-28; Ez 26.1 – 28.19).
5 A beleza do caráter dos crentes deve levar aqueles que ainda não crêem a adorar a Cristo, o Messias e Rei (vv. 12,13). Todos
quantos pertencem ao Noivo Celestial gozam de privilégios especiais. Portanto, a noiva de Cristo (a Igreja) dá mais valor e aten-
ção ao Noivo que aos laços tradicionais e culturais de parentesco, pois herda uma nova e eterna geração que implica na mais
sincera, íntima e dedicada comunhão com Cristo e com os irmãos na fé.
Capítulo 46
1 Este salmo celebra a segurança de Jerusalém (e do povo de Deus) como a cidade de Deus. Serviu de inspiração para
a composição do grandioso hino de exaltação ao Senhor, chamado Castelo Forte, escrito por Martinho Lutero (1483-1546).
Depois de excomungado e desterrado pelo Imperador da Alemanha, Carlos V, Lutero foi amparado por seu amigo Frederico da
Saxônia, refugiando-se no castelo de Wartburg, onde compôs diversos escritos e dedicou-se à tradução da Bíblia. O cabeçalho
em hebraico original pode ser transliterado dessa forma: Lamenatsêach livnê Côrah al alamot shir. Considerando que a palavra
SALMOS 46, 47 54
2 Portanto, nada temeremos, ainda que a Deus! Serei exaltado entre todas as na-
terra trema e os montes afundem no co- ções, serei louvado na terra!”4
ração do mar,2 11 O SENHOR dos Exércitos está conosco; o
3 ainda que se encrespem as águas e se Deus de Jacó é a nossa fortaleza segura.
lancem com fúria contra os rochedos. (Pausa)
(Pausa)
4 Há um rio cujos canais alegram a cida- Deus, o Rei de toda a Terra
de de Deus, o Santo Lugar onde habita o Ao mestre do canto. Um salmo dos filhos de Corá.1
Altíssimo.
5 Nela habita o Eterno e, por isso, não
poderá ser atingida! Ao romper da auro-
47 Povos todos, batei palmas, aclamai
a Deus com vozes de alegria!
2 Pois o SENHOR, o Altíssimo, inspira reve-
ra Ele virá em seu socorro.3 rência: é o grande Rei sobre a terra.
6 Nações se agitam, reinos se abalam; Ele 3 Ele submeteu os povos ao nosso poder
ergue a voz, e a terra se derrete. e as nações colocou sob nossos pés.2
7 O SENHOR dos Exércitos está conosco; o 4 Ele escolhe para nós a nossa herança,
Deus de Jacó é a nossa torre segura! para orgulho de Jacó, seu bem-amado.3
(Pausa) (Pausa)
8 Vinde e contemplai as obras do Eterno, 5 Deus subiu entre os brados de adora-
seus feitos estarrecedores por toda a terra. ção, ao som da trompa, Ele, o SENHOR.
9 Ele dá fim às guerras até os confins da ter- 6 Cantai louvores a Deus, cantai! Cantai
ra; quebra o arco e despedaça a lança; com louvores ao nosso Rei, cantai!4
chamas destrói os carros de combate. 7 Porque Deus é o Rei de toda a terra,
10 “Cessai as batalhas! Sabei que Eu Sou cantai louvores com harmonia e arte!
hebraica alamot significa também “donzelas”, o subtítulo pode indicar um cortejo de “donzelas tocando pandeiros cerimoniais” e
acompanhando os cantores na entrada litúrgica do templo (68.25; Sl 6; 30 e 42).
2 Cada uma das três partes do salmo reforça nossa confiança na presença e no cuidado constante de Deus para com todos
aqueles que nele crêem (vv. 1, 7 e 11; Rm 8.31-39).
3 Não há um rio em Jerusalém, mas haverá na Cidade Eterna (Ap 21.9 – 22.5). O rio mencionado no Sl 36.8 é uma metáfora em
relação ao contínuo derramar de bênçãos divinas que sustentam e fortalecem os crentes e transformam a cidade de Deus num
jardim tão lindo e aprazível quanto o Éden (Gn 2.10; Is 33.21; 51.3; Ez 31.4-9; Sl 48). A Salvação realizada por Deus (vv.1-3) é uma
das grandes provas daquilo que o Senhor é para nós: um antegozo do santuário eterno de Deus.
4 A voz de Deus irrompe no meio dos conflitos mundiais. Este versículo, no original hebraico, pode ser transliterado do seguinte
modo: Harpu ud’ú ki anochi Elohim, arum bagoyim arum baárets. Nesta frase, o Senhor ordena, literalmente, que toda a terra “fique
em silêncio”, assim como em 1Sm 15.16. Os atos poderosos de Deus a favor do seu povo farão que toda a terra se renda, em lou-
vores, a seus pés. Esse tema é enfatizado em todo o livro dos Salmos (22.27; 47.9; 57.5,11; 64.9; 65.8; 66.1-7; 67.2-5; 86.9; 98.2,3;
102.15), bem como em outras passagens do AT (Êx 7.5; 14.4,18; Lv 26.45; Nm 14.15-19; 1Sm 17.46; 1Rs 8.41-43; 2Rs 19.19; Ez
20.41; 28.25; 36.23; Hc 2.14). Assim como o poder de Deus se manifestou maravilhoso na encarnação, nascimento, vida, obra e
ressurreição de Cristo, também se manifestará no iminente e glorioso retorno de Jesus Cristo, o Messias e Rei.
Capítulo 47
1 Este salmo data da época da monarquia israelita e foi composto para uso na liturgia do templo, nos momentos das grandes
celebrações como a Festa dos Tabernáculos (Lv 23.34), ocasião em que Salomão dedicou o templo (1Rs 8.2), em grande cortejo
(v.5; Sl 24 e 68). Posteriormente, este mesmo salmo foi usado nas sinagogas, nas comemorações litúrgicas de Rosh Hashanah
(o Ano Novo judaico, normalmente comemorado, no Ocidente, durante o mês de setembro). A Igreja primitiva, de forma muito
apropriada, passou a louvar o Senhor com este salmo nas celebrações da ascensão de Cristo.
2 O Senhor de toda a terra determinou o destino do seu povo eleito (Sl 146.5-7). Este salmo está intimamente vinculado aos
46 e 48, e têm, os três, o objetivo de fixar didaticamente, na mente do leitor, a verdade máxima de que Deus é o Grande Rei que
chamará para si súditos de todas as nações e formará seu povo, com o qual viverá por toda a eternidade em paz e felicidade.
Portanto, somente Deus merece os louvores de todos os seres que vivem na terra (105.6; 135.4; Êx 9.29; 15.1-18; 19.5,6; Dt 7.6;
14.2; Is 41.8). O título “grande rei” foi empregado, impropriamente, por muitos governantes imperiais da Assíria (2Rs 18.19), pois
“Temível”, “Justo”, “Magnífico” e “Altíssimo” são títulos e atributos que só encontram perfeito significado na pessoa do Senhor
(2Sm 5.17-25; 8.1-14; 10; Gn 14.19; Sl 45.4; 68.35; 89.7; 99.3; 119.9).
3 A herança do povo de Deus é a Terra Prometida, tanto na figura terrena de Canaã, quanto em nossa morada eterna (Gn 12.7;
17.8; Êx 3.8; Dt 1.8; Jr 3.18; Sl 14.7).
4 O centro deste salmo retrata a ascensão litúrgica do Senhor ao templo, representada, na época, pela entrada da arca em
55 SALMOS 47, 48
8 Deus reina sobre as nações, Deus está torceram-se como a mulher no momen-
assentado em seu santo trono. to do parto.
9 Os príncipes dos povos reuniram-se 7 Foste como o vento oriental, quando
como povo do Deus de Abraão. Pois a destruiu os navios de Társis.
Deus pertencem os soberanos da terra: 8 Como já temos ouvido, agora também
Ele é soberanamente maravilhoso!5 temos visto na cidade de nosso Deus:
Deus a preserva inabalável para sempre.3
A cidade de Deus o louva (Pausa)
Um cântico; salmo dos coraítas. 9 No meio do teu templo, ó Deus, medi-
48
Deus.1
Grande é o SENHOR e digno de
todo louvor, na cidade de nosso
tamos em teu amor misericordioso.
10 Como o teu Nome, ó Deus, assim o teu
louvor se estende até os confins da terra;
2 Seu santo monte, belo e altaneiro, é a tua destra está repleta de justiça.
a alegria de toda a terra. O monte Sião 11 Rejubile-se o monte Sião, exultem as
tem, do lado norte, a cidade do grande cidades de Judá, por causa de todos os
Rei.2 teus santos julgamentos.
3 Em seus palácios, Deus se faz conhecer 12 Desfilai em torno de Sião, contai-lhe
como alto refúgio. as torres,
4 Por esse motivo, eis que os reis soma- 13 apreciai suas fortificações, contemplai
ram suas forças e juntos avançaram con- seus palácios para anunciar à geração
tra a cidade. vindoura:4
5 Contudo, quando a contemplaram, fi- 14 “Este é Deus, o nosso Deus para todo
caram pasmos e fugiram aterrorizados. o sempre; Ele é quem nos guiará mesmo
6 Ali mesmo o pavor os dominou; con- além desta vida”.5
cortejo para o templo – com o toque solene do Shofar – trombetas ou trompas feitas com o chifre do carneiro (98.6; Êx 19.16-19;
Js 6.4). A arca simbolizava o trono de Deus. O templo era a representação terrestre do perfeito e eterno palácio celestial (Sl 24 e
68). O verso 5 pode ser transliterado a partir do original hebraico desta forma: Alá Elohim bitruá, Adonai becol shofar.
5 Deus está assentado soberanamente no Santíssimo Lugar do templo celestial e controla o governo de todo o Universo (Jr
17.12). Essa verdade é enfatizada no último livro da Bíblia (Ap 4.9,10; 5.1,7-13; 6.16; 7.10-15; 19.4). No final dos tempos, todas
as nações da terra reconhecerão que o Deus de Israel é o Único Grande Rei da Terra (Sl 3.3; Is 2.2; 56.7), e assim se cumprirão
todas as promessas reveladas a Abraão e aos profetas (Gn 12.2,3; 17.4-6; 22.17,18).
Capítulo 48
1 Sião representa a inexpugnável e eterna cidade de Deus (vv.12,13). Nenhum de seus lados é frágil e suscetível a ataques
(vv.2,7,10,13). Os salmos 46 e 47 oferecem uma bela introdução à descrição da cidade do Grande Rei, e eram cantados pelo coral
levítico em nome de todos os adoradores reunidos no templo.
2 Embora não seja o cume mais elevado da cordilheira a que pertence, sua relevância vem da presença de Deus, o que o torna
o monte mais importante (alto) do mundo (68.15,16; Is 2.2). A rainha de Sabá expressou com propriedade a admiração que as
nações de todo o mundo têm pela cidade de Deus (1Rs 10.1-13).
3 O salmo traz à memória do povo de Deus a destruição das tropas inimigas que se confederaram contra Israel nos dias de
Josafá (2Cr 20), bem como a terrível debandada dos assírios que haviam cercado os muros de Jerusalém, nos dias de Ezequiel
(v.4-7; 2Rs 19.35,36). Atos de Deus que confirmaram o que os israelitas já haviam aprendido, lendo os Livros Sagrados de Moisés
(em hebraico, a Torá), relatando a misericórdia, a justiça e o poder de Deus que se revelam ao mundo, especialmente por meio
da história do seu povo (8; 44.1; 78.3).
4 O salmista leva o povo a meditar sobre a maravilhosa obra salvífica do Senhor, ao longo da história (2Cr 32.21-23). Portanto, o
templo é um lugar reservado para o povo ter calma, segurança, paz e instrução bíblica, a fim de ter inspiração para refletir sobre a
amplitude e a profundidade da misericórdia e do poder de Deus. Durante os cercos militares, os habitantes de Jerusalém se viam
limitados em suas liberdades de ir e vir (infelizmente, como ainda hoje acontece em alguns momentos). Contudo, agora o coro
canta e louva a Deus com entusiasmo, pela liberdade de se andar em paz pela amada cidade que quase perderam (vv.12-13).
A bondade de Deus para conosco não apenas deve ser celebrada (v.1), como também proclamada. Se desejamos que nossos
filhos reverenciem a Deus e o conheçam como Pai, devemos alimentar um estilo de vida pessoal que demonstre o quanto o
Senhor é precioso, de fato, para nós (v.13). É curioso notar que a expressão original e literal “a geração de trás”, aqui trazida por
“a geração vindoura”, é uma expressão idiomática hebraica, e uma referência sutil ao ponto cardeal “oeste”.
5 O salmista encerra este poema com uma bela confissão de fé, cujo texto original em hebraico pode ser assim transliterado:
Ki ze Elohim Elohênu olam vad, hu ienahaguênu al mut. (Sl 23).
SALMOS 49 56
1 Os princípios de vida ensinados neste salmo seguem a mesma linha doutrinária que vem sendo exposta desde o salmo 46.
Aqui se faz um alerta aos tolos ricos. Pessoas que depositam sua fé e confiança no poder econômico e intelectual que amealha-
ram (Sl 52). O autor levítico sabe o que é viver sem os privilégios das riquezas e já observou a arrogância e a soberba que domina
aqueles que se acham poderosos nesta terra. Sob o temor do Senhor, o salmista oferece, a todos nós, a sua sabedoria e previne
o estulto quanto a seu inexorável fim: a morte (v.14). Os justos, entretanto, alcançaram misericórdia, e, por meio do favor divino,
viverão eternamente. E essa segunda metade interminável da vida, lhes será indescritivelmente mais feliz (Mt 13.43).
2 A linguagem usada aqui pelo levita do Senhor é mais profética que sapiencial (de sabedoria, como nos provérbios). É um
aviso claro e objetivo, de Deus, quanto ao comportamento humano sob o olhar criterioso do Senhor (1Rs 22.28; Is 34.1; Mq 1.2;
Sl 34.11; Pv 1.8; 2.1; Mt 12.34).
3 A palavra de profecia e sabedoria que sai da boca do salmista deve ser ouvida e compreendida primeiro por ele mesmo, pois toda
a verdadeira sabedoria vem de Deus (Jó 28). A harpa indica o senso de inspiração que o autor possuía (1Sm 10.5,6; 2Rs 3.15).
4 A questão aqui é: por que o justo haveria de temer o tolo rico e suas maldades? As duas respostas que se seguem asseguram
que o justo deve temer apenas o Senhor, mais nada nem ninguém (vv.7-8; 13-20).
5 A primeira resposta afirma que as riquezas não podem comprar o livramento da mais terrível das desgraças: a morte; nem
mesmo um “parente influente e redentor” conseguiria tal proeza (Êx 21.30; Lv 25.47-49). Somente a pessoa do Senhor tem poder
para redimir uma vida da decomposição física e da destruição eterna (v.15; Ef 2.8,9; Gl 3.13-14; 4.3-5; 1Pe 1.18-21).
6 A segunda resposta revela que o justo não deve temer o rico e arrogante, pois, enquanto o futuro do rico sem Deus é de mi-
séria eterna (seus próprios túmulos, ricos e decorados, serão ironicamente suas casas eternas, Ec 12.5. O futuro dos que amam a
Deus e vivem em humildade de coração está reluzindo cada vez mais com a perspectiva da vida eterna no Reino.
7 O salmista emprega uma linguagem figurada da mitologia cananéia que define o deus Mot (morte), como um “devorador de
ovelhas”. Como diz um velho adágio cananeu: “Não te achegues demasiado ao deus Mot, caso contrário ele te devorará como
a um dos seus cordeiros”. O monstro da morte é o próprio guia e pastor dos arrogantes e presunçosos, aqueles para os quais o
Senhor não merece toda a atenção, muito menos os demais seres humanos (69.15; 141.7; Pv 1.12; 27.20; 30.15,16; Is 5.14; Jn
2.2; Hb 2.5). Contudo, os tolos ricos, ao morrerem, não levarão absolutamente nada consigo (Lc 12.19). Este versículo pode ser
transliterado do original Massorético desta maneira: Catson lisheol shátu, mavet yir’em, veyirdu vam iesharim labóker, vetsuram
levalot Sheol mizevul sêla.
57 SALMOS 49, 50
19 irá também para a geração de seus 9 Contudo, não tenho necessidade de ne-
pais, que nunca mais verão a luz. nhum novilho dos teus estábulos, nem
20 O homem que, na opulência, não refle- de bodes dos teus apriscos,
te, assemelha-se ao gado que se abate.8 10 pois todos os animais da floresta são
meus, como o são as cabeças de gado, aos
A essência da adoração a Deus milhares, nas colinas.
Salmo da família de Asafe. 11 Conheço todas as aves das montanhas,
8 Independentemente da tradição cultural, classe social e econômica, ou da capacidade intelectual de uma pessoa, sem uma
profunda conversão interior a Jesus Cristo, o Messias, em que se reverencie o Filho de Deus como Salvador pessoal, ninguém
encontrará a verdadeira, plena e eterna salvação; só lhe restará a separação definitiva de Deus, ou seja, a morte (1Jo 5.11-12).
Capítulo 50
1 Podemos observar que na transliteração do manuscrito original Massorético, aparecem, juntos, três nomes de Deus: “El
Elohim Adonai diber vayicrá árets, mimizrach shémesh ad mevoô. Mitsión michlal iofi Elohim hofía”. Outros quatro nomes de Deus
são registrados nos versículos 6,14,21 e 22. Neste salmo magnífico, a cena que contemplamos é uma teofania – o aparecimento
de Deus no meio do fogo e da tempestade, para conclamar o mundo todo para o grande tribunal do Senhor. Os nomes hebraicos
΄ēl - ´ēlõhim e jehõvã (Javé) significam Deus como “poderoso gerador de tudo o que há”; Deus, como “plural de majestade”, a
partir do que se compreende a Trindade revelada no NT; assim como o “Deus da Aliança”, que se apresenta pessoalmente ao seu
povo. Foi exatamente esse aspecto da divindade que Jesus Cristo veio revelar à humanidade.
2 Todo o universo é convocado para testemunhar o julgamento que o próprio Deus realizará contra seu povo, cujas respon-
sabilidades e faltas serão avaliadas em função dos muitos privilégios que o Senhor concedeu a seu povo durante a história da
humanidade (Am 3.2).
3 Os sacrifícios de animais faziam parte do ritual de sangue, no templo, que selava a Aliança, e continuavam a fazer parte
inseparável da expressão de fidelidade ao Senhor, dos crentes israelenses no AT (Êx 24.4-8).
4 Israel não deixara de cumprir seus rituais de sacrifício e celebrações formais (v.8), mas no seu íntimo não havia sincero e
verdadeiro espírito de gratidão e adoração a Deus, e essas são as qualidades que o Senhor mais procura nos seres humanos.
Cumprir rituais com o objetivo de apaziguar uma divindade irada era um conceito pagão que havia danosamente migrado para os
arraiais de Israel (40.6). Os legalistas são os primeiros a serem julgados: recebem crédito pelo que fazem (v.8), mas são repreen-
didos pelo espírito com que o fazem (vv.9-13) e, em seguida, são orientados a agir corretamente (vv.14-15). Portanto, a fé sincera
é o culto mais apreciável que se pode oferecer a Deus.
5 Um segundo grupo de faltosos a ser julgado refere-se aos ímpios (sem piedade ou fé), aqueles que desprezam a Lei de Deus,
mas não temem citá-la de forma hipócrita sempre a seu próprio favor (vv.16-21).
SALMOS 50, 51 58
20 Assentas-te à vontade para falar contra nhas transgressões, e trago sempre pre-
teu irmão, e és rápido para caluniar o fi- sente o horror do meu pecado.
lho de tua própria mãe! 4 Pequei contra ti, contra ti somente, e
21 Ficaria Deus calado diante de tudo pratiquei o mal que tanto reprovas. Por-
quanto tens feito? Pensavas que Eu era tanto, justa é a tua sentença, e incontes-
semelhante a ti? Eis, no entanto, que ago- tável, ao julgar-me condenado.2
ra Eu te acusarei veementemente, sem 5 Reconheço que sou pecador desde o
omitir falta alguma!6 meu nascimento. Sim, desde que me
22 Considerai, pois, nisso vós, que esque- concebeu minha mãe.3
ceis a Deus, senão vos faço em pedaços e 6 Sei que tu queres estabelecer a verdade
ninguém vos poderá libertar.7 no meu interior; e no meu coração mi-
23 Quem me oferece sua sincera gratidão nistras a tua sabedoria.
como sacrifício, honra-me, e Eu revelarei 7 Portanto, purifica-me com hissopo e
a salvação de Deus ao que anda nos meus ficarei limpo; lava-me, e mais branco do
caminhos!8 que a neve serei.4
8 Faze-me voltar a ouvir júbilo e alegria, e
Contrição e confissão de Davi os ossos que esmagaste exultarão.
Ao regente do coro. Salmo de Davi, quando o 9 Esconde o rosto do meu pecado e apaga
profeta Natã o confrontou, depois de haver ele todas as minhas iniqüidades.
cometido adultério com Bate-Seba. 10 Ó Deus meu! Cria em mim um cora-
6 O silêncio misericordioso e paciente de Deus é interpretado de forma errônea e perversa pelos ímpios, com o objetivo de
construírem doutrinas que apóiem suas intenções e atos malévolos (Ec 8.11; Is 42.14; 57.11). O Senhor é o Criador e não pode
ser confundido com qualquer das suas criaturas (Êx 3.14).
7 Todos os povos do mundo devem considerar atentamente o dia do juízo final e o julgamento pessoal de cada ser humano
de todos os tempos. A palavra hebraica, aqui traduzida por “Deus” é relativamente rara nos originais dos Salmos, aparecendo
mais vezes no livro de Jó.
8 As Escrituras Sagradas, de forma geral, chamam constantemente atenção para a importância que há no falar das pessoas,
como uma indicação precisa do seu verdadeiro caráter e coração (Tg 3.1-12).
Capítulo 51
1 Este salmo é a oração humilde e sincera de um pecador consciente dos seus pecados, profundamente arrependido e dis-
posto a confiar plenamente na graça de Deus, para mudar de vida. Davi nos revela, por meio do seu próprio exemplo de vida,
a maneira correta de reagirmos à correção e disciplina que vêm da parte do Senhor contra um indivíduo ou mesmo sobre toda
uma nação (v.16 com Sl 50). Na tradição da Igreja, esta oração pertence aos chamados “sete salmos penitenciais” (veja Sl 3; 4;
6 e 25). Observe a profusão de semi-sinônimos de amor e salvação atribuídos à ação divina: piedade, misericórdia, clemência,
apagar, lavar, purificar (Lc 18.13). Quanto à tríade: transgressões, iniqüidade e pecado veja Sl 32.5.
2 Davi não tenta camuflar seu pecado, tampouco reduzir a hediondez de seus erros. Também não atribui suas faltas a causas ine-
vitáveis, ciladas da vida, outras pessoas, ou más influências. Estabelece o correto contraste entre o “tu” e o “eu” para revelar o Deus
santo e justo que observa atento o ser humano pecador. Essas conclusões levam Davi a pedir por misericórdia e não por justiça, ba-
seando sua oração no amor perdoador e purificador do Senhor (Sl 32.2). Fazer o mal é, acima de tudo, uma afronta à santidade e ao
amor de Deus. Davi evidencia profunda tristeza por ter pecado contra Deus, um sentimento de sincera frustração e arrependimento
por ter ferido o coração do Pai, não um simples desgosto e vergonha por causa das inevitáveis conseqüências do pecado.
3 Nós, humanos, somos naturalmente movidos por sentimentos pecaminosos (vontades contrárias à santidade de Deus) por
causa da nossa “natureza caída”, uma tendência inata, conhecida teologicamente como “pecado original”, e que só pode ser
controlada mediante a plenitude do Espírito Santo na vida daquele que experimenta o “novo nascimento” (Gn 3; Jo 1.12,13; 1Jo
1.9,10; Ef 2.3; Rm 3.23; 5.12).
4 O hissopo era um pequeno arbusto usado na tradicional cerimônia de purificação: com os seus ramos se espargia pelo altar de
Deus, o sangue do sacrifício e a água abençoada, como símbolo dos elementos purificadores (Êx 12.22; Lv 14.1-7; 1Rs 4.33).
5 Davi conclui que seu maior desejo na vida é reconquistar a santidade por meio da purificação que vem do Senhor. Só assim
59 SALMOS 51, 52
ele alcançará a verdadeira alegria, e isso não depende de melhor educação ou situação socioeconômica, mas sobretudo de um
“novo coração” (1Pe 1.3,23).
6 Só depois de passar pelo processo de purificação interior, mediante o perdão e o concerto de Deus, é que estamos habili-
tados a voltar a testemunhar de forma efetiva e agradável ao Senhor. Os rituais externos não são capazes de produzir o perdão
divino; Deus aguarda um verdadeiro e íntimo arrependimento, para com seu Espírito, vir socorrer e perdoar o penitente (2Sm
12.13). Este versículo pode ser transliterado do original hebraico desta forma: Hatsilêni midamim, Elohim Elohê teshuati, teranen
leshoni tsidcatêcha.
7 Somente após o restabelecimento da íntima comunhão com Deus, mediante sincero arrependimento, perdão e propósito
santo de vida, é que a Cidade Santa e o culto no Templo passam a ter pleno valor para Deus, podendo então ser espiritualmente
restaurados e reedificados. No Sl 32, um cântico composto na época dessa restauração interior de Davi pode observar a expres-
são de alegria e louvor do coração do servo refeito, diante do seu Senhor amado.
Capítulo 52
1 Os crentes sinceros não devem sentir-se intimidados por nada e por ninguém. Os incrédulos são, quase sempre, arrogantes,
e agem sob influência do maligno. Davi nos ensina a ficar firmes na presença de Deus e, do alto dessa torre de refúgio, com uma
visão privilegiada da história e do gênero humano, lançar para baixo a denúncia profética (Is 22.15-19; 1Sm 17.45-47). Este poe-
ma, ainda que não seja exatamente um salmo de sapiência, tem muito a ver com o Sl 49. O retrato do inimigo soberbo contrasta
com a humildade do servo de Deus, no Sl 51.
2 As Escrituras Sagradas advertem para o fato de que o uso que fazemos das palavras é determinado por tudo quanto habita
no mais íntimo da nossa alma. O coração, portanto, é a fonte; e a linguagem é o rio caudaloso que parte das nossas entranhas
(Tg 3.11; Pv 4.23; Mc 7.21).
3 O inimigo arrogante terá o mesmo fim dos tolos ricos do Sl 49. Quando os justos observarem o juízo de Deus aniquilando
para sempre o perverso, temerão cair em semelhante castigo; mas acabarão se alegrando ao contemplar a vitória da causa de
Deus, da qual são participantes e herdeiros (Sl 2.4). Quem confia apenas em si mesmo está rejeitando a misericórdia e o amor
solidário de Deus.
4 O poema termina com uma nota solene de louvor; as ações de graça se referem ao passado: todos os grandes feitos de
Deus são rememorados. E a esperança projeta, para os crentes, um futuro com infinitas bênçãos que fluem da maravilhosa Fonte
Eterna, que é Deus.
SALMOS 53–55 60
1 A expressão original hebraica mahalat, cujo significado está ligado ao “padecimento sob as zombarias dos ímpios” (Sl 88;
102), traz o sentido de solenidade litúrgica, à melodia. Este salmo é considerado como uma segunda edição do Sl 14.
2 O Espírito de Deus revela a Davi que, embora a sociedade humana faça distinção entre pessoas e pessoas, não existe um
só ser humano absolutamente justo e bondoso: todos nós somos pecadores e carecemos da graça misericordiosa e salvadora
do Senhor (Rm 1 a 3).
3 Se o amor e o perdão divinos, por meio da pessoa de Jesus Cristo, são rejeitados (Jo 14.6); então, infelizmente, nenhuma
alternativa existe, senão as duras conseqüências naturais do pecado, da humilhação e do afastamento eterno de Deus. Davi ora
para que Israel seja salva do destino dos ímpios (v.6). Este versículo pode ser transliterado a partir dos originais hebraicos desta
forma: Sham pachadu fáchad lo haia fachad, ki Elohim pizar atsmot chonach, hevishôta ki Elohim meassam.
4 Este versículo pode ser assim transliterado: Mi yiten mitsión ieshuót Yisrael, beshuv Elohim shevut amo, iaguel Iaacov
yismach Yisrael.
Capítulo 54
1 Típica oração do Saltério, na qual Davi pede a expressa intervenção de Deus contra seus inimigos que planejam assassiná-lo (Sl 3; 4
e 13). O título no original hebraico se refere ao evento ocorrido em 1Sm 23.19. Davi suplica que o Senhor julgue sua causa (Sl 17).
2 A confissão de plena confiança no Senhor é o ponto central deste poema de Davi (Sl 42.8).
3 A oração de fé é aquela em que o servo de Deus reconhece a soberania de Deus e tem absoluta certeza de que o Senhor fará
o melhor; nem sempre o que desejamos de imediato, mas sempre o que nos conduzirá a um bem maior e à felicidade eterna.
Portanto, em vez da dúvida, devemos alimentar a fé, por meio da expressão de louvor e sincera gratidão pela resposta do Pai
(Sl 3.8; 5.11; 7.17).
Capítulo 55
1 Davi busca forças e socorro em Deus para vencer uma poderosa conspiração que foi armada contra ele, em Jerusalém, sob
61 SALMOS 55, 56
a liderança de um de seus amigos íntimos. Uma situação muito semelhante à traição de Absalão contra o rei (2Sm 15 a 17). Davi
aprende que não há lugar mais protegido e afastado das garras do mal que os braços do Senhor (vv.6,8,22; Jr 9.2-6).
2 Davi pede a Deus que produza confusão entre seus inimigos, assim como ocorreu em Babel (Gn 11.5-9; 2Sm 17.1-14).
3 Ofensas, tramas e violências de um inimigo são atitudes esperadas; no entanto, como suportar a traição de um amigo em
quem se confia (v.20; Sl 41.9)?
4 Davi clama, dia e noite, ao Senhor, por livramento e reparação (Dn 6.10). E que Deus abrevie os dias dos seus inimigos na
terra para que diminuam suas chances de arrependimento e perdão (v.23; Nm 16.29-33; Pv 1.12; Is 5.14). Davi confia totalmente
no resgate que vem do Senhor (Is 50.2; Jr 31.11).
5 É Deus quem julga e castiga os ímpios e malfeitores, aqueles que desprezam o verdadeiro ensino da Palavra, vivem pecando
e jamais aprendem a praticar o bem (Sl 14; 53 e 36.1). A expressão original hebraica traduzida por “aliado” significa literalmente:
“aqueles que estão em paz com o salmista”. Diante de todas as pessoas reunidas no Templo, Davi expressa sua total confiança
no auxílio do Senhor, por isso pode descansar de suas angústias e frustrações mais perturbadoras (vv.16-23; 1Pe 5.7). Este último
versículo, no original hebraico, pode ser assim transliterado: Veata Elohim toridem liveer sháchat, anshê damim umirmá lo iechetsú
iemehém, vaani evtach bach.
SALMOS 56, 57 62
1 O medo é sempre paralisante. Mas Davi confia no Senhor e em sua Palavra, e essa fé lhe dá forças e a liberdade de agir e
ver as maravilhas de Deus (1Sm 21.10-15; Sl 3; 4; 9; 34). A principal arma dos inimigos é a calúnia (Sl 5.9), e a arrogância lhes
dá a falsa impressão de poder, desconsiderando o Deus de Davi (Sl 10.11). Davi afasta o medo e a insegurança por meio da fé
na Palavra de Deus (vv.3,4).
2 Esta é uma forma figurada de expressar a onisciência e a atenção de Deus para conosco: que sonda nossos corações e
conhece todas as nossas intenções, conflitos e vontades. Deus é pelo crente, a cruz de Cristo é a maior prova, as Sagradas
Escrituras a maior revelação, e o Espírito Santo, a grande e definitiva confirmação (Rm 8.31-39).
3 Davi demonstra sua fé ao escrever como se sua oração já tivesse sido plenamente atendida pelo Senhor. Reconhece que
agora deve cumprir os votos que fez a Deus, quando estava passando por graves aflições (Sl 66.14; 7.17). O Espírito de Deus é a
grande luz que ilumina o caminho daqueles que recebem a bem-aventurança da verdadeira vida (Sl 36.9).
Capítulo 57
1 Davi suplica a proteção de Deus diante da perseguição implacável de seus inimigos (1Sm 24.1-3; Sl 142). Neste salmo Davi
usa a linguagem figurada dos elementos assustadores de uma noite no deserto e a esperança que nasce com o amanhecer.
Estabelece ainda muitas ligações com o Sl 56 e vários outros (Sl 30.5; 46.5; 59.6-16; 63.1-6; 90.14; 108.1-5).
2 Este versículo pode ser transliterado do original hebraico desta forma: Ecra lelohim elion, lael gomer alai.
3 Os salmistas freqüentemente usavam a metáfora de animais selvagens e predadores, para identificar seus inimigos humanos
mas impiedosos. O caráter dessas pessoas é sempre o mesmo: procuram caluniar e defraudar violentamente seu próximo, en-
gendrando ciladas e provocando todo o mal possível, a fim de alcançarem seus objetivos escusos; agem da mesma forma que
Satanás, seu mestre (1Pe 5.8).
4 A glória de Deus se revela sempre que resgata os justos e castiga os ímpios. Um maravilhoso exemplo dessa manifestação da
glória do Senhor ocorreu na formação da nação de Israel (Êx 12 e 20) cuja história percorre toda a Bíblia, passando pela glória da
nossa Salvação em Cristo, e culminando no estabelecimento definitivo do Reino de Deus e da Nova Jerusalém (Ap 21.1,2).
63 SALMOS 57, 58
de mim cavaram um fosso: porém, eles todos aqueles que vivem mentindo;3
mesmos nele caíram.5 4 seu veneno se assemelha ao de uma ter-
(Pausa) rível serpente; tapam os ouvidos como
7 Meu coração está disposto, ó Deus, meu uma víbora que se faz de surda
coração está livre do medo: quero cantar 5 para não dar atenção à música dos en-
e entoar louvores. cantadores, nem à voz daqueles que têm
8 Desperta, ó minha alma! Harpa e salté- a habilidade de dominá-las.4
rio, despertai! Quero despertar a aurora.6 6 Ó Eterno, arrebenta os dentes desses
9 Graças te darei, Senhor, entre as nações leões selvagens e arranca, ó SENHOR, as
te cantarei louvores, presas dessas feras!
10 pois teu amor se eleva até os céus e tua 7 Que desapareçam como água que es-
fidelidade, até as nuvens. corre! Quando empunharem o arco, que
12 Ó Deus, eleva-te sobre os céus e sobre suas flechas embotem e caiam ao chão
toda a terra, com tua glória! antes de serem disparadas.
8 Que andem como a lesma que se ar-
Deus destruirá todos os ímpios rasta até derreter; que sejam como feto
Para o mestre de música. Também conforme abortado, não vejam eles o sol!
a melodia “Não Destruas”. Um michtam de 9 Os ímpios serão varridos do mundo
Davi.1 pela fúria de Deus, antes que seus espi-
5 Esta é uma das máximas bíblicas: todos quantos armarem ciladas e maldades contra seus semelhantes, mais cedo ou mais
tarde, serão apanhados em suas próprias redes.
6 Davi, pela fé, celebra o livramento que vem do Senhor (Is 51.9,17; 52.1). A expressão original hebraica, kābôd, significa
“alma”, quando usada em paralelo com os elementos vitais do ser humano. Todo crente que consegue sintonizar-se com a von-
tade de Deus terá motivos para cantar louvores a Deus, sejam quais forem as circunstâncias pelas quais estiver passando, pois o
Senhor cuida com carinho de todos, especialmente de seus filhos amados (Jo 1.12).
Capítulo 58
1 A expressão hebraica original michtam significa “um poema epigráfico”, ou hino elaborado a partir de “um poema de Davi”
(Sl 4; 9; 16; 57; 59; 75).
2 O poder judiciário era o principal recurso oferecido pelas sociedades do antigo Oriente Médio para proteção dos inocentes e
pobres contra o ataque dos inescrupulosos, geralmente ricos, influentes e poderosos; no original hebraico, esta expressão – po-
derosos da terra – tem o sentido de “deuses”, como que representantes (juízes) terrestres do tribunal celestial de Deus (Êx 21.6;
22.8,9; Dt 1.17; 2Cr 19.6). A sociedade israelita sofria com a corrupção dos altos representantes do poder judiciário desde os dias
do profeta Samuel, passando pela época de Davi, até o final da era monárquica (1Sm 8.3; 2Sm 15.1-4; Is 1.23; 5.23; 10.1,2; Ez
22.6,12; Am 5.7-13; Mq 3.1-11; 7.2).
3 Davi não faz esta afirmação em relação a todas as pessoas, mas especificamente contra os ímpios, aqueles cujo compor-
tamento maldoso e corrupto não é esporádico ou premido por necessidade extrema; ainda que, também, seja um grave erro
passível de punição, mas por causa de uma natureza pecaminosa, caída e depravada (Sl 10; 51.5; Jo 8.44).
4 O que sai da boca dos ímpios é tão malicioso, cruel e mortal como o veneno das serpentes mais peçonhentas. Não há argu-
mentos ou pessoa que os possa demover de seus intentos maléficos e destruidores (Sl 140.3; Mt 23.33; Tg 3.8). O texto original
hebraico dos vv.5 e 6 pode ser assim transliterado: Chamat lamo kidmut chamat nachash, kemo féten chéresh iatem ozno. Asher
lo yishmá lecol melachashim, chover chavarim mechucam.
5 O tempo passa muito depressa e, em breve, o Senhor julgará os “deuses” (os juízes e os poderosos da terra). Todo o mundo
verá o triunfo majestoso do direito sob o governo justo de Deus. O sentimento de indignação e frustração diante do atual estado
de injustiça mundial será plenamente saciado: o ímpio pecador receberá seu merecido pagamento (a morte eterna), e a grande
recompensa da glória eterna será plenamente outorgada aos crentes fiéis (Rm 6.23).
SALMOS 59 64
1 Esta oração, em forma de poema hebraico, foi escrita originalmente por Davi como está explícito no cabeçalho do Salmo.
Com o passar do tempo, seus régios filhos revisaram o texto deste hino de súplicas e louvor a Deus, aplicando-o às crises e,
especialmente, aos graves sítios militares pelos quais Jerusalém passou, enfrentando ataques de muitas nações, ao longo da
história (v.1). Como, por exemplo, na época do rei Ezequias, quando foi sitiada pelos assírios (2Rs 18.19). O próprio Neemias teria
adaptado e orado algumas vezes este salmo com o povo de Israel, quando da reconstrução dos muros de Jerusalém (Ne 4).
2 Davi usa a metáfora da “noite” como símbolo do perigo iminente e da “aurora” como prenúncio do livramento e da salvação
(vv. 6,14,16; Sl 57). O inimigo cria muitos ardis, mas sua arma mais importante é a “língua”, o poder das calúnias, difamações e
maldições. O salmista suplica a Deus que julgue os que fazem injustiça (Sl 58.11). O ataque contra Davi era, naquelas circunstân-
cias, uma poderosa investida contra a nação de Israel, tramada, inclusive, por gente que se dizia amiga de Israel; literalmente em
hebraico: traidores (1Sm 1.3; 19.11; Sl 5.10; 7.6).
3 Este trecho, no original hebraico, pode ser assim transliterado: Uszo elêcha eshmora, ki Elohim misgabi. O salmista usa a
expressão “esperar” como alguém que tendo padecido a noite toda, aguarda com ansiedade e esperança pelo amanhecer de
um novo dia e a chegada do livramento e da salvação (Sl 130.6).
4 Somente o crente que aprendeu a depositar toda a sua confiança em Deus consegue descansar e cantar hinos de gratidão
ao Senhor, em meio às mais difíceis crises e aflições. O apóstolo Paulo foi um desses crentes que aprendeu a atravessar noites e
noites de provações, certo de que com a aurora viria a salvação do Pai amoroso (At 16.23-26; Cl 3.15-17).
Capítulo 60
1 Este salmo foi originalmente composto e orado pelo próprio rei Davi (v.9), suplicando o perdão de Deus e a restauração de
65 SALMOS 60, 61
sua santa comunhão com a nação de Israel, derrotada e afligida que fora pelos exércitos de uma nação gentia como Edom, que
soube tirar proveito da concentração do exército israelita no Norte e destruiu as fracas guarnições que vigiavam as fronteiras do
sul de Judá (2Sm 8; 10; 1Cr 18; 2Cr 20). O lamento de Davi liga este poema ao Sl 44 e reaparece no Sl 108.6-13, um dos muitos
hinos que visavam transmitir confiança em Deus, em tempos de ameaças e guerras (Dt 31.19-21; 2Sm 1.18).
2 Uma característica marcante da teologia do AT é entender qualquer derrota ou insucesso como demonstração da ira de Deus
contra algum pecado cometido. Davi está expressando a dor do seu povo e o sentimento geral de que Deus os havia punido com
severa derrota e a morte de muitos soldados. Entretanto, não há indicação real alguma de que Deus – em algum momento – tenha
quebrado seu vínculo de Aliança com Israel. As punições do Senhor são todas disciplinadoras e em benefício do seu povo, como
um Pai que sofre ao ter de ser severo na educação de seu filho (Dt 8.5; Jó 5.17; Pv 13.24; 1Co 11.32; Hb 12.10).
3 Este “estandarte” era uma bandeira usada como sinal para demarcar os locais onde as tropas deviam concentrar-se para
a batalha. Assim também, tais bandeiras eram usadas para guiar os exércitos durante as investidas contra os inimigos (Is 5.26;
11.10,12; 13.2; 18.3; 30.17; 49.22; 62.10; Jr 4.21; 50.2; 51.12,27). Este versículo pode ser transliterado do original hebraico desta
forma: Natáta lireêcha nes lehitnosses, mipenê cóshet (Sêla).
4 A expressão “a quem amas” traduzida a partir dos melhores e mais antigos originais em hebraico, corresponde a uma palavra
de “carinho particular e especial”. Este versículo pode ser assim transliterado: Lemáan iechaletsun iedidêcha, hoshía ieminechá
vaanêni. Essa mesma expressão especial para identificar o amor indestrutível e sacrificial que Deus tem para com os seus aparece
em Sl 127.2; 2Sm 12.25 e Jr 11.15.
5 Palavra de poder e consolo que vem do Senhor Deus para seus filhos, relembrando os tempos da conquista de Canaã, e
preservada na história no “Livro das Guerras do Senhor” (Nm 21.14). O Senhor é o nosso Rei Triunfante (Êx 15.3-18). Ele dividiu,
entre seu povo, o território conquistado nas batalhas. Sucote e Siquém são lugares que exemplificam as terras conquistadas a
oeste e leste do Jordão (Gn 33.17,18; 1Rs 12.25).
6 De Judá havia chegado o regente que o Senhor pessoalmente escolhera para reinar sobre seu povo na terra (1Sm 16.1-13;
2Sm 7). Uma simbologia poderosa sobre a vinda de Jesus Cristo, o definitivo e perpétuo Rei e Leão da Tribo de Judá (Ap 5.5).
7 Aqui estão representados os inimigos de Deus, que espreitavam os israelitas nas fronteiras leste, sul e oeste (Êx 13.17 com
15.14,15 e Nm 20.14-21). A metáfora usada em relação a Moabe tem a ver com o fato de esse adversário viver ao longo da praia
leste do mar Morto (Gn 18.4). O ato de se atirarem as sandálias num local era tradicionalmente reconhecido como um gesto pú-
blico de reivindicação do direito de posse daquela terra (Rt 4.7). Este versículo pode ser transliterado do original hebraico desta
forma: Moav sir rach’tsi, al Edom ashlich naali, alai peléshet hit’roái.
Capítulo 61
1 Davi compôs esta súplica poética a Deus, na época em que fugia de Absalão (2Sm 17.21-29). O tema deste salmo, como de
alguns que se interligam, é a expressão de plena confiança no amor e na ação poderosa do Senhor, em favor dos seus, mesmo
em meio às mais terríveis perseguições e crises da vida. Na frase “mesmo dos confins da terra”, a idéia de exílio tem um duplo
sentido: refere-se tanto ao afastamento forçado da terra natal, quanto à iminência da morte. O salmista encontrava-se à beira do
SALMOS 61, 62 66
3 Pois Tu tens sido o meu refúgio, uma 4 O maior objetivo deles é derrubá-lo de
fortaleza diante do meu inimigo. sua posição elevada; eles se deliciam com
4 Possa eu morar sempre sob tua tenda e mentiras. Bendizem-no com suas bocas,
abrigar-me à sombra das tuas asas. enquanto o amaldiçoam em seus cora-
(Pausa) ções.2
5 Ouviste, ó Eterno, os votos que te fiz; (Pausa)
assegura a herança de todos aqueles que 5 Contudo, somente no Eterno espera a
te reverenciam e temem o teu Nome.2 minha alma, em silêncio, pois Ele é que
6 Acrescenta dias aos dias de existência me traz a esperança!
do rei e que se estendam, por gerações, 6 Ele é minha Rocha, minha Salvação,
seus anos de vida.3 minha torre inexpugnável. Por isso não
7 Que lhe seja outorgado o direito de se desesperarei jamais!
assentar em seu trono, na presença de 7 A minha salvação e a minha honra de-
Deus; envia o teu temor e a tua lealdade pendem somente de Deus; Ele é a rocha
para protegê-lo! da minha fortaleza, a segurança do meu
8 Assim, com salmos, hinos e canções, abrigo!3
para sempre exaltarei o teu Nome, cum- 8 Confia sempre em Deus, ó povo meu!
prindo os meus votos cada dia. Perante sua presença derrama todo o co-
ração; Ele é o nosso refúgio seguro.
Exortação à confiança em Deus (Pausa)
Ao mestre de canto. Ao estilo da melodia de Je- 9 Vãs são as palavras dos homens, men-
dutum. Um salmo de Davi. tirosas são as afirmações dos poderosos;
mundo do além (Sl 63.9). O lugar seguro e confortável almejado pelo salmista que padece é o ambiente e a presença soberana
do próprio Deus, nossa “rocha perpétua de refúgio” (Sl 18.2; 31.2; 62.2-7; 71.3; 94.22).
2 Davi recorre ao Senhor, pois Deus nunca lhe faltara: o salmista jamais ficou sem resposta, consolo e abrigo divino. Ainda
que seja diante da morte, o Senhor é nosso maior refúgio e segurança (Sl 14.7; 49.14-15; 68.20; Jó 33.22-24; Is 25.8; 28.15-16;
Jr 9.21; Os 13.14 com 1Co 15.26).
3 O salmista lança um olhar profético para além de sua própria pessoa, reinado e circunstâncias, vislumbrando seu descenden-
te divino, que ainda estava para vir e estabelecer, no final dos tempos, seu grande, inabalável e eterno Reino (Lc 1.32-33).
Capítulo 62
1 Ao ser perseguido e ameaçado pelos familiares de Saul, o rei Davi olha para a multidão dos conspiradores, mas fixa sua fé
no amor e no poder do Senhor. A plena confiança em Deus é a total exclusão de todas as esperanças menores oferecidas pelo
mundo em que vivemos. Nosso livramento e salvação, assim como todas as demais bênçãos, procedem de Deus, o Eterno (como
a ele se referem os originais hebraicos), que a todos dá generosamente (Tg 1.5,17). Nenhum outro salmo de Davi é mais eloqüen-
te em relação à expressão de uma fé inabalável e singela em Deus (Sl 31; 61). O texto deste versículo pode ser transliterado do
original hebraico da seguinte maneira: Ach el Elohim dumitá nafshi, mimênu ieshuati. A expressão “silêncio” é interpretada como
“descanso” ou “em repouso” (v.5).
2 A metáfora da parede ou muro instável e prestes a ruir é comum nos provérbios orientais. Os covardes, ardilosos e calunia-
dores encontram, na maldade, a perfeita expressão da sua natureza pecaminosa.
3 Temos grande necessidade de parar e meditar sobre tudo aquilo que Deus é e pode. Se o Senhor ainda não significa para
nós o que Davi declara aqui, então precisamos urgentemente nos aproximar do Pai com um coração humilde e penitente (v.8;
Lm 2.19; Jo 14.1-16).
4 Davi conclui seu hino de exortação à absoluta confiança em Deus, com a proclamação do poder, da graça e da justiça do
Senhor; declaração que deu origem às mais belas e poderosas doxologias do NT (Rm 16.25; Ef 3.20; Jd 24).
67 SALMOS 62–64
1 Assim como o Sl 62, este poema do rei Davi (2Sm 15.23-28; 16.2-23) tem, implícita, uma oração e foi muito usado nas orações
públicas da igreja primitiva. O progresso a partir do ouvir e a metáfora da noite que simboliza as crises e os perigos em contraste
com a aurora de um novo dia, que traz a salvação do Senhor (vv. 2,6; 48.8; 57), são as marcas da sua estrutura, cuja expressão
inicial de anseio dá lugar à alegria triunfal daqueles que confiam em Deus.
2 As reflexões consoladoras de Davi evocam os sentimentos que experimentou na presença de Deus, no santuário, e que desper-
tam expectativas jubilosas de vitória (vv.2-5). Ainda que algumas de nossas atitudes sejam desabonadoras, a graça perdoadora do
Senhor pode nos alcançar em nosso deserto pessoal e conduzir-nos para o oásis da perfeita paz e abundância (Sl 84.4-7).
3 Davi descobriu a melhor maneira de aproveitar as horas de insônia. Quem busca ao Senhor encontra satisfação para a alma
(v.5), memórias agradáveis e de confiança em Deus (v.6) e segurança absoluta (v.7).
4 Os inimigos dos filhos de Deus que tentarem prejudicá-los ou atentarem contra suas vidas, receberão, do Senhor, justo cas-
tigo e poderão perder suas próprias vidas (Gn 9.5; Êx 21.23; Dt 19.21 com Sl 5).
5 Os que “juram pelo Nome de Deus” são todos aqueles que um dia fizeram o voto de entrega de suas vidas ao Senhor e que
confiam nele de todo o coração (Dt 6.13). Os que vivem de mentiras e falsidades serão anulados e aniquilados por Deus e seus
corpos insepultos se espalharão pela terra como símbolo da maior ignomínia (53.5; Ap 6.4).
Capítulo 64
1 O rei Davi ora para que sua vida seja colocada fora do alcance de conspiradores que tramam sua morte. As circunstâncias
gerais são semelhantes às do Sl 62.
2 A arma mais poderosa dos inimigos, covardes e atrevidos quando escondidos, é a língua que dispara maledicências. A intriga
e a calúnia podem arruinar muitas vidas (5.9; 10.7-9; 22.7; 52.2-4).
3 Nada detém o ímpio em sua insolência diabólica. Ele é completamente indiferente a qualquer senso de justiça ou temor a
Deus. Os inimigos de Davi haviam lançado mão de muitas “setas” com o objetivo de destruí-lo (vv. 3,5 e 6). Contudo, apenas uma
SALMOS 64–66 68
8 Sua própria língua lhes provocará o 7 Tu que acalmas o rugido dos oceanos, o
fracasso repentino; todos que assistirem bramido das ondas dos mares e o tumul-
a esse triste fim menearão a cabeça e to dos povos das nações.
zombarão deles. 8 Temor por teus portentosos feitos des-
9 Então, todos os seres humanos temerão pertas nos habitantes das terras longín-
e proclamarão as obras de Deus, meditan- quas, e júbilo trazes aos habitantes dos
do sobre esses grandes feitos de Deus. países do Oriente e do Ocidente.
10 Que se alegre o justo, no Eterno; e nele 9 Cuidaste da terra e a irrigaste, enrique-
busque refúgio; congratulem-se todos os cendo-a com cursos de água por Ti abas-
retos de coração!4 tecidos; provês os grãos para alimento do
ser humano, pois para isso a terra prepa-
Ações de graças pelas bênçãos raste.
Ao mestre de música. Salmo de Davi, um cântico. 10 Regas seus sulcos, fazes por seus canais
flecha do Senhor será o suficiente para exterminá-los (v.7). O que os inimigos planejavam fazer contra Davi, o próprio Deus lhes
ofereceu de volta. É a lei da retribuição divina (Sl 44.14; 63.9,10).
4 No original hebraico; a primeira palavra do salmo, “Ouve”, forma um jogo de palavras com a primeira expressão deste versí-
culo 10, “Que se alegre...”, a fim de reforçar a idéia de que ao confiarmos no Senhor, ele se inclina para ouvir nossas petições e,
porque Ele nos ouve, nada poderá frustrar nossa mais profunda alegria: sermos seus filhos amados.
Capítulo 65
1 Hino de louvor pela grande bondade e misericórdia do Senhor para com seu povo. A palavra hebraica dumiyã vem da raiz
dãmam, que significa “ser silencioso”, cujo substantivo nos remete à idéia de “silêncio” e “permanência confiante”. Esses sentidos
mais amplos e profundos do termo hebraico nos ajudam a compreender a idéia de que Deus é perfeitamente capaz de ouvir a
súplica mais secreta, feita no mais íntimo do nosso ser (v.2).
2 Uma referência ao poder e sabedoria de Deus, nosso Criador, que ordenou o caos e criou o Universo e a vida (Gn 1; Hb
1.3). Ele estabelecerá, na redenção definitiva do seu povo, uma ordem pacífica entre as nações (Is 2.4; 11.6-9; Mq 4.3,4), com o
objetivo de propiciar paz a Israel na Terra Prometida (Sl 33; 46). Os salmistas e profetas do AT costumavam comparar os atos de
Deus na criação com seus atos poderosos da redenção, visto que seu poder, no passado histórico, como Criador, era a maior
garantia da sua esperada ação final como Redentor absoluto e eterno de todos os que nele crêem (Sl 74.12-17; 89.9-18; 95.4,5;
Is 27.1; 40.6-31; 51.9-11).
3 Na linguagem poética e exuberante de Davi, toda a criação – inclusive seus elementos inanimados – forma um grande coral
para louvar a Deus por seu poder e misericórdia em seus atos criativos, nas bênçãos generosas e infinitas e, especialmente, no
portentoso ato da redenção definitiva (Sl 89.12; 96.11-13; 98.8,9; 103.22; 145.10; 148.3-10 com Jó 38.7; Is 44.23; 49.13; 55.12).
Capítulo 66
1 Um hino para a celebração do culto no templo, com uma parte destinada ao coro (vv. 1-12), e a parte final para o solista (vv. 13-20).
69 SALMOS 66, 67
são tuas obras! Pela grandeza do teu po- 16 Vinde ouvir vós todos que temeis a
der, teus inimigos a Ti se rendem. Deus! E contarei o que Ele realizou por
4 Prostra-se diante de Ti a terra inteira e mim.
entoa hinos em tua honra, canta louvo- 17 Invoquei-o com minha boca, e por mi-
res ao teu Nome”.2 nha língua foi enaltecido.
(Pausa) 18 Se eu, no coração, tivesse visado a mal-
5 Vinde ver as ações de Deus, os feitos dade, o Senhor não me teria escutado.4
que aos homens inspiram temor! 19 Contudo, Deus me ouviu e prestou
6 O mar ele transformou em terra firme, atenção à voz da minha súplica.
a pé atravessaram o rio; ali nos alegra- 20 Bendito seja Deus, que não afastou de si
mos nele. minha súplica, nem de mim o seu amor!5
7 Ele governa eternamente com seu po-
der, seus olhos vigiam as nações: não se Súplica pela bênção divina
vangloriem os rebeldes! Ao regente do coro: com instrumentos de corda.
(Pausa) Um salmo para cantar.
8 Povos, bendizei o nosso Deus, fazei res-
soar seu louvor!
9 Ele conserva com vida nossa alma e não
67 Que o Eterno nos conceda sua
graça e nos abençoe, e que faça
sobre nós resplandecer a sua face,1
deixa vacilarem nossos pés. (Pausa)
10 Pois Tu, ó Deus, nos puseste à prova, 2 para que sejam conhecidos na terra o
purificaste-nos como se purifica a prata.3 teu Caminho, a tua Salvação entre todas
11 Tu nos levaste para a armadilha, puses- as nações.
te um pesado fardo sobre nossas costas. 3 Ergam-te graças todos os povos. Que
12 Permitiste que, sobre nossas cabeças, todas as nações louvem a Ti.
homens cavalgassem; passamos pelo fogo e 4 Alegrem-se e exultem as nações, pois
pela água. Mas nos trouxeste ao refrigério! governas os povos com retidão e reges na
13 Venho à tua Casa, com holocaustos, terra todos os povos.
cumprir para contigo os meus votos. (Pausa)
14 Votos que meus lábios proferiram e mi- 5 Louvem-te os povos, ó Deus; que te
nha boca pronunciou na minha angústia. exaltem todas as nações!
15 Animais cevados te ofereço em holo- 6 Possa, então, a terra produzir em abun-
causto, com imolação de carneiros; pre- dância seus frutos, possa o Eterno, nosso
paro-te bois e bodes. Deus, nos abençoar.2
(Pausa) 7 Sim, possa Ele nos abençoar e ser reve-
2 Segundo conceituados historiadores e biblistas, este poema canta e exalta a Deus pela maneira prodigiosa como livrou Judá
dos assírios (2Rs 19). Este louvor foi oferecido no templo em cumprimento a um voto e conclama todos os crentes a reverencia-
rem o Nome do Senhor (vv.13,14; 7.17; 9.1). Deus rege a tudo e a todos com sua soberana justiça e misericórdia. Até o final dos
tempos todos terão de se submeter ao Senhor (Fp 2.9-11).
3 As crises, sofrimentos e provações, pelas quais todos nós passamos, contribuem para a formação do verdadeiro e piedoso
caráter do cristão sincero e humilde; assim como o fogo é usado, não para destruir, mas para purificar e valorizar a prata e o ouro
(1Pe 1.7; Hb 12.11).
4 Apenas um coração puro, amoroso e livre de maldades pode obter a resposta do Senhor às suas súplicas (Jo 15.7).
5 Davi sabia que suas orações haviam sido respondidas pelo Senhor, que observa e avalia os corações dos seres humanos. Entre-
tanto, esse gesto de Deus era fruto da sua graça, e não de qualquer obra ou sacrifício meritório do salmista. Oração e louvor são duas
disciplinas que caminham juntas na doutrina devocional do AT, conceito que foi incorporado à teologia do NT (Fp 4.6; 1Tm 2.1).
Capítulo 67
1 Oração comunitária, suplicando a bênção do Senhor. O texto no original hebraico reflete claramente a bênção sacerdotal
descrita em Nm 6.22-27. Todos aqueles que conhecem a Deus, o Eterno, devem torná-lo também conhecido de todos os povos.
Por isso, ao longo dos séculos este poema tem sido chamado de Salmo Missionário. Deus nos constituiu seus embaixadores
(2Co 5.18-21). A bênção que Deus outorga a seu povo assim como seus atos salvíficos em favor dos seus escolhidos, atrairão a
reverência de todas as nações e as conduzirão ao verdadeiro e sincero louvor (Sl 65.2; 98.4-6; 100.1).
2 O grande objetivo de Deus é que as nações da terra reconheçam sua soberania e misericórdia, assim como deveria fazê-lo o
SALMOS 67, 68 70
renciado e temido até os confins da terra! gotas d’água. Ante a presença do Eterno,
o Deus de Israel, tremeu o Sinai!
O triunfo de Deus sobre o mal 9 Derramaste, ó Deus, abundante chuva;
Ao mestre do coro, um salmo de Davi. Um cân- tua herdade, que estava ressequida, tu a
tico.1 restauraste.
povo escolhido. Essa, portanto, é a missão da Igreja até o Dia Final (Ap 7.9,10). Veja a transliteração destes dois últimos versículos, a
partir do original hebraico: Érets natena ievulá, ievarechênu Elohim Elohênu. Levarechênu Elohim, veyireú Oto col afsê árets.
Capítulo 68
1 Este salmo faz parte, até hoje, da liturgia israelense. Nos tempos antigos, o povo entoava este hino de louvor a Deus, em
cortejo, celebrando o governo glorioso e triunfante do Deus de Israel sobre toda a terra (Sl 4; 24; 30; 47; 118; 132).
2 Os versículos de 1 a 18 revelam detalhes poéticos da gloriosa marcha desde o monte Sinai (Nm 10.33-35), sob a liderança de
Moisés, até o monte Sião, já nos dias do rei Davi. Os eventos no monte Sinai definiram o surgimento do reino de Deus entre seu
povo na terra; momento histórico, especial, quando a Arca da Aliança, símbolo da presença e do trono de Deus, foi estabelecida
em Jerusalém, o que passou a representar o próprio estabelecimento do reino divino para a redenção de toda a terra, tendo
Jerusalém como cidade santa, de onde emana a majestade do Senhor. Desde os primórdios da Igreja, os primeiros cristãos as-
sumiram este salmo como profecia e prenúncio da ressurreição, ascensão e governo eterno do Senhor Jesus Cristo, bem como
do triunfo final da sua Igreja sobre todos os inimigos de Deus e o mundo hostil (Ef 4.8-13).
3 Aqui temos um breve resumo do livro de Números (vv. 7-10), exaltando o amor e o poder de Deus, porém não descrevendo
os muitos momentos em que o povo de Israel foi rebelde e desobedeceu ao Senhor, pois este poema foi escrito com o principal
propósito de exaltar a Deus. Somos relembrados da gloriosa marcha de Deus pelo deserto, a partir do Sinai até a Terra Prometida
(Js 5.4,5; Hc 3.3-6).
4 Deus já havia declarado que venceria os reis cananeus. Entretanto, os filósofos e poetas de Canaã, que adoravam o deus
Baal, debochavam dessas profecias e compunham canções e poemas afirmando que “Baal cavalga sobre as nuvens”. O salmista
então, usa a própria literatura dos cananeus para demonstrar que somente Yahweh (Javé, Jeová) é Deus, e faz das grandes
nuvens de tempestade seu carro de guerra (Sl 18.9; 33; 104.3; Is 19.1; Mt 26.64).
5 Israel é a “Pomba de Deus”. O salmista emprega um exagero poético (hipérbole) para realçar o fato de Deus ter derrotado
todos os reis hostis a Israel, muito antes de os exércitos israelenses terem iniciado qualquer confronto militar (Js 2.8-11; 5.1; 6.16;
2Sm 5.24; 2Rs 7.5-7; 19.35; 2Cr 20.22-30).
6 O inumerável exército celestial de Deus é comparado, pelo salmista, a uma enorme força de carros de guerra (2Rs 6.17; Hc
3.8,15). Na época do Império Romano, o próprio Senhor Jesus referiu-se às hostes de Deus como “legiões” (Mt 26.53).
71 SALMOS 68, 69
7 O salmista faz uma analogia com os tributos e despojos recebidos pelo rei vitorioso na guerra. O apóstolo Paulo aplica este
versículo, como traduzido pela Septuaginta (a versão grega do AT), à ascensão de Jesus Cristo, fazendo-nos compreender que
a Ascensão do Senhor foi uma continuação histórica e cumprimento fiel do Reino que Deus estabelecera na sua cidade real de
Jerusalém (Ef 4.8-13).
8 Aqui estão representadas todas as tribos que formam Israel. Desde a menor e mais pobre, Benjamim, até a poderosa Judá,
incluindo as tribos do norte e do sul. A tribo de Benjamim foi encarregada de conduzir o grande cortejo, como alusão ao fato de
ter provido o primeiro rei de Israel (Saul), que deu início às vitórias dos reis de Israel sobre os inimigos do povo de Deus (1Sm
11.11; 14.20-23). O cortejo litúrgico aproxima-se do templo (vv. 24-27) e roga ao Senhor que continue a vencer e conquistar as
potências que ameaçam Israel (vv. 28-31), o que sugere que realmente não haverá plena e duradoura paz em Israel até o final
dos tempos e a Nova Jerusalém (Ap 21.1-4).
9 O apogeu do grande cortejo litúrgico chega com um apelo: que todos os reinos da terra louvem ao Deus de Israel como o
Senhor do Universo, reconhecendo que foi de sua soberana vontade estabelecer seu trono terrestre no Templo em Jerusalém (Sl
29.3-9; 47). O Senhor Deus fez de Israel o seu povo; e seu governo entre os seus os torna co-participantes do poder vitorioso ,
para todo o sempre (Êx 19.5,6; Sl 29.10,11).
SALMOS 69 72
corpo, enquanto aguardo pelo auxílio do 13 Todavia eu, SENHOR, no tempo opor-
meu Deus!1 tuno elevo a ti minha petição; responde-
4 São mais numerosos que os cabelos de me, por teu grande amor, ó Deus, com
minha cabeça os que me odeiam sem tua graça infalível!
causa; poderosos são os que me querem 14 Resgata-me do lamaçal, para que eu
aniquilar, são injustos meus inimigos: o nele não pereça; salva-me de meus detra-
que roubei, como hei de restituir? tores e das profundezas das águas.
5 Conheces, ó Deus, meus desatinos e o 15 Que eu não seja arrastado por seu tur-
quanto fui insensato; as minhas culpas bilhão, nem tragado pelo abismo, e que
não te são encobertas. tampouco se feche sobre mim a boca do
6 Contudo, não permitas que eu venha ser poço onde caí.
causa de humilhações para aqueles que 16 Responde-me, ó Eterno, pois inco-
têm fé em ti, ó Eterno, Deus das Legiões. mensurável é tua benevolência; volta-te
Que não sejam por mim envergonhados para mim com a grandeza de tua mag-
os que te buscam, ó Deus de Israel!2 nanimidade.
7 Porquanto por amor a ti suporto zom- 17 Não ocultes do teu servo a tua face;
barias, e a vergonha cobre-me o rosto. responde-me de pronto, pois estou mui-
8 Sou um estrangeiro para meus próprios to angustiado.
irmãos, um estranho até para os filhos da 18 Faze que de ti se aproxime a minha alma,
minha mãe; redime-a e salva-me de meus inimigos.
9 pois me consumiu o zelo que dedico à 19 Pois sabes da vergonha e do infortúnio
tua Casa, e sobre mim recaíram os vitu- que me fazem passar.
périos dos que te insultam.3 20 Meu coração se partiu ante tanta hu-
10 Com jejum e muitas lágrimas afligi milhação, e me sinto gravemente enfer-
minha própria alma, e isso ainda mais os mo. Procurei alguém que se compade-
enfureceu. cesse de mim e me confortasse, mas a
11 Com mortalha me cobri e perante eles ninguém encontrei.
fui objeto de zombarias.4 21 Ao contrário, puseram veneno em meu
12 Murmuram contra mim os que se alimento e vinagre me oferecem para mi-
ajuntam nas portas da cidade, e sou tema tigar minha sede.5
de chacotas nas canções dos bêbados. 22 Que, em retribuição, a mesa deles se
1 Davi descreve sua situação de profundo sofrimento da alma, dor física e terrível angústia, enquanto espera confiante pela
interveniência perdoadora e salvadora de Deus. É a sincera oração de um rei piedoso diante dos ataques maliciosos de uma
conspiração generalizada que se aproveitara de uma ocasião em que o próprio Deus já o havia castigado por um pecado come-
tido (v.5; 26). A igreja primitiva considerava este clamor como o prenúncio dos sofrimentos do Messias, Jesus Cristo; juntamente
com o Salmo 22 são os textos do Saltério mais citados no NT.
2 O salmista pede que sua disciplina não seja causa de escândalo para os que esperam em Deus. Este versículo pode ser transli-
terado do original hebraico desta forma: Al ievôshu vi covêcha Adonai Elohim Tsevaót, al yicalemu vi mevac’shêcha Elohê Yisrael.
3 O que se aplicava ao salmista era ainda mais realidade na vida de Jesus Cristo (Jo 2.17). Os que zombam de Deus, achin-
calham igualmente o servo do Senhor (74.18-23; 2Rs 18.31-35), situação que Cristo enfrentou sem que tivesse cometido um só
pecado (Rm 15.3).
4 Davi, num momento de fraqueza e falta de juízo, pecou contra Deus. Entretanto, isso não o desqualificou como filho e servo,
diante do Pai, pois seu coração fora entregue ao Senhor para o adorar e servir por toda a vida. Em seu profundo amor a Deus,
e arrependimento pelas faltas cometidas, o rei salmista não se nega a passar pela mais profunda dor e humilhação pública,
chegando a ser afrontado até pela escória da sociedade que, nesses momentos, sempre procura minimizar sua própria condição
desprezível evidenciando o erro da pessoa em foco (Sl 35.13 com Gn 37.34; 2Sm 12.16,17; Jl 1.13,14; 2.15-17; Jn 3.5).
5 Quando mais precisamos de abrigo, consolo e ânimo, é que conhecemos nossos poucos e leais amigos e os muitos e gran-
des inimigos. O salmista usa uma forte metáfora para mostrar que o alimento por que mais ansiava sua alma era a compreensão
e o perdão dos seus pecados. No texto hebraico original a palavra algumas vezes traduzida por “fel” é, literalmente, “veneno”:
Vayitenú bevaruti rosh, velits’maí iashcuni chômets. Os autores dos Evangelhos, especialmente Mateus, entenderam que os sofri-
mentos comunicados nestes versos se constituíam numa profecia quanto ao martírio de Jesus Cristo, o Messias e Nosso Senhor
(Mt 27.34,48; Mc 15.23,36; Lc 23.36; Jo 19.29).
73 SALMOS 69–71
6 O apóstolo Paulo fez menção deste salmo, quando admoestava os judeus a reconhecerem Jesus Cristo, como o Messias e
Senhor de todo aquele que nele crer (Rm 11.9,10).
7 Uma das piores punições que o ímpio pode sofrer é que o Senhor o deixe seguir seu próprio caminho de iniqüidades e peca-
dos. Seu coração duro e arrogante, muito diferente da alma do salmista, não lhe permite ser tocado pelo Espírito de Deus, refletir
sobre seus erros e, arrependido, receber o perdão de Deus (Rm 1.18-32).
8 No AT, o “Livro da Vida” é compreendido como a lista divina régia dos justos, aos quais Deus abençoa na terra e na vida
eterna (1.3; 7.9; 11.7; 34.12; 37.17,29; 55.22; 75.10; 92.12-14; 140.13). No NT, o “Livro da Vida” refere-se à lista de Deus que
contém os nomes dos eleitos, destinados à vida eterna por meio da fé em Jesus Cristo, o Messias (Fp 4.3; Ap 3.5; 13.8; 17.8;
20.12,15; 21.27).
9 Alguns biblistas e comentaristas entendem que essas expressões têm a ver com a época do Exílio, ocorrida mais de quatro
séculos depois de Davi. Contudo, ao analisarmos a amplitude da visão teológica de Davi, não é difícil concluirmos que ele está
comunicando, em oração, o grande anseio de ver sua nação e o povo de Deus verdadeiramente edificado no amor, na fé, na
prática contínua e intensa da piedade, sob as preciosas bênçãos do Senhor de Israel (Sl 127).
Capítulo 70
1 Este salmo está presente nos trechos dos salmos 35.4,21,26 e 40.13-17. É uma pequena jóia de oração para se decorar e
guardar no coração. Um pedido eloqüente de socorro urgente a Deus, contra as artimanhas e ataques dos inimigos (Sl 4; 38).
Capítulo 71
1 Este salmo encerra uma coleção de salmos davídicos e revela a experiência de alguém que, na velhice, suplica a presença
SALMOS 71 74
2 Por tua justiça, me livrarás e me liber- 15 Minha boca narrará tua justiça e, em
tarás. Inclina para mim teus ouvidos e todos os dias da minha existência, os teus
salva-me! incontáveis atos de salvação!
3 Sê para mim a rocha de refúgio, sempre 16 Proclamarei os teus feitos poderosos,
acessível, pois decidiste salvar-me. Sim, ó Soberano SENHOR; divulgarei diante de
és o meu rochedo e minha fortaleza!2 todos a tua justiça.
4 Meu Deus, livra-me da mão do ímpio, 17 Desde a minha juventude, ó Deus, tens
das mãos dos criminosos e dos violentos! me ensinado, e até hoje eu anuncio as
5 Tu és minha esperança, ó Soberano SE- tuas maravilhas!
NHOR; deposito em ti toda a minha con- 18 Agora, porém, vejo que estou idoso, de
fiança, desde a minha juventude. cabelos brancos: não me desampares, ó
6 Ora, desde o ventre materno dependo Deus; para que eu possa pregar sobre as
de ti, das entranhas de minha mãe me grandes obras de teu braço, às gerações
separaste; dia após dia és motivo de todo presentes e futuras.4
o meu louvor. 19 Ora, tua justiça, ó Deus, chega até as
7 Para muitos tornei-me um prodígio, en- mais elevadas alturas. Grandes proezas re-
quanto eras tu meu refúgio fortificado. alizaste, ó Deus. Quem é semelhante a ti?
8 Minha boca está repleta do teu louvor, e 20 Tu, que me fizeste experimentar tantas
constantemente proclamo o teu esplendor! aflições e desgraças, de novo me farás vi-
9 Portanto, não me rejeites agora, na ve- ver, e das profundezas da terra me farás
lhice; quando as forças declinam, não me ressuscitar.5
abandones! 21 Aumentarás minha dignidade e, uma
10 Pois meus inimigos tramam contra mim, vez mais, me abençoarás com a tua pre-
confabulam entre si os que me espreitam sença confortante.
com a intenção de tirar a minha vida. 22 Então, acompanhado da harpa, te da-
11 Alegam: “Deus o abandonou: per- rei graças, meu Deus, por tua fidelidade;
segui-o, agarrai-o! Pois não há quem o cantarei louvores para ti, ao som da cíta-
possa salvar”.3 ra, ó Santo de Israel.
12 Ó Deus, não fiques longe de mim, meu 23 Ao cantarem teus louvores, exultarão
SENHOR, vem depressa em meu auxílio! de alegria meus lábios e minha alma, que
13 Sejam confundidos e abatidos os que resgataste.
me hostilizam! Cubram-se de opróbrio e 24 Igualmente, todos os dias, minha lín-
de vexame os que buscam meu dano! gua recitará tua justiça, porque se cobri-
14 Eu, todavia, sempre esperançoso, re- ram de vergonha e vexame os que busca-
dobrarei mais e mais teus louvores. vam minha desgraça!
e ajuda de Deus, diante das ameaças de seus inimigos (5.9). A falta do costumeiro cabeçalho indica que o Sl 70 representa sua
introdução e que, portanto, este é mais um salmo da autoria de Davi, já em idade avançada (vv.9,18), fato reforçado pela oração
do rei Salomão no Sl 72.
2 Um homem pode chegar ao final desta vida com uma grande alegria na alma: se no passado e, especialmente, no presente
tiver depositado no Senhor Deus toda a sua fé e confiança (vv.3,7). Não existe velhice sem provações, mas Deus é misericordioso
em nos socorrer em todas as nossas aflições e rapidamente nos confortar com sua presença libertadora e salvadora (vv.10-11).
Este trecho é uma boa recordação do Sl 31.1-3.
3 Os faltos de sabedoria olham para o justo sem prosperidade aparente, debilitado fisicamente e sem boa aparência, e o des-
prezam, procurando tirar alguma vantagem da sua humilde condição pessoal. Contudo, o justo jamais será pobre, ignorante ou
desamparado, pois sua riqueza e poder vêm da graça do Senhor. É Jesus Cristo quem nos concede todas as forças e a paz que
o mundo não pode oferecer (Jo 14.27).
4 Um servo de Deus, cuja vida espiritual foi provada por meio de vitórias e insucessos, pode na terceira idade dedicar-se ao
maravilhoso ministério do aconselhamento de jovens, provendo para esses construtores das novas sociedades uma sabedoria
bíblica que eles não poderiam ganhar tão rapidamente sozinhos, nas tentativas e erros da vida.
5 O mesmo Deus que nos abençoa com o privilégio da vida (v.6), nos renovará, por meio da Salvação, a fim de que estejamos
para sempre em sua companhia. As profundezas da terra (em hebraico: sheol) é a região dos mortos, cuja porta de entrada é a
sepultura (Sl 30).
75 SALMOS 72, 73
1 A tradição judaica sempre viu neste salmo uma alusão ao Messias (Cristo, em grego), assim como a Igreja primitiva via Jesus
neste poema profético. Este salmo reflete o conceito ideal do governante supremo e os efeitos maravilhosos do seu reinado,
assim como ocorreu no período em que o rei Salomão se manteve humilde e obediente à Palavra de Deus (1Rs 3.9-12; Pv 16.12).
Entretanto, mesmo alguns dos últimos reis davídicos (seus filhos) mereceram a repreensão do Senhor por meio do seu profeta
(Jr 22.2-15), que também anunciou ao povo a iminente chegada do verdadeiro Rei e o estabelecimento do governo messiânico
(Is 9.7; 11.4-5; Jr 23.5,6; 33.15,16; Zc 9.9). Nenhuma nação respeitará as leis, nem se desenvolverá em solidariedade, paz e pros-
peridade, sob a liderança de governos corruptos e injustos. O pleno estado de justiça é como a boa chuva que torna fértil a terra
de uma nação e alegra o coração do seu povo (vv. 6,7; Sl 5.12; 65.9-13; 133.3; Lv 25.19; Dt 28.8).
2 Profecia acerca do Rei que dominará toda a terra e sobre todos os povos, com o poder de Deus (vv. 9-11). Esperança bíblica
que se aplica somente a Jesus Cristo e seu reino (Zc 9.10).
3 Uma referência aos beduínos e tribos que peregrinam e vivem a leste, no deserto da Arábia, e que virão a se submeter ao
Messias, o Cristo (Mq 7.17). Os reis, cujas terras se estendem até as praias do mar Mediterrâneo, a oeste, haverão também de
reverenciá-lo, assim como os que dominam a Arábia do sul, ao longo da costa oriental da África. A cidade de Társis era um im-
portante porto, muito distante, a oeste no Mediterrâneo, onde hoje se localiza a Espanha. Sabá (Gn 10.28; 1Rs 10.1; Jl 3.8). Sebá,
que é citada também como Cuxe no AT (Gn 10.7; Is 43.3), refere-se à atual região do Sudão, ao sul do Egito.
4 A expressão hebraica bíblica “todas as nações” tem a ver com a promessa de Deus a Abraão (Gn 12.3; 22.18) e, nesse con-
texto, revela que seu cumprimento acontecerá com a chegada triunfal do filho régio de Davi: Cristo, o Messias.
5 Uma bela doxologia conclui o segundo livro do Saltério (Sl 4; 41.13), e o povo responde em duplo uníssono: “Assim seja!”
(Amém). O v.18 pode ser transliterado do original hebraico desta forma: Baruch Adonai Elohim Elohê Yisrael, osse niflaót levado.
6 Antiga anotação de copista, que se integrou aos originais, e que revela a oração de Davi por seu filho Salomão, nos dias da
sua coroação (1Rs 1.32-40). Os termos usados por Davi, embora perfeitamente justificados somente na pessoa de Cristo, têm a
ver com as bênçãos que o próprio Deus prometeu, e efetivamente concedeu, ao rei Salomão, como uma prefiguração humana do
Messias (2Sm 7.12-16). Esta frase pode ser transliterada do hebraico assim: Calu tefilót David bem Yishai.
Capítulo 73
1 Os primitivos copistas do Saltério escolheram este salmo, para abrir o Livro III, assim como colocaram o Sl 1 na abertura
SALMOS 73 76
2 Quanto a mim, os meus pés quase tro- sou repreendido, toda manhã?3
peçaram; por pouco não escorreguei. 15 Caso levasse a efeito me expressar as-
3 Porquanto eu acumulava inveja dos sim, eu teria renegado a linhagem de teus
arrogantes, ao ver a prosperidade desses filhos.
ímpios. 16 Todavia, quando busquei compreender
4 Eles não passam por crises e sofrimen- tudo isso, reconheci que estava diante de
tos, e têm o corpo esbelto e saudável. uma tarefa muito acima das minhas forças;
5 Estão livres dos fardos cotidianos impos- 17 até que entrei na Casa de Deus, e então
tos a todos os mortais, não são atingidos compreendi o destino dos ímpios.4
por doenças como a maioria das pessoas. 18 Na verdade, tu os colocas em terreno
6 Por isso, a soberba lhes serve de colar e, escorregadio e os fazes cair na destruição.
em seu orgulho, se vestem de violência.2 19 Como são destruídos de repente, abso-
7 Do seu íntimo brota a maldade, assim lutamente tomados de terror!
como da sua mente transbordam todos 20 São como um breve sonho que se vai
os ardis. assim que acordamos; quando te levan-
8 Eles zombam, e suas palavras são reple- tares, ó Senhor, tu os farás desaparecer.
tas de malícia; em sua arrogância exaltam 21 Quando meu coração estava amargu-
a própria corrupção. rado e no meu íntimo curtia a inveja,
9 Contra os céus dirigem as palavras de 22 era eu um insensato e ignorante; mi-
suas bocas, e pela terra fazem espalhar a nha atitude para contigo era semelhante
maldade de suas línguas. a de um animal irracional.5
10 Por isso, seu povo se volta para eles e se 23 Contudo, sempre estou diante de Ti;
delicia sorvendo suas palavras até saciar-se. portanto, tomas a minha mão direita e
11 Eles questionam: “Acaso poderá Deus me susténs.
saber disso? O Altíssimo se ocupará des- 24 Tu me diriges de acordo com os teus de-
ses assuntos?” sígnios, e no fim me acolherás em glória.6
12 Assim são os ímpios: sempre seguros, 25 A quem tenho nos céus senão a ti? E
acumulando riquezas. na terra, nada mais desejo além de estar
13 Pensando dessa forma, em vão con- junto a ti!
servei puro o coração e lavei as mãos em 26 Embora minha carne e meu coração
sinal de inocência? definhem, Deus é a rocha do meu cora-
14 Para que me atormento o dia todo, e ção e minha herança para sempre.7
de toda a coletânea Sagrada. Este é um salmo atribuído historicamente a Asafe, dirigente de um dos coros levíticos de Davi (Sl
39; 42; 50), e trata de um dos mais angustiantes dilemas do AT: Por que os ímpios muitas vezes prosperam, ao passo que os
fiéis sofrem tanto? (Sl 37; 49). O salmista fraquejou e por pouco não caiu de suas convicções quanto ao livramento do Senhor. A
batalha é mencionada no v.2, mas a vitória está expressa logo no v.1.
2 Ao observar a saúde que os ímpios demonstram, sua aparente despreocupação e soberba, o salmista se deixa envolver por
sentimentos invejosos (Jó 21).
3 O salmista se sente responsável como um filho que busca oferecer obediência e respeito ao pai, e que é punido, tantas
vezes quanto necessário, por esse pai amoroso e justo, para que se mantenha por toda a vida no caminho da verdade (Pv
3.12; 23.13,14).
4 Quando temos certeza de um assunto, podemos verbalizar nosso pensamento. Contudo, quando a dúvida nos assalta, é
melhor nos recolhermos à nossa insignificância e esperarmos pela ação de Deus, ao longo da história. O que o intelecto humano
não pode compreender deve ser humildemente levado a Deus em oração.
5 O que importa na vida não é como começamos, mas como vamos terminar nossa jornada na terra. O salmista faz uma avalia-
ção de suas considerações momentâneas, à luz da eternidade e da sabedoria de Deus, e se considera imprudente. A amargura
estraga nossa capacidade de pensar com amplitude e inteligência (v.22).
6 O salmista conclui que os ímpios acabam caindo do seu estado de arrogância e desonesta prosperidade. Enquanto os incré-
dulos passam para a eterna separação de Deus (v.27), os crentes são promovidos à comunhão plena e eterna com o Senhor. O
conselho divino venceu a tentação que consumia os pensamentos do salmista, e o guiará todos os dias até o momento de ser
recebido no Reino eterno (16.7; 32.8; 48.14; 49.15).
7 Sendo levita, o salmista considerava o Senhor como sua porção na terra prometida, pois vivia dos dízimos que o povo oferecia
a Deus. Mas o salmista aprendeu a ir além desse reconhecimento material e imediato, e passou a considerar o Senhor como sua
77 SALMOS 73, 74
27 Eis que perecerão os que de ti se afas- 9 Não mais vemos nossas insígnias, já
tam, tu exterminas a todos os que te re- não há profeta e não temos alguém, entre
jeitam. nós, que saiba até quando:
28 Eu, porém, tenho por felicidade estar 10 até quando, ó Deus, tripudiará o adver-
na presença de Deus. Em ti, Eterno Deus, sário? Blasfemará o inimigo teu Nome,
deposito minha plena confiança, para sem cessar?5
proclamar todas as tuas obras! 11 Por que retrais tua mão, e reténs tua
destra contra o peito?
Lamento sobre a ruína do templo 12 No entanto, Deus é rei desde sempre, é
Poema da família de Asafe. ele quem realiza vitórias na terra.
74 Por que, ó Deus, esta rejeição sem
fim, esta ardente cólera contra as
ovelhas de teus pastos?1
13 Com tua força fendeste o mar, e des-
pedaçaste, sobre as águas, as cabeças dos
monstros marinhos.
2 Lembra-te da comunidade que adqui- 14 Esmagaste as cabeças do Leviatã e o
riste desde a origem, da tribo que reivin- serviste de alimento aos habitantes do
dicaste como herança, do monte Sião, deserto.6
onde fizeste tua morada!2 15 Fizeste jorrar fontes e torrentes, e secar
3 Dirige teus passos para essas eternas rios impetuosos.
ruínas! O inimigo tudo devastou no san- 16 O dia é teu, é tua a noite; criaste a luz
tuário. e o sol.
4 Teus adversários rugiram no lugar de 17 Os limites da terra estabeleceste; verão
tua assembléia, erigiram seus estandartes e inverno foram por ti determinados.
como insígnias.3 18 Lembra-te, em teu poder, de que o ini-
5 Pareciam homens a brandir o machado migo te ultrajou, ó Eterno, e de que o povo
em mata espessa, infame contra teu Nome blasfemou.
6 ao despedaçarem todos os entalhos, a 19 Não permitas que seja entregue às feras
golpes de machado e malho. a alma de tua pomba, Israel, nem esque-
7 Atearam fogo ao teu santuário, derruba- ças para sempre a vida dos teus filhos!7
ram e profanaram a morada do teu Nome.4 20 Considera a aliança, pois os esconde-
8 Disseram em seu coração: “Juntos va- rijos do país encheram-se de covis da
mos oprimi-los!” E incendiaram, no país, violência.8
todos os lugares de encontro com Deus. 21 Não permitas que o oprimido se retire
razão maior para viver (Nm 18.21-24; Dt 10.9; 18.1,2). E termina seu salmo com um convite para louvarmos a Deus por todas as
suas misericórdias, inclusive aquelas que ainda não percebemos (Sl 7.17).
Capítulo 74:
1 Este salmo data da época do exílio, quando Israel tinha sido destruído como nação, a terra prometida havia sido comple-
tamente devastada, e o templo, reduzido a ruínas pelos caldeus (babilônios) por volta do ano 586 a.C. (Sl 79; Lm 2). Nesse
momento da vida nacional israelense, o relacionamento entre Deus e seu povo é visto à semelhança do que existe entre um rei,
bom e poderoso, e seus súditos.
2 A destruição súbita e implacável faz que o salmista e o povo indaguem se Deus havia abandonado o mesmo povo que res-
gatara do Egito, com poder e glória (Sl 9.11; Êx 15.13-18).
3 Os estandartes (bandeiras) simbolizavam o reagrupamento das tropas como um sinal de vitória (Nm 1.52; Is 31.9: Jr 4.21).
4 O “Nome de Deus” no santuário representava sua própria presença física no templo (Sl 5.7; Dt 12.5).
5 Não havia mais sinais miraculosos como ocorrera na época do êxodo (vv. 13-15; 78.43). E não havia mais profetas, pois
Jeremias tinha sido levado para o Egito e não se sabia do paradeiro de Ezequiel. Os zombeteiros se multiplicavam (Jr 43.4-7;
2Rs 18.32-35; Is 37.6,23).
6 Monstros marinhos e o deus Crocodilo (Leviatã), adorado no Egito antigo, servem de símbolos proféticos contra o Faraó, e para
celebrar o Deus de toda a criação e a libertação futura de Israel (Sl 89.10; Jó 9.13; 26.12-13; Is 51.9-13; 21.1; Ez 29.3-5; 32.2-6).
7 Israel é carinhosamente comparado a um pombo. Este versículo pode ser transliterado do original hebraico da seguinte
forma: Al titen lechaiat néfesh torêcha, chaiat aniiêcha al tishcach lanétsach (Ct 2.14; 5.12; 6.9; Sl 68.13).
8 Em sua Aliança com Israel, Deus prometeu que seria o Guardião do seu povo, que lhes daria segurança e bem-estar na terra
prometida (Êx 19.5,6; 23.27-31; 34.10,11; Lv 26.11-45; Dt 28.1-14; Sl 105.8-11; 106.45; 111.5,9; Is 54.10; Jr 14.21; Ez 16.60).
SALMOS 74–76 78
1 Salmo de conforto e confiança quando Israel se via na iminência de ser atacada pelas potências mundiais, como os assírios
(2Rs 18.13 – 19.37). Há claros paralelos temáticos com o cântico de Ana (1Sm 2.1-10), bem como outros cânticos compostos sob
a mesma melodia (Sl 4; 9; 30; 57; 58; 59).
2 A Palavra do Senhor é perene e o sentido profético pode ser aplicado àquela circunstância, assim como ao futuro iminente.
Deus não deixará passar em branco as atitudes nefastas dos incrédulos e maldosos, e exigirá a devida prestação de contas
(2Rs 19.21-34). A hora do julgamento será determinada exclusivamente pelo próprio Senhor, segundo sua graça e sabedoria
absolutas.
3 Em geral, os salmistas consideram que os ímpios são tanto soberbos e arrogantes (Is 37.8-13), quanto insensatos (Sl 10; 14.1;
31.23; 73.4-12; 74.18,22; 92.6; 94.4,8). Este versículo pode ser transliterado do original hebraico dessa forma: Amárti laholelim al
tahôlu, velareshaim al tarímu cáren. O sentido da expressão literal “não levanteis o chifre” aqui traduzida por “não levanteis a vossa
fronte” tem a ver com uma metáfora muito usada no AT, para referir-se a “glória” e a “poder”, tendo como base o “vigor” e a “força”
dos touros e bisões, quando atacam (v.5,10; 18.2). Algumas traduções dessa expressão, literais e impróprias, influenciaram vários
artistas a pintar ou esculpir personagens bíblicos, como o Moisés, de Michelangelo, ostentando “chifres” e, portanto, sendo mal
compreendidos pela maioria dos observadores.
4 A “Rocha” simboliza a natureza inabalável de Deus e a segurança que o crente tem na pessoa de Cristo, a Rocha (Pedra)
fundamental (1Co 3.11).
5 Vindos do norte, os assírios ameaçavam Israel, e o povo buscava alianças políticas com as nações do Oriente e do Ocidente.
Os profetas condenavam essas tentativas e proclamavam que o grande socorro vem somente de cima, do Senhor.
6 Quem fala aqui não é o salmista nem mesmo um rei (Sl 101), mas a mesma pessoa que ao falar no v.9 relembra, à congrega-
ção, outra Palavra de Deus. A redação mais correta seria: “O Deus de Jacó” (declarando ao mundo): “o orgulho dos perversos
abaterei...” (vv.4,7; 1.5).
Capítulo 76
1 Mais um salmo da galeria de poemas e cânticos sagrados que celebram a libertação de Jerusalém da destruição planejada
pelo Império Assírio, comandada por Senaqueribe (2Rs 19; Is 37). O poder invencível do Senhor e seu amor perpétuo por seu
povo e cidade real ficam evidentes neste salmo e na relação temática com Sl 46; 48; 64; 87. Deus esmaga os inimigos de Sião ou
Salém, duas formas hebraicas de se referir à cidade de Jerusalém (v.2).
2 As armas e os inimigos a respeito dos quais o profeta Isaías profetizou que não conseguiriam atingir Jerusalém (Is 37.33).
79 SALMOS 76, 77
5 Foram espoliados os de coração indo- mão. Minha alma recusa ser consolada.
mável, tomados pelo sono, e nenhum dos 3 Lembro-me de Deus e gemo; medito, e
valentes pôde valer-se das próprias mãos. meu espírito desfalece.
6 Ante tua ameaça, ó Deus de Jacó, carros (Pausa)
e cavalos ficaram imobilizados.3 4 Manténs abertas minhas pálpebras; tão
7 Tu infundes temor: quem pode manter- perturbado estou, que nem posso falar.
se diante de ti durante a tua ira? 5 Relembro os dias passados, os anos de
8 Do céu enunciaste a sentença: a terra outrora.
fica paralisada de medo, 6 De noite, recordo minha cantiga; medi-
9 quando tu, ó Deus, te levantas para julgar, to-a no meu coração. O espírito indaga:
para salvar todos os humildes da terra. 7 “Acaso o Senhor nos rejeitará para sem-
10 Até a ira dos homens redundará em teu pre, e já não voltará a ser-nos favorável?2
louvor, e com os resquícios de furor tu te 8 Acaso de todo se esgotou sua fidelidade,
cinges.4 terminou sua promessa para as gerações?
11 Fazei votos ao SENHOR, vosso Deus, e 9 Acaso Deus se esqueceu de ter compaixão,
cumpri-os! Tragam-lhe presentes todas ou a cólera lhe enrijeceu as entranhas?”
as nações, e depositai-os em torno dele, (Pausa)
que inspira temor!5 10 Então pensei: “Apelarei para o que
12 Ele deixa sem alento os príncipes, aos há muito realizou a mão direita do
reis da terra faz tremer de medo. Altíssimo”.3
11 Recordo-me dos feitos do SENHOR, lem-
Deus rico em poder e misericórdia brado estou dos teus milagres de outrora;
Ao regente do coro, ao estilo de Jedutum. 12 penso em todas as tuas obras, e medito
Um salmo e cântico da família de Asafe. em teus prodígios.
13 Teu Caminho, ó Deus, é Santo: grande
3 Louvor à majestade temível do Senhor (18.15; 104.7; 106.9; Jó 26.11; Is 50.2; Is 51.20; 54.9; 66.15; Ml 2.3 com Sl 75), cujo
poderoso juízo aterroriza os inimigos de Israel e provoca reverente adoração (Na 3.18). Temos aqui uma evocação da vitória de
Deus contra os antigos egípcios no mar Vermelho (Êx 14.28,30; 15.5-10).
4 O povo de Deus considera a destruição dos opressores como um ato de livramento (salvação) e proteção do Senhor. Uma
expressão do seu amor justo (Na 1.4). A soberania e a graça de Deus ficam ainda mais evidentes quando a humanidade se
levanta em rebelião ou rejeita a correção divina (Rm 5.20).
5 Quem pode observar nas crises e dramas, pessoais e mundiais, a mão justa e misericordiosa de Deus, volta ao culto e à
adoração com redobrado vigor espiritual (Na 1.15; Sl 50.14).
Capítulo 77
1 Uma comparação deste salmo com Hb 3.8-10 indica eventos passados num período avançado da monarquia israelense. O
salmista vence uma árdua e assustadora escalada, partindo do desespero para a esperança certa (a certeza da fé), mediante uma
reflexão honesta sobre os atos de Deus no passado.
2 Os primeiros versículos narram a crise de depressão profunda que acomete o salmista. Ele se vê como uma pessoa muito
doente, apelando pelo socorro de alguém durante o silêncio frio e surdo da noite. Seu foco fica todo sobre seu próprio ser e o
desassossego lhe rouba o sono. Nesse ponto, até as recordações das antigas manifestações de misericórdia de Deus servem de
suplício para a alma angustiada (Sl 22.1-11).
3 A fé é a decisão pessoal e irrevogável de crer na intervenção do Senhor no centro das nossas crises, a fim de nos salvar de
forma plena e eterna. O salmista medita nos poderosos e inquestionáveis atos salvíficos de Deus para com seu povo, na antigui-
dade, e se rende à graça da majestade de Deus (Sl 63.2; Êx 14.19; 15.11).
4 É comum os autores do AT se referirem a “José” (ou Efraim, filho de José), querendo significar o Reino do Norte em contra-
posição ao Reino do Sul, ou seja, “Judá” (2Sm 19.20; 1Rs 11.28; Sl 78.67; Ez 37.16,19; Am 5.6,15; 6.6; Zc 10.6). Contudo, aqui
e em outros trechos, “José”, por ter sido elevado à condição de primogênito, representa todo o seu povo, bem como todos os
descendentes de Jacó (Sl 80.1; 81.5; Ob 18; Gn 48.5; Js 16.1-4; 1Cr 5.2; Ez 47.13).
SALMOS 77, 78 80
1 Este salmo expressa um conceito básico que permeia toda a Palavra de Deus: a confiança (fé) em Deus e a fidelidade ao
Senhor por parte do seu povo são questões relativas à Aliança, e não provêm de princípios abstratos. Resultam da lembrança
dos muitos milagres e atos salvíficos de Deus. Portanto, a incredulidade e infidelidade são atitudes ainda mais censuráveis, por-
quanto, quem assim procede desconsidera a realidade e a maravilha da intervenção divina em favor dos seus amados (Sl 105;
106). Este poema melódico e doutrinário faz parte do período da chamada monarquia dividida, na época do profeta Oséias que,
muitas vezes, assim como Isaías, usa o nome de Efraim significando todo o Reino do Norte, por ser a tribo líder daquele reino.
A deslealdade de Israel é sintetizada aqui no pecado de Efraim (v.9). O salmo é uma advertência aos judeus crentes, a Judá e
ao Reino do Sul (v.68), que viviam e adoravam a Deus em Jerusalém, a fim de não se deixarem desviar da fé como fizeram seus
irmãos do Norte (vv.59,60).
2 As parábolas (enigmas e metáforas sapienciais) deste salmo foram lembradas por Mateus como uma voz profética que pre-
nunciava a voz do Cristo (o Messias), sendo proclamada, com ênfase, pelo apóstolo Estêvão (Mt 13.35; At 7).
3 Conforme ressaltam os profetas, especialmente Amós e Oséias, o Reino do Norte não guardou as ordenanças estipuladas
na Aliança do Senhor, nem se recordou dos seus atos salvíficos, agindo sistematicamente com rebeldia à Palavra de Deus,
violando os compromissos de lealdade que firmara desde os tempos da peregrinação no deserto (vv.9-16; 32-39; 40-55). Efraim,
que liderava e representava o Reino do Norte, tinha uma tribo de exímios arqueiros e guerreiros; a metáfora aqui usada é melhor
compreendida à luz do v.57, em que o “arco frouxo” ou “defeituoso” significa o “afrouxamento da fé e do padrão de fidelidade do
povo em relação a Deus, de forma contínua e prolongada, ao longo da história” (v.10; Dt 33.17).
4 Uma coleção de citações bíblicas e históricas resume as conhecidas pragas do Egito e alguns milagres relacionados à água,
no mar Vermelho e no próprio deserto do Sinai. Em seguida, nos ciclos narrados nos vv. 17-39 e 40-64 mais pecados são agrega-
dos ao processo de julgamento de Israel (Êx 15.24; vv.35,56; Gn 14.19). Zoã era uma cidade situada na região nordeste do delta
do rio Nilo (v.43; Nm 13.22; Êx 14.1 – 15.21; Êx 17.6; Nm 20.8-11).
81 SALMOS 78
18 Em seu coração tentaram a Deus, exigin- 33 Por isso, Ele encerrou os dias deles
do alimento mais apetitoso ao seu paladar. como um sopro, e os anos deles em re-
19 Exclamaram contra o Senhor, questio- pentino pavor.
nando: “Será Deus capaz de servir-nos à 34 Sempre que Deus os castigava com
mesa no deserto? morte, eles o buscavam; com fervor se
20 É verdade, Ele bateu na rocha, e eis que voltavam de novo para Ele.
brotou água e jorraram torrentes; mas 35 Recordavam que Deus era a sua Rocha,
poderá também fornecer pão e prover de que era o seu Redentor, o Deus Altíssimo.
carne seu povo?”5 36 Com a boca tentavam enganá-lo, men-
21 Portanto, ao ouvir tais queixas do tiam-lhe com a língua;
povo, enfureceu-se e com fogo atacou a 37 de coração inconstante para com Ele,
Jacó, e sua ira se levantou contra Israel, não eram fiéis à sua aliança.
22 pois eles não creram em Deus nem 38 Entretanto, porque era misericordioso,
confiaram no seu poder salvador. perdoava a culpa deles, a fim de que não
23 Deu ordem às nuvens do alto e abriu fosse necessário que os destruísse; mui-
as comportas do céu:6 tas vezes, reprimiu sua cólera santa e não
24 fez chover maná sobre o povo para que acendeu todo o seu furor,
se alimentassem, deu-lhes trigo do céu!7 39 recordando-se de que eram seres frá-
25 Cada pessoa se alimentou do pão dos geis e meros mortais, brisas passageiras
anjos; enviou-lhes comida à vontade. que não retornam.
26 Mandou do céu o vento oriental, e por 40 Quantas vezes se mostraram rebeldes
meio do seu poder fez avançar o vento sul. contra Ele no deserto, e o entristeceram
27 Então, fez chover carne sobre eles na terra solitária!
como grãos de areia, bandos de aves 41 Quantas vezes puseram Deus à prova; ir-
como a areia da praia. ritaram profundamente o Santo de Israel.
28 Levou-as a cair dentro do acampa- 42 Não se lembravam da sua mão podero-
mento, ao redor de suas tendas. sa, do dia em que os redimiu do opressor,
29 Comeram até se fartarem, e assim Ele 43 do dia em que revelou as suas maravi-
satisfez o desejo do coração deles. lhas no Egito, os seus milagres na região
30 Contudo, antes de saciarem o apetite, de Zoã,
quando ainda mastigavam a comida que 44 quando transformou os rios e os ria-
lhes restava na boca, chos dos egípcios em sangue, e eles não
31 desencadeou-se a ira de Deus contra mais conseguiram beber das suas pró-
aquele povo, semeando a morte entre os prias águas;
mais valentes, abatendo os jovens de Is- 45 e mandou enxames de moscas que os
rael.8 molestaram, e rãs que os devastaram;9
32 Apesar disso, continuaram pecando; 46 quando entregou suas plantações às lar-
não creram nos seus milagres. vas; a produção da terra, aos gafanhotos,
5 O ser humano, incrédulo e pecaminoso chega a aceitar os milagres de Deus, mas não com a gratidão e a reverência devidas
e, sim, como apenas um ponto de partida para novas exigências e questionamentos. Aqui, o salmista faz uma junção de dois
episódios conhecidos (Êx 16.2,3; Nm 11.4).
6 Em Nm 11.1, vemos como a ira divina literalmente se acendeu. Várias metáforas permeiam este salmo, como recurso didático
para transmitir a história do amor de Deus para com seu povo, ao longo dos séculos (vv.31,49,50.58,59,62; Gn 7.11; 2Rs 7.2; Ml
3.10; Sl 2.5). Toda a obra de Deus, desde a Queda (Gn 3), tem como objetivo resgatar um povo formado por filhos amados que
no Senhor e Salvador depositassem toda a sua fé, gratidão e reverência (Jo 6.29).
7 Um dos significados mais profundos do termo hebraico “maná” é “pão do céu”, como descrito em Êx 16. Contudo, seu
sentido eterno fica evidente no sacrifício vicário e redentor de Jesus Cristo, o Messias (Jo 6.51).
8 A gula carnal do povo (egoísmo sórdido e desesperado) fez que as pessoas fixassem seus olhos na provisão, e não no
Provedor. Deus, em sua tristeza e decepção, castigou aqueles irreverentes e incrédulos com uma superabundância de provisão.
Sem os limites da sabedoria divina, muitos morreram de prazer (Nm 11.31-34).
9 A preocupação do salmista não é apresentar uma lista detalhada das pragas do Egito (Êx 7 – 12), mas, sim, deixar bem clara
SALMOS 78, 79 82
47 e destruiu as suas vinhas com a saraiva, cativeiro, e seu esplendor, nas mãos do
e as suas figueiras bravas, com a geada; opressor.
48 quando entregou o gado deles ao gra- 62 Abandonou à espada seu povo, irrita-
nizo, os seus rebanhos aos raios; do contra a herança.
49 quando os atingiu com sua ira ardente, 63 Um fogo devorou os jovens, e as don-
com furor, indignação e hostilidade, com zelas não tiveram canto nupcial.
muitos anjos destruidores. 64 Os sacerdotes tombaram sob a espada,
50 Abriu caminho para sua ira, não pou- e não os prantearam as viúvas.
pou da morte suas almas, mas entregou 65 Então, como de sonolência, despertou
suas vidas à peste. o Senhor, como um guerreiro aturdido
51 Feriu todos os primogênitos do Egito, as pelo vinho,
primícias da virilidade, nas tendas de Cam. 66 e golpeou os inimigos pelas costas,
52 Fez partir seu povo como um rebanho e infligindo-lhes infâmia eterna.
os conduziu como ovelhas pelo deserto. 67 Descartou a tenda de José, preteriu a
53 Guiou-os com segurança, sem temo- tribo de Efraim.
res, enquanto o mar cobria os inimigos. 68 Escolheu a tribo de Judá, o monte Sião,
54 Fê-los entrar em seu domínio sagrado, que Ele amava.12
até a montanha que sua destra conquistara. 69 Construiu seu santuário como no alto
55 Diante deles expulsou nações e, por céu, como a terra, que consolidou para
sorteio, repartindo o patrimônio, insta- sempre.
lou em suas tendas as tribos de Israel. 70 Escolheu Davi, seu servo, tirando-o
56 Eles, no entanto, puseram Deus à pro- dos apriscos do rebanho;
va e foram rebeldes contra o Altíssimo; 71 do cuidado das ovelhas, seu povo, Isra-
não obedeceram às suas prescrições. el, sua herança.
57 Desertaram e, como seus pais, o atraiçoa- 72 E ele os pastoreava com coração irre-
ram, envergando-se como um arco frouxo. preensível e, com a perícia de suas mãos
58 Com seus altares idólatras, eles o irri- os conduzia.
taram tremendamente; com seus ídolos
lhe provocaram ciúmes.10 O povo suplica o socorro de Deus
59 Deus ouviu e se indignou e, com vee- Um salmo da família de Asafe.
mência, repudiou Israel.
60 Abandonou o tabernáculo de Siló, a ten-
da onde fazia morada entre os homens.11
79 Ó Deus, as nações invadiram tua
herdade, profanaram teu santo
templo, reduziram Jerusalém a ruínas.1
61 Entregou o símbolo do seu poder ao 2 Lançaram os cadáveres de teus servos
a história de incredulidade, rebeldia, falta de gratidão e reverência sincera para com o Senhor, o Santo de Israel (Sl 71.22; 89.18;
Is 1.4). O v.55 oferece um resumo da história narrada em Josué. A rebeldia de Israel e a benignidade de Deus continuaram a ser
temas recorrentes na terra prometida, conforme o livro dos Juízes (1Sm 2.12 – 7.2; Jr 7.15).
10 Deus não divide sua glória com nada e com ninguém. Zelo e ciúmes são as expressões hebraicas originais para traduzir
o sentimento de indignação de Deus ao contemplar a deslealdade do seu povo amado, erguendo altares idólatras e cultuando
coisas e deuses (Êx 20.5).
11 A cidade de Siló era reconhecida como um centro de adoração a Deus desde os tempos de Josué (Js 18.1,8; 21.1,2; Jz
18.31), situava-se em Efraim, entre Betel e Siquém (Jz 21.19). Na época dos juízes, Siló abrigou o tabernáculo de Deus que,
mais tarde, tornou-se um templo (1Sm 1.3; Jr 7.12). Entretanto, por causa da incredulidade e rebeldia de Israel, esse templo foi
parcialmente destruído pelos filisteus, e completamente arrasado pelos assírios, no ano 721 a.C., quando a Arca da Aliança foi
seqüestrada e jamais voltaria para Siló (Jr 7.12). Os vv.62-64 descrevem o fim das tribos e do Reino do Norte.
12 O Santuário foi estabelecido em Jerusalém na pessoa do rei Davi, cuja majestade e messianato simbolizam – eternamente e
ao mesmo tempo – o Rei, o Profeta e o Sumo Sacerdote (ou Pastor): Jesus Cristo, ministrando no Tabernáculo Celestial, assen-
tado à direita da glória e majestade do Pai nos céus (Hb 8 e 9; Jo 10.1-17).
Capítulo 79
1 “Nação” é uma palavra bíblica de origem hebraica que significa “uma coletividade de pagãos”. Israel reconhece que Deus
usou “as nações” para castigar seu povo por sua incredulidade, rebeldia e demais pecados, de maneira que se rende e suplica
o perdão do Senhor. Contudo, Israel também sabe que os reinos pagãos têm agido por malignidade e desprezo contra Deus e
83 SALMOS 79, 80
como pasto às aves sarcófagas, a carne prisioneiros; com teu braço poderoso
dos teus fiéis, aos animais selvagens. preserva os sentenciados à morte.
3 Derramaram, como água, seu sangue 12 Devolve a nossos vizinhos, sete vezes
em torno de Jerusalém, e ninguém os mais, a afronta com que te insultaram,
sepultava. Senhor!
4 Tornamo-nos o escárnio dos vizinhos, 13 Então nós, o teu povo, as ovelhas das
objetos de riso e menosprezo para todos tuas pastagens; de geração em geração,
que vivem ao nosso redor. para sempre te adoraremos e cantaremos
5 Até quando, SENHOR? Estarás sempre os teus louvores.
irado, ardendo com fogo teu zelo?
6 Derrama teu furor sobre as nações pa- Oração pela restauração de Israel
gãs, sobre todos os reinos que não te ado- Ao regente do coro: segundo a melodia “Os lírios
ram, que não invocam teu Nome, da Aliança”. Um salmo da família de Asafe.
7 porquanto devoraram Jacó e assolaram
sua morada!
8 Não evoques contra nós as culpas dos
80 Escuta, ó Pastor de Israel, que
guias José como um rebanho! Tu,
que estás entronizado sobre os queru-
nossos pais! Venha logo ao nosso encon- bins, manifesta a tua glória,1
tro tua compaixão, pois estamos profun- 2 diante de Efraim, Benjamim e Manassés!
damente deprimidos.2 Desperta teu poder e vem salvar-nos!
9 Ajuda-nos, ó Deus, Salvador nosso, pela 3 Restaura-nos, ó Deus: faze brilhar tua
glória do teu Nome! Livra-nos e perdoa bondosa face, para que sejamos salvos.
nossos pecados, por causa do teu Nome! 4 Eterno, Deus dos Exércitos, até quando
10 Por que hão de dizer as nações: “Onde em tua ira santa ignorarás as preces do
está o seu Deus?” Diante de nossos olhos, teu povo?
mostra aos pagãos a tua vingança pelo 5 Deste-lhe a comer o pão das lágrimas, a
sangue dos teus servos!3 beber um pranto triplicado.2
11 Chegue à tua presença o lamento dos 6 Fizeste-nos objeto de contenda dos vi-
seu povo; esse fato justifica sua petição pelo juízo do Senhor contra tais nações (Is 10.5-11; 47.6,7). Em 586 a.C., os babilônios
invadiram e destruíram Jerusalém, massacrando os pobres e incultos, e levando para o cativeiro todas as pessoas com boa for-
mação cultural ou capacidade técnica. A oração de Daniel em muito se assemelha a este salmo em suas expressões de profundo
arrependimento (Dn 9.4-19; Sl 73;74). Aqui há uma referência explícita à pátria de Israel como domínio (templo) do Senhor (Sl
2.8; 78.62-71).
2 O salmista lembra o profeta Jeremias e consegue ver o amor do Pai mesmo sob repreensão severa (Jr 10.25). Jacó é usado
como sinônimo de Israel (Gn 32.28). A destruição de Jerusalém ocorreu após mais de um século em que o povo se desviou
do Senhor e preferiu seguir orientações pagãs (2Rs 17.7-23; 23.26,27; 24.3,4; Dn 9.4-14), pecados se avolumaram e não foram
reconhecidos, confessados e abandonados por amor a Deus. Aqui, os exilados suplicam que o Senhor leve em conta a Aliança
celebrada com seu povo e o sincero arrependimento daquela geração de crentes sofredores (Sl 23.6; 43.3).
3 Mais terrível que o desterro, a escravidão e a desgraça é ouvir dos pagãos: “Onde está o seu Deus?”, pois o incrédulo é o
primeiro a fazer uma relação direta entre “bênção divina” e “prosperidade”. A nova geração de fiéis israelitas pede que o Senhor
tenha compaixão deles, e que também não permita que seu Nome (a pessoa excelsa de Deus) seja difamado pelos ímpios. O
povo pede ressarcimento pelo sangue derramado, especialmente dos inocentes, e lembra a Deus que há uma maldição prescrita
sobre todo aquele que persegue um filho de Deus (Dt 32.35-43; Sl 3.2; 23.3; 65.3).
Capítulo 80
1 Esta é uma súplica pela restauração de Israel depois de ter sido arrasado por uma potência pagã. O salmo é dividido em
três partes, cada qual tendo um coro que exclama literalmente Elohim hashivênu, vehaer panêcha venivashêa – transliteração do
original hebraico que significa “Restaura-nos, ó Deus, e faze sobre nós resplandecer tua face, e então seremos salvos”. Segundo
descobertas arqueológicas, Jerusalém e sua região rural passaram nessa época por um aumento repentino e substancial de
população, certamente como resultado da chegada maciça de refugiados no Norte, que fugiam dos exércitos assírios. Esse fato
justifica a presença de “Efraim, Benjamim e Manassés”, no templo em Jerusalém, e sua oração em favor de uma restauração
nacional, já que essas tribos representavam o Reino do Norte - as dez tribos recebidas por Jeroboão, deixando apenas Judá para
Roboão, ainda que essa abrigasse a tribo de Simeão (1Rs 11.29-36; Js 19.1-9). Mesmo considerando que a pequena Benjamim
pertencesse ao Reino do Norte, parte dessa tribo viveu dentro das fronteiras de Jerusalém. Foi, portanto, a nação pagã dos assí-
rios que varreu o Reino do Norte da história (1Rs 12.21; 2Rs 17.1-6).
2 Por causa do pecado cometido no Éden (Gn 3), o ser humano foi condenado a obter seu alimento por meio do suor do seu
SALMOS 80, 81 84
rosto. E, em virtude dos sucessivos pecados individuais, é com lamento e lágrimas que muitas vezes faz suas refeições. No
momento, a que se refere este salmo, Deus vinha permitindo grande sofrimento a Israel, em vez do “pão dos anjos” e da “água
da rocha” (Sl 78.20-25).
3 A expressão hebraica original “videira-vinha” era uma maneira simbólica de se referir a Israel, mas só na pessoa de Jesus
Cristo nos é possível compreender a plenitude dessa metáfora: um ramo sem valor algum quando separado do tronco, que é
Cristo, o Messias (Jo 15.1-27; Sl 78.52; 40.2).
4 Aqui, o salmista faz uma referência à extensão do território santo, no tempo da prosperidade política de Israel (cerca de 950
a.C.): desde o “Mar” Mediterrâneo até o grande “Rio” Eufrates. A palavra hebraica traduzida por “Deus” e “Senhor” é, às vezes,
no original, usada no sentido de “Todo-Poderoso” ou “Deus dos Exércitos” (Sl 29.1). Os profetas também comparavam Israel à
Vinha do Senhor, florescente e transplantada por Deus (Is 3.14; 5.1-7; 27.2; Jr 2.21; 12.10; Ez 17.6-8; 19.10-14; Os 10.1; 14.7; Mq
7.1; Gn 49.22; Mt 20.1-16; Mc 12.1-9; Lc 20.9-16; Jo 15.1-5).
5 Quando está desamparada, a videira se enfraquece e acaba como um simples e inútil cipó. Entretanto, devidamente cultivada,
ela cresce à altura das grandes árvores, como o carvalho, que utiliza como esteio. O salmo inteiro relembra a Aliança e as bênçãos
divinas do passado, ao rogar pela salvação imediata. A expressão hebraica original “o filho do homem” era um título que Jesus
Cristo aplicava a si mesmo (Hb 1.13).
Capítulo 81
1 Motivo de júbilo festivo é a celebração da renovação da Aliança (2Cr 15.10-15). Jacó é sinônimo de Israel (Gn 32.28). Essa
solenidade tem ligação estreita com a festa da Páscoa (festa dos Pães sem Fermento – Êx 12.14-17), pois ambas constituem um
memorial da libertação do povo de Deus. Na Páscoa se evoca a libertação da agressão externa, ao passo que em Pentecostes
se celebra a libertação da divisão interna. O contexto histórico é o Êxodo dos israelitas em trajetória desde o Egito até o Sinai.
Outras festas judaicas podem usar este salmo em suas cerimônias: o Ano Novo (v.3; Lv 23.34; Nm 29.1); a festa dos Tabernáculos
ou Cabanas (Nm 29.12).
2 O autor levítico recebe a revelação do significado da “voz” (linguagem) do Senhor que se projetou dos “trovões”, na época
do juízo divino contra o Egito, a qual passa a interpretar com sua aplicação presente à congregação reunida em celebração
solene (vv.6-16; 114.1; Dt 28.49; Is 19.18; 33.19; Jr 5.15; Ez 3.5,6). A resposta de Deus à aflição que os inimigos impunham a
Israel fora uma tempestade que destruíra todo o exército perseguidor. O nome “Meribá” pode significar “rebelião” e “contenda”
(Êx 17.1-7).
85 SALMOS 81–83
3 O crente deve confiar totalmente (sem qualquer sombra de dúvida) na provisão amorosa, certeira e completa de Deus, assim
como agira no deserto (Sl 78.23-29; 37.3,4; Dt 11.13-15; 28.1-4). Este versículo pode ser transliterado do original hebraico da
seguinte forma: Anochi Adonai Elohêcha hamaalchá meérets Mitsráyim, harchev pícha vaamal’êhu. No NT, o discípulo amado
encerra sua primeira carta à Igreja, admoestando-nos a jamais desviarmos o Messias do foco absoluto da nossa fé (1Jo 5.21).
4 Nenhuma correção é mais justa e severa do que esta: entregar a alma humana à sua própria renitência (Rm 1.24-28).
Capítulo 82
1 O esplendor da justiça divina ofusca e envergonha todos os julgamentos iníquos e as procrastinações dos juízes e governan-
tes da terra em relação ao direito dos povos, especialmente dos pobres e incapazes de se defender. O autor levítico deste salmo
evoca uma visão de Deus presidindo seu tribunal, nos céus. Uma ilustração análoga às experiências dos profetas (1Rs 22.19-22;
Is 6.1-7; Jr 23.18,22; Jó 15.8; Sl 47; 94.2; 96.13; 98.9: 99.4; Gn 18.25; 1Sm 2.10). Na antigüidade hebraica, alguns rabinos de
grande prestígio costumavam ensinar que a expressão “os deuses” no texto sagrado se referia à presença de “governantes e
juízes perversos” em Israel e que estavam contrariando a vontade de Deus. Atualmente, a maioria dos estudiosos de renome
afirma que esse termo indica os “governantes pagãos e vizinhos a Israel” que procuravam convencer os povos acerca de sua
procedência extraterrestre e divina. Embora teoricamente, e em seus discursos, sempre fizessem apologia à justiça, na prática
suas atitudes eram freqüentemente desfavoráveis à solidariedade e ao direito dos povos, especialmente dos pobres. Seja como
for, o fato é que chegou a hora apocalíptica da confrontação entre o Juiz dos juízes e Rei dos reis, em relação aos poderosos e
governantes do mundo (Sl 58).
2 O salmista tem a nítida visão de uma grande assembléia no Superior Tribunal da Justiça Divina, onde os reis, juízes, governan-
tes e os poderosos da terra foram convocados para depor e prestar contas de suas ações (1Rs 7.7; 22.19; Jó 1.6; 2.1; Sl 89.5; Is
6.1-4). Na linguagem poética do antigo Oriente Médio, os reis, príncipes e juízes eram considerados procuradores do Rei celestial
e, portanto, dignos de receber o título de “deus” (Êx 9.16; 21.6; 22.8; Sl 2.7; 1Rs 3.9; Pv 8.14-16; Jr 27.6; Dn 2.21; 4.17,32; 5.18;
Is 11.2; 44.19,28; Jo 19.11; Rm 13.1).
3 O salmista eleva sua oração em nome de todos os justos da terra, suplicando que Deus venha sem demora e realize seu
julgamento sobre o mundo todo; literalmente: “tua herança” ou “teu domínio” (3.7; 79.1).
Capítulo 83
1 Este salmo é fruto de uma mensagem recebida pelo levita Jaaziel, descendente de Asafe, quando Israel esteve sob a ameaça
SALMOS 83, 84 86
de uma grande confederação de inimigos, e os aliados de Moabe, Amom e Edom estavam invadindo Judá (2Cr 20.1-30). Embora
essa Palavra de Deus tenha vindo para dar forças ao povo em momento específico da história de Israel, tudo indica que seja
também um sinal quanto às grandes e ameaçadoras movimentações contra o povo de Deus, que ocorrerão no final dos tempos.
Este salmo foi escrito depois do reinado de Salomão, mas antes dos terríveis ataques da Assíria nos dias do rei Manaém, o que
reforça seu caráter profético (1Rs 15.19).
2 Os hagarenos ou ismaelitas descendiam de Hagar e estavam misturados a uma confederação de arameus (1Cr 5.10-22; 27.31).
3 Gebal era uma importante cidade fenícia também conhecida por Biblos (1Rs 5.18; Ez 27.9).
4 Nesta época, a Assíria ainda não se constituía numa grande ameaça como nação inimiga, mas ao aliar-se a Moabe e Amom
(povos descendentes de Ló – Gn 19.36-38), passou a representar sério perigo. Os inimigos tendem a juntar-se (ainda que não
haja real amizade entre eles) contra o povo de Deus.
5 Assim como na antigüidade, no tempo dos juízes e em todas as épocas, o Senhor protege seu povo. Deus deu a Gideão
vitória sobre os midianitas (Jz 7), cujos principais líderes eram Orebe e Zeebe, Zeba e Zalmuna (v.11), bem como ajudou Baraque
contra a aliança cananéia de Sísera e Jabim (Jz 4).
6 Neste episódio histórico, até parte do exército que estava em fuga, a nordeste da linha de frente da batalha, foi perseguida
pelo povo do Senhor, e seus soldados, completamente dizimados (Js 17.11).
7 Descrição simbólica dos guerreiros celestiais do Senhor atacando os inimigos do povo de Deus do meio dos fenômenos
atmosféricos (Sl 18.7-15; 68.33; 77.17,18; Êx 15.7-10; Js 10.11; Jz 5.4,20,21; 1Sm 2.10; 7.10; Is 29.5,6; 33.3). As nuvens das
tempestades são figuras dos carros de guerra do Senhor (Sl 68.4).
8 Deus não tem prazer nas guerras nem na dor ou sofrimento dos seres humanos, mesmo que sejam seus inimigos. O motivo
pelo qual o Senhor milita com seus exércitos contra seus adversários e as nações pagãs é proporcionar uma última forma de
quebrar-lhes a arrogância, e criar, nesses povos, um coração capaz de reconhecer a Deus e buscá-lo como verdadeiros crentes
(v.16; 40.9; 47.9; 58.11; 59.13). Este versículo pode ser assim transliterado, a partir dos originais hebraicos: Veiedeú ki ata shimchá
Adonai levadêcha, elion al col haárets (Gn 14.19).
Capítulo 84
1 Os levitas normalmente oficiavam o culto no templo. Nesse caso, porém, devido à invasão e assolação promovida por Sena-
87 SALMOS 84, 85
3 Até o pardal encontrou morada, e a an- 9 Ó Deus, que és o nosso Soberano; trata
dorinha um ninho para si, para abrigar com misericórdia o teu ungido!
seus filhotes, um lugar próximo ao teu 10 Pois um dia em teus átrios vale mais
altar, ó Eterno dos Exércitos, meu Rei e que mil em qualquer outro lugar; estar
meu Deus.2 recostado à porta da Casa do meu Deus é
4 Felizes os que habitam em tua Casa, melhor que morar nas tendas mais ricas
louvando-te sem cessar!3 dos ímpios.5
(Pausa) 11 Porquanto DEUs, o Eterno, é sol e escu-
5 Felizes os que em ti encontram sua for- do, o SENHOR concede graça e glória. Ele
ça, e todos aqueles que são peregrinos de nenhum bem recusa aos que vivem com
coração! integridade.6
6 Ao atravessarem o vale de lágrimas de 12 Ó SENHOR Todo-Poderoso, feliz é o ser
Baca, convertem-no num lugar de fon- humano que em ti confia plenamente!
tes, como a boa chuva de outono, que,
ainda o cobre de bênçãos. Súplica pelo perdão do Senhor
7 Caminhando com vigor sempre cres- Ao regente do coro. Salmo da família de Corá.
cente, apresentam-se perante Deus em
Sião.4
8 SENHOR, Eterno, Deus dos Exércitos,
85 Favoreceste, SENHOR, a tua ter-
ra; trouxeste Jacó de volta do
cativeiro!1
escuta minha oração, presta ouvido, ó 2 Perdoaste a culpa do teu povo e cobriste
Deus de Jacó! todos os seus pecados.2
(Pausa) (Pausa)
queribe contra Judá, o levita e autor deste salmo se vê separado da Casa do Pai, e expressa toda a sua saudade e anseio pelos
doces momentos passados em louvor, adoração, oração e comunhão com Deus (Sl 42; 2Rs 18.13-16).
2 O salmista observa a liberdade e o privilégio dos pequenos pássaros que, contemplados pela graça divina, podem se estabe-
lecer no templo e construir seus ninhos bem próximos do altar, honra que estava destinada a Israel e ao povo de Deus.
3 O mais importante na Casa de Deus é a presença do seu Espírito, que habita a alma e o corpo de todo crente sincero em
Jesus Cristo, o Messias (Mt 28.20).
4 Os verdadeiros peregrinos são aqueles que estão caminhando com Deus ao longo da vida, rumo à Terra Prometida (o eterno
Shabbath Shalom do Senhor). Uma tradução literal para a expressão “peregrinos de coração” pode ser “em cujo coração estão
os caminhos planos”, que lembram as estradas nas quais os israelitas andavam rumo a Jerusalém, na época das festas religiosas
(Sl 4.7). “Baca” significa ao mesmo tempo “choro” e “bálsamo”, e é o nome de um vale árido de localização incerta (Sl 23.4).
Essa expressão representa os trechos áridos e sofridos por onde os peregrinos tinham de passar até chegar em Jerusalém. As
expectativas felizes dos peregrinos ajudavam a transformar as travessias mais difíceis em momentos de consolo e aprendizado.
Assim, o vale do “choro” transformava-se, também, no vale do “bálsamo e do louvor a Deus” (2Cr 20.26), e os peregrinos, rumo
a Sião, experimentaram a mesma mão divina, poderosa e abençoadora, que conduziu Israel pelo monte Sinai à terra prometida.
Assim seus descendentes fizeram, ao sair do exílio na Babilônia, para suas casas em Sião (Sl 78.15,16; 105.41; 114.8; Is 41.17-
20; 43.19,20; 49.10).
5 Os filhos de Corá (levitas) tinham a obrigação de serem os porteiros solenes do templo. Nenhuma posição de honra no mun-
do (a casa dos ímpios) se compara à glória do mais humilde serviço prestado por amor ao Senhor.
6 O sol representa a fonte gloriosa de iluminação, revelando nossos erros e pecados e produzindo vida. O escudo nos protege
dos dardos mortíferos do Diabo (Ef 6.16). A luz e a força majestosa do Senhor são compartilhadas com seus filhos (Ap 19.6-8;
Gn 17.1; Sl 3.3; 15.2; 27.1).
Capítulo 85
1 Este versículo pode ser assim transliterado, a partir dos originais hebraicos: Ratsíta Adonai artsêcha, shávta shevit Iaacov. A
expressão shávta shevit Iaacov (literalmente: tu te voltaste para Jacó” significa “a volta de Deus para o povo” (Jacó é sinônimo de
Israel – Gn 32.28) e, nas profecias sobre o exílio “a volta dos cativos” (Jr 29.14). Este salmo, portanto, é uma oração comunitária,
suplicando a renovação das misericórdias de Deus para com seu povo durante um período de crise no qual novamente Israel
se vê sob grandes aflições. Os versos 1 a 3 se referem à volta do exílio, e as provações são aquelas narradas por Neemias e
Malaquias. O verso 12 revela que uma terrível seca desolou Israel nessa época (Ag 1.5-11).
2 Deus responde à oração do salmista (e da congregação), com palavras que motivam e renovam a confiança de que seu povo
voltará a ser muito abençoado (v. 9; Nm 6.22-26), transmitidas por meio de um dos sacerdotes ou adoradores coraítas (2Cr 20.14;
Sl 12.5,6). Onde quer que o poder salvífico de Deus seja expresso, sua Glória é revelada (Sl 57.5,11; 72.18,19; Êx 14.4,17,18; Nm
14.22; Is 40.5; 44.23; 66.19; Ez 39.21).
SALMOS 85, 86 88
3 Puseste fim à tua indignação, retiraste sou um desvalido e estou muito aflito.
tua ardente cólera. 2 Conserva-me em vida, pois sou fiel.
4 Restaura-nos, ó Deus, nosso Salvador! Tu, meu Deus, salva teu servo, que em ti
Suprime teu rancor contra nós! confia!2
5 Estarás para sempre irritado contra nós, 3 Tem piedade de mim, SENHOR, pois a ti
prolongando tua ira, de geração em gera- clamo, todo o dia.
ção? 4 Alegra o coração do teu servo, porquan-
6 Acaso não nos renovarás a vida, a fim to a ti, SENHOR, elevo a minha alma.
de que o teu povo se rejubile em ti? 5 Pois tu és bondoso e perdoador, SE-
7 Revela-nos o teu amor, ó Eterno, e con- NHOR, rico em graça e misericórdia para
cede-nos a tua salvação! com todos os que te invocam.
8 Ouvirei atentamente o que Deus, o SE- 6 Escuta a minha oração, SENHOR; atenta
NHOR, tem a nos declarar; Ele promete para a minha súplica!
paz ao seu povo, aos seus devotos, desde 7 No dia do perigo clamo a ti, porque tu
que não retornem à insensatez!2 me respondes.3
9 Em verdade, próxima está a salvação 8 Ninguém, entre os deuses, é como tu, ó
que Ele trará aos que o temem, e sua gló- SENHOR, e nada existe que se compare às
ria habitará em nossa terra. tuas obras.
10 Então, o amor e a fidelidade se encon- 9 Todas as nações que fizeste virão pros-
trarão; a justiça e a paz se beijarão. trar-se diante de ti, SENHOR, e glorificarão
11 A lealdade germinará da terra, e a per- teu Nome,
feita justiça descerá dos céus! 10 pois tu és magnífico e realizas mila-
12 O SENHOR nos concederá a felicidade, e gres maravilhosos; em verdade só tu és
nossa terra produzirá farta colheita. Deus!
13 A justiça seguirá à sua frente com a fi- 11 Revela-me, SENHOR, teu Caminho, para
nalidade de preparar o caminho para seus que eu o siga em fidelidade para contigo.
passos!3 Orienta meu coração, para que tema teu
Nome!4
Oração em tempos de aflição 12 De todo o coração te exaltarei, SENHOR,
Uma prece de Davi.1 meu Deus, e glorificarei para sempre o
86 Ó Eterno, inclina para mim os teus
ouvidos e dá-me tua resposta, pois
teu Nome,
13 porquanto teu amor é tão generoso
3 O salmista personifica as expressões do caráter e do favor de Deus em relação a seu povo, como fruto da sua aliança leal e
indestrutível (vv.10-13). Portanto, a lealdade brotará da terra, assim como uma nova vida vegetal que surge para abençoar a huma-
nidade com seus frutos (Nm 6.26). A justiça atingirá a terra como os bons raios solares e, como uma guia experiente e arauto fiel
irá adiante, pelo caminho, demarcando como Deus deseja operar a favor dos seus, segundo sua aliança eterna (Sl 31.19; 4.1).
Capítulo 86
1 Inimigos pagãos e que desdenham de Deus estavam procurando, de todas as maneiras, destruir a vida de Davi (2Sm 7.5,8; Sl
18). O salmista recorre às misericórdias e ao poder libertador do Senhor. Este é o único salmo pós-exílico do livro III (Sl 73 – 89),
atribuído ao rei Davi ou a sua dinastia. Sua colocação entre os salmos coraítas tem a ver com a ligação temática que há entre o
verso 9 e Sl 87.4.
2 A expressão hebraica aqui traduzida por “fiel” é chassid, cujo sentido é de “sincera devoção, apesar das falhas humanas”.
Este versículo pode ser assim transliterado, a partir do original hebraico: Shamra nafshi ki chassid áni, hosha avdechá ata Elohai,
habotêach elêcha (Sl 4.3). A expressão “Tu, meu Deus...” não significa que Davi tivesse escolhido Deus, mas o reconhecimento
jubiloso de Davi de que fora escolhido pelo Senhor, para ser seu servo, ainda que seu ungido e rei de Israel (1Sm 13.14; 15.28;
16.12; 2Sm 7.8).
3 O Deus a quem Davi recorre é o Deus único e verdadeiro Yahweh (o Eu Sou do AT), criador do Universo e da Terra. Nenhum
outro “deus” age com tamanho amor, justiça e poder soberano. Um dia todas as nações da terra vão adorar a Deus por isso
(vv.8-10; Sl 46.10 115.3-7; 135.13-17).
4 Davi nos revela a maior aspiração do verdadeiro crente: não apenas ficar livre dos seus problemas imediatos e temporais, mas
ter seu coração em contínua e santa dependência do Espírito de Deus (Sl 4.7; 25.5; 51.7-10; Ez 11.19; 1Cr 12.33; 1Co 7.35). A
expressão “Nome” quando se refere a Deus, tem a ver com sua pessoalidade, e indica a presença divina (vv.9,12; 5.11). A profecia
do versículo 9 se cumpre em Jesus Cristo (Fp 2.9-11).
89 SALMOS 86, 87
para comigo, que livraste minha alma de 2 Ele ama os portais de Sião mais do que
todos os poderes da morte.5 todas as habitações de Jacó.
14 Ó Deus, os arrogantes se levantam 3 Ah! Maravilhas são contadas a teu res-
contra minha pessoa; um bando de pre- peito, ó Cidade de Deus!2
potentes atenta contra minha vida, gente (Pausa)
que não faz caso de ti. 4 “Entre os que me reconhecem incluirei
15 Entretanto tu, SENHOR, és Deus compas- o Egito e a Babilônia, além da Filístia, de
sivo e misericordioso, rico em paciência, Tiro, e também da Etiópia, como se tives-
amor leal e justiça; sem nascido em Sião.”3
16 volta-te para mim, tem compaixão de 5 Na verdade em Sião nasceram multi-
mim! Concede tua força a teu servo ne- dões que conhecem o Eterno e Ele, pes-
cessitado e salva o teu filho fiel!6 soalmente, a estabeleceu como a mais
17 Dá-me um sinal do teu favor, para nobre cidade.4
que todos os que me tratam com ódio o 6 Assim o SENHOR escreverá no registro
vejam e se sintam humilhados, ao con- dos povos: “Este nasceu ali”.
firmar que tu me acompanhas com teu (Pausa)
conforto e auxílio! 7 Músicos e compositores sobre ela afirma-
rão: “Todos os meus pensamentos e toda a
Cântico profético sobre Jerusalém minha inspiração provêm de ti, ó Sião!”5
Um salmo dos descendentes de Corá.
5 A palavra hebraica aqui traduzida por “poderes da morte” é Sheol. Pode significar – dependendo do contexto – “profundezas
da morte”, “região dos mortos”, “sepultura”, ou ainda “pó da terra”. Davi demonstra seu júbilo pela graça da salvação (livramento)
que vem do Senhor (Sl 3.8; 30.1).
6 Embora os textos massoréticos tragam a expressão “salva o filho da tua serva”, melhores manuscritos podem ser claramente
traduzidos por “salva o teu filho fiel”, compreendendo a palavra “fiel” como no v.2 (Sl 119.16). Os arrogantes desconsideram
o poder e a interferência do Guerreiro celestial que milita a favor dos filhos de Deus (Sl 10.11; Jr 20.11). Os vv.15 e 5 parecem
extraídos do coração da Lei (Êx 34.6,7).
Capítulo 87
1 Este é um salmo profético – cintilando no meio do Saltério (2Cr 32.21-23; Sl 86.9) – que antevê a colheita das nações em
Jerusalém (Sião – 2Sm 5.6,7) como concidadãs com Israel do pleno Reino de Deus (Is 2.2-4; 19.19-25; 25.6; 45.14-24; 56.6-8;
60.3; 66.23; Dn 7.14; Mq 4.1-3; Zc 8.23; 14.16). A análise desta peça literária sagrada precisa levar em conta a praxe da chamada
“sintaxe interrompida”, na antiga poesia hebraica, segundo a qual as referências às nações devam ser compreendidas como
vocativos (v.4). Dessa maneira, este salmo pode ser tematicamente harmonizado com os demais hinos que celebram o amor
especial de Deus por Sião, mesmo entre as demais cidades de Jacó ou Israel – Gn 32.28 - (Sl 46; 48; 76; 125; 129; 137). O próprio
Deus criou e estabeleceu os alicerces da fortaleza de Sião (Is 14.32) e do Templo como seu palácio real. A expressão “monte” em
hebraico está no plural, com a finalidade de ressaltar a majestade e imponência do lugar onde o Senhor instalou a representação
visível do seu trono na terra (Sl 48.2).
2 Celebração de Sião como a “Cidade de Deus” (Sl 46; 48; 76). Esse versículo pode ser assim transliterado, a partir do original
hebraico: Nichbadot medubar bach, ir haelohim (sêla).
3 Este salmo prevê o dia em que todas as nações da terra, inclusive os antigos e tradicionais inimigos de Israel, serão converti-
dos ao Senhor (Is 19.21; 26.18). Deus mantém um registro sistemático e atualizado de cada indivíduo que o aceita como Senhor
e Salvador pessoal mediante fé sincera (fiel), de maneira que essas pessoas passam a ser – independente da sua origem étnica
– cidadãos do Reino, com todos os direitos, privilégios e deveres reservados aos filhos de Deus (Jo 1.12; Os 6.3). Portanto, os
incrédulos são advertidos sobre o cuidado especial com o qual o Senhor zela pelos seus e as punições reservadas para todos
aqueles que se atreverem a lhes fazer qualquer mal (Is 14.28-32; Sl 105.15). O Egito (Raabe é o seu o nome poético, como “Nú-
bia”, em hebraico Kuš – Is 51.9) e a Babilônia representam todos os gentios e o poder civil da época.
4 Jerusalém restaurada – o povo de Deus – herdará todas as nações da terra (Is 54.1-3). Este versículo pode ser assim transli-
terado, a partir do original hebraico: Ultsión iemar ish veish iulad ba, vehu iechonenêha elion.
5 A verdadeira felicidade se encontra na presença de Deus. Hoje, podemos experimentá-la pela fé, na Cidade Celestial de
Sião, contudo, a teremos plenamente, como um “divino rio de delícias” (Sl 30; 36.8), cujos “canais alegram a Cidade de Deus”
(46.4). Os vv.6 e 7 podem ser assim transliterados a partir do original hebraico: Adonai yispor bichtov Amim, ze iulad sham (sêla).
Vesharim kecholelim, col maianai bach.
SALMOS 88, 89 90
melodia para o coração aflito: para responsório. 11 Será que teu amor é também procla-
Salmo didático de Hemã, o ezraíta.1 mado no túmulo, e a tua fidelidade no
88 Ó Eterno, Deus de minha salva-
ção, dia e noite clamo a ti!2
2 Chegue à tua presença minha oração,
Abismo da Morte?
12 Será teu sinal milagroso conhecido na
região das trevas, e tua justiça, na dimen-
presta ouvido ao meu clamor! são do esquecimento?
3 Minha alma está saturada de desgraças, 13 Contudo, eu, ó SENHOR, clamo a ti por
minha vida está à beira das profundezas socorro; já ao romper da alvorada a mi-
da morte. nha oração chega à tua presença.
4 Já sou contado entre os que baixam à 14 Por que, SENHOR, me rejeitas e escon-
sepultura, sou como uma pessoa absolu- des de mim a tua face?
tamente alquebrada; 15 Desde muito jovem tenho sofrido e
5 Sinto-me abandonado à minha própria ando próximo da morte; os teus terrores
sina, entre os mortos. Sou como os tru- levaram-me ao desespero.
cidados, que jazem na região dos mortos, 16 Sobre minha existência se abateu a tua
dos quais já não te lembras, pois estão ira; os pavores que me causas me consu-
apartados de tua mão.3 miram.
6 Tu me depositaste nas profundezas do 17 Cercam-me o dia todo como uma
fosso, nos lugares tenebrosos e abismais. inundação; fazem-me submergir em
7 Sobre mim pesa a tua cólera; com todas agonia.
as tuas grandes ondas do mar me afligiste. 18 Afastaste de mim os meus amigos e
(Pausa) todos os meus conhecidos de jornada; as
8 Afastaste de mim os meus conhecidos, trevas são a minha única companhia.
fizeste de mim um horror para eles. En-
clausurado, não vejo qualquer saída; Promessa messiânica a Davi
9 meus olhos anuviam-se de preocupa- Obra poética do ezraíta Etã.
ção. Todo dia te invoquei, SENHOR, esten-
dendo para Ti minhas mãos.
10 Farás, entretanto, um milagre para
89 Para sempre cantarei sobre o ines-
gotável amor leal do Eterno; mi-
nha boca proclamará a tua fidelidade a
aqueles que já se despediram da vida? todas as gerações!1
Porventura os mortos virão a se levantar 2 Sim, anuncio a todos que teu amor está
e te louvar? edificado para sempre; nos céus estabele-
(Pausa) ceste tua fidelidade:
1 Hemã ou Hêman (nome hebraico que significa “fiel”), filho de Zera, da descendência de Judá (1Cr 2.6; Sl 89), foi um dos prin-
cipais sábios da corte de Salomão (1Rs 4.31). Apesar de o salmista ter vivido desde a infância sob as agruras da vida e o iminente
perigo da morte, sua oração (em melodia mesta: triste, melancólica), começa com uma declaração de fé e confiança na salvação
eterna que vem do Senhor, e esse é seu maior consolo (v.1). O subtítulo deste salmo (literalmente, o título no original hebraico)
pode ser assim transliterado: Shir mizmor livnê Côrah, lamenatsêach al machalat leanot, maskil leheman haezrachi.
2 Por mais difícil que seja compreendermos a razão do sofrimento humano, as Sagradas Escrituras nos ensinam que as aflições
e angústias fazem parte do plano de Deus para o aperfeiçoamento de toda a humanidade (Cl 1.24; 1Pe 3.14). A história hebraica
está salpicada de exemplos: José sendo injustamente atirado na cova e mais tarde na prisão, para depois vir a ser salvador da
sua família e primeiro-ministro do faraó do Egito; Abraão lançado em densas trevas antes de receber a maravilhosa revelação
da aliança (Gn 15.12-18); Jonas lançado nas profundezas do mar antes de aprender a ser um fiel profeta de Deus; Jesus Cristo
padecendo e sendo aperfeiçoado por meio dos muitos sofrimentos pelos quais passou desde o nascimento, a fim de se confirmar
como pleno Autor da nossa salvação (Hb 2.10). Este versículo pode ser assim transliterado, a partir do original hebraico: Adonai
Elohê ieshuati, iom tsaácti valaila negdêcha.
3 O salmista narra seu sofrimento a partir de uma perspectiva totalmente humana e cartesiana da morte: uma condição e local
em que não há mais qualquer possibilidade de intervenção divina em favor da restauração do necessitado (Sl 25.7; 74.2; 106.4).
Capítulo 89
1 O autor deste salmo é um levita, ezraíta mencionado em 1Rs 4.31, descendente de Jedutum, que se colocou como porta-voz
de Israel e completa a oração de Hemã, no salmo anterior (Sl 88). O salmo que começa cantando o amor e a lealdade de Deus
para com seu povo e por sua terra, transforma-se numa oração profundamente triste e aflita (v.38-45), contemplando a repentina
91 SALMOS 89
3 “Fiz aliança com meu eleito, jurando a 13 Tens o braço cheio de poder, a mão
Davi, meu servo: forte, a destra sempre erguida.
4 Estabelecerei tua descendência para 14 A justiça e o direito são as bases de teu
sempre, e firmarei o teu trono, de gera- trono; amor e fidelidade precedem a tua
ção em geração”. passagem.6
(Pausa) 15 Como é feliz o povo que aprendeu a
5 Os céus exaltam tuas maravilhas, SENHOR, honrar-te, SENHOR, e que se deixa conduzir
e tua fidelidade, na assembléia dos santos. pela maravilhosa luz de tua presença!
6 Quem, nos céus se compara ao SENHOR? 16 Dia e noite sabem exaltar o teu Nome
Quem é igual ao SENHOR entre os seres e se alegram em tua retidão,
celestiais? 17 pois tu és a nossa glória e o nosso poder,
7 No conselho dos santos, Deus é gran- e por tuas misericórdias reergues nossa
demente temido e inspira mais temor do fronte!7
que todos os que o cercam. 18 Sim, ó Eterno, Tu és o nosso escudo, o
8 Ó DEUs, ETERNO, SENHOR dOs EXÉRCITOs, Santo de Israel, Tu és o nosso Rei!
quem é igual a ti? Poderoso és tu, SENHOR, 19 Outrora, em visão, falaste assim aos
e tua fidelidade está ao teu redor.2 teus fiéis: “Dei meu apoio a um herói, do
9 Dominas a insolência do mar bravio; meio do povo exaltei um escolhido.8
quando suas ondas se sublevam, tu as 20 Encontrei Davi, meu servo, ungi-o
amansas.3 com meu óleo santo.
10 Mataste e aniquilaste o Monstro dos 21 A minha mão o susterá, e o meu braço
Mares, desbarataste os inimigos com o será a sua força.
poder do teu braço forte.4 22 Nenhum inimigo o humilhará sob pe-
11 O céu é teu, tua é a terra; fundaste o sados tributos; tampouco alguém poderá
mundo e tudo o que nele existe. oprimi-lo.
12 Tu criaste o Norte e o Sul. Os montes 23 Esmagarei diante dele os seus adver-
Tabor e Hermom entoam hinos de lou- sários e exterminarei todos os seus ini-
vor ao teu Nome.5 migos.
e violenta queda da dinastia davídica, provocada pela invasão dos exércitos de Nabucodonosor contra Jerusalém e o exílio do rei
Joaquim, em 597 a.C. (2Rs 24.8-17). A oração termina com um apelo urgente pelo livramento do Senhor, por amor leal a sua alian-
ça. O verso 52, portanto, não é apenas a conclusão desta poema sacro, mas de todo o “Terceiro Livro” do Saltério (73 – 89). Este é
um salmo messiânico e, portanto, seu pleno sentido só pode ser compreendido na pessoa e obra de Jesus Cristo (Ef 1.3-7).
2 Este versículo pode ser assim transliterado, a partir do original hebraico: Adonai Elohê Tsevaót mi chamôcha chassin lá, ve-
emunatechá sevivitêcha. A fidelidade do Senhor o envolve, bem como à sua Palavra (1Sm 1.3; 17.45; Dt 33.2; Js 5.14; Sl 68.17;
Hc 3.8).
3 Para os judeus, o mar e seus mistérios sempre foram símbolos das forças rebeldes do Maligno. Entretanto, o Senhor abriu o
mar Vermelho para que Israel pudesse atravessá-lo sobre terra firme. Da mesma forma, a tempestade e o mar revolto acalmaram-
se mediante a ordem de Jesus (Lc 8.23-25).
4 O autor faz uso poético da antiga mitologia hebraica, como a lenda sobre o maior e mais terrível dos monstros marinhos,
também conhecido como Leviatã ou Raabe (32.6; 74.14; 87.4; 104.26). A última parte deste versículo pode ser também percebida
no NT (Lc 1.51).
5 Norte e Sul não se referem aos pontos cardeais, mas a dois montes conhecidos na época e que nesse hino formam um
paralelo poético com o Tabor e o Hermom (vv 16,24; 5.11; 48.2; Ct 4.8; Jz 4.6; Dt 3.8; Sl 65.13).
6 Da pessoa e do governo do Senhor, emanam amor leal e justiça, especialmente a favor do seu povo (todos os que nele crêem
sinceramente – seus filhos – Jo 1.12). Enquanto a retidão e o direito simbolizam a matéria-prima do trono de Deus, o amor e a
fidelidade são personificados como arautos angelicais que vão à frente do Senhor proclamando sua passagem real (v.16; 23.6;
4.1). Jesus, Deus-Filho, foi o principal e definitivo arauto do Senhor (Jo 1.14).
7 A palavra aqui traduzida como “poder” e “fronte” é, literalmente, “chifre”, em hebraico antigo; fato que levou muitos artistas
renascentistas a esculpir e pintar personagens bíblicos, com chifres, como é o caso das famosas obras de Michelangelo sobre
Moisés. Este versículo pode ser assim transliterado: Ki tiféret uzámo áta, uvirtsonechá tarum carnênu.
8 A visão se refere à revelação concedida aos profetas Samuel e Natã (1Sm 16.12; 2Sm 7.4-16). O Senhor escolhe Davi para
ser regente sobre seu povo, e estabelece com ele sua aliança eterna. Tanto Davi como seu descendente Jesus foram exaltados
entre o povo humilde e pobre (Hb 7.25).
SALMOS 89 92
24 Minha lealdade e meu amor estarão iluminação, fiel testemunha nos céus!”
sempre com ele; e em meu Nome se er- (Pausa)
guerá sua fronte! 38 Entretanto, Tu o rejeitaste, recusaste-o
25 Porei sua mão para dominar os mares e te enfureceste com o teu ungido.13
e comandar os rios.9 39 Renegaste a aliança com teu servo, profa-
26 Ele me invocará, declarando: ‘Tu és naste sua coroa, atirando-a ao pó da terra.
meu Pai, meu Deus, a Rocha que me 40 Derrubaste todas as suas muralhas,
salva’.10 desmantelaste suas fortalezas.
27 Eu também o constituirei meu primo- 41 Saquearam-no todos os transeuntes, e
gênito, supremo sobre todos os reis da ele tornou-se o ludíbrio dos vizinhos.
terra!11 42 Exaltaste a destra dos seus adversários
28 Manterei meu amor leal por ele para e alegraste todos os seus inimigos.
sempre, e minha aliança com ele jamais 43 Tiraste o fio de sua espada e não o
se quebrará. apoiaste na guerra.
29 Para sempre estabelecerei sua des- 44 Puseste fim a seu esplendor e derru-
cendência; e seu trono, como os dias do baste por terra seu trono.
céu.12 45 Abreviaste os dias de sua juventude e o
30 Se seus filhos abandonarem minha Lei cobriste de vergonha.
e não mais desejarem seguir meus man- (Pausa)
damentos, 46 Até quando, SENHOR? Para sempre te
31 se violarem minhas ordenanças e des- ocultarás, ardendo como fogo a tua ira?
denharem dos meus santos decretos, 47 Lembra-te da duração da minha vida!
32 virei sobre eles com a vara das aflições Criaste em vão todos os seres humanos?
e castigarei seu pecado e sua iniqüidade, 48 Viverá, sem ver a morte, algum valen-
com açoites; te, que possa esquivar-se das garras da
33 contudo, não afastarei dele meu amor sepultura?
benevolente e jamais lhe negarei minha (Pausa)
atenção pessoal e fiel. 49 Onde estão teus dons de amor que tão
34 Eu não violarei minha aliança, tam- maravilhosamente demonstraste outro-
pouco modificarei qualquer das promes- ra, ó Eterno, os quais prometeste a Davi
sas dos meus lábios. manter por causa da tua fidedignidade?
35 De uma vez para toda a eternidade 50 Lembra-te, ó SENHOR, das ofensas que
jurei por minha santidade, e não faltarei o teu servo tem sofrido, das zombarias
com a minha palavra a Davi: que na alma tenho de suportar, desferi-
36 sua descendência viverá para sempre, das por todos os povos,
e seu trono estará diante da minha face e 51 dos ultrajes dos teus inimigos, ó Eter-
durará como o sol, no, com que afrontam a cada passo o teu
37 como a lua, que não cessa de refletir sua ungido.14
9 As fronteiras originais de Israel vão desde o Mediterrâneo, de um lado (“mão”), até o outro lado dos rios Eufrates e Tigre.
Esses limites foram alcançados durante o reinado de Salomão, filho do rei Davi (72.8; 80.11; Êx 23.31).
10 Este é um fato extremamente marcante na vida de Jesus, e bênção legada exclusivamente a nós, cristãos. Ninguém no AT se
referia a Deus como “Pai”. Entretanto, essas foram as primeiras e as últimas expressões de Jesus, em sua língua natal, o aramaico
(Abba – Lc 2.49; Lc 23.46; Mc 14.36; Rm 8.15; Gl 4.6).
11 Na tradição israelita, o primogênito recebia uma parte dupla na divisão dos bens do patriarca da família (Dt 21.17), e exercia
autoridade sobre todos os irmãos e sobrinhos (2Cr 21.3). Nos primórdios de Israel, o primogênito era também separado (santo)
para ser dedicado ao sacerdócio (Nm 8.14-17). Mais tarde, entretanto, a tribo de Levi foi santificada para esse ministério.
12 Segue uma explicação sobre a aliança firmada por Deus com seu servo, o rei Davi (vv.29-37; 2Sm 7.12-17).
13 A presente rejeição do filho de Davi por Deus e todas as suas terríveis conseqüências desfazem tudo o que havia sido pro-
metido e garantido pela aliança divina (vv.19-29). A esperança de Etã, o ezraíta, está na lealdade eterna do Senhor à sua aliança
e, especialmente, à sua essência: a santidade. A expressão “ungido” se refere, em primeiro plano, aos reis da linhagem de Davi e,
depois, a Jesus, o Messias – a maior e derradeira demonstração do cumprimento cabal da Aliança de Deus com a humanidade.
93 SALMOS 89, 90
14 Apesar do ínfimo espaço de tempo da vida humana de Jesus na terra, da maligna e constante perseguição dos seus inimigos
desde seu nascimento, o Senhor gerou inúmeros filhos e filhas para a eternidade, por meio do seu sacrifício voluntário e vicário,
cumprindo, assim, toda a Lei e autenticando a Aliança (Ap 7.9).
Capítulo 90
1 A expressão original hebraica “homem de Deus” era normalmente aplicada aos profetas do Senhor no AT (1Sm 2.27; Js 14.6).
Nenhum outro salmo comunica de maneira tão clara e contundente o lamentável estado da humanidade diante do Criador, nosso
santo e eterno Deus. Moisés assume a dor dos homens e honestamente reconhece nossa culpa. A ira e o afastar-se de Deus são
perfeitamente justificáveis. Mas o Senhor incute fé no coração dos homens que descobrem o verdadeiro “amor reverente” a Deus
(v.14). Os 40 anos de sofrida peregrinação no “imenso e pavoroso” deserto, rumo à terra prometida, produziu uma oração desta
magnitude e profundidade (Dt 8.15; Nm 14.26-35).
2 Melhor é sofrer nos caminhos áridos da vida, mas na presença do Senhor, que no pseudoconforto e segurança do palácio
de Faraó (Hb 11.24-25; Sl 71.3; 91.9).
3 O ser humano vive, desde a Queda (Gn 3.19), sob a sentença divina da morte: “Tu és pó e ao pó retornarás”.
4 Deus não está sujeito ao tempo, pois ele é eterno. A vida humana, entretanto, é comparada a uma espécie de relva palestina
que surge promissora com o raiar do dia, porém murcha, sob o sol escaldante de Canaã e morre ao final da tarde, antes que se
encerre a segunda vigília da noite (Jz 7.19; Mt 14.25).
5 Qualquer pessoa que não se preocupe em avaliar seus planos e atitudes ao longo da vida, nem com a fatal prestação de
contas diante de Deus, quanto à forma como usou sem tempo na terra, é completamente insensata e carece urgentemente de
Salvação (Gn 20.11; Sl 73.4-12; Mc 8.35-38).
6 A oração de Moisés intercede pelo povo na terra prometida (Êx 33.14; Dt 12.9). Contudo, a resposta plena e eterna vem com
a ressurreição de Cristo, o Messias (Rm 5.2-5; 8.18; 2Co 4.16-18).
SALMOS 90, 91 94
das nossas mãos; sim, confirma a obra templarão a retribuição destinada aos
das nossas mãos!7 ímpios.
9 Porquanto afirmaste: “O SENHOR é o
Sob a eterna proteção de Deus meu refúgio” e fizeste do Altíssimo a tua
7 Por mais breves que sejamos, nossos esforços e obras podem ser abençoados com valor divino, quando depositamos nossa
vida nas mãos de Deus (Sl 3.7; 27.4; 111.2-5).
Capítulo 91
1 Testemunho entusiasmado sobre a segurança e a paz que todos aqueles que têm verdadeira fé no Senhor podem experimen-
tar, ao longo de suas vidas. Salmo escrito por um sacerdote hebreu no período pós-exílico, com o objetivo de encorajar a comuni-
dade dos fiéis. Esta tradução levou em conta os manuscritos da LXX (Septuaginta – a primeira e mais importante tradução do AT
para o grego) e as mais recentes análises sobre os Rolos do Mar Morto – os conhecidos originais de Qunram, em cotejo com o
Texto Massorético (TM). A habitação (tabernáculo) preferida de Deus é o coração dos seres humanos, a quem o Senhor promove
à condição de filhos (Jo 1.12; 14.17; At 7.48; Rm 8.9; 1Co 3.16; 2Co 6.16; Ef 3.17; Cl 3.16; Ap 21.3). O templo foi um símbolo da
proteção divina, onde os justos encontravam abrigo e segurança (Sl 23.6; 27.4,5; 31.20; 61.4; Gn 14.19; 17.1). Este versículo pode
ser transliterado, a partir dos manuscritos em hebraico, da seguinte forma: Ioshev besséter elion, betsel Shadai yit’lonan.
2 Metáfora que representa o perigo iminente, armado pelo Diabo e por algum outro adversário desleal e oportunista (vv. 5,6;
124.7). Segundo os manuscritos descobertos em Qunram, o autor sugere que seus leitores expressem sua fé no Senhor assim
como ele próprio tem feito. A expressão literal usada é “diz” (registrada no documento arqueológico 11 Q Os Apa ), em vez de
“digo”, como aparece no Texto Massorético.
3 É impressionante comparar esta afirmação com a declaração de Jesus Cristo em Mt 23.37.
4 Deus protege seus filhos dia e noite, ininterruptamente, ainda que não o percebamos ou reconheçamos esse fato. Deus é Pai
amoroso e onipotente (Mt 6.6,9; 7.11; 10.32; 11.27; 24.36; 28.19). A antiga expressão hebraica yāšûd que significa “assolador” ou
“destruidor” foi melhor traduzida na LXX (Septuaginta) por wệšēd “e o demônio”.
5 Encontramos neste salmo várias referências aos acontecimentos da primeira Páscoa (Êx 12). A expressão “tenda” significa
qualquer moradia simples e temporária, como o próprio corpo humano.
6 A promessa feita aos crentes piedosos de todos os tempos é perfeitamente aplicável a Jesus, o Filho de Deus. No NT (Mt
4.6-7), vemos a pessoa de Satanás, usando sua velha e insuperável técnica de torcer a verdade para atingir seus objetivos nefas-
tos, separar parte deste versículo do contexto geral da fé bíblica, expressa claramente nos versos de 1 a 9.
7 Os perigos da peregrinação pelo deserto são uma metáfora da nossa própria caminhada ao longo da vida (Dt 8.15).
8 O grande alvo da vida é a compreensão de que Deus é Pai e, portanto, digno de todo amor e respeito. No Senhor está toda
a nossa glória e vida eterna (Jo 17.3). O salmista usa uma forma de oráculo profético que apóia seu vigoroso testemunho e asse-
gura que todas as promessas do Senhor serão plenamente cumpridas nas vidas de seus filhos (vv.14-16).
95 SALMOS 91, 92
9 Teremos paz e satisfação completas quando chegarmos à compreensão de que as respostas de Deus nem sempre são
concessões às nossas petições, mas sempre bênçãos ainda maiores. Paulo pediu cura, mas ganhou infinitamente mais: a pre-
sença do Espírito de Deus em sua vida diária; a poderosa graça de Deus que o levou a vencer todos os obstáculos do seu
tempo e a completar com galhardia a missão que o Senhor lhe havia proposto (2Co 12.7-10). Portanto, é impossível que o mal
vença o servo de Deus; as mais terríveis calamidades nada mais produzem do que encurtar a peregrinação do filho de Deus e
aproximá-lo do seu galardão. Todas as dificuldades, na verdade, são bênçãos ocultas supervisionadas atentamente pelo próprio
Senhor. Enxergando dessa forma, as perdas nos fazem ricos, as enfermidades nos tornam saudáveis de verdade, o desprezo
das pessoas nos fazem experimentar ainda mais da graça e da glória do Pai, a morte nada mais é que a porta de entrada para
o céu e a vida eterna.
Capítulo 92
1 No relato da criação não existe a palavra “sábado” (em hebraico shabbãth), mas ocorre a raiz de onde deriva esse vocábulo:
shãbhath (Gn 2.2). A obra da criação desenvolveu-se em seis dias (quer sejam períodos de vinte e quatro horas ou grandes eras) e, no
sétimo dia, Deus “descansou” (literalmente em hebraico wayyinnãphash “cessou obra específica e tomou alento”), ou seja, separou
(santificou) esse tempo como “período sabático”. A expressão “descansar” é antropomórfica, pois, evidentemente, Deus não precisa
repousar como um ser humano extenuado depois de sua jornada de trabalho. Entretanto, o Senhor deixou um exemplo prático e uma
orientação clara para que a humanidade dedicasse um dos dias da semana ao culto do seu Criador e Senhor. O sábado pertence
primariamente a Deus e, em segundo lugar, destina-se descanso humano (Êx 20.8-11; 31.17). Na liturgia pós-exílica do templo, este
salmo passou a ser entoado na hora do sacrifício matutino no sábado, sendo que em cada dia da semana se cantava um salmo dife-
rente: Sl 24, no primeiro dia da semana; Sl 48, no segundo; Sl 82, no terceiro; Sl 94, no quarto; Sl 81, no quinto; Sl 93, no sexto dia. A
idéia de cinco dias de trabalho nasceu na Babilônia com o nome de shabbatum, cujo sentido em nada se parecia com o “descanso”
bíblico, mas apenas como um tempo destinado a outras atividades. Em seu conflito com os fariseus, nosso Senhor Jesus, o Messias
(christos, em grego), enfatizou, perante os judeus, o fato de que eles entendiam muito mal os mandamentos do AT e procuravam
tornar a observância do sábado mais rigorosa do que o próprio Deus havia estabelecido, posto que não era errado debulhar os grãos
da espiga com as mãos, tampouco, obrigatório deixar de fazê-lo no dia de sábado. Afinal, o Senhor do sábado é misericordioso. No
primeiro dia da semana foi que o Senhor Jesus ressuscitou dentre os mortos, e nele os cristãos (o Corpo de Cristo – a Igreja) começa-
ram a se reunir, a fim de prestarem culto ao Cristo ressurreto. Esse é o Dia do Senhor e, como tal, é o sábado que Deus instituiu desde
a Criação. Os mandamentos referentes ao sábado nunca foram anulados e as bênçãos decorrentes da sua correta observação (culto
sincero e dedicado ao Senhor) têm implicações atuais e futuras (escatológicas).
2 Louvar e adorar a Deus com cânticos e poemas (salmos) não é somente uma questão de gosto ou talento musical: tem a ver
com os mais profundos sentimentos de gratidão e comunhão com o Espírito do Senhor (vv.1-4; 10-11).
3 É impossível ao ser humano compreender os pensamentos de Deus e a lógica divina, por isso é necessário ter fé para obe-
decer (Is 40.28; Sl 49.10; 94.8-11; Rm 11.33-36).
4 As Escrituras se referem ao mato e às ervas daninhas como símbolo do mal que hoje aparece, mas que amanhã não existirá
mais (Is 40.6-8), são passageiros tal como o próprio mundo (1Jo 2.17). Este versículo apresenta um resumo do que é exposto
com mais detalhe nos Sl 73 e 90.4-6.
SALMOS 92–94 96
5 Apesar de os ímpios brotarem como erva ruim ou mato bravo, sua destruição é certeira e iminente. Entretanto, os justos
(justificados pelo Senhor) estão plantados em terreno fértil e seguro (v.7; Sl 91). Por essa razão, o vigor da sua juventude ainda
continua durante a velhice, e se regozija nas bênçãos espirituais da casa do Altíssimo (v.15; 2Rs 21.5; 23.11,12; Sl 84.2,10).
Capítulo 93
1 Este é um dos muitos salmos compostos na era pré-exílica (Sl 93 – 100) com o objetivo de exaltar o poder e a majestade de
Deus sobre toda a ordem cósmica e, particularmente, em relação a Israel, seu povo escolhido na terra. Anualmente este hino era
entoado por toda a congregação no período das grandes festas e celebrações ao Senhor (Sl 47; 94; 95.3). A expressão “Reina
o Eterno” é a verdade suprema e a primeira declaração do credo judaico. Este versículo pode ser assim transliterado, a partir do
original hebraico: Adonai malách, gueút lavesh, lavesh Adonai, oz hit´azar, af ticon tevel bal timot (Sl 96.10; 97.1; 99.1; Zc 14.9).
2 Os terríveis trovões e relâmpagos das eras caóticas e primevas são como sussurros da natureza, quando comparados à força e
ao poder da Palavra de Deus (v.2,3; 104.7-9). As trevas e o caos foram perfeitamente dominados e organizados ao som da voz cria-
dora do Senhor (Gn 1.6-10; Jó 38.8-11; Sl 33.7). Nada poderá se opor à vontade de Deus e ao cumprimento da sua Palavra (65.6,7;
74.13,14). A metáfora das “águas” e “rios” pode ser aplicada também aos três grandes impérios situados às margens de importantes
e caudalosos rios da época: Egito, Assíria e Babilônia, os quais se levantaram contra a nação escolhida de Deus e quase a inunda-
ram com seus exércitos e dominação. Contudo, o Senhor os venceu, e assim será, definitivamente, no futuro escatológico.
3 Deus tem o controle absoluto da História e, soberanamente, mantém a ordem do Universo segundo sua vontade, assim como
oferece, a seu povo, diretrizes seguras, estáveis e fiéis (19.7; 95.8-11), que devem ser obedecidas pelos de sua Casa (o templo
terrestre e também a família dos fiéis que o freqüentam).
Capítulo 94
1 Este salmo é a voz dos oprimidos clamando ao Senhor e Juiz da terra para que exerça seu justo poder e correção sobre todas
as injustiças cometidas contra os indefesos, por homens arrogantes e impiedosos que ocupam cargos de grande prestígio e
poder. Essa característica reivindicatória popular faz deste hino uma peça literária única na coletânea dos salmos 92 a 100.
2 A viúva, o estrangeiro e os órfãos, representam as três classes que no Oriente sempre passaram por grandes necessidades
de amparo material e emocional, pois não podiam contar com a presença de parentes que lhes oferecessem proteção ou que os
“vingassem” (pleiteassem por justiça). A Lei de Deus exige justiça com compaixão e lealdade (Tg 1.27).
3 O Senhor faz séria advertência aos ímpios, arrogantes, presunçosos e, portanto, insensatos (92.6-9), porquanto castiga todos
97 SALMOS 94, 95
enquanto que, para os ímpios, uma fossa sumidos por seus pecados; o Senhor, o
se abrirá! nosso Deus, os destruirá!
14 O SENHOR jamais desamparará seu povo;
nunca abandonará sua herança. Convite a cantar louvores a Deus
15 Voltará a haver justiça nos veredictos, e
todos os retos de coração a seguirão.
16 Quem se levantará a meu favor contra
95 Vinde, cantemos com júbilo ao
SENHOR, aclamemos a Rocha da
nossa Salvação!
os ímpios? Quem permanecerá ao meu 2 Apresentemo-nos diante dele com ações
lado combatendo os malfeitores?4 de graças, vamos adorá-lo com cânticos
17 Não fosse o socorro do SENHOR, eu já de louvor.1
estaria habitando na região do silêncio. 3 Pois o SENHOR é o grande Deus, o mag-
18 Quando declarei: “Os meus pés vaci- nífico Rei acima de todos os deuses!2
laram”, teu amor leal, SENHOR, me ampa- 4 Em suas mãos estão as profundezas da
rou! terra; são seus, os cumes dos montes.
19 Quando a angústia já controlava todo 5 Dele é o mar – foi Ele quem o criou – e
o meu ser, teu consolo trouxe tranqüili- a terra firme, que suas mãos formaram.
dade à minha alma.5 6 Vinde! Adoremos prostrados e nos ajoe-
20 Será, um governo corrupto, capaz de lhemos perante o SENHOR, o nosso Criador.
fazer aliança contigo? Um trono que pra- 7 Porque Ele é o nosso Deus, nós somos
tica injustiças em nome da lei?6 o povo do seu pastoreio e ovelhas condu-
21 Eles, contudo, tramam contra a vida do zidas por sua mão. Tomara que escuteis
justo e condenam os inocentes à morte! hoje a sua voz:3
22 Entretanto, o SENHOR é meu baluarte e 8 “Não endureçais o vosso coração, como
meu Deus, a torre inexpugnável em que em Meribá, e ainda como aquele dia em
me refugio. Massá, no deserto,4
23 O Eterno fará recair sobre os ímpios 9 quando vossos pais me desafiaram e me
a própria iniqüidade deles e serão con- puseram à prova, embora tivessem visto
quantos se afastam de seus princípios eternos (Lv 26.18; Jr 31.18; Is 28.26). O Senhor (o Cristo) conhece perfeitamente nossos
mais íntimos desejos e motivações (v.11; Jo 2.25).
4 Deus é o nosso único tribunal de recursos perfeitamente sensível, leal e justo. O salmista demonstra sua confiança na justiça
divina que se revelará absoluta, no fim. Sob essa perspectiva, agora pode aspirar à vindicação imediata do Senhor, para suas
causas presentes, pode suplicar por um sinal da presença e aquiescência de Deus. A resposta surge no v.17 (o livramento da
morte física naquele momento), e no v.18 (sustento da plena confiança do crente em meio às tribulações).
5 A expressão “meu ser” ou “íntimo” está registrada neste versículo, literalmente, como “alma” (Sl 6.3).
6 Aqui, além de o salmista se referir aos governos corruptos e iníquos do seu tempo, há uma conotação escatológica, quando
o centro de autoridade mundial será totalmente dominado pelo Maligno e se voltará contra os crentes (Ef 2.1,2). Um dos grandes
instrumentos da maldade tem sido o suborno. O pecado também faz da Lei de Deus um pretexto para condenar o ser humano
culpado (Rm 7.8-13).
Capítulo 95
1 O sacrifício que Deus realmente deseja e aceita é a expressão de verdadeiro agradecimento do coração humano, diante do
amor e da salvação que vem do Senhor.
2 Desde a antigüidade, todos os povos pagãos têm o hábito de acreditar em vários deuses e entidades divinas, um para cada
parte, das regiões cósmicas da terra, e dos aspectos da vida humana. Israel foi o único povo que sempre foi ensinado a depositar
toda a sua fé em Yahweh (o nome hebraico e impronunciável, do Senhor). O fato de o Deus de Israel cuidar de cada detalhe do
Universo, da vida de cada ser humano e de realizar grandes maravilhas, deixava todos os demais povos perplexos.
3 Os reis israelenses eram chamados de “pastores” do seu povo, e seus domínios, de “seu pastoreio” (23.1; 100.3; Jr 23.1;
25.36; 49.20; 50.45; Ez 34.20-23). Os sacerdotes e os levitas ensinavam o povo a “ouvir a voz de Deus” durante a liturgia das
festas e cerimônias religiosas no templo. O ápice do culto a Deus é ouvir e compreender sua Palavra, com humildade, fé e obe-
diência (Sl 50 e 78).
4 O ministro do louvor conduz a congregação a uma profunda reflexão sobre a época de sua rebelião no deserto do Sinai,
apesar dos grandes sinais e feitos do Senhor (Êx 17.7; Nm 20.13). Este versículo pode ser transliterado, a partir do original he-
braico, desta forma: Al tac’shú levavchem kimrivá, keiom massa bamidbar. A expressão “Massá” quer dizer “lugar de provação”
ou “tempo de teste”.
SALMOS 95–97 98
5 Os profetas, sacerdotes e representantes oficiais do Senhor tinham permissão para proferir certas ordens espirituais, usando
a primeira pessoa do singular (Gn 16.7; Sl 50.5-15). Deus realizou maravilhas no Egito e no mar Vermelho, e supriu todas as
necessidades do seu povo no deserto (Êx 16; Nm 14.11-24). A principal afronta contra o Senhor ocorreu quando Israel se negou
a conquistar a terra prometida em o Nome de Deus e, pior, desejou retornar à vida de escravidão no Egito. Então o povo foi
condenado a vaguear pelo deserto por 40 anos, até que toda aquela geração de adultos, que foram libertos do Egito, perecesse
(Nm 14.1-34; 32.13).
6 O “descanso do Senhor” é um conceito dinâmico e está ligado ao “Shabbath Shalom perpétuo de Deus”. A terra (Nm 14.30) se
refere à Canaã, a terra da Aliança, a herança prometida aos descendentes físicos de Abraão (que haverá de se cumprir plenamen-
te na história). Mas também é uma profecia para todos os crentes, em relação à vida eterna nos céus (Hb 11.8; Rm 4.13-25).
Capítulo 96
1 Este salmo foi entoado pelo povo de Israel, quando Davi trouxe a Arca de Deus para o templo. É um hino de proclamação da
glória universal do Senhor. Uma convocação para todas as nações se humilharem diante da majestade do Eterno (em hebraico
Adonai) e o adorarem como único Deus. Temos aqui uma palavra profética sobre a missão da Igreja no NT (Mt 28.16-20), como
povo santo: o Israel de Deus (Sl 93; 95 a 100).
2 O motivo central pelo qual todo ser humano deve louvar a Deus é porque somente ele é Deus (Sl 115; Gn 20.11). O Senhor
é o próprio criador de todo o âmbito celestial, que do ponto de vista humano (de todos os tempos e raças) sempre foi a morada
dos deuses (Sl 97.7). Os ídolos não têm, de fato, poder algum, nem há realidade nas divindades que representam; quanto a Deus,
porém, os próprios céus proclamam a sua glória (v.6).
3 A radiante beleza de Deus é também sua qualidade mais sublime: a santidade. O profeta Isaías contemplou esse esplendor
tremendo do Senhor, e proclamou ao mundo: “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos” (Is 6.3). Todos devemos a Deus um
contínuo e reverente respeito (temor).
4 As nações perdem muito em não aceitar a direção de Deus para suas políticas sociais e econômicas; por isso há um estado
permanente e crescente de injustiça, miséria e conflitos minando as virtudes concedidas à raça humana.
5 Uma palavra profética quanto à vinda do Messias (o Cristo, em grego), com seu reino de justiça e retidão, conforme a profecia
de Isaías 11.1-9. Tudo de que o homem precisa é confessar seus erros e injustiças (pecados), e o Senhor está pronto (pelo amor
leal de Deus) a perdoá-lo e oferecer-lhe nova e eterna vida (1Jo 1.9).
Capítulo 97
1 A soberania e a justiça de Deus – o Criador e Rei do Universo – são proclamadas por toda a terra, até as mais longínquas
regiões costeiras (Sl 96.1; 99.1; 117.1; 1Rs 9.26-28; 10.22; Is 60.9; Jn 1.3).
99 SALMOS 97, 98
2 A ordem estável da imensidão cósmica declara e confirma que a sabedoria e a soberania de Deus sustentam, de modo seme-
lhante, a ordem moral do Universo (Sl 19.1-6; 96.10). Os versos 2 a 6 testemunham a revelação geral da glória do Senhor.
3 Versículo central, e o contraponto deste salmo, revelam os efeitos que a soberania de Deus (v.9) tem sobre a raça humana:
todo tipo de idolatria, superstição e paganismo se demonstram práticas vãs, ilusórias e ofensivas a Deus (v.7). Entretanto, o povo
de Deus é jubilosa e justamente vingado (v.8). O salmo conclama todos os poderosos dos céus e da terra a se dobrarem em
humilde adoração ao Senhor (Sl 29.1).
4 Quanto maior e mais dedicado nosso amor ao Senhor, tanto maior e mais radical será nossa aversão a tudo quanto estiver
relacionado ao Maligno e suas obras. Somente aqueles que odeiam o mal e a injustiça têm prazer no justo governo e se alegram
com a verdade. A ameaça dos pagãos entre o povo de Deus sempre acarretou perigo mortal aos fiéis (Sl 139.21-22).
5 A expressão usada no texto hebraico massorético transliterada em Or zarúa latsadic, uleyishrê lev simchá, é aqui traduzida
como “amanhece”. Literalmente, significa “semear”. O sentido, porém, é que Deus está “semeando” seus poderosos raios
de luz, com o objetivo de iluminar os passos de seus filhos. A sabedoria e a iluminação rompem todas as manhãs para os
crentes fiéis no Senhor. Esse é o significado que aparece igualmente na Septuaginta e em alguns manuscritos antigos (Jo
1.12; 1Jo 1.7).
Capítulo 98
1 O salmista convida o povo de Deus para celebrar com música e louvores o governo justo e universal do Senhor (Sl 9.1;
33.3). A congregação dos crentes é estimulada a expressar, com alegria, sua gratidão pelas muitas bênçãos recebidas das
mãos do Altíssimo. O louvor tem início no templo, influencia todos os povos da terra e atinge toda a natureza e o planeta (Sl
93; 95; 96).
2 O próprio Senhor é nosso maior exemplo de missionário, evangelista e pastor (Sl 46.10; Is 52.10). Os atos salvíficos de
Yahweh (Jeová é o nome hebraico e impronunciável de Deus) revelam, com toda clareza seu amor e sua justiça (Sl 4.1; 71.24). A
expressão hebraica original para “amor” significa “amor-e-fidelidade”, e isso nos ajuda a entender o conceito de “Aliança” firmado
por Deus com seu povo (Sl 3.7; 6.4; 36.5).
3 Este salmo é uma grande sinfonia que, iniciada por Deus numa pequena reunião de crentes, espalha-se pela vizinhança,
conquista outros povos e culturas, atinge todo o planeta e a natureza, e prossegue vigorosa, num ministério crescente de evan-
gelização até o gran finale: O Dia do Julgamento.
SALMOS 99–101 100
1 Hino de aclamação a Deus como o grande Santo e Rei de Sião (o povo de Deus). O Senhor é entronizado em Sião e so-
berano sobre todas as nações da terra. Bem-aventurados todos aqueles que já reconhecem esse fato; um dia todos os povos
proclamarão que o Senhor é Deus e Rei absoluto do Universo (Sl 93.1). Uma representação de querubins folheados a ouro ficava
sobre a tampa da Arca, no santo dos santos, o santuário mais interior do templo, onde resplandecia a glória da presença de Deus
(Sl 80.1; Êx 25.18).
2 Deus é louvado e engrandecido em todos os lugares onde crentes sinceros se reúnem para adorá-lo, assim como fora em
Sião nos dias deste salmo.
3 O “estrado dos seus pés” é o escabelo régio de Deus (2Cr 9.18), e simboliza a ligação entre o trono celestial e o terrestre.
Quando o Senhor está assentado em seu trono nos céus, seu trono na terra se transforma, metaforicamente, em simples estrado
para apoio dos seus pés; neste salmo, “seu santo monte” (v.9; 132.7; 1Cr 28.2; Lm 2.1).
4 Durante a jornada do êxodo do Egito e na terra prometida, o Senhor providenciou intermediários sacerdotais a fim de receber
e ministrar a Israel as instruções que todos deveriam seguir, a fim de, guardando a Palavra, não fraquejarem na fé (v.6; Êx 17.11;
32.11-32; Nm 14.13-19; 21.7; 1Sm 7.5-9; 12.19,23; Jr 15.1). Moisés, Arão e Samuel representam a Lei, o Sacerdócio e a Profecia,
que somente na pessoa e obra de Jesus Cristo formam uma unidade perfeita.
5 Deus corrige e castiga seus filhos sempre que necessário, mas jamais quebra suas promessas eternas (Sl 89.30-33).
Capítulo 100
1 Convocação geral para que todos os povos da terra reúnam-se em torno do Espírito do Senhor para adorá-lo e servi-lo com
gratidão e muita alegria em seus corações (Sl 93, 95 e 117). Os crentes devem vir para o culto público não apenas para receber,
mas dispostos a fazer suas ofertas com alegria e generosidade (Sl 75.1; Lv 7.12). Tradicionalmente, este hino acompanhava os
atos de ação de graça e ofertas no templo.
2 O salmista dá um exemplo claro de como devemos oferecer nosso culto ao Senhor: com júbilo, alegria e cânticos espirituais
(vv.1-3); com um coração agradecido a Deus, mesmo sob provações, pois Deus é Amor (Sl 6.4). A expressão “O Nome” nas
Escrituras é uma indicação da presença divina (v.4,5; Sl 24.7; 84.2,10; 95.6,7; 2Rs 21.5; 23,11,12).
Capítulo 101
1 Vários biblistas e renomados historiadores acreditam que Davi tenha escrito este salmo, especialmente para a celebração
de posse do rei Salomão, seu filho que assumia o compromisso de governar seu povo com sabedoria celestial: retidão, amor
sincero e eqüidade (1Rs 2.2-4; 3.3-9; Sl 72). Contudo, somente Jesus Cristo, o Filho de Deus e descendente exemplar de Davi,
tem cumprido perfeitamente esse compromisso majestoso, ao longo da história (Sl 6.4; 99.4).
101 SALMOS 101, 102
2 O rei implora que Deus venha ajudá-lo a cumprir seu mandato, com integridade. Quanta diferença benéfica haveria no
mundo, se os governantes e líderes em geral meditassem profundamente sobre essa atitude de sabedoria (Gn 17.1; 1Rs 3.7-9;
Sl 4.7; 72).
3 Este versículo pode ser transliterado, a partir do original hebraico, desta maneira: Lo ashit lenégued enai devar beliial, asso
setim sanêti, lo yidbac bi. Literalmente: “Não pousarei meus olhos sobre qualquer ação perversa; atos desonestos abomino e
deles não participarei” (Sl 119.37; Jz 14.1,2; 2Sm 11.2; 2Rs 16.10; Jó 31.1; Pv 4.25; 17.24; Nm 15.39; Jó 31.7; Pv 21.4; Ec 2.10;
Jr 22.17). A palavra hebraica aqui traduzida por “pernicioso” (qualquer ato que tenha parte com o “mal”) é, curiosamente, igual
ao nome Belial (v.4; Dt 13.13; 2Co 6.15).
4 O rei Davi, apesar de suas fraquezas humanas, buscou – de todo o coração – santificar-se ao Senhor. Um coração perverso
e uma língua mentirosa são, conforme a tradição sapiencial bíblico-hebraica, a raiz e o fruto (18.26; Pv 17.20; 11.20; 18.19; 19.1;
28.6). A soberba é o âmago do pecado, fazendo o ser humano adorar a si mesmo (v.5).
5 Era costume os reis julgarem as causas do povo, ao romper da aurora. A prática enérgica dos princípios divinos – manhã após
manhã, dia a dia – ensina os discípulos de Deus, até que a Cidade Santa se torne uma antecâmara dos Céus (Is 50.4).
Capítulo 102
1 Considerando a estreita relação que sempre houve entre o que acontecia com o rei e o destino da nação de Israel, e por
causa do tema comum aos salmos régios, conclui-se que esta é uma oração de um rei davídico, ou membro da linhagem e casa
real de Davi, durante o exílio na Babilônia (vv.1,17; 61.2; 77.3; 142.3; 143.4 conforme 107.5; Jn 2.7). A expressão “lamento”, que
aparece na epígrafe (que nos originais hebraicos se constitui no primeiro versículo), é traduzida também por “queixa” ou “aflição”
(64.1; 142.2; Jó 7.13; 9.27; 10.1; 21.4).
2 A erva carpida logo se abate e seca por não receber mais a seiva da vida. Aqui, as expressões “coração” e “ossos” (v.3) são
usadas poeticamente para refletir o ser humano como um todo; na visão hebraica, corpo e espírito (22.14; Pv 14.30; 15.30; Is
66.14; Jr 20.9; 23.9; Sl 121.6-8; 90.4-6).
3 Duas palavras diferentes são usadas no original hebraico para se referir a “aves de mau agouro que vivem no deserto” (Lv
11.16-18; Jr 50.39; Sf 2.14). A coruja era associada às áreas desérticas e às ruínas (Is 34.11,15). O salmista sente-se como um
pardal solitário, sem amigos e alvo dos ardis e ataques de inimigos cruéis.
4 Na profunda angústia e depressão, o prato mais saboroso não tem melhor paladar que a cinza.
SALMOS 102, 103 102
para sempre e serás lembrado, de geração 26 Eles perecerão, mas tu permaneces; to-
em geração.5 dos eles se desgastarão como um manto;
13 Tu te erguerás e terás misericórdia de Tu, como a roupa, os trocarás, e serão
Sião, porque já é tempo de teres piedade; abandonados.8
sim, o momento chegou. 27 Tu, porém, és o que és, e teus anos não
14 Pois teus servos amam até as pedras de têm fim.
suas cidades destruídas e a poeira de seus 28 Os filhos de teus servos se estabele-
caminhos arruinados.6 cerão, e seus descendentes se manterão
15 As nações temerão o Nome do Eterno, diante de ti!
e todos os reis da terra, tua glória,
16 quando o SENHOR reconstruir Sião e Hino à suprema graça de Deus
aparecer em sua glória,7 Um salmo davídico.
17 quando se voltar para a oração dos es-
poliados e deixar de rejeitar sua prece.
18 Que isso seja escrito para a geração fu-
103 Bendize, ó minha alma, ao Se-
nhor, e todas as minhas entra-
nhas, seu santo Nome!1
tura, para que um povo, que ainda será 2 Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e
criado, louve o SENHOR, declarando: não te esqueças de nenhum dos seus be-
19 “O SENHOR se debruçou do alto do seu nefícios!
santuário, lá nos céus, e olhou para a terra, 3 É Ele quem perdoa todos os teus peca-
20 para ouvir o gemido dos cativos e li- dos e cura todas as tuas enfermidades.
bertar os condenados à morte, 4 Ele resgata da sepultura a tua vida e te
21 para que em Sião se proclame o Nome coroa de amor e misericórdia.
do SENHOR e seu louvor, em Jerusalém, 5 Ele sacia de bens a tua existência, de
22 quando se reunirem povos e reinos maneira que a tua juventude se renova
para servir ao SENHOR”! como o vigor de uma águia.2
23 Ele reduziu minhas forças em pleno 6 O Eterno realiza atos de justiça e de di-
caminho, abreviou meus dias. reito, em favor de todos os oprimidos.
24 “Meu Deus – disse eu - não me arre- 7 Ele revelou seus caminhos a Moisés e,
bates na metade dos meus dias, Tu, cujos aos israelitas, seus feitos maravilhosos.
anos duram por gerações!” 8 O SENHOR é misericordioso e clemente,
25 Outrora fundaste a terra, e os céus são lento para a cólera, mas paciente e gene-
obra de tuas mãos. roso em seu amor.3
5 Porque Deus é uma pessoa indestrutível, que reina para sempre com absoluto poder (tema da coletânea Sl 92 – 100), suas
misericórdias não falharão jamais, especialmente para os que nele depositam fé sincera para a salvação (v.27; 30.4 de acordo
com os salmos 111; 135; 145).
6 Sião (Jerusalém), a Cidade Santa, é muito amada pelos servos de Deus e, mais ainda, pelo próprio Senhor. O salmista sofre
por causa do exílio na Babilônia (586 a.C.), mas sabe que já é hora de a profecia do juízo e da libertação se cumprir (3.7; 46.4;
48.1-8; 75.2; 87.3; 101.8;132.13; Êx 9.5; 2Sm 24.15; Dn 11.27,35; ). Exercer fé no amor e na soberania de Deus é o melhor remédio
para todos os momentos de crise e tristeza.
7 Esta esperança profética encontra sua expressão mais plena na vinda da “Nova Jerusalém” (Ap 21; Sl 46.10; Is 40.1-5). Só o
Senhor pode atender, perfeitamente, a oração do coração humilde e desamparado (Sl 51.17).
8 Deus é indestrutível, incansável, absoluto e eterno. A terra e a primeira criação cederão lugar para uma nova criação, enquanto
o Senhor permanecerá o mesmo: imutável, fonte segura da verdade e da vida (Is 65.17; 66.22). Todo o Universo, obra do Criador,
é uma simples expressão da vontade divina, um símbolo físico da majestade de Deus; pode ser totalmente trocado como a roupa
que usamos (Ap 21.1; Sl 8.1-4; 19.1; 29.3-9; 104.1,31; Is 6.3; Jó 40.10).
Capítulo 103
1 Louvor intenso e profundo, fruto de vívida experiência pessoal do salmista com o amor leal de Deus. Convocações à adora-
ção do Senhor integram o prelúdio e poslúdio deste hino, bem como determinam seu tom (vv. 1,2,20-22; Sl 101). A expressão
hebraica original “minha alma” era a maneira típica de os hebreus se referirem ao próprio íntimo, às entranhas psicológicas e
emocionais (Sl 104.1,35; 116.7).
2 As forças, os sonhos e o dinamismo da juventude são restaurados a ponto de poderem ser comparados ao proverbial vigor
inesgotável das poderosas águias de Is 40.31.
3 Os grandes feitos de Deus ficaram marcados na história da humanidade e, muito especialmente, na história do povo judeu
(v.3; Dt 8.2-4; Êx 33.13; 34.6-8).
103 SALMOS 103, 104
9 Não nos castiga o tempo todo, nem 20 Bendizei ao SENHOR vós, seus anjos,
guarda rancor para sempre. forças poderosas de elite que amais a
10 Não nos trata segundo os nossos pe- sua Palavra e obedeceis a todas as suas
cados nem nos retribui de acordo com as ordens.
nossas culpas. 21 Bendizei ao SENHOR vós todos, seus
11 Pois, como os céus se elevam acima da exércitos; vós seus ministros, que cum-
terra, assim é imenso o seu amor para pris sua vontade!5
com os que o temem. 22 Bendizei ao SENHOR todas as suas
12 Quanto dista o Oriente do Ocidente, obras, em todos os lugares do seu domí-
assim também Ele afasta para longe de nio eterno! Bendize ao SENHOR, ó minha
nós as nossas próprias transgressões. alma!
13 Como um pai se enternece pelos filhos,
assim, semelhantemente, o SENHOR tem Hino a Deus, o Criador
compaixão de todos aqueles que o temem.4
14 Porquanto Ele conhece a nossa estru-
tura, lembra-se de que somos pó.
104 Bendize, ó minha alma, o Eter-
no: “SENHOR, meu Deus, Tu és
deveras grandioso! Estás vestido de ma-
15 A existência do ser humano é seme- jestade e magnificência!”1
lhante à relva; ele floresce como a flor do 2 Vestido de esplendorosa luz, como num
campo, manto, Ele estende os céus como uma
16 que se esboroa quando o vento sopra e tenda,
ninguém mais se lembra do lugar onde a 3 e deposita sobre as águas dos céus as
planta estivera firmada. vigas dos seus aposentos. Faz das nuvens
17 Mas o amor leal do SENHOR é, desde a sua carruagem, e cavalga nas asas do
sempre e para sempre, para aqueles que vento.2
o temem; e sua justiça, para os filhos de 4 Dos ventos faz seus mensageiros, e de
seus filhos, seus ministros, labaredas de fogo.3
18 com todos os que guardam a sua alian- 5 Criaste a terra, assentando-a sobre base
ça e se lembram de obedecer aos seus firme, para que seja para sempre indes-
mandamentos. trutível!
19 O SENHOR estabeleceu o seu trono nos 6 Como se estendesses sobre ela um
céus e, como Rei, domina sobre tudo o manto, assim a cobriste com os oceanos;
que existe. as águas cobriam as montanhas.
4 O povo de Deus não pode se esquecer de que o Senhor nos trata especialmente como seus filhos, não apenas como nosso
Rei e Senhor. A ternura do pai brota do seu amor paterno e do seu cuidado para com a fragilidade de seus filhos (Hb 4.14-16;
12.5-11; Sl 78.39; 109.12; Lc 1.50).
5 Apenas neste versículo e no Sl 148.2, a expressão original hebraica, aqui traduzida por “exércitos”, é masculina. Nesses
dois textos, os “exércitos” são compostos por “seres angelicais” (servos ou ministros). “Servo” é o particípio do verbo hebraico
traduzido por “servir” em 101.6 (Sl 91.11; 104.4; Hb 1.14).
Capítulo 104
1 O mesmo apelo do salmo anterior; porém, aqui, o poema sagrado reflete a contemplação das forças e das maravilhas da
natureza. O salmista canta a glória do seu Criador e Sustentador, oferece um vislumbre do mundo angelical (v.4) e, de passagem,
menciona o ser humano, pois seu foco é a criação dos elementos e de todos os seres vivos ao seu redor, que ele considera o
manto esplendoroso e original, com que o Criador se vestiu no princípio das eras, com o objetivo de revelar sua glória ao Universo
(v.6; 102.25,26; Gn 1.3-5; Jo 1.5).
2 O poeta do Senhor usa belas e significativas metáforas para demonstrar o poder, a criatividade e o amor de Deus. A palavra
hebraica original traduzida por “aposentos”, no singular, refere-se a um quarto especial, no andar superior da casa (cenáculo)
como em 1Rs 17.19; 2Rs 1.2; Mc 14.15; At 1.13). Segundo a linguagem figurada do AT, das águas acima da tenda, o Senhor der-
rama a chuva para rejuvenescer a terra (v.2,13; Gn 1.7; Sl 36.8). As nuvens são como suas carruagens adornadas de majestade
(Sl 18.7-15; 68.4; 77.16-19).
3 O poder justo, amoroso e criador de Deus é ilimitado: tanto pode transformar seus mensageiros em grandes forças cósmicas,
como pode usar essas forças a seu serviço e missão. A expressão original hebraica traduzida aqui por “mensageiros” pode
igualmente significar “anjos” ou “ministros”. Os ventos, raios e relâmpagos são aqui personificados como agentes dos propósitos
divinos (Sl 148.8; 103.21).
SALMOS 104 104
4 Uma alusão ao terceiro dia da Criação e ao poder criador da Palavra de Deus (Gn 1.3; Jo 1.1-3; Sl 76.6).
5 Com segurança, Deus estabeleceu a porção seca em contraposição aos céus e aos oceanos (Gn 1.10; Sl 24.2; 93.1; 96.10).
O Senhor firmou um limite, a fim de que a terra habitável jamais seja dominada pelo mar (v.5; Sl 33.7; Gn 9.15).
6 A terra é o jardim florescente da vida criado por Deus, e o ser humano, o ápice da sua criação. O que fizemos do planeta
que Deus nos deu para cultivarmos e sermos felizes? Em seguida temos uma descrição do amor leal e cuidadoso de Deus em
sustentar todos os seres vivos no mundo que criou (vv.10-18). A dádiva das águas de baixo, irrigando as ravinas do Neguebe.
E a dádiva das águas de cima, irrigando as regiões altas de Israel, onde se estabeleceram os principais campos cultivados. O
Líbano com suas árvores gigantes, muitas aves e animais alpinos, formam uma sinopse do jardim de Deus na terra (Sl 72.16;
2Rs 14.9; 19.23; Is 10.34; 35.2; 40.16; 60.13; Jr 22.6; Os 14.7). Nenhuma criatura, por mais simples que seja, escapa ao cuidado
meticuloso de Deus (v.18; Mt 6.26).
7 Os principais astros cósmicos, o sol e a lua, foram criados para ordenar o ciclo da vida; o tempo, as épocas e as estações
(Ec 3.1-8; Gn 1.14).
8 O salmista reduz metaforicamente o enorme e terrível monstro dos mares, na mitologia hebraica, à condição de animalzinho
de estimação de Deus, que brinca inofensivo pelos oceanos do planeta (Jó 3.8).
9 Deus é maior que todo o Universo, sua criação (Gn 1.1,2). O Senhor pode desfazer absolutamente tudo o que criou com um
mero olhar ou simples toque de suas mãos. Deus é o Doador da Vida e o Renovador do nosso ser (Jo 3.5,16; 10.10; 11.25; 14.6).
105 SALMOS 104, 105
10 Uma vida de sincero e humilde louvor ao Senhor pode transformar em alegria todas as relações humanas (Cl 3.16). Que a
terra seja purificada do único elemento que a macula: o pecado em todas as suas formas e sutilezas (Ap 21.27).
Capítulo 105
1 Hino composto para ser ministrado a Israel, por um levita (1Cr 16.7-22), durante uma das principais festas solenes anuais, espe-
cialmente a Festa das Semanas (Êx 23.16; Lv 23.15-21; Nm 28.26; Dt 16.9-12; 26.1-11). O povo de Deus é admoestado e encorajado
a confiar no Senhor Jeová (Yahweh em hebraico), por causa de todos os seus maravilhosos atos salvíficos realizados em cumprimen-
to à sua Aliança com Abraão: a promessa de dar a seus descendentes a terra de Canaã. Os versos de 1 a 15 formam a primeira parte
do salmo cantado por Davi, quando trouxe a arca de Deus para Jerusalém; a outra metade se encontra no Sl 96.
2 As promessas de Deus são irrevogáveis (Gn 15.9-21; Rm 11.29). A Aliança do Senhor refere-se às promessas que são repetidas
na vida de cada Patriarca (Gn 22.17-18). Este versículo e o seguinte ecoam no NT, em Lc 1.72-73 (Êx 20.6; Dt 7.9; 1Cr 16.15).
3 Os versos 12 a 41 formam um recital dos atos salvíficos de Deus a favor do seu povo, desde o momento em que a Aliança
foi outorgada (v.11; Gn 15.9-20), até seu cumprimento (v.44; Js 21.43), de acordo com o recital ordenado por Moisés, juntamente
com a cerimônia de oferta das primícias (Dt 26.1-11).
4 Este versículo pode ser transliterado, a partir dos manuscritos hebraicos, da seguinte forma: Leessor sarav benafsho, uzkenav
iechakem. A palavra “orientar, ou, instruir” é, literalmente, “amarrar”. Aquele povo, cujo pescoço (nafsho) havia sido preso com
ferros, agora recebeu autoridade para “amarrar” (benafsho) os príncipes do faraó, conforme a sua vontade. Os conselheiros do
faraó eram, normalmente, homens mais velhos, com ampla experiência de vida e notável cultura (Êx 3.16). Embora “ferros” (v.18)
não sejam mencionados em Gn 39.20-23, pois o ferro somente passou a ser de uso comum entre eles numa época histórica
posterior, o autor deste salmo toma a liberdade poética de usar os termos de seu tempo (Jó 13.27; 33.11). As correntes e grilhões
da antiguidade eram forjados em bronze (Jz 16.21).
5 Israel é o nome que o Senhor Deus concedeu a Jacó, e que foi herdado por seus descendentes. Em Gn 10.6, o povo do Egito
(Mizraim) consta como descendência de Cam, filho de Noé.
SALMOS 105, 106 106
que odiassem seu povo e tratassem seus lhes dar sombra como um toldo, e um
servos com perfídia.6 clarão de fogo para iluminar a noite.
26 O Senhor enviou Moisés, seu servo, e 40 Pediram, e Ele mandou codornizes, e
Arão, a quem tinha escolhido, os saciou com pão do céu.
27 por meio dos quais realizou os seus 41 Fendeu a rocha e dela brotaram águas
sinais miraculosos e seus maravilhosos puras, que correram qual torrente pelo
feitos na terra de Cam. deserto.
28 Mandou trevas, e fez-se escuridão; e 42 Porquanto estava lembrado da sua Pa-
não puderam contestar sua Palavra. lavra sagrada e de Abraão, seu servo.
29 Converteu a água em sangue e fez 43 E conduziu com alegria o seu povo e,
morrer os peixes. com jubiloso canto, os seus escolhidos.
30 Seu país fervilhou de rãs, até nos apo- 44 Concedeu-lhes as terras dos pagãos, e
sentos de seus reis. eles tomaram posse do fruto do trabalho
31 Ele ordenou e vieram insetos, mosqui- de outros povos,
tos em todo o seu território. 45 para que obedecessem aos seus decre-
32 Em vez de chuva deu-lhes granizo e tos e guardassem as suas leis. Aleluia!7
raios flamejantes sobre sua nação.
33 Arrasou-lhes os vinhedos e as figueiras, A ingratidão do povo de Deus
e destruiu as árvores de toda a sua terra.
34 Outra vez Ele ordenou, e vieram nu-
vens de gafanhotos e incontáveis enxa-
106 Aleluia!
Dai graças ao SENHOR, por-
quanto Ele é bom; o seu amor dura para
mes de larvas, sempre!1
35 que devoraram toda a vegetação e os 2 Quem poderá proclamar as proezas do
frutos daquela terra. SENHOR e apregoar todo o louvor que me-
36 Depois matou todos os primogênitos rece?
da terra deles, todas as primícias de sua 3 Felizes os que observam o direito e pra-
virilidade. ticam a justiça em todo o tempo!
37 O Senhor libertou Israel daquele povo, 4 Lembra-te de mim, ó Eterno, de acordo
que saiu cheio de prata e ouro. E não se com a tua benevolência para com teu povo;
encontrava em suas tribos quem fosse vem em meu socorro quando o salvares,
trôpego. 5 para que eu possa ver a felicidade dos
38 Todo o Egito muito se alegrou com a eleitos, alegrar-me com a felicidade de teu
saída de Israel, porquanto grande era o povo e gloriar-me com a tua herança!
pavor do povo de Deus. 6 Pecamos, como nossos antepassados, co-
39 Então, Ele estendeu uma nuvem para metemos iniqüidades, praticamos o mal.2
6 Os autores das Escrituras, especialmente no AT, demonstram compreensão teológica em relação à soberania de Deus sobre o
Universo e, particularmente, sobre o povo de Israel; tão completa e perene soberania, que governa até mesmo o mal que os homens
tentam e praticam contra Israel. Não que Deus mande o mal a alguém, mas que ele usa o mal a fim de ensinar à humanidade, e
especialmente aos seus, o que significa o temor do Senhor (Êx 4.21; 7.3; Js 11.20; 2Sm 24.1; Is 10.5-7; 37.26,27; Jr 34.22). Mais uma
vez Deus permite a desgraça aparente, com o propósito de prosseguir com os seus atos salvíficos e graciosos (Rm 8.28).
7 O motivo dos feitos portentosos e salvíficos de Deus é a preparação de um povo (judeus e gentios de todas as partes) que
adore e obedeça ao Senhor de todo o coração e para sempre (1Pe 2.9-10; Tt 2.11-14).
Capítulo 106
1 Poema davídico para ser cantado pela congregação, de autoria de um dos levitas que retornaram para Jerusalém, logo após o
exílio. O primeiro versículo e os dois últimos foram adotados de uma peça literária mais antiga (1Cr 16.34-36). A expressão hebraica
original
(transliterado em Alelu – yah ou Haleluiá) significa “Louvai ao Senhor!” (Sl 100; 107.1; 118.1,29; 136.1-3). “Aleluia!”
é o início e o final deste salmo convocatório à adoração, e nos revela o longo histórico de desobediência do povo de Israel, que sim-
boliza a rebeldia da própria raça humana, posto que o ser humano já nasça demonstrando todo o seu potencial rebelde e egoísta, e
tenda a viver assim até a morte. A não ser que aceite a graça reconciliadora de Deus e nasça de novo (Jo 3; Rm 5.20).
2 O salmista, como líder espiritual, não se exclui da responsabilidade dos pecados de seu povo (Ed 9.6,7). Ao mesmo tempo
faz-nos lembrar que a “alegria” é um dom divino concedido a todo crente. Ainda que sob provações e sofrimentos, jamais perde-
mos a convicção do amor leal e generoso do Senhor (Jo 14.27; Gl 5.22).
107 SALMOS 106
7 Nossos pais, no Egito, não deram a 20 trocaram Aquele que é a Glória deles
devida atenção a teus sinais milagrosos; pela imagem de um boi que se alimenta
esquecidos de teus inúmeros favores, de capim!5
rebelaram-se junto ao mar, o mar Ver- 21 Esqueceram-se de Deus, seu Salvador,
melho. que fizera portentos no Egito,
8 Entretanto, Ele os salvou por causa do seu 22 maravilhas na terra de Cam e realiza-
Nome, para deixar manifesto o seu poder. ções magníficas junto ao mar Vermelho.
9 Repreendeu o mar Vermelho, e este se- 23 Por isso, Ele ameaçou destruí-los; po-
cou; permitiu-lhes andar pelas profun- rém Moisés, seu escolhido, intercedeu
dezas, como por um deserto! em sua presença, a fim de evitar que sua
10 Salvou-os da mão daquele que os odia- ira os consumisse a todos.6
va; resgatou-os das garras do inimigo;3 24 Da mesma forma rejeitaram a terra
11 as águas cobriram seus adversários, aprazível do Senhor; não creram em sua
sem que um só deles restasse. Palavra,
12 Então creram em suas promessas, e a 25 mas murmuraram em suas tendas e
Ele entoaram cânticos de louvor. não obedeceram à voz do Eterno.
13 Muito depressa, porém, esqueceram 26 Então lhes jurou, de mão erguida, que
seus feitos e não quiseram esperar para os havia de abater no deserto,
conhecer mais de seus desígnios. 27 e prostraria todos os seus descendentes
14 Dominados pela fome no deserto, pu- entre as nações e os dispersaria por ou-
seram Deus à prova, nas regiões áridas. tras terras longínquas.
15 Concedeu-lhes tudo o que reclama- 28 Aderiram ao culto de Baal-Peor e co-
vam, mas, por sua gula, mandou-lhes meram dos sacrifícios pelos mortos.
uma doença horrível. 29 Assim, com seus atos, o provocaram
16 No acampamento eles invejaram Moi- à ira, e irrompeu entre eles uma peste
sés e Arão, o consagrado do SENHOR.4 mortal.
17 Então, abriu-se a terra e engoliu Datã, 30 Mas Finéias se interpôs para executar
e sepultou o grupo de Abirão. o juízo, e a praga foi interrompida.
18 Um fogo consumiu aquele bando, uma 31 Isso lhe foi creditado como um ato
chama tornou os ímpios em brasa. de justiça, de geração em geração, para
19 Em Horebe construíram um bezerro, sempre.7
adoraram uma estátua feita de metal; 32 Contudo, eles ainda provocaram a in-
3 A mesma voz poderosa que afugentou o caos e as trevas primevas, agora retira o obstáculo que fazia separação entre o povo
de Deus e a liberdade. Esse mesmo fenômeno divino pode ocorrer em nossas vidas, hoje, diante de todos os nossos obstáculos
(Sl 104.7; Gn 1.3). O povo estava na escravidão, e Deus “comprou” para si os que sempre foram seus. Esta expressão descreve
bem a obra de Cristo como nosso Redentor, pois que pagou cabalmente todo o custo do pecado da humanidade, a fim de nos
libertar para sempre das garras de Satanás, da nossa própria índole carnal, e da morte eterna (v.9; Ef 1.7; Êx 14.28).
4 A expressão hebraica original “consagrado”, aqui usada, também pode ser traduzida como “santo”. Ou seja, aquela pessoa
que o próprio Deus vocacionou e separou para a ministração da sua obra entre o povo. O sacerdócio fez parte do plano de Deus;
não foi uma invenção de Israel (Êx 28 com Zc 3).
5 O salmista, ironicamente, coloca diante dos idólatras o ridículo e aviltante culto a qualquer ser ou coisa criada por Deus. O
mais grave prejuízo causado pela idolatria é afastar as pessoas da esplendorosa e magnificente “Glória” de Yahweh (Jeová ou
Javé), o nome impronunciável de Deus, em hebraico (Rm 1.18-23). O Senhor se revelou como Salvador, através de toda a história
da humanidade e, particularmente pela peregrinação de seu povo. Portanto, Cristo, o Filho e a Glória de Yahweh, é o absoluto
Senhor e Salvador de todo o “verdadeiro Israel” (v.21; Gl 6.16).
6 Faz parte do plano de Deus, para o desenvolvimento espiritual da humanidade, que seus escolhidos (todos os crentes), parti-
cipem de coração compassivo e perdoador, fazendo súplicas e intercedendo, com fé, uns pelos outros (Êx 32.11-14).
7 O salmista parte de uma analogia para concluir que assim como a fé que Abraão demonstrou lhe foi atribuída como justiça
(Gn 15.6), também ocorreu com Finéias, devido ao seu zelo sacerdotal pela pessoa e obra do Senhor (Nm 25.7,8). A aliança do
sacerdócio perpétuo foi outorgada a Finéias como recompensa misericordiosa de Deus por sua dedicação sincera. A aliança de
Deus com Abrão foi outorgada após o Senhor lhe creditar fé como justiça (Gn 15.9-21); o mesmo aconteceu na celebração das
alianças entre Deus e Noé (Gn 9.9-17) e entre Deus e Davi (2Sm 7.5-16).
SALMOS 106, 107 108
dignação do Senhor junto às águas de 43 Ainda assim, Ele os tem libertado mui-
Meribá e, por causa deles, aconteceu um tas vezes, embora prosseguissem em seus
infortúnio a Moisés, planos de rebelião e afundassem cada vez
33 porquanto, sendo rebeldes contra o mais em sua malignidade.
Espírito de Deus, induziram Moisés a fa- 44 Contudo, Deus atentou para o sofrimen-
lar sem refletir.8 to deles, quando ouviu o seu clamor.11
34 Eles também não destruíram os pa- 45 Lembrou sua aliança com eles, e ar-
gãos, como o SENHOR havia ordenado,9 rependeu-se, por causa do seu imenso
35 em vez disso, misturaram-se com esses amor leal.12
povos e imitaram suas práticas. 46 Fez que obtivessem clemência de todos
36 Prestaram culto aos ídolos, que se tor- os que os haviam deportado.13
naram uma armadilha para eles. 47 Salva-nos, SENHOR, nosso Deus, e recolhe-
37 Chegaram ao ponto de sacrificar seus nos dentre as nações pagãs, a fim de que
filhos e filhas aos demônios. possamos dar graças ao teu santo Nome e
38 Derramaram sangue inocente, o san- fazer do teu louvor a nossa glória perene.
gue de seus próprios filhos e filhas, sacri- 48 Bendito seja o SENHOR, Deus de Israel,
ficados aos ídolos de Canaã; e a terra foi desde sempre e para sempre! Que todo o
profanada pelo sangue deles. povo declare: “Amém!”
39 Tornaram-se impuros por meio dos Aleluia!
seus atos infames; prostituíram-se por
suas más ações.10 QUINTO LIVRO
40 Por tudo isso se inflamou a ira do SE- Salmos de 107 a 150
NHOR contra seu povo, e Ele sentiu repug-
nância por sua herança. Deus salva de todas as aflições
41 Entregou-os nas mãos dos pagãos, e os
seus adversários dominaram sobre eles.
42 Seus inimigos os oprimiram e os hu-
107 Rendei graças ao SENHOR, por-
que Ele é bom, e a sua miseri-
córdia dura para sempre.1
milharam com seu poder. 2 Que o digam os redimidos do SENHOR, os
8 O povo havia se tornado rebelde e caído no pecado de relativizar ou desprezar a perpétua e milagrosa salvação que Deus
concede. O mesmo erro foi cometido pelos sacerdotes e teólogos (fariseus) contra a pessoa e a obra do Filho de Deus, não
reconhecendo o amor e o poder de Deus expresso na vida e nos milagres de Cristo (Mt 12.22-32). Ao contrário de Jesus Cristo,
Moisés não conseguiu suportar com paciência a provocação de Israel no deserto, e em vez de proclamar a compaixão de Deus
em prover de água, o seu povo, desafiou-o (Nm 20.5-11). Embora a leitura de alguns manuscritos possa ser transliterada assim:
Ki himru et rucho, vaivate bisfatav, que significa literalmente “pois exasperaram seu espírito, levando-o a pronunciar palavras ás-
peras”, no entanto, à luz de uma melhor exegese e do contexto bíblico geral, o Comitê de Tradução da KJA optou por esta forma
de tradução (Is 63.10-14; Sl 78.40; Êx 31.3; Nm 11.17; 24.2; Ne 9.20).
9 A expressão hebraica, muitas vezes traduzida simplesmente pela palavra “nações”, tem o significado amplo de “pagãos”
(povos sem fé no Único Deus – Yahweh). Portanto, devemos expulsar das nossas vidas qualquer motivo de tentação ou “laço”
ou “armadilha” (v.36; Sl 101.5; 2Co 6.17). Paulo nos ensina que sacrificar (cultuar) a ídolos e imagens (marcas) é reverenciar os
próprios demônios (1Co 10.19-20). Os rituais pagãos incluíam o flagelo e o sacrifício físico de crianças (v.37).
10 A prostituição não nasceu simplesmente como forma de comércio sexual: sua origem tem a ver com a infidelidade religiosa,
que levou os crentes em Deus a se envolverem com os rituais idólatras, que incluíam sacerdotisas oferecendo seus corpos aos
homens, como uma forma de culto aos deuses pagãos (Os 1 a 3; Ap 19.1-10).
11 O olhar de Deus é algo poderoso e sublime. Somente o Senhor é capaz de contemplar e compreender o mais íntimo e
secreto da nossa alma e ministrar sua compaixão, cura e salvação (Lc 22.61-62; 1Jo 2.1,2).
12 Ficou provado que a humanidade não tem a menor esperança de viver em retidão para com Deus e em fraternidade nesta
terra. Portanto, a única chance real de salvação e nova vida repousam nas promessas (na Palavra) do próprio Deus, cuja plenitude
é a pessoa de Jesus Cristo (Jo 1.1-14).
13 O amor leal de Deus fez que até os próprios pagãos fossem mobilizados para cuidar do seu povo no cativeiro, fossem esses
povos babilônicos (2Rs 25.27-30), ou persas (Ed 6.1-12).
Capítulo 107
1 Israel havia experimentado uma vez mais as poderosas e generosas misericórdias do Senhor em seu retorno do humilhante
exílio da Babilônia (v.3; Jr 33.11). Aqui, um levita responsável por reunir o povo para celebrar o amor leal e inesgotável de Deus,
109 SALMOS 107
especialmente para com todos aqueles que reconhecem seu poder e clamam por sua intervenção, ministra à congregação um
salmo de adoração, como parte do grande recital sobre “as divinas maravilhas em favor da humanidade” (Sl 104 a 107).
2 O salmista refere-se também aos dispersos e cativos em outras terras: Assíria (2Rs 17.6) e Babilônia (2Rs 24.14,16; 25.11,26;
Jr 52.28-30; Ne 1.8; Et 8.5-13; Is 11.12; 43.5,6; Ez 11.17; 20.34). Este versículo pode ser assim transliterado, a partir dos originais
hebraicos: Umearatsot kibetsam, mimizrach umimaarav, mitsafon umiyam.
3 O original hebraico apresenta aqui um verbo impessoal (“andavam” ou “andaram”) que se refere a todos os viajantes perdidos
no deserto, que apelam ao Senhor e encontram socorro e alívio para suas angústias. Israel já havia experimentado as agruras do
deserto em sua peregrinação a Canaã; além disso, fazia fronteira, a leste, com o grande deserto da Arábia, pelo qual caravanas
de mercadores viajavam, e, a oeste, com o mar Mediterrâneo (vv.23-32). A história de Israel é uma grande metáfora da própria
história da rebelião de toda a humanidade contra seu Criador, mas, ao mesmo tempo, a saga do livramento divino em atenção ao
apelo humano por salvação, paz e felicidade (Sl 105 e 106).
4 Criminosos condenados à prisão perpétua e à morte não são apenas os malfeitores que atentam contra as leis civis, senão
igualmente todos aqueles que ofendem a Palavra de Deus (Rm 13.1-7).
5 Aqui se trata de um doente, enfermidade tem a ver com certa aflição provocada por uma vida estulta e descontrolada, sem
o temor do Senhor (v.17).
6 A ordem de Deus (Sua Palavra) aqui é personificada como agente do seu propósito (147.15,18; 23.6). É o Logos divino
quem traz perdão, consolo e restauração ao coração humilde e arrependido (Jo 1.1-12). O Supremo Juiz do Universo “ab-roga”
(expressão jurídica, em latim, relativa à determinação expressa de cessar a exigência do cumprimento cabal de uma determinada
lei), a condenação do pecador à morte eterna.
7 A atitude de cultivar um coração grato a Deus e render-lhe louvores por sua paciência e inúmeros atos de bondade é, de fato, um
sacrifício do eu, normalmente altivo e egoísta (Sl 51.17). Segue-se ao louvor sincero, um testemunho autêntico e poderoso (At 3.8).
8 O povo de Israel sempre viu no mar uma metáfora das profundezas tenebrosas; a mitologia hebraica é recheada de histórias
de monstros marinhos e episódios horríveis passados ou provocados pelos oceanos. As Escrituras também registram muitas pro-
vações enfrentadas em meio às águas bravias dos mares (Jn 1 e 2; At 27.9-44). Contudo, o Senhor, cuja voz domina os oceanos
e as tempestades (Sl 29), concede a mesma autoridade à pessoa do seu Filho Jesus Cristo (Mc 5.35-41).
SALMOS 107, 108 110
9 O salmista nos oferece uma descrição geral da soberania de Deus em guiar a raça humana (vv.33-41), e faz um alerta sobre o
castigo reservado aos idólatras (Is 42.15-17; Gn 19.23-29). No entanto, os remidos serão presenteados com a honra do galardão
do Senhor (Is 35.6,7; 41.18; 42.15; 43.19,20; 50.2).
10 Temos aqui um eco de Jó 12.21,24. A prosperidade, quando não administrada sob o temor do Senhor, exacerba a arrogância
e o egoísmo humano, fazendo que o homem relativize seu amor e fé em Deus, dando mais importância aos bens e ao dinheiro
ao que ao amadurecimento da sua relação com o divino e desprezando a fé sincera e simples em Deus (Dt 31.20; 32.15). Por
isso, o Senhor se vê forçado a devolver tais pessoas ao “deserto”, a fim de poderem continuar sua caminhada de tribulações e
aprendizado (Dt 32.10; Os 2.3,14).
11 A grande conclusão do salmista revela que os insensatos e arrogantes (perversos), não conseguem ver, ouvir e muito menos
sentir a Palavra do Senhor, e tão somente seguem sua lógica primária e seus instintos egoístas (vv.33-41; Jó 5.16; Pv 2.21,22;
11.6,7; 12.6; 14.11; 15.8; 21.18,19; 29.27). Os sábios e justos consideram e obedecem à instrução de Deus, louvando ao Senhor
por seu amor leal, poder e longaminidade (vv. 4-32; Dt 32.29; Os 14.9).
Capítulo 108
1 Um hino de Davi ou de seus descendentes, exaltando o amor leal de Deus e suplicando o auxílio divino contra os inimigos
(57.7-11; 60.5-12; 103.11; 1Cr 16.8-36). O coração do fiel está firmado no Senhor, e essa é a razão indestrutível de sua confiança
e esperança. Haja o que houver, o futuro será sempre melhor para o crente.
2 O amor leal e a misericórdia divina são maneiras de descrever a própria natureza do Senhor (1Jo 4.16).
3 A Palavra de Deus produz libertação completa e inabalável para o povo do Senhor, bem como salvação eterna pelo divino
poder de sua destra (mão direita ou braço forte).
111 SALMOS 108, 109
9 Moabe é a bacia em que me lavo, sobre 10 Andem errantes seus filhos, a mendigar,
Edom atiro a minha sandália, contra a a esmolar longe de suas casas em ruína!
Filistéia lanço meu brado de vitória!” 11 De tudo que é seu apodere-se o credor,
10 Quem me levará à cidade fortificada? e estranhos roubem seus ganhos!
Quem me conduzirá até Edom,4 12 Não mais lhe mostrem benevolência, e
11 se não fores tu, ó Deus, que nos rejei- ninguém se compadeça de seus órfãos!
taste; tu, ó Eterno, que já não sais com 13 Sua prosperidade seja completamente
nossas tropas? aniquilada, e na geração seguinte extin-
12 Vem em nosso socorro contra os ad- ga-se seu nome!
versários! Vã é a salvação que vem do ser 14 Seja lembrada ao SENHOR a culpa de
humano. seus pais, e o pecado de sua mãe não se
13 Com Deus faremos proezas, e Ele es- apague:
magará os nossos inimigos!5 15 estejam continuamente presentes ante
o Eterno, a fim de que risque da terra sua
Prece contra os caluniadores memória!
Ao regente do coro. Um salmo davídico. 16 Visto que nunca pensou em agir com
4 Oração costumeira de Davi, antes de suas vitórias contra Edom (2Sm 8.13-14).
5 Este versículo pode ser assim transliterado, a partir dos melhores manuscritos hebraicos: Belohim naasse cháyil, vehu
iavus tsarênu.
Capítulo 129
1 O salmista suplica a Deus que o livre de seus falsos acusadores: que o Senhor julgue com severidade todos que rejeitam o
caminho santo (vv.6-19), e que a misericórdia divina seja generosa para com os que se entregam nas mãos de Deus (vv.20-31).
O autor fala dos adversários, no singular, na primeira parte, que revela algumas das maldições lançadas por seus inimigos; a
segunda parte, discorrida no plural, mostra a aliança dos inimigos contra o servo do Senhor (Sl 35; 101).
2 Este é o sentido mais adequado à frase transliterada do original hebraico: Vaiassímu alai raá táchat tová, vessin’á táchat
ahavati (35.13,14).
3 Estes são alguns dos desejos, expressos, dos inimigos do salmista (vv.6-20). Pedro compreendia que essas palavras conde-
natórias se aplicavam ao traidor, Judas Iscariotes (v.8; At 1.20). Em hebraico, a expressão “satã ou satanás” significa “acusador”.
Veja como fica a transliteração deste versículo: Hafked alav rashá, vessatan iaamod al iemino (Jó 1.6).
4 O pecador ímpio e renitente procura cercar-se de trevas, cada vez mais fugindo da luz e da verdade (Jo 3.18-21).
SALMOS 109–111 112
clina, sou afugentado como um simples dia da convocação. Nos montes santos,
gafanhoto. mais numerosos do que gotas de orvalho
24 Os joelhos tremem de tanto que jejuo, no seio da aurora, tu terás teus exércitos
e o corpo definha de fraqueza. de jovens santos!2
25 Tornei-me, para meus difamadores, 4 O SENHOR jurou e não se arrependerá:
objeto de zombaria: assim que me vêem, “Tu és Sacerdote para sempre, segundo a
meneiam a cabeça.5 ordem de Melquisedeque”.3
26 Ajuda-me, SENHOR, meu Deus! Salva- 5 O Eterno está à tua direita; Ele esmaga-
me, segundo teu amor misericordioso! rá reis no dia da sua ira.
27 Que eles reconheçam que foi a tua boa 6 Julgará as nações, amontoando cadáve-
mão, que foste tu, SENHOR, que o fizeste. res e esmagando governantes em toda a
28 Que eles sigam amaldiçoando, contan- extensão da terra.4
to que tu me abençoes! Os que se insur- 7 Meu Rei encontrará refrigério no ribei-
gem sejam confundidos, enquanto teu ro em seu árduo caminho, e sua cabeça
servo seja contemplado com alegrias. estará sempre erguida!
29 Cubram-se de ignomínia os que me
acusam, emaranhem-se no próprio ve- Louvor a Deus por suas obras
xame, como num manto!
30 Proclamarei com minha boca muitas
graças ao SENHOR e o louvarei no meio da
111 Aleluia! De todo o coração,
louvarei ao SENHOR,1
Alef
multidão, na congregação dos justos e na assem-
31 pois Ele se põe à direita do pobre para bléia dos que se reúnem para adorá-lo.
salvá-lo daqueles que o caluniam! Bet
2 Portentosas são as obras do SENHOR,
O reino sacerdotal do Messias Guimel
Salmo de Davi. dignas de profunda meditação para
5 A expressão “meneiam a cabeça” revela um gesto físico de profundo desprezo, humilhação e zombaria. Foi assim que muitas
pessoas agiram, ao verem Jesus Cristo, o Messias, em seu sofrimento vicário na Cruz do Calvário (Mc 15.29).
Capítulo 110
1 Davi compôs este salmo para a coroação de seu filho Salomão, com profunda conotação profética em relação aos reis davídi-
cos e a seu grandioso Filho futuro (Sl 101). Os profetas do AT perceberam a mensagem profética deste hino somente muito tempo
depois de Davi, mas a Igreja do NT sempre o considerou a mais clara e direta obra messiânica do Saltério (Sl 2). Especialmente
pela maneira como fora interpretado pelo próprio Messias, Jesus (Mt 22.43-45; Mc 12.36,37; Lc 20.42-44), pelo apóstolo Pedro
(At 2.34-36) e pelo autor de Hebreus (Hb 1.13; 5.6-10; 7.11-28). Sentar-se à direita do rei significava ocupar um lugar de honra
sem igual e “estar com ele entronizado” (45.9; 1Rs 2.19). O NT está repleto de referências a Jesus Cristo exaltando essa posição
de primazia absoluta e definitiva (Mt 26.64; Mc 14.62; 16.19; Lc 22.69; At 2.33; 5.31; 7.55-56; Rm 8.34; Ef 1.20; Cl 3.1; Hb 1.3; 8.1;
10.12; 12.2). Os tronos eram acompanhados de um móvel para descanso dos pés do rei. Entretanto, nas pinturas e esculturas, os
reis mandavam que esse objeto fosse substituído pela imagem de seus inimigos vencidos (2Cr 9.18; 1Rs 5.3; Js 5.3; 1Co 15.25;
Ef 1.22). Este versículo, incluindo sua epígrafe, pode ser assim transliterado a partir dos melhores originais hebraicos: Ledavid
mizmor, neum Adonai, ladoni, shev limini, ad ashit oievêcha hadom leraglêcha.
2 O “Rei” e Ungido de Deus, o Senhor Jesus Cristo, terá um exército de voluntários, revestidos de santidade. O reino de Cristo
não é deste mundo e seus guerreiros não usam armas carnais (Jo 18.36; Ef 6.10-18).
113 SALMOS 111, 112
3 Jesus, o Messias prometido, é a única pessoa que acumula o poder e a responsabilidade de Sacerdote e Rei. Esse sacerdócio
firma-se nas promessas irrevogáveis e eternas de Deus, a fim de manter, perpetuamente, a linhagem de Davi (89.35-37; Hb 7.16-18).
Segundo a ordem de Melquisedeque (Hb 7.11-22), os reis davídicos, como representantes principais do governo de Deus sobre Isra-
el e o mundo, realizaram muitas atividades que se baseavam no culto ao Senhor, como a supervisão da Arca da Aliança e do templo,
bem como a organização dos serviços sagrados dos sacerdotes e levitas (2Sm 6.1-15, 1Rs 5 – 7; 2Rs 12.4-7; 22.3-7; 23.4-7; 1Cr 6.31;
15.11-16; 16.4-42; 23.3-32; 25.1; 2Cr 15.8; 17.7-9; 19.8-11; 24.4-12; 29.3-31; 34.8; 35.15,16; Ed 3.10; 8.20; Ne 12.24,36,45).
4 A vitória absoluta, universal e eterna de Cristo e da sua Igreja (Ap 19.11-21).
5 Mesmo durante os séculos de implantação do seu reino, as terríveis batalhas no final dos tempos, o Ungido de Deus jamais
esmorecerá. As forças da natureza curvam-se para cooperar com o nosso vitorioso Salvador, Jesus Cristo (Mt 22.41-46). Este
versículo pode ser assim transliterado, a partir dos originais hebraicos: Mináchal badérech yishte, al ken iarim rosh.
Capítulo 111
1 Este salmo e o próximo (112) formam um arranjo perfeito entre poesia, música sacra e instrução sapiencial. Essas obras
pós-exílicas introduzem uma série de salmos de Aleluia (Sl 111 – 118). A estrutura dos salmos 111 e 112 é chamada de acróstico
alfabético, por serem eles organizados em ordem alfabética, no original hebraico. Cada meio verso recebe uma das letras do alfa-
beto hebraico. A reunião dos justos (íntegros, retos e piedosos) refere-se a um grupo mais íntimo de adoradores comprometidos
com a Palavra do Senhor (112.2,4; 9.1; 11.7; 33.1; 49.14; 97.11; 107.42; 140.13).
2 As obras do Senhor revelam claramente o caráter e o poder do Criador. Felizes aqueles que sabem contemplar as obras do
Criador (v.2; Sl 19.1-4).
3 Misericórdia e compaixão (amor leal) são as qualidades de Deus que garantem a existência e a peregrinação da raça humana
para a eternidade (130.3-4; 2Pe 3.9).
4 A provisão de alimento para o crente é apenas uma exemplificação da generosidade do Senhor para com os seus (Mt 6.11; Sl
SALMOS 112, 113 114
105.8-11). Este versículo pode ser transliterado, do original hebraico, da seguinte forma: Téref natan lireav, yizcor leolam berito.
5 As mais concretas e indestrutíveis realizações do Senhor são as virtudes e seus mandamentos eternos (119.89-90).
6 As alianças são as promessas da eterna redenção para todos aqueles que sinceramente amam e respeitam (temem) ao
Senhor (vv.5,6).
7 O grande ensino do AT resume-se no “temor do Senhor”; uma combinação perfeita de amor e obediência aos mandamentos
de Deus é a chave para o sucesso perene na Terra e no céu. O sábio, portanto, é aquele que aprende a dedicar seu amor obe-
diente (fiel) ao Senhor (Jó 28.28; Pv 1.7; 9.10, conforme Gn 20.11; Sl 19.7-9; 112.1).
Capítulo 112
1 Este poema, um acróstico, descreve os caminhos de uma pessoa sábia, cujo coração verdadeiramente adora ao Senhor e
alegremente se submete a seus princípios, enquanto complementa o salmo 111, que discorre sobre os caminhos de Deus.
2 Aquele que deposita sua confiança e felicidade na vontade do Senhor também é contemplado com alegrias humanas ines-
peradas (1Rs 3.10-14; Mt 6.31-33). O justo e piedoso produz bênçãos para seus filhos, e ele mesmo poderá ser contemplado
com o reflexo dessas bênçãos em sua descendência (v.6; 37.26; 127.3-5; 128.3; 109.12). Fartura e riqueza são promessas que
acompanham aqueles que temem ao Senhor (v.9; 1.3,5; 128.2).
3 Nesta metáfora sobre as horas difíceis e os tempos de crise, a que todos os seres humanos estão sujeitos, o salmista ressalta
a fé daqueles que pertencem ao Senhor, para os quais as próprias circunstâncias adversas são oportunidades de serem ilumina-
dos e consolados e de experimentar o poder amoroso de Deus (Êx 34.6,7; Sl 107.10-14).
4 O grande segredo da felicidade é dar, com sabedoria e generosidade, em o Nome (em hebraico, indicação da presença
divina) do Senhor (v.9; 34.8-14; 111.5,9). Quem serve a Deus com sinceridade e obediência não precisa temer qualquer inquérito
humano.
5 Este é um versículo difícil de ser traduzido na atualidade, pois há um jogo de palavras envolvendo a expressão hebraica “chi-
fre” como sinônimo de “poder”, cujo sentido era baseado na atitude altaneira e dominadora dos touros selvagens. Seus grandes
e poderosos chifres eram um símbolo de poder e autoridade diante de todo o rebanho. Dessa imagem surgiu o termo “erguer a
fronte” ou “levantar a cabeça”. Veja a transliteração deste versículo, a partir do original hebraico: Pizar natan laevionim, tsidcato
omédet laad, carno tarum bechavod. Assim como as belas e frondosas árvores são podadas a fim de darem mais flores e frutos,
da mesma maneira se desenvolve e produz aquele que dá com generosidade (2Co 9.7).
6 As ambições naturais da humanidade estão na contra mão da vontade declarada de Deus, por isso, a inveja e a avareza
movem os corações na direção da perdição. Os salvos devem buscar o caminho da piedade e da generosidade rumo à plena
felicidade (107.42; 111.10; 1.4-6; 10.2-11 conforme o Sl 37).
Capítulo 113
1 No antigo Oriente Médio o nome de alguém revelava sua própria natureza e caráter. Os “servos do Senhor” são todos os crentes,
aqueles que aceitam com prazer e voluntariedade a chamada de Deus, como na oração de Neemias em favor do seu povo (Ne 1.10).
Várias fontes indicam que este hino foi composto originalmente para a liturgia no templo, em ato de adoração à sublime majestade e
115 SALMOS 113–115
que reina nas mais elevadas alturas, vós, colinas, como carneiros do rebanho?
6 mas se inclina bondosamente para con- 7 Estremece, ó terra, diante do Eterno, na
templar o que se passa nos céus e na terra?2 presença do Deus de Jacó!4
7 Ele levanta do pó o necessitado e ergue 8 Que converte as pedras em lago, e o ro-
do lixo o pobre, chedo em manancial de água.5
8 a fim de estabelecê-los como príncipes
do seu povo.3 O único Deus verdadeiro
9 Oferece uma família à estéril, e dela faz
uma feliz mãe de filhos. Aleluia! 115 Não a nós, SENHOR, nenhu-
ma glória a nós, mas, sim,
ao teu Nome, por teu amor e por tua
Os milagres no Êxodo fidelidade!1
114 Quando Israel deixou o Egito,
e a casa de Jacó se retirou do
meio de um povo de língua estranha,1
2 Por que questionam as nações: “Onde
está o seu Deus?”2
3 Nosso Deus está nos céus; tudo o que
2 Judá tornou-se o santuário de Deus, e deseja, Ele tem o poder de realizar.
Israel, o seu domínio.2 4 Os ídolos deles são prata e ouro, obras
3 À vista disso, o mar fugiu, o Jordão vol- de mãos humanas.
tou para trás; 5 Têm boca, mas não são capazes de falar,
4 os montes saltaram como cabritos, e olhos mas não podem ver;3
como carneiros do rebanho, as colinas.3 6 têm ouvidos, mas não conseguem ou-
5 Que tens, ó mar, que assim foges? E tu, vir; nariz, mas não possuem olfato.
Jordão, por que retrocedes? 7 Suas mãos não apalpam; seus pés não ca-
6 Montes, por que saltais como cabritos? E minham; som nenhum emite sua garganta.
misericórdia do Senhor (138.6). Este salmo inicia o chamado “Halel Egípcio” (Sl 113 a 118), que veio a ser usado na liturgia judaica
durante as grandes festas religiosas (Páscoa, Semanas, Tabernáculos, Lua Nova, Dedicação – Lv 23; Nm 10.10; Jo 10.22). Na Pás-
coa, por exemplo, os Sl 113 e 114 eram cantados antes das refeições, e os Sl 115 a 118 logo depois das ceias (Sl 111).
2 Jesus Cristo é o Deus transcendental e imanente: separado de nós por causa da sua justiça santa e imaculada, mas próximo e
sensível aos nossos sofrimentos e fraquezas, por meio do amor e da compaixão encarnada na pessoa do Filho (Hb 6.7-10). Jesus
experimentou as angústias humanas e venceu-as como Filho do Eterno Deus, Autor da nossa eterna Salvação e reconciliação
com Deus (2Co 5.18).
3 Todos os renascidos em Cristo são parte de um novo povo, formado de príncipes (1Pe 2.9).
Capítulo 114
1 Magnífica obra poética e um dos mais belos hinos de louvor e adoração a Deus no Saltério. Sua datação encontra-se no
período da monarquia, algum tempo depois da divisão do reino. Foi composto tendo em vista a celebração do Êxodo (o grande
acontecimento remidor do AT) e sua execução litúrgica no templo, durante as grandes festas religiosas que ocorriam de ano em
ano, em Israel ou Casa de Jacó (Êx 19.3; Sl 113).
2 Judá e Israel, os reinos do sul e do norte, são considerados aqui como uma única nação, povo de Deus. A comemoração princi-
pal foi a aliança firmada no Sinai, onde Israel passou a ter comunhão íntima com o Senhor como “um reino de sacerdotes e uma na-
ção santa” (Êx 19.3-6). Deus manifestava sua presença ao mundo, simbolicamente por meio do Tabernáculo, durante a peregrinação
no deserto, e mais tarde no Templo. A própria “Terra Prometida” é chamada figuradamente de “santuário de Deus” (Êx 15.17).
3 Assim como outros profetas, o salmista evoca uma cena de grandes transformações geológicas, abalos sísmicos e fenôme-
nos naturais, (18.7-15; 68.7,8; 77.16-19; Jz 5.4,5; Hc 3.3-10).
4 Jacó como sinônimo de Israel (Gn 32.28).
5 Assim, o Senhor zela pela preservação dos seus filhos, em meio às provações (Êx 17.6; Nm 20.11).
Capítulo 115
1 As bênçãos divinas e o zelo de Deus para com seu povo são decorrência da sua fidelidade (aliança eterna – 6.4; 26.3). O Senhor
é invisível, mas Todo-Poderoso, sensível e imutável. Os ídolos pagãos são bem visíveis, feitos em pedra, madeira ou metais, mas
absolutamente desprovidos de poder real e comunicação; cabendo aos demônios e ao próprio ser humano emprestar-lhes qualquer
sentido ou manifestação. O “Nome” do Senhor é sempre a indicação da presença divina, de sua pessoa gloriosa (5.11).
2 Sempre que os filhos de Deus são provados, ou a nação de Israel é submetida a castigos, por meio dos fenômenos naturais
(Jl 2.17), guerras e destruição de toda espécie, surgem os zombadores pagãos (79.10; Mq 7.10; Mt 24).
3 Quando o povo de Israel é abençoado com vitórias e prosperidade é Deus quem age; quando é castigado ou chora, o templo
do Senhor é nivelado ao chão, é Deus quem executa o juízo (113.5). Nenhum outro deus ou ídolo tem qualquer poder que se
compare à vontade soberana do Senhor Yahweh (o Nome de Deus em hebraico).
SALMOS 115, 116 116
8 Sejam como eles quem os fabrica e to- 2 Porque inclinou para mim seu ouvido e,
dos os que neles depositam confiança!4 portanto, enquanto eu viver, o invocarei.1
9 Confia no SENHOR, ó Israel! Ele é o seu 3 Os laços da morte me envolveram e,
auxílio e o seu escudo. surpreendido pelas tribulações do infer-
10 Confiai no SENHOR, ó casa de Arão! Ele no, encontrava-me em profunda angús-
é o seu socorro e sua proteção.5 tia e tristeza.
11 Vós, que temeis o SENHOR, confiai no SE- 4 Invoquei o Nome do SENHOR: “Ó, SE-
NHOR! Ele é seu amparo e segurança.6 NHOR, liberta-me!”
12 O SENHOR lembra-se de nós; Ele nos 5 O SENHOR é benevolente e justo, nosso
abençoará! Derramará suas bênçãos sobre Deus é misericordioso.
os israelitas, abençoará seus sacerdotes. 6 O SENHOR cuida das pessoas simples;
13 Ele abençoa os que temem o SENHOR, quando já não tinha mais forças, Ele me
tanto pequenos quanto grandes. salvou.2
14 O SENHOR vos multiplique bênçãos e 7 Volta, minha alma, ao teu repouso, por-
mais bênçãos, sobre vós e vossos filhos! quanto o SENHOR tem sido generoso para
15 Sede abençoados pelo SENHOR que fez contigo!
os céus e a terra. 8 Visto que me livraste da morte; das lágri-
16 Os céus são os céus do SENHOR, mas a mas, meus olhos, e meus pés, da queda,
terra, deu-a aos filhos de Adão!7 9 andarei na presença do SENHOR, na terra
17 Não estão os mortos a louvar o SENHOR, dos vivos.3
nem os que descem à região do silêncio. 10 Conservei a confiança, mesmo quando
18 Mas nós bendiremos o SENHOR, desde dizia: “Estou sobremodo aflito”.4
agora e para sempre. Aleluia! 11 Eu dizia em minha consternação:
“Ninguém é digno de confiança!”5
Ações de graças pela salvação 12 Como poderei retribuir ao SENHOR to-
116
orações.
Eu amo o SENHOR, porque Ele
ouve minha voz e as minhas
dos os seus benefícios para comigo?
13 Elevarei o cálice da salvação e invoca-
rei o Nome do SENHOR.6
4 São fúteis, vazios e iludidos, todos os que depositam sua fé em qualquer ser ou matéria criada, em vez de confiar absoluta-
mente em Deus, o Criador (135.15-18; Is 44.9-20; 46.1-7; Rm 1.23).
5 Algumas versões usam a expressão “sacerdotes” em vez de “casa de Arão”, pois os manuscritos em hebraico se referem aos
descendentes do primeiro sumo sacerdote, responsáveis por todas as obrigações sacerdotais.
6 As repetições poéticas seguem uma convenção litúrgica e enfatizam o convite para confiarmos plenamente no Senhor, e
jamais temermos ou alimentarmos superstições ou qualquer tipo de adoração aos ídolos (96.1-3; 118.2-4; 135.19,20). Nenhuma
descendência genética (v.9) ou ordenação sacerdotal (v.10) é suficiente para que uma pessoa venha a pertencer ao grupo dos
que “verdadeiramente temem ao Senhor” (Jo 4.24; 1Rs 8.41-43; Ed 6.21; Ne 10.28).
7 Doxologia final por parte da congregação reunida em louvor ao Senhor (vv.16-18).
Capítulo 116
1 O salmista repete sua declaração de amor e fé no Senhor nos vv. 13 e 17. Esse testemunho individual nos revela que a adora-
ção, antes de ser uma expressão coletiva, é o testemunho pessoal de cada crente que aprendeu a amar o Senhor, reconhecendo
a grandeza do seu amor leal e perdoador por todos nós (Rm 5.8). Invocamos o Nome do Senhor, na certeza de que ele nos ouve
sempre (1Rs 18.24).
2 A expressão “simples” aqui, tem o sentido de “semelhante a uma criança”, em sua fé e senso de dependência e confiança
no Pai (19.7).
3 Andar com Deus é viver em comunhão (amizade leal e confiante) com o Senhor (Gn 5.22; 17.1).
4 Mesmo sob as mais terríveis e persistentes provações, o crente expressa sua confiança no amor leal e salvador do Senhor
(5.9; 10.7; 109).
5 Somente o Senhor pode nos oferecer seu amor leal e livramento incondicional. Todos os seres humanos, ainda que os vínculos
afetivos sejam os mais íntimos, são limitados e oferecem uma esperança de real ajuda bastante frágil e relativa (60.11; 118.8,9).
6 O copo de vinho, que faz parte da refeição festiva de ações de graças, chamado de “cálice da salvação” (Lv 7.11-21; Sl
22.26-29); da Páscoa (e também da Ceia de Cristo), e que relembra o dia da libertação dos israelitas da escravidão no Egito, é,
também, para o cristão, o memorial e a celebração do dia em que o Filho de Deus salvou todo aquele que nele crê, por meio do
seu sacrifício vicário na cruz (Mt 26.27).
117 SALMOS 116–118
14 Cumprirei meus votos para com o SE- 5 Em meio à tribulação invoquei o SE-
NHOR na presença de todo o seu povo. NHOR, e o SENHOR me respondeu, pondo-
15 Custa muito ao SENHOR ver morrer me a salvo!
seus fiéis.7 6 O SENHOR está comigo, nada temerei! O
16 Ah! SENHOR, bem que sou teu servo. que podem me fazer os homens?
Sim, sou teu servo, filho de tua serva; 7 O SENHOR está comigo; Ele é meu aju-
livraste-me dos meus grilhões. dador. Verei a derrota dos meus adver-
17 Eu te oferecerei um sacrifício de ação de sários!
graças, invocando o Nome do SENHOR. 8 Melhor é refugiar-se junto ao SENHOR
18 Cumprirei meus votos para com o SE- do que depositar qualquer confiança na
NHOR, na presença de todo o seu povo, humanidade.
19 nos átrios da Casa do SENHOR, no seu 9 Melhor é buscar refúgio no SENHOR do
interior, ó Jerusalém. que confiar em príncipes!
Aleluia! 10 Todas as nações se uniram contra mim;
mas em Nome do Eterno as rechacei.
O mundo deve adorar a Deus 11 Cercaram-me por todos os lados, mas
7 A expressão hebraica literal “Para o Senhor preciosa é a morte dos seus fiéis” tem o objetivo de comunicar o extremo valor
que Deus atribui à alma de qualquer dos seus filhos (72.14; Fl 1.21).
Capítulo 117
1 Este é o salmo mais breve do Saltério (e o capítulo mais curto de toda a Bíblia também). É considerado uma espécie de
“Aleluia” expandido e conclusão vitoriosa da coletânea dos salmos 111 a 116. Todos os povos, raças, nações e culturas são
conclamadas a louvar o Nome (a presença) do Senhor (47.1; 67.3-5; 96.7; 98.4; 100.1).
2 Esta canção retoma o “Aleluia” final do Sl 116, para salientar que o maior motivo de louvor dos seres humanos está no amor leal
(no original hebraico: amor-e-fidelidade), com o qual Deus tem abençoado seu povo por toda a terra (3.7; 6.4; 36.5). Paulo faz ques-
tão de citar este salmo para lembrar aos gentios (todos os não judeus) que a salvação deles e de todas as pessoas da terra, assim
como a conseqüente glorificação universal do Senhor, fora planejada por Deus desde a fundação dos tempos (Rm 15.11; Is 11.10).
Capítulo 118
1 Um rei davídico dirige a nação numa liturgia de ações de graças por um grande livramento e vitória contra os ataques de uma
confederação de nações inimigas. Um hino de louvor e adoração é entoado alegre e responsivamente pelo povo, durante suas
procissões solenes para a Casa de Deus (2Cr 20.27,28; Ed 6.16; Ne 12.37-43; Sl 113). Este, inclusive, pode ter sido o hino cantado
por Jesus e seus discípulos, após a Última Ceia (Mt 26.30).
2 A expressão hebraica original “a casa de Arão” refere-se aos “sacerdotes” (v.3). Aqui temos uma convocação litúrgica geral,
a todos os grupos de crentes, para proclamarem seu louvor ao Senhor (vv.2-4; 115.9-11). A tríplice repetição é característica
poética de alguns salmos (96.1-3).
3 Testemunho vivo, não apenas de Moisés e do rei Davi, mas de todo o povo de Israel que, ao longo da História tem sido cerca-
do e ameaçado por vários inimigos. Jamais foi totalmente destruído, e sempre assistiu aos poderosos e maravilhosos livramentos
providos pelo amor leal e redentor de Deus (Êx 15; Is 12.2).
SALMOS 118, 119 118
4 A expressão “os justos” refere-se idealmente ao povo de Israel em geral (judeus e gentios que amam e servem ao único e ver-
dadeiro Deus – Yahweh ). Este é o testemunho dos que vivem na Casa de Deus (v.15), pois receberam a salvação (livramento) do
Senhor em suas próprias vidas (v.16) e, portanto, têm a certeza de estar caminhando para a vida eterna (v.17). Sabem, contudo,
reconhecer quando são disciplinados e corrigidos pelo Senhor (sempre para a vida), a fim de que seus corações se mantenham
humildes e obedientes ao Pai (v.18; 6.1; 38.1; 94.12; Dt 4.36; 8.5).
5 O grande cortejo dos adoradores começava fora da Cidade Santa, e o salmista refere-se às portas de Jerusalém, pelas quais
deveriam passar “os justos” (perdoados e salvos pelo Senhor). A procissão litúrgica aproximava-se do pátio interior do templo,
entoando hinos de louvor a Deus (24.7; Is 26.2). O v.20 pode ser assim transliterado, a partir dos originais hebraicos: Zé hasháar
ladonai, tsadikim iavôu vo.
6 Uma referência ao rei de Israel, que havia sido rejeitado e ridicularizado por reis mundanos que invadiram seus domínios. A ex-
pressão hebraica original “pedra angular” significa, literalmente, “cabeça de esquina” ou “pedra principal”, usada para ancorar e
alinhar a esquina de uma grande parede. Os vv.22 e 23 podem ser assim transliterados: Éven maassu habonim, haieta lerosh pina.
Meet Adonai háita zot, hi niflat beenênu. O salmista faz um jogo de palavras, criando uma metáfora para a expressão “cabeça”, ou
seja, “governante ou principal líder” (Is 19.13; Jz 20.2; 1Sm 14.38). O povo de Israel, desprezado por diversos impérios, por ser
uma nação pequena, e pelos filósofos pagãos, por ser um povo considerado de mente fechada (por crer em apenas um Deus), é
a parte mais gloriosa do magnífico edifício das realidades espirituais. Jesus Cristo aplicou esta passagem (vv.22 e 23) como profe-
cia sobre sua própria pessoa e obra, bem como sobre sua Igreja (Mt 21.42; Mc 12.10,11; Lc 20.17; At 4.11; Ef 2.20; 1Pe 2.7).
Capítulo 119
1 Este é um dos poucos salmos compostos como obra literária, para leitura e meditação, mais do que peça musical. O
salmista escreveu com o objetivo de ministrar instrução sacerdotal na prática da piedade e devoção religiosa (vv.23,57). O
autor foi um sacerdote israelita, pós-exílico, absolutamente convencido quanto à verdade e magnificência da Palavra de Deus
como Palavra da Vida. Diante do esplendor da Palavra, o salmista reconhece seu coração errante e agradece pelos castigos
e repreensões do Senhor, sem os quais, a natural arrogância humana não lhe teria permitido receber a graça de Deus para
compreender a Verdade. O salmo é acróstico, isto é, cada grupo de oito versículos segue uma letra do alfabeto hebraico (Alef,
Bet, Guimel, até Tav). Enquanto outros salmos destacam os atos poderosos de Deus na criação e na redenção, bem como
seu pleno poder (soberania), aqui o tema dominante é a total fé e devoção ao Deus da Palavra. O autor ressalta dois aspectos
dessa Palavra: os mandamentos de Deus para a vida e as promessas do Senhor – que pedem dos seus adoradores (crentes),
fé e obediência (os dois princípios da verdadeira piedade – 34.8-14). O salmista faz uso de vários termos hebraicos, todos
relativos às diretrizes e à Lei de Deus: torah ou torá (Lei); ‘edot (estatutos, prescrições, testemunhos); piqqudim (preceitos);
mitswot (mandamentos); mishpatim (ordenanças, decisões); huqqim (decretos) davar (palavra);´imarah (promessa). Este ver-
sículo pode ser assim transliterado, a partir dos originais hebraicos: Álef – Ashrê temimê dárech, haholechim berotat Adonai.
Alef é a primeira letra do alfabeto hebraico (alefbets, com 22 letras), cujo som corresponde à nossa letra “A”, e é usada também
para representar o valor numérico 1. Entretanto, as civilizações ocidentais modernas adotaram alfabetos compostos por letras
romanas e algarismos arábicos. Os acentos massoréticos (pontinhos e outros sinais gráficos e vocálicos ao redor das con-
soantes hebraicas) foram criados somente por volta do séc.VII d.C. Até então, a língua hebraica era estritamente consonantal
(sem qualquer vogal ou acento gráfico).
119 SALMOS 119
qüidades, seguem seus caminhos no SE- 19 Sou um peregrino sobre a terra: não
NHOR.2 ocultes de mim teus mandamentos!
4 Promulgaste teus preceitos, para que 20 Minha alma se consome, desejando as
sejam observados com diligência. tuas ordenanças para cada instante.
5 Tomara se firme minha conduta, para 21 Ameaçaste os soberbos, os malditos,
que eu observe teus decretos!3 que de teus mandamentos se desviam.
6 Então, não terei de me envergonhar, se fi- 22 Livra-me da afronta e do desprezo,
car atento a todos os teus mandamentos. pois obedeço às tuas orientações.
7 Vou louvar-te com coração reto, ao 23 Mesmo que os príncipes se assentem
aprender tuas justas decisões. para conspirar contra mim, ainda assim o
8 Observarei os teus decretos: não me teu servo refletirá sobre os teus decretos.
abandones de todo! 24 Tuas ordenanças fazem as minhas delí-
Bet cias, são minhas conselheiras.
9 Como pode um jovem conservar puro Dalet
o seu caminho? Vivendo-o de acordo 25 Minha alma está abatida até o pó: rea-
com a tua Palavra.4 nima-me, segundo tua Palavra!6
10 De todo o coração eu te procurei: não 26 A ti relatei todas as minhas atitudes, e Tu
deixes que me afaste de teus manda- me respondeste. Ensina-me teus decretos!
mentos! 27 Faze-me discernir o caminho de teus
11 Em meu coração conservei tua pro- mandamentos, e meditarei em tuas ma-
messa para não pecar contra ti. ravilhas.
12 Bendito sejas, SENHOR! Ensina-me teus 28 Minha alma se consome na tristeza:
decretos! reergue-me, segundo a tua Palavra!
13 Com meus lábios tenho enumerado 29 Afasta-me do caminho enganoso, e
todas as decisões de tua boca. favorece-me com tua Lei.
14 No caminho de tuas prescrições encon- 30 Escolhi o caminho da felicidade, colo-
trei alegria, como em grandíssima fortuna. quei diante de mim as tuas decisões!
15 Em teus preceitos quero meditar, e fi- 31 Mantenho-me apegado às tuas orde-
car atento às tuas veredas. nanças: SENHOR, não me deixes passar
16 Encontro minhas delícias em teus de- vergonha!
cretos; não me esqueço de tua Palavra. 32 Corro pelo caminho de teus manda-
Guimel mentos, pois me alargas o coração.
17 Em tua misericórdia acolhe teu servo, He
para que eu viva e obedeça à tua Palavra!5 33 SENHOR, indica-me o caminho de teus
18 Abre meus olhos para que veja as ma- decretos, e a eles obedecerei até o fim.7
ravilhas que resultam de tua Lei. 34 Dá-me entendimento, para que eu
2 Bem-aventurados ou muito felizes são expressões que têm seu pleno significado na pessoa e obra de Jesus Cristo (Mt 5.1-12).
Os estatutos ou prescrições do Senhor, referem-se ao termo hebraico‘edot, expressão ligada à aliança de Deus, cujo sentido está
associado às estipulações determinadas pelo Senhor (Dt 4.45; Sl 4.7; 25.10).
3 Devemos almejar uma vida pura para compreender bem a Palavra de Deus; e obedecer a essa Palavra, para desfrutar de uma
vida plena. Os conselhos de Deus são imutáveis (Dt 6.2; 28.15,45; 30.10,16; 1Rs 11.11).
4 Uma pergunta vital e uma resposta infalível aos jovens de todas as épocas, segundo o estilo sapiencial dos mestres e sacerdo-
tes judaicos. Bet é a segunda letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 2 e corresponde à nossa letra “B” (vv.9-16).
5 Os melhores conselhos devem ser buscados em oração e na leitura atenta da Bíblia. Guimel é a terceira letra do alfabeto
hebraico, tem valor numérico 3 e corresponde à nossa letra “G” (vv.17-24).
6 A verdadeira oração ao Senhor não é apenas uma reza repetitiva ou um mantra sem fim, mas o abrir sincero do mais íntimo
do coração em diálogo com o Pai ( Abba, em aramaico, a forma como Jesus se referia a seu Pai – Mc 14.36), ou seja, expor
perante o Senhor “nossos caminhos” e aceitar dele as orientações de que necessitamos. A vida espiritual tem por princípio uma
escolha pessoal, livre, decidida e irrevogável (Ez 18.27,28; Jr 9.23-24). Dalet é a quarta letra do alfabeto hebraico, tem valor
numérico 4 e corresponde à nossa letra “D” (vv. 25-32).
7 Somente uma pessoa verdadeiramente convertida ao Senhor pode compreender a alegria inefável de obedecer à Palavra
de Deus e assim glorificar seu Nome (1Co 9.19-23). Esse foi o principal pedido do maior de todos os reis da terra, Salomão (1Rs
SALMOS 119 120
observe a tua Lei e a guarde de todo o 47 Encontro todo o prazer em teus man-
coração! damentos; eu os amo sinceramente.
35 Encaminha-me na senda de teus man- 48 Levanto as mãos para teus manda-
damentos, pois nela encontro meu pleno mentos, que muito amo, e meditarei em
prazer. teus decretos.
36 Inclina meu coração para os teus esta- Zayin
tutos e não para a ganância! 49 Lembra-te da tua Palavra ao teu servo,
37 Desvia meus olhos do fascínio da ilu- pela qual me encheste de esperança!9
são, faze-me viver em teu caminho. 50 Isto me consola na minha aflição: que
38 Mantém com teu servo a tua promessa tua promessa me vivifica.
feita aos que te temem! 51 Os arrogantes zombam de mim o tem-
39 Desvia o insulto que me amedronta, po todo, mas eu não me desvio da tua Lei.
pois são boas as tuas ordenanças. 52 Lembrei-me, SENHOR, de tuas decisões
40 Como anseio pelos teus preceitos! Pre- de outrora, e fiquei consolado.
serva a minha vida, por tua justiça. 53 Arrebatou-me a indignação contra os
Vav ímpios que abandonaram tua Lei.
41 Venham sobre mim, SENHOR, os dons 54 Teus decretos tornaram-se meus cânti-
do teu amor; tua salvação, segundo a tua cos, na casa onde vivo como migrante.
promessa!8 55 Durante a noite lembro-me do teu
42 Então terei como responder àqueles que Nome, SENHOR, e faço guarda à tua Lei.
me afrontam, pois confio em tua Palavra. 56 Este tem sido meu estilo de vida: obe-
43 Jamais me tires da boca a palavra da decer aos teus preceitos!
verdade, pois espero em tuas ordenanças! Het
44 Cumprirei, sem cessar, a tua Lei para 57 Tu és minha herança, SENHOR; prometi
todo o sempre. obedecer à tua Palavra!10
45 Andarei em verdadeira liberdade, por- 58 De todo o coração suplico o teu favor:
quanto tenho buscado os teus preceitos. sê-me propício, de acordo com a tua pro-
46 Diante de reis falarei dos teus testemu- messa!
nhos sem ficar envergonhado! 59 Refleti sobre os meus caminhos, e vol-
3.6-15). Entretanto, a “cobiça” foi o pecado que motivou Eva e seu marido Adão a quebrarem sua parte na aliança com Deus e
prejudicarem toda a raça humana, pela desobediência explícita à vontade declarada do Senhor (Gn 3.1-7; Js 7.1-12; Tg 1.13-15).
Junto à “cobiça” (v.36) e à vida libertina dos soberbos (v.21), nasce a “arrogância”, que é a luta frenética do “Eu” contra “Deus”.
A promessa de Deus é cumprida plenamente em Jesus Cristo (89.26-37; 130.4; 2Sm 7.25,26; 1Rs 8.39,40; Jr 33.8,9; Hb 1.1-5).
He é a quinta letra do alfabeto hebraico, pode ser utilizada como artigo definido (o,a,os,as), tem valor numérico 5 e corresponde
à nossa letra “H” (vv.33-40).
8 O salmista demonstra como devemos buscar ao Senhor de todo o coração: suplicando, antes de tudo, para que a miseri-
córdia e o poder da sua Palavra sejam sempre bênçãos presentes em nossas vidas. A presença de Deus (seu Nome) na vida do
crente lhe concede coragem e santa ousadia, até mesmo diante dos insultos dos maiores adversários (At 4.19-20; Jo 7.17; 1Pe
2.6; 3.14,15). A expressão “liberdade” pode ser aqui traduzida literalmente por “um espaço amplo”. É um grave erro imaginar que
ao obedecer verdadeiramente à Palavra corre-se o risco de estreitar a capacidade analítica e criativa. Em Cristo gozamos a ple-
nitude da liberdade (Gl 5.1). O crente jamais será escravizado ou derrotado pela aflição ou opressão (v.45; 18.19). Vav é a sexta
letra do alfabeto hebraico, pode ser usada como vogal (o,u) ou como conjunção (e), tem valor numérico 6 e corresponde à nossa
letra “V” (vv.41-48). Alguns hebraístas transliteram essa letra como “Vav”, o que permitiu a certos pesquisadores afirmar que o
último e mais terrível anticristo (Ap 13.18) seria a rede mundial de computadores, conhecida como “internet” ou World Wide Web.
Dedução obtida a partir da simples tradução do valor numérico de cada letra “Waw” ou “Vav” (www ou 666). Entretanto, o número
misterioso relatado em Apocalipse é seiscentos e sessenta e seis, formado por diferentes letras hebraicas ou gregas.
9 Na Palavra de Deus encontramos todo o consolo e direção de que necessitamos, sejam quais forem as circunstâncias à
nossa volta (Hb 6.12). Nem mesmo a morte tem poder sobre a vida do crente (v.50; Ef 2.1; 1Pe 1.23). Satanás e seus adeptos
sempre se utilizam do sarcasmo e das zombarias para tentar desviar o crente de sua devoção ao Senhor (v.51; At 17.18). A vida
na terra é considerada como breve peregrinação e morada em tenda frágil, mas, para quem deposita sua fé no Senhor, a vida
é um perpétuo hino de louvor e vitória (2Co 2.14; 5.1-4) Zayin é a sétima letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 7 e
corresponde à nossa letra “Z” (vv.49-56).
10 Deus (Yahweh – Jeová) se dá, ao crente, na pessoa de Jesus Cristo, a fim de ser o cumprimento perpétuo da nossa herança
121 SALMOS 119
(1Pe 3.4). A Palavra de Deus é o verdadeiro espelho no qual podemos ver refletidos nossos mais íntimos pensamentos e desejos
(v.62; Tg 1.23-25) x Het é a oitava letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 8, e seu som gutural (produzido na garganta)
corresponde ao nosso dígrafo aquele “RR” (vv.57-64).
11 Enquanto a absoluta confiança na Palavra de Deus nos leva à verdadeira e perene sabedoria, as aflições (provações) fazem
nosso coração maleável aos desígnios do Senhor (v.58; 4.7). A ambição do justo é conquistar os valores eternos (73.26; Mt 6.19-
21). Tet é a nona letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 9 e corresponde à nossa letra “T” (vv.65-72).
12 O salmista nos exorta a reconhecer humildemente que aquele que nos criou tem todo o direito e poder de nos moldar à sua
vontade. Portanto, o Senhor repreende e castiga todos aqueles que adota como filhos amados (51.4; 2Co 7.10; Hb 12.4-11). Deve
haver uma fraterna comunhão entre todos aqueles que amam a Palavra de Deus em todo o mundo (At 2.42). Yud é a décima
letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 10 e corresponde à nossa letra “Y” (ou “i”). É a menor das 22 letras que compõem
o alfabeto hebraico, e por se tratar de um pequeno traço gráfico; servindo às vezes, como vogal, Jesus usou-a para enfatizar o
total cumprimento de toda a Palavra de Deus na História (vv.73-80; Mt 5.18).
13 Mesmo enfrentando as mais adversas situações e enfermidades cruéis, o crente confia que a Palavra de Deus que lhe garante
a graça e a misericórdia do Senhor jamais se extinguirão e que a felicidade eterna é seu destino final (Sl 83; Hb 2.11-12; Jo 10.10). A
profecia contida neste salmo revela que Jesus Cristo, o Messias, foi vítima da falsidade e das armadilhas dos próprios mestres da Lei
de seu tempo (v.85; Mc 12.13; Êx 20.16). Quando a causa é justa, é legítimo e oportuno pedir a intervenção e o livramento divino.
Kaf é a décima primeira letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 20, e corresponde à nossa letra “K” (vv.81-88).
SALMOS 119 122
truíram armadilhas para mim: eles não quanto estão sempre comigo.
respeitam a tua Lei. 99 Tornei-me mais perspicaz que todos
86 Todos os teus mandamentos são fide- os meus mestres, pois meditei em tuas
dignos: ajuda-me contra os que, injusta- prescrições.
mente, me perseguem! 100 Tenho mais discernimento que os an-
87 Por pouco não me eliminaram da terra, ciãos, pois obedeço aos teus preceitos.
eu, porém, não abandonei teus preceitos. 101 Desviei meus pés de todas as trilhas
88 Segundo o teu amor, reanima-me para do mal para guardar a tua Palavra!
que eu observe a instrução que procede 102 Não me afasto de tuas ordenanças,
de tua boca! pois tu mesmo me ensinas.
Lamed 103 Quão doces são os teus decretos ao meu
89 Para sempre, SENHOR, está firmada a paladar! Mais que o mel à minha boca.
tua Palavra nos céus.14 104 Graças aos teus preceitos tenho en-
90 Tua fidelidade dura de geração em ge- tendimento; por isso, detesto todos os
ração: estabeleceste a terra, e ela perma- caminhos da mentira!
nece; Nun
91 por tuas decisões permanecem até hoje, 105 Tua Palavra é lâmpada que ilumina
pois o Universo está a teu serviço. os meus passos e luz que clareia o meu
92 Se tua Lei não fosse o meu maior pra- caminho!16
zer, o sofrimento já me teria consumido! 106 Fiz um juramento, e o confirmo: obe-
93 Jamais esquecerei os teus preceitos, pois decerei às tuas justas ordenanças.
por eles me fizeste reviver. 107 Estou extremamente aflito: vivifica-
94 Salva-me, pois a ti pertenço e tenho me, SENHOR, segundo a tua Palavra!
procurado os teus preceitos! 108 Aceita, SENHOR, as ofertas de louvor de
95 Os ímpios estão à espreita para des- minha boca e ensina-me os teus juízos.
truir-me, mas eu estou atento aos teus 109 A minha vida está sempre correndo
testemunhos! perigo, mas não me esqueço da tua Lei.
96 Compreendi que toda perfeição tem 110 Os ímpios armaram-me uma cilada,
limite; entretanto, não há limite para a mas não me desviei de teus preceitos.
tua Lei, cuja grandeza é infinita! 111 Tuas prescrições serão sempre minha
Mem herança; elas são a grande alegria do meu
97 Quanto amo a tua Lei! Sobre ela reflito ser!
o dia inteiro!15 112 Inclinei todo o meu coração a cumprir
98 Os teus mandamentos me fizeram teus decretos para sempre, até o fim.
mais sábio que meus adversários, por- Samek
14 A Palavra de Deus, soberana e imutável, governa e mantém todo o Universo e a criação sob seu atento cuidado. Essa Palavra
(o Logos divino), mediante a qual Deus sustenta e dirige o mundo e tudo o que existe é eterna e fidedigna (v.90). Essa é a verdade
maior que garante ao crente sua confiança nas leis e promessas do Senhor (19.1-4; 33.4,6; 93.5; 96.10; 107.20; 147.15,18)
Lamed é a décima segunda letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 30 e corresponde à nossa letra “L” (vv.89-96).
15 A busca desesperada e frenética da Filosofia, na busca da razão da existência humana e do absurdo da vida, só encontra
verdadeira e plena solução na Palavra de Deus. Todos aqueles que podem reagir afirmativamente a esta seção (vv.97-104)
demonstram que já resolveram essa questão em suas existências e passaram da morte para a vida eterna. Os “anciãos” eram
homens de idade avançada, experientes na vida e, especialmente, na aplicação prática e cotidiana da Palavra de Deus em suas
atitudes e relacionamentos (v.102; Is 50.4-5). A verdadeira vida devocional é amar a Deus de todo o coração e meditar em sua
Palavra (no original hebraico “leis ou decretos” – v.103) Mem é a décima terceira letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico
40, e corresponde à nossa letra “M”.
16 Quando as maiores glórias humanas voltam ao pó, permanece gloriosa a Palavra de Deus (Is 40.6-8). O sacrifício da obe-
diência lúcida, sincera e voluntária que produz o verdadeiro louvor e ações de graças é mais valioso do que todas as oferendas,
cultos e ritos. É o sacrifício do próprio “Eu” em devoção ao Senhor (Hb 13.15). O mundo é articulado por Satanás, seus demônios
e correligionários, no sentido de levar o maior número de pessoas ao pecado e à morte (v.110; 1Pe 5.8-9). Viver em comunhão
eterna com o Senhor é o destino (legado, herança) dos escolhidos, daqueles que acolhem o dom da graça divina (v.111) Nun é
a décima quarta letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 50, e corresponde à nossa letra “N” (vv. 105-112).
123 SALMOS 119
113 Detesto os inconstantes, mas amo a 125 Sou teu servo: dá-me discernimento,
tua Lei.17 para que eu conheça as tuas prescrições!
114 Tu és o meu abrigo e o meu escudo; 126 Já é tempo de agires, SENHOR, pois a
e na tua Palavra deposito toda a minha tua Lei está sendo desrespeitada.
esperança! 127 Por isso amo teus mandamentos mui-
115 Afastai-vos de mim, malfeitores! Que- to mais que o ouro purificado.
ro obedecer aos mandamentos do meu 128 Por isso considero totalmente retos
Deus! todos os teus preceitos e detesto todas as
116 Sustenta-me de acordo com a tua trilhas da falsidade!
promessa, e eu viverei; não permitas que Pê
as minhas esperanças sejam frustradas! 129 Os teus testemunhos são admiráveis;
117 Ampara-me, e estarei seguro! Sempre por isso minha alma a eles obedece com
estarei atento aos teus decretos. alegria.19
118 Repudias todos os que se desviam de 130 A exposição das tuas palavras ilumina
teus ensinamentos, porquanto vivem em e dá entendimento aos inexperientes!
mentira e falsidade. 131 Abro a boca e suspiro, ansiando por
119 Reduziste a escória todos os ímpios teus ensinamentos.
da terra; por isso amo os teus decretos! 132 Volta-te para mim e tem misericór-
120 Por temor de ti, minha carne estre- dia de mim, como sempre fazes aos que
mece, e eu temo as tuas ordenanças. amam sinceramente o teu Nome!
Ayin 133 Firma meus passos em tua promessa e
121 Tenho vivido com justiça e retidão; não permitas que mal algum me domine!
não me abandones nas mãos dos meus 134 Livra-me da opressão dos homens,
adversários!18 para que eu guarde teus preceitos!
122 Garante o bem-estar do teu servo; não 135 Que tua face se ilumine sobre o teu
permitas que os arrogantes me oprimam. servo, e ensina-me os teus decretos!
123 Os meus olhos fraquejaram, aguar- 136 Meus olhos vertem torrentes de lágri-
dando a tua redenção e o cumprimento mas, por não se guardar a tua Lei.
da tua promessa de justiça. Tsade
124 Trata, pois, o teu servo, conforme o teu 137 Justo és, ó SENHOR, e corretas são to-
amor leal, e ensina-me os teus decretos. das as tuas decisões!20
17 O ser humano perdeu a capacidade de, naturalmente, caminhar com Deus, fazer o bem e cumprir a verdade (Gn 3). Esse
dom é restituído e ministrado apenas àqueles que aceitam, sinceramente, em seus corações, a graça salvadora do Senhor (Rm
7). A rejeição dos malignos é como a depuração do ouro, pelo fogo: o ouro fica mais puro e valioso, e a escória é abandonada
(Mt 13.24-43). Samek é a décima quinta letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 60 e corresponde à nossa letra “S”
(vv.113-120).
18 Como é difícil encontrarmos um fiador idôneo hoje em dia. Nosso maior fiador é Jesus Cristo que pagou nosso resgate com
o valor do seu sangue na cruz (1Jo 2.1,2). A única medida de justiça que o crente pode pedir é a graça divina: o favor de Deus,
não merecido. Os profetas do Senhor são unânimes em afirmar que se aproxima o Dia do Senhor, no qual a justiça de Deus será
plenamente vindicada (Ap 6.16,17). Ayin é a décima sexta letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 70, e não tem um som
característico, pois de fato não é lida, apenas serve de apoio para a vogal que normalmente a acompanha (vv.121-128).
19 A expressão “os inexperientes”, traduzida em algumas versões como “simples”, refere-se às pessoas cujos corações, do-
tados de humildade por Deus, são ensináveis (têm desejo de aprender). Jesus falava, por parábolas, com as crianças de seu
tempo e elas o compreendiam bem (Lc 18.17). Se contemplarmos, pela fé, a face do Senhor, seremos transformados para viver
de acordo com sua vontade (2Co 3.18). Pê é a décima sétima letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 80, e corresponde
à nossa letra “P” (vv.129-136).
20 Deus é leal, em seu amor, e absolutamente infalível, em sua justiça. Portanto, todas as suas promessas se cumprirão ca-
balmente ao longo da História, conforme sua boa vontade e soberania (Hb 6.17-19). Foi o zelo pela Casa de Deus (que habita o
corpo dos crentes e, conseqüentemente, a Igreja de Cristo), que levou Jesus a enfrentar os teólogos e religiosos de seu tempo
(mestres fariseus) e, mais tarde, entregar-se a eles em sacrifício por toda a humanidade (v.139; Jo 2.13-22). O cuidado com a pu-
reza e a santidade da Igreja era o fardo mais pesado e extenuante que o apóstolo Paulo carregava todos os dias (2Co 11.28-29).
Mesmo que sejamos ou possamos nos sentir pequenos como Davi, é possível – pela fé e em o Nome do Senhor – vencer as maio-
res batalhas (v.141; 1Sm 17.41-51). Feliz é a pessoa que ama e confia na Palavra de Deus na hora das mais terríveis angústias e
SALMOS 119 124
138 Promulgaste com justiça as tuas pres- 151 Entretanto, tu estás perto de mim, SE-
crições; e com plena fidelidade. NHOR, e todos os teus mandamentos são
139 Meu zelo me consome, pois os meus verdadeiros!
adversários desdenham das tuas pala- 152 De tuas determinações sei, desde mui-
vras. to, que as estabeleceste para sempre!
140 A tua promessa foi absolutamente com- Resh
provada, e, por esse motivo, o teu servo a 153 Vê minha aflição e liberta-me, pois
ama. não me esqueci de tua Lei.22
141 Sou insignificante e desprezado, con- 154 Advoga minha causa e defende-me;
tudo não esqueci teus preceitos. vivifica-me, segundo a tua promessa!
142 Tua justiça é justiça eterna, e a tua Lei 155 A salvação está longe dos ímpios, por-
é a verdade! que eles não buscam os teus decretos.
143 Sobrevieram-me angústia e tribula- 156 SENHOR, copiosa é a tua compaixão:
ção; todavia teus mandamentos são mi- vivifica-me, segundo as tuas decisões!
nha delícia. 157 Numerosos são meus perseguidores e
144 As tuas prescrições são justiça eterna: adversários, mas não me afastei de tuas
dá-me discernimento para que eu tenha prescrições.
vida! 158 Vi traidores da fé e senti desgosto,
Qof porque não guardavam a tua promessa.
145 Clamo de todo coração: responde- 159 Vê quanto amo os teus preceitos: vi-
me, SENHOR! Quero obedecer a teus de- vifica-me, SENHOR, segundo o teu amor!
cretos.21 160 O princípio de tua Palavra é a ver-
146 Clamo a ti: salva-me, para que eu possa dade, e todas as tuas justas decisões são
observar as tuas prescrições! para sempre.
147 Antes da aurora me levanto para su- Shin
plicar o teu auxílio; em tua Palavra depo- 161 Príncipes perseguiram-me sem moti-
sito toda a minha esperança! vo; mas é da tua Palavra que o meu cora-
148 Fico acordado nas vigílias da noite, a ção sente reverente temor.23
fim de refletir sobre as tuas promessas. 162 Encontrei alegria em tua promessa,
149 Ouve as minhas orações por teu amor como quem encontra grande tesouro.
leal; ajuda-me a viver, SENHOR, de acordo 163 Detesto e abomino a falsidade, mas
com as tuas ordenanças. amo profundamente a tua Lei.
150 Aproximam-se esses infames, meus per- 164 Louvo-te, sete vezes ao dia, por tuas
seguidores, que se afastaram da tua Lei. justas ordenanças.
sofrimentos; o céu e a vida eterna serão sua herança e glória (vv. 24,77,143). Tsade é a décima oitava letra do alfabeto hebraico,
tem valor numérico 90, e seu som corresponde ao nosso “TZ”, pronunciado com a língua junto aos dentes frontais (vv.137-144).
21 À medida que o salmo se aproxima de sua conclusão, as súplicas por livramento (salvação) tornam-se mais evidentes e
dominantes. A única fonte da verdadeira ética e moralidade é a Palavra de Deus (v.150; Jo 10.35). Qof é a décima nona letra do
alfabeto hebraico, tem valor numérico 100, e corresponde à nossa letra “Q” (vv.145-152)
22 Quem se dedica a meditar na Palavra de Deus sabe como falar com o Senhor (v.153). Tudo o que pedirmos em o Nome de
Jesus nos será feito; isso significa: pedir o que Jesus pediria ao seu Pai nesse momento e em seu lugar (Jo 14.13). A expressão
original “em o Nome” tem o sentido da “própria presença excelsa do Espírito de Deus”. Os ímpios, todos que rejeitam a men-
sagem de salvação expressa na Bíblia, estão alienados de qualquer possibilidade de perdão e resgate divino (2Co 6.2). Deus
criou o Universo e a humanidade por meio da sua Palavra (o Logos eterno, Jesus Cristo). A verdade da Bíblia tem seu paralelo
na estrutura do Universo (Gn 1.3-9; Jo 1.1-3; Hb 1.3). Resh é a vigésima letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 200, e
corresponde à nossa letra “R”, pronunciada por meio do tremer da língua entre os dentes (vv.153-160).
23 Se aprendermos a pontuar nosso dia-a-dia com pequenos momentos de louvor e ações de graças (um cântico, uma peque-
na oração, um breve meditar com sentimento de sincera adoração ao Senhor), compreenderemos muito melhor o que significa
andar com Deus e manter comunhão com o Espírito Santo (v.23; 4.7). Paz e segurança pertencem àqueles que depositam toda a
sua fé nas mãos do Senhor (Mt 28.20). Shin é a vigésima primeira letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 300, e corres-
ponde às nossas letras “SH”, soando com o efeito sonoro de “X”, como em nossa palavra “Xícara”. Essa letra tem uma variação
chamada Sin, de mesmo valor numérico, cujo som corresponde ao nosso “S”, como na palavra “Sopa” (vv.161-168).
125 SALMOS 119, 120
165 Grande paz têm os que amam a tua 176 Eu, como ovelha desgarrada, me des-
Lei: para eles não há tropeço! viei e me perdi: vem em busca de teu
166 Espero de ti, SENHOR, a salvação, e pra- servo, pois jamais me esqueci dos teus
tico os teus mandamentos. mandamentos!
167 A minha alma tem observado as tuas
orientações; e amo-as ardentemente. Oração contra os maldizentes
168 Obedeço a todos os teus preceitos e Cântico de peregrinação.1
testemunhos, pois conheces todos os meus
pensamentos!
Tav
120 Em minha aflição invoquei o SE-
NHOR, e Ele me respondeu.2
2 SENHOR, livra-me dos lábios caluniado-
169 Que meu clamor chegue à tua presen- res, da língua mentirosa e traiçoeira!3
ça, SENHOR: concede-me entendimento, 3 O que te dar em paga, o que te retribuir
de acordo com a tua Palavra!24 em dobro, ó língua pérfida?
170 Que minha súplica chegue à tua pre- 4 Contudo, Ele a castigará com as flechas
sença: livra-me, segundo a tua promessa! afiadas de um guerreiro, com brasas in-
171 Que meus lábios proclamem teu lou- candescentes de sândalo.4
vor, pois me ensinas teus decretos. 5 Infeliz de mim que vivo como forastei-
172 Cante minha língua tua promessa, pois ro em Meseque, que habito entre as ten-
todos os teus mandamentos são justos. das de Quedar!5
173 Venha tua mão em meu socorro, pois 6 Tenho passado tempo demais entre os
escolhi teus preceitos. que odeiam a paz.
174 Anseio por tua salvação, SENHOR, e tua 7 Sou um homem de paz; no entanto,
Lei é meu maior prazer! ainda que insista em falar de paz, eles
175 Viva minha alma para te louvar, e tuas preferem engendrar violências e bruta-
ordenanças me sustentem. lidades.
24 Deus havia prometido, na Antigüidade, que Ele mesmo falaria e ensinaria a seus filhos sobre o Caminho que deveriam seguir.
Essa profecia se cumpre com a vinda de Cristo e, mais tarde, com o envio do Espírito de Deus para habitar no coração de todo
crente sincero (Is 54.13; Jo 10.1-18, conforme Lc 15.4-7). O salmista reconhece que, apesar de toda a sua dedicação à Palavra de
Deus, repetidas vezes desgarrou-se para outros caminhos (todos enganosos e de perdição – Is 53.6) e, como ovelha fraca, cega
e perdida, somente poderia ser trazido de volta ao aprisco pelas mãos fortes e generosas do Pastor celestial. Não há lugar mais
seguro e aconchegante que a Casa do Pai eterno, e sua Palavra está sempre apontando para o bom e verdadeiro Caminho (Lc
15.11-32). Tav é a vigésima segunda e última letra do alfabeto hebraico, tem valor numérico 400, e sua pronúncia corresponde
à da nossa letra “T” (vv.169-176).
Capítulo 120
1 Os salmos 120 a 134 formavam uma espécie de “hinário de bolso”, muito apreciado e intitulado “Cânticos de Romagem ou
Peregrinação”. São breves peças poéticas e musicais, sobre variados assuntos teológicos, formando uma coletânea de ensinos e
princípios bíblicos para serem decorados e cantados durante os afazeres cotidianos e as longas peregrinações anuais até a Cidade
Santa de Jerusalém (Sl 84.5-7; Êx 23.14-17; Dt 16.16; Mq 4.2; Zc 14.16), nas quais os adoradores chegavam, cantando ao monte
Sião, à Rocha de Israel (Is 30.29). A coletânea começa (Sl 120) narrando a experiência de um servo de Deus distante do seu lar e
acossado por bárbaros (brutos, ignorantes), e termina com um testemunho de louvor e um convite à adoração pública no santuário
(Sl 122 e 134). Evidentemente, esses salmos foram entoados nas liturgias do templo, conforme a disposição pós-exílica final dos
textos sagrados no Saltério, que juntamente com os salmos 135 e 136 ficaram conhecidos como o “Grande Halel” (Sl 42, 43 e 84).
2 Expressão de absoluta confiança formulada em frases, cujos verbos estão originalmente, em hebraico, no tempo “perfeito de
confiança”, com o sentido do presente: “invoco o Eterno e Ele me responde” (Sl 6.8-10).
3 O filho de Deus é advertido várias vezes nas Escrituras contra a maledicência que sempre o espreita (Ef 4.31; 5.4; 1Pe 2.1).
4 A madeira produzida pela pequena árvore do sândalo, zimbro ou giesta produz um fogo ardente, brasas muito vivas e du-
radouras, além de forte perfume característico. O óleo de sândalo era usado para curar feridas, assim como, suas brasas, para
cauterizar ferimentos de guerra, normalmente provocados por material cortante (Pv 16.27; Tg 3.6). A língua é arma perigosa e
destruidora (Pv 25.18; Jr 9.8; Sl 57.4; 64.3). Mas o castigo divino é resposta certa e à altura (Sl 7.11-13; 11.6; 63.9; 64.7,8).
5 Meseque ficava na região da Ásia Menor central (Gn 10.2) e Quedar, na Arábia (Is 21.16). Duas regiões de povos nômades
e pagãos (incivilizados e sem fé em Deus), que procuravam impedir que os israelitas restaurassem a Cidade Santa. O salmista,
acossado por caluniadores, sente-se inseguro, longe do afeto dos seus, e cercado por inimigos impiedosos e inflexíveis. Con-
tudo, no coração onde habita a paz do Senhor há sempre a certeza da libertação e do juízo de Deus (v.3; 1Sm 3.17; Jo 14.27;
At 9.31; 10.36; Rm 12.18; Cl 3.15).
SALMOS 121, 122 126
1 Diálogo litúrgico, de confissão e testemunho de fé absoluta no controle divino do Universo em geral e na vida pessoal do
crente. Este desabafo e a expressão de louvor para com Deus podem ocorrer na intimidade do coração (como o refrão dos sal-
mos 42 e 43); nas caravanas de peregrinos que vinham de lugares distantes para celebrar ao Senhor no templo em Jerusalém;
ou na vida diária de todos nós, peregrinos rumo à glória eterna, na qual os crentes fiéis serão recebidos (Sl 33; 49.15; 73.24). Os
povos pagãos, vizinhos a Jerusalém (como os baalins), costumavam cultuar entidades que dominavam os montes (literalmente
no original hebraico: lugares altos) ao redor da região. Curiosamente, a cidade de Sião foi erguida sobre um desses montes (Sl
125.1,2; 87.1; 133.3). A vigilância amorosa e poderosa de Yahweh (Jeová) sobre seus filhos é um grande apelo para confiarmos
em Deus em todas as circunstâncias.
2 Nosso Deus, Yahweh, é o único e verdadeiro Rei de toda a criação e nosso Senhor (Sl 124.8; 134.3; 33.6; 89.11-13; 96.4,5;
104.2-9; 136.4-9). Ele jamais se cansa ou se distrai em seu cuidado zeloso para conosco, ao contrário de todos os demais seres
espirituais existentes (1Rs 18.27).
3 O salmista usa a metáfora dos luzeiros cósmicos para revelar a proteção ininterrupta de Deus – dia e noite – para com seus
filhos (Is 4.6; 25.4,5; 49.10; Jn 4.8).
4 Esta é uma expressão hebraica usada em contextos militares, cuja transliteração, a partir dos originais, é Adonai yishmor
tsetechá uvoêcha, meata vead olam (1Sm 29.6; 2Sm 3.25). Entretanto, o sentido mais amplo, nesse contexto, é a promessa da
bênção perpétua do Senhor a seus filhos, mesmo atravessando as situações mais difíceis e tristes desta vida terrena e passageira
(Dt 28.6).
Capítulo 122
1 Hino de regozijo e louvor a Deus por causa da Cidade Santa (Sl 42; 43; 46; 48; 84; 87; 137, especialmente em suas introdu-
ções), cantado por um peregrino da casa de Davi, ao chegar em Jerusalém por ocasião de uma das principais festas religiosas
do ano (Dt 16.16). Alegria por ter se unido ao grupo de peregrinos (Sl 120) a caminho da Casa de Deus, lugar onde a presença
de Yahweh / Jeová era percebida com grande esplendor: o templo, uma representação da residência de Deus na terra, o Taber-
náculo, a Igreja, o nosso próprio Corpo (Jo 2.21; Rm 8.11; 12.5; 1Co 6.15-20).
2 O verdadeiro culto a Deus é uma celebração na qual, além das nossas súplicas e petições, apresentamos ao Senhor nossa
gratidão por tudo que Ele nos concede (Sl 116.12). A expressão “ao Nome do Senhor” indica, originalmente, a presença clara
e real do Espírito de Deus naquele local ou circunstância. Este versículo pode ser transliterado, a partir dos originais hebraicos,
desta forma: Hine lo ianum velo yishan, shomer Yisrael (Sl 5.11; 81.3-5; Dt 16.1-17).
3 Jerusalém é considerada tanto a Cidade Santa quanto a cidade majestosa da sua dinastia escolhida, por meio da qual Deus
abençoa e protege todas as regiões de Israel e, idealmente, as demais nações da terra. Mesmo no período pós-exílico, continuou
sendo celebrada como a cidade de Davi, mas isso mediante a fé messiânica (Sl 2.2; 6.7; 89.3-37; 110; 2Sm 7.8-16).
4 No original hebraico (aqui transliterado), há um jogo de palavras, significando que a palavra “Paz” é um conjunto de bênçãos:
“perfeição, plenitude, contemplação, saúde e prosperidade”, ou seja, um estado de paz de espírito dinâmico e frutífero: Shaalu
shelom Ierushaláyim, shalva bearmenotáyich (Sl 133).
127 SALMOS 122–125
9 Por amor à Casa do Eterno, nosso Deus, 3 eles já nos teriam devorado vivos, quan-
buscarei sempre o teu bem. do se enfureceram contra nós.
4 Então, as águas nos teriam arrastado e
Prece por rápido auxílio divino furiosas torrentes teriam feito submergir
Cântico de peregrinação. nossas almas.2
123 Ergo meus olhos em tua dire-
ção, a ti que habitas nos céus.1
2 Como os olhos dos servos estão aten-
5 Sim, águas profundas e violentas nos
teriam afogado!
6 Bendito seja o SENHOR, que não nos
tos à mão de seus senhores, e os olhos da entregou para sermos dilacerados pelas
criada, à mão de sua senhora, assim nos- presas e garras ferinas do inimigo.3
sos olhos estão voltados para o SENHOR, 7 Como um pássaro, escapamos da cilada
nosso Deus, até que Ele expresse sua mi- do caçador; a armadilha foi destruída e
sericórdia para conosco. ficamos livres!
3 Piedade, SENHOR! Tem compaixão de 8 O nosso socorro está em o Nome do
nós! Porquanto estamos cansados de Eterno criador do céu e da terra.4
tanto desprezo.
4 Estamos fartos de tanta zombaria dos so- A verdadeira fé é indestrutível
berbos e da humilhação dos arrogantes!2 Cântico de peregrinação.
1 O mesmo Deus que reside no templo terrestre, em Sião, e nos corações dos crentes, habita os céus e todo o Universo. Sua
misericórdia e compaixão são ricas para com todos que o buscam com humildade e fé (Sl 2.4; 9.11; 11.4; 80.1; 99.1; 113.5;
122.5; 132.14).
2 Desprezo será uma das mais terríveis punições com que, no Juízo Final, Deus castigará as pessoas incrédulas (Mt 5.29; Lc
12.5; 2Pe 2.4; Ap 20.14). É um dos sofrimentos mais cruéis que um ser humano pode padecer. Especialmente quando é despreza-
do injustamente por seus parentes e amigos. O povo de Israel viveu historicamente vários momentos de desprezo e humilhação;
contudo, de todos o Senhor livrou Israel, como na reconstrução dos muros de Jerusalém na época de Esdras e Neemias (Ne
2.19; 4.1-9 e capítulo 6).
Capítulo 124
1 Um cântico de louvor e agradecimento ao Senhor pelo grande livramento de Israel. Um levita proclama os vv. 1-5 e, em se-
guida, a congregação ou um grupo de adoradores responde por meio dos vv. 5-8. Uma seqüência apropriada para o Sl 123. Um
salmo considerado davídico por causa dos ecos observados em outras composições de Davi (Sl 18; 69). Israel deve reconhecer
que somente o Senhor Yahweh o salvou (e salva) da total destruição (Sl 20.7; 94.17).
2 É interessante lembrar que as grandes civilizações e potências pagãs do passado, como os impérios do Egito, Assíria e Babi-
lônia, sempre prometeram inundar as terras do povo de Deus e afogá-lo no próprio sangue (Sl 32.6; 49.14; 69.1,2).
3 A preservação nacional de Israel sempre foi considerada uma prova evidente do amor leal e da aliança imutável de Deus
para com seu povo. Um antegozo da salvação eterna. A metáfora do pequeno pássaro que é liberto das armadilhas do caçador
refere-se à libertação de Israel das garras do cativeiro babilônico.
4 Como grand finale, temos a maravilhosa confissão da congregação, em uníssono. Este verso pode ser assim transliterado, a
partir dos manuscritos em hebraico: Ezrênu beshem Adonai, osse shamáyim vaárets. (Sl 121.2).
Capítulo 125
1 A grandeza e a segurança da Cidade Santa inspiram o peregrino levita a cantar, nas liturgias do tempo pós-exílico, sobre a
eterna e indestrutível confiança do crente (Gl 4.24-26). Este versículo, incorporando o subtítulo, pode ser transliterado, a partir dos
originais hebraicos, da seguinte forma: Shir hamaalot, habotechim badonai, kehar Tsión lo yimot, leolam ieshev.
2 A Igreja Cristã de hoje faz bem em refletir sobre o significado da antiga expressão hebraica “povo de Deus”. As características
dos crentes não se limitam às bênçãos que recebem do Senhor, mas igualmente a um caráter ilibado, fervoroso, piedoso e abso-
lutamente honesto. Por isso, as Escrituras os comparam aos “que fazem o bem”, “justos”, “que têm coração íntegro” (Sl 34.8-14;
46 e 48). Ainda que Jerusalém não esteja cercada por grandes picos, os escritores bíblicos sempre se referiram poeticamente à
região montanhosa que circunda a cidade, como o próprio monte Sião (2Rs 6.17; Zc 2.5).
SALMOS 125–127 128
bre a terra concedida aos justos; se assim assim como enches o leito dos ribeiros
fosse, até mesmo os justos se entregariam no deserto do Neguebe.
à prática da impiedade.3 5 Os que em lágrimas semeiam, em júbi-
4 Sê misericordioso, SENHOR, com os bons, lo ceifarão!
com todas as pessoas de coração íntegro!4 6 Aquele que parte chorando, enquan-
5 Mas aos que se desviam por caminhos to lança a semente, retornará entoando
inescrupulosos, que o SENHOR os expulse cânticos de louvor, trazendo seus fei-
da sua presença juntamente com todos os xes.4
ímpios. E que haja paz sobre Israel!5
Quando todo trabalho é inútil
Consolo para os que sofrem Cântico de peregrinação. De Salomão.
Um cântico de peregrinação.1
3 Na história da humanidade, o “povo de Deus” sempre foi minoria. Governantes pagãos e ímpios vivem ao redor dos crentes
tentando influenciá-los e oprimi-los. Até mesmo os mais justos se vêem em perigo. Contudo, o Senhor preservará os seus dessas
ameaças corruptíveis. O texto aqui é uma evocação à época de Esdras e Neemias, quando os persas dominaram Israel (Ne 2.19;
4.1-8; 6.1-19; 9.36,37; 13.7-28).
4 Deus trata cada ser humano de acordo com seu coração e suas atitudes ao longo do tempo (Sl 18.25-27). Essa é a razão
teológica da confiança na oração (v.4) e numa afirmação igualmente confiante (v.5).
5 O salmista suplica pelo sustento do Senhor nos momentos de aflição e para que os ímpios sejam banidos para sempre (Jd
18,19). A expressão transliterada do original Shalom al Yisrael (que haja paz sobre Israel) é uma forma concisa da tradicional e
grandiosa bênção sacerdotal (Nm 6.24-26).
Capítulo 126
1 Um salmo de júbilo pelo triunfo alcançado mediante a boa e poderosa mão do Senhor. O povo de Deus fora contemplado,
mais uma vez, com a graça da restauração divina. O texto Massorético traz a expressão transliterada šûb΄et š bût significando,
literalmente, nos Salmos, “a volta de Javé para seu povo”, ao passo que, nas profecias referentes ao Exílio, a expressão deve ser
interpretada como “a volta dos cativos”.
2 A alegria dos que voltam à pátria e honram a Deus entre as nações (literalmente, no original hebraico: “entre os pagãos”).
Este versículo pode ser assim transliterado: Az yimalê sechoc pínu ulshonênu rina, az iomeru vagoyim higdil Adonai laassot im
êle. (Sl 46.10).
3 A região do Neguebe está localizada na parte sul de Israel, chegando até quase a fronteira com o deserto do Sinai. Numa
região inóspita e seca, especialmente no verão, encontrar um ribeiro (torrente) ou fonte de água potável é como reencontrar a
própria vida.
4 Assim como muitos israelitas que não permitiram que seus corações fossem contaminados no cativeiro, o crente que procura
viver com fé e em obediência à Palavra de Deus, ainda que atravesse momentos terríveis e incompreensíveis, há de contemplar
as maravilhosas realizações do Senhor em sua vida (20.5).
Capítulo 127
1 Embora nem todos os manuscritos hebraicos tragam claramente o nome de Salomão como autor deste hino, o fato é que seu
nome consta nos mais antigos e fiéis originais aos quais o Comitê Internacional de Tradução da KJ teve acesso. A transliteração
deste versículo, incluindo o subtítulo, é: Shir hamaalot Iishlomô, im Adonai lo yivne váyit, shav amelu vonav bo, im Adonai lo yishmor ir,
shav shacad shomer. O tema deste salmo é o valor eterno do que somos e fazemos, não um estímulo à ociosidade inconseqüente.
O princípio bíblico ensinado é que nenhum talento, carisma ou esforço valem a pena se não estiverem sob a bênção do Senhor (Sl
121.3-8; 2Sm 13.34; 18.24-27; Ct 3.3; 5.7). O arrogante confia apenas ou principalmente em si, enquanto o sábio luta e trabalha sob
a graça e as orientações do Espírito do Senhor (Dt 28.1-14). O humilde sabe que existe um Deus, e que esse Deus não é ele.
2 Um bom trabalho, uma grande conquista ou lucrativa colheita não são fruto de labuta insana e infinda, mas resultado direto
da graça e misericórdia de Deus (Dt 33.12; Jr 11.15; Pv 10.22; Mt 6.25-34; 1Pe 5.7).
129 SALMOS 127–129
3 Quanto a seus filhos, eles são herança 5 Que o SENHOR te abençoe desde Sião,
do SENHOR: o fruto do ventre é um pre- para que contemples a prosperidade de
sente de Deus.3 Jerusalém todos os dias de tua vida.
4 Como flechas na mão do guerreiro são 6 Que alcances a felicidade dos filhos de
os filhos nascidos na sua juventude. teus filhos, e vejas a paz sobre Israel!4
5 Bem-aventurado o homem cuja alja-
va deles está repleta! Será respeitado até Recordação dos dias de livramento
mesmo por seus inimigos quando pleite- Um cântico de peregrinação.
ar com eles junto às portas da cidade.4
3 Segundo as leis do AT, o Senhor concedia porções de terreno em Canaã aos filhos dos israelitas, para que nelas habitassem,
cultivassem e desenvolvessem suas famílias (Nm 26.53; Js 1.13; 11.23; Jz 2.6). Entretanto, sem filhos, a “herança” (a expressão
hebraica original significa “doação”) das terras seria perdida (Nm 27.8-11). Assim, “herança” passou a ser uma expressão com
duplo sentido, especialmente para as famílias judaicas.
4 Uma família numerosa é sempre uma chance de colaboração e bons testemunhos nas disputas da vida, principalmente numa
época e cultura como as que vemos no contexto original deste hino. Algumas versões trazem a expressão “não será humilhado
quando enfrentar seus inimigos no tribunal”, e isso tem a ver com o fato de as grandes disputas públicas se darem literalmente
“às portas da cidade”. A KJ optou pela forma mais literal neste versículo, que pode ser transliterado, dos originais hebraicos desta
forma: Ashrê haguéver asher mile er ashpato mehem, lo ievôshu ki iedabru et oievim basháar (Sl 128.3,4; Dt 17.5; 21.19; 22.15,24;
25.7; Rt 4.1; Is 29.21; Am 5.12).
Capítulo 128
1 Muito feliz a pessoa e a família que observam com amor e dedicação a Palavra de Deus (Sl 120; 127). A bênção final é um
sinal de que este salmo serviu originalmente de instrução levítica (ou sacerdotal) ao povo que vinha adorar em Jerusalém, em
tempos pré-exílicos.
2 Não devemos deixar de realizar o trabalho que Deus espera que façamos, nem tentar fazer o que somente a Deus compete.
Sempre haverá prosperidade para os que vivem uma vida piedosa (consagrada ao Senhor), quer seja no lar, no trabalho ou nos
relacionamentos sociais (1Tm 4.8).
3 A videira, no contexto da tradição judaica, sempre foi um símbolo de fertilidade (Gn 49.22), encantos sexuais (Ct 7.8-12), festi-
vidade e alegria (Jz 9.13). A oliveira é o símbolo da longevidade e da vitalidade. Os frutos da videira e da oliveira sempre estiveram
presentes à mesa das famílias judaicas, especialmente em tempo de liberdade e prosperidade nacional, e representam, juntas, a
beleza de um lar aconchegante e feliz (Êx 23.11).
4 A expressão “desde Sião” pode ser interpretada como: desde o lugar onde se erguia o Templo central em Jerusalém; desde
o lugar onde Jesus foi crucificado em nosso lugar, como sacrifício vicário único, suficiente e eterno; desde a morada celestial
do Senhor (Hb 12.22-24). Este versículo pode ser transliterado, a partir dos manuscritos hebraicos, desta maneira: Ur’e vanim
levanêcha, shãlôm al Yisrael. (Sl 125.5).
Capítulo 129
1 Este salmo é uma das orações de Israel para que seus inimigos mais poderosos e ameaçadores sejam destruídos pelo Se-
nhor. A fé é reforçada pelas muitas e grandiosas recordações que o povo tem dos livramentos promovidos por Deus, ao longo da
História, como a libertação do exílio na Babilônia (Os 11.1). A expressão literal “desde o tempo da minha juventude” refere-se aos
longos períodos em que o povo de Israel sofreu, escravizado pelo Egito e outras potências hostis (Sl 120; 124-128).
2 Os inimigos de Israel conseguiram ferir o povo (e a alma da nação), como se um arado abrisse profundos e longos cortes
em suas costas. Apesar de tantas e cruéis tentativas, Deus jamais permitirá que Israel (e seu povo) seja escravizado para sempre
ou completamente destruído.
SALMOS 129–132 130
jes das casas e seca antes de crescer,3 7 Israel, deposita toda a tua esperança no
7 que não completa um punhado na mão SENHOR! Pois no Eterno há misericórdia
do ceifeiro, nem uma braça para aquele sem fim, e com Ele vem plena redenção.3
que amarra os feixes. 8 Ele pessoalmente redimirá Israel de to-
8 E ninguém declare ao passar: “A bên- dos os seus pecados!
ção do SENHOR esteja convosco. Nós vos
abençoamos em Nome do SENHOR!”.4 Os filhos confiam no Pai celeste
Cântico de peregrinação. De Davi.
Confiança no perdão do Senhor
Cântico de peregrinação. 131 SENHOR, o meu coração não é
arrogante, e os meus olhos não
130 Das profundezas clamo a ti, ó
Eterno;1
2 Senhor, ouve a minha voz; teus ouvidos
vêem com soberba. Não há em meu ser
a pretensão de explicar todos os misté-
rios.1
estejam atentos ao clamor das minhas 2 De fato, acalmei e aquietei os meus sen-
súplicas! timentos. Como uma criança satisfeita
3 Se mantivesses diante de ti a imagem está para sua mãe, assim a minha alma
viva de todas as nossas iniqüidades, quem está para todo o meu ser.2
se livraria da condenação eterna? 3 Israel, deposita toda a tua fé no SENHOR.
4 Contudo, em ti está o perdão, pelo que Espera tranqüilo e confiante, desde agora
és reverenciado!2 e para sempre!3
5 Aguardo no SENHOR, espero com toda
a minha alma e tenho certeza quanto à A promessa de Deus a Davi
sua Palavra. Um cântico de peregrinação.
6 Todo o meu ser espera no SENHOR, mais
que as sentinelas pelo romper da alvora-
da.
132
ções.1
SENHOR, lembra-te a favor de
Davi, de todas as suas prova-
3 Os inimigos de Israel murcharão como o capim ou a erva frágil que costumava surgir nas lajes de barro seco, dos planos
terraços superiores das casas israelenses.
4 Os transeuntes não poderão saudar estes ceifeiros com a tradicional bênção sobre a colheita, pois as mãos dos ceifeiros
estarão vazias (Rt 2.4).
Capítulo 130
1 Este é o sexto de sete salmos considerados penitenciais (Sl 6; 69.2; 30.1; 32.6). O sábio autor deste poema viveu numa data
pós-exílica e soube perceber que não há um ser humano que esteja livre do pecado desde o seu nascimento (Gn 3). Entretanto,
descobriu que no amor leal de Deus há misericórdia para perdoar todos os nossos pecados e nos livrar da condenação eterna
(1Jo 1.9; Rm 3.23; 6.23; 8.1; 1Pe 1.18-21). Este versículo, incluindo o subtítulo, pode ser transliterado a partir dos melhores origi-
nais hebraicos, desta forma: Shir hamaalót, mimaamakim keratícha Adonai.
2 Diante de um mundo que caminha célere para a destruição, em todos os sentidos, nosso grande consolo é saber que o Senhor
nos prometeu seu perdão e o resgate eterno das almas dos crentes (Êx 34.6,7; Sl 57; 59.9; 127.1; 2Sm 13.34; 18.24-27; Ct 3.3; 5.7).
3 No sacrifício vicário de Jesus Cristo, o Messias, foi cumprida toda a expressão do amor leal de Deus para com a humanidade, e
seu perdão eterno. Essa foi a maior promessa do AT cumprida no NT (Jó 19.25; Jo 3.16; 5.24; 6.47; 10.10; 11.25; 14.6,23-27). Este
versículo pode ser assim transliterado dos originais hebraicos: Iachel Yisrael el Adonai, ki im Adonai hachéssed veharbê imó fedút.
Capítulo 131
1 Este não é um apelo à ignorância e passividade, mas ao bom senso e à humildade. Ninguém pode se comparar a Deus ou
ter seu entendimento, mas podemos confiar em receber a capacitação que Ele nos concede para vivermos e sermos felizes (Jo
10.10). O orgulho é que afasta o ser humano de Deus e o conduz às piores decisões (Sl 31.23; 2Sm 6.21,22). Segue uma transli-
teração, incluindo o sub-título, a partir dos originais hebraicos: Shir hamaalot, zechor Adonai ledavid et col unoto.
2 O adulto insensato deixa seus sentimentos dirigirem todo o seu ser. A criança em fase de amamentação estabelece uma
profunda dependência de sua mãe, que, além de lhe fornecer o alimento vital é fonte de todo o carinho e proteção. Assim, Israel
e o povo de Deus devem confiar e descansar no Senhor – Adonai – o Eterno (v.3).
3 Transliteração deste versículo: Iachel Yisrael el Adonai meata vead olam.
Capítulo 132
1 Este salmo difere dos demais “hinos de peregrinação” pela extensão do texto poético e profético, e por cuidar de temas
relacionados à Aliança (Promessa) feita entre Deus e seu servo Davi. Nesta oração, o salmista pede as misericórdias do Senhor
para o filho de Davi que reina sobre o trono de Davi (v.10). Na liturgia pós-exílica, tinha implicações messiânicas. Era também
131 SALMOS 132
2 Como fez votos solenes e juramentos ao 10 Por amor ao teu servo Davi, não rejei-
Eterno, o Poderoso de Jacó, declarando:2 tes o teu ungido.6
3 “Não entrarei na minha tenda e não me 11 O SENHOR determinou uma promessa
deitarei no meu leito; a Davi, um juramento firme que Ele não
4 não permitirei que meus olhos conci- revogará jamais: “Estabelecerei um dos
liem o sono nem que minhas pálpebras teus descendentes no teu trono.
repousem, 12 Se os teus filhos guardarem a minha
5 enquanto não encontrar um lugar para aliança e as prescrições que Eu lhes ensi-
o SENHOR, uma habitação para o Podero- no, também os filhos deles se assentarão
so de Jacó”. no teu trono por toda a eternidade!”7
6 Ouvimos falar que a arca poderia ser 13 Pois o SENHOR escolheu Sião com a
encontrada em Efrata, mas a encontra- vontade de constituí-la sua morada:
mos nos campos de Jaar:3 14 “Este será sempre o lugar do meu re-
7 “Entremos na sua habitação! Vinde e pouso, ali residirei, porque assim Eu o
adoremos ao Senhor diante do estrado desejei.
de seus pés! 15 Abençoarei copiosamente suas provi-
8 Levanta-te, ó SENHOR, e vem para o teu sões e de pão saciarei seus pobres.8
lugar de repouso, tu e a arca onde res- 16 Vestirei de salvação os seus sacerdotes, e
plandece a tua Glória!4 seus fiéis a celebrarão com grande júbilo!
9 Vistam-se de justiça os teus sacerdotes, 17 Lá eu promoverei o renascimento do
e rejubilem-se com cânticos de louvor os vigor de Davi e farei resplandecer a Luz
teus fiéis!”5 do meu Ungido.9
usado nos rituais de coroação dos reis davídicos (Sl 2; 20.3; 72; 110; 1Rs 11.12,13; 15.4,5; 2Cr 6.41,42). Muitas dificuldades foram
vencidas na conquista de Jerusalém como cidade do Templo (2Sm 5.6-8). A expressão “voto” é usada no sentido de “abnegação”
(vv.2-5; Nm 30.13).
2 Jacó é um dos sinônimos de Israel (Gn 32.28; 2Sm 6 e 7). Este versículo pode ser transliterado, a partir dos manuscritos
hebraicos, desta maneira: Asher nishba ladonai, nadar laavir Iaacov.
3 Este trecho do salmo refere-se à parte do salmo que o povo cantava depois da oração do líder do coro ou sacerdote. Efrata é
uma região localizada ao redor de Belém, cidade onde nasceu o rei Davi e morou Abinadabe sob a guarda de quem a arca ficou
durante vinte anos (1Sm 7.1; Rt 4.11; Mq 5.2). Campina do Bosque, Campos de Jaar ou Quireate-Jearim designa um distrito do
território de Judá (2Sm 6.2-5).
4 Considerando que a poesia hebraica costuma omitir palavras introdutórias, como “dizendo”, por exemplo, os vv.8,9 podem
ser compreendidos como declarações que emanam dos fiéis adoradores (Sl 24). Depois de acompanhar seu povo pelo deserto,
habitando num tabernáculo (uma tenda) que se movia rotineiramente, agora o Templo oferece a imagem da centralidade do trono
e do descanso (2Sm 7.6; 1Cr 28.2). Assim como a terra prometida foi o lugar do repouso ao final de longo período de peregrina-
ções e lutas (Nm 10.33; Js 1.13; Mq 2.10).
5 Os sacerdotes (no NT, todos os crentes sinceros em Cristo – 1Pe 2.9) devem ser exemplos de uma vida reta (Jó 29.14; Pv
31.25). Considerando que no v.16 a palavra hebraica original, correspondente, é “salvação”, mesma expressão usada pelo
autor de Crônicas ao citar este texto (2Cr 6.41), e que “salvação” e “retidão” são palavras, em alguns casos, decorrentes e
sinônimas, conclui-se que há uma evidente referência à “justiça” de Deus que produz a “salvação” (livramento) do seu povo
(Sl 4.1-3).
6 Os vv.8-10 foram incorporados à oração dedicatória do rei Salomão, filho de Davi e Bate-Seba (2Sm 12.24; 2Cr 6.41,42). A
oração pessoal do rei “teu ungido”, que apela a Deus por amor de seu antepassado Davi, que era um homem temente ao Senhor.
Da mesma forma, o cristão ora em o Nome de Cristo, “o Ungido”, o modelo e predecessor de cada filho de Deus.
7 Em várias passagens bíblicas, as “promessas” que Deus fez a Davi, recebem o nome de “alianças”, todas firmadas e cele-
bradas com “juramentos” (Sl 89.3,28,34,39; 2Sm 23.5; Is 55.3; Sl 110.4). A “Aliança no Sinai” era um conjunto de “estatutos ou
prescrições” a que todos os israelenses e seus filhos deviam obedecer em todas as épocas (1Sm 10.25; 1Rs 2.3,4).
8 A verdadeira prosperidade de uma nação é avaliada pela quantidade de seus pobres que passam a viver confortavelmente,
e não por um pequeno grupo de ricos que se tornam ainda mais ricos, arrogantes e dominadores. Deus elegeu Sião (Jerusalém)
como sua cidade santa e habitação na terra (v.13). Os desejos de Davi se harmonizaram à vontade do Senhor (Sl 78.68; Dt 12.5-
14). O povo de Deus encontrará pleno descanso, quando o Senhor estiver definitivamente entronizado e reverenciado em seu
trono em Israel (Dt 12.9; Js 1.13; 1Rs 5.4).
9 A expressão literal hebraica “chifre”, neste versículo significa “glória” ou “vigor”. A descendência de Davi florescerá como um
ramo forte que, no tempo certo, brota da velha videira (1Rs 11.36). Este versículo pode ser transliterado, a partir dos manuscritos
hebraicos desta maneira: Sham atsmíach keren ledavid, aráchti ner limshichi.
SALMOS 132–135 132
10 Este versículo pode ser assim transliterado do original hebraico: Oivav albish bóshet, vealav iatsits nizro. Ao longo da história
do povo de Deus, o Senhor permanece fiel à aliança que firmou com Davi (vv.13-18). A expressão literal hebraica “florescerá”
evoca de, modo sutil, a imagem de brotos crescendo, transformando-se em ramos fortes que sustentam muitos frutos.
Capítulo 133
1 A fraternidade (união vital entre irmãos de sangue e/ou credo), depende exclusivamente da união de cada irmão, pessoal-
mente, com o Senhor Deus. Somente assim, essa unidade de propósitos pode florescer e testemunhar eficazmente ao mundo
(Jo 15.1-9; 17.20-25; Sl 135.3; 147.1).
2 O salmista da casa de Davi faz uma comparação entre o ministério sublime do sacerdote Arão, cuja unção e ministério
visavam manter o povo em perfeita comunhão com Deus e entre si, e a sensação de conforto e segurança proporcionada pelo
derramar do óleo ungido sobre o corpo dos crentes israelitas (Êx 29.7; Lv 21.10). O óleo balsâmico saturava os cabelos, a barba,
e descia pelas vestes dos sacerdotes, em sinal de consagração absoluta de suas vidas ao serviço santo do Senhor.
3 O orvalho abundante que se projetava do monte Hermom fazia que os montes de Sião fossem ricamente frutíferos (Gn
27.28; Ag 1.10; Zc 8.12). Da mesma maneira, a união fraternal do povo de Deus faria de Israel uma nação rica e frutífera. Essas
metáforas revelam claramente que as bênçãos de Deus fluíam até os israelenses crentes, por meio das ministrações sacerdotais
no tabernáculo ou no templo (Êx 29.44-46; Lv 9.22-24; Nm 6.24-26), as quais são figuras das misericórdias de Deus na própria
redenção. O orvalho é uma evocação das bênçãos perenes do Senhor na ordem da criação. A vida é a principal das bênçãos,
segundo a Aliança (Dt 30.15-20; 32.47).
Capítulo 134
1 Cântico litúrgico de despedida da congregação, pouco antes de deixarem o culto vespertino no templo. Uma espécie de troca
de saudações entre os adoradores e os levitas que mantinham a guarda do templo. No saltério este é o último dos “cânticos de
peregrinação” ou “hinos de romagem” (Sl 120 a 134).
2 Os responsáveis pela liturgia, ao se despedirem, encomendam aos levitas que continuem, durante toda a noite, a realizar os
serviços no templo, com espírito de absoluta adoração ao Senhor (1Cr 9.33; Êx 17.12; Sl 63.4).
3 Um solo levita responde com uma bênção final, impetrada sobre o grupo de adoradores (Sl 121.2; 124.8; 128.5). Este versícu-
lo pode ser assim transliterado, a partir dos manuscritos hebraicos: levarechechá Adonai mitsión, ossê shamáyim vaárets.
Capítulo 135
1 Este versículo pode ser assim transliterado, a partir dos manuscritos hebraicos: Haleluiá, helelu et shem Adonai, halelu avdê
Adonai. Temos neste salmo pós-exílico um grandioso convite para louvarmos ao Senhor, o Deus único e verdadeiro, Criador do
Universo, Senhor de todas as nações, o Redentor de Israel e de todos os seus filhos sobre a face da terra. Aqueles que recebem
o privilégio de assistir na Casa de Deus devem saber louvá-lo dignamente, não apenas com músicas e poesias, mas por meio
de um viver santo (Sl 120).
2 Nada e ninguém há que possa se comparar ao poder, amor e justiça do Senhor (vv.3,15-18; Jr 10.11-16; Sl 96.5; 97.7; 115.3).
O Senhor faz tudo que lhe agrada fazer, ao passo que todos os ídolos e deuses nada realizam; eles próprios são feitos por mãos
humanas (vv.16,17).
133 SALMOS 135, 136
7 Ele, que dos confins da terra faz subir as 20 Casa de Levi, bendizei ao SENHOR! Vós,
nuvens, fez os raios para a chuva, e tira de que temeis ao SENHOR, bendizei ao SE-
seus antros a ventania. NHOR.
8 Feriu os primogênitos do Egito, desde o 21 Desde Sião, bendito seja o SENHOR que
homem até o gado.3 habita em Jerusalém!
9 O Senhor realizou, em pleno Egito, si- Aleluia!5
nais e prodígios contra o faraó e todos os
seus sábios! As misericórdias do Senhor
10 Feriu numerosas nações, e a reis pode-
rosos tirou a vida:
11 Seam, rei dos amorreus, Ogue, rei de
136 Rendei graças ao SENHOR por-
que Ele é bom, porquanto seu
amor leal dura para sempre.1
Basã e todos os reinos de Canaã; 2 Louvai ao Deus dos deuses, porque a
12 e deu a terra deles como despojos, em sua misericórdia dura para sempre.2
herança a Israel, seu povo. 3 Dai graças ao SENHOR dos senhores, pois
13 SENHOR, teu Nome dura para sempre, o seu amor dura eternamente!
e tua lembrança, SENHOR, de geração em 4 Ao único que realiza grandes maravi-
geração! lhas. A sua misericórdia é perpétua:
14 O SENHOR defenderá seu povo, e terá 5 fez os céus com sabedoria, porque seu
compaixão dos seus servos. amor é para sempre,
15 Os ídolos pagãos são prata e ouro, obra 6 firmou a terra sobre as águas, porque
de mãos humanas: seu amor é para sempre.3
16 Têm boca, mas não podem falar, olhos, 7 Fez grandes luminares: porque seu
mas não conseguem ver; amor leal é para sempre,
17 têm ouvidos, mas são incapazes de ou- 8 o sol, para presidir o dia, porque seu
vir, nem mesmo qualquer alento de vida amor é para sempre,
há em seus corpos. 9 a lua e as estrelas, para comandarem a
18 Tornem-se, portanto, como eles, aque- noite, porque o seu amor é para sempre.
les que os fazem e todos os que neles 10 Feriu o Egito nos seus primogênitos,
confiam! porque seu amor justo é para sempre,4
19 Casa de Israel, bendizei ao SENHOR; 11 libertou Israel do meio deles, porque
Casa de Arão, bendizei ao SENHOR!4 seu amor é para sempre,
3 Deus revelou seu poder sobre a terra do Egito e seu amor leal para com Israel. As terras dos reis pagãos foram arrancadas de
suas mãos e entregues, como herança, ao povo de Deus (Êx 7 a 14; Nm 21.21-35 e todo o livro de Josué).
4 A expressão hebraica original “Casa de Israel” refere-se ao grupo dos israelitas. Os membros da “Casa de Arão” são todos os
sacerdotes (Sl 115.9-11; 118.2-4); e os da “Casa de Levi” formam uma classe especial de “adoradores” – os levitas, que tinham o
ministério de oferecer seus serviços não sacerdotais ao templo (Sl 134.1,2).
5 Este versículo pode ser assim transliterado: Baruch Adonai mitsión, shochen Ierushaláyim, halelu lá. Convocação final ao
louvor, dirigida a todos os crentes que se reúnem no templo. Jerusalém (Ierushaláyim) foi o grande centro da adoração a Deus
(Yahweh) no AT. Foi nessa cidade também que Jesus Cristo, o Messias, morreu e ressuscitou, motivo do louvor eterno de todos
os que verdadeiramente amam ao Senhor (Mq 4.2; Rm 10.4).
Capítulo 136
1 O líder levítico dirigia a recitação litúrgica deste salmo, enquanto um coro de adoradores respondia no refrão (1Cr 16.41; 2Cr
5.13; Ed 3.11; 2Cr 7.3,6; 20.21; Sl 106.1; 107.1; 118.1-4). Seu tema e vários versículos formam um paralelo significativo com boa
parte do Sl 135 (O paralelismo poético judaico é sempre em relação ao sentido e conteúdo das expressões e não melódico e
métrico, como na maioria dos poemas ocidentais).
2 A expressão literal hebraica aqui traduzida por “misericórdia” é muito ampla e ajuda a descrever a própria essência da nature-
za de Deus: benignidade, paciência, amor, lealdade, fidelidade, graça, favor, longanimidade. Ao longo da História podemos notar
esse amor persistente de Deus, culminando na pessoa de seu próprio Filho, Jesus Cristo, o Messias. Somente o Espírito de Deus
é capaz de desenvolver esse caráter divino em nossas vidas (Gl 5.22-23).
3 A criação do Universo, da terra e de tudo o que nela há, especialmente os seres humanos, é ato da vontade e sabedoria de
Deus (Pv 3.19-20; Rm 11.36).
4 Os atos salvíficos de Deus, bem como sua sabedoria, bondade e justiça, se expressam na preservação do seu povo e na des-
truição dos seus inimigos (muitos exemplos de livramentos divinos estão registrados no livro dos Juízes e no reinado de Davi).
SALMOS 136, 137 134
12 com mão forte e braço estendido, por- 26 Louvai o Deus dos céus! Porquanto, seu
que seu amor é para sempre. amor leal permanece pela eternidade.7
13 Dividiu ao meio o mar Vermelho, por-
que seu amor é para sempre, Lamentação dos exilados
14 fez passar Israel no meio dele, porque
seu amor é para sempre,
15 lançou Faraó e seu exército no mar Ver-
137 Junto aos rios da Babilônia sen-
tamo-nos a chorar, com sauda-
de de Sião.1
melho, porque seu amor é para sempre. 2 Nos salgueiros que lá existiam, pendu-
16 Conduziu seu povo pelo deserto, por- rávamos as nossas harpas,2
que seu amor é para sempre, 3 pois aqueles que nos levaram cativos nos
17 feriu grandes reis, porque seu amor é pediam para entoar belas canções, e os
para sempre, nossos opressores, que fôssemos alegres,
18 tirou a vida de governantes poderosos, exclamando: “Entoai-nos algum dos cân-
porque seu amor é para sempre: ticos de Sião!”
19 Seom, rei dos amorreus, porque seu 4 Como, porém, haveríamos de cantar as
amor é para sempre, canções do Eterno numa terra estranha?3
20 e a Ogue, rei de Basã, porque seu amor 5 Se eu de ti me esquecer, ó Jerusalém,
é para sempre. que se paralise minha mão direita!
21 Depois deu a terra deles como despo- 6 Pegue-se minha língua ao céu da boca, se
jos, porque seu amor é para sempre,5 não me recordar de ti; se não elevar Jeru-
22 em herança a Israel, seu povo, porque salém acima das minhas maiores alegrias.
seu amor é para sempre. 7 Contra os filhos de Edom, lembra-te,
23 Em nossa humilhação, lembrou-se de SENHOR, daquele dia em que Jerusalém foi
nós, porque seu amor é para sempre. destruída, como gritavam: “Desnudai-a,
24 Ele nos libertou dos nossos adversá- arrasai-a até os fundamentos!”4
rios, porque seu amor é para sempre. 8 Filha da Babilônia, devastadora, bem-
25 Dá alimento a toda criatura, porque aventurado aquele que te der a paga de
seu amor é para sempre. tudo quanto nos fizeste!5
5 As terras aqui mencionadas ficaram de posse das tribos de Rúben, Gade e Manassés.
6 O povo salvo (resgatado) pelo Senhor pode confiar em seu amor e justiça. Deus suprirá todas as nossas necessidades, con-
forme suas promessas, das quais Jesus Cristo é o apogeu e absoluto cumprimento (Is 61.1-3; Lc 4.16-21; Rm 8.32).
7 O título “Deus dos céus” era, costumeiramente, uma forma de expressão dos povos persas, que se encontra nos livros
de Esdras, Neemias e Daniel (Ed 1.2). Seu significado é semelhante à referência hebraica ao Nome do Senhor (vv.2,3). Este
versículo pode ser transliterado, a partir dos manuscritos hebraicos, da seguinte maneira: Hodú leel hashamáyim, ki leolam
chasdo.
Capítulo 137
1 Os rios aqui mencionados são o Tigre, o Eufrates e seus muitos canais, que atualmente banham a região do Iraque. Israel fora
traído pelas nações pagãs vizinhas e seu povo levado como escravo para servir na Babilônia. A “saudade” (expressão tipicamente
portuguesa que comunica com propriedade o tipo de sentimento que assaltava o coração dos exilados à época) lhes tirava toda
a alegria de viver e os lançava em profunda depressão e lamento (Jó 2.8,13; Lm 2.10).
2 As árvores (salgueiros) que cresciam nas planícies úmidas e quentes da Babilônia eram muito diferentes da vegetação que flo-
rescia nas montanhas rochosas de Sião (Jerusalém). Os babilônicos, como dominadores insensíveis, desprezavam as tradições e
a cultura judaicas e forçavam os exilados a entoar músicas festivas e exóticas, sem compreender que até mesmo os instrumentos
musicais dos israelitas escravizados recebiam uma afinação própria ao “som do pranto” (Jó 30.31).
3 O inimigo pode forçar os filhos de Deus a tocar seus instrumentos, mas não poderá obrigá-los a ser felizes longe da sua
amada terra e da presença (o culto no templo) do seu Deus.
4 Os edomitas eram os descendentes de Esaú, irmão de Jacó: revelaram-se covardes e traidores no momento mais angustiante
e dramático de Jerusalém. O salmista conheceu os juízos de Deus contra aquela nação, conforme foram determinados pelos
profetas do Senhor (Is 63.1-4; Jr 49.7-22; Ez 25.8-14; 35, conforme o livro de Obadias). A expressão hebraica literal, aqui traduzida
por “desnudai-a”, refere-se à cidade de Sião, que – de acordo com o costume literário hebraico – é retratada como figura feminina.
Jeremias prevê que Edom será castigado com o mesmo tipo de humilhação (Lm 4.21).
5 A expressão original hebraica, aqui traduzida por “Filha”, é a personificação da “cidade” da Babilônia com seus habitantes. O sal-
mista conheceu também os juízos de Deus profetizados contra esse inimigo voraz e cruel (Is 13; 21.1-10; 47; Jr 50 e 51; Hc 2.4-20).
135 SALMOS 137–139
9Feliz aquele que agarrar os teus descen- dos meus inimigos, e tua destra me salva.4
dentes e os despedaçar contra a rocha!6 8 O SENHOR me assistirá até o fim. Ó
Eterno, teu amor dura para sempre: não
Graças a Deus por seu socorro abandones as obras das tuas mãos!5
Um salmo de Davi.
6 Sem uma cuidadosa comparação com os atuais crimes de guerra ou o uso moderno dos arsenais bélicos precipita-se quem
julga que o povo de Deus ou as guerras da antigüidade eram bárbaros e antiéticos. Os filhos da Babilônia continuam sua perse-
guição maligna contra a Cidade de Deus (Sião) e todos os filhos de Deus. Entretanto, sua completa e definitiva destruição está
reservada para o Dia final (Ap 18.1 – 19.4).
Capítulo 138
1 Este salmo dá início a uma coletânea de oito hinos davídicos (Sl 138 –145). Por meio deste cântico, o salmista e a congrega-
ção dos crentes louvam a Deus, pelo auxílio salvador e libertador – providência do Senhor, em resposta às preces dos seus filhos
contra as ameaças e ataques dos adversários (Sl 18; 82). Este versículo pode ser transliterado, a partir dos manuscritos hebraicos,
da seguinte forma: Ledavid, odechá vechol libi, négued Elohim azamerêca.
2 Davi edificou um tabernáculo (tenda) para abrigar a arca (2Sm 6.17). Embora muitos salmos atribuídos a Davi refiram-se ao
“templo” (5.7; 11.4; 18.6; 27.4; Sl 30), o amor e a fidelidade do Senhor ao responder às orações dos crentes fazem seu Nome (sua
presença gloriosa) e sua Palavra (suas promessas e ensinos) mais preciosos que tudo quanto um rei possa desejar. A resposta de
Deus às nossas orações é imediata, sendo que as primeiras bênçãos concedidas são “poder e vontade” para continuar lutando;
as demais bênçãos, que fazem parte da resposta, vêm no devido tempo (v.3).
3 Os soberbos se acham tão resolvidos e auto-suficientes que rejeitam a própria Graça do Senhor, motivo pelo qual o Senhor
também os aguarda à distância, enquanto eles estão muito ocupados adorando a si mesmos. Os humildes, entretanto, reconhe-
cem suas limitações e a extrema necessidade que têm de Deus; e abrem seus corações ao Espírito Santo (Lc 1.51,52; Tg 4.6,7).
4 A companhia e o socorro que vêm de Deus são uma realidade tão concreta que o crente não perde a fé (confiança, em hebrai-
co), mesmo nos momentos mais angustiantes e nas crises mais agudas e inexplicáveis (Sl 116.10-13; Rm 8.35-39).
5 O Senhor tem um projeto para seu povo amado – projeto imutável e glorioso. Nada pode deter a vontade de Deus. O hebraico
muitas vezes usa de plurais para se referir de forma ainda mais honrosa a Deus, assim como ao rei de Israel. Este versículo pode
ser assim transliterado: Adonai yigmor baadi, Adonai chasdechá leolam, maassê iadêcha al téref.
Capítulo 139
1 Transliteração deste versículo, incluindo o subtítulo a partir do original hebraico: Lamenastsêach ledavid mizmor, Adonai
chacartáni vateda. A expressão “um salmo de Davi” pode se referir aos descendentes de Davi, fiéis a Deus (Sl 4; 138). Não há
em outra parte das Escrituras, além do livro de Jó, expressão mais viva e profunda de sinceridade na adoração ao Senhor e à
sua Palavra. Por isso o pedido poético para que o Espírito de Deus verifique a alma do salmista e reveja todo esse sentimento de
absoluta lealdade de alma que até mesmo supera nossa maneira de agir em algumas situações da vida. Não podemos esconder,
do Senhor, a intimidade da nossa alma, pois Ele nos contemplou, ainda informes, no recôndito mais secreto do ventre materno.
As figuras de linguagens são diferentes em Jó, mas o significado é muito semelhante (v.5; Jó 13.27).
2 Nos originais hebraicos, a expressão “demasiado maravilhoso” tem o mesmo sentido dos termos aplicados aos sinais, mara-
vilhas e milagres de Deus (Sl 77.11,14; Êx 15.11).
SALMOS 139, 140 136
7 Para onde poderia eu fugir do teu Espí- 18 Se eu os pudesse somar, seriam mais
rito? Para onde poderia correr e escapar que os grãos de areia. Se os contasse, le-
da tua presença? varia toda a eternidade e ainda haveria o
8 Se eu escalar o céu, aí estás; se me lançar que contar.
sobre o leito da mais profunda sepultura, 19 Quem me dera exterminasses os ímpios,
igualmente aí estás.3 ó Deus! Então, as pessoas inescrupulosas e
9 Se eu me apossar das asas da alvorada e sanguinárias se afastariam de mim;
for morar nos confins do mar, 20 pessoas que, com má intenção, pro-
10 também aí tua mão me conduz, tua nunciam teu Nome, tomando-o em vão,
destra me ampara. como inimigos teus.
11 Se eu cogitar: “As trevas, ao menos, 21 SENHOR, como não odiar aqueles que te
haverão de me envolver, e a luz ao meu odeiam? Como não abominar os que se
redor se tornará em noite”, levantam contra ti?
12 constatarei que nem as mais densas 22 Eu os odeio com ódio implacável: tor-
trevas são obscuras para teu olhar, pois naram-se, dessa forma, meus próprios
a noite brilhará como o meio-dia, por- inimigos.
quanto para ti as trevas são luz. 23 Sonda-me, ó Deus, e analisa o meu
13 Tu formaste o íntimo do meu ser e me coração. Examina-me e avalia as minhas
teceste no ventre de minha mãe. inquietações!
14 Graças te dou pela maneira extraor- 24 Vê se há em mim algum sentimento
dinária como fui criado! Pois tu és tre- funesto, e guia-me pelo Caminho da vida
mendo e maravilhoso! Sim, minha alma eterna!
o sabe muito bem.4
15 Meus ossos não te eram encobertos, Oração contra os caluniadores
quando fui formado ocultamente e teci- Para o mestre de música, um salmo de Davi.
do nas profundezas da terra.5
16 Teus olhos viam meu embrião, e em
teu livro foram registrados todos os
140
violento,
Livra-me, SENHOR, do homem
mau, preserva-me do homem
meus dias; prefixados, antes mesmo que 2 daqueles que planejam maldades no co-
um só deles existisse! ração e, todo dia, provocam contendas!
17 Ó Deus, como são complexos e pre- 3 Eles aguçam sua língua como a da ser-
ciosos para mim os teus pensamentos, pente; têm veneno de víbora sob os lá-
quão vastos e profundos os teus conhe- bios.2
cimentos. (Pausa)
3 Os “céus” e o “Sheol” (expressão original hebraica que neste contexto significa “sepultura, morte ou pó”) representam os dois
grandes extremos verticais do Universo. No versículo 9, o salmista menciona os dois extremos horizontais: o leste e o oeste (o mar
é o Mediterrâneo), a fim de dar concretude à idéia da totalização da realidade espacial (vv.9 e 10; Sl 73.23,24).
4 Os chamados Rolos do Mar Morto, descobertos no monte Qunram, na região do mar Mediterrâneo, aos quais o Comitê de
Tradução da KJ teve acesso, confirmam a tradução deste texto feito pela Septuaginta (a primeira e mais importante tradução das
Escrituras do hebraico para o grego) e a respeitada tradução Siríaca. Segue a transliteração dos originais, Odechá al ki noraót
niflêti, niflaim maassêcha venafshi iodáat meod, que pode ser assim literalmente traduzida: “Louvar-te-ei por me teres tão maravi-
lhosamente plasmado, pois admiráveis são todas as Tuas obras como bem o sabe minha alma” (Ec 11.5).
5 O salmista recorre a uma metáfora hebraica bem conhecida, ao comparar o ventre materno à profundeza da terra, pois os dois
lugares são escuros, úmidos e separados do âmbito visível da vida, assim como o Sheol (a sepultura e lugar dos mortos – 63.9;
Jó 14.13; Is 44.23; 45.19). O ser humano provém do pó (da terra) e retorna ao pó (desce à terra e seu corpo se torna literalmente
em poeira). O ventre é uma forma de “profundeza” (lugar oculto) onde somos formados (Gn 3.3-19; Sl 90.3; Ec 3.20; 12.7; Is
44.2,24; 49.5; Jr 1.5).
Capítulo 140
1 O salmista suplica que o Senhor o livre da ação injusta e maligna dos caluniadores e inescrupulosos (Sl 58; 64). Uma descri-
ção poética das tramas que freqüentemente ocorrem nos meios políticos e empresariais, especialmente em nossos dias.
2 A maledicência e as maldições (expressões de desgraça lançadas sobre desafetos) são descritas como a própria peçonha (ve-
neno) da serpente. (Pausa) ou Selah é um sinal de reverência especial e uma notação musical que indica interlúdio (Sl 3 nota 2).
137 SALMOS 140, 141
4 SENHOR, guarda-me das mãos do ímpio, 13Com certeza os justos darão graças ao
preserva-me do homem violento, daque- teu Nome, e os homens íntegros habita-
les que tramam minha queda! rão em tua presença!4
5 Os arrogantes prepararam armadilhas
contra mim; perversos, estenderam re- Oração da tarde por proteção divina
des; no meu caminho armaram embos- Um salmo de Davi.
cadas para me atacar.
(Pausa)
6 Eu declaro ao SENHOR: “Tu és meu Deus!”
141 SENHOR, elevo meu clamor a ti:
vem depressa! Presta ouvido à
minha voz, quando te invoco!1
Ouve, ó SENHOR, o meu clamor!3 2 Que minha oração seja como incenso
7 Ó soberano SENHOR, meu Deus e meu diante de ti; minhas mãos erguidas, ofe-
Salvador, tu me proteges a cabeça no dia renda vespertina!2
do combate. 3 SENHOR, põe uma guarda à minha boca,
8 SENHOR, não atendas aos desejos dos fica de vigia à porta dos meus lábios!
ímpios. Não permitas que tenham êxito 4 Não deixes meu coração inclinar-se para
com suas intrigas! a maldade, para a prática de ações iníquas
(Pausa) na companhia de malfeitores. Que eu ja-
9 Recaia sobre a cabeça dos que me ame- mais participe dos seus banquetes!3
açam toda a malignidade que suas bocas 5 Que me castigue o justo; é um favor
proferiram. que me repreenda! É óleo perfumado
10 Caiam sobre eles carvões em brasa e que minha cabeça não vai recusar. Pois
sejam arrastados para covas em chamas, minha oração persiste contra a prática
das quais jamais possam escapar! dos malfeitores.4
11 Nenhum caluniador se estabeleça so- 6 Contra a Rocha foram destruídos todos
bre a terra, e a desgraça persiga os agres- os juízes que diante das minhas palavras
sores com golpes sobre golpes até sua de sabedoria se mostraram insensíveis!5
completa destruição. 7 “Como a terra é arada e sulcada, assim
12 Sei que o SENHOR defende a causa do são espalhados os nossos ossos à beira da
oprimido e faz justiça aos pobres. sepultura!”6
3 O princípio fundamental para uma oração eficaz é o reconhecimento sincero de que o Senhor é Pai e Soberano (Jo 1.12); por-
quanto, somente ele sabe o que é melhor e quando nos dar suas bênçãos. A partir dessa consciência e fé, desenvolveremos corações
sábios e agradecidos. Essa atitude de plena confiança em Deus nos coloca bem no centro da sua proteção diária e perene (v.7).
4 A maledicência e a calúnia (fofoca) são como uma droga que produz falsa sensação de euforia, alívio e prazer mórbido, mas, na
verdade, embota a capacidade de raciocinar com bom senso, arruína a saúde, cauteriza a consciência ética e arrasa a vida espiritual.
É fonte de acessos de raiva e injustiças, piores do que as crises de violência e brutalidade produzidas pelo efeito do álcool e outras
drogas alucinógenas. É a própria “destruição” em ação (em grego Apoliom, um dos nomes de Satanás – Ap 9.11). Contudo, o fogo do
juízo final de Deus alcançará até mesmo o âmbito dos mortos (Jó 15.30; 20.26; 31.12; Sl 21.9; 36.12; 97.3; Is 1.31; 26.11-14; 33.14).
Capítulo 141
1 Apelo do salmista para que Deus venha depressa em seu socorro e o livre das ciladas e ameaças de seus adversários
pagãos (Sl 138).
2 Um simples erguer das mãos, com humildade e sinceridade de fé no Senhor, vale muito mais que as antigas oferendas
hebraicas envolvendo o sangue de animais sacrificados. O salmista – ao louvar ao Senhor – suplica a Deus que controle seus
pensamentos e atitudes (vv.3,4).
3 O salmista suplica a Deus que o impeça de ceder diante do mau exemplo à sua volta e das insistências dos ímpios para que
“goze a vida” (literalmente: “coma dos manjares da vida”). As mesas dos ímpios são freqüentemente fartas de iguarias custeadas
com ganhos desonestos (Pv 1.10-16).
4 O verdadeiro “amor leal” (em hebraico edesh “atos de amizade autêntica”) algumas vezes produz repreensões e feridas (Pv
27.6; Sl 23.5).
5 Os “guias cegos”, que o povo parece sempre preferir como líderes dos destinos nacionais, acabarão por conduzir os ímpios
às mais terríveis provações, quando muitos reconhecerão as palavras do profeta, mesmo havendo passado muito tempo de
sua morte. Este versículo pode ser transliterado, a partir dos manuscritos hebraicos, da seguinte maneira: Nishmetú vidê sêla
shoftehem, veshameú amarai ki naêmu.
6 Por meio de uma fé inteligente, sincera e indestrutível, o crente mantém estreita comunhão (amizade filial e respeitosa) com
SALMOS 141–143 138
8 Entretanto, os meus olhos te contem- 7 Tira minha alma desta prisão, para que
plam, ó Soberano, SENHOR: em ti depo- eu dê graças ao teu Nome! Então, os jus-
sito toda a minha confiança; não me en- tos me rodearão, por causa da tua bon-
tregues à morte. dade para comigo!4
9 Guarda-me da cilada que me armaram
e das armadilhas dos malfeitores! Oração por livramento e salvação
10 Caiam todos os ímpios em sua própria Um salmo davídico.
rede, enquanto eu prossigo ileso meu ca-
minho! 143 SENHOR, escuta minha oração,
presta ouvido às minhas súplicas;
responde-me por tua fidelidade e justiça!
Oração por libertação 2 Entretanto, não leves teu servo a jul-
Poema sacro de Davi, quando estava gamento, pois nenhum ser vivo é justo
na caverna. diante da tua presença.
Deus e pode enxergar sua vindicação e a justiça divina em ação, derrotando os maus e ímpios (vv.6,7). Este versículo pode ser
assim transliterado: Kemo folêach uvokêa baárets, nifzerú atsamênu lefi sheol. A palavra sheol pode ser traduzida por profundezas,
pó, morte ou sepultura, em função do contexto literário em que se encontre.
Capítulo 142
1 Davi se vê no fundo do poço, quando vê a luz do Senhor e suplica por sua libertação. A tribulação e o perigo freqüentemente
nos levam aos momentos mais intensos e sinceros de oração a Deus: nosso único suficiente refúgio, hoje e eternamente (Sl 17;
22.14,15; 32; 138).
2 Deus deseja que todos os seus filhos sigam pelas vias frutíferas da verdadeira vida (23.3).
3 É durante as crises e nas horas de fraqueza que o crente encontra em Deus sua força e abrigo seguro (2Co 12.9-10).
4 Davi usa uma metáfora para explicar sua sensação de estar acorrentado à aflição (18.19; Jó 36.8). Contudo, o servo do
Senhor se apropria da força ministrada pelo Espírito de Deus e antevê, pela fé, sua libertação do fundo da caverna da angústia
e da depressão (3.8; 5.11;7.17).
Capítulo 143
1 Este é o sétimo e último salmo penitencial (Sl 6). O salmista estriba-se na graça do Senhor mediante o correto uso da sua fé (em
hebraico, plena confiança). Nesta oração, Davi pede para ser salvo da angústia, humilhação e ameaça dos inimigos (Sl 130.3-4).
2 A expressão hebraica original, aqui traduzida por “meu espírito desfalece”, significa literalmente: “meu espírito desmaia por
causa da ansiedade”, em que a palavra “fôlego” pode ser traduzida por “espírito” (104.29 de acordo com 119.81). A transliteração
deste versículo, a partir dos manuscritos hebraicos, pode ser apresentada desta forma: Maher anêni Adonai caletá ruchi, al taster
panêcha mimêni venimshalti im ioredê vor.
139 SALMOS 143–145
9 SENHOR, livra-me dos meus inimigos, 8 cuja boca fala mentiras, e que com a mão
pois me refugiei junto a ti! direita estendida juram falsamente!3
10 Ensina-me a fazer tua vontade, pois tu 9 Ó Deus, eu te cantarei um cântico novo,
és o meu Deus. Teu bondoso Espírito me tocarei teus louvores na harpa de dez
guie por terra plana! cordas.
11 Pela honra do teu Nome, SENHOR, tu 10 És tu que dás a vitória aos reis, que da
me farás viver; por tua justiça me farás cruel espada salvas Davi, teu servo.
sair da angústia; 11 Salva-me e livra-me da mão dos es-
12 por teu amor leal e justo acabarás com trangeiros, cuja boca fala mentiras e que,
meus inimigos e farás perecer todos os com a mão direita estendida, juram fal-
meus adversários, pois sou teu servo! samente!
12 Quanto aos nossos filhos, serão como
Graças pela proteção de Deus plantas, já desenvolvidos na adolescên-
Salmo davídico. cia; nossas filhas, como colunas bem es-
1 Um rei davídico, possivelmente o próprio Davi (Sl 18), eleva uma oração a Deus, suplicando vitória na guerra contra os ini-
migos de Israel (Sl 138; 143.1,2). O ponto marcante da oração é a confiança (fé) com que o salmista ora, na certeza da resposta
amorosa e poderosa do Senhor (v.2; Sl 27.1; 35.3; 62.2).
2 Há pessoas que não oram porque não se sentem dignas; todavia, é exatamente o reconhecimento da insignificância humana
que deve levar toda pessoa a uma vida de profundo e permanente diálogo (oração) com Deus. É o incomensurável amor do
Senhor que o faz inclinar seus santos ouvidos às nossas preces. E esse amor foi demonstrado cabalmente, por meio da vida e do
sacrifício vicário do seu Filho Jesus Cristo, nosso Salvador (Jo 3.16; Hb 12.2).
3 Erguer a mão direita em juramento era um sinal tradicional da expressão absoluta da verdade, gesto usado na celebração
de importantes contratos e pactos de lealdade (106.26; Êx 6.8; Dt 32.40). Por outro lado, as mais terríveis armas do Diabo estão
ligadas à mentira, falsidade e calúnia (Jo 8.44).
Capítulo 145
1 Hino de louvor a Yahweh (o nome hebraico impronunciável de Deus, que pode ser traduzido como Javé ou Jeová), por todos
os seus feitos portentosos e seu amor leal infindo. É uma peça musical e poética de extremo esmero, de acordo com as normas
estéticas tradicionais da poesia hebraica, bem como a linguagem reverente e clássica dos hinos de louvor. O acróstico alfabético
(em destaque no texto bíblico – vide Sl 119) demonstra o especial cuidado na elaboração pormenorizada da obra (Sl 9 e 10).
Segue a transliteração desta parte inicial do salmo: Tehillah ledavid, aromimchá Elohai hamélech, vaavarechá shimchá leolam
vaed. A expressão tehillah que, nos originais hebraicos, ocorre somente aqui nos títulos (subtítulos no caso da KJ), mas advém
da forma plural tehillim, significando “louvores”, é o próprio nome do Saltério. O fato de ser um “salmo davídico” está relacionado
à tradição de sua autoria ser creditada a Davi, ou a um de seus descendentes (Sl 138).
SALMOS 145, 146 140
2 O ser humano não consegue, por mais que ambicione, compreender completamente a grandeza, a justiça e o amor de Deus
(Rm 11.33-36).
3 Estas expressões evocam a revelação especial que Deus concedeu a Moisés no deserto do Sinai (Êx 34.6-7).
4 Se até as rochas e os seres inanimados do Universo têm obrigação de louvar a Deus, o Criador Supremo, quanto mais os
seres humanos (Cl 1.17), em especial, seus santos (os convertidos e crentes em Deus). Estes devem ser os arautos do Senhor e
seus missionários na proclamação da Palavra, mediante uma vida de testemunho e graça. Se cairmos, devemos buscar a luz e
a restauração plena em Deus (1Jo 1.7). O temor do Senhor é o princípio indispensável de toda a sabedoria e comunhão eterna
com Deus. A rejeição a Deus é o prelúdio da destruição (Sl 111.10).
Capítulo 146
1 Este é o primeiro dos cinco salmos pós-exílicos, de “Aleluia”, que encerram o Saltério. O verdadeiro crente jamais perde a
141 SALMOS 146, 147
2 Louvarei ao SENHOR, por toda a minha 3 Somente Ele cura os corações quebran-
vida; cantarei louvores a meu Deus, en- tados e lhes pensa as feridas.3
quanto eu existir. 4 Ele fixa o número das estrelas, a cada
3 Não conteis com os príncipes, com meros uma dá um nome.4
seres humanos: são incapazes de salvar! 5 Nosso Senhor é Soberano e tremendo o
4 Ao se esvair seu espírito, eles voltam ao seu poder; é infinita sua sabedoria.
pó; no mesmo dia seus planos se apagam. 6 O SENHOR ergue os humildes, mas re-
5 Feliz o que tem por ajudador o Deus baixa os ímpios até o chão.
de Jacó e, por esperança, o SENHOR, seu 7 Entoai ao SENHOR com ações de graças,
Deus, cantai ao nosso Deus ao som das cíta-
6 que fez o céu e a terra, o mar e tudo ras!
quanto neles há, e que guarda fidelidade 8 Ele cobre de nuvens os céus, prepara a
para sempre,2 chuva para a terra; faz brotar a relva so-
7 que faz justiça aos oprimidos, que dá bre as colinas,
pão aos que têm fome! O SENHOR é quem 9 dá alimento ao gado e aos filhotes do
liberta os prisioneiros. corvo, quando crocitam de fome.
8 O SENHOR dá vista aos cegos, o SENHOR 10 Ele não se compraz no vigor do cavalo,
ergue os combalidos, o SENHOR ama os nem dá valor à agilidade dos seres huma-
justos. nos;
9 O SENHOR protege os migrantes, ampa- 11 o SENHOR se agrada dos que o temem,
ra os órfãos e as viúvas, mas frustra os daqueles que depositam sua esperança
planos e atitudes dos ímpios. em seu amor leal e perene.5
10 O Eterno reina para sempre; Ele é teu 12 Glorifica ao SENHOR, Jerusalém! Sião,
Deus, ó Sião, teu rei de geração em gera- louva teu Deus!
ção. Aleluia!3 13 Porque Ele reforçou as trancas de tuas
portas e, em teu meio, abençoou teus fi-
Louvor ao Deus Todo-Poderoso lhos.
147 Aleluia!
Como é bom cantar louvores
ao nosso Deus; como é agradável pres-
14 Ele, que dá a paz em tuas fronteiras, te
sacia com a flor do trigo.
15 Ele envia suas ordens à terra, e veloz
tar-lhe uma adoração condigna!1 corre a sua Palavra.6
2 O Eterno reconstrói Jerusalém; Ele con- 16 Ele faz cair a neve como lã, como cinza
grega os exilados de Israel.2 espalha a geada;
confiança e a esperança em Deus; portanto, louva o Senhor – sob as mais difíceis circunstâncias – durante toda a sua vida. Sua
fé absoluta está depositada em Deus, e jamais em qualquer pessoa humana (vv.5,6; Jr 17.7).
2 Deus é completamente leal às suas próprias promessas. Falhar com sua Palavra seria negar a Si mesmo (Hb 6.13-18).
3 Este versículo pode ser transliterado, a partir dos manuscritos hebraicos, da seguinte forma: Yimloch Adonai leolam, Eloháyich
Tsíon, ledor vador, halelu lá.
Capítulo 147
1 O salmista louva ao Senhor pela restauração pós-exílica de Jerusalém. É uma grande alegria adorar a Deus com hinos e
cânticos espirituais quando nosso propósito íntimo é somente louvá-lo (135.3).
2 O mesmo poder de Deus (Yahweh) que criou e administra o Universo é aplicado na restauração do seu povo amado (v.2),
no conforto dos que sofrem (v.3) e na proteção daqueles que não têm como se proteger sozinhos (v.6). Este versículo pode ser
transliterado, a partir dos manuscritos hebraicos, desta maneira: Bone Ierushaláyim Adonai, nidchê Yisrael iechanes.
3 Os dispersos de Israel e os que muito se esforçaram, diante de grande oposição, para reconstruir os muros de Jerusalém,
receberam também a bênção da restauração emocional (Sl 137; 126; Ne 2.17-20; 4.1-23).
4 Aquele, cujo poder e inteligência são tão grandiosos, que determina o número das estrelas e lhes atribui os nomes, tem
capacidade suficiente para proteger e sustentar todas as pessoas que, humildemente, nele confiam e para abater a altivez e
arrogância dos ímpios (20.8; 146.9; Is 40.26-29).
5 Não se agrada a Deus com rituais, sacrifícios e oferendas, mas – e tão-somente – depositando absoluta fé (obediência) na sua
Graça e por humilde obediência à sua Palavra (Rm 4.5; 8.4; 2Tm 2.15).
6 Aqui há um bom tema para estudo dos teólogos, astrônomos e astrofísicos: observa-se no primeiro capítulo da Bíblia (Gn
SALMOS 147–149 142
148 Aleluia!
Louvai ao SENHOR, os do céu,
louvai-o nas alturas!1
me, sua majestade está acima da terra e
dos céus.
14 Outorgou glória e poder a seu povo, e
2 Louvai-o vós todos, seus anjos, louvai-o tem recebido louvor de todos os seus fiéis,
vós todos, seus exércitos celestiais! dos israelitas, povo a quem Ele tanto ama.
3 Louvai-o, sol e lua, louvai-o vós todas, Aleluia!5
estrelas brilhantes!
4 Louvai-o vós, os mais altos céus, e vós, Hino de vitória e louvor a Deus
águas que estais acima do firmamento!
5 Que eles louvem o Nome do SENHOR,
porquanto Ele ordenou, e foram criados.
149 Aleluia!
Cantai ao SENHOR um cântico
novo, e o seu louvor, na assembléia dos
6 Ele os estabeleceu para todo o sempre, fiéis!1
ao promulgar uma Lei, que não passará!2 2 Alegre-se Israel no seu Criador, os fi-
7 Louvai ao SENHOR, os da terra; cetáceos lhos de Sião exultem em seu Rei!
e profundezas todas;3 3 Louvem seu Nome com danças, cantem
8 relâmpagos, granizo, neve e neblina; seus louvores com pandeiro e cítara!
1) que, quando a voz de Deus soa no Universo, cumpre-se precisa e imediatamente sua vontade. Em paralelo, todos os sinais e
maravilhas realizados pelo Senhor, diante de Israel e dos povos pagãos, assim como todos os milagres realizados por Jesus, o
Messias, ocorreram infalivelmente logo em seguida a suas ordens (Êx 14.21; Jo 11.43,44).
Capítulo 148
1 Todo o Universo e a criação são conclamados a humildemente louvar a Deus (Yahweh). Todos os seres e corpos celestiais (e
legiões celestes) se submetem ao Senhor. Somente a Palavra de Deus (o Logos divino – Jo 1.1-3) tem o poder de criar e restaurar
todas as coisas.
2 Ao contrário dos que pregam certas teorias filosóficas sobre uma suposta inércia atual de Deus que, havendo criado o Univer-
so, o entregou à sua própria sorte, as Escrituras revelam que Deus não cessa de trabalhar e que cuida, com zelo, de cada detalhe
do Universo, em especial dos seres humanos, seu povo e seus filhos sobre a terra (Jo 5.17).
3 O salmista usa pares de figuras de linguagem, empregando uma técnica poética para divisão de assuntos chamada “meris-
ma”, a fim de revelar a extensão e profundidade total do convite universal à adoração e louvor ao Senhor. A expressão “cetáceos”
se refere às grandes serpentes marinhas ou mamíferos pisciformes que habitaram o mar e a terra (Gn 1.7,10,21). Ao mencionar
“céus e terra”, o salmista apenas está indicando a soma de toda a criação (v.13; 89.11; 113.6; 136.5,6; Gn 2.1,4).
4 É mais fácil o Universo assim como a terra com todos os seus fenômenos físicos e meteorológicos curvarem-se reverente e
humildemente, à vontade de Deus, do que o ser humano prestar sincera obediência à Palavra do Senhor (147.15).
5 A expressão hebraica “chifre” que aparece nos originais hebraicos deste versículo significa “vigor, glória, poder”, e representa
todo o poder e carisma que acompanham os verdadeiros crentes; seus “santos”, que podem refletir ao mundo a imago Dei, a
imagem de Deus (2Co 3.18). Este versículo pode ser assim transliterado: Vaiárem kéren leamo, tehila lechol chassidav, livnê Yisrael
am kerovo, halelu lá.
Capítulo 149
1 Este salmo pós-exílico presta louvores ao Senhor pelas grandes honrarias concedidas a seu povo. A Israel Deus outorgou
uma honra com dois lados: a Salvação (na realidade e na promessa), e o privilégio de servir ao Senhor na execução final do Juízo
de Deus contra as potências pagãs mundiais, que atacaram impiedosamente a Cidade Santa e o Reino de Deus. Israel será o
contingente terrestre do poderoso exército universal do Rei dos céus (68.17; Js 5.14; 2Sm 5.23,24; 2Cr 20.15-22; Hc 3.3-15). Este
143 SALMOS 149, 150
penúltimo salmo marca o Saltério como o livro de orações do AT e, portanto, do povo judeu. Tanto que é tradição, ainda hoje,
muitos fiéis recitarem a seguinte oração (transliterada), após a leitura e meditação em algum dos salmos: Mi yiten mitsión ieshuat
Yisrael beshuv Adonai shevut amo, iaguel laacov yismach Yisrael. Utshuat tsadikim meadonai mauzam beet tsara. Vaiazerem Adonai
vaifaltem, iefaltem mershaim veioshiem ki chássu vo. “Que possa, em breve, vir de Tsión, a salvação de Israel! Quando fizer o
Eterno retornar Seu povo do exílio, exultará Jacob e alegrar-se-á Israel. A salvação dos justos provém do Eterno, Seu baluarte para
os momentos de aflição. O Eterno os ampara e liberta; das mãos dos ímpios os salva, pela fé que nEle depositam!”
2 A Graça salvadora do Senhor só pode habitar o coração humilde, que não confia em seus recursos pessoais para conquistar
a benevolência e o favor do Altíssimo. Somente os salvos podem louvar a Deus pelo presente do maravilhoso resgate e coroa
da vida eterna (147.6; Is 55.5; 60.9; 61.3; Hb 12.22-24; Ap 14.3; 15.3). Este versículo pode ser assim transliterado: Ki rotsê Adonai
amo, iefaer anavim bishuá.
3 A Salvação é o dom de Deus capaz de conceder nova vida ao crente. Vida repleta de atitudes santas e que glorificam o
Nome do Senhor, expressas durante todas as horas do dia por meio de atitudes práticas. Essa salvação evoca também orações
e cânticos de louvor à noite (42.8; 63.6; 77.6).
4 O amor justo e leal de Deus tem duas facetas: misericórdia e perdão aos que humildemente recebem sua Graça salvadora,
e vindicação (retribuição punitiva – em hebraico neqāmâ) contra os ímpios e arrogantes que procuram destruir seu povo e ridicu-
larizar sua Palavra. O AT está repleto de considerações sobre o castigo divino (58.10; 79.10; 94.1; Nm 31.2; Dt 32-33; 2Rs 9.7; Is
34.8; 35.4; 47.3; 59.17; 61.2; 63.4; Jr 46.10; 50.15,28; 51.6-36; Ez 25.14,17; Mq 5.15; Na 1.2). Entretanto, no NT as nossas armas
são outras: devemos nos revestir do poder do Espírito Santo e vencer a fraqueza da nossa própria carne e as investidas dos
exércitos de um inimigo ainda mais cruel e voraz: o Diabo (2Co 6.7; 10.4; Ef 6.12,17; Hb 4.12). A participação da Igreja de Cristo
e, portanto, dos cristãos, no castigo divino final contra as nações pagãs do mundo está reservada para o momento derradeiro
do Dia do Senhor (1Co 6.2,3).
Capítulo 150
1 Poema musical especialmente composto para encerrar o grande livro dos louvores a Deus – o Saltério – com uma convocação
solene e final ao louvor (Sl 41.13; 72.18,19; 89.52; 106.48; 146).
2 O santuário em Jerusalém é comparado ao magnífico firmamento; a expansão simboliza a presença do poder divino (Gn
1.6; Sl 11.4; 19.1); o templo de Deus na abóbada celeste do universo visível (os céus), que aos olhos humanos parece ser um
templo cósmico.
3 O Senhor Yahweh (Deus em hebraico) deve ser reverenciado como o Único e Todo-Poderoso Criador do Universo e dos seres
humanos (v.2). Devemos oferecer todos os dons e talentos com os quais fomos contemplados, por propósito divino, para a glória
do Criador, nosso Deus (vv.3-5). Todo ser vivente, especialmente o ser humano, é convidado a tomar parte nessa grandiosa e
eterna celebração de louvor (v.6). Este salmo antecipa a retumbante e esplendorosa ocupação do Universo por parte dos crentes
e todas as criaturas em seu estado perfeito e final, quando tudo o que foi criado estiver plenamente sujeito à absoluta vontade
de Deus (1Co 15.24-28).
INTRODUÇÃO
PROVÉRBIOS
Autoria
O próprio livro de Provérbios apresenta Salomão (971-931 a.C.), filho do grande rei Davi com
Bate-Seba (2Sm 12.24), como o principal autor e compilador dos ditados e instruções sapienciais
que formam esta obra canônica (1.1). Os escritos que se encontram registrados entre 10.1 e 22.6
são de sua direta e pessoal autoria. Contudo, Salomão selecionou – com sabedoria divina – os mais
apropriados pensamentos e ditados entre as centenas de sábios que vinham anualmente ao reino
unificado de Israel para conhecer, aprender e trocar experiências com o maior líder nacional, pacifi-
cador, administrador, conselheiro e sábio hebreu de todos os tempos. A passagem de 22.17 revela
as conclusões poéticas de alguns “Sábios”, e 24.23 cita ainda a contribuição de “outros sábios”. A
introdução de 22.17-21 é uma comprovação de que as diversas sessões da obra são fruto de um
colegiado de homens de Deus e sábios, e não apenas do próprio Salomão. O capítulo 30 tem como
mentor o sábio Agur, filho de Jaque e o rei Lemuel com sua mãe são considerados os autores do
trecho bíblico que encerra o livro de Provérbios.
A extraordinária capacidade intelectual de Salomão é evidenciada no Primeiro Livro dos Reis (4.29-
32), que afirma ser Salomão autor de 3.000 provérbios. O destaque conferido ao “temor do Senhor”
como a chave para uma vida feliz aqui, agora e na eternidade (1.7), é o elo indelével de todas as
sessões e conclusões da obra.
Propósitos
No livro de Provérbios, a sabedoria tem sua origem em Deus, Yahweh. Os ditados e instruções
da obra têm um principal objetivo: revelar prudência aos incautos; conhecimento e bom senso aos
jovens (1.4); assim como aumentar a inteligência dos sábios (1.5). O uso freqüente da expressão
“filho meu” ressalta a idéia de um monarca que ama a Deus, sábio e muito experiente na arte de
viver, que, amorosa e pacientemente, procura conduzir seus súditos mais jovens e inexperientes pelo
caminho da paz, da saúde e da prosperidade eterna (1.8,10; 2.1; 3.1; 4.1; 5.1). Embora esta obra seja
eminentemente prática e menos teológica, o alicerce de toda a sua praxe repousa sobre o princípio
filosófico de que o “temor do Senhor” é o segredo de uma vida feliz (1.7).
Nos primeiros capítulos (de 1 a 9), a obra revela que o caminho da sabedoria é absolutamente
oposto a qualquer atitude arrogante, violenta e imoral (1.11-18; 2.16-18).
Ao mesmo tempo, Provérbios critica severamente a esposa implicante e briguenta (19.13; 21.9,19),
e os maridos insensíveis, preguiçosos e rabugentos (14.29; 26.21). O lar deve ser um lugar de amor,
respeito, descanso e encorajamento para a alma (15.17; 17.1).
A intriga e a difamação são expressamente condenadas (10.19; 17.27). O tempo e a comunica-
ção devem servir para a edificação saudável e integral dos filhos e dos alunos ou discípulos (1.8;
22.6; 31.26). O sistema disciplinar formado por ministração, ensino, acompanhamento, correção e
repreensão e indispensável à boa educação e formação de filhos, empregados e alunos em geral
(13.24). Por isso, Provérbios incentiva o trabalho honesto e dedicado (10.4; 31.17-19), repudiando
o preguiçoso e aproveitador (6.6; 20.13). A boa e verdadeira riqueza está associada a retidão, jus-
tiça e esforço competente (3.16); enquanto a miséria é, quase sempre, fruto de iniqüidade e falta
do “temor do Senhor” (22.16). Há riquezas perversas e sobre elas Provérbios faz severos alertas
(15.16; 28.6). Os reis e governantes têm obrigação de agir com honestidade e justiça (31.5). Os
que tratam os mais fracos e pobres com misericórdia e cooperação serão grandemente abenço-
ados por Deus (14.21). Os ímpios e arrogantes serão exterminados subitamente (11.2; 16.18), es-
pecialmente aquele soberbo que vive questionando e zombando da fé e do comportamento limpo
e justo dos crentes no Senhor (1.22; 21.24). Os que se entregam ao álcool e a quaisquer outras
drogas vivem sob depressão e muita tristeza e precisam desistir de seus vícios o quanto antes e
apegar-se a Deus (20.1; 23.29-35).
Mesmo não tendo a preocupação de ser uma obra teológica, Provérbios faz questão de apresentar
Deus como o Criador do Universo, Aquele que detém o tempo, a matéria e a História em suas mãos,
controlando cada mínimo detalhe na Terra e no Universo (16.4,9,33; 20.24; 14.31; 5.21; 15.3). A
“Sabedoria”, como atributo do caráter de Deus é personificada (8.22-31). Não há situação impossível
para Deus, pois é Ele quem dirige e muda o próprio coração dos reis, segundo seus propósitos
santos e justos (21.1).
1 Jafar Sadeq, considerado pela tradição muçulmana xiita como um de seus santos mais destacados, encontrou-se com um
religioso ocidental e lhe perguntou: “Quem pode ser considerado sábio?” Depois de pensar um pouco, o religioso lhe disse:
“Aquele que pode distinguir entre o bem e o mal”. Ao que replicou o mestre xiita: “Então, até mesmo um macaco pode ser con-
siderado sábio, pois que é capaz de discernir entre o que é bom e ruim para ele”. Entretanto, a Palavra de Deus nos garante que
a amorosa, sincera e reverente devoção a Deus (expressão aqui traduzida por “temor”) é a lei magna e princípio fundamental de
todo o saber (v.7). A sabedoria divina de Salomão, sua profícua produção literária de provérbios e cânticos em louvor ao Senhor
Deus são citados em 1Rs 4.32; Ec 1.1; Ct 1.1; Pv 10.1; 25.1.
2 “Sabedoria” é palavra-chave nesta obra canônica e ocorre mais de 40 vezes em todo o livro. Seu significado inclui a idéia de
aplicar a inteligência divina nas idéias e práticas humanas cotidianas. O livro dos provérbios é uma convocação para um viver
sadio e bem sucedido, em harmonia com os justos e imutáveis desígnios de Deus (3.13,14; 4.5). Jesus Cristo, o Messias, é a
expressão exata da sabedoria de Deus (1Co 1.30; Cl 2.3).
3 A palavra, aqui traduzida por “prudência”, no original hebraico é uma expressão tão forte que, na literatura hebraica, fora do
cânon bíblico, é normalmente usada com conotação negativa de “ardil” ou “astúcia” (Gn 3.1; Jó 5.13). Os “simples” ou “inexpe-
rientes” são expressões (e seus sinônimos) que aparecem no texto bíblico mais de 15 vezes, sempre com o propósito de se referir
às pessoas que se deixam influenciar facilmente; os incautos, ingênuos, inseguros ou de personalidade fraca, alguns devido à
pouca experiência com a vida e nos relacionamentos humanos e à dificuldade em dominar suas vontades (9.4,16; Sl 19.7). A KJ
de 1611 traduz este versículo assim: To giue subtiltie to the simple, to the yong man knowledge and discretion.
4 O v.7 resume o tema da obra:
“o temor” do Senhor, que é a maneira bíblica hebraica original de se referir à plena, alegre e amo-
rosa submissão do ser humano ao seu Criador e Pai – Deus Yahweh – a quem, como súditos celestes, devemos honra e a cuja Palavra
devemos obediência (9.10; 31.30; Jó 28.28; Sl 2.11; 111.10; Is 12.6; Ec 12.13; Ml 1.14). Em contraposição, temos a figura do “insen-
sato”, expressão cujo sentido mais amplo e dramático refere-se ao “louco”, não exatamente ao doente mental, mas especialmente ao
“tolo”, aquele que diante da verdade e da vida prefere a mentira e a morte (v.22; Jo 1.9-12; Pv 5.12; 12.1; 20.3; 28.26; 29.11; Sl 14.1).
5 Na prática diária da vida hebraica, especialmente nos tempos antigos, o pai e a mãe são os primeiros e melhores mestres
que um ser humano pode ter: é um privilégio, particularmente nos primeiros anos de vida. Por isso, é comum no Oriente, os
mestres tratarem seus alunos como filhos (6.20). A KJ de 1611 traduz: My sonne, heare the instruction of thy father, and forsake
not the law of thy mother.
6 O poder e o prazer são tentáculos do deus Dinheiro (Mâmon), que desde a mais tenra idade procuram seduzir e manipular
os “tolos” e “volúveis”. Pessoas cujo egoísmo não lhes permite resistir aos encantos e prazeres do poder, seja qual for o preço a
PROVÉRBIOS 1 148
pagar; que estão prontas a derramar sangue inocente para obter seus intentos sórdidos (v. 13,19; 3.14-16; 5.1-6; 6.24; 7.5; 16.16;
Jó 28.12-19; Mt 6.24).
7 O caminho do adultério (não apenas sexual, mas toda alteração da verdade e justiça) é ilusório (aparentemente interessante,
sedutor e prazeroso), mas conduz, invariavelmente, a dois resultados: produz muito mal às outras pessoas (v.16) e aos próprios
incautos (vv.17-19).
8 Uma alusão a um antigo adágio oriental: “Ave experiente (e suculenta) não cai em laço simples”. Os caçadores (corruptores
e mal-intencionados) freqüentemente caem em suas próprias armadilhas (emboscadas – v.11): é só uma questão de tempo (Sl
7.15; Pv 26.27; Ec 10.8).
9 Salomão é dirigido por Deus para personificar a “Sabedoria”, fazendo referência à própria pessoa de Jesus Cristo, que prome-
te conceder o seu Espírito (v.23), mediante oração invocatória (de aceitação da Graça – v.28), adverte todos aqueles que zombam
e desdenham da sua Palavra, mas promete a paz e a felicidade aos que o aceitam de coração sincero (vv.32,33; Mt 5.6).
10 Ainda é tempo de o arrogante, presunçoso, insensível, avarento, hedonista e egoísta se render humildemente aos pés de
Cristo e receber a graça salvadora de Deus. Há uma fonte de refrigério de alma e sabedoria jorrando, ininterruptamente, à disposi-
ção de todas as pessoas da terra (18.4). Contudo, chegará o momento em que essa fonte cessará de jorrar na terra e o derradeiro
juízo terá início, sem clemência (v.24; Is 1.4; 5.24; Mt 23.37).
11 Este verso não deve ser compreendido como uma atitude simplesmente vingativa ou possivelmente descontrolada de Deus,
mas como uma reprodução da exultação humana, frente ao glorioso momento de sua redenção, depois de tanto tempo passado
sob as tentações, a exploração e zombaria daqueles que se achavam imbatíveis, auto-suficientes e rebeldes contra Deus, seus ser-
vos e seus princípios. O sábio poeta retrata a alegria do justo que, finalmente, vê com satisfação o mal ser definitivamente destruído.
Deus dará sua resposta aos reis da terra que usurparam seus poderes e imaginaram ser iguais à divindade (6.12-15; Sl 2.4).
12 É comum às pessoas clamarem diante de um perigo, grave acidente ou catástrofe: “Ó, meu Deus!” Todavia, no instante
preciso em que o Dia do Senhor chegar, e com ele o grande e derradeiro Juízo, não adiantarão expressões de arrependimento
e súplicas por perdão e misericórdia (vv.20,27; 18.20; 31.31; Is 3.10). “Portanto, tudo o que o ser humano semear, isso também
colherá!” (Gl 6.7).
149 PROVÉRBIOS 1, 2
32 Pois a imprudência dos néscios os ma- 8 pois guarda os passos do justo e protege
tará; e o falso bem-estar dos insensatos o caminho de seus santos.4
os levará à destruição. 9 Desse modo, compreenderás bem o que
33 Mas aquele que me der ouvidos vive- significa ser justo, ter juízo, agir com reti-
rá em plena paz, seguro e sem temer mal dão, e aprenderás os caminhos do bem.
algum!”13 10 Pois a sabedoria habitará em teu co-
ração, e o conhecimento será agradável
Lucros de uma vida sábia à tua alma.5
2 Meu filho, se aceitares os meus con-
selhos e abrigares contigo os meus
mandamentos,1
11 O bom senso te guardará, e a plena in-
teligência te protegerá.
12 A sabedoria te livrará das veredas dos
2 com o objetivo de considerar atenta- maus, das pessoas de palavras ardilosas;
mente a sabedoria e inclinar o coração 13 dos que abandonam o caminho da
para o discernimento,2 verdade e trilham os atalhos da mentira
3 e, se clamares por entendimento, e por e das trevas;
inteligência suplicares, aos brados; 14 que se alegram em praticar o mal e co-
4 se buscares a sabedoria como quem memoram a crueldade dos perversos,
procura a prata, e como tesouros escon- 15 seguem por atalhos tortuosos e se ex-
didos a procurares, traviam em suas próprias trilhas.
5 então, compreenderás o que significa 16 A sabedoria também te livrará da mu-
o temor do SENHOR e acharás o conheci- lher imoral, da pervertida que visa sedu-
mento de Deus.3 zir com palavras e sensualidade,6
6 Porquanto é o SENHOR quem concede 17 que abandona aquele que desde a ju-
sabedoria, e da sua boca procedem a in- ventude foi seu companheiro dedicado,
teligência e o discernimento. ignorando a aliança que pactuou diante
7 Ele reserva a plena sabedoria para os de Deus.7
justos; como um escudo protege quem 18 A mulher imoral caminha a passos
procura viver com integridade, largos em direção à morte, que é a sua
13 Os “tolos” seguirão suas próprias e mais obscuras vontades rumo à destruição. O “sábio” andará na companhia do Espírito
de Deus e jamais se arrependerá; ainda que passe por crises e momentos de aflição, reinará em triunfo, paz e felicidade sobre a
terra (Is 32.9,18; Ez 34.27; Am 6.1; Sf 1.12).
Capítulo 2
1 O sábio conclama os jovens ou inexperientes (tanto na vida quanto na comunhão com Deus) a depositarem a sabedoria em
seus corações com todo o carinho e segurança, assim como o salmista exorta que guardemos a Palavra de Deus (Sl 119.11; Is
55.11). A expressão original hebraica “meus mandamentos” não deixa dúvida sobre as ordens expressas do Senhor.
2 A expressão hebraica traduzida nas edições de KJ, desde 1611, como “coração”, corresponde, na antiga cultura hebraica,
a “entranhas” ou a “intestinos”, por causa da sensação (frio na barriga) normalmente experimentada quando se sente uma forte
emoção, e significa o “centro das decisões humanas”; sendo assim traduzida também, em algumas passagens, por “mente” ou
“razão” (4.21; 1Rs 3.9). A KJ de 1611 publica assim este versículo: So that thou incline thine eare vnto wisedome, and apply thine
heart to vnderstanding.
3 A expressão hebraica aqui traduzida por Deus é Elohim (v.17; Gn 2.4; Pv 3.4; 25.2; 30.9). O sábio nos exorta a conhecer a
Deus como pessoa (Pai), como única maneira de alcançar vida sábia e eterna (v.6; Fl 3.10-11).
4 A expressão hebraica original “santos” significa aqueles que foram “santificados”; escolhidos e separados pelo Espírito de
Deus para sua honra e glória (Rm 1.7; 8.14).
5 Os que aceitam a Palavra de Deus e recebem com sinceridade a sua Graça, aprenderão, com o Espírito do Senhor, a agir com
sabedoria em todas as circunstâncias (Hb 5.11-14).
6 A expressão hebraica original e literal “forasteira” ou “estrangeira” carregava o sentido de que as mulheres judias eram
tementes ao Senhor e, portanto, somente as gentias ou pagãs eram “imorais”. Contudo, o significado mais amplo diz respeito
ao afastamento da Lei e, especialmente, do amor sincero e dedicado ao Senhor, a fim de se entregar aos ilusórios prazeres mun-
danos (5.3,10,20; 6.24; 7.5,21; 23.27; 1Rs 11.1).
7 O crente sincero é leal e, por seu amor e fé em Deus, não quebra pactos assumidos diante do Senhor, como o caso da
“aliança” matrimonial, normalmente celebrada na juventude, com a pessoa a quem se prometeu amar e cooperar na construção
de uma família temente a Deus por toda a vida (Is 54.6; Ez 16.8; Ml 2.14; Êx 20.14).
PROVÉRBIOS 2, 3 150
derradeira habitação, e cujas trilhas to- 5 Confia no SENHOR de todo o teu coração
das conduzem ao lugar dos espíritos e não te apóies no teu próprio entendi-
mortos.8 mento.3
19 Os que a procuram jamais retornarão, 6 Reconhece o SENHOR em todos os teus
tampouco voltarão a encontrar o cami- caminhos, e Ele endireitará as tuas vere-
nho da vida! das.
20 Entretanto, a sabedoria te fará an- 7 Não sejas sábio aos teus próprios olhos;
dar pelo caminho dos homens de bem e teme ao SENHOR e aparta-te do mal.
aprenderás a guardar a vereda dos justos. 8 Isso se constituirá em saúde para o teu
21 Porquanto os justos herdarão a terra, e corpo e vigor para os teus ossos.
os íntegros nela habitarão;9 9 Honra ao SENHOR com teus bens e com
22 porém os ímpios serão exterminados as primícias de todos os teus rendimen-
da face da terra, assim como dela serão tos;
desarraigados os insinceros e desleais. 10 e se encherão com fartura os teus celei-
ros, assim como transbordarão de vinho
O sábio ama e obedece a Deus os teus reservatórios.4
8 A expressão hebraica original transliterada refaim significa “espíritos dos mortos” ou “reino das sombras” (7.27; Jó 26.5). Os
falecidos estão no Sheol, expressão hebraica original que se refere à sepultura, ao pó da terra para onde nossos corpos voltam,
às profundezas obscuras ou às “moradas dos mortos” (1.12). Uma vida dedicada à prática da imoralidade (uma ação imoral leva
sempre a outra e mais outra), pavimenta o caminho que conduz rapidamente à destruição e à morte dos envolvidos (5.5; 9.18).
9 As terras de Canaã haviam sido prometidas por Deus a Israel (Gn 17.8; Dt 4.1). Na terra prometida o povo de Deus encontraria
plena paz e liberdade para viver em alegre devoção a Deus – Yahweh. Essa promessa foi ampliada para todos os povos, mediante
o sacrifício vicário de Cristo, o Messias (v.22; Dt 28.63; Sl 37.9-29; Mt 5.5).
Capítulo 3
1 A obediência amorosa aos mandamentos e princípios da Palavra de Deus (o temor ao Senhor – 1.7) proporciona saúde ao
corpo, paz ao espírito e, portanto, vida longa (v.8; 9.10,11; 10.27; 19.23). Essa é a promessa do quarto grande mandamento (Êx
20.12), que faz parte também dos ensinos de Jesus Cristo. Salomão orou pedindo sabedoria, e Deus lhe prometeu paz, prospe-
ridade e longevidade saudável, se permanecesse obediente à sua Palavra (1Rs 3.13,14).
2 O sábio crescerá em graça diante de Deus e dos homens, conforme o exemplo que nos deixou o Senhor Jesus (Lc 2.52; Rm
12.17; 2Co 8.21). A expressão hebraica original
“confia” refere-se à atitude de depositar toda a nossa fé na pessoa de Deus.
3 O ser humano herdou de Deus a criatividade (capacidade de resolver problemas e ordenar o caos), mas para uma solução
perfeita e duradoura, devemos sempre consultar o Senhor (em oração) e sua Palavra. Não confiar jamais apenas em nossa força
e sentimentos, mas depositar toda a nossa fé no amor e poder de Deus, da mesma forma que os antepassados de Israel con-
fiaram em Deus e foram salvos (Sl 22.4,5; 37.5; Nm 14.24; Dt 1.36; Is 38.3). O próprio rei Davi suplicou a seu filho Salomão que
oferecesse seu coração em plena e sincera confiança ao Senhor (1Cr 28.9; Os 4.1; 6.6; Is 45.13).
4 Deus promete a todos que lhe trazem o dízimo de seus bens e ganhos, como sincera demonstração de fé, louvor e adoração,
derramar mais bênçãos financeiras e econômicas do que eles têm condições de recolher e armazenar (Ml 3.10; Dt 28.8,12; 2Co 9.8).
5 Nem sempre o justo vive em prosperidade plena; às vezes precisamos passar por provas e períodos sob a repreensão do Pai,
a fim de crescermos espiritualmente e não ficarmos tão apegados aos desejos da nossa carne e aos bens materiais (v.2; 12.1; Jó
5.17; 36.22; Sl 119.71; Hb 12.5-10). Israel, por exemplo, passou por uma prova e período de disciplina que durou 40 anos, por
causa do coração endurecido dos filhos de Deus naquele momento histórico (Dt 8.2-5).
151 PROVÉRBIOS 3
6 A sabedoria é personificada pelo poeta sagrado como a mais bela e inteligente mulher. A esposa amorosa e dedicada vale
mais que os mais caros rubis (31.10). Jó também considerou a sabedoria muito mais valiosa que os rubis (Jó 28.18). A KJ de 1611
já trazia a expressão hebraica original “rubis”, em vez de “pérolas”, como aparece em algumas versões: She is more precious then
Rubies: and all the things thou canst desire, are not be compared vnto her.
7 A expressão hebraica original shãlôm não apenas significa paz mas também prosperidade e plenitude, considerando a paz
com Deus como base para alcançar a plenitude. (v.2; 16.7; Sl 119.165).
8 O poeta sagrado usa uma figura de linguagem que remete à Árvore da Vida do jardim do Éden (Gn 2.9; Pv 11.30; 13.12; 15.4;
Ap 2.7; 22.2,14 de acordo com 1Co 1.30).
9 Deus abriu, pela força do seu poder, fontes e rios por toda a terra (Gn 7.11; 49.25; Sl 74.15). O orvalho diário que limpa o ar
e renova o viço da flora e da fauna é uma figura de linguagem da própria renovação da graça diária de Deus para com a humani-
dade, assim como as chuvas periódicas concedidas pela sabedoria divina (Dt 33.13; 2Sm 1.21).
10 Nas antigas culturas orientais, os soberanos exibiam ao redor do pescoço um valioso colar de ofício (Gn 41.42).
11 O sono reparador e saudável é profundo e sem sobressaltos. Por isso, a oração antes de dormir é de fundamental impor-
tância na preparação de um terapêutico período de descanso para restauração do físico e da alma. Só Deus pode nos conceder
absoluta segurança e paz, mesmo em meio às crises mais difíceis e preocupantes (Sl 4.8; Mt 8.24-26; Ef 4.26). Essa é uma das
promessas listadas entre as bênçãos pactuais (Lv 26.6; Jó 11.18,19; Mq 4.4; Sf 3.13; Pv 1.33).
12 Deixar de fazer o bem que sabemos e podemos é um grave pecado de omissão (Tg 4.17).
13 O Senhor abomina qualquer tipo de prática pagã, como a maldade, arrogância, indiferença, perversidade e degradação
moral (Dt 18.9,12; Pv 6.16; 8.7; 11.20). Porém, o justo é considerado seu grande amigo (Gn 18.17-19; Jó 29.4; Sl 25.14; Jo
15.12-27).
PROVÉRBIOS 4 152
1 O rei Davi fala sobre Salomão, seu único filho com Bate-Seba (1Cr 22.5; 29.1),quando este era ainda muito jovem e inexpe-
riente (simples), muito amado por seu pai e, especial para sua mãe (Gn 37.3; Zc 12.10). As citações e declarações autobiográficas
eram comuns entre os sábios judaicos (Pv 24.30-34, de acordo com o livro de Eclesiastes).
2 A expressão original hebraica (o princípio) nos ajuda a compreender que a sabedoria é “suprema” e deve ser procura-
da de todo o coração, por meio do temor do Senhor (1.7), como alguém que, ao encontrar uma pérola rara, de valor inestimável,
vende tudo o que tem para adquiri-la (Mt 13.45,46). É Deus quem concede a sabedoria (Tg 1.5-8).
3 Devemos aceitar e amar a sabedoria divina como luz e guia eterno para os nossos caminhos (Sl 119.89, 105). Jesus Cristo
nos ensinou a reconhecer na Palavra de Deus a direção sábia e infalível de Deus; seus mandamentos são leves e nos conduzem
à verdadeira felicidade (Mt 11.28-30; Jo 10.10; 14.12-21).
4 Em muitas ocasiões, o próprio Messias, o Senhor Jesus, referiu-se aos provérbios para ministrar aos seus amados ouvintes
(Jo 12.35 com Pv 4.19; Jo 8.24 com Pv 5.23; Jo 6.47 com Pv 8.35; Mt 7.24-29 com Pv 14.11).
5 A expressão hebraica original aqui traduzida por “coração”, corresponde à sede dos sentimentos e decisões do ser humano,
que no antigo oriente era compreendida como a região das entranhas (dos intestinos), especialmente por causa da sensação
que as emoções normalmente causam no estômago, como um certo “frio na barriga”. Jesus nos ensinou que a boca fala do que
está cheio o “coração”, ou seja, do que está repleto o íntimo (Lc 6.45). Sendo o corpo do cristão o templo do Espírito Santo, é
fundamental que saibamos guardar o nosso “coração”; afastarmo-nos do mal mediante atenção às orientações do Espírito (Rm
8.26,27; 1Co 6.19; 1Ts 5.19).
153 PROVÉRBIOS 4, 5
vras perversas; e não permitas que teus 9 para que não entregues aos outros a tua
lábios pronunciem qualquer mentira. honra, tampouco, tua própria vida a al-
25 Olha sempre para a frente, mantém teu gum homem cruel e violento;
olhar fixo no objetivo a ser alcançado.6 10 para que dos teus bens não se fartem
26 Reflete sobre tuas escolhas e sobre o os estranhos, e outros se enriqueçam à
caminho por onde andas, e todos os teus custa do teu trabalho;
planos serão bem sucedidos! 11 e venhas a te queixar e gemer no final
27 Não te desvies nem para a direita da vida, quando teu corpo perder o es-
nem para a esquerda; retira o teu pé da plendor e o vigor abandonar tua carne.
malignidade!7 12 Então, murmurarás: “Como me rebe-
lei à disciplina! Como meu coração des-
Conselhos contra a imoralidade prezou a repreensão!
6 Devemos olhar sempre para nosso alvo maior: a glória do Senhor (Fl 3.13,14), e não nos deixarmos levar pelas coisas e pai-
xões paralelas deste mundo (Sl 119.37). A inveja, o mexerico e a maledicência são outras formas de nos desviarmos do principal
objetivo de nossas vidas e “olharmos de lado” (v.27; Lv 19.16; Dt 5.32,33; 28.14; Js 1.7).
7 Assim foi traduzido este versículo, do manuscrito grego para a KJ de 1611: Turne not to the right hande nor to the left: remoue
thy foot frō euil. (1.15).
Capítulo 5:
1 A expressão original hebraica
“para que conserves a discrição e os teus lábios guardem o conhecimen-
to” era, costumeiramente, aplicada a um sacerdote (Ml 2.7). Os cristãos, hoje, são os sacerdotes de Cristo (1Pe 2.9; Ap 5.10).
2 Estes conselhos foram dirigidos, originalmente, a jovens masculinos de uma cultura oriental hebraica, há cerca de 3000 anos;
hoje, particularmente nas sociedades ocidentais, podem ser aplicados, indistintamente, a ambos os sexos e a todas as idades.
Os “lábios que destilam o mel” referem-se à conversa interessante, compreensiva e agradável que se estabelece entre duas
pessoas em processo de sedução (Ct 4.11; 5.13; 7.9). As palavras de uma mulher ou homem adúlteros (imorais), bem pensadas
e carinhosamente pronunciadas, exercem função semelhante à do azeite quente massageado em músculos tensos e juntas dolo-
ridas; entretanto, são expressões cheias de lisonjas, hipocrisia e malícia (Sl 5.9; 55.21). O absinto ou fel é um extrato de ervas, a
substância mais amarga que se conhecia, usado na época no tratamento dos males do estômago, fígado e intestinos.
3 No contexto da cultura e da Lei judaicas da época, o pecador aqui apresentado quase foi acusado perante a assembléia do
povo e condenado à pena de morte por apedrejamento (Lv 24.14; Dt 22.22). A tradução literal e original deste versículo é: “Por
pouco estive em todo mal no meio de toda a assembléia e congregação”. A KJ de 1611 traduziu desta maneira: I was almost in
all euill, in the midst of the congregation & assembly.
PROVÉRBIOS 5, 6 154
4 Estamos moralmente e psicologicamente nus diante do Espírito de Deus, e o Senhor sonda os nossos corações (vontades e
intenções), o tempo todo. Se a felicidade plena e a vida eterna repousam na obediência amorosa e sincera aos mandamentos de
Deus, não há como justificar más intenções, deslizes morais e pecados de toda espécie, com argumentos racionais, científicos
e modernos (novos padrões de moral mundial). Somente o sincero arrependimento, confissão, pedido de perdão e a mudança
radical de hábitos, mediante o exercício prático do “temor do Senhor” poderão nos livrar das garras do maligno e da destruição
certeira (v.22; 1Sm 16.7; Ez 33.11; Mt 5.8 de acordo com Hb 9.27 e Gl 6.7).
Capítulo 6
1 Um documento assinado, um aperto de mão ou uma palavra empenhada, para a pessoa que realmente teme a Deus, são
atitudes que têm o mesmo significado: um compromisso que deve ser cumprido custe o que custar (22.26,27). Em Gênesis há
uma passagem que ilustra bem o perigo de assumirmos a responsabilidade pelo pagamento da dívida do próximo ou qualquer
outra obrigação semelhante. Judá ofereceu sua própria pessoa como garantia pela devolução, em segurança, de Benjamim a
Jacó (Gn 43.9), e, quando o cumprimento desse desafio pareceu impossível de se realizar, Judá se viu obrigado a apresentar-se a
José para servir-lhe como escravo (Gn 44.32,33). Era costume dos judeus da antigüidade selarem seus contratos e alianças com
um aperto de mãos (Pv 11.15; 17.18; 20.16; 22.26, de acordo com Jó 17.3).
2 Devemos fugir de qualquer contrato de fiança como as aves fogem das mãos ou do laço do passarinheiro (Sl 124.7). Veja este
versículo na tradução da KJ de 1611: Deliuer thy selfe as a Roe from the hand of the hunter, and as a bird from the hand of the fowler.
3 O original hebraico personifica e apresenta o “homem vil” como “homem de Belial”, uma pessoa maligna (1Sm
30.22). O termo “maligno” vem da conjunção de duas palavras: beli, “sem” e ya’al, “nada de bom” ou “imprestável” (Jz 19.22;
1Sm 25.25; Jó 34.18; Dt 13.13). Em 1Co 6.15 essa palavra traduz um dos nomes de Satanás.
4 Há pessoas que são absolutamente escravizadas e manipuladas pelo Diabo. Assim como as atitudes do homem de Belial
são semelhantes às obras do Maligno, assim também seu fim será parecido à derrota iminente, fulminante e eterna do “homem
da iniqüidade” (2Ts 2.7-12). A própria palavra “Diabo” originalmente significa “semeador de conflitos”, e a palavra grega diabolos
quer dizer “aquele que promove a discórdia”. A palavra original hebraica Satan tem o sentido básico de “Acusador”.
155 PROVÉRBIOS 6, 7
16 Há seis atitudes que o SENHOR odeia, objetivo da adúltera, que vive rondando
sete atitudes que ele detesta:5 à caça de vidas preciosas!8
17 olhos arrogantes, língua mentirosa, 27 É possível alguém atear fogo ao pró-
mãos que derramam sangue inocente, prio peito sem queimar a roupa?
18 coração que maquina planos perversos, 28 Pode alguém andar sobre brasas sem
pés que se apressam para fazer o mal, queimar os próprios pés?
19 a testemunha falsa que espalha difa- 29 Assim acontece com quem se deita
mações e aquele que provoca contendas com mulher alheia; ninguém que a toque
entre irmãos! ficará sem castigo.
30 O ladrão não é execrado se, faminto,
Advertências contra o adultério furta para matar a fome?
20 Filho meu, obedece à orientação de teu 31 Contudo este, quando for pego, deverá
pai e não abandones o ensino de tua mãe. pagar sete vezes o que furtou, ainda que
21 Ata-os para sempre ao teu coração, isso lhe custe tudo o que tem em casa.9
envolve-os junto ao teu pescoço.6 32 Mas o homem que comete adultério
22 Quando caminhares, eles te guiarão; não tem juízo; qualquer pessoa que as-
quando te deitares, eles te protegerão sim procede a si mesmo se destrói.
durante o sono; quando acordares, eles 33 Sofrerá ferimentos e vergonha, e a sua
dialogarão contigo! humilhação jamais se apagará,
23 Porquanto, o mandamento é lâmpada, 34 pois o ciúme desperta a fúria de um
o ensino é luz, e as advertências da disci- homem, que não terá misericórdia quan-
plina são o caminho que conduz à vida; do se vingar.10
24 eles te guardarão da mulher imoral e 35 Não aceitará nenhuma compensação;
das palavras lisonjeiras da mulher adúl- nem os mais caros presentes servirão
tera! para acalmar sua ira.
25 Não cobices no teu coração a sua
beleza, nem te deixes seduzir por seus A sedução e a cilada do adultério
olhares,7
26 pois o preço de uma prostituta é um
pedaço de pão, quando comparado ao
7 Filho meu, obedece aos meus conse-
lhos e no íntimo do teu ser guarda os
meus mandamentos!
5 A poesia bíblica hebraica do séc. X a.C. costumava usar números na formação de seu paralelismo sinônimo, com o objetivo
de dar ênfase e dramaticidade aos escritos sapienciais (30.15-29; Jó 5.19). O número sete, por exemplo, desde a antigüidade ju-
daica tem sido usado para comunicar a idéia de “absoluto, completo, perfeito” e tem sentido de “muitos ou fartura”. A idéia central
deste versículo é apenas mostrar uma seleção das várias atitudes pecaminosas que são detestadas, abomináveis a Deus (3.32).
6 Estas expressões no original evocam a passagem de Dt 6.4-9, que alguns judeus mais religiosos até hoje recitam todas as
manhãs, como sua confissão de fé, conhecida como shema, “Ouve, ó Israel!...”. (v.22; Js 1.8; Dt 6.4-9).
7 É melhor deixar a Palavra e o Espírito de Deus queimarem toda a “cobiça”, assim que surgir no horizonte de nossa alma
voluptuosa, do que cair no engodo do “adultério” (imoralidade), quer seja sexual, financeiro ou político (Pv 5.20; Mt 5.27-30, de
acordo com Êx 20.17).
8 Aqui não há uma concessão bíblica para qualquer prática imoral ou licenciosidade sexual. O saber canônico está apenas
revelando, de forma dramática, que a mulher pública (prostituta) tem como principal objetivo o dinheiro dos incautos que por ela
são seduzidos; mas como adúltera, ela é muito mais perversa: reduzirá o homem conquistado, a mera servidão e a completa ruína
moral e econômica (1Sm 2.36; Pv 5.10; 29.3). Quem se entrega a uma vida adúltera será destruído, a menos que se arrependa
e mude radicalmente seus hábitos, zelando permanentemente por sua castidade e integridade diante de Deus (Hb 13.4; 1Co
6.9; Gl 5.19-21).
9 A lei dos judeus exigia, como penalidade, que o criminoso restituísse, à sua vítima, até cinco vezes mais o valor do que havia
furtado ou roubado (furto a mão armada ou com violência). A sabedoria bíblica e poética usa o termo “sete vezes” para indicar,
simbolicamente, que o faltoso pagará a pena máxima e integral. Contudo, a pessoa que vive em adultério e jamais se arrepende,
sofrerá vergonha e destruição eterna (Êx 22.1-9; 2Sm 13.13,22).
10 Aqui, a exemplo da questão do v.26 (Nota 8), não está sendo apresentada uma justificativa plausível para a vingança e a
violência, especialmente se a parte prejudicada for temente a Deus. No entanto, o sábio nos adverte sobre a força destruidora do
ciúme incontrolado. Além disso, bens materiais sempre poderão ser reconquistados ou restituídos, mas não há compensação
para a loucura (insensatez) das práticas adúlteras, que não ficarão sem o devido castigo (vv. 29-31).
PROVÉRBIOS 7 156
1 O sábio personifica a Sabedoria e o Entendimento, para enfatizar o quanto são importantes e devem ser amados e cuidados
como nossos parentes mais íntimos. O termo hebraico original “irmã” pode também ser empregado aqui com o sentido de
“noiva” (Ct 4.10-12; 5.1,2).
2 Conforme a Lei, após seu período menstrual toda mulher deveria oferecer, ao Senhor, uma oferta “pacífica” ou “de comu-
nhão” (Lv 15.19-30; Am 5.21,22). O sentido espiritual do texto nos leva a entender que essa pessoa imunda, que representa toda
a sagacidade do pecado, teve a petulância de usar um ritual sagrado para confundir e instigar ainda mais a volúpia do jovem
inexperiente (incauto ou fraco na fé). Essa situação também revela como é possível que as pessoas continuem sua vida religiosa
e cerimonial sem se darem conta de que estão cometendo graves afrontas e sacrilégios contra Deus.
3 Podemos fazer uma outra importante inferência espiritual a partir desta declaração. É possível ver como a sociedade tende a
argumentar que Deus se ausentou do mundo e da vida cotidiana e individual das pessoas sobre a face da terra e que, portanto,
nada há de mal em se permitir um pouco de divertimento e prazer em meio a tanta desgraça. Esse sofisma bem articulado tem
levado e continuará levando milhões de pessoas para a morte eterna, especialmente quando o “Noivo” voltar em glória para
resgatar os seus e destruir o Maligno e seus seguidores (Mt 25.6).
4 O sábio não está se referindo simplesmente à pena máxima para o adultério, tanto do homem quanto da mulher, explícita
na Lei e em voga na época, que era a condenação à morte (Lv 20.10). O pecado e todo tipo de adulteração da Palavra de Deus
conduz à desmoralização da personalidade, à ruína em todos os sentidos, ao lugar dos mortos (em hebraico: Sheol), e à morte
157 PROVÉRBIOS 8
eterna ou inferno (2.18; 5.5; 14.12; 16.25; Mt 7.13; 1Co 6.9,10). Graças a Deus temos na pessoa e no sacrifício vicário de Cristo,
a derradeira oportunidade de nos livrarmos das garras do pecado e da morte: a confissão, o arrependimento e o abandono da
prática do pecado em o Nome do Senhor (1Jo 1.9).
Capítulo 8
1 O livro de Provérbios pode ser didaticamente dividido em três grandes capítulos, todos com o objetivo de ensinar à huma-
nidade como viver de forma piedosa (santa e inteligente) diante de Deus: o temor do Senhor é a base de todo o saber e vida
com Deus (1.1 – 7.27). A prática da verdadeira vida espiritual (santidade) só é possível mediante a sabedoria – o conhecimento
vivo do Senhor – (8.1 – 9.18). A piedade (santidade) é o exato oposto da vida mundana desinteressada de Deus – impiedade –
(10.1 – 31.31).
2 Uma das mais evidentes demonstrações da graça de Deus está no fato de que ele mesmo providencia – de todas as formas
– para que sua mensagem de salvação (evangelização) chegue a todos os povos, culturas e indivíduos em todo o mundo, das
ruas e vilas às grandes edificações e centros urbanos. É importante notar que o convite do Senhor vem ao nosso encontro, onde
estivermos, e cabe a nós a decisão final de aceitá-lo de todo o coração ou nos mantermos indiferentes, atitude que tem o mesmo
sentido prático da rejeição (v.7; Lc 19.9,10).
3 O termo original hebraico peti´ “simples” comunica a idéia de uma pessoa “ingênua, inexperiente, que é facilmente
enganada”, ou seja, “incauta”. “Néscio” ou “insensato” – em hebraico, kesil – tem o sentido de alguém vagaroso na compreensão
das coisas e da vida, mas inclui também a idéia de ser “ímpio, pagão ou ateu” (Sl 49.13; Ec 7.25).
4 A expressão “adúltera” não se aplica somente à perversão sexual, mas a todo tipo de distorção da verdade, falsificação,
corrupção, deturpação e perversidade (Fp 2.15 e Pv 2.15).
5 A “Sabedoria” é personificada e revelada com perfeição em Jesus, o Filho de Deus e o Cristo (o Messias prometido). Nele
reside, corporalmente, toda a plenitude da “Divindade” (Cl 2.9), que é a “Vida” (Jo 14.6) e a “Luz” que veio do céu (Jo 8.12) para
todos os que o aceitam com sinceridade e alegria de coração (Jo 7.17). Só essa sabedoria tem o poder de falar com autoridade
absoluta (vv.22-31; Jo 1.1; 1Co 1.30; Cl 1.17).
6 Aqui podemos reconhecer claramente a voz de Jesus Cristo expressando seu amor incondicional pela humanidade e sua
disposição constante em atender as orações de todos que se achegam a ele (Jo 13.1; Hb 7.25).
PROVÉRBIOS 8, 9 158
7 O trecho dos vv.22-31 veio a se constituir – ao longo da história de Israel e da Igreja – em um hino sobre a personificação e a
obra da sabedoria divina em toda a criação do Universo (1.20-33; 3.15-18; 9.1-12). Portanto, esta e outras passagens semelhantes
podem ser interpretadas como uma antecipação sobre o que o NT descreve quanto a Jesus Cristo como a própria Palavra de
Deus (Jo 1.1-3; 17.5), como também, Sabedoria de Deus (1Co 1.24,30; Cl 2.3; Jo 5.17,18).
8 Deus, em sua plena soberania e eternidade, criou o Universo e tudo o que há, a partir do “nada absoluto”, que é o sentido
exato da palavra “criar” nos originais hebraicos do livro do Gênesis 1.1,21,27. Deus forma do “nada” as partículas básicas do
Universo, moléculas e células, enquanto sua palavra (o logos divino) e sabedoria (seu caráter amoroso e justo), reveladas na
pessoa do seu Filho, e nosso Salvador (Messias), colaboram na maravilhosa ação da Trindade para ordenar tudo de tal forma que
a humanidade possa ter alguma compreensão geral (Jo 1.1-3). E na plenitude dos tempos, no limiar do final das eras, decidiu
Deus tomar plena forma humana (encarnar) na pessoa de seu Filho, Jesus Cristo; viver e sacrificar-se em benefício da vida eterna
da criação, da qual o homem, feito à imagem de Deus, é obra-prima (Gn 1.26-28).
9 Aquele que é a vida em si mesmo é o único que pode dar a vida (Jo 14.6). E Deus (em Cristo) deseja ansiosamente dar essa
vida a todos aqueles que desejam recebê-la, mediante simples e sincera fé na pessoa e obra vicária do seu Filho, o Cristo (Jo
11.25,26; Jo 3.16-21). A KJ de 1611 traz a seguinte tradução para este versículo: For whoso findeth mee, findeth life, and shall
obtaine fauour of the LORD.
Capítulo 9
1 O convite divino (de Yahweh – o nome hebraico de Deus) sempre se expressou nos termos de um grande, delicioso e alegre
banquete entre amigos de verdade (Is 55.1,2). Somente em Cristo, entretanto, o Evangelho (a Salvação), esse banquete eterno,
tem seu custo total e substância plenamente compreendidos (Jo 6.51-58). Aqui a expressão hebraica pode ser transli-
terada em hokmôť “a sabedoria” (1.20). As grandes edificações pagãs, como o magnífico templo de Afrodite e o palácio do rei
assírio Senaqueribe, costumavam ser sustentados por sete imponentes colunas. Mas a sabedoria que vem do Senhor revela suas
sete colunas, nos sete dias da criação (8.27), e mais: na Instrução, no Conselho, no Ensino, no Entendimento, na Inteligência,
no Conhecimento Pleno (para receber, no coração, a Sabedoria) e na Prudência (a melhor maneira de se aplicar o saber). Estas
palavras são as chaves para compreensão da Sabedoria e deste livro.
2 A Sabedoria e a Insensatez convidam a humanidade para suas casas (14.7,8; 8.34). Entretanto, a Sabedoria edificou sua casa
pessoalmente (14.1; 31.10-27), não apenas utiliza a casa de outrem, nem fica “sentada” (v.14) recepcionando seus convivas. O
159 PROVÉRBIOS 9, 10
4 “Vinde todos vós, os incautos!” Aos in- que não têm bom senso ela convida:
sensatos e desajuizados conclama: 17 “Aágua roubada é doce, e o pão que se
5 “Vinde, comei do meu pão e bebei do come escondido é ainda mais saboroso!”
vinho que preparei. 18 Contudo, eles nem imaginam que exa-
6 Abandonai a insensatez e vivei; andai tamente ali residem os espíritos dos con-
pelo Caminho do arrependimento!3 denados à morte, que os seus convidados
7 O que censura o zombador traz afronta estão todos nas regiões mais profundas
sobre si; quem repreende o ímpio man- do inferno.4
cha o próprio nome.
8 Portanto, não admoestes o escarnece- A justiça e a malignidade
dor, para que não te aborreça; repreende
o sábio, e ele te amará!
9 Orienta a pessoa que tem sabedoria, e
10 Provérbios de Salomão:1
O filho sábio alegra o coração do
seu pai, mas o filho insensato é a tristeza
ela será ainda mais sábia; ensina o ho- de sua mãe.
mem justo, e ele aumentará em muito o 2 Os tesouros que são fruto da desones-
seu saber. tidade de nada valem, mas a justiça livra
10 O temor do SENHOR é a chave da sabe- da morte.
doria e conhecer a Divindade é alcançar 3 O SENHOR não permite que o justo ve-
o pleno sentido do conhecimento! nha a passar fome, mas abate a ambição
11 Porquanto por meu intermédio os teus dos ímpios.
dias serão multiplicados, e o tempo da 4 As mãos preguiçosas empobrecem o ser
tua vida se prolongará. humano, porém as mãos laboriosas lhe
12 Se fores sábio, o benefício será todo produzem riqueza.
teu; contudo, se fores zombador sofrerás 5 Aquele que faz a colheita no verão é fi-
as conseqüências da tua própria esco- lho sensato, mas aquele que dorme du-
lha”. rante a ceifa é filho que causa vergonha.
6 Sobre a cabeça do justo há bênçãos,
O convite da Insensatez, a louca mas na boca dos perversos reside a bru-
13 A Insensatez é mulher sensual, exibi- talidade.
cionista e ignorante! 7 A memória do justo é abençoada, mas o
14 Sentada à porta de sua casa, no ponto nome dos perversos cai em podridão.
mais alto da cidade, 8 O sábio de coração aceita os manda-
15 propagandeia sua proposta aos que mentos, mas o insensato de lábios vem
transitam por ali em seus caminhos: a arruinar-se.
16 “Vinde todos vós, os incautos!” E aos 9 Quem caminha com integridade anda
banquete preparado pela Sabedoria forma um contraste poético e moral com a cama perfumada da Insensata (7.17). A Sabedoria
oferece o melhor pão (iguarias), um vinho novo e especial, muito mais saboroso (Ct 8.2), ao seu grupo de convidados que proce-
de das ruas e das praças, sendo que a deficiência de tais hóspedes é a única qualificação deles (v.4).
3 As dádivas divinas da Sabedoria à humanidade são apresentadas simbolicamente como um magnífico banquete, semelhante
aos realizados por ocasião das bodas dos grandes monarcas. Cristo (o Caminho – At 19.23; 24.22) retoma esse tema e convida
“seus servos” para seu banquete universal e eterno (Lc 14.15-24; Mt 22.1-14).
4 A expressão hebraica original usada aqui do she’ôl (sepultura, moradia dos mortos ou inferno) não é uma referência
específica ao futuro eterno, uma vez que a teologia hebraica dessa época tinha mais interesse em conhecer a Deus na terra e
obedecer a Ele, do que em especular sobre os detalhes da vida após a morte. Só com a vinda de Jesus Cristo (o Messias) e seus
ensinos sobre salvação e vida eterna, é que também ficou clara a doutrina da condenação à morte eterna e o aniquilamento de
Satanás e seus seguidores (Jo 3.16-21; Mc 9.44,45; Ap 20.10-14). A KJ de 1611 traduz assim este versículo: But hee knoweth not
that the dead are there; and her guests are in the depths of hell.
Capítulo 10
1 No original hebraico, a soma do valor numérico das consoantes do nome “Salomão”, na expressão “de Salomão”,
resulta em 375, conforme o antigo costume judaico de atribuir números às letras (Sl 119). Curiosamente, esse é o número total
dos versículos selecionados da imensa obra (1Rs 4.32) do sábio servo do Senhor (28.7; 15.20; 17.21,25; 29.3,15), e que se acham
registrados entre os capítulos 10.1 e 22.16.
PROVÉRBIOS 10, 11 160
em segurança, mas quem segue por tri- 22 A bênção do SENHOR produz riqueza e
lhas tortuosas será descoberto. não provoca sofrimento algum.
10 Aquele que se comunica com olhares 23 Para o insensato, praticar a iniqüidade
maliciosos provoca infelicidades, assim é um divertimento; mas o ser humano
como a boca do insensato o leva à des- verdadeiramente inteligente deleita-se
truição. na sabedoria.
11 Os lábios do justo são fonte de vida, 24 Aquilo que teme o ímpio, isso mesmo
mas a boca dos ímpios abriga a violên- lhe acontecerá; o que os justos esperam
cia.2 lhes será concedido.
12 O ódio provoca contendas, mas o amor 25 Como passa a tempestade, assim desa-
cobre todas as transgressões.3 parece o perverso, mas o justo permane-
13 Nos lábios do prudente se encontra cerá firme para sempre.4
a sabedoria, mas a vara da repreensão é 26 Como vinagre para os dentes e fumaça
para as costas do desajuizado. para os olhos, assim é o preguiçoso para
14 Os sábios acumulam conhecimento, aqueles que o supervisionam.
mas a boca do néscio é um atalho para 27 O temor do SENHOR prolonga os dias
a ruína. da nossa existência, mas o tempo de vida
15 Os bens dos ricos são sua cidade for- dos perversos será abreviado.
tificada, mas a pobreza é a humilhação 28 O objetivo do justo será concluído
dos pobres. com alegria, mas as ambições dos ímpios
16 O salário do justo lhe proporciona darão em nada.
uma vida feliz, mas as rendas do perverso 29 O Caminho do SENHOR é o refúgio dos
o conduzem ao castigo. íntegros, entretanto, será a destruição de
17 Quem recebe bem a disciplina conhece todos os que praticam o mal.
o caminho da vida, mas quem ignora a re- 30 Os justos jamais serão definitivamente
preensão desencaminha a si e aos outros. abalados, mas os ímpios pouco perma-
18 Quem esconde o ódio tem lábios fal- necerão na terra.
sos, e quem espalha calúnia é insensato. 31 A boca do justo produz sabedoria, mas
19 Quando se fala demais é certo que o a língua perversa será extirpada.5
pecado está presente, mas quem sabe 32 Os lábios justos sabem como falar agra-
controlar a língua é prudente. davelmente; entretanto, a boca dos ímpios
20 A língua dos justos é prata da melhor só tagarela perversidades.
qualidade, mas o coração dos ímpios
quase não tem valor. A Integridade e o bom nome
21 As palavras dos justos alimentam mui-
tas pessoas, mas os insensatos morrem
por falta de juízo.
11 Deus tem ódio das balanças de-
sonestas, mas os pesos exatos lhe
dão prazer!
2 Em qualquer situação devemos conversar de maneira controlada e compreensiva, ainda que tenhamos de ser firmes e decisivos. A
conversa torpe, autoritária e abrutalhada coopera na formação de um ambiente beligerante, rixoso, malicioso e odioso (Ef 4.25-32).
3 O verdadeiro amor, em toda a amplitude do seu significado sempre promoverá o perdão e a reconciliação. A expressão he-
braica original kasah “cobrir” comunica o sentido de “expiar”, “apagar”, “cancelar a dívida”. Este versículo foi citado também por
Tiago e pelo apóstolo Pedro no NT (Tg 5.20; 1Pe 4.8). Jesus Cristo foi quem pagou toda a nossa dívida por meio do seu próprio
sangue e nos deixou o maior exemplo prático de amor e perdão (Cl 2.14).
4 O homem prudente constrói sua casa sobre a Rocha (Cristo – 1Pe 2.4-10). Este é um fundamento perpétuo: o justo permane-
cerá vivo e feliz para sempre, enquanto o ímpio e insensato passará de uma hora para outra, e dele ninguém mais se lembrará (Mt
7.24-27; Sl 37.10; 15.5; Is 28.18; 1Co 15.58). A KJ 1611 traduziu este versículo assim: As the whirlewinde passeth, so is the wicked
no more: but the righteous is an euerlasting foundation.
5 A expressão hebraica original , transliterada em hokmâh “a sabedoria”, comunica, nas Sagradas Escrituras, a qualidade
de ser “arguto para o bem”, embora esse mesmo termo fora da Bíblia tenha apenas o sentido de “grande inteligência, perspicácia
e perícia técnica” (Êx 31.3; Ez 27.8). Contudo, a “sabedoria plena” pertence a Deus e é dom de Deus aos amados de seu Filho,
Jesus, o Messias (Jo 12.12-36). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: The mouth of the iust bringeth foorth wisedome: but the
froward tongue shalbe cut out.
161 PROVÉRBIOS 11
1 A arrogância é o único pecado sem perdão; não porque Deus não possa perdoar o soberbo, mas porque a pessoa altiva
jamais reconhece profundamente seus erros e, portanto, não é capaz de pedir perdão com a sinceridade de quem deseja aban-
donar o erro e obedecer ao Senhor. A expressão hebraica original zãdôn refere-se a “arrogância” ou “insolência”, que é
sempre causada por um desequilíbrio na balança da auto-estima: desenvolvemos um conceito exageradamente alto de nossa
própria pessoa ou capacidades e um baixo conceito ou desconsideração pelo talento ou virtudes de outrem. Quando esse mes-
mo sentimento se aplica à pessoa de Deus, corremos o risco de cometer o pecado da blasfêmia (16.18). Já o termo hebraico
cãnüah “os humildes”, em sua forma verbal de “andar humildemente” diante do Senhor, se junta às virtudes paralelas, do
humilde: a justiça e a misericórdia, o fundamento e o âmago da piedade e da verdadeira religião de Deus, descrita no AT (Mq
6.8; Pv 15.33; 29.23).
2 O dia (ou período) do grande e terrível juízo final de Deus sobre a terra e a humanidade é chamado nas Escrituras, de: Dia do
Juízo (Is 10.3; Sf 1.18); Dia da ira (Lm 2.22; Sf 2.2; Rm 2.5); Dia do Senhor (Is 2.12; 13.6; Ez 30.3; Jl 1.15; 2.11); Dia da vingança
(Jr 46.10).
PROVÉRBIOS 11, 12 162
27 Todas as pessoas que procuram o bem lhas mortais, mas, quando os justos fa-
serão respeitadas; porém, o mal atropela- lam, há libertação.
rá aquele que o busca. 7 Os ímpios são derrubados e desapare-
28 Quem deposita confiança em suas ri- cem, mas a casa dos justos permanecerá
quezas certamente se decepcionará, mas indestrutível.
os justos florescerão como a folhagem 8 O homem é honrado de acordo com a
verdejante. sua sabedoria, mas o que alimenta per-
29 A pessoa que causa problemas para sua versidades no coração é desprezado.
família herdará apenas o vento; e o falto 9 É melhor ser uma pessoa comum do
de juízo acabará sendo servo do sábio. povo, porém, que trabalha duro e mes-
30 O fruto da justiça é árvore da vida, e mo assim, tem quem o sirva, do que fin-
toda pessoa que conquista almas é sábio.3 gir ser rico e passar fome.2
31 Se mesmo o justo é corrigido em sua 10 O justo zela com carinho dos seus re-
caminhada na terra, quanto mais o ím- banhos, mas até as atitudes mais amáveis
pio e o pecador! dos ímpios são cruéis.
11 Quem se dedica ao trabalho de sua
As atitudes do justo e do perverso própria terra colherá com fartura, mas o
3 Todo aquele que por Deus é justificado vive como cidadão do céu e terá novo e eterno acesso à Àrvore da Vida. E a grande
sabedoria desse “novo cidadão” consiste em apresentar o Caminho da Salvação ao mundo perdido (3.18; Dn 12.3; 1Co 9.19-22;
Tg 5.20). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: The fruit of the righteous is a Tree of Life: and hee that winmeth soules, is wise. O
justo é exortado a ser ainda mais sábio (santificado); o ímpio renitente será punido com a destruição eterna (v.31; 1Pe 4.18,19).
Capítulo12
1 O termo hebraico original havill diz respeito à “força feminina”, ao caráter batalhador, corajoso e determinado das mu-
lheres em geral e especialmente daquelas que temem ao Senhor e, por isso, além de fortes, são “sábias”. Sua atitude delicada,
piedosa e ao mesmo tempo firme, honrada e constante, demonstra suas virtudes ao mundo. Essa é a mulher descrita no capítulo
31 deste livro. Sua intenção é sempre fazer o que é certo e o bem (31.12); trabalha de bom grado sem murmurações (31.13);
procura socorrer quem esteja passando por qualquer situação aflitiva (31.20); exerce diariamente a sabedoria prática (31.26-27);
e o segredo da sua força moral e carisma estão em seu amor ao Senhor (31.30). A mulher virtuosa tem um comportamento
semelhante ao de Rute no AT (Rt 3.11), e proporciona – como a própria sabedoria - honra e muitas alegrias a seu marido (Pv
4.9). Em contraste, a mulher insatisfeita, queixosa, autoritária, escandalosa e agressiva se assemelha a um câncer na vida do seu
marido e familiares (3.8; Hb 3.16).
2 A expressão hebraica original e literal mitkabbēd “aquele que se vangloria”, ou “dá excessiva honra a sua própria pessoa e
a tudo o que faz” traduz o comportamento da pessoa que erroneamente dá mais valor a si e à humanidade do que a Deus (Jo
5.44; Rm 2.29; Pv 12.15; Jó 9.20). Devemos corrigir nossa perspectiva em relação a quem primeiramente é digno do nosso louvor.
Nossa felicidade e glória estão em reconhecer o amor e o poder de Deus em nossas vidas, pois foi o Criador quem nos concedeu
os dons e habilidades que possuímos (Jr 9.23-25).
163 PROVÉRBIOS 12, 13
3 A expressão “tagarelice”, neste versículo, vem do original hebraico bôteh e tem o sentido de “falar sem discernimento”,
“entregar-se a conversas tolas, mentirosas e inúteis”, “falar sem refletir sobre as possíveis conseqüências”. Esta curiosa palavra
hebraica ocorre somente aqui, em toda a Bíblia. Contudo, no NT, Jesus resgata o sentido dessa expressão e Mateus usa um termo
grego originado da mesma raiz, battalogein, que se traduz por “usar de vãs repetições” (Mt 6.7). A “tagarelice”, portanto, é a falta
completa de domínio sobre a língua e, conseqüentemente, sobre as atitudes (Tg 3.5-12).
4 Absolutamente nada que venha sob a ordem do mal, “por ou pelo” mal, acontece com o crente fiel. O Senhor, pessoalmente,
é quem cuida dos seus e mesmo as situações difíceis, crises e sofrimentos fazem parte do seu plano de salvação, santificação
e vida eterna (Sl 34.22; 91.10; Rm 8.28). Diferentemente do “tagarela” ou do “ímpio”, a palavra daquele que confia no Senhor
(sábio) realiza um trabalho terapêutico na alma e no corpo dos seus ouvintes (4.22; 15.4). O crente precisa estar sempre em muita
comunhão com o Espírito de Deus, cuidando para não se deixar levar pela carne ou pelas provocações do mundo e perder o
controle da língua (Sl 106.33).
5 Em todo o AT, esta é uma das poucas passagens que afirmam categoricamente a imortalidade da pessoa humana (alma ou
espírito humano). O andar do crente no Caminho (Jesus Cristo, o Messias) reflete, durante sua existência na terra, a luz da sua
fé, por meio das obras que realiza, e aflui para a vida eterna, de maneira que não há, para o que crê no Senhor, morte espiritual
(3.2; 11.4; 1.22; 9.7,8). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: In the Way of rigtheousnesse is Life, and in the Path-way thereof
there is no death.
Capítulo 13
1 O controle sobre o que se fala (conteúdo) e como se fala (comunicação) é uma das evidências mais claras do quanto uma
pessoa é sábia. As Escrituras (o AT e o NT) ensinam que “a língua tem poder sobre a vida e a morte” (18.21; 10.19; 21.23; Tg
3.2). A pessoa que não reflete antes de falar, e tem orgulho de dizer que “fala mesmo, tudo o que sente e deseja”, acabará se
arruinando mais cedo ou mais tarde (12.18; 10.14; 18.7; 2Tm 3.3,4).
2 A expressão original hebraica aqui transliterada como rãsha´ e traduzida por “perversos” comunica a idéia de “algo mal
ligado”, “solto e sem sentido”. Quem não está “ligado” ao Senhor, na mais profunda comunhão espiritual, não tem paz e segu-
PROVÉRBIOS 13, 14 164
fato; outros passam a idéia de que são alegra a alma; o tolo, contudo, jamais se
pobres, mas possuem grandes riquezas! desapega do mal.
8 As riquezas de uma pessoa servem de 20 Aquele que caminha com os sábios
resgate para sua própria vida, mas o po- será cada vez mais sábio, todavia aquele
bre jamais será ameaçado. que anda na companhia dos insensatos
9 O fulgor da luz dos justos brilha esplen- acabará arruinado.
didamente, mas a lâmpada dos perversos 21 A infelicidade persegue os pecadores,
se apagará totalmente. mas a prosperidade é a recompensa dos
10 A arrogância só produz contendas, sábios.
mas a sabedoria está com aqueles que 22 O homem bom deixa sua herança para
buscam conselho. os filhos de seus filhos, mas toda a rique-
11 O dinheiro arrecadado de maneira ines- za dos ímpios é acumulada para ser dis-
crupulosa se extinguirá, mas quem o con- tribuída aos justos.
quista honestamente terá cada vez mais. 23 A boa terra dos pobres produz gene-
12 A expectativa que se adia deixa o co- rosas colheitas, mas por falta de justiça
ração adoecido, mas o anseio satisfeito eles a perdem.
renova o vigor da vida. 24 Quem se nega a disciplinar e repreen-
13 Quem zomba da Palavra pagará caro der seu filho não o ama; quem o ama de
por isso, mas aquele que obedece ao fato não hesita em corrigi-lo.4
mandamento será regiamente recom- 25 O sábio recebe o suficiente para satis-
pensado.3 fazer plenamente seu apetite; a alma dos
14 A instrução dos sábios é fonte de vida, perversos, contudo, sempre está faminta.5
e tem o poder de distanciar o ser huma-
no das ciladas mortais. Homem sábio, mulher sábia
15 O bom entendimento conquista o fa-
vor, mas as estratégias dos ímpios não
permanecerão por muito tempo.
14 A mulher sábia edifica a sua casa,
mas com as próprias mãos a in-
sensata destrói o seu lar.
16 Toda pessoa prudente deve agir com 2 A pessoa que caminha na retidão teme
sabedoria, mas o tolo torna pública toda ao SENHOR, mas o que anda por atalhos
a sua tolice. sinuosos, esse não leva Deus a sério.
17 O mensageiro ímpio tropeça em sua 3 A conversa do perverso traz a vara para
própria malignidade, mas o emissário suas próprias costas, mas os lábios dos
digno de confiança apresenta a salvação. sábios os protegem.
18 Quem despreza a correção cai no es- 4 Não havendo bois, o celeiro fica vazio,
cândalo e na pobreza, entretanto, quem mas por intermédio da força bovina vem
acolhe a repreensão é abençoado com a grande colheita.1
honra! 5 A testemunha verdadeira não usa de ar-
19 A esperança que se realiza satisfaz e dis, mas a falsa transborda em mentiras.
rança. Por isso mesmo, anda atropelando as demais pessoas, sempre buscando desprezar o passado, aflito quanto ao presente
e temeroso em relação ao futuro. “Perverso”, de 12.8, é a tradução de um termo hebraico procedente da raiz ΄ãwâh que significa
“perverter” ou “torcer a verdade”. Em 17.4, o termo original é ΄ãwen cujo sentido é de “pessoa depravada” ou “ímpia”.
3 O termo hebraico original “a palavra” é uma evidente referência à santidade e ao poder das Sagradas Escrituras (Sl
119). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: Whoso despiseth the Word, shall be destroyed : but he that feareth the commaun-
dement, shall be rewarded.
4 Assim como um bom e responsável pai, que se preocupa com o bem-estar futuro do seu filho, deve dialogar, repreender e – se
necessário – usar a vara da disciplina para expulsar a insensatez dos filhos, Deus – nosso Pai – também prefere nos corrigir seve-
ramente a nos ver perdidos para sempre (Dt 8.5; Jó 5.17; 1Co 11.32; 2Tm 2.25; Hb 12.10; Pv 22.15; 19.18; 23.13,14; 29.15,17).
5 Este versículo revela de forma mais específica os ensinos anteriores de 13.18,21 e 10.3.
Capítulo 14
1 O princípio aqui é de que os sábios devem cuidar bem dos seus meios de produção, para usufruírem de colheitas e indústrias
lucrativas. Na época, os bois eram cooperadores valiosos no trabalho agrícola do arado e na movimentação das cargas (12.10).
165 PROVÉRBIOS 14
2 Os tolos e perversos não acreditam em pecado, nem no inferno. Mas os tementes a Deus, e justos, quando tropeçam e co-
metem algum pecado, imediatamente devem buscar o perdão do Senhor e, eventualmente, da pessoa ofendida, restabelecendo
sua plena comunhão com o Senhor (Mt 25.41; 18.15-20; 26.41; 1Jo 1.9).
3 Qualquer pessoa, por mais que tenha instrução ou experiência de vida, se não pertence ao rol dos filhos de Deus, não conse-
gue compreender e partilhar dos sentimentos de um pecador arrependido, nem da plena alegria do perdão e reconciliação, que
somente o Salvador pode conceder ao crente arrependido (1Sm 1.10; Mt 26.75; 13.44; 1Pe 1.8).
4 A humilde “tenda” (tabernáculo) dos justos permanecerá inabalável, conforme ilustração ministrada por Jesus Cristo em seus
ensinamentos (Mt 7.24-27 e Lc 6.46-49). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: The house of the wicked shall bee ouerthrowen:
but the tabernacle of the vpright shall flourish.
5 Aqui há uma advertência clara a toda e qualquer religião ou crença que não tenha como fundamento a pessoa e a obra do
Filho de Deus, o Messias, Jesus Cristo (v.13; Sl 25.4; 119.35; Jo 14.6).
6 O termo hebraico transliterado em sügh “infiel” comunica especificamente a idéia de uma atitude contínua e explicitamente
desleal contra Deus. Foi o comportamento descrente e infiel tantas vezes descrito no livro do Êxodo e, especialmente, em Juízes
2.10-19. A “infidelidade ao Senhor” é a disposição íntima de relativizar ou “esfriar na fé” e afastar-se da obediência sincera à
Palavra de Deus (Hb 6.4-8).
7 A expressão hebraica original “o prudente” refere-se à pessoa “sagaz” (engenhosa, inteligente, esperta), qualidades
que podem ser direcionadas tanto para o bem quanto para o mal (Gn 3.1). Jesus nos ensinou a ser “astutos para o bem” (Mt
10.16; Jó 5.12).
PROVÉRBIOS 14, 15 166
está a glória do rei; sem o povo, o prínci- 4 As palavras bondosas revigoram a nos-
pe não é nada! sa vida, entretanto o falar perverso desa-
29 A pessoa que se mantém calma dá pro- nima o espírito.
va de grande sabedoria, mas o precipitado 5 O tolo despreza as orientações de seu
revela publicamente sua falta de juízo. pai, mas quem compreende bem a repre-
30 A paz de espírito é saúde para o corpo, ensão demonstra sabedoria.
mas a inveja corrói como o câncer. 6 A casa do justo contém grande tesouro,
31 Oprimir o povo é ultrajar o seu Cria- mas os rendimentos dos ímpios lhes tra-
dor, mas tratar com bondade o pobre é zem preocupação.
honrar a Deus. 7 As palavras dos sábios divulgam conhe-
32 Por meio da sua própria malignidade, cimento; mas o coração dos insensatos
o perverso é derrubado; os justos, entre- não procede assim.
tanto, ainda que diante da morte, encon- 8 O SENHOR detesta as ofertas e sacrifícios
tram consolo e esperança. dos ímpios, mas a oração dos justos é o
33 No coração do prudente habita a sabe- seu contentamento.2
doria, mas tudo o que existe na alma dos 9 O SENHOR odeia as trilhas dos perversos,
tolos vem a público. mas ama quem segue a justiça.
34 A justiça engrandece as nações, mas o 10 Há um severo castigo para quem aban-
pecado é uma vergonha para qualquer dona o caminho do bem, e quem não su-
povo.9 porta ser corrigido encontrará a morte.
35 O servo prudente recebe as recompen- 11 O Além e o Inferno estão abertos dian-
sas do rei, mas o que procede indigna- te do SENHOR, quanto mais os corações
mente será alvo do castigo real. dos homens!3
12 O escarnecedor não gosta de quem o
Deus conhece o coração humano corrige, tampouco busca a ajuda dos sá-
8 É impressionante o número de pessoas que vivem abaixo do nível de pobreza em todo o mundo. A falta de misericórdia e
cooperação efetiva daqueles que possuem bens e fartura, para com os que não têm a mesma chance, é uma atitude de desonra
ao nome do Senhor. Pois Deus criou tanto os ricos quanto os pobres, à sua imagem (19.17; 22.2; Jó 31.15; Tg 3.9; Mt 25.31-46).
9 Israel foi escolhida para receber as maiores bênçãos de poder, prosperidade e prestígio em todo o mundo, caso obedecesse às
leis de Deus (Dt 28.1-14). Os cananeus chegaram a ser expulsos de suas terras por causa do pecado que cultivavam (Lv 18.24,25).
Israel, contudo, por haver se rebelado contra os mandamentos do Senhor recebeu a mesma sentença (Dt 28.15-68; 2Sm 12.10).
Capítulo 15
1 As palavras pacíficas e sensatas de Gideão acalmaram a fúria dos homens de Efraim (Jz 8.1-3; Pv 15.18; Ec 10.4). Em con-
traste, a palavra ríspida e irônica de Nabal enfureceu Davi (1Sm 25.10-13).
2 Aqueles que estão afastados da verdadeira adoração a Deus também não terão suas orações ouvidas na hora da necessida-
de. O Senhor nem mesmo aceitará qualquer oferta ou sacrifício de pessoas que não o amam sinceramente (21.3,27; 3.32; Ec 5.1;
Is 1.11-15; Jr 6.20; Mt 7.21; 15.8). O Senhor ama e ouve todo aquele que busca a justiça (v.9; 21.21; 1Tm 6.11).
3 Nem mesmo no Além ou Abismo (em hebraico Abadom), no Inferno ou Destruição – morte eterna - (em hebraico
Sheol), em nenhum lugar, há qualquer segredo ou pensamento oculto ao pleno onisciente conhecimento do Senhor (Jó
26.6; Sl 88; 44.24; 139.8; Is 14.15; Am 9.2). Abadom é um dos títulos do Diabo em Apocalipse 9.11 (Sheol e Abadom aparecem
juntos novamente em Pv 27.20). Só o Senhor conhece perfeitamente a razão e os sentimentos mais íntimos de cada ser humano
(1Sm 16.7). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: Hell and Destruction are before the LORD: how much more then, the hearts
of the children of men?
167 PROVÉRBIOS 15, 16
4 Mesmo sob a cruz da pobreza, enfermidades e aflições, os filhos de Deus podem usufruir a alegria de confiar plenamente no
amor e no poder do Pai (1Pe 1.6-8).
5 A expressão “boi cevado” ou “boi gordo” refere-se às melhores e mais caras partes do boi (bifes suculentos), reservadas
apenas para pessoas e ocasiões muito especiais (7.14; Mt 22.4; Lc 15.23).
6 “O Caminho” e “Caminho da Vida” são também nomes de Jesus Cristo (Jo 14.6). É a obra e a pessoa de Jesus que nos
leva para cima, para os céus e para a plenitude da presença eterna de Deus, nosso Pai. Não são os nossos talentos, virtudes e
obras que nos promovem ao céu e evitam que sejamos atirados ao Abismo (Inferno, morte ou separação eterna de Deus); nossas
atitudes boas são apenas demonstrações práticas da Salvação que recebemos, e da fé que foi implantada em nossos corações
pelo Espírito do Senhor (Ef 2.8-10).
7 Na antiguidade oriental, os proprietários de terras usavam marcar os limites de suas terras com amontoados de pedras. Quem
movesse esses marcos do lugar original estaria correndo o risco de ser condenado por furto de terras (22.28; Jó 24.2; Dt 19.14).
8 O AT conta a história de como a cobiça de Acã foi responsável pela morte de toda a sua família em Jericó, e isso nos serve de
alerta e exemplo contra toda tentação de avareza (Js 7.14-26). Semelhantemente, jamais devemos oferecer ou ceder a subornos:
o final dessas antigas e desonestas práticas é sempre terrível (17.8; 28.16; Dt 16.19; 1Sm 12.3; Ec 7.7; 1Tm 6.10).
9 Os “mansos e humildes” herdarão a terra (Mt 5.5; 23.12; Lc 14.11; 18.14; Tg 4.10; 1Pe 5.6). A sabedoria se expressa de forma
sincera, branda e bondosa (11.2; 13.10).
Capítulo 16
1 A expressão hebraica original “da língua”, aqui traduzida por “quem dá a palavra certa”, alerta a humanidade para o fato
de que, embora ao ser humano tenha sido dado o talento de “planejar” e a “criatividade”, somente Deus sabe o que é “certo”
e melhor; portanto, toda nova idéia ou bom planejamento deveria conter uma profunda reflexão, mediante oração e consulta às
Escrituras, buscando a direção e aprovação do Senhor (vv. 2,9; 19.21; 20.24; 31.30,31). A KJ de 1611 traduz este versículo assim:
The preparations of the heart in man, and the answere of the tongue, is from the LORD.
PROVÉRBIOS 16 168
2 A compreensão do v.1 é iluminada pelos vv.2,3 e seguintes. Deus avalia as mais secretas e verdadeiras intenções do coração de
cada ser humano (14.12; 24.12; Sl 139.23; 1Co 4.4,5; Hb 4.12). Os alvos e objetivos alinhados com a vontade de Deus serão todos
plenamente alcançados, e haverá grande e permanente felicidade em suas realizações (1Pe 5.7; Pv 3.5,6; Sl 1.3; 55.22; 90.17).
3 Deus é absolutamente soberano, nada escapa ao seu controle pessoal em todo o Universo desde sempre. Portanto, ele
sabe que os ímpios renitentes não permitirão aos seus corações aceitar o dom divino da salvação. O ímpio é aquele que siste-
maticamente zomba do Senhor e de tudo o que se refere à salvação ou religião (do latim religio, como na Vulgata, no sentido de
“religar-se” a Deus – Tg 1.26-27); somente no final da História, o ímpio, o Maligno e a morte reconhecerão o poder e a majestade
do Senhor, mas será tarde demais; serão banidos para o castigo eterno, e nunca mais perturbarão os filhos de Deus (Ec 7.14; Rm
2.5-11; 8.28; Êx 9.16; Ez 38.22,23; Ap 20.14,15).
4 Quando uma pessoa ou todo um povo se arrepende das más escolhas que fizeram e, conseqüentemente, dos maus cami-
nhos pelos quais andaram (em afronta à vontade expressa de Deus em sua Palavra), o Senhor – mediante a pessoa e a obra do
seu Filho, Jesus, o Messias – perdoa todos os pecados e prepara o convertido (aquele que teve a rota da sua vida radicalmente
alterada da morte para a vida) para seu Reino e a vida eterna (1.7; 3.3; Os 4.1; Is 1.18,19; 55.7; Jr 3.22; Ez 18.23-32; 33.11-16;
Os 14.1-4).
5 Assim ocorreu na história dos reis piedosos Asa e Josafá (2Cr 14.6,7; 17.10; Pv 3.17; Rm 12.18; Hb 12.14).
6 Na antigüidade, os comerciantes costumavam levar em suas bolsas de couro, pedras especiais e de vários tamanhos a fim de
pesar e medir quantidades de prata para os pagamentos das mercadorias (Mq 6.11; Pv 21.2; 24.12; Jó 6.2; 31.6).
7 O humor do rei poderia determinar a morte de muitas pessoas que se aproximassem dele na hora errada, ou lhe provocassem
ainda mais a ira por algum motivo (19.12; Et 7.7-10; Mt 22.7; Lc 19.27). Por sua maneira de tratar o rei Nabucodonosor, Daniel nos
revela a atitude correta de uma pessoa sábia: buscar acalmar a alma daqueles que detêm o poder antes de lhes pedir qualquer
coisa (Dn 2.12-16).
169 PROVÉRBIOS 16, 17
23 O coração do sábio ministra à sua boca, A paz de Deus é melhor que o ouro
e seus lábios são hábeis para o ensino.
24 As palavras agradáveis são como um
favo de mel, são doces para a alma e revi-
17 Melhor é um bocado de pão seco
com paz e tranqüilidade do que a
casa repleta de carnes e contendas!
goram a saúde e a alegria de viver. 2 O servo prudente saberá controlar o fi-
25 Há caminhos que parecem certos ao lho de conduta vergonhosa e participará
ser humano, contudo, no final condu- da herança como um dos irmãos.1
zem à morte. 3 O ouro e a prata são provados pelo
26 A fome do trabalhador o obriga a traba- fogo, mas é o SENHOR que revela quem as
lhar; é o seu estômago que o impulsiona. pessoas realmente são.
27 O homem maligno está sempre à pro- 4 Os maus dão grande atenção às más
cura de praticar o mal; até mesmo suas notícias, assim como os falsos apreciam
palavras são como o fogo devorador. ouvir mentiras.
28 O homem perverso vive provocando 5 Quem zomba dos pobres revela des-
contendas, assim como o difamador, que prezo pelo Criador deles; quem se alegra
consegue separar os maiores amigos. com a desgraça dos outros não ficará
29 O homem violento alicia seu próprio muito tempo sem castigo.
amigo e o guia pelas trilhas do mal. 6 Os filhos dos filhos são uma gloriosa
30 Quem faz sinais maliciosos com os honra para os idosos, e os pais são o or-
olhos planeja o mal; quem franze os lá- gulho dos seus filhos.
bios já está a meio caminho da prática do 7 Os lábios eloqüentes não ficam bem ao
que é ruim.8 insensato; muito menos a língua menti-
31 O cabelo grisalho é uma coroa de ex- rosa ao governante.2
periência e esplendor, que deve ser con- 8 O suborno age como pedra mágica aos
quistada mediante uma vida justa.9 olhos de quem o oferece, e causa a ilu-
32 Muito melhor é o homem paciente são de que é possível comprar qualquer
que o guerreiro, mais vale controlar as pessoa.3
emoções e os ímpetos do que conquistar 9 Aquele que perdoa uma ofensa, cobre
toda uma cidade! a transgressão e demonstra amor, mas
33 A sorte é lançada no colo, mas a deci- aquele que a joga no rosto, separa os me-
são correta vem do SENHOR!10 lhores amigos.4
8 Era comum, no oriente antigo, os homens fazerem certas insinuações por meio de “piscadelas”, “acenos com as sobrance-
lhas” ou “franzindo os lábios” (6.13,14).
9 A vontade de Deus é que os idosos sejam pessoas sábias e amáveis, que ofereçam e recebam todo o respeito e consideração
na sociedade (Lv 19.32; Pv 3.1-26).
10 Os antigos judeus usavam certos “jogos sagrados” para compreender a vontade de Deus, especialmente em situações
difíceis de distinguir que decisão tomar. Aqui, vários pedregulhos eram depositados numa das dobras da roupa, em seguida
tirava-se uma das pedras que era atirada ao chão, fornecendo uma determinada interpretação (Êx 28.30; Nm 26.53; Ne 11.1;
Jn 1.7; Sl 22.18). Entretanto, a sorte (o final de determinada situação ou destino) não é fruto do acaso nem de forças cósmicas,
mas simplesmente dos desígnios de Deus para cada pessoa (1.1-7). Normalmente precisamos mais “fazer” o que já sabemos
que é vontade de Deus do que “saber” o que mais Deus tem para nós. Sempre que “fazemos” o que “já sabemos” ser vontade
de Deus (expressa claramente em sua Palavra), temos maior facilidade para compreender “o que mais” nos reserva o Senhor
(Lc 12.31,32).
Capítulo 17
1 José do Egito e Daniel são clássicos exemplos de “servos sábios” em todos os sentidos (Gn 41; Dn 1).
2 A expressão hebraica original sheqer “da mentira” ou “mentiroso” significa, principalmente, “ser infiel” ou “enganoso”
(31.10). A mentira é, em última análise, “a ação de enganar mediante a palavra falada”; contudo, num sentido ampliado, qualquer
tipo de “comportamento traiçoeiro” se inclui nesta definição (2Sm 18.13).
3 O vocábulo hebraico shohadh “o suborno” é a raiz da expressão original “dar presentes” como uma demonstração de
amizade e respeito, especialmente nos momentos de alianças políticas (1Rs 15.19; 2Rs 16.18). Contudo, desde o antigo oriente,
a expressão passou a designar “uma gorjeta ou gratificação maliciosa” como incentivo à perversão da justiça e da lei vigente
(Sl 26.10).
PROVÉRBIOS 17, 18 170
4 A expressão hebraica pesha tem o sentido de “ultrapassar os limites da justiça”, “rebelar-se” ou “fugir da Lei de Deus”;
errar o caminho proposto pelo Senhor. É a própria descrição da “apostasia” – afastamento deliberado e busca de um estilo de
vida mundano, materialista e impiedoso – (14.14; 16.12). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: He that couereth a transgres-
sion, seeketh loue; but he that repeateth a matter, separateth very friends.
5 A expressão original diz respeito ao “envio de um oficial de justiça ou soldado com ordem de prisão e açoites”. Temos o exem-
plo do envio de Abisai e Joabe para acabar com a rebelião de Sebá contra Davi (2Sm 20.1-22; 1Rs 2.25-46; Pv 16.14).
6 Quem julga ou condena precisa estar muito certo dos seus atos, caso contrário trará todo tipo de angústias, preocupa-
ções e dissabores sobre sua própria vida e família. Os sofrimentos imerecidos de Jeremias, assim como de todos os justos
sobre a terra, não ficarão impunes e jamais serão esquecidos por Deus (v.10; Jr 20.2; Gn 7.1; Dt 25.1; Sl 1.6; Mt 10.41;
23.34,35).
7 Este foi o comentário irônico de Jó com seus amigos, quando se desataram a falar sem conhecimento nem sabedoria, depois
de um bom tempo de empático silêncio (Jó 2.13; 13.5,13).
171 PROVÉRBIOS 18
ladas pelos seres humanos, mas a fonte 15 O coração do que possui discernimen-
da sabedoria é como um ribeiro trans- to adquire conhecimento, e o ouvido dos
bordante.1 sábios anseia por mais entendimento.
5 Não é direito favorecer os ímpios para 16 Um bom presente desobstrui a passa-
privar da justiça o justo.2 gem para aquele que o entrega, e o conduz
6 As palavras do insensato provocam con- à presença das pessoas que decidem.5
tendas, e sua língua clama por açoites. 17 A primeira pessoa a apresentar sua
7 A boca do insensato é sua própria des- causa sempre parece ter razão, até que
graça, e seus lábios, uma verdadeira cila- outra pessoa venha à frente e defenda
da para sua alma. sua tese.6
8 As palavras do caluniador são como fi- 18 Quando os poderosos se enfrentam no
nas iguarias: descem até o íntimo do ser tribunal, lançar as pedras da sorte indica
humano.3 uma decisão para as questões.7
9 Quem é negligente no seu trabalho é 19 É muito mais difícil reaver a amizade
irmão do destruidor. de um irmão ofendido que conquistar
10 O Nome do SENHOR é Torre Forte, sob uma cidade fortificada; e as discussões
a qual o justo busca refúgio e permanece são como as grandes portas trancadas de
seguro!4 um castelo.
11 Os bens dos avarentos constituem sua 20 Do fruto da boca o coração se farta; a
cidade fortificada: eles imaginam que ela língua faz todo o corpo responsável pelas
seja inexpugnável. conseqüências de suas palavras!
12 Pouco antes da sua queda, o coração 21 A língua tem poder sobre a vida e so-
do homem se enche de arrogância; a hu- bre a morte; os que a usam habilmente
mildade, contudo, antecede a honra! serão recompensados.8
13 Quem responde antes de ouvir comete 22 Quem encontra uma esposa descobre
grande tolice e passa vergonha! algo excelente: recebeu uma bênção es-
14 A alma bem disposta sustém o ser hu- pecial do SENHOR.
mano durante sua doença, mas o espírito 23 O pobre se expressa com súplicas, mas
deprimido, quem o pode suportar? o rico avarento responde com arrogância.
1 O coração e os pensamentos humanos são complexos e obscuros (20.5); a ministração do sábio, entretanto, refrigera a alma;
e suas palavras são como fonte inesgotável de vida e criatividade (1.23; 10.11; 13.14).
2 Todas as pessoas, independentemente de classe social, raça, cor, credo e cultura, devem ter pleno acesso ao direito e a
um julgamento justo. Qualquer tipo de favoritismo foi expressamente condenado na Lei do Senhor (Lv 19.15; Dt 1.17; 16.19; Pv
17.26; 31.5; Ml 3.5).
3 As conversas do caluniador ou difamador se apresentam deliciosas como os mais saborosos petiscos; chegam a parecer
palavras de sabedoria (16.21,23), mas acabam promovendo grandes discórdias e dissensões (11.13; 26.20-22). Alojam-se no
íntimo das pessoas e, mesmo após sua digestão, continuam vivas e ativas no organismo.
4 Na tradição judaica, a expressão “o Nome” significa a própria pessoa, sua presença e personalidade, pois diz respeito à
sua natureza e qualidades (caráter). Em sentido “lato” (amplo), “o Nome” quer dizer “a Palavra de Deus”, “a Verdade”, “o Todo-
poderoso”. Esses são alguns dos sentidos da expressão literal hebraica “é o Nome de Yahweh”, ou seja, “Jeová, Javé ou
Iavé”. Esses são os nomes nos quais confiamos e somos seguros. Nossa torre forte e nosso castelo inexpugnável é o nosso Deus
(Êx 3.14,15; Sl 18.2; 27.5; 91.2; 144.2; Pv 29.25). Os ímpios elegem seus bens, talentos e riquezas, como seu deus (v.11; Mt 6.24).
A KJ de 1611 traduz este versículo assim: The name of the LORD is a Strong Tower, the righteous runneth into it, and is safe.
5 O autor deste provérbio apenas está relatando uma prática que começava a se tornar rotineira em sua época: presentear
as pessoas responsáveis por selecionar aqueles que teriam o privilégio de expor suas causas diante dos supremos juízes ou,
eventualmente, do próprio monarca, ou seu representante direto (17.8). Deus, entretanto, é insubornável e está sempre disponível
para nos receber e ouvir atentamente, em sessão exclusiva e particular (2Cr 7.14,15).
6 Uma advertência aos juízes, magistrados, senhores, pastores, conselheiros, pais e educadores em geral: é sempre fundamen-
tal ouvir bem, e sem preconceitos, todas as partes envolvidas numa questão a ser dirimida (Dt 1.16).
7 Lançar as pedras da sorte ou “dados sagrados” era uma antiga e tradicional prática judaica quando se desejava determinar
que direção ou qual a melhor decisão a ser tomada, e evitar contendas prolongadas e desnecessárias (16.33; Mt 27.35).
8 A língua é uma bênção quando usada sob o controle do Espírito de Deus, de outra forma, pode ser um desastre e motivo de
grandes desgraças (Tg 3.1-12; Mt 5.22).
PROVÉRBIOS 18, 19 172
24 Cuidado! As muitas amizades podem trolar seu gênio, e sua grandeza está em
levar à ruína, mas existe amigo mais che- ser generoso e perdoador com quem o
gado que um irmão. ofende!2
12 A ira do rei é como o rugido de um
O pobre sábio e o rico avarento leão enfurecido, entretanto sua bondade
1 O religioso fundamentalista precisa ter cuidado em não confundir “zelo” com “legalismo”. O apóstolo Paulo, por exemplo, foi
“zeloso”; porém – quando seu coração foi convertido por Jesus, o Caminho (At 19.23; 22.4; 24.22) – ele reconheceu que neces-
sitava “nascer de novo” para poder ver a História e o Reino com “discernimento” e “real conhecimento espiritual” (Rm 10.2; At
9.1-19; Jo 3). Em hebraico, “desviar-se do caminho” tem muitas vezes a conotação de “pecar”.
2 A expressão hebraica original transliterada em shēkhel, proveniente da raiz shãkhal, significa “ser hábil”, “perspicaz” ou “sá-
bio”. Em sua forma causativa, produz o vocábulo moskil, cuja amplitude semântica engloba as idéias de “ensinar com esmero”,
“ter perícia e maestria”, “ser amoroso e compreensivo” (3.4; 16.20). Saber controlar os impulsos agressivos, retardar a ira e man-
ter a calma é ser “longânimo” (em grego no NT makrothumia), virtude gerada pelo poder do Espírito Santo (Gl 5.22).
3 Deus considera todo o bem, ajuda e cooperação prestada aos pobres, como uma oferta (presente) entregue a ele pessoal-
mente (Mt 25.40; Lc 12.33; Pv 14.21,31). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: He that hath pity vpon the poore, lendeth vnto
the LORD, and that which he hath giuen, will he pay him againe.
4 O substantivo hebraico original transliterado em müsar, derivado da raiz yãsar “repreender”, “castigar”, em sua forma cau-
sativa tem o sentido amplo de “ensino, disciplina e castigo para correção de erro”. A amplitude semântica do termo engloba as
idéias de “instrução bíblica sobre a vida; conhecimento, disciplina, entendimento, discrição e inteligência”, todos componentes
do “sábio conselho” (17.18; 19.11; 21.30; 29.15).
173 PROVÉRBIOS 19, 20
amor leal; é muito melhor ser conhecido meçar uma briga; quem consegue por fim
pelos poucos recursos conquistados do às contendas é que merece honrarias.
que pelas muitas mentiras ditas!5 4 O preguiçoso não ara a terra por causa do
23 O temor do SENHOR conduz à Vida; clima frio; no entanto, na época da colhei-
quem ama sinceramente a Deus viverá ta procura por frutos, mas nada encontra.
em paz e segurança! 5 Como águas profundas são os propósitos
24 O preguiçoso põe a mão no prato, e do coração humano; todavia, quem tem
não se dá ao trabalho de levar o alimento discernimento sabe como trazê-los à tona.
até à boca! 6 Muitos proclamam sua própria benig-
25 Açoite o rebelde e zombador, e os nidade; contudo, o homem fiel, quem o
desajuizados aprenderão a prudência; achará?
repreende o homem que possui discer- 7 O justo caminha na sua integridade; fe-
nimento, e ele ganhará ainda mais enten- lizes serão os filhos de sua descendência.
dimento! 8 Assentando-se o rei em seu trono, para
26 O filho que é capaz de roubar o pai, e julgar, com apenas um olhar discerne o
que expulsa a mãe de casa, não tem ver- que está ocorrendo de mal.
gonha nem qualquer valor humano.6 9 Quem pode declarar: “Tenho consciên-
27 Filho meu, se deixas de ouvir a instru- cia limpa! Estou livre de todos os meus
ção, logo te afastarás dos ensinos capazes pecados”?2
de te dar a verdadeira inteligência! 10 Dois pesos e duas medidas; pesos
28 A testemunha corrupta zomba da jus- adulterados e medidas falsificadas são
tiça, e a boca dos ímpios tem fome de desonestidades abomináveis ao SENHOR.
iniqüidade. 11 Até mesmo uma criança revela sua
29 Preparados estão os juízos para todos personalidade mediante suas ações; seu
os rebeldes e escarnecedores, assim como procedimento demonstrará o quanto ela
os açoites para as costas dos perversos! é sincera e bondosa.
12 Os ouvidos que ouvem e os olhos que
A sabedoria vale mais que ouro puro vêem foram feitos pelo SENHOR.
5 A expressão hebraica original , transliterada em hesedh, comunica a “graça fiel de Deus que perdoa e transforma”. É o
“amor leal” que tantas vezes aparece nos textos do profeta Oséias, e que pode ser traduzido em português como “misericórdia”
ou “benignidade” (14.22; 20.6; Mt 5.7; 18.23-35; Lc 6.36; 11.4).
6 Segundo a Lei e a tradição judaicas, os filhos devem cuidar dos pais idosos com todo carinho e respeito (Is 51.18). Assim como
os pais devem abençoar seus filhos com a sabedoria e os bens que acumularam durante a vida (Gn 31.14; Nm 27.8; Sl 127.3; Pv
13.22). Furtar, enganar ou agredir os pais eram considerados crimes graves (Jz 17.1,2; Êx 21.15,17; Pv 10.5; 13.5; Mc 7.11-13).
Capítulo 20
1 O livro de provérbios associa embriaguez a pobreza (23.20,21; Os 7.5), a desavenças e crimes (23.29,30) e a injustiça (31.4,5).
O sábio não se deixa dominar por nada, a não ser pelo Espírito de Deus (Gn 9.21; Is 28.7). O álcool é a droga mais vendida em
todo o mundo, em nossos dias. Na fermentação alcoólica das bebidas, o ácido pirúvico (3C) é descarboxilado e, dessa maneira,
liberta CO2 e origina uma molécula de etanol (C2H5OH).
2 Nenhum ser humano está completamente isento de pecado (Jó 14.4; Rm 3.23), mas aqueles cujos erros e pecados foram
perdoados podem se considerar justificados e, portanto, limpos diante do Senhor e da humanidade (Sl 24.4; 51.1-10; Mt 5.8; Jo
13.8,9; 15.3).
3 Pechinchar exaustivamente, a ponto de se ridicularizar o valor real do produto que se deseja comprar, com o fim de pagar o
menor preço pelo objeto desejado, é um antigo costume nascido no oriente médio, ainda em voga em muitos países, especial-
mente ao norte da África e no mediterrâneo.
PROVÉRBIOS 20 174
15 Mesmo onde existam muito ouro e pe- 22 Não murmures: “Eu te farei pagar pelo
dras preciosas, os lábios que comunicam mal que me fizeste!” Entrega a tua vindi-
sabedoria são mais valiosos que uma jóia cação ao SENHOR, e Ele te dará a vitória!9
rara.4 23 O SENHOR detesta quem se utiliza de
16 Tomem-se as vestes de quem serve medidas e pesos desonestos!
de fiador ao estranho; sirva sua própria 24 Os passos do ser humano são dirigi-
roupa de penhor àquele que der garantia dos pelo SENHOR. Como seria possível a
a uma mulher leviana.5 alguém discernir perfeitamente seu pró-
17 Deliciosa é a comida conquistada por prio destino?
meio de ardis e mentiras, contudo, em bre- 25 Cuidado! É uma cilada consagrar algo
ve ela se transforma em areia na boca!6 como Santo, mediante uma declaração
18 Os planos realizados mediante sábios irrefletida, e só mais tarde pensar em to-
conselhos têm bom êxito; mesmo na das as conseqüências do voto feito.10
guerra é necessário uma boa estratégia. 26 O rei sábio descobre quem está pra-
19 Quem vive contando casos sigilosos ticando perversidades e o castiga com a
não sabe guardar segredos; portanto, evi- máxima severidade.11
ta a companhia de quem fala demais. 27 O espírito do homem é a lâmpada do
20 Se amaldiçoares o teu pai e a tua mãe, SENHOR, a inteligência e o discernimento
a luz da tua vida se extinguirá na mais humano revelam tudo o que se passa no
profunda das trevas.7 corpo.
21 A conquista gananciosa e antecipa- 28 A bondade e a lealdade preservam o
da de uma herança não terá um final rei; por sua benignidade, ele dá firmeza
abençoado!8 ao seu trono.12
4 Aqui os termos “sabedoria”, “instrução” e “conhecimento” podem ser intercambiáveis, assim como a expressão original e lite-
ral “rubis” ou “pérolas” tem o sentido ampliado de “jóia rara e muito valiosa” (3.14,15; 8.10,11). A KJ de 1611 traduz este versículo
assim: There is gold, and a multitude of Rubies: but the lips of knowledge are a precious iewell.
5 A lei judaica da época facultava ao credor tomar as roupas de um devedor inadimplente como pagamento ou garantia de
dívida. O fiador de uma pessoa que não conhece bem (no caso judaico, de um gentio ou estranho), ou de uma mulher de má
reputação e, portanto, de confiabilidade duvidosa, poderá ficar sem suas próprias roupas para saldar a responsabilidade de uma
dívida (fiança) assumida (Dt 24.10-13).
6 No Brasil há um dito popular que afirma: “tudo que é gostoso faz mal, engorda ou é pecado”. A verdade não está longe da
sabedoria popular, neste caso. A “Insensatez” ou “a mulher adúltera” são um exemplo claro de quanto o mal e o erro parecem
atraentes e prazerosos; entretanto, logo essas experiências se tornam em sofrimento e amargura, como bem ilustra a metáfora
neste versículo: “mastigar areia” (9.13-18). Zofar faz observação semelhante em Jó 20.12-18, cerca de 2000 a.C.
7 Atitudes de violência física ou verbal (palavras cruéis e amaldiçoadoras) contra os pais eram crimes sujeitos a pena de morte
entre os antigos judeus (Lv 20.9; Pv 13.9; 30.11,17).
8 Em geral, as pessoas mais ávidas por dinheiro são as que mais o perdem de um modo ou de outro. Essa foi a triste opção
do “filho perdulário”, mas que – depois de muita humilhação e sofrimento – encontrou o perdão e a plena acolhida do pai, para
recomeçar sua vida em bases mais justas e sábias (Lc 15.11-32).
9 A vingança, mesmo no AT, é prerrogativa exclusiva de Deus, pois ele é o único que retribui a cada um com amor e justo rigor,
sempre com o objetivo de instruir, corrigir e salvar o faltoso e perdido. A vingança humana é uma punição destrutiva, pois sempre
emprega maior força e intensidade do que o mal recebido e, portanto, acaba tornando-se também injusta. Assim, o mais sábio é
entregar toda a vindicação (reclamação; exigência de direitos e juízo) aos cuidados do Senhor, e esperar com fé por sua resposta.
Há uma clara promessa de “vitória” para quem confiar na vingança do Senhor contra os perversos, por suas ações malignas (Dt
32.35; Sl 27.14; 37.34; 94.1).
10 Era um costume judaico, especialmente no AT, os crentes em Deus fazerem votos ou consagrarem (santificar) determinados
objetos ou lugares (e até mesmo as próprias pessoas e familiares), como um “presente” ao Senhor, por uma bênção especial
recebida (Lv 27.1-25; Dt 23.21; Jz 11.30-35; 1Sm 1.11). Contudo, a “Sabedoria” – conhecedora que é das fraquezas e leviandades
humanas – prefere aconselhar ao homem que não faça votos ou consagrações alopradas, sem uma séria e profunda reflexão,
evitando erro ainda maior do que seria o não cumprimento de uma promessa pessoal a Deus (Ec 5.4-6).
11 A KJ de 1611 apresenta a tradução literal deste versículo: A wise king scattereth the wicked, & bringeth the wheele ouer them.
“O rei sábio joeira os ímpios e faz passar sobre eles a roda.” A “roda” refere-se ao trilhador que separava os grãos da palha. Os
ímpios serão peneirados, e devidamente castigados no fogo, no Dia do Juízo (28.27,28; Ap 14.7,8).
12 Ao contrário do que diria Maquiavel, muitos séculos mais tarde, a verdadeira benevolência, honestidade e generosidade é
que tornam um rei ou qualquer governante muito querido por seus súditos ou eleitores, e proporcionem grande e efetivo incentivo
175 PROVÉRBIOS 20, 21
29 O esplendor dos jovens está na sua for- 8 O culpado adiciona erros ao seu cami-
ça; e a glória dos idosos, nos seus cabelos nho tortuoso; no entanto, a conduta do
brancos. inocente é reta.
30 As marcas e os ferimentos eliminam o 9 É melhor morar só, no fundo de um
mal; as provações e os açoites purificam quintal, do que dentro de uma mansão
as profundezas da alma.13 com uma mulher murmuradora e bri-
guenta!
Deus controla o coração dos reis 10 A alma do ímpio anseia por praticar
ao desenvolvimento real da cidadania e do senso de cooperação social e comunitária. A pátria deve, de fato, ser “mãe gentil”
(3.3; 14.22; 16.12; 29.14).
13 Muito se pergunta sobre o porquê de pobreza, doenças, guerras, cataclismos e sofrimentos sobre a terra. Uma das respostas
é a sabedoria divina clamando às consciências dos povos para que se voltem para Deus, o Criador do Universo, e o adorem
com sinceridade de coração, obedecendo à sua Palavra e a seus mandamentos. Os ímpios, perversos e tolos, apesar de tudo,
não aprendem; justamente porque são insensatos (10.13; 14.3; 19.29; 17.10; 27.22). Esses males não podem ser considerados
“castigos” sobre os filhos de Deus, mas provações, uma vez que o “castigo” dos crentes estava sobre Jesus, o Messias (Is 53.5;
Rm 1.16,17; 10.10; 11.11; 13.11).
Capítulo 21
1 Nada e ninguém resiste ao controle soberano de Deus; portanto, quando alguma coisa ou pessoa parece impedir nosso
progresso, apesar do nosso esforço e trabalho, o melhor é entregarmos esse caso ao Senhor em oração (20.22). Até mesmo
reis ímpios e poderosos, como Nabucodonosor e Ciro tiveram suas vontades controladas pela ação do Espírito de Yahweh (Dn
4.31-35; Is 45.1-3; Ed 6.22).
2 Transliteração do tetragrama hebraico YHWH em Yahweh (Iavé, Javé ou Jeová) – Nome (que na tradição hebraica revela
o próprio caráter do seu possuidor) Santo e impronunciável de Deus (Gn 12.8; 13.4; 26.25; Êx 3.11-15), traduzido em toda a Es-
critura e, especialmente no AT, como “Senhor”. Neste capítulo, a KJ faz constar a transliteração ao lado da tradução adotada em
português, com o intuito de salientar esse esclarecimento. Os pensamentos e intenções dos seres humanos parecem coerentes
e justificáveis para cada pessoa, mas somente o Senhor julga perfeitamente, e seu Espírito pode nos revelar se estamos agindo
corretamente (14.12; 16.2; 24.12; Jó 31.6; Sl 139.23; 1Co 4.4,5; Hb 4.12).
3 Esta foi a advertência que os profetas nos deixaram (Os 6.6; Mq 6.7,8), que o profeta Samuel repete ao infiel, prepotente e
tresloucado rei Saul (1Sm 15.22,23) e com que Jesus, o Messias nos admoesta (Mc 12.33).
4 A arrogância, própria dos ímpios, tira a fé devida a Deus e a coloca erroneamente no “eu” humano (Sl 18.26-28; Hb 11.6).
PROVÉRBIOS 21, 22 176
apega ao vinho e à carne gorda jamais ouvir e se informar poderá falar para
será rico!5 sempre.
18 O perverso servirá de resgate para o 29 O ímpio finge que é confiante, mas
justo, e o traidor, no lugar do fiel.6 somente o justo permanece firme no Ca-
19 Melhor é morar numa região deserta minho!
do que na companhia de uma mulher 30 Não há inteligência alguma, nem co-
amargurada e briguenta. nhecimento algum, nem estratégia al-
20 Na casa do sábio há riquezas poupadas guma que consiga opor-se à vontade do
e alimentos armazenados; o insensato, SENHOR.
entretanto, engole tudo o que pode num 31 Os homens podem preparar seus ca-
instante. valos para o dia da batalha, mas somente
21 Quem busca a retidão e o amor leal Yahweh, o SENHOR é quem dá a vitória!10
terá vida longa e será tratado com respei-
to e justiça. O bom Nome vale mais que prata
22 O sábio conquista a cidade dos valentes
e destrói a fortaleza em que eles confiam.7
23 Quem reflete antes de falar evita mui-
22 A boa reputação é mais importan-
te que muitas posses; desfrutar de
boa estima vale mais que prata e ouro.
tos dissabores e sofrimentos. 2 O rico e o pobre têm algo precioso em
24 Insolente, soberbo, seu nome é “zom- comum: o SENHOR é o Criador tanto de
bador”! Ele sempre age no ardor de sua um quanto do outro.
arrogância. 3 O prudente percebe o perigo e busca
25 O preguiçoso é aquele que morre “de- refúgio; o incauto, contudo, passa adian-
sejando”, mas nunca põe de fato as mãos te e sofre as conseqüências.
no trabalho!8 4 A recompensa ao temor do SENHOR e ao
26 Os dias se passam, e ele “desejando” comportamento humilde são a riqueza, a
mais e mais, enquanto o justo reparte honra e a vida!
sem parar o que granjeia.9 5 Nas trilhas dos perversos existem espi-
27 Os sacrifícios dos ímpios já por si são nhos e ciladas; quem deseja proteger a
absolutamente inaceitáveis; tanto mais própria vida deve afastar-se deles.
quando oferecidos com más intenções. 6 Ensina a criança no Caminho em que
28 A testemunha falsa acabará sendo con- deve andar, e mesmo quando for idoso
denada à morte, mas a pessoa que sabe não se desviará dele!1
5 A expressão hebraica literal “o vinho e o ungüento” fica melhor traduzida para o português como “o vinho e os
alimentos gordurosos” ou “carne gorda”. O vinho e o ungüento (azeite) faziam parte dos festejos suntuosos da época (23.20,21;
Am 6.6). O azeite puro era também empregado na produção de preciosos bálsamos, loções e perfumes (Jo 12.5).
6 Na antigüidade, Deus entregou três nações à Pérsia, em troca da liberdade dos exilados de Judá (Is 43.3,4; Pv 11.8).
7 Conforme os originais, uma outra maneira de dizer: “a sabedoria é mais operosa e eficaz que a força bruta” (24.5; Ec 9.16).
O apóstolo Paulo ensinou a Igreja de Cristo a usar as armas da espiritualidade para derrubar todas as fortalezas do pecado e do
maligno (2Co 10.4).
8 Aqui temos dois personagens muito comuns: o “zombador” e o “desejando”; o primeiro, que vive escarnecendo de Deus e de
todos que têm fé, é motivo de riso e desprezo de Deus (1.22; 3.34; 19.25,29; 21.11). O “desejando” é o preguiçoso que sempre
tem uma boa desculpa para relaxar e descansar em vez de dedicar-se a qualquer trabalho digno (6.6; 13.4).
9 O justo e prudente é aquele que não enjeita trabalho, ainda que mal remunerado; não esbanja o que recebe e procura poupar
para o futuro. Apesar de toda essa dedicação, não é avarento, pois movido pelo Espírito de Deus, usa de generosidade para com
os necessitados e coopera alegremente com os mais pobres que se esforçam (Sl 37.26; 112.9; Ef 4.28).
10 Por toda a Escritura há advertências do Senhor quanto a colocarmos nossa total confiança em pessoas e coisas, mesmo nas
mais sofisticadas tecnologias. Nossa fé deve ser oferecida em sua plenitude somente a Deus, Yahweh, e nele devemos descansar
nossa alma, por ele movendo nossa mente e força de trabalho operoso (Sl 3.8; 20.7; Os 1.7; Dt 17.16; 1Sm 17.47).
Capítulo 22
1 Os pais que são crentes em Deus e andam no Caminho (segundo o Espírito e a Palavra do Senhor Jesus, o Messias – 2Sm
22.31; Is 40.3; Jr 32.39; Mt 7.13; 11.10; Lc 20.21; At 9.2), devem ensinar (inclusive mediante o testemunho pessoal de uma vida
regenerada) seus filhos, desde a mais tenra idade, a amar e obedecer à Palavra de Deus, pois assim como são instruídos na
177 PROVÉRBIOS 22
meninice é de se esperar que cresçam e gerem muitos discípulos na graça e no conhecimento do Senhor. A instrução e a dis-
ciplina (ou correção) andam sempre juntas em benefício do sábio, desde a infância até a vida madura (Gn 18.19; 1Rs 8.63; Pv
1.8; 4.11; 22.15).
2 O vocábulo “generoso” vem da expressão hebraica e literal “bons olhos”, que se refere à pessoa que consegue olhar as
qualidades, talentos, bens e bênçãos do seu próximo “com alegria sincera” (1Co 13.6). A inveja é um sentimento maligno e
exatamente contrário a este, considerado pelos antigos judeus como ayin horeh, em hebraico, e ayin harsha em aramaico, “mal
do olho” ou “mau olhado” (23.6).
3 Uma das características dos sábios não é a exaltação, muito menos qualquer manifestação de descontrole emocional ou ira,
mas elegância, educação e habilidade em se expressar com calma, clareza e argumentos conclusivos (Ec 10.12). Os “puros” não
são aqueles que nunca se sujaram, mas os que foram “limpos eternamente” pela ação poderosa do sangue vicário do Messias,
aspergido na Cruz do Calvário (Mt 5.8; Hb 9.14; Sl 24.4).
4 O preguiçoso é pródigo em boas desculpas para driblar o trabalho, as responsabilidades, e continuar a fazer o que alguns
chamam de “ócio criativo”, ou seja, “nada” (6.6).
5 A expressão hebraica , transliterada em šlšwm, tem sido alvo de vários estudos exegéticos. Muitos lingüistas a tradu-
zem como “cousas excelentes”; na Septuaginta (LXX – a mais antiga e prestigiada tradução grega do AT) e na Vulgata (tradução,
de Jerônimo, do AT para o latim), aparece a expressão “triplamente” ou “trinta ditos”. De fato, aqui começa uma seção (de 22.22
a 24.22) que pode ser dividida em 30 tópicos específicos sobre atitudes sábias fundamentais. Alguns arqueólogos e biblistas
acreditam que esse conjunto de princípios seja uma resposta ou diálogo com o antigo livro egípcio “Sabedoria de Amenemope”,
sábio gentio muito conhecido entre os intelectuais judeus na época de Salomão. Era comum os judeus admirarem a sabedoria de
outros povos e promoverem reuniões de intercâmbio cultural, embora, evidentemente, não pudessem apoiar a religiosidade nem
os profetas pagãos. Salomão e Daniel foram considerados muito mais excelentes do que todos os sábios de Israel e dos países
vizinhos (1Rs 4.30-34; 10.1-13,24; Dn 5.11,12).
6 Era costume um sábio ser enviado para algum projeto missionário por seu pai ou mestre superior (1Pe 3.15).
7 O Espírito do Senhor é o grande advogado dos oprimidos e daqueles que não têm acesso à justiça plena, por serem pobres
(Êx 22.22-24; Sl 12.5; 140.12; Is 3.13-15; Ml 3.5; Pv 23.10,11).
8 Provérbio que gerou o conhecido dito popular: “Dize-me com quem andas, e te direi quem és” (1Co 15.33; Pv 5.22; 12.13;
13.14; 29.6).
PROVÉRBIOS 22, 23 178
ples aperto de mãos empenha-se com ou- tampouco cobices as iguarias que lá são
tros e se torna fiador de dívidas; servidas;4
27 se tu não tens com que pagar, por que 7 porquanto o miserável só pensa nos
correr o risco de perder até a cama em gastos. Ele diz: “Come e bebe!”, entretan-
que dormes? to não fala com sinceridade.
28 Não desloques os marcos antigos que 8 Vomitarás o bocado que comeste, e des-
limitam as propriedades e que foram co- perdiçarás a tua cordialidade.
locados ali por teus antecedentes. 9 Não vale a pena conversar com o insen-
29 Já observaste uma pessoa zelosa em seu sato, pois ele despreza a sabedoria que há
trabalho? Pois será promovida ao serviço nas tuas palavras.
real; não trabalhará para gente obscura!9 10 Não mudes os antigos marcos divisó-
rios de propriedade, nem invadas as ter-
Conclusão dos 30 ditos dos Sábios ras dos órfãos,
9 Os mestres, artífices e técnicos eram considerados sábios (8.30; Êx 35.30-35). Todo profissional que se dedica a seu trabalho,
com amor e louvor a Deus, será guindado a posições mais destacadas e, eventualmente, a liderança geral. As Escrituras revelam
os exemplos de José, administrador geral do Egito (Gn 41.46), dedicado pastor, legislador e líder (Êx 3;4); de Davi, grande poeta,
músico e governador (1Sm 16.21-23) e de Hurão, especialista em arte no bronze (1Rs 7.14).
Capítulo 23
1 Muita comida e bebida entorpecem o raciocínio e nos deixam vulneráveis e propensos a aceitar propostas que poderiam
ser rejeitadas, ou melhor negociadas, se a mente não estivesse tão ocupada com a beleza da mesa e a digestão das variadas
iguarias. Uma refeição de negócios deve ser encarada como um momento de trabalho e não um descontraído piquenique em
família (v.6; Sl 141.4).
2 O desejo de progresso e eventual enriquecimento é legítimo e sadio; contudo, a obsessão por poder, prestígio e riquezas
pode arruinar uma pessoa, física e espiritualmente (1Tm 6.10; Hb 13.5; Pv 15.27; 28.20).
3 Os bens e o dinheiro são voláteis, e a fama e o prestígio são ilusões passageiras. Tudo passa muito rápido, menos nossos
investimentos no amor a Deus e em seu Reino (Jr 17.11; Lc 12.21; 1Tm 6.17).
4 O “invejoso” é, literalmente, em hebraico, uma pessoa de “olho mau”; antônimo de “generoso” ou “pessoa de olhos abenço-
adores” (22.9). Essa maneira de as Escrituras definirem o “mesquinho” e a “inveja” foi incorporada por Jesus em suas homilias
e parábolas (Mt 20.15).
5 O vocábulo hebraico original gõ´el, “seu redentor”, comunica a idéia de alguém que “redime plenamente”, pagando
o valor total exigido por um resgate. Também expressa a agonia e a dor de um parente que suplica “retribuição” ou “vingança”
em nome de um parente injustiçado. Essa é a expressão que descreve o “Redentor” de Jó (19.25; Is 44.6; Jr 14.18). É também
o “vingador de sangue” descrito no AT (Nm 35.12). É o ministério perfeito e absoluto que somente a pessoa de Jesus Cristo, o
Messias, cumpriu com efeito eterno no NT (1Pe 2.21-25). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: For their Redeemer is mighty;
he shall plead their cause with thee.
6 Como já visto anteriormente, a expressão hebraica original do Sheol, que nos melhores manuscritos do NT corres-
ponde ao termo Hades (Ap 20.14,15), tem uma amplitude semântica muito grande, podendo – em cada caso e de acordo com
o contexto – significar: volta do corpo humano ao pó de onde foi criado por Deus; simplesmente um estado da morte enquanto
aguarda a volta do Cristo e o Dia do julgamento final; o lado do repouso no lugar para onde vão as almas dos mortos depois que
deixam o corpo humano mortal; um lugar celeste chamado pelos judeus de seio de Abraão (Lc 16.22; Jo 1.18); simplesmente
179 PROVÉRBIOS 23, 24
17 Jamais invejes os pecadores em teu co- suas vítimas, e multiplicam entre os ho-
ração; é muito melhor temer o SENHOR mens o número dos infiéis!
para sempre! 29 Para quem são os ais de pesar? Para quem
18 É certo que sempre haverá um futuro, as expressões de profunda tristeza? Para
e tua esperança não será aniquilada! quem as brigas e inimizades? Para quem os
19 Ouve, filho meu, e torna-te sábio, e di- ferimentos desnecessários? De quem são os
rige teu coração pelo Caminho. olhos embaçados e vermelhos?
20 Não caminhes com os que se enchar- 30 Para todos aqueles que gastam horas
cam de vinho, tampouco com os que se se encharcando de vinho, os que andam
empanturram de comida, em busca de bebidas fortes e misturas al-
21 porquanto os bêbados e os glutões se coólicas!
empobrecerão, e a indolência os vestirá 31 Não te entregues a contemplar a tintura
de trapos! avermelhada do vinho, quando cintila pro-
22 Ouve o teu pai, pois ele te gerou, e não vocante no copo e escorre suavemente!
desprezes tua mãe, quando for idosa. 32 No fim, ele ataca como a serpente e en-
23 Compra a verdade, a sabedoria, a dis- venena como a víbora!8
ciplina e a inteligência, e não as vendas 33 Teus olhos verão coisas horríveis e tua
por preço algum! mente entorpecida te fará dizer tolices.
24 O pai do justo vai saltar de júbilo; 34 Serás como alguém que dorme no
quem tem a felicidade de gerar uma pes- meio do mar agitado ou deita-se sobre as
soa sábia com ele muito se alegrará. cordas de um alto mastro.
25 Que teu pai e tua mãe sejam muito 35 E dirás: “Feriram-me, mas eu nada
felizes contigo, que exulte aquela que te senti! Bateram em mim, contudo eu
deu à luz! nada percebi! Quando despertarei para
26 Filho meu, dá-me o teu coração, e que que possa voltar a beber?”
teus filhos apreciem também os meus
caminhos,7 A fé em Deus inspira e fortalece
27 pois as mulheres imorais e insensatas são
como uma armadilha profunda e mortal.
28 Como um assaltante elas espreitam
24 Não tenhas inveja dos ímpios,
tampouco queiras caminhar na
companhia deles;1
uma referência à sepultura; as profundezas e o inferno, o lado atormentador do Hades conhecido como Gêhinnõm em hebraico,
ou Geena em grego (Lc 16.23). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: Thou shalt beate him with the hod, and shalt reioyce
deliuer his soule from Hell. A idéia geral dessa instrução proverbial é que a verdadeira educação cristã, disciplina e correção da
criança, poderá contribuir decisivamente – ainda que seja na vida adulta – para ajudá-la a tomar uma decisão sincera, pessoal e
profunda de entrega do seu coração a Deus, mediante a aceitação consciente da morte vicária do Senhor Jesus Cristo, o Messias
(Jo 1.12; 3.16).
7 O termo hebraico original lēbh “coração”, cuja raiz verbal significa “adquirir compreensão” ou “desenvolver o discerni-
mento”, aparece nas Escrituras como “órgão físico” (2Sm 18.14); “centro do corpo humano” (Is 1.5); “centro das forças espiri-
tuais” (Lm 3.41); “força íntima do ser” (Jr 17.10); “força da mente” (Ec 2.20); “poder da memória” (Sl 31.12), e a própria “razão
e consciência” (Jó 27.6).
8 O texto se refere às bebidas alcoólicas, mas podemos aplicar o mesmo princípio a todas as demais drogas da atualidade cha-
madas lícitas ou não, como o fumo, por exemplo. Hoje em dia, há muitas pessoas “viciadas” que ainda não se deram conta disso,
pois consomem todos os dias, sem orientação médica e exageradamente, uma série de alimentos não saudáveis: refrigerantes,
suplementos vitamínicos, estimulantes, analgésicos, xaropes e remédios em geral, produtos que agem como as serpentes mais
sagazes (Nm 21.6); espreitam e atacam, preferencialmente, na calada da noite, envenenando suas vítimas e aguardando que,
atordoadas, cambaleantes e trêmulas caiam absolutamente aniquiladas ao longo do caminho para que as possam devorar (v.29-
35; 20.1; Dt 21.20; 1Sm 25.36; Sl 75.8; Is 5.11,22; 56.12; Mt 24.49; Lc 21.34; Rm 13.13; Ef 5.18; 1Ts 3.3).
Capítulo 24
1 A palavra hebraica original, transliterada em rã´ãh, e aqui traduzida por “ímpios”, tem o sentido de “maligno” e comunica a
idéia de “destruir e arruinar”. O “mal” moral é tudo quanto causa “dano” (Mq 2.1-3). Há uma outra expressão, que também pode
ser traduzida por “Maligno”, cuja raiz hãwwãh revela “uma vontade concupiscente” ou “cobiça incontrolável” (17.4; 24.1). Assim,
podemos compreender melhor o caráter do Maligno, o Diabo, que incapaz de controlar sua volúpia, sagacidade e inveja, incita o
ser humano a também pecar contra Deus (Gn 3.6; 1Jo 2.12-17).
PROVÉRBIOS 24 180
2 pois o coração dos perversos intenta 14 Sabe, também, que a sabedoria é boa
violência o tempo todo, e seus lábios só para a alma; se a encontras, com certeza
murmuram malignidades. haverá futuro para ti.
3 Com sabedoria se constrói uma casa, e 15 Não te embosques, como faz o ímpio,
com inteligência ela se consolida. junto à morada do justo, nem destruas o
4 Mediante discernimento seus cômodos seu local de repouso,3
são mobiliados com todo tipo de bens 16 pois ainda que um justo caia sete vezes,
preciosos e agradáveis. sete vezes tornará a se erguer; os ímpios,
5 Um homem sábio é poderoso, e quem todavia, são arrastados para a desgraça!4
possui entendimento potencializa sua 17 Se teu inimigo cai, não te alegres com isso,
força; e não exulte teu coração se ele tropeça,
6 quem parte para a guerra necessita de 18 para que Yahweh, o SENHOR, não veja
orientação estratégica, pois com muitos isso, fique aborrecido contigo, e retire de
conselhos se conquista a vitória! sobre ele o seu castigo.
7 A sabedoria é virtude elevada demais 19 Não te aflijas por causa dos maus, tam-
para o perverso; por isso ele fica sem pa- pouco tenhas inveja dos ímpios.
lavras nas assembléias. 20 Pois não existe futuro para o perverso:
8 Quem urde o mal o tempo todo será co- a lâmpada dos ímpios está simplesmente
nhecido como mexeriqueiro! se extinguindo.
9 A intriga do perverso é pecado, e o escar- 21 Teme a Yahweh, o SENHOR, filho meu, e
necedor é detestado por todas as pessoas. ao rei; não te associes aos revoltosos,
10 Se te mostras vagaroso para ajudar teu 22 pois terão repentina destruição, e
próximo, pouca força terás no dia da an- quem pode calcular a ruína que o SENHOR
gústia.2 e o rei podem provocar?
11 Liberta os que estão sendo conduzidos
à morte, salva os que são arrastados ao Outros provérbios de sabedoria
suplício! 23 Aqui segue uma outra seleção de ditos
12 Porquanto, ainda que alegares: “Eis dos Sábios: Agir com parcialidade nos
que não sabíamos o que ocorria!” Aquele julgamentos não é nada prudente.
que investiga todos os corações não per- 24 Quem declarar ao ímpio: “Tu és justo!”
ceberia a verdade? Não saberia Aquele será amaldiçoado pelos povos e sofrerá a
que preserva a sua vida? Não retribuirá indignação das nações!
Ele a cada um segundo a sua atitude? 25 Entretanto, para os que punem o cul-
13 Come o mel, filho meu, porque é bom, pado haverá paz e conforto, e sobre eles
o favo de mel é doce ao paladar. virão muitas outras bênçãos.
2 Neste versículo, nos manuscritos hebraicos, há um jogo enigmático de palavras: o termo çãrãh “angústia” e o vocábulo
çar “pouco”, “pequeno” ou “restrito”, derivam de uma mesma expressão que significa “cingir”, “constringir”, “apertar-se”. Os
antigos sábios judeus costumavam usar o curioso recurso das charadas e frases capciosas, além das parábolas e histórias com
fim moral, para ensinar àqueles que realmente desejavam aprender, confrontar o mal e esquivar-se de possíveis perseguidores.
Jesus, o Messias, foi o grande mestre na arte de combinar a amplitude semântica, sonora e gráfica das palavras em hebraico,
aramaico, latim e grego, a fim de comunicar seus mais profundos e amplos ensinamentos (Mc 7.26-30; Jo 12.20-26; 19.20,21).
3 A palavra hebraica, aqui transliterada em çaddiq “reto”, deriva da raiz çãdaq “ser justificado e vitorioso”. A combinação desses
significados pode ser traduzida no termo português “justo”, compreendendo que a santidade e o amor leal e permanente de Deus
é que conquistam a “vitória” sobre todas as nossas tendências pecaminosas. Essa expressão, portanto, refere-se à “justificação”
pela fé em Jesus, o Messias, capaz de vencer os propósitos e artimanhas do Diabo, cancelando a sentença de morte que todo
ser humano carrega e quaisquer acusações que o Inimigo possa apontar contra os filhos de Deus, no dia do julgamento final
(Rm 3.23; Hb 9.27,28).
4 O “justo” ou “justificado” não é a pessoa que sofre queda, mas aquela que, quando tropeça, tem a humildade de reconhecer seu
erro, pedir sincero perdão a Deus e a quem mais possa ter ofendido e retornar à absoluta e perfeita comunhão com o Pai (1Jo 1.9). O
número “sete” na tradição cultural e religiosa oriental e israelita refere-se ao “número integral”, “completo”, “perfeito”, “infinito em sua
abrangência”. Portanto, o perdão de Deus é sem limites (6.16; Jó 5.19; Mt 18.21-22). Os ímpios, em sua empáfia e arrogância, são
aqueles que não pedem nem aceitam o perdão; esses, infelizmente, terão o fim que escolheram (v.22; 4.19; 6.15; 11.3,5).
181 PROVÉRBIOS 24, 25
5 Este versículo pode ser traduzido, literalmente, assim: “Beijados serão os lábios de todo homem que responde com palavras
retas”, semelhante ao que apresenta a KJ de 1611 – Every man shall kisse his lippes that giueth a right answere. Melhores recursos
exegéticos, entretanto, possibilitaram uma melhor compreensão acerca dessa metáfora, pois “as palavras sábias e sinceras ditas de
forma agradável são doces como o mel” (16.13; 16.24). O beijo fraternal na tradição das culturas orientais representava, especial-
mente nas saudações, uma demonstração de humildade, paz, respeito, amizade e lealdade. Por isso, o conhecido beijo de Judas
passou para a História como um dos mais repugnantes gestos de traição (Lc 22.47,48). Mesmo o beijo romântico era comumente
compreendido como um sinal ou expressão do compromisso de amor leal que se estabelecia entre pessoas que se amavam. Com
o passar dos séculos, especialmente nas culturas ocidentais, ocorreu uma banalização do beijo, e, hoje em dia, seu profundo e vir-
tuoso simbolismo deu lugar à sensualidade ou a mera cordialidade. O mesmo acontece com o gesto universal do “aperto de mãos”
ou do insosso e comercial “bom dia” que, muitas vezes, nada têm a ver com seus mais éticos e fraternos significados originais.
6 Aqueles que confiam em Deus, especialmente os jovens, não devem ser fatalistas, muito menos, acomodados. Os sábios
bíblicos ensinam que devemos calcular bem todos os nossos projetos e procedimentos (Lc 14.28). A expressão literal hebraica
“casa” também significa “família” e, por isso, constituir uma família requer planejamento e preparo, a fim de que esse empreendi-
mento possa ser concluído com felicidade (v.3; 9.1).
Capítulo 25
1 Salomão foi o último rei a governar o reino unificado de Israel; o primeiro monarca a reinar sobre todo o Israel (agora restrito
ao Reino do Sul, logo após a destruição do Reino do Norte). Foi no reinado de Ezequias (aproximadamente entre os anos 715
e 686 a.C.), que ocorreu um maravilhoso reavivamento espiritual em todo o território israelense remanescente. O rei Ezequias
restaurou o cântico dos hinos ao seu devido lugar (2Cr 29.30). Seu profundo interesse pela Palavra e pelos documentos bíblicos
escritos por Davi explica seu apoio a uma compilação dos provérbios de Salomão (1.1; 10.1). Sua atitude lembra a decisão do
rei King James em 1607, também um apaixonado pela Palavra de Deus, ao acatar a sugestão de vários líderes cristãos da época
e coordenar uma acurada compilação e tradução dos melhores manuscritos disponíveis nas línguas originais, para a publicação
de nova edição da Bíblia em inglês, e que tem servido de referência na tradução das Escrituras para todas as demais línguas e
culturas do planeta, em todas as épocas.
2 Deus reserva para si a plenitude do poder e do saber, e recebe toda a glória que lhe é devida, pois o homem não consegue
compreender a Criação, o Universo nem o modo como Deus o governa. O rei e os intelectuais (majestosos) obtêm glória quando
lhes é facultado o dom de conhecer a verdade e governar com justiça (1Rs 3.9; 4.34). O homem domina o que explica.
3 A expressão hebraica, transliterada em çedhãqâh “justiça”, tem o sentido de “aquilo que é reto, exato, direito, limpo, honesto,
inocente, sem tortuosidade, perversão ou adulteração alguma”. É o antônimo do termo ´ãwâh “perverter” (13.5; 16.12; 20.26;
28.10; Is 1.22-25; Ez 22.18; Ml 3.2,3).
4 Cerca de 1000 anos mais tarde, Jesus Cristo faria referência a essas e outras palavras de Salomão e dos demais sábios
citados no livro de Provérbios, numa demonstração clara e prática da inerrância, poder, e sabedoria perpétua das Escrituras
Sagradas (Lc 14.7-11; Is 22.15-19).
PROVÉRBIOS 25 182
ao tribunal, pois como agirás caso teu ou uma flecha aguda, é o perigo daquele
oponente te desminta? que diz mentiras contra o seu próximo.
9 Busca resolver tua causa diretamen- 19 Dente que balança e pé deslocado são
te com o teu próximo, mas não reveles atitudes semelhantes a confiar no traidor
qualquer segredo de outra pessoa,5 no dia da aflição!9
10 caso contrário, quem te ouvir poderá 20 Como tirar a própria roupa num dia de
te difamar e jamais recuperarás tua re- frio, ou derramar vinagre numa ferida é ter
putação! de cantar com o coração entristecido!10
11 Maçãs de ouro com enfeites de prata é 21 Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de
a palavra falada em tempo oportuno. comer; se tiver sede, dá-lhe de beber.
12 Anel de ouro ou colar de ouro fino é a 22 É procedendo assim que amontoa-
censura do sábio para o ouvido atento. rás brasas vivas sobre a cabeça dele, e
13 Como o frescor da neve num dia de Yahweh, o SENHOR, te recompensará!11
ceifa é o mensageiro fiel para quem o en- 23 Como o vento norte traz chuva, assim
via: ele reconforta a vida do seu senhor.6 a língua fingida provoca olhar irado.
14 Nuvens e ventos e nada de chuva, assim 24 Melhor é viver solitário, num canto
é a pessoa que promete mas não cumpre.7 sob o telhado, do que repartir a casa com
15 Com paciência dobra-se um magistra- uma mulher briguenta.
do, e a língua macia pode quebrar ossos.8 25 Como água fresca para a garganta se-
16 Encontraste mel? Come o suficiente, denta é a boa notícia quando chega de
para que não fiques enjoado e o vomites. uma terra distante.
17 Teu pé seja raro na casa do teu pró- 26 Fonte turvada e nascente poluída é o jus-
ximo, para que ele não se enjoe de ti, e to que se amedronta na frente do ímpio.
venha a te odiar. 27 Não é bom comer muito mel nem bus-
18 Assim como uma arma, uma espada car glória sobre glória!12
5 Devemos agir com calma, prudência e sabedoria, mesmo quando temos, em nossas mãos, os meios de promover a justiça
(17.14; 24.28). Não é aconselhável divulgar as atitudes de nossos inimigos, sob o risco de cometermos o pecado da difamação
(11.13; 31.8,9; Tg 4.11).
6 Os reis orientais já haviam descoberto o prazer das bebidas refrescantes. Como não costumava nevar nas terras de Israel nos
períodos de colheita, blocos de gelo eram trazidos das montanhas para resfriar as bebidas dos monarcas (10.26; 13.17; 26.1).
7 Mais de 1000 anos se passariam até que Judas, irmão de Jesus Cristo e Tiago, fizesse referência a essa passagem do AT em
sua epístola canônica à Igreja no NT (Jd 12).
8 Para lidar com a justiça e seus dignos representantes, em todas as instâncias, deve-se agir com muita paciência, perseveran-
ça e boas palavras (14.29; 15.1; Lc 18.2-5).
9 Este dito sapiencial era também aplicado aos vizinhos pagãos: “depender do Egito é o mesmo que apoiar-se numa cana
rachada”, não apenas pela fragilidade de sua sustentação, mas também pelo risco de ferir a mão, ao se firmar sobre sua ponta
lascada (Is 36.6). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: Confidence in na vnfaithfull man in time of trouble, is like a broken
tooth, and a foot out of ioynt.
10 Os exilados hebreus não sentiam a menor motivação para cantar os cânticos de Sião, especialmente para entretenimento
dos seus dominadores (Sl 137.3,4).
11 Mais de 1000 anos após a publicação desta passagem, o apóstolo Paulo usaria o mesmo conceito bíblico para ensinar a
jovem e florescente Igreja de Cristo a vencer o mal, fazendo o bem (v.15; Rm 12.20,21). Havia um ritual egípcio, de expiação de
culpa, segundo o culpado se obrigava a caminhar pela cidade com uma bacia de carvões em brasa sobre a cabeça. Sendo assim,
essa metáfora, especialmente na época de Salomão, podia ser compreendida perfeitamente: a bondade pode fazer o papel das
brasas vivas na consciência de uma pessoa culpada, fazendo que ela se dobre à verdade e abrace a sensatez (Êx 23.4,5; 2Rs
6.21-23; 2Cr 28.15; Pv 20.22). Essa metáfora ainda aponta para o juízo final, quando o Senhor colocará as derradeiras e intermi-
náveis brasas do arrependimento sobre as cabeças dos ímpios (Sl 140.10). Mesmo que o inimigo ou opositor permaneça hostil e
rebelde, agindo, o crente, com misericórdia e bondade, o Senhor o recompensará (11.18; 19.17).
12 A expressão hebraica transliterada em kãbbôdh “glória” ou “honra” comunica originalmente a idéia de “valor real”, “algo bem
pesado e valioso, como o ouro puro”. Assim, quem busca avidamente sua própria “honra” e “valor” diante dos homens, corre o
risco do enfado como acontece quando se come muito mel. A “desonra” ou a “desvalorização” é expressa por meio do vocábulo
qãlôn que ainda pode significar “inutilidade”, “desprezo” e “vergonha” (11.2). Ser avaliado pela sociedade é suportar complexos,
angústias e aflições, mas ter o coração “pesado” (verificado) por Deus e achado sem o Espírito Santo, portanto, sem o perdão
redentor de Jesus, o Messias, é a condenação final e separação eterna do Pai (Dn 5.27-30; Mt 25.26-30).
183 PROVÉRBIOS 25, 26
28 Uma cidade aberta, sem muralhas, tal 8 Como prender uma pedra à atiradeira é
é o homem sem autocontrole!13 conceder honra ao tolo.
9 Galho de espinhos na mão de um bê-
Atitudes do sábio e do insensato bado é o provérbio ao entendimento dos
13 Cada dia mais, em nossa sociedade pós-moderna, o descontrole emocional revela as angústias, frustrações e as aflições da
humanidade. Este versículo pode ser assim traduzido, literalmente, do original hebraico: “conservar o espírito dentro dos limites
da sensatez bíblica”, e comunica a idéia de uma abstinência auto-imposta não apenas em relação aos vícios e imoralidades, mas
às emoções desenfreadas e aos pensamentos sórdidos e negativos de toda espécie. No NT, essa capacidade de “autocontrole”,
em grego transliterado enkrateia “manter sob controle” ou “dentro dos limites da sabedoria bíblica” é um dom oferecido a todo
crente sincero, como um dos gomos do fruto do Espírito Santo (Gl 5.23).
Capítulo 26
1 As colheitas em toda a região da Palestina costumam acontecer, ainda hoje, entre os meses de junho e setembro; nessa época é
rara a ocorrência de chuvas (1Sm 12.17,18). Não há razão nem bom senso em honrar uma pessoa insensível e perversa. Ela poderá
conquistar a obediência das pessoas pelo medo que impõe, mas jamais pelo respeito amoroso que inspira (11.18; 19.17).
2 As pragas, sentenças, maldições e maus agouros, proferidos por quem quer que seja, não podem se concretizar na vida de
quem caminha no temor do Senhor e, portanto, em justiça. Davi foi amaldiçoado por Simei, mas nada de mal aconteceu a Davi,
pois estava inocente quanto à acusação de ter assassinado membros da família de Saul (2Sm 16.8,12).
3 Assim como a bebida alcoólica e as drogas entorpecem os sentidos e o corpo de seus usuários, o perverso e insensato
são também indolentes (insensíveis) ao profundo, libertador e maravilhoso conteúdo dos provérbios e parábolas de sabedoria
bíblica.
4 A segunda metade deste versículo pode ser traduzida literalmente por: “quem dá salário ao perverso é como quem confia em
qualquer transeunte”. Abimeleque contratou pessoas desocupadas e vadias para ajudá-lo a matar seus próprios meio-irmãos, a
fim se assumir um governo que se caracterizou por brevidade e insucesso total (Jz 9.4-6).
5 Mais de 1000 anos após a publicação deste provérbio, o apóstolo Pedro refere-se a esta passagem das Escrituras para ad-
vertir os falsos mestres que perturbavam a boa doutrina neotestamentária da Igreja primitiva (2Pe 2.22). O insensato repete suas
tolices, assim como o viciado tende a retornar à dependência do álcool ou das demais drogas, se não permitir que seu coração
seja absolutamente controlado pelo Espírito Santo (23.35; 2Ts 3.5). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: As a dogge returneth
to his vomite: so a foole returneth to his folly.
PROVÉRBIOS 26, 27 184
6 A expressão original hebraica “como um enlouquecido” (ou como no vocábulo transliterado em mithlahlēah) tem
sua origem em uma raiz que só consta nesta forma intensiva e reflexiva, com o sentido de “louco”, doença mental motivada por
algum tipo de insolação. Curiosamente, a palavra traduzida por “loucura” em algumas passagens do livro de Eclesiastes advém
de outra raiz que significa “fingir que se possui um brilho extraordinário” ou “tentar refletir um falso carisma” (Ec 1.17; 2.2; 7.25).
Uma outra raiz ainda shãga´ descreve esse estado de neurose, como “delírio” (1Sm 21.12; Jr 50.38).
7 Jesus, o Messias, também fez uso do significado desta passagem bíblica para repreender muitos religiosos e mestres da Lei
de seu tempo, mais preocupados com as formalidades exteriores e tradições ritualísticas do que em amar a Deus e ao próximo
com plena sinceridade de coração (Mt 22.36-40; 23.27; Lc 11.39).
8 A conversa gentil e amistosa pode ocultar planos enganosos, intenções utilitaristas e maldosas, como a sedução da mulher
imoral (2.16; 5.3). Personalizando as qualidades morais na figura de duas mulheres bonitas e perspicazes, a Falsidade é a grande
inimiga da humanidade e da Sabedoria (1.20; 12.20). Há sete atitudes que o Senhor detesta (6.16-19; Jó 5.19; Jr 9.8).
9 Jesus Cristo fez menção ao conteúdo deste versículo, ao lembrar que as pessoas não serão julgadas por seu exterior: por
suas ofertas, rigor religioso, legalismo ou práticas cerimoniais, mas pelo que de verdade habita o seu íntimo. As mais íntimas
intenções, motivadoras das boas e das más obras serão todas trazidas a público. Deus é quem observa e avalia o coração de
cada ser humano (5.14; Lc 8.17; Nm 35.24,25).
10 Não se deve buscar a vingança, pois não temos condição de ser justos no propósito da punição corretiva contra quem nos
prejudicou; nossa tendência é sempre devolver muitas vezes mais pelo mal que sofremos. Tampouco devemos pensar em atentar
contra alguém, pois com a mesma violência e sordidez com que planejamos qualquer mal contra o próximo, também seremos
“esmagados” pelo efeito reverso. É como tentar resolver os problemas de um país mediante um ataque nuclear: toda a terra seria
afetada, inclusive o agressor (Sl 7.16; 7.15; Ec 10.8,9; Et 7.10; Pv 1.18; 28.10; 29.6).
Capítulo 27
1 Cerca de 1000 anos após a publicação deste provérbio, Jesus Cristo, o Messias contextualiza, em sua época e discípulos, o
conteúdo desta palavra de sabedoria, na parábola do “rico insensato” (Lc 12.16-20; Tg 4.13-16; Is 56.12; Pv 16.9).
2 A expressão hebraica original “os ciúmes” (6.32-35) não ocorre comumente nas Escrituras com o significado negativo
que há em 14.30, por exemplo. Existe um sentido bem diferente e positivo para esse vocábulo na expressão em português “zelo-
so” que, em vez de se referir aos “ciúmes de” (inveja), diz respeito aos “ciúmes em prol de” (Ct 8.6,7), portanto, um sinal de amor
e não de indiferença ou rancor (Êx 20.5; 1Rs 19.10; Zc 8.2).
3 Esta é a verdadeira “crítica construtiva” (15.31; Gl 2.14).
4 Amor sem lealdade é paixão sem compromisso, por isso a expressão em hebraico transliterado em hesedh “amor”
185 PROVÉRBIOS 27, 28
7 Quem está satisfeito despreza o mel, 17 Assim como o ferro afia o próprio ferro,
mas para quem tem fome até o amargo as pessoas aprendem umas com as outras.
é saboroso. 18 Quem cuida bem da sua figueira co-
8 Como ave vagando longe do ninho, assim merá dos seus frutos, e quem trata bem
é o homem perambulando longe do lar! o seu patrão será recompensado.
9 Perfume e incenso promovem alegria 19 Assim como a água reflete o rosto, o
no coração; o conselho sincero de um coração revela quem somos nós!
amigo dá encorajamento para viver. 20 O Sheol e o Abadom são insaciáveis,
10 Não abandones o teu amigo, tampou- assim como nunca se fartam os olhos da
co o amigo do teu pai, nem vás à casa do humanidade.6
teu irmão no teu dia atribulado: mais 21 O crisol é para a prata e o forno é para
vale o vizinho próximo do que o irmão o ouro, mas o que prova o ser humano
distante! são os elogios que recebe.7
11 Filho meu, sê sábio! Assim eu encon- 22 Mesmo que você espanque o perverso,
trarei a felicidade e saberei dar uma boa como grãos num pilão, a sua insensatez
resposta a quem me criticar.5 não se separa dele!8
12 A pessoa perspicaz percebe o perigo e 23 Conhece bem o estado das tuas ove-
busca refúgio; o incauto segue adiante e lhas, e presta atenção aos teus rebanhos;
sofre todas as conseqüências. 24 porque as riquezas não são para sem-
13 Quem concorda em ser fiador de uma pre, e nada garante que uma coroa seja
pessoa que não conhece, deve dar sua pró- transmitida de geração em geração.9
pria roupa como garantia de pagamento! 25 Quando o feno for cortado, surgirem
14 Se acordas teu próximo logo ao romper novos brotos, e o capim das colinas for
da aurora com um grito de “bom dia”, este apanhado,
teu cumprimento soa como maldição! 26 as ovelhas te fornecerão lã para as tuas
15 Goteira pingando sem parar em dia de roupas, e poderás comprar mais terras
chuva e a mulher ranzinza são irritações com a venda de teus cabritos.
muito parecidas; 27 Tuas cabras fornecerão leite com far-
16 detê-la é como tentar frear o vento, tura para que alimentes a ti mesmo, tua
como conter o óleo com as mãos! família e todos os teus servos.10
(14.22) é a mesma expressão que se traduz por “misericórdia”, “lealdade” e “benignidade” (19.22; 20.6). Significa bondade
para com os que passam por provações e angústias, amizade fiel, boa vontade, abnegação e graça. É a palavra-chave na
mensagem profética de Oséias (Os 2.2-23; Rm 8.28-30). O pior dos inimigos é o adulador, dissimulado e mentiroso (Sl 141.5;
Mt 26.49; Pv 5.3,4).
5 Um filho ou aluno (discípulo) sábio serve de poderoso testemunho de que os pais ou mestres que lhe deram educação e
formação são pessoas dignas de grande honra (10.1).
6 Como já temos visto em várias passagens na KJ, a expressão hebraica She’ôl e sua correspondente em grego, Hades, podem
ser traduzidas como “inferno”, “sepultura”, “além” ou “condição ou lugar dos mortos” em comparação aos “vivos na terra”; o
mundo da “invisibilidade” dos que deixam a carne pelo efeito transcendental da morte do corpo físico (9.18; Ez 31.15-18). O termo
‘Abhaddôn significa, literalmente, “destruição” ou “lugar de perecer”, mas neste versículo e contexto funciona como sinônimo
retórico de “Sheol” (15.11). No NT, o vocábulo “Abadom” é usado como nome próprio do “anjo do Abismo”, em grego Apoliom
(Ap 9.11). O apetite da “morte” e da “ambição humana” são insaciáveis (Jó 26.6; Is 5.14; Ec 4.8).
7 A prosperidade e o sucesso devem ser aceitos com humildade, como graça de Deus, e jamais com a arrogância dos per-
versos que, insanos, se iludem com a força de alguns de seus dons e se esquecem do Doador. Cerca de 1000 anos após a
publicação deste provérbio, Jesus, o Cristo, faz menção desse princípio de sabedoria bíblica ao precaver seus discípulos contra
os perigos da lisonja e da soberba (Lc 6.26; Pv 12.8; Is 1.25; Ml 3.3).
8 Assim como o trigo e outros grãos eram moídos no almofariz, a fim de que a palha e toda impureza fossem separadas do me-
lhor das sementes, ainda que o insensato seja submetido aos mais severos castigos, sua empáfia, opulência e soberba teimosia
não lhe permitem observar suas atitudes más e reconhecer que necessita de uma mudança radical (20.30; 26.11; Jr 5.3). Por isso,
na vida de todos nós, a Salvação é dom imerecido e milagre do Senhor (Jo 1.12; 3.16-19).
9 Até mesmo os reis e governantes poderosos podem perder suas riquezas, prestígio e poder de um momento para outro (Jó
19.9; Lm 5.16).
10 Na Palestina da época, o feno era retirado entre os meses de março e abril. A economia agrícola da antigüidade é refletida
PROVÉRBIOS 28 186
nesta passagem (23-27). O trabalho diário, de sol a sol é uma maneira de manter a subsistência no presente, enquanto o futuro
está absolutamente associado à graça e mercê de Deus (Gn 31.38-40). As ovelhas e cabritos eram utilizados como meio de
pagamentos (2Rs 3.4). O leite forte de cabra era misturado ao das vacas (Dt 32.13,14; Is 7.21,22; Pv 31.15).
1 A expressão hebraica original “em sua integridade” deriva da raiz transliterada em tãmam “um ser completo”, “bem
acabado”; e significa, também, “de atitude justa”, “impecável”, “honesto e sem falsidade”. Em 11.3 observamos a forma tummâh,
com o mesmo sentido. Portanto, “ser íntegro” é a decisão humana de entregar-se voluntariamente ao processo de transformação
divina, como o barro se deixa moldar sob as mãos competentes e talentosas do oleiro (Jr 18.1-10).
2 A expressão hebraica transliterada rãhãm significa o ato de misericórdia de socorrer os aflitos, angustiados, fracos e pobres,
com o objetivo primeiro de revelar a graça do Senhor aos que foram feitos cativos das artimanhas do maligno e do pecado. Muito
sofrimento psicológico e físico advém das tentativas inúteis de esconder, da própria consciência, os erros cometidos, e de furtar-
se à confissão (especialmente a Deus em oração sincera). A outra palavra hebraica traduzida por “amor leal” ou “misericórdia” é
hesedh, e pode ser analisada em 19.22 (3.7,8; Sl 32.3-11).
3 A expressão hebraica transliterada em beça’, aqui traduzida por “desonestidade”, tem o sentido literal de “pegar um lucro
injusto de cada assunto que necessita passar por nossas mãos”. Pode-se traduzir ainda por “avareza” ou “ganho perverso”. Um
ditado em português nos ajuda a compreender o sentido da expressão original: “quem parte e reparte, fica com a melhor parte”
(Gn 37.26; Êx 18.21).
4 Desde os primórdios, assim como na época de Salomão, a Lei era rigorosa em relação a crimes de homicídio, entre outros,
e punia com a morte seus culpados (Gn 4.14; 9.6; Êx 21.14).
187 PROVÉRBIOS 28, 29
22 O homem de olho ávido corre atrás da 5 O homem que bajula seu próximo está
riqueza, e não sabe que a necessidade vai apenas construindo uma armadilha para
cair sobre ele. si mesmo.
23 Quem repreende um homem depois 6 Os ímpios são capturados nas artima-
achará favor, mais do que aquele que o nhas de seus próprios pecados, mas os
bajula com palavras vãs. justos andam livres e felizes!
24 Quem rouba seu pai e sua mãe, e ale- 7 O justo se interessa em militar pela cau-
ga: “Isso não é errado!”, é comparsa do sa dos necessitados, o ímpio não tem a
Destruidor!5 inteligência para dedicar-se a isso.3
25 A pessoa gananciosa provoca conten- 8 Os zombadores alvoroçam toda uma
das o tempo todo, mas quem confia no cidade, mas os sábios conseguem apazi-
SENHOR prosperará em paz! guar grandes conflitos.
26 Quem confia apenas em si mesmo é in- 9 Quando um sábio se dispõe a discutir
sensato, porém quem caminha de acordo com um tolo, quer se zangue quer ria, ja-
com a sabedoria, não corre perigo. mais terá descanso!
27 Quem dá aos pobres não viverá em ne- 10 Os assassinos detestam a pessoa ín-
cessidade, mas quem esconde seus olhos tegra, mas os homens retos protegem a
dos que precisam de ajuda sofrerá muitas vida de quem vive em integridade.
maldições. 11 O insensato expande todas suas paixões,
28 Quando os perversos sobem ao poder, o mas o sábio as reprime e acalma sua alma!
povo se esconde; mas quando eles encon- 12 Se um chefe dá atenção às palavras
tram a destruição, os justos florescem! mentirosas, seus auxiliares todos se tor-
nam perversos.
Outros provérbios antitéticos 13 O enfraquecido e o opressor se encon-
5 Quem rouba ou engana seu pai ou sua mãe não pode estar ao lado de Deus; sua companhia, por certo, será o Diabo ou algum de
seus asseclas. Mais de 1000 anos depois desta declaração, Jesus, o Messias, usou o mesmo conceito bíblico para repreender muitos
mestres judeus de seu tempo que estavam questionando seus discípulos quanto à cerimônia de lavar as mãos antes das refeições,
mas não respeitavam nem eram honestos com seus próprios pais (Mt 15.4-6; Mc 7.10-12; Pv 19.26). Na KJ de 1611, este versículo foi
assim traduzido: Who so robbeth his father or his mother, and saith, it is no transgression, the same is companion of a Destroyer.
Capítulo 29
1 A pessoa que não ouve os conselhos dos pais e dos sábios na Palavra de Deus pode se preparar para grandes infortúnios.
Assim sucedeu aos filhos de Eli, que morreram por causa de teimosa rebeldia (1Sm 2.25; Dt 9.6,13; Pv 1.22-27; 6.15).
2 Os israelitas aprenderam desde muito cedo na História o que significa submeter-se a um governo pagão, ímpio e corrupto
(Êx 2.23,24; Jz 2.18; Pv 28.12).
3 Os justos e honestos se preocupam com o bem-estar dos pobres (v.14; 19.17; 22.22; Jó 29.16).
4 A expressão original hebraica , transliterada em tôkēhehâh “a repreensão” ou “a disciplina”, nas Escrituras do AT é
usada exclusivamente para descrever um tipo de “punição” usada por Deus, para corrigir e ensinar seu povo ao longo da pere-
grinação. As expressões como a raiz yãkhah “julgar” ou “pronunciar sentença” e müsãr “instrução” (19.20) são outras formas de
se referir à atitude de oferecer educação e disciplina, especialmente aos filhos jovens. A expressão mēbhish “dando motivos de
PROVÉRBIOS 29, 30 188
canso; trará delícias para ti. 26 Muitos procuram o favor das pessoas
18 Um povo que não aceita a revelação do importantes, mas o SENHOR dá o que cada
SENHOR é uma nação sem ordem. Quem um merece!7
obedece à Palavra de Deus é feliz!5 27 O homem iníquo é abominável para
19 Meras palavras não são suficientes os justos, o de caminho reto, entretanto,
para disciplinar um escravo; mesmo que é amedrontador para os ímpios!
as compreenda, não conseguirá reagir
positivamente!6 Palavras proféticas do sábio Agur
20 Vês uma pessoa precipitada ao falar?
Pois espera-se muito mais de um insen-
sato do que de alguém com essa atitude.
30 Palavras de sabedoria divina pro-
clamadas por Agur, filho de Jaque:
Este homem declarou a Itiel; a Itiel e a
21 Se alguém mima seu escravo desde a in- Ucal:
fância, este, por fim, se tornará ingrato! “Ó Deus, fatiguei-me! Fatiguei-me, ó
22 A pessoa de mau gênio sempre causa meu Deus, e exausto estou,1
algum tipo de problema e discórdia. 2 porquanto sou demasiadamente tolo
23 O orgulhoso sempre acabará sendo para ser homem, não tenho a inteligên-
grandemente humilhado; em contraste, cia humana,2
chegará o dia em que o humilde receberá 3 não aprendi a sabedoria, nem tenho o
honra e glória. conhecimento do Santo!3
24 O comparsa de um criminoso é sem- 4 Quem subiu ao céu e de lá retornou?
pre o pior inimigo de si mesmo: se dian- Quem reúne o poder dos ventos em uma
te das autoridades ele disser a verdade, das mãos? Quem represa as águas do mar
será castigado; se não disser, Deus o numa túnica? Quem determinou todos
punirá! os limites da terra? Qual é o seu Nome, e
25 O medo humano sempre arma suas o Nome do seu Filho? Respondei-me, se
ciladas, mas quem confia em Yahweh, o é que o sabes!4
SENHOR, vive em segurança! 5 A Palavra de Deus é comprovadamente
vexame” é a forma causativa do vocábulo bush “envergonhar-se”. Filhos disciplinados, respeitadores e bem educados proporcio-
nam grandes alegrias e muitas honras a seus pais e mestres (31.23; 1Tm 3.2-5).
5 A “revelação” é a mensagem de Deus ou “visão profética” oferecida ao povo, por meio da meditação nas Escrituras ou de
um profeta (aquele que prega a Palavra de Deus). O povo de Israel desviou-se da Palavra e pecou terrivelmente contra Deus,
quando o profeta do Senhor, Moisés, havia se retirado para o monte do Sinai por um breve tempo (Êx 32.25; 1Sm 3.1; Is 1.1;
Am 8.11,12; Pv 8.32; 28.4-14). A KJ de 1611 traduz assim este versículo: Where there is no vision, the people perish: but he that
keepeth the Law, happy is he.
6 Os servos, assim como os próprios filhos, devem ser educados mediante uma sábia combinação de ministração verbal,
ensino, acompanhamento, advertência, correção (disciplina) e punição diante dos erros cometidos. Apenas uma punição clara e
específica por falta cometida; sem xingamentos, agouros, ódio ou mágoas (vv.15,17; 22.6).
7 O mesmo Deus que controla os reis de toda a terra, zela, todos os dias, pelo direito dos justos e dos pobres e indefesos
(21.1; Jó 36.6; 1Rs 10.24).
Capítulo 30
1 Estes dois capítulos finais de Provérbios são apêndices canônicos à obra sapiencial de Salomão. O capítulo 30 apresenta os
“oráculos” de Agur, filho de Jaque, um sábio ligado ao povo ismaelita e ao grupo dos “Sábios” (22.17; 24.23). Itiel e Ucal eram
alguns de seus discípulos mais chegados (Gn 25.13,24). Agur foi mestre de grande sabedoria, como Etã e Hemã (1Rs 4.31). A
palavra “oráculo ou sentença de provação” pode ser aqui interpretada como o nome próprio do lugar onde viveu Agur: Mãssã
ou Massá (Jr 23.33-38; Is 13.1). No capítulo 31, o rei de Massá, Lemuel, registra as exortações (oráculos ou mensagens de Deus)
ministradas por sua mãe.
2 Mais de 1.000 anos depois da publicação deste provérbio, o apóstolo Paulo chegaria à mesma conclusão diante do Espírito
de Deus (1Tm 1.16).
3 A expressão “Santo” é uma maneira muito peculiar de Salomão e dos “Sábios” se referirem ao Nome do Senhor, no livro de
Provérbios (9.10).
4 Desde a antigüidade, os sábios hebreus costumavam usar vários recursos lingüísticos, como as perguntas retóricas, metá-
foras e figuras de linguagem diversas, com fins estéticos e didáticos. Aqui a grandeza de Deus como Criador supremo é o ponto
enfatizado pelo autor, assim como ocorre no livro de Jó (Is 40.12; Jó 26.8; 38.4-11; Sl 135.7). Hoje, é evidente para nós que o
Nome de Deus é Yahweh e seu Filho, Jesus Cristo, o Messias (Mt 1.21; Hb 1.1-4).
189 PROVÉRBIOS 30
pura, Ele é um escudo para quem nele 15 A sanguessuga tem duas filhas que se
confia totalmente.5 chamam: ‘Me dá!’ e ‘Me dá!’ Há três gran-
6 Não acrescentes nada às suas palavras; des demandas que jamais estão completa-
jamais declare algo que Deus não disse, mente satisfeitas, quatro que nunca decla-
para que Ele não te contradiga e passes ram: ‘É o bastante!’:
por mentiroso.6 16 O Sheol, a mulher sem filhos; a terra
7 Duas bênçãos peço a Ti que me dês, não seca que precisa sempre de chuva; e o
mas negues, antes que eu morra:7 fogo de um incêndio!12
8 Afasta de mim a falsidade e a mentira; 17 Os olhos de quem ridiculariza seu pai,
também não me permitas viver em ex- ou de quem trata sem consideração e
trema pobreza nem em grande riqueza; obediência a própria mãe serão arranca-
concede-me o sustento diário necessário. dos pelos corvos do vale, e serão devora-
9 Para que não ocorra que, tendo em de- dos pelos filhotes dos abutres!
masia, venha eu a imaginar que não pre- 18 Há três caminhos misteriosos demais
ciso do Senhor. Ou, passando miséria, para a minha compreensão, quatro que
acabe roubando e envergonhando o teu não consigo entender:
Nome, ó meu Deus!8 19 O caminho do abutre pelo céu, o
10 Não calunies o servo diante de seu pa- caminho da serpente sobre a rocha,
trão; ele te amaldiçoará, e serás castigado.9 o caminho do navio em alto mar, e o
11 Há quem amaldiçoa o pai e não aben- caminho do homem com sua mulher
çoa a mãe; amada!13
12 há quem se considera puro e não se 20 Entretanto, o caminho da mulher imo-
lava de sua imundície;10 ral é assim: ela pratica adultério, toma
13 há pessoas de olhares altivos; e de sem- banho e logo em seguida alega: “Não fiz
blantes arrogantes; nada de errado!”
14 há quem ostente dentes como espadas 21 Três eventos abalam as estruturas do
afiadas, cujas mandíbulas estão sempre mundo, quatro a terra não pode suportar:
armadas de facas com o objetivo de de- 22 O escravo que se torna rei, o insensato
vorar os fragilizados desta terra e os po- que se satisfaz com sua refeição,
bres da humanidade.11 23 a mulher de mau gênio que consegue
5 Deus e, paralelamente, sua Palavra são denominados o nosso escudo (Gn 15.1; Sl 3.3; 7.10; 18.2,30; Pv 2.7; 14.32; 18.10). A
KJ de 1611 traz a seguinte tradução: Euery Word of God is pure: he is a shield vnto them that put their trust in him.
6 Advertência proclamada pelo profeta Moisés aos israelitas da antiguidade assim como a todos os teólogos e pregadores
de hoje (Dt 4.2; Ap 22.18-19). Nem o Senhor nem Sua Palavra precisam de qualquer ajuda; a humanidade é que carece de
obediência às Escrituras.
7 O estilo poético e profético do sábio Agur é marcado pela composição de listas com cifras características (vv.
15,18,21,24,29).
8 O próprio Moisés previu que Israel desprezaria o Senhor quando passasse a ter fartura em alimentos, grandes rebanhos e
muito conforto material (Dt 8.12-17; 31.20). O Nome do Senhor aqui é Elohim – o Santo (v.17; 2.5; 3.4; 25.2; Gn 2.4). Mais de 1.000
anos depois desta declaração, o apóstolo Paulo ensinaria que conhecer o Nome do Senhor é participar dos seus sofrimentos e
da sua Glória (Fp 3.10).
9 É preciso muito cuidado para não mentir. As falsas acusações provocam fortes reações, e as maldições que são rogadas
contra quem processa calúnias e difamações surtirão seu efeito (26.2). Jamais se deve tirar qualquer proveito da falta de instrução
ou da condição pobre e fragilizada de uma pessoa ou de um povo.
10 Mais de 1000 anos depois desse dito, Jesus Cristo adverte os mestres e teólogos de seu tempo sobre o perigo das dissimu-
lações e arrogâncias (Lc 18.11; Is 65.5).
11 Os perversos se assemelham muito às bestas feras em sua sagacidade, volúpia e violência por devorar suas presas (Sl 14.4;
Jó 29.17; Mq 3.2,3).
12 Como já vimos em outras passagens, a expressão hebraica Sheol pode ser traduzida por “sepultura, profundezas, pó, morte e,
eventualmente, inferno” (27.20; Is 5.14; 14.9,11; Hc 2.5; Ap 20.14). No antigo Oriente e, especialmente, entre o povo de Israel, a espo-
sa sem filhos era marginalizada, desprezada pela comunidade e vivia desolada (Gn 16.2; 30.1; Rt 1.11-21; 1Sm 1.6-11; 2Rs 4.14).
13 É difícil compreender o caminho traçado por quaisquer desses viajantes; a total liberdade, a sinuosidade quase ilógica dos
movimentos (marchas e demarchas), a falta de rastros perceptíveis quando passam (Jó 39.27; Jr 48.40).
PROVÉRBIOS 30, 31 190
se casar, e a serva que toma o lugar de 3 Não entregues a tua força às mulheres,
sua senhora! nem o teu vigor aos que corrompem os
24 Quatro seres da terra são muito peque- que governam.
nos e, contudo, admiravelmente sábios: 4 Escutai, Lemuel! Não é prudente que
25 As formigas, criaturas de pouca força, os reis bebam muito vinho, tampouco
entretanto, conseguem armazenar todo aqueles que têm a responsabilidade de
o alimento de que necessitam no verão; governar se entreguem também às outras
26 os coelhos, animais sem nenhum po- formas de embriaguez;3
der, contudo, habitam nas alturas dos 5 porquanto quando não estão sóbrios se
penhascos; esquecem do bom siso e das leis, e não
27 os gafanhotos, que não têm rei, mas são solidários aos direitos dos fracos e
ainda assim conseguem trabalhar unidos dos pobres.
e avançam em fileiras em direção a um 6 Dá licor ao moribundo, e vinho aos
objetivo; amargurados;
28 a lagartixa, que qualquer pessoa pode 7 bebam e esqueçam-se da miséria, e não
pegar com a mão, contudo, habita tam- se lembrem de suas aflições.
bém nos palácios dos grandes monarcas! 8 Abre a tua boca em favor dos que não
29 Há três seres de andar elegante, quatro podem se defender; sê o protetor dos di-
que se locomovem majestosamente: reitos de todos os desamparados!
30 O leão, que é o mais poderoso de todos 9 Ergue a tua voz e julga com justiça, de-
os animais, e nada o intimida; fende o pobre e o indigente.”4
31 o galo de andar altivo; o bode; e o rei à
frente do seu exército! Acróstico da mulher virtuosa
32 Se procedeste como um tolo em te 10 Mulher virtuosa, quem a achará? O
exaltares ou se tramaste o mal, tapa a seu valor em muito ultrapassa os das
boca com a mão. mais finas jóias!5
33 Pois assim como bater o leite produz Alef
manteiga, da mesma forma, uma pan- 11 O seu marido tem plena confiança nela,
cada no nariz faz jorrar muito sangue e e a miséria jamais chegará à sua casa.
provocar a raiva de alguém só produzirá Bet
uma grande briga! 12 Essa esposa exemplar faz ao seu mari-
do sempre o bem e nunca o mal.
Palavras proféticas do rei Lemuel Guimel
1 No antigo sistema monárquico hebraico, a rainha-mãe exercia grande influência nas decisões do marido e dos filhos, especial-
mente em relação ao filho mais velho e futuro monarca (1Rs 1.11-13; 15.13). Essa tradição passou para a cultura israelense e, hoje em
dia, é mundialmente conhecida a influência das mães judias em suas famílias. Todo o livro de Provérbios é poeticamente povoado de
personagens femininos disputando a atenção e o coração do homem (a Sabedoria, a Insensatez, a Adúltera, a Virtuosa etc...).
2 Um exemplo de Ana, mulher que buscou, na fé e em suas orações ao Senhor, a realização do seu sonho de ser mãe e liber-
tação da ignomínia que a tradição judaica impunha às esposas sem filho, de sua época (1Sm 1.11).
3 Pobre da casa ou da nação onde seus líderes são dependentes do álcool ou de algum outro tipo de droga (20.1; Ec 10.16,17;
Os 7.5). Governantes imorais e viciados afastam-se de tudo o que é justo e verdadeiro, desprezando as necessidades básicas
do seu povo e país (5.23; 10.2; 30.14).
4 O líder maior de uma nação recebe de Deus a responsabilidade de zelar pela edificação espiritual, cultural e bem-estar do seu
povo (16.10; Lv 19.15; Sl 82.3; Jó 29.12-17; Is 1.17).
5 No original hebraico, este poema foi composto em acróstico, no qual as primeiras letras de cada parágrafo (versículo) seguem
a ordem alfabética judaica. Esta peça literária é uma apologia à “esposa exemplar” (12.4; Rt 3.11) e uma personificação da própria
191 PROVÉRBIOS 31
“sabedoria”. Evidentemente, quem a encontra é porque recebeu de Deus essa graça, bênção e presente mais rico do que muitos
diamantes, rubis e esmeraldas (vv.1-7; 3.15; 8.11,35; 18.22; 19.14). Maria, de Betânia, foi considerada por Jesus, o Messias, uma
“mulher exemplar” (Lc 10.38; Jo 11.1-14). A mulher “de ânimo esforçado” (notável), assim como o homem sábio aprendeu o
que significa o “temor do Senhor” (1.7). A KJ de 1611 traduz este versículo assim: Who can finde a virtuous woman? for her price
is farre aboue Rubbies.
6 Este versículo tem sido traduzido literalmente por “Ela estende as suas mãos ao fuso, e suas mãos pegam na roca”, como na
KJ de 1611: She layeth her handes to the spindle, and her handes hold the distaffe. Expressões ligadas à cultura hebraica agrícola
e mecânica, da época, hoje pouco conhecidas da maioria dos falantes de língua portuguesa.
7 A mulher exemplar, além de ser empreendedora, não deixa de ser feminina, delicada e de dar atenção a sua beleza exterior e
modo de vestir (vv.19-22,30; Gn 41.42; Jz 8.26; Ct 3.10; 2Sm 1.24; Ap 18.16; Pv 3.14; 6.9,10; 20.13; 27.27; Lc 12.42). Entretanto,
é na força do seu amor sincero a Deus que seu caráter é lapidado como o mais belo ornamento (Is 52.1; 1Tm 2.9,10; 1Pe 3.1-6;
Sl 35.26; Jó 16.20; 39.7; Pv 14.21; 22.9).
8 Ensina com amor, dedicação e paciência a seus filhos e amigas. Aprendeu a aconselhar mediante a Palavra do Senhor que
aplica à sua própria vida e cujos resultados avalia, com humildade e misericórdia para com o próximo (1.8,21; 6.20; 22.4; Gn
30.13; Sl 72.17; Ct 6.9; Ml 3.12; Rt 4.14,15).
9 A mulher notável, assim como o homem sábio aprenderam o que significa o “temor do Senhor” e, por isso, serão grandemen-
te recompensados; aqui, agora e eternamente (1.7,21; 12.14; 22.4; Mt 25.21,34).
INTRODUÇÃO
O EVANGELHO SEGUNDO
MATEUS
Autoria
Desde o segundo século da era cristã, a tradição da Igreja atribui ao apóstolo Mateus a autoria do
Evangelho que aparece em primeiro lugar nas várias edições da Bíblia (Mt 9.9 e 10.3).
Eusébio, em sua obra História Eclesiástica, no início do século IV, já trazia citações de Papias, bispo
do século II, de Irineu, bispo de Leão e de Orígenes, grande pensador cristão do século III. Todos os
“pais da Igreja” (como ficaram conhecidos os notáveis discípulos de Cristo e teólogos dos primeiros
séculos), concordam em afirmar que este Evangelho foi escrito (ou narrado a um amanuense, pes-
soa habilidosa com a escrita), primeiramente em aramaico (hebraico falado por Cristo e pelos jovens
judeus palestinos de sua época) e depois, traduzido para o grego. Apesar das muitas evidências
sobre a existência do original em aramaico, todas as buscas e pesquisas arqueológicas somente en-
contraram fragmentos e cópias em grego. Entretanto, os principais estudiosos e teólogos do mundo
não duvidam que o texto grego que dispomos hoje em dia é o mesmo que circulou entre as igrejas
a partir da segunda metade do século I d.C.
Ainda que não apresentando explicitamente o nome do autor, o Evangelho Segundo Mateus,
fornece pelo menos uma grande evidência interna que confirma sua autoria defendida pelos pais da
Igreja. A história da narrativa de um banquete ao qual Jesus compareceu em companhia de grande
número de publicanos e pecadores (pagãos e judeus que não guardavam a Lei e as determinações
dos líderes religiosos da época) é descrita na passagem que começa com as seguintes palavras em
grego original transliterado: kai egeneto autou anakeimeou em te(i) oikia(i). Ou seja: “E aconteceu
que, estando Jesus em casa,...” (Mt 9.10). Considerando que os últimos três vocábulos significam
“em casa”, o trecho sugere que o banquete fosse oferecido “na casa” de Jesus. Contudo, a
passagem paralela em Mc 2.15 revela que essa festa aconteceu “na casa” de Levi, isto é, Mateus
Levi. O texto em Marcos aparece assim transliterado: en te(i) oikia(i) autou, “na casa dele”. O sentido
alternativo de Mt 9.10 esclarece que “em casa” quer dizer “na minha casa”, ou seja, “na casa” do
autor, e isto concorda perfeitamente com Marcos e com os fatos apresentados em todos os Quatro
Evangelhos.
Mateus, que tinha por sobrenome Levi (Mc 2.14), e cujo nome significa “dádiva do Senhor”, era um
cobrador de impostos a serviço de Roma, mas que abandonou uma vida de avareza e desonestidade
para seguir Jesus, o Messias (Mt 9.9-13). Em Marcos e Lucas é chamado por seu outro nome, Levi.
Propósitos
O principal objetivo do Evangelho Segundo Mateus é relatar seu testemunho pessoal sobre o fato de
Jesus Cristo ser o Messias prometido no Antigo Testamento, cuja missão messiânica era trazer o Reino
de Deus até a humanidade. Esses dois grandes temas: o caráter messiânico de Jesus e a presença
do Reino de Deus são indissociáveis e devem ser analisados sempre como um todo harmônico. Cada
qual representa um “mistério” – uma nova revelação do plano remidor de Deus (Rm 16.25-26).
Antes do grande evento da vinda do Messias, como o Filho de Deus (também chamado no AT e
pelo próprio Jesus de “o Filho do homem”), em triunfo e grande glória entre as nuvens do céu, a fim
de estabelecer Seu Reino sobre o planeta todo, terá em primeiro lugar, de vir sob a mais absoluta
humildade entre os homens na qualidade de Servo Sofredor, cônscio de que sua missão será dedi-
car a própria vida em sacrifício voluntário a favor da humanidade, especialmente dos que, crendo em
Seu Nome, se arrependerem dos seus pecados, nascendo para uma nova vida (Jo 1.12; 3.16). Esse
é o mistério da missão messiânica. Era um ensino completamente desconhecido para os judeus
do primeiro século da nossa era. Hoje, a maior parte dos cristãos que lêem o capítulo 53 de Isaías
não sentem qualquer dificuldade em identificar a pessoa de Jesus Cristo com o Messias prometido.
Entretanto, os judeus não observaram com cuidado a descrição do Servo Sofredor e deram mais
atenção às promessas de um Messias que viria com grande poder e glória, o que realmente está
registrado no contexto dessa passagem (Is 48.20; 49.3).
Por esse motivo, os judeus do primeiro século esperavam ansiosamente pelo Filho de Davi, um Rei
divino (uma vez que os reis humanos já haviam provado sua incompetência e limitação). O Filho de
MATEUS
A linhagem real de Cristo 15 Eliúde gerou Eleazar; Eleazar gerou
(Lc 3.23-28) Matã, Matã gerou Jacó;
1 Livro da genealogia de Jesus Cristo,
Filho de Davi, Filho de Abraão:
2 Abraão gerou Isaque, Isaque gerou Jacó,
16 Jacó gerou José, marido de Maria, da qual
nasceu JESUS, denominado o Cristo.2
17 Portanto, o total das gerações é: de
Jacó gerou Judá e seus irmãos, Abraão até Davi, quatorze gerações; de
3 Judá gerou Perez e Zera, de Tamar; Pe- Davi até o exílio na Babilônia, quatorze
rez gerou Esrom; Esrom gerou Arão. gerações; e do exílio na Babilônia até
4 Arão gerou Aminadabe; Aminadabe ge- Cristo, quatorze gerações.
rou Naassom; Naassom gerou Salmom,
5 Salmom gerou Boaz, de Raabe, e Boaz ge- A linhagem divina de Cristo
rou Obede, de Rute; Obede gerou a Jessé. (Lc 2.1-7)
6 Jessé gerou o rei Davi, e o rei Davi ge- 18 O nascimento de Jesus Cristo ocorreu
rou a Salomão, daquela que foi mulher da seguinte maneira: Estando Maria, sua
de Urias1; mãe, prometida em casamento a José,
7 Salomão gerou Roboão; Roboão gerou antes que coabitassem, achou-se grávida
Abias; Abias gerou Asa, pelo Espírito Santo.
8 Asa gerou Josafá; Josafá gerou Jorão; 19 Então, José, seu esposo3, sendo um
Jorão gerou Uzias; homem justo e não querendo expô-la à
9 Uzias gerou Jotão; Jotão gerou Acaz; desonra pública, planejou deixá-la sem
Acaz gerou Ezequias; que ninguém soubesse a razão.
10 Ezequias gerou Manassés; Manassés 20 Mas, enquanto meditava sobre isso,
gerou Amom; Amom gerou Josias; eis que, em sonho, lhe apareceu um anjo
11 Josias gerou Jeconias e a seus irmãos do SENHOR, dizendo: “José, filho de Davi,
no tempo em que foram levados cativos não temas receber a Maria como sua
para a Babilônia. mulher, pois o que nela está gerado é do
12 Depois do exílio na Babilônia, Je- Espírito Santo.
conias gerou Salatiel; Salatiel gerou 21 Ela dará à luz um filho, e lhe porás o
Zorobabel; nome de Jesus, porque Ele salvará o seu
13 Zorobabel gerou Abiúde; Abiúde ge- povo dos seus pecados”.4
rou Eliaquim, e Eliaquim gerou Azor; 22 Tudo isso aconteceu para que se cum-
14 Azor gerou Sadoque; Sadoque gerou prisse o que o SENHOR havia dito através
Aquim; Aquim gerou Eliúde, do profeta:
1 A expressão “daquela que foi mulher” não se encontra nos originais em grego; entretanto, desde 1611, a Bíblia King James
traz, junto ao texto bíblico, essa explicação rabínica, cujo emprego passou a se observar na maioria das traduções e versões
posteriores, em diversas línguas.
2 A expressão grega christos é o adjetivo verbal semita, equivalente a Messias, que, em hebraico, significa “o Ungido”. No AT,
essa forma designava o rei de Israel (o ungido do Senhor, como em 1 Sm 16.6), o sumo sacerdote (o sacerdote ungido – Lv 4.3).
No plural, essa expressão se refere aos patriarcas em seu ministério de profetas (“meus ungidos” – Sl 105.15). Jesus cumpriu a
profecia messiânica, desempenhando essas três funções.
3 O noivado judaico da época era um compromisso tão solene, que os noivos passavam a se tratar como marido e mulher. A
Lei, contudo, proibia qualquer relação sexual antes do casamento formal. O noivado só poderia ser desfeito por infidelidade, que
era punida com repúdio público e apedrejamento (Gn 29.21; Dt 22.13-30; Os 2.2).
4 Jesus (em hebraico Yehoshú’a) significa Yahweh Salva ou “O SENHOR é a Salvação”. Yahweh é o nome judaico impronunciável,
sagrado e sublime de Deus, na maioria das vezes traduzido por: SENHOR. Em hebraico: (Êx 6.3; Is 41.4). Em grego Egô Eimi.
5 Mateus demonstra de forma clara e inquestionável que Jesus Cristo é o Messias prometido nas diversas profecias do AT,
como nesse texto de Is 7.14. (Mt 2.15-23; 8.17; 12.17; 13.25; 21.4; 26.54-56; 27.9; cf. 3.3; 11.10; 13.14, etc.) O próprio Jesus usa
as Escrituras para comprovar sua identidade e ministério (Mt 11.4-6; Lc 4.21; 18.31; 24.44; Jo 5.39; 8.56; 17.12, etc.)
Capítulo 2
1 O primeiro calendário foi elaborado por Dionísio Exíguo, de Roma (no século VI) e adotado em todo o mundo predominan-
temente cristão. Com o surgimento de novas e mais precisas tecnologias para a medição do tempo, constatou-se que Dionísio
errou em pelo menos 4 anos em relação ao mais antigo calendário romano.
Herodes, chamado “O Grande”, recebeu, do Senado romano, o título de “rei da Judéia” e, por isso, ficou conhecido como “rei
dos judeus”. Durante seu reinado (de 39 a.C. a 4 a.C.) mandou matar todas as crianças de Belém, de até 2 anos de idade. Nessa
época Jesus estaria em seu segundo ano de vida. E os cálculos demonstram que teria nascido quase 5 anos antes do “Anno
Domini” (ano oficial do nascimento do Senhor).
Quanto à expressão “sábios”, como traduzida pela Bíblia King James, refere-se a um grupo de sacerdotes babilônios, gentios,
reconhecidos entre os povos medo-persas como mestres, cientistas, astrônomos, e que se dedicavam ao estudo da medicina e
da astrologia. Algumas versões trazem a expressão “magos”, mas em nossos dias essa palavra tem uma conotação estritamente
mística e ocultista. A tradição das igrejas cristãs acrescenta que eles eram três reis, devido aos três presentes de alto valor mone-
tário oferecidos a Jesus, mas isso não tem comprovação bíblica.
2 Séculos mais tarde, o astrônomo Kepler calculou que essa imagem de estrela reluzente se tratava da conjunção de Júpiter e
Saturno na constelação de Peixes, em 7 a.C. Na China, o mesmo fenômeno foi observado no ano 4 a.C. e interpretado como o
aparecimento de uma estrela variável, com surgimento e desaparecimento periódicos.
3 Herodes convoca os responsáveis pela vida religiosa e moral da nação judaica. Os sumos sacerdotes eram os membros das
grandes famílias sacerdotais de Jerusalém. Os escribas geralmente pertenciam ao partido político dos fariseus; eram também
doutores da Lei e estudantes profissionais, pagos para estudar e ensinar, ao povo, a Lei e as tradições rabínicas. Também fun-
cionavam como advogados públicos, sendo-lhes confiada à administração da lei e da ordem, como juízes no Sinédrio (22.35).
Esses dois grupos se unem contra Jesus, em 21.15. Mateus associa com mais freqüência os sumos sacerdotes aos anciãos do
povo (26.3,47; 27.1). O sentido em ambos os casos é o mesmo: os principais responsáveis pelo drama de um povo são seus
líderes e chefes.
4 A palavra “profeta” deriva do grego “pro” que significa “para adiante” ou “à frente” e “phemi” que quer dizer “o que fala”.
O profeta é aquele que traz a mensagem de Deus, o servo que anuncia prioritariamente, antes de tudo, a Palavra do Senhor.
Esse ministério pode incluir a previsão de futuros eventos. Deus continua a falar através de seus profetas nas igrejas de hoje.
Os arautos de Deus nos orientam e ensinam a ouvir o Espírito Santo e a obedecer à Palavra. Entretanto, a Bíblia também nos
adverte quanto aos “falsos profetas”, pessoas que são lideradas por um espírito diferente do Espírito Santo e causam confusão à
comunidade e grande dano a si próprios (Jr 7.4, Jr 14.14, Lm 2.4, Ez 13.6, Mt 7.15, Mt 24.11-24, 2Pe 2.1, Ap 19.20).
5 Mq 5.2; Jo 7.42; Ap 2.27
6 Sl 72.10-11; Is 60.6
7 Os 11.1
8 Jr 31.15
9 A expressão hebraica traduzida por “nazareno” significa: desprezível ou desprezado. Nazaré era o lugar mais improvável para
o surgimento ou a residência do Messias, o Ungido de Deus e libertador do povo de Israel (Sl 22.6; Is 11.1; Is 53.3; Mc 1.24).
Capítulo 3
1 João começa seu ministério no deserto da Judéia, uma região árida e estéril, ao longo da margem ocidental do mar Morto.
O Reino dos céus sinaliza o domínio do céu e dos seus valores sobre a terra e o sistema econômico, político, social e religioso
mundial. O povo judeu da época de Cristo esperava esse Reino messiânico (ou davídico) e seu estabelecimento. Foi exatamente
esse o Reino que João anunciou como “próximo”. A rejeição de Cristo pelo povo adiou sua plena concretização até a segunda e
iminente vinda de Cristo (Mt 25.31). O caráter atual do Reino está descrito na série de parábolas (histórias com objetivo didático)
contadas por Jesus em Mt 13.
2 Os fariseus eram a mais influente das seitas do judaísmo no tempo de Cristo. Embora apegados às doutrinas e à ortodoxia,
seu zelo, sem o entendimento espiritual da Lei de Moisés levara-os, ao longo dos séculos, a uma observância estrita das normas e
regras da Lei e das tradições rabínicas. Eram justos aos próprios olhos e inimigos implacáveis de Jesus Cristo (Mt 9.14; 23.2; 23.15;
Mc 12.40; Lc 18.9). Os saduceus, que pertenciam à elite econômica e às famílias sacerdotais, eram anti-sobrenaturalistas (não criam
em milagres e no poder sobrenatural de Deus). Opunham-se às tradições dos ensinos e interpretações dos fariseus e colaboravam
abertamente com os governantes romanos. Uniram-se aos fariseus apenas em suas perseguições a Cristo (Mt 16.1-4,6).
3 Algumas versões trazem a expressão: “...e limpará a sua eira”. A Bíblia King James optou por uma tradução mais clara dessa
frase, a partir do original grego; pois a “pá”, que Jesus traz em sua mão, tem a ver com uma pá de madeira usada para lançar
o cereal triturado ao ar, de modo que a palha, mais leve, fosse carregada pelo vento, e os grãos se amontoassem no solo. Isso
significa “limpar a eira” e reforça o cumprimento da profecia de Malaquias (Ml 3.1-6 e 4.1).
Capítulo 4
1 O objetivo do Diabo era levar Cristo, o Ungido, Filho de Deus, a pecar. Apenas um pecado seria o suficiente, desqualificando o
Salvador, frustrando assim, o plano de Deus para a redenção humana. O objetivo de Deus foi provar que seu Filho – perfeitamente
divino e perfeitamente humano – viveu, contudo, isento de qualquer pecado; sendo, portanto, um Salvador perfeitamente digno
e suficiente (2Co 5.21; Hb 4.15, Rm 8.3; 1Jo 2.16; Tg 1.13). Jesus escolhe uma passagem das Sagradas Escrituras (Dt 8.3) para
responder ao tentador e a todos quantos têm seus valores invertidos por ganância, egoísmo e inveja.
2 O orgulho, arrogância e empáfia do Diabo não lhe permitiram compreender, muito menos aceitar, a resposta que Cristo lhe
dera. O Diabo tenta, então, replicar, usando também uma passagem bíblica (Sl 91.11-12), mas omitindo parte do texto sagrado
7 Contestou-lhe Jesus: “Também está Galiléia, viu Jesus dois irmãos: Simão,
escrito: ‘Não tentarás o SENHOR teu chamado Pedro e André que lançavam a
Deus’”.3 rede ao mar, pois eram pescadores.
8 Tornou o Diabo a levá-lo, agora para 19 Então, disse-lhes Jesus: “Vinde após mim,
um monte muito alto. E mostrou-lhe e Eu vos farei pescadores de homens”.
todos os reinos do mundo em todo o seu 20 Eles, imediatamente deixaram suas
esplendor. redes e seguiram Jesus.
9 E propôs a Jesus: “Tudo isso te darei se, 21 Seguindo adiante, viu Jesus outros
prostrado, me adorares. dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu e
10 Ordenou-lhe então Jesus: “Vai-te, Sata- João, seu irmão, que estavam no barco
nás, porque está escrito: ‘Ao SENHOR, teu com Zebedeu, seu pai, consertando as
Deus, adorarás e só a Ele servirás’”.4 redes; e chamou-os.
11 Assim, o Diabo o deixou; e eis que 22 Eles imediatamente deixaram o barco
vieram anjos, e o serviram. e seu pai para seguirem a Jesus.
23 E percorria Jesus toda a Galiléia,
Jesus inicia seu ministério ensinando nas sinagogas, pregando o
(Mc 1.14-20; Lc 4.14-32; 5.1-11) evangelho do Reino e curando todas as
12 Jesus, entretanto, ouvindo que João enfermidades e males entre o povo.
estava preso, voltou para a Galiléia. 24 E sua fama correu por toda a Síria; e
13 E, deixando Nazaré,5 foi habitar em trouxeram-lhe, então, todos aqueles que
Cafarnaum, situada à beira-mar, nos sofriam, acometidos de várias enfermi-
confins de Zebulom e Naftali. dades e tormentos, os endemoninhados,
14 Assim cumprindo-se o que fora dito os lunáticos e os paralíticos. E Jesus os
pelo profeta Isaías: curava.
15 “Terra de Zebulom e terra de Naftali, 25 E uma grande multidão da Galiléia,
caminho do mar, além do Jordão, Gali- Decápolis, Jerusalém, Judéia e de além
léia dos gentios!6 do Jordão seguia a Jesus.
16 O povo que jazia nas trevas viu uma
grande luz; e aos que estavam detidos O sermão do monte
na região e sombra da morte, a luz (Lc 6.20-29)
raiou”.
17 Daquele momento em diante Jesus
passou a pregar e dizer: “Arrependei-vos,
5 Jesus, vendo as multidões, subiu a
um monte e, assentando-se, os seus
discípulos aproximaram-se dele.
porque é chegado o Reino dos céus!”. 2 E Jesus, abrindo a boca, os ensinava,
18 E, caminhando junto ao mar da dizendo:
que não se ajustava a seus intentos. Esse mesmo método de interpretação inescrupulosa da Bíblia tem-se repetido ao longo dos
séculos, na criação e desenvolvimento de diversas seitas heréticas em todo o mundo.
3 Veja Dt 6.16
4 Somente uma análise profunda e detalhada dos diálogos aqui travados entre Satanás e Jesus pode revelar a magnitude dessa
batalha espiritual vencida por Cristo por meio da Palavra de Deus (Dt 6.13; 10.20), bem como a astúcia e o poder do Diabo para
iludir seus oponentes. Satanás, como príncipe do sistema econômico, político e social do nosso planeta (em grego, Kosmos,
que significa: mundo), estava em seu direito ao ofertar a Jesus as glórias de todos os reinos da terra, pois de fato estes lhe foram
entregues por algum tempo (Jo 12.31; 1 Jo 2.15; 5.19; Jo 3.19; Tg 1.27; 4.4). Jesus manteve-se, porém, íntegro e fiel, resistindo
e vencendo a tentação e o tentador.
5 Conforme Lc 4.16-30, Jesus foi expulso de Nazaré, terra onde fora criado, por ter se apresentado ao povo (em um sábado,
na sinagoga) como sendo o Filho de Deus e aquele que veio cumprir as profecias sobre a vinda do Messias, registradas no AT
(Is 61.1-2 a. Veja também Is 9.1-2 e 42.6-7).
6 Os melhores originais em grego trazem a palavra “gentios” (todos aqueles que não são judeus) em vez de “nações” como
consta em várias versões em português.
1 A KJ de 1611 traz a expressão inglesa blessed (abençoado, bendito, muito feliz) que foi adotada pela maioria das traduções
em todo o mundo, inclusive pelas mais modernas. “Bem-aventurados” transmite melhor a idéia do original grego makarios refe-
rindo-se a uma felicidade que excede às circunstâncias, que tem a ver com o profundo sentimento de paz e alegria que todos os
que foram “abençoados” com a Salvação em Cristo e Seu Reino devem sentir e desfrutar, mesmo em meio às aflições cotidianas.
Esse discurso, conhecido como Sermão do Monte, é o primeiro dos cinco grandes temas tratados por Jesus (Mt 5 a 7; Mt 10;
13; 18 e em Mt 24 e 25). São ensinos primeiramente dirigidos aos discípulos (convertidos, que desejam proclamar ao mundo
sua fé em Jesus Cristo).
A expressão original: “abre a boca”, significa que Jesus passou a falar mais alto para que pudesse ser ouvido pelas demais
pessoas ao redor. A proclamação do “Reino dos Céus” é o ponto central da pregação de Jesus. Essa expressão vem do hebraico
malekhüth shãmayim. A KJ traduz como “Reino do Céu” mas tanto a palavra grega ouranos como a hebraica shãmayim estão no
plural (céus) e têm o mesmo sentido de “Reino de Deus”. Os judeus, por respeito, não mencionavam o nome de Deus e por isso,
Mateus, sensível a esse dado cultural, chamou o Reino de Deus de Reino dos Céus. O ser humano não tem em si mesmo força
moral e ética para viver como Deus ordena. Por isso Jesus Cristo, que viveu essa plenitude de vida espiritual na terra e venceu o
mundo, vem na forma do Espírito Santo habitar na alma humana para ajudar-nos a viver uma nova vida, com uma nova mentalida-
de, como cidadãos do Seu Reino, dirigidos por Deus.A plenitude dessa vida espiritual se dará no futuro (Ap 21.1-4).
2 A primeira estocada de Jesus atinge diretamente o coração arrogante e presunçoso. Jesus conhecia bem os ensinos dos
escribas e fariseus: “Quem cumpre toda a Lei com exatidão é rico no Altíssimo. Quem, além disso, observa literalmente a Halachá
(série de tradições judaicas transmitidas pelos pais de geração a geração) será ainda mais rico”. Jesus não estava dizendo que
não há bênção em obedecer a Lei, mas sim que um coração soberbo e orgulhoso por cumprir ordenanças e preceitos, não pode-
rá “entrar” (viver com amor, paz, alegria e liberdade) no Reino de Deus. Assim, “pobres em espírito” não é uma contradição nem
se refere a pessoas tímidas ou sem poder econômico. Significa sim, que o discípulo (seguidor) de Jesus, aquele que ama a Deus
sobre todas as coisas, conhece suas limitações e fraquezas e reconhece que sem a graça do Senhor é impossível viver a vida
cristã e que por isso não tem qualquer motivo para se orgulhar, pois o Reino dos Céus é também uma dádiva aos quebrantados,
humildes e arrependidos (Jo 3), e não pode ser alcançado através de qualquer esforço, barganha ou talento humano. Reino dos
Céus é o domínio de Deus sobre toda a criação, as pessoas e o mundo; tanto no presente como no futuro (Mt 5.3; 12.28 e Rm
14.17). Às vezes refere-se também a um lugar e uma vida futura com Deus (2 Tm 4.18).
3 A KJ traz aqui a palavra inglesa meek que pode ser traduzida como: pacífico, gentil, brando, suave, amável, manso, dócil,
submisso, resignado. Entretanto, a palavra: “humilde” é mais fiel ao sentido original do termo em grego e comunica melhor, em
português, a idéia dessa qualidade cristã: defender a justiça com paciência e sem amargura, entregando lutas e desafios ao
Senhor que tudo julga retamente. Esse caráter cristão, moldado pelo Espírito Santo, nos capacita a perseverar na fé em Cristo
ainda que em meio às injustiças, ofensas e falta de reconhecimento neste mundo. A promessa é nada menos do que a terra por
herança. Aqueles que aceitam perder algumas coisas nesta terra e neste tempo, mantendo uma fé serena no Senhor, serão os
reis de toda a terra no futuro (Ap 5.9-14), pois já vivem no presente como cidadãos do Reino. Seres humanos esses cujas vidas
estão sendo transformadas pelo Espírito Santo e cujos frutos de caráter lhes conferem a bênção de serem conhecidos como
“bem-aventurados” (muito felizes).
A Lei se cumpre em Cristo 22 Eu, porém, vos digo que qualquer que
17 Não penseis que vim destruir a Lei ou se irar contra seu irmão estará sujeito a
os Profetas. Eu não vim para anular, mas juízo. Também qualquer que disser a seu
para cumprir. irmão: Racá, será levado ao tribunal. E
18 Com toda a certeza vos afirmo que, até qualquer que o chamar de idiota estará
4
que os céus e a terra passem, nem um i sujeito ao fogo do inferno.6
ou o mínimo traço se omitirá da Lei até 23 Assim sendo, se trouxeres a tua oferta
que tudo se cumpra. ao altar e te lembrares de que teu irmão
19 Qualquer, pois, que violar um destes tem alguma coisa contra ti,
menores mandamentos e assim ensinar 24 deixa ali mesmo diante do altar a tua
aos homens será chamado o menor no oferta, e primeiro vai reconciliar-te com
Reino dos Céus; aquele, porém, que os teu irmão, e depois volta e apresenta a
cumprir e ensinar será chamado grande tua oferta.
no Reino dos Céus. 25 Entra em acordo depressa com teu ad-
20 Porque vos digo que, se a vossa justiça versário, enquanto estás com ele a caminho
não exceder a dos escribas e fariseus, de do tribunal, para que não aconteça que o
modo nenhum entrareis no Reino dos adversário te entregue ao juiz, o juiz te en-
Céus. tregue ao carcereiro, e te joguem na cadeia.
21 Ouvistes que foi dito aos antigos: “Não 26 Com toda a certeza afirmo que de ma-
matarás; mas quem assassinar estará su- neira alguma sairás dali, enquanto não
jeito a juízo”.5 pagares o último centavo.7
4 A Lei e os Profetas representavam a totalidade do AT, que incluía os Escritos (Sl 78.12-16 é um exemplo desses Escritos e se
refere a Êx 7-12 e Nm 13.22, que fazem parte da terceira seção da Bíblia Hebraica). Jesus é o cumprimento das profecias sobre
a vinda do Messias e Seu Reino. Ao mesmo tempo, Ele foi o único ser humano a cumprir de maneira plena e fiel a essência da
vontade de Deus, não se limitando a uma obediência apenas religiosa, formal e exterior. Jesus levou seu amor pelo Pai e pela
humanidade às últimas conseqüências e enfatizou que toda a Palavra de Deus se cumprirá. Nem a menor letra do alfabeto
hebraico: (yod); em grego: i(iôta) que corresponde à letra “i” em português; nem mesmo o menor sinal gráfico (pequeno traço)
que serve para distinguir certas letras hebraicas, e que pode alterar o sentido de uma expressão, serão suprimidos das Sagradas
Escrituras. Jesus usa essa bem elaborada hipérbole para evidenciar a veracidade e autoridade da Palavra de Deus até o final
dos tempos. As próprias Escrituras testemunham acerca de Jesus de Nazaré como Filho de Deus, Messias (Cristo), Rei dos Reis,
Senhor do Universo, nosso Salvador para toda a eternidade (Mc 14.49; Lc 24.27; Jo 10.35; At 18.24; 2Tm 3.16, 2Pe 1.20-21). Jesus
desejava que os doutores da Lei observassem essa verdade nas Escrituras, uma vez que o povo já estava aceitando que Jesus
Cristo era o Messias, pelas obras que realizava e o poder de suas palavras.
5 Jesus toma como exemplo a situação mais drástica da Lei: a morte (Êx 20.13; Dt 5.17) para demonstrar o que significa
compreender e obedecer ao espírito da Lei e não apenas à letra. Ou seja, uma vida no sentido mais amplo e saudável dos man-
damentos de Deus, em vez da interpretação meramente externa e restrita feita pela tradição rabínica. A KJ traz a palavra murder
(assassinar), pois os verbos em hebraico e grego usados nesse texto e em Êx 20.13 têm especificamente esse sentido claro.
6 Jesus demonstra como entender o sentido mais abrangente da Lei, ao relacionar o pecado de tirar a vida de alguém
(assassinato) com erros, aparentemente menos graves, como irar-se contra um irmão ou insultar alguém. A KJ e as versões de
Almeida acrescentam “sem motivo se irar”. Entretanto, os mais antigos e melhores originais gregos não trazem essa expressão.
Jesus revela que a ofensa verbal está no mesmo nível de um assassinato. Racá era uma antiga expressão aramaica rêqâ’ que
originou a palavra hebraica rêquïm usada no tempo dos juízes (Jz 11.3) para indicar pessoas de mau caráter, levianas e traidoras.
De maneira curiosa, essa era uma expressão freqüentemente usada na tradição rabínica, associada ao vocábulo nãbhãl (néscio),
para se referir aos insensatos e sem sabedoria. Já a palavra grega more, traduzida, em algumas versões, como “louco”, tem sua
origem na expressão hebraica moreh (desgraçado), alguém que por não crer em Deus merecia o inferno. O cerne do ensino de
Jesus está em que o pecado que leva alguém a ofender outra pessoa é o mesmo que motiva o assassinato. O vocábulo grego
synedrio cujo correspondente hebraico é sanhedrïn refere-se ao mais alto tribunal dos judeus, que se reunia em Jerusalém. A KJ
traduziu o termo para o inglês council (conselho), por se tratar da reunião dos sábios que julgavam as causas do povo. Synedrion
deu origem à expressão grega presbyterion que significa “corpo de anciãos” (Lc 22.66; At 22.5) e gerousia “senado” (At 5.21).
A expressão “fogo do inferno” tem a ver com o vale de Hinom em hebraico ge’hinnom que deu origem ao nome grego do lugar:
geena. Durante o reinado dos perversos Acaz e Manassés, sacrifícios humanos ao deus amonita Moloque foram realizados em
geena. Josias profanou o vale por causa das oferendas pagãs que realizou naquele lugar (2Rs 23.10; Jr 7.31,32; 19.6). Com o
passar do tempo, esse vale se transformou num grande depósito de lixo, constantemente em chamas, o que fez a palavra geena
significar o lugar dos perdidos, imprestáveis e destinados ao fogo que nunca se apaga.
7 Graças a Jesus temos a bênção do perdão à nossa disposição. Não fosse essa graça seríamos todos consumidos pela Lei.
Os cristãos devem, então, perdoar tudo e a todos, pedir perdão e procurar a paz com todos aqueles que se sentirem ofendidos
com alguma de suas atitudes. Jesus não entra no mérito se o cristão está certo ou não, apenas ordena que a reconciliação seja
promovida o mais rápido possível e que a iniciativa seja sempre da parte daquele que crê em Deus. Jesus usa o exemplo do judeu
religioso e temente ao Senhor em um de seus atos mais sublimes — o sacrifício oferecido a Deus de acordo com a lei mosaica,
para ensinar que não pode haver culto, oração ou oferta maior do que um coração limpo, sincero, humilde, perdoador e em paz
com Deus e com os semelhantes. Em seguida, por meio de uma parábola, Jesus exorta os cristãos que estão em demanda com
alguém a que se apressem a negociar um acordo e estabeleçam a paz, antes que a questão se prolongue demais e acabe na
justiça onde não há misericórdia, apenas a lei.
8 No AT juramentos em nome do Senhor eram obrigatórios em determinadas ocasiões: quando a palavra necessitava de um
fiador idôneo ou mesmo diante de um voto. A quebra da palavra empenhada era um ato sujeito às penas da Lei (Êx 20.7; Lv 19.12;
Dt 19.10-19). Deus era (e é) o juiz onisciente de toda a falsidade. “...tão certo como o Senhor vive” (1Sm 14.39). Essa ênfase na
santidade dos votos ocorria devido à falsidade costumeira entre as pessoas em seus acordos cotidianos. Jesus ensina que o
verdadeiro cristão deve ser autêntico e sincero em suas afirmações; afastando-se de toda a ambigüidade e falsidade comuns
neste mundo controlado pelas forças do Diabo.
9 Jesus trabalha as questões universais do direito. De fato toda a humanidade participa de um grande julgamento, envolvendo
todos os povos de todos os tempos, no qual Cristo é nosso Advogado e garantia absoluta. Jesus começa citando a antiga Lei da
Retaliação (Lv 24.20). Entre os judeus, na época de Jesus, o ato de bater na face direita de alguém, com as costas da mão, era
um insulto e uma provocação; não exatamente uma agressão. O insultado poderia revidar ou ir ao tribunal pleitear uma punição,
em dinheiro, pela ofensa. Jesus exorta seus discípulos a oferecer a outra face, em sinal de paz e disposição para um acordo. A
próxima ilustração tem a ver com as leis dos fariseus: um credor tinha o direito de exigir a túnica do devedor por uma dívida não
paga. Quando não a recebia por bem, tinha o direito de exigi-la por meio de um processo jurídico. Mas, de acordo com Dt 24.10-
13, deveria ceder a roupa ao dono, conforme suas necessidades diárias de uso. Diante dessas questões jurídicas mesquinhas,
inimigos e orai pelos que vos perse- 4 Para que a tua obra de caridade fique
guem; em secreto: e teu Pai, que vê em secreto,
45 para que vos torneis filhos do vosso Pai te recompensará.
que está nos céus, pois que Ele faz raiar
o seu sol sobre maus e bons e derrama A oração modelo
chuva sobre justos e injustos. 5 E, quando orardes, não sejais como
46 Porque se amardes os que vos amam, os hipócritas, pois que apreciam orar
que recompensa tendes? Não fazem os em pé nas sinagogas e nas esquinas das
publicanos igualmente assim?10 ruas, para serem admirados pelos outros.
47 E, se saudardes somente os vossos ir- Com toda a certeza vos afirmo que eles já
mãos, que fazeis de notável? Não agem os receberam o seu galardão.
gentios também dessa maneira? 6 Tu, porém, quando orares, vai para teu
48 Assim sendo, sede vós perfeitos como quarto e, após ter fechado a porta, orarás
perfeito é o vosso Pai que está nos céus. a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai,
que vê em secreto, te recompensará ple-
Como viver no Reino namente.
Jesus exorta os discípulos a serem altruístas. Se credores, a desistir do penhor; se devedores, a dar além do devido, entregando
também a capa que era vestida sobre a túnica. Para o discípulo de Jesus, o direito jurídico já foi abolido na Cruz, a nova ordem é
a Lei do Amor em Cristo. Outra metáfora de Jesus reforça essa idéia. Tem a ver com o costume judaico de se pedir a companhia
de alguém numa viagem pelas perigosas estradas da época. Quando alguém se negava, e acontecia um crime, essa pessoa
era responsabilizada pela sua comunidade local, por não ter atendido ao pedido do viajante. O verbo grego traduzido aqui por
“forçar” advém de uma antiga palavra persa que significa “recrutar à força”. Curiosamente, é a mesma palavra que aparece no
final deste livro, em Mt 27.32, quando os soldados romanos “recrutam à força” Simão, para ajudar Jesus a carregar sua cruz. Os
fariseus haviam imposto uma lei: “devemos acompanhar somente a outro fariseu, não devemos caminhar com os incrédulos”.
Jesus, entretanto, vai além, e ensina que seus discípulos, ao serem solicitados por qualquer viajante a andar 1.609 metros (uma
milha), devem graciosamente estar prontos para caminhar em sua companhia por mais de três quilômetros (duas milhas). Ou
seja, exceder em amor, graça e misericórdia ao que pede a Lei.
10 O termo publicano (palavra latina com origem no grego telõnês) denominava um coletor de impostos a serviço do império
romano. Esses homens eram odiados por causa da impiedade com que exploravam o povo. Para os judeus, o publicano era
imundo, pois estava sempre em contato com os gentios. A palavra “publicano” tornou-se sinônimo de egoísmo, desonestidade,
falsidade, impiedade e incredulidade. Gentios (em hebraico gôyïm e do grego ethnikoi ou Hellênes traduzido pela Vulgata, em
latim, como gentiles) era um termo geral para significar “nações”. Entretanto, na época de Jesus, esse termo era usado pelos
judeus para se referir, em tom discriminatório e preconceituoso, a todas as pessoas que não fossem israelenses. Para os mestres
e doutores da Lei, os “gentios” eram idólatras, imorais e pecadores. Um judeu chamado de gentio significava um publicano; ou
seja, uma pessoa impura, incrédula, mau-caráter, inescrupulosa, impiedosa e digna de todo o desprezo. Jesus resgata o valor
real dos “gentios” (das nações) e convida a todos para Seu Reino (Rm 1.16; Cl 3.11; Gl 2.14; Ap 21.24; 22.2). Jesus conclui essa
parte do seu ensino revelando o segredo da ética cristã: o amor deve fazer muito mais do que a obrigação. Este foi o testemunho
de Cristo e este deve ser o objetivo maior dos cristãos: buscar o amor perfeito do Pai e agir assim, como filhos amados de Deus,
para que outros vejam a luz de Cristo e sejam libertos das trevas deste mundo.
1 Jesus ensina a seus seguidores o caminho da verdadeira adoração e comunicação com Deus. O primeiro passo é a
humildade, em contraste com o estilo dos fariseus, escribas, publicanos e gentios, que viviam uma religiosidade apenas de
aparência, formal e estéril. Os discípulos deveriam também evitar as “vãs repetições”, pois essa era a maneira como os pagãos
(aqueles que não passaram pelo batismo, também chamados de “gentios”) tentavam sensibilizar seus deuses para obter favores.
Nessa época, os adoradores de Baal (1Rs 18.26-28) estavam cativando até judeus fiéis com suas hipocrisias (encenações
teatrais, do grego hupokrites, ator). Por isso Jesus oferece um modelo de oração: O nascimento espiritual dá ao cristão o direito
de ser filho de Deus (Jo 3) e, portanto, pode orar a Deus como quem conversa com seu pai amado (em aramaico: Abba, Mc
14.36; Rm 8.15, Gl 4.6). Devemos desejar e trabalhar pelo estabelecimento do Reino de Deus, em nossas vidas e comunidades,
ao receber pessoalmente o Espírito Santo, que traz salvação, paz, alegria, e a justiça de Cristo. Reino esse que será estabelecido
de forma plena no futuro iminente, quando Jesus voltar, e o último Inimigo for vencido definitivamente (2Ts 2.8; 1Co 15.23-28).
Assim a terra usufruirá a mesma glória de Deus que há nos céus (2Pe 3.13). O cristão reconhece que é o Senhor quem supre
diariamente todas as nossas necessidades, e é grato por isso. A fome, as guerras e outros sofrimentos sociais não ocorrem por
indiferença da parte de Deus, mas pelos pecados dos indivíduos (malignidade) e das nações. Devemos nos lembrar de perdoar
as pessoas que nos devem (bens materiais ou justiça) com a mesma misericórdia e generosidade com que Deus nos perdoa
sempre (1Jo 1.5-9). Observemos como Jesus ressalta a importância do perdão no Reino de Deus (6.14,15). O servo do Senhor é o
alvo favorito dos ataques e artimanhas do Diabo. Mas Deus tem o poder de nos livrar de todo o mal e levar-nos, para lugar seguro,
longe do alcance dos demônios. Não há amargura, decepção, fraqueza, vício, perda ou dor maiores do que o amor e o poder
de Deus (Tg 1.13; 1Co 6.18; 10.14; 1Tm 6.11; 2Tm 2.22). A maioria das versões da Bíblia em português inclui a frase: “...e não
nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal...”. A KJ apresenta a expressão inglesa: “...and do not lead us into temptation...”
(...e não nos induzas à tentação...). Os melhores originais gregos nos permitem traduzir: “...e não nos conduzas à tentação...”. A
palavra grega peirasmos aqui significa “tentação”, podendo significar também: “teste ou provação” em outros trechos. Assim, a
tentação, que do ponto de vista do Diabo é sempre uma cilada para nos destruir, do ponto de vista de Deus é uma oportunidade
para fortalecimento da fé e crescimento espiritual (Lc 22.32). Deus controla o universo visível e invisível, incluindo o Maligno e seu
reino; por isso, é ao Senhor que devemos pedir livramento das tentações e forças para vencer as provações (1Co 10.13). Jesus
deixa bem claro em sua oração-modelo, que o cristão somente consegue a vitória, vigiando e orando. O próprio Jesus venceu
sua grande batalha contra Satanás, com jejum (4.2), e recomendou que seus discípulos também usassem essa arma ao lado das
orações, e do contínuo louvor a Deus, contra os desígnios do Inimigo (9.15; 17.21).
2 Jesus escolhe uma palavra aramaica Mâmon para personificar um dos mais poderosos deuses pagãos de todos os tempos:
o Dinheiro. O adjetivo Mâmon, deriva do verbo aramaico amân (sustentar) e significa amor às riquezas e dedicação avarenta aos
interesses mundanos. Jesus orienta seus seguidores a investir suas vidas na conquista de bens espirituais agradáveis ao Senhor
e adverte para a impossibilidade de se servir com lealdade a Deus e ao mesmo tempo amar o deus Dinheiro. Isso não quer dizer
que Jesus seja contra os ricos e prósperos, mas, sim, que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males (Gn 13.2; Ec 3.13; 5.10-
19; 10.19; 1Tm 6.10). O dinheiro é para ser usado e as pessoas, amadas. A inversão desses valores tem sido a razão de muitas
desgraças (Is 52.3; 55.1; Rm 4.4; 1Tm 5.18).
3 A palavra grega psyche (alma) significa: “vida”, pois nas Escrituras, “alma” tem um sentido de algo diferente do atual, derivado
da filosofia grega, especialmente a partir de Platão. Na Bíblia, a palavra “alma” vem da expressão hebraica nephesh que significa
“personalidade” e indica o centro das emoções e apetites. Por isso, em toda a Bíblia, o comer e o beber são considerados como
funções da alma. Algumas vezes pode também se referir à vida natural em contraste com a vida espiritual (Hb 4.12). Jesus usa uma
figura de linguagem para ensinar duas verdades: “Deus existe, e você não é Ele”. As preocupações tentam minimizar o poder de
Deus e colocar um peso insuportável sobre nossas costas. A versão de Almeida traduz a expressão grega helikia por “estatura”; po-
rém, melhores originais e estudos mais acurados, mostram que o termo se refere a tempo e idade. Em certo sentido, essa expressão
de Jesus poderia ser traduzida assim: “Ninguém ultrapassa, nem por meio metro, o ponto final da sua existência na terra”. Por isso,
Jesus recomenda um estudo (análise, consideração filosófica) sobre a maneira cuidadosa, generosa e particular com que Deus trata
cada um dos seres mais simples da terra, e os reveste de grande glória (1Rs 1-11; 1Cr 28; 2Cr 9; 1Rs 10.4-7). Concluindo: temos uma
visão distorcida da vida e de nossas prioridades. Somente a busca do Reino de Deus vai nos colocar em harmonia com o Criador, e,
assim, descobriremos a tão almejada paz, justiça e real felicidade (Jo 6.52-59; Jo 10.10, Rm 3.21-31 e 14.17-18).
Capítulo 7
1 Jesus mostra que é possível ajudar nosso semelhante com conselhos e críticas (v. 5 e 23.13-39), bem como devemos estar
sempre dispostos a aprender, avaliar e ensinar (Rm 2.1; 1Co 5.9; 2Co 11.14; Fp 3.2; 1Jo 4.1; 1Ts 5.21).Entretanto, como cristãos,
nosso dever é amar antes de julgar. Um coração repleto do amor de Deus não será acusador, mesquinho, invejoso, crítico con-
tumaz ou difamador. A marca do cristão deveria ser seu amor irrestrito e altruísta pelo próximo, em especial por seus irmãos em
Cristo (Jo 13.5; Jo 14.15; Rm 12.10; 1Pe 1.22).
2 Jesus usou muitas histórias (parábolas) e figuras de linguagem para ensinar. Em 19.24, por exemplo, Ele fala de um camelo
passando pelo fundo de uma agulha. Nesta outra hipérbole, Ele compara uma partícula de serragem ou pedaço de qualquer
jogueis aos porcos as vossas pérolas, para Pelo fruto se conhece a árvore
que não as pisoteiem e, voltando-se, vos 15 Acautelai-vos quanto aos falsos profe-
façam em pedaços. tas. Eles se aproximam de vós disfarçados
de ovelhas, mas no seu íntimo são como
Perseverança na oração lobos devoradores.
7 Pedi, e vos será concedido; buscai, e 16 Pelos seus frutos os conhecereis. É
encontrareis; batei, e a porta será aberta possível alguém colher uvas de um espi-
para vós. nheiro ou figos das ervas daninhas?
8 Pois todo o que pede recebe; o que bus- 17 Assim sendo, toda árvore boa produz
ca encontra; e a quem bate, se lhe abrirá. bons frutos, mas a árvore ruim dá frutos
9 Ou qual dentre vós é o homem que, ruins.
se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma 18 A árvore boa não pode dar frutos ruins,
pedra? nem a árvore ruim produzir bons frutos.
10 Ou se lhe pedir peixe, lhe entregará 19 Toda árvore que não produz bons fru-
uma cobra? tos é cortada e atirada ao fogo.
11 Assim, se vós, sendo maus, sabeis dar 20 Portanto, pelos seus frutos os conhe-
bons presentes aos vossos filhos, quanto cereis.
mais vosso Pai que está nos céus dará o 21 Nem todo aquele que diz a mim: ‘Se-
que é bom aos que lhe pedirem!3 nhor, Senhor!’ entrará no Reino dos céus,
12 Portanto, tudo quanto quereis que mas somente o que faz a vontade de meu
as pessoas vos façam, assim fazei-o Pai, que está nos céus.
vós também a elas, pois esta é a Lei e os 22 Muitos dirão a mim naquele dia:
Profetas.4 ‘Senhor, Senhor! Não temos nós profe-
tizado em teu nome? Em teu nome não
Os dois únicos caminhos expulsamos demônios? E, em teu nome,
13 Entrai pela porta estreita, pois larga é não realizamos muitos milagres?’
a porta e amplo o caminho que levam à 23 Então lhes declararei: Nunca os co-
perdição, e muitos são os que entram por nheci. Afastai-vos da minha presença,
esse caminho. vós que praticais o mal.
14 Porque estreita é a porta e difícil o ca-
minho que conduzem à vida, apenas uns O sábio e o insensato
poucos encontram esse caminho!5 24 Assim, todo aquele que ouve estas
material com uma grande trave (viga) de madeira usada na estrutura de construções, para destacar a humildade, carinho e sen-
sibilidade que devemos ter para com nosso semelhante, quando tivermos de emitir um juízo, criticar ou aconselhar. Pois somos
sujeitos a erros, fraquezas e dificuldades iguais ou maiores que os de qualquer pessoa.
3 Jesus explica que o bem e o mal têm, às vezes, certa semelhança inicial, podendo enganar alguém ingênuo ou desinformado.
A pedra a que Jesus se refere era parecida com os pães orientais da época: redondos, achatados e endurecidos (por isso o pão
suportava longas viagens e era quebrado para ser servido). A cobra peçonhenta é semelhante às enguias comestíveis, apreciadas
pela culinária da época. O Senhor é Pai bondoso e fica feliz em dar os presentes (dádivas) que seus filhos lhe pedem, mas só Ele
sabe o que é realmente bom para cada um de nós.
4 Este versículo é conhecido em todos os continentes como “A Regra de Ouro”, a manifestação prática do amor cristão.
Orienta-nos Jesus aqui quanto ao procedimento diário: o amor, sem egoísmos, deve ser a força motriz das nossas ações (1Co
13.4-8), concedendo ao próximo o que buscamos para nosso próprio bem. Devemos chegar ao ponto máximo do amor e da fé
em Deus, que é retribuir com o bem a qualquer pessoa que, por algum motivo, nos ferir ou fizer qualquer mal. Foi assim que Deus
respondeu à rebelião e indiferença da humanidade, oferecendo-se em sacrifício, para nos salvar pela Graça (Ef 2.8-9). A “Lei e os
Profetas” é uma referência a toda a Escritura Sagrada, tanto em sua letra como em seu pleno conteúdo (Rm 13.8-10; Mt 5.17).
5 Jesus denomina o caminho para o céu de “porta estreita” ou “caminho difícil”, em algumas versões “caminho apertado”.
Não porque Deus tenha diminuído sua generosidade, graça e desejo de salvar a todos (2Pe 3.9), ao contrário, estamos vivendo
a “Época da Graça” onde todos – mais do que nunca – são bem-vindos ao Reino de Deus. Entretanto, poucos permanecerão
no Caminho, porque jamais foram dele realmente, e não suportam o negar-se a si mesmo, as renúncias do “Eu” nem os apelos
de uma sociedade cada vez mais hedonista e materialista. A idéia e a figura dos dois caminhos é muito anterior a Cristo, data de
400 a.C e foi difundida através do trabalho filosófico de Sócrates. O mesmo pensamento reaparece em duas grandes obras do
primeiro século depois de Cristo: Didaquê e Epístola de Barnabé.
minhas palavras e as pratica será compa- 4 Em seguida, disse-lhe Jesus: “Veja que
rado a um homem sábio, que construiu a não digas isto a ninguém, mas segue,
sua casa sobre a rocha. mostra teu corpo ao sacerdote, e faze a
25 E caiu a chuva, vieram as enchentes, oferta que Moisés ordenou, para que sirva
sopraram os ventos e bateram com vio- de testemunho.”1
lência contra aquela casa, mas ela não
caiu, pois tinha seus alicerces na rocha. Um comandante romano crente
26 Pois, todo aquele que ouve estas mi- 5 Entrando Jesus em Cafarnaum, dirigiu-
nhas palavras e não as pratica é como se a ele um centurião, suplicando:2
um insensato que construiu a sua casa 6 “Senhor, meu servo está em casa, para-
sobre a areia. lítico e sofrendo horrível tormento”.
27 E caiu a chuva, vieram as enchentes, 7 Então, Jesus lhe disse: “Eu irei curá-lo”.
sopraram os ventos e bateram com vio- 8 Ao que respondeu o centurião: “Se-
lência contra aquela casa, e ela desabou. nhor, não sou digno de receber-te sob o
E grande foi a sua ruína”. meu teto. Mas dize apenas uma palavra,
28 Quando Jesus acabou de pronunciar e o meu servo será curado.
estas palavras, estavam as multidões atô- 9 Porque eu também sou homem de-
nitas com o seu ensino. baixo de autoridade e tenho soldados às
29 Porque Ele as ensinava como quem minhas ordens. Digo a um: Vai, e ele vai;
tem autoridade, e não como os mestres e a outro: Vem, e ele vem. Ordeno a meu
da lei.6 servo: Faze isto, e ele o faz”.
10 Ao ouvir isto, Jesus maravilhou-se, e
Jesus purifica o imundo disse aos que o seguiam: “Com toda a cer-
6 Os doutores da lei (em grego grammateis, nomikoi) e os mestres da lei (em grego nomodidaskaloi) eram técnicos no estudo
da lei de Moisés (Torah). Em princípio era uma função reservada aos sacerdotes. Esdras, um homem de Deus, acumulou as fun-
ções de sacerdote e escriba (em hebraico sôpherïm). Veja Ne 8.9. Com o passar do tempo, os escribas se tornaram extremamente
formais e espiritualmente estéreis. Além disso, muitos se envolveram com o partido político dos fariseus e deixaram de ser impar-
ciais em relação ao ensino da lei. Jesus, entretanto, ensinava com “exousia”, em grego, “poder sobrenatural” que a todos deixava
maravilhados, pasmos, atônitos (1Co 2.4-5). Isso despertou a inveja e o ódio de muitos “líderes religiosos” contra Jesus Cristo.
Capítulo 8
1 A lei de Moisés (Lv 13,14) ordenava que em casos de doenças de pele, especialmente a lepra, somente um sacerdote ou seu
filho poderia realizar a cerimônia de purificação. O conceito de quarentena (para isolamento e tratamento de doenças infecciosas)
teve início naquela época. Para os judeus, a çãra’ath, palavra hebraica para um dos tipos de hanseníase, simbolizava o pecado,
por ser nojento, contagioso e incurável. Além disso, o sacerdote que tocava no leproso tornava-se cerimonialmente imundo. Je-
sus ao curar um homem da mais terrível doença de sua época, revela ao mundo parte de sua natureza e ministério. As instruções
mosaicas para o cerimonial de purificação dos imundos tipificam a nossa redenção em Cristo (Lv 14.2-32).
2 A centúria era uma divisão do exército romano, formada por cem homens e comandada por um centurião. Cornélio, um outro
centurião gentio, convertido, foi notável exemplo de cristão (At 10).
3 A tradição rabínica considerava o judaísmo como uma garantia herdada e absoluta de entrada no Reino de Deus, e por isso
também se dizia: “filhos do reino” (Is 41.8). Embora, os judeus sejam de fato o povo escolhido, Jesus está comemorando a entrada
dos gentios (todos os que não são judeus) no Reino do Pai, como verdadeiros filhos (Sl 107.3; Is 49.12; 59.19; Ml 1.11). Jesus
demonstra seu lado humano ao ficar admirado (surpreso) com a fé e a compreensão que aquele homem, não-judeu, demonstrou
cederá!” E naquela mesma hora o servo suas tocas e as aves do céu têm seus ni-
foi curado. nhos, mas o Filho do homem não tem
onde repousar a cabeça”.
Jesus salva, cura e liberta 21 Outro de seus discípulos lhe disse: “Se-
14 Tendo Jesus chegado à casa de Pedro, nhor, permite-me ir primeiro sepultar
viu a sogra deste acamada, enferma e meu pai”.
com febre. 22 Ao que Jesus lhe respondeu: “Segue-
15 Então, Jesus tocou a mão dela e a febre me e deixa que os mortos sepultem os
a deixou. Em seguida, levantou-se ela e seus próprios mortos”.
passou a servi-lo.
16 No início da noite, trouxeram-lhe mui- Jesus domina as circunstâncias
tos endemoninhados; e Ele, com apenas 23 Entrando Jesus no barco, seus discípu-
uma palavra, expulsou os espíritos e los o seguiram.
curou todos os que estavam doentes. 24 De repente, sobreveio no mar uma
17 Assim se cumpriu o que fora dito por violenta tempestade, de tal maneira que
intermédio do profeta Isaías: “Ele tomou as ondas encobriam o barco. Ele, contu-
sobre si as nossas enfermidades e pesso- do, dormia.
almente levou as nossas doenças”.4 25 Então, seus discípulos vieram des-
pertá-lo, clamando: “Senhor, salva-nos!
A prioridade do discipulado Vamos todos perecer!”
18 Quando Jesus viu que uma multidão o 26 Mas Jesus disse a eles: “Por que estais
rodeava, ordenou que atravessassem para com tanto medo, homens de pequena fé?
o outro lado do mar. E, levantando-se, repreendeu os ventos e
19 Então, aproximando-se dele um escri- o mar, e houve plena calmaria.
ba, disse-lhe: “Mestre, seguir-te-ei para 27 Então, os homens maravilhados, excla-
onde quer que fores”. maram: “Quem é este que até os ventos e
20 Jesus lhe respondeu: “As raposas têm o mar lhe obedecem?”.
ter acerca do seu poder e autoridade divina. Aproveita o evento para proclamar a salvação para todos os povos e raças (22.1-14;
Lc 14.15-24), ao mesmo tempo em que adverte duramente aos judeus quanto ao fato de que a herança da vida eterna e do Reino
está em crer em Deus e na aceitação de Seu Filho que veio ao mundo para salvar todos os seus. De agora em diante a humanidade
não seria mais dividida entre judeus e gentios (os próximos e os distantes de Deus); mas, sim, entre crentes e descrentes. O padrão
de reconhecimento da herança não repousa mais sobre a nacionalidade ou linhagem judaica, mas numa fé sincera e absoluta no
Senhor (Sl 147.13,20; Mt 4.17; 9.28; Mc 4.40; 11.22; Lc 5.20; Jo 5.37-47; 8.45; At 14.16). Por isso acontecerá que do oriente e do
ocidente (de todo o mundo) virão gentios para o Reino (Is 49.12) e terão o direito de se assentar ao lado dos grandes pais da fé, pois
aceitaram a Graça da Salvação (Ef 2.8). Jesus conclui duramente, que muitos judeus, “herdeiros do Reino” (sacerdotes ou filhos do
reino) tornaram-se “filhos da desobediência” (piores dos que os pagãos e gentios), razão pela qual serão expulsos para o “reino dos
mortos” (sheol, em hebraico e hades, em grego), onde haverá tanto remorso e tristeza que se ouvirá o som do bater dos queixos
das pessoas aterrorizadas. Nesse estado intermediário entre a morte e a ressurreição (sheol ou hades), os salvos gozarão de paz e
descanso, enquanto os incrédulos estarão na escuridão (um lugar chamado: inferno) e sob tormentos. Na ressurreição, os salvos
habitarão plenamente o Reino, e os incrédulos (judeus ou não) sofrerão a segunda morte e serão banidos para o lugar de punição e
fogo eterno ou lago de fogo (em grego ten geennan tou pyros). Onde até mesmo o inferno será lançado (Ap 20).
4 Ao contrário do que alguns céticos e críticos afirmam, Jesus não andava com o AT nas mãos procurando cumprir profecias.
Mas, a cada instante, um evento admirável ocorria e seus discípulos, e todos os que conheciam a Lei e os Profetas testemunhavam,
na pessoa de Jesus o cumprimento de várias profecias messiânicas do AT. Tudo isso diante dos olhos atônitos de todos. Algumas
dessas profecias haviam sido escritas há mais de 1.000 anos antes que Jesus começasse a andar pelas terras da Palestina pregando
a Nova Aliança, como é o caso do Salmo 22 e outros (Sl 2,8,16,40,41,45,68,69,89,102,109,110 e 118). A profecia de Isaías 53.4 (cerca
de 750 a.C segundo os melhores estudos sobre os Papiros do Mar Morto) nos revela que Jesus, o Messias (Palavra hebraica que sig-
nifica: Rei Ungido, e que foi traduzida para o grego como: Cristo), refere-se ao ministério de cura e libertação de Jesus, cuja obra lhe
custou caro fisicamente (Mc 5.30, Lc 8.46). Os cristãos, hoje em dia, podem ter uma idéia desse desgaste físico e emocional quando
participam ativamente de qualquer dos ministérios da Igreja: exposição da Palavra, evangelização, louvor, adoração, missões, cura,
libertação, aconselhamento, administração, contribuição, ação social e outros, pois a verdadeira obra cristã requer do Espírito Santo
(que é o próprio Jesus habitando na vida de cada indivíduo que crê) o mesmo poder demandado da pessoa de Jesus Cristo.
1 Freqüentemente Jesus refere-se a si mesmo como Filho do Homem (Mc 8.38; 13.26, 14.62; Lc 17.24; 21.27). Ele usou essa
expressão do AT para descrever seu caráter e missão em termos da visão de Daniel (Dn 7.13). O Filho do Homem se humilhou
como verdadeiro ser humano, sendo ao mesmo tempo, o Eterno Vitorioso (Mt 24.30). Além disso, Jesus revestiu essa expressão
com a necessidade e o profundo significado dos seus sofrimentos, morte e ressurreição expiatória (Mc 8.31; 9.31; 10.33; 14.21-
41; Lc 18.31-33; 19.10; Mt 20.18-28; 26.45; Lc 21.25-28; 22.29-30; Mc 13.26-27; 14.24-25,62; Jo 13.31-32).
2 Cafarnaum foi a cidade onde Jesus permaneceu mais vezes e por mais tempo, por isso era chamada de a “cidade de Jesus”
(Mt 4.12,13; 9.9; Mc 2.1; Lc 4.13, 23, 31, 38). Mas, apesar de Cafarnaum ter sido um grande centro comercial, presenciado mais
sinais e recebido mais da presença e da Palavra de Cristo do que qualquer outra localidade, Jesus encontrou ali apenas uns
poucos seguidores. Por isso o Senhor exclama seu “ai” sobre a cidade (Mt 11.23). Hoje Cafarnaum é um campo de entulhos,
chamado Tel Hum. Mateus era um cobrador de impostos a serviço de Roma. Os judeus se referiam a eles como “publicanos
e pecadores”, pois os consideravam “amaldiçoados” como os gentios (Jo 7.49). Jesus viu, porém, em Mateus, um discípulo e
o autor deste Evangelho o chamou, em aramaico akolutheo (Segue-me!), que é uma expressão que significa: “ir atrás de”. Na
época, essa expressão era um convite de honra. O aluno do profeta, em sinal de respeito, passaria a caminhar atrás do seu mestre
(rabino) e, por dois anos, aprenderia as leis do judaísmo. Mateus (Matias, em hebraico), deixa tudo e começa uma nova vida com
Cristo (Lc 5.28). Oferece uma ceia, em sua casa (Lc 5.27), para Jesus, os discípulos e seus muitos amigos pecadores. No Oriente
e naquela época, convidar alguém para cear em casa era uma grande demonstração de amizade e intimidade e por isso recebia
o nome de: “comunhão de mesa”. Isso foi o suficiente para provocar a ira de um grupo de fariseus (hassïdïns – leais a Deus - em
hebraico; eram os sacerdotes e doutores da Lei, temidos por seu rigor e poder político).
ceia o vosso mestre com publicanos e Jesus tem poder sobre a morte
pecadores?” 18 Enquanto, Ele estava falando, um dos
12 Mas Jesus, ouvindo, responde: “Os dirigentes da sinagoga aproximou-se e,
sãos não necessitam de médico, mas sim, ajoelhando-se diante dele, rogou: “Mi-
os doentes. nha filha acaba de morrer; mas vem,
13 Portanto, ide aprender o que significa impõe a tua mão sobre ela, e viverá”.
isto: ‘Misericórdia quero, e não sacrifí- 19 Jesus então levantou-se e seguiu com
cios’. Pois não vim resgatar justos e sim ele, e seus discípulos os acompanharam.
pecadores’”.3 20 De repente, uma mulher que há doze
anos vinha sofrendo de hemorragia, al-
O novo e definitivo vinho cançou-o por trás e tocou na borda do
14 Então, chegaram os discípulos de João seu manto.
e lhe perguntaram: “Por que jejuamos 21 Pois dizia essa mulher consigo mesma:
nós, e os fariseus, muitas vezes, e os teus “Se eu conseguir apenas lhe tocar as ves-
discípulos não jejuam?” tes, serei curada”.
15 Respondeu-lhes Jesus: “É possível que 22 Então Jesus voltou-se e assim que viu
os amigos do noivo fiquem de luto en- a mulher lhe disse: “Anime-se grande-
quanto o noivo ainda está com eles? Dias mente, filha, a tua fé te salvou!” E, desde
virão, quando o noivo lhes será tirado; aquele momento, a mulher ficou sã.5
então jejuarão. 23 Quando Jesus chegou à casa do diri-
16 Ninguém coloca remendo novo em gente da sinagoga e viu os flautistas fúne-
roupa velha; porque o remendo força o bres e a multidão em alvoroço, ordenou:
tecido da roupa e o rasgo aumenta. 24 “Retirai-vos daqui! Esta menina não
17 Nem se põe vinho novo em odres está morta, mas adormecida”. E todos
velhos; se o fizer, os odres rebentarão, o zombavam dele.
vinho derramará e os odres se estragarão. 25 Assim que a multidão foi retirada,
Mas, põe-se vinho novo em odres novos, Jesus entrou, tomou a menina pela mão
e assim ambos ficam conservados”.4 e ela se levantou.
3 O maior e mais agradável sacrifício (holocausto) para Deus é o nosso amor sincero, sem restrições e em plena fé. A
enfermidade da qual todos padecemos, inclusive muitos religiosos e líderes cristãos, é a distância do mais verdadeiro e puro
amor (em grego: agape) ao Senhor (1Jo 4.16) e aos nossos semelhantes. Jesus pede que os doutores em teologia, filosofia,
direito e ética da época, voltem às Escrituras, leiam atentamente Oséias 6.6, especialmente na edição grega do AT, a Septuaginta
(cerca de 260 a.C.), e entendam que Ele não estava pactuando com o pecado, mas salvando todos aqueles que reconhecerem
nele o Messias, o Filho de Deus.
4 Segundo a lei mosaica, apenas o jejum do Dia da Expiação era obrigatório (Lv 16.29,31; 23.27-32; Nm 29.7). Após o exílio na
Babilônia, outros quatro jejuns deveriam ser feitos durante o ano (Zc 7.5; 8.19). Na época de Jesus, os fariseus jejuavam duas
vezes por semana (Lc 18.12). Os casamentos judaicos eram grandes celebrações familiares, cujas festas chegavam a durar
uma semana e, nessas ocasiões, os convidados eram dispensados da obrigação do jejum, uma vez que esse ato era sempre
associado à tristeza. Jesus então faz uma analogia entre as festividades das bodas e seu relacionamento com seus discípulos (os
amigos do noivo), dispensando-os do jejum enquanto o noivo (Ele) estiver presente. Jesus jejuava em particular, mas rejeitava a
observação da Lei de forma legalista e para autoglorificação (Is 58.3-11). O jejum seria praticado por seus discípulos, após sua
ascensão, voluntariamente e para edificação pessoal (Mt 4.2; 6.16-18). Jesus veio estabelecer uma nova ordem para o relaciona-
mento das pessoas com Deus. A lei deve ceder lugar à graça (o novo vinho, a nova aliança). Os odres eram bolsas feitas de pele
de cabra, onde se conservava o vinho (Gn 27.28; Êx 29.40; Lv 10.9; Sl 104.15; Ec 10.19; 1Tm 5.23; 1Tm 3.8; Tt 2.3; Rm 13.13;
Rm 14.21). À medida que o suco de uvas frescas fermentava, o vinho se expandia. Os odres novos tinham maior resistência e
flexibilidade, e se esticavam. Mas os odres usados e envelhecidos não suportavam a pressão e estouravam, colocando o vinho a
perder. Jesus usa essa metáfora para revelar que seu novo, puro e poderoso ensino não pode ser recebido pelas antigas formas
do judaísmo, nem pelo legalismo religioso.
5 Jesus se agrada da nossa fé e está sempre pronto para nos socorrer em qualquer necessidade. Basta que o procuremos
com sinceridade. O verbo grego sõzein significa “salvar e curar”. A mulher pensou em salvar-se, livrar-se de uma doença horrível
e antiga. Mas Jesus deu-lhe a cura integral, da alma e do corpo, quando a abençoou com a tradicional bênção dos rabinos da
época: “a tua fé te salvou”. Jesus demonstrou que essa não era apenas uma frase religiosa, mas a indicação de que o Reino de
Deus havia chegado para todos aqueles que nele cressem, pois que as palavras de Jesus são acompanhadas de poder.
18 Sereis levados à presença de governa- luz do dia; e o que se vos diz ao ouvido,
dores e reis por minha causa, para teste- proclamai-o do alto dos telhados.
munhardes a eles e aos gentios. 28 E, não temais os que matam o corpo,
19 Todavia, quando vos prenderem, não mas não têm poder para matar a alma.
vos preocupeis em como, ou o que deveis Temei antes, aquele que pode destruir no
falar, pois que, naquela hora, vos será mi- inferno tanto a alma como o corpo.
nistrado o que haveis de dizer. 29 Não se vendem dois pardais por uma
20 Isso porque, não sois vós que estareis moedinha de cobre? Mesmo assim,
falando, mas o Espírito de vosso Pai é nenhum deles cairá sobre a terra sem a
quem se expressará através de vós. permissão de vosso Pai.
21 Um irmão entregará à morte seu irmão, 30 E quanto aos muitos cabelos da vossa
e o pai ao filho, e os filhos se rebelarão cabeça? Estão todos contados.
contra seus pais e lhes causarão a morte. 31 Por isso, não temais! Bem mais valeis
22 E, por causa do meu Nome, sereis vós do que muitos passarinhos.
odiados de todos. Contudo, aquele que 32 Assim sendo, todo aquele que me decla-
permanecer firme até o fim será salvo. rar diante das pessoas, também eu o decla-
23 Quando, porém, vos perseguirem num rarei diante de meu Pai que está nos céus.
lugar, fugi para outro; pois com toda a 33 Entretanto, qualquer que me negar
certeza vos asseguro que não tereis pas- diante das pessoas, também Eu o negarei
sado por todas as cidades de Israel antes diante de meu Pai que está nos céus.
que venha o Filho do homem. 34 Não penseis que vim trazer paz à terra;
24 O pupilo não está acima do seu men- não vim trazer paz, mas espada.
tor, nem o escravo acima do seu amo. 35 Pois Eu vim para ser motivo de discór-
25 Basta ao discípulo ser como seu mestre, dia entre o homem e seu pai; entre a fi-
e ao servo ser como seu senhor. Se chama- lha e sua mãe e entre a nora e sua sogra.
ram de Belzebu ao cabeça da Casa, quanto 36 Assim os inimigos do homem serão os
mais aos membros da sua família! da sua própria família.1
26 Entretanto, não os temais! Nada há 37 Quem ama seu pai ou sua mãe mais do
escondido que não venha a ser revelado, que a mim não é digno de mim; e quem
nem oculto que não venha a se tornar ama o filho ou a filha mais do que a mim
conhecido. não é digno de mim.
38 E aquele que não toma a sua cruz e não
A entrega do temor a Deus me segue, também não é digno de mim.
27 O que vos digo na escuridão, dizei-o à 39 Quem encontra a sua vida a perderá.
1 Jesus não veio trazer a paz no sentido de uma religiosidade cômoda e inconseqüente. O verdadeiro cristianismo é uma mudança
radical de vida com implicações conflituosas, inadequações e até perseguições cruéis. Algumas vezes na própria família (Mq 7.6)
e, com certeza, neste mundo secularizado, materialista e agnóstico. A paz do cristão está em sua plena comunhão com Deus (Jo
14.27) e a terra só verá paz completa na volta do Rei Jesus (Is 2.4). Uma das ofensas que mais feriram o coração de Cristo foi ouvir
dos teólogos da época (seu povo e família) que realizava milagres e sinais no poder de Belzebu (9.34; 12.24-29; Mc 3.22; Lc 11.15-
19; Jo 8.52). Chamar o Filho de Deus – o cabeça da raça humana – de Diabo, foi uma das maiores blasfêmias já ditas na história do
mundo. Belzebu é a forma grega da expressão hebraica Baal-Zebub que se refere a Satanás, o “príncipe dos demônios” e significa:
“senhor das moscas” (2Rs 1.2). Por isso, é preciso muito cuidado ao julgar e expressar publicamente opiniões dessa natureza con-
tra qualquer pessoa ou movimento cristão. Em 10.38, pela primeira vez em Mateus, aparece a palavra “cruz”. Os cristãos não devem
buscar o sofrimento, nem se desesperar diante dele, mas ter a atitude de Jesus: enfrentar as circunstâncias com fé, humildade e
coragem. O império romano obrigava seus condenados à morte a caminhar com a trave de suas cruzes nas costas até o local da
execução. Os discípulos já haviam visto milhares de judeus serem crucificados, por isso essa ilustração (metáfora) de Jesus foi tão
significativa. O crente, salvo por Cristo, deve carregar consigo a mesma cruz: renunciar a si mesmo, para servir com total dedicação
ao Senhor Jesus, como mortos para as demandas do sistema mundial e do nosso “eu” (Gl 2.20). Por isso, quem busca frenetica-
mente se dar bem nesta vida, acabará perdendo as bênçãos inerentes à condição dos salvos, agora e eternamente (2Co 5.17). Em
10.42, Jesus conclui esse trecho bíblico fazendo menção notável de recompensa a todos aqueles que ajudam e cooperam com os
servos do Senhor no estabelecimento da nova ordem: o Reino de Deus (1Co 15.58; Gl 6.9; Mt 25.35-36).
Mas quem perde a vida por minha causa começou Jesus a falar às multidões a res-
a achará. peito de João: O que fostes ver no deser-
40 Quem vos recebe, a mim mesmo rece- to? Um caniço agitado pelo vento?
be; e quem recebe a minha pessoa, recebe 8 E então? O que fostes ver no deserto?
aquele que me enviou. Um homem vestido com roupas finas?
41 Quem recebe um profeta por reconhe- De fato, os que usam roupas finas estão
cê-lo como profeta, receberá a recom- nos palácios reais.
pensa de profeta; e quem recebe um justo 9 Mas, afinal, o que fostes ver? Um pro-
por suas qualidades de justiça, receberá a feta? Sim, Eu vos afirmo. E mais do que
recompensa de justo. um profeta!
42 E quem der, mesmo que seja apenas 10 Este é aquele a respeito de quem está
um copo de água fria a um destes peque- escrito: “Eis que Eu enviarei o meu men-
ninos, por ser este meu discípulo, com sageiro à frente da tua face, o qual prepa-
toda a certeza vos afirmo que de modo rará o teu caminho diante de Ti”.1
algum perderá a sua recompensa”. 11 Com toda a certeza vos afirmo: Entre
os nascidos de mulher não se levantou
João. O arauto de Jesus ninguém maior do que João, o Batista;
1 João Batista foi o último dos profetas do AT e o precursor de Cristo. O mensageiro do Rei (arauto) que veio anunciar a che-
gada do Filho de Deus à terra (Ml 3.1; 4.5-6). João estava preso em Maqueros, uma fortaleza inóspita, nas proximidades do mar
Morto (14.3-12; Lc 7.18-35) e desejava confirmar se Jesus era mesmo o Messias profetizado no AT. Jesus manda sua resposta
de maneira inequívoca, assim João poderia descansar e se alegrar no Senhor, pois sua missão estava cumprida: “os cegos
enxergam” e os demais milagres profetizados por Isaías (730 a.C.) sobre as obras que o Messias realizaria quando chegasse (Is
35.5; 61.1). Quem saiu para ver algo tão comum e simples como um pé de cana balançando ao vento, viu e ouviu o maior dos
profetas do AT, parente e amigo amado do Senhor (Lc 1.36; Jo 3.29). Entretanto, aqueles que têm o privilégio de ouvir o Filho de
Deus foram contemplados com bênção ainda maior que João (Ef 5.25-32). Jesus ainda registra o comportamento infantil dos
seres humanos em relação à vinda dos profetas de Deus - são como crianças: se ouvem uma música alegre, tocada com flautas,
nos casamentos (da época), não ficam contentes. Se ouvem uma melodia mais triste, como as executadas nos enterros, não se
emocionam. Ou seja, para muitos, infelizmente, não há como comunicar o Evangelho de modo a que este seja bem compreendi-
do. Por isso, muito felizes (bem-aventurados) são os que ouvem e aceitam a Palavra de Deus. A KJ de 1611 traz a expressão: “a
sabedoria é justificada por seus filhos” e significa que os frutos (obras) do ensino de João e Jesus são visíveis, palpáveis, práticos
e têm a ver com uma nova e abençoada maneira de viver.
19 Então chega o Filho do homem, comen- dos céus e da terra, pois escondeste estas
do e bebendo, e dizem: ‘Eis aí um glutão e coisas dos sábios e cultos, e as revelaste
bebedor de vinho, amigo de publicanos e aos pequeninos.
pecadores!’ Todavia, a sabedoria é compro- 26 Amém, ó Pai, pois assim foi do teu
vada pelas obras que são seus frutos”. agrado!
27 Todas as coisas me foram entregues
Ai dos povos incrédulos por meu Pai. Ninguém conhece o Filho
20 Então, começou Jesus a admoestar se- senão o Pai; e ninguém conhece o Pai a
veramente as cidades nas quais realizara não ser o Filho, e aquele a quem o Filho
numerosos feitos prodigiosos, porque o desejar revelar.
não se arrependeram: 28 Vinde a mim todos os que estais cansa-
21 “Ai de ti Corazim! Ai de ti Betsaida! dos de carregar suas pesadas cargas, e Eu
Porque se os milagres que entre vós vos darei descanso.
foram realizados tivessem sido feitos em 29 Tomai vosso lugar em minha canga
Tiro e Sidom, há muito que elas se teriam e aprendei de mim, porque sou amável
arrependido, vestindo roupas de saco e e humilde de coração, e assim achareis
cobrindo-se de cinzas. descanso para as vossas almas.
22 Entretanto, Eu vos afirmo que no dia 30 Pois meu jugo é bom e minha carga
do juízo haverá menos rigor para Tiro e é leve”.2
Sidom, do que para vós outros.
23 E tu, Cafarnaum, te arrogas subir até os O Senhor do sábado
céus? Pois serás lançada no inferno. Por-
que se as maravilhas que foram realizadas
em ti houvessem sido feitas em Sodoma,
12 Naquela época, Jesus passou pe-
las lavouras de cereal, em dia de
sábado. Seus discípulos estavam com
teria ela permanecido até o dia de hoje. fome e começaram a colher espigas e
24 Eu, contudo, vos afirmo que haverá comê-las.
mais tolerância para com o povo de So- 2 Assim que os fariseus viram aquilo,
doma no dia do julgamento, do que para disseram-lhe: “Vê! Teus discípulos estão
contigo”. fazendo o que não é lícito em dia de
sábado!”
Vinde a Cristo, os cansados 3 Mas Jesus lhes respondeu: “Não lestes
25 Naquela ocasião, em resposta, Jesus o que fez Davi quando ele e seus compa-
proclamou: “Graças te dou, ó Pai, Senhor nheiros estavam com fome?
2 Corazim, mencionada apenas duas vezes nas Escrituras (aqui e em Lc 10.13) distava cerca de quatro quilômetros ao norte de
Cafarnaum. Betsaida ficava na extremidade ao norte do mar da Galiléia. Tiro e Sidom eram cidades pagãs da Fenícia. Jesus con-
clui esse trecho bíblico com uma “resposta” emocionada às graves circunstâncias descritas anteriormente. A expressão: “Graças
te dou” (em grego exomologoumai), significa: “reconheço”. A expressão: “Amém” (em hebraico transliterado amen) vem de uma
raiz que significa “digno de fé” ou “verdade” (Is 65.16), por isso a palavra grega é mera transliteração do hebraico, usada por
algumas versões na forma poética: “em verdade, em verdade”. No AT era, também, uma expressão de concordância (assim seja)
com uma doxologia ou bênção (1Cr 16.36; Sl 41.13). Jesus fez uso dessa expressão com autoridade messiânica, algo incomum
aos rabinos e mestres de sua época (2Co 1.20). Em certo sentido, Jesus pode ser chamado de “o Amém de Deus” (Is 65.16; Ap
3.14). Muitas sinagogas usaram essa expressão, que passou para as primeiras igrejas cristãs (1Co 14.16).
Nos versos 28 a 30 Jesus faz menção às Escrituras (Jr 6.16) e usa mais uma notável ilustração para mostrar como o cristão
pode encontrar descanso para as suas aflições: Jesus aponta para a canga dos bois. Uma trave de madeira robusta, quase
sempre ocupada por dois animais, colocados lado a lado, presos pelo pescoço e ligados ao arado ou carro que deveriam puxar.
Jesus considerou sua cruz (canga), útil e boa (no original grego chrestos). Algumas versões usam a palavra: “suave”. Jesus
considerou seu “fardo” leve, não pesado ou difícil de transportar até seu destino. Para alcançar o pleno descanso devemos
ocupar nosso lugar ao lado de Jesus e partilhar da sua canga; que não era um instrumento de tormento para os animais, mas
um meio útil e cômodo de levar mais carga com menos esforço, evitando os sofrimentos das antigas cordas amarradas pelo
corpo. Jesus quer partilhar sua força conosco. Além disso, bondade, paciência, mansidão, humildade são qualidades que nos
possibilitam trabalhar e descansar com fé no amor e na soberania do Senhor. Uma pessoa assim será querida e amável, e isso a
ajudará a vencer muitos problemas e descansar diariamente em paz.
4 Como entrou na casa de Deus, e come- “Estende a tua mão”. Ele a estendeu e ela
ram os pães da Presença, os quais a lei foi restaurada, ficando sã como a outra.
não lhes permitia comer, nem a ele nem 14 Diante disso, saíram os fariseus e co-
aos que com ele estavam, mas exclusiva- meçaram a conspirar sobre como pode-
mente aos sacerdotes?1 riam matar Jesus.
5 Ou não lestes na Lei que, aos sábados,
os sacerdotes no templo violam o sábado Eis meu Servo amado!
e, contudo, são desculpados? 15 Mas, Jesus, sabendo disto, afastou-se
6 Pois Eu vos afirmo que aqui está quem daquele lugar. Uma multidão o seguiu e
é maior do que o templo. a todos Ele curou.
7 Entretanto, se vós soubésseis o que 16 Contudo, os advertiu para que não
significam estas palavras: ‘Misericórdia divulgassem suas obras.
quero, e não holocaustos’, não teríeis 17 Ao acontecer isso, cumpriu-se o que
condenado os que não têm culpa. fora dito pelo profeta Isaías:
8 Pois o Filho do homem é o Senhor do 18 “Eis o meu Servo, que escolhi, o meu
sábado!”. amado, em quem tenho alegria. Farei
repousar sobre Ele o meu Espírito, e Ele
Jesus cura no sábado anunciará justiça às nações.
9 Tendo Jesus saído daquele lugar, foi 19 Não contenderá nem gritará; nem se
para a sinagoga deles. ouvirá nas ruas a sua voz.
10 Encontrava-se ali um homem que 20 Não esmagará a cana rachada, nem
tinha uma das mãos atrofiada. Mas, pro- apagará o pavio que fumega, até que faça
curando um motivo para acusar Jesus, vencer a justiça.
eles o questionaram: “É lícito curar no 21 E em seu Nome os gentios colocarão
sábado?” sua esperança”.
11 Ao que Jesus lhes propôs: “Qual de vós
será o homem que, tendo uma ovelha, e, O pecado imperdoável
num sábado, esta cair em um buraco, não 22 Depois disso, aconteceu que lhe trouxe-
fará todo o esforço para retirá-la de lá? ram um endemoninhado, cego e mudo; Ele
12 Assim sendo, quanto mais vale uma o curou, de modo que pôde falar e ver.
pessoa do que uma ovelha! Por isso, é 23 Então, toda a multidão ficou atônita
lícito fazer o bem no sábado”. e exclamava: “É este, porventura, o Filho
13 Então, dirigiu-se ao homem e disse: de Davi?”
1 O sábado (em hebraico shabbãth) é estabelecido nas Escrituras como princípio: um em cada sete dias deveria ser separado
(santificado) para o descanso. A raiz hebraica da palavra “sábado” é shãbhath, que significa “cessar”. Na Criação, o próprio
Deus legou à humanidade o exemplo da santificação do sábado (Gn 2.2; Êx 20.8-11). Em Êx 16.21-30 há uma menção explícita
sobre o sábado em relação à provisão do maná. O sábado (dia do descanso em homenagem ao Criador) nesse contexto, é
representado como um dom de Deus, visando o repouso e o benefício do povo. Não era necessário trabalhar no sábado (juntar
o maná), pois dupla porção era provida no sexto dia da semana. Os fariseus, no entanto, haviam acrescentado à Lei e ao sábado
uma série imensa de minuciosas regras e observâncias não prescritas por Moisés. Ao entrar pelos campos de trigo, Jesus e seus
discípulos estavam usufruindo um direito concedido pela Lei a todo viajante: comer para satisfazer a fome, sem levar nada (Dt
23.25), mas os fariseus implicaram com o ato de debulhar no sábado (Lc 6.1). Jesus então faz referência a 1Sm 21.1-6, lembrando
que em caso de necessidade, alguns detalhes da lei cerimonial podiam ser suprimidos. Os pães da Presença ou Proposição,
como em algumas versões, referem-se à presença do próprio Deus (Êx 33.14,15; Is 63.9). Os doze pães (cada um simbolizando
uma tribo) representavam uma oferta perpétua, de pão, ao Senhor, mediante a qual Israel declarava consagrar a Deus os frutos
do seu trabalho que, por sua vez, era uma bênção do Senhor (Lv 24.5,9). Esses pães eram colocados na mesa do lugar santo
do tabernáculo, todos os sábados, e depois da cerimônia podiam ser comidos pelo sacerdote e sua família. Ocorre que os
sacerdotes preparavam os pães e os sacrifícios no sábado, mesmo sob a proibição geral do trabalho nesse dia. Jesus então
argumenta que se as necessidades do culto no templo permitiam que o sacerdote profanasse o sábado, com muito mais razão a
missão de Cristo (o Messias) merece a mesma liberdade. Jesus ensina que a ética é mais importante que o ritual, e o espírito da
Lei maior que as letras e os mandamentos. Jesus declara que Ele é Deus, ao afirmar que é Senhor do sábado (Jo 5.17) e enfatiza
que o sábado foi dado à humanidade para o seu bem e não como uma obrigação prejudicial.
24 Mas os fariseus, ao ouvirem isso, mur- 32 Qualquer pessoa que disser uma pa-
muraram: “Este homem não expulsa lavra contra o Filho do homem, isso lhe
demônios senão pelo poder de Belzebu, o será perdoado; porém, se alguém falar
príncipe dos demônios”. contra o Espírito Santo, não lhe será
25 Entretanto, Jesus compreendia os pen- isso perdoado, nem nesta época, nem no
samentos deles, e lhes afirmou: “Todo tempo futuro.
reino dividido contra si mesmo será 33 Ou fazei a árvore boa e o seu fruto
arruinado, e toda cidade ou casa dividida bom, ou a árvore má e o seu fruto mau;
contra si mesma não resistirá. pois uma árvore é conhecida pelo seu
26 Se Satanás expulsa Satanás, está divi- fruto.
dido contra ele próprio. Como poderá 34 Raça de víboras! Como podeis falar
então subsistir o seu reino? coisas boas, sendo maus? Pois a boca
27 E se Eu expulso demônios por Belze- fala do que está cheio o coração.
bu, por quem os expulsam vossos filhos? 35 Uma boa pessoa tira do seu bom te-
E, por isso, eles mesmos serão os vossos souro coisas boas; mas a pessoa má, tira
juízes. do seu tesouro mau, coisas más.
28 Mas, se é pelo Espírito de Deus que 36 Por isso, vos afirmo que de toda a pa-
Eu expulso demônios, então, verdadei- lavra fútil que as pessoas disserem, dela
ramente, é chegado o Reino de Deus deverão prestar conta no Dia do Juízo.
sobre vós! 37 Porque pelas tuas palavras serás ab-
29 Ou ainda, como pode alguém entrar solvido e pelas tuas palavras serás con-
na casa do homem forte e roubar-lhe denado”.2
todos os bens sem primeiro amarrá-lo?
Só depois disso será possível saquear a O sinal da ressurreição
sua casa. 38 Então alguns dos mestres da lei e fari-
30 Quem não está comigo, está contra seus lhe pediram: “Mestre, queremos ver
mim; e aquele que comigo não colhe, de tua parte algum milagre”.
espalha. 39 Ao que Jesus respondeu: “Uma gera-
31 Portanto, Eu vos assevero: Todos os ção perversa e adúltera pede um sinal
pecados e blasfêmias serão perdoados miraculoso! Todavia, nenhum sinal lhe
às pessoas; a blasfêmia contra o Espírito será dado, exceto o sinal miraculoso do
Santo não será, porém, perdoada! profeta Jonas.3
2 Filho de Davi era um título exclusivo do Messias (Mc 3.22-30; Lc 11.14-22). A vinda e a vida de Jesus eram o evidente cumpri-
mento das profecias, especialmente de Isaías 42.1-4. Deus, assumindo a forma humana em Jesus, tratou os seres humanos com
misericórdia e delicadeza: como caniços (varas de pesca) que podem ser quebrados ou esmagados com facilidade; ou ainda
como pequenas chamas que podem ser apagadas com um simples movimento. Jesus percebeu, compreendeu (no original gre-
go eidôs) o que de fato os fariseus estavam tramando. Os judeus já praticavam o exorcismo (At 19.13-16) e Jesus os questionou
sob qual autoridade exerciam essa prática. Jesus já havia vencido Satanás em seus quarenta dias no deserto (4.1-11) e agora
estava invadindo o reino do Maligno (1Jo 3.8), para tirar das trevas as almas de todos aqueles que nele cressem, e para destruir a
“casa do homem forte” (Is 49.24-26; Lc 11.21). Por isso não pode haver neutralidade no Reino de Deus: quem não serve a Cristo
está servindo ao Diabo que é o diretor-geral do sistema (econômico, político, social e religioso) deste mundo. O único pecado
sem perdão é a rejeição consciente e sistemática da salvação graciosa em Cristo e a alegação de que Jesus e o Diabo são a
mesma pessoa ou as duas faces da verdade (o bem e o mal), como pensam algumas correntes filosóficas (Hb 6.4-6; 10.26-31).
Jesus acrescenta que o caráter de uma pessoa será sempre revelado por meio de suas palavras (Tg 3.2) e que essas palavras
pesam na balança da terra e do céu (Pv 18.21). Há três palavras gregas para designar milagres: 1) teras – algo portentoso; 2) du-
namis – poder maravilhoso; 3) semeion – uma prova ou sinal sobrenatural. No passado, muitos líderes de Israel haviam concedido
ao povo provas de sua missão por parte de Deus. Assim, para autenticar a obra de Moisés, o Senhor enviou o maná; para Josué,
o Senhor fez parar o Sol e a Lua; para Samuel, enviou o Senhor, trovões, de um céu claro e limpo, sem tempestades; para Elias,
mandou Deus, fogo do céu; para Isaías, fez recuar a sombra do relógio (da época) do Sol. Mas, para confirmar a obra de Jesus
Cristo, o Messias, seria realizado o maior milagre de todos: Deus ressuscitaria a Seu Filho Jesus da sepultura e esse seria um sinal
ainda maior do que aquele realizado para a conversão de toda a antiga cidade de Nínive (39-41).
3 O AT usa freqüentemente a metáfora: “adúltera” para significar “infiel a Deus”. Os três dias e três noites de Jonas e de Jesus
(Jn 1.17) referem-se ao período que vai da sexta-feira à tarde até o domingo de manhã. A expressão hebraica traduzida por
algumas versões como “baleia”, significa no original: “grande monstro marinho”. A rainha do Sul (também chamada de rainha do
meio-dia) é a mesma rainha de Sabá (1Rs 10) cujo reino ficava a sudoeste da Arábia, onde é hoje o Iêmen. Jesus recorre à história
de Israel para fazer referência ao processo de purificação da idolatria, entre os judeus, durante o cativeiro babilônico, mas cujo
estado atual – de incredulidade e dureza de coração – era muito pior que antes do exílio (Lc 11.24-26).
4 Jesus tinha quatro irmãos (mencionados os seus nomes em Mc 6.3) e mais um número de irmãs não especificado nas
Escrituras. Alguns teólogos defendem a idéia de que esses seriam primos de Jesus, filhos de Alfeu com a irmã da mãe de Jesus
que também se chamava Maria. Mas, Jo 7.5 e At 1.14 os distinguem claramente dos filhos de Alfeu. Jesus aproveita o que seria
uma interrupção do seu discurso para ilustrar a verdadeira fraternidade: uma nova família espiritual à qual todos os cristãos
pertencem e a quem devem amar como à própria mãe e aos irmãos. Em nenhum momento Jesus tem a intenção de divinizar sua
mãe, muito menos de tratá-la sem o devido carinho e respeito.
Capítulo 13
1 Jesus saiu da casa de Simão e André, em Cafarnaum (8.14), e dirigiu-se às margens do “mar da Galiléia”, chamado também de
“o grande lago”. Os hebreus não tinham apreço pelo mar, pois as antigas crenças semíticas diziam que a profundidade (abismo)
personificava o poder do mal que combatia contra Deus. Para Israel, entretanto, Deus era o criador do mar e seu controlador,
fazendo que o mar coopere para o bem da humanidade (Gn 1.9; Gn 49.25; Êx 14,15; Dt 33.13; Sl 104.7-9; Sl 148.7; Mt 14.25-33;
At 4.24). O triunfo final de Deus será acompanhado pelo desaparecimento total do mar (Ap 21.1). A expressão “parábola” vem
do original grego paraboles, que significa, colocar coisas semelhantes, lado a lado, para estabelecer comparação, estudo e tirar
um ensinamento. Em nossa língua, a parábola é uma figura de linguagem em que uma verdade moral ou espiritual é ilustrada
por uma analogia derivada da experiência cotidiana. Com essa parábola, conhecida como “do semeador” Jesus inicia o primeiro
grupo de histórias didáticas sobre o Reino de Deus, registradas em Mateus. Os evangelhos sinóticos contêm cerca de trinta
parábolas. O evangelho segundo João não apresenta parábolas, mas emprega outras figuras de linguagem.
4 Enquanto realizava a semeadura, parte olhos; para evitar que enxerguem com os
dela caiu à beira do caminho e, vindo as olhos, ouçam com os ouvidos, compre-
aves, a devoraram. endam com o coração, convertam-se, e
5 Outra parte caiu em terreno rochoso, sejam por mim curados’.
onde havia uma fina camada de terra, 16 Mas abençoados são os vossos olhos,
e logo brotou, pois o solo não era pro- porque enxergam; e os vossos ouvidos,
fundo. porque ouvem.
6 Porém, quando veio o sol, as plantas 17 Pois com certeza vos afirmo que mui-
se queimaram; e por não terem raiz, tos profetas e justos desejaram ver o que
secaram. vedes, e não viram; e ouvir o que ouvis, e
7 Outra parte caiu entre os espinhos. Es- não ouviram.
tes, ao crescer, sufocaram as plantas.
8 Contudo, uma parte caiu em boa terra, Jesus explica essa parábola
produzindo generosa colheita, a cem, 18 Portanto, atentai para o que significa a
sessenta e trinta por um. parábola do semeador:
9 Aquele que tem ouvidos para ouvir, 19 Quando uma pessoa escuta a mensa-
que ouça!”. gem do Reino, mas não a compreende,
vem o Maligno e arranca o que foi
O propósito das parábolas semeado em seu coração. Estas são as
10 Então, os discípulos se aproximaram sementes que foram semeadas à beira
dele e perguntaram: “Por que lhes falas do caminho.
por meio de parábolas?” 20 O que foi semeado em terreno rocho-
11 Ao que Ele respondeu: “Porque a vós so, esse é o que ouve a Palavra e logo a
outros foi dado o conhecimento dos aceita com alegria.
mistérios do Reino dos céus, mas a eles 21 Contudo, visto que não tem raiz em
isso não lhes foi concedido.2 si mesmo, resiste por pouco tempo. E,
12 Pois a quem tem, mais se lhe dará, e quando por causa da Palavra chegam os
terá em abundância; mas, ao que quase problemas e as perseguições, logo perde
não tem, até o que tem lhe será tirado. o ânimo.
13 Por isso lhes falo por meio de pará- 22 Quanto ao que foi semeado entre os
bolas; porque, vendo, não enxergam; e espinhos, este é aquele que ouve a Pala-
escutando, não ouvem, muito menos vra, mas as preocupações desta vida e a
compreendem. sedução das riquezas sufocam a mensa-
14 Neles se cumpre a profecia de Isaías: gem, tornando-a infrutífera.
‘Ainda que continuamente estejais ouvin- 23 Mas, enfim, o que foi semeado em
do, jamais entendereis; mesmo que sem- boa terra é aquele que ouve a Palavra e
pre estejais vendo, nunca percebereis. a entende; este frutifica e produz grande
15 Posto que o coração deste povo está colheita: alguns, cem; outros, sessenta; e
petrificado; de má vontade escutaram ainda outros trinta vezes mais do que foi
com seus ouvidos, e fecharam os seus semeado”.
2 A expressão original grega, aqui traduzida por “mistérios”, refere-se a revelações especiais a que somente os devotos (cren-
tes, consagrados) a Jesus Cristo têm acesso. O v.12 anuncia um princípio básico do mundo espiritual: quem aceita a Palavra de
Deus, com humildade e reverência, receberá muitas outras bênçãos do Senhor, mas aos arrogantes e incrédulos, até a parcela
de fé e bênçãos que lhes foi concedida será retirada. Veja os exemplos do “filho pródigo” (Lc 15.17-24) e o que aconteceu com
o Faraó do Egito depois de ter feito pouco caso do aviso de Moisés (Êx 8.1-32; 9.1-12). As coisas de Deus não fazem sentido
para aqueles dotados apenas de crítica racional. Precisam ser iluminados em sua compreensão espiritual e isso é dom de Deus
(Rm 5.15,16; 1Co 2.14-16; Ef 2.8). Os versos 14 e 15 são copiados, palavra por palavra, da Septuaginta (Is 6.9,10), que descreve
o chamado do profeta Isaías, a mensagem que deveria pregar e o estado de calamidade espiritual do povo. Como no tempo de
Isaías, assim também na época de Cristo, os judeus fecharam os olhos à verdade (Mc 4.12). Jesus e Sua Igreja são as últimas
grandes luzes a brilhar neste mundo para todo aquele que quiser abrir os olhos (Ef 3.2-5; 1Pe 1.10-12).
3 O propósito desta parábola é revelar o método por meio do qual Deus está agindo no mundo durante a era (tempo) do
Evangelho (das Boas Novas de Cristo). Jesus raramente interpretava suas histórias enigmáticas (parábolas). Isso porque sabia
que todas as pessoas que verdadeiramente amavam a Deus entenderiam sua mensagem. Mas, para que nada faltasse aos
discípulos, ele explica algumas delas (18-23; 36-43). O joio é uma erva daninha, também chamada de cizânia ou centeio falso,
que enquanto está crescendo é muito semelhante ao trigo. Apenas quando as espigas se formam é que é possível fazer uma
distinção correta. A farinha de trigo feita com a mistura desse centeio falso é venenosa. A semente de mostarda era a menor
semente que os agricultores da Palestina, na época de Cristo, costumavam semear. Em condições favoráveis, essas “plantas” (no
original grego lachanôn) podiam alcançar cerca de três metros de altura. Jesus aproveita essa ilustração da árvore para lembrar
as Escrituras (Ez 17.23, 31.5; Sl 104.12; Dn 4.12,21). Em Ez 17, por exemplo, a “árvore” é o “Novo Israel”, mas em Ez 41 e Dn 4,
a árvore representa os impérios dos gentios: Assíria e Babilônia (região onde hoje se situa o Iraque). Dessa maneira, a parábola
antecipa o desenvolvimento da Igreja de Cristo. Entretanto, as aves (v.19), como figura do Maligno, completam o quadro da Igreja
visível (na terra) em sua apostasia (tempo de frieza espiritual da Igreja) e revelam aos discípulos que o Reino de Deus, tendo um
início tão humilde quanto a menor das sementes, se expandiria até atingir domínio mundial, envolvendo pessoas de todas as
nações (Dn 2.35-45; 7.27; Ap 11.15). Nas Escrituras, o fermento quase sempre é um símbolo de algo perverso ou impuro. Nesta
parábola, entretanto, significa: crescimento, progresso. A expressão “uma medida” vem do hebraico seah (no original grego: sata)
e corresponde a cerca de seis litros. Ou seja, assim como o bom fermento se alastra pela massa, dessa mesma maneira, o Reino
de Deus envolve a alma da pessoa que recebe o Espírito Santo, e vai moldando seu caráter à imagem de Cristo (2Co 4.1-15). No
v.35, a citação bíblica vem do Sl 78.2-3, sendo que a primeira parte é tirada da Septuaginta (tradução grega do AT) e a segunda
parte, do hebraico. Mateus interpreta esse texto como mais uma profecia sobre Jesus Cristo. A palavra “filhos” neste contexto
e no original significa: “aqueles que pertencem”. No v.41 há uma alusão ao texto hebraico de Sf 1.3, sendo que a palavra grega
anomian, traduzida algumas vezes por “iniqüidade”, e aqui por “mal”, também significa: “ilegalidade”. A expressão “consumação
do século” como aparece em algumas versões, aqui traduzida por “final desta era”, como base a tradução dos melhores origi-
nais; nos quais, a palavra grega, éon, significa mais propriamente: um período de tempo marcante na história da humanidade,
ou seja, uma era. Literalmente: “finalização do éon” ou do período que vai do nascimento de Cristo à sua volta triunfante (Mt
24; 25; Mc 13). A expressão: “fornalha ardente”, mencionada muitas vezes nos textos apocalípticos (Ap 19.20; 20.14), ocorre
mais cinco vezes em Mateus (8.12; 13.50; 22.13; 24.51; 25.30) e em nenhuma outra parte do NT. Não compete à Igreja de Jesus
Cristo arrogar-se o direito de julgar e condenar pessoas antes do Dia do Juízo (a grande colheita). Essa parábola não se aplica
às questões da disciplina comunitária que é tratada em Mt 18; mas, sim, da necessária e inevitável convivência que deve haver
entre cristãos e descrentes enquanto estivermos neste mundo, até a segunda vinda do Senhor (1Co 4.5; 2Co 10.4). Não devemos
nos preocupar em destruir o joio, mas em levar a todos a Palavra da graça salvadora de Jesus Cristo e assim brilharemos por
toda a eternidade (Dn 12.3).
4 Depois que os judeus blasfemaram contra o Espírito Santo (12.24-30) e começaram a tramar seu assassinato (12.14), Jesus
passa a revelar aspectos mais profundos sobre o Reino de Deus, apenas aos seus discípulos, preparando-os para continuar
sua obra. O termo grego grammateus (escriba), significa “escrivão” ou “letrado”. Poucos sabiam ler e escrever naquela época e
lugar. Os escribas eram responsáveis por copiar e arquivar as leis e tradições judaicas, e assim se tornaram mestres, doutores e
advogados (Lc 5.21), pois não havia distinção entre a lei de Deus e a dos homens. A sinagoga era a principal instituição religiosa
judaica daqueles dias e podia ser estabelecida em qualquer cidade com mais de dez judeus casados. Teve origem no exílio e
servia de local onde os judeus podiam estudar as Escrituras e adorar a Deus. Jesus, como também Paulo (At 13.15; 14.1; 17.2;
18.4), aproveitou o costume judaico de convidar mestres visitantes para pregar nas sinagogas locais e lhes anunciou a chegada
do Reino de Deus: O Evangelho de Cristo. No original grego, a palavra aqui traduzida por “carpinteiro” é a mesma usada para
identificar o trabalho do “pedreiro”. Jesus, como filho mais velho da família, era o principal ajudante do pai nos trabalhos com
madeira e alvenaria, ofício que desempenhou para cooperar com o sustento da família, após a morte de José (Mc 6.3; Lc 8.19).
5 Existe uma clara correlação entre a fé e a realização dos milagres de Jesus em Mateus (8.10,13; 9.2,22,28,29). A arrogância dos
teólogos e líderes religiosos e a presunção dos que pensavam conhecer a Jesus desde criança, fizeram com que eles perdessem a
maravilhosa oportunidade de receber as preciosas revelações e bênçãos do Messias, o Filho de Deus em pessoa: Jesus Cristo.
Capítulo 14
1 Herodes Antipas, que reinou de 4 a.C. a 39 a.D., era o tetrarca (em grego tetrarches), ou seja, “aquele que rege uma quarta
parte do império”, no caso, a quarta parte da Palestina, mais a Galiléia e a Peréia, que foi herança de seu pai Herodes, o
Grande (Mt 2.1,22), quando dividiu seu reino entre quatro de seus muitos filhos. Depois das maravilhosas viagens de Jesus pela
Galiléia, muito cresceu sua fama em todas as regiões vizinhas, originando muitas idéias sobre sua pessoa e missão (16.13-14).
A consciência pagã, supersticiosa, culpada e amedrontada de Herodes, o fez criar a teoria de que Jesus seria a encarnação do
espírito de João Batista que ele mandara decapitar (Mc 6.16). Herodias era ex-esposa do meio irmão de Herodes, Filipe, tio de
Herodias. Ela fora persuadida a abandonar o marido para casar-se com Herodes Antipas, cometendo assim, incesto (Lv 18.16;
20.21). João Batista falou francamente com o tetrarca e o chamou ao arrependimento; e Herodes sabia que João era homem de
Deus e estava certo em sua denúncia (Mc 6.20). Salomé, filha de Herodias, tinha cerca de 20 anos e dançou de forma lasciva
diante de muitas autoridades, agradando a todos, em especial a Herodes. O grande historiador judeu Flávio Josefo, que viveu
entre os séculos I e II, conta que Salomé veio a se casar com um tio-avô, também chamado Filipe (filho de Herodes, o Grande),
que reinou sobre as terras do norte (Lc 3.1). O prato (v.11), no qual a cabeça de João é apresentada, era uma peça de madeira
onde serviam as carnes nas festas. João permanecera por mais de um ano no cativeiro, devido à indecisão de Herodes, que além
de permitir a visita dos discípulos de João, também gostava de ouvir o profeta (11.2).
2 Jesus, triste pela morte do grande amigo João, e não querendo ser confundido com o líder militar que muitos esperavam que
fosse, busca a solitude, um tempo a sós para orar e refletir. Atravessa o mar da Galiléia, deixando Cafarnaum e os territórios de
Herodes Antipas, e segue em direção a Betsaida Júlia. A multidão, entretanto, o vê partir só e caminha cerca de 8 km por uma
região deserta até se encontrar com Cristo nos planaltos do território de Felipe. Era alta primavera na Palestina (que começa no
meio de fevereiro), os campos estavam cobertos de relva e a Páscoa dos judeus estava próxima (Jo 6.4). Jesus se coloca entre a
multidão como o pai no meio de sua família. Esse é o único milagre de Jesus, registrado por todos os evangelistas (Mc 6.30-46; Lc
9.10-17; Jo 6.1-15). Mateus, entretanto, não tem uma preocupação cronológica em relação aos fatos, narra a história no passado
(vv. 1,2,13), pois deseja apresentá-la de modo que as pessoas a gravem na memória. De acordo com a tradição judaica, o chefe
da família proferia, no início de cada refeição, sobre o pão que ele partia, uma “oração de agradecimento” que era chamada de
“bênção” e, por isso, na KJ de 1611, esse termo aparece como blessed (abençoou). Jesus estava revelando ao povo que, assim
como o Pai libertou seu povo do Egito e os alimentou no deserto, Ele estava novamente no meio do seu povo para os salvar,
curar e alimentar. A palavra grega original kophinous, traduzida no vv.20 como “cestas” refere-se a uma pequena cesta de vime ou
folhas de palma, usada para compras domésticas. A “bênção” não acontece por ser costume, mas porque por meio de Jesus, a
fórmula é preenchida com um novo conteúdo: a presença do Cristo, que abre o acesso ao Pai (Jo 1.51). O povo e especialmente
os discípulos viram que a ação de graças de Jesus produziu milagres, e aprenderam que um método milagroso que traz bênçãos
é agradecer pelo pouco que temos, e dividi-lo com o próximo.
3 Jesus “insistiu” para que os discípulos saíssem depressa. A palavra grega usada aqui é enfática e significa “compeliu”,
sugerindo uma forte transição. João registra que depois do milagre dos pães e peixes, as multidões pretendiam proclamar Jesus
rei dos judeus, à força (Jo 6.15), o que indicava uma compreensão totalmente errada da missão de Cristo; nesse momento os
discípulos também haviam sido influenciados por essas idéias e Jesus precisou ser enérgico com eles e enviá-los para o outro
lado do mar. O dia judaico, isto é, o intervalo entre a aurora e o crepúsculo, era dividido em três partes: manhã, meio-dia e tarde
(Sl 55.17). Os judeus distinguiam duas tardes no dia: a primeira começava por volta das três horas, e a segunda ao pôr-do-sol (Êx
12.6, literalmente: entre as tardes). Portanto, os judeus contavam apenas três vigílias. No v. 13, trata-se da primeira tarde; no v. 23
refere-se à segunda. Mateus faz registro de Jesus orando apenas aqui e no Getsêmani (26.36-46). Para os romanos, entretanto, a
noite era dividida em quatro vigílias: 1) das 18 às 21h. 2) das 21h à meia noite. 3) da meia noite às 3h e 4) das 3h às 6h. O estádio
(em grego stadion), termo que aparece em algumas versões, equivalia a 1/8 de milha romana, ou cerca de 185 metros.
Durante a madrugada, Jesus se aproxima do barco sobre o mar revolto e lhes pede para ter bom ânimo (na KJ de 1611 Be of
good cheer!). Literalmente: “tenham coragem”. E, em seguida, revela a razão de se ter ânimo (coragem) e esperança no meio
das aflições: Sou Eu, mas que no original vem grafado: Eu Sou (em grego egô eimi), o nome e o caráter de Deus (Êx 3.14). A
proximidade do Senhor lança fora todo temor, destrói o mal e enche a alma de paz, alegria e vontade renovada de viver. Por isso,
no Reino de Deus, ser é mais importante que ter.
4 Apenas Mateus registra esse episódio na vida de Pedro. A expressão em aramaico, usada pelos discípulos para concluir
tudo o que se passou naquela madrugada no meio do mar da Galiléia, aqui traduzida como Verdadeiramente Tu és o Filho de
Deus, significa que aqueles homens haviam reconhecido, sem sombra de dúvida, que Jesus de Nazaré e Deus (Yahweh) são a
mesma pessoa. Genesaré, também conhecida como Planície Estreita, ficava do lado ocidental do mar da Galiléia, ao norte de
Magdala. Essa planície era um grande jardim na Palestina, fértil e todo irrigado, com cerca 6,5 km de extensão e 3 km de largura.
As pessoas receberam a Jesus com grande fé, e muitas maravilhas Ele realizou ali (Mc 5.28; At 19.12).
Capítulo 15
1 Os escribas e fariseus chegaram de Jerusalém para reforçar o grupo dos inimigos de Jesus, que já estava se estruturando, como
no caso dos fariseus com os herodianos (Mc 3.6). Mais tarde, até os saduceus, tradicionalmente rivais dos fariseus, se juntariam aos
perseguidores do Senhor (Mt 16.6). A “tradição dos anciãos” era a interpretação oral e escrita da Lei de Moisés, mas com muitas
outras doutrinas e preceitos que foram sendo adicionados com o tempo; e que tinha autoridade quase igual a da própria Lei, entre
os fariseus (5.43). Todas essas orientações deram origem, mais tarde (200 a.D.) à Mishná, a parte mais importante do Talmude,
que é a fonte da lei judaica. O legalismo e o volume de pequenos preceitos haviam crescido tanto que a simples tradição, por
motivos higiênicos, de se lavar as mãos antes das refeições, tornou-se um ritual de purificação para afastar a mínima possibilidade
de um judeu ter sido contaminado pela poeira vinda de algum pagão (10.14). A ocupação romana intensificou esse estado de
“guerra contra a impureza” mediante o cumprimento de inúmeras doutrinas e obrigações religiosas. A intenção por traz dessas
práticas, entretanto, era conseguir o favor de Deus para a expulsão dos pagãos (romanos). Jesus passa a citar os mandamentos
(Êx 20.12; Dt 5.16; Êx 21.17; Lv 20.9), mostrando como a tradição dos judeus e muitas interpretações e práticas religiosas estavam
em desacordo com a própria Lei e, portanto, se constituíam em maior pecado contra Deus. Por exemplo, se alguém desejava
livrar-se da responsabilidade judaica de cuidar dos pais idosos, era só fazer uma declaração falsa de que havia doado seus bens ao
templo (em hebraico korban, quer dizer, oferta). Assim, os bens dessa pessoa seriam registrados em nome do templo como uma
oferta ao Senhor, até a morte dos pais, quando então se “negociaria” com os escribas, um valor a ser pago para reavê-los. Jesus
censura esse tipo de amor às regras, maior do que o amor devido a Deus e às pessoas (Is 29.13). Adverte que a comida que não foi
preparada segundo as tradições dos antigos mestres não prejudica o corpo ou traz pecado sobre a alma (At 10.10-15). Jesus usa
um vocábulo raro (em grego aphedrôna), que significa: esgoto, privada, latrina. O que profana (em grego koinein), ou seja, torna
uma pessoa comum, impura e, portanto, sem direito a participar do culto público ou, sequer, aproximar-se de Deus em oração, é o
mal concentrado no íntimo do ser humano e que é expresso por meio das palavras da boca (Tg 3.6-12).
trinas que não passam de regras criadas 22 E eis que uma mulher cananéia, natural
por homens’”. daquelas regiões, veio a Ele, clamando:
10 Então, Jesus conclamou a multidão a “Senhor! Filho de Davi, tem compaixão
aproximar-se e pregou: “Ouvi e entendei! de mim! Minha filha está horrivelmente
11 Não é o que entra pela boca o que tor- tomada pelo demônio”.
na uma pessoa impura, mas o que sai da 23 Ele, porém, não lhe respondeu qual-
boca, isto sim, corrompe a pessoa”. quer palavra. Então, os seus discípulos,
12 Então, aproximando-se dele os discí- aproximando-se, pediram-lhe: “Manda
pulos, avisaram: “Sabes que os fariseus essa mulher embora, pois vem gritando
se ofenderam quando ouviram essas tuas atrás de nós”.
palavras?”. 24 Ao que Jesus replicou: “Eu não fui en-
13 Mas Ele respondeu: “Toda planta que viado, senão às ovelhas perdidas da casa
meu Pai celestial não plantou será arran- de Israel”.2
cada. 25 Chegou então a mulher e o adorou de
14 Deixai-os! Eles são guias cegos guian- joelhos, suplicando: “Senhor, ajuda-me!”
do cegos. Se um cego conduzir outro 26 Ao que Jesus lhe respondeu: “Não é
cego, ambos cairão no buraco”. justo tirar o pão dos próprios filhos para
15 Então, pediu-lhe Pedro: “Explica-nos a alimentar os cães de estimação”.
outra parábola?”. 27 Ela, porém, replicou: “Sim, Senhor, mas
16 Ao que Jesus replicou: “Também vós até os cães de estimação, comem das miga-
não compreendeis até agora? lhas que caem das mesas de seus donos”.
17 Não entendeis ainda que tudo o que 28 Então Jesus exclamou: “Ó mulher,
entra pela boca desce para o estômago, e grande é a tua fé! Seja feito a ti conforme
mais tarde é lançado no esgoto? queres”. E naquele exato momento sua
18 Entretanto, as coisas que saem da boca filha ficou sã.
vêm do coração e são essas que tornam
uma pessoa impura. Outra multiplicação de pães
19 Porque do coração é que procedem os (Mc 8.1-10)
maus intentos, homicídios, adultérios, 29 Partiu Jesus dali e foi para a orla do
imoralidades, roubos, falsos testemu- mar da Galiléia; e, subindo a um monte,
nhos, calúnias, blasfêmias. assentou-se ali.3
20 Essas coisas corrompem o indivíduo, 30 Então, multidões dirigiram-se a Ele,
mas o comer sem lavar as mãos não o levando consigo mancos, aleijados, cegos,
torna impuro”. mudos e muitos outros doentes, e os colo-
caram aos pés de Jesus; e Ele os curou.
Jesus atende ao clamor dos gentios 31 O povo ficou atônito quando viu os
(Mc 7.24-30) mudos falando, os aleijados curados, os
21 Deixando aquele lugar, Jesus retirou- mancos andando e os cegos enxergando.
se para a região de Tiro e de Sidom. E louvaram o Deus de Israel.
2 A expressão “cananéia” ocorre muitas vezes no AT, mas no NT, apenas aqui. Tem a ver com os descendentes dos cananeus
que Josué expulsou de Canaã, a Terra Prometida, cuja civilização ficou estabelecida na cidade de Tiro. Marcos chamava essa
senhora de “grega” (gentia), quer dizer, helênica, por causa de sua origem sírio-fenícia (Mc 7.26). A palavra “cães de estimação”
ou “cachorrinhos”, como em algumas versões, vem do grego original kunarion, que significa: pequenos cães de colo. Jesus
precisava deixar claro que a prioridade máxima de sua missão era salvar os judeus. Por algum motivo, aquela senhora grega e
gentia compreendeu perfeitamente a mensagem de Jesus, e reverentemente, usou a própria metáfora do Senhor para reivindicar
seu espaço no coração compassivo de Cristo. A fé daquela mulher humilde mostrou-se maior, mais verdadeira e pura que a fé de-
monstrada pelos mestres e líderes religiosos que haviam contestado a santidade (pureza religiosa) de Jesus e seus discípulos.
3 O monte era uma subida para a planície atrás de Cafarnaum, no sentido de quem sobe do mar da Galiléia. Nesse lugar Jesus
costumava pregar, ensinar e curar as muitas pessoas que sempre o procuravam; o mesmo local onde pregou o Sermão do Monte
(5.1). Ao contrário do que pensam alguns teólogos, esse milagre não é apenas outra versão do mesmo fato ocorrido em 14.15-21.
O próprio Jesus destaca claramente os dois acontecimentos (16.9 e10), além do que, essa segunda multiplicação ocorreu em
32 Chamou Jesus os seus discípulos para não podeis interpretar os sinais dos
dizer-lhes: “Tenho compaixão destas mui- tempos?
tas pessoas, pois há três dias permanecem 4 Esta geração perversa e infiel pede um
comigo e não têm o que comer. Não que- sinal; mas nenhum sinal lhe será conce-
ro mandá-las embora em jejum, porque dido, a não ser o sinal de Jonas”. Jesus se
podem desfalecer no caminho”. afastou, então, deles e partiu dali.
33 Mas os discípulos lhe disseram: “Onde
poderíamos, encontrar, neste lugar deser- O fermento dos religiosos
to, pães suficientes para alimentar tantas (Mc 8.14-21)
pessoas?” 5 Indo os discípulos para o outro lado do
34 Perguntou-lhes Jesus: “Quantos pães mar, esqueceram-se de levar pães.
tendes?” Ao que eles responderam: “Sete, 6 E Jesus lhes falou: “Estejais alerta, e
e mais uns pequenos peixes”. acautelai-vos do fermento dos fariseus
35 Ele mandou, então, que o povo se as- e saduceus”.
sentasse no chão. 7 Entretanto, eles discutiam entre si, di-
36 Tomou os sete pães e os pequenos pei- zendo: “É porque não trouxemos pães”.
xes e deu graças. Em seguida os partiu e 8 Percebendo a desavença, Jesus indagou:
os entregou aos discípulos, e estes distri- “Por que discordais entre vós, homens de
buíram à multidão. pequena fé, sobre o não terdes pães?
37 Todas as pessoas comeram até se far- 9 Não compreendeis até agora? Nem
tarem. E foram recolhidos sete grandes sequer lembrais dos cinco pães para
cestos, cheios de pedaços que haviam cinco mil homens e de quantas cestas
sobrado. recolhestes?
38 E assim, os que comeram eram quatro 10 Nem dos sete pães para aqueles outros
mil homens, sem contar as mulheres e as quatro mil e de quantos cestos recolhestes?
crianças. 11 Como não entendeis que não vos fala-
39 A seguir, Jesus se despediu da multi- va a respeito de pães? E, sim: tende, pois,
dão, entrou no barco e foi para a região cuidado com o fermento dos fariseus e
de Magadã. saduceus”.
12 Compreenderam, então, que não lhes
Religiosos pedem um sinal dissera que se guardassem do fermento
(Mc 8.11-13) dos pães, mas que se acautelassem da
outro lugar (Decápolis, Mc 7.31), com um número diferente de pães e peixes, uma multidão menor, menos sobras recolhidas,
os “cestos” (no original grego spyridas), mencionados aqui eram usados nos mercados da época e maiores do que as alcofas,
pequenas “cestas” de vime ou folhas de palma, usadas na primeira multiplicação (14.20). Jesus toma um rumo diferente, após a
segunda multiplicação, desta vez segue com seus discípulos para Magadã, também conhecida como Magdala e Dalmanuta (Mc
8.10), a cidade de Maria Madalena, que ficava entre Tiberíades e Cafarnaum.
Capítulo 16
1 A cidade de Cesaréia de Filipe ficava ao norte do mar da Galiléia, perto das encostas do monte Hermom. Seu nome antigo era
Panéias (em homenagem ao deus grego Pan). O filho de Herodes, Filipe, reconstruiu essa cidade, como parte de sua tetrarquia, e
lhe deu um novo nome, em homenagem a Tibério César e a si mesmo. Essa era, portanto, uma região extremamente pagã. Jesus
costumava se intitular de “o Filho do homem”, expressão que aparece mais de 80 vezes no NT, jamais se referindo a qualquer
outra pessoa. No AT, em Dn 7.13,14, esse título é usado para retratar a personalidade celestial a quem, no final dos tempos, Deus
confiou toda a sua glória, honra e poder (soberania divina).
2 Havia muitas lendas e superstições nessa época e lugar. O próprio Herodes cria na reencarnação de João Batista, que foi
um profeta muito estimado pelo povo e até pelo rei. A volta de Elias foi profetizada em Ml 4.5 e muitos judeus ligavam o nome
de Jeremias ao profeta prometido em Dt 18.15. Contudo, em meio a tantas idéias e correntes religiosas, Pedro (Bar-Jonas ou,
melhor traduzido, filho de Jonas), que falou em nome dos discípulos (v. 20), é agraciado com a maior das revelações que uma
pessoa pode receber de Deus: a compreensão de que Jesus de Nazaré (o Jesus histórico) é o Filho Unigênito de Deus, o Cristo
prometido (Messias, em hebraico), que significa,Ungido. Palavra que, no original hebraico, transmite a idéia de uma pessoa
escolhida por Deus, separada (consagrada, santificada), e revestida de poder para a realização de uma missão divina e específica
na terra (Êx 29.7,21; 1Sm 10.1,6; 16.13; 2Sm 1.14,16). No final do AT, essa palavra passou a ter uma conotação particular: referia-
se a um rei ideal, ungido e capacitado por Deus para libertar os judeus dos inimigos pagãos e estabelecer um reino de justiça e
paz (Dn 9.25,26). Por isso, na época de Cristo, o título Messias tendia a uma compreensão política, nacionalista, revolucionária e
militar e isso fez que Jesus evitasse usar o termo em relação à sua pessoa e missão (Mc 8.27-30; 14.61-63). Pedro obteve de Deus
a revelação de que Jesus é o Messias prometido desde a antiguidade, o Cristo. Essa é a pedra (o alicerce) sobre a qual a Igreja
seria construída e nada poderia deter o seu avanço e o cumprimento da sua missão até o Dia do Senhor.
3 Jesus comemora a bênção da revelação de Deus a Simão (nome comum em Israel, com origem no AT) conferindo-lhe um sobre-
nome marcante. Jesus conviveu com várias pessoas com o nome de Simão: um dos filhos de José e Maria, seu irmão (Mt 13.55; Mc
6.3), um amigo leproso, na casa do qual foi ungido (Mt 26.6; Mc 14.3), um homem de Cirene, compelido a ajudá-lo a levar sua cruz
e que, mais tarde, tornou-se cristão (Mc 15.21; At 13.1), um fariseu em cuja casa os pés de Jesus foram ungidos (Lc 7.40), Simão
Iscariotes, pai de Judas (Jo 6.71; 12.4; 13.2). Na época dos apóstolos, houve um outro Simão, samaritano, ilusionista, feiticeiro e
enganador, que misturava elementos de magia com ensinos helenísticos e judaicos. Foi o criador da doutrina gnóstica e alegava
ser o principal representante de Deus na terra. Dizia-se convertido ao cristianismo, mas desejou comprar o poder dos apóstolos e
recebeu enérgica repreensão de Simão Pedro (At 8.9-24). Em Pedro, temos o exemplo de que Jesus nos concede um novo nome, a
marca espiritual da salvação e da bravura cristã. O nome Pedro (em grego Petros) significa “pedra separada” ou “homem-pedra”. Na
frase seguinte, Cristo usou a palavra grega petra (“sobre esta rocha”), que significa “leito de rocha resistente” e que não era um nome
próprio. Jesus utilizou a arte dos significados das palavras para ampliar o poder do que desejava comunicar aos seus discípulos,
e não apenas para aqueles dias. Ele não disse “sobre ti, Pedro” ou “sobre teus sucessores”, mas sim “sobre esta rocha” – sobre
esta revelação de Deus e sobre este seu testemunho de fé em Jesus. O uso do tempo futuro do verbo demonstra que a formação
da Igreja ainda estava por acontecer. E, de fato, a Igreja – como a conhecemos hoje – teve início no dia de Pentecostes (At 2). Nos
Evangelhos a palavra Igreja (em grego ekkesia ou ekklesia; e em latim ecclesia) é usada somente por Mateus, aqui e duas vezes em
18.17. Na Septuaginta (o AT em grego), é usada para identificar a congregação (sinagoga) de Israel. Entre os gregos, nos tempos
de Jesus, significava a assembléia dos cidadãos livres e votantes da cidade (At 19.32,39,41). Hades (em grego haidês, e no hebraico
Sheol) é a palavra grega que consta nos originais das Escrituras neste texto e significa o lugar onde estão os espíritos dos que
morreram. Onde, também, os salvos desfrutam de paz e os descrentes de aflições. Todos, no entanto, aguardam a volta de Jesus,
quando os cristãos desfrutarão plenamente das bênçãos da vida eterna e os incrédulos (os que, na terra, rejeitaram a salvação) o
Juízo e a pena da segunda morte: o afastamento eterno de Deus (Gn 37.35; Jó 17.16). Assim sendo, “as portas do Hades” significam
“os poderes da morte” e todas as forças opostas a Cristo. Algumas versões usam a palavra “inferno” (em grego geena que deriva
do hebraico gê’ hinnõm, e significa: lugar de punição para pecadores), como sinônimo de Hades.
4 A partir daquele momento, Jesus estava concedendo a Pedro e aos demais discípulos, poder e autoridade para abrir as portas
da cristandade aos judeus, prosélitos e mais tarde a todos os gentios e pagãos em todo o mundo. Pedro usou essas chaves com
os judeus no dia de Pentecostes (At 2) e para os gentios na casa de Cornélio (At 10). Deus, e não os apóstolos ou discípulos, é
quem inicia o “ligar” e o “desligar” nos céus. Os apóstolos devem proclamar tais fatos (At 5.3,9). Em Jo 20.22-23 Jesus fala de
lém e sofresse muitas injustiças nas mãos 27 Mas o Filho do homem virá na glória
dos anciãos, dos chefes dos sacerdotes e de seu Pai, com os seus anjos, e então
dos escribas, para então ser morto e res- recompensará a cada um de acordo com
suscitar ao terceiro dia. suas obras.
22 Pedro, porém, chamando-o à parte, 28 Com toda a certeza vos afirmo que
começou a admoestá-lo, dizendo: “Deus alguns dos que aqui se encontram não
seja gracioso contigo, Senhor! De modo experimentarão a morte até que vejam o
algum isso jamais te acontecerá”. Filho do homem vindo em seu Reino”.6
23 E virando-se Jesus repreendeu a Pedro:
“Para trás de mim, Satanás! Tu és uma A transfiguração de Jesus
pedra de tropeço, uma cilada para mim,
pois tua atitude não reflete a Deus, mas,
sim, os homens”.5
17 Passados seis dias, Jesus tomou
consigo Pedro, Tiago e João, ir-
mão de Tiago, e os levou, em particular, a
24 Então Jesus declarou aos seus dis- um alto monte.1
cípulos: “Se alguém deseja seguir-me, 2 Ali Ele foi transfigurado na presença deles.
negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e Sua face resplandeceu como o sol, e suas
me acompanhe. vestes tornaram-se brancas como a luz.
25 Porquanto quem quiser salvar a sua 3 De repente, surgiram à sua frente Moi-
vida, a perderá, mas quem perder a sua sés e Elias, conversando com Jesus.
vida por minha causa, encontrará a 4 Expressando-se Pedro, disse a Jesus:
verdadeira vida. “Senhor, é bom estarmos aqui. Se dese-
26 Pois que lucro terá uma pessoa se jares, farei aqui três tendas: uma para ti,
ganhar o mundo inteiro, mas perder a uma para Moisés e outra para Elias”.
sua alma? Ou, o que poderá dar o ser 5 Enquanto ele ainda estava falando, uma
humano em troca da sua alma? nuvem resplandecente os envolveu, e
pecados; aqui ele está falando de práticas. Veja um exemplo dessas práticas determinativas em At 15.20. Jesus pede aos discí-
pulos sigilo quanto à confissão pública de Pedro. Isso porque uma multidão dos seus seguidores queria proclamá-lo libertador
nacional e iniciar logo uma revolução contra Roma. Crescia a inveja dos doutores da lei e líderes religiosos, contra Jesus, e já
planejavam sua morte. O Senhor queria completar sua missão, mas o entusiasmo de Pedro e dos apóstolos poderia precipitar os
acontecimentos (9.30; 12.16; Mc 1.44; 5.43; 7.36; 8.4; Lc 8.56).
5 O Senhor reconheceu nas palavras de Pedro a influência de Satanás; a mesma artimanha que o Inimigo usou no deserto para
tentar persuadi-lo a ter compaixão de si mesmo e trocar o alto custo da sua missão pela glória e os prazeres deste mundo. Jesus
usa a palavra aramaica Enganador, não para dizer que Pedro estava endemoninhado, mas para alertar a todos que é muito fácil
cairmos na ilusão do Diabo e começarmos a pensar com os valores, conceitos e argumentos do pai da mentira. Jesus recorre
à força da linguagem (palavra) e usa a metáfora: “pedra de tropeço”, que no original significa: “rocha de ofensa” ou “motivo de
escândalo” (Rm 9.33), para admoestar Pedro quanto à sua recente revelação, nova posição no Reino de Deus e missão. Assim
como a palavra hebraica traduzida por “Satanás”, a palavra grega “Diabo” significa “Acusador” ou “Caluniador”. Em Jó, essa
expressão (Jo 1.6), no original hebraico, vem sempre acompanhada do artigo definido (o Acusador, o Caluniador, ou ainda, o
Enganador), mas com o passar do tempo essa palavra virou o nome próprio do Inimigo (1Cr 21.1 com 2Sm 24.1; 1Sm 16.14 com
2Sm 24.16; 1Co 5.5; 2Co 12.7; Hb 2.14; Ap 2.9).
6 Uma semana depois desses acontecimentos, Pedro, Tiago e João presenciam o cumprimento dessa profecia na experiência
da transfiguração de Cristo (17.1-8), que foi também uma antevisão da plenitude do Reino, com o Senhor aparecendo em glória
(Dn 7.9-14). A passagem bíblica de 16.13 a 17.8 trata do ministério do discipulado cristão. Os versículos de 13-20 falam da obra
do Messias; de 21-23 tratam da expiação; 24-26 advertem para o custo da missão; 27-17.8 dizem respeito à escatologia com suas
recompensas. Juntos, esses textos, tratam das verdades fundamentais da teologia bíblica do NT.
Capítulo 17
1 Lucas fala em “cerca de oito dias” em seu texto paralelo (Lc 9.28), pois indica os seis dias de intervalo mais o dia em que Jesus
falou e o dia em que a transfiguração aconteceu em algum ponto do monte Hermom (com cerca de 3000 metros de altura), a 20
km de Cesaréia de Filipe. Como prometera, Jesus oferece a alguns discípulos (mais íntimos), uma antevisão da exaltação futura
do Senhor e do pleno estabelecimento do seu Reino. Jesus foi visto em sua forma glorificada. Moisés comparece representando a
antiga aliança e a promessa da salvação (que dentro em breve seria cumprida no sacrifício de Jesus). Elias representa os profetas
e o cumprimento da Palavra de Deus. Lucas acrescenta que conversavam a respeito da iminente morte de Cristo (Lc 9.31). Jesus
é revelado como a realidade gloriosa à qual a totalidade do AT apresenta como o cumprimento de toda a história da redenção
dela emanou uma voz dizendo: “Este é o 17 Então Jesus exclamou: “Ó geração sem
meu Filho amado em quem me regozijo: fé e perversa! Até quando estarei convos-
a Ele atendei!”. co? Até quando vos terei de suportar?
6 Ao ouvirem isso, os discípulos prostra- Trazei-me aqui o menino”.
ram-se com o rosto em terra e ficaram 18 E Jesus repreendeu o demônio; este
atemorizados. saiu do menino, que daquele momento
7 Então Jesus, aproximando-se deles, em diante ficou são.
tocou-osedisse:“Levantai-vos,enãotemais!”. 19 Então os discípulos chegaram-se a
8 Ao erguer os olhos, a ninguém mais Jesus e, em particular, lhe perguntaram:
viram, senão somente a Jesus. “Por qual motivo não nos foi possível
9 Enquanto desciam do monte, Jesus lhes expulsá-lo?”.
ordenou: “A ninguém conteis a visão que 20 E Ele respondeu: “Por causa da peque-
tivestes, até que o Filho do homem res- nez da vossa fé. Pois com toda a certeza
suscite dentre os mortos”. vos afirmo que, se tiverdes fé do tama-
10 E os discípulos lhe perguntaram: “En- nho de um grão de mostarda, direis a
tão, por que os escribas ensinam que é este monte: ‘Passa daqui para acolá’, e ele
preciso que Elias venha primeiro?”. passará. E nada vos será impossível!
11 Ao que Jesus lhes respondeu: “Elias, com 21 Contudo, essa espécie só se expele por
certeza, vem e restaurará todas as coisas.2 meio de oração e jejum”.
12 Eu, todavia, vos afirmo: Elias já veio,
mas eles não o reconheceram e fizeram Jesus prediz novamente seu martírio
com ele tudo quanto desejaram. Da mes- 22 Ao se reunirem na Galiléia, compar-
ma forma, o Filho do homem irá sofrer tilhou com eles, dizendo: “O Filho do
nas mãos deles”. homem está prestes a ser entregue nas
13 Os discípulos entenderam, então, que mãos dos homens.
era a respeito de João Batista que Ele 23 Eles o matarão, mas no terceiro dia
havia falado. Ele será ressuscitado”. Então, profunda
tristeza abalou os discípulos.
A cura do menino possesso
14 Ao chegarem onde se reunia a multi- Jesus paga o imposto secular
dão, um homem aproximou-se de Jesus, 24 Quando Jesus e seus discípulos che-
ajoelhou-se diante dele e clamou: garam a Cafarnaum, os cobradores do
15 “Senhor, compadece-te do meu filho, imposto de duas dracmas abordaram a
pois tem sofrido horrivelmente com ata- Pedro e questionaram: “O vosso mestre
ques epiléticos. Muitas vezes cai no fogo, não paga o imposto das duas dracmas,
e outras tantas, na água.3 ao templo?”.
16 Apresentei-o aos teus discípulos, mas 25 “Sim, paga”, respondeu Pedro. Mas
eles não conseguiram curá-lo”. quando ele entrou em casa, Jesus se
humana, desde o dia em que Abraão foi chamado para obedecer a Deus e abandonou tudo o que tinha, para receber a herança
prometida (Gn 12.2,3; 15.4,5).
Na experiência da transformação de Jesus, Deus Pai intervém na história para consolar o Filho, que já estava a caminho da
crucificação (22-23 com 16-21), e também aos discípulos, a fim de darem toda a atenção às palavras de Jesus e continuarem
firmes na fé após sua morte e ascensão. Bem mais tarde, Pedro vai citar esse evento em suas pregações, como uma das provas
irrefutáveis da divindade de Jesus, o Messias (2Pe 1.16-18).
2 Os mestres da lei (escribas) defendiam, com base em Ml 4.5-6, que Elias deveria reaparecer em Israel para anunciar a vinda
do Messias. Contudo, Jesus demonstrou que foi João, o Batista, a pessoa que cumpriu essa missão profética, pois até suas
vestes, maneira de viver e personalidade revelavam o caráter de um Elias, e esse era o sentido da profecia.
3 A expressão grega original, em algumas versões traduzida por “lunático”, significa: “epilético”. Evidentemente nem todo
ataque epilético tem a ver com possessão demoníaca; mas, neste caso, o menino estava mesmo possuído por um demônio
muito poderoso. Todavia, qualquer discípulo que tivesse fé e comunhão com Deus (jejum e oração) poderia expulsá-lo e curar
o menino.
4 O imposto das duas dracmas era cobrado anualmente de todos os homens de 20 anos para cima, sendo destinado à manuten-
ção do templo. Havia cobradores para outros valores e tipos de impostos (Êx 30.13; 2Cr 24.9; Ne 10.32). Valia meio estáter ou siclo,
por pessoa (valor que correspondia a dois dracmas ou dois dias de trabalho braçal). Jesus se antecipa à confusão mental de Pedro,
ao demonstrar que os membros da família real ficam isentos de pagar os impostos do Reino. Assim, Jesus, o Filho de Deus (dono
do templo) não estaria pessoalmente obrigado a arcar com parte do sustento da casa do seu Pai (Lc 2.49). Como Pedro ainda não
tinha entendido a amplitude desse conceito e, além disso, já havia se comprometido com o pagamento, Jesus ilustra para ele, e para
nós, mais esse ensino sobre a Sua pessoa, Reino e Missão, além dos nossos deveres civis e religiosos (Rm 13.7).
Capítulo 18
1 Este é o último grande discurso de Jesus antes de ir para Jerusalém (Mc 9.33 com 17.25). Estavam todos reunidos na casa de
Pedro e Jesus notou que havia se manifestado entre seus discípulos o mal do ciúme, da inveja e da competição por proeminência
no ministério.
2 A expressão grega straphete significa “virar”, “mudar completamente” e está relacionada a uma nova vida voltada
(consagrada) para Deus e não apenas a adoção de certa religiosidade formal. Ser como as crianças, é admitir um novo começo
e dispor-se humildemente a aprender a viver como cidadão do Reino.
3 A referência aos pequeninos pode ser tanto às crianças quanto ao novos (neófitos) na fé cristã. O escândalo e o desprezo
14 Da mesma maneira, vosso Pai, que está dois dentre vós concordarem na terra em
nos céus, não deseja que qualquer desses qualquer assunto sobre o qual pedirem,
pequeninos se perca.4 isso lhes será feito por meu Pai que está
nos céus.
Como tratar o pecado de um irmão 20 Porquanto, onde se reunirem dois ou
15 Se teu irmão pecar contra ti, vai e, em três em meu Nome, ali Eu estarei no meio
particular com ele, conversem sobre a deles”.6
falta que cometeu. Se ele te der ouvidos,
ganhaste a teu irmão. Quantas vezes se deve perdoar
16 Porém, se ele não te der atenção, leva (Lc 17.3-4)
contigo mais uma ou duas pessoas, para 21 Então, Pedro chegou perto de Jesus e
que pelo depoimento de duas ou três lhe perguntou: “Senhor, até quantas ve-
testemunhas, qualquer acusação seja zes meu irmão pecará contra mim, que
confirmada.5 eu tenha de perdoá-lo? Até sete vezes?”.
17 Contudo, se ele se recusar a considerá- 22 E Jesus lhe respondeu: “Não te direi
los, dizei-o à igreja; então, se ele se negar até sete vezes; mas, sim, até setenta vezes
também a ouvir a igreja, trata-o como sete”.7
pagão ou publicano.
18 Com toda a certeza vos asseguro que A parábola do servo que não perdoou
tudo o que ligardes na terra terá sido li- 23 “Portanto, o Reino dos céus pode ser
gado no céu, e tudo o que desligardes na comparado a certo rei, que decidiu acer-
terra terá sido desligado no céu. tar contas com seus servos.
19 Uma vez mais vos asseguro que, se 24 Quando teve início o acerto, foi trazi-
por essas pessoas teriam o efeito de uma cilada (uma armadilha provocada pelo Diabo), afastando-as da verdadeira vida em
Cristo. O provocador de escândalos receberá o mais severo julgamento de Deus. Quanto aos anjos, são seres criados por Deus
para Sua adoração e serviço. Há várias classes de anjos com diversas especialidades. Aqui, Jesus se refere aos anjos guardiões,
destacados pelo Senhor para cuidar das crianças e do povo de Deus em geral (Sl 34.7; 91.11; At 12.15; Hb 1.14).
4 A história da ovelha perdida também se acha em Lc 15.3-7. Ali é aplicada aos incrédulos, mas aqui aos cristãos. O v.14 não
exclui a possibilidade da perdição, mas ressalta que a vontade de Deus é que todos sejam salvos. A pessoa que vai para o inferno,
desde já recusa a salvação e aceita – direta ou indiretamente – a condição de perdido, não porque Deus queira (25.41;1Tm 2.4).
Jesus usou a mesma parábola para ensinar verdades diferentes em situações específicas.
5 Jesus orienta seus discípulos quanto aos passos que devem ser observados para resolver os problemas de relacionamento
interpessoal, pecados evidentes, e casos de excomunhão da igreja (congregação local): 1) Como primeiro passo (muitas vezes
ignorado), o crente que se sente vítima de alguma ofensa ou que descobre um pecado em seu irmão de fé, deve convidá-lo para
uma conversa a sós (ninguém mais deve saber desse assunto) e tentar estabelecer um diálogo honesto, sincero e cordial com
o ofensor, a fim de “ganhar o seu irmão”; ou seja, que haja acertos e reparações (se necessário) para que os dois obtenham
paz e alegria, e sigam servindo ao Senhor, dando bom exemplo ao mundo. 2) No caso da recusa ou indiferença do ofensor, a
pessoa ofendida deve convidar um ou mais irmãos maduros na fé, que chamarão o ofensor para uma conversa em grupo, onde
se buscará o Conselho de Deus, as reparações necessárias e a celebração da paz em Cristo (Gl 6.1-5). Jesus cita o texto de Dt
19.15, da Septuaginta (o AT em grego), incorporando esse justo e sábio princípio da lei mosaica para benefício da Igreja Cristã. 3)
No caso de total indiferença ou falta de arrependimento por parte do ofensor, os líderes espirituais da igreja devem ser informados
pelo grupo que tentou trazer o irmão faltoso ao bom senso e à perfeita comunhão em Cristo. Os líderes devem fazer o possível
para “não perder” o irmão faltoso. No caso de claro desrespeito à Palavra de Deus e à liderança da igreja, então esse pecador
obstinado deve ser afastado da comunhão cristã, ao menos até que recobre a sensatez, reconheça suas faltas e se disponha
sinceramente a viver de acordo com os princípios da Palavra de Deus (1Co 5.4-5; 1Tm 1.20).
6 Essas são promessas dirigidas a todos os discípulos de Cristo (cristãos totalmente consagrados ao Senhor), pois saberão
agir com sabedoria celestial. O v.19 é uma das grandes promessas do Evangelho, em relação à oração. Entretanto, é preciso
observar a conexão desse versículo com o seu contexto imediato e o conteúdo do capítulo. Ou seja, a promessa é dada aos
discípulos reunidos, tendo Jesus Cristo em seu meio (v. 20), com o objetivo de restaurar um irmão que esteja vivendo no erro (pe-
cado – v. 17). Jesus confirma a autoridade dos discípulos para o exercício dessa função (v. 18 e 16.19), e a promessa é cumprida
porque agem da parte do Pai, em nome do Filho (v. 20). O verdadeiro entendimento e unidade entre os seres humanos é algo
raro, mesmo entre os cristãos. Deus só exige um acordo entre as pessoas: que Jesus Cristo, seu Filho, seja a grande paixão da
humanidade e o ponto comum e central da fé. Jesus é o fator básico da unidade (Jo 17.19-21). É possível discordar e viver em
comunhão, respeito e cooperação no Reino.
7 Os rabis e mestres judaicos ordenavam perdoar até três vezes. Pedro sugeriu um salto espiritual: sete vezes! O número
do à sua presença um que lhe devia dez padecer-te do teu conservo, assim como
mil talentos.8 eu me compadeci de ti?’
25 Porém, não tendo o devedor como 34 E, sentindo-se insultado, o rei entre-
saldar tal importância, ordenou o seu se- gou aquele servo impiedoso aos carras-
nhor que fosse vendido ele, sua mulher, cos, até que lhe pagasse toda a dívida.
seus filhos e tudo quanto possuía, para 35 Assim também o meu Pai celestial vos
que a dívida fosse paga. fará, a cada um, se de todo o coração não
26 O servo, então, com toda a reverência, perdoardes cada um a seu irmão”.
prostrou-se diante do rei e lhe implorou:
‘Sê paciente comigo e tudo te pagarei!’ Casamento e Divórcio
27 E o senhor daquele servo, teve compai- (Mc 10.1-12)
xão dele, perdoou-lhe a dívida e o deixou
ir embora livre.
28 Entretanto, saindo aquele servo, en-
19 E aconteceu que, concluindo Jesus
essas palavras, partiu da Galiléia e
dirigiu-se para a região da Judéia, no ou-
controu um dos seus conservos, que lhe tro lado do Jordão.
estava devendo cem denários. Agarrou-o 2 Grandes multidões o seguiam e a todos
e começou a sufocá-lo, esbravejando: curava ali.1
‘Paga-me o que me deves!’ 3 Alguns fariseus também chegaram até
29 Então, o seu conservo, caindo-lhe aos Ele e, para prová-lo, questionaram-lhe:
pés, lhe suplicava: ‘Sê paciente comigo e “É lícito o marido se divorciar da sua
tudo te pagarei’. esposa por qualquer motivo?”.2
30 Mas, ele não queria acordo. Ao con- 4 E Jesus lhes explicou: “Não tendes lido
trário, foi e mandou lançar seu conservo que, no princípio, o Criador ‘os fez ho-
devedor na prisão, até que toda a dívida mem e mulher’,
fosse saldada. 5 e os instruiu: ‘Por este motivo, o homem
31 Quando os demais conservos, compa- deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher,
nheiros dele, viram o que havia ocorrido, e os dois se tornarão uma só carne’?
ficaram indignados, e foram contar ao 6 Sendo assim, eles já não são dois, mas
rei tudo o que acontecera. sim uma só carne. E, portanto, o que Deus
32 Então o rei, chamando aquele servo lhe uniu, não o separe o ser humano”.3
disse: ‘Servo perverso, perdoei-te de toda 7 Replicaram-lhe: “Então por qual razão
aquela dívida atendendo às tuas súplicas. mandou Moisés dar uma certidão de
33 Não devias tu, da mesma maneira, com- divórcio à mulher e abandoná-la?”.
perfeito, completo. Mas, Jesus lhe respondeu com uma expressão matemática e filosófica que tende ao infinito. Ou seja: sempre!
O cristão, por sua fé no Senhor, deve perdoar todas as vezes que o ofensor arrependido lhe pedir perdão. Só assim será possível
ao crente compartilhar do amor, misericórdia e generosidade de Deus.
8 Jesus ilustra por que devemos perdoar sem limites. O perdão que Deus nos concedeu, ao nos abençoar com o dom da salva-
ção, é tão grandioso, que qualquer ofensa que outro ser humano venha a praticar contra nós torna-se irrisória, embora possa nos
fazer sofrer por algum tempo. Perdoar sempre dará mais espaço à plenitude divina em nossa alma. O “talento” era uma medida de
peso, usada para pesar ouro e prata, equivalente, a cerca de 35 quilos. Cada talento valia cerca de 6.000 denários. O “denário” era
uma moeda de prata que equivalia a um dia de trabalho braçal. Deus, finalmente, julgará a todos conforme seu amor longânimo
e justiça severa; e espera de nós o mesmo senso de misericórdia (Tg 2.13).
Capítulo 19
1 Jesus entrou na região da Peréia, em direção a Jerusalém, onde hoje se situa a Jordânia. Na época fazia parte das terras (tetrar-
quia) de Herodes Antipas, ficava a leste do rio Jordão, estendendo-se do mar da Galiléia até próximo ao mar Morto (Lc 13.22).
2 Mateus escreveu com o propósito de evangelizar os judeus, por isso, usa a expressão “Reino dos céus” significando “Reino de
Deus”, respeitando o cuidado extremo que os judeus tinham ao pronunciar o nome de Deus. Assim também, Mateus adiciona a frase
“por qualquer motivo” a esse versículo, que não consta do texto paralelo escrito por Marcos (Mc 10.2). Isso, para esclarecer ao leitor
quanto ao ensino de duas escolas rabínicas: Hillel, que permitia ao marido repudiar (rejeitar, mandar embora, abandonar, divorciar),
sua esposa por qualquer motivo que o desgostasse, até mesmo pelo sabor ou preparo de uma refeição. E a escola Shammai, a qual
pregava que o único motivo suficiente para um homem divorciar-se de sua esposa era a infidelidade conjugal comprovada.
3 Mais uma vez os doutores da Lei procuram desmoralizar Jesus, pois o assunto estava dividido, há muitos anos, entre duas
8 Ao que Jesus declarou: “Moisés, por cau- capaz de aceitar esse conceito, que o
sa da dureza dos vossos corações, vos con- receba”.5
cedeu separar-se de vossas mulheres. Mas
não tem sido assim desde o princípio”. Jesus abençoa as crianças
9 Eu, porém, vos afirmo: “Todo aquele (Mc 10.13-16; Lc 18.15-17)
que se divorciar da sua esposa, a não 13 Então, trouxeram-lhe algumas crian-
ser por imoralidade sexual, e se casar ças, para que lhes impusesse as mãos e
com outra mulher, estará cometendo orasse por elas. Os discípulos, contudo,
adultério”.4 os repreendiam.
10 Então os discípulos consideraram: “Se 14 Mas Jesus lhes ordenou: “Deixai vir a
estes são os termos para o marido e sua mim as crianças, não as impeçais, pois o
esposa, não é vantagem casar!”. Reino dos céus pertence aos que se tor-
11 Mas Jesus ponderou-lhes: “Nem todos nam semelhantes a elas”.
conseguem aceitar essa palavra; somente 15 E, depois de ter-lhes imposto as mãos,
aqueles a quem tal capacidade é dada. partiu dali.6
12 Pois há alguns eunucos que nasceram
assim do ventre de suas mães; outros Dificilmente os ricos serão salvos
foram privados de seus órgãos reprodu- (Mc 10.17-31; Lc 18.18-30)
tores pelos homens; e há outros ainda 16 Eis que alguém chegou perto de Jesus
que a si mesmos se fizeram celibatários, e consultou-o: “Mestre, que poderei fazer
por causa do Reino dos céus. Quem for de bom para ganhar a vida eterna?”.7
grandes e respeitadas correntes de pensamento. Mas Jesus apela, novamente, para o espírito da Lei e não apenas para a letra.
Jesus leva sua audiência para o princípio da criação e para o pensamento originário de Deus – O Criador – e cita a Septuaginta
(AT em grego), defendendo assim a doutrina da inspiração das Escrituras (Gn 1.27; 2.23-24). Portanto, o propósito divino na
criação é de que marido e esposa se unam de forma a se tornarem a mesma carne, sendo os corpos (o sangue) o meio para
a unidade indissolúvel do parentesco e comunhão, fazendo, assim, do casamento, a mais profunda forma de unidade física e
espiritual. Esse conceito vital deve ser ensinado às pessoas na época do namoro. Elas precisam aprender a namorar (se conhecer
bem) segundo a vontade de Deus. Isso evitaria muitos problemas no casamento.
4 A intenção dos fariseus não era compreender a verdade, mas achar um pretexto para destruir Jesus. Eles recorrem, assim,
à lei de Moisés (Dt 24.1). Mas Jesus demonstra que certas concessões, na história, não foram feitas por serem o plano original
de Deus para a humanidade, mas em atenção aos pedidos insistentes da sociedade; da alma dos homens, dos seus corações
arrogantes, vaidosos e egoístas. Características que acompanharam o ser humano após a sua Queda e que se relacionam com
a influência do Diabo na terra (Gn 3.8-13; 22-24).
5 A palavra “eunuco” (em hebraico sãrïs) é derivada de um termo assírio que significa “aquele que é cabeça” ou “o braço direito”.
No NT, o vocábulo grego eunouchos, é uma derivação de eunen echõ, que pode significar “conservar o leito” ou “manter a padrão”.
Nos escritos de Heródoto aprendemos que nos países orientais os eunucos eram contratados especialmente para tomar conta dos
haréns dos monarcas, sendo, entretanto, reputados como dignos de confiança em todos os sentidos. Em todos os casos, a palavra
refere-se a pessoas da mais alta confiança do rei e pode ser usada no sentido de: “oficial da corte” ou “castrado”. Em At 8.27 ambos
os sentidos estão em foco. Aqui, porém, a expressão original é clara e refere-se ao homem castrado. O judaísmo conhecia apenas
duas categorias de eunucos: Os “feitos pelo homem” (em hebraico sãrïs ’ãdhãm), e aqueles que nasceram congenitamente incapazes
ou sem libido (instinto e desejos sexuais) chamados de “natural” ou “eunuco do sol” (em hebraico sãrïs hammâ). Jesus usou uma
metáfora para mostrar o radicalismo do amor: na união com Deus e com o próximo, na aliança do matrimônio e no ministério cristão.
Jesus surpreende seus inquiridores com uma terceira classe de eunucos: os celibatários, aqueles que, de forma livre e espontânea,
sacrificaram seus desejos naturais e legítimos por amor ao Senhor e para melhor e maior dedicação ao Reino de Deus. Em nenhum
momento Jesus defendeu o asceticismo (doutrina dos primeiros séculos que exigia dos líderes cristãos a total abstinência sexual e
punia severamente os pensamentos impuros). Jesus e Paulo (dois celibatários) deixam claro que não é necessário que um homem
ou uma mulher se privem do casamento para serem bons obreiros ou líderes espirituais da Igreja de Cristo, isso é dom de Deus; e,
portanto, é graça e não maldição. Pessoas com esse dom devem ser orientadas a dedicar-se exclusivamente ao Senhor e à Igreja;
caso contrário, Satanás poderá se aproveitar disso e tentar recrutá-las para servir ao reino do mal (1Co 7.7,8,26,32-35). Orígenes, um
dos pais da Igreja do século II, interpretando erradamente essa palavra de Jesus, entendendo-a de forma literal, mutilou a si mesmo.
6 Era costume dos judeus levar as crianças para serem abençoadas por um rabino que fosse mestre comprovado da Lei. Ao
ouvirem o ensino de Jesus, as pessoas não tiveram dúvidas em enviar seus filhos para receberem a dádiva real (Gn 27). Entretan-
to, Jesus aproveitou o evento para pregar sobre a chegada e a disponibilidade do Reino de Deus para todos que o recebessem
com a humildade, sinceridade, fé e alegria das crianças (Mt 6.9; Rm 8.14).
7 Os judeus, no tempo de Cristo, criam que a realização de um grande e único ato digno podia garantir-lhes um lugar
17 Questionou-o Jesus: “Por que me per- que um rico entrar no Reino dos céus”.9
guntas a respeito do que é bom? Há so- 25 Ouvindo isso, os discípulos ficaram
mente um que é bom. Se queres entrar na atônitos e exclamaram: “Sendo assim,
vida eterna, obedeça aos mandamentos”. quem pode ser salvo?”.
18 Ao que ele perguntou: “Quais?”. E 26 Mas Jesus, fixando o olhar neles, re-
Jesus lhe respondeu: “Não matarás, não velou-lhes: “Isso é impossível aos seres
adulterarás, não furtarás, não darás falso humanos, mas para Deus todas as coisas
testemunho, são possíveis”.
19 honra a teu pai e a tua mãe, e amarás o
teu próximo como a ti mesmo”. As recompensas no Reino
20 Replicou-lhe o jovem: “A tudo isso 27 Então Pedro manifestou-se dizendo:
tenho obedecido. O que ainda me falta?”. “Veja! Nós deixamos tudo e te seguimos;
21 Jesus disse a ele: “Se queres ser perfeito, o que será, pois, de nós?”.
vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos 28 Jesus lhes respondeu: “Com toda a
pobres, e terás um tesouro no céu. De- certeza vos afirmo que vós, os que me
pois, vem e segue-me”. seguistes, quando ocorrer a regeneração
22 Ao ouvir essa palavra, o jovem afas- de todas as coisas, e o Filho do homem se
tou-se pesaroso, pois era dono de muitas assentar no trono da sua glória, também
riquezas.8 vos assentareis em doze tronos, para jul-
23 Então disse Jesus aos seus discípulos: gar as doze tribos de Israel.10
“Com toda a certeza vos afirmo que 29 Também todos aqueles que tiverem
dificilmente um rico entrará no Reino deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe,
dos céus. filhos ou terras, por causa do meu Nome,
24 E lhes digo mais: É mais fácil passar receberão cem vezes mais e herdarão a
um camelo pelo fundo de uma agulha do vida eterna.
privilegiado no céu. Outros acreditavam que a completa e restrita observância da Lei os levaria ao Reino de Deus. Lucas revela
que esse jovem ocupava posição de grande prestígio (Lc 18.18). Marcos salienta que, ao aproximar-se de Jesus, correu e
ajoelhou-se (Mc 10.17). O jovem possuía tudo o que alguém pode desejar, mas lhe faltava a certeza da vida eterna. Entretanto, ele
não pensou na incompatibilidade que existe entre o mundanismo e o Reino de Deus (6.33). A riqueza gera soberba e arrogância,
provocando rejeição à simplicidade e humildade que existe na fé em Cristo. Após a Queda, o ser humano perdeu a capacidade
de ser bom e fazer o bem (continuamente). Por isso, Deus fez da Salvação um presente (dádiva), não podemos adquiri-lo, só
nos é possível aceitá-lo (Ef 2.8).
8 Jesus mostra que o jovem em questão (assim como algumas pessoas) imaginava obedecer a todos os mandamentos da Lei:
ele não matava, não roubava e não era um mau filho. Acontece que a própria Escritura garante que ninguém é capaz de cumprir
a Lei e, por isso, precisamos desesperadamente da Graça do Senhor. O rapaz tinha tudo, e queria também ser perfeito (em
grego teleios, aperfeiçoado, tendo alcançado a meta). Jesus, contudo, ao relacionar os mandamentos (Êx 20.12-16; Dt 5.16-20;
Lv 19.18) omitiu “não cobiçarás”. Esse era, pois, justamente, o grande obstáculo para que o rapaz recebesse, de graça, a tão
almejada vida eterna. Jesus não está ensinando que todo cristão deva ser pobre, muito menos que todo pobre vai para o céu.
Ele estava provando o coração daquele homem para revelar a ele (e a nós) a necessidade de arrependimento e conversão dos
pecados que, muitas vezes, pensamos que não temos.
9 Jesus recorre a outra metáfora: o maior animal na Palestina em contraste com a menor passagem conhecida pelo povo na
época: o buraco de uma agulha. A expressão também se refere, curiosamente, a uma pequena entrada, situada ao lado da porta
principal da cidade de Jerusalém, por onde (por motivos de segurança) um camelo não podia passar carregado e, mesmo assim,
somente conseguia atravessá-la de joelhos (Mc 10.25). A salvação não é possível pelo esforço humano. É um ato sobrenatural
de Deus, que busca corações humanos onde receba amor incondicional e tenha prioridade absoluta. Ele acrescentará todas as
demais coisas necessárias (6.33-34). O amor ao dinheiro e às riquezas pode escravizar uma pessoa, exacerbando seu egoísmo
e desviando-a do Reino (1Tm 6.9-10). Jesus faz ainda uma alusão ao AT e reafirma que para Deus nada é impossível (Gn 18.14;
Jó 42.2; Zc 8.6-7).
10 A expressão grega palingenesia, aqui traduzida por “regeneração” refere-se ao mundo renovado do futuro (o novo céu e a
nova terra de Ap 21.1). As doze tribos, com as dez tribos do norte (Israel), perdidas séculos antes de Cristo (pela mistura com po-
vos gentios), serão restauradas para o julgamento (25.31; At 3.20-21; Ap 7.4-8). O outro único uso da palavra “regeneração” tem
a ver com a renovação espiritual das pessoas (Tt 3.5). Jesus ensina que o Reino de Deus não é uma competição, como em quase
tudo nas sociedades humanas. Jesus tranqüiliza Pedro e promete que todos os que tomarem parte em sua batalha, comparti-
lharão igualmente das bênçãos de sua vitória completa e eterna. Entretanto, em 20.1-16, Ele adverte os seus seguidores sobre o
perigo de julgar o assunto das recompensas divinas por um padrão meramente político, econômico e financeiro (terreno).
Capítulo 20
1 A declaração de Jesus feita em 10.30, é explicada por meio desta história e repetida em 20.16, enfatizando a soberana gene-
rosidade de Deus Pai. Essa parábola foi registrada apenas em Mateus.
2 O denário ou dinheiro (em latim denarius) era uma moeda romana, de prata. Tinha o mesmo valor de um dracma (em grego
drachma), ou meio shekel judaico. Correspondia a um dia de trabalho de um soldado romano na época de Jesus. Um escrivão
de documentos altamente qualificado, na Palestina daquele tempo, ganhava dois denários por dia.
3 A contagem das horas começava às 6h da manhã. Portanto, a terceira hora correspondia às 9h da manhã e assim por
diante. Nos originais gregos, assim como na tradução KJ de 1611 constam as expressões: “da hora terceira; sexta; nona e da
décima primeira hora”. Entretanto, o Comitê Internacional de Tradução da Bíblia King James decidiu, para melhor compreensão
dessa parábola, pelo uso do atual sistema de divisão do dia natural em 24 horas. Tempo que a Terra leva para fazer uma rotação
completa sobre si mesma.
4 A Lei de Moisés garantia aos trabalhadores pobres (que ganhavam salário mínimo, ou um denário por dia) que fossem
pagos por seus contratadores até o fim do dia ou até que o brilho das primeiras estrelas pudesse ser observado no céu (Lv
19.13; Dt 24.14,15).
5 A parte final deste versículo no original grego é: “...ou o olho teu mau é porque eu bom sou?” Essa expressão está relacionada
ao suposto poder de amaldiçoar que existe nos olhos de uma pessoa que inveja (não apenas do invejoso compulsivo). Desde o
AT (1Sm 18.6-16), havia uma associação entre o olhar perverso e a inveja (daí a expressão popular: mau-olhado).
6 Esta parábola está repleta de ensino e sabedoria. Não é possível um comentário extenso aqui, mas é importante dizer que
Jesus usou uma história bem conhecida dos judeus para esclarecer um pouco mais sobre como é a vida no Reino de Deus.
Outra vez Jesus prediz seu sacrifício 21 “O que desejas?” - perguntou Jesus. Ela
(Mc 10.32-34; Lc 18.31-34) respondeu: “Ordena que no teu Reino
17 Jesus estava, então, pronto para subir a estes meus dois filhos se assentem um à
Jerusalém, quando chamou à parte seus tua direita, e o outro à tua esquerda”.
doze discípulos e lhes falou: 22 “Não sabeis o que pedis!”, contestou-
18 “Agora estamos subindo para Jerusa- lhes Jesus. “Podeis vós beber o cálice que
lém, e o Filho do homem será entregue Eu estou prestes a beber e ser batizados
aos chefes dos sacerdotes e aos escribas. com o batismo com o qual estou sendo
Eles o condenarão à morte. batizado?”. E eles afirmaram: “Podemos!”.
19 E o entregarão aos gentios para ser 23 Então Jesus lhes declarou: “Certamen-
zombado, torturado e crucificado; mas te bebereis do meu cálice; mas quanto ao
ao terceiro dia Ele será ressuscitado!”.7 assentar-se à minha direita ou à minha
esquerda, não cabe a mim outorgá-lo.
É preciso sabedoria para pedir Esses lugares pertencem àqueles a quem
(Mc 10.35-45) foram reservados por meu Pai”.9
20 Naquele momento, aproximou-se de 24 Ao ouvirem isso, os outros dez ficaram
Jesus a esposa de Zebedeu, com seus filhos injuriados contra os dois irmãos.
e, prostrando-se, fez um pedido a Ele.8 25 Então Jesus os chamou e explicou:
Desde o AT, muitos mestres e rabinos usavam parábolas para comunicar seus ensinos. Acontece que essa história, em várias
versões, era contada para realçar a doutrina das recompensas divinas, e seguia a mesma linha moral da conhecida fábula de La
Fontaine: “A Cigarra e a Formiga”. A história rabínica, em síntese, era assim: “Um rei recrutou muitos trabalhadores, mas um deles
trabalhou muitos dias para o reino. No dia do pagamento, o rei pagou pouco aos que tinham trabalhado pouco e recompensou
regiamente ao que fora fiel o tempo todo”. Ou seja: muito trabalho, muita recompensa; nenhum trabalho, punição ou nenhuma
recompensa. Jesus, porém, dá um desfecho novo, inusitado e ameaçador ao recontar essa parábola tradicional. Jesus declarou
que Deus dá recompensas aos seus filhos (Mt 5.12,46; 6.1; 5.16; 10.41). Mas, da mesma maneira inequívoca, ensinou que todos
os que servem a Deus com a principal intenção de com isso “merecer” bênçãos e favores, perderão a verdadeira felicidade, aqui
e na eternidade. Quem realiza boas obras contando com as recompensas, vai se aborrecer com a misericórdia e a bondade de
Deus. É por isso que os judeus, especialmente os que mais se esforçavam (escribas e fariseus), começaram a odiar a Jesus. Eles
tinham um lema na época: “A Torá (a Lei) foi dada a Israel para mostrar como adquirir méritos”. É até compreensível que eles se
irritassem com o novo ensino e com a generosidade de Deus; e que muitos deles, como na parábola, de “primeiros” se tornaram
“últimos”, ou como o irmão mais velho, que na história do “filho pródigo” irou-se e excluiu-se da alegria de reaver o irmão perdido
(Lc 15.11-32). Jesus ensina também, através dessa parábola, que os judeus, os primeiros a receber a gloriosa chamada divina,
não serão os primeiros a receber o galardão final (recompensa, prêmio), pois a Salvação não vem da herança racial, nem do
legalismo religioso, mas da generosidade e graça divinas. Assim também, a Salvação é a maior gratificação que um ser humano
pode receber em toda a sua vida e vale por toda a eternidade. Portanto, não existem “salvos de segunda classe”. Uma vez salvo;
salvo de primeira classe e para sempre. Deus é soberano e, absolutamente tudo depende dele. O ser humano não pode fazer
nada para salvar-se, a não ser aceitar humildemente a vontade do Senhor e andar segundo a Palavra. Entretanto, a graça de Deus
pode transformar qualquer fariseu em um dos “primeiros” (novamente), como aconteceu com Saulo de Tarso, nosso irmão Paulo
(At 9.1-31). A frase: “Pois, muitos serão chamados, mas poucos escolhidos”, não consta de alguns manuscritos gregos, embora
faça referência às palavras de Jesus em 19.23-26 e refíra-se a parte de todas as revisões da KJ desde 1611 até hoje.
7 Esta é a última viagem de Jesus a Jerusalém. Teve início na cidade de Efraim (Jo 11.54), passando pela Galiléia (Lc 17.11),
seguindo mais para o sul, chegando a Jericó, passando pela Peréia (Lc 18.35), por Betânia (Lc 19.29), até chegar a Jerusalém (Lc
19.41). Jesus desejou muito celebrar sua última Páscoa com seus discípulos; uma multidão de peregrinos os acompanhava. Jesus
seria o Cordeiro Pascal da humanidade; mas nem seus discípulos mais chegados conseguiam entender por que o Messias haveria
de ser humilhado e morto se as profecias apontavam para um grande libertador, maior que Moisés. Nesta terceira predição sobre o
seu sacrifício, Jesus acrescenta que Ele não seria executado pelos judeus, que o apedrejariam, mas pelos gentios (romanos). Todos
esses detalhes proféticos só fariam sentido na mente dos discípulos após a morte e ressurreição de Jesus (28.6).
8 Marcos nos revela que esses filhos de Zebedeu e Salomé (irmã de Maria, mãe de Jesus) eram os primos do Senhor: Tiago e
João. O pedido foi feito numa reunião com Jesus, solicitada pela mãe dos dois apóstolos (27.56; Mc 10.35; 15.40; Jo 19.25). Tanto
o pedido como a indignação dos outros discípulos revela que todas aquelas pessoas aguardavam para breve o estabelecimento
do poderoso reino do Messias na terra, apesar da clara profecia sobre a Paixão do Senhor.
9 Jesus usa uma metáfora bastante conhecida dos judeus, especialmente no AT (Sl 75.8; Is 51.17-23; Jr 25.15-28; 49.12; 51.7),
quase sempre associada ao juízo e à ira de Deus contra o pecado. A expressão hebraica: beber o cálice significava compartilhar do
destino de alguém. Assim, o cálice refere-se ao castigo divino que Jesus teria de receber em lugar de cada ser humano. O batismo é
outra figura de linguagem que, assim como o cálice, explica o sentido do sofrimento e morte do Senhor (Lc 12.50; Rm 6.3,4). Jesus
demonstra mais uma vez sua absoluta divindade ao revelar que conhecia o destino dos discípulos, mas que não podia usurpar a
“Sabeis que os governadores dos po- perguntou: “O que quereis que Eu vos
vos os dominam e que são as pessoas faça?”.11
importantes que exercem poder sobre 33 “Senhor! Que se abram os nossos
as nações. olhos”, responderam eles.
26 Não será assim entre vós. Ao contrário, 34 Jesus sentiu compaixão e tocou nos
quem desejar ser importante entre vós olhos deles. No mesmo instante os cegos
será esse o que deva servir aos demais. recuperaram a visão e o seguiram.
27 E quem quiser ser o primeiro entre vós
que se torne vosso escravo. Jesus é aclamado pelas multidões
28 Assim como o Filho do homem, que (Mc 11.1-11; Lc 19.28-40; Jo 12.12-19)
não veio para ser servido, mas para servir
e dar a sua vida como único resgate por
muitos”.10
21 Ao se aproximarem de Jerusalém,
chegaram a Betfagé, no monte
das Oliveiras. Então, Jesus enviou dois
discípulos,1
Os cegos recuperam a visão 2 e recomendou-lhes: “Ide ao povoado
(Mc 10.46-52; Lc 18.35-43) que está adiante de vós e logo encon-
29 Ao saírem de Jericó, uma grande mul- trareis uma jumenta amarrada, com seu
tidão acompanhava Jesus. burrico ao lado. Desamarrai-os e trazei-
30 De repente, dois cegos, que estavam os para mim.2
assentados à beira do caminho, tendo 3 Se alguém vos questionar algo, deveis
ouvido que Jesus passava, puseram-se a dizer que o Senhor necessita deles e
gritar: “Senhor! Filho de Davi, tem mise- sem demora os devolverá”.
ricórdia de nós”. 4 No entanto, isso ocorreu para que se
31 Entretanto, a multidão os repreendeu cumprisse o que fora dito por meio do
para que se calassem, mas eles clamavam profeta:
ainda mais: “Senhor! Filho de Davi! Tem 5 “Dizei à filha de Sião: ‘Eis que o teu rei
misericórdia de nós!”. chega a ti, humilde e montado num bur-
32 Jesus, parando, chamou-os e lhes rico, um potro, cria de jumenta’”.
autoridade do Pai. Assim, Tiago foi o primeiro dos apóstolos a ser martirizado (At 12.2). A última parte da pergunta de Jesus não
consta de alguns originais gregos, mas é clara em Mc 10.38 e consta de todas as revisões textuais da KJ desde 1611.
10 Não é aconselhável rejeitar a ajuda e o serviço dos nossos companheiros, mas “ser servidos” não deve ser a nossa ambição.
Devemos seguir o exemplo de Jesus que, sendo Deus, entregou “a sua vida” ou “a sua alma” (em grego ten psychen autou) para
pagar toda a punição imposta à humanidade pela quebra da ordem (Lei) de Deus no Éden: a morte eterna. Todo pecado demanda
indenização, expiação e pagamento. A Lei de Deus jamais ordenou sacrifícios humanos; mas, em relação ao pecado original, era
necessário que um ser humano sem pecado fosse imolado. Jesus se ofereceu para pagar nosso “resgate” (em grego lytron), palavra
derivada do verbo grego luo que significa “libertar” e usada na época ao se tratar da alforria de escravos. Jesus usou outra forte me-
táfora para comparar seu sacrifício ao ato de pagar o preço pedido pela venda de um escravo muito caro, comprado, todavia, para
ganhar a liberdade. Por isso, os cristãos estão livres, de uma vez por todas, do poder e da escravidão do pecado (do erro) e da pena
da morte eterna. Essa frase de Cristo é uma das poucas ocasiões em que a doutrina da redenção vicária é citada nos Evangelhos
sinóticos (1Tm 2.6). A salvação é oferecida de graça a todos, mas apenas os “muitos” a recebem em seus corações (1Jo 1.12-14).
11 Mateus cita dois cegos, enquanto os demais sinóticos destacam apenas um (Mc 10.46-52; Lc 18.35-43). Realmente eram
dois cegos, ocorre que Bartimeu, devido à sua personalidade, ganhou proeminência. A cura ocorreu durante a saída da Velha
Jericó para a Nova Jericó.
Capítulo 21
1 Betfagé, em hebraico significa “Casa dos Figos” (Lc 19.29). Segundo o Talmude, era uma pequena vila situada a cerca de
um quilômetro a leste de Jerusalém, na encosta sul do monte das Oliveiras. Aqui tem início a última semana da vida humana
de Jesus Cristo.
2 Jesus decide entrar em Jerusalém, desta vez, montado em um jumentinho (Jo 12.15). E isso, sob as homenagens das multi-
dões, para demonstrar claramente que Ele era o Messias prometido há séculos (Zc 9.9). O Filho de Davi, escolhido para ocupar
seu trono (1Rs 1.33,44). Os potros ou burricos (crias de jumenta), antes de serem submetidos a qualquer trabalho secular, eram
especialmente considerados para trabalhos religiosos (Nm 19.2; Dt 21.3; Sm 6.7), e simbolizavam humildade, paz, e a majestade
de Davi. Mateus revela o cuidado de Jesus em não apartar o jumentinho de sua mãe e levar ambos consigo para sua procissão
triunfal como Rei de Israel.
3 O próprio Jesus usa a expressão: “Senhor” (Senhor de Israel) como seu título divino (16.18). Mateus usou as profecias regis-
tradas na Septuaginta (AT em grego), em Is 62.11 e Zc 9.9 para mostrar que a maioria do povo havia compreendido que Jesus
era mesmo o Rei-Messias prometido.
4 Hosana é uma expressão grega (hõsanna), que significa “Salva-nos!” e vem do hebraico transliterado (hôshi´â nã´), que quer
dizer: “Salva, Senhor, por misericórdia!” Mateus revela que expressões de júbilo emanavam da multidão, e não que fosse uma
frase só a ser repetida indefinidamente. Essa aclamação do povo é baseada em 2Sm 14.4, Sl 118.25-27 e Sl 148.1-2, cantada
na Festa dos Tabernáculos e, em Mateus, aplicada a Jesus. Como um ato de homenagem régia, o povo pavimentou, com seus
próprios mantos (capas), o caminho por onde passou o Senhor. Com o passar do tempo, a palavra “hosana” tornou-se uma
exclamação de louvor e alegria espiritual.
5 O termo grego original (to hieron), que significa “o templo”, indica toda a área sobre o monte Moriá, ocupada pelos diversos re-
cintos e a corte do templo. No domingo, após a entrada triunfal, Jesus continua sua obra de purificação da Casa do Senhor, iniciada
três anos antes (Jo 2.14). Uma atitude para demonstrar o quanto os judeus haviam ofendido ao Senhor, permitindo que seus cora-
ções fossem corrompidos pela ganância, dominados pelo pecado, e faltos de amor sincero para com Deus e com seu próximo. Isso
ocorre infelizmente ainda hoje em alguns templos cristãos, e entre seus membros. Jesus citou as Sagradas Escrituras, usando, da
versão Septuaginta (AT em grego), os textos de Is 56.7 com Jr 7.11. As ofertas, taxas e compras de animais para sacrifícios no templo
só podiam ser pagas com moeda hebraica (siclo hebreu), pois as demais moedas eram cunhadas com a imagem de divindades
pagãs ou do imperador, considerado pelos romanos e outros gentios como um deus. Entretanto, esse serviço de troca de moedas
(câmbio), compra e venda de animais, e produtos para os sacrifícios, deveria ser realizado com dignidade, no “grande átrio exterior
dos gentios”, um espaço reservado para essas atividades com mais de 50.000 m2. Todavia, os cambistas estavam explorando os
romeiros que vinham de muito longe e com dinheiro gentio para ofertar e sacrificar no templo. Além disso, a venda dos animais cul-
tualmente aceitáveis transformara-se apenas em lucrativo comércio, tanto que a área antes reservada já não comportava os estandes
de vendas e haviam invadido até o recinto sagrado. Vários sacerdotes lideravam a corrupção institucionalizada no templo, posto que
ao receberem os animais para holocausto, em vez de efetuarem o ritual do sacrifício, matavam apenas alguns deles, e repassavam
todos os demais para comerciantes fraudulentos, que os revendiam sucessivas vezes.
6 Os líderes dos sacerdotes e os doutores da lei viram os milagres de Cristo e temeram por suas vidas e negócios. Tentaram
enredar o Senhor num sofisma, ao alegar que um mestre tão zeloso como Jesus, não deveria deixar que crianças o adorassem
em ti!”. E, no mesmo instante, a figueira nos indagará: ‘Sendo assim, por que não
ficou completamente seca. acreditastes nele?’
20 E quando viram o que ocorrera, muito 26 Porém, se alegarmos: humano, teme-
se admiraram os discípulos e exclamaram: mos o povo, pois todos consideram João
“Como foi possível esta figueira secar tão como profeta”.
depressa?”. 27 Por isso disseram a Jesus: “Não sa-
21 Então Jesus explicou-lhes: “Com bemos!”. Ao que Jesus afirmou-lhes:
certeza vos asseguro que, se tiverdes fé “Nem Eu vos direi com que autoridade
e não duvidardes, podereis fazer não procedo.9
apenas o que foi feito à figueira, mas da
mesma forma ordenardes a este monte: A parábola do pai e dois filhos
‘Ergue-te daqui e lança-te no mar’, e 28 Agora, qual a vossa opinião? Um ho-
assim acontecerá. mem tinha dois filhos. Aproximando-se
22 E tudo o que pedirdes em oração, se do primeiro, pediu: ‘Filho, vai trabalhar
crerdes, recebereis”.7 hoje na vinha’.
29 Mas este filho lhe disse: ‘Não quero ir’.
Líderes religiosos duvidam de Jesus Todavia, mais tarde, arrependido, foi.
(Mc 11.27-33; Lc 20.1-8) 30 Então chegou o pai até o segundo filho
23 Tendo Jesus chegado ao templo, en- e fez o mesmo pedido. Então este lhe res-
quanto ensinava, acercaram-se dele os pondeu: ‘Sim, senhor!’ Mas não foi.
chefes dos sacerdotes e os anciãos do 31 Qual dos dois fez a vontade do pai?”.
povo e o questionaram: “Com que auto- Ao que eles responderam: “O primeiro”.
ridade fazes estas coisas aqui? E quem te Então Jesus lhes revelou: “Com toda a
deu essa autorização?”.8 certeza vos afirmo que os publicanos e
24 Jesus, porém, replicou-lhes: “Eu igual- as prostitutas estão ingressando antes de
mente vos lançarei uma questão. Se me vós no Reino de Deus.
responderdes, também Eu vos direi com 32 Porquanto João veio para vos mos-
que autoridade faço o que faço. trar o caminho da justiça, mas vós não
25 De onde era o batismo de João? Divino acreditastes nele; em compensação, os
ou humano?”. E eles discutiam entre si, cobradores de impostos e as meretrizes
avaliando: “Se respondermos: divino, Ele creram.Vós, entretanto, mesmo depois
como se fosse Deus. Entretanto, Jesus citou novamente as Escrituras e revelou que mais uma profecia acerca dele se cumpria
naquele momento (Sl 8.2). Jesus foi, então, para a casa dos seus queridos amigos Lázaro e suas irmãs, Marta e Maria, que ficava
em Betânia, uma aldeia no declive oriental do monte das Oliveiras, uns dois quilômetros a leste de Jerusalém.
7 Mateus condensava suas narrativas, em contraste com o texto dos demais autores sinóticos (Marcos e Lucas). Marcos situa a
maldição da figueira na manhã de segunda-feira, mas na terça-feira pela manhã foi que os discípulos, passando por ela outra vez,
a observam completamente aniquilada (Mc 11.12-14, 20-25). Mateus, mais tarde, ao escrever seu Evangelho (testemunho ocular
da vida, mensagem e sinais de Jesus), segundo a inspiração do Espírito Santo, enfatiza o caráter imediato do Juízo de Deus.
Diversas podem ser as inferências teológicas acerca dessa passagem, especialmente em relação a Israel (Os 9.10; Na 3.12). Con-
tudo, a única aplicação que o próprio Senhor Jesus faz, tem a ver com a eficácia da oração que não duvida do poder de Deus.
8 Aqui começa a terça-feira da chamada “Semana Santa”. O Sinédrio (supremo juiz da corte de Israel) decide apelar para
o legalismo e pede credenciais autorizadas a Jesus por estar realizando um ato oficial no templo. Eles já haviam usado essa
estratégia com João Batista (Jo 1.19-25) e, em outra ocasião, com o próprio Jesus (Jo 2.18-22). Os líderes religiosos sentiam
em Jesus uma forte ameaça à sua posição, privilégios e lucros financeiros ilícitos. Por isso, procuravam apresentá-lo como um
revolucionário, fora da lei, e inimigo de Roma.
9 Grandes oradores e conhecedores do poder da palavra, os líderes religiosos procuram comprometer a Jesus por meio de um
questionamento ardiloso. Jesus é levado a declarar publicamente que era o Messias (como o povo aclamava). Assim poderiam
prendê-lo e entregá-lo aos romanos. A outra opção seria negar sua autoridade divina, passando então a ser totalmente desacre-
ditado pela multidão que o acompanhava. Jesus apelou para o testemunho de João Batista acerca dele e lhes propôs também
uma questão (Jo 1.32-34).
de presenciardes a tudo isso, não vos arre- para fora da plantação de videiras e o
pendestes para acreditardes nele.10 assassinaram.12
40 Sendo assim, quando vier o dono da
A parábola dos vinicultores maus vinha, o que fará com aqueles lavradores?”.
(Mc 12.1-12; Lc 20.9-19) 41 Diante disso, responderam-lhe: “Ele
33 E mais, atentai a esta parábola: Havia destruirá esses perversos de forma ter-
um certo proprietário de terras, que rível e arrendará seu campo de videiras
plantou um campo de videiras. Ergueu para outros cultivadores que lhe enviem
uma cerca ao redor delas, construiu um a sua parte no devido tempo das colhei-
tanque para prensar as uvas e edificou tas”.13
uma torre. Finalmente, arrendou essa 42 Então Jesus lhes inquiriu: “Nunca
vinha para alguns vinicultores e foi lestes isto nas Escrituras? ‘A pedra que
viajar.11 os construtores rejeitaram, tornou-se
34 Chegando a época da safra, enviou a pedra angular; e isso procede do
seus servos até aqueles lavradores, para Senhor, sendo portanto, maravilhoso
receber os seus dividendos. para nós’.
35 Porém os lavradores atacaram seus 43 Por isso, Eu vos declaro que o Reino
servos; a um espancaram, a outro mata- de Deus será retirado de vós para ser
ram, e apedrejaram o terceiro. entregue a um povo que produza frutos
36 Então lhes mandou outros servos, em dignos do Reino.
maior número do que da primeira vez, 44 Todo aquele que cair sobre esta pedra
mas os lavradores os trataram da mesma se arrebentará em pedaços; e aquele sobre
maneira. quem ela cair ficará reduzido a pó!”.14
37 Por fim, decidiu enviar-lhes seu pró- 45 Depois que os chefes dos sacerdotes e
prio filho, considerando: ‘Eles respeita- os fariseus ouviram as parábolas que Je-
rão o meu filho’. sus lhes havia contado, compreenderam
38 Contudo, assim que os lavradores que era sobre eles próprios que Jesus
viram o filho, tramaram entre si: ‘Este estava falando.
é o herdeiro! Então vamos, nos unamos 46 E por causa disso procuravam um
para matá-lo e apoderemo-nos da sua motivo para prendê-lo; mas tinham
herança’. receio das multidões, porquanto elas o
39 E assim, eles o agarraram, jogaram-no consideravam profeta.
10 As versões de Almeida invertem a posição dos versículos 29 e 30. Entretanto, a Bíblia King James e a NVI seguem a mesma
ordem original. Jesus resolve o debate com os sacerdotes, propondo duas histórias (as respostas parabólicas de Jesus). A
autoridade maior vem da obediência amorosa e sincera a Deus; não de uma liderança autoritária, maquiavélica e despótica, que
depende apenas de títulos e diplomas e, ainda mais, corrompida pela falta de dignidade. Como podem os eleitos para cuidar da
Casa do Senhor (autoridades eclesiásticas), rejeitar o dono da Casa e o Evangelho do Reino?
11 Segundo a tradição rabínica, uma “torre” deveria ser construída na vinha, para abrigar o responsável pelo campo, que vigiava
a plantação, especialmente quando chegava o tempo da colheita e as uvas ficavam maduras. Era, normalmente, uma plataforma
elevada feita de madeira, com cerca de 5m de altura por 2m de lado.
12 Assim como seria um absurdo que os agricultores de um campo arrendado pudessem herdar essa terra ao assassinar seu
dono, maior loucura foi os líderes espirituais e teólogos da época imaginarem que a incriminação e a crucificação de Jesus Cristo,
o Filho de Deus, lhes garantiria a herança e o domínio de Israel.
13 Ao se escandalizarem com o erro dos outros, sem atentarem para seus pecados, e julgarem severamente os lavradores da
parábola de Jesus, os sacerdotes estavam decretando sua própria punição: os judeus que não aceitassem a verdadeira men-
sagem de Deus em Cristo ficariam sem a herança espiritual. No ano 70 d.C. o Templo e toda a cidade de Jerusalém sofreram a
mais arrasadora destruição até hoje registrada em sua história. Uma vez que o Evangelho foi rejeitado pelos judeus, Deus dirige
sua graça salvadora aos gentios, salva e convoca Paulo para ser seu apóstolo (em grego apostellõ, enviado por Deus com uma
missão específica). Já no segundo século da era cristã, a Igreja era composta, quase que totalmente, por não judeus (gentios).
14 Jesus é o alicerce seguro, a pedra fundamental, para todos aqueles que confessam o seu nome e edificam suas vidas nele,
passando assim a fazer parte do grande edifício de Cristo, como pedras vivas (16.18; 1Pe 2.4-5). Entretanto, para os que rejeitam
o Senhor, recusando-se a crer em Jesus, o Cristo (o Messias prometido), Ele se torna em pedra de tropeço e de condenação
eterna (Is 8.14-15; Lc 20.17; Rm 9.32; 1Pe 2.6-8). Assim como um vaso de barro se despedaça ao ser arremessado contra uma
rocha, ou é esmagado ao ser atingido por uma enorme pedra, da mesma forma virá a destruição sobre todos aqueles que rejei-
tarem o senhorio de Cristo (Is 8.14; Dn 2.34,35,44; Lc 2.34). É importante notar que, mais tarde, o apóstolo Pedro fez questão de
salientar que Jesus era a sua Pedra, Rocha Principal, seu Sustentador, e que cada indivíduo deve aceitar a Pedra (Jesus), para
ser salvo e ganhar a vida eterna (At 4.8-12).
Capítulo 22
1 Jesus apresenta o Reino dos céus em outras parábolas, veja no capítulo 13.
2 A proclamação do Evangelho é o doce e insistente convite do Rei do Universo a todo ser humano, para tomar parte em seu
maravilhoso banquete de núpcias. Ainda assim, muitas pessoas estão de tal forma iludidas com suas exigências presentes e
materiais que se recusam a dar atenção à generosidade divina.
3 Todos aqueles que se apresentam como inimigos declarados do Evangelho, assim como os falsos cristãos, serão destruídos.
Da mesma forma como a cidade de Jerusalém foi completamente arrasada e queimada pelos romanos, no ano 70 d.C.
4 Era costume, naquela época e região, o anfitrião fornecer roupas adequadas ao casamento, para os convidados que não
pudessem comprá-las. Como esse grupo de pessoas veio diretamente das ruas, todos ganharam suas roupas cerimoniais.
Entretanto, um daqueles novos convidados, rejeitou também a hospitalidade e a generosidade do rei. A veste nupcial simboliza a
justificação com a qual Cristo veste todas as pessoas que aceitam o dom gratuito da Salvação (Rm 13.14; Ap 19.8).
5 Os fariseus, como nacionalistas radicais, eram contra o domínio romano. Os herodianos, entretanto, como a própria denomi-
nação revela, apoiavam o império romano de Herodes. Mas, diante de uma ameaça maior, fariseus e herodianos se unem numa
cilada dialética contra Jesus. Os maus se juntam no ataque ao Sumo Bem. Se a resposta de Jesus fosse “Não”, os herodianos
o delatariam ao governador romano, que teria o direito de executá-lo por traição. Se respondesse “Sim”, então os fariseus o
denunciariam diante do povo judeu, por deslealdade a Israel e ao judaísmo.
6 O dinheiro usado no império romano para pagar os impostos chamava-se “denário”. Uma moeda romana, cujo valor corres-
pondia a um dia de trabalho braçal, criada no governo de Tibério, e que trazia, em um dos lados, o retrato do imperador, e do
outro, a inscrição em latim: “Tibério César Augusto, filho do divino Augusto”. Jesus explana sua tese de forma magistral e deixa
todos atônitos diante de sua devoção ao Pai, sabedoria, simplicidade e coerência. Foi Deus quem deu a César poder e autoridade
(Rm 13.1-7). Todos os governos deste mundo, em todas as épocas, vivem de tributos recolhidos do povo. Entretanto, o governo
espiritual tem sua moeda própria e eterna: fé, amor, bondade, compaixão, misericórdia (Lc 20.20-25; Gl 5.22-26). O Reino de Deus
não é deste mundo. Seu modus vivendi (estilo de vida) é espiritual e visa o benefício de todos os seres e não a exploração do ho-
mem pelo homem. Jesus reconheceu a distinção entre responsabilidades políticas e espirituais. Ao governo devemos impostos e
obediência, política justa. No tributo às autoridades cívicas, apenas retribuímos parte daquilo que oferecem. Para Deus, devemos
nossa adoração, louvor, gratidão, obediência, serviço e a dedicação de todo o nosso ser.
7 Os “saduceus” formavam um partido aristocrático que dominava a vida política dos judeus, inclusive a posição do sumo sa-
cerdote. Não acreditavam na ressurreição, nem na existência dos anjos e, muito menos, na imortalidade da alma. Para eles, a vida
era apenas um “aqui e agora” e nada mais. Esse era um dos aspectos que mais lhes causava divergências com os fariseus.
8 Os saduceus apresentaram uma questão fechada para Jesus. Eles aceitavam apenas os primeiros cinco livros da Bíblia como
autoridade divina, e há séculos estudavam o assunto sobre o qual interrogaram Jesus. Reivindicaram a lei do levirato (do latim levir,
cunhado), promulgada a fim de proteger as viúvas, garantir as propriedades e a continuidade da linhagem familiar (Dt 25.5,6; Gn 38.8),
para zombar da doutrina da ressurreição defendida por Cristo e com isso desmoralizá-lo. Entretanto, Jesus usou o próprio Pentateuco
para mostrar que eles não estudavam as Escrituras com o devido amor a Deus e por isso erravam. Nos céus não há casamentos e re-
ceberemos novos corpos, como os de anjos, entre os quais não há macho ou fêmea. Portanto, debater esse assunto não faz sentido.
Além disso, os crentes ressuscitados viverão eternamente, uma verdade firmada no caráter de Deus (Êx 3.6; Lc 20.28).
9 Os fariseus eram muito legalistas, tanto que se emaranhavam em suas próprias leis e decretos. Discutiam sempre sobre
quais, dentre suas muitas ordenanças, eram prioritárias para que um judeu alcançasse o Reino dos céus e o Shabbãth (o grande
Sábado, ou o descanso eterno). Eles haviam interpretado e abstraído do AT um total de 248 preceitos afirmativos. E mais 365
negativos, que acreditavam ser da vontade de Deus, pois o número coincidia com o número de dias do ano. Além disso, o total
desses mandamentos: 613, era o mesmo que o número de letras contidas no Decálogo.
10 Jesus mais uma vez aproveita a oportunidade para mostrar àqueles líderes religiosos e a seus muitos discípulos ao redor, res-
ponsáveis pela continuação do ensino das Escrituras ao povo, que a mentalidade divina e o modo espiritual de raciocinar dife-riam em
muito da limitada e egoísta dialética humana. Jesus então cita Dt 6.5, uma parte do Shema, orações e reflexões diárias dos judeus. Na
Septuaginta (o AT em grego) a palavra aqui traduzida por “inteligência” é, literalmente, “mente” (Mc 12.30). O verbo grego traduzido
aqui por “amarás” não é phileõ, como em algumas versões, que significa uma afeição entre amigos; mas, sim, o verbo agapaõ: uma
obrigação de dedicação absoluta a alguém, determinada pela vontade (Mq 6.8; Am 5.4; Is 33.15; Hc 2.4). Jesus foi o primeiro líder
espiritual judeu a combinar os dois mandamentos de amor, para formar o mais sintético resumo da Lei (Lv 19.18), revelando aos
fariseus, e a todos nós, que não são os muitos regulamentos e leis que tornam uma pessoa santa; mas, sim, seu genuíno e sincero
amor a Deus e a seu próximo mais achegado (familiares), e a seus próximos e vizinhos (comunidade, sociedade).
11 Finalmente, é Jesus quem questiona. Os fariseus eram profundos estudiosos sobre o Messias e sua vinda, como Libertador
de Israel. Entretanto, há séculos interpretavam erroneamente a pessoa e a obra do Messias. Imaginavam um rei, pleno de poderes
divinos, que viria como guerreiro invencível, para libertar Israel do império gentio e conceder saúde, paz e riqueza ao povo judeu.
Conheciam o Messias como Filho de Davi, mas não como o Senhor de Davi (Sl 110.1), tampouco seu domínio espiritual em
amor e humildade (Lc 20.42-44). Jesus desejava que os seus compreendessem que ele era o Messias prometido: o descendente
humano de Davi e o seu divino Senhor.
Capítulo 23
1 Os escribas, doutores e mestres da Lei, bem como os fariseus, partido político religioso que defendia a observância literal
da Torah (Lei) e mais uma série de ordenanças e preceitos por eles criados para situações não diretamente cobertas pela Torah.
Convencidos de que possuíam a correta interpretação da vontade de Deus, afirmavam que a tradição dos anciãos, a lei oral (tôrâ
shebe‘al peh) vinha de Moisés e desde o monte Sinai. Fariseus e escribas eram, portanto, os sucessores autorizados da tradição
de Moisés como mestres da Lei.
2 Os filactérios ou tefilins eram pequenos rolos ou caixinhas de couro que os judeus religiosos usavam presos à testa, perto
do coração, e no braço esquerdo. Essas pequenas cápsulas continham quatro passagens da Torah: Êx 13.1-10 e 11-16; Dt
6.4-9 e 11.13-21. Com o passar do tempo, os judeus começaram a respeitar e honrar esses pequenos recipientes, tanto quanto
praças e de serem, pelas pessoas, chama- terras para fazer de alguém um prosé-
dos: ‘Rabi, Rabi!’.3 lito. No entanto, uma vez convertido, o
8 Vós, todavia, não sereis tratados de tornais duas vezes mais filho do inferno
‘Rabis’; pois um só é vosso Mestre, e vós do que vós!
todos sois irmãos. 16 Ai de vós, guias cegos! Porque ensinais:
9 E a ninguém sobre a terra tratai de vos- ‘Se uma pessoa jurar pelo santuário, isso
so Pai; porquanto só um é o vosso Pai, não tem significado; porém, se alguém
aquele que está nos céus. jurar pelo ouro do santuário, fica obriga-
10 Também não sereis chamados de líde- do a cumprir o que prometeu’.
res, pois um só é o vosso Líder, o Cristo.4 17 Tolos e cegos! Pois o que é mais impor-
11 Porém o maior dentre vós seja vosso tante: o ouro ou o santuário que santifica
servo. o ouro?
12 Portanto, todo aquele que a si mesmo se 18 E mais, dizeis: ‘Se uma pessoa jurar pelo
exaltar será humilhado, e todo aquele que altar, isso nada significa; mas, se alguém
a si mesmo se humilhar será exaltado. jurar pela oferta que está sobre ele, fica,
13 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, assim, comprometido ao seu juramento’.
hipócritas! Porque fechais o reino dos 19 Embotados! O que é mais importante:
céus diante dos homens. Porquanto vós a oferta, ou o altar que santifica a oferta?
mesmos não entrais, nem tampouco dei- 20 Portanto, a pessoa que jurar em nome
xais entrar os que estão a caminho!5 do altar, jura pelo altar e por tudo o que
14 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, está sobre ele.
hipócritas! Porque devorais as casas das 21 E quem jurar pelo santuário, jura pelo
viúvas e, para disfarçar, encenais longas santuário e em nome daquele que nele
orações. E, por isso, recebereis castigo habita.
ainda mais severo! 22 E aquele que jurar pelos céus, jura pelo
15 Ai de vós, doutores da Lei e fariseus, trono de Deus e em nome daquele que
hipócritas! Porque viajais por mares e nele está assentado.6
as Escrituras, e seu tamanho era considerado um sinal de zelo espiritual de quem os ostentava. Os fariseus acreditavam que o
próprio Deus usava filactérios. Por isso, eram considerados como amuletos de boa sorte e proteção contra o mal. As “franjas”
eram as borlas descritas em Nm 15.37-41 que todo judeu deveria usar. Jesus também as usava nas quatro pontas de seu manto
(em Mt 9.20 são chamadas de “orla”), essas borlas eram um tipo de madeixas de lã, branca e azul, e tinham a singela função
de declarar o amor de quem as usava a Yahweh (o Senhor) e a vontade do seu coração de cumprir a Torah (ou Torá, a Lei) da
maneira mais fiel possível. As borlas tinham o tamanho médio de até 10 cm; entretanto, os fariseus as alongavam muito mais em
sinal de maior espiritualidade. O que Deus criou para ser apenas um lembrete de fé e marca de devoção, tornou-se objeto de
adoração e ostentação (fetiche).
3 Os mestres da Lei e os fariseus gostavam de ocupar os melhores e mais importantes assentos na sinagoga, aqueles que ficam
defronte à representação da arca e que continha os rolos das Escrituras Sagradas. Além disso, os que se assentavam ali podiam
ser facilmente vistos por toda a congregação. Eles também apreciavam muito ouvir as pessoas os chamarem, insistentemente,
aos gritos e em público (nas praças do mercado) de Rabbei (em grego), que significa literalmente em hebraico: “meu professor,
meu mestre!”
4 A expressão “pai” ou “padre” (em hebraico ’abh) não deve ser usada como título de qualquer autoridade religiosa. Jesus faz uma
séria advertência quanto à busca desenfreada por reconhecimento e prestígio, coisas que alimentam a soberba humana. Entretanto,
devemos ter cautela com possíveis aplicações de literalismo insensato dessas passagens. Jesus está ensinando princípios de vida
espiritual a quem só conseguia enxergar regras exatas de comportamento religioso. Os cristãos, líderes (em grego kathegetai, guias
ou dirigentes) ou não, devem ser conhecidos por um espírito e atitudes diaconais (em grego diakonos, servo).
5 “Ai” é uma expressão de profunda tristeza e indignação da parte de Deus, expressa através dos lábios do seu Filho contra
a falsidade (hipocrisia) dos maiores conhecedores das Sagradas Escrituras da época e líderes religiosos dos judeus, o povo do
Cristo (Messias). Essa atitude apenas legalista, arrogante, soberba e desprovida de sincero amor a Deus e às pessoas, fazia que os
“prosélitos” (pagãos e gentios que se convertiam ao judaísmo) se tornassem ainda piores que seus mestres e não tivessem verda-
deira comunhão com Deus, o Pai (em aramaico: abba). Esses líderes religiosos e juízes de direito, eram tão dissimulados que chega-
vam a usar suas posições como juristas para processar viúvas ricas ou para fazer que elas lhes legassem suas propriedades.
6 Com relação aos juramentos, Jesus argumenta com os mestres fariseus, com seus próprios pressupostos em relação à Lei,
para lhes revelar o verdadeiro espírito da Lei e a vontade de Deus (5.33-37).
7 Oferecer ao Senhor a décima parte (o dízimo) de diversas ervas era uma prática religiosa baseada em Lv 27.30. Embora
o dízimo dos grãos, frutos, vinho e azeite fosse o exigido, dos judeus, pela Lei (Nm 18.12; Dt 14.22-23), os escribas e fariseus
haviam ampliado a lista dos itens especificados na Lei, para incluir o dízimo das menores e mais simples hortaliças. A hortelã
era usada como tempero e para adornar o chão das casas e sinagogas. O endro era usado como medicamento e para perfumar
ambientes. O cominho, que são as sementes de erva-doce, tinha vários usos culinários. Entretanto, o valor comercial dessas
ervas era mínimo; mas os fariseus desejavam mostrar ao povo um zelo religioso que, na verdade, não fazia parte de suas vidas
com Deus e com seus próximos.
8 Os escribas e fariseus coavam com muito cuidado toda água que bebiam através de um pano branco, bem tecido, para ter
certeza de não engolir nenhum pequeno mosquito; considerado pelos religiosos como o menor ser vivo impuro. Entretanto,
figuradamente, engoliam um camelo inteiro, um dos maiores animais impuros para os judeus, ao praticarem uma série de fraudes,
atrocidades e pecados.
9 Por ocasião da celebração da Páscoa, época em que os peregrinos de várias partes da Palestina iam a Jerusalém, e momento
no qual Jesus está falando, era costume pintar, várias vezes, toda a parte exterior dos sepulcros (túmulos) com cal. Isso para que
os túmulos pudessem ser vistos inclusive à noite, uma vez que, pela Lei, se alguém pisasse sobre um túmulo ou área de sepultura
tornava-se instantaneamente impuro (Nm 19.16). Por isso, todos pareciam iguais, limpos, belos e puros; mas em seu interior jazia
a morte, o mau cheiro e a podridão.
10 Os líderes religiosos judaicos no tempo de Jesus estavam acrescentando pecados sobre pecados à longa lista de seus pais
(antepassados) históricos. Jesus também seria um dos profetas martirizados. Seus apóstolos não seriam igualmente aceitos
(10.17,23). E Jesus resume a história dos martírios no AT citando o assassinato de Abel (Gn 4.8; Hb 11.4) e o martírio do profeta
Zacarias registrado no livro de Crônicas. Na Bíblia Hebraica, o último livro do AT (2Cr 24.20-22).
seus pintinhos debaixo das suas asas, mas ram mais perto dele para lhe apontar as
vós não o aceitastes!11 construções do templo.
38 Eis que a vossa casa ficará abandona- 2 Ele, entretanto, lhes observou: “Estais
da!12 vendo todas estas coisas? Com toda a
39 Pois eu vos declaro que, a partir de certeza Eu vos afirmo que não ficará aqui
agora, de modo algum me vereis, pedra sobre pedra, pois que serão todas
até que venhais a dizer: ‘Bendito é o que derrubadas”.1
vem em o Nome do Senhor!’”13
O princípio das dores
Jesus prediz o final dos tempos (Mc 13.3-13; Lc 21.7-19)
(Mc 13.1-2; Lc 21.5-6) 3Tendo Jesus se assentado no monte das
11 O próprio Jesus reconhece que os seus próprios irmãos não o receberam. Deus tem feito tudo para seu povo, mas a rejeição
de Israel ilustra o coração empedernido da raça humana, em relação ao seu Criador (Jo 1.11).
12 Jesus faz referência a 1Rs 9.7-8; Jr 12.7, 22.5 e adverte seu povo. No ano 70 d.C. toda a nação de Israel e, em especial, a
cidade de Jerusalém, foram assoladas e profanadas pelos exércitos pagãos de Roma.
13 Jesus se despede de Jerusalém e do seu povo, declarando que não os ensinaria mais em público até sua volta em glória
no final dos tempos, quando Israel o receberá como o Messias que fora rejeitado (Zc 12.10). De agora em diante a salvação dos
judeus, como de qualquer outra pessoa sobre a face da terra, do mais alto líder religioso ou político ao mais simples ser humano,
só tem uma única possibilidade: a confissão do Senhor Jesus Cristo, como Salvador, Senhor e Filho de Deus (21.9, Sl 118.26).
Capítulo 24
1 O primeiro Templo foi idealizado por Davi (2Sm 7.2; 1Cr 22.8,3; 2Sm 24.18-25). Entretanto, coube a Salomão (em hebraico
transliterado shelômõh, homem de paz), seu filho com Bate-Seba (2Sm 12.24), a honra da sua construção, que teve início no
quarto ano do seu reinado e foi concluída sete anos mais tarde. Mas o filho de Salomão, Reoboão, não deu a mesma atenção ao
Templo e sucessivas pilhagens ocorreram desde Sisaque, do Egito (1Rs 14.26), até a invasão de Nabucodonosor em 587 a.C.
(2Rs 25.9,13-17). Mesmo depois de sua destruição, alguns fiéis ainda iam oferecer sacrifícios entre suas ruínas (Jr 41.5). Hoje
em dia não há qualquer estrutura do antigo Templo de Salomão acima do nível do chão. Porém, curiosamente, sobre os seus
escombros foi construída a mesquita mulçumana, conhecida como “Cúpula da Rocha”, destaque na maioria dos cartões postais
de Israel (2Cr 3.1; 2Sm 24.24). O segundo Templo foi erguido por ocasião do retorno dos exilados da Babilônia, cerca de 537 a.C,
conforme autorização e ajuda de Ciro, rei da Pérsia, e do ministério de Neemias e Esdras (Nm 2.11-20). Toda a área teve de ser
limpa do entulho do primeiro Templo destruído (Ed 1; 3.2-10). A arca havia desaparecido no tempo do exílio e jamais foi encontra-
da. No lugar do candelabro de Salomão, com dez lâmpadas, foi colocado um novo, com sete hastes, juntamente com uma mesa
de ouro para os pães da proposição e o altar do incenso. Esses e outros objetos sagrados foram tomados como despojos pelo
rei da Síria, Antíoco IV Epifânio (entre 175 e 163 a.C.), o qual colocou um altar e uma estátua pagã no lugar santo, no dia 15 de
dezembro de 167 a.C. Os macabeus venceram os sírios e purificaram o Templo (1Macabeus 1.54; 4.35-59), substituindo todos os
seus móveis e transformando o Templo numa fortaleza que lhes permitiu resistir durante três meses ao cerco de Pompeu (63 a.C.)
quando foi, então, destruído (os livros dos Macabeus, com alguns outros, não são considerados canônicos, por isso não fazem
parte da maioria das Bíblias evangélicas em língua portuguesa, entretanto, muitos de seus relatos históricos são dignos de crédi-
to). A terceira construção, chamada de Templo de Herodes, começou no ano 19 a.C., mas seu motivo principal não foi glorificar
a Deus, e, sim, reconciliar os judeus com o seu rei gentio (idumeu). Mesmo assim, o rei teve grande cuidado com a reverência
ao Templo, convocou mil sacerdotes que foram treinados como pedreiros para conduzir a edificação do santuário, e procuraram
construir uma cópia do Templo de Salomão. Em uma área com mais de 144.000 m2, ergueu-se uma magnífica estrutura de
pedras creme, adornadas de ouro. Um muro feito com blocos de pedras com 60 cm de largura por até 5 metros de comprimento
circundava o Templo. Contudo, alguns anos após o término da construção, exatamente 40 anos depois da profecia de Jesus,
durante as celebrações da Páscoa judaica, as tropas do comandante romano Tito tomaram posição de combate, às portas de
Jerusalém. A cidade estava em festa e repleta de judeus de todas as partes. Os dois mais poderosos partidos judaicos, que deve-
riam estar atentos à defesa da cidade contra Roma, achavam-se em violenta guerra interna, a ponto de incendiarem os estoques
de alimentos um do outro. Somente quando os enormes aríetes dos romanos arrebentaram o primeiro portão de Jerusalém foi
que os políticos decidiram se unir contra o invasor. Tarde demais. Tito incendiou tudo, e até as pedras foram separadas para
colher o ouro derretido que se infiltrara nas junções. O comandante romano deixou apenas um resto da muralha, como símbolo
do aniquilamento de Israel, conhecido em nossos dias como ‘Muro das Lamentações’. Mais de um milhão de judeus morreram
naquela época. Todas as estradas que passavam por Jerusalém estavam tomadas por judeus crucificados. Os sobreviventes fo-
ram vendidos ou negociados como escravos. Israel desapareceu como nação e os judeus foram espalhados pelo mundo inteiro,
sob a maior humilhação já sofrida por um povo até nossos dias. Em homenagem à marcha triunfal de Tito, foi construído o arco
do triunfo, o “Arco de Tito”. Esse monumento persiste em Roma até hoje e mostra, em seus trabalhos de escultura, cenas das
legiões romanas carregando os objetos sagrados e valiosos do Templo, e os mais valorosos guerreiros judeus algemados. Tito
profanou o Templo, entrando no santo lugar, despojando todo o tesouro e utensílios preciosos, tais como o grande candelabro
de ouro maciço, uma réplica dourada da arca com os preciosos rolos sagrados da Lei, a mesa de ouro e muitos outros objetos
preciosos. Finalmente, o imperador Vespasiano, pai de Tito, declarou toda a nação de Israel como sua propriedade particular e
doou grandes propriedades a seus amigos e colaboradores, entre eles o conhecido historiador judeu e fariseu, Flávio Josefo, cujo
carisma e poder intelectual haviam conquistado a amizade do rei e a cidadania romana.
2 Jesus se retira do Templo e sobe com os discípulos em direção ao monte das Oliveiras - uma cordilheira, a leste de Jerusalém,
do outro lado do vale Cedrom, com quase dois quilômetros de extensão e cerca de 70 metros acima do nível da cidade (Mc
11.1). De agora em diante, nunca mais entrará no Templo. Tudo é parte da grande visão profética de Ezequiel, que viu a glória do
Senhor abandonar a cidade de Jerusalém e o Templo, mais precisamente em direção ao monte das Oliveiras (Ez 8.4-6). Naquele
momento estava se cumprindo a Palavra do Senhor que veio a Ezequiel em 592 a.C. Ao chegar ao alto do monte, Jesus lança
um último olhar sobre a cidade amada que o rejeitou. Ao pôr-do-sol, senta-se com seus discípulos e ficam observando a noite
chegar sobre o Templo e o povo de Jerusalém. Jesus não revela quando sucederão essas coisas, mas responde, em forma de
profecia, às demais questões: O fim dos tempos entre os versículos 4-14; a destruição de Jerusalém entre 15-22 (Lc 21.20), e o
glorioso retorno de Jesus Cristo entre 23-31.
3 A expressão grega, aqui transliterada por bdelugma tes eremoses vem do hebraico shiqquçe shõmem e significa: “a
profanação horrível”, “o sacrilégio terrível”, ou ainda, como em versões antigas: “o abominável da desolação”. Essas são formas
de traduzir o significado literal da frase original: “a coisa abominável que causa horror e repulsa” (Dn 9.27; 11.31; 12.11). Jesus
ressalta que os leitores do livro escrito pelo profeta Daniel poderão compreender melhor o que ele está dizendo. Jesus faz
referência a um tipo de idolatria tão perversa e antagônica a todos quantos crêem no Pai de Cristo, como ocorreu no ano 168 a.C.,
quando o rei Antíoco Epifânio erigiu um altar a Zeus no lugar do altar de Jeová (em hebraico transliterado por Yahweh –
1Macabeus 1.54-59; 6.7; 2Macabeus 6.1-5). Assim também aconteceu no ano 70 d.C., quando os romanos ofereceram sacrifícios
pagãos em Jerusalém, no lugar sagrado, ao proclamar Tito imperador supremo (2Ts 2.4; Ap 13.14-15). A história registra que
muitos cristãos e judeus, pouco antes do ano 70 d.C., lembraram-se das palavras de Jesus, cumpriram à risca as orientações
proféticas e tiveram suas vidas salvas daquelas catástrofes e perseguições. O Grande Retorno de Jesus, em glória, marca o final
da ordem mundana, na qual vivemos. Porém, antes disso, surgirão muitos enganadores, falsos messias (cristos), o tema guerra
e terrorismo dominará a mídia mundial, tribulações, terremotos, vulcões, tempestades, alterações na atmosfera, no clima, falsos
profetas por toda parte, multiplicação da iniqüidade (maldade) e da arrogância cientifica, lascívia, bestialidades, esfriamento do
amor e das virtudes morais e éticas. Todos esses são apenas sinais que criam o ambiente para a manifestação do maior dos
sinais: a pregação do Evangelho até os confins da terra (28.18-20). Então virá o fim.
4 A história registra que muitos cristãos, pouco antes do ano 70 d.C., fugiram de Jerusalém e se refugiaram nas montanhas
da Transjordânia, onde se localizavam as terras de Pella. Fuga semelhante haverá num período futuro de tribulação conhecido
como a 70a Semana de Daniel (Dn 9.27). Entretanto, aquelas pessoas que verdadeiramente crêem no Senhor (os salvos, a Igreja),
serão arrebatadas da terra no exato momento em que Cristo cruzar a atmosfera da terra. Os cristãos não precisarão fugir, apenas
devem perseverar até o Dia do Senhor.
5 Gestantes, idosos e pessoas com deficiência física terão maior dificuldade naqueles dias de tribulação e perseguição. Mateus,
como escreve principalmente aos judeus, observa os detalhes do inverno e do sábado, dia em que os judeus somente podiam
caminhar 800 metros.
6 O historiador judeu-romano Flávio Josefo foi testemunha ocular desta terrível tribulação e narra o episódio com palavras pareci-
das às de Jesus. Entretanto, aquela grande tribulação foi apenas mais um sinal da maior das tribulações ainda por vir (Dn 12.1).
7 Este último e terrível tempo de aflição será abreviado em relação ao que já havia sido pré-determinado nas profecias (como
a 70a Semana de Daniel – Dn 9.27, ou os 42 meses mencionados em Ap 11.2; 13.5). Os eleitos são o povo de Deus em todo o
mundo, a Igreja de Jesus Cristo.
8 Compare esta descrição com a pessoa do anticristo revelada em 2Ts 2.9-10.
9 Que ninguém se iluda. A segunda e definitiva volta de Jesus Cristo será um evento portentoso. Em segundos, a glória e o
brilho da sua presença varrerão o planeta, e os salvos (sua Igreja) serão arrebatados, sumindo instantaneamente de toda a terra.
(27, 31, 1Co 15.12; 1Ts 4.16,17). Jesus cita um antigo provérbio para explicar que seu glorioso retorno será tão certo quanto o es-
voaçar dos urubus (abutres: aves falconiformes e vulturídeas comuns no Oriente e Europa) sobre um cadáver. Ou seja, o mundo
está moribundo e os urubus já sobrevoam aqueles que morrerão e lhes servirão de banquete (Lc 17.37).
10 Fenômenos cósmicos acompanharão a volta triunfal do Filho do homem (Mc 8.31, Ap 1.7). O brilho, como um relâmpago,
que o mundo inteiro verá, é a Shekinah: a glória do Senhor (Is 13.10; 24.21-23; 34.4; Ez 32.7-8; Jl 2.10,31; 3.15; Am 8.9, 2Ts
1.6-10; Ap 19.11-16).
11 No Oriente as figueiras anunciam o início do verão, quando renovam seus ramos e novas folhas brotam. Esse evento é tão
certo e esperado quanto o será a volta de Cristo, e por isso todos os cristãos devem estar preparados para não serem apanhados
35 O céu e a terra passarão, mas as minhas 44Portanto, ficai igualmente vós alertas;
palavras jamais passarão. pois o Filho do homem virá no momento
em que menos esperais.14
Só Deus sabe o dia e a hora exatos
(Mc 13.32-37) O destino do bom e do mau servo
36 Entretanto, a respeito daquele dia e (Lc 12.42-46)
hora ninguém sabe, nem os anjos dos 45 Sendo assim, quem é o servo fiel e
céus, nem o Filho, senão exclusivamente sábio, a quem o senhor confiou os de
o Pai.12 sua casa para dar-lhes alimento no seu
37 Como aconteceu nos dias de Noé, devido tempo?
assim também se dará por ocasião da 46 Feliz aquele servo a quem o seu senhor,
chegada do Filho do homem. quando voltar, o encontrar agindo dessa
38 Porque nos dias que antecederam ao maneira.
Dilúvio, o povo levava a vida comendo 47 Com certeza vos afirmo que o senhor
e bebendo, casando-se e oferecendo-se confiará a seu servo todos os seus bens.
em matrimônio, até o dia em que Noé 48 Entretanto, supondo que esse servo,
entrou na arca, sendo mau, diga a si mesmo: ‘Meu se-
39 e as pessoas nem notaram, até que nhor está demorando muito’,
chegou o Dilúvio e levou a todos. Assim 49 e, por isso, passe a agredir os seus
ocorrerá na vinda do Filho do homem. conservos e a comer e beber com be-
40 Dois homens estarão na lavoura: um berrões.
será arrebatado, mas o outro deixado. 50 O senhor daquele servo virá num dia
41 Duas mulheres estarão trabalhando inesperado e numa hora que o servo
num moinho: uma será arrebatada, a desconhece.
outra ficará pra trás. 51 E o senhor o punirá com toda a seve-
42 Por isso, vigiai, porquanto não sabeis ridade e lhe dará um lugar ao lado dos
em que dia virá o vosso Senhor.13 hipócritas, onde haverá grande lamento
43 Contudo, entendei isto: se o proprie- e ranger de dentes.15
tário de uma casa soubesse a que hora
viria o ladrão, se colocaria em sentinela As virgens sábias e as tolas
e não permitiria que a sua residência
fosse violada. 25 Portanto, o Reino dos céus será
semelhante a dez virgens que pe-
de surpresa, como acontecerá com o mundo descrente. Jesus ainda afirma que a geração que presenciar o início dos sinais
também verá sua volta triunfal. A expressão “geração” (em grego antigo genea), também podia significar “raça” ou “família” e, por
certo, Jesus fez referência à profecia de que o povo judeu não seria exterminado da terra por mais que seus muitos inimigos, em
todas as épocas, tenham se empenhado nesse objetivo (Mc 13.30; Lc 21.32). As palavras de Jesus são todas mais verdadeiras
e duradouras que o Universo.
12 O Dia do Senhor é uma expressão que se refere ao AT como o dia em que Jesus voltará em glória para levar seu povo (a
Igreja) para a Nova Jerusalém (Am 8.3,9,13; 9.11; Mq 4.6; 5.10; 7.11). Mas o dia exato desse evento a ninguém foi revelado, e
Jesus, enquanto esteve na terra, também não pretendeu saber, pois decidiu em tudo obedecer ao Pai e viver pela fé como todo
ser humano deveria.
13 Jesus dedica seis parábolas para enfatizar a extrema necessidade da vigilância, enquanto estamos vivos na terra e ele não
retorna: O porteiro (Mc 13.35-37). O pai de família (Mt 24.43-44). O servo fiel (24.45-51). As dez virgens (25.1-13). Os talentos
(25.14-30). As ovelhas e os bodes (25.31-46). A vida passa, e passa muito rápido. É preciso estar com a consciência tranqüila de
que amamos ao Senhor e buscamos praticar sua vontade em todas as áreas de nossa vida íntima e relacional.
14 Jesus nos adverte de que perto da sua volta, o mundo estará descrente, religioso talvez, mas sem a convicção da salvação
nem da militância evangélica. O poder do sistema mundial forçará muitos religiosos a se afastarem de Deus e de sua Palavra.
Intérpretes de um “evangelho” que não é o de Cristo conduzirão milhões de pessoas à perdição. Até os cristãos fiéis correrão o
risco de ser enganados por um estilo de vida massificado pelo sistema (globalização do pensamento humanista, cético e hedonis-
ta) e serão apanhados de surpresa pela iminente volta do Senhor. Não é sábio tentar calcular a data do retorno de Jesus. É mais
errôneo, porém, negligenciar esse evento fatal. A expectativa da volta de Cristo confere senso de urgência e dinâmica à missão
evangélica em toda a terra. A parábola do “bom e mau servos” ensina como o filho de Deus deve viver sua vida cristã (45-51).
15 O contexto revela que “hipócrita” é aquele cuja vida prática não corresponde à sua alegada fidelidade a Cristo. A expressão
garam suas candeias e saíram para encon- 12 Contudo ele lhes respondeu: ‘Com
trar-se com o noivo.1 certeza vos afirmo que não vos conheço’.
2 Cinco delas eram sábias, mas outras 13 Portanto, vigiai, pois não sabeis o dia,
cinco eram inconseqüentes. tampouco a hora em que o Filho do
3 As que eram inconseqüentes, ao pega- homem chegará.4
rem suas candeias, não levaram óleo de
reserva consigo. O investimento dos talentos
4 Entretanto, as prudentes, levaram óleo 14 Digo também que o Reino será como
em vasilhas, junto com suas candeias.2 um senhor que, ao sair de viagem, con-
5 O noivo demorou a chegar, e todas fica- vocou seus servos e confiou-lhes os seus
ram com sono e adormeceram. bens.
6 À meia-noite, ouviu-se um grito: ‘Eis 15 A um deu cinco talentos, a outro, dois
que vem o noivo! Saí ao seu encontro!’ e a outro, um talento; a cada um con-
7 Então, todas as virgens acordaram e forme a sua capacidade pessoal. E, em
foram preparar suas candeias.3 seguida, partiu de viagem.5
8 As insensatas recorreram às sábias: ‘Dai- 16 O que havia recebido cinco talentos
nos um pouco do vosso azeite, porque as saiu imediatamente, investiu-os, e ga-
nossas candeias estão se apagando’. nhou mais cinco.
9 Porém as sábias responderam: ‘Não po- 17 Da mesma forma, o que recebera dois
demos, pois assim faltará tanto para nós talentos ganhou outros dois.
quanto para vós outras! Ide, portanto, 18 Entretanto, o que tinha recebido um
aos que o vendem e comprai-o’. talento afastou-se, cavou um buraco na
10 Mas, saindo elas para comprar, chegou terra e escondeu o dinheiro que o seu se-
o noivo. As virgens que estavam prepara- nhor havia confiado aos seus cuidados.
das entraram com ele para o banquete de 19 Após um longo tempo, retornou o se-
núpcias. E a porta foi fechada. nhor daqueles servos e foi acertar contas
11 Mais tarde, todavia, chegaram as vir- com eles.
gens imprudentes e clamaram: ‘Senhor! 20 Então, o servo que recebera cinco ta-
Senhor! Abre a porta para nós!’ lentos se aproximou do seu senhor e lhe
“ranger de dentes” só é usada em Mateus (8.12; 13.50; 22.13; 24.51; 25.30) e tem a ver com o profundo, doloroso e eterno arre-
pendimento que os incrédulos e os falsos cristãos (hipócritas) sentirão a partir do Dia do Senhor.
Capítulo 25
1 Havia duas fases nos casamentos judaicos típicos da época de Cristo. Na primeira, o noivo ia à casa da noiva e participava da
cerimônia de entrega da noiva. Na outra fase, o noivo voltava e a levava para um grande banquete em sua casa. As virgens eram
damas-de-honra e tinham o dever cerimonial de preparar a noiva para o encontro com o noivo.
2 Essas candeias eram grandes tochas, capazes de permanecer acesas ao ar livre, feitas com longas varas, com trapos
enrolados numa das pontas, embebidos em azeite de oliva. Pequenas candeias de barro eram comumente usadas no interior
das residências.
3 Quando o azeite era consumido pelo fogo cortavam-se as pontas chamuscadas dos trapos e adicionava-se mais óleo para
um novo período médio de iluminação de 15 minutos.
4 Essa parábola é continuação da mensagem de Jesus sobre a necessidade do cristão estar sempre preparado e vigilante, pois
a volta do Senhor é certa, repentina e iminente. Essa expectativa quanto ao glorioso retorno de Jesus confere ética, dinamismo e
senso de urgência à evangelização e ao estilo de vida cristão. A mensagem de Cristo é também um forte apelo aos israelitas em
todo o mundo, para que coloquem sua esperança no Noivo Eterno: O Senhor Jesus. Ele é o Messias prometido. A parábola das
dez virgens, como é conhecido este trecho das Escrituras, não está ensinando que Cristo arrebatará os atentos e preparados es-
piritualmente e deixará para trás “crentes” distraídos ou negligentes. Se cinco virgens ficaram sem óleo (o Espírito) é porque nun-
ca creram verdadeiramente no Senhor, pois todo o que crê – recebe o Espírito Santo – e será salvo (24.13; Jo 1.12; Hb 3.13-14).
5 Um talento correspondia à cerca de 35 quilos de prata pura, o equivalente a 6.000 denários (o denário, como já vimos, era uma
moeda de prata e valia um dia de trabalho de um soldado romano). Deus concede, aos cristãos, fé e capacidades espirituais para,
em primeiro lugar, compreenderem a pessoa e a obra do Seu Filho Jesus, e, em seguida, para servirem no Reino: testemunhando,
anunciando a Salvação e cooperando com o Corpo de Cristo, a Igreja. Curiosamente, o uso atual da expressão portuguesa
“talento”, significando o conjunto de dons, capacidades e habilidades de uma pessoa, originou-se com base nessa parábola
(Lc 19.13). Jesus não está ensinando que o julgamento das pessoas em geral e dos cristãos em particular tem algo a ver com
o esforço pessoal e o pleno uso dos dons e capacidades, pois o caminho da Salvação é bem diferente. O uso dos talentos é
entregou mais cinco talentos, informan- quem não tem, até o que tem lhe será
do: ‘O senhor me confiou cinco talentos; tirado.
eis aqui mais cinco talentos que ganhei’. 30 Quanto ao servo inútil, lançai-o para
21 Respondeu-lhe o senhor: ‘Muito bem, fora, às trevas. Ali haverá muito pranto e
servo bom e fiel! Foste fiel no pouco, ranger de dentes’.7
muito confiarei em tuas mãos para ad-
ministrar. Entra e participa da alegria do O juízo final
teu senhor!’. 31 Quando o Filho do homem vier em
22 Assim também, aproximou-se o que sua glória, com todos os anjos, então,
recebera dois talentos e relatou: ‘Senhor, se assentará em seu trono na glória nos
dois talentos me confiaste; trago-lhe céus.
mais dois talentos que ganhei’. 32 Todas as nações serão reunidas diante
23 O senhor lhe disse: ‘Muito bem, servo dele, e Ele irá separar umas das outras,
bom e fiel! Foste fiel no pouco, muito con- como o pastor separa os bodes das ove-
fiarei em tuas mãos para administrar. En- lhas.
tra e participa da alegria do teu senhor!’. 33 E posicionará as ovelhas à sua direita e
24 Chegando, finalmente, o que tinha os bodes à sua esquerda.
recebido apenas um talento, explicou: 34 Então, dirá o Rei a todos que estiverem
‘Senhor, eu te conheço, sei que és um ho- à sua direita:‘Vinde, abençoados de meu
mem severo, que colhe onde não plantou Pai! Recebei como herança o Reino, o
e ajunta onde não semeou. qual vos foi preparado desde a fundação
25 Por isso, tive receio e escondi no chão do mundo.
o teu talento. Aqui está, toma de volta o 35 Pois tive fome, e me destes de comer,
que te pertence’. tive sede, e me destes de beber; fui es-
26 Sentenciou-lhe, porém, o senhor: trangeiro, e vós me acolhestes.
‘Servo mau e negligente! Sabias que co- 36 Quando necessitei de roupas, vós me
lho onde não plantei e ajunto onde não vestistes; estive enfermo, e vós me cui-
semeei? dastes; estive preso, e fostes visitar-me’.
27 Então, por isso, ao menos devíeis ter 37 Então, os justos desejarão saber: ‘Mas,
investido meu talento com os banquei- Senhor! Quando foi que te encontramos
ros, para que quando eu retornasse, o com fome e te demos de comer? Ou com
recebesse de volta, mais os juros.6 sede e te saciamos?
28 Sendo assim, tirai dele o talento que 38 E quando te recebemos como estran-
lhe confiei e dai-o ao servo que agora está geiro e te hospedamos? Ou necessitado
com dez talentos. de roupas e te vestimos?
29 Pois a quem tem, mais lhe será con- 39 Ou ainda, quando estiveste doente ou
fiado, e possuirá em abundância. Mas a encarcerado e fomos ver-te?’.
apenas uma conseqüência natural na vida diária de quem já foi contemplado, abraçou a fé em Jesus e agora vive a alegria da
Salvação, mesmo em meio aos sofrimentos deste mundo. É um julgamento semelhante àquele pronunciado contra o convidado
que comparece à festa eterna sem vestir-se da justificação (salvação) em Cristo (22.12-14).
6 A palavra “banqueiro” vem do grego trapeza (mesa), e ainda hoje é comum ver essa palavra nas fachadas das instituições
financeiras na Grécia. Na época de Jesus, os “banqueiros” eram pessoas que ficavam sentadas atrás de pequenas mesas e
trocavam dinheiro (21.12). Outra palavra interessante é “juro”, que tinha o sentido de “prole”, ou seja, os juros eram considerados
“filhotes” do principal emprestado ou investido.
7 Os escravos foram libertos e elevados à posição de servos (mordomos), aos quais aquele senhor confiou todos os seus bens.
O servo que não fez uso do talento concedido, agiu assim porque não gostava do seu senhor e desconfiava dele. Não queria
trabalhar e se arriscar apenas para tornar o senhor mais rico. Preferiu a conveniência e a tranqüilidade de uma aparente isenção
de responsabilidade. Os dons e talentos de Deus multiplicam-se quando os utilizamos, pois transformam nossas vidas e ficamos
preparados para receber ainda mais da plenitude do Espírito Santo. O amor de Cristo em nós gera mais amor, a fé mais fé, o
caráter mais caráter de Deus nos crentes, e a obediência à Palavra do Senhor produz uma fonte de virtudes que influencia todo
o ambiente (2Pe 1.3-7).
8 Jesus ensina que o grande pecado do ser humano é a falta do exercício do amor verdadeiro: primeiro em relação ao seu
Criador e depois para com seu semelhante e próximo (Tg 4.1-17). Há duas interpretações escatológicas mais aceitas, sobre
esse aspecto do Julgamento: 1) Vai acontecer no início de um reino milenar na terra e definirá quem terá o direito de fazer parte
do Reino (vv.31,34), com base no tratamento dispensado ao povo israelense (“meus irmãos, mesmo que ao menor deles”
– vv.40-46) no período anterior à Grande Tribulação (vv.35-40, 42-45). 2) Para muitos estudiosos, o Julgamento ocorrerá diante
do Trono Branco no final dos tempos (Ap 20.11-15). Seu objetivo será identificar as pessoas de todas as épocas, culturas,
povos e nações que poderão ingressar no reino eterno dos salvos e aqueles que serão condenados a viver em punição eterna
no inferno (vv.34,36). A base desse julgamento definitivo será a atitude de amor com a qual, aqueles que afirmam crer em Deus,
trataram seus irmãos e semelhantes (1Jo 3.11-24).
Capítulo 26
1 Jesus deixou o templo para nunca mais voltar a ele (24.1). Com a saída de Jesus o templo perdeu sua característica de
habitação de Deus. Em frente ao templo, contemplando Jerusalém, Jesus prediz o futuro e seu glorioso retorno. Depois de um
período de grande atividade, chega o momento do silêncio e do sacrifício maior. Os Evangelhos não relatam quase nada sobre
a juventude de Jesus. Entretanto, narram a história do martírio e do holocausto do Salvador, praticamente, hora a hora. A Paixão
(o sacrifício) e a ressurreição, que inicialmente eram fatos enigmáticos e incompreensíveis para os apóstolos, tornam-se agora
o significado absoluto de suas vidas e obras. A Paixão de Cristo corresponde à Páscoa dos judeus (em hebraico Pêssach que
significa “passar por cima” ou “passar ao lado”): celebração do livramento do povo hebreu do jugo egípcio ocorrido há mais de
35 séculos (Êx 12.13,23,27). Os cordeiros (simbolização de Jesus Cristo) e os cabritos eram sacrificados, em penitência (arrepen-
dimento) pelos pecados cometidos, no dia 14 de Nisã (mês judaico por volta de março e abril). A refeição da Páscoa era comida
no fim dessa mesma tarde. Como o dia judaico começava após o pôr-do-sol do dia anterior, a Festa da Páscoa foi celebrada no
dia 15 de Nisã, uma quarta-feira. Em seguida ocorria a Festa dos Pães sem Fermento (ou Pães Asmos), durava mais sete dias, e
fazia parte das comemorações da Páscoa (Êx 12.15-20; 23.15; 34.18; Dt 16.1-8).
2 Os chefes dos sacerdotes, chamados de “principais” e os anciãos (sábios e líderes religiosos do povo), reuniram-se como
Sinédrio (Supremo Tribunal dos Judeus) no palácio de Caifás, saduceu, eleito sumo sacerdote (de 18 a 36 d.C), genro e sucessor
de Anás (Jo 18.13), que ocupou o cargo entre os anos de 6 a 15 d.C.
indignaram e comentaram: “Por que este gue?”. E lhe pagaram o preço: trinta moe-
desperdício? das de prata.
9 Porquanto esse perfume poderia ser 16 E, desse momento em diante, procu-
vendido por alto preço e o dinheiro dado rava Judas uma ocasião apropriada para
aos pobres!”. entregar Jesus.
10 Percebendo isso, Jesus repreendeu-os:
“Por que molestais esta mulher? Ela pra- A Ceia do Senhor
ticou uma boa ação para comigo. (Mc 14.12-26; Lc 22.7-23; Jo 13.18-30)
11 Pois, quanto aos pobres, sempre os 17 No primeiro dia da festa dos Pães
tendes convosco, mas a mim nem sem- Asmos, os discípulos aproximaram-se de
pre me tereis. Jesus e o consultaram: “Onde desejas que
12 Ao derramar sobre o meu corpo esse preparemos a refeição da Páscoa?”.
bálsamo, ela o fez como que preparando- 18 Ao que Jesus os orientou: “Ide à
me para o sepultamento.3 cidade, procurai um certo homem e
13 Com toda a certeza vos afirmo: Em falai a ele: ‘O Mestre manda dizer-te: É
todos os lugares do mundo, onde este chegada a minha hora. Desejo celebrar
evangelho for pregado, igualmente será a Páscoa em tua casa, juntamente com
contado o que essa mulher realizou, meus discípulos.’”
como um memorial a ela”. 19 Os discípulos fizeram como Jesus
lhes havia instruído e prepararam a
O pacto da traição Páscoa.4
(Mc 14.10-11; Lc 22.3-6)
14 E aconteceu que um dos Doze, chama- Jesus revela o traidor
do Judas Iscariotes, foi ao encontro dos (Mc 14.17-21; Lc 22.21-23; Jo 13.21-30)
chefes dos sacerdotes e lhes propôs: 20Ao pôr-do-sol, estava Jesus reclinado,
15 “O que me dareis caso eu vo-lo entre- próximo à mesa, com os Doze.5
3 Era costume, no antigo Oriente, ungir a cabeça dos convidados em dias festivos, que praticamente deitavam-se sobre um tipo
de almofada ou divã, ao redor de uma mesa bem mais baixa do que as nossas. Com o braço esquerdo se apoiavam sobre as al-
mofadas e com o direito se serviam dos alimentos. Davi escreve um poema em louvor a Yahweh (O nome impronunciável de Deus,
em hebraico: ), no qual descreve a felicidade que há na comunhão com Deus usando a metáfora de uma ceia preparada
pelo Senhor (Sl 23.5). Jesus foi visitar alguns amigos em Betânia, uma aldeia que distava cerca de 3 km de Jerusalém. O anfitrião,
Simão, fora curado de lepra por Jesus (Mc 14.3). Lázaro estava presente, Marta servia e Maria, irmã de Lázaro e Marta, assume a
responsabilidade da hospitalidade amorosa e reverente (Lc 7.46), mas realiza o ato tradicional à sua maneira. Um escravo ungiria
a cabeça do hóspede do seu senhor com óleo e lavaria seus pés com água. Maria ofereceu a mais preciosa e cara essência de
plantas (nardo, palavra persa nard que em sânscrito nalàdá significa “óleo perfumado”) importada da Índia (em grego Myrón).
Marcos (Mc 14.5) informa que o valor daquele alabastro (frasco de mármore lacrado e com gargalo longo, o qual era quebrado no
instante do uso, e cujo conteúdo devia ser todo consumido em uma só aplicação para não perder suas propriedades químicas e
aromáticas) era de 300 denários, o que correspondia ao salário anual de um trabalhador ou soldado romano (20.2; Jo 6.7). Maria
ungiu a cabeça e os pés de Jesus (Mc 14.3-9; Jo 12.1-8) realizando a cerimônia completa de honra e hospitalidade com a qual os
judeus deveriam acolher seus irmãos e amigos, numa demonstração de temor a Deus, humildade e amor ao próximo, princípios
básicos da Torá (os primeiros cinco livros da Bíblia, a Lei de Deus) e dos ensinos de Jesus (Lc 7.44; Jo 13.1-17). Considerando
que Judas traiu Jesus por cerca de 120 denários, é fácil imaginar sua irritação ao ver a atitude de Maria em relação unicamente à
pessoa de Cristo (Jo 12.4-5). Na época da Páscoa era um costume judaico presentear os pobres. Jesus aproveita para esclarecer
os discípulos e amigos quanto à proximidade do seu martírio, salientando que Maria havia compreendido verdadeiramente quem
é Deus, qual o sentido da adoração (que é consagrar a Deus os nossos mais caros afetos), e que estava cuidando da preparação
(somente os nobres tinham seu corpo embalsamado ou mumificado) do seu corpo para o sepultamento. Jesus ainda faz uma
alusão à Lei e afirma que a ajuda e o acolhimento aos mais necessitados é tarefa contínua do povo de Deus todos os dias do ano
(Dt 15.11). Jesus ergue um memorial a Maria, uma pessoa desconhecida na história, mas cujo ato inspira gerações e gerações
em todo o mundo, a ter uma visão correta e prática do que significa amar a Deus.
4 Os discípulos prepararam a Ceia conforme a orientação de Jesus e as prescrições da Lei (Êx 12.1-11) e tiveram de imolar o
cordeiro pascal. Jesus celebrou sua última Páscoa judaica com seus discípulos na véspera da data oficial, pois no dia do feriado
religioso e nacional que marca a Páscoa, Ele mesmo estaria sendo retirado, morto, da Cruz. O Cordeiro Pascal Imolado para a
Salvação de todo aquele que nele crer (Jo 1.12).
5 É interessante notar a ordem dos acontecimentos daquela noite: a refeição pascal; o ato de lavar os pés dos discípulos (Jo
13.1-20); a revelação de Judas como o traidor (Mt 26.21-25); a deserção de Judas (Jo 13.30); a instituição da Ceia do Senhor (Mt
26.26-29); os discursos no Cenáculo e a caminho do Getsêmani (Jo 14, 15 e 16); a oração sacerdotal de Jesus (Jo 17); a angústia
de Cristo no Getsêmani (Mt 26.36-46); o desfecho da traição e a prisão de Jesus (Mt 26.47-56).
6 Jesus não foi vítima involuntária das artimanhas do Diabo nem da inveja ou da avareza dos homens. Jesus não foi surpre-
endido pelos ardis do inferno nem pelas fraquezas da humanidade. Ele, por sua livre e espontânea vontade, se ofereceu em
obediência ao Pai e em sacrifício (holocausto) para resgate de todo o mundo. Jesus respondeu, decerto, a Judas em voz baixa,
para que os demais discípulos não ouvissem e viessem a impedir o intento do traidor.
7 O NT apresenta quatro relatos sobre a Ceia do Senhor (Mt 26.26-28; Mc 14.22-24; Lc 22.19,20 e em 1 Co 11.23-25). Lucas
e Paulo registraram a ordem de Jesus para que a Igreja continuasse a celebrar a Ceia, como um memorial, até a Sua volta
iminente. Jesus escolheu o pão sem fermento e o vinho comum para serem apenas símbolos (metáforas físicas) do que Ele é
para os crentes (todos os que crêem em Cristo) e do seu ato de sacrifício, para pagar o preço do pecado de todo ser humano.
Por isso, todos os seguidores de Jesus (discípulos) são convidados e devem participar da Ceia do Senhor todas as vezes em
que for celebrada, comendo do pão e tomando do vinho; com consciência pura diante de Deus (1 Co 11.28), louvor e esperança
no coração. A palavra “eucaristia” vem de um termo grego que significa “dar graças”. A primeira “Aliança” foi estabelecida pela
aspersão do sangue de animais sacrificados (Êx 24.8; Jr 31.31; Zc 9.11; Hb 9.19-28). A nova e derradeira “Aliança” foi instaurada
pelo próprio sangue do Filho de Deus, vertido sobre a verga e umbral da Cruz (Hb 8.7-13). Depois de cearem, Jesus e seus
discípulos cantaram um hino tradicional de louvor a Deus, baseado nos salmos 115 a 118, chamado em hebraico Hallel (Louvor)
da Páscoa. Em seguida partiram para o Getsêmani (nome que significa em hebraico “prensa de azeite”), espécie de grande pomar
localizado na encosta inferior do monte das Oliveiras, também chamado de “Jardim das Oliveiras”, um dos locais preferidos de
Jesus para oração e meditação (Lc 22.39; Jo 18.2) e onde se esmagava o fruto das oliveiras para a produção de azeite.
8 Todos os seguidores de Jesus, inclusive os discípulos mais chegados, abandonariam o Senhor antes do final daquela noite
(verso 56) conforme já havia sido profetizado (Zc 13.7).
9 Este é um dos trechos bíblicos onde a completa humanidade de Jesus é retratada com mais evidência (Hb 5.7). Jesus demons-
tra que o verdadeiro caráter de uma pessoa se revela nos momentos mais difíceis e dramáticos. Aprendemos também a aceitar
que haverá ocasiões em nossa vida em que teremos de enfrentar o sofrimento sem o apoio, conforto ou companhia dos amigos. O
Senhor, porém, estará sempre presente. Por isso Jesus pede que os discípulos vigiem com Ele. Não apenas para seu consolo, posto
que se afasta dos discípulos à distância de um arremesso de pedra (como se relata nos originais), mas para que eles pudessem se
preparar espiritualmente para a grande batalha. Jesus clama por seu Abba (em aramaico “pai querido”). Experimenta a fraqueza
humana ao extremo, mas sem pecar. Cita Sl 43.5. Busca a orientação e o consolo do Pai. Sente quão terrível é ficar sem o amparo
de Deus, ainda que por instantes, e assume sobre si todo o pecado que a raça humana deveria pagar por sua infidelidade para com
Deus, desde os primórdios (Gn 2.15-17; 3.22-24; 4.1-8). O ato de obediência amorosa e aceitação espontânea de Jesus no Getsê-
mani corresponde à tentação no deserto, quando Jesus rejeitou governar o mundo sem Deus. Agora Ele concorda em morrer por
nós com Deus. Por isso, sua morte e ressurreição foram ainda mais relevantes que sua vida de testemunho e milagres, ao contrário
de todos os líderes que a terra já conheceu (1Co 2.2). Contudo, o Pai não responde. O Filho, em agonia, insiste por três vezes (Lc
22.44). Deus fica em silêncio na imensidão da noite; os amigos dormem. Jesus compreende que a resposta às suas aflições já havia
sido dada (Hb 5.8; 12.2). O Pai tinha de permitir o cumprimento da história. Jesus se levanta da batalha, liberto dos seus temores e
aflições; consciente do alto preço a pagar, mas resoluto quanto à sua missão (Lc 22.22; Hb 9.14).
10 A frase de Jesus, nos melhores originais, indica não que ele tenha procurado fugir, mas, sim, que partiu e convocou seus
discípulos para se encontrarem com os oficiais que o procuravam.
11 Judas organiza sua emboscada contra Jesus acompanhado dos mais importantes sacerdotes, mestres da Lei e líderes religio-
sos do povo. E cerca de 500 policiais armados e serventes do Sinédrio (Tribunal), destinados a manter a ordem pública; soldados
especiais da corte romana (Jo 18.3), vindos da fortaleza de Antônia, equipados com armas e lanternas (apesar da forte lua cheia da
época), pois conheciam e temiam os poderes sobrenaturais de Jesus, embora Ele nunca os tenha usado em benefício próprio.
12 A palavra grega usada para descrever o beijo de Judas é kataphilein, o mesmo tipo de saudação calorosa com que o pai
51 Eis que um dos que estavam com Je- 58 Contudo Pedro seguiu a Jesus de longe
sus, estendendo a mão, puxou a espada até o pátio do sumo sacerdote, entrou e
e ferindo o servo do sumo sacerdote, sentou-se junto aos guardas, para sondar
decepou-lhe uma das orelhas. qual seria o fim daquela ocorrência.
52 Mas Jesus lhe ordenou: “Embainha 59 Mas os líderes dos sacerdotes e todo
a tua espada; pois todos os que lançam o Sinédrio estavam tentando suscitar
mão da espada pela espada morrerão! um falso testemunho contra Jesus, para
53 Ou imaginas tu que Eu, neste momen- que tivessem o direito de condená-lo à
to, não poderia orar ao meu Pai e Ele co- morte.14
locaria à minha disposição mais de doze 60 Todavia, nada encontraram, apesar
legiões de anjos? de se terem apresentado vários depoi-
54 Entretanto, como então se cumpririam mentos inverídicos. Ao final, entretanto,
as Escrituras, que afirmam que tudo deve compareceram duas testemunhas que
acontecer desta maneira?”. alegaram:
55 E naquele mesmo instante Jesus se dirige 61 “Este homem afirmou: ‘Tenho poder
às multidões indagando-lhes: “Lidero Eu para destruir o santuário de Deus e re-
algum tipo de rebelião, para que venham construí-lo em três dias’”.15
contra mim com espadas e porretes e me 62 Então o sumo sacerdote levantou-se e
prendam? Pois todos os dias estive ensinan- interrogou a Jesus: “Não tens o que res-
do no templo e vós não me prendestes! ponder a estes que depõem contra ti?”.
56 Todavia, esses fatos todos ocorreram 63 Mas Jesus manteve-se em silêncio.
em cumprimento às Escrituras dos Diante do que o sumo sacerdote lhe inti-
profetas”. E assim, todos os discípulos mou: “Eu te coloco sob juramento diante
abandonaram a Jesus e fugiram.13 do Deus vivo e exijo que nos digas se tu
és o Cristo, o Filho de Deus!”.16
Jesus diante do tribunal 64 “Tu mesmo o declaraste”, afirmou-
(Mc 14.53-65; Lc 22.63-71; Jo 18.12-14, 19-24) lhe Jesus. “Contudo, Eu revelo a todos
57Então, os que prenderam Jesus o con- vós: Chegará o dia em que vereis o
duziram à presença de Caifás, o sumo Filho do homem assentado à direita do
sacerdote, em cuja residência estavam Todo-Poderoso, vindo sobre as nuvens
reunidos os mestres da lei e os anciãos. do céu!”.
recebeu o filho pródigo (Lc 15.20). Apesar de Judas estar cometendo uma ofensa terrível, Jesus consegue ver na pessoa de
Judas a figura do ser humano distante de Deus: avarento, invejoso, arrogante, iludido, tresloucado e perdido; mas, ainda assim,
alguém a quem Jesus amava e considerava como membro da sua família de discípulos. Da mesma maneira o Senhor amou os
seus próprios algozes (Lc 23.34) e pela salvação de todos nós se entregou (Lc 15.1-2; Jo 3.16).
13 O discípulo amado, João, escrevendo seu Evangelho, após a morte dos protagonistas, esclarece que foi Pedro quem, num
golpe de espada, cortou fora a orelha de Malco, um dos servos do sumo sacerdote (Jo 18.10). Jesus declara que poderia receber
de Deus uma ajuda imediata, com mais de 72.000 anjos (considerando que, naquela época, uma legião era formada por até 6.000
soldados). Lembremos que apenas um anjo foi suficiente para ferir todo o Egito (Êx 12.23-27) e libertar o povo de Israel do cativei-
ro. Jesus estava consciente de que a vontade do Pai deveria ser cumprida em todos os detalhes (Zc 13.7). Aceitou tomar o cálice
do sacrifício histórico e servir de holocausto para a libertação do crente (toda pessoa que crê em Sua obra vicária e Palavra).
14 O julgamento de Jesus foi injusto e ilícito por vários motivos, especialmente por ter ocorrido durante a noite e com
testemunhas e acusações forjadas, contrariando as leis judaicas (Dt 19.15) e romanas da época. Jesus foi levado primeiro para
uma audiência perante Anás, ex-sumo sacerdote (Jo 18.12-14, 19.23); depois para julgamento diante de Caifás, sumo sacerdote
em exercício e genro de Anás, e do Supremo Concílio Judaico, chamado de Sinédrio (26.57-68; 27.1). Em seguida, levado ao
julgamento romano, diante de Pilatos (Mc 15.2-5), depois levado à presença de Herodes Antipas (Lc 23.6-12), retornando à
presença de Pilatos (Mc 15.6-15) para conclusão e condenação final.
15 Obrigar um réu a declarar algo sob juramento diante de Deus era uma atitude ilícita, claramente expressa na jurisprudência
israelita, que não tolerava qualquer tipo de tortura ou coação moral e religiosa.
16 Jesus jamais fez tal afirmação. As falsas testemunhas distorceram as palavras de Jesus (Jo 2.19), para forjar uma acusação
de blasfêmia, cuja pena era a morte.
65 Diante disso, o sumo sacerdote rasgou 74 Então, ele começou a jurar e a pedir
as suas vestes denunciando: “Ele blasfe- a Deus que o amaldiçoasse caso não es-
mou! Por que necessitamos de outras tivesse dizendo a verdade, e exclamou:
testemunhas? Eis que acabais de ouvir tal “Não conheço esse homem!”. No mes-
blasfêmia!”.17 mo instante um galo cantou.
66 “Que vos parece?”. Responderam eles: 75 E naquele momento, Pedro se lembrou
“Culpado e merecedor de morte é!”. da palavra de Jesus que lhe advertira:
67 Neste momento, alguns cuspiram em “Antes que o galo cante, tu me negarás
seu rosto e o esmurravam, enquanto ou- três vezes.” E, deixando aquele lugar,
tros lhe desferiam tapas, vociferando: chorou amargamente.20
68 “Profetiza-nos, pois, ó Cristo, quem é
que te bateu?”.18 Jesus é levado a Pilatos
(Mc 15.1; Lc 23.1-2; Jo 18.28-32)
Quando Pedro negou a Jesus
(Mc 14.66-72; Lc 22.54-62; Jo 18.15-18, 25-27)
69 Pedro encontrava-se assentado do lado
27 Assim que o dia amanheceu, to-
dos os chefes dos sacerdotes, e os
líderes religiosos, anciãos do povo, cons-
de fora da casa, no pátio, quando uma piraram para condenar Jesus à morte.1
criada, aproximando-se dele, afirmou: 2 Então, amarrando-o, levaram-no e o
“Tu também estavas com Jesus, o galileu!”. entregaram a Pilatos, o governador.2
70 Ele, entretanto, negou a Jesus perante
todos os presentes, declarando: “Não sei Judas com remorso suicida-se!
do que falas.”. 3 E sucedeu que Judas, seu traidor, ao ver
71 E, saindo em direção à entrada do que Jesus havia sido condenado, sentiu
pátio, foi ele reconhecido por outra terrível remorso e procurou devolver
criada, a qual o denunciou a todos que ali aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos as
se achavam, exclamando: “Este homem trinta moedas de prata.
estava com Jesus, o Nazareno!”. 4 E declarou: “Pequei, pois traí sangue
72 Mas Pedro, sob juramento, o negou inocente”. Mas eles alegaram: “O que
uma vez mais, afirmando: “Não conheço temos a ver com isso? Esta é tua ques-
tal indivíduo”.. tão!”.
73 Algum tempo mais tarde, os que esta- 5 Judas atirou então as moedas de prata
vam ao redor aproximaram-se de Pedro dentro do templo e, abandonando aque-
e o acusaram: “Com toda a certeza és le lugar, foi e enforcou-se.
igualmente um deles, porquanto o teu 6 Entretanto, os chefes dos sacerdotes
modo de falar o denuncia”.19 ajuntaram as moedas e comentaram: “É
17 O sumo sacerdote era proibido pela lei de agir dessa maneira e com tamanha força emocional (Lv 10.6); mas, para caracterizar
seu horror diante do suposto pecado de infâmia e jogar o público presente contra Jesus, ele se permitiu o chamado “ato extremo”.
18 Marcos informa que vendaram os olhos de Jesus (Mc 14.65), o que explica a provocação em tom de zombaria.
19 Pedro, como Jesus, tinha um sotaque indiscutivelmente galileu, facilmente identificado pelos naturais de Jerusalém.
20 A seqüência de erros cometidos por Pedro tem muito a nos ensinar: 1) Demasiada autoconfiança e falta de humildade (v.33).
2) Desobediência ao pedido de Jesus para dedicar-se à vigilância e oração (vv.40-44). Esquecimento quanto às advertências e
conselhos de Jesus (v.75; conforme v.34). Conclusão: grandes quedas na vida cristã são conseqüência da prática de pequenos
erros despercebidos ou tratados com displicência.
Capítulo 27
1 Como a Lei não permitia que o Sinédrio (Supremo Tribunal dos Judeus) tivesse reuniões juridicamente válidas, durante a noite, for-
mou-se um outro conselho logo ao nascer do dia com o propósito de oficializar a acusação de “traição” perante a autoridade civil (Lc
23.1-14), mais incriminadora para os romanos do que “blasfêmia” para os juízes judeus; e assim, levar Jesus à sentença de morte.
2 O Sinédrio tinha sido destituído pelo governo romano do seu poder de condenar qualquer cidadão à pena de morte. Por
esse motivo, Jesus só poderia ser executado por ordem expressa de Pilatos, o governador romano da Judéia (26 a 36 d.C.). Sua
residência oficial ficava em Cesaréia, no litoral do Mediterrâneo. Quando visitava Jerusalém, especialmente nas festas nacionais,
para garantir a ordem e ostentar o domínio de Roma, hospedava-se no deslumbrante palácio erguido por Herodes, o Grande,
localizado a oeste do Templo, onde presidiu o julgamento romano de Jesus.
3 Lucas (At 1.18) informa que Judas comprou um terreno argiloso (Campo de Sangue ou Vale da Matança de Jr 19.1-13 com
Zc 11.12,13 e Jr 18.2-12 com Jr 32.6-9), pois pela lei judaica considerava-se a aquisição em nome da pessoa da qual provinha
o dinheiro, mesmo no caso de falecimento. Enforcou-se e foi empalado (suplício persa usado algumas vezes pelos exércitos
israelenses, Gn 40.19; Et 2.23, e que consistia em espetar o condenado em uma estaca, pelo ânus, deixando-o assim até morrer).
Quando seu corpo caiu apodrecido sobre a terra, partiu-se ao meio. Mateus faz alusão a dois textos do AT para revelar o cumpri-
mento desta terrível profecia (Jr 32.6-9 e Zc 11.12-13). Era comum citar-se o profeta maior quando se combinavam seus escritos
com profetas menores (assim como Marcos 1,2,3 cita Ml 3.1 e Is 40.3, mas atribui todo o texto a Isaías). Judas sempre teve olhos
somente para si mesmo e seus interesses. Por isso, em vez de chorar e se arrepender como Pedro, não consegue tirar os olhos
de si mesmo e do seu pecado e só viu a morte como solução. Exatamente o que o Diabo espera que todo ser humano faça.
4 Flávio Josefo, historiador judeu que viveu em Roma entre os séculos I e II d.C.; narra vários atos de impiedade e falta de
sabedoria de Pilatos, cujo principal registro na história está ligado exclusivamente à sua atuação na condenação de Jesus. Pilatos
desviava fundos do templo, massacrou alguns samaritanos sem um julgamento justo, foi deposto pelos romanos e suicidou-se
entre os anos 31 e 41d.C.
5 Pilatos era muito supersticioso e pesou-lhe o sonho de sua esposa pagã. Além disso, o nome “Barrabás” em aramaico
significa “filho do pai” e Jesus era conhecido como “Filho do Pai” em relação a Deus. Pilatos percebeu a divindade de Jesus
(Jo 19.11-12). Tentou aproveitar a tradição do indulto de Páscoa para influenciar a multidão a pedir a libertação de Jesus. Mas
o povo, atiçado pelos sacerdotes e anciãos, sedento pela volta do bandido zelote (Mc 15.7,27; Jo 18.40) às suas atividades
subversivas contra Roma, rejeita o “Filho de Deus” e aclama o “filho do homem pecador”. A humanidade, narcisista e hedonista,
tende a ignorar o verdadeiro Deus e seus profetas e se entrega nas mãos de sua própria imagem e caráter, de um seu semelhante
induzido pelo Diabo.
6 Pilatos, de sua cátedra (trono, cadeira, estrado) de juiz, evoca uma tradição judaica de obediência à Lei de Moisés (Dt 21.1-9),
numa tentativa de esquivar-se da responsabilidade de condenar um justo à pena de morte, ainda mais sendo o “Filho de Deus”.
Entretanto, uma pequena multidão ensandecida tomou para si e para seus descendentes todo o ônus daquele julgamento injusto.
Alguns líderes justos se manifestaram contra, mas não foram ouvidos (Lc 23.51). Cerca de 40 anos mais tarde, mesmo antes do
cerco a Jerusalém, o sangue dos judeus jorrava por todo país. Ao final do ano 66 foram trucidados mais de 20.000 judeus em
Cesaréia, por seus próprios concidadãos gentios. Em Citópolis os sírios massacraram 13.000 judeus. Em Alexandria, mais de
50.000 judeus foram chacinados por cidadãos gregos e soldados romanos, e suas casas, reduzidas a cinzas. O massacre em Je-
rusalém não poupou nem os bebês. O próprio pátio do templo virou um lago de sangue. Durante o sítio, os poucos sobreviventes
esfomeados eram forçados a roer as próprias sandálias e cintos de couro. Diariamente mais de 500 judeus morriam crucificados,
até que não houvesse mais madeira para confeccionar cruzes. Segundo o historiador Flávio Josefo, mais de um milhão de judeus
foram mortos durante todo o período do sítio romano. Cerca de 97.000 homens jovens que sobreviveram foram vendidos como
escravos, transformados em gladiadores ou morreram na arena do anfiteatro, lutando contra animais ferozes.
7 Pilatos tenta evitar a morte “do divino”, como teria se referido ao Senhor mais tarde, e saciar a sede sanguinária da multidão,
submetendo Jesus a uma terrível sessão de açoites. Esse tipo de castigo era tão cruel que fora proibido aos cidadãos romanos, sob
qualquer motivo. Apenas escravos e provincianos eram chicoteados como preparação para a crucificação. Os chicotes eram feitos
de finas tiras de couro duro, trançadas com pedaços de osso, chumbo e espinhos agudos e venenosos. O martírio de Policarpo, por
exemplo, é descrito nos documentos da comunidade de Esmirna como: “dilacerado pelos açoites, a ponto de ser possível ver os
vasos sanguíneos interiores e a estrutura do seu corpo”. Eusébio relata sobre o flagelo do cristão Doroteu, sob Diocleciano: “até seus
ossos ficaram expostos”. Por isso, eram comuns os flagelados morrerem antes da crucificação. Mas Jesus suportou tudo em silêncio
(Is 53). Muito sacrifício foi oferecido para que os discípulos de hoje possam servir a Cristo com liberdade e alegria.
8 O Pretório era a fortaleza de Antônia, residência de Pilatos quando estava em Jerusalém. Dizia-se que uma “tropa” ou “coorte”
era composta de um décimo dos soldados que formavam uma “legião”, algo entre 360 e 600 homens.
9 Tem início a via crucis ou via-sacra, o caminho da cruz. O Talmude relata que era costume oferecer ao condenado, antes
da crucificação, uma bebida anestesiante, que algumas mulheres piedosas de Jerusalém mandavam preparar às suas custas.
Entretanto (v.34), Jesus nega-se a aceitar esse tipo de alívio (Sl 69.19-21; Pv 31.6; Mc 15.23). A cruz era composta de duas peças
de madeira, uma viga vertical staticulum e outra horizontal antenna. Na primeira, mais ou menos no centro, era fixado um pino de
madeira, chamado de cornu chifre, sobre o qual o crucificado ficava montado. Os crucificados viviam em média cerca de doze
horas. A febre que logo se manifestava causava um tipo de sede ardente. A crescente inflamação das feridas nas costas, mãos
e pés, o ataque dos insetos e aves carniceiras que se aproximavam devido ao odor de sangue e dos excrementos, assim como
a pressão do fluxo sanguíneo contra a cabeça, o pulmão e o coração, e o inchaço de todas as veias provocavam a mais horrível
agonia e dor. Cícero dizia: “A crucificação é o mais cruel e terrível dos castigos”. A execução tinha de ocorrer fora da cidade (Lv
33 Chegaram a um lugar conhecido como dadeiramente por ele tem piedade, pois
Gólgota, que significa Lugar da Caveira.10 afirmou: ‘Sou Filho de Deus!’”.
34 Deram-lhe para beber uma mistura 44 Igualmente o ultrajavam os ladrões
de vinho com absinto; mas ele, depois de que ao seu lado haviam sido também
prová-la, negou-se a beber. crucificados.11
35 E aconteceu que após sua crucificação,
dividiram entre si as roupas que lhe per- A morte de Jesus na cruz
tenciam, jogando sortes. (Mc 15.33-41; Lc 23.44-49; Jo 19.28-30)
36 E se acomodaram ali, para o vigiar. 45 Então, profundas trevas caíram por
37 Acima de sua cabeça fixaram por es- sobre toda a terra, do meio-dia às três
crito a acusação forjada contra ele: “ESTE horas da tarde daquele dia.12
É JESUS, O REI DOS JUDEUS”. 46 E, por volta das três horas da tarde, Jesus
38 Dois ladrões foram crucificados com ele, clamou com voz forte: “Eloí, Eloí, lamá
um à sua direita e outro à sua esquerda. sabactâni?”, que significa “Meu Deus, Meu
39 As pessoas que passavam lançavam- Deus! Por que me abandonaste?”.
lhe impropérios, balançando a cabeça. 47 Mas alguns dos que ali estavam, ao
40 E exclamavam: “Ó tu que destróis o ouvirem isso, comentaram: “Ele chama
templo e em três dias o reconstróis! Ago- por Elias”.13
ra salva-te a ti mesmo. Desce desta cruz, 48 Sem demora, um deles correu em
se és o Filho de Deus!”. busca de uma esponja, embebeu-a em
41 Do mesmo modo, os chefes dos sa- vinagre, colocou-a na ponta de um
cerdotes, os mestres da lei e os anciãos caniço, ergueu-a até Jesus e deu-lhe a
zombavam dele, vociferando: beber.
42 “Salvou a muitos, mas a si mesmo não 49 Entretanto, os outros o censuraram:
pode salvar-se. É o Rei de Israel! Desça “Deixa! Vejamos se Elias vem livrá-lo”.
agora da cruz, e passaremos a crer nele. 50 Então Jesus exclamou, uma vez mais,
43 Pregou sua confiança em Deus. Então em alta voz e entregou o espírito.14
que Deus o salve neste instante, se ver- 51 No mesmo instante, o véu do santu-
24.14), como um sinal da exclusão da sociedade humana (Hb 13.12). João relata que Jesus saiu da cidade (Jo 19.17) e, segundo
o costume (Mt 10.38), carregou pessoalmente sua cruz. Um seu discípulo africano, chamado Simão, de Cirene (região localizada
na Líbia, onde viviam muitos judeus), foi constrangido (em grego, engareusan – palavra que tem a ver com o costume militar
romano de obrigar os civis a entregar cartas) a seguir o caminho do Calvário, carregando a cruz de Jesus. Mais tarde, Simão e
sua família serviram à comunidade cristã que se formava (Mc 15.21; At 6.9; Rm 16.13).
10 A palavra Gólgota é a tradução latina do nome em aramaico da nossa palavra Calvário. Um monte fora dos muros de Jeru-
salém, que, visto de longe, se assemelha a uma caveira humana.
11 Jesus, Deus encarnado, foi cravado e erguido numa cruz entre o céu e a terra, fora da sua cidade amada, como sinal de
vergonha e horror, com uma acusação escrita nas três principais línguas da sua época. Posto entre dois criminosos, foi escar-
necido principalmente pelos mais religiosos e conhecedores das Escrituras. Cumpriram-se todas as profecias sobre o Messias,
notadamente as descritas por Davi no Salmo 22 (mil anos antes do nascimento de Jesus). Cristo morreu pelos nossos pecados
(1Co 15.3-4). Felizes são os que, humildemente, reconhecem esse fato.
12 Jesus foi crucificado às 9 horas da manhã (a terceira hora dos judeus da época, contada desde o raiar do sol). Ao meio dia (12
horas), densas trevas cobriram a terra. Às três da tarde Jesus expirou. As sete frases que Jesus pronunciou durante essas seis horas
de martírio, estão registradas na seguinte ordem: Lc 23.34; Jo 19.26-27; Lc 23.43; Mt 27.46; Jo 19.28; Jo 19.30 e em Lc 23.46.
13 Jesus, num último fôlego, brada em seu dialeto de família, aramaico nazareno, o início do Salmo 22. Chegamos ao mais
profundo do mistério da redenção. O Filho de Deus e Filho do homem experimenta a terrível e momentânea separação do Pai,
para que seu sacrifício pudesse ser aceito e consumado em resgate de todos os que nele cressem em todas as eras (2Co 5.21).
Os circunstantes não compreenderam bem essas palavras e deduziram que Jesus chamava por Elias.
14 Cristo não foi morto diretamente por alguém ou vencido por qualquer infecção (comum aos crucificados na época). Ele, vo-
luntariamente, e no auge do seu poder espiritual entregou a sua vida humana (Jo 19.31-37). Depois do seu brado de vitória, Jesus
explode seu próprio coração. Especialistas afirmam que foi por isso que, ao perfurarem seu lado com uma lança, imediatamente
verteu uma mistura de sangue coagulado e soro (este tem aparência de água). Esse quadro clínico ocorre nos casos de ruptura
ário rasgou-se em duas partes, de alto a qual ele próprio havia mandado cavar na
baixo. A terra estremeceu, e fenderam-se rocha. E, fazendo rolar uma grande pedra
as rochas.15 sobre a entrada do sepulcro, retirou-se.
52 Os sepulcros se abriram, e os corpos 61 Estavam ali, assentadas em frente ao se-
de muitos santos que haviam morrido pulcro, Maria Madalena e a outra Maria.
foram ressuscitados.
53 E, deixando as sepulturas, logo após a Pilatos manda vigiar o sepulcro
ressurreição de Jesus, entraram na cidade 62 No dia seguinte, isto é, no sábado,
santa e apareceram para muitas pessoas. reuniram-se os principais sacerdotes e
54 E aconteceu que o centurião e os que os fariseus e foram até Pilatos e argu-
com ele vigiavam a Jesus, vendo o terremo- mentaram:
to e tudo o que se passava, foram tomados 63 “Senhor, recordamo-nos de que aque-
de grande pavor e gritaram: “É verdade! É le enganador, enquanto vivia, prometeu:
verdade! Este era o Filho de Deus!”. ‘Passados três dias ressuscitarei’.
55 Estavam presentes várias mulheres, 64 Manda, portanto, que o sepulcro dele
observando de longe; eram discípulas, seja guardado até o terceiro dia, para que
que vinham seguindo Jesus desde a Ga- não venham seus discípulos e, raptando
liléia, para o servirem.16 o corpo, proclamem ao povo que ele
56 Entre as quais estavam Maria Mada- ressuscitou dentre os mortos. E esta der-
lena; Maria, mãe de Tiago e de José; e a radeira fraude cause mais dano do que a
mãe dos filhos de Zebedeu. primeira”.
65 Ao que ordenou Pilatos: “Levai con-
O sepultamento do corpo de Jesus vosco um destacamento! Ide e guardai o
(Mc 15.42-47; Lc 23.50-56; Jo 19.38-42) sepulcro como melhor vos parecer”.
57 Ao pôr-do-sol chegou um homem rico, 66 Seguindo eles, organizaram um siste-
de Arimatéia, por nome José, o qual havia ma de segurança ao redor do sepulcro. E
se tornado discípulo de Jesus. além de manterem um destacamento em
58 Teve ele uma audiência com Pilatos plena vigilância, lacraram a pedra.17
para pedir-lhe o corpo de Jesus, e Pilatos
ordenou que lhe fosse entregue. Jesus foi ressuscitado!
59 Então, José tomou o corpo e o envol- (Mc 16.1-8; Lc 24.1-12; Jo 20.1-9)
veu com um lençol limpo de linho.
60 E o colocou em um sepulcro novo, o 28 Tendo passado o sábado, ao raiar
do primeiro dia da semana, Maria
do pericárdio (o tecido celular que reveste o exterior do coração). Esse episódio anula uma teoria surgida no século XIX, a qual
tentando explicar a ressurreição, alegava que Jesus desmaiou nesse momento, para então despertar no túmulo.
15 Desde Moisés sempre houve, no santuário, uma cortina (véu) de tecido que separava o ambiente do Santo dos Santos (Êx
26.37; 38.18; Hb 9.3). Lugar sagrado onde ninguém podia entrar a não ser o sumo sacerdote, e este apenas no Dia da Expiação.
Este acontecimento foi trágico para os judeus, mas um grande sinal para os cristãos de todos os povos, culturas e épocas: Em
Cristo ficou abolida toda e qualquer separação entre o pecador arrependido (adorador) e Deus, nosso Pai (Jo 14.6). O fato de o
véu ter-se partido de alto a baixo, sem contato humano, demonstra que o próprio Senhor abriu um novo e vivo caminho para Sua
Santa presença (Hb 10.20; Ef 2.11-22). E muitos vieram a ser reconciliados para sempre com Deus (At 6.7).
16 Jesus sempre tratou as mulheres com o respeito e a dignidade que Deus requer, diferentemente da forma como os homens
as tratavam em sua época. Era proibido às mulheres aproximarem-se do crucificado. Aquela cena foi um escândalo. Várias dis-
cípulas seguiram o Senhor desde o início do seu ministério, na Galiléia, e permaneceram servindo até sua morte e novo começo
(28.1; Jo 20.11-18). O perfeito amor lança fora o medo (1Jo 4.18).
17 Dois juízes e membros do Sinédrio, que não compactuaram com a condenação de Jesus, José, da cidade de Arimatéia
(uma próspera aldeia montanhosa a cerca de 32 km ao noroeste de Jerusalém) e Nicodemos (Jo 19.38-39), cuidaram do sepul-
tamento de Cristo. Trataram das formalidades civis, das despesas, e proveram um túmulo novo (Is 53.9), nunca antes usado, que
pertencia a José de Arimatéia e localizava-se no monte do Calvário (Jo 19.41). Os líderes civis e religiosos, para evitar qualquer
tentativa de remoção do corpo e possível versão sobre a ressurreição do Mestre, violaram o sábado de Páscoa para tomar todas
as providências necessárias e vigiar a área do túmulo.
1 Conforme o horário judaico, o domingo começava logo após o pôr-do-sol do sábado. Lucas nos informa que Maria Madalena
e Maria, mulher de Clopas (Lc 24.1; Jo 19.25) saíram de madrugada, ainda escuro (Jo 20.12), para visitar o corpo de Jesus,
lamentar e ungi-lo com mais especiarias. Chegaram ao túmulo com os primeiros raios da aurora na esperança de que lhes fosse
autorizada a entrada para a continuação do ritual fúnebre (período de luto) judaico da época (Mt 28.1; Mc 16.2-3).
2 Deus manda seus anjos anunciarem o nascimento e a ressurreição de Jesus. Ele é concebido e ressuscitado pelo poder do
Altíssimo (Lc 1.35; Rm 6.4; Ef 1.20). Essas mensagens são comunicadas em primeiro lugar a mulheres devotas e humildes e que
receberam um nome simples, mas conhecido em todo o mundo: Maria (forma helenizada do nome hebraico Miriã, que foi derivado
de um antigo vocábulo egípcio Marye, e que significa: princesa, amada, mulher de esperança). O anjo não rolou a pedra para que
Jesus saísse do sepulcro, a pedra foi rolada para que as mulheres e, mais tarde, outras pessoas, entrassem e verificassem o túmulo
vazio, o selo (lacre estatal feito com cordas que envolviam a pedra e eram atadas ao sepulcro com as marcas de Roma e do Sinédrio)
rompido e nenhum outro sinal ou dano. Séculos mais tarde, expedições arqueológicas, como as organizadas pelo General Christian
Gordon, localizaram esse túmulo e confirmaram algumas alterações para acomodar um corpo maior do que o de José de Arimatéia
(segundo a tradição de baixa estatura). Contudo, análises físicas e químicas jamais atestaram qualquer vestígio de restos mortais na
sepultura. O túmulo era novo quando foi oferecido para sepultar o corpo do Senhor e continuou novo após sua ressurreição.
3 Agostinho (354-430 d.C.) observou: “Se acordados, por que permitiram a alguém raptar o corpo de Jesus? E, se dormindo,
como podiam declarar que foram os discípulos?” De qualquer modo seriam todos condenados à morte, não fosse o interesse dos
19 Portanto, ide e fazei com que todos os 20 ensinando-os a obedecer a tudo quanto
povos da terra se tornem discípulos, ba- vos tenho ordenado. E assim, Eu estarei
tizando-os em nome do Pai, e do Filho, e permanentemente convosco, até o fim
do Espírito Santo; dos tempos”.4
líderes religiosos judaicos em divulgar uma falsa versão sobre o desaparecimento do corpo de Cristo e levar a população a não
crer na intervenção divina, presenciada por soldados e discípulos, nas primeiras horas daquele domingo no monte Calvário.
4 Jesus recebeu todo o poder de Deus (em grego ) e do Senhor Ressuscitado parte a ordem plenipotenciária: Ide! (lite-
ralmente “indo”, em grego ~). Agora esse “envio” não é provisório, limitado e transitório como em Mt 10, mas definitivo,
ilimitado e permanente. Rompeu-se o estreitamento étnico das sinagogas e abriu-se a Salvação (comunhão com Deus) para
todos os povos, raças e culturas. A comunidade de Jesus que abrange o mundo inteiro substituiu a “velha aliança” pela “nova
aliança”, que congrega toda e qualquer pessoa cujo coração creia no Senhor para ser convertido em discípulo. Jesus ensinou e
demonstrou com a sua própria vida o que significa ser um discípulo do Senhor (obediência a Deus). A tríplice ordem missionária
(discipular, batizar e ensinar a discipular) é emoldurada pela garantia da onipresença de Jesus na alma daquele que crê (o crente).
A essência da Igreja de Jesus é que o Ressuscitado continua vivo e atuante no indivíduo e na comunidade. Ao orarmos, não é
mais necessário buscarmos a Deus nos céus, mas, sim, em nossos corações. A promessa da presença contínua de Deus é a
chave de ouro com a qual vários livros da Bíblia são concluídos (Êx 40.38; Ez 48.35; Ap 22.20).
Jesus, após ressuscitar, apareceu a várias pessoas em diversas ocasiões: a Madalena (Jo 20.11-18), a algumas discípulas
(28.9-10), aos discípulos a caminho de Emaús (Lc 24.13-33), a Pedro (Jo 21.15-19; Lc 24.34-35), a dez discípulos no Cenáculo (Jo
20.19), aos onze discípulos (Jo 20.24-29), a sete discípulos na Galiléia (Jo 21.24-29), aos onze no monte, na Galiléia (Mt 28.16-17),
a Tiago e a todos os apóstolos (1Co 15.7), a uma multidão no monte das Oliveiras (Lc 24.44-49), ao apóstolo Paulo (At 9.3-8).
MARCOS
Autoria
Desde os primeiros séculos a Igreja Cristã atribui a autoria do segundo evangelho do Novo Tes-
tamento a João Marcos, filho de Maria, uma mulher de posses e muito prestígio em Jerusalém (At
12.12). Marcos era primo de Barnabé, amigo e companheiro de ministério dos apóstolos Paulo e Pe-
dro. A igreja primitiva também nos informa que Pedro teve participação decisiva na evangelização e
no discipulado de João Marcos, e que ambos desen-volveram laços de profunda amizade e respeito
mútuo. Pedro se referia a Marcos como “meu filho Marcos” ((1Pe 5.13).)
É de aceitação geral que Marcos recebeu de Pedro grande parte das informações contidas no
Evangelho que leva seu nome. Com a autoridade apostólica de Pedro subjazendo este livro sagrado,
ele jamais sofreu qualquer contestação à sua inclusão no cânon das Escrituras. Isso em muito coo-
perou para o rápido reconhecimento deste livro sagrado, bem como sua extraordinária disseminação
por toda a Itália e regiões do império romano. Segundo Papias (por volta do ano 140 d.C.), citando
uma fonte ainda mais antiga, Marcos foi grande cooperador de Pedro e seu amigo íntimo, de quem
ouviu sobre os ensinos e realizações de Jesus Cristo. O comitê de tradução da Bíblia King James
acredita que o Evangelho Segundo Marcos consiste, basicamente, na pregação e no ensino do
apóstolo Pedro, ordenada e interpretada por João Marcos (At 10.37).
Ainda muito jovem João Marcos teve o privilégio de acompanhar Paulo e Barnabé em sua primeira
viagem missionária. Depois viajou com Barnabé para Chipre, pregando a Palavra do Senhor (At
15.38-40). Cerca de doze anos mais tarde, é convidado por Paulo para acompanhá-lo (Cl 4.10; Fm
24). Pouco antes de ser executado pelo império romano, Paulo manda chamar João Marcos (2Tm
4.11) para seguir anunciando o Evangelho a todos os povos.
Propósitos
Enquanto Mateus teve como principal propósito levar o Evangelho aos judeus, Marcos escreveu
objetivando evangelizar e discipular os gentios, particularmente, ensinar os cristãos da Igreja de
Roma. Por isso Marcos se preocupa em explicar alguns dos costumes judaicos (Mc 7.2-4; 15.42),
traduz palavras aramaicas, idioma falado na Palestina na época de Jesus e muito diferente do he-
braico antigo (Mc 3.17; 5.41; 7.11-34; 15.22) e dá ênfase à perseguição e ao martírio dos crentes
ocorrida por volta dos anos 64 e 67 d.C. O grande incêndio de Roma, um plano diabólico do próprio
imperador romano Nero, para acentuar a adoração do seu povo à sua pessoa, lançando a culpa
sobre os cristãos e justificar uma perseguição que condenou sumariamente milhares de pessoas ao
martírio e à morte.
Marcos, antevendo essa chacina, procurou preparar os cristãos – de forma explícita e velada – du-
rante todo o seu texto do Evangelho (Mc 1.12,13; 3.22,30; 8.34-38; 10.30,33-45; 13.8-13).
Observaçãoç
O Evangelho Segundo Marcos também pode ser sumarizado a partir dos deslocamentos geográfi-
cos feitos por Jesus Cristo durante sua peregrinação na terra:
1. Os preparativos para a vinda de Deus encarnado (1.1-13)
2. A pregação do Filho de Deus na Galiléia (1.14 – 9.50)
3. A pregação de Jesus, o Cristo na Peréia (10.1-52)
4. A Paixão do Filho do homem em Jerusalém (11.1 – 16.20).
MARCOS
João Batista revela o caminho de camelo, usava ao redor da cintura um
(Mt 3.1-12; Lc 3.1-18, Jo 1.19-28) cinto de couro e se alimentava de gafa-
A mensagem de João
profeta Isaías: “Eis que Eu envio o meu (Mt 3.11-12; Lc 3.15-17; Jo 1.19-28)
mensageiro diante de ti, a fim de prepa- 7 E esta era a pregação de João: “Depois
rar o teu caminho; voz do que clama no de mim vem aquele que é mais poderoso
deserto: do que eu, do qual não sou digno sequer
3 ‘Preparai o caminho do Senhor, tornai de curvar-me para desamarrar as cor-
retas as suas veredas’”.2 reias das suas sandálias.
4 E foi assim que chegou João, batizando 8 Eu vos batizei com água; Ele, entretan-
no deserto e pregando um batismo de ar- to, vos batizará com o Espírito Santo”.5
rependimento para perdão dos pecados.3
5 Vinham encontrar-se com ele pessoas Jesus é batizado
de toda a região da Judéia e todo o povo (Mt 3.13-17; Lc 3.21-22; Jo 1.32-34)
de Jerusalém, e eram batizados por ele no 9 Aconteceu, naqueles dias, que chegou
rio Jordão, confessando seus pecados. Jesus, vindo de Nazaré da Galiléia, e foi
6 João vestia roupas tecidas com pêlos batizado por João no rio Jordão.
1 A expressão “Evangelho” no grego mais antigo significa “um prêmio conferido a quem levava boas notícias”. Com o tempo,
essa palavra passou a significar “boas novas”. Cristo é em si a “boa notícia” para a humanidade e, ao mesmo tempo, é portador
das “boas novas” de Salvação (cada indivíduo precisa ser salvo, liberto, do poder do pecado original, do sistema mundial dirigido
por Satanás e do inferno eterno). A palavra “princípio” indica a introdução do Evangelho. O livro de Marcos teria sido o primeiro
a ser escrito, servindo como base para Mateus e Lucas, sendo os três, conhecidos como os “Sinóticos” (termo de origem grega
que significa: “análise dos fatos a partir de um determinado ponto de vista” ou “estudo comparativo”). A palavra “Cristo” é um
adjetivo de origem grega que significa “Ungido” (em hebraico, Messias). No AT, reis, sacerdotes e profetas foram “ungidos”, o que
confirmava sua escolha divina. “Filho de Deus” tem um sentido amplo no NT, mas quando aplicado a Jesus salienta sua Deidade
(Sl 2.7; Jo 10.38; 14.10; Hb 1.2) e sua Missão (10.45).
2 “Está escrito”, frase muito usada para lembrar ou citar passagens do AT. Marcos faz alusão às profecias de Is 40.3; Ml 3.1.
Conforme a tradição entre os mestres judaicos, citava-se apenas o nome do “profeta maior” ou mais antigo. Fica claro, no contex-
to, que o Senhor (Jeová ou Javé) do AT é plenamente identificado com Jesus Cristo no NT (Rm 10.9-13).
3 João é a forma simplificada do nome hebraico Johanen, que significa “dom de Jeová”. Era parente de Jesus, porquanto suas
mães eram primas (Lc 1.36). Seu ministério público teve início por volta do ano 27 a.C., proclamando a vinda iminente do Messias
e Seu Reino. João insistia na urgência do “arrependimento” (em grego, metanoia, quer dizer: “mudança radical de pensamento e
volta ao juízo”) devido à aproximação da vinda do Senhor. A mesma necessidade impreterível dos nossos dias. O ato simbólico
de João “mergulhar” (palavra derivada da expressão grega baptizô) as pessoas nas águas, após confissão pública e oral dos
pecados, entrou para a história da Igreja.
4 As roupas e o tipo de alimentação de João revelam sua austeridade e desprendimento dos interesses materiais deste mundo.
Seu jeito de vestir-se era típico dos profetas e lembrava Elias (2 Rs 1.8; Zc 13.4), a quem João muito se assemelha (9.13). Alimen-
tar-se de gafanhotos era uma prática comum entre as comunidades pobres (Lv 11.22), especialmente as que viviam a oeste do
mar Morto, entre cujos habitantes (a seita dos essênios) estão os que escreveram e preservaram os Rolos do mar Morto (a mais
importante descoberta arqueológica do século XX e que muito ajudou nesta tradução da Bíblia King James). Alguns grupos de
beduínos ainda hoje comem gafanhotos tostados ou salgados.
5 João batiza apenas com água, simbolizando a purificação dos pecados reconhecidos e renunciados. Entretanto, Jesus Cristo
oferecerá o dom do Espírito e com Ele a filiação adotiva e perene de Deus (em hebraico Yahweh), nosso Pai (em aramaico, Abba,
que significa: pai querido), conforme Jo 3.3-6. O batismo cristão é muito mais importante que o batismo judaico de prosélitos, dos
essênios (que batizavam os judeus que entravam para sua seita) e o praticado por João. Isso porque somente no batismo cristão
está implícito o ato simbólico de identificação do pecador restaurado com a morte e a ressurreição de Jesus Cristo.
6 Jesus insistiu em ser batizado para endossar a autoridade de João; identificar-se com os pecadores que sinceramente busca-
vam o perdão de Deus (2 Co 5.21); anunciar e confirmar publicamente seu ministério; permitir que João o apresentasse ao mundo
como o Messias prometido (Jo 1.53) e que ele (Jesus) recebesse a plena unção do Espírito de Deus (Lc 3.22). A forma de pomba
era real e visível e não apenas uma analogia espiritualizada para descrever romanticamente o fenômeno, pois Lucas ainda é mais
preciso, usando a expressão “em forma corpórea” (Lc 3.22). Esse mesmo fenômeno ocorreu também por ocasião da Criação (Gn
1.2). O próprio Deus fala sobre o amor e a alegria que sente por Jesus, Seu Filho (Jo 12.28), e Suas palavras relembram Gn 22.2;
Sl 2.7 e Is 42.1. Temos aqui uma visão clara da Trindade, doutrina cristã que só pode ser bem aceita após o verdadeiro encontro
com a pessoa de Cristo, o Filho de Deus.
7 Sem dúvida foi o próprio Jesus quem relatou aos seus discípulos os detalhes desta batalha histórica (Mt 4.1-11; Lc 4.1-14).
Todos os sinóticos dão ênfase à relação existente entre o “batismo” e a “tentação” de Cristo. Jesus, dirigido (ou impelido) pelo
Espírito, foi ativo no Seu batismo e passivo na tentação. Por meio do batismo Ele cumpriu toda a justiça, e pela tentação Sua
justiça foi provada. Antes de iniciar seu ministério de destruir o poder de Satanás nas vidas dos seres humanos, foi necessário
que Ele vencesse o Inimigo no campo de batalha da sua própria vida na terra (Hb 2.18; 4.15). A magnitude de toda essa batalha
se observa no fato de que anjos vieram servi-lo (Mt 4.11, Lc 22.43). Em menor grau, cada discípulo que é chamado a uma missão
desafiadora no Reino e impactante no mundo deve estar preparado para semelhante conflito e vitória.
8 Entre a tentação de Jesus e a execução de João Batista ocorreram os eventos registrados em Jo 1.19 – 4.54. Os fatos que
levaram à prisão estão narrados em Mc 6.17-20.
9 A palavra grega metanoia (que significa mudar de mentalidade e voltar ao juízo correto) reflete a expressão hebraica shub
que freqüentemente (cerca de 120 vezes) ocorre no AT com a conotação espiritual de “retornar” a Deus. No contexto da
conversão cristã, aponta para uma mudança radical de vida, em conseqüência da fé depositada na pessoa e obra de Jesus
Cristo (At 3.19; 26.20; 1Ts 1.9).
10 Marcos emprega (cerca de 50 vezes) em seus escritos, como parte do seu estilo, uma palavra grega traduzida de várias
maneiras: “sem demora, logo, então, assim, em seguida, rapidamente” e outras semelhantes, que revelam seu senso de urgência
em comunicar o Evangelho ao mundo (especialmente aos gentios). Jesus ensina que a vocação do discípulo missionário implica:
no discipulado (“vinde em minha companhia” ou “após mim”); em ser capacitado por Cristo (“Eu vos tornarei”); num esforço
pessoal para explicar as boas novas às pessoas (“pescadores”) e na disposição de colocar as ambições e os interesses seculares
em segundo plano (“abandonaram as suas redes”).
11 A sinagoga sempre teve uma importância vital para as comunidades judaicas em todo o mundo desde sua fundação, na
época do exílio, até nossos dias. Uma sinagoga podia ser estabelecida em qualquer cidade ou povoado onde houvesse ao menos
dez homens judeus casados, e seu propósito maior era ensinar as Escrituras e adorar a Deus. Era costume entre os líderes das
sinagogas, convidar os mestres visitantes a participarem da adoração e ministrarem a Palavra na reunião do sábado (em hebraico
22 E todos ficavam maravilhados com o muita febre, e logo falaram com Jesus a
seu ensino, pois lhes ministrava como al- respeito dela.
guém que possui autoridade e não como 31 Então, aproximando-se, Ele a tomou
os mestres da lei.12 pela mão e a levantou. A febre imediata-
23 Mas, naquele exato momento, levan- mente a deixou e ela se pôs a serví-los.
tou-se na sinagoga um homem possuído 32 Ao final da tarde, logo após o pôr-do-
de um espírito imundo, que vociferava: sol, o povo levou até Jesus todos os que
24 “O que queres de nós, Jesus Nazareno? estavam passando mal e os dominados
Vieste para nossa destruição? Conheço a por demônios.
ti, sei quem tu és: o Santo de Deus!” 33 E, assim, a cidade inteira se aglomerou
25 Mas Jesus o repreendeu severamente: à porta da casa.
“Fica quieto e sai dele!”13 34 Jesus curou a muitos de várias enfer-
26 Então, o espírito imundo, sacudindo midades, bem como expulsou diversos
aquele homem violentamente e gritando demônios. Entretanto, não permitia que
com poderosa voz, saiu dele. os demônios falassem, pois eles sabiam
27 Todos ficaram atônitos e assustados per- quem era Ele.15
guntavam uns aos outros: “O que é isto?
Novo ensinamento, e vejam quanta autori- Jesus retira-se para orar
dade! Aos espíritos imundos Ele dá ordens, (Lc 4.42-44)
e eles prontamente lhe obedecem!” 35 De madrugada, em meio a escuridão,
28 Assim, rapidamente as notícias sobre a Jesus levantou-se, saiu da casa e retirou-
sua pessoa se espalharam em várias dire- se para um lugar deserto, onde ficou
ções e por toda a região da Galiléia. orando.16
36 Simão e seus amigos saíram para pro-
O poder de Jesus sobre doenças curá-lo.
e demônios 37 Então, quando o acharam, informa-
(Mt 8.14-15; Lc 4.38-39) ram: “Todos estão te procurando!”
29 E assim que saíram da sinagoga, diri- 38 E Jesus os instruiu: “Vamos seguir para
giram-se para a casa de Simão e André, outros lugares, às aldeias vizinhas, a fim
juntamente com Tiago e João.14 de que Eu pregue ali também. Pois foi
30 A sogra de Simão estava deitada, com para isso que vim”.
shabbãth que significa: o dia do descanso). Jesus, assim como Paulo mais tarde (At 13.15; 14.1; 17.2; 18.4), aproveitou essa opor-
tunidade cultural para anunciar as novas e boas notícias do Reino de Deus (o Evangelho). Jesus escolheu Carfanaum, importante
centro de comércio e distribuição de peixes, como sede do seu ministério após a rejeição que sofreu em sua terra natal, Nazaré
(Lc 4.16-31). Os romanos mantinham um centurião na cidade (8.5) e uma coletoria de impostos (Mt 9.9).
12 Marcos dedica boa parte dos seus escritos a salientar o quanto os ensinos e as atitudes de Jesus tocavam os corações das
pessoas e as deixavam impressionadas (2.12; 5.20,42; 6.2,51; 7.37; 10.26; 11.26; 11.18; 15.5). Sua autoridade provinha direta e
absolutamente de Deus e por isso não citava os grandes mestres da Lei como era costume dos rabinos.
13 Com exceção do texto correspondente de Lc 4.34, o título “O Santo de Deus” foi usado apenas em Jo 6.69 e se refere à
origem divina de Jesus, mais do que ao seu messianato (Lc 1.35). Esse título foi usado pelos demônios com base na crença do
ocultismo de que o uso exato do nome de uma pessoa permitia certo controle sobre ela. O homem estava possesso de mais
de um demônio, mas apenas o líder deles gritou e falou. Entretanto, Jesus, em plena autoridade divina, ordena que o demônio
“fique impedido de expressar-se”, literalmente em grego que significa “seja amordaçado!” ou “fique imobilizado e
com a boca amarrada”.
14 Jesus e seus discípulos certamente foram almoçar com a família de Pedro (1Co 9.5), pois a refeição principal do sábado era
tradicionalmente servida logo após o encerramento do culto matinal das sinagogas.
15 O povo aguarda o final do pôr-do-sol e, conseqüentemente, o encerramento do sábado, para carregar seus enfermos e
possessos (Jr 17.21,22) e os levar à presença de Cristo a fim de serem curados e libertos. Marcos retrata com clareza a perfeita
humanidade e divindade de Jesus. Ele sentiu compaixão pelo povo (6.34) e os curou, mas sabia da Sua prioridade: anunciar
o Reino e a Salvação (1.15). Soube evitar a publicidade e não permitiu que pessoas nem o Inimigo o enganassem com falsa
adoração ou lisonja (1.24,34; 3.11; 5.7).
16 A expressão grega transliterada proii indica a última vigília da noite, das três às seis horas da manhã. Jesus reage ao crescen-
te aumento de sua popularidade e se retira para um lugar tranqüilo e isolado onde possa conversar a sós com o Pai.
17 O termo grego usado no original não se refere apenas e especificamente à lepra ou hanseníase (como se conhece hoje), mas
a vários tipos de doenças e cânceres de pele. Todavia, como implicou em imundícia, segundo o AT (Lv 13 e 14), era natural que
se tornasse um símbolo do pecado: ambos são repugnantes; espalham-se pelo corpo e são contagiosos; são incuráveis, a não
ser pela misericórdia de Deus; só Cristo pode oferecer plena solução, e isso por causa do seu compadecimento, do seu poder
que vem de Deus (Jo 3.2) e porque foi para cumprir essa missão que Ele veio ao mundo (10.45).
18 Os sacrifícios serviam de comprovação diante dos sacerdotes e para o povo de que a cura era genuína (e que Jesus respei-
tava a Lei). A cura era um testemunho concreto e visível do poder divino de Jesus, pois os judeus acreditavam que somente Deus
podia curar uma doença de pele como a lepra (2Rs 5.1-4).
19 A inevitável popularidade de Jesus Cristo (1.28; 3.7,8; Lc 7.17) e a inveja e oposição cada vez mais intensa dos líderes
religiosos (2.6,7,16,23,24; 3.2,6,22) forçaram Jesus a se retirar da sua amada Galiléia e peregrinar pelos territórios circunvizinhos.
No entanto, o povo, sedento, viajava de todas as partes para receber a bênção da Sua Palavra e Poder.
Capítulo 2
1 Pedro e sua família (1Co 9.5) faziam questão de hospedar Jesus sempre que ele estava em Cafarnaum, e Jesus se sentia
em casa (1.21,29).
2 A Palavra é o Evangelho: Cristo e as boas novas da Salvação eterna (1.15). As multidões estavam à espera do Senhor e o
receberam com o mesmo entusiasmo de antes (1.32,33,37).
3 Uma casa típica da Palestina daqueles tempos tinha o telhado plano, onde se podia chegar por uma escada externa. O
telhado era geralmente coberto com uma camada de barro apoiada por esteiras feitas de ramos de palmeiras e sustentadas por
vigas de madeira.
4 Na teologia judaica, nem mesmo o Messias teria poder para perdoar pecados, somente e exclusivamente o Altíssimo (Deus,
em hebraico Yahweh). Jesus, de forma simples e natural, age como perfeito ser humano (compassivo e solidário em relação ao
próximo), e perfeitamente como Deus (oferecendo solução à mais profunda e dramática necessidade humana: o perdão). Essa
demonstração prática, pública e visual da deidade de Jesus foi considerada pelos teólogos locais (escribas ou mestres da lei)
como uma grave e escandalosa blasfêmia.
5 Para Jesus seria mais fácil apenas curar o paralítico e chamar a atenção do público para sua pessoa. Mas perdoar tinha a ver
com a glória de Deus e lhe custaria uma vida de sacrifício e seu próprio holocausto na cruz (10.45). E para os mestres? O que
seria mais fácil? Curar ou perdoar? A expressão de Jesus: “Estão perdoados de ti os pecados”, é a tradução literal dos melhores
originais, em grego .
6 Jesus intitulou a si mesmo de “Filho do homem” por cerca de 80 vezes nos evangelhos. Segundo o profeta Daniel (Dn
7.13,14), o filho de um ser humano é retratado como personagem celestial a quem, no final dos tempos, Deus confiou plena
autoridade, glória máxima e poder soberano. Fica claro que um dos propósitos dos muitos milagres, sinais e prodígios realizados
por Jesus era apresentar provas indiscutíveis da sua divindade (Jo 2.11; 20.30,31). Com certeza o paralítico e a multidão presente
compreenderam claramente quem era Jesus e sua atitude, pois glorificaram a Deus.
7 Levi era o nome de infância de Mateus e nome apostólico que significa “dádiva do Senhor” (Mt 9.9; 10.3). Levi era publicano e
cobrador de impostos (Lc 5.27), sujeito às ordens de Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia. A coletoria era quase sempre uma es-
pécie de bilheteria onde eram cobrados pedágios para aqueles que transitassem pela estrada internacional que ligava Damasco
ao litoral do Mediterrâneo e ao Egito, passando por Cafarnaum. A maioria dos publicanos cobrava impostos além da lei e prestava
falsos relatórios ao governo de Roma. Eram odiados pelo povo; para os fariseus eram iguais aos pecadores (literalmente: gente
de má fama) que desprezavam a Lei. Em vista de viverem na companhia dos gentios eram excluídos da sinagoga.
8 Na cultura oriental e especialmente na judaica, fazer uma refeição na casa de alguém era um grande sinal de amizade entre os
participantes. O termo “pecadores” era em geral uma maneira de se referir aos cobradores de impostos, mentirosos, enganado-
res, adúlteros, assaltantes, criminosos, e pessoas de má reputação. Jesus e seus discípulos eram os convidados de honra de um
grupo com essas qualificações gerais. Jesus compartilha as bênçãos de sua mesa com os pecadores remidos (Ap 3.20).
9 Os fariseus eram um grupo de religiosos e sucessores dos hassidins, judeus piedosos que juntaram suas forças às dos
macabeus durante a guerra pela liberdade da Síria (166 a 142 a.C). Os fariseus surgiram no reinado de João Hircano, entre 135 e
105 a.C. Embora alguns realmente fossem homens de Deus, a maioria dos que conflitaram com Jesus eram hipócritas, invejosos,
formalistas e envenenados por sórdidos interesses políticos. Segundo o farisaísmo, a graça de Deus era oferecida somente para
aqueles que cumprissem a Lei.
10 Os discípulos de João jejuaram porque seu mestre estava preso, por estarem em oração pela redenção proclamada por
João e por causa da doutrina (ascetismo) de purificação e arrependimento pregada por João como preparação para a vinda de
Cristo. Entretanto, a Lei de Moisés prescrevia apenas um jejum obrigatório: no Dia da Expiação (Lv 16.29,31; 23.27-32; Nm 29.7).
Após o Exílio na Babilônia, quatro outros jejuns anuais eram observados (Zc 7.5; 8.9). Na época de Jesus os fariseus tinham o
costume de jejuar duas vezes por semana (Lc 18.12).
19 Explicou-lhes Jesus: “Como podem os 25 Mas Ele esclareceu: “Nunca lestes como
convidados do noivo jejuar enquanto o agiu Davi e seus companheiros, quando
têm consigo?11 sofreram necessidade e tiveram fome?
20 Contudo, virão dias quando o noivo 26 Na época do sumo sacerdote Abiatar,
lhes será arrancado; e então, nessa oca- Davi entrou na casa de Deus e se ali-
sião, jejuarão. mentou dos pães dedicados à oferta da
21 Ninguém costura remendo de pano Presença, que somente aos sacerdotes era
novo em roupa velha, porquanto o permitido comer, e os ofereceu também
remendo novo forçará o tecido velho aos seus companheiros”.14
e o rasgará ainda mais, aumentando a 27 E então concluiu: “O sábado foi criado
ruptura. por causa do ser humano, e não o ser
22 Assim como não há pessoa que depo- humano por causa do sábado.
site vinho novo em recipiente de couro 28 Assim sendo, o Filho do homem é Se-
velho; caso o faça, o vinho arrebentará o nhor inclusive do sábado”.15
recipiente, e dessa forma, tanto o vinho
novo quanto o recipiente se estragarão. Jesus cura as deformidades
Ao contrário, põe-se o vinho novo em (Mt 12.9-14; Lc 6.6-11)
um recipiente de couro novo”.12
11 A expressão “noivo” refere-se a Cristo (Ef 5.23-32). No AT, o “noivo” é Deus (Os 1.1-11; Is 54.5; 62.45; Jr 2.2). Os casamentos
judaicos eram uma ocasião para alegria geral e a sua celebração chegava a durar uma semana. Não fazia o menor sentido pensar
em jejum durante essas festividades. O jejum sempre esteve relacionado a momentos de dificuldade, grandes desafios e tristeza.
Enquanto o “noivo” estava na festa era tempo de regozijo, o tempo triste e amargo chegaria, quando Jesus seria “tirado com
violência” (literalmente em grego aparthç)ç , e naqueles dias, sim, os discípulos jejuariam. Certamente que a analogia de Jesus foi
bem compreendida pelos inquiridores.
12 Estas duas parábolas (Mt 9.16,17; Lc 5.36) ensinam claramente sobre a impossibilidade de se misturar o velho ritualismo da Lei (o
Judaísmo em todas as suas formas e ramificações) com a Nova Aliança da graça e da liberdade em Cristo: o Evangelho (Gl 5.1,13).
13 A lei mosaica permitia a todo viajante colher espigas de trigo ao longo das estradas com o objetivo específico de comê-
las, na hora, para matar a fome (Dt 23.25). Os fariseus não estão criticando essa prática, mas, sim, o fazer isso no sábado. É
impressionante a calma e a segurança de Jesus diante das sucessivas investidas dos seus inquiridores, pois segundo o Talmude
judaico, a ofensa de trabalhar (colher) no sábado incorria em pena de morte por apedrejamento, desde que o acusado fosse
advertido e sua falta ficasse comprovada pelo testemunho de duas ou três autoridades religiosas, por isso o “Vê!” dos fariseus,
tem o sentido de: “Atenção! Foste pego em flagrante delito”.
14 Jesus busca em sua defesa um episódio ocorrido com o venerado (pelos judeus fariseus especialmente) rei Davi (1Sm 21.1-
6). A relação entre os acontecimentos está no fato de homens de Deus terem feito algo proibido pela Lei. Como no direito judaico
é sempre permitido praticar o bem e salvar vidas (ainda que seja no sábado), tanto Davi quanto os discípulos estavam dentro
do chamado “espírito da lei” (Is 58.6,7; Lc 6.6-11; 13.10-17; 17.1-6). Havia, portanto, uma jurisprudência formada e os fariseus
tiveram de aceitar a argumentação pública de Jesus. De acordo com 1 Sm 21.1-9, Aimeleque, pai de Abiatar, era sumo sacerdote
na ocasião (2Sm 8.17; Mt 12.4).
15 A tradição judaica havia criado tantas restrições e normas sobre a guarda do dia do sábado, que a maioria das pessoas
sentia-se culpada por não conseguir cumprir rigorosamente todas as ordenanças estabelecidas. Jesus enfatiza o propósito que
Deus tem para o sábado: um dia para descanso; restauração espiritual, mental e física. Jesus conclui sua alusão à história judaica,
mostrando que se a lei do sábado não tinha aplicação no caso do servo do templo, muito menos teria qualquer restrição sobre
Cristo, o Senhor do Templo. Somente no evangelho de Marcos encontramos a importante definição “O Filho do homem é Senhor
inclusive do sábado”, um dia especial consagrado a Deus.
4 Em seguida Jesus indaga deles: “O que evitar que a massa de pessoas o apertasse,
nos é permitido fazer no sábado: o bem tirando-lhe os movimentos.
ou o mal? Salvar vidas ou matar as pesso- 10 Pois Ele havia curado grande multi-
as?” No entanto, eles ficaram calados.1 dão, de modo que todos os que padeciam
5 Indignado, olhou para os que estavam de alguma enfermidade se acotovelavam
ao seu redor e, profundamente entriste- na tentativa de vê-lo e tocá-lo.
cido com a dureza do coração deles, or- 11 E acontecia que todas as vezes que as
denou ao homem: “Estende a tua mão”. pessoas com espíritos imundos o viam,
Ele a estendeu, e eis que sua mão fora atiravam-se aos seus pés e berravam: “Tu
restaurada. és o Filho de Deus!”
6 Diante disso, retiraram-se os fariseus 12 Todavia, Jesus repreendia tais espíritos
e iniciaram, em acordo com os hero- severamente, ordenando que não reve-
dianos, uma conspiração contra Jesus, lassem quem era Ele.
e tramavam um meio de condená-lo à
morte.2 Jesus convoca os Doze
(Mt 10.1-4; Lc 6.12-16)
Jesus cura multidões na praia 13 Jesus subiu a um monte e convocou
7 Jesus retirou-se com seus discípulos e para si aqueles a quem ele queria. E eles
foi na direção do mar, e uma numerosa foram para junto dele.
multidão vinda da Galiléia o seguia. 14 E escolheu doze, qualificando-os como
8 E assim que ouviram a respeito de apóstolos, para que convivessem com ele
tudo o que Ele estava realizando, grande e os pudesse enviar a proclamar.
quantidade de pessoas provenientes da 15 E tivessem autoridade para expulsar
Judéia, de Jerusalém, da Iduméia, das demônios.4
regiões do outro lado do Jordão e das 16 Ele constituiu, pois, os Doze: Simão, a
cercanias das cidades de Tiro e Sidom, quem atribuiu o nome de Pedro.
veio ter com Jesus.3 17 Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu
9 Então, por causa das multidões, Ele irmão, aos quais deu o nome de Boaner-
pede aos discípulos que passem a manter ges, que quer dizer, “filhos do trovão”.
um pequeno barco à sua disposição, para 18 E depois, André; Filipe; Bartolomeu;
1 O argumento de Jesus é claro: ser capaz de fazer o bem e preferir fazer o mal é pecado (em aramaico o sentido geral da
palavra “pecar” é “errar”), pois há pouca diferença entre fazer o mal e deixar de fazer o bem (Tg 4.17). Os mestres judaicos
pregavam que o sábado era um dia dedicado ao descanso, amor e misericórdia, por isso, o socorro a quem estivesse em perigo
era permitido. Entretanto, Jesus os confronta com suas próprias e cruéis intenções, uma vez que estavam usando o sábado para
tramar o seu assassinato.
2 A partir desta controvérsia, os mestres e as autoridades eclesiásticas judaicas foram tomados por terrível ódio contra Jesus,
a ponto de se juntarem com os herodianos, um partido político nacionalista muito influente que apoiava Herodes e sua dinastia
contra Roma (Mt 22.16). Os fariseus (que significa “os separados”) formavam um partido do povo, com pessoas de classe baixa,
e se opunham aos herodianos e aos saduceus, ricos e aristocratas (12.18-23). Entretanto, para matar Jesus todo conchavo foi
aceito entre eles.
3 A popularidade de Jesus crescia assustadoramente. Essa rápida lista de Marcos mostra que as multidões vinham não apenas
das áreas adjacentes a Cafarnaum, mas também de longas distâncias. As regiões mencionadas incluem praticamente a totalida-
de das principais regiões de Israel e países vizinhos. Iduméia (forma grega da palavra hebraica Edom) aqui se refere a uma grande
área da Palestina ocidental ao sul da Judéia, e não ao antigo território edomita de Edom.
4 O próprio Jesus discipulou os Doze por meio do ensino constante e de estreita convivência, por isso foram designados
apóstolos (em grego appostellç forma verbal de “apóstolo”, ou seja “comissionado”, “designado para uma missão”). Além dos
discípulos esse termo se aplica à pessoa de Jesus (Hb 3.1), a Barnabé (At 14.14), a Paulo e a Matias (At 1.16-26), a Tiago, irmão
do Senhor (Gl 1.19), e a alguns outros discípulos (Rm 16.7). No NT essa palavra é usada muitas vezes com um sentido mais
genérico (Jo 13.16), sendo traduzida por “mensageiro”. O apostolado foi o dom principal concedido pelo Espírito Santo para
estabelecer a Igreja de Cristo. Era necessário que o apóstolo fosse testemunha ocular da ressurreição ou comissionado por Jesus
(1Co 1.1). Nem as Escrituras (AT e NT), nem a tradição da Igreja, desde os primórdios, apóiam a hierarquia eclesiástica com a
instituição de um papa soberano e infalível no comando de apóstolos, bispos e ministros paroquianos.
Mateus; Tomé; Tiago, filho de Alfeu; 28 Com toda a certeza Eu vos asseguro
Tadeu; Simão, o zelote; que todos os pecados e blasfêmias dos
19 e Judas Iscariotes, que o traiu. homens lhes serão perdoados.
29 Todavia, quem blasfemar contra o Es-
O pecado sem perdão pírito Santo jamais receberá perdão. Pelo
(Mt 12.22-32; Lc 11.14-23) contrário, é culpado de pecado eterno”.
20 Foi então Jesus para casa. E uma vez 30 Jesus explicou isso porque eles esta-
mais grande multidão se apinhou, de tal vam exclamando: “Ele está possesso de
maneira que Ele e os seus discípulos não um espírito imundo”.6
conseguiam nem ao menos comer pão.
21 Quando os familiares de Jesus to- Jesus, sua mãe e seus irmãos
maram conhecimento do que estava (Mt 12.46-50; Lc 8.19-21)
acontecendo, partiram para forçá-lo a 31 Foi quando chegaram a mãe e os ir-
voltar, pois comentavam: “Ele perdeu mãos de Jesus. E ficando do lado de fora,
o juízo!”5 mandaram alguém chamá-lo.
22 Mas os mestres da lei, que haviam des- 32 E havia grande número de pessoas
cido de Jerusalém exclamavam: “Ele está sentadas em torno dele; e lhe avisaram:
possuído por Belzebu!”, e mais: “É pelo “Olha! Tua mãe, teus irmãos e tuas irmãs
príncipe dos demônios que ele expulsa estão lá fora e buscam por ti”.
os demônios”. 33 Então, Ele lhes respondeu com uma
23 Foi então que Jesus os chamou mais questão: “Quem é minha mãe, ou meus
para perto e lhes admoestou por pará- irmãos?”
bolas: “Como é possível Satanás expulsar 34 E, repassando com o olhar a todos
Satanás? que estavam sentados ao seu redor de-
24 Se um reino estiver dividido contra si clarou: “Aqui estão minha mãe e meus
mesmo, não poderá subsistir. irmãos!
25 Se uma casa se dividir contra si mes- 35 Pois qualquer pessoa que fizer a von-
ma, igualmente não conseguirá manter- tade de Deus, esse é meu irmão, irmã e
se firme. mãe”.7
26 Portanto, se Satanás se atira contra si
próprio e se divide, não poderá subsistir, A parábola do semeador
mas se destruirá. (Mt 13.1-9; Lc 8.4-8)
27 De fato, ninguém pode entrar na casa
do homem forte e furtar dali os seus
bens, sem que primeiro o amarre. Só
4 Retornou Jesus à beira-mar para en-
sinar. E a multidão que se juntou ao
seu redor era tão numerosa que o forçou
depois conseguirá saquear a casa dele. a entrar num barco, onde assentou-se. O
5 Um grupo de parentes e amigos de Jesus parte de Nazaré (terra natal de Jesus e sua parentela) e viaja cerca de 48 km para
tentar levá-lo à força de volta para a casa de seus pais e irmãos (José já havia morrido nessa época), pois se preocupavam muito
com a maneira como ele se entregava ao ministério de servir às multidões (Mt 1.25; Mt 12.46-50; Lc 2.7; Lc 8.19). Em hebraico,
a maneira como Jesus responde não é agressiva, mas enaltece os laços espirituais que devem unir a família de Deus para que
sejam ainda mais seguros, leais e duradouros, pois devem ter como princípio a obediência à Palavra. Esse foi o conceito-base
que originou a Igreja.
6 Belzebu é uma antiga expressão hebraica (Baal-zebude significa “senhor das moscas”, 2Rs 1.2,16) ligada ao líder máximo
dos demônios. A declaração de Jesus sobre a blasfêmia contra o Espírito Santo é das mais solenes. Entretanto, o pecado
imperdoável não é um pensamento, ato ou palavra isolada, mas sim a persistente atitude de arrogância, oposição intencional e
rejeição explícita a Jesus Cristo e Sua Palavra. Essa é a maneira de ser de todos aqueles que amam mais as trevas do que a Luz
(Jo 3.19). Jesus não declarou que os mestres e líderes religiosos haviam efetivamente cometido esse pecado, mas que estavam
em iminente perigo.
7 Os parentes de Jesus ainda não acreditavam na Sua pessoa como Filho de Deus e Senhor dos Senhores (Jo 7.5). Não há
razão para concluir que os irmãos e irmãs de Jesus pudessem ser primos, filhos de José antes de seu casamento com Maria.
Assim como não há base bíblica e histórica para se aceitar a doutrina da virgindade perpétua de Maria, mãe de Jesus, dogma
católico instituído pelo Papa Pio IX em 1854.
1 Jesus posicionou-se de forma a facilitar a transmissão do ensino para um grande número de pessoas de uma só vez. Preci-
sava evitar também o assédio das massas que literalmente o sufocavam na busca exclusiva da cura física. Jesus deseja ensinar
seu povo a viver em plena comunhão com Deus, e esse era um desafio maior do que curar as enfermidades do corpo. Sentar-se
era a postura tradicional dos mestres judeus da época (Mt 5.1; Lc 5.3; Jo 8.2).
2 As parábolas eram histórias tiradas da vida diária e usadas para ilustrar verdades espirituais e morais (Mt 13.3). Muitas vezes
na forma de comparações, analogias ou ditos proverbiais. Essas histórias eram um valioso recurso didático usado pelos grandes
mestres (2Sm 12.1-7 e Talmude). Conquistavam a atenção, prendiam o interesse, tornavam concretas idéias abstratas, levavam
o ouvinte a uma decisão correta, e, no caso de Jesus, guardavam em sigilo o mistério do Reino para os desprovidos de interesse
em adorar sinceramente a Deus e desenvolver uma sociedade justa (Mt 4.11-12; Lc 4.23, 15.3).
3 As sementes eram lançadas com o auxílio das mãos naquela época, e isso para que caíssem exatamente nas covas prepa-
radas para o plantio. Entretanto, algumas caíam em terreno improdutivo. Todavia, Jesus anuncia uma colheita excepcional (Gn
26.12), chegando a render 100 plantas produtivas por semente plantada. A colheita sempre foi uma figura (símbolo) da consuma-
ção dos tempos e do Reino de Deus (Jl 3.13; Ap 14.14-20).
4 Em grego, a expressão “mistério” tem o sentido de “oculto”, “insondável”, “secreto”. No NT refere-se ao conhecimento do
verdadeiro Deus. Verdade essa, outrora oculta, mas agora revelada na pessoa e obra de Jesus Cristo, o Filho de Deus. Porém,
esse mistério não é acessível exclusivamente à razão humana; mas, sim, ao mais profundo dos sentimentos humanos (simboliza-
do no ocidente pelo coração, por ser um órgão vital, além do cérebro). A vontade de buscar a Deus e submeter-se à Sua Palavra,
ilumina o coração do crente. O principal mistério é a revelação de Deus e Seus propósitos na pessoa de Cristo (Mt 16.17). Por
isso, todos nós que fomos contemplados com essa revelação, devemos sentir grande júbilo e comemorar a Salvação todos os
dias, agindo para com Deus e na sociedade como cidadãos do Reino: com amor e reverência, graça e justiça. Compreende-
se o “Reino” em dois momentos: o presente reino reconhecido pelos cristãos sinceros e que reside nos mesmos, os quais se
submetem à vontade de seu Rei, Jesus Cristo, e o chamado “Reino Milenar”, que será inaugurado por ocasião da segunda (e
iminente) volta de Cristo (Ap 20.2).
5 O estilo de pregação e ensino de Jesus se assemelha ao ministério de Isaías, o qual conquistou muitos discípulos (Is 8.16),
mas igualmente desmascarou a falsidade e a dureza de muitos corações incrédulos face aos inúmeros apelos de Deus.
6 A prosperidade, a cultura e a boa formação acadêmica podem oferecer uma falsa e temporária sensação de auto-suficiência
e segurança (10.17-25; Dt 8.17,18; 32.15; Ec 2.4-11; Tg 5.1-6). Por outro lado, a pobreza, as perdas e os sofrimentos, podem
produzir rancor e mágoas injustas contra Deus (Ec 7.29; Rm 8.28).
7 Aqui temos uma exortação para não ficarmos reclamando do que nos falta, mas juntarmos tudo o que temos – no sentido
de condições humanas e recursos vários – e investirmos em nosso crescimento espiritual e humano no Reino de Deus. Deus co-
nhece bem todas as nossas limitações e não espera que venhamos a ser perfeitos, ou consigamos isso ou aquilo, para vivermos
plenamente (Jo 10.10). Quanto mais nos apropriamos da Verdade (a Palavra) agora, tanto mais recebe-remos no futuro. Se não
valorizarmos e correspondermos ao pouco de revelação que temos recebido, aqui e agora, nem isso nos adiantará no futuro.
8 Esta parábola foi registrada apenas no livro de Marcos. Enquanto a história do semeador revela a importância de um solo
fértil para receber a boa semente (a Palavra); aqui se evidencia o poder misterioso da própria semente: com o passar do tempo,
vai realizando seu trabalho de fazer germinar, crescer e dar frutos (1Pe 1.23-25). Devemos, portanto, semear sempre e em todos
os corações humanos sobre a face da terra.
9 Embora possua uma das menores sementes dentre as hortaliças, a mostarda palestina pode crescer até uma altura de 4 me-
tros. A parábola ilustra a expansão poderosa e impressionante do Cristianismo em todo o mundo, apesar do seu humilde início:
um pobre mestre vindo de uma inexpressiva família e cidade da Galiléia que, seguido por um pequeno grupo de homens – quase
todos incultos – pregou durante alguns anos sobre a chegada do Reino, afirmando ser Deus encarnado.
10 Jesus partiu do território da Galiléia com o objetivo de ir até a margem leste do mar da Galiléia; a região dos gerasenos (5.1).
11 O mar (ou grande lago) da Galiléia, localizado numa bacia cercada por montanhas, onde se destaca o monte Hermon, ainda
hoje é sujeito a grandes tempestades, que descem às vezes dos altos montes e atingem com violência o lago de Quinerete (ou
Tiberíades), que fica 200 metros abaixo do nível do mar Mediterrâneo.
12 A impetuosidade e o temor dos discípulos ilustram claramente o comportamento humano diante das várias situações ad-
versas da vida. Temos a tendência de perguntar: Por quê? Ou de instigar a Deus como se Ele fosse nosso segurança pessoal:
O Senhor não está vendo? Em contraste, temos a segurança tranqüila de Jesus ao nosso lado (Lc 8.23). Mais tarde, a Igreja
Primitiva veria nesta experiência um grande consolo, diante das terríveis perseguições que sofreria por amor a Cristo e à evange-
lização dos povos. Por isso, desde os primórdios, a figura do barco passou a ser identificada como um dos símbolos da Igreja,
na arte cristã. É compreensível que sintamos medo e insegurança. Todavia, Jesus não admite que seus filhos sejam covardes
(literalmente em grego , pessoas que perdem o ânimo, a vontade de lutar, e se desesperam; tímidos - no sentido de
medrosos – pois não confiam em um amigo que os possa ajudar). Nossa fé deve ir além da certeza de que Jesus está conosco e
pode sanar qualquer dificuldade; devemos crer que – haja o que houver – Ele nos ajudará a atravessar os problemas e a chegar
em terra firme (Sl 23).
13 Esta é a grande e angustiante pergunta da humanidade. Todas as pessoas, um dia, terão de dar uma resposta objetiva a
essa questão. Se respondermos a ela como fez Marcos (1.1), devemos seguir a Jesus como Nosso Rei e Filho de Deus. Se nossa
resposta for qualquer coisa diferente disso, devemos assumir as conseqüências da incredulidade (3.28-29). Deus demonstrou Sua
presença em Cristo, e não apenas o Seu poder (Sl 65.7; 107.25-30; Pv 30.4). Jesus ainda investiria muito tempo e energia em ensino
e discipulado; realizaria também muitos outros milagres e sinais até que seus seguidores se dessem conta da Sua plena divindade;
de que eram pessoas salvas e cidadãos do Reino, e da missão para a qual foram escolhidos e chamados como discípulos.
Capítulo 5
1 Gerasa ficava cerca de 60 km a sudeste do mar da Galiléia e chegou a possuir terras no litoral leste do mar, dando seu nome
à pequena aldeia onde Jesus e seus discípulos aportaram. Hoje é conhecida como Khersa. Próximo dali, menos de 2 km ao sul,
há um precipício íngreme, e não distante encontram-se ruínas de cavernas que abrigaram antigos túmulos. Algumas pessoas,
especialmente gentios (não judeus), doentes e sem família costumavam viver nessas cavernas em meio aos sepulcros. Alguns
manuscritos gregos de Mateus (Mt 8.28-34), denominam os habitantes desse território de “gadarenos”, outros originais dizem
“gergesenos”. A maioria da população dessa região era formada por gentios, como revela a grande criação de porcos. Animais
considerados impuros pelos judeus e, portanto, proibidos de servirem como alimento ou sequer serem tocados.
va por entre os sepulcros e pelas colinas, cipício abaixo, em direção ao mar, e nele
gritando e cortando-se com lascas de se afogaram.
rocha.2 14 As pessoas que apascentavam os por-
6 Ao avistar Jesus, ainda de longe, correu cos fugiram e relataram esses fatos na ci-
e atirou-se aos seus pés. dade e nos campos, e todo o povo correu
7 E clamou aos berros: “Que queres de para ver o que se havia passado.
mim, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? 15 Quando chegaram próximo de Jesus,
Suplico-te por Deus que não me ator- observaram ali o homem que fora toma-
mentes!”3 do por uma legião de demônios, assenta-
8 Pois Jesus já lhe havia ordenado: “Sai do, vestido e em perfeito juízo. E ficaram
deste homem, espírito imundo!” assustados.
9 Todavia, Jesus o interrogou: “Qual é o 16 Os que presenciaram os fatos narra-
teu nome?” Respondeu ele: “Meu nome é ram ao povo o que havia ocorrido com
Legião, porque somos muitos”.4 o endemoninhado, e contaram também
10 E implorava insistentemente para que sobre os porcos.
Jesus não os mandasse para fora daquela 17 Então o povo começou a implorar a
região.5 Jesus que se afastasse daquela região que
11 Enquanto isso, perto dali, numa colina lhes pertencia.
vizinha, uma grande manada de porcos 18 E, quando Jesus estava entrando no
estava pastando. barco, o homem que fora possuído pelos
12 Foi então que os demônios rogaram a espíritos imundos, rogava-lhe que o dei-
Jesus: “Manda-nos para os porcos, para xasse seguir com Ele.
que entremos neles”. 19 Jesus não consentiu; entretanto, orien-
13 E Jesus lhes deu permissão, e os es- tou-o: “Vai para tua casa, para a tua fa-
píritos imundos deixaram o homem e mília e anuncia a eles tudo quanto Deus
entraram nos porcos. E a manada com tem realizado a teu favor, e como teve
cerca de dois mil porcos atirou-se pre- misericórdia de ti”.6
2 A descrição do estado deste homem, invadido e dominado por um exército de demônios, representa em detalhes a situação
da humanidade em todas as partes do mundo. O propósito e a força de Satanás e seus espíritos fica igualmente bem evidente
(Jo 10.10). O ser humano é a mais preciosa obra de Deus; no qual projetou Sua própria imagem (em grego eikõn cujo significado
é “semelhança derivada, que implica num arquétipo” – Gn 1.27; 9.6). Os demônios têm a missão de atormentar e destruir a
semelhança divina (em latim imago Dei) nos seres humanos.
3 O sentido original da frase em hebraico traz a idéia de “O que temos a ver um com o outro?” Expressões semelhantes são
encontradas no AT (2Sm 16.10; 19.22), e que podem significar: “Cuide dos seus assuntos!” Ao perceber que seria castigado
severamente, o líder dos demônios ironizou um apelo, reconhecendo com precisão a majestade da pessoa de Cristo. A expressão
“Altíssimo” era um vocábulo muito especial, usado principalmente por gentios, para se referir à soberania de Deus. Em grego
transliterado Hupistos e, em hebraico Elyon (Gn 14.18-22; Nm 24.16; Is 14.14; Dn 3.26; 4.2).
4 A expressão latina “legião” era muito conhecida na época, pois representava uma força militar romana composta de até 6.000
soldados. O termo indica que o homem estava possuído por grande quantidade de demônios. Era comum entre os mestres em
exorcismo, procurar conhecer o nome individual dos espíritos que haviam tomado o corpo de determinada pessoa. Eles acredi-
tavam que só assim podiam dominar totalmente cada um desses demônios e expulsá-los. Jesus demonstrou que incorporava
em si o poder de Deus, expulsando milhares de espíritos sem lhes pedir qualquer identificação. Apenas mencionando o nome do
líder, que estava absolutamente fragilizado e apavorado com a simples presença de Jesus.
5 Satanás e seus demônios são estrategistas sagazes, podem se organizar em exércitos para tentar o domínio de territórios e
regiões (o termo grego chõran, foi traduzido em algumas versões da Bíblia como “país”, entretanto, sua tradução mais apropriada
é “região”). Porém, o grande temor desses espíritos é serem mandados para o castigo eterno. Ou seja, “para o abismo”, lugar de
confinamento destinado aos espíritos malignos e ao próprio Satanás (Ap 9.1-11).
6 Jesus envia o homem gentio, agora salvo, como missionário (Mt 28.19), para pregar aos seus. Entre os gentios pagãos não
havia necessidade de guardar temporariamente o segredo messiânico que tantas vezes Jesus pediu aos seus irmãos judeus (Mt
8.4; Mc 1.34,44; 3.12). A palavra “Senhor” (Lc 8.39), em hebraico e no dialeto aramaico, refere-se a “Deus” (nome que os judeus
não pronunciam em sinal de respeito, e quando o escrevem em português o fazem com um hífen no lugar da letra “e”, ou seja:
“D-us”, tendo em mente o tetragrama hebraico impronunciável do AT ).
7 Decápolis era uma confederação formada por dez cidades gregas, localizadas ao nordeste da Palestina, e incluía a famosa
cidade de Damasco.
8 O dirigente de uma sinagoga, ou numa forma arcaica: “o principal”, era comumente um leigo com habilidades e responsabi-
lidades administrativas, entre elas: zelar pelo patrimônio, atender às necessidades legais e sociais exigidas e cooperar para que
os rabinos pudessem dedicar-se completamente ao ministério pastoral e do ensino. Em grandes sinagogas podia haver até uma
equipe de “administradores” (At 13.15).
9 Além do sofrimento físico crônico, a mulher ainda sofria o desprezo da sociedade da época por ser considerada impura. Pela lei
qualquer pessoa que se aproximasse dela ficaria igualmente impura (Lv 15.25-33). O Talmude (interpretação e aplicação da Lei de Moi-
sés ao contexto da vida diária dos judeus) registrava uma série de remédios e tratamentos receitados para doenças de vários tipos.
10 Mateus especifica que o toque ocorreu “na orla” do manto (Mt 23.5).
11 A palavra grega aqui traduzida como “poder” é dunamis, o termo mais usado para designar “milagre” e significa o poder
sobrenatural e pessoal de Deus. Curiosamente, o termo grego, usado por Jesus, está no feminino, indicando assim que o Senhor
tinha conhecimento de “quem” o tocara, porém, desejava que a mulher testemunhasse e solidificasse sua fé em Deus. Embora a
cura tivesse sido importante (como sempre é), Jesus fez uso de um jogo de palavras para revelar claramente ao coração daquela
mulher que ainda mais importante do que a saúde física é a salvação eterna da alma, e por isso escolheu a palavra “salvou”
(vs.34), no original em grego .
12 Os tempos verbais no original grego formam a seguinte frase literal: “Pára de temer; continua crendo”.
13 Pedro, Tiago e João tinham um relacionamento especial, mais chegado com Jesus (At 3.1). Jesus permitiu a presença de
apenas cinco testemunhas, na ocasião deste milagre. Isso para evitar uma divulgação imediata e incontrolável da notícia. Era de vital
importância, para sua Missão, que Jesus não fosse alvo da atenção das autoridades religiosas judaicas, especialmente na Judéia.
14 Marcos é o único dos Evangelhos que, nesse caso, conserva a expressão original em aramaico, dialeto hebraico falado mais
precisamente na cidade de Nazaré, por Jesus, seus familiares e discípulos. A expressão transliterada Talitha koum! (pronuncia-se
“Talita cumi!”), e significa literalmente “Cordeirinha, levante-se!”
Capítulo 6
1 Mateus apresenta Jesus como “o filho do carpinteiro” (Mt 13.55), Marcos informa que ele também foi carpinteiro. A palavra
grega usada por Marcos descreve o trabalho de um artesão, análise que leva à conclusão de que Jesus poderia igualmente ter
trabalhado como escultor, ferreiro ou marceneiro, juntamente com seus familiares. O termo “escândalo” foi literalmente usado
nos originais em grego para descrever a reação de alguns parentes e conhecidos de Jesus, que sabendo
que ele era um trabalhador braçal (como a maioria deles), nascido em uma família humilde, não conseguiam compreender, nem
aceitar, como Jesus podia pregar com tanta unção e sabedoria. Justino Mártir (por volta de 160 d.C.) relata em seus escritos que
em sua época era comum às pessoas procurarem artigos de madeira feitos por Jesus.
2 Jesus revelou várias profecias antigas que anteviam sua chegada e ministério messiânico, uma delas é sobre o Profeta de
Dt 18.15,18. O primeiro dos grandes sermões de Pedro, em Atos, mostra claramente que Jesus é o sucessor maior de Moisés
e Davi (At 3.22).
3 Os discípulos saíram para ministrar em duplas, isso reforçaria a credibilidade dos testemunhos, conforme a lei (Dt 17.6), além
de oferecer encorajamento mútuo durante o tempo de ministério no campo missionário. Eles receberam autoridade da mesma
fonte que abastecia Jesus (Jo 17.2), a qual Ele concede aos seus discípulos ainda hoje (Lc 9.1; Jo 20.21-23).
4 Ganhar a vida comunicando mensagens de otimismo e legalismo, sem uma sólida base bíblico-teológica não é uma invenção
do capitalismo, nem apenas prática comum nos dias de hoje. Na época de Cristo já havia muitos mestres que cobravam altos
cachês para pregar mensagens meramente humanas, mas apresentadas como divinas (2Co 2.17). Uma característica desses fal-
sos mestres era a preocupação exagerada com o próprio suprimento financeiro. Por isso, Jesus mandou que seus discípulos se
preocupassem exclusivamente em servir a Deus proclamando o Evangelho, e descansassem absolutamente na provisão divina
quanto à totalidade das suas demais necessidades (Mt 10.10; 1Co 9.7-11; Gl 6.6). Dependeriam da sua fé no Senhor, que tocaria
o coração dos seus ouvintes para suprí-los do pão, das vestes e do alojamento de cada dia. Uma túnica, extra, poderia servir de
cobertor durante as frias noites no deserto, mas Jesus prometeu-lhes uma família para compartilhar as Boas Novas, e uma casa
onde se alimentar e repousar. Não ficariam ao relento e sem amparo, como muitos falsos mestres.
5 Os pagãos eram tão repugnantes para os judeus, que até o pó de suas sandálias era motivo de rejeição. Jesus usa essa
metáfora para ilustrar o mal que a rejeição ao Evangelho e aos verdadeiros ministros do Evangelho pode causar. Recusar as Boas
Novas reduz qualquer pessoa, inclusive um judeu, ao nível do mais asqueroso dos pagãos. E essa é uma advertência igualmente
válida para os nossos dias. Isso aumenta a responsabilidade do povo de Deus de não dar motivos para que os que ainda não
crêem rejeitem a mensagem das Boas Novas.
6 Jesus curou inúmeras pessoas e multidões sem jamais ter usado óleo, mas recomendou aos discípulos que assim o fizessem,
pois era uma prática antiga dos judeus, e esse deveria ser mais um sinal de dependência do Senhor (Is 1.6; Lc 10.34; Tg 5.14).
7 João passou a vida pregando e preparando o coração das pessoas para a vinda de Jesus (Ml 4.5-6), sem nunca ter realizado
um milagre (Jo 10.41), mas havia o temor de que, se ele viesse a ressuscitar, todos os milagres lhe seriam possíveis (Mt 12.39-40).
Marcos usou o título popular de Herodes, uma vez que ele não era rei de fato, mas o tetrarca da região.
8 Flávio Josefo relata em seus escritos que João ficou encarcerado em Maquero, uma fortaleza localizada na Peréia, a leste
do mar Morto. Herodias era neta de Herodes, o grande, e Marianne; sobrinha de Herodes. Enquanto o irmão de Herodes vivia,
este último não podia se casar com sua cunhada ainda que divorciada do marido; visto que, pela lei, isso é considerado adultério
(Lv 18.16; 20.21).
23 E sob juramento lhe assegurou: “Se era tão grande que eles sequer tinham
pedires, ainda que seja a metade do meu tempo para comer.
reino, eu te darei!”.10 32 E saindo de barco foram para um local
24 Diante disso, saiu a moça e consultou despovoado.
sua mãe: “O que devo pedir?”. Ao que ela 33 Entretanto, muitos dos que os viram
recomendou: “A cabeça de João Batista!”. retirar-se, tendo-os reconhecido, saíram
25 Sem demora, retornando imediata- correndo a pé de todas as cidades e che-
mente à presença do rei, formalizou seu garam lá antes deles.
pedido: “Quero que me dês agora mesmo 34 Quando Jesus desceu do barco e ob-
a cabeça de João Batista sobre um prato!” servou aquele enorme ajuntamento de
26 Então, grande angústia sobreveio ao pessoas, sentiu compaixão por elas, por-
rei, mas devido ao juramento que fize- quanto eram como ovelhas sem pastor.
ra e aos convivas que se reclinavam ao E, sem demora, passou a ministrar-lhes
redor da sua mesa, não quis deixar de muitas orientações.11
atendê-la. 35 Com o passar das horas, o final da
27 Mandou, portanto, imediatamente um tarde estava chegando, e por isso, os
carrasco com ordens para trazer a cabeça discípulos se aproximaram de Jesus e
de João. O executor foi e decapitou João avisaram: “Este lugar é deserto e a hora
na prisão. já muito avançada!12
28 E, trazendo a cabeça de João sobre um 36 Despede, pois, a multidão para que
prato, a entregou à jovem, e esta, em se- possam ir aos campos e povoados vizi-
guida, a ofereceu à sua mãe. nhos comprar para si o que comer”.
29 Assim que souberam do fato, os discí- 37 Jesus porém os instruiu: “Provede-lhes
pulos de João foram até lá, resgataram o vós mesmos de comer”. Ao que lhe repli-
corpo e o depositaram em um sepulcro. caram: “Devemos ir e comprar cerca de
duzentos denários de pão para dar-lhes
Jesus multiplica o pão de comer?”13
(Mt 14.13-21; Lc 9.10-17; Jo 6.1-15) 38 Mas Jesus lhes indaga: “Quantos pães
30 Retornaram os apóstolos e reuniram- tendes? Ide verificar!”. E tendo-se infor-
se com Jesus para lhe relatar tudo quanto mado, comunicaram: “Cinco pães e dois
haviam realizado e ensinado. peixes”.
31 Então convidou-lhes Jesus: “Vinde 39 Então Jesus determinou-lhes que
somente vós comigo, para um lugar fizessem com que todo o povo se acomo-
deserto, e descansai um pouco”. Pois, a dasse em grupos, reclinados sobre a relva
multidão dos que chegavam e partiam verde do campo.14
9 Herodes gostava de ouvir a mensagem de João e chegava a ficar confuso em relação à sua vida e à proposta do Reino. Entretan-
to, como infelizmente ocorre com muitas pessoas, seu coração não se arrependia e, portanto, não podia haver conversão (At 26.28).
Gostar dos princípios bíblicos ou acreditar que a vida cristã é um bom caminho não é o suficiente para salvar qualquer pessoa.
10 Oferecer metade do reino era uma força de expressão antiga e típica dos monarcas que durante celebrações especiais
gostavam de demonstrar sua generosidade com a finalidade de bem impressionar seus convidados (Et 5.3,6). Herodes não era
rei, embora apreciasse ser considerado assim, segundo os escritos de Josefo. Meio embriagado, prometeu a Salomé, filha de
Herodias, o que não podia dar, pois era vassalo de Roma.
11 Jesus viu as pessoas como ovelhas sem pastor (Sl 23.1,2), pois: 1) Carecem de alimento espiritual e da água da vida (Jo 6.35).
2) Necessitam de direção para encontrar o aprisco eterno (Jo 10.16) e 3) Precisam de proteção contra o Inimigo (Jo 10.28).
12 O vocábulo “deserto”, embora signifique apenas um lugar não habitado, e que se situava a nordeste do grande lago (chamado
de mar) da Galiléia, liga o milagre de Jesus à provisão de Deus para seu povo no deserto, quando lhes enviou o maná (Êx 16).
13 Um dia de trabalho braçal correspondia, em geral, a um denário (Mt 20.2). Os discípulos estavam calculando um valor
equivalente a cerca de oito meses de trabalho de uma pessoa.
14 Ao redor da Galiléia é comum a grama ficar bem verde nos finais de inverno. Jesus usou a expressão “reclinar”, que era a
maneira típica como os povos orientais da época se postavam às refeições. Era como se os discípulos estivessem avisando que
o almoço seria servido em breve.
15 Essa formação relembra a ordem do acampamento mosaico no deserto (Êx 18.21). A palavra “grupos” (em grego,
) significa: “canteiros de jardim”.
16 O antigo ato de graças judaico pelo pão era baseado na Torá: “Louvado sejas Tu, ó Senhor, nosso Deus, Rei do mundo, que
tiras pão da terra” (Lv 19.24). Os pães e os peixes passaram a representar a ceia do Senhor nas obras de arte da igreja primitiva,
e muitas delas foram encontradas nas catacumbas de Roma. Alguns historiadores e teólogos tentam diminuir o impacto deste
milagre de Jesus alegando que ele teria repartido seu almoço com os discípulos, e esses orientado os grupos para, da mesma
forma, dividir entre si o alimento que cada pessoa teria trazido. Entretanto é sugestivo que o próprio Jesus tenha pedido aos discí-
pulos para verificarem quantos pães e peixes havia entre eles (v.38); e foi a partir da multiplicação dessas poucas unidades que se
produziu o suficiente para fartar 5.000 homens (na época não se contavam as mulheres e crianças) a ponto de sobrar doze cestos
cheios de pedaços que, conforme a tradição judaica, deveriam ser recolhidos do chão (Mt 15.37). Além disso, havia profecias por
meio das quais Deus prometera que com a chegada do verdadeiro Pastor, o deserto se tornaria em pastagens verdejantes onde
as ovelhas seriam acolhidas e alimentadas (Ez 34.23-31), e aqui o Messias celebra um banquete com seus seguidores no deserto
(Is 25.6-9). Considerando que as cidades vizinhas, Cafarnaum e Betsaida, tinham uma população de cerca de 2500 pessoas cada,
a multidão que se reuniu com Jesus veio de vários lugares e representou um ajuntamento significativo para os padrões da época.
E essas notícias abalaram os líderes judaicos e romanos.
17 João informa que o povo estava disposto a levar Jesus à força, e coroá-lo rei dos judeus (Jo 6.14,15), por isso, ele mandou
seus discípulos para o outro lado do lago enquanto, sem ser notado, subia o monte para orar só.
18 A expressão “por volta da quarta vigília da noite”, como consta dos originais, significa um período de tempo que vai
das três às seis horas da manhã (Mt 14.25). Ao andar sobre as águas, Jesus demonstra uma vez mais o poder majestoso e
transcendente do Senhor, que reina sobre o mar (grande motivo de temor dos judeus) e todas as demais forças da natureza
(Sl 89.9; Is 51.10,15; Jr 31.35).
19 As lendas e superstições alimentadas entre a população judaica afirmavam que a visão de um fantasma perambulando durante
a noite, era sinal de grande desgraça iminente. Somado ao medo natural que os judeus tinham do mar, é certo que os discípulos
ficaram aterrorizados com a impressão de que estavam sendo atacados por um terrível espírito das profundezas das águas.
20 Para Deus é mais fácil dominar as forças da natureza e do cosmo, do que fazer o coração humano acreditar em Jesus com fé
e obediência amáveis. Como os israelitas no deserto, os discípulos presenciaram muitos milagres portentosos; mesmo assim, em
seu íntimo, eram incrédulos; seus corações estavam empedernidos, à semelhança dos opositores de Jesus (8.17-21; Êx 4.21).
21 Genesaré era uma planície muito fértil, localizada a sudoeste de Cafarnaum. Uma analogia à fertilidade da fé que as
pessoas daquela região demonstraram em Jesus. Tanto que, ao tocar na borda do manto do Senhor, eram imediatamente
salvas de suas enfermidades.
Capítulo 7
1 Os líderes religiosos dos judeus na época, movidos principalmente por inveja e motivos políticos escusos, mandaram uma de-
legação de mestres da lei (fariseus) para fazer uma espécie de auditoria teológica e devassa no comportamento social e privado de
Jesus, com o objetivo de encontrar ou forjar um motivo pelo qual Jesus pudesse ser condenado à pena de morte (Mt 2.4; 15.1-11).
2 A visão dos judeus, notadamente os líderes religiosos, sobre a pureza espiritual era extremamente cerimonial. Portanto,
facilmente perdiam de vista o espírito da lei (o principal propósito) e restringiam-se ao cumprimento de ritos e procedimentos.
Assim, para eles, todo contato com pagãos (inclusive respirar muito próximo o mesmo ar), ou mesmo com outros judeus que não
guardavam as leis cerimoniais, se constituía numa imundícia (ou contaminação) espiritual; e, por isso, se fazia necessário passar
pelos ritos cerimoniais de lavar as mãos e os braços até os cotovelos, derramando sobre eles água pura e fresca (v.4). Portanto,
era comum nas festas prolongadas e com muitos hóspedes, reservarem-se grandes recipientes com água.
3 O cerimonial de purificação, realizado todas as vezes que um judeu retornava para casa, era repleto de detalhes ritualísticos.
Algumas versões da Bíblia trazem a expressão “se aspergirem” em vez de “se banharem”, cujo significado literal é “se batizarem”,
ou seja, observar um ritual de imersão.
4 A hipocrisia, ao lado da arrogância, é um dos mais perversos e sutis dos pecados; e ataca especialmente aos líderes reli-
giosos. Quanto maior expressão um líder granjeia, mais vulnerável se torna. Hipócrita é toda pessoa falsa e dissimulada, cujas
palavras de apologia à moral e ao cumprimento rígido das leis, normas, convenções e rituais (especialmente religiosos) não têm
qualquer respaldo ou correspondência direta com suas atitudes públicas e vida íntima. Isaías denunciou severamente os líderes
religiosos de sua época (Is 29.13). Malaquias, embora muitos pensem que seu principal tema fosse o dízimo, na verdade, era a
corrupção e a hipocrisia generalizada do povo de Israel, a começar por seus líderes e mestres (sacerdotes) religiosos.
5 Os mandamentos de Deus estão todos registrados na Bíblia e são obrigatórios. As tradições, normas de conduta e estatutos
dos antigos mestres, não são bíblicos e, portanto, não são autorizados, muito menos, obrigatórios. Os anciãos (líderes da religião
judaica) se ocupavam da interpretação e exposição da Lei de Moisés, mais tarde codificada num manual chamado de Mishná,
que por sua vez, deu origem ao Talmude, que é um comentário extenso e detalhado da Mishná.
6 “Corbã” é a transliteração de uma palavra hebraica que significa “oferta”. Muitos judeus religiosos estavam afirmando que
haviam feito “Corbã” com seus bens, ou seja, doado o dinheiro da aposentadoria dos pais para Deus (mais propriamente para
os sacerdotes do Templo) e, por isso, não tinham como ajudá-los. Ocorre que a Lei não prescrevia que todo o dinheiro devia ser
doado. Além disso, muitos jovens judeus estabeleciam um acordo com os sacerdotes e recebiam parte da “oferta” de volta.
7 A mente humana é facilmente enredada por falsos juízos em função de suas muitas ambições. Por isso devemos agir sempre
como os cristãos bereanos (At 17.11). Os fariseus estavam recorrendo a um texto isolado da Lei (Nm 30.1,2) para defender o voto
do “Corbã”. Jesus aproveita para ensinar uma regra básica de interpretação bíblica: a obediência a um mandamento específico
das Escrituras jamais pode anular os outros mandamentos gerais de Deus. A conclusão tirada pelos anciãos sobre Nm 30.1,2
satisfazia a letra do texto bíblico, mas era contrário ao sentido (espírito) global da Lei.
8 Em hebraico, mashal, o termo traduzido aqui por “parábola”, significa “ilustração, figura, imagem” e tem o sentido de uma
expressão proverbial ou história de moral, que acompanha a vida de uma pessoa como um sinal luminoso. Este acende sempre
que necessário, para avisar de algum perigo iminente ou trazer à memória uma maneira sábia de agir.
9 Marcos, primo de Barnabé e grande amigo dos apóstolos Pedro e Paulo, preocupa-se em fazer comentários sobre a Lei, usos
e costumes dos judeus. Seu objetivo era esclarecer sua principal audiência: os gentios, mais precisamente, o número elevado
de romanos que estavam sendo convertidos pelo Espírito Santo (entre 50 e 70 d.C.). Os discípulos tiveram de aprender com
Jesus sobre a desobrigação de os cristãos guardarem as leis e cerimônias do AT referentes às comidas puras e impuras (Lv 11;
Dt 14; At 10.15).
10 Jesus ensina e adverte que a fonte do pecado humano é o coração (centro das emoções e da razão), e não o estômago. O
coração tem para o mundo ocidental o mesmo significado que “as entranhas” ou “os intestinos” têm no mundo oriental. Ou seja, re-
presentam o centro da personalidade, incluindo o intelecto, a volição, e todas as emoções e desejos humanos. Por isso, a comunhão
(amizade reverente) com Deus não pode ser interrompida por causa de mãos ou alimentos com impurezas, mas, sim, pelo pecado
consciente, intencional e renitente. Mais do que lavar as mãos, é necessário limpar (lavar, purificar) a mente, pois Deus não faz distin-
ção entre pecados elaborados e alimentados nos pensamentos, e os consumados por ação. Segue-se uma lista, como exemplo, de
alguns pecados comuns, mas que não deveriam fazer parte da vida diária de um cristão pleno do Espírito Santo. A palavra “inveja”
no original grego é: “olho mau”, cujo sentido não é apenas o desejo ardente pelas posses de outrem, mas igualmente a falta de
generosidade, literalmente, o ser “pão duro”. A palavra “insensatez”, traduzida em algumas versões por “loucura”, não tem o sentido
de uma enfermidade mental, mas sim, de total negligência do pecador (aquele que aprecia seu estilo de vida mundano) em relação
às suas responsabilidades para com Deus, com seu próximo e com a sociedade (religião e ética).
Entrou em uma casa e desejava que nin- 32 Então, algumas pessoas lhe apresenta-
guém o soubesse; porém, não foi possível ram um homem que era surdo e mal po-
manter sua presença em segredo.11 dia falar, e lhe suplicaram que impusesse
25 De fato, assim que ouviu falar sobre sua mão sobre ele.
Ele, certa mulher, cuja filha pequena 33 Jesus conduziu o homem, a sós, para
estava com um espírito imundo, chegou longe da multidão, e colocou os dedos
e atirou-se aos seus pés. nas orelhas dele. Em seguida, cuspiu e
26 A mulher era grega, de origem siro-fe- tocou na língua daquele homem.
nícia, e implorava a Jesus que expulsasse 34 Depois, levantando os olhos para o
o demônio de sua filha.12 céu e, com um profundo suspiro, orde-
27 Mas Jesus lhe explicou: “Deixa primei- nou: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!”15
ro que os filhos se alimentem até ficarem 35 Imediatamente, os ouvidos do homem
satisfeitos; pois não é justo tirar o pão se abriram, sua língua desprendeu-se e
dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos”.13 ele começou a falar fluentemente.16
28 Ao que replicou-lhe a mulher: “Sim, 36 Entretanto, Jesus ordenou-lhes que
Senhor, mas até os filhotes dos cães, de- não dissessem a ninguém o que ali se
baixo da mesa, comem das migalhas das passara. Contudo, quanto mais Ele reco-
crianças!”14 mendava, tanto mais eles o divulgavam.
29 Então Ele lhe declarou: “Por causa 37 As multidões ficavam sobremodo ma-
dessa tua resposta, podes ir em paz; o ravilhadas e proclamavam: “Ele faz tudo
demônio já saiu de tua filhinha”. de forma esplêndida! Faz tanto os surdos
30 Ao retornar ela para sua casa encon- ouvirem como os mudos falarem”.17
trou a criança jogada sobre a cama, pois
o demônio a havia abandonado. Nova multiplicação dos pães
(Mt 15.32-39)
A cura de um surdo-gago
31 Outra vez, saindo Jesus das terras de
Tiro, seguiu em direção ao mar da Gali-
8 Naqueles dias, uma grande multidão
novamente se ajuntou, e não tendo as
pessoas com o que se alimentar, chamou
léia, passando por Sidom e atravessando Jesus os discípulos e lhes compartilhou:1
a região de Decápolis. 2 “Tenho compaixão desta multidão; já
11 Tiro era uma cidade povoada por gentios. Localizada na Fenícia, onde hoje é o Líbano, fazia fronteira com a Galiléia, a no-
roeste. Jesus viajou cerca de 50 km de Cafarnaum até os arredores de Tiro. Desde o milagre da multiplicação dos pães e peixes
(6.30-44), Jesus e seus discípulos passaram a evitar os grandes centros e a ministrar nas periferias da Galiléia. Jesus procurava
evitar os confrontos infrutíferos com os fariseus e escribas, e dedicar-se cada vez mais ao discipulado dos Doze (9.30,31). A
palavra grega koinos, aqui traduzida por “contaminam”, significa “comum”, e seu sentido tem a ver com o fato de os pecados
poderem assumir a condição de parte integrante do ser humano, caso não haja arrependimento, confissão e perdão. O Espírito
Santo é o grande aliado dos cristãos na tarefa de manter suas mentes sensíveis e purificadas (Jo 14.16-27).
12 A mulher apresentada por Marcos falava grego e vivia numa cultura grega, mas era de nacionalidade siro-fenícia, uma vez
que naquele
q tempop a Fenícia pertencia
p administrativamente à Síria.
13 Jesus se refere aos israelitas que, pela primeira aliança eram os filhos prediletos de Deus (Êx 4.22; Dt 14.1). Jesus segue a
missão designada ao Servo (Is 49.6), trazendo, em primeiro lugar, Salvação aos judeus (Rm 15.8).
14 Essa é a única ocasião, no evangelho segundo Marcos, em que Jesus é chamado “Senhor”.
15 Jesus usa uma palavra do seu dialeto hebraico, o aramaico Efatá, que o próprio Marcos logo traduz em benefício da com-
preensão dos seus leitores gentios.
16 Jesus estava realizando, na prática, o que Deus prometera há muitos séculos por meio das profecias (Is 35.5,6). Ele procura-
va, porém, manter seu ministério, especialmente o de curas e sinais, longe da propaganda de massa, a fim de não atrair tão cedo
a perseguição dos líderes religiosos e políticos da época (Mt 8.4; 16,20; Mc 1.44; 5.19,43).
177 Tanto o Pai, quanto
q o Filho, fazem tudo muito bem (maravilhosamente
( perfeito
p – Gn 1.31; Jo 5.17).) Um dia toda a terra reco-
nhecerá esse fato. É importante lembrar que Deus criou a terra e o ser humano, mas o Diabo criou este mundo caótico no qual
vivemos. Hoje, pela fé, os cristãos devem assumir sua condição de embaixadores do Rei, cuja missão é proclamar a Salvação e
os valores do Reino de Deus por toda a terra.
Capítulo 8
1 O próprio Senhor nos afirma (vv.18-20) que este relato (8.1-10) é distinto do ocorrido anteriormente (6.34-44), muito embora
sejam notáveis as semelhanças dos fatos.
se passaram três dias que estão comigo e e, para prová-lo, pediram que lhes apre-
não têm o que comer.2 sentasse um sinal miraculoso do céu.4
3 Se Eu os enviar de volta às suas casas, 12 No entanto, Jesus suspirou profunda-
em jejum, vão desfalecer pelo caminho, mente e lhes afirmou: “Por que pede esta
pois alguns deles vieram de longe”. geração um sinal dos céus? Com certeza
4 Entretanto, os discípulos alegaram: vos asseguro que para esta geração não
“Onde, neste lugar desabitado, seria haverá sinal algum”.
possível alguém conseguir pão suficiente 13 E, deixando-os, voltou a embarcar e
para alimentar a todos?” rumou para o outro lado.
5 Indagou-lhes Jesus: “Quantos pães ten-
des?” Ao que afirmaram eles: “Sete”. O perigo das más influências
6 Então Ele orientou o povo a reclinar-se (Mt 16.5-12)
sobre o chão. E, após tomar os sete pães 14 Aconteceu que os discípulos se esque-
e dar graças, partiu-os e os entregou aos ceram de levar pães e, no barco, tinham
seus discípulos, para que estes servissem consigo apenas um único pão.
à multidão; e assim foi repartido entre 15 E Jesus passou a recomendar a eles:
todas as pessoas. “Cuidado! Guardai-vos do fermento dos
7 Havia também alguns peixes pequenos; fariseus e do fermento de Herodes”.5
da mesma forma Ele deu graças e orde- 16 Eles, p
porém, especulavam
p entre si, ar-
nou aos discípulos que os distribuíssem. gumentando: “É por que não trouxemos
8 Todas as pessoas ali reunidas comeram pão!”
até se saciar; e ainda recolheram sete cestos 17 Ao notar a discussão, Jesus questio-
grandes, cheios de pedaços que sobraram. nou: “Por que discorreis sobre o não
9 Na multidão havia cerca de quatro mil terdes pão? Até agora não considerastes,
homens. Então, Jesus despediu-se do povo. nem ainda compreendestes? Permane-
10 Logo depois, entrou no barco com ceis com o coração petrificado?
seus discípulos e dirigiu-se para a região 18 Tendo olhos, não vedes? E, possuindo
de Dalmanuta.3 ouvidos, não escutais? Não vos recor-
dais?
Os fariseus querem um sinal 19 Quando dividi os cinco pães para os
(Mt 16.1-4) cinco mil homens, de quantos cestos
11Os fariseus se aproximaram e começa- cheios de pedaços que sobraram reco-
ram a questionar Jesus. Então o tentaram lhestes? E, afirmaram-lhe: ‘Doze!’
2 Como este episódio aconteceu na Decápolis (7.31), certamente havia um grande número de gentios na multidão. Jesus se
compadece (em grego: agapç) do povo que demonstrava grande fome da Palavra, pois há três dias o seguia e ouvia seus ensinos
sem se alimentar. Um grande exemplo para os cristãos atuais.
3 Dalmanuta ficava ao sul da Planície de Genesaré, local em que Jesus desembarcou. Mateus chama a região de Magadã ou
Magdala (Mt 15.39). Da mesma maneira como agiu na primeira multiplicação dos pães (Mt 14.13-21; Mc 6.30-44; Lc 9.10-17; Jo
6.1-15), Jesus usa uma expressão original (vs.6 – em grego: , “a reclinar-se”), que tem a ver com a atitude cultural
dos judeus daquela época de quase deitarem sobre almofadas diante de mesas baixas, um ao lado do outro, em círculos, para
fazerem suas refeições cotidianas. Ao solicitar que as pessoas “reclinassem sobre o chão” (se assentassem), Jesus estava
comunicando a todos que o desjejum seria servido em seguida.
4 O pedido dos fariseus brotava da incredulidade. Tentaram fazer com que Jesus provasse ser um profeta maior do que Elias
(1Rs 18.20-40). Queriam apenas ver um show cosmológico, mas Jesus apontou para o povo e sua longa história de fome espiritu-
al e de justiça; assim como ocorreu no deserto com Moisés. O pão partido e multiplicado era o maior sinal para aquela “geração”
(maneira de se referir a um tipo de gente mesquinha e hipócrita).
5 Os judeus, por causa dos mandamentos de Deus (Êx 13.7) evitam o uso de qualquer tipo de levedo (agentes de fermentação
empregados na preparação de algumas bebidas alcoólicas não destiladas, tipo cervejas, e na panificação) na semana imedia-
tamente após a Páscoa. Na época de Cristo a levedura era um símbolo comumente usado pelos mestres para se referir à má
inclinação humana. Jesus faz uso desta metáfora para mostrar a procedência maligna dos pedidos dos fariseus e de Herodes
Antipas (Lc 23.8) por um sinal espetacular nos céus para comprovação da sua divindade. Jesus enfatiza que o grande sinal estava
na terra, junto à vida das pessoas a quem Deus amava.
20 E quando Eu parti sete pães para aque- de Filipe. No caminho, Ele lhes inquiriu:
les quatro mil, quantos cestos grandes, “Quem dizem as pessoas que Eu Sou?”8
repletos de sobras recolhestes do chão?” 28 Ao que eles informaram: “Alguns
Responderam eles: ‘Sete!’6 comentam que és João Batista, outros,
21 Ao que lhes concluiu Jesus: “E então, Elias; e ainda há quem afirme que és um
ainda não compreendeis?” dos profetas”.
29 Então lhes questionou: “Mas vós,
Um cego em Betsaida é curado quem dizeis que Eu Sou?” E, asseverando
22 E, chegando a Betsaida, algumas pes- Pedro, declarou: “Tu és o Cristo!”
soas trouxeram um cego à presença de 30 Jesus, por sua vez, lhes recomendou
Jesus e rogavam-lhe que o tocasse.7 que nada divulgassem a seu respeito.
23 Então, Ele tomou o cego pela mão e
o conduziu para fora da aldeia. Em se- Jesus anuncia sua Paixão
guida, cuspiu nos olhos daquele homem (Mt 16.21-23; Lc 9.22)
e lhe impôs as mãos. E indagou: “Vês 31 Então, passou Jesus a ensinar-lhes que
alguma coisa?” era imperioso que o Filho do homem
24 O homem levanta os olhos e afirma: fosse vítima de muitos sofrimentos, vies-
“Vejo pessoas; mas elas se parecem com se a ser rejeitado pelos líderes religiosos,
árvores caminhando”. pelos chefes dos sacerdotes e pelos mes-
25 Mais uma vez, Jesus colocou suas mãos tres da lei; então fosse assassinado, para
sobre os olhos do homem. E, no mesmo depois de três dias ressuscitar.9
instante, tendo sido completamente res- 32 E Jesus falou sobre esse assunto de
taurado, via com clareza, e podia discer- maneira clara. Mas Pedro, chamando-
nir todas as coisas. o em particular, começou a censurá-lo
26 Então Jesus enviou aquele homem energicamente.
para casa, recomendando-lhe: “Nem 33 Entretanto, Jesus voltou-se, olhou para
sequer no povoado entres!” seus discípulos e repreendeu severamen-
te a Pedro, exclamando: “Para trás de
Pedro confessa Jesus como Messias mim, Satanás! Pois não estais pensando
(Mt 16.13-20; Lc 9.18-21) na obra de Deus, mas sim nas ambições
27Jesus e seus discípulos partiram para humanas”.10
os povoados nas cercanias de Cesaréia 34 Em seguida, convocou Jesus a mul-
6 Mais uma prova de que Jesus fala de dois eventos parecidos, mas distintos é que no primeiro a palavra grega usada para
“cestos” indica um pequeno cesto da época, feito de junco; e no segundo, a palavra grega usada para “cestos”
refere-se a um tipo de cesto grande, feito de tecido e capaz de suportar o peso de uma pessoa, como foi o caso
ocorrido com o apóstolo Paulo (At 9.25).
7 Betsaida significa “casa de pesca” e se localizava numa planície ao norte do mar da Galiléia. Era a cidade natal de Pedro,
André e Filipe (Jo 1.44).
8 Com a confissão de Pedro tem início a segunda metade de Marcos. A partir de agora Jesus muda a direção principal dos
seus ensinos, deixa as grandes multidões e concentra-se no discipulado dos Doze. Ao grupo dos discípulos passa a revelar mais
e mais sobre sua missão, morte e ressurreição.
9 A necessidade do sofrimento expiatório de Jesus é claramente apresentada no AT (Sl 22, 69, 118; Is 50.4, 52.13-53.12;
Zc 13.7). Jesus costumava se referir a si mesmo como “Filho do homem” (81 vezes nos evangelhos). Título jamais usado por
qualquer outra pessoa. Em Daniel (Dn 7.13,14), o filho de um homem é retratado profeticamente como personagem celestial a
quem, no final dos tempos, Deus confiou autoridade, glória e poder soberano. O próprio Jesus passa a reforçar esse título junto
aos seus discípulos. Pedro compreendeu que Jesus era o Messias prometido pelo uso que faz do termo grego “Cristo” (Messias,
em hebraico). Os líderes religiosos eram os membros leigos (anciãos) do Sinédrio (Supremo Tribunal dos Judeus), os chefes
dos sacerdotes (Mt 2.4), entre eles o sumo sacerdote em exercício, Caifás; o sumo sacerdote anterior, Anás, e as respectivas
famílias sacerdotais.
10 O sofrimento e a humilhação não correspondiam ao “Messias” que estava na mente de Pedro: o Libertador de Israel. Ao
tentar persuadir Jesus a ter compaixão de si mesmo para não se entregar ao martírio e à morte, Pedro incorreu no mesmo dis-
curso usado por Satanás no início do ministério do Senhor (Mt 4.8-10), e por isso Jesus precisou mostrar a todos os discípulos
tidão e os discípulos, e os desafiou: “Se que aqui estão de modo algum passarão
alguém deseja seguir-me, negue-se a si pela morte, até que vejam o Reino de
mesmo, tome a sua cruz e venha após Deus chegando com poder”.
mim.11 2 Passados seis dias, tomou Jesus consigo
35 Quem quiser, pois, salvar a sua vida a Pedro, Tiago e João e os conduziu a
perdê-la-á; mas quem perder a sua vida um lugar retirado, no alto de um monte,
por minha causa e pelo Evangelho salva- onde puderam ficar a sós. E ali Ele foi
la-á! transfigurado diante deles.1
36 Portanto, de que adianta uma pessoa 3 Suas vestes tornaram-se alvas, de um
ganhar o mundo inteiro e perder a sua branco reluzente, como nenhum la-
alma? vandeiro em toda a terra seria capaz de
37 Ou ainda, o que uma pessoa pode-ria alvejá-las.
dar em troca de sua alma? 4 Então, apareceu à sua frente Elias com
38 Assim sendo, numa época como esta, Moisés, e estavam conversando com
de incredulidade e perversidade, se al- Jesus.
guém tiver vergonha de mim e dos meus 5 E Pedro, tomando a palavra, sugeriu:
ensinamentos, então o Filho do homem, “Rabi, é muito bom estarmos aqui! Va-
quando voltar na glória do seu Pai, jun- mos erguer três tabernáculos: um será
tamente com os santos anjos, também a teu, um para Moisés e um para Elias”.2
essa pessoa não oferecerá honra”.12 6 Pedro não sabia o que falar, pois eles
haviam ficado aterrorizados.
A transfiguração de Jesus 7 Em seguida, surgiu uma nuvem que
(Mt 17.1-8; Lc 9.28-36) os envolveu, e dela soou uma voz, que
que tentar se desviar da vontade de Deus – não importa a razão – é cair nas artimanhas de Satanás e “errar o alvo” (expressão
que em hebraico significa: pecado).
11 Jesus faz um convite não apenas aos Doze, mas a todas as pessoas. Devemos permitir que o Espírito Santo assuma o
controle total das nossas vidas, antes dirigida pelo “eu” ou “ego” (fonte das nossas vontades, quase sempre contrárias à vontade
de Deus). Tomar a cruz é a disposição de começar a seguir ao Senhor do jeito que somos e com aquilo que temos; e depois,
aceitarmos a glória de vivermos e morrermos por Ele. Ao concluir, conclamando todos a segui-lo, Jesus estava dizendo que
mostraria pessoalmente o caminho da verdadeira entrega a Deus, do sofrimento, do martírio, da morte e da ressurreição para
uma vida eterna de comunhão com o Pai (Sl 49.8, Hb 9.27, Ap 21.8).
12 O mundo é um sistema globalizado de valores e princípios (filosóficos, políticos, econômicos e sociais) que, a cada geração,
se afasta mais e mais da Palavra de Deus. Por isso, desde a Queda (Gn 3), Deus tem procurado corrigir a rota dessa humanidade
perdida (Hb 1.1-2). Quem preferir se ajustar à sua geração (aos ditames do mundo de sua época) mais do que seguir a Cristo e
aos princípios da Sua Palavra não poderá fazer parte do Reino de Deus, tanto aqui e agora, como na Nova Jerusalém, na eternida-
de futura e iminente (Ap 21.1-4). Ter “vergonha” de Jesus é muito mais que um simples ato externo de usos e costumes, timidez ou
inabilidade de expressão. Esta palavra, em seu sentido original, tem a ver com a “honra de cultivar um caráter idôneo e amoroso
em relação a Deus e ao próximo em todas as atitudes pessoais”. Ou seja, envergonhar-se do Evangelho é não aceitar o compro-
misso com o discipulado de Cristo e preferir levar a vida conforme a ordem mundial impõe às pessoas de todas as culturas (Rm
1.16, 12.1). Entretanto, na volta triunfal de Cristo, todos aqueles que creram no Senhor o suficiente para enfrentar o mundo com
um estilo de vida verdadeiramente cristão, serão honrados por Jesus e participarão da Sua glória eterna (1Ts 1.6-10).
Capítulo 9
1 No NT, a palavra grega metamorphothe foi usada apenas em Mt 17.2, Rm 12.2 e 2Co 3.18, sempre com o sentido de transfor-
mação radical de um ser em outro ser. Em relação à vida diária dos cristãos, significa uma mudança total de caráter, abandonando
os costumes mundanos e adotando um estilo de vida próprio dos cidadãos do céu. O objetivo da transfiguração foi manifestar,
ainda que brevemente, aos discípulos mais chegados, a glória de Jesus encoberta por causa de sua encarnação. Jesus anteci-
pou a visão da sua ressurreição e do seu glorioso retorno.
2 Rabii ou Rabbii é a p
palavra hebraica comumente traduzida por
p “Mestre”. Pedro se prontificou,
p ainda que
q estarrecido, a recriar o
antigo ponto de encontro de Deus com seu povo (conhecido como tenda, cabana ou tabernáculo – Êx 29.42; Lv 23.42).
3 O sentido mais amplo da expressão: “a Ele dai ouvidos”, ou simplesmente, “a ele ouvi”, como aparece em algumas versões,
está relacionado à profecia de Dt 18.15, onde o termo “ouvir”, nos originais hebraicos significa “ouvir e obedecer”. Quando se
trata da voz de Deus a única maneira correta de ouvir é obedecendo (Tg 1.22-25).
4 Jesus faz referência à vinda de João Batista (Mt 17.10-13). João, assim como Elias, sofreu a oposição de um rei inseguro,
influenciado por uma rainha pagã e perversa. Elias realizou a obra de restauração do culto a Deus, especialmente no monte
Carmelo, e foi uma prefiguração de João, que veio iniciar (preparar o caminho) a restauração total do ser humano. Obra essa
concluída por Jesus (Ef 1.7-10). As ameaças de Jezabel em relação a Elias concretizaram-se na vida e no ministério de João e
preanunciaram a chegada do Messias (1Rs 19.1-10).
5 Possessão demoníaca é a ação de demônios (seres espirituais, anjos caídos, comandados por Satanás, e absolutamente
malévolos), que invadem e dominam o sistema nervoso, a consciência sensorial, a sede da vontade humana; e que, enfim,
tomam posse do corpo físico de uma pessoa, na qual ainda não habita o Espírito Santo, controlando suas ações e, por vezes,
submetendo esse corpo humano a todo tipo de humilhações e sofrimentos.
6 Os discípulos, que já haviam expelido vários espíritos malignos, não puderam expulsar aquele demônio por absoluta incre-
dulidade (Mt 17.14-21). Jesus adverte para o fato de que há graduação de poderes nas trevas, e que certa espécie de inimigos
espirituais só podem ser expulsos por meio de profunda comunhão com Deus em oração e persistente devoção, que inclui o
jejum. Apesar de a palavra “jejum” não aparecer em muitos originais gregos, é certo que Jesus e a Igreja primitiva praticavam o
jejum como disciplina espiritual. Jesus aproveita aquele momento tenso e constrangedor para evidenciar que todas as coisas são
realizáveis mediante a fé, e que a grande questão do ser humano é exatamente esta: a falta de fé. Deus pode tudo e a qualquer
momento, mas as pessoas costumam “crer duvidando” e, por isso, o Senhor não pode honrar uma “fé falsa” ou “incompleta”. A
verdadeira fé elimina todas as barreiras espirituais na vida (Tg 1.5-8).
25 Percebendo que o povo estava se ajun- que no caminho haviam discutido sobre
tando, repreendeu o espírito imundo, quem era o maior.
determinando: “Espírito mudo e surdo, 35 Assentando-se, Jesus reuniu os Doze
Eu te ordeno: Deixa este jovem e jamais e lhes orientou: “Se alguém deseja ser
o tomes novamente!” o primeiro, será o último, e servo de
26 Então o demônio berrou, agitou o todos”.
jovem violentamente e o abandonou. 36 E, conduzindo uma criança, colocou-
O menino ficou desfalecido, a ponto de a no meio deles e, tomando-a nos braços,
todos afirmarem: “Ele morreu!” revelou-lhes:
27 Entretanto Jesus, pegando a mão do 37 “Quem recebe uma destas crianças,
menino, o levantou, e ele ficou em pé. por ser meu seguidor, do mesmo modo
28 Mais tarde, quando Jesus estava em estará a mim recebendo; e qualquer que
casa, seus discípulos o consultaram em me recebe, não está apenas me rece-
particular: “Por que razão não fomos bendo, mas igual-mente àquele que me
capazes de expulsá-lo?” enviou”.8
29 E Jesus lhes advertiu: “Essa espécie
de demônios só é expelida com oração Quem não é contra, está a favor
e jejum”. (Lc 9.49,50)
38 Contou-lhe João: “Mestre, vimos
O segundo anúncio da Paixão um homem que, em teu nome, estava
(Mt 17.22-23; Lc 9.43-45) expulsando demônios e procuramos
30 Eles partiram daquele lugar e atraves- impedi-lo; pois, afinal, ele não era um
saram a Galiléia. E Jesus evitava que qual- dos nossos”.
quer pessoa soubesse onde se achavam.7 39 “Não o impeçais!”- ponderou Jesus.
31 Pois estava dedicado ao ensino dos “Ninguém que realize um milagre em
seus discípulos e lhes revelava: “O Filho meu nome, é capaz de falar mal de mim
do homem está prestes a ser entregue nas logo em seguida.
mãos dos homens. Eles o matarão, mas 40 Portanto, quem não é contra nós, está
três dias depois ressuscitará”. a nosso favor.9
32 Todavia, eles não conseguiam entender 41 Com toda a certeza vos asseguro, qual-
o que Ele desejava comunicar, mas tinham quer pessoa que vos der de beber um
receio de inquiri-lo a este respeito. copo de água, pelo fato de pertencerdes a
Cristo, de maneira alguma perderá a sua
Quem é o maior no Reino? recompensa”.
(Mt 18.1-5; Lc 9.46-48)
33 Então chegaram a Cafarnaum. Quan- Evitar o pecado a todo custo
do já estavam em casa, indagou-lhes: (Mt 18.6-9)
“Sobre o que discorríeis pelo caminho?” 42 “Se alguém fizer tropeçar um destes pe-
34 Eles, porém, ficaram em silêncio; por- queninos que crêem em mim, seria me-
7 Jesus havia completado seu período de ministério às grandes massas na Galiléia e regiões vizinhas. Agora estava a caminho
do seu próprio holocausto em Jerusalém (10.32-34). Jesus passou então a concentrar, ainda mais, seus ensinos e discipulado na
vida dos seus Doze seguidores mais próximos.
8 Dúvidas sobre a posição hierárquica no Reino ocupavam a mente dos discípulos. A posição social sempre foi uma grande
ambição humana, especialmente na cultura judaica daquela época e em função da possibilidade da instauração de um novo “rei-
no” (sistema político-religioso). Entretanto, Jesus esclarece que a honra e o poder no Reino de Deus são conquistados por amor,
humildade, generosidade e serviço ao próximo. Como os bons pais cuidam de seus filhos pequenos (Lc 9.47). Por “pequeninos”
pode-se entender: as crianças, os novos convertidos e os cristãos em fase de amadurecimento espiritual (Rm 14; 1Co 8 e 9).
9 Jesus desaprova o sectarismo (partidarismo ferrenho das doutrinas e preceitos de uma seita) e o proselitismo (ação ostensiva
visando mover pessoas de uma seita para outra). Devemos manter comunhão com todos os cristãos que foram regenerados
pelo Espírito de Deus, isto é, com todos os Salvos, independentemente do seu grupo doutrinário. Por outro lado, é inadmissível
lhor que fosse lançado no mar com uma 50O sal é bom; mas se o sal perder o seu
pedra de asno amarrada ao pescoço.10 sabor, como restaurar as suas proprieda-
43 E, se a tua mão te fizer tropeçar, corta- des? Tende o bom sal em vós mesmos e
a, pois é melhor entrares para a Vida mu- vivei em paz uns com os outros”.13
tilado do que, possuindo as duas mãos,
ires para o inferno, onde o fogo que arde Casamento e Separação
jamais arrefece.11 (Mt 19.1-12)
44 Naquele lugar, os teus vermes devora-
dores não morrem, e as chamas nunca se
apagam.
10 Partindo dali, foi Jesus para a re-
gião da Judéia e para o outro lado
do Jordão. E, outra vez, grande multidão
45 E, se o teu pé te fizer tropeçar, corta- chegou-se a Ele e, como era seu costume,
o, pois é melhor entrares para a Vida passou a ensinar as pessoas ali reunidas.1
aleijado do que, tendo os dois pés, seres 2 Alguns fariseus se aproximaram de Je-
lançado no inferno. sus e, p
para colocá-lo à prova
p questiona-
q
46 Onde o teu verme não morre, e o fogo ram: “É permitido ao homem separar-se
é inextinguível. de sua esposa?”
47 E ainda, se um dos teus olhos te levar 3 Inquiriu-lhes Jesus: “O que lhes orde-
a pecar, arranca-o. É melhor entrares no nou Moisés?”
Reino de Deus com um dos teus olhos 4 E eles replicaram: “Moisés permitiu que
do que, possuindo os dois olhos, seres o homem desse à sua mulher uma certi-
atirado no inferno. dão de divórcio e a mandasse embora”.
48 Naquele lugar, os teus vermes devora- 5 Esclareceu-lhes Jesus: “Moisés vos dei-
dores não morrem, e as chamas nunca se xou escrita essa lei por causa da dureza
apagam. dos vossos corações!”2
6 Entretanto, no princípio da criação
Os cristãos são o sal da terra Deus ‘os fez homem e mulher’.
(Mt 5.13; Lc 14.34-35) 7 ‘Por esta razão, o homem deixará pai e
49 Pois todos serão salgados com fogo.12 mãe e se unirá à sua esposa,
que um cristão verdadeiro seja neutro em relação ao senhorio de Cristo. Ou se é, ou não se é cristão. Para Jesus não existe o
“cristão nominal”, ou seja, aquela pessoa que crê em Deus, mas não procura viver uma vida em comunhão com o Espírito Santo.
A unidade da Igreja nem sempre será obtida por meio de uma unanimidade teológica; porém, muitas vezes, no serviço humilde,
generoso e compreensível do amor fraternal em Cristo (Mt 25.34-46 conforme Mt 18.1-10 e Lc 17.1).
10 O amor de Deus por seus filhos é tão grande que o suicídio seria a melhor solução para alguém que deliberadamente
tentasse desviá-los do verdadeiro Caminho. Jesus usa literalmente o termo “pedra de asno”, para referir-se a uma grande placa
de pedra, comumente girada por jumentos, para moer grãos e cereais.
11 Jesus usa uma hipérbole (figura de linguagem que transmite um ensino por meio do exagero das afirmações ou compara-
ções) para ressaltar a necessidade de uma ação drástica. Muitas vezes o pecado ou um mau hábito só poderá ser vencido por
uma “cirurgia espiritual radical”. A palavra grega geenna é traduzida por “inferno” e aparece apenas nos Evangelhos e em Tg 3.6.
Seu sentido original corresponde a um “grande depósito de lixo”. Jesus cita a última palavra de advertência proferida por Isaías
em relação ao perigo da condenação eterna daqueles que teimam em viver rebeldes ao Espírito de Deus (Is 66.24). Num “grande
depósito de lixo” há sempre vermes se revolvendo (Mt 5.22).
12 No AT era exigido que se colocasse sal sobre o sacrifício (Lv 2.13 com Ez 43.24). Todo cristão deve ser um sacrifício para
Deus (Rm 12.1). Na vida cristã, o sal é representado, por provas, purificação pelo fogo da justiça divina, perseguições do Inimigo
e deste mundo (1Co 3.13; 1Pe 1.7; 4.12).
13 Na época de Jesus o sal era vital para temperar, dar sabor e conservar os alimentos, especialmente as carnes vermelhas e os
peixes. Ele se compara, portanto, à firme convicção do cristão que vive corajosa e intensamente o Evangelho (8.35-38).
Capítulo 10
1 Os capítulos de 1 a 9 relatam o ministério de Jesus na Galiléia. De 10 a 15 focalizam a outra parte da missão do Senhor, já
na Judéia.
2 O ser humano, por causa de sua pecaminosidade inata, tem a forte tendência de se ater mais ao teor da Lei do que ao seu
espírito. Tanto Jesus como todo judeu convicto reconhecem a plena autoridade da Bíblia. Cristo não nega o ensino registrado em
Dt 24.1, mas revela que a separação ou divórcio, jamais foi plano de Deus para os matrimônios. Os fariseus não estavam conse-
guindo discernir entre a vontade absoluta de Deus e Sua permissão, levando em conta a fraqueza humana diante do pecado. A
8 e os dois se tornarão uma só carne’. Deus como uma criança, jamais terá
Dessa forma, eles já não são dois, mas acesso a ele”.
sim uma só carne.3 16 Em seguida, abraçou as crianças, im-
9 Portanto, o que Deus uniu, não o sepa- pôs-lhes as mãos e as abençoou.5
re o ser humano!”
10 Mais tarde, quando estavam em casa, O homem que deseja possuir tudo
uma vez mais os discípulos indagaram (Mt 19.16-30; Lc 18.18-30)
Jesus sobre o mesmo assunto. 17 E, colocando-se Jesus a caminho,
11 Então Ele lhes explicou: “Todo homem correu um homem ao seu encontro e,
que se separar de sua esposa e se unir a ajoelhando-se, indagou-lhe: “Bom Mes-
outra mulher, estará cometendo adulté- tre! O que devo fazer para herdar a vida
rio contra a sua esposa. eterna?”
12 Da mesma maneira, se uma mulher se 18 Replicou-lhe Jesus: “Por que me cha-
divorciar de seu marido e se casar com mas bom? Ninguém é bom, a não ser
outro homem, estará igual-mente caindo um, que é Deus!6
em adultério”.4 19 Tu conheces os mandamentos: ‘Não
matarás, não adulterarás, não furtarás,
Jesus abençoa as crianças não dirás falso testemunho, não engana-
(Mt 19.13-15; Lc 18.15-17) rás ninguém, honra a teu pai e tua mãe’”.7
13 E aconteceu que as pessoas traziam 20 Ao que o homem declarou: “Mestre,
crianças para que Jesus lhes impusesse tudo isso tenho obedecido desde minha
a mão, mas os discípulos repreendiam adolescência”.
o povo. 21 Então Jesus o olhou com compaixão e
14 Todavia, quando Jesus notou o que se lhe revelou: “Contudo, te falta algo mais
passava, ficou indignado e lhes adver- importante. Vai, vende tudo o que tens,
tiu: “Deixai vir a mim os pequeninos. entrega-o e receberás um tesouro no céu;
Não os impeçais, pois deles é o Reino então, vem e segue-me!”8
de Deus. 22 Diante disso, o homem abateu-se
15 Com toda a certeza vos asseguro: profundamente e retirou-se entristecido,
aquele que não receber o Reino de pois possuía muitos bens.
separação entre marido e mulher nunca contou com a aprovação de Deus, a não ser como o menor entre dois males. O termo
grego “sklerokardia”, sempre usado no sentido espiritual para denotar um tipo de “coração inflexível e arrogante”, traduz um estilo
de vida permanentemente em rebelião contra Deus e Sua Palavra.
3 O casamento cria um novo tipo de relação familiar (Gn 29.14), onde o amor e a vida conjugal são exclusivos (Ef 5.30). A
santidade no casamento faz parte do plano original de Deus para o homem e a mulher.
4 Jesus usa sua autoridade para invalidar a doutrina rabínica da época que não considerava o adultério do homem contra sua
esposa. Na prática judaica, o marido podia mandar sua mulher embora de casa, por qualquer motivo e sem qualquer direito ou
mediação jurídica. Por isso, Jesus salienta que Deus, nosso Juiz, é quem promove a união das pessoas. O homem, ao separar-se
de sua esposa, coloca-se igualmente sob condenação divina.
5 Só aquele que aceitar o Reino de Deus com o coração receptivo e puro de uma criança, como um dom gracioso do Senhor,
poderá desfrutar plenamente de todos os seus privilégios (Ef 2.8,9).
6 Jesus procura ajudar o homem a refletir sobre a soberania de Deus. Só Ele é bom no sentido absoluto. Assim, referir-se a Je-
sus como “bom” seria o mesmo que chamá-lo de Deus. Ele é o único caminho para todo ser humano, independentemente do seu
grau de instrução, nacionalidade, cultura ou poder econômico, político e financeiro. Lucas (18.18,19) informa que este homem era
“importante”, e a expressão no original nos leva a pensar em um membro do concílio ou do tribunal oficial dos judeus. Mateus diz
que era um “jovem rico” (Mt 19.20). Religioso, cheio de planos e vontade de acertar, pronto a pagar pelo que desejava adquirir.
7 Os judeus e cristãos são proibidos de cometer fraudes. Este mandamento tem a ver com a cobiça. Nesse trecho Jesus decidiu
mencionar seis ordenanças contra atitudes erradas em relação ao próximo (Êx 20.12-16; Dt 5.16-21).
8 Jesus não está interessado em que o homem se torne pobre, mas, sim, que humildemente se lembre de que a ordenança
mais importante é amar a Deus sobre todas as coisas. Exatamente o primeiro mandamento da Lei (Dt 6.4,5). O jovem tinha a idéia
de um tipo de obediência exterior (Fp 3.6), normalmente ensinada nas sinagogas aos meninos, a partir dos 13 anos, idade em
que passavam a assumir a responsabilidade de cumprir os mandamentos da Lei.
9 Para alguns arqueólogos havia nos muros de Jerusalém uma porta muito pequena, chamada de “agulha”, através da qual um
camelo só conseguia passar de joelhos. Por outro lado, é evidente que Jesus procura mostrar o contraste que havia entre o maior
animal da Palestina, na época, e a abertura diminuta de uma agulha comum, usada na confecção das redes e roupas. Isso para
mostrar que não há obra ou habilidade humana que possa granjear mérito suficiente para que alguém tenha acesso ao Reino.
Isso só é possível a Deus, que, por sua vez, oferece esse dom graciosamente aos Seus (Jó 42.2; Zc 8.6; Jo 3.3-6).
10 Nenhuma obra ou ministério tem valor a menos que esse trabalho seja movido pelo amor a Deus e ao próximo (1Co 13.1-3).
A fraternidade produzida pelo Evangelho faz dos cristãos uma grande família (At 2.44-47; 4.32-35; Rm 16.13). Juntamente com as
imensas e deliciosas bênçãos, virão as provas, perseguições e o sofrimento, a fim de moldar o caráter do discípulo à imagem de
Cristo. O julgamento final trará muitas surpresas. É preciso ficarmos alertas em relação ao pecado da arrogância e do orgulho.
Lembremo-nos dos destinos finais de Judas Iscariotes, (que fora escolhido por Jesus como um dos seus Doze apóstolos), e
Paulo, anteriormente um perseguidor de cristãos, e que trocaram de posição no Reino, mesmo nesta vida. O importante não é
começar bem, mas terminar bem.
11 Esta é a última viagem de Jesus a Jerusalém. Iniciada na cidade de Efraim (Jo 11.54), indo para a Galiléia (Lc 17.11), mais
ao sul a Jericó, passando pela região da Peréia (Lc 18.35), depois até Betânia (Lc 19.29), chegando a Jerusalém (Lc 19.41). Jesus
estava sendo seguido por uma multidão de romeiros a caminho das celebrações da Páscoa em Jerusalém.
Comparando-se mais essa predição da Paixão de Cristo com as demais, encontramos vários detalhes proféticos, todos cum-
pridos nos últimos dias e horas do ministério de Jesus na terra.
com o batismo com que estou sendo multidão, estavam deixando a cidade,
batizado?”12 o filho de Timeu, chamado Bartimeu,
39 “Podemos!” Replicaram eles. Então que era cego, estava assentado à beira do
Jesus lhes revelou: “Sim, bebereis o cálice caminho, pedindo esmolas.
que Eu bebo e, de fato, recebereis o batis- 47 Assim que ouviu que era Jesus de Na-
mo com que Eu sou batizado; zaré, começou a gritar: “Jesus! Filho de
40 todavia, o assentar-se à minha direita Davi, tem misericórdia de mim!”
ou à minha esquerda não cabe a mim 48 Muitos o advertiam severamente para
conceder. Esses lugares pertencem àque- que se calasse, contudo ele gritava ainda
les para quem foram preparados”. mais: “Filho de Davi! Tem compaixão de
41 Assim que os outros dez ouviram esse mim!”14
assunto, ficaram indignados contra Tia- 49 Foi então que Jesus parou e pediu:
go e João. “Chamai-o!” E assim foram chamar o
42 Jesus, por sua vez, os convocou e cego: “Ânimo, homem! Levanta-te, Ele
orientou: “Sabeis que aqueles que são te chama”.
considerados governantes das nações as 50 Jogando sua capa para o lado, de um
dominam e as pessoas importantes exer- só salto colocou-se em pé e foi ao encon-
cem poder sobre elas. tro de Jesus.
43 Contudo, não é assim que ocorre entre 51 Indagou-lhe Jesus: “Que queres que Eu
vós. Ao contrário, quem desejar tornar- te faça?” Rogou-lhe o cego: “Raboni, que
se importante entre vós deverá ser servo; eu volte a enxergar!”15
44 e quem ambicionar ser o primeiro 52 E Jesus lhe ordenou: “Vai em frente,
entre vós que se disponha a ser o escravo a tua fé te salvou!” No mesmo instante
de todos. o homem recuperou a visão e passou a
45 Porquanto, nem mesmo o Filho do seguir a Jesus pelo caminho.
homem veio para ser servido, mas para
servir e dar a sua vida em resgate por A entrada triunfal de Jesus
muitos”.13 (Mt 21.1-11; Lc 19.28-40; Jo 12.12-19)
12 A expressão usada originalmente por Jesus, aqui traduzida por “beber do cálice”, significa em hebraico “compartilhar o mes-
mo destino de alguém”. No AT o cálice de vinho era sempre usado como uma metáfora em relação à ira de Deus contra o pecado
e, especialmente, contra a rebelião deliberada do ser humano (Sl 75.8; Is 51.17-23; Jr 25.15-28; 49.12; 51.7). Portanto, o cálice
que Jesus tinha de beber diz respeito ao castigo divino dos pecados que Ele mesmo suportou no lugar de toda a humanidade
condenada. Jesus usa a palavra “batismo”, cujo significado tem a ver com “mergulho na água”, para enfatizar seu “mergulho” no
mais profundo dos sofrimentos para nos salvar da pena do afastamento eterno do Pai (Lc 12.50; Rm 6.3,4).
13 Esse é considerado por muitos teólogos e exegetas como o versículo-chave de Marcos: Jesus veio ao mundo como o Único
Servo (só Ele é bom, Ele é a síntese do bem), que viveria e entregaria sua vida à morte para a redenção de todo ser humano
que nele crer; como profetizou claramente Isaías (Is 52.13 – 53.12). A palavra “resgate” em seu sentido original traz o significado
do preço total pago pela libertação de um escravo. No original grego, a palavra diakonos é usada para demonstrar essa atitude
de Jesus, bem como o serviço voluntário, movido por amor, de um cristão em ajuda ao seu próximo. A expressão grega doulos
significa o serviço obrigatório do “escravo” e tem a ver com nosso procedimento dentro da comunidade cristã.
14 Essa é a única passagem em Marcos em que o título messiânico é dirigido a Jesus de Nazaré como forma de tratamento (Is
11.1-3; Jr 23.5,6; Ez 34.23,24; Mt 1.1; 9.27).
15 Bartimeu, falando em aramaico, a língua familiar de Jesus, o chama de rabonii ou rabbúni, que significa: meu mestre.
Capítulo 11
1 Aqui tem início a etapa derradeira do ministério de Jesus, que acontecerá dentro dos limites de Jerusalém, chamada de
Cidade Sagrada. O monte das Oliveiras fica a leste de Jerusalém, chega a uma altura de 823 metros, um pouco mais alto do que
o monte Sião. Do seu cume é possível ter uma linda visão panorâmica da cidade, especialmente do templo.
2 A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, evento assim conhecido pela maneira efusiva com que as multidões aclamaram
essa chegada de Jesus Cristo à Cidade Santa, abre a Semana da Paixão, lembrada dessa forma para marcar os dias em que
Jesus entregou sua própria vida em holocausto, por causa da sua paixão pela humanidade, e para resgatar todo aquele que nele
crer da sentença perpétua do abandono de Deus. Mais uma vez as profecias se cumprem até nos detalhes (Zc 9.9; Mt 21.5; Jo
12.15), como foi o caso de Jesus solicitar um jumentinho sobre o qual ninguém ainda houvesse montado, numa demonstração
do uso santificado dos elementos para o ritual do sacrifício (Nm 19.2; Dt 21.3). Esse foi um ato messiânico deliberado, de Jesus,
revelando-se claramente ao povo como o Messias prometido, e permitindo que os líderes religiosos e políticos que viviam tentan-
do surpreendê-lo em alguma falta, agora passassem a ter um pretexto.
3 Parte das vestes de Jesus foi colocada sobre o lombo do jumentinho. Os profetas do AT foram dirigidos por Deus para minis-
trarem ao povo por meio de atitudes de grande efeito visual e dramático (Jr 19; Ez 4.1-3). A entrada triunfal, como a purificação do
templo, a maldição da figueira, e a ceia do Senhor foram ações dessa natureza. Jesus se apresenta como o Messias. Entretanto,
diferentemente de como imaginavam muitos judeus, sem armas ou exércitos, nem mesmo a natural arrogância dos monarcas e
grandes líderes. Jesus foi o Messias da Paz (Lc 19.38-40).
4 A expressão hebraica hosana já era de uso comum (e por isso Marcos não a traduz para o grego) e proferida na aclamação
de reis e governadores. O verso 10 indica que o povo reconheceu plenamente em Jesus a pessoa do Messias. O vocábulo tem
origem na antigüidade judaica e foi usado por Davi em seus salmos de Hallell (Louvor). A passagem do Sl 118.25,26 era cantada
na ocasião da celebração da Páscoa e como expressão de boas-vindas proferida pelos sacerdotes aos peregrinos de todas as
partes que chegavam a Jerusalém. Portanto, muito adequada para aquele momento. Hosana tornou-se um grito de júbilo e louvor
a Deus por seus feitos maravilhosos.
5 As figueiras da região de Jerusalém costumam brotar folhas novas no final de março, mas só produzem frutos quando toda
folhagem está completa, por volta de junho. Essa figueira – como Israel – era uma exceção, já estava coberta de folhas muito an-
tes do tempo, na Páscoa, mas sem oferecer nenhum fruto. O episódio serviu de grande recurso didático para que Jesus revelasse
especialmente aos discípulos mais uma parábola sobre o Juízo, com a figueira servindo de perfeita ilustração (Os 9.10; Na 3.12).
O acontecimento no templo e o evento com a figueira explicam-se mutuamente.
6 Jesus dirigiu-se ao “átrio dos gentios”, a única parte do templo em que os gentios tinham acesso permitido para adorar a Deus
e reunir-se para as orações. Os romeiros que vinham de todas as partes da Palestina, para as celebrações da Páscoa, tinham de
16 Também não permitia que ninguém oração pedirdes, tenhais fé que já o rece-
transportasse mercadorias pelo templo. bestes, e assim vos sucederá.
17 E os admoestava exclamando: “Não 25 Mas, quando estiverdes orando, se
está escrito: ‘A minha casa será chamada tiverdes algum ressentimento contra al-
casa de oração para todos os povos’? Vós, guma pessoa, perdoai-a, para que, igual-
contudo, a tendes transformado em ‘co- mente, vosso Pai celestial vos perdoe as
vil de ladrões’”. vossas ofensas.
18 Os chefes dos sacerdotes e os mestres 26 Entretanto, se não perdoardes, vosso
da lei escutaram essas críticas e começa- Pai que está nos céus também não vos
ram a tramar um meio para assassiná-lo, perdoará os vossos pecados”.
pois o temiam, haja vista que todo o
povo estava maravilhado com o seu sa- A autoridade de Jesus é divina
ber e ministração.7 (Mt 21.23-27; Lc 20.1-8)
19 E, ao pôr-do-sol, eles saíram da cidade. 27 Mais tarde, chegaram outra vez a Jeru-
salém. E Jesus, ao caminhar pelo templo,
O poder da oração de fé foi abordado pelos chefes dos sacerdotes,
(Mt 21.18-22) os mestres da lei e os líderes religiosos,
20 E, caminhando eles pela manhã, viram que lhe questionaram:
que a figueira secara desde as raízes.8 28 “Com que autoridade ages como vens
21 Pedro, recordando-se do ocorrido, in- agindo? Ou quem te outorgou tal autori-
formou a Jesus: “Rabbi! Eis que a figueira dade para fazeres o que fazes?10
que amaldiçoaste secou!” 29 Jesus lhes replicou: “Eu também vos
22 Observou-lhes Jesus: “Tende fé em proporei uma questão; respondei-me,
Deus!9 e Eu vos revelarei com que autoridade
23 E, com toda a certeza eu vos asseguro, tenho ministrado.
que se qualquer pessoa ordenar a este 30 O batismo de João provinha do céu ou
monte: ‘Levanta-te e lança-te no mar, e dos seres humanos? Replicai-me pois!”
não houver dúvida em seu coração, mas 31 E aconteceu que eles passaram a discu-
crer que se realizará o que pede, assim tir entre si: “Se afirmarmos: Do céu, ele
lhe será feito’. nos indagará: ‘Então, por qual razão não
24 Portanto, vos afirmo: Tudo quanto em acreditastes nele?’
comprar animais que satisfizessem as exigências rituais. Os sacerdotes mantinham um acordo com os vendedores e somente os
animais comprados (a preços exorbitantes) dentro dessa área do templo recebiam uma espécie de visto de aprovação sacerdotal:
“sem defeito” e, portanto eram aceitos na hora do sacrifício. Ao lado dos abrigos dos animais, os vendedores montavam mesas
para troca (câmbio) do dinheiro estrangeiro pela moeda local. As pombas eram oferecidas para a purificação das mulheres (Lv
12.6; Lc 2.22-24) e para determinadas doenças de pele (Lv 14.22), além de outros fins específicos (Lv 15.14,29). Havia também as
ofertas que deviam ser entregues pelos pobres (Lv 5.7), e vários outros tipos de sacrifícios. Jesus entrou no templo naquele dia
como o verdadeiro Sumo Sacerdote (Ml 3.1) e agiu como responsável que é sobre o Templo do Espírito de Deus.
7 A indignação dos líderes religiosos é compreensível. Afinal eram os sacerdotes e seus chefes, Anás e Caifás, que embolsavam
o lucro ilícito do comércio geral no templo.
8 Esta era a manhã de terça-feira da Paixão. O detalhe salientado por Marcos, informando que a figueira estava seca desde as
raízes, foi uma admoestação ao grave estado de corrupção do povo de Israel a partir dos seus líderes religiosos máximos, e o
aviso de que a destruição seria absoluta (Jo 18.16). Além disso, ninguém mais, em futuro algum, seria beneficiado pelos frutos
espirituais de Israel. Uma vívida ilustração do terrível juízo que ocorreria no ano 70 d.C. (Mt 24.2).
9 Pedro observa que a figueira secou completamente, de um dia para o outro, e se dirige a Jesus em hebraico usando a
expressão: Rabbi, que significa: “meu mestre”. Jesus ensina que a nossa fé (que em hebraico tem o sentido de depositar toda
a confiança), deve ser dedicada de forma pura e absoluta a Deus, o Pai. Mesmo a fé em Jesus é fé em Deus, que o enviou e o
declarou Seu Filho pleno em poder (Jo 5.24; Rm 1.4; Fl 2.9). Era comum entre os mestres judaicos da época o uso da expressão
“remover montes” em relação à solução de problemas muito complicados de interpretação e aplicação prática da Lei. Do alto do
monte das Oliveiras era possível avistar o mar Morto. Quem ora com verdadeira fé em Deus não enfrenta dificuldades insolúveis
nem insuportáveis; é vital não duvidar e não guardar rancor (Tg 1.6; 2.4).
10 O Sinédrio perguntava ao Senhor por que ele estava realizando um ato oficial sem reter cargo formal (Lc 20.2).
32 Se, por outro lado, declararmos: Dos 6 Finalmente, restava-lhe enviar seu
seres humanos...” Neste caso, temiam as próprio e amado filho; a este lhes enviou
multidões, pois todos realmente consi- com a seguinte intenção: ‘A meu filho
deravam João um profeta. respeitarão’.3
33 Finalmente responderam a Jesus: “Não 7 Todavia, aqueles lavradores combina-
sabemos!” E, Jesus, por sua vez, concluiu- ram entre si: ‘Este é o herdeiro! Ora, ve-
lhes: “Ora, nem Eu tampouco vos revela- nham, vamos matá-lo, e assim a herança
rei com que autoridade estou realizando será toda nossa’.4
estas obras!”11 8 Então o agarraram, assassinaram e o
jogaram para fora da vinha.
Parábola dos vinicultores maus 9 Diante disso o que fará o proprietá-
(Mt 21.33-46; Lc 20.9-19) rio da vinha? Virá, destruirá aqueles
Antipas, rei da Galiléia. O plano para matar Jesus, tramado logo depois do início do seu ministério na Galiléia, estava agora
amadurecendo rapidamente e ganhava força nos meios religiosos e políticos de Jerusalém.
7 O NT apresenta alguns princípios básicos referentes à nossa obediência ao Estado: 1) O Estado não é maior nem mais
poderoso que o Senhor. Deve, portanto, ser submisso à vontade expressa de Deus (Rm 13.1). 2) O Estado tem deveres e direitos
para com seu povo que, por sua vez, também deve cumprir com suas responsabilidades cívicas. Existem obrigações para com
o Estado que não entram em choque com nossas obrigações prioritárias para com Deus (Rm 13.1-7; 1Tm 2.1-6; Tt 3.1,2; 1Pe
2.13-17). 3) O limite dessas responsabilidades para com o Estado não deve ultrapassar a vontade de Deus, claramente expressa
pelo Espírito Santo aos cristãos e escrita em Sua Palavra (At 4.19).
8 Os saduceus representavam o partido judaico aristocrata dos sacerdotes e das classes ricas, na época subordinado aos
romanos. Estabelecidos principalmente em Jerusalém, fizeram do templo e de sua administração seu interesse principal. Embora
pequeno em número, na época de Jesus, esse grupo exerceu poderosa e decisiva influência política e religiosa em Israel, e até
em Roma. Negavam a ressurreição dos mortos, aceitavam somente a autoridade divina dos primeiros cinco livros de Moisés
(o Pentateuco ou a Torá), e rejeitavam totalmente a tradição oral dos judeus. Essas doutrinas geravam grande conflito entre os
saduceus, os fariseus e a fé comum judaica.
9 As doutrinas e pressuposições teológicas dos saduceus os incapacitavam de entender coerentemente (conhecer) o AT como
um todo e não apenas o Pentateuco.
10 Era comum os mestres judeus referirem-se ao evento da “sarça” ao falar do maravilhoso encontro de Deus com Moisés
no deserto ou para lembrar o texto bíblico de Êx 3.1-6 (ver Rm 11.2, em que “Elias” se refere a 1Rs 19.1-10). Nesta passagem,
Jesus confirma a inspiração e a historicidade do texto de Êx 3. Os planos do Criador e Fonte da vida não serão vencidos pela
morte, nem pelo pecado (Sl 73.23). Deus é Senhor dos vivos, pois ainda que morramos, seremos ressuscitados e estaremos
vivos para sempre.
11 Os antigos rabinos judeus contavam 613 ordenanças da Lei e procuravam diferenciar entre mandamentos “pesados” ou
“mais importantes” (graves), e aqueles considerados “leves” ou “menos importantes”. Os escribas eram fariseus, teólogos e
eruditos da lei, criadores e transmissores da interpretação tradicional dos mandamentos de Deus.
12 Jesus recita o Shema, em razão de ser a primeira palavra hebraica de Dt 6.4, que significa “Ouve” (preste atenção para
praticar). Citar este trecho das Escrituras tornou-se uma espécie de confissão de fé judaica, recitada por judeus piedosos e con-
sagrados, todas as manhãs e ao pôr-do-sol. Até hoje é usada para iniciar os cultos nas sinagogas em todo o mundo. No entanto,
especialmente na vida dos líderes religiosos que combatiam Jesus, o Shema havia se tornado apenas uma “reza” ou “oráculo”,
repetição meramente ritualística de palavras, as quais se imagina que possam tocar a divindade. Jesus resgatou o verdadeiro
sentido do Shema e acrescentou-lhe o mandamento de Lv 19.18, para demonstrar que é impossível amar a Deus sem honrar ao
próximo com o mesmo sentimento de cuidado que devotamos a nós mesmos. O amor a Deus tem como expressão natural o
amor aos irmãos de raça e à terra em geral. O primeiro e o segundo mandamentos são inseparáveis (1Jo 4.20). Agostinho pro-
clamou: “Ama a Deus e faze o que queres”, pois o amor sincero a Deus purifica todas as nossas intenções. A ênfase na unidade
absoluta do Deus único é usada para negar qualquer idéia de politeísmo, comum a todos os povos não judeus da antigüidade.
13 Jesus usa habilmente as Sagradas Escrituras para mostrar que o Cristo (o Messias) era mais que descendente de Davi. Era
o Senhor de Davi (Sl 110.1).
14 Os escribas (mestres da lei) gostavam de usar túnicas compridas de linho branco com franjas que quase tocavam o chão.
Colocavam boa parte de sua respeitabilidade na aparência exterior.
15 Os lugares mais destacados e importantes nas sinagogas ficavam em frente a uma réplica da “Arca” que era usada para
guardar os rolos sagrados (cópias manuscritas dos originais). Aqueles que tinham o privilégio de sentar-se ali podiam ser vistos
na sinagoga por toda a congregação.
16 Os mestres da lei não recebiam um salário fixo e regular. Dependiam de ofertas voluntárias dos irmãos judeus. As senhoras
viúvas eram, em geral, as mais generosas e muitas vezes vítimas de exploração.
177 Os gazofilácios ou caixas de ofertas ficavam no átrio das mulheres. Nele se achavam treze receptáculos em forma de trombe-
ta para receber as contribuições trazidas pelos adoradores. De maneira curiosa, os homens tinham permissão para entrar nesse
recinto, mas as mulheres não podiam ir a qualquer outra parte do templo.
18 As moedas de cobre (em grego, lepta, “finas”) eram as menores em circulação em toda a Palestina e correspondiam ao
mínimo valor monetário, valiam apenas 1/6 de um denário. Todavia Jesus observou o desprendimento da pobre senhora que
ofereceu ao Senhor tudo o que tinha (2Co 8.12).
Capítulo 13
1 Este capítulo é conhecido por muitos teólogos como “O Sermão Profético”, é também chamado de “Pequeno Apocalipse”.
Marcos consegue sintetizar as grandes e dramáticas verdades em relação aos sinais que surgirão na terra prenunciando o
iminente e glorioso retorno de Cristo, o final dos tempos e o início de uma nova era (Mt 24; Lc 21 e todo o Apocalipse). O
propósito de Marcos não é esclarecer os seus leitores sobre os eventos futuros, mas sim encorajar os cristãos a resistir ao mal;
permanecer firmes na fé em Jesus, não importa o quanto às circunstâncias possam ser adversas; manter sempre a Esperança
e estar pronto, a todo o momento, para o magnífico encontro com Cristo em glória. O Templo era uma construção suntuosa e
exemplar. Refletia o poder e a capacidade do gênio humano. Herodes, o Grande, começou sua reconstrução no século 19 a.C.,
tornando-a uma das maravilhas do mundo antigo. O historiador judeu Flavio Josefo dizia que as pedras talhadas e usadas na
construção eram brancas e muitas mediam até 11,5m de comprimento, 3,7m de altura e 5,5m de largura. Contudo, no ano 70
d.C., antes mesmo da sua conclusão (14.58; 15.29; Jo 2.19, Mt 23.38), o Templo foi completamente destruído, a ponto de não
ficar uma só pedra sobre outra. Jerusalém foi toda queimada, as praças públicas tornaram-se lagos de sangue e os soldados
romanos cobriram, com sal, os cadáveres e todo o chão da cidade. Esse foi o grande sinal do início dos eventos que marcarão
o final dos tempos e da humanidade como a conhecemos hoje. Portanto, a volta triunfal de Cristo pode ocorrer a qualquer
momento em nossos dias.
2 Um dos principais propósitos deste sermão é alertar os discípulos quanto ao perigo dos ataques místicos de enganadores
e falsos profetas. Durante séculos essas pessoas têm surgido em toda a terra, iludindo e destruindo inúmeras vidas humanas. À
medida que o final dos tempos se aproxima, mais defraudadores da verdade arrebanharão multidões de incautos. Por isso Jesus
enfatiza o cuidado e o zelo, usando expressões como “ficai vós alertas”, “estai vigilantes” e “vigiai” (9, 23, 33, 35, 37).
3 Jesus se refere ao final da História da Criação e encoraja os cristãos a não se desesperarem, pois assim deve prosseguir a
História (Rm 8.22; Hb 12.26). Os falsos mestres e a própria perversão do sistema político, religioso, econômico e social mundial
apressarão a volta do Senhor. Entretanto, o cristão, por estar salvo, não deve pensar de forma egoísta: “quanto pior, melhor”. Mas,
sim, em tornar-se um canal de bênçãos para a salvação do maior número de pessoas possível.
4 Perseguições e incompreensões aguardam todos aqueles que se lançam ao desafio da proclamação do Evangelho em todo
o mundo. Os tribunais religiosos eram dirigidos pelos anciãos (administradores) das sinagogas. As infrações dos regulamentos e
estatutos judaicos eram sujeitos a uma punição de até 39 açoites (At 8.1; 9.1; 2Co 11.23,24). Contudo, governadores, reis e grandes
autoridades (judeus e gentios) terão a oportunidade de receber o Evangelho do Senhor por meio do testemunho dos cristãos.
5 Jesus prediz que o Evangelho será pregado em todas as nações (em grego: ethnç, a mesma palavra para “gentios”). Todos
os gentios sobre a face da terra terão ao menos uma oportunidade de ouvir e receber o Evangelho, e não apenas os judeus (Ap
7). Infelizmente, isso não quer dizer que o mundo se tornará melhor e mais cristão com o passar do tempo, mas que é missão
da Igreja ir e proclamar.
6 Aquele que perseverar será salvo do Juízo final, não das perseguições temporais em virtude da sua fé em Jesus Cristo. A
expressão aqui traduzida por “laje” tem a ver com um tipo especial de cobertura plana das casas judaicas na época de Cristo,
muito diferente dos tradicionais telhados brasileiros e europeus (Mt 24.17; Mc 2.4; Lc 17.31).
7 O Senhor toma o cuidado de não ser muito claro em suas profecias para que apenas aqueles fiéis, que se dedicam à oração
e ao estudo da Palavra, possam compreender o verdadeiro sentido das predições. Especialmente as dos versos 14 a 20, para as
quais, muitos anos mais tarde, Lucas nos legaria sua interpretação (Lc 21), tendo em vista os acontecimentos que culminaram
com a destruição de Jerusalém, entre os anos 66 e 70 d.C., de cujos fatos ele foi testemunha ocular. Os ídolos do imperador e as
atitudes bárbaras dos soldados romanos, absolutamente tomados pelo ódio, profanaram o Templo em 70 d.C. (Dn 9.27; 11.31;
com o objetivo de enganar, se possível, os passará esta geração até que todos esses
próprios eleitos.8 eventos ocorram.10
23 Desse modo estai vigilantes, pois sobre 31 Os céus e a terra passarão, contudo as
tudo isso vos avisei com antecedência! minhas palavras nunca passarão.
12.11) e tornaram-se uma advertência explícita, quanto ao que, no futuro, o anticristo poderá fazer contra os cristãos e a Igreja, o
Templo de Deus na atualidade (2Ts 2.4; 1Pe 2.5).
8 Satanás é o pai da mentira, do engano e do ódio. Seu plano é, antes do final do seu domínio sobre o mundo, enganar e iludir
o maior número de seres humanos que puder. Com especial empenho em relação àqueles que foram chamados pelo Senhor
para a Salvação e uma nova vida em Cristo (Jo 8.44; 1Jo 2.26,27).
9 O foco dessa passagem está sobre o glorioso retorno de Jesus Cristo (Dn 7.13). As profecias anteriores são indicativos do
grande evento do fim. Os fenômenos astronômicos e climáticos são registrados sempre do ponto de vista do observador leigo
e sem preocupação científica. Pois era vital apresentar aos povos de todas as épocas, culturas e línguas as grandes pistas da
volta triunfal de Cristo, o final das eras, o Juízo e o estabelecimento de uma nova ordem na terra sob o governo de Jesus, o Rei
do Universo (Is 13.10; 24.4; Am 8.9; Dn 7.13; Ap 1.7; 21.1-4). Deus realizará seu sonho de reunir todo o seu povo disperso (seus
eleitos e amados), de todas as partes e épocas, em torno de si, em espírito de adoração e fraternidade absoluta (Gn 16.7; Ap
14.14-16 com Dt 30.3,4; Is 43.6; Jr 32.37; Ez 34.13; 36.24).
10 O cumprimento das profecias referentes à destruição total de Jerusalém foi visto pela geração contemporânea de Jesus
Cristo, inclusive por alguns dos seus discípulos. Além disso, o Senhor é o Deus dos vivos; e, portanto, aqueles que nele crêem
não morrem (no sentido de serem destruídos ou deixarem de existir), mas – como adormecidos – aguardam seguros o grande dia
da volta de Cristo e a ressurreição dos justos para a glória eterna (os ímpios, para o Juízo e a condenação sem fim).
11 Os verdadeiros cristãos recebem os dons do Espírito para capacitá-los a servir ao Senhor, aos irmãos e ao mundo perdido
(1Co 12; Rm 12; 1Pe 4.10). O termo “porteiro” tem o mesmo sentido do “mordomo” de Lc 12.42, e refere-se principal-mente aos
líderes espirituais da Igreja.
12 Jesus consegue resumir numa única e simples expressão: Vigiai, todas as principais obrigações que qualquer pessoa – que
o siga como discípulo (com fé e devoção) – deva cumprir até o seu glorioso retorno.
sem fermento. Os chefes dos sacerdotes as vezes que o desejardes, todavia a mim
e os mestres da lei buscavam um meio nem sempre me tereis.
de surpreender Jesus em qualquer erro e 8 A mulher fez tudo que estava ao seu al-
assim poder condená-lo à morte.1 cance. Derramou o bálsamo sobre mim,
2 Entretanto, comentavam: “Que não antecipando a preparação do meu corpo
seja durante as festividades, para que o para o sepultamento.4
povo não se tumultue”. 9 Com toda a certeza Eu vos asseguro:
onde quer que o Evangelho for pregado,
Jesus é ungido em Betânia por todo o mundo, será também procla-
(Mt 26.6-13; Jo 12.1-8) mada a obra que esta mulher realizou, e
3E estando Jesus em Betânia, reclinado à isso para que ela seja sempre lembrada”.
mesa na casa de certo homem conhecido 10 E, depois disso, Judas Iscariotes, um
como Pedro, o leproso, achegou-se dele dos Doze, foi encontrar-se com os chefes
uma mulher portando um frasco de ala- dos sacerdotes com o propósito de lhes
bastro contendo valioso perfume, feito entregar Jesus.
de nardo puro; e, quebrando o alabastro, 11 Ao ouvirem a proposta, eles ficaram
derramou todo o bálsamo sobre a cabeça muito satisfeitos e se comprometeram
de Jesus.2 a lhe pagar algum dinheiro. E, por isso,
4 Diante disso, indignaram-se alguns dos ele procurava uma oportunidade para
presentes, e a criticavam entre si: “Para que entregá-lo.
este desperdício de tão valioso perfume?
5 Um bálsamo como este poderia ser A Ceia do Senhor
vendido por trezentos denários, e o di- (Mt 26.17-30: Lc 22.7-23; Jo 13.18-30)
nheiro ser doado aos pobres”. E a censu- 12 E, no primeiro dia da festa dos pães
ravam severamente.3 sem fermento, quando tradicionalmente
6 “Deixai-a em paz!”- ordenou-lhes Je- se sacrificava o cordeiro pascal, os dis-
sus. “Por que causais problemas a esta cípulos de Jesus o consultaram: “Onde
mulher? Ela realizou uma boa ministra- desejas que vamos e façamos os prepara-
ção para comigo”. tivos para ceares a Páscoa?”5
7 Quanto aos pobres, sempre os tendes 13 Então Ele enviou dois de seus discípu-
ao vosso lado, e os podeis ajudar todas los instruindo-lhes: “Ide à cidade, e certo
1 As celebrações da Páscoa (Êx 12.13,23,27) em Jerusalém reuniam até três milhões de pessoas. Considerando que a popu-
lação média da cidade era de apenas 50 mil habitantes, é compreensível a grande preocupação das autoridades israelenses e
romanas com possíveis tumultos e revoluções. A conhecida Festa dos Pães Asmos ou Festa dos Pães sem Fermento ocorria logo
após a Páscoa e durava sete dias (Êx 12.15-20; 23.15; 34.18; Dt 16.1-8).
2 A mulher era Maria, irmã de Marta e Lázaro. No evangelho de João, este evento ocorreu antes de começar a Semana
da Paixão (Jo 12.1-3). Mateus e Marcos enfatizam o contraste entre o ódio dos líderes religiosos, a covardia dos discípulos e
a traição de Judas Iscariotes, e o amor, coragem de se expor e desprendimento material de Maria. O alabastro era um frasco
lacrado, de gargalo longo, que continha valioso perfume, normalmente usado na unção de personalidades notáveis da época
ou no preparo mortuário de monarcas e pessoas ricas (Sl 23.5; Lc 7.46). Ao narrar este episódio, Marcos se refere a “alguns
dos presentes”, Mateus concentra-se nos “discípulos” (Mt 26.8) e João destaca a participação objetiva e comprometedora de
“Judas Iscariotes” (Jo 12.4,5).
3 Trezentos denários correspondiam a quase um ano de trabalho de um soldado romano. Jesus prevê que, até o seu retorno,
haverá muitas pessoas que dependerão da ajuda de seus semelhantes. Jesus sempre teve um coração compassivo em relação
aos pobres (Mt 6.2-4; Lc 4.18; 6.20; 14.13.21; 18.22; Jo 13.29).
4 Era costume judaico ungir um corpo com óleos aromáticos para o sepultamento (16.1). Entretanto, os corpos de pessoas
condenadas por crimes não mereciam tal atenção, cuidado e honra. A “antecipação” de Maria revela que Jesus percebeu que ela
tinha compreendido o propósito da vinda do Cristo (o Messias) ao mundo como Servo sofredor (Is 53).
5 Os cordeiros eram tradicionalmente sacrificados no dia anterior ao primeiro dia da Festa dos Pães sem Fermento (Êx 12.6),
ou seja, no dia 14 de Nisã (mês que corresponde a abril, quando celebramos nossa Páscoa). O cordeiro tinha de ser sacrificado
à tarde (por volta das 15h) e comido em grupos de pelo menos dez pessoas, entre o pôr-do-sol e a meia-noite.
homem carregando um cântaro de água daquele que trai o Filho do homem! Me-
virá ao vosso encontro.6 lhor lhe fora jamais haver nascido!”
14 Segui-o e dizei ao proprietário da casa
onde ele entrar que o Mestre deseja saber: O ato de partilhar o pão e o cálice
‘Onde está a minha sala de jantar onde ce- (Mt 26.26-30; Lc 22.19-23; 1Co 11.23-25)
arei a Páscoa com os meus discípulos?’7 22 E, enquanto ceavam, tomou Jesus um
15 E aquele homem vos mostrará um pão e, tendo dado graças, o partiu, e o
amplo cenáculo todo mobiliado e pron- serviu aos seus discípulos, declarando:
to; ali fazei os preparativos”. “Tomai, isto é o meu corpo”.11
16 Partiram, pois, os discípulos e che- 23 Em seguida, tomou Jesus um cálice,
garam na entrada da cidade onde en- deu graças e o entregou aos discípulos, e
contraram tudo como Jesus lhes havia todos beberam dele.
predito. E ali prepararam a Páscoa.8 24 Então lhes revelou: “Isto é o meu san-
17 Ao pôr-do-sol chegou Jesus com seus gue da Aliança, o qual é derramado para
Doze. o bem de muitos.12
18 E quando estavam ceando, reclinados 25 Com toda a certeza vos afirmo que não
à mesa, Jesus lhes revelou: “Com toda a voltarei a beber do fruto da videira, até
certeza vos afirmo que um dentre vós, aquele dia em que beberei o vinho novo
este que come comigo, me trairá”.9 no Reino de Deus”.13
19 Eles ficaram consternados e lhe afir- 26 E, depois de haverem cantado um
mavam: “É certo que q não serei eu!” salmo, partiram para o monte das Oli-
20 Mas, asseverou-lhes Jesus: “É um dos veiras.
Doze, aquele que come comigo do mes-
mo prato.10 Jesus prediz a traição de Pedro
21 O Filho do homem vai, conforme está (Mt 26.31-35; Lc 22.31-34; Jo 13.36-38)
escrito a respeito dele. No entanto, infeliz 27 Então, Jesus lhes advertiu: “Todos vós
6 Um homem carregando um pote de água poderia ser facilmente reconhecido na cidade; pois, naquela época e região, apenas as
mulheres transportavam água dessa maneira. Pedro e João foram encarregados por Jesus para ir ao encontro previsto (Lc 22.8).
7 Outro costume judaico na época da Páscoa em Jerusalém era o de ceder uma grande sala (salão de hóspedes ou cenáculo),
disponível, mediante solicitação prévia, aos peregrinos, para que pudessem cear a Páscoa com seu grupo.
8 Uma grande casa judaica sempre tinha seus cenáculos, amplas e bem ventiladas salas no primeiro andar, cujo acesso se
dava por meio de uma escada externa. Em geral os preparativos para a ceia de Páscoa incluíam: O cordeiro pascal, lembrando
o sangue que protegeu os filhos de Israel do anjo da morte no Egito (Êx 12.2); os pães asmos, isto é, sem levedura (fermento),
como sinal de urgência e rapidez na saída do Egito; água salgada, uma recordação do pranto derramado no Egito e das águas
do mar Vermelho; ervas amargas, em memória das amarguras passadas na escravidão; uma sopa de frutas, como lembrança da
obrigação de produzir tijolos; quatro copos de vinho, recordando as quatro promessas de Êx 6.6,7.
9 No AT, a Páscoa era comida em pé (Êx 12.11), mas nos tempos de Jesus o costume havia mudado e os judeus, mesmo os
mais pobres, faziam suas refeições reclinados sobre almofadas, ao redor de uma mesa baixa, em sinal do direito à liberdade do
povo judeu.
10 Jesus se refere à sopa de frutas (em hebraico, charosheth) que ambos estavam degustando do mesmo prato, conforme o
costume judaico. Judas foi advertido por Jesus sem que os demais discípulos notassem.
11 A Ceia do Senhor é uma celebração dramática do evento do sacrifício do Senhor para nossa total e completa redenção (Jr
27.28; 10,11; Ez 4.1-8), da mesma maneira que a Páscoa judaica. São quatro os relatos da Ceia no NT (Mt 26.26-28; Mc 14.22-24;
Lc 22.19,20 e 1Co 11.23-25). A expressão “dado graças”, deriva da palavra eucaristia em grego.
12 A velha Aliança dependia dos israelitas (e dos gentios) guardarem a Lei (Êx 24.3-8). A nova Aliança, em Cristo, não está alicer-
çada na dependência das obras da lei, mas no sacrifício vicário de Jesus Cristo (Rm 4.23-31). Assim, todos aqueles que aceitam
e recebem pela fé, e para si, esse sacrifício expiatório do Filho de Deus, herdam o Reino e deveriam viver como cidadãos da Nova
Jerusalém. O cálice com o sumo do fruto da videira (as uvas são ricas em açúcares e por isso fermentam com rapidez, gerando o vi-
nho), representa o sangue de Jesus que significa sua vida derramada pela nossa salvação. As promessas de Deus ao povo da Nova
Aliança só podem ser válidas mediante a morte expiatória de Cristo (Jr 31.31-34; Hb 8.8-12; Lc 22.20 com Êx 24.6,8 e Rm 5.15).
13 Jesus entrega-se à morte por seu voto de nazireu (Nm 6.1-21), enquanto antevê sua ressurreição, após o que se reunirá com
seus discípulos em outras épocas festivas e ceará com eles (At 1.4; 10.41). A partir desses eventos, teve início a Ceia do Senhor.
Na igreja primitiva era costume a realização de uma grande ceia com muita comida para todos. Com o passar do tempo essa
me abandonareis. Pois está escrito: ‘Feri- vel, àquela hora fosse afastada dele.
rei o pastor, e as ovelhas serão dispersas’. 36 E rogava: “Abba, Pai, todas as coisas
28 Contudo, depois da minha ressur- são possíveis para ti, afasta de mim este
reição, partirei adiante de vós rumo à cálice; todavia, não seja o que Eu desejo,
Galiléia”. mas sim o que Tu queres”.15
29 Pedro exclamou: “Mesmo que todos te 37 Ao voltar para seus discípulos, os sur-
abandonem, eu nunca te deixarei!” preendeu dormindo: “Simão!”- chamou
30 Replicou-lhe Jesus: “Com toda a cer- Ele a Pedro. “Estais dormindo? Não con-
teza te asseguro que ainda hoje, nesta seguistes vigiar nem por uma hora?
noite, antes que por duas vezes cante o 38 Vigiai e orai, para não cairdes em ten-
galo, tu me negarás três vezes”. tação, pois, de um lado, o espírito está
31 Entretanto, Pedro insistia com elo- pronto, mas, por outro lado, a carne é
qüência: “Ainda que seja preciso que eu fraca”.
morra ao teu lado, jamais te negarei!” E 39 E, uma vez mais, Ele se afastou e orou,
da mesma maneira responderam todos repetindo as mesmas expressões.16
os demais. 40 Ao regressar, novamente os encontrou
dormindo, porque seus olhos estavam
Jesus Cristo no Getsêmani pesados, mas não sabiam como justifi-
(Mt 26.36-46; Lc 22.39-46) car-se.
32 Então caminharam para um lugar 41 Voltando ainda uma terceira vez, Ele
chamado Getsêmani e, tendo chegado, lhes admoestou: “Ainda dormis e des-
solicitou Jesus aos seus discípulos: “As- cansais? Basta! Eis que a hora é chegada!
sentai-vos aqui, enquanto Eu vou orar”.14 O filho do Homem está sendo entregue
33 E levou consigo a Pedro, Tiago e João, nas mãos dos pecadores.
e começou a sentir grande temor e pro- 42 Levantai-vos, pois, e vamos! Eis que
funda angústia. chegou aquele que me está traindo!”
34 E compartilhou com eles: “Minha
alma está extremamente triste até à mor- Jesus é traído e preso
te; ficai pois aqui e vigiai”. (Mt 26.47-56; Lc 22.47-53; Jo 18.1-11)
35 Caminhou um pouco mais adiante e, 43 Jesus ainda não havia terminado de
prostrando-se, orava para que, se possí- falar, quando surgiu Judas, um dos Doze.
celebração restringiu-se mais ao seu simbolismo principal, o qual devemos preservar até a volta de Cristo. Antes das orações
finais da Páscoa, Jesus e seus discípulos cantaram trechos dos salmos 114, 118 e 136.
14 Um dos significados da expressão hebraica getsêmanii é “prensa de azeite”, e refere-se a um belo jardim, com pomar, situado
na encosta inferior do monte das Oliveiras. Um dos locais preferidos por Jesus para oração e meditação. Jesus sabia que Judas
iria para lá e foi ao encontro do seu destino. Jesus levou alguns dos seus discípulos mais chegados para que compartilhassem
de sua luta espiritual. Anos mais tarde esses discípulos testemunhariam ao mundo sobre esses fatos. Jesus previu claramente a
agonia espiritual e física que teria de suportar. Uma nova e decisiva batalha contra o príncipe deste mundo (Jo 12.31; 14.30), no
fim da qual, ainda teria de suportar, (sustentar sobre as costas), o castigo pelos pecados de toda a humanidade (Is 53.10).
15 A oração alerta, persistente e relevante é o único caminho para vencer as tentações (1Pe 5.8). Abba, que significa, “papai”
ou “meu pai querido”, é uma expressão aramaica, a língua natural de Jesus, e que denota um relacionamento fraterno, íntimo
e especialmente amigo, de pai para filho e vice-versa. A morte não horrorizava tanto Jesus quanto o motivo e o modo de sua
morte: como um criminoso, peçonhento e rejeitado por todos (Rm 8.15; Gl 4.6). Jesus jamais duvidou do amor de Seu Pai, nem
mesmo no Getsêmani.
16 Jesus previne os discípulos sobre o perigo de serem desleais, refere-se especialmente a Pedro que havia demonstrado certa
arrogância inconseqüente (vv. 29-31). Quando a parte espiritual do ser humano está em perfeita sintonia com o Espírito de Deus,
luta contra a carne, ou seja, contra as tendências egocêntricas e pervertidas das fomes (vontades) humanas. Essa expressão é
tirada do Sl 51.12. A solução é “vigiar” e para isso é necessário: que se conheça o inimigo e suas artimanhas (2Co 2.11); que nos
revistamos de toda a armadura de Deus (Ef 6.11-18); que permaneçamos acordados espiritualmente (Ef 5.14-16; 1Ts 5.6-10). Da
mesma forma, é vital “orar”, e isso requer: uma fé inabalável, com toda a confiança depositada em Deus (1Jo 5.14-15); certeza
dos propósitos de Deus comunicados a nós pelo Seu Espírito e Palavra (Rm 8.16; Ef 6.18; Jd 20).
177 Um bando (ou turba) formado de guardas do templo, com ordens expressas do Tribunal Supremo dos Judeus (Sinédrio),
para prender a Jesus e manter a ordem pública; os escravos a serviço do sumo sacerdote, e mais alguns soldados romanos,
como nos informa João (18.3).
18 A expressão hebraica Rabbi, que significa “Meu Mestre”, juntamente com um ou mais beijos em cada lado do rosto era um
sinal de respeito e gratidão manifestados pelos discípulos judaicos em relação aos seus mestres (Lc 22.47).
19 João nos revela que era Pedro quem estava junto a Jesus e que ele decepou a orelha do servo, que se chamava Malco (Jo
18.10; Lc 22.51). Jesus protesta pela maneira como vieram prendê-lo, uma vez que apenas os revolucionários e criminosos eram
agredidos e presos com aquela brutalidade. Aos mestres era destinado um tratamento menos violento e mais respeitoso.
20 O ministério de Jesus em Jerusalém foi bem mais amplo do que Marcos apresenta. Entretanto, João nos oferece uma visão
mais completa e detalhada sobre a atividade ministerial do Senhor, na Judéia. Jesus faz uma referência a partes das Escrituras
que revelam os acontecimentos da sua missão e sacrifício (Is 53 com Zc 13.7).
21 Historiadores e outros estudiosos bíblicos crêem que este jovem de família rica seja o próprio autor deste evangelho, por-
tanto, João Marcos (At 12.12,25; 13.13; 15.37-39; Cl 4.10; 2Tm 4.11).Em geral, a roupa exterior era de lã, porém, Marcos não teve
tempo para vestir-se completamente.
22 O sumo sacerdote chamava-se Caifás e permaneceu nesse ofício desde o ano 18 até 36 d.C. O Supremo Tribunal Judaico
(Sinédrio), na época do NT, era composto por 71 membros, divididos em três categorias: os chefes (principais) dos sacerdotes,
líderes religiosos (anciãos) e os mestres da lei (escribas). Sob jurisdição do império romano, o Sinédrio tinha grande poder.
Entretanto, lhes era vedado o direito de decretar a pena de morte (Jo 18.31 com Mt 27.2).
23 No processo jurídico dos judeus da época, as testemunhas agiam como promotores de acusação. De acordo com a lei (Nm
25.30; Dt 17.6; 19.15), uma pessoa não podia ser jamais condenada à pena de morte a não ser mediante dois ou mais testemu-
nhos. Contudo, esses depoimentos precisavam ter total coerência entre si, sem contradições. O testemunho contra Jesus tinha
base falsa, apoiado em uma compreensão distorcida da profecia de Jesus em 15.29 e Jo 2.19.
24 O sumo sacerdote usa a palavra “Messias” (Cristo, em grego) para fazer com que Jesus se autocondenasse, uma vez que a
maioria dos judeus não acreditava que o Messias seria divino e Jesus reivindicava sua plena divindade (v.62). “Bendito”, era uma
das maneiras de os judeus se referirem à excelsa pessoa de Deus, sem precisar mencionar o seu nome.
25 O Filho do homem, que estava sendo julgado e condenado por homens ímpios e pecadores, voltará um dia, após Seu
reinado à destra de Deus, para julgar definitivamente todos os incrédulos (Dn 7.13 com Sl 110.1 e At 2.34-36).
26 Um antigo costume dos reis e profetas judeus era rasgar as vestes, numa demonstração dramática de horror, escândalo ou
ultraje (Gn 37.29; 2Rs 18.37; 19.1). O Sinédrio tinha poder para condenar alguém à pena de morte por apedrejamento(At 7.59),
em especial nos casos de cunho religioso. Todavia, ainda assim, precisava de um “referendo” (palavra latina para “autorização”)
das autoridades romanas. O crime de blasfêmia incluía não somente a difamação do nome precioso de Deus (Lv 24.10-16), mas
também qualquer ofensa à sua majestade ou poder (Mc 2.7; 3.28,29; Jo 5.18; 10.33). Ao ouvir a declaração de Jesus, a multidão
presente foi incitada por Caifás para condená-lo à morte. Para Caifás, o fato de Jesus afirmar que era o Messias prometido e que
possuía os mesmos atributos de Deus eram razões mais que suficientes para sujeitar Jesus à penalidade estipulada na lei de
Moisés: a morte por apedrejamento (Lv 24.16).
27 Uma antiga interpretação judaica dos textos de Isaías (11.2-4) dizia que o Messias seria capaz de conhecer as pessoas e
julgá-las ainda que de olhos vendados, apenas pelo olfato. Por isso a zombaria de alguns mais exacerbados (Nm 12.14; Dt 25.9;
Jó 30.10; Is 50.6).
28 Enquanto Jesus estava sendo torturado num dos cômodos superiores da casa de Caifás, no pátio, na parte baixa da casa,
Pedro procurava não se afastar demais do seu amigo e Messias. A história da negação de Pedro é contada em todos os evange-
lhos para evidenciar a graça perdoadora e restauradora do Senhor desprezado.
29 Os galileus, como Jesus, eram facilmente identificáveis pelo dialeto marcante que falavam (aramaico). Sua presença no átrio
(alpendre) entre os cidadãos de Judá era mais uma evidência de que era um seguidor de Jesus de Nazaré. Essa parte do texto de
Marcos foi fornecida diretamente pelo próprio Pedro. As expressões gregas: anathematizein kai amnynai, não sugerem palavras
profanas, mas sim que ele teria invocado uma maldição ç divina sobre si mesmo, caso estivesse mentindo, e retirando-se chorou
amargamente (em grego: kai epibalon eklaien. É importante lembrar que essa maldição foi quebrada pelo próprio Jesus em um
dos seus aparecimentos após a ressurreição (Jo 21.15-19).
1 A primeira reunião do Sinédrio (Supremo Tribunal dos Judeus) ocorreu informalmente durante a noite, envolvendo apenas
alguns integrantes pactuados com a idéia de eliminar Jesus. Logo ao amanhecer, quando começava o dia de trabalho de um
oficial romano, foi necessário formalizar, por escrito, a decisão de entregá-lo a Pilatos perante a maioria do Sinédrio reunido. Era
sexta-feira (da Paixão, como viria a ser conhecida até hoje) e o sumo sacerdote e alguns outros membros do Sinédrio resolveram
denunciar Jesus, a Pilatos, por traição e blasfêmia (Lc 23.1-14). Pilatos era o governador romano da Judéia (de 26 a.C. a 36 d.C.).
Sua residência oficial ficava em Cesaréia, no litoral do Mediterrâneo. Todos os anos, quando visitava Jerusalém, costumava hos-
pedar-se no suntuoso palácio construído por Herodes, o Grande, localizado próximo do Templo. Em uma das salas do palácio,
chamada Pretório, ocorreu o julgamento romano de Jesus sob a autoridade civil de Pilatos.
2 Conforme profetizado em Is 52.15 e Is 53.7.
3 Barrabás era membro dos zelotes, um grupo judaico revolucionário. Sob o governo dos prefeitos romanos, ações de insur-
gência e tumulto eram freqüentes, especialmente nos grandes ajuntamentos e festas nacionais como a Páscoa (Lc 13.1). Curio-
samente, alguns manuscritos de Mt 27.16 revelam que o outro nome de Barrabás era Jesus, o mesmo nome humano do Senhor.
Marcos fala sobre a insurreição liderada por Barrabás como sendo um fato histórico, bem conhecido dos judeus da época.
4 Os oficiais romanos vestiam uma capa, cuja cor, vermelho vivo, representava a realeza e o poder do império romano sobre
o mundo. Para zombar da majestade de Jesus, o vestiram com uma velha capa e sobre sua cabeça forçaram uma coroa feita
de uma planta (em grego significa “abrolhos”) venenosa e espinhosa comum na Palestina. E para completar a humilhação lhe
dirigiam uma paródia da tradicional saudação de reverência a César: “Salve, César!”
Rufo, passava por ali, vindo do campo. 31 Da mesma maneira os chefes dos sa-
Eles o forçaram a carregar a cruz.5 cerdotes e os mestres da lei zombavam
22 Levaram Jesus para um lugar deno- dele entre si, exclamando: “Salvou a tan-
minado Gólgota, que significa local da tos, mas a si mesmo não pode salvar-se!
Caveira. 32 Que o Cristo, o Rei de Israel, desça
23 E lhe deram vinho misturado com agora da cruz, para que o vejamos e
mirra, mas Ele não o bebeu.6 creiamos!” E, de igual modo, os que com
24 Então o crucificaram. Dividindo suas Ele foram crucificados o insultavam.9
vestes, jogaram sortes para saber com
que parte cada um iria ficar. Jesus brada em sua morte
25 Eram nove horas da manhã quando o (Mt 27.45-56; Lc 23.44-49; Jo 19.28-30)
crucificaram.7 33 E aconteceu que toda a terra foi cober-
26 E assim ficou escrito na acusação con- ta pelas trevas, desde o meio-dia até às
tra Ele: O REI DOS JUDEUS. três horas da tarde.10
27 Junto a Jesus crucificaram dois cri- 34 Então, por volta das três horas da tar-
minosos, um à sua direita e outro à sua de, Jesus bradou em alta voz: “Elohi, Elo-
esquerda.8 hi! Lemá sabachtháni?”- que traduzido,
28 Cumpriu-se assim a Escritura que diz: quer dizer: “Meu Deus, meu Deus! Por
“Ele foi contado entre os malfeitores”. que me abandonaste?”11
29 Os transeuntes lançavam-lhe impro- 35 Alguns dos que presenciavam o que
périos, gesticulando a cabeça e excla- estava ocorrendo, ouvindo isso, comen-
mando: “Ah! Tu que destróis o templo e, tavam: “Vede, Ele clama por Elias!”12
em três dias, o reconstróis! 36 Então, um deles correu e ensopou uma
30 Agora desce da cruz e salva-te a ti mes- esponja em vinagre, colocou-a na ponta
mo!” de uma vara e a estendeu até Jesus para
5 Este Simão foi o pai do mesmo Rufo de Rm 16.13. Era natural de Cirene, importante cidade da Líbia, na África do norte (At
13.1), onde vivia uma grande população judaica. Era conhecido como “Níger” (negro).
6 Era um costume jjudaico amenizar a dor do martírio, oferecendo ao crucificado uma mistura de entorpecentes
p com vinho
(Pv 31.6). A mirra é uma especiaria extraída de plantas nativas dos desertos da Arábia e de partes da África (Gn 37.25). Jesus,
entretanto, preferiu suportar todo o sofrimento completamente lúcido, pois ninguém estava lhe tirando a vida. Em submissão
voluntária ao Pai, Ele a estava ofertando como holocausto pela remissão do pecado de todos aqueles que crêem no seu sacrifício
vicário (Zc 13.1; Mc 10.45; Rm 5.8).
7 Em algumas versões da Bíblia aparece a forma judaica usada na época para marcar as horas (traduzido do grego como:
“a hora terceira”), e que corresponde às nove horas da manhã (Lc 23.44; Jo 19.14). João, por sua vez, usa a maneira romana
(“a hora sexta” ou próximo ao “meio-dia”). Conforme o costume, escrevia-se a acusação numa tábua de madeira, que seguia à
frente do sentenciado até o local da execução, quando era então pregada na cruz logo acima da sua cabeça. Marcos sumariza a
inscrição, mas João percebe na frase acusatória um relevante dado teológico e profético (Jo 19.19-22).
8 Algumas versões trazem a expressão “ladrões”, todavia o termo grego: evoca o sentido de que aqueles homens
eram culpados por crimes de alta traição (insurgência), contra o império romano e por banditismo. O crime de latrocínio não era
considerado um delito capital, a não ser quando seguido de morte.
9 Sem perceber, o próprio sumo sacerdote e os principais teólogos da época, estavam afirmando com clareza o poder e a
missão do Cristo (o Messias) sobre todo o Israel, ou seja, todo o povo de Deus (Gl 6.16). A verdadeira fé salvadora não se apóia
em sinais e maravilhas visíveis, mas na firme convicção criada no coração de cada pessoa pelo próprio Espírito Santo (Jo 20.29).
E este é um milagre envolto em grande mistério, graça e maravilha.
10 Algumas versões preservam a maneira grego-judaica de contar as horas: “da hora sexta até a hora nona”.
11 Jesus falou no seu dialeto de família, uma mistura de aramaico com hebraico. Suas palavras, traduzidas aqui por Marcos,
continham as expressões proféticas do Salmo 22.1. Ao se identificar com nossos pecados e assumir os erros de cada ser humano
(2Co 5.21; Gl 3.13), Jesus, por um momento, teve de sentir a dor da separação do Pai. Enquanto o sacrifício vicário ia sendo
aceito por Deus, a humanidade era salva e restaurada. A separação do Pai é o maior sofrimento destinado àqueles que preferem
viver em pecado. Deus não pode ter qualquer comunhão com o pecado (o mal), embora ame o pecador e lhe ofereça a salvação
pela graça da fé em Cristo, Seu Filho.
12 Algumas pessoas compreenderam mal as palavras de Jesus e pensaram tê-lo ouvido dizer: “Eli, Eli!”, ou seja, “Elias, Elias”.
Os judeus, em momentos de grande necessidade, costumavam clamar por “Elias”, pois se cria que Elias, por haver sido arrebata-
do à presença de Deus, viria em socorro dos justos e inocentes, sempre que estes passassem por grandes aflições.
13 João nos revela que o grito de triunfo de Jesus foi: “assim está”, que em grego significa: “consumado” (Jo 19.30). O brado
de Jesus é mais uma demonstração de que Ele entregou sua vida e não foi consumido pela morte. Os crucificados passavam, em
geral, por longos períodos de intensa agonia, exaustão e perda dos sentidos até que a morte os vencesse.
14 O véu do santuário ou do Lugar Santíssimo (Hb 6.19; 9.3; 10.20) era a cortina que separava o Lugar Santo do Santo dos
Santos (Êx 26.31-33). O partir desse véu tem profundo significado para toda a humanidade. Cristo entra e abre as portas do céu,
a fim de que todo cristão sincero tenha acesso à presença de Deus Pai (Hb 9.8-10,12; 10.19,20). Os sacerdotes estavam no
templo para a liturgia das tardes.
15 Um centurião era um militar romano que respondia pelo comando de pelo menos cem soldados. O original grego indica que
este homem reconheceu Jesus como “O” Filho de Deus, e não apenas “um” filho de Deus (Mt 27.54; Lc 23.47). Seu testemunho
de espanto diante do poder de Jesus passou para a história da Igreja de muitas maneiras.
16 Por causa da compaixão e da dignidade com que Jesus tratava as mulheres (marginalizadas pela cultura do seu povo e
época), muitas foram salvas, tornaram-se discípulas e seguiram o Senhor. Em 16.9 e Lc 8.2, somos informados de que Jesus
expulsou sete demônios de Maria Madalena. Havia também Maria, mãe de Tiago, o mais jovem, e de José (de quem não se sabe
mais nada). Salomé era mãe de João e Tiago, mulher de Zebedeu (Mt 27.56).
177 Jesus morreu na sexta-feira (dia em que os judeus se preparam para o sábado), às três horas da tarde (v.34). Restavam
apenas três horas para o início do Shabbãth, sábado judaico, no qual todo trabalho era proibido. Por isso a urgência em retirar o
corpo da cruz e prepará-lo para o sepultamento. Mais uma forte alusão à urgência com que os judeus tiveram de comer a Páscoa
antes de saírem para a terra prometida, e a urgência que temos de nos prepararmos para a segunda vinda do Senhor e do Grande
Dia (Mt 22.1-14; 24.32-44; 25.1-13).
18 Muitos historiadores e teólogos afirmam que as informações sobre o julgamento forjado pelo Sinédrio contra Jesus chega-
ram a Marcos por intermédio de José. Um justo e eminente juiz, da cidade de Arimatéia (Ramataim, Sm 1.1), que ficava cerca de
30 km a noroeste de Jerusalém. José era também um discípulo de Jesus, que manteve sua fé em sigilo até este ato de grande
coragem (Mt 27.57; Lc 23.52). Os corpos dos crucificados por crimes de traição não eram liberados para os ritos judaicos de
sepultamento nem mesmo aos familiares mais próximos.
19 José ofereceu o próprio túmulo da família, nunca antes usado, cravado na rocha (Mt 27.60). Esse túmulo ficava num jardim,
próximo ao local da crucificação (Jo 19.41). No primeiro século esse lugar se transformou-se num cemitério, onde hoje está
situada a Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém. O sepulcro era fechado por uma grande pedra em forma de disco que girava
sobre um sulco e, no caso de Jesus, lacrada com o selo imperial romano.
1 Os judeus não tinham o costume de embalsamar (como aparece em algumas versões) os corpos de seus mortos. Logo após as
18 horas, ao encerrar o Shabbãth (período do sábado judaico), as mulheres foram comprar especiarias para ungir o corpo de Jesus
como mais um ato de devoção, amor e luto. Entretanto, não havia entre elas qualquer expectativa da ressurreição de Jesus.
2 Rolar aquele tipo de pedra em forma de disco para fechar a entrada do sepulcro era uma ação relativamente fácil. Todavia,
depois que a grande pedra era encaixada no sulco cortado na rocha maciça, em frente da entrada, ficava muito difícil e pesado
qualquer deslocamento, ainda que mínimo.
3 Os sepulcros dos nobres da época eram espaçosos. Dentro da grande entrada, na frente do sepulcro, havia uma antecâmara
e, no fundo desta, uma abertura baixa e retangular que conduzia à câmara da sepultura. Mateus nos informa que um anjo, com a
aparência de um jovem humano, estava postado junto ao túmulo vazio do Senhor (Mt 28.2-5).
4 Nos originais gregos o verbo está na voz passiva “foi ressuscitado”, uma ênfase ao poder soberano de Deus Pai (At 3.15; Rm
4.24). O ponto alto da teologia de Marcos é a ressurreição de Jesus, sem a qual todo o trabalho e morte de Jesus teriam sido
inúteis à salvação de todos que nele crêem. Por causa da ressurreição, Jesus é declarado Filho de Deus (Rm 1.4).
5 Como já havia revelado, Jesus rumou para a Galiléia, com o propósito de manifestar-se o mais breve possível a muitos dos Seus
discípulos (14.28; Mt 28.9,16; 1Co 15.6). Jesus sabia que, apesar dos erros, Pedro o amava com sinceridade. E, por isso, estava
desanimado e necessitado de uma cura interior que somente o Senhor, com seu amor e perdão, poderia realizar (Jo 21.15-19).
6 Jesus apareceu em primeiro lugar a Maria Madalena que, juntamente com outras discípulas, foi demonstrar sua devoção e
consagrá-lo a Deus, conforme os rituais fúnebres judaicos, logo ao romper da manhã do domingo (Jo 20.11-18). Depois Jesus apa-
receu às demais mulheres que o seguiam (Mt 28.8-10); em seguida a Pedro (Lc 24.34; 1Co 15.5); aos dois discípulos no caminho de
Emaús (Lc 24.13-32); aos discípulos reunidos, mas sem Tomé (Lc 24.36-43; Jo 20.19-25); no domingo seguinte, com a presença de
Tomé (Jo 20.26-31); a sete discípulos, no mar da Galiléia (Jo 21); aos apóstolos e a mais de 500 seguidores (Mt 28.16-20; 1Co 15.6);
a Tiago, irmão de Jesus (1Co 15.7); e antes da ascensão aos céus, a um grupo de seguidores e discípulos (Lc 24.44-53; At 1.3-12).
7 Jesus assumiu a forma humana de um simples peregrino da época, mas o conteúdo de suas palavras foi revelando Sua pes-
soa e reanimando Seus desconsolados discípulos, no caminho de Emaús (Lc 24.16). Também a Maria Madalena, sua discípula,
surgiu como um humilde jardineiro, mas, ao falar, revelou-se o Cristo amado e poderoso (Jo 20.11-18).
salvo. Todavia, quem não crer será con- Jesus sobe à direita do Pai
denado! (Lc 24.50-53; At 1.6-11)
17 E estes sinais acompanharão aos que 19 Concluindo, depois de lhes ter orien-
crerem: em meu nome expulsarão de- tado, o Senhor Jesus foi elevado aos céus
mônios; em línguas novas falarão.8 e assentou-se à direita de Deus.10
18 Pegarão serpentes com as mãos; e, se 20 Então, os discípulos saíram e prega-
algo mortífero beberem, de modo ne- ram por toda parte; e o Senhor coopera-
nhum a eles fará mal, sobre os enfermos va com eles, confirmando-lhes a Palavra
imporão as mãos e eles serão curados!”9 com os sinais que a acompanhavam.
8 Novas línguas e outros sinais chegaram para marcar uma nova época histórica. O tempo da Igreja de Cristo e a nova vida
dos salvos (2Co 5.17).
9 Jesus volta, na forma do Espírito Santo, para habitar com poder no corpo dos seus discípulos e apóstolos. E realiza muitas
maravilhas por meio deles ao estabelecer Sua Igreja em muitas partes do mundo, até os confins da terra (At 1.8; At 2.42-43;
At 28.3-6).
10 Como afirmou Calvino: “Assentar-se à direita do Pai, não se refere à posição do corpo físico de Jesus em algum lugar
específico do céu, mas sim à sua posição de majestade e poder como imperador do Universo ao lado de Deus, Seu Pai”, em
conformidade com o Sl 110.1 e a palavra profética de Jesus Cristo em Mc 14.62.
LUCAS
Autoria
Desde os primeiros cânones das Sagradas Escrituras, como o Cânon muratório, o terceiro
evangelho do Novo Testamento é reconhecido como de autoria de Lucas, o médico de homens e de
almas; o médico amado, como ficou conhecido (Cl 4.14). Irineu, um dos pais da Igreja, já citava o
Evangelho Segundo Lucas em suas obras, por volta do ano 180 d.C.
Lucas, grande amigo e companheiro de ministério do apóstolo Paulo (2Tm 4.11; Fm 24), é o único
autor gentio do Novo Testamento. Embora não tenha sido testemunha ocular da vida de Jesus Cristo,
andou com Deus, cheio do Espírito Santo, o qual o inspirou a escrever este Evangelho e o livro de
Atos e a servir como missionário até sua morte.
Lucas nos informa que seu trabalho foi beneficiado pela obra de outros (Lc 1.1), que ele consultou
várias testemunhas oculares (Lc 1.2), e que selecionou e dispôs as informações com extremo cui-
dado, sob a direção do Espírito Santo (Lc 1.3), a fim de instruir Teófilo quanto à fidedignidade da fé
em Jesus Cristo (Lc 1.4).
Propósitos
O Evangelho Segundo Lucas é especificamente endereçado a Teófilo, cujo nome significa “aquele
que ama a Deus”. Entretanto, o Espírito Santo ampliou em muito o alcance dessa obra, destinando-a
a todos aqueles que amam a Deus e desejam saber a verdade sobre Jesus Cristo, Seu Filho, nosso
Salvador. Lucas trata Teófilo por “excelentíssimo” o que reforça a idéia de que esse livro tinha como
principal objetivo um leitor em especial: Teófilo, um alto oficial do império romano que, segundo
historiadores renomados, desejoso de conhecer a verdade, patrocinou Lucas nesse projeto e inves-
tigação acurada de todos os fatos concernentes à vida e obra de Jesus Cristo; cujo ensino já invadia
Roma, convertendo multidões. Na mesma época surgiam vários relatórios falsos sobre Jesus e,
tanto Teófilo, quanto o próprio discípulo Lucas, tinham grande interesse em produzir um documento
histórico claro e verdadeiro sobre a pessoa e a obra de Jesus de Nazaré, o Cristo.
Embora particularmente destinado a Teófilo, o Evangelho Segundo Lucas se inclina para todos
os gentios. O autor revela interesse especial por detalhes médicos (Lc 4.38; 7.15; 8.55; 14.2; 18.35;
22.50). Há grande ênfase nos acontecimentos relacionados ao nascimento de Cristo. Curiosamente,
somente Lucas registra a anunciação a Zacarias e Maria, os cânticos de Isabel e Maria, o nascimento
e a infância de João Batista, o nascimento de Jesus, a visita dos pastores, a circuncisão de Jesus e
Sua apresentação no Templo, detalhes da infância de Jesus e até alguns dos pensamentos íntimos
de Maria, mãe de Jesus. Lucas demonstra grande interesse por fatos que se deram com indivíduos:
os relatos de Zaqueu
q ((Lc 19.1-10);
); do ladrão qque se arrepende
p ((23.39-43),), e nas pparábolas do filho
perdulário (15.11-32) e do publicano arrependido (18.9-14). É Lucas quem nos relata a história
sobre o bom samaritano (10.29-37) e do ex-leproso agradecido (17.11-19). Lucas ainda dá especial
atenção à disciplina espiritual da oração: falar com Deus (Lc 3.21; 5.16; 6.12; 9.18, 28-29; 10.21; 11.1;
22.39-46; 23.34, 46). O Evangelho Segundo Lucas dá grande destaque às mulheres, algo incomum
na época (Veja os capítulos: 1, 2, 7.11-17, 36-50; 8.1-3; 10.38-42, 21.1-4; 23.27-31, 49). O livro
apresenta quatro belos cânticos, conhecidos como: o Magnificatt de Maria (Lc1.46-55), o Benedictus
de Zacarias (Lc1.67-79), o Gloria in Excelsis Deo dos anjos (Lc 2.14) e o Nunc Dimitris de Simeão
(2.29-32). Lucas ainda reflete sobre o contraste da pobreza em relação à riqueza (1.52-53; 4.16-22;
6.20, 24-25; 12.13-21; 14.12-13; 16.19-31).
Este é o Evangelho do misericordioso Filho de Deus que oferece Salvação a toda humanidade
(19.10).
LUCAS
Prefácio e dedicatória a Teófilo Isabel era estéril, e ambos eram avançados
1 A palavra grega anothen, traduzida por “origem”, quer dizer: “de cima”, “dos altos céus” (Jo 3.31; Tg 1.17), e se refere também
a uma análise criteriosa de “alto a baixo”, “do começo ao fim”. Teófilo, que em latim e grego significa “querido por Deus” ou
“aquele que ama a Deus”, foi um militar de alta patente do exército romano que, convertido ao Senhor, patrocinou a pesquisa e a
publicação deste relatório fiel sobre a vida e a obra de Jesus, livro que veio a tornar-se parte do cânon bíblico (livros inspirados por
Deus) do NT e cujo propósito, assim como João (Jo 20.31), é proporcionar a seus leitores plena certeza quanto aos tremendos
fatos relacionados à história de Cristo e à nossa salvação eterna.
2 Herodes, o Grande, reinou de 37 a 4 a.C. por toda a Samaria, Galiléia e grande parte da Peréia e da Celo-Síria (Mt 2.1). O tem-
po referido pelo texto situa-se entre os anos 7 e 6 a.C. Zacarias e Isabel eram ambos de ascendência sacerdotal, da linhagem de
Arão, grupo sacerdotal de Abias. Tradicionalmente, desde os tempos de Davi, os sacerdotes foram organizados em 24 grandes
divisões, sendo Abias um dos líderes das famílias dos sacerdotes (Ne 12.12; 1Cr 24.10).
3 Zacarias e Isabel não eram impecáveis, mas amavam ao Senhor de coração, e Deus observava essa “adoração interior” em
seus servos, a qual se refletia “exteriormente” no cumprimento irrepreensível dos preceitos religiosos (Fp 3.6) e, especialmente, no
relacionamento com as pessoas. Um grande contraste em relação às atitudes apenas “cosméticas” dos fariseus (Mt 5.20; 23.2-5).
4 Uma das grandes responsabilidades do sacerdote era manter o incenso queimando em louvor a Deus, no altar diante do
Santo dos Santos. Ele colocava ali incenso novo todas as manhãs, antes do sacrifício matinal, e, outra vez, logo após o sacrifício
vespertino (Êx 30.6-8). Era raro que um sacerdote tivesse o privilégio de ministrar ao Senhor no Santo dos Santos, pois eles eram
muitos e a determinação dessa tarefa se fazia por lançamento de sortes. Além disso, essa era uma experiência única na vida
de muitos sacerdotes (2Sm 6.7) que, por não estarem vivendo de acordo com a vontade de Deus, eram fulminados pela ira do
Senhor em pleno ato de ministração (Ne 11.1; Pv 16.33; Jo 1.7; At 1.26).
5 A expressão usada pelo anjo, traduzida por “não tenhas medo”, no hebraico tem o sentido de “não perder a confiança em
15 Pois ele será grande aos olhos do Se- minhas palavras, as quais, no seu devido
nhor, jamais beberá vinho nem qualquer tempo, se cumprirão”.
outra bebida fermentada, e será pleno 21 Enquanto isso, o povo estava aguar-
do Espírito Santo desde antes do seu dando Zacarias e preocupava-se com o
nascimento. fato de que demorasse tanto no santuá-
16 E conduzirá muitos dos filhos de Israel rio do Senhor.10
à conversão ao Senhor, seu Deus.6 22 Mas, ao sair, nenhuma palavra conse-
17 Ele avançará na presença do Senhor, guia pronunciar; as pessoas perceberam
no mesmo espírito e poder de Elias, com que ele tivera uma visão no santuário.
o propósito de fazer voltar o coração dos Zacarias tentava comunicar-se através de
pais a seus filhos e os desobedientes à sinais, permanecendo todavia mudo.
sabedoria dos justos, deixando um povo 23 Ao completar seus dias dedicados ao
preparado para o Senhor”.7 serviço, ele regressou para casa.
18 Então, Zacarias indagou do anjo: 24 E, passado esse tempo, Isabel, sua espo-
“Como poderei certificar-me disso? Pois sa, engravidou, mas durante cinco meses
já sou idoso, e minha esposa igualmente ocultou-se das pessoas não saindo de casa.
de idade avançada”.8 25 E ela dizia a si mesma: “Isto é dádiva
19 Ao que o anjo lhe replicou: “Sou Ga- do Senhor para mim! Eis que seus olhos
briel, aquele que está permanentemente me contemplaram, para retirar de sobre
na presença de Deus e fui encarregado mim a grande humilhação que sentia
de vir para falar e transmitir-te estas diante de todos”.11
boas notícias.9
20 Porém, eis que permanecerás em si- Gabriel anuncia o nascimento de Jesus
lêncio, pois não conseguirás falar até o 26 Então, no sexto mês, Deus enviou o
dia em que venha a ocorrer tudo quanto anjo Gabriel para Nazaré, uma cidade
te revelei, porquanto não acreditaste nas da Galiléia,
Deus”, sendo uma palavra de encorajamento muito usada em toda a Bíblia (no verso 30 e em 2.10; 5.10; 8.50; 12.7,32; Gn 15.1;
21.17; 26.24; Dt 1.21; Js 8.1). O nome João deriva do hebraico antigo e significa: “O Senhor é bom e misericordioso”.
6 A grandeza de João seria reconhecida pelas qualidades de profeta precursor do Senhor, nazireu (Nm 6.3) e sacerdote. O per-
manente estado de plenitude e dependência do Espírito Santo capacitaria João a proclamar a Palavra de tal maneira que muitos
seriam convertidos de seus caminhos mundanos e formariam um povo de coração preparado para a vinda de Jesus Cristo e do
Reino de Deus (At 19.4). João cumpriu as profecias de Ml 3.1; 4.5,6 e as registradas em Is 40.3,4 (veja Lc 7.24-35). João também
se submeteu ao voto nazireu de abstinência de bebidas alcoólicas (Nm 6.1-4). Em seu caso, desde o ventre de sua mãe, como
Sansão (Jz 13.4-7) e Samuel (1Sm 1.11).
7 Não há qualquer possibilidade de Elias ter voltado na pessoa de João (Jo 1.21). A Bíblia não oferece nenhuma base textual
para as teorias da reencarnação ou mediunidade. Entretanto, João foi Elias na semelhança do seu amor e fidelidade ao Senhor
(Mt 11.14). Na sua mensagem poderosa e destemida, convocando os seres humanos ao mais sincero e absoluto arrependimento
de seu deliberado e contínuo afastamento de Deus.
8 À semelhança de Abraão (Gn 15.8), de Gideão (Jz 6.17) e de Ezequias (2Rs 20.8), Zacarias pediu um sinal (1Co 1.22), talvez
não da melhor maneira, mas o anjo o atendeu e nos deixou uma lição sobre jamais duvidar da Palavra do Senhor. Um estudo
comparativo de Abraão e Sara em relação a Zacarias e Isabel, focalizando especialmente Isaque e João, será de grande valor
(Gn 15 a 18).
9 O nome Gabriel em hebraico antigo significa: “o poderoso homem de Deus”. Apenas dois anjos têm seus nomes identificados
nas Sagradas Escrituras: Gabriel (Dn 8.16; 9.21) e Miguel (Dn 10.13,21; Jd 9; Ap 12.7).
10 A multidão estava aguardando com apreensão e ansiedade que o sacerdote (Zacarias) saísse do Santo dos Santos para
proferir a tradicional bênção arônica (Nm 6.24-26). Entretanto, ele saiu mudo. Todo sacerdote tinha a obrigação de trabalhar
durante uma semana nas dependências do templo, uma vez a cada seis meses (vs. 23, 39).
11 Especialmente no AT, a ausência de filhos ou o empobrecimento eram considerados sinais do desfavor divino, ou de sérios
pecados ocultos, o que sujeitaria as pessoas ao castigo de Deus. No caso da infertilidade, toda a responsabilidade pela falta de
filhos e, portanto, pelo descontentamento divino, recaía sobre a mulher, a qual era vítima das mais variadas e deprimentes formas
de julgamento e rejeição por parte da comunidade e, muitas vezes, do próprio marido. Jesus e seus discípulos jamais aprovaram
esse tipo de teologia simplista e distante dos propósitos gerais de Deus para a humanidade (Gn 16.2; 25.21; 30.23; 1Sm 1.1-18;
Lv 20.20,21; Sl 128.3; Jr 22.30).
12 Lucas trata o assunto da concepção virginal de Jesus de forma clara e objetiva (observe os versos 27, 34 e 35 e Mt 1.18-25).
A fecundação foi obra do Espírito Santo que, ao cobrir Maria, na forma de uma sombra, gerou em seu ventre o embrião que
seria Jesus, a eterna segunda pessoa da Trindade. Jesus jamais deixou de ser Deus, mas Deus assumiu completamente corpo
e alma humanas, possibilitando que Jesus fosse plenamente homem e plenamente Deus a um só tempo (Jo 1.14). Maria havia
sido desposada, o que significa no judaísmo da época, uma espécie de noivado definitivo. Um compromisso de casamento sem
possibilidade de arrependimento. Qualquer infidelidade por parte da mulher a partir desse pacto matrimonial, era punida com a
pena de morte por apedrejamento para a virgem que cometera adultério e para o homem que a tivesse seduzido (Dt 22.23,24).
Maria e José eram descendentes diretos de Davi (vs.32,69 e 2.4).
13 Em algumas versões traduzidas a partir da Vulgata latina, conservou-se a palavra “Ave” (de onde teve origem a frase: “Ave
Maria”) uma expressão comum de saudação em latim, e que significa: “Salve!” ou “Seja Feliz!”, mais propriamente traduzida aqui
por “Alegra-te!”. Outra expressão que aparece em algumas versões da Bíblia é: “cheia de graça”, numa referência ao favor de
Deus para com sua serva. A tradução e o sentido mais literal dessa frase nos originais gregos são: “tu que foste e permaneces
repleta do favor divino”.
14 O nome próprio “Jesus” deriva do hebraico antigo (cwSy - Yeshua) e significa: “Josué”, que quer dizer: “Yahweh Salva” ou
“Jeová é o Salvador” (Mt 1.21).
15 “Grande” era um título de destaque dado a personalidades notáveis, especialmente aos imperadores da época. O anjo
comunica que o Reino de Cristo é imenso e jamais terá fim. A expressão hebraica traduzida por “Altíssimo” é igualmente um
título honroso, muitas vezes usado no AT e no NT em referência à pessoa de Deus (nos versos 35,76; 6.35; 8.28; Gn 14.19; 2Sm
22.14; Sl 7.10), e tem dois sentidos. Refere-se ao divino Filho de Deus e ao Messias (o Cristo, em grego). O messianato de Jesus
é claramente abordado nos versos 32b e 33. Quanto ao trono de Davi, que significa o comando do mundo, foi profetizado no AT
que seria entregue por Deus ao Messias, da descendência de Davi (2Sm 7.13,16; Sl 2.6,7; 89.26,27; Is 9.6,7).
16 A missão de Cristo como mediador um dia se encerrará (1Co 14.24-28) e dará lugar ao Reino unificado do Pai e do Filho que
durará eternamente (Sl 45.6; Rm 1.3,4; Fp 2.9-11; Hb 1.8; Ap 11.15).
177 Maria não se assusta tanto com o anjo quanto com as palavras dele. Entretanto, mesmo sendo uma jovem simples de
pequena aldeia do interior da Galiléia, não duvida da revelação divina que recebe, como ocorreu com o experiente teólogo e
dedicado sacerdote Zacarias. Maria apenas – compreensivelmente – desejava saber “como” tal evento se daria. Muito embora as
revelações comunicadas a Maria tenham sido ainda mais extraordinárias do que as anunciadas a Zacarias, a serva do Senhor não
precisou de provas ou sinais para aceitar, com alegria submissa, a missão que o Senhor lhe confiara.
18 Alguns séculos depois da ressurreição do Senhor, surgiram certos escritos seculares questionando o período da primeira
Maria, o bebê agitou-se em seu ventre, e braço; dispersou aqueles cujos sentimen-
Isabel ficou plena do Espírito Santo.19 tos mais íntimos são soberbos.
42 E, com um forte grito, exclamou: 52 Derrubou governantes dos seus tro-
“Bendita és tu entre todas as mulheres, e nos, mas exaltou os humildes.
bendito é o fruto de teu ventre! 53 Supriu abundantemente os famintos,
43 Mas, qual o motivo desta graça mara- mas expulsou de mãos vazias os que se
vilhosa, que me venha visitar a mãe do achavam ricos.21
meu Senhor? 54 Ajudou a seu servo Israel, recordando-
44 Pois, no mesmo instante em que a se da sua misericórdia infinda
tua voz de saudação chegou aos meus 55 a favor de Abraão e sua descendência,
ouvidos, o bebê que está em meu ventre para sempre, assim como prometera aos
agitou-se de alegria. nossos antepassados”.22
45 Bem-aventurada é aquela que acredi- 56 E Maria permaneceu com Isabel por
tou que o Senhor cumprirá tudo quanto cerca de três meses, quando então retor-
lhe foi revelado!”. nou à sua casa.23
juventude de Jesus, sobre o qual a Bíblia nada fala. Foram sugeridas várias hipóteses e uma delas levanta a possibilidade de
Jesus ter passado por uma fase em que teria cometido alguns pecados para se assemelhar ainda mais aos seres humanos. As
Sagradas Escrituras, entretanto, são claras em afirmar que Jesus nasceu Santo (a expressão hebraica original significa: separado
para habitação de Deus) e jamais cometeu um só pecado (2Co 5.21; Hb 4.15; 7.26; 1Pe 2.22; 1Jo 3.5). Não foi o nascimento
virginal de Jesus que o fez “Santo”, e muito menos, “Filho de Deus”. Esse foi o meio pelo qual o Filho, preexistente (que sempre
existiu), revelou Sua Deidade (Jo 1.1,14; Fp 2.6).
19 Lucas dá grande ênfase à ação do Espírito Santo, não apenas no evangelho, mas, especialmente no livro de Atos. Algumas
versões trazem a expressão “possuída” para descrever o quanto Isabel ficou cheia (em plenitude) do Espírito. Foi pelo Espírito
que Isabel reconheceu Maria como mãe do Redentor (v.43) e é só pelo Espírito Santo que o pecador pode conhecer a Cristo
como seu único, suficiente e eterno Salvador e Senhor (Jo 16.8,9).
20 Maria (e não Isabel como sugerem algumas versões), na plenitude do Espírito Santo, a exemplo de Ana (1Sm 2.1-10), louva
ao Senhor por sua graça e misericórdia para com todos, especialmente para com os humildes e desprotegidos. A tradição da
Igreja transformou esse cântico (salmo) num hino conhecido como Magnificat, pois na tradução desse texto em latim, na Vulgata,
a primeira palavra é “Magnificat”, que significa: “Engrandece”.
21 Maria, usando uma forma de expressão profética, refere-se às maravilhas que a vinda do Cristo (o Messias) produziria (Tg
5.1-6). Deus supre os “famintos” de bênçãos espirituais e bens materiais (de pão e justiça – Ef 1.3 com 1Sm 2.5), especialmente
quando eles aprendem o que é “temer ao Senhor” (viver em harmonia e respeito à vontade revelada de Deus na sua Palavra).
22 A expressão “seu servo”, em grego transliterado é paidos, e significa: “servo filho”. “Filhos de Deus” é uma expressão que,
em grego, se refere a outras duas palavras: tekna ou huioi. Além do servo Israel, também Davi e Cristo são como “servos” de Deus
(v.69; conforme At 3.13,26; 4.25,27,30). Israel, como o Servo de Yahweh (Jeová), tendo cumprido sua missão, cede seu lugar
ao Messias (Jesus Cristo) nas maravilhosas profecias sobre o “Meu Servo” (Is 41.8,9; 42.1; 44.1,2,21; 45.4). O cântico termina
garantindo que Deus será fiel às promessas que fez a Seu povo (Gn 22.16-18).
23 Maria ficou com Isabel, sua parenta e amiga querida, até o nascimento de João Batista, quando retornou para casa, em Nazaré.
tre teus parentes que se chame assim”. 71 Salvando-nos dos nossos inimigos e
62 Então, através de sinais, consultaram das mãos de todos os que nos odeiam,
o pai do menino que nome queria que 72 para demonstrar sua misericórdia aos
lhe dessem. nossos antepassados e recordar sua santa
63 Ele pediu uma tabuinha e, para surpresa aliança,
de todos, escreveu: “O nome dele é João”.24 73 o juramento que prestou ao nosso pai
64 No mesmo instante sua boca se abriu, Abraão.
sua língua se soltou e ele começou a falar, 74 Que nos resgataria da mão de todos
louvando a Deus. os nossos inimigos, a fim de o servirmos
65 Toda a vizinhança foi tomada de gran- livres do medo,
de temor e por toda a região montanhosa 75 em santidade e justiça na sua presença,
da Judéia se comentavam esses fatos. durante todos os dias de nossas vidas.
66 E aconteceu que todos quantos ouviam 76 Tu, menino, serás chamado profeta do
falar dessas ocorrências ficavam imagi- Altíssimo, pois marcharás à frente do Se-
nando: “O que virá a ser este menino?”. nhor, para lhe preparar o caminho.27
Pois a boa mão do Senhor estava com ele. 77 Para proclamar ao seu povo o conhe-
cimento da salvação, mediante o perdão
Benedictus, o cântico de Zacarias dos seus pecados.
67 Então, seu pai Zacarias foi cheio do 78 E isso, por causa das profundas miseri-
Espírito Santo e profetizou:25 córdias de nosso Deus, através das quais
68 “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, dos céus nos visitará o sol nascente,28
pois que visitou e redimiu o seu povo. 79 para iluminar aqueles que estão viven-
69 Ele concedeu poderosa salvação na do em meio às trevas, e guiar nossos pés
casa de Davi, seu servo.26 no caminho da paz”.29
70 Assim como prometera por meio dos 80 E o menino crescia e se robustecia em
seus santos profetas desde a antigüidade. espírito; e viveu no deserto até o dia em
24 Na antigüidade judaica era usado um pedacinho de madeira coberto com cera e um buril (um pequeno instrumento de metal
usado para gravar textos e imagens em madeira), como uma espécie de livro de anotações. A importância dos nomes atribuídos
às pessoas é algo notável em toda a Bíblia. No início da Nova Dispensação, temos Zacarias – “Deus se recorda de Sua aliança”
(v.54); Isabel – “Deus é fiel”; João – “Deus é bom e misericordioso” (Mt 3.1); Maria – “aquela que guarda em seu coração”, e o
próprio Jesus – “Deus é o Salvador” (v.31; Mt 1.21).
25 A exemplo de Maria, com seu salmo, Zacarias também expressa sua alegria espiritual e louvor (agora com a voz livre do
sinal punitivo do anjo, devido ao cumprimento da promessa), por meio de um hino profético. Esse cântico ficou conhecido pela
Igreja como Benedictus, que em latim significa “Bendito” ou “Louvado seja”, pois se trata da palavra que inicia este hino na
Vulgata latina.
26 A salvação de Deus para Israel não se limitará à redenção nacional (v.71), mas, principalmente, à salvação espiritual
(vs.75,77). A expressão hebraica, aqui interpretada por “poderosa” se traduz literalmente por “chifre de boi”, numa alusão à força
e ao poder (conforme Dt 33.17; Sl 18.1-3; 22.21; 92.10,11; 132.17,18; Mq 4.13). Jesus – o Messias da Casa de Davi – tem poder
para salvar e libertar seu povo de todo tipo de opressão e escravidão.
277 João foi chamado profeta do Altíssimo, enquanto Jesus foi reconhecido como Filho do Altíssimo (v.32). O principal ministério
de João foi testificar de Cristo (Jo 1.7,29,32-36). O maior ministério do cristão é também ser testemunha de Jesus Cristo (At 1.8).
João recebeu a missão de preparar os caminhos do Senhor para sua primeira vinda, enquanto nós devemos apressar o glorioso
retorno de Cristo por meio do nosso testemunho e da evangelização de todos os povos (2Pe 3.11,12).
28 Assim como o sol nascente desvanece as trevas, Cristo aniquilou o poder e a culpa do pecado. Veja figuras de linguagem
semelhantes em: Nm 24.17; Is 9.2; 60.1. Ele conquistou o império que estava nas mãos de Satanás e destruiu o poder da morte
(Rm 5.12-21). O sacerdote Zacarias, não apenas exaltou seu filho, o profeta João, mas louvou o Messias Jesus que chegaria em
breve (vs.78,79).
29 Os que vivem nas trevas são os que estão perdidos, a caminho da morte (separação de Deus) eterna (Is 9.1,2; Mt 4.16).
A humanidade busca desesperadamente por paz, entretanto o que se vê é o aumento constante da violência e da brutalidade
entre pessoas e nações. O vocábulo “paz” no original grego (transliterado: irene), significa: “estado de descanso, tranqüilidade
e segurança, devido a um harmonioso relacionamento entre Deus e a pessoa humana”. Jesus Cristo é o Príncipe da Paz e todos
os seus discípulos já podem desfrutar dessa Paz que será completa e mundial, quando o Senhor estabelecer seu Reino de forma
plena e definitiva na terra renovada (Ap 21.1).
que havia de revelar-se publicamente a 7 e ela deu à luz o seu primogênito. En-
Israel.30 volveu-o com tiras de pano e o colocou
sobre uma manjedoura, pois não havia
Nasce Jesus de Nazaré, o Cristo lugar para eles na hospedaria.5
(Mt 1.18-25)
30 Zacarias e Isabel, já idosos quando João nasceu; morreram quando ele era ainda muito jovem. Segundo historiadores e
arqueólogos, João teria sido levado para o deserto da Judéia, onde viveu cerca de trinta anos e muito aprendeu com os essênios
da região de Qunram. A semelhança de terminologia da sua pregação com os chamados Rolos do Mar Morto é notável. João
Batista começou seu ministério público com cerca de trinta anos, idade em que os profetas tinham, em geral, sua maioridade e
maturidade espiritual reconhecidas pelos conselhos de rabinos.
Capítulo 2
1 Lucas procura sempre relacionar sua narrativa aos grandes fatos históricos de seu tempo. César Augusto (30 a.C. a 14 d.C)
foi o primeiro e o maior dos imperadores romanos. Estabeleceu a chamada “Pax Romana”, trocou o sistema republicano por uma
forma imperial de governo, conquistou todo o mundo civilizado do Mediterrâneo e estabeleceu a idade áurea das artes, arquite-
tura e literatura romanas. No ano 27 a.C. o senado romano lhe concedeu o título de “augusto”, que em latim significa: “exaltado”
ou “digno de toda a reverência”. Embora os judeus estivessem isentos do serviço militar romano, e por isso não eram obrigados
a atender às convocações militares, não estavam livres de pagar os impostos, e esse recenseamento ou cadastramento visava
exatamente alistar todos os cidadãos e moradores sob o domínio romano, especialmente para recolhimento de impostos. Deus
usou o decreto de um imperador pagão para cumprir a profecia de Mq 5.2.
2 Quirino foi um oficial romano que coincidentemente trabalhou neste censo e em um segundo alistamento geral que ocorreu
de 6 a 9 d.C., registrado por Lucas em At 5.37, no qual Judas se levantou contra o governo romano da época, alegando que Deus
era o único e legítimo Rei de Israel, sendo, portanto, ilícito (um pecado) pagar impostos a qualquer outra autoridade.
3 Belém é a mesma cidade onde nasceu o rei Davi cerca de 1000 anos antes destes eventos (1Sm 17.12; 20.6) e se localizava
a uma distância aproximada de 10 km ao sul de Jerusalém. Naquela época, uma viagem de pelo menos três dias até Nazaré.
“Judéia”, era a maneira greco-romana de chamar a parte sul da Palestina, no passado abrangida pelo reino de Judá.
4 Na Síria, província romana na qual se localizava a Palestina, as mulheres acima de 12 anos deviam pagar um imposto indivi-
dual ao governo, e para isso tinham de ser cadastradas (recenseadas). Maria também pertencia à casa de Davi.
5 No ocidente e por motivos não históricos nos acostumamos a celebrar o natal (nascimento de Jesus Cristo) em dezembro.
Entretanto, segundo muitos historiadores e arqueólogos de prestígio, a data mais provável deve ter sido na primavera palestina
(entre maio e junho). Era costume entre as mães judias envolver os filhos recém-nascidos com tiras de tecido para que ficassem
bem agasalhados e protegidos. A cidade estava lotada com pessoas de todas as partes vindas para ser arroladas no censo. Maria
sentia as dores de parto e a única solução foi se acomodarem em um estábulo. Ao nascer, Jesus foi posto em uma manjedoura,
uma espécie de cocho onde se colocava o alimento dos animais.
6 Os líderes religiosos e o povo judeu estavam divididos em suas expectativas quanto à obra do Messias prometido. Uns
esperavam que ele fosse um grande líder militar e os livrasse do domínio romano. Outros desejavam cura para as enfermidades
e os muitos sofrimentos físicos. E, outros ainda, ambicionavam um Messias que os livrasse da fome e da pobreza. Contudo, a
missão prioritária do Cristo, anunciada pelos anjos, é que Ele viria resgatar a humanidade, pagando o preço pelo pecado: a morte
(Mt 1.21; Jo 4.42). A pessoa e a obra de Cristo neste mundo significam: maior glorificação de Deus Pai nos céus (17.4,5) e paz
divina eterna para todos os habitantes da terra que receberem seu Espírito com amor e sinceridade (v.14; Rm 5.1,2). A expressão
hebraica: “Senhor”, até a vinda de Cristo, era usada exclusivamente para se referir a Deus (At 2.36; Fp 2.11).
7 Um grande coral de anjos entoou um cântico de louvor a Deus. As primeiras palavras deste pequeno hino, registrado em
latim na Vulgata, são: Gloria in exelsis Deo! Os anjos exaltam a majestade de Deus em todo o universo, nos céus, onde Deus
habita (Mt 6.9). O mundo da época vivia sob a Pax romana, uma paz exterior e temporária, imposta por um imperador humano. Os
anjos anunciam a “Paz de Deus”, eterna e absoluta, garantida a todos quantos se agradam (recebem com gratidão, sinceridade
e lealdade)) a graça
g ç de Deus (Lucas
( usa a palavra
p “agrado”
g em vários momentos 3.22; 10.21; 12.32).) A “Paz de Deus” só ppode
ser recebida por quem crer que Ele é o Único doador e Salvador. Em resumo: é um ato de fé (Rm 5.1). O Messias davídico era
chamado de “Príncipe da Paz” (Is 9.6). De outro lado, embora Cristo tenha prometido essa Paz aos seus discípulos (Jo 14.27),
Ele deixou bem claro que haveria lutas, aflições e tensões (Mt 10.34-36; Lc 12.49; Jo 16.33), pois manter a paz com Deus significa
viver em oposição diária a Satanás e seus ardis (Tg 4.4).
8 Jesus, o Filho de Deus, relacionou-se de perto com a Lei e a Velha Aliança. Nasceu, cresceu e foi educado sob a Lei para
resgatar todos os que estavam sob a Lei e suas conseqüências. Obedeceu a Lei e foi além, para nos ensinar a viver sob o espírito
da lei; ou seja, livres da formalidade da letra, mas conduzidos pelo Espírito de Deus, nosso Advogado e Orientador quanto ao que
devemos fazer para agradar ao Pai Celestial (Jo 14.25-27; Gl 4.4-5). Lucas usa muitas vezes a expressão “louvando ao Senhor”
(1.64; 2.13,28; 5.25,26; 7.16; 13.13; 17.15,18; 18.43; 19.37; 23.47; 24.53).
9 Depois de dar à luz a um filho, a mãe judia, precisava aguardar 40 dias (resguardo), para dirigir-se ao templo e oferecer os
sacrifícios chamados de “purificação”. Se fosse pobre e não pudesse comprar um cordeiro e uma rolinha (espécie de pombo
pequeno), como ocorreu com José e Maria, eram aceitáveis dois pombinhos (Lv 12.2-8; 5.11).
10 Belém distava de Jerusalém cerca de 10 km. Todos os p primogênitos
g dos seres humanos e dos animais deviam, ppela Lei,
serem consagrados (dedicados) ao Senhor (Êx 13.12-13). Os animais eram sacrificados, pois somente o sangue e a morte dos
inocentes podia pagar o preço dos pecados humanos. Cristo tomou sobre si esta penalidade (Is 53.6; 2Co 5.21) e se deu em
sacrifício único, suficiente e perpétuo. Os primogênitos humanos eram simbolicamente oferecidos aos cuidados do Senhor (Rm
8.29), e seus pais se obrigavam a educá-los para adorar e servir a Deus. Os filhos deviam seguir a fé dos pais durante toda a vida,
mas eram os levitas quem, de fato, dedicavam suas vidas inteiras ao serviço religioso diário, como ministros, representando a
adoração de todos os primogênitos masculinos de Israel (Nm 3.11-13; 8.17,18).
11 A consolação que os judeus piedosos (fiéis e adoradores sinceros de Deus) aguardavam era a vinda do Messias (Cristo,
que não morreria sem ter a oportunida- velada. Quanto a ti, todavia, uma espada
de de ver o Cristo de Deus. traspassará a tua alma”.13
27 Movido pelo Espírito Santo, ele di-
rigiu-se ao templo. Assim que os pais As profecias de Ana
trouxeram o menino Jesus para reali- 36 Estava também presente a profetiza
zarem com Ele o ritual de consagração Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser.
exigido pela tradição da Lei, Era uma senhora de idade avançada; ti-
28 Simeão o tomou em seus braços e lou- nha vivido com seu marido durante sete
vou a Deus, exclamando: anos depois de se casar,14
29 “Ó Soberano! Como prometeste, po- 37 e desde então permanecera viúva até
des agora despedir em paz o teu servo. a idade de oitenta e quatro anos. Jamais
30 Porquanto os meus olhos já contem- deixava o templo: adorava a Deus, jeju-
plaram a tua Salvação,12 ando e orando dia e noite.
31 a qual preparaste à vista de todos os 38 Havendo chegado ali, naquele exato
povos: momento, deu graças a Deus e proclama-
32 luz para revelação aos gentios, e para va acerca do bebê Jesus para todos os que
glória do teu povo de Israel”. anelavam pela redenção de Jerusalém”.15
33 O pai e a mãe do menino ficaram 39 Depois de terem cumprido tudo
admirados com a proclamação feita a quanto era requerido pela Lei do Senhor,
respeito dele. retornaram para a sua própria cidade,
34 Então Simeão os abençoou e revelou Nazaré, na Galiléia.
a Maria, mãe de Jesus: “Eis que este 40 E o menino crescia e se fortalecia, tor-
menino está destinado a ser o respon- nando-se pleno em sabedoria; e a graça
sável pela queda e pelo soerguimento de de Deus permanecia sobre Ele.16
multidões em Israel, e a ser um sinal de
contradição, O menino Jesus no templo
35 de maneira que a intimidade dos 41 Todos os anos seus pais viajavam até
pensamentos de muitos corações será re- Jerusalém para celebrar a festa da Páscoa.
em grego) e a implantação de um Reino de justiça, paz e felicidade (vs. 26,38; 23.51; 24.21; Is 40.1,2; Mt 5.4). O Espírito Santo,
antes do evento de Pentecostes, vinha “sobre” as pessoas e as agraciava com sua presença por algum tempo. Após a ascensão
de Cristo, o Espírito vem “habitar”, ou, como no sentido original do AT, “tabernacular” permanentemente na vida do crente (Jo
14.16-18). Lucas dá grande atenção em seus textos à pessoa e ao tríplice ministério do Espírito Santo: Primeiro como condutor
da graça preveniente e sensibilizadora que leva o ser humano a buscar a Deus (Jo 16.8), em seguida, revelando a Cristo e
iniciando a obra salvadora do Senhor (Jo 3.5; Rm 8.9), e santificando a vida do crente e o preparando para herdar a vida eterna
com Cristo (Rm 8.14).
12 Todo aquele que tem uma fé viva e verdadeira na pessoa e na obra de Cristo pode, com toda a certeza e tranqüilidade, morrer
em plena paz (1Jo 1.1 em relação a Gn 15.15). Simeão declama um salmo que se tornaria um hino da Igreja conhecido como:
Nunc dimittis, que são as primeiras palavras deste cântico em latim, como aparece na Vulgata, e significam: “Agora despede”.
Lucas, não sendo judeu, teve o cuidado de ressaltar a verdade de que a Salvação é uma graça disponível também aos gentios e
não apenas aos judeus (v.32; Mt 24.14; Mc 13.10; Ap 7.9).
13 Cristo veio para reabilitar o caído, consolar os que sofrem e restaurar os que se consideram perdidos. Aos que não se
acham necessitados, Cristo veio para, literalmente, “derrubar a casa” (em grego, ptõsis), pois Jesus é pedra de tropeço para os
incrédulos (20.17-18; 1Co 1.23; 1Pe 2.6-8). Jesus causa divisão entre o que prefere viver nas trevas e aqueles que atendem ao
apelo do seu amor (Jo 3.19), e entre o criminoso arrependido e o blasfemo (Lc 23.39-43). Lucas, pela primeira vez, fala sobre os
sofrimentos e o martírio de Cristo, salientando que sua mãe sofreria tanto quanto Ele, como se uma espada varasse seu coração.
No entanto não se tem notícia de que Maria tivesse ficado amargurada, ressentida com Deus ou amaldiçoasse seu destino.
14 A Bíblia apresenta outras profetizas: Miriã (Êx 15.20), Débora (Jz 4.4), Hulda (2 Rs 22.14) e as filhas de Filipe (At 21.9). Curio-
samente, essa Ana do NT louvou a Deus pelo menino Jesus, assim como, a Ana do AT exaltou ao Senhor pelo menino Samuel.
Ambas foram divinamente inspiradas para revelar a Palavra de Deus. O nome “Ana” significa em hebraico antigo: “misericordiosa”
(1Sm 2.1-10).
15 Jerusalém é a cidade santa do povo escolhido de Deus (Is 40.2; 52.9). Neste texto representa a nação de Israel como um todo.
16 Lucas não menciona a vinda dos magos (astrônomos), o perigo da parte de Herodes, nem ainda a fuga para o Egito e a
viagem de retorno de lá (Mt 2.1-23).
42 Assim sendo, no ano em que Ele com- 49 Então Ele lhes perguntou: “Por que
pletou doze anos de idade, eles subiram à me procuráveis? Como não sabíeis
festa, de acordo com a tradição.17 que era meu dever tratar de assuntos
43 Encerradas as comemorações, vol- concernentes ao meu Pai?”.
tando seus pais para casa, o menino 50 Mas eles não compreenderam bem o
Jesus ficou em Jerusalém, sem que eles que lhes explicara.19
notassem. 51 Contudo, Ele seguiu com eles para
44 Imaginando que Ele estivesse entre os Nazaré, pois lhes era obediente. Sua mãe,
muitos companheiros de viagem, cami- entretanto, meditava silenciosamente em
nharam por um dia inteiro. Então come- seu coração sobre todos estes aconteci-
çaram a buscá-lo entre os seus parentes e mentos.
conhecidos. 52 E Jesus se desenvolvia em sabedoria,
45 Como não conseguiam encontrá-lo, estatura e graça na presença de Deus e de
retornaram a Jerusalém para procurá-lo. todas as pessoas.20
46 Após três dias o acharam no templo,
sentado na companhia dos mestres, ou- João Batista proclama a Palavra
vindo-os e propondo-lhes questões. (Mt 3.1-12; Mc 1.2-8)
47 Todos os que o ouviam ficavam mara-
vilhados com a sua capacidade intelectual
e com a maneira como comunicava suas
3 No décimo quinto ano do reinado de
Tibério César, época em que Pôncio
Pilatos foi governador da Judéia; Hero-
conclusões.18 des, tetrarca da Galiléia; seu irmão Filipe,
48 Assim que seus pais o avistaram, tetrarca da Ituréia e Traconites; e Lisânias,
ficaram perplexos. Então sua mãe o tetrarca de Abilene, e1
inquiriu: “Filho, por que agiste assim 2 Anás e Caifás exerciam o ofício de
conosco? Teu pai e eu nos angustiamos sumo sacerdotes. Foi nesse mesmo ano
muito à tua procura!”. que João, filho de Zacarias, recebeu
177 José e Maria tinham o zelo de cumprir tudo quanto a Lei requeria, e assim educavam o menino Jesus. Aos doze anos, a
tradição judaica considerava o jovem menino como “filho da lei”, e seu dever era aprender os preceitos mais amplos da Lei, para
no ano seguinte começar a cumprir as exigências cerimoniais relacionadas às festas, jejuns, orações e estudos teológicos. Jesus
estava certo de que seus pais sabiam da necessidade que ele tinha – no ano em que completava doze anos – de dedicar-se a
esse aprendizado e aprofundamento na cultura judaica junto aos rabinos e mestres da Lei do seu tempo.
18 Na época de Jesus as aulas eram gravadas na memória e no coração dos alunos, não havia as facilidades modernas dos
muitos livros, cadernos e computadores. As respostas orais dos alunos às seguidas perguntas dos mestres demonstravam
o quanto do ensino havia sido retido e compreendido. Jesus assombrou até os doutores de seu tempo com seu saber e
carisma pessoal.
19 Jesus tentou gentilmente lembrar seus pais terrenos sobre seu compromisso de obediência ainda maior a Seu Pai celeste,
e por isso contrapôs a expressão: “teu pai”, usada por Maria, com a frase: “meu Pai”. Ao doze anos Jesus já tinha grande com-
preensão sobre quem Ele era e qual sua missão na terra. Sua mãe, entretanto, procurou compreender o que havia se passado
ponderando tudo silenciosamente em seu coração, e assim agiria durante toda a vida de seu filho na terra. Lucas faz questão de
frisar que Jesus foi obediente aos seus pais e os seguiu para casa. Na época em que Lucas estava escrevendo seu Evangelho
(entre 60 e 70 d.C.), muitas lendas sobre a adolescência e a primeira juventude de Jesus circulavam por todo o império romano.
Uma delas dizia que Jesus passou por uma fase de rebeldia contra seus pais, bem como transformava pequenas peças de barro
em pássaros apenas para demonstrar seu poder. O problema, como sempre, é que muitos acreditaram mais na ficção do que
na realidade.
20 Lucas afirma a perfeita e completa humanidade pela qual Deus passou ao encarnar-se em Jesus de Nazaré, seu Filho. Como
qualquer pessoa, Cristo passou pelas diversas fases do desenvolvimento humano, porém sempre de forma brilhante, perfeito e
sem pecado. José, o pai terreno de Jesus, morreu quando Ele era ainda muito jovem, deixando para Ele toda a responsabilidade
de cuidar de Maria, sua mãe, e dos demais irmãos. E Jesus ajudou a sustentar sua família por muito tempo, trabalhando como
carpinteiro e pedreiro (Mc 6.3).
Capítulo 3
1 Tibério passou a ter autoridade sobre as províncias romanas por volta de 11 d.C, e Pilatos exerceu a suprema autoridade de
Roma na Judéia, entre os anos de 26 e 36 d.C, enquanto Herodes Antipas (filho de Herodes, o Grande) a exerceu na Galiléia e
Peréia, de 4 a.C. até 39 d.C. O “décimo quinto ano”, citado por Lucas, refere-se ao ano 25 ou 26 d.C.
2 Embora Roma tivesse substituído o sumo sacerdote Anás, sucedido por seu filho Eleazar no ano 15 d.C., os judeus continuavam
a reconhecer sua autoridade (Jo 18.13; At 4.6), e por isso Lucas incluiu o nome dele junto com Caifás, a quem os romanos tinham
nomeado. Depois de 400 anos sem um profeta oficial, o Senhor convoca (chama) João para ser Sua voz e anunciar a vinda do
Messias. João foi o último dos profetas da Antiga Aliança, por isso seu estilo característico, um tanto diferente dos profetas do NT. O
chamado de Deus veio a João da mesma maneira como vinha aos profetas do AT (Jr 1.2; Ez 1.3; Os 1.1; Jl 1.1). A palavra “deserto”
nos originais, nem sempre se refere a uma região seca e arenosa, mas principalmente a um lugar desolado e desabitado.
3 João foi chamado por Deus para pregar arrependimento ao povo. Somente um coração contrito e quebrantado é caminho
pavimentado para a vinda de Jesus e a habitação do Espírito Santo. O batismo de João era um ato simbólico, no qual as pessoas
demonstravam publicamente sua compreensão e tristeza pelos erros e pecados cometidos, e a sincera disposição de buscar uma
vida em plena harmonia com a vontade de Deus. A morte do homem interior é a única maneira de revelar o caráter de Deus: a
Imago Deii (Imagem de Deus). Quanto mais parecidos com Deus, mais verdadeiramente humanos nos tornamos. A remissão total
dos pecados viria na Salvação de Deus: Jesus Cristo (v.6), que seria oferecida a todas as pessoas da terra e, por fim, virá a eterna
condenação dos rebeldes (v.7). Somente Jesus Cristo tem o poder de perdoar todos os nossos pecados e cancelar (pagando
por nós), a pena de condenação já decretada contra nós (Rm 8.1).
4 Deus mandou que João quebrasse a arrogância daqueles que imaginavam a salvação apenas como uma promessa heredi-
tária e mais nada. João lhes fala da única maneira capaz de os fazer acordar para a realidade. Advertindo-os severamente para o
fato de que estavam sendo enganados pela “mãe das víboras”: o Diabo. Eram, portanto, uma geração de serpentes venenosas
(Jo 8.44). Os verdadeiros filhos de Abraão são aqueles que amam a Deus e aos seus semelhantes (Rm 8.44). A ira de Deus
manifestou-se no ano 70 d.C. quando toda Jerusalém foi destruída (21.20-23); e o será de maneira global, por ocasião do Juízo
final (Jo 3.36). Os arrogantes, os ímpios e todos aqueles que vivem longe de um arrependimento genuíno, e de uma vida cristã
sincera, estão diariamente sujeitos ao Juízo de Deus (v.9; Mt 7.19; 13.40-42).
5 Os frutos que surgem em função de um verdadeiro arrependimento diante de Deus são: O reconhecimento da responsabilida-
de pessoal e social. A disposição para evitar o mal. A prática espontânea de boas obras. A partilha amorosa e voluntária dos bens
pessoais com aqueles que mais necessitam. Um caráter honesto e justo em todos os relacionamentos e assuntos. Uma atitude
paciente em todas as situações. A prática da verdade. Um espírito alegre e otimista mesmo em meio às grandes dificuldades da
vida, compreendendo que a esperança não vem das pessoas, nem das coisas, mas de Deus, nosso Pai (1Tm 6.6). João usa um
trocadilho em hebraico, facilmente compreendido naquela época por seus conterrâneos. A palavra aramaica transliterada: “filhos”
banim, muito se assemelha à palavra “pedras” abanim, significando que Deus pode dar aos que carecem de dignidade humana,
a mais alta posição com Seu Filho.
6 Os publicanos eram agentes judeus contratados pelo império romano para receberem os impostos cobrados pelo governo.
Eram detestados pelo povo judeu por várias razões, entre as quais por colaborarem com o conquistador romano pagão e, por
muitas vezes fraudarem e oprimirem seus próprios irmãos (Lc 19.2,8). Entretanto, os publicanos que se arrependiam, passavam
a ter um comportamento honesto e justo.
7 Os publicanos contavam com a cooperação de uma escolta romana para realizar o trabalho de coletar impostos. Era comum
os publicanos se juntarem aos soldados e armarem situações para defraudarem os judeus que deviam impostos ao governo. A
orientação clara de João é que, uma vez arrependido e comprometido com o Reino, o comportamento deve ser digno e ético.
Uma autoridade que teme a Deus jamais deveria usar seu cargo ou posição para intimidar com o propósito de extorquir, ou acusar
(denunciar) com objetivos escusos.
8 João tinha o ministério do arauto. Na cultura oriental da época, um proclamador adiantava-se à caravana do monarca com
o objetivo de anunciar a chegada de tão importante personalidade, a fim de que o povo se preparasse adequadamente para
recebê-lo. Normalmente as pessoas se vestiam com roupas de gala, arrumavam suas casas e decoravam a cidade de forma
festiva. Em termos espirituais, o arrependimento era a grande preparação para a vinda do Messias (o Cristo) e a inauguração
de um novo tempo, no qual Jesus concederia o Seu Espírito aos que nele cressem (Jo 3.3,5), o que veio a ocorrer a partir do
Pentecostes (At 1.5; 2.4,38). A expressão “fogo”, nos originais, está ligada ao Juízo (v.17; 12.49-53), ao Pentecostes (At 2.3) e às
provações (1Co 3.13).
9 A palha representa os infiéis e impenitentes (Rt 1.22), e o trigo, os justos e fiéis. Deus, em relação às pessoas, sempre faz
separação entre os que humildemente desejam Sua Graça e os arrogantes e rebeldes, que preferem uma vida de pecado, e,
conseqüentemente, seu salário. O vocábulo grego transliterado: “asbestõ”, significa uma qualidade do fogo que, devido à sua
fúria e poder de combustão, não pode ser apagado. Muitos judeus imaginavam que na vinda do Messias somente os pagãos
seriam julgados e condenados ao fogo eterno. Entretanto, João deixa bem claro que o Juízo vem para todos quantos não se
arrependem, inclusive os judeus de nascimento.
10 Esse foi Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande, que mandou matar todas as crianças judias de Belém. Conforme
os escritos de Josefo, historiador judeu, João foi encarcerado em Maquero, a leste do mar Morto (Jo 3.22-24). Lucas antecipa a
narração deste fato para encerrar a seção sobre o ministério de João e iniciar sua descrição do ministério de Jesus (Mt 4.12; Mc
1.14), mais tarde faz breve menção à morte de João (9.7-9).
11 Lucas chama atenção para o fato de que Jesus estava em oração por ocasião do seu batismo, assim como o faz em muitos
momentos (5.16; 6.12; 9.18-29; 11.1; 22.32,41; 23.34,46), oferecendo aos seus discípulos um grande exemplo e demonstrando
sua total humanidade e dependência do Pai (Hb 4.15; 5.7). O Espírito assumiu uma forma corpórea (uma espécie de pombo),
para que os presentes pudessem reconhecer a Jesus como o Messias (Is 11.2,3; 42.1; Sl 2.7; Hb 1.5) e para sinalizar o início de
um tempo em que seus discípulos poderiam viver plenos do Espírito do Pai (4.1,14). Este evento demonstra que a Trindade está
presente no batismo e na vida do cristão sincero (Mt 28.19).
12 Lucas segue a linhagem de Maria, mãe natural de Jesus, e seu parentesco consangüíneo; enquanto Mateus destaca a
ascendência de José (o pai jurídico de Jesus). Tanto José, quanto Maria, pertenciam à Casa de Davi. Mateus preocupa-se em
demonstrar o parentesco de Jesus com Abraão, enquanto Lucas ressalta a importância de Maria na genealogia de Jesus e sua
25 fi lho de Matatias, fi lho de Amós, fi lho fi lho de Jarede, fi lho de Maalaleel, fi lho
de Naum, fi lho de Esli, fi lho de Nagai, de Cainã,
26 fi lho de Máate, fi lho de Matatias, fi lho 38 fi lho de Enos, fi lho de Sete, fi lho de
de Semei, fi lho de José, fi lho de Jodá, Adão, fi lho de Deus.
27 fi lho de Joanã, fi lho de Resa, fi lho
de Zorobabel, filho de Salatiel, fi lho de Jesus vence o ataque satânico
Neri, (Mt 4.1-11; Mc 1.12,13)
28 fi lho de Melqui, fi lho de Adi, fi lho de
Cosã, fi lho de Elmadã, fi lho de Er,
29 fi lho de Josué, fi lho de Eliézer, fi lho de
4 Pleno do Espírito Santo, retornou
Jesus do Jordão e foi conduzido pelo
Espírito ao deserto,1
Jorim, fi lho de Matate, fi lho de Levi, 2 onde enfrentou as tentações do Diabo
30 fi lho de Simeão, fi lho de Judá, fi lho de por quarenta dias. Durante todos esses
José, fi lho de Jonã, fi lho de Eliaquim, dias não comeu nada e, ao fim desse
31 fi lho de Meleá, fi lho de Mená, fi lho de período, estava faminto.
Matatá, fi lho de Natã, fi lho de Davi, 3 Indagou-lhe, então, o Diabo: “Se tu és o
32 fi lho de Jessé, fi lho de Obede, fi lho de Filho de Deus, ordena que esta pedra se
Boaz, fi lho de Salá, fi lho de Naassom, transforme em pão”.2
33 fi lho de Aminadabe, fi lho de Admim, 4 Mas Jesus lhe contestou: “Está escrito:
fi lho de Arni, fi lho de Esrom, fi lho de ‘Nem só de pão viverá o ser humano’”.
Peres, fi lho de Judá, 5 Então o Diabo o levou a um lugar mui-
34 fi lho de Jacó, fi lho de Isaque, fi lho de to alto e lhe mostrou, em uma fração de
Abraão, fi lho de Terá, fi lho de Naor, tempo, todos os reinos do mundo.
35 fi lho de Serugue,
g fi lho de Ragaú,g fi lho 6 E lhe propôs: “Eu te darei todo o poder
de Faleque, fi lho de Éber, fi lho de Salá, sobre eles e toda a glória destes reinos,
36 fi lho de Cainã, fi lho de Arfaxade, fi lho porque me foram entregues e tenho
de Sem, filho de Noé, filho de Lameque, autoridade para doá-los a quem bem
37 fi lho de Matusalém, fi lho de Enoque, entender.
solidariedade com toda a humanidade em Adão. Não era nada comum descrever uma árvore genealógica pelo lado materno.
Todavia, Lucas se propusera a fazer uma narrativa o mais lógica e ordenada possível dos acontecimentos. Como já havia sido
muito franco e direto ao explicar a geração virginal de Jesus (1.34,35), fato ainda mais inusitado, não podia omitir a maneira como
a paternidade de Jesus ocorrera: de um lado, José, “como se dizia” ou “como se imaginava” (v.23; 4.22), ou seja, o pai juridica-
mente responsável por Jesus; e o Espírito de Deus que o gerou. Aos trinta anos de idade Jesus inicia seu ministério, assim como
era costume entre os levitas (Nm 4.47), quando um servo judeu era considerado maduro para os variados serviços religiosos.
Jesus cumpriu toda a Lei, e foi além.
Capítulo 4
1 Lucas é inspirado por Deus (aqui e no livro de Atos) para dar especial destaque à ação da terceira pessoa da Trindade – o
Espírito Santo – no mover do coração do Senhor e de seus discípulos para fazerem a vontade do Pai (1.35; 41.7; 2.25-27; 3.16,22;
4.14,18; 10.21; 11.13; 12.10,12). Durante toda a sua vida na terra, Jesus suportou fortes e complexas tentações, em algumas delas
a Bíblia não nos revela os detalhes. Todavia, esse embate mereceu especial destaque, pois esteve em questão todo o futuro dos
seres humanos. Os ataques do Diabo foram contra o Messias (o Ungido de Deus, Seu Filho), o cabeça da Nova Humanidade (Cl
2.15). Jesus foi tentado de forma extremamente sutil, ardilosa e não menos poderosa. Contudo, venceu por nós. Em contraste
com Adão (em hebraico: homem – Gn 2.20, enquanto Eva, significa: humanidade), que se tornou o cabeça da Velha Humani-
dade, pois não conseguiu obedecer ao Criador, embora vivendo em condições ideais; e caiu, cometendo o primeiro pecado da
humanidade, com conseqüências mortais, o qual acompanhará o gene de cada indivíduo humano, de geração em geração, até o
final dos tempos. O Segundo Adão (Jesus – o Novo Homem), venceu o Diabo em total fraqueza da carne. Adão havia inaugurado
a humanidade com toda a autoridade e glória do mundo (Gn 1.28-30), enquanto Jesus foi glorificado através do sofrimento, da
humilhação e da morte (Rm 1.4; Fp 2.9-11). O primeiro Adão não aceitou cumprir a vontade de Deus e fez prevalecer os seus
próprios desejos, rebelando-se contra a única restrição imposta a ele por Deus. O Segundo Adão, o Filho de Deus, aceitou, de
livre vontade, cumprir todos os desejos do Pai (Gl 4.4; Fp 2.6-8).
2 Após 40 dias em absoluto jejum, os originais hebraicos e gregos revelam que Jesus não apenas estava com “fome” (como
consta em algumas versões), mas sim que ele estava sôfrego de fome (esfomeado). O Diabo nem sempre é horrível e violento,
pois pode travestir-se de luz e justiça. Sua estratégia foi induzir Jesus a abdicar de sua condição humana, usar de seus poderes
divinos, e deixar o caminho do sofrimento inevitável. O Diabo sempre fará as tentações parecerem irresistivelmente atraentes.
Entretanto, Jesus – o Novo Homem - apegou-se à Palavra de Deus e, citando a Torá (Lei), mais precisamente, passagens em
Deuteronômio (8.3; 6.13-16), enfatiza que o pão e a fartura material nada valem sem a bênção de Deus. Jesus não diz que não
podia fazer o que o Diabo lhe sugeria, mas sim que sua vontade maior era agradar ao Pai.
3 Uma tentação aparentemente inteligente, considerando que Jesus veio para dominar sobre todos os reinos da terra. Depois
deste lugar, Jesus foi conduzido ao canto sudeste da colunata do templo, o seu ponto mais alto (ou pináculo do templo), um
declive de cerca de 30 metros para o vale do Cedrom. Todavia, o ardil de Satanás estava no fato de tentar fazer com que Jesus
evitasse os sofrimentos do caminho da cruz, os quais veio especificamente suportar como única maneira, divinamente legal, de
libertar a humanidade do estigma do pecado (Mc 10.45), herança do Velho Homem. Pecado esse que somente poderia ser pago
(resgatado), com a morte (sacrifício) de um homem inocente (sem pecados). Uma vez que o Diabo não conseguiu iludir Jesus
apelando para as suas necessidades físicas, tenta seduzi-lo com toda a glória e poder que este mundo pode oferecer e que estão
(temporariamente) sob seu domínio, mas é novamente rechaçado (1Jo 5.19).
4 Satanás questiona a filiação de Jesus a Deus, cita as Escrituras corretamente (Sl 91.11-12), porém aplica o ensino de forma
tendenciosa e errônea, como fizera em Gn 3.1, e tenta fazer com que Jesus teste a fidelidade do seu Pai e chame a atenção do
público sobre sua pessoa de forma espetacular. O príncipe do mal é afastado quando Jesus reafirma sua total humanidade ao
usar a Palavra para confirmar que não cabe ao homem testar a Deus; e sua total divindade ao chamar a atenção de Satanás para
o fato de que ele não deveria estar provocando a Deus. Entretanto, o Diabo continuou tentando ao Senhor (o arrogante é surdo)
durante todo o seu ministério (Mc 8.33), até culminar com a prova maior, no Getsêmani (Jo 14.30; Lc 22.53).
5 Jesus foi para Nazaré cerca de um ano depois do início do seu ministério. Os acontecimentos narrados por João, de Jo 1.19
até 4.42, foram sintetizados por Lucas em Lc 4.13-14. Jesus voltou para sua terra natal apenas duas vezes (Mt 13.53-58 e 6.1-6).
Em ambos os casos se destaca a falta de fé daqueles que mais conviveram com Ele, mas o conheciam apenas como um jovem
e bom judeu do interior, que ajudava seu pai José a manter a família como carpinteiro e construtor (pedreiro). Os livros do AT
eram escritos em rolos de couro, guardados em lugar especial e honroso na sinagoga (como ainda ocorre em nossos dias), e
oferecidos, por um funcionário, ao pregador do dia ou a um mestre visitante (no caso de Jesus naquele dia). Jesus leu o texto de
Is 61.1,2 em hebraico e o pregou em aramaico, sua língua materna e de seus conterrâneos.
6 O texto do AT lido por Jesus descreve o ministério do Messias, na emancipação dos pobres, através da riqueza que há no
23 No entanto, Jesus lhes replicou: “Com 30Todavia, Jesus passou por entre eles, e
toda a certeza citareis a mim o conhecido seguiu seu caminho.10
provérbio: ‘Médico, cura-te a ti mesmo!
Faze aqui em tua terra o que soubemos O poder da Palavra de Jesus
que fizeste em Cafarnaum’”.7 (Mc 1.21-28)
24 E continuou a falar Jesus: “Realmente 31 Então Jesus desceu para Cafarnaum,
vos afirmo: Nenhum profeta é bem rece- cidade da Galiléia, e, noutro sábado,
bido em sua própria terra. começou a ensinar o povo.
25 No tempo de Elias, posso lhes afirmar 32 E todos ficavam deslumbrados com
com certeza, que havia muitas viúvas em o seu ensino, pois que sua palavra era
Israel, quando o céu foi fechado por três ministrada com autoridade.
anos e meio, e grande fome ocorreu em 33 Entrementes, na sinagoga, havia um
toda a terra. homem possesso de demônio, ou seja,
26 Contudo, Elias não foi mandado a de um espírito imundo, que berrou com
nenhuma delas, senão somente a uma toda a força:11
viúva de Sarepta, na região de Sidom.8 34 “Ah! Que tu queres conosco, Jesus de
27 Assim também, no tempo do profeta Nazaré? Vieste destruir a nós? Sei bem
Eliseu, havia muitos leprosos em Israel, quem tu és: o Santo de Deus!”.
mas nenhum deles foi purificado, a não 35 Mas Jesus o repreendeu, ordenando:
ser Naamã, o sírio”. “Fica quieto e sai deste homem!”. Ime-
28 Então, todos os que estavam na sina- diatamente o demônio jogou o homem
goga foram tomados de grande raiva ao no chão, perante todos, e saiu dele sem
ouvirem tais palavras.9 o ferir.
29 E, levantando-se, expulsaram a Jesus 36 Todas as pessoas ficaram maravilhadas
da cidade, levando-o até o topo da colina e diziam umas às outras: “Que Palavra é
sobre a qual a cidade havia sido edifi- esta? Pois até aos espíritos demoníacos
cada, com o propósito de jogá-lo de lá, Ele dá ordens com autoridade e poder,
precipício abaixo. e eles se vão?”.
Evangelho (em grego: Boas Novas, Ef 1.3); dos cativos, através da libertação da Graça abundante (Gl 5.1,13); dos deficientes
visuais (em todos os sentidos), através do seu jugo, pois Ele toma para si o nosso fardo (Mt 11.28-30; 1Pe 5.7). Durante todo o
Evangelho, Lucas demonstra que Jesus, o Cristo (o Messias) foi Ungido (escolhido, separado), não apenas por um ritual da tradi-
ção judaica (Êx 30.22-31), mas pelo próprio Espírito de Deus. Sua missão foi proclamar um novo tempo da graça de Deus, no qual
as pessoas de toda a terra alcançariam a salvação (vida eterna) ao receberem a Palavra de Jesus Cristo em seus corações com
fé, amor e sinceridade (2Co 6.2). Jesus interrompe sua leitura antes de citar “o dia da vingança”, que ocorrerá com sua segunda
vinda no futuro iminente. A expressão grega, transliterada por: dektos (que significa: “aceitável”, “bem recebido”), refere-se não a
um ano civil de doze meses, mas a um período, a chamada Era Messiânica.
7 Embora Jesus tenha nascido em Belém, foi criado e passou toda a adolescência em Nazaré, na Galiléia (1.26; 2.39,51; Mt 2.23).
8 Sidom foi uma das mais antigas e importantes cidades da Fenícia, e localizava-se a cerca de 32 km ao norte de Tiro.
9 Jesus descreve a si como um dos profetas de Deus, que também haviam sido rejeitados pelos seus próprios e amados
concidadãos. Lucas faz ainda questão de observar a referência feita por Jesus à graça dispensada por Deus a uma mulher e a um
homem, ambos gentios, ou seja, que não eram judeus (1Rs 17.1-15; 2Rs 5.1-14). O que mais enfureceu os nazarenos, membros
da sinagoga, foi o fato de Jesus dizer que, quando Israel rejeitou o mensageiro da redenção, especialmente mandado por Deus,
este o enviou aos gentios, e que isso aconteceria uma vez mais, caso eles se recusassem a aceitar o ensino e a graça de Jesus
(10.13-15; At 14.46 Rm 9 e 11).
10 Lucas nos deixa em suspense quanto aos detalhes dessa saída de Jesus das garras de seus oponentes. Os originais revelam
que Jesus “saiu andando e seguiu para onde devia ir”. Algumas versões apenas traduzem por “...passando por eles, retirou-se.”
De qualquer forma, a grande lição deste evento é que o tempo de Jesus ainda não havia chegado, prova de que ele tinha plena
consciência e controle do momento exato no qual ofereceria sua vida em prol da humanidade, ninguém seria capaz de tirar a vida
do Senhor, ele, espontaneamente, a daria.
11 Para os povos pagãos a expressão “demônio”, significava apenas “um ser sobrenatural”, que podia ser “bom” ou “mau”.
Lucas, quis que os gentios o compreendessem corretamente e deixa claro que esse era mesmo um espírito maligno. Esses
demônios, ao se incorporarem a uma pessoa, podiam provocar distúrbios mentais (Jo 10.20), atitudes violentas (Lc 8.26-29),
doenças e enfermidades físicas diversas (13.11,16) e a própria rebelião contra Deus (Ap 16.14).
12 Ao contrário do que muitos teólogos pregam para defender especialmente a teoria do celibato, Pedro foi casado (1Co
9.5). Os três evangelhos sinóticos discorrem sobre esse milagre, mas apenas Lucas, por ser médico, acrescenta expressões
tipicamente técnicas, como: “com muita febre” ou “febre alta”.
13 Ao pôr-do-sol encerrava-se o Shabbãth (em hebraico: o sábado judaico), isso se dava por volta das 18h. Antes dessa hora,
conforme a tradição dos anciãos, os judeus eram proibidos de viajar mais que um quilômetro de distância, ou sequer carregar
um fardo. Somente a partir do entardecer do sábado as multidões podiam levar seus enfermos a Jesus, o que faziam ansiosa e
confiantemente em Cafarnaum, sendo por isso abençoadas por Jesus, com curas e outros milagres em profusão. Entretanto, a
missão do Senhor deveria continuar e sua graça ser estendida aos limites da terra. Os originais deixam transparecer o coração
compassivo de Jesus em sua despedida.
14 Algumas versões, utilizando manuscritos historicamente mais recentes, e os relatos paralelos de Mt 4.23; Mc 1.39, informam
que Jesus se dirigiu para a Galiléia. Entretanto, originais mais antigos, trazem “Judéia”, no sentido de toda a região da Palestina,
que inclui a Galiléia (Jo 2.13 – 4.3), e por isso o Comitê de Tradução da Bíblia King James optou por essa designação mais
abrangente e fiel aos melhores originais.
Capítulo 5
1 Lucas é o único dos evangelistas que se refere ao grande lago da Galiléia, que fica a 220m abaixo do nível do mar e mede 21
km de comprimento por 12 km de largura, chamando-o, de forma tecnicamente correta, de lago. Os demais escritores o chamam
de “mar da Galiléia”, e João o denomina por duas vezes de “mar de Tiberíades” (Jo 6.1; 21.1).
2 O barco de Pedro foi posicionado de forma estratégica de modo que Jesus pudesse ser visto e ouvido por toda a multidão.
Além disso, era costume judaico que um mestre ao ensinar, deveria fazê-lo assentado, bem como seus ouvintes, para que a
comunicação se desse da maneira mais confortável possível.
3 A palavra “Mestre”, em grego transliterado: epistata, só aparece em Lucas, e significa: “aquele que tem o direito de mandar”.
Quando todos os indicativos apontavam para um novo insucesso: o melhor horário para a pesca era durante a noite e não em
pleno dia; a experiência profissional de Pedro e de seus companheiros contra a inexperiência de Jesus no ramo, pois era um
carpinteiro ligado às artes e letras; o fato de terem trabalhado arduamente durante toda aquela noite e terem apenas sujado as
redes, Pedro decide obedecer à Palavra de Jesus. Preparou e lançou sua rede com esperança.
4 Curiosamente a expressão grega transliterada: buthizesthaii (que significa: afundar), usada por Lucas, traduzida em algumas
versões por irem a pique e aqui por começarem a afundar, tem a ver com a mesma expressão usada em 1Tm 6.9, onde descreve
o mergulho para a perdição daqueles que ambicionam exclusivamente as riquezas materiais.
5 Pedro assombrou-se mais com sua falta de fé e indignidade do que com o evento em si. Ele tinha confiança em Jesus, mas
não tinha certeza absoluta de que o milagre se daria, ainda mais naquelas proporções. A reação de Pedro revela a atitude normal
de todas as pessoas ao chegarem sinceramente à conclusão de que são pecadores e indignos de permanecerem na presença
santa de Deus; portanto carentes e dependentes absolutamente da graça do Senhor (Ap 6.16). Desta mesma maneira se sentiram
os grandes líderes espirituais da antiguidade. Entre eles: Abraão (Gn 18.27); Jó (42.6) e Isaías (6.5).
6 É digno de nota o fato de Jesus haver escolhido seus discípulos entre homens que estavam dedicados a um trabalho árduo,
não entre líderes religiosos preguiçosos e desocupados. Contudo Pedro foi convocado duas vezes para servir a Cristo após duas
pescarias milagrosas. Primeiro para o discipulado e algum tempo mais tarde, para o apostolado (Jo 21.1-18), quando – uma vez
mais – achava-se indigno para o ministério.
7 Jesus já conhecia esses homens aos quais agora faz uma convocação formal (Jo 1.40-42; 2.1,2). Os originais e outras pas-
sagens dão a entender que eles não abandonaram tudo de forma irresponsável e tresloucada; mas sim que renunciaram a seus
lucros – especialmente os dessa última pescaria – e entregaram a administração da empresa a Zebedeu, pai de João e Tiago, ou
a outros membros da família (Mt 4.18-22).
8 A expressão original grega, muito usada em escritos médicos da época, e aqui traduzida como “lepra”, refere-se a uma
série de doenças e cânceres de pele. Os evangelhos sinóticos registram esse acontecimento de forma diferente: Mateus o
cita como parte de uma galeria de milagres (Mt 8.1-4). Marcos e Lucas o colocam como um dos primeiros sinais maravilhosos
realizados por Jesus no início de sua peregrinação pela Galiléia. O homem doente e transfigurado por uma doença que o excluía
socialmente, contrariando a Lei (Lv 13), busca a Jesus com todas as suas forças como única solução para seu grave problema.
Ele se aproxima do Senhor com fé, humildade e vontade de obedecer ao que Jesus lhe mandasse fazer; exatamente como todo
pecador arrependido deve agir. O perdão assim como a cura se materializam instantaneamente ao toque do Senhor, e o homem
renasce, livre do pecado e da enfermidade que o escravizavam.
9 Jesus tentava evitar que o povo interpretasse mal sua pessoa e ministério, pois muitos o aclamavam como grande curandeiro,
milagreiro e líder nacionalista revolucionário, que era a visão simplista que alimentavam quanto ao Messias prometido. Além
disso, suas atitudes começavam a irritar os líderes religiosos e provocavam neles enorme inveja e medo de perderem o poder
sobre o povo. Jesus manda que o homem vá apresentar-se ao sacerdote de plantão; e com isso, o estimula a guardar a Lei,
apresentar todas as provas de sua cura e receber a certidão ritual de purificação para que pudesse ser reintegrado à sociedade
(Mt 8.4; 16.20; Mc 1.44).
ouvi-lo e para serem curadas de suas mem! Os teus pecados estão perdoa-
enfermidades. dos”.12
16 Todavia, Jesus procurava manter-se 21 Diante disto, os escribas e os fariseus
afastado, indo para lugares solitários, começaram a cogitar: “Quem é este que
onde ficava orando. profere blasfêmias? Quem tem poder
para perdoar pecados, a não ser somente
Jesus cura um homem paralítico Deus?”.13
(Mt 9.1-8; Mc 2.1-12) 22 Jesus, entretanto, tendo pleno dis-
17 Num outro dia, quando Jesus mi- cernimento do que estavam pensando,
nistrava, estavam sentados ali fariseus questionou-lhes: “Que censurais em
e professores da Lei, vindos de todos vossos corações?
os povoados da Galiléia, da Judéia e de 23 Que é mais fácil declarar: ‘Os teus
Jerusalém; e Ele tinha o poder de Deus pecados estão perdoados’, ou ‘Levanta-te
para realizar curas.10 e anda’?14
18 Chegaram, então, uns homens trazen- 24 Todavia, para que vos certifiqueis de
do um paralítico numa maca e tentaram que o Filho do homem tem na terra
fazê-lo entrar na casa, a fim de apresen- autoridade para perdoar pecados” – di-
tá-lo perante Jesus. rigindo-se ao paralítico declarou – “Eu
19 Não tendo sucesso nessa tentativa, te ordeno: Levanta-te! Pega a tua maca e
devido à grande multidão aglomerada, vai para casa”.
subiram ao terraço e o baixaram em sua 25 Então, naquele mesmo instante, o
maca, através de uma abertura no teto, homem se levantou diante de todos os
até o meio da multidão, bem diante de presentes, pegou a maca em que estivera
Jesus.11 prostrado e correu para casa louvando e
20 Observando a fé que aqueles homens bendizendo a Deus.15
demonstravam, Jesus declarou: “Ho- 26 E todos ficaram estupefatos e glorifi-
10 Os fariseus (em hebraico original: separados), citados aqui por Lucas pela primeira vez, mas que já haviam questionado
o ministério e a pessoa de Jesus anteriormente, eram mestres autoritários e muito respeitados nas sinagogas. Formavam uma
confraria e um partido político, com mais de seis mil membros, espalhados por toda a Palestina. Eles se autodenominavam
“guardiões da Lei”. Pregavam que suas tradições e interpretações teológicas eram tão importantes quanto as Escrituras Sagradas
(Mc 7.8-13). Jesus já havia confrontado alguns líderes judaicos em Jerusalém (Jo 5.16-18). Agora o seguiram até uma casa em
Cafarnaum, com o objetivo de analisar suas palavras e vigiar seus movimentos. Os “escribas” (v.21) eram estudiosos com grande
habilidade para a escrita (arte rara na época, permitida apenas aos homens, e de muito prestígio). Eles eram responsáveis pelo
estudo, interpretação e ensino da Lei (escrita e oral) e das tradições judaicas. A maioria dos “escribas” pertencia ao partido
(popular) dos fariseus e os demais eram vinculados ao partido aristocrático dos saduceus.
11 O estilo palestinense de construção já havia incorporado a maneira greco-romana de cobrir as casas com uma espécie de
laje pré-moldada em ladrilhos de barro cozido (Mc 2.4).
12 A grande causa das doenças no mundo reside no pecado: nos cometidos por cada um de nós em função de nossas vonta-
des perversas (Jo 9.3), e naqueles praticados pela humanidade como um todo desde a Queda (Gn 3). O homem paralítico, pela
fé, reconhece o pecado como a raiz do seu problema e, por isso, obedece à ordem de Cristo. Os amigos revelam igualmente
grande fé em Jesus e amor ao amigo incapacitado, e não desistem ao primeiro obstáculo, pelo que também são abençoados.
Esse episódio nos leva a concluir que a oração e o esforço dos amigos e parentes em levar seus “atrofiados pelo pecado” ao
Senhor, serão eficazes e galardoados com alegrias espirituais.
13 Para os fariseus e os escribas (doutores da Lei), a blasfêmia (palavra que ultraja a Deus ou a religião), era o pecado mais
grave e terrível que alguém poderia cometer, sendo sujeito à pena de morte (Mc 14.64).
14 Aqui temos mais uma evidência da divindade de Jesus, pois ele conhece plenamente os pensamentos e os mais profundos
sentimentos de cada ser humano (Mc 2.8). Os corações das pessoas, quando não entregues ao Senhor, são levados a condenar
tudo o que se refere a Deus e à verdade. A cura para Deus é um ato muito mais fácil do que levar o homem a reconhecer seus
pecados e decidir por uma vida de adoração espontânea ao Criador. A restauração de um doente pode ser comprovada num
instante, mas a restauração da alma pode levar algum tempo, e somente Deus é capaz de atestar esse milagre (Mc 2.9-10).
15 A autoridade de Jesus não era humana, nem fora outorgada por líderes religiosos, mas sim de Deus. O vocábulo grego
transliterado: exousia, que significa: “proveniente de Deus” (Mt 28.18), enfatiza este atributo de Jesus. Seu título: “Filho do
homem”, bem como sua plena divindade, são prerrogativas exclusivas do Messias (o Cristo) prometido (Dn 7.13,14). A operação
de milagres e maravilhas é uma prova da presença do Rei e do Reino entre nós (10.9).
cavam a Deus; e, tomados de grande te- 31 Ao que Jesus lhes ponderou: “Os que
mor, exclamavam: “Hoje vimos grandes têm saúde não precisam de médico, mas
prodígios!”. sim os enfermos.
32 Eu não vim para convocar os justos,
Jesus torna um publicano em discípulo mas sim, para chamar os pecadores ao
(Mt 9.9-13; Mc 2.13-17) arrependimento!”.17
27 Passados estes eventos, saindo Jesus,
encontrou-se com um publicano, cha- Jesus é questionado quanto ao jejum
mado Levi, sentado à mesa da coletoria, (Mt 9.14-17; Mc 2.18-22)
e o convocou: “Segue-me!”. 33 Em seguida eles lhe observaram: “Os
28 Levi levantou-se, abandonou tudo e discípulos de João jejuam e oram com
seguiu a Jesus.16 grande freqüência, assim como os dis-
cípulos dos fariseus; no entanto, os teus
Jesus num banquete com pecadores vivem comendo e bebendo”.18
(Mt 9.10-13; Mc 2.15-17) 34 Jesus então lhes propôs: “Podeis fazer
29 Então Levi ofereceu a Jesus uma gran- jejuar os convidados para o casamento,
de festa em sua casa; e uma multidão de enquanto está com eles o próprio noivo?
publicanos e de outras pessoas estava à 35 Contudo, dias virão, em que lhes será
mesa comendo com eles. tirado o noivo; naqueles dias, verdadei-
30 Os fariseus e seus escribas reclama- ramente, jejuarão”.19
ram dos discípulos de Jesus: “Por que 36 E lhes acrescentou esta parábola para
comeis e bebeis com os publicanos e pensar: “Ninguém tira um remendo de
pecadores?”. roupa nova e o costura sobre roupa velha;
16 Levi era o nome de família de Mateus (3.12; Mc 2.14), o apóstolo rico do colegiado de Jesus (Mt 10.3; At 1.13). Como “publica-
no”, chefe dos fiscais da coletoria de impostos para o governo romano, a serviço do tetrarca Herodes (Mt 9.9), era odiado pelo povo
judeu, pois os publicanos eram, em geral, desonestos e maldosos. Jesus havia ministrado em Cafarnaum durante algum tempo,
quando conheceu Levi e se tornaram amigos. Alguns discípulos de Jesus, que eram pescadores, voltaram a trabalhar em seu ramo
em certas ocasiões. Mateus tomou uma decisão só de ida. Sabia que o preço de seguir a Jesus implicaria em mudança total de vida
sem direito a volta, ainda que momentânea. Entretanto, Levi o fez com grande alegria de alma. E ao invés de o fazer em surdina, deu
uma grande festa “evangelística”, convidando todos os seus amigos para verem e conhecerem o Messias que lhe confiara a gloriosa
missão de proclamar Seu Reino e libertar a todos das ilusões e das amarras do pecado. Conta-se ainda que, após a ressurreição de
Jesus, Mateus foi um valoroso missionário em muitos lugares da Palestina e em terras distantes, onde morreu.
177 Os publicanos se davam bem com os “pecadores”. Enquanto os primeiros extorquiam e roubavam seus próprios irmãos
judeus; os outros, tratavam com desleixo os diversos preceitos cerimoniais exigidos pelos fariseus e escribas. Contudo, os dois
grupos não tinham paz nem desfrutavam de alegria real em seus corações. Enquanto os líderes religiosos e mestres da época
procuravam a salvação por meio da segregação, ou seja, “seleção natural dos mais dedicados no cumprimento formal das
inúmeras leis judaicas”, Jesus chegava com Seu Reino oferecendo a Graça de Deus aos que, de coração sincero, desejassem
simplesmente amar a Deus de verdade e viver este ato de adoração no dia-a-dia. Esta proposta de Deus tocou as almas espiritual-
mente famintas dos publicanos e pecadores, que não tiveram muita dificuldade para enxergar seus muitos erros, e arrependidos,
sentiram-se bem-vindos ao banquete de Jesus. Já os fariseus e escribas tinham grande dificuldade para reconhecer qualquer
pecado em si mesmos; e, por isso, ficaram fora da festa. Um dos principais temas das parábolas de Jesus sobre a salvação eterna
é: os que se julgam justos, separam-se da Graça Salvadora de Cristo (18.9-14; Mc 2.17).
18 João Batista não era o Filho de Deus. Porém, veio com uma missão poderosa e específica: preparar o coração da humanida-
de para a chegada de Cristo e a implantação do Reino de Deus. João foi criado e educado no deserto, junto a um grupo de judeus
teologicamente muito restritos e sérios em relação a Deus. Aprendeu a sobreviver com uma dieta limitada e austera, própria do
lugar que habitava, composta de uma espécie de gafanhotos (que até hoje são torrados e degustados pelo povo da região) e mel
silvestre. Seu ministério foi marcado por uma mensagem urgente, grave, forte e direta quanto ao arrependimento dos pecados,
mediante testemunho público e um ritual de passagem pelas águas, repleto de simbolismos ligados à implementação do Reino,
que se completaria com o batismo trazido por Jesus Cristo: o Filho de Deus. Os fariseus também pregavam um modo de vida
rigoroso (18.12). Mas Jesus aceitava convites para casamentos, banquetes e festas, pois tinha interesse em estar onde mais se
precisava dele: no coração daqueles que se reconhecem perdidos e necessitados da direção e do amor de Deus. Embora Jesus
rejeitasse todo o tipo de atitude apenas legalista e exterior, com finalidade de autoglorificação (Is 58.3-11), é fato que ele próprio
jejuava e orava muito em particular e defendia o jejum voluntário para benefício espiritual (Mt 4.2; 6.16-18).
19 Neste trecho, Jesus faz a primeira referência à sua morte. A tristeza e a vontade de estar com o Senhor levaria seus discípulos
se o fizer, certamente estragará a roupa 4 Pois ele entrou na casa de Deus e, to-
nova; e, além disso, o remendo novo ja- mando os pães da Presença, alimentou-se
mais se ajustará à velha roupa. do que apenas aos sacerdotes era permi-
37 Da mesma maneira, não há alguém tido comer, e os entregou de igual modo
que coloque vinho novo em recipiente de aos seus amigos”.
couro velho. Ora, se o fizer, o vinho novo, 5 E Jesus lhes asseverou: “O Filho do
ao fermentar, arrebentará o recipiente, se homem é Senhor do sábado!”.2
derramará e danificará o recipiente onde
fora colocado. O homem da mão atrofiada
38 Ao contrário! O vinho novo deve ser (Mt 12.9-14; Mc 3.1-6)
posto em um recipiente de couro novo. 6 Num outro sábado, Ele entrou na si-
39 Pois, pessoa alguma, depois de beber o nagoga e iniciou o seu ensino; e estava
vinho velho, prefere o novo; porquanto ali um homem cuja mão direita era
se diz: ‘O vinho velho é bom o suficien- atrofiada.
te!’”.20 7 Os doutores da Lei e os fariseus esta-
vam ávidos para achar algum motivo
Jesus é Senhor do Sábado pelo qual pudessem acusar Jesus; e por
(Mt 12.1-14; Mc 2.23-28) isso o observavam com toda a atenção, a
ao jejum e à oração até o seu glorioso retorno e o final dos tempos (Mt 28.20). A Igreja primitiva ensinou e praticou o jejum com
orações, especialmente nas épocas de provação e dificuldades (At 9.9; 13.2,3; 14.23).
20 Assim como seria tolice estragar uma veste nova para remendar outra roupa, o novo Caminho oferecido graciosamente por
Jesus, não pode ser remendado e estragado com os antigos rituais e obrigações cerimoniais, exclusivamente legalistas e exa-
gerados do judaísmo (como o fato de não mencionar o nome de Deus, apenas para evitar pronunciá-lo em vão). Ainda que o AT
esteja intimamente relacionado ao NT, que é o cumprimento das promessas registradas nas Sagradas Escrituras do AT, é preciso
cuidado para não se confundir profecias com o seu cumprimento, nem as sombras com a realidade (Gl 5.1-6). Somos livres em
Cristo, para adorar a Deus com toda a sinceridade de nossos corações, na beleza da santidade do Senhor (Rm 3.28).
Capítulo 6
1 Jesus e seus discípulos estavam em jornada de ministério, e passando por uma plantação de cereais, como era permitido
pela Lei (Dt 23.25), colheram algumas espigas para delas se alimentarem. Mas, as autoridades judaicas os censuraram por esta-
rem agindo assim durante o shabbãth (sábado judaico, que significa no hebraico original: tempo de paz, misericórdia, adoração
ao Criador, gozo espiritual e descanso), Jesus então vai lhes explicar que perante a Lei, atos de misericórdia (como este e os que
se seguirão), não apenas são permitidos, mas obrigatórios e prioritários sobre qualquer outra lei (Jo 7.23-24; ver Mc 2.14).
2 Nem Deus nem os doutores e intérpretes da Mishna (tratado das interpretações das leis sagradas judaicas), condenaram a
Davi por esta transgressão (Mt 12.4-8; Mc 2.23-25). Davi foi orientado por Deus para agir daquela maneira, a fim de preservar sua
vida e a de seus companheiros para servir ao Senhor. O mesmo Deus do Shabbãth (sábado judaico), tem o direito, como Autor do
mandamento, de interpretar suas exceções, não sendo engessado pela Lei, mas tendo-a sob o controle absoluto da Sua vontade.
Essa é a flexibilidade divina que se move em função da misericórdia e do amor.
3 Num claro gesto de contraste em relação aos líderes religiosos, que sorrateiramente foram espionar seus procedimentos,
Jesus age abertamente e sem receio. Pede para o homem sair do seu lugar e vir para o centro do salão de cultos da sinagoga,
onde todos poderiam ver e ouvir claramente o que se passava. Aquele que segue a Cristo deve ser sincero, franco e corajoso
(Mt 5.34-37; Tg 5.12).
10 E Jesus olha atentamente para cada seu irmão André; Tiago; João; Filipe;
um dos que estão à sua volta e ordena ao Bartolomeu;
homem: “Estende a tua mão!”. O homem 15 Marcos; Tomé; Tiago, filho de Alfeu;
a estendeu, e ela foi instantaneamente Simão, conhecido como Zelote;
restaurada. 16 Judas, filho de Tiago; e Judas Iscario-
11 Contudo, eles ficaram enraivecidos e tes, que se tornou traidor.7
começaram a tramar entre si sobre que
fim dariam a Jesus.4 Jesus cura e liberta multidões
(Mc 4.23-25)
Jesus escolhe seus doze apóstolos 17 Então, desceu Jesus com os apóstolos
(Mc 3.13-19) e parou num lugar plano. Estavam ali
12 E ocorreu naquela ocasião que Jesus reunidos muitos dos seus discípulos, e
se retirou para um monte a fim de orar, uma enorme multidão vinda de toda a
e atravessou toda a noite em oração a Judéia, de Jerusalém e do litoral de Tiro
Deus.5 e de Sidom,8
13 Logo ao nascer do dia, convocou seus 18 pessoas que vieram para serem ensi-
discípulos e escolheu dentre eles, doze, nadas por Ele e curadas de suas doenças.
a quem também designou como após- Aqueles que eram atormentados por
tolos:6 espíritos impuros foram curados,
14 Simão, a quem deu o nome de Pedro; 19 e cada pessoa da multidão procurava
4 Jesus já havia suportado muitos ataques e provocações dos fariseus, escribas e líderes religiosos (todos também líderes
políticos). Então Ele inverte as posições e passa a questionar seus oponentes e a todos na sinagoga (Mc 3.4). As autoridades
judaicas ficaram furiosas, pois não conseguiram resistir ao raciocínio brilhante, simples e cheio de compaixão do Senhor. E por
isso, começaram a planejar um meio de eliminá-lo (Jo 5.18; ver Mc 3.6). Os líderes religiosos precisam ter cuidado, pois a religião,
muitas vezes, transforma a justiça em transgressão, e o ilícito (planejar a morte ou a exclusão de um inocente), num ato legal
perante a lei (os estatutos).
5 Para o próprio Filho de Deus encarnado, a oração era a perfeita comunhão com o Pai. Por isso, Jesus, freqüentemente se
dedicava a longos períodos de oração, muitas vezes em jejum, especialmente quando precisava tomar uma decisão importante.
O fato de Jesus dar tanta atenção a esse diálogo com Deus, deve nos servir de inspiração. Jesus passou aquela noite inteira
em oração e ao raiar do dia saiu para escolher, segundo a vontade soberana do Pai, aqueles discípulos que – cada qual com a
sua contribuição – seriam responsáveis pelos alicerces da Igreja (Ef 2.20), tarefa que desde o início foi distribuída a um grupo de
cristãos e não exclusivamente a uma pessoa.
6 A expressão em aramaico (o dialeto hebraico que Jesus falava), aqui transliterada por Shaliah, quer dizer “apóstolos” (em
grego: ajpostovloud), e se refere a alguém que recebeu comissão e autoridade explícitas daquele que o enviou, todavia sem
o poder para transferir seus atributos para outra pessoa. Ou seja, “enviados com uma missão específica” (Mc 6.30; 1Co 1.1;
Hb 3.1). Entre a multidão que veio ouvir ao Senhor naquele dia, havia um grupo que o seguia regularmente e se dedicava aos
seus ensinos, havia ao todo cerca de 72 homens, considerando que esse fora o número de missionários que Jesus enviou em
missão evangelística (10.1,17). Mais tarde, logo após sua ascensão aos céus, cerca de 120 cristãos o aguardavam e adoravam
em Jerusalém (At 1.15).
7 Bartolomeu é o outro nome de Natanael (Jo 1.45). Judas, filho de Tiago (At 1.13), é chamado de Tadeu por Mateus e
Marcos. Todas as três listas citam Pedro em primeiro lugar e Judas Iscariotes no fim. O nome Iscariotes quer dizer: “homem
de Queriote”, sua cidade natal. Judas foi o único não galileu entre os Doze. Todos os evangelistas mencionam o ato de traição
de Judas. Somente Lucas ressalva que ele “se tornou traidor”, mostrando que alguém pode começar bem, mas terminar mal.
Contudo, enquanto há vida, há tempo para o arrependimento, como ocorreu com Pedro, que também traiu ao Senhor mas se
arrependeu e recebeu o pleno perdão de Deus (Mt 26.71-45; Jo 21.15-19).
8 É importante notar que Jesus teve um tempo particular com seus discípulos, no alto da montanha (Mt 5.1) e, em seguida,
desce para o planalto (ou planura), onde exorta a todos os fiéis na multidão, e aos discípulos em particular, a terem uma
vida na terra verdadeiramente à imagem de Deus (imago Dei), testemunhando ao mundo caído o projeto original de Deus
para a humanidade. Jesus proferiu naquele dia uma de suas mais profundas mensagens em relação ao comportamento
do verdadeiro filho de Deus: aquela pessoa que crê e é dirigida pelo Espírito do Senhor. O chamado Sermão do Planalto,
registrado resumidamente, sob a ótica de Lucas, é o mesmo e conhecido Sermão do Monte ou da Montanha (Mt 5 a 7).
Curiosamente, partes do sermão descrito por Mateus, podem ser encontradas em várias passagens de Lucas (11.2-4; 12.22-
31, 33, 34), o que demonstra o esforço de Jesus em fazer com que os crentes (da sua época e do futuro) compreendessem,
com clareza, o âmago do Evangelho e da vida com Deus.
tocar nele, pois dele emanava poder que porquanto imensa é a vossa recompensa
curava a todos. no céu. Pois, desta mesma maneira, os seus
antepassados agiram contra os profetas.11
As bem-aventuranças
(Mt 5.1-12) Os pesares de Jesus
20 Então, dirigindo o olhar para os seus 24 Porém, ai de vós, os ricos! Pois já ga-
discípulos, Jesus lhes declarou:9 nharam toda a vossa consolação.
“Bem-aventurados vós, os pobres, 25 Ai de vós, que viveis agora em fartura,
porquanto a vós pertence o Reino de porque vireis a passar fome.12 Ai de vós,
Deus.10 que agora rides, pois haveis de muito
21 Bem-aventurados vós, que agora ten- lamentar e prantear.
des fome, porque sereis saciados. 26 Ai de vós, quando todos vos louva-
Bem-aventurados vós, que neste mo- rem! Porquanto, foi assim também que
mento estais chorando, pois haveis de agiram os vossos antepassados com os
sorrir. falsos profetas.
22 Bem-aventurados sois, quando as
pessoas vos odiarem, vos expulsarem do Jesus ensina a amar aos inimigos
convívio delas, vos insultarem, e excluí- (Mt 5.38-48)
rem vosso nome, julgando-o execrável, 27Contudo, tenho a declarar a vós outros
por causa do Filho do homem. que me estais ouvindo: amai os vossos ini-
23 Regozijai-vos nesse dia e saltai de alegria, migos, fazei o bem aos que vos odeiam;
9 As beatitudes, bem-aventuranças ou ainda bênçãos de felicidade, não se restringem à pobreza material (v.20) e à fome física
(v.21). A narrativa de Mateus revela que Jesus referiu-se à pobreza “em espírito” (Mt 5.3) e à fome “de justiça” (Mt 5.6). A arrogância
e a utilização de quaisquer meios para se atingir a um fim almejado, parecem ser características demoníacas incorporadas pela
humanidade desde a Queda (Gn 3). Nos versículos seguintes Jesus apresenta o verdadeiro mapa da felicidade: A humildade
que troca os bens deste mundo pela herança incorruptível de Cristo (Fp 3.7,8; 1Pe 1.3-9); a fome que privilegia o Pão do Céu
em relação ao alimento físico (4.4; Jo 6.35); o arrependimento que lamenta profundamente o pecado a ponto de abandoná-lo
(2Tm 2.19); a piedade que se espelha no exemplo de Cristo, provoca – nos mundanos e falsos religiosos – o mesmo ódio que o
crucificou (2Tm 3.12). Em suma: Todo sacrifício por causa de Jesus Cristo e sua Igreja terá sua recompensa (prêmio, galardão)
aqui mesmo na terra, assim como no céu. O verbo no original grego indica que a ação se passa no presente e se estende por
todo o futuro: “vosso é o Reino” (no original grego: uJmetevra ejsti;n hJ basileiva).
10 Jesus não está falando da pobreza em si, pois ela pode ser tanto uma maldição quanto uma bênção. Jesus está se referindo
à pessoa dos discípulos. Devem ser mesmo pobres (humildes), conscientes de que não têm recursos e que dependem de Deus
para realizar absolutamente tudo. Esse é o sentido que o AT dá a esta expressão, muitas vezes equivalente a “piedosos” (Sl 40.17;
72.2,4). Mateus ressalta o significado de “pobres de (ou em) espírito”. Os arrogantes, aqueles que se acham “ricos” e, portanto,
confiam sua estabilidade aos recursos financeiros e materiais que possuem, desenvolvem freqüentemente uma auto-estima além
do normal (complexo de superioridade), menosprezando e usando as pessoas das quais se aproximam. Como se habituam a
comprar e conseguir tudo o que desejam, não conseguem receber a Graça do Reino, da qual os pobres e humildes tomam posse
com grande alegria e louvor a Deus.
11 Nesta passagem, Jesus não está ensinando sobre a questão do sofrimento universal, mas refere-se a um tipo de sofrimento
específico: “por causa do Filho do homem”. Ou seja, o preço da humilhação, perdas e dor, que o discípulo de Cristo paga por
desejar viver uma vida digna do Senhor, num mundo comandado pelas forças de Satanás, que influenciam o sistema geral de
valores e a moda (o estilo de vida) de todos os povos e culturas do planeta. Contudo, aqueles que sofrem por esse motivo devem
muito se alegrar, pois já são considerados por Deus como: bem-aventurados (no original grego: benditos, felizes). Pois foram
escolhidos, assim como os profetas do AT, para testemunho vivo da ignorância e da perdição humana em contraste com o amor
e a sabedoria de Deus.
12 Somente Lucas cita os “ais” de Jesus em relação à rebeldia instalada na alma dos seres humanos, inclusive nos religiosos.
A expressão original no grego é: oujaiv, e indica profundo lamento por uma desgraça que poderia ser evitada. Jesus se refere aos
“ricos” (pessoas presunçosas e arrogantes, que depositam sua fé nos bens financeiros e materiais que são capazes de conquistar
a qualquer preço), e lhes garante que já receberam toda a recompensa que merecem. Jesus usa um verbo freqüentemente
empregado, em sua época, em recibos de pagamento, significando: “Integralmente Pago!” Quando tudo quanto uma pessoa tem
é a sua riqueza mundana, estamos diante de um ser humano muito pobre mesmo. Jamais devemos confundir conforto material
com bem-aventurança (felicidade).
28 abençoai aos que vos amaldiçoam, orai 33 E se fizerdes o bem aos que vos fazem o
pelos que vos acusam falsamente.13 bem, qual é o vosso mérito? Até os infiéis
29 Ao que te bate numa face, oferece-lhe agem deste mesmo modo.
igualmente a outra; e, ao que tirar a tua 34 E ainda, se emprestais àqueles de
capa, não o impeças de tirar-te também quem esperais receber de volta, qual é a
a túnica.14 vossa recompensa? Também os incrédu-
30 Dá sempre a todo aquele que te pede; los emprestam aos incrédulos, a fim de
e, se alguém levar o que te pertence, não receberem seu retorno desejado.15
lhe exijas que o devolva. 35 Concluindo, amai os vossos inimigos,
31 Como quereis que as pessoas vos tratem, fazei o bem e emprestai, sem se desesperar
assim fazei a elas da mesma maneira. por receber de volta. Então, sendo assim,
32 Pois se amais os que vos amam, que grande será o vosso prêmio, e sereis filhos
galardão pode haver nisso? Porquanto, do Altíssimo. Porquanto Ele é bondoso até
até mesmo os ímpios amam aqueles que mesmo para com os ingratos e ímpios.
os amam. 36 Sede misericordiosos para com os
13 O principal objetivo de Jesus, especialmente neste sermão, é conscientizar seus discípulos de que eles são filhos do Amor
e devem ter amor incondicional. Essa é a essência de Deus e do homem, todavia a alma dos seres humanos está ferida de
morte desde a Queda (Gn 3), e tornou-se arrogante, revoltada contra Deus, egoísta, ímpia, amargurada, insegura e desesperada.
Quando o Espírito Santo é recebido em nossos corações, uma transformação radical se inicia (conversão), o homem sai de
si mesmo, e, neste sentido, da influência escravizadora de Satanás, volta à comunhão (amizade) com o Pai – de onde jamais
deveria ter saído – e ganha paz, liberdade, poder, verdadeira compreensão do que é amar e ser amado, e a vida eterna por
herança com todos os seus tesouros. Em grego havia várias palavras para “amor”. Jesus não está pedindo que sintamos storge,
“afeição natural”, nem philia, “amor amizade”, nem muito menos eros, “amor romântico, erótico, sensual”. A expressão usada
por Jesus foi agape, que significa o amor perdão, misericórdia, graça, compreensão, paciência, sacrifício. O amor que Deus tem
pela humanidade e que Jesus demonstrou diante dos seus oponentes, carrascos e executores. Um amor justo, mas compassivo,
que não é atraído pelo mérito da pessoa amada, mas sim pelo fato de que o cristão recebe poder espiritual para “ser uma pessoa
amorosa, misericordiosa”; e, portanto, pode suportar e perdoar os demais seres humanos e suas ofensas. Mateus mostra que as
pessoas têm disposição natural para amar seu amigo e odiar seu inimigo (Mt 5.43), não é de admirar tantas guerras, terrorismos
e violência assolando o mundo em nosso século assim como o foi na antigüidade. Jesus, entretanto, vai além, para o cerne da
vontade de Deus, e revela que seu discípulo não pode ser seletivo quanto ao amor agape, mas deve amar inclusive o seu mais
odioso e repugnante inimigo. E não basta refrear os atos hostis ou vingativos, é preciso “fazer o bem aos que vos odeiam”. Não
é difícil imaginar a expressão no rosto daqueles discípulos, judeus nacionalistas e guerreiros, ao ouvir seu mestre dizendo que
deveriam ser pacíficos e cordiais com o dominador romano. E Jesus ainda acrescenta: abençoem os que os amaldiçoam; e orem
(só orem) por aqueles que falam mal a seu respeito, espalhando mentiras e calúnias.
14 A expressão grega original transliterada siagon, aqui e em várias versões traduzida por “face”, mais propriamente se refere
ao queixo. Portanto, Jesus está falando de levar um soco no lado do queixo. A reação natural diante de um ataque como esse, é
ferir o agressor da mesma maneira, aliás, como era previsto pela Lei (Êx 21.12-35). Jesus está se referindo à atitude; ou seja, ao
sermos decepcionados, traídos ou mesmo agredidos, não devemos guardar amargura contra a humanidade e generalizar uma
prevenção odiosa contra todas as pessoas; mas, sim, abrir-nos para novos relacionamentos (dar a outra face, mudar de lado).
Contudo, oferecer – literalmente – o rosto para um outro golpe nem sempre será a melhor maneira de cumprir esse mandamento.
Afinal, o próprio Senhor nos deu um exemplo ao ser golpeado no rosto (Jo 18.22-23). Quanto à capa (em grego: himation), que
era a roupa externa usual, e a túnica (em grego: chiton), normalmente a veste interna, elas representam alguns de nossos mais
importantes e necessários bens materiais. No entanto, Jesus nos ensina que – seremos felizes (benditos) – quando o amor agape
nos controlar, a ponto de não reagirmos com ódio, ou qualquer tipo de retaliação, quando alguém – por qualquer motivo – nos
privar ou roubar qualquer de nossos pertences, ainda que mais caros. Esse é um ótimo conselho diante do crescente número de
furtos e assaltos em nossos dias.
15 Mais uma vez é importante observar o “espírito do ensino” de Jesus, e não querer ser mais real do que o Rei, literalizando
as figuras de linguagem do mestre. Se os cristãos tivessem que agir, com total literalidade neste caso, haveria uma classe
de “santos indigentes” perambulando pelas cidades do mundo inteiro, e outra classe de “incrédulos e prósperos ladrões”. O
que Jesus está enfatizando é que seu discípulo, por amor, jamais deve perder o sentimento de colaboração, ajuda e graça. O
cristão deve estar sempre pronto a dar e a contribuir com todas as suas posses se for necessário. Entretanto, esse não é um ato
meramente automático e sem reflexão, pois em muitos casos, dar não seria a melhor forma de amar. O verdadeiro amor – aquele
que se preocupa com a real felicidade da outra pessoa – deve ser o juiz que decidirá se devemos dar ou reter em cada uma das
situações da vida, e não a estima que temos por nossos bens. O verbo “dar” no grego original está num tempo contínuo, o que
reforça a idéia de que este não é um ato ou impulso de generosidade ocasional, mas sim uma atitude habitual. Um estilo de vida.
Jesus resume com sua regra de ouro: faça aos outros o que gostaria que as pessoas lhe fizessem. Esse é um princípio judaico
outros, assim como vosso Pai é miseri- Parábola do cego que conduz outro cego
cordioso para convosco.16 39 Então, Jesus lhes p
propôs
p também uma
parábola: “É possível um cego guiar
Não cabe ao discípulo julgar o próximo outro cego? Não acontecerá que ambos
(Mt 7.1-5) venham a cair em algum buraco?18
37 Não julgueis e não sereis julgados; não 40 O discípulo não pode estar acima do
condeneis e não sereis condenados; per- seu mestre e; entretanto, todo aquele que
doai e sereis perdoados. completar condignamente seu aprendi-
38 Dai sempre, e recebereis sobre o vosso zado, será como seu mestre.
colo uma boa medida, calcada, sacudida, 41 Por que reparas no cisco que está no
transbordante; generosamente vos da- olho do teu irmão e não percebes o tron-
rão. Portanto, à medida que usares para co que está no teu próprio olho?
medir o teu próximo, essa mesma será 42 Como poderás advertir a teu irmão
usada para vos medir.17 dizendo: ‘Irmão! Permita que eu tire
ensinado desde muito antes do nascimento de Cristo. Entretanto, sempre fora pregado pelos sábios em sua forma negativa: “O
que é odioso a ti, não faz ao teu próximo: isto é a Torá inteira, o restante é comentário disto” (Hillel em Shabbãth 31.a). Jesus
foi o primeiro a dar um sentido totalmente positivo a este ensino áureo: não basta ao discípulo evitar atos que não gostaria que
alguém praticasse contra ele. Os cristãos devem ser pró-ativos na prática do bem. Jesus ilustra sua exortação para que os cristãos
sejam mais humanos (refletissem mais a imago Deii – imagem de Deus) do que os pagãos. Pois, até mesmo, pessoas que não
professam qualquer religiosidade ou fé em Deus, praticam certas virtudes. Amam aos que as amam, retribuem o bem que lhes
é feito e emprestam, especialmente se podem ter certeza de recebê-los de volta. O verbo original usado neste trecho indica um
“emprestar sob juros”. Se os cristãos assim procederem, não estão fazendo mais do que o mundo faz.
16 Em resumo, Jesus nos orienta a tomar seus mandamentos pelo lado positivo e de forma pró-ativa: “amai aos vossos
inimigos, fazei o bem e emprestai”. Como cristãos sempre devemos nos antecipar na prática e defesa do bem. O verbo grego
original, aqui transliterado por alpelpizo, é usado no sentido de “não desesperar-se”, e não com o significado de “sem esperar
nenhuma paga”, como aparece em várias versões bíblicas. Os cristãos devem emprestar, de forma justa, como um ato de louvor e
serviço a Deus e ao próximo, sem nunca se desesperarem por nada e por ninguém. O Senhor nos conclama a nunca servir, tendo
em vista uma recompensa – ainda que seja um galardão no céu – pois, se assim agirmos, estaremos simplesmente trocando o
egoísmo e a vaidade material pelo espiritual. Deus é benigno e misericordioso até para com os ímpios, pois lhes proporciona suas
boas dádivas, tais como o sol, a chuva, o solo fértil e a boa colheita, na expectativa de que essas almas – um dia – percebam seu
amor e salvação. O sonho de Deus é que todos os seus filhos fossem como Jesus é em relação ao seu Pai. A perfeição de Deus
deve ser nosso grande exemplo de vida (Mt 5.9,48).
17 O cristão não deve censurar, muito menos se entregar aos comentários sobre a vida de qualquer pessoa, com o propósito
de destruir sua reputação e levar ao desprezo o seu caráter. O julgamento dos motivos íntimos de alguém, bem como qualquer
vingança ou pena a serem aplicadas, pertencem ao Senhor (Rm 12.19). Entretanto, não estamos isentos da responsabilidade
de desenvolvermos senso crítico sobre tudo e todos, bem como discernirmos quanto ao certo e o errado (vs. 43-45). Afinal, foi
essa a escolha feita pela humanidade no jardim do Éden (Gn 3). Contudo, Jesus nos exorta a não agirmos com hipocrisia, como
é próprio dos incrédulos. O perdão, em vez de condenação, revela o verdadeiro amor cristão em exercício. Jesus salienta que
a pessoa perdoada e salva tem um coração aberto e generoso. Esse estilo de vida sensibilizará a Deus e aos homens, e uma
correspondência de bênçãos será inevitável. E não apenas na mesma proporção, mas tão abundante que transbordará. Jesus
tira essa metáfora a partir da maneira usada pela multidão que estava à sua volta naquele momento, para quantificar e qualificar
os grãos colhidos. A expressão grega aplicada aqui e transliterada por kolpon, tem a ver com as expressões: “boa medida” e
“generosamente”, referindo-se a uma espécie de bolsa, que se fazia ao dobrar parte da veste externa ou com uma peça de roupa
gasta, que ficava pendurada sobre o cinto, e era usada para guardar uma medida de trigo. Jesus relembra o antigo dito dos
sábios judeus: “Há mais felicidade em dar do que em receber” (At 20.35).
18 Jesus faz uso de mais uma série de metáforas para ressaltar a importância de seus discípulos viverem acima da mediocridade
dos religiosos formais. Este trecho adverte a todos nós sobre o perigo de condenarmos alguém, esquecendo-nos de que também
somos réus de crimes semelhantes. Entretanto, a advertência maior é em relação aos líderes espirituais (Tg 3.1). Em primeiro
lugar, somente aquele que anda na luz e pode ver com nitidez (Jo 8.12; 1Jo 1.7) consegue evitar os perigos do caminho e
conduzir outros em segurança. Os jovens líderes devem ter paciência e humildade para esperar o devido tempo, quando serão
– se aprovados por Deus e pela vida – semelhantes aos seus mestres. Da mesma maneira, o discípulo de Jesus deve estabelecer,
como seu alvo pessoal, o ser semelhante a Ele. A expressão “bem instruído” (como aparece em algumas versões), vem do grego:
katartizo, que tem um significado mais amplo: “tornar digno” ou “completo”. É um termo normalmente usado para consertar algo
que foi quebrado (Mc 1.19), ou no sentido de “suprir plenamente” (como quando o mundo foi “plenamente formado” – Hb 11.3).
O discípulo de Jesus, tenha a experiência e a formação acadêmica que tiver, não pode relegar o mandamento do amor a segundo
plano, acreditando que – de alguma forma – está acima do nível de servo que deve seu amor a Deus e ao próximo.
o cisco do teu olho’, se tu mesmo nem 47 Eu vos revelarei com quem se compara
sequer notas o tronco que repousa no teu àquela pessoa que vem a mim, ouve as
olho? Hipócrita! Retira, antes de tudo, a minhas palavras
p e as pratica.
p
trave do teu olho e, só assim, verás com 48 É como se fosse um homem que, ao
nitidez para tirar o cisco que está no olho construir sua casa, cavou fundo e firmou
de teu irmão.19 os alicerces sobre a rocha. E sobrevindo
grande enchente, o rio transbordou e as
Parábola da árvore e seu fruto muitas águas avançaram sobre aquela
(Mt 7.24-27) casa, mas a casa não se abalou, por ter
43 Não existe árvore boa produzindo sido solidamente edificada.
mau fruto; nem inversamente, uma ár- 49 Entretanto, aquele que ouve as minhas
vore má produzindo bom fruto. palavras e não as pratica, é como um ho-
44 Pois cada árvore é conhecida pelos seus mem que construiu sua casa sobre a ter-
próprios frutos. Não é possível colher-se ra, sem alicerces. No momento em que as
figos de espinheiros, nem tampouco, muitas águas chocaram-se contra ela, a
uvas de ervas daninhas. casa caiu, e a sua destruição foi total”.21
45 Uma pessoa boa produz do bom
tesouro do seu coração o bem, assim Um centurião revela sua fé em Jesus
como a pessoa má, produz toda a sorte (Mt 8.5-13)
de coisas ruins a partir do mal que está
em seu íntimo, pois a boca fala do que
está repleto o coração.20
7 Havendo concluído suas instruções
aos discípulos e ao povo, Jesus entrou
em Cafarnaum.
2 E o servo de um centurião, a quem este
A parábola do sábio e do insensato muito estimava, estava doente e à beira
(Mt 7.24-27) da morte.1
46 E por que me chamais: ‘Senhor, Senhor’, 3 O centurião havia ouvido falar de Je-
e não praticais o que Eu vos ensino? sus e, por isso, lhe enviou alguns líderes
19 Jesus retoma outro antigo ensino dos rabinos judeus, com certo toque de humor, uma vez que usa a paródia para evidenciar
seu ponto de vista. Retrata o hipócrita com um enorme tronco (trave ou viga) projetando-se do seu olho, enquanto busca, cui-
dadosamente, tirar uma partícula do olho do seu irmão. Freqüentemente as atitudes egoístas, arrogantes e preconceituosas dos
seres humanos chegam a ser hilariantes, devido ao evidente contra-senso por elas transmitido. Contudo, a lição apresentada por
Jesus é muito séria: a leve imperfeição ou erro de outras pessoas é freqüentemente mais notado por nós, do que um grande defei-
to ou pecado em nós mesmos. O verbo “reparar” vem do original grego blepeis que significa: atenção e observação prolongadas.
Jesus nos exorta a um rígido auto-exame antes de nos lançarmos ao julgamento de qualquer um de nossos semelhantes.
20 Jesus frisa que o caráter de uma pessoa não pode ser alterado apenas por força de vontade ou pelas circunstâncias.
Somente o novo nascimento, que é a invocação e a habitação do Espírito de Deus em nossa alma (Jo 3.5; 15.5,16), pode
transformar a essência das pessoas e desenvolver um ser humano celestial (cidadão do Reino). Jesus nos faz lembrar do ensino
do profeta Jeremias, sobre a maldade que reside no coração do homem (Jr 17.9), acerca da qual Paulo também nos adverte (Rm
3.23), para nos legar um princípio fundamental ao conhecimento da pessoa humana: “a boca fala do que está repleto o coração”.
Ou seja, nossas palavras revelam quem somos na realidade, em nosso íntimo. Por isso, mais do que um cuidado com a língua,
precisamos avaliar corretamente o centro das nossas emoções e sentimentos (para os ocidentais modernos: o coração, mas no
oriente antigo: os intestinos). Portanto, no amor e nos negócios é bom ouvir muito, e bem, antes de celebrar sociedade.
21 Alguns discípulos já mostravam sinais de falsidade e deslealdade, pois o chamavam formalmente de “Senhor” (em grego:
kurios), que significa “mestre a quem se deve seguir com lealdade absoluta”, mas não praticavam o que Ele lhes ensinava. É
possível que Jesus tenha repetido este sermão em outra ocasião, porém com o mesmo sentido, pois em Mateus a diferença entre
os dois homens da parábola, é que escolheram terrenos diferentes para construir (Mt 7.24-27), e aqui, diferem quanto à maneira
de edificar sobre os terrenos. Embora Jesus esteja advertindo que um bom alicerce é vital nas horas de provação e dificuldades
proporcionadas pela vida, seu principal objetivo é alertar para o teste supremo, no Juízo final, quando somente sobreviverão
aqueles que estiverem firmados na Rocha, que é o Filho de Deus (1Co 3.11).
Capítulo 7
1 Um centurião era um oficial militar romano, em geral, responsável por um grupamento igual ou superior a 100 soldados. O
NT cita alguns centuriões notáveis, como esse homem de fé apresentado por Lucas (At 10.2; 23.17,18; 27.43). Embora gentio, os
próprios líderes judeus admiravam sua honradez, cooperação e sensibilidade (vs. 5,6).
religiosos dos judeus, pedindo que fosse viam sido enviados, retornaram para
curar seu servo. a casa do centurião, e ao chegarem lá,
4 Então, aproximando-se de Jesus, apela- encontraram o servo dele totalmente
ram-lhe com muitas súplicas: “Este é um curado.3
homem que merece que lhe concedas
esse favor, Jesus ressuscita um jovem na multidão
5 pois trata nosso povo com elevada con- 11 No dia seguinte, partiu Jesus para uma
sideração, e ele mesmo construiu nossa cidade chamada Naim, e com ele cami-
sinagoga”. nhavam seus discípulos e uma grande
6 Então Jesus seguiu com eles. Mas, ao multidão.4
chegarem nas proximidades da resi- 12 Ao se aproximar da porta da cidade,
dência, o centurião enviou-lhe alguns estava saindo o enterro do filho único de
amigos para lhe entregarem a seguinte uma viúva; e grande multidão da cidade
notícia: “Senhor, não te incomodes, por- a acompanhava.
que sei que não sou digno de receber-te 13 Ao observá-la, o Senhor se compadeceu
sob o teto da minha casa. dela e a encorajou: “Não chores!”.5
7 Por isso, nem mesmo me considerei 14 E aproximando-se, tocou no esquife.
merecedor de ir ao teu encontro. Mas Então, os que o carregavam pararam. E
ordena, com uma só palavra, e o meu Jesus exclamou: “Jovem! Eu te ordeno:
servo será curado. levanta-te!”.
8 Pois eu também sou homem sujeito à 15 No mesmo instante, o jovem que esti-
autoridade, e tenho soldados sob o meu vera morto se pôs sentado, e começou a
comando. Mando a um: vai, e ele vai; e conversar, e assim Jesus restituiu o jovem
a outro: vem, e ele vem; e ao meu servo: à sua mãe.6
faze isto, e ele o faz.2 16 Todos foram tomados de grande
9 Ao ouvir esta declaração, Jesus muito se temor e louvavam a Deus proclamando:
admirou dele e, voltando-se para a mul- “Grande profeta foi levantado entre
tidão que o acompanhava, exclamou: nós!” e “Deus veio salvar o seu povo!”.
“Asseguro-vos que nem mesmo em Israel 17 Estas notícias a respeito de Jesus
encontrei uma fé como esta”. circularam por toda a Judéia e regiões
10 E aconteceu que os homens que ha- circunvizinhas.7
2 A fé que opera milagres, como a demonstrada por esse oficial romano, tem os seguintes componentes básicos: parte de um
coração profundamente humilde, consciente da sua insignificância e pecado, da santidade e do poder de Deus. É uma fé pura,
que não precisa da presença física de Jesus nem, muito menos, de outros elementos, mas apenas da sua Palavra (Tg 5.15-18).
Também não se restringe a qualquer nacionalidade, cor ou raça. Lucas nos revela que a fé do gentio foi não apenas aceitável,
mas elogiada pelo Senhor.
3 Em apenas duas ocasiões o NT registra que Jesus se admirou: nesta passagem - devido à fé que observou em um gentio - e,
em Nazaré, por causa da incredulidade de muitos dos seus amigos e parentes judeus (Mc 6.6).
4 Naim localizava-se a cerca de três quilômetros, o oeste de En-Dot, aproximadamente a um dia de viagem, a pé, de Cafarnaum.
5 O vocábulo grego usado aqui para se referir ao Senhor é kurios. O único com poder para extinguir toda a tristeza e dor dos
nossos corações, e expulsar a morte de nossas almas (1Co 15.55-57). O Senhor é movido pelo amor e por sua compaixão em
relação à morte do ser humano. Jesus sabia que o ente humano fora criado para viver eternamente em harmonia com Deus; e,
por isso, várias vezes, demonstra sua dor e indignação em relação à morte.
6 Conforme a tradição judaica, o jovem morto estava sendo conduzido num tipo de caixão aberto. Essa é a primeira de três oca-
siões citadas nos evangelhos em que Jesus ressuscitou alguém, as demais são: a filha de Jairo (8.40-56), e seu amigo Lázaro (Jo
11.38-44). Quadrato, pensador e historiador, que viveu no ano 125 d.C, em suas cartas a Adriano, relata o fato de que algumas das
pessoas curadas e ressuscitadas por Jesus ainda viviam em seu tempo e davam testemunho do Senhor. Curiosamente, vários
milagres de ressurreição de mortos narrados na Bíblia, ocorreram devido à participação de mulheres de fé, humildes, corajosas
e piedosas (1Rs 17.23; 2Rs 4.36; Jo 11.22,32; At 9.41; Hb 11.35).
7 Por mais de 400 anos o povo de Israel esperou pelo Messias prometido. João surge, vindo das regiões desérticas, com poder
e unção de Deus para anunciar a chegada do Messias. Diante dos inúmeros milagres de Jesus por toda a Palestina, e de sua
palavra e autoridade espiritual, as multidões começam a aclamá-lo como o Ungido (o Cristo), reconhecendo a presença de Deus
em Israel após gerações e gerações de silêncio.
8 João estava no cárcere por ter colocado sua lealdade ao Senhor e sinceridade quanto à sua missão muito acima da
subserviência aos poderosos desta terra. Estava preocupado e ansioso para ver o Messias, a quem anunciara durante toda a sua
vida, e continuaria a fazer através dos seus discípulos, libertar Israel e estabelecer seu Reino.
9 Jesus respondeu para seu querido amigo João de maneira que ele, como profeta, entenderia bem e não teria qualquer dúvida:
através dos sinais e maravilhas que os profetas do AT haviam dito que acompanhariam o Messias (Is 29.18-21; 35.5,6; 61.1 e
Lc 4.18). Em nossos dias, essa confirmação é obra da fé, e entra em nossa alma com o Espírito Santo, quando – humildemente
– aceitamos a Palavra de Deus e recebemos a Cristo em nossos corações sem restrições. Jesus exorta a João e aos discípulos
dele a não duvidarem e com isso se “escandalizarem” (nos originais gregos: skandalizõ). O sentido original desta palavra tem a
ver com a ação das gaiolas para caçar passarinhos, “skandalon” é exatamente o mecanismo que dispara o alçapão e prende o
pássaro. Jesus receava que o tempo e a distância pudessem servir de “laço” skandalon para que seus amados amigos caíssem
na terrível e fatal armadilha da dúvida e do desânimo.
10 Jesus explica aos seus discípulos e à multidão quem era João, pois muitos o achavam apenas um pregador excêntrico.
Mas, Jesus faz isso de maneira muito especial. Começa perguntando o que as multidões tinham ido fazer no deserto. O povo
tinha ido ouvir a palavra de João e, muitos, arrependidos, já haviam passado pelo batismo. Jesus informa que ele era autêntico e
corajoso, como os maiores profetas de Deus. Não era uma vareta que se move ao sabor do vento das vontades de ninguém (Mt
14.3-5), nem tampouco um lacaio dos aristocratas; era um homem simples, talhado pela vida dura do deserto, onde havia se dis-
ciplinado ao extremo, e ensinava a todos quantos estavam afastados da santidade de Deus e necessitavam desesperadamente
de arrependimento e salvação. Jesus conclui declarando que João era aquele a quem Malaquias anunciara há mais de 400 anos
(Ml 3.1). Mais que um profeta, pois foi o precursor imediato de Cristo. Pregou sobre Ele e sua vinda e O revelou ao mundo. Jesus,
entretanto, salienta que os nascidos de novo (Jo 3.1-21), gozam do direito de serem Filhos de Deus (Jo 1.12). E isso faz com que,
o menor deles, seja maior do que qualquer membro da Antiga Aliança, da qual João foi o último e magnífico profeta.
11 A palavra de Jesus produziu em todas as pessoas e, particularmente, nos coletores de impostos, o reconhecimento dos seus
erros e, ao mesmo tempo, da Graça Salvadora de Deus. Havendo sido justificados, se submeteram de bom grado aos princípios
da Palavra e ao ensino de João.
12 “Doutores ou peritos” da lei foi a maneira como Lucas se referiu aos escribas e mestres da lei, que muitas vezes também
pertenciam ao partido dos fariseus (5.17; 10.35,37: 11.45,52; 14.3 e em Mt 22.35). Esses teólogos e juristas judeus, que tiveram
o privilégio de ouvir esse sermão diretamente dos lábios de Jesus, não conseguiram perceber que aquela Palavra de Deus era
dirigida a eles, e demonstraram que o livre arbítrio capacita o homem a anular o propósito divino de conceder-lhe a salvação.
13 Em geral, as pessoas demonstram um comportamento infantil em relação à decisão de se consagrarem a Deus e à verdade.
Elas agem como aquelas crianças da época de Jesus: se lhes era apresentado algo alegre, elas não se alegravam; se melancó-
lico, não se sensibilizavam. Não haviam se associado a João com seu conservadorismo e rigidez ascética em relação à Lei e à
devoção ao Senhor; nem tampouco aceitaram o convite de Jesus para um novo tempo de Graça, liberdade e plenitude espiritual
como membros do Reino. Preferiram acusar João e a Jesus de falsos e endemoninhados (Jo 7.20; 8.48; 10.20) e seguiram seus
próprios e danosos caminhos. Entretanto, Jesus deixa claro que os que são de Deus (Sabedoria), reconhecem as suas grandes
obras e maravilhas e atendem ao seu chamado (Jo 10.1-18).
14 Para os judeus, uma refeição era um convite de alto valor social, representava um selo de amizade e reconhecimento entre os
convidados. Como as mesas eram baixas, e ao redor havia uma série de divãs e almofadas, os convidados se reclinavam sobre
eles, com os pés pra trás, a fim de degustarem as iguarias que eram trazidas por escravos ou empregados. Estes, além de servi-
rem à mesa, cuidavam da recepção aos convivas, que incluía ungir com óleos e perfumes, lavar e enxugar os pés, especialmente
dos mestres da Torá (Lei). Alguns senhores ou patrões, dispensavam seus criados da cerimônia de recepção e a realizavam eles
próprios, numa atitude de elevada estima e consideração por seus amigos. Assim, a sala de refeição ficava, em geral, repleta de
pessoas; umas comendo e descansando, outras, entrando e saindo para servir aos comensais. É neste contexto que uma mulher,
desejosa de abandonar sua vida de prostituição e encontrar a paz (Jo 8.11), entra na sala em busca do Senhor, trazendo o melhor
que possuía: amor no coração, fé no Filho de Deus, arrependimento, desejo de mudar e adoração (um frasco caríssimo de óleos
aromáticos). Jesus estava reclinado, com os pés estendidos e distantes da mesa central. A mulher, não querendo se interpor entre
Jesus e o fariseu anfitrião, preferiu, humildemente, ungir os pés de Jesus à sua maneira, mas com especial e genuína devoção.
O frasco era feito de alabastro (uma rocha branca e fácil de moldar). Uma garrafa globular, com gargalo comprido, contendo
ungüento (óleo) perfumado, cujo valor correspondia à cerca de 300 dias de trabalho braçal. O frasco (vaso) precisava ter seu
gargalo quebrado, e usava-se todo o conteúdo numa única aplicação. Ato semelhante foi realizado por Maria de Betânia, poucos
dias antes da crucificação (Jo 12.3).
15 Jesus é realmente o Salvador dos pecadores. A contradição é quase sempre marcante: para o fariseu, Jesus era um profeta
e deveria agir com o rigor e o legalismo que ele (fariseu) esperava de um profeta. Para a mulher, prostituta e pecadora, carente
de amor, perdão e consideração, Jesus era Deus encarnado, Senhor de misericórdias e da salvação; o único que tinha poderes
42 Nenhum dos dois tinha com que pa- ram a comentar: “Quem é este que pod e
gar, por isso o credor decidiu perdoar até perdoar pecados?”.
a dívida de ambos. Qual deles o amará 50 E Jesus revela à mulher: “A tua fé te
mais?”. salvou; vai-te em permanente paz”.16
43 Replicou-lhe Simão: “Imagino que
aquele a quem foi perdoada a dívida As muitas discípulas de Jesus
maior”. Ao que Jesus o congratulou: “Jul-
gaste acertadamente!”.
44 Então, virou-se em direção à mulher
8 Havendo passado esses aconteci-
mentos, caminhava Jesus por todos
os povoados e cidades proclamando as
e declarou a Simão: “Vês esta mulher? boas novas do Reino de Deus, e os Doze
Entrei em tua casa, e não me trouxeste estavam com Ele.1
água para lavar os pés, como é o costu- 2 E também algumas mulheres que
me. Esta, porém, molhou os meus pés haviam sido curadas de espíritos malig-
com suas lágrimas e os enxugou com os nos e doenças: Maria, conhecida como
próprios cabelos. Madalena, de quem haviam saído sete
45 Da mesma maneira, tu não me sau- demônios;
daste com um beijo na face, como é tra- 3 Joana, esposa de Cuza, administrador
dicional; ela, todavia, desde que cheguei da casa de Herodes; Susana e muitas
não cessa de me beijar os pés. outras. Essas mulheres cooperavam no
46 E mais, tu não me ungiste a cabeça sustento deles com seus bens.2
com óleo, como era de se esperar, mas
esta mulher, com puro bálsamo, ungiu A parábola do semeador
os meus pés. (Mt 13.1-9; Mc 4.1-9)
47 Por tudo isso, te asseguro: o grande 4 E ocorreu que uma grande multidão
amor por ela demonstrado prova que se reuniu, e pessoas de todas as cidades
seus muitos pecados já foram todos vieram ouvir a Jesus. Foi quando Ele lhes
perdoados. Mas onde há necessidade de propôs a seguinte parábola:3
pouco perdão, pouco amor é revelado. 5 “Eis que um semeador saiu a semear.
48 Em seguida, Jesus afirmou à mulher: Enquanto lançava a semente, parte dela
“Perdoados estão todos os teus peca- caiu à beira do caminho; foi pisoteada, e
dos!”. as aves do céu a devoraram.
49 Então, os demais convidados começa- 6 Outra parte caiu sobre as rochas e,
para perdoá-la e purificar sua vida. E Jesus olhou para a alma daquele ser humano e além do seu pecado, viu uma filha de Deus,
uma irmã e herdeira do seu Reino (Tg 2.1-5).
16 Jesus dá toda atenção à pobre mulher e a abençoa com paz. Nos originais, o verbo desta frase está no tempo presente
do indicativo, o que descreve um estado de “constante paz interior com Deus”. Literalmente: vai para dentro da paz. Os antigos
rabinos costumavam dizer: vai em pazz aos mortos e vai para dentro da pazz aos vivos. É importante notar, que o amor da mulher
não foi a causa da sua salvação, mas sim a conseqüência. O fruto de uma vida salva e consagrada ao Senhor. Só a fé em Jesus
nos salva do Diabo, do mundo e de nós mesmos.
Capítulo 8
1 Jesus havia concentrado seu ministério nas sinagogas em Cafarnaum. Mas agora voltava ao interior da Galiléia, ministrando
em todas as cidades ao longo deste segundo percurso. Quanto à primeira viagem missionária ver: 4.43,44; Mt 4.23-25; Mc
1.38,39. Em relação à terceira viagem veja: 9.1-6.
2 Lucas salienta a importância das mulheres no ministério de Jesus, como discípulas e cooperadoras financeiras daquele que
se fez pobre para nos fazer ricos (2Co 8.9). Maria Madalena, da cidade de Magdala, é normalmente confundida com a mulher
pecadora do cap.7, e com Maria de Betânia (Jo 11.1).
3 Jesus passa a dirigir seu ensino mais aos realmente interessados em se tornarem filhos de Deus e, como discípulos (não
apenas os Doze, mas todos – Mc 4.10), fazerem parte do seu Reino. Por isso, Jesus escolhe as metáforas e as parábolas para
comunicar as grandes e surpreendentes verdades sobre o estilo de vida dos cidadãos do Reino (Mt 13.3; Mc 4.2). Embora as
parábolas fossem histórias com fundos espirituais e morais fáceis de compreender, havia alguns elementos enigmáticos que
careciam de esclarecimento. Essa era a maneira como Jesus filtrava e atraía para si apenas os mais interessados, aquelas pes-
soas que continuavam a segui-lo não apenas pelas curas milagrosas, mas para entender melhor sua mensagem, com todos os
detalhes sobre como viver sob a plena direção de Deus. Nas parábolas, os inimigos de Jesus não conseguiram achar declarações
claras e diretas para usar contra ele. A conhecida “parábola do semeador”, é uma das três histórias enigmáticas registradas em
todos os evangelhos sinóticos (Mt 13.1-23; Mc 4.1-20). As outras são: “a do grão de mostarda” (13.19; Mt 13.31,32; Mc 4.30-32)
e da “vinha” (20.9-19; Mt 21.33-46; Mc 12.1-12).
4 A narração de Lucas é mais sucinta que a de Mateus (13.8), e a de Marcos (4.8). Entretanto, a lição central é a mesma: a quan-
tidade da colheita depende da qualidade do terreno. Jesus exorta a todos que receberam capacidade espiritual para ouvir a voz de
Deus, abram completamente seu entendimento e vivam como cidadãos do Reino, ainda que neste mundo materialista e injusto.
5 Muitos ensinos e conceitos de vida transmitidos por Deus aos seres humanos são considerados – especialmente pelos incrédulos
– como grandes enigmas e mistérios. Dependemos das misericórdias do Senhor para recebermos a correta e clara revelação da
verdade (Mc 4.11; Ef 3.2-5; 1Pe 1.10-12). A citação de Isaías (Is 6.9), não quer dizer que há uma disposição divina de vetar o acesso ao
conhecimento da verdade para algumas pessoas. Mas essa é simplesmente uma triste constatação: todos aqueles que não estiverem
dispostos a receber e incorporar a mensagem de Jesus perceberão o quanto a verdade (o caminho da paz e da plena felicidade) es-
capou ao seu entendimento. E seu destino final fica subentendido na citação complementar de Mt 13.14,15 (veja também Mc 4.12).
6 Denomina-se “Palavra de Deus” toda a mensagem proveniente diretamente do Senhor. O principal objetivo do Diabo, até o
final dos tempos, será provar que Deus falhou em seus juízos e que a humanidade não quer nem precisa de Deus. O Diabo é o
pai da mentira e da arrogância (uma forma de mentira), e por isso, embora saiba do seu final no lago do fogo eterno, juntamente
com todos os seus correligionários, simpatizantes e “inocentes úteis” (aquelas pessoas que dizem que não se envolvem em
religião, pois não matam, não roubam, e ajudam o próximo quando possível; consideram a si mesmas tão boas que não precisam
de arrependimento, muito menos da salvação), não pode admitir que isso venha realmente a acontecer. O soberbo é também,
espiritualmente, surdo e cego. Mas existe um outro tipo de pessoa, cujo coração (terreno para o plantio da Palavra) se anima
com a mensagem de Jesus e com a amizade dos cristãos, e por algum tempo vive como crente. Entretanto sua fé é superficial e,
portanto, não própria do salvo. É semelhante a fé que Tiago chama de “morta” (2.17,26) e “inútil” (2.20).
7 Há um coração e uma alma comparáveis à terra fértil e irrigada. O Senhor ressalta que só a perseverança na fé – mesmo em
meio às lutas, derrotas e vitórias – é a marca do cristão, a prova da fé salvadora, que garante a vida eterna e proporciona os mais
belos frutos em palavras e, sobretudo, em ações concretas (1Co 16.13-14).
8 Jesus estimula seus discípulos a proclamarem a verdade em todas as partes (11.33; 12.2; Mt 5.15). A luz corresponde à
17 Porquanto não há nada oculto que tempestade com fortes ventos, de modo
não venha a ser revelado, e nada escon- que o barco estava sendo inundado, e
dido que não venha a ser conhecido e eles corriam o risco de naufragar.
trazido à luz. 24 Então os discípulos correram para
18 Assim sendo, vede, pois, como ouvis; acordá-lo, exclamando: “Mestre! Mestre,
porque ao que tiver, mais se lhe con-ce- estamos a ponto de morrer!”. Ele se le-
derá; e ao que não tiver, até mesmo aqui- vantou e repreendeu a tempestade e a vio-
lo que imagina possuir lhe será tirado”.9 lência das águas. Tudo então se acalmou e
houve perfeita paz.
Os fiéis formam a família de Jesus 25 Jesus, no entanto, dirigiu-se aos seus
(Mt 12.46-50; Mc 3.31-35) discípulos e indagou: “Onde está a vossa
19 Então a mãe e os irmãos de Jesus fé?”. Mas eles, amedrontados e maravi-
vieram para falar com Ele, entretanto, lhados, interrogavam uns aos outros:
não conseguiam aproximar-se dele, pois “Quem é este que até aos ventos e às on-
grande era a multidão à sua frente.10 das dá ordens, e eles lhe obedecem?”.11
20 Certa pessoa comunicou a Jesus: “Tua
mãe e teus irmãos estão lá fora e desejam A libertação de um endemoninhado
ver-te”. (Mt 8.28-34; Mc 5.1-20)
21 Contudo, Ele lhe replicou: “Minha mãe 26 Zarparam então, para a região dos ge-
e meus irmãos são aqueles que ouvem a rasenos, que se localiza do outro lado do
Palavra de Deus e a praticam!”. lago, na fronteira da Galiléia.
27 Assim que Jesus desembarcou, foi
A tempestade é neutralizada por Jesus ao encontro dele um homem daquela
(Mt 8.23-27; Mc 4.35-41) cidade, possesso de demônio que, fazia
22 E aconteceu que, em um daqueles dias, muito tempo, não usava roupas, nem
ao entrar no barco, pediu Jesus aos seus habitava em casa alguma, mas vivia nos
discípulos: “Passemos para a outra mar- sepulcros.12
gem do lago”, e partiram. 28 Ao contemplar Jesus, berrou, prostrou-
23 Enquanto navegavam, Ele adormeceu. se aos seus pés e exclamou com voz forte:
E abateu-se sobre o lago uma grande “Que desejas comigo, Jesus, Filho do
semente (11), que é a Palavra de Deus. A pessoa que irradia a luz do Evangelho – através de uma conduta exemplar e pela
comunicação dos princípios bíblicos – cumpre bem seu propósito. Entretanto, para manter uma vida reluzente é fundamental:
ouvir e obedecer (41).
9 A verdade (semente) não assimilada, e, portanto, não colocada em prática no dia-a-dia será perdida. E mais, tudo quanto foi
conquistado, porém sem a compreensão da verdade, igualmente se perderá (19.26). Os discípulos deveriam dar toda a atenção
à prática da Palavra de Deus, não apenas para si próprios, mas especialmente por causa daqueles que estão perdidos e precisam
da graça do maravilhoso conhecimento do Senhor em suas vidas (Mc 4.24; Tg 1.19-22).
10 Alguns estudiosos questionam o fato de Jesus haver tido irmãos consangüíneos, filhos de Maria, sua mãe. Contudo as
provas são incontestes neste caso (Mc 6.3). Entretanto, nem o mais estreito parentesco humano é maior e mais importante do que
a filiação de uma pessoa a Deus e seus relacionamentos dentro da família de Cristo. Por isso, os cristãos costumam se chamar
de “irmãos” (Mc 3.21,31,32; Jo 7.5).
11 Jesus notou a participação das forças malignas naquela tempestade inusitada, exatamente quando ele e seus discípulos
rumavam para a terra dos gerasenos (gadarenos ou ainda gergesenos). Um povo gentio, que vivia isolado, e que tinha como fonte
de renda a criação de porcos, animal considerado impuro pelos judeus em todos os sentidos. Com esse milagre, Jesus confirma
mais uma vez, seu poder sobre todas as forças impessoais. Ele as criou e as controla (Jo 1.3; Cl 1.17). “Onde está a vossa fé?”
Se estiver depositada em uma capacidade ou criação humana, como um bom barco com navegadores experientes, por exemplo,
poderá afundar. Se estiver na dedicação e nas obras morais e beneficentes, com certeza, as forças contrárias serão maiores.
Entretanto, se estiver firmada em Cristo: tranqüilize-se e comece a desfrutar da bonança (Ef 2.8,9).
12 Mateus faz referência a dois endemoninhados (Mt 8.28). Entretanto, Marcos e Lucas ressaltam a ação daquele que se adian-
tou para interagir com Jesus (Mc 5.2). Esses homens, vítimas do domínio absoluto do demônio, foram ao encontro de Jesus para
maltratá-lo, no entanto, ao se aproximarem do Filho de Deus, prostraram-se diante do poder do Altíssimo e lhe suplicaram por mi-
sericórdia. Essas pessoas atormentadas viviam ainda mais isoladas, em lugares desolados que serviam de cemitérios (Mc 5.3).
13 Os gentios, em geral, se referiam ao Senhor como “Deus Altíssimo” (1.24,32; 4.34; Gn 14.19; At 16.17). O reino de Satanás
não tem absolutamente nada em comum com o Reino de Deus (11.14-22), por isso o questionamento dos demônios, haja vista
que eles dominavam aquela região e, mais especificamente, aqueles homens. Jesus pergunta o nome do homem com quem
está falando, mas quem responde é “Legião” (palavra usada para identificar uma corporação romana com até 6000 soldados), o
chefe de uma multidão de demônios que havia tomado o corpo daquela pessoa; numa demonstração clara de posse e comando
daquela vida, cuja própria identidade havia sido confiscada.
14 O Abismo (lugar de confinamento de Satanás e dos espíritos malignos), sempre será o destino final dos demônios e das
almas incrédulas (Ap 9.1; 20.3). O desejo invejoso de Satanás é controlar a vida dos seres humanos, e isso ele buscará de todas
as maneiras até o final dos tempos. A criação de porcos era uma atividade econômica expressamente proibida pela Lei de Deus
em todo o território israelense (Lv 11.7-8). Entretanto, essa região, pertencia a Decápolis, território predominantemente gentílico.
Os demônios e a população do lugar perceberam que Jesus e suas palavras e maravilhas poderiam alterar todo o modus vivendi
(modo de vida) da cidade. Contudo, não foi Jesus quem matou os porcos, mas sim os próprios demônios, que no ímpeto de se
afastarem da santidade de Deus, para dominar e destruir desvairadamente, voltaram para o abismo e se afogaram no lago. Uma
clara ilustração do Juízo final.
15 O termo grego original: esõthe, é muito rico em significados paralelos, podendo ser traduzido como: “salvar”; “curar”;
“resgatar” e “libertar”. É a mesma expressão usada várias vezes no NT para descrever o novo relacionamento de ser humano
“resgatado” por Deus. No verso 48 temos um sentido duplo: salvação em relação à morte física e espiritual.
16 Contraste entre o pedido dos gerasenos e do homem liberto. A população valorizou os bens materiais acima dos espiri-
tuais. Ficaram com medo de perder sua fonte de renda, segurança e da destruição que Jesus poderia promover na cidade. E
preferiram permanecer oprimidos pelas forças malignas. O geraseno, salvo e curado, reconheceu em Jesus o Filho de Deus e
a fonte da vida; valorizou sua salvação acima de todos os bens, e teve pavor de voltar à vida antiga. Em seu coração, disposto
o recebeu com grande júbilo, pois todos 47 Então a mulher, compreendendo que
o estavam aguardando com ansiedade. não haveria de passar despercebida, apro-
41 Eis que se aproximou de Jesus um ximou-se tremendo e prostrou-se aos pés
homem chamado Jairo, que era dirigente de Jesus. E, diante de todo o povo, decla-
da sinagoga local, e, prostrando-se aos rou o motivo pelo qual o tocara daquela
pés de Jesus, lhe implorou que fosse até maneira, e como naquele mesmo momen-
a sua casa. to fora totalmente curada.
42 Pois tinha uma filha única com cer- 48 Ao que Jesus lhe afirmou: “Filha! A tua
ca de doze anos, que estava à beira da fé te curou; vai-te em perfeita paz”.17
morte. E, enquanto Ele caminhava, as
multidões o comprimiam. Jesus ressuscita a filha de Jairo
(Mt 9.23-25; Mc 5.35-43)
A cura de uma mulher no caminho 49 Falava Ele ainda, quando chegou
(Mt 9.20-22; Mc 5.24-34) uma pessoa da casa do dirigente da si-
43 Nas proximidades estava certa mulher nagoga, informando: “Tua filha já está
que, havia doze anos, vinha sofrendo de morta. Não adianta mais incomodar o
hemorragia e já tinha gasto tudo o que Mestre”.18
podia com os médicos, mas ninguém 50 Ao ouvir tais notícias, Jesus declarou a
fora capaz de curá-la. Jairo: “Não temas, tão-somente crê, e ela
44 Ela conseguiu se aproximar de Jesus, será salva!”.
por trás, e tocou na borda de seu manto, 51 Assim que chegou à casa de Jairo, não
quando no mesmo instante se lhe cessou permitiu que ninguém entrasse com Ele,
completamente a hemorragia. a não ser Pedro, João, Tiago, bem como, o
45 Ao que Jesus indagou: “Quem tocou pai e a mãe da menina.
em mim?” Como todos negassem, Pedro 52 Enquanto isso, grande comoção atin-
pondera: “Mestre, a multidão se aglome- giu a multidão, e todos choravam e se
ra e te espreme. E, ainda assim, desejas lamentavam por ela. Diante disto Jesus
saber quem te tocou? os encorajou: “Não pranteeis! Ela não
46 Contudo, Jesus insistiu: “Certamente está morta, mas dorme”.19
alguém me tocou, pois senti que de mim 53 E muitos zombavam dele, pois tinham
emanou poder!”. certeza de que ela estava morta.
a seguir e servir a Deus, aceitou com alegria a orientação missionária de Jesus e, a caminho de casa, pregou o evangelho em
várias cidades por toda Decápolis (liga das cidades livres, localizadas além do rio Jordão, caracterizadas pelo alto nível de cultura
grega, portanto, gentios).
17 Uma hemorragia crônica (fluxo de sangue) havia tirado a saúde e excluído aquela mulher da sociedade (tornando-a
impura segundo a Lei – Lv 15.19-30), por doze anos (Mt 5.26). Jesus sente e abençoa a fé demonstrada por ela, curando sua
enfermidade, e a restituindo ao convívio familiar e social através do testemunho público. Para uma pessoa que passou tanto
tempo sendo desprezada e humilhada, Jesus reserva uma palavra especial: “filha”, expressão de ternura que não aparece em
nenhuma outra citação de Jesus nos evangelhos. É a confiança na esperança (Jesus) que produz a ação (17.19), e uma paz
que independe das circunstâncias (7.50).
18 Jairo (nome que significa em hebraico: “Deus dará luz”), era responsável pela sinagoga local e um homem piedoso. Aparen-
temente o atraso de Jesus em socorrer a filha de Jairo cooperou para sua morte. Incidente semelhante ocorreu com Lázaro, um
grande amigo de Jesus (Jo 11.5,6). Esses são dois grandes temores humanos: o tempo e a morte. Para Deus, entretanto, estes
aspectos limitantes da vida não existem. A razão nos encoraja a crer no possível; a experiência afirma que ninguém voltou do
lugar dos mortos revelando detalhes sobre esse caminho (Lc 16.30); as emoções nos fazem sentir preocupados e assustados em
relação à morte (Sl 55.4). Mas Jesus nos afirma que confiando (confiança é a palavra hebraica para fé) nele, como nossa única e
suficiente esperança, testemunharemos que o finis da morte (o final de tudo) se transforma no prelúdio da vida verdadeira: plena
e eterna (Jo 11.25).
19 Jesus faz uma grande diferença entre a morte eterna e o estado de descanso temporário da alma, fora do corpo, enquanto
aguarda a volta de Cristo, e o final da era humana como a conhecemos hoje. A morte para Jesus é o estado de eterno banimento
da comunhão e das misericórdias de Deus. Destino este reservado para Satanás, seus anjos e todos aqueles que rejeitarem a gra-
ça salvadora do Senhor durante suas vidas. Sendo assim, Jesus adverte a Jairo de que sua filha não estava (permanentemente)
54 Entretanto, Ele a tomou pela mão e, necei até que chegue a hora da vossa
em voz alta, lhe ordenou: “Menina, le- saída.2
vanta-te!”. 5 Porém, se não vos receberem, sacudi o
55 Imediatamente o espírito dela re- pó das vossas sandálias assim que sairdes
tornou, e no mesmo momento ela se daquela cidade, como testemunho con-
levantou, e Ele mandou que lhe dessem tra aquela gente”.3
algo para comer. 6 E assim, partiram os Doze e percor-
56 Os pais da menina ficaram mara- reram todos os povoados, pregando o
vilhados, contudo Jesus lhes ordenou evangelho e realizando curas por toda
que não contassem a ninguém o que se a parte.4
passara ali.20
Herodes tenta encontrar Jesus
Jesus envia os Doze em missão (Mt 14.1-12; Mc 6.14-29)
(Mt 10.1-15; Mc 6.7-13) 7 O tetrarca Herodes ouviu comentários
morta. Mas, como ocorre com “os mortos no Senhor”, estava “adormecida” ou “descansando” (1Ts 4.13), na expectativa da res-
surreição. Jesus demonstra a veracidade das suas palavras, despertando a menina da morte, concedendo-lhe uma ressurreição
antes da ressurreição definitiva, e comprovando, uma vez mais, que para Deus não há impossíveis (Mt 5.38; Jo 11.11-14).
20 Jesus sempre se preocupou com a maneira como as pessoas o estavam recebendo, bem como a sua mensagem. Ele não
queria que o povo o seguisse de forma utilitarista, ou seja, somente a troco dos benefícios físicos que Ele proporcionava aos que
nele criam: saúde física e emocional, libertação dos demônios, segurança, alimentação (Jo 6.26) e até ressurreição. Pois todos
querem ir para o céu, mas ninguém deseja morrer (Lc 9.24). Desde a Criação no Éden, o plano de Deus é que o ser humano lhe
fosse um amigo leal, adorando-o como seu Criador e Pai. Uma comunhão que resulta em glória a Deus (Jo 5.44; Fp 3.11).
Capítulo 9
1 O Cristo (forma grega de: o Messias, em hebraico), Soberano do Novo Reino, compartilha seu “poder” (em grego: dunamis),
e sua “autoridade” (em grego: exousia), com seus “apóstolos”, termo que em grego significa: “enviados em lugar daquele que os
comissionou”, ou seja “embaixadores”. Essa é uma nova fase do ministério de Jesus, quando envia seus plenos representantes
para colocarem em prática o estilo de vida, proclamação, curas e maravilhas que haviam visto diariamente em sua pessoa (Mt
9.35). Essa foi também a terceira viagem pelas terras da Galiléia realizada por Jesus e seus discípulos (8.1).
2 A estratégia espiritual de Jesus para vencer o Diabo e o mundo – e que durante muito tempo foi seguida pela Igreja primitiva
– consistia em: sair em missão de proclamação do Evangelho por todo o mundo (Mt 28.16-20); manter um estilo de vida simples
sem preocupações materiais (Mc 6.8); confiar na generosidade da provisão divina; ter senso de urgência, remindo o tempo e
aproveitando bem todas as oportunidades para apresentar a Salvação em Cristo (1Co 7.29); fixar a base do seu ministério numa
casa hospitaleira – e não mudar de casa, buscando melhores acomodações. Jesus deu grande ênfase ao ministério da “Igreja
nas casas” (Rm 16.5; 1Co 16.19; Cl 4.15; Fm 2).
3 Sacudir a poeira das sandálias era um ato simbólico praticado pelos judeus piedosos, ao retornarem à Palestina, e que neste
contexto significa uma expressão de relações cortadas, responsabilidade cessada, e um eloqüente e derradeiro apelo ao arrepen-
dimento. Esse passou a ser um sinal de total repúdio pela rejeição da mensagem de Deus (10.11; Mt 10.14; At 13.51).
4 O objetivo principal de Jesus é trazer todos os seres humanos para o Seu Reino, visto que a humanidade está afastada de
Deus, perdida e condenada à morte eterna (Rm 3.23), e essa missão deve ser realizada levando em conta todas as necessidades
básicas das pessoas. O amor não separa o bem-estar espiritual e eterno do material e presente (1Jo 3.17).
5 Lucas não informa os detalhes sobre a morte de João Batista (Mt 14.1-12; Mc 6.17-29), que ocorreu naquela época. En-
tretanto, Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande (Mt 2.1-19), perturbado pelo medo e remorso, ansiava ver se Jesus era
João Batista, que ele assassinara (13.31; 23.8). Entretanto seu desejo de ver a Cristo só se concretizou no julgamento de Jesus
(23.8-12). Somente as pessoas que recebem a Cristo em seu coração, por meio de fé pura e sincera, ganham a capacidade de
vê-lo (9.27; 13.35; Jo 11.40). O “crer” sempre precede o “ver” no Reino de Deus. Tanto Herodes, quanto os judeus e qualquer
outra pessoa que procure um sinal de Deus, são exortados – antes de tudo – ao arrependimento sincero e à entrega da alma aos
cuidados do Senhor (Mt 12.38-42).
6 A multiplicação dos pães e peixes, além da ressurreição de Jesus, é o único milagre narrado nos quatro evangelhos (Mt
14.13-21; Mc 6.30-44; Jo 6.1-15). Esse evento marca o clímax do ministério do Senhor na Galiléia. Lembrava os judeus sobre o
milagre do maná no deserto. Identificava a Jesus como sendo o cumprimento da profecia de Moisés (Dt 18.18; Jo 6). Por isso, a
Igreja primitiva reconheceu neste milagre um paralelo com a última Ceia (22.19; Jo 6.48-58), fazendo com que os discípulos de
Cristo sejam o Novo Povo de Deus que, pela Páscoa e o Êxodo (saída do mundo pecaminoso), são conduzidos para a eterna
Terra Celestial (Hb 3 e 4).
7 Lucas dá especial atenção ao relato de Jesus em oração (conversando com o Pai): Antes do batismo; da escolha dos Doze;
da confissão de Pedro; da transfiguração e da traição.
8 Pedro era o porta-voz natural dos Doze. Há séculos, o Messias era aguardado com ansiedade (Cristo é a tradução grega
do termo hebraico: Mashiah), que significa: “o Ungido”. Expressão que na antiguidade se referiu ao Sumo Sacerdote (como na
Septuaginta – Lv 4.5), e depois designou o Rei (1Sm 2.10,35; Sl 2.2; Dn 9.25), e foi interpretado pelos doutores e mestres judaicos
– ao tempo de Jesus – como o Salvador e Libertador prometido, cuja vinda era considerada iminente.
9 O povo judeu nutria há séculos uma falsa expectativa em relação à figura do Messias. Esperavam um revolucionário, guerreiro
Tome a sua cruz e siga a Jesus 30 Então, surgiram dois homens que co-
(Mt 16.24-28; Mc 8.34 – 9.1) meçaram a conversar com Jesus. Eram
23 E Jesus proclamava às multidões: “Se Moisés e Elias.
alguém deseja seguir-me, negue-se a si 31 Apareceram em glorioso esplendor
mesmo, tome a sua cruz dia após dia, e e falavam sobre a partida de Jesus, que
caminhe após mim. estava para se cumprir em Jerusalém.
24 Pois quem quiser salvar a sua vida, a 32 Pedro e seus amigos estavam dormin-
perderá; mas quem perder a sua vida por do profundamente, mas despertaram de
minha causa, este a salvará. súbito, e viram a fulgurante glória de Je-
25 Porquanto, de que adianta ao ser sus e os dois homens que permaneciam
humano ganhar o mundo inteiro, mas com Ele.
perder-se ou destruir a si mesmo?10 33 Quando estes iam se afastando de
26 Se alguém se envergonhar de mim e Jesus, Pedro sugeriu: “Mestre, como é
das minhas palavras, o Filho do homem, bom que estejamos aqui! Vamos erguer
igualmente, se envergonhará dele, quan- três tabernáculos: um será teu, outro
do voltar em sua glória e sob as honrarias para Moisés, e outro, de Elias”. Mas
do Pai e dos santos anjos. Pedro não sabia, ao certo, o que estava
27 Com certeza vos asseguro que alguns propondo.
que aqui se encontram, de modo algum 34 Entretanto, enquanto ele ainda falava,
passarão pela morte antes de verem o uma nuvem surgiu e os encobriu, e gran-
Reino de Deus”.11 de foi o temor que sentiram os discípulos
ao verem aqueles homens desaparecerem
Alguns vêem a glória de Jesus dentro da espessa nuvem.
(Mt 17.1-13; Mc 9.2-13) 35 Então, dela propagou-se uma voz,
28 Passados quase oito dias após o pro- afirmando: “Este é o meu Filho, o Esco-
nunciamento destas palavras, Jesus tomou lhido; a Ele dai toda atenção!”
consigo a Pedro, João e Tiago e subiu a um 36 Passado o som daquela voz, Jesus
monte para orar. ficou só. Os discípulos, então, guarda-
29 Enquanto orava, a aparência do seu ram o que viram e ouviram somente
rosto foi se transformando e suas roupas para si; durante aquele tempo não
ficaram alvas e resplandeceram como o compartilharam com ninguém o que
brilho de um relâmpago. acontecera.12
e estrategista militar, que libertaria Israel do império romano e instalaria seu reino de glória e poder a exemplo de Davi. Portanto,
em primeiro lugar, Jesus se revelou aos Doze e esforçou-se para que eles compreendessem bem quem Ele era e qual a sua
missão na terra. O próximo passo era comunicar essa revelação ao seu povo antes de Jesus se identificar publicamente (Mt 8.4;
16.20; Mc 1.34). Jesus gostava de se apresentar como “o Filho do homem”, pois essa expressão no original é uma clara indicação
do Messias profetizado em Daniel 7.13. A figura do Servo Sofredor (Is 53), é sobreposta à imagem do Messias (Mt 8.20) para
retratar adequadamente a pessoa e a obra de Jesus.
10 Seguir a Jesus exige sacrifício do ser humano: consagração, abnegação, dedicação, disciplina e absoluta obediência volun-
tária à Palavra de Deus. Lucas ainda dá ênfase ao aspecto da continuidade, ou seja, viver assim “dia após dia”, haja o que houver.
A imagem da crucificação era comum e clara para todos os discípulos. Era a maneira como o império romano executava os
traidores, criminosos e revolucionários da época. Contudo, Jesus assegura ao fiel, que ainda que lhe seja necessário dar a própria
vida em holocausto por amor a Deus, uma nova vida de paz e felicidade lhe será outorgada. Pessoas que aceitam o convite do
Senhor e decidem abandonar uma vida mundana (morrer para o mundo), passando a dedicar-se à obra de Cristo, são grandes
testemunhas desse milagre (viver para Cristo – Gl 2.19-20; Fp 1.21). Nenhuma outra declaração de Jesus recebeu tanto destaque
por parte dos quatro evangelistas (Mt 10.38,39; 16.24,25; Mc 8.34,35; Lc 14.26,27; 17.33; Jo 12.25).
11 A palavra grega heos (morte antes...), indica que Jesus não se refere aqui à sua segunda e gloriosa vinda (pois não haverá mor-
te depois – 1Ts 4.17). Jesus está falando da manifestação do início de um novo tempo do Reino: na ressurreição de Cristo e no dia
do Pentecostes. Alguns dos que ali estavam veriam o Rei ressurreto (1Co 15.5-6), enquanto os incrédulos só o verão em seu retorno
triunfal para o Juízo (Mc 14.62). Pedro, João e Tiago tiveram uma antecipação desta visão gloriosa cerca de uma semana depois.
12 Conforme estudos de respeitáveis arqueólogos e historiadores cristãos, o lugar onde ocorre o milagre da transfiguração é
o monte Hermom, cujo cume coberto de neve, acima de 2.740 metros de altura (Mc 9.2), pode ser avistado de muitas partes da
Palestina, brilhando como ouro polido à luz do sol. Moisés e Elias, os grandes representantes da Lei e dos Profetas, aparecem em
glória, porém não como espíritos imateriais, e sim em forma corpórea como Jesus estava. Elias havia sido trasladado corporeamente
para o céu (2Rs 2.11), e o testemunho de Judas (Jd 9) dá a entender que Moisés fora ressuscitado da morte. A obra de Moisés havia
sido completada por seu discípulo Josué, assim como a de Elias por seu discípulo Eliseu (uma variação do nome Josué). Agora
estavam conversando com Jesus (nome grego correspondente a Josué, que em hebraico significa: “Deus Salvador” ou “Jeová é
Salvação”), e Lucas nos informa que o assunto era o exodon (em grego: a partida) de Jesus (2Pe 1.15): a obra redentora de Cristo
na cruz ((sua morte)) e, conseqüentemente,
q a sua ressurreição,
ç ascensão e gglória final. Esse encontro extraordinário, ppresenciado ppor
três apóstolos do Senhor, indica o momento exato do cumprimento de tudo quanto o AT prenuncia. A tipologia do Êxodo fornece o
pano de fundo; Jesus supera a Moisés na formação e no governo do Novo Israel de Deus, por ser o Filho (v.35; Hb 2.9,10). O título
“Escolhido” aparece nos rolos do mar Morto, ecoando Is 42.1; 23.35. O termo “Escolhido” corresponde à expressão “Amado” (Mt
17.5; 2Pe 1.17). Jesus, mediante o seu “êxodo” livrou o seu povo (seus seguidores) da escravidão do pecado que domina o nosso
sistema mundial, levando a bom termo a obra tanto de Moisés quanto de Elias (1Rs 19.16).
13 O milagre da transfiguração ocorreu à noite. No outro dia, após o grande êxtase no monte, Jesus e os discípulos descem
para o vale e reencontram a vida normal, cotidiana, com suas aflições, inquietações e necessidades básicas. Toda essa seqüência
de acontecimentos demonstra a necessidade do serviço cristão ser uma extensão do culto. A permanência no monte, na contem-
plação ou busca de experiências, sem o esforço prático para melhorar a vida das pessoas no vale, e vice-versa, resulta em falta
de poder e autoridade. A possessão demoníaca afeta suas vítimas de maneiras diversas (Mt 17.15; Mc 9.17; 4.33; 8.28; 13.11,16).
Na vida deste jovem, o espírito maligno catalisou os efeitos nocivos da epilepsia amedrontando e confundindo as pessoas, e os
próprios discípulos de Jesus que haviam ficado no vale.
14 As pessoas estavam vendo os milagres de Jesus como maravilhas e oportunidades de se livrarem de situações incuráveis
ou insolúveis, mas não conseguiam ver nos prodígios das palavras e das realizações de Jesus os sinais da presença de Deus na
terra, entre seu povo. O lamento de Jesus é contra a incredulidade de todas as pessoas que se aproximam de Deus apenas para
testar seu poder, para assistir a um exemplo da ação extraordinária e especial do Criador. Esquecidas de que precisam de arre-
pendimento, buscam apenas uma solução rápida, prática e a baixo custo para seus problemas imediatos (Dt 32.5; Nm 14.27).
15 Jesus refletia de maneira tão clara a imagem de Deus (imago Dei), que as multidões admiravam nele a sublimidade e a
tanto, aquele que entre vós for o menor, recebeu por notar que Ele estava priori-
este sim, é grandioso”.16 tariamente a caminho de Jerusalém.
54 Diante de tal situação, os discípulos
Jesus não aprova o sectarismo Tiago e João, propuseram: “Senhor, que-
(Mc 9.38-40) res que mandemos descer fogo do céu
49 Então replicou João: “Mestre, vimos para que sejam aniquilados?”.
um homem expulsando demônios em 55 Mas Jesus, mirando-os, admoestou-
teu nome e nos dispusemos a tentar lhes severamente: “Não sabeis vós de que
impedi-lo, pois afinal, ele não caminha espécie de espírito sois?
conosco. 56 Ora, o Filho do homem não veio com
50 Jesus, entretanto, lhes advertiu: “Não o objetivo de destruir a vida dos seres hu-
o proibais! Pois quem não é contra vós manos, mas sim para salvá-los!”. E assim,
outros, está a vosso favor”.17 rumaram para um outro povoado.19
realeza do Senhor (2Pe 1.16). Contudo, Jesus não se deixava envolver pelos louvores e bajulações do povo, e procurava sempre
lembrá-los de que rumava resoluto para entregar sua vida como holocausto para a salvação da humanidade, a quem sempre
muito amou (Jo 3.16).
16 A grandeza no Reino de Deus é proporcional ao serviço humilde, sincero e totalmente em louvor ao Senhor. É o próprio
significado da cruz (44,45; Fp 2.7,8). Essa polêmica surgiu algumas vezes entre os discípulos (22.24; Mc 10.35-45). O verdadeiro
e desinteressado amor é provado por sua operação em favor daqueles que são considerados pela sociedade como os mais
insignificantes. Esse amor será exaltado e premiado por Deus.
17 João responde (literalmente no original grego: “respondendo”) ao esclarecimento do Senhor sobre a grandeza de servir com
humildade no Reino, com mais uma questão: como pode alguém estranho ao seu grupo expelir demônios em nome de Jesus
(especialmente quando alguns discípulos não conseguiram)? Não é a posição oficial que mede a grandeza de uma pessoa,
mas sim a qualidade do seu propósito. Para os discípulos, preocupados, naquele momento, com a hierarquia e o fluxograma do
ministério, não bastava que aquela pessoa, possivelmente conhecida de Jesus (50), estivesse realizando prodígios em nome do
Senhor, era fundamental que fosse membro do grupo e se comportasse segundo “os estatutos” e a doutrina comuns. Esse tem
sido, há séculos, o erro de muitos cristãos. Jesus não diz que o homem era contra Ele, mas adverte que se aquela pessoa não
os estava prejudicando, certamente havia cooperado com eles de alguma forma, pois trabalhava pela mesma causa. Não pode
haver neutralidade na guerra contra o mal. Todo o homem que se opõe aos demônios e às suas influências, em nome de Jesus,
deve ser bem recebido, e não alvo de inveja e oposição.
18 Começa neste ponto a seção central do livro de Lucas que é concluída em 19.44 e focaliza especialmente o ensino de Jesus.
Lucas usa literalmente a expressão: “firmou o rosto para ir para Jerusalém”, numa alusão a Is 50.7, ressaltando a determinação
inabalável de Jesus em cumprir sua missão até o fim (13.22). Essa viagem a Jerusalém não é a mesma onde ocorreu a crucifica-
ção, porém marca o início de um período de ministério na Judéia, cuja cidade principal era Jerusalém.
19 Tiago e João eram conhecidos como “filhos do trovão” (Mc 3.17). À semelhança de Elias desejaram mais do que apenas
“sacudir o pó de suas sandálias” (2Rs 1.9-16). Entretanto, Jesus os alerta para o fato de pertencerem a outro espírito e demonstra
o tipo de amor que estava ensinando aos seus discípulos (Mt 5.44). Para alguns estudiosos, partes dos versos 55 e 56 foram intro-
duzidos por copistas ao longo dos primeiros séculos. No entanto, o Comitê de Tradução da KJ decidiu manter o texto inalterado
como vem sendo publicado originalmente desde 1611 e sobre os quais as novas descobertas nada apresentam em contrário.
20 Quais são as pessoas que não podem seguir a Jesus? As que valorizam a segurança e o conforto acima do Senhor. As que
dão total preeminência à família e aos amigos, muito acima do Salvador. As que permanecem contemplando o que deixam para
trás (a velha vida) enquanto caminham (Gn 19.26; Ef 5.17-24).
21 Conforme as tradições e rituais fúnebres observados no judaísmo, se o pai daquele homem já estivesse morto, ele não po-
deria estar ali no meio do caminho, deveria estar se ocupando de todos os detalhes e cerimônias que envolviam um sepultamento
judaico naqueles dias. O que o homem pede na verdade, é um tempo para ficar em casa até que seu pai morra, para depois,
mais maduro e livre de certas obrigações, poder avaliar com calma as vantagens e desvantagens de aceitar o convite de Cristo.
Mas Jesus e o Reino têm urgência e necessitam de pessoas dispostas e resolutas. Jesus usa um jogo de palavras (em grego,
logioni, aplica-se duplamente ao sentido, físico e espiritual, da palavra: “morto”), para chocar aquele homem com a verdade de
que restarão muitas pessoas no mundo que não atenderão ao chamado de Deus para a vida eterna, e que, portanto, aos mortos
espirituais caberá cuidar dos rituais de um mundo que perece (Ef 2.1).
22 Esse trecho bíblico (9.57-62) se passa justamente “ao longo do caminho”. Enquanto Jesus viajava, Lucas nos conta alguns
dos muitos casos de pessoas que se apresentaram ou foram convidadas a seguir Jesus e fazer parte do Reino de Deus. Nos três
exemplos narrados por Lucas, todas as pessoas tinham uma razão para adiar ou recusar esse compromisso. Claramente tiveram
boas intenções, mas não haviam percebido a natureza das exigências que a nova vida e o Reino faz aos seres humanos que
habitarão a Nova Jerusalém. A missão de Cristo é mais urgente do que aquela que Elias estabeleceu para Eliseu (1Rs 19.20). Todo
trecho mostra que Jesus não exige aquilo que Ele mesmo – enquanto ser humano – não praticou ou suportou. Assemelhar-se ao
Mestre é o grande alvo e o preço do discipulado (6.40).
Capítulo 10
1 Os melhores e mais antigos manuscritos gregos de Lucas, nos informam que Jesus enviou 72 de seus discípulos (uma alusão
a Nm 11.16-17), em duplas (9.1-6; Mc 6.7; At 13.2; 15.27,39,40; 17.14; 19.22), com a missão de proclamar o Reino de Deus e fazer
novos arautos do Senhor (discípulos). Lucas salienta a universalidade do Evangelho (16 vezes), para os pecadores de todos os
povos e raças, tanto samaritanos como gentios e os próprios judeus (24.47). O número de discípulos demonstra que Jesus tinha
um grupo de seguidores fiéis de tempo integral muito maior do que os Doze mais próximos, e uma agenda repleta. Orientações
semelhantes foram dadas por Jesus aos Doze (Mt 9.37,38; 10.7-16; Mc 6.7-11; conforme Lc 9.3-5).
2 O campo (a seara) é enorme e a grande missão é fazer discípulos de Cristo em todas as nações, pois o Dia do Juízo se
aproxima (Mt 13.39, Jo 4.35; Ap 14.15). Esse é o desafio missionário: a grandeza da plantação e a urgência da missão. A oração
contínua para que Deus mande servos dedicados à obra. O “Ide” de Jesus é um apelo para todos os discípulos, cada qual com
seu dom e campo de ação (Rm 10.15; Rm 12).
3 A estratégia de Cristo é completamente diferente de qualquer outro imperador. Seus discípulos devem ser totalmente depen-
dentes do Onipotente Pastor na conquista pacífica do território de posse do inimigo.
4 Os discípulos não deveriam se preocupar com o sustento, muito menos com o acúmulo de bens. Não levariam sacos de
viagem (alforjes), nem um par extra de sandálias. Sua manutenção viria de Deus, através de pessoas generosas, que cuidariam
plenamente de suas necessidades. As saudações orientais tradicionais eram (e ainda o são em muitos lugares) prolongadas,
consumindo horas de conversa. Jesus adverte a todo cristão sobre o sentido de urgência e otimização do tempo. O tradicional
shalom, saudação hebraica que significa “paz e bem-estar”, passa a ter um sentido ampliado e mais profundo: reconciliação do
pecador com Deus (Rm 5.1,10; Ef 2.16; Cl 1.21,22).
5 Ordem de Jesus citada em 1Tm 5.18 como Escritura, numa indicação clara de que o livro de Lucas já era considerado inspi-
fordes bem recebidos, alimentai-vos do 16 Portanto, qualquer pessoa que vos der
que for colocado diante de vós. ouvidos, a mim está dando ouvidos; mas
9 Curai os doentes que houver na cidade aquele que vos rejeitar, estará rejeitando
e proclamai-lhes: O Reino de Deus está à a mim mesmo; e quem me rejeitar, rejei-
vossa disposição! ta Aquele que me enviou”.
10 No entanto, quando entrardes numa
cidade e não fordes bem recebidos, saí Os setenta e dois regressam felizes
por suas ruas e exclamai a todos: 17 Então, os setenta e dois discípulos
11 ‘Até a poeira da vossa cidade, que se retornaram muito felizes e relataram:
nos pegou às sandálias, sacudimos con- “Senhor! Até os demônios se submetem
tra vós outros!’. Apesar disto, sabei que o ao nosso comando, em teu Nome”.
Reino de Deus está próximo. 18 Ao que Jesus lhes revelou: “Eu vi Sata-
12 Eu vos asseguro que, naquele Dia, ha- nás caindo do céu como relâmpago.
verá mais tolerância para Sodoma do que 19 Atentai! Eu vos tenho dado autoridade
para aquela cidade.6 para pisardes serpentes e escorpiões, as-
sim como sobre todo o poder do inimigo,
Ai daqueles que não se arrependem e nada nem ninguém vos fará qualquer
(Mt 11.20-24) mal.
13 Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! 20 Contudo, regozijai-vos, não apenas
Porque se as maravilhas que foram re- porque os espíritos vos obedecem, mas
alizadas entre vós o fossem em Tiro e sim porque os vossos nomes estão ins-
Sidom, há muito tempo elas teriam se critos nos céus”.8
arrependido, vestindo roupas de saco e
cobrindo-se de cinzas. A grande alegria de Jesus no Espírito
14 Contudo, no Juízo haverá menor ri- (Mt 11.25-27)
gor para Tiro e Sidom do que para vós 21Naquele
q mesmo momento, Jesus exul-
outras. tando no Espírito Santo exclamou: “Ó
15 E tu, Cafarnaum: serás, porventura, Pai, Senhor do céu e da terra! Louvo a ti,
elevada até ao céu? Não! Serás derrubada pois ocultaste estas verdades dos sábios
até o Hades.7 e cultos e as revelaste aos pequeninos.
rado (canônico). Os líderes cristãos devem receber justo sustento de todas as suas necessidades. Entretanto, não devem mudar
de casas (igrejas ou comunidades) apenas por interesses materiais ou melhor remuneração.
6 A proximidade do Reino tinha a ver com a pessoa de Cristo e de seus arautos (missionários), não em relação ao tempo (Mc
12.34). Apesar de Sodoma ter sido tão pecaminosa que Deus precisou destruí-la (Gn 19.24-28; Jd 7), o povo que ali estava tendo
o privilégio de ver e ouvir a Jesus, e os seus discípulos, estava contraindo culpa ainda maior, devido à sua incredulidade, a ser
cobrada no Dia do Juízo final. Tiro e Sidom, cidades gentílicas da Fenícia, ainda não haviam tido a oportunidade de receber a
mensagem de Cristo e observar seus milagres, oportunidade dada à maior parte da população da Galiléia. Privilégios maiores
sempre resultam em maior responsabilidade.
7 Cafarnaum foi o centro do ministério de Jesus na fronteira norte da Galiléia (Mt 4.13). Seus habitantes tiveram todas as
chances para verem e ouvirem a Jesus e, a maioria, não se arrependeu. Portanto, maior será sua condenação. A palavra “inferno”
vem do grego transliterado haidou ou “hades”, que corresponde à expressão hebraica do AT sheol, a qual significa: lugar dos
mortos ou sepulcro.
8 Os discípulos receberam poder e autoridade do Espírito de Deus, pela Palavra de Jesus, para expulsar demônios de todos
os tipos e derrotar a Satanás e seus terríveis ataques. Esse momento histórico, contemplado pelo Senhor (v.18), representou um
marco no ministério de Jesus com seus discípulos em relação ao estabelecimento do Reino de Deus. Jesus aproveita a euforia
dos discípulos para lhes advertir sobre o grande perigo da arrogância, soberba e orgulho, que acomete a todos aqueles que se
deixam inebriar pelas glórias do sucesso. Assim se deu a queda de Lúcifer, nome original do Diabo, em hebraico transliterado:
helel, que significa: “glorioso”, “luzente”; vocábulo que a Vulgata latina traduziu pela expressão: “estrela da manhã”. Evento este,
de tremendo impacto no universo e testemunhado por Jesus Cristo no céu (Is 14.12). Jesus previne aos seus discípulos para
manterem a humildade e o louvor a Deus por suas virtudes e realizações. Caso contrário, correm o risco de terem o mesmo
destino do império babilônico, rebaixado ao nível do pó, depois de ter sido exaltado como o mais poderoso entre os poderosos
reinos da terra. O próprio rei da Babilônia (região onde hoje se localiza o Iraque) foi usado pelos profetas do Senhor como
Amém, ó Pai, porque Tu tiveste a alegria 26 Ao que Jesus lhe propôs: “O que está
de proceder assim.9 escrito na Lei? Como tu a interpretas?”.
22 Tudo me foi entregue por meu Pai. 27 E ele replicou: “Amarás o Senhor, teu
Ninguém sabe quem é o Filho, a não Deus, de todo o teu coração, de toda a
ser o Pai; e nenhuma pessoa sabe quem tua alma, de todas as tuas forças e com
é o Pai, senão o Filho e aqueles a quem o toda a tua capacidade intelectual’ e ‘Ama-
Filho o desejar revelar”.10 rás o teu próximo como a ti mesmo’”.
23 Então, mirando os seus discípulos, 28 Então, Jesus lhe afirmou: “Respondes-
declarou-lhes em particular: “Bem-aven- te corretamente; faze isto e viverás”.13
turados são os olhos de quem vê as revela- 29 Ele, no entanto, insistindo em justifi-
ções que vós vedes.11 car-se, questionou a Jesus: “Mas, quem é
24 Pois vos asseguro que muitos profetas o meu próximo?”.14
e reis almejaram ver o que estais vendo, 30 Diante do que Jesus lhe responde as-
mas não viram; e ouvir o que ouvis e não sim: “Certo homem descia de Jerusalém
ouviram”. para Jericó, quando veio a cair nas mãos
de alguns assaltantes, os quais, depois de
A parábola do bom samaritano lhe roubarem tudo e o espancarem, fugi-
25 Certa vez, um advogado da Lei levan- ram, abandonando-o quase morto.
tou-se com o propósito de submeter 31 Coincidentemente, descia um sacerdo-
Jesus à prova e lhe indagou: “Mestre, te pela mesma estrada. Assim que viu o
o que preciso fazer para herdar a vida homem, passou pelo outro lado.
eterna?”.12 32 Do mesmo modo agiu um levita; quan-
prefiguração da “besta”, que se reerguerá e comandará a Babilônia dos últimos dias (Ap 13.4; 17.3; segundo a descrição do
dirigente de Tiro em Ez 28). O próprio Satanás, ao admirar e exaltar seus atributos pessoais – deixando de considerar que todos
lhe foram concedidos por Deus, e para Sua glória – cogitou ser semelhante a Deus e por isso foi execrado da presença do Senhor,
banido dos céus e rebaixado às regiões do inferno com a violência e a velocidade de um raio. Portanto, a Salvação do ser humano
é mais importante que o poder para realizar maravilhas e vencer o Diabo. A Salvação nos mantém humildes diante dos grandes
feitos, e nos encoraja quando erramos e caímos. Ela registra o nosso nome no céu (Sl 69.28; Dn 12.1; Fp 4.3; Hb 12.23; Ap 3.5).
9 Uma das principais características do evangelho escrito por Lucas é mencionar a alegria e felicidade por mais de 20 vezes, o
cântico e a glorificação de Deus (1.64; 2.13; 2.28; 5.25; 7.16; 13.13; 17.15; 19.37; 24.53). Nossa maior alegria não deve estar nas
coisas nem nas pessoas, mas no fato de termos sido eleitos para a Salvação pelo amor onisciente de Deus, condição privilegiada,
que jamais será anulada (Ef 1.4), a qual devemos honrar. Jesus demonstra seu grande júbilo (em grego: agalliaõ, que significa:
“exultação”, “demonstração pública de gozo profundo”). O motivo de tamanho contentamento de Jesus foi testemunhar a re-
velação da justiça e bondade de Deus para com os humildes em detrimento dos arrogantes e soberbos. A alegria da redenção
(1.14,47; At 2.26; 1Pe 4.13), da qual o Espírito Santo é o agente do gozo espiritual (Gl 5.22 e Fp 4.4).
10 Deus entregou a Seu Filho, Jesus, a chave da reconciliação definitiva entre o Criador e a humanidade: o Evangelho (1Co
15.1-3). Essa revelação não vem dos pais (tradição judaica), mas do Pai em Cristo (Jo 14.6-11).
11 A fé abre a visão para a verdade, a realidade de Jesus, o Cristo (Messias), e o Reino. Enquanto, o pecado, cega a humani-
dade (Jo 9.39-41).
12 A palavra grega transliterada nomikos, significa originalmente: “advogado”, como consta da Bíblia King James desde 1611.
As versões posteriores usaram expressões como “intérprete”, ou ainda “perito na lei”. Tratava-se de um teólogo judeu, autoridade
na Lei (a Torá) de Deus (11.45) e que nesta passagem procura submeter Jesus à prova (Mt 4.7; Tg 1.3), mas é provado pelo
Senhor através de seus próprios argumentos legalistas.
13 Em outra situação Jesus agrupa os mandamentos formando um só (Mt 22.35-40; Mc 12.28-32 com base em Dt 6.5; Lv 19.18).
Se considerarmos que o amor tem quatro aspectos (coração, alma, forças e entendimento ou inteligência – como aqui e em Mc
12.30), ou apenas três (Dt 6.5; Mt 22.37; Mc 12.33), o princípio maior a ser observado é a ampla e irrestrita dedicação do nosso
ser a Deus. Esses dois mandamentos resumem toda a Lei (Rm 13.9). Como – após a Queda (Gn 3) – tornou-se impossível ao ser
humano, cujo pecado habita no coração, atingir esse padrão; Cristo o fez por nós: a dupla Lei do Amor (1Jo 4.7-19).
14 O advogado busca demonstrar o valor de sua questão. No entanto, oferece ainda mais elementos para que Jesus destrua
os argumentos da Lei e revele a verdade da Graça. A autojustificação ambicionada pelo mais rigoroso fariseu (18.9-14; Fp 3.6)
é negada na parábola do Bom Samaritano. A justiça do sacerdote, que representa a suprema autoridade religiosa, e a do levita
(que trabalhavam em parceria no templo a serviço de Deus) ainda que zelosos no cumprimento da Lei, omitem o verdadeiro
“amor de Deus” (11.42) e passam “de largo” (pelo outro lado da estrada) para evitar um contato frontal com aquele ser humano
(semelhante e próximo) mortalmente ferido.
do chegou ao lugar, observando aquele 39 Maria, sua irmã, ficou sentada aos pés
homem, passou de largo. do Senhor, ouvindo o que Ele ensinava.
33 Mas um samaritano, estando de via- 40 Marta estava inquieta, ocupada com os
gem, chegou onde se encontrava o ho- muitos afazeres. E, aproximando-se de Je-
mem e, assim que o viu, teve misericórdia sus inquiriu-lhe: “Senhor, não te importas
dele.15 de que minha irmã tenha me deixado só
34 Então, aproximou-se, enfaixou-lhe as com todo o serviço? Peça-lhe, portanto,
feridas, derramando nelas vinho e óleo. que venha ajudar-me!”.
Em seguida, colocou-o sobre seu próprio 41 Orientou-lhe o Senhor: “Marta! Mar-
animal, levou-o para uma hospedaria e ta! Andas ansiosa e te afliges por muitas
cuidou dele. razões.
35 No dia seguinte, deu dois denários ao 42 Todavia, uma só causa é necessária.
hospedeiro e lhe recomendou: ‘Cuida Maria, pois, escolheu a melhor de todas,
deste homem, e, se alguma despesa tiver- e esta não lhe será tirada”.
des a mais, eu reembolsarei a ti quando
voltar’. O ensino de Jesus sobre a oração
36 Qual destes três te parece ter sido o (Mt 6.5-15; 7.7-12)
próximo do homem que caiu nas mãos
dos assaltantes?
37 Declarou-lhe o advogado da Lei: “O
11 Certa ocasião, Jesus estava orando
em um determinado lugar; quan-
do concluiu, um dos seus discípulos lhe
que teve misericórdia para com ele!”. Ao solicitou: “Senhor, ensina-nos orar, assim
que Jesus lhe exortou: “Vai e procede tu como João ensinou aos discípulos dele”.1
de maneira semelhante”. 2 Então, Ele passou a ensiná-los: “Quando
orardes, dizei: Pai! Santificado seja o teu
A adoração de Marta e Maria Nome; venha o teu Reino;2
38 Caminhando Jesus e os seus discípu- 3 o pão nosso de cada dia, continua nos
los, chegaram a um povoado, onde certa dando hoje e sempre.
mulher chamada Marta o recebeu em 4 Perdoa-nos os nossos pecados, pois assim
sua casa.16 também devemos perdoar a todos que er-
15 Jesus usa de certa ironia ao eleger como o benfeitor da história um samaritano. Considerado pelos judeus da época como
o mais asqueroso dos hereges, excluído do direito de ser “próximo” do judeu, um pecador tanto em relação à doutrina como à
prática da religião (Jo 4.20); mesmo assim, era capaz de compadecer-se e ter misericórdia de um inimigo necessitado, sacrifican-
do-se e pagando alto preço para salvá-lo. Dois denários de prata correspondiam a dois dias de trabalho e eram suficientes para
custear cerca de dois meses numa hospedaria. Uma ilustração clara da obra de Cristo por nós (Rm 5.8).
16 Maria e Marta eram irmãs de Lázaro (Jo 11; 12.1-3), grandes amigos de Jesus. Viviam em Betânia, um povoado que ficava a
uma distância de quatro quilômetros de Jerusalém. Jesus ensina a Marta, e a nós, que freqüentemente aplicamos nossas forças
e preocupações na performance (realizar, conquistar). Quando o correto, mais sábio e proveitoso é empenhar nossos sentidos a
ouvir e adorar o Senhor, assim como fez Maria. Esse princípio oferece o equilíbrio ideal em relação ao estímulo para o serviço que
aprendemos com a parábola do Bom Samaritano. Em vez da preocupação e ansiedade pelo servir um banquete digno do Senhor,
um prato seria suficiente; e Maria preferiu o banquete espiritual aos pés de Cristo: a melhor causa (At 6.2,4; Mc 10.45; Jo 4.32-34).
Capítulo 11
1 Jesus conversava (orava) com Deus costumeiramente (5.16; Mt 14.23; Mc 1.35) e, mais ainda em ocasiões especiais, como
em seu batismo (3.21), na escolha dos seus apóstolos (6.12), no Getsêmani (22.41). Os discípulos observaram essa prática
devocional e disciplina espiritual de Jesus e quiseram aprender como estabelecer esse nível de comunicação com Deus. Diante
desse desejo manifestado pelos discípulos, Jesus nos ensina um modelo de oração e não um mantra ou reza repetitiva. Por isso
temos uma sugestão em Mateus (Mt 6.9-13) no Sermão no Monte, e outra, de forma resumida, aqui.
2 Jesus ensina que devemos iniciar nossas orações expressando a mesma intimidade, carinho e respeito que uma criança
amorosa e obediente tem por seu pai. Mais uma vez Jesus faz um jogo com as palavras para demonstrar o quanto é fácil con-
fundir “religião formal” com “adoração sincera”. Jesus afirma que devemos nos dirigir a Deus como Abba (em aramaico, papai
ou paizinho querido – Mc 14.36; Rm 8.15. Gl 4.6), denotando assim o verdadeiro sentimento que há no coração de Deus para
com seus filhos. Sentimento este que deveria igualmente inundar nossa alma e que nos ajudaria a compreender melhor a pessoa
do Senhor e seu modo de agir na história. Os líderes religiosos judeus costumavam iniciar suas preces com a palavra hebraica
transliterada Abinu com o acréscimo de alguma expressão que significasse que Deus estava no céu. Este tipo de formalismo e
ram contra nós. E não nos deixes sucumbir concedido; buscai e encontrareis; batei e
à tentação, mas livra-nos do Maligno”.3 a porta será aberta para vós.
10 Pois todo o que pede recebe; o que bus-
A parábola do amigo insistente ca encontra; e a quem bate se lhe abrirá.
5 E acrescentou-lhes Jesus: “Imaginai que 11 Qual pai, dentre vós, se o filho lhe
um de vós tenha um amigo e que precise pedir um peixe, em lugar disso lhe dará
recorrer a ele à meia-noite e lhe peça: uma cobra?
‘Amigo, empresta-me três pães, 12 Ou se pedir um ovo, lhe dará um es-
6 porque um amigo meu acaba de chegar corpião?
de viagem, e não tenho nada para lhe 13 Ora, se vós, apesar de serdes maus,
oferecer’. sabeis dar o que é bom aos vossos filhos,
7 E o que estiver dentro da casa lhe res- quanto mais o Pai que está nos céus
ponda: ‘Não me incomodes. A porta já dará o Espírito Santo àqueles que lho
está fechada, e eu e meus filhos já esta- pedirem!”.4
mos deitados. Não posso me levantar e
dar-te o que me pedes’. Uma casa dividida não prospera
8 Eu vos afirmo que, embora ele não se (Mt 12.22-32; Mc 3.20-30)
levante para dar-lhe o pão por ser seu 14 De outra feita, Jesus expulsou um
amigo, por causa da insistência se levan- demônio que estava mudo. Assim que o
tará e lhe dará tudo o que precisar. demônio saiu, o homem falou, e a multi-
dão ficou maravilhada.
Jesus ensina perseverança na oração 15 Entretanto, alguns deles O censuraram:
(Mt 7.7-11) “Ora, ele expulsa os demônios pelo poder
9 Portanto, vos asseguro: Pedi, e vos será de Belzebu, o príncipe dos demônios!”.
protocolo – jamais requerido por Deus – tendia a colocar o ser humano numa posição de quase inacessibilidade a Deus. Um
tipo de relacionamento parecido com o que os pagãos tinham com seus deuses, e por isso precisavam lhes oferecer sacrifícios,
autoflagelos e mantras infindáveis a fim de obter um pouco da atenção e graça divinas.
3 Depois de certificar-se de que pode chamar a Deus de Pai (Jo 1.12), o discípulo deve exaltar o nome do Senhor. Os nomes
na antiguidade judaica tinham um significado intrínseco muito maior do que nos dias de hoje que resumia a totalidade do caráter
de uma pessoa. Por isso, Jesus mudou o nome de algumas pessoas quando foram convertidas, pois suas filosofias de vida (a
maneira de pensar e viver) haviam sido completamente alteradas ao se tornarem seguidoras de Cristo. Deus é Pai, que significa o
Criador: Aquele que dá origem ao ser humano. É nosso “paizinho” mas também é nosso Senhor, esse é o caráter de Deus (amor
e justiça) e merece toda a nossa reverência (de alma). Expressamos o Deus que vive em nós através de nossas atitudes (1Pe
1.14-21; 3.15). Logo em seguida, enquanto ora, o discípulo deve almejar a implantação do Reino de Deus na terra. Esse alvo de
Jesus deve ser a missão dos seus discípulos: que todos os povos, raças e culturas, sejam contemplados com a Salvação e que
um sistema global de amor e justiça permeie toda a terra (Mt 28.18-20). Devemos orar, pois essa missão cumpre-se parcialmente
quando uma pessoa aceita a Jesus como seu Salvador e Senhor pessoal, mas ainda esperamos pela total e perpétua remissão
de toda terra, quando Cristo voltar em glória. A oração continua, e agora o discípulo está pronto para, reconhecendo que Deus
é quem provê o sustento diário e eterno (em grego epiousion, que significa, “dia a dia”, “cotidiano”, “para amanhã e depois”),
suplicar agradecido pela provisão de amanhã enquanto coloca mãos à obra. Seu trabalho não visa apenas ganhar o sustento,
mas sim prestar glória ao Senhor e dar testemunho ao mundo (Jo 6.35 e 4.32 com Pv 30.8 e Ap 19.9). Esta perspectiva cristã do
trabalho faz toda a diferença. O pecado é considerado como uma dívida que precisa ser paga. Deus é o Criador de toda a terra e
da humanidade, portanto, tudo o que somos e temos pertence a Deus. Quando desobedecemos ao Senhor, estamos roubando
os direitos de Deus e ficamos em pecado (em dívida). Assim como o Senhor provê diariamente recursos para nosso sustento,
também nos oferece seu perdão em Jesus Cristo. Da mesma maneira, devemos estar dispostos a perdoar nossos semelhantes
todos os dias. Viver a vida cristã dentro desse padrão é correr o risco de ser tentado (em grego peirasmos que também significa
um tipo de “teste” ou “prova”) a todo o momento. Deus não “tenta” a ninguém, mas “prova” a todos os seus filhos (Mt 9.1; 6.9-15;
Dt 8.1-5; Tg 1.13; Hb 2.17); Jesus está nos ensinando a ficar alertas e fugir das inúmeras ciladas do Inimigo, que tem o objetivo
de nos persuadir a viver abaixo do padrão moral de Deus para nos condenar (1Co 6.18; 10.14; 1Tm 6.11; 2Tm 2.22) e com isso,
neutralizar nossa missão de testemunharmos e implementarmos o Reino de Deus no mundo.
4 Lucas é o evangelho da oração e nos revela o apelo de Jesus para que sejamos ousados e perseverantes na oração (vs. 5-8),
nos oferecendo total garantia de que Deus responde às nossas súplicas (vs. 9-13). O argumento é que se nós que estamos sob a
influência do pecado universal (13.1-9), ainda assim, somos amorosos para com nossos filhos, quanto mais o Pai da humanidade
fica feliz em presentear seus filhos com os dons espirituais, sendo o primeiro e maior deles o dom da Salvação (1Co 12.13). Todo
crente em Jesus tem o Espírito Santo (At 1.8; Gl 5.22), mas quando pedimos para que o Espírito dirija nossas vidas abrimos a
alma para sua maravilhosa e completa ação (Ef 4.30 com 1Ts 5.19).
5 O sinal que tanto buscavam estava diante deles. Jesus acabara de expulsar o Mal e curar aquele homem cego, surdo e mudo
(Mt 2.22-30; Mc 3.20-27). Mas, os olhos dos legalistas, obscurecidos pelo pecado, não podiam enxergar as maravilhas realizadas
por Jesus em palavras e atitudes. Ao afirmar que Jesus exorcizava sob o poder do inferno (Mt 12.24), não compreendiam que
aquele esconjuro era a maior prova que Jesus agia pelo poder de Deus, pois que o reino do mal não está dividido. Os demônios
não lutam entre si, somente os homens agem assim. A expulsão do demônio evidencia a chegada do Reino de Deus e a derrota
do príncipe deste mundo.
6 O Reino de Deus havia chegado no sentido de o Rei estar presente na pessoa de Cristo (4.43) e de os poderes do mal estarem
sendo vencidos. O Diabo (também chamado de “valente” ou “homem forte”) prende e escraviza a todos que consegue dominar,
mas somente até a chegada de Jesus, que tem plena autoridade e poder para destruí-lo; bem como aos seus exércitos e resgatar
a humanidade (Cl 1.13; 2.15; Hb 2.14).
7 A neutralidade no Reino de Deus é inaceitável e impossível. Quem não apóia sinceramente a Jesus, seus ensinos e Igreja,
opõem-se ao Senhor. Entretanto é preciso cuidado para não censurar os que estão do lado de Cristo como se não estivessem.
Aquele obreiro citado em 9.50 não era membro do grupo dos Doze, nem dos setenta e dois, mas fazia a obra em nome de Jesus
e o Senhor não o condenou (Mc 9.38-39).
8 O ministério dos exorcistas judeus era ineficaz (v.19), pois afugentavam os demônios por algum tempo, mas não aceitavam o
Reino de Deus em seus corações (Mt 12.43-45). Quando uma pessoa é liberta da opressão do mal deve abrir seu coração para
que seja cheio do Espírito Santo de Deus: a única maneira de viver livre do controle do Diabo. Uma vida reformada, mas sem a
presença do Espírito Santo fica sujeita a ser novamente tomada pelo mal.
9 Maior privilégio do que ser a própria mãe de Jesus e compartilhar da humanidade de Deus é compreender e aceitar a men-
sagem salvadora de Jesus Cristo e participar do seu corpo espiritual (Tg 1.22).
10 O profeta Jonas ficou três dias “sepultado” no interior de um grande peixe e depois voltou à terra de Israel. Desta mesma
forma, Jesus seria ressuscitado depois de três dias do seu sepultamento (Mt 12.40; Jo 14.11; Jn 3.4).
30 Porquanto, assim como Jonas foi sinal ramente iluminado, assim como quando
para os ninivitas, o Filho do homem o a luz de uma forte candeia resplandece
será para esta geração. sobre vós”.
31 A rainha do Sul se levantará, no dia do
Juízo, juntamente com os homens desta Jesus condena a hipocrisia religiosa
geração e os condenará, pois ela veio dos 37 Ao concluir essas palavras, um fariseu
confins da terra para ouvir a sabedoria o convidou para comer em sua compa-
de Salomão. nhia. Jesus, aceitando, foi e reclinou-se
32 A população de Nínive se levantará, no junto à mesa conforme o costume.13
dia do Juízo, com esta geração e a con- 38 Entretanto, o fariseu, notando que Je-
denará; pois eles se arrependeram com a sus não se lavara de acordo com a tradi-
pregação de Jonas. Contudo, agora aqui ção cerimonial que antecede às refeições,
está quem é maior do que Jonas.11 ficou surpreso.
39 Então o Senhor lhe declarou: “Vós, fa-
A parábola da candeia riseus, purificais o exterior do corpo e do
(Mt 6.22-23) prato; mas vosso interior está entulhado
33 Ninguém acende uma candeia e a coloca de avareza e perversidade.
em lugar onde fique escondida, nem de- 40 Insensatos! Aquele que criou o exterior
baixo de uma vasilha. Ao contrário, coloca- não criou igualmente o interior?14
a num local apropriado, para que os que 41 Portanto, dai ao necessitado do que
entram na casa possam ver seu luminar. está dentro do prato, e vereis que tudo
34 São os teus olhos a luz do teu corpo; vos será purificado.15
se teus olhos forem humildes, todo o teu 42 Mas ai de vós, fariseus! Porque dais o
corpo será cheio de luz. Porém se teus dízimo da hortelã, da arruda e de todas
olhos forem malignos, todo o teu corpo as hortaliças e desprezais a justiça e o
estará tomado pelas trevas.12 amor de Deus; devíeis, contudo, praticar
35 Certifica-te, pois, que o fulgor que há essas virtudes, sem deixar de proceder
no teu interior não sejam trevas. daquela forma.
36 Portanto, se todo o teu corpo estiver 43 Ai de vós, fariseus! Pois amais os luga-
pleno de luz, sem ter nenhuma parte res de honra nas sinagogas e as saudações
dele em trevas, então ele estará verdadei- em público!
11 Gentios, como a rainha de Sabá (1Rs 10.1-10) e os ninivitas, testemunharão, no juízo, contra os incrédulos judeus; porque, ao
perceberem um pouco da glória de Deus, não endureceram ainda mais seus corações e se arrependeram de seus pecados. Entre-
tanto, os judeus estavam diante do fulgor da luz divina irradiada de Jesus Cristo e não conseguiam ver o Reino e a glória de Deus.
Todos têm alguma luz; todavia, a responsabilidade aumenta, conforme a intensidade da luz do evangelho (Jo 1.9; Rm 1.20; 2.5).
12 As pessoas que pedem sinais não precisam de mais luz e sim de ampliar sua percepção, a capacidade de ver e analisar
com olhos espirituais. A candeia tem o poder de iluminar todos aqueles que se aproximam dela, tanto mais quanto mais perto
estiverem. A luz de Cristo e de Sua Igreja jamais será apagada, mas continuará brilhando até os confins da terra, oferecendo a
oportunidade da Salvação a todos os povos, raças e culturas; atraindo para Si todos os que têm “olhos bons” (abençoados por
Deus), fazendo-os ingressarem no Reino e participarem da fulgurante luz de Cristo.
13 A expressão “fariseus” significa em hebraico “os separados”, e era usada para identificar uma seita político-religiosa que
lutava pela segregação da cultura judaica. Eles aguardavam a vinda de um Messias político, que obrigasse o povo a seguir todas
as leis e ordenanças da tradição rabínica e legalista criada por eles para explicar o AT. O ato cerimonial de se lavar (verbo grego:
baptizõ) várias vezes antes das refeições, não era ordenado na Lei, mas fora acrescentado pelos fariseus (Mt 7.3; Mt 15.9).
14 A mais perigosa insensatez é pensar que Deus se preocupa mais com as cerimônias exteriores do que com o sentimento
sincero da alma humana (Is 1.10-17). Jesus nos adverte para que não tentemos ser mais reais do que o Rei em nossos proce-
dimentos e relacionamentos. Os fariseus estavam dando muito mais atenção a formas rígidas de comportamento do que a uma
vida moral limpa e generosa para com Deus e os nossos semelhantes (Mc 7.20-23).
15 O amor sincero ao próximo, que se reflete em atitudes práticas e concretas de respeito, solidariedade e cooperação, é um
dos mais significativos atos de purificação espiritual e adoração a Deus. Os líderes religiosos e políticos devem ter muito cuidado
com a demagogia, pois é comum falarem do que não fazem. Exortam o povo às atitudes humanitárias e projetos sociais; contudo,
eles próprios não se desprendem de seus bens materiais, amor ao poder, egoísmo e vaidades (19.8).
44 Ai de vós, porque sois como sepulturas sua sabedoria: ‘Eu vos enviarei profetas e
que não são vistas, por sobre as quais os apóstolos, dos quais assassinarão alguns,
homens andam sem o saber!”.16 e a outros perseguirão’.
50 Pelo que, esta geração será considera-
Ai dos doutores da Lei! da responsável pelo sangue de todos os
45 Então, um dos advogados da Lei profetas, derramado desde o início do
advertiu a Jesus: “Mestre, quando dizes mundo:18
essas palavras, também nos ofendes a 51 desde o sangue de Abel até o sangue de
nós outros!”. Zacarias, que foi morto entre o altar e o
46 Todavia, Ele afirmou: “Ai de vós tam- santuário. Sim, Eu vos asseguro, contas de
bém, advogados da Lei! Porque sobrecar- tudo isso deverão ser prestadas por esta
regais as pessoas com fardos que dificil- geração!19
mente podem carregar; no entanto, vós 52 Ai de vós, advogados da Lei! Porque vos
mesmos não levantais um só dedo para apropriastes da chave do conhecimento.
ajudá-las.17 Contudo, vós mesmos não entrastes nem
47 Ai de vós! Porque edificais os túmulos permitistes que entrassem aqueles que
dos profetas, sendo que foram os vossos estavam prestes a entrar”.20
próprios antepassados que os assassi-
naram. A trama para matar Jesus tem início
48 Assim, sois testemunhas e aprovais 53 Enquanto Jesus se afastava dali, come-
com cumplicidade essas obras dos vossos çaram os fariseus e os mestres da Lei a
antepassados; porquanto eles mataram os criticá-lo com veemência, buscando con-
profetas, e vós lhes edificais os túmulos. fundi-lo acerca de muitos assuntos.
49 Por isso, também, Deus advertiu em 54 Tudo isso para tentar extrair de suas
16 Os judeus costumavam pintar seus túmulos com cal para que ninguém por acidente tropeçasse ou tocasse neles e, dessa
forma, ficasse contaminado ou “imundo cerimonialmente” por sete dias (Nm 19.16; Mt 23.27). Assim como tocar em um túmulo
resultava em “impureza”, Jesus afirma que associar-se aos “fariseus” (aos legalistas) podia levar à “impureza moral” e proclama
três maldições contra isso: Aqueles que colocam as normas e estatutos religiosos acima do amor a Deus (1Co 16.22) e da justiça
(Fp 3.9); aqueles que valorizam a honra e os elogios das pessoas acima da glória de Deus (Jo 12.43); e aqueles que contaminam
seus semelhantes ao invés de conduzi-los a Jesus Cristo e, portanto, à Salvação (Hb 12.15 com Tg 5.20).
17 Os advogados da Lei (peritos e intérpretes da Lei) sobrecarregavam o povo com regras e regulamentos acrescentados à Lei
original de Moisés (Mt 15.2), sem nada fazer para ajudar as pessoas a guardar essas leis (Mt 23.4). De outro lado, eles estavam
criando atalhos legais e normas especiais para se safarem incólumes da necessidade de eles próprios terem que cumprir tais
leis. Esses “homens da lei” eram demagogos. Honravam a memória dos profetas construindo ou reformando seus túmulos e
monumentos; porém, no íntimo e na prática, rejeitavam a Cristo e a proclamação dos ensinos dos profetas, da mesma maneira
como acontecera com seus antepassados.
18 O genocídio ocorrido em Israel entre os anos 66 e 70 d.C. foi o cumprimento dessa terrível advertência profética. Os exércitos
romanos dizimaram impiedosamente quase toda a nação judaica (21.20-24). Esse é um dos eventos históricos que demonstra a
implacável justiça de Deus contra aqueles que rejeitam seu conselho e mandamentos. Pior ainda será o castigo contra aqueles
que rejeitarem o Filho de Deus (20.14).
19 Os judeus suplicaram por profetas de Deus, mas quando eles chegaram – a exemplo de Jesus – foram perseguidos,
injuriados e assassinados. O sangue inocente de cada um desses homens de Deus será requerido pelo Senhor dessa geração
incrédula e perversa. Abel foi o primeiro servo do Senhor martirizado (Gn 4.8), considerado por Jesus como profeta. A morte de
Zacarias foi a última morte de um profeta do AT, levando em conta a seqüência dos livros na ordem hebraica tradicional, começan-
do com o Gênesis e terminando em 2 Crônicas (2Cr 24.21-22). Jesus está afirmando que o sangue de todos aqueles que sofreram
e foram mortos por sua fidelidade a Deus seria requerido. As contas desses atos criminosos seriam prestadas pela geração que
compartilhou plenamente das atitudes que levaram a efeito a morte dos profetas (incluindo o próprio Filho de Deus).
20 O “Ai” final de Jesus vai para os escribas (advogados e intérpretes da Lei) e teólogos. Aqueles que dominam o conhecimento
e têm a responsabilidade de comunicar o saber à sociedade e apontar o Caminho de Deus ao povo. Tomaram posse da chave
da ciência que destrava o significado mais profundo das Escrituras. Mas, ao invés de tornar simples e prático o viver com Deus,
angustiavam o povo com a imposição de ordenanças e mitos teológicos. Por fim, esses próprios doutores da Lei, transformaram
a Bíblia num livro de obscuridades e foram enredados por suas próprias teorias místicas. Não conseguiam perceber a Graça, a
amplitude e o poder da Palavra de Jesus nem mesmo deixavam prosseguir no Caminho aqueles que se aproximavam da Verdade
(Jo 14.6) e do Reino de Deus.
próprias palavras algum motivo para o 6 Não se costuma vender cinco pardais
acusarem formalmente. por duas pequenas moedas? Entretanto,
nenhum deles deixa de receber o cuida-
Os fiéis devem evitar a hipocrisia do de Deus.
1 Somente Lucas usa a expressão “multidão de milhares” (miríades) de pessoas, que deriva da palavra grega murias (dez
mil). Em Atos 19.19, “cinco miríades” correspondem a 50.000 denários. Entretanto, o termo é freqüentemente usado de modo
indefinido, referindo-se às grandes multidões que seguiam Jesus à toda parte. O fermento é a influência que corrompe (1Co 5.6).
O perigo da hipocrisia e arrogância não se limita aos fariseus e líderes religiosos, mas aos crentes em geral.
2 Nesse contexto, o sentido é que nada há escondido pela hipocrisia e arrogância que não venha a ser, de fato, transparecido ou
dado a conhecer pela convivência e ao longo do tempo. Assim também, como a Palavra de Deus traz à luz os segredos e as verdadei-
ras motivações da alma (Hb 4.12), o juízo final revelará tudo o que não for objeto de confissão, arrependimento e perdão (1Jo 1.9).
3 Durante os tempos de provação e perseguição, a fé dependerá da consciência clara em relação à infinita diferença que há
entre a simples morte física e a morte eterna da alma. Tememos ao Senhor por sua justiça implacável (Tg 4.12), mas nele confia-
mos, pois Ele é amor e governa sobre tudo e todos (Rm 8.28-39). Somente Deus tem em suas mãos o poder da vida e da morte.
Os versos 6 e 7 apresentam os fundamentos da nossa confiança. A palavra grega traduzida aqui por inferno é geenna, e não deve
ser confundida com outra expressão grega hades, que se refere ao nome genérico do lugar dos mortos (Mt 5.22). É importante
notar, que no NT, inferno é usado somente em Mateus, Marcos, nessa passagem de Lucas e em Tiago 3.6.
4 Deus dedica grande cuidado às pequenas criaturas, mesmo àquelas que, em geral, os seres humanos atribuem pouco
interesse e valor. Na época, os pardais faziam parte da alimentação dos pobres. Existem três palavras que denotam moedas
romanas: denarius (Mt 18.28), assarion (Mt 10.29) e kodrantes (ou centavo - Mt 5.26). O lepton era uma moedinha que valia
apenas metade de um centavo.
5 Aqui essa expressão tem uma aplicação mais ampla do que em Mt 12.31 e Mc 3.28,29. Desde os pensadores cristãos dos
primeiros séculos da Igreja (também chamados de “pais da Igreja”), essa passagem é compreendida como sendo uma adver-
tência à imperdoável apostasia daqueles que assumiram um compromisso de fé ao lado de Cristo e da Igreja (Hb 6.4-8), em
comparação com a palavra de rejeição a Cristo, própria daqueles que não têm fé, e, portanto, passível de perdão pela Salvação
ainda disponível a eles.
6 Não existe melhor advogado do que o Espírito Santo, nem melhor defesa do que um coração completamente controlado
pelo Senhor (1Pe 3.15).
7 Jesus não pode mediar um coração dominado pela avareza, para isso já existe a Lei (Dt 21.17), que promulgou a regra geral
de que um filho mais velho receberia o dobro da porção de um filho mais jovem. Essas eram questões comumente ajuizadas
pelos rabinos que, em muitos casos, recebiam uma porcentagem dos acertos firmados. Entretanto, esse homem estava comple-
tamente tomado pelo egoísmo e materialismo e precisava, portanto, em primeiro lugar, arrepender-se para entender as grandes
prioridades do Reino e poder aceitar de bom grado as orientações de Jesus.
8 A vida é muito mais do que possuir. O rico era louco porque não compreendia que as suas posses eram apenas emprestadas
(1Tm 6.17). Ninguém consegue poupar (guardar) as bênçãos de Deus apenas em benefício próprio (1Tm 6.18). A vida terrena
não tem mais valor do que a vida eterna. Conclusão: A única riqueza duradoura é receber o Espírito Santo, guardá-lo no coração
e investir seus dons em benefício do próximo e da sociedade (v.21 e Jo 17.3).
9 Tolo (insensato ou louco) é uma expressão de grande impacto em sua forma original, e procura demonstrar o disparate que há
em buscar segurança nos bens e riquezas deste mundo em detrimento da presença e bênçãos eternas de Deus (11.40 e Ef 5.17).
10 Jesus passa agora a ensinar àqueles que o amam e o seguem a maneira sábia de viver, em contraste com a visão
tresloucada do egoísta e avarento da parábola anterior. Embora nossa visão do futuro deva concentrar-se no Reino de Deus (v.32)
e na vida eterna, a vida terrena é decisiva para determinar nossa condição eterna (Mc 8.35-37).
11 A cada dia os seres humanos se preocupam mais e mais com a manutenção da boa saúde e o prolongamento da vida (Mt
6.27). O medo da morte é inversamente proporcional à certeza da salvação. Contudo, somente o Senhor é capaz de nos fazer
crescer, ainda que alguns centímetros, ou aumentar nossos dias de vida na terra (Is 38.1-8).
29 Não procurareis, pois, ansiosamente, 36 Sede vós semelhantes aos servos, quan-
o que haveis de comer ou beber; não do esperam seu senhor voltar de um ban-
empenhareis o vosso coração nessas quete de casamento; para que, assim que
preocupações.12 chegar e anunciar-se, possais abrir-lhe a
30 Porquanto o mundo pagão é que pele- porta sem demora.
ja por essas coisas; entretanto, o vosso Pai 37 Felizes aqueles servos a quem o Se-
sabe perfeitamente que as necessitais. nhor, quando vier, os encontre vigilantes;
31 Buscai, pois, em primeiro lugar, o Rei- com toda a certeza vos asseguro que Ele
no de Deus, e todas as demais coisas vos se vestirá para os servir, fará que se re-
serão providenciadas. clinem ao redor da mesa, e pessoalmente
32 Nada temais, pequeno rebanho, pois irá ao encontro deles para servi-los.16
de bom grado o Pai vos concedeu o seu 38 Ainda que Ele chegue durante a alta
Reino.13 noite ou ao raiar do dia, bem-aventu-
33 Vendei os vossos bens e ajudai os que não rados os servos que o senhor encontrar
têm recursos; fazei para vós outros bolsos preparados.
que não se gastem com o passar do tempo, 39 Compreendei, entretanto isto: se o pai
tesouro acumulado nos céus que jamais se de família soubesse a que hora havia de
acaba, onde ladrão algum se aproxima, e vir o assaltante, não permitiria que a sua
nenhuma traça o poderá corroer. casa fosse invadida.17
34 Por isso, onde estiverem os vossos bens 40 Ficai também vós alertas, pois o Filho
mais preciosos, certamente aí também do homem virá no momento em que
estará o vosso coração.14 menos o esperais”.
41 Então, Pedro indagou: “Senhor, estás
A parábola do servo leal e do infiel propondo esta parábola para nós ou para
35 Estejais prontos para servir, e conser- todas as pessoas?”.18
vai acesas as vossas candeias.15 42 Ao que o Senhor lhe asseverou: “Quem
12 A expressão grega zeteite significa muito mais do que “indagar” como aparece em algumas versões. Seu sentido tem a ver
com uma busca obstinada e concentrada: “buscai”. Jesus explica que podemos aplicar todos os nossos esforços em ganhar
o mundo (títulos, bens, poder), ou o Reino de Deus. Aquele, entretanto, que “busca” o reino receberá tanto um quanto outro,
conforme a sua necessidade e o propósito do Pai para cada um dos seus filhos.
13 Desde a Criação o grande desejo do Pai é partilhar seu Reino com seus filhos, por isso, é com muita alegria e satisfação que,
agora, em Cristo, o Senhor pode realizar plenamente sua vontade. Jesus adverte que, nesse sentido, “temor” e “ansiedade” são
características dos incrédulos (verdadeiros “gentios” v.30), mas não dos “filhos” de Deus (minoria fiel). O Reino de Deus começa pela
soberania do Senhor sobre a vida dos seus súditos (Rm 14.17). Para nós, não acostumados aos regimes monárquicos, e com um
sistema político carente de verdadeiros homens e mulheres de Deus, fica um tanto difícil compreender esse tipo de nobre metáfora.
14 Lucas é o evangelista que mais enfatiza a ação social cristã, com vistas a oferecer aos pobres as mesmas condições medianas
da sociedade (3.11; 6.30; 11.41; 14.13,14; 16.9; 18.22; 19.8). Os bens e a riqueza que estiverem impedindo o cristão de buscar e
adentrar o reino devem ser doados aos mais necessitados (Mc 10.21-27; 1Tm 6.9,18). É fácil notar onde está depositado nosso
verdadeiro ideal de vida e paixão: onde nosso coração mais se dedica, cuida e zela.
15 Esse versículo é um resumo da parábola das dez virgens (Mt 25). Algumas versões trazem a frase “cingido esteja o vosso corpo”,
optando, nesse caso, por uma tradução mais literal do original. Essa expressão tem a ver com o antigo costume oriental de amarrar as
longas vestes à altura da cintura, a fim de possibilitar, em caso de necessidade, uma movimentação mais livre e acelerada. Jesus, por
certo, fez uma alusão ao fato dos cristãos deverem estar sempre prontos para servir, livres de qualquer embaraço (1Pe 1.13).
16 O Senhor continuará a ser o grande provedor dos seus servos (filhos e amigos) que se mantiverem “vigilantes”, “despertos”,
“preparados”, “prontos”, em contraste com os que estão “dormindo (mortos) em pecados” (Ef 5.14; 1 Ts 5.10). A morte (v.20) e o
glorioso retorno estão sempre iminentes (vv 36-40). As exigências do reino (atenção, prontidão e vigilância) são relevantes tanto
para os que morrem antes do Juízo como para os que estarão vivos naquele grande dia.
177 O “assaltante” é aquele que vem de sobressalto, repentinamente e surpreendendo a todos. Não há tempo para se preparar, é
preciso viver em condição de prontidão, pois a qualquer momento se dará o “assalto”. Esse era um meio de comunicar o estado
de alerta espiritual aos judeus cristãos, haja vista que o povo judeu sempre viveu – e vive – em estado de contínua atenção e
vigilância em relação aos ataques inimigos (21.34; 1Ts 5.2; 2Pe 3.10; Ap 3.3; 16.15).
18 Tanto as honrarias quanto os castigos, segundo o mérito pelo procedimento de cada um, não aguardam somente os após-
tolos; mas, a todos os servos do Senhor que viverem no intervalo histórico entre a ascensão e o glorioso retorno de Jesus Cristo.
Quanto maiores os privilégios, mais severa será a punição dos infiéis e incrédulos (Rm 2.12-16).
é, portanto, o administrador fiel, que age 50 Tenho, porém, que passar por um ba-
com bom senso, a quem seu senhor en- tismo; e muito me angustio até que ele
carrega dos seus servos, para ministrar- se consuma!
lhes sua porção de alimento no tempo 51 Pensai que Eu vim para trazer paz à
devido? terra? Não, Eu vo-lo asseguro. Ao contrá-
43 Feliz o servo a quem o seu senhor sur- rio, vim trazer separação!
preender agindo dessa maneira quando 52 De agora em diante haverá cinco em
voltar. uma família, todos divididos uns contra
44 Asseguro-vos que Ele o encarregará de os outros: três contra dois e dois contra
todos os seus bens. três.
45 Todavia, imaginai que esse servo pense 53 Estarão em litígio pai contra filho e
consigo mesmo: ‘Meu senhor tarda de- filho contra pai, mãe contra filha e filha
mais a voltar’, e por isso comece a agredir contra mãe, sogra contra nora e nora
os demais servos e servas, entregando-se contra sogra”.
à glutonaria e à embriaguez.
46 Entretanto, o senhor daquele servo Discernindo o final dos tempos
voltará no dia em que ele menos espera e 54 Então admoestava Ele à multidão:
num momento totalmente imprevisível “Quando vedes surgir uma nuvem na
e o punirá com todo o rigor e lhe conde- direção do pôr-do-sol, logo dizeis que é
nará ao lugar dos infiéis.19 sinal de chuva, e, de fato, assim ocorre.
47 Aquele servo que conhece a vontade de 55 Também, quando sentis soprar o vento
seu senhor e não prepara o que ele dese- sul, proclamais: ‘Haverá calor!’, e aconte-
ja, nem age para agradá-lo, será castigado ce como previstes.
com extrema severidade. 56 Hipócritas! Sabeis muito bem inter-
48 Contudo, aquele que não conhece a pretar os sinais da terra e do céu. Como
vontade do seu senhor, mas praticou o não conseguis discernir os sinais do tem-
que era sujeito a castigo, receberá poucos po presente?22
açoites. A quem muito foi dado, muito
será exigido; e a quem muito foi confia- Buscar a paz enquanto há tempo
do, muito mais ainda será requerido.20 57 E por que não julgais também por vós
mesmos o que é justo?
Jesus veio trazer fogo à terra 58 Quando um de vós estiver caminhan-
49 Eu vim para trazer fogo sobre a terra do com seu adversário em direção ao
e como gostaria que já estivesse em cha- magistrado, fazei tudo o que estiver ao
mas!21 vosso alcance para se reconciliar com
19 O galardão pela fidelidade em cumprir a vontade do Senhor será “honra” e “responsabilidade” ainda maiores. Os crentes e
líderes cristãos que levam uma vida sem disciplina no presente, enfrentarão a ira de Deus (Mt 7.15-27).
20 Jesus estabelece um contraste entre os líderes irresponsáveis (vv 45-47), e os demais cristãos, mal instruídos que se permi-
tem viver sob a direção do egoísmo, da arrogância e que duvidam das promessas gloriosas; todos receberão o justo castigo no
tribunal de Cristo (2Co 5.10). Certamente haverá um castigo para aqueles que deixam de cumprir seu dever. A responsabilidade
recai sobre aqueles que muito receberam (Am 3.2). As pessoas não serão castigadas apenas pelo mal que praticaram, mas
também pelo bem que deixaram de fazer (Tg 4.17). O fato de não conhecer a Palavra ou a ignorância não podem ser usados
como desculpa para evitar a punição futura, pois não existe ignorância moral absoluta (Rm 1.20; 2.14,15), e nossa ignorância faz
parte de nosso pecado.
21 Aqui o “fogo” é uma metáfora do Juízo que começou a “arder” na crucificação de Jesus Cristo. Jesus afirma também que
suportará o julgamento de Deus no lugar dos crentes, e estabelece um forte vínculo entre “batismo” e “morte” (Mc 10.38-39 e
1Jo 5.6-8). Jesus contemplava com horror o momento da cruz, mas com submissão total e resoluta à sua inevitável missão de
salvar a humanidade. Por isso, seu Espírito foi derramado com poder sobre todos os crentes (At 1.8; 2.1). Entretanto, aqueles que
rejeitarem o seu sacrifício e apelo serão condenados ao juízo do fogo eterno (3.16; Mt 25.46).
22 O poente ficava na direção do mar Mediterrâneo (1Rs 18.44). Os ventos do sul sopravam do deserto do Neguebe e tra-
ziam muito calor. Embora as pessoas, desde a antiguidade, soubessem compreender e usar esses indicadores atmosféricos
para prever climas, estações e tempos, não conseguiam perceber a gravidade da sua incredulidade e dos próprios pecados,
ele; isso para que ele não vos conduza A parábola da figueira estéril
ao juiz, e o juiz vos entregue ao oficial 6 Em seguida, Jesus lhes propôs a seguin-
de justiça, e o oficial de justiça vos jogue te parábola: “Certo homem possuía uma
no cárcere. figueira cultivada em meio a uma grande
59 Eu vos asseguro que não saireis da plantação de videiras; contudo, vindo
prisão enquanto não pagardes o último procurar fruto nela, não encontrou nem
centavo devido”.23 ao menos um.4
7 E, por isso, recomendou ao vinicultor:
Os impenitentes perecerão ‘Este é o terceiro ano que venho buscar
a importância histórica daqueles momentos em que Deus andou sobre a terra na pessoa de Cristo, a chegada do Reino de
Deus, e muito menos, o terrível julgamento que se avizinhava com o massacre do povo judeu pelos exércitos de Roma e suas
conseqüências eternas.
23 Jesus nos ensina que acima das tradições religiosas e dos sistemas de leis de um povo, está a Palavra de Deus. Os sinais
dos tempos eram nítidos (como o são hoje) e uma decisão radical e urgente de arrependimento e volta à Palavra se fazia neces-
sária, mas as pessoas não conseguiam ver o terrível furacão do juízo tomando forma. É preciso acertar as contas antes que seja
tarde demais. A expressão grega lepton foi traduzida como “último centavo” e representava uma pequena moeda de cobre ou
bronze cujo valor correspondia à metade da kodrantes (um centavo).
Capítulo 13
1 Segundo o historiador judeu Flávio Josefo, contemporâneo dos apóstolos de Cristo, em sua obra “Antiguidades”, os galileus
eram conhecidos como insurgentes, e Pilatos, por sua crueldade ilimitada.
2 Na antiguidade, especialmente no AT, acreditava-se que grandes desgraças aconteciam aos crentes que cometiam grandes
pecados. Esse, por exemplo, foi o argumento de alguns dos amigos de Jó (Elifaz em Jó 4.7; 22.5). Jesus, porém, adverte aos que
se acham “justos” sobre o pecado da arrogância espiritual e da auto-suficiência (18.9-14), pois não percebem a sua necessidade
de arrependimento diário. O pecado é inerente ao ser humano desde a Queda (Gn 3); contudo, Deus não usa o castigo conforme
a lógica humana (Jo 9.1,2).
3 Somente Lucas, em toda a Bíblia, cita esse acontecimento, observado por Jesus para lembrar a doutrina do pecado original
e a necessidade que todos temos de arrependimento.
4 Essa parábola tem um sentido muito amplo, pode referir-se a Israel como também a cada um de nós (Mc 11.14).
5 Os três anos citados por Jesus nessa parábola representam um período de vários séculos de graça e oportunidade que Deus
garantiu a Israel por ocasião da Aliança e que culminaram com a chegada e a proclamação do Evangelho (Cristo).
6 Deus exige frutos e não simplesmente folhas; vida e não somente palavras e promessas (Mt 7.21-27). A aparente demora no
juízo não significa indiferença ou inoperância, pelo contrário, é Deus usando de sua incomensurável paciência e bondade, na
esperança do fruto de arrependimento (3.8 com 2Pe 3.4-10). Todavia, mais cedo ou mais tarde a lâmina do machado da justiça
punitiva de Deus cairá com severidade sobre toda raiz de vida inútil, a qual não aceitou o enxerto da nova vida em Jesus (Mt 7.16;
Rm 11.16-24; Cl 1.6,10). O juízo deveria ter caído sobre Israel imediatamente após a crucificação do Filho de Deus, entretanto, o
Senhor concedeu – a pedido do Vinicultor – uma derradeira oportunidade especial que ocorreu entre o Pentecostes e a destruição
completa de Jerusalém (66-70 d.C.).
7 O chefe da congregação dos judeus (sinagoga) preocupou-se mais com sua tarefa de pôr ordem no serviço religioso
(culto) do que com a salvação (cura) de um ser humano (Êx 20.9,10). Passagens anteriores que relatam a dificuldade que
mestres e líderes judaicos tinham em compreender o significado do sábado, revelam a autoridade de Jesus Cristo sobre esse
dia (6.1-11; 14.1-6; Mt 12.1-8,11,12; Jo 5.1-18). Aqui se evidencia o significado do dia do descanso. Desde o princípio, o sábado
(em hebraico transliterado shabbãth – descanso no mais amplo e absoluto sentido da palavra), era profético, relembrando a
reconsagração da Criação à sua finalidade original, o que só se realizará de maneira completa por meio da derrota final de
Satanás (v.16). Essa vitória total é prevista na libertação da mulher de quem foi expulso o espírito de enfermidade (v.11,12),
cuja tradução literal e original da frase de Jesus seria: “foste libertada para permanecerdes livre”. Jesus usou o exemplo vivo
daquela mulher para deixar seu último ensino e a maravilha das suas ações de poder na congregação dos judeus. Jesus jamais
voltaria a uma sinagoga.
8 Jesus exalta o valor da mulher, ressaltando que ela, como todos os homens, é herdeira nacional e espiritual do Pai dos fiéis
(1Pe 3.6) e que, pela fé, viu sua busca de muito anos ser agraciada com o chamado (Jesus a viu e a chamou ao centro da congre-
gação) e o toque salvador (curador) do Senhor (v.12). Os líderes religiosos estavam dando mais valor e respeito aos animais de
carga do que aos seus semelhantes; e, por isso, Jesus afirmou que eram hipócritas, pois fingiam ter zelo pela Lei, mas tramavam
desmoralizá-lo e matá-lo.
9 Tanto nas plantações quanto na cozinha (onde a alimentação é preparada), como no mundo e nas almas humanas, a implan-
tação e o desenvolvimento da nova natureza do reino não podem permanecer ocultos ou tímidos. A vida do Espírito de Deus se
manifestará em todo indivíduo que aceitar a salvação de Jesus, depois se refletirá na congregação dos justificados pelo sangue
do Cordeiro (a Igreja) e, como conseqüência, afetará e influenciará o mundo todo (Ap 5.9). Em geral, árvores e aves simbolizam
nações, nessa passagem, Israel (Ez 17.23; 31.6; Dn 4.12,21) e os gentios salvos que – em Cristo – terão livre acesso ao Evangelho
e à mesma assembléia dos filhos de Deus (Ef 3.6).
10 No original, a expressão grega três satos significa uma grande quantidade de farinha (pouco mais de 10 quilos). A mesma
quantidade usada por Sara em Gn 18.6. No primeiro século da Igreja, a ignorância dos pagãos (gentios) em relação ao Reino de
Deus em Cristo era quase total. Entretanto, com o passar dos séculos, o Cristianismo se tornou a maior das religiões da terra.
11 Em algum momento entre os acontecimentos registrados em 11.1 e 13.21, Jesus partiu da Judéia para iniciar sua ministração
aos povos da Peréia e terras vizinhas (Mt 19.1; Mc 10 e Jo 10.40-42). Embora realizasse grande obra na Peréia e em muitas outras
terras, onde repetiu vários de seus ensinos e prodígios, seus olhos e coração estavam voltados para a Cidade Santa (terra das
profecias), para onde caminhava resoluto, ao encontro do seu destino final nesta terra em benefício da humanidade.
12 No verso 22 começa uma seção que vai até 16.13, com o objetivo de responder a duas questões especiais, que muito
preocupavam os teólogos da época de Jesus e de hoje: “Quem entrará no Reino de Deus?” e “Serão poucos ou muitos os que
terão esse acesso privilegiado?”. Apesar das multidões que vinham à procura de curas e outras bênçãos, Jesus não é claro sobre
o número dos salvos, mas adverte que muitos tentariam buscar a salvação (entrar no Reino) depois de ser tarde demais (portas
fechadas). O verdadeiro salvo não é necessariamente o religioso e bem instruído, mas sim aquela pessoa que, arrependida
de sua condição mundana e pecadora, sente o desejo inesgotável de, em Cristo, lutar (no original grego transliterado agõnizõ
– concentrar toda a atenção e força), pois a porta é estreita e não permite que passemos carregando nosso “Eu” nem o “mundo”
(v.24). Além disso, devemos passar com urgência – sem deixar essa decisão para amanhã – pois poderá não haver mais tempo
(2Co 6.2). Imbuídos de toda a santificação, sem a qual não é possível ver o Senhor (Hb 12.14), e cheios do Espírito Santo (Rm
8.4). A mesa no Reino se refere ao grande banquete messiânico (Mt 22.2; Ap 19.9) onde, para surpresa dos judeus ortodoxos e
outros legalistas, muitos gentios cristãos estarão presentes (Rm 11.11-25).
13 Herodes Antipas não admitia qualquer perturbação ou revolta nas suas terras, e Jesus estava na Transjordânia, que junta-
mente com a Galiléia, fazia parte da sua jurisdição.
14 Jesus refere-se a Herodes como a um animal sanguinário, astuto e traiçoeiro. A expressão “hoje e amanhã” era de uso
corrente entre os líderes semíticos e significava um período indefinido de tempo, mas determinado exclusivamente por quem
expressava a frase (4.43; 9.22). Jesus faz uma referência clara à conclusão da sua obra redentora na terra.
15 Jesus contemplava a parte final da sua vida de sacrifícios e tinha horror do que via, mas estava resoluto. Sua hora ainda não
havia chegado, e ele controlava cada momento que antecedia o seu próprio holocausto. Todavia ninguém o sangraria como a
qualquer cordeiro, ele daria sua vida no lugar de cada ser humano que aceitasse o seu sacrifício diante de Deus e se arrepen-
desse de seus pecados (Jo 1.12). Morreria em Jerusalém, como os grandes profetas de Deus que pregaram e foram mortos na
Cidade Santa antes dele (2.38; Jo 7.30; 8.20; de acordo com Jo 8.59; 10.39; 11.54).
16 Jesus lamenta-se profundamente por Jerusalém e pela nação israelense não haverem dado o devido valor aos muitos e
grandes privilégios concedidos por Deus aos judeus (2Pe 3.9). Muitas foram às vezes em que Jesus esteve pregando sobre o
Reino em Jerusalém (Jo 2.13; 4.45; 5.1; 7.10; 10.22). Essa mesma exclamação de dor e lamento foi proferida na terça-feira da
Semana da Paixão (Mt 23.37,38).
177 Jesus faz um anúncio tremendo! Após sua morte e ressurreição o Espírito de Deus será retirado da Casa de Deus – o Templo
de Jerusalém – e será transferido para um outro templo, não feito de pedras ou por mãos humanas, composto dos salvos, os
crentes em Cristo (2Co 6.16; 1Pe 2.5). Deus abandonaria o seu Templo e sua Cidade (21.20,24; Jr 12.7; 22.5 de acordo com Zc
12.10; Ap 1.7; Is 45.23; Rm 14.11; Fp 2.10,11), e só seria novamente visto por Jerusalém no dia do seu glorioso retorno.
Capítulo 14
1 Os evangelhos registram sete milagres realizados por Jesus em dias de sábado, sendo que cinco deles aparecem em Lucas
e os outros dois são narrados por João (Jo 5.10; 9.14). Todas as refeições que os judeus fariseus comiam no sábado eram
preparadas no dia anterior conforme as normas da Lei por eles interpretadas.
2 Lucas chama a doença que o homem apresentava pelo nome médico em grego hidropisia, que se refere ao acúmulo de
líquidos e fluidos; afetava outras partes do corpo e provocava inchaço generalizado.
3 Manuscritos antigos e fiéis, assim como a KJ de 1611 trazem a expressão “jumento” ao invés de “filho” como aparece em al-
gumas versões. O Comitê de Tradução da KJ entende que essa variante combina melhor com a expressão “boi” que acompanha
a frase, e com o contexto mais amplo do ensino de Jesus (13.10-17). Em Dt 5.14 a Lei é determinada tanto para seres humanos
quanto para os animais. A ação de Jesus não seria permitida pela lei rabínica dos mestres judaicos, mas sim conforme a Lei
mosaica. A letra da Lei, para a pessoa legalista, nega o espírito da própria Lei (Rm 7.6), enquanto a autoridade do Espírito no
coração produz a verdadeira justiça da Lei (Rm 8.4). Esse era o ponto de vista que Jesus queria ensinar aos líderes religiosos de
sua época: a vida, o amor e a justiça são mais importantes do que milhares de regulamentos e decretos de lei.
4 Jesus já antevia as discussões insensatas por posições e poder na comunidade dos cristãos (22.24) e recomenda que o servo
entregue esse assunto ao Pai e aguarde sua promoção em paz, serviço e humildade.
5 Jesus não está falando apenas de boas maneiras, mas da vida espiritual, na qual a humildade é o primeiro requisito para a
exaltação, especialmente no Juízo final.
6 Deus não honrará os seus filhos segundo a prática mundana de exaltar aos que têm influência nesta vida, mas conforme o
testemunho de Cristo que se doou completamente, revelando uma atitude de total abnegação (Fp 2.6 de acordo com Tg 2.2-4).
7 Todas as nossas intenções e ações têm sua recompensa. Por isso, o cristão sábio é aquele que age de maneira a agradar a
Deus e obter sua aprovação na ressurreição dos justos. Há doutrinas que separam a ressurreição dos justos (1Co 15.23; 1Ts 4.16;
Ap 20.4-6) da ressurreição geral (1Co 15.12,21; Hb 6.2; Ap 20.11-15). Todavia, todos serão ressuscitados (Dn 12.2; Jo 5.28,29;
At 24.15). Os “justos” são os que forem justificados por Deus por causa do sacrifício expiatório de Jesus Cristo e que tiveram
comprovado sua fé mediante as suas ações na terra (Mt 25.34-40).
8 Era comum aos estudiosos das Escrituras associarem o reino futuro de Deus a um grande banquete (13.29; Is 25.6; Mt 8.11;
25.1-10; 26.29; ap 19.9). Jesus aproveita a manifestação deste homem para adverti-los, em forma de parábola, sobre o fato de
que nem todos entrariam no Reino de Deus.
9 Os homens deram uma série de desculpas falsas, uma vez que ninguém compra terras e propriedades sem ver, ou bois de
arado sem experimentá-los. Nem mesmo a rigidez das cerimônias matrimoniais dos antigos judeus privaria o jovem marido de
levar sua esposa ao banquete e atender ao convite do seu senhor.
10 A parábola do maravilhoso banquete (grande Ceia) nos ensina: Deus convida a humanidade para entrar em Seu Reino e cear
com Ele e seus amigos. Obviamente não há desculpas para não aceitar tal honra, e qualquer recusa será entendida como uma
afronta. O evangelho é ministrado de graça e tudo já está preparado para o grande evento. Os homens procuram eximir-se da
responsabilidade de atender ao convite do Senhor, pois preferem cuidar de suas propriedades terrenas a fazer parte do Reino (Jo
3.3,5); preferem trabalhar, ganhar, comprar e vender seus bens temporais a receber o Reino eterno de graça (Ef 2.8,9); preferem
seus relacionamentos no mundo, como o casamento, às bodas no céu. Assim que a Casa estiver com sua lotação preenchida,
virá o fim dos séculos e a completa implantação do Reino de Deus (Rm 11.25).
11 Jesus apreciava o uso das figuras de linguagem a fim de dar maior significado e amplitude aos seus ensinos. Aqui, ele
carrega a sua própria cruz e segue após vós que não renunciar a tudo quanto de
mim não pode ser meu discípulo.12 mais estimado possui não pode ser meu
28 Porquanto, qual de vós, desejando discípulo.14
construir uma torre, primeiro não se 34 Portanto, bom é o sal, mas ainda ele, se
assenta e calcula o custo do empreendi- perder o sabor, como restaurá-lo?
mento, e avalia se tem os recursos neces- 35 Não serve nem para o solo nem mes-
sários para edificá-la? mo para adubo; será apenas lançado
29 Para não acontecer que, havendo pro- fora. Aquele que tem ouvidos para ouvir,
videnciado os alicerces, mas não poden- ouça!”.15
do concluir a obra, todas as pessoas que a
contemplarem inacabada zombem dele, Jesus come com os pecadores
30 proclamando: ‘Este homem começou
grande construção, mas não foi capaz de
terminá-la!’13
15 E aconteceu que todos os peca-
dores, como os coletores de im-
postos e pessoas de má fama estavam se
31 Ou ainda, qual é o rei que, pretenden- reunindo para ouvir a Jesus.
do partir para guerrear contra outro rei, 2 Entretanto, os fariseus e os mestres da
não se assenta primeiro para analisar Lei o censuravam murmurando: “Este
se com dez mil soldados poderá vencer saúda e se mistura a pessoas desqualifi-
aquele que vem enfrentá-lo com vinte cadas e ainda partilha do pão com elas”.1
mil?
32 Se chegar à conclusão de que não po- A parábola da ovelha perdida
derá vencer, enviará uma delegação, es- (Mt 18.10-14)
tando o inimigo ainda longe, e solicitará 3 Foi então que Jesus lhes propôs a se-
suas condições de paz. guinte parábola:2
33 Assim, portanto, todo aquele dentre 4 “Qual, dentre vós, é homem que, pos-
se vale de uma hipérbole vívida (exagero) para revelar que o ser humano deve amar a Deus (Cristo) de forma mais completa e
abnegada, que a si próprio e à sua família imediata (Mt 10.37). A expressão “aborrece” como aparece em algumas versões, tem
o sentido de “amar menos...” e significa submeter tudo, de forma absoluta, inclusive a própria pessoa, a um compromisso total
com Cristo (16.13).
12 A expressão grega original carregar a sua cruzz aparece em algumas versões como tomar a sua cruz, mas tem o mesmo
sentido de seguir o exemplo de Cristo, consagrar-se absolutamente a Deus, não exatamente numa rebelião política ou militar
contra Roma, mas na causa do Reino, até o martírio. Em contraste com a vinda de Cristo para a salvação (Mt 11.28), devemos
segui-lo em todos os momentos, dia após dia, como discípulos fiéis. O custo do discipulado é a nossa rendição total ao Espírito
Santo em amor. Essa consagração deve ser maior e mais íntima do que todas as nossas afeições familiares (v.26), maior do que
todas as nossas vontades pessoais de carreira e sucesso (v.27), e maior do que nossa estima ao dinheiro, bens e poder (33).
Paulo compreendeu e pregava esse mistério (Fp 3.8).
13 Jesus é bem claro em nos advertir quanto à importância de não aceitarmos o compromisso do discipulado sem pensar bem
sobre seu alto custo e implicações eternas. Por isso não é correto pregarmos somente sobre as bênçãos de andarmos com Cristo;
devemos igualmente explicar a todos sobre a grande responsabilidade assumida com Deus por meio dessa decisão pessoal. O
perigo de uma decisão irresponsável e insincera é duplo: a zombaria pelo fracasso nesta vida, e a perda total na outra (Hb 2.1-3).
14 Jesus usa mais duas parábolas para frisar o custo de viver como cidadão do Reino na terra, bem como o preço que será
pago por todos aqueles que não aceitarem o convite do Senhor para o notável banquete. O ser humano sábio é como o rei cons-
ciencioso, que ao perceber o poder do Reino que se avizinha, não espera o confronto final, mas se rende e busca a paz.
15 Cristo compara o crente morno, espiritual e moralmente irresponsável, que não reflete sobre a importância da sua decisão de
seguir o Evangelho, com um tipo de sal que havia na Palestina no século I, o qual era tão impuro que perdia o pouco cloreto de
sódio que abrigava. Não servia para fertilizar o solo, nem mesmo para decompor-se de modo útil em meio ao esterco (Ap 3.16).
Capítulo 15
1 Os fariseus e os escribas (mestres da Lei) eram visceralmente contra os coletores de impostos (publicanos) e contra toda pes-
soa que não cumprisse rigorosamente as suas doutrinas e normas religiosas de comportamento. Referiam-se a essas pessoas
como “pecadores” (pessoas de má reputação). Cristo não apenas recebe o “pecador” como oferece a ele a Salvação (represen-
tada na partilha do pão). É importante lembrar que Jesus jamais participou do pecado, mas sempre amou aos pecadores e para
libertá-los das garras do pecado foi que Ele veio e entregou sua vida (3.12, vs. 4,8; Mc 2.15; At 11.3; 1Co 5.11; Gl 2.12).
2 Jesus responde ao questionamento dos legalistas com histórias de fundo teológico, filosófico e moral que contrapunham
o amor longânime de Deus ao exclusivismo dos fariseus, escribas e líderes religiosos. As três parábolas que se seguem: a do
suindo cem ovelhas e perdendo uma há grande júbilo na presença dos anjos
delas, não deixa no campo as noventa e de Deus por um pecador que se arre-
nove e vai em busca da que se extraviou, pende”.5
até que a encontre?3
5 E assim que a encontra, coloca-a por A parábola do filho perdido
sobre os ombros cheio de júbilo 11 E Jesus continuou: “Um homem tinha
6 e ruma para casa. Ao chegar, reúne seus dois filhos.
amigos e vizinhos e anuncia: ‘Alegrai-vos 12 O mais novo reivindicou do seu pai:
comigo, pois hoje encontrei minha ove- ‘Pai, dá-me a parte da herança a que te-
lha perdida’. nho direito’. E consentindo, o pai repar-
7 Eu vos afirmo que, da mesma maneira, tiu sua propriedade entre eles.6
haverá muito mais alegria no céu por um 13 Não se passou muito tempo, e o filho
pecador que se arrepende do que por mais novo reuniu tudo o que tinha, par-
noventa e nove justos que não carecem tindo para terras distantes; e lá esbanjou
de arrependimento.4 todos os seus bens, vivendo de forma
irresponsável.
A parábola da moeda perdida 14 Coincidentemente, após haver gasto
8 Ou ainda, qual é a mulher que, pos- tudo o que possuía, abateu-se sobre toda
suindo dez dracmas e, perdendo uma aquela região uma grande fome, e ele co-
delas, não acende uma candeia, varre meçou a passar muita necessidade.7
a casa e a procura diligentemente até 15 Por esse motivo foi empregar-se com
encontrá-la? um dos cidadãos daquela região, que o
9 E, tendo-a achado, reúne suas amigas mandou para o campo a fim de cuidar
e vizinhas e proclama: ‘Alegrai-vos co- dos porcos.8
migo, porque agora achei minha dracma 16 Ali, chegou a ter vontade de encher o
perdida’. estômago com as vagens de alfarrobeira
10 Eu vos asseguro que, de igual modo, com as quais os porcos eram alimenta-
pastor que busca; a da mulher que sofre com a perda; e do pai que jamais deixa de amar e perdoa, ensinam o significado do
arrependimento (12.54). A volta dos que se extraviaram produz um enorme regozijo no coração de Deus.
3 Referências ao pastor e o pastoreio eram comuns durante toda a história do povo judeu. Grandes líderes nacionais e profetas
apreciavam esse tema (Sl 23; Is 40.11; Ez 34.11-16). Algumas versões trazem a expressão “deserto”, todavia não tem a ver
com dunas de areia, mas com campos de pasto não cultivados (Jo 6.10). Jesus nos exorta, como cristãos, a “ir em busca” dos
perdidos – como maior estratégia de evangelização – e não simplesmente adotarmos uma postura insensível, crítica e punitiva
(14.21,23). Deus em Cristo é nosso maior exemplo de evangelista. Seu amor e persistência em procurar salvar a humanidade
ultrapassam a gravidade do pecado humano e a sua própria soberania intocável (Ez 34.6,11 em relação a Gn 3.9,10).
4 Jesus, em algumas ocasiões, valia-se da ironia para destacar o pecado e completa miopia espiritual daqueles que deveriam
ser homens de Deus perante seu povo. Os que se consideram justos não sentem a necessidade de se arrepender dos seus
pequenos delitos, e acabam pecando por sua arrogância, orgulho e insensibilidade.
5 Lucas faz referência a uma moeda grega (dracma) e não romana (denário). O valor monetário dessas moedas era próximo e
equivalia a um dia de trabalho (Mt 20.2). As casas da Palestina, na época de Jesus, não tinham janelas, e o chão era de barro, o
que tornava ainda mais difícil a localização de uma pequena moeda.
6 Um pai judeu podia dividir sua herança entre os filhos quando desejasse (garantindo ao filho mais velho o dobro de todos os
bens da família, conforme Dt 21.17 e outros textos da Torá), retendo para si, entretanto, as respectivas rendas que obtinha com
a propriedade, até sua morte. Contudo, era extremamente incomum dar ao filho mais novo a sua porção na herança mediante
qualquer solicitação. Jesus mostra filosoficamente que foi a humanidade, representada pela nação judaica, que insistiu para
deixar a companhia de Deus, retirando-se para regiões distantes, áridas e sombrias.
7 A intenção do filho de abandonar suas terras onde vivia com a família e sob os cuidados do seu pai, para viver em completa
liberdade, sem precisar prestar contas de seus atos, numa região distante, junto a um povo com outros costumes e cultura, fica bem
clara quando ele parte levando consigo tudo o que possuía, sem deixar para trás absolutamente nada à espera de um possível retor-
no. Queria ficar livre das orientações e restrições impostas pelo pai, gastando conforme o seu bel prazer (hedonismo) sua parte das
riquezas que a família havia conquistado, com trabalho árduo, ao longo de muito tempo de disciplina e força de vontade (Sl 107).
8 A maior das vergonhas e dos castigos para um judeu era ter que se aproximar ou lidar com porcos, pois desde a antiguidade
judaica esses animais representavam a impureza, a imundícia e o afastamento total de Deus (Lv 11.7).
dos, no entanto, ninguém lhe dava abso- no campo. Quando foi se aproximando
lutamente nada. da casa do pai, ouviu o som da música e
17 Foi quando, caindo em si, falou con- das danças.
sigo mesmo: ‘Quantos empregados de 26 Então chamou um dos servos e inda-
meu pai têm comida com fartura, e eu gou-lhe sobre o que estava acontecendo.
aqui, morrendo de fome!9 27 Este informou: ‘Teu irmão regressou, e
18 Levantar-me-ei, tomarei o caminho de teu pai mandou matar o novilho gordo,
volta para meu pai, e ao chegar lhe confes- porque o recebeu de volta são e salvo!’.
sarei: Pai, pequei contra o céu e contra ti. 28 Mas o filho mais velho encheu-se de
19 Não sou mais digno de ser chamado ira, e negou-se a entrar. Então o pai saiu
teu filho; trata-me como um dos teus e insistiu com ele.12
trabalhadores’. 29 Porém ele replicou ao pai: ‘Há tantos
20 E, logo em seguida, levantou-se e saiu anos tenho trabalhado como um escra-
na direção do pai. Vinha caminhando ele vo para ti sem nunca ter desobedecido a
ainda distante, quando seu pai o viu e, uma só ordem tua. Contudo, tu nunca me
pleno de compaixão, correu ao encontro ofereceste nem ao menos um cabrito para
do seu filho, e muito o abraçou e beijou. que pudesse festejar com meus amigos.
21 Então, o filho lhe declarou: ‘Pai, pequei 30 No entanto, chegando em casa esse
contra o céu e contra ti. Não sou mais teu filho, que pôs fora os teus bens com
digno de ser chamado teu filho!’. prostitutas, tu ordenaste matar o novilho
22 Entretanto, o pai ordenou aos seus gordo para ele!’.13
servos: ‘Trazei depressa a melhor roupa, 31 Então, lhe arrazoou o pai: ‘Meu filho,
vesti-o com distinção, ponde-lhe o anel tu sempre estás comigo; tudo o que pos-
de autoridade e as sandálias de filho.10 suo é igualmente teu.14
23 Também trazei o novilho gordo e o 32 Porém, nós tínhamos que celebrar
preparai. Comamos, façamos uma gran- muito à volta deste teu irmão e regozijar-
de festa e regozijemo-nos! mo-nos, porque ele estava morto e
24 Porquanto este meu filho estava morto reviveu, estava sem esperança e foi salvo!’”.
e voltou à vida, estava perdido e foi en-
contrado’. E começaram a celebrar o seu A parábola do administrador infiel
regresso.11
25 Entrementes, o filho mais velho estava 16 E contou Jesus ainda aos seus dis-
cípulos: “Havia um homem rico
9 Os revezes, quedas, erros e toda sorte de insucessos representam grandes oportunidades para nos achegarmos ao Senhor,
confessarmos amarguras, ressentimentos, fraquezas e pecados, e abraçarmos uma nova perspectiva de vida que não se limita a
esta terra, nem a este tempo: é eterna. A Bíblia revela uma humanidade insensata afastando-se do seu Criador, desesperadamen-
te necessitada de recobrar o bom senso (cair em si).
10 No contexto cultural da época e, em respeito ao significado dos termos originais do texto bíblico, cada um dos elementos do
vestuário que o pai ordenou que fossem trazidos para seu filho maltrapilho (apenas um símbolo da sua condição espiritual), tinha
um significado maior, que não pode ficar ausente do texto correspondente em língua portuguesa. A longa veste representava
distinção, o anel de sinete era um símbolo de autoridade e tradição de família (Gn 41.42), e as sandálias demonstravam que ele
era filho do senhor daquelas terras, uma vez que os escravos andavam descalços. Um novilho era engordado (cevado) por anos,
na expectativa de ser abatido, assado e comido por todos, em uma ocasião memorável.
11 Morto ou perdido é o estado de uma pessoa que perdeu o contato com Deus (Rm 6.13; Ef 2.1) e, por isso, não participa mais
da vida de ressurreição e completo resgate em Cristo (Jo 11.25).
12 O amor misericordioso e perdoador do pai simboliza a divina misericórdia de Deus, e o ressentimento punitivo do irmão
mais velho assemelha-se à atitude legalista dos fariseus e líderes religiosos que se opunham aos pecadores, gentios e, muito
especialmente, a Jesus.
13 O irmão mais velho havia obedecido a seu pai por medo e mera obrigação ritual. Entretanto, colecionava cada amargura em
silêncio. O cabrito era considerado um alimento inferior, bem menos caro do que um novilho gordo. O preconceito e o ódio do
irmão mais velho não permitiram que ele reconhecesse em seu irmão mais novo o mesmo sangue de família, e, portanto, pudesse
também comemorar a sua salvação (livramento, cura).
14 O mesmo ocorre com muitos filhos de Deus; tudo está ao nosso dispor – todas as riquezas do Pai – em Cristo (Ef 1.3). A
inveja e a arrogância, contudo, impedem o seu amplo e completo usufruto.
1 Esta parábola tem forte ligação com a anterior. Aqui, um mordomo ou gerente de patrimônio é denunciado como esbanjador
(pródigo, defraudador, dissipador) dos bens do dono das terras e propriedades sobre as quais tinha o dever de bem administrar
e gerar lucros.
2 Uma antiga prática comercial judaica era aumentar excessivamente os preços, no caso de pagamentos a longo prazo. Isso
para evitar a cobrança de juros, o que não era permitido pela Torá, especialmente entre os judeus (Dt 23.19). Muitos estudiosos
defendem a tese de que o administrador procurou os devedores do seu patrão e, renegociando as dívidas com base em valores
justos, para pagamento à vista, conseguiu receber um alto volume de recursos financeiros, agradando e conquistando assim o
bom favor dos seus devedores, bem como satisfazendo os interesses do seu senhor.
3 Cem potes de azeite, ou como aparece em algumas versões: “cem cados de azeite”, correspondem à produção de aproxima-
damente 450 oliveiras. Cerca de 400 litros de azeite puro. Normalmente os administradores colocavam um preço ainda mais alto
no azeite, pois no caso de apropriação, por falta de pagamento, era costume adulterar o azeite com outros óleos para aumentar
o volume devolvido.
4 Cem tonéis de trigo, ou como aparece em algumas versões: “cem coros de trigo”, correspondem à produção de aproxima-
damente 100 acres de terra plantada. Cerca de 36.000 quilos de trigo colhido.
5 O que Jesus elogia não é, evidentemente, a desonestidade do administrador, mas sim a sua engenhosidade em usar os
problemas e as oportunidades que estavam presentes para se preparar para um futuro inóspito que ele antevia. Da mesma forma,
o cristão deveria investir todos os recursos que possui nesta vida no serviço de Deus e do Evangelho, em benefício dos seus
semelhantes, a fim de assegurar galardões e grandes recompensas no céu e na vida eterna. A expressão “filhos deste mundo”
(no original grego transliterado: tou aionos toutou) era uma frase comum para indicar o período anterior à vinda do Messias e o
Seu Reino. Os cristãos fiéis, “os filhos da luz”, devem dar mais valor e atenção à eternidade (Jo 8.12; 12.36; Ef 5.8).
6 O vocábulo grego original transliterado: adika, traduzido aqui, por algumas versões, como iníqua não indica uma falta de
justiça ou ética pessoal; mas, a característica geral desta era, portanto, “deste mundo” (sociedade) em que vivemos (v.11; 1Jo
5.19). O povo de Deus deve estar disponível e motivado para usar todos os recursos que o próprio Senhor lhe tem concedido, na
gloriosa tarefa de ajudar o próximo, e fazer discípulos de Cristo por meio da amizade sincera. A obra de amor ao próximo deve
ser realizada com fidelidade, quer seja com poucos ou com muitos recursos. Esses amigos, discípulos de Cristo, estarão no céu
(nos tabernáculos ou moradas eternas) e serão eternamente gratos por nossas atitudes de amor cristão. Dessa forma, as riquezas
acumuladas neste mundo podem ser investidas para conquistar benefícios eternos.
7 A lealdade e a fidelidade não são determinadas pelo montante confiado, mas pelo caráter da pessoa que faz uso dele (19.17;
Mt 25.21).
de confiança em relação ao que é dos ou- João. Dessa época em diante estão sen-
tros, quem vos dará o que é vosso?8 do pregadas as Boas Novas do Reino
13 Nenhum servo pode devotar-se a dois de Deus, e todos tentam conquistar sua
senhores; pois odiará um e amará outro, entrada no Reino.
ou dedicar-se-á a um e desprezará ao 17 Contudo, é mais fácil os céus e a terra
outro. Jamais podereis servir a Deus e ao desaparecerem do que cair um traço da
Dinheiro!”.9 menor letra de toda a Lei.11
8 Nessa vida nada nos pertence, somos apenas administradores (mordomos) dos bens do Senhor. No céu, entretanto, recebe-
remos nossa herança e o direito de possuí-la (Sl 24.1).
9 A palavra grega original para “servir” é douleuen, que significa “ser escravo” (Rm 1.1). Nem sempre a escravidão era cruel ou
jugo involuntário. Havia muitos senhores sábios e justos para com seus escravos, bem como algumas pessoas que se volunta-
riavam para servir com absoluta dedicação a certos senhores em troca de proteção e segurança. A expressão grega: mamõna, é
uma palavra de origem aramaica que significa tudo o que pode ser adquirido por meio das riquezas. Lucas, mais que qualquer
outro evangelista, destaca os “santos pobres” e o perigo do amor a Mâmon: o deus do dinheiro. Uma pessoa pode dedicar-se de
todo o coração ao serviço de um ou outro, mas não de ambos (Cl 3.5; Mt 6.24 conforme Tg 4.4).
10 Os fariseus apreciavam receber o louvor e os elogios das pessoas, especialmente por causa de sua cultura, aparente rigidez
religiosa e oratória (Jo 5.44; 12.43), mas Deus, que sonda os corações e o íntimo de cada ser humano, vê os motivos egoístas
que são abomináveis para Ele.
11 A vida e o ministério de João Batista, que preparou o caminho para Jesus, o Messias, marcou a linha divisória entre o AT
(a Lei e os Profetas) e o NT (o Evangelho da Nova Aliança – Hb 8.6-12 conforme Jr 31.31-34). No Evangelho, a salvação é dada
inteiramente pela graça, de modo que, mesmo não sendo judeus “zelosos da Lei”, como os fariseus, muitos estão – a cada
dia – entrando no Reino de Deus seguindo o difícil, estreito e desprezado Caminho de Cristo (14.27). É a vida e o ministério de
Cristo que trazem uma nova e derradeira oportunidade de salvação à humanidade caída (Nova Aliança). Cumprindo assim, nos
menores detalhes, toda a Lei (Antiga Aliança). Jesus ilustra o completo cumprimento da Lei e suas profecias, assegurando que
nem um pequeno traço gráfico (algumas versões o chamam impropriamente de “til” ao tentar uma correspondência com a língua
portuguesa) da menor letra do alfabeto hebraico se apagaria da Lei até que fosse cumprido (Mt 5.17-18).
12 Jesus toca sabiamente em um assunto delicado já naquela época. Os fariseus, apesar de todo o seu zelo e legalismo,
haviam se tornado extremamente permissivos em relação ao divórcio. Alguns mestres judaicos como Hillel concediam divórcio
pelos motivos mais triviais; por exemplo, se uma esposa deixasse queimar ou azedar o almoço do marido. Aquibá, outro jurista
fariseu, chegou ao ponto de permitir o divórcio a maridos que se queixaram da beleza de suas esposas e desejavam casar com
outra mais bonita. Além disso, apenas aos homens era dado o direito do divórcio. As mulheres eram obrigadas a permanecer
casadas enquanto os maridos as desejassem. Jesus notou que os fariseus haviam transformado a Lei numa zombaria e, por isso,
fazia questão de expor os juristas e religiosos da época ao ridículo de suas práticas injustas. Jesus ensinou que o alvo maior da
Lei não é o divórcio, mas sim orientar o casal para que se ame, respeite e viva em harmonia e companheirismo por toda a vida
terrena. Deus criou o casamento de modo que dois seres humanos se tornem um e dêem seqüência à raça humana como uma
grande família (Gn 2.24). O divórcio nada mais é do que uma disposição por causa do egoísmo, insensibilidade e arrogância
– “dureza de coração” – a que chegaram os homens (Mc 10.5).
Descasar e casar de novo é uma alteração (adultério, deformação) da vontade original de Deus para o homem e a mulher; as-
sim como os fariseus estavam fazendo com toda a Lei. De passagem, Jesus estava defendendo publicamente a posição de João
a respeito do procedimento de Herodes Antipas para se unir a Herodias (Mt 14.1-4). Mateus revela mais sobre o ensino de Jesus
em relação ao divórcio (Mt 5.31,32; 19.9), tema que também aparece em outros textos bíblicos (Mc 10.11,12; 1Co 7.10,11).
13 Jesus conta uma outra história. Desta feita um homem rico e avarento vivia de forma perdulária. Insensível, não atentava para
as necessidades de Lázaro, um mendigo cujo nome em hebraico significa: “Deus me socorreu”, e que fora deixado na entrada
da mansão do homem rico. A palavra grega transliterada: esbebleto significa literalmente, “foi jogado”. Lucas, como médico, nos
informa sobre a extensão e a gravidade das feridas do pobre Lázaro, usando uma expressão médica, muito específica em grego,
e que só aparece aqui no NT “chagas”.
14 O Talmude menciona tanto o paraíso (23.43) quanto o lado de Abraão (tradicional e literalmente chamado de “seio de
Abraão”), como sendo o lar eterno dos justos. Estar junto a Abraão significa estar em um lugar de paz e felicidade (o verdadeiro
Shabbãth – repouso), para onde vão todos os justos após a morte e ficam aguardando o Dia do Senhor, a vindicação futura e
final. O rico avarento demonstra todas as características de um saduceu da época: riquezas, amor excessivo ao luxo, dinheiro e
bens materiais. Também não acreditavam na vida após a morte (At 23.8), e limitavam o cânon bíblico aos livros de Moisés (a Torá).
Em contraste com o “administrador astuto” e sua preocupação quanto ao seu futuro (v.4-9), este rico, como o “tolo” (12.16), foi
indiferente à sua própria condição e ao sofrimento dos seus semelhantes no presente, e não se preocupou com o juízo futuro.
Sua atitude quanto à vida ilustra bem o princípio revelado no v.15b.
15 Algumas versões trazem aqui a palavra “inferno”. Entretanto, Hades não é geena, como em Mt 5.22. Hades ou Sheoll (em
hebraico), refere-se ao lugar para onde vão todas as almas após a morte física. O Hades é dividido em duas áreas: o paraíso e o
lugar de tormento, onde os ímpios esperam pelo Juízo final para a condenação (Ef 4.9; Ap 20.11-15). Que os tormentos começam
no Hades fica evidenciado pela lastimável situação desse rico avarento. O Hades inclui os castigos característicos do fogo do
inferno (lago de fogo e enxofre, Ap 20.10; agonia extrema, Ap 14.11; separação total e definitiva, Mt 8.12). O paraíso (seio de
Abraão – 22; 13.28) está separado por um abismo instransponível entre o mundo inferior e os “lugares celestiais” (2Co 12.4; Ap
2.7; 6.9). Nesta história o Senhor ensinou que existe plena consciência após a morte. A memória do passado não é anulada no
outro mundo. O inferno é um lugar de sofrimento eterno. Não existe uma segunda chance de salvação após a morte. É impossível
qualquer comunicação entre mortos e vivos. Todavia, há alguns teólogos que entendem de modo menos literal essa descrição
feita por Jesus sobre estar “no seio de Abraão” ou no Hades.
16 Os dois homens desejaram muito algumas coisas. O rico avarento desejou e amou suas riquezas e o glamour do luxo e do
poder, e recebeu tudo do que mais queria. Durante toda a sua vida perdulária, muitas vezes passou ao lado do mendigo, mas
jamais sentiu compaixão pelo seu semelhante atirado a uma situação tão degradante, sem forças nem qualquer auxílio. Lázaro
sonhava com uma oportunidade de vida digna, a cura física e qualquer alimento ou ajuda que viesse daquele seu semelhante
tão próximo e tão rico. Esperou até a morte pela realização dos seus sonhos, mas morreu em silenciosa esperança, resignado.
Aceitou a vontade de Deus até o fim. Entretanto, a vida não acaba na sepultura, e na eternidade, a situação desses dois seres
humanos sofreu grande inversão. O rico avarento, que jamais precisara pedir coisa alguma, agora experimenta o que significa
mendigar, e suplica algumas gotas de água a Abraão (a quem chama de Pai, mas em nome de quem nunca agiu como filho)
usando palavras semelhantes às que Lázaro usara para lhe implorar algumas migalhas de pão. Mesmo assim, considerava que
Lázaro poderia servi-lo. O inferno é um lugar de padecimento constante e eterno, de onde pode ser contemplado o que jamais
se alcançará (v.23), e de onde os condenados se lembrarão do passado com saudade insaciável e terrível remorso (v.25), como
uma espécie de sede sem alívio (v.24).
29 Contudo, Abraão lhe afirmou: ‘Eles têm 4 Se, contra ti pecar sete vezes ao dia, e
Moisés e os Profetas; que os ouçam!’.17 por sete vezes vier a ter contigo, dizendo:
30 Mas ele insistiu: ‘Não, pai Abraão! Se ‘Arrependo-me do que fiz’. Perdoa-lhe!”.
alguém dentre os mortos for ter com 5 Diante disso, pediram os apóstolos ao
eles, certamente se arrependerão’. Senhor: “Aumenta a nossa fé!”.2
31 Abraão, concluindo, lhe afirmou: ‘Se 6 Ao que encorajou-os o Senhor: “Se ti-
não ouvem a Moisés e aos Profetas, tam- verdes fé do tamanho de uma semente de
pouco se permitirão converter, ainda que mostarda, podereis dizer a esta amoreira:
ressuscite alguém dentre os mortos!’.18 ‘Arranca-te e transplanta-te no mar; e ela
vos obedecerá’.3
Aviso quanto aos escândalos 7 Qual de vós, tendo um escravo arando
(Mt 18.6-7; Mc 9.42) a terra ou apascentado as ovelhas, assim
177 Referir-se a “Moisés e os Profetas” era um meio comum de mencionar todo o AT. O rico avarento não prestara atenção às
Escrituras e aos seus ensinamentos, e agora temia que seus irmãos caíssem no mesmo erro.
18 Lucas mostra que essa história não trata apenas do cuidado que devemos ter com nossos desejos, ambições e atitudes
durante esta vida. No final Jesus menciona sua ressurreição (v.31; 9.22) para fazer uma importante revelação: se a mente e o
coração de uma pessoa estiverem refratários ao Espírito do Senhor, e as Escrituras Sagradas forem rejeitadas, nenhum tipo de
prova – nem mesmo uma ressurreição – fará essa pessoa mudar de opinião (Jo 5.45-47). Nem a ressurreição de Lázaro, amigo
de Jesus, em Betânia, nem mesmo a de Cristo foram capazes de persuadir os arrogantes e legalistas líderes religiosos a se
arrependerem (Jo 11.47 – 12.11), mas no coração de muitas outras pessoas houve fé, e foram salvas.
Capítulo 17
1 Jesus se refere especialmente aos líderes religiosos e previne seus discípulos para evitarem qualquer escândalo (em grego:
skandala – que significa literalmente, “tentações ao pecado”). Lucas coloca esse texto numa seqüência de advertências sobre o
uso das riquezas e o correto ensino das Escrituras. Todos os cristãos devem cuidar-se para não se tornarem “pedra de tropeço”.
Ou seja, motivo de desânimo espiritual ou pecado que afaste os mais novos na fé (de qualquer idade) ou os imaturos do Caminho
do Senhor (17.23; 21.8; Mt 18.6; Mc 9.43; Rm 14.13).
2 A palavra original, aqui traduzida por “repreende-o” tem o sentido de “corrigir com amor”. Jesus ensina que seus seguidores
devem perdoar tudo, em todos, e sempre (Mt 18.21). Como cristãos temos não somente a obrigação, mas o poder de perdoar
o arrependido, assim como Deus perdoa (15.1-32; Mt 6.14,15). Apesar de todas as dificuldades para cumprir esse mandamento
do Senhor, sua prática produz enormes, profundas e eternas bênçãos. Evidentemente, a fé é tão essencial para perdoar quanto
para pedir e receber perdão.
3 Os apóstolos imediatamente pediram mais fé ao Senhor para conseguirem cumprir o mandamento do perdão. Jesus nos
ensina que para cumprir essa ordenança e viver a vida cristã com coerência e frutos espirituais (abundância, plenitude, Jo 10.10),
não é necessário uma grande fé, mas fé em um grande Deus. Jesus usa a figura do grão (semente) de mostarda – que era prover-
bial por causa do seu pequeno tamanho – e substitui o conceito de maior ou menor fé, para a realidade de uma fé genuína. Se há
uma fé real, sem dúvida, os seus efeitos a seguirão. Jesus refere-se à figura da amoreira negra, muito usada pelos fariseus como
metáfora de solidez e tradição arraigada (diziam que as raízes desta árvore eram enormes e viviam até 600 anos) e assegura que
a fé pura e verdadeira poderia removê-la e plantá-la em pleno mar.
4 Muitas são as pessoas que imaginam que Deus pode se tornar nosso devedor por causa de boas obras praticadas, sacrifí-
Jesus cura dez leprosos 18 Não se achou nenhum outro que vol-
11 A caminho de Jerusalém, passou Jesus tasse para render glória a Deus, a não ser
pela divisa entre Samaria e Galiléia.5 este estrangeiro?”.7
12 Ao chegar num povoado, dez leprosos 19 Então, Jesus declarou-lhe: “Levanta-te
foram em sua direção e ficaram a certa e vai! A tua fé te salvou”.8
distância.
13 Então, aos gritos, chamaram seu nome: A chegada do Reino de Deus
“Jesus! Mestre! Tem piedade de nós!”. 20 Certa vez, interrogado pelos fariseus
14 Ao vê-los, ordenou-lhes: “Ide e mos- sobre quando se daria a vinda do Reino
trai-vos aos sacerdotes!” E aconteceu, de Deus, Jesus lhes explicou: “Não vem o
que enquanto eles caminhavam, foram Reino de Deus com visível aparência.9
purificados.6 21 Nem haverá anúncios: ‘Ei-lo aqui!’
15 Um dos dez, observando que fora Ou: ‘Lá está!’. Pois o Reino de Deus já
curado, retornou, louvando a Deus em está entre vós!”.10
alta voz. 22 Depois declarou aos discípulos: “Che-
16 E, prostrando-se, com o rosto em terra gará o tempo em que desejareis ver um
aos pés de Jesus, muito lhe agradeceu; e dos dias do Filho do homem, mas não
este era samaritano. o vereis.11
17 Então, Jesus questionou: “Não foram 23 E vos dirão: ‘Ei-lo aqui!’ Ou: ‘Lá está
purificados todos os dez? Onde se en- Ele!’. Não vades, tampouco os sigais!12
contram os outros nove? 24 Porquanto, a chegada do Filho do ho-
cios, ofertas ou promessas cumpridas. Na verdade, nossa alegria deve estar em sermos recebidos como servos (escravos). Jesus
previne seus discípulos quanto ao uso correto da fé. Ou seja, com humildade. Não esquecendo da nossa condição primeira de
escravos sem direito. A palavra grega original: achreioii (inúteis), significa “que não dá dividendos”, isso quer dizer: “não há como
barganhar com Deus” (Mt 5.48; 1Co 9.16). Jesus relata como era a vida normal dos senhores e seus criados, mas ele próprio agia
com muito mais generosidade (12.37; 22.27).
5 A partir deste trecho Jesus segue sua jornada até Jerusalém, passando pela Peréia e ministrando ao longo do caminho até
chegar ao seu destino final (9.51; 13.22).
6 Caminhar sob o comando do Senhor é sempre a prova da fé pura e verdadeira que remove obstáculos (2Rs 5.10-15). Jesus
não queria chamar atenção sobre si, nem quebrar a Lei. Porém, é importante observar que somente depois de curadas as pesso-
as deviam ser apresentadas diante dos sacerdotes para a entrega de ofertas de gratidão a Deus (Lv 13.2,3; 14.2-32).
7 Os nove leprosos ingratos representam a atitude da maioria do povo judaico diante da pessoa e missão de Cristo. Os judeus
não suportavam os samaritanos há muito tempo (Jo 4.9). Contudo a doença e as crises sempre aproximam os inimigos. A
maneira agradecida e feliz com que o samaritano volta para louvar ao Senhor é um prenúncio do Evangelho chegando a todos
os povos da terra não judeus (gentios).
8 Jesus costumava abençoar as pessoas com essa frase, cuja palavra “curar”, também pode ser traduzida como “salvar”, ou
ainda “livrar”. Jesus gostava de usar o sentido ampliado dessa expressão em sua língua original para dar ênfase ao significado
completo da salvação trazida por ele. Os nove judeus também tiveram fé, pois foram curados. Mas esse homem teve fé e gratidão
e recebeu cura para o corpo e salvação para a alma. Ou seja, foi plenamente restaurado (7.50; 8.48,50; Mt 9.22).
9 Jesus usa a palavra parateresis, que no original grego quer dizer: “sinais” ou “ritos de culto” (Gl 4.10) para ensinar que sua
chegada e seu Reino não dependem de grandes manifestações exteriores como ocorreu na noite de Páscoa (Êx 12.42). Deste
momento em diante, as pessoas em todo o mundo receberiam Deus para habitar (tabernacular) em seus corações, sem quaisquer
ritos ou grandes manifestações cerimoniais. O sangue da salvação no madeiro, seria o do próprio Deus encarnado: Jesus Cristo.
10 Jesus faz muitas vezes uso de expressões enigmáticas, para que apenas aqueles cuja alma for tocada por Deus, o sigam e
obtenham a revelação. Assim, neste trecho, a expressão “entre vós” significa, ao mesmo tempo, que a experiência de receber o
Reino de Deus é um milagre que ocorre no interior do ser humano (Mt 23.26), e que o Reino já havia chegado e estava bem ali na
pessoa do seu Rei (19.11; 21.7; At 1.6). Jesus declara que não está no meio dos fariseus incrédulos; mas sim, que o Filho de Deus
já estava agindo no meio deles, convocando seus súditos e proclamando sua volta em poder e glória no final dos tempos.
11 Quando os exércitos de Roma invadiram Jerusalém e massacraram o povo judeu (cerca de 70 d.C), muitos discípulos
suplicaram desesperadamente pela volta de Cristo. Em épocas de guerras e grandes crises, os crentes desejam ver o grande
Dia do Senhor, pois isso significará para os cristãos de todas as raças, povos e nações, o fim do sofrimento, das angústias,
privações e perseguições.
12 Jesus prevê que os dias que antecederem ao seu glorioso retorno – repentino e brilhante como um relâmpago que corta
os céus – a situação espiritual e moral das pessoas será de absoluta indiferença. O mundo viverá uma completa permissividade
e apenas o poder econômico será reverenciado. A religiosidade da verdadeira teologia bíblica será esvaziada. Muitos destes
mem, no seu Dia, será como o relâmpago sobre a laje, não desça para recolher os
cujo esplendor da luz vai de uma à outra bens que estiverem dentro de casa. Se-
extremidade do céu. melhantemente, quem estiver no campo,
25 Antes, porém, se faz necessário que não deve retornar por motivo algum.15
Ele sofra muito e seja rejeitado por esta 32 Lembrai-vos da esposa de Ló!
geração.13 33 Quem tentar preservar sua vida per-
26 Pois, assim como aconteceu nos dias de-la-á; mas quem perder a sua vida na
de Noé, também será nos dias do Filho realidade a manterá.
do homem. 34 Eu vos asseguro que, naquela noite,
27 As pessoas viviam comendo, bebendo, duas pessoas estarão numa cama; uma
unindo-se em matrimônio e sendo pro- será levada e a outra deixada.
metidas em casamento, até o dia em que 35 Duas mulheres estarão no campo;
Noé entrou na arca. Então sobreveio o uma será tirada, e a outra deixada’.16
dilúvio e os destruiu a todos. 36 Dois trabalhadores estarão no campo;
28 Da mesma forma ocorreu nos dias de um será tomado, e o outro, deixado”.
Ló. O povo dedicava-se a comer e beber, 37 Diante disso, lhe indagaram: “Onde se
comprar e vender, plantar e construir. dará tudo isso, Senhor?”. Advertiu-lhes o
29 Todavia, no dia em que Ló abandonou Senhor: “Onde houver um cadáver, ali se
Sodoma, choveu fogo e enxofre do céu e ajuntarão os abutres!”.17
destruiu a todos.
30 E, acontecerá exatamente assim, no Dia A parábola da viúva persistente
em que o Filho do homem for revelado.14
31 Portanto, naquele Dia, quem estiver 18 Então Jesus propôs uma parábola
aos seus discípulos, com a inten-
sinais já são observados em países da Europa e em algumas partes dos Estados Unidos, conhecidos por sua tradição cristã
reformada e protestante, e como um dos maiores centros evangélicos do mundo. Nessa época, vários falsos profetas surgirão
e enganarão a muitos.
13 Mas os tempos seriam marcados pelo sangue de Cristo. Antes que a história continuasse até seu epílogo, era impreterível
o sacrifício do Filho de Deus para salvação do seu povo, e Jesus fez muitas vezes menção a esse ato histórico e decisivo na
vida dos discípulos e da Igreja por todas as gerações até a sua volta (5.35; 9.22,43; 12.50; 13.32,33; 18.32; 24.7 de acordo com
Mt 16.21).
14 Os dias de Ló (Gn 18.16 – 19.28) se repetirão, porém não de forma localizada, mas sobre todo o planeta. Então o Filho de
Deus aparecerá claramente visível para todas as pessoas, em todas as partes da terra (1Co 1.7; 2 Ts 1.7; 1Pe 1.7,13; 4.13). Os
cristãos sinceros imediatamente estarão com Cristo, os demais, infelizmente, continuarão a história de afastamento de Deus e
danação que escolheram trilhar (Jo 1. 11-14).
15 Na medida em que os dias se aproximam do glorioso retorno do Senhor, a sociedade relativisa e romanceia os princípios e
mandamentos da Palavra de Deus, e a fé tende à apostasia, mais vigilância e consagração serão necessárias aos cristãos fiéis. A
importância vital dessa preparação prévia para o grande Dia é um dos principais temas do ensino de Jesus Cristo sobre o final dos
tempos (12.35-48; Mt 25.1-3). Vigilância é a constante e disciplinada concentração no Senhor e na prática diária da sua Palavra.
Qualquer distração espiritual pode ser fatal, como ocorreu com a mulher de Ló. Nos tempos de Cristo, era costume subir nas
lajes planas das casas para descansar à brisa amena dos finais de tarde na Palestina. Entretanto, no dia da volta de Cristo, não
haverá tempo para buscar qualquer pertence. Tudo acontecerá num só instante. Mateus e Marcos se referiram da mesma forma à
queda de Jerusalém e de modo indireto ao final dos tempos (Mt 24.17,18; Mc 13.15). Entretanto, o texto se refere aqui ao glorioso
retorno de Jesus (v.30 de acordo com 21.21).
16 Independentemente do quanto duas pessoas sejam íntimas e da mesma família, não há qualquer garantia de que ambas
venham a ter o mesmo destino eterno. Uma pode ser levada ao Juízo e à condenação eterna, e a outra, à salvação e à vida eterna
com Cristo. A certeza da salvação deve estar no coração de cada pessoa que um dia aceitou sinceramente o sacrifício do Senhor
por seu resgate pessoal.
177 Jesus cita um antigo provérbio judaico em resposta à pergunta dos discípulos afirmando que esses eventos ocorrerão em
todas as partes do mundo. Os abutres percebem o cheiro de carniça a quilômetros de distância, muito tempo antes do último
suspiro de suas vítimas. Assim sendo, mesmo com o céu azul e limpo, os abutres já começam a se aproximar dos cadáveres dos
incrédulos para seu banquete final. Todavia, quando essa hora chegar, os cristãos sinceros já estarão na glória do Senhor, salvos
e exultantes. Uma alusão à carnificina que ocorrerá por ocasião do Armagedom (Ap 19.17-19).
1 Assim como a parábola do administrador infiel (16.1-8), essa também é uma “história enigmática de contraste”. Revela que,
se um magistrado que não teme ao Senhor, nem respeita ou teme a homem algum, pode ser levado a atender a petição de uma
pobre viúva por causa de sua insistência, quanto mais o fará o justo Juiz do universo (Tg 4.12). Os cristãos são encorajados a
permanecer fiéis e confiantes em suas orações a Deus, que no momento oportuno responde a todos como um Pai amoroso.
2 O juiz insensível da parábola não temia a Deus e muito menos aos homens. Não se preocupava com o bem-estar da sua
comunidade nem com o que as pessoas pensavam sobre ele. A viúva, especialmente no AT, representava – assim como os órfãos
– todo tipo de pessoa desamparada e carente de recursos (Sl 68.5; Lm 1.1).
3 A palavra grega original aqui traduzida por “aborrecer” é a mesma que Paulo usou ao se referir à disciplina que aplicava ao
próprio corpo por causa de Cristo: “esmurro o meu corpo” (1Co 9.27) e seu sentido mais literal é: “esbofetear”. As súplicas da
pobre viúva eram como “bofetadas” no rosto daquele juiz insensível. A oração que sempre alcança a resposta do Senhor é: isenta
de pecados não confessados (Tg 5.16); incessante (1Ts 5.17) e cheia de fé (1Jo 5.15).
4 A justiça de Deus sempre é feita, e será vista com clareza, por toda a terra no glorioso retorno de Jesus. A expressão “escolhi-
dos” tem sua origem num termo hebraico, particularmente usado no AT, para se referir a Israel, o povo eleito de Deus. Entretanto,
seu paralelismo com outra palavra hebraica muito significativa “servo” (1Cr 16.13; Sl 105.6; Is 65.9), une as idéias de “responsabi-
lidade” e “privilégio”. No NT a expressão tem seu conceito estendido à Igreja, como o Novo Israel de Deus (1Pe 2.9). Entretanto,
Jesus prediz que a sua volta se dará em momento de grande esfriamento espiritual sobre a terra, afastamento da teologia bíblica
e perseguição aos crentes sinceros. Nessa época será ainda mais necessário perseverar na oração e não esmorecer na fé leal a
Cristo, assim como no exemplo da viúva.
5 O jejum não era uma prática ordenada na Torá (Lei), a não ser o jejum do Dia da Expiação. Os fariseus, entretanto, haviam
instituído jejuns às segundas e quintas-feiras (5.33; Mt 6.16; 9.14; Mc 2.18; At 27.9). Da mesma forma, em relação ao dízimo,
os fariseus ofereciam a décima parte de tudo quanto produziam, recebiam ou ganhavam e não apenas do salário e de algumas
rendas, conforme prescrevia a lei mosaica.
6 A palavra “benevolente” vem do hebraico original transliterado hilasthetii e quer dizer: “sê conciliado”, “expiado”, “indulgente”.
No NT e na Septuaginta essa expressão está relacionada com os atos no propiciatório, no Santo dos Santos do templo (Rm 3.25;
Hb 9.5; Êx 25.17). O verbo aqui usado significa “ser propiciado” (1Jo 2.1-2). O publicano não evoca seu bom coração ou boas
obras, mas suplica a misericórdia do Senhor para lhe perdoar os pecados e receber suas orações e ações de graças.
7 Jesus enfatiza um dos pilares doutrinais da fé cristã: a justificação. O fariseu tenta justificar-se a si mesmo ao apresentar suas
qualificações morais e espirituais ao Senhor. Algumas, inclusive, acima do que a lei de Moisés ordenava. Entretanto, somente
Deus pode justificar o ser humano culpado e já condenado (Rm 1.17; 5.1). Ao tentar justificar-nos a nós mesmos, estamos sendo
falsos, mentirosos e desprezando a justiça da graça de Deus (Rm 3.20).
8 Jesus usa uma outra ilustração para explicar, particularmente aos discípulos, que tipo de pessoa herdará o Reino de Deus.
A recepção calorosa e protetora do Senhor às crianças – no original grego transliterado brephe, “infantes” – denota que as
principais virtudes desejadas por Deus no ser humano não são a instrução, compreensão e obediência irrefletida às leis; mas
sim, a relação de amor puro, confiante e sincero para com o Senhor (Mt 18.3; 19.14; Mc 10.15 de acordo com 1Pe 2.2). Qualquer
tentativa de obstruir ou impedir que crianças e pessoas simples do povo tenham essa relação verdadeira com Deus será
duramente castigada (17.1,2; Mt 18.1).
9 A expressão usada por Jesus tem o seguinte sentido original: “Tu sabes o que dizes?” Ou seja, somente alguém que reco-
nhece em Cristo a pessoa de Deus (Eu Sou), pode dirigir-se a ele por suas qualidades de lealdade, misericórdia e benevolência
sem cair no pecado da hipocrisia (Rm 7.18). Afinal, somente Deus é bom, todos os homens são pecadores e inclinados ao mal.
O jovem rico e religioso não percebeu que estava falando com Deus.
10 Jesus procura ser mais claro e, considerando o apego extremo daquele líder judeu ao cumprimento da Lei, o encoraja a cumprir
o décimo mandamento, pois sua avareza era maior do que seu amor a Deus. A renúncia a tudo, e a qualquer coisa, que possa
ocupar o lugar de primazia de Deus em nossa alma é condição sine qua non (latim: sem a qual não) para o discipulado (12.34).
11 Causas da tristeza e depressão de muitas pessoas: Negam-se a confiar plenamente em Deus e a corresponder às expectati-
vas do Senhor (Jo 3.3,5); rejeitam o único Mestre que verdadeiramente pode guiá-las pelos árduos caminhos desta vida (Jo 8.12);
afastam-se do único Caminho que pode conduzi-las à felicidade e vida eternas (Jo 14.6).
12 A ninguém foi dado o dom de salvar-se a si mesmo ou a qualquer outra pessoa. Essa é uma dádiva de Deus, outorgada atra-
vés do sacrifício vicário de Jesus Cristo em benefício exclusivo daqueles que sinceramente nele crêem (Jo 6.37). Poucos são os
ricos, mas todos amam o mundo e as coisas que o mundo oferece (1Jo 2.15). A renúncia de tudo por amor a Cristo é igualmente
impossível, tanto para pobres quanto para ricos, por isso dependemos da graça do Senhor e do seu toque milagroso em nossos
corações para abraçarmos com fé a salvação e nos convertermos dos nossos caminhos naturais de egoísmo e pecado.
Jesus prediz outra vez seu holocausto 38 Então, o cego se pôs a exclamar: “Je-
(Mt 20.17-19; Mc 10.32-34) sus! Filho de Davi, tem misericórdia de
31 E Jesus, chamando à parte os Doze, mim!”.16
lhes revelou: “Eis que estamos subindo 39 Os que caminhavam à frente o repre-
para Jerusalém, e tudo o que está escrito enderam para que se calasse; entretanto,
pelos profetas sobre o Filho do homem o homem gritava cada vez mais alto: “Fi-
se cumprirá. lho de Davi, tem misericórdia de mim!”.
32 Ele será entregue aos gentios que zom- 40 Foi então que Jesus parou e ordenou
barão dele, o insultarão, cuspirão nele, e que aquele homem fosse trazido à sua
depois de muito açoitá-lo, o matarão.13 presença. E, tendo ele chegado bem pró-
33 Contudo, no terceiro dia Ele ressus- ximo, Jesus perguntou-lhe:
citará!”. 41 “Que queres que Eu te faça?”. Ao que
34 Os discípulos não compreenderam lhe respondeu o homem: “Senhor, eu
nada do que fora dito. O significado quero voltar a enxergar!”.
dessas palavras ainda lhes estava oculto, 42 Então Jesus lhe determinou: “Recupe-
e, portanto, não podiam entender do que ra a visão! A tua fé te curou”.
Ele estava falando.14 43 Naquele mesmo instante, o homem
recuperou a capacidade de ver e passou
Um homem cego ganha a visão a seguir a Jesus, glorificando a Deus.
(Mt 20.17-19; Mc 10.32-34) Quando toda a multidão observou o que
35 Aconteceu que, ao aproximar-se Jesus aconteceu, da mesma forma rendia louvo-
de Jericó, estava um homem cego senta- res ao Senhor.17
do à beira do caminho, suplicando por
esmolas.15 A salvação de Zaqueu, o publicano
36 Assim que ouviu a multidão passando,
ele perguntou
p g do que
q se tratava aquilo.
q
37 E informaram-lhe: “É Jesus de Nazaré
19 Chegando a Jericó, atravessava
Jesus a cidade.
2 Eis que um homem rico, chamado Za-
que vem passando!”. queu, chefe dos publicanos,1
13 Lucas destaca, pela primeira vez, a participação efetiva dos gentios (no caso, os romanos) em relação às perseguições e
ao martírio de Jesus Cristo.
14 Apesar desta ser a sétima predição feita por Jesus sobre seu holocausto (5.35; 9.22.44; 12.50; 13.32; 17.25), os discípulos
– como todos os judeus da época – esperavam há séculos a chegada de um Messias que venceria todos os inimigos de Israel
e se tornaria rei dos judeus, como Davi. E também compartilharia seu reinado de glória com seus seguidores leais. Honras e
autoridade seriam distribuídas entre os cooperadores mais próximos. Somente o Espírito Santo poderia lhes esclarecer quanto ao
novo e definitivo procedimento de Deus em relação a Israel e ao mundo (2Co 4.3,4 de acordo com Lc 24.26).
15 É possível que Bartimeu (Mc 10.46) tenha sido curado entre a velha Jericó (uma cidade de cananeus) e a nova Jericó
(construção que Herodes havia recentemente terminado). Mateus relata que dois cegos foram curados (Mt 20.30). É provável
que um deles tenha falado de forma mais incisiva e destacada, suplicando em favor de ambos e, por isso, Marcos e Lucas não
mencionam o outro.
16 O homem cego já tinha ouvido acerca dos rumores sobre o título messiânico que as multidões haviam consagrado a Jesus:
Filho de Davi, e que culminariam na sua entrada triunfal (como o Messias que seria proclamado rei pela vontade popular) em
Jerusalém (19.28). Esse agitar das massas judaicas começava a perturbar seriamente os governadores romanos, que permitiam a
livre manifestação religiosa dos povos por eles dominados, mas jamais, qualquer tipo de insubordinação política ou econômica.
17 Jesus parou em sinal de reprovação aos que, desprezando os apelos do mendigo cego, o repreendiam. Por outro lado, Bar-
timeu demonstrou de forma prática a parábola da “viúva persistente”. Ao homem que pedia “misericórdia” o Senhor pergunta em
que sentido prático a misericórdia do Filho de Davi poderia ajudá-lo. Mateus acrescenta que Jesus tocou os olhos do homem, mas
ambos mencionam que Jesus abençoou aquele homem com a palavra da cura completa, que pode ser traduzida como “salvação”,
o que significa uma cura do corpo e da alma. A fé daquele homem não produziu a cura, mas foi o meio pelo qual ele a recebeu. Daí
em diante, o homem podia ver, e vendo, já não chamava a Jesus de Filho de Davi – líder político e rei dos judeus – mas glorificava
a Deus, pois havia visto Seu Filho Jesus.
Capítulo 19
1 Em hebraico literal, o nome “Zaqueu” significa, “o justo”. Ele não era apenas um cobrador de impostos, mas uma espécie
de gerente geral de arrecadações, cargo esse mencionado só nesta passagem em toda a Bíblia. Jericó ficava na fronteira com a
3 buscava ver quem era Jesus; todavia, 9 Diante disso, Jesus declarou: “Hoje,
sendo ele de pequena estatura, não o houve salvação nesta casa, pois este ho-
conseguia, devido à afluência do povo. mem também é filho de Abraão.
4 Por esse motivo, correu adiante da mul- 10 Porquanto o Filho do homem veio
tidão e subiu em uma figueira brava para buscar e salvar o que estava perdido”.6
observá-lo, pois Jesus ia passar por ali.2
5 Quando Jesus chegou àquele local, A parábola das moedas de ouro
olhou para cima e o chamou: “Zaqueu! 11 Estando eles a ouvi-lo, Jesus passou
Desce depressa, pois preciso ficar hoje a expôr-lhes uma parábola, visto estar
em tua casa”.3 próximo de Jerusalém e o povo imaginar
6 No mesmo momento desceu Zaqueu que o Reino de Deus ia se estabelecer ali
apressado e o recebeu com enorme a qualquer momento.7
alegria. 12 E assim, contou-lhes Jesus: “Certo ho-
7 Todos, em meio à multidão, que pre- mem de nobre nascimento, partiu para
senciaram o que se passou começaram a uma terra longínqua, com o objetivo de
murmurar: “Ele entrou na casa daquele ser coroado rei de um determinado reino
pecador e vai hospedar-se lá!”.4 e regressar.8
8 Então, Zaqueu tomou a palavra e 13 Convocou dez dos seus servos, a cada
comunicou a Jesus: “Eis a metade dos um confiou uma moeda de ouro e orien-
meus bens Senhor, que estou doando aos tando a todos lhes disse: ‘Fazei com que
pobres; e se de alguém extorqui alguma esse dinheiro produza lucro até que eu
coisa, devolverei quatro vezes mais!”.5 volte’.9
Transjordânia (Peréia), uma região próspera nessa época e Zaqueu ganhava uma porcentagem sobre o trabalho de todos os demais
publicanos do distrito. Zaqueu é um exemplo de que o impossível ao ser humano, é possível a Deus (18.24-47; Mc 2.14,15).
2 Havia um desejo no coração de Zaqueu e uma curiosidade por ver a Jesus muito diferente da inveja e maldade de Herodes
(9.9), ou da incredulidade de muitas pessoas da multidão (11.16,24). Era a mesma disposição e perseverança do cego (18.41).
Zaqueu subiu numa árvore robusta, de tronco curto, mas com longos e fortes galhos. Normalmente atingia dez metros de altura
(Am 7.14).
3 Embora Zaqueu sentisse um desejo irresistível de conhecer Jesus; de fato, Jesus já sabia quem era ele. A frase usada por
Jesus no original, não é apenas uma simples solicitação de pouso ou hospedagem, mas uma expressão enfática. Jesus entendia
sua visita a Zaqueu como parte da sua missão divina. Zaqueu respondeu com regozijo ao chamado do Senhor. Lucas faz 19
referências explícitas à alegria e ao gozo espiritual. Assim como seu amigo Paulo em sua carta aos filipenses (Fp 1.18).
4 Para a maior parte da multidão era mais fácil louvar a Deus pelo milagre da cura do cego Bartimeu (18.43), do que se regozijar
pelo milagre – ainda maior – da conversão de um rico avarento e pecador como Zaqueu (15.28,30).
5 O milagre da conversão sempre atinge a pessoa humana em seus pecados e recalques psicológicos mais crônicos,
transformando o caráter e os sentimentos à semelhança do Senhor (Imago Deii – à Imagem de Deus). Zaqueu passa a ver em
Cristo o grande valor e referencial da sua vida. Seus valores e ambições assumem prioridades celestiais e eternas. Zaqueu tira seu
foco do acumular egoísta de bens e amplia sua visão para a socialização do amor e dos recursos materiais. Suas capacidades
serão agora usadas para glorificar a Deus, em benefício do Reino, e não apenas para si mesmo. Zaqueu enxerga o mal que fazia e
decide indenizar a quem prejudicou além do que exigia a Lei, considerando sua antiga atitude como roubo e restituindo, portanto,
até quatro vezes mais (Êx 22.1; 2Sm 12.6; Pv 6.31).
6 A sociedade judaica costumava excluir os publicanos da comunhão nas sinagogas e os considerava como “pecadores”, e
não membros da família de Abraão (judeu verdadeiro). Jesus reconduz Zaqueu à sua condição de filho de Abraão – não apenas
pela linhagem – mas, sobretudo pelo seu “andar nos passos da mesma fé que teve Abraão” (Rm 4.12). O título messiânico: “Filho
do homem” (Dn 7.13) foi usado apenas por Jesus, citado nos quatro evangelhos, por Estevão (At 7.56) e na visão escatológica
de João (Ap 1.13).
7 A parábola das moedas de ouro (ou minas) tem o propósito de revelar aos discípulos que – ao contrário do que pensava o
povo – Jesus não iria completar a implementação do seu Reino terrestre ao chegar em Jerusalém.
8 Curiosamente, caso semelhante ocorreu no ano 4 a.C, relatado por Josefo em suas obras “Guerras” e “Antigüidades”, nas
quais narrou a história de Arquelau (irmão de Antipas) que viajou para Roma a fim de ser coroado e assinar os documentos de
posse sobre a Judéia. Os judeus, conhecendo seu caráter tirânico, pois havia massacrado cerca de 3.000 judeus na primeira
Páscoa após sua ascensão, mandaram uma delegação pedir que lhe fosse negado o reino. O imperador Augusto lhe concedeu
metade do território que estava sob a tutela de seu pai, Herodes, o Grande. Embora jamais lhe outorgasse o título de “rei”.
9 Em contraste com a história contada em Mt 25.14, a quantia é pequena e repartida igualmente para todos. A “mina” era uma
moeda grega de ouro e seu valor equivalia a 100 dracmas gregas, cada dracma (ou denário romano) correspondendo ao salário
de um dia de trabalho braçal (15.8). Cada mina pagava cerca de três meses de trabalho. Dez minas equivaliam aproximadamente
a meio quilo de prata. E um talento, a cerca de 60 minas. Sendo assim, o montante total entregue a cada servo, equivalia ao
salário de quase três anos.
10 Os cristãos recebem do Senhor um investimento de poder em suas vidas. Os que buscarem no Evangelho dividendos espi-
rituais para si e para o próximo ficarão ainda mais ricos. Todavia, os que forem negligentes e preguiçosos, ou esbanjarem a graça
que lhes foi concedida se tornarão cada vez mais pobres, a ponto de perderem até mesmo o que já possuem.
11 Uma referência ao genocídio de Jerusalém em 70 d.C. O castigo dos que se rebelaram contra o Rei e ativamente se opuseram ao
Senhor foi muito mais severo que o aplicado ao servo negligente. Esse texto é também uma alusão escatológica ao Dia do Juízo.
12 Betfagé era uma aldeia situada a leste do cume do chamado monte das Oliveiras, a cerca de um quilômetro e meio de Jeru-
salém. Betânia, onde vivia Lázaro com suas irmãs, Marta e Maria, grandes amigos de Jesus (10.38 conforme Jo 11.1), era um ou-
tro povoado, no sopé do monte, a cerca de quatro quilômetros da cidade de Jerusalém (Jo 11.18). O monte das Oliveiras era uma
crista montanhosa com quase dois quilômetros de extensão, separada de Jerusalém pelo vale de Cedrom (Zc 14.4; Mc 11.1).
13 O povoado aqui se refere a Betânia. Em outros relatos temos a confirmação de que se tratava de um jumentinho saudável,
nunca antes montado (Jo 12.15 de acordo com Nm 19.2; 1Sm 6.7) acompanhado de sua mãe jumenta conforme o costume (Mt
21.7). Os evangelhos não revelam os nomes dos dois discípulos que foram buscar o jumentinho sob as ordens do Senhor, mas
confirmaram que tudo aconteceu como Jesus profetizara (22.13,21,34); como profeta, conhece o que se passa no íntimo das
pessoas (7.39 conforme Jo 1.47) e seu ensino está de acordo com Moisés e os profetas (24.6,26).
14 Jesus decide entrar em Jerusalém montado num jumentinho assumindo publicamente sua filiação a Davi e, portanto, digno
do seu trono (1Rs 1.33,44). Porém, mais do que sucessor do reino de Davi, ele era o Messias a quem, quatrocentos anos atrás,
os profetas haviam anunciado (Zc 9.9). Todos os judeus da cidade, liderados por um incontável número de discípulos, conduziam
Jesus em procissão e o aclamavam como Rei dos judeus. A ressurreição de Lázaro e a cura do cego Bartimeu eram exemplos
recentes, mas muitas outras maravilhas e obras poderosas estariam incluídas – algumas registradas por João – ocorridas em
várias ocasiões em Jerusalém e na Galiléia (Mt 21.14; Jo 12.17).
15 Finalmente o povo unido reconhecia a divindade e majestade de Jesus (Mc 11.9 e Mt 21.4 com Sl 118.26). A paz messiânica
de Jeová vinda à terra (2.14) volta ao céu, onde estará entronizado o Cristo ressurreto. Essa paz foi rejeitada por Jerusalém (42)
e aguarda o glorioso retorno do Senhor para seu pleno cumprimento. Enquanto isso inunda de paz e gozo o coração dos que
aceitam o Espírito do Senhor (Is 9.6; Jo 14.27; Ef 2.13,14; Fp 4.7). É importante notar que, enquanto as multidões louvam a Deus,
aclamando Jesus como rei, o próprio Jesus chora e se lamenta pelo que sobrevirá à sua cidade amada (38-41), e os fariseus
manifestam um descontentamento que logo culminaria no julgamento e assassinato de Jesus (23.21,27).
16 Os fariseus e líderes políticos e religiosos dos judeus pedem para que Jesus ordene aos seus milhares de discípulos que parem
com aquela proclamação. Jesus lhes explica que o que estava acontecendo ali jamais teria fim. Ainda que todos se calassem, o es-
trondo das pedras, despencando do templo, contaria a triste história de quando Deus veio à terra e foi rejeitado pelos seus. Ninguém
entendeu o que Jesus estava dizendo, até que no ano 70 d.C., Jerusalém foi arrasada e não sobrou pedra sobre pedra.
17 Ao observar a cidade e o povo a quem tanto amou, sabendo do desenrolar da história, e de tudo quanto aquela gente,
seus filhos e netos, ainda sofreriam por causa de seus corações empedernidos (Nm 13 e 14; Ap 6.16,17), Jesus não suportou a
emoção e esvaiu-se em pranto derramando seu lamento na forma de lágrimas sobre o solo árido da Palestina. Jesus bem sabia
que sua entrada triunfal era, na verdade, o caminho do holocausto. A coroa que o aguardava era de espinhos e todos os seus
seguidores o abandonariam em breve aos carrascos.
18 Jesus profetizou detalhes sobre como se daria a invasão romana cerca de quarenta anos mais tarde. Os exércitos romanos,
durante anos, construíram trincheiras até sitiar toda a cidade. A descrição do Senhor lembra as predições do AT (Is 29.3; 37.33;
Ez 4.1-3). Deus, na pessoa de Jesus – o Messias prometido – achegou-se até seu povo amado, e eles não o reconheceram, e o
rejeitaram – assim como ocorre nos dias de hoje em toda a terra com relação ao Evangelho – (Jo 1.10,11 conforme Lc 20.13-16).
Aqui termina a seção central de Lucas sobre a ida de Jesus para Jerusalém iniciada em 9.51. O verso 45 começa a seção sobre
“Jesus no templo” que termina em 21.38, com a profecia sobre a invasão de Jerusalém e a destruição total do templo.
19 Marcos nos informa que essa chamada “purificação do templo” deu-se após a “entrada triunfal”, ou seja, na segunda-feira
da Paixão. Jesus se deparou com os vendilhões no átrio exterior (espaço reservado aos gentios), onde os animais destinados aos
sacrifícios e ofertas eram vendidos, especialmente aos não judeus, por preços totalmente injustos e de forma contrária a Lei. João
menciona uma situação semelhante no início do ministério de Jesus (Jo 2,13-25), mas os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos
e Lucas) referem-se apenas a esse mesmo momento (Mt 21.12,13; Mc 11.15-17).
20 Os chefes dos sacerdotes faziam parte do concílio governamental dos judeus, chamado de Sinédrio, e procuravam uma
forma de matar Jesus sem causar comoção entre o povo (Mc 14.55; 20.19,20 conforme Jo 7.1; 11.53-57). A Casa de Oração
torna-se um covil de ladrões, quando: O Senhor da casa não é reconhecido como Deus (Ml 3.1); a adoração e o verdadeiro amor
são trocados pela avareza (Jr 7.11; 1Co 13); a casa do Senhor é tratada como se não pertencesse a ele (1Co 6.19); palavras e
petições egoístas tomam o lugar da verdadeira intercessão (Tg 4.2,3).
Capítulo 20
1 Jesus começa um longo dia de controvérsias (terça-feira da Paixão) sem perder seu ânimo e seu objetivo maior: salvar todos
os que nele cressem (Jo 1.12-14), ainda que esse esforço o levasse ao martírio. No domingo Jesus havia entrado em Jerusalém
sob aclamação do povo em procissão. Na segunda-feira expulsou os vendilhões do templo (Mc 11.19,20,27-33). Agora, os líderes
dos três mais importantes grupos religiosos e políticos de Israel (sacerdotes, escribas e os anciãos, ou “maiorais do povo”) e
que faziam parte do Sinédrio, a assembléia governante do povo judeu, mobilizam todas as forças na tentativa de pegar Jesus em
flagrante delito de desrespeito (blasfêmia) ou heresia quanto ao ensino das Escrituras. Esse seria o pretexto ideal para levá-lo a
um sumário julgamento seguido de execução.
2 Jesus se expôs perigosamente quando, de forma violenta, censurou a atitude das pessoas que – em parceria com sacerdotes
e líderes do Sinédrio – usavam o espaço do templo para negociar os animais (muitos com defeito e doentes) destinados às ofertas
e sacrifícios. Uma atitude dessas só poderia ser tomada por alguém com a autoridade de um líder maior do Sinédrio ou pelo
próprio Messias. Além de desafiar a autoridade dos principais líderes judaicos da época, Jesus também estava prejudicando os
lucros monetários advindos dessa operação sinistra. As autoridades judaicas constituídas da época já haviam inquirido João Ba-
tista sobre sua autoridade profética (Jo 1.19-25), e ao próprio Jesus, no começo do seu ministério (Jo 2.18-22). Agora, entretanto,
eles tinham que fazer algo rápido para desacreditar Jesus aos olhos do povo que o amava e exaltava como Messias. Um meio
seria apresentá-lo como um revolucionário radical e descontrolado, o que chamaria a atenção imediata de Roma.
3 Essa parábola é ampla e profunda em significados, como a maior parte do ensino do Senhor. A história nos faz pensar sobre Is
5.1-7 (a vinha refere-se a Israel), tem implicações messiânicas ao mesmo tempo em que é uma profecia sobre a Paixão de Cristo.
Os servos que foram enviados aos vinicultores (trabalhadores especializados no cultivo e beneficiamento da uva em larga escala), re-
presentam todos os profetas que Deus enviou no passado (Ne 9.26; Jr 7.25,26; 25.4-7; Am 3.7; Mt 23.24; At 7.52; Hb 11.36-38). Como
normalmente ocorre nos contratos de meeiros, parte da renda obtida com a produção da safra deve ser encaminhada ao dono da
propriedade. Jesus usa essa metáfora para explicar a expectativa de Deus em relação à nossa produção espiritual e nos alertar quanto
aos dias de hoje. Vivemos na época da graça, quando Jesus Cristo viajou para terras distantes, mas voltará a qualquer momento para
acertar as contas com seus vinicultores. Somos alertados a não ter a mesma atitude dos judeus (Mt 25; Lc 12.35; 19.11).
4 Jesus profetiza que seria excluído da comunhão dos seus e morto de forma injusta e indigna (Jo 9.34; Hb 13.12).
5 Jesus profetiza que todas as honras da salvação e da herança eterna do Reino de Deus passariam para outras pessoas (os gen-
tios), por crerem no sacrifício vicário de Jesus Cristo, ganharão tudo quanto Israel perdeu (Rm 11.11; 22-25 conforme Lc 22.30).
6 Assim como um frágil vaso de barro se despedaça ao colidir contra a rocha pura. E, da mesma maneira, o vaso se espatifa
quando atropelado por essa rocha. Assim virá o Juízo sobre os que se opõem ao Evangelho e sobre aqueles que de Jesus, o
Messias, tentam se afastar (Is 8.14 de acordo com Dn 2.34,35,44; Lc 2.34). Jesus cita Sl 118, que foi cantado por ocasião do
término da reconstrução dos muros de Jerusalém em 444 a.C. O verso 22 desse salmo refere-se à volta de Israel à Palestina e
seu estabelecimento como nação, o que só veio a ocorrer definitivamente em meados do século XX. Os religiosos e o povo fiel
esperavam uma renovação gloriosa do templo com a chegada do Messias. No entanto, Pedro nos revela que essa expectativa
se cumpriu na edificação espiritual do templo que é a Igreja, o Corpo Vivo de Cristo, onde Seu Espírito habita e nos prepara para
seu glorioso retorno (1Pe 2.4-9 de acordo com Jo 2.19-22; Ef 2.20-22).
7 Os escribas (mestres da lei) compreenderam muito bem que as profecias e admoestações tratavam particularmente de
Israel e deles como líderes do povo. Jesus ainda nos previne que tropeçar espiritualmente, por causa da miopia ou cegueira da
incredulidade, trará repentina destruição (despedaçamento) por causa do julgamento divino que ocorre também aqui na terra (um
grande exemplo foi a destruição de Jerusalém em 70 d.C.). Da mesma forma, todos os incrédulos que persistirem na dureza dos
seus pensamentos e sentimentos, até passar esse período da graça, no qual vivemos, serão levados pelo próprio Cristo ao Juízo
final e espalhados como a palha num vendaval.
8 Ao perceberem a irritação de Jesus contra tudo o que de errado estava ocorrendo no templo e o quanto ele estava sendo
identificado pelo povo como o Messias prometido, os líderes religiosos judaicos, tendo receio de tomar alguma atitude que pu-
desse provocar a revolta do povo contra eles, começaram a tentar – de todas as maneiras – levar Jesus a fazer algum comentário
contra o sistema vigente de dominação romana. Roma era implacável com qualquer manifestação de revolta e indisciplina política
por parte dos povos dominados e certamente separaria Jesus do povo se notasse qualquer insubordinação de um mestre judaico
em relação às leis romanas.
9 Uma questão capciosa. Apoiar o pagamento dos impostos exigidos pelo gentio e dominador César seria uma decepção para
um povo que há 400 anos esperava pela vinda do Libertador e agora via em Jesus a figura desse Messias. Todavia, aconselhar
publicamente o não cumprimento da lei romana, seria um crime de insubordinação explícita e poderia atrair a indignação dos
oficiais de Roma.
10 Jesus pede uma moeda corrente e lhe entregam um denário (moeda romana de prata cujo valor correspondia a um dia de
trabalho de um soldado romano). Jesus chama a atenção da multidão para a figura cunhada na moeda. O retrato com o nome
de César identificava o proprietário daquela moeda. Então Jesus, demonstrando a mais ampla e profunda visão sobre a vida e o
relacionamento das pessoas com o Criador e com as criaturas, de forma absolutamente didática, ilustra seu ensino. A responsa-
bilidade civil e temporal abrange tudo quanto tenha a imagem do mundo. O Estado com suas leis e regulamentos, por exemplo
(Rm 13.1-7). Porém, há um outro lado. A responsabilidade espiritual e eterna que tem a ver com tudo aquilo que envolve a imagem
de Deus. A pessoa humana com sua alma, mente e sentimentos (Mt 22.37). A palavra grega original transliterada apodote significa
literalmente “pagar de volta”.
11 Os saduceus pertenciam a uma linhagem sacerdotal de aristocratas judeus que influenciavam decisivamente a política e a
economia israelense que não tinha adeptos entre os pobres. Eles não acreditavam na ressurreição e pregavam suas interpreta-
ções sobre a lei do levirato (Dt 25.5,6; At 23.6-8). Uma crença dos antigos judeus, que impunha à viúva o casamento com o irmão
do marido falecido, com o propósito de assegurar a continuidade da família, ou seja, da patrilinearidade (Gn 38.8).
12 A expressão grega original e literal traduzida por algumas versões como “era” e “mundo” é, na verdade, “século”. Expressão
que abrange todos esses sentidos. Jesus usou o estilo de vida dos saduceus (excessivamente preocupados com poder e dinhei-
ro) para se referir às pessoas materialistas e que adotam os valores deste mundo (comportamento modal da sociedade de cada
época), quer dizer, do presente século, como alvo e exemplo. Em contraste, Jesus menciona os “filhos da ressurreição”, cujos
valores e comportamento serão diferentes aqui e por toda a eternidade (Cl 3.1-4).
13 Na época de Jesus as Escrituras não eram divididas e numeradas em capítulos e versículos como hoje. Os mestres e estu-
diosos tinham que decorar os conceitos e citar quem e como tal assunto era tratado. A partir do ano 1244 d.C. a Bíblia começou
a ser dividida em capítulos para facilitar o estudo e apenas nos séculos VI e X passou também a ser subdividida em versículos nu-
merados. Jesus na verdade citou Êx 3.2 para fundamentar sua explicação quanto à realidade da ressurreição e da vida eterna.
39 Então, alguns dos mestres da lei se ma- Pois eles fazem questão de andar com
nifestaram exclamando: “Mestre, falaste roupas especiais, e muito apreciam serem
muito bem!”. saudados nas praças, ocupar as cadeiras
40 E a partir daquele momento, ninguém mais importantes nas sinagogas e os luga-
mais ousava lhe interrogar.14 res de honra nos banquetes.
47 Contudo, eles devoram as casas das vi-
O Cristo é Senhor de Davi úvas, e, para não dar na vista, fazem lon-
(Mt 22.41-46; Mc 12.35-37) gas orações. Sem dúvida, estes homens
41 Então Jesus lhes indagou: “Como sofrerão condenação mais severa!”.17
podem afirmar que o Cristo é filho de
Davi? A oferta da viúva pobre
42 Sendo que o próprio Davi declara no (Mc 12.41-44)
livro dos Salmos: ‘O Senhor disse ao meu
Senhor: Senta-te à minha direita,15
43 até que Eu ponha os teus inimigos
21 E erguendo os olhos, Jesus ob-
servou os ricos colocando suas
contribuições nas caixas para coleta de
como estrado para os teus pés’. ofertas.1
44 Desta forma, portanto, Davi lhe cha- 2 Percebeu também que uma viúva pobre
ma ‘Senhor’. Então como pode ser ele seu ofertou duas pequenas moedas judaicas.
filho?”.16 3 E exclamou: “Com toda certeza vos as-
seguro que esta viúva pobre contribuiu
Jesus previne aos seus discípulos mais do que todos eles juntos.
(Mt 23.1-12; Mc 12.38-40) 4 Porquanto todos os ofertantes deram
45 E estando todo o povo a ouvi-lo, Jesus daquilo que lhes sobrava; esta, porém,
advertiu aos seus discípulos: da sua extrema pobreza, deu tudo o que
46 “Tende cuidado com os mestres da lei. tinha, todo o seu sustento!”.2
14 Jesus observa que passados vários séculos depois dos patriarcas, quando Deus se revela a Moisés, faz questão de apresen-
tar-se como Deus de Abraão, Isaque e Jacó (Êx 3; 6). Se esses homens não estivessem vivos o Senhor não poderia referir-se a
eles como seu Deus, dando a entender que eles ainda mantinham uma relação de culto e adoração ao Senhor mesmo após sua
morte na terra. Um argumento desses, firmado em Moisés, tocou profundamente a todos, em especial, aos fariseus (a maioria dos
escribas da época), que acreditavam na ressurreição e viviam divergindo teologicamente dos saduceus (At 23.6-8). A resposta de
Jesus foi tão brilhante que todos ficaram atônitos e maravilhados com a simplicidade, sabedoria e verdade do seu ensino.
15 Se o Messias fosse apenas o descendente humano de Davi, como seria possível um rei deste porte chamar alguém da sua
descendência de Senhor? Jesus aproveita o momento de grande atenção de todos para destacar a verdade sobre a sua pessoa
e ministério. Os adversários de Jesus foram obrigados a reconhecer que o Messias era também o Filho divino de Deus (Sl 110.1).
Estar à direita do rei é a maior demonstração de poder e soberania real, honras normalmente outorgadas somente ao seu filho e
sucessor. Cristo reina agora (22.16; 23.42; Jo 18.36; 1Co 15.24). Os inimigos do Senhor que serão todos vencidos são: a morte
(1Co 15.25,26), o pecado e as forças do mal (Cl 2.15; Hb 2.8).
16 Na hierarquia patriarcal dos antigos judeus, o filho mais velho não podia honrar o mais novo chamando-o de Senhor. Jesus
explica que essa é uma referência à preexistência e deidade de Cristo, o Messias (Mt 22.41; Mc 12.35). Sendo eterno, Jesus
antecede a Davi, como também é anterior a Abraão e sempre esteve com Deus (Jo 8.58).
177 Os escribas (mestres da lei que viviam da oferta do povo) procuravam representar as viúvas, como advogados, em suas
causas jurídicas junto às famílias e os requerimentos do templo, para tirarem vantagens financeiras ilícitas (12.47,48). A vida
religiosa não os fazia mais humildes, nem tampouco leais e verdadeiros. A importância do cargo que representavam, a cultura
que ostentavam e o louvor das multidões – ao longo de séculos sem submissão verdadeira à Palavra – os havia transformado
em pessoas avarentas, arrogantes, egoístas, fraudulentas e, portanto, hipócritas religiosos. A advertência de Jesus é clara e
assustadora também para os nossos dias.
Capítulo 21
1 O gazofilácio era o nome dado a uma seção do átrio das mulheres onde havia treze caixas para coleta de ofertas, com o
formato de trombeta. Cada uma tinha uma inscrição que indicava em qual uso específico sua arrecadação seria investida. Alguns
ricos contribuíam de forma generosa.
2 Lucas usa uma rara palavra grega penichra para salientar a condição de pobreza absoluta daquela mulher vestida de luto,
conforme a tradição judaica, o que indicava seu estado de viuvez. Ela ofertou duas lepta. O lepton era uma moedinha de cobre
(a única moeda judaica mencionada no NT) e tinha um valor monetário irrisório (equivalente a um oitavo de centavo de dólar).
Por isso a lei recomendava jamais colocar um lepton na caixa de caridade. Entretanto, conhecendo a condição de vida daquela
senhora e seu coração, Jesus declara não apenas que ela teria dado mais do que cada um dos ofertantes; mas, sim, literalmente,
que ela deu mais do que todos aqueles contribuintes somados. Jesus calculou o valor espiritual da oferta pelo que sobrou a cada
um e a pobre viúva ofereceu o maior sacrifício.
3 Esse segundo templo (515 a.C.) havia sido completamente renovado por Herodes a partir de 19 a.C. e foi mais uma estraté-
gia política para reconciliar o povo judeu com seu rei que era idumeu, do que um ato de louvor e adoração ao Senhor, mesmo
considerando que Herodes mandou treinar cerca de mil sacerdotes como pedreiros e construtores, para edificarem o santuário
com todo o zelo religioso. A estrutura principal foi terminada no ano 9 a.C., mas toda a reconstrução foi concluída somente no
ano 64 a.C., pouco tempo antes da invasão romana. O templo ocupava uma área aproximada de 400 por 500 metros, sendo todo
revestido em ouro e prata. As pedras usadas para erigir a construção eram enormes blocos com cerca de 60 cm de altura por
5 metros de comprimento. Algumas dessas grandes pedras ainda podem ser vistas no chamado “muro das lamentações” em
Jerusalém. Contudo, esse muro fazia parte da infra-estrutura, e não propriamente do templo. Josefo faz a seguinte descrição em
relação às enormes pedras que adornavam o templo: “Tudo o que não era revestido de ouro, era do branco mais puro”. Herodes
ofereceu ao templo uma videira de ouro como obra de arte. Cada um de seus cachos era da altura de um homem e cada uva do
tamanho de uma melancia de ouro maciço.
4 A destruição de Jerusalém e, especialmente do templo, seria tão arrasadora que prefiguraria a destruição final do sistema
mundial no Dia do Juízo. Os exércitos romanos cercaram Jerusalém e no ano 70 d.C. invadiram a cidade santa, matando quase
toda a população. Destruíram e saquearam completamente o templo. Invadiram o santo dos santos e levaram para Roma o can-
delabro de ouro, a mesa dos pães da proposição e todos os objetos sagrados dos judeus, como um sinal de que haviam vencido
o Deus dos judeus. Além de não deixarem uma pedra em cima da outra (Mt 24.2), e rasparem até o ouro que havia nas junções
dos blocos de pedra, salgaram toda a cidade para que nem a grama voltasse a crescer naquele lugar.
5 Marcos esclarece que essa pergunta foi feita por quatro discípulos: Pedro, Tiago, João e André (Mc 13.3). Mateus apresenta a
questão de forma mais abrangente, incluindo um pedido de mais detalhes sobre o sinal do retorno de Jesus e conseqüentemente
do final dos tempos (Mt 24.3). Parte do discurso de Jesus refere-se ao final dos tempos e parte, especificamente, à destruição de
Jerusalém. Em Lucas a distinção entre os dois acontecimentos, considerando que a queda de Jerusalém faz parte das profecias
em relação ao fim do mundo, é mais clara que nos demais evangelhos. Jesus anunciou pessoalmente o fim das eras, mas
adiantou que esse terrível evento não se daria logo. Jesus expressa sua certeza na vitória final dos crentes fiéis, embora tivessem
que passar por períodos muito difíceis à frente. E termina com um desafio animador aos seus seguidores no sentido de perma-
necerem vigilantes e não se deixarem envolver pelas preocupações deste mundo. A linguagem usada pelo Senhor relembra
passagens do AT (2Cr 15.6; Is 8.21-22; 13.13; Jr 34.17) e enfatiza que ele estava descrevendo uma visitação divina.
6 Jesus adverte seus seguidores e discípulos para não se deixarem enganar pelos acontecimentos tumultuosos pelos quais
passaria a terra. Em épocas conturbadas apareceriam falsos cristos, ou seja, falsos messias (salvadores), afirmando ser como
Cristo (Eu Sou) e predizendo a data do final dos tempos. Todos os acontecimentos citados nos versos de 8 a 18 caracterizam a
era presente como um todo, além de serem sinais do final dos tempos (Mt 24.3,6; Mc 13.25).
7 As sinagogas serviam não apenas para o culto e o estudo religioso, mas também para a administração comunitária e para
aprisionar pessoas acusadas que aguardavam julgamento.
13 Porém, isso vos será uma oportunida- o cerco ao redor de toda Jerusalém,
de para que deis testemunho. sabei que é chegada a hora da sua ab-
14 Assentai, portanto, desde agora, em soluta destruição.
vosso coração que não deveis vos preo- 21 Então, os que estiverem na Judéia, refu-
cupar com o que haveis de declarar em giem-se nos montes, mas os que estiverem
vossa defesa. na cidade saiam imediatamente, e os que
15 Porque Eu colocarei as devidas pa- estiverem nos campos não venham para
lavras em vossa boca e vos concederei ela.11
sabedoria, a que não conseguirão resistir 22 Porquanto, estes serão os dias da vin-
ou contradizer todos os que vierem a se gança, a fim de que se cumpra tudo o que
opor a vós.8 está escrito.12
16 Mas sereis traídos até por pais, irmãos, 23 Ai das que carregam no ventre seus fi-
parentes e amigos, e matarão alguns de lhos e daquelas que amamentam naque-
vós. les dias! Porque haverá grande aflição na
17 E por todos sereis odiados por causa terra e ira contra este povo.
do meu Nome. 24 Eles sucumbirão ao fio da espada, e
18 Contudo, não se perderá um único fio muitos serão levados como prisioneiros
de cabelo da vossa cabeça.
ç 9 para todas as nações. Jerusalém será
19 É na vossa perseverança que confir- pisoteada pelos gentios, até que passe o
mais a salvação da vossa alma.10 tempo de poderem agir assim.13
8 O Senhor concederia aos seus discípulos a oratória e um saber acima do normal para testemunhar diante das autoridades (At
6.9,10). O Espírito de Cristo (Mc 13.11) dará a mensagem e a coragem para proclamá-la (At 4.8-13; 6.3,10; 7.1).
9 É preciso muito cuidado para não interpretar literalmente metáforas e outras figuras de linguagem muito usadas na Bíblia.
Jesus não estava garantindo a integridade física dos seus discípulos, uma vez que ele mesmo avisou sobre a morte de alguns
(v.16). Mas, assegurou aos fiéis que, mesmo a morte, não lhes roubaria todas as honras e glórias para eles reservadas no céu. O
Senhor sempre está no controle da história e especialmente da vida de cada crente. O resultado final será sem dúvida o triunfo
eterno. O crente jamais sofrerá perda total e real, pois seu espírito receberá um novo e perfeito corpo na ressurreição (Fp 3.21).
10 A palavra grega para “alma” é psyche, de onde vêm as palavras “psiquiatria, psicologia”. A psique é a sede das emoções,
sentimentos, vontades, paixões, razão e entendimento, e por isso, a alma é diferenciada do corpo físico. A “psique” é o nosso “Eu
interior”, a essência da vida.Várias vezes essa palavra no grego denota a própria “pessoa” (At 2.41,43; 1Pe 3.20). A “psique” não
pode ser dissolvida com a morte. Corpo e espírito serão separados, mas espírito e alma podem apenas ser distinguidos, jamais
divorciados. A Bíblia nos ensina que o ser humano é constituído de três partes: O corpo, nossa parte física; a alma, constituída
pelas emoções e intelecto; e o espírito, que é nossa verdadeira e eterna natureza. Ao recebermos Jesus como Salvador pessoal,
nosso espírito – que estava morto por causa do pecado – é prontamente revivificado e, portanto, devemos passar a alimentá-lo
com a Palavra e cuidar para que, tendo um desenvolvimento saudável, possa cada vez mais viver em harmonia com o Espírito de
Deus. Esse é o mais amplo aspecto do Reino de Deus, o qual nosso Senhor deseja que se expanda dentro de nós e administre
as mais profundas dimensões do nosso caráter e personalidade. A disposição e a coragem para enfrentar lutas interiores,
perseguições e provações em geral são confirmações de que somos verdadeiramente salvos e, portanto, podemos ter essa
certeza e a paz decorrente (Mt 10.28).
11 Quando um exército cercava uma cidade o mais indicado era buscar refúgio dentro dos muros. Entretanto Jesus previne
seus discípulos para que fujam do centro da cidade e busquem segurança nos montes. Os muros de Jerusalém agüentaram
os fortes ataques dos exércitos romanos por cerca de três meses, quando então foram invadidos violentamente e todo o povo
chacinado (Mt 24.16).
12 Os dias da vingança eram a maneira profética de se expressar no AT para advertir os judeus em relação à justiça punitiva
de Deus, em conseqüência da incredulidade e da infidelidade dos líderes religiosos e do povo em relação ao Senhor (Is 63.4;
Jr 5.29; Os 9.7).
13 Na verdade, Jerusalém já vinha sendo dominada por nações gentias (em grego: ethnõn), há vários séculos, e esta
dominação ainda seria pior com a devastação dos romanos, as sucessivas guerras com os países árabes, as grandes guerras
mundiais, hoje com a forte presença gentílica na cidade; haja vista que a principal mesquita mulçumana na Palestina está situada
trelas. Na terra, as nações ficarão deses- 32 Com toda a certeza vos asseguro que
peradas, com medo do terrível estrondo de modo algum passará esta geração sem
do mar e das ondas.14 que todos estes fatos aconteçam.16
26 Muitas pessoas desmaiarão de terror, 33 Porquanto, o céu e a terra desapare-
preocupadas com o que estará sobrevin- cerão, contudo as minhas palavras de
do às populações do mundo, pois os po- maneira nenhuma passarão.17
deres do espaço sideral serão abalados.
27 Então, se observará o Filho do homem Devemos viver vigilantes
vindo numa nuvem, com poder e por- (Mt 24.42-44; Mc 13.33-37)
tentosa glória. 34 Tende cuidado de vós mesmos, para
28 Sendo assim, quando esses fatos come- que jamais vos suceda que o vosso
çarem a surgir, exultai e levantai as vossas coração fique sobrecarregado com as
cabeças, pois está muito perto a vossa conseqüências da libertinagem, da em-
redenção!”.15 briaguez e das ansiedades desta vida
terrena, e para que aquele Dia não se
A parábola da figueira precipite sobre vós, de surpresa, como
(Mt 24.32-44; Mc 13.28-37) uma armadilha.
29 Em seguida, Jesus lhes propôs uma pa- 35 Pois ele certamente virá sobre todos os
rábola: “Observai a figueira, bem como que vivem na face de toda a terra.18
todas as demais árvores. 36 Vigiai, portanto, em todo o tempo,
30 Assim que começam a brotar, perce- orando, para que possais escapar de
bendo-o, reconheceis, por vós mesmos, todos estes eventos que estão para acon-
que o verão está chegando. tecer, e apresentar-vos em pé diante do
31 Da mesma forma, quando notardes Filho do homem”.19
que estes eventos começam a ocorrer, 37 Jesus passava o dia ensinando no
sabei que está próximo o Reino de Deus. templo; e ao pôr-do-sol caminhava até
sobre as ruínas do templo no centro de Jerusalém, e no futuro com novas e poderosas invasões (Ap 11.2). Por outro lado, esse
também é o “tempo da oportunidade” (em grego: kairos). Um longo tempo da graça de Deus para que todos os não judeus
possam receber o Senhor e serem salvos (Mc 13.10; Lc 20.16; Rm 11.25). Contudo, o “tempo dos gentios” será encerrado logo
depois de terem sido cumpridos os propósitos do Senhor para os próprios gentios.
14 Continuam, a partir daqui, as profecias iniciadas no v.11, depois do parêntese aberto pelos versos 12 a 24. Como afirma
17.20, o significado dos sinais do glorioso retorno do Senhor, ainda que portentosos e espantosos (v.11), passará sem a verdadei-
ra compreensão por parte dos incrédulos. O próprio discípulo que for incauto ou infiel será apanhado como um pássaro por uma
armadilha. Essa terminologia apocalíptica do AT e dos escritos judaicos é muito utilizada para descrever convulsões políticas, ou
acerca do fim do mundo. Aqui devem ser considerados ainda os fenômenos cósmicos que ocorrerão (Is 13.10; 34.4; Ez 32.7).
15 Muitas das predições nesse discurso de Jesus têm a ver com a iminente destruição de Jerusalém que ocorreria em 70 d.C.,
mas consideram também que esse seria um dos grandes sinais quanto ao final dos tempos e o glorioso retorno de Jesus (Dn
7.13). Contudo, os discípulos do Senhor não devem ficar apavorados quando observarem esses sinais, mas erguer as cabeças,
olhar para cima, de onde virá a nossa redenção, a salvação completa e eterna de nossas almas e a dádiva de um novo corpo
glorificado (Rm 13.11; 1Jo 3.2).
16 Segundo descobriu-se nas análises dos rolos do monte Qunram a expressão “geração”, significa “a duração de uma vida” e
pretendia identificar “um tipo especial de pessoas”, como no AT: os maus (Sl 12.7) e os bons (Sl 14.5). Isso quer dizer que aquelas
pessoas que presenciarem os sinais dos grandes eventos são de uma geração que verá o cumprimento daquelas profecias
específicas, por exemplo, como ocorreu com a geração à qual Jesus profetizou sobre a destruição de Jerusalém, aqueles que
viram o cumprimento da profecia, faziam parte da “geração” que foi até o fim. Da mesma forma, aqueles que virem os grandes
sinais que antecederão o glorioso retorno de Jesus, haverão de ficar firmes até o fim. Tal como “última hora” (1Jo 2.18), “hoje” (Hb
3.7,15) ou “agora” (2Co 6.2), “geração” significa também a fase final da história da Salvação. A geração dos “fins dos séculos”
(1Co 10.11) que se estende da ressurreição de Jesus até a revelação pública do Reino (em grego: parousia) prestes a surgir, mas
cujo tempo cronológico é indeterminado.
177 O cumprimento da Palavra do Senhor é mais certo e seguro que a permanência do mundo ou do próprio universo (Mt 5.18).
18 A volta gloriosa de Jesus abrangerá todas as nações e a raça humana em geral. A queda de Jerusalém foi um evento locali-
zado e específico, aviso de Deus para o mundo, e parte dos sinais que apontam para o final dos tempos.
19 Os cristãos escaparão da destruição eterna por evidenciarem um viver próprio dos salvos: Corações livres de vícios carnais e
ambições mundanas (v. 34; Hb 2.3; 2Pe 3.10,11). Mentes e corações em sintonia com as profecias e os sinais bíblicos (Mt 24.33;
o monte chamado das Oliveiras, onde 6 Judas aceitou e ficou aguardando uma
passava a noite.20 oportunidade, quando a multidão não
38 Ao raiar do dia, todo o povo se dirigia estivesse ao redor de Jesus, para então
ao templo para ouvi-lo. entregá-lo sem tumulto.4
1Ts 5.4). Vida com alegria espiritual, fruto da esperança em Cristo, sem desânimo (“exultai”, v.28; Tt 2.13). Estado de oração
constante (1Ts 5.17; 1Tm 2.8).
20 Jesus fez questão de passar sua última semana na terra ensinando no templo, desde o princípio do dia até o pôr-do-sol.
Desde a entrada triunfal até a Páscoa (de domingo até quinta-feira da Paixão). Após seus longos períodos de oração no monte
das Oliveiras, em Betânia, caminhava até a casa de Lázaro, onde pernoitava (Mt 21.17). Bem cedo, quando o povo chegava ao
templo para ouvi-lo, Ele já estava lá.
Capítulo 22
1 A palavra “Páscoa” era usada em dois sentidos: A refeição específica que se iniciava ao pôr-do-sol, no dia 14 do primeiro mês
do ano judaico (Lv 23.4,5), conhecido como nisã, e que corresponde aos meses de março e abril (Lv 23.4,5), e a semana que se
seguia à refeição da Páscoa (Ez 45.21), conhecida também como a Festa dos Pães (asmos), ou Festa dos Pães (sem fermento),
semana na qual a Lei proibia o uso de fermento (Êx 12.15-20; 13.3-7). Na época do NT, essa celebração nacional, religiosa e
política, com uma semana de duração, era reconhecida por ambos os nomes.
2 Desde sua derrota, quando tentou a Jesus de várias e poderosas formas (4.1), Satanás permaneceu sempre na defensiva, in-
fluenciando pessoas, circunstâncias e elementos da natureza para atacar o Senhor. Agora, aproveitando a permissão divina (v.31)
e a falta de fé sincera de Judas, bem como sua avareza, inveja e revolta exacerbadas, volta à ofensiva. Apenas nesta passagem
e durante a última ceia (Jo 13.27) essa expressão é usada no original grego.
3 Até esse momento não houve qualquer participação romana. Os guardas eram todos judeus, selecionados especialmente
entre os levitas e a serviço do Sinédrio, formado pelos principais sacerdotes (chefes dos sacerdotes), escribas (mestres da lei) e
os anciãos (líderes do povo).
4 A essa altura, todo o plano para assassinar Jesus estava tramado e em andamento. O maior receio dos inimigos de Cristo era
quanto a uma possível revolta das multidões que amavam Jesus e já o aclamavam como rei dos judeus. A grande oportunidade
seria durante a celebração da Páscoa, quando as ruas e estradas estariam desertas.
5 Conforme a lei e a tradição, o cordeiro pascal deveria ser sacrificado no dia 14 de nisã, entre 14h30 e 17h30, no átrio dos
sacerdotes. Era quinta-feira da semana da Paixão.
6 Preparar a Páscoa consistia em matar e assar o cordeiro conforme todas as instruções ritualísticas da lei e providenciar pão
sem fermento (asmo), ervas amargas e vinho.
7 Carregar água em potes era um serviço típico das mulheres, por isso um homem realizando esse trabalho seria fácil de ser
notado. Jesus precisava tomar todo cuidado para não ser capturado antes da ceia, momento tão significativo, o qual tanto dese-
no andar superior, toda mobiliada; ali los, recomendando: “Isto é o meu corpo
fazei os preparativos”. oferecido em favor de vós; fazei isto em
13 E, seguindo, tudo encontraram con- memória de mim”.11
forme Jesus lhes havia predito e prepara- 20 Da mesma maneira, depois de cear,
ram a Páscoa.8 pegou o cálice, explicando: “Este cálice
significa a nova aliança no meu sangue,
A última Páscoa de Jesus derramado em vosso benefício.
14 Quando chegou o momento, Jesus e os 21 Eis, contudo, que a mão daquele que
seus discípulos se reclinaram à mesa. vai me trair está com a minha sobre a
15 Então, Ele lhes revelou: “Tenho de- mesa.
sejado ansiosamente comer convosco 22 O Filho do homem certamente vai,
esta Páscoa, antes da hora do meu so- conforme o que está prescrito; todavia,
frimento! ai daquele por intermédio de quem Ele
16 Pois vos afirmo que não a comerei no- está sendo traído!”.12
vamente até que ela se cumpra no Reino 23 A partir de então, começaram a ques-
de Deus.9 tionar entre si quem seria, dentre eles, o
17 E, havendo pegado um cálice, Ele deu que estava para fazer isto.
graças e ordenou: Tomai do cálice e par-
tilhai entre vós;10 Seja o maior como quem serve
18 pois vos declaro que, de agora em 24 E surgiu também uma discussão entre
diante, não mais beberei do fruto da vi- eles, acerca de qual deles deveria ser
deira, até que venha o Reino de Deus”. considerado o mais importante.
25 Mas Jesus lhes ponderou: “Os reis das
A Ceia do Senhor nações são os senhores delas, e os que
(Mt 26.26-30; Mc 14.22-26; 1Co 11.23-25) exercem autoridade sobre os povos são
19 E, tomando um pão, havendo dado chamados de benfeitores.13
graças, o partiu e o serviu aos discípu- 26 Entretanto, vós não sereis assim. Ao
jou partilhar com seus discípulos. Judas não devia ter conhecimento prévio do local da celebração. Entretanto, a maneira como
Jesus pede que os discípulos se apresentem ao dono da casa indica que além de conhecido, aquele homem era um seguidor de
Jesus. Vários estudiosos acreditam que essa casa pertencia aos pais de Marcos (At 12.12).
8 As profecias do Senhor sempre se cumprem cabalmente (19.32).
9 O evangelho segundo João (13.26-30) deixa claro que Judas já havia se retirado do cenáculo antes de Jesus haver compar-
tilhado o pão e o cálice da Ceia do Senhor, mas Lucas não se preocupa em mostrar quando Judas se ausentou do grupo dos
discípulos para ir cumprir sua traição. Jesus ansiava por comemorar essa Páscoa em comunhão com seus amados discípulos,
pois esta seria sua última oportunidade antes de ser sacrificado como o perfeito “Cordeiro pascal” (1Co 5.7) em resgate de todos
cristãos sinceros. Contudo, todos aqueles que durante todas as eras, por causa da fé que abraçaram, participaram desse me-
morial, também estarão com Cristo nas grandes “bodas” messiânicas do futuro (Ap 19.9). A Ceia, portanto, é a Páscoa cristã, e o
antegozo da futura festa messiânica, quando a noiva (a Igreja verdadeira) se unirá eternamente ao Noivo (Cristo – Ap 19.6).
10 Três grandes cálices de vinho foram tomados durante a Páscoa (a tradição judaica recomendava quatro cálices): dois antes
de ser servido o cordeiro, e o terceiro depois, quando Jesus explicou os novos significados do pão e do vinho instituindo a Ceia
como memorial a ser guardado por todos os cristãos até o seu glorioso retorno.
11 Assim como o ano judaico começava com a Páscoa, que era uma constante lembrança e proclamação de como Deus
redimiu Israel de séculos de escravidão gentílica (egípcia), da mesma forma, os cristãos fiéis deveriam observar as ordenanças
de Jesus e guardar a cerimônia da Ceia do Senhor, celebrando a libertação dos crentes do jugo do pecado e da morte eterna
mediante a obra expiatória de Jesus Cristo na cruz (1Co 1.9; 5.7; 16.22; Cl 1.13).
12 Deus está no controle do Universo, da história e do indivíduo. Suas profecias são todas infalíveis e anunciam prudência
aos sábios e perdição aos arrogantes. Deus em Cristo tem um plano de redenção que jamais enfrentará surpresas ou reveses
intransponíveis. Jesus desejava que as pessoas o tivessem compreendido melhor e obedecido suas orientações, mas sabia que
apenas alguns o seguiriam até o fim ao acreditar e receber o seu sacrifício oferecido por toda a humanidade (v.37; 24.25).
13 Já que haveria um traidor no grupo, e que o líder estava prestes a ser preso e morto, os demais quiseram aproveitar o
momento para definir quem era o mais importante para continuar a “obra revolucionária” do mestre. Os discípulos ainda não
estavam convertidos e não entendiam a amplitude da obra de Jesus Cristo. O termo “discussão” no original grego é “contenda”.
Os governantes da Síria, Egito e Roma (três dominadores clássicos de Israel) se autoproclamavam “benfeitores” do povo, ainda
contrário, o maior entre vós seja como o 33 Mas Pedro replicou: “Senhor! Estou
mais jovem, e aquele que governa, como pronto a ir contigo, tanto para a prisão
o que serve. quanto para a morte”.
27 Porquanto quem é o maior: o que 34 Contudo, predisse-lhe Jesus: “Asse-
está reclinado à mesa, ou o que serve? guro-te, Pedro, que antes que o galo
Porventura, não é o que está reclinado à cante hoje, três vezes negarás que me
mesa? Contudo, entre vós, Eu Sou como conheces!”.16
aquele que serve.
28 Vós sois os que tendes permanecido Lutar pela vida e pelo Reino
ao meu lado durante as minhas tribu- 35 Em seguida, Jesus os inquiriu: “Quan-
lações.14 do Eu vos enviei sem bolsa, mochila de
29 Assim como meu Pai me outorgou um viagem e outro par de sandálias, sentistes
Reino, Eu o designo a vós, falta de algo?” Ao que eles prontamente
30 para que comais e bebais à minha replicaram: “De nada!”.17
mesa no meu Reino; e vos assentareis 36 Então, Jesus os adverte: “Agora, porém,
em tronos para governar as doze tribos quem tem bolsa, pegue-a, assim como a
de Israel.15 mochila de viagem; e quem não tem espa-
da, venda a própria capa e compre uma.
Jesus prediz a traição de Pedro 37 Pois vos asseguro que é necessário que
(Mt 26.31-35; Mc 14.27-31; Jo 13.36-38) se cumpra em mim o que está escrito: ‘E
31 Simão, Simão, eis que Satanás já rece- Ele foi contado com os transgressores’.
beu autorização para vos peneirar como Sim, o que está escrito a meu respeito
trigo! está para se cumprir”.
32 Eu, entretanto, roguei por ti, para que 38 Então os discípulos afirmaram: “Se-
a tua fé não se esgote; tu pois, quando te nhor, eis aqui
q duas espadas!”
p Mas Jesus
converteres, fortalece os teus irmãos!”. lhes exortou: “É o bastante!”.18
que na maioria das vezes isso não passasse de propaganda política enganosa, e servisse apenas para alimentar o ego insa-
ciável dos déspotas. Jesus, entretanto, convoca seus maiores e melhores discípulos para que sejam bons servos e cooperem
com todos os demais em amor e humildade. Infelizmente, muitas vezes, o único recurso de Deus para arrancar a arrogância
e o orgulho do coração humano é permitir que Satanás o “peneire” (v.31). Pedro e alguns dos discípulos precisaram passar
fortemente por essa provação. A grandeza do verdadeiro discípulo de Cristo está na sua humilde dedicação aos outros (9.46).
A palavra “servir” no original grego é: diakonõn, e significa: “servir às mesas” (At 6.2). Servir é apascentar os famintos espiri-
tuais (Jo 21.15-17).
14 Muitas tribulações, entre as quais: Tentações (4.13); adversidades (9.58) e rejeição (Jo 1.11). Algumas versões usam aqui
a palavra “tentações”, no entanto, a expressão no grego original é peirasmois, que significa “tribulações” ou “provações” (Tg
1.2,12), as quais serão compartilhadas por todos os discípulos de Cristo até sua volta gloriosa (Cl 1.24).
15 O contexto desta passagem demonstra que Jesus está se referindo à forma futura do reino (4.43; Mt 3.2). Da mesma maneira
que os discípulos compartilharam das provações do Senhor, assim também compartilharão do seu reinado (2Tm 2.12), governan-
do (julgando ou liderando) as doze tribos de Israel (Jz 2.16 e Mt 19.28).
16 Jesus se refere ao cantar do galo para sinalizar que sua profecia em relação à atitude covarde de Pedro (que até então tinha
uma auto-estima por demais elevada) aconteceria antes que aquela noite terminasse.
177 Os discípulos de Cristo precisariam estar atentos às épocas e aos tempos difíceis. De agora em diante não poderiam
mais contar com a bênção da hospitalidade onde quer que fossem. A grande oposição e perseguição futura exigiria que eles
estivessem preparados para pagar suas despesas de ministério. Jesus se refere à espada como mais uma figura de linguagem,
a fim de alertá-los quanto aos tempos perigosos que já estavam chegando. Assim como Paulo ao apelar a César (At 25.11) como
portador de espada (Rm 13.4).
18 Esse trecho da Bíblia já gerou muita polêmica. Em 1302 d.C. o papa Bonifácio VII assinou um documento (bula papal),
chamado em latim: Unam Sanctum, onde afirmava o direito divino da Igreja de exercer plenamente todos os poderes (espiritual e
material, civil e militar), interpretando literalmente essa palavra de Cristo. A separação do Mestre trouxe ao mundo, e especialmen-
te aos discípulos, ainda mais hostilidade. Entretanto, Jesus não está recomendando a compra de espadas (v.36; Mt 5.9,22,38),
mas assinalando sua crucificação e as sanguinárias perseguições que viriam em breve. As mais eficazes armas do cristão são:
o poder espiritual (6.10) e a oração (v.40). Quando os discípulos correm para mostrar-lhe as duas espadas que possuíam, Jesus
demonstra que elas poderão ser necessárias, mas não decisivas para vencer no seu reino, e encerra o assunto (v.51).
19 O local exato no monte das Oliveiras (Jo 18.2) é descrito, de forma mais judaica, por Mateus como Getsêmani (Mt 26.36), e
João o indica, mais teologicamente, como um olival (Jo 18.1). De qualquer maneira, tratava-se de um grande jardim, que ficava
localizado na encosta inferior do monte das Oliveiras.
20 O objetivo de Satanás e seus demônios em relação aos cristãos é atingi-los da mesma maneira que o fez com Judas. Suas
armas vão das promessas de riquezas, sucesso e poder às terríveis provas e perseguições. Nesses momentos todas as fraquezas
humanas são alvos de seus ardis (ambição, inveja, arrogância, depressão, revolta, indolência, medo, dor, etc). É preciso orar e
desenvolver uma fé inabalável no Senhor (Rm 8.35-37).
21 Lucas destaca a forma adotada por Jesus para orar, pois o tradicional, para os judeus era a oração em pé. A oração de
joelhos expressava total submissão, adoração e insistência humilde (18.11).
22 Jesus sentiu de tal maneira as emoções humanas que teve uma crise aguda de hematidrose, que é a mistura de sangue ao
suor, nos casos de extrema angústia e severas alterações emocionais.
23 O servo do sumo sacerdote chamava-se Malco e foi Pedro quem lhe arrancou a orelha direita quando tentou matá-lo com
um golpe de espada (Jo 18.10). Jesus imediatamente restabeleceu a orelha daquele homem. Jesus não era um mero chefe de
uma das muitas facções revolucionárias que havia em Jerusalém e evitou que qualquer acusação verdadeira neste sentido fosse
alegada em seu inquérito no alto tribunal religioso e político do judaísmo.
viu e afirmou: “Tu também és um deles!”. 67 “Se tu és o Cristo, declara-o a nós!” En-
Mas Pedro o contradisse: “Homem, eu tão Jesus lhes respondeu: “Se vo-lo disser,
não sou!”. não acreditareis em mim.
59 Então, havendo passado cerca de uma 68 Assim como, se Eu vos questionar,
hora, outro homem o identificou: “Com tampouco me atendereis.
toda a certeza, também este homem, 69 No entanto, a partir de agora, o Filho
estava com ele, porquanto também é do homem estará assentado à direita do
galileu!”. poder soberano de Deus!”.
60 Ao que Pedro exclamou: “Homem, 70 Ao que todos lhe inquiriram: “Ora, en-
não sei do que estás falando!”. E falava tão Tu és o Filho de Deus?”. Então, Jesus
ele ainda, quando o galo cantou. lhes afirmou: “Vós dizeis que Eu Sou”.
61 E aconteceu que o Senhor encontrou- 71 Diante disso, exclamaram todos: “Por
se com Pedro e o olhou diretamente que precisamos de mais testemunhas?
nos olhos. Então Pedro se lembrou da Posto que acabamos de ouvir a confissão
palavra que o Senhor lhe havia predito: da sua própria boca!”.25
“Antes que o galo cante hoje, tu me ne-
garás três vezes”. Jesus diante dos líderes romanos
62 Então Pedro, retirando-se dali, chorou (Mt 27.1-2,11-14; Mc 15.1-5; Jo 18.28-38)
amargamente.
24 Jesus foi submetido a dois inquéritos preliminares nas casas de Anás (Jo 18.19-23) e de Caifás, o sumo sacerdote (v.54;
Jo 11.49), e finalmente, depois do amanhecer (para ser legal, conforme a tradição judaica), diante do Sinédrio (as mais altas
autoridades religiosas e políticas do judaísmo na época). Entretanto, este tribunal não tinha poderes para aplicar a pena de morte
sem autorização expressa do procurador romano em exercício (Jo 18.31).
25 Tendenciosamente o Sinédrio acusa Jesus de se autoproclamar o Messias (o Libertador). Essa era a única acusação formal
que poderia levar Pilatos a condenar Jesus à pena de morte. Admitir que era rei implicaria que Cristo estava em rebelião contra
o Estado romano (23.2). A assembléia dos sacerdotes e mestres judaicos não estava à procura da verdade, apenas desejava
arrancar de Jesus uma confissão condenatória que satisfizesse os líderes político-religiosos dos judeus. Para os verdadeiros
interessados Jesus podia revelar-se por meio das muitas profecias messiânicas a seu respeito (24.44; Mc 16.62-64).
Capítulo 23
1 Todo o conselho (o Sinédrio ou toda a assembléia) é o mesmo grupo dos principais líderes político-religiosos dos judeus que
já haviam se reunido ao raiar do dia (22.66; Mt 26.59; 27.1,2). Pilatos era governador romano e tinha seu principal quartel-general
em Cesaréia, mas ficava em Jerusalém durante as comemorações anuais da Páscoa. Pois Roma tinha receio de que uma possível
revolução pudesse ocorrer por ocasião da mais importante celebração da liberdade do povo judaico (Mc 15.1).
2 Multidões seguiam a Jesus, mas ele as ensinava sobre o Reino de Deus. Jesus se apresentava como o Messias prometido,
o Filho de Deus, mas não como um político revolucionário, do tipo que sempre surgia em Jerusalém, especialmente nas celebra-
gando por toda a Judéia, desde a Galiléia, mem como amotinador do povo; todavia,
onde começou, até aqui”. tendo-o interrogado na vossa presença,
6 Ao ouvir isto, Pilatos quis saber se aquele nada constatei contra Ele dos crimes de
homem era de fato galileu. que o acusais.
7 Ao ser informado que era da jurisdição 15 Tampouco Herodes encontrou alguma
de Herodes, estando este, naqueles dias, falta nele, pois no-lo mandou de volta. E
em Jerusalém, lho enviou.3 não existe nada digno de morte realizado
por Ele.
Jesus é interrogado por Herodes 16 Portanto, após submetê-lo a açoites,
8 Assim que Herodes viu a Jesus, expres- libertá-lo-ei!”.
sou grande satisfação, pois havia muito 17 Pois, conforme a tradição, ele deveria
que desejava conhecê-lo, por ter ouvido dar liberdade a um detento judeu por
falar sobre sua fama; tinha também a ex- ocasião da Páscoa.
pectativa de vê-lo fazer algum sinal.4 18 Contudo, todo o povo gritou a uma voz:
9 E de muitas maneiras o questionava; “Acaba com este! Solta-nos Barrabás!”.6
Jesus, entretanto, nada lhe respondia. 19 Ora, Barrabás havia sido condenado e
10 Os chefes dos sacerdotes e os mestres estava na prisão por causa de uma re-
da lei estavam presentes, e o acusavam belião na cidade e por ter cometido um
com grande eloqüência. assassinato.
11 Porém Herodes, assim como os seus 20 Mas Pilatos desejava soltar a Jesus e
soldados, acabaram por ridicularizá-lo voltou a argumentar com a multidão.
e zombar dele. Obrigaram-no a vestir-se 21 Eles, entretanto, gritavam ainda mais:
com uma capa de aparente realeza e o “Crucifica-o! Crucifica-o!”.
mandaram de volta a Pilatos.5 22 Então, pela terceira vez, declarou ao
12 Naquele mesmo dia, Herodes e Pilatos, povo: “Que mal fez este homem? De fato,
que viviam em clima de inimizade, fir- motivo algum encontrei contra Ele para
maram um pacto de reconciliação. condená-lo à morte. Sendo assim, depois
de açoitá-lo, soltá-lo-ei!”.
Pilatos interroga Jesus outra vez 23 Mas a multidão reivindicava insisten-
(Mt 27,15-26; Mc 15.6-15; Jo 18.39-19.16) temente aos brados que Ele fosse crucifi-
13 Então, Pilatos convocando os chefes cado. E o clamor do povo prevaleceu.
dos sacerdotes, todas as demais autori- 24 E assim, Pilatos resolveu dar-lhes o
dades judaicas e o povo, que desejavam.
14 ponderou-lhes: “Entregaste-me este ho- 25 Libertou o homem que havia sido lan-
ções da Páscoa. Pilatos percebeu que se Jesus fosse quem os líderes judeus estavam alegando, jamais o denunciariam, pois
eram os mais interessados num motim do povo contra Roma. Jesus afirma ser rei, mas explica a Pilatos que seu Reino não é
deste mundo (Jo 18.33-38). Historiadores afirmam que Pilatos ficou extremamente impressionado com o carisma e a “Imago Dei”
(imagem de Deus, divindade) que a pessoa de Jesus refletia.
3 Pilatos estava acuado. Se condenasse a Jesus, perderia sua dignidade e sua consciência jamais o perdoaria. Caso não o
fizesse, os líderes judeus poderiam levar o fato ao desconfiado imperador Tibério e ele se arriscaria a perder a posição e talvez a
própria vida. Ao notar que Jesus era natural da Galiléia, mandou o caso para Herodes (com quem tinha rixas), pois seu quartel-
general ficava em Tiberíades, região do mar da Galiléia, e viera a Jerusalém pelo mesmo motivo de Pilatos.
4 Herodes (Antipas) era um homem supersticioso e atormentado. Os apelos de João Batista ao seu arrependimento ainda
ecoavam em sua mente perturbada pelo remorso (3.19), e o faziam acreditar que Jesus poderia ser João reencarnado. Jesus,
entretanto, nada mais tinha a acrescentar.
5 Essa capa de aparência luxuosa, era na verdade, um velho manto militar, cuja cor púrpura era sinal de realeza. Marcos
acrescenta que forçaram uma coroa de espinhos venenosos sobre a cabeça do Senhor (Mc 15.17), tudo com a finalidade de
menosprezar sua pessoa e real majestade (Mt 27.28).
6 Alguns manuscritos de Mateus trazem a curiosa informação que o primeiro nome de Barrabás (em aramaico: “filho de Abba”),
era também Jesus (Mt 27.16). Esse fato coopera para ilustrar a morte vicária de Cristo. O Jesus, homem incrédulo e mundano, é
aceito e beneficiado pela justiça dos homens. Enquanto isso, Jesus, o Cristo, Filho de Deus, homem justo e abençoador, morre
inocente em seu lugar (Mt 27.15-20; Mc 15.6-1; Jo 18.39-40).
çado na prisão por causa da rebelião que 32 E eram levados com Ele dois outros
causara e do homicídio que cometera, homens, ambos criminosos, a fim de
mas por quem clamava o povo. E entre- serem executados.
gou Jesus à vontade deles.
A crucificação
Jesus a caminho do Gólgota (Mt 27.33-44; Mc 15.22-32; Jo 19.17-27)
(Mt 27.32; Mc 15.21) 33 Quando chegaram a um lugar conhe-
26 Então, o retiraram dali e enquanto o le- cido como Caveira, ali o crucificaram
vavam, agarraram Simão de Cirene, que es- com os criminosos, um à direita e o
tava chegando do campo, e jogaram a trave outro à sua esquerda.11
da cruz sobre seus ombros, obrigando-o a 34 Apesar de tudo, Jesus dizia: “Pai, per-
carregá-la e caminhar atrás de Jesus.7 doa-lhes, pois não sabem o que estão
27 E uma grande multidão seguia a Ele, fazendo!”. A seguir, dividiram entre si as
inclusive muitas mulheres que choravam vestes de Jesus, tirando sortes.12
e pranteavam em desespero. 35 Uma grande multidão estava pre-sente
28 Porém, Jesus, dirigindo-se a elas, as pre- e a tudo observava, enquanto as autori-
veniu: “Filhas de Jerusalém, não choreis dades o ridicularizavam, excla-mando:
por mim; antes, pranteai, por vós mesmas “Salvou os outros! Pois agora salve-se a si
e por vossos filhos!8 mesmo, se é de fato o Cris-to de Deus, o
29 Porquanto eis que estão chegando os Escolhido!”.
dias em que se dirá: ‘Felizes as estéreis, os 36 Da mesma forma os soldados se apro-
ventres que jamais geraram e os seios que ximaram e também dele zombavam. Ofe-
nunca amamentaram! recendo a Ele vinagre.
30 Então clamareis às montanhas: ‘Caí 37 E o provocavam: “Se tu és o rei dos
sobre nossas cabeças!’ E às colinas: ‘Co- judeus, salva-te a ti mesmo!”.
bri-nos!’.9 38 Também havia sido afixada uma ins-
31 Pois, se fazei isto com a árvore verde, o crição acima dele, onde se lia: ESTE É O REI
que acontecerá quando ela estiver seca?”.10 DOS JUDEUS.13
7 Simão era natural da cidade de Cirene, localizada na Líbia, a oeste do Egito e na costa norte da África, foi pai de Alexandre e
Rufo (Mc 15.21 de acordo com Rm 16.13). Houve uma sinagoga de cirineus em Jerusalém (At 6.9; 11.20). Os romanos obrigavam
os condenados à crucificação a carregar nas costas a parte horizontal da cruz – uma viga de madeira maciça chamada de
“antena” ou “trave” – até o lugar do suplício final.
8 Jesus aproveita suas últimas forças físicas para avisar aos seus discípulos em Jerusalém sobre o terrível Dia da Vingança, o
qual chegaria por meio da invasão romana cerca de 40 anos mais tarde e que culminaria com a destruição total do templo e a
chacina de todas as pessoas que permaneceram na cidade.
9 Conhecendo o coração das mães, Jesus as adverte de que melhor seria não ter filhos, a vê-los padecer e serem mortos das
maneiras mais cruéis e imagináveis (1Co 7.25-35 com Jr 16.1-4), como de fato ocorreu no ano 70 d.C. O horror foi de tal ordem
que as pessoas pediam para morrer sem passar pelas torturas e atrocidades impingidas pelos exércitos romanos ensandecidos
(Os 10.8; Ap 6.16).
10 Jesus cita um velho provérbio popular para explicar que se o desespero toma conta das pessoas quando a boa vontade do
Senhor ainda está viçosa (“árvore verde”), como será no Dia do Julgamento, quando o Senhor “secar” sua paciência e misericór-
dia para com Israel e toda a incredulidade?
11 A Caveira, como consta dos originais em grego, era o nome de um monte com o formato de um grande crânio humano.
Algumas versões fizeram uma adaptação do nome em latim: “Calvária” e o traduziram por “Calvário”, um termo mais elegante,
porém impreciso (Mc 15.22-24).
12 Quaisquer bens que uma pessoa condenada à pena de morte levasse consigo eram arrancados dela pelos algozes. Sem
saber (Jo 19.23-24), os soldados estavam cumprindo as profecias do milenar Salmo 22. Da mesma maneira cumpria-se Is 53.12.
Jesus revela o coração misericordioso do Pai diante do ser humano pecador e infiel, o qual ele ama infinitamente (Jo 3.16) e o
perdoará enquanto estiver agindo sem o conhecimento do seu Evangelho (At 3.17; 17.30).
13 Os quatro evangelistas mencionam a inscrição condenatória afixada no alto da cruz, acima da cabeça de Jesus. Entretanto é
João (Jo 19.20), e não Lucas, quem afirma – nos melhores originais em grego – que a inscrição estava nas três principais línguas
do mundo na época: hebraico, latim e grego. Ao agir ironicamente contra os líderes judaicos, Pilatos, sem perceber, anunciava ao
mundo que ali estava o Rei dos judeus (Mc 15.26).
39 Um dos criminosos que ali estavam 46 Então, Jesus bradou com voz forte:
crucificados esbravejava insultos contra “Pai! Em tuas mãos entrego o meu espí-
Ele: “Não és tu o Messias? Salva-te a ti rito”. E havendo dito isto, expirou.
mesmo e a nós também!”. 47 O centurião, constatando o que tinha
40 Mas o outro criminoso o repreendeu, acontecido, glorificou a Deus, exclaman-
afirmando: “Nem ao menos temes a do: “Verdadeiramente, este homem era
Deus, estando sob a mesma sentença? justo!”.17
41 Nós, na verdade, estamos sendo exe- 48 E todas as multidões que haviam aflu-
cutados com justiça, pois que recebe- ído, a fim de presenciar aquele aconteci-
mos a pena que nossos atos merecem. mento, ao verem isso, retiraram-se aos
Porém, este homem não cometeu mal prantos, batendo nos peitos.18
algum!”. 49 No entanto, todos aqueles que o conhe-
42 Então, dirigindo-se a Jesus, rogou-lhe: ciam, inclusive as mulheres que o haviam
“Jesus! Lembra-te de mim quando en- seguido desde a Galiléia permaneceram,
trardes no teu Reino”. ainda que à certa distância, observando
43 E Jesus lhe assegurou: “Com toda a atentamente todos esses fatos.19
certeza te garanto: Hoje mesmo estarás
comigo no paraíso!”.14 O sepultamento de Jesus Cristo
(Mt 27.57-61)
Jesus entrega sua vida na cruz 50 E eis que havia certo homem, chama-
(Mt 27.45-56; Mc 15.33-41; Jo 19.28-30) do José, natural de Arimatéia, uma cida-
44 E já era cerca de meio-dia, quando as de da Judéia, e membro do Sinédrio, que
trevas cobriram toda a terra até as três era bom e justo.
horas da tarde;15 51 Ele não havia concordado com o ve-
45 o sol perdera seu brilho. E o véu do redicto, tampouco com o proceder dos
santuário rasgou-se ao meio.16 outros, e aguardava o Reino de Deus.20
14 Na Septuaginta (a tradução grega do AT) a palavra “paraíso” significava um “jardim imenso e perfeito” (Gn 2.8-10; Ne 2.8).
No NT, essa palavra é usada somente aqui, em 2Co 12.4 e Ap 2.7. Refere-se ao lugar de plena felicidade e repouso (o perfeito
shabbãth), entre a morte e a ressurreição (Lc 16.22; 2Co 12.2).
15 Jesus havia sido colocado na cruz na “hora terceira”, ou seja, às nove horas (Mc 15.25). Do meio-dia às três da tarde ocorreu um
fenômeno assustador e escuridão espessa, como um eclipse total do sol, que foi observado sobre toda a região da Palestina. A “hora
sexta” citada em Jo 19.14 tem a ver com o sistema romano de designar as horas (6 horas), quando Pilatos comunicou sua decisão.
16 No templo, o Lugar Santo era separado do Santo dos Santos (onde o Espírito de Deus estava presente para receber a ado-
ração e as ofertas do seu povo), por uma longa cortina de tecido. No momento da morte de Jesus, o Espírito de Deus se retira do
templo. A cortina (véu) é partida ao meio, de cima a baixo. Esse ato simbólico de Deus indicou que Seu Espírito não estaria mais
no templo. Daquele momento em diante, o acesso a Ele e à vida eterna, seria exclusivamente pela fé no sacrifício vicário (sangue)
de Jesus Cristo, Seu Filho (Hb 9.3,8; 10.19-22). O tabernáculo e a Casa de Deus (templo) deixaram de ser os lugares da habitação
de Deus, que passou a viver no espírito de cada ser humano que sinceramente crê e segue a Jesus (Jo 4.21).
177 Mateus e Marcos apresentam o centurião romano, responsável geral pela execução de Jesus, constatando em voz alta
que: “este homem era inegavelmente o Filho de Deus”. Lucas observa que ele bradou literalmente: “este homem era o Justo!”
Para muitos estudiosos, “Justo” e “Filho de Deus”, neste contexto, teriam sido termos similares. Os pilares do império romano
começavam a demonstrar seus primeiros sinais de rendição ao Espírito do Senhor. Séculos mais tarde toda Roma – de uma
forma ou de outra – seria cristã.
18 Um profundo espírito de arrependimento arrebatou a todos os presentes indistintamente. Entretanto, os judeus sentiram todo
o peso do remorso e maior pavor em relação ao futuro. Deixaram o local da crucificação arrasados e, conforme a tradição judaica,
batiam nos próprios peitos como sinal de profunda angústia e desolamento. Esse estado de alma preparou milhares de pessoas
para a grande demonstração de arrependimento no dia do Pentecostes, marcando o início da Igreja de Jesus Cristo (At 2.37-41).
A oração final de Jesus havia sido respondida (v.34).
19 Não era permitido às mulheres se aproximarem dos atos de crucificação. Entretanto, a mãe de Jesus (Jo 19.25-27) e várias
outras discípulas, que o acompanhavam desde o início do ministério na Galiléia, juntamente com muitos discípulos, não abando-
naram Jesus na cruz (Mt 27.55,56; Mc 15.40,41; Jo 19.25 conforme Lc 24.10).
20 José de Arimatéia era um verdadeiro discípulo de Jesus. Entretanto, como Nicodemos (Jo 19.29), agia em secreto,
“aguardando o Reino de Deus”, mesmo assim – manifestou-se contrário à decisão do Sinédrio – e arriscou sua posição e a
própria vida ao tomar a iniciativa de solicitar uma audiência urgente com Pilatos para pedir que lhe entregasse o corpo de
Jesus para os devidos preparativos dos funerais, com todas as honras e cerimoniais judaicos. Esses rituais eram proibidos pelo
Sinédrio, no caso de criminosos executados. E assim, cumpriu-se mais uma profecia acerca de Jesus, o Cristo (Is 53.9).
21 O “Dia da Preparação” para os judeus é a sexta-feira, dia em que todo o trabalho, a alimentação e os preparativos para os
cerimoniais do sábado são finalizados (essa prática ritual é rigorosamente guardada até nossos dias entre os judeus religiosos).
22 As discípulas do Senhor o acompanharam até a conclusão do seu sepultamento. Mais tarde, esse testemunho seria de gran-
de valia para refutar as alegações, especialmente por parte dos gnósticos docetas (filósofos que negavam a morte de Cristo), e
de vários incrédulos, que alegavam que elas haviam ido para o túmulo errado, ou que os discípulos haviam roubado e escondido
o corpo de Jesus com a finalidade de propagar uma idéia mística da ressurreição.
23 Apesar da forte oposição dos líderes do Sinédrio, que tentaram de todas as maneiras influenciar Pilatos, quanto ao martírio
e sepultamento de Cristo (Jo 19.21-22), o fato é que Jesus teve um funeral digno de príncipe. Ocupou uma rica sepultura, nunca
antes usada, construída na rocha por José de Arimatéia. Muitos metros de tecido, e grande quantidade de custosas especiarias
aromáticas foram usados no preparo do seu corpo para o sepultamento. Cerca de 34 quilos de mirra e aloés foram consumidos
apenas naquela primeira tarde (Jo 19.39). E muito mais foi comprado, para ungir seu corpo e o sepulcro, logo na aurora do
primeiro dia da semana, quando as discípulas do Senhor voltassem para lá.
Capítulo 24
1 Conforme o horário judaico, o primeiro dia da semana (domingo) começava logo após o pôr-do-sol do sábado. As mulheres
puderam então comprar os perfumes e especiarias e preparar os ungüentos e bálsamos que seriam usados na conclusão dos
preparativos do corpo de Jesus e do túmulo para o sepultamento conforme a tradição judaica (Mc 16.1). As mulheres saíram
bem cedo na manhã do domingo, quando ainda estava escuro (Jo 20.1), e chegaram ao túmulo sob os primeiros raios da aurora
(Mt 28.1; Mc 16.2).
2 Normalmente se fechavam os túmulos com uma grande pedra para evitar que vândalos e animais pudessem perturbar os
corpos ali sepultados. Entretanto, as autoridades romanas haviam lacrado o túmulo, onde depositaram o corpo de Jesus com o
selo de Roma e um grupo de soldados foi destacado para vigiar a área do sepulcro (Mt 27.62-66).
3 Os anjos tinham aparência humana, mas suas vestes irradiavam uma luz intensa como a do dia claro. Fenômeno semelhante
ocorreu no evento da transfiguração, como um prenúncio da ressurreição (9.29,32; At 1.10; 10.30). Mateus e Marcos descrevem
apenas um anjo (Mt 28.2; Mc 16.5), mas era comum aos autores dos evangelhos dar ênfase às pessoas que tomavam a palavra
nos eventos narrados. Além disso, em certas ocasiões, cada um dos evangelistas teve sua atenção voltada para um ou outro
aspecto específico, o que evidencia a total independência dos relatos.
4 Os anjos procuram encorajar a fé das mulheres. O Senhor havia predito todos esses acontecimentos aos seus discípulos
e discípulas muitas vezes e de diversas maneiras (9.22). Agora, mais do que nunca, era importante crer. Elas estavam vendo
as ataduras de linho e o lenço (em grego: soudarion) que envolvera a cabeça do Senhor, tudo arrumado de um jeito que ser
8 Então, se lembraram das palavras de 17 Então, Ele lhes questionou: “O que vos
Jesus. preocupa e sobre o que ides discutindo
9 E, ao voltarem do sepulcro, elas com- durante vossa jornada?”. E eles pararam
partilharam tudo o que lhes acontecera entristecidos.
aos Onze e a todos os outros.5 18 No entanto, um deles, chamado Cléo-
10 As mulheres que relataram todos esses pas, replicou-lhe: “És o único, porven-
fatos aos apóstolos foram Maria Mada- tura, que tendo estado em Jerusalém,
lena, Joana e Maria, mãe de Tiago, bem ignoras os acontecimentos destes últimos
como as demais que com elas estavam.6 dias?”.
11 Entretanto, eles não acreditaram nelas, 19 Ao que Ele lhes indagou: “Quais?” E
as palavras daquelas mulheres lhes pare- eles começaram a lhe explanar: “Ora, o
ciam um delírio.7 que ocorreu a Jesus, o Nazareno, que era
12 Contudo, Pedro levantou-se e saiu varão profeta, poderoso em obras e pala-
correndo até o sepulcro. Ao chegar, abai- vras diante de Deus e de todo o povo,10
xando-se, viu as faixas de linho e mais 20 e como os chefes dos sacerdotes e as
nada; então afastou-se e voltou perplexo nossas autoridades o entregaram para ser
com o que acontecera.8 condenado à pena de morte, e o crucifi-
caram;
Jesus surge no caminho de Emaús 21 e nós acreditávamos que fosse Ele
(Mc 16.12-13) quem havia de trazer a total redenção a
13 E, naquele mesmo dia, dois deles esta- Israel. Mas, hoje já é o terceiro dia desde
vam caminhando em direção a um po- que tudo isso aconteceu.
voado chamado Emaús, que ficava a cer- 22 É verdade também que algumas mu-
ca de onze quilômetros de Jerusalém.9 lheres, seguidoras conosco, nos assusta-
14 E iam dialogando sobre todos os fatos ram. Porquanto foram de madrugada ao
recentemente ocorridos. sepulcro,
15 Enquanto trocavam idéias e discutiam, 23 mas não encontraram o corpo de Je-
o próprio Jesus se aproximou de ambos e sus. Contudo, voltaram e nos relataram
começou a caminhar com eles; que tiveram uma visão de anjos, que lhes
16 entretanto, os olhos deles foram impe- asseguraram que Ele vive!
didos de reconhecê-lo. 24 De fato, alguns outros seguidores entre
humano algum sequer teria forças para romper aquelas amarras fúnebres, mesmo assim não conseguiam, de imediato, acreditar
plenamente na ressurreição de Jesus (Jo 20.5-8).
5 Depois do ato de traição de Judas, a expressão “os Onze” passou a ser usada em referência ao grupo dos apóstolos (At 1.26;
2.14). Judas já estava morto quando o Cristo ressurreto se encontrou com seus apóstolos pela primeira vez, no entanto, o grupo
continuava, em muitas ocasiões, a ser chamado de “os Doze” (Jo 20.24). Os “demais” ou “outros” se refere aos muitos discípulos
e discípulas que vinham seguindo o Senhor desde a Galiléia.
6 Maria Madalena é citada em primeiro lugar na maioria das listas das discípulas do Senhor (Mt 27.56; Mc 15.40 conforme
Jo 19.25). Foi também a primeira pessoa a ver Jesus ressuscitado (Jo 20.13-18). Joana (8.3) é mencionada apenas por Lucas
nesta ocasião, e Marcos é o único que acrescenta Salomé (Mc 16.1). Maria, mãe de Tiago (16.1), é “a outra Maria” de Mt 28.1. A
ausência de Maria, mãe do Senhor, pode ser explicada pelo fato de que ela, mais que todos, confiava nas palavras do seu filho e
aguardava com João – o discípulo amado – o cumprimento das profecias e da ressurreição de Jesus (Jo 19.27).
7 Os apóstolos e discípulos estavam longe de acreditar no evento da ressurreição com base no testemunho emocionalmente
descontrolado daquelas discípulas (Jo 20.25). A expressão leros nos originais gregos, traduzida aqui por “delírio”, e, em algumas
versões por “loucura”, significa literalmente “tolice” ou “esquisitice”.
8 João nos informa que ele também estava com Pedro nessa emocionante corrida até o sepulcro (Jo 20.3-9).
9 O domingo da ressurreição simboliza a era da nova criação. A época da Graça e o início do final dos tempos com a iminente
volta de Cristo em glória. Emaús era uma pequena vila, hoje desconhecida, mas seu nome significa “lugar das águas termais” ou
“águas que curam”, e para lá caminhavam desconsolados dois discípulos do Senhor: Cléopas (v.18) e, segundo vários estudio-
sos, o próprio Lucas. A medida de distância romana “sessenta estádios”, corresponde a cerca de onze quilômetros.
10 Tinham certeza de que era um profeta de Deus, por suas palavras poderosas e milagres indiscutíveis (At 7.22). Entretanto,
eles esperavam que ele também fosse o Messias (Dt 18.15,18) e libertasse o povo de Israel da opressão romana (1.68; 2.38;
21.28,31 conforme Tt 2.14; 1Pe 1.18). E por isso estavam muito decepcionados.
nós foram ao sepulcro e encontraram Ele, durante a nossa jornada, nos falava,
tudo exatamente como as mulheres quando nos explicava as Escrituras?”.15
haviam informado; porém não viram 33 E, na mesma hora, levantando-se,
a Ele”.11 retornaram para Jerusalém, onde en-
25 Então, lhes admoestou Jesus: “Ó tolos contraram reunidos os Onze e outros
de entendimento e lentos de coração seguidores
g com eles,
para crer em tudo quanto os profetas já 34 os quais anunciavam: “É verdade! O Se-
declararam a vós! nhor ressuscitou e apareceu a Simão!”.16
26 Ora, não era imprescindível que o 35 Então os dois comunicaram o que
Cristo padecesse para que entrasse na havia ocorrido no caminho e como Je-
sua glória?”.12 sus fora reconhecido por eles enquanto
27 Então, iniciando por Moisés e discor- partia o pão.
rendo sobre todos os profetas, explanou-
lhes o que a seu respeito constava em Jesus aparece aos discípulos
todas as Escrituras. (Jo 20.19-23)
28 Ao se aproximarem do povoado para 36 E aconteceu que, estando ainda con-
o qual se dirigiam, Jesus fez como quem versando sobre esses fatos, o próprio
ia continuar a caminhada, seguindo mais Jesus apareceu entre eles e lhes saudou:
à frente. “Paz seja convosco!”.
29 Porém eles muito insistiram, rogando- 37 Eles ficaram atônitos e aterrorizados,
lhe: “Fica conosco, pois é tarde, e o dia já pensando que estivessem vendo um
está chegando ao fim!”. Então, Ele entrou espírito.
para ficar com eles.13 38 Todavia, Ele lhes exortou: “Por que
30 E aconteceu que, quando estavam estais apavorados? E por qual motivo
reclinados ao redor da mesa, tomando sobem dúvidas ao vosso coração?
Ele o pão, deu graças, partiu-o e o deu 39 Observai as minhas mãos e meus pés
a eles;14 e vede que Eu Sou o mesmo! Tocai-me e
31 neste mesmo instante, se lhes abriram comprovai o que vos afirmo. Por que um
os olhos, e o reconheceram; Ele, contudo, espírito não tem carne nem ossos, como
desapareceu diante dos olhos deles. percebeis que Eu tenho.17
32 E questionaram-se entre si: “Porventu- 40 E havendo dito isto, passou a mostrar-
ra não nos queimava o coração, quando lhes as mãos e os pés.
11 Assim como a maioria das pessoas em nossos dias, os discípulos não conseguiram acreditar nas evidências do túmulo
vazio, nem na declaração explícita dos anjos, nem no testemunho respeitável das discípulas que acompanharam Jesus desde a
Galiléia; nada convence, a não ser a própria pessoa de Cristo (v.30). Isso significa que ninguém se convencerá da ressurreição
e do senhorio de Cristo, a menos que o Espírito Santo venha e toque a cada pessoa em sua individualidade com o poder da fé
(At 2.38; Rm 6.23; Ef 2.8).
12 O vocábulo grego edei, conforme os originais bíblicos, tem o sentido de “era necessário” ou “imperioso”. O que significa
que tudo quanto se passou com Jesus Cristo fora conseqüência do propósito divino e da Palavra de Deus, que estão acima de
toda a justiça e compreensão humanas. A esperança messiânica concentra seu amor e atenção sobre as glórias eternas, sem se
deixar abater pela dor da Paixão (9.43; Fp 2.5-11).
13 Tudo indica que se Jesus não tivesse sido convidado a entrar, teria continuado seu caminho. O Senhor jamais força sua
entrada no coração humano. Ele se apresenta e aguarda ansioso o convite para habitar em nosso espírito e nos abençoar com
um novo nascimento e uma nova vida (Ap 3.20; Jo 10.9).
14 Essa passagem lembra a Ceia, onde o “partir do pão” é termo comum para a Ceia (At 2.42) e simboliza o fato de que sem
Jesus Cristo à cabeça da mesa não pode haver verdadeira comunhão (1Co 10.16).
15 Os “olhos impedidos” de antes (v.16) recebem o milagre da visão espiritual e são “abertos”. Almas e corações “tolos” e
“lentos” (v.25) passam a “queimar” (v.32) com amor e disposição urgente para proclamar a Salvação de Cristo ao mundo.
16 E Jesus, apesar de tudo, fez questão de aparecer a Simão (Jo 21.15-19), o primeiro discípulo da lista de aparecimentos de
1Co 15.5.
177 Temos base bíblica para afirmar que o corpo ressurreto tem a aparência do corpo anterior, todavia sua substância geral é de
um estado especial e tênue. Jesus apareceu entre eles, por trás das espessas portas trancadas (Jo 20.9), evidenciando que seu
corpo era de uma ordem diferente (Mc 16.12). As marcas dos cravos e da lança podiam ser vistas no corpo de Cristo (Jo 20.27),
pois era exatamente o mesmo corpo do Senhor antes da morte, composto de carne e ossos (v.39). Expressões como: “Tocai-me”
ou “Apalpai-me”, colocam por terra os argumentos gnósticos (1Jo 1.1). Essas são indicações que nos fazem crer que sem dúvida
reconheceremos perfeitamente nossos amados na ressurreição (1Co 15.44). A tradicional saudação hebraica, com sotaque
galileu: Shãlôm, que traz o sentido geral de “paz com saúde e conforto”, foi recebida com surpresa e alegria pelos discípulos e
agora adquire o sentido completo e messiânico de: Graça (Rm 1.7), Vida (Rm 8.6) e Justiça (Rm 14.17).
18 O cânon hebraico do AT é formado de três grandes divisões, sendo que o livro dos Salmos era o primeiro livro da terceira
sessão, chamada de “Escritos”, o que revela que Jesus Cristo, o Messias, fora predito em todo o AT.
19 O AT retrata o Messias como um profeta que sofreria (Sl 22; Is 53), mas ressuscitaria no terceiro dia (Sl 16.9-11; Is 53.10,11
conforme Jo 1.17 e Mt 12.40). A predição da morte e da ressurreição de Jesus Cristo está conectada à essência da resposta do
ser humano (o arrependimento – At 5.31; 10.43; 13.38; 26.18) e do seu benefício resultante (o perdão – Is 49.6; At 13.47; 26.22,23),
a começar de Jerusalém (At 1.8).
20 O poder para cumprir a missão de pregar a todas as nações (v.47) é uma referência à promessa do Espírito Santo, que é
a própria pessoa do Cristo, habitando e agindo na vida do cristão fiel, e que se cumpriria a partir do relato de At 2.4 (Jl 2.28,29
conforme Mt 28.18-20 e At 1.8).
21 Jesus acompanhou seus discípulos até uma aldeia próxima a Betânia, no monte das Oliveiras (19.29; Mt 21.17).
22 Bem diferente dos seus desaparecimentos anteriores (4.30; 24.3; Jo 8.59), esse “até logo” do Senhor se dá à vista de todos,
no jardim das Oliveiras, de forma saudosa e tranqüila, subindo ao céu numa nuvem (At 1.9). Não é ainda a exaltação do Senhor
(Jo 20.17), mas o fim de um tempo histórico. Jesus não mais aparecerá fisicamente ao mundo até seu glorioso retorno (At 1.11).
23 A terrível tristeza com o afastamento de Jesus na cruz e no sepulcro é agora perfeitamente substituída pelo júbilo glorioso da
presença do Espírito do Senhor nos corações de todos os discípulos, produzindo alegria e poder (2.46; 5.41).
24 E naqueles dias, imediatamente após a ascensão de Jesus Cristo, os cristãos (expressão com a qual as pessoas se referiam
aos seguidores do Senhor e que significa em grego: “pequenos cristos” ou “crentes”), costumavam reunir-se diariamente no
templo (At 2.46; 3.1; 5.21,42), no qual muitas salas ficavam à disposição para meditação, oração e estudo das Escrituras (2.37).
JOÃO
Autoria e data
O autor do quarto evangelho é João, discípulo por quem Jesus tinha especial carinho, amizade
e respeito (13.23; 19.26; 20.2; 21.7; 20.24). Somente uma testemunha ocular dentre o círculo mais
íntimo dos seguidores do Senhor, como João, poderia fornecer tantos detalhes particulares como
os que são citados nesse livro (12.16; 13.29). Relatos especiais e algumas vezes indiretos da pre-
sença ou participação de João, são outros argumentos que comprovam sua autoria (1.37-40; 19.26;
20.2,4,8; 21.20,24). Os pais da Igreja – como Irineu e Tertuliano – declaram que João escreveu esse
evangelho, e todas as demais evidências corroboram com essa declaração.
O fragmento de uma antiga cópia (datada do segundo século), indica que o original é bem mais
antigo e pertence seguramente ao período em que João vivia.
Teólogos, biblistas e arqueólogos respeitáveis em todo o mundo concordam que a mais provável
data de autoria do evangelho de João esteja entre o final dos anos 50 da era cristã e antes da terrível
destruição de Jerusalém, no ano 70 d.C.
Propósitos
Vários e mundialmente reconhecidos pensadores e estudiosos apresentam diferentes interpretações
quanto aos objetivos de João ao escrever seu evangelho. Clemente de Alexandria chegou a declarar
que João teria escrito para suplementar os relatos dos evangelhos sinóticos. Outros afirmam que João
escreveu para pregar uma mensagem cristã que fosse atraente ao sistema de pensamento helênico. E,
outros ainda, acreditam que João desejava complementar teologicamente as doutrinas apresentadas
nos demais evangelhos, para combater as formas de heresia que começavam a florescer em seu tem-
po, bem como opor-se àqueles que ainda seguiam fanaticamente as orientações de João Batista.
Contudo, o comitê internacional de tradução da Bíblia King James Atualizada, decidiu, simplesmen-
te, dar evidência à própria palavra de João acerca do propósito que teve ao escrever seu evangelho:
“Verdadeiramente Jesus realizou, na presença dos seus discípulos, muitos outros milagres, que não
estão escritos neste livro. Estes, entretanto, foram escritos para que possais acreditar que Jesus é o
Cristo, o Filho de Deus, e para que crendo, tenhais vida em Seu Nome” (Jo 20.30-31).
Desde o prefácio do livro (1.1-18), com seu ponto alto: “Vimos a sua glória...” (v.14), até à confissão
de Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!” (20.28), o leitor é constantemente motivado a render-se incon-
dicionalmente em adoração sincera e absoluta a Deus. O Senhor Jesus Cristo surge como mais do
que um simples homem sábio e poderoso, muito mais que uma representação da Divindade na terra.
Jesus é o verdadeiro e único Deus, que se fez pessoa humana e habitou entre nós.
Todavia, os judeus, esperando pelo seu Messias (Cristo), necessitavam de uma prova indiscutível
sobre a reivindicação de Jesus de ser o prometido unigênito do Antigo Testamento. E João, preocu-
pado que a ninguém faltasse essa convicção e a mensagem principal do Evangelho, apresenta es-
sas provas em profusão. Milagres, ensinos e pregações selecionados dentre apenas cerca de vinte
dias dos três anos de ministério público do Senhor são publicados com o objetivo de comprovar a
posição de Jesus Cristo como Filho de Deus. Vários sinais milagrosos realizados pelo Senhor reve-
lam não somente o Seu poder divino, mas igualmente atestam Sua glória como o único e verdadeiro
“Eu Sou” (o nome de Deus em hebraico).
A água transformada em vinho, comerciantes inescrupulosos e animais para sacrifícios expulsos
do Templo; o filho do nobre curado à distância; o paralítico curado no sábado; as multiplicações de
pães e peixes; o caminhar tranqüilo e onipotente sobre as águas revoltas; a vista restaurada ao cego
de nascença; Lázaro chamado novamente à vida dentre os mortos: todos esses milagres e maravi-
lhas revelam quem Jesus Cristo é e o que Ele faz.
Passo a passo, João descreve Jesus como a fonte da nova vida, a água da vida, e o pão dessa
nova e eterna vida. Até seus próprios inimigos batem em retirada e se rendem perante o “Eu Sou”,
que seguiu confiante para Jerusalém, onde se ofereceu voluntariamente, em sacrifício eterno pela
humanidade, por meio do seu sofrimento e crucificação (18.5,6).
O Logos (a Palavra, em grego) eterno se fez carne (humanizou-se) e fez da terra sua habitação
JOÃO
A Palavra se fez carne 11 Ele veio para o que era seu, mas os
1 “Palavra” (em grego, logos). No AT, Jesus é a expressão criadora de Deus. No NT, Jesus é Deus encarnado. Jesus é a Palavra
de Deus em ação. O Verbo Eterno (Sl 33.6; Sl 107.20; Is 55.11).
2 O evangelista deixa claro que a “Palavra”, o “Verbo Eterno” e a “Sabedoria” são a mesma Pessoa: Jesus Cristo; o qual sempre
esteve com Deus (Gn 1.26; Pv 8.22-31; Is 44.24).
3 “Através” (em grego, dia) é a expressão criadora do Pai (Hb 2.10). Deus através do seu Filho, a Palavra (logos), criou tudo o
que há ex-nihilo (do absolutamente nada). O termo egéneto, “feito” ou “fez-se”, não admite qualquer possibilidade de dualismo
metafísico ou de gnosticismo (17.4).
4 Aqui a tradução literal é necessária. Deus é o Criador e sua Palavra, o Agente (Gn 1; Sl 33.6; Pv 3.19, 8.30; Sl 104.24; Cl 1.16s;
Hb 1.2). Em Ap 3.14, o “Amém” é derivado da palavra hebraica âmôn (arquiteto), como em Pv 8.30.
5 “Venceram”: compreenderam, prevaleceram ou derrotaram. A luz de uma pequena vela pode dissipar a escuridão de uma
grande sala. Luz e trevas são forças opostas, mas não de igual energia. A luz é mais poderosa (12.35; 1Jo 2.8).
6 Se alguém permanece nas trevas espirituais não é por falta de luz, mas porque, deliberadamente, prefere o mal (8.12; 9.5).
Jesus é a luz que ilumina a todos os seres humanos (em grego: tôn anthrôpôn).
7 A expressão grega plural ex haimatõn “dos sangues” indica que o nascimento espiritual é um dom de Deus, concedido a
cada crente, em especial, e não pode vir por descendência humana nem pelo cumprimento de qualquer ritual de iniciação à
religião (3.4-6; 6.44).
8 “Excelência”: primazia, superioridade, prioridade, preferência. O Espírito de Deus habitou plenamente (em grego: skenoő
“tabernaculou”) o corpo humano de Jesus, Deus encarnado (v.14;Rm 8.3; 1Jo 4.2,3).
9 “Filho”, assim como no original de King James (1611). No NTG (Novum Testamentum Graece): Deus Unigênito.
unigênito, que está no seio do Pai, é quem 30 Este é aquele do qual eu disse: ‘depois
o revelou. de mim vem um homem que tem a exce-
lência, pois que já existia antes de mim’.
João Batista clama no deserto 31 Eu não o conhecia, mas, a fim de
Is 40.3; Mt 3.1-12; Mc 1.2-8; Lc 3.1-18 que Ele fosse revelado a Israel, vim, por
19 E este é o testemunho de João, quando isso, batizando com água”.
os judeus enviaram de Jerusalém sacerdo-
tes e levitas para o interrogarem: “Quem João batiza Jesus
és tu?”. Mt 3.13-17; Mc 1.9-11; Lc 3.21,22
20 Ele confessou e não negou; mas declarou 32 E João testemunhou, dizendo: “Vi o
francamente: “Eu não sou o Cristo.”.10 Espírito descendo do céu como uma
21 E o q
questionaram: “Quem és, então? És pomba e permaneceu sobre Ele.
tu Elias?”. Ele disse: “Não o sou.” “És tu o 33 Eu não o conhecia; Aquele, entretanto,
Profeta?”. E João afirmou: “Não.”. que me enviou a batizar com água me
22 Então, perguntaram a ele: “Quem és disse: ‘Aquele sobre quem vires descer
tu? Dá-nos uma resposta, para que a e permanecer o Espírito, esse é o que
levemos àqueles que nos enviaram; que batiza com o Espírito Santo’.
dizes a respeito de ti mesmo?”. 34 E eu, de fato, vi e testifico que este é o
23 E João lhes disse: “Eu sou a voz do que Filho de Deus”.
clama no deserto: ‘Fazei um caminho
reto para o Senhor’, como disse o profeta Os primeiros discípulos de Cristo
Isaías”.11 Mt 4.18-22; Mc 1.16-20; Lc 5.1-11
24 Ora, os que haviam sido enviados fa- 35 No dia seguinte, João estava outra vez
ziam parte dos fariseus. na companhia de dois dos seus discípulos
25 E perguntaram-lhe ainda: “Então, por 36 e, observando que Jesus passava, disse:
que batizas, se não és o Cristo, nem Elias, “Eis o Cordeiro de Deus!”.
nem o Profeta?”. 37 Os dois discípulos ouviram o que ele
26 João respondeu-lhes, dizendo: “Eu ba- falou, e se tornaram seguidores de Jesus.
tizo com12 água; mas, no meio de vós, já 38 Então Jesus, voltando-se e vendo que os
está quem vós não conheceis. dois o seguiam, disse-lhes: “Que estais pro-
27 Ele é aquele que vem depois de curando?”. Eles disseram: “Rabi (que quer
mim, cujas correias das sandálias não dizer Mestre), onde estás hospedado?”.
sou digno de desamarrar”. 39 E Jesus disse: “Vinde e vede”.14 Eles fo-
28 Essas coisas aconteceram em Betânia,13 ram e viram onde Jesus estava morando;
do outro lado do Jordão, onde João esta- e ficaram com Ele aquele dia, sendo isso
va batizando. por volta da hora décima.
40 Um dos dois que ouviram João falar
Jesus, o Cordeiro de Deus e seguiram a Jesus, era André, irmão de
29 No dia seguinte, João viu a Jesus, que Simão Pedro.
vinha caminhando em sua direção, e 41 Ele primeiro procurou seu próprio
disse: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o irmão, Simão, e lhe disse: “Encontramos
pecado do mundo! o Messias (que quer dizer, o Cristo)”.15
No AT, essa forma designava o rei de Israel (o ungido do Senhor, como em 1Sm 16.6), o sumo sacerdote (o sacerdote ungido
– Lv 4.3) e, uma vez, no plural, os patriarcas em seu papel de profetas (meus ungidos – Sl 105.15). Jesus cumpriu a profecia
messiânica, exercendo as três funções.
16 “Cefas” (como o apóstolo Paulo o chamava – 1Co 9.5; Gl 1.18): kepha, em aramaico ou keph, em hebraico – rocha (Jó 30.6;
Jr 4.29), ou ainda petros, em grego. Portanto, Pedro significa pedra ou rocha (Is 51.1). Mas, como para o nome de um homem era
necessário usar a forma masculina, permaneceu petros.
17 “Em verdade”, ou com toda a certeza, como em KJA (em grego: amen, de origem hebraica: munã), significa “fiel e digno de
confiança”. Jesus usa essa frase sempre que reivindica sua autoridade messiânica.
Capítulo 2
1 Mulher ou Senhora. Termo respeitoso em aramaico.
2 Gn 41.55.
3 “Duas ou três metretas”: em grego, de 80 a 120 litros no total.
4 Mestre-sala: gerente ou encarregado da festa.
naum, com sua mãe, seus irmãos e seus bem conhecia o que havia na natureza
discípulos; e ficaram ali não muitos dias. humana.
5 Êx 12.1-27.
6 Sl 69.9.
Capítulo 3
1 Esta resposta conclusiva de Jesus vai até o versículo 21.
2 O freqüente uso da palavra testemunho e de expressões jurídicas confere a este Evangelho o caráter de um imenso processo.
5 Assim, chegou a uma cidade de Sama- 18 pois cinco maridos já tiveste, e esse ho-
ria, chamada Sicar, perto das terras que mem com quem tu agora vives não é teu
Jacó dera a seu filho José.1 marido; quanto a isso falaste a verdade.”
6 Havia ali a fonte de Jacó. Jesus, todavia, 19 Reconheceu a mulher: “Senhor, eu
cansado da viagem, sentou-se à beira do percebo que tu és um profeta!
poço. Isso aconteceu por volta da hora 20 Nossos pais adoravam sobre este mon-
sexta.2 te, mas vós, judeus, dizeis que Jerusalém
7 Nisso, uma mulher de Samaria veio é o lugar onde se deve adorar.”
tirar água. Pediu-lhe Jesus: “Dá-me um 21 Declarou Jesus a ela: “Mulher, podes
pouco de água para beber.”. crer-me, está próxima a hora quando
8 Pois seus discípulos haviam ido à cida- nem neste monte, nem em Jerusalém
de comprar alimentos. adorareis o Pai.
9 Então lhe respondeu a mulher de Sa- 22 Vós adorais o que não conheceis; nós
maria: “Como, sendo tu judeu, pedes de adoramos o que conhecemos, porque a
beber a mim, uma mulher samaritana?”. salvação vem dos judeus.
(Pois os judeus não se relacionam bem 23 Mas a hora está chegando, e de fato já
com os samaritanos.)3 chegou, em que os verdadeiros adora-
10 Jesus respondeu a ela: “Se conhecesses dores adorarão o Pai, em espírito e em
o dom de Deus e quem é o que te pede: verdade; pois são esses que o Pai procura
‘dá-me de beber’, tu lhe pedirias, e Ele te para seus adoradores.
daria água viva.”. 24 Deus é espírito, e é necessário que os
11 Indagou-lhe a mulher: “Senhor, tu não seus adoradores o adorem em espírito e
tens com que pegar água, e o poço é fundo; em verdade.”.
onde tu podes conseguir essa água viva? 25 A mulher disse a Jesus: “Eu sei que o
12 Acaso tu és maior do que nosso pai Messias (chamado Cristo) está para vir.
Jacó que nos deu o poço, do qual ele Quando Ele vier, Ele nos esclarecerá
mesmo bebeu e, bem assim, seus filhos sobre tudo.”.
e seu gado?”. 26 Assegurou-lhe Jesus: “Eu, que te falo,
13 Jesus afirmou-lhe: “Quem beber dessa sou o Messias.”.
água terá sede outra vez;
14 aquele, porém, que beber da água que A grande colheita
Eu lhe der nunca mais terá sede. Ao con- 27 Neste ponto, chegaram os seus discí-
trário, a água que Eu lhe der tornar-se-á pulos e se admiraram de que estivesse
nele uma fonte de água jorrando para a conversando com uma mulher; todavia,
vida eterna.”. ninguém lhe perguntou: “Que queres
15 A mulher lhe pediu: “Senhor! Dá-me saber?”. Ou: “Por que falas com ela?”.
dessa água, para que eu não tenha mais 28 A mulher, então, deixou o seu cântaro,
sede, nem precise voltar aqui para tirar foi à cidade e disse aos homens:
água.”. 29 “Vinde e vede um homem que me
16 Pediu-lhe Jesus: “Vai, chama teu marido disse tudo quanto tenho feito. Não seria
e volta aqui.”. esse o Cristo?”.
17 Confessou-lhe a mulher: “Não tenho 30 Saíram, pois, da cidade e foram para
marido.”. Replicou-lhe Jesus: “Respon- onde Jesus estava.
deste acertadamente, ao dizer que não 31 Enquanto isso, os discípulos insistiam
tens marido; com Ele: “Mestre, come!”.
1 Gn 33.19 e Js 24.32.
2 “Hora sexta”: por volta do meio dia.
3 Ou, literalmente, no original hebraico: não usam pratos que os samaritanos já usaram alguma vezz (2 Rs 17.24-41; Ed 4.1-5;
Ne 4.1,2).
32 Mas Ele lhes disse: “Tenho um alimen- 45 Assim, quando chegou à Galiléia, os
to para comer que vós não conheceis.”. galileus o receberam bem, porque viram
33 Então os discípulos disseram uns todas as coisas que Ele fizera em Jeru-
aos outros: “Será que alguém lhe teria salém, por ocasião da festa à qual eles
trazido algo para comer?”. também tinham comparecido.
34 Explicou-lhes Jesus: “A minha comida
consiste em fazer a vontade daquele que A cura do filho de um oficial
me enviou e consumar a sua obra. 46 Então Jesus voltou mais uma vez a Caná
35 Não dizeis vós: ‘Ainda há quatro meses da Galiléia, onde transformara água em
até a colheita?’. Eu, porém, vos afirmo: vinho. E ali havia um oficial do rei, cujo
erguei os olhos e vede os campos, pois já filho estava doente em Cafarnaum.
estão brancos para a colheita. 47 Quando ele ouviu que Jesus havia chega-
36 Aquele que ceifa recebe o seu salário e do à Galiléia, vindo da Judéia, dirigiu-se até
colhe fruto para a vida eterna, e assim se Ele e lhe implorou que descesse para curar
alegram juntos o semeador e o ceifeiro. seu filho, que estava a ponto de morrer.
37 Dessa forma, é verdadeiro o ditado: 48 E Jesus lhe disse: “A menos que vejais
‘Um semeia, e o outro colhe.’. os sinais e maravilhas, nunca crereis.”.
38 Eu vos enviei para ceifar o que não 49 O oficial do rei disse a Jesus: “Senhor,
plantaste. Outros realizaram o cultivo, desce, antes que o meu menino morra!”.
e vós usufruístes do labor deles.”. 50 Assegurou-lhe Jesus: “Pode seguir, o
teu filho vive.”. O homem acreditou na
O salvador do mundo palavra de Jesus e partiu.
39 Muitos samaritanos daquela cidade 51 E, quando estava descendo, a caminho,
creram nele, em virtude da palavra da- seus servos vieram ao seu encontro e lhe
quela mulher que testemunhara: “Ele deram a notícia: “Teu filho vive!”.
me disse tudo quanto tenho feito.”. 52 Então, inquiriu deles a hora em que
40 Assim, quando os samaritanos se o menino havia melhorado, e eles lhe
encontraram com Jesus, insistiram em disseram: “Ontem, à hora sétima5, a febre
que se hospedasse com eles, e Ele ficou o deixou.”.
dois dias. 53 Assim, o pai reconheceu ser aquela a
41 E muitos outros creram, por causa da mesma hora em que Jesus lhe dissera: “O
sua Palavra. teu filho vive.”. E creu ele e todos os que
42 Então disseram à mulher: “Agora viviam em sua casa.
cremos, não somente por causa do que 54 Esse foi o segundo sinal6 realizado por
tu falaste, mas porque nós mesmos o Jesus, depois que veio da Judéia para a
ouvimos e sabemos que este é verdadei- Galiléia.
ramente o Cristo,4 o Salvador do mundo.”.
A cura do homem de Betesda
Jesus é bem recebido na Galiléia
43 Depois daqueles dois dias, Ele partiu
dali para a Galiléia.
5 Algum tempo depois, havia uma
festa dos judeus, e Jesus subiu para
Jerusalém.
44 O próprio Jesus havia testemunhado 2 Existe em Jerusalém, perto da Porta das
que um profeta não tem honra em sua Ovelhas, um tanque, chamado em he-
própria terra. braico Betesda,1 tendo cinco pavilhões.
3 Nestes, ficava grande multidão de 15O homem partiu e disse aos judeus
enfermos, cegos, mancos e paralíticos, que fora Jesus quem o havia curado.
esperando pelo movimento nas águas.2
4 De certo em certo tempo, descia um Honra o Pai e o Filho
anjo do Senhor e agitava as águas. O pri- 16 Por essa razão, os judeus perseguiam
meiro que entrasse no tanque, depois de a Jesus e tentavam matá-lo,6 pois Ele
agitadas as águas, era curado de qualquer estava fazendo essas coisas durante o
doença que tivesse. sábado.
5 Estava ali um certo homem, enfermo 17 Mas Jesus respondeu a eles: “Meu Pai
havia trinta e oito anos. continua trabalhando até agora, e Eu
6 Quando Jesus o viu deitado, e sabendo também estou trabalhando.”.
que estava assim havia muito tempo, 18 Por isso, os judeus ainda mais procu-
perguntou-lhe: “Queres ser curado?” ravam matá-lo, porque não somente
7 O homem enfermo queixou-se: “Se- violava o sábado, mas também dizia que
nhor, não tenho ninguém que me ponha Deus era seu Pai, fazendo a si próprio
no tanque, quando a água é agitada; pois, igual a Deus.
enquanto estou indo, desce outro antes 19 Retomando a palavra, explanou Jesus:
de mim.” “Em verdade, em verdade vos asseguro,
8 Ordenou-lhe Jesus: “Levanta-te, apanha que o Filho nada pode fazer de si mesmo,
o teu leito3 e anda.”. mas somente pode fazer o que vê o Pai
9 Imediatamente o homem ficou curado, fazer, pois o que este fizer, o Filho seme-
pegou seu leito e andou. E aquele dia era lhantemente o faz.
sábado.4 20 Porque o Pai ama o Filho, e lhe mostra
10 Por isso, disseram os judeus
j ao qque todas as coisas que realiza. E maiores
fora curado: “É sábado e não te é permi- obras do que estas lhe mostrará, para
tido carregar o leito.” que vos maravilheis.
11 O homem respondeu a eles: “Aquele 21 Pois, assim como o Pai ressuscita os
que me curou ordenou-me: ‘Apanha o mortos e os faz viver, assim também o
teu leito e anda’!” Filho dá a vida a quem Ele desejar.
12 Então lhe perguntaram: “Quem é o 22 Assim, o Pai a ninguém julga, mas
homem que te disse: ‘Apanha o teu leito confiou todo o julgamento ao Filho,
e anda’?”. 23 a fim de que todos honrem o Filho
13 Mas o homem que havia sido curado exatamente como honram o Pai. Aquele
não sabia quem era; pois Jesus tinha se que não honra o Filho não honra o Pai
retirado, sendo que havia uma multidão que o enviou.
naquele lugar. 24 Em verdade, em verdade vos asseguro:
14 Mais tarde, Jesus o encontrou no quem ouve a minha Palavra e crê naquele
templo e lhe disse: “Veja que já estás que me enviou tem a vida eterna, não
curado; não voltes a pecar, para que entra em juízo, mas passou da morte
não te aconteça coisa pior.”.5 para a vida.
João se refere a “festas dos judeus” com o desejo de informar os gentios (não judeus) sobre as tradições judaicas. Os capítulos
centrais deste Evangelho são cronologicamente relacionados com as diversas festas do ano judaico. Páscoa (6.4), Tabernáculos
(7.2), Dedicação (10.2). A festa aqui se refere ao Ano Novo (Trombetas – Lv 23.23-25). Os pavilhões são cinco arcadas com
grandes colunas em torno de um tanque duplo.
2 O NTG omite essa última frase do texto e todo o versículo 4.
3 Uma espécie de maca ou esteira. Em grego krabattos, como em Mc 2.9-12.
4 Sabbath em KJ. O dia do descanso conforme a Lei (Gn 2.2; Êx 20.8-11; Gl 4.1-10; Hb 4.4-11).
5 Jesus sabia que a causa da enfermidade daquele homem fora seu pecado, entretanto não quis revelá-la ao público; mas
advertiu o homem de que a repetição ou permanência no pecado poderia levá-lo a coisa pior: a morte eterna.
6 O NTG omite a frase: “e tentavam matá-lo”, mantida nas revisões de KJ.
25 Mais uma vez, verdadeiramente vos 38 Igualmente não tendes a sua Palavra
afirmo: vem a hora, e já chegou, em que habitando em vós, porque não credes
os mortos ouvirão a voz do Filho de naquele a quem Ele enviou.
Deus; e os que a ouvirem viverão. 39 Vós examinais criteriosamente as Es-
26 Pois, assim como o Pai tem a vida em crituras,9 porque julgais ter nelas a vida
si mesmo, igualmente outorgou ao Filho eterna, e são elas mesmas que testemu-
ter vida em si mesmo. nham acerca de mim.
27 E também lhe deu autoridade para 40 Todavia, vós não quereis vir a mim
executar julgamento, porque é o Filho para terdes a vida.
do homem. 41 Eu não aceito honra que procede dos
28 Não vos admireis quanto a isso, pois está homens.
chegando a hora em que todos os que re- 42 Mas Eu vos conheço bem e sei que não
pousam nos túmulos ouvirão a sua voz tendes em vós o amor de Deus.
29 e sairão; os que tiverem feito o bem, 43 Eu vim em Nome de meu Pai, e vós não
para a ressurreição da vida, e aqueles que me recebeis. Se outro vier em seu próprio
tiverem praticado o mal, para a ressur- nome, declaro-vos que o recebereis.
reição da condenação.7 44 Como podeis crer, vós que recebeis
30 Por mim mesmo, nada posso fazer; honra uns dos outros, mas não buscais a
conforme ouço, assim julgo; e o meu jul- glória que vem do Deus único?
gamento é justo, porque não busco agra- 45 Não penseis que Eu vos acusarei diante
dar a meu próprio desejo, mas satisfazer do Pai. Quem vos acusa é Moisés, em quem
a vontade do Pai que me enviou. tendes depositado a vossa esperança.
31 Se Eu der testemunho acerca de mim 46 Todavia, se de fato crêsseis em Moisés,
mesmo, o meu testemunho não será de igual modo haveríeis de crer em mim,
válido.8 pois foi a meu respeito que ele escreveu.
32 Há outro que testemunha a meu favor, 47 Mas, se não credes em seus escritos,
e Eu sei que o seu testemunho acerca de como crereis em minhas palavras?”.
mim é verdadeiro.
33 Vós enviastes representantes a João, e A multiplicação dos pães e peixes
ele deu testemunho da verdade. Mt 14.13-21; Mc 6.30-44; Lc 9.10-17
34 Eu, entretanto, não busco o testemu-
nho dos homens, mas digo essas verda-
des para que sejais salvos.
6 Passado algum tempo, Jesus foi para
a outra margem do mar da Galiléia,
que é o mar de Tiberíades.
35 Ele era uma candeia que queimava e 2 Então, uma grande multidão o seguia,
iluminava, e vós quisestes, por um mo- porque tinham visto os sinais que Ele
mento, rejubilar-vos na sua luz. realizava nos enfermos.
36 Todavia Eu tenho um testemunho 3 E Jesus subiu ao monte, e sentou-se ali
maior do que o de João; a própria obra com seus discípulos.
que o Pai me deu para consumar, e que 4 Ora, a Páscoa, uma festa dos judeus,
estou realizando, testemunha que o Pai estava próxima.
me enviou. 5 Jesus ergueu os olhos e, vendo uma
37 E o Pai que me enviou, Ele mesmo tes- grande multidão que vinha em sua dire-
temunhou sobre mim. Jamais ouvistes a ção, disse a Filipe: “Onde compraremos
sua voz, nem contemplastes a sua face. pães para lhes dar a comer?”
7 As almas dos que morreram, repousam ou dormem (Dn 12.2). A decisão judicial suprema é tomada em vida: os que tiverem
feito o bem são os que vieram à Luz; esses já estão vivendo a vida eterna como salvos. Os que tiverem praticado o mal são os que
“amaram mais as trevas do que a Luz” (3.19-21). Essas pessoas, a não ser que, em vida, se arrependam e recebam a Jesus em seus
corações, já estão condenadas para sempre (3.18). Não há bem maior do que entregar a vida aos cuidados de Cristo (Ef 2.8-10).
8 A lei judaica exigia mais de um testemunho para validar uma declaração.
9 Graphe em grego. A carta de Deus. Todo o AT e o NT (2 Pe 3.16).
6 Mas disse isso apenas para o provar, 18 O mar agitava-se devido ao forte vento
pois Ele bem sabia o que ia fazer. que soprava.
7 Filipe lhe respondeu: “Duzentos de- 19 Quando eles haviam remado uns vinte
nários1 não seriam suficientes para que e cinco a trinta estádios,4 viram Jesus
cada um recebesse um pequeno pedaço aproximando-se do barco, andando so-
de pão.”. bre o mar, e ficaram amedrontados.
8 Um de seus discípulos, André, irmão de 20 Mas Ele tranqüilizou-os dizendo: “Sou
Simão Pedro, disse a Jesus: eu! Não temais.”.
9 “Há aqui um rapaz com cinco pães de 21 Então, eles, de boa vontade, o recebe-
cevada e dois peixes pequenos; mas de ram no barco, e imediatamente chega-
que servem no meio de tanta gente?”. ram à praia para a qual se dirigiam.
10 Então Jesus disse: “Fazei que o povo se
assente”; pois havia muita grama naque- Jesus é o pão do céu
le lugar. Assim, assentaram-se os homens 22 No dia seguinte, as pessoas que fica-
em número de quase cinco mil.2 ram do outro lado do mar viram que ali
11 Jesus pegou os pães e, tendo dado não havia senão um barco e Jesus não
graças, repartiu-os entre os discípulos,3 havia entrado nele com seus discípulos,
e para os que estavam assentados; e da mas que eles tinham partido sós.
mesma maneira se fez com os peixes, 23 Entretanto, outros barcos chegaram
tanto quanto desejaram. de Tiberíades, próximo do lugar onde o
12 E quando estavam fartos, disse Jesus povo havia comido o pão, após o Senhor
aos seus discípulos: “Recolhei os pedaços haver dado graças.
que sobraram, para que nada se perca.”. 24 Quando as pessoas da multidão perce-
13 Assim sendo, eles os ajuntaram e beram que Jesus não estava ali nem seus
encheram doze cestos com os pedaços discípulos, entraram em seus barcos e
dos cinco pães de cevada, deixados por partiram para Cafarnaum à procura de
aqueles que haviam comido. Jesus.
14 Então, vendo aqueles homens o sinal 25 E, tendo-o encontrado do outro lado
que Jesus havia realizado, disseram: “Este do mar, perguntaram-lhe: “Mestre, quan-
é, verdadeiramente, o Profeta que devia do chegaste aqui?”
vir ao mundo.”. 26 Jesus respondeu a eles assim: “Em
verdade, em verdade vos afirmo: vós me
Jesus caminha sobre o mar buscais não porque vistes os sinais, mas
Mt 14.22-33; Mc 6.45-52 porque comestes os pães e vos fartastes.
15 Percebendo, então, Jesus, que estavam 27 Trabalhai, não pelo alimento que se
prestes a vir e levá-lo à força para o perde, mas pela comida que permanece
proclamarem rei, retirou-se novamente, para a vida eterna, alimento que o Filho
sozinho, para o monte. do homem vos dará; pois Deus, o Pai,
16 Ao anoitecer, seus discípulos desceram colocou o seu selo5 sobre Ele.”
para o mar. 28 Então, eles questionaram a Jesus: “O que
17 Entraram num barco e passaram para faremos para realizar as obras de Deus?”
o outro lado, rumo a Cafarnaum. Já 29 Jesus lhes asseverou: “A obra de Deus
estava escuro, e Jesus ainda não havia é esta: que creiais naquele que por Ele foi
chegado até eles. enviado.”
30 Por esse motivo o desafiaram: “Que cemos? Como pode então Ele dizer: ‘Eu
sinal poderás realizar para que o vejamos desci do céu’?”.
e creiamos em ti? Que obra farás? 43 Por essa razão Jesus assim respondeu-
31 Nossos pais comeram o maná no de- lhes: “Não murmureis entre vós.
serto; como está escrito: ‘Ele lhes deu a 44 Ninguém pode vir a mim a menos que
comer pão do céu’.”.6 o Pai, o qual me enviou, o atrair; e Eu o
32 Respondeu-lhes, então, Jesus: “Em ressuscitarei no último dia.
verdade, em verdade vos asseguro: não 45 Está escrito nos Profetas: ‘E serão todos
foi Moisés quem vos deu o Pão do céu; ensinados por Deus’.9 Sendo assim, todo
mas é meu Pai quem vos dá o verdadeiro aquele que ouve o Pai e dele aprende,
pão do céu. vem a mim.
33 Pois o pão de Deus é o que desce do 46 Não que alguém tenha visto o Pai, a
céu e dá vida ao mundo.” não ser Aquele que vem de Deus. Só Ele
34 Então, eles pediram a Jesus: “Senhor, viu o Pai.
dá-nos sempre desse pão.” 47 Em verdade, em verdade vos assegu-
35 Diante disso, Jesus ministrou-lhes: “Eu ro: aquele que crê em mim10 tem a vida
sou o Pão da Vida; aquele que vem a mim eterna.
jamais terá fome, e aquele que crê em 48 Eu sou o Pão da Vida.11
mim jamais terá sede. 49 Vossos pais comeram o maná no de-
36 Todavia, como Eu vos disse, embora serto e estão mortos.
me tenhais visto, ainda não credes. 50 Este é o pão que desce do céu, para que
37 Todo aquele que o Pai me der, esse virá todo o que dele comer não morra.
a mim; e o que vem a mim, de maneira 51 Eu sou o Pão Vivo que desceu do céu;
alguma o excluirei.7 se alguém comer deste pão, viverá eter-
38 Pois Eu desci do céu, não para fazer a namente; e o pão que deverei dar pela
minha própria vontade, mas a vontade vida do mundo é a minha carne.”.
daquele que me enviou. 52 Houve, então, grande discussão entre
39 E esta é a vontade do Pai, o qual me os judeus e esbravejavam uns com os ou-
enviou: que Eu não perca nenhum de tros: “Como pode este homem dar-nos a
todos os que Ele me deu, mas que Eu os comer a sua própria carne?”.
ressuscite no último dia.8 53 Então Jesus os advertiu: “Em verdade,
40 De fato, esta é a vontade daquele que em verdade vos afirmo: se não comerdes a
me enviou: que todo aquele que vir o carne do Filho do homem e não beberdes o
Filho e nele crer tenha a vida eterna, e seu sangue, não tereis a vida dentro de vós.
Eu o ressuscitarei no último dia.”. 54 Todo aquele que comer a minha carne
e beber o meu sangue tem vida eterna, e
Jesus não é compreendido Eu o ressuscitarei no último dia.
41 Então, os judeus começaram a se quei- 55 Pois a minha carne é verdadeira comi-
xar dele, porque dissera: “Eu sou o pão da, e meu sangue é verdadeira bebida.
que desceu do céu.”. 56 Aquele que come a minha carne e bebe
42 E comentavam: “Não é este Jesus, o meu sangue permanece em mim, e Eu
filho de José? Cujo pai e mãe nós conhe- nele.
6 Maná: Pão do céu; a Torá (Lei de Moisés). Veja: Êx 16.4; Ne 9.15; Sl 78.24,25.
7 Excluir, lançar fora ou rejeitar, como em KJ. Veja: Jo 17.6-12.
8 Todo o que crê em Jesus recebe o Selo da Redenção Eterna: o Espírito Santo (2Co 1.21-22; Ef 1.13; Ef 4.30).
9 Veja: Is 54.13; Jr 31.31-34; Hb 8.6-18. Cristo é a redenção de Israel e de todos os povos.
10 O NTG omite “em mim”. Entretanto, já havia ficado claro que só aquele que crê em Jesus está salvo: agora e para sempre.
11 “Eu sou.” A expressão em grego egô eimii evoca o nome de Deus (Êx 3.14), transliterado Jeová Yahweh, e Jesus a repete
sete vezes. O “Eu sou” é o próprio “Pão da Vida” (Pv 9.5). Jesus é Deus!
57 Assim como o Pai, que vive, me enviou 68 Mas Simão Pedro respondeu a Ele:
e Eu vivo por causa do Pai, assim aquele “Senhor14, para quem iremos? Tu tens as
que se alimenta de mim viverá por mi- palavras de vida eterna.
nha causa. 69 Sendo assim, nós temos crido e
58 Este é o pão que desceu do céu. De reconhecido que Tu és o Cristo, o Filho
modo algum comparável ao maná do Deus Vivo.”.15
comido por vossos pais, que agora estão 70 Então Jesus acrescentou: “Não vos esco-
mortos. Aquele que comer deste Pão lhi, Eu, aos doze? Todavia, um dentre vós
viverá para sempre.”. é um diabo.”.16
59 Essas verdades disse Jesus, enquanto 71 Falava de Judas, o filho de Simão Is-
ensinava na sinagoga em Cafarnaum. cariotes.177 Este, ainda que fosse um dos
doze, mais tarde o haveria de trair.
Muitos discípulos deixam Jesus
60 Portanto, muitos dos seus discípulos, A falta de fé dos irmãos de Jesus
ao ouvirem isso, disseram: “Dura é essa
declaração.Quempoderácompreendê-la?”.
61 Quando Jesus percebeu, em seu ínti-
7 Depois desses fatos, Jesus andou pela
Galiléia, porque não queria passar
pela Judéia, pois os judeus1 procuravam
mo, que seus discípulos estavam mur- matá-lo.
murando por causa de suas palavras, 2 Nessa ocasião, a festa judaica dos Taber-
inquiriu-os: “Isso vos escandaliza?12 náculos estava próxima.
62 O que acontecerá quando virdes o 3 Sendo assim, os irmãos de Jesus lhe
Filho do homem ascender13 para o lugar disseram: “Parte deste lugar e vai para
onde estava antes? a Judéia, para que os teus discípulos,
63 É o Espírito quem dá vida; a carne em semelhantemente, vejam as obras que
nada se aproveita; as palavras que Eu vos fazes.
tenho dito são Espírito e são vida. 4 Porque ninguém age às ocultas enquan-
64 Entretanto, existem alguns de vós que to procura ser publicamente reconheci-
não crêem.”. Pois Jesus sabia, desde o do. Se realizas estas obras, manifesta-te
princípio, quais eram os que não criam ao mundo.”.
e quem
q o iria trair. 5 Pois nem mesmo seus irmãos acredita-
65 E continuou: “É por isso que Eu vos vam nele.
tenho dito que ninguém pode vir a mim, 6 Então Jesus lhes afirmou: “O meu tem-
a não ser que isso lhe seja concedido por po ainda não chegou; para vós, porém,
meu Pai.”. qualquer hora é correta.
66 Daquele momento em diante, muitos 7 O mundo não pode odiar-vos, mas
dos seus discípulos recuaram e não mais odeia a mim, pois Eu dou testemunho de
andaram com Ele. que suas obras são más.
67 Então Jesus interpelou os doze: “Vós 8 Podeis vós subir à festa. Eu, neste mo-
também desejais ir embora?”. mento, não subo para essa festa, porque
12 A palavra escandalizar (ofender, como em KJ) é derivada de um vocábulo grego skadalizei que significa “fazer tropeçar”.
Assim, Cristo serviu de “pedra de tropeço” para Israel como fora profetizado (Is 8.14,15).
13 “Ascender” (voltar à fonte ou origem) como em KJ. A ascensão de Cristo (3.13).
14 Senhor (kurios em grego). Na Septuaginta, a autoridade e o poder de Deus (Yahweh).
15 O NTG traz: “Tu és o Santo de Deus.” A KJ acompanha, neste caso, o Textus Receptus como está em Mt 16.16.
16 Diabo; em grego, diabolos: difamador, caluniador ou falso acusador. Aqui é provável que Jesus tenha usado o termo
hebraico/aramaico, um servo (demônio) de Satanás: sattan (adversário).
17 Jesus e sua Igreja sofrem com os traidores (6.64; 13.27). Iscariotes (em hebraico‘îsh qe riyyôth) significa simplesmente “o
homem de Queriote”, uma localidade da Judéia (Js 15.25), de onde Judas e seu pai Simão vieram.
Capítulo 7
1 Judeus aqui se refere aos habitantes da Judéia (ioudaioi). As autoridades governantes.
o meu tempo apropriado aindaa2 não che- demônio! Quem está procurando ma-
gou por completo.”. tar-te?”
9 E tendo dito essas palavras a eles, per- 21 Jesus respondeu a eles, dizendo:
maneceu na Galiléia. “Realizei só uma obra,7 e todos vos
assombrais.
O Mestre celeste 22 Por causa de Moisés vos haver dado a
10 Mas, após seus irmãos terem subido, circuncisão (embora ela não tenha vindo
então, Ele também subiu para a festa, de Moisés, mas sim, dos patriarcas), vós
não abertamente, mas em segredo. circuncidais um homem no sábado.
11 Então, os judeus o procuravam na fes- 23 E, se um homem8 pode receber a cir-
ta e especulavam: “Onde estará Ele?” cuncisão no sábado, para que a Lei de
12 E havia grande murmuração entre o Moisés não seja quebrada, por que vos
povo a respeito dele. Alguns comentavam: irais contra mim por Eu ter curado com-
“Ele é bom.”. E outros: “Não, ao contrário, pletamente um homem no sábado?
Ele ilude o povo.”. 24 Não julgueis de acordo com a aparên-
13 Todavia, ninguém falava dele em pú- cia, mas decidi com justos julgamentos.”
blico, por medo dos judeus.
14 Assim, próximo ao meio da festa, Jesus Jesus é o Messias!
subiu ao templo e ensinava. 25 Então, alguns de Jerusalém diziam: “Não
15 E os judeus, maravilhados, diziam: é este aquele a quem procuram matar?
“Como sabe este homem letras,3 sem 26 Mas observai! Ele fala atrevidamente,
nunca ter estudado?” e eles não lhe dizem nada. Será que as
16 Respondeu-lhes Jesus: “A minha dou- autoridades reconhecem que Ele é verda-
trina4 não é minha, e sim, daquele que deiramente9 o Messias?
me enviou. 27 Entretanto, nós sabemos de onde é este
17 Se alguém desejar fazer a vontade dele, homem; quando o Cristo vier, ninguém
conhecerá a respeito da doutrina, se ela saberá de onde Ele é.”
vem de Deus ou se Eu falo por minha 28 Então Jesus, enquanto ensinava no
própria autoridade.5 templo, proclamou: “Vós não somente
18 Aquele que fala por si mesmo está pro- me conheceis, como também sabeis de
curando a sua própria glória; mas o que onde Eu Sou; e não vim porque Eu, de
procura a glória de quem o enviou, esse é mim mesmo, o desejasse, mas Aquele
verdadeiro, e nele não há injustiça.6 que me enviou é verdadeiro; Aquele a
19 Não foi Moisés quem vos deu a Lei? quem vós não conheceis.
Entretanto, nenhum de vós pratica a Lei. 29 Mas10 Eu o conheço, porque venho
Por que procurais matar-me?” dele e por Ele fui enviado.”.
20 Contestou o povo: “Tu estás com um 30 Por isso, procuravam prendê-lo; mas
2 O NTG omite a palavra “ainda”. A expressão “meu tempo apropriado” deriva da expressão grega kairos (literalmente, “opor-
tunidade” – o momentum, certo e predeterminado de Deus).
3 Jesus não estudou em escola rabínica, mas conhecia bem “as letras” (grammala, em grego) ou “escritos”, como em 5.47.
4 Mais que “ensino”. A doutrina de Jesus é o conjunto de princípios básicos do sistema filosófico e religioso de todo o
Cristianismo.
5 Os profetas de Deus falavam: “Assim diz o Senhor”; enquanto Jesus, exercendo a autoridade do Pai, dizia: “Eu vos digo” (3.34;
5.36). A vontade de Deus só é perfeitamente conhecida através do “desejar fazer” (thelei, verbo no presente contínuo em grego).
6 Adikia (em grego: o oposto a certo, justo e verdadeiro). O mundo tenta relativizar a moral e a justiça. Em Jesus não há qual-
quer falsidade. Ele é a verdade (14.6).
7 Obra (ou milagre), como em KJ e nos melhores textos em grego. Refere-se ao milagre de 5.8-10.
8 Homem como em KJ, ou “menino”. Os rabinos acreditavam que o rito da circuncisão podia curar uma parte do corpo do
homem e melhorar sua capacidade reprodutora.
9 O NTG omite a palavra: “verdadeiramente”. Cristo é a tradução grega da palavra hebraica Messias.
10 O NTG omite a palavra: “mas”.
ninguém lhe pôs a mão, pois ainda não pois o Espírito Santo15 até aquele mo-
era chegada a sua hora. mento não fora concedido, porque Jesus
31 E muitos que estavam na multidão, não havia sido ainda glorificado.
acreditaram nele e afirmaram: “Quando
o Cristo vier, fará, porventura, mais sinais Quem é Jesus Cristo?
do que esses feitos por este homem?”. 40 Então, muitos16 dentre a multidão,
quando ouviram essas palavras, disse-
Jesus e os líderes religiosos ram: “Verdadeiramente este é o Profeta.”
32 Os fariseus ouviram a multidão fo- 41 Outros concluíram: “Este é o Messias.”
mentando esses comentários a respeito Mas, alguns divergiram: “Como pode o
dele. Então os chefes dos sacerdotes e os Cristo vir da Galiléia?
fariseus11 enviaram guardas do templo 42 Não diz a Escritura que o Cristo virá da
para o prenderem. semente177 de Davi, da cidade de Belém, de
33 Exclamou, então, Jesus: “Eu ainda onde era Davi?”.
estarei convosco por pouco tempo e logo 43 Assim houve uma divisão entre o povo
irei para Aquele que me enviou. por causa dele.
34 Vós procurareis por mim, mas não me 44 E alguns dentre o povo quiseram pren-
encontrareis; e onde Eu estou vós não dê-lo, mas ninguém lhe pôs as mãos.
podeis chegar.”
35 Então os judeus comentaram entre si: Rejeitado pelas autoridades
“Para onde Ele pretende ir, que não o pos- 45 Então, os guardas do templo voltaram
samos encontrar? Planeja ir para a Disper- aos chefes dos sacerdotes e aos fariseus,
são12 entre os gregos, para ensinar a eles? os quais lhes inquiriram: “Por que não o
36 Qual é o significado do que Ele disse: trouxestes?”.
‘Vós procurareis por mim, mas não me 46 Os guardas explicaram: “Nenhum ho-
encontrareis; e onde Eu estou vós não mem jamais falou como este Homem!”.18
podeis chegar’?”. 47 Replicaram-lhes os fariseus: “Será pos-
sível que fostes vós também iludidos?
A promessa do Espírito Santo 48 Porventura, acreditou nele alguém das
37 No último dia, o mais solene dia da autoridades ou dos fariseus?
festa, Jesus colocou-se em pé e clamou 49 E, quanto a esse povo comum, que
em pranto: “Se alguém tem sede, deixai- nada sabe da Lei, são uns malditos!”.
o vir a mim para que beba.13 50 Nicodemos, sendo um dos sacerdotes,
38 Aquele que crê em mim, como diz a o qual estivera com Jesus à noite,19 ques-
Escritura, do seu interior fluirão rios de tionou-os:
água viva.”. 51 “Acaso a nossa lei julga um homem,
39 Mas Ele se referiu ao Espírito que, mais sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele
tarde, receberiam os que nele cressem;14 está fazendo?”.
11 Os chefes dos sacerdotes (em grego: archiereis) faziam parte das famílias sacerdotais mais ricas e poderosas e formavam o
Sinédrio. Os fariseus pertenciam a uma seita política radical na observância da Lei, e eram inimigos dos saduceus (sacerdotes).
12 Dispersão: regiões a norte e oeste da Judéia onde havia colônias judaicas em terras gregas.
13 O último dia era o oitavo dia da festa dos Tabernáculos e era sagrado como um sábado. Em todo o tempo da festa, um jarro
de ouro com água do tanque de Siloé era derramado, como libação, sobre o altar do sacrifício matinal. Cristo se apresenta como
a Rocha da qual flui água salvadora (Nm 20.2-13; 1Co 10.4). Uma profecia sobre sua morte expiatória (19.34).
14 O TM (Texto Majoritário) traz: “que creram”.
15 O NTG omite “Santo”, como está em KJ.
16 O NTG traz: “alguns”.
17 “Semente”, como nos originais e em KJ, ou “descendência”, como em algumas traduções.
18 “Homem!”: ênfase ao ser humano especial que os guardas viram em Jesus; como aparece nas novas versões de KJ.
19 “À noite” como em KJ, ou “antes” como no NTG.
“Vós não conheceis nem a mim nem a cumpro a sua vontade como lhe agrada.”.
meu Pai. Se conhecêsseis a mim, da mes- 30 Tendo proferido essas palavras, muitos
ma forma conheceríeis a meu Pai.”. creram nele.
20 Essas palavras Jesus proclamou no lu-
gar do gazofilácio,11 enquanto ainda en- A verdade que liberta
sinava no templo; e ninguém o prendeu, 31 Então, disse Jesus aos judeus que
pois ainda não era chegada a sua hora. haviam crido nele: “Se permanecerdes na
minha Palavra, verdadeiramente sereis12
Jesus anuncia a sua partida meus discípulos.
21 Uma vez mais, disse-lhes Jesus: “Estou 32 E conhecereis a verdade, e a verdade
partindo, e vós procurareis por mim, vos libertará.”
mas morrereis em vossos pecados; para 33 Eles responderam-lhe: “Somos des-
onde Eu vou, vós não podeis ir.” cendência de Abraão e jamais fomos
22 Então, os judeus comentaram: “Terá escravos de ninguém. Como podes tu
Ele a intenção de se matar? E, por isso diz: afirmar que seremos libertos?”
‘Para onde Eu vou, vós não podeis ir’?”. 34 Jesus explicou-lhes: “Em verdade, em
23 Mas Ele seguiu dizendo-lhes: “Vós verdade vos asseguro: todo aquele que
sois daqui de baixo; Eu Sou lá de cima. pratica o pecado é escravo do pecado.
Vós sois deste mundo; Eu deste mundo 35 O escravo não fica em casa para sempre,
não sou. mas o filho permanece para sempre.13
24 Por isso, Eu vos afirmei que morrereis 36 Assim sendo, se o Filho vos libertar,
em vossos pecados. Se vós não crerdes sereis verdadeiramente livres.
que Eu Sou, certamente morrereis em
vossos pecados.”. A semente de Abraão e de Satanás
25 Então, indagaram-lhe: “Quem és 37 Eu sei que sois a descendência de
tu?” E Jesus lhes afirmou: “Exatamente Abraão, entretanto, procurais matar-me,
o mesmo que vos tenho dito desde o porque a minha Palavra não tem lugar
princípio. dentro de vós.
26 Eu tenho muito mais a declarar e 38 Eu falo do que tenho visto com meu
julgar a respeito de vós. Pois Aquele que Pai, e vós fazeis o que ouvistes14 de vosso
me enviou é digno de toda a confiança, pai.”
assim, transmito ao mundo as palavras 39 Eles contestaram a Jesus, dizendo:
que dele ouvi.”. “Abraão é nosso pai.”. Mas Jesus os cor-
27 Os judeus, contudo, não entenderam rigiu: “Se fôsseis filhos de Abraão, vós
que lhes falava acerca do Pai. faríeis as obras de Abraão.
28 Então Jesus preveniu-os: “Quando ti- 40 Mas, ao contrário, agora procurais
verdes elevado o Filho do homem, então matar a mim, um homem que vos tem
sabereis que Eu Sou, e que nada faço de declarado a verdade, a qual ouviu de
mim mesmo, mas transmito tudo con- Deus. Abraão não procedeu assim.15
forme o meu Pai me ensinou. 41 Vós fazeis as obras de vosso pai.”. Então
29 E Aquele que me enviou está comigo. lhe asseveraram: “Nós não nascemos de
O Pai não me deixou só, pois Eu sempre fornicação;16 nós temos um só Pai, Deus.”.
11 “Lugar do gazofilácio” ou “tesouro”, como em KJ: ficava no pátio das mulheres, onde havia treze recipientes em forma de trom-
beta para receber as ofertas; seis deles para ofertas voluntárias. Onde Jesus viu a viúva depositar suas moedas (Mc 12.41-44).
12 “Sois”, como em KJ. Só os verdadeiros discípulos permanecem em Jesus, e vivem a fé cristã como estilo de vida.
13 O escravo não tem ligação de sangue com a família, mas o filho pertence a ela para sempre.
14 Embora apareça “visto” em KJ, o mais correto é como no NTG: “ouvistes de”.
15 Abraão é exemplo de obediência a Deus (Gn 26.5; Hb 11.8-12).
16 No NTG: “não nascemos de pornéia”, ou seja, de ato sexual ilícito; “não somos bastardos”.
42 Replicou-lhes Jesus: “Se Deus fosse 53 És tu maior do que o nosso pai Abraão,
vosso Pai, vós me amaríeis, pois Eu pro- que morreu? Da mesma forma, os profe-
cedo de Deus e estou aqui. Eu não vim tas morreram. Quem pretendes ser?”.
por mim mesmo, mas Ele me enviou. 54 Jesus declarou-lhes: “Se eu me glorifi-
43 Por q que vós não p podeis entender co a mim mesmo, a minha glória nada é;
minha linguagem? É porque vós sois quem me glorifica é meu Pai, o qual vós
incapazes de ouvir a minha Palavra. dizeis que é vosso18 Deus.
44 Vós pertenceis ao vosso pai, o Diabo; e 55 Todavia, vós ainda não o tendes co-
quereis realizar os desejos de vosso pai. Ele nhecido, mas Eu o conheço. E se Eu
foi assassino desde o princípio, e jamais disser que não o conheço, Eu serei um
se apoiou na verdade, porque não existe mentiroso, assim como vós. No entanto,
verdade alguma nele. Quando ele profere Eu verdadeiramente o conheço e obede-
uma mentira, fala do que lhe é próprio, ço a sua Palavra.
pois é um mentiroso e pai da mentira. 56 Vosso pai Abraão muito se alegrou,
45 Mas, porque Eu digo a verdade, vós pois veria o meu dia; e ele o viu e ficou
não credes em mim. feliz.”.
46 Quem de vós pode me condenar por al- 57 Então os judeus disseram a Jesus: “Tu
gum pecado? E, se Eu estou dizendo a ver- ainda não tens cinqüenta anos, e viste a
dade, por que vós não credes em mim? Abraão?”.
47 Aquele que é de Deus, ouve as palavras 58 Respondeu-lhes Jesus: “Em verdade,
de Deus. Entretanto, vós não ouvis; em verdade vos asseguro: antes que
porque não sois de Deus.”. Abraão existisse, Eu Sou.”.
59 Então, pegaram pedras para apedrejá-
Antes de Abraão, Eu Sou lo, mas Jesus esquivou-se e, passando por
48 Então os judeus, em resposta, lhe entre eles,19 saiu do templo.
disseram: “Não dissemos acertadamente
que tu és samaritano e tens um demônio?”. Jesus cura um homem cego
49 Replicou-lhes Jesus: “Eu não tenho um
demônio; ao contrário, Eu honro a meu
Pai, e vós me desonrais.
9 Ao caminhar, Jesus viu um cego de
nascença.
2 E seus discípulos lhe perguntaram:
50 E além do mais, Eu não estou buscan- “Rabi,1 quem pecou, este homem ou
do minha própria glória; existe Um que a seus pais, para que nascesse cego?”.
busca por mim e a tudo julga.17 3 Jesus lhes respondeu: “Nem ele pecou,
51 Em verdade, em verdade vos asseguro: nem seus pais; mas foi para que as obras
se alguém obedecer a minha Palavra, ja- de Deus fossem reveladas na vida dele.
mais experimentará a morte.”. 4 Eu2 devo fazer as obras daquele que
52 Ao ouvirem isso, exclamaram os ju- me enviou, enquanto é dia; a noite vem,
deus: “Agora estamos certos de que tens quando ninguém pode trabalhar.
um demônio. Abraão morreu, e também 5 Durante o tempo em que estiver no
os profetas, e tu afirmas: ‘se alguém mundo, sou a luz do mundo.”.
obedecer à minha palavra, jamais expe- 6 Então, tendo dito essas palavras, cuspiu
rimentará a morte’. no chão e fez barro com saliva; em segui-
17 Jesus não temia o julgamento dos homens. Ele sabia que o Pai o glorificaria.
18 O NTG e o TM trazem: “nosso”.
19 O NTG omite: “passando por entre eles”.
Capítulo 9
1 “Rabi”, como em KJ, significa “Mestre”.
2 Os originais registram “Eu faço”, como em KJ.
da ungiu3 os olhos do cego com aquela 17 Uma vez mais, perguntaram ao ho-
mistura. mem que fora cego: “Que dizes tu a res-
7 E ordenou ao homem: “Vai, lava-te no peito dele, pelo fato de que abriu os teus
tanque de Siloé”4 (que significa: Envia- olhos?”. O homem asseverou-lhes: “Ele é
do). O cego foi, lavou-se e voltou vendo. um profeta.”.
8 Portanto, os vizinhos e aqueles que o 18 Contudo, os judeus não acreditaram
conheciam como cego, diziam: “Não que ele fosse cego e havia recebido a
é este o mesmo homem que costuma visão, até que fossem chamados os pais
ficar sentado, mendigando?”.
g daquele
q que
q recebera a visão.
9 Alguns afirmavam: “É ele mesmo.” Ou- 19 Então os interrogaram: “É este o vosso
tros comentavam: “Apenas se parece com filho, o qual vós dizeis que nasceu cego?
ele.”5 Ele mesmo, entretanto, assegurava- Como, então, ele pode ver agora?”.
lhes: “Sou eu o homem.”. 20 Os pais lhes responderam: “Sabemos6
10 Por esse motivo, indagaram-lhe: “Co- que ele é nosso filho e que nasceu cego.
mo te foram abertos os olhos?”. 21 Mas não sabemos o significado de
11 Ele respondeu: “Um homem chamado ele estar vendo agora, e também não
Jesus misturou terra com saliva, ungiu sabemos quem lhe abriu os olhos. Per-
meus olhos e disse-me: ‘vai, lava-te no guntai a ele, já tem idade.7 Ele falará de
tanque de Siloé.’ Então eu fui, lavei-me, si mesmo.”.
e recebi a visão.”. 22 Seus pais responderam dessa maneira
12 Em seguida lhe perguntaram: “Onde porque estavam com medo dos judeus;
está Ele?” Ao que respondeu: “Não sei.”. pois estes já haviam acordado que, se al-
guém confessasse que Jesus era o Cristo,
O homem curado é expulso seria expulso da sinagoga.
13 Então, levaram o homem que fora 23 Foi por isso que seus pais disseram:
cego à presença dos fariseus. “Perguntai a ele, já tem idade.”.
14 E era sábado, quando Jesus fez aquela 24 Então, eles chamaram de novo o ho-
mistura de barro e abriu os olhos do mem que fora cego e lhe ordenaram:
homem cego. “Dá glória a Deus!8 Pois nós sabemos
15 Então, os fariseus também lhe inquiri- que esse homem é pecador.”.
ram como recebera a visão. E o homem 25 Ao que ele retorquiu: “Se ele é um
tornou a explicar: “Ele aplicou barro aos pecador ou não, eu não sei. Todavia, uma
meus olhos, lavei-me e vejo.”. verdade eu sei: eu era cego; agora vejo.”.
16 Por esse motivo, alguns dos fariseus 26 E, novamente lhe indagaram: “O que
alegavam: “Esse homem não é de Deus, Ele te fez? Como abriu teus olhos?”.
porque não guarda o sábado.” Outros 27 O homem lhes respondeu: “Eu já o dis-
murmuravam: “Como pode um homem, se, mas vós não credes. Por que desejais
sendo pecador, realizar milagres como ouvir tudo uma vez mais? Acaso também
esses?”. E, novamente, houve divisão quereis tornar-vos discípulo dele?”.
entre eles. 28 Por isso, o insultaram e disseram: “Tu,
3 “Ungir”: passar, friccionar, aplicar, investir de autoridade, purificar, curar. Deus criou o homem do barro (Gn 2.4; 3.19), portanto,
pode curá-lo de todos os males.
4 “Siloé” (em hebraico shilôah “águas enviadas”, expressão derivada do verbo shâlah “enviar” e se refere a Jesus, o enviado;
(em grego, apestalmenos). Assim como os judeus rejeitaram as águas de Siloé, estavam rejeitando o Messias (Is 8.6,7).
5 O NTG traz: “Não, mas se parece com ele.”
6 “Sabemos” (em grego: oidamen) é usado 11 vezes neste capítulo; numa evidência de quanto os judeus estavam longe de
reconhecerem Jesus como Deus (4.22,32).
7 Uma pessoa era aceita como testemunha num tribunal somente após os treze anos de idade.
8 Esta expressão pode ser usada em dois sentidos. Como agradecimento (Lc 17.15-18), e como uma intimação a que se “diga
a verdade” (Js 7.19).
sim, és um discípulo dele; mas nós so- 40 Alguns fariseus que estavam com Ele,
mos discípulos de Moisés. ao ouvirem essas palavras, perguntaram
29 Sabemos que Deus falou a Moisés; a Jesus: “Porventura, nós também somos
mas quanto a esse sujeito, nem sabemos cegos?”.
de onde vem.”. 41 Afirmou-lhes Jesus: “Se vós fôsseis
30 O homem questionou: “Ora, isso é cegos, não seríeis culpados; mas uma vez
surpreendente! Vós não sabeis de onde que alegais: ‘Nós vemos!’, por essa razão,
Ele vem, e mesmo assim, abriu-me os o pecado persiste dentro de vós.
olhos!
31 É sabido que Deus não ouve pecado- Eu Sou o bom pastor
res; mas a todo adorador9 de Deus, e a
todo que faz a sua vontade, a esse Ele
atende.
10 Em verdade, em verdade vos as-
seguro: aquele que não entra no
aprisco das ovelhas1 pela porta, mas sobe
32 Desde o início do mundo, jamais se o muro à procura de outra passagem,
ouviu que alguém tenha aberto os olhos esse é ladrão e assaltante.
de um cego de nascença. 2 Aquele que entra pela porta é o pastor
33 Se esse homem não viesse de Deus, das ovelhas.
não poderia fazer obra alguma.”. 3 Para esse, o porteiro2 abre a porta do
34 Então, concluíram: “Tu que nasceste aprisco, e as ovelhas ouvem a sua voz. Ele
repleto de pecados, pretendes nos ensi- chama cada uma das suas ovelhas pelo
nar?”. E o excluíram.10 nome, e as guia3 para fora.
4 E depois de conduzir para fora todas as
Os cegos receberão a visão que lhe pertencem, vai adiante delas, e elas
35 Jesus ouviu que o haviam expulsado, e, o seguem, porque reconhecem a sua voz.
quando o encontrou, lhe disse: “Acredi- 5 Todavia, de modo algum seguirão a um
tas tu no Filho de Deus?”.11 estranho; ao contrário, fugirão dele, por-
36 O homem respondeu: “Quem é Ele, que não conhecem a voz de estranhos.”.
Senhor, para que eu possa nele crer?”. 6 Jesus falou de forma proverbial,4 mas
37 E Jesus lhe assegurou:
g “Tu o estás eles não compreenderam o significado
vendo. É este que te fala.”. do que lhes havia falado.
38 Então, declarou o homem: “Senhor, eu 7 Sendo assim, Jesus lhes disse de novo:
creio!”. E prostrando-se diante de Jesus, “Em verdade, em verdade vos asseguro:
o adorou. Eu Sou a porta das ovelhas.
39 Então revelou Jesus: “Eu vim a este 8 Todos quantos vieram antes5 de mim
mundo para julgamento, a fim de que são ladrões e assaltantes; porém as ove-
os cegos vejam e os que vêem se tornem lhas não os ouviram.
cegos.”. 9 Eu Sou a porta. Qualquer pessoa que en-
trar por mim, será salva. Entrará e sairá; e não são de alguém que tem um demônio.
encontrará pastagem.6 Pode, porventura, um demônio abrir os
10 O ladrão não vem, senão para roubar, olhos dos cegos?”.
matar e destruir. Eu vim para que as ove-
lhas tenham vida, e vida em plenitude. O pastor conhece suas ovelhas
11 Eu Sou o bom pastor. O bom pastor dá 22 Naquela ocasião, celebrava-se a Festa
a sua vida pelas ovelhas. da Dedicação em Jerusalém, e era in-
12 O mercenário, que não é o pastor a verno.
quem as ovelhas pertencem, vê a apro- 23 E Jesus caminhava dentro do templo,
ximação do lobo, abandona as ovelhas e pelo Pórtico de Salomão.
foge. Então, o lobo as apanha e dispersa 24 Então, os judeus rodearam a Jesus para
o rebanho. indagar-lhe: “Até quando nos deixarás
13 O mercenário foge, porque é um mer- em dúvida? Se és o Cristo, dize-nos cla-
cenário e não tem zelo pelas ovelhas. ramente.”.
14 Eu Sou o bom pastor. Conheço as mi- 25 Respondeu-lhes Jesus: “Eu já vo-lo
nhas ovelhas e sou conhecido por elas; disse, e vós não acreditais. As obras que
15 assim como o Pai me conhece e Eu realizo em Nome de meu Pai testemu-
conheço o Pai; e entrego minha vida nham a meu favor.
pelas ovelhas. 26 Mas vós não credes, porque não sois
16 Ainda tenho outras7 ovelhas que não das minhas ovelhas, como já vos afir-
são deste aprisco,8 as quais devo da mesma mei.10
maneira trazer; elas ouvirão minha voz, e 27 As minhas ovelhas ouvem a minha
haverá um só rebanho e um só pastor. voz; Eu as conheço, e elas me seguem.
17 Por esse motivo o Pai me ama; porque 28 Eu lhes dou a vida eterna, e elas nunca
Eu entrego a minha vida para retomá-la. perecerão; tampouco ninguém as poderá
18 Ninguém a tira de mim; antes Eu a arrancar da minha mão.
entrego de espontânea vontade. Tenho 29 Meu Pai, que as deu a mim, é maior do
poder9 para entregá-la, e poder para que todos,11 ninguém é capaz de arrancá-
retomá-la. Esse é o mandamento que las da mão de meu Pai.
recebi de meu Pai.”. 30 Eu e o Pai somos um.”.
31 E por isso, uma vez mais, os judeus
Mais uma divisão entre os judeus pegaram pedras para apedrejá-lo.
19 Por causa dessas palavras, houve nova- 32 Mas Jesus os interpelou: “Eu tenho vos
mente divisão entre os judeus. revelado muitas obras boas da parte do
20 E muitos deles murmuravam: “Ele tem meu Pai. Por qual dessas obras vós que-
um demônio e enlouqueceu. Por que vós reis lapidar-me?12.
o escutais?”. 33 Os judeus responderam-lhe assim: “Por
21 Outros ponderavam: “Essas palavras nenhuma boa obra nós te lapidaremos,
6 Em aramaico (a língua que Jesus falava), tem o sentido de “permanecer em segurança”. A proteção de Deus (Sl 23; Sl 91).
7 “Outras ovelhas”: (em grego alla – outras da mesma espécie). Refere-se aos crentes gentios, em todo o mundo, que se unirão
a Cristo e formarão o novo e verdadeiro Israel.
8 As ovelhas judias precisavam ser tiradas do primeiro aprisco (em grego aule),
) antes de serem reunidas às outras e formarem
um novo e único rebanho (em grego poimnê).
9 “Poder” como em KJ ou “autoridade”. É pela autoridade do Pai que o Filho age com independência (5.19-30); um paradoxo
próprio do relacionamento único entre Deus-Pai e Deus-Filho.
10 O TM (Texto Majoritário) omite “como já vos afirmei”.
11 O Texto Bizantino, com o apoio do antigo Papiro 66, reforça essa melhor tradução, como em KJ.
12 “Lapidar”, açoitar ou matar por apedrejamento, em função de condenação sumária por pecados considerados hediondos,
como blasfêmia, violação do sábado ou adultério. É interessante notar que a expressão “obras boas” (em grego, erga kala)
significa literalmente: “obras belas ou lindas”.
mas sim por blasfêmia, e porque, sendo 4 Ao saber do ocorrido, disse Jesus: “Essa
tu um simples homem, te fazes passar enfermidade não terminará em morte; mas
por Deus.”. sim, para a glória de Deus, para que o Filho
34 Jesus lhes contestou: “Não está escrito de Deus seja glorificado por meio dela.”.
na vossa Lei: ‘Eu disse: sois deuses?’13 5 E Jesus amava Marta, a irmã dela, e a
35 Se Ele chamou ‘deuses’ àqueles a quem Lázaro.
veio a Palavra de Deus (e a Escritura não 6 Contudo, quando soube que Lázaro
pode ser quebrada), estava doente, ficou mais dois dias no
36 como vós dizeis daquele a quem o Pai lugar onde estava.
santificou e enviou a esse mundo: ‘Tu 7 Depois disso, falou a seus discípulos:
blasfemas!’, porque vos declarei: ‘Eu Sou “Vamos voltar para a Judéia.”.
o Filho de Deus?’ 8 Ao que lhe advertiram os discípulos:
37 Se não faço as obras de meu Pai, não “Rabi, há pouco os judeus tentaram ape-
acreditais em mim. drejar-te, e mesmo assim estás indo para
38 Mas se as faço, mesmo que não acredi- lá outra vez?”.
tais em mim, crede nas obras, para que 9 Jesus lhes respondeu: “Não são doze
possais saber e compreender que o Pai as horas do dia? Se alguém caminhar de
está em mim, e Eu estou no Pai.”. dia, não tropeça, porque vê a luz deste
39 Contudo, uma vez mais tentaram pren- mundo;
dê-lo, mas Ele se livrou das mãos deles. 10 mas, se caminhar na noite, tropeça,
porque a luz não está nele.”.
Os crentes além do Jordão 11 Tendo dito essas palavras, prosseguiu ex-
40 Sendo assim, novamente Jesus atra- plicando-lhes: “Nosso amigo Lázaro dor-
vessou o Jordão e foi para o lugar onde me, mas Eu vou até lá para despertá-lo.”.
João batizava no início do seu ministério, 12 Então seus discípulos lhe disseram:
e ali ficou. “Senhor, se ele está dormindo, vai ficar
41 Então, muitos vinham até Jesus, exal- melhor.”.
tando: “João não realizou nenhum sinal; 13 Entretanto, Jesus lhes havia falado da
todavia, tudo quanto falou a respeito morte de Lázaro; mas os discípulos pen-
deste Homem era verdade.”. saram que Jesus estivesse se referindo ao
42 E, naquele povoado, muitos creram em repouso do sono.
Jesus. 14 Ao que Jesus lhes disse claramente:
“Lázaro morreu;
A morte do amigo Lázaro 15 e, para o vosso bem, estou alegre por
13 Sl 82.6. Deus se refere aos homens como “deuses” ou juízes (em hebraico ‘elohim).
Capítulo 11
1 O mesmo que bálsamo (Mc 14.3; Lc 10.38-42).
2 Tomé (em aramaico t’ômâ) significa gêmeo (o mesmo que Dídimo em grego). Tomé expressa lealdade a ponto de oferecer
sua vida por Cristo; e prenuncia a morte de Jesus na Judéia.
18 Ora, Betânia ficava próxima de Jerusa- onde Jesus estava, vendo-o, prostrou-se
lém, cerca de quinze estádios.3 aos seus pés e desabafou: “Senhor, se
19 E muitos, dentre os judeus, tinham estivesses aqui, meu irmão não teria
vindo juntar-se ao grupo de mulheres morrido.”.
que procuravam confortar Marta e Ma- 33 Sendo assim, ao ver Maria chorando,
ria, pela morte do irmão. bem como os judeus que vieram com ela,
20 Assim que Marta ouviu que Jesus esta- Jesus indignou-se no espírito5 e compa-
va a caminho, saiu ao seu encontro; Ma- deceu-se.
ria, no entanto, ficou sentada em casa. 34 Perguntou-lhes Jesus: “Onde o colo-
21 Disse Marta a Jesus: “Senhor, se estives- castes?”. E eles indicaram-lhe: “Senhor,
ses aqui, meu irmão não teria morrido. vem e vê!”.
22 Mas sei que, mesmo agora, seja o que 35 Jesus chorou.
for que pedires a Deus, Ele te dará.” 36 Então os judeus comentaram: “Vede
23 Jesus então assegurou-lhe: “O teu ir- como Ele o amava!”.
mão ressuscitará!” 37 Mas alguns deles questionaram: “Não
24 E Marta lhe disse: “Eu sei que ele vai res- poderia este homem, que abriu os olhos
suscitar na ressurreição, no último dia.” do cego, ter evitado que seu amigo mor-
25 Esclareceu-lhe Jesus: “Eu Sou a ressur- resse?”.
reição e a vida. Aquele que crê em mim,
mesmo que morra, viverá; Jesus ressuscita seu amigo
26 e todo o que vive e crê em mim, não 38 Então, novamente Jesus se indigna em
morrerá eternamente. Tu crês nisso?” seu espírito, e comovido dirige-se ao se-
27 Ela lhe afirmou: “Sim, Senhor, eu pulcro. Era uma gruta na rocha com uma
creio que Tu és o Cristo, o Filho de pedra fechando a entrada.
Deus, que devia vir ao mundo.”. 39 Determinou Jesus: “Tirai a pedra!”
Preveniu-lhe Marta, irmã do falecido:
Jesus vence a morte “Senhor, ele já cheira mal, pois já se pas-
28 Depois de dizer essas palavras, Marta saram quatro dias.”.6
seguiu seu caminho e chamou Maria, 40 Encorajou-a Jesus: “Eu não te falei que,
sua irmã, e lhe disse em particular: “O se creres, verás a glória de Deus?”.
Mestre chegou, e chama por ti.”. 41 Então, tiraram a pedra da entrada
29 Assim que Maria ouviu isso, levan- do lugar onde o homem morto estava
tou-se apressadamente e foi ao encontro deitado.7 E Jesus, levantando seus olhos
dele. aos céus, agradeceu:8 “Pai, dou-te graças
30 Jesus ainda não havia entrado no porque me ouviste.
povoado, mas estava4 onde Marta o en- 42 Eu sei que sempre me ouves, mas disse
contrara. isso por causa da multidão que está ao
31 Os judeus que estavam com Maria meu redor, para que creiam que Tu me
em casa e a consolavam, vendo que enviaste.”.
ela se levantou apressadamente e saiu, 43 E, tendo dito essas palavras, clamou
seguiram-na, julgando que ela fosse ao em alta voz: “Lázaro, vem para fora!”.
sepulcro para ali chorar. 44 Então, o homem que havia morrido,
32 Então, quando Maria chegou ao lugar saiu da gruta, tendo os pés e as mãos ata-
dos com faixas de linho e o rosto envolto para o interior, próximo ao deserto, che-
com um pano. E Jesus orientou-os: “Re- gando a uma cidade chamada Efraim; e
tirai as faixas dele e deixai-o seguir.”. ali permaneceu com os seus discípulos.
55 A Páscoa dos judeus estava próxima, e
A trama para matar Jesus muitos daquela região do interior subi-
45 Assim, muitos dentre os judeus, que ram para Jerusalém, a fim de participa-
tinham vindo consolar Maria, vendo o rem das cerimônias de purificação antes
que Jesus fizera, creram nele. da Páscoa.
46 Mas alguns deles foram até os fariseus 56 Então, procuravam Jesus, e comenta-
e os informaram de tudo quanto Jesus vam uns com os outros, dentro do tem-
havia feito. plo: “Que pensais? Virá Ele à festa?”.
47 Então, os chefes dos sacerdotes e os 57 Por outro lado, os chefes dos sacer-
fariseus convocaram uma reunião do Si- dotes e os fariseus haviam dado ordem
nédrio.9 E disseram: “O que poderemos para que, se alguém soubesse onde Ele
fazer? Pois esse homem realiza muitos estava, o denunciasse, a fim de poderem
sinais. prendê-lo.
48 Se o deixarmos seguir livre, todos acre-
ditarão nele, e então virão os romanos e Jesus ungido para a Páscoa
tomarão tanto o nosso lugar,10 como a Mt 26.6-13; Mc 14.3-9
nossa nação.”.
49 Entretanto, um dentre eles, chamado
Caifás, que naquele ano era o sumo sa-
12 Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi
para Betânia, onde estava Lázaro,
que havia morrido e fora ressuscitado
cerdote, disse a eles: “Vós falais do que dentre os mortos.
não compreendeis. 2 Então, ofereceram-lhe um jantar; Mar-
50 Nem considerais que é do vosso ta servia,1 enquanto Lázaro era um dos
interesse que morra um só homem pelo convidados,2 sentado à mesa com Jesus.
povo,11 e não pereça toda a nação.”. 3 Maria pegou uma libra3 de bálsamo de
51 Por outro lado, ele não revelou isso de nardo puro, um óleo perfumado muito
si mesmo, mas sendo o sumo sacerdote caro, ungiu os pés de Jesus e os enxugou
naquele ano, profetizou12 que Jesus mor- com seus cabelos. E a casa encheu-se
reria pela nação judaica. com a fragrância daquele bálsamo.
52 E não somente por aquela nação, mas 4 Mas um de seus discípulos, Judas Isca-
também para congregar em um só povo riotes, filho de Simão, que mais tarde iria
os filhos de Deus que andam espalhados traí-lo, objetou:
pelo mundo. 5 “Por que este bálsamo perfumado não
53 Assim, daquele dia em diante, pactua- foi vendido por trezentos denários4 e
ram em tirar a vida de Jesus. dado aos pobres?”.
54 Por isso, Ele já não andava livremente 6 Ele não disse isso por se importar com
entre os judeus. Em vez disso, retirou-se os pobres, mas porque era ladrão; sen-
9 Sinédrio, ou Conselho, era a corte suprema da nação judaica: composto de 75 pessoas, presidido pelo sumo sacerdote.
10 O “nosso lugar” era o templo; o “lugar santo” (At 6.13-28).
11 Caifás pertencia ao partido dos saduceus, conhecidos por sua rudez mesmo entre eles próprios. Ele aconselha o Sinédrio a
oferecer um homem por toda a nação; como “bode expiatório” (Lv 9.3; 16.22).
12 Tradicionalmente o sumo sacerdote deveria ser o portador da voz de Deus. Uma vez por ano fazia a expiação (sacrifícios com
sangue de animais) pela nação, no Santo dos Santos (Hb 9). Sem perceber, anunciou o sacrifício expiatório de Jesus pelo mundo.
Capítulo 12
1 Marta dedicava-se mais ao serviço e Maria, à adoração (Lc 10.38-42).
2 O jantar ou ceia celebrava a nova vida de Lázaro, sendo, ele e Jesus, convidados de honra.
3 A libra (em grego litra) equivale a pouco mais de 300 gramas.
4 Um denário era uma moeda de prata equivalente a um dia de trabalho braçal.
5 A bolsa (em grego glôssokomon) era onde se guardava o dinheiro oferecido a Jesus e aos discípulos por pessoas que
queriam ajudá-los (Lc 8.2,3).
6 “Hosana” (em hebraico hôshi ah-nnâ) quer dizer: “dá salvação agora” ou “dá a vitória agora”; tornou-se uma expressão de
louvor e gratidão.
7 “Bendito o que vem” (em hebraico barûkh habbâ) é uma expressão judaica de boas-vindas (Sl 118.25-27).
8 “Filha” (em grego) ou “Cidade”.
9 Jesus cumpre a promessa divina (Zc 9.9).
10 Com a expressão “o mundo” (em grego kosmos), os fariseus queriam dizer “todas as pessoas de Jerusalém”. João, contudo,
ressalta a obra salvadora de Cristo por toda a humanidade (3.16,17).
Eu vim precisamente com esse propósito gem, e a quem foi revelado o braço do
e para esta hora.11 Senhor?”.14
28 Pai, glorifica o teu Nome!”. Então, veio 39 Contudo, não podiam crer, porque
uma voz dos céus,12 dizendo: “Eu já o glo- como reafirmou Isaías:
rifiquei e o glorificarei uma vez mais.”.13 40 “Cegou-lhes os olhos e endureceu-
29 Todavia, a multidão que estava ali, lhes o coração, para que não vejam com
tendo ouvido a voz, dizia ter trovejado. os olhos nem entendam com o coração,
Outrosgarantiam:“UmanjofaloucomEle.”. nem se convertam e Eu os cure.”.15
30 Jesus lhes esclareceu: “Essa voz não 41 Isso disse Isaías porque viu a glória
veio por minha causa, e sim para vosso dele e falou a seu respeito.
benefício.
31 Chegou a hora de este mundo ser Caminhando na luz
julgado, e agora o príncipe deste mundo 42 Apesar disso, muitos dentre as próprias
será expulso. autoridades acreditaram nele, mas devido
32 Mas Eu, quando for levantado da terra, aos fariseus, não declaravam sua fé, para
atrairei todas as pessoas para mim.”. não serem excluídos da sinagoga;
33 Ele disse isso para expressar o tipo de 43 pois amaram mais a honra dos ho-
morte que haveria de sofrer. mens do que a glória de Deus.16
34 O povo lhe replicou: “Nós temos 44 Então Jesus exclamou: “Quem acredita
ouvido da Lei que o Cristo permanecerá em mim, não crê somente em mim, mas
para sempre, como podes afirmar: ‘o naquele que me enviou.
Filho do homem precisa ser levantado’? 45 Quem vê a mim, vê Aquele que me
Quem é afinal esse Filho do homem?”. enviou.
35 Então Jesus lhes explicou: “Ainda por 46 Eu vim como luz para o mundo; a fim
mais um pouco de tempo a luz estará en- de que todo aquele que crê em mim não
tre vós. Caminhai enquanto tendes a luz, permaneça nas trevas.
para que as trevas não vos surpreendam, 47 Se alguém ouvir as minhas palavras
pois aquele que anda nas trevas não sabe e não obedecer a elas, Eu não o julgo;
para onde vai. porque Eu não vim para julgar o mundo,
36 Enquanto vós tendes a luz, crede na mas sim, para salvá-lo.
luz, para vos tornardes filhos da luz.”. E, 48 Aquele que me rejeita e não acolhe as
terminando de falar, partiu e ocultou-se minhas palavras tem quem o julgue; a
deles. Palavra que proclamei, essa o julgará no
último dia.
Nem todos creram nos milagres 49 Pois Eu não tenho falado por mim
37 Mas, embora tivesse realizado tantos mi- mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse
lagres diante deles, não creram em Jesus, me deu ordens sobre o que Eu deveria
38 para cumprir a palavra do profeta Isaí- dizer e o que proclamar.
as, que disse: 50 Eu sei que o seu mandamento é a vida
“Senhor, quem creu em nossa mensa- eterna. Sendo assim, tudo o que Eu falo,
11 A hora (em grego kairós). O tempo oportuno (certo, escolhido) de Deus para seus filhos.
12 Pela terceira vez (batismo, transfiguração e nesta passagem) Deus glorifica seu nome, em Jesus, perante o mundo. Esse
fenômeno (em grego bath gôll ou “eco de Deus”) era conhecido dos rabinos. Jesus podia ouvir perfeitamente a voz de Deus, mas
as demais pessoas apenas ouviam um som estrondoso, como o de trovões.
13 O nome de Deus é glorificado ou santificado quando se faz a sua vontade.
14 Is 53.1.
15 Is 6.10.
16 A “glória de Deus”, neste caso, é a aprovação do Pai para aqueles que, uma vez crendo em Jesus, agem diante dos homens
como verdadeiros (cristãos) discípulos.
como o Pai me mandou dizer, assim 11 Pois Jesus sabia quem iria traí-lo, e
falo.”. por isso disse: “Nem todos vós estais
limpos.”.
Os pés dos discípulos são lavados 12 Após haver lavado os pés dos seus dis-
1 Amou os seus de maneira extrema e completa, até às últimas conseqüências. “Amou-os até o fim” (em grego eis telos). Uma
frase muito rica, que reúne os sentidos de “até o fim” e “de modo absoluto” (3.16). Os discípulos tiveram o privilégio de experi-
mentar, de forma concentrada, o grande amor que Deus tem pela humanidade.
2 O plano da morte de Cristo (Deus) foi concebido no coração do Diabo. Judas Iscariotes foi um agente, manipulado e influen-
ciado pelas forças satânicas. O Diabo tenta a todos com suas inúmeras propostas mentirosas, cujo fim é sempre a morte. Cabe
ao discípulo de Cristo seguir o comando do Espírito Santo, abraçar a Palavra e fugir das paixões da carne.
3 Ter comunhão com Jesus ou vida em Cristo.
4 Mensageiro ou apóstolo (em grego apostellõ).
5 Bem-aventurados ou felizes (Mt 7.24; Lc 6.47s; Mc 3.35; Mc 8.31).
6 Sl 41.
7 “Eu Sou” é mais uma alusão ao sentido oculto do nome inefável de Deus (Êx 3.14; Is 41.4). Ou, em grego, egô eimi
21 Após haver dito essas palavras, pertur- conhecerão que sois meus discípulos: se
bou-se Jesus em espírito e declarou: “Em tiverdes amor uns pelos outros.”.
verdade, em verdade vos afirmo que um
dentre vós me trairá.”. Pedro nega a Jesus por três vezes
22 Os discípulos olharam uns para os 36 Simão Pedro pergunta a Jesus: “Se-
outros, perplexos sobre a quem Ele se nhor, para onde vais?”. Jesus respon-
referia. deu-lhe: “Para onde Eu vou não podes
23 Enquanto isso, um deles, o discípulo seguir-me agora; entretanto, me seguirás
a quem Jesus amava, estava reclinado ao mais tarde.”.
seu lado. 37 Inquiriu-lhe Pedro: “Senhor, por
24 Simão Pedro fez alguns sinais a esse, que não posso seguir-te agora? Pois eu
como querendo dizer: “Pergunta a quem darei a minha vida por ti!”.
Ele se refere.”. 38 Jesus adverte-o: “Darás a tua vida por
25 Então, aquele discípulo, reclinando-se mim? Em verdade, em verdade te afirmo
sobre o peito de Jesus, perguntou-lhe: que antes que o galo cante, tu me negarás
“Senhor, qquem é?” três vezes!
26 Respondeu-lhe Jesus: “É aquele a
quem Eu der este pedaço de pão molha- Jesus, o único caminho
do no prato.”. E tendo molhado o pedaço
de pão, deu-o a Judas Iscariotes, filho de
Simão.
14 Não permitais que o vosso cora-
ção se preocupe. Credes em Deus,
crede também em mim.
27 Assim que Judas comeu o pão, Satanás 2 Na casa de meu Pai há muitos aposentos;
entrou nele. Então disse-lhe Jesus: “O se não fosse assim, Eu o teria dito a vós.
que tens para fazer, faze-o logo.”. Portanto, vou para preparar-vos lugar.
28 Todavia, nenhum dos que estavam à 3 E, quando Eu me for e vos tiver prepa-
mesa entendeu por qual razão Jesus lhe rado um lugar, virei de novo e vos levarei
disse isso. para mim, a fim de que, onde Eu estiver,
29 Considerando que Judas era responsá- estejais vós também.
vel pelo dinheiro, alguns pensaram que 4 Vós sabeis para onde Eu vou, e conhe-
Jesus havia dito: “Compra o necessário ceis o caminho.”.
para a festa.”. Ou que desse algo aos po- 5 Indagou-lhe Tomé: “Senhor, não sabe-
bres. mos para onde vais; e como poderemos
30 Judas, assim que comeu o pedaço de conhecer o caminho?”.
pão, saiu apressadamente. E era noite. 6 Assegurou-lhes Jesus: “Eu Sou o Cami-
nho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem
Os discípulos devem se amar ao Pai senão por mim.
31 Quando ele saiu, Jesus disse: “Agora o 7 Se vós, de fato, tivésseis me conhecido,
Filho do homem é glorificado, e Deus é teríeis conhecido também a meu Pai; e
glorificado nele. desde agora vós o conheceis e o vistes.”.
32 Sendo Deus glorificado nele, também 8 Solicitou-lhe Filipe: “Senhor, mostra-
Deus o glorificará nele mesmo; e o glori- nos o Pai, e isso é suficiente para nós.”.
ficará muito em breve. 9 Então Jesus ministrou-lhes: “Há tanto
33 Filhinhos, Eu ainda permanecerei tempo estou convosco, e tu não me tens
convosco por pouco tempo. Vós me pro- conhecido, Filipe? Aquele que vê a mim,
curareis, mas como Eu disse aos judeus, vê o Pai; como podes dizer: ‘mostra-nos
agora vos digo: ‘para onde Eu vou, vós o Pai’?
não podeis ir’. 10 Não crês que Eu estou no Pai e que o
34 Um novo mandamento vos dou: que Pai está em mim? As palavras que Eu vos
vos ameis uns aos outros; assim como digo não as digo em minha própria au-
Eu vos amei; que dessa mesma maneira toridade; mas o Pai, que habita em mim,
tenhais amor uns para com os outros. realiza as suas obras.
35 Através deste testemunho todos re- 11 Crede-me quando digo que estou no
Pai e que o Pai está em mim; crede-o, ao Iscariotes): “Senhor, mas por que te reve-
menos por causa das mesmas obras. larás a nós e não ao mundo?”.
12 Em verdade, em verdade vos asseguro 23 Jesus respondeu-lhe: “Se alguém me
que aquele que crê em mim fará também ama, obedecerá à minha Palavra; e meu
as obras que Eu faço e outras maiores Pai o amará, e nós viremos até ele e
fará, pois eu vou para o meu Pai. faremos nele nosso lar.3
13 E assim, seja o que for que vós pedirdes 24 Quem não me ama não obedece às
em meu Nome,1 isso Eu farei, a fim de minhas palavras; e a Palavra que vós
que o Pai seja glorificado no Filho. estais ouvindo não é minha, mas do Pai,
14 Se vós pedirdes algo em meu Nome, que me enviou.
Eu o farei.
15 Se vós me amais, obedecereis aos meus O dom da paz de Cristo
mandamentos. 25 Esses ensinamentos vos tenho minis-
trado enquanto ainda estou presente
Jesus promete o Espírito Santo entre vós.
16 E Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará 26 Mas o Advogado, o Espírito Santo, a
outro Advogado,2 a fim de que esteja para quem o Pai enviará em meu Nome, esse
sempre convosco, vos ensinará todas as verdades e vos fará
17 o Espírito da verdade, que o mundo lembrar tudo o que Eu vos disse.
não pode receber, porque não o vê, nem 27 Deixo-vos a paz; a minha paz vos dou.
o conhece; vós o conheceis, porque Ele Não vo-la dou como o mundo a dá. Não
vive convosco e estará dentro de vós. permitais que vosso coração se preocupe,
18 Não vos deixarei órfãos; voltarei para nem vos deixeis amedrontar.
vós. 28 Vós ouvistes o que Eu disse: ‘vou, mas
19 Dentro de pouco tempo o mundo não retorno para vós.’ Se me amásseis, fica-
me verá mais; entretanto, vós me vereis. ríeis alegres com o fato de que Eu vou
Porque Eu vivo, e vós da mesma forma para o Pai, pois o Pai é maior do que Eu.
vivereis. 29 Eu vo-lo disse agora, antes que aconte-
20 E naquele dia, entendereis que Eu ça, para que, quando acontecer, creiais.
estou no meu Pai, e vós, em mim, e Eu, 30 Eu não vou continuar a falar muito
em vós. mais convosco, pois o príncipe deste
21 Aquele que tem os meus mandamen- mundo está chegando. Ele não tem direi-
tos e obedece a eles, esse é o que me to e nada pode sobre mim;4
ama; e aquele que me ama será amado 31 ainda assim, é vital que o mundo
por meu Pai, e Eu também o amarei e me saiba que Eu amo o Pai, e cumpro as
revelarei a ele.”. ordens que o Pai me deu. Levantai-vos
22 Então, perguntou-lhe Judas (não o e partamos daqui!
1 O cristão tem a mesma autoridade de Cristo para orar a Deus Pai. Por isso, deve eliminar toda petição egoísta e que não traga
glória ao Senhor (Mt 6.10; Mc 14.36).
2 A palavra “Advogado” vem do latim advocatus, que é o equivalente exato do adjetivo verbal passivo grego parakletos (1Jo
2.1), formado pelas palavras gregas para (ao lado de) e kletos (chamado). Usado de forma única por João para se referir ao
Espírito Santo, e cujo amplo significado inclui: Conselheiro, Ajudador, Consolador, Encorajador. Quando Jesus se refere a outro
(em grego allos – outro da mesma espécie e tipo), quer dizer que o outro Advogado é igual a Ele em tudo, mas viverá dentro dos
crentes para orientá-los e defendê-los para sempre. Na edição King James de 1611, base desta edição em português, parakletos
foi traduzido para o inglês como “Comforter” (Confortador ou Consolador). Nas edições KJ modernas aparece como “Helper”
(Ajudador). O comitê de tradução da KJ para a língua portuguesa entendeu que o termo “Advogado” é o que mais se aproxima
do sentido bíblico e original da palavra.
3 Lar ou morada (em grego mone conforme 14.2; que deriva-se de menõ “permanecer”). O Deus Triúno habita no crente.
Quando a Trindade vive no crente; e, portanto, na Igreja, torna ambos templos santificados (1Co 3.16; 6.19).
4 Os discípulos de Cristo têm os privilégios do Reino de Deus, mas são odiados pelo Diabo e o mundo. O príncipe deste mundo
não pode acusar Jesus de nada. Por isso, onde Jesus está, o pecado e o Diabo não podem permanecer.
1 “Agricultor” ou, mais propriamente, vinicultor. A videira é usada no AT como ilustração do povo de Israel (Sl 80.8-19). Cristo e
os filhos de Deus são o verdadeiro Israel (1.12).
2 Jesus faz um jogo de palavras. Em grego, kathaireii (limpa) pode ser também a poda, que tem o sentido de “puros” ou
“limpos” (katharoi).
3 Os ramos da videira nada produzem, só servem para dar e sustentar as uvas. Sua madeira seca para nada é útil, a não ser
para queimar (Ez 15.1-8).
4 Em grego, logos é o ensino completo de Cristo e rhêmata são seus pronunciamentos individuais que compõem o todo. O
verdadeiro discípulo tem suas orações atendidas e o Pai é glorificado (14.13).
5 O “fruto” é viver à semelhança de Jesus (Gl 5.22).
6 A felicidade ou alegria eram consideradas no AT como características do tempo da salvação e da paz escatológica (Is 9.2;
35.10; 55.12; 65.18; Sf 3.14; Sl 126.3-5). Os discípulos de Cristo vivem a alegria da salvação e da nova vida, mesmo sob as ondas
de sofrimento deste mundo (16.20-24; 14.28).
7 O verbo grego tithenaii (designar) exprime o estabelecimento de alguém em um cargo, assegurando-lhe todos os meios de
o exercer eficazmente.
8 O mundo é o sistema econômico, político, cultural, tecnológico e religioso que determina o estilo de vida dos povos. Os
crentes são como Jesus: estrangeiros em sua própria terra.
20 Recordai-vos das palavras que Eu mais: chegará o tempo quando quem vos
vos disse: ‘nenhum escravo é maior do matar pensará que está prestando um
que o seu senhor’.9 Se me perseguiram, culto a Deus.
também vos perseguirão. Se obedeceram 3 Cometerão essas atrocidades porque
à minha Palavra, igualmente obedecerão não conhecem o Pai, tampouco a mim.
à vossa orientação. 4 Entretanto, tudo isso vos tenho dito
21 Contudo, o mundo vos tratará mal para que, quando o momento chegar,
por causa do meu Nome, pois eles não vos lembreis de que Eu vos adverti. Não
conhecem Aquele que me enviou. vos disse isso desde o começo, porque Eu
22 Se Eu não tivesse vindo e falado ao estava convosco.
mundo, eles não seriam culpados. Mas,
agora, eles não têm qualquer desculpa A obra do Espírito Santo
pelos pecados que cometeram. 5 Agora, porém, Eu vou para junto da-
23 Aquele que me odeia, da mesma forma quele que me enviou, e nenhum de vós
odeia a meu Pai. me pergunta: ‘Para onde vais?’
24 Se Eu não tivesse realizado entre eles 6 Sei que, ao dizer-vos sobre o que
obras que ninguém jamais fez, eles não ocorrerá, o vosso coração foi tomado de
seriam culpados de pecado. Mas agora tristeza.
eles viram e presenciaram tudo, e mesmo 7 Todavia, Eu vos asseguro que é para o
assim odiaram a mim e a meu Pai. vosso bem que Eu parta. Se Eu não for, o
25 Mas isso aconteceu para se cumprir o Advogado não poderá vir para vós; mas
que está escrito na Lei deles: ‘odiaram- se Eu for, Eu o enviarei.
me sem razão’.10 8 Quando, então, Ele vier, convencerá2
26 Quando, porém, vier o Advogado que o mundo do seu pecado, da justiça e do
Eu enviarei para vós da parte do Pai, o juízo.
Espírito da verdade que provém do Pai, 9 Do pecado, porque a humanidade não
Ele testemunhará a meu respeito. crê em mim;
27 E vós, também, dareis testemunho, 10 da justiça, porque vou para o Pai e vós
pois estais comigo desde o princípio. não me vereis mais;3
11 e do juízo, porque o príncipe deste
Jesus prediz perseguições mundo já está condenado.4
9 Escravo ou servo (em grego douloi), como em 13.16. O mundo reagirá contra Cristo, seus discípulos e sua Igreja com ódio,
desconfiança, alienação, insensibilidade, perseguição, sordidez e crueldade.
10 O mundo já tinha a Palavra de Deus, mas não obedeceu a ela (Sl 35.19; 69.4).
Capítulo 16
1 “Vacileis na fé”, “vos escandalizeis”. O termo grego skandalon designava uma cilada e, mais amplamente, tudo o que faz
alguém cair ou vacilar em suas convicções. Na linguagem bíblica, tem a ver com colocar a fé em risco. O verbo grego skandalizõ
foi usado em 6.61 em relação à atitude de revolta dos habitantes de Cafarnaum com o discurso de Jesus.
2 O Espírito Santo vem como Advogado (em grego clássico e, depois, neotestamentário parakletos) para orientar e defender
os crentes; mas age como promotor, condenando os ímpios. O verbo grego elencho significa, no contexto, convencer de culpa,
expor, refutar ou condenar.
3 A ressurreição de Jesus é a evidência da sua retidão e vitória, da justiça de Deus (17.25) e da justificação dos crentes (Rm
4.25). A presença física de Jesus é substituída por sua presença através do Espírito Santo, nosso Advogado.
4 Manipulando os acusadores de Jesus, estava o príncipe deste mundo. A vinda do Espírito é o sinal de que, na Suprema Corte
de Justiça de Deus, todo o processo e julgamento resultaram favoráveis a Jesus Cristo, contra o mundo e o espírito que governa
a humanidade, cuja sentença é condenatória (12.31; 14.30).
dade vier, Ele vos guiará em toda a ver- então muito vos alegrareis; e mais, nin-
dade;5 porque não falará por si mesmo, guém tirará a vossa alegria.
mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos 23 E naquele dia não me pedireis6 mais
revelará tudo o que está por vir. nada. Pois Eu verdadeiramente vos asse-
14 O Espírito me glorificará, porque rece- guro que, tudo o que pedirdes ao Pai, Ele
berá do que é meu e vos anunciará. o concederá a vós, em meu Nome.
15 Tudo quanto o Pai tem, pertence a mim. 24 Até agora nada pedistes em meu No-
Por isso é que Eu disse que o Espírito me. Pedi e recebereis, para que a vossa
receberá do que é meu e o revelará a vós. felicidade seja completa.
5 Jesus é a personificação da verdade (14.6). O Espírito orienta os crentes a entenderem e obedecerem à Verdade (Jesus). O
Advogado revelará (em grego anangelei – anunciar tudo), aos povos de todas as culturas e gerações, os aspectos mais profun-
dos da mensagem do Messias.
6 Embora o verbo grego erotao signifique “fazer uma pergunta”, no NT ele é usado diversas vezes, como aqui, no sentido
de “pedir algo a alguém”. É o início de uma nova ordem, em que o crente ora diretamente a Deus, em Nome de Jesus, sob a
orientação do Espírito Santo (Mt 6.9; 7.7-11;Lc 11.2-13).
7 O Pai ama (em grego, philei – ter afeição, ser amigo) a todos que amam o Filho, assim como o Filho ama àqueles que amam
a seus discípulos (Mt 25.31ss).
8 “Cada um para sua casa” (em grego, eis ta idia), ou “para seu lado”. É o cumprimento da profecia registrada em Zc 13.7.
Neste mundo sofrereis tribulações;9 mas mundo, mas por aqueles que me deste,
tende fé e coragem! Eu venci o mundo.”. pois são teus.
10 Tudo o que tenho é teu, e tudo o que
Jesus clama ao Pai por sua hora tens é meu; e neles Eu Sou glorificado.
17 Tendo dito essas palavras aos seus
discípulos, Jesus levantou seus
olhos para o céu e orou: “Pai, é chegada
11 Agora, não ficarei muito mais no mun-
do, mas estes ainda estão no mundo, e Eu
vou para Ti. Pai santo, protege-os em Teu
a hora. Glorifica1 o teu Filho, para que o Nome,3 o Nome que me deste, para que
teu Filho te glorifique, sejam um, assim como somos um.
2 assim como lhe outorgaste autoridade 12 Enquanto Eu estava com eles, protegi-os
sobre toda a carne, para que conceda a e os defendi em teu Nome. E nenhum de-
vida eterna a todos os que lhe deste. les se perdeu, exceto o filho da perdição,4
3 E a vida eterna é esta: q
que te conheçam
ç para que se cumprisse a Escritura.
a Ti, o Único Deus verdadeiro, e a Jesus 13 Mas, agora, vou para Ti. Digo dessa
Cristo, a quem enviaste. forma, enquanto ainda estou no mundo,
4 Eu te glorifiquei na terra, finalizando a para que eles recebam a minha plena
obra que me entregaste para realizar. felicidade em seus corações.
5 E agora, Pai, glorifica-me junto a Ti, 14 Eu lhes tenho transmitido a tua Pala-
com a glória que Eu tinha contigo antes vra, e o mundo os odiou, porque eles não
que o mundo existisse. pertencem ao mundo, como Eu não sou
do mundo.
Jesus ora ao Pai pelos discípulos 15 Não oro para que os tires do mundo,
6 Eu revelei o teu Nome àqueles2 que do mas sim, para que os protejas do prínci-
mundo me deste. Eles eram teus; Tu os pe deste mundo.5
confiaste a mim, e eles têm obedecido à 16 Eles não são do mundo, como também
tua Palavra. Eu não sou.
7 Agora, eles entendem que tudo o que 17 Santifica-os pela tua verdade; a tua
me deste vem de Ti. Palavra é a verdade.
8 Pois Eu compartilhei com eles as pa- 18 Da mesma maneira como me enviaste
lavras que me deste, e eles as aceitaram. ao mundo, Eu os enviei6 ao mundo.
Eles reconheceram, de fato, que vim de 19 Em benefício deles Eu me consagro,7
Ti e creram que me enviaste. para que igualmente eles sejam consa-
9 Eu rogo por eles. Não estou orando pelo grados pela verdade.
9 “Tribulação”
ç ((em ggrego,
g thlipsis
p – aflição,
ç opressão,
p adversidades).) O cristão fiel está em Cristo e, pportanto, desfruta da mesma
paz que há em Jesus. É capaz de se alegrar em meio às provações (Rm 8.17; Fp 1.28) e de ter bom ânimo para vencer o mundo,
como Jesus venceu.
Capítulo 17
1 A temática dos discursos do cenáculo é concluída nesta “oração sacerdotal”, pois é neste momento que Jesus se consagra
para o sacrifício em que Ele é, simultaneamente, sacerdote e vítima. Jesus sabe que só o Pai pode glorificá-lo e a cruz será o
instrumento dessa glorificação.
2 Jesus é o revelador do Pai aos discípulos, um grupo escolhido de pessoas (em grego anthrôpo) que comprovaram serem de
Jesus, crendo e obedecendo à Palavra de Deus em Cristo.
3 No AT, o nome de Deus denota o seu caráter, poder e majestade (Sl 20.1; Sl 54.1; Pv 18.10). Deus guarda os seus, aqueles
nos quais o Pai colocou seu selo (Cristo, nosso Salvador e Advogado).
4 Sl 41.9-12; 109.4-13. “O filho da perdição ou destruição” era Judas Iscariotes; esse mesmo título será dado ao anticristo
(2Ts 2.3).
5 Todo o poder do mal, que ameaça a humanidade, é personalizado no “príncipe deste mundo” ou “maligno” (12.31; 14.30;
16.11; Mt 6.13; 13.19,38; 2Ts 3.3; Ef 6.16; 1Jo 2.13,14; 3.12; 5.18,19).
6 Jesus fala do futuro próximo (20.21). A graça eletiva de Deus não é dada de modo a fazer perder os “não eleitos”, mas com o
propósito de que, através dos eleitos, aqueles recebam a bênção salvadora de Deus em Cristo, assim como Abraão foi escolhido
para abençoar o mundo (Gn 12.2,3; Gl 3.6-9,14; Is 42.1; 53.11,12).
7 Para que os discípulos pudessem ser devidamente separados para o ministério, Jesus, o Justo, precisava sacrificar-se volun-
tariamente (Hb 10.1-14). Jesus é a perfeita revelação da verdade.
8 O amor e a unidade entre os discípulos por causa de Cristo, em torno da verdade, confirmariam publicamente o relaciona-
mento deles com Jesus e deste com o Pai, evangelizando o mundo (13.35; 1Jo 4.14).
9 Esta é uma das obras do Espírito Santo no crente (1Jo 4.13).
10 Os discípulos e a Igreja glorificada, unidos completamente a Cristo no futuro, contemplarão a glória do Senhor (At 7.55,66;
2Co 4.18; 1Co 13.12).
11 Tem a ver com proclamação e ensino da verdade (Sl 22.22; Hb 2.12).
Capítulo 18
1 “Quidrom” (Cedrom, em outras versões), é a exata expressão hebraica, cuja raiz significa “escuro”, da qual vem o nome de
uma comunidade árabe, chamada “Quedar”, por suas tendas negras (Ct 1.5).
2 Marcos (14.32) e Mateus (26.36) chamam este lugar de Getsêmani, “o lugar da prensa de azeite”, onde, durante a Semana
Santa (Páscoa), Jesus se encontrou com seus discípulos (Lc 21.37).
3 Um destacamento ou pelotão era composto, em geral, por 760 homens da infantaria e 260 da cavalaria para justificar a presença
de um oficial comandante (18.12; At 21.31). Os judeus esperavam resistência armada, por isso pediram ajuda aos romanos.
4 Jesus apresenta-se com seu nome divino egô eimi, o nome do Pai (Êx 3.13,14).
5 Embora a profecia sobre a dispersão dos discípulos (16.32) também estivesse sendo cumprida, João destaca a profecia
sobre a proteção espiritual que acompanhará seus discípulos para sempre (17.12).
cepando-lhe a orelha direita.6 E o nome Jesus sobre seus discípulos e sua doutrina.
daquele servo era Malco.7 20 Declarou-lhe Jesus: “Eu tenho falado
11 Então Jesus ordenou a Pedro: “Embai- francamente ao mundo; ensinei freqüen-
nha a tua espada! Acaso não haverei de temente nas sinagogas e no templo, onde
beber o cálice8 que o Pai me deu?”. todos os judeus se reúnem, e nada disse
em segredo.
Jesus diante das autoridades 21 Por que me interrogas? Pergunta àque-
12 Assim, o destacamento de soldados com les que me ouviram o que lhes falei; eles
o seu comandante e os guardas dos judeus bem sabem o que Eu disse.”.
prenderam Jesus e o amarraram. 22 Assim que Jesus disse isso, um dos
13 E o conduziram primeiramente a guardas que ali estavam bateu-lhe for-
Anás;9 pois era sogro de Caifás, sumo temente no rosto, com a palma da mão,
sacerdote naquele ano. dizendo: “Isso é maneira de responder ao
14 Ora, Caifás era quem havia sugerido sumo sacerdote?”
aos judeus ser conveniente morrer um 23 E Jesus respondeu ao guarda: “Se Eu
homem pelo povo. disse algo de mal, revela o mal. Mas se
disse a verdade por que me agrediste?”.
Pedro nega ser discípulo de Cristo 24 Sendo assim, Anás mandou Jesus,
Mt 26.69-75; Mc 14.66-72; Lc22.54-62 de mãos amarradas, a Caifás, o sumo
15 Simão Pedro e outro discípulo esta- sacerdote.
vam seguindo Jesus. Por ser conhecido
do sumo sacerdote,10 este discípulo en- Cristo é negado pela terceira vez
trou com Jesus no pátio da casa do sumo Mt 26.71-75; Mc 14.69-72; Lc 22.58-62
sacerdote. 25 Enquanto isso, Pedro estava em pé, se
16 Entretanto, Pedro teve de ficar esperan- aquecendo, quando alguém lhe pergun-
do do lado de fora da porta. O outro discí- tou: “Não és, tu também, um dos discí-
pulo, que era conhecido do sumo sacerdo- pulos dele?”. Pedro nega dizendo: “Não,
te, voltou, falou com a criada encarregada eu não sou!”.
da porta e levou Pedro para dentro. 26 Um dos criados do sumo sacerdote,
17 Então, a jovem criada, encarregada parente daquele a quem Pedro havia
da porta, perguntou a Pedro: “Não és, decepado a orelha, perguntou: “Não te vi
tu também, um dos discípulos deste no olival com Ele?”.
homem?” Pedro respondeu: “Eu não sou.”. 27 Mais uma vez Pedro negou, e naquele
18 Fazia frio, e os servos e os guardas es- exato momento, um galo cantou.
tavam ali; tendo acendido uma fogueira,
esquentavam-se. E Pedro estava em pé Jesus diante da corte de Pilatos
entre eles, aquecendo-se também. Mt 27.1,2; Mc 15.1; Lc 23.1
28Então os judeus levaram Jesus da casa
Jesus diante do sumo sacerdote de Caifás para o Pretório.11 E já estava
19 Então, o sumo sacerdote interrogou a amanhecendo. Mas eles não entraram
6 Lucas informa-nos que Jesus ainda curou Malco (Lc 22.49,50) e evitou que os demais discípulos puxassem suas espadas.
7 João tinha grande familiaridade com o sumo sacerdote e sua criadagem (18.16), por isso conhecia Malco.
8 Jesus estava convicto quanto a fazer a vontade do Pai e cumprir sua missão até às últimas conseqüências (Mt 26.37-39).
9 Anás tinha sido sumo sacerdote de 6 a 15 a.C, porém mesmo como ex-sumo sacerdote ostentava grande poder, além dos
seus cinco filhos também terem sido sacerdotes.
10 O sumo sacerdote aqui é o próprio Anás, que tinha esse título no sentido emérito (Lc 3.2). Quanto ao “outro”, parece ser
um discípulo de Jerusalém com algum parentesco com o sumo sacerdote; devido ao uso da palavra grega gnôstos (conhecido
íntimo, parente).
11 O Pretório era o quartel-general (quando em acampamento) do governador militar romano, ou, como neste caso, uma de
suas residências (18.33).
no Pretório, para evitar a contaminação Por esta causa Eu nasci e para isto vim
cerimonial,12 pois desejavam comer a ao mundo: para testemunhar da verdade.
Páscoa. Todos os que pertencem à verdade ouvem
29 Assim, Pilatos saiu para falar com a minha voz.”.
eles e perguntou-lhes: “Que acusação 38 Então Pilatos questionou a Jesus: “Que
trazeis contra este homem?”. é a verdade?”. E assim que disse isso, saiu
30 Responderam-lhe: “Se Ele não fosse de novo para onde estavam reunidos
um malfeitor, não o teríamos entregado os judeus, e disse-lhes: “Não encontrei
a ti.”. qualquer falta neste homem.
31 Entretanto, replicou-lhes Pilatos: “Le-
vai-o vós mesmos e julgai-o conforme Jesus no lugar de um bandido
a vossa Lei.” Ao que lhe contestaram os 39 Entretanto, sei que é tradição14, entre
judeus: “Mas nós não somos autorizados vós, que devo dar liberdade a um pri-
a matar ninguém.”. sioneiro por ocasião da Páscoa. Sendo
32 Isso ocorreu para que se cumprissem assim, quereis que eu vos liberte o Rei
as palavras que Jesus havia dito, reve- dos Judeus?”.
lando o tipo de morte que estava para 40 Então os judeus exclamaram outra
sofrer. vez, dizendo: “Não! Esse homem não,
33 Então Pilatos entrou novamente no mas sim Barrabás!”. Ora, Barrabás era
Pretório, chamou a Jesus e interrogou- um conhecido bandido.15
lhe: “És tu o rei dos judeus?”.13
34 Jesus lhe respondeu: “Essa questão Jesus é humilhado e espancado
é tua, ou outros te falaram a meu res-
peito?”.
35 Replicou-lhe Pilatos: “Porventura sou
19 Sendo assim, Pilatos tomou a Jesus
e o mandou flagelar.
2 Os soldados trançaram uma coroa de
judeu? A tua própria gente e os chefes espinhos e a puseram na cabeça de Jesus;
dos sacerdotes é que te entregaram a e ainda vestiram-no com uma capa de
mim. Que fizeste?”. púrpura.1
36 Ao que lhe afirmou Jesus: “Meu Reino 3 Aproximavam-se dele e diziam: “Salve,
não é deste mundo. Se fosse, os meus rei dos judeus!”. E esbofeteavam2 seu
servos lutariam para impedir que os rosto.
judeus me prendessem. Mas, agora, meu 4 Mais uma vez, Pilatos saiu e afirmou
Reino não é daqui.”. aos judeus: “Vede! Eu o trago à vossa
37 Contudo, Pilatos lhe inquiriu: “Então, presença, para saberdes que não encon-
tu és rei?”. Ao que lhe respondeu Jesus: tro neste homem motivo algum que o
“Tu dizes acertadamente que sou rei. possa condenar.”.
12 Os cordeiros pascais tinham de ser sacrificados no templo, à tarde do mesmo dia em que haviam nascido. Seriam comidos
pelas pessoas que se mantivessem cerimonialmente puras, logo após o pôr-do-sol. O contato com a presença de fermento na
casa de um gentio poderia excluir um judeu da Páscoa (Êx 12.19; 13.7). João contrasta esse zelo dos judeus com o que estão
fazendo ao Filho de Deus.
13 Com a morte de Herodes em 4 a.C., a Judéia viveu um clima político de anarquia, em que qualquer rebelde podia se autoprocla-
mar rei. Se Jesus fosse um rei desse tipo, teria havido uma batalha sangrenta, quando os soldados vieram prendê-lo no olival.
14 Uma passagem na Mishna (lei escrita dos judeus) indica que o cordeiro pascal podia ser sacrificado em favor de pessoas
que não teriam condições de comê-lo. A lista incluía um prisioneiro gentio.
15 “Bandido” ou “salteador” (em grego lestes, assaltante de estrada). O termo significa “um rebelde zelote”. O mesmo termo é
usado em Mc 15.27 e Mt 27.38 para identificar os dois homens crucificados com Jesus. Barrabás era líder de bandidos (em grego
archilestes) Mc 15.7; e muito conhecido (em grego episêmos) Mt 27.16.
Capítulo 19
1 Para ridicularizar a Jesus, os soldados o vestiram com uma capa do exército, à guisa de manto real. Teceram uma coroa de
ramos de tamareira, cujos espinhos causavam dores terríveis.
2 Os soldados se perfilavam e cada um, zombando, o agredia com um violento tapa no rosto (em grego rhapisma).
3 Pilatos percebe em Jesus o que os romanos chamavam de theios anêrr (homem com qualidades divinas) e tenta camuflar sua
insegurança com autoritarismo. Todo poder tem procedência divina (em grego anothen – de cima) Pv 8.15. O verbo “entregar”
(em grego paradidomi) foi usado para descrever o ato traidor de Judas, e agora, de Caifás, que recebera de Deus, privilégios e
responsabilidades de um sumo sacerdócio.
4 O tribunal era uma plataforma mais alta (em grego bêma) com uma cadeira vistosa em que o magistrado romano se sentava
quando exercia suas funções judiciais. Pilatos teria presidido todo o julgamento desse local, não fosse a insistência dos religiosos
judeus para não entrarem no Pretório a fim de evitarem a contaminação.
5 Próximo ao meio-dia. Na época, romanos, gregos e judeus, calculavam as horas a partir do nascer do sol. Parasceve (em
grego judaico, paraskevê) recebeu o significado de “véspera do sábado”; sexta-feira.
6 Pilatos conseguiu fazer os judeus mais religiosos exclamarem que não tinham outro rei, senão o imperador romano César.
Mas João enfatiza que coube ao próprio Pilatos proclamar para a História que Jesus é o Rei. Além disso, João vê um profundo
significado nas muitas coincidências ocorridas; por exemplo, na época e hora do julgamento, condenação e execução de Jesus.
Segundo a Mishna (lei codificada e escrita dos judeus), quando a Páscoa caía na véspera de um sábado, o holocausto da tarde
era realizado às 12h30 e oferecido às 13h30 (duas horas antes do tradicional); depois disso, era sacrificado o cordeiro pascal.
7 “Calvário” vem do latim calvaria e significa caveira, o uso desse termo procede da Vulgata. No original, a expressão é aramaica
gulgotta, mas em hebraico é gulgoleth. Os “pais da Igreja” viram, no ato de Isaque carregando a lenha para o holocausto (Gn 22.6),
o antítipo (tipo ou figura) de Jesus carregando sua cruz. Ao afirmar que o próprio Jesus carregou sua cruz, João não contradiz os
demais Evangelhos (Sinóticos), ao contrário, ele enfatiza que Jesus foi senhor da situação, o tempo todo. Embora conduzido para o
local da execução, Ele caminha com seus carrascos como quem está cumprindo uma missão e não como vítima relutante.
placa8 e pregá-la no alto da cruz, com os mãe, a irmã dela, Maria, mulher de Clo-
seguintes dizeres: pas, e Maria Madalena.
JESUS NAZARENO, 26 Quando Jesus, contudo, viu sua mãe
O REI DOS JUDEUS. e junto a ela o discípulo a quem Ele
20 Muitos dos judeus leram a placa de amava, disse à sua mãe: “Mulher, eis aí
Jesus, pois o lugar em que Ele foi cruci- teu filho!”.11
ficado ficava próximo da cidade, e a placa 27 Em seguida, disse Jesus ao seu discí-
estava escrita em aramaico, latim e grego. pulo: “Eis aí a tua mãe!”. E daquele mo-
21 Os chefes dos sacerdotes dos judeus mento em diante, o discípulo amado a
discordaram de Pilatos, dizendo: “Não recebeu como parte de sua família.12
escrevas: ‘O Rei dos Judeus’, mas sim que
esse homem se dizia rei dos judeus.”. Está tudo consumado
22 Todavia Pilatos lhes asseverou: “O que Mt 27.45-56; Mc 15.33-37; Lc 23.44-46
escrevi, escrevi.”.9 28 Mais tarde, sabendo Jesus que tudo já
23 Após haver crucificado Jesus, os solda- estava concluído, para que a Escritura se
dos tomaram-lhe as vestes e as dividiram cumprisse, disse: “Tenho sede!”13
em quatro partes, uma para cada um de- 29 Próximo havia um cântaro cheio de
les, sobrando a túnica. Esta, entretanto, vinagre; então embeberam uma esponja
era sem costura, tecida numa única peça, com vinagre, a colocaram na ponta de
de alto a baixo. uma vara de hissopo,14 e a ergueram até à
24 Comentaram, assim, uns com os ou- boca de Jesus.
tros: “Não convém rasgá-la, mas vamos 30 Então, assim que experimentou o
decidir, por sorteio, quem ficará com vinagre, exclamou Jesus: “Está consuma-
ela.”. Isso aconteceu para que se cumpris- do!”. E, inclinando a cabeça, entregou seu
se a Escritura ao declarar: “Dividiram as espírito.15
minhas vestes entre si, e tiraram sortes
pela minha túnica.”.10 Jesus foi traspassado
E assim procederam os soldados. 31 E, porque era o Dia da Preparação da
Páscoa, véspera de um Sábado especial-
A mãe e os amigos junto à cruz mente sagrado,16 os judeus não admitiam
25 Próximo à cruz de Jesus estavam sua que os corpos ficassem na cruz durante
8 Era costume escrever numa placa o crime do qual o condenado fora culpado e afixá-la sobre a cabeça ou prendê-la ao redor
do pescoço. “Placa” em latim é titulus. Pilatos pensou em uma frase que irritasse os sacerdotes judeus, e ordenou a confecção da
placa de Jesus nas principais línguas do mundo na época: o hebraico (ou aramaico), língua comum dos judeus da Palestina; o
latim, língua do poder militar romano; e o grego, língua de comunicação cultural entre as províncias orientais do Império Romano
e o restante do mundo.
9 João ressalta o caráter simbólico da inscrição na placa: é pela cruz que Jesus se torna o Rei Messiânico, e esse fato deve ser
anunciado ao mundo. Os sumo sacerdotes judeus não conseguiram compreender o que estava ocorrendo, e Pilatos transformou-
se em “profeta inconsciente” ao reafirmar majestosamente: “O que escrevi, escrevi” (o que disse, está dito para sempre).
10 (Sl 22.18). A túnica sem costura (em grego chitôn) tem sido interpretada de maneira alegórica, desde Josefo e Fílon, como
uma referência à unidade dos homens em Cristo. João admira-se da riqueza de acontecimentos relacionados ao que Jesus havia
predito e às profecias registradas nas Escrituras.
11 O vocativo grego gynaii usado por Jesus ao dirigir-se à sua mãe é de difícil tradução. Entretanto, como em 2.4, é claro o amor
e respeito de Jesus por sua mãe.
12 A tradição da Igreja indica que o “discípulo amado” foi João, o autor deste Evangelho; e que José, marido de Maria, já
havia morrido.
13 Jesus tinha consciência de que estava cumprindo mais uma profecia (Sl 69.21; Sl 22.15).
14 “Vara de hissopo”:
p pplanta de folhas aveludadas, qque crescem em varas com cerca de um metro, identificada com a manjedoura
j e
usada nas aspersões rituais (Lv 14.4; Sl 51.9). É mais um simbolismo litúrgico-pascal, que João faz questão de destacar (Êx 12.22).
15 Jesus “entregou” seu espírito, morrendo voluntariamente (10.18). Não como apenas mais um mártir da História, mas como
sacrifício aceitável a Deus (Is 53.10).
16 Era a coincidência do sábado da semana com o dia da Páscoa, que ainda ocorre no calendário judaico, de tempos em
tempos. Segundo a Lei dos judeus, um corpo não poderia ficar exposto em um poste depois do pôr-do-sol (Dt 21.22ss).
o sábado. Pediram, então, a Pilatos que Jesus. E Pilatos concedeu a ele permissão.
mandasse quebrar as pernas dos crucifi- Então José de Arimatéia veio e retirou o
cados e retirar seus corpos. corpo de Jesus.
32 Sendo assim, vieram os soldados e 39 Nicodemos, aquele que havia dialo-
quebraram as pernas do primeiro e em gado com Jesus durante a noite, veio
seguida do outro homem que com Jesus também, trazendo cerca de cem libras21
haviam sido crucificados. de uma mistura de mirra e aloés.
33 Mas quando se aproximaram de Jesus 40 Assim, pegaram o corpo de Jesus e o
e viram que Ele já estava morto, não lhe envolveram em faixas de linho, juntando
quebraram as pernas. as especiarias, conforme a tradição ju-
34 Contudo, um dos soldados perfurou o daica22 de sepultamento.
lado de Jesus com uma lança, e imediata- 41 No lugar onde Jesus fora crucificado,
mente brotou sangue e água.17 havia um jardim, e no jardim, um sepul-
35 E aquele que a isso presenciou, disso cro novo, onde ninguém jamais havia
deu seu testemunho; e o seu depoimento sido colocado.
é verdadeiro. Pois ele está consciente de 42 E assim, sepultaram Jesus ali, por ser o
que está relatando a verdade para que Dia da Preparação dos judeus, e conside-
também vós creiais.18 rando que o sepulcro ficava próximo.23
36 E todas essas coisas ocorreram para
que se cumprisse a Escritura: “Nenhum Jesus não está no sepulcro
dos seus ossos será quebrado.”19 Mt 28.1-10; Mc 16.1-8; Lc 24.1-12
37 E mais ainda, como diz a Escritura em
outra passagem: “Olharão para Aquele a
quem traspassaram.”.20
20 Ao amanhecer o primeiro dia
da semana,1 estando ainda meio
escuro, Maria Madalena foi ao sepulcro
e viu que a pedra que fechava a entrada
Jesus é sepultado havia sido removida.
Mt 27.57-60; Mc 15.42-46; Lc 23.50-54 2 Então saiu correndo em busca de Si-
38 Algum tempo mais tarde, José de Ari- mão Pedro e do outro discípulo, a quem
matéia, que era um discípulo de Jesus, Jesus amava, e disse-lhes: “Eles tiraram o
ainda que secretamente, por causa do Senhor do sepulcro, e não sabemos onde
medo que tinha dos judeus, rogou a Pi- o colocaram!”.
latos que lhe permitisse tirar o corpo de 3 Imediatamente Pedro saiu em direção
17 Essa é uma das evidências da completa humanidade de Jesus e que, simbolicamente, aponta para a água batismal e o
vinho-sangue da Ceia (1Jo 1.7; 5.6-8).
18 Conforme a tradição judaica, João poderia ter considerado o aval de uma segunda testemunha, para reconhecer a total
veracidade dos fatos narrados. É possível que Tiago, irmão de João, martirizado por Herodes Agripa em 44 a.D. (At 12.2), tenha
sido co-autor desse testemunho.
19 Êx 12.46; Nm 9.12; Sl 34.20.
20 Assim como percebe o cumprimento de uma profecia no fato de as pernas de Jesus não terem sido quebradas, João cita o texto
profético de Zc 12.10, ao ver os soldados perfurarem o lado de Jesus. Leia Zc 9 a 14 e note a alternância dos pronomes “eu” e “ele”.
21 Ou cerca de 34 quilos. A libra (em grego litra) equivale a pouco mais de 300 gramas. Tanto José de Arimatéia como Nicode-
mos eram ricos, fariseus e membros do supremo tribunal dos judeus.
22 Os romanos só entregavam o corpo de um executado aos parentes mais próximos, entretanto, jamais quando a condenação
fosse por sedição, como no caso de Jesus. Por outro lado, mesmo que essas especiarias não fossem tão caras quanto o “nardo
puro” usado por Maria de Betânia (12.3-5), uma quantidade tão grande só era vista em sepultamentos da realeza.
23 O tempo urgia, foi preciso fazer o sepultamento de Jesus muito rápido, pois o pôr-do-sol daria início ao sábado. Constantino
descobriu esse túmulo em 325 a.D. e o chamou de “edícula”, que significa “caverna”.
Capítulo 20
1 O domingo, “dia do Senhor” (Ap 1.10), pois Cristo ressuscitou nesse dia (At 20.7; 1Co 16.1,2). Maria Madalena ou Magdala,
por ser dessa cidade, localizada no lado ocidental do lago da Galiléia; mulher de posses, tornou-se uma discípula líder desde que
foi salva por Jesus (Lc 8.2; 23.49,55; 24.10).
ao sepulcro, acompanhado pelo outro “Porque levaram o meu Senhor, e não sei
discípulo. onde o colocaram.”.
4 Ambos corriam juntos, entretanto, o 14 Assim que disse isso, olhou para trás
outro discípulo correu mais do que Pe- e viu Jesus em pé, mas não reconheceu
dro e chegou primeiro ao sepulcro. que era Ele.
5 E inclinando-se, viu as faixas de linho 15 E Jesus perguntou-lhe: “Mulher,5 por
ali, mas não entrou. que estás chorando? A quem procuras?”.
6 Em seguida, chegou Simão Pedro, Maria, imaginando que fosse o jardinei-
que vinha logo atrás dele. Pedro entrou ro, rogou-lhe: “Se tu o tiraste daqui, dize-
no sepulcro e também viu as faixas de me onde o colocaste, e eu o levarei.”.
linho, 16 Então Jesus a chamou: “Mariâm!”
7 bem como o lenço2 que estivera em Ela, voltando-se, exclamou também em
volta da cabeça de Jesus, e que não estava aramaico: “Rabôni!” (que quer dizer
com as faixas de linho, mas dobrado à Mestre).6
parte. 17 Recomendou-lhe Jesus: “Não me segu-
8 Então o outro discípulo, que chegara res, pois ainda não voltei para o Pai. Mas
primeiro ao sepulcro, também entrou. vai, e ao encontrar meus irmãos, dize-lhes
Este viu e creu. assim: ‘estou ascendendo ao meu Pai e
9 Contudo, eles ainda não haviam en- vosso Pai, para meu Deus e vosso Deus’.”.
tendido que, de acordo com a Escritura,3 18 E assim foi Maria Madalena e anunciou
era necessário que Jesus ressuscitasse dos aos discípulos: “Eu vi o Senhor!”. E con-
mortos. tou-lhes tudo o que o Senhor lhe dissera.
10 E assim foram os discípulos outra vez
para suas casas.4 Cristo abençoa com seu Espírito
Lc 24.36-49
Jesus ressuscitou e vive! 19 Então, ao entardecer daquele dia,
11 Por outro lado, Maria continuava do o primeiro da semana, os discípulos
lado de fora do sepulcro, chorando. En- estavam reunidos a portas trancadas,
quanto chorava, inclinou-se, para olhar por medo das autoridades judaicas.
dentro do sepulcro, Jesus apareceu, pôs-se no meio deles e
12 e viu dois anjos vestidos de branco, disse: “A paz seja convosco!”.7
sentados onde estivera o corpo de Jesus, 20 Enquanto falava aos discípulos, mos-
um à cabeceira e outro aos pés. trou-lhes as mãos e o lado. Então os dis-
13 Então os anjos perguntaram: “Mulher, cípulos ficaram muito alegres ao verem
por que choras?”. Ela lhes respondeu: o Senhor.
2 A palavra grega traduzida por “lenço” (soudarion) é um estrangeirismo procedente do latim (sudarium) e identifica uma peça
de pano usada para enxugar o suor (Lc 19.20; At 19.12) do rosto e envolver a cabeça dos mortos, como ocorreu com Lázaro
(11.44).
3 A Escritura (em grego, graphê).
4 “Para casa” (em grego, pros autous – “para eles”), praticamente sinônimo de eis ta idia (19.27).
5 “Mulher” (em grego gynai, vocativo de gynê) era uma forma gentil e respeitosa de se dirigir a uma jovem senhora; algo como
“cara senhora” ou “madame”.
6 Maria (em aramaico Mariâm). Ela o saúda em aramaico (Rabônii – Mestre), uma forma mais enfática e honrosa do que o
tradicional “rabino”. O mesmo título dado por Bartimeu a Jesus em Mc 10.51. A atitude de Maria em cuidar, logo ao alvorecer,
para que o corpo de Jesus recebesse um lugar digno de descanso, mostra que ela era uma mulher de iniciativa e posses (como
sugere Lc 8.2s); ela estava disposta a pagar pelo trabalho e outras despesas necessárias.
7 “A paz seja convosco” (em hebraico, Shâlôm âleikhem; e em árabe, Salaam ‘alaikum). Uma saudação comum entre amigos,
mas que agora fazia todo o sentido, e fez que os discípulos recordassem as promessas de Jesus (14.27; 16.22; Lc 24.36ss). O
novo corpo de Jesus lhe permitia atravessar a matéria sem ser um fantasma. Jesus preocupou-se em demonstrar aos discípulos
que eles não estavam sofrendo uma alucinação coletiva.
21 E Jesus lhes disse mais uma vez: “A Creia em Jesus, o Filho de Deus
paz seja convosco! Assim como o Pai 30 Verdadeiramente Jesus realizou, na
me enviou, Eu também vos envio.”. presença dos seus discípulos, muitos
22 E, tendo dito isso, soprou sobre eles e outros milagres, que não estão escritos
disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo. neste livro.
23 Aqueles a quem perdoardes os pecados 31 Estes, entretanto, foram escritos para
ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais que possais acreditar que Jesus é o Cris-
mantiverdes ser-lhes-ão mantidos.”.8 to, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em Seu Nome.10
Felizes os que não viram e creram
24 Contudo, Tomé, um dos doze, chama- Jesus aparece na praia e ensina
do Dídimo, não estava com eles quando
Jesus apareceu.
25 Os outros discípulos, no entanto,
21 Algum tempo depois, Jesus apa-
receu de novo aos seus discípulos,
à margem do mar de Tiberíades.1
anunciaram-lhe: “Nós vimos o Senhor!”. 2 Simão Pedro, Tomé, chamado Dídimo,
Mas ele respondeu-lhes: “Se eu não vir as Natanael, que era de Caná da Galiléia, os
marcas dos pregos nas suas mãos, não filhos de Zebedeu e mais dois dos seus
colocar o meu dedo onde estavam os pre- discípulos, estavam juntos.
gos e não puser a minha mão no seu lado, 3 Simão Pedro disse-lhes: “Vou pescar.”. E
não acreditarei.”. eles o encorajaram: “Nós vamos contigo
26 Após oito dias, os discípulos estavam também.”. Saíram, e logo entraram no
reunidos ali outra vez, e Tomé estava barco, mas naquela noite nada pegaram.
com eles. As portas estavam trancadas; 4 Entretanto, ao clarear da manhã, estava
quando Jesus apareceu, pôs-se no meio Jesus na praia; mas os discípulos não
deles e disse: “A paz seja convosco!”. perceberam que era Ele.
27 Então dirigiu-se a Tomé, dizendo: 5 E Jesus lhes perguntou: “Moços!2 tendes
“Coloca o teu dedo aqui; vê as minhas aí alguma coisa para comer?”. E eles lhe
mãos. Estende tua mão e coloca-a no responderam: “Não!”.
meu lado. Agora não sejas um incrédulo, 6 Então Jesus orientou-os: “Lançai a rede
mas crente.”. do lado direito do barco e encontrareis.”.
28 E Tomé confessou a Jesus: “Meu Assim eles o fizeram, e logo não con-
Senhor e meu Deus!”.9 seguiam recolher a rede, por causa da
29 Ao que Jesus lhe afirmou: “Tomé, por- abundância de peixes.
que me viste, acreditaste? Bem-aventu- 7 Diante disso, o discípulo
p a quem
q Jesus
rados os que não viram e creram!”. amava disse a Pedro: “É o Senhor!”. Assim
8 João usa o verbo grego apostellõ, indicando que os discípulos, agora, são efetivamente apóstolos, no sentido de “enviados”
(17.18). A missão do Filho é confiada a eles, pois Jesus está retornando ao Pai. A plenitude do Espírito de Cristo para o desem-
penho da missão agora é entregue a eles através do “sopro” (em grego, emphysaô) de Jesus. É o mesmo verbo usado quando
Deus soprou o fôlego da vida no homem (Gn 2.7) e também na ordem dada ao Espírito (em grego, pneuma) em Ez 37.9. Essa não
foi uma antecipação do Pentecostes (At 2.1-21), mas uma dádiva real do Espírito Santo com o objetivo de capacitar os discípulos,
para o ministério a seguir. Quanto aos pecados, estes serão mantidos (ou retidos), se as pessoas que ouvirem a proclamação do
Evangelho não se arrependerem e não receberem o Espírito Santo.
9 Expressão de convicção absoluta. O Homem da Palavra era Deus! O mesmo clímax de Mc 15.39.
10 João foi testemunha ocular da vida e obra de Jesus de Nazaré, o Cristo (o Messias), Filho de Deus. A paixão e missão de
João foi ver o mundo compreendendo essa verdade e vivendo, com fé em Jesus, pelo poder do Espírito Santo, nosso Advogado
(3.36; 14.15-21).
Capítulo 21
1 Somente neste Evangelho, o lago conhecido como mar da Galiléia é chamado de Tiberíades. João entregou este epílogo à
Igreja como seu magnum opus.
2 “Moços” (em grego, paidia), uma expressão coloquial de companheirismo, assim como “filhos”, “jovens” ou “rapazes”.
que Simão Pedro ouviu que era o Senhor, 16 Outra vez Jesus lhe perguntou: “Simão,
vestiu sua túnica,3 pois a havia tirado, e filho de João, tu me amas?”. Ele afirmou:
lançou-se ao mar. “Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo.”
8 Mas os outros discípulos vieram no Jesus lhe confiou: “Pastoreia as minhas
pequeno barco, arrastando a rede com os ovelhas.”.
peixes; pois não estavam longe da praia, 17 Pela terceira vez Jesus perguntou: “Si-
senão uns duzentos côvados.4 mão, filho de João, tu me amas?”. Pedro
9 Então, assim que saltaram em terra vi- ficou angustiado por Jesus haver-lhe per-
ram ali uma fogueira, peixe sobre brasas, guntado pela terceira vez “tu me amas”,
e um pouco de pão. e assegurou-lhe: “Senhor, Tu conheces
10 E Jesus lhes pediu: “Trazei alguns dos todas as coisas e sabes que eu Te amo!”.
peixes que acabastes de pegar.”. Comissionou-o Jesus: “Apascenta as mi-
11 Simão Pedro entrou no barco e arras- nhas ovelhas.
tou a rede para a terra. Ela estava cheia, 18 Em verdade, em verdade Eu te afirmo:
com cento e cinqüenta e três grandes quando eras mais jovem, tu te vestias a
peixes. E mesmo com tantos peixes, a ti mesmo e ias para onde desejavas; mas
rede não se rompeu. quando chegares à velhice, estenderás as
12 Então Jesus os convidou: “Vinde e tomai mãos e outra pessoa te vestirá e te condu-
vosso desjejum.”.5 E nenhum dos discípu- zirá para onde tu não queres ir.”.
los tinha coragem de indagar-lhe: “Quem 19 Isso falou Jesus, significando o tipo de
és tu?”, pois sabiam que era o Senhor. morte7 com a qual Pedro iria glorificar a
13 Jesus aproximou-se, pegou o pão e o deu Deus. E assim que terminou de proferir
a eles, tomou um peixe e fez o mesmo. essas palavras, acrescentou: “Segue-me!”.
14 E essa foi a terceira vez que Jesus apa-
receu aos seus discípulos, depois de haver O discípulo amado e este livro
ressuscitado dos mortos. 20 Pedro voltou-se e viu que o discípulo
a quem Jesus amava os acompanhava.
Pedro é restaurado por Jesus (Este era o que estivera ao lado de Jesus
15 Assim, após tomarem o desjejum, durante a ceia e perguntara: “Senhor,
Jesus questionou a Simão Pedro: “Simão, quem te irá trair?”).
filho de João, tu me amas mais do que 21 Assim que Pedro o viu, perguntou a
estes outros?”6 Respondeu ele: “Sim, Jesus: “Senhor, mas quanto a este ho-
Senhor, Tu sabes que te amo.” Jesus o mem?”.8
encarregou: “Cuida dos meus cordeiros.”. 22 Então Jesus lhe respondeu: “Se Eu de-
3 Pedro havia tirado sua capa externa; uma espécie de casaco de linho, típico dos pescadores da região naquele tempo, usado
por cima das vestes internas.
4 O côvado era uma medida linear equivalente a 45 cm. Portanto, o barco estava a menos de 100 metros da praia.
5 A palavra grega ariston (desjejum) indica que os discípulos ainda não haviam tomado uma refeição. Jesus alimenta seus
discípulos da mesma maneira como alimentara a multidão à beira desse lago (6.8-10). Diz a tradição que as letras da palavra
grega ICHTHYS (peixe) eram consideradas um acróstico para a expressão Iesous CHristos Theou HYos Sõter, “Jesus Cristo, de
Deus o Filho, Salvador”.
6 A pergunta de Jesus é reflexiva: “Tu me amas mais do que estes outros me amam?” A resposta lógica seria “não”, pois como
Pedro poderia saber o quanto os outros discípulos amavam a Jesus? Entretanto, Pedro havia pensado, no cenáculo, diante da
perplexidade dos demais, que amava a Jesus mais do que todos, e havia assegurado que daria a própria vida por Jesus. Mas
depois se acovardou; e ressentia-se profundamente disso. Jesus o perdoa, ensina-o a ser um “subpastor” por amor ao Supremo
Pastor e ao rebanho (Igreja) de Cristo (1Pe 2.23; 5.2-4) e o reconduz ao ministério.
7 Pedro seguiria Jesus até na maneira como glorificaria o Pai (12.33). De fato, Clemente de Roma (96 d.C.) afirma que Pedro foi
martirizado. Tertuliano (212 a.D.) acrescenta que, quando Pedro estava para ser amarrado na cruz, fora vestido por outra pessoa;
e Eusébio escreve que Pedro insistira em que não era digno de ser crucificado do mesmo modo que Jesus e pedira que o fosse
de cabeça para baixo. Enfim, Pedro conseguiu cumprir sua atestação em 13.37.
8 Agora, espiritualmente restaurado e com uma nova missão, Pedro olha para trás e preocupa-se com o futuro do seu amigo.
sejar que ele fique vivo até que Eu volte,9 24 Este é o discípulo que testemunha a
o que te importa? Entretanto, quanto a respeito desses acontecimentos e que os
ti, segue-me!”. escreveu; e sabemos que o seu testemu-
23 Por esse motivo, tornou-se conhecido nho é conforme a verdade.11
entre os irmãos o rumor de que aquele 25 Jesus realizou ainda muitas outras
discípulo não passaria pela morte. Ora, maravilhas. Se todas elas fossem escri-
Jesus não disse que ele não morreria, mas tas uma por uma, acredito eu que nem
sim: “Se Eu desejar que ele fique vivo até mesmo o mundo inteiro seria capaz de
que Eu volte, o que te importa?”.10 conter os livros que se escreveriam.12
9 Jesus não prometeu que João permaneceria com vida até sua “volta” (em grego, parousia – a Segunda Vinda); mas sim,
que se essa fosse a sua vontade, ou se Ele prolongasse os anos de vida de João na terra, isso não deveria ser do conhecimento
de João, muito menos de Pedro. Por sua vez, Jesus ensinou os discípulos e a Igreja a se prepararem para a parousia, que pode
ocorrer a qualquer momento (1Ts 4.13-18; 1Jo 3.3).
10 Por volta de 95 d.C., João foi exilado pelo imperador Domiciano na Ilha de Patmos, onde escreveu o livro de Apocalipse (Ap
1.9). Morreu em idade avançada e foi sepultado em Éfeso.
11 A comunidade que recebeu o escrito testemunha e afiança a vida e a obra do autor deste Evangelho: João, o discípulo a
quem Jesus amava.
12 A intenção do evangelista é levar seus leitores para muito além das letras e dos registros históricos, a fim de que
reconheçam em Jesus o Verbo (Palavra) de Deus, feito pessoa humana, para a salvação eterna de todo aquele que nele crer
(1.14; 3.16; Ap 12.10).
Propósitos
Os grandes historiadores da Antigüidade tinham o hábito de iniciar o segundo volume de suas
obras com uma sinopse da primeira e, logo em seguida, uma visão geral sobre o conteúdo abordado
na segunda. Lucas, portanto, resumiu em At 1.1-3 seu primeiro livro; o tema do segundo é apre-
sentado por meio de uma citação do próprio Senhor Jesus: “...recebereis poder quando o Espírito
Santo descer sobre vós, e sereis minhas testemunhas, tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia
e Samaria, e até os confins da terra!” (At 1.8).
O livro histórico de Atos dos Apóstolos nos permite acesso ao melhor e mais eloqüente registro
sobre a expansão da Igreja de Jesus Cristo e da religião cristã, desde o dia da descida do Espírito
Santo, no dia de Pentecoste (o qüinquagésimo dia após o sábado da semana da Páscoa, portanto
o primeiro dia da semana – Lv 23.15,16). A tradicional celebração judaica chamada “Festa das Se-
manas”, ou “Festa dos Primeiros Frutos”, é também conhecida como “Pentecostes” (Dt 16.10; Êx
23.16). O livro narra a saga da Igreja até a chegada de Paulo à capital do mundo da época: Roma.
Neste sentido, Atos é um longo documentário sobre as obras que Jesus Cristo, o Messias e Filho de
Deus, começou a realizar na Terra e, mais tarde, continuou através do Seu Espírito, agindo na vida
dos seus discípulos em todas as partes do mundo.
O mesmo Espírito Santo, que habitou a vida de Lucas, Paulo, Pedro, Estevão e todos os demais
servos do Senhor, habita o ser de cada crente sincero em nossos dias, e assim será até a volta glo-
riosa de Jesus, o Rei dos reis (1Tm 6.14,15).
Paulo em Roma, como o grande e terrível incêndio da capital do Império Romano e a conseqüente
perseguição aos cristãos (64 d.C.), o martírio de Pedro; e logo em seguida da prisão de Paulo, por
volta de 67 d.C., a profanação e destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., profetizada por Jesus Cristo
quase 40 anos antes do ocorrido (Mt 24.2).
1 Lucas narrou seu Evangelho e o livro de Atos sob os auspícios de Teófilo. A ascensão de Jesus ocorreu 40 dias após a
ressurreição. Jesus viveu e pregou sob a direção do Espírito Santo do Pai (Jo 14.10). As declarações posteriores esclarecem que
as realizações dos apóstolos foram, igualmente, orientadas pelo Espírito Santo (vv. 4,5,8; Lc 24.49; Jo 20.22), cuja obra e o poder
de capacitar os cristãos fiéis, ainda hoje, são especialmente focalizados por Lucas (v. 8; Lc 2.4,17; 4.8,31; 5.3; 6.3,5; 7.55; 8.16;
9.17,31; 10.44; 13.2,4; 15.28; 16.6; 19.2,6).
2 As provas da vida e obra de Jesus, o Cristo, são indiscutíveis, pois não são especulativas ou teóricas, mas históricas e auten-
ticadas. Sem a realidade da morte e da ressurreição de Jesus não há cristianismo. O Reino de Deus não se refere apenas a um
lugar ou território, mas à soberania de Cristo (8.12; 28.23,31).
3 O sentido da palavra grega transliterada sunalizomenos tem a ver com uma expressão clássica do idioma, que significa:
“reunir-se”; que pode ser derivada de “als”, dando origem a expressão “comer sal” ou “cear em grupo”. A vinda do Espírito Santo
foi uma promessa de Deus (Jl 2.28-32; Jo 7.39; 14.16,26; 15.26,27; 16.12,13).
4 Enquanto o batismo de João (“com” ou “em” água) selava o arrependimento e preparava o coração das pessoas
(especialmente dos judeus) para receberem Jesus e Seu Reino, o batismo com (ou em) o Espírito Santo, que aconteceu dez dias
mais tarde, no Dia de Pentecostes (2.1-4), sela o crente de todas as raças e nações, no Corpo de Cristo, que é o sentido amplo
de Igreja (1Co 12.13; Gl 3.27,28).
5 Essa passagem é uma espécie do esboço geral do livro de Atos: Jerusalém é evangelizada (1.12 – 7.60). Toda a Judéia e Sa-
maria ouvem as Boas Novas (8.1-40). E o Evangelho avança sem parar por terras gentias até Roma (9.1 – 28.31). E até os “confins
da terra”; chegando ao Novo Mundo (Américas) e a todas as partes do planeta, como acontece em nossos dias.
6 Todos os apóstolos eram galileus (menos Judas Iscariotes, que já estava morto). Os anjos (homens vestidos de branco, como
em Lc 24.4) afirmaram que Jesus voltará da mesma forma pela qual subiu ao céu: com um corpo ressurreto e em meio às nuvens
de glória (em hebraico: shekinah – a Presença de Deus – Êx 13.22; Dn 7.13; Mc 14.62; Mt 24.30).
vindo do monte chamado das Oliveiras, língua deles, essas terras passaram a se
que fica próximo a Jerusalém, à distância chamar Aceldama, que significa: Cam-
de cerca de um quilômetro.7 po de Sangue.10
13 Assim que chegaram, subiram a um 20 “Porquanto”, continuou Pedro, “está
grande aposento onde se hospedavam. escrito no Livro de Salmos:11 ‘Fique
Estavam presentes: Pedro e João, Tiago deserto o seu lugar, e não haja ninguém
e André, Felipe e Tomé, Bartolomeu e que nele habite’; e ainda: ‘Que outro
Mateus; Tiago, filho de Alfeu, Simão, o ocupe o seu lugar’”.
Zelote, e Judas, filho de Tiago.8 21 Sendo assim, é preciso que escolha-
14 Todos estes, perseveravam unânimes mos um dos homens que estiveram
em oração, juntamente com as mulhe- conosco durante todo o tempo em que
res, com Maria, mãe de Jesus, e com os o Senhor Jesus viveu entre nós,
irmãos dele.9 22 desde o batismo de João até o dia
15 Naqueles dias, sendo o número de em que Jesus foi elevado dentre nós ao
pessoas ali reunidas cerca de cento e céu. É fundamental que um deles seja
vinte, Pedro se levantou no meio dos conosco testemunha de sua ressurrei-
irmãos e declarou: ção.12
16 “Irmãos, era necessário que se cum- 23 Então, propuseram dois nomes: José,
prisse a Escritura que o Espírito Santo chamado Barsabás, também conhecido
predisse por meio da boca de Davi, como Justo, e Matias.13
acerca de Judas, que serviu de guia aos 24 E, orando, afirmaram: “Tu, Senhor,
que prenderam Jesus. que conheces o coração de todas as
17 Ele foi contado como um dos nossos pessoas, mostra-nos qual destes dois
e teve parte neste ministério”. homens tens escolhido
18 Com o pagamento que recebeu pelo 25 para assumir a vaga neste ministério
seu pecado, Judas comprou um campo. e apostolado, do qual Judas se desviou,
Ali caiu de cabeça, seu corpo partiu-se indo para o lugar que lhe era devido”.
ao meio, e as suas vísceras todas se der- 26 Em seguida, lançaram sortes quan-
ramaram. to a eles e a sorte caiu sobre Matias;
19 Todos em Jerusalém ficaram sabendo assim, ele foi acrescentado aos onze
desse fato; de maneira que, na própria apóstolos.
7 O jardim das Oliveiras (Olival) era, literalmente, a maior distância de caminhada permitida num sábado, conforme os preceitos
rabínicos (Êx 16.29; Nm 35.5; Js 3.4). Local da terrível agonia de Jesus (Lc 22.39); é o mesmo da grande exaltação, do triunfo
sobre a morte e do Glorioso Retorno do Senhor (Zc 14.4).
8 No segundo andar de uma grande casa que pertencia à mãe de Marcos (12.12), e onde se refugiaram temporariamente os
Onze com suas esposas (1Co 9.5) e outros discípulos e discípulas (Mt 27.55; Lc 8.2,3; 24.22), havia uma grande sala (cenáculo),
na qual Jesus celebrou a última Ceia com seus amados apóstolos (Mc 14.15).
9 Esta é a última vez que Maria, a mãe do Senhor, é mencionada nas Escrituras. Mulher virtuosa, humilde, sofrida, mas cheia
de graça (Lc 1.26-38,42); guardou tudo em seu coração e preferiu a discrição absoluta em perseverante oração com os demais
discípulos, até o fim. A conversão de Tiago, irmão de Jesus e autor da epístola, que traz seu nome e faz parte do cânon do NT,
é relatada em 1Co 15.7.
10 Esse é um momento histórico-cultural interessante. O aramaico (língua falada pelos jovens judeus) já havia substituído o
tradicional hebraico na Palestina daquela época.
11 Pedro recorre a duas passagens das Escrituras (Sl 69.25 e Sl 109.8) para explicar que Judas havia deixado uma vaga no
grupo apostólico que precisava ser preenchida. Pedro usa a palavra “episcopado”, que, em grego, descreve a função pastoral.
12 A qualificação humana para o apostolado era ter conhecimento íntimo da vida terrestre de Jesus Cristo e ser testemunha
ocular de Sua ressurreição. A qualidade divina era ser escolhido pelo Espírito de Deus. Aqui, conforme a tradição judaica, se
deu por meio de sorteio (1Cr 26.13-16; Ne 11.1; Pv 16.33; Jn 1.7). Entretanto, essa é a última vez que o lançamento de sortes é
mencionado na Bíblia.
13 Barsabás significa, em hebraico, “filho do Sábado”, e era irmão de Judas, profeta judeu-cristão da igreja primitiva em Jeru-
salém e que foi enviado a Antioquia juntamente com Silas (15.22,32). O nome grego (helenístico) de José era “Justo”. Quanto a
Matias, seu nome é uma contração do nome hebraico Matatias, o macabeu.
1 O qüinquagésimo dia após o sábado da semana da Páscoa, e, portanto, domingo, era considerado o Dia de Pentecoste (Lv
23.15,16). Pentecostes é o nome que se dava à Festa das Semanas, também chamada Festa da Colheita ou, ainda, Festa dos
Primeiros Frutos (Dt 16.10). Nessa passagem, apóstolos e discípulos estavam no Templo, também chamado de “a Casa” (7.47),
pois é sabido que os apóstolos reuniam-se constantemente no Templo, orando, ministrando e louvando ao Senhor (Lc 24.53).
2 O vento impetuoso e estrepitante é símbolo do Espírito de Deus: poderoso, soberano e absolutamente livre (Ez 37.9,14; Jo 3.8).
A expressão “línguas” é uma metáfora usada para explicar aquela situação inusitada, chamada de experiência extática, ou seja, de
grande êxtase. Haja vista, que por milagre, uma multidão de pessoas, de nações, culturas e línguas totalmente diferentes umas das
outras, puderam ouvir a Palavra de Deus, em sua própria língua materna, por meio da pregação dos apóstolos. O “fogo” é um outro
símbolo metafórico da presença divina (Êx 3.2), também freqüentemente associado ao Juízo (Mt 3.2; Lc 3.16 e 1Ts 5.19).
3 A Igreja de Cristo estava em formação. Unida e esperançosa quanto à volta do Senhor, passou pelo batismo do Espírito,
conforme a promessa de Jesus (1.5), e dedicou-se à oração, comunhão e evangelização segundo as Escrituras. O Pentecostes
significa para a Igreja: 1) A presença e ação do Espírito Santo habitando (tabernaculando) a alma do crente (Jo 14.17), e não
apenas influenciando os aspectos religiosos e exteriores (Jz 6.34; 15.14; Ez 36.26); 2) O Espírito passa a ter presença contínua
ao invés de eventual como foi no AT; 3) O Espírito veio para habitar toda a Igreja, não apenas alguns indivíduos especialmente
selecionados para determinadas obras e ministérios como no AT (1Co 3.16; 12.12,13); 4) Ter coragem para confrontar esse
mundo caído, com amor e sem medo (v.14); ganhar almas para o Reino de Cristo (v.41) e operar milagres, sinais e maravilhas,
de acordo com a vontade e instrução do Espírito (v.43). Sendo assim, há apenas um batismo da Igreja (o Corpo vivo de Cristo)
e de cada indivíduo, membro da Igreja; mas repetidas plenitudes para a adoração, o serviço cristão (Ef 5.18) e o exercício dos
dons do Espírito (1Co 12.7-11). O dom de línguas (em grego transliterado: heterais glõssais, que significa “línguas diversas”) foi
um milagre que se deu no âmbito da expressão dos apóstolos e da audição das pessoas de várias línguas e dialetos naquele dia
e local (1Co 14.23). Estas línguas “estrangeiras” anteciparam a chegada do Evangelho em toda nação, povo, raça, tribo e língua,
unindo o mundo todo em torno do Senhor Jesus, num flagrante contraste com o julgamento em Babel (Gn 11.7-9).
4 Houve quatro classes de judeus da Dispersão: 1) Orientais ou babilônicos (região onde hoje se situa o Iraque). 2) Sírios; 3)
Egípcios; 4) Romanos, que a exemplo do apóstolo Paulo, eram cidadãos do império, embora não originários de Roma, assim
como a província romana da Ásia, citada no v.9, é a atual região da Turquia.
5 Algumas versões trazem simplesmente a expressão “estão embriagados!”. Entretanto, o texto original grego (aqui
traduzido literalmente) enfatiza que os zombadores estavam acusando jocosamente os apóstolos de terem apressadamente se
embebedado com os primeiros vinhos da colheita que se dava no mês de agosto e que produzia um “vinho doce”, ainda em
processo de fermentação.
15 Estes homens não estão embriagados, 25 A respeito dele afirmou Davi: ‘Eu sem-
como pensais. Até porque são apenas pre via o Senhor diante de mim. Porque
nove horas da manhã.6 está à minha direita.
16 Muito diferente disto. O que está ocor- 26 Por esse motivo, o meu coração está
rendo foi predito pelo profeta Joel: alegre e a minha língua exulta; o meu
17 ‘Nos últimos dias, diz o Senhor, que corpo também repousará em esperança,
derramarei do meu Espírito sobre todos 27 porque tu não me abandonarás no se-
os povos, os seus filhos e as suas filhas pulcro, nem permitirás que o teu Santo
profetizarão, os jovens terão visões, os sofra decomposição.8
velhos terão sonhos.7 28 Tu me fizeste conhecer os caminhos
18 Sobre os meus servos e as minhas ser- da vida e me encherás de alegria na tua
vas derramarei do meu Espírito naqueles presença’.
dias, e eles profetizarão. 29 Caros irmãos, concedei-me a licença de
19 Mostrarei maravilhas em cima, no céu, falar-vos com toda franqueza que o pa-
e sinais embaixo, na terra: sangue, fogo e triarca Davi morreu e foi sepultado, e o seu
nuvens de fumaça. túmulo está entre nós até o dia de hoje.9
20 O sol se tornará em trevas e a lua em 30 Todavia, ele era profeta e sabia que
sangue, antes que venha o grande e glo- Deus lhe prometera sob juramento que
rioso Dia do Senhor. colocaria um dos seus descendentes em
21 E todo aquele que invocar o nome do seu trono.
Senhor será salvo!’. 31 Antevendo isso, profetizou sobre a
22 Israelitas, escutai estas palavras: Jesus ressurreição do Cristo, que não foi aban-
de Nazaré, homem aprovado por Deus donado no sepulcro e cujo corpo não
diante de vós por meio de milagres, feitos sofreu decomposição.
portentosos e muitos sinais, que Deus por 32 Deus ressuscitou este Jesus, e todos
meio dele realizou entre vós, como vós nós somos testemunhas deste fato.
mesmos bem sabeis, 33 Exaltado à direita de Deus, Ele recebeu
23 este homem vos foi entregue por pro- do Pai o Espírito Santo prometido e
pósito determinado e pré-conhecimento derramou o que vós agora vedes e ouvis.
de Deus; mas vós, com a cooperação de 34 Porquanto, Davi não foi elevado aos
homens perversos, o assassinaram, pre- céus, mas ele mesmo declarou: ‘O Se-
gando-o numa cruz. nhor disse ao meu Senhor: Senta-te à
24 Contudo, Deus o ressuscitou dos mor- minha direita
tos, rompendo os laços da morte, porque 35 até que Eu ponha os teus inimigos
era impossível que a morte o retivesse. como estrado para os teus pés’.10
6 Os judeus costumavam tomar o desjejum às dez horas da manhã e no sábado, ao meio dia. Ainda mais num dia de festa
religiosa como o Pentecoste, nenhum judeu se atreveria a quebrar o jejum às nove horas da manhã (literalmente em grego: “a
terceira hora do dia”).
7 Pedro cita e interpreta a passagem profética de Joel 2.28-32 como uma referência específica aos dias da nova aliança (Jr
31.33,34; Ez 36.26,27; 39.29) e inaugura a “cidade messiânica”. Pedro adverte também sobre os acontecimentos apocalípticos
que serão os grandes sinais do iminente e glorioso retorno de Jesus Cristo e do Juízo final (Is 2.2; Os 3.5; Mq 4.1; 1Tm 4.1; 2Tm
3.1; Hb 1.1; 1Pe 1.20; 1Jo 2.18).
8 Algumas versões traduzem a palavra grega hades (que se origina da expressão hebraica: sheol) por “morte, profundezas, ou
ainda, inferno”. Entretanto, o Comitê de Tradução da Bíblia King James decidiu usar aqui seu sentido mais literal: “sepulcro” (túmulo).
Davi refere-se, em última análise, ao fato de o corpo de Jesus, o Messias, não ter experimentado “deteriorização” alguma (v.31).
9 O túmulo de Davi podia ser visto em Jerusalém e ainda continha seus restos mortais. Mas em relação a Jesus Cristo, ninguém
podia apontar para um sepulcro onde seu corpo estivesse depositado. As palavras de Davi no Sl 16.8-11 aplicam-se mais
completamente, e de forma profética, ao próprio Senhor Jesus. A expressão hebraica “Messias” corresponde à palavra “Cristo”,
em grego, e ambas significam “Ungido”.
10 Na expressão “O Senhor disse ao meu Senhor” (Sl 110.1), o primeiro “Senhor” traduz a palavra hebraica Yahweh (o nome
sagrado e impronunciável de Deus), e o segundo Ãdõn (Senhor). Sendo assim, o Senhor (Deus) disse ao meu Senhor (o Filho
de Davi, o Messias). De acordo com Pedro, Davi dirigiu-se ao seu descendente com o mais elevado respeito, pois Davi, por meio
da inspiração do Espírito Santo, reconhecia a absoluta divindade desse descendente (Mt 22.41-45). Porquanto, além da sua
36 Sendo assim, que todo o povo de Israel 41 Assim, todos quantos aceitaram a sua
tenha absoluta certeza disto: Este Jesus, palavra foram batizados; e naquele mes-
a quem vós crucificastes, Deus o fez Se- mo dia juntaram-se a eles cerca de três
nhor e Messias!”.11 mil pessoas.
ressurreição da morte (vv. 31,32), também seria exaltado à direita de Deus, com todas as honras de Filho e Rei (vv. 33-35). E sua
excelsa presença estava ali revelada na pessoa do Espírito Santo, que chegara conforme prometido (v.33; Jo 7.39; 14.16,26; 16.7
de acordo com Sl 68.18).
11 Esta afirmação corajosa de Pedro constitui-se no mais antigo Credo da Igreja de Jesus Cristo (Rm 10.9; 1Co 12.3; Fp 2.11).
12 A mensagem de João Batista, o grande precursor do Reino, é reenfatizada por Pedro e será a marca das principais
mensagens evangelísticas dos apóstolos para o recebimento de perdão e o novo nascimento (Mc 1.4; Lc 3.3). O mesmo
destaque foi dado pelo próprio Jesus (Mc 1.5; Lc 13.3; Lc 24.47). Da mesma forma, o batismo era importante para João, Jesus
e na Igreja primitiva sob direção dos apóstolos, pois esta ordenança sempre esteve associada à fé, à aceitação da Palavra, ao
arrependimento e à busca de uma vida de adoração a Deus (Mt 28,19; At 8.12; 18.8). O ato do batismo em si não é capaz de
perdoar o pecado original ou qualquer outro. O perdão total e definitivo dos nossos pecados ocorre por meio da graça de Deus
que converte o coração humano e faz germinar a fé cristã (Rm 6.3,4). Depois do sacrifício de Jesus, duas dádivas são concedidas
aos que crêem: o perdão dos pecados (22.16) e o Espírito Santo. A promessa do Espírito Santo de habitar no interior do ser
humano é um presente e selo (marca divina) de Deus, garantido a todos os cristãos sinceros, indistintamente de suas posições
teológicas ou doutrinárias (8.9-11; 1Co 12.13). No v.39, Pedro refere-se aos que estão longe, os gentios, e aos filhos dos judeus
presentes, às futuras gerações judaicas (Ef 2.13).
13 O ensino ou doutrina dos apóstolos incluía tudo o que o próprio Jesus ensinara (Mt 28.20), sendo o mais importante o Evan-
gelho, o qual se firmava em sua vida e obra, morte e ressurreição (v.23,24; 3.15; 4.10; 1Co 15.1-4). A ministração dos apóstolos
era incomparável por ser inspirada por Deus e estar revestida de toda autoridade a eles outorgada pelo próprio Senhor Jesus
(2Co 13.10; 1Ts 4.2). Em nossos dias, esse mesmo ensino dos apóstolos está à nossa disposição nas páginas das Escrituras
Sagradas, especialmente do NT. O livro de Atos ressalta a importância da oração diária na vida dos cristãos, tanto em particular
quanto em público (1.14; 3.1; 6.4; 10.4,31; 12.5; 16.13,16).
14 O temor (estado de adoração contínua) que existia no coração dos crentes daquela época era uma mistura de pavor, êxtase
e perplexidade diante da presença majestosa de Deus, operando milagres, prodígios e sinais maravilhosos entre a multidão dos
que iam sendo convertidos pelo Espírito Santo e acrescentados à Igreja.
15 A união e o amor com que os convertidos viviam a vida cristã era um testemunho poderoso em Jerusalém e em muitas
outras partes. Além das diversas operações de milagres e curas realizadas pelos apóstolos todos os dias, a Igreja não permitia
que a ninguém faltasse o necessário para viver. As colaborações eram voluntárias e generosas, regadas com muita oração,
manifestações de louvor e satisfação. A alegria deve ser o estado de ânimo do crente, não apenas uma euforia eventual
e passageira, como é próprio dos que não depositam sua fé e a própria vida aos cuidados do Senhor (16.34). A união e
o compartilhar da Igreja são frutos do Espírito Santo. Muitos filósofos e pensadores, ao longo dos séculos, idealizaram
comunidades e nações inteiras, cujos povos socializariam seus recursos humanos e materiais. Contudo, não obtiveram sucesso.
Sem a plenitude do Espírito Santo, o homem tende ao pecado e ao engano (erro).
16 Judeus e gentios convertidos pelo Espírito a Jesus Cristo começavam a formar e desenvolver a Igreja primitiva. Os cultos
47 louvando a Deus por tudo e sendo a andar. Logo em seguida, entrou com
estimados por todo o povo. E, assim, a eles no pátio do templo, andando, sal-
cada dia o Senhor juntava à comunidade tando e louvando a Deus.3
as pessoas que iam sendo salvas. 9 Quando todo o povo o viu andando e
adorando a Deus,
A cura de um aleijado 10 reconheceu que era ele, aquele mesmo
que reuniam os crentes em Jerusalém se realizavam diariamente no Templo (Lc 24.53). Entretanto, a Ceia em memória ao
Senhor Jesus, que na época coincidia com uma refeição de confraternização, era realizada nas casas dos cristãos em meio a
uma celebração chamada “Agapẽ” (Festa do amor fraternal), na qual os irmãos exerciam a “comunhão” (em grego: koinonia),
que tinha um sentido muito maior do que apenas aquecer a amizade: expressava a própria “vida de Cristo”, de uns para com os
outros, com suas vitórias e desafios, alegrias e tristezas. A “koinonia” solidificava a intimidade espiritual dos crentes com o próprio
Jesus (por meio do Espírito Santo) e entre si.
Capítulo 3
1 Pedro, João e Tiago (irmão de João) naturalmente passaram a liderar o grupo dos apóstolos e discípulos por causa da íntima
comunhão que tiveram com Jesus (Mc 9.2; 13.3; 14.33; Lc 22.8; Gl 2.9). O judaísmo antigo obedecia a três horários fixos de
oração: no meio da manhã (terceira hora, ou nove horas); a hora em que se oferecia o sacrifício vespertino (hora nona, ou quinze
horas) e ao pôr-do-sol.
2 Esse portão, também chamado de “Porta Formosa” ou “Portão de Nicanor”, era todo revestido de bronze fino (coríntio) e
principal acesso para o átrio do templo, oferecendo passagem entre o pátio dos gentios e o das mulheres.
3 Do pátio exterior entraram no pátio das mulheres (onde ficavam as caixas coletoras de ofertas – Mc 12.41-44), e depois pas-
saram para o pátio de Israel. Desde o pátio exterior, foram atravessados nove portões até os pátios interiores.
4 O Pórtico de Salomão ficava ao longo do lado interno do muro que cercava o pátio exterior, com fileiras de altas colunas de
pedra de nove metros de altura e um teto todo trabalhado em cedro maciço (Jo 10.23).
5 Em sua soberana vontade de glorificar seu Filho Jesus, Deus não se limita, no exercício de seu poder, às virtudes ou
capacidades humanas. Pedro fez questão de proclamar sua condição de servo e render glória a Deus. Relembrou as profecias
que anunciavam a vinda do Servo Sofredor (Is 52.13-53.12 com Mt 12.18; At 4.27,30). Pedro aproveita o momento de atenção
e fala de irmão para irmão com seus compatriotas. Corajosamente, lhes revela a gravidade do erro cometido. Eles negaram
Deus ressuscitou dentre os mortos. E nós Deus restaurará todas as coisas, confor-
somos testemunhas deste fato.6 me já decretou há muito tempo, por
16 Pela fé em o Nome de Jesus, o Nome intermédio dos seus santos profetas.8
curou este homem que aqui vedes e bem 22 Porquanto declarou Moisés: ‘O
o conheceis; sim, a fé que vem por meio Senhor Deus levantará dentre vossos
de Jesus deu a este, agora, saúde perfei- irmãos um profeta como eu; a Ele
ta, como todos podem observar. ouvireis em tudo que vos ordenar.9
17 Contudo, irmãos, eu sei que o que 23 E acontecerá que toda pessoa que
vós e vossos líderes fizeram com Jesus não ouvir esse profeta será exterminada
foi sem o perfeito conhecimento do que dentre o povo’.
estavam praticando. 24 Em verdade, todos os profetas, de Sa-
18 Entretanto, foi desta forma que Deus muel em diante, um por um, pregaram
cumpriu o que tinha predito por todos e predisseram estes dias.10
os profetas, anunciando que o seu Cris- 25 E vós sois os herdeiros dos profetas
to haveria de sofrer.7 e da aliança que Deus estabeleceu com
19 Arrependei-vos, portanto, e conver- vossos antepassados. Ele declarou a
tei-vos para que assim sejam apagados Abraão: ‘Por meio da sua descendência,
os vossos pecados, todos os povos da terra serão aben-
20 de modo que da presença do Senhor çoados’.
venham tempos de refrigério, e Ele en- 26 Sendo assim, tendo Deus ressuscitado
vie o Cristo, que já vos foi previamente o seu Servo, enviou-o primeiramente
designado: Jesus. para vós, a fim de abençoá-los, conver-
21 É necessário que Jesus permaneça tendo cada um de vós das vossas vidas
no céu até que chegue o tempo em que pecaminosas”.11
o Senhor votando por sua condenação, desprezaram-no e se recusaram a reconhecê-lo como o Messias, mesmo diante do
poder dos ensinos de Jesus, dos seus sinais miraculosos e de sua vida absolutamente consagrada ao Pai. O próprio procu-
rador romano, Pilatos, não viu motivo para condená-lo e tentou soltá-lo, mas os judeus ensandecidos exigiram a crucificação
de Jesus (Jo 19.12).
6 Os apóstolos foram testemunhas oculares da vida santa e poderosa do Filho de Deus e da sua injusta condenação e morte.
A maioria dos discursos em Atos repete esse tema: “vós matastes Jesus. Deus o ressuscitou dentre os mortos” (At 2.23,24; 4.10;
5.30-32; 10.39-41; 13.28,29 de acordo com 1Co 15.1-4). Pedro enfatiza que Jesus é inculpável (Santo e Justo) em relação a Deus
e aos homens.
7 A expressão “seu Cristo” também significa “seu Ungido ou seu Messias”, numa clara referência ao Sl 2.2 (conforme At
4.25,26). Era indispensável que os judeus se rendessem às evidências quanto à necessidade dos sofrimentos expiatórios do
Messias, claramente preditos ao longo de todas as Escrituras Sagradas (Is 53.7,8 com At 8.32,33; Sl 22.1 com Mt 27.46 e 1Pe 1.11
com Lc 24.26,27). Entretanto, até nossos dias, a cruz de Jesus continua sendo escândalo para os judeus (1Co 1.23).
8 O arrependimento verdadeiro é a radical mudança de idéia e de vontade proveniente de um profundo sentimento de
reconhecimento e tristeza pelos erros cometidos, motivando total transformação no caráter e estilo de vida (comportamento).
Em conseqüência do arrependimento (repúdio ao pecado e a tudo que é errado) e da consagração ao Senhor (obediência a
Deus pela fé em Jesus), todos os pecados são destruídos, cancelados e anulados em seus efeitos (Rm 8.18-25; 12.1-2). A total
restauração da humanidade e de toda a terra ocorrerá com a segunda vinda de Cristo, quando as grandes bênçãos prometidas,
e ainda não plenamente usufruídas, serão derramadas sobre todo o povo de Deus. Por isso, devemos orar e trabalhar pela
conversão dos judeus e evangelização do mundo. E, assim, apressarmos o glorioso retorno do Senhor (2Pe 3.12; Rm 11.25).
9 Jesus Cristo é o cumprimento das profecias feitas no tocante a Moisés, Davi e Abraão. O Messias seria um profeta semelhante
a Moisés. Previsto nas pregações de Samuel a respeito de Davi, o Ungido, traria bênçãos sobre todos os povos da terra, de
acordo com as promessas feitas a Abraão (vv. 25,26). Os primeiros sermões de Pedro em Atos revelam que Jesus é o sucessor
de Davi e Moisés, cumprindo as profecias do AT desde Abraão.
10 O profeta Samuel ungiu a Davi para ser rei e declarou que seu reino seria estabelecido (1Sm 16.13; conforme 12.14; 15.28;
28.17). A palavra de Natã, em última análise, é uma profecia messiânica (2Sm 7.12-16; At 13.22,23,34; Hb 1.5).
11 A palavra grega traduzida no v.22 por “levantará” é a mesma aqui traduzida por “ressuscitado”, o que reforça a idéia de Deus
haver providenciado nosso Redentor; e nem mesmo todos os pecados da humanidade e a morte poderiam detê-lo. Ao contrário,
na ressurreição de Cristo, o Senhor cumpre as profecias entregues aos pais (13.32-34). Em Jesus ressurreto, aquela bênção
prometida a Abraão, e dirigida a todas as nações (Gn 12.3), alcança seu pleno cumprimento.
1 Esses são sacerdotes que estavam servindo naquela semana no recinto do templo (Lc 1.23). O capitão (em grego sãgãn) era
membro de uma das famílias sacerdotais de destaque, e segundo oficial no poder político e religioso dos judeus depois do sumo
sacerdote (Lc 22.4,52; At 5.24,26). Os saduceus faziam parte de uma seita da elite religiosa judaica, seus membros provinham da
linhagem sacerdotal, eram cultos, ricos e governavam o templo. Não acreditavam na ressurreição dos mortos nem na vinda de um
Messias pessoal e Libertador, mas pregavam que Israel já vivia a época messiânica e cabia a eles instruírem os mestres da lei para
ensinarem o povo a edificar e preservar esse chamado “estado ideal”. O sumo sacerdote, um entre os demais sacerdotes (Mt 3.7;
22.23-33; Mc 12.18; Lc 20.27; At 5.17; 23.6-8), era escolhido para presidir o Sinédrio (Supremo Tribunal Judaico).
2 Os saduceus haviam tomado a liderança no plano para condenar e crucificar a Jesus (Jo 11.49,50) com a esperança de
que, eliminando o líder, aquela “nova seita judaica” que se esboçava viesse a desvanecer-se doutrinariamente e perdesse seus
adeptos. Precisamente os saduceus, que não acreditavam na ressurreição (23.6-8), têm agora que lidar com o Espírito do líder
ressurreto dos cristãos e com o dinamismo, alegria, poder e carisma dos seus seguidores.
3 Os primeiros cristãos enfatizavam em suas pregações e ensinos o cumprimento das profecias do AT sobre a vida e obra
redentora de Jesus Cristo, o Messias (Mt 21.42; 1Pe 2.7), de acordo com Rm 9.33; Is 28.16, o próprio Jesus havia citado Sl 118.22.
E sua ressurreição estabeleceu o novo Templo “construído sem mãos” (Jo 2.19; Mc 14.58) que é a habitação de Deus: o coração
do indivíduo salvo e a reunião dos crentes, que é a Igreja, o Corpo de Cristo (Ef 2.20).
4 Em comparação com os saduceus e os teólogos da época, Pedro e João eram literalmente “analfabetos” (como está nos
originais em grego agrammatos) e “leigos” (da mesma forma em grego idiotai). Entretanto, o Espírito Santo os capacitou de tal
maneira, que a coragem, eloqüência, poder e sabedoria de suas palavras fizeram os líderes judaicos deduzirem que aqueles
homens haviam estudado e convivido com Jesus (Mc 1.22; 3.14).
5 O “Ungido” (em grego: Christos, que é a tradução da palavra hebraica: Mãshïah, Messias). Na oração, os companheiros de
Pedro e João, referem-se ao batismo de Jesus quando Deus declarou: “meu filho amado” (Mt 3.17). Herodes Antipas (tetrarca da
Galiléia e Peréia) e Pôncio Pilatos (procurador romano na Judéia) são os reis e autoridades (príncipes) mencionados na profecia
do Sl 2.1,2 (de acordo com Lc 23.1-24). Santo Servo é novamente uma alusão às profecias de Isaías (Is 52.13 – 53.12).
6 A expressão “predeterminado” (conforme o original grego: prowvrisen) foi somente usada por Paulo e Pedro (1Pe 1.2,20:
2.4-6). O plano de Deus, contemplado e traçado antes da fundação do mundo (Ef 1.4; Ap 13.8), considera em seu contexto amplo
as boas e más ações da humanidade sem, contudo, diminuir qualquer responsabilidade pelos atos de cada indivíduo sobre a
terra. Deus não força o ser humano a agir de uma forma ou outra. Entretanto, o Senhor vê a história do universo como um todo
atemporal, sem os limites de tempos e épocas (passado, presente e futuro) e, portanto, tem o poder de usar os homens, com
seus progressos e tragédias, bem como as ações do Diabo, em prol da salvação final e eterna da humanidade, particularmente
de todos aqueles que depositarem fé sincera e absoluta em seu Filho Jesus, o Messias Salvador (Jo 1.12-13).
7 A exemplo do que ocorreu no AT, Deus fez tremer o lugar onde seus servos estavam reunidos em oração, como um sinal da
sua presença e aprovação (Êx 19.18; Is 6.4). Foi uma maneira através da qual o Senhor renovou nos apóstolos e discípulos, que
estavam iniciando a Igreja de Cristo, a experiência do dia do Pentecoste (ou semana do Pentecostes). É o Espírito Santo quem
nos capacita com força espiritual, generosidade, coragem (intrepidez), determinação, sabedoria e santidade para testemunhar-
mos da salvação que há – somente – em Jesus (8.13,33).
8 A expressão grega original: dunamis significa “poder” e também “milagre” (2.22). Em 2.47, a Igreja (o povo de Deus) recebeu
que por sua vez, o repartiam conforme a continuaria teu? E vendido, não estaria
necessidade de cada um. todo o dinheiro em teu poder? Como
pudestes permitir que tais idéias domi-
A oferta de José Barnabé nassem tua vontade?2
36 Então José, um levita natural de Chi- 5 Ao ouvir esta admoestação, Ananias
pre, a quem os apóstolos deram o sobre- caiu morto. Então, grande temor tomou
nome de Barnabé, que significa “filho da conta de todos os que souberam do que
consolação”, havia acontecido.
37 sendo proprietário de um campo, ven- 6 E, alguns jovens tomaram a iniciativa
dendo-o, trouxe o dinheiro da venda e o de cobri-lo, carregaram-no para fora e o
colocou junto aos pés dos apóstolos.9 sepultaram.
7 Cerca de três horas mais tarde entrou sua
A oferta de Ananias e Safira esposa, sem saber o que havia se passado.
5 Entrementes, um certo homem cha-
mado Ananias, com sua esposa Safira,
também vendeu uma propriedade.
8 E Pedro a questionou: “Dize-me, ven-
destes por este preço aquelas terras? Ela
confirmou: “Sim, por este preço!”.
2 Mas ele reteve parte do dinheiro da ven- 9 Então Pedro a repreendeu: “Por que vós
da para si, tendo conhecimento disso tam- entrastes em acordo para tentar o Espíri-
bém sua esposa. Ele levou a parte restante to do Senhor? Eis que estão aí à porta os
e a depositou aos pés dos apóstolos.1 pés dos que sepultaram o teu marido, e
3 Então, indagou-lhe Pedro: “Ananias, eles a levarão também”.
por que permitistes que Satanás encheste 10 Naquele mesmo instante, ela caiu
o teu coração, induzindo-te a mentir ao morta aos pés de Pedro. Então, aqueles
Espírito Santo para que ficasses com par- jovens entraram e, encontrando-a mor-
te do valor do terreno? ta, levaram-na e a sepultaram ao lado
4 Mantendo-o contigo, porventura não de seu marido.
“graça” (no original em grego charin) que significa: “favor, simpatia, apreciação”, da parte do povo. Neste trecho, a “graça” vem
de Deus e se constitui na fonte da generosidade e do serviço cristão (2Co 8.1,9).
9 José Barnabé (em grego: “filho de paraklẽsis” – “aquele que exorta, anima, consola”) era primo de João Marcos de Jerusalém
(Cl 4.10) e originário de uma família sacerdotal (levita) judaico-cipriota que vivia e possuía propriedades na ilha de Chipre (um país
localizado na parte leste do mar Mediterrâneo). Desde os tempos dos macabeus muitos judeus se estabeleceram em Chipre. Esta
é a maneira como Lucas apresenta aquele que virá a ser um dos melhores amigos e conselheiros de Paulo: um homem cheio do
Espírito e de bondade (9.27; 11.22,25; 13.1-4; 15.37,39).
Capítulo 5
1 A palavra “reteve” é a mesma expressão que aparece na tradução grega do AT (Septuaginta) quando narra o pecado de
Acã (Js 7.1-25). A mesma avareza, associada à hipocrisia (desejo de manter uma falsa imagem de santidade), gerou mentira,
afastamento de Deus e destruição. Veja os exemplos de Nadabe e Abiú (Lv 10.2) e Uzá (2Sm 6.7). Ananias e Safira foram os
primeiros exemplos de “falta de sinceridade no serviço cristão” ocorridos nos primórdios da Igreja de Jesus Cristo. Essa terrível
experiência demonstrou à Igreja em formação que “de Deus não se zomba” (Gl 6.7). Um grande contraste em relação ao bom
exemplo de José Barnabé (4.36).
2 O sentido geral da frase no original revela uma contínua atividade de Satanás, tentando sistematicamente, e por diversos
modos, persuadir o ser humano a cair em pecado. A palavra hebraica: sãtãn (Satanás) significa “adversário” e, por isso, foi
traduzida para o grego por diabolos. Em Jó 1.6 e Zc 3.1 e nos versos seguintes destas passagens, a palavra sãtãn corresponde
ao nome próprio de um anjo mal, cuja principal atividade é acusar os seres humanos diante de Deus e requerer destruição
sobre as nações. Essa pessoa absolutamente maligna domina o reino das trevas, possui filhos e anjos caídos a seu serviço;
que diuturnamente fazem oposição a Deus (Trindade), seu Reino, anjos e filhos (Mt 12.26; 25.41; 1Jo 3.10). Ainda que Satanás
conheça todas as fraquezas humanas e freqüentemente nos sugira maneiras de expressá-las em pecado, os cristãos contam
com a poderosa presença de Deus em suas almas, na pessoa do Espírito Santo, e podem – pela fé – rejeitar todos os ardis e
sugestões do Inimigo, vencendo as tentações. Os textos de 4.36,37 – 5.1,4 deixam claro que as ofertas e donativos eram atos
voluntários, segundo a generosidade de cada um. Os apóstolos não haviam pedido nada, foi o Espírito Santo quem moveu cada
pessoa a contribuir conforme a alegria do coração (2Co 9.7). Ananias e Safira não pecaram por ficar com parte do dinheiro da
venda de sua propriedade, mas sim por haverem mentido ao Espírito Santo (Deus) e suporem arrogantemente que é possível
ao ser humano pensar ou realizar qualquer coisa fora do pleno conhecimento do Senhor. A ofensa contra a Igreja, habitada pelo
Espírito, é insulto e pecado contra o próprio Deus (9.5).
3 Essa conseqüência drástica em relação ao pecado foi necessária, especialmente no momento em que a Igreja, como Corpo
de Cristo, começava a dar seus primeiros passos. Era fundamental que todos soubessem que o Espírito Santo é a própria pessoa
do Senhor habitando o corpo do crente, não um tipo de energia qualquer, e não pode ser logrado. Além disso, a Igreja de Jesus
Cristo não é uma empresa comercial, tampouco um negócio onde a hipocrisia, fraude ou corrupção possa ser aceita. A disciplina
na Igreja, em grande parte, depende da ação corretiva de Deus (1Co 11.30-32; Hb 12.5-11; 1Jo 5.16,17). O poder disciplinador
do Pai está em harmonia com sua capacidade de curar, ressuscitar e dar a vida eterna a seus filhos sinceros (Jo 1.12-13). Essa é
a primeira vez que a palavra “igreja” ocorre no livro de Atos. A expressão: ekklẽsia, nos originais em grego, era empregada para
designar as assembléias religiosas e políticas dos judeus, e os apóstolos passaram a usar a mesma expressão para convocar a
reunião dos primeiros cristãos (8.1; 11.22; 13.1; 19.32,40).
4 Lucas usa a expressão “ninguém de fora” para registrar que depois do fim vergonhoso e trágico de Ananias e sua mulher,
nenhuma pessoa filiou-se à comunidade cristã daqueles dias sem avaliar a sinceridade e a responsabilidade de tal compromisso
com Deus. O v.14 demonstra, entretanto, que muitos “corações convertidos” juntavam-se à Igreja todos os dias (1.14; 8.3,12;
9.2; 13.50; 16.1,13,14; 17.4,12,34; 18.2; 21.5). Essa é a primeira vez em que Lucas faz menção específica a uma quantidade de
mulheres convertidas que se tornaram membros da Igreja (v. 14).
5 Cumpre-se a segunda etapa da profecia de Jesus Cristo sobre a propagação do Evangelho: “em toda Judéia” (1.8).
6 Caifás era sumo sacerdote oficial e reconhecido por Roma. Contudo, os judeus consideravam Anás, o sogro de Caifás, o
verdadeiro sumo sacerdote, pois esse cargo era vitalício (4.1-6).
7 A expressão aramaica hayye significa “salvação” ou “vida” (13.26).
8 O Supremo tribunal dos judeus era composto de 71 homens (às vezes mais). Sentavam-se num semicírculo, tendo às suas
costas três fileiras de seguidores e aprendizes conhecidos como “discípulos dos sábios”. E, na frente, em pé ficavam os escrivães
do tribunal. Sinédrio e Senado são termos equivalentes (Mt 26.59-68).
9 A palavra “príncipe” (em grego archegon) pode ser também traduzida como “Autor” (3.15). A palavra hebraica “levantou”,
assim como as expressões: “Salvador” ou “Libertador” são as mesmas que aparecem em Js 3.9. O arrependimento é a condição
imposta pelo Príncipe (Autor) e salvação (remissão) é o galardão maior por Ele concedido aos cristãos sinceros.
10 O testemunho dos apóstolos era dirigido e confirmado pelo Espírito Santo, que convence o mundo mediante a Palavra e
é concedido a todos que correspondem ao amor e convite de Deus com a obediência que vêm pela fé (Rm 1.5). Em meio aos
muitos prodígios, maravilhas e conversões, cumpriu-se a promessa de Cristo (Jo 16.7-14).
11 Gamaliel pertencia a um partido popular judaico que dava ênfase à absoluta obediência da Lei como o caminho da Salvação.
Embora fariseu, representava a renomada escola de Hilel, que favorecia uma interpretação mais liberal e humanizante da Lei. Uma
das doutrinas características dos fariseus é que “Deus está acima de tudo e não precisa do auxílio de ninguém para cumprir seus
desígnios. O que é de Deus se estabelecerá, o que não é jamais se firmará”. Gamaliel era respeitado por sua devoção a Deus,
sabedoria e erudição. Foi mestre de Saulo que viria a se tornar o apóstolo Paulo (22.3).
12 Quando a Judéia foi reduzida à província romana, no ano 6 d.C., Quirino, procurador imperial na Síria, promoveu um re-
censeamento com o fim de calcular a soma do tributo a que a nova província estava obrigada a recolher para Roma. Foi quando
Judas, cidadão de Gamala e outros revolucionários, considerando isso um prelúdio de escravidão e uma desonra a Deus, o único
e verdadeiro Rei de Israel, desfraldou a bandeira da revolta. Esta foi esmagada, porém o partido dos Zelotes conservou-lhe vivo
os ideais (1.13; Mt 10.4).
13 Os apóstolos receberam a punição judaica de “quarenta açoites menos um” (2Co 11.24). Entretanto, consideraram tudo
isso como o cumprimento da “bem-aventurança” de padecer por amor a Jesus Cristo e pela proclamação do Evangelho (Mt
5.10-12; Lc 6.22,23).
1 Há um intervalo de tempo considerável e impreciso entre o final do cap.5 e este momento no qual, devido ao gigantismo da
Igreja que continuava crescendo sem parar (5.14), problemas administrativos estavam ocorrendo, tanto dentro (6.1-7) quanto
fora da comunidade (6.8 – 7.60). Nesta altura dos acontecimentos, a Igreja era formada integralmente por judeus convertidos à
doutrina de Jesus Cristo e batizados com o Espírito Santo. Contudo, havia dois grupos bem distintos de judeus que conviviam
dentro da comunidade dos crentes: 1) Os judeus helenistas (essa é a primeira vez que esse termo é usado na literatura grega) ou
de fala grega, pois pertenciam a uma geração nascida em países fora da Palestina, cujos conceitos e hábitos eram mais gregos
que hebreus. 2) Os judeus hebreus pertenciam à geração nascida na Palestina e que falava o aramaico, uma língua derivada
do hebraico e muito popular entre os mais jovens. Eles aprendiam a ler a Bíblia hebraica e procuravam manter as tradições
e cultura judaicas. Entretanto, o zelo missionário partiu dos crentes helenistas menos tradicionais e mais comunicativos, pois
falavam grego, que era a língua franca em todo o Império Romano. As viúvas, tradicionalmente protegidas pela Lei, ficaram sob
os cuidados da Igreja (4.35; 11.28,29; 1Tm 5.3-16).
2 O vocábulo grego original: diakonein (diáconos) significa “servidores” ou “ministros”, e foi usado por Lucas para descrever o
trabalho de “servir às mesas”, ou seja, zelar e prover às viúvas o sustento de cada dia (Fp 1.1; 1Tm 3.6). Nesse momento da Igreja,
os apóstolos estavam sobrecarregados, pois eram responsáveis por toda a ministração da Palavra, curas e outros milagres; e
ainda cuidavam da arrecadação de ofertas, distribuição dos recursos entre as famílias da comunidade, ajuda às viúvas, órfãos
e demais necessitados.
3 A Igreja distingüiu homens cheios do Espírito Santo (v.5), e os Doze (como eram chamados pela Igreja) comissionaram os
Sete (21.8), escolhidos democraticamente pelos crentes (v.6). Desta maneira, foram nomeados para realizar seu “serviço cristão”
(ministério). Curiosamente, todos têm nomes gregos, mas somente Estevão e Filipe são citados novamente por Lucas (6.8 – 7.60;
8.5-40; 21.8,9). E havia um prosélito (um gentio convertido ao judaísmo) que era de Antioquia, cidade para a qual o Evangelho
seria levado dentro em breve, e se tornaria a “sede” da primeira grande campanha missionária de evangelização aos gentios.
4 A imposição de mãos tem uma simbologia e um significado muito amplo e profundo. No AT era usada para outorgar bênçãos
(Gn 48.13-20); para transferir a culpa do pecador para o sacrifício oferecido (Lv 1.4); e para comissionar uma pessoa a uma nova
responsabilidade ou desafio (Nm 27.23). No período do NT, as mãos eram colocadas sobre as pessoas que eram agraciadas com
curas e livramentos (28.8; Mc 1.41), na invocação de bênçãos (Mc 10.16), na ordenação ou comissionamento (6.6; 13.3; 1Tm
5.22), bem como na outorga de dons espirituais (8.17; 19.6; 1Tm 4.14; 2Tm 1.6).
5 Esse é mais um dos relatórios sobre o crescimento da Igreja apresentados por Lucas durante o livro de Atos (1.15; 2.41;
4.4; 5.14; 6.7; 9.31; 12.24; 16.5; 19.20; 28.31). Lucas ainda enfatiza a conversão de sacerdotes que, apesar do seu compromisso
vitalício com os serviços relativos ao cumprimento das ordenanças da antiga aliança, compreenderam o ensino dos apóstolos
quanto ao sacrifício vicário de Jesus Cristo, o qual tornou desnecessário qualquer outro tipo de sacrifício (Hb 8.13; 10.1-4, 11-14).
Além disso, movidos pelo Espírito Santo, passaram a obedecer de bom grado, aos princípios do Evangelho da Graça (Rm 1.5; Ef
2.8-10; Tg 2.14-26). Zacarias foi um exemplo, na época de Cristo, de sacerdote convertido a Jesus (Lc 1.5-6).
6 Até esse momento Lucas narrou exclusivamente os apóstolos realizando milagres e maravilhas (2.43; 3.4-8; 5.12). A partir de
agora, porém, após a imposição de mãos dos apóstolos, Estevão – pleno do Espírito e de fé – passa a ministrar sinais e prodígios
entre o povo. Mais adiante, veremos Filipe também operando milagres para a glória de Jesus Cristo e salvação dos crentes (8.6).
7 Os membros da sinagoga de “Libertos” eram descendentes dos judeus levados cativos para Roma pelo imperador Pompeu
(63 a.C.) e que logo foram libertos, junto com outros judeus das regiões mencionadas nessa passagem bíblica.
8 O templo era o lugar mais sagrado do mundo e centro do universo para os judeus por ser a habitação de Deus. A Lei oferecia
como único caminho para a salvação a obediência absoluta à Lei e aos sacrifícios no Templo. Evidentemente, que qualquer
insinuação contrária à Lei ou à reverência devida a Deus era considerada como blasfêmia (ultraje) e punida com a morte.
Contudo, a própria Lei previa um julgamento justo mediante várias testemunhas. Porém, os acusadores de Estevão usaram os
mesmos artifícios que já se haviam provado eficientes contra Jesus: falsos depoimentos, calúnias e incitação popular (Mc 14.56-
64). Os mesmos argumentos seriam usados contra Paulo e muitos mártires da Igreja (21.28).
9 Estevão, como os demais “servos” do Senhor, estava anunciando que a fé cristã não se conservaria dentro dos estreitos
e legalistas limites do judaísmo (Mc 7.18,19; Mt 23.25,26; Lc 11.39-41), e antecipa a nova e universal teologia, que seria
sistematizada por Paulo mais tarde.
10 A aparência radiante, poderosa e angelical de Estevão indica um fenômeno físico-espiritual de transfiguração na presença
de um acompanhante sobrenatural (2Co 3.18 de acordo com Êx 34.29 e Mt 17.2).
Capítulo 7
1 O primeiro chamado de Abraão ocorreu na cidade de Ur (Gn 15.7; Ne 9.7). Em Harã, houve uma renovação desta convocação
missionária (Jr 15.19-21). Estevão não estava preocupado em salvar-se a si mesmo, mas sim, tentou abrir o entendimento e o
coração dos líderes judeus para os erros que vinham cometendo ao rejeitar o chamamento de Deus e, por fim, seu próprio Filho,
o Messias. Estevão não se preocupa em responder diretamente às acusações feitas em 6.11-14. Em sua defesa apresenta uma
visão teológica universal do Evangelho: 1) Deus não limita seus encontros com a humanidade às congregações, (tabernáculos)
nem ao Templo. Por isso, chamou Abraão, José, Moisés e outros profetas. Além disso, as primeiras grandes revelações de Deus
aconteceram em terras gentias: Ur, Harã, Egito, Sinai. 2) Israel sempre foi insensível à voz de Deus e, em sua rebeldia extrema,
rejeitou os profetas do Senhor, finalmente crucificando o próprio Filho de Deus – Jesus, o Justo (52).
2 Israel peregrinou pelo deserto por 430 anos (Êx 12.40,41 e Gl 3.17). O povo de Deus não deve se apegar a sua casa, país ou
cultura. Somos cidadãos do Reino dos céus (Hb 11.8; 16).
após o seu nascimento. Mais tarde, Isaque Abraão ali comprara por certo preço em
gerou Jacó, e este os doze patriarcas.3 prata, dos filhos de Hamor.
9 Os patriarcas dominados por forte in- 17 Ao se aproximar o tempo em que Deus
veja de José, venderam-no como escravo cumpriria sua promessa a Abraão, nosso
para o Egito. Apesar de tudo, Deus estava povo cresceu em número e multiplicou-
com ele se no Egito.
10 e o livrou de todas as suas tribulações, 18 Então, outro rei, que não conhecia
dando a José graça e sabedoria diante a história de José, passou a governar o
do faraó, rei do Egito e de todo o seu Egito.
palácio.4 19 Ele agiu de forma traiçoeira contra
11 Mais tarde, sobreveio um tempo de nosso povo e oprimiu os nossos antepas-
fome em todo o Egito e em Canaã, o que sados, a ponto de obrigá-los a abandonar
trouxe grande sofrimento, e os nossos seus próprios recém-nascidos, a fim de
antepassados não encontravam o que que não sobrevivessem.
comer. 20 E foi naquela época que nasceu Moisés,
12 Porém, tendo ouvido que no Egito que era um menino extraordinário aos
havia trigo, Jacó enviou nossos antepas- olhos de Deus. Por três meses, ele foi
sados para lá pela primeira vez. criado na casa de seu pai.
13 E, na segunda viagem deles, José se 21 Entretanto, quando teve de ser aban-
revelou a seus irmãos, e a sua família foi donado, a filha do faraó o tomou e o
conhecida pelo faraó.5 criou como seu próprio filho.
14 E aconteceu que José mandou chamar 22 E assim, Moisés foi educado em toda
a seu pai Jacó e a todos os seus parentes: a sabedoria dos egípcios e tornou-se um
setenta e cinco pessoas.6 homem poderoso em palavras e obras.8
15 Assim, pois, desceu Jacó até o Egito e 23 Quando completou quarenta anos,
ali morreu ele e também nossos pais.7 Moisés decidiu visitar seus irmãos isra-
16 Seus corpos foram trasladados de volta elitas.9
a Siquém e depositados no túmulo que 24 Ao presenciar um deles sendo maltra-
3 As condições necessárias para a religião de Israel já haviam sido cumpridas muito tempo antes da construção do Templo e
dos costumes e rituais religiosos começarem a ser guardados pelos judeus da época de Estevão (Gn 35.23-26).
4 Estevão faz uma analogia entre a atitude de rejeição que os próprios patriarcas tiveram para com seu irmão José e a forma
cruel e injusta com que os judeus de sua época trataram o Messias prometido (seu irmão de carne, Rm 9.5). Sem usar o nome
de Jesus uma vez sequer, Estevão anuncia o Senhor por meio de tipos e figuras, destacando as pessoas de José e Moisés (20-
43). Deus concedeu a José a capacidade sobrenatural para interpretar sonhos. Este é o sentido da palavra “sabedoria”, neste
contexto, no original hebraico (Gn 39.21).
5 José e Moisés foram exemplos de profetas que visitaram “seus irmãos” pela segunda vez (23, 30). Jesus nos prometeu que
virá pela segunda vez e, nessa época, será reconhecido pelos judeus (Zc 12.10).
6 Estevão usou de grande precisão em seu relato histórico-teológico da vida de Israel. Embora a própria Bíblia Hebraica use o
número arredondado 70 (Gn 46.27; Êx 1.5; Dt 10.22), a tradução do AT para o grego (conhecida como Septuaginta) acrescenta
em Gn 46.20 o nome de um filho de Manassés, de dois filhos de Efraim e de um neto de cada um deles, completando exatamente
o número mencionado por Estevão: 75.
7 Jacó foi sepultado em Hebrom (Gn 49.29). José foi sepultado em Siquém (Js 24.32). Estevão usa de poucas palavras e de
uma retórica aguda para encaixar os dois acontecimentos numa só referência, assim como já havia feito em relação às duas
chamadas de Abraão. Estevão faz questão de marcar o fato de Jacó e os doze patriarcas não terem sido realmente sepultados
no Egito, mas sim, em Canaã. Isso pode parecer estranho aos leitores atuais, mais foi algo bem compreendido pelos ouvintes da
época (Gn 23.27,18; 25.9-11; 33.19; 35.29; 50.13; Js 24.32).
8 Mais uma vez, sem mencionar a Cristo, o discurso de Estevão revela claramente que Jesus, como Moisés, era “poderoso em
palavras e obras” (Lc 24.19). Ambos vieram como libertadores pacíficos (Ef 2.17). Entretanto, assim como os judeus escravizados
da época de Moisés não compreenderam a missão de Moisés, nem o aceitaram, da mesma forma, aqueles judeus, ouvintes de
Estevão e escravizados pelo pecado, não estavam percebendo que a salvação total e definitiva havia chegado na pessoa do Rei
Jesus, o Messias. Esse raciocínio de Estevão vale também para os nossos dias.
9 Moisés tinha 80 anos de idade quando foi enviado para profetizar diante do Faraó e exigir a libertação do povo de Israel (Êx
7.7) e 120 quando morreu (Dt 34.7). As palavras de Estevão estão de acordo com a tradição judaica, segundo a qual Moisés
teria deixado o Egito pela primeira vez aos 40 anos de idade. Fica aqui um estímulo ao início de novas empreitadas ministeriais e
missionárias em idade madura (a partir dos 50 anos).
tado por um egípcio, saiu em defesa da meu povo no Egito, ouvi os seus clamo-
vítima e vingou-se, matando o egípcio. res e desci para livrá-lo. Agora, portanto,
25 Moisés pensou que seus irmãos entende- vem, e Eu te enviarei ao Egito’.
riam que Deus o estava dirigindo para li- 35 Este é o mesmo Moisés a quem eles
bertá-los, mas eles não o compreenderam. haviam rejeitado com estas palavras:
26 No dia seguinte, Moisés dirigiu-se a ‘Quem te constituiu autoridade e juiz?’,
dois israelitas que estavam brigando, e Deus o enviou como líder e libertador,
tentou reconduzi-los à paz, argumentan- pela mão do anjo que lhe apareceu no
do: ‘Homens! Vós sois irmãos; por que espinheiro.
agridem um ao outro?’. 36 Foi este que o conduziu para fora, re-
27 Todavia, o homem que maltratava o ou- alizando feitos portentosos e sinais mara-
tro empurrou Moisés e exclamou: ‘Quem vilhosos no Egito, no mar Vermelho e no
te constituiu autoridade e juiz sobre nós? deserto por um período de quarenta anos.
28 Acaso queres assassinar-me, como 37 Este é o Moisés que disse aos israelitas:
fizeste ontem com aquele egípcio?’. ‘Deus vos levantará dentre vossos irmãos
29 Ao ouvir estas palavras, Moisés fugiu um profeta semelhante a mim’.
para Midiã, onde ficou vivendo como 38 Moisés esteve na congregação no de-
estrangeiro e foi pai de dois filhos.10 serto, com o anjo que lhe falava no mon-
30 Então se passaram mais quarenta anos, te Sinai, e com os nossos antepassados,
quando apareceu a Moisés um anjo no e recebeu palavras vivas, a fim de nos
deserto, próximo ao monte Sinai, em serem transmitidas.13
meio às labaredas de um espinheiro que 39 Todavia, nossos antepassados se recu-
queimava.11 saram a obedecer a Moisés; antes, o rejei-
31 Ao contemplar aquela cena ficou per- taram e, em seus corações, retrocederam
plexo. E ao aproximar-se para observar ao Egito,
melhor, ouviu a voz do Senhor: 40 clamando a Arão: ‘Faze-nos deuses que
32 ‘Eu Sou o Deus de teus pais, o Deus nos conduzam, pois quanto a este Moisés
de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de que nos tirou do Egito, não sabemos o
Jacó’. Moisés ficou trêmulo de medo e que lhe aconteceu!’.14
não ousava erguer seu olhar. 41 E, naquela época, eles produziram um
33 Então, o Senhor lhe ordenou: ‘Tira as ídolo em forma de bezerro. Ofereceram-
sandálias dos pés, porque o lugar em que lhe sacrifícios e realizaram uma grande
estás é terra santa.12 celebração em homenagem ao que suas
34 Tenho visto com atenção a aflição do mãos tinham produzido.
10 Rejeitado por seu povo e temendo a perseguição dos egípcios, Moisés se refugia nas terras de Midiã (Êx 2.15), que ocupava
os dois lados do golfo de Ácaba, onde nasceram seus dois filhos: Gérson e Eliézer (Êx 2.22; 18.3,4; 1Cr 23.15).
11 Mais quarenta anos haviam se passado quando Moisés, aos 80 anos de idade, foi chamado pelo Senhor no monte Sinai,
também conhecido como monte Horebe (Êx 2.11-23; 3.1-2; 7.7), e apresentou-se perante o faraó como profeta do Altíssimo Deus
(Dt 18.15). Segundo a interpretação judaica da época de Estevão, a Lei fora dada a Moisés por intermediação angelical. Ocorre
que esse arauto foi o próprio “Anjo do Senhor” (5.19). Ou seja, o próprio Deus falou com Moisés (Êx 3.2; Gl 3.19; Hb 2.2), como
fica claro nos versos 31 e 32.
12 Até hoje, no Oriente Médio, não se pisa sobre solo sagrado a não ser descalço, em sinal de respeito e despojamento diante
do Eterno.
13 A expressão grega original ekklesia tem o sentido de “congregação” e “igreja”. No contexto hebraico de Dt 18.16, aplica-se ao
povo de Israel congregado (reunido) para receber a Lei. Isso significa que a Igreja do AT dependia de Moisés, profeta de Deus (1Co
10.2). A Igreja do NT depende de Jesus Cristo, o Espírito de Deus (Hb 2.10-12) que a conduz ao verdadeiro shalom (descanso, paz).
A obediência a Deus (Lei) é o caminho da vida (Dt 4.1; Lv 18.5 conforme Gl 3.12). Por causa da Queda, a fraqueza humana (Rm 8.3)
fez com que a Lei de Deus se transformasse em documento de condenação e morte (Rm 3.10-12; 7.10). No NT, o Evangelho (Jesus
– o Logos, a Palavra, de Deus – Jo 1.1; 1Jo 1.1-2) é a própria “palavra da vida” (Fp 2.16; 1Pe 1.23 de acordo com At 5.20).
14 Enquanto Moisés estava ausente do acampamento, na presença de Deus no monte Sinai, recebendo a Lei, o povo deixou
sua fé se esfriar, e caindo em desânimo voltou à idolatria na qual vivia no Egito. Juntaram-se para construir um bezerro de ouro,
rejeitando explicitamente a Deus e a seu profeta (Êx 32.1).
42 Por isso, Deus se afastou deles e deixou trado dos meus pés. Que espécie de casa
que se entregassem ao culto dos astros, podereis me construir, diz o Senhor,
exatamente como foi escrito no Livro ou ainda, onde seria o lugar do meu
dos Profetas: ‘Foi a mim que oferecestes repouso?
sacrifícios e ofertas durante os quarenta 50 Ora, não foram as minhas mãos que
anos no deserto, ó Casa de Israel?15 criaram todas estas coisas?’.
43 Ao invés disso, erguestes o tabernáculo 51 Homens duros de entendimento e
de Moloque e a estrela do seu deus Ren- incircuncisos de coração e de ouvidos,
fã, ídolos que fizestes para adorá-los. Por vós sempre resistis ao Espírito Santo. Da
essa razão, Eu vos mandarei para o exílio, mesma forma como agiram vossos pais,
para além da Babilônia!’. assim vós fazeis também.17
44 Contudo, o tabernáculo da aliança 52 Que profeta vossos antepassados não
estava entre os nossos antepassados no perseguiram? Assassinaram até mesmo
deserto, que fora construído conforme a os que anteriormente anunciaram a
ordem de Deus a Moisés e de acordo com chegada do Justo, do qual agora vos tor-
o modelo que ele tinha visto. nastes traidores e homicidas.
45 Tendo-o recebido, nossos antepassados 53 Vós, que recebestes a Lei por ministra-
o levaram sob a direção de Josué, quando ção de anjos, porém não a obedecestes!”.18
tomaram posse da terra das nações que
Deus expulsou de diante deles. E esse A execução sumária de Estevão
tabernáculo permaneceu nesta terra até 54 Ao ouvir tais palavras, grandemente se
a época de Davi,16 lhes enfureceu o coração e rilhavam os
46 que recebeu graça da parte de Deus e dentes contra Estevão.
rogou que lhe fosse concedido edificar 55 Contudo, Estevão, cheio do Espírito
uma habitação para o Deus de Jacó. Santo, ergueu seus olhos em direção ao
47 Apesar disso, foi Salomão quem lhe céu e contemplou a glória de Deus, e
construiu a Casa. Jesus em pé, à direita de Deus,19
48 Todavia, o Altíssimo não habita em 56 e exclamou: ‘Eis que vejo os céus aber-
casas feitas por mãos humanas. Como tos e o Filho do homem em pé, à direita
revela o profeta: de Deus!’.20
49 ‘O céu é o meu trono, e a terra o es- 57 Então, eles taparam os ouvidos e, aos
15 No original grego a expressão: paredõken, é usada também por Paulo, em três ocasiões, indicando que Deus permitiu
que os pecadores seguissem o curso normal de suas escolhas e pagassem o preço de suas decisões insensatas (Rm 1.18-24).
Algumas versões usaram a forma “culto da milícia celestial” para referir-se ao “culto dos astros” (astrologia supersticiosa). Na
Bíblia Hebraica, os Doze profetas menores formam um só livro.
16 Estevão foi acusado de blasfemar contra o “Lugar Santo” (6.11-14) e, por isso, encerra seu depoimento com uma explanação
sobre o tabernáculo (santuário) e o Templo. Foi o tabernáculo o “Lugar” de adoração estabelecido por Deus (Hb 8.1-5). O Templo
foi a resposta a um pedido de Davi, todavia construído por seu filho Salomão e tolerado por Deus. Isaías afirmou que nem o
universo pode conter a Deus; como o poderia uma simples criação humana? É possível que deuses falsos tenham suas casas
entre os homens, mas o Altíssimo é onipresente: Ele está em toda parte, nada pode contê-lo, e habita o coração do crente por
amor à humanidade (Mc 14.58; At 17.24).
17 Embora os judeus fossem fisicamente circuncidados, agiam como os pagãos incircuncisos que estavam no meio da multi-
dão. Mantinham sua “cerviz endurecida”. Uma expressão hebraica muito usada no AT e tem a ver com o “enrijecimento proposital
e obstinado do pescoço”. Uma metáfora com base na teimosia do gado ao seguir seu instinto selvagem em detrimento de um
melhor caminho indicado pelo condutor do rebanho (Êx 33.5; Lv 26.41; Dt 10.16; Jr 4.4; 6.10).
18 “Justo” foi um dos primeiros títulos atribuídos a Jesus por seus amigos e seguidores (3.14; 22.14); mais tarde Tiago, o meio-
irmão de Jesus, passaria a ser chamado assim pelo povo. Estevão, é claro, acusou os judeus de traidores, pois não tendo autori-
dade para tirar a vida de Jesus, insistiram e persuadiram os romanos para que o crucificassem, traindo o seu próprio Messias.
19 Eis aqui um texto clássico sobre a ação da Trindade sustentando o cristão fiel: 1) O Espírito Santo o enche com paz e
verdadeiro amor (v.60; Gl 5.22); 2) A glória de Deus se manifesta evidente, trazendo firmeza e esperança assertiva (Jo 17.5,24;
1Pe 1.5-8); 3) Jesus Cristo, o Messias, é exaltado. E, “em pé”, assim como o Pai de muitos filhos pródigos, abre os braços e os
céus para os crentes (Mc 14.62).
20 Raramente outra pessoa (além do próprio Senhor) referia-se a Jesus como “o Filho do homem” (Mt 25.31; Mc 2.10; 8.31).
Esse era um dos títulos do Messias profetizado no AT (Dn 7.13-14; Ap 1.13).
berros, atiraram-se todos juntos contra invadindo casa após casa, arrastando ho-
ele. mens e mulheres para jogá-los ao cárcere.
58 E arrastando-o para fora da cidade, o
apedrejaram. As testemunhas deixaram A Igreja prega para todos
suas roupas aos pés de um jovem 4 Enquanto isso, os que haviam sido dis-
chamado Saulo.21 persos pregavam a Palavra por onde quer
59 Assim, enquanto apedrejavam Este- que fossem.2
vão, este declarava em oração: “Senhor 5 Indo Filipe para uma cidade de Sama-
Jesus, recebe o meu espírito!”. ria, ali lhes anunciava a Cristo.3
60 Então caiu de joelhos e clamou em 6 Assim que o povo ouviu a Filipe, e viu
alta voz: “Senhor, não lhes atribuas este os sinais e maravilhas que ele realizava,
pecado!”. E, tendo dito estas palavras, deu unânime e absoluta atenção ao que
adormeceu.22 ele ensinava.
7 Porquanto os espíritos imundos aban-
21 A palavra de Estevão, ao invés de gerar arrependimento, produziu mais ira e indignação, pois os argumentos foram
os mesmos que levaram Jesus à cruz. É lamentável como a humanidade repete seus erros mais terríveis e vai esgotando a
longanimidade divina. A expressão no original grego, aqui traduzida por “atiraram-se”, tem o sentido de “linchamento sumário”.
As “testemunhas”, isto é, as primeiras pessoas que acusaram Estevão de blasfemo tiveram a “honra” de arremessar as primeiras
pedras contra ele, e depositaram suas roupas aos pés do supervisor da execução: Saulo (22.20), membro do Sinédrio e que mais
tarde seria convertido pelo próprio Jesus, do qual se tornaria servo e pelo qual morreria em condições semelhantes a Estevão.
22 Estevão morreu seguindo o exemplo do seu mestre Jesus (1Pe 2.21-24) e teve o privilégio de nos legar a descrição
sumarizada do mais almejado momento na vida de um cristão: o seu encontro com o Senhor no céu (v 55,56). Diante do
sofrimento da morte e da glória que vislumbrava, Estevão buscou forças para suplicar a Deus pela salvação de muitos daqueles
que ali estavam (como Saulo, por exemplo), cujas mentes e corações estavam completamente embotados para a Verdade e o
Reino, mas que careciam de mais uma oportunidade a fim de que não perdessem a glória eterna que Estevão já podia contemplar
enquanto sua vida na terra se esvaía. Outro exemplo de Cristo (Lc 23.34).
Capítulo 8
1 A Igreja passou a exercer seu ministério de forma subversiva e subterrânea, fugindo da injusta e implacável perseguição
das autoridades judaicas e romanas. Por isso, a presença dos apóstolos em Jerusalém foi um marco de resistência e ânimo aos
dispersos e discípulos que eram sumariamente encarcerados. Neste momento da história, a maior perseguição era movida contra
os crentes helênicos (de origem grega), que como Estevão tiveram uma visão mais ampla do universalismo do Evangelho que
viria a substituir as tradições superadas do Judaísmo.
2 A Igreja estava em explosão. Inúmeros discípulos e testemunhas do Evangelho iam por todos os lugares, pregando as Boas
Novas: Jesus (11.19-20).
3 A cidade de Samaria, antiga capital da região de Samaria, teve seu nome alterado para Sebaste, ou em grego: Neápolis (atual
Nabius). Justino Mártir, um dos pais da igreja primitiva, afirma que Simão, o Mago, era natural de uma cidade chamada Gita, na
Samaria. Filipe, um dos Sete de Jerusalém (6.5) e que fora também disperso, recebeu o dom de evangelizar (21.8) e, cheio do
Espírito, pregava a Jesus, o Cristo (o Messias). Uma ótima preparação do coração dos samaritanos havia sido feita pelo próprio
Senhor (Jo 4) e multidões atenderam ao chamamento de Filipe. Os samaritanos e saduceus aceitavam apenas os livros de Moisés
como as Sagradas Escrituras.
4 Nos antigos escritos dos pais da Igreja (líderes e pensadores cristãos dos primeiros séculos), o bruxo (mago, feiticeiro) Simão
é apresentado como grande inimigo do Cristianismo e criador da doutrina herege gnóstica chamada “simoniana” que perdurou
até o século III. Simão alegava ser o principal representante de Deus na terra.
5 Simão identificou-se com o poder demonstrado por Filipe, e creu apenas intelectualmente na pregação do Evangelho. Ele
queria o poder de Deus e não o Deus do poder. Infelizmente, esse é um engano que vem ocorrendo até nossos dias. A maior e
mais difícil demonstração de conversão da alma de uma pessoa está na sua humilde e permanente obediência à Palavra. Pedro
percebe que Simão não havia permitido ainda que o Evangelho transformasse seu coração, e o exorta a buscar o perdão do
Senhor. Todos os crentes devem almejar viver em santidade, mas ao errar (Fl 3.14) devem arrepender-se sinceramente (1Jo 2.1-
2), voltando imediatamente ao Caminho (Jesus).
6 A Igreja em Jerusalém assumiu a responsabilidade de cuidar das novas congregações que surgiam a todo momento em
várias partes. Samaria completa a terceira onda na prometida expansão geográfica do Evangelho com destino aos confins
da terra (1.8; 5.16). João, filho de Zebedeu, amigo querido de Jesus, autor do evangelho que traz seu nome, e de três cartas
canônicas às igrejas e do livro de Apocalipse, aparece aqui pela última vez no livro de Atos (Gl 2.9). É interessante notar o
amadurecimento espiritual daquele que quis mandar fogo do céu sobre os samaritanos, mas que agora invoca sobre eles o
Espírito Santo (Lc 9.54).
7 Em Atos, o recebimento do Espírito Santo tem como evidência inicial a manifestação de algum dom do Espírito. Todos os que
pertencem a Cristo recebem o dom do Espírito Santo (Rm 8.9). Entretanto, o Espírito não havia ainda se manifestado aos cristãos
de Samaria, e, por isso, esse evento passou a ser conhecido como o “Pentecostes de Samaria” (10.44). É interessante notar que
a expressão grega transliterada: eis to onoma, e que significa: “em nome”, era uma maneira de formalizar um documento de
transferência de propriedade ou de recursos financeiros para “o nome” ou o domínio de alguém (Cl 1.13).
8 O estado de amargura apontado por Pedro em relação a Simão é uma expressão que tem origem no AT (Dt 29.18 e citado
em Hb 12.15). Nesse contexto, refere-se a um tipo de má influência que, uma pessoa envolvida em pecado passa a exercer sobre
todo o povo. Pedro não está dizendo que Simão cometeu um pecado imperdoável (Mt 12.32), mas sim que carecia de profundo
quebrantamento na presença do Senhor para apropriar-se do perdão divino. Infelizmente, a falta de humildade de Simão, o Mago,
era nítida (v.24).
9 Gaza foi uma das cinco grandes capitais dos filisteus. Entretanto, a frase “pelo caminho deserto” indica a velha cidade,
destruída por Alexandre Janeu em 93 a.C., e que ficava a 80 km de Jerusalém. A Etiópia correspondia, nessa época, à região
da Núbia, desde o alto do Nilo (da catarata de Assuã) até Cartum. A rainha mãe etíope recebia o título de “Candace”, e era
responsável pelos deveres seculares do monarca reinante (considerado demasiado sagrado para exercer esses serviços). Era
comum usar eunucos, como homens de confiança e oficiais, nos governos orientais. Irineu, um dos pais da igreja primitiva (180
a.C.), relata em seus escritos que esse eunuco se tornou dedicado missionário cristão entre os etíopes. Ler em voz alta era uma
forma de mostrar reverência ao texto sagrado na antigüidade.
10 Várias passagens proféticas, como Is 52.13 a 53.12, são praticamente incompreensíveis para todos aqueles que desconhe-
cem a história de Jesus Cristo. Ao longo dos séculos, os judeus gradativamente foram se afastando da interpretação messiânica
original e atribuindo a antiga figura do Messias ao próprio povo de Israel, tanto no sofrimento quanto em sua futura exaltação.
11 Esse versículo não consta de vários manuscritos gregos. Entretanto, aparece em alguns originais como uma nota litúrgica
rabínica desde os tempos da igreja primitiva. E, por isso, consta das edições da Bíblia King James desde 1611.
12 Azoto era conhecida como Asdode, uma das cinco cidades da Filístia (1Sm 5.1). Situava-se a cerca de 30km de Gaza e a
100km de Cesaréia. O relato de Lucas deixa Filipe, nesse momento, na grande cidade portuária de Cesaréia, onde reaparece 20
anos mais tarde (21.8), exercendo seu dom de evangelista e cooperando com a liderança apostólica da Igreja. Todas as vezes
que Lucas usa a expressão: “cheio de júbilo” ou “pleno de alegria”, refere-se a um estado de plenitude espiritual produzido pela
presença abundante do Espírito Santo. É a alegria da salvação (16.34; Mc 10.22).
1 Um dos títulos de Jesus era “o Caminho” (Jo 14.6). Com o passar do tempo, as pessoas do povo foram se referindo aos
discípulos e seguidores de Jesus como “os do Caminho”. Essa expressão tornou-se um termo técnico, usado para denominar o
cristianismo. Foi o nome primitivo da religião cristã (16.17; 18.25,26; 19.9,23; 22.4; 24.14,22; 2Pe 2.2).
2 Saulo (em aramaico: shã’ül, Saul, que significa: “pedido de Deus”) surge para a história diante da morte do diácono Estevão
(nome grego que significa: “coroa”), executado sumariamente por apedrejamento (7.58). Somente os romanos praticavam a cru-
cificação dos condenados à morte. Saulo ouviu o discurso de Estevão e supervisionou sua condenação e linchamento, como de
costume (22.4; 26.10). Nascido na cidade grega de Tarso (judeu fariseu e cidadão romano) , estudou com o mais importante mestre
da época, Gamaliel (22.3; Fl 3.4-14). A conversão de Saulo é o mais importante fato histórico, desde o Pentecostes até nossos dias.
Essa luz, vinda do céu, ocorreu por volta do meio-dia (26.13). Saulo sabe que é uma voz divina que ouve em sua língua natal: o
aramaico, mas quer saber com quem fala da parte do Senhor. Pela tradição rabínica, possivelmente um anjo estivesse lhe trazendo
uma mensagem de Deus. Entretanto, ele ouve a voz de Jesus que lhe questiona a razão para tanto ódio e perseguição. Jesus deixa
claro que todo aquele que atentar contra a Igreja e seus discípulos, contra Ele próprio estará se indispondo.
3 Ananias (22.12) era um nome bastante comum e derivado da forma hebraica Hananiah, que quer dizer: “O Senhor demonstra
sua graça” (Dn 1.6). A rua Direita existe até hoje em Damasco, sendo uma longa e reta avenida que corta toda a cidade de leste a
oeste. Difere muito das demais ruas e avenidas da cidade que, em sua maioria, são sinuosas. Tarso, a cidade natal de Saulo, era
um grande centro universitário e capital da Cilícia.
4 Uma forma respeitosa e carinhosa de se referir aos discípulos de Cristo (o Justo – 7.52) era chamá-los de “santos” (esco-
lhidos, separados para Deus), pois, uma vez batizados com o Espírito Santo, todos os crentes passam a ser “santos”: povo
exclusivo de Deus (1Pe 2.9).
5 A expressão grega aqui traduzida por “instrumento” também pode ser interpretada como “vaso”. Neste sentido, podemos ob-
servar a ação de Deus, escolhendo “vasos” (pessoas) para consagrá-los ao seu serviço (2Tm 2.20-21); capacitados para agirem
em o Nome de Jesus (1Co 11.1); vazios de si mesmos e do poder do pecado, mas cheios do Espírito Santo (17; Gl 2.20).
6 Saulo que presenciou a morte e o sofrimento de tantos cristãos, sem compreender a loucura daquele suposto fanatismo,
agora se tornará o judeu, crente em Jesus Cristo, mais brilhante e dedicado da história da Igreja. Seu sofrimento será um teste-
munho de amor ao Senhor e luta pela salvação da humanidade (Cl 1.24; 2Co 11.23). Falará aos reis gentios como Agripa (26.1)
e o poderoso César em Roma (25.11-12; 28.19).
7 Jesus buscou pessoalmente a Saulo para nomeá-lo seu servo e apóstolo (em grego: apostellõ). E sobre este fato, Paulo
firmou toda sua vida de ministério apostólico, pois fora comissionado diretamente por Jesus Cristo (1Co 9.1; 15.8).
8 Saulo, devido a sua cultura rabínica, adotou o costume de Jesus de visitar as sinagogas e aceitar os convites normalmente
feitos aos mestres visitantes para pregar (13.5; 14.1; 17.1-10; 18.4-19; 19.8). A mensagem de Paulo falava diretamente ao coração
dos gentios e refletia sua experiência e convicção pessoal, que passara a ter após seu maravilhoso encontro com Cristo na estra-
da de Damasco. É interessante notar as ênfases doutrinárias de Paulo, quanto a Jesus ser o Filho Unigênito de Deus e o Messias
prometido; e de Pedro, quanto à sua proclamação de que Cristo é o Senhor.
9 A expressão no original grego é literalmente “quando se completaram dias consideráveis”. Entretanto, o próprio apóstolo Pau-
lo nos informa que após sua conversão e restabelecimento físico, retirou-se para o deserto da Arábia (na vizinhança de Damasco)
por quase três anos, onde se dedicou ao estudo, oração e ao seu desenvolvimento espiritual.
10 A fama de Saulo era tão horrível que os discípulos em Jerusalém temiam que ele apenas estivesse se fazendo passar por
crente a fim de capturar o maior número de fiéis possível. Todos os apóstolos estavam ausentes naquele momento, menos Pedro
e Tiago, o irmão de Jesus Cristo. Apesar de Tiago não ser oficialmente um dos Doze, tinha uma posição de autoridade espiritual
plenamente reconhecida em Jerusalém e comparável a de um apóstolo.
11 Essa é a primeira vez que a palavra grega “igreja” aparece no singular, significando a totalidade do Corpo de Cristo (Gl 1.22;
1Ts 2.14). A igreja ideal é edificada no amor e na Palavra (Rm 15.1-14); vive motivada e impulsionada pelo Espírito Santo (a palavra
“encorajamento” vem do original grego paraklesis, que quer dizer: “animar, exortar em amor indicando o melhor caminho”). O
Espírito Santo, além de nosso Advogado (guia e defensor) é nosso principal encorajador (Jo 14.16-26). Uma igreja assim sen-
te-se motivada a evangelizar (comunicar as Boas Novas aos semelhantes) e, portanto, cresce multiplicando-se em número (8.4).
Pedro ora por curas e prodígios com eles. Assim que chegou, levaram-no
32 Aconteceu que, viajando Pedro por ao aposento do andar de cima da casa.
toda parte, chegou também aos santos Todas as viúvas o rodearam, chorando
que habitavam em Lida. e mostrando-lhe os vestidos e outras
33 Ali encontrou um homem paralítico roupas que Dorcas havia feito para elas
que se chamava Enéias, e que estava enquanto estava viva.
prostrado numa cama fazia oito anos. 40 Pedro pediu que todos deixassem o
34 Então, Pedro lhe afirmou: “Enéias, quarto; em seguida, ajoelhou-se e orou.
Jesus, o Cristo, cura a ti. Levanta-te e Dirigindo-se à mulher morta, ordenou-
arruma a tua cama”. E ele se levantou no lhe: “Tabita, levanta-te!”. Ela abriu os
mesmo instante. olhos e, vendo a Pedro,13 sentou-se.
35 E viram-no todos os que moravam em 41 A seguir, ele lhe deu a mão e ajudou-a
Lida e Sarona, os quais se converteram a colocar-se em pé. Então, chamando os
ao Senhor. santos, principalmente as viúvas, apre-
36 Entrementes, havia em Jope uma sentou-a viva.
discípula chamada Tabita, que em grego 42 Este fato se tornou conhecido por toda
significa Dorcas; que se dedicava ao mi- a cidade de Jope, e foram muitos os que
nistério de boas obras e ajuda financeira passaram a crer no Senhor.
aos pobres. 43 Pedro ficou muitos dias em Jope, hos-
37 E aconteceu que naqueles dias ela fi- pedado na casa de um curtidor de peles
cou muito doente e morreu. Seu corpo chamado Simão.14
foi banhado e colocado em um quarto,
no andar superior da casa.12 A visão do centurião crente
38 Como a cidade de Lida ficava pró-
xima de Jade, quando os discípulos
ficaram sabendo que Pedro estava ali,
10 Havia em Cesaréia um homem
chamado Cornélio, centurião
do regimento militar conhecido como
logo enviaram-lhe dois homens com o italiano.1
seguinte pedido: “Não te demores em 2 Esse homem era piedoso e temente a
vir até nós!”. Deus, assim como toda a sua família. Ele
39 Então, levantando-se Pedro partiu era generoso em ajudas financeiras aos
12 Judeus e gregos tinham o costume de banhar os corpos em preparação (purificação) para o sepultamento. Em Jerusalém,
o corpo deveria ser sepultado no mesmo dia que a pessoa morresse; mas, fora dos muros da cidade, permitia-se um período de
até três dias para o sepultamento. Entretanto, o corpo deveria ser colocado num quarto ou andar superior da casa. Os discípulos
esperaram com fé pela chegada de Pedro.
13 Pedro havia estado presente nas ocasiões em que os evangelhos registram Jesus ressuscitando pessoas (Mt 9.15; Lc 7.11-
17; Jo 11.1-44). Ele cumpre sua comissão de Mt 10.38 e, assim como Elias e Eliseu no AT (1Rs 17.17-24; 2Rs 4.8-37), Pedro ora ao
Senhor e então ordena que Dorcas volte à vida. Diante dessa demonstração de que Jesus, por meio do Seu Espírito, continuava
a viver e a operar em seus discípulos, muitas pessoas de toda aquela região creram (Jo 11.41,42; 12.9-11). Jope situava-se cerca
de 60km de Jerusalém, sendo um grande porto marítimo da Judéia. Hoje é chamada de Yafo, uma importante comunidade
residencial de Tel Aviv. Lida ficava a cerca de 20km de Jope.
14 Um curtidor de couro trabalhava no tratamento das peles dos animais mortos e, por isso, segundo a tradição judaica,
tornava-se impuro e era desprezado pelo povo em geral. Ao aceitar a hospedagem de Simão, o curtidor, Pedro demonstra uma
forte disposição de rejeitar o antigo preconceito religioso judaico. Mais tarde, sua visão será ainda mais ampliada por Jesus, que
o enviará como missionário aos gentios.
Capítulo 10
1 Cesaréia ficava cerca de 50km ao norte de Jope. O centurião era um oficial romano que comandava uma unidade militar
composta de 100 homens (Lc 7.2). Uma legião romana (cerca de seis mil soldados) era dividida em dez regimentos ou cortes,
cada grupo adotava um nome. Esse era chamado de “Italiano” (assim como o que aparece em 27.1 se chamava “Imperial”). Cada
centurião tinha comando sobre a sexta parte de um regimento e, em geral, tinham boa formação (Lc 7.5). Nota-se a importância dada
à conversão deste primeiro gentio (veja os capítulos 10,11 e 15.7-14). Essa é uma época em que as tradições milenares judaicas se
misturam aos novos conceitos cristãos. Muitos pregavam que os pagãos convertidos a Jesus deviam se tornar membros irrepreen-
síveis na Igreja e guardar a Lei. E os judeus convertidos deviam aceitar os gentios e com eles ter plena comunhão.
2 Cornélio era um gentio monoteísta e que participava do culto na sinagoga, guardava o sábado e os ritos quanto à alimenta-
ção. Ele tinha todas as qualificações de um prosélito, menos a circuncisão e o batismo, cerimônias indispensáveis no testemunho
de conversão ao judaísmo. O texto no original sugere que Cornélio orava pedindo a Deus por uma revelação quanto ao verdadeiro
Caminho que deveria seguir, pois seu coração generoso ainda clamava pelo preenchimento do Espírito. A missão do anjo foi unir
rapidamente Cornélio e Pedro (8.26; 9.10).
3 A expressão literal “hora nona” corresponde às três horas da tarde (um dos horários de oração com incenso dos judeus) e de-
monstra o quanto Cornélio procurava cumprir as práticas religiosas judaicas (3.1). Na visão de Cornélio, apesar do susto natural,
não ocorreu qualquer espécie de êxtase, apenas a transmissão de um recado de Deus, enquanto aquele orava (v.30; 9.11).
4 Deus compara as orações de um coração fiel, sincero e generoso à porção da oferta dos manjares que era queimada diante
da Sua presença no AT, chamada: “memorial”. As orações de Cornélio assemelhavam-se aos sacrifícios dos judeus piedosos
esperando pelo Messias (Lv 2.2-16).
5 Eram comuns nas casas palestinas os telhados planos, em laje, com escadarias externas. O terraço superior (eirado) era usa-
do como lugar apropriado para momentos de reflexão, devoção e, em outras oportunidades, para reuniões sociais a céu aberto.
6 A expressão nos originais gregos, aqui traduzida por “êxtase”, revela que Deus produziu na mente de Pedro um estado
especial de consciência, por meio da qual poderia ver e ouvir perfeitamente a mensagem que o Senhor lhe desejava transmitir.
Não foi uma alucinação, nem tampouco imaginação, fruto de qualquer vertigem. A expressão “céu aberto” indica uma concreta
revelação divina (Lc 3.21). O meio-dia corresponde à forma literal: “hora sexta”.
7 A expressão: “toda espécie de quadrúpedes” significa: toda a criação, incluindo os animais puros e impuros (Lv 11), assim
como na tríplice divisão do mundo animal aparece em Gn 6.20.
8 A expressão original grega: thuseis significa mais que o simples ato de matar um animal para comer, seu sentido amplo
e correto é: “oferecer em sacrifício”. Essa é uma indicação clara de Deus para que Pedro (e todos os judeus) deixem de lado
todas as barreiras religiosas quanto ao estabelecimento de uma plena comunhão de mesa com os gentios de todas as nações
(Gl 2.12-21).
9 Jesus já havia preparado o caminho para que as ordenanças quanto aos alimentos religiosamente puros e impuros fossem
superadas por outros valores mais importantes do Reino (Mt 15.11; 1Tm 4.3-5). Pedro, como nós, parece sempre necessitar ouvir
algumas repetições da parte do Senhor.
10 Ao convidá-los a entrar e oferecer-lhes alojamento, Pedro está, humildemente, dando o primeiro passo em direção à acei-
tação dos gentios. Pois, pelas antigas leis judaicas, um judeu jamais poderia receber um gentio sob o mesmo teto. O Espírito
confirmou o significado surpreendente (para um judeu tradicional), mas evidente, da visão. Deus aboliu em Cristo qualquer
distinção entre judeus e gentios (Gl 3.28). Seis crentes judeus foram com Pedro na expectativa de participar de algum evento
importante (10.45; 11.12).
11 Pedro compreendeu que sua visão tinha um sentido mais profundo e abrangente do que apenas declarar a distinção entre
uma carne pura e boa para o consumo de uma imprópria; reconheceu que o grande obstáculo que por séculos separou os judeus
dos demais povos da terra, em Cristo, havia sido vencido (Ef 2.11-22). O fundamento do evangelho universal foi a base dos ideais
democráticos e abolicionistas (nenhum homem deve ser escravo de outro, por nenhuma razão).
12 Os judeus contavam parte de um dia como um inteiro. Portanto, foram quatro dias: o dia em que o anjo apareceu a Cornélio,
o dia que os mensageiros chegaram à casa onde estava Pedro, o dia em que a comitiva parte com Pedro de Jope e, o quarto dia,
em que chegam à casa de Cornélio. Alguns originais antigos e fiés em grego trazem a expressão “jejuando” ao lado do vocábulo
“orando” (como em Mt 9.15).
dades, recebe todo aquele que o teme e 42 E foi Ele mesmo que nos mandou
pratica a justiça. pregar a todas as pessoas e testemunhar
36 Esta é a Palavra que Deus mandou aos que foi a Ele que Deus constituiu Juiz dos
filhos de Israel, anunciando-lhes o evange- vivos e dos mortos.17
lho da paz, por intermédio de Jesus Cristo. 43 Todos os profetas testemunham sobre
Este, portanto, é o Senhor de todos.13 Ele, afirmando que qualquer pessoa que
37 Essa Palavra, vós muito bem conhe- nele crê recebe o perdão de todos os pe-
ceis, foi proclamada por toda a Judéia, cados, mediante o seu Nome”.
começando pela Galiléia, depois do ba- 44 E aconteceu que enquanto Pedro ain-
tismo pregado por João,14 da pronunciava estas palavras, o Espírito
38 e se refere a Jesus de Nazaré, de como Santo desceu de repente sobre todos os
Deus o ungiu com o Espírito Santo e que ouviam a mensagem.
poder, e como ele caminhou por toda a 45 Aqueles crentes judeus que vieram
parte realizando o bem e salvando todos com Pedro ficaram admirados de que o
os oprimidos pelo Diabo, porquanto dom do Espírito Santo estivesse sendo
Deus era com Ele. derramado inclusive sobre os gentios,18
39 E nós somos testemunhas de tudo o 46 porquanto, os ouviam se expressando
que Ele realizou na terra dos judeus, bem em línguas estranhas e exaltando a Deus.
como em Jerusalém, onde o assassinaram, Diante disso, exclamou Pedro:
suspendendo-o num madeiro.15 47 “Será possível que alguém ainda recuse
40 Deus, entretanto, o ressuscitou ao ter- água e impeça que estes sejam batizados?
ceiro dia e lhe concedeu que fosse visto, Eles, assim como nós, receberam o mes-
41 não por toda a população, mas por mo Espírito Santo!”.19
testemunhas que previamente escolhera 48 Em seguida, mandou que fossem
para este propósito, por nós que co- batizados em o Nome de Jesus Cristo.
memos e bebemos com Ele depois que Então, suplicaram a Pedro que permane-
ressuscitou dos mortos.16 cesse com eles por alguns dias.
13 A primeira mensagem dirigida aos gentios revela que Deus não é como um rei que dispensa favores aos seus favoritos. Essa
frase no grego é uma tradução do hebraico e se refere a um juiz parcial e interesseiro. Pedro não prega a salvação por méritos ou
obras, mas a aceitação de Deus, oferecida graciosa e misericordiosamente a todos os seres humanos de todas as nacionalida-
des. Nem raça ou rito religioso salvam. Somente o dom gratuito de Deus, que se revela a quem o busca com sinceridade (17.27).
Cristo não é somente o Messias nacional de Israel, mas o Rei do Universo. Só por meio de Jesus Cristo pode haver paz entre
Deus e os seres humanos (Is 52.17) e entre judeus e gentios (Ef 2.17).
14 Cesaréia ficava cerca de 35km de Nazaré. Portanto, era muito natural que as notícias sobre a vida e o ministério de Cristo
por toda a Galiléia houvessem chegado ao conhecimento do povo de Cesaréia, especialmente aos novos convertidos (judeus e
gentios). Pedro começa sua exposição bíblica, do mesmo modo que o esboço de Marcos, com o batismo realizado pelo profeta
João Batista e segue até a ressurreição de Jesus Cristo. Esse é um fato extremamente importante, uma vez que os pais da Igreja
primitiva consideravam Marcos como grande amigo, intérprete e escriba de Pedro.
15 O vocábulo “madeiro”, nos originais em grego: xulon, que significa: “mastro feito de árvore” ou “estaca de madeira”, é uma
expressão característica de Pedro (5.30 e 1Pe 2.24).
16 As pessoas que tiveram o privilégio de comer e beber com Jesus após sua morte e ressurreição, foram testemunhas oculares
das evidências inconfundíveis da sua ressurreição física (Lc 24.42-43; Jo 21.12-15; Ap 3.20).
17 Pedro refere-se à comissão dada aos apóstolos e a todo crente em Jesus (Lc 24.47-48; At 1.8). Jesus é o Juiz de vivos e
mortos (1Pe 4.5-6).
18 A expressão literal usada para descrever o advento do Espírito naquele momento foi: “caiu o Espírito”, cujo sentido está na
velocidade e amplitude do fenômeno, que num instante tomou por completo a cada um dos indivíduos presentes. Esse fato ficou
conhecido como o Pentecostes dos gentios (mesmo antes do batismo), confirmando assim a inclusão daqueles crentes na Igreja,
sem a necessidade de passar pelos ritos de conversão ao judaísmo.
19 Os primeiros cristãos judeus tinham grande dificuldade em aceitar que os gentios convertidos a Jesus tivessem os mesmos
direitos e participação nas bênçãos da redenção. Todavia, os gentios haviam recebido o mesmo dom (11.17) dos crentes judeus.
Os crentes gentios foram agraciados com a mesma visitação poderosa do Espírito de Deus e falaram em línguas, exatamente
como seus irmãos judeus no Dia de Pentecostes. Essa era uma evidência inquestionável de que o Reino estava pronto a receber
judeus e gentios. Portanto, o batismo – como marca e símbolo da união do crente com Cristo e Seu Corpo (a Igreja) – não pode,
de maneira alguma, ser jamais negado a todo aquele que, arrependido dos seus pecados, desejar unir-se a Jesus e viver eterna-
mente em Seu Reino (Rm 6.3-5; 1Co 12.13).
1 A repetição, em sua essência, da narrativa da conversão de Cornélio demonstra a importância que o assunto da admissão dos
não judeus (gentios) à plena comunhão da Igreja teve para Lucas e seus contemporâneos. Às vezes, a expressão “irmãos” é usa-
da em alusão aos que possuíam ascendência judaica em comum (2.29; 7.2). Contudo, nos contextos cristãos a mesma expressão
tem o sentido de “unidos em Cristo” (6.3; 10.23). Em questões mais complicadas ou polêmicas, os apóstolos preferiam não tomar
decisões isoladas. Embora a vontade divina oferecesse orientação clara e segura, e os apóstolos muito bem a interpretavam e
encorajavam sua contínua busca diante de Deus, o conselho e aprovação de toda a Igreja – como Corpo de Cristo – já era uma
atitude de sabedoria praticada por muitos deles (6.5; 11.1,22; 15.4 de acordo com 15.22).
2 Não demorou para que se formasse na Igreja primitiva grupos que defendiam politicamente certos pontos de vista. Os crentes
judaicos (circuncisos) que se opuseram à aceitação de gentios incircuncisos na Igreja, se constituíram no partido da circuncisão
ou judaizantes. Eles pregavam a manutenção da obediência completa e irrestrita a Lei, o cumprimento do ritual da circuncisão,
da guarda do sábado e dos alimentos puros, assim como da exclusividade dos judeus na comunhão da mesa (15.1-5; 21.20;
Gl 2.4,12).
3 A expressão “tu e toda a tua casa” não se refere apenas à família, mas de igual modo aos escravos, empregados e a todas as
pessoas que estivessem sob a autoridade e proteção de Cornélio (Gn 6.18).
4 Pedro e seis judeus crentes formaram as sete testemunhas que, especialmente para os judaizantes, era o número necessário
para garantir a veracidade de um relatório daquela natureza e importância (Ap 5.1). Os judeus interpretavam o advento do Espírito
Santo como uma bênção exclusiva para o povo de Israel. Pedro, inspirado pelo Espírito Santo, teve seu próprio preconceito
quebrado e sua visão do Reino ampliada. Por isso, com propriedade, colocou diante dos irmãos, especialmente do partido da
circuncisão, que ele não se via com autoridade para opor-se a uma ordem expressa de Deus. Qualquer impedimento à livre
participação dos crentes gentios na vida da Igreja, doravante, seria considerada como uma resistência à vontade soberana do
Altíssimo (Gl 5.1-4).
5 Os judaizantes ficaram sem argumento e se renderam intelectualmente à defesa de Pedro. Entretanto, emocionalmente ainda
não estavam plenamente convencidos, o que acarretaria sérios problemas futuros (At 15; Gl 2).
6 Antioquia era a terceira cidade mais importante do Império Romano na época (depois de Roma e Alexandria). Situava-se cerca
de 25km distante do litoral, no canto nordeste do Mediterrâneo. Aqui surgiu a primeira igreja constituída, em sua maioria, por
gentios convertidos. De Antioquia partiram as três grandes viagens missionárias de Paulo (13.1-4; 15.40; 18.23). Barnabé era de
Chipre (4.36), Lúcio de Cirene (13.1) e os filhos de Simão, bem conhecidos na Igreja primitiva (Mc 15.21; Rm 16.15). É interessante
notar que os fundadores das igrejas de Roma e Antioquia eram leigos. Jesus Cristo passa a ser apresentado aos gentios como
Senhor (em grego: kurios), pois o Messias e seu ministério estão mais relacionados a Israel e seu povo (2.36; 5.42; 8.5; 9.22).
7 A igreja adotava o princípio de enviar líderes “cheios do Espírito” (Estevão, Barnabé) para ensinar e encorajar os novos grupos
de crentes (igrejas) que iam espontaneamente se formando em vários lugares (4.36; 6.5; 8.14; 9.27). A origem do título: “cristãos”
para os crentes e seguidores de Jesus Cristo é nebulosa. Entretanto, quer tenha sido formulado pelos inimigos do Evangelho
como uma expressão de crítica, ou fruto da criação popular, o fato é que o termo, nos manuscritos gregos mais antigos e fiéis
significa: “aqueles que pertencem a Cristo”.
8 Os profetas do AT e NT eram carismáticos e comunicavam a Palavra pelo poder do Espírito Santo (1Pe 1.10-12). Nas listas
dos líderes da Igreja geralmente ocupam o segundo lugar, logo após aqueles que foram agraciados com o dom apostólico (1Co
12.28-29; Ef 4.11), com quem formam a base da liderança espiritual para servir à Igreja (Ef 2.20-21). A expressão: “todo mundo”,
como aparece em algumas versões, se refere a “todo o mundo dominado pelo Império Romano na época”. O imperador Cláudio,
governou Roma durante os anos 41 e 48 d.C. A história registra um terrível período de fome que se abateu sobre todo o Império,
principalmente no ano 46 d.C. Ágabo predisse também a prisão de Paulo (21.10). Em Atos, os profetas não apenas pré-anunciam
eventos importantes (v.27; 21.9-10), como também se ocupam do ensino e encorajamento do povo mediante a Palavra (15.32).
9 Na Igreja primitiva, era comum os membros mais ricos cooperarem com ofertas mais generosas, ainda que voluntárias (1Co
16.1). A decisão espontânea e unânime de ajudar os crentes necessitados da Judéia demonstra o verdadeiro sentido do amor
e da unidade da Igreja.
10 Aqui aparece a primeira referência aos presbíteros da Igreja (literalmente no original grego: “anciãos”). Esse era um termo
geral para os líderes das igrejas locais que formavam uma espécie de colegiado para liderança dos crentes, e que podia incluir
irmãos de vários dons: profetas, mestres, pastores (14.23; 20.28; Tt 1.5; 1Pe 5.2). Em Gl 2.1-2, somos informados de que essa
“visita” de Saulo e Barnabé contou com a presença de Tito e foi realizada “em obediência a uma revelação”.
1 Herodes Agripa I era filho de Aristóbulo, sobrinho de Herodes Antipas (que mandou decapitar João Batista e interrogou a
Jesus). Foi neto de Herodes o Grande (Mt 2; Mt 14.3-12; Lc 23.8-12). Quando Antipas foi exilado, Agripa recebeu a tetrarquia
(jurisdição) dele, bem como as de Filipe e Lisânias (Lc 3.1). Agripa foi educado em Roma; era amigo do terrível imperador Calígula
e apoiou a nomeação de Cláudio ao trono, que lhe retribuiu, em 41 d.C., com o acréscimo das regiões da Judéia e Samaria ao
reino que lhe havia sido concedido por Calígula. Conquistou a subserviência de muitos judeus (25.13).
2 Tiago e o apóstolo João eram os dois filhos de Zebedeu, primos e discípulos de Jesus (Mt 4.21; Mc 10.35-39). Como o Senhor
lhes havia profetizado, ambos beberam o cálice que lhes estava proposto (Mt 20.20-28). Tiago foi decapitado cerca de dez anos
após a ressurreição do Senhor.
3 A festa dos pães asmos (sem fermento) começava com as celebrações da Páscoa e durava oito dias. Neste momento
histórico, Pedro era o mais destacado líder espiritual da Igreja, o que levou muitos a pensar erroneamente que fosse uma espécie
de sucessor imediato de Jesus. O próprio Pedro jamais aceitou tal tipo de insinuação (10.24-26). Com o passar do tempo, ele
mesmo reconheceria a superioridade de Paulo (2Pe 3.15-16).
4 Os romanos dividiam a noite em quatro vigílias. Por isso, destacaram um grupo de quatro soldados para ficar acordados,
vigiando a Pedro, em cada turno.
5 Diante de obstáculos aparentemente intransponíveis, a oração é o mais poderoso canal de comunicação com Deus, que
sempre proverá uma solução. A expressão original grega: ektenõs significa “fervorosamente, ardentemente”, e foi usada por
Pedro em 1Pe 1.22 e 4.8 para descrever o verdadeiro amor cristão, que deveria ser a principal marca da igreja de Jesus Cristo
em todo o mundo.
6 Pedro estava preso numa das torres da fortaleza de Antonia, que se situava na região noroeste do Templo. Curiosamente, o
mesmo lugar onde, anos mais tarde, o apóstolo Paulo seria encarcerado (21.34 – 23.30). A luz que brilhou na prisão de Pedro
foi a glória do Senhor (Lc 2.9).
7 Maria era mãe de João Marcos (autor do segundo evangelho), tia de Barnabé (Cl 4.10) e proprietária de uma grande casa,
onde Jesus realizou a última ceia com seus apóstolos (Mc 14.13-15; At 1.13). Agora, o cenáculo (uma espécie de grande sala de
jantar) era o local preferido para as reuniões de oração, compartilhar e ensino na Igreja em formação (4.31). É interessante notar
que os líderes da Igreja estavam ausentes neste evento (v.17).
alpendre, e uma serva chamada Rode eles haviam promovido uma reunião
veio atender. e buscavam uma maneira de serem re-
14 Assim que reconheceu a voz de Pedro, cebidos em audiência por ele. Havendo
tomada de grande alegria, ela correu de conquistado o apoio de Blasto, homem
volta, sem abrir a porta, e exclamou: “É de confiança do rei, pediram paz, pois
Pedro! Ele está lá fora, à porta!”. dependiam das terras do rei para obter o
15 Todavia, eles lhe replicaram: “Estás alimento de suas famílias.
fora de si!”. Mas, diante da forte insistên- 21 Assim, no dia marcado, Herodes,
cia da mulher em afirmar que era Pedro, vestindo trajes majestosos, assentou-se
ponderaram-lhe: “Ora, é possível que no seu trono e proclamou um discurso
tenhais visto o anjo dele”.8 ao povo.
16 Entretanto, Pedro continuou batendo 22 Então, a multidão começou a gritar:
e, quando, enfim, abriram a porta e o “Eis que é um deus e não um simples
viram, ficaram atônitos. mortal que nos fala!”.
17 Ele, por sua vez, fazendo-lhes sinais 23 Mas, considerando que Herodes
com a mão para que se calassem, expli- não ofereceu glória a Deus, no mesmo
cou-lhes como o Senhor o havia liber- instante um anjo do Senhor o feriu, e ele
tado do cárcere, e pediu-lhes: “Anunciai morreu comido de vermes.10
isso a Tiago e aos demais irmãos”. E, 24 Entretanto, a Palavra de Deus continu-
saindo, retirou-se para outro lugar.9 ava a espalhar-se por toda a parte, multi-
18 Assim que o dia raiou, houve enorme plicando-se.11
tumulto entre os soldados quanto ao que 25 E, havendo concluído sua missão,
teria ocorrido a Pedro. Barnabé e Saulo voltaram de Jerusalém,
19 Ordenando uma busca completa e não levando consigo João, também conhecido
o encontrando, Herodes submeteu todos por seu segundo nome, Marcos.12
os guardas a severo interrogatório e, por
fim, os mandou executar. Passados esses A primeira viagem missionária
acontecimentos, foi Herodes da Judéia
para Cesaréia e permaneceu ali durante
algum tempo.
13 Na Igreja em Antioquia havia pro-
fetas e mestres: Barnabé, Simeão,
conhecido por seu segundo nome, Niger,
Lúcio de Cirene, Manaém que era irmão
Herodes morre após aclamação de criação de Herodes, o governador, e
20 Herodes estava tomado de ira con- Saulo.1
tra o povo de Tiro e Sidom; todavia, 2 Enquanto serviam, adoravam e jejua-
8 Os judeus preservavam a crença milenar de que as pessoas são assistidas por seus anjos guardiões. O próprio Jesus lembrou
que, especialmente as crianças e aqueles que não podem cuidar de si mesmos, recebem essa graça de Deus (Mt 18.10; Hb 1.14).
Entre o povo se dizia que, algumas vezes e por certo motivo, um anjo podia assumir a aparência física do seu protegido.
9 Pedro refere-se aqui a Tiago, filho de José e Maria, e, portanto, irmão do Senhor Jesus. Escolhido como moderador da Igreja
em Jerusalém, após o Pentecostes, e autor da carta que traz seu nome (Gl 1.1; 1.19; 2.11), seus ensinos se assemelham em
muito ao estilo de Jesus. Uma comparação entre sua epístola e o Sermão do Monte, por exemplo, revela mais de doze claros
paralelismos. Em 108 versículos encontramos 54 mandamentos. Pedro não foi para Roma até o ano 55 d.C. (Gl 2.1; At 15.2).
10 Era comum naqueles tempos que o povo, inclusive alguns judeus (por intimidação ou adulação), atribuíssem divindade
a um rei, especialmente aos imperadores romanos. O historiador judeu Flávio Josefo registrou em sua obra Antiguidades os
detalhes horríveis da morte que sobreveio a Herodes no ano 44 d.C. Deus zela pela glória que somente a Ele pertence e castiga
severamente o homem arrogante e presunçoso.
11 Esse é o terceiro relatório resumido do avanço extraordinário da Igreja. Mais três ainda serão registrados em Atos (6.7; 9.31;
16.5; 19.20; 28.31).
12 João Marcos, agora adulto, era aquele jovem que fugiu assustado na noite em que Jesus foi preso (Mc 14.51-52) e, que
depois, mais maduro, serviu como missionário na primeira parte da viagem de Saulo e Barnabé (15.38-39); foi discípulo e grande
companheiro de ministério de Pedro, e deixou para a Igreja seu relato do Evangelho.
Capítulo 13
1 O dom de profeta capacitava homens de Deus – tanto no AT como no NT - para a exposição clara e corajosa da Palavra,
com o objetivo de levar as pessoas ao arrependimento sincero e, portanto, de volta à comunhão com Deus. Freqüentemente,
vam ao Senhor, o Espírito Santo lhes lo, homem de grande inteligência. Este,
ordenou: “Separai-me, agora, Barnabé mandou chamar Barnabé e Saulo, pois
e Saulo para a missão a qual os tenho desejava conhecer a Palavra de Deus.
chamado”.2 8 No entanto, Elimas, o mago - pois é as-
3 Diante disso, depois que jejuaram e sim que se traduz o nome dele - opunha-
oraram, lhes impuseram as mãos e os se a eles, tentando desviar o procônsul
enviaram.3 da fé.
9 Contudo, Saulo, que traduzido é Pau-
Saulo notabiliza-se como Paulo lo, cheio do Espírito Santo, olhando
4 Dirigidos, portanto, pelo Espírito San- atentamente para Elimas o repreendeu
to, desceram a Selêucia e dali navegaram dizendo:6
para Chipre.4 10 “Tu estás cheio de toda mentira e malig-
5 Chegando em Salamina, proclamaram nidade. Filho do Diabo, inimigo de tudo o
a Palavra de Deus nas sinagogas judaicas. que é justo. Quando cessarás de perverter
João Marcos os seguia para auxiliá-los.5 os retos caminhos do Senhor?7
6 Depois de atravessarem toda a ilha até 11 Para que saibas que a mão do Senhor
Pafos, encontraram um judeu, chamado é contra ti, ficarás cego a partir de agora,
Bar-Jesus, que praticava feitiçaria e era e não verás a luz do sol por algum tem-
falso profeta. po”. E, no mesmo instante, Elimas sentiu
7 Ele assessorava o procônsul Sérgio Pau- como se um nevoeiro o encobrisse e seus
recebiam o poder divino para prever o futuro e realizar sinais e maravilhas. Apesar de raramente honrados por todos, eram
temidos e invejados (Dt 18.18-20; 2Pe 1.21; At 2.17-18; 1Co 14.29-32; Ef 3.5). Os mestres recebiam especial capacidade divina
para o ensino e a instrução do povo, em teologia bíblica e nos princípios de vida cristã (11.26; 15.35; 18.11; 20.20; 28.31; 1Co
12.28-29; Ef 4.11). Barnabé foi o primeiro missionário cristão a ser enviado pela Igreja de Jerusalém à Antioquia. Sua missão foi
levar donativos e encorajamento espiritual (11.22; 12.25). Simeão Niger tinha antecedentes judaicos, mas era conhecido por um
segundo nome latino: “Niger” (em latim: “negro”), devido à cor negra de sua pele. Lúcio (outro nome latino), como alguns outros
pregadores, vinha de Cirene, capital da Líbia (6.9; 11.20). Manaém, em hebraico: “Menahem” (que significa: “consolador”), foi
irmão de criação de Herodes Antipas e, portanto, conhecia os pensamentos e motivações desse ardiloso e tresloucado monarca
judeu a serviço do Império Romano (Mc 6.14-28; Lc 3.19; 13.31; 23.7).
2 O texto informa que a primeira viagem missionária foi fruto da vontade expressa do Espírito Santo. Enquanto os líderes da
Igreja em Antioquia “serviam” (essa expressão no original grego é: leitourgeõ, que significa, em seu sentido lato, mais do que
simplesmente “liturgia”, e, sim, qualquer obra humana realizada em Nome do Senhor), comunicou-lhes o Espírito, por meio dos
profetas, que separassem os mais dedicados e melhor preparados homens de Deus para uma missão que o próprio Senhor havia
planejado para que seus servos executassem. Em algumas igrejas e organizações para-eclesiásticas, hoje em dia, parece que os
irmãos planejam ações ministeriais para que o Senhor as execute.
3 A imposição de mãos era um ato cerimonial que indicava o compromisso espiritual e material da Igreja para com a vida
dos missionários comissionados e enviados ao campo. Essa designação (comissionamento) era precedida de jejuns e orações
(14.23-26 de acordo com Lc 2.37).
4 Chipre, cidade natal de Barnabé. Grande ilha ao sul da Turquia. Na época, rica na prospecção e exploração comercial do
cobre. No AT era conhecida como Quitim.
5 Os missionários obedeceram ao mandato messiânico e ofereceram o Evangelho, primeiramente aos judeus (Rm 1.16). João
Marcos foi como “auxiliar” (no original grego: hupereten que significa: “ministros da Palavra”, como aparece em Lc 1.2). Esses
“auxiliares” eram professores (catequistas), autorizados pelos líderes da Igreja, que, como Marcos, foram testemunhas oculares
dos acontecimentos históricos da vida de Jesus Cristo.
6 O nome Saulo vem da expressão hebraica: shã’ül que significa “pedido a Deus”. Era costume se usar um nome recebido na
infância (no caso Saul, de ascendência judaica) e outro atribuído na fase adulta por algum motivo especial. Como Saulo também
era cidadão romano, passou a ser chamado de Paulo, um nome latino de origem grega, cujo significado é: “de baixa estatura” ou
“pequeno”. A partir de agora, em Atos, Saulo será chamado por seu segundo nome (ou sobrenome) Paulo, especialmente por
causa da sua atitude, cheia do Espírito, corajosa e persuasiva, na evangelização do oficial romano e governador de Chipre, Sérgio
Paulo. Essas características, bem como a visão e dedicação em pregar o Evangelho para os gentios em todo mundo, marcaram
a vida e o ministério de Paulo até sua morte.
7 Paulo usa um dos significados do nome de Elimas (que em hebraico pode ser traduzido como “sábio, mago ou feiticeiro”)
para fazer um jogo de palavras com o mesmo nome em aramaico “Bar-Jesus” (“Bar” quer dizer “filho de” e “Jesus”, que significa:
“Jeová Salva”, o mesmo nome de Cristo), para enfatizar que ele era a personificação da mentira. Pois que se fazendo passar por
“sábio” e “filho de Jesus” era, na verdade, “filho do Diabo” e, portanto, um enganador.
olhos ficaram em trevas. Então, tateando, entregou a terra em que habitavam como
rogou a quem o pudesse guiar pela mão. herança ao seu povo.
12 O procônsul, observando o que havia 20 Isso tudo levou aproximadamente
acontecido, creu, profundamente im- quatrocentos e cinqüenta anos, quando
pressionado com a doutrina do Senhor. então, lhes deu juízes até a época do pro-
feta Samuel.
Paulo prega Jesus na sinagoga 21 Mas o povo lhe rogou por um rei, e
13 De Pafos, Paulo e seus companheiros Deus lhes concedeu Saul, filho de Quis,
navegaram para Perge, que fica na Pan- da tribo de Benjamim, que reinou pelo
fília. Então, João Marcos os deixou ali e espaço de quarenta anos.
regressou a Jerusalém.8 22 Depois que tirou o reinado de Saul,
14 Eles, no entanto, seguiram para além deu-lhes Davi como rei, sobre quem
de Perge e chegaram a Antioquia da testemunhou: ‘Achei Davi, filho de Jessé,
Psídia. No dia de sábado, entraram na homem segundo o meu coração, ele fará
sinagoga e se assentaram. tudo conforme a minha vontade’.10
15 Logo após a leitura da Lei e dos Pro- 23 E, da descendência desse homem, Deus
fetas, os administradores da sinagoga levantou para Israel o Salvador Jesus, as-
mandaram que se lhes fosse feito o se- sim como prometera.11
guinte convite: “Irmãos, se tendes em vós 24 Antes, porém, da chegada de Jesus,
alguma palavra de encorajamento para primeiramente veio João, pregando um
nosso povo, dizei-a”.9 batismo de arrependimento para todo o
16 Então, Paulo, colocando-se em pé, fez povo de Israel.
sinal com a mão, solicitando a aten-ção 25 Quando estava por concluir seu
dos presentes, e declarou: “Caros israeli- ministério, proclamou João: ‘Quem pen-
tas e vós, gentios, que igualmente temeis sais vós ser eu? Não sou eu o Messias.
a Deus, ouvi! Entretanto, eis que vem após mim aquele
17 O Deus deste povo de Israel esco- cujas sandálias eu não sou digno sequer
lheu nossos antepassados e honrou sua de desatá-las dos seus pés’.
gente durante o tempo em que, como 26 Irmãos, descendentes de Abraão e vós
estrangeiros, caminharam pela terra do não-judeus que temeis a Deus, a nós foi
Egito, de onde os libertou com braço enviada esta mensagem de salvação.
poderoso. 27 Pois, as pessoas que habitam em Jeru-
18 O Senhor zelou por eles com paciên- salém e seus governantes não reconhe-
cia, no deserto, durante cerca de quaren- ceram a Jesus, contudo, ao executá-lo,
ta anos. cumpriram as palavras dos profetas, que
19 Ele destruiu sete nações em Canaã e são lidas todos os dias de sábado.
8 Perge ficava na costa sul da região que atualmente pertence a Turquia, onde havia alta incidência de malária. Para alguns
estudiosos ligados ao Comitê Internacional de Tradução da KJ, esse foi o “espinho na carne de Paulo” (2Co 12.7). Uma região
mais saudável, na época, encontrava-se em Antioquia da Psídia, localizada cerca de mil metros acima do nível do mar. A razão
pela qual Marcos deixou a companhia dos missionários e decidiu voltar à Igreja em Jerusalém jamais ficou clara, mas desagradou
a Paulo (15.37-39).
9 O culto (serviço) religioso em uma sinagoga se dividia em algumas partes fundamentais: O Shema, uma espécie de convoca-
ção solene do povo à adoração do Senhor (Dt 6.4); oração pelo líder; leitura de partes selecionadas do Pentateuco (no shabbãth
– sábado – lia-se também partes dos Profetas); sermão por um membro idôneo da congregação (Lc 4.16) e/ou mestre (rabino)
visitante. Os administradores ou chefes das sinagogas eram responsáveis pela escolha e convite aos leitores e pregadores;
planejamento e organização dos cultos e outros serviços religiosos; manutenção da ordem e reverência.
10 Coincidentemente, o pregador também se chamava Saul e era da tribo de Benjamim (Fp 3.5). Como Davi foi incapaz de
cumprir toda a vontade de Deus, o texto refere-se imediatamente à sua descendência: Jesus (Jo 17.4). Paulo enfatiza que Davi é
o grande vulto do AT (1Sm 13.14), que antecipa a vinda do Senhor Jesus, o único Rei capaz de oferecer ao seu povo (todos os
seres humanos), a herança prometida do Reino de Deus (Gl 5.21; Cl 1.13).
11 Ao invés de “trouxe”, como em algumas versões, os melhores originais trazem a palavra “levantou” ao descrever a inter-
venção de Deus na ressurreição de Jesus (3.26), pois, foi ao ressuscitar dos mortos que Jesus Cristo consumou sua obra como
Salvador de todas as raças, povos e tribos (Jz 3.19); cumprindo a Promessa (23,32,34 de acordo com Is 11.1-16 e Gl 3.15-29).
28 Mesmo não encontrando motivo legal 37 Mas aquele a quem Deus ressuscitou
para condená-lo à sentença de morte, não foi afligido pela decomposição.14
rogaram a Pilatos que o mandasse cru- 38 Sendo assim, meus irmãos, ficai cientes
cificar.12 de que mediante Jesus vos é anunciado o
29 E, depois de terem cumprido tudo o perdão dos pecados.
que a respeito dele estava escrito, tiran- 39 E, por intermédio de Jesus, todo aquele
do-o do madeiro, depositaram-no em que crê é justificado de todas as faltas de
um sepulcro. que antes não pudestes ser justificados
30 No entanto, Deus o ressuscitou dentre pela Lei de Moisés.15
os mortos; 40 Acautelai-vos, pois, para que não vos
31 e, durante muitos dias, Ele foi visto sobrevenha o que foi anunciado pelos
por aqueles que tinham ido em sua profetas:
companhia da Galiléia para Jerusalém. 41‘Vede, ó escarnecedores, ficai atônitos
Essas pessoas agora são suas testemunhas e morrei; porquanto Eu realizarei, em
diante do povo. vossos dias, obra de tamanha grandiosi-
32 Nós vos anunciamos as Boas Novas da dade, que jamais vos seria possível crer se
promessa confiada a nossos antepassados, alguém apenas vos contasse’.
33 as quais Deus cumpriu para nós, seus
filhos, ressuscitando Jesus, assim como Paulo é convidado a pregar mais
está escrito no segundo Salmo: ‘Tu és 42 E, quando Paulo e Barnabé estavam
meu Filho, Eu hoje te gerei’.13 saindo da sinagoga, o povo os convidou
34 O fato de que Deus ressuscitou a Jesus a ensinar mais a respeito desse assunto
dos mortos, para que seu corpo jamais no sábado seguinte.
experimentasse a decomposição, foi 43 Depois que a congregação foi despedi-
declarado desta forma: ‘Eu cumprirei a da, muitos dos judeus e dos gentios devo-
vosso favor as santas e fiéis bênçãos de tos convertidos ao judaísmo seguiram a
Davi’. Paulo e Barnabé. Estes conversaram com
35 Porquanto, em outro Salmo, está ex- eles, recomendando-lhes que seguissem
plícito: ‘Não permitirás que o teu Santo perseverando na graça de Deus.16
sofra decomposição”.
36 Porque Davi, depois de servir a sua Paulo decide ensinar os gentios
própria geração pela vontade de Deus, 44 No sábado seguinte, quase toda a po-
adormeceu, foi sepultado com os seus pulação da cidade se reuniu para ouvir a
antepassados, e seu corpo se decompôs. Palavra de Deus.
12 Lucas faz questão de deixar bem claro a inocência de Jesus e dos apóstolos perante a Lei de Deus e dos homens, a fim de
mostrar aos poderes constituídos do Estado e autoridades legais que o cristianismo não traz qualquer ameaça à ordem jurídica
das nações.
13 Paulo faz referência à palavra profética de Davi no Salmo 2.7-9 (conforme Pedro e João em At 4.25). A mesma voz de Deus,
que ocorre em Lc 3.22, confirma o fato vital de que Jesus Cristo é o Filho de Deus (Rm 1.4).
14 Pedro e Paulo têm um discurso afinado e concordam teologicamente sobre os principais aspectos da fé cristã. A síntese da
história do evangelho nos vv. 24-31 é muito parecida com a mensagem de Pedro em 10.36-43; e o ritual do batismo é interpretado
como o sinal externo do arrependimento interno de cada pessoa que aceita o Salvador e Senhor Jesus. Paulo, como Pedro em
2.25-31, afirma que a profecia da preservação da decomposição (corrupção do corpo) não se referia a Davi (Is 55.3; Sl 16.10), mas
unicamente a Cristo que fora ressuscitado. Estes dois sinais: crucificação e ressurreição não faziam parte dos ensinos e profecias
em relação ao livramento messiânico que os judeus tanto aguardavam.
15 A ressurreição de Jesus confirmou a plena aceitação de Deus ao sacrifício ofertado pelo Senhor na cruz (2.38; 5.31;
Rm 4.25). A justificação associa dois aspectos básicos: o perdão dos pecados (claro neste texto) e a dádiva da justiça (em
Rm 3.21-22). O elemento-chave da pregação de Paulo é: a salvação se recebe exclusivamente pela fé (essa é a síntese das
cartas aos Romanos e Gálatas, ambas da autoria de Paulo). Nos versos seguintes, Paulo adverte quanto aos resultados da
incredulidade (Hc 1.5).
16 Os não-judeus que se convertiam ao Judaísmo, também chamados de “prosélitos” e que se submetiam à circuncisão (batis-
mo judaico), obedeciam à Lei e às doutrinas da sinagoga, eram considerados “piedosos” (devotos). Neste contexto, no original,
a palavra “Graça” significa “Evangelho” (vs. 38 e 39). Ou seja, perseverar em seguir os ensinos de Jesus.
17 Jesus é nosso grande exemplo missionário, o Servo de Jeová (Is 49.6). Como missionários de Deus devemos entregar
nossas vidas para que sejam queimadas como velas que iluminam o caminho dos povos.
18 A tradução deste texto corresponde, de forma literal, aos melhores e mais antigos originais. A eleição ou predestinação à
salvação não opera independentemente da fé humana, que deve ser voluntariamente exercida, para todos os efeitos (39, 46; Ef
2.8-9).
19 O ato de sacudir o pó dos pés era uma demonstração de que todo esforço havia sido empreendido para que aquela casa
ou povo recebesse com satisfação a Salvação e o Reino de Deus. Ao mesmo tempo, era uma manifestação de repúdio, diante
de Deus, contra aqueles que haviam rejeitado a Palavra de Deus e causado algum constrangimento ou sofrimento aos servos do
Senhor (Lc 9.5). A cidade de Icônio, hoje Konya, era uma importante encruzilhada, sendo grande centro agrícola da planície da
província da Galácia. Antioquia, Listra e Derbe localizavam-se ao sul desta província, e mais tarde seriam também contempladas
com a conhecida epístola (canônica) de Paulo aos Gálatas.
20 O sentido da palavra “alegria” no original grego tem a ver com um estado de plena satisfação, mesmo em meio às circuns-
tâncias adversas. Isso ocorre pela esperança certa (fé) de que Deus está agindo; e no controle de tudo e de todos. Não é apenas
um estilo sorridente, inconseqüente e descontraído de ser, mas fruto de um profundo sentimento de paz interior, que demonstra
a plena ação do Espírito Santo (Gl 5.22), encorajando-nos a cada dia, até a volta do Senhor.
Capítulo 14
1 Paulo e Barnabé venceram a primeira onda de perseguição. Quase sempre a estratégia satânica de desmoralizar a reputação
dos servos de Deus dá mais resultado prático e inicial do que refutar aberta e diretamente a Palavra. Tanto a incredulidade quanto
a desobediência (vocábulo derivado da expressão original grega opeithesantes – “incrédulos”) cooperam eficazmente para a
rejeição da Verdade (o Evangelho). Sinais e maravilhas seguiam os apóstolos com o propósito de confirmar a veracidade da
pregação cristã e a total aprovação de Deus.
2 A blasfêmia (ultrajar o Nome de Deus ou seus mandamentos) era um pecado punido sumariamente com a pena capital de
morte por apedrejamento. Os judeus não usavam a crucificação, pois a julgavam excessivamente cruel.
3 A expressão grega original sőthenai é a mesma palavra para “ser curado” e “ser salvo” (Mc 2.9-12).
4 Zeus (Júpiter, na mitologia romana), era o grande deus do panteão grego, e chefiava todos os demais deuses helênicos.
Hermes (Mercúrio) era filho de Zeus e porta-voz dos deuses do Olimpo (habitação das divindades pagãs na mitologia grega). As
pessoas identificaram na pessoa de Paulo a figura de Hermes: o mensageiro dos deuses, e em Barnabé a imagem de Zeus.
5 Na cultura oriental, e, particularmente na judaica, rasgar as vestes era um sinal de profunda aflição ou indignação contra um
ato ou palavra de blasfêmia (Gn 37.29-34; Mc 14.63).
6 Esta foi a primeira vez que as Boas Novas (o Evangelho) foram apresentadas a povos completamente pagãos. O apelo à
revelação natural de Deus (a criação do céu, mar, terra e seus habitantes) se baseia no fato de Deus ser o único grande e primeiro
Criador e, portanto, o Deus vivo que abençoa com sua misericórdia toda a humanidade (1Ts 1.9-10; Gl 4.9; At 15.19; 26.18). A
expressão: “práticas inúteis” (ou vãs) deriva de uma forma usada no AT para descrever falsos deuses (1Sm 12.21).
7 Deus deixou de castigar os pecados dos gentios (pagãos) devido a seu desconhecimento da Verdade (17.30). Entretanto,
Paulo ensinará mais tarde que Deus, na verdade, abandona os pagãos teimosos e impenitentes às suas próprias filosofias e
práticas mundanas, pois desprezam a verdadeira Luz, que é Jesus (Rm 1.18).
8 Apenas Paulo foi apedrejado, por ser considerado aquele que falava em o Nome do Senhor (2Co 11.25). A inconstância dos
Gálatas tem sua origem aqui (Gl 1.6), onde produziram em Paulo suas primeiras “marcas de Cristo” (Gl 6.17). Em 2Tm 3.11, Paulo
relembra esta tribulação vencida.
9 A organização das primeiras igrejas seguiu o modelo das antigas sinagogas, porém com a nova unção do Espírito Santo.
Paulo e Barnabé, como apóstolos de Jesus, selecionaram, estabeleceram e capacitaram para o ministério (discipularam) aqueles
que eram escolhidos pelo Espírito Santo para a obra de liderança espiritual dos crentes. Por isso, foram chamados “bispos”,
“presbíteros” (literalmente: “supervisores” em 20.28), ou ainda, “guias espirituais” como aparece em Hb 13.17. Esses servos do
Senhor e da Igreja lideravam congregações que se reuniam em casas.
10 Um princípio antigo do serviço missionário era prestar relatório à Igreja sobre o desenvolvimento e o cumprimento da missão
proposta. Paulo e Barnabé ficaram com os irmãos por mais de um ano. Deus havia aberto a porta do seu Reino para que os
gentios de todas as nações pudessem crer e serem salvos (11.18).
Capítulo 15
1 Levantou-se um grupo de judeus-cristãos, entre os fariseus convertidos na igreja em Jerusalém (v.5), que insistia em
convencer os gentios (não-judeus) a seguirem a Lei segundo os judaizantes (legalistas) ou “zelosos da lei de Moisés”, como eram
conhecidos na época (21.20). Uma das principais demonstrações dessa obediência era a circuncisão, ritual jamais aprovado
pelos apóstolos para os cristãos de qualquer etnia ou nacionalidade (Gl 2.11-16).
2 A passagem de 4 a 22 nos revela uma seqüência de reuniões para apresentação de relatórios e deliberações eclesiásticas:
reunião de boas-vindas e exposição de relatórios (4,5); reunião do concílio da igreja, composto de apóstolos, presbíteros e
demais membros responsáveis pelos ministérios da igreja (12,23); reunião geral dos líderes espirituais com toda a assembléia
da igreja (12-22).
3 Pedro, que havia retrocedido doutrinariamente, deixando-se influenciar pelos judaizantes e, por isso, merecendo justa
admoestação de Paulo (Gl 2.11-14), agora, em Jerusalém proclama sua mais profunda convicção e fé inabalável (10.28,29):
Deus concede a todos os gentios que aceitam a Cristo, o seu Espírito Santo, como prova irrefutável de conversão ao Senhor
(10.44,47; 11.17,18).
gentios e nós outros, purificando o cora- tenda de Davi, que está caída; reedificarei
ção deles pela fé.4 as suas ruínas, e tornarei a levantá-la;
10 Agora, pois, por que quereis tentar 17 para que o restante das pessoas busque
a Deus, colocando sobre as costas dos ao Senhor, sim, todos os gentios, sobre os
discípulos uma carga que nem nossos quais é invocado o meu Nome,
antepassados nem nós mesmos conse- 18 diz o Senhor que faz essas realizações
guimos suportar?5 desde os tempos antigos’.8
11 De modo algum! Cremos que somos 19 Portanto, julgo que não se deve cons-
salvos pela graça do Senhor Jesus, exata- tranger aqueles que dentre os gentios se
mente do mesmo modo que os gentios convertem a Deus,
também”. 20 todavia, escrever-lhes que se abste-
nham das contaminações dos ídolos, da
A palavra de sabedoria de Tiago imoralidade, da carne de animais sufo-
12 Então, toda a assembléia ficou em cados e do sangue.
silêncio, enquanto ouvia Barnabé e Paulo 21 Porque desde os tempos antigos, Moi-
relatando todos os sinais miraculosos e sés é pregado em todas as cidades, bem
prodígios que, por meio deles, Deus como é lido nas sinagogas em todos os
realizara entre os gentios.6 dias de sábado”.9
13 Quando acabaram de compartilhar,
Tiago pediu a palavra e arrazoou-lhes: O Concílio chega a uma decisão
“Irmãos, ouvi-me: 22 Então, os apóstolos e os presbíteros,
14 Simão narrou como primeiramente com toda a Igreja, decidiram escolher
Deus foi ao encontro dos gentios para alguns dentre eles e enviá-los para Antio-
edificar dentre eles um povo consagrado quia com Paulo e Barnabé. Escolheram
ao seu Nome.7 Judas, chamado Barsabás, e Silas, dois
15 E, com isso, estão de pleno acordo as líderes entre os irmãos.10
palavras dos profetas como está escrito: 23 E, por intermédio deles, mandaram a
16 ‘Depois disso voltarei, e reconstruirei a seguinte carta: “Os apóstolos e os irmãos
4 Com seu estilo peculiar, Pedro declara a verdadeira doutrina da justificação em Cristo por meio da fé (11), a qual é plenamente
confirmada por Paulo e os demais apóstolos (Rm 5.1; Gl 2.15-20; 2Co 1.24; 2Co 5.7; Cl 2.6; Ef 3.17; 1Jo 5.14).
5 Uma tendência recorrente dos líderes espirituais judeus era atribuir pesadas responsabilidades religiosas aos seus seguido-
res em nome da Lei de Moisés (Rm 7; Gl 5.1 de acordo com Mt 11.28-30). Depois do sacrifício expiatório de Cristo, seria uma
ofensa grave a Deus exigir rituais como a circuncisão e a submissão legalista às Leis e às diversas interpretações e aplicações
pregadas pelos fariseus. Este tipo de atitude seria como impor rituais e obrigações não solicitadas por Deus, bem como descon-
fiar (o que é uma maneira de se faltar com a fé) do relacionamento espiritual e da direção do Senhor para com seus filhos (Rm
3.9,24; Ef 2.8).
6 A assembléia geral que havia continuado seus debates, enquanto aguardava o concílio dos apóstolos e presbíteros que se
reunira em particular, agora estabelece profundo silêncio com respeito ao compartilhar de Barnabé e Paulo (Barnabé é citado
aqui, antes de Paulo, devido à sua importância na igreja de Jerusalém na época; o NT passa a citar Paulo e Barnabé, especial-
mente depois dos dramáticos eventos ocorridos na ilha de Chipre – 13.7-42).
7 Tiago, o irmão de Jesus Cristo, refere-se a Pedro por seu nome hebraico (Simão ou Pedro). Os argumentos de Tiago
enfatizam que a Igreja de Cristo, o Messias (o Nome), constituída de judeus e gentios de todo o mundo, agora é “povo de Deus”,
privilégio atribuído anteriormente apenas a Israel e sua descendência. Os cristãos são plenos beneficiários da Nova Aliança (Hb
8.8-13 de acordo com Jo 10.16 e 1Pe 2.9,10).
8 Tiago cita especificamente o profeta Amós (Am 9.11,12).
9 Tiago observa que cristãos e judeus devem buscar uma convivência fraterna e solidária diante dos princípios da Palavra de
Deus. Havia certas práticas que aos gentios não causavam escândalo, mas para os judeus eram profundamente inaceitáveis e
abomináveis. O conselho do apóstolo era que os gentios observassem a intenção divina (espírito da Lei) contida nos mandamen-
tos do AT (Gn 9.4; Lv 17.10-13; 18.6-18). Aqui vemos, uma vez mais, o amor e a preocupação dos apóstolos com a evangelização
dos judeus (1Co 9.20).
10 A igreja reunida escolhe dois servos operosos para a missão que o Senhor lhes estava propondo. Judas, chamado Barsabás
(que em hebraico significa: filho do sábado), irmão de José Barsabás (1.23). Silas era líder espiritual da Igreja em Jerusalém,
profeta, cidadão romano, cujo nome em latim era Silvano (32; 16.37), e amanuense de Paulo e Pedro nas cartas em que seu nome
é citado (1Ts 1.1; 2Ts 1.1; 2Co 1.19; 1Pe 5.12).
11 A autoridade absoluta nas decisões dos cristãos é outorgada ao Espírito Santo; entretanto, é importante notar que houve
entre os crentes franca e fraterna exposição de idéias que culminaram em harmoniosa concordância e decisão final, com apoio
dos apóstolos, presbíteros e demais irmãos em Cristo (22,23).
12 Marcos preferiu seguir sua visão pessoal naquele momento, separando-se de Paulo em Perge e não seguindo viagem até
Antioquia da Pisídia, Icônio, Listra e Derbe (13.13). Depois dessa passagem, Barnabé (nascido na ilha de Chipre – 4.36) e Marcos
não aparecem mais neste livro. Entretanto, em 1Co 9.6, o apóstolo Paulo faz questão de citar Barnabé como exemplo de um
servo do Senhor que não viu obstáculo em ter que trabalhar secularmente para poder levar o Evangelho ao povo, embora tenha,
juntamente com Pedro, sido fragilizado em sua doutrina cristã, em certa ocasião em Antioquia (Gl 2.11-13). Marcos e Barnabé
cooperaram no ministério com Pedro (1Pe 5.13). Paulo jamais se esqueceu de Marcos e da sua sinceridade e zelo pelo Evangelho,
tanto que, em sua primeira prisão, o apóstolo fez questão de inclui-lo em seu grupo apostólico (Cl 4.10; Fm 24), e perto da morte,
Paulo registra sua profunda admiração por Marcos ao pedir que fosse passar com ele seus últimos dias (2Tm 4.11).
13 Depois de cumprir a missão de entregar a carta proveniente de Jerusalém, Silas e Judas Barsabás retornam a Antioquia
para dar continuidade ao ministério junto àquela igreja local. Síria e Cilícia eram duas igrejas plantadas por causa da visão que
o Espírito Santo concedera a Paulo e à igreja de Antioquia durante os dez anos que o apóstolo ministrou em Tarso. Estas igrejas
também precisavam ser informadas sobre os importantes resultados do concílio (15.23; Gl 1.21).
mado Timóteo, filho de uma judia cristã, 9 Durante a noite, Paulo teve uma visão;
sendo seu pai grego.1 nela, um homem da Macedônia, em pé,
2 Os irmãos de Listra e Icônio davam rogava-lhe: “Passa à Macedônia e ajuda-
bom testemunho dele. nos!”.
3 Então, Paulo se interessou em que ele o 10 Imediatamente, após ter recebido a
acompanhasse em sua missão; para tan- visão, preparamo-nos para partir rumo
to, o circuncidou por causa dos judeus a Macedônia, concluindo que Deus nos
que viviam naquela região. Pois era do havia chamado para pregar o Evangelho
conhecimento de todos que seu pai era aos macedônios.5
grego.2
4 À medida em que passavam pelas A conversão de Lídia e sua casa
cidades, transmitiam as decisões to- 11 Navegando de Trôade, seguimos em
madas pelos apóstolos e presbíteros em linha reta até Samotrácia, e no dia se-
Jerusalém, a fim de que passassem a ser guinte para Neápolis.
obedecidas. 12 De lá rumamos para Filipos, que é a
5 Assim, as igrejas eram edificadas na fé e cidade mais importante desse distrito
cresciam em número, dia após dia. da Macedônia e colônia romana. Nessa
cidade ficamos vários dias.
Paulo é chamado à Macedônia 13 No dia de sábado, saímos da cidade
6 E, viajando por toda a região da Frígia para a beira do rio, onde imaginávamos
e da Galácia, Paulo e seus companheiros encontrar um bom lugar para orar. As-
de ministério foram impedidos pelo sentamo-nos e começamos a conversar
Espírito Santo de pregar a Palavra na com algumas mulheres que ali também
província da Ásia.3 estavam reunidas.6
7 Quando avizinharam-se da região da 14 Uma das mulheres que nos ouviam era
Mísia, procuraram subir até Bitínia, temente a Deus e chamava-se Lídia, ven-
mas também o Espírito de Jesus não lhes dedora de tecido de púrpura, da cidade
permitiu.4 de Tiatira. E aconteceu que o Senhor lhe
8 Então, contornando a Mísia, desceram abriu o coração para acolher a mensa-
para Trôade. gem pregada por Paulo.7
1 Essa é a segunda viagem missionária de Paulo, ocorrida por volta do ano 50 d.C. Paulo prosseguiu por terra, em direção ao
norte, atravessando os chamados “portões da Síria”, chegou a Cilícia e ao sul da Galácia. Considerando que Paulo se refere a
Timóteo como a um jovem em 1Tm 4.12, este deve ser adolescente nessa ocasião. Tudo indica que sua mãe, Eunice, era uma
mulher judia e cristã piedosa (2Tm 1.5), embora seu pai não fosse convertido nem ao judaísmo, nem ao cristianismo.
2 Paulo agiu com sabedoria ao circuncidar Timóteo. Com isso, facilitou sua obra entre os judeus. No caso de Tito (Gl 2.3), agiu
novamente com sabedoria, evitando uma circuncisão que era exigida como pré-requisito para a salvação.
3 O Espírito Santo foi o orientador estratégico dos primeiros avanços missionários e, freqüentemente, comunicava-se com os
discípulos através das mensagens transmitidas pelos profetas do Senhor. Bitínia não ficou sem evangelização; logo o Espírito
Santo mandaria Pedro para lá (1Pe 1.1), conforme nos informa uma carta de Plínio (um dos pais da Igreja) escrita por volta do
ano 110 d.C. Paulo retornou para Éfeso de onde irradiou o Evangelho para toda a Ásia, que já fora menor, mas que agora era
importante província romana e incluía os distritos helenísticos da Mísia, Lídia, Caria e partes da Frígia (18.24 – 19.40).
4 A frase “Espírito de Jesus” raramente aparece nos originais gregos. Evidencia a relação do Espírito como agente de Cristo
(Jo 16.13-14; 1Pe 1.11; 2Co 3.17), assim como “Espírito Santo” era uma expressão usada, em certas ocasiões, de modo
intercambiável com “Deus” (5.3,4), aqui foi usada com “Jesus” por se tratar do “Espírito de Deus”.
5 A Macedônia passou a ser província romana em 148 a.C. A partir deste versículo o autor do texto (Lucas) muda a regência
verbal da terceira para a primeira pessoa, indicando que havia se juntado à equipe missionária em Trôade. Lucas encerra sua
inclusão na narrativa no verso 17 e a retoma em 20.5.
6 Havia menos de dez chefes (cabeças) de famílias judaicas em Filipos; o número mínimo de pessoas, requerido pelas leis dos
judeus, para a fundação de uma sinagoga. Por isso, os judeus que ali habitavam procuravam realizar suas reuniões de oração
à beira do rio Gangites. Era um costume rabínico orar e meditar ao ar livre, longe do alvoroço dos centros das cidades, próximo
de águas correntes.
7 Lídia era uma mulher empreendedora. Seu nome significa, literalmente, “uma mulher de Lídia”, seu lugar de origem. Lídia
era um distrito grego, onde se localizava a importante cidade de Tiatira (província romana da Ásia; que ficava a cerca de 30
km de Pérgamo), famosa por suas oficinas de tecelagem e tintura (Ap 1.11; 2.18), especialmente pela anilina púrpura real que
produziam (carmesim). Lídia ouviu a mensagem de Paulo e abriu seu coração para Jesus (o Evangelho). No NT, a decisão de
fé não é independente da operação precedente do Espírito Santo, que prepara o coração das pessoas para acolherem as Boas
Novas da salvação (Lc 24.45).
8 Para os gregos, uma pessoa que tinha a capacidade de antever ou adivinhar o futuro era alguém possuído pelo deus Píton,
uma serpente mítica adorada pelos habitantes de Delfos e associada ao oráculo délfico. No entanto, Paulo simplesmente o
tratou como um espírito demoníaco e o expulsou. A expressão “pitonisa” significa: “sacerdotisa do deus Apolo”, ou apenas:
“necromante”. Uma característica dessas pessoas era falar sem mover os lábios normalmente, como se a voz lhes saísse do
estômago, por isso, eram também chamados de “ventríloquos”.
9 O Nome de Jesus é autoridade universal e suficiente sobre todos os espíritos malignos (Lc 8.28; Mt 28.18).
10 Qualquer culto ou prática religiosa tinha que receber permissão formal de Roma. Mesmo assim, nenhuma religião tinha
autorização para fazer prosélitos entre os romanos. O judaísmo tinha reconhecimento legal, mas o cristianismo (ainda) não.
11 Pelas leis romanas, se um preso fugisse – fosse qual fosse o motivo – a vida do guarda responsável era sumariamente exigida
no lugar (12.19). Tirar a própria vida era o meio de evitar o horror dos castigos e a humilhação.
12 No NT, a única forma de uma pessoa ser salva é crendo no Senhor (4.12; 10.43; 13.39). A própria palavra “salvação” em
hebraico é: yeshü‘â (de onde deriva o nome Jesus – Lc 19.9). Há uma bênção (oportunidade) reservada para todas as pessoas
que convivem com um verdadeiro crente. A avó e a mãe de Timóteo se tornaram testemunhos vivos de Cristo para Timóteo (2Tm
1.5) que, por intermédio delas, conheceu as Escrituras (2Tm 3.15). Lídia foi influenciada pela oração e companhia santa e tornou-
se crente fiel ao Senhor (14,15). O carcereiro, presenciando a manifestação poderosa do Espírito Santo nas pessoas de Paulo
e Silas, rendeu-se ao Senhor e testemunhou a alegria da salvação (33,34). Não há base bíblica para sustentar a idéia de que
crianças possam ser salvas por meio da fé de seus pais. É certo, contudo, que todas as crianças pertencem ao Senhor e estão
sob seus cuidados paternos (Mc 10.14-16).
13 As pessoas da casa do carcereiro (seus parentes, amigos e empregados) não foram salvas simplesmente por causa da fé do
carcereiro. Após ouvirem atentamente as explicações de Paulo e Silas sobre o Evangelho, manifestaram plena aceitação, pela fé
íntima e individual que cada pessoa da casa depositou em Jesus. Por isso, foram batizadas e estavam cheias do Espírito Santo.
E expressavam um tipo especial de satisfação e contentamento: a alegria espiritual, que encoraja e faz o crente superar todas as
dificuldades da vida com esperança certa (confiança) no Senhor.
14 Paulo sabiamente exige uma retratação pública dos magistrados. Com essa atitude conquistava o direito (especialmente
romano) para o reconhecimento da cidadania dos cristãos. De agora em diante, todos teriam mais cuidado no trato e no respeito
para com os crentes de Filipos. Essa notícia se espalharia por todo império de Roma (embora as perseguições jamais deixassem
de oprimir a verdadeira Igreja do Senhor).
Capítulo 17
1 Ainda hoje é possível observar vestígios do que foi a grande via Egnácia, estrada que atravessava toda a região da atual
Grécia do norte (de leste a oeste), passando por Filipos e Apolônia. Viajando cerca de 48 km por dia, uma pessoa podia chegar a
cada uma das cidades em um dia. Tessalônica distava cerca de 160 km de Filipos e era a capital da província da Macedônia, com
mais de 200 mil habitantes, incluindo uma colônia de judeus. Paulo tinha o costume de fazer suas viagens em comitiva (grupo de
companheiros de missão) e seguiam a cavalo.
2 Embora algumas versões informem que Paulo passou “três semanas” em Tessalônica, a melhor tradução dos originais é: “três
sábados”. As indicações em 1Ts 2.1-9 evidenciam que Paulo dedicou vários meses do seu ministério nessa cidade.
tes a Deus e diversas senhoras da alta turas, com o propósito de avaliar se tudo
sociedade local.3 correspondia à verdade.
5 Porém, os líderes judeus sentiram forte 12 Dessa forma, muitos dentre os judeus
inveja e reuniram alguns homens perver- creram, bem como um grande número
sos dentre os desocupados e, agitando a de mulheres gregas da alta sociedade, e
população, iniciaram um tumulto na não poucos homens gregos.
cidade. Invadiram a casa de Jasom, em 13 No entanto, quando os líderes judeus
busca de Paulo e Silas, com o objetivo de de Tessalônica tomaram conhecimento
arrastá-los para o centro do ajuntamento que Paulo estava ensinando a Palavra
da multidão.4 de Deus em Beréia, rumaram imediata-
6 Todavia, não os encontrando, agarra- mente para lá, agitando e instigando a
ram Jasom e alguns outros irmãos e os população.
entregaram aos governantes da cidade, 14 Rapidamente, os irmãos enviaram
exclamando: “Estes que têm causado Paulo para o litoral, mas Silas e Timóteo
alvoroço em todo o mundo, agora che- permaneceram em Beréia.
garam também aqui.5 15 Os irmãos que acompanhavam Pau-
7 E Jasom os hospedou em sua casa. To- lo o conduziram até Atenas, partindo
dos eles estão agindo contra os decretos depois com orientações para que Silas e
de César, proclamando que existe um Timóteo se reunissem com ele, assim que
outro rei, chamado Jesus!”. fosse possível.
8 Ao ouvir tal denúncia, toda a multidão
e os governantes da cidade ficaram apre- Paulo prega Jesus em Atenas
ensivos. 16 Enquanto Paulo esperava por seus
9 Apesar disso, libertaram Jasom e os de- companheiros em Atenas, ficou profun-
mais irmãos, após o pagamento da fiança damente indignado ao perceber que a
estipulada.6 cidade tinha ídolos por toda parte.
17 E sobre esse tema dissertava na si-
Os bereanos estudavam a Palavra nagoga entre os judeus e os gentios
10 Então, logo ao cair da noite, os irmãos obedientes a Deus, bem como na praça
enviaram Paulo e Silas para Beréia. principal, diariamente, a todos aqueles
Chegando ali, dirigiram-se à sinagoga que ali estivessem.
local. 18 Então, alguns filósofos epicureus e
11 Os bereanos eram mais nobres do que estóicos começaram a argumentar com
os tessalonicenses, porquanto, recebe- ele. Alguns indagavam: “O que deseja
ram a mensagem com vívido interesse, e comunicar esse tagarela?”. Outros co-
dedicaram-se ao estudo diário das Escri- mentavam: “Parece ser um anunciador
3 Alguns judeus seguiram a Paulo como mestre (rabino), convencidos de que Jesus era realmente o Messias prometido. Um
desses judeus foi Aristarco (20.4; Cl 4.10) que tornou-se amigo e discípulo de Paulo. A expressão: “gregos piedosos” ou “homens
piedosos”, como aparece em algumas versões, pode ser melhor traduzida por: “gregos obedientes a Deus”, considerando que
eram gentios (pagãos) convertidos ao judaísmo (prosélitos). Entretanto, 1Ts 1.9-10 indica que a maioria das conversões a Cristo
ocorreu dentre os pagãos. Tessalônica foi a primeira cidade onde o Evangelho foi aceito por pessoas de alta classe social.
4 A expressão grega original: agoriõn, traduzida por algumas versões como “malandragem”, pode ser melhor traduzida por
“homens perversos e desocupados”. Jasom tinha ligações de parentesco com Paulo e o hospedou em sua casa (Rm 16.21).
5 O termo grego politarches, é uma expressão rara e desconhecido do vocabulário grego até as grandes descobertas arque-
ológicas do século 19 (um bloco de pedra maciça, onde essa inscrição pode ser observada, e que fazia parte de um arco que
passava por sobre a via Egnácia, hoje encontra-se sob a guarda do Museu Britânico, em Londres). Esses achados serviram
também para confirmar a originalidade e a fidelidade histórica dos escritos de Lucas. Apesar de algumas versões traduzirem
esse vocábulo por: “autoridades”, a tradução mais esclarecedora e coerente com as responsabilidades daqueles oficiais é:
“governantes da cidade”.
6 A “fiança” era uma garantia de bens e, em algumas circunstâncias, da própria vida, de que uma determinada pessoa, sob res-
ponsabilidade do “fiador”, cumpriria as leis e não causaria qualquer distúrbio aos cidadãos locais. Nesses casos, por precaução,
era comum pedir ao “afiançado” para deixar a cidade e não mais regressar (Mc 15.15; 1Ts 2.18; 1Ts 2.13,13; 3.3).
7 Os epicureus eram filósofos e seguidores de Epicuro (341 – 270 a.C.), famoso pensador grego, criador da tese sobre a “ética
do prazer”. Um sistema de valores que, originalmente, indicavam o caminho para uma vida de paz e satisfação por meio da busca
do bem e da extirpação de certos sentimentos, considerados menores e momentâneos: paixões, dores, invejas, iras, temores. Na
época de Paulo, entretanto, os ensinos de Epicuro haviam sido adulterados e seus adeptos pregavam que o “prazer”, em todas
as suas possibilidades, determinava o sentido da vida. Os estóicos, por sua vez, eram discípulos de Zeno (340 – 265 a.C.), outro
importante pensador grego, criador da filosofia da “vida natural”, em que a vida deve conformar-se à lógica (razão – logos) da
natureza. Eram, portanto, panteístas (doutrina segundo a qual Deus é a soma de tudo o que existe na natureza). Ao se referirem
a Paulo como “tagarela”, usaram uma expressão que no original grego se refere literalmente a atitude rápida e voraz com que
“uma ave bica sementes”. Era comum usar essa metáfora para comparar pessoas que apenas repetiam partes dos discursos
filosóficos que normalmente ocorriam nas praças com a atitude do “papagaio”, uma ave que apenas consegue repetir palavras
sem refletir sobre seus significados. Ao sugerirem que Paulo estava tentando apresentar novos “deuses”, entenderam que “Jesus”
e “Ressurreição” (em grego: anaistasis, palavra do gênero feminino) seriam um casal de “deuses”.
8 Em tempos passados, Atenas foi governada por juízes (sábios filósofos) que costumavam se reunir em praça pública para
julgar as causas dos cidadãos, legislar e discutir política (cujo sentido original é: a arte de governar a serviço do povo a cidade
e o Estado). Essas reuniões eram chamadas de concílios e ocorriam no alto da colina de Ares (deus do trovão e da guerra na
mitologia grega por ter sido o primeiro deus a ser julgado num tribunal). A esse local, os gregos chamavam de Areópago, e os
romanos de monte de Marte. Entretanto, nos tempos de Paulo, o Concílio do Areópago tinha autoridade apenas nas questões
morais e religiosas, e se reunia no Pórtico Real que ficava imediatamente a oeste da acrópole (santuário grego) e no canto
noroeste da Ágora (praça principal da cidade).
9 Alguns historiadores antigos escreveram que era possível encontrar em Atenas, nessa época, mais esculturas em louvor a
deuses mitológicos do que em toda a Grécia. Pausânio estimava que houvesse mais de 30.000 dessas imagens espalhadas
pela cidade. Petrônio afirmou, ironicamente, que em Atenas era mais fácil encontrar-se com um deus do que com outro ser
humano. Os atenienses criam num ser divino poderoso, temperamental, mas, impessoal. Paulo não afirma que o “DEUS
DESCONHECIDO” é essa divindade. Ao contrário, Paulo usa com sabedoria e gentileza uma expressão grega que significa
literalmente: “em ignorância”, para comunicar que Jesus era o Deus a quem os atenienses tinham o mais profundo desejo de
adorar, mas ainda não o conheciam e, por isso, precisavam prestar atenção às suas palavras.
10 Paulo responde às principais correntes de pensamento da época. Aos estóicos panteístas, ele afirma que Deus é pessoal, e
foi a pessoa de Deus quem criou o Universo (“cosmo”, no original grego). Depois declara aos epicureus que a partir de uma única
e primeira família (“Adão”, palavra que significa “homem” em hebraico, assim como “Eva” quer dizer “humanidade, mulher”),
Deus criou todas as famílias da terra (atenienses, gregos, bárbaros, judeus, gentios). Os atenienses criam que a humanidade
havia brotado da terra (não estavam longe da verdade, mas, ainda assim, perdidos). Deus não apenas foi responsável pelo “big-
bang” da criação, mas deu atenção aos detalhes, planejou o tempo exato em que as nações teriam seus momentos de glória e
queda. Determinou áreas geográficas precisas, onde cada povo deveria viver e multiplicar-se. A terra e a humanidade não ficaram
ao acaso, como pregavam os epicureus.
11 O Espírito Santo usa a erudição de Paulo que passa a citar alguns grandes intelectuais (poetas) gregos. Epimênides, que
viveu por volta do ano 600 a.C. falou sobre o poder de Deus em sua obra Cretica: “nele vivemos, nos movemos e existimos”. O
poeta Arato (315 – 240 a.C.), que afirmou em Fenômenos: “somos descendentes de Deus”. E, no hino de Cleanto (331 – 233 a.C.)
em homenagem a Zeus (“Deus”, em grego): “somos todos da sua descendência”. Paulo, em outras oportunidades, voltaria a
mencionar pensadores gregos (1Co 15.33; Tt 1.12).
12 Paulo faz questão de afirmar que Jesus é o Filho do Homem, título messiânico com o qual o próprio Senhor gostava de se
apresentar (Dn 7.13; Mt 25.31-46; At 10.42).
13 Essa e outras experiências semelhantes vividas por Paulo, os demais discípulos, e pelo próprio Senhor Jesus, nos devem
servir de consolo e motivação. Pregar o Evangelho – desde os primeiros anos da Igreja – tem sido motivo de zombaria e es-
cândalo para muitos. Entretanto, há sempre alguém ou alguns, que recebem o milagre da conversão em seus corações, são
selados com o Espírito Santo e promovidos a cidadãos do Reino para todo o sempre. Os gregos acreditavam na imortalidade
da alma, mas – como muitos ainda hoje – não conseguiam crer na ressurreição de um corpo humano (novamente, tão próximos
da verdade e tão perdidos). Segundo alguns respeitáveis historiadores, Dionísio veio a ser constituído bispo de Atenas. Dâmaris,
cuja cultura era respeitada pelo próprio Tribunal do Areópago, se tornou discípula operosa de Cristo e muito colaborou para o
desenvolvimento da Igreja e a propagação do Evangelho.
Capítulo 18
1 Corinto era capital da província de Acaia, centro comercial e de transporte marítimo. Grande cidade cosmopolita, onde
imperavam os valores monetários e econômicos, muito semelhante às grandes cidades dos nossos dias quanto aos baixos
critérios morais.
2 Ponto era o nome da região que ficava a nordeste da Ásia Menor. Uma das províncias de Roma, ao lado do mar Negro, entre a
Bitínia e a Armênia. O casal Áquila e Priscila (diminutivo de Prisca) eram crentes e trabalhavam com artesanato em couro e confec-
ção de cabanas (tendas). De acordo com os registros de Suetônio, o imperador romano Cláudio (41 –54 a.C.) mandou expulsar
todos os judeus de Roma, pois estavam “transtornando a cidade por causa de Cristo”. Um erro ortográfico cometido no nome do
Senhor (Cresto), dificultou durante algum tempo a interpretação desses documentos históricos. Áquila e Priscila possivelmente
haviam entregado suas vidas a Jesus em Roma, faziam parte daqueles que estavam “tumultuando a cidade com a pregação do
Evangelho” e também tinham sido enquadrados pelo decreto de Cláudio.
balhar com eles, pois eram fabricantes da multidão dos coríntios que o ouviam,
de tendas.3 muitos criam e eram batizados.6
4 Assim, todos os sábados ele argumen- 9 Numa certa noite, o Senhor falou com
tava na sinagoga, e convencia tanto a Paulo por meio de uma visão, dizendo:
judeus quanto a gregos. “Não tenhas medo! Continua pregando
e não te cales.7
Paulo dá tempo integral ao ensino 10 Pois Eu estou contigo, e nenhuma pes-
5 Depois que Silas e Timóteo chegaram soa ousará fazer-te mal ou ferir-te, por-
da Macedônia, Paulo começou a con- quanto tenho muita gente nesta cidade”.
sagrar todo o seu tempo ao ensino da 11 Assim, Paulo permaneceu ali durante
Palavra, explicando aos judeus que Jesus um ano e seis meses, ensinando a Palavra
é o Messias.4 de Deus ao povo.
6 Contudo, como estes se opuseram e
proferiram insultos graves, Paulo sacudiu Gálio não vê crime em Paulo
a roupa e os sentenciou: “Caia sobre as 12 Quando, porém, Gálio era procônsul da
vossas próprias cabeças toda a responsa- Acaia, os judeus se levantaram unânimes
bilidade de vossas faltas”. Eu estou ino- contra Paulo, e o conduziram ao tribunal,8
cente quanto ao meu dever, e de agora em 13 protestando: “Este persuade os ho-
diante vou dedicar-me aos gentios. mens a adorar a Deus de uma forma
7 Então, saindo da sinagoga, Paulo diri- contrária à lei!”9
giu-se à casa de Tício Justo, homem que 14 No momento em que Paulo daria iní-
obedecia a Deus e que morava ao lado da cio à sua defesa, Gálio os admoestou: “Se,
sinagoga.5 em realidade, houvesse, ó judeus, alguma
8 Crispo, administrador da sinagoga, afronta grave ou crime, certamente e
creu no Senhor, ele e toda a sua casa; e com razão eu os ouviria.
3 Paulo adotou a postura ética de algumas escolas rabínicas que preferiam não lucrar financeiramente por conta do ensino
das Escrituras e dos aconselhamentos bíblicos. Além disso, Paulo havia sido treinado em técnicas de artesanato, especialmente
em couro e tecido (um ramo muito lucrativo na época). Era comum os pais judeus, mesmo que não fossem pobres, oferecerem
algum treinamento técnico artesanal aos seus filhos, ainda que os mesmos desejassem seguir o rabinado. Esse é um ótimo
exemplo a ser observado em nossos dias.
4 É provável que as ofertas enviadas por crentes macedônios aliviaram a necessidade de Paulo se ocupar várias horas na
confecção de artesanatos e tendas e pudesse dedicar-se à realização do seu chamado e ideal: pregar o Evangelho ao maior
número de pessoas em todo o mundo (2Co 11.7-8).
5 Esse Tício (nome romano comum) não é o Tito de 2Co 2.13; 7.13-14 e 8.16-23. No original, o primeiro é “Titius”, e o segundo
é “Titus”. É possível, sim, que Tício Justo seja o Gaio de Rm 16.23. A expressão: “homem que obedecia a Deus” ou “temente a
Deus” refere-se sempre a “gentios incircuncisos” que freqüentavam a sinagoga e procuravam seguir todo o rigor da Lei (assim
como foram Tício Justo e o próprio Tito).
6 Crispo foi um dos poucos crentes que Paulo pessoalmente batizou (1Co 1.14). É importante observar que o tempo dos verbos
no original grego denota que a “conversão” é um processo que se dá dia após dia na vida do cristão sincero. A regeneração (o
momento em que o crente arrependido se entrega de corpo e alma aos cuidados de Jesus), sim, é um ato instantâneo de Deus,
mas a conversão (santificação ou separação para adoração e serviço ao Senhor) é um trabalho que o Espírito Santo realiza na
vida de cada crente, individualmente e de maneira particular, durante toda a sua vida na terra, até a fase final da Salvação que é
a glorificação do crente nos céus com Cristo.
7 Paulo já havia passado pela experiência de se encontrar com o Senhor ressurreto (9.4-6; 1Co 15.8) quando de sua conversão,
e também viu Jesus no Templo de Jerusalém, em meio a um êxtase espiritual (22.17-18). O Senhor mostrou seu cuidado especial
para com Paulo por meio das várias vezes que apareceu para preveni-lo quanto a momentos de grandes crises. Aqui e em 23.11,
porém, Jesus aparece para encorajá-lo.
8 Gálio foi o irmão mais velho de Sênega, grande filósofo, estadista romano e mentor de Nero. Descobertas arqueológicas em
Delfos confirmam o mandato de Gálio, no ano 51 d.C., como procônsul da Acaia. Esse fato contribui para a datação da segunda
viagem missionária de Paulo a Corinto, no inverno de 50 d.C., e a autoria das epístolas aos tessalonicenses.
9 Os líderes judeus estavam acusando Paulo de renunciar ao judaísmo – religião considerada “dentro da lei” pelos romanos – e
de criar uma seita herética, e, portanto, “ilícita”. A expressão “contrária à lei” é ambígüa, podendo se referir tanto à Lei de Moisés
quanto à lei de Roma. Contudo, Gálio, considerado por todos como homem público de excepcional cultura, justiça e ponderação,
notou a sutileza e os verdadeiros interesses da acusação e julgou que as questões de natureza teológica entre os judeus não
diziam respeito a Roma.
15 Entretanto, visto que se trata de uma “Se Deus quiser, voltarei para vós ou-
questão de palavras e nomes de sua tros”. E, embarcando, partiu de Éfeso.
própria lei, ora resolvei isso vós mesmos; 22 Assim que chegou a Cesaréia, subiu
pois não quero me dispor a ser juiz des- até a Igreja para saudá-la e depois desceu
ses assuntos!” para Antioquia.13
16 E ordenou que fossem expulsos do 23 Havendo passado algum tempo em
tribunal. Antioquia, Paulo partiu dali e viajou por
17 Então, todos se voltaram contra toda a região da Galácia e da Frígia, en-
Sóstenes, administrador da sinagoga corajando todos os discípulos.
e o espancaram em frente ao tribunal.
Contudo, Gálio não expressou qualquer Paulo em sua terceira missão
perturbação diante desse episódio.10 24 Enquanto isso, chegou a Éfeso um
judeu, natural de Alexandria, chamado
Paulo conclui sua segunda missão Apolo, homem eloqüente e que acumu-
18 Paulo ficou em Corinto por vários lava grande experiência nas Escrituras.14
dias; por fim, despedindo-se dos irmãos, 25 Fora instruído no Caminho do Senhor
navegou para Síria, levando em sua com- e com notável fervor pregava e ensinava
panhia Priscila e Áquila. Porém, antes de com exatidão a respeito de Jesus, ainda
embarcar, raspou a cabeça em Cencréia, que tivesse apenas o conhecimento do
por causa de um voto que havia feito.11 batismo de João.
19 Chegaram então a Éfeso, onde Paulo 26 Apolo, portanto, começou a pregar
deixou Priscila e Áquila. Ele, no entanto, com ousadia na sinagoga. E assim que
depois de entrar na sinagoga local, co- Priscila e Áquila o ouviram, convida-
meçou a pregar para os judeus.12 ram-no para uma visita à casa deles e
20 Estes rogaram que permanecesse por lhe explicaram com acerto e clareza o
mais algum tempo, todavia, ele não Caminho de Deus.15
aquiesceu. 27 Então, desejando ele viajar para a Acaia,
21 Mas, ao despedir-se deles, ponderou: os irmãos o animaram e escreveram aos
10 Os motivos que levaram aquelas pessoas a agredirem Sóstenes são obscuros. Entretanto, há forte indicação que esse foi
o segundo administrador (chefe) de sinagoga em Corinto a converter-se ao cristianismo em resposta aos apelos de Paulo (1Co
1.1). Gálio, por se tratar de assunto religioso dos judeus, manteve sua decisão de não envolvimento.
11 Diferentemente do costume da época, Priscila é citada em primeiro lugar devido a sua personalidade e atuação de destaque.
Áquila e sua esposa Priscila serviram ao Senhor como discípulos evangelizadores, e muito cooperaram com Paulo (Rm 16.3; 2Tm
4.19). Paulo havia feito um voto nazireu e temporário (Nm 6.1-21). Um voto habitualmente firmado por judeus devotos, pelo menos
durante 30 dias, como ação de graças pelo livramento de perigos graves. Cortar todo o cabelo bem rente ao couro cabeludo
marcava o final do período do voto. Cencréia era o porto oriental de Corinto, onde se estabeleceu uma igreja local (Rm 16.1).
12 Éfeso era o maior centro comercial, político e religioso na Ásia Menor, capital da Ásia provincial e administradora do grandioso
templo da deusa romana Diana (Ártemis, em grego). Paulo deixou, estrategicamente, o casal de amigos e companheiros de
ministério, em Éfeso, e rumou para uma viagem de vários meses até Jerusalém. Áquila e Priscila realizaram um grande trabalho
de evangelização e permaneceram na cidade até o ano 55 d.C. Depois partiram para Roma, e organizaram uma igreja na própria
casa onde moravam, e novamente se encontraram com Paulo no início do ano 57 d.C., quando o apóstolo escreveu sua epístola
aos Romanos (Rm 16.3,5).
13 Certamente, Paulo dirigiu-se rapidamente, à igreja de Jerusalém e lá não permaneceu por muito tempo. A igreja ficava no alto
da cidade, cerca de 760 metros acima do nível do mar, por isso era costume dizer “subir à igreja”.
14 Alexandria (no Egito) era, depois da própria Roma, a mais importante cidade do Império Romano. Um grande centro urbano,
rico e culturalmente poderoso, abrigava numerosa população de judeus, sendo que a maioria já havia incorporado a filosofia
grega ao seu modo de pensar, e estava fazendo uma leitura totalmente alegorizada do AT.
15 Apolo era um fervoroso pregador alexandrino, mas, como quase toda a população, envolvido pelo forte pensamento helenís-
tico que dominava aquela região e chegou a influenciar os próprios dominadores romanos. Apolo era como certas pessoas que
fazem muito com o pouco que recebem. Ele tinha apenas alguns conhecimentos básicos sobre a pessoa e a obra de Jesus, mas
pregava com autoridade e poder do Espírito Santo. Todavia, ainda aguardava a chegada do Messias e seu batismo baseava-se
somente no arrependimento e mudança radical de comportamento, não na fé sobre a obra redentora – completa, consumada e
definitiva – do Senhor Jesus, o Messias. Por isso, Áquila e Priscila o convidaram para um estudo bíblico mais detalhado em casa
e puderam lhe esclarecer melhor.
16 Uma vez consciente de toda a revelação bíblica sobre o Senhor Jesus, o Messias (Cristo, em grego), Apolo manifesta a visão
missionária, no que é incentivado e apoiado pelos irmãos que o enviam para as igrejas da província romana da Acaia, cuja capital era
a grande e cosmopolita Corinto, onde a Graça do Senhor moveu o coração de muitos e Apolo colheu muito do que plantara Paulo.
Capítulo 19
1 Apolo ficou conhecido em Éfeso (18.24) durante o tempo em que Paulo esteve ausente; mudou-se para Corinto antes de
Paulo retornar para Éfeso. Mais tarde, entretanto, voltou a Éfeso numa ocasião em que Paulo cumpria sua missão na cidade
(1Co 16.12).
2 Esses discípulos eram seguidores de Jesus, de acordo com a orientação doutrinária de João Batista (como Apolo, antes que
Áquila e Priscila o ajudassem a compreender o cumprimento das profecias em Jesus, o Messias – 18.25-26).
3 O batismo de João era um ritual preparatório, confirmando o arrependimento pelo afastamento de Deus e conseqüente ado-
ção de um estilo de vida pecaminoso (Lc 3.8), era também uma demonstração pública de necessidade do Evangelho e prontidão
para a vinda de Cristo. O batismo afirmava a história redentora de Jesus, o Messias (Mt 3.11-15; Mc 1.4).
4 A mesma experiência que os discípulos tiveram no Pentecostes (2.4-11) e que os gentios foram contemplados em Cesaréia (10.46).
5 Paulo dispensa aos efésios bem mais tempo do que os três sábados dedicados aos tessalonicenses (17.2). Entretanto, segue
a mesma ordem de prioridade quanto à exposição das Boas Novas: primeiro ao judeu, depois aos gregos (e outros gentios), e
revela que a esperança judaica em relação ao Reino de Deus se cumpre plenamente na Igreja do Senhor Jesus (1.3; Cl 1.13).
A expressão original grega, aqui traduzida, por “ousadia”, tem a ver com o sentimento de poder sobrenatural que as pessoas
percebiam emanar de Paulo, e não devido a sua fluência verbal, cultura ou retórica.
6 O “Caminho” foi um dos primeiros títulos da igreja primitiva (judeus e gentios que se convertiam a Jesus eram batizados e
passavam a se reunir com freqüência para adorar ao Senhor, estudar, encorajar e cooperar uns com os outros). O “Caminho” era
uma referência à vida cristã (unindo teologia bíblica à prática diária), numa dependência absoluta de Jesus, por meio do Espírito
Santo que passava habitar a pessoa de cada crente, e, por isso, começaram a ser chamados de “cristãos” (18.24 com Jo 14.6). A
separação do ambiente da sinagoga deu origem à “igreja local”, que por cerca de um ano abrigou os convertidos (18.19). Tirano
era um filósofo grego que havia fundado uma escola para oferecer ao público suas preleções. Um antigo manuscrito grego,
conhecido como “Código D” acrescenta que as aulas de Paulo iam das 11 às 16 horas, todos os dias. Certamente, toda essa
fundamentação teológica, ministrada ao longo de dois anos, permitiu à Igreja de Éfeso compreender a profundidade da obra de
Paulo, em especial sua Epístola aos Efésios, anos mais tarde.
7 O objetivo da escola de Paulo foi preparar evangelizadores, discipuladores (como ele), pastores e líderes para a Igreja. Dois
anos e três meses (v.8) foi o período mais longo que Lucas permaneceu em uma só localidade com o propósito missionário.
12 de tal maneira, que até lenços e aven- viam se dedicado ao ocultismo, reunin-
tais que Paulo usava eram levados e do seus livros de magia, os queimaram
colocados sobre os doentes. Estes eram diante de toda a comunidade reunida.
curados de todas as suas enfermidades, Calculados os seus preços, chegou-se à
assim como espíritos malignos eram estimativa de que o valor total equivalia
expelidos deles.8 a cinqüenta mil moedas de prata.
13 E alguns judeus, que peregrinavam 20 E assim, a Palavra do Senhor era
praticando exorcismo, tentaram invocar o grandemente propagada e prevalecia
Nome do Senhor Jesus sobre os tomados poderosamente.
por espíritos malignos, mandando: “Escon-
juro-vos por Jesus, a quem Paulo prega!”. Paulo envia Timóteo e Erasto
14 Os que assim procediam eram os sete 21 Passados esses acontecimentos, Paulo
filhos de um judeu chamado Ceva, um decidiu, no seu espírito, ir para Jerusa-
dos chefes dos sacerdotes dos judeus. lém, passando pela Macedônia e pela
15 Certo dia, um daqueles espíritos Acaia, e projetava: “Depois de haver
demoníacos lhes respondeu: “Jesus, eu estado ali, é necessário igualmente que
conheço, Paulo, sei quem é; no entanto, eu veja Roma”.
vós, quem sois?” 22 E, enviando à Macedônia dois dos seus
16 Então o endemoninhado avançou cooperadores, Timóteo e Erasto, ficou
sobre eles, os dominou e os agrediu com por mais algum tempo na província da
tamanha violência, que, desnudos e feri- Ásia.9
dos, fugiram daquela casa.
17 Assim que esse acontecimento se Tumulto na assembléia do povo
tornou conhecido de todos os judeus e 23 Naquele tempo aconteceu grande al-
gregos que habitavam em Éfeso, toda a voroço por causa do Caminho.
população foi tomada de grande temor, 24 Um ourives chamado Demétrio, que
e o Nome do Senhor Jesus era engran- confeccionava miniaturas de prata do
decido. templo de Diana e proporcionava grandes
18 Muitos dos que creram, assim que lucros aos artífices,
chegavam, começavam a confessar e 25 promoveu uma reunião destes com os
a declarar em público suas más obras demais trabalhadores dessa profissão e
praticadas. lhes declarou: “Senhores! Sabeis que deste
19 Da mesma forma, muitos dos que ha- ofício vem o nosso enriquecimento.10
Parte da estratégia missionária internacional de Paulo tinha a ver com sua prioridade em evangelizar os grandes centros urbanos,
comerciais e culturais de sua época. Os vários grupos cristãos que iam surgindo nas grandes cidades, imediatamente cuidavam
de levar o Evangelho para os interiores, zonas rurais e regiões adjacentes. As igrejas de Colossos, Hierápolis e Laodicéia, fun-
dadas por Epafras, amigo e cooperador de Paulo, são um notável exemplo do valor do investimento no discipulado e ensino da
Palavra.
8 Sempre que necessário o Senhor concederá poderes extraordinários aos seus servos para que vençam completamente os
ataques e influências demoníacas muitas vezes travestidos de oráculos, princípios filosóficos, culturais ou religiosos (ocultismo,
espiritismo, magias e esoterismos em geral).
9 Erasto havia sido administrador da cidade de Corinto por algum tempo (Rm 16.23). Após seu mandato, deixou a cidade e
retornou tempos mais tarde (2Tm 4.20). Nesse momento, está de passagem por Corinto vindo da Macedônia, com Timóteo.
Lucas não narra as dificuldades mencionadas em 1Co 15.32; 2Co 1.8, tampouco, os problemas enfrentados pela Igreja em
Corinto (1Co 4.17-21; 16.10).
10 As profissões se reuniam em associações de classes, e Demétrio era o responsável pela direção da corporação dos artífices
de miniaturas e esculturas de imagens religiosas. Ártemis era o nome grego da deusa romana Diana, que era adorada pelos
povos da Ásia Menor sob domínio do Império Romano e tida como “deusa-mãe da fertilidade” e, por isso, servida por inúmeras
prostitutas no templo. Os Efésios eram por demais espiritualistas e esotéricos. Acreditavam que Zeus (deus-chefe do panteão
grego) havia enviado Ártemis à Terra na forma de um meteorito o qual originou uma de suas primeiras representações esculturais.
O templo de Diana foi considerado uma das sete maravilhas do mundo e era chamado de “a glória dos efésios”. Tinha 130 m de
comprimento e 67 m de largura, com 127 grandes colunas de puro mármore branco, cada uma delas com 19 m de altura. No
santuário ficava exposta uma imagem, com muitos seios, cuja matéria prima supostamente “veio do céu”.
26 E estais observando e ouvindo que não das pessoas, nem sabia ao certo porque
apenas em Éfeso, como também em qua- estavam concentradas ali.12
se toda a província da Ásia, esse indivíduo 33 Um grupo saído da multidão julgou
Paulo, tem persuadido e alterado o modo que Alexandre fora o causador daquele
de viver de muitas pessoas, afirmando que tumulto, quando os judeus o impeliram
deuses feitos por mãos humanas não têm para que fosse à frente. Ele, por sua vez, fa-
poder divino! zia sinal com as mãos, solicitando silêncio
27 Ao continuar isso, corremos o risco ao povo, para que pudesse expressar sua
de ver não apenas nossa arte perder o defesa pública.
prestígio que ostenta diante de todos, 34 Todavia, assim que perceberam que ele
como também de o templo de a grande era judeu, todos, a uma só voz, exclama-
deusa Diana cair em descrédito. E mais, ram durante quase duas horas sem parar:
de a própria deusa, hoje adorada em “Grande é a Diana dos efésios!”
toda a província da Ásia e em todo o 35 Então, o secretário geral da cidade acal-
mundo, ser destituída de sua majestade mou a multidão e ponderou-lhes: “Caros
divina”. cidadãos efésios! Quem, porventura, des-
28 Assim que ouviram isso, foram toma- conhece que a cidade de Éfeso é guardiã
dos de grande ira e começaram a excla- do templo da grande Ártemis e da sua
mar: “Grande é a Diana dos efésios!” imagem que caiu de Zeus?”13
29 Rapidamente, toda a cidade foi envolvi- 36 Portanto, considerando que estes acon-
da por absoluto alvoroço. O povo correu tecimentos são inegáveis, convém que vos
alucinado para o teatro, arrastando os aquieteis e nada façais irrefletidamente.
companheiros de ministério de Paulo, os 37 Porque estes homens, que aqui trouxes-
macedônios Gaio e Aristarco. tes, não são ladrões de templos, nem tam-
30 Então, Paulo quis apresentar-se à multi- pouco blasfemaram contra nossa deusa.14
dão, mas os discípulos o contiveram. 38 Assim, se Demétrio e os artífices que o
31 Também alguns dos oficiais religiosos acompanham têm alguma queixa contra
romanos, amigos de Paulo, chegaram a alguém, os tribunais estão abertos, e há
mandar-lhe um recado expresso, rogando- procônsules para isso. Eles que apresen-
lhe que não se arriscasse a ir ao teatro.11 tem suas denúncias ali.
32 A assembléia estava em total confusão. 39 Contudo, caso haja qualquer outro
Uns gritavam de uma forma; outros, pleito, este deverá ser decidido em as-
protestavam de outra. E a maior parte sembléia regular, conforme a lei.
11 Alguns dos homens mais ricos e influentes da província eram escolhidos anualmente para organizar e promover o culto ao
imperador (uma divindade para os romanos). Tornavam-se, portanto, sacerdotes, reuniam-se em concílio e eram chamados, em
grego, de Asiarchon (“asiarcas” como aparece em algumas versões).
12 Os gregos tinham o costume de resolver todos os assuntos da cidade em reuniões comunitárias e democráticas (através do
voto direto de cada cidadão). Nessas reuniões, eram ouvidas todas as idéias sobre determinado assunto a ser considerado e a
proposta mais votada vencia o pleito. Essas reuniões passaram a ser conhecidas pelo termo secular grego ekklesia (igreja). Com
o passar do tempo, os convertidos (cristãos) passaram também a promover freqüentes reuniões legislativas e deliberativas, con-
vidando seus membros para irem à ekklesia. Na Igreja de Cristo, entretanto, deve prevalecer a vontade de Deus, especialmente
a revelada em Sua Palavra (Êx 32.1; Pv 11.14; Mc 12.37).
13 O principal oficial executivo da assembléia uma espécie de secretário maior da prefeitura da cidade, era também o
intermediário legal entre o povo de Éfeso e Roma. Algumas versões trazem a expressão: “escrivão da cidade”, certamente devido
à sua função de registrar e publicar as decisões dos cidadãos tomadas nas assembléias. Sabiamente, preservou a serenidade e
apontou o perigo das atitudes ilegais e injustas. Éfeso havia recebido o título de “cidade guardiã do templo de Diana” e, por isso,
gozava de certa autonomia e outros privilégios políticos e econômicos.
14 Algumas versões preservam a expressão literal grega: “sacrílegos” (roubadores de templos) que, nesse caso, não é neces-
sária e dificulta o entendimento imediato do texto. Éfeso era a capital do Império Romano na província da Ásia e, por isso, sede
do procônsul. As “assembléias” ordinárias eram realizadas normalmente três vezes por semana, deixando uma semana do mês
para a realização das assembléias extraordinárias. A proclamação da Verdade, por si só, faz o trabalho de desmascarar as falsas
doutrinas e exaltar a Palavra de Deus. Ao pregar a verdade, eles não podiam ser considerados “blasfemos”.
40 Porquanto, da forma como estamos cinco dias, nos encontramos com eles no
procedendo, corremos o perigo de sermos porto de Trôade, onde ficamos por mais
acusados de perturbar a ordem pública, sete dias.
tendo em vista o tumulto ocorrido hoje.
E, neste caso, não nos haveria motivo ra- Paulo ressuscita o jovem Êutico
zoável que pudéssemos alegar para justifi- 7 No primeiro dia da semana nos reuni-
car tamanha movimentação do povo”. mos com a finalidade de partir o pão, e
41 E, tendo dito isso, desfez a assembléia. Paulo pregou ao povo. Planejando seguir
viagem no dia seguinte, continuou falan-
Paulo volta à Macedônia e Grécia do até a meia-noite.4
1 Paulo tinha o objetivo de partir de Éfeso para levar o Evangelho ao povo de Trôade, a caminho da Macedônia, onde reen-
contraria-se com Tito, a fim de avaliarem o crescimento espiritual da Igreja em Corinto (2Co 2.12,13). Nessa altura (por volta do
ano 55 d.C.), Paulo escreveria sua segunda carta aos coríntios e seguiria evangelizando até Ilírico, grande região montanhosa a
leste do mar Adriático, espalhando-se desde o nordeste italiano e as tribos celtas da época, ao norte, até à Macedônia ao sul (Rm
15.19). Essa última viagem de Paulo tinha como propósito levantar uma grande oferta para socorrer os crentes de Jerusalém que
estavam passando por muitas necessidades (24.17; 1Co 16.1-4).
2 Paulo permaneceu em Acaia, capital da Grécia, durante o inverno, pois os navios não costumavam navegar nesse período.
Paulo aproveitou o tempo para escrever sua Epístola aos Romanos. Como os judeus estavam tramando sua morte, e a valiosa
oferta que transportava para os crentes da Judéia atraia a atenção de salteadores, Paulo decidiu não embarcar e seguir um
caminho por terra, desviando-se de possível emboscada no porto de Cencréia.
3 Algumas igrejas enviaram homens de Deus como seus representantes para acompanhar Paulo nessa jornada (2Co 8.23).
Lucas se uniu ao grupo em Filipos (6; 16.10). Sópatro é o mesmo Sosípatro de Rm 16.21. Aristarco (19.29), cujo nome significa
“segundo”, assim como Tércio (Rm 16.22) quer dizer “terceiro”. Gaio de Derbe – Galácia romana (19.29). Timóteo, representando
um grupo de igrejas, pois vinha de Listra, mas havia realizado notável ministério em outros grupos cristãos (1Co 16.10,11; Fp 2.19-
23). Tíquico, fiel auxiliar de Paulo, especialmente em relação às igrejas da Ásia (Ef 6.21,22; Cl 4.7-9; 2Tm 4.12; Tt 3.12). Trófimo,
efésio e gentio crente (21.29; 2Tm 4.20).
4 Lucas costuma empregar o método grego de contar o tempo e as horas do dia quando narra fatos ocorridos em ambientes
helênicos. Paulo, embora guardasse as principais festas judaicas, celebrava dominicalmente o culto cristão com o memorial do
partir o pão (a Ceia do Senhor) instituído por Jesus (Lc 22.19; 2.42).
5 No grande salão (cenáculo) havia muitas candeias (literalmente em grego: “tochas”), queimando óleo. A fumaça que produziam
contribuiu para o profundo sono do jovem Êutico, que foi ressuscitado por Paulo, assim como Dorcas (Tabita) o fora por Pedro (9.40;
14.8; 1Rs 17.21). O menino – sem dúvida – estava morto, mas não para sempre, nem muito menos para o poder de Deus.
e embarcamos para Assôs, onde receberí- 20 Sabeis igualmente, que jamais deixei
amos Paulo a bordo. Pois assim ele havia de vos pregar nada que fosse proveitoso,
determinado, tendo preferido ir a pé.6 mas vos ensinei tudo em público e de
14 Quando nos alcançou em Assôs, o casa em casa.
recebemos a bordo e seguimos viagem 21 Testemunhei, tanto a judeus como a
até Mitilene.7 gregos, que eles necessitam converter-se
15 No dia seguinte, navegamos dali e che- a Deus sob total arrependimento e fé em
gamos em frente de Quio. No outro dia, nosso Senhor Jesus.
cruzamos para Samos e, um dia depois, 22 Agora, pois, compelido pelo Espírito
chegamos a Mileto.8 Santo, estou seguindo para Jerusalém,
16 Porquanto, Paulo havia decidido não desconhecendo o que ali me sucederá.11
aportar em Éfeso, para não se demorar 23 Sei, no entanto, que em todas as cidades
na província da Ásia, pois tinha muita o Espírito Santo me previne que prisões e
pressa de chegar a Jerusalém, se possível, sofrimentos estão preparados para mim.
antes do dia de Pentecoste. 24 Contudo, nem por um momento con-
sidero a minha vida como valioso tesouro
Paulo exorta os presbíteros para mim mesmo, contanto que possa
17 De Mileto Paulo pediu para que fos- completar a missão e o ministério que
sem chamados os presbíteros da Igreja recebi do Senhor Jesus, para dar testemu-
de Éfeso.9 nho do Evangelho da graça de Deus.
18 Assim que se reuniram, Paulo lhes de- 25 Estou consciente de que, desde agora,
clarou: “Vós bem sabeis como foi que me nenhum de vós, entre os quais passei en-
comportei entre vós durante todo o tem- sinando sobre o Reino, vereis outra vez o
po em que vivi convosco, desde o primeiro meu rosto.12
dia em que cheguei à província da Ásia.10 26 Portanto, hoje vos proclamo que estou
19 Servi ao Senhor com toda a humildade inocente do sangue de todos.
e com lágrimas, sendo impiedosamente 27 Porque jamais deixei de vos ensinar
provado pelas ciladas dos judeus. toda a vontade de Deus.13
6 Assôs ficava numa península oposta a Trôade e distava aproximadamente 30 km por terra. A distância por mar, margeando o
litoral, era de cerca de 65 km. Dessa forma, Paulo não gastou muito mais tempo que o navio que navegou em redor da península.
7 Após o primeiro dia de viagem, foram acolhidos no porto de Mitilene que ficava no litoral sudeste da ilha de Lesbos.
8 Passaram a segunda noite na ilha de Quio, que se localizava próximo ao litoral oeste da Ásia Menor. Cruzando a entrada da
baía que leva a Éfeso, aportaram no terceiro dia em Samos, uma das ilhas mais importantes do mar Egeu. Mileto era o porto de
destino do navio em que Paulo estava, e ficava cerca de 50 km ao sul de Éfeso. Para chegar a Éfeso, teria que desembarcar e
pegar outro navio. Paulo considerou os riscos e preferiu rumar direto para Mileto, onde promoveria uma reunião com os líderes
da Igreja em Éfeso.
9 A importância da liderança espiritual dos presbíteros é enfatizada em todo o ministério e escritos de Paulo. Entregou aos
presbíteros da Igreja em Jerusalém a oferta generosa da Igreja que estava em Antioquia (11.30). Nomeou presbíteros em sua pri-
meira viagem missionária (14.23). Escreveu aos que exerciam esse ministério em Filipos (Fp 1.1), também chamados de “bispos”.
Solicitou que os presbíteros de Éfeso viessem ao seu encontro em Mileto para uma reunião solene, e alguns anos mais tarde foi
dirigido pelo Espírito Santo a escrever orientações sobre as qualificações especiais desses líderes cristãos (1Tm 3; Tt 1).
10 O livro de Atos apresenta três grandes discursos de Paulo. O primeiro, dedicado aos judeus (cap.13); o segundo destinado
aos pagãos, gentios não crentes (cap.17); o terceiro, uma mensagem Pastoral de testemunho, orientação e encorajamento aos
líderes espirituais da Igreja do Senhor Jesus.
11 A expressão grega traduzida por algumas versões como: “constrangido”, e aqui pelo vocábulo “compelido”, vem da forma
original e literal: “acorrentado e puxado pelo Espírito” (conforme 16.6).
12 A viagem com destino a Jerusalém faz parte do final da carreira ministerial de Paulo, embora seus escritos continuem sendo
usados pelo Espírito Santo para instruir e encorajar os discípulos de Jesus todos os dias. Testemunhar o Evangelho da graça é
uma expressão que equivale a pregar o “Reino de Deus”. Paulo teve uma última oportunidade de visitar a Igreja em Éfeso após a
sua primeira prisão, mas, certamente, não se encontrou mais com todos seus antigos amigos e discípulos (1Tm 1.3).
13 Mesmo na Igreja em Éfeso havia pessoas falsas, maldosas e ardilosas, cuja intenção era minar a integridade de Paulo (e dos
presbíteros), com a finalidade de tirar algum proveito próprio. O cristianismo puro e verdadeiro não tem segredos ou doutrinas
ocultas como o gnosticismo e outras seitas heréticas que até nossos dias procuram iludir os incautos e aqueles que apenas
buscam um “deus de resultados” para serem servidos, e não a Deus para adorá-Lo.
14 Os “presbíteros” também eram conhecidos como “bispos” (do original grego: episcopoi, e que significa: “supervisores” ou
“guardiões” espirituais). Dessa forma, os “bispos-presbíteros” devem “pastorear” o povo de Deus como “mestres” (Ef 4.11). São
estabelecidos pelo Espírito Santo e respeitados pela Igreja (1.24; 13.1,2; 1Co 12.18,28). O verbo “comprou” é análogo ao substan-
tivo registrado em 1Pe 2.9: “povo de propriedade exclusiva de Deus”. Algumas versões trazem a frase: “...pastoreardes a igreja do
Senhor, que ele comprou com o seu próprio sangue”. Apesar de não estar errada, a forma mais próxima do significado original deve
levar em consideração a frase idiomática hebraica (subjacente ao texto grego) que se refere ao “Único Filho” ou “ao Amado”.
15 Falsos ensinadores logo ameaçaram as comunidades cristãs em toda a Ásia com suas doutrinas gnósticas, ainda hoje infiltradas
em diversas seitas heréticas, sempre cultuando o conhecimento, o esoterismo e a cultura em detrimento do sacrifício vicário de Cristo
(a carta aos Colossenses trata em profundidade desse assunto, assim como 1a, 2a e 3a de João e Ap 2,3). Por isso, o trabalho do pastor
inclui: vigiar (1Pe 5.8); exortar e admoestar (1Ts 5.12); pregar e ensinar as Escrituras com vistas a edificar o Corpo de Cristo (1Tm 4.6).
16 O ministério que Paulo recebera do Senhor (24) agora é integralmente transferido para os pastores (bispos, presbíteros ou líderes
cristãos) que, ao submeterem-se ao senhorio de Cristo, ocupam uma posição de “santidade” (literalmente: separação do profano para
servir ao sagrado), ainda que continuem a ser “seres humanos propensos a falhas, fraquezas e pecados” (26.18; 1Co 1.2; 1Jo 1.9).
17 Paulo dedicou-se, em determinado momento, também ao trabalho secular com o objetivo de suprir as suas necessidades
pessoais e a de alguns de seus companheiros de ministério. Isso ocorreu em Tessalônica (1Ts 2.9) e em Corinto (At 18.3).
18 Os grandes mestres da igreja primitiva (mais tarde chamados de Pais da Igreja) usavam dizer: “Lembrando as palavras do
Senhor...”, antes de fazerem uma citação de Jesus. Paulo, curiosamente, recorda um conhecido dito de Jesus (baseado em Lc
6.37-38), mas que não se encontra registrado nos Evangelhos e corroboram a afirmação de João sobre as muitas realizações
de Jesus que não foram registradas nas Escrituras (Jo 21.24-25). Jesus e Paulo viveram a realidade – às últimas conseqüências
– desse ditado do Senhor e nos legaram seus exemplos.
Capítulo 21
1 Ventos favoráveis os levaram rapidamente até um porto seguro na ilha de Cós, onde passaram a noite. Rodes é a grande ilha
que se prolonga em direção a Creta e fica no meio da principal rota marítima entre o mar Egeu e os portos da Fenícia. No século
III a.C, devido ao grande desenvolvimento econômico e cultural de Rodes, foi erguida na entrada do porto da principal cidade da
ilha, também chamada Rodes, uma enorme estátua de bronze, de autoria do escultor Cares de Lindos em homenagem ao deus
Sol. Foi considerada como uma das sete maravilhas do mundo antigo e ficou conhecida como “Colosso de Rodes”. Entretanto,
no ano 226 a.C., um terremoto a destruiu completamente. Em Pátara, litoral sul da Lícia, Paulo baldeou de navios, deixando o que
seguia pela costa da Ásia Menor e embarcando em outro, direto para Tiro e à Fenícia.
2 Encontrando um navio que seguia para 11 Ele chegou com o propósito de falar
a Fenícia, embarcamos e partimos. conosco, e assim que nos encontrou,
3 Ao avistarmos Chipre e seguirmos em tomou o cinto de Paulo e, amarrando
direção ao sul, navegamos para a Síria. os seus próprios pés e mãos, profe-
Desembarcamos em Tiro, onde nosso tizou: “Assim diz o Espírito Santo:
navio deveria ser descarregado. ‘Desta maneira os judeus em Jerusalém
4 Havendo encontrado os discípulos amarrarão o homem a quem pertence
locais, ficamos com eles sete dias. E eles, esse cinto e o entregarão nas mãos dos
pelo Espírito, recomendavam a Paulo gentios!’”4
que não seguisse para Jerusalém.2 12 Assim que ouvimos tal revelação, nós
5 Todavia, quando se encerrou nosso e todo o povo local suplicamos a Paulo
tempo naquele local, partimos e demos que não subisse para Jerusalém.
continuidade à nossa viagem. Todos os 13 Então Paulo declarou: “Por que fazeis
discípulos, com suas esposas e filhos, nos isso? Não choreis, pois assim fazendo,
acompanharam até fora da cidade, e ali partis meu coração! Eis que estou pronto
na praia nos ajoelhamos e oramos. não apenas para ser amarrado, mas tam-
6 Então, nos despedimos uns dos outros, bém a morrer em Jerusalém pelo Nome
embarcamos, e eles retornaram para suas do Senhor Jesus!”
casas. 14 Assim, como não nos foi possível
7 Concluída a nossa viagem, de Tiro che- demovê-lo, aquiescemos e exclamamos:
gamos a Ptolemaida; e depois de saudar “Faça-se, pois, a vontade do Senhor!”5
a todos os irmãos, passamos o dia com 15 Havendo passado aqueles dias, prepa-
eles. ramos as cavalgaduras e subimos rumo a
8 Partindo no dia seguinte, fomos para Jerusalém.6
Cesaréia; ali chegamos e fomos recebidos 16 E alguns dos discípulos de Cesaréia
na casa de Felipe, o evangelista, que era nos acompanharam e nos conduziram
um dos sete. à casa de Mnasom, que era natural de
9 Ele tinha quatro filhas virgens que pro- Chipre, um dos primeiros discípulos,
fetizavam.3 com quem iríamos nos hospedar.7
10 Demorando-nos ali por muitos dias,
desceu da Judéia um profeta chamado A entrada de Paulo em Jerusalém
Ágabo. 17 Havendo nós chegado a Jerusalém,
2 O Espírito revelou aos irmãos na fé de Paulo as provações que o aguardavam em Jerusalém e, por isso, eles lhe rogavam que
mudasse seus planos de viagem. Paulo, contudo, sentia-se “compelido pelo Espírito” a seguir rumo ao seu destino, assim como
ocorreu com o próprio Jesus (Mt 20.17-19; Mc 10.32-34; Lc 18.31-34).
3 Cesaréia, capital da Judéia romana, era considerada “a capital dos gentios”. Felipe dedicou-se por cerca de 25 anos à obra
de evangelização e discipulado da população dessa cidade. Paulo lhe confere o título de “evangelista” (Ef 4.11; 2Tm 4.5). As
filhas de Felipe tinham o dom de profecia e serviam ao Senhor de forma especial (1Co 11.5; 12.8-10; Lc 2.36 conforme Êx 15.20;
Jz 4.4; 2Rs 22.14; Ne 6.14).
4 Ágabo usa um recurso dramático (mímica) comum a muitos profetas do AT. Esse é o mesmo profeta que havia estado em
Antioquia profetizando a fome iminente em Jerusalém, cerca de 15 anos antes (11.27-29). O Espírito Santo prediz que Paulo
sofrerá muitas aflições em Jerusalém, mas não o proíbe de seguir seu caminho.
5 Os crentes expressam o sentimento humano de querer preservar a vida de Paulo, pois o amavam muito. Entretanto, assim
como Jesus, Paulo não temia por sua vida, mas desejava cumprir a vontade de Deus (Lc 22.42; Fl 1.19). A expressão original
grega, aqui traduzida por: “partis meu coração”, e em outras versões como: “quebrantando-me o coração”, tem sua origem
etimológica no ato das lavadeiras baterem as roupas nas pedras do rio para amolecerem a sujeira e, então, poder removê-la
com mais facilidade. Contudo, diante da convicção de Paulo, seus amigos e irmãos em Cristo resolveram cobri-lo com orações
diante do Senhor.
6 Em vários e fiéis manuscritos gregos, há a indicação clara de que essa comitiva, liderada por Paulo, seguiu a cavalo até
Jerusalém.
7 Mnasom era um dos primeiros discípulos de Cristo. Homem de posses e grande generosidade. Acolheu em sua casa cerca
de nove pessoas que compunham essa equipe missionária de Paulo.
vieram os irmãos e nos receberam com 25 Entretanto, quanto aos gentios que se
grande alegria.8 converteram, já lhes escrevemos a nossa
18 No dia seguinte, Paulo seguiu em determinação para que se abstenham de
nossa companhia para encontrar-se com comer qualquer alimento oferecido aos
Tiago; e todos os presbíteros estavam ídolos, do sangue, da carne de animais
reunidos.9 estrangulados e de todo tipo de imora-
19 Então Paulo os saudou e passou a rela- lidade sensual”.
tar-lhes em detalhes o que Deus havia 26 Diante disso, no dia seguinte, Paulo
realizado entre os gentios por intermédio levou consigo aqueles homens e passou
do seu ministério. com eles pelos rituais de purificação. Em
20 Ouvindo isso, eles glorificaram a Deus seguida, foi ao templo para declarar o
e declaram-lhe: “Bem vês, irmão, quan- prazo do cumprimento dos dias da pu-
tos milhares de judeus têm crido e todos rificação e da oferta que seria consagrada
são zelosos da Lei! individualmente em favor deles.
21 Porém, eles têm sido informados a teu
respeito, de que ensinas todos os judeus Paulo é agredido e preso
que estão entre os gentios a se afastarem 27 Contudo, quando os sete dias estavam
de Moisés, pregando que não circunci- quase terminando, alguns judeus da
dem seus filhos nem tampouco andem província da Ásia, observando Paulo no
segundo as tradições e costumes. templo, incitaram toda a multidão e o
22 Que faremos, portanto? Certamente agarraram,11
todos saberão que chegaste. 28 esbravejando: “Homens de Israel,
23 Faze, pois, o que te vamos orientar. Es- ajudai! Este é o homem que por toda
tão conosco quatro homens que fizeram parte prega a todos contra o nosso povo,
um voto. contra a Lei e contra este lugar. Além de
24 Participa com esses homens dos rituais tudo, introduziu gregos no templo e pro-
de purificação e paga as despesas deles, fanou este santo lugar!”12
para que rapem a cabeça. Dessa forma, 29 Diziam isso, pois o haviam visto na
todos observarão que é falso o que ouvi- cidade, com Trófimo, o efésio, e pre-
ram a teu respeito, e que, em verdade, tu sumiram que Paulo o havia trazido ao
mesmo continuas andando sob absoluta templo.
obediência à Lei.10 30 Por esse motivo, toda a cidade se alvo-
8 Paulo consegue chegar um ou dois dias antes da celebração do Pentecostes. Os irmãos necessitados de Jerusalém manifes-
tam toda a sua alegria pelo amor e coragem de Paulo e pela oferta trazida em segurança pelo grupo missionário.
9 Tiago é o irmão de Jesus Cristo e autor da Epístola Sagrada que leva seu nome. Foi grande e admirado líder cristão em
Jerusalém (Gl 1.19; 2.9); apesar de não ser formalmente um dos Doze, era chamado e respeitado como “apóstolo”. Os demais
apóstolos, nesse momento histórico, estavam espalhados por diversas regiões, dedicando-se ao trabalho missionário (evange-
lização e discipulado).
10 Os quatro cristãos judeus estavam sujeitos às ordenanças estabelecidas àqueles que faziam o voto temporário de nazireado
e ficaram impuros antes de se esgotar o tempo regulamentar de guarda do voto, provavelmente por terem tocado ou comido
algo impuro (Nm 6.2-12). Esse voto não era obrigatório para nenhum cristão, quer judeu ou gentio. Os rituais incluíam o sacrifício
de ofertas, e Paulo deveria dispor-se a pagar pelos oito pombos e quatro cordeiros requeridos dos quatro homens (Nm 6.9-12).
Paulo fez tudo para ganhar os judeus, mas jamais sacrificou qualquer princípio cristão em função da obediência às ordenanças e
regulamentos da Lei de Moisés (18.18; 1Co 9.20,21; 16.3; Gl 2.3).
11 Os sete dias se referem ao tempo exigido pela Lei para a purificação, rapar a cabeça diante do altar pelo pecado e anunciar
aos sacerdotes que tudo fora realizado conforme as ordenanças e ritos tradicionais.
12 A entrada de qualquer pessoa não judia (gentio) nos limites do átrio de Israel era expressamente proibida, e sua violação
sujeita à pena de morte. Entre o pátio externo (espaço destinado aos gentios de todas as nações) e o pátio interno havia uma
barreira (Ef 2.14) e colunas com fortes advertências em grego e latim. Inscrições claras, nesse sentido, foram encontradas em
blocos de pedra remanescentes do templo e preservados ainda hoje em alguns dos principais museus do mundo. Paulo,
entretanto, não levou nenhum não judeu para o recinto interno do templo. Apenas foi visto na cidade conversando com um grego
chamado Trófimo. Mesmo que Paulo o tivesse levado às dependências restritas do templo, a multidão deveria punir Trófimo e não
Paulo, assim dizia a lei. Fica aqui uma advertência quanto aos julgamentos precipitados e injustos.
13 Havia dois lances de escadas que permitiam o acesso do pátio externo dos gentios à fortaleza de Antonia, cuja torre dava
vista para a área do templo. O comandante (em grego chiliarca – comando de um regimento de mil soldados), se chamava
Cláudio Lísias (23.26). Paulo teve cada um de seus pulsos acorrentados a um soldado ao seu lado.
14 Flávio Josefo narra que houve um falso profeta egípcio que reuniu no monte das Oliveiras quatro mil “sicários” (expressão
em latim que significa: “terroristas armados” ou “homens do punhal”) e “profetizou” que as muralhas de Jerusalém cairiam diante
deles. Quando tal evento não aconteceu, ele os convenceu a refugiarem-se nas cavernas do deserto. O governador romano Félix
matou cerca de 400 deles, mas o chefe escapou.
15 Algumas versões informam que Paulo falou em “língua hebraica”, entretanto, a geração de Paulo – como a de Jesus – não
falava mais o antigo hebraico e sim uma espécie de dialeto ou novo idioma, chamado “aramaico” e falado entre os judeus da
Palestina da época.
Capítulo 22
1 Se Paulo tivesse falado na língua hebraica tradicional o povo não compreenderia claramente suas palavras nem lhe daria total
atenção inicial, pois os judeus dessa época e região não mais falavam fluentemente a língua original de seus antepassados. Há
vários séculos, o aramaico, um cognato do antigo hebraico, havia se estabelecido entre os povos palestinos.
2 Paulo havia nascido em Tarso, cidade grega dominada pelo império romano na época, o que o tornava oficialmente cidadão
romano. Tarso ficava próxima à foz do rio Cidno e do profundo desfiladeiro chamado “Portas da Cilícia”. Era um grande centro
cultural (com uma vigorosa universidade) e comercial (ponto de cruzamento de importantes estradas). Quando Paulo atingiu
5 como bem pode testemunhar o sumo conheceres sua vontade, veres o Justo e
sacerdote, assim como todo o conselho ouvires a Palavra da sua própria boca.
dos anciãos. Visto que deles recebi cartas 15 Pois serás sua testemunha, perante
requisitando a cooperação dos irmãos, e todas as pessoas, dos sinais que tens visto
segui para Damasco, com a finalidade de e ouvido.3
deter e trazer algemados para Jerusalém 16 E, agora, o que mais esperas? Levanta-
os que ali estivessem para serem severa- te, sê batizado e lava os teus pecados,
mente punidos. invocando o Nome do Senhor’.4
6 Entretanto, por volta do meio-dia, en- 17 Quando retornei a Jerusalém, estando
quanto me aproximava de Damasco, de eu a orar no templo, caí em êxtase e
repente, uma fulgurante luz vinda do céu 18 vi o Senhor que me ordenava: ‘Apres-
reluziu ao meu redor. sa-te e sai logo de Jerusalém, porquanto
7 Caí por terra e ouvi uma voz que me não receberão o teu testemunho acerca
indagava: ‘Saul, Saul, por que me per- da minha pessoa!’
segues?’ 19 Ao que eu indaguei: Mas Senhor, todos
8 Diante disso, perguntei: Quem és tu, eles sabem que eu fui o responsável pela de-
Senhor? Ao que Ele me afirmou: ‘Eu Sou tenção e encarceramento dos que criam em
Jesus, o nazareno, a quem persegues!’ Ti e os açoitava de sinagoga em sinagoga.
9 E aqueles homens que me acompanha- 20 E mais, quando foi derramado o san-
vam também viram o brilho da luz, mas gue de Estevão, tua testemunha, eu lá
não compreenderam a voz daquele que estava pessoalmente observando tudo,
falava comigo. dando minha aprovação e tomando con-
10 Então inquiri: Senhor, que devo fazer? ta das capas dos que o matavam.
E o Senhor me ordenou: ‘Levanta-te e 21 Contudo, o Senhor me ordenou: ‘Vai,
segue para Damasco, onde te será comu- porque Eu te enviarei para longe, aos
nicado tudo o que necessitas fazer’. gentios!’5
11 Tendo ficado cego devido ao intenso
resplendor daquela luz, cheguei a Da- Paulo, judeu e cidadão romano
masco guiado pela mão dos meus com- 22 A multidão acompanhava o discurso de
panheiros de viagem. Paulo até o momento em que ele disse isso.
12 Um homem piedoso segundo a Lei, Então, todos ergueram a voz e começaram
chamado Ananias, e muito respeitado a esbravejar: “Tira da face da terra esse tal
por todos os judeus que ali moravam, homem, pois ele não merece viver!”.
13 veio ao meu encontro e, colocando-se 23 Enquanto gritavam, tiravam as capas e
de pé ao meu lado, determinou: ‘Irmão jogavam poeira para o ar,
Saulo, recupera a tua visão!’ 24 o comandante mandou que Paulo
14 Em seguida ele me revelou: ‘O Deus fosse conduzido para o interior da forta-
dos nossos antepassados te escolheu para leza, ordenando imediato interrogatório
a idade escolar foi levado para Jerusalém para que fosse educado pelo mais reconhecido mestre do judaísmo do seu tempo,
Gamaliel, neto do grande Hilel. A expressão “aos pés” tem a ver com o fato de o discípulo (aluno) aprender sentado no chão,
enquanto seu mestre o ensinava sentado sobre uma espécie de travesseiro ou pequeno banco de madeira recoberto com peles
de cabras, o que colocava o professor num plano mais elevado e comunicava a idéia de respeito mútuo. Paulo sutilmente explica
ao povo que ele também agiu erradamente por ignorar a Verdade (Jo 8.32; 14.6).
3 A experiência de ter visto Jesus Cristo ressurreto marcou decisivamente a vida e a base teológica de Paulo (26.16; 1Co 9.1).
4 O batismo é sempre o sinal externo do milagre da Graça de Deus operado no interior de cada pessoa humana. Embora a
realidade da conversão esteja estreitamente ligada à ação simbólica, o ritual externo, isoladamente, não tem o poder de produzir
a graça interior e, portanto, a salvação eterna (2.38; Tt 3.5; 1Pe 3.21; Rm 2.28-29; 6.3-4; Fp 3.4-9).
5 Foi desta forma que Paulo se tornou “apóstolo”. Uma vez que a expressão original em grego: apostellõ significa “enviar”, o
próprio Senhor o enviou para comunicar sua graça ao mundo. Entretanto, os judeus não podiam aceitar que outras raças e povos
tivessem acesso ao Reino de Deus sem grandes sacrifícios e demonstrações externas de fé, como a circuncisão e a obediência
absoluta à Lei e suas derivações rabínicas.
sob chicotadas, a fim de que pudessem patriotas, até o dia de hoje tenho cum-
apurar a razão de tamanha insatisfação prido meu dever perante Deus com toda
do povo contra ele.6 a boa consciência!”.
25 Enquanto o amarravam para dar iní- 2 Entretanto, o sumo sacerdote Ananias deu
cio aos açoites, Paulo perguntou ao cen- ordens aos que estavam mais próximos de
turião que ali estava: “A lei vos permite Paulo para que lhe esbofeteassem na boca.
flagelar um cidadão romano, sem que 3 Diante disso, Paulo lhe afirmou: “Deus te
este tenha sido condenado?” ferirá, parede caiada! Pois tu estás aí senta-
26 Assim que ouviu isso, o centurião do para julgar-me segundo a lei, e contra a
correu até o comandante e o preveniu: lei mandas que eu seja agredido?”1
“O que estás fazendo? Esse homem é 4 Os que estavam ao redor, exclamaram:
cidadão romano!”. “Como ousas insultar o sumo sacerdote
27 Então, o comandante veio até Paulo de Deus?”
e o questionou: “Dize-me, tu és cidadão 5 Então Paulo replicou: “Eu não sabia,
romano? Ao que ele lhe afirmou: “Sou!”. irmãos, que esse homem é o sumo sacer-
28 Replicou-lhe o comandante: “Eu preci- dote; afinal está escrito: ‘Não falarás mal
sei pagar uma grande soma em dinheiro de uma autoridade do teu povo’.
para adquirir o direito de ser cidadão”. Re- 6 Contudo, sabendo Paulo que uma par-
trucou-lhe Paulo: “Pois é, eu, no entanto, te do Sinédrio se compunha de saduceus
o tenho por direito de nascimento”. e outra de fariseus, bradou diante de
29 Diante disso, no mesmo instante, se todos: “Irmãos, eu sou fariseu, filho de
afastaram de Paulo aqueles que o iriam fariseus. Eis que estou sendo julgado por
interrogar por meio de açoites. O pró- causa da minha esperança na ressurrei-
prio comandante ficou temeroso, ao ção dos mortos!”2
saber que havia amarrado com correias 7 Ao proferir essas palavras, estabeleceu-
a um cidadão romano. se uma violenta polêmica entre os fari-
30 No dia seguinte, desejando compre- seus e os saduceus e a assembléia ficou
ender qual era, de fato, a acusação dos dividida.
judeus libertou Paulo e mandou que 8 Porquanto, os saduceus afirmam que
se reunissem os chefes dos sacerdotes não existe ressurreição nem anjos nem
e todo o Sinédrio. Então, convocando espíritos. Os fariseus, porém, acreditam
Paulo, apresentou-o diante deles. em tudo isso.
9 Houve, então, muita discussão e grita-
Paulo tumultua o Sinédrio ria. Alguns dos mestres da lei que eram
6 A palavra grega para “açoite” era mastixin; e, em latim flagellum. Os romanos costumavam “açoitar” ou “flagelar” os suspeitos
de crimes e acusados, escravos ou estrangeiros, a fim de arrancar-lhes a verdade. Contudo, sob hipótese alguma, poderiam agir
dessa mesma maneira contra um cidadão romano (ainda que esse houvesse comprado ou ganho por mérito sua cidadania). O
“açoite” era uma espécie de chicote de tiras de couro, com pedaços de osso e metal fixados nas extremidades, o que aumentava
em muito seu poder de dilacerar o corpo de suas vítimas. Esse foi um dos instrumentos usados na tortura do Senhor antes da
crucificação (Mt 27.27-31; Mc 15.16-20).
Capítulo 23
1 Ananias era filho de Nebedeu e exerceu as funções de sumo sacerdote de 47-59 d.C. Ficou conhecido na história por sua
crueldade e violência. A condenação profética de Paulo cumpriu-se no ano 66 d.C., quando Ananias foi assassinado brutalmente
pelo seu próprio povo (sicários) por dar apoio a Roma. Paulo revela em seu discurso que o cristianismo tem suas raízes doutri-
nárias no judaísmo verdadeiro e puro. Porquanto a fé cristã é o cumprimento da esperança messiânica defendida pelos antigos
e fiéis fariseus. Paulo usa uma expressão de Jesus (Mt 23.27; Ez 13.10-12) para denunciar a falsidade da liderança religiosa que
imperava no Sinédrio (Supremo Tribunal dos Judeus).
2 O Sinédrio era dirigido por dois grandes partidos político-religiosos: os saduceus, grupo minoritário, mas de grande influência,
pois abrigava a elite econômica e cultural dos judeus. Eles não acreditavam na existência dos anjos ou de espíritos, tampouco
homem mal algum! Quem pode garantir 16 Porém, o sobrinho de Paulo, filho de
que não foi mesmo um espírito ou anjo sua irmã, ficou sabendo dessa trama,
que falou com ele?”. dirigiu-se à fortaleza e contou tudo a
10 Diante disso, a discussão se tornou Paulo
tão acirrada que o comandante teve 17 que, chamando um dos centuriões,
receio que Paulo fosse estraçalhado pela rogou-lhe: “Leva este rapaz ao coman-
multidão enfurecida. Então, ordenou dante, porque tem algo importante a
que as tropas descessem e o tirassem à comunicar-lhe”.
força do meio deles e o levassem para 18 Tomando-o, pois, conduziu-o ao co-
a fortaleza. mandante e lhe declarou: “O prisioneiro
Paulo me chamou e pediu que trouxesse
Jesus aparece outra vez a Paulo à tua presença este moço, que tem algo
11 Na noite seguinte, o Senhor surgiu ao importante a revelar-te”.
lado de Paulo e lhe afirmou: “Sê cora- 19 Então, o comandante tomou o jovem
joso! Assim como deste testemunho da pela mão e, levando-o à parte, indagou-
minha pessoa em Jerusalém, deverá de lhe: “O que tens para dizer-me?”.
igual modo testemunhar em Roma”.3 20 Ao que ele revelou: “Os judeus com-
binaram solicitar-te que amanhã orde-
Os judeus tramam matar Paulo nes a Paulo descer ao Sinédrio, fingindo
12 Na manhã seguinte, os judeus planeja- ter de investigar com maior precisão o
ram uma cilada e juraram solenemente caso dele.
que não comeriam nem beberiam en- 21 Não te deixes persuadir por eles,
quanto não tirassem a vida de Paulo. porquanto há mais de quarenta deles à
13 Mais de quarenta homens faziam parte espreita contra Paulo; eles juraram sob
desta conspiração.4 pena de maldição não comer nem beber
14 Estes foram até os chefes dos sacerdo- até que tirem a vida dele. Agora, pois,
tes e aos líderes dos judeus e rogaram: estão prontos apenas aguardando a tua
“Fizemos um juramento, sob pena de palavra de consentimento”.
maldição, de não provarmos alimento 22 Então, o comandante mandou o rapaz
algum até matarmos a Paulo. sair, ordenando-lhe que a ninguém con-
15 Agora, portanto, juntamente com o tasse que lhe havia revelado aquilo.
Sinédrio, solicitai ao comandante que o 23 Em seguida, chamando dois centu-
mande descer diante de vós como se fôs- riões, determinou-lhes: “Preparai um
seis investigar com mais exatidão sobre o destacamento de duzentos soldados,
seu caso. Assim, estaremos preparados setenta cavaleiros e duzentos lanceiros a
para matá-lo antes que consiga chegar fim de rumarem para Cesaréia, ainda esta
até aqui”. noite às nove horas.5
na ressurreição (Mt 3.7; Mc 2.16; Lc 5.17). Os fariseus representavam o partido do povo e daqueles que buscavam obedecer à
Lei e suas ordenanças em todos os sentidos (muitas vezes de forma exagerada e apenas exterior). Acreditavam na intervenção
dos anjos, no Anjo do Senhor, nos espíritos e na ressurreição da alma para a vida eterna. Em 23.9, demonstram a tolerância de
Gamaliel (5.33).
3 A expressão original grega, aqui traduzida por “ao lado”, transmite literalmente a idéia de que o Jesus ressurreto “apareceu
em pé, logo acima de Paulo”. Nos principais momentos de crise, Paulo recebeu a companhia encorajadora da pessoa do Senhor
ressurreto, garantindo-lhe que sua missão seria cumprida cabalmente, pois assim era a vontade de Deus (9.4; 16.9; 18.9; 22.18;
23.11; 27.23).
4 O juramento desses 40 assassinos (zelotes que mais tarde provocariam grande revolução contra Roma) pode ser visto como
um símbolo vivo do anátema (maldição) assumido pela nação de Israel quanto à morte de Jesus Cristo (Mt 27.25).
5 As precauções especiais tomadas pelo tribunal revelam o clima de tumulto e revolta que se instalou na cidade por conta dos
sucessivos julgamentos de Paulo. A expressão literal em grego, usada aqui para determinar as horas, é: “à hora terceira”, que
corresponde “às nove horas da noite” no sistema horário ocidental.
6 Cláudio manda que alguns cavalos sejam preparados para a viagem de escolta de Paulo e seus companheiros de missão
(Lucas, Aristarco). Félix foi o primeiro escravo liberto a chegar a ser governador de uma província romana. Mandar um acusado
para um tribunal superior exigia uma carta de esclarecimento, conhecida em latim como “elogium”.
7 Cláudio Lísias age com a típica sutileza e astúcia da maioria das autoridades públicas, procura lançar a responsabilidade
pelo tumulto na cidade e pela situação polêmica de Paulo sobre os judeus (veja Gálio em 18.14-15). Para fazer uma boa imagem
perante o governador, ele modifica “ligeiramente” os fatos a seu favor. Afinal, o comandante Cláudio não ficou sabendo sobre a
cidadania romana de Paulo a não ser quando já estava pronto para interrogá-lo por meio de torturas e açoites (21.38; 22.26).
8 Da mesma maneira como ocorreu no desenrolar do julgamento de Jesus Cristo diante de Pilatos (Lc 23.4-22), Paulo é reco-
nhecido pelos próprios líderes romanos (pagãos) como inocente.
9 Herodes, o Grande, foi quem reconstruiu a cidade de Antipátride (nome do seu pai). Era um porto militar e localizava-se a 60
km de Jerusalém, entre as grandes cidades de Samaria e a Judéia, cuja sede do governo ficava na cidade de Cesaréia, cerca
de 40 km de Antipátride.
10 Herodes, o Grande, havia também construído um palácio que lhe servia de residência enquanto estava em visita à pro-
víncia. Todavia, agora era usado como pretório romano, uma espécie de escritório para negócios oficiais do imperador e para
hospedar seus procuradores. Havia pretórios erguidos em Roma (Fp 1.13), Éfeso, Jerusalém, Cesaréia e em várias partes do
império (Jo 18.28).
Capítulo 24
1 Ananias, o sumo sacerdote, após as palavras de advertência lançadas por Paulo contra sua pessoa no Sinédrio (Supremo
Tribunal dos Judeus, formado por 71 líderes religiosos e políticos) tornou-se um inimigo mortal do apóstolo Paulo (23.2; Êx 3.16;
2Sm 3.17; Jl 1.2; Mt 15.2). Por isso, se dispôs a viajar cerca de 100 km de Jerusalém até Cesaréia com o objetivo de colaborar
pessoalmente na possível condenação de Paulo. Algumas versões traduziram literalmente a função de Tértulo, como “orador”.
Entretanto, conforme a lei, era necessário que uma pessoa idônea, versada nas leis romanas e em retórica forense, assumisse
a missão acusatória formal do processo contra um cidadão romano. Tértulo era um judeu helenístico familiarizado com os
processos do tribunal de Roma.
3 Em tudo e em toda parte nós reconhe- 11 Bem podes verificar com facilidade que
cemos teus benefícios com profunda não faz mais de doze dias desde que subi
gratidão, ó excelentíssimo Félix.2 de Jerusalém para adorar a Deus.
4 Portanto, a fim de não tomar-te mais 12 Aqueles que me protestam não me
tempo, rogamos-te o favor de ouvir-nos acharam conversando com ninguém no
por breve momento. templo, nem tumultuando o povo nas
5 Concluímos que este homem é um per- sinagogas ou em qualquer outro lugar
turbador, porquanto promove tumultos da cidade!
entre os judeus pelo mundo todo, sendo o 13 Nem ao menos tem como te provar
principal líder da seita dos nazarenos.3 as acusações que nesse momento estão
6 Ele tentou até mesmo profanar o templo, levantando contra mim diante de ti.
mas nós o prendemos, e era nosso desejo 14 Contudo, confesso-te que sirvo sim ao
julgá-lo conforme os ditames da nossa lei. Deus de nossos pais como discípulo do
7 Entretanto, o comandante Lísias interveio, Caminho, a que denominam seita. Creio
e, usando de violência, o arrebatou de nos- em tudo o que está de acordo com a Lei e
sas mãos e ordenou que os queixosos vies- no que está escrito nos Profetas,
sem apresentar seus protestos diante de ti. 15 depositando em Deus a mesma es-
8 Assim, se tu mesmo o interrogares, perança desses homens; de que haverá
poderás verificar a verdade a respeito de ressurreição, tanto de justos como de
todas estas acusações que estamos fazen- injustos.5
do contra ele!” 16 Por esse motivo, busco sempre manter
9 Em seguida, os líderes judeus confirma- minha consciência limpa na presença de
ram a acusação, testemunhando que tais Deus e dos homens.6
afirmações eram, de fato, verídicas. 17 Depois de vários anos ausente de Je-
rusalém, voltei trazendo ajuda financeira
Paulo expõe sua defesa doada ao meu povo, bem como para
10 Então, Paulo, tendo atendido ao si-nal apresentar ofertas a Deus.
do governador para que falasse, excla- 18 Enquanto assim procedia, já cerimo-
mou: “Sei que há muitos anos tens sido nialmente purificado, encontraram-me
juiz sobre esta nação e por essa razão, no templo, no entanto, sem envolver-me
sinto-me motivado a falar em minha em qualquer incitamento público ou
própria defesa.4 tumulto.7
2 Nos altos escalões do poder, desde a antigüidade, lisonja, bajulação e subserviência são atitudes desonestas empregadas
por alguns para conquistar favor e benevolência.
3 O promotor de acusação tenta incriminar Paulo acusando-o de ser o principal líder de uma seita judaica. Já era comum
chamar os cristãos de nazarenos, por causa da terra natal de Jesus. Assim, Tértulo aproveitou esse fato para transformar em
duas acusações fatais contra Paulo: ser líder de uma ramificação religiosa ainda não aprovada por Roma, o que era frontalmente
contra a lei. E, provocar tumultos, desordens públicas ou dissensões em várias das províncias romanas, o que era sumariamente
interpretado como um ato de traição a César e, portanto, sujeito a pena capital.
4 Paulo atende ao regime protocolar, respeitoso e formal para sua defesa, entretanto não usa de adulações e falsas exaltações.
Paulo cita fatos exatos e comprovados e apela à justiça.
5 Paulo demonstra que o cristianismo não seria uma seita do judaísmo, mas que Jesus veio completar a obra da salvação da
humanidade, desde a antigüidade, anunciada e profetizada por todos os servos do Senhor. Neste sentido, seguir o Caminho da
justiça e da verdade era dever de todo judeu, e Paulo não se excluía dessa condição, pois era judeu de nascimento e por fé em
Deus e em Sua Palavra. Aguardava a ressurreição dos salvos e o Juízo, como todo bom judeu (o que deve ter acirrado a antiga
polêmica entre saduceus e fariseus). Paulo aproveita para alertar que os injustos (não salvos, injustificáveis) também serão
ressuscitados, todavia para a condenação final (Ap 20.5-12).
6 Paulo faz referência ao auto-exame de consciência diante de Deus, e que toda pessoa deve fazer periodicamente a fim de
verificar se seus sentimentos e atitudes estão condizendo com a vontade soberana do Senhor ou são apenas reflexos do arbítrio
egoísta e predatório do indivíduo humano e da sociedade em que vive (Rm 2.15; 9.1).
7 Paulo oferece um outro fato comprovado das suas reais intenções e ações. Ele havia trazido uma soma considerável em
contribuições (esmolas) oferecidas pelas igrejas cristãs na Ásia e Europa, para ajudar o povo necessitado (em todos os sentidos)
de Jerusalém, especialmente naqueles dias (1Co 16.1; 2Co 8.1; Rm 15.25; At 20.4). Além disso, Paulo tinha o apreciável hábito
19 Contudo, há alguns outros líderes ju- nou que lhe trouxessem Paulo e o ouviu
deus da província da Ásia que deveriam falar sobre a fé em Cristo Jesus.
estar aqui diante da tua presença para 25 Quando Paulo começou a pregar so-
apresentar seus protestos, se tivessem bre a justiça, o domínio próprio e o juízo
alguma acusação contra mim.8 vindouro, Félix ficou apavorado e excla-
20 Ou, ao menos, aqueles que aqui se mou: “Basta, por agora! Podes retirar-te,
encontram, professem que crime en- em outra ocasião, mais conveniente, te
contraram em mim, quando compareci mandarei chamar outra vez”.10
perante o Sinédrio, 26 Ao mesmo tempo, esperava que Paulo
21 a não ser com referência a essa única lhe oferecesse algum suborno e, por isso,
palavra que bradei, estando no meio o convocava para freqüentes conversas.11
deles: É por causa da ressurreição dos 27 E, assim, passaram-se dois anos,
mortos que hoje estou sendo condenado quando Félix foi sucedido por Pórcio
por vós!” Festo; todavia, como desejava manter a
simpatia dos judeus, Felix deixou Paulo
Félix e sua esposa ouvem Paulo encarcerado.12
22 E aconteceu que Félix, tendo bom
conhecimento do Caminho, adiou o Paulo é julgado por Festo
julgamento da causa, determinando:
“Quando o comandante Lísias chegar
aqui, decidirei a vossa questão!”9
25 Festo chegou à província e, depois
de três dias, subiu de Cesaréia a
Jerusalém.1
23 Em seguida, ordenou ao centurião que 2 Os chefes dos sacerdotes e os mais
mantivesse Paulo sob custódia, mas que eminentes líderes judeus compareceram
lhe desse certa liberdade e permitisse aos diante dele e apresentaram-lhe as acusa-
seus companheiros que o servissem. ções contra Paulo.
24 Passados vários dias, Félix veio com 3 Então, rogaram a Festo o favor de
Drusila, sua esposa que era judia, e orde- transferir Paulo para Jerusalém, em de-
espiritual (não muito comum entre os líderes religiosos de nossos dias) de ajudar pessoalmente, e com seus próprios recursos
financeiros, a muitos de seus companheiros de ministério (21.24). Paulo ainda, como judeu fariseu, observava as leis sobre
purificação pessoal e doações (oferendas) a Deus no templo.
8 Os líderes judeus da Ásia, que amotinaram as multidões, deviam também prestar seus depoimentos, porquanto foram
testemunhas oculares.
9 Félix era aquele tipo de pessoa muito comum em nossos dias: conhecia a história de Cristo, tinha medo da morte e do
julgamento final, mas não queria saber de entregar sua vida para ser conduzida pelo Espírito de Deus. A esposa de Félix era
judia, e já o havia informado sobre a Deus, os Profetas e o Caminho. Drusila foi a filha mais nova de Herodes I (12.1) e irmã de
Agripa II (25.13) e de Berenice. A história registra que Drusila deixou Azizo, rei Emessa, aos 16 anos de idade, um ano após seu
casamento, para se tornar a terceira esposa de Félix. O filho de Drusila, também chamado Agripa, morreu na erupção do monte
Vesúvio em 79 d.C.
10 Paulo não perdia tempo nem jogava palavras ao vento. Sua objetividade e praticidade, orientadas pelo Espírito Santo, o le-
vavam sempre e direto ao coração do indivíduo e às suas maiores necessidades. Paulo poderia ter clamado por sua libertação ou
preparado uma mensagem suave e de bons presságios. Entretanto, Paulo falou – da parte do Senhor – sobre o que Félix e Drusila
mais necessitavam: arrependimento e salvação. A reação foi semelhante a de Herodes Antipas diante de João (Mc 6.20).
11 Como a maioria das pessoas poderosas, Félix era um homem que nutria grande avareza. Seus convites para ouvir a Paulo
tinham na realidade um interesse material. Félix soube da expressiva oferta financeira que Paulo havia entregado à igreja em
Jerusalém e imaginou que poderia ter acesso a essa fonte vultuosa de recursos por meio de um possível suborno e, por isso,
passou dois anos tentando a Paulo, porém, sem êxito.
12 A história registra que Félix foi chamado de volta a Roma no ano 60 d.C. para prestar contas por várias irregularidades ob-
servadas em seu governo, inclusive a maneira como lidou com os motins ocorridos entre judeus e sírios. Sabendo que em breve
teria que enfrentar os judeus num tribunal romano, preferiu deixar Paulo na prisão, ainda que vencido o prazo limite de custódia de
um cidadão romano sem julgamento, a fim de não provocar ainda mais a revolta dos judeus contra sua pessoa. Festo morreu dois
anos após ter assumido o cargo. Agiu com honestidade e justiça muito superiores às de Félix, e às de seu sucessor Albino.
Capítulo 25
1 Festo tinha pressa em chegar ao centro das decisões político-religiosas judaicas e, por isso, viajou cerca de 100 km de
Cesaréia a Jerusalém em dois dias.
trimento do direito de Paulo, pois esta- 9 Porém, Festo, desejando ser agradável
vam tramando matá-lo na estrada.2 aos judeus, inquiriu a Paulo: “Desejas tu
4 Todavia, Festo respondeu: “Paulo está subir a Jerusalém para ali ser julgado por
detido em Cesaréia, e eu mesmo breve- mim a respeito dessas acusações?”.
mente partirei para lá. 10 Replicou-lhe Paulo: “Eis que estou
5 Enviem comigo alguns dos seus líderes diante do tribunal de César, onde con-
e apresentem ali os vossos protestos con- vém seja eu julgado; nenhum crime pra-
tra esse homem, se de fato ele cometeu tiquei contra os judeus, como tu muito
algum crime”.3 bem sabes.
6 Havendo passado entre eles cerca de 11 Contudo, se fiz qualquer mal ou prati-
oito a dez dias, desceu para Cesaréia e, quei algum crime que mereça a pena de
no dia seguinte, convocou o tribunal e morte, estou pronto para morrer. Mas, se
mandou que Paulo fosse trazido diante não são verdadeiras as acusações que me
dele. afrontam esses homens, ninguém tem o
7 Assim que Paulo apareceu, os líderes ju- direito de me entregar a eles. Portanto,
deus que haviam chegado de Jerusalém apelo para César!”.6
se aglomeraram ao seu redor, lançando 12 Assim, depois de haver consultado
sobre ele um grande número de ofensas seus conselheiros, Festo determinou:
e graves acusações, sobre as quais não “Apelaste para César, para César irás!”.
tinham provas.4
8 Então, Paulo tomou a palavra em sua Festo aconselha-se com Agripa
defesa: “Em verdade não tenho cometido 13 Passados alguns dias, chegaram a Ce-
pecado algum contra a Lei dos judeus, saréia, o rei Agripa e Berenice em visita
nem contra o templo ou tampouco de boas-vindas a Festo.7
contra César.5 14 E, como ficaram na cidade por muitos
2 O mesmo grupo que fizera o voto de tirar a vida de Paulo (23.12) continuava trabalhando em sua cilada fatal contra o apóstolo
do Senhor.
3 Algumas versões trazem a palavra “habilitados”, porém, o sentido mais claro e preciso da expressão no original refere-se às
“pessoas em posição de poder”, portanto, “líderes”.
4 Paulo era judeu e cidadão romano por nascimento. Isso requeria todo um cuidado das autoridades das duas nações em
relação a um justo julgamento. Por isso, Festo se apressa em convocar o tribunal com a presença de alguns líderes ilustres do
Supremo Tribunal dos Judeus (Sinédrio). Novamente, como na primeira audiência, ficou claro que as acusações contra Paulo
eram todas sem fundamento. Os adversários de Paulo não apresentaram nenhuma testemunha ou evidência.
5 Paulo respeitava a Lei e, como fariseu, muitas das ordenanças rabínicas (Rm 7.12; 8.3,4; 1Co 9.20). Ele não havia afrontado os
costumes e as tradições que os judeus observavam em relação ao templo e, portanto, não havia levado Trófimo às áreas proibidas
(21.28-29). Jesus já havia profetizado a destruição do templo, mas, nem Jesus nem seus discípulos seriam responsáveis por sua
lastimável (e cada vez pior) condição (Lc 21.5,6). Mesmo que proclamando com veemência e insistência a chegada do Reino de
Deus, Paulo não rivalizava contra a política de César (17.6,7). Ao contrário, pregava sobre o respeito aos deveres civis, à lei e à
ordem (Rm 13.1-7), com contínuas orações pelos representantes e governantes dos cidadãos (1Tm 2.2).
6 Paulo não temia a morte, pois tinha certeza absoluta de sua vida eterna em Cristo. Seus planos eram mais ambiciosos do
que ser absolvido ou preservar a própria vida na terra. Paulo almejava ver o cristianismo aceito legalmente por Roma como
religião independente do judaísmo, para que a Igreja e os demais discípulos parassem de sofrer tantas perseguições violentas.
Percebendo que Festo estava (politicamente) inclinado a dar preferência aos líderes judeus em detrimento à justiça, Paulo faz uso
do direito romano de ser ouvido por César (ou um seu procurador em Roma) sobre seu caso. Então profere, em latim, sua petição:
prouocatio ad Caesarem. Esse era um dos mais antigos e respeitados direitos do código legal de Roma e era concedido a todo
cidadão romano desde 509 a.C. O imperador na época era Nero, que havia sucedido Cláudio em 54 d.C., e governou até 68 d.C.
Seus primeiros anos, sob os conselhos e orientações filosóficas de Sêneca representam seu período mais sensato e profícuo.
7 Fazia parte da tradição que os reis locais fizessem uma visita de cortesia às autoridades romanas destacadas para assumir o
cargo de representantes do imperador em cada província ocupada por Roma. Era de recíproca vantagem que convivessem em
harmonia (por exemplo: Herodes Antipas e Pilatos em Lc 23.6-12). O rei Agripa II (o último dos Herodes), filho de Herodes Agripa
I (At 12.1), rei da Galiléia e Peréia. De todos os Herodes, esse foi o mais justo. Berenice foi irmã de Drusila e Agripa II. Depois
tornou-se amante de Tito, filho do imperador Vespasiano e responsável pela completa destruição de Jerusalém em 70 d.C. Era
natural de Festo que pedisse ajuda a Agripa, pois, dentro do judaísmo, ele tinha o poder de nomear o sumo sacerdote.
dias, Festo expôs ao rei o caso de Paulo, homem”. Ao que Festo consentiu: “Ama-
compartilhando: “Há aqui certo homem nhã o ouvirás”.10
que Félix abandonou na prisão.
15 Quando estive em Jerusalém, os chefes Paulo diante de Agripa e sua corte
dos sacerdotes e os líderes dos judeus 23 No dia seguinte, Agripa e Berenice
protestaram graves acusações contra ele, chegaram com grande pompa e entra-
reivindicando que fosse condenado. ram na sala de audiências juntamente
16 Entretanto, eu lhes expliquei que não com seus altos oficiais e os homens mais
é costume dos romanos condenar nin- importantes da cidade. Então, por ordem
guém sem que o acusado tenha diante de Festo, Paulo foi trazido.
de si os acusadores e possa exercer plena- 24 Em seguida, Festo declarou: “Rei
mente o seu direito à defesa. Agripa e vós todos que estais presentes
17 Quando eles se reuniram aqui, no dia conosco, vedes que aqui está o homem
seguinte, sem perda de tempo, convoquei por causa de quem toda a comunidade
o tribunal e ordenei que o homem fosse dos judeus, tanto em Jerusalém como
apresentado. aqui, recorreu a mim, afirmando que ele
18 No entanto, quando seus acusadores se não deve mais viver.
levantaram para proceder às acusações, 25 Eu, todavia, entendi que ele não havia
não apontaram nenhum dos crimes que praticado nada que mereça pena de mor-
eu imaginava. te. Mas, como ele apelou para o impera-
19 Ao contrário, levantaram apenas dor, decidi enviá-lo a Roma.
algumas questões relativas à sua própria 26 No entanto, não tenho ainda nada de-
religião, sobre as quais discordavam dele; finido quanto ao que escrever sobre ele
e quanto a um certo Jesus, já morto, o ao nosso soberano. Por essa razão, eu o
qual Paulo alega insistentemente que trouxe perante vós, especialmente diante
está vivo.8 de ti, ó rei Agripa, para que, depois de
20 Diante de tudo isso, fiquei sem saber realizado esse interrogatório, eu tenha
como investigar corretamente a questão; informações mais claras a prestar.
por isso, indaguei se ele estaria disposto a 27 Porquanto, não me parece sensato
ir a Jerusalém e ali ser julgado a respeito enviar um preso sem antes notificar as
destas acusações. acusações que pesam sobre ele”.
21 Porém, apelando Paulo para que fi-
casse sob custódia até ser julgado pelo Agripa ouve a defesa de Paulo
imperador, ordenei que permanecesse
detido, aguardando o momento em que
eu o pudesse enviar a César”.9
26 Então, Agripa, dirigindo-se a Pau-
lo, declarou: “É permitido que
faças uso da palavra em tua defesa!”. Em
22 Então, o rei Agripa propôs a Festo: seguida, Paulo fez um sinal com a mão e
“Pois eu também gostaria de ouvir esse iniciou a apresentação de sua defesa:1
8 A palavra “religião”, usada na explanação de Festo a Agripa, tem a conotação, nos originais gregos, de “superstição”. É a
mesma expressão usada por Paulo no Areópago (17.22) ao se referir ao modo de crer dos atenienses.
9 A expressão usada por Festo, aqui traduzida por “imperador e César” foi “Augustus”, que em latim era o título de maior honra
e poder atribuído aos imperadores romanos, palavra traduzida para o grego como “sebastos”, ou seja, “excelso”, “sublime”.
10 A vida e a pregação de Paulo eram tão extraordinárias que Agripa desejou ouvi-lo, assim como Antipas desejou ouvir a Jesus
(Lc 9.9; 23.8). Por mais brutais que fossem, os romanos admiravam e respeitavam a coragem e a verdade como a imagem da
divindade nos homens (Imago Dei).
Capítulo 26
1 Festo outorgou ao rei Agripa a presidência dessa audiência em sinal de cortesia. Jesus, entretanto, já havia previsto que
muitos de seus apóstolos e discípulos seriam levados à presença de governadores, reis e pessoas influentes para testemunharem
da fé cristã (Mc 10.18). Paulo cumpre essa predição diante de Félix, Festo, Agripa e finalmente César (Nero). Lucas está presente
nessa sessão, anotando detalhes para seus livros.
2 “Ó rei Agripa, considero-me abençoado ção dos chefes dos sacerdotes atirei mui-
por poder estar hoje em tua presença a tos santos aos cárceres, e quando eram
fim de verbalizar minha defesa contra sentenciados à pena de morte eu sempre
todas as acusações dos líderes judeus, dava meu voto contra eles.
3 especialmente porque és versado em 11 Várias vezes corri de sinagoga em
todos os costumes e questões que há entre sinagoga com o objetivo de castigá-los,
os judeus. Por este motivo, rogo-te que me e fazia de tudo para obrigá-los a blasfe-
ouças com paciência.2 mar. Em minha fúria obstinada contra
4 É do pleno conhecimento de todos os eles, atravessei terras estrangeiras para
judeus como tenho vivido desde crian- capturá-los.5
ça, tanto em minha terra natal como em 12 Em uma dessas viagens estava me di-
Jerusalém. rigindo para Damasco, com autorização
5 Eles me conhecem há muito tempo e dos chefes dos sacerdotes e por eles pró-
podem testemunhar, se assim o deseja- prios comissionado.
rem, que como fariseu, vivi conforme os 13 Entretanto, por volta do meio-dia, ó
ditames da seita mais rigorosa de nossa rei, estando eu a caminho, vi uma luz do
religião. céu, muito mais brilhante do que o sol,
6 Contudo, agora estou aqui para ser jul- resplandecendo em torno de mim e dos
gado por causa da esperança da promessa que caminhavam comigo.
feita por Deus aos nossos antepassados.3 14 E, caindo todos nós por terra, ouvi uma
7 Esta é a promessa que as nossas doze tri- voz que me falava em aramaico: ‘Saul,
bos esperam que se cumpra, cultuando a Saul, por que razão me persegues? Por-
Deus com todo fervor, dia e noite sem pa- quanto resistires ao aguilhão só te causará
rar. É precisamente por essa esperança que sofrimento!’
estou sendo acusado pelos líderes judeus. 15 Foi quando indaguei: ‘Quem és tu,
8 Por que se julga inacreditável, entre vós, Senhor?’ Ao que replicou o Senhor: ‘Sou
que Deus ressuscite os mortos?4 Jesus, a quem tu estás perseguindo!
9 Eu igualmente estava seguro de que 16 Agora, pois, levanta-te e apruma-te em
deveria me opor ao Nome de Jesus, o pé. Foi para isso que te apareci: para te
Nazareno. converter em servo e testemunha, tanto
10 E foi exatamente assim que procedi em das maravilhas que viste de minha parte
Jerusalém. Havendo eu recebido autoriza- como daquelas que te manifestarei.6
2 Agripa, como rei judeu, tinha o poder de indicar e nomear os sumos sacerdotes, controlava as finanças e toda a administração
geral do templo. Era consultado pelo império romano em tudo o que se referia a questões religiosas judaicas. Essa foi uma
das razões pelas quais Festo tinha interesse em que Agripa fizesse uma avaliação do caso de Paulo, pois Roma não interferia
e respeitava os cultos dos povos que dominava, desejando apenas a submissão política, econômica e a ordem social. Esse foi
um dos motivos de os gregos terem influenciado tanto as artes e quanto o modo de pensar romano, pois ainda que dominados
militarmente, tornaram-se os dominadores culturais de Roma.
3 Devido a sua inteligência e dedicação ao judaísmo, Paulo era conhecido desde a infância pelos líderes judeus, tendo obser-
vado fielmente todas as ordenanças dos fariseus até seu encontro com Jesus, que ampliou sua perspectiva quanto ao Reino de
Deus (Gl 1.14). Agora, sua “esperança” incluía: uma visão completa do Rei e do Reino, o conhecimento do Messias e a certeza
da vida eterna (a ressurreição em Cristo).
4 Paulo sabia que o rei Agripa, como a maioria dos líderes judeus, fazia parte do partido de elite dos saduceus. Os romanos,
como Festo e as demais autoridades, também não acreditavam na ressurreição dos mortos e no juízo final. Paulo – ainda que
correndo o risco de ofender a sensibilidade do rei e das autoridades – fala a verdade sobre o tema mais importante das nossas
vidas: onde vamos passar a eternidade?
5 Após seu encontro com Jesus e conversão, Paulo dedicou-se ainda muito mais a cumprir a vontade do seu Senhor do que a
satisfazer seus próprios desejos (2Co 3.5). Paulo é o maior exemplo de como uma pessoa perdida e iludida por um sistema de
valores e idéias errôneas pode, ao receber a Luz de Cristo (o Espírito Santo), converter-se radicalmente dos seus maus caminhos
e servir a Deus com poder, honra e glória espiritual até a morte (Jo 8.12; Cl 1,12,13; 1Pe 1.4).
6 Paulo cita um provérbio grego, muito conhecido na época, a respeito da resistência inútil dos bois durante o manejo: “assim
agindo, o touro só consegue se ferir nas pontas afiadas dos aguilhões”. A seguir, vemos mais uma prova da ordenação de Paulo
como apóstolo do Senhor. Paulo cita a mesma frase usada por Deus para a comissão do profeta Ezequiel (Ez 2.1). Paulo passa a
17 Irei livrar-te deste povo e dos gentios 23 Ou seja, como Cristo deveria sofrer,
para os quais te envio, e como Ele seria o primeiro que, pela
18 para lhes abrir os olhos e os conver- ressurreição dos mortos, anunciaria Luz
teres das trevas para a luz, e do poder a esse povo e, de igual modo, a todos os
de Satanás para Deus, a fim de que re- gentios”.9
cebam o perdão dos pecados e herança 24 Todavia, enquanto Paulo apresentava
entre os que são santificados pela fé em sua defesa, Festo interrompeu o discurso
mim’.7 e exclamou irritado: “Estás louco, Paulo!
19 Sendo assim, ó rei Agripa, não fui de- As muitas letras te fazem delirar!”.
sobediente à visão celestial. 25 No entanto, Paulo argumentou: “Não
20 Preguei em primeiro lugar aos que estou enlouquecido, ó excelentíssimo
estavam em Damasco, em seguida aos Festo, muito diferente disto, estou decla-
que estavam em Jerusalém e depois, em rando palavras verdadeiras e em pleno
toda a Judéia e igualmente aos gentios, juízo!10
admoestando que se arrependessem e 26 Porquanto o rei, perante a quem falo
convertessem suas vidas para Deus, pra- sinceramente, compreende bem esses
ticando obras que denotassem seu sincero assuntos. E, por isso, não acredito que
arrependimento. nada do que falei vos tenha escapa-
21 E foi por isso que, alguns líderes judeus do ao conhecimento; posto que esses
me prenderam, estando eu no templo, e eventos não ocorreram em um canto,
tentaram assassinar-me. às escondidas.
22 Todavia, tenho sido agraciado com 27 Acreditais, ó rei Agripa, nos profetas?
a ajuda de Deus até o dia de hoje, e Sei que credes!”.11
por essa razão, estou aqui e posso 28 Então, o rei Agripa ponderou: “Crês
testemunhar tanto às pessoas simples tu que em tão pouco tempo podes
como aos cultos e notáveis. Não estou persuadir-me a converter-me em um
dizendo nada além do que os profetas cristão?”.12
e Moisés nos advertiram que haveria de 29 Diante do que Paulo declarou: “Seja
ocorrer.8 em pouco ou muito tempo, suplico a
ser ministro e testemunha do Deus vivo (1.8; Gl 1.16-17). Paulo é mandado estender a missão do Servo de Jeová, o Senhor Jesus
(Is 42.7,16). Perseguir os cristãos é lutar contra Jesus, pois Cristo identifica-se com Seu Corpo (1Co 12.12; Cl 1.24).
7 A missão de Paulo e de todos os discípulos de Cristo é cooperar para que judeus e gentios (todos que não nasceram judeus)
sejam convertidos de um sistema mundial caótico e que ruma inexoravelmente para um fim tenebroso, para a maravilhosa luz
de Cristo. Essa é a figura de linguagem característica dos ensinos de Paulo (Rm 13.12; 2Co 4.6; Ef 5.8-14; Gl 1.13; 1Ts 5.5). A
santificação (expressão dos originais hebraicos e que significa “separados para habitação do Senhor”) é uma “posição” à qual
somos elevados por ocasião da conversão a Cristo; não é possível “santificar-se” apenas por boas obras. Esse é um dos méritos
exclusivos do sangue (sacrifício vicário) de Jesus (20.32; 1Co 1.2).
8 As obras não podem salvar, mas revelam o caráter transformado (nascido de novo) pelo Espírito Santo. Os profetas e Moisés
significam o AT (Lc 24.27-44).
9 A Bíblia conta vários casos de mortos que voltaram à vida. No próprio dia da crucificação de Jesus, os sepulcros se abriram
e a população de Jerusalém viu muitos de seus mortos, ressurretos, caminhando para dentro da cidade (Mt 27.52,53). Todavia,
todos eles, um dia morreram novamente. Jesus foi o primeiro a ressurgir com um corpo imortal (2Tm 1.10; 1Co 15.20). Esse é
mais um exemplo de Jesus de que nós também, seus discípulos, ressurgiremos para viver eternamente com Ele.
10 A expressão original grega, aqui traduzida por “louco”, tinha na antigüidade e no contexto em que fora proferida por Festo o
sentido de “delírios inspirados por espíritos misteriosos” (16.16; Mc 3.21; Jo 10.20). O governador acreditava que a erudição de
Paulo e sua extrema dedicação ao estudo das Sagradas Escrituras o haviam conduzido a uma obsessão doentia (inclusive por
repetir freqüentemente a visão e o encontro com Jesus que tivera) sobre os temas: profecias e ressurreição.
11 Paulo coloca o rei Agripa em uma encruzilhada teológica: se respondesse que sim, Paulo o pressionaria a aceitar Jesus
como o cumprimento cabal das palavras dos profetas. Se, dissesse não, teria de se explicar aos muitos judeus devotos que criam
na mensagem dos profetas como a própria Palavra de Deus.
12 O rei Agripa, como todo político ardiloso, só responde o que lhe interessa e, portanto, leva o assunto com certa ironia para o
âmbito pessoal, sugerindo que, apesar da cultura e da boa argumentação de Paulo, seria necessário mais tempo e maior análise
para que o rei pudesse ser convencido sobre a relevância do cristianismo.
Deus que não somente tu, ó rei, mas 3 No dia seguinte, chegamos a Sidom, e
todas as pessoas que hoje me ouvem se Júlio, num gesto de bondade para com
tornem como eu, todavia, livres dessas Paulo, consentiu-lhe que fosse visitar
algemas!”.13 seus amigos e receber deles o suprimento
30 Então, o rei se levantou, e com ele o de suas necessidades.
governador e Berenice, seguidos de todos 4 Partindo dali, fomos navegando próxi-
que com eles estavam assentados. mo à costa norte de Chipre, porquanto
31 E, retirando-se do salão, comentavam os ventos eram contrários.
entre si: “Este homem não fez absoluta- 5 Havendo atravessado o mar aberto ao
mente nada que merecesse prisão, nem longo da Cilícia e Panfília, aportamos em
muito menos à pena de morte”. Mirra, na Lícia.
32 E aconteceu que Agripa confessou a 6 Ali, o centurião encontrou um navio ale-
Festo: “Este homem bem poderia ser xandrino que estava pronto a rumar para
posto em liberdade, caso não tivesse ape- Itália e ordenou que embarcássemos nele.3
lado para César”.14 7 Navegamos lentamente por muitos
dias, e foi em meio a muita dificuldade
Paulo embarca para Roma que chegamos a Cnido; não nos permi-
27 Então, foi determinado que nave-
gássemos para a Itália. Paulo e
alguns outros presos foram entregues a
tindo os ventos prosseguir mais adiante,
navegamos ao sul de Creta, defronte de
Salmona.4
um centurião chamado Júlio, que per- 8 E, enfrentando o mar e os ventos, cos-
tencia ao regimento imperial.1 teamos a ilha até alcançar um lugar cha-
2 Embarcamos num navio de Adrimítio, mado Bons Portos, perto do qual ficava a
que estava prestes a navegar para alguns cidade de Laséia.
portos pela costa da província da Ásia, e 9 Tendo perdido muito tempo, agora a
saímos ao mar. Estava conosco Aristarco, navegação por aquelas águas tornara-se
um macedônio de Tessalônica.2 por demais perigosa. Eis que o Dia da
13 Paulo não estava discursando com o principal objetivo de converter o rei, mas já que Agripa tocou no assunto, o servo do
Senhor não hesitou. Em sua contestação ao rei, fica claro nos originais gregos que Paulo – deixando a reivindicação do seu direito
em segundo plano – eleva uma sincera oração a Deus pela conversão do rei e de todas as autoridades ali presentes. Paulo revela:
“com poucas ou muitas palavras, sob poucas ou muitas dificuldades”, a Palavra do Senhor será anunciada e bem-aventurados
todos aqueles que a ouvirem e deixarem seus corações serem convertidos pelo Espírito Santo.
14 A história revela que muitos magistrados, aristocratas e autoridades (romanos e judeus) converteram-se ao Senhor devido
aos testemunhos de Jesus, Paulo e outros discípulos, mas preferiram manter sua fé em segredo, enquanto buscavam crescer
espiritualmente, para mais tarde revelarem-se plenamente e publicamente como seguidores de Jesus de Nazaré, o Filho de
Deus (Jo 12.42). Agripa, Berenice e muitas autoridades presentes acrescentaram suas valiosas opiniões à de Festo e Félix ao
afirmarem categoricamente que Paulo não tinha qualquer culpa no processo movido contra ele pelos seus compatriotas e irmãos
judeus (Lc 23.14,15).
Capítulo 27
1 Uma vez mais, a narrativa de Lucas passa a se utilizar da primeira pessoa do plural (assim como em 16.10 e 21.18). Esse
capítulo é um dos mais belos exemplos de narrativa descritiva do NT. A expressão “Corte Imperial”, como aparece em versões
antigas, ou “regime imperial”, era a designação que Roma dava à legião especial que atendia diretamente às necessidades de
César.
2 Adrimítio era um porto que se localizava no litoral oeste da província da Ásia, a sudeste de Trôade, a leste de Assôs. Pelo
menos, dois irmãos em Cristo acompanhavam Paulo nessa difícil viagem: Lucas e Aristarco, um dos cristãos escolhidos para levar
a contribuição aos crentes pobres de Jerusalém (20.4; Cl 4.10).
3 Alexandria era o principal porto de exportação de trigo para Roma. Navios egípcios, como esse, acomodavam facilmente
276 pessoas e cerca de 300 toneladas de carga (vv. 37-38). Nos finais de verão, os ventos costumam soprar do oeste tornando
necessário prosseguir até a Ásia (Mira) antes de voltar para oeste.
4 De Mirra para Cnido, localizada na extremidade sudoeste da Ásia Menor, a distância era de aproximadamente 300 Km. Essa
viagem levou cerca de 15 dias. Creta era uma ilha com cerca de 280 Km de extensão. O navio deveria ter rumado diretamente
para a Grécia por mar aberto, mas foi forçado a desviar-se para o sul, buscando navegar para o oeste usando a ilha de Creta ao
norte, como certa proteção contra as violentas tempestades (“ao sul de Creta”).
5 O Dia da Expiação (em hebraico Yom Kippur – Dia do Perdão), para os judeus, caía no final de setembro ou início de outubro.
Os judeus projetavam o período seguro de navegação entre o Pentecostes (maio e junho) até a Festa dos Tabernáculos, cinco
dias após o Dia da Expiação. Os romanos consideravam a navegação após o dia 15 de setembro perigosa e, após o dia 11 de
novembro, suicida.
6 As decisões finais sobre a viagem cabiam ao centurião, devido a sua posição de oficial representante do imperador e por cau-
sa dos interesses de Roma, considerando que o comércio de trigo egípcio era um monopólio do governo romano nessa época.
Fenice era uma cidade grande com um porto protegido contra as tempestades e, portanto, adequado para invernar.
7 O vento Nordeste ou Euroaquilão, como aparece em versões mais antigas, é um tufão com ventos violentos que sopram de
leste-nordeste (o Euro-Aquilão) e que desviou o navio do seu curso planejado.
8 Clauda era uma ilha que ficava a cerca de 30 Km de Creta e serviu de abrigo para que os marinheiros pudessem se preparar
melhor para enfrentar as tempestades à frente. Recolheram a bordo o bote salva-vidas, que normalmente navegava rebocado
atrás do navio, pois, por causa da violência dos ventos e do mar, estava atrapalhando as manobras do navio e correndo o risco
de colidir contra o casco do navio provocando sérias avariações.
9 Em casos de furacões, era costume atravessar cordas por baixo das grandes embarcações, a fim de evitar que todo o navio
se despedaçasse. Sirte era uma longa extensão de bancos de areia movediça desolados, ao longo da África do Norte, nas
proximidades do litoral da Tunísia e da costa norte da Líbia (Trípoli). Estavam longe desses bancos de areia, mas considerando a
fúria dos ventos e do mar, esse era um risco bastante possível.
10 O mastreado, as pranchas e uma das velas principais com toda a sua estrutura foram arrancadas e amarradas para serem
arrastadas atrás do navio, servindo de freio.
11 Naquela época, sem o sol, a lua e as estrelas, era impossível calcular a posição onde um navio se encontrava em alto mar e,
muito menos, determinar uma rota a seguir. Apesar de não haverem dado ouvidos a Paulo no início da viagem, mesmo agora, em
meio às dificuldades provocadas pela imprudência dos comandantes e tripulação, ele tinha boas novas para todos (vv.22-26).
12 Paulo deriva sua fé dos seguintes fatos: Ele pertence a Deus por compra (1Co 6.20) e porque foi criado – como todo ser
humano – para adorar a Deus (Rm 11.36). A expressão grega treuõ, aqui traduzida por “servir”, tem igualmente o sentido de
“adorar por meio de atitudes” ou “cultuar”. Um anjo, como em outras ocasiões, fora destacado por Deus para lhe trazer uma
palavra poderosa de encorajamento. Deus faz questão de lembrar a Paulo (e a nós) que todas as suas promessas se cumprirão a
seu tempo. A presença de Paulo diante de César (ou de seus plenos procuradores em Roma) era “impreterível”, “inevitável”. Nada
deteria o Senhor em seu intento. Durante os anos que se seguiram, muitos foram os oficiais de alto escalão do império romano
que se converteram ao Senhor Jesus, especialmente devido ao testemunho e aos escritos de Paulo. A expressão original grega
“por sua graça” pode ser traduzida literalmente como “dei -te como presente”.
13 Era a décima quarta noite desde que partiram de Bons Portos, estavam numa baía aberta para o mar e muito mal protegida,
mas que socorria muitos náufragos. Dava-se o nome grego de Adriático (em grego Adria) ao mar que cobria as costas da Itália,
Malta, Creta e Grécia. Nos tempos antigos, banhava a Sicília e Creta, bem mais ao sul. Hoje em dia, essa área marítima designada
como mar Adriático ou Adriano está muito reduzida. O navio havia percorrido cerca de 800 Km de Clauda a Malta. Os experientes
marinheiros ouviram a rebentação das ondas nas costas de Malta e, por isso, pressentiram a proximidade da terra.
14 Media-se a profundidade do mar descendo uma linha com um peso na ponta. As medidas encontradas, literalmente
conforme o original grego, foram: “vinte braças” e “quinze braças”. Uma braça equivale a 1,84 metros.
15 Se o centurião tivesse permitido a fuga dos marinheiros, os passageiros não teriam conseguido levar o navio até à praia no
dia seguinte.
16 Paulo demonstrou que a fé em Deus proporciona coragem para enfrentar as mais difíceis situações, cumprir a vontade do
Senhor e chegar a bom termo. Os judeus piedosos (e os discípulos do Senhor Jesus) tinham o costume de orar antes de qualquer
refeição, numa demonstração de reconhecimento à bondade e generosidade de Deus (Lc 9.16; 24.30; 1Tm 4.4,5). É notável o
paralelo com a Ceia do Senhor.
17 Jogaram ao mar os últimos sacos de trigo, os quais haviam sido reservados para alimentação a bordo. Quanto mais leve
o navio, tanto mais próximo à praia poderia chegar. A expressão “aliviar o peso” vem dos antigos originais hebraicos do texto
de Jn 1.5.
18 Os marinheiros tiveram que posicionar os lemes de modo que o navio seguisse direto para a praia. Os navios dessa época
usavam dois lemes de direção em cada lado da popa, constituídos de dois grandes remos.
19 O navio, rumando em direção à praia em grande velocidade, colidiu contra um banco de areia da baía de S. Paulo (como
hoje é conhecida), e encalhou. Os soldados logo pensaram em matar os presos, pois, de acordo com a lei romana, se um preso
fugisse, a vida do guarda responsável deveria ser tomada em seu lugar.
20 Os centuriões normalmente tinham boa formação cultural e eram pessoas com elevado padrão ético, mesmo considerando
o regime autoritário e brutal de Roma. Certamente, Júlio ficou com a palavra de Paulo no coração e, tendo visto a atitude daquele
homem de Deus, durante todos os dias de aflição pelos quais passaram, preferiu confiar que: “nenhum de vós perderá um só fio
de cabelo”; frase proverbial judaica, conhecida pelos romanos. Seu sentido não é literal, mas significava: “salvação da morte”. A
palavra grega original sotherai tem o duplo sentido de “segurança” e “salvação”.
Capítulo 28
1 Malta era conhecida pelos gregos e romanos por Melita. Pertencia à província romana na Sicília e ficava a cerca de 100 Km,
ao sul dessa grande ilha.
2 Literalmente, os povos da ilha são chamados pelo autor da narrativa de “bárbaros”, como aparece em versões antigas.
Entretanto, não tinha um sentido discriminatório, era apenas um costume grego denominar assim todos os povos que não
falavam a língua grega. Eles não eram povos primitivos e selvagens como a expressão em português pode dar a entender. Eram
descendentes dos fenícios. Um dos povos mais hábeis na navegação e construção de embarcações, mas que – assim como os
gregos e judeus – haviam sido dominados pelo império romano. As chuvas e o frio eram incessantes no final do mês de outubro
e início de novembro.
3 Justiça era o nome de uma deusa grega que personificava toda a justiça divina. Na mitologia grega seu nome era Dike.
4 Os habitantes da ilha sabiam que a mordida daquela cobra peçonhenta produzia morte quase instantânea. Lucas usa nova-
mente um termo médico (inchaço), o qual só tem registro no NT, para descrever a possível reação inflamatória prognosticada pelo
povo. Entretanto, mais uma vez, a Palavra do Senhor se cumpre fielmente (Lc 10.19) e nenhum mal sobreveio a Paulo. Os pagãos,
a ficar em sua casa e, por três dias, genero- 14 Ali encontramos alguns irmãos, e fo-
samente nos recebeu e nos hospedou.5 mos convidados a ficar com eles sete dias.
8 Todavia, seu pai estava muito enfermo, Depois disso, partimos para Roma.9
acamado e sofrendo com febre e disente- 15 Os irmãos daquela região haviam re-
ria. Paulo, então, foi-lhe fazer uma visita cebido notícias de que estávamos para
e, logo depois de orar, impôs-lhe as mãos chegar e vieram até a praça de Ápio e às
e o curou. Três Vendas para nos encontrar. Assim
9 Havendo ocorrido esse fato, os outros que os viu, Paulo deu graças a Deus e
doentes da ilha vieram também e saíram sentiu no seu interior grande encoraja-
curados. mento.10
10 E eles nos prestaram muitas homenagens 16 Quando chegamos a Roma, Paulo
e honrarias e, quando estávamos prestes a recebeu permissão para morar por conta
embarcar, nos ofertaram todo o suprimen- própria, porém, sob a vigilância e guarda
to de que necessitávamos para a viagem. de um soldado.11
Paulo chega a Roma e é preso Paulo proclama Jesus em Roma
11 Passados três meses, partimos em um 17 Depois de três dias, Paulo convocou
navio de Alexandria que invernara na os principais dentre os líderes judeus.
ilha, o qual tinha como marca a imagem E, reunindo-se com eles, declarou-lhes:
dos deuses gêmeos Cástor e Pólux.6 “Caros irmãos, muito embora eu nada
12 E, chegando ao porto de Siracusa, per- tenha feito contra o nosso povo, nem
manecemos ali por três dias.7 tampouco contra as tradições e costumes
13 De lá, costeando, chegamos a Régio. de nossos pais, fui preso em Jerusalém e
No dia seguinte, soprando o vento sul, entregue aos líderes romanos.12
prosseguimos e conseguimos chegar a 18 Eles, depois de me interrogarem, deci-
Potéoli no segundo dia.8 diram me libertar, porquanto eu não era
especialmente na antigüidade, tinham o hábito de atribuir divindade aos homens com muita facilidade, muito diferente do rigor
teológico dos judeus. Os habitantes de Listra já haviam tentado endeusar Paulo e Barnabé (14.11-18).
5 Públio era um prenome romano (não sobrenome) e a maneira natural de como os habitantes da ilha tratavam o seu soberano.
Lucas usou uma expressão rara, mas exata, para descrever o grau de autoridade máxima de Públio perante seu povo na ilha. A
arqueologia confirmou, séculos mais tarde, que o título oficial do governador supremo de Malta era mesmo “Homem Principal”.
6 Devido ao inverno e às tempestades, tiveram que permanecer em Malta até o início da estação das navegações, o que ocorria
no final do mês de fevereiro e início de março. Cástor e Pólux eram chamados de “filhos de Zeus (deus)”, em grego Dioscuroi,
divindades que, segundo a crença pagã, protegiam os marinheiros contra as revoltas do mar e dos ventos.
7 Siracusa era a principal cidade siciliana, situava-se na costa oriental da ilha e mantinha um importante porto.
8 Régio era um porto que ficava na cidade de mesmo nome, no litoral da Itália, próximo à extremidade sudoeste e junto ao
estreito que separa esse país da Sicília, defronte Messina. Potéoli é chamada atualmente de Puzzuoli, e fica cerca de 320 Km de
Régio. Estava localizada na parte norte da baía de Nápoles, e era considerado o principal porto de Roma, ainda que dela distasse
cerca de 120 Km. Sua população era cosmopolita e incluía romanos, judeus, árabes e cristãos.
9 Assim como em Trôade (20.6) e em Tiro (21.4), Paulo consegue passar com eles um ou dois fins de semana a fim de celebrar
a Ceia do Senhor, e pregar a Palavra. O centurião certamente consentiu com esse pedido de Paulo.
10 Paulo escreveu sua carta à Igreja em Roma (livro canônico que se segue) cerca de três anos antes. Conhecidos e crentes
discipulados por Paulo também chegaram à cidade antes dele (Rm 16). A Praça de Ápio era uma pequena cidade localizada cerca
de 70 Km ao sul de Roma, e muito conhecida por sua falta de temor a Deus e impiedade. Três Vendas (ou Três Lojas), era outra
pequena cidade, mas dada ao comércio, e ficava a uns 55 Km de Roma. Outros cristãos foram encontrar-se com Paulo ali.
11 Lucas foi dirigido por Deus para revelar ao mundo, de todas as épocas, o avanço do Evangelho, desde Jerusalém até os
confins da terra, como havia prometido o Senhor Jesus (1.8). Roma foi o ponto de chegada, uma vez que era a sede do mundo
na época e cidade onde viviam os representantes de muitas nacionalidades e raças de então. O Evangelho enfim chegara aos
confins. E seguiria adiante, a partir da cidade de Roma. Como Paulo não havia cometido nenhum crime flagrante, a lei romana lhe
permitiu aguardar seu julgamento em liberdade vigiada, podendo alugar uma casa, mas ficando sob a custódia de um soldado,
que muitas vezes passava o dia acorrentado a ele (Ef 6.20; Fp 1.13-17; Cl 4.3-18; Fm 10-13).
12 O decreto do imperador Cláudio (18.2) já tinha perdido o valor, e os líderes judeus haviam retornado a Roma. Paulo inicia seu
discurso enfatizando sua consideração pelos irmãos de sangue (ainda que também fosse cidadão romano). A mesma expressão
que usava para com os “irmãos cristãos” estabelecidos pelo sangue vicário de Cristo (Rm 9.3). Paulo ainda buscava tenazmente
levar a Salvação até os judeus.
13 Paulo deixa bem claro que não apelou para César com o objetivo de denunciar ou acusar os dirigentes da nação de Israel.
14 A palavra grega original para “seita” é hairesis e tem o sentido de “heresia”. No caso, doutrina contrária ao que foi estabelecido
pela liderança espiritual e teológica dos judeus. Os judeus de Roma estavam bem informados sobre as controvérsias em torno de
Jesus ser ou não o Messias prometido. Entretanto, queriam ouvir do próprio Paulo, que como sempre, estava bem disposto a dar
todas as explicações sobre o assunto. Paulo sabia que, mais cedo ou mais tarde, os líderes dos judeus em Jerusalém voltariam
ao ataque, e ele queria aproveitar o tempo “livre” para evangelizar o maior número possível de judeus.
15 A expressão “Lei de Moisés e os Profetas” significa passar por todo o AT reconhecido pelos mais prestigiosos e antigos
judeus como “livros canônicos” (inspirados por Deus) e, portanto, dignos de toda a confiança (Lc 24.27-44). Paulo emprega todo
seu esforço e fé para corrigir um grave erro de interpretação da época. Os judeus sempre esperaram por um Messias “conquis-
tador militar”, à semelhança do rei Davi. Entretanto, por meio das profecias do AT, Paulo procura expor claramente o perfil e a
missão do Messias, como “conquistador de almas”. Paulo apresentava Jesus Cristo como o Salvador dos judeus e de todo o
mundo (gentios) e Senhor de um Reino que jamais terá fim.
16 Esta citação de Is 6.9-10, foi usada por Jesus contra os judeus incrédulos (Mt 13.13 e paralelos em Rm 11.8; Jo 12.39-40). A
rejeição de Cristo por parte do seu povo, Israel, confirma as profecias das Escrituras. Entretanto, cabe aos cristãos empregarem
esforços missionários com vistas à evangelização de judeus e árabes, bem como de todos os povos até os confins da terra.
17 A tradição da Igreja registra que Paulo chegou a ser solto desse encarceramento. Paulo escreveu a várias igrejas com a
expectativa de ser liberto a qualquer momento (Fp 2.24; Fm 22). Muitos detalhes registrados nas cartas pastorais revelam que
Paulo teve uma oportunidade de voltar à Ásia Menor, a Creta e à Grécia. A segunda epístola a Timóteo, por exemplo, fala de
um ministério de Paulo não historiado no livro de Atos. E, por fim, alguns escritos tradicionais e respeitáveis da Igreja, como as
cartas de Clemente (cerca de 95 d.C.) e o cânon Muratoriano (cerca de 170 d.C.), narram Paulo em plena atividade ministerial,
na Espanha antes de sua morte pelas mãos de Nero (cerca de 67 d.C.). Paulo continua sendo um testemunho vivo para todos,
nós cristãos sinceros (2Tm 4.7).
Propósitos
Logo depois de cumprimentar os irmãos da Igreja em Roma, destinatários diretos das orientações
da missiva, o apóstolo Paulo, com sua típica saudação acompanhada de ação de graças, fazendo
uso da autoridade do Antigo Testamento (Hc 2.4), e apresenta o tema central de sua carta: a
justificação vem pela fé em Jesus Cristo, o Messias.
Assim, mais formal que as demais epístolas de Paulo, a carta aos Romanos apresenta de maneira
profunda e sistemática a doutrina da justificação pela fé (e seus desdobramentos). Paulo escreve
para uma igreja a qual não havia fundado, nem nunca estivera antes, embora lá tivesse alguns ami-
gos chegados. Além disso, a igreja, que era predominantemente gentílica, estava agindo de forma
intolerante contra os judeus cristãos que se sentiam constrangidos a obedecer às regras alimentares
e datas cerimoniais da tradição religiosa judaica (14.1-6).
A base dos argumentos de Paulo é a longânime, infalível e eterna justiça de Deus (1.16-17). A
partir dessa constatação, seguem-se várias abordagens doutrinais fundamentais: a revelação natural
(1.19-20); a universalidade do pecado (3.9-20); a plenitude da graça divina na justificação de todo ser
humano (3.24), mediante o sacrifício expiatório de Jesus (3.25), por meio da fé (cap. 4); a questão
do pecado original (5.12-20); a união com Cristo (cap. 6); a eleição e rejeição de Israel (caps. 9-11);
o uso dos dons espirituais
p ((12.3-9);
); e o respeito
p às autoridades ((13.1-7).)
É importante notar que Paulo escreveu aos Romanos também com a visão de preparar o caminho
para sua iminente viagem a Roma e para a missão que ainda pretendia realizar na Espanha (1.10-15;
15.22-29).
1 Na antigüidade, toda carta grega seguia uma metodologia padrão de construção. A primeira parte (abertura) deveria identificar
o remetente e sua saudação. Paulo se vale desta formalidade para apresentar-se da forma mais clara e ampla possível a uma comu-
nidade de irmãos que ama, porém – até aquele momento – ainda não o havia conhecido pessoalmente, mas esperava fazê-lo em
breve (At 9.1; Fp 3.4-14). A palavra grega original doulos, derivada do verbo deo (algemar, aprisionar), significa também: “escravo”.
Para um grego dessa época, essa era uma expressão de vergonha e rebaixamento, para os judeus, entretanto, desde Moisés, era
a mais expressiva forma de se posicionar em adoração ao Rei dos reis, e um título de honra. Para Paulo, todo cristão é um servo do
Senhor Jesus (1Co 7.22; 6.15-23). O termo exprime pertença total e definitiva a Cristo (desde o início Paulo faz questão de usar o
vocábulo “Cristo” não apenas como nome próprio, mas especialmente como título do Filho de Deus: o Messias prometido, o Ungi-
do). A expressão “apóstolo” tem a ver com o comissionamento dado a Paulo, pessoalmente, por Cristo (Mc 6.30; 1Co 1.1; Hb 3.1).
2 Esta é a primeira vez que a expressão “Escrituras Sagradas” aparece no original grego da Bíblia. Todo o AT profetiza a vinda
de Jesus, o Messias; cuja vida e ministério são perfeitamente descritos no Novo Testamento (Lc 24.27-44).
3 Foi devido à desobediência deliberada de Adão, que o homem foi apartado da glória de Deus (Rm 3.23). Entretanto, é pela
obediência voluntária e firmada na fé em Jesus Cristo que ganhamos a reconciliação com Deus. A palavra “fé” neste contexto, não
significa “fé em doutrinas”, mas sim fé no Evangelho, ou seja, na pessoa do Cristo (o próprio Evangelho).
4 O sentido mais amplo da expressão original grega, aqui traduzida por “santidade”, é “separado para contínua adoração a
Deus”. Neste aspecto, todos os cristãos são “santos”, pois foram sobrenaturalmente “separados” por Deus para servi-lo por meio
do seu serviço espiritual diário e contínuo. A expressão tem igualmente o sentido prático de “um aperfeiçoamento espiritual”
que ocorre todos os dias na vida dos crentes pela ministração do Espírito Santo que neles habita (1Co 1.2). A “Graça” é o favor
imerecido de Deus; o Senhor nos concedendo a bênção do seu chamado e proteção, ainda que não sejamos dignos. Enquanto
“misericórdia” é a paciência longânime do Senhor, que retarda a punição que nossas más intenções, erros e pecados merecem,
na esperança de nossa conversão (Jn 4.2; Gl 1.3; Ef 1.2). A “Paz” é a bênção da plena segurança e certeza dos cuidados paternos
do Senhor, mesmo em meio às mais graves tribulações e perdas (Jo 14.27; 20.19; Gl 1.3; Ef 1.2).
5 Paulo, apesar de todo o sofrimento, privações e humilhações pelas quais passou, sempre demonstrava um coração
agradecido a Deus. Os cristãos têm toda a liberdade de chegar-se a Deus – como Pai – por meio do sacrifício vicário de Jesus
Cristo. Entretanto, não apenas para pedir, mas, sobretudo, para agradecer (Jo 15.16). Paulo costumava iniciar suas cartas com
ações de graças (1Co 1.4; Ef 1.16; Fp 1.3; Cl 1.3; 1Ts 1.2; 2Ts 1.3; 2Tm 1.3; Fm 4).
colher algum fruto espiritual entre vós, 19 pois o que de Deus se pode conhecer
assim como tenho alcançado entre os é evidente entre eles, porque o próprio
gentios.6 Deus lhes manifestou.9
14 Eu sou devedor, tanto a gregos quanto 20 Pois desde a criação do mundo os
a bárbaros, tanto a sábios como a igno- atributos invisíveis de Deus, seu eterno
rantes. poder e sua natureza divina, têm sido
15 De modo que, em tudo o que de- observados claramente, podendo ser
pender de mim, estou preparado para compreendidos por intermédio de tudo
anunciar o Evangelho também a vós que o que foi criado, de maneira que tais pes-
estais em Roma. soas são indesculpáveis;10
21 porquanto, mesmo havendo conhe-
O tema da carta: a justiça pela fé cido a Deus, não o glorificaram como
16 Porquanto não me envergonho do Deus, nem lhe renderam graças; ao
Evangelho, porque é o poder de Deus contrário, seus pensamentos passaram
para a salvação de todo aquele que nele a ser levianos, imprudentes, e o coração
crê; primeiro do judeu, assim como do insensato deles tornou-se em trevas.
grego;7 22 E, proclamando-se a si mesmos como
17 visto que a justiça de Deus se revela no sábios, perderam completamente o bom
Evangelho, uma justiça que do princípio senso
ao fim é pela fé, como está escrito: “O 23 e trocaram a glória do Deus imortal
justo viverá pela fé”.8 por imagens confeccionadas conforme a
semelhança do ser humano mortal, bem
A ira de Deus contra os sem fé como de pássaros, quadrúpedes e répteis.
18 Portanto, a ira de Deus é revelada dos 24 Por esse motivo, Deus entregou tais
céus contra toda impiedade e injustiça pessoas à impureza sexual, segundo as von-
dos homens que suprimem a verdade tades pecaminosas do seu coração, para de-
pela injustiça humana, gradação de seus próprios corpos entre si.
6 Os gregos costumavam referir-se a todos os povos não-gregos, ou que não falassem seu idioma, como “bárbaros” (At 28.4).
Paulo desejava conhecer a Igreja em Roma (predominantemente gentílica), ver como viviam na fé os novos convertidos, bem
como compartilhar suas experiências e motivar os mais maduros para a evangelização e o avanço missionário.
7 Jesus Cristo é também chamado de “o poder de Deus”, indicando uma vez mais que o Evangelho é o próprio Cristo oferecido
e recebido pelos crentes (1Co 1.24).
8 A expressão “de fé em fé”, como aparece em algumas versões antigas, tem o sentido de “fundamentar-se na fé e apelar para a
fé”, na qual é enfatizada o aspecto de que a salvação não vem somente por intermédio da fé como também está à disposição de to-
dos os que crêem. No original grego, os vocábulos “fé” e “crer” possuem a mesma raiz. “Justo” refere-se à qualidade da pessoa justa,
que não deve nada à lei. É um termo forense, ligado aos tribunais, e não diretamente relacionado à moral e à ética (2,13; 3.21-24).
9 Paulo começa a expor um dos principais pontos de seu ensino: a culpabilidade humana fundada na sua sistemática e pertinaz
rejeição declarada a Deus. Falta amor e fé em Deus e esta postura produz uma espécie de desobediência que não decorre da
ignorância, mas de um forte desejo de rebeldia contra o Criador e da vontade de se tornar o próprio deus dos seus atos. Ao
expor a doutrina da justiça divina (1.17; 3.21 – 5.21), Paulo arma sua argumentação teológica que demonstra que todos os seres
humanos têm pecados e, portanto, carecem da justiça misericordiosa que somente Deus pode outorgar. Demonstra a culpa e a
vocação para o pecado, nos gentios (1.18-32) e nos judeus (2.1 – 3.8). Ou seja, todos nós pecamos e precisamos da purificação
outorgada por meio do eterno sacrifício expiatório do Filho de Deus (3.9-20).
10 Nenhuma pessoa sobre a face da terra, mesmo que ainda não tenha ouvido falar uma só palavra sobre a Bíblia, em relação a
Yahweh (o nome de Deus em hebraico) ou quanto a Seu Filho, Jesus Cristo, pode usar como desculpa o fato de não conhecer o
essencial de Deus, nosso Criador, e portanto, dever-lhe completa adoração e respeito às suas leis escritas na alma humana. Pois
todo o Universo, dos elementos microscópicos às maiores dimensões cósmicas, revelam o poder e a sensibilidade de um Deus
único, absoluto e perfeito (Sl 19). A “ira de Deus” não se compara às explosões de raiva demonstradas, muitas vezes, pelos seres
humanos em todo mundo. A “ira de Deus” é santa e justa, em repulsa ao menosprezo e rejeição dos seres humanos em relação
à natureza e vontade de Deus. Do ponto de vista pragmático, a “ira de Deus” não se limita à condenação dos ímpios no Juízo
final (1Ts 1.10; Ap 19.15; 20.11-15). Deus, observando a decisão humana de se afastar da sua presença e conselhos, entrega os
pecadores à sua própria volúpia pecaminosa e à liberdade ansiada. Entretanto, esses se tornam escravos de si mesmos e dos
que pensam de igual modo. Deus remove as restrições divinas que protegem a humanidade dos piores sofrimentos decorrentes
da libertinagem e das coisas mais horríveis (26,28; At 7.42).
11 As antigas sociedades gregas e romanas não apenas aceitavam o homossexualismo e a pederastia, mas exaltavam essas
práticas como uma expressão de afeição superior ao amor heterossexual. As práticas homossexuais eram comuns também em
todo mundo semítico; entretanto, para os judeus sempre foi uma abominação (Lv 18.22). A prática homossexual não é uma
doença (podendo originar várias: mentais e físicas). É o resultado do pecado do afastamento de Deus (muitas vezes influenciado
– como todos os pecados – pelos ardis do Diabo e seus demônios). E isso, ocorre por vários motivos, entre eles, está o fato
de tirarmos Deus do seu trono de comando em nossas vidas e entronizarmos o nosso próprio “Eu” com a mais elevada carga
de arrogância, egoísmo, mágoas e vaidades. Assim como o alcoólico, fumante, pornógrafo, drogado, mentiroso, fofoqueiro,
desonesto, e tantos outros tipos de viciados, a Igreja deve atrair e tratar com carinho especial toda pessoa desejosa de libertar-se
de uma vida mundana, vazia e desregrada. “Tudo é possível ao que crê!” (Mc 9.23; Mt 19.26; Lc 18.27).
12 O afastamento de Deus produz um tipo de “disposição mental reprovável”, ou seja, um favorecimento ao surgimento de
idéias e pensamentos cada vez mais avessos à vontade de Deus e ao bom senso. Um grande pecado sempre tem início com uma
singela idéia ou pensamento que, depois de algum tempo de sórdido agasalhamento, da origem a práticas maléficas, ainda que
pareçam prazerosas a princípio. Paulo nos adverte para um tipo ainda mais ímpio de pecador: aquele que aplaude o erro e o mal
cometido pelo seu semelhante. Hoje em dia, é comum vermos difundidos, especialmente pelos meios de comunicação, elogios
de todo tipo a atitudes claramente contrárias à vontade de Deus reveladas nas Sagradas Escrituras.
Capítulo 2
1 Paulo apresenta os princípios básicos do julgamento que Deus submete a todo ser humano em todos os tempos: 1) Conforme
a verdade; 2) De acordo com as atitudes; 3) Segundo a compreensão de cada indivíduo sobre o que é certo e o que é errado.
Os ensinos de Paulo sobre a crítica fácil concordam com os de Jesus (Mt 7.1). Ambos condenam o julgamento hipócrita, numa
clara e direta advertência aos líderes judeus que tendiam a desprezar e julgar inferiores todos os gentios, enquanto suas próprias
vidas eram dominadas pela ganância e imoralidades de todo tipo. Negavam assim, na prática, todos os ensinos e revelações
da Torá (o AT).
2 É uma referência à maneira como Jesus Cristo falou sobre a Lei. O ser humano não é aceito, aos olhos do Senhor, simples-
mente por guardar uma série de doutrinas e rituais religiosos (leis exteriores), mas pela completa renovação do interior (novo
nascimento – Jo 3), por meio da habitação do Espírito Santo (Mt 5.22,28,48 em concordância com Rm 2.29).
3 A bondade, graça e misericórdia de Deus têm como objetivo principal o arrependimento do ser humano. Os líderes religiosos
judeus há muito tempo vinham interpretando a longaminidade e paciência do Senhor de forma errada, como se Deus – ao longo
do tempo – deixasse de promover juízo e condenação sobre os pecadores contumazes (2Pe 3.9).
4 É importante ter sempre em mente que Paulo, em nenhum de seus escritos, jamais defendeu a necessidade de perfeição
ética, vida monástica ou observância absoluta da Lei. Como fariseu, Paulo sabia muito bem da impossibilidade de um ser humano
cumprir toda a Lei. Entretanto, se alguém julga ser capaz de obedecer a Lei ou algum padrão ético-religioso que o conduza a
Deus, então o próprio Senhor o julgará mediante esse padrão estabelecido. Paulo está enfatizando que a única maneira de um
pecador (como todos os seres humanos o são em menor ou maior grau) encontrar absolvição plena diante do juízo de Deus é
morrendo com Cristo e ressuscitando com Ele (o Espírito Santo) para uma nova vida. Paulo refere-se às obras exigidas como
confirmação da fé verdadeira, não como um meio para conquistar a salvação eterna. Com os privilégios espirituais vêm as
responsabilidades espirituais (Am 3.2; Lc 12.38).
5 Os gentios (todos os não-judeus), são aqueles que “pecam sem a Lei”, pelo fato de a desconhecerem total ou parcialmente.
Eles não serão julgados por uma Lei que desconhecem, mas certamente serão condenados por outros critérios, e especialmente
pelo código de ética universal gravado por Deus na alma de todo homem (1.18-20; 2.15; Am 1.3 – 2.3).
6 Os que “obedecem à Lei” serão considerados justos. Entretanto, ninguém consegue cumprir toda a Lei (a Torá, Lei de
Moisés). O argumento lógico desenvolvido por Paulo demonstra que um homem seria justificado se pudesse praticar a Lei, mas
porque nenhum ser humano é capaz de guardá-la perfeitamente, então não pode haver justificação por esse meio (Tg 1.22-25).
7 Paulo usa em seu discurso o “diálogo com um interlocutor imaginário” (2.17-24), demonstrando o quanto conhecia seu povo
e o pensamento teológico dos líderes judeus, a fim de dar mais ênfase às suas constatações. Citou um após outro os grandes
orgulhos da religiosidade judaica para afirmar de que nada valiam diante de Deus, pois eram apenas conceitos teóricos e palavras
pregadas sem a necessária demonstração da fé na vida prática diária. A expressão grega original diapheronta, aqui traduzida por
“excelentes”, tem o sentido de “distinguir, discernir”. Pode significar a capacidade de “avaliar distinções morais” ou “reconhecer
qualidades que se sobressaem devido ao seu valor eterno” (Fp 1.10).
8 A circuncisão (corte do prepúcio do órgão genital masculino) era um sinal da aliança que Deus estabeleceu com Israel e seu
povo (Lv 12.3), e penhor de bênção decorrente dessa aliança (Gn 17.10,11). Contudo, na época de Jesus e Paulo, muitos líderes
judeus já estavam considerando que um judeu circuncidado não podia ser condenado ao inferno. Ou seja, haviam transformado um
ritual evocativo (um memorial) em uma cerimônia de garantia da salvação eterna e favor divino, independente da atitude de fé diária
e seriedade com Deus, implícitas no próprio simbolismo do ato. A posição do NT se baseia em textos como Jr 9.25 e Dt 10.16.
9 A expressão original “Judeu” vem do hebraico antigo e deriva da palavra “Judá”, que significa “louvado” ou “objeto de elogio,
que só tem valor quando vem de Deus”. Paulo faz aqui uma solene advertência (não somente aos judeus) contra os perigos da
arrogância, presunção, confiança na justiça própria, e contra todo tipo de formalismo que confia em memoriais e rituais (como a
Ceia e o batismo), que tem garantia em si mesmos da salvação eterna e das bênçãos de Deus àqueles que o recebem. O verda-
deiro sinal de pertencer a Deus não é uma marca externa no corpo físico ou uma cerimônia especial de iniciação, mas o poder
regenerador do Espírito Santo vindo habitar a alma do cristão sincero. Paulo denomina como “circuncisão operada no coração” o
ato de arrependimento do pecador e a entrega incondicional de sua vida a Jesus para um novo nascimento (Dt 30.6).
Capítulo 3
1 Paulo considera algumas das grandes realidades divinas: 1) Os oráculos de Deus são privilégios valiosíssimos entregues à hu-
manidade. No entanto, a vantagem de possuir a Palavra de Deus (como no caso dos judeus e dos cristãos) implica necessariamente
em responsabilidades e obrigações. 2) Deus é fiel. 3) Deus é justo. 4) Deus julgará e castigará todos os injustificados e pecadores,
provando sua fidelidade e caráter justo (2Tm 2.13). 5) Deus é verdadeiro. Ele é a Verdade. 6) A glória de Deus.
2 Paulo apresenta uma seqüência de citações do AT com o objetivo de confirmar sua teologia quanto à universalidade do
pecado (vv.9-12). Tanto judeus quanto gentios estão debaixo do poder e da condenação do pecado. As citações não são literais,
pois a preocupação de Paulo (bem como de outros autores do NT) tinha um sentido geral e didático, não literal. Além disso, os
gregos não usavam aspas para identificar as citações, na maioria das vezes extraídas da Septuaginta (a tradução grega do AT,
originalmente escrito em hebraico). Em alguns casos, inspirados pelo Espírito Santo, os autores canônicos do NT fizeram uso das
citações do AT, adaptando e aplicando-as de várias formas ao contexto que estavam abordando.
3 A Lei aqui tem a ver com os Salmos, Profetas e Provérbios. É uma referência clara quanto à igual autoridade de todo o AT.
Assim como em Jo 10.34; 15.25; 1Co 14.21.
4 A finalidade principal dessa passagem não é apenas demonstrar a culpabilidade dos judeus e de todos os demais povos
sobre a face da terra (os gentios), como também demonstrar que nenhum sistema religioso, nenhuma crença primitiva e restrita
ou altamente aculturada, é capaz de salvar o ser humano da condenação ao afastamento eterno da presença de Deus.
5 Bendito “entretanto”! Havendo revelado que todos os seres humanos (tanto judeus como gentios) são naturalmente ímpios
(tendem espontaneamente à pratica do mal – 1.18 – 3.20), Paulo apresenta a “boa notícia” de que Deus – presente – está
oferecendo gratuitamente um (e único) meio de justificação para cada indivíduo da raça humana que, de forma voluntária, pessoal
e sincera, nele crer de todo o seu coração: Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Messias prometido.
6 Ao pecar (palavra que em hebraico tem o sentido de “errar o alvo”), o ser humano se encontra em falta perante o ideal para
o qual Deus o criou (Is 43.7). A glória que o homem possuía e desfrutava antes da Queda (Gn 1.26-28; Sl 8.5,6; Ef 4.24; Cl 3.10),
o cristão sincero voltará a ter por intermédio de Jesus Cristo (Hb 2.5-9).
7 Paulo emprega o verbo “justificar” em 22 citações (especialmente de 2.13 a 5.1, e em Gl 2 e 3). Esse termo é fundamental
na teologia paulina: 1) Negativamente, quando Deus declara o crente “não-culpado”; 2) Positivamente, quando Deus declara
o crente “justo”, cancelando a sua culpa do pecado e creditando-lhe justiça. A palavra “redenção” (no original em grego
apolutrõsis) era usada comumente, na época, no sentido de “comprar um escravo para dar-lhe a carta de plena liberdade”. Um
paralelo significativo se observa na redenção de Israel da escravidão no Egito (Êx 15.13), do exílio na Babilônia (Is 41.14; 43.1),
e em relação ao livramento eterno do crente da escravidão do pecado, porquanto Cristo, por meio de sua morte e ressurreição,
pagou o resgate exigido para nossa libertação.
8 A expressão “propiciação” vem do antigo hebraico, que traduzido para o termo grego na Septuaginta hilasterion, significa o lugar
específico onde os pecados deviam ser expiados ou pagos (removidos), e que em grego era chamado de kapporeth (propiciatório).
Através do sacrifício redentor de Jesus, o Filho; Deus, o Pai, remove o pecado do seu povo, não virtualmente ou simbolicamente
como se dava nos rituais do passado (Lv 16), mas agora, em plena realidade físico-espiritual, eliminando definitivamente toda a
culpabilidade humana perante Deus – o Supremo Juiz – e limpando completamente a consciência de cada indivíduo que aceita o
sacrifício do Senhor como salvação para sua vida e, a partir dessa constatação, nasce de novo (Jo 3; 1Jo 2.2).
9 Quando Lutero estava traduzindo a Bíblia para a língua alemã, ao escrever esse versículo, fez questão de acrescentar a
expressão restritiva “somente pela fé”. Ainda que o vocábulo “somente” não esteja nos originais gregos, reflete com exatidão o
sentido geral da passagem (Tg 2.14-26).
10 Paulo faz uma bela e profunda analogia entre a importância e a exatidão da Lei; reconhecendo o primeiro artigo da Lei
judaica, amado e defendido radicalmente por todos os judeus ao longo dos séculos: “O Senhor é um só Deus” (Dt 6.4), e a
exaltação de Cristo – o Unigênito Filho de Deus – como único meio de Salvação para judeus e todos os gentios sobre a face da
terra. Paulo percebe que será acusado de antinomismo (pregar ou agir contra a Lei). Contudo, apesar de mostrar que a Lei é
impotente para salvar, e que esse poder opera somente em Jesus Cristo (capítulos 6 e 7), voltará a confirmar a validade da Lei
na passagem do capítulo 13.18-10.
Capítulo 4
1 Alguns traduções trazem a expressão “antepassado” quando se referem à ascendência paterna. Entretanto a KJ, neste
caso, preservou a forma clássica “pai”. Paulo, sabiamente, exalta a memória do grande patriarca da nação israelita e verdadeiro
exemplo de pessoa justificada (Tg 2.21-23) em sua carta aos judeus em Roma. Era comum, na época de Jesus, os mestres judeus
citarem a vida de Abraão como exemplo de conquista do favor divino pelas obras. Entretanto, Paulo revela exatamente no pai dos
judeus seu melhor exemplo de justificação pela fé (Gl 3.6-9).
2 Deus continua considerando e se entristecendo com os pecados cometidos pelo pecador arrependido (convertido). Contudo,
o Espírito de Deus move esse pecador a reconhecer os erros praticados e confessar seus pecados ao Senhor, que o perdoa e lhe
restitui a alegria espiritual do salvo (Sl 32.1-5; Ez 18.23,27,28,32; 33.14-16).
3 Abraão foi declarado justo cerca de quatorze anos antes de ser circuncidado (Gn 15; 17; Gl 3.17). Dessa forma, Abraão é
também o pai (antepassado) de todos os crentes gentios (aqueles que não passaram pela circuncisão), porquanto Abraão creu e
foi plenamente justificado antes mesmo que o ritual da circuncisão (o sinal dos judeus) fosse instituído.
11 Sendo assim, ele recebeu a marca da aos olhos de Deus, em quem Abraão
circuncisão, como um selo da justiça que depositou sua fé, o Deus que dá vida aos
ele tinha pela fé, quando ainda não era mortos e convoca à existência elementos
circuncidado, para que fosse pai de todos inexistentes, como se existissem.
os que crêem, ainda que não tenham sido 18 Abraão, crendo, esperou contra todos
circuncidados, a fim de que a justiça fos- os prognósticos desfavoráveis, tornando-
se creditada também a favor deles; se, assim, pai de muitas nações, como
12 ele é igualmente pai dos circuncisos ficou registrado a seu respeito: “Assim
que não apenas passaram pela circun- será a sua descendência”.
cisão, mas que também caminham 19 Sem desfalecer na fé, reconheceu que
sobre as marcas dos passos da fé que seu corpo físico perdera a vitalidade de
demonstrou nosso pai Abraão antes de outrora, pois já contava cerca de cem anos
ser circuncidado. de idade, e que também o ventre de Sara
13 Porquanto, não foi pela Lei que não tinha o vigor do passado.5
Abraão, ou sua descendência, recebeu a 20 Mesmo considerando tudo isso, não
promessa de que ele havia de ser o her- duvidou nem foi incrédulo quanto ao
deiro do mundo; ao contrário, foi pela que Deus lhe prometera; mas, pela fé, se
justiça da fé.4 fortaleceu, oferecendo glória a Deus,6
14 Pois se os que vivem pela Lei são her- 21 estando absolutamente convicto de
deiros, a fé não tem valor e a promessa que Ele era poderoso para realizar o que
é nula. havia prometido.
15 Porque a Lei produz a ira; mas onde 22 Por essa razão, “isso lhe foi atribuído
não há Lei também não pode haver como justiça”.
transgressão. 23 Todavia, não é somente para ele que
16 Por esse motivo, a promessa procede as palavras “isso lhe foi atribuído como
da fé, para que seja de acordo com a gra- justiça” foram registradas,
ça, a fim de que a promessa seja garanti- 24 mas igualmente para todos nós, a
da a toda a descendência de Abraão, não quem Deus concederá justificação, a nós
somente a que é da Lei, mas igualmente a que cremos naquele que ressuscitou dos
que é da fé que Abraão teve. Ele, portan- mortos, a Jesus, nosso Senhor.
to, é o pai de todos nós! 25 Ele foi entregue à morte para pagar
17 Como está escrito: “Eu o constituí todos os nossos pecados e ressuscitado
pai de muitas nações”. Ele é o nosso pai para nossa completa justificação.7
4 Abraão é o pai de todos os crentes fiéis (judeus ou gentios – Gn 12.3). O domínio completo do mundo pertence à descendên-
cia espiritual de Abraão (1Co 3.21, 6.2). Porém, a plena realização dessas promessas aguarda a consumação do Reino messiâni-
co com o glorioso retorno de Jesus Cristo (Gn 12.7; 13.14,15; 15.7, 18.21; 17.8; Sl 37.9, 11, 22, 29, 34; Mt 5.5).
5 Abraão passou por momentos de preocupação e ansiedade (Gn 17.17,18), no entanto, o Senhor não viu nessas manifesta-
ções nada que pudesse comprometer a sinceridade da fé de Abraão. A fé madura e firme não se recusa a reconhecer a realidade
das dificuldades, mas as enfrenta com a segurança de quem tem plena certeza de que o Senhor dos exércitos, que está à sua
frente, é também seu Pai amoroso. Sara era dez anos mais nova que Abraão, todavia há muito passara da idade de gerar filhos.
Paulo afirma que Deus é capaz de criar do nada (como fez com o próprio Universo) e dar vida aos mortos, uma alusão ao nasci-
mento de Isaque, quando Abraão e Sara há muitos anos estavam estéreis (Gn 18.11). Paulo segue em seu raciocínio até comparar
a ressurreição de Cristo à promessa da nossa ressurreição, pois Ele é o doador da vida e da eternidade (v.24,25).
6 As obras são a tentativa desesperada da humanidade para conquistar algum direito de reivindicar o favor de Deus. Abraão
demonstrou que a fé é a simples e sincera disposição do coração do crente em dar glória a Deus: Primeiro, pelo que já recebeu.
Segundo, pela resposta amorosa que virá do seu Pai. Um pai sábio e amoroso não dá tudo o que seu filho pede, mas procura
proporcionar-lhe sempre o melhor.
7 A expressão grega paradidõmi, “entregar”, aparece duas vezes na Septuaginta e tem a ver com as passagens de Is 53.6 e
12. Cristo foi entregue para ser sacrificado, e, assim, expiar definitivamente os pecados de todos os que nele crêem. Da mesma
maneira, ressuscitou para garantir a plena justificação do seu povo que herdará as promessas do Seu Reino. Essas palavras de
Paulo se tornaram uma espécie de credo confessional da igreja cristã primitiva.
O justificado tem Paz com Deus 8 Porém, Deus comprova seu amor para
1 Paulo fala de um novo statuss diante de Deus, não apenas de um sentimento de tranqüilidade e leveza de alma. Antes de
aceitarmos o sacrifício vicário de Jesus como a nossa única e completa justificação perante a Lei divina, estávamos condenados
a viver como inimigos de Deus, separados de sua paternidade. Agora, porém, fomos elevados à posição de “amigos de Deus” e
seus filhos (v.10; Ef 2.16; Cl 1.21,22; Hb 12.6-8 de acordo com Mt 5.10-12 e Sl 43.4).
2 Foi Jesus quem nos elevou à presença do Pai, ao rasgar a robusta e resistente cortina da Lei (que ficava no templo) e que
fazia separação entre o homem e Deus (Mt 27.51). O cristão recebe em seu coração, pelo Espírito Santo, a “esperança revestida
de certeza absoluta”, de que o propósito para qual o Senhor o criou será perfeitamente realizado (3.23).
3 A confiança (esperança com certeza) em Deus não confunde e jamais nos decepcionará, como é comum ocorrer na confiança
que colocamos em nossos semelhantes. Paulo faz uma citação que está na Septuaginta (Is 28.16) e a repete em Rm 9.33 e 10.11.
A expressão no original tem o sentido de não se envergonhar pela frustração, pois o Senhor jamais faltará com Sua Palavra e
cumprirá todas as Suas promessas (Rm 4.20,21).
4 O cristão sincero está livre da condenação final e do Dia da Ira do Senhor sobre os incrédulos e ímpios (1Ts 1.10 e 5.9).
Quando Cristo morreu sacrificialmente, a nossa dívida de pecado contra Deus e a Lei foi totalmente liquidada. Quando aceitamos
a Cristo, pela fé, nos apropriamos da Salvação. Por isso, no futuro, receberemos todo o complemento da indescritível e infalível
Graça de Deus. Estes são os três aspectos da nossa redenção.
5 É importante notar que o homem escolheu ser inimigo de Deus ao desobedecer sua ordem explícita (Gn 3). Entretanto,
Ele nunca se considerou inimigo do homem. Ao contrário, durante toda a história da humanidade, Deus vem disponibilizando
formas de o ser humano reconhecer seus erros e voltar-se ao Pai (a Lei, os Profetas e, por fim, Jesus, o próprio Deus encarnado.
Veja o v.11 e Cl 1.21,22). Somos salvos perpetuamente (de uma vez por todas) porquanto Cristo vive eternamente (Hb 7.25). A
expressão “reconciliados” vem do termo grego original katallassein que significa “mudar radicalmente” ou “trocar a essência”.
Assim, nossa relação com Deus “mudou” por meio da morte vicária do Seu Filho Jesus, e passamos da posição de inimigos para
filhos amados (2Co 5.18-20).
6 Adão representa a tendência do ser humano para o pecado, a indiferença do homem em relação ao amor do Criador e
a condenação de toda a raça humana à eterna separação de Deus (1.18 – 3.20). Jesus Cristo representa a plena e eterna
justifica-ção do crente (3.21 – 5.11). Portanto, a nova raça unida a Cristo (os nascidos de novo, conforme Jo 3) tem um novo
e esplêndido princípio de vida (natureza de Deus) habitando e trabalhando diariamente em sua alma: o Espírito Santo. Isso
significa que há uma relação inseparável entre justificação e santificação (desenvolvimento de um caráter mais parecido com
o de Jesus Cristo – capítulos 6 a 8).
7 A Lei foi introduzida não para proporcionar a redenção, mas para enfatizar o quanto essa redenção plena e total se fazia neces-
sária. Com a Lei o pecado, ficou ainda mais evidente, marcando claramente seu contraste em relação à santidade de Deus
Capítulo 6
1 Essa é uma pergunta reflexiva, fruto da afirmação que Paulo acabara de fazer em 5.20, a fim de responder a alguns líderes
judeus que o estavam acusando de pregar uma doutrina antinômica (contrária à Lei). Eles estavam confundindo a teologia da
justificação somente por meio da fé em Cristo, com a pregação de um estilo de vida libertino e moralmente irresponsável. Paulo
enfatiza, em seus ensinos, que há dois resultados inequívocos da nossa maravilhosa união com Cristo: 1) A remoção completa
de nossas culpas pela morte sacrificial de Jesus Cristo; 2) A eficácia da ressurreição do Senhor, originando uma nova vida de
santidade que envolve toda a alma, consciência e corpo físico do cristão sincero, e que dia a dia transforma-lhe o caráter à
imagem de Cristo (Imago Dei). Os principais indícios do novo nascimento são justamente a vontade imensa de adorar a Deus,
comunhão com os irmãos, fome pela Palavra, disposição para evangelizar o mundo e a busca perseverante por uma vida santa,
contudo, sem legalismo ou fanatismo.
2 Na época em que o NT estava sendo escrito, o batismo se seguia tão rapidamente ao arrependimento e à conversão, que os
dois atos eram considerados parte de um só grande acontecimento: o novo nascimento (At 2.38). Portanto, embora a cerimônia
do batismo, especialmente em nossos dias, não seja o meio para estabelecermos um relacionamento vital com Cristo por meio da
fé, esse símbolo está estreitamente relacionado à disposição de crer. Mediante a fé estamos unidos a Jesus Cristo, assim como,
por meio do nosso nascimento natural, ficamos unidos a Adão (o primeiro ser humano). O batismo simboliza nossa morte para
o pecado que herdamos do pai da raça humana (Adão), e nossa ressurreição com Cristo para uma vida eterna de adoração e
santidade diante de Deus.
crucificada com Ele, a fim de que o cer domínio sobre vós, pois não estais
corpo sujeito ao pecado fosse destruído, debaixo da Lei, mas debaixo da Graça!4
para que nunca mais venhamos a servir
ao pecado. Súditos da Justiça pela Graça
7 Porquanto, todo aquele que morreu já 15 Que resposta dar? Vamos nos atirar ao
foi justificado do pecado. pecado porque não estamos sob o jugo
8 E mais, se morremos com Cristo, cre- da Lei mas sob o poder da lei da Graça?
mos que também com Ele viveremos! Não! De forma alguma.
9 Pois sabemos que, havendo sido res- 16 Não estais informados de que ao vos
suscitado dos mortos, Cristo não pode entregardes a alguém como escravos
morrer novamente; ou seja, a morte não para lhe obedecer, sois escravos deste
tem mais qualquer poder sobre Ele. a quem obedeceis, seja do pecado para
10 Porque ao morrer para o pecado, mor- a morte, seja da obediência que leva à
reu de uma vez por todas para o pecado, justiça?5
todavia, quanto ao viver, vive para Deus. 17 Todavia, graças a Deus, porquanto,
11 Assim, desta mesma maneira, conside- embora havendo sido escravos do pe-
rai-vos mortos para o pecado, mas vivos cado, obedecestes de coração à forma do
para Deus, em Cristo Jesus. ensino a que fostes submetidos.
12 Portanto, não permitais que o pecado 18 Vós fostes libertos do pecado e vos
domine vosso corpo mortal, forçando- tornaram escravos da justiça.
vos a obedecerdes às suas vontades. 19 Expresso-me, assim, nos termos do
13 Tampouco, entregais os membros do homem comum, por causa da fraqueza
vosso corpo ao pecado, como instru- da vossa carne. Pois, assim, como apre-
mentos de iniqüidade; antes consagrai- sentastes os membros do vosso corpo
vos a Deus com quem fostes levantados como escravos da impureza e da maldade
da morte para a vida; e ofereçais os que conduz a iniqüidades ainda maiores;
vossos membros do corpo a Ele, como apresentai, a partir de agora, todos os
instrumentos de justiça.3 membros do vosso corpo como escravos
14 Porquanto o pecado não poderá exer- da justiça para a santificação.6
3 Esse é um chamado eloqüente para que o cristão sincero torne-se, na vida diária e em seus relacionamentos, aquilo que
ele já é por posição: morto para esse sistema mundial pecaminoso e para o seu pecado que, mesmo agonizante, luta por fazer
prevalecer suas vontades na alma do crente (vv. 5-7); e vivo para adorar e servir a Deus (vv. 8-10). Após essa tomada de posição,
o próximo passo em direção à vitória do cristão sobre o pecado é a decisiva e perseverante recusa de permitir que o pecado volte
a dominar sua vida, decisões éticas e morais (v.12). Finalmente, o último passo tem a ver com a entrega absoluta da vida (todos
os aspectos e recônditos da alma) do crente aos cuidados paternos e poderosos de Deus, que agora habita em seu corpo na
pessoa do Espírito Santo (v.13).
4 Paulo compreendia o pecado como uma espécie de poder escravizador, e por isso o personificou. O crente em Cristo não
está livre das suas responsabilidades em relação à verdade e à justiça, nem tampouco da autoridade moral dos mandamentos
de Deus. O que Paulo está ensinando é que não estamos sujeitos à Lei mosaica da mesma forma que os judeus do AT estavam,
e que ela não oferece nenhuma capacitação para vencermos o poder do pecado introduzido na terra desde Adão. A Lei, em
termos práticos, é o código penal diante do qual estamos todos condenados. A graça, entretanto, oferece ao cristão sincero
plena capacitação (Tt 2.11,12).
5 Os versículos de 15 a 23 apresentam uma analogia entre a teologia da redenção e o procedimento ético do mercado de
escravos, prática muito comum nos tempos do NT. O escravo está sob a obrigação moral de servir o seu mestre (de onde
vem a nossa forma de tratamento, em português: sinhá, dona; sinhô, dono) até a morte. Uma vez morto, o dono não tem mais
autoridade ou poder algum sobre a alma dele. Desse mesmo modo, acontece com o crente em Cristo. O seu “velho dono”, o
pecado, não tem mais direito sobre sua vida ou vontades, uma vez que já morreu com Cristo.
6 Paulo pede desculpas por usar uma analogia ligada à escravidão, assunto bastante popular em sua época, mas sobre o qual
os judeus tinham ojeriza. O povo judeu sempre acreditou na liberdade que Deus outorgou aos homens. No entanto, os judeus
foram feitos escravos por muitos povos durante longos períodos da história da humanidade. A comparação de Paulo, porém, é
ideal para ilustrar uma grande verdade universal: ou se é escravo (servo) de Deus ou do Diabo. Essa forma de doutrina refere-se
a um sumário de ética cristã, baseado nos ensinos de Jesus Cristo, que normalmente era ministrado aos convertidos na igreja
primitiva, a fim de discipular os novos crentes nos primeiros passos da vida cristã.
20 Porque, quando éreis escravos do pe- restes quanto à Lei mediante o corpo de
cado, estáveis livres em relação à justiça. Cristo, para pertencerdes a outro, àquele
21 E que fruto colhestes, então, das atitudes que ressuscitou dentre os mortos, a fim
das quais agora vos envergonhais? Pois o de que frutifiquemos para Deus.
resultado final delas é a morte! 5 Pois quando éramos dominados pela
22 Contudo, agora libertos do pecado, e natureza pecaminosa, as paixões dos pe-
tendo sido transformados em escravos cados, instigadas pela própria Lei, agiam
de Deus, tendes o vosso fruto para a san- livremente em nosso corpo, de maneira
tificação, e por fim a vida eterna.7 que dávamos frutos para a morte.
23 Porque o salário do pecado é a morte, 6 Mas, agora, fomos libertos da Lei, haven-
mas o dom gratuito de Deus é a vida do morrido para aquilo que nos aprisio-
eterna por intermédio de Cristo Jesus, nava, para servimos de acordo com a nova
nosso Senhor! ministração do Espírito, e não conforme a
velha forma da Lei escrita.3
A relação entre Lei e Graça
7 Ser sinceramente devotado a Deus produzirá, inevitavelmente, santidade. E o final desse processo é a vida eterna. Não
existe vida eterna sem santidade (Hb 12.14). Todo aquele que já passou pela justificação (o primeiro ato da salvação que
é composta de justificação, santificação e glorificação), com toda certeza, demonstrará, por meio de suas atitudes diárias,
evidências desse fato. Uma pessoa que não está sendo santificada (purificada pelo Espírito Santo) em seus pensamentos e
atitudes deve avaliar se realmente houve, em algum momento, um arrependimento sincero do seu coração na presença do
Espírito de Cristo e, portanto, a justificação.
Capítulo 7
1 Paulo tem em mente tanto a Lei mosaica quanto a lei divina, no seu sentido mais universal e implicações gerais. Assim
também quanto ao homem, Paulo não se limita a uma análise simplista do crente e do não convertido, mas vai além e investiga a
complexidade do ser humano quanto à sua tendência natural para o mal (o ser humano sempre se sentiu atraído pelo proibido),
enquanto sua consciência íntima aponta para o bem e a verdade; como se a alma humana, embora nesse mundo, tivesse
saudades da casa paterna, mas vontade de ceder à cobiça da carne (todas as ambições de prazer e glória).
2 No cap. 6, Paulo faz uma analogia do compromisso que há entre o escravo e seu senhor (dono). Em 7.1-6, a ilustração utilizada é
a do compromisso (aliança, contrato) celebrado no casamento. Paulo demonstra que a liberdade da Lei é a mesma que uma esposa
tem em relação ao seu marido. A relação é de simples entendimento: assim como a morte do marido dissolve o vínculo formal entre
o marido e a esposa, a morte do crente com Cristo quebra o jugo da Lei. O cristão está, portanto, livre do domínio do pecado para
unir-se a Cristo, que jamais morrerá novamente, o que significa, que essa nova união não terá fim (6.9; 7.4).
3 A antítese entre o espírito e a simples letra escrita aponta para um novo tempo, aquele em que a “nova aliança” de Jeremias
se realiza (Jr 31.31). A “letra” transmite o sentido de guardar tudo o que a Lei determina no seu aspecto exterior (cumprir o que
está escrito sem maiores reflexões ou interpretações subjetivas), à base da força de vontade e na capacidade moral dos homens.
O “espírito” refere-se às novas relações e forças produzidas em Cristo pelo Espírito Santo.
4 Paulo faz uma análise da sua própria experiência de vida, ao mesmo tempo em que considera a existência de todos os
homens, a partir do seu conhecimento atual da graça divina em Cristo Jesus. Antes de se dar conta de que a Lei existia com
tamanho vigor, poder e rigidez, e de que estava condenado à morte, o menino Paulo vivia alegre e em paz. Com a chegada do seu
10 e descobri que o mandamento que era determina o meu agir, mas sim o pecado
para vida, transformou-se em morte para que habita em mim.
mim.5 18 Porque sei que na minha pessoa, isto é,
11 Porquanto o pecado, valendo-se do na minha carne, não reside bem algum;
mandamento, iludiu-me, e por meio porquanto, o desejar o bem está presente
dele me matou. em meu coração, contudo, não consigo
12 De maneira que a Lei é santa, e o man- realizá-lo.8
damento, santo, justo e bom. 19 Pois o que pratico não é o bem que al-
13 Portanto, isso significa que o que era mejo, mas o mal que não quero realizar,
bom tornou-se morte para mim? De esse eu sigo praticando.
forma alguma! Mas o pecado para que 20 Ora, se faço o que não quero, já não
se revelasse como pecado, produziu em sou eu quem o realiza, mas o pecado que
mim a morte por intermédio do que reside em mim.
era bom; a fim de que, por meio do 21 Assim, descubro essa Lei em minha
mandamento, o pecado se demonstrasse própria carne: quando quero fazer o
extremamente maligno.6 bem, o mal está presente em mim.
14 Porquanto é do nosso pleno conheci- 22 Pois no íntimo da minha alma tenho
mento de que a Lei é espiritual; eu, en- prazer na Lei de Deus;
tretanto, sou limitado pela carne, pois fui 23 contudo, vejo uma outra lei agindo
vendido como escravo ao pecado. nos membros do meu corpo, guerreando
15 Pois não compreendo meu próprio contra a lei da minha razão, tornando-
modo de agir; porquanto o que quero, me prisioneiro da lei do pecado que atua
isso não pratico; entretanto, o que detes- em todos os meus membros.
to, isso me entrego a fazer.7 24 Miserável ser humano que sou! Quem
16 Ora, e se faço o que não desejo, tenho me libertará deste corpo de morte?9
que admitir que a Lei é boa. 25 Graças a Deus, por Jesus Cristo, nosso
17 Nesse sentido, não sou mais eu quem Senhor! De modo que, eu mesmo com
bar mitzvah (importante cerimônia judaica na qual o jovem, aos 13 anos, passa a ser responsável pelo cumprimento da Lei), bem
como na vida adulta, quando as demandas do seu vínculo com os fariseus amadureceram suas convicções legais e institucionais,
e, por fim, quando do seu encontro com Cristo, fato que determinou sua conversão, Paulo chegou à conclusão que estava morto,
“porque o salário do pecado é a morte” (6.23; Lc 18.20,21; Fp 3.6).
5 O que aconteceu na prática foi que a Lei veio a ser a via de acesso do pecado, tanto na experiência de Paulo quanto para toda
a humanidade. Em vez de conceder vida, a Lei produziu condenação; em lugar de promover a santidade, provocou o pecado.
Todavia, a responsabilidade pelo pecado não está na Lei, uma vez que ela foi criada por Deus para ajudar os seres humanos a
ordenar, suas prioridades, identificarem o certo do errado, o bem do mal, e a viverem em paz e fraternidade uns com os outros.
Portanto, a Lei é santa, justa e boa (v.12).
6 O pecado e seu pai (o Diabo) usaram a santa Lei de Deus para uma finalidade ímpia (a morte). Esse fato revela quão despre-
zíveis são o nosso Inimigo e suas artimanhas.
7 Paulo fala da própria intimidade da sua alma e de suas lutas como homem e como cristão, ao mesmo tempo em que se refere
a um conflito comum a todos os seres humanos. Até mesmo o crente mais santificado tem dentro de si a semente da rebelião que
herdou de Adão, a qual vem sendo explorada pelo Diabo de geração em geração desde a Queda (Gn 3). Paulo é eloqüente quando
usa a expressão “fui vendido como escravo ao pecado”, para retratar como todos nós passamos pela experiência de ser subjugados
pelo poder deste mundo e do pecado. E, mesmo após a conversão, o pecado agonizante procura nos ferroar persistentemente.
Paulo, ainda, revela que nossas lutas interiores provocam todo tipo de tensão, ambivalência, confusão e frustrações.
8 Paulo faz uma humilde e honesta declaração em relação à tenacidade do pecado em tentar controlar a vida dos crentes (v.17).
No v.18 ele se refere ao estado caído do ser humano, como denota a parte inicial da frase. Evidentemente, ele não está dizendo
que não pode haver a mínima bondade prática nos cristãos.
9 Paulo usa o corpo como metáfora de um cadáver que pesava sobre suas costas, mas que era de sua responsabilidade
equilibrá-lo para que não caísse ou alterasse o curso do seu trajeto ao carregá-lo (6.6). O cristão vive em dois mundos ao mesmo
tempo e isso causa muitas aflições. Este é o motivo pelo qual a carne batalha contra o Espírito e o Espírito batalha contra a carne,
porquanto são opostos entre si (Gl 5.17). A vitória contra esse inimigo (a disposição para o pecado que persiste em nós) não vem
sem muita luta, mas ao longo do nosso tempo de caminhada cristã e amadurecimento espiritual. Graças a Deus a vitória virá por
Cristo, e isso está maravilhosamente descrito no capítulo seguinte.
a razão sirvo à Lei de Deus, mas com a ga de Deus, pois não se submete à Lei de
carne à lei do pecado. Deus, nem consegue fazê-lo.
8 Os que vivem na carne não podem
O Espírito guia os filhos de Deus agradar a Deus.3
1 Essas são as “boas novas” (o Evangelho): 1) A Lei incita, ressalta e condena o pecado. Todavia, o cristão não está “debaixo da
Lei” (6.4); 2) O crente “em Cristo” é incorporado plenamente ao Corpo de Cristo, mediante o Espírito (1Co 12.13); 3) O Corpo, que
teve início na morte e ressurreição, tem Jesus Cristo como cabeça e inclui todos os remidos como Seus membros (Ef 1.22,23); 4)
A autoridade que governa o Corpo não é mais a Lei, tampouco a natureza carnal, muito menos o pecado, mas a Lei do Espírito,
que significa: liberdade (v.2). Pelo Espírito, o cristão é liberto do cativeiro do pecado.
2 Deus se identificou perfeitamente com o ser humano na pessoa de Jesus Cristo, porém sem ter cometido pecado algum
(2Co 5.21). Constituindo-se no único e verdadeiro Homem sem pecado, cumpriu integralmente o plano original de Deus para o
ser humano. A expressão “oferta pelo pecado” (que não foi traduzida por algumas versões) consta da Septuaginta como peri
hamartias, expressão grega derivada do antigo termo hebraico hatta´th, que significa literalmente “oferta para o pecado”.
3 Paulo não se refere à carne como substância física, mas sim ao caráter moral e ético da expressão. É o campo (área de
nossa vida) ao qual o poder do pecado e do Diabo tem acesso e controle, e no qual as obras próprias da natureza carnal são
concebidas e praticadas (Gl 5.19-21). Após a morte e ressurreição de Jesus, existem apenas dois grandes campos: “a carne” e “o
Espírito”. É impossível viver nos dois lugares simultaneamente (v.9). A Lei não perdeu sua relevância na vida do cristão. Contudo,
ela não tem em si o poder da salvação do pecador condenado. Sua autoridade, no entanto, se aplica à orientação moral e ética
do crente, que a interpreta e obedece, por amor a Cristo, mediante o esclarecimento e poder do Espírito Santo que agora habita
seu espírito, alma e corpo (1Ts 5.23).
4 Todos os corpos (cristãos ou não) estão sujeitos à morte e decomposição física, conseqüência do pecado original (Gn
3). A ressurreição da alma e do corpo dos crentes para a vida eterna está garantida mediante a presença do Espírito Santo
que neles habita. Presença esta evidenciada por uma vida controlada pelo próprio Senhor Jesus. Uma vida sob o domínio do
Espírito é o selo de garantia total de que desde aqui e agora nossa ressurreição está certa (1Co 6.14; 15.20,23; 2Co 4.14; Fp
3.21; 1Ts 4.14).
o Espírito que os adota como filhos, por 23 E não somente ela, mas igualmente
intermédio do qual podemos clamar: nós, que temos os primeiros frutos do
“Abba, Pai!”.5 Espírito, também gememos em nosso
16 O próprio Espírito testemunha ao íntimo, esperando com ansiosa expecta-
nosso espírito que somos filhos de Deus. tiva, por nossa adoção como filhos, a
17 Se somos filhos, então, também so- redenção do nosso corpo.
mos herdeiros; herdeiros de Deus e 24 Porquanto, precisamente nessa espe-
co-herdeiros com Cristo, se realmente rança fomos salvos. Contudo, esperança
participamos dos seus sofrimentos para que se vê não é esperança; pois como
que, da mesma maneira, participemos pode alguém anelar por aquilo que está
da sua glória. vendo?8
25 Porém, se esperamos por algo que
O sofrimento e a glória futura ainda não podemos ver, com paciência
18 Estou absolutamente convencido de o aguardamos.
que os nossos sofrimentos do presente 26 Do mesmo modo, o Espírito nos au-
não podem ser comparados com a glória xilia em nossa fraqueza; porque não sa-
que em nós será revelada. bemos como orar, no entanto, o próprio
19 A própria natureza criada aguarda, Espírito intercede por nós com gemidos
com vívido anseio, que os filhos de Deus impossíveis de serem expressos por meio
sejam revelados.6 de palavras.9
20 Porquanto a criação foi submetida à 27 E aquele que sonda os corações
inutilidade, não por sua livre escolha, conhece perfeitamente qual é a intenção
mas por causa da vontade daquele que do Espírito; porquanto, o Espírito supli-
a sujeitou, ca pelos santos em conformidade com a
21 na esperança de que também a própria vontade de Deus.
natureza criada será libertada do cativei-
ro da degeneração em que se encontra, Somos mais que vencedores
recebendo a gloriosa liberdade outorga- 28 Estamos certos de que Deus age em
da aos filhos de Deus.7 todas as coisas com o fim de beneficiar
22 Sabemos que até hoje toda a criação todos os que o amam, dos que foram
geme e padece, como em dores de parto. chamados conforme seu plano.10
5 No primeiro século, a adoção era a forma jurídica e legal (especialmente entre os romanos e gregos) por meio da qual o
pai adotivo recebia um filho e a ele destinava todos os direitos para perpetuar o nome da família e administrar sua herança. A
expressão em aramaico abba era a maneira carinhosa como as famílias judias na palestina, na época de Cristo, se referiam a
pessoa do pai. Cristo usou esse termo em suas orações e ensinou seus discípulos a considerarem o Deus Altíssimo e Todo-
Poderoso como nosso “pai querido” ou “papai”, numa clara alusão à forma amorosa e sincera com que Deus convive com
Seus filhos. Os judeus, entretanto, tinham receio de usar uma forma de tratamento tão informal e pessoal (v.23; 9.4; Mc 14.36;
Lc 11.2; Gl 4.5; Ef 1.5).
6 Todos aqueles que sinceramente crêem em Cristo já foram promovidos à posição de filhos de Deus, todavia, a plena mani-
festação de tudo o que esse privilégio implica está reservada para os últimos dias (1Jo 3.1,2).
7 Paulo se refere à queda cósmica (em algumas versões traduzida impropriamente como “vaidade”), a qual se encontra
detalhada nas Escrituras de Gn 3 até Ap 22.3 (“nunca mais haverá maldição”). Toda a natureza criada por Deus, que Ele próprio
julgou “boa”, ficou sujeita à degeneração e à inutilidade (vaidade) com o ingresso do pecado na terra por meio da desobediência
voluntária dos primeiros seres humanos, representados por Adão. O novo corpo que receberemos, por ocasião da ressurreição,
suplantará nosso atual corpo mortal que nos liga à natureza, que a essa altura também será renovada. O termo grego original
mataiotes, além de transmitir o sentido de futilidade, frustração (vaidade), remete à adoração a deuses falsos, indicando que a
criação foi sujeita às forças do Inimigo (1Co 12.2). O universo não se destina ao aniquilamento (destruição total), mas à renovação
(2Pe 3.13; Ap 21.1).
8 É importante notar que fomos salvos “na” esperança, não “por” esperança. Paulo repetirá várias vezes que a salvação é um
dom de Deus e recebida unicamente por meio da fé do pecador arrependido. A esperança acompanha a salvação (Ef 2.8).
9 Assim como a esperança sustenta o cristão em seus sofrimentos, da mesma forma, o Espírito Santo o ajuda na comunicação
com Deus, quando palavras humanas parecem não fazer sentido. Neste trecho, não é o crente quem geme, mas sim o Espírito.
10 A expressão “todas as coisas”, segundo os melhores manuscritos, é objeto do verbo grego sunergei, indicando que o sujeito
da ação é Deus. Algumas correntes filosóficas, espiritualistas e esotéricas usam esse trecho da Bíblia para sugerir uma espécie de
pensamento positivo inconsistente, visto que as leis físicas provam que “as coisas” no universo não estão se organizando ou fi-
cando melhores, mas se desestruturando e falindo. Portanto, “as coisas” não podem produzir qualquer progresso por si mesmas.
É Deus quem põe ordem no caos e convoca o ser humano para ser seu companheiro nessa empreitada.
11 Embora esse trecho como várias posições teológicas de Paulo continuam sendo grandes temas de estudo por parte de
teólogos e lingüistas, nessa passagem, há certo consenso de que o conhecimento aqui mencionado não é abstrato, mas é fruto
da essência de Deus. O amor e seus atributos: fidelidade e justiça. Deus não apenas nos conhecia antes mesmo de termos a
mínima informação sobre Ele, mas também nos conhecia no sentido de nos haver escolhido desde a fundação do universo
(Ef 1.4; 2Tm 1.9). Assim como, desde a eternidade passada, Deus conhecia os que, pela fé, se tornariam o seu povo. Esse
conhecimento prévio de Deus em relação a cada ser humano aponta para a graça da eleição, freqüentemente embutida no verbo
“conhecer” no AT (Am 3.2; Os 13.5). No NT, ela aparece em passagens como 1Co 8.3 e Gl 4.9.
12 O fato de alguém vir a amar a Deus não é mérito humano, mas resultado direto da ação divina. O homem é chamado não
no sentido de um simples e casual convite, mas por “uma convocação solene” e justificado por conseqüência da “convocação”
(chamada), e o grande clímax: glorificado, no sentido de ser como Cristo é (1Jo 3.2).
13 A expressão grega original pheidomai, aqui traduzida por “não poupou”, nos remete a Gn 22.16 em que a Septuaginta utiliza
exatamente a mesma palavra. No modo de pensar judaico, a “amarração de Isaque” é considerada um exemplo clássico do valor
transcendente e redentor do martírio do justo.
14 Paulo nos leva metaforicamente a um tribunal universal de justiça e afirma que nenhuma acusação formal pode ser
apresentada contra o cristão, porquanto, Deus – o Supremo Juiz – já proclamou seu veredicto final de “inocência”. O valor da
pena (fiança) foi pago por nosso Advogado na cruz do Calvário: Jesus Cristo.
15 Somos realmente mais que vencedores. O termo grego original hupernikõmen significa literalmente “super-vencedores”. O
Sl 44.22 é citado no v.36 para demonstrar que o sofrimento sempre fez parte da experiência de vida do povo de Israel não para
separar o povo de Deus, mas justamente para conduzi-los à Salvação em Cristo.
16 É, portanto, impossível fugir do amor de Deus. Nada e nenhum ser do universo poderá nos separar do alcance do Espírito
de Cristo. A única pessoa que não consta da lista, e que poderia fazer isso, seria o próprio Deus; no entanto, é Ele mesmo quem
nos justificou (v.33).
Capítulo 9
1 A consciência é verdadeiramente limpa, pura e apta para nos orientar, somente quando julgada e aprovada pelo Espírito Santo.
3 Porquanto eu mesmo desejaria ser 10 Esse não foi o único evento; também
amaldiçoado e separado de Cristo por os filhos de Rebeca tiveram um mesmo
amor de meus irmãos, que são meus progenitor, nosso pai Isaque.
parentes segundo a carne;2 11 Contudo, antes mesmo que os gêmeos
4 os quais são israelitas, de quem são a nascessem ou realizassem qualquer obra
adoção, a glória, as alianças, a promulga- boa ou má, para que o plano de Deus
ção da Lei, o culto e as promessas;3 segundo a eleição permanecesse inalte-
5 de quem são os patriarcas, e a partir rado, não por causa das obras, mas sim
deles é traçada a linhagem humana de por aquele que chama,
Cristo, que é Deus acima de tudo e de 12 foi-lhe dito: “O mais velho servirá ao
todos. Seja Ele louvado para sempre! mais novo!”6
Amém.4 13 Como está escrito: “Amei a Jacó, mas
rejeitei a Esaú”.
Deus cumpre suas promessas 14 Que conclusão podemos tirar? Acaso
6 Não imaginemos que a Palavra de Deus não é justo? De modo algum!
Deus possa ter falhado. Porquanto, nem 15 Porquanto Ele declara a Moisés: “Terei
todos os descendentes de Israel são isra- misericórdia de quem Eu quiser ter mi-
elitas fiéis. sericórdia e terei compaixão de quem Eu
7 Nem por serem descendência de Abraão desejar ter compaixão.
se tornaram todos filhos de Abraão. Ao 16 Assim, claro está que isso não depende
contrário: “Por intermédio de Isaque, a da vontade, tampouco do esforço do ser
tua descendência será considerada”.5 humano, mas da maneira como Deus
8 Em outras palavras, não são os filhos focaliza sua misericórdia.7
naturais que são filhos de Deus, mas os 17 Pois diz a Escritura ao faraó: “Eu o
filhos da promessa é que são considera- levantei exatamente com esse propó-
dos como descendentes de Abraão. sito: revelar em ti o meu poder, e para
9 Pois foi assim que a promessa foi decla- que o meu Nome seja proclamado por
rada: “No tempo certo virei novamente, toda a terra.
e Sara dará à luz um filho”. 18 Portanto, Ele tem misericórdia de
2 Paulo faz um paralelo com a súplica de Moisés logo após o terrível pecado cometido pelos judeus ao fazerem de um bezerro
de ouro um deus e o adorarem (Êx 32.32). Esse grande amor de Paulo pelas almas dos seus semelhantes também deve nortear
as ações missionárias e evangelizadoras da Igreja em todo o mundo.
3 A expressão hebraica, traduzida para o grego na Septuaginta, shekiná refere-se à glória soberana e majestosa da presença
maravilhosa de Deus no templo e no tabernáculo. Quanto às “alianças”, embora alguns manuscritos tragam a expressão no
singular numa alusão à aliança celebrada no monte Sinai (Êx 34.38), os melhores originais se referem a todas as alianças firmadas
por Deus com o seu povo: com Abraão (Gn 15.17-21; 17.1-8); com Moisés (Êx 19.5; 24.1-4), renovada nas planícies de Moabe (Dt
29.1-15), nos montes de Ebal, Gerizim e em Siquém (Js 8.30-35; 24); com os levitas (Nm 25.12,13; Jr 33.21; Ml 2.4,5); com Davi
(2Sm 7; 23.5; Sl 89.3,4,28,29; 132.11,12) e, especialmente, a Nova Aliança, profetizada em Jr 31.31-40).
4 Nesse trecho, encontramos uma das declarações mais claras e exatas sobre a absoluta divindade e humanidade de Cristo.
Outras passagens corroboram com essa afirmação de Paulo (Mt 1.23; 28.19; Lc 1.35; 5.20-21; Jo 1.1,3,10,14,18; 5.18; 20.28; 2Co
13.14; Fp 2.6; Cl 1.15-20; 2.9; Tt 2.13; Hb 1.3,8; 2Pe 1.1; Ap 1.13-18; 22.13).
5 Paulo faz uma clara distinção entre os judeus, segundo a descendência sangüínea (a carne) e os verdadeiros israelitas que
através da fé são os legítimos filhos de Abraão. Paulo vê em Isaque uma prefigura de Jesus Cristo, que é, portanto, filho de
Abraão. Por meio de Cristo, somos igualmente os filhos da promessa feita a Abraão (Gn 21.12; 18.10,14).
6 Paulo deixa evidente que Deus escolheu Jacó não pelo cumprimento de quaisquer condições prévias, obras ou leis, mas por
causa da sua vontade livre e soberana. Esta profecia não se refere somente a Esaú e Jacó (Gn 25.23), mas também às nações
que surgiram a partir deles. Os filhos de Esaú – os edomitas – estiveram, por longos períodos, sujeitos a Israel (2Sm 8.14; 1Rs
22.47). O propósito divino é concretizado na eleição que Ele faz (Ef 1.4).
7 Ao citar as contundentes declarações de Moisés (Êx 33.19), Paulo demonstra que a compaixão e a misericórdia de Deus
não estão sujeitas a qualquer força do universo, muito menos ao controle humano, apenas à Sua absoluta e livre graça, justiça
e vontade. Deus tratou a Isaque e Ismael, bem como, a Jacó e Esaú, por meio de sua soberania e onisciência, usando do direito
que Ele tem de oferecer sua misericórdia a quem desejar.
8 Deus, em geral, não impede ninguém de fazer o mal. Isso não quer dizer que o Faraó (de Êxodo) foi criado para ser um
homem cruel e insensível, mas, diante das circunstâncias que o deveriam ter levado ao arrependimento, ele, por sua livre decisão,
permaneceu incrédulo e duro de coração (Êx 9.16; 8.15; 7.3; 15.13; Js 2.10,11; 9.9; 1Sm 4.8). Deus não é arbitrário em sua
misericórdia. Paulo revela que o grande motivo da rejeição de Israel por Deus é sua renitente incredulidade (vv. 30-32).
9 Não cabe ao homem murmurar contra o direito soberano que o Criador tem de realizar o que bem entende com Sua criação
e filhos. Entretanto, a tônica desta passagem está na misericórdia de Deus que suporta com infinita paciência a persistente e
crescente maldade humana (fortemente influenciada pelo Diabo), retardando Sua ira por séculos e séculos (2Pe 3.7-9).
10 Embora as palavras de Oséias, em seu contexto original no AT, se refiram à restauração espiritual de Israel, Paulo as
interpreta como um princípio: Deus é salvador, perdoador e restaurador; cujo prazer está em buscar “os que não-são-meu-povo”
e fazer deles “povo-meu”. Deus transforma os nomes dos filhos ilegítimos e rejeitados de Oséias (em hebraico: Lo-ruhamah
– não-objeto-da-minha-afeição, e Lo-ammii – não-meu-parente) em “povo-meu” (Os 1.10). Paulo aplica esse princípio à inclusão
dos gentios, de modo soberano, no relacionamento pactual com o Senhor (conforme cap.11).
11 Essas passagens de Isaías revelam que apenas um pequeno remanescente sobreviverá em comparação à grande maioria
dos judeus que não reconhecerão a Salvação do Senhor em Cristo. O chamado de Deus inclui tanto judeus quanto gentios (v.24),
contudo, a imensa multidão dos salvos será formada de gentios de todas as nações (v.30; Is 10.22,23; 1.9).
12 As doutrinas da eleição divina e da responsabilidade humana quanto ao dom da Salvação, concedido por Deus em Cristo,
devem ser, ambas, cridas e vividas firmemente por todo cristão sincero.
13 O fracasso de Israel não foi ter buscado desesperadamente uma vida justa diante de Deus. O grande pecado foi a arrogância
e a prepotência ao acreditar que suas muitas obras externas, regras e rituais poderiam constranger Deus a lhes tratar com
deferimento, sem prestar atenção à falta da fé pura e sincera em seus corações. Por isso Jesus se tornou a “Pedra de tropeço” de
Israel e de todos os incrédulos, porquanto, o povo de Deus não aceitou o modo que Ele determinara para que a nação viesse a
alcançar a fé, e, com a fé, a justificação. Confiando em seus próprios métodos e obras, Israel rejeitou o Filho de Deus, o Messias
prometido (1Pe 2.4-8; Sl 118.22; Lc 20.17,18).
de escândalo; mas aquele que nela confia subirá aos céus? Isto é, para trazer do
jamais será envergonhado!”14 alto a Cristo.
7 Ou, ainda: ‘Quem descerá ao abismo?’,
Paulo suplica a Israel que creia isto é, para fazer Cristo subir dentre os
14 Paulo combina alguns textos do profeta Isaías, extremamente respeitado pelos líderes religiosos dos judeus, para apelar ao
coração e ao entendimento de Israel. Originalmente, o profeta falava do “remanescente fiel”, a esperança do futuro, incorporado
pessoalmente no Messias da Casa de Davi. Essa passagem constituiu-se num testimonium, que era o uso apologético de
passagens do AT, pelos discípulos do Senhor na igreja primitiva, a fim de defenderem o messianato de Cristo e ensinar que só a
fé em Jesus leva à salvação (Is 28.16 com Is 8.14).
Capítulo 10
1 Paulo volta ao principal tema da sua carta: revelar os dois caminhos da justiça. Um por meio das obras da Lei, numa busca
incansável e insuficiente pela justiça como fruto do esforço próprio. Ou outro, defendido e ensinado pelo apóstolo: o caminho da
justificação pela fé no Cristo ressurreto, o Messias prometido. Paulo tinha o hábito de orar muito pelas igrejas (Ef 1.15-23; Cl 1.3;
1Ts 1.2,3; 2Ts 1.3). Entretanto, nesse momento, está suplicando pela salvação de seus compatriotas judeus.
2 Não basta ser extremamente zeloso quanto ao cumprimento das leis divinas, nem realizar todo tipo de sacrifício em nome
de Deus. O mais importante é saber qual é o único e verdadeiro Caminho (Jesus) preparado por Deus para a salvação da
humanidade, qual a vontade de Deus (especialmente a revelada nas Escrituras), e como o próprio Deus deseja ser adorado e
servido (em sinceridade de coração). Paulo, antes de ter sido convertido por Jesus, era apenas um judeu zeloso e fanático (At
21.20; 22.3; Gl 1.14).
3 O vocábulo grego original telos, aqui traduzido por “fim”, tem um duplo sentido: por um lado, refere-se à “finalidade” ou ao
“objetivo a ser conquistado”; e por outro, “término” ou “ponto final”. Jesus Cristo corresponde a ambos, porquanto Ele é o alvo da
Lei (Gl 4.1-7), como também, o encerramento da Lei como maneira de conquistar a salvação e as bênçãos de Deus.
4 Essa é a mais antiga confissão de fé cristã (1Co 12.3), usada na igreja primitiva durante os batismos. A expressão “Jesus
é o Senhor” leva em consideração a tradução do nome sagrado de Deus (e, portanto, impronunciável, segundo a lei judaica):
Yahweh, do hebraico antigo, para o grego Kyrios, ou seja, “Senhor”. Forma usada mais de seis mil vezes na Septuaginta (a
tradução grega do AT hebraico). Ao conferir a Jesus este título, Paulo deixa muito claro que está atribuindo a Jesus toda a
divindade de Deus. Sempre que as Escrituras se referem ao “coração” não se restringem ao centro das emoções e sentimentos,
mas igualmente ao centro da razão e da vontade. Paulo, ainda, salienta uma outra doutrina de ouro do cristianismo: Jesus
ressuscitou dentre os mortos e permanece absolutamente vivo hoje e eternamente (Lv 18.5; Dt 30.12-14; 1Co 15.4,14,17; At
2.31,32; 3.15; 4.10; 10.40).
5 É certo que Paulo, embora culto e abençoado com uma inteligência fora do comum, muito aprendeu com Pedro, um
homem simples do povo, mas que caminhou com Deus. Paulo repete a citação de Pedro no Dia do Pentecostes (Jl 2.32, At
2.21, Is 28.16).
6 Paulo, usando uma seqüência de perguntas retóricas, demonstra que os judeus jamais poderão alegar que não tiveram
uma chance justa, particular e clara de ouvir o Evangelho e aceitá-lo. Paulo usa uma linda e marcante analogia para revelar a
importância vital dos pregadores na transmissão da Mensagem de Cristo (as boas novas). A citação é extraída de Is 52.7, e se
refere aos mensageiros quando trouxeram aos exilados as boas notícias da sua iminente soltura do cativeiro babilônico. Dessa
mesma forma, os pregadores do Evangelho são aqueles que trazem a maravilhosa mensagem de libertação e nova vida aos
prisioneiros do império do pecado.
7 Paulo relembra um conhecido trecho das Escrituras, cantado em verso e prosa por todos os judeus, referente ao testemunho
dos céus a respeito da glória e da soberania de Deus (Sl 19.2). Há um grande perigo em amar mais os mandamentos de Deus
do que o Deus dos mandamentos.
8 A citação que acompanha o raciocínio de Paulo (Dt 32.21) responde claramente a mais uma pergunta retórica de Paulo.
Os gentios, considerados por todos os judeus como pessoas mal-educadas e sem sensibilidade espiritual, compreenderam
a Mensagem da Salvação e se regozijaram nela. Portanto, a conclusão paulina é: “se os gentios entenderam, vocês tinham a
obrigação de ter entendido ainda melhor”.
9 A responsabilidade total pelo afastamento de Israel, como nação, de Deus é do próprio povo israelita (e por conseqüência
de todos os incrédulos). Pois não cumpriram a condição sine quae non de Deus: a fé pura e sincera. É um perigo ter fé na fé, em
vez de fé no doador da fé: o Senhor (Is 65.1-2).
Capítulo 11
1 Deus jamais permitiu que todo Israel se afastasse dele. Sempre houve um remanescente fiel entre o povo judeu. Paulo e
algumas outras pessoas de fé, como ele, são a prova disto. Paulo era originário da tribo de Benjamim (Fp 3.5), tinha o mesmo
nome do primeiro rei de Israel que também fora benjamita: Saulo (Saull em aramaico – At 8.1-3; 9.1-17 e 13.21).
2 Assim como nos antigos dias de Elias, em meio à apostasia generalizada, havia um remanescente de judeus crentes
(piedosos). Entretanto, a base da existência desse grupo de fiéis não eram as boas obras que, sem dúvida, eles realizavam, mas
a graça de Deus. O amor ativo de Deus que planejou e ofereceu a Salvação à humanidade é a Graça revelada na eleição de Israel.
O princípio da Graça livre, que parte do coração de Deus, corresponde à fé pela qual é apropriada (1Rs 19.10-18).
mais pelas obras; caso fosse, a graça dei- 14 na expectativa de que, de alguma
xaria de ser graça. forma, possa instigar ciúme entre meus
7 A que conclusão chegar? Israel não con- compatriotas a fim de que alguns deles
seguiu a bênção pela qual tanto buscava, sejam salvos.
mas os eleitos a receberam. Os demais 15 Porque, se a rejeição deles significa a
foram endurecidos,3 reconciliação do mundo, o que será a sua
8 como está escrito: “Deus lhes deu um aceitação, senão vida dentre os mortos?6
espírito de entorpecimento, olhos para 16 Se é santa uma parte da massa que é
não enxergar e ouvidos para não escutar, oferecida como as primícias dos frutos,
até o presente dia”. a massa toda igualmente o é; se a raiz é
9 E Davi afirma: “Que a mesa deles se santa, todos os ramos também o serão.7
transforme em laço e armadilha, pedra 17 E se alguns dos ramos foram po-
de tropeço e em retribuição para eles. dados, e, tu, sendo oliveira brava, foste
10 Escureçam-se os seus olhos, para que enxertado entre outros, e agora partici-
não consigam ver, e suas costas fiquem pas da mesma seiva que flui da oliveira
encurvadas para sempre”.4 cultivada,8
18 não te vanglories contra esses ramos.
Os gentios: ramos enxertados Porém, se o fizeres, recorda-te, pois, que
11 Uma vez mais pergunto: Acaso trope- não és tu que sustentas a raiz, mas, sim,
çaram para que ficassem prostrados so- a raiz a ti.9
bre a terra? De forma alguma! Antes, pela 19 Então, vós direis: “Os ramos foram
sua transgressão veio a salvação para os cortados, p para que
q eu fosse enxertado”.
gentios, para provocar ciúme em Israel. 20 É verdade. Entretanto, eles foram po-
12 Contudo, se a transgressão deles cons- dados por causa da incredulidade deles.
titui-se em riqueza para o mundo, e o seu Porém, tu, que permaneces firme pela fé,
insucesso, fortuna para os gentios, quan- não te envaideças, mas teme.
to mais significará a sua plenitude!5 21 Porque, se Deus não poupou os pró-
13 Agora estou falando a vós, gentios. prios ramos naturais, de igual maneira
Considerando que sou apóstolo dos gen- não poupará a ti.
tios, exalto o meu ministério, 22 Considera, portanto, a bondade e a
3 O maravilhoso princípio divino da eleição não foi anulado mesmo considerando que a maioria dos judeus rejeitou a pessoa
e a obra do Messias: Jesus Cristo (Is 6.8-10). O pequeno remanescente de fiéis continua vivo e representando o povo da
aliança (v.25).
4 A expressão “entorpecimento” vem do grego katanuxis, e significava literalmente “picada venenosa” que resultava num
adormecimento parcial ou total do corpo. Existe uma lei de causa e efeito no universo. Deus criou nossa mão e o fogo. Se
colocarmos a mão no fogo, a lei de causa e efeito diz que ela se queimará. Se tentarmos colocá-la, Deus permitirá que ela seja
queimada, ainda que possamos alegar que Deus a queimou (Dt 29.4; Is 29.10; Sl 69.22,23).
5 A “riqueza” refere-se à oferta da Salvação aos gentios, ainda que no plano divino ela venha dos judeus e para eles
primeiramente (Jo 4.22 com Rm 1.16). Os maravilhosos benefícios da Salvação já podem ser experimentados pelos gentios
crentes, os quais ficaram disponíveis devido à rejeição explícita dos judeus em relação ao Evangelho. Foi essa rejeição contumaz
que levou os apóstolos a oferecerem a bênção aos gentios (At 13.46-48; 18.6).
6 A “vida dentre os mortos” significa a ressurreição que coincidirá com a gloriosa segunda vinda de Jesus, o Messias.
7 A primeira parte do versículo é uma alusão ao texto do AT (Nm 15.17-21). Parte da massa feita com os primeiros frutos da
colheita (as primícias) era oferecida ao Senhor e, desse modo, ficava consagrada a massa toda. A santa raiz é uma referência à
solidariedade do povo israelita para com os patriarcas e homens de fé (Hb 11), ou com os judeus como Paulo que havia aceitado
Jesus como o verdadeiro Messias prometido, o Unigênito Filho de Deus.
8 O procedimento usual de cultivo das oliveiras era enxertar um broto de oliveira cultivada em uma árvore silvestre ou comum
(brava). Paulo, entretanto, constrói sua metáfora de maneira antinatural (vv.17-24), em referência ao enxerto de um ramo de
oliveira brava (os gentios cristãos) na oliveira cultivada. Esse procedimento não é natural, nem lógico, mas é exatamente esse o
ponto básico do ensino de Paulo: Deus agiu, sobrenaturalmente, segundo sua sabedoria e soberania (Ef 2.12). Jamais devemos
desprezar os judeus, pois é mais fácil Deus os recolocar na oliveira do que incluir um gentio numa primeira oportunidade (v.24).
9 A salvação dos cristãos gentios depende dos judeus, especialmente dos patriarcas. Por exemplo, a aliança com Abraão
(Jo 4.22).
10 A teologia bíblica deve levar em consideração a “bondade” e a “severidade” do Senhor. Uma doutrina que não aceita a
“absoluta bondade divina” faz de Deus um tirano cruel e insensível. Se não levarmos em conta sua “justiça severa” o comparamos
a um pai incapaz de educar seus filhos e lhes mostrar o Caminho (Jesus).
11 A palavra grega mysterion era usada pelas seitas e crenças que havia na época de Paulo. A expressão significa “revelação”
ou “trazer à luz um conhecimento oculto”. Paulo faz uso dessa mesma expressão para comunicar claramente aos seus leitores
que o Espírito Santo estava “revelando” algo especial, da parte de Deus, que estivera obscurecido de todos, mas que agora
deveria ficar claro como o dia: a encarnação, morte vicária, ressurreição de Jesus Cristo, o Messias (16.25; 1Co 2.7; 4.1; 13.2;
14.2; 15.51; Ef 1.9; 3.3-9; 5.32; 16.19; Cl 1.26,27; 2.2; 4.3; 2Ts 2.7; 1Tm 3.9,16). No NT, a perseverança é a prova da verdadeira
conversão (Mt 24.13).
12 Paulo deixa claro que a salvação do judeu – seja quantos forem e quando for – ocorrerá com base na mesma exigência
requerida a qualquer indivíduo humano: fé sincera em Jesus Cristo crucificado e ressurreto dentre os mortos. Paulo cita Is 59.20
acompanhando a antiga interpretação do Talmude, entendendo que o texto se refere ao Messias, e portanto, a Jesus (Gl 4.26; Is
59.20,21; 27.9; Jr 31.33,34).
13 Deus revela toda a sua misericórdia sobre judeus e gentios indistintamente. Deus levou a humanidade a uma situação na
qual não pode negar sua total culpa perante a lei divina estabelecida em todo o universo (Gl 3.22). O plano de Deus é convencer
o ser humano de sua absoluta culpa, condenação, incapacidade pessoal de salvação, necessidade premente de arrependimento
e fé em Cristo para obter a Salvação eterna, o grande propósito de Deus desde a Queda da humanidade (Gn 3). O universalismo
que vemos aqui, na expressão “...misericórdia para com todos”, é escatológico, representativo e não absoluto. Tem o sentido de
“sem distinção”, mas não de “sem exceção”.
14 O termo “profundidade” (v. 33) é usado no sentido de sua inexaurível plenitude. A sabedoria de Deus é inesgotável e não
pode ser compreendida completamente pelo ser humano, mas podemos sentir as bênçãos do seu amor prático e igualmente
interminável. Paulo descreve os atributos de Deus em sua doxologia apostólica (verso ou hino de louvor a Deus que encerrava
sermões e obras de literatura cristã): 1) Na riqueza de sua sabedoria, Ele concebeu o plano da justificação pela fé em Cristo, a
sua própria pessoa encarnada em Jesus de Nazaré, incluindo todos os povos do mundo e não apenas os judeus da aliança;
2) Judeus e gentios estão condenados, mas podem receber a graça da Salvação pela fé em Cristo; 3) Deus é a fonte (dEle),
o veículo, a mídia (por meio dEle) e o fim, tanto em relação ao propósito quanto ao encerramento da história (para Ele), de
absolutamente tudo o que há no universo.
Capítulo 12
1 A partir desse momento, até o final desta epístola apostólica, Paulo vai apresentar uma série de aplicações práticas à teologia ex-
planada de 1 a 11. Segundo Paulo, a fé sincera e verdadeira em Jesus Cristo manifesta-se na obediência amorosa e dedicada à Sua
Palavra. Jesus foi o último e suficiente sacrifício, e pagou todo o pecado humano diante da Lei de Deus, concedendo ao crente livre
acesso à presença do Pai. De Cristo em diante, os sacrifícios passaram a ser prestados no templo do corpo humano, no santo dos
santos do coração, onde habita o Espírito Santo. Como toda doutrina tem seu lado prático, o ensino de Paulo vem acompanhado
de exortações éticas muito semelhantes ao ensino de Cristo nos quatro evangelhos, principalmente no conhecido Sermão do Monte
(Jo 13.17; Mt 5 a 7). Paulo usa a palavra grega parastesai,
e a qual já havia usado em 6.13-19, com o sentido de “apresentação”, “de-
dicação”, “oferta”. Temos aqui uma descrição mais abrangente das virtudes proporcionadas pela ação do Espírito Santo à vida dos
cristãos sinceros. Paulo ainda esclarece que o culto prestado pelos cristãos é diferente do culto meramente cerimonial prestado no
templo em Jerusalém. Ao usar o termo grego logikos, Paulo caracteriza o culto cristão como sendo uma atitude pessoal e diária de
devoção, adoração e serviço a Deus e aos semelhantes. A expressão logikos confere ao culto a qualidade de “espiritual e autêntico”,
algo um tanto diferente da expressão “racional” publicada por algumas versões (1Pe 2.2).
2 Paulo adverte que o cristão não deve “tomar a forma” deste sistema mundial com suas concepções de sucesso e glória;
maldades e corrupções (Gl 1.4) mas, permitirmos que uma “transformação” se processe em nossa vida. Essa expressão,
nos originais, só aparece nas narrativas sobre a “transfiguração” de Cristo (Mt 17.2; Mc 9.2) e em 2Co 3.18, que é um ótimo
comentário desta passagem. Os cristãos devem viver no presente século (em grego aiõn) com a perspectiva da “era de Cristo”,
época em que estaremos com Cristo por ocasião de seu glorioso retorno. Assim, devemos viver aqui e agora como cidadãos do
céu e herdeiros do Reino, no mundo vindouro (1Co 1.20; 2.6; 3.18; 2Co 4.4).
3 Com o novo nascimento, Deus presenteia a cada um de seus filhos com, pelo menos, uma capacidade espiritual com a qual o
cristão passará a abençoar seus irmãos na fé e todas as demais pessoas à sua volta. A palavra grega usada nos manuscritos gregos
originais para descrever os dons especiais da graça é charismata (1Co 1.7; 12.4-28; Ef 4.11; At 20.17; 1Ts 5.12; 1Tm 5.17).
4 Paulo faz uma analogia entre os membros do corpo humano e os membros do Corpo de Cristo (a Igreja), para mostrar a
importância de todos no funcionamento saudável e feliz do corpo. Cada membro tem uma função vital e a deve exercer a favor da
unidade e bem-estar do grupo. A ênfase recai sobre a unanimidade em meio à diversidade (1Co 12.12-31). Como o poder provém
de Deus, não é admissível que um cristão, membro do Corpo, tome atitudes de superioridade, orgulho pessoal ou de justiça aos
seus próprios olhos. A humildade sincera deve nortear todos os relacionamentos. Ouvir e refletir antes de falar e agir.
5 O amor é um dom de Deus, que por meio do Espírito Santo, capacita o cristão a expressá-lo de forma prática e adequada,
funcionando como suporte para o exercício de todos os demais dons e manifestações do próprio Espírito. Só uma mente re-
11 Não sejais descuidados do zelo; sede 20 Ao contrário: “Se o teu inimigo tiver
fervorosos no espírito. Servi ao Senhor. fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe
12 Alegrai-vos na esperança, sede pacien- de beber; porquanto agindo assim amon-
tes na tribulação, perseverai na oração.6 toarás brasas vivas sobre a cabeça dele.
13 Cooperai com os santos nas suas ne- 21 Jamais te entregues ao mal como ven-
cessidades. Praticai a hospitalidade. cido, mas vence o mal com o bem!9
14 Abençoai os que vos perseguem; aben-
çoai, e não amaldiçoeis.7 Respeito à lei e às autoridades
15 Alegrai-vos com os que se alegram;
chorai com os que pranteiam.
16 Vivei em concórdia entre vós. Não se-
13 Todos devem sujeitar-se às autori-
dades superiores; porquanto, não,
há autoridade que não venha de Deus;
jais arrogantes, mas adotai um compor- e as que existem foram ordenadas por
tamento humilde para com todos. Não Ele.1
sejais sábios aos vossos próprios olhos. 2 Portanto, quem se recusa a submeter-se
17 A ninguém devolvei mal por mal. à autoridade está se colocando contra o
Procurai proceder corretamente diante que Deus instituiu, e aqueles que assim
de todas as pessoas.8 procedem trazem condenação sobre si
18 Empreendei todos os esforços para mesmos.
viver em paz com todos. 3 Porque os governantes não podem ser
19 Amados, jamais procurai vingar-vos a motivo de temor para os que praticam o
vós mesmos, mas entregai a ira a Deus, bem, mas para os que fazem o mal. Não
pois está escrito: “Minha é a vingança! queres sentir-se ameaçado pela autorida-
Eu retribuirei”, declarou o Senhor. de? Faze o bem, e ela o honrará.
novada por Cristo consegue amar dessa forma. Por ser esse o maior e mais lindo cartão de visitas que um cristão e uma igreja
possam apresentar ao mundo perdido, Satanás não se cansará de atacar essa área na vida pessoal de cada crente e de sua
comunidade (Fp 2.3).
6 O cristão tem em seu coração um tipo de esperança totalmente diferente de todas as demais esperanças. É a “esperança com
certeza” da companhia e redenção de Cristo em sua vida, fato que produz a alegria do salvo (5.5; 8.16-25; 1Pe 1.3-9). Devemos
perseverar com coragem e certeza da vitória, porquanto a aflição (especialmente para o cristão nesse mundo) é uma experiência
inevitável (Jo 16.33). Por isso, o crente deve “viver em oração”, ou seja, “viver conversando com Deus em seu íntimo”, sem a
necessidade de rezas ou mantras repetitivos. Não somente em tempos difíceis, mas diariamente a fim de manter comunhão com
Deus mediante a oração (Lc 18.1; 1Ts 5.17).
7 Paulo está ecoando os ensinos de Jesus Cristo nos evangelhos (Mt 5.39-45; Lc 6.28; 1Ts 5.15; 1Pe 3.9). O cristão tem respon-
sabilidades sociais para com todo o mundo, especialmente com os irmãos de fé (Gl 6.10).
8 Paulo reflete sobre um antigo conceito citado em Pv 3.3-4 na Septuaginta (o AT em grego). O caráter e o comportamento
do cristão nunca deve estar abaixo dos altos padrões morais e éticos dos evangelhos; de outra forma, provocará o desdém e a
zombaria dos incrédulos, prejudicando a boa reputação do Evangelho (2Co 8.21; 1Tm 3.7).
9 É tão difícil viver em paz com nossos semelhantes, que Jesus impetrou uma bênção especial sobre esses heróis (Mt 5.9). Por
isso, no que depender do cristão – ainda que com certos prejuízos – ele deve buscar a paz com todos. Fazer um bem a um inimigo
tem o efeito sobrenatural de depositar brasas incandescentes sobre sua mente e coração, além de aplacar o natural desejo de
vingança e – em muitos casos – poder comunicar de maneira prática e eficaz o Caminho da Salvação (Pv 25.22). Sem dúvida,
a melhor maneira de demonstrar nosso amor por um inimigo é torná-lo num amigo (Mt 5.44). Foi assim que Deus agiu com a
humanidade ao enviar seu Filho para nos salvar (Jo 3.16-17).
Capítulo 13
1 O Império Romano reconheceu o cristianismo como uma seita do judaísmo cerca de uma geração após a morte de Cristo. O ju-
daísmo gozava de certos privilégios éticos e jurídicos por haver sido considerada religio licita pelo dominador romano (At 18.12-17).
Paulo, observando que grande parte das autoridades era, ainda, pagã, preocupou-se em deixar uma instrução escrita para nortear
as relações entre os crentes e as autoridades governamentais. Paulo é claro em declarar que os cristãos devem obedecer às leis do
Estado e viver de maneira respeitável e honesta, inclusive como forma de testemunhar seu amor fraterno a Cristo e ao próximo. Ainda
que as autoridades não sejam cristãs, o crente lhes deve respeito e submissão, pois não pode existir qualquer autoridade que Deus
não lhe tenha permitido tal poder (Jo 19.10-11). Todo governo humano é estabelecido por ordenança divina, e os cristãos, mais do
que todos, devem obedecer às leis, pagar seus impostos e respeitar todas as pessoas em posição de autoridade (v.7 com Mc 12.17).
A única exceção é quando uma autoridade for francamente contrária à consciência cristã. Embora esse assunto não seja tratado
aqui, quando a decisão for obedecer a Deus ou ao Estado, a Palavra é clara em nos orientar a optar sempre pela obediência ao Es-
pírito Santo (At 4.19 e 5.29 com Mc 12.17). Qualquer Estado só pode exigir obediência dentro dos limites pelos quais foi instituído.
4 Pois ela serve a Deus para o teu bem. outro preceito, todos se resumem neste
Mas, se fizerdes o mal, teme, pois
p não é mandamento: “Amarás o teu próximo
sem razão que traz a espada. É serva de como a ti mesmo”.4
Deus, agente da justiça para punir quem 10 O amor não faz o mal contra o próxi-
pratica o mal.2 mo. Portanto, o amor é o cumprimento
5 Portanto, é imprescindível que se- da Lei.
jamos submissos às autoridades, não 11 Fazei desta maneira, discernindo o
apenas devido à possibilidade de uma tempo em que vivemos. Pois que já é
punição, mas também por causa da hora de despertardes do sono; porque
consciência. agora a nossa salvação está mais próxima
6 Por esta razão, igualmente pagais impos- do que quando cremos.5
tos; porque as autoridades estão a serviço 12 A noite vai passando e chegando ao
de Deus, e seu trabalho é zelar continua- seu final; o dia logo alvorecerá. Portanto,
mente pela sociedade. abandonemos as obras das trevas, e re-
7 Dai a cada um o que lhe é devido: se vistamo-nos da armadura da luz.
imposto, imposto; se tributo, tributo; se 13 Vivamos de modo decente, como em
temor, temor; se honra, honra. plena luz do dia, não em orgias e bebe-
deiras, não em imoralidade sexual e de-
O amor no mundo agonizante pravação, não em desavenças e invejas.
8 A ninguém fiqueis devendo coisa al- 14 Ao contrário, revesti-vos do Senhor
guma, a não ser o amor fraterno, com Jesus Cristo; e não fiqueis idealizando
que deveis vos amar uns aos outros, pois como satisfazer os desejos da carne.6
aquele que ama seu próximo tem cum-
prido a Lei.3 Convicção e tolerância cristãs
9 Porquanto os mandamentos: “Não
adulterarás”, “Não matarás”, “Não furta-
rás”, “Não cobiçaras”, bem como qualquer
14 Aceitai o que é fraco na fé, sem a
preocupação de debater assuntos
controvertidos.1
2 Na ordem da providência e soberania divinas, a autoridade é serva de Deus, ainda que não se aperceba dessa verdade (Is
45.1). Os governos e as autoridades foram instituídos por Deus para proteger o povo em geral, especialmente os mais fracos e
pobres, mantendo a ordem. A espada sempre foi um símbolo da autoridade romana nos âmbitos nacional e internacional. Essa
é uma passagem que nos ensina o princípio de empregar a força, quando for necessária, a fim de manter a ordem e proteger
os cidadãos de bem.
3 Paulo não está ensinando que os cristãos não possam pedir algo emprestado. Ele está enfatizando que não devolver o
que se pediu emprestado, não cumprir corretamente com a palavra empenhada ou com um contrato firmado é expressamente
contra a vontade de Deus. Entretanto, devemos sempre nos sentir devedores de amor fraterno para com nossos semelhantes e,
especialmente, em relação aos irmãos de fé, isto é, devemos amar sempre, sob todas as circunstâncias, e estarmos prontos a
transformar esse sentimento em ajuda prática e eficaz (12.10).
4 Jesus nos ensinou que o nosso próximo é qualquer pessoa necessitada, independentemente de raça, cor, sexo, educação,
religião
g ou classe social (Lc ( 10.25-37).) Devemos buscar o maior e o melhor dos dons: o amor fraterno (1Co 13.13) – o mais
importante dos mandamentos (Êx 20.13-17; Dt 5.17-21; Lv 19.18).
5 Nessa parte das Escrituras, bem como em outros trechos do NT, a chegada garantida do final dos tempos (da presente era)
deve ser compreendida, sobretudo, como uma “profecia motivadora”, no sentido de nos deixarmos aperfeiçoar pelo Espírito
Santo e testemunharmos ao mundo tudo o que Jesus Cristo é capaz de realizar no interior do ser humano (Mt 25.31-46; Mc 13.33-
37; Tg 5.7-11; 2Pe 3.11-14). Vivemos numa época sui generis, pois estamos no “tempo da Salvação” ou “época da Graça”. Um
tempo que antecede a consumação do Reino com a volta gloriosa de Cristo, quando haverá a plena realização da nossa salvação
(8.23; Hb 9.28; 1Pe 1.5). E, a cada dia que passa, chegamos mais perto da volta triunfante de Cristo. A noite passando, simboliza
a atual era de perversidade que à medida que se intensifica, mais se aproxima do “dia claro”. Uma citação clássica do ensino
neotestamentário sobre o iminente final dos tempos (Mt 24.33; 1Co 7.29; Fp 4.5; Tg 5.8,9; 1Pe 4.7; 1Jo 2.18).
6 Paulo exorta os crentes a demonstrar ao mundo o milagre que já se realizou no seu íntimo, incluindo a prática de todas as
virtudes associadas à presença atuante do Espírito de Cristo em seus corações. A Igreja de Cristo é a mais poderosa força sobre
a face da terra, e seus membros deveriam se portar como embaixadores do Rei: com humildade, honestidade, sinceridade e amor
fraterno em profusão. Esse é o verdadeiro poder do Espírito em ação.
Capítulo 14
1 Paulo era um cristão espiritualmente emancipado, tanto da tradicional observância da Lei quanto do legalismo judaico-cristão
de sua época. Muitos cristãos judeus que viviam em Roma ainda não estavam dispostos a abrir mão de certas doutrinas da
2 Um crê que pode comer de tudo, e ou- se morremos, é para o Senhor que mor-
tro, cuja fé é fraca, come somente alimen- remos. Sendo assim, quer vivamos ou
tos vegetais.2 morramos, pertencemos ao Senhor.
3 Aquele que come de tudo não deve me- 9 Porquanto foi por este motivo que
nosprezar o que não come, e quem não Cristo morreu e voltou a viver, para
come de tudo não deve condenar quem ser Senhor tanto de vivos quanto de
come; pois Deus o aceitou. mortos.
4 Quem és tu, q que jjulgas
g o servo alheio? 10 Mas, tu, por que julgas teu irmão?
É para o seu senhor que ele está em pé ou Ou tu, igualmente, por que desprezas
cai. E permanecerá em pé, porquanto o teu irmão? Pois todos compareceremos
Senhor é capaz de o sustentar. diante do tribunal de Deus.4
5 Há quem considere um dia mais sagra- 11 Porquanto está escrito: “Por mim mes-
do do que outro; outra pessoa pode en- mo jurei, diz o Senhor, diante de mim
tender que todos os dias são iguais. Cada todo o joelho se dobrará e toda língua
um deve estar absolutamente convicto confessará que Eu Sou Deus”.
em sua própria mente. 12 Deste modo, cada um de nós prestará
6 Aquele que guarda um dia especial, contas de si mesmo a Deus.
para o Senhor assim o considera. Aquele
que se alimenta de carne, o faz para o Motivo de louvor, não de tropeço
Senhor, pois dá graças a Deus; e aquele 13 Portanto, abandonemos o costume
que se abstém, para o Senhor se priva, e de julgar uns aos outros. Em vez disso,
também dá graças a Deus.3 apliquemos nosso coração em não co-
7 Porque nenhum de nós vive exclusiva- locarmos qualquer pedra de tropeço ou
mente para si, e nenhum de nós morre obstáculo no caminho do irmão.
apenas para si mesmo. 14 Como uma pessoa que está no Senhor
8 Se vivemos, para o Senhor vivemos; e, Jesus, tenho plena convicção de que ne-
tradição e exigências do judaísmo: as restrições alimentares, a guarda do sábado com todos os rituais envolvidos e a celebração
de dias especiais com jejuns e oráculos. Esses cristãos judeus e romanos não eram heréticos, como os judaizantes da Galácia,
mas tinham dificuldade em compreender os mandamentos do AT à luz do Evangelho e o início na Nova Aliança, inaugurada
com a morte e ressurreição de Jesus Cristo. A esses cristãos, intransigentes e críticos em relação aos cristãos que estavam
desfrutando abundantemente da Graça, Paulo os chamou de “fracos na fé”, e ensinou a todos nós que o cristão maduro tem uma
fé robusta e um coração amoroso para com todos os seus irmãos. Os cristãos não são exortados à plena unanimidade teológica,
mas à pratica da tolerância e do respeito, orando para que o Espírito Santo ilumine a todos.
2 O cristão “forte” é aquele cuja maturidade espiritual lhe permite a convicção de que a dieta alimentar é um assunto secundário
em relação ao verdadeiro e profundo compromisso de fé com o Espírito de Deus e à proclamação do Evangelho. Entretanto,
um cristão jamais deve rejeitar qualquer outra pessoa que se identifica como cristão. Detalhes doutrinários e aspectos culturais,
raciais e lingüísticos devem contribuir para o crescimento espiritual dos crentes e a evangelização do mundo, e não para a difusão
de questiúnculas, batalhas teológicas inócuas, divisões e tropeços fatais no caminho da fé. O cristão “fraco” não é senhor do
seu irmão “forte”, nem vice-versa. Todos os cristãos são servos do mesmo Senhor e somente a Deus cada crente deve prestar
contas. A palavra grega original usada nessa passagem para descrever o “servo” é oiketes, “doméstico”, e não doulos, “escravo”
(Mt 7.1; Lc 6.37; 1Co 4.3).
3 Paulo faz referência a todos os dias especiais da chamada “lei cerimonial” dos judeus. Para o cristão, todos os dias devem
ser consagrados ao Senhor por meio de um viver santo e serviço piedoso. A motivação das atitudes tanto de “fortes” quanto de
“fracos” deve ser exatamente a mesma: profundo desejo de adorar e servir a Deus com um coração agradecido por tudo o que
o Pai supre e nos permite passar.
4 A expressão grega bema era usada na época de Paulo para designar o palco onde os juízes se posicionavam para
julgar e premiar os atletas olímpicos. Assim será na volta de Cristo, os cristãos (os atletas espirituais) receberão suas coroas
(recompensas) em função das obras que realizaram na terra por amor a Cristo e a seus próximos. Não confundir com o Juízo
dos incrédulos, esses serão julgados para a condenação eterna, pois não aceitaram a justificação em Cristo. Assim como os
competidores olímpicos não tinham o direito de julgar a si mesmos nem a seus colegas, os cristãos não têm o direito de julgar
uns aos outros quanto à forma de expressar a fé. Paulo pergunta aos “fracos”: “Por que julgas teu irmão?” Mas também indaga
aos “fortes”: “Por que desprezas teu irmão?” Ora, todos nós, compareceremos perante o trono de Cristo e daremos conta de
nossas boas obras (2Co 5.10; 1Co 3.10-15).
nhum alimento é por si mesmo ritual- 22 Assim, seja qual for tua doutrina a
mente impuro, a não ser para aquele que respeito destes assuntos, guarda-a com
assim o considera; para esse é impuro.5 convicção entre ti mesmo e Deus. Bem-
15 Se o teu irmão se entristece por causa aventurado aquele que não se condena
do que tu comes, já não estás agindo por naquilo que aprova.
amor fraterno. Não destruas teu irmão 23 Todavia, aquele que tem dúvida é con-
por conta da tua comida, pois Cristo denado se comer, pois não come com fé;
morreu também por ele.6 e tudo o que não provém da fé é pecado!
16 Aquilo que é bom para vós não se tor-
ne motivo de maledicência. Devemos viver em concórdia
17 Porquanto o Reino de Deus não é
comida nem bebida, mas justiça, paz e
alegria no Espírito Santo;7
15 Nós, que somos fortes, temos o
dever de suportar as fraquezas
dos fracos, em vez de agradar a nós
18 Pois quem serve a Cristo desta forma mesmos.1
é agradável a Deus e estimado por todas 2 Portanto, cada um de nós deve agradar
as pessoas. ao próximo, visando o que é bom para o
19 Por isso, esforcemo-nos em promover aperfeiçoamento dele.
tudo quanto conduz à paz e ao aperfei- 3 Pois também Cristo não agradou a si
çoamento mútuo. próprio, mas, como está escrito: “Os in-
20 Não destruas a obra de Deus por causa sultos daqueles que te ofenderam caíram
de comida. Na verdade, todo alimento é sobre mim”.2
puro, mas se torna um mal se alguém vir 4 Porquanto tudo o que foi escrito no pas-
nisso um motivo de escândalo. sado, foi escrito para nos ensinar, de forma
21 É melhor não comer carne, nem beber que, por meio da perseverança e do bom
vinho, nem fazer qualquer outra coisa ânimo provenientes das Escrituras, man-
que leve teu irmão a tropeçar. tenhamos firme a nossa esperança.3
5 Paulo, agora crente, e ecoando as palavras de Jesus (Mc 7.14-23), demonstra que entende o que se passa no coração de
um judeu tradicional e religioso. Mas afirma, com toda segurança, que os antigos tabus sobre alimentação, cerimônias e dias
especiais já não se aplicam à Nova Aliança em Cristo, o Messias (Mt 15.10-20; 1Tm 4.4; Tt 1.15). Paulo não está dizendo que o
pecado é uma questão de opinião pessoal ou consciência subjetiva. As Escrituras e o Espírito Santo são claros ao nos apontar
o que é pecado. Paulo está se referindo ao procedimento mediante o qual os cristãos podem divergir legitimamente, como por
exemplo, se o crente fiel deve seguir alguma espécie de dieta alimentar específica ou não. Esse é o tipo de assunto decidido
livremente por cada cristão, em seu coração, mediante sua fé, em oração diante do Senhor.
6 A maneira mais sábia de se resolver os conflitos (grandes ou pequenos) quanto à expressão da fé e a liberdade cristã é agir
com amor. Cristo deu tanto valor ao “fraco” que decidiu morrer por ele. Certamente, o cristão “forte espiritualmente” poderá
fazer o sacrifício de aceitar pacientemente seu irmão como ele é, na expectativa de que o Espírito Santo, ao seu tempo, faça
a Sua obra.
7 Paulo novamente evoca as palavras de Jesus no Sermão do Monte (Mt 5.6-12) para enfatizar que a proposta do Reino de Deus
não é comida, nem bebida, ou qualquer outro assunto trivial. Entretanto, o interesse de Paulo pela dimensão moral e ética da vida
cristã se destaca em todas as suas cartas. O cristão que aprende a viver de forma consagrada a Deus, dedicado a cooperar com
seus próximos e sem legalismo, experimenta grande paz e alegria produzidas pelo Espírito Santo em seu interior.
Capítulo 15
1 Paulo se identifica com os cristãos “fortes”, aqueles cujas convicções bíblicas em Cristo lhes permite mais liberdade que os
“fracos”. A expressão “suportar” não significa apenas “tolerar”, mas sustentar com amor fraterno e compreensivo. Neste sentido,
“as fraquezas” não se referem a pecados, mas a procedimentos e expressões de fé para as quais não há uma orientação clara e
objetiva nas Escrituras. Antes de o crente pensar em agradar a si mesmo, deve prestar atenção e cooperação às necessidades
dos mais fracos ao seu redor.
2 Jesus Cristo veio para cumprir a vontade do Pai, não a sua. Ele assumiu de tal forma a vontade do Pai que, algumas
vezes, somos levados a pensar que tudo o que ele fez, o fez por sua própria disposição. Sua missão incluiu muito sofrimento,
condenação indevida e até a própria morte sob tortura (Mt 20.28; Mc 10.45; 1Co 10.33 – 11.1; 2Co 8.9; Fp 2.5-8). Ao citar o Sl
69.9, Paulo refere-se a Deus (“te”) e identifica o “sofredor justo” com Cristo (“mim”), pois, voluntariamente, tomou sobre si os
impropérios lançados contra Deus.
3 Ao explicar a aplicação que faz do Sl 69.9, Paulo nos alerta para o fato de que as Escrituras (AT e NT) foram oferecidas à hu-
5 Que Deus, que nos concede perseve- 13 Portanto, que o Deus da esperança vos
rança e encorajamento, dê-lhes também abençoe plenamente com toda a alegria e
a disposição de pensar unanimemente de paz, à medida da vossa fé nele, para que
acordo com Cristo Jesus.4 transbordeis de esperança, pelo poder do
6 Para que com uma mesma convicção e Espírito Santo.
a uma só voz glorifiqueis ao Deus e Pai
de nosso Senhor Jesus Cristo. Paulo, apóstolo para os gentios
7 Portanto, acolhei-vos uns aos outros, 14 Caros irmãos, eu estou pessoalmente
como também Cristo nos aceitou, para convencido de que já estais cheios de
a glória de Deus. bondade e plenamente supridos de toda
8 Afirmo, pois, que Cristo se tornou ser- a sabedoria, sendo, vós mesmos, capazes
vo dos que são da circuncisão, por amor de orientar-vos uns aos outros.
à verdade de Deus, a fim de confirmar as 15 Contudo, a respeito de alguns assun-
promessas feitas aos patriarcas;5 tos, vos escrevi com toda a franqueza,
9 e para que também os gentios glorifi- especialmente com a intenção de tra-
quem a Deus por sua misericórdia, como zê-los uma vez mais à vossa memória,
está escrito: “Por isso, eu te glorificarei e isso, por causa da graça que Deus me
entre os gentios e cantarei louvores ao concedeu,
teu Nome”.6 16 de ser um ministro de Cristo Jesus
10 E diz ainda: “Alegrai-vos, gentios, jun- para os gentios, com o dever sacerdotal
tamente com o seu povo”. de proclamar o Evangelho de Deus, para
11 E mais: “Louvai ao Senhor, todos os que os gentios se tornem uma oferta
gentios, e louvem-no todos os povos”. aceitável a Deus, santificados pelo Espí-
12 E Isaías, enfatizando, declara: “Bro- rito Santo.8
tará da raiz de Jessé, aquele que se 17 Tenho, portanto, razão para me or-
levantará para reinar sobre os gentios; gulhar no Messias Jesus, no serviço que
nele os gentios depositarão toda a sua presto a Deus;
esperança”.7 18 Porque não ousaria falar de assunto
manidade, e, especialmente aos crentes, para nossa instrução e esclarecimento na fé. Ao perseverarmos com paciência, somos
encorajados a mantermos nossa plena confiança (fé) em Jesus Cristo, o Messias (1Co 10.6-11).
4 A disposição de pensar concordemente significa buscar “um mesmo sentir” (a unidade). Não há possibilidade de todos os
crentes pensarem de igual modo, mas é possível – em Cristo – que concordemos em tratar com fraternidade, tolerância e respeito
todas as nossas diferenças. Devemos pensar e tratar os outros, especialmente aos irmãos, indiscriminadamente, da mesma
maneira como Cristo fez conosco (Fp 2.5-8).
5 Jesus Cristo foi enviado por Deus à Terra para salvar prioritariamente aos judeus, conforme as promessas feitas aos patriarcas
Abraão, Isaque, Jacó (Gn 12.1-3; 17.7; 18.19; 22.18; 26.3,4; 28.13-15; 46.2-4). E Jesus limitou o quanto possível seu ministério
ao povo de Deus (Mt 15.24). Entretanto, após a violenta rejeição dos judeus à pessoa de Deus em Jesus, o Messias, as portas
da Salvação, mediante a Graça do Senhor, abriram-se para todos os povos em todo o mundo. A morte e a ressurreição do Filho
de Deus resultou em bênção a todo gentio que crer no sacrifício vicário do Senhor, o que também confirmou as profecias das
Escrituras sobre a oportunidade de salvação de todos os povos da terra.
6 A obra remidora de Deus, em Israel e a favor dos seus descendentes, sempre vislumbrou a salvação dos gentios (Gn 12.3).
Todos os povos do mundo, ao observarem as realizações poderosas e misericordiosas do Deus de Israel em benefício do seu
povo, buscariam adorar e servir a esse Deus único e maravilhoso. Os louvores de Israel a Deus seriam ouvidos por toda a terra
(Sl 9.1; 18.49; 46.10; 47.9).
7 Jessé foi o pai de Davi (1Sm 16.5-13; Mt 1.6), e o Messias profetizado era chamado de “Filho de Davi” (Mt 21.9 com Is 11.1-10
e Ap 5.5). A busca dos gentios por Cristo, realizada pela igreja primitiva – notadamente por Paulo, é o cumprimento dessa profe-
cia, cuja obra se perpetua por meio das contínuas ações evangelizadoras e missionárias da Igreja até os dias de hoje.
8 Paulo usa aqui a mesma linguagem dos antigos sacerdotes judeus para comunicar uma vez mais a perfeita aceitação dos
gentios crentes como filhos de Deus. A palavra “ministro” (em grego leitourgos). No NT, essa expressão sempre denota “serviço
religioso” (liturgia) e, algumas vezes, “serviço sacerdotal” (Em Hb 8.2, por exemplo, Cristo é o valoroso leitourgos do santuário).
A proclamação do Evangelho é “serviço sacerdotal” (nos manuscritos gregos hierourgeo). Os cristãos gentios são a oferta
aceitável a Deus, santificada (quer dizer “limpa”, e não “imunda”, como alegavam os judaizantes) pelo próprio Espírito de Deus
(At 15.8-11).
algum senão expressamente daquilo que cia, e de fato são devedores aos santos de
Cristo tem realizado por meu intermé- Jerusalém. Pois, se os gentios participa-
dio em palavras e ações, com o objetivo ram das bênçãos espirituais dos judeus,
de conduzir os gentios a obedecerem a devem igualmente servir aos judeus com
Deus, seus bens materiais.
19 pelo poder de sinais e maravilhas e 28 Assim, havendo concluído essa missão,
por meio do poder do Espírito Santo; de e me certificado de que receberam esse
modo que desde Jerusalém e arredores, fruto, partirei para a Espanha, passando
até Ilírico, tenho proclamado plenamen- para visitá-los.
te o Evangelho de Cristo.9 29 E bem sei que, quando for visitar-
20 Sempre fiz questão de pregar o vos, irei sob a plenitude da bênção de
Evangelho onde Cristo ainda não era Cristo.
conhecido, de forma que não estivesse 30 Rogo-vos, irmãos, por nosso Senhor
edificando sobre um alicerce elaborado Jesus e pelo amor do Espírito, que luteis
por outra pessoa. juntamente comigo por meio das vossas
21 Entretanto, como está escrito: “Aqueles orações a meu favor diante de Deus,
a quem não foi proclamado, o verão; e os 31 para que eu me livre dos descrentes
que ainda não haviam ouvido, compre- da Judéia e que a ministração que desejo
enderão”. realizar em Jerusalém seja bem recebida
22 É por esse motivo que muitas vezes fui pelos santos,
impedido de chegar até vós. 32 de maneira que, pela vontade de Deus,
eu vos possa visitar com alegria e em
Paulo quer ver os irmãos em Roma vossa companhia desfrute de um perío-
23 Contudo, agora não tenho mais o que do para recuperar as forças.
me detenha nessas regiões, e tenho já 33 Que o Deus de paz seja com todos vós.
há muitos anos grande desejo de visi- Amém.
tar-vos,
24 planejo fazê-lo quando for à Espanha. Saudações e recomendações
Espero visitá-los de passagem e por vós
ser encaminhado à Espanha, logo após
haver desfrutado um pouco da vossa
16 Recomendo-vos a nossa irmã
Febe, que é diaconisa na igreja de
Cencréia.1
comunhão. 2 Peço que a recebais no Senhor, de
25 Nesse momento, todavia, estou ru- modo digno como os santos devem ser
mando para Jerusalém, a serviço dos recebidos e a ajudeis em tudo o que ve-
santos. nha a necessitar, porquanto ela tem pres-
26 Porquanto pareceu bem às igrejas tado grande auxílio para muitas pessoas,
da Macedônia e da Acaia levantar uma inclusive p
para mim.2
oferta fraternal para os pobres dentre os 3 Saudai Priscila e Áquila, meus colabo-
santos de Jerusalém. radores em Cristo Jesus.
27 Tiveram grande alegria nessa assistên- 4 Arriscaram a vida por minha causa,
9 Jerusalém era a cidade da igreja-mãe, onde os discípulos foram revestidos do poder do Espírito Santo para proclamar o
Evangelho, e o ministério da Igreja teve início (At 1.8). Ilírico era uma província romana que ficava ao norte da Macedônia (2Co
2.12,13), região distante onde se localiza a Albânia (antiga Iugoslávia), atualmente.
Capítulo 16
1 Paulo usa a expressão grega diakonon (servo ou ministro), para informar que a irmã Febe realizava seu serviço cristão como
ministério oficial aos membros da igreja em Cencréia (1Tm 3.11). Tudo indica que Febe foi destacada para a missão de levar essa
carta à igreja em Roma.
2 A igreja primitiva tinha o costume de receber com alegria e hospitalidade todo cristão em viagem missionária ou a serviço das
diversas comunidades cristãs. Com o passar do tempo, e o agravamento da delinqüência em todo mundo, as famílias e as igrejas
tiveram que tomar mais cuidado em manter esse hábito de generosidade cristã.
e por isto lhes sou muito grato, e não igualmente empenhou-se com devoção
somente eu, mas todas as igrejas dos à obra no Senhor.
gentios. 13 Saudai Rufo, eleito no Senhor, e sua
5 Saudai igualmente a igreja que se reúne mãe, que tem sido mãe para mim tam-
na casa deles. Saudai meu amado irmão bém.6
Epêneto,
p que
q foi o primeiro
p convertido a 14 Saudai Asíncrito, Flegonte, Hermes,
Cristo na província da Ásia.3 Pátrobas, Hermas e os irmãos que estão
6 Saudai Maria, que trabalhou com todo com eles.
empenho por vós. 15 Saudai Filólogo, Júlia, Nereu e sua
7 Saudai Andrônico e Júnias, meus pa- irmã, assim como Olimpas e todos os
rentes e companheiros de padecimento santos que com eles estão.
na prisão, os quais são dignos de louvor 16 Saudai uns aos outros com um beijo
entre os apóstolos, e estavam em Cristo santo. Todas as igrejas de Cristo vos en-
antes mesmo de mim.4 viam fraternas saudações.7
8 Saudai Amplíato, meu dileto irmão no
Senhor. Cuidado com os falsos servos
9 Saudai Urbano, que é nosso coopera- 17 Rogo-vos, queridos irmãos, que tomem
dor em Cristo, assim como meu amado muito cuidado com aqueles que causam
Estáquis. divisões e levantam obstáculos à doutrina
10 Saudai Apeles, aprovado em Cristo. que aprendestes. Afastai-vos deles!
Saudai os que pertencem à casa de Aris- 18 Porquanto essas pessoas não estão ser-
tóbulo.5 vindo a Cristo, nosso Senhor, mas sim a
11 Saudai Herodião, meu parente. Sau- seus próprios desejos. Mediante palavras
dai os da casa de Narciso, que estão no suaves e bajulação, enganam o coração
Senhor. dos incautos.
12 Saudai Trifena e Trifosa, mulheres que 19 Contudo, todos têm conhecimento da
se dedicam arduamente ao trabalho no vossa obediência, por isso alegro-me sobre-
Senhor. Saudai a estimada Pérside, que maneira; entretanto, quero que sejais sábios
3 Durante o primeiro século, especialmente, a Igreja reunia-se nas casas de seus membros. Priscila e Áquila eram amigos
íntimos de Paulo e durante um tempo trabalharam juntos confeccionando tendas (At 18.2,3). Priscila era uma romana de classe
nobre, casada com Áquila, um judeu da região do Ponto, ambos cristãos cheios do Espírito. Acolhiam uma igreja (grupo de
crentes em Cristo) em sua casa, como anteriormente tinham feito em Éfeso (1Co 16.19) e Corinto (At 18.26). A igreja atual tem
muito a aprender com essa antiga e saudável estratégia missionária.
4 Andrônico e Júnias eram judeus, amigos de Paulo, com quem estiveram presos em Éfeso, por causa da pregação do
Evangelho de Cristo (2Co 11.23). O nome “Júnias”, cuja acentuação no original grego indica nome próprio feminino, tem gerado
algumas dificuldades para aceitá-la como parte do grupo apostólico. Entretanto, Paulo, que a exemplo de Jesus, também
emancipou as mulheres para o serviço cristão, afirma que Andrônico e sua esposa eram crentes exemplares e gozavam de
grande admiração por parte “dos apóstolos”. Estiveram entre os “quinhentos irmãos” que viram o Senhor ressuscitado (1Co
15.6). Portanto, exerciam o “ministério apostólico” como missionários itinerantes, ainda que não fizessem parte oficial do seleto
grupo dos Doze (At 14.4-14; 1Co 12.28; Ef 4.11; 1Ts 2.6,7).
5 Os irmãos Amplíato, Urbano, Estáquis e Apeles tinham nomes de escravos comuns da época, e serviam ao palácio imperial.
No entanto, fazia parte da mesma igreja Aristóbulo, um neto de Herodes, o Grande, irmão de Herodes Agripa.
6 Narciso foi um liberto do imperador Tibério que fez fortuna. Trifena e Trifosa eram irmãs gêmeas que se dedicaram à obra do
Senhor de forma exemplar. Pérside, cujo nome significa “mulher persa” foi uma gentia cristã igualmente notável. Rufo é o mesmo
que fora designado como filho de Simão, o Cireneu (Mc 15.21). Marcos ao escrever para Roma, no ano 60 d.C., usaria Alexandre
e Rufo (membros da igreja em Roma) para identificar Simão, o homem que ajudou a Jesus a carregar a cruz. A expressão “eleito”
tem o sentido de “distinguido” ou “apreciado”. O Simão Niger de At 13.1 seria o mesmo de Mc 15.21 e, portanto, pai de Rufo. O
que faz da mãe de Rufo, mãe sentimental de Paulo. Quando Barnabé procurou Paulo para cooperar no ministério em Antioquia,
ele estava hospedado na casa dos pais de Rufo (At 11.25,26).
7 O beijo santo (1Co 16.20; 2Co 13.12; 1Ts 5.26; 1Pe 5.14) ou ósculo santo corresponde ao “ósculo da paz” que ainda faz parte
da liturgia da Igreja Ortodoxa. Era parte integrante do culto cristão no tempo de Justino, o Mártir (150 d.C.).
em relação a tudo que é bom, mas puros 24 Que a graça de nosso Senhor Jesus
quanto ao que tem aparência maligna. Cristo seja com todos vós. Amém!
20 E, sem demora, o Deus da paz, esmagará
Satanás debaixo dos vossos pés. A graça do Doxologia
nosso Senhor Jesus seja convosco!8 25 Ora, àquele que tem o poder para vos
confirmar, pelo meu Evangelho, segundo
Saudações da equipe de Paulo a proclamação de Jesus Cristo, em con-
21 Timóteo, meu colaborador, envia-vos formidade com a revelação do mistério
saudações, bem como Lúcio, Jasom e oculto nos tempos passados,11
Sosípatro, meus parentes.9 26 porém, agora revelado e trazido ao
22 Eu, Tércio, que redigi esta carta, tam- conhecimento pelas Escrituras proféticas
bém vos saúdo no Senhor. por ordem do Deus eterno, para que to-
23 Gaio, cuja hospitalidade eu e toda a das as nações crendo, venham a obedecer
igreja desfrutamos, vos envia saudações. a Ele pela fé;
Erasto, administrador da cidade, e nos- 27 sim, ao único e sábio Deus seja dada
so querido irmão Quarto também vos Glória, por intermédio de Jesus Cristo,
cumprimenta.10 para todo o sempre. Amém!12
8 Paulo exorta os cristãos a serem mestres do bem e péssimos praticantes do mal. O texto lembra as palavras de Jesus, que
têm a mesma relação de significado entre si (“sábios...puros” com “astutos como as serpentes e inofensivos como as pombas” de
Mt 10.16). Curiosamente, em ambas as passagens, os adjetivos no original grego são os mesmos: sophos e akeraios (1Co 14.20).
O “Deus da paz” é o mesmo título usado na bênção de Rm 15.33. Paulo o utiliza para contrastar com o trabalho de Satanás que é
a dissensão. Todavia, conforme a profecia de Gn 3.15, a semente da mulher – os que pertencem a Cristo – esmagarão a cabeça
do Inimigo de nossas almas para sempre.
9 O nome Lúcio é equivalente a Lucas no manuscrito grego antigo (Cl 4.14; Fm 24; 2Tm 4.11). Portanto, a expressão “meus
parentes”, que significa “judeus como eu”, só se aplicaria a Jasom e a Sópatros (forma abreviada do nome Sosípatro, conforme
At 17.6-9; 20.4,5).
10 Paulo, como a maioria dos mestres judeus, preferia contar com o auxílio de um especialista na arte de escrever (amanuense)
a fim de dar mais velocidade e clareza à exposição do seu discurso em forma escrita. E Tércio, nesse momento, foi o redator da
epístola de Paulo à Igreja em Roma. O nome completo de Gaio era Gaio Tício Justo, homem temente a Deus, que hospedou Paulo
em sua casa em Corinto (At 18.7; 1Co 1.14). Erasto, é o mesmo que no século primeiro pavimentou as ruas da cidade de Corinto.
Arqueólogos descobriram uma pedra dessa época com a seguinte inscrição em latim: “Erasto, comissário de obras públicas,
custeou as despesas dessa pavimentação”. O nome próprio “Quarto” era normalmente dado ao quarto filho de uma família.
11 Paulo não se refere a um evangelho diferente do que foi pregado pelos demais apóstolos, mas sim ao Evangelho conforme
ele o recebeu por meio das revelações diretas do próprio Senhor Jesus (Gl 1.12). Os “tempos passados” se referem à “eternidade
passada” (1Co 2.6-10).
12 O propósito fundamental de Deus é levar o ser humano a render-lhe “Glória”, como seu Pai e Senhor eterno, por meio do
Seu Filho Amado Jesus Cristo, nosso Salvador.
Propósitos
Essa primeira carta dirigida à Igreja em Corinto é eminentemente de ordem prático-doutrinária e
trata de problemas espirituais e morais como se fosse um manual de teologia pastoral.
Alguns membros da casa de Cloé comunicaram a Paulo a respeito do surgimento de fortes
discórdias qque haviam se alastrado de tal forma qque a pprópria p igreja
g j estava se dividindo. Outros
irmãos que foram ter com Paulo em Éfeso, como Estéfanas, Fortunato e Acaico (16.17), trouxeram
relatos perturbadores sobre o procedimento imoral e pagão de alguns membros da igreja (caps. 5
e 6). Devido ao contexto cultural e religioso no qual a cidade vivia, a imoralidade sempre oprimiu os
cristãos de Corinto. Paulo já havia recomendado expressamente que os crentes não deviam voltar
a se envolver com os procedimentos moralmente inconvenientes e impuros, próprios daqueles que
não temem a Deus e seguem a deuses e líderes segundo suas próprias concupiscências (5.9-11).
Contudo, o apóstolo percebe que não foi bem compreendido e, portanto, escreve com maior clareza
ainda, conclamando os verdadeiros crentes a uma ação imediata e drástica contra o pecado e os
rebeldes (5.3-13). Um comitê vindo da liderança da igreja em Corinto trouxe uma carta pedindo as
orientações de Paulo em relação a uma série de assuntos (7.1; 8.1; 12.1; 16.1).
Sendo assim, mesmo considerando os diversos dons espirituais que capacitavam muitos mem-
bros da igreja para o santo e produtivo serviço cristão, os crentes de Corinto eram imaturos, muito
ligados à tradição pagã dos helênicos e aos maus costumes (1.4-7; 3.1-4). Paulo, então, se dispõem
a instruir e restaurar a igreja – a partir da sua liderança – nas suas específicas áreas de fraqueza, cor-
rigindo práticas equivocadas e pecaminosas, como: murmurações e divisões (1.10 – 4.21); todas as
formas de imoralidade (5.1 – 6.20); demandas entre cristãos mediadas por juízes incrédulos (6.1-8);
exageros de comida, bebida e liberdade moral durante a Ceia do Senhor (11.17-34); e falsas con-
cepções teológicas sobre a ressurreição de Cristo (cap.15). Paulo ainda instrui a igreja sobre a coleta
de ofertas em favor dos cristãos que estavam atravessando um terrível período de crise econômica
e financeira em Jerusalém (16.1-4).
Esta carta de Paulo, portanto, tem a preocupação básica de resolver os problemas enfrentados
pelos crentes em Corinto quanto à verdadeira prática cristã, ou seja, em relação à santificação pro-
gressiva de cada crente, mediante o controle absoluto do Espírito Santo, que se expressa através de
uma fé santa e de um caráter santo.
O conteúdo desse documento eclesiástico de Paulo faz todo o sentido nos dias de hoje, na vida diária
dos crentes e nas comunidades modernas. A maior parte das questões enfrentadas pela Igreja em Co-
rinto faz parte do nosso cotidiano e das realidades humanas do século XXI. O capítulo 13 fala da maior
necessidade do homem: o amor. E o capítulo 15 responde: a ressurreição do nosso Salvador.
1 Aqui Paulo volta a usar a expressão “apóstolo” em seu sentido restrito, os que viram e foram comissionados pelo próprio
Jesus ressurreto (Mc 6.30; Hb 3.1). Paulo publica seu título em quase todas as suas cartas (menos em Fp, 1 e 2 Ts e Fm), com
o objetivo de confirmar sua convocação apostólica como arauto de Jesus, autoridade essa que seus opositores procuravam
contestar (2Co 11).
2 Paulo usa a expressão “Igreja de Deus” somente aqui, em At 20.28 e 2Co 1.1. No AT, a expressão equivalente usada é
“Assembléia do Senhor” (Dt 23.1; Nm 16.3; 20.4; 1Cr 28.8).
3 A palavra grega original para “dom” é charisma, e ressalta, em seu significado, que os dons são resultado da graça de Deus e
capacitam os cristãos para ministrar aos membros do Corpo de Cristo e ao mundo perdido. Os crentes receberam a capacidade
de suprir todas as necessidades da Igreja por meio do Espírito Santo (12.7-11; 14.3-17).
4 Paulo garante que a fidelidade de Deus se encarregará de manter os crentes “firmes até o fim” (1Ts 5.24; v.8).
5 Apolo havia realizado um ministério notável em Corinto (At 18.24-28; 19.1). Pedro, cujo nome em grego é Cefas (Jo 1.42),
também era muito querido e respeitado. Entretanto, dizia-se que apenas os cristãos judeus o seguiam. Um outro grupo,
ainda, se arvorava o direito de ser mais cristão do que os outros. Paulo, que não admitia “paulinistas”, admoesta a todos que
abandonem suas “facções religiosas” e se concentrem no fato de que todos os crentes são de Cristo, e a Ele devemos toda
a devoção e obediência. Evidentemente que devemos respeito e carinho aos nossos líderes espirituais e amor fraterno para
com todas as pessoas.
6 A palavra original grega para “poder de Deus” é dunamis (Rm 1.16). Portanto, o Evangelho não tem apenas a capacidade
de instruir e educar, mas o poder de transformar a alma de qualquer ser humano, tornando-o santo em Cristo, por meio da ação
contínua do Espírito Santo (At 1.8).
7 Paulo não está condenando todo o saber secular, mas sim as idéias filosóficas que procuram destronar Deus do comando do
universo e das vidas dos indivíduos na Terra. A citação é extraída de Is 29.14, texto em que Deus condena a política dos “sábios”
de Judá, os quais tentaram negociar um acordo com o Egito ao serem ameaçados pelo rei Senaqueribe, da Assíria. Os cidadãos
de Corinto eram extremamente politizados e dados a questionamentos. Aristides dizia que em todas as ruas de Corinto achava-se
algum suposto sábio, que tinha soluções para todos os problemas do mundo.
8 A expressão “proclamação da mensagem” deriva do significado geral do termo grego original kerigma. A pregação das “boas
notícias” de que Jesus Cristo (o Messias), o Filho de Deus, encarnado, que morreu na cruz do Calvário e ressuscitou para nossa
justificação, santificação e salvação eterna, é simplesmente loucura (insensatez) do ponto de vista de quem está escravizado pelo
sistema de valores deste mundo. É interessante notar que o vocábulo “crêem” está no original grego no tempo presente contínuo
do verbo, o que indica uma fé diária e constante.
9 Deus colocou o mundo todo sob uma grande prova de fé. Os judeus esperavam um Messias com poderes políticos e mili-
tares extraordinários que pudesse colocar Israel sobre todas as nações da terra (Jo 7.31). A bênção de Deus era compreendida
somente a partir da ostentação de símbolos econômicos, políticos e militares (poder e riqueza). Jamais poderiam aceitar alguém
amaldiçoado por Deus (Gl 3.13). Os gregos escarneciam de uma divindade que, a seus olhos, não tinha a sabedoria filosófica e
o poder para salvar a si mesmo da condenação, à morte de cruz. Os romanos tinham certeza de que nenhuma pessoa de boa
reputação seria crucificada, de maneira que era inconcebível que Jesus pudesse ser divino e ao mesmo tempo um criminoso
condenado à pena capital.
10 Deus demonstra sua incomensurável e imarcescível sabedoria ao vir à terra em forma humana, na pessoa do seu Filho, para
pagar a pena universal que condenava todo homem ao eterno afastamento da presença gloriosa do Senhor. Sem a loucura e a
fraqueza da crucificação, não poderia ter havido a sabedoria, o poder da ressurreição e os inumeráveis benefícios decorrentes,
que estão à disposição de todos os crentes (Hb 11.1; Gl 6.14).
11 Os próprios cristãos que moravam em Corinto eram testemunhas vivas de que a salvação não depende de boas ações ou
da qualidade inerente de certas pessoas. Portanto, quando alguém é contemplado com o dom da salvação deve orgulhar-se
(gloriar-se) na misericórdia do Senhor (Jr 9.24).
Capítulo 2
1 Os pregadores e mestres do Evangelho devem dar especial atenção ao conteúdo da mensagem e ao viver sob a direção
do Espírito Santo. A oratória e as técnicas de comunicação são secundárias. A expressão original grega marturion significa
“testemunho”, e transmite aos oradores a idéia de serem testemunhas de Cristo antes de apenas comunicadores. “Cristo
crucificado” é uma síntese da mensagem cristã que deve ser pregada em todo mundo e a todos os povos (15.3,4), cuja exposição
completa está registrada nas diversas passagens do NT.
2 Paulo não está negligenciando o estudo sistemático e dedicado das Escrituras, nem a busca do aperfeiçoamento na arte
de pregar. Suas cartas revelam grande conhecimento em várias áreas do saber, e sua eloqüência ficou evidenciada em seus
vários discursos (At 17.22-31). O que acontece, infelizmente, é que à medida que os cristãos se desenvolvem no conhecimento
teológico, menos se observa demonstrações de piedade e dependência do Espírito em suas vidas. O que o experiente apóstolo
está nos ensinando é que a obra é do Senhor. É o Espírito Santo quem abençoa o pregador cristão para entregar a mensagem
de Deus aos ouvintes, assim como é o mesmo Espírito quem opera na audiência para aplicar as verdades bíblicas em seus
corações. A confiança de Paulo como pregador não dependia da sua capacidade intelectual e retórica, como ocorria com os
comunicadores e filósofos gregos.
3 A expressão grega original teleiois (perfeitos ou aperfeiçoados) refere-se aos cristãos que por meio da experiência com o
Espírito Santo, e às muitas provas, alcançaram sabedoria e maturidade espiritual e, portanto, já não agem com “infantilidade,
espiritual” (Hb 5.13 a 6.3). Ao referir-se aos “poderosos deste século”, Paulo não está falando das potestades demoníacas, mas
dos governantes judaicos e romanos da sua época, bem como das autoridades humanas do nosso tempo, cujo poder é ilusório
e efêmero (2.8; Lc 24.20; At 3.17, 4.27; Mc 1.24,34).
4 Paulo cita o AT com freqüência (está escrito...), a fim de demonstrar o cumprimento da Palavra de Deus em Jesus Cristo.
Aqui, Paulo refere-se a certas passagens de Is 64.4; 65.17; 52.15. O amor não é apenas um sentimento de paixão, mas um
compromisso para a vida toda (Jo 14.21). A grande revelação se refere às verdades do Evangelho todo.
de Deus, pois lhes parecem absurdas; Paulo? Servos por intermédio dos quais
e não são capazes de compreendê-las, viestes a crer, e isto conforme o ministé-
porquanto elas são discernidas espiri- rio que o Senhor concedeu a cada um.2
tualmente. 6 Eu plantei; Apolo regou; mas foi Deus
15 Contudo, aquele que é espiritual quem deu o crescimento.
pode discernir todas as coisas, e ele 7 De forma que nem o que planta nem
mesmo por ninguém é compreendido; o que rega são de alguma importância,
porquanto: mas unicamente Deus, que realiza o
16 “Quem jamais conheceu a mente do crescimento.
Senhor, para que possa instruí-lo?” To- 8 O que planta e o que rega ministram
davia, nós temos a mente de Cristo!5 de acordo com um propósito, e cada um
será premiado segundo o seu próprio
O crente infantil e as dissensões trabalho.
5 O homem “natural” ou “da alma” (no grego original psuchikos) vive em função de um “espírito não regenerado”, ou seja, com-
pletamente inclinado às vontades da terra, do pecado e das trevas. O Espírito Santo em nós, além de dar vida ao nosso espírito,
nos abre a visão ao conceder-nos o poder do discernimento (em grego anakrinetai). Um milagre ocorre, e deixamos de ser apenas
“alma vivente” para ser pneumatikos (no original grego “espiritual”). Ou seja, guiados pelo Espírito Santo (Rm 8.9,14). Entretanto,
o Espírito não age por força, o crente precisa convidá-lo a participar das decisões de sua vida. Quanto mais o cristão dialogar e
entregar o controle de sua vida ao Espírito Santo, tanto mais e maiores experiências do amor e do poder de Deus terá.
Capítulo 3
1 A expressão grega original sarkinois significa “carnais” no sentido de “bebês humanos”. Quando conhecemos a Cristo como
nosso Salvador e Senhor, passamos a ser orientados pelo Espírito Santo, que começa a nos alimentar com “leite”, termo que, no
original, identifica todo o desígnio básico de Deus, ministrado de forma didática e progressiva, até que possamos compreender
(ingerir) princípios mais complexos e de alta doação pessoal ao Senhor e aos nossos semelhantes (At 20.27; Hb 5.12-14; 6.1).
2 Todo ministro da Palavra deve ser diakonoi, ou seja, “servo”. Essa expressão no original grego transmite a idéia de pessoas
tão humildes que, em si mesmas, não têm qualquer poder ou mensagem, e apenas estão a serviço do seu senhor.
3 Paulo tinha um chamado divino para pregar o Evangelho onde ainda não havia sido pregado (At 18.4-11). Apolo tinha o dom
de mestre, gostava de ensinar os membros de uma igreja já implantada, normalmente edificando os novos convertidos que Deus
convocava à salvação por meio da pregação pioneira de Paulo. As duas funções têm igual importância e são complementares
para o cumprimento da vontade de Deus. O “prêmio” (salário ou recompensa) não depende do êxito, do número de salvos ou
igrejas plantadas, mas do trabalho realizado com sinceridade e espírito de adoração ao Senhor. Os crentes são o campo agrícola
de Deus. E o grego é enfático ao repetir que Deus é dono tanto da lavoura, quanto do edifício, nos quais Paulo, Apolo, Pedro e
tantos outros discípulos foram trabalhadores dedicados.
4 O ouro, a prata e vários tipos de pedras preciosas (como o mármore) foram usados na construção dos templos, enquanto
a madeira, feno e palha eram destinados às casas sem grande valor. O primeiro grupo representa o trabalho precioso e aceito
Dia a trará à luz; pois será revelada pelo crito: “Ele apanha os sábios nas próprias
fogo, que provará a qualidade da obra de artimanhas deles”.
cada um.5 20 E mais: “O Senhor conhece os pensa-
14 Se a obra que alguém construiu per- mentos dos sábios, que são elucubrações
manecer, este receberá sua recompensa. vãs”.
15 Se a obra de alguém se queimar, este 21 Portanto, nenhuma pessoa deve se
sofrerá prejuízo; ainda assim, será salvo orgulhar dos homens, porque tudo vos
como alguém que escapa por entre as pertence,
chamas do fogo.6 22 seja Paulo, seja Apolo, seja Pedro, seja
16 Não sabeis que sois santuário de Deus o mundo todo, a vida, a morte; assim
e que o seu Espírito habita em vós? como o presente ou o futuro, tudo o que
17 Se alguma pessoa destruir o santuário existe é vosso,8
de Deus, este o destruirá; pois o santuá- 23 e vós sois de Cristo, e Cristo de Deus!9
rio de Deus, que sois vós, é sagrado.7
Ministros de Deus
A sabedoria humana é loucura
18 Ninguém se iluda: se qualquer pessoa
entre vós se considera sábia de acordo
4 Portanto, todas as pessoas devem nos
considerar servos de Cristo encarre-
gados dos mistérios de Deus.1
com os padrões deste nosso tempo, 2 Além disso, o que se requer de todos
então é melhor tornar-se insensata para aqueles que têm essa responsabilidade é
alcançar a sabedoria. que vivam fielmente.
19 Porquanto a sabedoria deste mundo é 3 Quanto a mim, pouco me importa
loucura aos olhos de Deus. Pois está es- ser julgado por vós, ou por qualquer
por Deus como oferta suave e agradável que suportará os testes do Juízo divino; simbolizam a doutrina e a vida cristã puras e
saudáveis. O segundo grupo significa o trabalho realizado sem sinceridade e pureza de coração, apenas como uma atividade
profissional sem qualquer compromisso ético e moral com Deus e com as pessoas; simboliza doutrina e vida cristã insípidas e
distantes dos princípios básicos da Palavra de Deus.
5 O juízo divino testará com fogo a qualidade espiritual das obras realizadas. O trabalho de alguns crentes resistirá à prova,
como metais caros e pedras preciosas, porém, outros verão suas obras serem consumidas pelo fogo como se fossem de palha
seca. Essa forte ilustração usada por Paulo tem o propósito de ressaltar a importância de se pregar, ensinar e viver a Palavra de
Deus sem subterfúgios, manipulações ou intenções reprováveis (4.5; 2Co 5.10).
6 Recompensa, salário ou galardão (Ap 22.12; Lc 19.16-19). Paulo usa uma expressão proverbial muito comum entre os gregos
da época e que tinha o sentido geral de “escapando por um triz”, para explicar que toda a obra desse cristão insincero e negli-
gente será queimada pelo fogo da justiça de Deus.
7 O termo grego original correspondente à palavra “santuário” é naos. E era um somente, no qual também existia o chamado
“lugar santíssimo”. Era um costume pagão acreditar que seus deuses moravam dentro dos seus muitos templos, por isso a pro-
fusão de imagens e esculturas. Entretanto, o Deus de Israel tinha em seu templo em Jerusalém apenas um símbolo da presença
divina, porquanto o Espírito de Deus habita o Templo que é a Igreja Universal que se manifesta nas igrejas locais. A penalidade
para a profanação do templo era a exclusão ou a morte (Nm 19.20; Lv 15.31). Paulo aqui se refere a pessoas que profanam a
igreja local por meio de divisões e dissensões (1.11-12).
8 Todos os ministros e líderes cristãos não são absolutamente autônomos; todos pertencem a uma única Igreja Unida em Cristo
com o principal propósito de serví-la enquanto servem ao Senhor. Nenhum grupo cristão pode considerar-se dono exclusivo de
um determinado líder, nem tampouco qualquer líder pode atrever-se a ser dono da igreja ou de seus membros. O mundo (em
grego kosmos), ou seja, o universo físico, incluindo todo o verdadeiro e saudável conhecimento secular pertence aos crentes
(15.54-57).
9 Paulo explica essa relação de propriedade, destacando que os crentes estão unidos a Cristo e pertencem a Ele. Cristo está
unido a Deus, o Pai (Jo 10.30), e com Deus, o Espírito Santo (2Co 13.14). De maneira que, semelhantemente, todos os cristãos
sinceros estão em união com os verdadeiros líderes espirituais da Igreja e com Cristo, que, por sua vez, está em união com as
demais pessoas da trindade. Cristo é igual a Deus, mas, como Filho e homem, é perfeitamente submisso ao Pai.
Capítulo 4
1 A palavra grega huperetas, aqui traduzida por “servos” tem o sentido de “subordinado ou mordomo”, enquanto a expressão
grega oikonomos, aqui traduzida por “encarregados”, quer dizer “despenseiros ou responsáveis”. Isso significa que “os servos”
do Senhor são como “supervisores” espirituais daqueles que se fizeram “escravos” de Cristo e administradores dos bens de
Deus, ou seja, da Sua Palavra e mistérios (sabedoria e poderes divinos encobertos ao mundo, mas revelados aos discípulos de
Cristo – Rm 11.25).
tribunal humano; em verdade, nem eu mundo, tanto diante de anjos como dos
tampouco julgo a mim mesmo. seres humanos.
4 Porquanto, ainda que esteja consciente 10 Nós somos loucos por causa de Cristo,
de que nada há contra mim, nem por todavia vós sois os sábios em Cristo! Nós
isso me justifico, pois quem julga é o somos os fracos por causa de Cristo,
Senhor.2 mas vós sois fortes! Vós sois respeitados,
5 Assim, nada julgueis antes da hora de- contudo, nós somos desprezados!
vida; aguardai até que venha o Senhor, o 11 Até hoje, estamos passando fome, sede
qual não somente trará à luz o que está e necessidade de roupas; somos afronta-
em oculto nas trevas, mas igualmente dos e esbofeteados, e não temos morada
manifestará as intenções dos corações. certa.
Então, nesse momento, cada pessoa rece- 12 Nos afadigamos de trabalhar ardua-
berá de Deus a sua recompensa.3 mente com as próprias mãos. Quando
somos ofendidos, abençoamos; quando
Advertência contra a arrogância perseguidos, não revidamos;
6 Irmãos, apliquei essas verdades a mim 13 quando caluniados, respondemos fra-
e a Apolo por amor de vós, para que ternalmente. Até esse momento, somos
por nosso intermédio aprendais a não considerados a escória da humanidade,
ir além do que está escrito, de maneira o lixo do mundo.5
que nenhum de vós se encha de orgulho
a favor de um contra o outro.4 Admoestação de pai espiritual
7 Pois, quem é que te faz destacado em 14 Não vos escrevo dessa forma com a in-
relação aos demais? E o que tens que não tenção de vos envergonhar, mas para vos
tenhas recebido? E, se o recebeste, então advertir, como a meus filhos amados.
qual o motivo do teu orgulho, como se 15 Pois, ainda que venhais a ter dez mil
não o tiveras ganho? tutores em Cristo, não teríeis, entretanto,
8 Já tendes tudo o que desejais! Já estais muitos pais. Porquanto em Cristo Jesus
ricos! Conseguistes vos tornar reis, e isso, eu mesmo os gerei por intermédio do
sem nós! Quisera muito eu que verda- Evangelho.6
deiramente reinásseis, para que também 16 Sendo assim, suplico-vos que sejam
nós reinássemos convosco! meus imitadores.
9 Porquanto a mim parece que Deus nos 17 Por esse motivo, vos estou enviando
colocou a nós, os apóstolos, em último Timóteo, meu filho amado e fiel no
lugar, como condenados à morte; pois Senhor, o qual vos trará à lembrança o
viemos a ser como um espetáculo para o modo como vivo em Cristo Jesus, em
2 A expressão grega anakrinõ (“julgado”) significa um exame ou análise crítica que se faz antes do julgamento final. Paulo se
sentia “justificado” em relação à obra que realizava. Quanto à sua salvação, contudo, a “justificação” é dom de Deus mediante
a fé (Rm 5.1).
3 A “hora devida” tem a ver com o Dia em que Deus julgará os crentes (3.13), manifestará as mais profundas intenções do
coração (Sl 19.12; 139.23,24; Rm 2.16; Hb 4.12,13) e concederá galardões aos fiéis (15.58; Hb 6.10).
4 Os antigos e sábios rabinos gostavam de citar um provérbio: “Não ultrapasses o que está escrito” (Jr 9.24; Is 5.21; Sl
94.11). Devemos ter um conceito da humanidade a partir das Escrituras (4.18,19; 5.2; 8.1; 13.4), considerando as limitações
do ser humano caído (Gn 3), e lembrando que a arrogância (altivez, orgulho, soberba, empáfia) é a principal causa dos
desentendimentos, divórcios e divisões.
5 Paulo escreve de Éfeso (15.32; 16.8,9), e faz questão de mencionar que trabalhou duramente (fabricando tendas – At 18.3;
20.34,35; 1Co 9.6,18) com o objetivo de não depender financeiramente de ninguém para ensinar o Evangelho. Paulo pagou para
abençoar e pregar a Salvação, e recebeu injúrias e perseguições, sem revidar ou vingar-se (Mt 5.44). Os gregos desprezavam
qualquer trabalho manual e o relegavam aos escravos (1Ts 2.9; 2Ts 3.8).
6 Todo pai deve estabelecer limites para seus filhos e admoestá-los, sempre que necessário, perseverantemente em amor
(Ef 6.4). Paulo usa a expressão grega “paidagogos”, aqui traduzida por “tutores”, pois se referia ao serviço de alguns escravos,
encarregados de acompanhar os rapazes até à escola e supervisionarem seu aprendizado e educação (Gl 3.24). Paulo usa o
direito de um pai fiel ao Senhor para pedir que seus filhos imitem seu comportamento e caráter (11.1; 1Ts 1.6).
7 O Reino de Deus se estabelece na vida de todos aqueles que têm um encontro verdadeiro e profundo com a fé em Jesus
Cristo, recebem a presença do Espírito Santo em suas vidas e passam a trabalhar com a Igreja (os santos) na proclamação da
glória do Senhor, com humildade e caráter cristãos (Jo 3.3-8; 2Co 5.17). Neste sentido, as palavras fúteis e vazias se contrapõem
ao poder autêntico do Espírito Santo.
8 Como pai espiritual de todos aqueles “adolescentes espirituais” em Cristo, que formavam a igreja de Corinto naquela época,
Paulo os adverte figuradamente sobre a possibilidade de ter de usar sua autoridade apostólica (“a vara da disciplina”) para
repreendê-los e ensiná-los a se manter no verdadeiro Caminho do Senhor (2Co 10.8; 13.10).
Capítulo 5
1 A expressão grega porneia, aqui traduzida por “imoralidade”, significa todo o tipo de impureza moral e indecência. O incesto
era expressamente contra a Lei judaica (Lv 18.7,8; 27.20; Am 2.7) e abominável entre os romanos. O antigo orador Cícero decla-
rou que tal ato era desconhecido na sociedade romana de sua época. O texto de Paulo faz supor que a mulher não se tratava
da mãe biológica do homem em questão, ainda assim uma atitude repugnante mesmo para aqueles que não criam em Deus
(os pagãos).
2 Paulo já havia advertido a igreja em Corinto (v.9) que os crentes devem buscar e andar em santidade, pois esse é o caráter
dos cristãos e seu testemunho ao mundo. Entretanto, neste caso, como não houve qualquer manifestação de arrependimento e,
além disso, muitos ainda se portavam com arrogância, afrontando a Palavra, Paulo manda, em nome de Jesus Cristo, que seja
executada a sentença pública (perante toda a igreja) de excomunhão daquele cristão faltoso, renitente e presunçoso. Um ato
formal e solene deveria marcar a exclusão do impenitente (excomungar da igreja – Jo 9.22) da comunhão e do convívio fraterno
dos crentes (nossa família em Cristo), e decretar sua devolução ao reino das trevas (sistema mundial), onde Satanás reina com
toda a sorte de crueldades e depravações. Essa sentença vigorava até que o cristão rebelde se arrependesse dos seus maus atos
e pecados contra o Senhor e Sua Igreja e rogasse por sua reintegração à comunhão dos santos. Entretanto, algumas vezes, era
necessário que tais pessoas sofressem aflições espirituais, psicológicas e físicas até que compreendessem o valor e a bênção
de viver guardados e dirigidos pelo Espírito Santo. Mesmo pessoas que jamais se arrependem claramente, nem voltam ao bom
senso espiritual, poderão ser salvas no último dia, por haverem, um dia, aceito ao Senhor e se tornado cristãs. Portanto, esse
julgamento final não pertence à Igreja (Ef 2.12; Cl 1.13; 1Jo 5.19).
3 Paulo repete uma metáfora muito usada por Jesus para evidenciar que os cristãos são, posicionalmente, santos (santificados
por Cristo) e, portanto, os devem ser também no procedimento diário; puros, como a massa dos pães sem fermento (levedura),
oferecidos como alimento durante a Festa da Páscoa (Êx 12.15). Nas Escrituras, em geral, o fermento simboliza o mal ou o
pecado (Mc 8.15), que penetra na alma humana, azeda e se desenvolve (cresce), contaminando todo o corpo. A Igreja deve estar
atenta e, com amor e firmeza, livrar-se do fermento do pecado, pois é nova massa, composta de novas criaturas em Cristo (2Co
5.17). Cristo é nosso Cordeiro Pascal. Em sua morte expiatória na cruz do Calvário cumpriu completamente – e de uma vez por
todas – as demandas da Lei quanto à instituição do sacrifício judaico do cordeiro pascal (Is 53.7; Jo 1.29). O Cristo, o Cordeiro de
Deus, foi crucificado no exato Dia da Páscoa, celebração anual que começava no entardecer do dia anterior, quando se realizava
a cerimônia familiar e comunitária da refeição da Páscoa (Êx 12.8).
4 É função da Igreja orar, orientar e buscar a reconciliação do pecador com Deus. A disciplina na igreja não deve ser uma
atitude intempestiva ou despótica, mas um processo amoroso e justo com vistas a recuperar o faltoso à plena comunhão com
Cristo e com os santos (crentes) da igreja. O primeiro passo desse processo, quase sempre, é o mais negligenciado – o que traz
graves conseqüências – e consiste na busca de um diálogo particular e conciliador entre a pessoa que se sente ofendida e o
suposto ofensor (Mt 18.15-18). Todavia, não cabe à Igreja julgar o mundo e os incrédulos, pois esse papel é da responsabilidade
das autoridades governamentais constituídas em suas várias instâncias (Rm 13.1-5), cujo julgamento final e eterno será decidido
por Deus (Ap 20.11-15).
Capítulo 6
1 Paulo usa o termo “santos” não exatamente como “perfeição do caráter moral”, mas como “nossa posição em Cristo diante
de Deus”. Na época de Paulo, os assuntos criminais e de estado eram julgados conforme a lei romana, que concedia aos judeus
o direito de ajuizar seus próprios litígios, princípio que deve ser respeitado pelos cristãos de hoje (Rm 13.3,4). Entretanto, diversas
causas judiciais sobre bens materiais, morais e éticos entre cristãos devem ser julgados e resolvidos pelos próprios crentes por
amor, fé e temor a Deus. Uma vez que o materialismo e o maquiavelismo do sucesso tenta dominar a seara da Igreja, o exemplo
de cristãos, chegando a bom termo em suas demandas judiciais, seria um maravilhoso testemunho para o mundo todo.
2 Paulo lembra aos crentes que o mundo e os anjos (Sl 8.6; Hb 2.5-9; 2Pe 2.4,9; Jd 6) serão julgados por eles no governo futuro
que terão com Cristo (Mt 19.28; 2Tm 2.12; Ap 5.10; 20.4). Considerando que o Espírito Santo habita a vida do cristão sincero hoje,
isso lhe dá uma visão ampla e a perspectiva divina sobre assuntos que envolvem ética e moral, podendo julgar com sabedoria
suas próprias causas, e não necessitando passar pela humilhação de submeter-se ao juízo de pessoas que não têm a mente de
Cristo, nem confiam na Palavra de Deus.
9 Não sabeis que os injustos não herdarão 13 Os alimentos são para o estômago e
o Reino de Deus? Não vos deixem enga- o estômago, para os alimentos. Deus,
nar: nem imorais, nem idólatras, nem no entanto, destruirá tanto um quanto
adúlteros, nem os que se entregam a prá- o outro. Mas o corpo não é para servir
ticas homossexuais de qualquer espécie, à imoralidade, e sim para o Senhor; e o
10 nem ladrões, nem avarentos, nem Senhor, para o corpo.5
viciados em álcool ou outras drogas, 14 Por seu poder, Deus ressuscitou o Se-
nem caluniadores, nem estelionatários nhor e, igualmente, nos ressuscitará.
herdarão o Reino de Deus.3 15 Não sabeis que os vossos corpos são
11 Assim fostes alguns de vós. Contudo, membros de Cristo? Tomarei eu os
vós fostes lavados, santificados e justifi- membros de Cristo e os unirei a uma
cados em o Nome do Senhor Jesus Cristo prostituta? De forma alguma!
e no Espírito Santo do nosso Deus! 16 Ou não é de vosso conhecimento que
quem se une a uma prostituta torna-se
Nosso corpo é santuário de Deus um corpo com ela? Porquanto está escri-
12 Todas as coisas me são permitidas, to: “Os dois serão uma só carne”.6
mas nem todas são saudáveis. Tudo me é 17 Entretanto, aquele que se une ao Se-
lícito realizar, mas eu não permitirei que nhor é um só espírito com Ele!
nada me domine.4 18 Fugi, portanto, da imoralidade sexual.
3 O Reino de Deus é herdado mediante o novo nascimento em Cristo (Jo 3.3-5; Mt 5.1; Rm 4.13). Toda pessoa que
verdadeiramente recebeu o Espírito Santo em seu coração tem a mente de Cristo e será controlada por Deus em seus
pensamentos, motivações e realizações. Essa não é uma tarefa fácil nem automática, porquanto Deus não priva o ser humano
do livre arbítrio que lhe concedeu. O “Eu” humano luta contra o Espírito de Deus, pois ambos caminham em direções opostas
(Rm 7.19). No entanto, a vitória do cristão sobre suas próprias inclinações naturais é certa (1Co 15.57). Cabe ao crente entregar-
se em plena confiança aos cuidados do Senhor e experimentar o poder de Deus na transformação de seus traços nocivos de
caráter e personalidade. Não há nada que a presença de Cristo não possa curar ou mudar para melhor. A razão básica de todo
pecado e atitude contrária aos padrões morais e santos de Deus é a idolatria. Uma pessoa sempre se submeterá com prazer ao
seu maior amor. Se nosso maior e mais importante amor não for o Senhor, seremos idólatras e, de alguma forma, passaremos a
servir ao deus que escolhemos. Paulo fala de todo o tipo de imoralidade e coloca, no mesmo nível, os homossexuais, adúlteros,
mentirosos, viciados, de forma geral, enganadores e fofoqueiros. Cada um desses grupos cultua um deus particular e precisa se
converter dos seus maus caminhos (1Rs 8.35,47; 2Cr 6.24,26; 7.14; 30.9; Ne 1.9; Jr 18.8,11; Lc 1.16; At 3.19; 14.15; 26.18; 28.27;
1Pe 2.25). Não é de hoje que a sociedade é tentada a levar as pessoas à imoralidade sexual e ao “deus do prazer” (hedonismo e
egocentrismo). Os antigos gregos pagãos já difundiam a idéia de um “terceiro sexo”, uma mistura entre os atributos masculinos e
femininos que dariam origem a um “homem mais sensível e amável” e a uma “mulher mais racional e competitiva”, personalidades
altamente requeridas pelo mercado capitalista e difundidas pela mídia em todo o mundo atual. No templo de Afrodite em Corinto,
a prostituição fazia parte do culto pagão, o que conferia a esse pecado um tom de mistério e certa divinização, bem ao gosto
dos hipócritas que sempre buscam uma boa justificativa para seus atos egoístas e contrários à vontade de Deus (Rm 1.16-
32). Parentes, amigos e a Igreja devem orar a Deus especialmente pela conversão dessas pessoas, que certamente sofrem
escravizadas pelo Diabo. Orientar sempre com paciência, firmeza e amor; jamais esquecendo, entretanto, que a conversão é um
dom de Deus a seu tempo, nós – como crentes - somente podemos testemunhar da graça que já recebemos.
4 Os gregos sempre se consideraram semideuses, especialmente em Corinto, a maior e mais cosmopolita das cidades gregas
na época de Paulo. Assim, a liberdade para os gregos era parte do fato de se acharem “filhos dos deuses”. Era comum dizerem:
“tudo me é lícito!”, numa demonstração de certa arrogância. Paulo, entretanto, complementa o pensamento com uma frase de
grande sabedoria, bem ao estilo grego: “mas nem tudo é realmente proveitoso ou útil”. Um direito transforma-se num erro (peca-
do) se prejudica – de alguma forma – outra pessoa ou a nós mesmos.
5 O destino final e glorioso para nosso corpo é ser absolutamente transformado (15.42; Rm 8.11). Paulo destaca que tudo nessa
vida é transitório, tanto o corpo quanto os alimentos; entretanto, alerta para a necessidade de darmos muita importância ao que
fazemos por meio do corpo; que não é para ser usado como um parque de diversões sexuais, mas como elemento fundamental
de uma celebração de compromisso, prazer e fidelidade entre duas pessoas que se casam para se amarem por toda a vida (Hb
13.4). Muitos casais têm sérios problemas conjugais por levarem para dentro de seus lares fantasias sexuais promovidas pela
mídia e por um sistema mercantilista cada vez mais agressivo, pois um mundo desestruturado e sem limites é mais consumista
e lucrativo para alguns.
6 Paulo ressalta o grande valor que Deus atribui ao corpo humano, especialmente dos salvos, e, por isso, cita o fato de Deus
haver ressuscitado o corpo de Cristo e, em futuro iminente, os corpos de todos os crentes (15.51-53; 1Ts 4.16,17). Um corpo
destinado à ressurreição não deve se autodestruir pela compulsão sexual, drogas, desregramentos alimentares, autoflagelos,
amarguras, iras e maledicências de todos os tipos (Ef 4.26; Fl 3; 1Tm 3.2,11).
Qualquer outro pecado que uma pessoa seu próprio corpo, mas, sim, o marido.
comete, fora do corpo os comete; toda- Da mesma maneira, o marido não tem
via, quem peca sexualmente, peca contra autoridade sobre o seu próprio corpo,
o seu próprio corpo.7 mas, sim, a esposa.
19 Ou ainda não entendeis que o vosso 5 Portanto, não vos negueis um ao outro,
corpo é santuário do Espírito Santo, que exceto por mútuo consentimento, e apenas
habita em vós, o qual tendes da parte de durante algum tempo, a fim de vos consa-
Deus, e que não pertenceis a vós mes- grardes à oração. Logo em seguida, uni-vos
mos? novamente, para que Satanás não vos tente
20 Pois fostes comprados por alto preço; por causa da vossa falta de controle.3
portanto, glorificai a Deus no vosso pró- 6 Entretanto, prego isso como concessão
prio corpo.8 e não como mandamento.
7 Porquanto gostaria que todos os ho-
Princípios sobre a vida conjugal mens estivessem na mesma condição em
7 A expressão grega original kollõmenos significa um tipo de união perene, leal e capaz de resistir às diversidades da vida e
aos desgastes do tempo (Mt 19.5; Mc 10.8; Ef 5.31). A melhor saída para os momentos de tentação sexual é “fugir”. A expressão
imperativa em grego, nesse caso, traz a seguinte idéia: “cultivem o hábito de fugir sempre” (Gn 39.12; 2Tm 2.22; 1Ts 4.3), pois a
imoralidade sexual pode destruir o templo de Deus. Não é possível adorar ao Senhor por meio de um templo profanado. Paulo
aproveita para advertir os gregos quanto as práticas sexuais das sacerdotisas de Afrodite em Corinto (3.17).
8 O cristão deve aprender a valorizar seu corpo como lugar sagrado em que Deus reside, e conscientizar-se de que, por
intermédio da presença amorosa e poderosa do Espírito Santo, tem à sua disposição todos os recursos para livrar-se de qualquer
escravização ou engano pecaminoso, e se transformar em Pedra Viva para a glória de Deus (Rm 8.5-11; 1Pe 2.9; 1Jo 1.9; Rm
6.12,13; Cl 3.17).
Capítulo 7
1 Os coríntios tinham o costume de fazer perguntas embaraçosas a Paulo (7.25; 8.1; 12.1; 16.1,12). Paulo sempre se pronunciou
favorável ao casamento e à vida familiar conforme a vontade de Deus (Ef 5.22-33; Cl 3.18,19; 1Tm 3.2,12; 5.14). Ensinou que o
celibato é dom de Deus e uma decisão absolutamente pessoal. Quando grupos auto-intitulados cristãos começassem a proibir o
casamento, este seria um sinal do início da apostasia que marcaria o final dos tempos (1Tm 4.1-3).
2 Os cônjuges têm direitos e deveres em função do ideal de desenvolverem uma família sadia e um lar harmonioso. Neste
sentido, o amor sexual é uma dívida mútua, não um favor ou obrigação contratual. É a expressão de uma vida de compromisso
amoroso, fidelidade e respeito, ou seja, amor conjugal. A idéia de que a abstenção sexual é mais santa tem sua origem no
paganismo (1Pe 3.7; Hb 13.4).
3 Deus criou a maioria dos homens e mulheres com grande disposição natural para o relacionamento sexual (libido), acentu-
adamente durante a juventude. O casamento oferece aos cônjuges a correta motivação e o perfeito ambiente para a satisfação
física e emocional do amor erótico. A abstenção temporária, com consentimento mútuo e tendo em vista alguma finalidade
proveitosa, é plenamente compreensível e aceitável (como uma espécie de jejum), pois a vida conjugal não se limita ao relacio-
namento sexual (Ec 3.5; Jl 2.16).
4 Embora o casamento faça parte da vontade de Deus para a humanidade, não é obrigatório, especialmente considerando as
circunstâncias culturais, sociais e religiosas pelas quais passavam os coríntios naquele momento. Paulo preferiu o celibato por
boas e pessoais razões (29, 32, 35), e porque tinha o “dom” (em grego charisma) de viver solteiro, o qual inclui efetivo controle
sobre o apetite sexual e uma grande apreciação por um estilo de vida totalmente independente. O casamento também exige um
“dom” específico (Mt 5.32; 19.10-12; Mc 10.2-12; Lc 16.18).
10 Todavia, ordeno aos casados, não eu, 18 Foi alguém chamado sendo já circun-
mas o Senhor: Que a esposa não se sepa- cidado? Não se preocupe em desfazer sua
re do marido. circuncisão. Foi alguém chamado sendo
11 Se, porém, ela se separar, que não se incircunciso? Não se deixe circuncidar!
case, ou que se reconcilie com o seu ma- 19 A circuncisão em si não faz o menor
rido. E que o marido não se divorcie da sentido e a incircuncisão também não
sua esposa. significa nada; o que realmente importa
12 A todos os demais, eu particularmente, é obedecer aos mandamentos de Deus.6
não o Senhor, vos digo: Se algum irmão 20 Cada um deve permanecer na condi-
tem mulher descrente, e esta se dispõe a ção em que foi chamado por Deus.
viver com ele, não se divorcie dela. 21 Foste chamado sendo escravo? Não te
13 Da mesma forma, se uma mulher tem preocupes com isso. Mas se ainda podes
marido incrédulo, mas este consente em conseguir tua liberdade, aproveita a
viver com ela, não se separe dele. oportunidade.
14 Porquanto o marido descrente é san- 22 Pois aquele que, sendo escravo, foi
tificado por causa da esposa cristã; e a chamado pelo Senhor, é liberto e perten-
esposa incrédula é santificada por causa ce ao Senhor; e da mesma forma, aquele
do marido crente. Se assim não fosse, que era livre quando foi chamado, agora
seus filhos seriam impuros, mas agora é escravo de Cristo.
são santificados. 23 Fostes comprados pelo mais elevado pre-
15 No entanto, se o incrédulo decidir ço; não vos torneis escravos de homens!
separar-se, que se separe. Em tais cir- 24 Portanto, irmãos, cada um deve per-
cunstâncias, nem o irmão nem a irmã manecer diante de Deus na condição em
estão sujeitos à servidão; pois Deus nos que foi chamado.7
chamou para vivermos em paz.
16 Porquanto, como podeis saber, ó mu- Solteiros ou casados: consagrem-se!
lher, se salvarás teu marido? Ou, como 25 Quanto aos solteiros, não tenho man-
sabes, ó homem, se salvarás tua mulher?5 damento específico do Senhor. Dou, no
entanto, meu parecer como um homem
Cada um viva conforme seu chamado que, pela misericórdia do Senhor, tem
17 Contudo, cada um prossiga vivendo na vivido em fidelidade.
condição que o Senhor lhe determinou, 26 Considero, portanto, que é saudável,
e em conformidade com o chamado de devido aos problemas deste momento,
Deus. É isso que ordeno em todas as que a pessoa permaneça em sua atual
igrejas! condição.
5 Paulo está falando de casais que já estavam casados quando um deles aceitou a Cristo como Salvador e Senhor. O cônjuge
descrente é influenciado diretamente pelo Espírito Santo que agora habita no coração do cônjuge cristão, especialmente quando
este age de acordo com a vontade de Deus (1Pe 3.1). Os filhos pertencem à comunidade cristã (Igreja). Essa é uma bênção geral
e funciona de forma similar à bênção outorgada por Deus a Israel, onde todos gozavam de certos benefícios especiais do Senhor,
apesar de muitos não serem salvos e fiéis (10.1-5). O crente deve fazer todo o possível para preservar seu casamento. Se, ainda
assim, o cônjuge descrente decidir abandonar o crente, numa reação contra o Evangelho, o cristão fica livre da obrigação de
continuar casado, pois deve haver paz no lar do crente (Lc 12.51; 14.26; 21.16).
6 Os cristãos judeus não devem preocupar-se em eliminar fisicamente o fato de serem judeus, assim como, os gentios não
devem ceder às pressões judaizantes a favor da circuncisão e da guarda de leis e costumes legalistas (At 15.1-5; Gl 5.1-3). O que
importa na vida é a obediência a Cristo, pois comprova a realidade da existência do amor e da fé. A fé não anula a obediência,
mas sim a confirma.
7 No Império Romano, era comum os nobres presentearem seus escravos com a liberdade por algum serviço prestado ou ato
notável. Paulo está ensinando que o crente deve viver satisfeito onde está e com o que tem. Essa é uma maneira de testemunhar
nossa fé em Cristo em qualquer fase ou circunstância da vida. Entretanto, sempre que for possível, não perder a oportunidade
de buscar o sucesso e a liberdade (econômica, financeira, política e social), pois já temos a mais importante das liberdades em
Jesus: a espiritual.
27 Estás casado? Não procures separação. 35 Estou dizendo isso para o vosso maior
Estás solteiro? Não procures casamento. benefício, não para restringir vossa li-
28 Todavia, se te casares, com essa atitu- berdade, mas para que possais viver de
de não pecas; da mesma forma, se uma maneira honrada, em plena consagração
virgem vier a se casar, também por isso ao Senhor.
não comete pecado. Contudo, aqueles 36 Mas, se alguém julgar que está agindo
que se casam enfrentarão uma série de de forma desonrosa perante sua noiva,
dificuldades nessa vida, e eu gostaria de se ela estiver passando da idade, crendo
poupá-los disso. que deve se casar, faça como entender
29 Irmãos, o que desejo vos fazer entender melhor. Ele não peca por isso; que se
é que o tempo se abrevia sobremaneira. casem.
De agora em diante, aqueles que têm es- 37 Contudo, o homem que decidiu
posa, vivam como se não tivessem, firmemente em seu coração que não se
30 aqueles que estão tristes, como se não sente obrigado, mas tem controle sobre
chorassem; os que estão alegres, como se sua própria vontade sexual, e chegou à
não houvessem alcançado a felicidade; conclusão de não se casar com sua noiva,
os que podem comprar o que desejam, da mesma forma, esse também faz bem.
como se nada possuíssem; 38 De modo que, aquele que se casa com
31 os que se beneficiam dos produtos do sua noiva faz bem; mas quem não se casa
mundo, como se não tivessem acesso faz melhor.
a nada; porque a forma presente deste 39 A mulher está ligada ao seu marido en-
mundo está se transformando.8 quanto ele viver. Porém, se o seu marido
32 O que desejo de fato é que estejais morrer, ela estará livre para se casar com
livres de preocupações. Quem não é quem desejar, contanto que ele pertença
casado pode se entregar aos assuntos do ao Senhor.
Senhor, em como mais poderá agradar 40 Entretanto, segundo me parece me-
ao Senhor. lhor, ela será mais feliz se permanecer
33 Entretanto, quem é casado preocupa- viúva. E nisso, penso também estar em
se com os negócios deste mundo, em acordo com o Espírito de Deus.9
como irá agradar sua esposa;
34 e fica dividido. A mulher que não é Acerca dos alimentos oferecidos aos ídolos
casada e a virgem se ocupam dos assun-
tos do Senhor para serem santas, tanto
no corpo como no espírito. A mulher
8 No que se refere aos alimentos sacri-
ficados aos ídolos, reconheço, como
dizeis, que “todos nós temos pleno co-
casada, no entanto, preocupa-se com os nhecimento”. Porém, esse tipo de conhe-
negócios do mundo e de como irá agra- cimento produz orgulho, mas o amor
dar seu marido. nos faz crescer na fé.
8 Embora Paulo não esteja retransmitindo uma ordem direta de Jesus, manifesta sua opinião, especialmente para uma questão
que não envolve uma decisão entre o certo e o errado, e considerando aquele momento específico dos cristãos em Corinto.
Escrevendo sob inspiração do Espírito Santo (v.40), fica claro que seus conselhos devem ser motivo de reflexão por parte de
todos os cristãos em todas as épocas. O tempo urge e a vida é fugaz. A volta de Cristo é iminente, e o cristão deve aproveitar
o tempo para evangelizar e preparar-se para seu encontro com o Senhor (v.29-31). O mundo cada vez mais se preocupa com
os aspectos materiais e temporais dessa vida. O cristão deve compreender que todas essas coisas estão se transformando e
desaparecerão em breve; portanto, o amor ao Senhor e os demais bens espirituais e eternos são as virtudes que devem ser
cultivadas e preservadas.
9 O casamento é uma união vitalícia (com exceção de Mt 19.9), por isso o cristão deve procurar conhecer bem a pessoa com
quem deseja passar o restante da sua vida, antes de assumir esse compromisso solene. Entretanto, com o falecimento (expres-
são que no grego original significa: dormir – At 7.60), o cônjuge fica livre do vínculo conjugal e pode se casar com outro cristão,
isso porque os costumes de um eventual cônjuge pagão, certamente, tornariam difícil a vida de um crente. Neste caso, seria me-
lhor ficar só e receber o amparo dos filhos, parentes e igreja (7.26-34; 1Tm 5.3-16). Paulo nos assegura que fala em conformidade
com o juízo do Espírito Santo, o que era também uma resposta aos céticos e críticos de seu tempo que procuravam negar sua
autoridade apostólica (1.1-7; 9.1; 12.25).
2A pessoa que imagina conhecer alguma 9 Contudo, tendes cuidado para que o
coisa, ainda não tem a sabedoria que exercício da vossa liberdade não se torne
necessita. um motivo de tropeço para os fracos.
3 Todavia, quem ama a Deus, este é co- 10 Porquanto, se alguém que tem a
nhecido por Deus.1 consciência fragilizada vir a ti, que tens
4 Portanto, no que se refere à comida este conhecimento, comendo à mesa no
sacrificada a ídolos, temos pleno conhe- templo de ídolos, não será induzido a se
cimento de que o ídolo não tem o menor alimentar do que foi oferecido em sacri-
significado no mundo e que só existe um fício a ídolos?
Deus!2 11 E, assim, esse teu irmão mais fraco,
5 Pois, ainda que haja os chamados deu- por quem Cristo também morreu, é
ses, quer no céu, quer na terra – como de destruído pelo teu conhecimento.
fato há muitos deuses e senhores – 12 Portanto, quando pecas contra teus
6 para nós, contudo, há um único Deus, o irmãos dessa maneira, ferindo a consci-
Pai, de quem tudo procede e para quem ência fraca deles, pecas contra Cristo.
vivemos; em um só Senhor, Jesus Cristo, 13 Concluindo, se o alimento que eu
por intermédio de quem tudo o que há como induz meu irmão a pecar, nunca
veio a existir, e por meio de quem tam- mais comerei carne a fim de que não seja
bém vivemos.3 eu a causa do pecado dele.4
7 No entanto, nem todos conhecem essa
verdade. Alguns, ainda acostumados Os direitos dos apóstolos
com os ídolos, comem esse alimento
como se fosse um sacrifício idólatra; e
como a consciência deles é frágil, dei-
9 Não sou eu plenamente livre? Não
sou eu apóstolo? Não vi eu a Jesus,
nosso Senhor? E, não sois vós fruto do
xam-se contaminar. meu labor no Senhor?1
8 Ora, não são os alimentos que nos fa- 2 Se para alguns não sou reconhecido
zem aceitáveis diante de Deus; não nos como apóstolo, com toda a certeza o sou
tornaremos piores se não comermos, para vós. Porquanto, sois o selo do meu
nem melhores se comermos. apostolado no Senhor.
1 A cultura greco-romana com seu culto aos deuses pagãos permeava a vida de todos os povos atingidos pelo império (At
17.16). Esses conceitos culturais e religiosos influenciam nossa sociedade até hoje. Sem a bênção do amor divino (em grego
agape) o conhecimento é estéril e anti-social (1Co 13). Ser “conhecido” por Deus é sentir Seu amor, presença e bênçãos
espirituais (Gl 4.8-9; 1Jo 4.7-8). Os coríntios haviam escrito a Paulo perguntando sobre como agir em relação às carnes que
sobravam dos sacrifícios oferecidos nos altares pagãos e eram comidas pelos sacerdotes e pelos ofertantes, junto com amigos
e parentes, em festas públicas no templo, ou vendidas no mercado. Alguns cristãos não viam problema em comer esse tipo de
carne, até porque era difícil saber qual parte fora sacrificada. Outros já acusavam sérias dificuldades de consciência e medo
de estarem pecando contra o Senhor. O cristão maduro sabe que seus conhecimentos são limitados e que somente o Senhor
conhece tudo e todos (Rm 11.33-36). Por isso, deve tratar com amor e paciência seus irmãos mais fracos ou novos na fé.
2 Os ídolos não passam de simples objetos materiais. Entretanto, ao longo dos séculos, os demônios têm escravizado o
mundo induzindo as pessoas a depositarem fé na sorte que essas coisas possam proporcionar. Os crentes não devem alimentar
qualquer tipo de superstição, temor ou apego a amuletos. A fé do cristão deve ser pura e absoluta em Cristo, nosso Deus (Sl
115.4-7; 135.15-17; Is 44.12-20).
3 As expressões “deuses” e “senhores” têm o mesmo sentido nesse contexto, nos manuscritos gregos (Ef 6.12). Paulo não está
concordando, de fato, que possa haver “outros deuses”, pois está claro que “há somente um Deus” (Dt 6.4). Mas olhando para a
mitologia greco-romana, Paulo está concordando que muitas pessoas se deixaram iludir por Satanás e passaram a adorar coisas
e seres que não são reais deidades, nem sequer existem. Deus é a origem primeira (o Criador) de tudo o que há (a criação).
Deus-Filho é a pessoa dinâmica da Trindade, por intermédio de quem todas as coisas vieram à existência (Jo 1.3; At 4.24; Hb
2.10; Cl 1.16).
4 A palavra grega original exousia tem o sentido de “autoridade, liberdade e direito”. O crente é livre em Cristo, entretanto, evita
tudo quanto possa escandalizar ou prejudicar a fé de algum irmão mais fraco ou menos maduro (Rm 14.13-21). A expressão
“nunca” no original grego é um negativo duplo enfático (Mt 18.6-9).
Capítulo 9
1 Paulo, a exemplo de Jesus, sempre enfrentou críticas à sua pessoa e ministério. Alguns proclamavam que Paulo não tinha
méritos para ser considerado apóstolo (2Co 12.11,12; Gl 1.1 – 2.10). Paulo justifica seu chamado e ministério por meio de duas
3 Esta é minha defesa diante daqueles 12 Se outros têm o direito de ser susten-
que me julgam. tados por vós, seguramente não o temos
4 Não temos nós o direito de comer e nós em maior medida? Contudo, jamais
beber? fizemos uso desse direito. Ao contrário,
5 Não temos nós o direito de levar co- suportamos tudo para não colocar qual-
nosco uma esposa crente como fazem os quer tipo de obstáculo ao progresso do
demais apóstolos, os irmãos do Senhor Evangelho de Cristo.
e Pedro?2 13 Não sabeis vós que os que prestam ser-
6 Ou será que Barnabé e eu somos os viços sagrados se alimentam com o que
únicos que devemos ter um trabalho pertence ao templo, e que os que servem
secular para nos sustentar? diante do altar participam do que é ofe-
7 Quem serve num exército à sua própria recido no altar?
custa? Quem cultiva uma vinha e não se 14 Assim, o Senhor também ordenou aos
alimenta do seu fruto? Quem apascenta que proclamam o evangelho, que igual-
um rebanho e não pode beber do leite mente vivam do evangelho!4
que é produzido?
8 Porventura, isso que vos digo é apenas um Visão e missão de Paulo
mero ponto de vista humano? Ora, a pró- 15 Todavia, eu não tenho me servido de
pria Lei não afirma claramente o mesmo? nenhum desses direitos. Não estou escre-
9 Pois está escrito na Lei de Moisés: “Não vendo na expectativa de que façais dessa
amordace o boi enquanto ele estiver de- forma para comigo; porquanto, melhor
bulhando o cereal”. Por acaso é com bois me fora morrer a permitir que alguém
que Deus está preocupado? me prive desta minha honra.
10 Ou certamente não estaria fazendo tal 16 Porém, quando prego o evangelho,
afirmação por nossa causa? É evidente não vejo como me orgulhar, pois a mim
que é em nosso favor que esse princípio é imposta a obrigação de proclamar. Ai
foi escrito. Pois “o lavrador quando ara a de mim se não anunciar o Evangelho!5
terra, e o debulhador quando tira as cascas 17 Porquanto, se prego de espontânea
das sementes, deve fazê-lo na esperança de vontade, tenho direito a recompensa;
participar dos resultados da colheita”. entretanto, como prego por obrigação,
11 Se nós semeamos entre vós verdades estou simplesmente cumprindo uma
espirituais, seria pedir muito colhermos missão a mim confiada.
alguns de vossos bens materiais?3 18 Qual é, portanto, a minha recompen-
grandes evidências: Paulo viu a Jesus (At 9.1-9; 22.6-16; 26.12-18), da mesma forma que os demais apóstolos (At 1.21,22). Acres-
centa que o fruto do seu ministério no Senhor era visível nas vidas de muitos (especialmente dos próprios coríntios).
2 Paulo defende (no original grego apologia – v.3) o direito ao suprimento de suas necessidades básicas, inclusive ao casa-
mento, se essa fosse sua vontade (7.7). A maioria dos discípulos e apóstolos havia se casado. Tinham filhos e viviam em família.
Tiago e Judas, irmãos de Jesus Cristo, eram filhos de Maria e José. O apóstolo Pedro também era casado e cuidava de sua
família (Mt 8.18).
3 Paulo se refere à Lei expressa no Pentateuco (Dt 25.4; 1Tm 5.17), considerando que Deus se preocupa com o bem-estar dos
animais, quanto mais com Seus servos e obreiros que ministram em Seu Nome e seara. Paulo está propondo que os obreiros
cristãos recebam, por parte da Igreja, pleno sustento de suas necessidades materiais (Gl 6.6), a fim de que possam dedicar-se
despreocupadamente à ministração da Palavra e ao cuidado do rebanho do Senhor. Os benefícios materiais não se comparam
aos profundos e eternos benefícios espirituais (Rm 15.27).
4 Geralmente, os ministros da Igreja, nos primeiros séculos, recebiam sustento integral. Paulo, entretanto, preferiu sustentar-se
por meio do trabalho manual que – como todo judeu de sua época – aprendeu quando adolescente; com o principal objetivo de
evidenciar sua integridade e desprendimento em relação à obra do Senhor, evitando que os críticos o acusassem de qualquer
interesse financeiro ou material. Os cristãos de Corinto entenderiam bem a ilustração de Paulo ao se referir aos que trabalham
no templo, não apenas por conhecerem o AT (Dt 18.1; Lv 7.28-26; Nm 18.8-20), mas pelo fato da prática comum nos templos
pagãos dos gregos e romanos.
5 Por trás de toda pregação sincera e autêntica, há um mandato (chamado) do Senhor, que produz uma irresistível motivação
divina no coração do homem (Rm 1.14; At 20.26; Ez 33.7; Jr 20.9). Paulo alimentava um “santo orgulho” de não depender das
ofertas dos irmãos para sua sobrevivência, ainda que reivindicasse esse tipo de atitude cristã e generosa em benefício de todos
aqueles que trabalhavam a serviço do Reino e dos irmãos nas igrejas.
6 Paulo, por sua devoção a Cristo, se tornou um homem livre da Lei (9.20; Rm 6.14; 10.4); das responsabilidades de um lar, ao
optar por uma vida celibatária (7.6,32); das demandas da sociedade secular (7.23; At 22.25); do domínio das vontades carnais
(9.25) e de qualquer dívida por favores ou ofertas recebidas (Rm 13.8). Paulo não apenas deixou de exercer o direito de receber
pagamento material por seu trabalho, mas se privou de várias outras prerrogativas sociais e eclesiásticas em função do seu
grande objetivo de evangelizar (ganhar) o mundo.
7 Por amor aos judeus, Paulo se ajustava aos mandamentos do AT (At 16.3; 18.18; 21.20-26). Ajustava-se, pelo mesmo motivo, (2Co
5.14) à cultura gentílica (aos que não conheciam a Lei), sempre que essa atitude não violava os princípios ensinados por Cristo; e ajus-
tava-se, ainda, à consciência dos “fracos” que tinham uma série de restrições alimentares e de costumes. Tudo isso pelo prêmio de
manter-se fiel ao Senhor, levar a Palavra da salvação a muitos, e ouvir de Jesus: “Muito bem, servo bom e fiel” (Mt 25.21; Lc 19.17).
8 As corridas e jogos atléticos bienais eram comuns e muito apreciados pelos gregos; somente superados em importância, em
toda a região, pelos Jogos Olímpicos, cuja maior premiação era a honra da vitória, agraciada por uma coroa de folhas naturais
(perecível), na qual os gregos acreditavam que havia as bênçãos dos deuses do Olimpo.
9 Na carreira cristã, o importante não é começar bem, mas terminar vitorioso (10.1-12; Tm 2.5; 4.7). A expressão: “todo atleta
em tudo se domina”, como aparece em algumas versões, é melhor traduzida a partir dos textos gregos mais fidedignos como: “se
submetem a um treinamento rigoroso”, pois o original grego comunica claramente a idéia de “esforçar-se ao máximo”. A coroa do
cristão – ao cumprir sua jornada – é imperecível, e dura para sempre (2Tm 4.8; Tg 1.12; 1Pe 5.4; Ap 2.10; 3.11; 4.10).
10 Paulo usa aqui uma metáfora extraída das lutas de boxe, a fim de ilustrar a nossa vida cristã cotidiana. Ele não desferia seus
golpes contra o ar, sem alvo ou propósito certo, como os muitos pensadores gregos. Mas, ensina que devemos disciplinar nosso
corpo como oferta e serviço a Jesus Cristo, nosso Salvador e Senhor (Fp 3.14).
Capítulo 10
1 Paulo fala sobre os pais (ancestrais) daquela geração de israelitas. Milhares de pessoas que foram testemunhas oculares dos
portentosos feitos de Deus, quando libertou Seu povo da escravidão do Egito. Os antepassados dos judeus tiveram o privilégio
de andar debaixo (sob a nuvem) da direção pessoal de Deus no deserto (Êx 13.21,22; 14.19; Nm 9.15-23; 14.14; Dt 1.33; Sl 78.14)
e provar a redenção ao atravessar o mar rumo à Terra Prometida (Êx 14.21-29).
2 Paulo enfatiza que “todos”, sem exceção, viram e experimentaram os milagres de Deus. É preciso uma fé genuína, confirmada
pela perseverança, para receber a Salvação e o Reino de Deus. Nem o batismo nem a ceia garantem a salvação daqueles que
participam desses atos simbólicos e cerimoniais de fé. Mesmo a atuação pessoal e sobrenatural de Deus não assegurou que os
israelitas, contemporâneos de Moisés, chegassem à Terra Prometida. Essa é uma grande lição para a Igreja de hoje.
3 O maná (pão), alimento espiritual que descia do céu, e a água pura e refrescante, que brotava em abundância da Rocha (Êx
16.2-36; 17.1-7; Nm 20.2-11; 21.16), saciando a todo o povo, era o Cristo pré-existente: Pão e Água da vida – nosso alimento
espiritual (Jo 4.14; 6.30-35), que nos acompanha em nossa jornada.
4 Desde o Éden, Deus tem procurado ensinar o princípio da obediência – como prova do amor sincero e da fidelidade – dos
seres humanos (criação) para com Seu Pai (Criador). Entretanto, o Diabo – ao longo da história – tenta levar a humanidade a ig-
norar essa lei divina e afrontar a Deus por meio da desobediência à Sua Palavra. De todos os adultos que saíram do Egito, apenas
Calebe e Josué tiveram permissão de entrar em Canaã (Nm 14.22-35; Js 1.1,2). Nem sempre a maioria tem razão (Hb 3.14-19).
5 Os coríntios estavam raciocinando como os israelitas do passado, assim como a sociedade mundial de nosso tempo. Israel,
no deserto, se enjoou do maná e queria carne (Nm 11.4,34: Sl 78.27). Israel ergueu um deus de ouro, segundo suas vontades e
interesses mesquinhos (Êx 32.1-6), assim como ocorre no mundo de hoje, e ficará mais evidente à medida que nos aproximamos
rapidamente do final dos tempos.
6 Paulo faz referência à participação do povo israelita nos cerimoniais moabitas de adoração ao deus Baal-Peor (Nm 25.1-9),
que incluía todo o tipo de imoralidades sexuais com as jovens que cultuavam esse deus espúrio. O templo da deusa Vênus em
Corinto abrigava cerca de 1000 prostitutas ritualistas. Os textos hebraicos e a Septuaginta (texto grego do AT) registram 24 mil
mortos. Os autores do NT não tinham a mesma preocupação com a exatidão dos números quanto os teólogos atuais, e muitas
vezes os citavam de forma aproximada. A tradição judaica, na antiguidade, acreditava que os números traziam informações
espirituais em si mesmos (Js 6; Jó 1 e 42).
7 Insensata e tola é a pessoa que tenta desafiar os princípios estabelecidos por Deus. É inútil lutar contra o Senhor (Cristo),
denominado Javé (Jeová) no AT (Nm 14.2-36; 16.11,41; 21.5). Uma das principais expressões de falta de fé e incredulidade é a
reclamação sistemática (queixas contínuas). Paulo faz uma associação entre o anjo que trouxe a peste registrada em Nm 16.46-
50, por causa da murmuração contra os servos do Senhor (Moisés e Arão – Nm 16.41), e o anjo exterminador (Êx 12.23; 2Sm
24.16).
8 As Escrituras Sagradas foram legadas por Deus para nossa instrução na fé, crescimento espiritual e advertência (Rm 15.4).
O período histórico chamado de “o final dos tempos” teve início com a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, o Filho de Deus,
prolongando-se até a Sua volta em glória e restauração completa da Igreja (Hb 1.1). Vivemos a “época da graça” quando o Evan-
gelho está sendo pregado e a grande e derradeira oportunidade de salvação está à disposição de todos os interessados em todo
o mundo. Esse tempo, entretanto, está passando muito rapidamente e logo se encerrará (1Ts 4.13-18).
9 É Deus quem permite que sejamos tentados segundo as ambições e fraquezas humanas. A tentação em si não é pecado,
pois o próprio Cristo foi tentado, mas não pecou (Mt 4.1-11). As tentações põem nossa fé e lealdade ao Senhor à prova e nos
ensinam a depender da proteção e direção do Espírito Santo (1.9; 1Ts 5.24; Lm 3.23). Deus não permite que sejamos tentados
com a intenção de nos ver cair em pecado, mas sim, para fortalecer nossa fé por meio das provas (Mt 6.13; Tg 1.13; Hb 11.17). O
livramento ou escape é a capacitação divina que nos é concedida em cada situação específica, a fim de que possamos resistir e
vencer todas as tentações e provas. Entretanto, mesmo as nossas quedas e falhas são transformadas por Deus em ensino e força
para nosso desenvolvimento espiritual (1Jo 1.9).
10 O cálice da bênção era o terceiro cálice do qual se tomava o vinho nas antigas celebrações judaicas da Páscoa. Foi numa
tradicional celebração de Páscoa que Jesus instituiu Sua Ceia como memorial cristão (Mt 26.17-30; Mc 14.12-26; Lc 22.7-23). Ao
erguer o terceiro cálice e abençoá-lo (ao agradecer a Deus por coisas simples as estamos consagrando e abençoando), Jesus
criou um símbolo para que seus discípulos, de todas as partes e épocas, recordassem o dia do seu sacrifício (derramamento do
sangue inocente do Cordeiro de Deus) em benefício de todos os que crêem. Jesus não estava dizendo que o vinho bebido se
transformaria em seu sangue, até porque quando celebrou a primeira Ceia seu sangue ainda não havia sido derramado. Mas usou
uma forte metáfora para ilustrar a nossa comunhão (em grego: koinõnia) com seus sofrimentos, a cruz e a vida eterna (11.25).
11 O ato cerimonial de muitos crentes, participando de um mesmo pão, simboliza a união e a unidade que deve prevalecer no
Corpo de Cristo, onde não deve haver distinções raciais, políticas, culturais, sociais, econômicas ou denominacionais. A comu-
nhão vertical (com Deus) não existe em plenitude, sem a comunhão horizontal (com os irmãos, a Igreja – 1Jo 1.5-7).
12 Paulo nega que os ídolos sejam alguma coisa, tampouco que haja deuses. Na verdade, são demônios que se travestem de
deuses, aterrorizam e iludem as pessoas, e delas pedem sacrifícios e adoração. O povo de Deus é advertido a não participar de
festas pagãs dessa natureza, pois isso seria ter comunhão com os demônios. Todo tipo de idolatria é entrar em acordo com os
demônios, e isso é provocar o zelo (ciúme) de Deus (Êx 20.5; Dt 32.21; Sl 78.58).
13 Os coríntios haviam aprendido de Paulo acerca da liberdade que temos em Cristo, mas estavam usando esse conceito
saudável e comunitário para dar vazão ao egoísmo e às imoralidades pessoais. Paulo concorda que somos livres para fazer tudo
o que for agradável a Deus, ao nosso próximo e a nós mesmos. Temos toda a liberdade para fazer e promover o bem sobre a terra
e para com todos. A liberdade para o erro e o mal é pecado (Gl 6.2; Rm 14.19; 15.2; 1Co 3.9-17; 8.1).
14 Mesmo que as carnes e os alimentos tivessem sido sacrificados aos ídolos, no templo pagão, ao serem colocados no mer-
cado público, perdiam totalmente seu significado religioso e místico, não podendo afetar a consciência e a fé dos cristãos, pois
tudo pertence ao Senhor (Jo 1.1; Sl 24.1; Rm 14.14).
15 Desenvolver um relacionamento social e amigo com incrédulos é interessante quando o objetivo maior é levá-los à Cristo.
Nesse caso, deve-se comer com tranqüilidade de tudo quanto for posto à mesa, sem qualquer receio de um possível mal derivado
de alimentos sacrificados. Entretanto, se alguém informar que aquela carne ou alimento foi oferecido a ídolos, o crente deve se
abster devido à consciência das pessoas presentes, pois alguém poderia supor que um cristão está livre para participar de cultos
e rituais pagãos, e isso serviria de escândalo ou confusão para muitos.
graças, por que sou condenado por algo 4 Todo homem que ora ou profetiza com
pelo qual posso dar graças a Deus? a cabeça coberta desonra a sua cabeça;
31 Assim, seja comendo, seja bebendo, 5 e toda mulher que ora ou profetiza
seja fazendo qualquer outra coisa, fazei com a cabeça descoberta desonra a sua
tudo para a glória de Deus. cabeça, pois é como se estivesse com a
32 Não vos torneis motivo de tropeço cabeça rapada.
nem para judeus, nem para gregos, nem 6 Assim, se a mulher não cobre a cabeça,
para a Igreja de Deus. então deveria cortar também o cabelo.
33 Também eu procuro agradar a todos, Se, no entanto, é vergonhoso para a mu-
de todas as maneiras possíveis. Porquan- lher cortar o cabelo ou raspar a cabeça,
to não estou em busca do meu próprio então ela deve cobrir a cabeça.4
bem, mas procuro o bem de muitos, para 7 O homem, contudo, não deve cobrir a ca-
que sejam salvos.16 beça, visto que ele é a imagem e a glória de
Deus, mas a mulher é a glória do homem.
16 O princípio geral que orienta a exposição teológica de Paulo nos capítulos 8 a 10 é que todas as nossas palavras e atitudes
podem glorificar ou profanar o Nome de Deus (6.20; Cl 3.17,23). Um coração agradecido consagra todas as coisas ao Senhor
(1Tm 4.4; Rm 14.6; Ef 5.20).
Capítulo 11
1 Paulo foi salvo por Cristo e dele se tornou “imitador” (palavra cujo sentido original refere-se ao compromisso de ser discípulo).
Todo aquele que vive segundo o exemplo supremo de Cristo deve ser, igualmente, seguido (1Pe 2.21).
2 A expressão grega original pardoseis, aqui traduzida por “tradições”, refere-se ao ensino cristão básico e fundamental
transmitido de forma oral e escrita (2Ts 2.15; 3.6; 1Co 15.3), e não tem a ver com costumes e modelos culturais de uma
comunidade cristã. O Evangelho deve tomar a forma e a cultura do povo onde está sendo pregado, sem infringir nenhum de seus
mandamentos. Isto é manter a “tradição” neotestamentária e a doutrina dos apóstolos (At 2.42-47).
3 Paulo usa a palavra grega kefale, em seus dois significados: “cabeça” e “chefe”. A expressão grega literal usada neste texto
para “mulher” tem o sentido de “esposa”. Paulo está ensinando que, assim como Cristo tem autoridade (em grego: digno de hon-
ra) sobre o homem (Cl 1.18; 2.10), e por isso deve ser honrado (tanto no sentido de receber quanto de agir com honradez). Assim
também o marido tem uma posição de autoridade no lar e deve, portanto, ser honrado pela esposa (15.28; Ef 1.21,22; 5.22,23).
4 O costume oriental dos homens de descobrirem suas cabeças ao entrar num local religioso ou sinagoga, e das mulheres
cobrirem suas cabeças como símbolo de honra a seus maridos era muito anterior a Paulo (Gn 3.16). Esse dado cultural era tão
forte que costumava-se rapar a cabeça das prostitutas e mulheres pegas em adultério como sinal público de desonra. Algumas
mulheres estavam confundindo sua posição de liberdade em Cristo e igualdade de direitos em relação aos homens, e cortando
os cabelos ou retirando o véu (manto) de sobre as cabeças em sinal de protesto (1Tm 2.11-14; Gl 3.28).
5 Deus estabelece uma hierarquia de honra e autoridade com base na origem primeira dos seres. Deus, como não tem início,
tempo ou espaço, é a própria origem e a finalidade de tudo, merecendo ser honrado e amado eternamente por toda a sua criação.
Deus é Pai de Jesus Cristo; e o Senhor é a autoridade máxima sobre todo homem; o homem, em um certo sentido, deu à luz a
mulher, para que esta lhe fosse esposa, sua melhor companhia na terra e sua colaboradora leal, segundo o plano de Deus para
a humanidade (Gn 2.21-24). Por isso, cabe à mulher respeitar e ajudar seu marido. Os maridos, contudo, devem ser amáveis e
justos, como convém aos verdadeiros filhos de Deus (1Pe 3.7).
6 Paulo estabelece uma correlação entre o acampamento judaico, descrito na Torá (o Pentateuco), quando Deus passeava por
entre seu povo no deserto para os abençoar e santificar, e ao lar cristão (Dt 23.14). Deus, assim como seus anjos (Is 6.2; 2Pe
2.4; Hb 1.14; Jd 6), tem prazer em passear pelos lares onde Seu Nome é amado e reverenciado. Assim como o véu e os mantos
12 Porque, assim como a mulher veio do divergências entre vós, para que os apro-
homem, assim também o homem nasce vados se tornem conhecidos em vosso
da mulher, mas tudo provém de Deus! meio.
13 Julgai entre vós mesmos: é apropriado 20 Pois, quando vos reunis como igreja,
a uma mulher orar a Deus com a cabeça não é para comer a Ceia do Senhor.9
descoberta? 21 Porque, quando comeis, cada um
14 Não vos ensina a própria natureza que, toma antes a sua própria ceia sem es-
se o homem tiver cabelos compridos, perar pelos outros. E, dessa maneira,
isso lhe é motivo de desonra? enquanto um fica com fome, outro se
15 E que se a mulher, entretanto, tiver ca- embriaga.
belos compridos, isso é para ela uma gló- 22 Será que não tendes casas onde podeis
ria? Pois os cabelos compridos lhe foram comer e beber? Ou, de fato, desprezais a
outorgados como se fosse um manto. Igreja de Deus, humilhando os que nada
16 Contudo, se alguém deseja fazer desse possuem? Que vos direi? Acaso vos elo-
assunto uma polêmica, nós não temos giarei por isso? Certamente que não vos
esse procedimento, nem as igrejas de elogio por essas atitudes!
Deus.7
Como celebrar a Ceia do Senhor
A Ceia deve expressar amor cristão 23 Pois eu recebi do Senhor o que tam-
17 Apesar de tudo, não vos elogiarei bém vos entreguei: que o Senhor Jesus,
quanto à instrução que passo a vos dar na noite em que foi traído, tomou o pão
agora, porquanto as vossas reuniões pro- 24 e, logo após haver dado graças, o
duzem mal e não bem! partiu e disse: “Isto é o meu corpo que
18 Em primeiro lugar, porque ouço dizer é dado por vós. Fazei isto em memória
que há divisões entre vós quando vos de mim.10
reunis como igreja; e até certo ponto 25 Do mesmo modo, depois de comer,
acredito que isso esteja ocorrendo.8 Ele tomou o cálice e declarou: “Este cáli-
19 Todavia, se faz necessário que haja ce é a nova aliança no meu sangue. Fazei
(em grego exousia – “autoridade”), para a maioria dos povos orientais, a aliança de casamento também era um símbolo do
compromisso entre um homem e sua mulher. Os judeus costumavam confeccionar um anel circular de ouro maciço, totalmente
liso e sem qualquer adorno extra ou inscrição, que o noivo colocava no dedo indicador da mão mais forte da noiva como símbolo
de Kiddũsh (consagração) e amor perpétuo. Paulo usa a expressão hebraica “por causa dos anjos”, para falar da presença
gloriosa do Senhor sem a necessidade de mencionar o nome de Deus, como era a forma de os judeus fiéis respeitarem a
transcendência divina. Os textos de Qunram - os rolos do Mar Morto - aduzem a este motivo.
7 No primeiro século, era costume no oriente os homens usarem os cabelos mais curtos do que os das mulheres. Paulo
não acha importante discutir costumes locais e temporários ou culturas, desde que estes procedimentos não transgridam os
princípios básicos do Evangelho de Cristo.
8 Reunir-se “como igreja” ou “na igreja” são expressões que derivam do termo grego original Ekklesia que fora traduzido do
hebraico (congregação – At 7.38) pela Septuaginta. A palavra portuguesa “igreja” deriva do termo em latim Ecclesia. Contudo,
todas essas expressões têm um mesmo sentido: a igreja não significa um lugar ou edifício, mas o ajuntamento, a assembléia ou
a reunião dos fiéis seguidores de Cristo (discípulos) com o objetivo de adorar a Deus, estudar sua Palavra, cooperar e encorajar
uns aos outros na fé.
9 O ensino eucarístico (o termo original grego eucharistesass significa “dar graças”), distintivo de Paulo, salienta a significação
da Ceia, ligando-a firmemente ao propósito remidor de Deus, de tal maneira que a mesma proclama a morte de Cristo (v.26),
visto como o ritual de Páscoa. A expressão hebraica Haggãdãh (anunciar, proclamar) foi traduzida por Paulo para o grego
Katangellõ, cujo sentido é realizar uma pregação dramatizada em palavra e símbolo como era a própria Páscoa (Êx 13.3-10).
Paulo apresenta o profundo significado da Mesa do Senhor como uma comunhão (em grego koinõnia) entre os filhos de Deus,
simbolizada pelo partilhar do pão e do vinho (10.16), e revela o caráter de unidade da Igreja, pois assim como seus membros
compartilham juntamente de um único pão, também se reúnem como o Corpo único de Cristo. Paulo termina essa carta com um
fundo eucarístico: Marãnãthã, expressão transliterada do aramaico e que significa: “Vem, Senhor!” (16.22).
10 Segundo descobertas e análises histórico-arqueológicas ocorridas durante o século 20, Paulo escreveu esta carta pouco
antes do surgimento dos quatro evangelhos. Esse é, portanto, o primeiro relato da Ceia do Senhor e a mais antiga citação escrita
das palavras do Senhor Jesus (Mt 26.26). A celebração da eucaristia e da Ceia do Senhor, na comunhão dos crentes, deve ser
realizada com alegria, fraternidade, reverência e com o sentido de celebração (memorial), não como sacrifício, uma vez que esse
já foi realizado pelo próprio Senhor, de uma vez para sempre e por todos os que crêem (Hb 9.27,28).
11 Jesus celebrou a primeira Ceia do Senhor, logo após a tradicional refeição da Páscoa (Mt 26.17-30; Mc 14.12-26; Lc 22.7-
23; Jo 13.18-30). Um cálice de vinho foi o símbolo usado por Jesus para marcar o início de um novo pacto (aliança) que seria
escrito com seu sangue, inocente e vicário, derramado sobre a cruz do Calvário (Lc 22.20; Jr 31.31-34). A nova aliança (em grego
diatheke) é superior e derradeira sobre a antiga aliança firmada com Moisés e o povo de Israel no Sinai (Êx 24.3-8). Esse novo
memorial deve ser realizado com regularidade, até que Jesus volte – brevemente – em glória (Mt 26.29).
12 A Ceia do Senhor é uma celebração destinada aos crentes. Antes de participar da Ceia, o crente deve passar um tempo refle-
tindo sobre a maneira como está vivendo o cristianismo que professa. A expressão grega original dokimazetõ significa um “exame
rigoroso” da alma em relação à vontade de Deus: uma auto-análise íntima, sincera e curadora, em aconselhamento com o Espírito
Santo. Esse tempo de diálogo, confissão e restauração com o Espírito Santo seria melhor aproveitado antes da Ekklesia, ou seja,
antes da “reunião dos crentes” para o culto. Assim, o cristão chegaria para a celebração da Ceia em plena comunhão com Deus
e com seus irmãos, com a alma renovada e restaurada, apto para louvar a Deus e vivenciar plenamente o significado do memorial
do sacrifício de Cristo por nossa salvação (19; 2Co 13.5; Tg 5.16; 1Jo 1.6). Quem não é sensível ao Corpo de Cristo, isto é, ao
significado diário e perpétuo da morte e ressurreição do Filho de Deus, e à natureza e caráter da Ekklesia (os membros da Igreja
do Senhor), vive uma vida egocêntrica e materialista, atraindo sobre si ainda mais juízo (5.5; 1Tm 1.20; At 5.1-11; Tg 5.13-20).
13 Um exame rigoroso das nossas motivações e ações à luz da Palavra nos pouparia de muito sofrimento. Como filhos redimidos
de Deus somos disciplinados – assim como um pai amoroso corrige as atitudes erradas de seu filho – a fim de que cheguemos
à conclusão de que precisamos nos arrepender dos nossos pecados e voltar à plena comunhão com o Espírito do Senhor. Esse
processo de correção, disciplina, reconhecimento, perdão e restauração significa: crescimento espiritual na graça. E apenas aqueles
que amam a Deus e se permitem quebrantar, conseguem perceber essa bênção em suas vidas (2Co 7.10; Hb 12.7-14; Rm 6.22).
14 A Igreja primitiva celebrava uma reunião de confraternização conhecida como ágape (termo grego para o “amor frater-
nal”), por ocasião da celebração da Ceia do Senhor (2Pe 2.13; Jd 12). Ocorre que, na igreja de Corinto, os grupos de gregos
cristãos ricos estavam trazendo grande quantidade de alimentos para a festa, mas não repartiam com os pobres. E muitas
pessoas estavam passando fome, enquanto outras até se embriagavam, antes da Ceia do Senhor. Paulo nota o absurdo e, por
isso, adverte que o cristão deve estar em contínua vigilância espiritual e comunhão com o Espírito de Deus, pois a natureza
do cristão é semelhante a de todo mundo, e tende para o egoísmo (pecado). Paulo ainda demonstra que o líder cristão deve
discernir sobre o que escrever e o que falar. E, ainda, que há assuntos que dizem respeito à toda a congregação, e outros que
são mais particulares.
Capítulo 12
1 Paulo continua a responder às questões levantadas pelos coríntios na referida carta (7.1; 8.1; 16.1). Embora, a palavra original
grega usada aqui para “dons” seja diferente da usada em 1.7, é certo que tem a ver com pneumatikõn, crentes capacitados pelo
Espírito Santo para servirem no Reino de Deus e cooperarem (encorajarem) uns aos outros.
2 Os coríntios, no passado (10.19,20), e muitas pessoas – ainda hoje – foram iludidos por rituais a ídolos (objetos) sem vida. Os
“gentios” ou “pagãos” são todos aqueles que não colocam sua fé (confiança na paternidade e salvação) em Deus por intermédio
de Cristo. Paulo orienta aos coríntios a seguirem a direção do Espírito Santo que agora habita em seus corações.
3 Portanto, eu vos afirmo que ninguém 10 a outro, poder para operar milagres; a
que fala pelo Espírito de Deus, pode outro, profecia; a outro, discernimento
dizer: “Maldito seja Jesus!” Da mesma de espíritos; a outro, variedade de lín-
forma, ninguém pode declarar: “Jesus é guas; e ainda a outro, interpretação de
Senhor!”, a não ser pelo Espírito Santo.3 línguas.
4 Existem diferentes tipos de dons, mas o 11 Entretanto, o mesmo e único Espírito
Espírito é o mesmo.4 realiza todas essas ações, e Ele as distri-
5 Existem várias formas de ministérios, bui individualmente, a cada pessoa, con-
mas o Senhor é o mesmo.5 forme deseja.9
6 E há diversas maneiras de atuação, mas é o
mesmo Deus quem efetua tudo em todos. Unidade na diversidade
7 A cada um, contudo, é concedida a ma- 12 Porquanto, assim como o corpo é uma
nifestação do Espírito, com a finalidade só unidade e possui muitos membros, e
de que todos sejam beneficiados.6 todos os membros do corpo, ainda que
8 Pelo Espírito, a um é dada a palavra de muitos, constituem um só organismo,
sabedoria; a outro, pelo mesmo Espírito, assim também ocorre em relação a
a palavra de conhecimento.7 Cristo.
9 A outro, pelo mesmo Espírito, é outor- 13 Pois todos fomos batizados por um só
gada a fé; a outro, pelo único Espírito, Espírito, a fim de sermos um só corpo,
dons de curar;8 quer judeus, quer gregos, quer escravos,
3 A pessoa que foi regenerada (nasceu espiritualmente), pelo Espírito Santo, não tem como proferir qualquer maldição (anátema
– 16.22; Gl 1.8,9) contra a pessoa de Jesus Cristo, nem agir de maneira a amaldiçoar o Nome do Senhor. Pelo contrário, somente
o crente pode declarar com propriedade que “Jesus é o Senhor” (Jo 20.28; 1Jo 4.2,3). Essa expressão na boca de qualquer
pessoa que não tenha nascido de novo (Jo 3) é “anátema” para sua própria vida. A expressão original grega, aqui traduzida por
“Senhor”, é a mesma utilizada na tradução grega do AT (Septuaginta) para se referir ao nome de Deus Yahweh em hebraico.
4 O termo grego original aqui traduzido por “dons” é charismatõn, que tem a ver com poderes miraculosos que Deus outorga
aos crentes em Cristo, Seu Filho, por meio do Espírito Santo (Rm 12.3-8; 1Pe 4.10). Há diversos dons (capacitações espirituais)
para diversas aplicações e serviços na Igreja. Paulo apenas citou alguns. Essa é uma das passagens (12.4-6) que revela a Trinda-
de em ação para abençoar cada crente com dons e capacitações espirituais a serviço da Igreja.
5 A expressão grega original, aqui traduzida por “ministérios”, é usada, em suas várias formas, sempre no sentido de “serviço
à comunidade”, especialmente aos membros da Igreja de Cristo, como o zelo em servir às mesas (At 6.2,3). A Igreja primitiva (no
século 1) usava esse mesmo termo em referência ao ofício diaconal (Fp 1.1).
6 Uma das evidências da conversão de um pagão a Cristo é a expressão de um dos muitos dons espirituais em benefício dos seus
irmãos. Todo cristão recebe pelo menos um dom do Espírito Santo (1Pe 4.10,11). O dom espiritual é concedido de forma gratuita,
natural e para toda a vida, entretanto, sua manifestação é ocasional e está sujeita ao crente. Todas as capacitações espirituais (dons)
têm como objetivo divino encorajar e edificar, especialmente, os membros da comunidade de crentes que integram a Igreja. Por-
tanto, não devem ser jamais usados com orgulho ou egoísmo para que seus efeitos e as pessoas envolvidas não sofram prejuízos.
Paulo adverte que alguns em Corinto estavam procedendo mal em relação à administração dos seus próprios dons.
7 Nem todos os crentes têm o mesmo dom, tampouco, há algum cristão que tenha todas as capacitações espirituais. A expres-
são original grega logos traz o sentido de “capacidade de comunicar”, enquanto “sabedoria” corresponde ao poder de analisar
profundamente algo que é descoberto ou apresentado. O dom do “conhecimento” tem a ver com a capacidade espiritual dos
apóstolos, profetas e mestres em trazer à lume novas revelações da Palavra para o benefício do Corpo de Cristo (Ef 2.20; 4.11).
8 Essa não é a fé para a salvação (que todo cristão ganhou), que também é um dom de Deus, mas cuja finalidade é converter
o coração do incrédulo e levá-lo a crer profundamente no sacrifício vicário e salvador de Jesus Cristo (Ef 2.8-10; Fl 2.12). O dom
da fé para o serviço cristão é uma capacitação especial para crer no cumprimento da Palavra e na realização de grandes obras
espirituais em prol da comunidade cristã e na evangelização do mundo (13.2; Mt 17.19). Quanto à expressão grega original “dons
de curas” (literalmente no plural) refere-se a várias capacidades espirituais oferecidas pelo Espírito Santo aos crentes, a fim de
poderem ministrar, de várias formas, a cada uma das muitas doenças que afligem a humanidade de tempos em tempos.
9 Literalmente, no original grego, temos a expressão: “ações de milagres”, confirmando que o milagre é sempre uma
intervenção sobrenatural e extraordinária de Deus, que, nesse caso, usa como canal a pessoa de determinado crente e sua
capacitação espiritual e especial (dom) concedida pelo próprio Senhor. A profecia é igualmente um ato da vontade de Deus,
que o Espírito Santo transmite especialmente ao crente agraciado com esse dom específico. A revelação divina pode ser uma
predição (Mt 24; At 11.28; 21.10,11) ou anúncio da vontade expressa de Deus a partir da exposição da Palavra (At 14.29,30;
13.1,2). Entretanto, como falsas profecias e ensinos podem adentrar à comunidade dos crentes, o Senhor concede o “dom de
distinguir” os espíritos, separando com clareza os ensinamentos e práticas que vêm do Senhor dos enganos e mentiras que
quer livres; e a todos nós foi dado beber 23 e os membros do corpo que julgamos
de um único Espírito.10 serem menos honrosos, nós mesmos os
14 Porque também o corpo não é cons- tratamos com maior honra. E os mem-
tituído de apenas um membro, mas de bros que em nós são vergonhosos, vesti-
muitos. mos com decoro especial,
15 Se porventura o pé disser: “Porque não 24 enquanto os membros mais apresentá-
sou mão, não pertenço ao corpo”, nem veis, dispensam qualquer tratamento es-
por isso deixa de fazer parte do corpo. pecial. Todavia, Deus estruturou o corpo
16 E se a orelha reclamar: “Porque não atribuindo maior honra aos membros
sou olho, não pertenço ao corpo!”, nem que dele tinham necessidade,
por isso deixa de fazer parte do corpo. 25 a fim de que não haja divisão no corpo,
17 Se o corpo todo fosse olho, onde mas sim que todos os membros tenham
estaria a capacidade de ouvir? Se o cor- igual dedicação uns pelos outros.
po todo fosse audição, onde estaria o 26 Desse modo, quando um membro
olfato? sofre, todos os demais sofrem com ele;
18 Em verdade, Deus dispôs cada um quando um membro é honrado, todos
dos membros no corpo, segundo a sua os outros se regozijam com ele.
vontade. 27 Ora, vós sois o Corpo de Cristo, e cada
19 E, se todos fossem um só membro, pessoa entre vós, individualmente, é
onde estaria o corpo? membro desse Corpo.
20 Sendo assim, há muitos membros, mas 28 Assim, na Igreja, Deus estabeleceu
um só corpo!11 alguns primeiramente apóstolos; em
21 O olho não pode ordenar à mão: “Não segundo lugar, profetas; em terceiro,
tenho necessidade de ti!” Tampouco mestres; em seguida, os que realizam mi-
a cabeça pode declarar aos pés: “Não lagres, os que têm dons de curar, os que
preciso de vós!” têm dom de prestar ajuda, os que têm
22 Ao contrário, os membros do corpo dons de administração e os que falam
que parecem mais fracos são essenciais; diversas línguas.12
tentam seduzir os cristãos desde o início da Igreja (1Jo 4.1-6). Alguns crentes recebem a capacidade espiritual de falar em outros
idiomas, sem que nunca os tenha aprendido de forma natural, como ocorreu no Dia de Pentecoste (At 2.4-11) ou em línguas
extáticas (no original grego glõssõn), um sistema lingüístico próprio dos seres celestiais e desconhecido na Terra. Esse dom tem
a finalidade de enlevar os crentes e a Igreja, não exatamente de comunicar ensinos, doutrinas ou profecias do Senhor. Deve ser
ministrado em adoração sincera a Deus, com humildade, altruísmo e discernimento (como todos os demais), pois o mau uso dos
dons pode causar muito prejuízo ao seu hospedeiro e à Igreja (1Co 14. 9,10). Por isso, Paulo orienta o uso do dom de “línguas
estranhas”, e enfatiza que tenham tradução clara e precisa, a fim de que todos os ouvintes possam ser movidos a louvar a Deus,
especialmente os que ainda não são cristãos (1Co 14.18-28). É Deus, por meio do Seu Espírito, quem atribui soberanamente a
cada crente os dons espirituais, para edificação da Igreja e evangelização do mundo. Ao cristão cabe receber seus dons com
alegria, e administrá-los com sabedoria, altruísmo e sem rivalidades, para a glória do Senhor Jesus.
10 O povo de Deus (os crentes) são os únicos membros do Corpo de Cristo (a Igreja), e deve aprender a usar a diversidade dos
seus dons espirituais para, em unidade e adoração ao cabeça da Igreja: Jesus Cristo (Ef 1.22,23), evangelizar o mundo. Todos
os cristãos sinceros são batizados no Espírito Santo (Jo 4.10), incorporados ao Corpo de Cristo e, portanto, podem participar da
Ceia do Senhor (10.16). Em Cristo não pode haver qualquer preconceito ou distinção racial, cultural, econômica ou social, pois
a todos que crêem foi dado o direito de beber do único Espírito de Deus, de modo que suas vidas expressem o fruto do Espírito
que neles habita (Gl 5.22,23; Jo 7.37-39).
11 A Igreja em Corinto apresentava muitas deformações doutrinárias. Uma delas era exigir que todas as pessoas tivessem o
dom de línguas. Com isso, muitos cristãos sinceros estavam se sentindo inferiorizados perante seus irmãos. Paulo orienta, espe-
cialmente os líderes da igreja (1Pe 5.1; At 6.1-6), a ter uma visão correta sobre a diversidade e os benefícios do exercício de todos
os dons na Igreja, porquanto essa é a vontade soberana de Deus para o funcionamento sadio do Corpo de Cristo.
12 Os ministérios e os dons são como os dois lados de uma mesma moeda. Quando o Senhor convoca alguém para uma
missão (serviço espiritual) é porque já lhe concedeu os dons necessários. Os “apóstolos” são aqueles que foram escolhidos
pessoalmente por Cristo, foram testemunhas oculares da Sua ressurreição e receberam autoridade especial para estabelecer
os fundamentos doutrinários da Igreja (Mc 3.14; At 1.21,22; Ef 2.20; Jd 3). Em seu sentido ampliado, esse termo pode ser usado
29 Acaso são todos apóstolos? São todos corpo para ser queimado, se não tiver
profetas? Ou são todos mestres? Todos amor, todas essas ações não me trarão
têm o dom de realizar milagres? qualquer benefício real.3
30 Todos têm dons de curar? Falam todos 4 O amor é paciente; o amor é bondoso.
em línguas? Todos as interpretam? Não inveja, não se vangloria, nem é ar-
31 Contudo, buscai com zelo os melhores rogante.
dons.13 5 Não se porta de maneira inconve-
niente, não age egoisticamente, não se
O Amor que vem de Deus enfurece facilmente, não guarda ressen-
como “missionário” (Rm 16.7; Gl 1.19). Os “profetas” revelam a Palavra de Deus para situações específicas e temporárias. Os
“mestres” dominam a teologia, a didática, e ensinam de forma prática a Palavra revelada (Ef 4.11). Os dons, que permitem aos
cristãos a realização de milagres, curas e prestação de socorro (ajuda espiritual, psicológica ou material), estão agrupados numa
mesma categoria e devem ser ministrados com humildade, altruísmo e profunda adoração ao Senhor (v. 9,10; At 5.12; Rm 12.6-8;
At 6.1-6). Finalmente, Paulo destaca os que têm dom de “governo ou administração”, normalmente exercido pelos presbíteros (At
15.6-22; 1Tm 3.5) e, pela terceira vez, menciona o “dom de línguas”, em último lugar.
13 A expressão grega original zeloute também usada em 14.1, indica o “zelo” (dedicação, cuidado, carinho, seriedade) com
que o crente em Cristo deve aceitar, compreender e usar seus dons espirituais em benefício especialmente do Corpo de Cristo.
A instrução de Paulo não é para que os cristãos entrem numa competição em busca de eventuais dons mais importantes ou
apreciáveis. Os dons são distribuídos por Deus, segundo sua vontade soberana, não podem ser escolhidos ou aprendidos; são
capacidades espirituais em potencial, que precisam ser desenvolvidas e usadas com maturidade. O uso pleno e sábio dos dons
proporciona grande alegria ao seu hospedeiro, a todos que estão à sua volta e, especialmente, ao Espírito do Senhor. Paulo
segue mostrando que a maneira mais correta de exercer os dons é por meio do amor sincero. Neste sentido, o amor não é um
“dom espiritual” mas sim um dos atributos do fruto do Espírito (Gl 5.22).
Capítulo 13
1 Jesus e sua Igreja criaram uma expressão nova para o vocábulo grego Agape, que significa “amor sacrificial”, o mesmo amor
demonstrado por Cristo em sua missão de sacrifício vicário por nossa Salvação (Jo 13.34,35; 1Jo 3.16). Essa palavra raramente
é encontrada nos escritos gregos seculares, mas aparece mais de 100 vezes no NT, configurando uma expressão especialmente
cristã. Paulo recorre a uma figura de linguagem (hipérbole) para ensinar que falar sem amor (Agape
( ) é tão inócuo quanto apenas
fazer barulho sem sentido.
2 Paulo escolhe outros três dons para enfatizar que ainda que tais dons fossem expressos em todo o seu esplendor, se não
houvesse o amor de Deus (Agape
( ), não produziriam qualquer benefício verdadeiro e perene.
3 Deus não aceita qualquer ato de generosidade, doação ou sacrifício que não seja motivado, primeiramente, pelo amor
cristão (Agape
( ). Mesmo os atos de martírio, quando provocados pelo egoísmo ou fanatismo político-religioso, são absolutamente
rejeitados por Deus.
4 O amor que vem de Deus tem dupla característica: a) Ativa: não espera ser amado primeiro para retribuir, mas toma a iniciativa
e age com misericórdia (benignidade). b) Passiva: não se precipita em julgar e condenar, mas espera pacientemente (longani-
midade) pela ação poderosa e perfeita do Senhor. Paulo faz referência ao procedimento indecoroso e desregrado dos coríntios
naquele momento (11.18-22 e capítulo 5).
5 O Espírito Santo concede seus dons aos crentes a fim de revelar a Cristo e nos encorajar na caminhada cristã. Quando o que
é “perfeito” (o sentido grego original desta palavra é: “fim”, “cumprimento”, “completa maturidade”) se manifestar, os dons não
serão mais necessários. As profecias estarão todas cumpridas; teremos uma só língua e não haverá barreiras à comunicação,
todos teremos pleno conhecimento e mais nada será necessário ser aprendido ou amadurecido.
menino, sentia e falava como menino. 4 Quem fala em uma determinada língua
Quando cheguei à idade adulta deixei para a si mesmo se edifica, mas quem profeti-
trás as atitudes próprias das crianças. za edifica a Igreja.4
12 Agora, portanto, enxergamos apenas 5 Gostaria que todos vós falásseis em
um reflexo obscuro, como em um ma- línguas, todavia, muito mais que profe-
terial polido; entretanto, haverá o dia em tizásseis. Quem profetiza é maior do que
que veremos face a face. Hoje, conheço em aquele que fala em línguas, a não ser que
parte; então, conhecerei perfeitamente, da as interprete para que toda a comunida-
mesma maneira como plenamente sou de receba a palavra que edifica.
conhecido.6 6 Portanto, irmãos, se eu for até vós
13 Sendo assim, permanecem até o mo- falando em línguas, que benefício vos
mento estes três: a fé, a esperança e o trarei, se não vos falar por intermédio
amor. Contudo, o maior deles é o amor!7 de revelação, ou de conhecimento, ou de
profecia, ou, ainda, de ensino?5
O correto uso dos dons 7 Até mesmo considerando objetos sem
6 Paulo novamente usa uma figura de linguagem para explicar a maneira parcial e obscura com que nos é facultado conhecer
e sentir a Deus. Vemos o Senhor como por um reflexo imperfeito, normalmente produzido na época do apóstolo, por um objeto
de bronze polido (espelho), no qual as pessoas costumavam ver a projeção de seus rostos e a aparência do corpo (Tg 1.23).
Entretanto, por ocasião do iminente e glorioso retorno de Jesus Cristo, os cristãos poderão ver o Senhor com toda a nitidez e
também o conhecerão de uma forma muito mais completa do que nos é possível hoje, semelhante ao pleno conhecimento que
o próprio Espírito já tem de cada cristão (1Jo 2.2; Mt 7.23).
7 O amor sincero a Deus abre espaço na mente e no coração do crente para o pleno exercício dos dons em benefício dos seus
irmãos e na evangelização do mundo (1Ts 1.3). Todos os dons serão desnecessários e desaparecerão com a volta de Cristo,
entretanto, o amor (Agape
( ) permanecerá, pois é o maior poder (virtude) concedido por Deus aos seres humanos, especialmente
aos crentes (1Jo 4.10). Afinal, Deus é amor (1Jo 4.8) e ordena que amemos uns aos outros (Jo 13.34,35). O amor supera todas
as dádivas. Mesmo depois que todos os dons passarem, o amor de Deus continuará a ser perpetuamente o princípio governante
dos relacionamentos no universo.
Capítulo 14
1 O amor ((Agape) é o ambiente ideal em que os dons espirituais devem ser expressos e ganham plena eficácia, especialmente
o dom de profecia (12.10).
2 O termo grego original, aqui traduzido por “línguas estranhas”, se refere tanto a um idioma humano desconhecido por deter-
minado povo ou cultura, como a língua extática dos seres celestiais. Deus compreende bem todas as manifestações do espírito
humano, assim como o próprio Espírito Santo intercede em nós ao Pai com “gemidos impossíveis de serem expressos por meio
de palavras” (Rm 8.26). Os ouvintes não conseguem entender alguém que fale uma língua assim; por isso, é mistério. E, portanto,
sua expressão pública somente é aprovada e útil à Igreja quando há quem possa interpretá-la para o vernáculo dos ouvintes.
3 A verdadeira palavra profética é estimulante, confirmada pelo Espírito que habita nos cristãos e se alegra com a verdade; é
também encorajadora (no original grego paraklesin). A mesma função do Espírito Santo: exortar, animar e aconselhar o crente,
como um sábio e dedicado advogado faria para com seu protegido (1Jo 2.2; 12.7).
4 A própria pessoa que fala uma língua estranha não a compreende por meio de qualquer capacidade intelectual. Mesmo que
ela tenha o dom de interpretar, este será sempre um poder espiritual (virtude, dádiva) e não uma propriedade da mente ou do
saber. Portanto, a edificação é pessoal e na área emocional, fortalecendo a fé, estimulando a dedicação e inspirando mais amor
para com Deus e o Seu Reino.
5 A expressão “revelação”, neste texto, vem do termo grego original apocalypsis, significando uma “mensagem direta de Deus”.
Por isso, a Bíblia King James, em inglês desde 1611, denomina o último livro da NT como Revelation.
entender, como se compreenderá o que muito bem, mas o teu semelhante não
dizeis? Pois estareis como que jogando está sendo edificado.9
palavras ao vento.6 18 Dou graças a Deus por falar em lín-
10 Realmente, há diversos idiomas no guas mais do que todos vós.
mundo; contudo, nenhum deles é sem 19 No entanto, na igreja, prefiro comunicar
sentido. cinco palavras compreensíveis, a fim de
11 Portanto, se eu não compreender o orientar os meus semelhantes, do que falar
significado do que alguém está comuni- dez mil palavras em uma língua estranha.
cando, serei estrangeiro para quem fala e 20 Irmãos, não sejais infantis em vossa
tal pessoa, estranha para mim. maneira de pensar. Porém, quanto ao
12 Assim igualmente vós. Visto que estais mal, sede como as crianças, contudo,
desejosos por exercer os dons espirituais, adultos quanto ao entendimento.
procurai amadurecer naqueles que pro- 21 Pois está escrito na Lei: “Por meio de
duzem edificação para todo o Corpo de homens de outras línguas, e por intermé-
Cristo. dio de lábios de estrangeiros, falarei a
13 Sendo assim, aquele que fala em uma este povo, todavia, mesmo assim, eles
língua, ore para que possa interpretá-la não me ouvirão”, diz o Senhor.
corretamente. 22 Desse modo, as línguas são um sinal,
14 Pois, se oro em uma língua meu espíri- não para os crentes, mas para os incré-
to também ora, mas o meu intelecto fica dulos. A profecia, entretanto, não é um
improdutivo.7 sinal para os não crentes, mas para todos
15 Diante disso, o que fazer então? Orarei os cristãos.10
com o espírito, mas ao mesmo tempo 23 Se, portanto, toda a igreja se reunir
com a mente; cantarei com o espírito, num lugar e todos falarem em línguas,
mas igualmente com a razão.8 e entrarem pessoas não instruídas ou
16 De outra forma, se louvares a Deus descrentes, por acaso não dirão que es-
apenas com teu espírito, como poderá tais loucos?
alguém que está entre os não instruídos 24 Mas, se todos profetizarem, e alguém
declarar o “Amém” à tua ação de graças, incrédulo ou não instruído entrar, será
visto que
q não entende o qque dizes? por todos convencido de que é pecador
17 É possível que estejas dando graças e por todos será julgado.
6 A flauta, a harpa (um tipo de cítara) e a trombeta eram instrumentos musicais bem conhecidos pelos gregos da época de
Paulo. O soar das trombetas e os vários toques de guerra eram familiares desde os grandes clássicos da literatura: Ilíada e
Odisséia, escritos pelo maior poeta grego Homero (por volta do séc. IX a.C.). Os judeus tinham na Torá e na memória dos ante-
passados o vívido som produzido a partir dos chifres de carneiro (Nm 10.9; Js 6.4,9). Para que alguém reconheça uma melodia,
a compreenda e lhe dê valor, deve haver uma variedade de notas musicais, organizadas de tal maneira que produzam um som
harmonioso e significativo. Uma só nota, repetida de forma monótona, não conseguiria transmitir uma mensagem interessante;
apenas causaria desconforto e irritação.
7 O princípio básico do ensino de Paulo sobre os dons espirituais é que sejam usados para a edificação (em grego pneumatõn)
do Corpo de Cristo (v.12). Em Corinto, uma importante cidade portuária, era comum se ouvir muitos idiomas estrangeiros. En-
tretanto, Paulo explica que o dom de línguas não é fruto da mente ou da habilidade no aprendizado de outros idiomas, mas um
mistério espiritual, não compreendido nem mesmo por quem fala. Por isso, maior valor está no dom de compreender e traduzir
essa linguagem espiritual para o vernáculo dos ouvintes.
8 Orar (no grego original proseuchomai) deve incluir expressões sinceras de louvor e gratidão ao Senhor. A adoração cristã
é mais do que um exercício intelectual, estético ou emocional. A espontânea improvisação de um hino ou cântico de louvor em
línguas estranhas só teria valor para a edificação da igreja se todos pudessem compreender a mensagem (1Cr 16.36; Ne 5.13;
8.6; Sl 104.33; 136.1; 148.1; Rm 11.36; Ef. 5.18-20; Cl 3.16).
9 Era costume, desde as antigas sinagogas, os ouvintes dizerem: “amém” (que significa literalmente em hebraico: assim seja)
quando concordavam com uma determinada oração e desejavam também fazer suas aquelas palavras (Dt 27.15; Ne 8.6).
10 O capítulo 28 de Isaías revela que a língua assíria era uma espécie de sinal de condenação para os judeus incrédulos, pois
soberbamente se achavam o único povo de Deus. Por isso, Paulo destaca esse aspecto do dom de línguas: ser um sinal para
os não crentes (Pedro pregou em aramaico em At 2, mas cada estrangeiro ouviu a Palavra em seu próprio idioma). Da mesma
maneira, a profecia era imprescindível para os cristãos que, naquela época, ainda não tinham o NT. O dom de profecia sempre
transmite verdades reveladoras aos que se dispõem a recebê-las com humildade e fé (Mt 13.11-16).
25Os segredos do seu coração se torna- três, e os outros julguem com zelo tudo
rão manifestos. E assim, prostrando-se, o que foi dito.
rosto em terra, adorará a Deus, teste- 30 No caso de ser concedida uma revela-
munhando que, em realidade, Deus está ção a alguém que está sentado, cale-se o
entre vós!11 primeiro.
31 Porque todos podereis profetizar, cada
Ordem nas reuniões da Igreja um por sua vez, para que todos sejam
26 Portanto, qual a atitude correta, en- orientados e encorajados.
tão? Ora, quando vos reunis, cada um 32 O espírito dos profetas está sujeito ao
de vós tem um salmo, ou uma mensa- controle dos próprios profetas.14
gem de ensino, uma revelação, ou ainda 33 Porquanto Deus não é Deus de desor-
uma palavra em determinada língua e dem, mas sim de paz. Como em todas as
outro tem a interpretação dessa língua. assembléias dos santos,15
Tudo seja feito para a edificação da 34 as mulheres devem permanecer em
Igreja.12 silêncio nas igrejas, quando não lhes é
27 Se alguém falar em uma língua estra- permitido falar; mantendo-se em atitude
nha, que a falem somente dois, quando de respeito, como também a Lei ordena.
muito três, um de cada vez, e que haja 35 Se desejarem saber mais sobre algum
quem possa interpretar. ensino, questionem a seus maridos em
28 Contudo, se não houver intérprete, casa; porque, para a mulher é vergo-
permaneça calado na igreja, falando nhoso conversar durante as reuniões
consigo mesmo e com Deus.13 da igreja.16
29 Tratando-se de profetas, falem dois ou 36 Porventura a Palavra de Deus teve
11 Paulo não enfatizava o uso do dom de línguas na evangelização, mas sim o contato pessoal, a amizade que se desenvolvia
ao longo das experiências da vida diária (discipulado). A expressão “não instruídos” diz respeito aos gentios simpatizantes ou
interessados, mas não iniciados na doutrina dos apóstolos, também chamados de “indoutos”. Já o termo “incrédulo” era uma
referência clara aos judeus céticos e arrogantes.
12 Paulo revela, em linhas gerais, como se desenvolvia o culto na igreja cristã primitiva (v.23; 11.17-20). Alguns desses elemen-
tos (como o salmo e a palavra de ensino) provinham do costume judaico de se adorar a Deus no AT, e que fora assimilado pelas
sinagogas (Mt 26.30; Lc 4 16.22). O termo “salmo” se refere a poemas e músicas compostos por membros da igreja ou recitações
de antigos salmistas de Deus, como Davi (o mais apreciado). A mensagem de ensino ou instrução tem a ver com a exposição da
boa doutrina (teologia bíblica); a revelação diz respeito às profecias e, finalmente, as expressões de louvor e adoração por meio
de línguas estranhas, sempre acompanhadas de interpretação para a devida compreensão de todos os ouvintes.
13 A igreja em Corinto não estava sabendo lidar coerentemente com o dom de línguas em função do seu objetivo maior: a edi-
ficação do Corpo de Cristo. Por isso, Paulo os adverte e impõe três restrições ao seu uso nas assembléias da igreja: 1) Somente
duas ou três pessoas devem falar por reunião; 2) Deve falar uma de cada vez; 3) Cada mensagem ou expressão proferida deve
ter sua respectiva interpretação para o vernáculo dos ouvintes (v.28).
14 Os crentes que têm o dom de profecia, assim como os que têm o dom de línguas, não deveriam superar três pessoas a falar
por reunião. Na época de Paulo, eram comuns os excessos e reuniões que se prolongavam por várias horas até a exaustão. Os
próprios profetas deveriam julgar o conteúdo bíblico e espiritual das mensagens pregadas pelos demais profetas, pois mesmo os
crentes com dom de profecia ou quaisquer líderes espirituais não são infalíveis e, portanto, devem ser avaliados com sabedoria
(com o dom de discernimento – 12.10) por toda a igreja (37; At 20.30; 1Ts 5.20). O dom de revelação no AT era expresso através
dos profetas
p do Senhor, nos tempos
p do NT, por
p meio dos apóstolos
p e seus discípulos
p mais próximos.
p Paulo, nos capítulos
p de 12 a
14 se refere a dons que são concedidos a qualquer membro da Igreja de Cristo. Podia ser uma predição, como no caso de Ágabo
(At 11.28; 21.10-11), uma orientação específica da parte de Deus (At 13.1,2) ou mensagens de edificação, exortação e consolo
(v.3). Paulo enfatiza que o dom de profecia, assim como o de línguas estranhas, não são produto de qualquer êxtase emocional
ou psíquico, mas são capacitações espirituais totalmente sob controle do crente.
15 Em todo o NT, a expressão “em todas as assembléias (ou congregações) dos santos” é usada somente aqui e enfatiza a
universalidade e a harmonia de toda a Igreja visível de Jesus Cristo, o Filho de Deus, na Terra. Portanto, todas as igrejas cristãs
devem obedecer às orientações aqui expressas, a fim de que o poder e a glória do culto cristão estejam na pessoa de Cristo e
não no carisma individual dos membros da igreja. Um culto sem ordem, tumultuado, e sem coerência teológica (bíblica) pode
colocar o nome de Deus em descrédito diante daqueles que ainda não foram salvos. A paz e a união dos crentes em Cristo é um
poderoso testemunho ao mundo (1Ts 5.23).
16 Deus criou o homem primeiro e lhe entregou a responsabilidade de amar e orientar sua esposa (1Tm 2.11-14; Ef 5.25). A mu-
lher foi criada a partir do corpo do homem, a fim de lhe ser a melhor companhia (auxiliadora) ao longo de toda a vida (Gn 2.20-24).
Alguns povos interpretam erroneamente esse princípio bíblico e submetem suas mulheres a uma condição humilhante e desumana.
origem entre vós? Sois vós o único povo 2 Por meio dele também sois salvos,
para quem a Palavra foi entregue?17 desde que vos apegueis com convicção à
37 Se alguém se considera profeta ou es- Palavra que vos anunciei; caso contrário,
piritual, reconheça que o que vos escrevo tendes crido em vão.1
são mandamentos do Senhor.18 3 Porquanto, o que primeiramente vos
38 No entanto, se alguém não reconhece transmiti foi o que também recebi: que
essa verdade, deixe que tal pessoa siga em Cristo morreu pelos nossos pecados,
sua ignorância.19 segundo as Escrituras,
39 Concluindo, caros irmãos, aperfeiçoai 4 foi sepultado e ressuscitou no terceiro
com zelo o dom de profetizar e não proi- dia, conforme as Escrituras,
bais o falar em línguas. 5 e apareceu a Pedro e depois aos Doze.2
40 Porém, que tudo seja realizado com 6 Depois disso, apareceu a mais de qui-
decência e ordem!20 nhentos irmãos de uma vez, a maioria
dos quais ainda vive, embora alguns já
A ressurreição de Cristo é real tenham adormecido.
15 Irmãos, lembro-vos do Evangelho
que vos preguei, o qual também
recebestes e no qual estais firmes.
7 Mais tarde apareceu a Tiago, e a todos
os apóstolos.3
8 E, depois de todos, apareceu igualmen-
Outras culturas contrariam a ordem de Deus e impõem sobre a mulher um peso de responsabilidade, autoridade e liberdade para o
qual ela não foi concebida. Paulo, no entanto, está menos preocupado em definir o papel da mulher e mais em evidenciar o respeito
cristão que deve haver entre o povo de Deus. Para Paulo, era natural que as mulheres pudessem orar e profetizar nos cultos públicos
(11.5). Contudo, tudo deveria ser feito com decência e respeito (bom senso cristão). Na época de Paulo, e especialmente em Co-
rinto, conviviam muitas culturas, cada qual com suas regras sociais. Paulo orienta a igreja a ser sensível às várias culturas e, nesses
casos, se em alguns grupos sociais é tradicional a mulher manter-se em silêncio, que seja assim. Por outro lado, para culturas mais
abertas à participação feminina nas reuniões, que não houvesse o exagero (muito comum nas igrejas orientais) de as mulheres se
entregarem a discussões intermináveis e em voz alta, atrapalhando o desenvolvimento geral do culto.
177 Algumas pessoas torceram o nariz para as argumentações de Paulo, obrigando o apóstolo a usar de ironia em suas pergun-
tas, mostrando aos coríntios que eles estavam desenvolvendo e seguindo uma “doutrina particular” nessas questões, em vez de
aceitarem e se ajustarem à eterna Palavra de Deus.
18 Paulo deixa claro que suas orientações são mandamentos expressos do Senhor, devendo ser obedecidos. Já que a dis-
cussão dos coríntios era sobre os dons e capacitações espirituais, Paulo enfatiza que quem de verdade recebeu suas virtudes
(poderes) do Senhor saberá reconhecer com humildade a autoridade que o apóstolo recebeu de Deus.
19 O desobediente e renitente passará a ser considerado pelo apóstolo e por toda a igreja como incrédulo, na expectativa de
que, verdadeiramente, venha a conhecer a Salvação.
20 Os membros das comunidades cristãs devem ter a liberdade de exercer o dom espiritual de línguas, com decência e ordem
(bom senso cristão), segundo a clara doutrina de Cristo, ensinada pelo apóstolo Paulo (v.26-35). A prática de qualquer dom, fora
dos princípios da Palavra de Deus, se constitui em personalismo, arrogância, egoísmo e, portanto, em pecado.
Capítulo 15
1 Aceitar a Cristo é apenas o primeiro passo de uma vida inteira caminhando em comunhão com o Espírito Santo. Se alguém
não persevera na fé cristã, demonstra claramente que ainda não abraçou a fé salvífica. Paulo apresenta um resumo da defesa da
fé cristã que havia se tornado um postulado da igreja primitiva: 1) As Escrituras comprovam que Jesus é o Messias prometido
(Lc 24.25-27; Sl 16.8-11; Is 53.5,6,11) em todas as predições do AT. 2) O túmulo vazio e centenas de testemunhos oculares da
ressurreição corpórea de Jesus. Paulo cita apenas seis aparecimentos aqui (At 1.21,22).
2 Paulo é submisso à tradição dos apóstolos, especialmente aos que viveram mais próximos de Cristo. Paulo deixa claro que
não foi o criador do pensamento e da tradição cristã. Ele afirma sua conversão a Jesus, seu aprendizado e respeito à doutrina dos
primeiros apóstolos (os verbos que emprega nos manuscritos gregos são termos técnicos que comunicam o sentido de “receber”
e “transmitir” a tradição cristã da igreja primitiva). Apesar de toda a formidável cultura, capacidade intelectual e sabedoria teológica,
Paulo fazia questão de salientar a pregação central dos Evangelhos e dos apóstolos: que Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio a terra,
andou entre nós, morreu – sem pecado – exclusivamente pelos nossos pecados (Hb 7.27), foi sepultado (morreu como ser humano),
e foi ressuscitado (somente Deus tem o poder de ordenar a ressurreição). Paulo tinha grande respeito pela espiritualidade e experi-
ência de vida de Pedro, e costumava chamá-lo por seu nome aramaico: Cefas. A morte era compreendida por judeus e gregos como
um estado de adormecimento das almas, que eram transportadas para um lugar celestial chamado Hades (tradução grega Haidẽs,
derivada da expressão hebraica Shẽ’ôl), l com um abismo dividindo o plano das almas salvas das perdidas, todas aguardando o Dia
do Senhor e o final dos tempos (Lc 16.19-31). Os judeus contavam qualquer parte do dia como um dia inteiro. Por isso, os três dias
são contados a partir da tarde de sexta-feira, todo o sábado e as primeiras horas da alvorada do domingo (Mt 12.40).
3 Paulo cita algumas das muitas aparições de Cristo após a ressurreição: a Pedro (Lc 24.34); ao primeiro grupo de apóstolos
e discípulos, conhecido como “Os Doze” (Lc 24.36-43; Jo 20.19-23), a mais de quinhentos discípulos na Galiléia (Mt 28.10-20).
te a mim, como a um que nasceu fora do então, Ele também não ressuscitou a
tempo. Cristo.
9 Pois sou o menor dos apóstolos, nem 16 Porquanto, se os mortos não ressus-
mereço ser chamado apóstolo, porquan- citam, nem o próprio Cristo foi ressus-
to persegui a Igreja de Deus.4 citado!
10 Mas, pela graça de Deus, sou o que 17 E, se Cristo não ressuscitou, a vossa fé
sou. E a sua graça para comigo não foi para nada serve, e continuais a viver em
inútil; antes, trabalhei mais do que todos vossos pecados.
eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus 18 Sendo assim, também os que dormi-
que vive em mim. ram em Cristo estão perdidos.
11 Portanto, quer tenha sido eu, quer te- 19 Ora, se a nossa esperança em Cristo
nham realizado eles, é isso que pregamos se restringe apenas a esta vida, somos
e é nisso que crestes. os mais miseráveis de todos os seres
humanos.5
Nós também ressuscitaremos
12 Ora, se tem sido proclamado que Cris- A ressurreição dos crentes
to ressuscitou dentre os mortos, como é 20 No entanto, em realidade, Cristo res-
possível que alguns dentre vós afirmais suscitou dentre os mortos, sendo Ele o
que não existe ressurreição dos mortos? primeiro dos frutos dentre aqueles que
13 Então, se não há ressurreição dos mor- dormiram.
tos, nem mesmo Cristo ressuscitou; 21 Porque, assim como a morte veio por
14 e, se Cristo não ressuscitou, é inútil a um homem, da mesma forma, por um
nossa pregação, como igualmente é im- homem veio a ressurreição dos mortos.
produtiva a vossa fé. 22 Porquanto, assim como em Adão
15 Pior que isso, seremos considerados todos morrem, em Cristo todos serão
falsas testemunhas de Deus, porque con- vivificados.6
tra Ele testemunhamos que ressuscitou 23 Contudo, cada um por sua vez: Cristo,
a Cristo dentre os mortos. Todavia, se é o primeiro; logo depois, os que são de
verdade que os mortos não ressuscitam, sua propriedade na sua vinda.7
Paulo se refere, ainda, a Tiago, meio-irmão de Jesus (Mt 13.55), o qual não acreditou em Jesus Cristo até o evento da ressurreição
(Jo 7.5), mas depois se arrependeu e, convertido, dedicou toda a sua vida a serviço do Senhor, especialmente cooperando na
liderança espiritual da igreja de Jerusalém (At 1.14; 15.13). Jesus também se apresentou a todos os apóstolos (At 1.6-11).
4 O aparecimento de Jesus Cristo a Paulo ocorreu cerca de três anos depois da Sua ascensão aos céus. Paulo reconhece que
não fez parte da primeira formação original dos apóstolos. Na verdade, Paulo estava – por causa do zelo à tradição judaico-religio-
sa e da cegueira espiritual – perseguindo a Igreja (ao próprio Cristo), quando foi convertido e convocado pelo Senhor para serví-lo
(At 9.1-8). Entretanto, uma vez alcançado pela graça de Jesus Cristo, dedicou-se de todo coração ao Senhor e à evangelização do
mundo; sendo reconhecido pelo próprio apóstolo Pedro como servo amado e apóstolo de Deus (2Pe 3.14-18). A graça do Senhor
transforma qualquer indigno em santo (2Co 11.5).
5 Alguns em Corinto estavam afirmando não haver ressurreição do corpo. Para os gregos, toda a matéria era considerada
como inerentemente má, por isso deveria ser aniquilada pela morte, o fim de todo mortal. De outro lado, os judeus criam que
cada átomo do corpo sepultado ressuscitaria literalmente. Paulo arma um sistema lógico de raciocínio e corrige essas duas
doutrinas errôneas.
6 Negar a ressurreição de Cristo seria reduzir o cristianismo a uma simples lenda religiosa. E não haveria remissão dos pecados
(Rm 4.25). E ressurreição de Cristo é o âmago da fé dos cristãos (1Pe 1.3). Paulo apela para a tradição histórica dos judeus e
afirma que, assim como o primeiro molho da colheita (as primícias) era dedicado ao Senhor, em sinal de que toda a colheita
pertencia a Ele e lhe seria dedicada por meio de todas as vidas que dependiam do fruto da terra (Lv 23.10-20), assim também,
Jesus Cristo, que foi ressuscitado, é a garantia plena de ressurreição e vida eterna de todo o salvo (redimido) por Deus (1Ts
4.13-18). A morte veio à Terra por meio de um só homem, Adão (Gn 3.17-19). Da mesma forma, a ressurreição e a vida eterna
nos foram concedidas por um só homem: Cristo, “o último Adão” (Rm 5.12-21; Jo 5.25; 1Ts 4.16,17; Ap 20.6). Não há espaço na
teologia de Paulo para a doutrina da salvação universal. Nem todos serão salvos, somente aqueles que aceitarem o sacrifício de
Cristo e tiverem seus corações sinceramente convertidos ao Senhor, e, portanto, podem compartilhar da Sua natureza e serão
vivificados (2Pe 1.4).
7 O termo grego original parousia (vinda) era usado para comunicar a chegada de uma visita real. No NT, tem o sentido técnico
e denota a volta gloriosa de Cristo.
24 Então virá o fim, quando Ele entregar afirmo isso, irmãos, porquanto sois meu
o Reino a Deus, o Pai, depois de ter des- orgulho em Cristo Jesus, nosso Senhor.
truído todo domínio, potestade e poder.8 32 Portanto, se foi simplesmente por
25 Porque é necessário que Ele reine até razões humanas qque lutei com feras em
que absolutamente todos os seus inimigos Éfeso, que lucro obtive nisso? Ora, se os
sejam prostrados debaixo de seus pés. mortos não ressuscitam: “comamos e be-
26 E o último inimigo que será destruído bamos, pois amanhã morreremos”.12
é a Morte.9 33 Não vos enganeis! “As más compa-
27 Pois Ele “tudo sujeitou debaixo de seus nhias corrompem os bons costumes”.13
pés”. Porquanto, quando se afirma que 34 Como justificados que sois, recobrai o
“tudo” lhe foi submetido, é evidente que bom senso e não pequeis mais; porque
isso não inclui o próprio Deus, que condu- alguns ainda não têm conhecimento de
ziu todas as coisas à submissão de Cristo. Deus; declaro isso para vossa vergonha.14
28 Todavia, quando tudo lhe estiver su-
jeito, então o próprio Filho se submeterá Os novos corpos dos ressuscitados
àquele que todas as coisas lhe colocou 35 Entretanto, é possível que alguém ques-
aos pés, a fim de que Deus seja absoluta- tione: “Como ressuscitam os mortos? E
mente tudo em todos.10 com que espécie de corpo ressurgirão?”
29 Se não há ressurreição, que farão aque- 36 Insensato! O que semeia não nasce a
les que se batizam pelos mortos? Se, de não ser que primeiro morra.
maneira alguma, os mortos não ressusci- 37 Quando semeais, não semeais o corpo
tam, por qual razão então se batizam em que virá a ser, mas apenas uma simples
benefício deles?11 semente, assim como a semente de trigo
30 De igual modo, nós mesmos, por que ou outra qualquer.
estamos nos expondo a perigos o tempo 38 Mas Deus lhe dá um corpo, como de-
todo? terminou, e a cada espécie de semente dá
31 Todos os dias enfrento a morte! E seu corpo apropriado.
8 A expressão original “o fim” tem a ver com a segunda e gloriosa volta de Cristo e todos os grandiosos acontecimentos
profetizados nas Escrituras que a acompanharão. O início do Reino de Cristo ocorre no momento da sua glorificação (At 2.32; Ef
1.19-23). Por meio da Igreja, o Senhor consolida sua vitória sobre todas as forças e inimigos do universo (Cl 2.15). Ao final dos
tempos, havendo cumprido cabalmente sua missão, entregará o Reino ao Pai.
9 O verso 25 é uma alusão ao Sl 110.1, conforme Mt 22.44. A Morte (em grego thanatos), personificada como arquiinimiga da
vida, será aniquilada no fim dos eventos que acompanharão a volta triunfante de Cristo (Ap 19.11-21; 20.5-14), no julgamento do
grande trono branco (quando a Morte e o Hades serão lançados no eterno lago de fogo).
10 As três pessoas da trindade são iguais em divindade e em dignidade. A subordinação que se estabelece é apenas quanto
à função de cada pessoa. Deus-Pai é o Senhor e cabeça supremo da trindade. Deus-Filho tem a função de cumprir a vontade
soberana do Pai, na criação como na plena redenção da raça humana. Deus-Espírito é enviado pelo Filho como selo da salvação
e poder espiritual para habitar e capacitar o crente a fazer a vontade do Pai, com o objetivo de que Deus seja tudo em todos.
11 Paulo faz referência a mais uma prática equivocada e antibíblica dos coríntios com a principal finalidade de evidenciar
a contradição que há nas pessoas que dizem não crer na ressurreição ou na vida após a morte, mas que ao mesmo tempo
participam de rituais envolvendo o além. Há mais de 50 interpretações sobre esse texto publicadas em comentários teológicos
em todo mundo, porém o mesmo continua envolto em certa obscuridade.
12 Paulo, como cidadão romano, jamais foi obrigado a lutar contra feras (At 19), como ocorreu com milhares de cristãos gentios
ou judeus por ordem do Império nas arenas de Roma. Paulo se refere metaforicamente aos próprios líderes judeus e romanos que
o perseguiram acirradamente “como feras” em Éfeso (2Co 1.8, conforme Sl 22.12-21). Paulo apela novamente para o raciocínio
lógico dos coríntios, ao afirmar que seria um total contrasenso sofrer todo tipo de perseguições e humilhações para proclamar a
ressurreição de Cristo se esta não fosse um fato verídico (2Co 11.23-29). Paulo usa um antigo e conhecido ditado popular para
enfatizar a idéia de que se Cristo não houvesse ressuscitado, a vida terminaria mesmo no túmulo, e, então, o melhor seria gozar
os dias de forma hedonista, ou seja, buscando o prazer (Is 22.13).
13 Paulo está convencido de que tem argumentos poderosos para rebater a filosofia grega. Por isso, cita a conhecida e apre-
ciada comédia grega Thais, escrita pelo antigo poeta grego Menandro, a fim de advertir os próprios cristãos gregos para não se
deixarem levar pelos falsos argumentos e vãs filosofias (Pv 13.20).
14 A situação na igreja de Corinto era de tal mundanismo que muitos freqüentadores não eram cristãos de fato, apenas apre-
ciavam a comunhão dos crentes. Paulo afirma que isso é vergonhoso para todos.
39 Nem toda carne é da mesma espécie: homem terreno; os que são dos céus, ao
os seres humanos têm uma espécie de homem celestial.
carne, enquanto os animais possuem ou- 49 Assim como obtivemos a imagem do
tra, as aves outra, e os peixes uma outra homem terreno, receberemos de igual
diferente. modo a imagem do homem celestial.16
40 Também existem corpos celestes e cor-
pos terrestres; todavia, um é o esplendor Todos seremos transformados
dos corpos celestiais, e outro diferente é 50 Contudo, irmãos, eu vos afirmo que
o brilho dos corpos terrestres. carne e sangue não podem herdar o Rei-
41 Um é o esplendor do sol, outro da lua, no de Deus, nem o que é perecível pode
e outro ainda o fulgor das estrelas; e as herdar o imperecível.
estrelas diferem em luminosidade umas 51 Eis que eu vos declaro um mistério:
das outras. nem todos adormeceremos, mas certa-
42 Assim será com a ressurreição dos mente, todos seremos transformados,17
mortos. O corpo que é semeado é perecí- 52 num momento, num abrir e fechar
vel e ressuscita imperecível; de olhos, ao som da última trombeta.
43 é semeado em desonra, mas ressuscita Porquanto a trombeta soará, os mortos
em glória; é semeado em fraqueza, po- ressuscitarão incorruptíveis e nós sere-
rém ressuscita em poder; mos transformados.
44 é semeado um corpo natural, contu- 53 Pois é impreterível que este corpo que
do ressuscita um corpo espiritual. Ora, perece se revista de incorruptibilidade,
se há corpo natural, há também corpo e o que é mortal, se revista de imorta-
espiritual.15 lidade.
45 Da mesma forma, está escrito: “Adão, o 54 No momento em que este corpo pe-
primeiro homem, foi feito alma vivente”; recível se revestir de incorruptibilidade,
o último Adão, no entanto, é espírito e o que é mortal, for revestido de imor-
vivificante! talidade, então se cumprirá a palavra que
46 Assim, não foi o espiritual que veio está escrita: “Devorada, pois, foi a morte
primeiramente, mas sim o natural; de- pela vitória!”
pois dele então, chegou o espiritual. 55 “Onde está, ó Morte, a tua vitória?
47 O primeiro homem foi formado do pó Onde está, ó Morte, o teu aguilhão?”
da terra, o segundo homem é dos céus. 56 Porquanto, o aguilhão da Morte é o
48 Os que são da terra são semelhantes ao pecado, e o poder do pecado é a Lei.18
15 Paulo usa uma série de analogias para demonstrar que, no caso da ressurreição, Deus tomará um corpo “natural” (em grego
psuchikon), perecível (corruptível), fraco e pecaminoso, e o transformará – na ressurreição – num corpo “espiritual” (em grego
pneumatikon), glorioso, imperecível (incorruptível), poderoso e sem pecado. Não se trata de um corpo imaterial ou totalmente
diferente do corpo natural; contudo, preparado para viver a eternidade com Deus numa dimensão celestial (2Pe 3.10-13).
16 O primeiro homem, criado a partir do pó da terra (Gn 2.7), foi feito “alma vivente” (no original grego psuchen-zősan), ou seja,
Adão recebeu um corpo psicossomático que transmitiu geneticamente para toda a raça humana até nossos dias. O “ultimo Adão”,
Cristo, o espírito vivificante (Jo 5.26) que proporcionará aos crentes remidos, em seu glorioso retorno, um corpo físico especial,
poderoso, sem pecado e imperecível (Fp 3.21). Um corpo semelhante ao de Cristo: ressurreto e glorificado (Lc 24.36-43).
177 O corpo e o sangue não são elementos pecaminosos em si mesmos, mas constituem a natureza psicossomática dos seres
humanos, que necessita ser transformada para que possa viver eternamente no ambiente celestial com Cristo (Hb 2.14; 5.9).
Paulo revela que o grande evento da ressurreição mundial se dará numa fração de tempo (no original grego atomos – a menor
unidade referencial de tempo e matéria). Todos os crentes, quer vivos por ocasião do glorioso retorno de Cristo, quer já mortos,
receberão instantaneamente novos corpos gloriosos. Esse será o grande som da trombeta profetizado (Mt 24.31; 1Ts 4.16; Ap
11.15). Paulo vivia cada dia de sua vida numa espécie de antegozo espiritual pela certeza absoluta que tinha do glorioso retorno
de Cristo, da ressurreição e da vida eterna de todos os crentes.
18 Foi o pecado (desobediência) de Adão que nos sujeitou ao poder da morte (Gn 3, Rm 5.12). O aguilhão (no original
grego kentron) é como o ferrão do escorpião ou do marimbondo. O aguilhão não é a morte, mas sim o pecado inoculando seu
veneno letal na alma e no corpo de quem não se arrepende diante de Cristo, e, portanto, não é perdoado (Ap 9.10). A Lei de
Deus é clara em relação ao pecador que não se arrepende (A conversão - o único antídoto eficaz) e à pena de morte eterna
(Is 25.8; Os 13.14).
57 Contudo, graças a Deus, que nos dá a homens que aprovardes para levarem a
vitória por intermédio de nosso Senhor vossa contribuição para Jerusalém.
Jesus Cristo!”19 4 Se for conveniente que eu também vá,
58 Portanto, meus amados irmãos, per- eles me acompanharão.3
manecei firmes e que absolutamente
nada vos abale. Dedicai-vos, dia após Projetos e pedidos pessoais
dia, à obra do Senhor, plenamente 5 Depois de passar pela Macedônia, por
conscientes de que no Senhor, todo o onde tenho de atravessar, irei até vós.
vosso trabalho jamais será improdu- 6 Provavelmente, eu permaneça convosco
tivo.20 durante algum tempo, ou até mesmo
passe o inverno entre vós, a fim de que
Oferta para o povo de Deus possais cooperar comigo, para onde quer
16 Quanto à oferta para o povo de
Deus, fazei vós também da mes-
ma forma como orientei às igrejas da
que eu tenha de ir.4
7 Porquanto, desta vez, não vos quero
ver apenas de passagem; pelo contrário,
Galácia.1 anelo ficar algum tempo convosco, se o
2 No primeiro dia da semana, cada um de Senhor o ppermitir.
vós separe o que puder, de acordo com 8 Contudo, permanecerei em Éfeso até o
a sua renda, e a guarde para que não se Pentecoste;
façam coletas quando eu chegar.2 9 porque se abriu para mim uma porta
3 Então, quando estiver entre vós, en- ampla e promissora; mas os inimigos são
viarei com carta de recomendação os muitos.5
19 Cristo é a única possibilidade de vitória e vida eterna sobre o poder do pecado, a morte eterna a partir do sepulcro, e a
condenação final e eterna pelo pecado, conforme a Lei (Rm 4.25).
20 O maior e melhor investimento do crente está em servir (ministrar) ao Senhor e à Igreja. Todos os esforços na adoração ao
Senhor e na proclamação da Palavra ao mundo serão regiamente recompensados por Jesus Cristo em seu glorioso e iminente
retorno (Mt 25.21 de acordo com Lc 19.17).
Capítulo 16
1 Paulo responde a mais uma das questões levantadas pela igreja em Corinto (7.1; 8.1; 12.1) e organiza uma grande ação
de levantamento de recursos, envolvendo as igrejas da Galácia e da Macedônia (2Co 8.1; 9.1-4; At 24.17), com o objetivo
de socorrer a igreja em Jerusalém que estava padecendo por causa da forte crise que se abateu sobre Israel por volta do
ano 45 d.C., e devido às constantes perseguições aos crentes, especialmente em Jerusalém (Rm 15.26; At 11.28; 8.1; Hb
10.32; 1Ts 2.14).
2 Paulo faz a primeira referência ao fato de que as reuniões da igreja cristã já estavam ocorrendo costumeiramente aos do-
mingos, em homenagem e celebração ao “Dia do Senhor”, o dia da semana em que Jesus Cristo ressuscitou (Ap 20.7 e 1.10;
Lc 24.1-6). As ofertas eram recolhidas durante os cultos, como uma forma de adoração ao Senhor. Todos deviam contribuir, de
forma espontânea e regular, cada qual à medida do seu ganho semanal. Justino Mártir, um dos chamados “pais da Igreja”, relata
que em sua época (150 d.C.) era tradicional os crentes trazerem seus dízimos e ofertas, todos os domingos, a fim de cooperarem
com a obra do Senhor.
3 Paulo e os demais apóstolos sempre se preocuparam com a transparência na prestação de contas e responsabilidade
financeira das igrejas como demonstração de bom testemunho. Por isso, determinou que o dinheiro arrecadado não fosse
tocado. A igreja deveria separar alguns homens de confiança que teriam como desafio missionário a tarefa de servir ao Senhor
como auditores e guardiães dos recursos doados pelos coríntios (2Co 8.16-21). Os nomes de alguns dessa comitiva estão
registrados em At 20.3-6.
4 Paulo, apesar de fazer todo o possível para não ser um peso financeiro para ninguém (9.1-12), contava com a ajuda dos
irmãos para prover suas viagens e obras missionárias. No inverno mediterrâneo (novembro a março), era praticamente impossível
navegar (At 27.9-12). Em At 20.2-16 temos o registro de como esses planos se realizaram.
5 Paulo escreve sua primeira carta aos coríntios em Éfeso, onde estava. Desejava subir até à Macedônia e visitar os filipenses e
outras igrejas ao norte da Grécia, para então passar um bom tempo ensinando e fortalecendo a fé da igreja em Corinto. Pensou
primeiro em ir direto para Corinto, mas mudou de idéia (2Co 1.12 – 2.4). Pentecoste significa o qüinquagésimo dia do Pentecostes,
ao passo que “pentecostes” tem a ver com os 50 dias de celebração da Festa das Primícias (Lv 23.10-16), as sete semanas após
a Páscoa. A “porta aberta” era uma expressão conhecida entre os cristãos, e tinha a ver com “alguma oportunidade concedida
por Deus para serví-lo diretamente ou ao seu Reino”. Os “inimigos ou adversários” se referem aos artífices pagãos que produziam
miniaturas de prata do templo da deusa Ártemis e o grande número de pessoas pobres e incultas que depositavam fé nesses
amuletos (At 19.23-34).
6 Paulo envia Timóteo e Erasto, dois irmãos e missionários em quem muito confiava, à Macedônia (At 19.22) e depois a Corinto.
Todavia, Timóteo era adolescente e um tanto tímido, apesar de muito firme em Cristo, e Paulo zelava para que a igreja o acolhesse
com respeito e carinho fraterno (1Co 4.17; 1Tm 4.12; 2Tm 1.7). Erasto era crente de Corinto e administrador da cidade (Rm 16.23;
At 19.22). A segunda carta de Paulo aos coríntios revela que a situação na igreja havia piorado. Tito conseguiu resolver parte dos
principais problemas, e preparar o caminho para a chegada de Paulo (2Co 1.15-23; 2.1-12; 8.16).
7 Estéfanas, Fortunato e Acaia levaram a carta dos coríntios ao apóstolo (7.1), buscaram seus conselhos e supriram parte do
carinho e da comunhão que Paulo ansiava ter com toda a igreja. A atitude espiritual e sacrificial desses irmãos aliviou o coração
aflito de Paulo em relação às muitas dificuldades e pecados entre os crentes de Corinto.
8 Paulo se refere às comunidades cristãs situadas nas províncias romanas na Ásia (atualmente a região onde se localiza a
Turquia ocidental) em que estavam Éfeso e várias cidades menores ao redor (At 19.10). Durante a vida ministerial de Paulo, todas
as pessoas ao longo da província e cercanias ouviram o Evangelho. As igrejas de Colossos, Laodicéia e Hierápolis também
estavam incluídas nessa saudação do apóstolo (Cl 4.13-16; Ap 1.11; 2 e 3). Áquila e Priscila (variante do nome grego Prisca)
haviam ajudado Paulo a iniciar a igreja em Corinto (At 18.1-4) e o acompanharam até Éfeso onde estavam começando outra igreja
em casa, como era comum nesse período da igreja primitiva (At 18.18-19; Rm 16.3-5; Fm 2).
9 O beijo público na face, em sinal de submissão respeitosa e amor fraternal, era um antigo costume oriental cultivado nas
sinagogas e preservado pela igreja primitiva.
10 Paulo, como costume da época e entre os apóstolos, servia-se da assistência de um amanuense (pessoa que se dedicava
a arte de escrever) para quem narrava muitas de suas cartas. A saudação, entretanto, o apóstolo faz questão de fazer de próprio
punho a fim de mostrar seu carinho especial pelos irmãos de Corinto (Cl 4.18; Fm 19; 2Ts 3.17; Rm 16.22).
11 Paulo é claro em alertar para o fato de que aquela pessoa que se mantém deliberadamente contra o Evangelho deve ser
deixado por sua própria conta e risco, a fim de que experimente o que significa viver afastado da comunhão de Deus, prove do
desagrado do Pai e venha a se arrepender (Lc 15.11-32; Jo 3.36; Gl 1.8-9). Ao final da carta, Paulo suspira uma expressão em
aramaico (Marana tha – Maranata), que significa “Vem Senhor”, e tornou-se uma expressão de clamor muito conhecida entre os
cristãos da igreja primitiva, ao suplicar a Deus para que se abreviasse a gloriosa volta de Jesus Cristo.
12 Paulo encerra suas palavras escritas com sua tradicional bênção apostólica (Gl 6.18; Ef 6.24; Fp 4.23), uma simplificação da
bênção trinitária dispensada na segunda carta aos coríntios (2Co 13.14). Paulo foi firme e amoroso, como todo bom pai deve ser,
sempre disposto a corrigir, perdoar e regozijar-se com seus filhos na graça de Jesus Cristo, nosso Senhor.
Propósitos
Essa é uma epístola apostólica enérgica e corajosa. O principal objetivo de Paulo, claramente
expresso pela maneira fraternal, mas firme, com que profetiza a verdade e aplica a Palavra de Deus,
é evitar que falsos mestres, que haviam se infiltrado na igreja, minassem a pureza do cristianismo,
contestando sua integridade pessoal e autoridade apostólica.
Paulo não escreve como mero líder autoritário, temeroso pela possível perda de sua posição
de comando, mas sim como verdadeiro pai espiritual dos cristãos de Corinto, aos quais amava
profundamente e se preocupava em que tivessem o maior e melhor crescimento espiritual,
alimentando-se da verdade bíblica e livres das ideologias pagãs, místicas e judaizantes que se
propagavam por toda a Corinto da época.
A situação da Igreja em Corinto era de tamanha carnalidade e desrespeito às autoridades espiritu-
ais que Paulo precisou falar sobre sua própria pessoa e testemunho imaculado em Cristo. Embora
tivesse apelado para o próprio conhecimento pessoal e íntimo que os coríntios tinham dele e de
seu caráter, e ainda que tivesse recordado os enormes sofrimentos incorridos com o objetivo de
levar-lhes a mensagem regeneradora e salvadora do Senhor, ele agiu com sensível humildade, trans-
parência e sinceridade, expressando muitas vezes seu embaraço com a necessidade de evidenciar
tais aspectos da sua vida e ministério em Cristo. Por todo o texto desta notável e rica epístola, per-
cebemos a mais elevada dignidade, devoção, fé serena e inabalável, bem como a mais autêntica e
intensa paixão do pastor por seu Deus e povo.
Paulo tem a coragem de se apresentar aos seus leitores como o mais fraco e inútil dos homens,
exemplo dos pecadores, mas perfeitamente consciente que é justamente por meio dessa fragilidade
humana que o amor e o poder de Cristo se revelam ao mundo como fruto da Graça, soberana,
infalível e perene de Deus (12.9).
Esta epístola apostólica se aplica aos nossos dias em que o estrelato “gospel” parece ofuscar o
brilho sublime e poderoso da glória de Deus nos homens de fé. Por isso, seu estudo e aplicação
prática são mais do que oportunos. Sua nota especial está sobre a doutrina da reconciliação em
Cristo; e seu tema de glória, por meio do sofrimento consciente, sincero e dedicado, que significa
uma verdadeira renovação da visão e da vitalidade do povo de Deus.
1 Paulo reivindica sua plena autoridade apostólica (Mc 6.30; 1Co 1.1; Hb 3.1) em resposta às acusações de seus adversários
(11.13). A Igreja de Deus é a comunidade dos crentes em Cristo, representantes locais da imensa Igreja universal (1Co 1.2). A
palavra secular e original grega Ekklesia (Assembléia) é qualificada pela frase “de Deus”, como “Israel de Deus” em Gl 6.16. Os
“santos” é uma outra expressão que se refere ao povo de Deus e significa “aqueles que foram separados para adorar e servir ao
Senhor” (Rm 1.7). O nome Acaia diz respeito à Grécia, em oposição à Macedônia, situada ao norte. Embora Paulo tenha escrito
em resposta aos coríntios, seu conteúdo e princípios teológicos beneficiaram muitas outras igrejas (até nossos dias) por meio
das cópias que circularam por toda a Grécia.
2 Deus não é uma entidade invisível e desconhecida. Ele é o Pai e Deus de Jesus Cristo, o Messias, nosso Senhor. A expressão
idiomática “Pai das misericórdias” significa que o Senhor é “fonte de toda a graça e perdão”. Deus “da consolação” quer dizer
“Deus Paraclesis”, ou seja, “Deus Presente, Amigo, Encorajador”.
3 Para defender sua lealdade diante dos ataques mentirosos de seus inimigos, Paulo usa a expressão grega eilikrineia (since-
ridade) que se refere ao processo de sacudir cereais numa peneira a fim de separá-los das cascas e de toda a sujeira. Por isso,
Paulo se sente em paz diante do exame perscrutador de Deus e de qualquer investigação apurada dos irmãos (Sl 139.23). Afinal,
o apóstolo não era um estranho, pois havia previamente convivido dezoito meses com a igreja quando chegara pela primeira vez
em Corinto (At 18.11) e, portanto, seu caráter e dedicação ao serviço do Senhor tornaram-se evidentes diante de todos.
14 assim como também já em parte nos ções como garantia de tudo o que está
compreendestes, de que somos o vosso por vir.
motivo de orgulho, assim como sereis o 23 Portanto, invoco a Deus por minha
nosso no Dia do Senhor Jesus.4 testemunha de que foi para vos poupar
15 Confiando nisso, e para que rece- que não voltei a Corinto.
bêsseis um segundo benefício, planejei 24 Não que tenhamos domínio sobre a
primeiro visitá-los vossa fé, mas sim como vossos coopera-
16 durante a viagem para a Macedônia, e dores para que tenhais alegria, pois é pela
de lá voltar até vós, e por vosso intermé- fé que estais firmados.6
dio ser enviado à Judéia.
17 Será que ao planejar assim, o fiz com
leviandade? Ou será que, ao tomar deci-
sões, tenho agido de forma carnal, com-
2 Sendo assim, decidi que não mais iria
visitá-los com tristeza.1
2 Pois, se os entristeço, quem me alegrará
prometendo-me ao mesmo tempo com senão vós, a quem eu tenho entristecido?
“sim” e “não”? 3 Escrevi como escrevi para que, quando
18 Entretanto, como Deus é fiel, a nossa eu for, não seja amargurado por aqueles
palavra em relação a vós certamente não que deveriam alegrar-me. Quanto a to-
é “sim” e “não” ao mesmo tempo.5 dos vós, eu estava convencido de que a
19 Porquanto, Jesus Cristo, o Filho de minha alegria é a de todos vós.
Deus, que entre vós foi anunciado por 4 Porquanto, vos escrevi em meio a gran-
nós, isto é, por mim, Silvano e Timóteo, de aflição e angústia de coração, e com
seguramente não foi um “sim” e “não”, muitas lágrimas, não para constrangê-
mas nele sempre existiu o “sim”; los, mas para que soubessem como é
20 Pois, tantas quantas forem as promes- profundo o amor fraternal que alimento
sas de Deus, todas têm em Cristo o “sim”. por vós.2
Por isso, por intermédio dele, o “Amém”
é proclamado por nós para a glória de Perdoando o pecador
Deus. 5 Se um de vós tem causado tristeza, não
21 Ora, é Deus quem faz com que nós e tem entristecido somente a mim pes-
vós permaneçamos firmes em Cristo. Ele soalmente, mas, em parte, para não ser
nos ungiu, severo demais, a todos vós.
22 nos selou como sua propriedade e fez 6 Assim, a punição que foi imposta pela
habitar o seu Espírito em nossos cora- maioria a essa tal pessoa é suficiente.
4 Alguns irmãos na igreja em Corinto haviam se deixado enganar pelas calúnias dos “falsos apóstolos” que estavam infiltrados
entre os crentes. Paulo aponta para a volta gloriosa de Cristo como o “Dia do Senhor” (1Ts 2.19,20).
5 Os inimigos de Paulo tinham procurado persuadir os cristãos em Corinto de que, como mudara seus planos, sua palavra
não era digna de crédito, pois ele seria uma pessoa instável e irresponsável. Paulo reafirma seu compromisso de amor para com
Deus e seu ministério, e faz referência à mensagem do Evangelho que pregara aos coríntios: uma vez crendo no Evangelho,
descobriram que era de todo verdadeira e isenta de ambigüidades, e por meio da experiência que tiveram com seu poder
transformador, comprovaram ser uma grande afirmativa em Cristo, em que todas as promessas de Deus são, de fato, “sim”!
6 Paulo mudou seu plano inicial somente por causa da grande compaixão que sentia por seus “filhos na fé” em Corinto, pois
não queria precisar usar a “vara da repreensão” contra os altivos e arrogantes que estavam tumultuando a igreja (1Co 4.21).
Contudo, foi muito mal interpretado e difamado por alguns. Mesmo na qualidade de apóstolo, Paulo não deseja impor suas
diretrizes de forma despótica; antes, deseja ser conselheiro e servo, promovendo a santificação e a alegria espiritual dos seus
amados irmãos.
Capítulo 2
1 Paulo faz referência a um segundo encontro com os irmãos em Corinto o qual lhe trouxe grande amargura. Não se trata da
primeira visita, quando houve a fundação da igreja local na cidade, todavia não se sabe ao certo quando ocorreu esse encontro
doloroso. Contudo, fica claro que a visita que está por acontecer será a terceira, e que Paulo deseja evitar outros dissabores e o
constrangimento de precisar usar o rigor da sua autoridade apostólica (conforme 12.14; 13.1 e 1Co 4.21).
2 Paulo escreveu uma carta repreensiva entre 1Co e 2Co, mas que não foi preservada entre os textos canônicos da Bíblia.
Juntamente com a severidade das palavras, lágrimas de amor fraterno acompanharam a admoestação do apóstolo de Cristo.
3 Paulo refere-se a uma pessoa específica que o teria ofendido muito, mas que não se trata do homem incestuoso de 1Co
5.1, que Paulo não tolerou na igreja. Esse outro transgressor sofreu uma pena eclesiástica imposta, de forma democrática, por
decisão da maioria da igreja. Contudo, como o culpado demonstrou arrependimento por seu pecado, Paulo exorta aos coríntios
que encerrem o castigo e recebam o arrependido na comunhão da igreja. A disciplina na igreja, por mais necessária e importante
que seja, não deve ser aplicada sem graça e esperança sincera de recuperação do penitente (Mt 18).
4 Paulo havia viajado rumo ao norte, de Éfeso a Trôade, famosa cidade no litoral do mar Egeu. Embora soubesse que seu amigo
Tito (8.16-23) estava seguindo o mesmo itinerário, mas na direção inversa, ansiava poder encontrá-lo de passagem em Trôade, a
fim de ter notícias dos coríntios, coisa que não ocorreu, e o fez partir rapidamente para a cidade de Filipos na Macedônia.
5 Paulo abre um parêntese na descrição do seu itinerário (que retoma em 7.5) e passa a refletir sobre a fé triunfante: um louvor
a Deus por sua graça inesgotável e incessante para com todas as nossas situações de vida, mesmo as mais ameaçadoras e
aparentemente destrutivas. Paulo usa a expressão grega “triunfo” que era aplicada aos glamourosos cortejos dos generais e im-
peradores, trazendo seus tesouros de guerra (em desfile por ruas perfumadas pela queima de grande quantidade de especiarias
aromáticas), acompanhados de uma enorme fileira de cativos. No mesmo pensamento, o apóstolo faz referência aos sacrifícios
aceitáveis a Deus no AT (Gn 8.21; Êx 29.18).
6 À medida que o aroma do Evangelho é espalhado no mundo, pelo testemunho cristão, todos podem experimentar o seu bom
perfume. Entretanto, essa fragrância pode ser interpretada de duas maneiras: cheiro de vida eterna, pelos salvos; e cheiro de
morte e destruição, por aqueles que estão perecendo. Não porque a mensagem do Evangelho possa exalar um cheiro mortífero,
mas porque os incrédulos, ao rejeitarem a graça vivificante de Deus em Jesus Cristo, confirmaram sua escolha: a morte eterna.
Quem são os capacitados a compreender esse mistério? (a resposta está em 3.5).
7 Paulo usa a palavra grega “mercadejar”; comum entre muitos caixeiros viajantes da época, que procuravam de todas as
maneiras iludir e enganar seus clientes, com a finalidade de lhes vender suas mercadorias e obter lucros escorchantes, para
fazer duas afirmações muito sérias: 1) Havia – já naquela época – falsos mestres, que aproveitando a explosão de crescimento
do cristianismo tinham se infiltrado nas comunidades cristãs e, particularmente, na igreja de Corinto, com o principal objetivo de
arrancar bens e dinheiro dos membros ingênuos da igreja; 2) Paulo defende sua sinceridade e lealdade para com o Senhor e com
os irmãos, lembrando que havia decidido pregar o Evangelho sem nada receber em troca, sempre procurando não ser pesado
financeiramente aos cristãos de qualquer igreja (11.7-12; 1Co 9.7-15).
Capítulo 3
1 Corinto havia sido invadida por grande quantidade de falsos crentes e andarilhos milagreiros, que se diziam mestres da verda-
de apostólica. Por isso, os coríntios passaram a pedir cartas de recomendação aos missionários e mestres cristãos que chegavam
sois uma carta de Cristo, resultante de Moisés, por causa do resplendor do seu
nosso ministério, escrita não com tinta, rosto, mesmo que esse brilho estivesse se
mas com o Espírito do Deus vivo, não desvanecendo.5
em tábuas de pedra, mas em tábuas de 8 Não será o ministério do Espírito mui-
corações humanos!2 to mais glorioso?
4 E é por intermédio de Cristo que temos 9 Ora, se o ministério que trouxe a
tamanha confiança em Deus. condenação era glorioso, quanto mais
5 Não que possamos reivindicar qual- ainda será o ministério que produz a
quer coisa com base em nossos próprios justificação!6
méritos, mas a nossa capacidade vem de 10 Porquanto o que no passado foi glo-
Deus.3 rioso, agora não tem o mesmo esplendor,
6 Ele nos capacitou para sermos minis- quando comparado com essa glória
tros de uma nova aliança, não da letra, insuperável.
mas do Espírito; porquanto a letra mata, 11 E se o esplendor que estava dissipando
mas o Espírito vivifica!4 se manifestou em glória, quanto maior
será a glória do que permanece!
A relevância da Nova Aliança 12 Sendo assim, visto que temos essa
7 Com letras sobre pedras foi gravado o qualidade de fé, expressamos muita
ministério que trouxe a morte; no en- confiança.7
tanto, esse ministério veio com tamanha 13 Não somos como Moisés, que se
glória que os filhos de Israel não conse- cobria com um véu sobre a face para
guiam sequer fixar os olhos na face de que os filhos de Israel não observassem
à igreja. Paulo não precisava de qualquer recomendação, pois sua obra estava estampada na própria vida de muitos membros
da igreja, transformados pelo poder do Evangelho. Entretanto, mesmo com todos os cuidados, alguns impostores conseguiam
forjar falsas cartas de recomendação e se infiltrar nos ministérios da igreja.
2 Os documentos e as cartas eram comumente redigidos sobre pergaminho ou papiro. Paulo compara o desbotamento natural
da tinta (letras) e sua facilidade de ser encoberta com a marca indelével e permanente do Espírito. A Palavra de Deus está escrita
no coração dos crentes, não em placas de argila ou pedra como no Sinai (Jr 31.33; Ez 11.19; 36.26). Paulo explica, logo a seguir,
a importância dessa diferença entre a antiga e a nova aliança (vv. 7- 18).
3 Paulo responde aqui a pergunta levantada em 2.16. Nossa força, capacidade, dons e talentos vêm do Senhor. O cristão
maduro tem plena consciência dessa verdade e, por isso, desenvolve uma auto-estima equilibrada, louvando a Deus pela maneira
como foi criado (Sl 139.13-17).
4 Os “ministros” são aqueles que “servem” à causa do Senhor (4.1; Rm 15.16; Cl 1.7; 4.7; 1Tm 4.6). Aqui, Paulo retoma o
tema do v.3: “tábuas de corações humanos” (Hb 7.22 e 8 a 10). Paulo adverte a igreja sobre os judaizantes (judeus cristãos que
queriam guardar a Torá e as leis rabínicas), os quais se diziam discípulos de Pedro (1Co 1.12; Hb 11.22), e revela que os cristãos,
em cujos corações habita o Espírito, têm a Lei escrita em suas próprias almas pelo Senhor: o Deus vivo, conforme a promessa da
nova aliança, entregue pelos profetas do AT (Jr 31.31-34; 32.39,40; Ez 11.19; 36.26). A expressão grega literal: “a letra mata, mas
o Espírito dá vida” não quer dizer que o significado externo e literal da Bíblia seja mortífero ou inútil; e que o sentido interior, místico
e subjetivo tenha maior valor. O termo original “letra” tem o sentido de “lei” ou “padrão de conduta” (Êx 24.12; 31.18; 32.15,16),
diante do qual todos os seres humanos são culpados (pecadores – Rm 3.23) e, por isso, já estão condenados à separação
eterna de Deus (morte). O sacrifício expiatório de Cristo pagou a pena de todos os que têm fé nesse ato salvífico do Senhor, e
portanto, são agraciados com a habitação do “Espírito do Deus vivo” em seus corações, a fim de fortalecê-los e conduzi-los ao
amadurecimento espiritual. É o Espírito Santo, que cumprindo a promessa da nova aliança escreve a Lei no interior da alma do
crente, concede-lhe amor pelos mandamentos do Senhor, os quais ele antes odiava, e lhe abençoa com capacidade para viver
uma vida cristã autêntica e testemunhar ao mundo o poder regenerador e transformador do Evangelho. Um poder que antes, por
mais inteligente ou virtuoso que fosse, não dispunha.
5 A Lei, conforme a antiga aliança, entregue ao povo de Deus no Sinai, não era, de forma alguma, má ou infrutífera. Na verdade,
Paulo a conceituava como santa, justa, boa e espiritual (Rm 7.12-14). O erro e a pecaminosidade está na alma e nas ações das
pessoas que, como transgressores da Lei, trazem sobre si justa condenação e punição. A glória de Deus estava presente na
entrega da Lei, e o seu brilho ficava refletindo no rosto de Moisés quando este descia da montanha (Êx 34.29,30).
6 O ministério do Espírito Santo produz justificação e vida, em vez de condenação e morte. A expressão original “justiça” tem
um sentido objetivo de “justificação”, e pessoal de “santificação”.
7 Paulo comenta, no trecho que vai de 3.12 a 4.11, as duas principais dificuldades dos ministros (servos do Senhor): 1) a
cegueira e surdez espiritual dos ouvintes e 2) a fraqueza do ministro.
8 Moisés usava um véu para cobrir o rosto, a fim de impedir que os israelenses vissem a glória de Deus se desvanecendo e
isso viesse prejudicar a fé e a obediência do povo (Êx 34.33-35). Esse mesmo véu ainda reside, figuradamente, na memória dos
judeus e os impede de reconhecer o caráter temporário e insuficiente da antiga aliança. Somente as pessoas que recebem a
Cristo como Deus e Salvador pessoal têm a capacidade de perceber como a nova aliança transcende e substitui para sempre a
antiga. E isso, por causa da glória maior.
9 Paulo se refere à Torá ao dizer “quando Moisés é lido”. O versículo 16 é uma citação do texto de Êx 34.34 da Septuaginta (a
tradução grega do AT).
10 O Senhor (em hebraico Yahweh) que significa Jeová, em Êx 34.34, corresponde ao Espírito na nova aliança anunciada pelo
apóstolo Paulo. A presença do Espírito de Deus na alma do crente o liberta da Lei e do legalismo e o influencia a fazer a vontade
do Pai por amor (Rm 8.14). Os termos: Espírito, Espírito de Cristo, Espírito de Deus, o Espírito Santo e Cristo são expressões
intercambiáveis com, basicamente, o mesmo significado. Isso porque o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, e as duas
primeiras pessoas da trindade realizam seus propósitos mediante a ação do Espírito Santo (Rm 8.9-10; At 16.6,7; Gl 2.20).
11 Moisés, ao se aproximar do Senhor e ouví-lo, tinha seu rosto iluminado por Sua glória, que resplandecia e encorajava a
todos à sua volta. Contudo, com o passar dos dias, o brilho da glória do Senhor, estampado em Moisés, começava a perder seu
fulgor, e ele procurava esconder seu rosto natural. Paulo afirma que os cristãos estão sendo transformados dia após dia, com
glória cada vez maior. O próprio Jesus Cristo é a glória de Deus na plenitude do seu esplendor (Hb 1.3); dele é a glória perene
que não se dissipa nem perde o brilho. A mesma que tinha o Pai antes de haver criado o universo (Jo 17.5). Os cristãos fiéis são
feitos participantes dessa glória à medida que caminham mais e mais em comunhão com o Espírito de Cristo. A essa caminhada
espiritual, que dura a vida toda, se dá o nome de “santificação”.
Capítulo 4
1 Quando o Senhor, por sua graça e misericórdia, nos chama para a realização de uma obra, juntamente com a missão nos
concederá toda a capacidade e as forças necessárias para que possamos perseverar e vencer em meio às adversidades e
obstáculos. Como Paulo, somos chamados ao glorioso ministério da reconciliação (3.6). É o poder de Deus que transforma o
mais obstinado, cruel e cego dos corações, e não qualquer de nossas habilidades pessoais (At 1.8; Rm 1.16).
2 Na época do apóstolo Paulo, já havia os “atores pseudocristãos” (expressão derivada da palavra grega “hipocrisia”), falsos
mestres evangélicos que usavam todo tipo de ardil e manipulação para convencer seu público sobre suas próprias crenças,
com o objetivo de conquistar um grupo de patrocinadores para seus projetos pessoais. Paulo, entretanto, pode apelar para a
consciência de cada um dos coríntios e invocar sua própria integridade diante do Senhor, porquanto a sua teologia, ética e prática
missionária eram demonstradas em toda parte por meio da transparência, clareza e fidelidade com que expunha a verdade, sem
jamais apelar para a fraude ou qualquer tipo de engano (1.12, 18-24).
3 Apesar de todas as possíveis explicações sobre o mal e a incredulidade sobre a terra, o fato é que há um poder invisível
agindo eficazmente nos bastidores da existência humana, que emana da pessoa de Satanás, o arquiinimigo de Deus. As pessoas
que defendem e praticam a impiedade e perversão da Palavra de Deus (de alguma forma) seguem ao Diabo e têm de fato feito
dele seu deus. O apóstolo se refere a “era presente” em contraste com a “era eterna” purificada por Jesus para sempre (Gl 1.4),
6 Porquanto foi Deus quem ordenou: igualmente cremos e, por esse motivo,
“Das trevas resplandeça a luz!”, pois Ele falamos.7
mesmo resplandeceu em nossos cora- 14 Temos certeza de que aquele que res-
ções, para iluminação do conhecimento suscitou o Senhor Jesus dentre os mor-
da glória de Deus na face de Cristo.4 tos, da mesma forma nos ressuscitará
com Ele e nos apresentará convosco.
O poder do servo vem de Deus 15 Tudo isso é para o vosso benefício, para
7 Temos, porém, esse tesouro em vasos que a graça, que está alcançando mais e
de barro, para demonstrar que este po- mais pessoas, faça transbordar as muitas
der que a tudo excede provém de Deus e ações de graça para a glória de Deus.
não de nós mesmos.5
8 Sofremos pressões de todos os lados, O motivo e efeito das aflições
contudo, não estamos arrasados; ficamos 16 Portanto, não desanimamos! Ainda
perplexos com os acontecimentos, mas que o nosso exterior esteja se desgas-
não perdemos a esperança; tando, o nosso interior está em plena
9 somos perseguidos, mas jamais desam- renovação dia após dia.
parados; abatidos, mas não destruídos; 17 Pois as nossas aflições leves e passa-
10 trazendo sempre no corpo o morrer de geiras estão produzindo para nós uma
Jesus, para que a vida de Jesus, da mesma glória incomparável, de valor eterno.
forma, seja revelada em nosso corpo.6 18 Sendo assim, fixamos nossos olhos,
11 Pois nós, que estamos vivos, somos não naquilo que se pode enxergar, mas
cotidianamente entregues à morte por nos elementos que não são vistos; pois
amor a Jesus, para que a sua vida também os visíveis são temporais, ao passo que os
se manifeste em nosso corpo mortal. que não se vêem são eternos.8
12 De maneira que em nós opera a morte,
entretanto em vós, a vida! A morada eterna do cristão
13 Assim está escrito: “Cri, por isso decla-
rei!” Com esse mesmo espírito de fé, nós 5 Estamos certos de que, se esta nossa
temporária habitação terrena em que
e continua a usar o exemplo do véu sobre o rosto de Moisés no sentido de cobrir a glória divina aos que não desejam ver com os
olhos da fé e receber o Evangelho, a verdadeira glória eterna (3.12-18). Jesus Cristo, o Filho, e a segunda pessoa da Trindade,
é o único capaz de revelar plenamente a imagem de Deus, pois Cristo é o próprio esplendor da glória de Deus (Hb 1.3). Ele é a
verdadeira Imagem de Deus (em latim Imago Dei) na qual o homem foi originalmente criado e na qual a humanidade salva está
experimentando o poder da transformação, até que, no final dos tempos (dessa era decadente), na segunda e gloriosa volta de
Cristo, todos os crentes sinceros serão feitos à semelhança de Jesus (1Jo 3.2).
4 Essa foi a expressão que Deus usou na criação (Gn 1.2-4), da mesma maneira como abençoa o novo nascimento (a nova
criação) dos crentes em Cristo, à medida que as trevas e amarras do pecado são dissipadas pela poderosa luz do Evangelho. A
glória que ilumina o coração de Paulo e dos cristãos fiéis é o esplendor do rosto de Cristo, que veio até nós da parte do Pai celeste
para habitar em nossa alma e não apenas num tabernáculo no deserto (Jo 1.14).
5 Era costume esconder tesouros em vasos de barro, que exteriormente não tinham qualquer adorno nem chamavam a
atenção. Foram em vasos simples como esses que se encontraram os conhecidos Rolos do Mar Morto, no monte Qunram
próximo ao mar Mediterrâneo, e outros muitos tesouros. Paulo usa a idéia de que a insuficiência absoluta do ser humano revela
a grandeza e a total suficiência de Deus em toda essa carta à igreja em Corinto. A fraqueza física de um ministro de Deus inclui:
“temor e tremor” (1Co 2.3); enfermidades (2Co 12.7); e todo o tipo de tribulações e perseguições (vv. 8,9).
6 A fragilidade da pessoa humana, tão bem representada na figura do “vaso de barro” pode ser observada na própria vida diária
do apóstolo Paulo, em suas constantes adversidades e perseguições que o esbofeteavam por amor do Evangelho e por meio das
quais compartilhava as aflições e a glória de Cristo (v.1.5; Rm 8.17; Fp 3.10; Cl 1.24).
7 A fé no Senhor produz o testemunho cristão (Sl 116.10). Por isso, Paulo dedicava-se à vida missionária incansavelmente a fim
de levar aos desconhecidos em todo o mundo a gloriosa Palavra da salvação: o Evangelho. O mesmo Espírito que nos concede
a fé é o Espírito da: adoção (Rm 8.15), da sabedoria (Ef 1.17), da graça (Hb 10.29) e da glória (1Pe 4.14).
8 Nossos sofrimentos são reais e dolorosos, por vezes, desesperadores. Contudo, o cristão jamais os atravessa sozinho (Sl 23),
mas sempre na solidária e poderosa companhia do Pai, em Cristo Jesus. Somos encorajados pelo apóstolo Paulo a fixar nosso
olhar de fé na glória eterna, e não somente nos momentos circunstânciais e passageiros dessa nossa curta existência terrena.
Alegrias e tristezas passam muito depressa, e não devemos, portanto nos prender a qualquer delas. Concentrar toda a nossa
atenção nos eventos do dia-a-dia (visíveis) pode nos levar ao desânimo (v. 1,16). Apesar das realidades não palpáveis (invisíveis)
não terem aparência de realidade (Hb 11.1-27), têm valor eterno e são imperecíveis. Por isso, somos estimulados a olhar para o
céu, de onde vem chegando nosso Salvador em glória e onde vamos viver para sempre, não para as aparências transitórias dos
cenários deste mundo que agoniza (Fp 3.20; Hb 12.2).
Capítulo 5
1 Paulo chegou a uma perfeita compreensão sobre a temporalidade e fragilidade do nosso corpo e o equiparou a uma simples
tenda nômade (vulnerável e passageira), como o tabernáculo dos judeus no deserto (2Pe 1.13). Nossa habitação no céu, entre-
tanto, é sólida e permanente como uma construção de alvenaria (edifício): uma obra das mãos de Deus (Hb 9.11). Só recebere-
mos o corpo ressurreto por ocasião do iminente glorioso retorno de Jesus Cristo (Jo 14.2; Fp 1.23; Lc 16.9; 23.43; 2Co 12.24).
2 Nossa casa eterna (refúgio seguro), provida por Deus, é retratada por Paulo como algo que o cristão veste. Um corpo sem sua
roupagem é o estado daqueles cuja habitação temporária e terrena foi – de uma hora para outra – destruída pela morte.
3 Os cristãos sinceros participam da vida e da ressurreição de Cristo, portanto, não serão consumidos pela morte (como se
diz desde a antigüidade), mas “absorvidos pela vida” em Cristo, conforme a alteração feita por Paulo no antigo adágio popular. A
morte e a sepultura sempre foram consideradas as grandes devoradoras da vida. Cristo alterou maravilhosamente o destino dos
seres humanos que nele crêem (Sl 69.15; Pv 1.12; Is 25.8; 1Co 15.54; Fp 3.21).
4 Ainda que nossa alma resida temporariamente em uma casa (corpo) terrena, isso não significa que o cristão esteja privado
da presença espiritual do Senhor para ajudá-lo em sua peregrinação diária. Essa é a missão do Espírito Santo em nossas
vidas (Rm 8).
5 Paulo sabia que o crente, após a morte do corpo, segue para um estado intermediário entre a morte e a ressurreição.
Contudo, esse estado incorpóreo e incomunicável com os que ainda vivem na terra não é um limbo (lugar para onde vão as
almas das crianças sem batismo, segundo a teologia católica do séc.XIII), pois o cristão sincero, assim que morre é acolhido na
casa do Pai e começa a receber as recompensas à sua fé; e isso é incomparavelmente melhor do que a vida nesse nosso corpo
(Fp 1.23). Paulo usa literalmente a expressão grega: philotimoumetha, que significa: “fazemos nossa ambição”, para dizer da sua
paixão em fazer a vontade de Deus, quer estivesse com vida, quando da segunda vinda do Senhor, quer já houvesse adormecido
e deixado seu corpo terreno.
6 Mediante a fé sincera na pessoa e no sacrifício remidor de Cristo, todo cristão é alcançado pela graça da justificação plena
e eterna de Deus (Rm 5.1). Entretanto, será necessário que cada crente seja julgado e responda por suas ações (1Co 3.13-
15). Portanto, compareceremos à presença do Senhor com nossas memórias, sobretudo, o quanto realizamos por meio do
corpo durante nossa existência na terra. Logo em seguida, entretanto, reconheceremos que nossos pecados e faltas foram
resposta para os que se orgulham das liando consigo mesmo o mundo, não
aparências e não do que está no coração. levando em conta as transgressões dos
13 Pois, se enlouquecemos, é por amor a seres humanos, e nos encarregou da
Deus; se conservamos o juízo, é porque mensagem da reconciliação.
vos amamos.7 20 Portanto, somos embaixadores de
14 Porquanto o amor de Cristo nos cons- Cristo, como se Deus vos encorajasse por
trange, porque estamos plenamente con- nosso intermédio. Assim, vos suplicamos
vencidos de que Um morreu por todos; em nome de Cristo que vos reconcilieis
logo, todos morreram. com Deus.
15 E Ele morreu por todos para que aque- 21 Deus fez daquele que não tinha pecado
les que vivem já não vivam mais para si algum a oferta por todos os nossos peca-
mesmos, mas para Aquele que por eles dos, a fim de que nele nos tornássemos
morreu e ressuscitou. justiça de Deus.9
16 Assim, de agora em diante, a ninguém
mais consideramos do ponto de vista
meramente humano. Ainda que outrora
tivéssemos considerado a Cristo assim,
6 E nós, como cooperadores de Deus,
vos exortamos a não acolher a graça
de Deus de forma inútil.1
agora, contudo, já não o conhecemos 2 Porquanto diz o Senhor: “Eu te ouvi
mais desse modo. no tempo oportuno e te socorri no dia
17 Portanto, se alguém está em Cristo, é da salvação” Com certeza vos afirmo que
nova criação; as coisas antigas já passa- esse é o momento propício, agora é o dia
ram, eis que tudo se fez novo!8 da salvação!2
18 Tudo isso provém de Deus, que nos
reconciliou consigo mesmo por inter- As marcas do ministério
médio de Cristo e nos outorgou o minis- 3 Não damos motivo de escândalo em
tério da reconciliação. atitude alguma, a fim de que nosso mi-
19 Pois Deus estava em Cristo reconci- nistério não seja achado em falta.
todos lavados e apagados para sempre pelo poder do sangue de Cristo (1Jo 1.9). As Escrituras não oferecem base teológica
sustentável para a doutrina de um purgatório, onde as almas dos cristãos passariam por um período de punições e purificação
até poderem adentrar aos céus. Os pagãos e incrédulos passarão por um outro tipo de julgamento (Rm 2.5-16), a fim de serem
condenados à separação eterna de Deus (morte). Aqui, no entanto, Paulo trata especificamente dos cristãos.
7 Normalmente, os falsos líderes cristãos não se preocupam com o desenvolvimento de uma espiritualidade genuína, sadia e
profundamente alicerçada em Cristo. Eles se concentram na popularidade e na própria riqueza. Por isso, os inimigos de Paulo,
o acusavam de algum tipo de desequilíbrio mental ou emocional, pois sua história de conversão e a paixão sincera com que
pregava e exercia o ministério missionário eram além do normal. Paulo, contudo, procurava manter a sensatez por amor aos
coríntios (1Co 2.1-5).
8 Deus toma a iniciativa de reconciliar a humanidade consigo mesmo. Ele é o reconciliador, que une o pecador rebelde ao
seu Criador (reúne – religa – religião ou religare, em latim). Cristo, o Filho de Deus, é o agente vital dessa reconciliação (18,19).
A redenção é o cumprimento dos propósitos de Deus na criação, e isso ocorre em Cristo, por quem tudo o que existe foi criado
(Jo 1.3; Cl 1.16; Hb 1.12) e em quem todas as coisas são perfeitamente restauradas em nova criação (Rm 8.18-23; Ef 2.10). Nós,
os reconciliados, somos os ministros (servos e embaixadores) e devemos proclamar a mensagem de reconciliação ao mundo
(o Evangelho).
9 Deus se fez humano em Cristo e se identificou com o pecado da raça humana, sem pecar, como única forma legal de cumprir
toda a Lei e redimir todo aquele que crê nesse último, suficiente e eterno sacrifício vicário: Jesus na cruz do Calvário (Is 53.6; Jo
20.21). Essa é a lógica do Evangelho: o único homem, completamente justo, tomou sobre si nosso pecado e suportou o castigo
que merecíamos. Desta maneira nos outorgou sua justiça e, por intermédio dela, a plena reconciliação com Deus (1Co 1.30).
Capítulo 6
1 O cristão que anda egoisticamente e não busca viver o Evangelho de forma coerente à vontade do Espírito Santo e à Palavra
de Deus, transforma a graça divina apenas numa religião vã e ritualística (5.15).
2 O tempo “aceitável” ou “sobremodo oportuno” refere-se, em seu sentido geral, a todos os atos salvíficos de Deus ao longo
da história da humanidade, contudo, seu cumprimento mais específico concretiza-se nessa época da graça, entre a primeira e a
segunda vinda de Jesus Cristo. Os crentes em Deus do AT foram contemplados com a mesma graça salvadora do Senhor por
meio das promessas que viram e acolheram à distância, pela fé, e que se cumpriram plenamente na pessoa e obra de Cristo (Jo
8.56; Hb 11.13).
4 Ao contrário, como servos de Deus, falo como a filhos, abri, pois, também os
recomendamo-nos de todas as maneiras: vossos corações.
em muita perseverança; em sofrimentos, 14 Jamais vos coloqueis em jugo desigual
privações e tristezas;3 com os descrentes. Pois o que há de co-
5 em açoites, prisões e tumultos; em traba- mum entre a justiça e a injustiça? Ou que
lhos árduos, noites sem dormir e jejuns; comunhão pode ter a luz com as trevas?
6 em pureza, conhecimento, paciência e 15 Que harmonia entre Cristo e Belial?
bondade; no Espírito Santo e no amor Que parceria pode se estabelecer entre o
sincero; crente e o incrédulo?
7 na Palavra da verdade e no poder de 16 E que acordo pode existir entre o
Deus; com as armas da justiça, tanto no templo de Deus e os ídolos? Porquanto
ataque como na defesa, somos santuário do Deus vivo. Como
8 por honra e por desonra, por difama- declarou o próprio Senhor: “Habitarei
ção e por boa reputação; tidos por deso- neles e entre eles caminharei; serei o seu
nestos, mas sendo verdadeiros; Deus, e eles serão meu povo!”
9 como desconhecidos, porém bem co- 17 Portanto, “saí do meio deles e separai-
nhecidos; caminhando como quem está vos, diz o Senhor, e não toqueis em nada
prestes a morrer, mas eis que vivemos; que seja impuro, e Eu vos receberei.
torturados, mas não mortos; 18 Serei para vós Pai e sereis para mim
10 entristecidos, mas sempre felizes; po- filhos e filhas”, diz o Senhor Todo-Pode-
bres, mas enriquecendo a muitas pesso- roso!5
as; nada tendo, mas possuindo tudo.4
Exortação
ç a uma vida santa
11 Ó, irmãos em Corinto, temos falado
7 Amados, visto que temos essas pro-
messas, purifiquemo-nos de tudo o
que possa contaminar o corpo e, por
francamente convosco, com nosso co- conseguinte a alma, aperfeiçoando a
ração aberto! santidade no temor de Deus.1
12 Nosso amor fraternal por vós não está
restrito, contudo, vós tendes limitado Consolo em meio às aflições
vosso afeto para conosco. 2 Acolhei-nos em vosso coração; a nin-
13 Em termos de justa retribuição, vos guém tratamos com injustiça, a nenhu-
3 A palavra original grega hupomone, traduzida em algumas versões por “paciência”, tem o sentido de “seguir com a firme
esperança de chegar a um final feliz”. Um dos pais da Igreja, Crisóstomo, chamou essa virtude de “a raiz de todos os bens”,
ao considerar a “perseverança” como um dos fundamentos da vida cristã. Paulo zelava por sua vida com Deus e por seu
testemunho como apóstolo (missionário e ministro de Cristo). Diferentemente dos falsos mestres de seu tempo (que viviam
muito bem em função do dinheiro que extorquiam de religiosos incautos), Paulo pagava um preço muito alto por sua conduta
sincera e verdadeira. Sua carta de apresentação era escrita com suas próprias marcas (no corpo e na alma) em favor das igrejas,
especialmente dos cristãos de Corinto (4.8-12).
4 Paulo havia aprendido que as verdadeiras e eternas riquezas não se consistem em bens mundanos, mas em ser “rico para
com Deus” (Lc 12.15-21). O cristão não é impedido de ser próspero materialmente, mas deve preservar seu maior e mais impor-
tante bem: a herança de Cristo (1Co 1.4,5; 3,21; Ef 2.7; 3.8; Fp 4.19; Cl 2.3).
5 Os inimigos de Paulo tentaram jogar os coríntios contra ele, alegando que o apóstolo era neurastênico e desprovido de real
fraternidade pelos cristãos (5.13). Paulo, no entanto, está preocupado em evitar que a igreja de Corinto seja arrastada para o
pecado por falsos mestres, que usam de lisonja e demagogia, a serviço do Diabo (Beliall é um termo derivado do hebraico para
designar Satanás – Dt 13.13). Por isso, o apóstolo faz menção à proibição das “misturas de fé” (Dt 22.10). Se os coríntios se
aliarem a esses “pregadores de si mesmos”, portanto, “não cristãos”, se colocarão em “jugo desigual” e quebrarão a harmonia
e a comunhão que os mantém em sintonia com Cristo. Paulo adverte aos crentes que não podem voltar à idolatria, pois agora
foram feitos moradia do Espírito de Deus (tabernáculos, templos) ao se entregarem ao Evangelho (1Ts 1.9). Como edifícios
(pedras vivas), separados para a residência permanente do Senhor, não é concebível que estabeleçam qualquer aliança de fé e
comunhão com pessoas que andam sem o Espírito de Deus habitando em suas vidas (1Co 6.19,20).
Capítulo 7
1 A vontade de Deus sempre foi estabelecer uma relação sincera de amor e adoração entre sua maior criação: o ser humano, e
seu Criador (6.16-18). Para que essa comunhão ocorra, é necessário que o homem se separe de toda imundícia contaminadora.
Quanto mais progredimos no processo de santificação, mais próximos de Deus desejamos estar (1Ts 4.7; 1Jo 3.3).
2 Paulo havia sido acusado por falsos cristãos de ser injusto, destrutivo, ranzinza e fraudulento, erros que eles próprios
praticavam. A demorada digressão que começou em 2.14 termina aqui, com uma exclamação de satisfação. As notícias que
Paulo havia aguardado com tanta ansiedade da igreja de Corinto se revelaram boas e tranqüilizadoras, proporcionando grande
alegria à alma do apóstolo.
3 Paulo retoma a narrativa que iniciara em 2.12,13, quando compartilhava como sua esperança de se encontrar com Tito em
Trôade fora frustrada e como, ansioso por obter notícias e mais depressa voltar aos coríntios, rumou para a Macedônia. Agora,
contudo, explica que ao chegar na Macedônia encontrou-se com seu amado amigo Tito, o qual lhe trouxe boas notícias da igreja
em Corinto, acrescentando que ele próprio havia sido muito bem recebido pela igreja, o que muito alegrou o coração de Paulo.
4 A palavra original grega metanoia significa “arrependimento”, mas no sentido de uma convicção prática em relação a mudança
de atitude ou caminho. Decisão necessária para a conversão e salvação de qualquer pessoa (Lc 13.3,5). A “tristeza conforme o
Senhor” refere-se ao sincero e profundo sentimento (conclusão) de se ter pecado contra a vontade explícita de Deus e, por isso,
estar condenado à separação eterna de Deus (morte). Seguida de arrependimento, confissão e mudança, possibilita a salvação
(Mt 11.28). Por outro lado, a “tristeza do mundo” é um tipo de depressão e frustração egoísta, motivada pelas conseqüências
dolorosas das atitudes pecaminosas praticadas, e não por um arrependimento teocêntrico.
1 Os capítulos 8 e 9 revelam conceitos de Deus sobre o ministério dos crentes de contribuir; com suas vidas, bens e dinheiro
para o progresso do Evangelho em todo o mundo. A contribuição para o sustento e avanço da obra de Cristo ou para assistência
social deve alicerçar sua motivação principal na mesma graça divina que levou Jesus a entregar-se por nossa salvação em
sacrifício perpétuo (v.9).
2 Paulo salienta que os macedônios não contribuíram do que lhes sobejava, mas tirando sem medida da sua própria pobreza
ofertaram com generosidade e grande alegria. A expressão grega original haplotetos, aqui traduzida por “generosidade”, tem o
sentido de “singeleza de coração”. Somos motivados a contribuir com liberalidade (literalmente: sem calcular quanto estamos
deixando de poupar), livres de motivos egoístas (Rm 12.8).
3 Quando a graça do Senhor inunda a vida do crente, sua contribuição não somente é teocêntrica (dirigida pelo Espírito), es-
pontânea e generosa, como também realizada com muita alegria interior. Portanto, não é necessário que os crentes pressionem
ou sejam pressionados a cooperar. O testemunho de Paulo e de outros irmãos serviram de grande testemunho e motivação.
4 Antes da motivação para a contribuição material e financeira com o ministério da Igreja, o crente é impulsionado pelo Espírito
Santo a doar sua vida a Jesus, seu Salvador e Senhor. Os macedônios se ofereceram como missionários ao lado de Paulo, e para
cooperar de todas as formas com a expansão do Reino de Deus por todo o mundo. O crente sincero chega à conclusão de que
pessoas (almas) são muito mais importantes do que dinheiro (12.9,10).
5 A coleta das ofertas havia começado entre os coríntios sob a orientação de Tito, acerca de um ano atrás (v.10; 9.2). Entretanto,
pelos problemas surgidos na igreja, tal plano de ação havia perdido o interesse geral. Paulo, então, está enviando Tito de volta à
Igreja em Corinto, levando consigo essa carta de encorajamento.
6 Deus-Filho em sua encarnação e morte expiatória na cruz do Calvário, no lugar de todo crente, esvaziou-se da sua glória e
riqueza absoluta para que, por meio da sua pobreza, nós pudéssemos ser enriquecidos. Esse é o grande incentivo e motivação
de toda a generosidade cristã sobre a terra até o glorioso retorno do Senhor.
7 Ao contribuir, o mais importante é a sinceridade e a boa vontade, independente do valor monetário da oferta. Nosso exemplo
mais notável é o da viúva pobre, observado por Jesus em Mc 12.41-44. O método de arrecadação usado em Corinto tinha sido
proposto pelo próprio apóstolo em sua primeira carta (1Co 16.1,2).
sobrecarregados, mas que haja justo eles o nosso irmão que, muitas vezes e
equilíbrio. de várias maneiras, já nos provou ser
14 No presente momento, a vossa fartura zeloso, e agora ainda mais dedicado,
suprirá a grande necessidade deles, para por causa da grande confiança que ele
que, de igual modo, a abundância deles tem em vós.
venha a suprir a vossa privação, e assim 23 Quanto a Tito, ele é meu companheiro
haja igualdade. e cooperador para convosco; quanto a
15 Como está escrito: “Quem muito havia nossos irmãos, eles são apóstolos das
colhido não o fez em excesso, para que igrejas e glória para Cristo.11
nada faltasse a quem pouco recolhera”.8 24 Portanto, diante das demais igrejas,
manifestai a esses irmãos a prova do
Zelo na coleta das ofertas amor que tendes e a razão do orgulho
16 Agradecemos a Deus por ter colocado que temos de vós.
no coração de Tito a mesma dedicação
por vós; Orientações quanto à coleta
17 pois Tito não apenas aceitou a nossa
solicitação, mas já partiu para vos visitar,
com muito entusiasmo e por iniciativa
9 Ora, quanto à assistência em favor
dos santos, não há necessidade de que
vos escreva,
própria. 2 porquanto estou convicto da vossa to-
18 E juntamente com ele estamos envian- tal disposição, da qual me orgulho de vós
do o irmão, que é recomendado por todas diante dos macedônios, informando que
as igrejas por seu serviço no evangelho.9 a Acaia está pronta para contribuir desde
19 E não apenas por esse motivo, mas o ano passado. E a vossa dedicação tem
ele também foi escolhido pelas igrejas incentivado muitos outros.
para ser nosso companheiro de viagem, 3 No entanto, estou enviando esses ir-
enquanto ministramos essa graça para mãos, com o propósito de que nosso or-
a glória do Senhor e para demonstrar gulho por vós, nesse aspecto, não se torne
nossa boa vontade. inútil, a fim de que estejais preparados,
20 O nosso cuidado é evitar que alguém como afirmei que de fato estariam,
nos acuse em relação ao modo de admi- 4 a fim de que, se alguns macedônios
nistrar essa generosa oferta, forem comigo e os encontrarem despre-
21 pois estamos empregando todo o zelo parados, nós, para não vos mencionar,
necessário para fazer o que é correto, não não sejamos envergonhados por tanta
somente ao olhos do Senhor, mas tam- confiança que depositamos em vós.
bém perante aos olhos dos homens.10 5 Sendo assim, considerei necessário
22 Além de tudo, estamos enviando com pedir a esses irmãos que vos visitassem e
8 Os cristãos de Corinto eram economicamente mais prósperos que os macedônios. No entanto, Paulo lhes lembra da
instabilidade da vida, onde as situações podem se alterar de uma hora para outra (Rm 15.27). Assim, no futuro, os crentes judeus
(na época necessitados da oferta) poderão ajudar os coríntios de alguma forma. Paulo faz referência a Êx 16.18,19 e lembra uma
passagem na vida dos israelitas, quando colheram diariamente o maná no deserto. Os idosos e fracos juntavam menos do que
necessitavam, enquanto os jovens e vigorosos recolhiam mais. Entretanto, a distribuição era equânime, de modo que o excesso
de uns compensava a falta de outros, e todos tinham suas necessidades supridas. Esse é o sentido do termo “igualdade” na
doutrina bíblica.
9 Tanto aqui como no v.22, não se é possível precisar quem é “o irmão” citado por Paulo. Tudo indica que sejam Lucas e Tíquico
(At 20.4; Ef 6.21; Cl 4.7). De qualquer maneira, homens de Deus, bem conhecidos por sua fidelidade ao ministério.
10 É muito importante que o servo do Senhor seja avaliado não somente por Deus, que a tudo contempla, mas pelo povo da
igreja, sobre a maneira bíblica, correta, ética e honesta com que vive e administra a obra de Cristo.
11 Paulo usa o termo original grego apostolos, no sentido técnico e missiológico do NT, isto é, “mensageiro” (Fp 2.25). São
representantes legais da igreja, oficialmente eleitos pelos cristãos por sua fidelidade indiscutível ao Senhor para servirem ao povo
como delegados eclesiais. Poucos irmãos podem ser escolhidos como apóstolos, mas todo crente pode refletir a glória de Cristo
em sua vida (3.18; At 20.4).
1 A doutrina do NT sobre a contribuição econômica e financeira enfatiza os seguintes princípios: a total liberdade e esponta-
neidade (At 5.4; 2Co 8.11); a paz e alegria em contribuir (v.7), especialmente com os irmãos em Cristo (Gl 6.10). Entretanto, a
falta de cooperação com a Igreja demonstra ausência de sensibilidade ao Espírito de Deus (1Jo 3.17; Tg 2.15,16). As ofertas ou
contribuições regulares têm a finalidade de manter e expandir a obra do Senhor e possibilitar que nenhum membro da família de
Cristo precise viver em miséria (8.14). Testemunhos de doação sempre provocarão expressões de louvor e gratidão a Deus (9.12).
A responsabilidade espiritual de contribuir com a Igreja é própria dos membros do Corpo de Cristo (Mt 25.34-46). Contudo, os
pobres não podem usar qualquer princípio bíblico para evitar a necessidade de trabalhar com afinco, nem reivindicar eventuais
direitos sobre as posses dos mais prósperos. Tanto o egoísmo como a ociosidade são atitudes contrárias à vontade expressa
de Deus (2Ts 3.10).
2 Adágio rabínico bem conhecido, mas não presente no livro de Provérbios do AT. A doação cristã é sempre uma cooperação
com Deus e seu Reino, e deve ser espontânea, fruto do amor. As bênçãos decorrentes de se obedecer à voz do Espírito são
certas e inevitáveis (Lc 6.38).
3 Paulo salienta que o efeito da doação generosa dos coríntios vai ultrapassar em muito os limites da Igreja em Jerusalém
(destino específico dessa oferta), chegando à Igreja em todo mundo (e todas as épocas), promovendo em toda parte e em muitos
povos profundas manifestações de louvor ao Senhor (vv.13,14).
4 O próprio Deus a quem servimos é o maior exemplo de generoso doador, pois deu a si mesmo, na pessoa do seu Filho
Jesus Cristo, por nossa eterna salvação. Nesse sentido, qualquer contribuição cristã é apenas uma maneira de manifestar nossa
adoração, gratidão e louvor por essa dádiva inefável (8.9; 1Jo 4.9-11).
humanos, não lutamos segundo os pa- 9 Não desejo que vos pareça que minha
drões deste mundo.1 intenção é amedrontá-los com minhas
4 Pois as armas da nossa guerra não são cartas.
terrenas, mas poderosas em Deus para 10 Pois, como alardeiam alguns: “as car-
destruir fortalezas! tas dele são duras e exigentes, contudo
5 Destruímos vãs filosofias e a arrogância ele pessoalmente não impressiona, e sua
que tentam levar as pessoas para longe pregação é desprezível”.5
do conhecimento de Deus, e dominamos 11 Considerem tais pessoas que aquilo
todo o pensamento carnal, para torná-lo que somos em carta quando estamos
obediente a Cristo.2 distantes, seremos em atitudes, quando
6 E estaremos preparados para repreen- estivermos presentes.
der qualquer atitude rebelde, assim que 12 Pois não ousamos igualarmo-nos ou
alcançardes a perfeita obediência.3 compararmo-nos com alguns que se re-
7 Por hora, observais tão somente a apa- comendam a si mesmos. Entretanto, estes,
rência externa dos eventos. Se alguém medindo-se e comparando-se entre si, de-
está convicto de que pertence a Cristo, monstram quão faltos de sabedoria são.
deveria considerar este fato: assim como 13 Nós, porém, não nos orgulharemos
essa pessoa, nós também somos proprie- além do limite adequado, mas limita-
dades de Cristo.4 remos nosso gloriar ao âmbito da ação
8 Pois ainda que eu tenha me gloriado que Deus mesmo nos confiou, o qual vos
um pouco mais da autoridade que o Se- alcança inclusive!
nhor nos outorgou, não me envergonho 14 Com certeza, não estamos indo longe
desse sentimento, pois essa autoridade é demais em nosso orgulho, como seria se
para edificá-los e não para destruí-los. não tivéssemos chegado até vós, porquan-
1 Os primeiros nove capítulos dessa carta demonstram que Paulo já havia conseguido solucionar alguns dos muitos problemas
da Igreja em Corinto. Entretanto, um remanescente arrogante, rebelde e faccioso continuava perturbando a paz da igreja com
ilações e calúnias contra a autoridade apostólica de Paulo. Esse grupo propagou a falsa idéia de que Paulo era neurastênico,
inconstante e inseguro (1Co 1.20; 4.10; 14.3). Eles alegavam que, em suas cartas, o apóstolo se beneficiava da distância e
da impessoalidade para ser enérgico e corajoso. Mas, em suas visitas pessoais, era dócil e fraco. Paulo apela à mansidão e
benignidade de Cristo, características típicas do Messias (Zc 9.9), para confrontar firmemente seus opositores, antecipando-lhes
que terão oportunidade de comprovar a autoridade espiritual que ele recebeu de Deus; e que no Reino de Deus, segurança e
poder não têm nada a ver com retórica e violência.
2 Paulo está preparado para a guerra, suas armas não são mundanas e de uso comum por parte daqueles que pretensiosa-
mente confiam apenas em sua capacidade intelectual e carisma pessoal. O apóstolo zela por estar em comunhão com Deus e
pleno do Espírito Santo, e não teme rechaçar os ataques dos falsos pregadores que procuram desviar o povo do caminho santo
do Senhor para as fronteiras da perdição (1Co 2.13,14). Armas contaminadas pelo mal são incapazes de combater o pecado e
conquistar almas para Cristo (Zc 4.6). Portanto, todo o pensamento deve ser oferecido a Cristo em sacrifício, somente assim o
âmago do nosso ser ficará plenamente submisso ao governo do Espírito Santo (Rm 12.1,2).
3 Paulo procura não visitar os irmãos em Corinto até que a igreja, de forma geral, esteja submissa ao Espírito e, portanto,
obediente aos princípios da Palavra ministrados pelo apóstolo. Pois quem não é dirigido pelo Espírito Santo não tem qualquer
respeito ou temor à Palavra. Contudo, em breve, os “desobedientes e rebeldes” sentirão o poder e o rigor da disciplina apostólica
(Mt 16.19).
4 Um dos problemas na igreja dos coríntios era o partidarismo. Vários grupos dividiam doutrinariamente a igreja. Havia
um grupo que se autodenominava “de Cristo” (1Co 1.12) e, justamente esses crentes se aliaram aos falsos mestres, para
questionarem a experiência pessoal de Paulo com Cristo e seu chamado ao apostolado. Paulo, que tivera um encontro real e
marcante com o Senhor ressurreto, tendo sido convocado ao ministério por Ele, e recebido do próprio Senhor o conteúdo do
Evangelho que ensinava, afirma categoricamente pertencer a Cristo tanto quanto qualquer crente convicto (At 9.3-9; 22.6-11;
26.12-18; Gl 1.12; 2Co 12.2-7).
5 Paulo não abdicou de sua erudição e notável inteligência, apenas deu maior destaque e expressão à sua experiência com
Cristo e ao poder do Espírito Santo em sua vida. Por isso, desprezou a eloqüência formal e a ostentação de conhecimento
acadêmico, em prol de maior transparência e autenticidade na pregação da Mensagem (Cristo, o Messias, Filho do Deus vivo,
crucificado em nosso lugar, para a salvação eterna do crente) e no discipulado dos cristãos, especialmente, na Igreja em Corinto
(11.6; 1Co 2.1-5). Os falsos mestres e inimigos do Evangelho faziam uso da arte da retórica com o principal objetivo de extorquir
bens e dinheiro daqueles que se deixavam envolver pela lábia, lisonja e falsa simpatia. O amor e a franqueza de Paulo eram tão
verossímeis que seus próprios críticos e opositores não conseguiam “desprezar” o poder de suas palavras.
to vos alcançamos com o Evangelho de serpente enganou Eva com sua astúcia,
Cristo. também a vossa mente seja de alguma
15 E da mesma forma, não caminhare- forma seduzida e se afaste da sincera e
mos além de nossos limites, orgulhando- pura devoção a Cristo.
nos de trabalhos que outros realizaram; 4 Porquanto, se alguém vos tem pregado
pelo contrário, nossa esperança é que, à um Jesus que não é aquele que ensinamos,
medida que for desenvolvendo a fé que ou se recebeis um outro espírito, que não
habita em vós, semelhantemente o nosso o Espírito que creio, terdes recebido, ou
ministério se estabeleça ainda em vosso ainda um evangelho diferente do que
meio, tendes abraçado, a tudo isso muito facil-
16 para que assim nos seja possível pregar mente, tolerais.
o Evangelho nas regiões que estão além 5 Contudo, não me julgo em nada infe-
de vós, sem nos vangloriarmos em cam- rior a esses “eminentes apóstolos”.3
po de atuação de outro. 6 Pois, ainda que não use de eloqüen-
17 Apesar de tudo, “quem se gloriar, glo- te oratória, no entanto, não me falta
rie-se no Senhor”,6 conhecimento. Em verdade, nós vos
18 porquanto, quem se vangloria não temos demonstrado isso em todo tipo
será aprovado, mas sim aquele a quem o de situação.
Senhor recomenda. 7 Será que cometi algum pecado ao
humilhar-me com o propósito de vos
Cuidado com a lábia do Diabo exaltar, pois vos preguei gratuitamente o
6 Segundo um dos pais da Igreja, Clemente de Roma, o apóstolo Paulo, em cumprimento ao seu chamado missionário (apostó-
lico) chegou até as regiões da Espanha, muito “além” das terras gregas. Quanto aos rebeldes e opositores de Corinto, nem seus
nomes passaram para a história (At 19.21; Rm 1.11-15; 15.23-28). Paulo havia aprendido a não se orgulhar de suas capacidades,
experiências e dons pessoais, mas a glorificar o Nome do Senhor em sua vida, por isso cita o profeta Jeremias (Jr 9.24).
Capítulo 11
1 Com o objetivo de tornar evidente a falsidade de alguns auto-intitulados “apóstolos de Cristo”, Paulo se vê obrigado a compa-
rar sua vida e obras em Cristo com as atitudes desses falsos mestres que estavam dividindo a Igreja em Corinto e colocando os
cristãos contra o verdadeiro mensageiro do Senhor. Ao ter que apresentar suas credenciais e falar de suas virtudes para aqueles
a quem tanto amava e tanto conhecia, Paulo ironiza sua situação e comunica aos seus leitores que só estando fora de si para
verbalizar tantas jactâncias e obviedades; como, aliás, apreciavam fazer os falsos apóstolos.
2 Zelo é a expressão que retrata o cuidado extremo (ciúme) de Deus para com seu povo (noiva) Israel no AT (Is 54.5; 62.5;
Os 2.19-20). Cristo é, muitas vezes, identificado no NT como o Noivo, sendo a Igreja, personificada como sua noiva (Mt 9.15; Jo
3.29; Rm 7.4; 1Co 6.15; Ef 5.23-32; Ap 19.7-9; 21.2). Paulo era reconhecido como pai espiritual dos coríntios (6.13), e “amigo do
Noivo” (Jo 3.29). Por isso, tinha a responsabilidade de garantir a saúde e a educação (espiritual e moral) da “virgem” (a Igreja não
maculada por falsas doutrinas) e conduzí-la pura ao casamento fiel e eterno com o Noivo.
3 A estratégia da falsidade é que ela, de fato, não é toda mentirosa, há sempre elementos de verdade em seu contexto, e isso
a torna ainda mais sagaz e perniciosa. Os inimigos de Paulo eram judeus também e estavam apresentando um Jesus de acordo
com as suas próprias doutrinas judaicas (v.22). Os coríntios estavam aceitando conceitos de um “espírito” de escravidão, medo
e mundanismo (Rm 8.15; 1Co 2.12; Gl 2.4; Cl 2.20-23) em vez de apresentarem o fruto do “Espírito”: liberdade, amor, alegria,
paz, coragem e poder (3.17; Rm 14.17; Gl 2.4; 5.1-22; Ef 3.20; Cl 1.11; 2Tm 1.7). Historicamente, líderes religiosos, hereges,
despóticos e carismáticos têm sido mais ovacionados pelo mundo do que os santos servos do Senhor. Por isso, os crentes e as
igrejas precisam ter cuidado para não se deixarem influenciar pelos “superapóstolos” ou “eminências”, conforme a ironia usada
por Paulo, e, assim, em se afastar da verdade (Gl 1.6-9).
tudo evitei ser um peso para vós, e assim 18 Considerando que há muitos que se
continuarei a caminhar.4 orgulham de acordo com padrões mun-
10 Tão certo como a verdade de Cristo danos, ora, eu de igual modo posso me
está em mim, absolutamente ninguém orgulhar.
na região da Acaia poderá privar-me 19 Assim, vós que sois tão lúcidos, certa-
dessa glória. mente sabeis acolher os desequilibrados!
11 Por quê? Será porque não vos tenho 20 Porquanto, de fato, acolheis até quem
dedicado amor fraternal? Ora, Deus sabe vos escraviza ou vos explora, ou aqueles
que vos amo! que sobre vós se exaltam, e até mesmo
12 O que faço, e seguirei fazendo, tem o suportais quem vos esbofeteia.
objetivo de não dar oportunidade aos 21 Para minha vergonha, devo admitir
que procuram ocasiões de serem consi- que fomos fracos. Todavia, naquilo em
derados iguais a nós nas obras de que se que todos os outros se atrevem a orgu-
orgulham.5 lhar-se, falando como louco, também eu
13 Porquanto, tais homens são falsos me atrevo.
apóstolos, obreiros desonestos, fingindo- 22 Ora, são eles hebreus? Eu também sou.
se apóstolos de Cristo. São israelitas? Eu também sou. São des-
14 E essa atitude não é de admirar, pois cendentes da Abraão? Eu também sou.
o próprio Satanás se disfarça de anjo de 23 São servos de Cristo? Eu ainda mais,
luz. me expresso como se estivesse enlou-
15 Portanto, não é surpresa alguma que quecido, pois trabalhei muito mais, fui
seus serviçais finjam que são servos da encarcerado mais vezes, fui açoitado
justiça. O fim dessas pessoas será de acor- mais severamente em perigo de morte
do com o que as suas ações merecem. várias vezes.6
24 Cinco vezes, recebi dos judeus trinta e
Fracos na carne, fortes em Cristo nove açoites.
16 Afirmo, uma vez mais, que ninguém 25 Três vezes fui espancado com varas,
me considere louco. Mas, se assim pen- uma vez fui apedrejado, três vezes sofri
sais, recebei-me como quem acolhe a um naufrágio, passei um dia e uma noite
fraco de juízo, pois assim, ao menos, terei exposto à fúria do mar.7
algo de que me orgulhar. 26 Muitas vezes, passei por perigos em
17 Ao declarar esse orgulho, não o estou viagens, perigos em rios, perigos entre
fazendo segundo o Senhor, mas como assaltantes, perigos entre meus próprios
quem perdeu a sensatez. compatriotas, perigos entre os gentios,
4 Paulo usa uma expressão muito rara em grego para construir uma metáfora em relação ao procedimento dos falsos apóstolos.
O termo, aqui traduzido por “pesado”, tem a ver com a atitude predatória de um peixe oriental que primeiro paralisa (hipnotiza)
sua presa para, em seguida, devorá-la tranqüilamente.
5 Era comum nas regiões da Grécia (a província de Acaia ficava ao sul, onde se localizava a cidade de Corinto), no século I, os
mestres religiosos e filósofos itinerantes receberem por qualquer ensino que ministravam. Paulo, contudo, havia decidido em seu
coração, não cobrar nada pela proclamação do Evangelho e discipulado cristão, embora aceitasse ofertas voluntárias, conforme
o ensino de Cristo (Lc 10.7; Gl 6.6). Os falsos apóstolos alegavam que o ensino de Paulo era fraco e sem qualidade acadêmica,
por isso era de graça. Na verdade, desejavam que Paulo passasse a cobrar por seu ministério, e assim se igualasse a eles. O
apóstolo se nega a proceder assim e insiste em continuar sua jornada de pregar e testemunhar o dom gratuito de Deus. Irmãos
da Macedônia e da Igreja em Filipos foram movidos pelo Espírito e supriram todas as necessidades do apóstolo do Senhor (At
18.5; Fp 4.15).
6 Paulo usa uma expressão grega, semelhante a “alucinado ou doido”, para expressar figuradamente seu estado hipotético
de total descontrole emocional e psíquico, em função de ter que dar provas da verdade transparente e inegável que vive desde
que conheceu a Cristo.
7 Os judeus costumavam aplicar um castigo, muitas vezes mortal, chamado “quarentena”, que consistia de uma sessão de 40
chibatadas menos uma (Mt 10.17). Oito fustigações são mencionadas aqui, cinco pelas mãos dos judeus (Dt 25.1-3) e três por
autoridades romanas, que usavam varas nessas ocasiões; apesar da cidadania romana de Paulo, que deveria tê-lo protegido
desse tipo de castigo (At 16.22-29).
8 Em todos os lugares, todos os dias, Paulo corria risco de vida por causa do Evangelho e dos amados irmãos, como nos relata
seu amigo Lucas no livro dos Atos dos Apóstolos: Icônio (14.5), Listra (14.19), Filipos (16.22), Tessalônica (17.5), Éfeso (19.26).
9 Paulo reconhece que sua própria fraqueza e as limitações humanas abrem caminho para que ele possa experimentar todo
o esplendor e poder da graça superabundante do Senhor. Por isso, ele chega à conclusão de que se há qualquer motivo de
orgulho e glória, é na obra que a misericórdia de Cristo realizou em sua vida, e não em sua pessoa, ou em algum trabalho que
tenha realizado. O servo de Deus que exorta os crentes a não se preocuparem, várias vezes se desesperou por amor à Igreja de
Cristo (At 20.19; Cl 2.1).
10 Paulo refere-se ao rei Aretas IV, sogro de Herodes Antipas, que reinou sobre os árabes da Nabatéia de 9 a.C. a 40 d.C.
Nessa época, o terrível imperador romano, Calígula, havia devolvido Damasco para Aretas, pois essas terras já haviam lhe
pertencido no passado.
Capítulo 12
1 Paulo usa de um recurso lingüístico, em seu texto original grego, para narrar sua extraordinária experiência pessoal de arre-
batamento (extática ou êxtase), preservando, quanto possível, a humildade e a confidência diante do privilégio de vivenciar tal
fenômeno, no qual viu e ouviu manifestações inefáveis do Senhor. A maneira de Paulo se colocar (um homem em Cristo) indica
que ele não se considerava merecedor de tamanha graça, nem ao menos compreendia se tal evento se deu como uma visão
magnífica e extasiante ou se seu corpo físico foi trasladado para um plano celestial, contudo recebeu o fato de boa vontade como
prova do seu chamado apostólico. Paulo não induziu ou conquistou sua experiência especial com Cristo, por isso não se sentia
no direito de dar ocasião a qualquer autoglorificação (vv. 5,6). Esse evento extraordinário aconteceu há catorze anos passados, o
que indica que Paulo estava em Tarso, logo antes da sua primeira viagem missionária (At 9.30; 11.25).
2 Paulo tem certeza de sua experiência arrebatadora, diferentemente dos falsos apóstolos que apenas teorizavam sobre visões
e revelações divinas. Ainda que os rabinos israelenses acreditassem em sete céus, Paulo aqui se refere ao “terceiro céu” como
um lugar chamado “paraíso”, o céu mais elevado, situado muito além do céu imediato formado pela atmosfera terrestre, e fora
do espaço exterior com todos os seus astros e galáxias, chegando onde Deus tem seu trono (Dt 10.14). Por isso, declara-se que
Jesus Cristo ressurreto e glorificado passou pelos céus e, agora, tendo sido elevado além de todos os céus, está exaltado acima
do “terceiro céu”, onde as almas dos crentes que já deixaram seus corpos materiais descansam na presença do Senhor (Hb 4.14;
7.26; Fp 1.20-23). A grandeza e as maravilhas presenciadas por Paulo ampliaram extraordinariamente sua fé e poder espiritual;
entretanto, para que se mantivesse consciente de sua humanidade limitada e se preservasse humilde, uma aflição permanente e
dolorosa lhe foi imposta (v.7). Sua glória deveria estar sempre e somente no Deus de toda a graça (1Pe 5.10).
a meu respeito mais do que seja capaz grande perseverança, por meio de obras
de observar em minha vida ou de mim extraordinárias, maravilhas e milagres.
pode ouvir. 13 Assim, em que fostes inferiores às
7 E, para impedir que eu me tornasse outras igrejas, a não ser no fato de que
arrogante por causa da grandeza dessas eu mesmo jamais ter me constituído
revelações, foi-me colocado um espinho num peso para vós? Perdoai-me por esta
na carne, um mensageiro de Satanás para ofensa!
me atormentar.3
8 Por três vezes, roguei ao Senhor que o O amor missionário em ação
removesse de mim. 14 Eis que, pela terceira vez, estou pre-
9 Entretanto, Ele me declarou: “A minha parado para partir ao vosso encontro, e
graça te é suficiente, pois o meu poder não vos serei pesado; pois não vou em
se aperfeiçoa na fraqueza”. Sendo assim, busca de vossos bens, mas procuro a vós
de boa vontade me gloriarei nas minhas mesmos. Porquanto, não são os filhos que
fraquezas, a fim de que o poder de Cristo devem poupar seus bens para os pais, mas
repouse sobre mim.4 sim os pais para os filhos.
10 Por esse motivo, por amor de Cristo, 15 Desta forma, de boa vontade e por
posso ser feliz nas fraquezas, nas ofensas, amor de vós, investirei tudo o que possuo
nas necessidades, nas perseguições, nas e também me desgastarei pessoalmente
angústias. Porquanto, quando estou en- em vosso favor. Assim, visto que os amo
fraquecido é que sou forte!5 tanto, serei menos amado por vós?
16 Seja como for, não tenho sido um peso
As credenciais do apóstolo sobre vós; no entanto, como sou “ardilo-
11 Tornei-me insensato porque vós me so”, vos “conquistei com astúcia”.6
obrigastes a isso. De fato, eu devia ser 17 Ora, será possível que eu vos tenha ex-
recomendado por vós, visto que em nada plorado por meio de algum missionário
fui inferior aos “superapóstolos”, mesmo que vos enviei?
considerando que eu nada seja. 18 Eu mesmo orientei a Tito para que vos
12 Os sinais distintivos de um apóstolo visitasse, acompanhado de outro irmão.
foram demonstrados entre vós com Porventura Tito vos explorou? Não mi-
3 Muitas são as conjeturas e especulações acerca da natureza desse “espinho na carne”, que afligia permanentemente a
pessoa do apóstolo e o fazia se sentir fraco e humilhado. Paulo, no entanto, jamais foi claro sobre isso nas Escrituras, nem seus
discípulos e amigos. Para Lutero, se tratava das constantes perseguições; especialmente por parte dos judeus, seus próprios
irmãos, aos quais Paulo dedicava tanto amor (Rm 9.3). De fato, nos textos hebraicos do AT, o termo “espinhos” pode significar
também “inimigos” (Nm 33.55; Js 23.13). Por outro lado, esse fora o “espinho na carne” do próprio Lutero em sua luta pela
Reforma. Paulo teve muitos sofrimentos físicos, padeceu de malária (Gl 4.13), de uma doença que muito lhe prejudicara a visão
(Gl 4.15) e de fortes enxaquecas. Isso, sem falar, de todas as lutas espirituais e psicológicas que um servo de Deus da estatura
de Paulo certamente enfrentou.
4 Assim como Jesus no Getsêmani, Paulo insistiu com Deus para que o livrasse daquele tormento. Entretanto, o Senhor preferiu
cobrir o sofrimento do apóstolo com Graça e Poder. É assim, que muitas vezes, Deus nos abençoa nessa terra: não destruindo
ou retirando o mal que nos aflige e enfraquece, mas transformando nosso sofrimento em motivo de fé, crescimento espiritual e
testemunho da sua graça e amor eterno. Paulo havia aprendido a desfrutar da Graça do Senhor mesmo em meio aos sofrimentos,
fraquezas e lutas dessa vida. Por isso, usou expressões que tinham a ver com a glória de Deus (em hebraico Shekinah) pousando
sobre o templo (Jo 1.14; Ap 7.15). O termo “repouse” (em grego episkenőse) tem o sentido de “fazer seu tabernáculo”.
5 Paulo aprendeu a fazer as pazes com o sofrimento. Aceitou sua condição e se apropriou da glória e do poder espiritual que
Deus lhe oferecia. Substituiu sua fraqueza humana pelo poder de Cristo, a arrogância natural pela humildade que deriva de uma
fé inabalável no amor e na graça de Deus. Paulo chegou ao estágio de sentir-se feliz nas experiências angustiantes - sem ser
masoquista - por meio da certeza (fé) de que todas as coisas contribuíam – de alguma forma – para seu bem e o tornavam ainda
mais forte no Senhor (Rm 8.28; Jo 15.5; Fp 4.13).
6 Os “superapóstolos”, assim chamados irônica e literalmente por Paulo, caluniavam o apóstolo do Senhor, alegando que
ele usava as arrecadações em favor dos cristãos pobres de Jerusalém em seu benefício pessoal e, por isso, não precisava ser
“pesado” às igrejas onde ministrava. Na verdade, entretanto, esses falsos cristãos é que fraudavam tanto a teologia bíblica quanto
a prática moral (11.13-15).
nistramos nós pelo mesmo Espírito? Não 2 Já vos adverti quando estive entre vós,
seguimos juntos o mesmo caminho? pela segunda vez. Agora, estando ausente,
volto a dizer aos que anteriormente pe-
Deus é nosso Juiz e Salvador caram e a todos os demais que, quando
19 Pensais que durante todo esse tempo retornar, com certeza não os pouparei,
estamos tentando nos defender diante 3 visto que estais exigindo que apresente
de vós? Ora, é diante de Deus que apre- uma prova de que Cristo fala por meu
sentamos nossa defesa em Cristo, e todas intermédio. Ele não é fraco ao lidar con-
as nossas atitudes, amados irmãos, têm o vosco, mas sim, poderoso entre vós.
propósito de vos fortalecer.7 4 Porque, apesar de haver sido crucificado
20 Porquanto, temo que, ao visitá-los, não em fraqueza, Ele vive, e isso pelo poder
os veja como eu gostaria, e que vós tam- de Deus. Semelhantemente, somos fracos
bém não me encontrem como esperavam. nele, mas, pelo poder de Deus viveremos
Receio que haja entre vós brigas, invejas, com Ele para vos servir.1
ódio, ambições egoístas, calúnias, mexeri- 5 Examinai, portanto, a vós mesmos, a
cos, arrogância e muita confusão. fim de verificar se estais realmente na fé.
21 Temo ainda de que, quando estiver Provai a vós mesmos. Ou não percebeis
convosco outra vez, o meu Deus me hu- que Jesus Cristo está em vós? A não ser
milhe diante de vós, e que eu lamente por que já estejais reprovados.2
muitos dos que pecaram anteriormente e 6 Mas tenho a esperança de que compre-
que ainda não chegaram à conclusão que endais que nós não fomos reprovados.
precisam se arrepender da impureza, das 7 Agora, oramos a Deus para que não
relações sexuais ilícitas e da devassidão pratiqueis mal algum; não para que
moral que viviam praticando. os outros observem que temos sido
aprovados, mas para que façais o que é
Exercer a autocrítica cristã correto, embora pareça que tenhamos
7 Paulo se submeteu à loucura de ter que apresentar suas credenciais apostólicas e defender sua própria pessoa e ministério,
não para manter seu prestígio elevado e reputação ilibada perante os cristãos de Corinto, mas especialmente por causa do nome
do Senhor. É diante de Deus que ele se levanta, pois sua posição está na pessoa e na obra de Cristo. Longe de ser egocêntrico,
sua preocupação está em cooperar com o crescimento espiritual dos irmãos em Cristo. Essa é a principal finalidade de sua vida
e ministério (10.8).
Capítulo 13
1 Paulo adverte que não hesitará em tomar duras medidas disciplinares contra aqueles que, se declarando cristãos, insistem em se
manter rebeldes à Palavra de Deus, e cita Dt 19.15 para ordenar-lhes que restabeleçam a ordem na igreja (v.1). Essa rebeldia contra
as palavras de Paulo é uma afronta à pessoa de Cristo que o nomeou Seu apóstolo. A autoridade do apóstolo é a mesma autoridade
do seu Mestre, e quem quiser se opor a Paulo, contando com sua suposta fraqueza e insegurança, descobrirá que Cristo é Deus
falando por meio do Seu apóstolo, e que Ele não é fraco, mas poderoso e justo (Fp 2.8; 4.13; Rm 1.4; 6.4; 1Pe 3.18).
2 Em vez de se entregarem às exigências e reivindicações imaturas e perversas (influenciados pelos falsos apóstolos), os cristãos
são encorajados a examinar suas próprias consciências e avaliarem suas atitudes para com Deus, em relação aos seus semelhan-
tes, e àqueles que lealmente doam suas vidas em favor do ministério. O termo “examinai” (em grego original peirazõ) significa “tes-
tar”, “avaliar” o quanto estamos sendo “dignos” de nossa “convocação para sermos cristãos” (2Ts 1.11,12). O cristão que realmente
procura viver o Evangelho e, portanto, está firme na fé, tem prazer em favorecer a ação do Espírito Santo na produção do Seu fruto
(Gl 5.22; Mt 7.16). Paulo usa ainda a expressão “provai” (no original grego dokimazõ) que era usada quando alguém precisava
“confirmar” ou “testar” o valor e a autenticidade de uma moeda. Alguns falsários fabricavam moedas de chumbo com a estampa
das moedas de prata. No entanto, quando eram jogadas sobre o mármore, o som que produziam na colisão contra a pedra, logo
denunciava a moeda falsa. Assim, o crente demonstra sua verdadeira fé, especialmente, quando sob provações.
3 Paulo não pede muito. Seguindo o pensamento grego, apela para a simples e definitiva expressão da verdade. Sendo assim,
é impossível exercer a plena autoridade apostólica de uma maneira que não tenha a verdade como fundamento. Portanto, se a
verdade, que é Cristo, for reconhecida pelos cristãos até sua chegada em Corinto, não mais haverá necessidade de constrangi-
mentos e correções disciplinares, pois a própria igreja se submeterá ao Espírito Santo e voltará ao bom senso cristão.
4 Paulo não se importava em sacrificar-se, desde que isso contribuísse para o aperfeiçoamento espiritual dos seus filhos na
fé. Os cristãos de Corinto eram “fortes”, pois haviam sido abençoados com toda a graça e dons espirituais. No entanto, esta-
vam confusos (ludibriados por falsos líderes cristãos e suas doutrinas espúrias) e não exercitavam seus dons com altruísmo
e dedicação, necessitando, portanto, de aperfeiçoamento (Ef 4.12), ou seja, uso e preparação das virtudes espirituais para
vencer os dias de luta e aflição. Esse preparo espiritual se adquire somente pela experiência sincera, dedicada e perseverante
em Cristo (2Tm 2.15).
5 A partir daqui, a bênção apostólica ou trinitária passa a ser uma tradição do culto cristão em todo o mundo. A graça de Cristo
nos revela o amor do Pai (v.11) que, por sua vez, nos concede o selo (o direito legal) para sermos filhos de Deus (Jo 1.12) por
intermédio do Espírito Santo que produz comunhão fraternal entre os filhos de Deus em todos os povos, línguas e culturas. A santa
trindade é um mistério conhecido como verdadeiro, não por meio de qualquer teorização lógica ou filosófica, mas simplesmente
mediante a própria experiência cristã dos santos apóstolos e discípulos, por meio da qual o ser humano é alcançado pela graça
salvadora e transformadora do Cristo ressurreto, reconhecendo o amor e o perdão de Deus-Pai, e consagrando sua vida aos
cuidados do Espírito Santo, procurando viver em comunhão com as três pessoas do único, poderoso e eterno Deus.
Propósitos
O grande propósito de Paulo ao escrever esse tratado foi instruir os cristãos da região da Galácia
sobre a justificação exclusiva e absoluta em Jesus Cristo, o Messias e Filho de Deus.
Os mestres cristãos judaizantes tinham procurado convencer os gálatas a se revoltarem contra
Paulo e seus ensinos e os estavam orientando a praticar todos os principais rituais da lei, pois,
como eram gentios, tinham que ser circuncidados (5.2 – 6.12-15) e, segundo esses mestres,
deviam também viver um cristianismo baseado nas ordenanças e na tradição judaica, a fim de
serem salvos (4.10).
Os judaizantes eram cristãos judeus que não conseguiam compreender a nova realidade da
salvação pela graça de crer no sacrifício único, suficiente e vicário do Senhor Jesus. Eles criam
que Jesus era o Messias prometido, mas também acreditavam no dever de cumprir as ordenanças
mosaicas e, especialmente, todos os cerimoniais. Logo após a cruzada missionária de Paulo na
Galácia, os judaizantes recrudesceram quanto ao legalismo teológico, por influência e receio de
serem perseguidos pelos judeus zelotes. E começaram a obrigar os gentios, novos convertidos ao
cristianismo, a passar também pelos ritos de circuncisão, acepção de alimentos, guarda do sábado,
demais dias sagrados etc. (6.12). Os judaizantes iam além e procuravam difamar a pessoa e o
ministério de Paulo, alegando que o apóstolo não era um genuíno membro do grupo original dos
primeiros discípulos de Cristo, e que havia suavizado as ordenanças de Deus, a fim de tornar sua
mensagem e doutrina mais atraentes aos gentios.
Paulo vindica a sua plena autoridade apostólica e condena os ensinos dos judaizantes como
legalismo anticristão.
Os crentes em Jesus Cristo, quer judeus ou gentios (povos de todas as etnias e culturas), conforme
a doutrina paulina, desfrutam em Cristo da absoluta e eterna salvação, porquanto foram justificados
(3.6-9), adotados (4.4-7), renovados (4.6; 6.15) e transformados em plenos herdeiros de Deus,
segundo as próprias promessas da aliança abraâmica (3.15-18). Portanto, a fé no sacrifício e no
culto do Cristo na Cruz nos liberta para sempre da necessidade de buscar justificação e salvação
mediante as obras e, especialmente, por meio do cumprimento de rituais e datas cerimoniais. Essa
busca se torna destituída de poder visto que a Lei não produz salvação, mas morte (3.10-12),
porquanto não fora criada com propósito salvífico (3.19-24). Confiar apenas nas obras e na Lei,
com o fim de ser salvo, nos conduz à mesma escravidão sob a qual vive o povo judeu que ainda
não recebeu a Cristo, como Salvador e Senhor de suas vidas (4.21-24). Por essa razão, os crentes
não devem procurar voltar às tradições judaicas, ao cumprimento das exigências de leis religiosas
como base de segurança para sua salvação, porquanto, agindo erroneamente dessa forma, estarão
perigosamente submetendo suas vidas a uma escravidão da qual já fomos libertos por Jesus Cristo
(5.1-4). Os cristãos devem, isso sim, depositar plena fé e segurança na liberdade que Cristo nos
outorgou, servindo a Deus e aos semelhantes mediante o poder do Espírito de Deus, como novos
seres humanos, livres em Cristo (5.13-18) e, assim, cumprindo com júbilo espiritual a vontade do
nosso Salvador (6.2).
1 Paulo defendia sua convocação apostólica, especialmente contra os judaizantes (v.7), que questionavam sua chamada
ministerial - como missionário e mensageiro de Cristo – devido ao fato de ele não pertencer ao primeiro grupo apostólico que
caminhou com Jesus pelas terras da Palestina. Por isso, fazia questão de apresentar suas credenciais: chamado por Cristo para
ser seu embaixador em missões evangelísticas (1Co 1.1; At 9.1; Fp 3.4-14). A ressurreição de Jesus é a afirmação mais importante
da fé cristã. E, como Paulo havia visto o Cristo ressurreto, e recebido dele a delegação missionária e o poder espiritual para
ministrar, tinha as qualificações necessárias para exercer o apostolado (At 1.22; 2.32; 17.18; Rm 1.4; 1Co 15. 8,20; 1Pe 1.3).
2 Essa era uma carta circular dirigida a várias igrejas para instrução e edificação do povo de Deus. Paulo se refere aqui à
província romana da Galácia, região ao sul da Ásia Menor, incluindo as igrejas de Antioquia, Listra e Derbe, lugares que percorreu
em sua primeira viagem missionária (At 13.14 – 14.23).
3 Paulo reafirma o cerne do Evangelho: a morte expiatória de Cristo em nosso lugar, cujo poder nos tira das garras desse
sistema mundial corrupto e corruptor, e nos posiciona no Reino de Deus (Cl 1.13; 1Pe 2.24). O atual período da história mundial é
marcado pela iniqüidade, ao contrário da era do porvir (o momento mais importante da era messiânica) que, em breve, chegará
de forma repentina (2Co 4.4; Ef 2.2; 6.12).
4 Se simplesmente preferisse agradar a sua família, mestres e amigos, Paulo não teria pago um preço tão alto por abandonar
as amarras da tradição judaica e rabínica em função da liberdade em Cristo. Nesta vida, sempre seremos servos de um de dois
senhores (Mt 6.24; 1Ts 2.4). Paulo, no passado, carregava o “jugo da escravidão” (5.1), mas, uma vez tendo sido liberto do
poder do pecado pela redenção que há em Cristo, passou a ser escravo da justiça, servo (no original grego doulos) de Deus
(Rm 6.18,22).
5 O judaísmo é a fé e o modo de vida do povo israelita desenvolvido durante os séculos que separaram AT do NT, chamado
também de período interbíblico. Até hoje, nacionalidade, língua, religião e política são partes indissociáveis da vida de um judeu
fiel em qualquer parte do mundo. O termo é derivado de Judá, o reino do Sul que se extinguiu por volta do séc. 6 a.C. com o
exílio na Babilônia (onde hoje se situa o Iraque). A Igreja de Deus no NT equivale à Assembléia do AT (Nm 16.21), à comunidade
do Senhor (Nm 20.4).
6 O vocábulo original “gentios” significa literalmente “povos” ou “nações”, no entanto, comumente seu sentido designava
“estrangeiros” e, portanto, “pagãos” (não adeptos da religião judaica) ou “sem fé em Deus”. A expressão “pessoa alguma” pode
ser traduzida literalmente por “carne e sangue”, que no NT sempre se refere a “fraqueza e ignorância humanas” (Mt 16.17; 1Co
15.50; Ef 6.12).
7 Jerusalém sempre foi o centro religioso do judaísmo e o berço cultural do cristianismo. Paulo lembra que assim que recebeu
a conversão e o chamado missionário, partiu para pregar nas regiões da Arábia, dominada pelo rei Aretas, no reino nabateu da
Transjordânia, que se estendia de Damasco ao Suez, a sudoeste. Damasco foi a antiga capital da Síria (chamada de Ará no AT).
Paulo foi convertido por Cristo na estrada que ligava Jerusalém a Damasco (At 9.1-9).
8 Esta visita corresponde à mencionada por Lucas em At 9.26-30. O nome grego Petros “Pedro” é baseado na tradução do
nome aramaico Kepha “Cefas”, que significa “pedra” ou “rocha”. Tal nome designa uma das qualidades do seu portador (Mt
16.18; Jo 1.42).
9 Tiago foi um dos filhos de Maria e José, e portanto, irmão de Jesus (Tg 1.1). Foi também líder dos presbíteros da Igreja do
Senhor em Jerusalém (At 21.18; Lc 8.19).
10 A Cilícia, nessa época, estava anexada à Síria e sob o domínio do império romano. A principal cidade da Cilícia era Tarso,
onde Paulo nasceu e foi criado, e agora lhes anunciava o Evangelho de Cristo (At 9.30).
Capítulo 2
1 Depois de catorze anos de sua conversão, Paulo tem seu segundo encontro com Pedro e os demais líderes do cristianismo
da época. Dois irmãos e amigos acompanham o apóstolo nessa importante reunião: Barnabé, cujo nome significa “encorajador”
ou “aquele que incentiva”. Seu primeiro nome era José, e era levita da ilha de Chipre (At 4.36). Foi grande companheiro de Paulo
na primeira viagem missionária (At 13.1 – 14.28). Tito, por sua vez, era discípulo de Paulo e missionário em Corinto, mais tarde,
enviado para Creta com o objetivo de liderar espiritualmente a Igreja que se reunia ali (Tt 1.5).
2 Paulo considerava “falsos” os judeus que haviam passado pelo batismo cristão, mas defendiam crenças judaizantes (At 15.1),
isto é, eram legalistas militantes e queriam a todo custo implantar na Igreja todos os costumes e tradições rabínicas quanto à
Lei de Moisés (At 15.5; 2Co 11.26), especialmente à circuncisão e às restrições alimentares. O termo original, aqui traduzido por
“espionar”, consta da Septuaginta (tradução grega do AT), com o mesmo sentido militar de “observar um território para eventual
ataque” (2Sm 10.3; 1Cr 19.3). Na carta aos Gálatas, a palavra “liberdade” e suas derivações são expressões fundamentais da
teologia paulina sobre a vida diária do cristão (3.28; 4.22,23,26,30,31; 5.1,13).
3 Paulo tinha o hábito de se dirigir à sinagoga local sempre que chegava a uma nova cidade. Como Jesus (Mt 4.23), valia-se da
tradição rabínica de, como mestre visitante, poder fazer uso da palavra, e pregava o Evangelho (At 13.5-14). Entretanto, sentia em
seu coração um chamado especial para evangelizar os “gentios”; assim chamados pelos judeus, de sua época, todos quantos
não haviam nascido ou se convertido ao judaísmo (Rm 11.13).
4 Pedro havia experimentado a plena liberdade que há na fé em Jesus Cristo, depois da visão que o Senhor lhe proporcionou
em At 10.10-35. Começou a conviver sem preconceitos com os gentios em Antioquia (principal cidade da Síria e, juntamente com
Roma e Alexandria, uma das mais importantes cidades do Império Romano, de onde Paulo partiu para suas viagens missionárias
– At 13.1-3; 14.26) e desenvolveu grande e fraterna comunhão cristã com todos, participando alegremente das refeições em
grupo e das festas evangélicas. Contudo, quando vieram os judaizantes de Jerusalém, Pedro, hipocritamente, deixou de seguir
as orientações de convivência e fraternidade cristãs ministradas a ele pelo próprio Senhor. Pedro temeu a crítica dos líderes do
partido dos legalistas circuncisos e procurou esconder-se para evitar constrangimentos. Paulo é usado por Deus para confrontar
o pecado de um dos principais líderes da igreja cristã de sua época; seu amigo e irmão em Cristo, mas – como todos nós – um
ser humano passível de ambigüidades e erros. Pedro jamais disse que era infalível (como pensam alguns teólogos). Ao contrário,
até seus últimos anos defendeu, humildemente, a erudição e a autoridade espiritual de Paulo (2Pe 3.15-16).
5 Paulo apenas evoca o tradicional conceito que os judeus tinham em relação aos gentios. Do ponto de vista de um judeu fiel
e consciente, todos os que não guardavam a Lei eram considerados “pecadores” (Mt 11.19; Mc 2.15-17; 14.41; Lc 15.1,2). Esse
é o mesmo sentido da expressão no versículo 17.
6 Esse é um dos versículos-chave da epístola, cujo tema geral: “justificação” é revelado aqui pela primeira vez e comentado
durante todo o decorrer da carta: ninguém pode ser justificado pela observância da Lei; somente por meio da fé em Cristo é
possível receber e viver plenamente o dom da justificação. Paulo não deprecia a Lei do AT, mas argumenta contra usá-la como
fundamento para nossa aceitação diante de Deus (Rm 7.12; 3.20-28; Fp 3.9).
7 O legalismo, ainda que amparado pela Lei, não pode ser misturado à teologia da Graça, sob pena de se distorcer o verdadeiro
significado da Graça e fazer do maior evento da história da humanidade: a crucificação, morte e ressurreição de Jesus, o Cristo,
apenas um ato incoerente e sem qualquer valor metafísico (5.24; 6.14; Rm 6.7-10; 7.4-6; 1Tm2.6; Tt 2.14).
Capítulo 3
1 A expressão grega original, aqui traduzida por “insensatos”, não traz o sentido de qualquer limitação mental, mas a falta de
juízo e de bom senso (Lc 24.25; Rm 1.14; 1Tm 6.9; Tt 3.3). O termo grego original, aqui traduzido por “enfeitiçou”, tem o sentido de
“magia ou sedução maléfica”. Paulo também usa o verbo “exposto” da mesma forma que fora usado para comunicar a maneira
como Moisés “expôs em público” a serpente de bronze (Nm 21.9; 1Co 23; 2.2).
2 Os gálatas haviam abraçado a fé em Cristo de uma maneira pura e sincera. No entanto, depois de algum tempo, influenciados
pelos judaizantes, estavam criando e pregando regras e doutrinas baseadas na Lei, como forma de se alcançar maiores bênçãos
de Deus. Paulo os alerta sobre essa tamanha falta de sabedoria, enfatizando que tanto a salvação quanto a santificação são obras
do Espírito Santo (ao qual ele se refere 16 vezes em toda essa carta). Paulo usa literalmente a expressão grega “por meio da
carne” para significar “a natural e inconseqüente fraqueza humana”. Buscar conquistar a justificação por meio do cumprimento
de leis, rituais e boas obras, incluindo a circuncisão judaica, faz parte do caráter de todos os homens, mas é absolutamente inútil
em relação à Salvação eterna e à verdadeira comunhão com Deus.
3 Deus fez de Abraão o pai biológico e espiritual de toda a raça judaica (Gn 15.6; Jo 8.33-53; At 7.2; Rm 4.12). Paulo enfatiza,
entretanto, que todos os crentes sinceros (judeus e não-judeus) são chamados de filhos espirituais dele, e também são
apresentados no NT como “descendentes” de Abraão (v.16; Hb 2.16).
4 Paulo personifica a Bíblia (...a Escritura, prevendo...) com o propósito de ressaltar a origem divina da Palavra de Deus (1Tm
5.18). Os judaizantes se valiam do texto bíblico de Gn 17 para afirmar que as bênçãos divinas foram prometidas somente a Abraão
e aos seus filhos (Gn 12.3; 18.18; 22.18). Para ser incluído na linhagem de Abraão, era indispensável ser circuncidado. Paulo nega
veementemente essa interpretação racista e obtusa da Palavra de Deus, declarando que o mais importante não é ser “filho na
carne”, mas no Espírito, pela fé em Cristo (Rm 4.9-12; Hb 11.8-19).
10 Pois todos os que são das obras da Lei mas exclusivamente: “Ao seu descenden-
estão debaixo de maldição. Porquanto te”, transmitindo a informação de que se
está escrito: “Maldito todo aquele que não trata de uma só pessoa, isto é, Cristo.7
persiste em praticar todos os mandamen- 17 Em outras palavras: A Lei, que veio
tos escritos no Livro da Lei”.5 quatrocentos e trinta anos depois, não
11 É, portanto, evidente que diante de anula a aliança previamente estabelecida
Deus ninguém é capaz de ser justificado por Deus, de maneira que venha a invali-
pela Lei, pois “o justo viverá pela fé”. dar a promessa.8
12 A Lei não é fundamentada na fé; ao 18 Porquanto, se a herança provém da
contrário, “quem praticar esses manda- Lei já não depende mais da promessa.
mentos, por eles viverá”. Deus, entretanto, outorgou a herança
13 Foi Cristo quem nos redimiu da mal- gratuitamente a Abraão por intermédio
dição da Lei quando, a si próprio se tor- da promessa.
nou maldição em nosso lugar, pois como 19 Qual era, então, o propósito da Lei?
está escrito: “Maldito todo aquele que for Ora, a Lei foi acrescentada por causa das
pendurado num madeiro”.6 transgressões, até que viesse o Descen-
14 Isso aconteceu para que a bênção de dente a quem se referia a Promessa, e foi
Abraão chegasse também aos gentios em promulgada por meio de anjos, pela mão
Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos a de um mediador.
promessa do Espírito Santo pela fé. 20 Entretanto, o mediador não representa
somente um, mas Deus é um só.9
A Lei e a graça da Promessa 21 Sendo assim, pode a Lei ser contrária
15 Caros irmãos, eu vos falarei em termos às promessas de Deus? De forma alguma!
simplesmente humanos. Assim, mesmo Pois, se tivesse sido outorgada uma lei
considerando que um testamento seja que pudesse conceder vida, com toda a
feito por mãos humanas, ninguém o po- certeza a justiça resultaria da lei.
derá anular depois de haver sido ratifica- 22 Contudo, a Escritura colocou tudo
do, nem ao menos lhe acrescentar algo. debaixo do pecado, para que a promessa
16 Desse mesmo modo, as promessas fo- fosse concedida aos que crêem por meio
ram feitas a Abraão e ao seu descendente. da fé em Jesus Cristo.
A Escritura não declara: “E aos seus des- 23 Antes que essa fé chegasse, estávamos
cendentes”, como se referindo a muitos, sob a custódia da Lei, nela aprisionados,
5 Paulo se refere a todos os legalistas, pois recusam a Graça de Deus e insistem em tentar obter a justiça ou merecer os favores
de Deus por meio da prática metódica de leis, rituais e boas obras. Paulo ensina que não é possível ao ser humano (depois da
Queda – Gn 3) guardar a Lei com perfeição, e, portanto, todos aqueles que se acham “bons, justos ou cumpridores das leis”,
desprezam a Graça e estão sob a maldição da Lei que, certamente os condenará, pois ninguém é capaz de cumprir todos os man-
damentos do Senhor. Além disso, não basta observar a Lei, é preciso não ter qualquer contato com alguém em pecado, sob pena
de assumir para si a maldição de outrem e suas penalidades (Hb 2.15). A bênção do Senhor não é concedida por merecimento,
mas pela misericórdia de Deus ao coração humilde e desejoso de salvação (Dt 27.26; Tg 2.10). Não há nada que possamos fazer
para que Deus nos ame mais, porém, não há nada que façamos que possa diminuir o amor de Deus por nós em Cristo Jesus.
6 É Cristo quem nos “redimiu” (no original grego exegorasen – com o sentido de “comprou para pôr em liberdade”) da maldição
a que estávamos condenados pela Lei (Rm 8.3). Paulo usa o grego clássico no sentido de comunicar a morte de Cristo na cruz do
Calvário, em analogia ao terrível suplício da empalação romana por meio de varas e estacas (At 5.30; 10.39; 1Pe 2.24). Portanto,
quem viver pela fé pela fé será julgado, quem viver pela Lei, pela Lei já está condenado (Hb 2.4; Lv 18.5; Dt 21.23).
7 Isaque era em si incapaz de transportar as bênçãos de Deus para todos os povos (v.8). Portanto, Jesus Cristo é a verdadeira
“semente” (no singular em Gn 12.7; 22.17,18), em que as promessas têm o seu perfeito cumprimento.
8 O princípio da fé é anterior à própria Lei e mais importante do que as ordenanças mosaicas. O período em que o povo de
Israel viveu como escravo no Egito (sem contar a peregrinação no deserto) é designado em números redondos pela Septuaginta
(a tradução do AT em grego – Êx 12.40,41; Gn 15.13; At 7.6).
9 O “Descendente” refere-se outra vez a Jesus Cristo. A Lei foi interpolada para que os judeus pudessem perceber claramente
e reconhecer suas transgressões e pecados (Rm 3.20). Em contraste com a Promessa, a Lei foi declarada aos homens por meio
de anjos (At 7.38,53), mas a pessoa de Deus ficou à parte. Em Cristo, entretanto, o próprio Deus vem diretamente até o crente e
lhe abençoa com o Seu Espírito Santo (v.14).
até que a fé que haveria de vir fosse re- 3 Da mesma forma nós, quando éramos
velada.10 menores, estávamos debaixo de um sis-
24 Desse modo, a Lei se tornou nosso tema que nos escravizava aos princípios
tutor a fim de nos conduzir a Cristo, básicos deste mundo.
para que por intermédio da fé fôssemos 4 Todavia, quando chegou a plenitude
justificados. dos tempos, Deus enviou seu Filho, nas-
25 Agora, no entanto, havendo chegado a fé, cido de mulher, nascido também debaixo
já não estamos mais sujeitos a esse tutor.11 da autoridade da Lei,1
5 para resgatar os que estavam subjuga-
Filhos de Deus mediante Cristo dos pela Lei, a fim de que recebêssemos a
26 Porquanto, todos vós sois filhos de Deus adoção de filhos.
por meio da fé que tendes em Cristo Jesus, 6 E, porque sois filhos, Deus enviou o Es-
27 pois todos quantos em Cristo fostes pírito de seu Filho para habitar em vos-
batizados, de Cristo vos revestistes. sos corações, e ele clama: “Abba, Pai!”.2
28 Não há judeu nem grego, escravo ou 7 Portanto, tu não és mais escravo, mas
livre, homem ou mulher; porque todos filho; e sendo filho, és igualmente pleno
vós sois um em Cristo Jesus. herdeiro por decreto de Deus.
29 E, se sois de Cristo, então, sois descen-
dência de Abraão e plenos herdeiros de Zelo por uma doutrina sadia
acordo com a Promessa.12 8 No passado, quando não conhecíeis a
Deus, éreis escravos daqueles que, por
Não mais escravos, mas filhos! natureza, não são deuses.
10 Estar sob custódia (detenção) da Lei, ou prisioneiro do pecado, em termos práticos resulta na mesma falta de liberdade e
condenação, porquanto a Lei revela e estimula o pecado (4.3; Rm 7.8; Cl 2.20). Paulo se refere à “Escritura” para mostrar seu
embasamento teológico acerca de que a Lei é secundária; outorgada para provar o quanto somos pecadores e merecedores da
condenação eterna por nossas afrontas a Deus e aos nossos semelhantes, e a fé é prioritária e vital, pois nos concede a vida.
11 A expressão original grega paidagõgos (da qual se deriva “pedagogo”) refere-se a um tipo especial de escravo, também
chamado de “aio”, cuja principal responsabilidade era acompanhar os filhos do seu amo na execução dos seus deveres
escolares, bem como na sua formação acadêmica e cultural. Fazia parte de suas funções caminhar e seguir seus pupilos por
todos os lugares, sempre zelando por sua educação e segurança (1Co 4.15). A Lei, portanto, pode conduzir o ser humano a
Cristo, porém somente Jesus é capaz de tirar o poder do pecado da alma humana e ser seu Advogado (Jo 14.16-21).
12 Todos os cristãos sinceros são adotados por Deus e se tornam seus filhos, plenamente justificados, adultos e dignos da
herança eterna com todos os privilégios (e deveres) decorrentes (4.1-7; Rm 8.14-17). A união com Cristo transcende todas as
diferenças raciais, culturais, políticas e sociais (Rm 10.12; 1Co 12.13; Ef 2.15,16). Portanto, os crentes verdadeiros são os des-
cendentes espirituais de Abraão.
Capítulo 4
1 A “plenitude dos tempos” ou “época determinada” descreve o ponto central da história universal, o momento escolhido por
Deus para revelação da Sua pessoa em Cristo Jesus, Seu Filho; para resgate eterno de todos os que nele crêem, transformando
seus “filhos menores” em “herdeiros adultos” (Jo 1.14; 3.16; Rm 1.1-6; 1Jo 4.14). Ao salientar que o Cristo nasceu de mulher,
Paulo ratifica a plena humanidade do Senhor e, portanto, sujeição à Lei.
2 Deus concedeu o seu próprio Espírito, como selo real de paternidade e novo guardião, para habitar permanentemente na
alma dos cristãos sinceros (Rm 8.2-9; Ef 1.13,14). O verbo original grego, aqui traduzido por “clama”, expressa profunda emoção,
como no brado final de Jesus na cruz (Mt 27.50). O vocábulo aramaico “Abba” corresponde à forma carinhosa e respeitosa da
nossa expressão “papai”, transmitindo a idéia de um relacionamento especialmente íntimo com Deus (Mc 14.36; Rm 8.15).
3 Os judeus tinham que guardar vários dias e épocas cerimoniais como parte do cumprimento da Lei. Por exemplo: o Shabbãth
(todos os preparativos e rituais que envolviam a celebração do sábado). O número de detalhes a serem observados é tão grande,
11 Temo que eu talvez tenha ministrado sofrendo como que com dores de parto
inutilmente para convosco. por vossa causa, e isso até que Cristo seja
12 Caros irmãos, rogo-vos que vos torneis formado em vós.
parecidos a mim, da mesma maneira que 20 Eu bem que gostaria de estar pesso-
eu me tornei semelhante a vós. Em nada almente convosco e mudar o tom desse
me ofendestes; meu discurso, pois estou atônito em
13 e sabeis que foi por causa de uma relação ao vosso comportamento.
enfermidade física que vos preguei o
Evangelho pela primeira vez.4 A Lei e a Promessa: as alianças
14 E não desprezastes nem rejeitastes 21 Dizei-me vós, os que quereis perma-
aquilo que no meu corpo era uma tribu- necer subjugados à Lei: Acaso não tendes
lação para vós; ao contrário, me recebes- ouvido com clareza a Lei?
tes como se eu fosse um anjo de Deus, 22 Porquanto está escrito que Abraão teve
como o próprio Cristo Jesus. dois filhos, um da mulher escrava e outro
15 Ora, onde está aquele vosso júbilo? da livre.6
Porquanto, eu mesmo sou testemunha de 23 O que era filho da escrava nasceu de
que, se fosse possível, teríeis arrancado os modo natural, porém o filho da mulher
próprios olhos para oferecê-los a mim. livre nasceu mediante uma promessa.
16 Será possível que me tornei vosso 24 Pois bem, uso essa história aqui como
inimigo apenas por vos declarar a ver- uma ilustração; pois essas mulheres pre-
dade?5 figuram duas alianças. Uma aliança pro-
17 Aqueles que se mostram fazendo tanto cede do monte Sinai e pode gerar apenas
esforço para vos agradar não agem com filhos para a escravidão; esta é Hagar.7
boas intenções, mas seu real propósito é 25 Hagar representa o monte Sinai, na
vos isolar a fim de que sejais constran- Arábia, e corresponde à atual cidade de
gidos a demonstrar vosso cuidado para Jerusalém, que vive como escrava com os
com eles. seus filhos.8
18 É muito bom que sejais sempre zelo- 26 Entretanto, a Jerusalém do alto é livre,
sos do bem, e não apenas quando estou e esta é a nossa mãe!9
presente. 27 Pois está escrito: “Alegra-te, ó estéril,
19 Meus amados filhos, novamente estou tu que não davas à luz; irrompe em bra-
mesmo em nossos dias, especialmente em Israel, que geralmente as crianças são encarregadas, na sexta-feira, de preparar
pedaços de papel higiênico e disponibilizá-los para uso nos banheiros de suas casas, pois a lei judaica proíbe rasgá-los no
sábado. E ainda, o Dia da Expiação (dia dez de Tisrei – conforme Lv 16.29-34), Luas Novas (Nm 28.11-15; Is 1.13,14), a Páscoa
(Êx 12.18), as Primícias (Lv 23.10), o Ano Sabático (Lv 25.4). Os fariseus observavam meticulosamente milhares de ordenanças e
ritos religiosos com o objetivo de conquistar méritos diante de Deus e, então, se sentirem autorizados a fazer suas reivindicações
ao Senhor.
4 Paulo conheceu os gálatas e lhes pregou o Evangelho por ocasião da sua primeira viagem missionária (At 13.14 – 14.23).
Nessa época, a região de Perge, no litoral da Ásia Menor foi afligida por um surto de malária. Paulo pode ter contraído essa
doença e foi acolhido e tratado pelos gálatas que presenciaram sua luta contra o que chamou de seu “espinho na carne” (2Co
12.7), embora não haja registro claro de que mal era esse.
5 Ao falar a verdade, ainda que com amor e cuidado, corremos o risco de perder alguns amigos. Paulo era muito estimado
pelos gálatas, mas por causa da influência desastrosa dos judaizantes e sua doutrina legalista e altamente restritiva, a igreja havia
perdido a espontaneidade, a alegria, a hospitalidade e o grande respeito que já havia demonstrado pelo apóstolo de Cristo.
6 Abraão teve dois filhos: Ismael, nascido da escrava Hagar (Gn 16.1-16), e Isaque, nascido de Sara, que não era escrava
(Gn 21.2-5).
7 A antiga aliança, com a Lei que regulamentava a vida e a religiosidade do povo de Israel foi estabelecida no monte Sinai e
entregue a Moisés para que a ministrasse aos israelitas e a todos os povos (Êx 19.1; 20.1-17).
8 Jerusalém, ainda hoje, pode ser equiparada ao próprio monte Sinai por representar o centro do judaísmo em todo o mundo,
cujo povo ainda vive, onde estiver, como escravo da antiga Lei promulgada no alto de um monte, no meio do deserto do Sinai;
um lugar ermo e árido, para onde eram banidos os criminosos e indesejados das cidades.
9 Desde a antigüidade, a doutrina rabínica ensinava que a Jerusalém do alto era o arquétipo da cidade celestial que seria
baixada e estabelecida na Terra por ocasião do advento messiânico (Ap 21.2). Paulo se refere aqui à cidade espiritual de Deus, na
dos de júbilo, tu que não passastes pelas 2 Eu, Paulo, vos afirmo que Cristo de
dores de parto; pois os filhos da mulher nada vos servirá, se vos deixardes cir-
abandonada são mais numerosos do que cuncidar.
os daquela que tem marido”.10 3 E outra vez declaro solenemente a todo
28 Assim vós, irmãos, sois filhos da Pro- homem que se permite circuncidar, que
messa, à semelhança de Isaque. ele, desse modo, fica obrigado a cumprir
29 No entanto, assim como naquele tempo toda a Lei.
o que nasceu de modo natural perseguia 4 Vós, que vos justificais por meio da
o que nasceu segundo o Espírito, assim Lei, estais separados de Cristo; caístes
também acontece nos dias de hoje. da graça!2
30 Contudo, o que nos revela a Escritura? 5 Entretanto nós, pelo Espírito mediante
“Mande embora a escrava e o seu filho, a fé, aguardamos a justiça que é nossa
porque o filho da escrava jamais será esperança.3
herdeiro com o filho da livre”.11 6 Porquanto em Cristo Jesus, nem a circun-
31 Portanto, amados irmãos, não somos cisão nem a incircuncisão têm qualquer
filhos da escrava, mas sim filhos da li- valor; mas sim a fé que opera pelo amor.4
berdade! 7 Corríeis bem! Quem vos impediu de
obedecer à verdade?
Nossa liberdade em Cristo 8 Quem vos convenceu a agir assim, não
qual Jesus Cristo reina e da qual todo cristão já é cidadão (filho), em oposição a Jerusalém da época de Paulo e de hoje em dia.
10 Paulo interpreta o regozijo profético de Isaías (Is 54.1) em relação à Jerusalém – na época do profeta confinada a um peque-
no e inexpressivo grupo de escravos no exílio, portanto, “estéril e sem filhos”, mas que ainda produziria “muitos filhos”. Profecia
cumprida por meio da grande colheita evangélica que o mundo presencia, desde a vinda do Senhor Jesus, e que se encerrará
com seu iminente e glorioso retorno.
11 Paulo usa as palavras de Sara como base bíblica para ensinar aos gálatas e a todas as igrejas cristãs que não devem tolerar
em seu meio doutrinas meramente legalistas ou qualquer ideologia judaizante (Gn 21.10). A Igreja de Cristo é livre, conduzida
pelo Espírito do próprio Deus e por Sua Palavra; adequada à cultura de cada nação e povo salvo, e não mais guiada pela obedi-
ência obrigatória e metódica à Lei e às suas ordenanças, rituais, festas e mandamentos rabínicos. O crente em Cristo é filho – com
plenos direitos, poderes e deveres – da Promessa, que é viver pela fé (3.7,29).
Capítulo 5
1 A palavra “liberdade” é enfatizada por sua localização na frase original grega, e revela nossa total independência do jugo
da Lei. No grego clássico, o verbo “sujeitar” significava “viver imobilizado por uma rede”, ou seja, emaranhado pelos poderosos
laços das exigências rigorosas das leis judaicas, a fim de conseguir o favor de Deus (At 15.10,11).
2 A expressão “cair da graça”, nesse contexto, significa que alguns cristãos, entre os gálatas, optaram por (seguindo o pensa-
mento judaizante) conquistar o favor divino pelo esforço próprio (mérito), ao tentarem cumprir, de forma legalista, as ordenanças
da Lei; em vez de, humildemente, reconhecerem a pecaminosidade e impotência humanas, e aceitar o dom gratuito de Deus por
meio de Cristo, que é a Salvação (2Pe 3.17).
3 Os gálatas haviam sido enredados por um pensamento teológico falso, de que o cristão só obteria completa salvação se
observasse toda a Lei, as datas e comemorações santas do calendário judaico e praticasse os tradicionais rituais religiosos, como
a circuncisão. Paulo faz uma afirmação escatológica, ao asseverar que o veredicto final de Deus sobre o cristão (“absolvido!”)
já nos foi outorgado em Cristo (ele pagou nossa cara fiança), e que essa decisão irrevogável e eterna de Deus está confirmada
(selada) pela presença do Espírito Santo na vida de cada convertido. Paulo afirma que é o Espírito quem nos apresentará diante
de Deus, perfeitos na justiça de Cristo (3.3; Ef 1.13).
4 Paulo não se opunha a que os judeus-cristãos continuassem a guardar a Lei e as tradições judaicas como seus pais. En-
tretanto, não podia admitir que os gentios fossem obrigados a cumprir os rituais judaicos (At 21.10). Paulo ensina que não é a
raça, tradição ou qualquer prática religiosa que conduz à salvação e aos favores de Deus, mas a fé no amor operoso de Cristo,
o Filho de Deus (Rm 5.8; 8.32). O rito em si, tanto da circuncisão como de qualquer tipo de batismo, não tem valor justificador
diante de Deus (1Co 10.1-12). A fé não é simples assentimento intelectual, mas confiança viva e responsiva na graça do Senhor;
a verdadeira fé se manifesta em amor prático (1Co 7.19; 1Ts 1.3).
5 Paulo cita um provérbio muito conhecido, e várias vezes mencionado por Jesus para ilustrar o efeito difusor do judaísmo.
Quando a palavra “fermento” é usada de forma simbólica nas Escrituras, representa a iniqüidade ou falsidade (Mc 8.15), com
exceção de Mt 13.33.
Senhor de que não pensareis de outra des, contra as quais vos advirto, como já
forma. Mas aquele que vos perturba, seja vos preveni antes: os que as praticam não
quem for, sofrerá condenação. herdarão o Reino de Deus!
11 Eu, no entanto, irmãos, se continuo 22 Entretanto, o fruto do Espírito é: amor,
pregando a circuncisão, por qual motivo alegria, paz, paciência, benignidade,
ainda sou perseguido? Nesse caso, o es- bondade, fidelidade,
cândalo da cruz estaria anulado. 23 mansidão e domínio próprio. Contra
12 Quem me dera se castrassem àqueles essas virtudes não há Lei.
que vos estão confundindo!6 24 Os que pertencem a Cristo Jesus cru-
13 Caros irmãos, fostes chamados para a cificaram a carne, com as suas paixões e
liberdade. Todavia, não useis da liberdade os seus desejos.
como desculpa para vos franquear à 25 Se vivemos pelo Espírito, andemos de
carne; antes, sede servos uns dos outros igual modo sob a direção do Espírito.
mediante o amor. 26 Não nos tornemos arrogantes, provo-
14 Pois toda a Lei se resume num só cando-nos uns aos outros e tendo inveja
mandamento, a saber: “Amarás o teu uns dos outros.
próximo como a ti mesmo”.7
15 Porém, se mordeis e devorais uns aos A mutualidade cristã
outros, cuidado para não vos destruirdes
mutuamente! 6 Irmãos, se alguém for surpreendido
em algum pecado, vós que sois espi-
rituais, deveis restaurar essa pessoa com
Viver no Espírito, não na carne espírito de humildade. Todavia, cuida de
16 Portanto, vos afirmo: Vivei pelo Espí- ti mesmo, para que não sejas igualmente
rito, e de forma alguma satisfareis as tentado.
vontades da carne! 2 Levais as cargas pesadas uns dos outros
17 Porquanto a carne luta contra o Espí- e, assim, estareis cumprindo a Lei de
rito, e o Espírito, contra a carne. Eles se Cristo.1
opõem um ao outro, de modo que não 3 Pois, se alguém se considera importan-
conseguis fazer o que quereis. te, não sendo nada, engana a si mesmo.
18 Contudo, se sois guiados pelo Espírito, 4 Mas cada indivíduo avalie suas próprias
já não estais subjugados pela Lei. atitudes, e, então, saberá como orgulhar-
19 Ora, as obras da carne são manifestas: se de si mesmo, sem viver se comparando
imoralidade sexual, impureza e liberti- com outras pessoas.
nagem; 5 Portanto, cada um deve levar seu pró-
20 idolatrias e feitiçarias; ódio, discórdia, prio fardo.2
ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e
21 inveja; embriaguez, orgias e tudo Colhemos aquilo que semeamos
quanto se pareça com essas perversida- 6 O que está sendo orientado na Palavra
6 A expressão grega usada por Paulo, originalmente, é mais forte, e significa literalmente “cortar fora”. Em Fp 3.2, o apóstolo
emprega um verbo correspondente em referência a uma pessoa em situação semelhante à “falsa circuncisão”, ou literalmente
“mutilação”. Fica assim muito clara a ironia usada por Paulo nesse sentido.
7 Paulo ensina que temos toda a liberdade de fazer o bem, como é próprio do verdadeiro crente que ama a Deus, e demonstra
essa adoração ao Senhor por meio de atitudes práticas para com todas as pessoas à sua volta (Lv 19.18). Evidentemente, como
cristãos, não nascemos de novo para sermos licenciosos, ou seja, nos entregarmos à prática do mal (Rm 6.1; 1Pe 2.16).
Capítulo 6
1 O verbo grego “restaurar”, em seu sentido original, tem a ver com o ato de consertar as redes de pesca, ou de reunir pessoas
cujos relacionamentos foram quebrados. Paulo faz referência ao “novo mandamento” de dedicar uns aos outros o amor fraternal
movido pelo Espírito de Deus, e o denomina “Lei de Cristo” (Jo 13.34; 1Jo 4.21). Essa “nova lei” abrange todo os gomos do fruto
do Espírito (5.22,23) e cumpre todo o dever do cristão para com Deus e a humanidade (vv. 5,14; Mt 22.37-40).
2 Não devemos nos comparar com outras pessoas, quer no aspecto físico, psicológico, moral ou espiritual. Nem devemos nos
gloriar nas fraquezas ou erros cometidos pelos outros. Não somos piores ou melhores que ninguém, temos apenas algumas
deve compartilhar tudo o que possui de dados conseguem cumprir a Lei; contu-
bom com aquele que o instrui.3 do, desejam que vós sejais circuncidados,
7 Não vos enganeis: Deus não se permite para se orgulharem do ritual que impin-
zombar. Portanto, tudo o que o ser hu- giram ao vosso corpo.
mano semear, isso também colherá! 14 Quanto a mim, no entanto, que eu
8 Pois quem semeia para a sua carne, da jamais venha a me orgulhar, a não ser na
carne colherá ruína; mas quem semeia cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por
para o Espírito, do Espírito colherá a intermédio da qual o mundo já foi cruci-
vida eterna. ficado para mim, e eu para o mundo.
9 E não nos desfaleçamos de fazer o bem, 15 Não há, de fato, o menor valor em ser
pois, se não desistirmos, colheremos no ou não ser circuncidado. O que realmen-
tempo certo. te importa é ser uma nova criação.6
10 Sendo assim, enquanto temos oportu- 16 Paz e misericórdia repousem sobre
nidade, façamos o bem a todos, princi- todos aqueles que andarem conforme
palmente aos da família da fé.4 essa ordenança, e também sobre o Israel
de Deus.7
A nova criação supera a Lei 17 Quanto ao restante, ninguém tem au-
11 Vede com que grandes letras vos escre- toridade para questionar-me, pois trago
vo de próprio punho. em meu próprio corpo as marcas de que
12 Aqueles que aspiram ostentação exte- pertenço a Jesus.8
rior vos obrigando a fazer a circuncisão,
agem dessa maneira somente para não Bênção apostólica final
serem perseguidos por causa da cruz de 18 Amados irmãos, que a graça de nosso
Cristo.5 Senhor Jesus Cristo esteja com vosso es-
13 Ora, nem mesmo os que são circunci- pírito! Amém.
diferenças e oportunidades diversas. No dia do julgamento final cada pessoa, individualmente, apresentará seu fardo com os
valores espirituais (boas e más escolhas) que foi angariando ao longo do seu tempo de vida na Terra (2Co 5.10; Rm 14.12). O v.2
fala das cargas que podemos e devemos ajudar nossos irmãos e amigos a levar (tragédias, tristezas agudas, quedas repentinas
e momentâneas, etc.), o v.5 usa uma outra palavra no grego original, e se refere ao nosso fardo particular, que não podemos
compartilhar: a responsabilidade sobre a nossa decisão pessoal de aceitar ou não o Evangelho de Cristo e adorar a Deus. Uma
resposta íntima e intransferível que todas as pessoas do mundo têm que dar um dia.
3 Os crentes têm a obrigação espiritual e moral de dividir, com seus pastores e mestres, o resultado de seus progressos
materiais, e não apenas problemas e necessidades (Fp 4.14-19).
4 Nossa prioridade em termos de obras de caridade e assistência social é para com os demais cristãos (família da fé). Nossa
principal responsabilidade para com o mundo em geral é a evangelização, o que não exclui toda a ajuda material e social possível
(Mt 28.19,20; 1Co 9.16; 1Tm 5.8).
5 Ao se constrangerem os gálatas a passar pelo ritual religioso da circuncisão, os judaizantes corriam menos risco de sofrer
oposição por parte dos inimigos judaicos do cristianismo. Paulo os critica por estarem mais preocupados com sua própria repu-
tação e interesses do que com a verdadeira edificação espiritual dos crentes (5.11).
6 Ao contrário do dito popular, nem todos são filhos de Deus. Essa é uma posição muito importante e privilegiada, somente
possível àqueles que aceitaram com fé a graça salvadora de Jesus Cristo; e, portanto, ao nascerem de novo passaram por um
processo milagroso de nova criação. Esse novo ser, criado à imagem de Cristo, precisa alimentar-se da Palavra e crescer em
sabedoria divina, amadurecer como cristão e gerar filhos e filhas espirituais (Jo 1.12; 3.3-16; 2Co 5.17).
7 A Igreja do NT, constituída de cristãos de todos os povos e culturas, judeus e gentios (não-judeus), pode ser compreendida
como a nova descendência de Abraão, herdeira de todas as bênçãos do Senhor segundo a Promessa (1Co 10.18; Rm 9.6; Fp
3.3). Paulo se refere à perfeita paz e misericórdia profetizadas ao povo israelita, agora à disposição de todos os crentes; neste
sentido, o novo Israel de Deus (Sl 125.5; 128.6).
8 Na época de Paulo, a palavra grega original, aqui traduzida por “marcas”, era usada em referência ao estigma produzido pelo
ferro em brasa ou pelo ferrete com que se costumava furar as orelhas dos escravos a fim de identificar a que senhor pertenciam.
Os muitos sofrimentos de Paulo serviam para distinguí-lo como “escravo de Cristo” (At 14.19; 16.22; 2Co 11.25; 2Co 12.7; Gl
4.13,14). Portanto, os cristãos precisam refletir sobre isso quando se apresentam à sociedade como “servos do Senhor” (1.10;
2Co 4.10).
Propósitos
p
É possível que o fato de esta carta de Paulo não ter por foco nenhum erro, pecado ou heresia
específica, o que era um traço comum nas missivas do apóstolo, tenha levado alguns estudiosos a
suspeitar da autoria paulina.
A primeira parte deste tratado teológico apresenta a forte e complexa base doutrinária cristã, en-
quanto que, na segunda parte, Paulo escreve como pastor que se preocupa em encorajar seus filhos
na fé. Entretanto, essa linha divisória não é tão simétrica e de fácil contorno. O discurso doutrinário é
exercido mediante uma situação prática, e as exortações são iluminadas por diamantes da verdade.
Paulo escreveu para ampliar os horizontes espirituais de seus leitores de todas as épocas e culturas,
com o objetivo de ajudá-los a compreender um pouco melhor as dimensões do plano eterno de
Deus Pai e da sua Graça. A profunda e abrangente iluminação que o leitor possa receber da leitura
atenta de Efésios, o estimulará a valorizar os alvos mais sublimes que o Senhor estabeleceu para a
Sua Igreja.
Paulo inicia sua mensagem com um louvor que se transforma em exultação pelos propósitos de
Deus para com seus santos, por meio da obra redentora de Jesus Cristo, o Messias, Filho de Deus,
bem como pela ação cotidiana do Espírito Santo na vida dos crentes.
O apóstolo faz uma pausa para duas orações (1.15-23 e 3.14-19), e segue ensinando aos seus
leitores sobre o que está envolvido na redenção: o livramento total do poder do pecado, a vida
regenerada e espiritualmente vitoriosa, o ministério de unidade de todos os santos (separados para
o louvor e a adoração de Deus) e a união eterna do crente com Jesus Cristo.
Deus, portanto, reconciliou o ser humano consigo num ato da Sua Graça leal e eterna (2.1-10). Re-
conciliou também entre si esses indivíduos, porquanto Cristo, por meio de sua morte e ressurreição,
rompeu todas as barreiras entre todos os povos da terra (2.11-22). E mais ainda, o Senhor uniu todas
essas pessoas, agora devidamente reconciliadas, num único corpo: a Igreja de Jesus Cristo, a fim
de que a Igreja seja o meio pelo qual Deus demonstra sua “multiforme sabedoria” aos “principados
e autoridades nas regiões celestiais” (3.7-13). Portanto, fica evidente – até pela redundância propo-
sital da expressão “nas regiões celestiais”, ao longo do texto do apóstolo – que a vida cristã não se
restringe somente ao plano terrestre, mas igualmente tem toda a relevância no céu (lugar celestial),
onde Cristo está entronizado à direita de Deus Pai (1.3,20; 2.6; 3.10; 6.12).
Contudo, Paulo não nos deixa esquecer da dura realidade que todos os cristãos devem viver
durante o tempo de sua peregrinação nesta terra, levando com coragem e galhardia o bom teste-
munho de Jesus. O Senhor exaltado concedeu “dons” aos membros da Igreja, capacitando-os para
cooperar uns com os outros, promovendo a união e crescendo em maturidade espiritual a cada dia
(4.1-16). A maravilhosa unidade da Igreja, sob o governo amoroso e supremo de Cristo, prenuncia
a universal unificação de “convergir em Cristo tudo quanto existe” (1.10). A nova vida, repleta de pu-
reza, humildade, altruísmo e poder espiritual, entra em flagrante contraste com a velha e moribunda
maneira de vaguear sem Cristo pela vida (4.17 – 6.9). Os realmente “fortes no Senhor” conquistam
a plena vitória sobre Satanás e suas hostes por meio do poder da oração e da consagração pessoal
(6.10-20).
1 O vocábulo grego original, aqui traduzido por “santos”, não se refere a pessoas que não erram ou não pecam, mas a pecado-
res salvos pela misericórdia e graça de Deus, que também manifestam fé sincera (por isso fiéis) em Jesus Cristo.
2 Paulo nos garante que os cristãos, na união com o Cristo exaltado (ressurreto e entronizado à destra do Pai), já passaram a
ser beneficiários de todas as bênçãos que Deus destinou ao céu e aos seus habitantes. A expressão “regiões celestiais” aparece
cinco vezes nessa carta de Paulo à Igreja em Éfeso (um dos principais centros urbanos do Império Romano na Ásia). Esta
expressão só é encontrada em Efésios (1.3; 20; 2.6; 3.10 e 6.12), sendo que nos dois últimos versículos têm a ver com o âmbito
das operações demoníacas. Para os cristãos, entretanto, indica um determinado lugar no mundo espiritual que, após a morte e
ressurreição do crente com Cristo, lhes proporcionará o mais agradável e permanente acolhimento (Cl 3.1,2). A expressão “em
Cristo” é o termo chave de toda a carta, na qual ocorre mais de dez vezes. Refere-se à vida espiritual entre Cristo e os crentes,
que Paulo costuma simbolizar por meio da metáfora “corpo de Cristo” (v.23; 2.6; 4.4,12,16; 5.23,30).
3 A eleição divina é um conceito teológico sempre presente nas cartas paulinas (Rm 8.29-33; 9.6-26; 11.5,7,28; 16.13; Cl 3.12;
1Ts 1.4; 2Ts 2.13; Tt 1.1). Deus nos escolheu por meio de sua determinação soberana, na qual Ele nos deu Sua graça salvadora
sem considerar quaisquer possíveis méritos e deméritos nas pessoas escolhidas (Jo 6.37; 17.6).
4 A expressão original grega transliterada echaritõsen significa literalmente “manifestar Sua graça”. No NT, só aparece aqui
e em Lc 1.28. Uma vez ligados ao “Amado” (Cristo, o Deus-Filho), somos abençoados com todo o tipo de riquezas espirituais
provenientes do amor de Deus. Muitas vezes, contudo, não dispomos nossa vontade (fé) no sentido de percebemos os tesouros
divinos e, por isso, vivemos na periferia do Reino de Deus. Salvos, porém, vivendo como incrédulos (1Pe 1.13-25).
5 Paulo usa um exemplo bem dramático e conhecido dos efésios. A redenção era uma prática jurídica greco-romana por
meio da qual alguns escravos ganhavam a liberdade mediante o pagamento de certo valor como resgate. Semelhantemente, o
resgate necessário para libertação dos pecadores da pena de morte pela desobediência à Palavra de Deus, e sua conseqüente
sucessão de pecados (Gn 3; Gl 3.13), era o improvável e alto custo do derramamento do sangue de um humano sem pecado.
A única alternativa de Deus foi enviar-se à Terra, na pessoa humana de Seu Filho, Jesus, que – sem pecado algum – entregou
sua vida em sacrifício eterno pela redenção de todos quantos crêem no poder remidor do Seu sangue na cruz do Calvário (2.13;
1Pe 1.18,19).
6 A expressão original grega, aqui traduzida por “convergir”, transmite a idéia de absoluta e inquestionável liderança, mas
também a idéia de “somar uma coluna de valores”. Ou seja, a reconstituição geral do universo está em pleno curso, com Cristo
à cabeça de todo o processo e que alcançará seu auge e estabelecimento eterno quando toda a oposição for colocada debaixo
dos Seus pés, por ocasião do Seu iminente e glorioso retorno (v.22; Hb 2.8; Rm 8.18-21).
7 O Espírito Santo não é somente o “sinal de entrada”, pago de forma adiantada, e que confirma a legitimidade de propriedade
por parte daquele que nos comprou e, portanto, selou (marcou), mas representa a própria garantia da qualidade de vida que
teremos plenamente no céu e que podemos experimentar durante nossa caminhada cristã na Terra (4.30; 2Co 1.22; 5.5; Fp 1.6).
8 No final da história da humanidade como a conhecemos, o Filho do Homem, o Cristo, reinará soberanamente sobre todos os
elementos do universo (Sl 8.5,6; Hb 2.6-9; 10.13). A igreja é a plenitude de Cristo, especialmente no sentido de que Aquele que
preenche todas as coisas também a satisfaz perfeitamente.
Capítulo 2
1 Paulo começa essa carta comentando sobre os grandes planos do Senhor, que culminam na supremacia absoluta de Cristo
(1.10). Agora, passa a explicar as principais etapas dos propósitos de Deus para o universo, a partir da salvação do ser humano.
A morte espiritual tem vários sentidos, por exemplo, em Adão (Rm 5.12); em nossos delitos e pecados (Cl 2.13), que podem
levar à segunda e derradeira morte (Ap 20.6,14); com Cristo, quando Ele morreu (Gl 2.20; Rm 6.8; Cl 2.20); na simbologia do
batismo (Rm 6.4; 2.12); durante a contínua caminhada cristã (Rm 6.11; Cl 3.5). O fim da existência é a razão porque dependemos
completamente de Jesus, o único que pode nos dar uma nova vida e a vitória sobre a morte.
2 Satanás é um ser criado, mas não possui qualquer característica humana. É um ser angelical, rebelado contra Deus e toda
a criação divina. Desde a queda de Adão (Gn 3), tem domínio sobre a terra e a sociedade mundial. É o príncipe do mal, em cuja
pessoa não existe a menor possibilidade de bem; general ardiloso e sanguinário, comanda imenso exército de anjos caídos, que
muitas vezes se fazem passar por espíritos iluminados ou anjos de luz, a fim de levarem a efeito os planos diabólicos do seu líder.
A matéria-prima usada pelo Diabo e seus seguidores é sempre um amálgama envolvendo dinheiro (poder econômico), prestígio
(poder político e cultura promíscuos), e as religiões (falsos mestres e teologias). Contudo, já foi derrotado por Cristo na cruz do
Calvário, tem conhecimento da destruição do seu reino e da sua condenação eterna, e não tem qualquer poder para resistir ao
Espírito Santo. Paulo usa o “ar” como metáfora para significar toda a massa atmosférica que circunda a Terra, bem como para
referir-se ao ambiente (sistema mundial) que acompanha cada novo século (Jo 12.31; 14.30; Jó 1.6; Ez 28.15; Is 14.12-15).
ainda mortos em nossos pecados, por- Circuncisão, feita no corpo por mãos
tanto: pela graça sois salvos! humanas;
6 Deus nos ressuscitou com Cristo, e com 12 estáveis naquela época sem Cristo,
Ele nos entronizou nos lugares celestiais separados da comunidade de Israel,
em Cristo Jesus, estranhos às alianças da Promessa, sem
7 para revelar nas eras vindouras a supre- esperança e sem Deus no mundo.
ma riqueza da sua graça, por intermédio 13 Todavia, agora, em Cristo Jesus, vós que
da sua bondade para conosco em Cristo antes estáveis distantes, fostes aproxima-
Jesus. dos mediante o sangue de Cristo.6
8 Porquanto, pela graça sois salvos, por 14 Porquanto, Ele é a nossa paz. De am-
meio da fé, e isto não vem de vós, é dom bos os povos fez um só e, derrubando o
de Deus;3 muro de separação, em seu próprio cor-
9 não vem por intermédio das obras, a po desfez toda a inimizade, ou seja,7
fim de que ninguém venha a se orgulhar 15 anulou a Lei dos mandamentos ex-
por esse motivo.4 pressa em ordenanças, para em si mes-
10 Pois somos criação de Deus, realizada mo criar dos dois um novo ser humano,
em Cristo Jesus para vivermos em boas realizando assim a paz,8
obras, as quais Deus preparou no passado 16 e reconciliar com Deus os dois em um
para que nós as praticássemos hoje.5 só Corpo, pelo ato na cruz, por intermé-
dio do qual Ele destruiu toda a irrecon-
A nova humanidade em Cristo ciliabilidade.
11 Portanto, lembrai-vos de que, anterior- 17 E vindo Ele, proclamou a paz para vós
mente, éreis gentios por natureza, chama- que estáveis longe e, da mesma forma,
dos Incircuncisão pelos que se chamam para os que estavam perto;
3 Definitivamente, nenhum sentimento ou esforço da parte de qualquer ser humano tem valor ou capacidade para influir em
sua salvação pessoal. A salvação é simplesmente uma dádiva (dom) de Deus. A expressão grega original “salvos” traduz vários
significados; incluindo, servos salvos (livres) da ira de Deus contra toda a impiedade e seus seguidores (pecadores). O tempo
do verbo revela uma ação já concluída, cujo efeito presente é enfatizado (v.5). A única forma de acesso à justificação divina e,
portanto, ao perdão de Deus e à salvação eterna da alma, é a sincera fé em Jesus Cristo (Rm 3.21-31).
4 Nenhuma pessoa humana pode merecer a salvação mediante bom comportamento ou a “observância da Lei”. Essa forma
legalista de compreender a salvação, ou mesmo o processo de santificação (separação das garras ideológicas do sistema
mundial para uma vida de acordo com a direção do Espírito Santo), é sistematicamente condenada nas Escrituras (Rm 3.20,28).
Portanto, ninguém pode se orgulhar da salvação como se houvesse conquistado uma medalha de honra ao mérito ou sido
aprovado em um exame.
5 O ser humano somente é capaz de realizar “boas obras” de acordo com a perspectiva de Deus e real valor celestial depois de
ser transformado em “nova criação” (a expressão grega original tem o sentido de “uma nova obra de arte”), por meio do Espírito
Santo de Cristo (2Co 5.17; Gl 5.22-25). As Escrituras conferem toda a glória a Deus por haver planejado o ser humano e seu
desenvolvimento santo em sociedade.
6 Depois de haver explicado o maravilhoso plano da salvação dos indivíduos, Paulo passa a argumentar sobre um outro
aspecto fundamental da salvação: a união de todos os povos, raças e culturas diante do único Deus. A partir do sacrifício vicário
do Deus-Filho, o Messias; judeus e não-judeus (gentios), antes hostis uns com os outros e separados de Deus, agora, em todo o
mundo e por toda a história da humanidade, estão reconciliados entre si e com o Senhor, mediante o Cordeiro, Jesus (vv.11-16).
Deus, portanto, uniu esses povos num só Corpo, princípio este detalhado por Paulo nos vv.19-22 e no cap.3. A distinção entre
judeus e gentios, completamente cancelada em Cristo, tornou obsoletos os termos “Circuncisão” e “Incircuncisão” que, ao longo
do tempo e da tradição, haviam assumido a função de títulos e nomes para distinguir (e fazer separação) entre judeus e todos
os demais povos da terra. Apesar de muitos ainda não viverem sob a liberdade dessa nova ordem em Cristo, a separação só é
possível no coração dos incrédulos (Cl 3.11).
7 Paulo usa, como ilustração à sua explanação, a barreira que havia na corte dos gentios no templo em Jerusalém, e que servia
para separar os judeus (puros) dos gentios (impuros). Arqueólogos descobriram, em meados dos séc. XX, fragmentos de pedra
com inscrições proibindo, sob pena de morte, a entrada de gentios nas áreas destinadas aos judeus no templo.
8 O padrão moral exigido na Lei do AT não se altera pela vinda e obra de Cristo. O que é cancelado é o efeito das ordenanças
específicas, e que serviam para separar os judeus dos gentios que não guardassem as leis judaicas, e, por isso, os gentios não
convertidos ao judaísmo eram considerados ritualmente impuros. O “novo ser humano”, criado em Cristo, é a Igreja, que é o Corpo
de Cristo (4.13), a “nova criação” de Gl 6.15. Esta unidade de fé só é possível mediante o ministério do Espírito Santo (vv.18,22).
18 pois por meio dele tanto nós como 5 Esse mistério não foi dado a conhecer
vós temos pleno acesso ao Pai por um às pessoas de outras gerações, mas ago-
só Espírito! ra foi revelado pelo Espírito aos santos
19 Portanto, não sois mais estrangeiros, apóstolos e profetas de Deus,
nem imigrantes; pelo contrário, sois 6 significando que, por intermédio do
concidadãos dos santos e membros da Evangelho, os não-judeus são igual-
família de Deus, mente herdeiros com Israel, membros
20 edificados sobre o fundamento dos do mesmo Corpo e co-participantes da
apóstolos e dos profetas, sendo o próprio Promessa em Cristo Jesus.
Cristo Jesus a principal pedra angular 7 Fui nomeado ministro desse Evange-
desse alicerce.9 lho, segundo o dom da graça de Deus,
21 Nele, o edifício inteiro, bem ajustado, que me foi outorgada conforme a atua-
cresce para ser um templo santo no ção do seu poder.
Senhor,10 8 Embora eu seja o menor dos menores
22 no qual também vós, juntos, sois edifi- de todos os santos, foi-me concedida a
cados para morada de Deus no Espírito. graça de proclamar aos gentios as inson-
dáveis riquezas de Cristo,
Um judeu, apóstolo dos gentios 9 e revelar a todos qual é a dispensação
9 Paulo continua a usar uma linguagem metafórica para comunicar o conceito teológico de uma estrutura sólida e integrada.
Os primeiros apóstolos e profetas realizaram uma obra fundamental ao proclamar e ensinar com toda a dedicação a Palavra de
Deus (1Co 3.10,11). Toda a estrutura, no entanto, depende de Cristo, a rocha de fundamento (alicerce), pedra angular, como em
Is 28.16, que usa a mesma terminologia em sua tradução grega dos antigos manuscritos hebraicos (a Septuaginta), como uma
designação messiânica (Mt 21.42).
10 O supremo Arquiteto projetou, e Ele mesmo é a base do templo que constrói, no qual os gentios (não-judeus) fazem parte in-
tegral do edifício, não como anexos ou simples dependências (como na tradição judaica no passado). A ilustração de um edifício
em construção comunica perfeitamente o sentido do crescimento dinâmico da Igreja e seu propósito (4.16).
Capítulo 3
1 Devemos lembrar que Paulo escreveu originalmente cartas, sem as nossas tradicionais divisões em capítulos e versículos;
aqui, faz alusão a todo o seu arrazoado anterior. Assim, devemos considerar que, por tudo o que Deus tem realizado, Paulo
compreende que é prisioneiro de Cristo e jamais dos homens. Segundo vários historiadores e biblistas, Paulo estava sob prisão
domiciliar na época em que escreveu essa carta (At 28.16,30), e isto, por causa da sua insistência em obedecer às orientações
de Cristo, apesar das oposições judaicas e romanas. Curiosamente, após esse versículo, Paulo interrompe sua primeira linha de
raciocínio para explicar “o mistério de Cristo” (v.4), mas retoma o pensamento inicial no v.14.
2 O mistério é descrito e explicado no v.6, e pode ser assim resumido: “Cristo em vós (não-judeus ou gentios) a esperança da
glória” (Cl 1.27).
3 Aprouve a Deus demonstrar seu poder e sabedoria por meio do milagre de unir num único organismo: a Igreja, judeus e
gentios convertidos a Cristo. Essa capacidade da Igreja de Cristo de unir todos os povos, raças e culturas, revela a multiforme
sabedoria do Senhor, como as diversas facetas do mais belo e puro diamante. Paulo afirma que tanto os anjos fiéis ao Senhor
quanto as hostes subjugadas pelo Diabo contemplam a vida da Igreja (1.21; 4.1; 6.12; Jó 1.11). A supremacia de Cristo, reve-
lada por meio da união da sua Igreja, é uma antevisão do plano eterno de Deus: absoluto domínio de Cristo sobre o universo
(v.11; Mt 28.18).
13Portanto, rogo-vos que não vos desa- Jesus, por todas as gerações, por toda a
nimeis por causa das minhas tribulações eternidade. Amém!
em vosso benefício, pois nisso está a
vossa glória. A unidade da Igreja
4 A palavra “família” e “paternidade” derivam do vocábulo grego original paterr (pai). Deus é nosso Pai e o arquétipo de toda a
paternidade, a fonte de todos os povos e a divisão familiar na criação.
5 Assim como nosso corpo natural retira força e energia dos alimentos físicos, nosso ser interior, semelhantemente, deve ser
alimentado e fortalecido pelo Espírito de Cristo (v.17) que vive (habita) no íntimo de todo crente (Jo 15.5; 1Co 12.8-28).
Capítulo 4
1 Paulo ensinou como Deus resgatou judeus e não-judeus (gentios) para um novo e maravilhoso relacionamento com Ele, e
como sua Igreja (união de todos os cristãos da terra num único Corpo). Agora, o apóstolo passa a mostrar como os crentes em
Cristo devem se desenvolver e amadurecer na fé. Somos chamados a viver de tal modo exemplar que o mundo não possa negar
que somos filhos de Deus e cidadãos do céu. As qualidades do v.2 são imprescindíveis (Fl 2.1-4).
2 Os cristãos têm a máxima responsabilidade de evitar que a unidade da Igreja, produzida por Deus mediante o sacrifício
expiatório de Cristo, seja de alguma forma perturbada ou difamada (2.14-22).
3 A esperança tem diversos aspectos, mas não deixa de ser uma só, basicamente vinculada ao futuro triunfante e glorioso de
Cristo e sua Igreja (1.5,10; 2.7). Paulo não se refere exatamente ao batismo no Espírito (1Co 12.13), que é sempre um milagre
interior e, portanto, invisível. Considerando que Paulo está ensinando sobre o novo símbolo de iniciação consciente à verdadeira
fé em Deus (abolindo a circuncisão e qualquer outro), o qual identifica todos os crentes como irmãos; naturalmente, está também
fazendo referência ao mandamento eclesiástico, segundo o qual todo novo convertido deveria participar publicamente. Na época
de Paulo, essa cerimônia e testemunho públicos representavam, mais do que hoje, uma marca evidente de novo nascimento e
discipulado em Cristo. Um dos motivos era que tal manifestação pública, certamente, implicaria em perseguições de todo tipo
e grande risco de vida.
4 O AT fala do reinado triunfante de Deus no templo de Jerusalém, uma figura do trono do Senhor nos céus (Sl 68.18). Paulo
amplia esse conceito ao falar da ascensão de Jesus Cristo ao céu. A expressão em hebraico “receber” ou “trazer” era interpretada
pelos antigos rabinos em seu sentido espiritual: “dar e receber” ou “trazer e levar”, como uma pista de duas mãos (Gn 15.9; 18.5;
27.13; Êx 25.2; 1Rs 17.10,11).
10 Aquele que desceu é o mesmo que nhor insisto, para que não mais viveis
semelhantemente subiu muito além de como os gentios, que vivem na inutilida-
todos os céus, para preencher tudo o que de dos seus pensamentos.6
existe. 18 Eles estão com o entendimento mer-
11 Assim, Ele designou alguns para gulhado nas trevas e separados da vida
apóstolos, outros para profetas, outros de Deus por causa da ignorância em que
para evangelistas e outros para pastores vivem, devido ao embrutecimento do
e mestres, seu coração.
12 com o propósito de aperfeiçoar os san- 19 Havendo perdido toda a sensibilidade,
tos para a obra do ministério, para que o eles se entregaram a um estilo de vida
Corpo de Cristo seja edificado, depravado, cometendo com avidez toda
13 até que todos alcancemos a unidade a espécie de impureza.
da fé e do conhecimento do Filho de 20 Entretanto, não foi isso que vós apren-
Deus, e cheguemos à maturidade, atin- destes de Cristo!
gindo a medida da estatura da plenitude 21 Se é que de fato o ouvistes e nele fostes
de Cristo. discipulados, conforme a verdade que
14 O objetivo é que não sejamos mais está em Jesus.7
como crianças, levados de um lado para 22 Quanto à antiga maneira de viver,
o outro pelas ondas teológicas, nem jo- fostes instruídos a vos despirdes do velho
gados para cá e para lá por todo vento de homem, que se corrompe por desejos
doutrina e pela malícia de certas pessoas enganosos,
que induzem os incautos ao erro.5 23 a serdes renovados no vosso modo de
15 Longe disso, seguindo a verdade em raciocinar e
amor, cresçamos em tudo naquele que é 24 a vos revestirdes do novo homem,
a cabeça, Cristo. criado para ser semelhante a Deus em
16 Dele todo corpo, ajustado e unido pelo justiça e em santidade provenientes da
auxílio de todas as juntas, cresce e edi- Verdade.8
fica-se a si mesmo em amor, na medida 25 Portanto, cada um de vós deve aban-
em que cada parte realiza a sua função. donar a mentira e falar a verdade ao seu
próximo, pois todos somos membros de
Como devem agir os crentes um mesmo Corpo.
17Sendo assim, eu vos afirmo, e no Se- 26 “Estremecei de ira, mas não pequeis”,
5 O surgimento de falsos mestres não é apenas um fenômeno atual, nem exclusivo ao final dos tempos; Paulo e mesmo Jesus
já lutavam contra pregadores de má índole, que não eram inocentes mal-orientados, mas pessoas perversas, egoístas, avarentas
e fraudulentas; cujo objetivo maior era afastar os crentes imaturos do Caminho do Senhor por meio de sofismas e heresias bem
engendradas (deduções falsas e mentirosas a partir de algumas bases reais e verdadeiras). Paulo usa uma figura de linguagem
da área náutica para comparar o comportamento confuso e inseguro e de certos cristãos instáveis como pequenas embarcações
em meio ao mar revolto (1Tm 4.1,2).
6 Os seres humanos foram criados por Deus para exercer ao máximo e livremente sua capacidade intelectual. Entretanto,
quando o uso da inteligência e da criatividade é realizado longe do amor e da direção do Espírito de Deus, torna-se inócuo,
frustrante e, muitas vezes, perigoso (Rm 1.21; Ec 1.2). Paulo acaba de considerar a unidade e a maturidade v.13, (literalmente
no original grego “homem maduro”), como objetivos gêmeos e simultâneos para o ministério do Corpo de Cristo: a Igreja, a
qual Deus gerou pela morte e ressurreição de Cristo. Agora, o apóstolo do Senhor, passa a demonstrar que a pureza também é
essencial entre os que pertencem a Deus (4.17 – 5.20).
7 Paulo se refere a Cristo (que é a tradução grega do título hebraico “Messias”), por seu nome humano, Jesus, personificando
“a verdade” na vida terrena e no exemplo de Jesus Cristo. Ele incorpora “a verdade” (Jo 14.6), deu testemunho da “verdade” (Jo
18.37) e é a fonte de toda a certeza e de todos os benefícios do Evangelho.
8 As palavras “despirdes” e “revestirdes” lembram a forma do batismo primitivo. Os velhos trajes (figuradamente imundos)
do batizando eram abandonados para se vestir novos trajes brancos (como a santidade). Os tempos verbais, no original grego,
indicam que se referem a atos definitivos; ao passo que o “serdes renovados” comunica a idéia de um processo diário e
permanente. Somente pela renovação contínua promovida no coração do crente pelo Espírito Santo, é possível viver a vida cristã
de uma maneira vitoriosa e gloriosa, apesar das fraquezas naturais e das tribulações (Cl 3.8-12).
9 O ser humano não é desprovido de suas emoções naturais quando se torna um cristão convicto e fiel. Todavia, há uma
bênção poderosa reservada para os crentes que confiam na direção do Espírito Santo e submetem aos seus cuidados todos
os sentimentos e vontades. O pecado em geral se deve aos nossos maus desejos, regados à vaidade, egoísmo, avareza e
arrogância, muito mais do que às tentações promovidas diretamente pelo Diabo e seus demônios. No entanto, é evidente que
Satanás se vale das nossas fraquezas e da falta de sabedoria em agir sob a iluminação do Espírito, e nunca apenas de acordo
com nossos próprios sentimentos (Tg 1.14). A ira (com suas filhas: amargura e vingança) tem sido, ao longo da história, uma das
principais fraquezas humanas catalisadas pelas forças diabólicas. Por isso, Paulo exorta os cristãos a terem cuidado com a raiva
e o furor, os quais devem ter sua expressão purificada pelo Espírito antes de provocarem mais destruição, pois nossa tendência
natural é sempre pagar em dobro pelo mal que nos causaram. Portanto, os crentes são advertidos a exercerem a humildade e
a paciência (como demonstrações de fé na perfeita ação de Deus) e a não deixarem que sua indignação ultrapasse o período
máximo de um dia (Sl 4.4; Mt 5.22).
10 O cristão é uma criação de Deus absolutamente nova e diferente do ser humano natural. Por isso, ao crente não basta
abandonar as práticas imorais e irracionais do “velho homem”, mas cooperar de todas as formas (palavras e atitudes práticas)
para a transformação desse sistema mundial decaído e fadado a destruição. Quem roubava ou extorquia, agora, como cristão,
deve deixar-se levar pelo Espírito à prática de boas obras. Aquele que usa a palavra para expressar rancor e impropriedades,
não apenas cessa com esse mau costume, mas passa a conhecer o poder da palavra e usá-la de forma assertiva, construtiva e
abençoadora (Rm 12.5; Cl 3.9).
11 O verbo grego original aqui usado demonstra que o Espírito Santo é uma pessoa, não meramente uma energia, sentimen-
to ou influência, porquanto somente uma pessoa pode ser “entristecida”. São nossas palavras e atitudes (v.29,31) que podem
alegrar ou entristecer o Espírito de Deus que vive em nós, por causa de Cristo, como garantia eterna (selo) de que somos
novas criações e já estamos separados para habitarmos o novo mundo que se iniciará com o iminente e glorioso retorno do
Senhor (Ap 21.1-4).
Capítulo 5
1 Paulo nos orienta a imitar a Deus por meio de um espírito perdoador e agir como Seu Filho Jesus agiu nas diversas situações
da vida (4.32; Sl 103.8-13). O amor sacrificial de Cristo pode ser notado não somente na grandiosa obra da Salvação (cap.2), mas
também como exemplo de como devemos exercer o amor fraternal. Na Torá (basicamente os primeiros cinco livros do AT), a frase
“aroma suave”, referindo-se à oferta do sacrifício a Deus, aparece mais de 40 vezes, enfatizando o quanto esse ato de profunda
devoção e entrega era agradável ao Senhor (Gn 8.21; Êx 29.18,25,41; Lv 1.9,13,17). A mesma atitude que Deus teve em relação
à salvação da humanidade (Rm 8.32).
2 A expressão grega “filhos da desobediência”, mantida aqui em sua forma original, como aparece na Septuaginta (a tradução
grega do AT), é um hebraísmo, e significa: “pessoas que propositalmente se colocam contra e permanentemente rebeldes ao
apelo do Evangelho” (2.2; Cl 3.6).
3 Embora os cristãos não possam se alienar do sistema mundial vigente, e precisem conviver nos diversos relacionamentos
sociais normais com seus próximos, como também acontecia com Jesus Cristo (Lc 5.30-32; 15.1,2), não devem partilhar do
mesmo estilo de vida pecaminoso dos incrédulos. A pessoa que persiste na cobiça (sexual e de todos os outros tipos) exclui a
ação do Espírito de Deus de sua vida; em conseqüência, Deus a exclui da participação em seu Reino (1Co 6.9,11).
4 O fruto da luz é oposto às obras das trevas (Gl 5.22,23). Cristo é a Luz (Jo 1.9; 3.19; 8.12). Fazer a sua vontade é, portanto,
não apenas caminhar na luz (1Jo 1.7; 2.10), mas refletir a Luz para as áreas mais escuras da alma e da sociedade humanas
(Mt 5.14).
5 Paulo cita uma estrofe de um conhecido hino cristão do primeiro século, baseado em Is 60.1, que apela aos incrédulos para
que não deixem passar a grande oportunidade de aceitar o Evangelho, isto é, o Messias e Salvador Jesus Cristo (Cl 4.5).
6 Assim como a embriaguez domina uma pessoa e altera sua razão e atitudes, o Espírito transforma o comportamento do
crente. O álcool, as drogas e todos os vícios, conduzem seus escravos para as trevas infernais, ao passo que o Espírito Santo
garante, ao seu servo, vida eterna e todos os benefícios do Reino de Deus. O tempo presente do verbo grego no original é usado
para mostrar, que a plenitude do Espírito Santo não é uma experiência. Repetidas vezes, conforme requeira cada ocasião, o
Espírito revestirá o coração do crente para o testemunho, a evangelização, a adoração, a contribuição e o serviço cristão em geral
(Cl 3.15; 4.1 de acordo com Ef 5.18 – 6.9).
7 O cristão que aprendeu a andar diariamente na plenitude do Espírito Santo não tem porque viver se queixando ou amar-
gurado, mesmo em meio às mais difíceis provações. Esse comportamento vitorioso, grato e otimista não tem a ver com forças
do pensamento positivo, mas com a correta compreensão da pessoa de Deus-Pai, do seu amor inalterável e de que todos
os seus propósitos são bons e contribuem para nossa verdadeira felicidade hoje e, mais ainda, na eternidade (Rm 8.28; 1Ts
5.18; Hb 12.3-11).
8 Nos capítulos 2 a 4, Paulo demonstrou como Deus pode unir judeus e gentios cristãos num novo relacionamento com Sua
Pessoa por meio de Jesus Cristo. Em 4.1-6, ressaltou a importância da unidade. Agora revela como os crentes, plenos do Espírito
Santo, podem conviver satisfatoriamente nos vários relacionamentos humanos. Essas orientações práticas quanto às responsa-
bilidades mútuas dos cristãos fiéis é semelhante às que são ministradas em Cl 3.18 – 4.1 e em 1Pe 2.13 – 3.12, de acordo com
Rm 13.1-10. A chave para todos os relacionamentos humanos é a humildade (mútua submissão dos crentes), virtude que só é
plenamente possível por meio do revestimento (pleno controle) do Espírito de Deus.
23 porque o marido é o cabeça da esposa, 31 “Por este motivo, o homem deixará pai
assim como Cristo é o cabeça da Igreja, e mãe e se unirá à sua esposa, e os dois se
que é o seu Corpo, do qual Ele é o Sal- tornarão uma só carne.”
vador. 32 Este é um mistério grandioso; refiro-
24 Assim como a igreja está sujeita a Cris- me, contudo, à união entre Cristo e sua
to, de igual modo as esposas estejam em Igreja.13
tudo sujeitas a seus próprios maridos.9 33 Portanto, cada um de vós amai a sua
25 Maridos, cada um de vós amai a vossa esposa como a si mesmo, e a esposa trate
esposa, assim como Cristo amou a sua o marido com todo o respeito.
Igreja e sacrificou-se por ela,10
26 a fim de santificá-la, tendo-a purifi- Caminhando como pais e filhos
cado com o lavar da água por meio da
Palavra,11
27 e para apresentá-la a si mesmo como
6 Filhos, obedecei a vossos pais no Se-
nhor, porquanto isto é justo.
2 “Honra a teu pai e tua mãe”; este é o
Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga primeiro mandamento com promessa,
ou qualquer outra imperfeição, mas san- 3 para que vivas bem e tenhas vida longa
ta e inculpável. sobre a terra.1
28 Sendo assim, o marido deve amar sua 4 E vós, pais, não provoqueis a ira dos
esposa como ama o seu próprio corpo. vossos filhos, mas educai-os de acordo
Quem ama sua esposa, ama a si mesmo! com a disciplina e o conselho do Se-
29 Pois ninguém jamais odiou o próprio nhor.2
corpo, antes o alimenta e dele cuida, as-
sim como Cristo zela pela Igreja,12 Caminhando como servos
30 pois somos membros do seu Corpo. 5 Quanto a vós outros, escravos, obede-
9 Paulo aplica o conceito da total submissão dos crentes a Cristo, e da mútua submissão dos cristãos (plenitude do Espírito),
ao matrimônio. Sujeitar-se ou submeter-se implicava em abrir mão dos direitos. O termo podia ter o sentido de “obediência”,
como na disciplina militar, porém a palavra “obedecer” não aparece em nenhuma parte das Escrituras em relação às esposas,
embora seja usada no tocante aos filhos (6.1), e aos escravos e servos (6.5). A expressão “porquanto sois submissas ao
Senhor” difere da maioria das antigas versões, por deixar mais claro ao leitor o sentido original da frase, que um homem não
pode ocupar o lugar de Deus na vida da esposa. Mas, pelo contrário, que a esposa deve respeitar com carinho a seu marido
como um ato de fé e dedicação ao Senhor. A analogia entre o relacionamento de Cristo com a Igreja e do marido com a esposa
é fundamental para compreensão integral desse princípio bíblico. Cristo fez por merecer seu relacionamento especial com a
Igreja (2.16; 4.4,12,16; 1Co 11.3).
10 Paulo enfatiza que, especialmente no relacionamento conjugal, a submissão não deve ser apenas uma atitude unilateral,
mas um relacionamento recíproco entre duas pessoas que amam a Deus e desejam agradá-lo (oferecendo a Deus o sacrifício de
uma vida santa). A entrega pessoal de Jesus, por nossa salvação eterna, ilustra de forma dramática a maneira pela qual o marido
cristão deve dedicar-se carinhosamente ao bem-estar de sua esposa. Entregar-se à morte a favor da amada é uma manifestação
mais sublime de devoção do que a exigida da esposa. Que mulher não seria submissa a um homem capaz de entregar sua
própria vida para vê-la feliz?
11 O Senhor Jesus Cristo morreu e ressuscitou, não apenas para nos dar o perdão eterno de que tanto carecíamos, mas para
levar sua Igreja a viver uma vida de plena santidade e purificação, como sua “noiva”. Uma análise dos conceitos da lavagem, por
meio da água e da Palavra devem considerar os seguintes textos bíblicos: Jo 3.5; 15.3; Tt 1.18; 1Pe 1.23; 3.21.
12 A base dessas afirmações e da doutrina desses versículos é a citação de Gn 2.24. Se o marido e sua mulher se tornam “uma
só pessoa”, logo, quando o homem ama a esposa, ama aquela que se tornou parte integrante do seu próprio corpo.
13 O mistério da união do homem com a sua mulher é um eco humano da realidade espiritual mais sublime, que há na união
de Cristo com os Seus num só Corpo: a Igreja (Rm 11.25).
Capítulo 6
1 No AT, quando esse mandamento, a “promessa” tem a ver com a ocupação da “terra”, ou seja, de toda a Palestina (Êx 20.12;
Dt 5.16), desde que Israel se arrependesse de seus pecados e se mantivesse fiel a Yahweh (o nome de Deus em hebraico).
Paulo, evidentemente, não está se referindo a esse aspecto particular, mas a uma aplicação geral dos resultados da obediência
ao mesmo princípio bíblico.
2 Os pais representam o cuidado de Deus para com seus filhos, especialmente quanto aos menores de idade. Quando cristãos,
têm a responsabilidade divina de educá-los na Palavra de Deus, zelar por seu progresso moral, ético e social. Os filhos têm a
obrigação de obedecer e respeitar a seus pais, como ao Senhor. Os pais devem evitar submeter seus filhos a qualquer tipo de
constrangimento, maus tratos ou injustiça.
cei a vossos senhores terrenos com todo Deus, para poderdes ficar firmes contra
o respeito e temor, com sinceridade de as ciladas do Diabo;
coração, como a Cristo, 12 Porquanto, nossa luta não é contra seres
6 não servindo à vista, como para humanos, e sim contra principados e po-
agradar a homens, mas como servos de testades, contra os dominadores deste sis-
Cristo, fazendo de coração, a vontade tema mundial em trevas, contra as forças
de Deus,3 espirituais do mal nas regiões celestiais.6
7 servindo de boa vontade como se ser- 13 Por esse motivo, vesti toda a armadura
vissem ao Senhor e não aos homens. de Deus, a fim de que possais resistir
8 Certos de que cada um, seja escravo, firmemente no dia mau e, havendo bata-
seja livre, receberá do Senhor a recom- lhado até o final, permanecereis inabalá-
pensa por todo o bem que fizer. veis, sem retroceder.7
9 E vós, senhores, de igual modo proce- 14 Estai, portanto, firmes, trazendo em
dei para com vossos servos. Abandonai volta da cintura a verdade e vestindo a
as ameaças, pois tendes conhecimento couraça da justiça,
que o mesmo Senhor deles é vosso Se- 15 calçando os vossos pés com a proteção
nhor também, que está no céu e não faz do Evangelho da paz;
diferença entre pessoas.4 16 embraçando sempre o escudo da fé,
com o qual podereis apagar todas as setas
Caminhando com a Armadura inflamadas do Maligno.
10 Concluindo, fortalecei-vos no Senhor 17 Usai igualmente o capacete da salvação
e na força do seu poder!5 e a espada do Espírito, que é a Palavra de
11 Revesti-vos de toda a armadura de Deus.8
3 O escravo ou servo, bem como o funcionário, nos dias de hoje, não deve ter a mesma atitude dos incrédulos em relação
ao trabalho. Para os crentes, realizar um trabalho é antes de tudo um culto a Deus e não apenas uma mera obrigação humana.
Portanto, deve ser executado com todo o amor e honestidade, como uma oferta sacrificada ao Senhor. Os incrédulos é que fazem
apenas o mínimo necessário, e mesmo assim, quando estão debaixo dos olhos de seus patrões e supervisores (Cl 3.22). Tanto
o AT quanto o NT incluem normas para algumas situações sociais criadas pelo próprio homem, usando de sua plena liberdade
e da “dureza do seu coração”, mas não do agrado nem da vontade de Deus. Os reis e governos, a escravidão e o divórcio, por
exemplo, jamais foram projetos de Deus para a humanidade. Os princípios bíblicos não estimulam nem defendem essas práticas
sociais, mas Deus os determinou para que os crentes pudessem lidar com essas realidades e evitassem males ainda piores (1Sm
8.5-7; Dt 24.1-4; Mt 19.8).
4 Paulo torna a enfatizar a necessidade de o cristão sincero sempre agir em homenagem ao seu Salvador, Jesus Cristo, exerci-
tando a mutualidade e a reciprocidade cristã (5.21 – 6.4; Tt 2.9).
5 Paulo confere à sua carta uma abrangência cósmica. Desde o início, vem chamando a atenção dos leitores para o mundo invi-
sível, e agora retrata a batalha espiritual travada contra o mal “nas regiões celestiais”. A expressão original grega endunamousthe,
que significa “sede fortalecidos”, aparece na Septuaginta (a tradução grega do AT), usada por Gideão (Jz 6.34). Paulo afirma que
só teremos vitória sobre os nossos inimigos (e Satanás é o maior deles, seguido da nossa própria carne), se nos “fortalecermos”
diariamente no Espírito de Deus.
6 Não estamos em guerra simplesmente contra outras pessoas humanas, mas contra as forças demoníacas organizadas numa
hierarquia que domina a humanidade e o sistema mundial: economia, política, religião e cultura de todas as sociedades (Rm 8.19
– 23,38). O príncipe destes poderes é Satanás que detém o controle de todas as camadas sociais na rebelião mundial contra a
autoridade do único e verdadeiro Deus (2Co 4.4; Jo 12.3). Somente o supremo poder de Cristo, que venceu todas essas forças
na cruz, pode nos dar a vitória plena e eterna (Cl 2.15).
7 A figura de linguagem, usada no grego original por Paulo, expressa a idéia da resistência e avanço individual de cada soldado
contra um ataque inimigo, não se refere a uma invasão em massa do domínio do mal. Paulo descreve, simbolicamente, a roupa
de guerra do próprio Senhor Jesus, o Messias (Is 11.5), e revela que é o caráter, e não a força bruta ou mesmo a inteligência,
que vence a maior das batalhas. Nesse sentido, é o caráter do guerreiro sua principal defesa também. O próprio Deus é descrito
simbolicamente, vestindo a couraça da justiça ao apresentar-se na fronteira de guerra, revelando o poder da verdade (Is 59.17).
O “dia mau” se refere ao dia em que seremos atacados fortemente pelas dúvidas ou pela tentação de negarmos a fé no Senhor.
Esses ataques se tornarão ainda piores durante o “tempo da apostasia”, sob o domínio do “homem da iniqüidade” (2Ts 2.3-5;
Mt 24.9-13; Ap 13.7-17).
8 Para vencer “A Guerra dos Séculos”, o cristão sincero precisa de uma estratégia defensiva e ofensiva. Primeiramente, assumir
uma posição de defesa, armando-se da verdade (4.15), justiça e santidade (Rm 6.13; Hb 12.14), fé absoluta nas promessas do
Senhor, e certeza pessoal da salvação (1Ts 5.8; Hb 6.11). Em seguida, investir contra os inimigos da nossa alma, empunhando a
espada do Senhor, que é a Palavra de Deus (Hb 4.12), e com a oração, que abre nossa boca para revelar ao mundo o poder do
testemunho e da pregação do Evangelho (vv 19,20).
9 Tíquico era um crente e ministro fiel, amigo e representante de Paulo em vários projetos missionários pelo mundo da época
(Cl 4.7; 2Tm 4.12; Tt 3.12).
10 Paulo termina essa epístola sem as costumeiras saudações individuais, o que denota o caráter de “missiva circular” para
todos os cristãos (v.1). A expressão grega, aqui traduzida por “com amor sincero e incorruptível” tem o sentido original de “amor
que não se deteriora com o passar do tempo”. O amor espiritual é eterno, não diminui por nada, nem tampouco murcha ao longo
dos anos, mas permanece viçoso, puro e fiel.
Propósitos
Ainda que o principal objetivo de Paulo, nesta carta, seja agradecer de maneira entusiástica e
formal a generosidade e amabilidade dos irmãos de Filipos, por mais uma vez haverem tirado de
si para cooperar com as necessidades pessoais e ministeriais de Paulo em Roma (1.5; 4.10-19), o
apóstolo aproveita a oportunidade para cumprir algumas outras funções importantes: a) fazer um
relato geral das suas circunstâncias (1.12-26; 4.10-19). b) encorajar a Igreja em Filipos e outras que
viriam a ler esse depoimento a se manterem firmes e inabaláveis, mesmo diante das mais severas
perseguições. Paulo os exorta a se regozijarem nos sofrimentos por amor e fé em Cristo (1.27-30;
4.4). c) estimulá-los a desenvolver relacionamentos fraternais sérios e permanentes a partir de
um caráter humilde, dispostos a estabelecer um indestrutível senso de unidade (2.1-11; 4.2-5). d)
formalizar a recomendação ministerial dos jovens servos Timóteo e Epafrodito à Igreja em Filipos,
(2.19-30). e) advertir os filipenses e demais igrejas contra os judaizantes (legalistas), antinomistas
(libertinos) e místicos (defensores de uma espécie de espiritismo judaico), que tentavam se infiltrar
entre os irmãos para corromper a sã doutrina cristã.
1 A primeira igreja cristã na Europa foi fundada na casa de Lídia, a partir de sua conversão, em Filipos, uma das principais
colônias do Império Romano (chamada em latim de Colonia Augusta Philippensis), localizada na principal estrada (via Egnácia)
que ligava as províncias orientais com a cidade de Roma. Na Igreja em Filipos, ministravam vários bispos (em grego episkopoi,
que significa “supervisores” ou “presbíteros” – At 20.17-28), entre eles Lucas, o autor de um dos evangelhos e do livro de Atos
dos Apóstolos (At 16.13-17; 20.6).
2 O grande júbilo do apóstolo do Senhor era constatar que as igrejas recebiam suas cartas e conselhos como Palavra de Deus
e se entregavam à prática do Evangelho (Rm 1.8; 1Co 1.4; Cl 1.3; 1Ts 1.2; 2Ts 1.3; 2Tm 1.3; Fm 4). Paulo era agradecido a Deus
pelo apoio permanente dos filipenses, desde seus primeiros discípulos (At 16.12) até agora, perto do final do seu primeiro perío-
do de prisão em Roma (2.24; At 28.16-31). A palavra original grega koinonia, normalmente associada a idéia de “comunhão” ou
“participação ativa no progresso de vida de alguém”, aqui tem o sentido de “cooperação generosa”. Paulo e a igreja dos filipenses
“compartilhavam” as bênçãos e os sofrimentos pela causa de Cristo.
3 O alvo dos cristãos é viver acima da mediocridade dos embaraços e da mistura com o mal, até a volta gloriosa de Cristo,
quando todo o processo de salvação (que inclui regeneração, santificação e glorificação) será concluído (v.10; 2.16; 1Co 1.8; 5.5;
2Co 1.14). É Deus quem toma a iniciativa da salvação, é Ele mesmo quem lhe dá continuidade e um dia a levará à consumação,
quando os cristãos haverão de prestar contas dos seus atos na Terra, antes de usufruírem todos os benefícios da glória eterna
com Cristo (2Co 5.10). Deus espera que os crentes demonstrem ao mundo uma vida verdadeiramente justa (Am 6.12; Mt 5.20-48;
Hb 12.11; Tg 3.18; Gl 5.22), fruto este, produzido por Jesus Cristo, mediante a obra diária do Espírito Santo (Jo 15.5; Ef 2.10), com
o objetivo maior de louvar e glorificar a Deus (Ef 1.6-14).
4 Paulo soube, pelo poder do Espírito Santo em sua vida, transformar uma situação – aparentemente vexatória, humilhante e
dolorosa – em grande testemunho e oportunidade para pregar o Evangelho aos soldados e oficiais da famosa guarda pretoriana
que, em Roma, somava mais de 9000 homens.
mam a Cristo por inveja e rivalidade, po- 23 Sinto-me conclamado pelos dois la-
rém outros o fazem com boas intenções. dos: desejo partir e estar com Cristo, o
16 Estes o fazem por amor, conscientes que é infinitamente melhor;7
de que fui posto aqui para defesa do 24 mas, entendo que, por vossa causa, é
Evangelho; mais necessário que eu permaneça no
17 mas aqueles outros, anunciam Cristo corpo.
apenas por ambição egoísta, sem sinceri- 25 Portanto, imbuído dessa confiança,
dade, imaginando que podem aumentar creio que vou permanecer e continuar
o sofrimento ocasionado por essas mi- com todos vós, para o vosso progresso
nhas algemas. e alegria na fé,
18 Todavia, que importa? O importante é 26 a fim de que, pela minha presença,
que de qualquer forma, seja por motivos uma vez mais a vosso louvor e glória
escusos ou nobres, Cristo está sendo em Cristo Jesus transborde por minha
proclamado, e por isso me alegro. Em causa.
verdade, sempre me alegrarei!5
A unidade dos crentes em Cristo
A bênção de viver com Cristo 27 Portai-vos como cidadãos dignos
19 Pois estou certo de que o que se pas- do Evangelho de Cristo, para que des-
sou comigo resultará em libertação para sa forma, quer eu vá e vos veja, quer
mim, graças às vossas súplicas e pelo so- tão-somente ouça a vosso respeito em
corro do Espírito de Jesus Cristo. minha ausência, tenha eu conhecimen-
20 Aguardo com ansiedade e grande to de que permaneceis firmes num só
esperança, que em nada serei decepcio- espírito, combatendo unânimes em
nado; pelo contrário, com toda a intrepi- prol da fé evangélica,
dez, tanto agora como em todos os dias, 28 sem de maneira alguma vos deixardes
Cristo será engrandecido no meu corpo, constranger por aqueles que se opõem à
seja durante a vida, ou mesmo na hora vossa fé. Para eles, isso é sinal de perdição,
da morte.6 entretanto, para vós, de salvação, e isso
21 Porque para mim, o viver é Cristo e o vem da parte de Deus.
morrer é lucro! 29 Porquanto, por amor de Cristo vos
22 Caso continue vivendo no corpo, cer- foi concedida a graça de não somente
tamente apreciarei o fruto do meu labor. crer em Cristo, mas também de sofrer
Mas já não sei o que escolher. por Ele,8
5 Muitos mestres cristãos reconheciam os verdadeiros motivos das perseguições, açoites e prisões de Paulo e pregavam o
Evangelho ainda com mais amor, lealdade e bravura. Outros, porém, dando vazão à inveja que alimentavam contra o apóstolo,
usavam esses fatos de forma fraudulenta e maldosa, com o propósito de destruir a reputação de Paulo e fazer prevalecer seus
ensinos sobre Cristo, projetar suas próprias imagens e conquistar ambições meramente egoístas. Paulo usa a expressão grega
“aumentar o sofrimento”, que significa literalmente “fricção”, numa figura de linguagem sugerida pelo “atrito” das algemas em
suas mãos e pés. Contudo, o apóstolo do Senhor não se deixava deprimir, pois sabia que a Mensagem é sempre maior do que
o mensageiro. Alegria é a palavra-chave dessa carta de Paulo, aparecendo no texto (como sinônimos, verbos e substantivos)
mais de 15 vezes.
6 Paulo tem absoluta certeza da sua “salvação” (tradução literal da palavra “libertação”) eterna em Cristo (Rm 8.28; Jó 13.16,18)
e fé em seu livramento da prisão, por meio das orações dos filipenses e da vontade do Espírito Santo (v.25; 2.24).
7 A fonte de inspiração e alegria de viver de Paulo era a presença do Deus vivo em sua alma por intermédio do Espírito Santo
de Cristo. Todos os cristãos sinceros gozam desse mesmo privilégio e, por isso, devem aprender a ouvir e a seguir os conselhos
do Espírito Santo, a fim de sentirem as mesmas alegrias e consolações de Paulo. As circunstâncias adversas e o sofrimento são
tentações para que desistamos do Evangelho, e, assim, deixemos de fazer o que sabemos que é correto. Entretanto, Paulo nos
ensina a perseverar pela fé e nos regozijarmos em Cristo, mantendo nosso testemunho durante todo o tempo em que estivermos
nessa Terra. Paulo afirma objetivamente, que ao fecharmos nossos olhos para esse mundo e abandonarmos esse corpo fraco e
mortal, estaremos na presença de Cristo para sempre (2Co 5.6-8).
8 A verdadeira vida cristã é constituída de fé, alegrias e sofrimentos; experiências oferecidas pelo Senhor aos seus filhos como
bênçãos, jamais com maldições ou castigos, pois fomos chamados não apenas para crer, mas para sermos co-participantes
30considerando que estais passando pela próprios interesses, mas igualmente pe-
mesma luta que me viram combater e los interesses dos outros.3
agora ouvis que ainda enfrento.
Cristo, sendo Deus, humilhou-se
O humilde e fraterno amor cristão 5 Tende em vós o mesmo sentimento que
dos sofrimentos que o próprio Cristo enfrentou e venceu (Mt 5.11,12; At 5.41; Tg 1.2; 1Pe 4.14). Os filipenses haviam visto o
testemunho de Paulo e Silas, em sua primeira viagem a Filipos, quando foram presos por causa da proclamação verdadeira do
Evangelho (At 16.19-40).
Capítulo 2
1 Segundo Paulo, ser salvo é estar com Cristo. É viver dia após dia em relacionamento íntimo (as entranhas eram consideradas
a sede das emoções, assim como o coração em nossos dias) com o Espírito de Cristo, nosso Salvador (o Messias). A partir
desse relacionamento, que amadurece e se aperfeiçoa constantemente, fluem todos os benefícios, aprendizados, experiências e
frutos próprios da salvação (3.8-10; Rm 8.1; 2Co 5.17; Gl 2.20). A igreja em Filipos, de uma forma geral, demonstrava muitos dos
aspectos da verdadeira vida cristã: encorajamento (exortação), comunhão (em grego koinonia, cujo sentido aqui tem a ver com
uma “participação ativa na vitória do irmão sobre as dificuldades da vida”), afeição, solidariedade, compaixão e fraternidade (2Co
13.14; Cl 3.12; Rm 5.8; 8.38,39; 1Jo 3.16; 4.9-16).
2 Paulo reforça a importância dos crentes em Cristo serem unidos em torno do mesmo propósito principal: proclamar o ver-
dadeiro Evangelho, o próprio Cristo. Não significa que todos os cristãos devam pensar igual sobre todos os assuntos, mas que
deve haver humildade para aceitar as diferenças em prol de uma vida fraternal, harmoniosa e de mútua cooperação em todos os
sentidos. Colocar em prática, nos relacionamentos, a “atitude” de Cristo (v.5; 4.2; Rm 12.16; 15.5; 2Co 13.11).
3 Os maiores inimigos da unidade cristã são: o egoísmo, a vaidade pessoal e o “complexo messiânico” (a falsa idéia de que
determinada pessoa foi chamada por Deus para resolver os problemas do mundo, e que todos lhe devem plena obediência;
qualquer oposição às suas determinações é considerada como ataque do Inimigo). Considerar os outros “superiores a si” não
significa desenvolver um sentimento de inferioridade, baixa auto-estima ou pieguice, mas, sim, – por amor cristão – considerar o
próximo digno de toda deferência e atendimento preferencial (Rm 12.10; 15.1; Gl 5.13; Ef 5.21; 1Pe 5.5).
4 Paulo traduz para o grego um antigo hino aramaico (vv.6-11), adaptando seus versos à teologia que está ensinando à Igreja:
Cristo é Deus; eles, juntamente com o Espírito Santo são a mesma pessoa com funções diferentes. O contraste entre o primeiro
homem (Adão) e o Segundo (Jesus) é evidenciado pelo apóstolo. Adão (como toda a sua descendência) sentiu o desejo de
ser “como Deus” (Gn 3.5) e cedeu à tentação (desobediência) de usurpar essa posição (que também é o objetivo de Satanás).
Em contraste, Jesus Cristo não se apegou egoisticamente aos seus atributos e privilégios divinos, mas aceitou com humilde
resignação a vontade do Pai, como única possibilidade da raça humana ser absolvida da condenação eterna, e entregou-se à
dor e ao vexame da morte de cruz.
5 Jesus é perfeitamente Deus e perfeitamente humano. Esse é um dos conceitos basilares do NT (especialmente da
teologia de Paulo) e da fé cristã. Jesus não perdeu ou renunciou aos seus atributos divinos, como a onisciência, onipotência
e onipresença. Porém, para que Ele pudesse nascer e viver na Terra como “verdadeiro homem”, voluntariamente, escolheu o
caminho da humilhação (ao contrário de Lúcifer e de Adão), e assumiu plenamente a natureza humana de “filho e servo de Deus”,
depositando toda a sua glória natural nas mãos de Deus Pai (Jo 1.14; 17.5-24; Lc 9.32; Rm 8.3; Hb 2.17).
6 A maneira como Jesus se humilhou, obedecendo como perfeito servo até o momento mais horrível da vida humana: a
morte, exemplifica a total dependência e reverência que um ser absolutamente livre pode ter em relação a Deus. Jesus foi
além, não apenas se entregando à morte, mas passando pelos sofrimentos físicos, emocionais e espirituais de ver sua criação
submetê-lo ao mais cruel e humilhante dos aniquilamentos: a morte de cruz, como um criminoso amaldiçoado (2Co 8.9; Hb
5.7,8; Gl 3.13; Hb 12.2).
deu o Nome que está acima de qualquer 17 Contudo, ainda que a minha vida
outro nome; esteja sendo derramada como oferta
10 para que ao Nome de Jesus se dobre juntamente com o sacrifício e o serviço
todo joelho, dos que estão nos céus, na provenientes da vossa fé, alegro-me e me
terra e debaixo da terra, congratulo com todos vós.
11 e toda a língua confesse que Jesus Cris- 18 E, pelo mesmo motivo, alegrai-vos e
to é o Senhor, para a glória de Deus Pai.7 acompanhai-me neste júbilo!11
7 A ressurreição e exaltação de Deus é a resposta do Pai à sua obediência filial; é o verdadeiro “amém” de Deus ao “está
consumado” do Filho. O Nome supremo é também o título: Senhor (em grego Kurios), termo usado na Septuaginta (a tradução
grega do AT) para traduzir o nome de Deus (em hebraico Yahweh – Jeová). Deus concedeu ao Filho, Jesus Cristo, o lugar
supremo de autoridade e majestade à mão direita do Pai (Mt 28.18; Jo 17.2; At 2.33; Is 52.23; Ef 1.21; Hb 1.4,5). Pela vontade
soberana de Deus todas as pessoas do mundo, um dia, dobrarão seus joelhos diante de Cristo, e o reconhecerão como Senhor,
quer voluntariamente (como crentes salvos), quer não (Rm 14.9).
8 A salvação é um processo no qual o primeiro milagre se dá com a regeneração imediata da nossa alma, no momento preciso
em que aceitamos o dom remidor de Cristo. A partir de então, começa o crescimento e a maturidade espiritual, um processo de
aprendizado e experiências vivas com o Espírito de Cristo; um pouco por dia, durante todos os dias da nossa vida na terra. Ao
fecharmos os olhos para este mundo, os abriremos para o tempo da glorificação que alcançará seu auge no glorioso retorno de
Jesus. Portanto, os cristãos devem viver na terra de acordo com a fé que abraçaram, e capacitados pelo Espírito Santo (Mt 24.13;
1Co 9.24-27; Hb 3.14; 6.9-11; 2Pe 1.5-8). O contexto indica que Paulo procura advertir a Igreja quanto ao problema dos desen-
tendimentos (“guerras entre os crentes”). Nesse sentido, a expressão “salvação” tem o sentido de “saúde espiritual da Igreja”. O
clima de harmonia, compreensão e colaboração é sempre resultado da obra de Deus nos corações quebrantados dos crentes.
9 Paulo usa uma figura de linguagem para mostrar o contraste que deve haver entre o brilho fulgurante do caráter e das atitudes
dos cristãos, que, mesmo em menor número, iluminam – como estrelas – o frio universo humano mergulhado nas trevas da
incredulidade (Dn 12.3 e Mt 5.14-16). A mesma distinção que houve entre o comportamento de Cristo e o mundo, quando Ele
andou pela terra (Jo 1.9; 8.12; Ef 5.8).
10 A frase “Palavra da vida” é uma expressão sinônima para o termo “Evangelho”, que os cristãos devem levar com honra,
firmeza e gratidão, como um atleta nos antigos jogos olímpicos da época de Paulo (1Ts 2.19; 1Co 9.24-27).
11 Paulo afirma que mesmo que viesse a ser morto no cárcere, seu sangue seria derramado como a oferta junto aos sacrifícios
(libação), acompanhando a dedicação espiritual dos cristãos da Igreja em Filipos, numa analogia aos sacrifícios diários do AT
(Êx 29.38-41; Nm 28.7).
12 Timóteo é um dos grandes testemunhos bíblicos do quanto, mesmo pessoas com pouca idade, mas humildes e consagra-
das ao Senhor, podem cooperar notavelmente com a expansão do Reino de Deus em todo o mundo. Paulo havia discipulado o
jovem Timóteo como um pai que educa seu filho amado (1 e 2Tm).
25 Mesmo assim, creio que será neces- cooperação que vós não pudestes me
sário enviar-vos de volta Epafrodito, conceder.13
meu querido irmão, auxiliador e com-
panheiro de lutas, mensageiro a quem Aceitar a Cristo é o maior ganho
enviastes para me ajudar nas minhas
necessidades.
26 Pois ele tem saudades de todos vós e
3 Concluindo, meus irmãos, quanto
ao mais, alegrai-vos no Senhor. Para
mim, não é incômodo escrever-vos outra
se sente angustiado por saberdes que ele vez sobre o mesmo assunto, e para vós é
havia adoecido. uma segurança a mais.
27 De fato, ele esteve gravemente en- 2 Tomai cuidado com os “cães”, cuidado
fermo, à beira da morte; mas Deus se com esses que praticam o mal, cuidado
compadeceu dele, e não apenas dele, mas com a falsa circuncisão!1
igualmente do meu coração, para que 3 Porquanto, nós é que somos a própria
eu não fosse afligido por tristeza sobre circuncisão, todos nós que adoramos
tristeza. pelo Espírito de Deus, que nos gloriamos
28 Por isso, o enviarei a vós com mais em Cristo Jesus e não depositamos
urgência, a fim de que possais vos alegrar confiança alguma na carne.2
ao vê-lo novamente, e, com isso eu sinta 4 Embora eu também tivesse razões para
menos tristeza. alimentar tal convicção, ora, se alguém
29 Recebei-o, portanto, no Senhor, com julga que tem motivos para confiar na
grande alegria, e sempre honrai pessoas carne, eu ainda mais:3
como ele; 5 circuncidado no oitavo dia de vida, fi-
30 porquanto, ele chegou às portas da lho da descendência de Israel, da tribo de
morte por amor à causa de Cristo, ar- Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à
riscando a própria vida para suprir a Lei, fui fariseu;4
13 Paulo usa uma figura de linguagem (literalmente em grego: “jogou com a vida”), retirada dos jogos entre soldados e gladia-
dores, nos quais alguns ofereciam voluntariamente a própria vida, para referir-se à atitude corajosa de Epafrodito em sua dispo-
sição para servir à Igreja de Cristo. Paulo também usa a expressão grega, muitas vezes traduzida como “apóstolo” (mensageiro,
missionário) ao mencionar a responsabilidade de Epafrodito como representante da Igreja em Filipos (2Co 8.23).
Capítulo 3
1 Paulo usa a expressão “cão” para demonstrar a irracionalidade e a ferocidade com que os falsos pregadores se opunham
ao verdadeiro Evangelho e a gravidade das heresias que ensinavam, cujos resultados podiam ser comparados ao ataque de um
“cão” devorador. Divulgavam uma doutrina semelhante àquela que Paulo combateu nas igrejas da Galácia. Esses falsos mestres
distorciam de tal maneira o significado do ritual da circuncisão, que Paulo o chama literalmente de “mutilação”, pois perdera seu
principal conceito espiritual e, nas mãos desses falsários, havia sido transformado apenas em um corte inútil no órgão genital
masculino (Gl 5.15; Gn 17.10; 21.4; Dt 10.16; Jr 4.4).
2 Por causa do sacrifício de Cristo, os cristãos – como o Povo da Aliança (a Igreja) - passaram a considerar a “circuncisão” (o
povo com a marca de propriedade de Deus), tendo, portanto, o direito de herdar as promessas do Senhor. A circuncisão deixou
de ser um ritual físico, obrigatório, e passou a ser um ato voluntário e espiritual, uma decisão de amor (Rm 2.24-29; Cl 2.11; Gl
6.16; 1Pe 2.9,10; Gl 5.2-6).
3 Embora o termo “carne”, na maioria das vezes em que aparece nas cartas de Paulo, tenha a ver com a “natureza humana
pecaminosa”, aqui se refere a qualquer valor humano, ganho por herança ou esforço, em que o homem não convertido deposita
sua fé ou confiança. Os nossos esforços morais, intelectuais ou religiosos são frágeis, como a própria natureza humana,
não podem, portanto, nos salvar nem mesmo nos aperfeiçoar. Os vv.4-14 apresentam uma das seções autobiográficas mais
importantes das cartas de Paulo (Gl 1.13-24; 1Tm 1.12-16; At 22.1-21; 26.1-23).
4 A fé pré-cristã de Paulo estava depositada na sua linhagem, puramente judaica, e no seu zelo quanto à obediência da Lei
e suas normas e detalhamentos farisaicos. A expressão literal “hebreu de hebreus” quer dizer “um filho judeu, nascido de pais
judeus”. Paulo enfatiza que não era prosélito (gentio que se converte ao judaísmo), mas nascido judeu, circuncidado ainda
bebê, na mais tradicional das tribos judaicas: Benjamim, em cujas fronteiras ficava a Cidade Santa, Jerusalém. Portanto, era um
verdadeiro e digno hebreu, no sangue, no idioma, na cultura e no estilo de vida (Gn 17.12; At 22.2,3; 23.6; 26.5; Gl 1.14). Perante
as exigências da religião judaica, Paulo era irrepreensível (v.6). Entretanto, diante do Espírito de Cristo, e em seu coração, ele se
reconheceu pecador (Rm 3.20; 7.7-25).
6 quanto ao zelo, persegui a Igreja; quan- isso, ou seja perfeito; entretanto, vou
to à justiça que há na Lei, irrepreensível. caminhando, buscando alcançar aquilo
7 Todavia, o que para mim era lucro, pas- para que também fui alcançado por
sei a considerar como prejuízo por causa Cristo Jesus.
de Cristo.5 13 Irmãos, não penso que eu mesmo já o
8 Mais do que isso, compreendo que tenha conquistado; mas tomo a seguinte
tudo é uma completa perda, quando atitude: esquecendo-me das coisas que
comparado à superioridade do valor do para trás ficam e avançando para as que
conhecimento de Cristo Jesus, meu Se- estão adiante de mim,
nhor, por quem decidi perder todos esses 14 apresso-me em direção ao alvo, a fim
valores, os quais considero como esterco, de ganhar o prêmio da convocação celes-
a fim de ganhar Cristo, tial de Deus em Cristo Jesus.7
9 e ser encontrado nele, não tendo por 15 Por isso, todos nós que alcançamos a
minha a justiça que procede da Lei, mas maturidade espiritual, devemos pensar
sim a que é outorgada por Deus median- dessa mesma maneira; porém, se em al-
te a fé, gum aspecto pensais de forma diferente,
10 para conhecer Cristo, e o poder da sua também quanto a isso Deus vos escla-
ressurreição, e a participação nos seus recerá.8
sofrimentos, identificando-me com Ele 16 Contudo, caminhemos na medida da
na sua morte, perfeição que já atingimos.9
11 com o propósito de, seja como for a 17 Caros irmãos, sede meus imitadores
ressurreição dentre os mortos, nela estar e prestai atenção nos que caminham de
presente.6 acordo com o padrão de comportamen-
to que temos vivido.10
Correndo em direção ao alvo 18 Porquanto, como já vos adverti repe-
12 Não que eu já tenha alcançado tudo tidas vezes, e agora repito com lágrimas
5 O encontro de Cristo com Paulo, na estrada de Damasco, transformou seu conjunto de valores, sua visão de si mesmo e do
mundo. O auto-suficiente, arrogante e egocêntrico Saulo, foi convertido num servo, humilde, amoroso e cristocêntrico (At 9.3-16;
2Tm 2.15).
6 Paulo não está revelando qualquer dúvida sobre sua fé na ressurreição ou na vida eterna com Cristo após a morte do
corpo, mas, sim, reforçando sua intensa dedicação e expectativa. Não significa que ao crermos em Cristo, ainda tenhamos que
– obrigatoriamente – realizar boas obras e contar com um julgamento benevolente de Deus no último dia. Paulo está afirmando
que, seja qual for a forma em que se dê a ressurreição dos que dormem em Cristo, ele – certamente – estará lá, assim como todos
os cristãos sinceros (Dn 12.2; Jo 5.29; At 24.15; 1Co 15.23; 1Ts 4.16).
7 Paulo compreendia bem o quanto os gregos valorizavam a performance intelectual e física dos seres humanos. Os discursos,
as artes e os esportes revelavam – para os gregos – a própria divindade misturada à alma humana. O vencedor das corridas gre-
gas recebia uma grinalda de folhas em sinal de divindade e, muitas vezes, um alto valor em dinheiro. Paulo faz uma analogia com
o grande prêmio dos cristãos: a glória da salvação eterna, não conquistada por esforço ou capacidade, mas por meio da graça
de Deus através do sacrifício de Cristo (1Co 9.24-27; 1Tm 6.12; 2Tm 4.7,8; Mt 24.13; Hb 12.1). As maiores aspirações do apóstolo
Paulo não estavam nesta vida ou em qualquer valor da terra, mas no céu, porque é ali que Cristo está (Cl 3.1,2).
8 A expressão grega original teleioi, que significa “aperfeiçoado” ou “desenvolvido de acordo com um alto padrão”, aponta
para a maturidade daqueles que, com os olhos fixos em Cristo (nosso objetivo principal), esperam ouvir do Senhor: “muito bem”
(Mt 25.21). O cristão teleioii é o crente em Cristo que fez progresso razoável no crescimento e na maturidade espiritual (1Co 2.6;
3.1-3; Hb 5.14). Os cristãos não devem se entregar às discussões teológicas acirradas, especialmente sobre detalhes da fé, o
mais sábio é deixar que o Espírito Santo venha esclarecer todas as coisas a cada um.
9 Cada cristão deve viver segundo o que já aprendeu e experimentou do Senhor. Em um mundo onde a fome por informação
parece insaciável, essa exortação de Paulo é um alerta para que os crentes procurem fazer mais o que já sabem ser a vontade
de Deus do que se entregarem a uma busca insana por descobrir a vontade de Deus para cada detalhe, presente e futuro, de
suas vidas pessoais.
10 Esse é o princípio do discipulado cristão, em que Cristo é nosso mentor e exemplo maior, seguido por Paulo (os apóstolos)
e todos cuja vida espelhe a ação livre e saudável do Espírito Santo. O estilo de vida seguido pelos cristãos deve ser um exemplo
que valha a pena ser seguido pelo mundo. Esse é o mais eficaz método de evangelização em massa de todos os tempos: o
crescimento exponencial dos crentes a partir do discipulado bíblico, sincero e dedicado, um a um.
nos olhos, que há muitos que vivem como alegria e coroa, permanecei assim firmes
inimigos da cruz de Cristo. no Senhor, amados.1
19 O fim dessas pessoas é a perdição; o 2 Suplico a Evódia e a Síntique que resta-
deus deles é o estômago; e o orgulho que beleçam a boa convivência no Senhor.
eles ostentam fundamenta-se no que é 3 Sim, peço a ti, leal companheiro de
vergonhoso; eles se preocupam apenas jugo, que as ajudes, pois ministraram
com o que é terreno.11 comigo na causa do Evangelho, junta-
20 No entanto, a nossa cidadania é dos mente com Clemente e com meus outros
céus, de onde aguardamos com grande cooperadores, cujos nomes estão no
expectativa o Salvador, o Senhor Jesus livro da vida.2
Cristo, 4 Alegrai-vos sempre no Senhor; e nova-
21 que transformará nossos corpos hu- mente vos afirmo: Alegrai-vos!3
milhados, tornando-os semelhantes ao 5 Seja a vossa amabilidade conhecida
seu corpo glorioso, pelo poder que o por todas as pessoas. Breve voltará o
capacita a colocar tudo o que existe de- Senhor.4
baixo do seu pleno domínio.12 6 Não andeis ansiosos por motivo algum;
pelo contrário, sejam todas as vossas
Unidade e alegria em oração solicitações declaradas na presença de
11 Na época de Paulo já haviam os chamados “cristãos nominais”, pessoas que se dizem cristãs, mas suas práticas diárias
demonstram nitidamente o contrário. Paulo se refere a dois tipos bem definidos: os judaizantes (legalistas desprovidos de amor
cristão, mais apegados às leis do que ao Deus das leis – v.2) e os antinomistas (um outro extremo; libertinos, para os quais tudo
é permitido – v.19).
12 Cristo tem poder absoluto sobre o universo por toda a eternidade. Deus Pai lhe outorgou esse poder e o ressuscitou
glorificado mediante sua obediência até a morte, e morte de cruz (Mt 28.18; 1Co 15.27; Ef 1.20-22). Mediante o Espírito Santo,
ressuscitará também os nossos corpos mortais, sujeitos às fraquezas, à corrupção, à completa deterioração física e à eterna
separação de Deus (morte e inferno) por causa do pecado (Rm 8.10-23; 1Co 6.14; 15.42-53). O corpo ressurreto, espiritual
e glorioso, já recebido por Cristo, que é “a primícia”, de modo semelhante será presenteado aos cristãos sinceros na futura
“colheita” da ressurreição (1Co 15.20-49).
Capítulo 4
1 Paulo volta a usar a imagem da “grinalda de folhas”, com a qual os gregos costumavam galardoar o vencedor de uma prova
atlética. O apóstolo exalta sua alegria com o triunfo espiritual de seus discípulos em Filipos. Sua maior recompensa agora, e
especialmente, quando Cristo voltar (1Ts 2.19). Os crentes devem permanecer firmes na fé em meio às lutas enfrentadas por amor
ao verdadeiro Evangelho, pois essa dedicação e lealdade não ficarão sem grande recompensa em breve (1.27-30; 1Co 15.58).
2 O zelo de Paulo pela unidade e harmonia entre os irmãos, especialmente entre os líderes espirituais, é tão grande a ponto de
citar a discórdia entre Evódia e Síntique numa carta que seria lida em público e em várias igrejas. Paulo pede que um outro cristão
maduro, de sua confiança, ministre às irmãs em litígio como um pacificador, pois ele acredita na plena reconciliação das partes
em Cristo. Paulo considerava os homens e mulheres que Deus lhe confiava para discipular e cooperar como “companheiros de
jugo” (colegas de ministério), não como subordinados (2.25; Rm 16.3-21; Fm 24). Todos os cristãos sinceros e fiéis já estão com
seus nomes publicados no mais importante de todos os diplomas: o registro celestial dos eleitos do Senhor (Ap 3.5).
3 A alegria espiritual não é apenas um sentimento de prazer ou êxtase decorrente de certos momentos felizes da vida. É um
estado de espírito, permanentemente otimista, em relação ao amor e ação de Cristo em favor do cristão sincero, por meio do
Espírito Santo. O cristão não nega a dor, as fraquezas e o sofrimento, mas tem sua força e motivação alicerçadas na certeza da
provisão divina (Hb 3.17,18; Tg 1.2; 1Pe 4.13).
4 Os cristãos devem dispensar a mesma consideração que Jesus Cristo demonstrou (2Co 10.1) ao próximo, especialmente,
para com seus irmãos. Os líderes cristãos devem exercitar o princípio da amabilidade; para com todos e nas mais variadas situa-
ções, como um dos mais expressivos testemunhos do controle do Espírito Santo (1Tm 3.3; Tt 3.2). O próximo, iminente e mais
importante evento histórico do calendário profético de Deus é o glorioso retorno de Cristo. Considerando que, para Deus, mil anos
são como o dia que passou, é certo deduzir que o Senhor está às portas (Sl 90.4; 1Jo 2.18; Rm 13.11; Tg 5.8,9; Ap 22.7-20).
5 Quanto mais ansiosos e preocupados estamos, menos conseguimos orar adequadamente. Contudo, ao concentrarmos
toda a nossa fé na pessoa do Espírito Santo e ao começarmos a dialogar com Deus (não apenas falar ou rezar, mas ouvir a voz
do Senhor em nossa alma), passamos a ver a vida e seus problemas pela perspectiva de Cristo; reconhecemos que temos um
grande Deus e pequenos problemas, não o contrário como antes (1Pe 5.7; Mt 6.25-31; 2Co 11.28).
7 E a paz de Deus, que ultrapassa todo tado, porquanto aprendi a viver satisfeito
entendimento, guardará o vosso cora- sob toda e qualquer circunstância.9
ção e os vossos pensamentos em Cristo 12 Sei bem o que é passar necessidade e
Jesus.6 sei o que é andar com fartura. Aprendi o
8 Concluindo, caros irmãos, absoluta- mistério de viver feliz em todo lugar e em
mente tudo o que for verdadeiro, tudo qualquer situação, esteja bem alimenta-
o que for honesto, tudo o que for justo, do, ou mesmo com fome, possuindo
tudo o que for puro, tudo o que for amá- fartura, ou passando privações.10
vel, tudo o que for de boa fama, se hou- 13 Tudo posso naquele que me fortale-
ver algo de excelente ou digno de louvor, ce.11
nisso pensai.7 14 Entretanto, fizestes bem em participar
9 Tudo o que aprendestes, recebestes, da minha aflição.12
ouvistes e vistes em mim, isso praticai; e 15 Sabeis, ó filipenses, que, durante os
o Deus de paz estará convosco. vossos primeiros dias no Evangelho,
quando parti da Macedônia, nenhuma
Paulo é grato à Igreja em Filipos igreja compartilhou comigo no que se
10 Alegro-me grandemente no Senhor, refere a dar e receber, exceto vós;
por terdes finalmente renovado o vosso 16 pois, enquanto eu ainda estava em
cuidado para comigo, sobre o qual, na Tessalônica, generosamente me enviastes
verdade, estáveis atentos, mas vos faltava ajuda, não somente uma vez, mas duas,
ocasião apropriada.8 quando tive necessidade.
11 Não vos declaro isso por estar necessi- 17 Não que eu esteja à procura de ofertas,
6 A “paz de Deus” não pode ser confundida com um simples estado de bem-estar emocional ou psicológico, pois é, na
verdade, uma profunda e indestrutível tranqüilidade de alma; fruto da plena confiança de que todos os nossos pecados foram
perdoados na cruz do Calvário, pelo sacrifício vicário de Cristo. Portanto, não temos que carregar qualquer peso de culpa (em
relação ao nosso passado, presente e futuro), embora Satanás e seus asseclas tentem, diariamente e de todas as maneiras,
nos fazer pensar o contrário. Se dermos ouvidos a essas falsas acusações, estaremos desmerecendo o sacrifício redentor do
Senhor (pois já fomos absolvidos), e nossa vida não estará sendo controlada pelo Espírito Santo. A tranqüilidade que vem do
Senhor é fruto da certeza absoluta de estarmos sob os seus cuidados paternos. A expressão “guardará vosso coração e vossos
pensamentos” remete a um conceito militar que retrata uma sentinela montando guarda. Jesus zela por nós diuturnamente, sem
se cansar ou distrair-se; nada que nos acontece pode surpreender a Deus. Seus cuidados estendem-se ao âmago do nosso ser
e às nossas intenções mais profundas. Por isso, podemos, com toda a tranqüilidade, descansar no amor e nas providências
poderosas do nosso Senhor (1Pe 1.5; Ef 3.18-20).
7 A expressão grega prosphile significa “agradável, amável ou belo”, e ocorre no NT apenas nessa carta de Paulo. Outro termo
grego raro é Arete que tem a idéia de “excelência ou virtude”. Buscar a “excelência” humana ou exercitar o divino que existe no ser
humano – a Imago Deii – era o ideal dos gregos estóicos. O cristão, entretanto, foi resgatado do pecado e da morte para proclamar
em seu viver diário as “virtudes” de Jesus Cristo (1Pe 2.9).
8 Paulo usa um termo emprestado da antiga horticultura judaica “renovado” que aparece na Septuaginta (a tradução grega do
AT), e cujo significado é: “florescer de novo” (Êx 17.24).
9 A expressão grega original autarkess ocorre somente aqui no NT, e significa, especialmente no pensamento estóico, “a
serenidade que brota da auto-suficiência”. Para Paulo, no entanto, Cristo é o segredo da “serenidade” (tranqüilidade) e do
perfeito contentamento (1.21; 4.13).
10 O sentido literal da palavra “fartura”, usada aqui por Paulo, é “transbordar”. Certamente, o apóstolo se recordava dos seus
dias de abastança, antes da sua conversão a Cristo. Por crer e pregar o Evangelho, teria perdido seus privilégios nas sinagogas
e sido deserdado pelos familiares.
11 Todo cristão sincero, em razão da sua união vital com Cristo, por meio do Espírito Santo, recebe um poder divino chamado
dunamis, que no original grego significa “força maravilhosa” ou “poder miraculoso”. Esse poder é confiado pelo Senhor aos seus
filhos em Cristo, com o objetivo de ajudá-los a superar todos os problemas e situações difíceis da caminhada cristã, segundo a
vontade de Deus. Algo como a garantia de Deus que o crente pode pagar o preço de andar retamente em um mundo distorcido
pelo pecado, sem temer qualquer prejuízo real no presente e, especialmente no futuro. A comunhão íntima e permanente com o
Espírito Santo, isto é, com o Cristo vivo, é o segredo de toda a força e contentamento do apóstolo Paulo (v.12; 2Co 12.9,10; Jo
15.5; Ef 3.16,17; Cl 1.11).
12 Quando um cristão ou a Igreja contribui com o sustento missionário, está participando ativamente das lutas e aflições de
irmãos que entregaram suas vidas para levar as boas novas do Evangelho àqueles que, como nós, não tinham qualquer espe-
rança (Hb 10.33).
mas busco preferencialmente o bem que 20Ao nosso Deus e Pai seja a glória por
pode ser creditado à vossa conta.13 toda a eternidade. Amém!
18 Agora estou plenamente suprido, até
em excesso; tenho recursos em abundân- Saudações e bênção apostólica
cia, desde quando recebi de Epafrodito 21 Saudai a todos os santos em Cristo
os donativos que enviastes, como oferta Jesus. Os irmãos que estão comigo igual-
de aroma suave e como sacrifício aceitá- mente vos saúdam.
vel a Deus.14 22 Todos os santos vos cumprimentam,
19 Mas o meu Deus suprirá todas as especialmente os que estão no palácio
vossas necessidades, em conformidade de César.16
com as suas gloriosas riquezas em Cristo 23 A graça do Senhor Jesus Cristo esteja
Jesus.15 com o vosso espírito. Amém!17
13 Paulo usa uma linguagem própria da área econômica e de investimentos com o propósito de demonstrar claramente o
volume do lucro espiritual, que o generoso e contínuo aporte de capital realizado pelos filipenses na vida e missão do apóstolo,
está gerando (inclusive em crédito cumulativo), em suas próprias vidas e para todos quantos aceitarem a Palavra de Deus (2Co
8.1-5; At 17.1-9).
14 Paulo usa uma base veterotestamentária para mostrar que Deus se agrada da participação sacrificial dos crentes, na ado-
ração ao seu Nome, e em todo tipo de contribuição para o sustento missionário e manutenção administrativa do ministério do
Senhor na terra (Gn 8.21; Lv 7.12-15; Rm 12.1; Ef 5.2; Hb 13.15,16), por causa da obra de Cristo a nosso favor (1Pe 2.5) e da obra
de Deus que se realiza em nós pelo seu Espírito (Fp 2.13).
15 Alguns documentos paralelos informam que os filipenses contribuíram não apenas com uma parte do que lhes sobrava, mas
até ao nível de empobrecerem. Contudo, Paulo garantiu que essa generosidade dos irmãos de Filipos não passaria despercebida
aos olhos amorosos e poderosos do Senhor. Ao usar a palavra “suprirá”, Paulo lhe atribui o mesmo sentido da expressão grega
original usada no v.18, “abundância” (2Co 8.2).
16 Paulo não se refere aos familiares do imperador, mas, sim, a todos os militares, serviçais e escravos que, por meio do
testemunho do apóstolo, agora serviam ao Senhor Jesus. Entre os mais chegados cooperadores estava Timóteo (1.1,13,14,16).
177 Ao se referir ao “espírito”, Paulo não está limitando a ação do Espírito Santo apenas à alma dos crentes, mas a expressão no
original grego tem o sentido de “o ser inteiro da pessoa humana” (corpo, alma e espírito – 1Ts 5.23). Paulo invoca sobre os cristãos
uma bênção restauradora que pode ser percebida a partir do âmago do ser até a pele do corpo (Gl 6.18; 2Tm 4.22; Fm 25).
Propósitos
A Igreja em Colossos ainda alimentava uma preocupação errônea e exagerada em relação à
guarda religiosa e cerimonial dos ritos tradicionais judaicos do passado. Além disso, os cristãos de
Colossos eram muito vulneráveis às crenças místicas e superstições de todos os tipos. Essa falta de
confiança absoluta na fé cristã e no senhorio de Cristo criou um ambiente fértil para o surgimento
de uma heresia que juntava elementos judaicos com teorias e doutrinas de um gnosticismo ainda
em formação.
Paulo trata do problema dessa fé dúbia e volúvel dos colossenses, afirmando-lhes o incomparável
caráter de Jesus Cristo, o Messias e Filho de Deus. Em uma passagem notável, ele faz veemente
referência à obra de Cristo em relação à redenção e reconciliação do ser humano caído a Deus. O
apóstolo, ainda, defende a preeminência do Senhor, e afirma que Cristo é a perfeita imagem do Deus
invisível, por meio do qual tudo fora criado. Ele é o cabeça da Igreja.
Cristo, portanto, é totalmente suficiente e satisfatório. Dele, o crente recebe a plenitude do Seu
Espírito (2.10). Em absoluto contraste, a heresia que se difundia na comunidade cristã de Colossos
era uma filosofia totalmente insatisfatória, obscura, insegura e inverídica (2.8), sem a menor
capacidade de corrigir a inclinação maléfica do ser humano caído (2.23).
Sendo assim, o tema central de Colossenses pode ser resumido na plena suficiência de Jesus
Cristo, em oposição às limitações e incapacidades de qualquer filosofia ou crença produzida pelos
seres humanos.
1 A expressão “santo” é usada somente por causa da morte vicária de Jesus Cristo, o Filho de Deus, em benefício eterno de
todo aquele que crê (crente, cristão) que, portanto, passa a ser abençoado pela habitação do Espírito Santo em sua alma, seu
Advogado e Conselheiro. O Espírito de Cristo é também a nossa garantia (marca, selo) de filiação a Deus, e santificador do crente,
separando-o dia a dia (processo de santificação) das garras desse sistema mundial dominado por Satanás e seus comandados.
Portanto, “santo”, assim como “perfeito”, tem a ver com a maneira como Deus, nosso Pai, nos vê a partir da pessoa e da obra do
Senhor Jesus, além de serem alvos para nossas vidas cristãs (Jo 1.12; 14.16-24; 10.10; 1Co 13.13; 1Ts 1.3).
2 Paulo usa uma figura de linguagem (hipérbole), com o objetivo de destacar a rápida propagação das boas novas do
evangelho por todas as partes do vasto Império Romano, em apenas três décadas após o Pentecoste (v.23; At 2.1-4; Rm 1.8;
10.18; 16.19). Mais de 2000 anos depois, o cristianismo se tornou, de fato, a maior religião do planeta, e Jesus Cristo continua a
fazer discípulos em todo mundo por meio da graça do Espírito de Deus (Mt 28.18-20).
3 Paulo sempre demonstrou grande consideração por todos os seus cooperadores; apreciava chamá-los de “conservos”,
apresentando dessa maneira aqueles que compartilhavam com ele das bênçãos e lutas no ministério (v.4.7). Epafras estabeleceu
as igrejas de Colossos, Laodicéia e Hierápolis, durante a jornada do apóstolo em Éfeso (4.13; Fm 23; Ap 3.14; At 19.10). O amor
cristão, em toda a sua exuberância, somente é possível a partir da ação poderosa do Espírito Santo na vida do cristão humilde.
4 No original grego, a expressão “domínio ou império das trevas” tem a ver com o “poder total do Diabo e suas hostes malignas”
(Lc 22.53; Ef 2.2; 6.12; Gl 1.4).
5 Jesus Cristo é o nosso redentor, pois foi ele quem pagou, com sua morte vicária, o alto preço do resgate exigido pela Lei de
Deus para a absolvição de todo pecador que crê sinceramente na pessoa e obra de Cristo. Paulo usa um conhecido hino da igreja
primitiva (vv.15-20; 3.16) para ensinar sobre a supremacia de Cristo na Criação e na Redenção. Alguns teólogos, com base nesse
texto, têm ensinado erroneamente que Cristo foi criado. Ele, entretanto, é o próprio Criador; a expressão exata do ser de Deus,
sua imagem perfeita e resplendor, refletidos na pessoa do seu Filho, Deus-homem, o primogênito de toda a criação (herdeiro de
todas as coisas). Paulo usa a antiga tradição cultural oriental, para demonstrar que assim como o filho primogênito tinha certos
direitos e privilégios, semelhantemente Cristo, o Filho amado de Deus, herdou absoluta prioridade, preeminência e soberania (Gn
1.27; Mt 22.20; Rm 8.29; Cl 3.10; 2Co 4.4; Hb 1.3; Jo 1.18; 14.9).
6 Paulo ressalta a supremacia de Cristo sobre o universo, o tempo e tudo o que há, referindo-se aos direitos do Criador como
absoluto dono e mestre, em contraste com a doutrina herética sobre anjos ministradores que os pensadores gnósticos tentavam
ensinar aos colossenses, insistindo que Cristo era um anjo de luz de alto escalão na hierarquia angelical (Jo 1.1,2; 8.58).
7 A expressão grega pleroma era um termo técnico usado na filosofia, especialmente pelos gnósticos, para indicar a “plena
deidade”, cujo sentido era a soma total das forças sobrenaturais que controlavam o destino das pessoas. Paulo usa parte do
vocabulário gnóstico para afirmar que “plenitude”, na verdade, é a pessoa do Filho de Deus, Jesus Cristo (2.9).
8 Paulo não está dizendo que havia alguma falta no sacrifício expiatório de Cristo. Pelo contrário, o apóstolo está reafirmando
seu compromisso em cumprir sua cota de sacrifício, como cristão, para proclamar o Evangelho a um mundo hostil para com
Deus e a verdade.
9 O mistério cristão não é um “conhecimento secreto”, exclusivo dos iniciados como nas seitas pagãs ou ordens gnósticas. É
a revelação de verdades divinas, antes ocultas (especialmente aos não judeus), mas, agora, em Cristo, proclamada abertamente
para todos os povos e nações (Rm 16.25; Ef 1.9; 3.9).
10 O mais importante mistério revelado é o fato de Cristo morar nos corações dos não judeus (gentios) por intermédio do
Espírito Santo de Deus, que é a absoluta garantia da glória do céu (Ef 3.6).
11 Os gnósticos usavam a expressão grega teleios, “perfeito”, para distinguir os filósofos que haviam passado a conhecer e
praticar os grandes segredos da seita. Entretanto, Paulo assevera que todo cristão sincero tem a constante presença do Espírito
de Deus junto à sua alma, e portanto, é um dos “perfeitos” em Cristo (Mt 28.19-20).
por todos que ainda não me conhecem na falsa religiosidade deste mundo, e não
pessoalmente.1 em Cristo.3
2 Esforço-me a fim de que o coração de- 9 Pois somente em Cristo habita corpo-
les seja animado, estando vós unidos em ralmente toda a plenitude de Deus.
amor e juntos alcanceis toda a riqueza 10 Assim como, em Cristo, estais aperfei-
do pleno entendimento, para que possais çoados. Ele é o Cabeça de todo poder e
conhecer perfeitamente o mistério de autoridade.4
Deus, a saber, Cristo.2 11 Nele também fostes circuncidados,
3 Nele estão ocultos todos os tesouros da não por intermédio de mãos humanas,
sabedoria e do conhecimento. mas com a circuncisão feita por Cristo,
4 Falo dessa forma para que ninguém vos que é o despojar da carne pecaminosa.
engane com argumentos interessantes, 12 Isso aconteceu quando fostes sepul-
porém falsos. tados com Ele no batismo, e com Ele
5 Porquanto, apesar de estar fisicamente foram ressuscitados mediante a fé no
distante de vós, estou convosco em es- poder de Deus que o ressuscitou dentre
pírito, e me sinto feliz ao verificar que os mortos.5
estais vivendo em plena ordem, e como 13 E a vós outros, que estáveis mortos
está firme a vossa fé em Cristo. pelas vossas transgressões e pela incir-
cuncisão da vossa carne; vos deu vida
Cristãos livres do legalismo juntamente com Ele, perdoando todos
6 Sendo assim, da mesma forma como os nossos pecados;
recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, tam- 14 e cancelou a escrita de dívida, que
bém andai nele, consistia em ordenanças, e que nos era
7 alicerçados e edificados nele, transbor- contrária. Ele a removeu completamente,
dando em gratidão. pregando-a na cruz;6
8 Tende muito cuidado para que ninguém 15 e, despojando as autoridades e poderes
vos escravize a vãs e enganosas filosofias, malignos, fez deles um espetáculo públi-
que se baseiam nas tradições humanas e co, triunfando sobre todos eles na cruz.7
1 A expressão grega original agõna, que significa “grande batalha”, descreve bem a vida de oração e a dedicação ministerial
do apóstolo de Cristo por todas as igrejas sob sua responsabilidade direta. Essa carta tinha o propósito de ser lida publicamente,
como de costume, também diante da Igreja em Laodicéia, que ficava a apenas 9 km de Colossos, numa região da Turquia,
conhecida atualmente como Denizli.
2 Muitos pensadores gnósticos haviam se infiltrado na crescente comunidade cristã em Colossos, e tentavam influenciar os
crentes, gabando-se de suas doutrinas secretas, reservadas apenas aos iniciados. Paulo os confronta com a verdade bíblica e
assevera que toda a verdade está em Cristo, e portanto, perfeitamente acessível a todos (1.28).
3 A expressão “tradições humanas e na falsa religiosidade deste mundo”, ou “a tradição dos homens, conforme os rudimentos
do mundo”, como aparece em algumas versões, significa os “ensinos religiosos simplistas, falsos e mundanos” com os quais
os gnósticos estavam seduzindo os cristãos de Colossos, com o objetivo de receber glória e viver às custas de seus prováveis
seguidores (v.20; Gl 4.3,9; Hb 5.12). Paulo se insurge contra a heresia que já campeava entre os colossenses. Esta heresia
afirmava que uma pessoa para ser salva precisava combinar fé em Cristo com certos conhecimentos ocultos e com uma série de
regras da tradição judaica, como a circuncisão, restrição à ingestão de certos alimentos e bebidas, bem como a observância de
rituais, celebrações religiosas e dias especiais.
4 Cristo é o Cabeça da Igreja, seu Corpo, como nosso Senhor e maior exemplo de amor, obediência ao Pai e compaixão por
seus irmãos. Contudo, Cristo é também, em primazia e autoridade, sobre toda a criatura no universo. Portanto, ele não foi criado
por Deus como um “anjo de luz”, segundo pregavam os gnósticos; Cristo é Deus (1.18; Jo 14.6).
5 Na circuncisão da Lei, o corte da pele que cobre a glande do pênis era uma marca que simbolizava a propriedade exclusiva
de Deus e a separação do seu povo (Israel) do sistema pagão de valores (mundo). A perfeição (v.10; 1Pe 2.9), outorgada pela
circuncisão espiritual que Cristo experimentou e nos concede, vem por meio da sua morte e ressurreição (Dt 10.16; 30.6; Jr 4.4).
O valor e o poder desse ato transcendental é simbolizado pelo batismo (Rm 6.1-11), e, cada crente, se apropria dessa verdade e
garantia pelo dom da fé (v.12). Assim, o batismo cristão toma o lugar da circuncisão na Nova Aliança.
6 A “escrita de dívida” é o contrato de obrigação de guardar os mandamentos de Deus, juntamente com a estipulação da devida
penalidade de morte, contra aqueles que desonrassem o cumprimento deste acordo de paz e felicidade perene (Gn 3.13).
7 Paulo assevera que o cristão sincero é completo (perfeito) em Cristo, e não deficiente ou incompleto, como alegavam os
gnósticos. O próprio Deus se fez ser humano em Jesus Cristo, humilhou-se até a morte, e morte de cruz; despojando-se do corpo,
triunfou sobre todos as forças do universo e conquistou toda primazia e glória do Pai, tornando-se o Caminho e o exemplo para
todo cristão (vv.10-15; Mt 12.29; Lc 10.18; Rm 16.20; 2Co 2.14).
8 Paulo afirma que as leis cerimoniais do AT são como sinais (sombras) da vinda de Cristo, o Messias, por retratarem
simbolicamente a sua obra redentora entre os homens. Portanto, qualquer insistência em reviver e guardar esses rituais religiosos
é uma demonstração da falta de reconhecimento de que todos os sinais e profecias em relação à vinda de Deus à Terra para
resgate do seu povo, já se cumpriram em Cristo. Os hereges entre os colossenses ainda juntavam severas exigências ascéticas
à sua falsa teologia (vv.20,21).
9 A liberdade do cristão é regulada por sua relação direta com Cristo, por meio do Espírito Santo de Deus, como Cabeça con-
trolador e, em relação ao Corpo (que é a Igreja), como membro que é de um organismo vivo e que deve funcionar em harmonia
e cooperação. Quando qualquer membro do Corpo não se submete espontaneamente à Cabeça (Cristo), permite que heresias e
pecados afetem a saúde espiritual de toda a fraternidade (Igreja).
10 A morte do cristão com Cristo, para os valores do sistema mundial, destrói qualquer vínculo do pecado (Rm 6) e, ao mesmo
tempo, quebra todo possível laço de veneração ou serviço às potestades (autoridades angelicais cultuadas pelos gnósticos),
vencidos plenamente por Cristo. Paulo faz uso de uma verdade veterotestamentária, como registrada na Septuaginta (tradução
grega do AT – Is 29.13), para relembrar aos colossenses e a todos os cristãos que, Deus não faz questão de honras cerimoniais
religiosas, mas de corações que o adorem com sinceridade (Mc 7.6,7; Mt 15.8,9; Tt 1.14).
Capítulo 3
1 Paulo conclama os cristãos sinceros a exercerem na vida prática diária tudo o que eles já são posicionalmente em Cristo
(Rm 6.1-13).
2 Sendo que já morremos com Cristo, a nossa nova vida está oculta nele e Ele em Deus. Assim que Cristo retornar, o nosso
estado glorioso será manifesto (1Jo 3.2).
3 Quando o ser humano reconhece sua natureza pecaminosa (velho homem) e aceita o sacrifício de Cristo (Deus-homem) na
cruz do Calvário, crucificando sua “velha natureza” com Cristo e, simbolicamente, solidarizando-se com Ele no batismo (2.13),
que vem a ira de Deus sobre os que vi- protesto contra o outro, assim como
vem na desobediência. o Senhor vos perdoou, assim também
7 Nelas também andastes no passado, procedei.
quando ainda vivíeis com esses hábitos, 14 Acima de tudo, no entanto, revesti-vos
8 mas agora, livrai-vos de tudo isto: raiva, do amor que é o elo da perfeição.
ódio, maldade, difamação, palavras inde- 15 Seja a paz de Cristo o juiz em vossos co-
centes do falar. rações, tendo em vista que fostes convoca-
9 Não mintais uns aos outros, pois já dos para viver em paz, como membros de
vos despistes do velho homem com suas um só Corpo. E sede agradecidos.
atitudes, 16 Habite ricamente em vós a Palavra de
10 e vos revestistes do novo homem, que Cristo; ensinai e aconselhai uns aos outros
se renova para o pleno conhecimento, se- com toda a sabedoria, e cantai salmos,
gundo a imagem daquele que o criou;4 hinos e cânticos espirituais, louvando a
11 Nessa nova ordem de vida, não há Deus com gratidão no coração.
mais diferença entre grego e judeu, 17 E tudo quanto fizerdes, seja por meio
circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, de palavras ou ações, fazei em o Nome
escravo ou pessoa livre, mas, sim, Cristo do Senhor Jesus, oferecendo por inter-
é tudo e habita em todos vós.5 médio dele graças a Deus Pai.7
12 Assim, como povo escolhido de Deus,
santo e amado, revesti-vos de um cora- O cristão e seus relacionamentos
ção pleno de compaixão, bondade, hu- 18 Mulheres, cada uma de vós seja sub-
mildade, mansidão e paciência.6 missa ao próprio marido, pois assim
13 Zelai uns pelos outros e perdoai-vos deveis proceder por causa da vossa fé no
mutuamente; caso alguém tenha algum Senhor.8
recebe a graça do novo nascimento e da salvação eterna, cuja garantia é a habitação do Espírito de Deus em sua nova natureza
(novo homem – a Imagem de Deus é recriada no crente – Gn 1.27); aprenderá, então, a ser guiado pelo Espírito Santo, e não
apenas pela razão e emoções humanas. A expressão original grega nekrõsate indica que o “velho homem” deverá ser “morto”
(aniquilado) diariamente, em seu poder de determinar nosso estilo de vida. É sempre a “velha natureza” que se manifesta nos
desejos ilícitos e pecados da língua (vv.8,9; Tg 3.1-12), e sua mortificação se dá pela consagração da nossa “nova natureza” que,
vencendo o “velho homem”, pelo poder do Espírito, nos leva à obediência de Cristo e, portanto, a tomar nossa cruz e seguir nosso
Salvador, Senhor e Mestre: Jesus Cristo (Mc 8.34). Somente nos é possível despojar o “velho homem” porque Cristo despojou o
“corpo da carne” (2.11) e as autoridades e poderes malignos (2.15).
4 Paulo explica que a razão principal para o abandono dos maus caminhos está na simbologia do batismo. A frase original começa
com o particípio grego apekdusamenoi, “tendo despido” (v.9), que é complementado por um particípio aoristo correspondente endu-
samenoi, “tendo vestido” (v.10). Os verbos confirmam que há uma analogia em relação ao ato batismal, que pode ser compreendida
a partir do costume da época de despir-se para a cerimônia do batismo; quando o novo convertido entrava na água, e de vestir-se
logo depois (Gl 3.27; Rm 13.12,14; Ef 4.24). A personalidade de Cristo é criada no cristão sincero por meio do Espírito de Deus (Gl
2.20). Desta forma é recriada a Imagem de Deus (em latim Imago Dei), i segundo a qual Adão foi originalmente criado. O pecado,
entretanto, desfez essa imagem divina; a nova vida em Cristo (a perfeita imagem de Deus) a refaz na pessoa do crente fiel.
5 A expressão original “bárbaro” era usada, pelos gregos, para indicar uma pessoa que não falava grego e, portanto, era
considerada não civilizada para os padrões da época. Os “citas” eram provenientes de algumas tribos ao redor do mar Negro, ao
sul de onde, hoje, se localiza a Rússia, e considerados quase como animais selvagens. Em Cristo, todas essas distinções foram
abolidas, pois Jesus transcende todas as barreiras e unifica pessoas de todas as culturas, raças e nações.
6 O título outorgado a Israel passou também a significar a Igreja de Cristo (Dt 4.37; 1Pe 2.9). A eleição divina é sempre
apresentada nas cartas de Paulo, porém, as Escrituras, não deixam de destacar a responsabilidade de cada pessoa em relação
às suas decisões e atitudes. Paulo reforça que, exatamente por ter sido eleito, o cristão convicto e fiel deve dedicar todo o seu
esforço a fim de viver em conformidade com o chamado de Deus. Os apóstolos e principais discípulos de Cristo foram grandes
exemplos desse conceito teológico (Ef 1.4).
7 Esse versículo é melhor compreendido à luz do encorajamento oferecido aos escravos (e a todos aqueles que prestam
serviço a um patrão) nos versos 23 e 24. A frase no original grego significa falar e agir como representantes dignos do excelso
Nome de Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Messias; assim como um filho é reconhecido e deve dignificar o nome do seu pai e,
portanto, de sua família.
8 O temor (devoção e humilde obediência) ao Senhor deve regular a atitude e o relacionamento pessoal do crente com Deus,
19 Maridos, cada um de vós ame sua es- porta para nossa mensagem, a fim de
posa e não a trate com grosseria. que possamos proclamar o mistério de
20 Filhos, obedecei em tudo a vossos pais, Cristo, pelo qual estou preso.
porquanto essa atitude é agradável ao 4 Orai para que eu consiga manifestá-lo
Senhor. francamente, como me cumpre fazê-lo.
21 Pais, não irriteis vossos filhos, para que 5 Portai-vos com sabedoria para com os
eles não fiquem desanimados. que são de fora; aproveitai ao máximo
22 Escravos, obedecei em tudo a vossos todas as oportunidades.
senhores terrenos, não servindo apenas 6 A vossa maneira de falar seja sempre
quando supervisionados, como quem agradável e bem temperada com sal, a
age somente para contentar os homens, fim de saberdes como deveis responder
mas trabalhando com sinceridade de a cada pessoa.
coração, por causa do vosso temor ao
Senhor. Paulo envia conservos em missão
23 E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo 7 Quanto à minha situação, Tíquico, ir-
o coração, como para o Senhor e não mão amado, fiel ministro, e conservo no
para homens, Senhor, de tudo vos informará.
24 conscientes de q que recebereis do Se- 8 Eu vo-lo envio com o objetivo principal
nhor a recompensa da herança. É a Cris- de vos colocar a par sobre como estamos
to, o Senhor, que estais servindo! vivendo, e para que ele possa confortar o
25 Pois quem agir de forma injusta re- vosso coração.
ceberá o devido pagamento da injustiça 9 Em sua companhia, vos envio Onési-
cometida; e nisto não há exceção para mo, leal e amado irmão, que é um de
pessoa alguma. vós. Eles vos farão saber tudo o que está
acontecendo por aqui.2
com sua família, em relação a todos os membros do Corpo de Cristo (a Igreja), e no modo de tratar os que “são de fora” (versos
de 18 a 4.6; Ef 5.21).
Capítulo 4
1 Paulo usa a palavra grega proskartereõ “perseverar” para comunicar à igreja a idéia de “caminhar na certeza da providência
do Senhor”. A oração (diálogo com o Espírito de Deus) é a mais importante preparação para o desempenho de qualquer projeto
(Mc 3.9; At 10.7; At 6.4; Rm 12.12).
2 Paulo escreveu uma carta a Filemom, que residia em Colossos, com o principal objetivo de pedir que ele aceitasse plenamen-
te, como irmão em Cristo, o seu antigo escravo Onésimo.
3 Aristarco era macedônio. Participou com Paulo do tumulto que houve em Éfeso por causa do Evangelho e, por isso,
era bem conhecido em Colossos (At 19.29). Tanto ele quanto Tíquico acompanharam Paulo na missão à Grécia (At 20.4), e
cooperaram com o apóstolo em Roma (At 27.2). Marcos, autor do evangelho que leva seu nome, depois de doze anos de sua
separação de Paulo na Panfília (At 15.38,39), agora faz parte da equipe missionária do apóstolo. Cinco anos depois dessa
carta, Paulo escreve a Timóteo, afirmando a importância do companheirismo e do ministério de Marcos (2Tm 4.11). Jesus
Justo (nome comum entre os judeus até o séc.II, seguido de nome helênico de significado semelhante) era um discípulo
de Paulo, que embora judeu, não fazia parte do grupo que exigia a circuncisão dos cristãos; pelo contrário, cooperava com
Paulo em seu indestrutível interesse de levar o Evangelho aos judeus, apesar de sua vocação para os gentios (Rm 1.16;
9.1-5; 10.1; 11.25).
4 Hierápolis era uma cidade da Ásia Menor (hoje Turquia) e ficava cerca de 9 km de Laodicéia e 23 km de Colossos. A igreja ali
foi formada a partir do ministério de discipulado de Paulo, por três anos em Éfeso (At 19).
5 Lucas, médico e autor do terceiro evangelho e do livro de Atos, era grande amigo de Paulo e companheiro de missões (At
16.10). Estava com Paulo em Roma na época da prisão do apóstolo, quando esta carta foi escrita (At 28). Demas, obreiro cristão,
todavia, mais tarde, preferindo o mundo, abandonaria Paulo (2Tm 4.10).
6 A Igreja primitiva, na maioria de seus grupos e comunidades, não possuía templos ou edifícios próprios para congregação
dos crentes, que só começaram a ser construídos com essa finalidade a partir do séc.III. De modo geral, os discípulos de Cristo
se reuniam para adoração, ensino da Palavra, oração e comunhão, nos lares, sob os auspícios de uma família cristã e de seus
colaboradores com visão missionária. Assim aconteceu, por exemplo, com Priscila e Áquila (Rm 16.5; 1Co16.19), Filemom (Fm
2) e Maria, mãe de João Marcos (At 12.12).
7 A Igreja primitiva tinha por hábito ler as cartas dos apóstolos em voz alta perante toda a assembléia. O intercâmbio e o estudo
das cartas serviu para guardar e formar, juntamente com os demais textos canônicos, o NT completo.
8 Paulo continua preocupado com as infiltrações teológicas judaizantes e heréticas na Igreja de Cristo. Por isso, pede que
Arquipo, um dos membros da igreja local em Colossos, aceite a responsabilidade pastoral como seu ministério pessoal e com a
mesma dedicação de Epafras.
9 Paulo preferia ditar suas cartas oficiais a um amanuense (copista profissional), conforme costume dos mestres de sua época.
Em algumas dessas cartas à Igreja, entretanto, Paulo escreveu saudações e bênçãos apostólicas de próprio punho, com a inten-
ção de demonstrar seu carinho e zelo pessoal para com os irmãos em Cristo (Rm 16.22; 1Co 16.21; Gl 6.11; 2Ts 3.17; Fm 19).
Propósitos
A Igreja em Tessalônica foi fundada pelo apóstolo Paulo em sua segunda grande viagem
missionária, e compunha-se de convertidos dentre os judeus e muitos gentios vindos do mais
absoluto paganismo, entre os quais vários gregos, homens e mulheres da nobreza local (At 17.4).
Considerando que Paulo tinha sido obrigado a partir abruptamente de Tessalônica (At 17.5-10), é
fácil entender o quanto muitos novos crentes ficaram desnorteados (1.9). Portanto, o alvo principal
do apóstolo nessa carta foi proporcionar encorajamento, especialmente a esses novos convertidos
vindos do paganismo, a fim de que se mantivessem fiéis, mesmo em meio às mais severas provações
e perseguições (3.3-5). Além disso, Paulo se preocupa em oferecer à Igreja uma boa instrução sobre
como viver um estilo de vida piedoso (4.1-8), servindo diariamente ao Senhor com um coração
sincero e dedicado (4.11,12). Paulo ainda é categórico quanto à salvação e o futuro eterno dos
cristãos que morrem antes da segunda vinda gloriosa de Jesus Cristo (4.13,15). Por isso, Paulo dá
ênfase à doutrina das últimas coisas (escatologia), e finaliza cada capítulo de 1 Tessalonicenses com
uma referência clara a esse retorno do Senhor. No capítulo 4, o apóstolo é ainda mais esclarecedor
a esse respeito (1.9,10; 2.19,20; 3.13; 4.13-18; 5.23,24). As duas epístolas aos tessalonicenses são
também chamadas de “as cartas escatológicas” de Paulo. As passagens-chave da primeira carta se
referem ao arrebatamento da Igreja (4.13-18) e ao Dia do Senhor (5.11).
1 Silvano (ou Silas, uma variante do mesmo nome) serviu com Paulo em sua segunda viagem missionária e, juntamente com
Timóteo, ajudou o apóstolo a fundar a Igreja em Tessalônica (At 15.22; At 17.1-14). Paulo enfatiza a união vital entre Pai, Filho e
Espírito Santo (v.5), em mais uma demonstração clara do relacionamento triunitário que salva, capacita e abençoa com “graça
e paz” todo cristão sincero (3.11; 2Ts 1.2,8,12; 2.16; 3.5; Jo 14.27; 20.19; Gl 1.3; Ef 1.2; Fl 1.3,4). O título “Senhor” é a tradução
grega da expressão hebraica “Jeová”, conforme aparece na Septuaginta (a tradução grega do AT); o mesmo título do Deus da
Aliança do AT, que agora, no AT é outorgado a Jesus, o Messias (Cristo) ressurreto e glorificado (Fl 2.9-11).
2 A tríade básica da vida cristã: fé em Cristo, esperança e amor é mencionada em diversas oportunidades ao longo de todo o NT
(5.8; Rm 5.2-5; 1Co 13.13; Gl 5.5,6; Cl 1.4,5; Hb 6.10-12; 10.22-24; 1Pe 1.3-8,21,22). A fé em Cristo sempre produz ações práticas
de amor a Deus, por sua Igreja e pela humanidade (Rm 1.5; 16.26; Gl 5.6; 2Ts 1.11; Tg 2.14-26). A esperança do cristão não se
compara ao mero otimismo ou bom agouro propagados pelas doutrinas de auto-ajuda e motivação pessoal, pois o crente confia
na pessoa de Deus, em Cristo Jesus, que retornará, em breve e gloriosamente para viver com sua Igreja por toda a eternidade
(v.10; Hb 6.18-20; Cl 1.5).
3 Deus “elege” seu povo. Tanto no AT, onde Deus “escolhe” a nação de Israel para ser o Seu povo, como no NT, onde o Senhor
“separa” indivíduos como seus adoradores e discípulos. Esse fato reforça a doutrina bíblica de que a Salvação é dom de Deus e
um ato inexplicável da Sua soberania. A “eleição” é o amor de Deus em plena ação (1Pe 1.2; Ef 1.4; Cl 3.12; 2Ts 2.13).
4 O Evangelho não é apenas a apresentação de uma idéia ou conceito teológico, mas a operação do poder da pessoa de
Deus; por meio do Espírito Santo, em função do sacrifício vicário de Cristo. A mensagem de boas novas (do Evangelho) pregada
por Paulo, Silvano e Timóteo, a qual eles mesmos haviam recebido pela fé é, em primeiro lugar, o Evangelho de Deus, o Pai;
uma vez que a própria expressão “Evangelho” significa “Cristo, o Filho de Deus, a Palavra” (Jo 1.1-3). A convicção (esperança
com certeza) que há no coração dos missionários pregadores e nos tessalonicenses não advém deles próprios, mas da ação do
Espírito Santo. Por isso, pregar o Evangelho não é apenas transmitir uma informação, é invocar a pessoa do Espírito de Cristo
para ministrar à audiência, inclusive ao pregador, a vontade de Deus (2.8; 3.2; Rm 15.13-19; 1Co 2.4,5).
5 Paulo percebe no comportamento diário dos tessalonicenses o poder regenerador e transformador do Espírito de Deus. Por
isso, qualifica esses cristãos como verdadeiros discípulos, cujo sentido é o de “imitadores” ou “seguidores” de Cristo. Somente
a profunda felicidade, produzida na alma do crente, pelo Espírito Santo, é capaz de nos fazer atravessar pelos sofrimentos mais
agudos, sem perder a esperança nem a certeza de que Deus é bom e sensível a tudo o que acontece conosco, bem como às
nossas respostas (3.7; 1Pe 1.6; 4.13; 2Co 8.2; Fp 2.17; Cl 1.24; At 17.5-14; 1Ts 2.14). Ao receber o Evangelho com a alegria
indestrutível daqueles que têm certeza de que Cristo habita em suas vidas, os cristãos de Tessalônica passaram a ser “exemplos”
(padrão a ser seguido) e “discipuladores” de todos à sua volta e por toda a Grécia. Desde a Macedônia, a grande província roma-
na ao norte, até Acaia, ao sul. Os cristãos da Igreja em Tessalônica compreenderam claramente o significado do discipulado e,
observando Cristo na vida de Paulo, passaram a compartilhar do mesmo Cristo e a fazer outros discípulos do Senhor (2Ts 3.9).
ser necessário que acrescentemos mais 6 Da mesma forma, nunca nos dedica-
nada a isso. mos a buscar honrarias, quer da vossa
9 Porque todos eles relatam de que parte ou mesmo de outros.
maneira fomos recebidos por vós, e de 7 Muito embora, como apóstolos de
que maneira vos convertestes dos ídolos Cristo, pudéssemos ter solicitado de vós,
a Deus, para servirdes ao Deus vivo e o nosso sustento, todavia, agimos entre
verdadeiro, vós com todo o desprendimento, como a
10 enquanto aguardais do céu seu Fi- mãe que acarinha os próprios filhos.3
lho, a quem Ele ressuscitou dentre os 8 Assim, por causa do grande afeto por
mortos, Jesus, que nos livra da ira que vós, decidimos dar-lhes não somente o
certamente virá.6 Evangelho de Deus, mas igualmente a
nossa própria vida, tendo em vista que
A verdadeira pregação da Palavra vos tornastes muito amados por nós.
6 Paulo, em suas duas breves cartas aos cristãos da Igreja em Tessalônica, dedica importante espaço ao segundo, iminente e
glorioso retorno de Cristo (v.10; 2.19; 3.13; 4.13-5.4; 2Ts 1.7-10; 2.1-12). A “ira vindoura” ou “o Dia do Senhor” se refere ao tempo
de julgamento que Deus estabelecerá sobre a Terra, em geral, e à raça humana, em particular. Esse será um julgamento para
condenação, pois a única forma de absolvição do ser humano é aceitar a graça da Salvação quando esta se lhe apresenta e não
rejeitá-la, para que não seja igualmente rejeitado no “último dia” (Is 2.10-22; Sf 3.8; Rm 3.5-6; Hb 6.2; Jd 14-15; Ap 6.17).
Capítulo 2
1 As melhores credenciais de Paulo, como servo e apóstolo do Senhor, eram suas próprias atitudes no convívio com os cristãos
de todas as igrejas por onde passava. Os versos 1 a 12 apresentam uma espécie de “pequeno manual do ministro”.
2 O vocábulo grego original, aqui traduzido por “enganar”, era costumeiramente aplicado às “iscas” usadas para pegar peixes.
Na época de Paulo, o termo ganhou o sentido de “astúcia aplicada com o objetivo principal de obter vantagens”.
3 Os filósofos epicureus e cínicos, assim como seus discípulos, buscavam conquistar adeptos, viajando e pregando com este
objetivo principal, sempre regiamente patrocinados por seus seguidores. Os apóstolos tinham o direito de ter suas necessidades
supridas por suas igrejas; contudo, Paulo, nem sempre aceitou esse tipo de cooperação financeira (1Co 9.3-14; 2Co 11.7-11).
4 Paulo nos revela algumas das mais importantes responsabilidades do ministro cristão: A palavra grega parakaleõ significa
“implorar” (Rm 12.1), indicando que cabe ao servo do Senhor “buscar dedicada e humildemente” levar a Palavra de Deus a
todas as pessoas. A expressão original grega paramutheomai aqui tem o sentido de “encorajar”, “consolar” os mais fracos e
deprimidos. E a palavra grega marturomai transmite a idéia de “insistir sem perder o ânimo” com aqueles crentes que parecem
sempre depender de um modelo humano para prosseguir na vida cristã.
que, tendo vós recebido a Palavra que companhia pessoal, mas não distantes
de nós ouvistes, que provém de Deus, do vosso coração, trabalhamos inces-
acolhestes não como simples ensino de santemente com o objetivo de ir e ver os
homens, mas sim como, em verdade é, a vossos rostos;
Palavra de Deus, a qual, com toda certe- 18 por isso, queríamos visitar-vos. Eu,
za, está operando eficazmente em vós, os Paulo, quis vos saudar face a face não
que credes. somente uma vez, mas duas; porém,
14 Tanto é assim, queridos irmãos, que Satanás nos provocou impedimentos.7
vos tornastes discípulos das igrejas de 19 Todavia, quando nosso Senhor Jesus
Deus em Cristo Jesus que estão na Ju- retornar, quem será a nossa esperança,
déia. Afinal, também vós padecestes, da alegria ou coroa de glória diante dele?
parte de vossos próprios patrícios, as Ora, não sois vós?
mesmas crueldades que eles, por sua vez, 20 Com toda a certeza, vós sois a nossa
sofreram dos judeus,5 glória e a nossa grande alegria!
15 os quais não somente assassinaram o
Senhor Jesus e os profetas, como igual- Paulo envia Timóteo em missão
mente nos perseguiram. Eles fizeram o
que era mal diante de Deus e são hostis
a todos,
3 Por isso, não podendo mais suportar
nossa preocupação por vós, achamos
melhor ficarmos sozinhos em Atenas;1
16 esforçando-se ao máximo para nos 2 e, desse modo, enviamos nosso irmão
impedir de pregar aos não-judeus a fim Timóteo, cooperador de Deus no Evan-
de que estes sejam salvos. Dessa forma, gelho de Cristo, para vos fortalecer e vos
seguem acumulando seus pecados. Con- encorajar na fé,2
tudo, sobre eles, chegou finalmente, a ira 3 a fim de que ninguém fraqueje diante
de Deus.6 dessas aflições; porquanto, estais bem
informados de que fomos destinados
O amor de Paulo pelos discípulos para isso.3
17 Nós, no entanto, amados irmãos, 4 Pois, quando ainda estávamos convos-
privados momentaneamente da vossa co, já vos advertíamos que haveríamos de
5 Na Septuaginta (a tradução grega do AT), a expressão original ekklesia, “igreja”, refere-se à assembléia do Povo Escolhido,
e tem a ver com o termo hebraico “sinagoga”. A diferença fundamental entre a “Igreja” e a “sinagoga” é que, nas igrejas cristãs,
Jesus Cristo é o Messias prometido, nosso Salvador. Os “discípulos” de Jesus Cristo devem ser seus “imitadores” tanto nos
momentos de exultação e glória, como nas provações e sofrimentos (At 17.5-9; Rm 9.1-3; 10.1).
6 Paulo afirma que a ira escatológica, o derramamento da ira punitiva de Deus contra a humanidade pecaminosa, já está
presente sobre a Terra.
7 Satanás e seus demônios são os responsáveis diretos por todos os obstáculos que surgem no caminho da propagação do
Evangelho. Por isso, é fundamental que todo projeto missionário, evangelístico, e que vise à ministração da Palavra, seja regado
com fervorosa oração. A vontade de Deus, entretanto, é soberana, e nada nem ninguém é capaz de vencer ao Espírito de Cristo
(Lc 11.21,22; 1Ts 3.11).
Capítulo 3
1 A divisão dos capítulos apenas indica o assunto principal, mas não deve prejudicar a compreensão geral da informação de
Paulo, iniciada no verso 17 do capítulo anterior. Paulo usa a palavra grega “abandonado” para comunicar sua sensação ao ter
decidido ficar só em Atenas para enfrentar a filosofia grega incrédula (At 17.14,15). O uso da terceira pessoa do plural é apenas
um recurso de modéstia literária, Paulo está falando apenas de si mesmo.
2 A expressão grega sunergon significa “companheiro de trabalho”, e está ligada à função eclesiástica do “ministro cristão”,
diakonos, conforme os melhores originais gregos (1Co 3.9). Paulo usa a palavra “fortalecer” extraída do grego clássico, que
significava “escorar uma construção”, como uma figura de linguagem.
3 Paulo se refere às perseguições e tribulações sofridas pelos tessalonicenses e os cristãos em geral, pelo fato de não mais
pertencerem ao sistema mundial controlado por Satanás. Por isso, até a volta de Cristo, o sofrimento e as aflições passam a ser
normais e previsíveis na vida diária do crente, e não exceções (Mc 4.17; Jo 16.33; At 14.22; 2Ts 3.12; 1Pe 4.12). Entretanto, essas
adversidades não escapam à supervisão amorosa do Senhor, nem podem ser consideradas como meros infortúnios, pois fazem
parte dos sábios propósitos de Deus (At 11.19; Rm 5.3; 2Co 1.4; 4.17).
sofrer tribulações, como de fato ocorreu, dia, para que possamos ver o vosso rosto
como também é de vosso pleno conhe- e suprir o que falta à vossa fé.6
cimento. 11 Que o próprio Deus, nosso Pai, e
5 Foi por isso que, já não me sendo mais nosso Senhor Jesus preparem o nosso
possível continuar agüentando, enviei caminho até vós.7
Timóteo para conhecer o estado da vossa 12 Que o Senhor faça crescer e transbor-
fé, temendo que o Tentador vos tivesse dar o amor que tendes uns para com os
seduzido, tornando inútil todo o nosso outros e para com todas as pessoas, a
empenho.4 exemplo do nosso amor por vós.
13 Que Ele fortaleça o vosso coração para
Timóteo retorna com boas novas serem irrepreensíveis em santidade dian-
6 Agora, contudo, Timóteo acaba de te de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso
chegar da vossa parte, dando-nos boas Senhor Jesus com todos os seus santos!8
notícias a respeito da fé e do amor que
tendes. Ele nos relatou que é permanente Vivendo para adorar a Deus
a vossa lembrança afetuosa quanto a nós,
e que é grande o vosso desejo em nos ver
pessoalmente, da mesma forma como
4 Quanto ao mais, caros irmãos, já vos
orientamos acerca de como viver a
fim de agradar a Deus e, de fato, assim
nós ansiamos por ver-vos.5 estais caminhando. Agora, vos rogamos e
7 Por isso, irmãos, em toda a nossa encorajamos no Senhor Jesus que, nesse
necessidade e tribulação nos sentimos sentido, vos aperfeiçoeis cada vez mais.1
encorajados quando soubemos da fé que 2 Pois sabeis os mandamentos que vos
tendes; recomendamos pela autoridade do Se-
8 porquanto, se estais firmes no Senhor, nhor Jesus.
há mais alegria em nossa vida. 3 A vontade de Deus é esta: a vossa san-
9 Pois, quanta gratidão podemos expres- tificação; por isso, afastai-vos da imorali-
sar a Deus por vós, diante da grande dade sexual.
satisfação com que nos alegramos por 4 Cada um de vós saiba viver com seu
vossa causa perante nosso Deus, próprio cônjuge em santidade e honra,
10 suplicando, continuamente, noite e 5 não dominados pela paixão de desejos
4 O termo “Tentador”, que aqui também se refere a um dos nomes do Diabo, e as expressões “seduzir”, “enganar”, “iludir” ou
“tentar”, vêm da mesma raiz grega. Satanás é mencionado em todas as principais divisões do NT. Ele é o líder maior dos espíritos
malignos e dos seres humanos por ele “seduzidos” (Jo 16.11; Ef 2.2). O Diabo e seus demônios podem nos afetar em âmbito
físico ou espiritual, entretanto, nunca sem a soberana permissão de Deus (Jó 2.1-10; 2Co 12.7; Mt 13.39; Mc 4.15; 2Co 4.4). Ele
tentou a Jesus e seguirá tentando os crentes até a volta do Senhor (Mt 4.1-11; Lc 22.3-1; 1Co 7.5). O Inimigo busca prejudicar
todos os empreendimentos cristãos (2.18); porém, já está completamente derrotado por Cristo (Cl 2.15; Ap 20.10) e, portanto, os
cristãos não necessitam viver subjugados por ele e suas artimanhas (Ef 6.16).
5 Esse é o único caso no NT em que a expressão grega original euanggelisamen não significa “as boas novas da Salvação em
Cristo”, nosso “Evangelho”, mas simplesmente a transmissão de boas notícias.
6 As freqüentes orações de Paulo pelos irmãos em Tessalônica foram respondidas alguns anos mais tarde (At 20.1,2).
7 O verbo original grego “preparar”, no sentido de “conduzir” encontra-se no singular indicando a perfeita unidade de Deus-Pai
com Deus-Filho, a pessoa do Senhor Jesus.
8 A expressão grega original “fortalecer” significa todo o processo de “santificação” (separação para adoração e serviço a
Deus), no qual todo cristão é engajado, a partir do momento que se entrega aos cuidados de Cristo e recebe o Espírito Santo de
Deus para habitar em sua alma. Esse ministério do Espírito só será encerrado no final da vida do crente, com a glorificação da
alma (1Co 1.2). Paulo realmente aguardava a volta do Senhor em breve, por isso encoraja os crentes de Tessalônica a estarem
prontos, na expectativa do retorno iminente do Senhor com seus anjos e todos aqueles que já estão em sua presença. Assim se
dará logo mais, quando Jesus voltar. Por isso, os votos de Paulo são para nós também.
Capítulo 4
1 Paulo usa literalmente a expressão grega “caminhar” como metáfora de “viver a vida cristã”, como discípulos do “Caminho”,
que é Cristo (Rm 6.4; 2Co 5.7; Ef 4.1; 5.17; Cl 1.10). As palavras do apóstolo não devem ser interpretadas como algum tipo de
arrogância ou autoritarismo humano. As expressões originais são carregadas de fraternidade, sinceridade e autoridade espiritual;
como um pai orientando seus filhos amados (1Co 2.16).
sem controle, à semelhança dos pagãos com as próprias mãos, como já vos
que não conhecem a Deus.2 orientamos;4
6 Quanto a este assunto, ninguém seduza 12 de modo que vos porteis com dignida-
ou tire proveito de seu irmão, porque de para com os de fora, e de nada venhais
o Senhor castigará todas essas práticas, a necessitar da parte deles.
como já vos advertimos com toda a
certeza. A volta de Cristo e os crentes
7 Pois Deus não nos convocou para a im- 13 Não desejamos, no entanto, irmãos,
pureza, mas sim para a santificação. que sejais ignorantes em relação aos que
8 Portanto, aquele que rejeita estas orien- já dormem no Senhor, para que não vos
tações não está rejeitando o homem, mas entristeçais como os outros que não pos-
a Deus, que vos outorga o seu Espírito suem a esperança.5
Santo.3 14 Porquanto, se cremos que Jesus mor-
reu e ressuscitou, da mesma maneira
O cristão deve agir com amor devemos crer que Deus, por intermédio
9 No que se refere ao amor fraternal, de Jesus, trará juntamente com Ele os
entretanto, não há necessidade de que que nele faleceram.6
eu vos escreva, porquanto vós mesmos 15 Afirmamos a todos vós, pela Palavra
estais por Deus instruídos que deveis do Senhor, que nós, os que estivermos
amar-vos uns aos outros; vivos quando se der o retorno do Senhor,
10 e, na verdade, estais praticando esta certamente não precederemos os que
ordem mesmo para com todos os irmãos dormem nele.
em toda a Macedônia. Todavia, vos en- 16 Pois, dada a ordem, com a voz do ar-
corajamos, queridos irmãos, que vos canjo e o ressoar da trombeta de Deus,
aperfeiçoeis nisto cada vez mais, o próprio Senhor descerá dos céus, e
11 buscando viver em paz, cuidando os mortos em Cristo ressuscitarão pri-
cada qual da sua vida, e trabalhando meiro.
2 No mundo greco-romano do séc.I a.C, devido às guerras, aos conflitos sociais e à proliferação das culturas pagãs, os padrões
morais haviam atingido os níveis mais baixos de pudor e respeito. Imperava a violência; aos mais fortes era dado o direito de
satisfazer todas as suas vontades; e o tempo médio de vida não ultrapassava os 30 anos. Neste contexto é que Paulo exorta os
cristãos a manterem seus corpos e vida moral de acordo com o padrão de Cristo, e não conforme a sociedade. Afinal, os cristãos,
são o templo do Espírito Santo de Deus (1Co 5.1; 6.19).
3 Paulo se refere ao ministério do Espírito Santo de Deus, o de fazer seus mandamentos compreensíveis ao coração dos
cristãos (Is 54.13), em grego theodidaktoi (Jo 7.17). O apóstolo usa a palavra grega philadelphia “amor fraterno entre irmãos de
sangue” para evidenciar o tipo de amor solidário e incondicional que deve haver entre os “irmãos em Cristo”, considerando que
todos os cristãos têm o mesmo Pai celestial (Jo 6.45; 1Co 2.13).
4 Paulo ensina que, apesar do nosso chamado à solidariedade e zelo de uns para com os outros, não devemos exagerar
em nossos cuidados, muito menos em nossa dependência uns dos outros. Alguns tessalonicenses estavam desrespeitando
a privacidade dos seus irmãos; outros, abusando da hospitalidade, cortesia e ajuda de irmãos mais abastados. Para muitos
gregos, na época, trabalhar em serviços braçais era desonroso, cabendo exclusivamente aos escravos. Alguns gregos crentes
estavam negligenciando o trabalho, em virtude da iminente volta de Cristo. Paulo adverte que nem as tradições culturais, nem a
proximidade do retorno do Senhor, são motivos para o cristão deixar qualquer de suas obrigações éticas e morais.
5 Paulo usa o termo “adormecer” como metáfora da “morte do cristão”, pois o aspecto definitivo e horrendo da separação de
uma pessoa de Deus, isto é, a morte, é eliminado completamente quando a alma reconhece em Jesus Cristo o seu Salvador e
ganha o “selo divino” (Espírito Santo), que garante sua ressurreição e vida eterna. Alguns tessalonicenses entenderam, de forma
errônea, que todos os crentes permaneceriam vivos na Terra até a iminente volta de Cristo. Por isso, ficaram em dúvida, quanto à
ressurreição daqueles crentes que estavam morrendo. A sociedade grega era profundamente influenciada pela cultura pagã. Por
isso, os gregos tinham verdadeiro horror à morte e a consideravam como o final de tudo, o apodrecimento da vida. Os cristãos,
no entanto, podem se alegrar com a segurança que têm na glória da vida eterna em companhia do Senhor (1Co 15.55-57; Fp
1.21-23).
6 Paulo usa aqui, literalmente, a expressão grega “morreu” e não “dormiu”, em relação ao falecimento de Jesus. Isso para
evidenciar a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte na cruz do Calvário (1Co 15.14-22).
17 Logo em seguida, nós, os que esti- e filhos do dia; nós não somos da noite,
vermos vivos sobre a Terra, seremos muito menos das trevas.
arrebatados como eles nas nuvens, 6 Assim, pois, não durmamos como os
para o encontro com o Senhor nos ares. demais; mas estejamos alertas e sejamos
E, assim, estaremos com Cristo para sóbrios;
sempre! 7 pois os que dormem, adormecem de
18 Consolai-vos, portanto, uns aos outros noite, e os que se embriagam, é de noite
com estas palavras. que se embebedam.
8 Nós, no entanto, que somos do dia, se-
Cristo retornará em breve jamos sóbrios, revestindo-nos da arma-
1 Desde o início da Igreja surgem, de tempos em tempos, pessoas que afirmam conhecer o Dia do Senhor, ou seja, o dia do
glorioso retorno de Jesus Cristo. Entretanto, Paulo nos lembra das palavras proféticas do próprio Senhor, garantindo que sua volta
pode acontecer a qualquer momento, mas cuja data e hora são uma determinação secreta e exclusiva de Deus-Pai (Mt 24.42,43;
Lc 12.39,40; 2Pe 3.10; Ap 3.3; 16.15; At 1.6,7).
2 A expressão hebraica “Dia do Senhor” tem sua origem no AT (Am 5.18) e refere-se a um período de tempo em que o Espírito
de Deus virá e intervirá pessoalmente na Terra e, especialmente na humanidade, com juízo penal e premiações de bênçãos. No
NT o conceito se mantém inalterado, apresentando a condenação dos incrédulos e ímpios, e a salvação dos crentes sinceros (Rm
2.5; 2Pe 2.9; 3.12; Ef 4.30). É citado, também, como “o último dia” (Jo 6.39), o “grande Dia” (Jd 6) ou, simplesmente, “o Dia” (2Ts
1.10). Esse será o dia em que tudo será consumado em relação ao julgamento eterno de cada pessoa em toda a humanidade.
Contudo, o Dia final ocorrerá de forma tão rápida e surpreendente como o assalto de um ladrão à noite (2Ts 2.3; Lc 21.34).
3 A melhor maneira de vigiar (literalmente em grego “manter-se alerta”), a fim de que o Dia do Senhor não nos sobrevenha com
repentina destruição (afastamento eterno do ser humano da presença abençoadora de Deus), é mantermos nossa principal ca-
racterística cristã: ser luz, pois somos “filhos da Luz”, isto é, “filhos de Deus” (Jo 1.12; 8.12). Vivermos desembaraçados (sóbrios)
da rede mundial de pecado que cobre e entorpece o planeta (Hb 12.1); vestirmo-nos com a armadura de Deus, que não se refere
apenas a algumas virtudes específicas, mas a todo o fruto do Espírito Santo (Rm 13.12; 2Co 6.7; 10.4; Gl 5.22,23; Ef 6.13-17).
4 A expressão grega etheto, não significa “predestinar”, como aparece em algumas versões. O termo “designou” está mais de
acordo com o sentido original da frase e do contexto dos ensinos teológicos de Paulo (Rm 8.29.30). A iniciativa da nossa salvação
do julgamento punitivo que ocorrerá no “Dia do Senhor” é fruto do seu imenso amor, manifestado em toda a sua dramaticidade
e esplendor na morte e ressurreição do seu Filho por nós (v.10; Rm 5.8).
5 Ao aceitarmos a graça da Salvação, o Senhor nos abençoa com um tipo de aliança e relacionamento que nada, nem a morte,
poderá destruir (Jo 6.37).
6 Alguns cristãos de Tessalônica estavam se sentido tomados pela idéia de que Jesus voltaria naqueles dias, a ponto de se
desinteressarem de cumprir as responsabilidades básicas da vida diária, como cooperar com a família e com a Igreja, estudar, tra-
balhar. A palavra grega, aqui traduzida por “sonolentos”, também pode ser traduzida por “ociosos”. Entretanto, todos devem ser
encorajados com paciência; e os mais fracos (desanimados), ajudados pelos mais fortalecidos na fé (Rm 14.1-15; 1Co 8.13).
7 A falta de perdão entre os crentes (Mt 5.38-42; 18.21-35; Rm 12.17; 1Pe 3.9); da alegria íntima de ter sido salvo por Cristo; das
orações diárias; de uma atitude de gratidão a Deus, mesmo em meio às difíceis tribulações da vida (Rm 1.9,10; Ef 6.18; Cl 1.3;
2Ts 1.3; Ef 5.20); do aprendizado e expressão da Palavra de Deus (v.20); do uso dos dons espirituais em benefício do Corpo de
Cristo (Rm 12.6; 1Co 12.10,28; 13.2; 14.3; Ef 4.11); e o envolvimento com o que é pecaminoso, são demonstrações claras de que
o cristão está ofuscando o brilho (poder) do Espírito Santo em sua vida. Não perderá a salvação por isso, mas caminhará pela vida
como um moribundo, até que entregue novamente o controle da sua vida nas mãos do Espírito de Cristo (Jo 10.10).
8 Paulo, ao fazer referência ao ser humano completo, usa as expressões gregas originais p√en'ma - pneuma (espírito); Ynch; -
psyché (alma) e sw'ma - soma (corpo) em analogia à visão hebraica da integralidade humana, expressada por Jesus, em aramaico,
ensinando que devemos amar a Deus e aos nossos semelhantes com todas as forças do nosso ser (Mc 12.30).
9 Paulo demonstra sua fé absoluta na onipotência e na justiça de Deus, que saberá completar a boa obra que começou na vida
dos crentes e em todo o universo (Gn 18.25; Fp 1.6; Nm 23.19).
10 Beijar um ou os dois lados do rosto, em sinal de humilde e respeitosa saudação, era uma tradição cultural entre os povos
orientais, que corresponde ao nosso aperto de mãos ou abraço. A Igreja não deve transformar os aspectos culturais de um povo
em doutrina. Por isso, o ósculo santo (beijo no rosto), como outros costumes populares de uma nação ou região, podem ser ou
não incorporados ou adaptados por outras igrejas cristãs, de forma espontânea, com bom senso e sem qualquer vínculo direto
com a necessária obediência aos preceitos bíblicos (Rm 16.16; 1Co 16.20; 2Co 13.12; 1Pe 5.14).
11 Paulo usa, originalmente, uma expressão extremamente enfática, literalmente: “intimo-vos no nome do Senhor”, com o
propósito de garantir que todos os cristãos tomem conhecimento do seu amor pela Igreja e acolham suas orientações. Por isso,
também, Paulo tinha o hábito de encerrar suas cartas com a impetração de uma bênção apostólica a seus leitores, que, às vezes,
era acrescida das bênçãos que nos são proporcionadas pela Trindade em ação (1Co 13.14).
Propósitos
Considerando que, passados mais de seis meses, a situação da Igreja em Tessalônica não
estava demonstrando qualquer visível mudança quanto à fé cristã e à prática da sã doutrina, Paulo
decide ser ainda mais contundente e enfático numa segunda e derradeira tentativa por escrito. As
orientações do apóstolo visavam encorajar os cristãos sinceros a permanecerem teologicamente
firmes na Palavra, diante de todo tipo de perseguição ou influência herética (1.4-10). Paulo também
se preocupa em exortar os tessalonicenses a não desanimarem diante da crise econômica, da
iminência do fim do mundo e dos preconceitos religiosos, e a trabalharem com ardor pelo próprio
sustento (2.13 – 3.15). Além disso, Paulo procura corrigir a compreensão errônea de que a liderança
da Igreja em Tessalônica estava se alimentando em relação ao glorioso retorno do Senhor Jesus (2.1-
12). Na realidade, 2 Tessalonicenses é ainda mais escatológica do que a primeira carta, com quase
40% do seu conteúdo voltado para os eventos que antecedem a segunda vinda de Cristo.
1 Silvano é uma variante do nome Silas (1Ts 1.1). Silas e Timóteo estavam com Paulo em Corinto. O apóstolo costuma usar a
primeira pessoa do plural como estilo literário de modéstia em suas epístolas (exceto em 2.5, nesta carta).
2 Não era costume os fundadores de igrejas se orgulharem de seus membros, embora alguns pudessem agir dessa forma (1Ts
1.9). Entretanto, o testemunho cristão dos tessalonicenses foi tão destacado, que Paulo abriu uma exceção na tradição apostólica
para indicar a Igreja em Tessalônica como exemplo de fé em Cristo (1Ts 1.6; 2.14; 3.3).
3 Deus jamais abandona seus filhos, especialmente os fiéis. Pelo contrário, juntamente com as provações que lhes permite,
envia do seu poder a cada pessoa, a fim de que possam desenvolver um caráter espiritual e moral ainda mais consagrado a Cristo
(1Pe 1.5,7). Ao mesmo tempo, Deus confirma seu julgamento para com os incrédulos e perseguidores (v.9; Fp 1.28).
4 A justiça de Deus é inexorável, e aplica severos castigos aos pecadores que não se arrependem (Mc 9.47,48; Lc 13.3-5). Essa
punição pode ocorrer hoje (Rm 1.24-28), bem como no Dia do Juízo final.
5 Paulo não era um teólogo de gabinete, escrevendo considerações sobre Deus a partir de uma vida confortável e tranqüila. O
apóstolo era testemunha viva e participante das alegrias e dos sofrimentos proporcionados pela fé cristã autêntica. Cristo agora não
pode ser visto fisicamente, e muitas pessoas negam até mesmo sua existência na pessoa do Espírito Santo. Contudo, em sua segun-
da, gloriosa e derradeira vinda, será visto perfeitamente por todos, crentes e incrédulos. O Senhor virá acompanhado de uma classe
especial de anjos que chegarão à Terra para executar cabalmente sua vontade, castigando toda impiedade (Is 66.15; Ap 1.14).
6 Paulo não se refere às pessoas que jamais ouviram falar de Deus, mas àqueles que, tendo ouvido falar do amor e da justiça
divina, mediante a sua Palavra, teimosamente, se recusam a reconhecê-lo e adorá-lo como Salvador e Senhor de suas vidas
(2.10-12; Rm 1.28).
Capítulo 2
1 O glorioso retorno de Cristo é o tema central desta carta. Paulo resume aqui parte de seus ensinos orais e orientações
2 que não permitais que vosso modo de compartilhar convosco acerca desses
crer seja influenciado, nem fiqueis ame- acontecimentos?
drontados por causa de profecia, palavra 6 No entanto, vós sabeis o que o está de-
ou carta atribuídos indevidamente à tendo nesse momento, para que ele seja
nossa autoria, como se o Dia do Senhor manifestado no seu devido tempo.
já tivesse chegado. 7 Na realidade, o mistério da iniqüidade
3 Não vos deixes enganar de forma al- já está em ação, restando tão somente
guma, por ninguém. Porquanto, antes que seja afastado aquele que agora o
daquele Dia virá a apostasia e, então, será detém.4
revelado o homem da iniqüidade, o filho 8 Então, será plenamente revelado o
da perdição.2 perverso, a quem o Senhor Jesus matará
4 Aquele que se opõe e se exalta acima de com o sopro de sua boca e destruirá pela
tudo o que se chama Deus ou é objeto gloriosa manifestação da sua vinda.5
de adoração, a ponto de se assentar no 9 Ora, o aparecimento desse anticristo é
santuário de Deus, apresentando-se de acordo com a ação de Satanás, com
como Deus.3 todo o poder, com sinais e com maravi-
5 Não vos lembrais de que eu costumava lhas ilusórias,6
expressas na primeira carta aos tessalonicenses. O apóstolo usa a palavra grega original parousia, que significa literalmente
“presença”, dezoito vezes ao longo do NT, sempre se referindo à Segunda Vinda de Cristo. Aqui, o termo, se identifica mais com
o arrebatamento da Igreja, no sentido da “nossa reunião” com o Senhor (1Ts 4.13-19). Paulo ainda usa outras expressões gregas
para referir-se à triunfante volta do Senhor: epiphaneia, “manifestação” (v.8; 1Tm 6.14; 2Tm 1.10; 4.1,8; Tt 2.13), e apokalipsis,
“revelação”, que é citada por três vezes nesse capítulo para indicar o surgimento do anticristo (vv.3,8,9; 1Co 1.7; 2Ts 1.7; 1Pe
1.7,13; 4.13).
2 Paulo explica aos tessalonicenses que, embora a volta de Cristo seja iminente, existem sinais que ainda teriam de se cumprir
antes desse maravilhoso e esperado evento. Um desses grandes sinais é a apostasia, literalmente “rebelião”; termo que, nas
Escrituras, tem o sentido de explícita “rebelião contra Deus e tudo o que procede de Deus”. Essa rebelião tem duas faces: uma
profunda e generalizada apatia em relação à fé em Jesus Cristo e à Palavra de Deus, seguida de violenta rebelião contra o Senhor
e seus seguidores em todo o mundo (Mt 24.10-12; 1Tm 4.1). João nos esclarece sobre o surgimento de “muitos anticristos”
ao longo da história (1Jo 2.18). Entretanto, esse “homem da iniqüidade” ou “homem do pecado”, mencionado por Paulo (o
mesmo de Ap 13), será o pior de todos, o qual será completamente arruinado por Cristo, assim como seu senhor: o Diabo (v.9;
Jo 17.12).
3 Paulo revela que esse anticristo será mais do que um poderoso líder político ou militar mundial. Ele terá prestígio suficiente
para reivindicar uma posição acima de todas as religiões e deuses. Ele afirmará ser Deus e fará seus pronunciamentos blasfemos
de um edifício físico, o qual chamará de “santuário” (Mc 13.14; Dn 11.36-45; Ap 13.1-15).
4 Os biblístas em todo mundo, até nossos dias, ainda não chegaram a uma definição unânime sobre o que Paulo desejava
comunicar com a expressão grega “o que o está detendo”. O comitê de tradução da Bíblia King James acredita que a expressão,
que encontra-se em seu gênero neutro, mas com equivalente masculino no v.7 (o detém), tenha a ver com a atual permanência
e ministério da pessoa do Espírito Santo na vida dos crentes, que formam a Igreja do Senhor, e que detém o iníquo de revelar-se
à humanidade. No momento em que a Igreja for arrebatada, Satanás e seus anticristos estarão livres para cumprir todos os seus
desígnios sobre a terra (Mt 24.14; 28.19,20; Mc 13.10; Rm 15.16-24; Ap 5.9-11; 7.9; 15.4; 1Jo 2.18).
5 Alguns dos aspectos sobrenaturais do anticristo (o iníquo e fiel discípulo do Diabo) serão apresentados claramente para toda
a humanidade. Entretanto, “o homem do pecado”, apesar de seus poderes, carisma e perspicácia, será facilmente derrotado por
Cristo. Paulo usa as expressões gregas epiphaneia, “manifestação”, e katergesei, “paralisar”, para explicar que basta o apareci-
mento de Cristo para que o anticristo seja completamente “amarrado” (Dn 11.45; Ap 19.20). A expressão “manifestação” sempre
tem a ver com a Segunda Vinda de Cristo, com exceção de 2Tm 1.10, onde se trata da Primeira Vinda.
6 Jesus Cristo nos revela que Satanás é o “pai da mentira” (Jo 8.44). Portanto, sua principal característica é a falsidade, o
engano. Os cristãos, especialmente, deveriam manter-se afastados da mentira, poucas coisas são tão próprias do Diabo quanto
o desvio da verdade. Como ele não pode criar nada, copia tudo o que Deus criou e tenta aliciar glória e adeptos para sua
pessoa. Nos últimos tempos, intensificará suas obras de engano e perversão sobre toda a terra. Enviará seu mais fiel e poderoso
representante: o grande anticristo, que operará milagres e prodígios por meio da energia de Satanás, numa imitação blasfema
da obra do Filho de Deus (Jo 14.10). Satanás levará muitos ao engano por causa de “falsas impressões” (Mt 24.24). Quando
Hitler, por exemplo, invadiu a antiga Checoslováquia (hoje dividida em República Checa e Eslováquia), durante a Segunda Guerra
Mundial, o povo ouvia a seguinte mensagem partindo dos megafones do comboio em movimento: “Não temam! Eis que é
chegado o Messias, doravante vocês terão paz e pão!” Muitos judeus creram nessas promessas, bem como uma multidão de
cristãos entendeu que se tratava da Segunda Vinda de Cristo. Esse fato está registrado em vários documentos históricos.
7 Muitos desistirão de buscar a verdade e se entregarão voluntariamente à injustiça. Essa é uma das marcas dos que “estão
perecendo”: o prazer no pecado e nas vantagens adquiridas por meio do engano (v.12; Jo 3.19,20). Deus usará o próprio pecado
para castigar aqueles que seguirem as mentiras do anticristo, especialmente ao arrogar-se a Deus. Contudo, o Senhor jamais
perderá o controle da história. Tudo está nas mãos de Deus, tanto as forças do maligno (v.11), como o amor perdoador e salvador
dispensado aos arrependidos (v.13).
8 A eleição é obra de Deus desde a eternidade passada (Ef 1.4; Cl 3.12; 1Ts 1.4). Paulo nos apresenta, nessa passagem
(v.12.13), as três pessoas da Trindade em ação (1Ts 1.1). A obra santificadora do Espírito Santo é realizada em todos os cristãos
sinceros, e não apenas em crentes especiais (1Ts 3.13; 4.3; 1Pe 1.2).
9 No início da Igreja, a doutrina cristã era comunicada por meio das “tradições”, assim como acontecia com o ensino das leis
rabínicas. Por isso, a “tradição oral”, as orientações verbais e “escritas”, eram transmitidas de geração a geração, com extremo
cuidado e dedicação (1Co 15.3; Mt 15.2).
10 Paulo usa a expressão grega original parakaleõ, que, nesse contexto, significa mais do que “consolar”, pois inclui a idéia de
“levantar o abatido (desanimado), por meio de um eficaz encorajamento” (Rm 12.1). O sentido etimológico dessa rica expressão
é “chamar à parte para aconselhar” ou “advogar” (1Jo 2.1), palavra que também se tornou o próprio nome e título do Espírito
Santo, isto é, nosso Advogado (Jo 14.16,26).
Capítulo 3
1 A fidelidade do Senhor é confirmada em toda a palavra verdadeira e boa obra (2.17). Ele nos guarda dos seus inimigos (1Pe
1.5; Lc 22.32). Garante a fé depositada em sua pessoa (v.4; 2Tm 1.12). Dirige (expressão grega literal, usada, também, em Lc 1.79
e, 1Ts 3.11, em nosso coração para amá-lo de forma madura e fiel; habilita-nos a desenvolver uma paciência celestial em meio às
mais difíceis tribulações da vida (1Pe 2.21).
2 Paulo usa uma expressão grega (ataktõs, indisciplinados ou aqueles que se desviam dos regulamentos assumidos) de auto-
ridade militar para indicar a necessidade do cumprimento da sua orientação. Os crentes deveriam cessar sua comunhão com os
cristãos que se entregassem ao ócio (literalmente: vagabundagem). Isso não significa cortar totalmente o contato, mas apenas
uma forma severa de mostrar que os membros do Corpo devem cumprir fielmente com todas as suas obrigações como filhos de
deveis seguir o nosso exemplo, pois não 13 Quanto a vós, irmãos, jamais desani-
vivemos de forma ociosa durante o tem- meis de fazer o bem!
po que estivemos convosco, 14 Se alguém desobedecer às nossas
8 nem comíamos de graça dos alimentos de orientações, expressas nesta carta, obser-
ninguém; pelo contrário, trabalhávamos vai-o atentamente e não tenhais contato
dia e noite com esforço e fadiga, a fim de com ele, para que o mesmo se sinta en-
não sermos pesados a nenhum de vós;3 vergonhado;
9 não porque não tivéssemos esse direi- 15 contudo, não o considereis inimigo;
to assegurado, mas por que era nosso pelo contrário, chamai a atenção dele
objetivo vos oferecer exemplo em nós como irmão.5
mesmos, a fim de nos imitardes.
10 Quando ainda estávamos convosco, Saudações e a bênção apostólica
vos ordenamos isto: Se alguém não qui- 16 Ora, o Senhor da paz, Ele pessoalmen-
ser trabalhar, também não coma.4 te, vos dê continuamente a paz em todas
11 Pois, fomos informados de que alguns as circunstâncias. O Senhor seja com
entre vós andam desocupados, sem que- todos vós!
rer trabalhar e se intrometendo na vida 17 Eu, Paulo, escrevo esta saudação de
particular dos outros. próprio punho, a qual é um sinal em
12 A esses, no entanto, ordenamos e todas as minhas epístolas. É dessa forma
admoestamos por nosso Senhor Jesus que escrevo.
Cristo que, trabalhando em paz, se ali- 18 A graça de nosso Senhor Jesus Cristo
mentem do seu próprio pão. seja com todos vós.6
Deus e cidadãos. Paulo já havia advertido os tessalonicenses sobre esse problema em sua primeira carta, no entanto, parece que
a situação havia ficado ainda pior (1Ts 4.11,12; 5.14). Paulo dava o exemplo de trabalhar para ganhar a vida, ainda que, como
mestre e apóstolo, tivesse o pleno direito de receber sustento pelo seu ministério (v.9; At 20.33-35; 1Co 9.3-14).
3 Paulo traduz, para o grego, uma expressão hebraica (comer) cujo sentido ampliado significa “ganhar o sustento” (Gn 3.19;
Am 7.12). O apóstolo não está ensinando que os cristãos não devam aceitar ofertas, nem dizendo que ele próprio nunca aceitava
hospitalidades, mas sim que não dependia de outras pessoas para obter seu sustento diário e modo de vida (1Ts 2.6-9).
4 Como o amor ao dinheiro, a indisciplina e a vagabundagem são as raízes de todos os males (1Tm 6.10; Gn 3.19).
5 A disciplina na Igreja deve ser sempre fraternal, paciente e saudável, isto é, deve ter como alvo principal trazer o faltoso ou
rebelde de volta ao bom senso da fé em Cristo, ao arrependimento, e a uma vida piedosa em comunhão com os irmãos, como
convém aos filhos de Deus (Mt 18.10-35). A expressão “chamai a atenção” foi usada por Paulo em 1Ts 5.12, onde o mesmo verbo
foi traduzido por “aconselham”.
6 Paulo criticou severamente os desordeiros e aqueles que o perseguiam. No entanto, sua oração final é em benefício de todas
as pessoas (1Ts 5.28).
Propósitos
Como nos revelam as primeiras linhas da carta, Paulo está escrevendo para Timóteo (1.2), seu
“verdadeiro filho na fé” (essa é uma expressão e um conceito de discipulado cristão que deve ser
resgatado pela igreja moderna).
O jovem líder e missionário Timóteo, natural de Listra (hoje Turquia), era filho de pai grego e de uma
piedosa mãe judia cristã, chamada Eunice (At 16.1). Desde seus primeiros dias, Timóteo havia sido
instruído sobre a Lei e os Profetas (o Antigo Testamento judaico – 2Tm 1.5; 3.15). O próprio Paulo foi
a pessoa a quem Deus dirigiu para levar o Evangelho ao coração de Timóteo, durante a primeira visi-
ta do apóstolo à Listra. Já na segunda visita, Paulo o convidou para ser seu companheiro nas viagens
missionárias que realizava. Assim, Timóteo participou efetivamente dos esforços de evangelização
da Macedônia e da Acaia (At 17.14,15; 18.5).
O carinho e o respeito de Paulo por Timóteo era tão expressivo que o apóstolo fez questão de men-
cionar o querido companheiro de missões como co-remetente em seis das suas epístolas canônicas
(2Co, Fp, Cl, 1 e 2Ts e Fm).
Ao final da vida, Paulo solicita que seu “filho na fé” vá ao seu encontro em Roma (2Tm 4.9,21).
Segundo a carta aos Hebreus, o próprio Timóteo foi também encarcerado e liberto mais tarde (Hb
13.23).
Timóteo não chegou a ser reconhecido como apóstolo, mas destacou-se como missionário e líder
cristão altamente respeitado por toda a Igreja de sua época.
Durante sua qquarta grande
g viagem
g missionária,, Paulo deu ordens expressas
p a Timóteo ppara
qque cuidasse espiritualmente
p da Igreja
g j em Éfeso ((1.3),), enquanto
q o apóstolo
p seguia
g viagemg ppara
a Macedônia. No entanto, quando percebeu que provavelmente não voltaria a Éfeso tão logo
quanto imaginara, escreveu essa primeira carta a Timóteo para detalhar as atribuições que o jovem
líder teria sob sua responsabilidade (3.14,15; 1.3,18), que incluíam uma boa dose de segurança
doutrinária e personalidade forte para combater os falsos ensinos e heresias da época, uma mistura
de gnosticismo com judaísmo místico (1.3-7; 4.1-8; 6.3-5,20,21). Além disso, Timóteo deveria servir
como pastor e bispo das almas dos efésios, enquanto a igreja crescia em número e demandas,
a saber: a organização dos cultos e reuniões comunitárias (2.1-15), bem como a nomeação e
capacitação de bons e fiéis líderes espirituais para pastorear a Igreja do Senhor (3.1-13; 5.17-25). O
1 Paulo registra a formalidade da carta ao afirmar sua autoridade apostólica, isto é, especialmente comissionado por Jesus
Cristo como seu mensageiro e missionário (Mc 6.30; 1Co 1.1; Hb 3.1). Ao usar a expressão “esperança”, Paulo não está apenas
“desejando”, mas expressando claramente sua “certeza futura” quanto ao estabelecimento perfeito da vontade e do Reino do
Senhor (Tt 2.13). O termo grego “Salvador” tradicionalmente se aplicava à pessoa de Deus Pai. Em hebraico, no AT, a mesma
expressão tem o sentido de “Libertador” (Fp 3.20-21).
2 Timóteo, cujo nome significa “aquele que adora a Deus”, tornou-se cristão e filho espiritual de Paulo por ocasião do apedreja-
mento sofrido pelo apóstolo em Listra (At 14.19-20). Mais tarde, Timóteo se tornaria também seu “companheiro de lutas” na causa
do Evangelho (At 16.1-4; 1Co 4.17; 2Tm 1.2; 2.1; Fm 10).
3 Paulo usa literalmente a expressão grega heterodoxia, “radicalmente diferente”, para admoestar os mestres heréticos que
estavam na Igreja em Éfeso, cujas atitudes gnósticas e anticristãs se caracterizavam por: ensinar falsas doutrinas e inverdades
(6.3), pregar mitos judaicos (Tt 1.14), arrogar-se como mestres da Lei (v.7), ensinar práticas ascéticas (4.3), fazer uso da posição
para obter lucros pessoais ilícitos (6.5), pregar histórias mentirosas sobre a origem do povo judeu (4.7; Tt 3.9), orgulho e
arrogância (1.7; 6.4), promover polêmicas com finalidades escusas (6.4; 2Tm 2.23; Tt 3.9).
4 Paulo é uma demonstração evidente do amor e misericórdia de Deus que pode transformar o mais vil dos homens num santo
para sua glória (At 9.4; 22.4,5,19; 26.10,11; 1Co 15.9; Gl 1.13; Fp 3.6).
5 Era comum, na igreja primitiva, Deus revelar sua vontade específica de várias maneiras; uma delas era por intermédio
dos profetas. Em At 13.1-3, por exemplo, temos a participação de alguns profetas de Deus no envio de Paulo e Barnabé, em
missão aos gentios. Em relação a Timóteo, profecias acerca da sua notável liderança cristã, foram entregues muito antes de sua
ordenação formal ao ministério, durante a segunda viagem missionária de Paulo (4.14; At 16.3). Segundo historiadores, depois
que Paulo foi solto da prisão em Roma, voltou a Éfeso, deixando ali Timóteo como missionário e líder espiritual; obra que realizou
de maneira esplêndida, enquanto o apóstolo seguiu para a Macedônia (v.3).
6 Himeneu, por exemplo, foi um cristão que decidiu criar uma teologia própria, e pregava que a ressurreição já havia ocorrido
(2Tm 2.17-18). Alexandre, outro exemplo, era um empresário crente que havia criado muitos problemas, e não aceitava conselhos
nem admoestações dos irmãos (2Tm 4.14,15). Paulo foi obrigado a exercer mais severa “disciplina eclesiástica” (Mt 18.17), isto
é, a exclusão desses homens do âmbito da proteção da Igreja, considerada com “santuário contra o poder de Satanás e seus
demônios”. Fora da comunhão da Igreja – com a ação do seu ministério de consolar, exortar e admoestar em Cristo – seriam
“disciplinados” (ensinados), por meio dos sofrimentos que o Diabo naturalmente impõe ao mundo. É preciso notar que o alvo
desse corretivo de Paulo era mais restaurador do que punitivo (1Co 5.5,13; Lc 13.16; 2Co 12.7).
Capítulo 2
1 Paulo exorta a todo cristão que leve ao Senhor, por meio de orações e súplicas, todas as suas petições, com “ações de
graças”, no original grego eucharistias (Fp 4.16).
2 Os cristãos são incentivados a orar por todas as autoridades, quer sejam boas ou más. O diabólico imperador Nero exercia
seus plenos poderes na época em que Paulo escreveu essa carta (54 – 68 d.C.). O apóstolo usa a palavra “piedade”, exclusiva-
mente em suas cartas pastorais, a fim de recomendar que os crentes, especialmente os líderes espirituais, sejam profundamente
reverentes a Deus (3.16; 4.7,8; 6.3,5,6,11; 2Tm 3.5; Tt 1.1).
3 Deus alimenta o sentimento de que sua infinita graça encontre morada em todos os corações humanos, por isso a expressão
grega usada por Paulo aqui é thelõ, que tem a conotação de “desejo sentimental”, e não boulomai, que seria “deliberação ou
determinação”. Embora o Senhor aspire pela salvação de todos, sua onisciência o faz saber que nem todas as pessoas se apro-
priarão da graça em Cristo, como filhos eleitos (1Pe 1.2; Rm 8.29).
4 A expressão original grega lutron, que significa “preço pago para libertar” (resgate), aparece em Mt 20.28 e Mc 10.45, e
refere-se ao testemunho apostólico de que Cristo se entregou a si mesmo para pagar toda fiança exigida para nossa liberdade
(Gl 4.4-5).
5 Paulo assevera que foi convocado por Deus para anunciar o Evangelho da Salvação ao mundo e testificar que, por meio da
morte e ressurreição de Cristo, o Senhor construiu uma ponte, única e exclusiva, capaz de superar o abismo existente entre Deus
e a humanidade, por conta da Queda (Gn 3).
6 Paulo usa a expressão original grega boulomai, “determinar”, para enfatizar seu pedido solene, algo como um decreto real. O
termo grego usado para “homens”, neste versículo, não se refere à humanidade como um todo, mas especificamente ao gênero
masculino adulto, apesar de ser evidente que as mulheres também oravam em público (1Co 11.5).
7 Os apóstolos usavam a expressão original grega katastole, que significa “traje”, para referir-se ao comportamento geral do
cristão, e não apenas a um estilo único de se vestir. Paulo e Pedro, por exemplo, recomendam às mulheres, especialmente, que
usem a moda e não sejam usadas por ela, pois a maneira como nos vestimos revela muito sobre o que pensamos de nós mesmos
e como gostaríamos de ser tratados. Portanto, as mulheres cristãs devem, de certa forma, criar a própria “moda”, testemunhando
seu “bom senso cristão”, no original grego kosmios, “decência”. Paulo as exorta a uma atitude marcadamente feminina, de bom
gosto, sensibilidade e simplicidade; em contraste com o conceito de moda propagado pelo sistema mundial, e que sempre
envolve luxo, exibicionismo, sensualidade apelativa e falsidade (1Pe 3.3-4).
8 Paulo refere-se à vontade ideal do Senhor (Gn 2 e 3). O desejo de Deus é que não houvesse outro governante (reis, chefes
de estado) sobre os homens além dele próprio (teocracia). Também não é da vontade de Deus que haja divórcios entre homens
e mulheres que um dia juraram amor e fidelidade até a morte (Jz 21.25; 1Sm 8.4-9; Mt 5.31-32; 19.3-9). Da mesma forma,
originalmente, a mulher foi criada para ser a melhor amiga e companhia do homem, que, por sua vez, deve amar e respeitar sua
esposa todos os dias de sua vida. Contudo, à medida que nos aproximamos da volta de Cristo, o homem se afasta do plano
ideal do Senhor, e as sociedades passam a exercer mais pressão para que as Escrituras Sagradas se encaixem às suas normas
e procedimentos seculares do que para que o ser humano compreenda e se submeta à vontade de Deus. As mulheres foram
criadas para respeitar, ajudar e cooperar com seus maridos; os homens, para amar suas esposas como Cristo amou a sua Igreja
(Ef 5.25). As mulheres de Éfeso, por influência do pensamento pagão que permeava a cultura helênica daqueles dias, tornaram-se
pessoas autoritárias e tiranas. A sociedade grega vivia, em termos práticos, sob um sistema matriarcal. As mulheres mandavam
na família e ditavam o que seus maridos deviam ou não fazer.
9 Paulo enfatiza a piedade da mulher que se entregou plenamente ao amor e à autoridade do Espírito Santo em Cristo, e que,
portanto, se realiza na sua missão prioritária de ser esposa, mãe e administradora do lar. O apóstolo ainda faz um paralelo com a
preciosa salvação espiritual que veio do nascimento mais importante de todos: a encarnação de Deus em Jesus Cristo.
Capítulo 3
1 A expressão grega original ejpiskoph'", “episcopado” era usada para identificar o dirigente de uma organização pública ou reli-
giosa. Aqui, se refere ao “supervisor” espiritual de uma congregação cristã, equivalente à expressão judaica “ancião”. Os termos
“bispo” e “presbítero” (derivado de “ancião”) são empregados de forma intercambiável em várias passagens do NT. A função
do líder espiritual é pregar e ensinar, dirigir o ministério geral da igreja (3.2-5; 5.17), pastorear com amor e zelo o rebanho que
pertence a Deus (At 20.28) e cuidar para que a igreja seja abençoada com uma teologia bíblica, livre de heresias (At 20.28-31).
6 Não deve ser recém convertido, a fim de 15 contudo, se eu demorar, fiques ciente
que não se ensoberbeça e caia na mesma de como as pessoas devem comportar-se
condenação em que caiu o Diabo. na casa de Deus, que é a Igreja do Deus
7 Também é necessário que tenha bom vivo, coluna e fundamento da verdade.
testemunho dos de fora, para que não 16 Sem dúvida, grande é esse mistério da
seja envergonhado nem caia na armadi- fé: Aquele que se manifestou em carne,
lha do Diabo. foi justificado no Espírito, contemplado
8 Quanto aos diáconos, da mesma forma, pelos anjos, pregado entre as nações,
devem ser honrados, de uma só palavra, crido no mundo e recebido acima da
não dados a muito vinho, nem tampou- glória.3
co dominados pelo amor ao dinheiro.2
9 Devem permanecer no ministério da fé Recomendações a Timóteo
com consciência pura.
10 Devem também, antes de tudo, passar
por experiência; depois, se não houver
4 O Espírito Santo afirma expressa-
mente que, nos últimos tempos,
alguns se desviarão da fé e darão ouvidos
nada que os desabonem, que exerçam o a espíritos enganadores e à doutrina de
diaconato. demônios,1
11 As mulheres, da mesma maneira, de- 2 sob a influência da hipocrisia de pes-
vem ser respeitáveis, não caluniadoras, soas mentirosas, que têm a consciência
moderadas e fiéis em tudo. cauterizada.2
12 Os diáconos devem ser maridos de 3 São líderes que proíbem o casamento e
uma só esposa e governar bem os filhos e ordenam a abstinência de alimentos que
a própria casa. Deus criou para serem recebidos com
13 Pois todos aqueles que servirem bem ações de graças pelos que são fiéis e estão
como diáconos alcançarão uma posição bem firmados na verdade.3
de honra e muita intrepidez na fé que há 4 Pois tudo o que Deus criou é bom,
em Cristo Jesus. e, nada deve ser rejeitado, se puder ser
14 Ainda que alimente a esperança de recebido com ações de graças.
ver-te em breve, escrevo-te estas orien- 5 Porquanto é santificado pela Palavra de
tações; Deus e pela oração.
2 O significado do termo grego original “diácono” (servo) está ligado ao “serviço dedicado” de alguém em qualquer área de neces-
sidade da igreja ou da comunidade por amor a Cristo. Esse ministério se iniciou formalmente na igreja primitiva por motivos práticos,
visando a ajuda e a cooperação, a fim de que nenhum membro da igreja passasse falta de assistência espiritual e material (At 6.1-7).
As qualificações espirituais e morais exigidas são semelhantes às exigidas dos pastores (bispos, presbíteros ou anciãos).
3 Paulo gostava de se valer das letras de hinos e cânticos conhecidos pela igreja primitiva para ilustrar suas teses teológicas.
Aqui ele usa a poesia da letra de parte de um credo que se tornou hino (Ef 5.19; Cl 3.16). O Espírito Santo de Deus capacitou
Jesus a expulsar demônios, a operar milagres, e foi responsável por ressuscitar Jesus dentre os mortos (Mt 12.28; Rm 1.4; 1Pe
3.18); sendo Cristo louvado e admirado pelos anjos na sua ressurreição e ascensão (Mt 28.2; At 1.10).
Capítulo 4
1 A “apostasia” (rebeldia e afastamento dos verdadeiros ensinos de Deus) já era um tema tratado pela igreja primitiva. Todo o
período compreendido entre a primeira vinda de Jesus Cristo e sua volta gloriosa é chamado de “a Era da Igreja” ou “os últimos
tempos”, anunciado por profetas do AT e do NT, inclusive pelo próprio Cristo (Dn 7.25; Mt 24.4; 2Ts 2.3; 2Pe 3.3; Jd 18). Os
cristãos são capazes de distinguir os “falsos mestres” ou “apóstatas” por meio do Espírito Santo que habita em suas almas (1Jo
4.1). A apostasia tem três características principais e visíveis: surge a partir de “espíritos enganadores”; é alimentada por “ensinos
demoníacos”, e alguns de seus mais importantes agentes estão, infelizmente, dentro da própria comunidade eclesiástica. Uma
visita pela história da Igreja até nossos dias não deixa a menor dúvida sobre isso.
2 Um cristão que não avalia e corrige sua vida e comportamento à luz da Palavra de Deus e dos conselhos do Espírito Santo,
entrega-se progressivamente ao encantamento do pecado, que usa, como anestesia da consciência cristã, a mentira. Com o
passar do tempo, instala-se na alma dessa pessoa uma crosta de insensibilidade ao Espírito e às pessoas, sua consciência entra
em profundo processo de cauterização, como resultado da constância (escravidão) no pecado (1Co 11.28; 2Co 13.5; Tg 5.16; 1Jo
1.6). A conseqüência será sempre o afastamento e a rebeldia a tudo quanto se refere ao Senhor e à sua Igreja.
3 Paulo refere-se tanto aos alimentos quanto ao matrimônio; bênçãos de Deus para a humanidade, que são intrinsecamente
todas boas e saudáveis (Mc 7.15).
6 Orientando aos irmãos quanto a esses que todos possam testemunhar o teu
assuntos serás bom ministro de Cristo progresso.
Jesus, nutrido pelas palavras da fé e da 16 Tem cuidado de ti mesmo e do teu
boa teologia que tens seguido. ensino; persevera nesses deveres, pois
7 Mas rejeita as fábulas profanas e os fala- agindo assim, salvarás tanto a tua pró-
tórios dos insensatos. Exercita-te, porém, pria vida quanto a todos que te derem
na piedade. ouvidos.6
8 O exercício físico, de fato, é de algum
valor; no entanto, a piedade para tudo Recomendações aos pastores
é proveitosa, porquanto traz consigo a
promessa da vida presente e futura.
9 Esta palavra é uma afirmação digna de
5 Não repreendas o idoso com aspere-
za, mas admoesta-o como a um pai;
bem como aos jovens, como a irmãos;1
todo crédito e plena aceitação! 2 às mulheres idosas, como a mães; às jo-
10 Pois é justamente para isso que tra- vens, como a irmãs, com toda a pureza.
balhamos e lutamos, porquanto temos 3 Tratai com toda atenção as viúvas que,
depositado nossa esperança no Deus de fato, são necessitadas de ajuda.2
vivo, o Salvador de todos os homens, 4 Todavia, se alguma viúva tiver filhos
especialmente dos que crêem. ou netos, que estes aprendam primei-
11 Ordena, pois, e transmite esses ensi- ramente a colocar a sua religião em
nos! prática, zelando por sua própria família
12 Ninguém menospreze o fato de seres e retribuindo os bens recebidos de seus
jovem, mas procura ser exemplo para os pais e avós, pois isso é agradável diante
fiéis, na palavra, no comportamento, no de Deus.
amor, na fé e na pureza.4 5 A viúva realmente necessitada e sem
13 Enquanto aguardas a minha chega- amparo espera em Deus e persevera noi-
da, aplica-te à leitura, à exortação e ao te e dia em suas orações e súplicas;
ensino.5 6 no entanto, a que somente busca pra-
14 Não deixes de desenvolver o dom que zeres, embora esteja viva, na realidade
há em ti, que te foi outorgado por men- está morta.
sagem profética, com imposição de mãos 7 Ordena esses procedimentos, para que
por parte dos presbíteros. elas sejam irrepreensíveis.
15 Dedica-te plenamente ao cumpri- 8 Contudo, se alguém não cuida dos seus,
mento dessas responsabilidades, para especialmente dos de sua própria famí-
4 Timóteo tinha cerca de trinta anos quando assumiu as responsabilidades de bispo da Igreja em Éfeso. Um cargo de tamanha
importância e influência não era, normalmente, entregue a um homem tão jovem. Paulo, entretanto, o conhecia bem, e exorta
seu “filho na fé” a mostrar, por meio de um testemunho imaculado, ser um verdadeiro homem de Deus e pastor do rebanho do
Senhor (1.2; 1Pe 5.1-4).
5 A quarta viagem missionária de Paulo o levará de Éfeso à Macedônia; contudo, esperava muito em breve poder reencontrar-se
com seu discípulo amado em Éfeso (3.14).
6 É claro nas Escrituras que somente Deus tem o poder de perdoar e salvar a humanidade. Todavia, Deus aprecia capacitar os
cristãos com seu Espírito para que testemunhem de Cristo e levem a efeito a salvação (libertação) do próximo, numa demons-
tração evidente de amor e adoração ao Senhor. Somos salvos por ocasião do arrependimento pessoal de nossos pecados e,
portanto, da conversão. Entretanto, continuamos a ser salvos (santificação) à medida que nos entregamos cada vez mais aos
cuidados do Espírito de Deus e nos tornamos mais semelhantes à Imagem de Cristo (em latim, Imago Dei), em nossos pensa-
mentos e atitudes (1Co 1.18).
Capítulo 5
1 Embora a palavra “idoso”, no original grego, seja presbuteros, seu sentido aqui está relacionado a homens com mais de
sessenta anos, e não à função eclesiástica do presbítero.
2 Na época da igreja primitiva, as viúvas, assim como os órfãos, de modo geral, viviam em completo desamparo, pois a
sociedade não dispunha de mecanismos de assistência social como em nossos dias. Paulo, entretanto, faz duas observações
interessantes: a igreja deve cuidar (amparar) dos verdadeiros necessitados em seu meio, de maneira que a ninguém falte
o necessário para viver dignamente. Entretanto, adverte aos líderes cristãos para que tenham cuidado com os “falsos
desamparados”, pessoas que usam sua situação de penúria e ociosidade para viverem às custas do trabalho do próximo.
lia, este tem negado a fé e se tornou pior vem receber a ministração desse auxílio
que um descrente. por parte da igreja.
9 Portanto, deve ser inscrita na relação 17 Os presbíteros que administram bem
das viúvas apenas aquela que contar com a igreja são dignos de dobrados honorá-
mais de sessenta anos, e que tenha sido rios, principalmente os que se dedicam
esposa de um só marido, ao ministério da pregação e do ensino.4
10 cujas boas obras possam lhe servir 18 Porquanto, afirma a Escritura: “Não
de bom testemunho, tais como se criou amordaces a boca do boi quando estiver
filhos, se exerceu hospitalidade, se lavou debulhando o cereal”, e ainda, “digno é
humildemente os pés dos santos, se so- o trabalhador do seu salário”.5
correu os atribulados, e se praticou todo 19 Não aceites acusação contra um pres-
tipo de boa obra. bítero, se não houver mais duas ou três
11 Mas não inclua as viúvas mais jovens, testemunhas.
pois quando as paixões sensuais as afas- 20 Quanto aos que vivem na prática do
tam de Cristo, querem casar-se pecado, repreende-os na presença de
12 e, por violar o primeiro compromisso todos, para que os outros, de igual ma-
de fé, tornam-se condenáveis. neira, se encham de temor.
13 Mais do que isso, aprendem tam- 21 Eu te exorto solenemente, diante de
bém a ser desleixadas em relação ao Deus, de Cristo Jesus e dos anjos elei-
trabalho, perambulando de casa em tos a que procures obedecer todas essas
casa, e não somente dadas ao ócio, mas instruções sem parcialidade; e não faças
também fofoqueiras e indiscretas, co- nada por partidarismo.
mentando assuntos que não lhes dizem 22 Não imponhas as mãos precipitada-
respeito. mente sobre alguém, nem participes dos
14 Sendo assim, aconselho que as viúvas pecados dos outros; conserva-te, pois,
mais jovens se casem, tenham filhos, em pureza de vida.
administrem suas próprias casas e não 23 Por causa do teu estômago e das tuas
dêem ao inimigo nenhum pretexto para freqüentes enfermidades, não bebas
maledicência.3 somente água, mas também um pouco
15 Algumas, de fato, já se desviaram, se- de vinho.
guindo a Satanás. 24 Os pecados de alguns homens apare-
16 Se uma mulher crente tem viúvas em cem antes mesmo de serem julgados; os
sua família, esta deve cooperar com elas. de outros são descobertos depois.
Evitai que a igreja seja sobrecarregada 25 Da mesma forma, as boas obras se tor-
com o trabalho de ajudá-las. As viúvas nam evidentes, enquanto as obras más
realmente desamparadas são as que de- não podem permanecer ocultas.
3 Paulo entende que o cristão vive em constante guerra contra Satanás (o Inimigo) e seus demônios. Aqui, o apóstolo aproveita
o contexto para transmitir mediante uma palavra grega tipicamente militar, aphorme (pretexto ou brecha), a perspicácia do inimigo
em se aproveitar de toda a “oportunidade estratégica” para desferir seus ataques, especialmente contra os filhos de Deus (Rm
7.8,11; 2Co 5.12; Gl 5.13).
4 É parte vital do serviço episcopal a liderança espiritual, como modelo da congregação; a pregação do Evangelho, o ensino e
a aplicação da Palavra de Deus às necessidades dos membros da Igreja (3.2-5). Todos os presbíteros chamados para exercerem
esse ministério deveriam receber grande honra por parte da comunidade. Entretanto, aqueles cuja liderança e ensino fossem ex-
celentes, merecem “honra em dobro”, expressão que significa: completo sustento e apoio financeiro (v.18), respeito e comunhão
solidária (em grego koinõnia). Considerando que na Igreja não deve haver “maiores e mais importantes” (parcialidade), pois todos
são membros do Corpo de Cristo (Tg 2.1 – 4.4).
5 Paulo cita o AT (Dt 25.4) e o NT (Lc 10.7) para reforçar sua tese sobre a importância da Igreja assumir o sustento completo
dos pastores e ministros que dedicavam tempo integral à obra. Fica evidente também que, já nessa época, os textos canônicos
dos evangelhos, bem como outros que viriam formar o NT, e que circulavam nas comunidades cristãs juntamente com o AT, eram
reconhecidos com toda a autoridade de Escrituras Sagradas.
Recomendações aos que servem 8 por isso, devemos estar satisfeitos se tiver-
1 Aqui Paulo está abordando especificamente o comportamento dos crentes em relação ao trabalho (serviço) para com seus
patrões, considerando o sistema escravocrata da sua época. A palavra grega douloi, “servos escravos”, indica que os crentes, em
questão, “pertenciam” a mestres pagãos. Paulo vai além e afirma que mesmo os servos crentes de senhores crentes não devem
confundir a igualdade espiritual com sua desigualdade social (v.2). Evidentemente, Paulo e as Escrituras não apóiam a escravidão
nem a exploração do homem pelo homem. Entretanto, o crente (que é absolutamente livre em Cristo) deve testemunhar também
por meio do seu trabalho dedicado, de sua confiança na justiça e intervenção divina (1Co 7.20-24; Gl 3.28; Gl 4.1-7; Fm 16).
2 Paulo usa a palavra grega autarkeia, que significa “aquilo que é suficiente em si mesmo”, para indicar que os crentes são
abençoados com tudo o que necessitam para serem felizes, ainda que atravessando momentos de crise e sofrimento (2Co 9.8;
Fp 4.11). A fé humilde e resignada (piedade), aliada à satisfação em Cristo (contentamento), produz o grande lucro do crente
(At 3.6).
3 Timóteo havia recebido a vida eterna desde quando fora salvo ao confessar sua fé, por ocasião do seu batismo, durante a
primeira viagem missionária de Paulo. Contudo, Paulo o encoraja a que agora, mais maduro no Senhor, aproprie-se do segredo
de uma vida controlada e capacitada (plenitude) pelo Espírito Santo, que é a absoluta e corajosa entrega do nosso ser nas mãos
do Senhor (vv.17-19; 4.16).
4 Jesus proclamou diante das autoridades lideradas por Pôncio Pilatos que seu Reino não é deste mundo (Jo 18.36), e que
qualquer poder ou autoridade procedem exclusivamente de Deus (Jo 19.11).
5 Da mesma maneira como a primeira vinda do Senhor Jesus Cristo ocorreu, exatamente, no momento planejado por Deus
(cerca de 400 anos após o último profeta do AT), assim também seu glorioso retorno acontecerá no tempo determinado por Deus
(Gl 4.4; Ap 19.16).
inacessível a quem ninguém viu nem po- 19Dessa maneira, acumularão um valio-
de ver. A Ele sejam honra e poder para so tesouro para si mesmos, um firme
sempre. Amém! fundamento para a era que há de vir, e
assim alcançarão a verdadeira vida.
Recomendações aos ricos
17 Ordena aos que são ricos no presente Apelo final e bênção apostólica
mundo que não sejam orgulhosos, nem 20 Timóteo, guarda o tesouro que te foi
depositem a esperança na incerteza das confiado, evitando as conversas inúteis
riquezas, mas em Deus que nos concede e profanas, assim como as elucubrações
generosamente tudo o que precisamos sem fundamento que muitos chamam
para viver satisfeitos; de “saber”.
18 Orienta-os a praticarem o bem, e que 21 Ora, alguns professando tal “conheci-
sejam ricos em boas obras, sensíveis, mento” se desviaram da fé. A graça seja
solidários e generosos. convosco!6
6 Paulo chama a atenção de Timóteo para posicionar-se à frente da batalha teológica em defesa da fé. Desde tempos
imemoráveis, a verdadeira fé em Deus é considerada alvo de oposição. Na época de Paulo e da igreja primitiva, alguns dos
grandes inimigos da fé eram: falsos mestres (vv.3-4), materialismo e paixões da carne (vv.8-10), ciência falsa (v.20). A igreja
primitiva sofreu muitas baixas com os ataques do gnosticismo (expressão grega que significa “conhecimento”), corrente de
pensamento filosófico segundo a qual as pessoas podem ser salvas mediante o saber. A bênção apostólica soa como um
bálsamo de consolo e alívio às almas de todos os crentes contemplados com a divina graça da salvação em Cristo Jesus.
Propósitos
Paulo teve pelo menos três grandes motivos para escrever esta segunda missiva ao seu amado
“filho na fé”. Primeiro, de ordem pessoal, acostumado a grandes viagens e muitos relacionamentos,
agora estava fechado num pequeno calabouço, isolado de tudo e de todos. Fígelo, Hermógenes,
bem como todos os companheiros da província da Ásia, além de Demas, o haviam abandonado
(1.15; 4.10). Para complicar, os fiéis discípulos Tito e Tíquico tinham partido em viagem, e somente o
bom amigo e médico Lucas lhe fazia companhia (4.11). Por isso, o desejo intenso do velho apóstolo
era que seu “filho da fé” fosse ao seu encontro, a fim de confortar-lhe o coração nesses derradeiros
e dramáticos momentos (Rm 16.21; Fp 2.20-22; 1Co 4.17). Em segundo lugar, Paulo estava, como
sempre, preocupado com o bem-estar da Igreja do Senhor em todas as partes onde houvesse um
cristão ou um grupo de crentes reunidos em adoração sincera ao Senhor. O momento histórico era
extremamente hostil, pois Nero odiava os cristãos e seus comandados impingiam violenta perse-
guição contra a Igreja de Cristo. O conselho de Paulo a Timóteo foi no sentido de encorajá-lo a
guardar e perseverar com fé e coragem no Evangelho (1.14; 3.14), jamais cessando de pregar a
Palavra (4.2), e oferecendo a própria vida nessa missão, se assim fosse necessário (1.8; 2.3). Em
terceiro lugar, mas não em último, Paulo queria a ajuda de Timóteo para escrever aos irmãos da
Igreja em Éfeso (4.20-22).
1 Paulo, assim como os demais apóstolos, foi especialmente comissionado por Cristo para anunciar e ensinar as boas novas de
que a vida eterna está à disposição de todas as pessoas e em todo o mundo. A humanidade sem Cristo está morta (separada de
Deus eternamente), mas em Cristo a vida começa no presente e não terá fim (Gl 2.20; 1Tm 4.8; Mc 6.30; 1Co 1.1; Hb 3.1).
2 Paulo tinha especial admiração pela fidelidade de Timóteo ao Senhor. A mesma fé dedicada que sua mãe Eunice, judia
convertida a Cristo, e sua avó Lóide testemunharam, apesar do seu pai, de origem grega, ter preferido permanecer nas tradições
pagãs de seu povo (At 16.1; Fp 2.20; 1Tm 1.3,15; 4.11,16).
3 Os dons não são oferecidos aos crentes em seu pleno florescimento; é necessário que, mediante a fé, o cristão os cultive e
exercite em benefício do Corpo (a Igreja) e para a glória de Deus. Paulo usa a expressão grega original anazõpurõ, que significa
“fazer o fogo reviver das brasas” ou “reatiçar”, para incentivar seu amado e jovem discípulo a permitir que o charisma (no original
grego “dom gracioso”) de Deus fosse plenamente liberado por meio de suas palavras e atitudes. A imposição das mãos era um
ato de fé e sinal da autoridade espiritual de Paulo (1Tm 1.18).
4 Deus planejou e determinou a salvação da humanidade desde a eternidade passada (Ef 1.4; 1Pe 1.20; Ap 13.8). Em sua
onisciência e soberania conhece os seus: todos aqueles que responderem com fé ao chamamento de Cristo (Jo 1.12). Portanto,
a salvação é exclusivamente um ato da graça imensurável do Senhor, e único meio do ser humano herdar a vida eterna. Não
depende de qualquer esforço humano, mas absolutamente da realização do plano salvífico de Deus mediante o ato do sacrifício
espontâneo de seu Filho: Jesus Cristo (Rm 3.28; Ef 2.8,9; Tt 3.5). Cristo destruiu (no original grego katargeõ) completamente o
poder da morte de ser o ponto final (aniquilamento) na vida do ser humano verdadeiramente crente no Senhor.
5 Paulo usa uma metáfora bancária para explicar a segurança do nosso depósito de fé em Cristo. Nossos dividendos são o
ensino do Senhor (1Co 3.12-15) e a herança eterna (At 20.32). “Aquele Dia” se refere ao glorioso Dia do retorno de Cristo (1.18;
4.8; 2Ts 1.10), também chamado nas Escrituras de “Dia do Juízo”.
Jesus, o exemplo da sã teologia que ob- envolver em negócios da vida civil, por-
servaste em mim. quanto seu objetivo é agradar aquele que
14 Guarda o bom tesouro com a ajuda do o recrutou para a guerra.
Espírito Santo que habita em nós. 5 Da mesma forma, nenhum atleta é co-
roado como vencedor, se não competir
Paulo é abandonado por muitos de acordo com o regulamento.
15 Estás bem ciente de que todos os que 6 O lavrador que trabalha arduamente
estão na província da Ásia me abandona- deve ser o primeiro a participar dos fru-
ram, até mesmo Fígelo e Hermógenes.6 tos da colheita.
16 O Senhor conceda misericórdia à casa 7 Pensa bem sobre o que estou afirman-
de Onesíforo, porquanto, muitas vezes, do, pois o Senhor te fará compreender
ele me abençoou com ânimo e não se tudo.
envergonhou por eu estar preso; 8 Recorda-te de Jesus Cristo, ressurreto
17 pelo contrário, assim que chegou a dentre os mortos, descendente de Davi,
Roma, procurou-me com persistência segundo o meu Evangelho,2
até me encontrar. 9 pelo qual sofro a ponto de ser preso
18 O Senhor lhe conceda que, naquele como criminoso; mas a Palavra de Deus
Dia, se encontre com as misericórdias da não está algemada.3
parte do Senhor! Tu bem sabes quantos 10 Por este motivo, suporto todas as
serviços ele me prestou em Éfeso. aflições por amor dos eleitos, para que
também eles alcancem a salvação que
As batalhas por amor a Cristo está em Cristo Jesus, com glória eterna.
6 Paulo usa uma figura de linguagem (hipérbole) para enfatizar seu imenso pesar com o abandono de muitos cristãos de sua
confiança. Pessoas que se deixaram iludir e seguiram falsos mestres e suas doutrinas heréticas. Timóteo e Onesíforo estavam
em Éfeso, capital da província da Ásia (hoje parte do oeste da Turquia), e foram alguns dos poucos que permaneceram fiéis ao
Senhor e apoiando o ministério de Paulo naquele momento (v.18; 4.19).
Capítulo 2
1 Desde os tempos de Cristo, o ensino rabínico era transmitido não somente por meio de aulas teóricas, mas sobretudo pelo
“seguir ao mestre”. A esse sistema de transferência de conhecimento bíblico e vida prática com Deus se deu o nome de “discipu-
lado”, que se constituiu no principal método de crescimento da igreja primitiva.
2 A ressurreição de Jesus Cristo proclama a sua absoluta divindade. O fato de descender do rei Davi, comprova sua absoluta
humanidade. Essas duas verdades juntas são vitais para a compreensão do Evangelho. Como Cristo é Deus, sua morte e
ressurreição têm valor absoluto e eterno; por ser homem, Jesus Cristo pode, de acordo com a Lei, substituir todo aquele que crê,
na cruz do Calvário. Paulo costuma usar uma expressão grega nos originais, cujo sentido literal é: “o Evangelho de cuja pregação
estou incumbido” (Rm 2.16; 16.25).
3 Paulo usa o termo grego original kakourgos, “aqueles que praticam o mal” ou “criminosos”, para descrever a forma como
estava sendo tratado por muitos enquanto aguardava sua condenação formal e execução por parte de Roma (4.6). Esse vocábulo
só aparece em Lc 23.32,39, ao referir-se aos malfeitores crucificados ao lado de Jesus. Nero chamava os cristãos de “criminosos”
ao promover suas implacáveis perseguições contra a Igreja do Senhor.
4 Mais uma vez, Paulo se vale da letra de um hino conhecido pela igreja primitiva para enfatizar suas teses teológicas. Aqui, o
apóstolo apresenta a perseverança do crente em seguir a Cristo e a perseverança do Senhor que fundamenta a fé operosa do
cristão (firmeza na sã doutrina e fidelidade na devoção a Deus). Alguns pensadores têm confundido esse princípio de conforto,
segurança e descanso, especialmente para consciências assaltadas por contínuos sentimentos de culpa indevida (haja vista
que Cristo já pagou toda as nossas dívidas), com uma certa permissividade para a prática do pecado. Deus é fiel apesar da
infidelidade do ser humano (Rm 3.8; 11.29-32; 1Jo 3.20; Mt 10.33).
5 Paulo usa a expressão grega katastrophe (perverter), que tem o sentido de “arruinar deixando tudo de cabeça para baixo”, para
descrever uma forma primitiva de gnosticismo que começava a invadir a Igreja naqueles dias, fortemente refutada pelo apóstolo
em suas cartas aos discípulos e líderes da Igreja, Timóteo e Tito. Paulo cita dois representantes dessas idéias heréticas: Himeneu e
Fileto, pois negavam a ressurreição do corpo e afirmavam que apenas o espírito seguiria para uma outra dimensão (v.18). Erro ainda
muito comum na atualidade entre os que acreditam numa ressurreição alegórica e não literal (1Tm 1.3-11,20; 1Co 15.12-19).
6 As palavras têm poder, e as palavras dos falsos mestres corroem como câncer (em grego gangraina). Esses líderes, em geral,
saídos do convívio da própria Igreja, foram iludidos pelo Diabo e “extraviaram-se” (em grego astocheõ), isto é, literalmente: “erra-
ram o alvo” (pecaram). A Igreja é o firme fundamento de Deus. O selo representa a autenticação (Rm 4.11; 1Co 9.2). Paulo exorta
a Timóteo que reanime os crentes com a verdade de que a “pedra fundamental” tem duas inscrições: o Senhor tem santo e íntimo
convívio com os seus filhos; enquanto a outra declaração apela à responsabilidade dos crentes: afaste-se da iniqüidade! A Igreja
é propriedade de Deus e por Ele, pessoalmente, é protegida e seguirá em triunfo até o glorioso retorno do Senhor (Ef 1.13).
7 Paulo emprega a expressão grega original ekkathairõ, que significa “limpar plenamente” ou “eliminar o mal”, para admoestar
a Igreja a “expurgar” do seu meio os falsos mestres renitentes e suas heresias diabólicas, bem como estimular a que cada
cristão faça uma análise do seu próprio interior e comportamento e, “livre-se” de eventuais pecados e filosofias mundanas que,
lentamente e com o passar do tempo, tendem a se infiltrar e instalar em nossos sistemas de valores.
8 Os cristãos sinceros não devem prejudicar seu testemunho com discussões, divagações e especulações inúteis. Entretanto,
devem buscar a plenitude do Espírito e a boa formação na Palavra de Deus, a fim de estarem aptos a cooperar na recuperação
daqueles que se desviaram mas, arrependidos, desejam voltar ao saudável convívio da família de Deus.
Capítulo 3
1 O período histórico, chamado pelos autores bíblicos de “últimos dias” ou “final dos tempos”, corresponde a era messiânica,
e iniciou-se com a primeira vinda de Jesus Cristo, e se encerrará com a segunda e gloriosa volta do Senhor (At 2.17; 1Tm 4.1;
Hb 1.2; 1Pe 1.20; 1Jo 2.18).
2 O ser humano, desde a Queda (Gn 3), vem incorporando características diabólicas em seu comportamento como indivíduo
e sociedade. Paulo usa a expressão grega original philautoi, para descrever esse crescente e acentuado “amor do indivíduo
humano por si mesmo” (egoísmo). Esse senso exagerado de auto-preservação o faz cada vez mais agressivo, no original grego
blasphemoi, literalmente: “aquele que fala de modo destrutivo” (blasfemadores).
3 A mentira é uma das mais terríveis e mortais armas do Diabo, tanto que a expressão “caluniadores” vem do termo grego
original diaboloi, que significa “lançadores de mentiras” ou “diabos”. A expressão grega anemeroi refere-se ao estado das
pessoas depois da Queda (Gn 3): selvagens, rudes, violentas.
4 O ser humano aprendeu a falsificar suas mais profundas e reais intenções. O vocábulo grego morphe, usado aqui por Paulo,
descreve o comportamento de certas pessoas que apenas ostentam “a forma” (aparência) de cristãs e piedosas, mas seus
corações não foram realmente convertidos a Deus; seus interesses não são celestes e suas atitudes são ardis, com o objetivo de
levar vantagens pessoais sem qualquer amor genuíno por Cristo e pelo próximo.
5 Janes e Jambres são homens que não foram citados nos textos canônicos do AT. Entretanto, segundo a tradição judaica, es-
pecialmente no Targum de Jônatas, que interpreta Êx 7.11, eram feiticeiros (magos) da corte egípcia que se opuseram a Moisés.
6 Paulo esteve ministrando em Antioquia, Icônio e Listra, três cidades da província romana da Galácia que o apóstolo visitou
durante suas duas primeiras viagens missionárias (At 13.15 – 14.23; 16.1-6). Considerando que Timóteo era natural de Listra,
devia conhecer bem de perto os sofrimentos de Paulo na região, bem como os milagrosos livramentos do Senhor concedidos
ao seu pai espiritual (At 14.19,20).
7 Conforme a tradição judaica, os meninos começavam a ser instruídos formalmente no AT quando chegavam aos cinco
anos de idade. Timóteo começou a ser ensinado em casa por sua avó Lóide e sua mãe Eunice, bem antes de completar essa
idade (v.5).
8 Paulo assevera que o AT, bem como as porções do NT que já circulavam em sua época, são todas páginas infalíveis, escritas
por autores escolhidos, cada qual com sua personalidade, história de vida e estilo, porém todos plenamente supervisionados pelo
Espírito de Deus na produção dos manuscritos originais (1Tm 5.18; 2Pe 1.20,21; 3.15,16).
Pregar a Palavra com sabedoria derá naquele Dia; e não somente a mim,
4 Eu te encorajo solenemente, na pre-
sença de Deus e de Cristo Jesus, que
há de julgar os vivos e os mortos, por
mas certamente a todos os que amarem
a sua vinda.
ocasião da sua manifestação pessoal e Recomendações finais
mediante seu Reino: 9 Procura vir ao meu encontro o mais
2 Prega a Palavra, insiste a tempo e fora depressa possível.
de tempo, aconselha, repreende e enco- 10 Porquanto Demas, havendo amado
raja com toda paciência e sã doutrina.1 mais o mundo secular, me abandonou e
3 Porquanto, chegará o tempo em que se foi para Tessalônica. Crescente foi para
não suportarão o santo ensino; ao con- a Galácia, e Tito, para a Dalmácia.3
trário, sentindo coceira nos ouvidos, 11 Somente Lucas está comigo. Toma a
reunirão mestres para si mesmos, de Marcos e traze-o contigo, pois ele me é
acordo com suas próprias vontades. de grande auxílio para o ministério.4
4 Tais pessoas se recusarão a dar ouvidos 12 Mandei Tíquico para Éfeso.5
à verdade, voltando-se para os mitos. 13 Quando vieres, traze-me a capa que
5 Tu, no entanto, sê equilibrado em tudo, deixei em Trôade, na casa de Carpo, e os
suporta os sofrimentos, faze a obra de livros, principalmente os pergaminhos.6
um evangelista e cumpre teu ministério. 14 Alexandre, que trabalha com bronze,
prejudicou-me severamente; o Senhor
Paulo antevê seu martírio com certeza lhe retribuirá conforme as
6 Quanto a mim, já estou sendo derra- suas atitudes.
mado como vinho na oferta de libação. 15 Tenhas muita cautela com ele, pois se
O momento da minha partida se apro- opôs fortemente às nossas palavras.
xima.2 16 Na minha primeira defesa, ninguém se
7 Combati o bom combate, completei a fez presente para me ajudar; pelo contrá-
corrida, perseverei na fé! rio, todos me desampararam. Contudo,
8 Agora me está reservada a coroa da jus- que isto não lhes seja imputado em
tiça, que o Senhor, justo Juiz, me conce- juízo.
1 Mais do que um apelo, Paulo está encarregando oficialmente seu discípulo amado a dar seqüência à sua missão, pois antevê
que seu tempo na terra se abrevia, e o juízo final se aproxima (Rm 2.16; At 17.31). O servo do Senhor deve estar sempre alerta
e pronto para responder com a Palavra as mais variadas necessidades da humanidade: conselhos para livrar do erro (apelo à
razão); repreensão espiritual (apelo à consciência) e encorajamento (apelo à vontade). Todas manifestações do ministério de
“exortar” (no original grego parakaleõ). O mesmo ministério exercido pelo Espírito Santo (Paracleto) na vida do crente.
2 Paulo faz uma comparação entre seu sangue que está para ser derramado, por conta da sua iminente execução sob o juízo
de Roma, e a tradição judaica da cerimônia da oferta de libação, quando se derramava vinho puro ao redor do altar do sacrifício
(Nm 15.1-23; 28.7,24). O apóstolo está confiante e honrado em servir ao Senhor e oferecer a sua própria vida em oferta a Cristo
(Fl 1.23; 2.17).
3 Demas foi cooperador de Paulo (Cl 4.14), mas desviou-se da sã doutrina e abandonou o apóstolo. Crescente só é menciona-
do aqui em todo o NT. Tito, discípulo de Paulo, foi em missão para a Dalmácia, região onde hoje se encontra a Albânia. Também
conhecida nas Escrituras como Ilírico (Rm 15.19). Esse momento marca a conclusão da obra de Tito em Creta e o início da
evangelização na costa leste do mar Adriático (Tt 1.5).
4 João Marcos preferiu não acompanhar Paulo e Barnabé na primeira viagem missionária (At 13.13). Mais tarde, Barnabé levou
Marcos consigo numa missão em Chipre, já que Paulo não quis levá-lo em sua segunda viagem missionária (At 15.36-41). Com
o passar do tempo, Marcos comprovou sua vocação missionária e sua sincera amizade por Paulo ao permanecer ao seu lado,
durante o primeiro encarceramento do apóstolo em Roma (Cl 4.10; Fm 24). Agora, Paulo pede a Timóteo que traga Marcos
consigo, pois ele lhe será muito útil em Roma.
5 Tíquico também foi companheiro de Paulo em sua primeira prisão em Roma, procedente da província da Ásia (At 20.4), e
portador das cartas aos Efésios (Ef 6.21) e aos Colossenses (Cl 4.7).
6 Os livros eram produzidos de papiro (grande erva própria das margens alagadiças do rio Nilo, da qual se produzia uma espécie
de papel). Muitos documentos e textos bíblicos foram escritos sobre pergaminhos, feitos de peles de animais, especialmente de
cabras (Êx 17.14). Paulo dedicava-se ao estudo do AT. Carpo é mencionado apenas aqui, em toda a Bíblia.
7 Considerando que Paulo, sendo cidadão romano, não podia ser lançado aos leões no anfiteatro, como era costume condenar
os cristãos judeus e de outras nacionalidades, esse foi o modo figurado encontrado pelo apóstolo para comunicar à Igreja que a
primeira audiência não resultou num veredicto condenatório. Paulo aproveitou seu tempo de prisão em Roma para evangelizar e
discipular um grande número de romanos, particularmente oficiais militares e membros da corte imperial (At 28).
8 Paulo aqui se refere ao livramento espiritual e não físico, pois estava certo de que sua morte se daria em breve pelas mãos de
Nero, certamente um dos mais terríveis anticristos da história (1Pe 5.8; Sl 7.2; 35.17). Contudo, não estava abatido, mas seguro e
feliz por ter feito seu melhor para o Senhor, vencido a batalha da vida cristã e estar preparado para receber a coroa de vencedor
com Cristo (vv.7,8).
9 Prisca (nome próprio, cujo diminutivo era Priscila) e Áquila sempre foram hospitaleiros, grandes amigos de Paulo e missioná-
rios de Cristo, para onde quer que levassem suas tendas (At 18.2,18; 19.22; Rm 16.3).
10 Segundo Irineu e a tradição dos pais da igreja, Lino foi o primeiro bispo de Roma, depois da morte de Pedro e Paulo.
11 Assim como no final de 1Tm, Paulo se preocupa em deixar registrada uma expressão de bênção a todos quantos pudessem
ler e ouvir o conteúdo das suas cartas. Todavia, o apóstolo faz questão de dedicar uma palavra de particular encorajamento a
Timóteo, seu filho na fé em Cristo.
1 Em todas as suas cartas, Paulo se denomina “servo de Cristo”, somente aqui ele se apresenta como “servo de Deus” (Rm
1.1; Gl 1.10; Fp 1.1). No AT, o vocábulo “eleito” é usado originalmente para designar a “escolha” de Israel e a determinação de
sua missão no mundo; no NT, refere-se à posição e missão dos crentes em Cristo: salvos para proclamar o Salvador (Rm 8.33;
Cl 3.12; 2Tm 2.10; 1Pe 1.1).
2 Paulo costumava chamar seus discípulos mais fiéis a Cristo de “filhos espirituais”. Tito, assim como Timóteo e Onésimo, foram
convertidos mediante o ministério do apóstolo (1Tm 1.2; Fm 10).
3 Paulo e Tito já haviam ministrado juntos em Creta. Em sua viagem a Roma, como prisioneiro a ser julgado pelo Império, Paulo
teve a oportunidade de visitar Creta brevemente (At 27.7,8). Como não houve tempo suficiente para organizar a Igreja em Creta,
agora Paulo se preocupa em constituir supervisores e encorajadores espirituais para pastorearem a comunidade local de cristãos,
conforme seu procedimento habitual (At 14.23).
4 Paulo utiliza, nos originais gregos, as palavras “presbítero” e “bispo” de forma intercambiável (At 20.17,28; 1Pe 5.1,2). O
vocábulo “presbítero” está mais ligado às qualificações (maturidade e experiência), ao passo que “bispo” tem mais a ver com as
responsabilidades pastorais (zelar com carinho do rebanho de Deus).
5 Aqui, Paulo usa uma expressão bem forte no original grego “calar”, cujo sentido refere-se a um tipo de mordaça usada para
manter fechada a boca de cães ferozes.
6 Paulo cita uma frase de Epimênides, um pensador e poeta, natural de Cnossos / Creta (séc. VI a.C.), muito apreciado pelos
cretenses, especialmente pelo fato de muitas de suas predições se cumprirem fielmente. Mais tarde, a expressão “cretanizar” foi
incorporada à literatura grega para designar o ato sortido de “mentir”.
nem a mandamentos de homens que se 4 Dessa forma, estarão aptas para orien-
desviam da verdade.7 tar as mulheres mais jovens a amarem
15 Para as pessoas puras, tudo é puro; no seus maridos e seus filhos,
entanto, para os corrompidos e descren- 5 a serem equilibradas, puras, dedicadas
tes, nada é puro; pelo contrário, tanto a aos seus lares, a cultivarem um bom
razão quanto à consciência deles estão coração, submissas a seus maridos, a
pervertidas.8 fim de que a Palavra de Deus não seja
16 Eles afirmam que conhecem a Deus, difamada.
mas por meio das suas atitudes o negam; 6 Exorta de igual modo os jovens para
e por isso são abomináveis, insubordina- que tenham bom senso.
dos e desqualificados para qualquer boa 7 Que o teu modo de agir seja exemplar
obra.9 em tudo; na teologia, mostra integrida-
de, sobriedade,
Orientações a Tito e à Igreja 8 linguagem sadia e irrepreensível, para
7 A comunidade cristã estava sendo atacada por falsas teologias provenientes de vários grupos: os “da circuncisão”, que assim
como os de Gl 2.12, pregavam que os cristãos deviam também guardar todos os regulamentos rabínicos da Lei, a fim de que
fossem salvos e santificados. Outros, ensinavam histórias judaicas não-bíblicas e se preocupavam em localizar a posição de cada
indivíduo e família na árvore genealógica dos judeus até Abraão (1Tm 1.4). Além desses, ainda havia os ensinos ascetas dos que
faziam acepção quanto a alimentos e tudo quanto Deus declarara bom para o ser humano (1Tm 1.6). A Igreja estava sendo levada
por um turbilhão de idéias legalistas e gnósticas. E Paulo exorta a Tito, assim como havia pedido a Timóteo, para que pregasse
a “sã doutrina” (expressão que aparece oito vezes, exclusivamente nas cartas pastorais, e tem a ver com a teologia bíblica), com
toda sabedoria e amor cristão (1Tm 2.21,22; Tt 2.1).
8 As coisas materiais, em si mesmas, não têm o poder de contaminar, purificar ou abençoar ninguém. A pureza e a verdade são
assuntos relacionados ao espírito e à consciência e não ao ritualismo (Lc 11.41; Mc 7.15; Rm 14.20).
9 Os falsos mestres sempre são reprovados na prova da conduta pessoal. Por isso, Paulo se preocupava em ter uma
consciência pura para com Deus e exortava aos demais discípulos de Cristo e líderes espirituais para que se aprofundassem no
conhecimento da verdade, cujo fruto é: piedade e um notável equilíbrio entre teologia bíblica e prática de santidade.
Capítulo 2
1 O mundo atual tem incentivado as pessoas mais velhas a darem vazão aos seus sonhos reprimidos do passado, deixando
de lado cônjuge, filhos e netos, e pensando mais em se fazerem felizes, como numa espécie de volta à juventude. Paulo,
entretanto, ensina que as pessoas mais velhas, tanto no tempo de vida, quanto na experiência cristã, devem ser exemplos morais
e espirituais; responsáveis e sensatas.
2 Paulo deixa claro que os mesmos padrões morais exigidos dos homens cristãos eram também requeridos das mulheres crentes.
A calúnia (mentira) e a ingestão exagerada de bebidas alcoólicas (especialmente do vinho) eram vícios típicos, principalmente entre
as mulheres cretenses. Paulo exorta as mulheres, com mais tempo de vida cristã, a serem “reverentes”, expressão original grega hie-
roprepeis, cujo sentido literal é “próprias para o templo”, isto é, “mulheres idôneas e dedicadas à vida religiosa, como sacerdo-tisas”.
Paulo usa aqui um termo mais forte do que em 1Tm 3.6, em relação à dependência alcoólica (como na expressão literal “escravizadas
ao vinho”, por exemplo), devido ao deprimente estado de corrupção moral que campeava na ilha de Creta naquele momento.
3 Paulo lança mão de uma expressão da literatura grega kosmeõ, que era usada para descrever o bom gosto em se “dispor
às jóias”, para comunicar aos seus leitores que o bom comportamento cristão faz reluzir no mundo a beleza do Evangelho. Os
escravos nas sociedades dominadas pelo Império Romano não possuíam qualquer direito legal, e suas vidas ficavam totalmente
à mercê da vontade dos seus donos. O termo grego “senhores”, neste contexto, originou a palavra portuguesa “déspota”, que
indica a autoridade absoluta de um “dono” sobre seu escravo.
4 A graça de Deus está à disposição de todas as pessoas, mas nem todas a desejam (Jo 1.12). Paulo resume o efeito que a
graça divina devia ter sobre todos os crentes, promovendo a rejeição da impiedade e incentivando o desenvolvimento de uma
vida mais santa e de acordo com as orientações do Espírito Santo. Assim como a profissão de fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus,
deve ser acompanhada de um viver diário piedoso rumo à plenitude espiritual (vv.11-24). A conduta certa deve estar alicerçada
sobre a teologia certa (Rm 5.6-10; Ef 2.8-10).
5 A palavra “remir” no original grego é lutroõs, que tem o profundo significado de “resgatar”, isto é, “libertar um escravo median-
te o pagamento de alta fiança”. Paulo junta essa rica expressão ao fato de haver Cristo, pessoalmente, pago tal fiança com sua
morte na cruz do Calvário, para nos comunicar o conceito teológico da “expiação substitutiva” (1Tm 2.6; Mc 10.45).
Capítulo 3
1 O termo usado aqui, originalmente em grego, para descrever o amor de Deus pelos homens é philanthrõpia.
2 Na igreja primitiva, costumava-se aplicar admoestações e repreensões em particular (At 20.31) ou censuras públicas (2Ts
3.15; 1Tm 1.20), conforme cada caso. Em relação aos oficiais da Igreja, além dos procedimentos de praxe (Mt 18.15-17), era
comum afastar o pecador renitente de suas atribuições ministeriais por um período de 30 dias, com vistas à sua restauração, a
exemplo do que era feito nas sinagogas na punição aos rabinos faltosos. Caso, após esses cuidados, não houvesse uma visível
mudança de comportamento, então, declarava-se a “excomunhão” (banimento da comunhão da Igreja).
3 Paulo, nesse momento, estava livre do seu primeiro aprisionamento pelos romanos, e, portanto, podia planejar suas viagens
ministeriais antes da segunda e derradeira prisão em Roma. A cidade de Nicópolis, que significa “cidade da vitória”, ficava no
litoral oeste da Grécia.
4 Paulo usa a expressão grega original nomikos, que significa simplesmente “jurista”, para identificar seu possível advogado,
especializado nas leis romanas. Certamente não era um escriba judeu convertido, pois o nome Zenas não é hebraico.
Propósitos
Logo após a tradicional saudação com ações de graça ao Senhor, pela fé e o amor fraternal ope-
rante de Filemom, Paulo eleva uma prece a Deus pedindo que Filemom cresça ainda mais na graça
de Cristo, e chega ao propósito desta carta.
Filemom havia abraçado a fé cristã e demonstrado um testemunho notável na cidade. Como tantos
outros cidadãos de Colossos, Filemom era senhor de escravos (Cl 4.1; Ef 6.5).
Onésimo, um escravo pertencente a Filemom, havia fugido de seu proprietário, depois de
aparentemente ter cometido um furto. Onésimo conseguiu fugir para a grande metrópole de Roma,
onde acabou se encontrando com Paulo, que lhe ministrou o Evangelho e o ajudou a receber a
graça da salvação em Cristo. Uma vez crente e fortalecido na fé, Onésimo é enviado por Paulo de
volta ao seu senhor com essa carta pessoal de recomendação em seu benefício. Paulo apela ao
coração transformado e santificado de Filemom para que não apenas recebesse um escravo fugitivo
sem as tradicionais punições da época, mas, sim, com generoso perdão, próprio daqueles que
receberam a graça da salvação em Cristo. Por outro lado, Onésimo deveria se entregar ao serviço
do seu senhor com toda a lealdade e dedicação, igualmente próprias dos que amam ao Senhor e
em nome de Cristo testemunham ao mundo com suas vidas regeneradas e santas. Onésimo não
era mais um “escravo forçado e humilhado em sua vontade”, mas “um servo voluntário e caríssimo
irmão em Cristo”. Paulo se dispõe a ser o fiador idôneo desse novo contrato (aliança), e adianta que
sua confiança na conversão genuína de Onésimo era tão grande que arcaria pessoalmente com
qualquer prejuízo que eventualmente o “ex-escravo” tivesse causado a Filemom.
Essa história verídica do senhor Filemom e seu escravo Onésimo vem proporcionando à Igreja de
todas as épocas uma profunda ilustração da doutrina evangélica da redenção.
1 Paulo, inspirado pelo Espírito de Deus, escreve esta pequena carta (por volta do ano 61 d.C.), seguindo os principais preceitos
da diplomacia grega: Em seu apelo a Filemom, cristão da cidade de Colossos e dono de muitos escravos (Cl 4.1; Ef 6.5). Paulo
não se apresenta como “apóstolo”, como normalmente fazia, mas simplesmente como “prisioneiro ou algemado no serviço
de Cristo”, criando empatia e fazendo com que sua abnegação seja um exemplo a Filemom. Paulo estava perto do fim de seu
primeiro aprisionamento em Roma. Um líder cristão somente pode apelar ao sacrifício ou consagração dos seus seguidores, à
medida em que ele próprio está disposto a dar sua parcela de contribuição pessoal.
2 Embora Paulo escreva esta carta em companhia de Timóteo, ele prefere usar a primeira pessoa a fim de enfatizar o grau de
pessoalidade e intimidade das solicitações. Filemom era dono de Onésimo que havia fugido, mas agora, convertido ao Senhor,
desejava cumprir com suas obrigações espirituais, morais e sociais, a fim de proclamar seu bom testemunho cristão. Arquipo era
ministro da Igreja em Laodicéia e filho de Filemom com Áfia (Cl 4.9-17). Paulo vivia em oração por seus discípulos e pela Igreja
(Fp 1.3,4,13; Ef 3.1; Cl 1.1).
3 A fé tem três expressões aqui: fidelidade a Cristo e aos irmãos; confiança no Senhor e em seu amor providencial; amor na
forma de ações práticas, especialmente pelos crentes (Jo 8.31; 7.17; 10.38; Hb 13.15,16; Cl 1.10).
4 A palavra “coração” é o correspondente mais próximo à expressão original grega que se traduziria literalmente por “intes-
tinos”, pois se tratava da parte do corpo que, na cultura helênica daquela época, refletia os sentimentos mais íntimos do ser
humano. Isso ocorria por simples comparação entre certos eventos emocionais e uma espécie de “frio na barriga” provocado
por eles (vv.12, 20).
5 Paulo faz um interessante jogo de palavras baseado no significado do nome Onésimo (em grego Útil), com o firme desejo
de servir “em singeleza de coração” (Cl 3.22,23). Paulo o considerava um filho amado, como Timóteo e Tito (1Tm 1.2; Tt 1.4).
Filemom, por causa da sua confiança em Cristo, deveria receber Onésimo como um irmão querido (v.16).
6 Os apóstolos e mestres tinham o direito de ser remunerados pelo tempo dedicado ao ensino de seus discípulos (v.19; Rm
15.27). Assim, Paulo tinha todo o direito de cobrar por seu ministério junto a Filemom e sua casa. O valor seria o suficiente para a
compra da escritura de posse de Onésimo (às vezes, homens de negócios, compreendem melhor um argumento bem racional e
a fim de que pudesses reavê-lo agora e receber de ti algum favor por estarmos
para sempre, no Senhor. Reanima o meu coração em
16 não mais na condição de escravo; ali- Cristo!
ás, muito melhor do que escravo, como
irmão amado, particularmente por mim, Solicitações finais e bênção
e ainda mais por ti, tanto amigo pessoal, 21 Escrevo-te na certeza de que me aten-
quanto como cristão!7 derás, confiante de que farás ainda mais
17 Assim sendo, se me consideras um do que te peço.
irmão no Senhor, recebe-o como rece- 22 Além disso, prepara-me hospedagem,
besses a mim mesmo. pois espero que por meio das vossas ora-
18 Contudo, se ele te causou algum pre- ções serei levado de volta a vós.
juízo ou te deve qualquer coisa, lança 23 Epafras, meu companheiro de prisão
todo o custo na minha conta.8 em Cristo Jesus, envia-te saudações,
19 Eu, Paulo, escrevo estas palavras de pró- 24 assim como Marcos, Aristarco, Demas
prio punho: eu o pagarei para não men- e Lucas, meus colaboradores. A graça do
cionar que tu me deves a tua própria vida. Senhor Jesus Cristo seja com o Espírito
20 Sim, amado irmão, eu gostaria de de todos vós!
matemático), mas o apóstolo não o obriga. Prefere dar seu exemplo sobre administração cristã (mordomia), em que o cristão tem
a obrigação de dar; mas Deus só aceita aquilo que for oferecido de livre e boa vontade (2Co 9.7).
7 Devido às condições políticas e sociais impostas pelo Império Romano, Onésimo não deixaria de ser escravo, porém não
seria mais tratado simplesmente como um criado, tampouco serviria somente sob os regulamentos da lei, mas como “irmãos
amados em Cristo”. Tanto o patrão quanto o servo teriam prazer em cooperar um com o outro para louvor do nome do Senhor
(Cl 3.11).
8 Martinho Lutero (1483-1546), teólogo reformador alemão, ligado à ordem dos agostinianos e professor de teoria bíblica em
Wittenberg, em 1510, ao visitar Roma ficou horrorizado com o estado de corrupção e imoralidade do clero e da corte papal. No dia
13 de fevereiro de 1517, afixou na porta principal do palácio ducal de Wittenberg suas 95 teses contra a cobrança de indulgências.
Em 1520, mediante a bula Exsurge Domine, ele foi excomungado. Perseguido pelo clero, refugiou-se no castelo de Warburg,
pertencente a seu amigo Frederico de Saxônia. Dedicou-se à tradução da Bíblia para o idioma alemão, e ao ler esse texto de Paulo
afirmou: “O que Jesus Cristo fez em nosso benefício diante de Deus, o Pai, Paulo fez a favor de Onésimo diante de Filemom”. Em
1524, abandona sua ordem católica e casa-se com a ex-freira Catarina von Bora. Tiveram seis filhos naturais e quatro adotivos.
Lutero costumava dizer que “o casamento é uma escola muito melhor para o caráter do que qualquer monastério”.
Propósitos
Muito mais fácil de determinar do que a autoria de Hebreus, mas não menos difícil de compre-
ender em toda a sua amplitude, são os propósitos e o conteúdo temático desta carta endereçada
especialmente aos judeus (hebreus) convertidos a Cristo, que faziam parte da Igreja na Itália (13.24;
Rm 15.26), mas que estavam sendo tentados a voltar aos rudimentos da Lei e do judaísmo místico.
Alguns mestres judeus estavam pregando uma doutrina herética que não combatia diretamente a
mensagem cristã, mas procurava judaizar o evangelho (Gl 2.14; At 6.7).
O prefácio do livro já afirma categoricamente o caráter distintivo do Filho de Deus. Cristo é antes
da História, e a própria razão da História. Jesus é o agente que produz a única plena purificação dos
pecados derivados do coração humano, da Queda (Gn 3), e cometidos na História. Jesus Cristo é a
suprema revelação de Deus (1.1-3).
Portanto, o tema central de Hebreus é a supremacia e suficiência de Cristo, completando e ultra-
passando em muito a revelação preliminar e limitada concedida aos homens por meio do Antigo
Testamento. Por este motivo, todas as revelações, promessas e profecias do AT são perfeitamente
cumpridas somente na “Nova Aliança” ou “Novo Testamento”, nos quais a pessoa de Jesus, por cau-
sa da sua obra redentora, é o único e suficiente Mediador entre Deus e a humanidade. Muito superior
aos anjos, a Moisés (mediador da Antiga Aliança) e a todos os profetas do AT (1.4-14). Segundo
vários exegetas e estudiosos dos manuscritos gregos de Hebreus, esta carta poderia também ser
1 A “antigüidade” é um termo que indica a era anterior à primeira vinda de Jesus Cristo, em contraste com “nestes últimos dias” (v.2),
que se referem à era messiânica (ou período escatológico) inaugurada com a encarnação do Senhor (At 2.17; 1Tm 4.1; Jo 2.18). A ex-
pressão “Deus falou” é mais uma confirmação de que seu Espírito Santo é o supremo autor-inspirador dos escritores do AT e do NT.
2 Jesus Cristo, o Filho primogênito de Deus, é o herdeiro de todo o Universo e da eternidade (Ef 1.20-23; Rm 8.17). Cristo é
a Palavra, o agente da Criação (Jo 1.1-3; Cl 16.3). Ele é o resplendor da glória de Deus; assim como a luz do sol não pode se
separar do próprio sol, semelhantemente, o esplendor do Filho é inseparável da deidade, porquanto ele mesmo é Deus, como
segunda pessoa da Trindade (Jo 1.5-18). Jesus não é uma simples imagem ou anjo de Deus, mas a materialização exata da
pessoa de Deus (Jo 14.9; Cl 1.15). Cristo não pode ser comparado a qualquer outro deus, como imaginavam os gregos em
relação a Atlas, que, segundo a mitologia, tinha o poder de carregar o mundo nas costas. O Filho de Deus mantém sob seu
controle todo o macro e micro universo (Cl 1.17). Somente podia sentar-se ao lado direito do rei alguém por ele determinado e
investido da sua autoridade, pois esse ato normalmente indicava o seu sucessor ao trono, tradicionalmente seu filho escolhido. Ao
ser conduzido à direita do Pai, Jesus Cristo completou a obra da redenção, e hoje governa ativamente com Deus, como Senhor
absoluto do Universo (v.13; 8.1; 10.12; 12.2; Ef 1.20; Cl 3.1; 1Pe 3.22; Mc 16.19).
3 A maioria dos hebreus (povo semita do AT que deu origem aos judeus) acreditava que os anjos eram seres celestiais e
exaltados, que deviam ser reverenciados por terem participado da entrega da Lei de Deus ao povo no monte Sinai (2.2); sendo
essa Lei a suprema revelação de Deus para os judeus. Vários textos antigos, descobertos no monte Qunram e conhecidos
como os Rolos do Mar Morto, revelam a expectativa de muitos hebreus de que o arcanjo Miguel seria o grande líder do reino
messiânico e, nesse caso, alguns anjos ocupariam uma posição acima de Cristo. O escritor desse livro contesta veementemente
essa possibilidade, lembrando aos seus leitores, entre outras coisas, o fato de que o nome, para a cultura judaica, comunica o
caráter completo da pessoa. Portanto, o trecho que se segue nos revela que esse Nome era “Filho”, nome que deve ser adorado
por todo o Universo, o qual nenhum anjo pode ostentar (Gn 17.5; vv.5-14).
4 O Sl 2.7 é citado também em At 13.33, demonstrando o cumprimento perfeito da vontade de Deus na ressurreição do seu
Filho, Jesus (Lc 1.32,33; Rm 1.4; 2Sm 7.14).
5 Os próprios anjos declaram que Jesus Cristo é o Senhor e o adoram (Dt 32.43 – de acordo com a Septuaginta e os Rolos do
Mar Morto – Cl 1.15; Sl 97.7). Essas declarações, que no AT se referem a Yahweh (o nome impronunciável de Deus no AT), aqui
são aplicadas a Cristo, o que se constitui em mais uma indicação clara da sua absoluta divindade.
6 O autor de Hebreus cita a Septuaginta (tradução grega do AT), por ser a tradução das Escrituras que a geração dos judeus
de sua época mais conhecia, pois muitos palestinos já não sabiam ler o hebraico antigo (Sl 104.4).
como roupas serão trocados; mas, Tu és de sinais, Deus testemunhou feitos por-
imutável, e os teus dias não terão fim”.7 tentosos, diversos milagres e dons do
13 Ora, a qual dos anjos Deus alguma vez Espírito Santo, distribuídos conforme
declarou: “Senta-te à minha direita, até a sua vontade.4
que Eu faça dos teus inimigos um estra- 5 Porquanto, não foi aos anjos que Deus
do para os teus pés”? sujeitou o mundo vindouro, a respeito
14 Não são todos os anjos, espíritos do qual estamos falando.5
ministradores, enviados para servir em
benefício dos que herdarão a salvação?8 Cristo é feito à nossa semelhança
6 No entanto, alguém em certa passa-
Jamais negligenciar a salvação gem testemunhou, afi rmando: “Que é
7 O autor cita mais algumas passagens do AT que sugerem a divindade do Rei messiânico e davídico, reafirmando a superiori-
dade de Jesus, o Filho de Deus, sobre todos os anjos (Sl 45.6,7; 102.25-27).
8 O autor de Hebreus faz questão de aplicar os textos do AT dirigidos a Yahweh (Iavé) à pessoa de Jesus Cristo, o Filho. O
Salmo 110 é citado várias vezes, sempre aplicado a Jesus (3.13; 5.6,10; 6.20; 7.3-21; 8.1; 10.12,13; 12.2). O autor destaca: Cristo,
o Filho de Deus, reina; os anjos ministram como missionários celestes, enviados para servir aos escolhidos.
Capítulo 2
1 A expressão grega original, aqui traduzida pela palavra “desviemos”, tem o sentido literal de: “sermos levados por uma forte
correnteza”.
2 O autor de Hebreus refere-se à participação dos anjos na entrega da Lei a Moisés no Sinai (Dt 33.2 – “miríades de santos”
– Sl 68.17; At 7.38,53; Gl 3.19).
3 Os cristãos hebreus, principais destinatários deste livro, estavam negligenciando a comunhão da Igreja (koinonia) e dos
cultos (10.25), por acreditarem que Jesus estava demorando muito para retornar. O autor de Hebreus afirma que as testemunhas
oculares, sobretudo os apóstolos, foram os primeiros a confirmar a Mensagem proclamada por Cristo (2Pe 1.16; 1Jo 1.1). Ele,
entretanto, não reivindica alguma revelação direta do Senhor. Mas defende a nossa Salvação em Jesus Cristo, o Filho Unigênito
de Deus, com raro entusiasmo e conhecimento cristológico das Escrituras.
4 Deus fez questão de confirmar a chegada do Evangelho e seu Reino por meio de atos sobrenaturais e prodigiosos, como a
cura de milhares de enfermos (At 3.7-16) e a distribuição de diversos dons espirituais, em benefício ao seu Corpo (a Igreja), de
acordo com seus planos e propósitos (1Co 12.4-11).
5 O autor de Hebreus faz uma exposição cristológica do Salmo 8.4-6, demonstrando a superioridade absoluta de Cristo sobre
os mais altos anjos. Usa o termo grego oikoumenen, para comunicar a idéia “da sociedade organizada pelos seres humanos”,
ou seja, “o mundo”. Ao tomar sobre si a natureza humana e cumprir plenamente sua missão na terra, de acordo com o plano do
Pai, Cristo redimiu o ser humano caído e arrependido, não os anjos caídos (vv.11,14). O novo mundo será governado por Cristo,
juntamente com todos os cristãos (2Tm 2.12).
6 O texto sagrado de Sl 8.4-6 era bem conhecido pelos hebreus e contempla a pessoa de Adão, como o precursor da
humanidade. A ele, Deus confiou o poder sobre tudo o que havia na terra (Gn 1.26). O propósito de Deus era que o ser humano
fosse soberano no âmbito das criaturas, sujeito somente ao Senhor. Todavia, por causa da Queda (Gn 3), esse objetivo de
Deus ainda não foi completamente realizado. De fato, o próprio homem está “escravizado” pelo pecado, que é a morte (v.15), e
somente em Cristo pode ser salvo (liberto).
7 O Sl 8 refere-se aqui à pessoa do Messias, o Senhor Jesus, como o precursor do domínio humano restaurado sobre a terra.
Por causa da sua vida de amor e obediência ao Pai, seu sacrifício vicário na cruz e sua exaltação (1Co 15.45), tornou possível ao
homem perdoado e redimido o cumprimento das promessas do Sl 8 no Reino que se estabelecerá plenamente no futuro.
8 A expressão grega original archegőn, aqui traduzida por “Autor”, tem o sentido literal de: “Iniciador”. Cristo é o condutor dos
descendentes de Adão à glória que Deus planejou para a humanidade. Foi por intermédio da sua paixão pessoal – a Deus e à
humanidade – que Jesus pode se tornar nosso perfeito e único Salvador, o Messias (v.18; At 3.15; 5.31; Hb 12.2).
9 Na “Congregação”, um dos sinônimos da palavra Igreja (em grego ekklesia), só podem participar, como membros, os
“irmãos” de Cristo. Os filhos de Deus foram outorgados ao Filho do Pai como “irmãos” (v.11), participantes da natureza de Cristo
mediante o Espírito Santo (v.14). O autor de Hebreus cita o Sl 22, salmo de Davi (escrito há mais de mil anos antes da crucificação
de Jesus), e que se refere profeticamente aos sofrimentos e ao triunfo de Jesus Cristo, o Servo Justo de Deus, o Messias.
10 Satanás tem o “poder da morte” somente no sentido de “poder induzir” a humanidade ao pecado; desviar as pessoas do
Caminho que conduz a Deus: Jesus Cristo, e, conseqüentemente, relegar o ser humano incrédulo a uma condição de punição
inevitável, que é o eterno afastamento da presença de Deus: a morte (Ez 18.4; Rm 5.12; 6.23). Entretanto, a graça salvadora de
Deus está – neste momento – à disposição de todos os seres humanos que desejarem sinceramente recebê-la por meio da fé
em Cristo Jesus (Jo 1.12,13).
11 Aos anjos caídos (demônios) e ao próprio Satanás, não será concedida qualquer benevolência ou graça salvadora.
Todos esses espíritos do mal já estão condenados à punição máxima e eterna. Somente aos descendentes de Adão (os seres
humanos), que ao serem contemplados pela graça de Cristo, reconhecerem que andaram contra a perfeita vontade de Deus,
serão definitivamente redimidos e salvos da morte pela fé em Jesus (Gl 3.7).
12 Para que Jesus Cristo pudesse cumprir a Lei, e pagar plenamente a fiança da ira condenatória de Deus sobre a
humanidade, tinha que se tornar perfeitamente humano, todavia sem pecado (4.15), a fim de reunir todos os poderes legais
para se oferecer em resgate pelo pecado de Adão (e de toda a humanidade por extensão). O sacrifício do Justo na cruz foi a
derradeira e definitiva cerimônia de Propiciação (termo hebraico que significa “cobrir”, “apagar”) exigida por Deus para que a
Lei fosse perfeitamente cumprida, e a era da graça pudesse ser declarada em vigor até o iminente e glorioso retorno do Senhor
e o Juízo final (Lv 20-24; 17.11).
Capítulo 3
1 Jesus Cristo é o perfeito Sumo Sacerdote (representante) e Apóstolo (missionário) de Deus para o resgate (Salvação) da
humanidade (Mc 6.30; 1Co 1.1). Jesus muitas vezes se referiu a si mesmo como aquele que fora “enviado” ao mundo pelo Pai
(Mt 10.40; 15.24; Mc 9.37; Lc 9.48; Jo 4.34; 5.24-38; 6.38).
2 Ele foi fiel àquele que o constituiu, as- essa geração e declarei: O coração
sim como também foi Moisés em toda a destes está sempre se desviando, e não
casa de Deus.2 reconheceram os meus caminhos.
3 Jesus foi considerado digno de maior 11 Sendo assim, jurei na minha ira: Estes
glória do que Moisés, pelo mesmo prin- jamais entrarão no meu descanso”.
cípio que o construtor de uma casa pos- 12 Irmãos, tende muito cuidado, para
sui mais honra do que a própria casa. que nenhum de vós mantenha um co-
4 Porquanto, toda casa é construída por ração perverso e incrédulo, que se afaste
alguém; no entanto, Deus é o supremo do Deus vivo.
construtor de tudo.3 13 Pelo contrário, exortai-vos mutua-
5 Moisés foi leal como servo em toda a mente todos os dias, durante o tempo
casa de Deus, dando testemunho do que que se chama “hoje”, de maneira que
haveria de ser revelado no futuro;4 nenhum de vós seja embrutecido pelo
6 Cristo, no entanto, é fiel como Filho engano do pecado.6
sobre a casa de Deus; e essa casa, pre- 14 Porque passamos a ser participantes
cisamente, somos nós, isto é, se retiver- de Cristo, desde que em realidade, nos
mos com fé perseverante a coragem e a apeguemos até o fim à fé que nele depo-
esperança da qual nos gloriamos. sitamos desde o início.
15 Por essa razão é que se afi rma: “Hoje,
O grave perigo da incredulidade se ouvirdes a sua voz, não endureçais o
7 Assim como proclama o Espírito San- vosso coração, como ocorreu na rebe-
to: “Hoje, se ouvirdes a sua voz,5 lião”.
8 não endureçais o vosso coração, como 16 Ora, quem foram os que ouviram e
ocorreu na rebelião, durante o tempo da se rebelaram? Não foram todos os que
provação no deserto, saíram do Egito guiados por Moisés?
9 onde vossos pais me tentaram, pondo- 17 E contra quem Deus se manteve irado
me à prova, ainda que, durante quarenta por quarenta anos? Não foi contra aque-
anos, tenham contemplado as minhas les que pecaram, cujos corpos tomba-
obras. ram mortos no deserto?
10 Por esse motivo, me indignei contra 18 E a quem jurou que jamais haveriam
2 Moisés foi enviado por Deus para libertar o povo de Israel da escravidão egípcia, e para guiá-los à Terra Prometida. Jesus
foi enviado pelo Pai para libertar os dominados pelo pecado e pelo Diabo, de todas as nações, e conduzi-los ao Shabbãth do
Senhor (descanso sabático em hebraico) prometido aos que crêem (2.14,15; 4.3,9; Jo 1.12,13; 17.4). O termo original “casa”,
aqui, significa “família”.
3 Aqui, o termo “casa” pode ser traduzido como “lar”. Assim, Jesus, como Deus, é o próprio construtor do “lar”, sendo que
Moisés simplesmente fazia parte dessa “casa”. Jesus, o Filho de Deus, é o agente e herdeiro de toda a Criação, e, portanto, tem
o direito de mandar; Moisés tinha o direito de servir.
4 O próprio Moisés profetizou acerca da vinda e da obra de Cristo. A casa consiste no povo de Deus em todo o mundo, sua
família (Ef 2.19; 1Pe 2.5). Se alguém deixar de perseverar na fé, apenas demonstra que jamais foi, de fato, crente e filho de Deus.
Aquele que se arrepende de seus erros e pecados e não consegue ficar longe do Senhor e de sua família (a Igreja) é o filho
amado, e seu coração exibe a marca dos eleitos. A prova da realidade da regeneração está na fidelidade a Jesus Cristo e na
obediência à sua Palavra.
5 Aqui, temos mais uma evidência da inspiração do AT e, por conseguinte, de toda a Escritura. Essa citação de Sl 95.7-11 faz
uma análise sintética da frustrante história de Israel no deserto sob liderança de Moisés. Assim como o autor do salmo usou esse
fato histórico para advertir os israelitas do seu tempo contra a tentação da incredulidade e da desobediência à Palavra de Deus;
da mesma maneira, o autor de Hebreus aplicou o mesmo princípio aos seus leitores.
6 Embora estejamos vivendo na “época da graça” divina, em que todos têm à sua disposição o favor de Deus, mediante o
sacrifício de Cristo, a fim de se arrependerem de seus pecados e terem acesso à plenitude da Salvação, essa oportunidade única
é garantida somente “aqui e agora”; amanhã poderá ser tarde demais. Satanás é o mestre da mentira e tenta nos convencer de
que Deus não condenará ninguém ao inferno, nem julgará com rigor; e que nossos “erros” não são “grandes pecados”. Todos
esses argumentos só servem para embrutecer (endurecer) os corações daqueles que lhes dão ouvidos (2.8; Jr 17.9). Afastar-se
de Deus com rebeldia (literalmente no grego: “apostatar”) é desviar-se do Caminho da vida e preferir a morte, da mesma forma
como agiram muitos dos israelitas que saíram do Egito a caminho de Canaã, mas não depositaram “confiança plena” (em grego
hupostasis) no Senhor.
7 Após uma série de perguntas retóricas, o autor de Hebreus conclui que as pessoas que saíram livres do Egito, com destino a
Canaã, não puderam completar a viagem por não terem crido de todo coração nas promessas de Deus, o que lhes permitiu “abrir
a guarda” e cair em muitos pecados. O Senhor, em sua ira e juízo, fechou as portas de Canaã (a exemplo do que já havia feito
em Gn 3.23,24) para que toda aquela geração de israelitas incrédulos perecesse sem chegar ao lugar de repouso do Senhor (Nm
14.21-35). Os leitores de Hebreus são admoestados a ter muita cautela com os mesmos perigos no sentido espiritual.
Capítulo 4
1 O autor de Hebreus está sempre comparando a caminhada dos israelitas no deserto, abandonando a escravidão no Egito e
peregrinando até o “descanso de Deus” (em hebraico Shabbãth) na Terra Prometida, em relação à jornada do cristão rumo ao seu
pleno repouso espiritual no Reino de Deus. O descanso dos judeus, sob a liderança de Moisés, e depois de Josué, temporário e
terrestre, prenunciava o descanso eterno das nossas almas em Cristo (v.8; Js 1.13). A expressão grega “acompanhada” significa,
literalmente, “unida”; enquanto pode dizer também que “as boas novas” foram literalmente “evangelizadas”. A fé compromete o
ouvinte com a mensagem recebida; não se pode esquivar-se da sua obrigação (Rm 10.16; Is 53.1).
2 Do mesmo modo que a fé nas promessas de Deus era requerida para se entrar no descanso de Canaã, também só
ingressaremos no descanso pleno e eterno da salvação mediante a fé sincera na pessoa e na obra expiatória de Jesus Cristo.
Deus concluiu suas obras no sétimo dia da criação e descansou (v.4; Gn 2.2,3). Portanto, o Senhor nos convida para compartilhar
do seu descanso, e não para qualquer tipo de repouso que possamos conquistar (vv.10,11).
3 O ingresso de Israel em Canaã sob a liderança de Josué representou uma forma parcial e temporária de entrar no “Sábado
de Deus”. Mas, a posse do “Sábado” não foi completada naquela época, como demonstra o convite contínuo expresso no Salmo
95.7,8.
4 Podemos tomar a posse completa do “Sábado de Deus” por meio da fé sincera em Jesus Cristo. Assim como Deus des-
cansou da obra da Criação, o crente pode descansar de empreender esforços na tentativa de alcançar a sua salvação, e deve
repousar na obra consumada pelo Filho de Deus na cruz do Calvário, o qual nos conduzirá ao “Shabbãth eterno do Senhor”
(Ap 14.13).
5 O esforço do cristão não é “para alcançar o mérito da salvação”, mas sim porque “já é salvo”, busca perseverar na fé, pela
obediência diária ao Espírito Santo e à Palavra de Deus. Não devemos seguir o triste exemplo de Israel no deserto. As palavras
“repouso” e “descanso” vêm do termo original grego sabbatismos (Jo 5.19; 14.2,24).
6 A expressão total de Deus foi revelada aos seres humanos por meio da pessoa de Jesus Cristo, a Palavra encarnada (Jo
1.1,14) e, igualmente, nos foi confiada verbalmente. Essa palavra dinâmica e ativa de Deus, no cumprimento de todos os seus
planos, aparece claramente tanto no AT quanto no NT (Sl 107.20; 147.18; Is 40.8; 55.11; Gl 3.8; Ef 5.26; Tg 1.18; 1Pe 1.23). Tanto
a onipotente e onisciente presença do Senhor, quanto o poder de discernimento (em grego kriticos) da Palavra, revelam os senti-
mentos e intenções mais íntimas e os traz à tona da nossa consciência para que possam ser julgados (1Co 4.5).
7 O autor de Hebreus começa aqui uma longa exposição teológica (4.14 – 7.28) quanto à superioridade do sacerdócio de
Jesus Cristo sobre Arão e o ministério da tradição sacerdotal. Para os cristãos de hoje, esse pode ser um tema de entendimento
tranqüilo. No entanto, para os judeus de todos os tempos, especialmente no século I, essas conclusões são tão chocantes
quanto reveladoras e salvadoras (Sl 110.4). Assim como o sacerdote arônico, no Dia da Expiação, passava por entre os olhares
expectativos do povo em direção ao Santo dos Santos, assim também Jesus passou para além da vista dos discípulos que o
observavam atentamente, elevando-se e atravessando pelos céus até adentrar o Santuário Celestial, ocupando sua suprema
transcendência e autoridade, e cumprindo plenamente sua obra expiatória (7.26; At 1.9-11; Ef 4.10; Fp 2.9-11).
8 Jesus Cristo, nosso Sumo Sacerdote, não se mantém distante nem alienado do ser humano e de suas agruras, como ocorria
com os sacerdotes judaicos e, ainda hoje, acontece com muitos líderes espirituais. Deus se fez carne em Cristo e sentiu na pele as
fraquezas e sofrimentos que acometem a todos nós. Entretanto, ele jamais pecou, o que significa que obteve vitória sobre todos
os desafios da carne e do espírito. Portanto, só Jesus pode sentir o que sentimos e oferecer a sua ajuda compassiva sempre que,
pela fé, dela nos quisermos valer.
Capítulo 5
1 O sumo sacerdote precisa preencher dois pré-requisitos fundamentais: ser chamado por Deus e dedicar sua vida ao Senhor
e às necessidades do povo, sendo solidário com as fraquezas, lutas e ignorância dos seus irmãos, porém sem pecar. Só Jesus
Cristo conseguiu cumprir plenamente essas exigências (8.3; 9.9; Lv 1.2; 2.1; Nm 15.30,31; Hb 6.4-6; 10.26-31).
2 Cristo não tomou para si a glória de se tornar sumo sacerdote. Jesus, o Filho, foi designado por Deus de acordo com suas
próprias declarações proféticas (Sl 2.7; 110.4). O sacerdócio de Cristo, porém, não era conforme a ordem de Arão, mas segundo
Melquisedeque (v.6; 1.5; Sl 2.7-9; Rm 1.4).
3 A existência da preposição ek no manuscrito original grego deixa claro que Cristo pediu ao Pai para que o livrasse da morte
em seu sentido mais amplo. Jesus não recuou, em momento algum, diante dos sofrimentos e das aflições mais extremas, todavia
ficou horrorizado com o pecado da humanidade que haveria de arcar (Mt 26.36-46; 27.46). Sua oração foi ouvida pelo Pai que o
salvou da morte eterna por meio da ressurreição, a mesma que herdamos pelo seu sacrifício vicário. A expressão grega eulabeia
significa “reverente temor a Deus”, e pode ser traduzida como “piedade” (Jo 5.19; 1Jo 5.14).
4 Deus se fez humano em Cristo e decidiu passar pelo aprendizado a que todos nós estamos sujeitos. Suas lutas, tentações e vi-
tórias foram reais e não alegorias como querem explicar certos teólogos. A Bíblia não é uma obra de ficção, mas um depoimento fiel
das experiências vividas por homens de Deus, narradas pela inspiração do Espírito Santo. Ao contrário de Adão, que relativizando a
Palavra de Deus fracassou e caiu, Jesus permaneceu fiel (obediente) e prevaleceu; completando (aperfeiçoando) sua humanidade
filial e podendo, assim (perfeito), ser a fonte da “eterna redenção” (v.9; 2.10; 9.12; 12.2; Rm 4.25; 10.9; Tg 2.14-26).
5 Os hebreus não eram recém-convertidos, já haviam aprendido muito bem as doutrinas básicas do Evangelho, como as
apresentadas em 6.1,2. No entanto, haviam permitido que a preguiça mental, a indolência física e, especialmente, o esfriamento
espiritual, tomassem conta de suas vontades mais nobres (6.12). Deviam caminhar com perseverança na vida cristã autêntica e,
havendo passado pelos ensinos fundamentais da Palavra, ingressar com fé na plenitude do Espírito e do conhecimento avançado
do Senhor, como o autor de Hebreus nos exorta no capítulo 7.
Capítulo 6
1 Os ensinos básicos da doutrina de Cristo já deveriam ser sabidos e estar em plena prática entre os cristãos hebreus (1Co
15.3,4). A igreja, depois de algum tempo, estava dando ouvidos a falsos ensinos e realizando “obras mortas”, isto é, tendo uma
vida de pecado que condena o pecador à morte eterna (9.14).
2 Expressão que se tornou popular entre os cristãos e que comunica dependência em relação à soberania do Senhor. Somente
o Espírito de Deus pode iluminar as mentes e os corações, operando maturidade espiritual (1Co 16.7).
3 É Deus quem abre os olhos dos cegos espirituais (incrédulos) e lhes oferece a percepção da verdade divina. Aqueles que
“experimentaram”, isto é, “apreciaram pela experiência” a Palavra de Deus (2Co 4.4,6) e se apropriaram, mediante a fé em Cristo,
do “dom celestial”, oferecido a todo que crê no Senhor (2Pe 2.2), recebendo, portanto, o Espírito de Deus; estes se tornaram
metochoi (no original grego: participantes) da obra redentora e dos milagres da “era” de Cristo (em grego aiõn).
4 É preciso fazer uma grande diferença entre divergências teológicas e apostasia. O texto bíblico se refere aqui às pessoas que
va, que cai de tempo em tempo, e dá co- vista não haver outro maior por quem
lheita proveitosa àqueles que a cultivam, jurar;6
recebe a bênção de Deus. 14 e declarou: “Esteja certo de que o
8 Todavia, a terra que produz espinhos e abençoarei e farei numerosos os seus
ervas daninhas é inútil, e logo será amal- descendentes”.
diçoada. Seu fim é ser lançada ao fogo. 15 Sendo assim, havendo Abraão espe-
rado com paciência certeira, alcançou
Vivendo como herdeiros de Deus a promessa.7
9 Quanto a vós outros, no entanto, ó 16 Ora, os homens juram por quem é
amados, estamos convencidos de que a maior do que eles, e para eles o jura-
vossa situação seja muito melhor, sendo mento confirma a palavra empenhada,
beneficiados com as bênçãos decorren- pondo fim a toda discussão.
tes da salvação. 17 Do mesmo modo, Deus, querendo de-
10 Porquanto Deus não é injusto para se monstrar de forma mais clara aos herdei-
esquecer do vosso trabalho e do amor ros da promessa a imutabilidade de seu
que revelastes para com o seu Nome, pois propósito, interveio com juramento,
servistes os santos, e ainda os servis.5 18 para que nós, que nos refugiamos no
11 Desejamos, contudo, que cada um de acesso à esperança proposta, sejamos
vós demonstre o mesmo esforço dedica- grandemente encorajados por meio de
do até o fim, para que tenhais a plena duas afirmações imutáveis, nas quais é
certeza da esperança, impossível que Deus minta.8
12 de maneira que não vos torneis ne- 19 Essa esperança é para nós como ân-
gligentes, mas imitem aqueles que, por cora da alma, firme e segura, a qual tem
intermédio da fé e da longanimidade, pleno acesso ao santuário interior, por
recebem a herança prometida. trás do véu,
20 onde Jesus adentrou por nós, como
A promessa de Deus é imutável precursor, tornando-se sumo sacerdote
13Quando Deus fez a sua promessa a para sempre, segundo a ordem de Mel-
Abraão, jurou por si mesmo, tendo em quisedeque.
deliberadamente renunciam da sua fé na pessoa e obra de Jesus Cristo, conforme está prescrito na Palavra de Deus: a Bíblia (Rm
10.9; 2Tm 3.16). O Senhor pode transformar a vida de um apóstata por meio da sua infinita graça e misericórdia. Entretanto, a
igreja não deve realizar um segundo batismo, pois Cristo morreu por nós uma única vez (Gl 2.19; 9.26). A não ser que se conclua
que o suposto apóstata, na verdade, não era um convertido e que, agora sim, aceitou de coração o dom do arrependimento e
da salvação em Cristo (1Jo 5.16; 1Co 15.5; At 8.21-24). Portanto, esse lhe será o primeiro e definitivo batismo de testemunho do
novo nascimento (Jo 3).
5 O autor deste livro não está julgando que seus leitores sejam apóstatas. Ele apenas os adverte sobre os perigos da apostasia,
que pode ter seu início fatal com a indolência, inércia, preguiça (o peso dos pecados não confessados e abandonados) e o
cansaço espiritual ao longo da caminhada cristã (5.11; 12.1,12). Todo trabalho sincero e abnegado em prol do Reino de Deus
constrói um tesouro que é de valor eterno.
6 É próprio dos seres humanos fazer juramentos. Isso devido à situação decaída da humanidade na qual a palavra das pessoas
nem sempre é fiel e suficiente. Deus, ao fazer um juramento, demonstra que não há ninguém além dele mesmo, cujo nome possa
autenticar sua Palavra; humaniza-se mediante uma característica cultural, moral e ética de grande valor entre os humanos, e nos
oferece garantia em dobro (v.18; 11.39) quanto ao cumprimento cabal da sua Promessa (Gn 22.16-18). A expressão idiomática
hebraica literal, usada por Deus a Abraão, registrada nos manuscritos originais é: “abençoando te abençoarei”, que indica um
juramento ou promessa incondicional e permanente.
7 A palavra grega original usada para descrever aqui a “paciência” de Abraão é makrothumia, que significa “longanimidade”, em
contraste com os sentimentos de indignação e revolta. Refere-se, portanto, ao fato de Abraão ter “esperado com fé”, por cerca de
25 anos, pelo nascimento de Isaque e, mais tarde, pela entrega e restauração do seu filho (Gn 12.3,4; 17.2; 18.10; 21.5; 22.16).
8 As duas afirmações imutáveis do Senhor são: a promessa de Deus, que por si só é absolutamente fidedigna, e o juramento de
Deus concedido aos homens, que confirma essa promessa. Hoje, os crentes podem contemplar a promessa que Abraão, no seu
tempo, podia apenas antever (11.13; Jo 8.56). Assim como uma forte âncora que mantém o navio na posição correta, e a salvo
da força das marés e das correntes marítimas, nossa fé (esperança convicta) em Cristo é nossa garantia de completa salvação
e segurança (Jo 10.34-38).
1 Embora o autor de Hebreus não afirme claramente que Melquisedeque foi uma cristofania, é revelador o fato de ele não ter
origem (genealogia) e ocupar simultaneamente duas posições de grande poder. Elementos que reforçam o pensamento do autor
quanto a prefigura (preexistência) do eterno Messias: Jesus Cristo. O nome “Salém”, vem do hebraico antigo, Yerüshalẽm, cujo
sentido primitivo teria sido “capital da guerra e da paz”. Mais tarde, essa expressão passou para o idioma aramaico como “cidade
da paz”. (Gn 14.18-20; Is 23.5,6; 33.15,16).
2 A Lei entregue a Moisés e ao povo, bem como o sacerdócio e os sacrifícios, faziam parte do mesmo sistema que contemplava
o fato de todas as pessoas nascerem em pecado (sob a maldição da Queda) e, portanto, sujeitas à condenação prescrita. Por
este motivo, necessitavam de um mediador legal e idôneo para representá-las diante de Deus. O autor de Hebreus esclarece, con-
tudo, que o sacerdócio levítico (ou da descendência de Arão) era imperfeito e havia se tornado insuficiente, mas que o sacerdócio
de Melquisedeque era o ideal e perfeito. A história registra que a proclamação daquele que viria a ser Sacerdote para sempre (o
Messias) foi escrita profeticamente, bem na metade do período em que os sacerdotes levitas exerciam seu serviço ministerial,
mostrando que o sacerdócio levítico existente deveria dar lugar a um sistema melhor (Sl 110.4).
3 De acordo com a Lei, a função sacerdotal fora outorgada exclusivamente à tribo de Levi (Dt 18.1), porém Jesus, em sua
humanidade, pertencia à árvore genealógica de Judá, uma tribo não-sacerdotal. Entretanto, o autor de Hebreus destaca que
Jesus é “sacerdote eterno”, segundo Melquisedeque e, portanto, indestrutível (v. 21).
4 Como defendeu o apóstolo Paulo, a Lei é santa e justa, todavia não é capaz de transformar em justos aqueles que violaram
seus mandamentos e, portanto, pecaram. Nem ao menos pode oferecer à humanidade o necessário poder para vencer o mal e
o pecado (Rm 7.12). A Lei foi apenas um sistema preparativo para a definitiva Lei da Salvação em Cristo (Gl 3.23-25; Mt 5.17). A
antiga aliança se cumpre plenamente na nova aliança da perfeita redenção e nos capacita a nos achegarmos à presença íntima
de Deus (Cl 1.5).
5 A cruz de Cristo marca definitivamente na história do Universo o ponto central do plano redentor de Deus para toda a
humanidade. O ato do sacrifício do Filho de Deus encerra o longo e árduo período histórico de “preparação”, e inaugura a “era
escatológica” (1.1,2; Gl 4.4; Rm 3.26). Toda a certeza de salvação e esperança (fé) no estabelecimento completo do Reino de
Deus, emana do sacrifício vicário de Jesus Cristo oferecido uma única vez para sempre (Is 53.6,10).
6 Os sumos sacerdotes humanos, por mais dedicados que fossem, não eram capazes de viver sem cometer algum pecado
(como prova a história até nossos dias); mortais e, portanto, impermanentes; segundo a Lei, somente podiam oferecer sacrifícios
de animais, que jamais serviriam de substitutos suficientes para o ser humano, criado à imagem de Deus. Cristo, entretanto, foi
“aperfeiçoado” ao enfrentar e vencer as tentações, jamais tendo sucumbido a pecado algum. Obedecendo em tudo ao Pai e,
assim, estabeleceu uma perfeição eterna (Gn 1.26-28; 2.10; 5.8).
Capítulo 8
1 A expressão “mais importante de tudo”, no original grego, tem o sentido de “resumo essencial”. O argumento que vem sendo
desenvolvido pelo autor de Hebreus tem como base escriturística o antigo texto hebraico de Jr 31.31-34, e serve para demonstrar
que Jesus Cristo, o Messias, é o verdadeiro e único mediador da Nova e Excelente Aliança (7.22).
2 O “verdadeiro santuário” (em grego tőn hagiőn alethines), expressa o contraste que há entre o tabernáculo construído por Moi-
sés (mais tarde colocado no templo de Jerusalém por Salomão - 1Rs 8.4), cópia imperfeita e transitória do “verdadeiro” (perfeito)
tabernáculo celestial, erigido pessoalmente por Deus e não por meio do homem. O santuário erguido por Deus corresponde ao
Santo dos Santos, um espaço absolutamente sagrado, localizado no interior do tabernáculo de Moisés, no qual o sumo sacerdote
entrava, somente uma vez por ano e por um breve momento, levando consigo o sangue da expiação (Lv 16.13-15,34). Jesus
Cristo, nosso Sumo Sacerdote, habita eternamente no tabernáculo celestial e intercede por nós diuturnamente (7.25).
este Sumo Sacerdote fizesse a sua oferta 10 “Esta é a aliança que farei com a
pessoal. casa de Israel, passados aqueles dias”,
4 Entretanto, se Ele estivesse na terra, garante o Senhor. “Gravarei as minhas
nem seria considerado sumo sacerdote, leis na sua mente e as escreverei em seu
tendo em vista que já foram constituí- coração. Eu lhes serei Deus, e eles serão
dos aqueles que apresentam as ofertas o meu povo,
prescritas pela Lei.3 11 ninguém jamais precisará ensinar o
5 Esses servem num santuário que é seu próximo, nem o seu irmão, dizendo:
representação e sombra daquele que ‘Conhece ao Senhor’, porque todos me
está nos céus, já que Moisés foi avisado conhecerão, desde o menor deles até o
quando estava para construir o taber- maior.
náculo: “Observai tudo com cautela, 12 Pois Eu lhes perdoarei a malignidade
para que faças todas as coisas de acordo e não me permitirei lembrar mais dos
com o modelo que vos foi revelado no seus pecados”.
monte”. 13 Ao proclamar “Nova” esta aliança, Ele
6 Contudo, agora, Jesus recebeu um mi- transformou em antiquada a primeira.
nistério ainda mais excelente ao dos sa- E o que se torna superado e envelhecido,
cerdotes, assim como também a aliança está próximo do aniquilamento.
da qual Ele é o mediador; aliança muito
superior à antiga, pois que é fundamen- Os ritos mosaicos eram imperfeitos
tada em promessas excelsas.4
7 Ora, se aquela primeira aliança não ti-
vesse imperfeições, não seria necessário
9 Ora, a primeira aliança possuía or-
denanças para adoração e também
um tabernáculo terreno.
buscar lugar para a segunda. 2 Pois foi levantada uma tenda, em cuja
8 Porquanto Ele declara, repreendendo parte da frente, conhecida como Lugar
o povo por suas faltas: “Dias virão, diz o Santo, estavam o candelabro, a mesa e
Senhor, em que estabelecerei com a casa os pães da proposição.1
de Israel e com a casa de Judá uma nova 3 Mas, atrás do segundo véu, havia a
aliança. parte chamada Santo dos Santos,
9 Não conforme a aliança que fi z com 4 onde se posicionavam o altar de ouro
seus antepassados, no dia em que os to- puro para o incenso e a arca da aliança,
mei pela mão, para os conduzir até fora também toda revestida de ouro. Nessa
da terra do Egito; pois eles não continu- arca, estavam o vaso de ouro contendo
aram na minha aliança, e Eu me afastei o maná, a vara de Arão que floresceu e
deles”, assevera o Senhor! as tábuas da aliança.2
3 Deus escolheu uma família de judeus muito simples e fez com que Jesus nascesse em uma tribo não sacerdotal (Judá). Os
sumos sacerdotes eram escolhidos entre os filhos da tribo sacerdotal de Levi (7.12-14; Ex 25.40). O verbo “apresentar” aparece
no texto no tempo presente, o que revela que o templo ainda estava em pleno funcionamento e ostentação. É uma indicação de
que o livro de Hebreus foi escrito antes da destruição do templo no ano 70 d.C.
4 O termo “mediador” (no original grego mesites) transmite a idéia de “alguém que fica no meio, unindo duas pessoas com
mãos fortes”. Portanto, a “Nova Aliança” (um nome ainda melhor para Novo Testamento), da qual Jesus Cristo é o nosso único e
suficiente mediador, é superior à “Velha Aliança” (ou Antigo Testamento), estabelecida por Deus mediante Moisés no deserto do
Sinai (9.15; 12.24; Êx 24.7,8; 25.40; 1Tm 2.5).
Capítulo 9
1 A “parte da frente” é uma referência ao Santo Lugar do tabernáculo (tenda erguida por Moisés no deserto do Sinai), que fora
separado do Santo dos Santos por um segundo véu (v.3). O primeiro véu apenas guardava a entrada. O candelabro era feito de
ouro batido e colocado no lado sul do Lugar Santo (Êx 40.24), tinha sete lâmpadas, as quais eram mantidas acesas todas as
noites (Êx 25.31-40). A mesa da Proposição (Presença), construída com madeira de acácia e revestida de ouro puro, ficava no
lado norte do Lugar Santo (Êx 40.22). Sobre ela se depositava doze pães, cuidadosamente dispostos em duas fileiras de seis
(Lv 24.5,6).
2 O altar do incenso se localizava no Lugar Santo, contudo, no Dia da Expiação, esse altar passava a fazer parte do Santo dos
Santos por conta da retirada momentânea do véu. Havia, claro, um estreito relacionamento sacramental com o santuário interior
e com a arca da aliança (Êx 40.5; 1Rs 6.22). No Dia da Expiação, o sumo sacerdote levava incenso desse altar, juntamente com
o sangue da oferta pelo pecado, para dentro do Santo dos Santos (Lv 16.12-14).
3 Esses querubins eram duas pequenas estátuas de seres alados, que formavam uma só peça com a tampa da arca e, de pé,
em cada extremidade do propiciatório; feitas em ouro puro, representando dois anjos da “Presença” divina que exaltam e zelam
pela reverência e santidade diante de Deus. Era entre essas figuras de anjos que aparecia a glória da “Presença” do Senhor (Êx
25.17-22; Lv 16.12-14). A tampa da arca da aliança era uma placa feita em ouro puro que se encaixava perfeitamente por cima da
arca. Uma vez por ano, exatamente no décimo dia do sétimo mês, quando a congregação de Israel celebrava o Dia da Expiação
(guardado pelos judeus até hoje como Yom Kippur), o sumo sacerdote aspergia sobre o povo, no tabernáculo e sobre a arca, o
sangue como oferta pelo pecado (Lv 16.14,15,29,34).
4 Apesar de o tabernáculo mosaico estar ultrapassado, continuava a simbolizar (inutilmente), uma volta à velha forma da Lei,
uma vez que ela não podia livrar em definitivo o ser humano da condenação do pecado. Os sumos sacerdotes levíticos tinham
que repetir todos os anos as cerimônias de purificação, mas Cristo ofereceu o sacrifício eficaz, pleno, único e eterno. Depois de
obter a eterna redenção, subiu e adentrou ao perfeito santuário celestial.
5 Esse é o versículo chave de Hebreus. Jesus Cristo foi ao mesmo tempo Sumo Sacerdote e Sacrifício imaculado; na inteireza
da sua pessoa e não apenas de forma exterior, superficial e incompleta. O Espírito de Cristo, que habita no coração (tabernáculo)
dos crentes, removerá totalmente a profunda e mortal marca do pecado gravada no âmago do nosso ser. É impossível servir ao
Senhor de forma aceitável com a consciência maculada.
6 Cristo é o único e suficiente mediador da Nova Aliança entre Deus e a humanidade, cuja “Promessa” é a herança eterna como
filhos do Altíssimo (7.22; 8.6,13; 12.24; 1Tm 2.5 conforme Jr 31.31-34). Por causa da morte expiatória de Cristo, essa herança
se tornou realidade para todas as pessoas que crêem sinceramente (os chamados) em Deus (Rm 8.28). Ao entregar-se como
so que se comprove a morte daquele que tuário erguido por mãos humanas, uma
o determinou;7 simples ilustração do que é verdadei-
17 porquanto, um testamento só tem ro; Ele entrou nos céus, para agora se
validade legal após a confirmação da apresentar diante de Deus em nosso
morte do testador, considerando que benefício;
não poderá entrar em pleno vigor en- 25 Ele também não se ofereceu muitas
quanto estiver vivo quem o fez. vezes, como procede o sumo sacerdote
18 Por essa razão, nem a primeira aliança que entra no Santo dos Santos de ano
foi sancionada sem sangue, em ano portando sangue alheio.
19 tendo em vista que, depois de pro- 26 Ora, se assim fosse, seria necessário
clamar todos os mandamentos da Lei que Cristo sofresse muitas vezes, desde
a todo o povo, Moisés levou sangue de o início do mundo. Mas agora Ele mani-
novilhos e de bodes, e também água, lã festou-se de uma vez por todas, no final
vermelha e ramos de hissopo, e aspergiu dos tempos, para aniquilar o pecado por
sobre o livro e toda a população, decla- intermédio do sacrifício de si mesmo.8
rando: 27 E, assim como aos homens está orde-
20 “Este é o sangue da aliança, a qual nado morrer uma só vez, vindo, depois
Deus ordenou para obedecerdes”. disto o Juízo,
21 E procedeu da mesma maneira, as- 28 assim também Cristo foi oferecido
pergindo com o sangue o próprio taber- em sacrifício uma única vez, para tirar
náculo e todos os utensílios usados nas os pecados de muitas pessoas; e apare-
cerimônias sagradas. cerá segunda vez, não mais para eximir
22 De fato, conforme a Lei, quase todas o pecado, mas para brindar salvação a
as coisas são purificadas com sangue, e todos que o aguardam!9
sem derramamento de sangue não pode
haver absolvição! O sacrifício de Cristo é definitivo
23 Portanto, se fez necessário que as re-
presentações das construções que estão
no céu fossem purificadas mediante tais
10 Assim, considerando que a Lei
oferece somente um vislumbre
dos plenos benefícios que hão de vir, e
sacrifícios, mas os próprios elementos não exatamente a sua realidade; jamais
celestiais, por meio de sacrifícios muito poderá, mediante os mesmos sacrifícios
superiores a estes. repetidos ano após ano, aperfeiçoar os
24 Pois Cristo não adentrou a um san- que se achegam para adorar.1
sacrifício e ao aspergir seu sangue sobre o madeiro da cruz e sobre o povo presente, perante a Lei, pagou totalmente o preço
necessário para libertar o ser humano pelos pecados cometidos, sob a primeira aliança, e quanto às violações dos mandamentos
mosaicos (Mc 10.45).
7 O termo grego “testamento” pode ser traduzido por “aliança” na maioria das vezes, entretanto, aqui e no v.17, o vocábulo é
usado especificamente no sentido de comunicar as últimas vontades de uma pessoa sobre a partilha da sua herança. O conceito
de “aliança” volta à tona do v.18 em diante. Os beneficiários do testamento não têm direito legal à herança determinada antes da
morte do testador. Nesse sentido, como a morte de Jesus Cristo foi devidamente comprovada na história, a promessa da herança
eterna (v.15) já pode ser usufruída pelos seus beneficiários de acordo com a vontade expressa do Senhor.
8 A primeira vinda de Jesus Cristo, o Messias, deu início a grande era messiânica, na qual toda a história da humanidade tem
transcorrido, aguardando o glorioso retorno de Cristo e o estabelecimento completo do Seu Reino, no qual viveremos eternamen-
te em sua presença (1.2; 1Pe 1.20; Mc 10.45; Rm 8.3; Ap 20.6).
9 Assim como os antigos israelitas aguardavam com expectação e ansiedade a volta do sumo sacerdote, enquanto estava no
Santo dos Santos intercedendo pelo povo, no Dia da Expiação; da mesma maneira, os cristãos devem viver e esperar com fé, na
expectativa da volta iminente do nosso Sumo Sacerdote (2Tm 4.8; Tt 2.13; Rm 8.29,30; Fl 3.20,21; 1Jo 3.2,3).
Capítulo 10
1 O sistema mosaico era composto da Lei e de todos os procedimentos sacerdotais levíticos (7.11). Contudo, os sacrifícios
perpetuados pela Lei, ano após ano, constituíam-se em uma grande ilustração e antevisão (literalmente em grego: uma sombra)
do poderoso e derradeiro sacrifício vicário de Cristo. O alvo da fé cristã é nos tornar discípulos (cópias fiéis) de Jesus Cristo (Rm
8.29; 2Co 4.4; Cl 2.17).
2 Se não fosse assim, não teriam cessa- 12 Jesus, no entanto, havendo oferecido
do de ser oferecidos? Porquanto, se os para sempre, um único sacrifício pelos
adoradores tivessem sido purificados pecados, assentou-se à direita de Deus,
de uma vez por todas, não mais se senti- 13 aguardando, daí em diante, até que
riam culpados de seus pecados.2 os seus inimigos sejam submetidos por
3 Contudo, essas cerimônias de sacri- estrado de seus pés.
fícios promovem, todos os anos, uma 14 Porquanto, com uma única oferta,
recordação dos pecados, aperfeiçoou por toda a eternidade todos
4 porque é impossível que o sangue de quantos estão sendo santificados.
touros e bodes remova pecados. 15 E disto, igualmente, nos dá testemu-
5 Por isso, quando Cristo veio ao mun- nho o Espírito Santo; porquanto, após
do, proclamou: “Sacrifício e oferta não ter declarado:
quiseste, mas um corpo me preparaste; 16 “Esta é a aliança que farei com eles,
6 de holocausto e ofertas pelo pecado depois daqueles dias, diz o Senhor. Co-
não te agradaste. locarei as minhas leis no âmago do seu
7 Então, Eu disse: Aqui estou, no Livro coração e as inscreverei profundamente
está escrito a meu respeito; vim para em sua mente”,
fazer a tua vontade, ó Deus”.3 17 e conclui: “Dos seus pecados e ini-
8 Havendo declarado em primeiro lugar: qüidades nunca mais me permitirei
“Sacrifícios, ofertas, holocaustos e ofer- recordar”.
tas pelo pecado não quiseste, tampouco 18 Afi nal, onde todas as transgressões
deles te agradaste”, os quais foram reali- foram perdoadas, não existe mais qual-
zados conforme a Lei. quer necessidade de oferta de sacrifício
9 Então, completou: “Aqui estou; vim pelo pecado.4
para fazer a tua vontade”. E assim,
Ele cancela o primeiro padrão, para Devemos perseverar na fé
estabelecer o segundo. 19 Sendo assim, irmãos, temos plena
10 E por essa determinação, fomos santi- confiança para entrar no Santo dos San-
ficados por meio da oferta do corpo de tos mediante o sangue de Jesus,
Jesus Cristo, feita de uma vez por todas. 20 por um novo e vivo Caminho que Ele
11 Ora, todo sacerdote se apresenta, dia nos descortinou por intermédio do véu,
após dia, para exercer os seus deveres isto é, do seu próprio corpo.5
religiosos, que nunca podem remover 21 Temos, portanto, um magnífico sa-
os pecados. cerdote sobre a Casa de Deus.
2 A consciência que condena e aflige diuturnamente o coração de uma pessoa em relação aos pecados cometidos, e que não
pode aceitar humilde e alegremente o perdão de Deus, ainda não conheceu a verdadeira Salvação que está à disposição de
todos mediante a simples e sincera fé em Cristo Jesus (Jo 1.12). Absolutamente, nada, e nenhum tipo de oferta ou sacrifício, têm
o poder de perdoar, limpar e renovar a consciência humana (v.4; Sl 51.10,16; 66.18).
3 O autor de Hebreus cita trechos dos Salmos da Septuaginta (a mais importante e antiga tradução grega do AT), para demons-
trar o tipo de obediência concorde e voluntária (submissão, sob missão) de Cristo em relação à vontade do seu Pai (Sl 40.6-8;
Lc 22.42; Jo 4.34). Nota-se que Deus nunca se interessou pelos sacrifícios em si, mas na verdadeira devoção e obediência à sua
Palavra (1Sm 15.22).
4 É prova de incredulidade e insulto contra Deus oferecer qualquer tipo de sacrifício por pecados já remidos em Cristo. Portanto,
o verdadeiro caminho para Deus não é mais pavimentado pelas ofertas ou cerimônias sacrificiais (como a tradicional missa católi-
ca ou os rituais espiritualistas), mas exclusivamente pela fé no Cristo ressurreto (9.12; Rm 4.25; 5.19). As citações nesta passagem
também foram extraídas da Septuaginta (o AT em grego) e atestam que na nova aliança todos os nossos pecados podem ser
perdoados de maneira eficaz, completa e perpétua, dispensando todo e qualquer tipo de sacrifício adicional ao já consumado
por Cristo (Jr 31.31-34 já mencionado em 8.8-12).
5 Na antiga aliança, o acesso ao Santo dos Santos era ultra-restrito, porquanto o sangue dos animais era insuficiente para
realizar a plena expiação dos pecados. Mas hoje, os crentes de todas as etnias e nações, podem se achegar com fé ao trono da
graça, pois o sacerdote perfeito ofereceu a si mesmo (o sacrifício perfeito) e expiou todo o pecado e condenação, de uma vez
para sempre. No momento exato da morte de Cristo na cruz do Calvário, o véu que, simbolicamente, fazia separação entre o San-
to Lugar e o Santo dos Santos, rasgou-se em duas partes, de cima a baixo (Mc 15.38). Aquele véu (cortina de tecido) representa
o corpo de Cristo em relação à questão do sofrimento. Assim como aquele véu, o corpo de Cristo foi rasgado, e abriu caminho
para a morada de Deus (literalmente: o tabernacular) na vida dos cristãos sinceros.
6 A expressão grega aqui traduzida por “abandonemos” transmite o sentido original de “deserção” (Mt 27.46; 2Co 4.9; 2Tm
4.10,16). Deus planejou a Igreja para que os cristãos pudessem ser companheiros de caminhada, exortando e sendo exortados
pelo Espírito e uns aos outros, em amor fraternal. Por isso, não é concebível a teoria do culto exclusivo e distante da comunhão
dos irmãos (1Jo 1.3). A demora do glorioso retorno do Senhor causou certa apatia e frustração naqueles cuja fé era frágil
e oscilante, e foram tentados a desistir da luta espiritual diária para voltar aos rudimentos do judaísmo e da antiga aliança.
Entretanto, o autor de Hebreus, e muitos cristãos, presenciaram o terrível dia da destruição de Jerusalém no ano 70 d.C. Um dos
sinais da iminente volta de Cristo (Lc 21.20-22; 1Ts 5.2,4; 2Ts 1.10; 2.2; 2Pe 3.10).
7 Todo e qualquer pecado tem seu perdão e remissão em Cristo Jesus, menos o pecado da rejeição consciente e sistemática
(apostasia) ao amor de Deus mediante seu Evangelho. O cenário histórico dessa passagem do AT está registrado em Nm 15.27-
31 e refere-se especialmente àquelas pessoas que, havendo confessado sua fé no Senhor, decidem afastar-se do Corpo de
Cristo (a Igreja), negando a fé que um dia abraçaram (6.4-8). Rejeitar o sacrifício de Cristo é rejeitar a única possibilidade efetiva
de Salvação eterna, porquanto não existe nenhum outro sacrifício aceito por Deus. A expressão “feriu os pés do Filho de Deus”
comunica o sentido de “absoluto e renitente desprezo ao Senhor e sua Palavra” (Zc 12.1-9).
8 Com o passar do tempo, tendemos a ganhar mais conhecimento bíblico e experiência na convivência com o Corpo de Cristo.
Todavia, precisamos sempre nos lembrar do tempo em que fomos alcançados pelo divino amor do Senhor, quando a luz da
salvação brilhou alegremente em nossas mentes e corações, como as Boas Novas de Deus (6.4; Jo 1.9; At 2.40-44).
37 pois dentro de pouco tempo “Aquele aprovou as suas ofertas. Apesar de estar
que vem virá, e não tardará. morto, seu testemunho de fé ainda é
38 Mas o justo viverá pela fé! Contudo, eloqüente.4
se retroceder, minha alma não se agra- 5 Por meio da fé, Enoque foi arrebatado,
dará dele”.9 de forma que não experimentou a mor-
39 Nós, entretanto, não somos dos que te; e “já não foi encontrado, porquanto
regridem para a perdição; mas sim, dos Deus o havia arrebatado”, visto que
que crêem e, salvos, seguem avante. antes de ser arrebatado, havia recebido
o testemunho de que tinha agradado a
A essência e o sentido da fé Deus.5
9 O autor de Hebreus toma como base a Septuaginta (o AT em grego) para salientar o fundamento da fé cristã: a salvação
pela graça de Deus, mediante a fé em Cristo; e a vida (cristã), como resultado direto da fé que depositamos em nosso Salvador
(Hb 2.3,4). O autor escreve para os salvos e perseverantes, porém está consciente de que há alguns insinceros entre os crentes,
mas que somente o Senhor poderá cuidar deles. Muitos cristãos hebreus serviram de “espetáculo” ao mundo (literalmente em
grego theatrizomenoi), devido às muitas e terríveis perseguições por causa do Evangelho que viviam e pregavam, contudo ainda
não haviam passado pelo martírio que viria (12.4; 1Co 4.9). Mesmo assim, alguns já estavam apostatando da fé. Em Jerusalém,
porém, vários santos líderes do Senhor morreram torturados por proclamarem a mensagem salvadora de Jesus Cristo: Estevão,
Tiago, filho de Zebedeu, Tiago, irmão do Senhor Jesus, esses por volta do ano 62 d.C.
Capítulo 11
1 A expressão grega original hupostasis significa um tipo de “certeza concreta”, uma “confiança sem espaço para dúvida”. A fé
é como uma “declaração escrita e oficial” em relação às promessas de Deus, das quais a vida e obra de Jesus Cristo, o Messias,
é a maior e melhor.
2 O autor de Hebreus se refere aos “antigos” homens e mulheres de fé como exemplos de “crentes” da era pré-cristã. No AT,
Deus valorizava a fé (sincera e absoluta) depositada em sua pessoa e Palavra, tanto quanto a fé que devemos a Cristo no NT.
3 A fé substancia a realidade de Deus. Por mais que a humanidade avance nas ciências, a melhor resposta para a criação do
Universo e o cotidiano de cada um de nós provém da fé em Deus.
4 O motivo principal da aceitação do sacrifício de Abel foi ter sido oferecido por fé. O texto do AT, nos deixa entender que a oferta
de Caim foi entregue apenas como um formalismo ritual, sem sincera fé e adoração (Gn 4.3,4; 1Jo 3.12).
5 A melhor maneira de se agradar a Deus é crendo nele. Esse foi o grave erro do primeiro homem (Gn 3), maldição que
acompanhará grande parte da humanidade até o final dos tempos. Por isso, iluminados, e grandemente afortunados, são aqueles
que aceitam o toque divino e celebram com fé a Salvação em Cristo Jesus (Is 64.4; 1Tm 1.17; Jo 1.18). Enoque foi justificado
porque “agradou a Deus”, por meio da fé (Gn 5.18-24; Sl 49.15; 73.24).
6 A fé que agrada a Deus é a fé em sua pessoa, santa e excelsa (Jr 29.13). A fé na fé, ou a fé em outro qualquer ser ou objeto,
é apenas uma expressão de força de vontade humana ou inócua crendice.
7 O dilúvio foi uma prova mundial da vindicação da fé de Noé em Deus, e do castigo da incredulidade. A fé de Noé na Palavra
de Deus o levou a convencer sua família a construir um enorme barco no meio de uma região árida e muito distante do mar.
Noé tinha 480 anos quando Deus o chamou para construir a arca. Passou cerca de 120 anos pregando sobre o juízo de Deus,
e suportando todo tipo de zombarias e incredulidades. Durante todo esse período de graça, não viu nenhuma pessoa se
arrepender (Gn 5.28 – 9.29; 6.3; 1Pe 3.20). Noé morreu com a idade de 950 anos (2Pe 2.5; At 28.26; Ap 2.7).
8 Abraão é apresentado no NT como o exemplo maior de todos os que crêem em Deus (Rm 4.11-16; Gl 3.7-29). Sua fé
manifestou-se na profunda adoração e amorosa obediência dedicada ao Senhor (Gn 12.4). A expressão grega kaloumenos, que
significa “convocação ou chamada”, revela que Abraão, assim como outros servos, ouviram e atenderam prontamente, pela fé, o
convite pessoal de Deus para realizar suas missões (Gn 15.6; Ne 9.7; At 7.2-5; Mt 11.28). Deus prometeu Canaã a Abraão somente
depois de sua volta do Egito (Gn 13.14).
9 Assim como os patriarcas e o povo de Israel, os cristãos – pela fé - também peregrinam neste mundo que se tornou estranho
ao amor de Deus por causa do pecado (Gn 3; 23.4; 1Pe 1.1,17). Somente quando o discípulo aprende a priorizar sua fé no
Senhor, considerando todas as demais coisas como secundárias, é que efetivamente estará seguindo a Cristo (Lc 14.33). Somos
cidadãos do céu, nossa pátria não está nesta Terra (Fp 3.20).
10 Sara foi considerada estéril por haver passado, em muito, da idade média de ter filhos (Gn 18.11,12). Abraão, com cerca de
100 anos de idade, não tinha a mesma vitalidade da juventude (Gn 21.5; Rm 4.19). Entretanto, para Deus não há impossíveis e
seus propósitos serão sempre cumpridos. A descendência de Abraão é, hoje em dia, numerosa em todo o planeta, como a areia
das praias (Gn 11.30; 13.16; 15.5; 22.17; 26.4; 1Rs 4.20).
11 Os patriarcas, assim como todos os crentes, não morrem para Deus, mas são renovados e vivem eternamente (Mc
12.26,27).
12 A expressão original grega peirazomenos pode significar, ao mesmo tempo, “tentar” e “provar”. Deus não incentiva ninguém
para o mal, mas usa todas as provações (tentações), às quais as pessoas são diariamente submetidas, a fim de que o homem
observe e analise suas próprias motivações e reações. O Senhor sempre espera que o homem escolha aceitar o amor e as
orientações do Pai celeste. Para Deus, a intenção é tão ou mais importante que a ação; assim como o ser, mais valioso que o
fazer (Tg 1.13). O vocábulo “unigênito”, além de significar a exclusividade de um “filho único”, tem o sentido de “muito amado”,
o que ilustra a própria pessoa do Filho de Deus (Mc 12.6).
13 A fé de Abraão era tão pura, sincera e tranqüila que, mesmo no ápice da sua pior crise, creu no amor e no poder de Deus para
ressuscitar Isaque, caso fosse necessário. Fato que realmente ocorreu, de modo figurado, quando o próprio Senhor – contemplando
a prova de fé de Abrão – providenciou o Cordeiro da expiação, prefigurando a pessoa e a obra vicária do Cristo (Gn 22.13).
14 As orações e bênçãos dos pais sobre os filhos têm grande significado e poder (Gn 27.27-40).
do sobre a extremidade do seu cajado, e fez aspersão do sangue, para que o anjo
adorou a Deus.15 destruidor não tocasse nos primogênitos
22 Pela fé, José, também ao fi nal da vida, dos israelitas.
relembrou o êxodo dos fi lhos de Israel 29 Pela fé, o povo atravessou o mar Ver-
do Egito e deu instruções quanto ao en- melho como em terra seca; mas quando
terro dos seus próprios ossos.16 os egípcios procuraram também atra-
vessar, morreram afogados.
A fé heróica de Moisés 30 Foi pela fé que os muros de Jericó des-
23 Mediante a fé, Moisés, ainda recém- moronaram, depois de serem rodeados
nascido, foi escondido durante três durante sete dias.20
meses por seus pais, porque perceberam 31 Também foi mediante a fé que a
que sua formosura não era comum, e prostituta Raabe, por haver acolhido os
não temeram o decreto do rei.17 espiões, não foi morta juntamente com
24 Pela fé, Moisés, já adulto, recusou ser os incrédulos.21
aclamado como fi lho da fi lha do Faraó, 32 Quantos exemplos mais darei? In-
25 preferindo ser maltratado com o felizmente não disponho de tempo
povo de Deus a desfrutar os prazeres para falar sobre a devoção de Gideão,
que o pecado é capaz de proporcionar Baraque, Sansão, Jefté, Davi, Samuel e
por curto período de tempo. os profetas,
26 Por amor ao Messias, julgou sua 33 os quais, por intermédio da fé, con-
desonra uma riqueza mais excelente quistaram reinos, praticaram a justiça,
do que os tesouros do Egito, porquanto receberam o cumprimento de promes-
contemplava a sua gloriosa recompen- sas, fecharam a boca de leões,
sa.18 34 extinguiram a violência do fogo,
27 Por meio da fé, abandonou o Egito, foram libertos do fio da espada; da
não temendo a ira do rei, e perseverou, fraqueza tiraram força, tornaram-se
pois fitava Aquele que é invisível.19 poderosos nas batalhas e puseram em
28 Por intermédio da fé, celebrou a Páscoa retirada exércitos estrangeiros.22
15 A maior herança que os pais deixam para seus filhos e netos é a bênção da expressão sincera de que eles também conhe-
çam e andem com Deus (Gn 47.29-31; 48.8-20; Sl 23).
16 Jacó e José são outros valorosos exemplos de pessoas cuja fé é clara e robusta; seja durante a difícil caminhada da vida,
como na hora da morte (v.13; Gn 50.24,25).
17 Moisés, desde seu nascimento, apresentava sinais incomuns de beleza e carisma (Êx 6.20; Nm 26.58,59). Contudo, seus
pais tinham plena consciência de que ele pertencia ao Senhor; creram que ele haveria de sobreviver ao decreto do faraó egípcio
que determinara a morte de todos os meninos hebreus recém-nascidos (Êx 1.16,22; 2.2).
18 Em Êx 4.22, Israel é literalmente, nos originais, chamado de “filho de Deus” (Os 11.1). A pessoa de Jesus Cristo, o Messias
de Israel, sempre esteve unida ao povo de Deus (1Co 10.4). Assim como Abraão que viu a Cristo (Jo 8.56), Moisés exerceu o
ministério de arauto do Senhor, na preparação do caminho para a chegada do Messias (Sl 69.9).
19 O medo dos crentes não se compara ao desespero dos incrédulos. Moisés fugiu para Midiã, na península do Sinai, aos 40
anos de idade (Êx 2.11-15; At 7.23-29). Moisés é considerado um dos maiores líderes de todos os tempos por sua perseverança
em guiar seu povo através do deserto, por 40 anos, sem tirar os olhos da fé de Cristo (o Messias). Ele pôde ver o invisível, e
permaneceu fiel ao Senhor (At 7.30).
20 Deus mandou que Moisés transferisse a liderança do povo de Israel para o jovem Josué, homem de fé, cujo primeiro grande
desafio, a conquista da terra prometida, foi vencido exclusivamente pelo poder da fé no Senhor, sem uma única batalha (Js 6).
21 Raabe, mesmo após haver abraçado a fé em Deus, continuou a carregar o estigma de ter sido prostituta (Js 2.8-11; 6.22-25).
Entretanto, sua vida deve ser vista como um exemplo da grandiosidade da graça do Senhor, capaz de redimir absolutamente
qualquer pecador, e elevá-lo à dignidade eterna (Tg 2.25). Raabe, crente no Senhor, casou-se com Salmom e foi mãe de Boaz,
ancestral de Davi, que é incluído na genealogia de Jesus Cristo (Mt 1.5).
22 O autor de Hebreus tem em mente todos os grandes heróis da fé, e muitos outros homens e mulheres de Deus, porém
se vê limitado ao tempo e espaço para comentar sobre todos neste livro. Mesmo assim, cita resumidamente: Daniel (Dn 6.22),
Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, Elias (1Rs 19); Eliseu (2Rs 6.31), Jeremias (Jr 36.19,26); Gideão (Jz 6.15); Jônatas, e tantos
outros (1Sm 14.6).
23 Referência à mulher de Serepta (1Rs 17.17-24), ao ocorrido com a mulher sunamita (2Rs 4.8-36) e aos muitos servos de
Deus que não se sujeitaram às pressões de reis, governantes despóticos, exércitos e do próprio sistema mundial; mas preferiram
entregar suas vidas aos torturadores e à morte, a fim de herdarem dignamente a vida eterna e as recompensas celestiais. A
expressão grega original, aqui traduzida por “martirizados”, significa literalmente “esticados e açoitados até a morte”.
24 Homens de Deus como Zacarias, filho do sacerdote Joiada, e Isaías (serrado ao meio por ordem de Manassés, segundo
a tradição histórica), que foram mortos por declararem a verdade (2Cr 24.20-22; Lc 11.51). No século II a.C., a maioria dos
macabeus deram suas vidas por causa de Deus.
25 Nem todos os heróis da fé experimentaram completo triunfo de suas ações em vida. Contudo, absolutamente todos
receberam a bênção e o galardão divino, e ouvirão da boca do Senhor, juntamente com muitos cristãos: “Muito bem, servo bom
e fiel!” (Mt 25.21). O grande e pleno cumprimento das promessas de Deus, tanto para os antigos heróis da fé, quanto para nós,
encontra-se na pessoa e obra de Jesus Cristo, que é a “ressurreição e a vida” (Jo 11.25,26).
Capítulo 12
1 O autor de Hebreus compara a vida cristã a uma corrida olímpica de longa distância (antigo esporte grego no qual os atletas
deviam vencer os cerca de 42 km que ligava a cidade de Maratona a Atenas). O público que torce pelos competidores é formado
por celebridades da fé, por isso não podem ser considerados meros espectadores, mas fontes de inspiração e nossos grandes
exemplos de vida com Deus. A expressão grega original marturos, que originou nossa palavra “mártir”, significa “testemunhas”,
o que demonstra a amplitude do sentido de vivermos uma vida exemplar: disciplinada pelo Espírito Santo (At 20.24; 1Co 9.24-26;
Gl 2.2; 5.7; Fp 2.16; 2Tm 4.7).
2 O caminho para a vitória na maratona da vida é concentrar toda a nossa atenção na pessoa de Cristo (Fp 3.13,14), pois ele
é o ponto de partida e, ao mesmo tempo, linha de chegada e o objetivo maior da nossa fé. Jesus é nosso melhor orientador, trei-
nador e exemplo, pois ele já venceu a morte e conquistou o grande prêmio do Universo (1.3; Is 53.10-12). Portanto, as restrições,
sofrimentos e humilhações que passamos diariamente, por amor e obediência ao Senhor, são recompensadas pela certeza da
vitória e da glória eterna (11.26; Mt 5.10-12; Rm 8.18; 2Co 4.17; 1Pe 4.13; 5.1,10).
3 Jesus Cristo sofreu infinitamente mais do que qualquer ser humano em todos os tempos. Por isso, Ele – por meio do seu
Espírito – pode compreender perfeitamente e ser sensível às nossas aflições. E não apenas ser solidário, mas efetivamente nos
livrar de todo mal. Essa certeza deve nos fortalecer e animar, especialmente quando passamos por momentos de grande tristeza,
incerteza e sofrimento (Is 40.28-31).
a fi lhos: “Meu fi lho, não desprezeis a tração; mais tarde, no entanto, produz
disciplina do Senhor, nem desanimeis fruto de justiça e paz para todos aqueles
quando por Ele és repreendido, que por ela foram disciplinados.
6 pois o Senhor disciplina a quem ama, e 12 Sendo assim, fortalecei as mãos enfra-
educa todo aquele a quem recebe como quecidas e os joelhos vacilantes.6
fi lho”. 13 “Preparai caminhos retos para os vos-
7 Suportai as dificuldades, aceitando-as sos pés”, para que aquele que manca não
como disciplina; Deus vos trata como se desvie, pelo contrário, seja curado!
fi lhos. Ora, qual o fi lho que não passa
pela correção do seu pai? 4 Exortação à paz e à sinceridade
8 Mas, se estais sem orientação, da qual 14 Esforçai-vos para viver em paz com
todos se têm tornado participantes, então todas as pessoas e em santificação, sem
não sois filhos legítimos, mas bastardos. a qual ninguém verá o Senhor.7
9 Além do mais, tínhamos nossos pais 15 Vigiai para que ninguém se exclua
humanos que nos educavam, e nós os da graça de Deus; que nenhuma raiz de
respeitávamos. Quanto mais devemos mágoa venenosa brote e vos cause con-
toda a obediência ao Pai dos espíritos, fusão, contaminando muitos;8
para então vivermos!5 16 que não se abrigue entre vós nenhum
10 Porquanto, nossos pais nos discipli- imoral ou profano, como Esaú, o qual
navam por um espaço curto de tempo, por uma refeição desejada, vendeu todos
da forma que melhor lhes parecia. Deus, os seus direitos de herança como fi lho
entretanto, nos corrige para o nosso bem mais velho.9
maior, a fim de que possamos participar 17 E, assim, como bem sabeis, quando
plenamente da sua santidade. mais tarde quis herdar a bênção, foi
11 Toda correção, de fato, no momento rejeitado; e não teve como cancelar sua
em que ocorre não nos parece ser mo- decisão, apesar de ter buscado a bênção
tivo de contentamento, mas de frus- desesperadamente.10
4 A expressão grega original paidéia significa “educar para a vida” e tem um sentido mais amplo do que a palavra “castigo”,
muitas vezes associada somente a repreensões físicas. Contudo, quando necessário, como um bom pai, o Senhor nos disciplina
ou corrige (em grego: “açoita”). Os sofrimentos, humilhações e perseguições devem ser aceitos pelos cristãos como parte do
processo educacional usado por Deus para nosso desenvolvimento espiritual (5.13; At 14.22).
5 Respeito e obediência são os componentes básicos da “submissão” e nos ajudam a entender o que significa a expressão
bíblica “o temor do Senhor” (2Co 7.1; Pv 9.10). Deus é o criador do espírito humano e, portanto, nosso Pai espiritual. Nossos pais
humanos são pais genéticos e biológicos, numa linguagem bíblica: “segundo a carne” (Nm 16.22; Ec 12.7; Zc 12.1). Desde os
primórdios, a obediência (submissão humilde) a Deus é a grande chave para a vida eterna (Tg 1.21; Gn 3).
6 Sempre que a admoestação ou correção divina (disciplina) é aceita com submissão, produz no cristão grandes benefícios.
Portanto, deve ser recebida com gratidão e esperança, como uma provação sadia da nossa fé em Cristo (1Pe 1.6,7; Tg 1.2; Pv
4.26).
7 A tradição familiar, a posição sócioeconômica ou a formação acadêmica não podem proporcionar o verdadeiro conhecimento
de Deus. Somente a santidade nos permite “ver a Deus”. E quem vê a Deus, vê ainda melhor o seu próximo (Lc 10.29-37; 1Pe
1.15,16; 1Jo 3.2,3).
8 A expressão “se exclua da graça” quer dizer, “colocar-se aquém da graça”, ou, ainda, “decidir não tomar posse da graça”,
dom oferecido pelo Senhor, mas que deve ser aceito fervorosamente pelo crente para que possa ter seu efeito pleno (2.1-4; 6.4-8).
O termo original grego episkopountes significa aqui “zelar com amor” pela saúde espiritual dos irmãos. É a mesma palavra para
“bispo” ou “epíscopo”. Tanto aqui como em Dt 29.18, a expressão “mágoa venenosa” ou “amargura” tem a ver com sentimentos
como inveja, vingança, maledicência, que são capazes de envenenar o indivíduo e toda a comunidade.
9 Deus criou a humanidade para que ela, espontaneamente, vivesse em harmonia com o seu Criador e a terra, obviamente,
dando muito mais valor às coisas espirituais. Entretanto, com a Queda (Gn 3), Satanás teve condição de inverter os valores reais,
e o homem passou a dar mais valor às coisas profanas (poder, prestígio, bens materiais). A história de vida de Esaú ilustra bem
essa triste realidade humana (Gn 25.29-34; Fp 3.18,19).
10 Esaú agiu como a maioria das pessoas incrédulas, apenas lamentando sua perda material, mas não se arrependendo
claramente pelo pecado de haver trocado o bem espiritual e eterno pela satisfação de um desejo momentâneo e carnal (Gn
27.41; 2Co 7.10).
11 Os versículos 18 a 21 fazem menção à maravilha, poder, temor e alta reverência que envolveu todo o povo de Israel e a
região do monte Sinai, quando Deus outorgou a Lei a Moisés (Êx 19.10-25; Dt 4.11,12; 5.22-26; 9.9-19; 18.16; At 7.32). O autor
de Hebreus estabelece um contraste entre o monte Sinai, “intocável” (Êx 19.12), e o monte Sião (Jerusalém). Entretanto, não se
refere exatamente à parte montanhosa a sudeste de Jerusalém, mas sim à Cidade Celestial de Deus e aos que habitam com o
Senhor, a fim de marcar nitidamente a diferença entre as duas grandes alianças de Deus com a humanidade, sendo a nova aliança
em Cristo maior e definitiva (11.10-16; 13.14; Fp 3.20; Ap 5.11,12; Gl 4.26; Ap 21.2).
12 A expressão grega no plural “primogênitos” retrata a excelência do amor de Deus para com cada uma das pessoas salvas
(seus filhos) desde os primórdios (2.10,11; Lc 10.20; Ap 21.27). O termo “espíritos” refere-se aos “santos” do AT, agora aperfeiço-
ados mediante a morte e ressurreição do Primogênito de Deus (11.40). É por intermédio do Espírito de Deus, que sela (autentica)
e habita a vida do crente, que temos pleno e eterno acesso à Nova Jerusalém, a Cidade Celestial de Deus.
13 O sangue de Abel clamou durante toda a história da humanidade por justiça e condenação para o pecador (assassino). O
sangue de Cristo, entretanto, derramado na cruz, proclama – ainda mais forte – o perdão e a reconciliação eterna do pecador
arrependido com Deus (Gn 4.10; Hb 9.12; 10.19; Cl 1.20; 1Jo 1.7).
14 Aquele que tem a voz criativa e poderosa é Deus (Êx 19.18; Dt 4.24; Sl 68.7), Aquele que nos redime, aconselha e orienta é
Cristo, que veio dos céus e está nos céus (1.1-3; 4.14; 6.20; 7.26; 9.24). E, porque recebemos essa revelação maior e completa,
temos ainda mais responsabilidade em preservar a fé e viver testemunhando as Boas Novas (o Evangelho): Cristo em nós! (2.2-
4). A nova ordem esperada por Ageu, e tantos homens e mulheres de Deus do passado (Ag 2.6-21), teve pleno cumprimento no
sacrifício e ascensão de Jesus Cristo, que estabeleceu seu Reino. O ensino claro das Sagradas Escrituras é que tudo passa nesse
mundo. Somente o Reino de Deus é eterno (v.28).
Capítulo 13
1 O autor de Hebreus tem duas preocupações básicas: a apostasia dos judeus-cristãos e o esfriamento do amor fraternal
cristão entres os crentes, especialmente pela demora do retorno de Cristo (evento que eles esperavam para aqueles dias), e
pelo desenvolvimento de diversas doutrinas e seitas heréticas. A hospitalidade e a simpatia dos crentes do primeiro século
foi a principal marca da Igreja. A própria palavra “cristão” foi criada originalmente pelo povo que, por testemunhar o amor dos
membros da Igreja, passou a chamar os crentes de “pequenos Cristos” (cristãos). Sem saber, alguns crentes haviam hospedado
anjos, assim como Abraão (Gn 18), Gideão (Jz 6) e Manoá (Jz 13).
aqueles que sofrem maus tratos, como não podem produzir qualquer benefício
se vós pessoalmente estivésseis sendo real para aqueles que neles confiam.5
maltratados.2 10 Nós possuímos um altar do qual não
4 Digno de honra seja o casamento en- têm direito de comer os que ministram
tre todas as testemunhas, bem como no tabernáculo.6
a pureza do leito conjugal; porquanto, 11 O sumo sacerdote leva sangue de ani-
Deus julgará os imorais e adúlteros. mais até o Santo dos Santos, como oferta
5 Seja a vossa vida desprovida de avare- pelo pecado, mas os corpos dos animais
za. Alegrai-vos com tudo o que possuis; são queimados fora do acampamento.
porque Ele mesmo declarou: “Por moti- 12 Por isso, para santificar o povo por
vo algum te abandonarei, nunca jamais intermédio do seu sangue, Jesus igual-
te desampararei”.3 mente sofreu fora da porta da cidade.
6 Por esta razão, podemos afi rmar com 13 Saiamos, portanto, ao encontro dele,
toda a segurança: “O Senhor é o meu fora do acampamento, levando conosco
Ajudador, nada temerei. O que poderá a mesma humilhação que Ele suportou.7
fazer contra mim o ser humano?” 14 Pois não temos na terra nenhuma ci-
dade permanente, mas buscamos a que
A vida dos discípulos de Cristo há de vir.
7 Lembrai-vos dos vossos líderes, que 15 Sendo assim, por intermédio dele,
vos ensinaram a Palavra de Deus; ob- ofereçamos continuamente a Deus um
servando-lhes atentamente o resultado sacrifício de louvor, que é o fruto de
da vida que tiveram e imitai-lhes a fé. lábios que confessam o seu Nome.
8 Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e 16 De igual modo, não negligencieis a
eternamente!4 contínua prática do bem e a mútua coo-
9 Não vos deixes influenciar pelas várias peração; pois, são desses sacrifícios que
doutrinas heréticas. Porque o mais im- Deus muito se alegra.8
portante é fortalecer o coração pela graça, 17 Sejais obedientes aos vossos líderes
e não por alimentos cerimoniais, os quais espirituais e submissos à autoridade que
2 A expressão grega original sõmati “em corpo” (pessoalmente) transmite a idéia cristã de Corpo de Cristo, ou seja, quando um
membro sofre todos sofrem, principalmente o próprio Cristo (1Co 12.26).
3 A impureza moral e a adoração ao dinheiro, bem como tudo o que ele pode comprar (poder e prazeres), são demonstrações
claras de que a pessoa que se deixa dominar por essas ilusões ainda não aprendeu a depositar sua plena confiança (fé) em Deus,
e, portanto, está longe da companhia amável e segura do Senhor e muito próxima da condenação eterna (Dt 31.6,8; Js 1.5; Lc
12.15,21; Ef 5.5; Fp 4.10-13; Cl 3.5; 1Tm 6.6-19). O cristão sincero, por causa da sua fé no Senhor, pode contar com o cuidado
paternal de Deus enquanto prossegue corajosamente, trabalhando e construindo seu futuro (Fp 4.11,12; 1Tm 6.8).
4 O autor de Hebreus exorta seus leitores a seguirem o discipulado ministrado e legado pelos homens de Deus que lhes
pregaram o Evangelho, mesmo considerando que tais pessoas já haviam passado (morrido). Contudo, Jesus Cristo – Deus e ser
humano – não está sujeito às mudanças causadas pela passagem do tempo e sempre será a Verdade. Questionar a supremacia
absoluta de Cristo, por que retarda sua volta ou qualquer outro motivo, voltando aos antigos rituais levíticos ou similares é sub-
verter o Evangelho (capítulos 5 a 10).
5 O autor de Hebreus se preocupa com as filosofias e doutrinas pré-gnósticas que estavam se conectando ao judaísmo e
pervertendo a fé de alguns cristãos, especialmente entre os judeus (9.10; 1Co 8.8; Cl 2.16).
6 O altar dos crentes é a cruz de Cristo, que marcou o fim de todo o sacerdócio arônico e sua substituição pela ordem de
Melquisedeque, da qual Cristo é o único e incomparável sacerdote. Os sacerdotes não podiam comer do sacrifício do Dia da
Expiação, porém todos nós somos convidados a participar da mesa do sacrifício (Santa Ceia) do Senhor, mediante simples e
sincera fé no Filho de Deus (Jo 6.48-58; Lv 4.12; 16.27).
7 O fato de Cristo ter sido levado e crucificado fora dos muros de Jerusalém, constituiu-se em mais uma viva ilustração do seu
sacrifício expiatório. Da mesma forma como a retirada dos corpos dos animais sacrificados para fora do antigo acampamento de
Israel simbolizara a eliminação do pecado, assim também, devemos todos avançar em direção à nova aliança, deixando para trás
o pecado e as tradições insuficientes do judaísmo ou de qualquer outra religião, ainda que essa atitude nos traga qualquer tipo
de desonra familiar, social ou cultural (Êx 33.7; Lv 24.14,23; Nm 12.14).
8 A expressão “sacrifício de louvor” é usada metaforicamente para evidenciar a nova ordem em Cristo: a doce obrigação de
vivermos gratos a Deus por nossa salvação eterna (1Pe 2.9; Rm 12.1; Fp 4.18) e o cuidado fraternal que devemos aos nossos
irmãos na fé. E, assim, estaremos cumprindo a verdadeira e pura religião que alegra o coração de Deus (Tg 1.27).
exercem. Pois eles zelam por vós como 21 Ele mesmo, vos aperfeiçoe em todo o
quem deve prestar contas de seus atos; bem a fim de que possais realizar a von-
para que ministrem com alegria e não tade dele, e opere em vós tudo quanto
murmurando, porquanto desta maneira lhe é agradável, por intermédio de Jesus
tal ministério não seria proveitoso para Cristo, a quem seja a glória para todo o
vós outros.9 sempre. Amém!10
22 Amados irmãos, rogo-vos, igual-
Recomendações finais e bênção mente, que aceiteis bem essa minha
18 Orai por nós, pois temos certeza de mensagem de encorajamento; porquan-
caminhar com a consciência limpa, e to, vos escrevi de forma resumida.
desejamos viver de modo honrado em 23 Desejo que saibais que o nosso irmão
relação a todas as áreas da vida. Timóteo foi posto em liberdade. Se ele
19 Pessoalmente, rogo-vos com insistên- chegar em breve, irei visitá-los em sua
cia que orem para que eu vos seja resti- companhia.
tuído o mais depressa possível. 24 Saudai a todos os vossos líderes espi-
20 Ora, o Deus da paz, que mediante o rituais, bem como todos os demais san-
sangue da aliança eterna trouxe de volta tos. Os da Itália vos enviam fraternais
dentre os mortos o nosso Senhor Jesus, saudações.
o grande Pastor das ovelhas; 25 A graça seja com todos vós!
9 A liderança espiritual nada tem a ver com a direção despótica de muitos governantes e empresários, mas o respeito sincero
e fraterno pelas autoridades eclesiais, bem como pela ordem, reverência e disciplina no âmbito da Igreja, são qualidades
estimuladas em todo o NT. Os guias ou líderes espirituais são pastores que zelam com todo amor e dedicação pelas ovelhas de
Deus. O ministério do bispo (palavra grega que no NT tem o mesmo sentido de “pastor” ou “ancião”) é supervisionar, isto é, “vigiar
com amor” (em grego neotestamentário episkopos) seus irmãos, como quem deve prestar contas ao Senhor. O pleno exercício
do pastorado tem implicações eternas e não se limita a esse mundo. O galardão (premiação) ou julgamento será definido no
futuro tribunal de Deus (Rm 14.10; Lc 12.42).
10 O autor de Hebreus escolhe a melhor expressão para encerrar seu sermão sobre a perseverança na fé em Cristo, e abençoar
seus leitores: “o Deus da paz” é o título do Senhor, muitas vezes usado nas bênçãos formuladas pelos valorosos homens de Deus
que, como nós, podiam descansar na paz do Pai (shabbãth), apesar de todas as provações (Rm 15.33; 16.20; Fp 4.9; 1Ts 5.23).
Propósitos
Tiago preocupou-se em escrever uma obra de natureza claramente judaica, porém realçando o
cristianismo vital, marcado pela fé que age, que ganha expressão e pleno significado em atitudes e
ações práticas em nome de Cristo.
Seu texto fluido, severo, mas informal, é delicadamente construído (em excelente grego) à se-
melhança dos escritos sapienciais do Antigo Testamento, trazendo à memória do leitor os sábios
conselhos bíblicos de Provérbios.
O tema central de Tiago é a “religião pura” (1.27), fé que é testada por meio das muitas provas,
tentações e aflições pelas quais o verdadeiro povo de Deus passa todos os dias. Essas provações
positivas e negativas do cristianismo puro revelam nossas contrastantes qualidades espirituais e
carnais. A carta apresenta exemplos sobre a tentação útil e a absolutamente maléfica, sobre a fé
verdadeira e a reprovável, sobre o ser carnal e o ser espiritual. O alvo de Tiago é oferecer à Igreja
uma correta e concreta instrução quanto à atitude ética dos crentes. Comparado ao apóstolo Paulo,
Tiago demonstra pouco interesse em doutrina sistemática e formal, embora a carta não esteja isenta
de profundas e significativas afirmações teológicas (1.12; 2.1-19; 3.9; 5.7-14). Tiago procura tratar
dos principais assuntos do cotidiano dos crentes por meio de máximas (provérbios) e pérolas de
sabedoria.
Tiago escreve como um pastor prático, preocupado com o bem-estar espiritual dos seus filhos
1 Tiago é o irmão mais velho de Jesus Cristo e líder da Igreja em Jerusalém (Mt 13.55; Jo 7.2-5; At 15.13). Não deve ser
confundido com o apóstolo Tiago, pois este morreu muito cedo para ter escrito esta carta (44 d.C.). Paulo, após ter sido
convertido, em sua primeira visita a Jerusalém, conheceu Tiago e passou a considerá-lo como “apóstolo” e “coluna da igreja”
(Gl 1.19; 2.9). Pedro, assim que foi solto da prisão, mandou avisar Tiago (At 12.17) e o apóstolo Judas considerava Tiago tão
conhecido que o menciona em sua carta somente como “irmão Tiago” (Jd 1). Tiago foi torturado, apedrejado e morto, às mãos
do sumo sacerdote Anano, por causa de Cristo, em 62 d.C. Essa é uma das mais antigas cartas do NT (cerca de 50 d.C) e
foi endereçada primeiramente aos judeus cristãos que haviam sido dispersos pelo mundo conhecido da época. Tiago usa a
expressão hebraica kyrios sabaoth, que significa “Senhor dos Exércitos”, para se referir ao título de Deus conhecido pelos judeus
(5.4). Usa também outra expressão hebraica, traduzida para o grego como synagoge, “sinagoga”, que significa “assembléia”,
para referir-se à Igreja como “reunião” dos membros do Corpo de Cristo (2.2).
2 Assim como o ser humano nasce e se desenvolve à medida que aprende a viver mediante a superação de dificuldades; da
mesma forma, ao nascermos espiritualmente pela fé em Cristo, é necessário que passemos por várias provações, a fim de que essa
fé seja aperfeiçoada e aprendamos a viver de forma madura, dirigidos pelo Espírito de Deus (1Pe 1.6-9; Rm 5.3-5). A expressão grega
hupomone retrata uma das principais virtudes cristãs: a “perseverança” ou “constância”, que é a capacidade de caminhar confiando
em Deus para um futuro melhor, apesar de as circunstâncias presentes nem sempre serem favoráveis (2Ts 3.5).
3 De todas as virtudes que podemos pedir ao Senhor, uma das mais importantes é a sabedoria: a capacidade de enfrentar as
provações com um tipo especial de alegria, somente produzida pela fé no amor e no poder de Cristo, em associação ao consolo
produzido pelo Espírito Santo, que é a certeza de que Deus está operando (Pv 1.2-4; 2.10-15; 4.5-9; 9.10-12). Quem crê, duvidan-
do, não caminha para o porto seguro, mas vaga como as ondas do mar (Ef 4.14).
4 O cristão pobre não deve se entregar às lamúrias, mas considerar sua riqueza e posição elevada em Cristo (v.9; 2.5). O cristão
que desfruta de uma condição socioeconômica mais privilegiada, ou mesmo o que é rico, deve reconhecer sua insignificância
e carência de Deus, seguindo a Jesus com humildade (v.10; Mt 6.30). Tanto pobres quanto ricos devem cooperar com os que
possuem, uns com os outros, e todos com a comunidade (Rm 12.1-8).
5 Tiago, assim como outros autores do NT, usa a figura da coroa de folhas (literalmente em grego: grinalda), símbolo da
vitória perfeita, que era colocada sobre a cabeça dos vencedores olímpicos ou dos militares que se destacavam nas batalhas
(Mt 5.3-12; Fp 4.1; Ap 1.3; 2.10; 2Tm 4.8; 1Pe 5.4).
deverá dizer: “Estou sendo tentado por recebei humildemente a Palavra em vós
Deus”. Ora, Deus não pode ser tentado implantada, a qual é poderosa para sal-
pelo mal, e a nenhuma pessoa tenta.6 var a vossa vida.
14 Cada um, porém, é tentado pelo pró- 22 Sede praticantes da Palavra e não
prio mau desejo, sendo por esse iludido simplesmente ouvintes, iludindo a vós
e arrastado. mesmos.
15 Em seguida, esse desejo, tendo con- 23 Porquanto, se alguém é ouvinte da
cebido, faz nascer o pecado, e o pecado, Palavra e não praticante, é semelhante
após ter se consumado, gera a morte.7 a um homem que contempla o próprio
rosto no espelho;
Deus nos gerou para abençoar 24 e, depois de admirar a si mesmo, sai e
16 Meus amados irmãos, não vos permi- logo se esquece da sua aparência.
tais ser enganados. 25 Porém, a pessoa que observa atenta-
17 Toda boa dádiva e todo dom perfeito mente a lei perfeita, a lei da liberdade, e
vêm do alto, descendo do Pai das luzes, nela persevera, não sendo ouvinte negli-
em quem não há oscilação como se vê gente, mas praticante zeloso, será muito
nas nuvens inconstantes.8 feliz em tudo o que empreender.10
18 De acordo com a sua vontade, Ele nos 26 Se alguém se considera religioso, mas
gerou pela Palavra da verdade, a fim de não refreia a sua língua, engana-se a si
sermos como que os primeiros frutos de mesmo. Sua espiritualidade não tem
toda a sua criação.9 valor real algum!
27 A religião que Deus, o nosso Pai,
Como viver a Palavra de Deus aceita como sincera e imaculada é esta:
19 Assim, meus queridos irmãos, tende cuidar dos órfãos e das viúvas em suas
estes princípios em mente: Toda pessoa dificuldades e, especialmente, não se
deve estar pronta para ouvir, mas tardio deixar corromper pelas fi losofias mun-
para falar e lento para se irar. danas.11
20 Porque a ira do ser humano não é ca-
paz de produzir a justiça de Deus. Não fazer acepção de pessoas
21 Portanto, livrando-vos de todo tipo de
impureza moral e aparência de maldade, 2 Caros irmãos, como crentes em nos-
so glorioso Senhor Jesus Cristo, não
6 Deus não pode ser tentado porque é santo por natureza, e, portanto, nada existe no pecado que o interesse. Ao passo que
o ser humano tem uma queda natural para o pecado (Gn 3), que pode ser vencida pelo poder do Espírito Santo, à medida que
o crente descobre quão magnífico é o prazer de viver de acordo com a vontade de Deus. As palavras “tentação” e “provação”
têm origem na mesma expressão grega. Contudo, Deus considera todos os nossos obstáculos como provas de fé para a vitória,
ao passo que Satanás espera que sejamos tentados (iludidos por nossas vontades), derrotados e destruídos, assim como ele
próprio (Gn 22.1; Mt 4.1).
7 Satanás não é criativo, mas grande plagiador das coisas de Deus, que habilmente procura usar para suas intenções
maléficas. Sua maneira de agir não mudou em todos esses milênios de história da humanidade. Os passos destrutivos: cobiça,
pecado e morte foram os mesmos usados para seduzir (tentar) os primeiros seres humanos (Gn 3.6-22), e outros homens de
Deus ao longo da história (2Sm 11.2-17).
8 Tiago combate as idéias supersticiosas e espiritualistas que sempre permearam as doutrinas judaicas. A astrologia, por
exemplo, afirmava que o destino nos homens era determinado pelos astros. Tiago afirma que é Deus quem nos assiste em tudo,
outorgando dons e virtudes às pessoas, especialmente aos seus filhos. Deus, diferentemente dos corpos celestes e dos fenôme-
nos atmosféricos, é uma pessoa imutável (Hb 13.8; Ml 3.6).
9 O maior e mais importante dos dons é a regeneração produzida pelo Evangelho (Jesus Cristo). Assim como os primeiros
frutos de uma colheita indicavam a qualidade da safra, os primeiros cristãos representavam que muitos haveriam de ser salvos
até a iminente volta do Senhor (Lv 23.9-14; Jo 3.3-8; Cl 1.5; 1Pe 1.22,23).
10 O pecado escraviza e avilta o ser humano; a salvação em Cristo e a obediência voluntária à lei moral da Palavra de Deus
proporcionam ao crente a jubilosa liberdade de se tornar a pessoa que Deus planejou para desfrutar da sua amizade e do seu
Reino (Sl 19.7; Rm 8.2; Tg 2.12).
11 Desde a Queda (Gn 3), a humanidade vive um estado de rebelião contra Deus, que se intensifica a cada século, apesar de
todos os aparentes movimentos religiosos observados em todo o mundo. Os crentes são incentivados a perseverar na Verdade e
na simplicidade do Evangelho, a fim de não serem seduzidos por falsas religiosidades (Jr 22.16; 1Jo 2.15).
1 Os cristãos sinceros, que receberam a glória de Cristo, quer dizer, foram abençoados com a shekiná (em hebraico: “a
iluminação da presença de Deus entre os seus”), devem receber todas as pessoas com carinho e respeito, sem qualquer
discriminação, preconceito ou favoritismo, pois Deus, nosso Pai, recebe todos os crentes como filhos.
2 Tiago usa uma antiga expressão hebraica mô’ẽdh (lugar santo – Sl 74.8), como fora traduzida na Septuaginta (tradução grega
do AT), isto é, synagoge, porém não com o sentido de atribuir santidade ao edifício, mas às pessoas que ali se reúnem para adorar
a Deus. Assim, a expressão hebraica mais próxima do termo “sinagoga” seria kenẽseth (assembléia).
3 Na cerimônia do batismo cristão, o nome de Cristo é invocado sobre o novo convertido (neófito) como um sinal de bênção
(Mt 28.19; At 2.38). Assim como no AT, os antigos homens de Deus abençoavam suas descendências em o Nome do Senhor,
como fez Jacó (Gn 48.16).
4 A lei do amor é chamada de “real” ou “régia” por ser a suprema origem e síntese de todos os demais mandamentos e
ordenanças. Seu Autor é o Rei do Universo e inclui todas as leis que regulam as relações humanas (Lv 19.18; Mt 22.36-40; Rm
13.8-10).
5 A impossibilidade de algum ser humano guardar toda a Lei de Deus (muito menos da forma como Jesus a interpretou), só
nos deixa uma solução: confiar de todo coração naquele que foi o único capaz de cumprir plenamente a vontade do Pai, vencer
a morte e nos legar vida eterna em seu Nome. É em Jesus Cristo que a compaixão e a graça de Deus triunfam sobre o juízo que
merecemos (v.13; Êx 20.13; Dt 5.17,18; Mt 5.18,19; 23.23; Hb 7.26,27).
6 Esta passagem é um dos vários exemplos de citações dos ensinos de Jesus Cristo nessa carta (Mt 5.7; 18.33-35).
7 O autor não está afirmando que as boas obras podem salvar algum ser humano, interpretação equivocada que induziu Lutero
rejeitar essa carta como canônica por algum tempo. Tiago afirma que a fé sincera e viva se manifesta, naturalmente, por meio de
boas obras, assim como a vida no corpo se demonstra a partir do trabalho da respiração, no bater do coração e tantas outras
funções do organismo vivo (Ef 2.10; Rm 3.24).
em paz, aquecei-vos e comei até satisfa- declara: “Abraão creu em Deus, e isso
zer-vos”, porém sem lhe dar alguma ajuda lhe foi creditado como justiça”, e ele foi
concreta, de que adianta isso?8 chamado amigo de Deus.11
17 Deste mesmo modo em relação a fé, 24 Observais que uma pessoa é justifica-
por si só, se não for acompanhada de da por meio das suas ações, e não sim-
obras, está morta. plesmente por dizer que crê.12
18 Entretanto, alguém poderá afirmar: 25 Exemplo semelhante é o de Raabe, a
“Tu tens fé, e eu tenho as obras; mos- meretriz: não foi ela aceita por Deus pelas
tra-me tua fé sem obras, e eu te de- obras, quando acolheu os mensageiros
monstrarei minha fé mediante as obras de Israel e os conduziu à liberdade por
que realizo”. um outro caminho?
19 Crês, tu, na existência de um só Deus? 26 Portanto, assim como o corpo sem
Fazes bem! Até mesmo os demônios crê- espírito está morto, da mesma forma a fé
em e tremem!9 sem obras está morta.13
20 Queres pois, assegurar-vos, ó homem
insensato, de que a fé sem obras é de fato Sábio é quem domina o seu falar
inútil?
21 Ora, não foi Abraão, nosso pai na fé,
justificado por obras, quando ofereceu
3 Caros irmãos, não vos torneis muitos
de vós mestres, porquanto sabeis que
nós, os que ensinamos, seremos julgados
seu próprio filho Isaque sobre o altar?10 com maior rigor.1
22 Vês desta forma que tanto a fé como 2 Afinal, todos tropeçamos de muitas
as obras estavam agindo juntas, e a fé foi maneiras. Se alguém não peca no falar, tal
aperfeiçoada pelas obras. pessoa é perfeita, sendo igualmente capaz
23 Cumpriu-se, assim, a Escritura que de dominar seu próprio corpo.2
8 Essa ilustração sobre uma fé inócua forma um instrutivo paralelo com a ilustração do falso amor, apresentada pelo apóstolo
João em sua primeira carta. Enquanto Tiago conclama cada cristão a colocar sua fé em prática, João – da mesma forma – nos
exorta a amar não apenas com palavras, mas mediante atitudes concretas (1Jo 3.17).
9 Tiago demonstra toda a sua formação judaica ao expressar sua fé monoteísta, o mais importante dos credos do judaísmo,
conhecido em hebraico como: shema, o grande convite para que a humanidade “Ouça!” que há um Único e Todo-poderoso
Deus: Yahweh (Dt 6.4; Mc 12.29).
10 Ao analisarmos esse versículo dentro do contexto fica claro que Tiago está usando um fato histórico, reverenciado por toda
a comunidade judaica, para reforçar seu argumento de que a fé genuína tem como resultado natural o bom procedimento e as
boas obras. É importante notar que o ato de fé de Abraão ocorreu antes de responder afirmativamente à solicitação de Deus,
comprovando que a fé que já habitava no coração de Abraão era pura e verdadeira (Gn 15.6; Gn 22.1-14). A fé salvadora produz
atitudes divinas (Gl 5.6).
11 O grande propósito de Deus é que o ser humano seja seu amigo, de forma voluntária e sincera. Abraão foi uma dessas
pessoas (2Cr 20.7), e nós também podemos ser amigos de Deus mediante nossa fé em Jesus Cristo, seu Filho (Jo 15.14).
12 Infelizmente algumas pessoas afirmam que crêem em Deus apenas para dar seguimento a uma tradição familiar, por mera
compreensão intelectual ou conveniência. A fé legitima e aceita por Deus, nasce do arrependimento, brota no coração, floresce
por toda alma e produz frutos de justiça que são as boas obras e atitudes (Mt 3.8; 7.16; Jo 15.2).
13 Evidentemente, Tiago não está aprovando a condição de vida de Raabe anterior à sua conversão. Pelo contrário, ele está
enfatizando a graça de Deus, pregando a boa nova de que, em Cristo, todos nós podemos encontrar uma nova vida e razão para
viver. Tiago aponta para a fé operosa de Raabe, que não apenas reconheceu a misericórdia e o poder do Senhor, mas tornou-se
cooperadora com Deus (Js 2; Hb 11.31).
Capítulo 3
1 Todos os cristãos recebem dons do Espírito e são responsáveis por seu devido uso em prol da comunidade. Os mestres,
assim como os pastores e profetas, têm o dever de usar seus dons espirituais para comunicar corretamente a Palavra de Deus e
zelar por um comportamento à altura do que pregam. Um juízo mais rigoroso aguarda aqueles que se exaltam como mestres e
líderes espirituais, obrigam o povo a duras disciplinas, contudo, eles mesmos, não seguem o Caminho quanto aos princípios mais
elementares da vida cristã, como a humildade, misericórdia e o desapego ao poder e aos bens materiais. Humildemente, Tiago
se coloca como um líder que não está imune a qualquer dessas faltas e, portanto, também precisa da compaixão do Senhor e da
Igreja (Rm 12; Ef 4.11; 1Co 12.28; Mt 23.1-33; Lc 20.47).
2 A maneira ideal de refrear a língua não é apenas guardar silêncio e ficar amargurado, mas, sim, submeter ao Senhor toda a
revolta, tristeza e pensamentos ruins, na certeza de que ele cuidará de tudo o que não nos é possível resolver, e nos dará a melhor
direção para agir na solução dos assuntos que nos dizem respeito (2Co 10.5; Fp 4.8; Mt 12.34).
3 Tiago usa uma figura de linguagem para revelar que a decadência do mundo se evidencia a cada dia e, portanto, não
devemos esperar significativas melhoras, especialmente no padrão moral, social e ético dos povos. Somos advertidos a cuidar
bem do nosso pensar e falar (língua), pois Satanás busca, diuturnamente, influenciar (incendiar) nossas mentes para o mal e tudo
quanto é próprio do inferno (Jo 8.44; Mt 5.22; Lc 16.23).
4 Novamente Tiago faz alusão aos princípios ensinados por Jesus Cristo. Considerando que o ser humano foi criado por
Deus com tanto carinho, e à sua semelhança (Gn 1.26,27), amaldiçoá-lo ou tratá-lo com indignidade é o mesmo que ofender
ao Criador e Pai (Gn 9.6).
5 O Senhor não é Deus de desordem e confusão, mas de paz e verdade (1Co 14.33).
Capítulo 4
1 A expressão grega original hJdonw'n usada por Tiago, significa “prazeres” ou “paixões” e deu origem à nossa palavra
“hedonismo”.
2 Aqui, a expressão “matar” é usada como hipérbole, para enfatizar o malefício do “ódio”. A oração deve ser um exercício de
contra Deus? Ora, quem quer ser amigo pode salvar e aniquilar. Tu, no entanto,
do mundo se torna inimigo de Deus.3 quem és, para julgar o teu semelhante?
5 Ou imaginais que é sem razão que a
Escritura afirma que o Espírito que Ele fez Submeter nossos planos a Deus
habitar em nós zela com ciúmes dos seus?4 13 Agora, prestai atenção, vós que acla-
6 Todavia, Ele nos outorga graça ainda mais: “Hoje ou amanhã iremos a tal
maior. Por isso, declara a Escritura: cidade, lá nos estabeleceremos por um
“Deus se opõe aos arrogantes, mas con- ano, negociaremos e obteremos grande
cede graça aos humildes”.5 lucro”.
7 Portanto, sujeitai-vos a Deus. Resisti ao 14 Contudo, vós não tendes o poder de
Diabo, e ele fugirá de vós!6 saber o que acontecerá no dia de ama-
8 Achegai-vos a Deus, e Ele acolherá a nhã. Que é a vossa vida? Sois, simples-
todos vós! Pecadores, limpai as vossas mente, como a neblina que aparece por
mãos, e vós que tendes a mente dividida algum tempo e logo se dissipa.
pelas paixões, purificai o coração, 15 Em vez disso, devíeis afirmar: “Se o
9 entristecei-vos, arrependei e chorai. Senhor quiser, viveremos e faremos isto
Abandonai o riso fácil e pranteai, trocai a ou aquilo”.
vossa euforia pelo pesar. 16 Entretanto, estais agora vos orgu-
10 Humilhai-vos na presença do Senhor, lhando das vossas capacidades. E toda
e Ele vos exaltará!7 vanglória como essa é maligna.
17 Refleti sobre isso, pois: Quem sabe
Não julgar ou falar mal dos irmãos que deve fazer o bem e não o faz, comete
11 Caros irmãos, não faleis mal uns dos pecado.
outros. Quem se põe a falar contra algum
irmão ou passa a julgar o seu irmão, acaba Advertência aos poderosos
protestando contra a Lei e a julga tam-
bém. Ora, se passas a julgar a Lei, cessas de
obedecê-la e assumis a posição de juiz.8
5 E agora, prestai atenção, vós, os ricos!
Chorai e arrependei-vos, porquanto
desgraças haverão de cair sobre vós.1
12 Um só é o Legislador e Juiz, Aquele que 2 Vossas riquezas apodreceram, e vossas
contínuo diálogo com nosso Pai celestial, e não uma fórmula para fazermos com que Deus satisfaça todos os nossos desejos.
O bom pai sempre se preocupa em dar o melhor e mais saudável aos seus filhos, nem sempre correspondendo às expectativas
imaturas e imediatas deles (Mt 7.7-11).
3 A palavra “adúlteros” é usada em seu sentido mais amplo: “desleais” ou “infiéis”, a fim de enfatizar o grave erro das pessoas
que professando amar a Deus, no dia-a-dia e em seus relacionamentos, demonstram amar muito mais ao mundo e tudo o que
ele pode proporcionar (Jr 1.27; 31.32).
4 Essa é a única referência explícita à pessoa do Espírito Santo nessa carta. Tiago afirma que Deus, na pessoa do seu Espírito,
zela por seus filhos, onde habita, com ciúmes por nossa devoção leal e integral (Êx 20.2-6).
5 Tanto Tiago quanto Pedro (colunas da Igreja) deram ênfase a essa passagem do AT no NT (Pv 3.34; 1Pe 5.5).
6 A única maneira eficaz de resistirmos às artimanhas do Diabo, assim como aos desejos e paixões da nossa própria carne, é
nos rendendo incondicionalmente ao Senhor, em plena devoção (1Pe 5.8,9; Mt 4.10). Ao atendermos o chamado de Deus e dele
nos aproximarmos com sinceridade, seremos recompensados com seu abraço acolhedor e sua presença poderosa em nossas
vidas (Sl 24.3-6). A arrogância e o egoísmo contribuem para uma submissão, cada vez maior, do ser humano ao Diabo e um
proporcional afastamento de Deus (Dt 4.7).
7 Os sacerdotes, no AT, antes de se aproximarem do Santo dos Santos (no tabernáculo), e, portanto, de Deus, tinham que pas-
sar por uma cerimônia em que, enquanto lavavam as mãos e os pés numa bacia de bronze, podiam refletir sobre suas vidas e se
arrepender de eventuais pecados ainda não confessados. Essa lavagem era um símbolo da purificação espiritual (Êx 30.17-21).
Ao sermos iluminados pelo Espírito de Deus, e notarmos o quanto esse mundo jaz nas trevas, a vã alegria se torna em tristeza
pelo pecado e sincero arrependimento (Mt 23.12).
8 Falar mal de um irmão ou arrogar-se como juiz, condenando as decisões e procedimentos dos semelhantes é menosprezar
a segunda parte do primeiro mandamento da Lei, não levando em consideração o amor fraternal que é exigido por Deus no trato
com todos (Mt 22.34-40; Êx 20.16; Sl 15.3; 50.19,20; Pv 6.16,19).
Capítulo 5
1 A riqueza é uma bênção adicional quando recebida por um coração que ama a Deus e seu Reino. Tiago, entretanto, faz um
parêntese em sua carta para prevenir os ricos não cristãos de que seu fim está próximo (At 2.17; 1Tm 4.1; 2Tm 3.1; Hb 1.2; 1Jo
2.18). A arrogância e o sentimento de exagerada confiança que exibem, por causa do acúmulo de bens que possuem, são meras
ilusões passageiras. O AT, em muitos momentos, ao longo da história, faz declarações semelhantes (Is 13 – 23; Jr 46 – 51; Ez 25
– 32; Am 1.3 – 2.16; Sf 2.4-15). As roupas, normalmente confeccionadas em tecidos finos e exclusivos, para clientes exigentes e
adornadas com ouro e pedras preciosas, sempre foram um sinal de requinte e poder no Oriente (At 20.33).
2 A expressão “Senhor dos Exércitos”, em grego transliterado sabaoth, aparece na Septuaginta (tradução do AT em grego)
como “Todo-Poderoso” (Rm 9.29; Is 1.9).
3 Tiago encoraja aos crentes que estão sofrendo sob o domínio dos ricos ímpios, a exercerem a macrothumesate, em grego, uma
espécie de “paciência confiante no arrependimento dos injustos e expectativa” da parousia, expressão original grega usada para indi-
car a visita oficial de um rei a uma cidade dentro do seu domínio (Rm 2.4; 1Pe 3.20; 2Pe 3.9); termo que passou a designar “o glorioso
retorno do Senhor” (1Ts 4.15; 2Ts 2.1). Em Israel, as chuvas do outono surgem em outubro e novembro, pouco depois de semeados
os grãos, e as últimas chuvas da primavera ao final de abril, alguns dias antes da colheita (Dt 11.14; Jr 5.24; Os 6.3; Jl 2.24).
4 Os cristãos são exortados a ter paciência com crentes e descrentes, pois a volta do Senhor se aproxima rapidamente, quando
a plena justiça universal será estabelecida definitivamente. Esse glorioso retorno de Cristo já era considerado iminente pela igreja
primitiva, pois os “últimos dias” são contados a partir da encarnação de Cristo (Rm 13.12; Hb 1.1; 10.25; 1Pe 4.7; Ap 22.20).
5 Ao contrário do que pensam alguns teólogos, Jó não tinha uma paciência desinteressada e passiva (Jó 3; 12.1-3; 16.1-3;
21.4), mas perseverante e confiante na misericórdia do Deus Todo-Poderoso (Jó 1.20-22; 2.9,10; 13.15).
6 Uma vez mais, Tiago menciona as palavras de Jesus em seu ensino doutrinário (Mt 5.33-37). O irmão de Jesus e pastor da
Igreja em Jerusalém não está condenando os juramentos solenes, pois eram uma antiga prática judaica, legalmente válida, quan-
do se precisava atestar uma palavra empenhada (Êx 22.11). Assim como foi instado a fazer Jesus perante Caifás (Mt 26.63,64),
e Paulo, ao expressar seu zelo para com a Igreja (Rm 1.9; 9.1). Tiago está condenando o uso leviano do santo nome de Deus ou
de qualquer pessoa ou objeto sagrado para garantir a verdade do que se diz. Os cristãos devem ser conhecidos como pessoas
cujas palavras são absolutamente dignas de crédito, sem nem mesmo a necessidade de juramentos.
7 Tiago usa o termo grego euthumei, raro no NT, e que significa “ter coragem e bom ânimo diante das adversidades”. Somente
Paulo havia usado essa mesma expressão anteriormente (At 24.10; 27.25). Quanto aos sofrimentos, os crentes devem seguir o
exemplo de Cristo e crer no poder da oração (Lc 22.44).
14 Algum de vós está doente? Chame os que não chovesse, e não choveu sobre a
presbíteros da igreja, a fim de que estes terra durante três anos e meio.9
orem sobre a pessoa enferma, ungindo-a 18 Então, fez outra oração, e os céus
com óleo em o Nome do Senhor;8 derramaram suas chuvas e a terra
15 e a oração, feita com fé, curará o do- produziu os seus frutos.
ente, e o Senhor o levantará. E se houver 19 Queridos irmãos, se algum de vós se
cometido pecados, será perdoado. desviar da verdade e alguém o recondu-
16 Portanto, confessai vossos pecados uns zir a ela,
aos outros e orai uns pelos outros para 20 lembrai-vos disso: quem ajudar um
serdes curados. A súplica de uma pessoa pecador a se arrepender do seu mau
justa é muito poderosa e eficaz. caminho salvará da morte essa alma
17 Elias era uma pessoa frágil como nós. e contribuirá para o perdão de uma
Ele orou fervorosamente, rogando para grande multidão de pecados.10
8 Diferentemente do que afirmam alguns teólogos, essa não é uma indicação para a prática da “extrema unção”. Primeiro,
porque Tiago está se referindo aos presbíteros e não aos sacerdotes; segundo, porque o uso do verbo grego original sozo, cujo
significado é, ao mesmo tempo, “salvar” e “curar”, indica uma oração para a vida e não preparativo para a morte. O óleo era o
remédio mais conhecido e eficaz contra várias doenças e dores. Os antigos filósofos e médicos, como Plínio e Galeno, já reco-
mendavam seu uso. Jesus, embora não usasse óleo em suas curas, autorizou seus discípulos a fazê-lo como uma ilustração do
poder de Deus para curar a alma e o corpo do ser humano, sendo a maior das curas o perdão dos pecados e a doação da vida
eterna. Os presbíteros devem levar os enfermos à essa conclusão e, assim, lhes facilitar o acesso à saúde (salvação) perfeita em
Cristo (Is 1.6; Lc 10.34; 1Tm 3.1; 5.17; Mc 6.13; Mt 9.21,22; 14.30; 24.13,22; Lc 7.50; 8.12,36,48,50).
9 Esses três anos e meio representam apenas uma cifra arredondada (metade de sete), tendo como base os registros nos
Livros dos Reis (1Rs 17.1; 18.1; 41-46; Ap 11.1-6).
10 Tiago oferece aos crentes mais de 50 mandamentos sobre o amor e a Lei do Senhor, a fim de que a Igreja saiba zelar pelo
bom testemunho dos seus membros, com toda a fé (oração), carinho e respeito, visando à perfeita saúde espiritual e o encora-
jamento de todos nas horas de provação (Lc 22.32). O cristão, que se desvia do Caminho, mas que é reintegrado, tem todos os
seus pecados absolvidos pelo poder do sangue remidor de Cristo, além de produzir grande júbilo espiritual em seus irmãos na
Igreja, e a manutenção do bom testemunho dos cristãos perante o mundo (Hb 6.4-8; 2Pe 2.20-21; 1Co 11.30; 1Jo 5.16).
Propósitos
O apóstolo Pedro define bem o tema central de sua breve carta aos cristãos judeus e gentílicos
dispersos (espalhados) por grande parte da Ásia Menor: “a verdadeira graça do Senhor sob a qual
os crentes devem viver firmes” (5.12). Algumas dessas pessoas estiveram com Pedro, em Jerusalém,
no dia do Pentecoste (At 2.9-11). Paulo também já havia pregado e discipulado em algumas dessas
províncias (At 16.6; 18.23; 19.10,26). Pedro, então, usa a situação de dispersão e temporalidade
social e política desses irmãos para falar da peregrinação cristã sobre a terra e alertar seus “filhos
na fé” para o fato de que os crentes em Cristo são verdadeiros cidadãos do céu e, assim, devem se
comportar enquanto durar sua jornada neste mundo (1Cr 29.15; Sl 39.12; Hb 13.14).
Mesmo considerando a brevidade desta santa missiva, somos contemplados com uma série de
princípios doutrinários e sábios conselhos práticos sobre a vida diária do cristão que permeiam
quase toda a carta (1.13 – 5.11).
1 A expressão “peregrinos” é aplicada aos cristãos como pessoas que residem temporariamente na terra, porém são cidadãos
do céu, onde têm assegurado seu lar eterno (1Cr 29.15; Sl 39.12; Hb 13.14). Pedro dirige sua carta aos crentes, especialmente,
“aos dispersos”: cristãos judeus e gentios espalhados por quase toda Ásia Menor. Muitos desses crentes estavam em Jerusalém
no Dia de Pentecostes (At 2.9-11). O apóstolo Paulo também anunciou o Evangelho em muitas dessas províncias (At 16.6; 18.23;
19.10,26).
2 Pedro demonstra como as três pessoas da Trindade participam do plano de salvação da humanidade (Rm 8.29). O Espírito
Santo é a pessoa que nos chama das trevas em que jaz toda a terra, para a maravilhosa luz e vida eterna em Cristo, segundo a
vontade (eleição, escolha) de Deus (1Co 7.14; 2Ts 2.13). O processo de santificação, através do qual o Espírito Santo nos conduz,
produz em nosso ser o verdadeiro e sincero arrependimento e uma nova mente espiritual: ensinável e obediente à Palavra de
Deus e à direção do Espírito. O sangue de Cristo é a purificação e o selo da nova aliança de Deus com seu povo (Nm 19.9; Hb
9.11-28; 12.24; Êx 24.3-8; Is 52.15; Jn 4.2; Jo 14.27; 20.19; Gl 1.3; Ef 1.2).
3 A esperança para o cristão sincero não é apenas um desejo ilusório ou expectativa idealista, mas a “absoluta convicção”
(fé) quanto à ação de Deus em sua vida pessoal e na história. O crente tem o privilégio de ter quantas audiências particulares
com Deus desejar (oração), e a qualquer momento ser ouvido atentamente pelo Senhor, sem que com isso o Criador deixe de
administrar todos os demais detalhes do Universo. Para os cristãos, o sofrimento é uma prova a essa fé inabalável gravada em
seus corações pelo Espírito de Cristo (vv.6,13,21; 2.12, 18-25; 3.5-18; 4.1,4,12-19; 5.1,7-10).
4 A Salvação tem três aspectos: a justificação, quando aceitamos a graça salvadora do sacrifício vicário de Cristo; a
santificação, o processo de nos tornarmos mais semelhantes ao nosso Senhor ao longo de nossa caminhada na terra, e,
finalmente, a glorificação: o encontro definitivo e eterno com nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo (2Tm 1.9; Tt 3.5; 1Co 1.18; Rm
8.23,30; 13.11). O verbo grego original phroureõ, que significa “protegidos” ou “guardados”, usado no tempo passivo, é uma clara
constatação do poder de Deus dirigido ao cuidado e à preservação dos santos (2Co 11.32; Gl 3.23; Fp 4.7).
5 O próprio Jesus, após sua ressurreição e na presença dos apóstolos, já havia congratulado as pessoas que no futuro, mesmo
sem conhecê-lo pessoalmente nem terem visto suas obras maravilhosas, pela fé, iriam crer em sua pessoa e Palavra, converten-
do-se de todo coração a Deus (Jo 20.29).
6 Pedro usa o termo grego original yuw§n (transliterado por psichon), que muitas versões traduzem apenas como “alma”, mas
cujo sentido amplo pode ser melhor compreendido pela expressão “pessoa”, ou seja, todo o nosso ser. Pedro não está excluindo
o corpo físico renovado do céu. Esse termo aparece seis vezes nesta carta (1.22; 2.11; 2.25; 3.20; 4.19).
ção que os profetas indagaram e exami- vos será outorgada na plena revelação de
naram, os quais profetizaram acerca da Jesus Cristo.
graça a vós outros destinada, 14 Como filhos da obediência, não per-
11 buscando conhecer o tempo e as cir- mitais que o mundo vos amolde às pai-
cunstâncias mais oportunas, indicadas xões que tínheis outrora, quando vivíeis
pelo Espírito de Cristo, que neles estava, na ignorância.9
ao comunicar-lhes de antemão os so- 15 Porém, considerando a santidade
frimentos que Cristo haveria de passar daquele que vos convocou, tornai-vos,
e as glórias que se seguiriam àquelas da mesma maneira, santos em todas as
aflições.7 vossas atitudes.
12 A eles foi predito que estavam minis- 16 Porquanto, está escrito: “Sede santos,
trando não para si próprios, mas sim porque Eu Sou santo!”.10
para vós, quando profetizaram as verda- 17 Ora, se invocais como Pai aquele que
des que agora vos foram anunciadas por julga imparcialmente as obras de cada
intermédio daqueles que vos pregaram pessoa, procedei com sincero temor reve-
o Evangelho mediante o Espírito Santo rente durante a vossa jornada terrena.11
enviado dos céus, assuntos estes que até 18 Porquanto, estais cientes de que não
os anjos anseiam acompanhar minucio- foi mediante valores perecíveis como a
samente.8 prata e o ouro que fostes resgatados do
vosso modo de vida vazio e sem sentido,
Encorajamento a uma vida santa legado por vossos antepassados.12
13 Assim sendo, estejais com a mente pre- 19 Mas fostes resgatados pelo precioso
parada, prontos para agir; alertas, depo- sangue de Cristo, como de Cordeiro sem
sitai toda a vossa esperança na graça que mácula ou defeito algum,13
7 Pedro se refere ao Espírito Santo como Espírito de Cristo porque Cristo o enviou (Jo 16.7) e realizou sua obra na terra por
meio dele (Lc 4.14,18). Os sofrimentos e aflições vivenciados por Jesus Cristo em sua peregrinação pela terra são uma ilustração
viva dos nossos desafios e provações. Contudo, todos os crentes sinceros, ligados à Videira, são beneficiados com a companhia
diuturna de Deus e todas as glórias reservadas aos seus filhos, assim como Jesus já vive na glória do Pai. O sofrimento passageiro
e a glória eterna fazem o tema central desta carta (vv.18-21; 3.8,17-22; 4.12-16; 5.1,5,9,10).
8 Pedro estabelece um paralelo entre os vv.11 e 12, entre a geração dos profetas do AT e da Igreja no NT. O Espírito e a
Mensagem são os mesmos; no AT, como “promessa”, e no NT, como “cumprimento”. O Evangelho engloba a mensagem
profética junto com sua realização histórica. Todo esse processo é tão impressionante que Pedro usa a expressão grega
original epithymusin para descrever o sentimento de “grande ansiedade” dos anjos que, conforme o termo original seguinte
parakypsai (perscrutar), agem como “alguém que, observando os fatos do alto de uma sacada, encurva-se para mais atentamente
acompanhar o desenrolar dos acontecimentos”. Os anjos nos contemplam na expectativa de nossa perseverança, e glória na fé
em Cristo, diante dos sofrimentos e os desafios de um mundo que se afasta de Deus (5.12).
9 Os cristãos sinceros são filhos do Pai celestial, adotados na família de Deus e herdeiros, com Cristo (o Primogênito), de toda a
glória eterna e bênçãos celestiais reservadas para o povo do Senhor de todos os tempos, etnias e culturas (vv.17,23). Os cristãos
são os únicos que recebem a autoridade filial e podem orar: “Pai nosso, que estás nos céus!” (Mt 6.9; Rm 8.15).
10 Deus é santo, quer dizer, absolutamente separado de qualquer aparência do mal. Essa característica do divino, de profunda
aversão à perversidade, deve inspirar seus filhos a persistirem em seu processo diário de santificação, afastando-se da impureza
e do pecado (Hc 1.13).
11 A expressão grega aqui traduzida por “temor reverente” tem, de fato, esse sentido de um respeito absoluto a um Pai que é
grandioso em amor e poder, e ao mesmo tempo, severo e intransigente quanto ao que é saudável, bom e correto (Pv 1.7; 8.13;
16.6).
12 Nas Escrituras, o termo “resgatar” significa livrar alguém da escravidão ou de alguma condenação, mediante o pagamento
de alta multa ou fiança (Êx 21.30 com Êx 13.13). No mundo grego, os escravos podiam ser redimidos por fiança ou substituição
por outra pessoa com características físicas e intelectuais semelhantes. É assim que Jesus Cristo redime os crentes da
condenação da Lei (Gl 3.13), bem como de toda a maldade que tanto assedia o ser humano em sua jornada sobre a terra (Tt
2.14). Não há moeda ou bem suficientes para o pagamento deste resgate, somente o sangue do Cordeiro é capaz de substituir
nossa condenação à morte (afastamento eterno de Deus) por uma vida sem fim em sua presença (v.19; Ef 1.7; Ap 5.9; Mt 20.28;
Mc 10.45; Hb 9.15; Gl 3.13; Cl 1.14; Rm 3.24).
13 Os sacrifícios de sangue oferecidos a Deus no AT constituem-se em prefigurações do sacrifício vicário de Jesus Cristo, o
derradeiro e eficaz, única ação legal e libertadora capaz de satisfazer completamente a Lei instituída pelo próprio Deus. Portanto,
Cristo é o Cordeiro pascal dos crentes (1Co 5.7). Ele é o único que tira o pecado do mundo (Jo 1.29), o qual é sem qualquer
mancha ou imperfeição (Hb 9.14).
14 O apóstolo Pedro afirma que Cristo estava com Deus desde a fundação do Universo, aguardando o desenrolar da história e
o momento mais oportuno para revelar seu Filho, como única possibilidade de salvação da humanidade (At 2.17; 1Tm 4.1; 2Tm
3.1; Hb 1.1; 1Jo 2.18).
15 Eco de uma ordem expressa de Jesus (Jo 13.34,35; 1Ts 4.9,10).
16 O novo nascimento (a regeneração) é um milagre promovido pelo Espírito Santo de Deus nas vidas das pessoas que
recebem com gratidão e sinceridade esse dom de Deus (Tt 3.5; Jo 1.13; 3.5). A Palavra de Deus é o anúncio do Evangelho (a
própria pessoa do Cristo) e conclama o pecador ao arrependimento e à salvação (v.25; Tg 1.18). Neste contexto, “a semente” é
a eterna Palavra de Deus, que uma vez pregada, jamais volta vazia (Is 55.11); que é incorruptível (não passa nem se desvanece
pela ação do tempo ou qualquer intempérie), viva, eficaz e perene.
17 Pedro usa a palavra grega original doxa “glória”, para revelar poeticamente o estado frágil, temporário, e passageiro de tudo
aquilo que uma pessoa possa ostentar e se orgulhar (Is 40.6-8). Entretanto, aqueles que confiam na Palavra do Senhor conhecem
seus limites e a graça de Deus que os sustenta todos os dias, como os lírios do campo (Mt 6.28,29). Os crentes são como as
mais belas e perfumadas flores: quanto mais esmagados pelo mundo e provados, mais exalam o bom perfume de Cristo (2Co
2.15). A Palavra que deu origem a tudo, que é a própria pessoa do Cristo (Jo 1.1-3), também jamais se desvanecerá ou ofuscará
sua glória excelsa (Mt 24.35).
Capítulo 2
1 A fome incontida de um bebê recém-nascido é uma ilustração viva do tipo de vontade santa e irresistível que impulsiona um novo
e sincero convertido para adorar a Deus e se alimentar dia a dia da Palavra do Senhor (v.25; Sl 34.8; Ef 4.22; Cl 3.8; Hb 1.21).
2 O mundo incrédulo rejeita o verdadeiro Deus e a seu Filho desde a antigüidade (At 2.22-36; 3.13-15; 4.10,11; 10.39-42),
esculpindo e cultuando objetos em forma de deuses inanimados. Aos crentes, entretanto, Deus revelou seu Filho como a “Pedra”
que vive e tem o poder de doar a vida a todos quantos o recebem como Senhor (vv.6,8; Mt 21.42; Mc 12.10,11; Lc 20.17; At 4.11;
Rm 9.33). A pessoa de Cristo, o Filho de Deus, é a Pedra Viva; a Palavra, o Evangelho, a Água Viva, o Pão Vivo, o Caminho (Jo
1.1-4; 4.10-14; 5.26; 6.51; 7.38; Hb 10.20).
3 Os crentes também são pessoas geradas pela Pedra Viva, e, portanto, possuem as características da matriz. Somos os
sacerdotes da nova humanidade, do novo Templo vivo do Senhor (expressão que tem a ver com o Tabernáculo, a Casa de Deus).
Pedro usa o termo grego original hierateuma para designar o “sacerdócio” não mais como uma atividade profissional, exclusiva
e isolada, mas como a obra da coletividade dos adoradores de Deus, movidos por seu Espírito, em função do sacrifício remidor
de Cristo. Cada pedra é uma metáfora da matéria inanimada que, ao receber o Espírito Santo, mediante a fé na Pedra Viva, se
transforma em sacerdote da graça e em templo do Espírito de Deus. Portanto, a responsabilidade de usar essa liberdade e poder
segundo a orientação de Cristo, a Pedra principal e que edifica todo o conjunto da grande construção (1Co 15.45; At 2.33; Jo
aquele que nela deposita sua confiança 12 Seja exemplar o vosso comportamen-
jamais será envergonhado”.4 to entre os gentios, para que naquilo que
7 Assim sendo, para vós, os que credes, falam mal de vós, como se fôsseis pessoas
ela é preciosa, mas para os que não que vivem praticando o que é mau, ao
crêem, “a pedra que os construtores re- observarem as vossas boas obras, glori-
jeitaram tornou-se a principal, a pedra fiquem a Deus no dia em que receberem
angular”, a sua revelação.
8 e, “pedra de tropeço e rocha que causa 13 Por causa do Senhor, submetei-vos
a queda”; porquanto, aqueles que não a toda autoridade constituída entre os
crêem tropeçam na Palavra, por serem povos; seja ao rei, como principal mo-
desobedientes, todavia, para isso tam- narca,
bém foram destinados. 14 seja aos governantes, como por ele en-
9 Porém, vós sois geração eleita, sacerdó- viados, para punir os praticantes do mal
cio real, nação santa, povo de proprie- e honrar os que fazem o bem.6
dade exclusiva de Deus, cujo propósito 15 Porque a vontade de Deus é que pra-
é proclamar as grandezas daquele que ticando o bem, caleis a ignorância dos
vos convocou das trevas para sua mara- insensatos.
vilhosa luz. 16 Considerando que sois livres, não
10 Vós, sim, que antes não éreis sequer useis a liberdade como pretexto para
povo; mas agora, sois o Povo de Deus; fazer o que é mal, mas vivei como servos
não tínheis recebido a misericórdia, con- de Deus.7
tudo agora a recebestes.5 17 Tratai todas as pessoas com a devida
reverência: amai os irmãos, temei a Deus
Deveres do Povo de Deus e honrai ao rei.
11 Amados, exorto-vos como a peregri- 18 Escravos, sujeitai-vos a vossos senho-
nos e estrangeiros a vos absterdes das res com todo o respeito, não apenas
paixões da carne, que batalham contra aos bons e sensatos, mas também aos
a alma. perversos.8
2.19; 1Co 3.16; Ef 2.19-22; Hb 7.26; 10.10; 13.15,16; Rm 21.1; Fp 4.18; Jo 14.6). Essas referências às pedras são, uma vez mais,
ecos das poderosas palavras de Cristo (Mt 16.18).
4 Pedro deixa claro que a pedra (angular), que determina todo o projeto, bem como a orientação do desenvolvimento da
construção não é ele, nem qualquer outro líder religioso, mas, sim, a pessoa de Jesus Cristo: a Pedra Viva (Is 8.14,15; 28.16; Sl
118.22; Mt 21.42; Mc 12.10; Lc 20.17; At 4.11). Há, no entanto, dois tipos de atitudes das pessoas em relação à essa explanação
de Pedro: os que crêem e assumem seu sacerdócio ao lado de Cristo; e os que rejeitam a Pedra Viva e, conseqüentemente,
tropeçam e caem para sempre (vv.7,8).
5 Israel foi considerado o povo escolhido de Deus no AT (Is 8.14,15; 43.10,20; 44.12; Ef 1.4). Contudo, durante séculos foram
insinceros, desobedientes e incrédulos. Com a vinda e o sacrifício vicário de Cristo, o Senhor chama para si, e adota como filhos
povos de todas as etnias, tribos e nações, mediante a fé sincera de cada uma dessas pessoas na pessoa e obra redentora do seu
Filho. Assim, os gentios (todos os não-judeus) de todo mundo, que não tinham recebido a misericórdia de terem sido alcançados
por Deus, agora, em Cristo, são todos bem-vindos ao Reino Eterno como co-herdeiros e tabernáculos (habitação) vivos de Deus
(Êx 19.5-6; Dt 4.20; 7.6; 14.2; 28.9; Is 43.21; Ml 3.17). Em Oséias, Israel foi “desfavorecida” por causa da sua incredulidade. Em
Romanos, Paulo aplica esse princípio aos gentios; em Pedro, todos os incrédulos, judeus ou não, precisam individualmente
acolher a graça da salvação em Cristo, a fim de saírem das trevas e da insignificância para a maravilhosa luz do Pai (Os 1.6,9;
2.1,22,23; Rm 9.19 – 10.9).
6 Quando Pedro escreveu esta carta, o imperador de Roma era Nero, monarca pagão, injusto e sanguinário, que reinou de 54
a 68 d.C. Toda a autoridade estabelecida nas diversas sociedades humanas depende de Deus para sua existência (Rm 13.1,2).
Contudo, a obediência a qualquer autoridade jamais deve caracterizar uma violação à Palavra de Deus (At 4.19; 5.29).
7 Os cristãos estão livres das amarras do pecado e das filosofias do sistema mundial para adorar a Deus de tal forma que seu
testemunho de vida impressione positivamente até o pior dos incrédulos, fazendo-os pensar melhor a respeito de se renderem
a Deus e à sua Palavra (Mt 5.16).
8 Apesar de os autores do NT não atacarem diretamente a escravatura como instituição, foi a Bíblia a base das idéias
democráticas, igualitárias e do homem livre. Os ensinos básicos neotestamentários podem ser também aplicados perfeitamente,
em nossos dias, aos relacionamentos entre patrões e empregados (Ef 6.5-8; Cl 3.22-25; 1Tm 6.1,2; Tt 2.9,10).
19 Pois é louvável que, por causa da sua das, porém agora fostes convertidos ao
consciência para com Deus, alguém Pastor e Bispo de vossas almas.11
suporte constrangimentos e sofra injus-
tamente. Como deve viver a família cristã
20 Porquanto, que mérito há em ter que
suportar castigos recebidos por que ha-
veis praticado o mal? Entretanto, se su-
3 Da mesma maneira, cada uma de
vós esposas, sede submissas a vossos
próprios maridos, com o propósito de
portais sofrimento quando fazeis o bem, que, se alguns deles ainda são contra a
isso é digno de louvor diante de Deus. Palavra, sejam convertidos sem admoes-
21 Para essa obra fostes chamados, pois tações, mas pelo procedimento de sua
Cristo também sofreu por vós, legando- esposa,1
vos também este exemplo, a fim de que 2 testemunhando a vossa maneira de ser
sigais os seus passos. honesta e respeitosa.
22 “Ele não cometeu pecado algum, nem 3 Portanto, o que vos torna belas e admi-
qualquer engano foi encontrado em sua ráveis não devem ser os enfeites exterio-
boca.”9 res, como as tranças do cabelo, as finas
23 Quando insultado, não revidava; jóias de ouro ou o luxo dos vestidos.
quando sofria, não fazia ameaças, mas 4 Pelo contrário, esteja em vosso ser inte-
entregava-se Àquele que exerce plena rior, que não se desvanece, toda a beleza
justiça em seu juízo. que se revela mediante um espírito amá-
24 Ele levou pessoalmente todos os nos- vel e cordato, o que é de grande valor na
sos pecados em seu próprio corpo sobre presença de Deus.2
o madeiro, a fim de que morrêssemos 5 Porquanto, na antigüidade, era deste
para os pecados e, então, pudéssemos modo, que as santas mulheres que espe-
viver para a justiça; por intermédio das ravam em Deus costumavam se adornar.
suas feridas fostes curados.10 Elas eram dóceis cada qual para com seu
25 Afinal, vivíeis como ovelhas desgarra- próprio marido,
9 As Escrituras profetizam e atestam a absoluta impecabilidade de Jesus Cristo em todas as fases de sua vida (Is 53.9; At 3.14;
2Co 5.21; Hb 4.15; 7.26; 1Jo 3.5).
10 Em conseqüência do sacrifício vicário de Cristo na cruz do Calvário, e de sua ressurreição, os crentes estão posicionalmente
mortos para o poder do pecado, a fim de que tenham toda a liberdade para viverem vidas novas e se apresentarem a Deus per-
doados e purificados pelo sangue do Cordeiro, como instrumentos de justiça numa sociedade corrupta e corruptora (Is 53.5,12;
Mt 8.16,17; At 5.30; 10.39; 13.29; Rm 6.3-14; Gl 3.13).
11 Pedro usa a palavra “Pastor” ao nos levar a pensar nas “ovelhas desgarradas” citadas pelo profeta Isaías (Is 53) e referir-se à
pessoa e à obra de Cristo. A expressão “Bispo” (literalmente em grego episkopoi) tem uma conotação mais acadêmica, além das
capacidades de administração eclesiástica, ampliando o significado do ministério pastoral. Esses termos, quando aplicados aos
líderes espirituais da igreja, não indicam duas funções ou cargos diferentes. São usados para comunicar que alguns servos são
mais servos que outros, e devem zelar com amor fraternal pelo rebanho de Deus, como supervisores (presbíteros) do bem-estar
da comunidade (Sl 23.1; Jo 10.10-14; Hb 13.20; At 20.28; 1Pe 5.2-4).
Capítulo 3
1 Assim como todos os cristãos devem se sujeitar às autoridades governamentais instituídas, por amor e fé no Senhor (2.13-17), e
os escravos, ou empregados, a seus senhores e patrões (2.18-25), as esposas crentes devem a seus maridos a mesma submissão.
O verbo grego “sujeitar”, usado nessas orientações, tem a mesma raiz e, em sua forma imperativa Hypotagete significa “colocar-
se espontaneamente sob a missão ou a responsabilidade de outrem”. A missão aqui é a construção de um lar confortável para a
família. Até mesmo os maridos que “se opõem ao Evangelho” (esse é o sentido literal da expressão no origi-nal grego) poderão ser
“ganhos” (em grego kerdethesontai), termo técnico no NT, cujo sentido é o de “cooperar intensamente para levar alguém à presença
de Cristo”. No entanto, a esposa não deve pregar sistematicamente para seu marido renitente, mas demonstrar – mediante seu
procedimento diário – como vive uma pessoa salva, cuja fé e esperança estão plenamente depositadas no Senhor.
2 É natural e apreciável que as mulheres se arrumem de forma a valorizar sua personalidade, bem como seus dotes físicos
e estéticos. A ênfase da instrução bíblica não está tanto no tipo dos adornos. Entretanto, o exibicionismo em geral, como os
arranjos excêntricos para os cabelos, uso de roupas extravagantes ou luxuosas, jóias finas e exóticas e caros acessórios de
moda, não conseguem superar – especialmente no dia-a-dia – a beleza e elegância de uma mulher graciosa, gentil, delicada,
mansa, compreensiva e que não depende da sua capacidade de sedução e verbalização para realizar tudo o que deseja, pois
sabe esperar confiante no Senhor (1Sm 16.7; Rm 7.22).
6 como Sara, que obedecia a Abraão e Senhor volta-se contra os que praticam
o chamava senhor. Dela sois filhas, se o mal”.
praticardes o bem sem qualquer espécie 13 Ora, quem vos fará mal se sois zelosos
de receio. do bem?
7 Exatamente, da mesma maneira, vós 14 Todavia, ainda que venhais a sofrer
maridos, vivei com vossas esposas a porque viveis em justiça, sereis felizes.
vida cotidiana do lar, com sabedoria, “Não vos atemorizeis, portanto, por
proporcionando honra à mulher como causa de ameaças, nem mesmo vos
parte mais frágil e co-herdeiras do dom alarmeis.”5
da graça da vida, de forma que não sejam 15 Antes, reverenciai a Cristo como Se-
interrompidas as vossas orações.3 nhor em vosso coração, estando sempre
preparados para responder a qualquer
O estilo de vida do cristão pessoa que vos questionar quanto à es-
8 Concluindo, tende todos vós o mesmo perança que há em vós.
modo de pensar, demonstrai compaixão 16 Contudo, fazei isso com humildade e
e amor fraternal, sede misericordiosos e respeito, conservando boa consciência,
humildes, de tal maneira que os que falam com
9 não retribuindo mal com mal, tampou- malignidade contra o vosso bom com-
co ofensa com ofensa; ao contrário, aben- portamento, pelo fato de viverdes em
çoai; porquanto, foi justamente para Cristo, fiquem envergonhados de suas
esse propósito que fostes convocados, próprias calúnias.6
a fim de também receber bênção como 17 Porque é melhor sofrer por praticar o
herança. bem, se for da vontade de Deus, do que
10 Portanto, “quem quiser amar a vida por fazer o mal.
e ver dias felizes, refreie a sua língua do 18 Pois Cristo também foi sacrificado
mal e os seus lábios da falsidade;4 uma única vez por nossos pecados, o
11 afaste-se do mal e pratique o bem; Justo pelos injustos, com o propósito de
busque a paz e nela persevere. conduzir-nos a Deus; morto, de fato, na
12 Porque os olhos do Senhor estão sobre carne, mas vivificado no Espírito,
os justos e seus ouvidos estão atentos 19 no qual igualmente foi e proclamou
às suas orações, entretanto, a face do aos espíritos em prisão,7
3 À medida que o tempo passa, a sociedade, em geral, se distancia mais e mais da verdadeira adoração a Deus, respeito
e obediência à sua Palavra. O fato de Sara tratar Abraão de “senhor” era um sinal de consideração e elevada estima para os
padrões do povo de Deus no Oriente daquela época. O princípio subjacente, entretanto, é que as atuais discípulas de Sara são
as crentes que buscam agradar a Deus em primeiro lugar, e, por isso, desenvolvem uma personalidade paciente, bondosa e
destemida, ou seja, não se deixam influenciar ou amedrontar por nada nem por ninguém (Pv 3.25-27). Ao homem cabe cuidar
com dignidade e carinho da mulher, como ser mais delicado e sensível. Entretanto, a mulher é igual ao homem quanto à graça
salvadora e às responsabilidades do discipulado cristão (Gl 3.28). A desobediência à Palavra de Deus prejudica tanto a comunhão
com Deus quanto a vida conjugal e o relacionamento com a Igreja (1Ts 4.1-12; 1Co 7.3-5).
4 As advertências de Pedro são ecos das palavras de Jesus, Paulo e Tiago (Mt 5.10,12,44; Lc 6.28; Rm 12.15-21; Fp 2.2-8; 1Co
12.26; 1Ts 4.9,10; Hb 13.1; Cl 3.12). Contudo, ele cita parte do Sl 34, a fim de encorajar todo cristão a praticar as virtudes ensina-
das nos vv.8,9; com a promessa de uma vida feliz, apesar das tribulações cotidianas, contando com as bênçãos dos vv.10-12.
5 É muito difícil que alguém venha a sofrer fazendo o que é certo, direito e altruísta. No entanto, mesmo que isso venha a
ocorrer, o cristão é encorajado a temer a Deus e nele confiar absolutamente (Is 8.13).
6 O cristão está sob as bênçãos de Deus e de posse da Verdade, portanto, não tem do que se envergonhar ou temer. Sua apo-
logética (defesa da fé) deve ser proclamada com mansidão, paciência e consideração à pessoa humana daqueles que se opõem,
pois todos nós fomos criados à imagem de Deus e carecemos da iluminação do Espírito Santo. Sempre que tratamos aqueles
que nos caluniam ou difamam com mansidão, compreensão e respeito (inclusive baixando o tom da nossa voz), demonstramos
que a amargura do oponente não faz sentido e entregamos a situação ao perfeito juízo de Deus (Mt 5.1-12; Lc 1.48). Não há nem
haverá mais qualquer sacrifício pelos pecados da humanidade (v.19; Hb 9.25-28; Mt 16.21-23; Fp 2.5-11).
7 Pedro usa propositalmente a expressão original grega kerussein “proclamar” ou “anunciar”, em vez de evanggelizen,
“evangelizar”, para deixar bem claro o tipo de pregação vitoriosa realizada por Jesus sobre o Inimigo e toda a malignidade do
universo (2Pe 2.4,5; Cl 2.15).
8 Nessa passagem, o dilúvio simboliza o batismo, e o batismo ilustra a própria salvação. No dilúvio, a água representou a
morte de todos os ímpios; o batismo evoca a morte redentora de Cristo e figura a morte do “velho homem” no crente. O batismo,
portanto, é o grande símbolo da salvação por ilustrar vividamente a morte, o sepultamento e a ressurreição de Cristo (nossa
Arca), e a nossa identificação com Ele nessas experiências (Rm 6.3,4). A responsabilidade do cristão é esforçar-se para que
todo o simbolismo do batismo se concretize em seu convívio prático e diário com o Espírito Santo. A salvação ocorre pelo poder
transcendente da ressurreição de Jesus Cristo, o Filho de Deus (v.22; At 1.9-11; Ef 1.21; 6.12).
Capítulo 4
1 Pedro ressalta o exemplo de Cristo ao sofrer todo tipo de injustiça, vencendo tentações e provações mediante sua amo-
rosa submissão ao Pai e prática do bem. Sofrimentos graves por amor a Cristo promovem valioso crescimento espiritual e
santificação (Fp 2.5-11).
2 Assim que raiar o Dia do Juízo Final, todas as pessoas (vivos e mortos) comparecerão diante de Deus, o Supremo Juiz, que
delegará a seu Filho, Jesus Cristo, a condução do julgamento. A misericórdia de Deus, entretanto, manifesta no Evangelho,
garante a vida eterna no Espírito, mesmo aos que morrerem antes do glorioso retorno do Senhor (Jo 5.27; At 17.31; Rm 2.5,16;
Tg 4.12; Hb 4.13; 9.17). Pedro se refere à pregação feita no passado para pessoas que viviam naquela época, mas que já haviam
morrido quando essa carta foi escrita. O NT é claro no sentido de que não haverá qualquer oportunidade para salvação após a
morte (Hb 9.27).
3 Os cristãos devem esperar o glorioso retorno de Cristo expressando um caráter celestial na maneira fraterna com que se
relacionam com todas as pessoas e cooperam entre si (2Pe 3.11-14). Devem ser caracterizados pela maneira sábia como vivem
e tomam suas decisões diárias em função da sua maior prioridade que é adorar ao Senhor, amar as pessoas ao seu redor e vigiar
em oração (Lc 18.1; Gl 5.23; Tg 5.9; 1Co 7.5; Ef 6.18; 1Ts 5.17; 1Jo 5.14,15).
4 Novas expressões que soam como eco das palavras de Jesus. O amor fraternal entre os cristãos deve ser sincero e demonstra-
do no dia-a-dia mediante atitudes práticas (1Ts 4.9,10; 2Pe 1.7; 1Jo 4.7-11). Só o amor cristão é capaz de perdoar tudo e sempre que
necessário, assim como o Senhor fez em relação aos nossos erros e pecados (Pv 10.12; Mt 18.21,22; 1Co 13.5; Ef 4.32).
5 Os crentes em Cristo são abençoados com dons espirituais para servirem melhor uns aos outros (a Igreja) e testemunharem
ao mundo como vivem os cidadãos do Reino (Rm 12.4-13; 1Co 12.7-11; 1Tm 3.2; 5.10; Tt 1.8; 3Jo 5-8).
11 Se algum irmão prega, fale como quem gamento pela casa de Deus; e, se começa
comunica a Palavra de Deus; se alguém primeiro conosco, qual será o fim daque-
serve, sirva conforme a força que Deus les que não obedecem ao Evangelho de
provê, de maneira que em todas as atitudes Deus?7
Deus seja glorificado mediante Jesus Cris- 18 E, “se é com dificuldade que o justo é
to, a quem pertencem a glória e o pleno salvo, que será do ímpio, o pecador?”
domínio por toda a eternidade. Amém! 19 Portanto, aqueles que padecem de
acordo com a vontade de Deus devem
O privilégio de sofrer por Cristo confiar sua vida ao seu fiel Criador e
12 Amados, não vos assusteis com a seguir praticando o bem.
provação que surge entre vós, como
fogo ardente, com o objetivo de provar a O líder deve ser exemplo vivo
vossa fé. Não entendei isso como se algo
estranho vos estivesse acontecendo.
13 Contudo, alegrai-vos por serdes parti-
5 Suplico, portanto, aos presbíteros
que há entre vós, eu que sou também
presbítero como eles, testemunha ocular
cipantes dos sofrimentos de Cristo, para dos sofrimentos de Cristo e, certamente,
que também vos alegreis e exulteis na co-participante da glória que há de ser
revelação da sua glória. plenamente revelada:1
14 Se sois insultados por causa do nome 2 pastoreai o rebanho de Deus que está
de Cristo, bem-aventurados sois, por- sob vosso cuidado, não por constran-
quanto sobre vós repousa o Espírito da gimento, mas voluntariamente, como
glória, o Espírito de Deus. Deus quer; nem por sórdida ganância,
15 Mas nenhum de vós sofra como homi- mas de boa vontade;2
cida, ladrão, praticante do mal, ou como 3 nem como ditadores daqueles que vos
quem se intromete em negócios alheios. foram confiados, antes, tornando-vos
16 Entretanto, se sofrer como cristão, não exemplos do rebanho.
se envergonhe disso; antes, glorifique a 4 Ora, assim que o Supremo Pastor se
Deus por meio desse nome.6 manifestar, recebereis a imperecível co-
17 Pois chegou a hora de começar o jul- roa da glória!3
6 Poucas são as vezes em que a expressão popular “cristão” (literalmente em grego: “pequenos cristos”) foi usada pelos
apóstolos para identificar os “crentes em Cristo” (At 11.26; 26.28).
7 As perseguições que os crentes sofriam na época de Pedro eram o início dos julgamentos enviados por Deus, com o objetivo
de purificar o seu povo. No final dos tempos, o juízo se intensificará a fim de que toda a Igreja seja purificada. Ao término desse
período escatológico, virá o terrível e definitivo julgamento de todos quantos se rebelaram (ímpios e pecadores) contra o Senhor e
sua Palavra eterna (Mc 13.20; Ap 6.15-17; Is 10.12; Jr 25.29; Ez 9.6; Ml 3.1-6). Se Deus não poupa seu próprio povo do julgamento,
quanto mais severo e punitivo será o juízo que infligirá aos incrédulos.
Capítulo 5
1 Pedro foi nomeado apóstolo pessoalmente por Jesus Cristo. Contudo, como pastor, ele se solidariza com os presbíteros das
igrejas cristãs, espalhadas por toda a Ásia Menor, com o propósito de animá-los na fé diante das graves provações pelas quais
estavam passando (At 20.17; 1Tm 3.1; 5.17; 2Jo 1; 3Jo 1). O texto grego original traz a expressão martys que, neste contexto,
significa “testemunha ocular”. Pedro seguia a Cristo desde os primeiros dias do seu ministério na terra, participou dos sofrimentos
mais terríveis impostos ao Senhor e contemplou sua glória (Mt 26.58; Mc 14.54; Lc 22.60-62; Jo 18.10-16). Por isso, tem toda
a autoridade para nos encorajar na difícil caminhada cristã, com a certeza de que passados esses tempos de provação, nós
também, vamos participar da glória eterna do Senhor (At 1.8; Jo 1.14. 2.11; Mt 16.27; 17.8).
2 Aqui, como em passagens anteriores, recebemos o maravilhoso eco das palavras de Jesus, as quais ficaram gravadas na
mente e no coração de Pedro (Jo 10.1-18; 21.15-17; Lc 15.3-7; 1Pe 2.25). Ao escrever esta carta de consolo e encorajamento, Pe-
dro está pastoreando os líderes da Igreja cristã de todas as épocas, em cumprimento às ordens do Senhor, a exemplo do que fez
Paulo diante dos presbíteros em Éfeso (At 20.28). O termo “pastor” é uma metáfora do AT e, juntamente, com as demais expres-
sões de liderança espiritual na Igreja (presbítero, supervisor, bispo, ancião), aplica-se ao cuidado amoroso, respeitoso e dedicado
de um servo do Senhor em favor de sua comunidade (rebanho) local (Ez 34.1-10; At 20.17,28; Fp 1.1; 1Tm 3.2; Tt 1.7).
3 Embora Pedro tivesse plena autoridade apostólica e fosse amigo íntimo de Cristo, os anos de caminhada com o Espírito
Santo lhe ensinaram a ser um verdadeiro cidadão do céu, onde o exaltado é o menor e o mais humilde. Pedro, uma das colunas
da Igreja, não se coloca diante dos líderes cristãos locais com despotismo ou qualquer arrogância. Antes, oferece seu ombro
amigo e suas orações sinceras, bem como seu “exemplo” (literalmente em grego “figura de Cristo”, “tipo” ou “modelo”), para
fortalecimento da fé dos irmãos. Pedro foi martirizado por ordem de Nero; no final da década de 60 d.C., por defender a genuína
fé cristã, todavia assegura a todos os pastores que, como ele, se submeterem à vontade do Senhor, receberão as mais preciosas
recompensas no Reino eterno de Deus (Mt 16.24-27; Mc 10.42-45; Fp 2.6-11; 2Ts 3.9).
4 Pedro trata sobre humildade e respeito de 2.13 a 3.6. Esta passagem, entretanto, é dirigida especialmente aos líderes espiri-
tuais da Igreja. Pedro, um rebelde quando jovem, agora, escolado pelo Espírito de Cristo e pela vida, evoca a atitude de Cristo ao
lavar os pés dos discípulos (Jo 13.6-9; Pv 3.34).
5 O socorro do Senhor nos alcançará no momento exato, mesmo que ao nosso ver já seja tarde (Lc 4.11; 18.14; Fp 6.4,7).
6 Pedro sabia muito bem o quanto é difícil ficarmos alertas e despertos durante toda a nossa peregrinação (1Ts 5.6,8; Mt 23.12;
26.36-46).
7 Os crentes não devem olhar somente para suas próprias vidas, famílias e igrejas locais, mas levantar os olhos e contemplar
a fraternidade evangélica em todo o mundo. Devemos nos solidarizar com os cristãos de todas as culturas sobre a terra. A graça
do Senhor é abundante, generosa e poderosa para nos guardar a todos (Gl 1.3; Ef 1.2).
8 O irmão Silvano, também conhecido como Silas, era amigo e escriba de Pedro, proporcionando uma correta redação aos
pensamentos do apóstolo (At 15.22,40).
9 No século I d.C., Babilônia era uma pequena cidade à beira do rio Eufrates (região onde hoje se situa o Iraque). Apesar de
alguns teólogos julgarem que Pedro esteja se referindo de forma enigmática à cidade de Roma, há fortes indícios de que ele
fala literalmente dos irmãos babilônicos, ribeirinhos ao Eufrates. O termo “Babilônia” , como figura de Roma, só vai aparecer nos
textos do Apocalipse, por volta do ano 95 d.C. Pedro tem tanta consideração por Marcos, como discípulo amado, que o chama
de “filho na fé” (1Tm 1.2; At 12.12,25; 13.13; 15.37,39; Cl 4.10; Fm 24).
10 O ósculo santo, ou “beijo fraternal”, era a forma tradicional como os orientais se saudavam, em sinal de submissão e
respeito, na época de Pedro (e até hoje em alguns países). Pedro termina esta carta enfatizando a profunda união dos crentes
com Cristo, conceito básico para a correta compreensão de todo o conteúdo da carta (1Co 16.20; Rm 16.16; Ef 6.23,24).
1 Pedro usa originalmente o termo grego dou'lo" “escravo” ou “serviçal” para demonstrar sua devoção a Jesus Cristo como
Deus e Salvador (Rm 9.5). Pedro foi o primeiro dos discípulos a proclamar a grande confissão de fé acerca da plena deidade de
Jesus (Mt 16.16).
2 O melhor antídoto contra as filosofias e doutrinas heréticas é uma teologia bíblica, fundamentada na Verdade, isto é, em Cristo
(Jn 4.2; Jo 14.27; 20.19; Gl 1.3; Ef 1.2). Particularmente, nesta carta, vemos Pedro combater os pensamentos anticristãos que
estavam sendo fomentados em sua época.
3 Pedro responde aos gnósticos, aqueles que acreditam que o conhecimento (saber) é o divino caminho e a raiz da felicidade
universal, que o próprio Deus colocou à disposição do ser humano, mediante a pessoa e a obra de Jesus Cristo, tudo o que
necessitamos para a Salvação e o desenvolvimento da vida espiritual como cidadãos do Reino (vv. 1.3,5,8; 3.18). O conhecimento
teológico cristão deve produzir santidade (Cl 1.9-12).
4 O Senhor nos convida a co-participar de sua natureza e nos libertar da corrupção. O crente deve subir a escada da
santificação: depositando totalmente sua fé pessoal em Cristo, o Salvador (Ef 2.8,9); demonstrando as virtudes próprias dos
salvos, motivadas pelo Espírito Santo (Gl 5.22); conhecendo dia-a-dia o Senhor e sua Palavra (tema desta carta: 1.3-8; 2.20; 3.18);
deixando seu caráter e personalidade serem moldados pelo Espírito (Gl 5.23); seguindo a Cristo sob qualquer circunstância (Mt
24.13; 2Pe 2.21); alimentando um coração piedoso (1Tm 6.3-11); testemunhando amor fraterno (1Pe 1.22; 1Co 13.13).
5 A demonstração pública de um caráter correto e a realização de boas obras é uma das evidências mais claras da verdadeira
conversão e submissão de uma pessoa ao senhorio de Cristo. A autenticidade da nossa fé é confirmada à medida em que mani-
festamos as virtudes cristãs (vv.5-7; Mt 7.20; Gl 5.6; Tg 2.18; 1Pe 1.2; Ef 1.3-6). Os crentes que assim procedem nunca deixarão de
perseverar. A expressão original grega “entrada”, neste versículo, comunica a idéia de “ingressar em grande triunfo”.
6 Segundo alguns pais da Igreja, como Irineu, o evangelho escrito por Marcos preserva as reminiscências de Pedro.
7 Pedro afirma que sua mensagem baseia-se em dois fundamentos: ele acompanhou pessoalmente a Jesus em seu dia-a-dia
na terra e presenciou (juntamente com João e Tiago) o milagre da transfiguração como prenúncio efetivo do Reino (vv.17,18; Mt
16.28 – 17.8). E o testemunho fidedigno e inerrante da Palavra de Deus (vv.19-21; Mt 9.28-35; Lc 9.2-8).
8 Pedro faz uma clara afirmação sobre a inspiração das Escrituras. Deus foi origem e conteúdo da Bíblia, de modo que suas
páginas transmitem o que o Senhor revelou aos seus autores. Uma vez que a profecia vem exclusivamente do Espírito de Deus, a
interpretação correta depende do Autor e da Sua intenção comunicada consistentemente ao longo de toda a Bíblia (2Tm 3.16).
Capítulo 2
1 Sempre existiram falsos mestres e profetas no meio do povo de Deus, insuflados por Satanás, com a intenção de desviar os
crentes do Caminho do Senhor (Êx 32.8; 2Rs 18.19; Is 9.13-17; Jr 5.31; 14.14; 23.30-32). O NT está repleto de advertências quanto
aos falsos pregadores que já estavam infiltrados na Igreja primitiva, pervertendo a teologia bíblica dos apóstolos e das Escrituras.
O número e as artimanhas dos falsos mestres crescem uma vez que nos aproximamos do final dos tempos (Mt 24.4,5,11; At
20.29,30; Gl 1.6-9; Fp 3.2; Cl 2.4-23; 2Ts 2.1-3; 1Tm 1.3-7; 4.1-3; 2Tm 3.1-8; 1Jo 2.18-23; 2Jo 7-11; Jd 3,4). Embora a morte e a
ressurreição de Cristo tenham pago a condenação de seus próprios pecados, não significa que todos os falsos mestres fossem
cristãos, pois muitos não aceitavam o sacrifício vicário do Senhor nem a Cristo como Salvador pessoal.
2 Quanto mais a sociedade se afasta da reverência a Deus e à sua Palavra, mais se entrega à imoralidade, rebeldia e à confusão
mental e espiritual. A única forma de evitar o caminho da destruição pessoal e absoluta é agarrar-se à graça salvadora de Cristo
que, no momento, está à disposição de todos nós (Sl 119.30).
3 Dos anjos caídos, Lúcifer se tornou Satanás, o líder maior dos inimigos de Deus, os demais (demônios) se tornaram seus
escravos. Pedro usa a expressão grega tartaroõ, um termo clássico usado para indicar o lugar de castigo eterno, mas que aqui
tem um sentido muito mais amplo, significando uma área intermediária onde os mais terríveis anjos caídos foram aprisionados e
aguardam a sentença final. A Bíblia não explica o motivo pelo qual alguns anjos diabólicos estão aprisionados e outros continuam
livres e servindo a Satanás. O Juízo a que Pedro se refere está associado ao juízo do grande trono branco (Ap 20.11-15).
4 Foram salvos Noé e mais sete pessoas: sua esposa, três filhos e três noras (1Pe 3.20).
5 Os hereges da época de Pedro serão punidos por duas razões principais: estavam entregues ao mesmo tipo de aberração
moral dos antigos sodomitas, que em sua volúpia homossexual ousaram ofender e atacar os próprios anjos do Senhor (Gn 19.1-
5). E não respeitaram a Palavra de Deus proferida pelos seus servos, chegando a ponto de blasfemar contra os mensageiros
(anjos) do Senhor (Jd 8-10).
6 Até mesmo os anjos consagrados ao Senhor, que defendem a verdade e têm maior poder do que os anjos caídos, não usam
do direito que possuem para levantar acusações contra os anjos maus e inferiores.
7 Pedro se refere às pessoas que alegam ter um conhecimento além do normal (como os esotéricos e gnósticos da época)
porém, em suas atitudes cotidianas demonstravam flagrante ignorância e grosseria.
8 Até mesmo os pagãos mais sórdidos praticavam suas ações corruptas e imorais acobertados pelo manto das trevas (1Ts 5.7).
Esses hereges, precursores do gnosticismo, entretanto, manifestavam de forma absolutamente desavergonhada suas malícias e
comportamentos torpes nas reuniões dos crentes e até nas chamadas “festas do amor fraternal cristão” (em grego transliterado
agape) que, na igreja primitiva, acompanhavam a Ceia do Senhor (1Co 11.20-34).
9 O profeta Balaão, por interesses financeiros, tomou a decisão de amaldiçoar o povo de Israel, apesar da proibição do Senhor
(Nm 22.21-35). Os falsos mestres e pregadores da época de Pedro estavam extorquindo dinheiro dos crentes ingênuos. Pedro,
então, relembra a história da jumenta que Deus usou para repreender Balaão, a fim de desmascarar os falsos profetas que
estavam devastando a Igreja do Senhor.
10 Os olhos dos falsos mestres são cheios de adultério; não apenas lascivos, mas também intelectuais e principalmente
espirituais, adulterando a verdade com mentiras e falsas inferências (Tt 1.14). Assim como os leões buscam atacar os filhotes e
adultos machucados entre suas presas, os sedutores (falsos pregadores) procuram ganhar para si os recém-convertidos e os
imaturos na fé em Cristo.
eles próprios são escravos da corrupção; Senhor e Salvador, que os vossos apósto-
porquanto, toda pessoa se torna servo los vos ensinaram.1
daquele por quem é vencido.11 3 Antes de tudo, considerai atentamente
20 Sendo assim, se depois de fugir das que, nos últimos dias, surgirão escarnece-
corrupções do mundo, mediante o co- dores anunciando suas zombarias e se-
nhecimento do Senhor e Salvador Jesus guindo suas próprias paixões.2
Cristo, são uma vez mais influenciados 4 Eles proclamarão: “O que aconteceu com
e vencidos por elas, o seu último estado a Promessa da sua vinda? Ora, desde que
tornou-se ainda pior do que o primeiro. os antepassados morreram, tudo continua
21 Porque lhes teria sido melhor não como desde o princípio da criação!”.3
haver conhecido o Caminho da justiça 5 No entanto, deliberadamente, eles não
do que, depois de conhecê-lo, darem as reconhecem que desde a Antigüidade,
costas ao santo mandamento que lhes por intermédio da Palavra de Deus fo-
havia sido concedido.12 ram criados os céus e a terra, e esta foi
22 Dessa maneira, confirma-se neles o formada da água e por meio da água.4
quanto é verdadeiro o provérbio que diz: 6 Foi pelas águas que o mundo daquela
“O cão volta ao seu vômito” e mais: “A por- época foi submerso e destruído.
ca lavada volta a revolver-se no lamaçal”.13 7 Ora, por intermédio da mesma Palavra,
os céus e a terra que hoje existem estão
A Promessa do Senhor é segura também preparados para o fogo, reser-
11 Na verdade, os falsos mestres querem liberdade para agir com absoluta licenciosidade, sem prestar contas de seus
atos escusos a ninguém; ainda que não reconheçam, são escravos do pecado e de suas próprias paixões descontroladas e
necessitam urgentemente do verdadeiro arrependimento em Cristo (1Co 6.12,13; Gl 5.13).
12 Algumas pessoas, conhecem a Igreja e o Senhor e, por começarem a andar na boa influência dos crentes e aplicarem os
princípios (santos mandamentos) da Palavra ao seu estilo de vida, passam a vivenciar os aspectos de uma nova vida. Entretanto,
na verdade, não nasceram do Espírito Santo (Jo 3.5-18) no íntimo de seus corações e, por isso, com o passar do tempo, não
resistem aos baques das provações e à sedução das tentações, e sucumbem às suas próprias concupiscências. O crente
sincero, nascido de novo, recebe o Espírito Santo em seu coração e, ainda que lute a vida toda contra a carne e o Diabo, está
selado com Cristo para sempre e jamais perderá sua Salvação (Jo 10.27-30; Rm 8.28-39). O cristianismo, na época dos apóstolos,
era conhecido como “o Caminho” (At 9.2; 18.25; 19.9.23; 22.4; 24.14,22).
13 Pv 26.11 e Jd 3.23.
Capítulo 3
1 A maioria dos cristãos carece mais de ser relembrada das verdades bíblicas fundamentais do que informada.
2 Os dias que marcaram a primeira vinda de Cristo e o início da Igreja são considerados “os últimos dias” em relação aos dias
preliminares e preparatórios do AT. A era cristã é o período escatológico da história da humanidade e o auge do cumprimento
das profecias bíblicas.
3 Os precursores do gnosticismo procuravam minar a fé dos cristãos, argumentando que já havia passado muito tempo desde
a morte de Jesus e de alguns de seus grandes discípulos, como Estevão, Tiago (irmão de João) e outros (Hb 13.7), e tudo
continuava como no tempo dos patriarcas do AT. Essa forma de pensar os levava a suporem e pregarem que Deus não interfere
na terra nem na história humana.
4 Pedro desmascara o sofisma usado p pelos falsos mestres afirmando que
q é impossível
p que
q alguém
g desconsidere o dilúvio e
tantos outros eventos portentosos (Êx 13.21; 14.21; Js 10.12,13), como intervenção de Deus. Os gnósticos estavam tentando, a
todo custo, evitar que a fragilidade e a falsidade dos seus argumentos se comprovassem. A Palavra de Deus é criadora e pode-
rosa, separando e discernindo os elementos e a própria alma humana (Gn 1.3-10; Hb 4.12).
5 Assim como nos dias de Noé, o Juízo do Senhor certamente virá sobre nossa atual civilização e consumirá todos aqueles que
não acolheram a graça salvadora de Deus por meio da fé em Jesus Cristo (Gn 7.11).
6 Para Deus, os seus propósitos são mais importantes do que o tempo e o espaço. Deus não se limita aos parâmetros existen-
sua promessa, como julgam alguns. Pelo estes eventos, esforçai-vos para que sejais
contrário, Ele é extremamente paciente encontrados por Ele em plena paz, sem
para convosco e não quer que ninguém mácula e livres de culpas diante dele.10
pereça, mas que todos cheguem ao arre- 15 Considerai que a longanimidade do
pendimento. nosso Senhor é uma oportunidade para
10 Entretanto, o Dia do Senhor virá como que possais receber a Salvação, assim
ladrão, no qual os céus desaparecerão ao como o nosso amado irmão Paulo tam-
som de um terrível estrondo, e os ele- bém vos escreveu, de acordo com a sabe-
mentos se desintegrarão pela ação do doria que Deus lhe concedeu.
calor. A terra e toda obra nela existente 16 Ele escreve do mesmo modo em todas
serão expostas ao fogo.7 as suas epístolas, discorrendo nelas sobre
11 Ora, se tudo o que existe será assim esses assuntos, nos quais existem trechos
aniquilado, que espécie de pessoas é difíceis de entender, os quais são distorci-
necessário que sejais? Pessoas que vivem dos pelos ignorantes e insensatos, como
em santidade e piedade,8 fazem também com as demais Escrituras
12 aguardando o Dia do Senhor e apres- para a própria destruição deles.11
sando a sua vinda. Naquele Dia, os céus se 17 Sendo assim, amados, estando bem in-
dissolverão pelo fogo, e todos os ele-men- formados, guardai-vos para que não se-
tos, ardendo, se dissiparão com o calor. jais conduzidos pelo erro e sedução dos
13 Todavia, confiados em sua Promessa, que não têm princípios morais, vindo a
esperamos novos céus e nova terra onde perder a vossa segurança e cair.
habita a justiça.9 18 Antes, crescei na graça e no conheci-
mento de nosso Senhor e Salvador Jesus
O cristão e o Dia do Senhor Cristo. A Ele seja a glória, agora e no Dia
14 Por isso, amados, enquanto aguardais eterno! Amém.
ciais próprios da humanidade. Por isso, sua longanimidade, bondade, misericórdia e justiça são incompreensíveis pela natureza
ímpia e impaciente do ser humano (Sl 90.4).
7 Temos aqui mais um eco das palavras de Cristo (Mt 24.43; Lc12.39 Is 2.11,17,20; Am 5.18; 1Ts 5.2), agora numa linguagem
apocalíptica, como nos textos de Apocalipse e Daniel. Os profetas escatológicos tiveram visões e revelações de eventos
e tecnologias milhares de anos à frente do seu tempo e, portanto, se valeram de figuras de linguagem para comunicar os
fenômenos que anteviam. As energias atômicas e os elementos presentes em todo universo, tais como os conhecemos hoje
(hidrogênio, oxigênio, carbono, hélio etc), foram traduzidos simplesmente como terra, ar, fogo e água, por exemplo.
8 Pedro conclui a destruição dos argumentos gnósticos com uma pergunta retórica, cuja resposta é obvia. Se o mundo com
todos os seus elementos e construções humanas vai se transformar em cinzas, o que será de nós, como indivíduos? Essa reflexão
deve nos conduzir urgentemente aos pés de Cristo em arrependimento (santidade) por nossa arrogância e demais pecados, e
abraçarmos com júbilo e dedicação (piedade) a graça salvadora que – ainda – está sendo oferecida por Deus ao mundo todo
(Mt 25.13; 1Ts 5.6,8,11; 2Pe 1.13-16).
9 O Dia do Senhor é uma expressão sinônima de “O Dia de Deus”, pois ambas caracterizam o mesmo evento histórico (Ap
16.14). De fato, esse Dia pode ser apressado pela ação direta do povo de Deus ao se dedicar à “construção da arca”, isto
é, “a evangelização dos povos” em todo mundo. O Senhor, em sua longanimidade, está esperando por todos aqueles que
sinceramente, virão a receber seu perdão e a graça da vida eterna em Cristo (At 3.19,20). A oração e um viver dirigido pelo
Espírito Santo também são elementos que cooperam para o raiar do Dia do Senhor Todo-Poderoso (Mt 6.10; Is 34.4). Portanto, os
salvos não devem torcer por calamidades nacionais e mundiais, mas sim cooperar para a evangelização e santificação de todas
as demais pessoas sobre a face da terra. Haverá novos céus e uma nova terra, ou um mundo renovado, onde a justiça viverá
conosco (Ap 21.1; Is 65.17; 66.22; 11.4,5; 45.8; Dn 9.24).
10 Nada será mais maravilhoso e consolador do que receber um elogio do próprio Senhor Jesus por termos expressado nossa
fé sincera mediante atos de justiça e bondade durante nossa difícil peregrinação pela terra. A paz do cristão é um presente de
Deus, por conta de sua justificação em Cristo (Rm 5.1). Entretanto, é possível manchar, riscar e até quebrar essa paz se insistirmos
em viver de forma contrária à vontade expressa de Deus (1Co 3.10-15; 2Co 5.10).
11 Pedro alimentava a mais elevada consideração pela vida e ministério do apóstolo Paulo e fez questão de atribuir aos escritos
bíblicos de Paulo a mesma autoridade inspirada por Deus nos textos sagrados do AT (1.21; 2Tm 3.16).
Propósitos
O conteúdo desta carta demonstra o grande amor e carinho espiritual que o apóstolo João tinha
por seus “filhinhos na fé”, bem como sua preocupação com a correta evangelização do mundo. O
estilo joanino é inconfundível em sua obra, posto que ele emprega “ilustrações contrastantes” em
profusão: luz e trevas (1.6-7; 2.8-11); amor ao mundo e amor a Deus (2.15-17); filhos de Deus e filhos
do Diabo (3.4-10); o Espírito de Deus e o espírito do anticristo (4.1-3); amor e ódio (4.7-12, 16-21).
O gnosticismo, que na época de Pedro já provocava algumas baixas espirituais expressivas na
Igreja, ainda que em sua forma embrionária e primitiva, agora chama também a atenção de João
e o leva a escrever combativamente, buscando livrar a Igreja desse diabólico engodo. Os cristãos
estavam sendo envolvidos por uma forma ceríntia da filosofia gnóstica (expressão derivada do grego
gnosis, que significa “conhecimento”), que questionava o fato de Jesus ser perfeitamente humano.
Essa heresia helenista tinha apelos racionais bem ao gosto dos pagãos, como o dualismo e a liber-
tinagem, e repudiava qualquer forma de restrição moral.
Por essa razão,, João escreve essa sua primeira
p epístola
p (considerada
( sua primeira
p carta circular
às igrejas
g j da pprovíncia da Ásia)) com dois objetivos
j fundamentais: desmontar todos os argumentos
g
filosóficos heréticos que estavam aliciando os cristãos em toda a província da Ásia naquele momento
(2.26); e, reafirmar aos crentes a convicção da salvação em Jesus Cristo, perfeitamente Deus e
perfeitamente Homem (5.13). Para tanto, João foi contundente e atacou a flagrante falta de moral
dos falsos mestres que viviam no meio da Igreja (3.8-10), e lembrou à Igreja de sua autoridade como
testemunha ocular da deidade e humanidade do Senhor Jesus, confirmando a fé dos seus leitores
no Cristo encarnado (1.3). Saber que seus filhos na fé estavam andando na sã doutrina era sua maior
alegria como bom pastor (1.4).
1 Todas as evidências demonstram que o autor desta epístola e das outras duas que se seguem é João, filho de Zebedeu (Mc
1.19,20; 15.40; 16.1; Mt 27.56; Jo 13.23; 19.25), primo de Jesus Cristo e um dos seus mais chegados amigos; apóstolo, autor do
evangelho que leva seu nome e do livro da Revelação (em grego: apocalipsis). A introdução dessa carta trata do mesmo assunto,
inclusive com a utilização de várias das mesmas expressões, no original grego, que estão registradas no início do Evangelho
Segundo João (Jo 1.1-4).
2 Jesus Cristo é reconhecido como “a Vida”. Afinal, ele é aquele que tem a vida em si mesmo, sempre existiu e vive para
sempre (Jo 1.14; 11.25; 14.6). É igualmente soberano sobre todos os seres viventes e a própria fonte da vida (5.11). João começa
e encerra sua epístola discursando sobre a vida eterna (5.20) e focalizando o tema: o Cristo é Jesus, corroborando a mensagem
básica do Evangelho: “Jesus é o Messias” (Jo 20.31).
3 A alegria do apóstolo só poderia ser completa se a Igreja compreendesse que o verdadeiro e expressivo amor fraternal,
produzido pelo Espírito Santo na vida de cada cristão, deve ser a mais evidente marca do “conhecimento de Cristo” e, portanto,
da Salvação na comunidade cristã (2Jo 12). A comunhão (em grego: koinõnia) é a expressão clara de união espiritual de Cristo
com o crente, comunicada por meio das metáforas da videira e dos sacramentos (Jo 15.1-5), dos membros do Corpo de Cristo
(Rm 12.1-8; 1Co 12.12; Cl 1.18).
4 A luz representa tudo o que é dito e realizado com clareza e verdade, sem obscuridades ou ambigüidades maliciosas. Os
pecados e os enganos fraudulentos são gerados sob uma penumbra de maus propósitos e torpezas. Ao contrário, Deus é como
a luz do meio dia, ilumina tudo e todos até o mais íntimo da alma. Ele é santidade e integridade absoluta. E essa luz se revela em
Cristo que habita no coração dos crentes sinceros e os ilumina cada dia mais (santificação). Jesus é a luz do mundo (Jo 8.12; Is
42.6; 49.6), pois ele é a perfeita revelação de Deus (Hb 1.3).
5 A expressão “caminharmos” é uma metáfora do nosso comportamento diário. Os cristãos eram conhecidos nessa época
como as pessoas que pertenciam ao “Caminho” (Jo 14.6; At 9.27; 18.26; 19.9; 19.23; 22.4). Uma das palavras-chave desta
epístola é “pecado”, pois ocorre 27 vezes no texto original grego.
6 No original grego, a expressão “fiel e justo” comunica um conceito único: “fiel-e-justo”. Esse aspecto lingüístico revela um
pouco mais sobre o caráter de Deus e sua forma de julgar todos que, mediante a fé pessoal no sacrifício redentor de Jesus Cristo,
se arrependem de seus pecados e recebem a graça perdoadora da Promessa que Deus firmou com os seus (Sl 143.1; Zc 8.8;
Jr 31.34; Mq 7.18-20; Hb 10.22,23). O perdão é o milagre de se restaurar completamente uma comunhão destruída pela quebra
de confiança (Mt 6.12).
7 Como diziam alguns dos pais da Igreja: “Santo não é a pessoa que não se suja, mas é aquele que sempre se lava nas águas
do perdão de Deus”. João combate os gnósticos de seu tempo que não conseguiam reconhecer que seus atos de imoralidade
e ganância eram, de fato, pecados.
O cristão não deve ser mundano 22 Quem é o mentiroso, senão aquele que
15 Não ameis o mundo nem o que nele nega que Jesus é o Messias? Este é o Ini-
existe. Se alguém ama o mundo, o amor migo de Cristo: aquele que rejeita tanto o
do Pai não está nele. Pai quanto o Filho.
16 Pois tudo o que há no mundo: as 23 Todo o que nega o Filho de igual for-
paixões da carne, a cobiça dos olhos e a ma não tem o Pai; quem confessa publi-
ostentação dos bens não provêm do Pai, camente o Filho tem também o Pai.
mas do mundo.7 24 Quanto a vós outros, zelai para que
17 Ora, o mundo passa, assim como sua aquilo que ouvistes desde o princípio per-
volúpia; entretanto, aquele que faz a von- maneça em vossos corações. Porquanto, se
tade de Deus permanece eternamente. o que ouvistes permanecer em vós, de igual
modo permanecereis no Filho e no Pai.
A ação dos anticristos 25 E esta é a Promessa que Ele nos fez: a
18 Filhinhos, esta é a hora derradeira e, vida eterna!
assim como ouvistes que o anticristo está 26 Eu vos escrevo estas advertências a res-
chegando, já agora muitos anticristos peito daqueles que vos querem seduzir.9
têm surgido. Por isso, sabemos que esta 27 Quanto a vós outros, a unção que dele
é a última hora.8 recebestes permanece em vós, e não ten-
19 Eles saíram do nosso meio, mas na des necessidade de que alguém mais vos
realidade não eram dos nossos, pois se ensine sobre isso. No entanto, a unção que
fossem dos nossos, teriam permanecido dele procede é verdadeira, não construída
conosco; o fato de terem nos abandona- sobre a mentira, e vos ensina sobretudo o
do revela que nenhum deles era realmen- que precisais saber. Permanecei, pois, nele
te dos nossos. assim como Ele vos ensinou.10
20 Entretanto, vós tendes uma unção que
procede da parte do Santo, e todos ten- Os verdadeiros filhos de Deus
des pleno conhecimento. 28 Sim, queridos filhinhos, permanecei
21 Portanto, não vos escrevo porque vos nele, para que tenhamos segurança quan-
falta o conhecimento da verdade, mas jus- do Ele se manifestar e não sejamos enver-
tamente porque a conheceis e, porquan-to, gonhados diante dele na sua vinda.
nenhuma mentira tem origem na verdade. 29 Se sabeis que Ele é justo, tomai conhe-
7 A sociedade incrédula se afasta do Senhor e, manipulada pelas artimanhas de Satanás, despreza a Palavra de Deus e os
crentes (Jo 15.18-24). Os cristãos são encorajados a amar a humanidade e lhes pregar o Evangelho, mas não devemos nos
apegar às paixões mundanas, pois somos cidadãos do céu (Jo 17.24; Tg 4.4).
8 Para os autores do NT, “a última hora” ou “o Dia do Senhor” são expressões de mesmo sentido, isto é, têm a ver com a
era iniciada com a primeira vinda de Jesus Cristo à terra e apontam para o seu retorno iminente e glorioso, a fim de resgatar
definitivamente a sua Igreja deste mundo que perece sob a liderança do Diabo, o arquiinimigo do Senhor e dos cristãos (At 2.17;
2Tm 3.1; Hb 1.2; 1Pe 1.20). João estava consciente de que seus leitores tinham pleno conhecimento das profecias que alertavam
para o surgimento de um grande e poderoso inimigo de Deus e do seu povo, antes do retorno de Cristo. Esse será o principal
“anticristo”, também chamado de “o homem do pecado” ou “a besta” (Mt 25.1-13; 2Ts 2.3; Ap 13.1-10). Entretanto, antes dele
aparecerão, ao longo da era cristã que vivemos, muitos tipos de anticristos. Estes têm as seguintes características básicas: negam
a encarnação; a perfeita divindade e humanidade do Jesus histórico; não têm amor a Deus como Pai, apenas usam de falsa
religiosidade para iludir as pessoas e atingir seus fins escusos; são mentirosos, avarentos, egoístas e ardilosos (2Jo 7). Na época
de João, esses anticristos eram representados pelos gnósticos primitivos que haviam abandonado a Igreja, pois nada tinham em
comum com os crentes (2Ts 2.4; Ap 13.6,7).
9 Paulo havia profetizado o que chamou de “lobos ferozes” cerca de 40 anos antes da revolta desses pseudocristãos e o início
do gnosticismo primitivo (At 20.29,30).
10 João não está menosprezando o ensino sistemático das Escrituras, mas sim alertando a Igreja para que não se deixe envolver
por falsas doutrinas e ensinos heréticos. Os gnósticos estavam arrogantemente pregando que haviam recebido uma revelação
especial de Deus, que os elevava a um padrão de conhecimento (no original grego gnosis) muito superior aos apóstolos. João
nos ensina que o ministério do Espírito Santo consiste em iluminar nossa alma para “percebermos pela experiência” em Cristo
(em grego ginõscõ – 2.13,14) a verdade já revelada na Palavra de Deus mediante seus autores sagrados (Mt 28.20; 1Co 2.9-16;
12.28; Ef 4.11; Cl 3.16; 1Tm 4.11; 2Tm 2.2,24).
cimento também que todo aquele que 7 Filhinhos, ninguém vos iluda: quem
pratica a justiça é nascido dele!11 pratica a justiça é justo, assim como Ele
é justo.
A vida santa dos filhos de Deus 8 Aquele que vive habitualmente no
11 Nem toda pessoa que se diz cristã é justa, mas toda justiça verdadeira só é possível ser vivenciada como resultado do novo
nascimento em Cristo (Ef 2.10).
Capítulo 3
1 João usa uma expressão grega especial para enfatizar que a fé no Senhor é uma “confiança inabalável” no seu amor e poder.
E que, mediante essa fé sincera, o crente vai abandonando (santificação) tudo o que o separa (pecado) da plena comunhão com
o Espírito de Deus (Jo 1.29; Rm 5.2).
2 O apóstolo não está exigindo uma perfeição impecável dos crentes, pois ele reconhece as limitações humanas a que ele
próprio está sujeito. O que ele está ensinando é que, diferentemente dos gnósticos de sua época, os cristãos devem buscar viver
de uma maneira santa (não caracterizada pelo pecado renitente e insensível), de acordo com a Palavra de Deus (tudo o que é
certo, justo e generoso – Fl 4.8,9), inclusive pela prática da confissão (reconhecimento) e correção dos erros cometidos diante
de Deus e dos homens (1.8-10; 2.1; Mt 18.15-20).
3 João faz importantes observações sobre o Diabo. É chamado de Maligno (seu principal atributo), pois em sua pessoa não há
bem algum (v.12; 2.13,14; 5.18,19). Ele vem pecando desde sua rebelião contra Deus, antes de provocar a queda da humanidade
(Gn 3; Jo 8.44). É instigador do pecado humano e todos quantos lhe dão ouvidos, e se entregam ao mundo de ilusões armado
por ele para cativar suas presas, passam a pertencer a ele (v.8,12). Ele está presente em toda a terra e tem sob seu domínio
macabro todo o sistema mundial dos incrédulos (5.19). Porém, não lhe foram concedidos permissão ou poder para lesar os
crentes sinceros (5.18). Pelo contrário, ao cristão foi dado o poder de vencê-lo mediante o Espírito do Cristo que já o venceu e o
destruirá definitivamente (2.13,14; 4.4).
4 João usa aqui um outro vocábulo muito especial spejrma (em grego transliterado: sperma), traduzido para o idioma inglês pela
KJ, desde 1611, como “seed” (semente), cujo sentido ampliado é uma metáfora do princípio vital da reprodução humana (esper-
ma) por meio do qual se transmitem às gerações as características do pai. O crente sincero tem o “gene” de Deus e, portanto, não
se compatibiliza com nada que proceda do Diabo ou deste mundo tenebroso (2Pe 1.4; 1Pe 1.23,25; Tg 1.18-23; Jo 3.6,8).
5 Aqui estão algumas das características do Diabo que se manifestam no mundo: o pecado (vv.8.10); ódio (v.12); mentira e
engano (Jo 8.44). Os falsos mestres e profetas, mais cedo ou mais tarde, revelam essas mesmas atitudes (1Jo 2.21,22; 4.2). Caim
foi um exemplo de incrédulo que se rende à ilusão demoníaca (Hb 11.4; Gn 4.8).
13 Meus irmãos, não vos admireis se o 23 Ora, e este é o seu mandamento: que
mundo vos odeia. creiamos no Nome de seu Filho Jesus
14 Nós sabemos que já passamos da mor- Cristo e amemos uns aos outros, assim
te para a vida, porque amamos os irmãos. como Ele nos ordenou.9
Quem não ama permanece na morte. 24 Todos aqueles que obedecem aos seus
15 Toda pessoa que odeia seu irmão é ho- mandamentos nele permanecem, e Ele
micida, e sabeis que nenhum assassino neles. E assim conhecemos que Deus
tem a vida eterna em si mesmo. permanece em nós: pelo Espírito que
16 Nisto conhecemos todo o significado do nos outorgou.
amor: Cristo deu a sua vida por nós e deve-
mos dar a nossa vida por nossos irmãos. Alerta contra os falsos profetas
17 Se alguém possuir recursos materiais e,
observando seu irmão passando necessida-
de, não se compadecer dele, como é possí-
4 Amados, não deis crédito a qualquer
espírito; antes, porém, avaliai com
cuidado se os espíritos procedem de
vel permanecer nele o amor de Deus? Deus, porquanto muitos falsos profetas
18 Filhinhos, não amemos de palavras têm saído pelo mundo.1
nem de boca, mas sim de atitudes e em 2 Deste modo, podeis reconhecer o Espí-
verdade.6 rito de Deus: todo espírito que confessa
19 Desta forma, saberemos que somos da que Jesus Cristo veio em carne é de
Verdade e acalmaremos o nosso coração Deus;2
na presença dele; 3 mas todo espírito que não confessa
20 pois, se o coração nos condena, Deus é Jesus não provém de Deus. Ao contrário,
maior que nosso coração; Ele é conhece- este é o espírito do anticristo, a respeito
dor de tudo. do qual tendes ouvido que havia de vir e,
21 Portanto, amados, se o nosso coração presentemente, já está no mundo.
não nos condena, temos coragem diante 4 Filhinhos, vós sois de Deus e tendes
de Deus;7 vencido os falsos profetas, porque maior
22 e recebemos dele tudo o que rogamos, é Aquele que está em vós do que aquele
porque obedecemos aos seus manda- que está no mundo.3
mentos e fazemos o que lhe agrada.8 5 Eles são mundanos; por isso falam como
6 Amor não é apenas uma bela palavra, mas um verbo que exige ações práticas e contínuas para que seu sentido seja bem
compreendido (Tg 2.14-17; Rm 5.5).
7 A expressão grega parresia “confiança” comunica um tipo de ousadia com que os crentes podem testemunhar às demais
pessoas sobre o amor de Cristo Jesus (At 2.29; 4.13,29,31) e uma “feliz segurança” ao nos aproximarmos de Deus em oração,
como um filho amado que confia plenamente no amor e na capacidade do seu pai (3.21; 5.14).
8 João nos ensina que obediência é uma condição indispensável de sermos verdadeiros cristãos (discípulos de Cristo), e não
causa meritória para obtermos resposta às nossas orações (5.14).
9 Esse mandamento tem duas partes indissociáveis: a fé sincera e absoluta em Jesus Cristo (Jo 6.29) e uma atitude de amor
fraternal para com os irmãos de fé e todas as pessoas que ainda carecem da Salvação (Jo 13.34,35; 15.12,17). João desenvolve
a primeira parte desse tema em 4.1-6, e, a segunda, em 4.7-12.
Capítulo 4
1 João usa a expressão grega pneuvmati “espírito”, para revelar que todo ser humano é dirigido não apenas por sua parte física
e material (ossos, carne e sangue), mas pela vida espiritual que reina em cada pessoa. Os nascidos do Espírito de Cristo (Jo 3),
são movidos por Deus e por sua Palavra (3.24), como seus filhos; os que permanecem mortos em seus pecados têm sua pessoa
(espírito) dominada pelo espírito do Maligno. Algumas vezes, inclusive sofrendo em seus próprios corpos com a invasão de
demônios (2.18-22). O homem e a mulher de Deus (profeta ou mestre) ensinam impelidos pelo Espírito Santo (2Pe 1.21). Falsos
teólogos e pregadores, como os gnósticos primitivos da época do apóstolo, falam sob a influência de espíritos afastados de Deus
(Mt 7.15; 24.11; 1Tm 4.1; 2Pe 2.1).
2 A expressão
p grega
g g original
g “confessar” tem o sentido de um compromisso
p de lealdade absoluta, qque implica
p em “testemunhar
com palavras e atitudes” o amor e a fé que o cristão sincero dedica ao Senhor (Jo 17.4-6). É muito mais do que um simples
depoimento formal ou conhecimento intelectual em relação à pessoa e à majestade do Cristo; pois isso, até mesmo o Diabo e os
demônios reconhecem e tremem de medo (Tg 2.19; Mc 1.24; 3.11).
3 Os falsos cristãos e mestres são inspirados pelo mesmo espírito que habita nos anticristos (v.3). O Diabo é chamado também de
“aquele que está no mundo” (Jo 12.31; 16.11). No v.3, o vocábulo “mundo” significa a Terra habitada por todos nós; nos vv. 4 e 5,
quem pertence ao mundo, e o mundo os enviou o seu Filho para ser o Salvador
compreende. do mundo.
6 Nós somos de Deus; quem conhece a 15 Se alguém confessa publicamente que
Deus nos ouve; qquem não é de Deus não Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece
nos entende. É assim que reconhecemos o nele, e ele em Deus.
Espírito da Verdade e o espírito do erro. 16 Portanto, dessa forma conhecemos o
amor que Deus tem por nós e confiamos
O amor de Deus nos move plenamente nesse amor. Deus é amor, e
7 Amados, amemos uns aos outros, pois aquele que permanece no amor perma-
o amor procede de Deus; e todo aquele nece em Deus, e Deus, nele.
que ama é nascido e conhece a Deus. 17 Dessa forma, o amor é aperfeiçoado
8 Aquele que não ama não conhece a em nós, a fim de que tenhamos total
Deus, porquanto Deus é amor. segurança no Dia do Juízo, pois, assim
9 Foi deste modo que se manifestou o como Ele é, nós semelhantemente somos
amor de Deus para conosco: em haver nesse mundo.6
Deus enviado o seu Filho unigênito ao 18 No amor não existe receio; antes, o
mundo, para vivermos por intermédio perfeito amor lança fora todo medo. Ora,
dele. o medo pressupõe punição, e aquele que
10 Assim, nisto consiste o amor: não em teme não está aperfeiçoado no amor.
que nós tenhamos amado a Deus, mas em 19 Nós amamos porque Ele nos amou
que Ele nos amou e enviou o seu Filho primeiro.
como propiciação pelos nossos pecados.4 20 Se alguém declarar: “Eu amo a Deus!”,
11 Amados, considerando que Deus porém odiar a seu irmão, é mentiroso,
amou desta forma, nós também deve- porquanto quem não ama seu irmão, a
mos amar uns aos outros. quem vê, não pode amar a Deus, a quem
12 Ninguém jamais viu a Deus; se amar- não enxerga.
mos uns aos outros, Deus permanece 21 Ora, Ele nos entregou este manda-
em nós, e o seu amor é aperfeiçoado em mento: Quem ama a Deus, ame de igual
nós.5 forma a seu irmão!7
13 Temos certeza de que permanecemos
nele, e Ele em nós, porque Ele nos outor- A fé em Cristo vence o mundo
gou do seu Espírito.
14 E vimos e testemunhamos que o Pai 5 Todo aquele que crê que Jesus é o
Cristo, é nascido de Deus; e todo
no entanto, indica precisamente o sistema político, econômico, social e religioso ao qual pertencem todos aqueles que ainda não
nasceram de Deus (iluminados pelo Espírito), inclusive os anticristos e todos quantos vivem enganados e enganando (Jo 1.9).
4 O amor supremo de Deus vai além da encarnação para focalizar o sacrifício redentor de Jesus Cristo, o Filho de Deus. É a fé
(o amor puro e verdadeiro) na pessoa e na obra de Cristo que nos proporciona plena confiança (segurança e paz) quanto à nossa
salvação eterna (Jo 3.16). João usa a expressão “amor” em suas diversas formas, mais de 40 vezes nesta carta; somente entre
4.7 e 5.3, a palavra “amor” aparece 32 vezes no original grego. O amor de Deus é infinito e a própria essência do Pai, por isso,
humanamente incompreensível e absolutamente incomparável. Contudo, é nossa inspiração, motivação e ideal (v.11).
5 O próprio Deus aperfeiçoa o seu supremo amor através do exercício cotidiano do amor fraternal dos cristãos, uns pelos
outros, e todos pelos que ainda não conhecem ao Senhor como Salvador. As pessoas terão uma visão da pessoa de Deus no
momento em que nós as amarmos como Cristo amou sua Igreja (Jo 1.18; Tg 2.22).
6 Somente a pessoa que é nascida de novo, que alcançou um viver maduro em Cristo, manifestando o fruto do Espírito Santo
(v.13), sabe canalizar o amor de Deus para todos ao seu redor (2Co 2.15; 5.14; Gl 5.22; Rm 5.8). O amor de Deus em nós é o sinal
de paz de que somos salvos, que produzirá plena confiança e alegria, quando o Dia do Juízo chegar como um relâmpago. Como
filhos amados do Senhor, não há porque ter qualquer receio de sermos, por algum motivo, condenados por Deus, pois é o amor
genuíno quem confirma a salvação (v.18; Jo 21.15-17).
7 Jesus Cristo, numa de suas muitas provas de que é Deus, unificou os dois mandamentos da Lei (Dt 6.4 e Lv 19.18), anun-
ciando a Nova Ordem: a Lei do Amor, que está sobre toda lei e se resume num único mandamento: amar a Deus e ao próximo
(Mt 22.37-40).
aquele que ama o Pai, de igual modo, ama 9 Nós aceitamos o testemunho dos ho-
também o que dele foi gerado.1 mens, contudo o testemunho de Deus
2 Desta maneira, sabemos que amamos os tem maior valor, porquanto é a Palavra
filhos de Deus: quando amamos a Deus e de Deus, que Ele próprio afiança acerca
obedecemos os seus mandamentos. do seu Filho.
3 Porquanto, nisto consiste o amor a 10 Ora, quem crê no Filho de Deus tem
Deus: em que pratiquemos os seus man- em si mesmo esse testemunho. Todavia,
damentos. E os seus mandamentos não todo aquele que não deposita fé em Deus
são penosos. o faz mentiroso, porquanto não crê no
4 Todo aquele que é nascido de Deus ven- testemunho que Deus proclama acerca
ce o mundo; e este é o triunfo que vence do seu Filho.
o mundo: a nossa fé!2 11 E o testemunho é este: que Deus nos
5 Quem é que pode vencer o mundo? concedeu a vida eterna, e esta vida está
Somente a pessoa que crê que Jesus é o em seu Filho!5
Filho de Deus. 12 Quem tem o Filho, tem a vida; quem
6 Este é aquele que veio por intermé- não tem o Filho de Deus, não tem a vida.
dio de água e sangue, Jesus Cristo;
não apenas mediante a água, mas por Conselhos finais do amado pastor
água e sangue. E o Espírito é quem dá 13 Estas orientações vos escrevi, a fim de
testemunho, porquanto o Espírito é a saberdes que tendes a vida eterna, a vós
Verdade.3 outros que credes em o Nome do Filho
7 Assim, há três que proclamam teste- de Deus.6
munho: 14 E esta é a segurança que temos para
8 o Espírito, a água e o sangue, e há plena com Ele: que, se lhe fizermos qualquer
concordância entre os três.4 pedido, de acordo com a vontade de
1 João viveu numa sociedade patriarcal e, neste sentido, a família é a ilustração mais adequada para demonstrar que quem
amar a Deus, o Pai, amará naturalmente o Filho primogênito e todos os seus irmãos mais novos (2.22). A fé em Cristo, assim como
a expressão sincera, prática e contínua de amor fraternal é sinal de que nascemos de novo (4.7).
2 O apóstolo não está afirmando que a vida cristã é simples de entender e fácil de viver, mas que todo aquele que é nascido
de novo recebe, com o Espírito Santo, a capacidade de olhar para os desafios e as provas com a mente de Cristo (4.7; 2.15). Em
contraste com as obrigações do legalismo judaico (Mt 23.4), os mandamentos de Jesus Cristo são leves e suaves, pois visam
proporcionar refrigério, descanso e segurança para nossas almas (Mt 11.30; Jo 14.5; Rm 12.2).
3 Os gnósticos primitivos, muitos saídos da própria Igreja, estavam pregando que Jesus teria nascido como qualquer ser
humano e vivido assim (inclusive cometendo alguns pecados), até seu batismo, quando o Espírito de Deus, chamado “Cristo”
desceu sobre a pessoa de Jesus, mas o abandonado antes do martírio na cruz, para que somente o homem Jesus morresse.
João, evidentemente, não concorda com esse sofisma (mistura de um pouco de verdade com algumas mentiras, resultando
num grande engano), e se esforça, durante toda essa carta, para deixar claro aos seus leitores que Jesus Cristo é perfeitamente
homem e perfeitamente Deus (1.1-4; 4.2; 5.5). A água simboliza o batismo de Jesus, e o sangue, a sua morte. Assim, o ministério
de Jesus teve início com seu batismo nas águas e terminou com sua morte vicária na cruz. Jesus Cristo é o Filho de Deus
não somente no batismo, mas também, na sua morte e ressurreição. O Espírito Santo é a pessoa da Trindade que confirma o
testemunho apostólico em nossos corações, que Jesus é o Filho Unigênito de Deus (Jo 1.32-34; 2.27; 1Co 12.3).
4 A Lei exigia duas ou três testemunhas para assuntos de grande importância, geralmente julgamentos de vida ou morte ou
que envolvessem a reputação de alguém (Dt 17.6; 19.15; 1Tm 5.19). Na Vulgata e na antiga King James, esses versículos vêm
com alguns acréscimos: “...testemunho no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo, e estes três são um. E há três que testificam
na terra: o Espírito, a água e o sangue...”. Como os acréscimos não são encontrados em nenhum manuscrito original ou mesmo
tradução antes do séc.XVI, o comitê de tradução da KJA decidiu manter o texto em português de acordo com a compilação dos
mais antigos e fiéis manuscritos (Majoritário e Grego Crítico). O batismo do Espírito e na água são ordenanças para todos os
crentes (1Co 12.13; At 2.38).
5 O testemunho refere-se à segurança e paz internas providas pelo Espírito Santo no coração de todo cristão sincero (Rm 8.16;
Jo 3.36; Fp 4.7).
6 O apóstolo João deixa claro que escreveu seu Evangelho para anunciar a Jesus Cristo como Salvador e Senhor de nossas
vidas, bem como despertar a fé no coração de todas as pessoas (Jo 20.31). Nesta carta, entretanto, João considera que seus
leitores já são crentes e que agora precisam solidificar sua fé e teologia bíblicas.
Deus, temos a certeza de que Ele nos dá nascido de Deus não é escravo do peca-
atenção.7 do; antes, Aquele que nasceu de Deus o
15 E, se estamos certos de que ele dá aten- protege, e não permite que o Maligno o
ção a tudo quanto lhe rogamos, estamos possa tocar.
convictos de que receberemos os pedidos 19 Estamos cientes de que somos de Deus
que lhe temos feito. e que o mundo inteiro jaz no Maligno.
16 Se alguém vir seu irmão cometer peca- 20 Da mesma forma, temos pleno conhe-
do que não leva à morte, ore, e Deus dará cimento de que o Filho de Deus é vindo
vida ao que pecou. Refiro-me àqueles e nos tem concedido entendimento para
cujo pecado não leva à morte. Existe reconhecermos o Verdadeiro. E nós esta-
pecado que conduz à morte, não estou mos vivendo naquele que é o Verdadeiro,
ensinando que se deva orar por este. em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verda-
17 Toda injustiça é pecado, contudo há deiro Deus e a vida eterna.
pecado que não induz à morte.8 21 Filhinhos, acautelai-vos com os falsos
18 Ora, sabemos que todo aquele que é deuses!
7 É preciso compreender que Deus não é nosso servo, nós é que servimos ao Senhor. Portanto, devemos ter cuidado com
nossos pedidos. A oração eficaz e que sempre terá a resposta de Deus deve, antes de tudo, ser feita por alguém que teve seus
pecados lavados pelo Senhor (Sl 68.18); deve rogar em o nome de Jesus Cristo (Jo 16.23,24); sua oração e petição devem glori-
ficar a Deus (Tg 4.2,3); deve crer nas promessas (Tg 1.5-7) e guardar os mandamentos de Cristo (3.22; Jo 15.7).
8 Qualquer pecado na comunidade cristã deve, em primeiro lugar, provocar um sentimento de solidariedade, intercessão e res-
tauração (Mt 18.15-22; Gl 6.1). A Igreja, na época de João, estava vivendo sob os ataques dos hereges gnósticos que pregavam
uma espécie de “amor livre”, sem qualquer pudor ou princípio moral. Além disso, negavam veementemente a encarnação de
Jesus Cristo. A pessoa que afirma ser cristã, mas nega que Jesus Cristo é o Messias (o Cristo), o Filho de Deus, perfeitamente
humano e perfeitamente Deus, revela-se como anticristo e incorre no mesmo pecado eterno e sem perdão contra o Espírito Santo,
qual seja: o pecado da incredulidade renitente e despudorada (2.18-23; 4.4,5; 2Jo 9; Mc 3.29; Mt 12.22-32).
Propósitos
p
O principal objetivo desta segunda carta circular de João às igrejas da Ásia Menor (que o texto
parece sugerir figuradamente ao referir-se à “senhora eleita” – 1.1) é encorajar e oferecer subsídios
teológicos para que os cristãos andem submissos aos mandamentos de Jesus Cristo e não se dei-
xem seduzir pela retórica e prédicas dos precursores do gnosticismo que estavam se infiltrando nas
comunidades cristãs da época.
Nos dois primeiros séculos da Igreja, a mensagem do Evangelho era levada de cidade em cidade
pelos evangelistas cristãos que se sentiam movidos pelo Espírito Santo; eles eram abençoados e
enviados por suas lideranças locais com essa missão. Dessa prática, surgiu o costume dos cristãos
abrigarem missionários e pregadores itinerantes em suas casas e lhes proporcionarem todo o
conforto e suprimento possível em nome do Senhor, haja vista que os verdadeiros cristãos nada
cobravam nem solicitavam, apenas recebiam de bom grado o que lhes era ofertado. Entretanto, os
doutrinadores gnósticos por se acharem mestres de grande saber e honra, além de estabelecerem
um preço para suas jornadas, ainda extorquiam o que podiam dos incautos (3Jo 5). João se
preocupa também em encorajar a prática do acolhimento generoso aos missionários da Palavra e
com a imediata e clara rejeição aos falsos mestres e às suas heresias.
1 João estava com cerca de 80 anos quando realizava seu ministério de supervisão espiritual das igrejas cristãs de sua re-
gião e pastoreava a igreja em Éfeso. O apóstolo Pedro desenvolvia ministério semelhante (1Pe 5.1). João se apresenta como
“presbítero”, um título equivalente a “pastor”. A KJ em inglês traz a expressão “elder” que tanto significa “uma pessoa idosa”
e, portanto, respeitável quanto alguém em posição de superioridade por conta do acúmulo de experiência e sabedoria. João,
provavelmente para proteger sua correspondência da perseguição que se abrutalhava contra os cristãos de sua época, usa uma
maneira figurada (senhora) para se referir às igrejas locais da sua região (5,13). Seus filhos são os membros da congregação (4).
Cristo é a Verdade (Jo 1.14; 14.6).
2 Nos primeiros séculos da era cristã, a mensagem do Evangelho era levada de um lugar para outro, de forma muito dinâmica,
por evangelistas e mestres itinerantes. Era costume, entre os crentes, acolher em suas casas esses missionários, oferecendo-
lhes abrigo, alimento e todo tipo de suprimento para o árduo ministério e as longas viagens. Como os doutrinadores hereges
(gnósticos primitivos) estavam usando a hospitalidade dos crentes para seus fins escusos, João se preocupa em prevenir os
cristãos para não os receberem em suas koinonias (reuniões da igreja nas casas). A Igreja em Éfeso já estava dividida entre os
fiéis e aqueles que haviam sido arrastados para as heresias gnósticas.
3 João enfatiza que o crente fiel deve observar o mandamento duplo: andar na verdade doutrinária (teologia bíblica) e a prática
do amor fraternal cristão (1Jo 3.23; Jo 5.12,17; Jo 13.34).
4 O apóstolo é severo em seu ataque aos hereges, especialmente aos gnósticos de seu tempo, pois acreditavam haver ultra-
passado os ensinos dos apóstolos, particularmente a respeito da doutrina acerca da encarnação de Deus na pessoa humana
de Jesus Cristo.
5 Nos primeiros séculos, era costume a igreja se reunir em casas (koinonias) e ser um ponto missionário para repouso,
alimentação, compartilhar, encorajamento e instrução bíblica, considerando que os evangelistas e mestres exerciam um
ministério itinerante. Receber as boas-vindas numa reunião de cristãos, era ter toda a liberdade para trazer a Palavra de Deus aos
presentes, e ser abençoado com orações e suprimentos de toda natureza. Os hereges estavam usando estrategicamente essas
visitas aos irmãos incautos para corromper-lhes a fé e a sã doutrina ministrada pelos apóstolos e discípulos fiéis (At 16.15; 17.7;
Rm 16.23; 1Jo 2.22).
Saudações finais aos crentes tar-vos e falar convosco face a face, a fim
12 Ainda tenho muito que vos dizer, mas de que nossa alegria seja completa.6
não é meu propósito fazê-lo apenas com 13 Os filhos da tua irmã eleita te saú-
papel e tinta. Em vez disso, almejo ir visi- dam.7
6 Na época de João, o papel já era produzido artesanalmente mediante taquaras macias, que floresciam à beira dos rios da
Ásia Menor, chamadas papiro. A tinta, palavra que deriva de uma expressão grega que significa “negro”, era obtida a partir de
uma mistura de carbono, água e uma espécie de goma oleosa.
7 A “irmã eleita” é a igreja de onde João está escrevendo para seus filhos espirituais em Cristo.
Propósitos
Jesus e o apóstolo Paulo já haviam dado instruções sobre como a Igreja deveria ser cordial e
generosa no recebimento dos obreiros cristãos que realizavam árduo trabalho itinerante, levando
de cidade em cidade a Palavra de Deus e a sã doutrina. Alguns falsos mestres, no entanto, estavam
tentando negociar influências políticas e religiosas, bem como lucrar com suas viagens e palestras.
O objetivo do autor, nessa sua segunda carta, é elogiar e encorajar o irmão Gaio por sua hospitali-
dade e sustento aos discípulos
p de João,, verdadeiros mestres na Palavra. Esses irmãos haviam sido
maltratados, em uma das igrejas da Ásia, por um líder carnal e autoritário chamado Diótrefes, que
excomungava qualquer membro da comunidade que se mostrasse amável e generoso para com
os missionários enviados pelo apóstolo. A carta de João é também uma advertência à arrogância e
prepotência dos ditadores.
1 Diferentemente de 2 João, esta carta não é direcionada primeiramente a um grupo de crentes, mas para um indivíduo e
discípulo (v.4) chamado Gaio. Nome bastante comum na época e região de João (1Co 1.14; Rm 16.23; At 19.29; 20.4).
2 O coração pastoral de João se alegrava ao constatar que seus filhos na fé (discípulos) estavam vivendo de acordo com a
sã doutrina do Evangelho de Cristo.
3 João louva a visão missionária e a dedicada hospitalidade de Gaio, atitudes que muito encorajaram os verdadeiros
missionários do Senhor (2Jo 7-11), ainda que estrangeiros na província da Ásia (Rm 12.13; Hb 13.2; 1Pe 4.9; 1Tm 5.10; 3.2; Tt
1.8). Os mestres itinerantes enviados por João foram rejeitados por Diótrefes, líder tirano de uma das igrejas da região, que,
inclusive, excomungava os cristãos que dessem abrigo aos mensageiros enviados por João.
4 Até hoje, muitos judeus ortodoxos se referem a Deus por meio de um de seus muitos títulos honrosos: Hashem “o Nome”,
como sinal de reverência, e crendo que assim evitam mencionar o nome do Senhor em vão. Os missionários enviados por
João foram fiéis ao princípio de não aceitar ofertas dos gentios (aqui enfatizando o sentido de incrédulos e pagãos, além de
não judeus). A obra de Deus deve ser sustentada pelo povo de Deus, pois o mundo que não quer receber o Senhor, também
não deve financiar a igreja e os projetos de evangelização. Sustentar os obreiros do Senhor é um privilégio dos crentes, pois
estão investindo nas vidas dos que levam “o Nome” ao mundo, especialmente aqueles que se dedicam integralmente à obra
e não têm outra fonte de sustento (1Tm 5.17-18), e porque esta é uma boa e prática maneira de nos tornarmos cooperadores
missionários com Deus (Rm 15.24; Fp 4.15-19).
5 Embora essa pareça ser a igreja chamada de “senhora eleita” (2Jo 1), a carta na qual João pede à igreja liderada por
Diótrefes, para receber sua comitiva de missionários, não foi preservada. É possível que Diótrefes simplesmente a tenha
destruído, já que seu personalismo era maior do que seu amor pelo Senhor e sua obra (Cl 1.18,19).
6 A prática contínua do bem deve ser uma característica do cristão sincero e prova moral do seu novo nascimento (1Jo
2.3-29; 3.4-10; 5.18).
inclusive a própria Verdade testemunha dizer, todavia não desejo fazê-lo com
a seu favor. E nós também testemunha- tinta e pena.
mos; e sabes que o nosso testemunho é 14 Anseio, porém, ver-te em breve, e en-
verdadeiro.7 tão poderemos conversar face a face.
15 Paz seja contigo! Os amigos te cum-
Considerações finais e bênção primentam. Saúda os amigos daí, pessoa
13 Há ainda muito que gostaria de te por pessoa.8
7 Demétrio recebeu aprovação, quanto à sua vida e ministério, de três fontes: uma reputação ilibada diante daqueles que não
são cristãos (1Tm 3.7); plena aprovação do Espírito Santo em seu coração (1Jo 3.21) e um testemunho de honra ao mérito da
parte do seu mestre e líder espiritual (Fp 2.19-30).
8 João se despede não apenas com um simples e tradicional desejo de shãlôm, “paz” em hebraico, mas com uma verdadeira
impetração de bênção apostólica (Jo 14.27; 20.19; Gl 1.3; Ef 1.2).
Propósitos
O primeiro e grande desejo de Judas era publicar um tratado teológico sobre o tema: “nossa
comum salvação” (v.3), porém o Espírito Santo o convenceu a escrever uma vigorosa obra apolo-
gética contra os precursores do gnosticismo, filosofia que ganhava cada vez mais força e adeptos
entre os cristãos de todo o mundo civilizado da época. Os falsos mestres estavam usando os
próprios textos do apóstolo Paulo e outras partes da Bíblia para defender a “plena liberdade” do
ser humano de uma perspectiva antinominiana, a fim de darem licença total às manifestações “da
carne” (Gl 5.13). Essa confrontação se revela claramente na descrição de Judas acerca dos falsos
mestres, destacados como pessoas que “adulteraram a graça de nosso Deus em libertinagem” e
que “negam Jesus Cristo, nosso único Soberano e Senhor” (v.4).
O gnosticismo (expressão que deriva do grego gnosis – conhecimento), cuja forma filosófica
acabada só se consolidou a partir do século II, tem influenciado o pensamento da humanidade
até nossos dias, devastando a moral e a fé responsável em Jesus Cristo, o Filho de Deus e nosso
único Salvador.
Em contraste com a atitude mundana dos falsos mestres, os cristãos devem demonstrar um amor
fraternal, altruísta e espiritual. Sempre atentos à maravilhosa graça com que fomos contemplados
em Cristo, devemos demonstrar misericórdia para com aqueles que estão enredados por esse
modo de pensar e agir, pois talvez, assim, alguns sejam levados à salvação (vv.19-23). Judas
finaliza sua obra com uma bela e significativa doxologia (vv.24,25), muito apropriada para todos
aqueles que enfrentam as poderosas forças do erotismo e da sedução da carne tão presentes em
nosso século.
Judas, ainda, demonstra grande conhecimento das tradições e literatura judaicas. Suas dis-
cutidas citações (vv. 9,14), embora não sejam encontradas no AT, estão presentes nos livros
deuterocanônicos e históricos da época.
p
É notável a relação que esta carta de Judas tem com a segunda epístola de Pedro. Ao que tudo
indica, 2 Pedro profetizou sobre alguns males que acometeriam a Igreja, procurando prevenir os
cristãos sobre tais influências filosóficas perniciosas, que efetivamente ocorreram no tempo de
Judas e foram abordadas em sua carta (2Pe 2.1; 3.3; Jd 4,18,19).
Como deixou registrado Orígenes: “Apesar de consistir de apenas uns poucos parágrafos, a
carta de Judas está repleta de poderosas palavras dotadas de graça celeste”.
Esboço de Judas
1. Judas, irmão de Tiago, líder da Igreja em Jerusalém (v.1)
2. Propósitos da epístola e bênçãos sobre os leitores (vv.2-4)
3. Deus exerceu juízo no passado e o fará no futuro (vv.5-11)
4. Os falsos mestres são sagazes, sedutores e vãos (vv.12-16)
5. Contrastes entre cristãos verdadeiros e falsos (vv.17-23)
6. Doxologia para todos os séculos e Amém! (vv.24,25)
1 Judas é irmão de Tiago (autor da epístola bíblica e líder da Igreja em Jerusalém). E, portanto, irmão de Jesus Cristo. Judas
e Tiago eram filhos de José e Maria (Mt 13.55; Mc 6.3). Judas, assim como Jesus, era um nome muito comum na Palestina. É
curioso que seus principais homônimos tenham entrado para a história como sinônimos de traição, violência e injustiça: Judas
Iscariotes e Barrabás (em aramaico “filho do pai” ou Jesus, em grego – Mc 3.19; Mt 27.16). O autor desta carta não se apresenta
como apóstolo, mas “servo” (palavra que no original grego significa “escravo”) do Senhor. Escreve aos “convocados”, aqueles
que são atraídos pelo amor de Deus. E assevera que o Senhor sustenta todo o Universo e cuida para que seus filhos sejam pre-
servados e alcancem plenamente a herança eterna (Rm 8.28-39; Cl 1.17; Hb 1.3; Jo 3.16; 6.37-40; 17.11,12; 1Pe 1.3-5).
2 A palavra “paz” (em hebraico: shãlôm), neste contexto, expressa o profundo descanso e bem-estar da alma que emana da
verdadeira experiência da graça de Deus, independentemente das circunstâncias momentâneas que todos nós atravessamos
(Jo 14.27; 20.19; Gl 1.3; Ef 1.2).
3 Aqui, a expressão grega epagõnizesthaii comunica o sentido de “lutar com todas as forças” contra os inimigos da fé e da sã
doutrina, que são manipulados pelo Diabo para atacar as verdades fundamentais da teologia cristã e perverter os incautos (2Tm
3.14). O Evangelho deve ser vivido e pregado sem qualquer adulteração (Gl 1.9).
4 Judas deixa bem claro seu reconhecimento à deidade de Cristo, uma vez que a expressão hebraica “Senhor” se refere ao
nome de Deus no AT (Yahweh – Javé), o Único e Todo-Poderoso Deus (Rm 10.9; 2Pe 2.1-3).
5 Três exemplos do juízo divino, registrados na história do AT, demonstram o perigo da delinqüência do indivíduo e do afastamento
da sociedade do temor do Senhor. A espiral descendente do pecado é, basicamente, sempre a mesma: falta de fé, abandono da
santidade, imoralidade e perdição. O povo de Israel, ao cruzar o deserto rumo a Canaã, duvidou das promessas do Senhor; em
conseqüência, todos os adultos daquela geração morreram antes de entrar na terra prometida (Êx 12.51; 32.30-35; Nm 14.29-30).
6 Deus organizou o céu e distribuiu aos anjos áreas de liderança, responsabilidade, autoridade e poder. Alguns anjos se deixaram
contaminar pela arrogância e egoísmo. Revoltaram-se contra as ordens de Deus e se transformaram no Diabo (o Inimigo) e seus
anjos malignos. Alguns vieram para a terra e estabeleceram seu reino entre os seres humanos. Entretanto, no Dia do Juízo Final,
todos os partidários do mal serão destruídos pelo fogo da santidade e da justiça de Deus (Dn 10.20,21; Mt 25.41; 2Pe 2.4).
7 O texto não está afirmando que o pecado das pessoas que viviam em Sodoma e Gomorra foi o mesmo praticado pelos anjos
desobedientes. Judas está enfatizando que seja qual for a maldade que campeie pelo Universo e na história não ficará impune
aos olhos justos de Deus. A sociedade tende a se afastar da Palavra de Deus, seguindo o caminho da imoralidade e assumindo
um estilo andrógeno de vida. O juízo ocorrido no passado foi um prenúncio e exemplo do Dia em que o Senhor derramará “enxo-
fre incandescente” e consumirá toda impiedade e impureza moral sobre a terra (Gn 19.5,24; 2Pe 2.10).
8 Ora, estes, da mesma forma, como Agem como pastores que a si mesmos se
alucinados inconseqüentes, não ape- apascentam; vagam como nuvens sem
nas contaminam o próprio corpo, mas água, impelidas pelos ventos. São como
rejeitam toda autoridade instituída e árvores sem folhas nem fruto, duas vezes
caluniam os seres celestiais.8 mortas, arrancadas pela raiz.11
9 No entanto, nem mesmo o arcanjo Mi- 13 São como as ondas bravias do mar, espu-
guel, quando argumentava com o Diabo, mando suas próprias indecências; estrelas
e batalhava a respeito do corpo de Moi- errantes, para as quais estão preparadas as
sés, se atreveu a fazer qualquer acusação mais densas trevas por toda a eternidade.
injuriosa contra o inimigo, limitando-se 14 Ora, foi quanto a estes que Enoque, o
a declarar: “O Senhor te repreenda!”9 sétimo a partir de Adão, profetizou: “Eis
10 Apesar disto, estes tais, levianamente que vem o Senhor com milhares de mi-
difamam tudo o que não compreen- lhares de seus santos,12
dem; e até nas atitudes mais simples que 15 a fim de executar juízo sobre todos,
aprendem por instinto, como animais e convencer a todos os ímpios de todas
irracionais, se corrompem. as ações malignas que cometeram, e de
11 Ai deles! Porquanto trilharam o cami- todas as palavras insolentes que os peca-
nho de Caim, ávidos pelo lucro se joga- dores incrédulos proferiram contra Ele”.
ram no erro de Balaão, e foram tragados 16 Tais pessoas vivem murmurando e se
pela morte na rebelião de Corá.10 queixando, dominados por seus próprios
12 Estas pessoas participam de vossas reu- desejos impuros. A sua boca proclama
niões e celebrações fraternais, banquete- arrogância, e usam de adulação para
ando-se convosco, sem o menor pudor. conquistar seus objetivos.13
8 Esses pagãos e ímpios eram conhecidos como “sonhadores”, expressão cujo sentido original se refere às pessoas
“alucinadas” ou “fora da realidade”, por causa do efeito moral devastador que suas “fantasias” provocavam em suas atitudes e
estilo de vida. As pessoas que se afastam do Senhor e são controladas pelo homossexualismo, ou por qualquer tipo de droga,
são iludidas pela idéia do prazer de se “estar ausente” da realidade. Por isso, são levados a desenvolver um comportamento
absolutamente antagônico ao Senhor e sua Palavra; tornam-se especialistas na arte de mentir e rejeitam a toda autoridade
instituída a partir de Deus, seus servos, e dos membros da própria família. Alguns gnósticos primitivos (apóstatas), havendo
descambado para a prostituição e o homossexualismo, tornaram-se antinomistas (libertinos), e desenvolveram uma teoria
filosófico-religiosa que negava a influência das ações realizadas por meio do corpo sobre o espírito humano (v.19).
9 Judas faz menção a uma tradicional obra judaica, chamada “Assunção de Moisés” (Dt 34.6; Zc 3.2), apenas para ilustrar sua
exposição teológica, assim como fizeram Paulo (At 17.28), Menandro (1Co 15.33) e Epimênides (Tt 1.12).
10 Judas cita mais três exemplos do tipo de atitude insana e pecaminosa, que leva à terrível (os “ais” de Jesus) destruição final
(Mt 23.13-29). O caminhar de Caim foi constituído de egoísmo, ódio, inveja e homicídio (Gn 4.3,4; Nm 22.1-35; 1Jo 3.12). O erro
de Balão foi deixar-se dominar pela cobiça e imoralidade (2Pe 2.15; Cl 3.5; Ap 2.14). Corá representa a insubordinação e a revolta
contra toda a ordem estabelecida por Deus. Comportamento de parte da liderança cristã de sua época que, apostatando da fé,
estava dividindo a Igreja (Nm 16.1-35; 3Jo 9,10).
11 O motivo da urgência e prioridade dessa mensagem (v.3) é que os mestres hereges estavam se infiltrando nas festas e cele-
brações cristãs, comuns entre os membros da igreja primitiva, com o propósito de disseminar seus ensinos libertinos e promíscu-
os, questionando a liderança cristã apostólica e se impondo como novos líderes do conhecimento transcendental (gnose), ainda
que suas vidas não demonstrassem qualquer manifestação do fruto da justiça (Cl 2.19-23). Judas usa uma série de metáforas
para evidenciar que tais pessoas agiam como lobos pastoreando ovelhas para saciar suas próprias vontades animalescas (2Pe
2.13; Ez 34.8-10; Is 57.20). Entretanto, assim como as chamadas “estrelas cadentes” (meteoritos e cometas), que surgem com
brilho e magnificência, tais mestres do mal logo serão incinerados e se desintegrarão nas trevas eternas.
12 Judas, a exemplo do que fizera no v.9, cita uma obra tradicional no judaísmo com a finalidade de esclarecer seu ponto
doutrinário. Se observarmos a linhagem de Sete, considerando Adão como primeiro, Enoque é o sétimo e o autor da obra
apócrifa (Enoque 1.9) que leva seu nome (Gn 5.18-24; 1Cr 1.1-3). Não confundir com outro Enoque, da descendência de Caim
(Gn 4.17). Entretanto, o que Enoque revela em seu livro, já havia sido profetizado por autores bíblicos (Dn 7.9-14; Zc 14.1-5).
Judas aplica essas citações ao glorioso retorno de Jesus Cristo e à condenação final de todos os ímpios (2Ts 1.6-10; Dn 4.13-17;
1Ts 1.7; 1Ts 3.13).
13 Uma característica marcante desses falsos profetas e mestres é que sempre estão descontentes, críticos, lamuriantes e
jamais expressam sincera gratidão a Deus pelo que são e o que possuem (Ef 5.20; Cl 3.16-17; 1Ts 5.18). Além disso, são movidos
pela ganância, e seu humor só melhora em função de seus interesses pessoais, quando não poupam adulações àqueles de
quem acreditam poder obter alguma vantagem. Essa é uma cilada muito perigosa, a qual todos os pastores e líderes cristãos,
especialmente, estão freqüentemente expostos (1Tm 3.3; 1Pe 5.3; v.11).
14 Judas, em sua época, já advertia a Igreja quanto ao cumprimento da profecia dos apóstolos sobre o surgimento de
ondas doutrinárias heréticas e vãs filosofias; e que esses eventos funestos no meio da Igreja não deveriam pegar os crentes
desprevenidos (At 20.29; 1Tm 4.1; 2Tm 3.1-9; 2Pe 3.3).
15 Os próprios gnósticos dividiram-se em três grupos: os “mundanos”, materialistas; os “sensuais”, ligados à psicologia do
comportamento; e os “espirituais” (que acreditavam ter alcançado o estágio mais desenvolvido do saber). Judas vence os
heréticos usando a própria maneira debochada com a qual eles apreciavam atacar os princípios bíblicos (v.10) e desfecha a
argumentação, alertando-os para o fato de que, ao contrário de pertencerem a uma “elite espiritual”, nem sequer tinham o Espírito
de Deus, ou seja, estavam completamente perdidos (Rm 8.9; Hb 6.4,6; 2Pe 2.20).
16 Embora esta epístola trate prioritariamente de combater os heréticos (pretensos cristãos que apostataram da verdade e
tentam corromper os fiéis), Judas dedica uma palavra de encorajamento aos crentes, asseverando que o próprio Senhor cuida
pessoalmente de cada um de seus filhos, em sua luta diária e caminhada cristã, preservando-lhes a fé e o amor (Rm 8.26-39; Gl
4.6; Ef 6.18).
177 A expressão original em grego sugere uma operação de socorro muito arriscada, como “tirar alguém da beira da destruição”.
Para realizar esse ministério com sucesso, correndo o perigo de sermos tragados pelo pecado, o exercício da misericórdia deve
ser praticado sob a vigilância do temor a Deus e sem fazer qualquer concessão à carne: em trajes limpos (Zc 3.1-4; 2Pe 2.1-22).
18 Judas conclui sua “mensagem de guerra” aos hereges e exaltação à fidelidade dos cristãos com uma proclamação formal
de louvor a Deus, chamada “doxologia” (em grego dovxa “doxa – glória”), e que – a exemplo de Paulo – exalta o maravilhoso poder
do Senhor em preservar todos aqueles que nele depositam confiança (Rm 16.25; Ef 3.20). A expressão “apresentar”, aqui, deriva
do termo grego stesai, cujo sentido é “colocar de pé” (2Pe 3.14; 1Pe 1.19).
Propósitos
A palavra-chave para o início de uma correta compreensão desta obra encontra-se na abertura da
carta: revelação (1.1). Essa é a melhor tradução da expressão grega Apokavluyi" (Apokálypsis) que
abre o livro do “Apocalipse” e freqüentemente aparece nos textos proféticos do AT da Septuaginta
(a primeira e mais importante tradução do AT em grego). Tanto que a edição da Bíblia King James
de 1611, e todas as demais em língua inglesa, usam a expressão “revelation” (revelação) como título
desse livro de João. A palavra “apocalipse” tornou-se um termo técnico para a igreja primitiva e
passou a designar a manifestação gloriosa de Jesus Cristo, o Messias, no final dos tempos (Rm 2.5;
8.19; 1Co 1.7; 2Ts 1.7; 1Pe 1.7,13). Portanto, o “apocalipse” é a “revelação” da pessoa do Senhor
Jesus Cristo como o Redentor do mundo e conquistador único e absoluto do Mal em todas as suas
formas e expressões.
Como na época de João, as autoridades políticas e militares dominantes estavam começando a im-
por o chamado “culto de adoração ao imperador”, o apóstolo sente a necessidade vital de encorajar
os cristãos a se manterem fiéis e leais a Jesus Cristo, nosso único e supremo Senhor.
Por vários motivos, incluindo o cultural (o estilo literário peculiar), o místico (a obra é fruto de uma
experiência de êxtase espiritual), e o da segurança (era fundamental que a mensagem chegasse às
igrejas sem a censura ou o bloqueio do exército romano). Todo o processo pelo qual o Senhor dará
prosseguimento à sua obra redentiva e salvadora de todas as pessoas que nele crerem, está aqui
delineado sob símbolos, metáforas e ilustrações diversas.
A estrutura dessa obra maravilhosa e fundamental de João está baseada em quatro grandes
visões, cada uma delas estrategicamente começando com a expressão “no espírito”, e comunicando
ao leitor algum aspecto da pessoa do Messias, Jesus Cristo, e da sua supremacia como Juiz do
Universo. Cada visão proporciona uma cena diferente e nos conduz para um degrau superior no
processo de revelação total e final da História da humanidade.
O livro tem seu início marcado pela visão de cartas endereçadas pelo Senhor a sete igrejas exis-
tentes no período apostólico, e que servem como exemplos de igrejas de todas as épocas. Nessas
Esboço de Apocalipse
1. Prefácio e saudações apostólicas aos crentes em Cristo (1.1-8)
2. Primeira Visão: Cristo e a Igreja (1.9 – 3.22)
A. Representação da presença do Sumo Sacerdote (1.9-20)
B. Mensagens às sete igrejas (2.1 – 3.22)
3. Segunda Visão: Cristo e o mundo (4.1 – 16.21)
A. Adoração universal ao Cordeiro e Rei (4.1 – 5.14)
B. Os sete selos são rompidos (6.1-17; 8.1-5)
C. Os 144.000 selados de Israel (7.1-8)
D. A multidão incontável dos demais salvos (7.9-17)
E. O mistério das sete trombetas (8.6 – 9.21; 11.19)
F. O mistério da medição do Templo (11.1,2)
G. O mistério das duas testemunhas (11.3-14)
4. Os assustadores sinais mundiais (12.1 – 14.20)
A. O sinal da mulher com a coroa de doze estrelas (12.1-16)
B. O sinal do enorme dragão vermelho (12.3-17)
C. Israel gerou um filho que regerá o mundo (12.5,6)
D. A batalha de Miguel, o arcanjo (12.7)
E. A Besta que se levanta do mar (13.1-10)
F. A Besta que se levanta da terra (13.11-18)
5. Cristo, o Cordeiro de Deus, no monte Sião (14.1-5)
1 A expressão grega apokalipsis “revelação”, significa literalmente “tirar o manto”, isto é, “descobrir”, “tornar claro algo
obscuro”, “trazer um mistério à luz da compreensão”. Aqui a mensagem (revelação) vem de Cristo, por meio de um “anjo
intermediário” (a palavra “anjo” ocorre mais de 70 vezes neste livro), e é ministrada a João através de símbolos, que é o sentido
do termo grego semainõ “significar”, “expressar” (ensinar por simbologia). Essa compreensão nos leva à chave da interpretação
geral deste livro: ensinamento simbólico. João, apóstolo, e conhecido como “o discípulo amado” de Cristo, irmão mais novo do
apóstolo Tiago, primo de Jesus e autor do evangelho e das epístolas que levam seu nome, foi escolhido por Deus para receber
essa advertência divina e transmiti-la a todos os demais “servos” (em grego “escravos”) de Jesus em todo mundo. Sabendo que
tais “eventos” estão em processo desde a assunção de Cristo aos céus e, portanto, seu glorioso retorno é certo e iminente (Jo
19.25; 21.2,20,24; Mt 27.56; Mc 3.17; 15.40; Lc 9.52-56; Ap 22.6-20).
2 Os leitores ocidentais, especialmente, devem estar atentos ao estilo apocalíptico (simbólico) desta obra, muito comum no
Oriente ainda hoje. Mais de 50 vezes o número 7 aparece em todo livro, significando “inteireza”, “perfeição”. Aqui temos, por
exemplo, a primeira das sete “bem-aventuranças” que aparecem em todo o livro (14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7,14). O termo
grego makarios tem um sentido muito mais amplo e profundo do que a expressão “feliz” poderia comunicar. Portanto, “bem-
aventurados” transmite melhor o poder e a maravilha da bênção que está reservada para todos aqueles que humildemente
lerem ou ouvirem as palavras deste livro (Mt 5.3; Sl 1.1). O vocábulo “profecias” refere-se tanto à previsão de eventos futuros,
quanto à proclamação da Palavra de Deus. O Senhor retarda o grande Dia do Juízo para que fique, a cada dia, mais notória a
sua longanimidade (Mt 10.39; 18.11; Lc 19.10; Jo 17.12) e a incapacidade do ser humano caído (Gn 3) proporcionar à própria
humanidade um mundo justo, sadio e solidário. Contudo, seu glorioso retorno pode ocorrer a qualquer momento (Tg 5.9).
3 A mensagem foi dirigida às sete igrejas, ou seja, àquelas enumeradas no v.11 e a todas as demais igrejas cristãs em todas as
épocas. O termo grego ekklesia “assembléia” era usado para “convocar” as pessoas para as “reuniões” dos crentes primitivos.
As igrejas localizadas na província romana da Ásia, na época de João, hoje uma região da Turquia ocidental, formavam um círculo
geográfico na Ásia, com uma distância de cerca de 80 km entre uma e outra. Curiosamente, seus nomes são citados no sentido
horário, partindo de Éfeso em direção ao norte até Laodicéia, a leste de Éfeso. Todas as sete igrejas receberam cópias completas
do livro com a recomendação de não apenas lerem, estudarem e praticarem a Palavra de Deus, mas igualmente, de proclamarem
a Salvação e o Dia do Senhor a todo o mundo. O vocábulo grego “Graça” é usado apenas duas vezes neste livro, aqui e no
último versículo (22.21). No entanto, Paulo o usa mais de 100 vezes, evidenciando que vivemos a era da Graça, quando Deus
está caminhando pela terra, com seu Espírito e sua Igreja, oferecendo liberalmente sua Salvação (Jn 4.2; Jo 14.27; 20.19; Gl 1.3;
Ef 1.2). João parafraseia um dos títulos de Cristo para ressaltar seu poder e eternidade (Êx 3.14,15; Hb 13.8; Ap 4.5). Algumas
versões trazem a expressão “os sete espíritos”, todavia, o sentido mais apropriado é compreendido ao aplicarmos a simbologia
do número 7 à autoridade absoluta e perene do Espírito Santo (Is 11.2; Zc 4.2,10).
4 Jesus, por sua morte e ressurreição, recebeu o primeiro corpo celestial, “sendo Ele o primeiro dos frutos dentre aqueles que
dormiram” (Sl 89.27; Dn 7.13; Mt 24.30; Mc 13.26; Lc 21.27; Zc 12.10; Jo 19.34,37; 1Co 15.20,48; Cl 1.18) e nos resgatou (libertou)
pagando com o seu próprio sangue imaculado a nossa fiança (Hb 9.12).
5 Deus designou Israel como seu povo, reino e sacerdotes (Êx 19.6; Zc 3; At 1.6). Essa mesma honra foi concedida aos
membros da Igreja de Cristo (1Pe 2.5,9). O Nome de Deus revela sua própria pessoa (Yahweh – Ex 3.14).
7 Eis que Ele vem com as nuvens, e todo 14 Sua cabeça e seus cabelos eram bran-
olho o verá, até mesmo aqueles que o cos como a lã, tão brancos quanto a neve,
traspassaram, e todas as tribos da terra se e seus olhos, como uma chama de fogo.8
lamentarão por causa dele. Certamente, 15 Seus pés reluziam como o metal,
assim será. Amém! quando é refinado em fornalha ardente,
8 “Eu Sou o Alfa e o Ômega”, declara o e sua voz como o som de muitas águas.9
Senhor Deus, “Aquele que é, que era e 16 Tinha em sua mão direita sete estre-
que há de vir, o Todo-Poderoso”. las, e de sua boca saía uma espada com
dois gumes afiados. Seu rosto era como
Jesus aparece e revela a João o próprio sol quando brilha em todo o
9 Eu, João, irmão e vosso companheiro seu esplendor.10
de sofrimento, no Reino e na perseve- 17 Assim que o admirei, cai a seus pés
rança na fé em Jesus, estava na ilha de como se estivesse morto. Então, Ele co-
Patmos, por causa da Palavra de Deus e locou sua mão direita sobre mim, e disse:
do testemunho de Jesus. “Não tenhas medo, Eu Sou o primeiro e
10 E, no dia do Senhor, achei-me exaltado o último.
no Espírito, quando ouvi atrás de mim 18 Eu Sou o que vive; estive morto, mas
uma voz forte, como o som de trombeta,6 eis que estou vivo por toda a eternida-
11 que dizia: “Escreve em um livro o que de! E possuo as chaves da morte e do
vês e envia-o a estas sete igrejas: Éfeso, inferno.11
Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Fila- 19 Portanto, escreve sobre tudo o que tens
délfia e Laodicéia”. visto, tanto os eventos que se referem ao
12 Voltei-me para observar quem falava presente como aqueles que sucederão
comigo e, voltando-me, vi sete candela- depois destes.
bros de ouro 20 Este é o mistério das sete estrelas, que
13 e, entre os candelabros, alguém seme- viste na minha mão direita, e dos sete
lhante a um ser humano, vestindo uma candelabros de ouro: as estrelas são os
longa túnica que chegava aos seus pés, e anjos das sete igrejas, e os sete candela-
um cinturão de ouro ao redor do peito.7 bros são as sete igrejas”.12
6 Patmos era uma pequena ilha rochosa no mar Egeu, próxima ao litoral onde hoje se situa a Turquia, cerca de 80 km de
Éfeso. Era conhecida como colônia penal romana, e Eusébio, um dos “pais da Igreja”, relata que João foi liberto de Patmos pelo
imperador Nerva, entre os anos 95 e 98 d.C. O Espírito do Senhor conduziu João a uma experiência de êxtase espiritual (assim
como ocorreu a Pedro – At 10.10), durante a qual lhe concedeu uma visão da realidade normalmente inacessível ao ser humano.
Nesta época, o domingo já era considerado pela igreja cristã primitiva como “o dia do Senhor”. Era, portanto, o dia em que os
cristãos se reuniam como igreja (assembléia) e recolhiam suas ofertas para a obra (At 20.7; 1Co 16.2).
7 Referência clara a Cristo como nosso sumo sacerdote (Êx 28.4; 29.5).
8 Os cabelos brancos (cãs) representam santidade, sabedoria e a eterna deidade de Cristo, conforme a descrição do profeta
Daniel do Ancião de Dias (Dn 7.9,13; 10.6; Is 1.18). Os olhos em chamas denotam o olhar penetrante e discernidor de Cristo (4.6;
Lv 19.32; Pv 16.31).
9 Outros profetas, como Ezequiel, descrevem a voz de Deus como a rebentação das ondas (Ez 1.24; 43.2). Em Patmos esse
som do mar seria ainda mais aterrador ao quebrar-se contra as paredes rochosas da ilha. Mais um símbolo de autoridade e
soberania de Deus (Jo 12.29).
10 Deus sustenta os anjos das igrejas (as estrelas – v.20) em sua mão direita, o que significa, posição de grande honra e res-
ponsabilidade. A espada, longa e afiada dos dois lados, representa o poder e o direito que Cristo tem para julgar e executar as
devidas sentenças aos impenitentes (Is 11.4; 44.6; 48.12; Hb 4.12,13).
11 No AT, há uma profusão de referências ao “Deus Vivo” (Js 3.10; Sl 42.2; 84.2), que se aplicam a Jesus Cristo, em contraste
aos “deuses mortos” do paganismo. Cristo tem vida em si mesmo e possui absoluto domínio sobre todos os seres vivos e mortos.
Hades, palavra grega que pode ser traduzida por “inferno”, “sepulcro”, “morte” ou “lugar dos mortos” (Mt 16.18).
12 Esse é o primeiro texto no livro que procura interpretar alguns dos símbolos usados na comunicação da profecia entregue
a João (17.15,18). O termo grego angelos significa “mensageiro” e, na maioria das vezes, tem a ver com um ser celestial (anjo).
Aqui, entretanto, pode ser também aplicado ao pastor ou líder espiritual da igreja, personificando a atmosfera celeste (espírito)
que deve prevalecer em cada comunidade cristã.
1 Essas sete igrejas realmente existiram na Ásia Menor. Apesar disso, observa-se o retrato de uma certa seqüência de degra-
dação espiritual e moral da igreja, ao longo da história, que chega até a completa apatia exemplificada pela igreja de Laodicéia.
Jesus revela um padrão de advertência que se aplica aos vários perfis da igreja em todas as épocas até sua volta: elogio pelas
boas atitudes; admoestação contra os erros e faltas; disciplina e correção. Éfeso era um dos principais centros urbanos do
Império e jactava-se de sua cultura e religiosidade pagã, ostentando o templo de Ártemis (Diana), uma das sete maravilhas do
mundo antigo.
2 A igreja primitiva cultivava o hábito de pôr à prova os mestres e suas doutrinas, a fim de verificar sua correção e fidedignidade
bíblica. Haja vista a grande quantidade de místicos, judaizantes e falsos mestres que surgiram nos primeiros séculos após a
ressurreição de Cristo (1Co 14.29; 1Ts 5.21; 1Jo 4.1).
3 Todas as igrejas da província da Ásia haviam experimentado grande amor por Jesus Cristo (pelo Evangelho) e cooperavam
fraternalmente uns com os outros, demonstrando a plenitude e a alegria do amor cristão nos primeiros anos de suas conversões.
Com o passar do tempo, a chegada das muitas provações e tentações, esse amor foi se esfriando. Um alerta para a igreja dos
nossos dias.
4 O termo grego, aqui traduzido por “arrepende-te”, significa: “transforma o teu pensamento e tuas ações”. Assim também, a
expressão grega: “em breve virei contra ti” prenuncia uma visitação divina, especial e urgente, para julgamento imediato.
5 A tradição indica a seita herética dos nicolaítas com Nicolau, um prosélito de Antioquia e um dos sete primeiros diáconos da igre-
ja em Jerusalém (At 6.5). Na época de João, contudo, o sincretismo religioso e filosófico já era tão avassalador nas regiões da Ásia
Menor, que um grupo em Pérgamo, que defendia as idéias de Balaão (vv.14,15), e alguns outros heréticos em Tiatira, que seguiam a
Jezabel (v.20), aderiram ao movimento dos nicolaítas, pois que estes também estimulavam o paganismo e a libertinagem.
6 Neste livro, a expressão “vencer” se refere aos “cristãos que permanecem fiéis ao Senhor apesar das muitas provações e
tentações” (15.2). Alimentar-se da “árvore da vida” (Gn 2.9; Ap 22.2) simboliza o participar da plenitude da vida eterna. O termo
persa “paraíso”, incorporado ao vocabulário hebraico, significa “jardim particular” e tem a ver com a promessa de Jesus (Lc 23.43;
2Co 12.2) e a Jerusalém celestial que, em breve, nos será plenamente revelada (Ap 21.10; 22.2).
7 A “coroa” aqui não se refere à coroa de rei, mas a uma espécie de grinalda de folhas, presenteada aos “vencedores” nas
batalhas e jogos olímpicos (1Co 9.25). No contexto deste livro simboliza a vida eterna (4.4; 12.3; 13.1; 14.14; 19.2; Tg 1.12; 1Pe
5.4). O vocábulo grego diabolos significa “acusador” (em hebraico: “Satanás” – Zc 3.1; Jó 1.6-12; 2.1-7), e representa a principal
artimanha do Diabo contra os filhos de Deus (Jo 15.20; 2Tm 3.12).
8 Esmirna (hoje na região da Turquia) era uma colônia do Império romano. Econômica e culturalmente desenvolvida,
absolutamente submissa a Roma e ao culto ao imperador. Além disso, a grande comunidade judaica que vivia na cidade era
muito hostil aos cristãos. Policarpo, um dos mais famosos “pais da Igreja”, foi bispo cristão em Esmirna e martirizado por sua fé,
sincera e corajosa no Senhor. A expressão “segunda morte” simboliza a condenação eterna (20.6,14; 21.8).
9 Pérgamo (atual Bergama), antiga capital da Ásia Menor, seu nome significa “centro defensivo ou fortaleza”. Foram os primei-
ros a trabalhar o couro de cabras e ovelhas como material de base para escrita (pergaminho), dando origem ao formato (códice)
que o livro tem hoje. Os dois gumes da espada simbolizam a julgamento de Deus: justo e inexorável (1.16).
10 Pérgamo acabou sendo uma espécie de centro oficial da religiosidade pagã e de adoração ao imperador de Roma. Segundo
a tradição cristã, Antipas foi o primeiro mártir na Ásia, tendo sido cozido em azeite, num caldeirão de bronze, lentamente até
morrer, por causa de professar publicamente sua fé em Jesus Cristo, durante o reinado de Domiciano.
11 Balaão era mestre em confundir os assuntos espirituais e morais com seus interesses materiais. Chegou a ensinar às mu-
lheres midianitas a seduzir os israelitas (Nm 22 – 24; 25.1,2; 31.16; Jd 8,11). Em Apocalipse, representa perfeitamente os falsos
mestres espirituais (como os gnósticos na época de João), cada vez mais abundantes pela terra; cuja ganância, corrupção e
arrogância levam seus seguidores ao engano religioso, mundanismo e à perdição (At 15.20,29).
12 O “maná escondido” simboliza (Êx 16.14-15), aqui, o privilégio incomparável que todos os cristãos sinceros têm de participar
da grande festa celestial e messiânica chamada “a ceia das bodas do Cordeiro” (19.9). Um alimento divino somente disponível
aos crentes no Senhor, em contraposição ao que é oferecido aos seguidores de líderes da estirpe de Balaão (Sl 78.24). Os juízes
da época costumavam usar uma pedra branca para votar em benefício do réu. Na antigüidade, os escravos que conseguiam a
alforria, ganhavam uma pedrinha branca como “atestado” de sua liberdade. Aqui, o simbolismo sugere um “ingresso”, patrocina-
do por Cristo, para a grandiosa solenidade das suas bodas com a Igreja. A salvação é uma convicção pessoal, verdadeiramente
conhecida apenas entre o crente e o Senhor (19.12).
13 Tiatira (atual Akhisar) foi fundada por Seleuco (311 – 280 a.C) com o objetivo de ser um posto militar avançado. Lídia,
vendedora de púrpura, era de Tiatira (At 16.14).
14 O nome de Jezabel é lembrado aqui como símbolo de uma mulher de destaque na sociedade, mas que subvertia a fidelidade
a Deus, manipulando pessoas mediante a permissividade moral e a incorporação de práticas pagãs. A idolatria e o materialismo
eram as mais expressivas tentações em Tiatira, um importante centro comercial da Ásia (1Rs 16.31; 2Rs 9.22-37).
15 A palavra grega original “seguidores” pode ser facilmente confundida com a expressão literal “filhos”, cujo sentido aqui tem
a ver com “discípulos”. Jezabel é a mãe simbólica de todos os que seguem doutrinas espúrias e libertinas. O Senhor sonda,
24 Todavia, aos demais que estão em Tia- tenho encontrado integridade em tuas
tira e que não seguem a doutrina dessa obras diante do meu Deus.
mulher, e não aprenderam, como eles 3 Portanto, lembra-te daquilo que tens
costumam falar, os profundos segredos recebido e ouvido; obedece e arrepende-
de Satanás, afirmo: ‘Não colocarei outra te. Porquanto se não estiveres vigilante,
carga sobre vós!16 virei como um ladrão, e tu não saberás a
25 Tão-somente apegai-vos com firmeza que hora virei contra ti.
ao que tendes, até que Eu venha. 4 Contudo, tens em Sardes algumas pes-
26 Ao vencedor, aquele que permanecer soas que não contaminaram suas vestes;
nas minhas obras até o fim, Eu lhe darei elas caminharão comigo, vestidas de
autoridade sobre as nações. branco, pois são dignas.
27 Ele as pastoreará com cetro de ferro 5 Deste modo, o vencedor andará trajado
e as reduzirá a pedaços como se fossem com vestes brancas, e de modo algum
vasos de barro. apagarei o seu nome do Livro da Vida;
28 Eu lhe concederei autoridade seme- pelo contrário, reconhecerei o seu nome
lhante a que recebi de meu Pai. Também na presença do meu Pai e dos seus an-
lhe darei a estrela da manhã’. jos.2
29 Aquele que tem ouvidos, compreenda 6 Aquele que tem ouvidos, compreenda o
o que o Espírito revela às igrejas!”17 que o Espírito revela às igrejas.’”
literalmente no original grego “os rins”, “as entranhas”. Isso significa que Deus conhece as nossas vontades (fomes) mais
íntimas, e o centro das nossas decisões. Atualmente, costuma-se fazer referência ao “coração” para explicar os sentimentos,
e à “mente” para a razão (Sl 7.9; 62.12; Pv 24.12; Jr 11.20; 17.10). As obras são conseqüências da fé (Mt 16.27; Rm 2.6; Ap
18.6; 20.12,13; 22.12).
16 O gnosticismo ensinava que, para derrotar Satanás e suas hostes, se fazia necessário entrar na fortaleza do Inimigo e ter
profunda experiência com o mal. Esse princípio é observado até hoje por diversas seitas heréticas em todo mundo, especialmente
por meio de iniciações e ensinos secretos e esotéricos.
17 O uso literal do verbo grego “pastoreará” comunica o sentido de “governar”; e a expressão “com cetro de ferro”, longe
de uma alusão despótica, enfatiza o “governo poderoso” de Cristo (12.5; 19.15). A expressão “estrela da manhã” refere-se
simbolicamente também à presença da pessoa do próprio Senhor Jesus entre os crentes, especialmente durante as grandes
tribulações mundiais, prenunciando o glorioso retorno de Cristo e todas as bênçãos que aguardam os cristãos sinceros, justos
e vencedores (Dn 12.3).
Capítulo 3
1 Sardes (atual Sart) foi capital do antigo reino da Lídia. Cidade próspera e orgulhosa de suas indústrias de lã e tinturaria, era
o centro de culto à deusa Cibele, que atraía seguidores para uma religião mística, adornada por rituais sensuais e libertinos. O
ministério da igreja cristã local tinha um conceito muito favorável por causa do seu início notável. Entretanto, Deus percebe o vírus
da apatia espiritual (descrença) corroendo o íntimo da fé e da prática cristã naqueles crentes (Mt 24.43,44; Lc 12.39-40).
2 Tanto os judeus (Êx 32.32,33; Sl 69.28; Dn 12.1; Mt 10.32; Lc 12.8; Ap 20.12) quanto os romanos conservavam um livro de
registro de todos os cidadãos que formavam seus reinos e, portanto, tinham direitos e deveres a zelar. Se, por infringir a lei,
um cidadão tivesse seu nome apagado do livro, significaria a total perda de cidadania. Para os judeus e cristãos, o registro no
Livro da Vida é divino, e quem possui a vida eterna tem a graça da perseverança durante sua caminhada terrestre (Mt 24.13;
Fp 4.3; Hb 2.3).
3 Filadélfia (atual Alashehir), cujo nome significa “amor fraternal”, era uma cidade de grande importância comercial e, estrategi-
camente localizada, como porta de entrada do elevado planalto central da província romana na Ásia Menor. O Senhor afirma que
Cristo é quem tem todo o poder de admitir ou excluir pessoas do Reino. Os judeus acreditavam que apenas Israel tinha o privilégio
que ninguém consegue fechar; tens pou- declara o Amém, a testemunha fiel e ver-
ca força, mas obedeceste a minha Palavra dadeira, o Soberano da criação de Deus.7
e não negaste o meu Nome.4 15 Conheço as tuas obras, sei que não
9 Farei aos da sinagoga de Satanás, aos és frio nem quente. Antes fosses frio ou
que se dizem judeus e não são, mas quente!
mentem; sim, farei que venham adorar 16 E, por este motivo, porque és morto,
prostrados aos teus pés e saibam que Eu não és frio nem quente, estou a ponto de
te amo! vomitar-te da minha boca.8
10 Porque deste atenção à minha exortação 17 E ainda dizes: ‘Estou rico, conquistei
quanto a suportar os sofrimentos com muitas riquezas e não preciso de mais
paciência, Eu, igualmente, te livrarei da nada’. Contudo, não reconheces que és
hora da tribulação que virá sobre o mun- miserável, digno de compaixão, pobre,
do todo, para pôr à prova os que habitam cego e que está nu!
sobre a terra.5 18 Portanto, ofereço-te este conselho: Ad-
11 Eis que venho sem demora! Conserva quire de mim ouro refinado no fogo, a fim
o que tens, para que ninguém tome a tua de que te enriqueças; roupas brancas, para
coroa. que possas cobrir sua vergonhosa nudez;
12 Farei do vencedor uma coluna no tem- e compra o melhor colírio para que, ao
plo do meu Deus, o nome da cidade do ungir os teus olhos, possas enxergar cla-
meu Deus, a nova Jerusalém que desce do ramente.9
céu da parte do meu Deus; e igualmente 19 Eu repreendo e corrijo a todos quantos
escreverei nele o meu novo Nome.6 amo: sê pois diligente e arrepende-te.
13 Aquele que tem ouvidos, compreenda 20 Eis que estou à porta e bato: se alguém
o que o Espírito revela às igrejas’”. ouvir a minha voz e abrir a porta, en-
trarei em sua casa e cearei com ele, e ele
Carta à igreja em Laodicéia comigo.10
14 “Ao anjo em Laodicéia escreve: ‘Assim 21 Ao vencedor, Eu lhe concederei que
de ingressar no Reino de Deus. O poder das chaves é a autoridade exclusiva outorgada a Jesus Cristo, o Messias davídico (v.9;
5.5; 22.16; Is 22.22; 60.14; Mt 16.18-19).
4 O contexto desta carta indica que Cristo estabeleceu uma porta de entrada para todos os que nele crêem, com acesso abso-
luto aos privilégios do Reino de Deus e do serviço cristão. Uma entrada que ninguém pode bloquear (1Co 16.9).
5 Uma alusão às “dores messiânicas”, a seqüência de sofrimentos e perseguições que sobrevirão ao povo de Deus antes do
glorioso retorno do Senhor Jesus (Is 60.14; Dn 12.1-13; Mc 13.14; 2Ts 2.1-12). Grandes provações atingirão os crentes persegui-
dos pelo anticristo, enquanto os não-cristãos (pagãos), definidos neste livro como “os que habitam sobre a terra”, sofrerão os
julgamentos divinos por sua incredulidade (13.7-8; 8.1 – 9.19; 16.1-20).
6 Os judeus estabeleciam estreito paralelo entre o nome e o caráter de uma pessoa. O novo nome de Cristo simboliza tudo
o que é por causa da sua obra salvadora e remidora a favor da humanidade. Evento que se dará na segunda vinda do Senhor
(2.7; 7.15; 14.1; 21.2; 22.4).
7 Laodicéia foi a cidade mais rica da região da Frígia na época do Império Romano, e ficava próxima à atual Denizli. Era
conhecida em todo o mundo antigo por seus estabelecimentos bancários, escola de medicina e indústria têxtil. Contudo, a cidade
sofria com sérios problemas de abastecimento de água potável. A expressão “Soberano” significa literalmente no original grego
“o primeiro no tempo”: origem ou princípio de tudo (Jo 1.14; Pv 8.22; 2Co 5.17; Cl 1.15-18). O “Deus do Amém” se refere ao “Deus
da Verdade”, como designação pessoal; refere-se a quem é perfeitamente crível, leal e fidedigno (1.5; 19.11; Is 65.16).
8 Em Hierápolis, cidade de repouso, adjacente a Laodicéia, havia muitas fontes de água térmicas e medicinais, porém impró-
prias para saciar a sede dos viajantes. A igreja cristã local não estava proporcionando água da vida para os peregrinos sedentos,
nem cura e conforto para os espiritualmente enfermos.
9 O texto se refere aos três grandes orgulhos de Laodicéia: riquezas financeiras, a ponto de rejeitar a ajuda de Roma quando foi
praticamente destruída por um terremoto em 60 d.C., próspera indústria têxtil e grande avanço na medicina, tanto que lá desen-
volveram a fórmula de um colírio muito apreciado na época. Contudo, nem todo o progresso econômico, cultural ou científico do
mundo podem ser comparados com a riqueza do verdadeiro relacionamento com Deus (Os 12.8; Mt 6.19-20; Lc 1.53; 12.21).
10 Embora tradicionalmente aplicado aos incrédulos, o contexto dessa passagem revela uma admoestação explícita e direta
aos crentes que se iludem com suas próprias conquistas ou com uma religiosidade formal, e abandonam o sincero relacionamen-
to com Cristo e o dedicado amor ao próximo. O Senhor sempre disciplina seus filhos com amor (Jó 5.17; Sl 94.12; Pv 3.11,12;
se assente comigo no meu trono, assim e quatro outros tronos; vi assentados so-
como Eu venci e me assentei com meu Pai bre eles vinte e quatro anciãos, vestidos
no seu trono. de branco e com coroas de ouro sobre a
22 Aquele que tem ouvidos, compreenda cabeça.4
o que o Espírito revela às igrejas!’” 5 Do trono emanavam relâmpagos, vozes
e trovões. Perante Ele estavam acesas
A visão da majestade de Deus sete lâmpadas de fogo, que são os sete
espíritos de Deus.5
4 Depois destes acontecimentos, ob-
servei uma porta no céu, e a primeira
voz que eu ouvira, voz como de trombe-
6 E diante do trono, ainda, havia algo se-
melhante a um mar de vidro, trans-lúcido
ta, falando comigo, chamou-me: “Sobe como o cristal. No centro, circundando o
até aqui, e Eu te revelarei os eventos que trono, havia quatro seres viventes cobertos
devem ocorrer depois destes”.1 de olhos, tanto na frente como nas costas.6
2 Imediatamente, me vi absolutamente 7 O primeiro aparentava um leão, o segun-
tomado pelo Espírito, e diante de mim do era semelhante a um touro, o terceiro
estava um trono no céu e nele estava tinha um semblante como o de homem, o
assentado alguém.2 quarto parecia uma águia em pleno vôo.7
3 Aquele, pois, que estava assentado ti- 8 Cada um desses seres tinha seis asas e
nha a aparência que se assemelhava às eram repletos de olhos, tanto ao redor
pedras lapidadas de diamante e sardônio. como por baixo das asas. Dia e noite
Ao redor do trono, reluzia um arco-íris proclamam sem cessar: “Santo, santo,
parecendo uma esmeralda.3 santo é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso,
4 Também ao redor do trono havia vinte Aquele que era, que é e que há de vir!”8
1Co 11.32; Hb 12.5-11). Todos quantos perseveram na fé, estes são os vencedores e participarão do majestoso trono de Cristo
(2.7; 20.4-6; Mt 19.28; 2Tm 2.12).
1 As passagens de 4.1 a 5.14 proporcionam ao leitor uma introdução para o longo trecho de 6 a 20. Na sala do trono celestial,
o Cordeiro inicia a derradeira batalha contra as forças diabólicas, em cujo final lançará definitivamente o Diabo e seus seguidores
no lago do fogo eterno. O Senhor usa com João o mesmo tipo de convocação que usou com Moisés no monte Sinai, a fim de
receber as orientações de Deus (Êx 19.20.24).
2 João foi elevado a um estado raro de consciência espiritual alterada, em que seus sentidos foram totalmente arrebatados pela
plenitude do Espírito, a fim de que pudesse ver, ouvir e sentir vívidamente tudo o quanto lhe seria comunicado por Deus (1.10; 17.3;
21.10). O estilo literário, retratar Deus governando em seu trono celestial é uma forma clássica e tradicional do AT (Sl 47.8).
3 Deus é plena luz, verdade e santidade, e não pode ser contemplado diretamente por nenhum ser humano (1Tm 6.16); por
isso, se apresenta como o brilho intenso das pedras preciosas (os tons multicoloridos refletidos pelo diamante puro ou averme-
lhados do jaspe, e castanhos dos cristais de calcedônia) combinando com todas as matizes de verde, como que produzidos pelo
prisma da luz através dos mais puros cristais de esmeralda (Ez 1.26-28; Ap 10.1).
4 Os vinte e quatro anciãos representam os doze patriarcas de Israel (as doze tribos) e os doze apóstolos, simbolizando desse
modo a cifra completa e a unidade de todos os salvos de todas as eras (Ef 2.11-22). Há outros estudiosos cristãos que entendem
que essa é uma representação dos anjos que servem a Deus no governo do Universo (Sl 89.7; Is 24.23; Êx 24.11; Ap 4.9-11;
5.5-14; 7.11-17; 11.16-18; 14.3; 19.4).
5 Os relâmpagos, trovões, grandes sinais no céu e as lâmpadas simbolizam o magnífico poder e a majestade eterna do Senhor,
assim como vem se revelando à humanidade, desde a própria Criação, o Dilúvio e as grandes manifestações do amor de Deus
para com seu povo no deserto do Sinai (Êx 19.16-19; Sl 18.12-15; 77.18; Ez 1.13). Na visão do Apocalipse, esses fenômenos estão
sempre associados a algum acontecimento relevante para a humanidade e que se passa nas amplas e maravilhosas dependências
do templo celestial (8.5; 11.19; 16.18). A expressão “os sete espíritos” é apenas uma maneira simbólica de mostrar o poder e a
majestade perfeita do Espírito de Deus, uma vez que o sete é sempre o número da perfeição e da completeza (1.4).
6 A origem dessas expressões figuradas, como “mar de vidro”, está no AT (Gn 1.7; Êx 24.10; Ez 1.22), que também indicava a
bacia do templo celestial (11.19; 14.15-17; 15.5-8; 16.1,17), cujo equivalente no templo terreno era chamado de mar (1Rs 7.23-25;
2Rs 16.17; 2Cr 4.2,4,15,39; Jr 27.19). Os quatro seres pertencem a uma ordem elevada de criaturas angelicais, cuja missão é zelar
pelo trono celestial enquanto coordenam uma sistemática e interminável proclamação de louvor e adoração a Deus. Com seus
muitos olhos, nada escapa à atenção e ao cuidado deles.
7 O profeta Ezequiel teve uma visão semelhante (Ez 1.6-10; 10.14).
8 Aqui vemos uma expansão do próprio nome de Deus (Êx 3.14,15), com o objetivo de enfatizar que os atributos de Deus
(próprios de seu nome), como seu poder e santidade, se estendem da eternidade passada à eternidade futura, sem oscilação ou
qualquer possibilidade de cessar (1.4; Is 6.2,3; 41.4; Ez 1.18; 10.12).
9 Toda vez que os seres viventes excla- encontrou ninguém que fosse digno de
mam glória, honra e graças Àquele que abrir o livro e de olhar para ele.
está assentado no trono e que vive para 5 Então, um dos anciãos consolou-me,
todo sempre, afirmando: “Não chores, pois o Leão da
10 os vinte e quatro anciãos se prostram tribo de Judá, a raíz de Davi, venceu para
diante daquele que está assentado no abrir o livro e romper os sete selos”.3
trono e adoram Àquele que vive para 6 Nisso, aconteceu que reparei, no meio
todo o sempre. Eles lançam suas coroas do trono e dos quatro seres viventes e en-
diante do trono e declaram: tre os anciãos, em pé, um Cordeiro que
11 “Nosso Senhor e nosso Deus, tu és dig- parecia estar morto, e tinha sete chifres
no de receber a glória, a honra e o poder, e sete olhos, que são os sete espíritos de
porquanto tu és o Criador de tudo e, por Deus enviados a toda a terra.4
tua soberana vontade, tudo o que há, foi 7 Ele veio e pegou o livro da mão direita
criado e veio a existir”. de quem estava assentado no trono.
8 E assim que o recebeu, os quatro seres
A visão do livro do Cordeiro viventes e os vinte e quatro anciãos pros-
1 O livro estava na forma de um pergaminho enrolado, escrito de ambos os lados (1.11; 10.2-10). Assim como as tábuas de
pedra da Lei no AT (Êx 32.15; Ez 2.9,10), os setes selos revelam a inviolabilidade de um testamento de grande importância e valor
(Is 29.11; Dn 12.4). Os nobres da época costumavam escrever suas últimas vontades e heranças em um documento que era
lacrado na presença de sete testemunhas. Após a morte do testador, suas determinações eram lidas em público e executadas
à risca (1Pe 1.4).
2 A expressão original grega (céu, terra e debaixo da terra) não objetiva dividir o Universo nessas três partes. Era uma forma
convencional de referir-se à universalidade da proclamação (Êx 20.4; Fp 2.10).
3 Vários títulos messiânicos são mencionados nessa passagem, vinculando a obra de Cristo às profecias do AT (Gn 49.8-10).
O Leão da tribo de Judá simboliza o poder e a majestade do Messias. No AT, Judá é chamado de “leãozinho” e lhe é prometido
o governo até o glorioso retorno do Messias (Ez 21.27). Raíz de Davi é outro título profetizado para o Messias e Rei ideal (Is
11.1,10; Rm 15.12).
4 João emprega uma palavra especial para “Cordeiro” (29 vezes neste livro, e uma vez em Jo 21.15), revelando o sacrifício
vicário de Cristo (Is 53.7; Zc 4.10; Jo 1.29) e seu pleno poder (17.14). Na milenar tradição judaica, o “chifre” é símbolo do poder e
da “luz da glória” (Dt 33.17). O quarto grande animal que aparece na profecia de Daniel tem dez chifres. Entretanto, são os “sete
chifres” que representam o pleno poder e glória absoluta do Messias (Dn 7.7,20; 8.3,5; Ap 4.5).
5 No NT, o Cordeiro representa o único e grande líder da nova humanidade (Hb 2.9-11). Os Salmos conclamam todo povo de
Deus a cantar novos louvores a Cristo, o Messias (Sl 33.3; 98.1; 141.2; 144.9; 149.1). Enquanto o capítulo 4 termina com a canção
da Criação, o quinto se encerra com os cânticos da Nova Criação, que reúne os salvos de todas as nações e culturas. A morte e
ressurreição de Jesus Cristo é a base da redenção, restauração, criação e exaltação eterna do Filho de Deus: o Vencedor e seu
povo (Mt 20.28; 1Co 6.20; 7.23; 1Pe 1.18-19; Ap 14.3-4). É para a glória de Deus-Pai que Cristo redime homens e mulheres ao
longo da história (Ef 1.1-14).
6 Hoje em dia, a Igreja de Cristo passa por uma fase de lutas e descrédito por parte do mundo. Entretanto, na Nova Ordem ou
Nova Jerusalém, os crentes serão constituídos “reino e sacerdotes” e reinarão sobre toda a terra (Êx 19.6; Dn 7.10; 1.6; 2.26,27;
20.4,6; 22.5).
7 Deus Pai entronizado na glória eterna, e o Deus-Cordeiro-Filho, que é o Messias (Cristo em grego), são de igual modo
adorados (Fp 2.9-11) e seus “sete atributos” (sua perfeição) evidenciados (5.12; 7.12), o que demonstra uma vez mais a absoluta
unidade do Pai com o Filho.
Capítulo 6
1 Há três séries bem definidas de julgamentos que se sucederão em grupos de sete elementos: os sete selos (6.1-16; 8.1-5), as
sete trombetas (8.1 – 9.21) e as sete taças (cap. 16).
2 Os quatro cavaleiros do apocalipse fazem parte de um contexto simbólico que tem suas raízes no AT (Zc 1.8-17; 6.1-8). Há vá-
rias interpretações possíveis quanto ao significado das cores, missões e personalidades dos cavaleiros (assim como para o livro
todo), mas o comitê internacional de tradução da KJA considera que o cavalo branco representa o Espírito de Cristo, que através
da sua Igreja conquistará milhões de almas (vitórias) para o Reino. A cor branca no NT, e especialmente no Apocalipse, sempre
indica ou está relacionada com a pessoa ou a obra de Jesus Cristo, cuja vitória – no final – será plena e perene (19.11-16).
3 O cavalo e o cavaleiro vermelhos simbolizam os grandes e horríveis derramamentos de sangue provocados principalmente
pelas guerras. A espada grande (em grego hromfaia) é uma metáfora de todo tipo de arma ou poder que visa o extermínio
humano (Zc 1.8; 6.2; Mt 10.34).
4 O cavalo preto representa os períodos trágicos de extrema necessidade de alimentos que, normalmente, se seguem aos
tempos de guerra e graves conflitos políticos (Zc 6.2,6). Os processos econômicos mundiais não são solidários aos pobres e,
portanto, quanto maior a escassez maiores os preços. Um dinheiro (em grego denarion) era uma moeda de prata, que, na época
de João, era capaz de comprar até quinze vezes a alimentação diária de um homem e, normalmente, era o salário que um soldado
ou operário braçal ganhava por dia a serviço ao Império romano. Todavia, nos dias de “fome”, aqui previstos, o equivalente
monetário a um denário não será suficiente para alimentar uma família pequena todos os dias, mesmo considerando uma balança
com alimentos (cevada) menos nutritivos do que o trigo. Entretanto, o Senhor coloca limites à destruição promovida pelo cavaleiro
negro: as raízes da oliveira e da videira são fortes e profundas, e resistem aos períodos de seca e privações.
o seguia de perto. Foi-lhes dado o poder ficou escurecido como coberto com roupa
sobre um quarto de toda a terra, a fim de luto, e toda a lua se tornou vermelha
de que matassem à espada, pela fome, como se estivesse ensangüentada;8
por meio da pestilência e pelos animais 13 e as estrelas do firmamento caíram so-
selvagens da terra.5 bre a terra, como figos verdes derrubados
da figueira por um terrível vendaval.
O quinto selo 14 E, assim, o céu foi recolhido como
9 Quando Ele abriu o quinto selo, con- um pergaminho quando se enrola. En-
templei debaixo do altar as almas daque- tão, todas as montanhas e ilhas foram
les que haviam sido mortos por causa da removidas de seus lugares.9
Palavra de Deus e do testemunho que 15 E aconteceu que os reis da terra, os
proclamaram.6 príncipes, os generais, os ricos, os pode-
10 Eles exclamavam com grande voz: “Até rosos; todos enfim, escravos e livres, bus-
quando, ó Soberano, santo e verdadeiro, caram refugiar-se em cavernas e entre as
esperarás para julgar os que habitam em rochas das montanhas.
toda a terra e vingar o nosso sangue?”. 16 Então, passaram a berrar para as mon-
11 Então, para cada um deles foi entregue tanhas e rochedos: “Caiam sobre nós e
uma vestidura branca, e foi-lhes orien- ocultem-nos da face daquele que se as-
tado que aguardassem ainda um pouco senta no trono e da ira do Cordeiro,10
mais, até que se completasse o número 17 porquanto, eis que é chegado o grande
dos seus irmãos que, como eles, foram Dia da ira deles; e quem poderá sobre-
servos e que, da mesma forma, também viver?”.
deveriam ser mortos.7
Os 144.000 israelitas selados...
O sexto selo
12 Vi, quando Ele abriu o sexto selo. Então,
aconteceu um enorme terremoto. O sol
7 Depois desses eventos, observei quatro
anjos em pé nos quatro cantos da ter-
ra, com a missão de reter os quatro ventos
5 A expressão grega original chlõros descreve um tom de cor “amarelo esverdeado” (pálido), próprio da aparência de pessoas
portadoras de graves doenças, o que simboliza a pestilência, epidemias e a morte. Aqui a “Morte” é personificada (1Co 15.26;
Rm 5.14,17; 6.9), e o Hades, expressão grega, derivada do termo hebraico Sheol (v.1.18; 20.13,14; Mt 16.18), que pode significar
“sepulcro” ou “inferno”, em alguns casos. Tem aqui melhor tradução como “lugar dos mortos”, pois no NT é companheiro da morte
(1Co 15.55; Ap 6.8; 20.13-14). Os soldados romanos lançaram milhares de cristãos e pessoas consideradas criminosas às feras na
arena, em espetáculo público. Estes são alguns dos sinais previstos por Cristo como indicação do seu breve retorno (Mt 24.6-28).
6 No ritual do sacrifício do AT, o sangue do animal oferecido ao Senhor era derramado na base do altar (Êx 29.12; Lv 4.7).
7 O símbolo da justiça e pureza de Cristo é atribuído também aos cristãos martirizados, como se o sangue e a dor desses
homens e mulheres fossem um sacrifício aos pés do altar de Deus (Fp 2.17; 2Tm 4.6, em paralelo a Lv 4.7). É o sangue dos servos
do Senhor que reivindicam o julgamento de Deus sobre os ímpios e toda a forma de injustiça sobre a terra. Há um número dos
eleitos (justificados) que se completará naturalmente por conversão a Cristo antes de seu glorioso retorno (Rm 11.12). Embora
não seja possível determinar com exatidão que número é esse, o que João nos profetiza é que haverá muitos outros mártires
até a volta do Senhor.
8 Terremotos sempre fizeram parte da expressão do castigo divino sobre a humanidade (Êx 19.18; Is 2.19; 13.10; Ez 32.7; Ag
2.6). Os terremotos que sinalizarão as colossais alterações físicas da terra e prenunciarão o glorioso retorno de Cristo, o final dos
tempos e a transformação total da criação, terão magnitudes inimagináveis. Toda a descrição do sexto selo está relacionada aos
fenômenos cósmicos profetizados pelo próprio Senhor Jesus (Mt 24.29; Mc 13.24-25; Lc 21.25). O apóstolo Pedro, igualmente,
cita o profeta Joel em seu sermão no Pentecostes, como uma indicação da iminência histórica desses eventos (At 2.20; Jl 2.31).
9 Um dos últimos sinais que antecederão ao glorioso retorno do Senhor ocorrerá no firmamento. As pessoas olharão para o céu
escuro e verão algo como uma intensa e prolongada chuva de estrelas cadentes. Os figos que surgem no inverno são soprados
facilmente das árvores sem folhas pelos fortes ventos desta estação (Mc 13.25,26). Um outro fenômeno (em geral, relatados
nas Escrituras sob o ponto de vista do observador leigo e não de cientistas especializados) será o desaparecimento do céu (a
abóbada atmosférica azul que observamos hoje em torno da terra), desmantelamento das cordilheiras e montanhas em todo o
mundo, assim como o desaparecimento ou anexação ao continente de todas as ilhas (16.20; 20.11; Is 34.4; Jr 4.24; Na 1.5).
10 No Dia do Senhor, até mesmo os generais experientes e destemidos (na época de João um general romano comandava uma
coorte, cerca de mil soldados guerreiros) se acuarão desesperados nas cavernas (comuns na região da Palestina), reconhecerão
da terra e evitar que qualquer massa de ar Naftali; doze mil, da tribo de Manassés;
fosse soprada sobre a terra, o mar ou em doze mil,
qualquer árvore.1 7 da tribo de Simeão; doze mil, da tribo
2 Então, vi um outro anjo subindo do de Levi; doze mil, da tribo de Issacar;
Oriente, tendo o selo do Deus vivo. Ele doze mil,
bradou com voz grave aos quatro an- 8 da tribo de Zebulom; doze mil, da tribo
jos a quem havia sido concedido poder de José; doze mil, da tribo de Benjamim;
para produzir destruição na terra e no doze mil”.5
mar:
3 “Não danifiqueis a terra, nem o mar, ...e a enorme multidão de cristãos
nem as árvores, até que selemos a testa 9 Em seguida, olhei, e diante de mim
dos servos do nosso Deus!”. descortinava-se uma grande multidão
4 Então me foi revelado número dos que tão vasta que ninguém podia contar,
foram selados: “cento e quarenta e qua- formada por pessoas de todas as nações,
tro mil, de todas as tribos de Israel.3 tribos, povos e línguas. Estavam em pé,
5 Da tribo de Judá, foram selados doze diante do trono do Cordeiro, vestidos
mil, da tribo de Rúben; doze mil, da tribo com túnicas brancas, empunhando fo-
de Gade; doze mil,4 lhas de palmeira.6
6 da tribo de Aser; doze mil, da tribo de 10 E proclamavam com grande voz: “A
que o Cordeiro (o Jesus sacrificado) e Deus são a mesma pessoa, e temerão a ira do julgamento divino (5.6; 19.15; Is 2.10; Sf
1.14-18; Os 10.8; Jl 2.11; Na 1.6; Ml 3.2; Rm 1.18).
Capítulo 7
1 Este capítulo é uma espécie de parênteses entre a narrativa dos seis primeiros selos e a visão do selo final. Essa mesma
característica ocorre na seqüência descritiva da visão das trombetas (10.1 – 11.13). O capítulo sete nos revela duas visões espe-
cíficas: o selo dos 144.000 fiéis de Israel (v. 1-8) e a vasta multidão dos crentes comemorando a salvação e a vitória do Cordeiro
(v. 9-17). Os quatro cantos da terra simbolizam os quatro pontos cardeais da bússola (Zc 6.5). Deus controla a história, assim
como todos os fenômenos físicos e meteorológicos em função do seu plano em Cristo para a plena e eterna redenção do seu
povo (judeus e cristãos).
2 Na antigüidade, os documentos importantes e os que circulavam entre os nobres eram enrolados ou dobrados, amarrados,
e uma massa especial de argila era aplicada sobre o nó. Assim, o remetente carimbava a massa que se endurecia, com seu anel
ou sinete (com a marca da família), que autenticava e protegia aquele conteúdo. O capítulo 7 deixa claro que o Nome de Jesus
Cristo é o lacre (selo) de propriedade de Deus, registrado na fronte de todos os que nele crêem sinceramente. O objetivo desta
marca espiritual é proteger o povo de Deus dos terríveis juízos que acometerão toda a terra. Assim como aconteceu no Egito, para
a libertação do povo de Deus da escravatura (Êx 12.29-36), o profeta Ezequiel adverte Israel quanto à destruição de Jerusalém e
de todos os não selados por Deus (o que de fato ocorreu, por meio da invasão babilônica, seis anos após a proclamação dessa
profecia). Na época de Ezequiel, o Senhor marcou os crentes sinceros com a última letra do antigo alfabeto hebraico (tav), que
era escrita de modo fenício, semelhante a um “X” ou sinal de “cruz” (Ez 9.4).
3 Algumas das seitas heréticas, que pregam que 144.000 é o número exato dos salvos, já contam com um número maior
do que este de adeptos. Os livros proféticos e apocalípticos da Bíblia são alvos de várias interpretações, e é necessário muito
discernimento espiritual, visão integral e histórica das Escrituras, conhecimento das línguas originais e a indispensável graça
divina para uma interpretação adequada e saudável. Contudo, as mensagens vitais de cada livro podem ser compreendidas sem
dificuldade, restando à investigação acurada os aspectos menos fundamentais e detalhes instigantes. Quanto a essa passagem,
por exemplo, duas posições teológicas são defendidas por estudiosos cristãos sérios: 1) Alguns vêem aqui uma referência aos
membros das tribos judaicas, o remanescente israelita fiel da “grande tribulação” (v.14). 2) Um outro grupo defende o simbolismo
deste trecho, e o interpretam como sendo a expressão alegórica do número que indica completeza (144.000 é o equivalente a
mil dúzias de doze, o que seria uma espécie de hipérbole numerológica). Simboliza todos os cristãos que permanecem fiéis ao
Senhor mesmo vivendo num mundo secularizado, hedonista e materialista, e também inclui os judeus que ainda serão salvos por
Cristo e que não se dobrarão aos ditames do anticristo durante a “grande tribulação”.
4 A tribo de Judá é listada antes de Rúben, seu irmão mais velho, devido ao fato do Cristo (o Messias, em hebraico) pertencer
à linhagem da tribo de Judá (Gn 37.21).
5 Manassés era a mais pobre e frágil das tribos de José (Efraim e Manassés). Entretanto, aqui é mencionada para completar
as doze tribos (Jz 6), considerando que Dã fora excluída (assim como Judas Iscariotes que foi infiel e teve de ser substituído no
grupo dos Doze), por causa de sua avareza e idolatria (Jz 18.30). Uma antiga tradição judaica prevê que o último anticristo virá
da tribo de Dã.
6 As pessoas que fazem parte do povo de Deus na terra se reunirão no grande palácio celestial, diante do trono do Cordeiro.
Essa multidão incontável é composta de todos os salvos de todas as partes da terra. Essa visão pode referir-se aos mesmos
Salvação pertence ao nosso Deus, que se seu santuário; e Aquele que está assenta-
assenta no trono e ao Cordeiro!”.7 do no trono estenderá sobre eles o seu
11 Todos os anjos que se encontravam tabernáculo.10
em pé ao redor do trono dos anciãos e 16 Nunca mais passarão fome, jamais
dos quatro seres viventes prostraram-se terão sede. Não os afligirá o sol, nem
diante do trono com o rosto em terra e tampouco qualquer mormaço,11
adoraram a Deus, 17 pois o Cordeiro que está no centro do
12 exclamando: “Amém! Louvor e glória, trono será o seu Pastor; Ele os conduzirá
sabedoria, ação de graças, sejam ao nosso às fontes das águas da vida, e Deus lhes
Deus para todo o sempre. Amém!”.8 enxugará dos olhos toda lágrima”.12
13 Então um dos anciãos me indagou:
“Quem são e de onde vieram todos O sétimo selo e o incensário
estes que estão vestidos com túnicas
brancas?”.
14 E eu lhe respondi: “Ó meu Senhor, tu
8 Quando o Cordeiro abriu o sétimo
selo houve absoluto silêncio nos céus
por aproximadamente meia hora.1
o sabes”. Então ele afirmou: “Estes são 2 Então, observei os sete anjos que se
os que vieram da grande tribulação e encontram em pé perante Deus, e lhes
lavaram as suas vestes e as alvejaram no foram entregues sete trombetas.2
sangue do Cordeiro.9 3 Aproximou-se um outro anjo e se
15 Por este motivo, eles estão perante o colocou em pé junto ao altar, portando
trono de Deus e o servem dia e noite em um incensário de ouro. A ele foi entregue
144.000 (se considerarmos esse número como um símbolo da vasta multidão dos eleitos), que, após a “grande tribulação” dos
últimos tempos (v.14), celebram e louvam ao Senhor por tão grande salvação e pela magnífica vitória sobre as perseguições,
provações (tentações) e a própria morte (vv. 16,17). A Igreja de Cristo é apresentada em Apocalipse e ao longo de todo o NT,
como o verdadeiro “Israel de Deus” (o povo do Senhor), judeus e não-judeus (Gl 6.16). Sendo assim, é possível compreender que
as duas multidões que aparecem neste capítulo se referem a uma só “inumerável multidão”, vista em dois momentos diferentes:
antes (1.3-8) e depois da “última tribulação” (Lc 21.16,18). As folhas de palmeira sendo agitadas e as vestiduras brancas são
fortes símbolos da vitória perpétua (Lv 23.40; Jo 12.13).
7 A salvação (no original hebraico tem o duplo sentido de cura e livramento) é propriedade exclusiva de Deus, que ele, graciosa
e soberanamente, oferece a todos que a recebem (Gn 49.18; Jn 2.9; Jo 1.12).
8 A seqüência de sete atributos enfatiza o louvor completo e perfeito (5.12).
9 A expressão “grande tribulação” (Dn 12.1; Mt 24.21; Mc 13.19) aponta para os terríveis constrangimentos éticos, morais e toda
espécie de hostilidades que o anticristo e seus comandados deflagrarão contra os judeus e cristãos fiéis, pouco antes do glorioso
retorno de Cristo. Todavia, é importante observar que uma crescente perseguição aos crentes vem ocorrendo, em alternância de
intensidade e método, desde os tempos de João.
10 Outro detalhe significativo a ser considerado está ligado ao termo original grego “templo”, que, nas dezesseis vezes em que
aparece neste livro, significa o “santuário interior” e não o recinto maior. Ou seja, “o lugar santo onde habita o Espírito de Deus”,
o qual simboliza o antigo “tabernáculo”, onde resplandecia a “presença do Senhor” no deserto (Lv 26.11-13).
11 Aqui estão em foco aqueles que sofreram os graves momentos de provação e tribulação provocados pelo anticristo (Is
49.10), mas não abdicaram de sua fé sincera no Senhor. Purificaram-se diariamente no sangue do Cordeiro e souberam honrar
seus corpos como a própria habitação do Espírito Santo. Agora chegaram às suas moradas no Reino de Deus, conforme a
promessa de Cristo, e estão perante seu trono para adorá-lo eternamente (Jo 14.1-6). O vocábulo original grego latreuõ comunica
um tipo de serviço espiritual (trabalho) que realmente agrada a Deus (v.14; Rm 1.9; At 26.7; Hb 12.28).
12 Sl 23.1,2; Ez 34.23; Is 25.8.
Capítulo 8
1 João observa que em todo o céu há uma pausa marcante e atônita antes da série final de punições que sobrevirão ao planeta.
Os julgamentos de Deus serão tão severos e terríveis que os próprios habitantes do céu ficam pasmos e comovidos com o castigo
dos ímpios. O tempo no céu não é cronometrado como na terra, contudo João procura nos comunicar a sensação que sente ao
presenciar esse momentum de absoluta apreensão no Universo.
2 Na época de João e especialmente no AT, usava-se o som forte e marcante das trombetas para anunciar acontecimentos
de grande importância nacional. A reverberação dos variados toques podia alcançar quilômetros de distância e servia para
orientar as estratégias bélicas dos generais e seus exércitos nas batalhas. As sete trombetas (caps. 8, 9 e 11.15-19) proclamam
uma série ainda mais severa de açoites contra a incredulidade, porém não mais terrível e devastadora como as reservadas nas
“taças” (cap. 16).
grande quantidade de incenso para ofe- 9 e morreu a terça parte das criaturas que
recer com as orações de todos os santos vivem no mar, e um terço de todas as
sobre o altar de ouro diante do trono.3 embarcações foram destruídas.
4 E da mão do anjo elevou-se na presença
de Deus a fumaça do incenso juntamente A terceira trombeta
com as orações dos santos. 10 O terceiro anjo tocou a sua trombeta,
5 Então, o anjo tomou o incensário, en- e precipitou do céu uma grande estrela,
cheu-o com o fogo do altar e lançou-o ardendo em chamas como tocha, sobre
sobre a terra; e aconteceram trovões, um terço dos rios e das fontes de águas
vozes, relâmpagos e um terremoto. da terra.
11 E o nome dessa estrela é Absinto; por-
A visão das sete trombetas tanto, um terço de toda a água potável
6 E aconteceu que os sete anjos que da terra se tornou amarga, e multidões
estavam com as sete trombetas prepara- morreram pela ação nefasta das águas
ram-se para tocá-las. que foram envenenadas.6
3 O incensário, no AT, era uma espécie de panela repleta de carvão vegetal em brasa, usada para queimar o incenso na presen-
ça do Senhor, como um símbolo da fragrância e certeza de que todas as nossas orações sobem até o Pai, que sempre nos ouve
atentamente e nos educa em seu amor (Êx 27.3; 30.1; 1Rs 7.50; Mt 7.9; Rm 8.26-27). A expressão grega original, usada aqui por
João, nos permite apreender que o “incenso”, verdadeiro e espiritual, não é a fumaça perfumada que sobe quando queimada,
mas sim as próprias “orações”, quando evaporam dos nossos corações em brasa (Lv 16.12; Ez 10.2; Ap 5.8; 11.19; 16.18).
4 Há uma analogia simbólica entre a primeira trombeta e a quarta praga do Egito (Êx 9.13-25; Ez 38.22). As frações empregadas
por João não devem ser tomadas literalmente, pois indicam apenas que a punição anunciada pelas trombetas ainda não está
completa nem conclusiva (vs. 8,9,10,11,12).
5 Outra similaridade com as pragas do Egito (Êx 7.20,21): João observa um juízo escatológico, não derivado da poluição
natural, mas de grandes erupções vulcânicas em vários pontos do planeta em um mesmo “momentum”.
6 Absinto é uma planta de sabor desagradável e intensamente amargo, embora não letal. Aqui serve de metáfora para
comunicar a degradação da humanidade, bem como uma possível contaminação radioativa de grande parte da água potável do
planeta (6.13; 9.1; Êx 15.25; Pv 5.3,4; Jr 9.15; 23.15; Is 14.12; Lm 3.19).
7 Na nona praga do Egito, densas trevas cobriram a terra durante três dias (Êx 10.21-23; Is 13.10; Ez 32.7; Jl 2.10).
8 A expressão original grega e apocalíptica “os que habitam sobre a terra” refere-se aos “ímpios e incrédulos” que resistem à
convocação do Senhor para a salvação (6.10; 9.4). Até este ponto da narrativa de João, os julgamentos divinos haviam tocado
somente a natureza inanimada do planeta; agora, contudo, os três “Ais” proclamados pela águia anunciam os três castigos finais,
e cada pessoa incrédula sobre a face da terra experimentará a ira de Deus contra o pecado. Os sete juízos referentes às “taças”
dos capítulos 15 e 16 podem ser compreendidos como uma expressão do terceiro “Ai”.
1 Aqui, a “estrela caída” refere-se simbolicamente à figura de “um anjo caído” (20.1,3). Em 8.10, a “estrela” tem a ver com uma
seqüência de distúrbios cósmicos. A expressão grega “Abismo” transmite o sentido de algo “muito profundo” ou “trevas sem
fim”, onde estão presos os espíritos rebeldes, reservados para o Dia do Juízo (1Pe 3.19; Jd 6). Expressão usada na Septuaginta
(versão grega do AT) para traduzir um termo hebraico que se refere às “profundezas primevas” (Gn 1.2; 7.11; Pv 8.28).
2 Similaridade com a oitava praga do Egito (Êx 10.1-20; Jl 2.4-10).
3 Os gafanhotos do Apocalipse têm uma missão especial (no primeiro dos “Ais” – 7.3), não atacam os crentes nem devoram
seu alimento favorito (as folhas verdes), assim como ocorreu com os filhos de Israel durante as pragas no Egito (Êx 8.22; 9.4,26;
10.23; 11.7).
4 Cinco meses é o ciclo normal de vida dos gafanhotos orientais; também é o intervalo da estação seca na região (primavera até
final do verão), quando se espera a invasão dos enxames de gafanhotos famintos trazidos pelas correntes de ar. Pode-se imaginar
também o período de maior influência nefasta de um ataque nuclear. Um poeta romano do séc. I a.C., chamado Cornélio Galo,
escreveu: “Pior do que qualquer ferimento ou dor é a vontade de morrer sem poder” (10.8; Jó 3.21; Jl 1.6; 2.4; Lc 23.30).
5 Esses “gafanhotos” são identificados com a astúcia dos seres inteligentes e diabólicos. Vestem malhas de ferro ou de algum
material semelhante, que protegem pontos vitais de sua estrutura física. Os “cabelos de mulher” simbolizam possíveis antenas, e
os “dentes como os de leão”, a crueldade com que obedecem às ordens militares do Maligno (Jl 2.5).
6 Em hebraico, o nome “Abadom” significa “Destruidor”, traduzido como “Abismo” em Jó 28. Aqui, a tradução vem da expres-
são original grega “Apoliom”, cujo sentido é o mesmo e está de acordo com a missão deste grupo de soldados submissos a
Satanás (o anjo caído). A “estrela cadente” que abre o “Abismo” é expressão que aparece oito vezes no NT em grego, sete das
quais neste livro (v.1; Pv 15.11).
7 Esses “ângulos” eram projeções finais como chifres, que ficavam nos quatro cantos do altar de ouro no AT (8.3-5; Êx 27.2;
30.1-3). A tradição judaica ensinava que, nos últimos dias, aqueles que buscassem desesperadamente a salvação poderiam se
agarrar a esses ganchos (1Rs 1.50,51; 2.28; Am 3.14).
8 Na época de Salomão, a nação de Israel se estendia às fronteiras deste rio, o mais longo da Ásia ocidental (cerca de 2736 km).
O Eufrates separava as terras israelitas e seus principais inimigos históricos do leste (Is 8.5-8): Assíria e Babilônia (região em que
atualmente se encontram a Síria e o Iraque). Na época de João, o Eufrates era o limite oriental do Império romano. Esses “quatro
anjos ou mensageiros” simbolizam uma espécie de generais militares comandados pelos cavaleiros demoníacos (v.15-19).
9 Mesmo o resultado desta expressão matemática, 200 milhões é apenas um número simbólico para evocar uma ordem de
grandeza incalculável (Sl 68.17; Dn 7.10; Ap 5.11). Aqui fica bem claro que a visão não se refere a grandes insetos, seres alados ou
simples montarias e seus cavaleiros, mas a grandes engenhos de guerra e destruição em massa. Aviões, helicópteros, submarinos
atômicos, mísseis inteligentes com ogivas nucleares, armas químicas e outros equipamentos bélicos de alta tecnologia, hoje sob
controle de Israel e das grandes potências militares da terra, podem perfeitamente realizar todas essas catástrofes e deflagrar um
grande e derradeiro conflito mundial. A visão de João enfatiza Deus agindo segundo seu exato cronograma, com datas e horas
marcadas. À medida que os eventos históricos evoluem para etapas mais dramáticas e desumanas, o Senhor continua a oferecer
sua Salvação às pessoas em todo o planeta e a clamar por um arrependimento que teima em não ocorrer (vv.20,21).
10 Sl 115.4-7; 135.15-17; Dn 5.4
Capítulo 10
1 Considerando que o livramento dos israelitas da escravidão no Egito (o Êxodo) serve de imagem e exemplo do que ocorre no
tempo apocalíptico, especialmente nessa parte central da visão de João, podemos compreender que as “colunas de fogo” do AT (Êx
13.21,22), que guiavam e protegiam o povo de Deus durante a viagem pelo deserto, representam as fortes e flamejantes “pernas” do
poderoso anjo do Senhor, que conduzirá os crentes pelo deserto das provações e da dor até nossa eterna Canaã (nome de origem
fenícia, que em hebraico antigo kena‘an, tem o sentido de “povo da terra”). Esse anjo, retratado em todo o seu esplendor e poder,
é uma representação viva (embaixador) do próprio Cristo ressuscitado e triunfante (5.2). O arco-íris simboliza a imensa bondade,
paciência e misericórdia divinas, especialmente quando se trata da Aliança de Deus com seu povo (Gn 9.8-17).
2 A palavra grega original, aqui traduzida por “livrinho” não é a mesma que “livro”, a qual aparece em 5.1, pois aquele primeiro
“rolo” tinha gravado um conteúdo que precisava ser comunicado (profetizado) às nações, enquanto esse “rolo menor” deveria
ser, literalmente no grego, “engolido” (Ez 2.9; 3.33).
3 Os sete trovões simbolizam o perfeito juízo de Deus sobre todas as nações e as punições divinas reservadas para todos
quantos dispensarem a graça salvadora de Cristo e os conselhos paternos do Senhor (8.5; 11.9; 16.18).
4 Aqui a expressão literal em grego é “lacra com o selo”. As profecias têm seu tempo certo de proclamação no cronograma de
Deus. O que os trovões profetizaram, especificamente, se refere aos últimos dias, quando será revelado (20.10; Dn 8.26; 12.4,9).
5 O ato de levantar a mão direita em direção ao céu era um símbolo da honestidade e responsabilidade, diante de Deus, dos
juramentos (Gn 14.22,23; Dt 32.40).
6 Aos mártires de 6.9-11, foi solicitado que tivessem mais um pouco de paciência e repousassem mais algum tempo. Agora,
entretanto, acabou-se o tempo extra de misericórdia e paciência para que a humanidade reconsiderasse sua decisão de apatia
ou revolta contra o Evangelho, e o juízo deve começar em breve (Dn 12.1,7; Mc 13.19).
7 O mistério revelado aqui é que Deus conquistou plena vitória sobre as forças do mal e reinará com os seus por toda a eterni-
dade (11.15; Dn 2.29,30; Rm 16.25,26).
8 As profecias apresentadas a seguir (vv.8-11) têm grande similaridade com as visões concedidas por Deus ao profeta Ezequiel
(Ez 2.8 – 3.3).
9 João foi revestido da unção profética para proclamar aos judeus e não-judeus as boas novas de salvação do Senhor Jesus, o
Cristo (o Messias, em hebraico). Deveria falar sobre os terríveis castigos que aguardam todos quantos rejeitam o sacrifício vicário
do Cordeiro e deixam de receber o selo (a marca) do Espírito de Deus. Por isso, é imperioso que o servo do Senhor continue
profetizando (v.11), especialmente além-mar, para todos os povos e culturas que desconhecem a Palavra da Salvação. O profeta
deve digerir a Palavra profética que é doce (libertadora) para todos os que são salvos (Sl 119.103), mas amarga para os que se
perdem (11.1-13; Jr 15.16; Ez 3.3-9).
Capítulo 11
1 O vocábulo grego original naos “santuário” refere-se à parte central do templo e incluía o chamado Lugar Santo e o Santo dos
Santos. O caniço era uma espécie de bambu fino, abundante às margens do rio Jordão, que por ser longo (podia chegar a mais
de seis metros de altura), reto e leve servia bem como uma grande régua (Ez 40.3; Zc 2.1,2).
2 O conhecido pátio dos gentios era um espaço (cerca de 26 acres) concedido aos não-judeus nos limites do templo. Quarenta
e dois meses é equivalente a 1260 dias (v.3), e à expressão apocalíptica: “um tempo, dois tempos e metade de um tempo”,
ou seja, são equivalentes a três anos e meio, ou ainda, metade de uma semana completa de anos (Dn 7.25; 9.27; 12.7,14; Lc
21.24). Formas de se referir a um tempo curto de aflição irrefreável. Embora os anticristos do passado, como o tirano sírio Antíoco
Epifânio, que assolou o povo e profanou o templo de Israel por volta do ano 166 a.C.; ou, em pleno séc.XX, o ditador Adolf Hitler
(1889-1945), na Segunda Guerra Mundial, outros mensageiros de Satanás tentarão exterminar o povo de Deus (Mt 24.15,22) em
todas as épocas e nações, até que surjam as iniqüidades e perseguições lideradas pelo último e mais terrível dos anticristos.
Todavia, por breve tempo e sob supervisão de Deus que protegerá todos os seus filhos.
3 As testemunhas são profetas e pregadores que lembrarão Elias e Moisés. Essas pessoas se vestirão de forma austera, como
os profetas do passado, que se vestiam com roupas grosseiras, feitas de pêlos negros de bode ou camelo. Eram trajes vestidos
por longo tempo, em sinal de luto ou arrependimento (2Rs 1.8; Jl 1.13; Jn 3.5,6; Mt 11.21).
4 A linguagem metafórica aqui ressalta que o poder necessário para um testemunho eficaz é concedido exclusivamente pelo
Espírito Santo (Zc 4).
5 Esta passagem lembra os antigos confrontos entre o profeta Elias e os mensageiros de Acazias (2Rs 1.10-12).
6 Mais uma analogia à vida, ministério e poder dos profetas: Elias, que determinou uma seca para a glória de Deus, em sua
época (1Rs 17.1; Lc 4.25; Tg 1.17), e Moisés, que teve que lançar essa praga sobre os Egípcios durante sua batalha espiritual
para que o povo de Deus alcançasse a liberdade e pudesse partir para a terra da Promessa (Êx 7.17-21). As testemunhas lançarão
também poderosos açoites de Deus sobre a humanidade incrédula, com a esperança de quebrar a renitência do pecado, e que
alguns recebam a graça salvadora de Cristo em seus corações petrificados, e se tornem “pedras vivas” (2Ts 2.3-11; 1Pe 2.1-10).
7 Esta é a primeira menção feita ao monstro diabólico (a Besta do Apocalipse) e principal inimigo do povo de Deus nos últimos
dias (Dn 7.3,20,25). Esse representante poderoso de Satanás, que procede das profundas trevas do Abismo (9.1), terá permissão
de Deus para perseguir e submeter as testemunhas de Cristo ao mesmo destino do seu Senhor. A Besta é a mesma personifica-
ção do Diabo que surge do mar (13.1-7) e será montada por outra personagem demoníaca, a Grande Prostituta (17.1,8).
8 Para vários e sérios teólogos cristãos, esta passagem é uma profecia quanto ao fenômeno chamado de “Arrebatamento” dos
crentes em Cristo (em inglês, Rapture), que ocorrerá com o glorioso retorno de Jesus Cristo, e o encontro definitivo com sua
Igreja (16.15; 1Ts 4.17; 5.2). De qualquer maneira, não há dúvidas de que um terrível sentimento de medo e desespero sobrevirá
aos “habitantes da terra” (os incrédulos – v.10) ao observarem a ressurreição e ascensão das testemunhas ao céu (Ez 37.5,10; Is
1.9-10), assim como ocorreu com Cristo (Lc 24.50,51; At 1.9-11).
9 A sétima trombeta assinala definitivamente a chegada dos últimos dias da humanidade e da terra como são constituídas hoje
(10.6), e fecha o parêntese histórico que teve início em 10.1. A mensagem e os eventos profetizados por intermédio desse anjo,
ao tocar sua trombeta, consistem nos sete castigos anunciados no cap. 16 (Sl 115.13; Dn 7.14,27).
17 E declaravam: “Graças te damos, Se- seus pés, e uma coroa de doze estrelas
nhor Deus, Todo-Poderoso, que és e que sobre a cabeça.1
eras, porquanto assumiste o teu grande 2 Ela estava grávida e gritava de aflição,
poder e começaste a reinar. pois estava para dar à luz.2
18 De fato, as nações se enfureceram; 3 De repente, apareceu um outro sinal
chegou, todavia, a tua ira. Eis que é no céu: um poderoso Dragão vermelho
chegado o tempo de julgares os mortos com sete cabeças e dez chifres, possuindo
e de recompensares os teus servos, os sobre as cabeças sete coroas.3
profetas, os teus santos e os que temem 4 Sua cauda arrastou consigo uma terça
o teu Nome, tanto aos pequenos como parte das estrelas do céu, as quais arre-
aos grandes, e a hora de destruíres os que messou sobre a terra. O Dragão posicio-
assolam a terra”. nou-se diante da mulher que estava para
19 Nesse momento, se abriu o santuário dar à luz, a fim de devorar o seu filho
de Deus nos céus, e ali foi observada a assim que nascesse.
arca da Aliança. Houve relâmpagos, vo- 5 Todavia, nasceu-lhe um filho, um ho-
zes, trovões, um grande terremoto e um mem, que reinará sobre todas as nações
forte temporal de granizo.10 com cetro de ferro. E o seu filho foi arreba-
tado para junto de Deus e de seu trono.4
A Mulher agraciada e o Dragão 6 A mulher fugiu para o deserto, para um
10 João tem uma visão do próprio santuário celestial, e nada é escondido ao olhar do profeta. A antiga Arca da Aliança, uma
caixa de madeira feita de acácia (Dt 10.1,2), simboliza a presença gloriosa de Deus entre o seu povo amado. Entretanto, esse
símbolo sagrado dos judeus foi destruído, juntamente com todo o templo, pelos exércitos de Nabuzaradá (2Rs 25.8-10). Seu
desaparecimento também ilustra o afastamento da glória do Senhor do seu povo e das nações, aliança que é perfeitamente
restabelecida em Cristo, confirmando a imutabilidade das promessas do Senhor (vv.15-19; 8.5; 16.18).
Capítulo 12
1 Após a visão dos sete selos e das sete trombetas, e antes das sete taças, ocorre uma visão ainda mais inusitada e misteriosa.
Sete personagens projetadas no céu e envolvidas em terríveis conflitos e guerras: A Mulher, abençoada com a graça de Deus
(personificada em Maria, mãe de Jesus), simbolizando Israel e todos os crentes no Senhor (Gl 4.26; 37.9). O Dragão, que
representa o Diabo e suas manifestações (vv.3,4). O Filho, referência a Cristo (vv.5,6). O anjo Miguel, encarregado de proteger
Israel (vv.7-12; Dn 10.13,21; 12.1). A Besta que emerge do mar e, num sentido historicamente imediato, se refere a Domiciano,
Imperador romano entre os anos 81 e 96 d.C. Filho de Vespasiano, da dinastia dos Flávios, iniciou seu governo com notável
sabedoria, senso administrativo e militar, tendo conquistado toda a Bretanha. Entretanto, com o passar do tempo, tornou-se
arrogante, extremamente despótico e violento. Seu regime de terror perseguiu e executou milhares de religiosos e intelectuais
judeus e cristãos. Foi assassinado num motim de seus próprios senadores, tramado por sua esposa. Contudo, esses fatos e
pessoas simbolizam as ações devastadoras dos anticristos e, especialmente, do último anticristo contra o povo de Deus (13.1-
10). Por fim, há o surgimento da Besta que sobe da terra, alertando aos leitores deste livro sobre os sacerdotes, que no passado
exigiam o culto pagão à imagem do Imperador, e simbolizam os religiosos que se aliarão ao falso profeta e prestarão culto à
própria imagem do anticristo, num período de grande aflição e sofrimento, antes do Milênio (13.11-18).
2 Descrição do renascimento de Jerusalém em Is 66.7 (Mq 4.10).
3 Os dragões fazem parte da mitologia da maioria dos povos antigos, quase sempre simbolizando poder. No AT e na cultura
judaica, representam os inimigos de Deus e de Israel (Sl 74.14; Is 27.1; Ez 29.3; Dn 7.7). Na visão de João, o Dragão é a
personificação de Satanás, e o vermelho (em grego purros) quer dizer “cor de fogo”. Seu objetivo prioritário foi destruir o Filho de
Deus, desde sua encarnação e nascimento, o que lhe daria total chance de vitória sobre o povo de Deus (v.10). As sete cabeças
simbolizam inteligência além do normal, e os chifres, poder extraordinário (13.1).
4 Uma clara alusão ao Filho de Deus, Jesus Cristo, o Messias prometido no AT, que governaria todo o Universo com “cetro de
ferro”, ou seja, com amor, sabedoria e justiça (2.27; Sl 2.9; Is 11.4; Dn 8.10).
5 Seguindo a linha de interpretação escatológica, que observa o cumprimento das profecias a curto, médio e longo prazos,
temos aqui uma ilustração da proteção especial que Deus concedeu ao seu povo ao sair do Egito em peregrinação pelo deserto
até a terra da Promessa; mas, ao mesmo tempo, temos também uma referência à proteção de Deus para com José, Maria e o
menino Jesus, ao peregrinarem pelo deserto rumo a Belém e depois até o Egito (Lc 2.1-7; Mt 2.13-15). Essa profecia é ainda
aplicada à terrível destruição de Jerusalém (69-70 d.C.), quando muitos crentes foram alertados e escaparam daquele genocídio,
e se refugiaram na cidade de Pela, no deserto além do Jordão. E a profecia continua valendo para o futuro, quando os crentes
sinceros e obedientes ao Senhor receberão poder e sabedoria para fugir das artimanhas e perseguições do Diabo e seus
demônios. Os “mil duzentos e sessenta dias” é um símbolo do período especial de proteção divina correspondente à duração
das perseguições mais severas (11.2; 13.5). Nesse sentido, o deserto não se refere simplesmente a uma grande área coberta de
areia, mas a um lugar de refúgio, proteção e isolamento (Os 2.14).
6 Satanás, tendo sido derrotado na terra e não conseguido destruir o Filho de Deus, ataca os exércitos do Senhor nos céus e
tenta invadir a Glória de Deus, a fim de continuar a perseguir a Cristo. Entretanto, é derrotado pelos anjos do Senhor, e isso faz
aumentar ainda mais seu ódio e sede de vingança, impulsionando-o ferozmente contra todos os crentes. O anjo Miguel, como
responsável pela guarda de Israel, protegerá os israelitas nas grandes aflições dos últimos dias (Dn 10.13,21; 12.1).
7 Ao ser vencido e lançado de volta à terra, Satanás canalizou toda a sua revolta e fúria contra os cristãos e Israel (a Mulher).
Assim, desde a ascensão de Jesus até os nossos dias, as perseguições contra os israelitas e cristãos em todo o mundo tem
sido variadas e ininterruptas. É raro, nos dias atuais, não se ouvir uma notícia trágica sobre Israel ou seu povo nos noticiários da
imprensa mundial (v.13). Essas hostilidades ainda crescerão em violência e dramaticidade, até atingirem seu ápice no período
chamado de Grande Tribulação (13.7,17; Mt 24.21; Jó 1.9-11; Zc 3.1). Contudo, o Senhor garante que o tempo está passando
muito depressa e que, num prazo historicamente breve, Satanás será definitivamente destruído.
8 Uma analogia ao fato ocorrido em Nm 16.30-33, no qual os seguidores de Corá foram engolidos vivos pela terra (Dn 7.25; 12.7)
9 Alusão a uma perseguição satânica final, engendrada e implementada pelo anticristo, especificamente contra a geração dos
cristãos sinceros que viverem nos últimos tempos (cap. 13).
Capítulo 13
1 O termo original grego qhrivon, transliterado por therion e traduzido pela expressão “Besta”, que significa “poderoso animal
selvagem” (11.7,36). Seus poderes foram legados de forma mística pelo próprio Diabo (o Dragão). A Besta simboliza toda
espécie de deificação do homem ou da autoridade secular. Essa tem sido a marca de todos os tiranos e anticristos do passado,
como o rei Antíoco Epifânio (Dn 7.25; 8.9-14; Ap 17.3-12), especialmente a partir dos imperadores romanos. Será também a
principal característica do último e mais terrível anticristo que precederá o glorioso retorno de Cristo (Mt 24.15-31; 2Ts 2.1-12).
O cenário que se arma coincide com a visão que Daniel teve acerca das quatro grandes feras, que significavam poderosos
impérios já passados (Dn 7.2-7): babilônico (De 626 a 539 a.C), medo-persa (até 300 a.C), grego (até 63 a.C) e romano (até
cerca de 110 d.C).
2 A Besta terá uma vitória apenas externa por meio do martírio dos cristãos que não negarem sua fé no Senhor. Apesar da morte, as
almas dos crentes estarão preservadas pelo Espírito Santo (6.9-11; Mt 24.12; Sl 69.28). O Diabo tem profunda inveja de Deus e procura
imitar todos os procedimentos criativos do Senhor, visando receber da humanidade toda a adoração à sua pessoa sedutora e nefasta.
Por isso, vem tentando ao longo da história e nos últimos dias, com mais intensidade e evidência, projetar a imagem do seu anticristo
como melhor substituto mundial de Jesus Cristo, o Filho de Deus, de quem é o verdadeiro e eterno domínio (5.9; 7.9; Jr 15.2).
3 O sacrifício vicário de Jesus Cristo fez parte do propósito remidor de Deus mesmo antes da criação do Universo. Os planos,
mandamentos e profecias do Senhor são tão reais e concretos quanto os próprios acontecimentos em si (At 2.23; Ef 1.4).
4 O Diabo, em sua inveja insana de Deus, desenvolve uma imitação da pessoa e da espiritualidade de Jesus na forma de um
poderoso, carismático e ardiloso “falso profeta” (19.20), cuja forma exterior de cordeiro (pretenso exemplo de pessoa amável e
beneficente) será usada pelo Dragão para seduzir e chefiar uma religião que adensará milhões de adoradores, de todas as partes
do mundo, aos pés do anticristo. Com suas “feras diabólicas e sedutoras”, Satanás dominará por um tempo os três grandes
pilares da sociedade moderna: economia, política e religião. Da mesma forma como ocorreu na época de João, quando o povo
de Deus foi obrigado a se render à adoração dos imperadores romanos, assim será no mundo atual, pouco antes da volta de
Cristo (Mt 24.24).
5 Como já vimos (nota 5 do cap. 12), as profecias podem ter uma realização imediata e repetida ao longo da história até o
final dos tempos. Assim, os anticristos sempre forçaram as pessoas, especialmente o povo de Deus, a se renderem às suas
“personas” como “divindades” e, para tanto, usaram de toda espécie de tortura e humilhações, como o ferretear de escravos
ou presos militares, o carimbar passaportes e outros documentos com expressões discriminatórias. A marca da Besta será uma
espécie de prova de fidelidade às exigências do culto imperial à personalidade do último anticristo. Esse ato será promovido e
supervisionado pelo “falso profeta” (a Besta possuída pelo Dragão), e um dos últimos símbolos da globalização, do ecumenismo
e da padronização dos comportamentos da humanidade em favor do anticristo e de seu sistema mundial de valores (v.17; 14.9,11;
15.2; 19.20; 20.4). Essa também será uma das últimas grandes tentativas do Diabo para imitar (blasfemar) um procedimento santo
de Deus, isto é, o selo espiritual dos servos de Cristo (cap. 7).
6 Desde a Antigüidade, os escritos proféticos e apocalípticos judaicos costumavam atribuir às letras valores numéricos e
significados ocultos, o que facilitava a conferência da correção de um texto (especialmente das cópias) pela simples somatória das
letras, além de encerrar certos enigmas, a fim de evitar que as mensagens pudessem ser compreendidas pelos perseguidores do
povo de Deus. Na atualidade, muitos equipamentos usam letras que podem ser convertidas em números para suas operações.
A tríade maldita, formada pelo anticristo e suas bestas, convencerá a sociedade mundial a ostentar sua marca e implantará
um boicote econômico-financeiro contra todos os rebeldes. A marca do Diabo é um número que revela um nome humano. O
número seis, simboliza na numerologia judaica a imperfeição e a maldade, numa flagrante oposição e eterna incapacidade de
chegar à perfeição, bondade e justiça representadas pelo número sete. Portanto, sabemos que essa marca será uma expressão
da união desses três representantes do Diabo sobre a terra. Além disso, eles deflagrarão violenta e impiedosa oposição contra
seus opositores, especialmente aos judeus e cristãos sinceros. Considerando o passado, esta profecia traduz bem alguns líderes
tiranos mundiais e suas ações sanguinárias: Nabucodonosor, rei da Babilônia, que destruiu o primeiro Templo e escravizou o
povo de Israel; Antíoco Epifânio, rei da Síria, que profanou o segundo Templo e colocou uma estátua representando seus deuses
pagãos no Santo dos Santos; o comandante romano Tito e seu pai Vespasiano, que profanaram a terceira edificação do Templo
(70 d.C), sobre o qual profetizou Jesus, quarenta anos antes da destruição de Jerusalém (Mt 24); Domiciano, imperador romano
que obrigava todos os seus súditos a reverenciá-lo com uma frase protocolar (uma espécie de marca da blasfêmia), em latim:
Dominus et Deus noster (Nosso Senhor e Deus); Nero César; e já em meados do séc. XX, Adolf Hitler, com sua visão totalitária e
insana do estabelecimento de uma raça humana perfeita, sem ascendência judaica (ariana) e seu anti-semitismo diabólico.
Capítulo 14
1 No AT, o monte Sião foi conquistado por Davi e transformado numa espécie de fortaleza e capital da cidade pré-israelita de
Jerusalém (2Sm 5.7). No NT, e especialmente neste livro, simboliza a Jerusalém celestial, a eterna habitação de Deus e de seu
povo amado (Hb 12.22-24; Gl 4.26), que descerá até a nova terra, onde se implantará completamente o eterno Reino de Deus (Ap
21.2,3). Como já vimos em 7.4, aqui João contempla a imensa multidão dos salvos: todos os selados com o Espírito Santo de
Deus, o Nome do Filho e do Pai (Ez 9.4; Mt 28.19). Um número tão grande de pessoas que pareceu melhor ao Espírito expressá-lo
por meio de uma cifra semelhante ao número das tribos de Israel e dos apóstolos de Jesus, um valor santo, completo e perfeito,
multiplicado milhares de vezes: 144.000 ou mil dúzias vezes doze.
2 Mesmo considerando que alguns teólogos cristãos interpretam literalmente esta passagem, assim como o número dos
144.000 salvos, é preciso notar que, neste contexto, “a Mulher” representa “Israel” e que, portanto, a expressão “mulheres”
tem a ver com outras nações, cultos e sistemas de valores. Sendo assim, João está se referindo à grande multidão de pessoas,
ainda que seja um grupo específico vivendo durante a Grande Tribulação e que não se dobrou ao sistema sócio-politico-religioso
(sistema mundial de valores) ditado pelo anticristo. Ou seja, são homens e mulheres que se mantiveram espiritualmente “virgens”
(castos, imaculados) e não se entregaram à sedução e prostituição com os valores mundanos (Mt 19.21; Mc 8.34). Estão portanto,
libertos do pecado da “idolatria” que é “fornicação” (14.8; 17.2,4; 18.3,9; 19.2), com todas as suas implicações (2Pe 2.20-22).
Os salvos serão como aquela primeira parte da colheita (as Primícias) que era oferecida ao Senhor em agradecimento por sua
graça e misericórdia (Êx 23.19; Lv 23.9-14; Nm 18.12; Rm 16.5; 1Co 15.20). Ao mesmo tempo, o restante da humanidade, que
preferiu ficar ao lado da “poderosa tríade global” ostentará com prazer o número da Besta e, como uvas maduras, estarão sendo
reservadas para serem ceifadas e pisadas no lagar da ira do Senhor (vv.17-20).
3 O sentido dessa expressão é demonstrar que os cristãos sinceros jamais negam sua fé (termo que nos originais têm o sentido
de: fidelidade no Senhor. Nos últimos tempos, o sistema mundial, manipulado pelo Diabo e seus asseclas, tentará ridicularizar a
verdadeira fé cristã e os crentes em Cristo, para mais tarde forçá-los violentamente a negar seu amor por Deus. Nesse momento,
muitos cristãos não mentirão, e por isso, serão martirizados (Jo 18.37; Sf 3.13).
4 Temos aqui um caso clássico da máxima: “os ciclos históricos são pendulares e se repetem”. Por isso, as profecias
apocalípticas podem ser aplicadas às várias gerações até o Dia final. A antiga Babilônia foi erguida na Mesopotâmia (região onde
hoje se encontra o Iraque), por volta do ano 626 a.C., e se constituiu no mais prestigioso centro econômico, político, militar e
religioso do mundo de sua época. Luxo e depravação moral eram algumas das principais marcas de sua opulência e arrogância.
O profeta Daniel referiu-se a ela como “a grande Babilônia” (Dn 4.30). Durante a época de João, suas descrições correspondiam
ao Império de Roma (16.19; 17.5; 18.2-21). Em nossos dias, simboliza o sistema mundano de valores que envolve todos os
povos da terra e os seduz (embriaga) com os ideais de consumo e prazer produzidos pelas nações mais ricas. Contudo, no final
dos tempos uma grande potência mundial reunirá sob sua influência e controle todas as nações da terra, e exibirá as mesmas
características diabólicas da Babilônia. Sua queda, entretanto, assim como ocorreu com a primeira versão da Babilônia (cerca de
539 a.C.) é inevitável e definitiva (Is 21.9; Jr 51.8).
5 O terceiro anjo proclama diante dos céus e da terra a condenação do anticristo e dos seus seguidores (20.13-15). No AT, a ira
de Deus é habitualmente ilustrada como o cálice de vinho do juízo final (v.10,11), a ser provado, individualmente, pelos incrédulos
de todos os tempos e de todas as nações (Sl 75.8; Is 51.17; Jr 25.15). Sodoma e Gomorra são exemplos clássicos do derramar
da ira de Deus, quando foram destruídas por uma tempestade de enxofre ardente (Gn 19.24). O mesmo juízo será aplicado aos
ímpios, incrédulos e infiéis (Sl 11.6; Ap 19.20; 20.10; 21.8).
6 Um encorajamento aos cristãos para que jamais neguem sua fé em Jesus Cristo, sejam quais forem as formas de
constrangimento e perseguição que vierem a enfrentar, especialmente tendo em vista a forte tendência do mundo em se aliar ao
anticristo e seus comandados, e o trágico final que os aguarda (Mt 24.13).
7 A expressão original grega anapauõ, “habitar ou descansar em paz” revela uma das sete bem-aventuranças (prêmios – Mt 5.1-
12), expressas neste livro para aqueles que perseverarem na fidelidade a Cristo (Mt 11.28). Os bem-aventurados (muito felizes)
são: os que conhecem e obedecem a Palavra de Deus (1.3); os que morrem fiéis a Cristo (14.13); os que aguardam o glorioso
Chegou a hora de ceifar a terra lâmina afiada por toda a terra, ajuntou
14 Olhei, e eis que diante de mim estava as uvas maduras e as lançou no imenso
uma nuvem branca e, assentado sobre a lagar da ira de Deus.
nuvem, alguém semelhante ao Filho do 20 E todas elas foram pisadas no lagar,
homem. Ele estava com uma coroa de ouro que fica fora da cidade, e o sangue que
na cabeça e uma foice afiada na mão.8 correu do lagar chegou ao nível do freio
15 Então, outro anjo saiu do santuário e dos cavalos, cobrindo uma distância de
clamava em alta voz ao que estava assen- cerca de trezentos quilômetros.10
tado sobre a nuvem: “Agora, pois, toma a
tua grande foice e faz a tua colheita, pois a Os sete anjos e os sete flagelos
safra da terra está madura e chegou a hora
de ceifá-la!”.
16 Em seguida, Aquele que estava assen-
15 Então, observei no céu um outro
grande e terrível sinal: sete anjos
empunhando os últimos flagelos, pois
tado sobre a nuvem passou a sua lâmina com estes se completa o Juízo severo de
de colheita por toda a humanidade e a Deus sobre a terra.1
terra foi ceifada.
Os remidos cantam ao Senhor
Ceifando as uvas da ira de Deus 2 Vi algo semelhante a um mar de vidro
17 Então, outro anjo partiu do santuário misturado com fogo; e, em pé, junto ao
celeste empunhando uma foice menor e mar, todos que haviam vencido a Besta,
afiada. a sua imagem e o número do seu nome.
18 E do altar saiu ainda mais um anjo, Eles empunhavam as harpas que haviam
com poder sobre o fogo, e clamou com sido entregues por Deus,2
forte voz ao que trazia a foice menor: 3 e cantavam o cântico de Moisés, ser-
“Passa a tua faca afiada e colhe todos os vo de Deus, e o cântico do Cordeiro:
cachos da extensa vinha da terra, porque “Grandes e admiráveis são as tuas obras,
as suas uvas já chegaram a ponto de se- ó Senhor Deus Todo-Poderoso; justos e
rem ceifadas!”9 verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei
19 Sem demora, o anjo passou aquela das nações.3
retorno de Cristo em santidade (16.15); os convidados para a Ceia das bodas do Cordeiro (19.9); os que participam da primeira
ressurreição (20.6); os que atendem às orientações deste livro (22.7); e os que lavam suas vestes no sangue de Cristo (22.14).
8 Jesus Cristo, o Filho do homem, Rei dos reis, é o juiz máximo da história e da humanidade (1.13; Dn 7.13; Mt 3.12; Tg 4.12).
O termo grego original drepanon, “faca de colheita”, refere-se a uma grande lâmina afiada, em forma de foice, usada para colher
a safra de grãos, simbolizando o julgamento final (Jl 3.13; Mt 13.30-42). Alguns teólogos cristãos vêem nessa passagem uma
referência à grande reunião dos crentes com Cristo em seu glorioso retorno.
9 Esse é o anjo de 8.3-5, que tem a responsabilidade de executar o Juízo (Mt 18.8; Lc 9.54; 2Ts 1.7). A foice israelita (v.14), própria
para colheita de grãos consistia em uma lâmina curvada e afiada de ferro, ajustada a uma haste de madeira ou de osso, com um
longo cabo. A foice usada para podas e coleta dos cachos de uvas das videiras era uma espécie de faca menor e mais afiada.
10 Lagar era um grande recipiente, esculpido na rocha, onde os israelitas costumavam depositar as uvas maduras que seriam
pisadas com os pés descalços a fim de produzir o primeiro lote de suco da safra, sendo canalizado para outro recipiente inferior.
No AT, “pisar o lagar” era uma metáfora muito eloqüente quanto à execução inexorável da justiça severa (ira) de Deus (Is 63.3; Lm
1.15; Jl 3.13; Ap 19.15). Nos últimos tempos, esse terrível derramamento de sangue contaminaria os próprios limites da cidade
numa extensão de, literalmente, “mil e seiscentos estádios” (cada estádio equivale a 185 metros), ou seja, quase o tamanho atual
da Palestina de norte a sul.
Capítulo 15
1 Os versículos de 1 a 8 anunciam a última das três séries de sete juízos e o derramamento das setes taças repletas da ira de
Deus sobre toda impiedade (6.16; 8.2).
2 João, em sua primeira visão do trono de Deus, já tinha visto este mar simbolizando a separação entre a humanidade e o
Senhor (4.6). Agora, os cristãos martirizados estão celebrando a vitória definitiva dos crentes em Cristo (4.12,13; 5.8).
3 Outra analogia com a libertação que Deus proporcionou ao seu povo no Egito, mediante a pessoa de Moisés, seu servo,
cujo hino (Êx 15.1-18) era habitualmente entoado às tardes de sábado nas sinagogas, para celebrar ao Senhor por seu poder e
amor fiel (Dt 32; Sl 22; 92.5; 111.2). Os crentes, diante do trono celestial, louvam a Deus por um resgate ainda maior e perene.
Jesus Cristo, o próprio Filho de Deus, nos libertou do Império das trevas para a vida eterna (Jr 10.10; Jo 1.17; 6.32; Sl 86.9; 1Tm
1.17; Hb 3.2-6).
4 Senhor, quem não temerá e não glorifi- pessoas portadoras da marca da Besta e
cará o teu Nome? Pois só Tu és santo por os adoradores da sua imagem foram ata-
isso, todas as nações virão e se prostrarão cados por feridas dolorosas e mortais.1
diante de ti, porque os teus juízos são
manifestos!”.4 O anjo e o segundo flagelo
5 Em seguida, olhei e observei que se 3 Veio o segundo anjo e derramou a sua
abriu nos céus o santuário, o tabernácu- taça sobre o mar, e este se transformou
lo da aliança. em sangue como de um morto, e morreu
todo ser vivente que havia no mar.2
Deus envia os sete flagelos
6 Então, partiram do santuário os sete O terceiro flagelo é derramado
anjos com os sete flagelos. Eles estavam 4 O terceiro anjo derramou a sua taça
vestidos de linho puro e resplandecente, nos rios e nas fontes, e todos eles se
e portavam cinturões de ouro ao redor transformaram em sangue.
do peito.5 5 Então, ouvi o anjo responsável pelas
7 E um dos quatro seres viventes entre- águas declarar: “Tu és Justo, Tu, o Santo,
gou aos sete anjos sete taças de ouro, que és e que eras, porquanto julgaste
repletas da ira de Deus, que vive pelos estes crimes;
séculos dos séculos. 6 porque eles derramaram o sangue dos
8 Imediatamente, o santuário se encheu teus santos e dos teus profetas, e agora Tu
da fumaça produzida pela glória e o po- lhes deste sangue para beber, pois isto é o
der de Deus, e ninguém podia entrar no que merecem”.3
santuário enquanto não se completas- 7 E ouvi que do altar procedia a seguinte
sem os sete flagelos dos sete anjos.6 aclamação: “Certamente, ó Senhor Deus,
Todo-Poderoso, verdadeiros e justos são
O primeiro dos sete flagelos todos os teus juízos!”.
4 João registra neste livro uma série de cânticos espirituais que exaltam a Cristo, como Rei, Senhor e Juiz soberano de todos
os povos, línguas e nações (5.9-13; 7.10,12; 11.15-18; 12.10-12; 16.5-7; 19.1-8, conforme Fp 2.6-11).
5 O tabernáculo foi o local onde a presença de Deus se manifestava ao povo de Israel na travessia do deserto (Êx 40.34,35)
e onde ficava a arca da aliança com as duas tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus, trazidas para a tenda santa, do alto
do monte Sinai, por Moisés (Êx 32.15; 38.21; Dt 10.5). Os últimos flagelos são uma analogia às últimas pragas usadas por Deus
contra os ímpios no Egito para a libertação do seu povo. Os centurões de ouro fazem parte dos paramentos reais, litúrgicos e
sacerdotais, e não militares (2Ts 1.7-9).
6 Outra forte analogia à presença gloriosa de Deus no tabernáculo. Essa fumaça representa o poder e a glória do Senhor (Êx
40.34; 1Rs 8.10,11; Ez 44.4). Assim como aconteceu com Moisés e Arão na consagração do tabernáculo no deserto, e quando
Salomão consagrou o Templo ao Senhor e a glória de Deus encheu poderosamente todo aquele espaço, ninguém terá acesso ao
lugar Santo antes da consumação dos sete juízos sobre a terra (Lv 9.23-24; 2Cr 5.13-14; 7.1-2; Is 6.4).
Capítulo 16
1 A exemplo do que ocorreu no passado, por ocasião do Êxodo do povo judaico, quando Deus enviou a sexta praga sobre o
Egito (Êx 9.9-11); agora, todos quantos compactuaram com a Besta, e usam seu símbolo ou marca (13.16), foram afligidos por
uma série de cânceres e feridas. Literalmente: “úlceras dolorosas que emanam odor repugnante” (Jó 2.7-13).
2 A primeira vida animal criada por Deus ocorreu no mar (Gn 1.20). Agora, como na primeira praga de Deus contra os ímpios no
Egito, as águas do mar deixaram de hospedar a vida e provocam morte e apodrecimento (Êx 7.17-21).
3 Deus reluta, em sua santa longanimidade, em punir os ímpios; entretanto, quando esse momento chegar, o castigo será
inexorável e proporcional às infrações e crimes de cada pecador (Is 49.26).
4 Os incrédulos, ainda que sob intenso sofrimento global, não darão atenção à voz do Senhor. Suas peles serão queimadas
violentamente pelos raios solares e, sabendo que Deus é o Senhor do Universo, blasfemarão contra o Criador e questionarão
sua bondade para com a humanidade (Dt 28.22; 1Co 3.13; 2Pe 3.7). Embora a finalidade última das pragas e flagelos seja levar
o ímpio ao arrependimento, isso, infelizmente, não ocorrerá (Am 4.6-13).
5 A ira de Deus chega ao centro de comando do Diabo, numa analogia às trevas que caíram sobre o Egito por ocasião da nova
praga (Êx 10.21-23). A palavra original grega “trono” aparece neste livro 42 vezes, sendo que, apenas aqui e em 2.13, refere-se ao
trono do Inimigo. Nas demais referências, 40 vezes o termo está ligado à posição de absoluta soberania de Deus.
6 Uma característica natural dos ímpios e incrédulos (assim como ocorreu com o Faraó do Egito), ainda que sejam cultos, é o
fato de interpretarem as calamidades mundiais como indiferença ou impotência de Deus, e não como motivo de arrependimento
por suas faltas e pecados contra o Senhor e sua Igreja.
7 Heródoto, o grande historiador da antigüidade, narra como os persas conseguiram fazer um desvio no rio Eufrates, que corria
por baixo das muralhas da Babilônia, e o leito seco se transformou em estrada para a invasão dos exércitos de Ciro (539 a.C.).
Esse fato histórico ilustra bem a forma inesperada e rápida como acontecerá o assalto militar à herdeira dessa civilização pagã
(v.15; Is 11.15-16). Seja ela, Roma ou alguma nação poderosa, dirigida pelos três grandes representantes do Mal (o Anticristo, a
Besta e o Falso profeta).
8 Na tradição judaica, a rã é considerada um animal impuro, que também simboliza o espírito diabólico do engano (Lv 11.10).
A Besta usará o Falso profeta para comunicar ao mundo seus planos enganosos de paz e prosperidade, e vender ilusões aos
que ostentarem a sua marca (13.11).
9 Ainda que do ponto de vista humano, o glorioso retorno de Cristo esteja demorando, o crente fiel e previdente deve viver
vigiando (em grego, gregoreő “acordado”), preparado espiritualmente para seu definitivo encontro com Deus (3.18; Mt 22.11-13).
O cristão tem certeza de que Jesus voltará; será um retorno repentino, mas não inesperado para os crentes (Mt 24.36-44; 1Ts 5.4;
1Co 15.52). Muitos esfriarão sua fé e tantos outros cederão aos encantos da Besta, mas os cristãos sinceros e fiéis resistirão em
sua fé no Filho de Deus e sua Palavra (Lc 12.35-39; 1Pe 1.13; 5,8; 2Pe 3.8-12; Ap 7.13-14).
10 A expressão hebraica har megiddo é, aqui, traduzida pelo nome “Armagedom”, que é uma transliteração de “a colina
de Megido” (Jz 5.19), que se ergue na planície de Esdralom. Esse é um local histórico de grande orgulho nacional para os
israelenses e de impressionante valor simbólico-religioso. Em Armagedom, foram derrotados os cananeus (Jz 4.2); Gideão e seus
300 escolhidos venceram os midianitas (Jz 7); o rei Saul foi derrotado (1Sm 31); e a grande rainha Jezabel foi envergonhada e
morta (2Rs 9.33). A expressão Armagedom (2Rs 23.29; 2Cr 35.22), mais do que uma localização geográfica, simboliza a mundial
e derradeira batalha entre o povo de Deus contra as forças de Satanás (Sl 3; 2.2; Is 5.26-30; Jr 6.1-5; Ez 38).
11 A Babilônia, mais do que o nome de uma cidade ou nação, representa a capital do pecado; o quartel general da
personificação do Diabo, a Besta. Um lugar onde a cultura, a tecnologia e o paganismo se encontram para cooperar com os
ideais do anticristo. Na época de João, tinha tudo a ver com o Império de Roma; em meados do século XX, com o movimento
nazista mundial, mas, nos dias de maior exposição da tríade maldita (o Anticristo, a Besta e o Falso profeta), será destruída por um
terremoto de proporções inimagináveis. Uma forte chuva de pedras, pesando literalmente “um talento” (cerca de 35 quilos) cada,
desabará sobre os sobreviventes do terremoto. Entretanto, o coração endurecido e odioso dos incrédulos não saberá reconhecer
em todos esses terríveis sinais o apelo final de Deus ao arrependimento e salvação da humanidade em Cristo (Jo 1.11,12).
Capítulo 17
1 O próprio anjo, no v.18, nos esclarece quanto à identidade desta figura enigmática: a grande prostituta. E, no v.5, informa que
o nome dessa personagem simbólica é “A Grande Babilônia”, porquanto a antiga cidade da Babilônia (que representa absoluta
oposição a Deus) era cercada por muitos canais e uma região muito fértil (Jr 51.13; Sl 137.1).
2 Os arrebatamentos no Espírito ou êxtases espirituais como estes, narrados pelo apóstolo João, são raros, mas reais (1.10;
4.2; 21.10; At 10.10,11). A Besta descrita aqui é a mesma que subiu do mar (13.1). Os nomes de blasfêmia simbolizam a autodei-
ficação que o anticristo promoverá sobre sua própria pessoa (2Ts 2.4).
3 Da capital pagã e da Besta emanam todas as formas de malignidade e idolatria. Essas são as abominações produzidas pelo
anticristo e profetizadas por Cristo (Mt 24.15).
4 João usa a palavra grega original marturõn, “mártires”, para se referir a todas as testemunhas cristãs que morrem por causa
da sua fidelidade a Jesus Cristo (14.13).
outro ainda não surgiu; entretanto, quan- ração deles a disposição de realizar o
do aparecer, deverá governar durante propósito que Ele tem, conduzindo-os a
pouco tempo.5 concordar em entregar à Besta o poder
11 A Besta que era, e agora não é, é o que eles receberam para reinar até que se
oitavo rei. É um dos sete, e caminha para cumpram as Palavras de Deus.
a perdição.6 18 A mulher que viste é a Grande Cidade
12 Os dez chifres que viste são dez so- que reina sobre os reis da terra”.
beranos que ainda não receberam seus
reinos, mas que receberão a autoridade A queda da última Babilônia
de monarcas, por apenas uma hora, jun-
tamente com a Besta.7
13 Eles têm o mesmo objetivo e outor-
18 Passados esses acontecimentos,
vi descer do céu outro anjo, que
possuía grande autoridade, e a terra se
garão à Besta todo o poder e autoridade iluminou com o seu esplendor.1
que detêm. 2 Então, ele bradou com poderosa voz:
14 Então, guerrearão contra o Cordeiro, “Caiu! Caiu a grande Babilônia, e se tor-
mas o Cordeiro os vencerá, pois Ele é o nou habitação de demônios e antro de
Senhor dos senhores e o Rei dos reis; e toda espécie de espírito imundo e escon-
com Ele vencerão todos os seus eleitos, derijo de toda ave impura e detestável,2
convocados e fiéis”. 3 porquanto, todas as nações beberam do
15 Em seguida, declarou-me mais o anjo: vinho da cólera da sua prostituição. Os
“As águas que viste, sobre as quais se monarcas da terra se prostituíram com ela
assenta a prostituta, são os povos, multi- e os negociadores da terra se enriquece-
dões, nações e línguas de toda a terra. ram à custa do seu luxo extravagante!”
16 Os dez chifres e a Besta que viste 4 Então, ouvi uma outra voz dos céus que
odiarão a prostituta. Eles a deixarão ar- exclamava: “Retirai-vos dela, povo meu,
ruinada e nua; devorarão sua carne e a para não serdes cúmplices em seus peca-
exterminarão com fogo, dos e para não participardes das pragas
17 porquanto, Deus estabeleceu no co- que a atingirão!3.
5 É relevante o fato de a cidade de Roma ter sido estabelecida a partir da reunião de sete povoados localizados, cada um sobre
uma colina, à margem esquerda do rio Tibre. Vários escritores romanos se referiram a Roma como “a cidade das sete colinas”.
Entretanto, considerando a fluidez do simbolismo escatológico, não devemos aplicar essa descrição profética unicamente à
cidade de Roma ou ao Império romano, mas observar as estratégias e características gerais da armação, alcance e implantação
do império mundial do anticristo. Os grandes impérios, todos marcados por total oposição ao Deus de Israel e a seu Cristo,
forte paganismo, depravação moral e autodeificação de seus principais líderes, foram: egípcio, assírio, babilônico, persa,
grego, romano, e aquele império global que será anunciado em breve, organizado e comandado pelo anticristo e outras duas
personificações do Diabo: a Besta e o Falso profeta (Dn 7.17).
6 O anticristo, que já se manifestou nas pessoas de alguns grandes líderes sanguinários do passado, como Antíoco Epifânio
e Adolf Hitler (Dn 8.9,21), reaparecerá com seus plenos poderes para seduzir e, por algum tempo, conquistar globalmente a
humanidade (Mt 24.15).
7 Ainda não nos é possível precisar quem serão esses dez grandes líderes (nações) mundiais que, por brevíssimo período de
tempo, se aliarão e submeterão suas autoridades ao carisma e governo da Besta. Arruinarão a Grande Cidade (Jerusalém ou
alguma outra cidade que represente o ressurgimento babilônico na época), mas serão vencidos por Jesus Cristo e o exército dos
seus discípulos (Dn 7.24; 1Co 15.24-25).
Capítulo 18
1 A glória do Senhor é manifestada em toda a terra (Êx 34.29-35; Sl 104.2; Ez 43.1-5; 1Ts 6.16).
2 O poder de Satanás se hospedava na Grande Cidade – a última Babilônia – de onde dominava os ímpios e incrédulos do
mundo todo. Entretanto, a declaração do anjo, na visão de João, feita com o verbo no passado (“Caiu!”), revela a absoluta certeza
do cumprimento desta profecia. Assim como a antiga Babilônia se tornou terra de lobos, abutres e outros animais carniceiros,
também a última versão diabólica da Babilônia sepultará incontável quantidade de cadáveres em meio à sua ruína fatal (Is 13.19-
22; 21.9; 34.11-15; Jr 50.39; 51.37).
3 Assim como os crentes foram avisados para abandonar Jerusalém e se refugiar na cidade de Pela antes do genocídio
cometido pelo exército romano no ano 70 d.C., agora, também, o anjo alerta para que os cristãos não se deixem envolver pelos
encantos iniciais da Besta e da Grande Cidade. Essa advertência pode ser compreendida de forma simbólica: abandonar o
quanto antes a prática do pecado; e literalmente deixando a Grande Cidade, quando as características demoníacas e anticristãs
deste importante centro político, comercial, cultural e militar do mundo se tornarem evidentes e insuportáveis ao remanescente
fiel dos cristãos (Is 48.20; 52.11; Jr 50.8; 51.54; Zc 2.7; 2Co 6.16-18).
4 O alucinante dispêndio de esforço e zelo na busca por dinheiro e prazer se transformará em angústia e aflição dobradas no
final dos tempos. A Babilônia jamais reconhecerá a destruição e morte de seus exércitos nos campos de batalha (v.7; Jr 50.29).
5 Os reis e governantes de todas as nações que se aliaram à Babilônia, lamentarão as enormes perdas econômico-financeiras,
que lhes sobrevirão. O profeta Ezequiel teve a mesma triste e dramática revelação sobre a destruição da cidade de Tiro (Ez 27).
6 O vício, a moda, as doenças e a ignorância produzem um grande e lucrativo mercado internacional para empresas e indivíduos. A
queda da última Babilônia arruinará, de uma hora para outra, a estabilidade da economia mundial baseada no pecado (vv. 8,19,21).
7 O profeta Ezequiel faz uma lista muito parecida de produtos e serviços altamente valorizados pelos negociantes e consu-
midores mundanos (Ez 26). Mais do que transacionar corpos, Satanás está interessado em escravizar almas humanas ao seu
sistema de valores.
8 Outra analogia à narrativa de Ezequiel sobre o desespero e a tristeza que tomou conta de todos quantos apostaram seu futuro
nos ganhos materiais e no sucesso oferecidos pela Grande Cidade (Ez 27.30).
9 O grande objetivo de Satanás é ser adorado. Por isso, não faltará em todos os seus relacionamentos com o ser humano,
algum tipo de culto religioso e adoração mística ainda que dissimulados (Ef 2.2; 6.11-12). Nos últimos dias, entretanto, o Diabo e
seus anticristos manifestarão, de forma mais clara e pública, os seus atributos místicos, assim como requisitarão de seus segui-
dores provas evidentes de culto às suas personalidades (13.14).
10 Haverá, portanto, um tempo, como nenhum outro, em que os profetas do Senhor e os cristãos sinceros serão perseguidos e
mortos impiedosamente pelo anticristo e seus asseclas (6.10; 17.6; 19.2 de acordo com Ez 24.7; Jr 51.49). Contudo, a Babilônia
nunca mais será reeditada e todos os crentes sinceros serão ressuscitados para herdar um novo mundo, repleto de paz e felici-
dade, ao lado de Cristo (Jo 6.38-40; 10.9,10).
Capítulo 19
1 “Aleluia” é uma expressão hebraica, rara no NT, que significa “Louvai a Yahweh (Jeová)”. Essa convocação ocorre quatro
vezes do v. 1 ao 6, a fim de anunciar que a Salvação e o Triunfo pertencem ao Senhor, e que é chegado o Dia das bodas do
Cordeiro, e sua noiva (sua Igreja) já está preparada para as núpcias eternas.
2 João usa a linguagem figurada de um casamento, conhecida no NT, para comunicar a intimidade de amor e compromisso
entre Deus e seu povo. Laços de perene fidelidade e fraternidade que têm raízes nos escritos proféticos do AT (Is 54.5-7; 62.5; Jr
31.32; Os 2.19), e foram reafirmados por Cristo e pelos apóstolos ao se referirem à Igreja toda, e não apenas a um segmento ou
denominação cristã (Mt 22.2-14; 25.6,7; Ef 5.25-32; 1Jo 3.2,3; 2Co 7.1).
3 A expressão “os convidados” tem o mesmo significado de “a esposa ou a noiva” e “a cidade santa”. São todas figuras de
linguagem que nos ajudam a compreender o profundo amor de Deus por seu povo em toda a terra (21.2-10). Felizes (bem-
10 Diante disso, lancei-me aos seus pés dos de linho fino, alvo e puro, mon-tados
num gesto de adoração, mas ele, imedia- em cavalos brancos.8
tamente, me orientou: “Olha, não faças 15 Uma espada afiada saía-lhe da boca
isso; sou conservo teu e de teus irmãos, para ferir com ela as nações. Ele as regerá
que têm o testemunho de Jesus. Adora a com cetro de ferro; e Ele mesmo é o que
Deus, porquanto o testemunho de Jesus é pisa o lagar do vinho da justa ira de Deus
a essência da profecia”.4 Todo-Poderoso.9
16 Em seu manto, sobre a coxa, traz es-
Cristo vence todos os inimigos crito este nome: REI DOS REIS E SENHOR
11 Então, olhei e eis que vi os céus abertos, DOS SENHORES.
e diante de mim um cavalo branco, cujo 17 Avistei um outro anjo que se colocou
cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro. Ele em pé no sol, e que clamava em alta voz a
é responsável por julgar e guerrear com todas as aves que estavam em pleno vôo
justiça.5 pelo meio do céu: “Vinde, ajuntai-vos
12 Seus olhos são como chamas vivas de para a grande ceia provida por Deus,10
fogo, e em sua cabeça há muitas coroas 18 a fim de comerdes a carne de reis, de
e um Nome escrito que somente Ele comandantes, de poderosos, de cavalos e
conhece.6 de seus cavaleiros, pequenos e grandes.
13 Estava vestido com um manto salpi- 19 Nesse momento, vi a Besta, os reis da
cado de sangue, e seu Nome é Palavra terra e os seus exércitos reunidos para
de Deus.7 guerrearem contra Aquele que está mon-
14 Os exércitos dos céus o seguiam, vesti- tado no cavalo e contra o seu exército.11
aventurados) são todos aqueles que receberam o convite do Senhor e o aceitaram de coração, pois somente os convidados,
que confirmaram sua presença por meio de uma resposta íntima, positiva e sincera ao discipulado de Cristo, estarão presentes
ao banquete nupcial do Cordeiro. E o anjo assegura que essas são as “exatas” (literalmente em grego: ajlhqinoi; “verdadeiras”),
palavras de Deus e que, portanto, a promessa desta festa maravilhosa se cumprirá com toda certeza, assim como o julgamento
e condenação dos incrédulos, ímpios e impenitentes.
4 O fiel e fraterno testemunho sobre Jesus, capaz de vencer as mais difíceis crises, provações e perseguições é aquele que tem
sua fonte na essência (literalmente: “no espírito”) da profecia (1.17; At 10.25).
5 Esse “cavalo branco” é o símbolo do glorioso retorno de Cristo como Guerreiro-Messias-Rei. Seus títulos “Fiel e Verdadeiro”
salientam a absoluta segurança com que os crentes devem aguardar, e cooperar para o cumprimento dessas promessas do
Senhor (1.5; 3.14; Mt 24.35 de acordo com Is 9.3-5; 11.4; Ez 1.1).
6 O valor e a importância do Nome, como indicativo de família e caráter herdados de Deus, se manterá no Reino. Esse nome,
no entanto, será conservado em segredo até a batalha final (2.17), quando Cristo despojará toda força que se opõem a Deus e
exercerá seu poder sobre todas as coroas (reinos, diademas) do mundo (v.16; Dn 10.6; Fp 2.9).
7 Somente o apóstolo João empregou o termo grego logos (palavra), para descrever a pessoa do Filho de Deus como
sendo seu próprio “fôlego espiritual” (hálito). Jesus é a expressão exata da vontade divina ao salvar, santificar, julgar, destruir a
iniqüidade e criar o novo e eterno mundo (a Nova Jerusalém) para a nova humanidade. As marcas de sangue em seu manto são
provenientes do seu próprio corpo (para a salvação) e dos inimigos de Deus (para a condenação final – 14.14-20; Is 63.1-3).
8 Um poderoso exército composto de seres angelicais (Dt 33.2; Sl 68.17) e humanos salvos de todas as épocas (17.14), que
executarão a justa e definitiva sentença de Deus contra o império de Satanás (v.19; Mt 25.31).
9 Cristo não precisará de nada além da sua própria Palavra (Hb 4.12,13), para executar o julgamento e execução dos incrédulos
e pecadores manipulados pelo anticristo e suas entidades (bestas). Logo depois de haver aniquilado o Mal, instalará seu Reino de
paz e justiça plenas, e regerá o mundo com eqüidade, literalmente: “cajado de ferro” (Sl 2.9; Is 11.4; 63.3; Jl 3.13; Ap 14.20).
10 Aqui temos a cena terrível e dramática do banquete que farão os abutres e aves carniceiras com os corpos dos incrédulos,
ímpios e impenitentes sobre a face da terra, em contraste com a exultante ceia dos crentes nas bodas do Cordeiro (v.9). O
Armagedom, a última guerra entre os exércitos de Satanás e o poder de Jesus Cristo, o Messias e seus fiéis, deixarão sobre a
terra os corpos de todos aqueles que se consideravam poderosos, ricos, cultos e indestrutíveis em suas perversidades (16.16),
de maneira que não restará sequer quem os sepulte (Mt 24.28 de acordo com Ez 39.17-20).
11 A narrativa do Apocalipse é como uma pintura complexa e delicada à qual o artista volta sucessivas vezes para incorporar um
detalhe ou retocar algum aspecto importante do quadro geral. Assim, a Besta, cujo exército está descrito em 16.13-14, comanda
uma união de dez nações (ou reis) contra a Babilônia (17.16-18), com o objetivo de igualmente atacar o Cordeiro (17.4). O Maligno
não tem paz, e, em seu egoísmo perverso e ensandecido, busca a ruína de bons e maus sem distinção.
20 No entanto, a Besta foi presa, e com ela é necessário que ele seja solto por um
o Falso profeta que havia realizado gran- pouco de tempo.
des sinais miraculosos em nome dela, 4 Olhei e vi alguns tronos, e foi entregue
por intermédio dos quais ele havia enga- o poder de julgar aos que neles se
nado todos os que receberam a marca da assentaram; e vi as almas dos que foram
Besta e adoraram a sua imagem. Os dois degolados por causa do testemunho de
foram lançados vivos no lago de fogo que Jesus e da Palavra de Deus, os que não
arde com enxofre.12 adoraram a Besta nem tampouco a sua
21 Todos os demais foram mortos com a imagem, e não receberam o sinal na testa
espada que saía da boca daquele que está nem nas mãos. Eles reviveram e reinaram
montado no cavalo. E todas as aves se com Cristo durante mil anos.3
fartaram com a carne deles. 5 Entretanto, os demais mortos não revive-
ram, até que se completassem os mil anos.
Os cristãos reinam por mil anos Está é, pois, a primeira ressurreição.4
12 O castigo por meio do fogo, que arde sem parar sob uma densa atmosfera de enxofre, sempre fez parte dos ensinos judaicos
primitivos sobre o juízo final e eterno. Apesar da expressão grega “geena” (inferno) não ter sido usada aqui, não há dúvida de
que João se refere a esse lugar de punição, desolação e dor (Mt 5.22, de acordo com 2Rs 16.3; 23.10; Jr 7.31). Entretanto, o
“inferno” não é o mesmo local designado de “Abismo” (9.1-3; 20.1-3), mas uma espécie de jazigo final de Satanás e de todos
os seus asseclas e simpatizantes (passivos ou ativos). Ou seja, todos quantos não fizeram uma declaração pessoal e sincera de
aceitação incondicional do ato expiatório e salvífico de Cristo. Tanto a doutrina do “inferno”, quanto a do “céu”, tão solidamente
apresentadas neste livro, são expostas de forma simbólica por meio de vívidas e dramáticas metáforas (capítulos: 4, 5, 21 e 22).
Capítulo 20
1 Os três capítulos finais de Apocalipse fazem uma reflexão sobre os principais assuntos dos primeiros três capítulos de Gêne-
sis. O livro das origens dialoga com o livro do final dos tempos e da nova criação (21.1). Sobre o “Abismo” ver nota em 9.1.
2 Alguns teólogos consideram esse tempo como um período literal e exato de mil anos. Outros, compreendem o milênio (em
latim mille annus) como uma extensão indeterminada de tempo. De qualquer forma, o que não há como negar é que seja um
tempo longo (do ponto de vista humano), em que Jesus Cristo e os salvos reinarão sobre a terra, substituindo o império do
anticristo e de seus asseclas e simpatizantes, cumprindo perfeitamente mais essas profecias escatológicas do AT, preanunciando
o julgamento final, o fim da terra e da humanidade como as conhecemos hoje, e o início de um novo mundo, onde habitarão os
seres humanos salvos (Sl 72.1-20; Isaías caps. 2 a 63; Jr 23.5-7; 33.14-16; Ez 36.16-18; caps. 40 a 48; Zc 6.12-14; Dn 7.1-28; Mq
4.1-4; Mt 25.31-32; 1Co 15.24-28). Quem deseja se aprofundar nessa área de estudo, deve buscar conhecer melhor três correntes
de pensamento teológico sobre esse assunto: o amilenarismo, o pré-milenarismo e o pós-milenarismo.
3 Todos os salvos (santos) compartilham do reinado de Cristo, o Leão da tribo de Judá (5.5), não apenas os mártires e aqueles
que ministram – em tempo integral – a serviço do Senhor e da Igreja (Dn 9.7).
4 Haverá uma primeira ressurreição, a dos justos (Lc 14.14), que precederá o arrebatamento de todos os que estiverem vivos
no exato momento do glorioso retorno de Cristo (1Ts 4.16-17; 1Co 15.52). É importante notar que todos os seres humanos
ressuscitarão e serão julgados por suas obras. Os justos, primeiro (os que acolheram com sinceridade o dom da Salvação em
Cristo e, portanto, têm seus nomes inscritos no Livro da Vida). Depois de um tempo, os ímpios (os incrédulos que rejeitaram ou
menosprezaram a dádiva da Salvação), a fim de serem lançados no lago de fogo perpétuo (v.12; Dn 12.2; Jo 5.29).
5 A primeira morte é a simples morte física e a conseqüente separação da alma do corpo. A segunda morte é definitiva e eterna;
tem a ver com a separação da alma humana do doador da vida: o Senhor Deus (v.14; 21.8).
8 e sairá para seduzir as nações que estão foram julgados pelas observações que
nos quatro cantos da terra, Gogue e Ma- estavam registradas nos livros, de acordo
gogue,6 cujo número é como a areia do com as suas obras realizadas.7
mar, a fim de ajuntá-las para a grande 13 O mar entregou os mortos que jaziam
guerra. nele, e a morte e o Hades entregaram os
9 Então, as nações marcharam por toda a mortos que neles havia; e um por um foi
superfície da terra e cercaram o acampa- julgado em conformidade com o que
mento dos santos, a Cidade Amada; toda- tinha feito.8
via, um fogo desceu do céu e as devorou. 14 Então, a morte e o Hades foram ati-
10 O Diabo, que as enganava, foi lançado rados no lago de fogo. Esta é a segunda
no lago de fogo que arde com enxofre, morte: o lago de fogo!
onde já haviam sido confinados a Besta e 15 E todo aquele cujo nome não foi en-
o Falso profeta. Eles serão atormentados contrado escrito no Livro da Vida foi
dia e noite pelos séculos dos séculos. lançado no lago de fogo.
6 Satanás, como todo narciso, egoísta e arrogante, não pode aprender nem mudar, pois crê que tudo sabe e de nada precisa.
Após “mil anos”, ele sai, e sua ambição e métodos não se alteraram desde Gn 3 até ser aprisionado, por gerações e gerações,
em Ap 20. Satanás continua a usar suas armas mais poderosas: a sedução, o engano e a mentira (Jo 8.44; 1Jo 2.22) contra
a humanidade, porque sabe que o ser humano é profundamente corrupto e pecaminoso. Nem mesmo todas as experiências
vividas pela humanidade com Cristo, e os mil anos da mais absoluta prosperidade mundial, evitarão com que pessoas de várias
nações (simbolizadas por dois nomes enigmáticos: Gogue e Magogue – Ez caps. 38 e 39) voltem a cair nas artimanhas do Diabo
para se rebelarem contra Deus. Contudo, da mesma forma como a Besta, o Falso profeta e a Prostituta, o Inimigo de Deus e da
humanidade será igualmente derrotado, humilhado e atirado no lago de fogo, que perpetuamente o destruirá. O Diabo ainda
reclamará o juízo e o castigo eterno de Deus sobre todos quantos enganou durante o milênio.
7 Logo após o tempo do “milênio” (vv.2-6), acontecerá a ressurreição dos ímpios para o juízo do lago de fogo. O critério deste
grande julgamento será comportamental, ou seja, contará tudo quanto o incrédulo realizou por meio da sua mente e corpo (v.13),
o que significa que as culpas corresponderão aos pecados e maldades que cada pessoa praticou em vida (Lc 12.47-48; Rm 2.6).
Entretanto, no Livro da Vida (uma metáfora do registro dos nomes dos salvos no céu), encontram-se os nomes de todos os que creram
sinceramente na pessoa e obra de Cristo, e, portanto, foram salvos do juízo final pela graça de Deus-Pai (Êx 32.32,33; Jo 1.12).
8 A palavra grega original a}dh" “Hades”, quase sempre traduz o termo hebraico transliterado She’ôl, cujo sentido no AT tem a
ver com as “profundezas onde jazem os mortos”, e pode ser traduzida no NT por “inferno”, “sepulcro”, “morte” ou “profundezas”,
assim como no v.14.
Capítulo 21
1 O termo grego original kaino;n kainos significa “novo” em qualidade, ineditismo e temporalidade (20.11). Somente Deus é
capaz de criar o absolutamente novo. A terra e a humanidade ingressarão num novo Universo, onde não mais dependeremos da
força e energia de astros como o sol, a lua e as estrelas (v.23). O mar, na tradição judaica sempre simbolizou o caos (entropia) e
a malignidade. Na nova ordem, não haverá qualquer sombra de maldade, e o mar físico pode desaparecer do planeta como um
sinal da total implantação do Reino de Cristo sobre a terra (Rm 8.19-22).
2 A “Cidade Santa” é a Nova Jerusalém, a Igreja de Cristo, adornada como uma noiva perfeita (bonita, amorosa e fiel). O
enlace matrimonial do Senhor com sua Igreja (seu povo salvo e santo) é uma metáfora judaica antiga do amor de Deus pela
humanidade (19.7; Ef 5.26-27). A “Cidade Santa” reúne em si os principais elementos de Jerusalém, do Templo e do Jardim do
Éden. A drástica separação que houve, fruto da infidelidade humana, agora está completamente perdoada e superada em Cristo
(Gn 3; Hb 9.15; 12.24).
3 E ouvi uma forte voz que procedia do sete taças cheias dos sete últimos flagelos
trono e declarava: “Eis que o Tabernáculo aproximou-se e me orientou: “Vem, eu
de Deus agora está entre os homens, com te mostrarei a noiva, a esposa do Cor-
os quais Ele habitará. Eles serão o seu deiro!”. 6
povo e o próprio Deus viverá com eles, e 10 E ele me conduziu no Espírito à parte
será o seu Deus.3 alta de uma montanha, e revelou-me a
4 Ele lhes enxugará dos olhos toda a lágri- Cidade Santa: Jerusalém, que descia do
ma; não haverá mais morte, nem pran- céu da parte de Deus.7
to, nem lamento, nem dor, porquanto a 11 Ela resplandecia com a glória de Deus,
antiga ordem está encerrada!”.4 e o seu esplendor era como o brilho de
5 E Aquele que está assentado no trono uma jóia lapidada e muito preciosa,
afirmou: “Eis que faço novas todas as assim como um grande diamante trans-
coisas!” E acrescentou: “Escreve isto, lúcido feito cristal puro.8
pois estas palavras são verdadeiras e 12 Tinha um sólido e altaneiro muro
absolutamente dignas de confiança”. com doze portais e doze anjos junto
6 E declarou-me ainda: “Tudo está reali- aos portais. Nessas portas adornadas,
zado! Eu Sou o Alfa e o Ômega, o Prin- estavam escritos os nomes das doze
cípio e o Fim. A todos quantos tiverem tribos de Israel.9
sede lhes darei de beber graciosamente 13 Assim, havia três portas ao oriente, três
da fonte da Água da Vida. ao norte, três ao sul e três ao ocidente.
7 O vencedor herdará todas essas bênçãos, 14 O muro da cidade tinha doze funda-
e Eu serei seu Deus e ele será meu filho. mentos, e neles estavam gravados os
8 Porém, quanto aos covardes, os incrédu- nomes dos doze apóstolos do Cordeiro.
los, os depravados, os assassinos, os que 15 O anjo que falava comigo tinha como
praticam imoralidade sexual, os bruxos e medida uma vara feita de ouro, para me-
ocultistas, os idólatras e todos os mentiro- dir a cidade, seus portais e seus muros.
sos, a parte que lhes cabe será no lago de 16 A cidade era quadrangular, de com-
fogo, que arde perpetuamente em meio primento e largura iguais. Ele mediu
ao enxofre. Esta é a segunda morte!”.5 a cidade com a vara; tinha dois mil e
duzentos quilômetros de comprimento;
A Nova Jerusalém a largura e a altura eram também iguais
9 Então, um dos sete anjos que traziam as ao comprimento.10
3 Desde a libertação do povo de Deus do Egito que a figura do Tabernáculo significa a presença do Espírito de Deus junto dos
seus filhos amados. Finalmente, eternamente, agora, essa convivência será perfeita (Jo 1.14). O Senhor fez de seus filhos Reino
e Sacerdócio, e estes receberam o direito de viver na presença do Pai (Lv 26.11-12; Ez 37.27; 2Co 6.16).
4 Todos os males, tristezas e dores vivenciados no mundo atual serão superados e consolados no novo mundo, onde impera
o Reino de Cristo (7.17; Is 25.8; 1Jo 3.2).
5 Em geral, pessoas que vivem na prática obstinada desses erros e pecados são as mesmas que negam que Jesus Cristo é o
Messias e o Filho de Deus. Os crentes sinceros entregam o controle de suas vontades e atitudes ao Espírito do Senhor, e jamais
desistem de buscar a santificação (1Jo 2.22).
6 Os sete últimos flagelos ou pragas da justa ira divina (15.1). A “esposa do Cordeiro” e a “Cidade Santa” são símbolos usados
para representar a cidade que Abraão aguardava pela fé obediente em Deus (Hb 11.10-16, de acordo com Ap 21.22-24).
7 Ver notas sobre a expressão “no Espírito” em 1.10; 4.2 e 17.3
8 A beleza exuberante de uma jóia rara, pura e muito valiosa simboliza a santificação dos crentes que agora compartilham
alegremente da glória de Deus Pai, que já descreveu a sua glória como o esplendor das mais ricas gemas de diamante e jaspe
(4.3; Ez 43.5).
9 Os doze portais ou portas ornamentadas com requinte e arte representam o ingresso dos salvos no Reino, o número
simbólico, completo e generoso de 144.000 de 7.4-8. A cifra 12, representando abundância, graça, completeza e perfeição, faz
uma menção honrosa às doze tribos de Israel, e ressalta o vínculo que há entre o AT e o NT ao mencionar os doze apóstolos nos
fundamentos da Cidade (v.14; Ez 48.30-35).
10 Para os antigos gregos, o cubo era a forma geométrica (quadrangular) que simbolizava a perfeição, pois nele, comprimento,
17 Ele mediu o muro e deu sessenta e cinco nem da lua, para que brilhem sobre ela,
metros de altura, de acordo com a medida pois a plena Glória de Deus a ilumina e o
humana que o anjo estava usando. Cordeiro é o seu candelabro.13
18 O muro era todo feito de diamante e 24 As nações andarão sob a luz dela, e os
a cidade era de ouro puro, semelhante a reis da terra lhe trarão suas riquezas.
vidro límpido.11 25 Os seus portais estarão continuamente
19 Os fundamentos do muro da cidade abertos todos os dias, e ali não haverá
estavam adornados com toda espécie de noite.
pedras preciosas. O primeiro fundamen- 26 A glória e a honra de todas as nações
to era de cristal de jaspe; o segundo, de lhe serão trazidas.
safira; o terceiro, de calcedônia; o quarto, 27 Nela jamais entrará qualquer coisa
de esmeralda; impura, tampouco, alguém que pratique
20 o quinto, de sardônica; o sexto, de ações vergonhosas ou mentirosas, mas
sárdio; o sétimo, de crisólito; o oitavo, de unicamente aqueles cujos nomes estão
berilo; o nono, de topázio; o décimo, de gravados no Livro da Vida do Cordeiro!14
crisópraso; o décimo primeiro, de jacin-
to; o décimo segundo, de ametista. O rio da água da vida
21 Os doze portais eram doze pérolas;
cada um dos portais construído a partir
de uma só pérola; e a rua principal da
22 Então, o anjo me mostrou o rio
da água da vida que, translúcido
como cristal, fluía do trono de Deus e do
cidade era de ouro puro, reluzente como Cordeiro,1
o vidro límpido. 2 e que passa no meio da rua principal da
22 Contudo, não vi templo algum na cidade. De uma e outra margem do rio
cidade, pois o Senhor Deus Todo-Pode- estava a árvore da vida, que produz doze
roso e o Cordeiro são o seu santuário.12 frutos, de mês em mês; e as folhas da ár-
23 A cidade também não necessita do sol vore servem para a cura das nações.2
largura e altura têm a mesma medida. Para os judeus, o cubo era lembrado como o formato geral dos Santos dos Santos no
Tabernáculo e no Templo. Em Ap 11, as medidas foram tomadas como garantia de proteção; aqui, são uma clara demonstração
da beleza, simetria, perfeição e amplitude impressionante da graça divina. A medida grega citada no texto original é o “estádio”,
que equivale a 185 metros, correspondendo a um total de “doze mil estádios”. O Senhor Deus é o Edificador do seu povo e da
perfeita habitação dos crentes sinceros (Ef 2.19-22).
11 A medida original grega do muro é de 144 côvados. O côvado era uma medida linear equivalente a cerca de 45 centímetros.
O cristal de jaspe ou diamante simboliza a pureza, resistência, beleza, riqueza e perenidade das obras realizadas pelo Senhor.
O ouro límpido e cintilante como o vidro revela a absoluta ausência de contaminação e corrupção. Satanás jamais conseguirá
seduzir o povo de Deus nem induzir o ser humano ao erro (v.27; Gn 3.1-7).
12 A constante presença do Tabernáculo, e depois do Templo em Jerusalém, sempre foi um símbolo de reverência e
encorajamento quanto à presença amorosa e poderosa do Deus de Israel, e uma lembrança perpétua de que todo ser humano
é pecador e carece da graça, do perdão e da glória do Senhor (Rm 3.23-24). Entrar no Santo dos Santos de forma indigna
significava a morte imediata do transgressor. Nos dias atuais, para desalento dos judeus, sobre as ruínas do último Templo cintila
a cúpula dourada da mesquita islâmica de Omar, que também, com seu formato cúbico, resiste em Jerusalém desde o séc. VII.
A “Cidade Santa”, entretanto, será habitada somente pelos salvos e santos. O relacionamento com Deus será franqueado e
ininterrupto, pois na Nova Terra, todo lugar é lugar de abundante e alegre comunhão entre o Pai e seus filhos remidos (22.3).
13 Cristo é toda a exuberância da glória de Deus-Pai manifesta ao mundo (Jo 1.14). Portanto, na nova existência celestial não
serão necessárias outras fontes de energia que não sejam a própria presença gloriosa do Senhor (Is 60.19).
14 A “Cidade Santa” não conhecerá a escuridão ou as trevas, e jamais será ameaçada por qualquer perigo ou ação maligna
(Is 11.9-10).
Capítulo 22
1 O rio da água da vida representa que o processo da nossa salvação eterna foi idealizado e implementado pelo Espírito de
Deus-Pai e Filho, o Cordeiro. O rio da graça infinita de Deus flui a partir do trono do Senhor por toda a eternidade (Ez 47.1).
2 A árvore da vida foi ocultada de Adão e Eva e de toda a humanidade (Gn 2.9; 3.22-24; Ez 47.12), mas agora seu acesso está
franqueado aos salvos e santificados. Seus frutos e folhas simbolizam a generosa graça e o transbordante poder que emana da
salvação premiada a todas as pessoas que crêem no sacrifício vicário e remidor de Cristo (Jo 10.10).
3 A expressão literal grega indica que “seus escravos terão grande prazer em servi-lo, como uma forma de culto” (v.3). Na
“Cidade Santa” (no Reino eterno), a plena soberania do Senhor será aceita e seguida com muita alegria (Mt 6.10). Na Antiguidade,
os criminosos não podiam ficar na mesma cidade em que residia o rei, por isso eram banidos da sua presença (Et 7.8; 2Sm
14.24). Os pecadores remidos por Cristo ganham a bênção de, na eternidade, poderem contemplar a face do Senhor (Rm 8.1;
1Co 13.12; Êx 33.20; Jo 1.18). O Nome do Senhor representa seu caráter estampado nos crentes para sempre (3.12).
4 Este livro todo é uma revelação especial de Jesus Cristo para que o apóstolo João a transmitisse às igrejas em todo mundo,
e essas as pregassem para todas as pessoas até a volta do Senhor. Todas as palavras e visões foram passadas por um dos
principais anjos do Senhor a João, que aqui é reconhecido também como porta-voz de Deus, assim como os demais profetas
do AT e NT (v.16).
5 Ao contrário do profeta Daniel, agora João recebe uma ordem expressa para não esconder (fechar, selar) o conteúdo das
profecias deste livro até a volta do Senhor (Dn 8.26; 12.4,9). As exortações deste livro devem ser atendidas pelas igrejas de todas
as gerações, desde a época de João até o final dos tempos. A salvação é tão graciosa e vital, que até no último segundo ainda
haverá tempo para que o pecador se arrependa, seja convertido por Cristo, e herde a vida eterna na presença de Deus-Pai (Lc
23.43). Ainda que pareça demorar, o Senhor Jesus prometeu que viria rapidamente – de acordo com sua graça, sabedoria e
longaminidade – e, por isso, a Igreja deve viver em santa expectativa (1Co 7.29-31).
6 Aqui não há uma simples aquiescência ao perverso status quo (procedimento habitual ou padrão) da sociedade mundana,
mas uma advertência quanto ao fato de que à medida que o glorioso retorno de Cristo se aproxima, os tempos e as pessoas se
tornarão ainda mais incrédulos e maldosos. Os cristãos, por sua vez, devem buscar a santificação e testemunhar a salvação que
há em Cristo ao mundo.
7 O texto se refere ao cumprimento das promessas do Senhor de galardoar (honrar, premiar) os vencedores (crentes sinceros
e perseverantes na fé), e de pagar a devida punição aos rebeldes e impenitentes (2.7-28; 3.5-21; 21.8).
8 Na tradição judaica do AT, a expressão “cães” era aplicada para descrever todas as pessoas que se envolviam com práticas
religiosas impuras e procedimentos éticos e morais contrários à Lei. Em Dt 23.18, o termo é usado para se referir à prostituição
16 Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos as palavras da profecia deste livro: Se al-
entregar esse testemunho em relação às guém lhes acrescentar algo, Deus lhe acres-
igrejas. Eu Sou a Raiz e o prometido centará os flagelos descritos neste livro.
Descendente de Davi, e a brilhante Estrela 19 Se alguém tirar alguma palavra deste
da Manhã. livro de profecia, Deus tirará dele a sua
parte na árvore da vida e na Cidade San-
Advertências e bênção final ta, que são descritas neste livro.
17 O Espírito e a Noiva proclamam: 20 Aquele que dá testemunho destas
“Vem!” E todo aquele que ouvir responda: palavras afirma: “Com toda a certeza,
“Vem!” Quem sentir sede venha, e todos venho rapidamente!” Amém. Vem, Se-
quantos desejarem, venham e recebam de nhor Jesus!10
graça a água da vida!9 21 A graça do Senhor Jesus seja com to-
18 Portanto, declaro a todos os que ouvem dos. Amém!
feminina e masculina, comum em Canaã como rito religioso pagão e, infelizmente, incorporado por algumas seitas ocultistas
em nossos dias.
9 Este é o último apelo evangelístico que o Espírito de Deus faz por meio da sua Noiva (a Igreja de Cristo – 21.2; Ef 5.27). Toda
pessoa que ouvir (atender) essa pregação de arrependimento e conversão, deve responder afirmativamente a Cristo: “Vem!”, e
nascer de novo (Jo 3; Mt 5.6; Ef 2.8-9; Is 55.1; Ap 21.6).
10 A expressão grega e{rcou kuvrie !Ihsou' “Vem, Senhor Jesus!”, traduz a oração que os cristãos da antiga igreja em Jerusalém
costumavam fazer em aramaico “Maranata!”, palavra que se repetia com expectativa e fervor nas celebrações regulares da Ceia
do Senhor e que deve representar também a nossa esperança e contentamento no dia de hoje (1Co 16.22).