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ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO

Professor Titular de Direito Administrativo


da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo – USP
Mestre em Direito Público pela UERJ

EMPRESAS ESTATAIS
(O Regime Jurídico das Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista)

Rio de Janeiro

2015
342

administradores da estatal adotem medidas sem lógica econômica estrita em razão


de determinações ou solicitações informais como essas, reputar-se-á estarem
agindo por conta (e responsabilidade) própria.

No tópico que segue, abordaremos um aspecto específico do controle


societário sobre as estatais, que, por sua importância prática, econômica e jurídica,
no Direito Administrativo e no Direito Societário, merece atenção específica: até que
ponto o acionista controlador público pode comprometer a racionalidade econômica
das empresas estatais para realizar objetivos públicos.

IV.2.1 Mitigação da racionalidade econômica das estatais para a realização de


objetivos públicos

Pode haver uma clara, mas natural, contradição entre a lógica econômica
stricto sensu das estatais (decorrente do seu caráter empresarial, das atividades
econômicas que exercem e, no caso das sociedades de economia mista, também de
terem acionistas privados) e a sua vinculação a determinados valores e objetivos
públicos de caráter extraeconômico678 (pelo fato de serem instrumentos do Estado,
que, por sua vez, é um instrumento da sociedade e dos objetivos desta consignados
na Constituição, nas leis e nos programas dos governo democraticamente eleitos,
nessa ordem).

solenidade das formas” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25.
ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p. 110). Tendo isso em vista, a regra geral é que os atos
administrativos devem ser escritos, registrados (ou arquivados) e publicados. Todavia, no âmbito do
relacionamento entre os entes federativos e suas estatais, muitas vezes são comuns interferências
informais a título de “supervisão ministerial”. De acordo com Felipe de Melo Fonte, “embora o
Decreto-Lei nº 200/67 assegure plenos poderes para o ministro responsável pelo exercício da
supervisão ministerial, assim como ao Presidente da República, na prática o que se observa é a
prevalência do controle informal” (MELO FONTE, Felipe de. Supervisão ministerial e controle
societário de empresas estatais: três standards para um modelo de complementaridade e limitação.
In: ARAGÃO, Alexandre Santos de (Coord.). Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista.
Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 188). Mario Engler Pinto Júnior também diagnostica essa patologia:
em muitos casos de supervisão ministerial, “o ministro vale-se do poder de indicação e destituição
dos administradores, para se transformar em interlocutor qualificado perante eles e, dentro de
determinados limites, impor informalmente sua vontade como representante legítimo do interesse
público” (PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal − Função Econômica e Dilemas Societários.
São Paulo: Atlas, 2010. p. 95-96).
678 O sentido de “econômico” que aqui se utiliza, na linha das observações acima já realizadas, é

restrito, e se limita à ideia de obtenção de lucro.


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A relação entre essas duas lógicas não pode ser de prevalência absoluta de
uma sobre a outra, mas de equilíbrio entre elas. Pode-se ter uma atuação com lucro
menor do que o que seria o ordinário em uma empresa privada para se atender a um
interesse público institucional (por exemplo, para que os consumidores de
determinada região mais empobrecida possam ter acesso à energia elétrica), mas
não se pode chegar ao limiar de uma mera liberalidade, de uma gestão temerária,
sem adequada ponderação entre a lógica econômica natural à estatal e os
interesses públicos a ela ligados, como, por exemplo, se uma estatal fosse levada a
continuar a realizar fornecimentos a clientes há muito inadimplentes, sem se
observar o mandado de otimização679 entre os interesses que in casu estiverem
contrapostos, mandado de otimização este que, em situação ideal, fará não só com
que essas duas lógicas não entrem em conflito, como que uma reforce a outra. Por
exemplo, se o Estado cria uma empresa estatal para ser um campeão nacional com
grande atuação no exterior, e essa empresa logra obter lucrativos mercados em todo
o mundo.

Deve-se sempre buscar que essas duas lógicas se fortaleçam


reciprocamente, evitando-se, sempre que possível, que se tornem antitéticas, pois,
como ressalta JACINTHO ARRUDA CÂMARA, “na maioria das vezes, a

679“Deve-se procurar a solução onde a restrição à eficácia de cada uma das normas em conflito seja
a menor possível, buscando a otimização da tutela aos bens jurídicos por ela protegidos”
(SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal, Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2000. p. 29). “Simultaneamente, trata-se de otimização, uma vez que os princípios da
idoneidade e da necessidade pedem aqui, como noutra parte, nada mais que uma realização tão
ampla quanto possível dos princípios correspondentes, a cada vez, relativamente às possibilidades
reais, portanto, otimização-Pareto. Se, o que ocorre frequentemente, a otimização é posta em contato
com uma perda do caráter-quadro, então aquele aspecto da otimização, que se encontra na melhora
de um lado sem a piora do outro, não pode estar intencionado. (...) A exigência por realização, no
máximo possível, ampla de princípios jurídico-fundamentais, que também pode ser qualificada de
produção de concordância prática ou de otimização normativa, significa, portanto, tudo menos o
mandamento de aspirar a um ponto máximo. Cada princípio quer, sem dúvida, para si o máximo
possível. Otimizar princípios colidentes, porém, não significa ceder a ele; mas pede, ao lado da
exclusão de sacrifícios desnecessários, somente a justificação do necessário por, pelo menos, igual
importância da realização do princípio, a cada vez, em sentido contrário. Isso é um critério negativo, o
que mostra que também a otimização no quadro da ponderação é compatível com o caráter-quadro
da Constituição” (ALEXY, Robert. Direito Constitucional e Direito Ordinário. Jurisdição Constitucional
e Jurisdição Especializada. Revista dos Tribunais, v. 799, p. 33 e 36, maio 2002). “Ponto que merece
ser esclarecido refere-se ao conceito de “otimização”, que é imprescindível para a compreensão da
teoria dos princípios adotada. Quando se diz que os princípios jurídicos são mandados (ou
comandos) de otimização, o que se pretende ressaltar com isso é que tais normas estabelecem o
dever de realizar um estado ideal de coisas na máxima medida possível, sem descrever, de antemão,
os comportamentos necessários para tanto” (BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Princípios, Regras e
a Fórmula de Ponderação de Alexy: um modelo funcional para a argumentação jurídica?. Revista de
Direito Constitucional e Internacional. v. 54, p. 983, jan. /2006).
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lucratividade da empresa constitui instrumento fundamental para a realização da


atividade de interesse público com uma maior eficiência. E é justamente essa busca
do lucro, em prol da realização do interesse público, que constitui uma das principais
justificativas para a opção pelo modelo empresarial na Administração Pública”.680

Como se vê, aquela potencial contradição entre lógica estritamente


econômica e objetivos públicos pode ser uma fraqueza, mas também pode ser um
grande trunfo que as empresas estatais podem ter para realizar as suas funções.

Discordamos, portanto, da opinião daqueles para os quais “o Estado não


deveria querer lucrar com as suas empresas, ainda, porque sua principal fonte de
recursos seria o poder de tributar, e não a cobrança de preços dos usuários”. 681 Em
linha semelhante, porém mais equilibrada, o Ministro AYRES BRITTO, em seu voto
no RE nº 599628, defendeu que, “enquanto nas empresas privadas o lucro é o fim e
o serviço prestado é o meio, a mercadoria vendida é o meio, a intermediação
realizada é o meio, a empresa desempenha essas atividades para obter lucro, no
âmbito das empresas estatais prestadoras de serviço público, o lucro é o meio;
obtém-se lucro para prestar o serviço, e o serviço é tão importante que, mesmo que
não haja lucro, ainda assim ele deve ser preservado”.

O problema dessas posições é partir do pressuposto de uma irremediável


conflituosidade entre lucro e objetivos públicos e, em um segundo plano, da primazia
que estes devem sempre ter sobre aquele, em uma certa acepção especializada do
em vias de superação “princípio da supremacia do interesse público”.682

Porém, essa conflituosidade pode em muitos casos não ocorrer, e mesmo


quando ocorra, não deve ser resolvida pela preferência absoluta e a priori de um
interesse (interesse público material) sobre o outro (interesse público e privado de
lucro).

680 CÂMARA, Jacintho Arruda. O lucro nas empresas estatais. Revista Brasileira de Direito Público –
RBDP. Belo Horizonte, nº 1, p. 16-17, 2003. “A lucratividade da sociedade de economia mista
constitui meio necessário para a consecução de seu fim” (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei
de sociedades anônimas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 410).
681 Cf. resenha bibliográfica feita, mas não anuída, por LEITE, Carina Lellis Nicoll Simões. O lucro nas

sociedades de economia mista. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas Públicas e Sociedades
de Economia Mista. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2015. p. 103.
682 Sobre essa discussão, ver SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses Públicos versus Interesses

Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público. Rio de Janeiro: Lumen


Juris, 2007.
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O próprio interesse de lucro, além de ser um interesse particular dos


eventuais acionistas privados, também é obviamente um interesse público, tanto
primário, pois demonstra a eficiência econômica que a atuação do Estado está
tendo, como secundário, pois, sendo o Estado o grande acionista da estatal, esses
dividendos irão em grande parte para ele, podendo ser usados para a realização dos
direitos fundamentais a ele incumbidos pela Constituição.

Deve haver uma permanente ponderação entre, de um lado, os objetivos


públicos e privados no lucro, e, de outro, os objetivos públicos que não sejam de
natureza econômica stricto sensu (que podem também ser de diversas naturezas,
como desenvolvimento versus preservação do meio ambiente);683 e, como
passaremos a expor, o peso dos interesses envolvidos variará de acordo com
algumas características das empresas estatais que estiverem sendo individualmente
consideradas.

Em primeiro lugar, dentro do universo geral das estatais, as empresas


públicas, por não possuírem sócios privados a terem seus interesses incluídos na
ponderação, são as que mais podem ter a sua lógica econômica atenuada (mas
jamais totalmente extirpada) por objetivos públicos.684

683 “O conflito entre objetivos aparentemente díspares (finalidade lucrativa e missão pública) não se
resolve com a abolição de nenhum deles, como ingenuamente se costuma propor. Não se trata de
subordinar incondicionalmente a finalidade lucrativa à realização da missão pública, nem tampouco
libertar a empresa estatal para gerar ilimitadamente valor a seus acionistas (público e privado). A
saída está em considerar normal a convivência entre interesses divergentes no âmbito da companhia
mista, como propõe a teoria organizativa. Tais interesses, por seu turno, devem ser reconciliados
pelas estruturas procedimentais internas, mediante o arbitramento da margem de lucro ideal, sem
necessariamente suprimi-la nem maximizá-la, para que a empresa estatal também tenha capacidade
financeira para implementar as políticas públicas compreendidas no objeto social” (PINTO JUNIOR,
Mario Engler. Empresa Estatal − Função Econômica e Dilemas Societários. São Paulo: Atlas, 2010. p.
318).
684 Nesse sentido, FONTE, Felipe de Melo. Supervisão Ministerial e Controle Societário de Empresas

Estatais: três standards para um modelo de complementaridade e limitação. In: ARAGÃO, Alexandre
Santos de. Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2015. p.
209, chamando a atenção para o fato de que, de qualquer forma, não se pode desconsiderar que
mesmo as empresas públicas “fazem jus ao direito à autopreservação, baseado na função social da
empresa, seja porque o interesse público que motiva a criação delas está veiculado na lei, e o
desvirtuamento dele é uma espécie de ilegalidade cometida pelo poder público controlador”. Também
para Mario Engler Pinto Júnior, “sendo o Estado o único acionista, torna-se mais fácil a ponderação
entre lucratividade e objetivos de política pública. O recurso à forma societária nesse caso decorre da
conveniência da desconcentração administrativa para organizar o exercício de determinada atividade
econômica. Em outras palavras, a sociedade anônima unipessoal constitui uma técnica jurídica de
organização da função empresarial do estado. Nesse cenário, a preocupação básica consiste na
garantia da sustentabilidade financeira da companhia no longo prazo” (PINTO JUNIOR, Mario Engler.
Empresa Estatal − Função Econômica e Dilemas Societários. São Paulo: Atlas, 2010. p. 319).
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Já as sociedades de economia mista, tendo acionistas privados, terão o


interesse destes em maximizar os lucros a serem ponderados, fortalecendo a
balança neste lado, e, de toda sorte, o núcleo mínimo de expectativa de lucro, ainda
que não imediato ou maximizado, que possuíam quando integralizaram o capital da
companhia deve ser sempre preservado em qualquer ponderação, constituindo um
limite instransponível pelos demais interesses em jogo.

Em segundo lugar, no universo das sociedades de economia mista entre si,


as que atuarem em concorrência com agentes privados devem ser as menos
permeáveis (mas sempre com alguma permeabilidade) a objetivos públicos que
atenuem a sua lucratividade.

Se não fosse assim, o Estado estaria dando os fins a essas entidades (atuar
num mercado concorrencial), mas lhe retiraria os meios adequados a tanto, já que,
além das exigências procedimentais e de controle que a Constituição já impõe a
toda Administração Pública (licitações, concurso público, fiscalização pelos tribunais
de contas etc.), ainda se veriam obrigadas a indefinidamente realizar objetivos
públicos não necessariamente providos de racionalidade econômica, dificultando
mais ainda a sua competitividade, além de as tornar um negócio desinteressante
para eventuais investidores que poderia, por exemplo, chamar para novos aumentos
de capital. Em uma corrida com os concorrentes para a realização de novos
investimentos estes teriam então mais condições de captar recursos no mercado de
valores mobiliários que a estatal.685

Vejamos, a respeito, as advertências feitas há décadas por BRITTO DAVIS,


em seu infelizmente pouco conhecido Tratado das Sociedades de Economia Mista:

685 Mas também não devemos ignorar que não há só desvantagens em ser sócio de uma sociedade
de economia mista: (a) os acionistas minoritários podem se prejudicar em razão de atitudes não
eficientes do ponto de vista estrito da lucratividade econômica para a sociedade atender a objetivos
públicos, contrariando o que adviria da lógica econômica comum; mas (b) também podem se
beneficiar em razão de facilidades que as sociedades de economia mista poderiam ter em razão de
ter o Estado como seu acionista controlador e integrarem a Administração Pública (por exemplo,
acesso facilitado às autoridades reguladoras e ambientais da mesma esfera de Administração
Pública; e caso não atue com base no art. 173 da CF, receber privilégios, como o recebimento da
outorga da prestação de um serviço público diretamente por lei).
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As objeções formuladas (às sociedades de economia mista)


são todas coincidentes em arguir o conflito insolúvel entre os
dois interesses. Segundo BYÉ este é um defeito insanável
das sociedades de economia mista (...). Uma posição
majoritária (do Estado) se se trata de um serviço público
possibilita o nascimento de um dissídio irremediável entre a
minoria que busca o lucro e a maioria que visa ao interesse
público. Se se trata, ao contrário, de “serviço privado”, do qual
o Estado possa esperar vantagens econômicas, há o perigo de
que ele abuse de suas prerrogativas em proveito dos
acionistas particulares, encontrando nas facilidades
oferecidas pela sociedade de economia mista um convite
perigoso à ubiquidade financeira.686

Essas preocupações são, desse modo, conaturais às sociedades de


economia mista; integram a sua essência. Não por outra razão que o MINISTRO
BILAC PINTO, no clássico artigo “O Declínio das Sociedades de Economia Mista e o
Advento das Modernas Empresas Públicas”687 defendia a substituição das
sociedades de economia mista por empresas públicas, já que essas, possuindo
capital exclusivamente público, não possuiriam essas contradições e riscos.

A sociedade de economia mista pretende ser um instrumento de


conjugação de esforços públicos e privados na consecução de fins
socialmente relevantes e potencialmente lucrativos. Trata-se, portanto, de um
ente ontologicamente prenhe de contradições, mas que, justamente em razão
delas, possui algumas vantagens em relação às outras modalidades
administrativas de atuação. O seu ponto fraco é também o seu ponto forte.

Denota-se a vantagem de as sociedades de economia mista, inclusive para


serem instrumentos de parcerias público-privadas, alternativamente às modalidades
686DAVIS, Carvalho Britto. Tratado das Sociedades de Economia Mista. Rio de Janeiro: José Konfino
Editor, 1969. p. 159 − grifamos. Sobre o tema ver também FERREIRA, Waldemar Martins. A
Sociedade de Economia Mista em seu Aspecto Contemporâneo. São Paulo: Ed. Max Limonad, 1956.
687 PINTO, Bilac. O Declínio das Sociedades de economia Mista e o Advento das Modernas

Empresas Públicas. Revista Forense, v. 146, p. 09.


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contratuais stricto sensu, já que “o instrumento legal mais adequado à cooperação é


a sociedade. O elemento diferencial está exatamente na existência de uma instância
institucional (sociedade) que deve estar apta a criar estímulos à cooperação. (...)
Note-se, em primeiro lugar, que o recurso à sociedade de economia mista
representa uma tentativa de substituir a organização contratual pela societária,
quando se trata de disciplinar a relação particular/Poder Público. Mantido o controle
estatal sobre a empresa, a sociedade de economia mista será preferível ao contrato
de concessão como forma de incentivar a participação cooperativa do particular no
empreendimento sempre que a estrutura societária interna for mais apta que o
contrato a reunir as partes em torno de objetivos comuns.”688

Procurando conciliar as duas lógicas em questão quanto às sociedades de


economia mista, a Lei das Sociedades Anônimas dispôs:

Art. 238. A pessoa jurídica que controla a companhia de


economia mista tem os deveres e responsabilidades do
acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar
as atividades da companhia de modo a atender ao interesse
público que justificou a sua criação.

A própria Lei Societária procura assim responder à contradição ínsita às


sociedades de economia mista, submetendo seu controlador (o Estado) às

688 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Malheiros, 2008. p. 189. Porém, a estrutura de sociedade de economia mista, embora, de um
lado, auxilie na redução de custos de transação entre o poder público e a iniciativa privada, precisa,
para ser exitosa, superar dois desafios: os interesses egoísticos e a assimetria informacional que se
forma entre a relação público-privada e o restante da sociedade: “A disciplina societária deve ser apta
a incentivar tal cooperação. Dois problemas necessitam, então, de solução. Em primeiro lugar, é
preciso resolver o problema de conflito de interesses no interior da sociedade, como, de resto, é
necessário resolvê-lo em qualquer forma contratual. Eliminados os interesses egoísticos, é mais fácil
fazer da estrutura societária instrumento de estímulo à cooperação entre Estado (controlador) e
agente privado (investidor ou sócio estratégico). Mas não basta a regra de conflito. Retirar a relação
público-privada do plano dos contratos externos e trazê-la para dentro da sociedade elimina custos
de transação. Cria, por outro lado, dificuldades de informação. (...) Desaparecida a relação contratual
externa e substituída pela relação intra-societária, é muito mais difícil obter informações sobre o
desenrolar das relações entre sócios. A informação desaparece, e a própria possibilidade de controlar
a persecução do interesse público, ainda que prevista em lei (art. 238), torna-se, na prática, muito
mais complexa e difícil” (p. 190).
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responsabilidades inerentes a todo acionista controlador, mas prevendo, de outro


lado, a possibilidade de que essas entidades cumpram função institucional
específica, como de resto, a própria Constituição Federal exige ao prever o
“relevante interesse coletivo” para as hipóteses do art. 173 da CF.689

Com relação ao art. 238 da Lei nº 6.404/76, ALFREDO SÉRGIO


LAZZARESCHI NETO extrai, a partir da análise da exposição de motivos da Lei nº
6.404/76, que esse dispositivo “reconhece que o acionista controlador da sociedade
de economia mista (o Estado, que, por definição não visa lucro na sua atividade)
possa ter razões de agir em detrimento da companhia, hipótese em que deverá
compor os prejuízos que causar aos acionistas minoritários”.690

A questão também não passou desapercebida por MARIO ENGLER PINTO


JUNIOR, para quem “o conflito decorrente da dualidade de objetivos da empresa
estatal (interesse público e finalidade lucrativa) não se resolve mediante a
sobreposição incondicional de um sobre o outro. O lucro não é assegurado em
qualquer circunstância, mas também não deve ser definitivamente suprimido. O
acionista privado que decide participar de uma companhia mista vinculada à
persecução do interesse público não tem garantia de rentabilidade mínima e nem
sequer a certeza de recuperar o valor do capital inicialmente investido. A expectativa
de lucro pode ser alterada a qualquer momento pela vontade unilateral do Estado,
embora dentro de determinados limites (...). Isso não significa, porém, que o
Estado como acionista controlador público esteja legalmente autorizado a
impor qualquer tipo de sacrifício patrimonial à companhia controlada em prol
do interesse público. O exercício qualificado do poder de controle acionário
não pode chegar ao ponto de subverter o tipo societário e violar o direito
essencial de participar dos lucros sociais (cf. art. 109 da Lei nº 6.404/76). Em
matéria de contenção de lucros, existe um limite baseado na razoabilidade e
proporcionalidade que, uma vez ultrapassado, gera a obrigação de o estado
compensar a companhia controlada. O aspecto mais sensível da convivência

689 Decerto que no dispositivo a CF está tratando apenas das estatais concorrenciais, mas, se é
assim para elas, com muito mais fortes razões será para as estatais que com exclusividade prestam
serviços públicos ou exercem monopólios públicos, cujo aspecto de “missão pública” é fortalecido em
razão do serviço ou monopólio público por ela exercido ter sido via de regra até mesmo excluído da
iniciativa privada, ficando sob publicatio.
690 LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades por Ações Anotada. São Paulo:

Saraiva, 2010. p. 590.


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público-privada no âmbito da sociedade de economia mista consiste na identificação


de um parâmetro minimante objetivo para aferir a responsabilidade do titular do
controle nesse particular. A conciliação entre a finalidade lucrativa e interesse
público pressupõe a correta compreensão da função econômica do lucro
empresarial.”691

No mesmo sentido, JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA afirma que “não se


justifica, porém, o sacrifício da sociedade ao proveito público; se, por uma
contingência qualquer, o interesse público exigir o esmagamento dos demais
interesses, cumprirá à pessoa jurídica controladora atribuir à sociedade, ou aos
interessados diretamente, uma razoável compensação”.692

Exemplo de mecanismo de compensação referido pelo autor pode ser


identificado na Medida Provisória nº 677/15, por via da qual a União, ao mesmo
tempo em que determina a empresas do grupo Eletrobras a renovação de contratos
de fornecimento de energia por preços inferiores aos que seriam encontrados no
mercado livre, lhe assegura a prorrogação do prazo do contrato de concessão da
Usina de Sobradinho.

FELIPE DE MELO FONTE693 cita como exemplo oposto, de imposição de


ônus públicos a sociedade de economia mista sem nenhuma compensação, o da
Rede Ferroviária Federal S.A., que “desde a origem foi empregada para a realização
de políticas públicas (...) com tarifa fixada em patamar inferior ao custo de
manutenção dos serviços prestados”. De acordo com o autor, “o acionista particular
submetido a esse quadro sem dúvida faz jus à reparação por danos, por duplo
fundamento. Primeiro, em razão da má-fé do Estado ao criar um ente privado que,

691 PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal − Função Econômica e Dilemas Societários. São
Paulo: Atlas, 2010. p. 350-355 − grifamos.
692 TAVARES BORBA, José Edwaldo. Direito Societário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p.

513.
693 FONTE, Felipe de Melo. Supervisão Ministerial e Controle Societário de Empresas Estatais: três

standards para um modelo de complementaridade e limitação. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de.
Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2015. p. 202 −
itálicos no original. “Não se deve admitir que o interesse público que justificou a criação da estatal
possa anular por completo a sua função lucrativa. Uma vez que o próprio Estado opta pelo modelo da
sociedade de economia mista, ele assume o compromisso de conciliar os seus interesses àqueles
dos acionistas minoritários. É justamente esse acordo que deve ser levado em consideração na
interpretação do art. 238 da Lei das Sociedades Anônimas” (LEITE, Carina Lellis Nicoll Simões. O
Lucro nas Sociedades de Economia Mista. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas Públicas e
Sociedades de Economia Mista. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2015. p. 127).
351

pela própria natureza, possui escopo lucrativo, mas que, desde o princípio, estava
destinado a ser empregado somente com o propósito de realizar política pública.
Segundo, independentemente da consideração da licitude do ato estatal, não podem
os acionistas minoritários arcar com os ônus decorrentes da subvenção pública a
determinada atividade”.

Interpretando o art. 238 da Lei das S.A., os fins públicos institucionais a que
menciona podem justificar a mitigação (nunca a supressão) dos seus objetivos
puramente lucrativos (ex.: um banco estatal pode fornecer crédito subsidiado a
pequenos agricultores ou uma estatal de petróleo pode ter que construir um
gasoduto de integração energética nacional atendendo a uma política
governamental).694 Contudo, fugiria totalmente da lógica econômica, ainda que
mitigada, inerente às sociedades de economia mista, a imposição a elas de
fornecimento gratuito de produtos ou serviços, ou, o que financeiramente se
equivaleria, a manutenção do fornecimento a empresas notada e reiteradamente
inadimplentes.

A partir dessas premissas, esquematicamente propomos uma distinção entre


limites qualitativos e quantitativos da inserção de preocupações de interesse público
nas empresas estatais.

Os limites qualitativos dizem respeito a que objetivos extraeconômicos podem


ser impostos à estatal, e os limites quantitativos dizem respeito a até que ponto
esses objetivos extraeconômicos imponíveis podem incidir mitigando a sua
lucratividade. Vejamo-los.

IV.2.1.1 Limites qualitativos

Nos termos do art. 238 da Lei das S.A. só podem ser impostos às sociedades
de economia mista objetivos de interesse público que levaram à sua instituição.

694ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Forense,
2012, item V.10.3.
352

Autores há que sustentam que esses objetivos de interesse público


excepcionadores da racionalidade econômica estrita devem estar expressa e
taxativamente enumerados na lei que autorizou a instituição da sociedade de
economia mista.695

Essa posição nos parece reducionista e contrária à praxe legislativa


brasileira,696 em que o legislador simplesmente autoriza a criação da sociedade de
economia mista, sem enumerar, sem explicar didaticamente os interesses públicos
que o levaram a isso.697

695 Perfilhando esse posicionamento, Astrid Monteiro de C. G. de Lima Rocha defende que “pela
leitura do artigo [238] resta evidente que o conceito de interesse público aqui adotado não é
indeterminado tal como o conceito sociológico, mas sim aquele interesse específico que justificou a
intervenção do estado – e que por essa mesma razão deve estar previsto na lei que autorizou a
constituição da sociedade de economia mista. Nesse sentido, o interesse público previsto no artigo
238 da Lei das S.A. não deve ser confundido com o interesse da Administração Pública, ou com
interesses do funcionário público” (LIMA ROCHA, Astrid Monteiro de C. G. de. O estado empresário:
interesse público, conflito de interesses e comportamento abusivo do acionista controlador nas
sociedades de economia mista. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de (Coord.). Empresas Públicas e
Sociedades de Economia Mista. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 89).
696 Nesse sentido, as leis que autorizam a criação de duas das maiores sociedades de economia

mista do país exemplificam essa técnica legislativa, a saber: (i) Lei nº 2004/53 (revogada pela Lei nº
9.478/97), que autoriza a União a constituir a Petrobrás; e (ii) a Lei nº 3.890-A/61, que autoriza a
criação da Eletrobrás. Ambas as leis apenas autorizam a criação das entidades e especificam as
atividades que desempenharão, mas não a razão para desempenhá-las: Lei nº 2004/53: “Art. 6º A
Petróleo Brasileiro S. A. terá por objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o comércio e o transporte do
petróleo proveniente de poço ou de xisto – de seus derivados bem como de quaisquer atividades
correlatas ou afins. Parágrafo único. A pesquisa e a lavra, realizadas pela Sociedade, obedecerão a
plano por ela organizados e aprovados pelo Conselho Nacional do Petróleo, sem as formalidades,
exigências de limitações de área, e outras julgadas dispensáveis, em face da decreto-lei nº 3.236, de
7 de maio de 1941, autorizando-as o Conselho em nome da União”. Lei nº 3.890-A/61: “Art. 17. A
ELETROBRAS cooperará com os serviços governamentais incumbidos da elaboração e execução da
política oficial de energia elétrica, especialmente: I − sugerindo as medidas que transcendam dos
encargos que lhe são atribuídos (VETADO); II − indicando os empreendimentos e as medidas que
devam ser objeto de planos (VETADO); III − promovendo, junto aos órgãos competentes, a ampliação
de empreendimentos já existentes, ou a execução de outros, a serem iniciados, se capazes de
acelerar o desenvolvimento da indústria de energia elétrica do País, principalmente em face das
limitações impostas pelo balanço de pagamentos.
697 Cumpre ressalvarmos, ainda, que essa prática legislativa não é uma exclusividade nacional. No

direito comparado as normas que criam empresas estatais em regra também não especificam os
objetivos de interesse público que motivaram sua instituição. Utilizando o exemplo de Portugal, onde
as sociedades de capital misto são em regra criadas por meio de Decretos-Leis, nossa pesquisa
demonstrou que esses decretos também não esmiúçam as razões de interesse público que deram
ensejo à instituição das estatais. Ilustrativamente, fazemos remissão ao Decreto-Lei nº 293-A/86
(disponível em <http://publicos.pt/documento/id587622/decreto-lei-293-A/86>, acessado em 28 ago.
2015), que cria a Empresa de Silos Portuários, S. A. R. L. – SILOPOR, uma sociedade anônima de
responsabilidade limitada de capitais majoritariamente públicos. Tal diploma, tal como os brasileiros,
(em seu art. 3º) apenas descreve o seu objeto social: “a sociedade tem por objecto principal a
prestação de serviços de recepção, movimentação, armazenagem, expedição e transporte de
matérias-primas alimentares e produtos conexos, mediante a utilização das suas infra-estruturas de
armazenagem, aos operadores comerciais inseridos no seu ramo de atividade”. O conflito entre o
interesse público e o interesse social das sociedades de economia mista também representa matéria
353

Os debates parlamentares ou a mensagem legislativa podem até fazer


referência a algumas dessas razões,698 mas, além de serem raras, como não
integram o corpo da lei, não são elementos do direito positivo.699

A solução preconizada por essa linha de pensamento na prática tornaria


despicienda a ponderação feita pelo art. 238 da Lei das S.A. em relação ao
atendimento de interesses públicos extraeconômicos pelas sociedades de economia
mista.

Como efeito, como no histórico brasileiro, até onde pudemos em nossa


pesquisa aferir,700 não há leis com tais enumerações taxativas de objetivos, e só por

controversa na doutrina portuguesa. Sobre o tema, Sofia Tomé D’alte (A nova configuração do sector
empresarial do estado e a empresarialização dos serviços públicos. Coimbra: Editora Almedina, 2007.
p. 393-394) assevera que “nestes casos, continuarão a colocar-se em tese problemas de difícil
resolução quando se coloquem situações de conflito entre o interesse social e o interesse público,
com a agravante de neste caso nem sequer ser possível encontrar resposta nem nas teorias
institucionalistas nem nas contratualistas”. De acordo com a autora, “neste caso a sociedade
corresponde ao conceito geral, e que nesse sentido não é possível, mesmo fazendo uso da maioria
de capital detido, claudicar o fim legal típico da figura, sob pena de, assim sucedendo, se abrir
margem para impugnar uma deliberação com tal resultado por abusiva e lesiva do interesse da
sociedade, que neste caso teria imperativamente de ser interpretado como o interesse comum dos
sócios, não bastando a qualidade pública do maioritário para descartar em absoluto o dos demais,
que deverá por isso continuar a contar com a proteção e tutela jurídicas típicas do funcionamento da
estrutura societária”.
698 Como exemplo podemos citar a exposição de motivos da Lei federal nº 5.523/63, que autoriza a

constituição das sociedades de economia mista Centrais Elétricas de Roraima S.A. (CER) e Centrais
Elétricas de Rondônia S.A. (CERON) (disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1191488&filename=Dossi
e+-PL+1600/1968>, acessado em 28 ago. 2015). Nessa exposição de motivos, assinada por Affonso
Augusto de Albuquerque Lima, à época Ministro de Estado do Interior, e José Costa Cavalcante, à
época ministro de Estado das Minas, afirma-se que a constituição das referidas sociedades de
economia mista se justifica em razão da necessidade de organização dos serviços públicos de
energia elétrica nos ex-Territórios Federais de Rondônia e Roraima, além de estimular a ocupação da
região amazônica.
699 Carlos Maximiliano esclarece que “se descerem a exumar o pensamento do legislador, perder-se-

ão em um báratro de dúvidas maiores ainda e mais inextricáveis do que as resultantes do contexto.


Os motivos, que induziram alguém a propor a lei, podem não ser os mesmos que levaram outros a
aceitá-la. Não parece decisivo o fato de haver um congressista expendido um argumento e não ter
sido este combatido; a urgência, a preocupação de não irritar um orgulhoso cuja colaboração se
deseja, ou cuja obstrução ao projeto se receia; uma indisposição individual, sobretudo um leader de
câmara ou relator de Comissão Permanente; mil fatores ocasionais podem concorrer para um silêncio
forçado; daí resultaria a falsa aparência de concretizar uma frase, emenda ou discurso as razões do
voto no plenário, a intenção predominante, a diretriz real da vontade da maioria” (MAXIMILIANO,
Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 19). Já o
preâmbulo “põe em evidência as causas da iniciativa parlamentar e o fim da norma; por isso,
conquanto não seja parte integrante desta, merece apreço como elemento de exegese. Quase
sempre traduz o motivo, a orientação, o objetivo da lei, em termos concisos, mas explícitos. Todavia
não restringe nem amplia o sentido decorrente das próprias regras positivas; por isso o seu valor,
embora maior do que o dos simples títulos ou rubricas, é inferior ao dos processos aplicados
diretamente às disposições escritas” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, 20.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 217).
354

lei complementar poderia se impor ao legislador determinadas práticas legislativas,


como a de, no próprio corpo de suas normas, ter que descrever os objetivos para os
quais estão sendo editadas.701

Quando da edição da Lei das S.A., essa já era a prática legislativa brasileira,
de maneira que não é razoável supor que ela estaria se referindo a conteúdos
normativos que sabia de antemão não existir em nossa praxe.

Na grande maioria das vezes, esses interesses públicos que levaram à


criação da sociedade de economia mista são inferidos do setor de atuação dela, e
da ligação que a teoria econômica e política faz da presença do Estado nele, o que
também juridicamente se considera, sem maiores questionamentos, como sendo o
instrumento apto para aferir se o legislador cumpriu os requisitos suficientes para
atender à necessidade de “relevante interesse coletivo” mencionado pelo art. 173,
CF.

A previsão da competência da estatal objeto da lei para exercer determinada


atividade econômica, identificada por algum juízo social razoável como de
importância para a sociedade, tem sido a prática brasileira para aferir a presença de
tais requisitos. Uma coisa é a previsão da competência da estatal, outra são os

700 Mesmo quando há referência a “finalidades”, na verdade se está apenas atribuindo competências,
enumerando atividades em si, não o objeto para o qual devem ser exercidas. Por exemplo, a Lei nº
5.792/72, que cria a Telebrás: “Art. 3º Fica o Poder Executivo autorizado a constituir uma sociedade
de economia mista denominada Telecomunicações Brasileiras S/A. − TELEBRÁS, vinculada ao
Ministério das Comunicações, com a finalidade de: I − planejar os serviços públicos de
telecomunicações, de conformidade com as diretrizes do Ministério das Comunicações; II − gerir a
participação acionária do Governo Federal nas empresas de serviços públicos telecomunicações do
país; III − promover medidas de coordenação e de assistência administrativa e técnica às empresas
de serviços públicos de telecomunicações e aquelas que exerçam atividades de pesquisas ou
industriais, objetivando a redução de custos operativos, a eliminação de duplicações e, em geral a
maior produtividade dos investimentos realizados; IV − promover a captação em fontes internas e
externas, de recursos a serem aplicados pela Sociedade ou pelas empresas de serviços públicos de
telecomunicações, na execução de planos e projetos aprovados pelo Ministério das Comunicações; V
− promover, através de subsidiárias ou associadas, a implantação e exploração de serviços públicos
de telecomunicações, no território nacional e no exterior; VI − promover e estimular a formação e o
treinamento de pessoal especializado, necessário às atividades das telecomunicações nacionais; VII
− executar outras atividades afins, que lhe forem atribuídas pelo Ministério das Comunicações”.
701 Nesse âmbito, o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal de 1988 prevê expressamente

que “lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis”. A
referida norma foi promulgada em 26 de fevereiro de 1998, na forma da Lei Complementar nº
95/1998, que estabelece os parâmetros formais e estruturais que devem nortear a atuação do
legislador no momento da elaboração das leis, mas que não contém dispositivo com aquela
imposição.
355

objetivos para os quais foi conferida tal competência, mas que são apenas inferidos
daquela, não enumerados expressamente na lei.

Assim, por exemplo, presume-se que uma estatal de petróleo é criada com
objetivos como o de assegurar o abastecimento nacional, a independência
energética nacional, auferir os lucros com as atividades, entre outros explorados
pela literatura.702

Sendo conceitos econômico-políticos indeterminados,703 geram uma razoável,


mas não ilimitada, margem de apreciação ao ente público controlador para incluir ou
não determinados objetivos específicos entre os objetivos mais gerais que levaram à
criação da sociedade de economia mista. Essa indeterminação não é nada estranha
ao direito contemporâneo, especialmente ao Direito Administrativo.704

Pois bem, ultrapassada essa discussão doutrinária prévia sobre se a lei


deveria ou não enumerar expressamente os objetivos a serem perseguidos por cada

702 Em estudo específico sobre as empresas estatais brasileiras, Thomas J. Trebat (Brazil’s state-
owned enterprises: a case study of the state entrepreneur. New York: Cambridge University Press,
1983. p. 30-34) sumariza seis fatores que influenciam o Estado a atuar como empresário. São eles: (i)
a existência de “um setor privado economicamente fraco”, pois para o autor, “tendo em vista a falta de
habilidade do setor privado para atuar no desenvolvimento de projetos específicos, a intervenção do
Estado como empresário se torna uma alternativa mais atraente”; (ii) “economia de escala”, também
caracterizada como “monopólios naturais”, na medida em que o autor afirma que “empresas estatais
irão emergir naqueles setores nos quais a escala é importante − a exemplo do setor energético, do
setor hídrico e de comunicações – como forma de aumento de produção desses setores”; (iii) “fatores
econômicos externos”, considerando que em determinados setores, na ausência de incentivos
estatais a inciativa privada não teria interesse econômico em explorar determinada atividades, de
modo que em muitos desses casos o estado opta por atuar como empresário para cobrir essas
lacunas; (iv) “gestores públicos mais dinâmicos”, na medida em que, segundo o autor, a tendência é
que os administradores das empresas estatais aproximem sua atuação à dos gestores privados, que
costumam ser mais eficientes do que os gestores públicos; (v) a alta “rentabilidade dos recursos
naturais” também influencia o Estado a atuar como empresário, visto que, de acordo com o autor, o
controle econômico de um monopólio ou de um recurso natural escasso pode gerar altíssimos
rendimentos para seus proprietários, de modo que o Estado opta por criar uma companhia estatal
para administrar esses recursos; e (vi) segundo o autor, “fatores políticos e históricos” levam o Estado
a preferir atuar como empresário, muitas vezes para evitar que companhias estrangeiras atuem no
país, por certa desconfiança.
703 Já analisamos o tema no capítulo II ao tratarmos dos requisitos do art. 173, CF.
704 “Mais do que em outros ramos do Direito, as normas de Direito Administrativo são frequentemente

abertas, quer dizer, incorporam, em seu texto, conceitos jurídicos ou técnicos indeterminados,
indicações de finalidades sem detalhar os respectivos meios para alcançá-las etc. Tal fato possibilita
o exercício dos poderes discricionário (o administrador público preenche o significado da norma
aberta com sua própria interpretação do conceito) e regulamentar (o poder de expedir regulamentos
para implementar as leis). O intérprete deverá, no trato destas normas repletas de cláusulas gerais e
de conceitos indeterminados, conciliar a permanente busca e adaptação ao interesse público – razão,
afinal, da abertura semântica dessas normas – com a necessidade de segurança jurídica (por
exemplo, através do fortalecimento da Teoria dos Precedentes Administrativos)” (ARAGÃO,
Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. Ed. Forense, 2013. p. 52).
356

sociedade de economia mista, entendemos que será legítima a introjeção na


sociedade de economia mista dos meios que forem adequados à realização dos
objetivos que levaram à instituição da estatal nos termos acima expostos, que via de
regra possuem caráter setorial.

Por exemplo, o Banco do Brasil pode ser levado por seu acionista controlador
a manter abertas agências deficitárias em região na qual a população não possa ter
outros meios de acesso ao sistema bancário se não por este banco público, mas não
pode impedir o seu fechamento simplesmente para evitar o aumento do desemprego
e da miséria nessas regiões. Por mais que o combate à miséria seja um
relevantíssimo interesse público, não é um interesse público específico o suficiente
para ser considerado como uma das causas da criação de um banco público. Já a
integração financeira da população brasileira certamente está em área de certeza
positiva ou pelo menos intermediária de subsunção a tais objetivos institucionais. 705

705 Vitor Rhein Schirato, em estudo voltado aos bancos públicos brasileiros, salienta quatro funções
que devem ser desempenhadas por instituições financeiras públicas, motivando sua criação, a saber:
(i) fomento; (ii) depósito das disponibilidades de caixa do poder público; (ii) universalização dos
serviços bancários; e (iv) salvaguarda da higidez do sistema financeiro nacional. De acordo com o
autor, “a primeira das atividades precípuas das instituições financeiras públicas é o fomento (...), [que
para os bancos públicos] consiste na oferta de crédito em condições mais vantajosas do que aquelas
praticadas comumente pelo mercado para o desenvolvimento de atividades específicas e
determinadas a priori pelas políticas públicas de desenvolvimento”. Em segundo lugar, o autor
assevera que, no caso brasileiro, “no que concerne ao depósito das disponibilidades de caixa do
poder público, há aplicação direta do disposto no § 3º do artigo 164 da Constituição Federal, que
determina que as disponibilidades de caixa da União ficarão depositadas no Banco Central do Brasil,
e as dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em instituições financeiras oficiais, entendidas essas
como as instituições financeiras públicas por conta do disposto no revogado inciso I do artigo 192 da
Constituição Federal”. Para o professor, a terceira função dos bancos públicos seria o dever de
universalização dos serviços financeiros, como o “dever de expandir a todos os cidadãos a
possibilidade de fruição de serviços bancários. Isso ocorre, pois, no atual estágio de desenvolvimento
da sociedade, a fruição de serviços bancários é elemento evidente de inclusão social, estando à
margem da sociedade aqueles que não têm acesso aos serviços bancários, visto que a realização de
operações bancárias é hoje uma das mais relevantes formas de interação entre os agentes
econômicos e sociais, e o acesso ao crédito é elemento fundamental para o aquecimento da
economia e melhoria das condições de vida das pessoas”. Por fim, de acordo com o autor, há ainda
uma última função que “pode ser atribuída às instituições financeiras públicas, a qual consiste no
dever de salvaguarda da higidez do sistema financeiro, conjuntamente com o Banco Central do Brasil.
Tal função não tem fundamento constitucional expresso ou tácito. Todavia, com a situação gerada
durante a crise financeira de 2008, passou a ter função expressa em lei, consubstanciada na Lei nº
11.908/2009, que autorizou as instituições financeiras públicas a adquirir o controle e participações de
instituições financeiras privadas em dificuldades”. Bancos Estatais ou Estado Banqueiro?. In:
ARAGÃO, Alexandre Santos de (Coord.). Empresas públicas e sociedades de economia mista. Belo
Horizonte: Fórum, 2015. p. 273-277.
357

O mesmo se diria da legitimidade da redução do spread bancário para fomentar a


concorrência no setor.706

Em outro exemplo, poderíamos citar a construção por estatal de petróleo de


gasoduto que não tenha possibilidade de ser lucrativo, mas que seja capaz de
promover a integração energética nacional e até sul-americana, o que nos parece
um possível objetivo institucional de uma estatal desse setor.707 O mesmo não se
poderia dizer se, diante de grande evento esportivo a ser realizado no Brasil, a
mesma estatal fosse levada a investir desbragadamente em patrocínios de jovens e
desconhecidos atletas, para tentar assegurar ao Brasil uma posição razoável na
competição a ser realizada em alguns anos. Mais uma vez: por mais que o fomento
ao desporto seja um interesse público muito relevante, de previsão inclusive
constitucional (art. 217, CF), ele não é especificamente pertinente ao setor de
petróleo e ao que pode ser razoavelmente imaginado como uma das razões para o
Estado ter instituído uma petrolífera.

Na verdade, a violação dos limites qualitativos expostos violaria até


mesmo a própria competência da estatal dada pela lei que autorizou a sua
criação, já que lhe estaria impondo funções para as quais não foi criada, que estão
706 “Sistemas financeiros de países em desenvolvimento exibem, de forma persistente e significante,
altos spreads na intermediação (...). Os spreads elevados são atribuídos a fatores diversos como, por
exemplo, altos custos operacionais, tributação, falta de competição e altas taxas de inflação” (Notas
Técnicas do Banco Central do Brasil, nº 21, p. 9, maio/2002, disponível em
<http://www.bcb.gov.br/pec/NotasTecnicas/Port/2002nt21spreadbancariop.pdf>, acessado em 1º set.
2015). Seguindo a estratégia do governo brasileiro de tentar reduzir o spread bancário, em meados
de 2012, tanto a Caixa Econômica Federal quanto o Banco do Brasil anunciaram cortes em suas
respectivas taxas de juros, como forma de influenciar as instituições privadas −- dentro de uma lógica
concorrencial − a igualmente reduzirem juros e spread bancário, o que causou grande alvoroço no
mercado brasileiro, na medida em que suscita questões concernentes à licitude da disputa dos
bancos públicos e privados por mercados. Acerca do tema, SCHIRATO, Vitor Rhein. Bancos Estatais
ou Estado Banqueiro?. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas públicas e sociedades de
economia mista. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 265-299.
707 A referida integração energética representa, em verdade, um dos papéis principais da atuação do

Estado no setor do petróleo e gás natural. Tanto que a própria Lei Federal nº 9.478/97 (Lei do
Petróleo) enumera como alguns dos princípios e objetivos da política energética nacional: (i) a
garantia do fornecimento de derivados de petróleo em todo território nacional, nos termos do § 2º do
art. 177 da Constituição Federal (art. 1º, V); (ii) a identificação das soluções mais adequadas para o
suprimento de energia elétrica nas diversas regiões do país (art. 1º, VII); e (iii) a garantia do
fornecimento de biocombustíveis em todo o território nacional (art. 1º, XIII). A respeito da integração
energética como papel do Estado no setor petrolífero, Maria D’Assunção Costa Menezello leciona que
“na qualidade de um dos objetivos e princípios da política energética nacional, não basta apenas a
identificação das ‘soluções mais adequadas’, mas faz-se necessário, também, possibilitar os meios
apropriados para que os órgãos encarregados da sua implantação possam atender às demandas da
coletividade, para que se cumpra o princípio da universalidade do serviço público de distribuição de
energia elétrica” (MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Comentários à lei do petróleo: lei federal nº
9.478 de 6-8-1997. São Paulo: Atlas, 2000. p. 67).
358

fora do raio de sua competência, violando também o princípio da especialidade. 708


Pode-se imaginar como objetivo da atribuição da competência de produzir e
comercializar petróleo a garantia do abastecimento nacional, da soberania
energética etc., mas não o fomento ao esporte. Porém, para objetivos mais
genéricos, como o controle da inflação ou o desenvolvimento do parque industrial
nacional, pode começar a haver certa nebulosidade na resposta, que tentaremos
começar a dar a seguir.

IV.2.1.1.1 Utilização das estatais para a realização de objetivos macroeconômicos


do Estado

Como tópico dos limites qualitativos à atenuação dos objetivos lucrativos


das estatais, é de grande relevância saber se elas realmente jamais podem ser
usadas para objetivos macroeconômicos, por exemplo, vendendo seus produtos
com prejuízo para evitar uma escalada inflacionária,709 o que, via de regra, não se
enquadraria dentro dos seus objetivos institucionais setoriais.

Porém, pode acontecer, em casos não muito comuns, mas nada descartáveis,
que o próprio objetivo público setorial específico de uma estatal tenha caráter
macroeconômico. Os bancos públicos, por exemplo, pela própria natureza da sua
atividade, têm na sua instituição uma potencial preocupação com aspectos
macroeconômicos, como o aumento do crédito na economia para incentivar o
aumento do Produto Interno Bruto – PIB, podendo, portanto, por essas razões de

708 De acordo com Maria Sylvia Di Pietro, “a vinculação aos fins definidos na lei instituidora é traço
comum a todas as entidades da Administração Indireta e que diz respeito ao princípio da
especialização e ao próprio princípio da legalidade; se a lei as criou, fixou-lhes determinado objetivo,
destinou-lhes um patrimônio afetado a esse objetivo, não pode a entidade, por sua própria vontade,
usar esse patrimônio para atender a finalidade diversa” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 20. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2007. p. 417).
709 A Petrobras, por exemplo, foi ao longo de sua história utilizada como instrumento de políticas

macroeconômicas diversas vezes, vendendo seus produtos a preços abaixo do mercado


internacional. Segundo notícia publicada do jornal Valor Econômico, em 07 de janeiro de 2015, nos
últimos seis anos “a Petrobras vendia diesel e gasolina no mercado interno por um preço mais baixo
do que o pago no exterior, o que provocou grandes perdas para a estatal (...). As estimativas indicam
que, só de 2011 a 2014, os prejuízos somaram R$ 59 bilhões” (disponível em
<http://www.valor.com.br/brasil/3847844/queda-do-preco-do-petroleo-repoe-perdas-da-petrobras>,
acessado em 02 set. 2015).
359

interesse geral, aumentar o fornecimento de crédito na praça, quando a lógica


econômica estrita, que é a seguida por seus concorrentes privados, não os levaria a
fazer isso.710

O art. 238 da Lei das S.A. admite, assim, objetivos macroeconômicos, mas
desde que relacionados à criação da sociedade de economia mista: o objetivo pode
ser geral, mas tem que ser relacionado especificamente àquela estatal. NELSON
EIZIRIK, sobre o tema, afirma que “[a]s políticas públicas atendidas pela atuação do
Estado como acionista controlador somente são aquelas que justificaram a
instituição da sociedade de economia mista, caso contrário, ficará caracterizado o
abuso do poder de controle. Não é aceitável, exemplificando, que se determine o
‘congelamento’ do preço dos bens produzidos por determinada sociedade de
economia mista, reduzindo a sua margem de lucros frente às concorrentes, com
vistas a combater a inflação”.711

Em outro exemplo, uma petrolífera estatal só poderia cobrar combustível


abaixo do valor do mercado se for para fomentar a concorrência no setor ou em
situação econômica extrema de risco de abastecimento por incapacidade econômica
dos consumidores, não simplesmente para controlar a inflação, objetivo bastante
genérico, que é competência ordinária e específica do Banco Central, não de uma
empresa petrolífera. Todavia, pode ser sustentado, apesar de para nós ficar muito
próximo da zona de certeza negativa de incidência do art. 238 da Lei das S.A., que,
em se tratando de um insumo tão básico da economia e de tanta importância para a
inflação, seria natural que o Estado tivesse potenciais preocupações
macroeconômicas de controle da inflação ao criar uma estatal no setor de petróleo e
seus derivados.

710 A esse respeito, podemos citar o exemplo do que ocorreu durante a Crise de 2008, inclusive com
base na Lei nº 11.908/09: “A mudança súbita no estado de expectativas – em face de um possível
quadro recessivo – fez com que os empresários adiassem seus investimentos e reduzissem a
produção, e os banqueiros aumentassem a preferência pela liquidez, retraindo a oferta de crédito à
indústria. De fato, no ano de 2009 a taxa de crescimento real do crédito industrial foi negativa para o
conjunto do setor privado, seja ele de propriedade nacional ou estrangeira (...). A ação dos bancos
públicos foi, nesse processo, fundamental para sustentar o volume de crédito ao setor industrial”,
estratégia denominada “atuação anticíclica da oferta de crédito” (Banco do Brasil, BNDES e Caixa
Econômica Federal: a atuação dos bancos públicos federais no período 2003-2010, Comunicado do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada − IPEA nº 105, ago./2011, disponível em
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/110810_comunicadoipea105.pdf,
acessado em 02 set. 2015).
711 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011. v. 3, p. 314.
360

Naturalmente que as estatais, como qualquer empresa privada, têm também


as suas políticas de responsabilidade social.712 Para realizá-las, em proporções e
dimensões comuns à média das demais empresas do mercado, nem precisaria da
guarida do art. 238 da Lei das S.A., pois isso é inerente à gestão de qualquer
empresa moderna, mormente das que atuam em concorrência no mercado, já que
tais atividades de responsabilidade social estão dentro da construção da imagem da
empresa na sociedade e, consequentemente, no mercado.713

Assim, paradoxalmente, as atividades de responsabilidade social,


desconectadas de objetivos públicos setoriais institucionais específicos, são mais
admissíveis em estatais que possuam uma atuação concorrencial no mercado do
que em estatais que atuam em exclusividade, pois essas estariam, sem precisar
para uma melhor atuação no seu mercado (não há outras empresas para as quais
poderia perder clientes em razão de sua imagem), ao invés de empregando suas
receitas nos seus objetivos próprios, para os quais estão afetadas, fazendo-o em
objetivos gerais, orçamentariamente vinculados a outras esferas da Administração
Pública, em ministérios como o da assistência social, o do meio ambiente, o do
desporto etc.

IV.2.1.2 Limites quantitativos

Fixados os limites qualitativos (quais objetivos públicos extraeconômicos


podem ser perseguidos pelas estatais), devemos observar que o seu atendimento

712 “A responsabilidade social, expressão do que alguns convencionam designar de cidadania


empresarial, corresponde a uma recente etapa de maior conscientização do empresariado no que diz
respeito aos problemas sociais e ao seu potencial papel na resolução dos mesmos, principalmente
em virtude da crescente falta de capacidade e de credibilidade do Estado na busca da eliminação
daqueles”. O autor destaca que, como exemplo dessas práticas, “é comum a referência à adoção de
certos lugares públicos, muitas vezes em estado de abandono, como parques e praças, por
empresas, que absorvem o custo de manutenção e de reparação desses logradouros, numa
verdadeira estratégia de marketing associada a uma atitude politicamente correta”. (GAMA,
Guilherme Calmon Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. Função Social da Empresa. In: Revista
dos Tribunais, v. 857, p. 11-28, mar./2007).
713 “A maioria dos empresários que assumem iniciativas dessa índole tem por objetivo atrelar a seu

empreendimento uma imagem positiva junto à comunidade, integrada por potenciais consumidores de
seus produtos ou de seus serviços” (ibidem, p. 11-28).
361

não é suficiente por si só para legitimar a atenuação dos objetivos lucrativos da


sociedade de economia mista.

Não é porque um objetivo público se subsume ao art. 238 da Lei das S.A.,
sendo, portanto, um dos possíveis atenuadores da lógica econômica estrita da
sociedade de economia mista, que pode ser imposto a essa sociedade em qualquer
proporção. O art. 238 da Lei das S.A. impõe uma ponderação entre esses objetivos
públicos setoriais institucionais específicos e a lógica econômica ordinária inerente a
qualquer empresa.

Os limites qualitativos (cf. tópico anterior) são como requisitos de


admissibilidade da atenuação da racionalidade econômica estrita da estatal. Uma
vez verificada a legitimidade dessa atenuação em virtude da legitimidade
institucional do objetivo público visado, ainda há se de ser verificado se ele está
sendo imposto em uma proporção equilibrada em relação ao quantum de
lucratividade que vai ser prejudicado.

Como já mencionado no tópico IV.2.2, o difícil é delimitar com precisão até


onde o sacrifício da lucratividade da sociedade de economia mista é razoável,
inerente às suas ontológicas contradições, e a partir de onde passaria desse ponto.
Essa dificuldade não quer dizer que esse crivo não possa – e deva – ser feito, muito
pelo contrário, denotando que deve é ser aprofundado.

Repisamos que essas dificuldades de objetivação de critérios jurídicos são


extremamente comuns no Direito e especificamente no Direito Administrativo, não
devendo surpreender. Lembremo-nos exemplificativamente do critério a partir do
qual uma imposição urbanística deixa de ser mera limitação administrativa para ser
uma desapropriação indireta regulatória. Qualquer limitação administrativa sempre
reduz o valor potencial do imóvel, mas só passa a ser uma desapropriação indireta
se lhe retirar a utilidade econômica. Se inicialmente se pudesse construir 20
pavimentos e, após uma alteração legislativa, passou a se poder construir 18
andares, certamente o terreno diminuirá de valor, mas não a ponto de a mudança
362

legislativa ser indenizável, passando a ser uma desapropriação indireta. Mas quando
chegará a sê-la? Com uma limitação a dez andares, cinco, dois?714

Sem a pretensão de objetivar o que não é objetivável, 715 podemos lançar


mão, para as sociedades de economia mista, de alguns critérios substanciais

714 A definição da fronteira entre a mera limitação administrativa, não indenizável, e a norma legal ou
ato administrativo indenizável não é fácil, só podendo ser aferida em cada caso concreto. Deve ser,
no entanto, guiada pela legitimidade e intensidade da expectativa que a legislação anterior gerava no
particular em relação ao proveito do seu bem, da função econômica efetiva ou potencial ordinária
daquela espécie de bem, a disseminação da restrição de forma difusa por toda a sociedade e a sua
compatibilidade com o que já se espera normalmente em termos de limites às liberdades individuais
para viabilizar a coexistência coletiva. A Suprema Corte norte-americana vem há décadas debatendo
a questão, “podendo-se avaliar a sua dificuldade na seguinte nota, que se tornou famosa, de autoria
do JUIZ HOLMES: ‘Por mais que a propriedade possa ser regulada até certa extensão, se a
regulamentação vai muito além, será reconhecida como uma desapropriação.’ O conceito de muito
além é tipicamente indeterminado, sujeitando-se a ser apreciado caso a caso, à luz do princípio da
razoabilidade. A propósito, continuam os comentários de LAURENCE H. TRIBE: ‘A dificuldade para
determinar quão longe é muito além, em casos nada parecidos com invasão física ou esbulho,
previsivelmente afligiu a Corte por mais de seis décadas, e a tentativa de diferenciar regulamentação
de desapropriação tornou-se o mais assombroso problema jurisprudencial no campo do direito
contemporâneo ao uso da terra (...), um problema que para o advogado pode ser equiparado à
pesquisa do átomo pelo físico’.” (MOREIRA, João Batista Gomes. Intervenção do Estado na
propriedade e no domínio econômico. Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região. Brasília, p. 55-
73, 2005).
715 Por mais que se esforce e se tente densificar questões jurídicas como essa, a fim de buscar

reduzir a subjetividade na sua apreciação, sempre vai remanescer uma grande margem de
apreciação. A incerteza última do Direito radica na inexauribilidade das circunstâncias fáticas pelas
regras jurídicas. É a chamada textura aberta da linguagem jurídica, a qual decorre da textura aberta
da linguagem em geral: uma definição jamais vai conseguir exaurir todos os possíveis aspectos do
elemento que se está definindo – e a inclusão de mais um desses elementos pode trazer, em alguns
casos, dúvida. “Conseqüentemente, não se pode dizer que a lei tem uma vontade concreta para os
casos na penumbra, casos que o legislador não antecipou e que podem ser englobados ou não pelas
palavras da lei” (STRUCHINER, Noel. Direito e Linguagem: uma análise da textura aberta da
linguagem e sua aplicação ao Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 66). E, a seguir o
pensamento de HERBERT HART, mesmo que fosse possível uma linguagem jurídica absolutamente
precisa (isso só é possível na linguagem matemática, sequer na linguagem ordinária), isso não seria
desejável, pois faria com que o Direito perdesse sua plasticidade, isto é, sua capacidade de se moldar
e de se adaptar às diversas circunstâncias específicas: “não devemos acalentar, nem como um ideal,
a concepção de uma regra tão detalhada que a questão sobre a sua aplicação ou não a um caso
particular fosse sempre determinada de antemão, e nunca envolvesse, no momento da aplicação,
uma nova escolha entre alternativas abertas” (HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. 3. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 128). De fato: o Direito não é uma ciência de respostas
únicas, mas de interpretações plausíveis e razoáveis. Para a apreensão do conteúdo desses dois
critérios, propomos, aqui, uma noção mais geral, nem tão focada em distinções técnicas e científicas,
mas na operacionalidade prática. É, assim, razoável aquilo que não ofende ao senso comum
esclarecido; o que não soa como ostensivamente “forçado”; a plausibilidade, por outro lado, está
numa capacidade prima facie de convencimento, ou, dizendo de outro modo, numa aceitabilidade
racional de argumentos. “A interpretação doutrinária é ciência até o ponto em que denuncia a
equivocidade resultante da plurivocidade. Daí pra frente, o que se faz realmente é política, é tentativa
de persuadir alguém de que esta e não aquela é a melhor saída, a mais favorável, dentro de um
contexto ideológico, para uma estrutura de poder. Tudo o que existe, portanto, quando a
interpretação doutrinária se apresenta como verdadeira porque descobre um sentido ‘unívoco’ do
conteúdo normativo, é, no máximo, uma proposta política que se esconde sob a capa de uma
pretensa cientificidade” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica,
decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 229).
363

capazes de dar alguma (sempre relativa e limitada) densificação aos limites


quantitativos que propomos na interpretação do art. 238 da Lei das S.A.

Em primeiro lugar, a imposição do atendimento de objetivos públicos pode


implicar operações comerciais menos lucrativas, mas, em princípio, não deficitárias.

Só com objetivos públicos muito relevantes pode a empresa estatal ser


obrigada a realizar operações comerciais singularmente deficitárias, mas que não
comprometam a lucratividade, ainda que menos intensa, da empresa como um todo.

Por derradeiro, apenas diante de objetivos públicos extremos, seria


admissível a atuação deficitária da empresa no conjunto de suas atividades, mas,
mesmo assim, isso só será admissível no curto prazo, ou seja, sem comprometer a
possível lucratividade da empresa nos médio e longo prazos, ou seja, a sua própria
viabilidade de funcionamento enquanto empresa. Se o Estado tiver interesses
públicos tão extremados a ponto de comprometer estruturalmente a lucratividade da
sociedade de economia mista como um todo, deverá buscar outros meios para
implementá-los, como através de autarquias ou da Administração Direta, fomentos
etc.

A única exceção para a admissão da imposição de atividades estruturalmente


deficitárias a empresas estatais é se, de alguma forma, o Estado compensá-las por
isto, com o que, na verdade, deixará de ser deficitária. Assim, pode ser estabelecido
um mecanismo de financiamento dessas operações, como ocorre em estatais que
são colocadas como instrumento de políticas gerais do Estado, recebendo para
tanto subvenções;716 ou o caso de instituições financeiras públicas que ficam
responsáveis pelo pagamento de fomentos econômicos ou sociais, como bolsa

716 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 6. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2014. p. 668. A Lei Federal nº 4.320/64 fixa duas modalidades de subvenção,
estabelecendo que “consideram-se subvenções, para os efeitos desta lei, as transferências
destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como: I −
subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou
cultural, sem finalidade lucrativa; II − subvenções econômicas, as que se destinem a empresas
públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril” (art. 12, § 3º).
Especificamente quanto às subvenções econômicas, a lei dispõe que “a cobertura dos déficits de
manutenção das empresas públicas, de natureza autárquica ou não, far-se-á mediante subvenções
econômicas expressamente incluídas nas despesas correntes do orçamento da União, do Estado, do
Município ou do Distrito Federal” (art. 18, caput).
364

família, aposentadorias rurais, mas como meras repassadoras, devendo o Estado


colocar à sua disposição os recursos necessários.

Nesse último caso, as próprias leis que instituem tais programas estabelecem
quais serão as entidades responsáveis por operá-los, repassando os recursos
subvencionados,717 que deverão ser ressarcidos pelo Estado posteriormente.
Todavia, essa dívida nem sempre é quitada, como observado pelo Tribunal de
Contas da União, no caso das denominadas “pedaladas fiscais”, no Relatório
Preliminar das Contas do Governo da República para o Exercício de 2014, relatado
pelo Ministro Augusto Nardes (vide tópico III.8).

Em ambas as hipóteses narradas nos parágrafos acima, a estatal estaria


materialmente prestando serviços ao próprio Estado (por exemplo, administrando a
sua folha de pagamentos), como uma estatal endógena, devendo por estes serviços
ser remunerada ou, pelo menos, ressarcida por eles.

Vemos, assim, que tudo depende de uma ponderação entre o nível e a


amplitude da perda de lucratividade e a intensidade e a gravidade do interesse
público a ser atendido, obedecido o limite da proporcionalidade estrito senso.718

Apesar de sempre depender de cada caso concreto,719 podemos afirmar que,


via de regra, não haverá a relação de custo-benefício razoável inerente à

717 Ilustrativamente, a Lei nº 11.977/09, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida,
prevendo que a União concederá subvenções econômicas a serem repassadas com recursos do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (art. 6º, § 1º). Nesse mesmo sentido, a Lei nº
10.836/04, que cria o Programa Bolsa Família, prevê que “fica atribuída à Caixa Econômica Federal a
função de Agente Operador do Programa Bolsa Família, mediante remuneração e condições a serem
pactuadas com o Governo Federal, obedecidas as formalidades legais” (art. 12).
718 Este terceiro elemento do princípio da proporcionalidade no caso concreto significa que imposição

de atividades deficitárias a empresas estatais deverá trazer mais benefícios que os prejuízos para o
funcionamento da estatal e desempenho das atividades para a qual foi criada.
719 A aplicação do princípio da proporcionalidade depende eminentemente das características do caso

concreto, já que visa justamente avaliar se determinada medida estatal (in casu, a imposição de
atividades deficitárias a uma estatal como forma de promover determinado bem de interesse público)
é adequada, isto é, capaz de atingir a finalidade buscada à luz das características do caso concreto,
se é necessária, ou seja, a menos restritiva possível para outros princípios envolvidos e, por fim,
custo-benéfica, isto é, se gera mais benefícios concretos do que prejuízos. Aliás, essa é uma
exigência da própria ponderação entre princípios, procedimento em que uma das etapas é justamente
a enumeração dos fatos relevantes relacionados ao caso concreto. Princípios são espécies de
normas jurídicas caracterizadas por preverem finalidades a serem buscadas, e cuja aplicação se dá
em graus, a depender dos elementos do caso concreto e outros princípios também aplicáveis. Há, por
exemplo, “muitas formas de respeitar ou fomentar o respeito à dignidade humana, de exercer com
razoabilidade o poder discricionário ou de promover o direito à saúde. (...) Ao contrário das regras,
portanto, princípios não são aplicados na modalidade tudo ou nada, mas de acordo com a dimensão
365

proporcionalidade estrito senso se o interesse público, por mais relevante que seja,
comprometer a própria viabilidade da estatal como empresa, retirando-lhe a
possibilidade de ser lucrativa no médio/longo prazo.

Se, em algum caso concreto, as exigências da proporcionalidade legitimarem


até mesmo o comprometimento da viabilidade econômica da estatal (ex.: a estatal
ser o único meio adequado para o combate de grave risco à saúde pública), poderá
gerar em favor da estatal a responsabilidade civil do Estado por ato lícito, nos termos
que serão explorados no final deste tópico. Já se a medida que comprometer tal
viabilidade econômica não atender a essas exigências da proporcionalidade, será
simplesmente nula.

Dentro daqueles limites qualitativos e quantitativos de sacrifícios à


lucratividade, o art. 238 da Lei das S.A. estará atendido.

Caso ultrapassados, só será legítima a imposição à estatal, seja por meios


regulatórios, societários ou de tutela administrativa (eventualmente decorrentes até
de lei que lhe imponha diretamente determinada obrigação) se o Estado garantir-lhe
as necessárias compensações.

No caso de imposição regulatória a uma estatal que seja concessionária de


serviço público, esse mecanismo compensatório é o reequilíbrio econômico-
financeiro, já sendo previsto para quaisquer concessionárias de serviços públicos,
inclusive privadas. Nessa hipótese, a proteção da empresa é até mais ampla, já que
qualquer imposição além do que já constar do contrato de concessão rege-se pelo
regime jurídico geral das concessões de serviços públicos, impondo a readequação
da equação econômico-financeira mesmo que as medidas estejam dentro dos limites
que decorreriam do art. 238 da Lei das S.A.720 Na verdade, tendo sido regularmente

de peso que assumem na situação específica (...) devem ser realizados na maior intensidade
possível, à vista dos demais elementos jurídicos e fáticos presentes na hipótese” (BARROSO, Luís
Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro: Ed. Saraiva, 2013. p. 231).
720 Em todo e qualquer contrato administrativo, a equação econômico-financeira protegida pela

Constituição Federal (art. 37, XXI) corresponde à relação entre os encargos assumidos por cada uma
das partes e as respectivas contrapartidas, definidos no momento da licitação. É essa a equação a
que se refere o art. 37, XXI, da Constituição Federal quando determina a manutenção das “condições
efetivas da proposta”, ao tratar das contratações públicas, o art. 65 da Lei nº 8.666/93, ao mencionar
a “relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da
administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento” e o art. 9º da Lei nº
8.987/95, que determina que “em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial
366

adotado um instrumento regulatório típico à estatal nem se estará no possível âmbito


de incidência o art. 238 da Lei das S.A.

Nos casos em que o desrespeito aos limites qualitativos ou quantitativos se


der por imposição societária, serão aplicáveis as consequências de abuso do
poder de controle que serão analisadas no tópico IV.2.1.4. De forma geral,
mantendo-se nos limites acima expostos de interpretação do art. 238 da Lei das
S.A., como o interesse da companhia, no caso de essa ser uma sociedade de
economia mista, é mais amplo do que o das sociedades anônimas comuns,
meramente lucrativas, abrangendo com razoabilidade alguns interesses públicos,
não haverá uma extraordinariedade na imposição de lógicas não estritamente
econômicas em suas operações, desde que isto seja feito de maneira equilibrada
qualitativa e quantitativamente, nos termos acima expostos. Inclusive os acionistas
de sociedades de economia mista de capital aberto quando adquirem suas ações já
estão cientes dessas peculiaridades. Apenas se ultrapassados esses limites estará
configurado o abuso do poder de controle.

Vale lembrar, nesse ponto, que os próprios prospectos das ofertas públicas
de ações das sociedades de economia mista consignam expressamente a posição
do ente estatal como acionista controlador dessas companhias, o que gera algumas
prerrogativas e peculiaridades, sendo possível que o interesse do ente controlador –
norteado pelo interesse público – eventualmente colida com os interesses dos
demais acionistas, pautados principalmente pela lucratividade.721

equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à


alteração”. O equilíbrio contratual resulta de uma equação econômico-financeira complexa, inclusiva
de todos os fatores favoráveis e desfavoráveis a ambas as partes. Como expõe JUAN CARLOS
CASSAGNE, a essência de todo contrato de concessão está em “encontrar e realizar, na medida do
possível, um equilíbrio entre as vantagens outorgadas ao concessionário e as cargas que lhe são
impostas, as quais ‘devem balancear-se de maneira que formem a contrapartida dos benefícios
prováveis e das perdas previstas. Em todo contrato de concessão está também implícita, como um
cálculo, a equivalência honesta entre o que se outorga ao concessionário e o que se exige’”
(CASSAGNE, Juan Carlos. Estudios de Derecho Público. Buenos Aires: Depalma, 1995. p. 135).
721 Como exemplo, podemos mencionar o disposto no prospecto definitivo da oferta pública de ações

efetuada pela Petrobras, datado de 24 de setembro de 2010, que salienta, como um dos fatores de
risco relacionados à companhia, o fato de os interesses da União, sua acionista controladora,
poderem ser divergentes ou conflitantes com os interesses dos demais acionistas: “A União tem, e
continuará a ter após a conclusão da Oferta Global, poderes para, dentre outros, eleger a maioria dos
membros do nosso conselho de administração e decidir sobre quaisquer questões que sejam de
competência dos nossos acionistas (...).Os interesses da União poderão ser divergentes ou
conflitantes com os interesses dos nossos outros acionistas, inclusive para orientar os nossos
negócios com o fim de atender ao interesse público que justificou a nossa criação, nos termos da Lei
367

Isso não representa, contudo, uma carta branca, sem limites, para o Estado
atenuar como e quanto queira a lucratividade da sociedade de economia mista, já
que até mesmo nos contratos aleatórios (o que naturalmente não é o caso de um
contrato de sociedade) a teoria geral das obrigações já reconhece a possibilidade de
onerosidade excessiva apta a gerar revisão ou recisão contratual.722

Os desrespeitos a esses limites em virtude de imposição de tutela


administrativa ou legal serão objeto de tópico específico seguinte em razão de sua
conexão com o tema da responsabilidade civil do Estado.

IV.2.1.3 Responsabilidade civil do Estado por desrespeito aos limites.

No caso de imposições além dos limites qualitativos e quantitativos expostos


no presente capítulo que decorram de tutela administrativa ou de norma legal, 723
poderemos vir a estar diante de um caso de responsabilidade civil do Estado por
dano a uma empresa sua, que, como sujeita de direitos e obrigações próprios, por
mais que instituída e controlada por ele, pode perfeitamente ter pretensões jurídicas
contra seu ente instituidor, sendo, inclusive, enquadrável como uma omissão
injurídica os seus dirigentes não tomarem as medidas, inclusive judiciais,
necessárias a tal ressarcimento.

Se, mesmo ultrapassando os limites expostos no tópico anterior, a medida for


a única forma de o Estado realizar um objetivo público de extrema relevância,

das Sociedades por Ações” (Prospecto definitivo da oferta pública de distribuição primária de ações
ordinárias e ações preferenciais de emissão da Petrobras, datado de 24 de setembro de 2010, p. 57 −
grifamos).
722
SOUZA, Adalberto Pimentel Diniz de. Risco Contratual, Onerosidade Excessiva e Contratos
Aleatórios. Curitiba: Juruá, 2015.
723 Desde que essa norma legal não tenha natureza de regulação da atividade delegada

contratualmente pelo Estado à estatal. A regulação é atividade multifacetada, que abrange também a
edição de normas jurídicas, que, por vezes, só podem ser editadas por lei, mas que também podem
constar de regulamentos, não havendo diferença material entre elas. Se a norma legal for uma norma
reguladora constante de lei (por exemplo, uma gratuidade de serviço público criada por lei, não por
uma alteração unilateral do contrato de concessão), aplicar-se-ão as consequências de reequilíbrio
econômico-financeiro. Cf. tópico anterior.
368

teremos que averiguar se estão presentes os requisitos da responsabilidade civil do


Estado por atos lícitos, exigindo, além de o dano ser jurídico e certo, que também
seja especial e anormal.724

Do ponto de vista da especialidade do dano, se a medida for imposta pelo


Estado para as empresas em geral ou mesmo para a Administração Pública como
um todo (por exemplo, legislação ou norma administrativa que estabeleça
preferência para produtos nacionais ainda que um pouco mais caros que os
estrangeiros),725 o requisito da especialidade não estará presente. A mesma
imposição apenas para uma determinada estatal ou para as estatais de determinado
setor, ao revés, já preencheria tal requisito.

Do ponto de vista da anormalidade, essas medidas de tutela administrativa ou


legais têm que representar um ônus além do que se esperaria ordinariamente do
fato de se tratar de uma empresa integrante da Administração Pública. Por exemplo,
uma norma administrativa que submeta significativas contratações de pessoal
permanente pelas estatais à prévia aprovação da Administração central não
representa um ônus anormal para as estatais, por mais que, de certa forma,
realmente interfira na sua gestão, já que não causa tanta estranheza que o setor
público de pessoal possua uma gestão e controle de gastos minimamente uniforme.
Já uma supervisão ministerial que impusesse à estatal ceder gratuitamente a outros
órgãos ou entidades da Administração Pública grande parte do seu pessoal
preencheria tal requisito de extraordinariedade e, nesse exemplo, seria nula como
veremos adiante.
724 A responsabilidade civil do Estado por ações lícitas ou ilícitas é objetiva, isto é, prescinde de
demonstração de culpa, tendo por fundamento o art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Mesmo que o
estado sem culpa e licitamente cause dano a outrem, deverá indenizá-lo com fundamento no princípio
da solidariedade social, conforme vimos ao analisarmos os fundamentos da responsabilidade civil do
estado. Não é porque uma conduta do estado é lícita que um indivíduo pode sofrer sem qualquer
espécie de proteção um prejuízo em prol de toda a coletividade. A diferença entre uma e outra
hipótese reside no fato de que, nos casos de responsabilidade do estado por atos lícitos, o dano,
além de jurídico e certo, deverá ser, ainda, especial, isto é, não pode ser genérico, disseminado em
toda a sociedade (ex.: medida econômica que reduz o poder aquisitivo da moeda não gera
indenização) e anormal, ou seja, não inerente às próprias condições incômodas, mas naturais ao
convívio social (ex.: poeira de obra que suja a pintura de muro; interdição por poucas horas da rua,
fazendo com que seus moradores tenham que pôr seus carros em garagem paga, fora da rua, não
gera direito a ressarcimento (obra que atrapalha o comércio não gera dano indenizável, mas se o
interditar totalmente, gerará); abordagens policiais normais não causam dano moral etc.
725 A exemplo do que prevê o art. 3º da Lei nº 8.666/93, segundo o qual, em igualdade de condições,

como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:
produzidos no País; produzidos ou prestados por empresas brasileiras e produzidos ou prestados por
empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País.
369

Como expõe JÚLIO CÉSAR DOS SANTOS ESTEVES, tratando de atividades


econômicas em geral, mas de forma perfeitamente aplicável às atividades
econômicas desenvolvidas por estatais, “pode uma lei, no todo ou em cada uma de
suas partes, que está em perfeita consonância com a Constituição, trazer prejuízos
ao particular. (...) A utilização de parâmetros válidos de equalização dos interesses –
ditados pelo princípio da proporcionalidade – não impedirá o surgimento do dever de
indenizar, quando as restrições, conquanto necessárias, se situem no plano de
anormalidade e especificidade, representada pelo atingimento de conteúdo
essencial do direito de propriedade. Em casos tais, a restrição especialmente
imposta ao particular, como forma de se obter a realização da função social, deverá
ser compensada pela indenização”.726

MAURÍCIO JORGE PEREIRA DA MOTA assevera que “a garantia


constitucional [da propriedade] desdobra-se, assim, num efeito primário e num efeito
subsidiário. O efeito primário consiste na defesa desta contra agressões que não
sejam justificadas pela necessidade de afetação dos bens a uma função social mais
elevada. O efeito subsidiário consiste na garantia de uma justa indenização para o
caso de essa eventualidade se verificar”.727

Todas essas lições denotam como o desrespeito aos citados limites


qualitativos e quantitativos não necessariamente implicam a nulidade ou
inconstitucionalidade da respectiva medida. Se, apesar de ferirem a esfera jurídica
da estatal além dos limites ordinários expostos acima, atenderem ao princípio da
proporcionalidade pela inevitabilidade e extrema relevância das medidas, serão

726 SANTOS ESTEVES, Júlio César dos. Responsabilidade Civil do Estado por Ato Legislativo. Belo
Horizonte: Ed. Del Rey, 2003. p. 235 a 241. “I. − A intervenção estatal na economia, mediante
regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e
fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da
República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II. − Fixação de preços em valores abaixo
da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício
da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. − Contrato celebrado com
instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a
fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores
inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente:
obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV. − Prejuízos apurados na
instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V. − RE conhecido e provido (STF, RE nº
422.941/DF, 2ª T., Rel. Carlos Velloso, DJ 24.03.2006).
727 MOTA, Maurício Jorge Pereira da. Responsabilidade Civil do Estado Legislador. Rio de Janeiro:

Ed. Lumen Juris, 1999. p. 226. Para o autor, o direito de propriedade assegurado pela Constituição
Federal abrange todo e qualquer direito patrimonial do cidadão (idem, p. 198), dentre os quais se
inclui também o direito à liberdade de iniciativa.
370

válidas, mas indenizáveis. Se, além de não obedecerem aos limites, também
violarem a proporcionalidade, serão nulas por inconstitucionais, indenizando o
Estado pelos prejuízos causados enquanto tiver produzido efeitos em uma hipótese
de responsabilidade civil do Estado por ato legislativo/normativo inconstitucional.

IV.2.1.4 “Interesse da companhia” e abuso de poder de controle das sociedades de


economia mista

A Lei das S.A. é de certa forma ambígua em relação às sociedades de


economia mista. Ela as inclui em seu regime jurídico, mas, em seu art. 238, objeto
dos tópicos anteriores, atenua a obrigação de busca da lucratividade que seria
inerente a qualquer empresa, ainda mais uma sociedade anônima.

Sob esse mesmo aspecto, devemos lembrar também dos obstáculos que a
comum incidência de alguns dispositivos da Lei das S.A. pode ter além das
exceções expressas da própria Lei das S.A., como o seu art. art. 238, ou a
obrigatoriedade de sempre terem conselhos de administração e fiscal, ao contrário
das sociedades anônimas em geral, em que esses órgãos são facultativos (arts. 239
e 240).

Há afastamentos da disciplina societária geral decorrentes da própria


natureza de entidade da Administração Indireta das sociedades de economia mista
(ex.: vedação a que o controle deixe de ser do Estado, sob pena de a empresa
deixar de ser uma sociedade de economia mista) e do fato de, ao contrário das
sociedades anônimas em geral, serem sempre previstas em lei, nas leis
autorizativas de sua criação (art. 37, XIX, CF), que podem, se federais, ter regras
contrárias à Lei das S.A., excluindo a sua aplicação em um ou outro ponto para
aquela estatal especificamente considerada.

Dentro desse quadro, podemos, complementarmente ao que já analisamos no


tópico III.11, enumerar as principais formas de mitigação ou afastamento da
371

incidência de dispositivos da Lei das S.A. às sociedades de economia mista da


seguinte forma:

1º) Regras da própria Lei das S.A., com destaque para o seu art. 238.

2º) A própria natureza jurídica das sociedades de economia mista como


entidades da Administração Indireta, como, por exemplo, a perda de
controle pelo Estado as retiraria da Administração Indireta, afastando-se,
por esta razão, previsões da Lei das S.A. que poderiam levar a isso, a
exemplo do seu art. 111, § 1º, que assegura a aquisição de direito de voto
por acionistas preferencialistas no caso de não distribuição de dividendos
por período prolongado, como vimos no capítulo anterior, tópico III.11.

3º) O fato de deverem ter autorização legal para serem criadas, o que impede
que sejam dissolvidas ou tenham ou seu controle acionário alienado sem
autorização, ainda que genérica, em outra lei (cf. tópico III.10).728

4º) Exercerem competências públicas conferidas por lei (princípio da


especialidade),729 de maneira que o seu objeto social, eventuais

728 Examinando o tema nos autos da ADI 234, o STF declarou a inconstitucionalidade do inciso XXXIII
do art. 99 e do parágrafo único do art. 69, ambos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro,
segundo os quais as ações de sociedades de economia mista do Estado do Rio de Janeiro não
poderiam ser alienadas a qualquer título, sem autorização legislativa. O Tribunal deu ainda
interpretação conforme a Constituição ao caput do art. 69, de acordo com a qual a autorização
legislativa específica seria apenas necessária, na hipótese de alienação do controle acionário de
sociedade de economia mista. Após a publicação da decisão, o Governador do Estado do Rio de
Janeiro, entendendo que não houvera, na deliberação da Corte, a menção à necessidade de lei
específica, peticionou para que a expressão fosse excluída da ata de julgamento. O Tribunal,
recebendo a petição como embargos de declaração e julgando-os procedentes, determinou a retirada
da ata de julgamento da expressão “específica”, tendo o relator Min. Néri da Silveira consignado que
“Em meu voto, efetivamente, tive em conta o sistema adotado pela União Federal, na Lei nº
8031/1990, onde se definem, em lei, os parâmetros para os processos de privatização. No âmbito da
União, não há exigência de uma lei específica para cada hipótese de privatização de empresa ou de
perda do controle acionário”.
729 Decorrência lógica do princípio da legalidade, o princípio da especialidade é característico do

processo de descentralização administrativa, no qual o Estado escolhe atividades que serão


desempenhadas por entidades por ele criadas especialmente para aquele fim. Consoante leciona
MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, não obstante associado mais frequentemente às autarquias,
“não há razão para negar a sua aplicação quanto às demais pessoas jurídicas, instituídas por lei, para
integrarem a Administração Pública Indireta. Sendo necessariamente criadas ou autorizadas por lei
(conforme agora expressa no artigo 37, incisos XIX e XX, da Constituição), tais entidades não podem
desvirtuar-se dos objetivos legalmente definidos. Com relação às sociedades de economia mista,
existe norma nesse sentido, contida no artigo 237 da Lei nº 6.404, de 15-12-76 (...). Significa que nem
mesmo a Assembleia Geral de acionistas pode alterar esses objetivos, que são institucionais, liados a
interesse público indisponível pela vontade das partes interessadas” (DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 69-70). Consequentemente, não
372

alterações a ele e a coligação com outras sociedades estão adstritos


àquele âmbito competencial legalmente estabelecido.

5º) Regras específicas das leis de organização da Administração Pública que


excepcionem as disciplinas da Lei das S.A. O Decreto-Lei nº 200, por
exemplo, apesar de reforçar a aplicação da Lei das S.A. ao afirmar que
serão criadas na forma de sociedades anônimas e que lhes são
asseguradas as mesmas condições de funcionamento do setor privado
(arts. 5º, III, e 27), possui uma disciplina diversa para elas no próprio art.
27, ao ressalvar que essas sociedades estão sujeitas à supervisão
ministerial, devendo ajustar-se ao plano geral do Governo. Além disso, o
Decreto-lei prevê, ainda, em seu art. 178, que as sociedades de economia
mista “que acusem a ocorrência de prejuízos, estejam inativas,
desenvolvam atividades já atendidas satisfatoriamente pela iniciativa
privada ou não previstas no objeto social, poderão ser dissolvidas ou
incorporadas a outras entidades, a critério e por ato do Poder Executivo,
resguardados os direitos assegurados, aos eventuais acionistas
minoritários, nas leis e atos constitutivos de cada entidade”.

6º) Regras de suas respectivas leis autorizativas que tenham disciplina


diversa da constante da Lei das S.A., como, por exemplo, quando prevê
que seu presidente será nomeado diretamente pelo Chefe do Poder
Executivo, não pelos órgãos societários previstos na Lei das S.A., a
exemplo do que faz o art. 6º, § 1º730, da Lei nº 5.122/66, em relação ao
Banco da Amazônia S.A., o que, como vimos no tópico IV.2.2, só é
admissível para as estatais federais.

poderá a estatal, criada para a consecução de uma finalidade pública específica, passar a atuar em
outra completamente distinta e desconexa.
730 Assim dispõe o art. 6º, § 1º: O Presidente do Banco da Amazônia S. A. será nomeado pelo

Presidente da República e por êste demissível ad nutum; os Diretores serão eleitos pela Assembléia
Geral da Sociedade e exercerão seu mandato pelo prazo de quatro anos, observado, em ambos os
casos, o disposto no artigo 22, § 2º, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, observados ainda
os dispositivos da presente lei.
373

Fora dessas exceções, a Lei das S.A. se aplica plenamente às sociedades de


economia mista.731 Isso porque, conforme assevera FRAN MARTINS, “apesar das
indecisões de orientações, às vezes conflitantes, adotadas pelas leis brasileiras em
relação às sociedades de economia mista, a sua regulamentação pela Lei das
Sociedades Anônimas, conquanto em certos trechos bastante criticável (v. art. 239),
nos leva a categorizar tais sociedades como sociedade de direito privado, do mesmo
modo que as anônimas em geral”732

Sendo assim, repisa-se, por sua importância como precedente, o exposto


pela Diretora da CVM Luciana Dias, no Processo Administrativo nº RJ2013/6635, “o
acionista minoritário deve investir na companhia ciente de que o ente que a controla,
ao conduzir os seus negócios, poderá dar prioridade ao interesse público, ainda que
isso prejudique seu retorno financeiro (art. 238)”, mas, por outro, “esse mesmo ente
público se compromete a observar todas as demais regras da Lei nº 6.404, de 1976,
inclusive as que limitam o seu próprio poder (art. 235 e art. 115, § 1º) ou que lhe
atribuem deveres fiduciários (art. 116 e 117), assim como as regras emitidas pela
CVM (art. 235, § 1º)”.

Isso significa que o Estado, ao tomar decisões na qualidade de sócio da


companhia, deve, respeitados seus objetivos institucionais (art. 238 da Lei das S.A.),
pautar-se pela busca dos negócios que possam trazer melhor retorno para a
sociedade empresária, que sejam do melhor “interesse da companhia”, conforme
dispõem os arts. 115 a 117 da Lei das S.A.733 Porém, “o interesse social, a que se

731 “Em síntese, o regime legal da sociedade de economia mista é a LSA (Lei nº 6.404, de 15 de
agosto de 1976), com as alterações posteriores e pelas disposições especiais da lei federal que
modificam esse regime, obedecidas as normas da Constituição federal”. FILHO, Alberto Venâncio. In:
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões (Coord.). Direito das Companhias. Rio de
Janeiro: Forense, 2009. v. 2, p. 1911.
732 MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Editora Forense,

2010. p. 975.
733 “Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á

abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter,
para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para
a companhia ou para outros acionistas. § 1º O acionista não poderá votar nas deliberações da
assembleia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do
capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que
puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.
§ 2º Omissis. § 3º O acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de
voto, ainda que seu voto não haja prevalecido. § 4º A deliberação tomada em decorrência do voto de
acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos
danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.
374

refere expressamente a lei, não coincide, obrigatoriamente, com o interesse


individual dos acionistas e muito menos com o interesse particular de grupos; em
tais condições, mandando a lei que o acionista votante exerça esse direito no
interesse da companhia, (...) há uma proteção indireta aos minoritários que, de tal
modo, se os votos majoritários criarem uma situação prejudicial aos seus interesses,
poderão reclamar dessa situação por haverem os votantes violado expresso
princípio da lei. Em tais condições, ao dispor que o acionista deve exercer o direito
de voto no interesse da companhia, procura a lei evitar os privilégios para um certo
grupo: o dos majoritários. O que visa o princípio é fazer com que o interesse social,
que pode mesmo ultrapassar o objeto da companhia, não seja prejudicado pelo voto
do acionista, seja ele majoritário ou minoritário. Assim, a regra com que se inicia o
art. 115 da nova lei é uma norma de caráter geral, tanto aplicável ao acionista
majoritário como ao minoritário; a este, entretanto, beneficiará principalmente
porque, não sendo permitido o exercício do voto contra o interesse da companhia
(que, no fundo, é a obtenção de lucros a serem distribuídos entre todos os
acionistas), fica o minoritário amparado contra possíveis abusos praticados pelos
acionistas majoritários resultantes de atos que tragam benefícios apenas para
esses”.734

Os acionistas, portanto, sejam majoritários ou minoritários, não podem


exercer abusivamente o direito de voto, gerando danos e prejuízos à sociedade ou
aos demais acionistas, mesmo que o art. 238 da Lei das S.A. dê um peso maior aos
interesses públicos institucionais em relação aos meramente lucrativos em
comparação ao que decorreria apenas da aplicação do art. 115.

O “interesse da Companhia” referido pelo art. 115 deve incluir, no caso das
sociedades de economia mista, os interesses públicos que justificaram a sua

Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas
vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe
assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o
poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para
dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O
acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e
cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da
empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses
deve lealmente respeitar e atender. Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados
por atos praticados com abuso de poder”.
734 MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Editora Forense,

2010. p. 394-396.
375

criação, nos termos do art. 238, mas, qualitativamente, sempre do ponto de vista do
interesse da companhia, não de interesses públicos outros, mesmo que muito
relevantes, mas que sejam alheios aos seus objetivos institucionais, como visto
acima.

Não se trata, portanto, de o art. 238 ser uma exclusão parcial do âmbito de
incidência do art. 115, mas, sim, de o art. 115 dever ter, no caso das sociedades de
economia mista, uma interpretação em diálogo com o art. 238, interpretação esta
que alarga um pouco o conceito jurídico indeterminado de “interesse da companhia”:
entre as somas de interesses que acaba compondo o “interesse da companhia”
deverão, no caso das sociedades de economia mista, ser incluídos os interesses
públicos que justificaram a sua criação,735 não podendo o acionista controlador levar
a companhia em direções diversas.

Nas palavras de MODESTO CARVALHOSA, “entende-se configurado o


abuso de poder quando o agente não exerce com moderação a prerrogativa que lhe
é legalmente atribuída, fazendo-o contrariamente ao interesse de terceiros e com o
objetivo de causar-lhes danos, seja cerceando-lhes o exercício de seus direitos, seja
visando a alcançar, com o abuso, enriquecimento ilícito ou vantagem sem justa
causa. (...) O abuso de poder de controle resulta da causa ilegítima de decisões
tomadas com a única finalidade de prejudicar uma categoria de acionistas ou para
satisfazer os interesses exclusivamente de alguns deles. Nessa hipótese, o controle
é desviado de sua finalidade legítima, ou seja, assegurar a acumulação do
patrimônio social e a prosperidade da empresa. Em consequência, o abuso de poder

735 Essa perspectiva é similar à lógica atrelada a uma modalidade societária que vem se
disseminando nos Estados Unidos, a saber, a benefit corporation. Essa criação societária já foi aceita
em mais de 20 estados americanos e igualmente representa um modelo híbrido que busca equilibrar
o interesse da sociedade e de seus acionistas com o interesse público da comunidade na qual ela se
insere. Para que uma companhia se enquadre na qualificação de benefit corporation, ela deve possuir
uma explícita missão social ou ambiental, por exemplo, e uma responsabilidade juridicamente
destinada a ter em conta, simultânea e equitativamente, tanto os interesses dos trabalhadores, da
comunidade e do meio ambiente como os interesses de seus acionistas. Além disso, essas
companhias devem divulgar relatórios independentes que expressem seu impacto social e ambiental,
bem como seus resultados financeiros. As benefit corporations não se inserem no Terceiro Setor,
possuindo, simultaneamente, fins lucrativos e de interesse social, podendo ser por analogia
associadas à lógica proposta pelo artigo 238 da Lei das S.A., na medida em que, em ambos os
casos, se observa certo hibridismo entre interesse público e privado, demandando um exercício de
equilíbrio e ponderação. MURRAY, J. Haskell. Social enterprise innovation: Delaware’s public benefit
corporation law. Harvard Business Law Review, v. 4, Issue 2, 2014, 345/371, disponível em
<http://www.hblr.org/wp-content/uploads/2014/10/4.2-3.-Murray-Social-Enterprise-Innovation. pdf>,
acessado em 04 set. 2015.
376

de controle, que engloba as duas outras categorias, caracteriza-se pela prática de


uma infração no exercício da prerrogativa legal de controle”.736

Uma observação que deve ser feita é que estas responsabilidades de


acionista controlador só podem ser imputadas ao Estado como o ato lesivo por ele
praticado em relação à sociedade de economia mista se tiver sido por ele praticado
nesta condição, não na condição de regulador ou de supervisor ministerial. Nestes
casos, o Direito prevê outros remédios jurídicos, como analisamos no tópico IV.2.2.3,
isso tudo, naturalmente se respeitada a primazia dos controles de índole societária
que entendemos ser a regra em relação às estatais (cf. tópico IV.2).

Merece ser mencionado que as situações descritas pela Lei nº 6.404/76 de


abuso do direito de voto são meramente exemplificativas, fazendo-se, em todo caso,
indispensável a prova do dano para a responsabilização do acionista controlador,737
e que a Lei imputa também ao administrador o dever de agir de forma diligente e leal
à companhia, buscando promover seus interesses da melhor forma possível (arts.
153 a 156, Lei das S.A.).

Mesmo em se tratando de sociedade de economia mista, caso decisões


tomadas pelo controlador ou pelos administradores resultem em consequências
danosas à Companhia, podem ser considerados atos passíveis de
responsabilização do acionista controlador, hipótese em que poderão ser adotadas
as seguintes medidas: (i) anulação das decisões, atos e negócios realizados
contrariamente à lei e aos interesses da companhia e dos demais acionistas (art.
286 da Lei das S.A.); (ii) ação de indenização por perdas e danos (art. 287, II, “b”, da
Lei das S.A.); (iii) aplicação de sanção administrativa pela CVM.

736 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo: Editora
Saraiva: 2009. p. 508-510.
737 “O § 1º do art. 117 da Lei das Sociedades Anônimas enumera as modalidades de exercício

abusivo de poder pelo acionista controlador de forma apenas exemplificativa. Doutrina. − A Lei das
Sociedades Anônimas adotou padrões amplos no que tange aos atos caracterizadores de exercício
abusivo de poder pelos acionistas controladores, porquanto esse critério normativo permite ao juiz e
às autoridades administrativas, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), incluir outros atos
lesivos efetivamente praticados pelos controladores. − Para a caracterização do abuso de poder de
que trata o art. 117 da Lei das Sociedades por ações, ainda que desnecessária a prova da intenção
subjetiva do acionista controlador em prejudicar a companhia ou os minoritários, é indispensável a
prova do dano. Precedente.” REsp 798264/SP, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/
Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 06.02.2007, DJ 16.04.2007, p. 189.
377

Por serem de distintas naturezas, são medidas cumuláveis entre si. O próprio
art. 115, § 4º, da Lei nº 6.404/76 estabelece que a “deliberação tomada em
decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia
é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir
para a companhia as vantagens que tiver auferido”. Trata-se de inovação em relação
ao regime da legislação anterior, em que “poder-se-ia manter a deliberação em que
houvesse interesse conflitante entre o acionista e a sociedade, pois, em tal caso, o
acionista ficava apenas com a obrigação de responder por perdas e danos
resultantes daquela deliberação”.738

Contudo, haverá necessidade de ajuizamento de ação de nulidade, na


medida em que a CVM não possui poderes para a sua declaração. “Não tem ela o
poder de anular atos societários. Seja em caso de nulidade, seja de anulabilidade,
seja em hipóteses de prejuízo aos acionistas minoritários. O poder da CVM, no
particular, restringe-se à sanção, pela aplicação das penalidades [atualmente
bastante significativas] àqueles que derem causa aos ilícitos. O art. 9º, § 1º, da Lei
nº 6.385/76 não pode servir, portanto, como meio de impedir-se a prática de um ato
societário, por isso equivaleria a atribuir à CVM um poder de declaração de nulidade,
ou de anulação – e ademais prévio e adotado sem observância do devido processo
legal – que ela não tem”.739

Especificamente a respeito do abuso do poder de controle por parte do


Estado nas sociedades de economia mista, MARÇAL JUSTEN FILHO leciona que “o
regime jurídico das sociedades anônimas se aplica à sociedade de economia mista,
naquilo que não tiver sido excepcionado. Se o Estado adotar práticas destinadas a
prejudicar os sócios minoritários, a solução jurídica será a mesma aplicável a uma
sociedade privada: o abuso de poder de controle não é legitimado porque praticado
por uma pessoa estatal.”740

738 MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2010. p. 398.
739 TRINDADE, Marcelo. O papel da CVM e o mercado de capitais no Brasil. In: SADDI, Jairo

(Coord.). Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002. p. 324-325.
740 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 127-

128.
378

IV.2.1.5 Requisitos procedimentais para a imposição de objetivos públicos às


estatais

Além dos limites substanciais quantitativos e qualitativos acima vistos e


consequentes responsabilidades, há também requisitos procedimentais para que as
imposições de objetivos públicos que atenuem a lucratividade das estatais sejam
legítimas, qualquer que seja a sede de que provenham (societária, regulatória,
supervisão administrativa ou legal).

Tratando-se de medidas gravosas, que mitiguem a lucratividade da empresa


e dos seus acionistas, estão jungidas ao princípio da motivação inscrito no art. 37,
caput, da CF, mormente em se tratando de imposição decorrente da tutela
administrativa, já que nesses casos estaremos diante de atividade administrativa
típica.741

Se a medida for regulatória na gestão de um contrato de concessão, a


motivação também se imporá com esses mesmos fundamentos, já que o exercício
das prerrogativas de poder concedente também constitui atividade administrativa
típica.742

Maiores dificuldades existem quando a medida de imposição de objetivos


públicos às estatais for de índole societária ou legislativa.

Caso seja imposta através dos órgãos societários, a pergunta que se coloca
é: deve o acionista controlador, poder público, ao impor um objetivo público que
atenue a lucratividade da empresa, agir como qualquer acionista, limitando-se ao

741 Todo ato administrativo deve ser motivado. Trata-se de princípio constitucional corolário do
princípio da transparência e do princípio do devido processo legal. Como o controle (a tutela) do
Poder Executivo Central sobre as entidades descentralizadas é um ato típico administrativo, deve
também atender aos princípios incidentes sobre as atividades administrativas típicas.
742 O exercício de competências inerentes de Poder Concedente decorre da reconhecida

exclusividade do Estado sobre a prestação de serviços públicos, conforme dispõe o art. 175 da
Constituição Federal. A prestação de serviços públicos e, consequentemente, a regulação dos
serviços púbicos delegados pelo Estado, é uma atividade administrativa típica do Estado, sendo
célebre a frase do ex-Ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, de que “o serviço público
está para o Estado assim como a atividade econômica em sentido estrito está para o setor privado”
(GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006.
p. 103).
379

dever de fundamentação pouco intenso na emissão corriqueira de votos nas


sociedades anônimas como um todo,743 ou deve fundamentá-lo como Administração
Pública que é?

Em nossa opinião, no comum de seus votos, o acionista controlador de


sociedades de economia mista deve se portar como qualquer acionista controlador.
Porém, ao implementar através da sociedade de economia mista necessidades de
interesse público específicas, estará agindo na implementação de uma função
pública, devendo fundamentar as suas decisões nos termos do Direito
Administrativo, se as suas obrigações de governança corporativa até já não os
abranger.744

No caso do legislador, não se lhe aplicando o Princípio da Motivação do art.


37 da CF, já que, por mais que esteja emitindo normas de Direito Administrativo, não
pode ser considerado como “Administração Pública”, o seu dever de fundamentação
já é mais complexo, mas, mesmo que não seja imposto com a mesma intensidade
que possui para os administradores públicos, deve no mínimo atender ao princípio
da vedação da arbitrariedade.745

Qualquer ato legislativo que imponha restrição de direitos ou interesses


jurídicos (no caso, a lucratividade da empresa e do conjunto do universo de
acionistas) deve, seja no ato inaugural do seu processo legislativo ou no curso dele,
conter as razões para tanto. De fato, os projetos de lei são acompanhados de
exposições de motivos, as quais, sendo mais ou menos genéricas, visam a
esclarecer as razões pelas quais o projeto foi apresentado e os objetivos visados

743 “A LSA submete o exercício do poder de controle a normas especiais, diferentes (sob alguns
aspectos) e mais amplas do que as normas gerais sobre o exercício do direito de voto para o
acionista comum. O poder de controle, embora tenha por fundamento a maioria dos votos nas
deliberações da Assembleia Geral, é exercido de modo permanente, independentemente da
realização de assembleia, e não somente através do voto” (LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José
Luiz Bulhões (Coords.). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 1, p. 429-430).
744 Ver sobre o tema tópicos III.1 e III.1.1.
745 Esse princípio é inerente ao próprio Estado Democrático de Direito, exigindo que as medidas

estatais, inclusive as legislativas, não sejam resultados de escolhas aleatórias e subjetivas, mas que
atendam a princípios básicos como os da proporcionalidade, da segurança jurídica e da isonomia. “A
aplicação do princípio de proporcionalidade, que deve presidir toda medida intervencionista, junto
com o da ‘paridade de trato’ e o da igualdade (visto agora como interdição da arbitrariedade) obriga
sempre a justificar adequadamente toda intervenção pública sobre as liberdades dos cidadãos no
campo econômico” (UREBA, Alberto Alonso. La empresa pública. Aspectos jurídico-constitucionales y
de derecho económico. Revista Española de Derecho Administrativo, v. 50, versão CD-ROM).
380

pelo parlamentar.746 Além disso, visando assegurar a compatibilidade entre esses


motivos e medidas com as normas constitucionais em vigor, durante a sua
tramitação, o projeto de lei é analisado por diversas comissões, em especial, a
comissão encarregada de analisar a sua compatibilidade com a Constituição Federal
e com os direitos fundamentais.747

Para que esse dever de fundamentação das imposições às sociedades de


economia mista, qualquer que seja sua origem, seja procedimentalmente legítimo,
não sendo mero cumprimento formalista de uma exigência jurídica, deve ter
profundidade suficiente, inclusive para demonstrar o cumprimento dos limites
qualitativos e quantitativos acima expostos.

Para tanto deve conter uma análise de impacto econômico, analogamente ao


que se exige das medidas regulatórias, com a sua Análise de Impacto Regulatório –
AIR, com vistas a se explicitar adequadamente e se quantificar o máximo possível o
impacto de tais medidas de interesse público na economia da empresa estatal, para
que “a escolha da forma de intervenção seja fundamentada e considere os seus
riscos e possíveis alternativas (como que em uma análise de impactos da
intervenção), bem como determinar uma avaliação, pelo Estado, da eficiência dos
meios por ele escolhidos para o atendimento dos fins almejados, a fim de evitar o
desperdício de recursos públicos”.748

Os procedimentos de análise de impactos nada mais são do que instrumentos


de padronização do dever da Administração Pública de motivar as suas decisões e
demonstrar, de forma transparente, a sua juridicidade, inclusive pela eficiência e
proporcionalidade.

746 De acordo com o art. 103 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, por exemplo, “a
proposição poderá ser fundamentada por escrito ou verbalmente pelo Autor e, em se tratando de
iniciativa coletiva, pelo primeiro signatário ou quem este indicar, mediante prévia inscrição junto à
Mesa”. Parágrafo único. O relator de proposição, de ofício ou a requerimento do Autor, fará juntar ao
respectivo processo a justificação oral, extraída do Diário da Câmara dos Deputados.
747 Nesse sentido, prevê o Regimento Interno da Câmara dos Deputados que: “Art. 128. Nenhuma

proposição será submetida a discussão e votação sem parecer escrito da Comissão competente,
exceto nos casos previstos neste Regimento. Parágrafo único. Excepcionalmente, quando o admitir
este Regimento, o parecer poderá ser verbal”.
748 FIDALGO, Carolina Barros. O Estado empresário: regime jurídico das tradicionais e novas formas

de atuação empresarial do estado na economia brasileira. 2012. 370 f. Dissertação (Mestrado em


Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012, p.
343.
381

Com efeito, esses procedimentos exigem que a autoridade identifique os


objetivos que visa atender, liste as possíveis medidas adequadas a atendê-los e os
custos e benefícios inerentes a cada uma delas, além do grau de afetação a direitos
fundamentais, dentre outros aspectos.749

A mesma lógica deve ser aplicada no que tange à utilização das empresas
estatais para o atendimento a objetivos públicos. Deve-se identificar qual o objetivo a
ser buscado, as alternativas para que ele seja atendido, o custo-benefício de cada
uma delas e, ainda, acompanhar a execução da medida escolhida de modo a
garantir que ela produzirá os efeitos pretendidos.

Nessa análise de impacto econômico de tais medidas sobre as estatais


também devemos ter em conta o que podemos construir como um princípio da
precaução na manutenção da saúde financeira da empresa. 750 Sendo a viabilidade
econômica de uma empresa estatal, e, portanto, a sua própria existência enquanto
instrumento eficaz do Estado para a realização de interesses públicos, um interesse
público de per se, ela não pode ser colocada em risco por outros supostos
interesses públicos muitas vezes atomizados e contingenciais.

Dessa maneira, se, na análise do impacto econômico, não se tiver como se


prever com razoável assertividade se a medida atenuadora da lucratividade atende
ou não aos limites quantitativos e qualitativos expostos acima, deve-se, por cautela,
evitar a prática da medida. Não seria proporcional colocar em risco um instrumento
de atendimento de inúmeros e até indefinidos para o futuro interesses públicos, em
prol do atendimento de apenas um deles, conjuntural e atomizado.751

749 A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou, em 2008, o


documento intitulado Building an institutional framework for conducting Regulatory Impact Analisys
(RIA): Guidance for Policy-Makers, trazendo critérios para a realização de procedimentos de análise
de impactos regulatórios.
750 Apesar de ter nascido no Direito Ambiental, o Princípio da Precaução traz alguns elementos que

podem ser utilizados. Por esse princípio, havendo dúvida razoável de que determinado produto ou
atividade possa causar danos ao meio ambiente ou à saúde, o Estado deve atuar para coibi-lo ou
impor restrições para os ricos deles decorrentes sejam reduzidos ou, se possível, inteiramente
neutralizados. Poderia também ser expresso pela parêmia, in dubio pro ambiente ou pro saúde.
751 A medida, nesse ponto, violaria, no mínimo, o elemento proporcionalidade em sentido estrito do

princípio da proporcionalidade que exige que a medida adotada de intervenção na economia seja
capaz de produzir mais benefícios do que prejuízos.

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