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EMPRESAS ESTATAIS
(O Regime Jurídico das Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista)
Rio de Janeiro
2015
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Pode haver uma clara, mas natural, contradição entre a lógica econômica
stricto sensu das estatais (decorrente do seu caráter empresarial, das atividades
econômicas que exercem e, no caso das sociedades de economia mista, também de
terem acionistas privados) e a sua vinculação a determinados valores e objetivos
públicos de caráter extraeconômico678 (pelo fato de serem instrumentos do Estado,
que, por sua vez, é um instrumento da sociedade e dos objetivos desta consignados
na Constituição, nas leis e nos programas dos governo democraticamente eleitos,
nessa ordem).
solenidade das formas” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25.
ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012. p. 110). Tendo isso em vista, a regra geral é que os atos
administrativos devem ser escritos, registrados (ou arquivados) e publicados. Todavia, no âmbito do
relacionamento entre os entes federativos e suas estatais, muitas vezes são comuns interferências
informais a título de “supervisão ministerial”. De acordo com Felipe de Melo Fonte, “embora o
Decreto-Lei nº 200/67 assegure plenos poderes para o ministro responsável pelo exercício da
supervisão ministerial, assim como ao Presidente da República, na prática o que se observa é a
prevalência do controle informal” (MELO FONTE, Felipe de. Supervisão ministerial e controle
societário de empresas estatais: três standards para um modelo de complementaridade e limitação.
In: ARAGÃO, Alexandre Santos de (Coord.). Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista.
Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 188). Mario Engler Pinto Júnior também diagnostica essa patologia:
em muitos casos de supervisão ministerial, “o ministro vale-se do poder de indicação e destituição
dos administradores, para se transformar em interlocutor qualificado perante eles e, dentro de
determinados limites, impor informalmente sua vontade como representante legítimo do interesse
público” (PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal − Função Econômica e Dilemas Societários.
São Paulo: Atlas, 2010. p. 95-96).
678 O sentido de “econômico” que aqui se utiliza, na linha das observações acima já realizadas, é
A relação entre essas duas lógicas não pode ser de prevalência absoluta de
uma sobre a outra, mas de equilíbrio entre elas. Pode-se ter uma atuação com lucro
menor do que o que seria o ordinário em uma empresa privada para se atender a um
interesse público institucional (por exemplo, para que os consumidores de
determinada região mais empobrecida possam ter acesso à energia elétrica), mas
não se pode chegar ao limiar de uma mera liberalidade, de uma gestão temerária,
sem adequada ponderação entre a lógica econômica natural à estatal e os
interesses públicos a ela ligados, como, por exemplo, se uma estatal fosse levada a
continuar a realizar fornecimentos a clientes há muito inadimplentes, sem se
observar o mandado de otimização679 entre os interesses que in casu estiverem
contrapostos, mandado de otimização este que, em situação ideal, fará não só com
que essas duas lógicas não entrem em conflito, como que uma reforce a outra. Por
exemplo, se o Estado cria uma empresa estatal para ser um campeão nacional com
grande atuação no exterior, e essa empresa logra obter lucrativos mercados em todo
o mundo.
679“Deve-se procurar a solução onde a restrição à eficácia de cada uma das normas em conflito seja
a menor possível, buscando a otimização da tutela aos bens jurídicos por ela protegidos”
(SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal, Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2000. p. 29). “Simultaneamente, trata-se de otimização, uma vez que os princípios da
idoneidade e da necessidade pedem aqui, como noutra parte, nada mais que uma realização tão
ampla quanto possível dos princípios correspondentes, a cada vez, relativamente às possibilidades
reais, portanto, otimização-Pareto. Se, o que ocorre frequentemente, a otimização é posta em contato
com uma perda do caráter-quadro, então aquele aspecto da otimização, que se encontra na melhora
de um lado sem a piora do outro, não pode estar intencionado. (...) A exigência por realização, no
máximo possível, ampla de princípios jurídico-fundamentais, que também pode ser qualificada de
produção de concordância prática ou de otimização normativa, significa, portanto, tudo menos o
mandamento de aspirar a um ponto máximo. Cada princípio quer, sem dúvida, para si o máximo
possível. Otimizar princípios colidentes, porém, não significa ceder a ele; mas pede, ao lado da
exclusão de sacrifícios desnecessários, somente a justificação do necessário por, pelo menos, igual
importância da realização do princípio, a cada vez, em sentido contrário. Isso é um critério negativo, o
que mostra que também a otimização no quadro da ponderação é compatível com o caráter-quadro
da Constituição” (ALEXY, Robert. Direito Constitucional e Direito Ordinário. Jurisdição Constitucional
e Jurisdição Especializada. Revista dos Tribunais, v. 799, p. 33 e 36, maio 2002). “Ponto que merece
ser esclarecido refere-se ao conceito de “otimização”, que é imprescindível para a compreensão da
teoria dos princípios adotada. Quando se diz que os princípios jurídicos são mandados (ou
comandos) de otimização, o que se pretende ressaltar com isso é que tais normas estabelecem o
dever de realizar um estado ideal de coisas na máxima medida possível, sem descrever, de antemão,
os comportamentos necessários para tanto” (BUSTAMANTE, Thomas da Rosa. Princípios, Regras e
a Fórmula de Ponderação de Alexy: um modelo funcional para a argumentação jurídica?. Revista de
Direito Constitucional e Internacional. v. 54, p. 983, jan. /2006).
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680 CÂMARA, Jacintho Arruda. O lucro nas empresas estatais. Revista Brasileira de Direito Público –
RBDP. Belo Horizonte, nº 1, p. 16-17, 2003. “A lucratividade da sociedade de economia mista
constitui meio necessário para a consecução de seu fim” (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei
de sociedades anônimas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 410).
681 Cf. resenha bibliográfica feita, mas não anuída, por LEITE, Carina Lellis Nicoll Simões. O lucro nas
sociedades de economia mista. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas Públicas e Sociedades
de Economia Mista. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2015. p. 103.
682 Sobre essa discussão, ver SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses Públicos versus Interesses
683 “O conflito entre objetivos aparentemente díspares (finalidade lucrativa e missão pública) não se
resolve com a abolição de nenhum deles, como ingenuamente se costuma propor. Não se trata de
subordinar incondicionalmente a finalidade lucrativa à realização da missão pública, nem tampouco
libertar a empresa estatal para gerar ilimitadamente valor a seus acionistas (público e privado). A
saída está em considerar normal a convivência entre interesses divergentes no âmbito da companhia
mista, como propõe a teoria organizativa. Tais interesses, por seu turno, devem ser reconciliados
pelas estruturas procedimentais internas, mediante o arbitramento da margem de lucro ideal, sem
necessariamente suprimi-la nem maximizá-la, para que a empresa estatal também tenha capacidade
financeira para implementar as políticas públicas compreendidas no objeto social” (PINTO JUNIOR,
Mario Engler. Empresa Estatal − Função Econômica e Dilemas Societários. São Paulo: Atlas, 2010. p.
318).
684 Nesse sentido, FONTE, Felipe de Melo. Supervisão Ministerial e Controle Societário de Empresas
Estatais: três standards para um modelo de complementaridade e limitação. In: ARAGÃO, Alexandre
Santos de. Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2015. p.
209, chamando a atenção para o fato de que, de qualquer forma, não se pode desconsiderar que
mesmo as empresas públicas “fazem jus ao direito à autopreservação, baseado na função social da
empresa, seja porque o interesse público que motiva a criação delas está veiculado na lei, e o
desvirtuamento dele é uma espécie de ilegalidade cometida pelo poder público controlador”. Também
para Mario Engler Pinto Júnior, “sendo o Estado o único acionista, torna-se mais fácil a ponderação
entre lucratividade e objetivos de política pública. O recurso à forma societária nesse caso decorre da
conveniência da desconcentração administrativa para organizar o exercício de determinada atividade
econômica. Em outras palavras, a sociedade anônima unipessoal constitui uma técnica jurídica de
organização da função empresarial do estado. Nesse cenário, a preocupação básica consiste na
garantia da sustentabilidade financeira da companhia no longo prazo” (PINTO JUNIOR, Mario Engler.
Empresa Estatal − Função Econômica e Dilemas Societários. São Paulo: Atlas, 2010. p. 319).
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Se não fosse assim, o Estado estaria dando os fins a essas entidades (atuar
num mercado concorrencial), mas lhe retiraria os meios adequados a tanto, já que,
além das exigências procedimentais e de controle que a Constituição já impõe a
toda Administração Pública (licitações, concurso público, fiscalização pelos tribunais
de contas etc.), ainda se veriam obrigadas a indefinidamente realizar objetivos
públicos não necessariamente providos de racionalidade econômica, dificultando
mais ainda a sua competitividade, além de as tornar um negócio desinteressante
para eventuais investidores que poderia, por exemplo, chamar para novos aumentos
de capital. Em uma corrida com os concorrentes para a realização de novos
investimentos estes teriam então mais condições de captar recursos no mercado de
valores mobiliários que a estatal.685
685 Mas também não devemos ignorar que não há só desvantagens em ser sócio de uma sociedade
de economia mista: (a) os acionistas minoritários podem se prejudicar em razão de atitudes não
eficientes do ponto de vista estrito da lucratividade econômica para a sociedade atender a objetivos
públicos, contrariando o que adviria da lógica econômica comum; mas (b) também podem se
beneficiar em razão de facilidades que as sociedades de economia mista poderiam ter em razão de
ter o Estado como seu acionista controlador e integrarem a Administração Pública (por exemplo,
acesso facilitado às autoridades reguladoras e ambientais da mesma esfera de Administração
Pública; e caso não atue com base no art. 173 da CF, receber privilégios, como o recebimento da
outorga da prestação de um serviço público diretamente por lei).
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688 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica. 2. ed. revista e ampliada. São
Paulo: Malheiros, 2008. p. 189. Porém, a estrutura de sociedade de economia mista, embora, de um
lado, auxilie na redução de custos de transação entre o poder público e a iniciativa privada, precisa,
para ser exitosa, superar dois desafios: os interesses egoísticos e a assimetria informacional que se
forma entre a relação público-privada e o restante da sociedade: “A disciplina societária deve ser apta
a incentivar tal cooperação. Dois problemas necessitam, então, de solução. Em primeiro lugar, é
preciso resolver o problema de conflito de interesses no interior da sociedade, como, de resto, é
necessário resolvê-lo em qualquer forma contratual. Eliminados os interesses egoísticos, é mais fácil
fazer da estrutura societária instrumento de estímulo à cooperação entre Estado (controlador) e
agente privado (investidor ou sócio estratégico). Mas não basta a regra de conflito. Retirar a relação
público-privada do plano dos contratos externos e trazê-la para dentro da sociedade elimina custos
de transação. Cria, por outro lado, dificuldades de informação. (...) Desaparecida a relação contratual
externa e substituída pela relação intra-societária, é muito mais difícil obter informações sobre o
desenrolar das relações entre sócios. A informação desaparece, e a própria possibilidade de controlar
a persecução do interesse público, ainda que prevista em lei (art. 238), torna-se, na prática, muito
mais complexa e difícil” (p. 190).
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689 Decerto que no dispositivo a CF está tratando apenas das estatais concorrenciais, mas, se é
assim para elas, com muito mais fortes razões será para as estatais que com exclusividade prestam
serviços públicos ou exercem monopólios públicos, cujo aspecto de “missão pública” é fortalecido em
razão do serviço ou monopólio público por ela exercido ter sido via de regra até mesmo excluído da
iniciativa privada, ficando sob publicatio.
690 LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades por Ações Anotada. São Paulo:
691 PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal − Função Econômica e Dilemas Societários. São
Paulo: Atlas, 2010. p. 350-355 − grifamos.
692 TAVARES BORBA, José Edwaldo. Direito Societário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p.
513.
693 FONTE, Felipe de Melo. Supervisão Ministerial e Controle Societário de Empresas Estatais: três
standards para um modelo de complementaridade e limitação. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de.
Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2015. p. 202 −
itálicos no original. “Não se deve admitir que o interesse público que justificou a criação da estatal
possa anular por completo a sua função lucrativa. Uma vez que o próprio Estado opta pelo modelo da
sociedade de economia mista, ele assume o compromisso de conciliar os seus interesses àqueles
dos acionistas minoritários. É justamente esse acordo que deve ser levado em consideração na
interpretação do art. 238 da Lei das Sociedades Anônimas” (LEITE, Carina Lellis Nicoll Simões. O
Lucro nas Sociedades de Economia Mista. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas Públicas e
Sociedades de Economia Mista. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2015. p. 127).
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pela própria natureza, possui escopo lucrativo, mas que, desde o princípio, estava
destinado a ser empregado somente com o propósito de realizar política pública.
Segundo, independentemente da consideração da licitude do ato estatal, não podem
os acionistas minoritários arcar com os ônus decorrentes da subvenção pública a
determinada atividade”.
Interpretando o art. 238 da Lei das S.A., os fins públicos institucionais a que
menciona podem justificar a mitigação (nunca a supressão) dos seus objetivos
puramente lucrativos (ex.: um banco estatal pode fornecer crédito subsidiado a
pequenos agricultores ou uma estatal de petróleo pode ter que construir um
gasoduto de integração energética nacional atendendo a uma política
governamental).694 Contudo, fugiria totalmente da lógica econômica, ainda que
mitigada, inerente às sociedades de economia mista, a imposição a elas de
fornecimento gratuito de produtos ou serviços, ou, o que financeiramente se
equivaleria, a manutenção do fornecimento a empresas notada e reiteradamente
inadimplentes.
Nos termos do art. 238 da Lei das S.A. só podem ser impostos às sociedades
de economia mista objetivos de interesse público que levaram à sua instituição.
694ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Forense,
2012, item V.10.3.
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695 Perfilhando esse posicionamento, Astrid Monteiro de C. G. de Lima Rocha defende que “pela
leitura do artigo [238] resta evidente que o conceito de interesse público aqui adotado não é
indeterminado tal como o conceito sociológico, mas sim aquele interesse específico que justificou a
intervenção do estado – e que por essa mesma razão deve estar previsto na lei que autorizou a
constituição da sociedade de economia mista. Nesse sentido, o interesse público previsto no artigo
238 da Lei das S.A. não deve ser confundido com o interesse da Administração Pública, ou com
interesses do funcionário público” (LIMA ROCHA, Astrid Monteiro de C. G. de. O estado empresário:
interesse público, conflito de interesses e comportamento abusivo do acionista controlador nas
sociedades de economia mista. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de (Coord.). Empresas Públicas e
Sociedades de Economia Mista. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 89).
696 Nesse sentido, as leis que autorizam a criação de duas das maiores sociedades de economia
mista do país exemplificam essa técnica legislativa, a saber: (i) Lei nº 2004/53 (revogada pela Lei nº
9.478/97), que autoriza a União a constituir a Petrobrás; e (ii) a Lei nº 3.890-A/61, que autoriza a
criação da Eletrobrás. Ambas as leis apenas autorizam a criação das entidades e especificam as
atividades que desempenharão, mas não a razão para desempenhá-las: Lei nº 2004/53: “Art. 6º A
Petróleo Brasileiro S. A. terá por objeto a pesquisa, a lavra, a refinação, o comércio e o transporte do
petróleo proveniente de poço ou de xisto – de seus derivados bem como de quaisquer atividades
correlatas ou afins. Parágrafo único. A pesquisa e a lavra, realizadas pela Sociedade, obedecerão a
plano por ela organizados e aprovados pelo Conselho Nacional do Petróleo, sem as formalidades,
exigências de limitações de área, e outras julgadas dispensáveis, em face da decreto-lei nº 3.236, de
7 de maio de 1941, autorizando-as o Conselho em nome da União”. Lei nº 3.890-A/61: “Art. 17. A
ELETROBRAS cooperará com os serviços governamentais incumbidos da elaboração e execução da
política oficial de energia elétrica, especialmente: I − sugerindo as medidas que transcendam dos
encargos que lhe são atribuídos (VETADO); II − indicando os empreendimentos e as medidas que
devam ser objeto de planos (VETADO); III − promovendo, junto aos órgãos competentes, a ampliação
de empreendimentos já existentes, ou a execução de outros, a serem iniciados, se capazes de
acelerar o desenvolvimento da indústria de energia elétrica do País, principalmente em face das
limitações impostas pelo balanço de pagamentos.
697 Cumpre ressalvarmos, ainda, que essa prática legislativa não é uma exclusividade nacional. No
direito comparado as normas que criam empresas estatais em regra também não especificam os
objetivos de interesse público que motivaram sua instituição. Utilizando o exemplo de Portugal, onde
as sociedades de capital misto são em regra criadas por meio de Decretos-Leis, nossa pesquisa
demonstrou que esses decretos também não esmiúçam as razões de interesse público que deram
ensejo à instituição das estatais. Ilustrativamente, fazemos remissão ao Decreto-Lei nº 293-A/86
(disponível em <http://publicos.pt/documento/id587622/decreto-lei-293-A/86>, acessado em 28 ago.
2015), que cria a Empresa de Silos Portuários, S. A. R. L. – SILOPOR, uma sociedade anônima de
responsabilidade limitada de capitais majoritariamente públicos. Tal diploma, tal como os brasileiros,
(em seu art. 3º) apenas descreve o seu objeto social: “a sociedade tem por objecto principal a
prestação de serviços de recepção, movimentação, armazenagem, expedição e transporte de
matérias-primas alimentares e produtos conexos, mediante a utilização das suas infra-estruturas de
armazenagem, aos operadores comerciais inseridos no seu ramo de atividade”. O conflito entre o
interesse público e o interesse social das sociedades de economia mista também representa matéria
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controversa na doutrina portuguesa. Sobre o tema, Sofia Tomé D’alte (A nova configuração do sector
empresarial do estado e a empresarialização dos serviços públicos. Coimbra: Editora Almedina, 2007.
p. 393-394) assevera que “nestes casos, continuarão a colocar-se em tese problemas de difícil
resolução quando se coloquem situações de conflito entre o interesse social e o interesse público,
com a agravante de neste caso nem sequer ser possível encontrar resposta nem nas teorias
institucionalistas nem nas contratualistas”. De acordo com a autora, “neste caso a sociedade
corresponde ao conceito geral, e que nesse sentido não é possível, mesmo fazendo uso da maioria
de capital detido, claudicar o fim legal típico da figura, sob pena de, assim sucedendo, se abrir
margem para impugnar uma deliberação com tal resultado por abusiva e lesiva do interesse da
sociedade, que neste caso teria imperativamente de ser interpretado como o interesse comum dos
sócios, não bastando a qualidade pública do maioritário para descartar em absoluto o dos demais,
que deverá por isso continuar a contar com a proteção e tutela jurídicas típicas do funcionamento da
estrutura societária”.
698 Como exemplo podemos citar a exposição de motivos da Lei federal nº 5.523/63, que autoriza a
constituição das sociedades de economia mista Centrais Elétricas de Roraima S.A. (CER) e Centrais
Elétricas de Rondônia S.A. (CERON) (disponível em
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1191488&filename=Dossi
e+-PL+1600/1968>, acessado em 28 ago. 2015). Nessa exposição de motivos, assinada por Affonso
Augusto de Albuquerque Lima, à época Ministro de Estado do Interior, e José Costa Cavalcante, à
época ministro de Estado das Minas, afirma-se que a constituição das referidas sociedades de
economia mista se justifica em razão da necessidade de organização dos serviços públicos de
energia elétrica nos ex-Territórios Federais de Rondônia e Roraima, além de estimular a ocupação da
região amazônica.
699 Carlos Maximiliano esclarece que “se descerem a exumar o pensamento do legislador, perder-se-
Quando da edição da Lei das S.A., essa já era a prática legislativa brasileira,
de maneira que não é razoável supor que ela estaria se referindo a conteúdos
normativos que sabia de antemão não existir em nossa praxe.
700 Mesmo quando há referência a “finalidades”, na verdade se está apenas atribuindo competências,
enumerando atividades em si, não o objeto para o qual devem ser exercidas. Por exemplo, a Lei nº
5.792/72, que cria a Telebrás: “Art. 3º Fica o Poder Executivo autorizado a constituir uma sociedade
de economia mista denominada Telecomunicações Brasileiras S/A. − TELEBRÁS, vinculada ao
Ministério das Comunicações, com a finalidade de: I − planejar os serviços públicos de
telecomunicações, de conformidade com as diretrizes do Ministério das Comunicações; II − gerir a
participação acionária do Governo Federal nas empresas de serviços públicos telecomunicações do
país; III − promover medidas de coordenação e de assistência administrativa e técnica às empresas
de serviços públicos de telecomunicações e aquelas que exerçam atividades de pesquisas ou
industriais, objetivando a redução de custos operativos, a eliminação de duplicações e, em geral a
maior produtividade dos investimentos realizados; IV − promover a captação em fontes internas e
externas, de recursos a serem aplicados pela Sociedade ou pelas empresas de serviços públicos de
telecomunicações, na execução de planos e projetos aprovados pelo Ministério das Comunicações; V
− promover, através de subsidiárias ou associadas, a implantação e exploração de serviços públicos
de telecomunicações, no território nacional e no exterior; VI − promover e estimular a formação e o
treinamento de pessoal especializado, necessário às atividades das telecomunicações nacionais; VII
− executar outras atividades afins, que lhe forem atribuídas pelo Ministério das Comunicações”.
701 Nesse âmbito, o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal de 1988 prevê expressamente
que “lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis”. A
referida norma foi promulgada em 26 de fevereiro de 1998, na forma da Lei Complementar nº
95/1998, que estabelece os parâmetros formais e estruturais que devem nortear a atuação do
legislador no momento da elaboração das leis, mas que não contém dispositivo com aquela
imposição.
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objetivos para os quais foi conferida tal competência, mas que são apenas inferidos
daquela, não enumerados expressamente na lei.
Assim, por exemplo, presume-se que uma estatal de petróleo é criada com
objetivos como o de assegurar o abastecimento nacional, a independência
energética nacional, auferir os lucros com as atividades, entre outros explorados
pela literatura.702
702 Em estudo específico sobre as empresas estatais brasileiras, Thomas J. Trebat (Brazil’s state-
owned enterprises: a case study of the state entrepreneur. New York: Cambridge University Press,
1983. p. 30-34) sumariza seis fatores que influenciam o Estado a atuar como empresário. São eles: (i)
a existência de “um setor privado economicamente fraco”, pois para o autor, “tendo em vista a falta de
habilidade do setor privado para atuar no desenvolvimento de projetos específicos, a intervenção do
Estado como empresário se torna uma alternativa mais atraente”; (ii) “economia de escala”, também
caracterizada como “monopólios naturais”, na medida em que o autor afirma que “empresas estatais
irão emergir naqueles setores nos quais a escala é importante − a exemplo do setor energético, do
setor hídrico e de comunicações – como forma de aumento de produção desses setores”; (iii) “fatores
econômicos externos”, considerando que em determinados setores, na ausência de incentivos
estatais a inciativa privada não teria interesse econômico em explorar determinada atividades, de
modo que em muitos desses casos o estado opta por atuar como empresário para cobrir essas
lacunas; (iv) “gestores públicos mais dinâmicos”, na medida em que, segundo o autor, a tendência é
que os administradores das empresas estatais aproximem sua atuação à dos gestores privados, que
costumam ser mais eficientes do que os gestores públicos; (v) a alta “rentabilidade dos recursos
naturais” também influencia o Estado a atuar como empresário, visto que, de acordo com o autor, o
controle econômico de um monopólio ou de um recurso natural escasso pode gerar altíssimos
rendimentos para seus proprietários, de modo que o Estado opta por criar uma companhia estatal
para administrar esses recursos; e (vi) segundo o autor, “fatores políticos e históricos” levam o Estado
a preferir atuar como empresário, muitas vezes para evitar que companhias estrangeiras atuem no
país, por certa desconfiança.
703 Já analisamos o tema no capítulo II ao tratarmos dos requisitos do art. 173, CF.
704 “Mais do que em outros ramos do Direito, as normas de Direito Administrativo são frequentemente
abertas, quer dizer, incorporam, em seu texto, conceitos jurídicos ou técnicos indeterminados,
indicações de finalidades sem detalhar os respectivos meios para alcançá-las etc. Tal fato possibilita
o exercício dos poderes discricionário (o administrador público preenche o significado da norma
aberta com sua própria interpretação do conceito) e regulamentar (o poder de expedir regulamentos
para implementar as leis). O intérprete deverá, no trato destas normas repletas de cláusulas gerais e
de conceitos indeterminados, conciliar a permanente busca e adaptação ao interesse público – razão,
afinal, da abertura semântica dessas normas – com a necessidade de segurança jurídica (por
exemplo, através do fortalecimento da Teoria dos Precedentes Administrativos)” (ARAGÃO,
Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. Ed. Forense, 2013. p. 52).
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Por exemplo, o Banco do Brasil pode ser levado por seu acionista controlador
a manter abertas agências deficitárias em região na qual a população não possa ter
outros meios de acesso ao sistema bancário se não por este banco público, mas não
pode impedir o seu fechamento simplesmente para evitar o aumento do desemprego
e da miséria nessas regiões. Por mais que o combate à miséria seja um
relevantíssimo interesse público, não é um interesse público específico o suficiente
para ser considerado como uma das causas da criação de um banco público. Já a
integração financeira da população brasileira certamente está em área de certeza
positiva ou pelo menos intermediária de subsunção a tais objetivos institucionais. 705
705 Vitor Rhein Schirato, em estudo voltado aos bancos públicos brasileiros, salienta quatro funções
que devem ser desempenhadas por instituições financeiras públicas, motivando sua criação, a saber:
(i) fomento; (ii) depósito das disponibilidades de caixa do poder público; (ii) universalização dos
serviços bancários; e (iv) salvaguarda da higidez do sistema financeiro nacional. De acordo com o
autor, “a primeira das atividades precípuas das instituições financeiras públicas é o fomento (...), [que
para os bancos públicos] consiste na oferta de crédito em condições mais vantajosas do que aquelas
praticadas comumente pelo mercado para o desenvolvimento de atividades específicas e
determinadas a priori pelas políticas públicas de desenvolvimento”. Em segundo lugar, o autor
assevera que, no caso brasileiro, “no que concerne ao depósito das disponibilidades de caixa do
poder público, há aplicação direta do disposto no § 3º do artigo 164 da Constituição Federal, que
determina que as disponibilidades de caixa da União ficarão depositadas no Banco Central do Brasil,
e as dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em instituições financeiras oficiais, entendidas essas
como as instituições financeiras públicas por conta do disposto no revogado inciso I do artigo 192 da
Constituição Federal”. Para o professor, a terceira função dos bancos públicos seria o dever de
universalização dos serviços financeiros, como o “dever de expandir a todos os cidadãos a
possibilidade de fruição de serviços bancários. Isso ocorre, pois, no atual estágio de desenvolvimento
da sociedade, a fruição de serviços bancários é elemento evidente de inclusão social, estando à
margem da sociedade aqueles que não têm acesso aos serviços bancários, visto que a realização de
operações bancárias é hoje uma das mais relevantes formas de interação entre os agentes
econômicos e sociais, e o acesso ao crédito é elemento fundamental para o aquecimento da
economia e melhoria das condições de vida das pessoas”. Por fim, de acordo com o autor, há ainda
uma última função que “pode ser atribuída às instituições financeiras públicas, a qual consiste no
dever de salvaguarda da higidez do sistema financeiro, conjuntamente com o Banco Central do Brasil.
Tal função não tem fundamento constitucional expresso ou tácito. Todavia, com a situação gerada
durante a crise financeira de 2008, passou a ter função expressa em lei, consubstanciada na Lei nº
11.908/2009, que autorizou as instituições financeiras públicas a adquirir o controle e participações de
instituições financeiras privadas em dificuldades”. Bancos Estatais ou Estado Banqueiro?. In:
ARAGÃO, Alexandre Santos de (Coord.). Empresas públicas e sociedades de economia mista. Belo
Horizonte: Fórum, 2015. p. 273-277.
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Estado no setor do petróleo e gás natural. Tanto que a própria Lei Federal nº 9.478/97 (Lei do
Petróleo) enumera como alguns dos princípios e objetivos da política energética nacional: (i) a
garantia do fornecimento de derivados de petróleo em todo território nacional, nos termos do § 2º do
art. 177 da Constituição Federal (art. 1º, V); (ii) a identificação das soluções mais adequadas para o
suprimento de energia elétrica nas diversas regiões do país (art. 1º, VII); e (iii) a garantia do
fornecimento de biocombustíveis em todo o território nacional (art. 1º, XIII). A respeito da integração
energética como papel do Estado no setor petrolífero, Maria D’Assunção Costa Menezello leciona que
“na qualidade de um dos objetivos e princípios da política energética nacional, não basta apenas a
identificação das ‘soluções mais adequadas’, mas faz-se necessário, também, possibilitar os meios
apropriados para que os órgãos encarregados da sua implantação possam atender às demandas da
coletividade, para que se cumpra o princípio da universalidade do serviço público de distribuição de
energia elétrica” (MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Comentários à lei do petróleo: lei federal nº
9.478 de 6-8-1997. São Paulo: Atlas, 2000. p. 67).
358
Porém, pode acontecer, em casos não muito comuns, mas nada descartáveis,
que o próprio objetivo público setorial específico de uma estatal tenha caráter
macroeconômico. Os bancos públicos, por exemplo, pela própria natureza da sua
atividade, têm na sua instituição uma potencial preocupação com aspectos
macroeconômicos, como o aumento do crédito na economia para incentivar o
aumento do Produto Interno Bruto – PIB, podendo, portanto, por essas razões de
708 De acordo com Maria Sylvia Di Pietro, “a vinculação aos fins definidos na lei instituidora é traço
comum a todas as entidades da Administração Indireta e que diz respeito ao princípio da
especialização e ao próprio princípio da legalidade; se a lei as criou, fixou-lhes determinado objetivo,
destinou-lhes um patrimônio afetado a esse objetivo, não pode a entidade, por sua própria vontade,
usar esse patrimônio para atender a finalidade diversa” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 20. ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2007. p. 417).
709 A Petrobras, por exemplo, foi ao longo de sua história utilizada como instrumento de políticas
O art. 238 da Lei das S.A. admite, assim, objetivos macroeconômicos, mas
desde que relacionados à criação da sociedade de economia mista: o objetivo pode
ser geral, mas tem que ser relacionado especificamente àquela estatal. NELSON
EIZIRIK, sobre o tema, afirma que “[a]s políticas públicas atendidas pela atuação do
Estado como acionista controlador somente são aquelas que justificaram a
instituição da sociedade de economia mista, caso contrário, ficará caracterizado o
abuso do poder de controle. Não é aceitável, exemplificando, que se determine o
‘congelamento’ do preço dos bens produzidos por determinada sociedade de
economia mista, reduzindo a sua margem de lucros frente às concorrentes, com
vistas a combater a inflação”.711
710 A esse respeito, podemos citar o exemplo do que ocorreu durante a Crise de 2008, inclusive com
base na Lei nº 11.908/09: “A mudança súbita no estado de expectativas – em face de um possível
quadro recessivo – fez com que os empresários adiassem seus investimentos e reduzissem a
produção, e os banqueiros aumentassem a preferência pela liquidez, retraindo a oferta de crédito à
indústria. De fato, no ano de 2009 a taxa de crescimento real do crédito industrial foi negativa para o
conjunto do setor privado, seja ele de propriedade nacional ou estrangeira (...). A ação dos bancos
públicos foi, nesse processo, fundamental para sustentar o volume de crédito ao setor industrial”,
estratégia denominada “atuação anticíclica da oferta de crédito” (Banco do Brasil, BNDES e Caixa
Econômica Federal: a atuação dos bancos públicos federais no período 2003-2010, Comunicado do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada − IPEA nº 105, ago./2011, disponível em
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/110810_comunicadoipea105.pdf,
acessado em 02 set. 2015).
711 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011. v. 3, p. 314.
360
empreendimento uma imagem positiva junto à comunidade, integrada por potenciais consumidores de
seus produtos ou de seus serviços” (ibidem, p. 11-28).
361
Não é porque um objetivo público se subsume ao art. 238 da Lei das S.A.,
sendo, portanto, um dos possíveis atenuadores da lógica econômica estrita da
sociedade de economia mista, que pode ser imposto a essa sociedade em qualquer
proporção. O art. 238 da Lei das S.A. impõe uma ponderação entre esses objetivos
públicos setoriais institucionais específicos e a lógica econômica ordinária inerente a
qualquer empresa.
legislativa ser indenizável, passando a ser uma desapropriação indireta. Mas quando
chegará a sê-la? Com uma limitação a dez andares, cinco, dois?714
714 A definição da fronteira entre a mera limitação administrativa, não indenizável, e a norma legal ou
ato administrativo indenizável não é fácil, só podendo ser aferida em cada caso concreto. Deve ser,
no entanto, guiada pela legitimidade e intensidade da expectativa que a legislação anterior gerava no
particular em relação ao proveito do seu bem, da função econômica efetiva ou potencial ordinária
daquela espécie de bem, a disseminação da restrição de forma difusa por toda a sociedade e a sua
compatibilidade com o que já se espera normalmente em termos de limites às liberdades individuais
para viabilizar a coexistência coletiva. A Suprema Corte norte-americana vem há décadas debatendo
a questão, “podendo-se avaliar a sua dificuldade na seguinte nota, que se tornou famosa, de autoria
do JUIZ HOLMES: ‘Por mais que a propriedade possa ser regulada até certa extensão, se a
regulamentação vai muito além, será reconhecida como uma desapropriação.’ O conceito de muito
além é tipicamente indeterminado, sujeitando-se a ser apreciado caso a caso, à luz do princípio da
razoabilidade. A propósito, continuam os comentários de LAURENCE H. TRIBE: ‘A dificuldade para
determinar quão longe é muito além, em casos nada parecidos com invasão física ou esbulho,
previsivelmente afligiu a Corte por mais de seis décadas, e a tentativa de diferenciar regulamentação
de desapropriação tornou-se o mais assombroso problema jurisprudencial no campo do direito
contemporâneo ao uso da terra (...), um problema que para o advogado pode ser equiparado à
pesquisa do átomo pelo físico’.” (MOREIRA, João Batista Gomes. Intervenção do Estado na
propriedade e no domínio econômico. Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região. Brasília, p. 55-
73, 2005).
715 Por mais que se esforce e se tente densificar questões jurídicas como essa, a fim de buscar
reduzir a subjetividade na sua apreciação, sempre vai remanescer uma grande margem de
apreciação. A incerteza última do Direito radica na inexauribilidade das circunstâncias fáticas pelas
regras jurídicas. É a chamada textura aberta da linguagem jurídica, a qual decorre da textura aberta
da linguagem em geral: uma definição jamais vai conseguir exaurir todos os possíveis aspectos do
elemento que se está definindo – e a inclusão de mais um desses elementos pode trazer, em alguns
casos, dúvida. “Conseqüentemente, não se pode dizer que a lei tem uma vontade concreta para os
casos na penumbra, casos que o legislador não antecipou e que podem ser englobados ou não pelas
palavras da lei” (STRUCHINER, Noel. Direito e Linguagem: uma análise da textura aberta da
linguagem e sua aplicação ao Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 66). E, a seguir o
pensamento de HERBERT HART, mesmo que fosse possível uma linguagem jurídica absolutamente
precisa (isso só é possível na linguagem matemática, sequer na linguagem ordinária), isso não seria
desejável, pois faria com que o Direito perdesse sua plasticidade, isto é, sua capacidade de se moldar
e de se adaptar às diversas circunstâncias específicas: “não devemos acalentar, nem como um ideal,
a concepção de uma regra tão detalhada que a questão sobre a sua aplicação ou não a um caso
particular fosse sempre determinada de antemão, e nunca envolvesse, no momento da aplicação,
uma nova escolha entre alternativas abertas” (HART, Herbert L. A. O Conceito de Direito. 3. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 128). De fato: o Direito não é uma ciência de respostas
únicas, mas de interpretações plausíveis e razoáveis. Para a apreensão do conteúdo desses dois
critérios, propomos, aqui, uma noção mais geral, nem tão focada em distinções técnicas e científicas,
mas na operacionalidade prática. É, assim, razoável aquilo que não ofende ao senso comum
esclarecido; o que não soa como ostensivamente “forçado”; a plausibilidade, por outro lado, está
numa capacidade prima facie de convencimento, ou, dizendo de outro modo, numa aceitabilidade
racional de argumentos. “A interpretação doutrinária é ciência até o ponto em que denuncia a
equivocidade resultante da plurivocidade. Daí pra frente, o que se faz realmente é política, é tentativa
de persuadir alguém de que esta e não aquela é a melhor saída, a mais favorável, dentro de um
contexto ideológico, para uma estrutura de poder. Tudo o que existe, portanto, quando a
interpretação doutrinária se apresenta como verdadeira porque descobre um sentido ‘unívoco’ do
conteúdo normativo, é, no máximo, uma proposta política que se esconde sob a capa de uma
pretensa cientificidade” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica,
decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 229).
363
716 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 6. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2014. p. 668. A Lei Federal nº 4.320/64 fixa duas modalidades de subvenção,
estabelecendo que “consideram-se subvenções, para os efeitos desta lei, as transferências
destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como: I −
subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou
cultural, sem finalidade lucrativa; II − subvenções econômicas, as que se destinem a empresas
públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril” (art. 12, § 3º).
Especificamente quanto às subvenções econômicas, a lei dispõe que “a cobertura dos déficits de
manutenção das empresas públicas, de natureza autárquica ou não, far-se-á mediante subvenções
econômicas expressamente incluídas nas despesas correntes do orçamento da União, do Estado, do
Município ou do Distrito Federal” (art. 18, caput).
364
Nesse último caso, as próprias leis que instituem tais programas estabelecem
quais serão as entidades responsáveis por operá-los, repassando os recursos
subvencionados,717 que deverão ser ressarcidos pelo Estado posteriormente.
Todavia, essa dívida nem sempre é quitada, como observado pelo Tribunal de
Contas da União, no caso das denominadas “pedaladas fiscais”, no Relatório
Preliminar das Contas do Governo da República para o Exercício de 2014, relatado
pelo Ministro Augusto Nardes (vide tópico III.8).
717 Ilustrativamente, a Lei nº 11.977/09, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida,
prevendo que a União concederá subvenções econômicas a serem repassadas com recursos do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (art. 6º, § 1º). Nesse mesmo sentido, a Lei nº
10.836/04, que cria o Programa Bolsa Família, prevê que “fica atribuída à Caixa Econômica Federal a
função de Agente Operador do Programa Bolsa Família, mediante remuneração e condições a serem
pactuadas com o Governo Federal, obedecidas as formalidades legais” (art. 12).
718 Este terceiro elemento do princípio da proporcionalidade no caso concreto significa que imposição
de atividades deficitárias a empresas estatais deverá trazer mais benefícios que os prejuízos para o
funcionamento da estatal e desempenho das atividades para a qual foi criada.
719 A aplicação do princípio da proporcionalidade depende eminentemente das características do caso
concreto, já que visa justamente avaliar se determinada medida estatal (in casu, a imposição de
atividades deficitárias a uma estatal como forma de promover determinado bem de interesse público)
é adequada, isto é, capaz de atingir a finalidade buscada à luz das características do caso concreto,
se é necessária, ou seja, a menos restritiva possível para outros princípios envolvidos e, por fim,
custo-benéfica, isto é, se gera mais benefícios concretos do que prejuízos. Aliás, essa é uma
exigência da própria ponderação entre princípios, procedimento em que uma das etapas é justamente
a enumeração dos fatos relevantes relacionados ao caso concreto. Princípios são espécies de
normas jurídicas caracterizadas por preverem finalidades a serem buscadas, e cuja aplicação se dá
em graus, a depender dos elementos do caso concreto e outros princípios também aplicáveis. Há, por
exemplo, “muitas formas de respeitar ou fomentar o respeito à dignidade humana, de exercer com
razoabilidade o poder discricionário ou de promover o direito à saúde. (...) Ao contrário das regras,
portanto, princípios não são aplicados na modalidade tudo ou nada, mas de acordo com a dimensão
365
proporcionalidade estrito senso se o interesse público, por mais relevante que seja,
comprometer a própria viabilidade da estatal como empresa, retirando-lhe a
possibilidade de ser lucrativa no médio/longo prazo.
de peso que assumem na situação específica (...) devem ser realizados na maior intensidade
possível, à vista dos demais elementos jurídicos e fáticos presentes na hipótese” (BARROSO, Luís
Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Rio de Janeiro: Ed. Saraiva, 2013. p. 231).
720 Em todo e qualquer contrato administrativo, a equação econômico-financeira protegida pela
Constituição Federal (art. 37, XXI) corresponde à relação entre os encargos assumidos por cada uma
das partes e as respectivas contrapartidas, definidos no momento da licitação. É essa a equação a
que se refere o art. 37, XXI, da Constituição Federal quando determina a manutenção das “condições
efetivas da proposta”, ao tratar das contratações públicas, o art. 65 da Lei nº 8.666/93, ao mencionar
a “relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da
administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento” e o art. 9º da Lei nº
8.987/95, que determina que “em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial
366
Vale lembrar, nesse ponto, que os próprios prospectos das ofertas públicas
de ações das sociedades de economia mista consignam expressamente a posição
do ente estatal como acionista controlador dessas companhias, o que gera algumas
prerrogativas e peculiaridades, sendo possível que o interesse do ente controlador –
norteado pelo interesse público – eventualmente colida com os interesses dos
demais acionistas, pautados principalmente pela lucratividade.721
efetuada pela Petrobras, datado de 24 de setembro de 2010, que salienta, como um dos fatores de
risco relacionados à companhia, o fato de os interesses da União, sua acionista controladora,
poderem ser divergentes ou conflitantes com os interesses dos demais acionistas: “A União tem, e
continuará a ter após a conclusão da Oferta Global, poderes para, dentre outros, eleger a maioria dos
membros do nosso conselho de administração e decidir sobre quaisquer questões que sejam de
competência dos nossos acionistas (...).Os interesses da União poderão ser divergentes ou
conflitantes com os interesses dos nossos outros acionistas, inclusive para orientar os nossos
negócios com o fim de atender ao interesse público que justificou a nossa criação, nos termos da Lei
367
Isso não representa, contudo, uma carta branca, sem limites, para o Estado
atenuar como e quanto queira a lucratividade da sociedade de economia mista, já
que até mesmo nos contratos aleatórios (o que naturalmente não é o caso de um
contrato de sociedade) a teoria geral das obrigações já reconhece a possibilidade de
onerosidade excessiva apta a gerar revisão ou recisão contratual.722
das Sociedades por Ações” (Prospecto definitivo da oferta pública de distribuição primária de ações
ordinárias e ações preferenciais de emissão da Petrobras, datado de 24 de setembro de 2010, p. 57 −
grifamos).
722
SOUZA, Adalberto Pimentel Diniz de. Risco Contratual, Onerosidade Excessiva e Contratos
Aleatórios. Curitiba: Juruá, 2015.
723 Desde que essa norma legal não tenha natureza de regulação da atividade delegada
contratualmente pelo Estado à estatal. A regulação é atividade multifacetada, que abrange também a
edição de normas jurídicas, que, por vezes, só podem ser editadas por lei, mas que também podem
constar de regulamentos, não havendo diferença material entre elas. Se a norma legal for uma norma
reguladora constante de lei (por exemplo, uma gratuidade de serviço público criada por lei, não por
uma alteração unilateral do contrato de concessão), aplicar-se-ão as consequências de reequilíbrio
econômico-financeiro. Cf. tópico anterior.
368
como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:
produzidos no País; produzidos ou prestados por empresas brasileiras e produzidos ou prestados por
empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País.
369
726 SANTOS ESTEVES, Júlio César dos. Responsabilidade Civil do Estado por Ato Legislativo. Belo
Horizonte: Ed. Del Rey, 2003. p. 235 a 241. “I. − A intervenção estatal na economia, mediante
regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e
fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da
República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II. − Fixação de preços em valores abaixo
da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício
da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. − Contrato celebrado com
instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a
fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores
inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente:
obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV. − Prejuízos apurados na
instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V. − RE conhecido e provido (STF, RE nº
422.941/DF, 2ª T., Rel. Carlos Velloso, DJ 24.03.2006).
727 MOTA, Maurício Jorge Pereira da. Responsabilidade Civil do Estado Legislador. Rio de Janeiro:
Ed. Lumen Juris, 1999. p. 226. Para o autor, o direito de propriedade assegurado pela Constituição
Federal abrange todo e qualquer direito patrimonial do cidadão (idem, p. 198), dentre os quais se
inclui também o direito à liberdade de iniciativa.
370
válidas, mas indenizáveis. Se, além de não obedecerem aos limites, também
violarem a proporcionalidade, serão nulas por inconstitucionais, indenizando o
Estado pelos prejuízos causados enquanto tiver produzido efeitos em uma hipótese
de responsabilidade civil do Estado por ato legislativo/normativo inconstitucional.
Sob esse mesmo aspecto, devemos lembrar também dos obstáculos que a
comum incidência de alguns dispositivos da Lei das S.A. pode ter além das
exceções expressas da própria Lei das S.A., como o seu art. art. 238, ou a
obrigatoriedade de sempre terem conselhos de administração e fiscal, ao contrário
das sociedades anônimas em geral, em que esses órgãos são facultativos (arts. 239
e 240).
1º) Regras da própria Lei das S.A., com destaque para o seu art. 238.
3º) O fato de deverem ter autorização legal para serem criadas, o que impede
que sejam dissolvidas ou tenham ou seu controle acionário alienado sem
autorização, ainda que genérica, em outra lei (cf. tópico III.10).728
728 Examinando o tema nos autos da ADI 234, o STF declarou a inconstitucionalidade do inciso XXXIII
do art. 99 e do parágrafo único do art. 69, ambos da Constituição do Estado do Rio de Janeiro,
segundo os quais as ações de sociedades de economia mista do Estado do Rio de Janeiro não
poderiam ser alienadas a qualquer título, sem autorização legislativa. O Tribunal deu ainda
interpretação conforme a Constituição ao caput do art. 69, de acordo com a qual a autorização
legislativa específica seria apenas necessária, na hipótese de alienação do controle acionário de
sociedade de economia mista. Após a publicação da decisão, o Governador do Estado do Rio de
Janeiro, entendendo que não houvera, na deliberação da Corte, a menção à necessidade de lei
específica, peticionou para que a expressão fosse excluída da ata de julgamento. O Tribunal,
recebendo a petição como embargos de declaração e julgando-os procedentes, determinou a retirada
da ata de julgamento da expressão “específica”, tendo o relator Min. Néri da Silveira consignado que
“Em meu voto, efetivamente, tive em conta o sistema adotado pela União Federal, na Lei nº
8031/1990, onde se definem, em lei, os parâmetros para os processos de privatização. No âmbito da
União, não há exigência de uma lei específica para cada hipótese de privatização de empresa ou de
perda do controle acionário”.
729 Decorrência lógica do princípio da legalidade, o princípio da especialidade é característico do
poderá a estatal, criada para a consecução de uma finalidade pública específica, passar a atuar em
outra completamente distinta e desconexa.
730 Assim dispõe o art. 6º, § 1º: O Presidente do Banco da Amazônia S. A. será nomeado pelo
Presidente da República e por êste demissível ad nutum; os Diretores serão eleitos pela Assembléia
Geral da Sociedade e exercerão seu mandato pelo prazo de quatro anos, observado, em ambos os
casos, o disposto no artigo 22, § 2º, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, observados ainda
os dispositivos da presente lei.
373
731 “Em síntese, o regime legal da sociedade de economia mista é a LSA (Lei nº 6.404, de 15 de
agosto de 1976), com as alterações posteriores e pelas disposições especiais da lei federal que
modificam esse regime, obedecidas as normas da Constituição federal”. FILHO, Alberto Venâncio. In:
LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões (Coord.). Direito das Companhias. Rio de
Janeiro: Forense, 2009. v. 2, p. 1911.
732 MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2010. p. 975.
733 “Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á
abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter,
para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para
a companhia ou para outros acionistas. § 1º O acionista não poderá votar nas deliberações da
assembleia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do
capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que
puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia.
§ 2º Omissis. § 3º O acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de
voto, ainda que seu voto não haja prevalecido. § 4º A deliberação tomada em decorrência do voto de
acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos
danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido.
374
O “interesse da Companhia” referido pelo art. 115 deve incluir, no caso das
sociedades de economia mista, os interesses públicos que justificaram a sua
Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas
vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe
assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o
poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para
dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O
acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e
cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da
empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses
deve lealmente respeitar e atender. Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados
por atos praticados com abuso de poder”.
734 MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2010. p. 394-396.
375
criação, nos termos do art. 238, mas, qualitativamente, sempre do ponto de vista do
interesse da companhia, não de interesses públicos outros, mesmo que muito
relevantes, mas que sejam alheios aos seus objetivos institucionais, como visto
acima.
Não se trata, portanto, de o art. 238 ser uma exclusão parcial do âmbito de
incidência do art. 115, mas, sim, de o art. 115 dever ter, no caso das sociedades de
economia mista, uma interpretação em diálogo com o art. 238, interpretação esta
que alarga um pouco o conceito jurídico indeterminado de “interesse da companhia”:
entre as somas de interesses que acaba compondo o “interesse da companhia”
deverão, no caso das sociedades de economia mista, ser incluídos os interesses
públicos que justificaram a sua criação,735 não podendo o acionista controlador levar
a companhia em direções diversas.
735 Essa perspectiva é similar à lógica atrelada a uma modalidade societária que vem se
disseminando nos Estados Unidos, a saber, a benefit corporation. Essa criação societária já foi aceita
em mais de 20 estados americanos e igualmente representa um modelo híbrido que busca equilibrar
o interesse da sociedade e de seus acionistas com o interesse público da comunidade na qual ela se
insere. Para que uma companhia se enquadre na qualificação de benefit corporation, ela deve possuir
uma explícita missão social ou ambiental, por exemplo, e uma responsabilidade juridicamente
destinada a ter em conta, simultânea e equitativamente, tanto os interesses dos trabalhadores, da
comunidade e do meio ambiente como os interesses de seus acionistas. Além disso, essas
companhias devem divulgar relatórios independentes que expressem seu impacto social e ambiental,
bem como seus resultados financeiros. As benefit corporations não se inserem no Terceiro Setor,
possuindo, simultaneamente, fins lucrativos e de interesse social, podendo ser por analogia
associadas à lógica proposta pelo artigo 238 da Lei das S.A., na medida em que, em ambos os
casos, se observa certo hibridismo entre interesse público e privado, demandando um exercício de
equilíbrio e ponderação. MURRAY, J. Haskell. Social enterprise innovation: Delaware’s public benefit
corporation law. Harvard Business Law Review, v. 4, Issue 2, 2014, 345/371, disponível em
<http://www.hblr.org/wp-content/uploads/2014/10/4.2-3.-Murray-Social-Enterprise-Innovation. pdf>,
acessado em 04 set. 2015.
376
736 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo: Editora
Saraiva: 2009. p. 508-510.
737 “O § 1º do art. 117 da Lei das Sociedades Anônimas enumera as modalidades de exercício
abusivo de poder pelo acionista controlador de forma apenas exemplificativa. Doutrina. − A Lei das
Sociedades Anônimas adotou padrões amplos no que tange aos atos caracterizadores de exercício
abusivo de poder pelos acionistas controladores, porquanto esse critério normativo permite ao juiz e
às autoridades administrativas, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), incluir outros atos
lesivos efetivamente praticados pelos controladores. − Para a caracterização do abuso de poder de
que trata o art. 117 da Lei das Sociedades por ações, ainda que desnecessária a prova da intenção
subjetiva do acionista controlador em prejudicar a companhia ou os minoritários, é indispensável a
prova do dano. Precedente.” REsp 798264/SP, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/
Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 06.02.2007, DJ 16.04.2007, p. 189.
377
Por serem de distintas naturezas, são medidas cumuláveis entre si. O próprio
art. 115, § 4º, da Lei nº 6.404/76 estabelece que a “deliberação tomada em
decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia
é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir
para a companhia as vantagens que tiver auferido”. Trata-se de inovação em relação
ao regime da legislação anterior, em que “poder-se-ia manter a deliberação em que
houvesse interesse conflitante entre o acionista e a sociedade, pois, em tal caso, o
acionista ficava apenas com a obrigação de responder por perdas e danos
resultantes daquela deliberação”.738
738 MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Editora Forense,
2010. p. 398.
739 TRINDADE, Marcelo. O papel da CVM e o mercado de capitais no Brasil. In: SADDI, Jairo
(Coord.). Fusões e aquisições: aspectos jurídicos e econômicos. São Paulo: IOB, 2002. p. 324-325.
740 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 127-
128.
378
Caso seja imposta através dos órgãos societários, a pergunta que se coloca
é: deve o acionista controlador, poder público, ao impor um objetivo público que
atenue a lucratividade da empresa, agir como qualquer acionista, limitando-se ao
741 Todo ato administrativo deve ser motivado. Trata-se de princípio constitucional corolário do
princípio da transparência e do princípio do devido processo legal. Como o controle (a tutela) do
Poder Executivo Central sobre as entidades descentralizadas é um ato típico administrativo, deve
também atender aos princípios incidentes sobre as atividades administrativas típicas.
742 O exercício de competências inerentes de Poder Concedente decorre da reconhecida
exclusividade do Estado sobre a prestação de serviços públicos, conforme dispõe o art. 175 da
Constituição Federal. A prestação de serviços públicos e, consequentemente, a regulação dos
serviços púbicos delegados pelo Estado, é uma atividade administrativa típica do Estado, sendo
célebre a frase do ex-Ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, de que “o serviço público
está para o Estado assim como a atividade econômica em sentido estrito está para o setor privado”
(GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006.
p. 103).
379
743 “A LSA submete o exercício do poder de controle a normas especiais, diferentes (sob alguns
aspectos) e mais amplas do que as normas gerais sobre o exercício do direito de voto para o
acionista comum. O poder de controle, embora tenha por fundamento a maioria dos votos nas
deliberações da Assembleia Geral, é exercido de modo permanente, independentemente da
realização de assembleia, e não somente através do voto” (LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José
Luiz Bulhões (Coords.). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. 1, p. 429-430).
744 Ver sobre o tema tópicos III.1 e III.1.1.
745 Esse princípio é inerente ao próprio Estado Democrático de Direito, exigindo que as medidas
estatais, inclusive as legislativas, não sejam resultados de escolhas aleatórias e subjetivas, mas que
atendam a princípios básicos como os da proporcionalidade, da segurança jurídica e da isonomia. “A
aplicação do princípio de proporcionalidade, que deve presidir toda medida intervencionista, junto
com o da ‘paridade de trato’ e o da igualdade (visto agora como interdição da arbitrariedade) obriga
sempre a justificar adequadamente toda intervenção pública sobre as liberdades dos cidadãos no
campo econômico” (UREBA, Alberto Alonso. La empresa pública. Aspectos jurídico-constitucionales y
de derecho económico. Revista Española de Derecho Administrativo, v. 50, versão CD-ROM).
380
746 De acordo com o art. 103 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, por exemplo, “a
proposição poderá ser fundamentada por escrito ou verbalmente pelo Autor e, em se tratando de
iniciativa coletiva, pelo primeiro signatário ou quem este indicar, mediante prévia inscrição junto à
Mesa”. Parágrafo único. O relator de proposição, de ofício ou a requerimento do Autor, fará juntar ao
respectivo processo a justificação oral, extraída do Diário da Câmara dos Deputados.
747 Nesse sentido, prevê o Regimento Interno da Câmara dos Deputados que: “Art. 128. Nenhuma
proposição será submetida a discussão e votação sem parecer escrito da Comissão competente,
exceto nos casos previstos neste Regimento. Parágrafo único. Excepcionalmente, quando o admitir
este Regimento, o parecer poderá ser verbal”.
748 FIDALGO, Carolina Barros. O Estado empresário: regime jurídico das tradicionais e novas formas
A mesma lógica deve ser aplicada no que tange à utilização das empresas
estatais para o atendimento a objetivos públicos. Deve-se identificar qual o objetivo a
ser buscado, as alternativas para que ele seja atendido, o custo-benefício de cada
uma delas e, ainda, acompanhar a execução da medida escolhida de modo a
garantir que ela produzirá os efeitos pretendidos.
podem ser utilizados. Por esse princípio, havendo dúvida razoável de que determinado produto ou
atividade possa causar danos ao meio ambiente ou à saúde, o Estado deve atuar para coibi-lo ou
impor restrições para os ricos deles decorrentes sejam reduzidos ou, se possível, inteiramente
neutralizados. Poderia também ser expresso pela parêmia, in dubio pro ambiente ou pro saúde.
751 A medida, nesse ponto, violaria, no mínimo, o elemento proporcionalidade em sentido estrito do
princípio da proporcionalidade que exige que a medida adotada de intervenção na economia seja
capaz de produzir mais benefícios do que prejuízos.