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Filosofia: surgimento e características

1. A superfície e a profundidade do pensamento

Falando de modo simples, podemos dizer que a filosofia surge de um esforço do


pensamento para conhecer as coisas profundamente. E conhecer as coisas de modo
profundo ou aprofundado significa buscar sempre a verdade que se esconde por detrás
das aparências. Significa também afastar-se de tudo o que é superficial, ou seja, de tudo
aquilo que está na superfície. Para começarmos a entender como é o funcionamento da
filosofia, ou quais as suas características, imaginemos a figura de um rio bastante
profundo. Imagine que as águas desse rio são escuras, de modo que você só consegue
enxergar a superfície da água e não consegue ver o que esta lá embaixo, em sua
profundidade. Nessa imagem, existem, então, dois espaços: a superfície e a
profundidade do rio. Utilizando essa imagem, podemos dizer que a superfície desse rio
representa a opinião sem fundamento das pessoas, os seus pré-conceitos. Representa
tudo aquilo que se fala sem saber, sem antes ter pensado a respeito1. (A palavra pré-
conceito significa justamente expressar uma opinião sem saber, “pré” designa algo que
vem antes e “conceito” conhecimento, podemos resumir pré-conceito como: falar sem
ter conhecimento). A profundidade do rio, seguindo abaixo das águas escuras,
representa a verdade, o oposto da mentira e dos pré-conceitos, em suma, das opiniões
sem fundamento. Trata-se do conhecimento que busca ser sólido e seguro. É o lugar das
idéias que foram pensadas, examinadas, refletidas.
Criamos essa imagem simplesmente para dizer que a filosofia é a busca por
alcançar tal profundidade, é abandonar as opiniões que são somente opiniões, quando
se fala por falar, quando se fala sem saber, ou quando se fala sem antes ter ido buscar
saber a respeito. Agora, é preciso saber que esse trabalho, essa busca em alcançar a
profundidade das coisas, não é fácil. É necessário esforço para buscar conhecer as
coisas de verdade tal como elas são.
Ao contrário dessa atitude, de buscar a profundidade, sempre podemos nos
contentar em escolher a superficialidade, a superfície do rio de que falávamos. Tal
caminho, sim, é o caminho mais fácil. No entanto, devemos saber que esse é o caminho

1
Opinião [...] admitida sem ser discutida ou examinada, internalizada pelos indivíduos sem se darem
conta disso, e influenciando seu modo de agir e de considerar as coisas. (MARCONDES, Danilo.
JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de filosofia, Rio de Janeiro, 2006, Zahar.)
da ignorância, é o caminho daqueles que não gostam de pensar sobre as coisas,
aceitando de imediato tudo o que se diz. Um filósofo muito importante disse: “O
homem é um animal racional” com isso querendo dizer que o homem é o único animal
que pensa. Mas o que acontece quando decidimos não mais pensar sobre as coisas?
Quando aceitamos tudo o que dizem para nós como sendo verdade? A resposta é que,
fazendo isso, estamos deixando de ser seres racionais, seres que pensam, e estamos nos
tornando muito próximos dos animais, seres que não pensam. A filosofia nos convida a
fazer uma escolha, decidir entre a superfície e a profundidade do pensamento. Acreditar
nas águas escuras, que representam a ignorância e as opiniões vazias, ou buscar saber a
verdade que está por detrás destas águas.

2. Reavaliando as próprias crenças

Podemos aceitar esse convite ou podemos negá-lo. Caso aceitemos, a primeira


coisa que devemos fazer é tentar reavaliar as nossas crenças, isto é, avaliá-las de novo,
pensá-las, examiná-las para entendermos quais foram os motivos que nos fizeram
acreditar no que acreditamos. Porque somos compostos por uma série de crenças, e
muitas vezes as pessoas se lembram de nós pelo que acreditamos, quando, por exemplo,
dizem: “fulano não acredita que o homem foi à lua”, essa pessoa que não acredita que o
homem esteve na superfície da lua, não acredita no que diz a ciência a esse respeito, não
acredita que isso foi possível. Quando alguém diz “O Corinthians vai vencer o
campeonato”, essa pessoa acredita fortemente que o seu time é o melhor do
campeonato. Ou ainda, “fulano não acredita em nada”, essa pessoa pode estar falando
de alguém que não se posiciona, ou demonstra o que acredita. Como podemos ver as
crenças constituem a nossa personalidade, aquilo que somos. E podem ser de variados
tipos, crenças científicas, esportivas, políticas, morais etc.
Aceitando o convite, que a filosofia nos faz, de buscar conhecer as coisas
profundamente, precisamos tentar responder as seguintes perguntas: 1ª quantas vezes
paramos para pensar naquilo que acreditamos e o porquê que acreditamos? 2ª aquilo
em que acreditamos, foi o que escolhemos acreditar? Não existem crenças proibidas, a
questão de acreditar ou não nisso ou naquilo, faz parte da escolha de cada pessoa, e é
preciso sempre buscar entender e respeitar a crença dos outros. Está enganado quem
acha que a filosofia nos diz no que devemos acreditar. Muito ao contrário disso,
compreendida de modo correto, a filosofia permite que alcancemos a liberdade para
escolher livremente as nossas crenças, de modo sincero, sem que sejamos obrigados por
nada nem por ninguém.
Por isso que, muitas vezes, estudar filosofia é como fazer uma “faxina” dentro
da própria cabeça. Retirando objetos antigos que não servem mais, colocando objetos
novos, ou apanhando os objetos antigos que estão ali e restaurando-os, trabalhando para
que eles fiquem melhores. Esses objetos são as nossas crenças. Nós não precisamos
esquecê-las, a não ser que sejam falsas, nesse caso, devemos ter a maturidade em
admitir que estávamos errados acreditando naquilo. Mas, acontece de reavaliarmos uma
crença que temos e percebermos sinceramente que é isso mesmo em que acreditamos e
não desejamos mudar. Nesse caso pelo simples fato de termos repensado aquela crença,
a tornamos mais forte, por termos pensado a respeito e encontrado motivos sólidos para
crer. A única exigência da filosofia para com as nossas crenças, é que procuremos evitar
a ignorância e a superficialidade das opiniões de quem fala apenas por falar, sem estar
preocupado em ter um conhecimento sólido sobre as coisas.

3. O mito e as condições para o surgimento da filosofia

I – O mito e as suas formas

A filosofia possui uma história, e o seu surgimento se situa na Grécia e pode ser
localizado em torno dos séculos VI e V a. c. Mas, a busca do homem para compreender
a realidade não começa com a filosofia, muito antes disso o homem já buscava entender
tudo o que acontecia ao seu redor, os fenômenos da natureza, a seca, as enchentes, os
raios e trovões, bem como as experiências terríveis pelas quais passava e observava os
seus semelhantes passarem, tais como a doença e a morte. Estes acontecimentos eram
terrivelmente misteriosos, e diante deles o homem se sentia inseguro e impotente. Para
explicar, como e porque, todos esses fenômenos ocorrem, o homem utilizou
primeiramente, antes de qualquer outro tipo de conhecimento, as explicações dos mitos.
Então, para todos os eventos misteriosos, que o homem não conseguia explicar, uma
narrativa mítica era contada.
Mas o que é o mito? De inicio podemos dizer que um mito é uma narrativa, mas,
esta simples definição é insuficiente para explicar o que é um mito, devido à
complexidade do assunto. Dessa forma vejamos alguns tipos e características de mitos.
Podemos identificar quatro sentidos que vamos desenvolver nesse texto, são eles: 1º)
Narrativa falsa. O mito entendido como sinônimo de mentira e ilusão; 2º) Narrativa de
um acontecimento grandioso, extraordinário. No sentido de algo que está acima do que
pode ser considerado comum, por se tratar de um acontecimento que não ocorre sempre;
3º) Narrativa de um acontecimento sagrado. Este sentido está fortemente ligado a
religião, e diz respeito às ações dos deuses ou de Deus na vida do homem. Através
dessas narrativas o homem é capaz de entender algo sobre o divino, ou simplesmente
vivenciar o sagrado (experiência da presença de uma potência divina - sobrenatural 2);
4º) Narrativa de acontecimentos fabulosos e também sobrenaturais. Diz respeito às
diversas histórias de seres fantásticos, sobrenaturais e as suas ações fabulosas.
1º) Narrativa falsa: O primeiro sentido de mito de que falamos, mito como
mentira, o encontramos facilmente nos dias de hoje. Se perguntarmos a alguém o que é
um mito, a pessoa provavelmente nos dirá que mito é o mesmo que mentira.
Encontramos esse sentido sendo utilizado por especialistas para dizer que uma coisa é
falsa. Assim, quando um nutricionista, por exemplo, quer dizer que é mentira que um
alimento engorda ele diz que aquilo é um mito. Ou quando não se acredita em discos
voadores diz-se “Isso não existe, é mito!”. Mas, o significado da palavra mito não é
esse. Mythos, de onde se origina o termo mito, é uma palavra grega que significa
“narrativa lendária, pertencente à tradição cultural de um povo [...]”3. Devemos notar
que nem tudo o que é lendário é falso. É verdade que muitas coisas lendárias podem ser
falsas, mas, também há uma série de coisas lendárias, míticas, que não são falsas. 2º)
Narrativa de um acontecimento grandioso, extraordinário: Quando ouvimos alguém
dizer que uma pessoa fez algo realmente grandioso, quando o nome dessa pessoa se
torna sinônimo de grandeza, por sua força, por sua beleza, pelas suas vitórias,
habilidades etc., o mito está ali naquela história. Porque aquela história é lendária, e
porque não fala de uma pessoa qualquer, mas de alguém que foi, ou é, realmente
lendário. Dessa forma, mito não é uma palavra de significado único e simples, como o
de mentira. Pois, quando alguém diz algo do tipo “Airton Senna foi um mito” essa
pessoa não está querendo dizer que o piloto de formula um é falso, ela está dizendo que
ele foi realmente grandioso, extraordinário, mítico. A mesma coisa acontece quando

2
CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia. (cap. XVIII A experiência do sagrado, São Paulo, 2008,
Editora Ática.
3
MARCONDES, Danilo. JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de filosofia, Rio de Janeiro, 2006, Zahar.
uma pessoa admirada com o talento de alguém diz “você é um verdadeiro mito!” Trata-
se do reconhecimento da grandeza de algo, e não a acusação de aquilo ser mentira.
Antes de analisarmos o 3º e 4º sentidos, tomemos mais uma definição do que é
um mito: “Em suma, os mitos descrevem as diversas e, algumas vezes dramáticas,
irrupções do sagrado (ou do sobrenatural) no mundo.4” Os mitos podem descrever as
aparições do sagrado e do sobrenatural. Vejamos o primeiro caso. 3º) Histórias sobre
eventos, contendo elementos sobrenaturais, mas que essencialmente dizem respeito a
manifestações de alguma força ou forças sagradas no mundo (de deuses, de deus, ou de
algo totalmente misterioso do qual não se consegue nomear). Como exemplos podemos
citar os diversos milagres que ouvimos falar, castigos de Deus ou dos deuses etc 5. 4º)
Trata de histórias sobre seres sobrenaturais que habitam as florestas, tais como fadas e
lobisomens durante a Idade Média, ou, centauros e heróis de força gigantesca na Grécia
antiga, ou ainda (para não ficarmos de fora) mitos urbanos como the blood Mary, versão
estadunidense de nossa loira do banheiro. Todas essas histórias exprimem o que
podemos chamar de consciência mítica, isto é, a forma como o homem pensa e
experimenta os mitos.
Os mitos podem ser entendidos como representações coletivas de fatos que
sempre se repetem na vida do homem, tais como nascimento e morte, luta contra as
forças da natureza, derrota e vitória etc. Isso significa que, por traz de cada uma dessas
míticas histórias contadas, esconde-se a necessidade psicológica em vivenciar esses
elementos tão importantes do dia a dia. Vivencia-se um mito, ao escutá-lo sendo
contado, de forma semelhante ao que vivencia um leitor de um romance, ou alguém
assistindo a um filme. Nesses casos, por um efeito psicológico de participação, o leitor
ou o telespectador, parece participar da narrativa, quando o herói enfrenta o vilão ou o
monstro, por exemplo.

II – As condições para o surgimento do pensamento filosófico

Assim, durante muito tempo a mitologia foi para os gregos a única forma de
explicação de tudo o que ocorria na realidade. Uma colheita ruim, por exemplo, poderia
ser explicada como sendo a conseqüência de um ritual que não se fez da forma correta,
e isso poderia ter desagradado aos deuses. Apolo, o deus arqueiro, poderia lançar flechas
4
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo, Perspectiva, 1994.
5
Em Linguagem e mito o filósofo Ernst Cassirer analisa as experiências do homem “primitivo” desse tipo
especifico.
que atingiam os homens deixando-os doentes ou matando-os. Nas florestas e bosques
acreditava-se que podia haver perigosos centauros ou belas ninfas. Estas explicações
não podiam ser questionadas porque eram muito antigas, tradicionais. Deveriam ser
acreditadas sempre, sem que se pudesse pensar a respeito da sua veracidade, pois elas
possuíam autoridade e eram passadas de geração para geração. Assim como acontece
entre nós, de uma história ou explicação ser contada por alguém mais velho de nossa
família, tal como um pai, mãe, avô ou avó, e com isso adquirir respeito, autoridade que
a própria pessoa que contou a história possui.
Essa autoridade dos mitos começará a ser questionada pelos filósofos, pois,
conforme vimos, a filosofia exige de nós que reavaliemos as nossas crenças. E muitas
vezes o conhecimento tradicional, isto é, o conhecimento que vem da tradição, é
passado de uma geração para outra sem que se admita de forma alguma a sua critica. 6
Nesse caso, a tradição se torna conservadorismo, ou seja, atitude que se opõe a toda
mudança e que, portanto, deseja apenas a conservação das coisas tal como já estão. Essa
atitude é ruim porque não permite que os homens possam escolher livremente no que
acreditar, ou como explicar as coisas que acontecem. Mas, a tradição também pode ser
positiva, no sentido de que é ela que garante o aprendizado da história e da cultura do
nosso povo. A questão pode ser resumida em termos de como a tradição é passada de
uma geração para outra. Se é permitido àquele que aprende, discordar do que esta sendo
ensinado e pensar de forma diferente; ou se ele deve necessariamente, e sem pensar a
respeito, acreditar no que está sendo ensinado. A tradição pode ser bem vinda, se a
consideramos correta, mas, só podemos saber disso se pensarmos bem antes de aceita-
la.
Um fator importante para a mudança de mentalidade grega, em relação à
autoridade dos mitos, foi o caso dos gregos terem sido uma civilização que realizou
muitos contatos com outros povos, pelo fato de serem grandes comerciantes e
navegadores. Foi através desses contatos que eles perceberam que todos os outros povos
possuíam mitos, mas, curiosamente, esses mitos eram diferentes de povo para povo.
Nesse caso se puseram a questionar: As explicações e histórias que narram os mitos são
a melhor forma de explicar o que acontece no mundo? Não haveria outra forma? Esses
mitos, contados por diferentes povos, servem apenas para o povo que os conta? Não

6
A palavra tradição vem do latim traditio e significa a transmissão de uma cultura, crença ou técnica de
uma geração para outra. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia, Martins Fontes, São Paulo,
2007. p. 977)
poderia existir um tipo de saber que, ao contrário dos mitos, possa valer para todos os
povos?
Foi então que surgiu a filosofia, como uma tentativa de estabelecer um
conhecimento sobre as coisas do mundo que fosse, de um lado, mais rigoroso que o
mito, isto é, que fosse mais coerente com o mundo em que vivemos, pois as histórias
que falavam de seres sobrenaturais e divinos não podiam ser verificadas. Não se
encontrava por ai esses seres e acontecimentos maravilhosos 7. E de outro, que fosse
fruto apenas da inteligência do homem, sem interferência da tradição, que diz ao
homem como ele deve ser e como ele deve pensar, isto é, a tradição poderia ser pensada
livremente.
Em relação ao que os mitos contam, pensaram os gregos, que, se tais coisas são
reais, então, elas devem ser investigadas, questionadas e pensadas livremente o máximo
possível, para que se possa comprovar a sua realidade e o que de fato elas são.

4 - Crítica e racionalidade, humildade e fanatismo

Assim, o surgimento da filosofia está ligado a um descontentamento, uma


desconfiança do povo grego em relação às explicações que estavam disponíveis em seu
tempo. E, assim como entre os gregos, nos dias de hoje a filosofia continua a exigir de
nós esse mesmo tipo de atitude, isto é, antes de acreditar nas explicações que estão
disponíveis, nas coisas que nos passam como sendo verdade, é preciso refletir se aquilo
que ocorre ao nosso redor está correto, se concordamos ou não com o que nos disseram.
Trata-se de uma atitude que valoriza a dúvida antes da certeza, ou seja, retomando o que
já foi dito como poderemos saber se algo é verdadeiro se antes não colocarmos aquilo
em duvida para obtermos uma resposta? Embora duvidar seja importante, também é
preciso acreditar, ter confiança no que se acredita; porque é preciso se posicionar sobre
as coisas, dizer o que se pensa sobre elas. E quando nos posicionamos sobre algo que já
foi pensado seriamente a nossa confiança se torna muito mais forte. Vejamos uma
pequena definição do que faz o filósofo:

“Todo aquele que se dedica a filosofia quer viver para a verdade. Vá para onde for,
aconteça o que lhe acontecer [...] está sempre interrogando. É possível certa confiança,
7
Em Acreditaram os gregos em seus mitos? o historiador francês Paul Veyne defenderá que é com o
surgimento dos métodos de historiografia, na Grécia antiga, que se começa a rejeitar as explicações dos
mitos.
mas não a certeza [...]. A filosofia se expõe a abismos diante dos quais não deve fechar
os olhos, assim como não pode esperar que desapareçam por encanto.” 8

A esta altura do texto, pode surgir, impacientemente, mas, de forma natural, a


pergunta: Afinal o que é a filosofia? Esta não é uma pergunta de fácil resposta, e em
cada período da história, vários filósofos tentaram responde-la. De modo que
poderíamos transcrever aqui diferentes respostas que os filósofos deram a questão.
Ficaremos com a seguinte perspectiva, que entende a filosofia como A decisão de não
aceitar como naturais, óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os
valores, os comportamentos [...] sem antes havê-los investigado e compreendido.9
Duas palavras, bem como os seus significados, são muito importantes para
começarmos a entender a filosofia. Trata-se das palavras razão e crítica. Isso porque a
filosofia exige de nós a atitude de sermos racionais e críticos. A palavra razão é
originaria da palavra grega logos, e tem vários significados, sendo os principais:
calcular, medir, juntar, palavra, discurso, pensamento e inteligência. O homem é um ser
dotado de razão, porque possui inteligência, porque pensa, e porque é capaz de expor o
seu pensamento através do discurso. Se observarmos os significados medir, juntar e
calcular, podemos notar que quando medimos, juntamos, contamos e calculamos em
resumo: Pensamos de modo ordenado. Por isso, lógos [...] ou razão [também]
significam pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção.10Estamos sendo
racionais, portanto, quando pensamos antes de falar, para não falar de qualquer jeito,
sem ordem alguma. Mas também estamos sendo racionais quando estamos medindo,
analisando alguma coisa.
Mas o homem não é constituído somente de razão, como atesta a seguinte frase:
O coração tem razões que a razão desconhece11. Nesta frase a palavra razões não está
se referindo a razão como pensamento, inteligência. A frase está, justamente, afirmando
que, o coração do homem, muitas vezes, é movido por razões que não são de ordem
intelectual, isto é, ele também tem emoções e sentimentos que fazem com que ele aja de
uma determinada maneira. Não pensamos da mesma maneira, quando sentimos ciúmes,
ou estamos deprimidos. Em momentos assim, muitas vezes tomamos decisões, que
naquele momento achamos ser a coisa mais certa a fazer. Mas, passado aquele momento

8
JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 1993, p. 138.
9
CHAUÍ, Marilena. Iniciação à filosofia. São Paulo, 2008, Editora Ática.
10
Ibid. São Paulo, Editora Ática, p. 70.
11
Frase do filósofo francês Blaise Pascal.
em que os sentimentos nos comandaram, voltamos à razão e reconhecemos ter tomado a
decisão errada.
A palavra critica, em grego kritiké, significa capacidade para julgar, discernir e
decidir corretamente.12 Geralmente ninguém gosta da palavra critica, mas a verdade é
que todos somos mais ou menos críticos durante o nosso dia a dia. Basta tomarmos o
significado de critica para percebermos isso. Se crítica é ter o poder de julgar, para que
através desse julgamento possamos decidir corretamente entre uma coisa e outra, é
dessa forma que sabemos se algo é verdadeiro ou falso. É somente utilizando a nossa
capacidade critica que podemos decidir corretamente entre uma coisa e outra. Na
verdade a maioria das pessoas não gosta da palavra critica porque a relacionam com
pessoas chatas que vivem o tempo todo criticando tudo ao seu redor. Não se trata disso,
pois, podemos entender a palavra crítica num sentido 1º positivo, no qual criticar é
importante para ter conhecimento sobre as coisas; e 2º negativo, crítica como forma de
denegrir, rebaixar e desrespeitar os outros para sentir-se superior a eles.
No primeiro sentido temos a critica como uma necessidade de julgar, avaliar,
todas as coisas que se passam ao nosso redor, como as crenças e o comportamento das
pessoas, para que através disso possamos saber o que é correto e o que não é. Também
precisamos ter consciência de que do mesmo modo que direcionamos o nosso olhar
critico para os outros, para o que acontece ao nosso redor, julgando o que as pessoas
fazem e no que acreditam, temos também que direcionar esse mesmo olhar critico para
nós mesmos, avaliando as nossas ações, e nossas crenças. Em outras palavras, o ideal é
que não sejamos críticos pela metade, julgando tudo e a todos menos a nós mesmos.
Fazer isso pode nos conduzir a uma postura bastante perigosa, que é a de ver defeitos
em tudo menos em nós.
O segundo sentido é este, o de utilizar a capacidade critica para denegrir, e
desrespeitar as opiniões ou as ações das outras pessoas. Esse é um sentido ruim da
palavra critica, e pessoas assim não são realmente críticas, porque se recusam a
criticarem a si mesmas. É perigoso, porque aquele que não tem capacidade de criticar a
si mesmo, provavelmente pensa que não possui defeitos, e que nunca está errado.
Agindo assim, se coloca acima de todas as outras pessoas e passa a criticá-las
imaginando-se superior a elas. Torna-se fanático pelo que acredita e passa a
menosprezar o que os outros crêem.

12
Ibid. Iniciação à filosofia, São Paulo, Editora Ática, p. 19.
“Há, então, na pesquisa filosófica uma humildade autentica que se opõe ao orgulhoso
dogmatismo13 do fanático: o fanático está certo de possuir a verdade. Assim sendo, ele
não tem mais necessidade de pesquisar e sucumbe a tentação de impor sua verdade a
outrem. A humildade filosófica consiste em dizer que a verdade não pertence mais a
mim que a ti, mas que ela está diante de nós.” 14

Fanatismo vem do latim fanaticus, compreendido como uma forma de delírio 15


“Esta palavra [...] foi empregada a partir do séc. XVIII [...] para indicar o estado de
exaltação de quem se crê possuído por Deus e, portanto, imune ao erro e ao mal.” Em
nossos dias utilizamos a palavra fanatismo para “indicar a certeza de quem fala em
nome de um princípio absoluto e, portanto, pretende que suas palavras também sejam
absolutas.” Trata-se, portanto, de alguém que, tal como ocorre no delírio, afasta-se do
mundo real, tornando-se cego para qualquer dialogo que esteja ocorrendo ao seu redor.
O fanático não admite criticas, portanto, não critica a si mesmo. Acha que o seu ponto
de vista é o mais certo que existe, e se recusa a ouvir o que os outros têm a dizer, a
menos que seja para repetir aquilo que ele já disse, ou aquilo que ele concorda e
acredita.

5 - Da escura ignorância até a luz da verdade: a alegoria da caverna

Para o propósito desse texto, que é o de apresentar minimamente a filosofia,


através de suas características. Devemos contar uma história que, sem duvida, já foi
contada muitas e muitas vezes a fim de explicar, ou de ajudar a entender o que é a
filosofia. Trata-se da alegoria da caverna do filosofo Platão. Mas, antes de começarmos
a história, precisamos entender, afinal, o que é uma alegoria. A palavra alegoria vem do
grego allegoría e significa dizer o outro. Uma alegoria, portanto, é um modo com o qual
o homem pode expressar, através de uma história, por exemplo, um sentimento ou
ensinamento. Isto é, a alegoria não é uma linguagem que visa ser clara e direta. Na
verdade a alegoria é muitas vezes obscura e indireta, ou seja, ela pode esconder por
detrás de uma narrativa um significado diferente do que está sendo contado. Vamos
tornar isso mais claro através de alguns exemplos. No Brasil, grande parte da população

13
Dogmatismo vem da palavra dogma que significa uma opinião que é transmitida de modo impositivo
sem que se possa contestar. MARCONDES, Danilo. JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de filosofia,
Rio de Janeiro, 2006, Zahar, p. 78.
14
HUISMAN, Denis; VERGEZ, A. A ação. 2. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1996. v. 1, p. 24.
15
Ibid. Dicionário básico de filosofia, Rio de Janeiro, 2006, Zahar, p. 106.
gosta de telenovelas, e as emissoras de TV produzem variados tipos de história. Muitas
dessas histórias assistidas foram escritas por seus autores com o objetivo de trazer um
ensinamento para a população que as assiste. Pode-se abordar a questão das drogas
através de um personagem viciado, mostrando todos os problemas que trazem o uso
dessas substancias. De pré-conceito, de corrupção ou de inúmeros outros temas, através
das histórias que os personagens vivem. Essas histórias podem ser vistas como
alegorias, como narrativas que trazem um significado oculto; mesmo que o tema seja as
drogas, por exemplo, não se diz diretamente ao público que drogas são perigosas, mas,
através das situações que aparecem na história, o público compreende indiretamente o
que esta sendo dito. Entendimento do tipo diga não as drogas, ou, não tenha pré-
conceitos, respeite quem é diferente de você. Dizemos que o significado dessas histórias
é alegórico.
Outro exemplo, que pode nos ajudar a compreender o que é uma alegoria é o do
desfile alegórico durante o carnaval brasileiro. Assistimos as escolas de samba exibir as
imagens e ornamentações que explicam o seu enredo. Os temas das escolas podem ser
os mais variados possíveis, desde a homenagem a alguém importante, até o futebol, a
arte ou um estado brasileiro. Se o tema é o nordeste, por exemplo, haverá ornamentos
nos carros alegóricos, nas fantasias dos passistas etc. Que trazem imagens relacionadas
à história do povo nordestino. Todas essas imagens desfiladas são chamadas alegóricas.
Porque através de cada uma dessas imagens que vai passando, uma história vai sendo
contada. O nordeste é, assim, representado para o público, através das poucas frases que
o interprete da escola repete e das inúmeras imagens, bonecos e fantasias que desfilam.
Pois bem, agora que já temos uma mínima idéia do que é uma alegoria, vamos à
história contada pelo filósofo Platão, ela nos parece importante para nos ajudar a
entender o que é isso que chamamos filosofia.

“Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após


geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão
algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar
e a olhar apenas para frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem
para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre,
de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior.
A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os
prisioneiros - no exterior, portanto - há um caminho ascendente ao longo do
qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de
marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de
todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. Por causa
da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na
parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem
poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. Como
jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as
próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber
que são imagens (estatuetas de coisas), nem que há outros seres humanos reais
fora da caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e
a luz no exterior e imaginam que toda luminosidade possível é a que reina na
caverna. Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros?
Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna,
veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora
dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à
entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria.
Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade
é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-
se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e,
prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que,
durante toda sua vida, não vira senão sombras de imagens (as sombras das
estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está
contemplando a própria realidade. Libertado e conhecedor do mundo, o
prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria
aos outros o que viu e tentaria libertá-los. Que lhe aconteceria nesse retorno?
Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se
não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-
o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da
caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe, alguns poderiam
ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidissem sair da caverna
rumo à realidade. O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as
sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem
é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz exterior
do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias
verdadeiras ou da verdadeira realidade. [...]. O que é a visão do mundo real
iluminado? A Filosofia. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o
filósofo? [...] Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e o único
verdadeiro.16

16
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia, Ed. Ática, São Paulo, 2000. p. 47.
Bibliografia

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia, Martins Fontes, São Paulo, 2007.


CASSIRER, Ernst. Linguagem e mito. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1992.
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1994.
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