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POPULAÇÕES MERIDIONAIS
DO BRASIL
Mesa Diretora
Biênio 2003/2004
Suplentes de Secretário
Conselho Editorial
Senador José Sarney Joaquim Campelo Marques
Presidente Vice-Presidente
Conselheiros
Carlos Henrique Cardim Carlyle Coutinho Madruga
João Almino Raimundo Pontes Cunha Neto
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Edições do Senado Federal – Vol. 27
POPULAÇÕES MERIDIONAIS
DO BRASIL
Oliveira Viana
Brasília – 2005
SEGUNDA PARTE
FORMAÇÃO SOCIAL
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Capítulo VII
FUNÇÃO SIMPLIFICADORA
DO GRANDE DOMÍNIO RURAL
Esta terra, senhor... em tal maneira é graciosa que querendo-a aproveitar dar-se-á nela
tudo.
Vaz de Caminha
131 Veiga Filho – Estudos Econômicos sobre o Estado de São Paulo, págs. 15 e 16.
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134 Já a lei da abertura dos portos trouxe uma multidão de objetos e utilidades estran-
geiras que deviam, em grande parte, ser produzidas no latifúndio, e que deixaram
naturalmente de o ser: v. Martius e Spix – Travels in Brazil, I, 183-5 (Trad. de
Lloyd).
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nas nada valem.143 Vilas, aldeias, arraiais, todas não passam, ainda ago-
ra, de aglomerações humanas em estagnação, e mortiças.
Daí o nenhum valor delas como força política. Como na socie-
dade romana dos primeiros tempos, segundo Plínio, as classes urbanas
não gozam aqui de nenhum crédito – e só a classe rural tem importância.
Diante dos grandes latifundiários não se erguem nunca como
organizações autônomas e influentes, ao contrário, ficam sempre na
dependência deles. Não exercem, nem podem exercer aqui, a função
superior que exerceram, diante da oligarquia feudal, as comunas medie-
vais. Falta-lhes para isto o espírito corporativo, que não chega a formar-se.
São meros conglomerados, sem entrelaçamentos de interesses e sem
solidariedade moral.
Em síntese: nem classe comercial; nem classe industrial; nem corporações
urbanas. Na amplíssima área de latifúndios agrícolas, só os grandes se-
nhorios rurais existem. Fora deles, tudo é rudimentar, informe, fragmen-
tário. São os grandes domínios como que focos solares: vilas, indústrias,
comércio, tudo se ofusca diante de sua claridade poderosa.144
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143 Mesmo ainda em 1911, a população total das capitais dos Estados não vai além
de pouco mais de milhão e meio: 1.689.000 habitantes (v. Homem de Melo –
Atlas do Brasil, pág. 7).
144 Cfr. Nabuco (J.) – O Abolicionismo, 1883, cap. XIV, págs. 157-8.
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terra, que o pão de lá; pois, as frutas, coma quem quiser as de lá, das
quais cá temos muitas, que eu com as de cá me quero. E além disso há
cá estas coisas em tanta abundância, que, além de se darem todo ano,
dão-se facilmente e sem as plantarem, que não há pobre que não seja
farto com pouco trabalho.”
Numa terra destas, em que “não há pobre que não seja farto
com pouco trabalho”, na confissão apologética de frei Rui Pereira, para
que servirá ao operário rural o salário do patrão? Ele pode dispensá-lo.
É-lhe um adminículo apenas. O salário para ele não é, como para o
lavrador saxônio, um meio essencial à manutenção da vida material. –
Daí, dessa generosidade incomparável da terra, a impossibilidade histó-
rica de uma vinculação estreita e permanente entre a classe senhoril e o
proletariado dos campos.
Há uma outra causa que impede também essa vinculação. É o
excesso de terra, a facilidade que tem o proletário dos campos de
colocar-se. No ocidente, o proletário rural vive numa terra inteiramente
tomada. O retalho que cultiva, a choupana que o abriga, são para ele a
fortuna, a felicidade, a segurança da própria vida. Fixado neste pequeno
lote, não o abandona mais; sujeita-se a tudo para não o deixar.146
Em vez disso, entre nós a terra está ainda, na sua maior parte,
em deserto. Nos latifúndios, a porção disponível e aforável é vasta. O
trabalhador rural, que abandona o seu lote, está certo que encontrará
um outro no latifúndio vizinho. Daí a facilidade com que se desloca
todas as vezes que do solar fazendeiro uma pressão mais forte e disciplinar
baixa sobre a sua indolência ou a sua altivez. Tão grande facilidade de
deslocar-se, de emigrar, por parte do povo inferior dos campos, é motivo
de estranheza para todos os observadores estrangeiros, que têm percor-
rido o nosso interior rural. Ferdinand Denis, Eschwege, Saint-Hilaire,
todos, na sua unanimidade, atentam no fato e confessam a sua surpresa
e a sua inquietação diante dessa extraordinária mobilidade da nossa plebe.
Essa facilidade de emigração é um dos maiores fatores de
desorganização de nossa sociedade e do nosso povo. Devido a ela os
146 Henry George – Progess and Poverty, págs. 245, 248; Taine – Notes sur l’Angleterre,
pág. 176; Eugênio Petit – Economia Rural, pág. 72: Demolins – Les Français
d’Aujourd’hui, págs. 132-3. Cfr. Malos – Le Socialisme Integrale, I, pág. 275.
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150 Cfr. Taunay – São Paulo nos Primeiros Anos, caps. XX, XXI e XXVIII.
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rito, ele está dentro das leis constitucionais desse tipo de organização
social, tão escrupulosamente estudado pelos modernos sociólogos e his-
toriadores.155 Toda a nossa história política tem nele a sua força motriz,
a causa primeira da sua dinâmica e evolução.
Observado no campo da história, principalmente nos dois
primeiros séculos, esse grupo se destaca nitidamente, pela sua com-
batividade e mobilidade, da massa obscura e pacífica da população
dos campos: parece, à primeira vista, dotado de vida própria e autô-
noma. Observando-o, porém, com mais atenção, é fácil de ver-se que
não é um organismo à parte, uma formação anômala e extravagante.
É, ao contrário, um sintoma. Denuncia situação mais complexa e vasta.
Isto é, que toda a população rural, de alto a baixo, está sujeita ao mesmo regi-
me, toda ela está agrupada em torno dos chefes territoriais. O clã – seja a ban-
deira do II século, seja o grupo eleitoral do império – é apenas a por-
ção visível de uma associação maior, a sua porção por assim dizer mi-
litante. Na penumbra histórica e social, mergulha a outra porção, de
aspectos pacíficos, laboriosos, sedentários, que não aparece nunca ou
só aparece em certos momentos climáticos: nas migrações coloniza-
doras, nas fundações de povoações, nos rushes exploradores das mi-
nas.
No seu conjunto, esses elementos obscuros e os elementos
visíveis, a porção militante e a porção pacífica, formam e completam o
clã rural, isto é, o grupo social que se constitui, desde o primeiro século,
nos campos, em torno e sob a direção suprema do grande proprietário
de terras.
Esse grupo tem uma função capital em nossa história: é pre-
ciso estudá-lo seriamente nas suas causas formadoras, na sua estrutura,
no seu espírito.
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nização, sempre se vê diante dos poderosos, das suas cobiças, das suas
arrogâncias, das suas animosidades, tímido, pusilânime, receoso, encolhi-
diço. O que os quatro séculos da nossa evolução lhe ensinam é que os
direitos individuais, a liberdade, a pessoa, o lar, os bens dos homens
pobres só estão garantidos, seguros, defendidos, quando têm para am-
pará-los o braço possante de um caudilho local. Essa íntima convicção
de fraqueza, de desamparo, de incapacidade se radica na sua consciência
com a profundeza e a tenacidade de um instinto.
Daí essa educação histórica, esse espírito de clã, que domina
por inteiro a mentalidade das nossas classes inferiores. O camponês, por
força mesmo do seu instinto de conservação, acerca-se do homem forte
local, faz-se o seu cliente, torna-se o seu protegido, o seu camarada, o
seu companheiro, o seu amigo incondicional na boa e na má fortuna.
Já na própria raça superior, de que em parte provém, esta ten-
dência é sensível.183 Sobre esse fundo moral da raça, sobre essa tendên-
cia gregária hereditária, acentuando-a, reforçando-a vigorosamente, um
complexo de agentes históricos e sociais, já agora particulares à nossa
evolução e ao nosso meio, atua, desde o primeiro século, com energia,
continuidade, eficácia.
O espírito de clã torna-se assim um dos atributos mais carac-
terísticos das nossas classes populares, principalmente da classe inferior
dos campos. O nosso homem do povo, o nosso campônio é essencial-
mente o homem de clã, o homem da caravana, o homem que procura
um chefe, e sofre sempre uma como que vaga angústia secreta todas as
vezes que, por falta de um condutor ou de um guia, tem necessidade de
agir por si, autonomicamente.
Somente aos que não o conhecem bem, poderá parecer para-
doxal este asserto. Valente, bravo, altivo, arrogante mesmo, o nosso
campônio só está bem quando está sob um chefe, a quem obedece com
uma passividade de autômato perfeito. É este o seu prazer, este o seu
gozo íntimo, esta a condição da sua tranqüilidade moral. O ter de con-
duzir-se por sua própria inspiração, o ter de deliberar por si mesmo, sem
orientação estranha, sem sugestão de um superior reconhecido e aceito,
183 Le Bon – Lois Psychologiques de l’Évolution des Peuples, pág. 21; Sighele – Psychologie
des Siécles; Lapouge – Sélections Sociales, pág. 67.
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Une foule de patriarchies aristocratiques, divisès entre elles par des intrigues, des puéri-
les vanités, des interêts mesquines, étaient disseminées sur la surface du Brésil; mais,
dans ce pays, la société n’existe point, et, à peine, y pourait-on découvrir quelques ele-
ments de sociabilité.
Saint-Hilaire
185 Sobre a organização dos misteres e ofícios nos primeiros tempos coloniais, v.
Taunay – São Paulo nos Primeiros Anos, cap. XIX, e Revista Trimensal, v. 86, pág. 152.
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186 Sobre uma outra forma curiosa de solidariedade sertaneja, v. Ildefonso Albano –
A Pecuária no Ceará, pág. 22. E também Revista Nacional, março de 1922, pág. 12,
São Paulo. Alceu Lelis – “O Nordeste” (in Geografia do Brasil, I, pág. 16). Carlos
Duarte – O Trabalhador Agrícola no Brasil, Rio, 1925, págs. 44-55.
No Paraná – o pichiri (Altamirando Pereira – Salários mínimos, pág. 57).
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187 Nos sertões do norte, também o espírito religioso forma poderosas associações
de fanáticos: v. Euclides da Cunha – Os Sertões.
188 V. cap. VIII: “Gênese dos Clãs e do Espírito de Clã”, § IX.
189 V. cap. XVI: “Formação da Idéia do Estado”, §§ IV e V.
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ro, não podia, como o leão e o tigre, atacar sozinho animais mais fortes
do que ele. Simplesmente, como foi o último a surgir e a inteligência lhe
deu a supremacia sobre os outros animais, não teve tempo de cristalizar
e fixar o seu instinto gregário. Tendo inventado cedo o abrigo seguro, a
arma de sílex, os ardis da caça, pôde rapidamente dominar a animalida-
de inimiga, o leão das cavernas, o rangífer, o urso primitivo, somente
com a sua força e a sua inteligência, sem necessidade de criar a solidarie-
dade do rebanho ou da horda. Provavelmente, somente quando o de-
senvolvimento da família troglodítica pôs, uns contra os outros, os gru-
pos errantes e caçadores, é que estes sentiram necessidade de organi-
zar-se para a defesa, consolidando a sua solidariedade interna, amplian-
do-a com a agregação de novos elementos e estendendo com isto, de
fato, para além do simples clã familiar, a área da solidariedade humana.
Do conceito da solidariedade social está excluída a solidarie-
dade do macho, da fêmea e da sua progênie. Esta é elementar à espécie,
que não poderia subsistir sem ela. Solidariedade social só se dá quando
as famílias de uma mesma região, trogloditas do período quaternário ou
pastores das estepes asiáticas, sob a iminência ou a atualidade de um pe-
rigo comum, congregam-se para a defesa. É então que surge propria-
mente a organização social e, com ela, os fenômenos da vida pública e
política.
O sentimento de simpatia pelos nossos semelhantes, condi-
ção elementar da sociabilidade, é, entretanto, ainda hoje, um produto
precário, de sedimentação, uma formação aluvionária, que mal recobre o
núcleo primitivo do nosso individualismo troglodítico.193 Como observa
Rousseau, o homem é de todos os animais o menos apto para viver em
rebanhos. No fundo da sua alma habita a insociabilidade. Este é que é o
instinto fundamental do homem. Para que o homem abandonasse essa
tendência inata à insociabilidade foi preciso que sentisse em torno de si
a ameaça permanente dos grandes perigos. Essa necessidade de defesa
comum, agindo prolongadamente sobre o seu egoísmo inicial, o levou a
criar, objetivamente, os vários tipos de sociedade humana: “hordas”,
“tribos”, “clãs”, “comunas”, “estados”, “nações”; e, subjetivamente, os
sentimentos sociais correspondentes: o “sentimento tribal”, o “senti-
194 De um certo modo, excetua-se o grupo dos pastores gaúchos. Neste as guerras
platinas exercem uma ação sincretista muito notável. É o que se demonstrará no
estudo especial deste grupo.
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201 V. cap. XI: “Os Caudilhos Territoriais e a Anarquia Colonial”; cap. XII: “Orga-
nização da Ordem Legal”; cap. XIV: “Função Política da Coroa”; cap. XV: “Insti-
tuições Municipais”; cap. XVI: “Formação da Idéia do Estado”.