Sei sulla pagina 1di 19

CEFALEIA

A cefaleia é um dos motivos de consulta mais prevalentes na prática médica e em atenção primária à saúde (APS). A
prevalência de cefaleia ao longo da vida varia de 31 a 96%, sendo que um mesmo paciente pode apresentar mais de um tipo de
cefaleia.1,2
Em estudo populacional realizado em Pelotas, RS, a prevalência de cefaleia e enxaqueca ao longo da vida foi
respectivamente 71,3% e 10,7%,3 sendo a enxaqueca em mulheres quatro vezes mais frequente do que em homens.
Em duas unidades de APS em São Paulo, a cefaleia foi responsável por 9% das consultas por problemas agudos. 4 Do total de
casos, 55% ocorreram por causas primárias, sendo a enxaqueca responsável por 45% de todos os motivos de consulta. Dentre as
causas secundárias, os motivos mais prevalentes foram febre, pico hipertensivo e sinusite. Em unidades de APS em Porto Alegre,
a cefaleia foi o 17o motivo mais prevalente de consulta.5
O impacto socioeconômico da cefaleia é bem conhecido e inclui custos elevados, perda da produtividade (tem maior
prevalência nos anos de maior produtividade) e diminuição da qualidade de vida dos pacientes. 6,7 A migrânea (ou enxaqueca) foi
relacionada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a 19 a doença que provoca maior incapacidade ao longo da vida. 8
Um estudo espanhol identificou que em média 11 pacientes novos são encaminhados ao neurologista para cada 1.000 adultos
por ano;9 a cefaleia foi a causa mais frequente (um em cada três encaminhados). Em geral, apenas 1% das cefaleias necessitam de
intervenção imediata, e o desafio é diferenciá-las das demais.10,11

AVALIAÇÃO CLÍNICA DO PACIENTE COM CEFALEIA


História
A história fornece o maior número de informações para o diagnóstico da cefaleia. Nos primeiros minutos, deve-se oferecer
uma escuta empática, deixando o paciente falar livremente e mantendo-se atento para compreender as pistas diagnósticas
fornecidas, verbal e não verbalmente. Nesse momento da consulta, a intervenção médica deve se limitar a perguntas abertas,
como, por exemplo, “Você poderia descrever a sua dor de cabeça?”. Muitos pacientes podem ter mais de um tipo de cefaleia e,
nesses casos, é melhor iniciar pela dor de cabeça mais importante para o paciente, coletando uma história para cada uma delas.
Duas ou mais consultas poderão ser necessárias para fazer o diagnóstico. As informações a seguir são úteis para a caracterização
da cefaleia e seu diagnóstico diferencial.12-15
→Questões relativas ao tempo da cefaleia: se o início é súbito ou de horas ou dias, se é aguda ou crônica, se é episódica ou
contínua, se é a primeira vez que sente esse tipo de dor, o horário em que sente a dor, se a dor o desperta durante a noite, a duração
dos episódios e a frequência com que ocorrem. Quando a cefaleia teve início há dias, meses ou anos, a pergunta sobre o porquê
buscar ajuda agora pode ser útil para entender não apenas o atual episódio, mas também outros fatores possivelmente relacionados
com o sintoma e/ou motivação/expectativa com a consulta.
→Características e localização da dor: como é a dor (em aperto, pressão ou ardência, latejante ou como se estivessem
batendo); qual a intensidade (nota de 0 a 10 para a ausência de dor até a dor mais intensa que já sentiu; ou ainda como a dor atual
se compara com a de episódios anteriores ou mesmo com a de outras situações anteriores); qual o local exato da dor e, se for o
caso, a sua irradiação.
→Sintomas associados: se existem sintomas de aviso da ocorrência de um episódio de dor, se existe sensibilidade aumentada
para luz ou som, náuseas ou vômitos. Deve-se perguntar também sobre sintomas neurológicos, como diplopia ou outros sintomas
visuais, tonturas, vertigens, parestesias, perda de força ou de consciência, e sobre sintomas infecciosos, como febre, congestão
nasal, tosse, disúria, etc.
→Fatores associados: se existem fatores desencadeantes da dor, como álcool, determinados tipos de alimentos, medicações,
drogas ilícitas, período menstrual, estresse, etc.; fatores agravantes ou de alívio, como posição do corpo ou da cabeça, esforço ou
repouso, calor ou frio, uso ou suspensão de medicação.
→Episódios prévios: se há semelhanças e diferenças entre a dor atual e os episódios anteriores, o que costuma fazer nas
crises, quais medicações usa e como é a sua resposta a elas, como se sente entre os episódios, se persistem sintomas ou se
permanece ansioso, preocupado com novos episódios.
→História familiar: se existe história familiar de cefaleia ou se convive com pessoas que também sentem ou estão sentindo
no momento dor de cabeça.
→Situação de saúde do paciente: uso de medicações, presença de outras patologias, como hipertensão, diabetes melito,
transtornos psiquiátricos, oftalmopatias, cirurgias, acidentes/traumas, etilismo, neoplasias, síndrome da imunodeficiência adquirida
(AIDS), situação psicossocial, ocupação e presença de problemas/crises familiares.
A abordagem do paciente com cefaleia inclui, além do sintoma e/ou doença subjacente (disease), a experiência do
paciente com a dor (illness), que em muitos casos pode revelar o verdadeiro motivo da consulta (p. ex., a preocupação
acerca da causa da cefaleia). Pacientes que consultaram por cefaleia com médicos de família e comunidade, quando lhes foi
dada oportunidade para contar tudo o que queriam dizer sobre a sua dor de cabeça, tiveram melhor desfecho (medido seis
semanas após a consulta).16
Uma consulta bem-sucedida muitas vezes requer o entendimento do significado da dor de cabeça e um diagnóstico que seja
suficiente para tranquilizar a pessoa de que ela não apresenta doença grave. 17 O método clínico centrado na pessoa pode ser útil,
abordando os sentimentos, as ideias (preocupações), a maneira como a dor interfere no dia a dia do paciente e também as suas
expectativas com a consulta e o tratamento. É preciso ser capaz de abordar não somente o sintoma/doença, mas também a
experiência da pessoa com o sintoma/doença, oferecendo tempo de escuta e boa relação médico-pessoa ao longo do tempo. Além
disso, é fundamental construir um plano de cuidado em conjunto, especialmente nos casos de cefaleia crônica, em que a confiança
e a adesão ao tratamento são decisivas para a prevenção e o manejo das crises (ver Capítulos Método Clínico Centrado na Pessoa e
Antropologia e Atenção Primária à Saúde).
Para o auxílio diagnóstico em casos difíceis (que não respondem ao tratamento ou que envolvem mais de um tipo de cefaleia)
ou para o acompanhamento dos pacientes quando se quer registrar ou quantificar a evolução clínica, pode-se utilizar o diário de
dor.18 A FIGURA S75.1, on-line,19 mostra um exemplo para uma paciente com migrânea sem aura. Para cada nova crise, o
paciente anota a data na primeira célula vazia e, se forem várias crises no mesmo dia, anota cada uma delas em uma nova célula
com a mesma

data. O índice de dor é calculado a cada mês, multiplicando o número de crises fracas por 1, o número de crises moderadas por 2
e o número de crises fortes por 3 e, após, somando-se os pontos obtidos. Neste caso, o paciente apresentou duas crises moderadas
e três fortes, de maneira que o índice de dor é igual a 13. O acompanhamento desse índice ao longo dos meses permite avaliar se o
tratamento está sendo eficaz ou não.

Exame físico
Ao terminar a anamnese, o médico frequentemente já terá uma hipótese diagnóstica consistente, mas, mesmo assim, o exame
físico poderá ser útil. Na maior parte das vezes, o exame poderá afastar a possibilidade de uma doença neurológica estrutural,
confirmando, assim, a hipótese de cefaleia primária. Para o paciente com medo de que sua cefaleia se trate de uma doença grave, o
exame físico pode ser uma intervenção positiva, trazendo alívio e tranquilidade, desenvolvendo confiança no diagnóstico médico e
intensificando a relação terapêutica.
O exame físico pode seguir uma sistemática pessoal que permita realizá-lo rotineiramente em poucos minutos. No entanto, a
rotina não necessariamente precisa ser aplicada a todas as pessoas com cefaleia. Uma parte do exame será determinada pelas
hipóteses levantadas na anamnese. Por exemplo, em pessoas cuja cefaleia é parte de um quadro infeccioso respiratório com tosse e
dispneia, o exame incluirá a frequência respiratória e a ausculta pulmonar. Os seguintes itens são importantes: 12-15,17
→Medida da pressão arterial (a hipertensão arterial crônica não costuma causar cefaleia, mas picos hipertensivos podem
causá-la, às vezes em situações potencialmente graves, como as emergências hipertensivas).
→Inspeção cervical e do crânio: observar a posição da cabeça com relação ao tronco, se existe lateralidade ou torção da
cabeça, bem como a presença de ferimentos ou cicatrizes, por trauma ou cirurgia, na cabeça.
→Palpação cervical e do crânio: observar a presença de hipertonia muscular cervical e de pontos dolorosos; palpar a região
paravertebral e apófises vertebrais, os seios da face, a articulação temporomandibular e região temporal superficial, no trajeto da
artéria temporal superficial (pensar em arterite temporal, principalmente em pacientes com mais de 50 anos).
→Ausculta: auscultar com a campânula do estetoscópio a região da articulação temporomandibular e também as carótidas, a
região temporal, occipital e ocular. A presença de sopros cranianos sugere malformações vasculares.
→Oroscopia: observar a presença de processos inflamatórios, periodontite, bruxismo.
→Otoscopia: a otite média ou externa pode provocar dor referida na cabeça.
→Fundo de olho: principalmente para descartar a presença de papiledema, sugestivo de hipertensão intracraniana
consequente de tumor cerebral ou hidrocefalia.
→Sinais meníngeos: a rigidez de nuca pode estar presente na meningite e também na hemorragia subaracnóidea.
→Exame neurológico sumário: testes de força e sensibilidade em membros inferiores e superiores, marcha e coordenação,
também pares cranianos selecionados, como o terceiro e quinto par. Sinais neurológicos focais são sugestivos de tumor cerebral,
crise epiléptica ou hematoma subdural. Dor ou hipersensibilidade em face pode ser causada por neuralgia do trigêmeo, e paralisia
do terceiro par é observada em aneurisma intracraniano.
→Exame do estado mental sumário: alterações no nível de consciência, orientação ou cognição sugerem infecção, neoplasia
ou hemorragia subaracnóidea.
Sinais e sintomas de alerta e investigação com exames complementares
A presença de um ou mais dos seguintes sinais e sintomas é indicativa de doença intracraniana grave e/ou em curso. 12-
15,17
Nessas situações, está indicada avaliação complementar e/ou encaminhamento para o neurologista ou emergência clínica pela
possibilidade de causa estrutural subjacente.
→Aparecimento súbito.
→Cefaleia ou dor mais intensa (“nunca tive uma dor como essa” ou “essa é a pior dor da minha vida”).
→Mudança do padrão de dor (“eu tenho dor de cabeça, mas, dessa vez, ela está muito diferente”).
→Cefaleia de evolução insidiosa e progressiva, atingindo o ápice em dias ou poucos meses.
→Cefaleia de início tardio (após os 50 anos).
→Estado de mal enxaquecoso (crise de enxaqueca com duração maior do que 72 horas) refratário a tratamento.
→Cefaleia noturna ou ao acordar de início recente.
→Cefaleia associada a alteração do estado mental, nível de consciência, orientação ou cognição.
→Cefaleia associada a déficit neurológico focal.
→Cefaleia associada a esforço (pós-coito ou atividade física, na tosse ou espirro, ou manobra de Valsalva).
→Cefaleia iniciada após trauma de crânio recente.
→Cefaleia nova associada a crise epiléptica.
→Cefaleia associada à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), em paciente com neoplasia ou discrasia
sanguínea (em uso de anticoagulantes).
→Cefaleia em paciente com rigidez de nuca.
→Cefaleia em paciente com febre, vômitos, mialgias.
→Sintomas ou sinais visuais (visão turva, resposta assimétrica pupilar, papiledema).
Para adultos com cefaleia aguda, a TABELA 75.1 relaciona o sinal e/ou o sintoma de alerta, bem como os respectivos
diagnósticos diferenciais e exames complementares necessários.20
Para adultos com cefaleia não aguda, as recomendações para solicitação de exame de neuroimagem, da American Academy
of Neurology (AAN),21,22 são as seguintes: achado inexplicável anormal no exame neurológico; pacientes com características
atípicas de dor de cabeça ou que não cumprem os critérios diagnósticos para migrânea ou outras cefaleias primárias; ou que
tenham algum fator de risco adicional, como imunodeficiência. A AAN conclui ainda que a solicitação de neuroimagem não se
justifica em pacientes com migrânea e exame neurológico normal; que a evidência é insuficiente para que se façam
recomendações acerca da solicitação de neuroimagem na presença ou ausência de sintomas neurológicos e na cefaleia do tipo
tensional; e que não há evidências para orientar a escolha entre ressonância magnética ou tomografia computadorizada na
avaliação da migrânea ou de outra dor de cabeça não aguda.
As neoplasias intracranianas, a hemorragia subaracnóidea e o hematoma subdural incidem em 12/100.000 pacientes/ano e,
destes, apenas metade têm dor de cabeça.23 A solicitação rotineira de tomografia computadorizada em pacientes com cefaleia é,
por

essa razão, de benefício duvidoso e de alto custo, devendo os pacientes serem selecionados pelo médico de acordo com dados da
história e do exame físico.
Em revisão sistemática,24 as seguintes características clínicas foram úteis para predizer a presença de uma anormalidade
grave intracraniana: cefaleia do tipo cluster (LR=10,7, IC 95% 2,2-52); achados anormais no exame neurológico (LR=5,3, IC 95%
2,4-12); dor de cabeça indefinida (i. e., sem critérios para cluster, enxaqueca ou cefaleia tensional) (LR=3,8, IC 95% 2,0-7,1); dor
de cabeça com aura (LR=3,2, IC 95% 1,6-6,6); dor de cabeça agravada pelo esforço ou manobra de Valsalva (LR=2,3, IC 95%
1,4-3,8) e dor de cabeça com vômito (LR=1,8, IC 95% 1,2-2,6).
O eletroencefalograma (EEG) não é útil na avaliação rotineira de pacientes com cefaleia, mas pode ser usado em pacientes
com cefaleia e sintomas sugestivos de epilepsia, como aura atípica ou perda de consciência episódica.25

Avaliação do impacto da cefaleia na qualidade de vida


O impacto da cefaleia na vida das pessoas pode ser avaliado por meio do teste Headache Impact Test (HIT). 26 O instrumento
é de rápido preenchimento (FIGURA S75.2, on-line)26 e permite avaliar a severidade da dor e o impacto na qualidade de vida, o
progresso individual ao longo do tempo e o efeito dos tratamentos realizados. 27 Além disso, proporciona melhor entendimento de
como a dor de cabeça afeta a sua vida e facilita a comunicação entre paciente e médico. Ao entender exatamente como a dor de
cabeça afeta o paciente, o médico pode oferecer um plano de tratamento mais efetivo. 28

Outra ferramenta é o Migraine Disability Assessment Questionnaire (MIDAS), também validada para o português (FIGURA
S75.3, on-line), que permite medir o grau de incapacidade provocado pela migrânea na vida dos pacientes. 29 O MIDAS permite
estadiar a incapacidade em mínima (escore entre 0 e 5), leve (escore entre 6 e 10), moderada (escore entre 11 e 20) e severa
(escore acima de 21).

CLASSIFICAÇÃO
A Sociedade Internacional de Cefaleias propôs a Classificação Internacional de Cefaleias, cuja segunda edição foi publicada
em 2004 (International Classification of Headache Disorders, ICHD-II).30 Esses critérios são amplamente aceitos e
implementados tanto na prática clínica como na pesquisa. A classificação é hierárquica, do primeiro ao quarto nível. O primeiro
nível indica o grupo ao qual o paciente pertence; por exemplo, enxaqueca, cefaleia tensional ou em salvas. O segundo nível é o
subtipo. Em APS, são aplicados apenas os diagnósticos do primeiro nível, e eventualmente os do segundo.
As cefaleias são classificadas como primárias, definidas pelos sintomas, quando possuem natureza disfuncional e não há
participação de processos estruturais na etiologia da dor; e secundárias, definidas pela etiologia. Em APS, as cefaleias primárias
são as mais prevalentes e, dentre elas, a enxaqueca e a cefaleia tensional.
Na prática clínica, é possível também classificar as cefaleias com relação ao modo de instalação e evolução, 31 podendo ser
classificadas como agudas, as que atingem seu pico máximo em minutos ou poucas horas (tanto as cefaleias primárias como as
secundárias podem apresentar este tipo de instalação), subagudas, as que possuem instalação insidiosa, atingindo o ápice de dias
até três meses (ocorrem, principalmente, nas cefaleias secundárias, decorrentes de hematomas subdurais, tumores de crescimento
rápido), e crônicas, as que persistem por mais de três meses e, em geral, são primárias. As cefaleias crônicas podem ser
recidivantes, ocorrendo por período variável de tempo e reaparecendo, e persistentes, aparecendo diariamente, por um período
mínimo de quatro horas, com a intensidade da dor permanecendo a mesma ao longo dos meses (como na cefaleia crônica diária).

ACOMPANHAMENTO DO PACIENTE COM CEFALEIA


O entendimento da natureza da dor pode requerer várias consultas. Nas reconsultas, é importante avaliar a evolução
do quadro da dor e do impacto que ela está trazendo para a qualidade de vida dos pacientes. É importante também
monitorar o uso de analgésicos para evitar que sejam utilizados em excesso e estimular o autocuidado para que o paciente
possa manejar sua cefaleia no dia a dia.
A classificação da cefaleia é importante para se estabelecer o plano terapêutico mais adequado para o paciente. Como as
causas primárias, especialmente a enxaqueca e a tensional, são as mais comuns, e como o entendimento da dor poderá levar várias
consultas, é importante revisar a possibilidade de causas secundárias frequentes nas reconsultas, sobretudo em casos que não
respondem bem ao plano terapêutico inicial. Dependendo da causa secundária, reconhecida no acompanhamento, outros
profissionais de saúde (fisioterapeuta, dentista, psiquiatra, psicólogo) poderão auxiliar no plano terapêutico.

CEFALEIAS PRIMÁRIAS
Migrânea (ou enxaqueca)
A ICHD-II30 propõe dois subtipos principais: a migrânea sem aura (também conhecida por migrânea comum ou hemicrania
simples) e a migrânea com aura (também conhecida por migrânea clássica). A migrânea sem aura é o subtipo mais comum. Tem
uma frequência de crises maior e em geral é mais incapacitante do que a com aura. Na TABELA 75.2 são apresentados os
critérios diagnósticos para a migrânea sem aura e na TABELA 75.3, para a migrânea com aura.
A aura é um sintoma neurológico focal temporário que acontece imediatamente antes ou no início da cefaleia, em geral se
desenvolve gradualmente em 5 a 20 minutos e dura menos de 60 minutos. Pacientes que têm crises com aura costumam apresentar
também crises sem aura. Alguns pacientes experimentam uma fase premonitória, antecedendo em horas ou dias o aparecimento da
dor (geralmente de 2 a 48 horas). Os sintomas premonitórios ocorrem antes da aura na migrânea com aura e antes do início da dor
na migrânea sem aura. Os sintomas premonitórios mais comuns são fadiga ou hipoatividade, depressão, euforia ou hiperatividade,
apetite específico para determinados alimentos, aumento do apetite e bocejos repetidos.

A migrânea pode apresentar complicações, como as descritas na TABELA 75.4, que exigem rápido reconhecimento e
manejo, sendo razões para o encaminhamento a serviço de atenção secundária ou emergência clínica.

Tratamento da migrânea
As expectativas dos pacientes com o tratamento da migrânea podem variar, mas o alívio da dor e o rápido retorno às
atividades diárias são os resultados mais desejados.32,33

O tratamento pode ser iniciado de duas maneiras. Na primeira, o plano terapêutico é instituído “passo a passo”, iniciando
com um fármaco menos potente e ajustando a dose e/ou realizando a troca ou a associação de outros medicamentos ao longo do
tratamento. Em alguns casos, o tempo de ajuste pode ser longo, expondo o paciente a um tempo de dor desnecessário. Na segunda,
o tratamento baseia-se na intensidade da crise, oferecendo um esquema de manejo de acordo com a gravidade dos sintomas. 34,35
A segunda maneira possibilita um cuidado centrado no paciente, estratificando o cuidado conforme a gravidade da doença.
Três etapas são importantes: medir o nível de incapacidade associada, individualizar e planejar o tratamento de acordo com esse
nível e acompanhar o paciente para avaliar a eficácia e tolerabilidade do tratamento. 36
Para avaliar o nível de incapacidade associada, pode-se usar o diário de dor por um período de 2 a 4 semanas, ou os
instrumentos HIT e MIDAS, abordados no tópico Avaliação do Impacto da Cefaleia na Qualidade de Vida. As ferramentas HIT e
MIDAS são de fácil e rápida aplicação e interpretação. Para seu preenchimento, deve-se orientar o paciente a considerar os piores
episódios de dor. Dessa forma, o tratamento ideal depende da gravidade conhecida ou esperada das crises.
A abordagem estratificada fornece melhores resultados clínicos do que a estratégia “passo a passo”, embora tenha mostrado
maior incidência de eventos adversos de intensidade leve a moderada. 37
Terapia abortiva
A terapia abortiva visa ao alívio da dor. O U. S. Headache Consortium 36 fez as seguintes orientações para o manejo da crise
de migrânea em APS:
→Educar os pacientes sobre sua condição e tratamento, incentivando-os a participarem na elaboração do plano de cuidado.
→Usar triptanos ou ergotamina em pacientes com quadros mais graves de migrânea e naqueles cuja dor de cabeça responde
mal aos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) ou analgésicos.
→Não utilizar a via oral em pacientes que se apresentam com náuseas ou vômitos nas crises.
→Considerar uma medicação de resgate autoadministrada para pacientes com migrânea severa que não respondem bem aos
tratamentos propostos.
→Proteger contra o uso excessivo de medicação, frequentemente responsável pela cronificação da dor.
Observando-se essas recomendações e seguindo-se uma abordagem estratificada, pode-se, por exemplo, para um paciente em
crise cuja migrânea provoca incapacidade leve, iniciar com analgésicos comuns ou AINEs, oferecendo um triptano em caso de o
tratamento inicial não ser efetivo; para outro paciente, com uma migrânea de incapacidade severa, está indicado iniciar o
tratamento de uma crise com triptanos.
As crises de migrânea podem ser tratadas com medicamentos inespecíficos, como paracetamol, dipirona ou AINEs, ou
específicos (antimigranosos), como a ergotamina e os triptanos. Os medicamentos mais utilizados em APS, com suas respectivas
doses, vias de administração e posologias, podem ser consultados na TABELA 75.5.
A dipirona e o paracetamol são efetivos para o tratamento da dor, assim como os AINEs, incluindo aspirina, ibuprofeno,
naproxeno, cetoprofeno e diclofenaco, representando todos uma boa alternativa de manejo. 36, 38-40 Os AINEs são efetivos no alívio
agudo da migrânea, promovendo alívio dos sintomas (NNT=6 a 10 para resolução da dor em duas horas) A; apresentações
solúveis parecem ter maior eficácia. O paracetamol (NNT=12) A e a dipirona intravenosa B também mostraram-se efetivos. Da
mesma forma, a combinação de paracetamol, aspirina e cafeína em pacientes com migrânea mostrou-se efetiva para o tratamento
da dor, promovendo alívio dos sintomas em 60% dos pacientes em duas horas e em 79% em seis horas (NNT=4) A.41
Os opioides promovem alívio da dor, mas são associados a uso excessivo e dependência, sendo, de maneira geral,
desencorajados em APS. Devem ser considerados, porém, nos pacientes com migrânea infrequente e incapacitante, mas com
contraindicações para o tratamento específico (p. ex., doença cardiovascular). 42
A ergotamina e a diidroergotamina podem ser utilizadas no tratamento da migrânea com incapacidade moderada a severa D.
O medicamento deve ser usado no início dos sintomas prodrômicos, para que tenha o máximo de benefício, podendo ser usadas
doses adicionais após 30 e 60 minutos da primeira dose, caso a dor não tenha cedido. A dose não deve ultrapassar 6 mg por dia ou
10 mg por semana. Efeitos adversos comuns são náuseas, vertigem e diarreia; os menos comuns, síncope, tremor, angina e
claudicação. A ergotamina é contraindicada em pacientes com cardiopatia isquêmica, doença vascular periférica, hipertensão não
controlada, dano hepático ou renal, hipertireoidismo, porfiria e na gestação. Além disso, não deve ser utilizada em combinação
com triptanos (dentro de 24 horas). A diidroergotamina, também efetiva no tratamento da migrânea, por via intravenosa ou
intramuscular, não é comumente utilizada em APS, sendo seu uso limitado ao tratamento da migrânea complicada em emergência.
Por via oral ou spray nasal, a diidroergotamina é uma alternativa para o manejo da crise em APS. 43
Os triptanos são agonistas serotoninérgicos seletivos e podem ser administrados em qualquer momento da crise migranosa,
embora seu uso também seja recomendado preferencialmente no início da crise. Podem aliviar também os sintomas associados,
incluindo náuseas, foto e fonofobia. Podem-se oferecer doses adicionais, em caso de persistência da dor, após a primeira
administração, em duas horas após o uso por via oral ou inalatória e em uma hora após o uso por via subcutânea.
Entre os fármacos utilizados para crise aguda de enxaqueca, os triptanos são aqueles que apresentam maior evidência
científica de efetividade. O sumatriptano promove de forma importante alívio sintomático na crise aguda (NNT=6 e 5 para
resolução da dor em duas horas, com 50 mg e 100 mg, respectivamente) A. A efetividade dos triptanos é semelhante, quando
administrados em doses equivalentes B.44,45 No entanto, o eletriptano, na dose de 80 mg, e o rizatriptano, na dose de 10 mg, foram
superiores ao sumatriptano, na dose de 100 mg, com relação ao alívio da dor em duas horas. O eletriptano, na dose de 40 mg, e o
rizatriptano, na dose de 5 mg, mostraram resultados similares ao sumatriptano, na dose de 100 mg. 46Além disso, alguns pacientes
podem responder melhor a um triptano do que a outro. 47 Alguns triptanos estão disponíveis como injeção subcutânea
ou spray nasal, permitindo um início mais rápido de ação quando comparados com os comprimidos (10 a 20 minutos vs. 30 a 60
minutos, respectivamente).47 O naratriptano tem a vantagem de custo mais acessível.
A escolha do triptano pode ser feita considerando-se a situação clínica do paciente, como mostrado na TABELA 75.6. Os
efeitos adversos são similares entre os triptanos e incluem parestesia ou formigamento, tontura, sonolência, náuseas e sensação de
calor ou pressão na cabeça e no pescoço. São contraindicados na presença de doença cardíaca isquêmica, doença cerebrovascular,
doença vascular periférica, hipertensão não controlada e insuficiência hepática. Além disso, não devem ser utilizados em
combinação com ergotamina (dentro de 24 horas).

A metoclopramida intravenosa parece ser efetiva no tratamento agudo da crise, promovendo alívio dos sintomas (NNT=4
para alívio sintomático) D. Nos pacientes que apresentam náuseas e vômitos nas crises, a utilização de antieméticos (como
metoclopramida) deve ser associada.48

Terapia profilática
A profilaxia é um dos mais importantes aspectos do manejo da migrânea. Ao diminuir a frequência das crises e melhorar a
resposta do paciente à terapia abortiva, a terapia profilática também evita a exposição do paciente ao uso excessivo de
medicamentos, prevenindo assim a cronificação da dor por esse motivo. A TABELA 75.7 apresenta as suas indicações. Para a
prevenção da dor, podem ser utilizados recursos não farmacológicos e farmacológicos.
Dentre os não farmacológicos, a abordagem educativa é fundamental e tem como objetivo promover o entendimento do
paciente a respeito da migrânea, o autocuidado e a adesão ao tratamento. O paciente deve ser estimulado a identificar possíveis
fatores desencadeantes das crises. Esses fatores aumentam a probabilidade de crise e incluem fatores alimentares (p. ex., álcool,
chocolate, alimentos com tiramina, aditivos alimentares como glutamato monossódico e aspartato), medicamentos (p. ex.,
nitratos), estresse psicossocial, mudanças climáticas e eventos hormonais nas mulheres (ver tópico Cefaleia Menstrual). 13 Quando
algum fator desencadeante for identificado, um plano de manejo específico de atenuação ou eliminação do fator deve ser
elaborado. As técnicas de relaxamento e biofeedback e acupuntura são métodos úteis para a profilaxia da migrânea. 49-52As
abordagens psicoterápica e fisioterápica também podem ser utilizadas em casos selecionados.52 A homeopatia não é
recomendada.52
Para a terapia profilática farmacológica, é importante seguir estes princípios: escolher o medicamento mais adequado para o
paciente (considerando efetividade, condições coexistentes e efeitos adversos); começar com uma dose baixa, aumentado-a
gradualmente até alcançar o resultado esperado e interrompendo-a na ocorrência de efeito adverso; se a primeira escolha falhar,
escolher uma segunda opção de outra classe medicamentosa; preferir a monoterapia (embora a combinação de terapias possa ser
necessária); ao alcançar o controle esperado, manter o tratamento por seis meses, podendo-se então iniciar a redução gradual da
medicação até sua retirada.42
As medicações com maior efetividade profilática são os antidepressivos, os anticonvulsivantes e os anti-hipertensivos.
A TABELA 75.8 mostra os fármacos, as doses iniciais e máximas e os efeitos adversos dos medicamentos utilizados.
Dentre os antidepressivos, os tricíclicos, como a amitriptilina, apresentam maior evidência de benefício, reduzindo o número
e a intensidade das crises B.53 A nortriptilina é o tricíclico menos sedativo. O uso de inibidores seletivos da recaptação da
serotonina é controverso, e sua efetividade parece ser inferior à dos tricíclicos, mas o uso de fluoxetina pode ser
considerado.44,52 Os anticonvulsivantes também são efetivos, reduzindo o número mensal de crises em cerca de 1,3 episódios
(NNT=4 para diminuição de crises em 50%) B. O ácido valproico e o topiramato são os fármacos mais estudados, podendo ainda
ser considerado o uso de gabapentina.42,53-56
Com relação aos anti-hipertensivos, os betabloqueadores têm reconhecida efetividade, sendo utilizados o propranolol, o
metoprolol, o atenolol, o timolol e o nadolol B, dos quais o propranolol é aquele com maior evidência de benefício. 53,57 Os
antagonistas do receptor da angiotensina II e os inibidores da enzima conversora da angiotensina, em especial o candesartan e o
lisinopril, respectivamente, parecem reduzir os episódios de enxaqueca D. Estudos antigos avaliaram os bloqueadores dos canais
de cálcio, em especial o verapamil, apresentando provável benefício em relação à diminuição do número de crises. Esses fármacos
podem ser considerados, particularmente, em pacientes com contraindicação ao uso de betabloqueadores. 42,58
Cefaleia tensional (cefaleia de tensão, cefaleia de estresse ou cefaleia comum)
É o tipo mais comum de cefaleia primária; sua prevalência ao longo da vida na população geral varia, em diferentes estudos,
de 30 a 78%.30 A cefaleia tensional pode ser episódica ou crônica. A episódica pode ser classificada nos subtipos infrequente e
frequente.30 O subtipo infrequente tem um impacto muito pequeno na vida da pessoa, mas o subtipo frequente pode provocar
considerável incapacidade. A cefaleia tensional crônica gera incapacidade e elevado ônus pessoal e socioeconômico.

A cefaleia tensional pode apresentar dolorimento pericraniano, que aumenta com a intensidade e a frequência da dor, e
acentua-se ainda mais durante a crise. O dolorimento pericraniano é facilmente pesquisado através da palpação manual com o
segundo e terceiro dedos sobre os músculos frontal, temporal, masseter, pterigóideo, esternoclidomastóideo, esplênio e trapézio.
Cefaleia do tipo tensional episódica infrequente e frequente
Nas TABELAS 75.9 e 75.10 são mostrados, respectivamente, os critérios diagnósticos da cefaleia do tipo tensional episódica
infrequente e frequente, segundo a ICHD-II.30
Cefaleia do tipo tensional crônica
A cefaleia do tipo tensional crônica evolui ao longo do tempo a partir da episódica, mantendo as mesmas características,
porém com crises diárias ou muito frequentes de cefaleia que podem durar horas ou ser contínuas. O uso abusivo de medicação é
uma causa de cronificação e, uma vez constatado, deve-se orientar sua suspensão. Nesses casos, se após dois meses o paciente
seguir apresentando dor, o diagnóstico de cefaleia do tipo tensional crônica poderá ser feito. Na TABELA 75.11 estão os critérios
diagnósticos da cefaleia do tipo tensional crônica.30
Tratamento da cefaleia do tipo tensional
O plano terapêutico da cefaleia do tipo tensional envolve o tratamento abortivo, principalmente farmacológico, e profilático,
farmacológico e não farmacológico.59
O tratamento abortivo medicamentoso, sobretudo nas formas episódicas, é realizado com AINEs ou com analgésicos
comuns.35,59 Os AINEs (ibuprofeno, naproxeno, cetoprofeno e AAS), o paracetamol e a dipirona são eficazes e considerados
fármacos de primeira linha no tratamento B.59-63 A combinação de cafeína com ibuprofeno ou com paracetamol aumenta a eficácia
de ambos B.64,65 Não há evidência para o uso de relaxantes musculares.59
É importante evitar o uso de ansiolíticos, pois eles podem mascarar situações de vida causadoras de estresse e ainda favorecer
o uso excessivo de medicação com consequente risco de adicção.35 Se o paciente estiver passando por estresse, crise familiar ou do
ciclo de vida ou mesmo se sintomas de transtorno de ansiedade ou de humor estiverem presentes, uma abordagem dirigida aos
problemas identificados deverá ser realizada. Em pacientes com tensão muscular, procedimentos não medicamentosos podem ser
empregados, como massoterapia na musculatura cervical, aplicação de calor úmido local, banhos quentes de imersão e técnicas de
relaxamento.
No tratamento profilático, indicado para a cefaleia do tipo tensional crônica, os antidepressivos tricíclicos são os fármacos de
primeira linha, sendo efetivos na diminuição da frequência e da intensidade das crises B.59 Foi estimado que eles podem diminuir
o uso de analgésicos em um terço dos pacientes.66 Outro estudo mostrou que quando antidepressivos tricíclicos foram usados com
técnicas de relaxamento, a efetividade das intervenções foi maior, produzindo redução maior do que 50% nos escores de cefaleia
em 64% dos pacientes (em comparação com 38% dos que receberam somente antidepressivos tricíclicos, 35% dos que receberam
somente técnicas de relaxamento e 29% dos que receberam placebo). 67
A amitriptilina é o mais frequentemente usado, embora a nortriptilina e a clomipramina também possam ser utilizadas. A
dose inicial de tricíclicos deve ser baixa (10 a 25 mg antes de dormir); porém, a dose média efetiva de amitriptilina para pacientes
com cefaleia do tipo tensional crônica é de 50 a 75 mg/dia. Após seis meses, o tratamento pode ser descontinuado, e uma redução
na dose diária de 20 a 25% a cada 2 a 3 dias pode evitar a recidiva da dor.

O benefício dos demais antidepressivos é incerto. Não há evidência convincente para o uso de inibidores seletivos da
recaptação da serotonina na prevenção de cefaleia do tipo tensional, porém, na prática clínica, podem ser tentados em pacientes
que não toleram tricíclicos.59 Outras opções incluem a mirtazapina (um antidepressivo noradrenérgico e serotoninérgico
específico), na dose de 15 a 30 mg/dia, embora associada a fadiga e ganho de peso, o topiramato, anticonvulsivante utilizado na
prevenção da migrânea, embora não se tenha evidência científica robusta para o seu uso, e a tizanidina, um relaxante muscular
que, na dose de 4 mg/dia, associada a amitriptilina (20 mg/dia), mostrou-se mais efetiva (alívio mais rápido dos sintomas durante a
primeira semana de tratamento da cefaleia do tipo tensional crônica) do que a amitriptilina sozinha. 59
Na abordagem inicial da cefaleia do tipo tensional, somado ao plano medicamentoso, é importante esclarecer o contexto de
origem do sintoma e/ou, se possível, identificar fatores desencadeantes, buscando-se, em seguida, a atenuação ou a eliminação
desses fatores, como, por exemplo, se associada a conflitos do ciclo vital ou familiares ou ao trabalho (má postura ou outros
problemas ergonômicos).
Medidas não farmacológicas incluem o manejo do estresse, a higiene do sono e a cessação do tabagismo. 68 Existe sólida
evidência mostrando a efetividade de tratamentos psicocomportamentais, incluindo técnicas cognitivo-comportamentais e de
relaxamento e biofeedback na profilaxia da cefaleia do tipo tensional B.69 As melhorias produzidas pelo tratamento
comportamental podem aparecer lentamente em comparação com as produzidas farmacologicamente; no entanto, a melhoria é
mantida por períodos mais prolongados, de até vários anos. 59,69 A combinação de manejo do estresse e antidepressivos tricíclicos é
mais efetiva do que qualquer terapia comportamental ou tratamento medicamentoso sozinho B.67 As técnicas físicas, incluindo
educação postural, instrução ergonômica, massagem e aplicação de calor ou frio, são mais úteis nas cefaleias episódicas, não tendo
sido demonstrado o seu benefício a longo prazo ou na profilaxia. 59
A acupuntura é uma opção terapêutica para a prevenção de crises, exercendo discreto porém significativo benefício B. A
adição de acupuntura para tratamento das cefaleias agudas reduz a frequência de dores de cabeça a curto prazo (três meses). 70 Um
ensaio clínico71 mostrou que o escore de dor em 12 meses foi menor no grupo que recebeu acupuntura e que os pacientes que
receberam acupuntura tiveram 22 dias a menos de cefaleia por ano; em comparação com o grupo-controle, os pacientes que
receberam acupuntura usaram 15% menos medicação, realizaram 25% menos consultas ao médico de família e comunidade e
tiveram 15% menos dias de afastamento do trabalho.
A cefaleia do tipo tensional episódica coexiste muitas vezes com a migrânea sem aura, podendo ser identificada, por
exemplo, pelo diário da dor. Como o tratamento da migrânea difere consideravelmente daquele da cefaleia do tipo tensional, é
importante orientar os pacientes para diferenciar tais tipos de dor. Isso permite selecionar o tratamento mais adequado para cada
tipo de dor, evitando o uso excessivo de medicação que pode cronificar a dor. Alguns pacientes com cefaleia do tipo tensional
crônica desenvolvem características semelhantes às da migrânea, quando apresentam dor intensa e, reciprocamente, alguns
migranosos podem desenvolver dor cada vez mais frequente com características de cefaleia do tipo tensional no intervalo entre as
crises.

Cefaleia em salvas
A cefaleia em salvas é pouco prevalente, ocorrendo em 0,2 a 0,4% da população. A idade de início é, em geral, entre os 20 e
40 anos, e a prevalência é 3 a 4 vezes maior em homens do que em mulheres. Em 5% dos pacientes ela pode ser herdada como um
traço autossômico dominante. A ICHD-II30 classifica a cefaleia em salvas nos subtipos episódica e crônica.
A crise é caracterizada por séries (salvas) de dor unilateral muito intensa, em geral na região periorbital e temporal, com
início súbito e duração de 15 a 180 minutos, habitualmente entre 45 e 90 minutos. Outras regiões da cabeça podem ser afetadas
com menos frequência. As crises tendem a se repetir sempre do mesmo lado da cabeça, embora por vezes possam mudar de lado
ou raramente ser bilaterais. As salvas duram entre uma semana e um ano, em geral de duas semanas a três meses. Nesse período, a
crise pode ocorrer de uma vez a cada dois dias até oito vezes por dia, quase sempre no mesmo horário, normalmente de
madrugada.
O subtipo episódico ocorre em períodos que duram de sete dias a um ano, separados por períodos de remissão que duram um
mês ou mais. O subtipo crônico ocorre por mais de um ano sem remissão ou com períodos de remissão que duram menos de um
mês. A cefaleia em salvas pode manifestar-se de forma crônica desde o início ou evoluir a partir do subtipo episódico; a forma
crônica pode passar para a forma episódica. Cerca de 80% dos pacientes apresentam a forma episódica e 20%, a forma crônica. As
crises associam-se a um ou mais dos seguintes aspectos, todos ipsilaterais à dor: hiperemia conjuntival, lacrimejamento, congestão
nasal, rinorreia, sudorese na fronte e na face, miose, ptose, edema palpebral. Durante as crises, a maioria dos pacientes fica
inquieta ou agitada, o paciente em geral é incapaz de deitar-se e caracteristicamente fica andando de um lado para outro.
A TABELA 75.12 apresenta os critérios diagnósticos da cefaleia em salvas segundo a ICHD-II.30

Tratamento da cefaleia em salvas


O manejo da cefaleia em salvas inicia-se com a orientação sobre a doença e o seu tratamento, que pode ser sintomático (da
crise) ou profilático (de manutenção). Na crise, tendo em vista a intensidade e o tempo de duração da dor, o tratamento deve ser
instituído o mais rápido possível.
A inalação de oxigênio puro, a 100%, por cânula nasal, 5 a 7 litros/minuto durante 5 a 15 minutos, pode debelar uma crise
rapidamente D.72,73Os triptanos são a primeira escolha para o tratamento farmacológico, aliviando a intensidade da dor em grande
parte dos pacientes em até 15 minutos (NNT=3) B. Sugere-se o uso de sumatriptano 6 mg por via subcutânea ou zolmitriptano 10
mg por via inalatória nasal, pois há maior documentação do benefício.74 A segunda opção no tratamento abortivo da crise é a
ergotamina, de preferência por via sublingual, 2 mg a cada 30 minutos, até 6 mg/dia ou 10 mg/semana D.72 Os potenciais efeitos
adversos e as contraindicações ao uso dos triptanos e ergotamina devem ser observados (ver tópico Tratamento da Migrânea).
Quando as crises de cefaleia são muito frequentes ou apresentam-se na forma crônica, deve ser instituído o tratamento
profilático. Alguns possíveis fatores desencadeantes devem ser investigados: ingestão de bebidas alcoólicas, que desencadeia a
crise minutos após a ingestão, mudanças de clima, alterações da pressão atmosférica, uso de vasodilatadores (nitratos) e atividade
física. Esses fatores não desencadeiam crises durante os períodos de remissão.
O tratamento farmacológico profilático de primeira escolha é o verapamil, em dose de 240 a 320 mg C.72,73 Uma alternativa é
a profilaxia de transição com o uso a curto prazo de corticosteroides, podendo-se utilizar prednisona, em dose de 60 a 80 mg/dia,
por três dias, com redução gradual por duas semanas D.72,73 Se o paciente não responder ao verapamil, outra opção é o uso de
carbonato de lítio, em dose de 300 a 900 mg D. Outras medicações incluem ácido valproico, topiramato, metisergida e
gabapentina, mas as evidências são insuficientes para recomendar seu uso rotineiro. 75

Cefaléia crônica diária


Embora a maioria das dores de cabeça sejam episódicas, estima-se que 3 a 4% da população tenha cefaleia crônica diária
(CCD).75 A incapacidade associada a esse transtorno é substancial e inclui uma diminuição da qualidade de vida relacionada com a
saúde física e mental.76Fatores de risco para a CCD incluem obesidade, uma história de dor de cabeça frequente (mais de uma por
semana), consumo de cafeína e uso excessivo (mais de 10 dias por mês) de medicamentos para cefaleia. Mais da metade dos
pacientes com CCD têm distúrbios do sono e do humor, problemas como depressão ou ansiedade, e tais distúrbios podem
exacerbar a dor.76
O termo CCD designa um grupo heterogêneo de cefaleias, mas apenas alguns são vistos comumente na prática de APS. As
três formas mais comuns são a migrânea crônica, a cefaleia do tipo tensional crônica (CTTC) e a cefaleia crônica por uso
excessivo de medicação.68
A migrânea crônica é responsável por um terço das cefaleias crônicas diárias. Para o diagnóstico, é preciso afastar a
possibilidade de uso excessivo de medicação (uso de medicação sintomática por mais de 10 dias por mês). Nesse caso, por
exemplo, se o paciente parar de usar medicação sintomática e retornar para um padrão de dor de migrânea episódica, pode ser feito
o diagnóstico de cefaleia por uso abusivo de medicação.
Os pacientes com migrânea crônica costumam referir história de migrâneas episódicas que, em torno dos 30 ou 40 anos, vão
se tornando mais frequentes, passando a ocorrer todos os dias ou quase diariamente. A migrânea sem aura é a doença mais
propensa a cronificar com o abuso de medicamento sintomático. Paralelamente ao aumento da frequência, ocorre diminuição na
intensidade da cefaleia, às vezes se assemelhando às características da cefaleia tensional, mas também ocorrendo episódios de dor
mais intensa.68,75
Mais de metade dos casos de cefaleia crônica diária são devidos a CTTC. A CTTC muitas vezes coexiste com a migrânea. O
diário de dor é uma ferramenta importante para caracterizar bem o sintoma, auxiliando o diagnóstico, e o impacto na vida do
paciente.68,75
A dor de cabeça por uso excessivo de medicação pode resultar do uso frequente e prolongado de quase todos os analgésicos,
incluindo paracetamol, AAS, AINEs, cafeína, codeína, ergotaminas e triptanos (ver tópico Cefaleia por Uso Excessivo de
Medicação). O uso frequente de tais medicamentos, mais do que 2 a 3 vezes por semana ou por mais de 10 dias por mês, pode
resultar em uma dor crônica que não responde à profilaxia. 68,76 A abordagem consiste em orientar os pacientes sobre o uso
excessivo de medicações e efeito-rebote. Sugere-se um período de dois meses de observação, após a cessação de um padrão de uso
excessivo de medicação, para se estabelecer o diagnóstico da cefaleia subjacente. 68 Não há evidência para sugerir que uma
determinada estratégia de retirada seja superior a outras.77
É importante avaliar a presença de comorbidades psiquiátricas, incluindo ansiedade e depressão, frequentemente associadas a
dores de cabeça crônicas, pois o seu tratamento poderá melhorar a evolução da CCD. 68

Abordagem multidisciplinar no tratamento das cefaleias primárias


Abordagens multidisciplinares estão ganhando aceitação no tratamento da cefaleia, principalmente no plano terapêutico de
pacientes com cefaleia crônica, de díficil tratamento, ou nos casos mais graves, com comorbidades importantes ou maior
incapacidade. Embora os estudos disponíveis apontem para uma redução da frequência das crises e da carga de doença, além da
diminuição do risco do desenvolvimento da cefaleia por uso excessivo de medicação, ainda faltam evidências sobre a efetividade
das estratégias multiprofissionais. Nessa abordagem, médicos, enfermeiros, psicólogos e fisioterapeutas têm cada um o seu papel,
sendo muitas as possibilidades de combinação entre esses profissionais e também de intensidade das terapias. 78,79

Quando encaminhar para outro nível de atenção


O encaminhamento para o nível secundário pode ser apropriado nos pacientes com cefaleia primária que não respondem ao
tratamento, nos pacientes com diagnóstico obscuro ou ainda quando as necessidades dos pacientes forem superiores às que podem
ser atendidas na APS. O encaminhamento deve ser realizado prontamente quando houver sintomas ou sinais de alerta e na suspeita
de cefaleia secundária que exija investigação complementar ou tratamento em emergência. 34

CEFALEIA SECUNDÁRIA
Segundo a ICHD-II,30 quando uma cefaleia ocorre concomitantemente a outro transtorno reconhecidamente capaz de causá-
la, ela é classificada como cefaleia secundária (mesmo que a cefaleia tenha as características de migrânea, cefaleia do tipo
tensional ou cefaleia em salvas). Pacientes com diagnóstico de cefaleia primária, que pioram em estreita relação temporal com
outro transtorno que é causa reconhecida de cefaleia, podem receber os dois diagnósticos (primária e secundária). Os seguintes
fatores apoiam o duplo diagnóstico: relação temporal muito estreita com o transtorno, evidência sobre a relação causal entre o
transtorno e a cefaleia primária, piora acentuada da cefaleia primária e melhora ou acentuada redução ou remissão dentro de três
meses (ou menos para alguns transtornos) após a cura ou melhora do transtorno causador.

Cefaleia atribuída a trauma cefálico e/ou cervical


A cefaleia é um sintoma que pode ocorrer após trauma cefálico ou em região cervical em decorrência de contusão ou de
súbita aceleração e/ou desaceleração do pescoço (na maioria dos casos por acidentes de trânsito) ou ainda de suas complicações,
como hematoma epi ou subdural. Uma variedade de padrões de dor pode se seguir a um trauma cefálico, sendo o padrão mais
comum o da cefaleia do tipo tensional. Mulheres têm um risco maior de cefaleia pós-traumática, e o aumento da faixa etária está
associado a uma recuperação mais lenta e incompleta.
A ICHD-II30 estabeleceu critérios diagnósticos para a cefaleia pós-traumática aguda atribuída à lesão cefálica moderada ou
grave e para a cefaleia atribuída à lesão leve, conforme mostram as TABELAS 75.13 e 75.14.
Quando a cefaleia persistir por mais de três meses após o trauma, será considerada crônica. O tratamento da cefaleia pós-
traumática pode ser realizado da mesma forma que o da cefaleia do tipo tensional e, se necessário, antimigranosos específicos
poderão ser utilizados.13
Cefaleia atribuída à doença vascular craniana ou cervical
As doenças vasculares mais comumente implicadas com cefaleia são a arterite de células gigantes (ACG) ou arterite
temporal, a hemorragia intracraniana não traumática, a malformação vascular não rota e o acidente vascular cerebral isquêmico.
Reconhecer a associação entre a cefaleia e a causa vascular é fundamental para o rápido diagnóstico da doença subjacente e o
tratamento apropriado. Um paciente com cefaleia nova, súbita e intensa (podendo ou não ser acompanhada de sinais focais
neurológicos ou de qualquer alteração do exame neurológico e/ou mental) deverá ser encaminhado a um serviço de emergência,
para que seja realizada investigação complementar e tratamento caso necessário.

Cefaleia atribuída à arterite de células gigantes ou arterite temporal


A ACG é uma vasculite sistêmica, cujo sintoma mais comum é a cefaleia temporal, devido ao envolvimento da artéria
temporal superficial (por isso também chamada de arterite temporal). Como a variabilidade das características da dor é alta,
qualquer cefaleia recente e persistente em um paciente com mais de 50 anos deve sugerir ACG e levar à investigação diagnóstica
apropriada. A incidência é maior em mulheres do que em homens (razão 4:1). Ela representa a vasculite mais comum em adultos.
Quase 40% dos pacientes com polimialgia reumática também têm arterite temporal. A ACG apresenta-se com sintomas
inespecíficos, como febre, mal-estar, dor nas costas e nos ombros e claudicação da mandíbula, sintoma que é fortemente sugestivo
dessa condição.
Segundo a ICHD-II,30 o diagnóstico deve ser feito em uma cefaleia nova, persistente, com um dos seguintes critérios: 1)
artéria temporal edemaciada e dolorosa, com velocidade de sedimentação globular (VSG) e/ou proteína C-reativa (PCR) elevadas
e 2) biópsia da artéria temporal demonstrando ACG. As plaquetas também podem estar elevadas, bem como os testes da função
hepática (fosfatase alcalina, especialmente). Esses testes, embora inespecíficos, podem fornecer mais informações para fazer o
diagnóstico.
O maior risco da ACG é a cegueira uni ou bilateral causada por neurite óptica isquêmica. O intervalo de tempo entre a perda
visual de um olho e de outro costuma ser menor que uma semana. A perda da visão pode ser prevenida com o imediato tratamento
com corticosteroides, de preferência prednisona por via oral. Quando, porém, existirem sintomas oculares, o tratamento deverá ser
instituído por via intravenosa, com metilprednisolona, passando-se para via oral em cinco dias. A dor desaparece ou apresenta
grande melhora dentro de três dias após o início do tratamento com corticosteroides em altas doses. Uma dose de manutenção de
prednisona, por dois anos, é geralmente recomendada. 80
Cefaleia atribuída à hemorragia intracraniana não traumática
A cefaleia da hemorragia intracraniana não traumática é súbita e muito intensa e incapacitante. A hemorragia subaracnóidea
(HSA) tem essas características e é uma condição grave (50% dos pacientes morrem após uma HSA, muitas vezes antes de chegar
ao hospital, e 50% dos sobreviventes ficam incapacitados). A prevalência de HSA aumenta com a idade, em uma relação linear. A
idade média é de 50 anos. A ruptura de aneurismas saculares é responsável por 80% dos casos.
A cefaleia da HSA é abrupta, com frequência unilateral no seu início e acompanhada por náuseas e vômitos, podendo haver
progressão dos déficits neurológicos focais para perda de consciência e alteração do estado mental. Em alguns casos, porém, a
cefaleia aguda pode ser precedida por dor semelhante, porém menos intensa, que se inicia em dias ou semanas antes devido a lento
sangramento. O diagnóstico é confirmado por tomografia computadorizada sem contraste que possui sensibilidade superior a 90%
nas primeiras 24 horas. Se o exame de imagem for negativo, duvidoso ou tecnicamente inadequado, uma punção lombar deverá
ser realizada. O paciente com suspeita de HSA deve ser encaminhado à emergência neurocirúrgica 81 (ver Capítulo Doenças
Cerebrovasculares).
Cefaleia atribuída à malformação vascular não rota
A cefaleia é relatada por aproximadamente 18% dos pacientes com aneurisma cerebral não roto. Em geral, não apresenta
características específicas, mas cefaleia intensa pode ocorrer antes de uma HSA por aneurisma em 50% dos pacientes. Cefaleia por
aneurisma sacular deve ser suspeitada em qualquer cefaleia nova súbita e intensa e também na paralisia aguda do terceiro nervo
craniano acompanhada de dor retro-orbitária e dilatação pupilar. Da mesma forma, a cefaleia atribuída à malformação
arteriovenosa também se apresenta como uma cefaleia nova súbita e intensa. Os aneurismas e as malformações arteriovenosas
devem ser investigados por métodos não invasivos apropriados (angiotomografia ou angiorressonância).
Cefaleia atribuída ao acidente vascular cerebral isquêmico
A cefaleia do acidente vascular cerebral isquêmico é acompanhada por sinais neurológicos focais e/ou alterações da
consciência e não possui características específicas. A cefaleia acompanha o acidente vascular isquêmico em 17 a 34% dos casos.
O diagnóstico diferencial entre um acidente vascular cerebral isquêmico com cefaleia e uma crise de migrânea com aura pode ser
difícil, sendo a forma de instalação fundamental para a diferenciação. No acidente vascular cerebral isquêmico, o déficit focal é
súbito e mais frequentemente progressivo na migrânea com aura. Além disso, os fenômenos positivos (p. ex., escotoma cintilante)
são muito mais comuns na aura da migrânea do que no acidente vascular cerebral isquêmico.

Cefaleia atribuída a transtorno intracraniano não vascular


Nesta seção são incluídas as cefaleias atribuídas às mudanças da pressão intracraniana, às doenças inflamatórias não
infecciosas, às neoplasias intracranianas e às crises epilépticas.
Cefaleias atribuídas às mudanças da pressão
A cefaleia pode ser causada por hiper ou hipotensão liquórica. O aumento da pressão liquórica, com consequente cefaleia,
ocorre na hipertensão intracraniana idiopática (HII), na hipertensão intracraniana secundária a causas metabólicas, tóxicas ou
hormonais, e na hipertensão intracraniana secundária a hidrocefalia. A diminuição da pressão liquórica também pode causar
cefaleia, como a que ocorre na dor pós-punção dural.
A cefaleia atribuída à HII, também conhecida como hipertensão intracraniana benigna (HIB) ou pseudotumor cerebral,
ocorre com mais frequência em mulheres jovens e obesas. Na TABELA 75.15 estão os critérios diagnósticos estabelecidos pela
ICHD-II.30
Os sinais de hipertensão intracraniana constituem importante sinal de alerta, sendo que o papiledema está presente na maioria
dos pacientes. Na sua presença, é necessário realizar investigação complementar e diagnóstico imediatos, para que possa ser feito
o plano de tratamento. Após o atendimento em emergência, o paciente seguirá em acompanhamento em atenção secundária com
neurologista e oftalmologista.
Cefaleia atribuída a neoplasias intracranianas
Esse tipo de cefaleia pode ser atribuído diretamente a neoplasias ou ainda à hipertensão intracraniana ou à hidrocefalia
causada por neoplasia. Na TABELA 75.16 estão os critérios diagnósticos da cefaleia atribuída a neoplasias estabelecidos pela
ICHD-II.30
Cefaleia atribuída à crise epiléptica
Na hemicrania epiléptica, a cefaleia aparece sincronicamente com a crise epiléptica e é ipsilateral à descarga ictal,
desaparecendo logo após a crise epiléptica. O diagnóstico requer o início simultâneo da cefaleia com a descarga ictal demonstrada
por EEG. Também pode ocorrer a cefaleia pós-crise epiléptica, caso em que a dor tem início em três horas após a crise epiléptica,
desaparecendo dentro de 72 horas após a crise.
Cefaleia atribuída a uma substância
A cefaleia pode ser induzida pelo uso ou exposição aguda a uma substância, pelo uso excessivo de medicação ou pode ser um
efeito adverso atribuído ao uso crônico de medicação.
Cefaleia induzida pelo uso ou exposição aguda a uma substância
A cefaleia induzida pelo uso ou exposição aguda a uma substância pode ser causada por álcool, cocaína, maconha,
componentes alimentares ou ainda por efeito adverso de medicações. Na cefaleia induzida por álcool, a dor aparece em até três
horas após a ingestão alcoólica e desaparece dentro de 72 horas. A cefaleia que ocorre após a diminuição ou a redução a zero dos
níveis sanguíneos de álcool é chamada de cefaleia tardia induzida por álcool ou cefaleia da ressaca e é um dos tipos mais comuns
de cefaleia. Ambos os tipos de dor possuem as mesmas características, devendo apresentar pelo menos um dos seguintes critérios:
bilateral, localização frontotemporal, caráter pulsátil e piora com a atividade física.
A cefaleia induzida pela cocaína inicia-se em uma hora após o uso, e a induzida pela maconha, em 12 horas. Ambas
desaparecem dentro de 72 horas. A cefaleia induzida por componentes alimentares aparece em 12 horas após a ingestão do
desencadeador alimentar e desaparece dentro de 72 horas após sua ingestão. A feniletilamina, a tiramina e o aspartame têm sido
responsabilizados por esse tipo de cefaleia.
Na cefaleia por efeito adverso agudo atribuído ao uso de medicação utilizada para outras indicações, a dor deve aparecer
dentro de minutos a horas depois do uso da medicação e desaparecer dentro de 72 horas. Muitos fármacos podem causar cefaleia:
a TABELA 75.17 apresenta uma lista dessas medicações.
Cefaleia por uso excessivo de medicação
A cefaleia por uso excessivo de medicação, também chamada de cefaleia-rebote, na maioria das vezes se sobrepõe a uma
cefaleia primária, frequentemente à migrânea ou à cefaleia tensional, que, por crises frequentes ou crônicas, expõe o paciente ao
uso excessivo de analgésicos ou antimigranosos, levando a esse tipo de cefaleia. Por efeito-rebote, o uso excessivo de medicação
pode cronificar uma cefaleia primária, de maneira, por exemplo, que o uso de triptanos pode aumentar a frequência da migrânea
até o ponto da migrânea crônica. A identificação desse tipo de cefaleia tem fundamental importância clínica, pois os pacientes com
cefaleia crônica não respondem bem ao tratamento profilático da dor enquanto durar o uso excessivo de medicações para o
tratamento abortivo.
As TABELAS 75.18, 75.19, 75.20 e 75.21 apresentam, respectivamente, os critérios diagnósticos para a cefaleia por uso
excessivo de analgésicos, ergotamina, triptanos e opioides, segundo a ICHD-II.30 O tratamento consiste na suspensão do uso do
medicamento implicado na dor, sendo esperado que a dor desapareça ou reassuma o padrão prévio dentro de dois meses após a
interrupção da medicação.
Cefaleia como efeito adverso atribuído ao uso crônico de medicação
Para o diagnóstico desse tipo de cefaleia, o paciente deve fazer uso crônico de medicação para qualquer indicação terapêutica
e a dor, presente em > 15 dias/mês, deve aparecer durante a vigência da medicação e desaparecer após sua interrupção (podendo
levar meses). A hipertensão intracraniana é uma complicação do uso crônico de esteroides anabolizantes, amiodarona e carbonato
de lítio. Outro exemplo é o uso de hormônios exógenos, como os usados para contracepção. O uso crônico dessas medicações
pode aumentar a frequência de uma cefaleia primária preexistente ou ser causa de uma nova.
Cefaleia atribuída à infecção sistêmica ou intracraniana
A cefaleia é um sintoma comum em infecções sistêmicas, virais, bacterianas ou fúngicas, de menor a maior gravidade. Por
essa razão, em uma nova dor de cabeça, deve-se incluir, na anamnese, uma investigação infecciosa, como a ocorrência ou não de,
por exemplo, mal-estar, fraqueza, mialgia, febre, sudorese noturna, perda de peso, tosse, congestão nasal, odinofagia, otalgia,
disúria, náuseas, vômitos ou diarreia.
A cefaleia atribuída à infecção sistêmica, viral, bacteriana ou fúngica, tem pelo menos uma das seguintes características: dor
difusa, intensidade aumentando gradualmente até moderada ou forte e associada a febre, mal-estar geral ou outros sintomas de
infecção sistêmica. A cefaleia aparece durante a infecção sistêmica e desaparece dentro de 72 horas após o tratamento da infecção.
Em infecções intracranianas, encefalites ou meningites, a cefaleia é um sintoma invariavelmente encontrado, sendo súbita, difusa e
associada a sintomas como febre, alteração de consciência, náuseas e vômitos. O meningismo é caracterizado por cefaleia,
fotofobia e rigidez de nuca, pesquisada pelos sinais de Kernig e Brudzinksi, sendo indicativa de meningite. Na suspeita de
infecções intracranianas, o paciente deve ser encaminhado a um serviço de emergência.

Cefaleias atribuídas a transtornos da homeostase


Segundo a ICHD-II,30 são incluídas nesta seção as cefaleias associadas a doença sistêmica ou metabólica. No contexto da
APS, são relevantes a cefaleia atribuída à crise hipertensiva, à doença cardíaca e ao hipotireoidismo.
A cefaleia atribuída à crise hipertensiva, definida como um aumento paroxístico da tensão arterial sistólica (para > 160
mmHg) e/ou diastólica (para > 120 mmHg), tem pelo menos uma das seguintes características: bilateral, caráter pulsátil e
desencadeada por atividade física. A cefaleia aparece durante a crise hipertensiva e desaparece dentro de uma hora após a
normalização da pressão arterial. A cefaleia também ocorre como consequência da encefalopatia hipertensiva, condição em que há
elevação persistente da pressão arterial para > 160/100 mmHg com pelo menos dois dos seguintes: confusão mental, redução do
nível de consciência, distúrbios visuais e crises epilépticas. Nesse caso a dor desaparece dentro de três meses após o tratamento
eficaz e o controle da pressão arterial. É importante observar que a hipertensão arterial crônica parece não causar cefaleia.
Na cefaleia causada por doença cardíaca, a dor aparece concomitantemente com a isquemia miocárdica aguda e desaparece
após o seu tratamento. No paciente cardiopata, é importante reconhecer esse tipo de cefaleia, diferenciando-a da migrânea, por
exemplo, que também pode ser desencadeada pela atividade física, pois o uso de antimigranosos específicos está contraindicado
no paciente com cardiopatia isquêmica.
Com relação à cefaleia atribuída ao hipotireoidismo, estima-se que 30% dos pacientes com essa patologia tenham esse tipo
de dor de cabeça, sendo mais frequente em mulheres. A cefaleia desaparece dentro de dois meses após o tratamento eficaz do
hipotireoidismo.

Cefaleia ou dor facial atribuída a distúrbio do crânio, pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios da face, dentes, boca ou
outras estruturas faciais ou cranianas
Os transtornos da coluna cervical e de outras estruturas do pescoço e da cabeça são causas comuns de cefaleia. Na cefaleia
cervicogênica, a dor é percebida na cabeça, mas é efetivamente produzida a partir da coluna cervical. Tipicamente a dor pode ser
insidiosa e unilateral, as áreas parietais e occipital sendo as mais afetadas. A dor costuma ser bastante constante e pode durar de
dias a semanas. Ela é agravada por movimentos do pescoço. Ao exame, em geral há contratura paravertebral cervical. Predomina
em mulheres (4:1) e afeta as pessoas normalmente em seus primeiros 40 anos. O tratamento pode ser realizado com AINEs e
fisioterapia.82
A cefaleia também pode ser causada por transtornos dos olhos, incluindo a inflamação ocular (p. ex., conjuntivite, irite,
coroidite), os erros de refração e o glaucoma agudo. Deve-se pensar nessa possibilidade quando forem observados sinais
inflamatórios oculares ou quando o paciente referir dor no olho ou sintomas visuais, incluindo diminuição da acuidade visual. Da
mesma forma, doenças do ouvido que causam otalgia também podem causar cefaleia concomitante.
Em APS, as infecções de vias aéreas superiores são frequente causa de cefaleia. A sinusite provoca cefaleia em intensidade e
localização variáveis, esta última dependendo do seio da face acometido. Por exemplo, a sinusite maxilar causa dor abaixo dos
olhos, nos dentes, nas gengivas e na região malar; a sinusite frontal provoca dor na área frontal; a sinusite etmoidal anterior
apresenta dor parietal, temporal ou retro-orbital; a sinusite etmoidal posterior pode causar dor em região occipital; e a sinusite
esfenoidal, em região frontal, retro-orbital ou facial. A sinusite crônica não é considerada uma causa de cefaleia ou dor facial a não
ser que ocorra uma agudização.
Outra causa comum de cefaleia ou dor facial é o transtorno da articulação temporomandibular (ATM). Caracteriza-se por dor
e contratura nos músculos da mastigação e na região da ATM, com crepitação da articulação e diminuição da amplitude de
movimento. É mais comum em mulheres (70 a 90% dos casos), entre 24 e 40 anos. Múltiplos fatores podem levar ao transtorno,
entre eles o estresse e o bruxismo. Nos transtornos dentários, a dor originada nos dentes pode ser referida e causar cefaleias
difusas. A causa mais comum de cefaleia é a periodontite ou a pericoronite. Pacientes com sintomas característicos de transtorno
da ATM ou com problemas dentários devem ser encaminhados para avaliação odontológica.
NEURALGIA DO TRIGÊMEO
A neuralgia do trigêmeo, também conhecida como tic douloureux, é a mais frequente das neuralgias cranianas; estima-se que
sua incidência seja de 2,1 a 4,3 casos por 100.000 indivíduos/ano, com início, na maioria das vezes, após os 40 anos. Caracteriza-
se por episódios breves de dor facial em choque, lancinante e unilateral. Os ataques de dor duram de segundos a dois minutos, mas
são muito intensos, geralmente referidos como em pontada. Uma de suas principais características é a presença de fatores
desencadeantes da dor, como estímulos cutâneos da face ou lábios, exposição ao vento, escovação dos dentes, conversação normal
ou mastigação. Os períodos livres de dor podem durar de dias a meses, mas persistem a ansiedade e o medo de novos ataques.
Pode afetar qualquer uma das três divisões do nervo trigêmeo, de preferência as regiões maxilar ou mandibular, sendo menos
comum a divisão oftálmica.
A ICHD-II30 subdivide a neuralgia do trigêmeo em clássica e sintomática (secundária). Ambas apresentam o mesmo padrão
de dor e características clínicas, mas no subtipo sintomático a neuralgia é causada por lesão estrutural demonstrável. A AAN83 e a
European Federation of Neurological Societies recomendam a utilização de exames de imagem de rotina (TC ou RNM de crânio)
para identificação do subtipo sintomático. A idade de início precoce, o envolvimento da primeira divisão do nervo trigêmeo e a
insensibilidade ao tratamento são características úteis para identificar de maneira precisa os pacientes com o subtipo sintomático.
O tratamento farmacológico da dor na neuralgia do trigêmeo envolve o uso de carbamazepina, podendo ser usada na dose de 200 a
1.200 mg/dia, e de oxcarbazepina, na dose de 600 a 1.800 mg/dia. Outras possibilidades incluem baclofeno, 40 a 80 mg/dia,
lamotrigina, 400 mg/dia, e pimozida, 4 a 12 mg/dia. Para pacientes com sintomas refratários à terapêutica farmacológica ou com
efeitos adversos intoleráveis ou com contraindições ao uso de medicamentos, o tratamento cirúrgico pode ser considerado.83

ABORDAGEM DA CEFALEIA EM SITUAÇÕES ESPECÍFICAS


Cefaleia menstrual
Por volta de 60% das mulheres com migrânea associam o início da crise ao período menstrual. 84 Para as cefaleias não
migranosas, essa relação é menos evidente.
Em estudo com 100 mulheres com cefaleia menstrual (20 a 45 anos), a maior parte foi classificada como migrânea sem aura,
de intensidade severa no primeiro dia de dor, com redução gradativa nos dias seguintes e predominantemente latejante. A maior
parte começou dois dias antes do início do ciclo menstrual. Náuseas e/ou vômitos foram os sintomas associados mais frequentes.
Além dos casos de migrânea, foram diagnosticados nove casos de cefaleia do tipo tensional, dois casos de cefaleia cervicogênica e
um caso de cefaleia em pontadas.84
A ICHD-II30 estabelece critérios para a migrânea sem aura menstrual pura e para a migrânea sem aura relacionada com a
menstruação. Na migrânea sem aura menstrual pura, as crises devem preencher os critérios para a migrânea sem aura, mas ocorrer
exclusivamente nos dias 1 ± 2 (dias ±2 a +3) da menstruação (considerando que o primeiro dia da menstruação é o dia 1 e o dia
anterior é o dia ±1 e que não há dia 0), em pelo menos dois de três ciclos menstruais e em nenhuma outra época do ciclo.
Na migrânea sem aura relacionada com a menstruação, os critérios diagnósticos são os mesmos do subtipo menstrual pura,
com a diferença de que, na relacionada com a menstruação, as crises podem ocorrer adicionalmente em outras épocas do ciclo. A
importância na diferenciação entre a migrânea sem aura menstrual pura e a migrânea sem aura relacionada com a menstruação é
que a profilaxia hormonal parece ser mais eficaz na migrânea menstrual pura. Para confirmar o diagnóstico, é necessária a
evidência fornecida por meio de registros prospectivos, por, no mínimo, três meses.
Na migrânea menstrual, o tratamento abortivo é semelhante ao da migrânea não associada à mestruação. Na migrânea
menstrual pura, pode ser feita profilaxia hormonal com contraceptivo oral combinado de baixa dosagem contínuo, sem intervalo
entre uma cartela e outra. Outra opção para mulheres com ciclos regulares é o uso de AINEs ou triptanos entre os dias ±3 e +3.

Cefaleia na gestante e na lactação


Cerca de 70% das mulheres com migrânea irão apresentar remissão das crises durante a gestação, desde melhora até o
desaparecimento da dor. Espera-se pela recidiva no período pós-parto, com até 60% das pacientes relatando uma nova crise na
primeira semana pós-parto. A melhora na gravidez é atribuída ao aumento dos níveis de estrogênio. No entanto, um pequeno
número de mulheres pode experimentar um agravamento das crises, e raramente a migrânea tem início durante a gestação. 85
Um estudo com 430 mulheres, três dias após o parto, mostrou que 126 (29,3%) foram consideradas portadoras de cefaleia
primária, dentre as quais 81 (64,3%) tinham migrânea sem aura, 33 (26,2%), tipo tensional e 12 (9,5%), migrânea com aura. Nos
três grupos, cerca de 80% das mulheres mostraram remissão completa ou uma diminuição maior do que 50% no número de
crises.86 Outro estudo, realizado no Brasil, mostrou que, em um total de 266 identificadas como portadoras de migrânea antes da
gestação, houve desaparecimento frequente das crises de migrânea: nas sem aura em 35,4%, 76,8% e 79,3%, e nas com aura em
20,7%, 58,6% e 65,5%, respectivamente no primeiro, segundo e terceiro trimestres de gestação. Os fatores associados à presença
de crises de migrânea foram multiparidade, migrânea sem aura relacionada com a menstruação antes da gestação e doença durante
a gestação, incluindo diabetes melito, hipertensão arterial sistêmica e infecção do trato urinário. 87
A ICHD-II30 define também critérios para a cefaleia atribuída à pré-eclâmpsia e eclâmpsia. Em ambas, é preciso que a
cefaleia tenha uma das seguintes características: bilateral, caráter pulsátil e agravada por atividade física, em gestantes com os
diagnósticos de pré-eclâmpsia e eclâmpsia, respectivamente. A cefaleia deve aparecer durante os períodos de pressão arterial
elevada e desaparecer dentro de sete dias após o tratamento eficaz da hipertensão.
A abordagem inicial da gestante com cefaleia não difere da orientação geral, história e exame físico dirigidos, com especial
atenção aos sinais de alerta, que, se presentes na gestante, indicarão a necessidade de avaliação em emergência. O uso de fármacos
na gestação deve ser de maneira geral evitado. Quando forem necessários, devem ser usados com cautela, a mulher e o casal
devem participar da decisão e conhecer os benefícios e os riscos do tratamento, sendo o consentimento imprescindível para o
uso85 (ver Apêndice Uso de Medicamentos na Gestação e na Amamentação).
Com relação ao uso de medicamentos abortivos na gestação e a sua segurança, pode-se adotar a classificação do Food and
Drug Administration (FDA), que utiliza cinco categorias conforme a análise de evidências. O paracetamol, os AINEs (somente
nos dois primeiros trimestres) e a metoclopramida são classificados na categoria B, considerada como de uso seguro. Os AINEs
são classificados na categoria D (alto risco para o feto) no terceiro trimestre, pelo fato de causarem o fechamento do canal arterial
e o desenvolvimento de hipertensão pulmonar fetal, motivo pelo qual seu uso deve ser evitado. A codeína e os triptanos são
classificados
na categoria C (aumento da incidência de anomalias congênitas, incluindo fenda palatina e hérnias inguinais com a codeína; risco
de triptanos ainda desconhecido e controverso). A ergotamina e a diidroergotamina são contraindicadas na gestação (categoria
X).85
Algumas mulheres, contudo, continuam a apresentar crises intensas, frequentes e refratárias aos tratamentos instituídos, por
vezes associadas a náuseas e vômitos e ainda com o risco de desidratação em certos casos, colocando em perigo a saúde da
paciente e do feto. O tratamento profilático pode ser considerado quando houver mais do que 3 a 4 crises graves por mês ou se a
frequência de crises for menor do que 3 a 4 por mês, porém muito graves e sem resposta ao tratamento abortivo. Propranolol,
metoprolol e timolol são os betabloqueadores mais comumente recomendados para a profilaxia da migrânea. Os betabloqueadores
são considerados seguros, mas pode haver toxicidade fetal, com consequentes complicações, como retardo do crescimento
intrauterino, bradicardia, hipoglicemia e depressão respiratória.85 Medidas não farmacológicas podem ser úteis, como manejo do
estresse, técnicas de relaxamento e evitação dos fatores desencadeantes.
Na lactação, os medicamentos são também classificados em categorias de risco, de maneira que os de nível 1 (L1) são os
mais seguros, enquanto os de nível 5 (L5) são contraindicados. Os níveis 2 (L2), 3 (L3) e 4 (L4) são considerados,
respectivamente, seguros, moderadamente seguros e potencialmente perigosos. O paracetamol e os AINEs (ibuprofeno,
diclofenaco e piroxicam) são considerados seguros para uso durante a lactação (níveis L1 e L2). A ergotamina é considerada
potencialmente perigosa na lactação (L4), sendo contraindicada. A respeito dos triptanos, o eletriptano é considerado seguro para
uso na lactação, em dose de 20, 40 ou 80 mg/dia (L2), enquanto os demais triptanos (sumatriptano, almotriptano, naratriptano e
rizatriptano) são considerados moderadamente seguros (L3), faltando evidências sobre o uso. 88 Se o uso de triptano for necessário,
em caso, por exemplo, de crise de migrânea severa durante a lactação, a exposição da criança pode ser minimizada evitando-se a
amamentação nas 24 horas após o tratamento.

Cefaleia na infância e adolescência


A dor de cabeça é um sintoma frequente em crianças e adolescentes; a prevalência do sintoma, em um ano, pode variar de
40,7 a 82,9%. Assim como nos adultos, as cefaleias crônicas mais comuns na infância são a migrânea e a cefaleia do tipo
tensional. As outras formas de cefaleias primárias e as cefaleias secundárias, principal motivo de preocupação por parte dos
médicos e familiares, são causas raras de cefaleia em crianças e adolescentes. Sua prevalência varia de acordo com o desenho do
estudo, havendo em geral predomínio da migrânea em pesquisas realizadas com crianças atendidas no setor terciário e da cefaleia
do tipo tensional em estudos populacionais.89,90
No Brasil, um estudo realizado em Porto Alegre, com 538 estudantes com idade entre 10 e 18 anos, encontrou taxas de
prevalência de cefaleia de 82,9% no último ano e de 31,4% na última semana. De acordo com os critérios da primeira edição
da International Classification of Headache Disorders (ICHD-I), o diagnóstico de cefaleia do tipo tensional foi dado a 72,8% e de
migrânea a 9,9% dos estudantes que apresentavam cefaleia. 91Crianças com migrânea e cefaleia crônica diária apresentam escores
de qualidade de vida inferiores aos de crianças sem cefaleia e semelhantes aos de crianças e adolescentes com artrite e câncer.92
É importante observar os chamados mitos sobre a cefaleia em crianças e adolescentes construídos na prática clínica, mas que
não são sustentados por evidências científicas. O primeiro se refere à relação causal entre cefaleia e erros de refração na infância,
diagnosticados excessivamente como sendo responsáveis pela dor, embora exista na literatura um consenso de que os erros de
refração representam uma causa rara de cefaleia na infância. O segundo, à relação entre sinusites crônicas e cefaleia, também
considerado inconsistente, embora possa ocorrer dor nas sinusites agudas ou agudizações (nos casos crônicos) como parte do
quadro infeccioso.89,90
Quanto mais nova a criança e menor o tempo de evolução de sua cefaleia, maiores as dificuldades na obtenção dos dados.
Por isso, na abordagem de crianças é frequente o uso de informações indiretas. Por exemplo, a ocorrência de foto ou fonofobia
pode ser inferida pela informação de que a criança procura um lugar escuro e silencioso para ficar; a intensidade da dor pode ser
avaliada, de maneira geral, por meio do comportamento da criança, considerando intensidade leve quando a criança continuar
brincando, moderada quando a criança manter suas atividades mas reclamar de dor, e forte quando a criança parar de brincar.
Outras informações úteis para o diagnóstico são o horário preferencial de ocorrência da cefaleia, a presença ou não de fatores
desencadeantes (p. ex., ingestão de determinados alimentos, jejum prolongado, sono excessivo, sono não reparador, esforço
físico), comorbidades psiquiátricas e uso de medicamentos. 89,90 Para a avaliação diagnóstica e fins de acompanhamento, o diário
de dor pode ser uma ferramenta muito útil no tratamento de crianças e adolescentes.
Um estudo realizado na cidade de Santos, em São Paulo, em duas escolas particulares, com crianças de 7 a 11 anos de idade
entrevistadas pela mesma pediatra, com intervalo de 6 a 8 semanas, sem a presença de adultos, mostrou que as informações
fornecidas pelas crianças, nas duas sessões, não eram significativamente conflitantes. Os autores sugerem que, embora em geral
descrita pelo adulto que acompanha a criança na consulta, a cefaleia da infância deveria ser informada pelo próprio paciente e que,
no grupo de crianças de 7 a 11 anos estudado, as informações foram obtidas sem dificuldade quando se permitiu à criança que
usasse suas próprias palavras, no tempo que fosse necessário.
Da mesma forma como no adulto, quanto à classificação, o primeiro passo é diferenciar entre cefaleia primária e secundária.
Nas cefaleias primárias, a história fornece as principais informações para o diagnóstico, ao passo que a ausência de anormalidades
no exame físico ajuda a afastar a possibilidade de uma cefaleia secundária subjacente. Os sinais de alerta para cefaleia secundária
na infância são, de maneira geral, os mesmos que no adulto, destacando-se os seguintes: dor intensa de início abrupto, aumento na
frequência/intensidade das crises ou mudança no padrão da dor, dor diária desde sua instalação, presença de comorbidades
(epilepsia, doença sistêmica ou neoplásica, HIV, traumatismo cranioencefálico), alterações no exame clínico (presença de sinais
meníngeos, sinais de disfunção endócrina, febre, sinais focais, papiledema), dor que não responde a analgésicos comuns. 89,90
As cefaleias do tipo tensional, o mais comum na infância, são consideradas cefaleias de baixa intensidade, têm localização
bilateral e frontotemporal, em pressão ou aperto e não impedem a criança de estudar ou brincar. 89,90
A migrânea é a causa mais comum de cefaleia crônica em crianças. Na TABELA 75.22 são apresentados os critérios
diagnósticos para migrânea sem aura. As diferenças com relação à migrânea do adulto são as seguintes: em crianças, as crises
podem durar de 1 a 72 horas, a dor costuma ser bilateral (um padrão semelhante ao do adulto, com dor unilateral, normalmente
surge no final da adolescência ou início da vida adulta) e frontotemporal (em crianças, a cefaleia occipital é rara e requer cautela
no diagnóstico, pois muitos casos são atribuíveis a lesões estruturais); além disso, a foto e fonofobia podem ser inferidas por meio
do comportamento das crianças.

Não há evidências suficientes que justifiquem a realização de exames laboratoriais de rotina ou punção lombar em crianças e
adolescentes com cefaleia recorrente. O EEG e a neuroimagem não são recomendados como exames de rotina em crianças e
adolescentes com cefaleia recorrente e exame neurológico normal. A neuroimagem deve ser considerada nas seguintes situações:
1) crianças com anormalidade detectada no exame neurológico; 2) coexistência de crises epilépticas; 3) início recente de crises de
cefaleia intensa; 4) mudança recente nos padrões da cefaleia; e 5) manifestações associadas de outras disfunções neurológicas.
Dessa forma, para pacientes que preenchem os critérios diagnósticos para migrânea sem aura ou cefaleia do tipo tensional
episódica infrequente, a neuroimagem só é recomendada quando a dor não responder ao tratamento. 90

Nas crianças, existe uma série de manifestações chamadas de intercríticas, de relação desconhecida com a migrânea, que são
designadas “síndromes periódicas da infância” ou “equivalentes de migrânea”. A ICHD-II30 reconhece a vertigem paroxística
benigna da infância (VPBI), a migrânea abdominal e os vômitos cíclicos como síndromes periódicas da infância.
A VPBI se caracteriza por episódios de vertigem intensa associada a nistagmo ou vômitos, que ocorrem em crianças
saudáveis. O início ocorre entre 2 e 4 anos de idade e tem associação considerável com migrânea na evolução. Suas crises duram
de minutos a horas e têm resolução espontânea (ver Capítulo Vertigens e Tonturas). Dores abdominais recorrentes funcionais são
uma queixa frequente na infância, e um diagnóstico diferencial muito importante, porém pouco lembrado, é a migrânea
abdominal, síndrome periódica da infância que se caracteriza por dores de intensidade forte a moderada, localizadas na linha
média do abdome, com completo desaparecimento dos sintomas entre as crises. Os sintomas podem iniciar-se a partir do primeiro
ano de vida, com pico entre 5 e 10 anos, acometendo com mais frequência crianças do sexo feminino. A síndrome dos vômitos
cíclicos possui a característica marcante de crises recorrentes de vômitos pronunciados com completo desaparecimento dos
sintomas entre as crises. Boa parte dessas crianças substitui as crises de vômitos por episódios típicos de migrânea com o avançar
da idade89,90 (ver Capítulo Náusea e Vômito).
Tratamento da migrânea em crianças e adolescentes
Da mesma forma que no adulto, as opções de tratamento incluem o uso de terapias abortivas, para crises agudas, terapias
profiláticas e abordagens não farmacológicas ou intervenções biocomportamentais. A AAN, 93 em recente revisão sistemática sobre
o tratamento da migrânea em crianças e adolescentes, considerou que, para crianças com mais de seis anos de idade, o ibuprofeno
(7,5 a 10 mg/kg) é efetivo e o paracetamol (15 mg/kg) é provavelmente efetivo, sendo ambos considerados seguros para o
tratamento agudo da migrânea; para adolescentes com mais de 12 anos de idade, o sumatriptano spray nasal (5 e 20 mg) é efetivo
e deve ser considerado, sobretudo quando a dor não ceder com ibuprofeno e paracetamol. Considerando ainda que, também em
crianças e adolescentes, o abuso de analgésicos é causa conhecida de cronificação das cefaleias episódicas, o monitoramento do
uso de medicamento deve ser sempre realizado.
Na infância, não existem critérios específicos para iniciar a medicação profilática, sendo utilizados os critérios empregados
para adultos. Para a terapia profilática, a flunarizina (5 mg/dia) é provavelmente efetiva e pode ser considerada. 93 Não há evidência
suficiente para recomendar o uso de qualquer outro fármaco na prevenção de crises em crianças e adolescentes. 93 A abordagem
educativa é fundamental, de maneira que o paciente e os familiares devem compreender o que é o sintoma/doença e também o seu
tratamento e acompanhamento, além de serem encorajados a identificar e evitar/eliminar fatores desencadeantes das crises. As
intervenções não farmacológicas mais frequentes incluem a abordagem cognitivo-comportamental e as técnicas de relaxamento
(incluindo relaxamento muscular progressivo).90

FONTE: Duncan, Bruce B., Schmidt, Maria Inês, Giugliani, Elsa J., Duncan, Michael Schmidt, Giugliani, Ca. Medicina
Ambulatorial: Condutas de Atenção Primária Baseadas em Evidências.. [Minha Biblioteca].

Potrebbero piacerti anche