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MÁRCIO ROGÉRIO SILVEIRA

(ORGANIZADOR)

CIRCULAÇÃO, TRANSPORTES E LOGÍSTICA


Diferentes Perspectivas

1ª edição
Editora Expressão Popular
São Paulo-SP
ORELHA DO LIVRO

Este livro, com sua devida coletânea de trabalhos, não se encontra completo na
sua forma final. Provavelmente não estará nunca, pois além das polêmicas discussões que ele
trás, há as modificações constantes de nossa estrutura política, econômica e social. Por isso
não temos pretensão de resolver as altercações contidas aqui, muito pelo contrário, os
diferentes autores se debruçam sobre as distintas interpretações de circulação, de transportes,
de logística e das respectivas intervenções estatais, ou seja, as políticas públicas para o setor
de transportes. Também não pretendemos definir o melhor termo e seu conjunto de
possibilidades para ser usado como o norteador dos estudos de transportes e de seus impactos
espaciais. A utilização da ―Geografia da Circulação, Transportes e Logística‖ é uma sugestão,
de um grupo de pesquisadores, que não é compartilhada por todos os autores. Portanto, nossa
pretensão, diante de todas as possibilidades apresentadas, objetiva chamar os demais
estudiosos do assunto para um debate qualificado, capaz de apontar nossos erros, nossas
omissões, nossos absurdos ou somente para balizar contribuições. O livro não está pronto,
provavelmente nunca estará, pois sempre haverá algo a acrescentar, retirar ou alterar.

Nesse sentido, nosso intuito foi o de chamar alguns estudiosos, com recentes
trabalhos sobre o tema transportes, para demonstrarem, nesse livro, suas pesquisas. A
aspiração não foi gerar um debate direto entre os autores, mas sim propiciar, a partir das
leituras dos capítulos do livro, um constante debate, que deverá também agregar outros
estudiosos do assunto. Não queremos dizer que todos os estudiosos de transportes, em
ciências humanas, tenham sido convidados para esse livro. Mas os que aqui se encontram, no
momento, foram os mais viáveis e próximos da Geografia.

Nós autores, portanto, convidamos você interessado a pesquisar e participar do


debate sobre circulação, transporte, logística e discussões correlatas.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

PARTE 1 – EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS: CIRCULAÇÃO,


TRANSPORTES E LOGÍSTICA

Geografia da Circulação, Transportes e Logística: construção histórica e perspectivas (Márcio


Rogério Silveira).

A formação e a constituição da Geografia da Circulação a partir das perspectivas de Friedrich


Ratzel e Paul Vidal De La Blache (Roberto França da Silva Junior).

La Geografia del Transporte em la encrucijada de varias ciencias sociales: algunas


posibilidades de renovación (Joana Maria Petrus Bey, Joana Maria Seguí Pons e Maria Rosa
Martínez Reynés).

Nuevas perspectivas para la Geografía de los Transportes. Algunas aportaciones temáticas y


conceptuales del nuevo milenio (Joana Maria Seguí Pons, Joana Maria Petrus Bey e Maria
Rosa Martínez Reynés).

El binomio transporte y turismo: del fordismo al postmodernismo (Maria Rosa Martínez


Reynés, Joana Maria Seguí Pons e Joana Maria Petrus Bey).

PARTE 2 – CIRCULAÇÃO, TRANSPORTES E LOGÍSTICA NO BRASIL

Infra-estruturas de logística e transporte: análise e perspectivas (Josef Barat).

Transporte aéreo e produção de novas territorializações na disputa pela demanda turística


(Airton Aredes e Márcio Rogério Silveira).

O transporte rodoviário no Brasil: algumas tipologias da viscosidade (Vitor Hélio Pereira de


Souza e Márcio Rogério Silveira).

Globalização, modernização do sistema portuário e relações cidade-porto no Brasil


(Frédéric Monié).

Agricultura globalizada e logística nos cerrados brasileiros (Ricardo Abid Castillo).


Fluxos e redes técnicas no comércio de minério no território brasileiro (Lisandra Pereira
Lamoso).

A problemática do transporte urbano no Brasil (Flávio Villaça).

PARTE 3 – CIRCULAÇÃO, TRANSPORTES E LOGÍSTICA: UMA DISCUSSÃO


REGIONAL

Transporte fluvial na Amazônia (Ricardo José Batista Nogueira).

A política de transporte no Governo Fernando Henrique Cardoso: o exemplo do modal


ferroviário no Estado do Mato Grosso do Sul (Adáuto de Oliveira Souza).

Grandes projetos e produção do espaço amazônico: integração regional, infra-estrutura e


transportes no Estado do Amapá (Emmanuel Raimundo Costa Santos e Márcio Rogério
Silveira).

Circulação e mobilidade territorial: uma leitura dos fluxos aéreos regionais no Estado de São
Paulo (Ana Paula Camilo Pereira e Márcio Rogério Silveira).

Eixos de desenvolvimento e políticas de concessões rodoviárias: metodologia e análise

(Eliseu Savério Sposito e Cássio Antunes de Oliveira).

Sistema hidroviário interior e intermodalidade no Estado de São Paulo: a Hidrovia Tietê-


Paraná (Nelson Fernandes Felipe Junior e Márcio Rogério Silveira).

Transporte público coletivo: acessibilidade e crise nas cidades médias paulistas (Rodrigo
Giraldi Cocco e Márcio Rogério Silveira).

VERBETES

SOBRE OS AUTORES
PARTE 1

EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS: CIRCULAÇÃO,


TRANSPORTES E LOGÍSTICA
GEOGRAFIA DA CIRCULAÇÃO, TRANSPORTES E LOGÍSTICA: CONSTRUÇÃO
HISTÓRICA E PERSPECTIVAS

Márcio Rogério SILVEIRA


marcio@ourinhos.unesp.br
Ourinhos-SP

Ei-nos diante de novo problema, especificamente geográfico: o


da luta contra o espaço, em outros termos, a geografia da
circulação. Desde Ratzel, esse é um dos capítulos mais
estudados da geografia humana. Inúmeras questões políticas e
econômicas reduzem-se, em última instância, ao problema da
posição geográfica, da localização não absoluta, mas relativa.
Falar em posição geográfica, da localização não absoluta, mas
relativa. Falar em posição geográfica relativa é também falar
em estradas, em possibilidades de transporte. As relações entre
os grupos humanos não se estabelecem ao acaso. A função de
relações está submetida às condições geográficas, talvez até
mais que as outras funções sociais. São da mesma natureza e,
por esta razão, os pontos de vista que dominam seu estudo se
fazem presentes através das vicissitudes dos meios de
transporte.
Max. Sorre

INTRODUÇÃO

Quando tratamos ―tradicionalmente‖ da ―Geografia da Circulação‖ e da


―Geografia dos Transportes‖ deixamos de lado parte importante da cadeia de abastecimento
(Supply Chain), ou seja, o armazenamento dos suprimentos (logística de suprimento), o
transporte e armazenamento na produção (logística de produção) e o armazenamento na
distribuição (logística de distribuição). Esse fato deve-se ao momento histórico que essas
subáreas da Geografia são formuladas. Por mais que as atividades de transportes e
armazenamento tenham utilizado alguma forma de logística (estratégia, planejamento e gestão
de transporte e armazenamento) foi especialmente na década de 1980 que a discussão sobre
planejamento e gestão integrados de transporte, de armazenamento e seus impactos territoriais
foi discutido globalmente com intensidade. Foi destacadamente na década de 1980 que a
logística assume papel fundamental e se consolida como um serviço superior que objetiva
majoritariamente o atendimento das demandas corporativas. A essa forma de logística
chamamos de ―logística corporativa‖1. Vale ressaltar que, o ramo Geográfico que chamamos
de ―Geografia da Circulação, transportes e Logística‖ deve dedicar-se a entender a
―circulação‖, o ―transporte‖ e também a ―logística‖ e suas reproduções espaciais. Ambas,
portanto, devem ser entendidas num sentido bastante amplo e integradas: ―circulação numa
forma totalizadora, transporte em seu caráter mais específico (associado às lógicas de
planejamento urbano e regional) e a logística como estratégias, planejamento e gestão de
transportes e armazenamento‖. Esses três atributos, sem muita confusão, englobam situações
e conseqüências desde a montante até a jusante do ―sistema circulatório do capital‖, já que é,
no capitalismo, conseqüência sine qua non deste2.

Ao propor essa denominação, id est, ―Geografia da Circulação, Transportes e


Logística‖ como ramo importante a ser estudado pela Geografia e outras ciências afins –
especialmente em tempos de ―Mundialização do Capital‖ – estamos dizendo que não devemos
por ―nossos olhos‖ e ―nossas emoções‖ geográficas só sobre parte da cadeia de suprimentos e
sim sobre toda ela. Isso inclui o transporte, as táticas e ―situações‖ de armazenagem da
montante a jusante do sistema econômico (produtivo, comercial e de serviços), ou seja, do
transporte e armazenamento das matérias-primas à entrega ao consumidor final. Um ramo,
portanto, que atribua aos transportes e comunicações, enquanto ação social, parte importante
da ―organização e da produção e reprodução do espaço‖ e que não só discuta a quantidade e a
qualidade das vias, dos meios e dos fluxos e suas organizações ―sobre o espaço‖.

As comunicações também são atributos fundamentais para entendermos todo o


processo. Todavia, desde a invenção do telégrafo parte importante das comunicações se
deslocou dos transportes e atualmente só uma pequena parte é realizada pelos sistemas de
movimento tradicionais. As comunicações também são atributos da ―Geografia da Circulação,
Transportes e Logística‖ já que a comunicação, mesmo hoje sendo realizada, em grande parte,
1
A logística corporativa se estrutura, na década de 1980, quando as estratégias de planejamento e gestão de
transportes e armazenamento alcançam níveis significativos de importância na diminuição dos custos de
reprodução do capital das grandes corporações. Isso associado ao fato do auge do período, denominado por
Chesnais (1996) de mundialização do capital, causa um importante movimento na busca pela diminuição dos
custos de transportes e armazenamentos e pela rapidez no suprimento, na produção, na distribuição e em todo
processo de armazenamento e comunicações durante o movimento circulatório do capital.
2
A logística representa as estratégias (que podem ser competitivas), o planejamento e a gestão de transportes
(que podem ser intermodais) e armazenamento. Seja feita por uma pessoa comum (―logística das pessoas
comuns‖), por uma empresa (―logística empresarial ou corporativa‖ – relacionada ao porte da empresa e sua
atuação no mercado) e pelo Estado (―logística de Estado‖, por atender as demandas do Estado
independentemente dos interesses que esse venha a assumir). Ela, portanto, não é só um atributo das
corporações que, na atual fase do capitalismo, utilizam a logística para sua reprodução e acumulação capitalista
(apesar de ser nesse momento, ou seja, a época da logística corporativa o período de seu maior destaque).
Portanto, a logística existiu em outras épocas (apesar de sua denominação ser recente) e em outros modos de
produção e podia ser realizada por qualquer um. A logística que tanto nos atinge e que até mesmo nos assusta
(devido sua velocidade e as reestruturações que nos conduz) é a corporativa.
de forma imaterial, enquadra-se em diversos aspectos correlatos, como fixos para transmissão
de informações e vias de comunicações imateriais3 e, por conseguinte, contribuem para o
movimento circulatório do capital4. A produção e distribuição de ideologias (informações,
marketing e idéias das elites) pela mídia são responsáveis pela aceleração desse movimento e,
como tal, são conseqüências dele.

As tecnologias da informação, utilizadas nos transportes, são resultados das


inovações tecnológicas para o setor e/ou adaptadas para o mesmo, precisam também ser mais
bem trabalhadas. Todavia, só com a valorização da logística, através da logística corporativa,
é que tais tecnologias são imprescindívelmente valorizadas. Destacam-se o SIG-T (Sistema de
Informação Geográfica para Transporte), o SIT (Sistema de Informação Territorial), o SGC
(Sistema de Gestão Cadastral) e o SIT (Sistema de Transporte Inteligente) que priorizam
diversos instrumentos (como o SIG, o GPS, os equipamentos multimídia, a telefonia, etc.)
para a construção, gestão e análise de bases de dados geográficas (PONS; REYNÉS, 2003).

Portanto, pelo alto grau de complexidade que exige os estudos de


comunicações, especialmente, pelos avanços tecnológicos nesse setor, nas últimas duas
revoluções industriais (técnico-científica e técnico-científica-informacional), a Geografia deve
se dedicar a ter um ramo do conhecimento geográfico denominado de Geografia das
Comunicações. Todavia, não acreditamos que essas fragmentações de ramos enriqueçam os
estudos geográficos se elas servirem para o abandono de referenciais importantes e
totalizadores, ou seja, se não levarmos em consideração a totalidade e a interdisciplinaridade
ora comuns na Geografia Humana e Econômica5.

Logo, de imediato, o que se refere a ―Geografia dos Transportes‖ e a


―Geografia (Geral) da Circulação‖? Chegamos à conclusão, como será demonstrado, que na
visão clássica há diferenciações, todavia, com o decorrer do tempo, principalmente com o

3
Nesse caso, destacam-se as redes imateriais, já que há redes de comunicações hertzianas que não precisam de
linhas, apesar de necessitarem de nós fisicamente constituídos (BAKIS apud SANTOS, 1996). Por outro lado,
no materialismo histórico e dialético, a materialidade expressa também à consciência humana das coisas
(CHEPTULIN, 1982). Assim, o imaterial passa a ser só um atributo da física tradicional.
4
Muitos geógrafos enquadram seus estudos de comunicações (telecomunicações, tecnologia da informação,
entre outros) como pertinentes à ―Geografia dos Transportes‖ e/ou ainda denominam de ―Geografia dos
Transportes e Comunicações‖ ou só ―Geografia das Comunicações‖. Como as comunicações ainda são pouco
estudadas geralmente estão contidas na Geografia Econômica. Atualmente, há algumas discussões em torno do
que poderíamos denominar de ―Geografia das Redes‖ e da qual as comunicações enquadram-se. Todavia, uma
―Geografia das Comunicações‖ pode ser cunhada devido à necessidade de estudos mais específicos sobre o
tema e da grande evolução das tecnologias da informação.
5
Milton Santos (1996) apresentou em ―Natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção‖ referenciais e
metodologias bastante pertinentes para estudos de ―Geografia das Comunicações‖ e outras discussões, ou seja,
através do ―meio técnico-científico-informacional‖.
advento do termo Geografia dos Transportes, não foi mais permitido a diferenciação entre um
termo e outro, ou seja, tornou-se uma simples ―metáfora orgânica‖ (PACHECO, 2001). Nesse
sentido, tanto uma expressão como a outra passaram a redundar o estudo das vias e meios de
transportes (sistemas de movimento), o ato de transportar mercadorias, pessoas e informações
e as conseqüências sobre o espaço e/ou a própria produção do espaço. A circulação e,
conseqüentemente, os transportes também foram destaques nas formulações geopolíticas e nas
dinâmicas geoeconômicas dos territórios.

Então qual o motivo de defendermos que o termo mais adequado na atualidade


é ―Geografia da Circulação, Transportes e Logística‖? Porque a circulação, agora, não se
refere só ao movimento de mercadorias, pessoas e informações que produzem e reproduzem
espaço. Mas pelo fato dessa circulação ter se tornado o atributo fundamental, em tempos de
―capitalismo global‖, do movimento circulatório do capital, ou seja, por causa de um caráter
mais dinâmico que não está só associado ao transporte, mas a circulação que este permite ao
capital, ou seja, estamos falando do movimento circulatório do capital. A expressão circulação
significa movimento contínuo e circular e sua utilização pela Geografia expressa à
necessidade de realização continua e circular dos interesses e necessidades dos indivíduos e,
sobretudo, do capital no espaço.

A CIRCULAÇÃO E A GEOGRAFIA (GERAL) DA CIRCULAÇÃO

Os prenúncios do termo (ramo da Geografia) Geografia da Circulação advêm


do século XIX, no momento histórico que a Geografia passava por uma institucionalização
nas universidades alemãs. Alfred Hettner, em 1897, publicou um artigo sobre transportes e o
designou como matéria de estudo da Geografia. Todavia, ao se estudar os sistemas de fluxos
das regiões houve metaforicamente a identificação, via escola fisiocrata 6, com o sistema de
circulação sanguínea. Por conseguinte, surgiram termos utilizados até hoje por diversas
especialidades, como sistemas, artérias, fluxos, movimento circulatório, vasos comunicantes e
outros.

Mas foi Ratzel (1914), na Alemanha, em 1882 (Antropogeografia), o


responsável por organizar sistematicamente, ao estudar os transportes (meios e vias) e a

6
O termo fisiocrata, de origem grega (fis representa natureza e cratos poder), significa poder da natureza e
surgiu no século XVIII na França. Os fisiocratas consideravam o sistema econômico como um organismo
regido pelas leis da natureza. Eles valorizavam a agricultura, a economia mercantil e afirmavam que a indústria
somente diversificava o produto e o comércio e encarregava-se da distribuição (ARAÚJO, 1995).
circulação regional (movimento de mercadorias, pessoas e informações no espaço), a
Geografia Geral da Circulação. Parte daí a diferenciação entre transportes como simples
meios (veículos) e vias (infra-estruturas de transportes) e a circulação como movimento de
mercadorias, pessoas e informações transformadoras do espaço, ou seja, este último levava
mais em consideração o sistema como um todo. A preocupação deixava de ser a simplificada
relação entre pessoas e coisas e passava a ser entre pessoas e pessoas através das coisas,
apontando para as relações de produção que surgiram entre as pessoas no processo produtivo.
Privilegia-se, por mais que seja primariamente, a produção do espaço. Destarte, a diferença
básica entre ―Geografia dos Transportes‖ e ―Geografia da Circulação‖ baseia-se na idéia que
―(...) as palavras ‗geografia‘ e ‗transportes‘ (ou outras associadas), dão conta, para as décadas
de 1940 e 1950, de abordagens que referem mais aos meios e infra-estruturas de transportes
de forma isolada e não tanto ao sistema como um todo‖ (PACHECO, 2001, p. 25). Portanto, a
circulação privilegia o sistema, no sistema há interações e as interações são transformadoras.

O termo ―circulação‖, nesse ínterim, permaneceu associado à ―Geografia


Clássica Francesa‖ e seus estudos totalizadores, enquanto que os transportes foram associados
à ―Geografia Quantitativa‖ e seus modelos de origem/destino, fluxos, interações espaciais,
velocidade, organização do espaço, entre outros (ULLMAN, 1956). Com o advento da
Geografia Crítica, na década de 1970, o termo transportes foi incorporado, sem muita
preocupação epistemológica e metodológica, facilmente a essa corrente do pensamento
geográfico. Por outro lado, o termo circulação, e tudo o que ele significa, permaneceu sendo
utilizado.

Ratzel (1914) discutiu a influência dos meios e vias de transportes sobre os


grupos humanos (relação homem-meio) numa relação de causa-efeito. Para ele construir a
―teoria geral da circulação‖ redundava em criar uma teoria ―domadora‖ do espaço (SORRE,
1984). Nesse sentido há alguns princípios ou determinações que precisam ser analisadas
conjuntamente (independentes da época e da região), como: a) a força motriz, b) a estrada
percorrida, c) a carga transportada e d) o grupo humano que preside a marcha. A noção de
rede formada através do cruzamento de diferentes modais também estava presente e
apresentava preocupação com relação à intermodalidade. Os diversos caminhos,
conseqüentemente, distribuem os agrupamentos humanos e as mercadorias que entram em
circulação e a cada encruzilhada desses há o estabelecimento de espaços comerciais,
produtivos, de consumo e nós de circulação (estações ferroviárias, rodoviárias, aeroportos,
etc.), ou seja, nós de maior ou menor influência na rede. Segundo Sorre (1984), Ratzel
afirmava que a luta contra o espaço ocorria em três domínios: o terrestre, o marítimo e o
aéreo:

Em cada um deles, podemos seguir o avanço progressivo dos homens em


face dos obstáculos geográficos, avanço condicionado à adaptação das
técnicas, à especialização das máquinas e das rotas. O conjunto das rotas
nos três domínios, juntamente com as instalações de seus pontos nodais,
forma a rede universal da circulação. O conhecimento não será completo, a
menos que associemos o estudo das rotas ao estudo das trocas de que é
instrumento (SORRE, 1984, p. 95).

Nesse sentido, a circulação redunda no ato e nas conseqüências de transportar


como parte integrante da evolução humana e das transformações espaciais. Ela não é,
portanto, só o resultado da simples existência de meios e infra-estruturas de transportes e sua
conjugação, id est, o ato de transporte. Na circulação o ato de transportar está relacionado a
uma totalidade globalizante (natural e humana), com conseqüências presentes e futuras. Os
traços essenciais da teoria geral da circulação estão na ampliação: a) do domínio da circulação
geral, b) no aumento das velocidades, c) no aumento da capacidade de transporte e d) na
aceleração contemporânea de todas essas características juntas. Redundando, por conseguinte,
no que pode ocasionar através:

 Da multiplicação dos caminhos;

 No aumento das distâncias percorridas devido aos grandes descobrimentos;

 Na redução das linhas mais curtas;

 Nas substituições das regiões e dos pontos selecionados acidentalmente pelas regiões
criadas pela imposição da natureza;

 No aumento da extensão do espaço conquistado;

 No crescimento do transporte de massa e;

 No transporte de uma grande parte da circulação continental através de uma rede


fluvial, terrestre e marítima.

Ratzel (1914) compara a evolução geral da circulação a uma rede fluvial. Ele
demonstra que uma pequena artéria pode interferir na artéria principal e o retrocesso de uma
artéria principal pode ter influências negativas sobre uma determinada população. Nesse caso
não é necessariamente a escolha de novas rotas e/ou a valorização de outros espaços que
podem tornar os espaços mais ou menos interessantes ao capital. Pode ser o assoreamento de
um rio, de um porto, a diminuição da vazão de um rio, o aumento do calado por causa da
modernização tecnológica nos meios de transportes, entre outros.

Arquétipos que reafirmam o citado anteriormente são os casos dos portos de


Florianópolis/SC, de Laguna/SC, de Porto Alegre/RS que foram abandonados devido o
aumento do calado das embarcações e do assoreamento nos atracadouros. Por outro lado, o
que ocorreria com a intensa rede de navegação amazônica, nos rios Negro, Solimões e
Amazonas, se não fossem alimentados pelas pequenas artérias. A aceleração do movimento
numa artéria central também repercute nas artérias menores e nas redes de outros modais
interconectados (intermodalidade e multimodalidade). Assim, modificações (produção,
reprodução, estruturação e reestruturação) espaciais são visíveis. Um exemplo demonstrado
por Ratzel é o Canal de Suez que restabeleceu a navegação pelo Mediterrâneo e pelo Mar
Vermelho, provocando, inclusive, a criação e melhoramento das linhas férreas que atravessam
os Alpes, a abertura do Túnel de São Gotardo, o emprego de máquinas mais potentes e a
aceleração da velocidade em todas as redes da Europa ao Norte dos Alpes.

Numa discussão sobre o TAV (Trem de Alta Velocidade) no Brasil, podemos


afirmar que haveria uma relação de encadeamento positiva? Ou podemos afirmar que o TAV
no Brasil pode prejudicar as interações espaciais entre os núcleos humanos ao longo do
trajeto? Alguns pontos, entre outros, devem ser colocados na pauta dos planejadores:

 O trem de alta velocidade necessita de mais distância para atingir a velocidade ideal e
voltar a parar e nesse sentido alguns pontos intermediários não podem servir de
paradas (mesmo que atualmente não haja necessidade de mais conexões no futuro
poderá haver). A conseqüência é o aumento da concentração populacional, econômica,
etc. nas metrópoles e grandes cidades que não as suportam mais (o espraiamento só
seria possível com mais pontos de paradas e ligações desses grandes centros aos
espaços anecúmenos ou pouco habitados, como ocorreu na França) e o possível
esvaziamento dos espaços adjacentes. Numa política de planejamento urbano e
regional adequada possivelmente se valorizaria trens mais lentos (trens de velocidades
médias combinados inclusive com trens alimentadores mais lentos e com mais paradas
– nesse caso até se aceitaria a combinação com um trem de alta velocidade) e que
parasse mais vezes, fomentando, por conseguinte, os espaços intermediários e
adjacentes e;
 O Brasil não possui, além de ser mais cara, a tecnologia para construção de um TAV
(Trem de Alta Velocidade) e, logo, a maior parte dos materiais rodantes (motor,
sistemas de freios, carros, etc.) e permanentes (trilhos, dormentes, etc.) deve ser
importada. Caso fosse um trem de passageiros de média velocidade, com tecnologia
intermediária, haveria, com mais freqüência, fornecedores de equipamentos nacionais,
como também empresas de construção civil para sua viabilização.

Isso para não falarmos das concessionárias que administrariam a empresa


ferroviária (nacional? estrangeira? qual modelo de concessão? empresa privada? estatal?
economia mista?) e o tipo de modal que o TAV concorreria (avião que serve, em grande
parte, as demandas corporativas ou o ônibus que está mais relacionado à reprodução da força
de trabalho em outro nível?). Pensamos também que na circulação entre dois pontos o que é
mais importante: a velocidade ou a quantidade/peso da(s) carga(s)? Para essa definição há
necessidade de se entender a formação sócio-espacial desses espaços, ao menos
minimamente, para a compreensão de suas potencialidades. Nesse ínterim, a apreensão da
realidade, especialmente de fenômenos de maior dimensão, está além do que nossos olhos
podem captar e por isso uma metodologia e um referencial teórico adequados são necessários.

Falando ainda de Ratzel, suas idéias não passaram despercebidas. Recebeu


críticas da escola francesa, especialmente de Paul Vidal de La Blache, através da doutrina
possibilista. Para a visão baseada no possibilismo sobressai a relação sociedade-meio e
também a evolução dos transportes e sua contribuição para as sociedades espacialmente
localizadas (vista de estudo historicista e indutiva centrada em um espaço concreto).

Para Jean Brunhes (1955), a ―Geografia Geral da Circulação‖ é parte da


Geografia Humana e parte central da Geografia Econômica. Dessa forma, Brunhes (1955, p .
100) delimita a orientação da Geografia Geral da Circulação apontando, especialmente, para o
exame dos

(...) caracteres materiales de la calle y de la carretera, la aglomeración


urbana y la carretera política, la circulación urbana, questiones
legítimamente englobadas em esse término general, quizás um poço vago,
em todo caso muy comprensivo de Verkehrs-geographie (que traduce
imperfectamente por Geografia de los Transportes).
Brunhes (1955) aponta para a importância de se estudar outros fatos
econômicos, como as tarifas de transportes, os tratados de comércio7 e os portos francos, a
circulação no espaço urbano, a relação da circulação com o uso do solo, as relações da
circulação com a população (mobilidade populacional)8 e a circulação do pensamento
(telégrafos, telefonia, etc.)9.

Jean Brunhes (1955) encerra o capítulo sobre ―Geografia Geral da Circulação‖


afirmando que a circulação não é só um fator de transformação material da superfície
circunscrita, mas sim um transformador da quantidade, da qualidade e das atitudes da
população humana. O homem sempre se mobilizou no espaço buscando melhores climas,
saqueando, cambiando, entre outros, e, por conseqüência, estão inclinados a exercer a
circulação, ou seja, a circulação é uma condição humana e por isso seu estudo é, apesar de
enfraquecido, central não só para a Geografia Humana e Econômica, mas para entender a
evolução e o destino da sociedade humana. Brunhes (1955), como um fiel geógrafo francês,
deixa uma crítica à Ratzel ao afirmar que o político e o econômico se unem para dar extremo
valor ao homem e que o espaço, conseqüentemente, não está nu, só, mas sim perfaz conexões
com a vida e no fim a circulação se traduz sempre em um recrudescimento mais ou menos
consciente do espírito de dominação.

Para Max Derruau (1969, p. 474):

La circulación es um fenómeno eminentemente geográfico. Depende de la


geografía física que facilita o desaconseja ciertos trazados. Asimiesmo,
depende de técnicas tales como el modo de construcción de las vías o la
invención de determinado tipo de vehículo. Por uma parte modifica los
fenómenos humanos creando profesiones y aglomeraciones ligadas al

7
Vide o caso dos tratados de integração entre os países da América do Sul (especialmente entre os países
andinos e o Brasil) que tem como principal ponto a integração terrestre através de estradas de rodagem e
consubstanciado pela IIRSA (Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana). Em
setembro de 2000 foi estipulada na Cúpula de Presidentes da América do Sul, realizada em Brasília (Brasil), a
integração física entre os países da América do Sul. O programa foi denominado de IIRSA e é uma iniciativa
multisetorial que pretende desenvolver e integrar as áreas de transporte, energia e telecomunicações da América
do Sul. O objetivo é ordenar coletivamente o espaço sul-americano a partir da contigüidade geográfica, da
identidade cultural e dos valores compartilhados pelos países da América do Sul.
8
Quando Brunhes (1955) afirma que a circulação também incide sobre a mobilidade de pessoas (quando aborda
essa circulação no espaço urbano e suas transformações espaciais) não está pensando nessas pessoas só como
mercadorias capazes de reproduzirem o capital (apesar de ser, no capitalismo, o principal motivo da mobilidade
populacional). O capitalismo geralmente intensifica ao invés de criar seus principais atributos, como mobilidade
de pessoas, mercado, moeda, trocas e outros. Se a circulação é produtora de espaço e a mobilidade populacional
também produz espaço e o espaço é produzido independentemente dos modos mais recentes de produção, a
mobilidade populacional também faz parte da circulação. Então se há circulação geográfica ela é independente
das amarras temporais do capitalismo e vai além da mercadoria (força de trabalho e produtos).
9
Atualmente, incluiríamos todas as telecomunicações realizadas nos espaços materiais e imateriais. Nota-se,
contudo, que a comunicação, com o surgimento das telecomunicações e, especialmente, do telégrafo, se
deslocou/separou dos transportes.
transporte, y por outra permite algunas transformaciones en la producción
o el consumo.

Derruau (1969) narra que as civilizações não teriam alcançado determinado


estágio de evolução caso não tivessem contraído técnicas de transporte equivalentes. As
sucessivas revoluções técnicas, especialmente as logísticas (que são mais que simples
revoluções técnicas), são condições fundamentais para as revoluções industriais. Enfim, ―(...)
la circulación es la condición sine qua non de los modos de vida ambulantes‖ (DERRUAU,
1969, p. 474).

A Geografia da Circulação está baseada, deste modo, na relação meio-técnica:


mostrando que a técnica ao ganhar espaço sobre o meio contribui para a modernização da
sociedade e amplia suas relações sociais através das interrelações espaciais. O ponto de
partida desse ramo geográfico é analisar as técnicas de transportes (meios e vias, ou seja, os
sistemas de movimento), como melhorias das vias e dos veículos que redundem no aumento
da velocidade e da capacidade de transportes e, por conseguinte, como contribuem para as
transformações sociais, principalmente a da sociedade contemporânea, no seu ponto crucial: a
produção, a reprodução, a estruturação e a reestruturação do espaço e, por que não dizer
também, a do território.

A GEOGRAFIA DOS TRANSPORTES

Jean Brunhes (1955) e Pierre George (1955) afirmam que o termo Geografia
dos Transportes é vago (denominação geral) já que o vocábulo transporte não dá conta de
todos os aspectos condizentes que propicia a circulação. Ao mesmo tempo é uma tradução
não muito fiel do alemão Verkehrsgeographie. Outros autores (clássicos e recentes) afirmam
que os termos são equivalentes, ou seja, ―pura metáfora orgânica‖. Apesar de terem origem
semelhante (diferenciação na tradução), de se diferenciarem por algum tempo (devido à baixa
valorização da totalidade das escolas neopositivistas), acabaram por significar a mesma coisa
(devido o senso comum e a difícil identificação que é atribuído um a estudo e a sua verdadeira
classificação)10.

10
Mas, para isso, caberia a criação de uma metodologia que identificasse a diferença dos estudos de Geografia
da Circulação e de Geografia dos Transportes. Por outro lado, alguns afirmam que isso pouco importa, ou seja,
é uma perda de tempo fazer essa classificação e o que realmente importa e deve ser alvo de preocupação é a
qualidade do estudo.
Etimologicamente o termo transporte (século XVIII) é derivado do verbo
transportar (século XV) e quer dizer ―levar de um lugar a outro‖. Expressão originária do
latim (transportare). Transporte significa ato, efeito ou operação de transportar. A expressão
circulação etimologicamente parece ser mais ampla já que traduz o movimento no espaço.
Mas, para a Geografia o que importa são as interações espaciais (que também são sociais, pois
estamos falando do espaço e ele não é a-espacial) entre os grupos humanos através do
movimento de mercadorias, pessoas e informações e, por conseguinte, para que isso ocorra é
imperiosa a ação de transportar. A expressão ―Geografia dos Transportes‖, destarte, foi menos
usual nas escolas alemã e francesa do que na americana11 e inglesa. Atualmente não
conseguimos identificar um trabalho como coligado mais ao procedente nexo da circulação do
que dos transportes, ou seja, ―o que se proclama não necessariamente satisfaz o fato‖. O
mesmo vale para o conteúdo de uma disciplina. Então o que recentemente entendemos por
Geografia dos Transportes?

Para Pini (1995), a Geografia dos Transportes consolidou-se (tornando-se uma


das sucursais específicas da Geografia), no final da década de 1950, devido à importância que
os transportes passaram a ter. Isso por causa da ampliação das trocas econômica após a II
Grande Guerra e da complexidade da circulação nos espaços urbanos (cidades grandes,
metrópoles, megalópoles e suas interações espaciais em redes, isto é, pela rede de cidades).
Fator esse ampliado pela expansão e pela complexidade do espaço intra-urbano, sobretudo nas
últimas décadas. As redes de transportes superaram os espaços regionais e aos poucos se
tornaram redes globais, ou seja, tem-se a passagem dos circuitos regionais para os circuitos
espaciais de produção e de distribuição (SANTOS, 1996). Ademais as diferentes redes,
parcialmente, interconectaram-se através da multimodalidade/intermodalidade e dos
tecnologicamente avançados meios e vias de transportes que se tornaram acessíveis,
notadamente, para a transmissão de informações12. Ao passo que houve a fusão da Geografia

11
De origem quantitativa, Edward L. Ullman, em ―Geography of Transportation‖ (1956), prefere o termo
transportes ao invés de circulação. A partir desse momento o termo recebeu diversos adeptos e perdura como
principal até a atualidade, inclusive nos estudos de ―Geografia Crítica‖. Algumas das discussões originárias na
corrente quantitativa são: a análise das redes, o tratamento e análises dos fluxos, as hierarquizações territoriais
que estabelecem o planejamento e a simulação de modelos de demanda, entre outros (PONS; REYNÉS, 2003).
Apesar das questões sociais serem pouco trabalhadas por esses geógrafos muitas concepções foram
incorporadas pelos geógrafos advindos da geografia crítica, como uma perspectiva diferenciada para as
interações espaciais (categoria de interações do materialismo histórico e dialético e o conceito de espaço
geográfico como instância social). Os modelos são aplicados no planejamento de transportes (trânsito, rotas,
localização, custos, etc.).
12
A multimodalidade/intermodalidade obteve grande avanço em diversos países desenvolvidos, contudo,
mantém-se incipiente em grande parte das nações do terceiro mundo, caso do Brasil, por exemplo. Isto significa
dizer que as redes e as conexões apresentam características peculiares em cada região (FELIPE JUNIOR;
SILVEIRA, 2008b).
com o marxismo a Geografia Crítica13, originária desse processo, tendeu a usar a expressão
transportes e não circulação.

(...) a importância do fator ―transporte‖ nas explicações de organização do


espaço geográfico, agora no sentido da deslocação de algo ou alguém de
uma origem a um destino porque ocorreu uma decisão para aceitar essa
transferência, encontrou terreno fértil de desenvolvimento nas ciências
sociais e humanas. No âmbito da Geografia, os anos 70, ficaram marcados
pela publicação de alguns trabalhos, agora intitulados de ―Geografia dos
Transportes‖, nos quais se enfatiza a estrutura das redes de transportes, ora
abordadas segundo os meios e/ou modos de transportes, ora pela comparação
entre situação nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Do mesmo
modo, as resenhas sobre as teorias e modelos desenvolvidas em anos
anteriores, em particular na área de Econometria, assumem lugar de destaque
nestes trabalhos. Paralelamente, os transportes urbanos e as questões sociais
dão os primeiros passos na década de 70, para conhecerem um maior
aprofundamento nas de 80 e 90 (PACHECO, 2001, p. 30).

Entrementes, a ―Geografia dos Transportes‖ não abandonou sua relação com


os demais ramos da Geografia e, em especial, a Geografia Humana (de onde surgiu). Com o
passar do tempo a relação entre a ―Geografia dos Transportes‖ e a Geografia Econômica
aproximou-se de tal modo que muitos dos trabalhos que abordavam transporte e circulação
eram tidos por seus autores como de Geografia Econômica. A ―Geografia dos Transportes‖
manteve, por conseguinte, o papel de valorização dos transportes na formação e evolução dos
padrões de ocupação do território (PINI, 1995). Valendo-se, portanto, dos clássicos14 para o
seu enriquecimento teórico e metodológico. Entre elas destacam-se os clássicos sobre
ordenamento do território, como os ―círculos concêntricos‖ de Von Thünen (1826); a

13
Por conseguinte, a Geografia dos Transportes do século XXI, aparentemente perdida por décadas de crise,
aponta para a valorização das novas tecnologias (SIGs, etc.), como afirmam Segui Pons e Reynes (2003, p. 1),
―uma de las aportaciones más interesantes y fecundas de los últimos años es la aplicación tecnológica de los
SIG a los análises del transporte y a su gestión y planificación‖. Todavia, as autoras afirmam que há
necessidade de revisão de conceitos clássicos, como acessibilidade, distância, mobilidade e acrescentamos as
interações espaciais. Bebendo em fontes não muito seguras os estudos recentes da Geografia dos Transportes
abandonam a riqueza dos clássicos (mesmo não sendo críticos) e vão buscar inspirações em ramos do
conhecimento que só nas décadas de 1980 e 1990 passaram a estudar os transportes intensamente, como a
Administração (discussão sobre logística), a Engenharia de Produção e Civil, a Logística (cursos de graduação e
pós-graduação). Nossa intenção, portanto, nesse trabalho, é demonstrar que a valorização dos clássicos se
relaciona bem com as perspectivas futuras, como a logística.
14
Algumas obras pioneiras influenciaram os estudos sobre transportes, como ―o transporte e os assentamentos
humanos e sua dependência da configuração da superfície terrestre‖, de Jonhann G. Kohl (1841), e a obra de
Wilhelm Götz (1888) sobre as vias de transportes do comércio mundial. Essa obra influenciou muitos
geógrafos, como Ratzel. Por outro lado, geógrafos como Raymond Caralp (as estradas de ferro no maciço
central) e Maurice Wolkowtsch (a economia regional dos transportes no Centro-Oeste da França) podem ser
consideradas, dentro da tradição geográfica francesa, como especialistas em transportes. Entre os não geógrafos,
as importâncias que Marx e Engels deram às tecnologias empregadas aos transportes como a capacidade que
estes últimos tinham de contribuir com a evolução do capitalismo, sobretudo, o tempo e os custos de circulação
do capital. Uma relação mais detalhada sobre os trabalhos de Geografia dos Transportes pode ser observada em
Serrano (1986).
―localização industrial‖ de Alfred Weber (1909); a ―localidades centrais‖ de Walter
Christaller (1933); os ―sistemas de cidades, a localização industrial e a demografia‖ de August
Lösch (1940); os ―pólos e eixos de desenvolvimento‖ de François Perroux (1949), o ―insumo-
produto‖ de Walter Isard (1972); a teoria da ―causação circular cumulativa‖ de Myrdal
(1957); a análise do ―processo de polarização‖ de Hirschman (1958) e; as ―lógicas de
organização espacial (distribuição e segregação residencial) dos espaços urbanos‖ de Burges
(1925), de Kohl (1841) e de Hoyt (1939)‖ e dos ―espaços interurbanos‖ (Reilly, 1929) 15.
Todas abordando os transportes como um dos fundamentais fatores de ordenamento do
território. Tais aproximações permitiram que a Geografia permanece na junção de várias áreas
de investigação.

Um dos motivos para uma desvalorização constante dos estudos sobre


transportes, a partir da década de 1990, está associado à demasiada incorporação de temas,
metodologias e concepções de outras ciências à Geografia. Igualmente, os ramos geográficos
passaram a observar os transportes como uma simples determinante em seus objetos de
pesquisa e, por conseguinte, desvalorizando-o aos poucos. Presentemente, essa negligência
está custando caro à Geografia, especificamente porque com o processo de integração global
(consubstanciado pela mundialização do capital) os transportes passaram a ser destaque em
diversas outras ciências. Uma das grandes especialidades da Geografia ocupa hoje um papel
secundário, apesar de uma tentativa recente e desorganizada de recuperação, e uma defasagem
em relação a outras (métodos, referenciais teóricos, inserção no mercado e outros). Assim, A
influência de outras áreas na Geografia, inclusive de forma global, precisamente aquelas mais
técnicas, acríticas e voltadas para uma forma de planejamento altamente tecnificado, estão
ocorrendo de maneira muito abrupta e indiscriminada. A absorção das idéias e concepções,
por exemplo, da Administração de Empresas, das Engenharias, entre outras, são, em muitos
casos, empecilhos a uma análise geográfica dos transportes sob uma concepção crítica,
espacial e voltada ao desenvolvimento econômico regional e nacional.

Por outro lado, a diversidade de temáticas também é a riqueza dela. O mesmo


vale para a ―Geografia dos Transportes‖, conforme afirma Pini (1995, p. 139):

La geógraphie dês transports ne repose pas sur une théorie des transports
mais sur une multitude de points de vue qui resultent de la complexité et du
degré d‟importance que lês cherchurs attribuent au transport dans la
dynamique dês territoires et dans le comportement dês différents acteurs.
De plus, le transport est um service répondant à une demande de
mouvement de biens ou de personnes; l‟explication de la génération de

15
Ainda destaca-se a organização espacial das cidades latino-americanas de Mertins e Bahr (1981).
cette demande a necessite la prise em compte des théories issues d‟autres
disciplines l‟explication de la génération de cette demande a necessite la
prise em compte des théories issues d‟autres disciplines (l‟économie pour la
théorie de l‟utilité; la sociologie pour lês théories de la mobilité
geographique; la physique pour l‟interaction spatiale; la psychologie pour
lê comportement des individus, par exemple).16

A Geografia Crítica, por outro lado, fez uma avaliação negativa dos modelos
matemáticos e das análises da Geografia Quantitativa nos estudos de transportes. Mesmo
assim, segundo Michael E. Hurst, a facilidade de se aplicar modelos aparentemente
complexos redundou na falta de avaliação dos processos básicos involuncrados, quer dizer,
interesses políticos, econômicos, militares, etc. Os trabalhos de Geografia Crítica, dominantes
a partir da década de 1980, passaram a avaliar mais os transportes pela ótica da mobilidade
diferenciada dos grupos sociais.

O objetivo da ―Geografia dos Transportes‖ é estudar os sistemas de


transportes17 e seus impactos espaciais (HOYLE; KNOWLES, 2000 apud PONS; REYNÉS,
2003), ou seja, as interconexões entre diferentes meios e vias de transportes (intermodalidade)
e, por conseguinte, o movimento e seus modelos espaciais, da estrutura da rede e das
dinâmicas espaciais que estas proporcionam (PONS; REYNÉS, 2003). Na perspectiva
geográfica os transportes possuem um destacável papel na interpretação das inter-relações
físicas e socioeconômicas entre indivíduos e grupos na sociedade (PONS; REYNÉS, 2003). O
conhecimento dos sistemas de transportes faz frente, por conseguinte, às necessidades de
deslocamentos, de intercâmbios e das relações dos homens, das suas mercadorias e das
informações em um espaço dado e independente de qual for à escala, inclusive, a do
individuo18.

16
―A Geografia dos Transportes não repousa exclusivamente sobre a teoria dos transportes, mas sobre uma
multiplicidade de pontos que resultam numa destacável complexidade que os pesquisadores atribuem ao
transporte, como a dinâmica dos territórios e o comportamento de diferentes atores. Além disso, o transporte é
um serviço respondendo a uma demanda de movimento de bens e pessoas. Para explicar a necessidade dessa
demanda e dos fluxos, há necessidade de buscar teorias em outras disciplinas (como na economia a teoria da
utilidade, na sociologia a mobilidade geográfica, na física as interações espaciais, na psicologia o
comportamento dos indivíduos, por exemplo) (PINI, 1995, p. 139).
17
São as infra-estruturas, os fluxos e os serviços de transportes.
18
A Geografia dos Transportes do século XXI, aparentemente perdida por décadas de crise, aponta para a
valorização das novas tecnologias (SIGs, etc.). Essa é a visão de Pons e Reynés (2003, p. 1): ―(...) una de las
aportaciones más interesantes y fecundas de los últimos años es la aplicación tecnológica de los SIG a los
análisis del transporte y a su gestión y planificación‖. Elas afirmam também que há necessidade de revisão de
conceitos clássicos, como acessibilidade, distância, mobilidade e, acrescentamos, as interações espaciais.
―Bebendo‖ em fontes não muito seguras os estudos recentes de ―Geografia dos Transportes‖, em termos,
abandonou a riqueza dos clássicos e foi buscar inspiração em ramos do conhecimento que, só nas décadas de
1980 e 1990, passaram a estudar os transportes, como a Administração (discussão sobre logística), Engenharia
A LOGÍSTICA COMO NOVO TERMO AGREGADO DA GEOGRAFIA DOS
TRANSPORTES E DA CIRCULAÇÃO

Se concordarmos que o objeto de estudo da Geografia (Geral) da Circulação


e da Geografia dos Transportes é o mesmo – apesar de suas origens, equívocos de
significado na tradução, abrangência e foco de estudo – não faz diferença utilizar tanto um
termo quanto o outro. Qual o motivo, portanto, para se utilizar o termo circulação,
nomenclatura menos atual? Porque a circulação apresenta uma noção totalizadora e por
estar relacionada à circulação do capital (através da teoria marxista de movimento
circulatório do capital), ou seja, em muitas situações é resultado da circulação capitalista 19.
Estudar o movimento circulatório do capital não é objetivo só da ―Geografia da Circulação,
Transportes e Logística‖, entrementes, cabe a ela estudar a influência dos transportes,
circulação e logística no movimento e nas repercussões ocasionadas no espaço geográfico
e vive-versa.

Todavia, o termo transportes não deve ser abandonado. Primeiro por causa
da confusão historicamente estabelecida entre Geografia da Circulação (geral) e Geografia
dos Transportes (específico). Esse fato demandaria uma grande reavaliação de trabalhos
científicos e disciplinas no âmbito da Geografia desde seus primeiros estudos. Segundo
porque, a visão mais restrita, que possui o termo ―Geografia dos Transportes‖,
desenvolvido, principalmente pela Geografia Teorética, não deve ser abandonada. Isto é,
uma perspectiva de planejamento, de ordenamento e de arrumação do espaço urbano e
regional e do território também é importante para a Geografia, mesmo que seja na esfera de
uma Geografia aplicada.

Na atualidade, por causa da complexidade da sociedade, é possível a


―Geografia da Circulação, Transportes e Logística‖ estudar uma multiplicidade de
enfoques e utilizar variadas metodologias. As tendências não podem ser negligenciadas,
por outro lado, diversos enfoques metodológicos e conceituais, ―caros‖ à Geografia, não
precisam ser abandonados, como as noções de totalidade que o termo circulação
historicamente traz. Utilizar os transportes associado à noção de planejamento,
ordenamento e arrumação do espaço regional e urbano e incorporar novas discussões,

de Produção e Civil, Logística (cursos de graduação e pós-graduação), etc. Nossa intenção, portanto, nesse
trabalho, é mostrar que a valorização dos clássicos se relaciona bem com as perspectivas futuras (como a
logística). Isso sem deixar de lado a Geografia Crítica.
19
Todavia, vale deixar claro que a circulação do capital pode ser realizada com ou sem a ajuda dos transportes.
como a logística, não necessariamente precisa ser na perspectiva de um administrador, de
um economista ou de um engenheiro. A Geografia construiu uma ampla base capaz de
lidar com esses novos enfoques, sobretudo, pela perspectiva crítica. Essa criticidade, entre
outras, herdada das influências anarquistas e ―marxistas‖ torna-se basilar nos períodos de
predomínio do poder das corporações capitalistas. Responsabilidade social, criticidade,
utopias, posicionamento político e defesa da sociedade, inclusive das minorias excluídas,
não devem fugir aos cientistas sociais que estudam e planejam os transportes.

Falar de ecletismo na Geografia não significa ―misturar coisas que não se


misturam‖, ―forçar peças de quebra-cabeça que não se encaixam‖. Por conseguinte,
também pode levar à perda de coerência metodológica e teórica ao invés de
enriquecimento da análise. Tomar cuidado com o que é incorporado, principalmente com
os ―modismos‖, é essencial. Valorizar velhas e novas concepções, como demonstrado
simplificadamente abaixo20, é basilar, mas com responsabilidade:

 Acessibilidade: facilidade de acesso e de aproximação na execução da mobilidade


espacial de pessoas, mercadorias e informações. Para isso há que se levar em
consideração uma complexa relação entre distância, velocidade e barreiras físicas,
biológicas e humanas. Fatores organizacionais e tecnológicos são necessários para a
melhoria da acessibilidade;

 Distância21: a distância espacial é a distância real ou física quando se refere ao plano


do espaço absoluto euclidiano. Se aceitarmos uma concepção do espaço como algo
relativo poderíamos afirmar que qualquer ponto não é somente uma localização no

20
Outros de igual importância são: conectividade; viabilidade, utilidade, ponto de ruptura de carga, interface de
troca, centralidade, fator de localização e percepção. Também há as ferramentas técnicas, como o uso do SIG
(Sistema de Informações Geográficas) e modelos gravitacionais.
21
Há de se tomar cuidado na interpretação da expressão compressão/contração do espaço-tempo. A expressão
dá a entender modificações no espaço físico, como se ele encolhesse/diminuísse e na verdade o que ocorre é que
a distância está relacionada ao tempo e não à alteração do espaço. Um quilômetro é mil metros e isso não vai
mudar, mas o que muda é o tempo despendido para percorrer esses mil metros/um quilômetro. É isso que causa
alterações no espaço geográfico. Por isso há uma falsa aparência de alteração do espaço físico, mas o que se
altera é o tempo e isso influi na percepção que temos do espaço físico. Portanto, a distância stricto sensu de um
ponto ao outro não se alterou, mas o tempo de percurso, a capacidade de interações espaciais sim. A noção de
tempo ou intervalo de tempo e distância não são absolutos, ou seja, vão depender muito do referencial utilizado.
A distância econômica refere-se aos custos para se percorrer uma determinada distância. Em condições iguais a
distância econômica aumenta paralelamente a distância física. Todavia, a igualdade de condições nem sempre
ocorre. A distância econômica depende, portanto, de uma série de fatores, como o meio, a via, o percurso, a
disponibilidade, entre outros. Essa discussão, entre muitos, não fugiu a Christaller, Thünen e Weber. ―Por otra
parte, la utilización del espacio y la percepción que de él se tenga dependen de la apreciación individual de la
distancia, apreciación subjetiva que vendrá influida por factores tales como, los biológicos, los
socioeconómicos o los culturales. De ahí emana el concepto de „distancia perceptiva‟, una distancia relativa,
medida sobre un espacio asimismo relativo, en sus dimensiones‖ (PONS; REYNÉS, 2003, p. 10).
espaço, mas também o tempo (PONS; REYNÉS, 2003). A palavra tempo é
freqüentemente utilizada para atribuir significado a um lugar distante. Na verdade a
distância espacial não se alterou, mas a temporal sim. Assim é que alteramos a
percepção que temos do espaço, como se ele sofresse uma contração progressiva, na
mesma medida que os transportes evoluem, ou seja, a ―contração espaço-tempo‖
(HARVEY, 2005)22;

 Velocidade: cobertura de um espaço físico em determinado tempo. O tempo que se


leva de um ponto a outro depende de um percurso a ser cursado e das condições
tecnológicas do meio e das vias, do meio ambiente, etc. Também se refere à unidade
de tempo (distância temporal);

 Mobilidade geográfica ou espacial: Pons e Reynés (2003) citando Potrykowski e


Taylor (1984) afirmam que ―a mobilidade é uma conseqüência da falta de equilíbrio
espacial entre a oferta e a demanda‖. A mobilidade necessita, entre outras coisas, de
uma conjugação entre acessibilidade e distância, isto é, os mesmos predicados que
possibilitam o entendimento da distância e da velocidade, como a disponibilidade de
meios e vias de transportes e meio ambiente. Ela está relacionada ao modo como os
grupos humanos construíram relações com o espaço e com eles mesmos. Entender,
conseqüentemente, a partir das Combinações Geográficas (CHOLLEY, 1964), a
Formação Sócio-Espacial (SANTOS, 1977) é um passo importantíssimo para decifrar
a complexidade da mobilidade no espaço, como os fatores econômicos e os motivos
(trabalho, compras, ócio, religioso e outros) que levam os indivíduos a se
mobilizarem, em diversas escalas (espaço internacional, regional e intra-urbano), no
espaço geográfico;

 Cadeia de transporte (intermodalidade e multimodalidade): utilização sucessiva de


modos de transporte para efetivar uma operação de transporte;

 Custo de transportes: corresponde aos custos monetários relacionados ao cumprimento


de uma distância;

22
Segundo Pons e Reynés (2003, p. 10): ―El binomio „distancia espacial/distancia temporal‟ que tiene el
mayor interés para explicar las relaciones sobre el geoespacio, desaparece por completo en el ciberespacio.
En efecto, según señala Debié (1995), la realidad que se vive en el nuevo espacio generado por las TIC es el
de la contracción generalizada de las dos variables, espacio y tiempo. Este fenómeno, sin embargo, no
supone una desaparición del territorio sino una recomposición de los espacios funcionales. Por ello, las
profecías sobre la desaparición de las fronteras por el despliegue de las TIC no sólo son anticuadas sino que
parecen responder más a una intención de difusión de los productos procedentes de la economía del
conocimiento que de producción o creación del conocimiento que nunca ha estado tan territorializado ni
concentrado‖.
 Sistema de transportes (movimento): composto por veículos, infra-estruturas técnicas
de exploração e organização institucional que regem a circulação e os transportes;

 Redes23 de transportes: as redes de transportes representam um dos importantes


sistemas arteriais para a organização do território. As redes compõem nós
interconectados, que por sua vez requerem uma infra-estrutura tecnológica, ou seja,
suporte material que possibilite as interações espaciais e o crescimento do setor. Estas
redes definem a função de regulamentação desses nós, na medida em que necessitam
de fixos que promovam a fluidez (PEREIRA; SILVEIRA, 2008);

 Fluxos: quantidade de pessoas, bens, informações, entre outros, medidos numa linha
de comunicação. Pode ser material e imaterial. Já os fluxos econômicos correspondem
às movimentações econômicas que passam pelas redes técnicas, ou seja, os valores
econômicos das mercadorias, dos capitais, dos passageiros, dos veículos e outros que
produzem e complementam ―valor‖ no movimento pelo território.

As interações espaciais, grosso modo, entendidas, na ―Escola de Washington‖,


como a relação entre agentes habitualmente localizados em pontos diferentes do espaço ganha
um sentido mais totalizador a partir da associação com a categoria de interações do
materialismo histórico e dialético e de espaço da Geografia Crítica. A noção tradicional de
interações espaciais leva em conta as trocas entre espaços de demanda e de oferta e para isso
destacam-se: a) a complementaridade (uma função ou diferenciação areal que promove
interação espacial); b) as oportunidades mediadoras (entre duas regiões ou lugares); c) a
distância (mensurada em termos reais incluindo custo e tempo de transporte e o efeito do
melhoramento em facilidades) (ULLMAN, 1972). Já para a Geografia Crítica as interações
espaciais são representadas por um amplo e complexo conjunto de deslocamentos de pessoas,
de mercadorias, de capitais e de informações sobre o espaço geográfico, podendo variar em
sua intensidade e freqüência, dependendo da distância e da direção (CORRÊA, 1997).

23
Castells (2000) afirma que a lógica das redes gera uma determinação social em nível mais alto que a dos
interesses sociais específicos expressos por meio das redes. Com isso, o poder dos fluxos é mais importante que
os fluxos de poder. Para o autor, a presença da rede ou a ausência dela na dinâmica de cada rede em relação às
outras são fontes cruciais de dominação e transformação de nossa sociedade, que podemos apropriadamente
chamar de sociedade em rede, caracterizada pela primazia da circulação, dos fluxos territoriais e dos fixos
instalados. Assim, a rede, como qualquer outra invenção humana, é uma construção social alegando que
indivíduos, grupos, instituições ou firmas desenvolvem estratégias de toda ordem (políticas, sociais, econômicas
e territoriais) e se organizam em rede, manifestando as interações espaciais nos territórios que estão
circunscritos nessas redes. Em síntese, entende-se que a rede não constituiu o sujeito da ação, mas expressa ou
define a escala dos sistemas de ações e objetos, projetando a viabilidade para a circulação territorial (PEREIRA;
SILVEIRA, 2008).
Contudo, as interações espaciais podem se realizar através de diversos motivos ou propósitos
e, por conseguinte, por diferentes meios e velocidades. Como exemplos, se destacam as
migrações, as exportações, as importações, a circulação de mercadorias, o deslocamento de
consumidores aos centros de compras, a visita a parentes e amigos, a ida ao culto religioso,
praia ou cinema e o fluir de informações destinadas ao consumo de massa (CORRÊA, 1997).

Vale ressaltar que os deslocamentos puros e simples não são esclarecedores


para o entendimento das interações espaciais. As interações espaciais, na perspectiva da
Geografia Crítica, devem facilitar o entendimento da produção e da reprodução do espaço
através de diversas formas de ―interações‖. Assim, elas visam, por um lado, a reprodução
social e econômica, e, por outro, a reprodução do capital.

Portanto a ―Geografia da Circulação, Transportes e Logística‖ apresenta um


alto grau de diversidade devido às grandes transformações políticas, econômicas, sociais e
culturais nas últimas décadas. O mesmo assevera Pons e Reynés (2003, p. 5) para o que elas
chamam de Geografia dos Transportes:

La movilidad, la globalización, y los cambios en el mercado de trabajo,


derivados de la aparición del proceso de producción flexible; el papel de
las redes electrónicas como sustitutas de la movilidad real a través de los
transportes; la configuración de la sociedad en red, el papel del transporte
y la intermodalidad; la movilidad, la exclusión social y la desigualdad en
la distribución de la riqueza; la movilidad personal en diferentes
sociedades; el transporte, la movilidad y la sostenibilidad medioambiental;
y, finalmente, las políticas de movilidad y cambio social, analizadas a
diferentes escalas.

Ao acrescentarmos os termos circulação e logística para chegarmos à


definição do ramo da Geografia que chamaremos de ―Geografia da Circulação, Transportes
e Logística‖ estaremos falando de transportes enquanto sistemas de movimento e todas as
condicionantes relacionadas a ela para a movimentação de mercadorias, pessoas e
informações (basicamente na lógica do planejamento) e; da circulação enquanto uma
totalidade capaz de produzir intensamente o espaço através do movimento e das interações
decorrentes. Mas a circulação, no capitalismo, também deve ser entendida como a
circulação do capital através do movimento de mercadorias, bens e informações aptos para
atender suas necessidades (mas para o capital circular não há necessidade da circulação
material). Já a logística agrega à discussão fatores mais atuais, como a importância das
cadeias de suprimentos, produção e distribuição (e também comunicações) e todo
armazenamento de montante a jusante do sistema produtivo. Suas conseqüências no espaço
(independente do recorte espacial, ou seja, o território, a região e o lugar) e o modo como
sofrem interferências do mesmo (propiciando produção e reprodução do espaço) passa a
ser interesse da Geografia. Entrementes, em âmbito geral, qualquer um dos predicados,
como a logística e os transportes estão correlacionados (com maior ou menor intensidade)
ao movimento circulatório do capital. O fato de termos a circulação como importante
atributo reforça a ligação que a Geografia dos Transportes tem com as questões
econômicas, políticas e sociais muito próximos dos estudos desenvolvidos pela Geografia
Econômica coligada à corrente crítica marxista.

A CIRCULAÇÃO TAMBÉM ENQUANTO MOVIMENTO CIRCULATÓRIO DO


CAPITAL24

A movimentação das mercadorias, a circulação efetiva das


mercadorias no espaço, identifica-se com o transporte delas. A
indústria de transportes constitui ramo autônomo da produção
e, por conseqüência, esfera particular de emprego de capital
produtivo. Singulariza-se por aparecer como continuação de
um processo de produção dentro do processo de circulação e
para o processo de circulação.
Karl Marx

Segundo Santos e Silveira (2001), atualmente só a produção não basta. É


necessário por a produção em movimento, pois a circulação passou a presidir a produção.
Com as especializações dos territórios devido à ampliação do domínio das corporações os
territórios se modificam. Os espaços são tecnificados e repletos de fixos (empresas,
moradias, infra-estruturas, etc.) que exigem circulação de pessoas, mercadorias,
informações e capitais e, por conseguinte, demandam mais sistemas de movimento
especializados. Quanto mais há necessidade de circulação do capital mais necessidade vai
haver de expansão dos fixos e fluxos de transportes, armazenagem e comunicações.

As redes de transportes e comunicações multimodais (flexibilidade,


competência e complementaridade entre os modais) ao mesmo tempo em que são
fundamentais também têm que ser flexíveis para superar as restrições materiais e imateriais
do território e propiciar maior fluidez ao capital25. Não basta só terem fixos é necessário

24
A circulação (no sentido geográfico) transpassa o modo de produção capitalista. Assim, ela é mais antiga que
a circulação do capital e provavelmente durará mais.
25
Um exemplo claro entre interesses correlatos de transportes e outros tipos de comunicações para distribuição
de informações é a utilização dos traçados ferroviários e rodoviários concedidos à iniciativa privada para a
também haver um ótimo de custos, velocidade, conforto, acessibilidade, freqüência,
seguridade, descrição e eficiência. A logística, como atributo, sobretudo organizacional,
providencia isso. Destarte, as redes de transportes eliminam constantemente as
descontinuidades espaço/temporais no território.

Apesar do movimento circulatório do capital não ser restrito ao momento


histórico que chamamos modo de produção capitalista – especialmente com o advento da
grande indústria (segunda metade do século XVIII) – é nesse período que o movimento
circulatório do capital se consolida como fundamental para o entendimento do modo de
produção vigente, suas fases, seus regimes de acumulação e suas oscilações cíclicas. Os
transportes – tanto na esfera da produção como na esfera da circulação – são fundamentais
para a evolução do capitalismo através do complexo processo de circulação do capital. Ele
está em todas as fases, ou seja, desde a montante até a jusante das relações sociais e
econômicas (suprimentos, produção, distribuição e consumo).

O movimento circulatório do capital a qual o transporte pode ou não


participar26 possui algumas fases, como:

 O dinheiro (D) é utilizado para a compra de mercadorias (M), ainda, consideradas


matérias-primas (e antes da matéria-prima a matéria-bruta que recebe atribuição de
valor antecipada devido sua utilidade futura), sendo que isso pode ocorrer de forma
bastante diversificada (basta olhar o complexo sistema de suprimentos de uma
indústria automobilística). É nesse momento que o transporte e a logística contribuem
para prover com suprimentos a fase mais importante do processo produtivo, ou seja, a
transformação da matéria-prima em mercadoria com mais valor (M‘). Havendo
transporte da matéria-prima com eficiência logística o custo de produção diminuirá a
ponto de diminuir os custos de produção e tornar o produto mais competitivo e
aumentar o lucro dos capitalistas envolvidos e a ampliação dos investimentos e da

passagem subterrânea das linhas de fibras óticas. Fato observado constantemente na interiorização das redes de
fibras óticas no Estado de São Paulo através dos traçados das auto-estradas e das estradas de ferro concedidas.
26
Lembramos que o movimento circulatório do capital pode realizar-se, segundo Marx (2005), sem
necessariamente haver mobilidade física de um bem e vice-versa. ―No ciclo do capital e na metamorfose das
mercadorias nele incluída realiza-se o intercâmbio de matérias de trabalho social. Esse intercâmbio pode
determinar mudança de espaço dos produtos, seu movimento efetivo de um lugar para outro. Mas as
mercadorias podem circular sem se moverem fisicamente e pode haver transporte de produto sem circulação de
mercadorias e até sem troca direta de produtos. A casa que A vende a B circula como mercadoria, mas não sai
do lugar. Mercadorias móveis, como algodão, ferro gusa, não mudam de depósito enquanto passam por
inúmeros processos circulação, compradas e revendidas por especuladores. Neste caso, o que se move
realmente não é a coisa. Em sentido contrário, temos o importante papel que a indústria de transportes
desempenha, por exemplo, no Império Inca, embora o produto social não circulasse como mercadoria, nem
fosse distribuído por meio de troca‖ (MARX, 2005, p. 166).
poupança (que pode se configurar como um vazamento no sistema). Igualmente, já há
muito tempo, se descobriu o quanto é fundamental as invenções e as inovações –
levando em consideração também fatores organizacionais, de marketing, etc. – nos
meios, vias e armazenamentos das cargas. Esse interesse ficou mais latente após o
processo de mundialização do capital, especialmente, quando falamos de logística;

 Tendo o capitalista a mercadoria (M), os meios de produção (MP) e a força de


trabalho (FT), basta combiná-las para a realização da transformação (T) da matéria-
prima em mercadoria acrescida de valor. Vale lembrar que tanto MP quanto FT são
mercadorias. Nesse procedimento denominado de processo de produção (P) o
transporte e o armazenamento são importantes. Todavia, a movimentação em termos
de distância é irrelevante já que o produto dificilmente sai da fábrica enquanto está em
transformação27. A logística (logística de produção), nesse momento, passa a ser,
inclusive, mais importante que o simples ato de transportar. É nessa fase que, segundo
Marx (2005), predomina a extração de mais-valia e a formação de valor;

 Após o processo de produção a M‘ está disponível para o mercado. Isso redunde em


mostrar que há necessidade de haver concretização da circulação do capital, isto é, a
mercadoria tem que ser transportada (em vários estágios), passar para o capital
comercial (atacadista e varejista) e por fim se realiza plenamente através do
consumo28. Por outro lado o capitalista industrial (como outros capitalistas) tanto
acelera o movimento circulatório do capital quanto o encurta. O encurtamento ocorre a
partir do momento que ele direciona parte da mais-valia extraída de seus trabalhadores
para outros capitalistas, como o comercial e de algumas atividades de serviços. Ele
acelera esse processo, entre outros, com o auxílio da logística e dos transportes.
Quanto mais rápido o capitalista industrial conseguir realizar a mercadoria (através do
encurtamento e aumento da velocidade da realização do consumo) mais rápido ele
conseguirá reiniciar o processo de circulação do capital. Dessa forma, há uma
constante extração da mais-valia e da geração de valor. Há de fato um movimento
circulatório do capital. Mas, há as crises de superprodução e de subconsumo do

27
Objeto de estudo mais próximo do ramo da Geografia Econômica denominado de Geografia Industrial.
28
―No fim da fase produtiva, o capital industrial já adquire forma de capital mercadoria e é acrescido de toda a
soma de mais-valia. O capital produz esta massa de mercadorias, não para o seu consumo, mas para a venda.
Agora ele deve reaparecer no mercado na qualidade de vendedor de mercadorias produzidas. Abre-se o período
da venda ou a realização das mercadorias; terminada esta, o capital deve abandonar novamente o seu invólucro
mercantil e revestir a brilhante forma de dinheiro para se transformar em seguida, uma vez mais, em meio de
produção e força de trabalho, e recomeçar seu incessante movimento circulatório‖ (LAPIDUS;
OSTROVITIANOV, 1979, p. 54).
capitalismo que podem desacelerar o movimento e interferir negativamente na
composição orgânica do capital, no aumento exponencial da poupança, na contratação
da força de trabalho, na geração de renda e, por fim, estabelecer uma fase recessiva
dos ciclos, isto é, reduze-se e cessa-se o efeito multiplicador da(s) economia(s)
capitalista(s). Nesse contexto os transportes e a logística, por diversos motivos,
contribuem para a agregação de valor a mercadoria. A logística – tanto para o
transporte e o armazenamento – de distribuição urbana, de longo percurso, intermodal,
reversa, etc. contribuem, atualmente, demasiadamente para a aceleração29 e
conformação do movimento circulatório do capital. Essa é a nova lógica da
―globalização econômica‖ resultando na aceleração contemporânea.

Entrementes, o movimento circulatório do capital expresso na fórmula clássica


de Marx (2005) redunde: D – M (FT e MP)... T... M‘ – D‘30. Ambas as expressões
(transportes e logística) só contribuem para o aumento da velocidade e para o encurtamento
do movimento circulatório do capital. Cabe à ―Geografia dos Transportes, Circulação e
Logística‖ estudar esses fatores em todas as suas etapas. Não devemos esquecer que não é só
esse o papel da ―Geografia da Circulação, Transportes e Logística‖ já que ela permite que
possamos estudar outras perspectivas, como a percepção, a cultura e outros sem o pesquisador
estar diretamente preocupado com a concepção marxista de movimento circulatório do
capital. Todavia, a negação das determinações econômicas pode levar o pesquisador de
transportes ao erro, ou seja, não perceber que direta ou indiretamente questões sociais,
ambientais e de comportamento sofrem influências econômicas e vive-versa. Tudo está
conectado e como a Geografia é uma ciência totalizadora, como lembrou André Cholley
(1964), cabe ao geógrafo fazer o melhor possível (não esquecendo as combinações de
complexo).

A LOGÍSTICA COMO ATRIBUTO DA GEOGRAFIA DA CIRCULAÇÃO E


TRANSPORTES: HISTÓRIA E BASES CONCEITUAIS

29
―Quanto mais são ideais as metamorfoses da circulação do capital, isto é, quanto mais se torna o tempo de
circulação igual a zero, ou mais se aproxima de zero, tanto mais funciona o capital, tanto maiores se tornam sua
produtividade e produção de mais-valia‖ (MARX, 2005, p. 140). Podemos imaginar, só nessa citação de Marx,
quanto é importante a ―Geografia da Circulação, Transportes e Logística‖ abordar todas as nuances que
circundam o transporte e a logística, relacionados ao movimento circulatório do capital.
30
―O capital passa, portanto, em seu movimento circulatório, por três fases: fase dinheiro, fase produtiva, fase
mercadoria. O conjunto destas três fases constitui o movimento circulatório do capital‖ (LAPIDUS;
OSTROVITIANOV, 1979, p. 54).
Etimologicamente a definição mais antiga para logística está relacionada ao
grego logistikós, do qual o latim logisticus é derivado, ambos relacionados à lógica aritmética.
A logística é tão antiga quanto o transporte e o armazenamento, por representar estratégia,
planejamento e gestão que envolva os transportes (logística de fluxos), as infra-estruturas
(logística de fixo) e o armazenamento (logística de armazenagem). Todavia, a expressão
(como conhecemos hoje) tornou-se conceito na França. A logística foi formulada a partir do
francês logistique (por volta de 1873), para expressar a parte da arte militar referente ao
planejamento de transporte e alojamento (do francês Loger que significa alojar) de
suprimentos e das tropas em batalha.

Destaca-se, também, que a palavra difundiu-se, com o nome dado a um posto


militar, ou seja, o ―Marechal General de Logis‖, nome atribuído, ao comandante responsável
pelo planejamento de transportes e armazenamento, por volta de 1670, na França.
Seguidamente foi utilizado pelo General prussiano Von Claussen. A palavra logística, como
atributo militar, passou a representar a estratégia, o planejamento e a gestão das diversas
atividades militares, como materiais, pessoal, serviços e desempenho de funções militares31. O
termo, por conseguinte, apresentou aspectos muito genéricos e difundiu-se sem muito critério
para representar funções que não estavam diretamente relacionadas ao ato de batalha.

Posteriormente, com mais propriedade, a logística (do inglês logistics) foi


desenvolvida pela Inteligência Americana (CIA), juntamente com os professores de Harvard,
para a Segunda Guerra Mundial. Podemos citar todo o preparo para o desembarque na
Normandia. O objetivo era fornecer (logística progressiva) equipamentos militares e
alimentos para os aliados e realizar a logística reversa (logística regressiva), especialmente a
de soldados feridos e equipamentos.

Mais tarde, o conceito adequou-se ao mundo dos negócios, surgindo como


matéria nas Schools Business, sobretudo na Universidade de Harvard, nos cursos de
Administração de Empresas e Engenharias, devido à acirrada competição entre firmas,
principalmente as denominadas por Michael Porter (1986) de ―empresas globais‖. Assim,
tem-se o início da logística corporativa. Na década de 1980 o conceito de logística,
reformulado para o mundo dos negócios, assumiu importante papel, a partir do

31
Planejamento e realização de: a) projeto e desenvolvimento, obtenção, armazenamento, transporte,
distribuição, reparação, manutenção e evacuação de materiais; b) recrutamento, incorporação, instrução e
adestramento, designação, transporte, bem estar, evacuação, hospitalização e desligamento de pessoal; c)
aquisição ou construção, reparação, manutenção e operação de instalações e acessórios destinados a ajudar o
desempenho de qualquer função militar; d) contrato ou prestação de serviços.
desenvolvimento das estratégias das empresas globais para alcançarem novos mercados, ou
seja, a lógica passou a atender as demandas corporativas e favorecer a aceleração
contemporânea. Foi a partir desse momento que os serviços de logística envolveram diversos
segmentos e se espalharam por vários ―partes‖ do mundo, acompanhando a grande ―onda
global‖ – ―a mundialização do capital‖, como afirma Chesnais (1996).

A expressão logística é apresentada por muitos como um conceito novo e


revolucionário, que pode explicar as diversas mudanças nos sistemas produtivos e de
transportes. Muitos afirmam que somente a logística seria capaz de resolver diversos
problemas e explicar, inclusive, a evolução da sociedade mundial, como afirma Ake Anderson
(1990) através das quatro revoluções logísticas. Outros afirmam que a logística é recente e é
resultado somente dos interesses corporativos intensificados, na década de 1980, pela
―globalização‖. O resultado é que muitos geógrafos incorporaram: a) a visão ―eurocêntrica‖
de Ake Anderson (1990); b) o equivoco teórico de afirmarem que a logística é um sistema de
movimento (infra-estruturas e meios de transportes) e produção e; c) que ela é atual, como se
surgisse somente para atender aos interesses corporativos e estivesse soldada à globalização 32.

Para Anderson (1990), os países nórdicos, de proeminência relativa, nos


contextos das revoluções logísticas, foram o centro dos transportes e da circulação tanto no
âmbito global como europeu. Apesar de realizar uma rica avaliação o autor apresenta as
revoluções logísticas desassociadas temporalmente e espacialmente das principais
―acelerações civilizatórias‖, como as grandes revoluções nos meios, vias e rotas de
transportes, inclusive a partir do século XVIII, relacionadas às revoluções industriais. As
revoluções logísticas, para o autor supracitado, estão associadas às grandes mudanças de
hegemonia no cenário global, ou seja, sua visão está coligada à tradição braudeliana
(Civilisation matérielle e Économie et capitalisme) incorporada por Giovanni Arrighi (o
longo século XX) e Immanuel Wallerstein (sistema-mundo), ou seja, os ―ciclos sistêmicos de

32
Se a logística está soldada à ―globalização‖ (termo considerado incorreto já que perfaz as ideologias do centro
do sistema capitalista) e às corporações ela é bem mais antiga. Milton Santos afirmava que a primeira
―globalização‖ começou com as expansões marítimas do século XV. Também podemos afirmar que as
Companhias das Índias Orientais e Ocidentais eram grandes corporações. Mas, se formos entender a logística
enquanto estratégia de gestão e planejamento para os transportes e armazenamento ela é bem anterior ao século
XV. Respeitando o método materialista histórico e dialético podemos afirmar que a maioria dos aspectos
atribuídos ao capitalismo não são próprios dele, mas intensificados nele, como o mercado, o dinheiro, o capital
e outros. O mesmo princípio vale para a logística, ou seja, ela é muito antiga, mas seu auge ocorreu na década
de 1980 quando associada aos interesses corporativos (como parte das estratégias competitivas, sobretudo das
―empresas globais‖) no domínio da mundialização do capital. Por isso que ela deve ser marcada com a
expressão ―logística corporativa‖.
acumulação capitalista‖. Dessa forma, as revoluções logísticas associam-se às mudanças de
poder na seguinte ordem:

 A tomada de hegemonia ocorre quando se concretiza o então processo de acumulação


capitalista. Esse sistema altera o centro hegemônico de poder até que a fase seguinte,
ou seja, a de financeirização coloque a tona o início da transição de poder (ARIGHI,
1996);

 A mudança de hegemonia ocorre quando o estado – ou cidade(s)-estado ou região(ões)


hegemônicas entram na fase de financeirização e passam a financiar a fase produtiva
de outro(s) cadidato(s) à hegemonia global33. A concretização ocorre quando esse
financiamento toma formas produtivas, tecnológicas e, em especial, bélicas. O
esgotamento está relacionado com os conservadorismos, os oligopólios, os
esgotamentos tecnológicos, etc. Estamos falando, portanto, na medida em que
prevalece a ―vantagem do atraso‖ para a tomada de ―hegemonia‖, ambas no sentindo
trotskista e gramscianiano.

Assim, as revoluções logísticas acompanhariam a mudança de hegemonia, id


est, sobretudo, a permanência de uma nova hegemonia:

 Cidades-estado italianas até o século XV;

 Espanha e Portugal até meados do século XVII;

 Holanda até meados do século XVIII;

 Inglaterra até o final do século XIX;

 Estados Unidos até início do século XXI;

Caso haja de fato uma mudança de hegemonia na primeira metade do século


XXI seu centro de gravidade parece estar se direcionando para a Ásia, especialmente para a
China. Outra possibilidade é desse centro consolidar-se espacialmente em múltiplos pontos,
ou seja, múltiplos focos pelo globo terrestre.

Destarte, afirmamos que a logística é limitada em termos conceituais, isto para


não atribuirmos erroneamente para a logística uma atividade que engloba o setor produtivo e
o comercial. A logística é uma das atividades do setor de serviços. As revoluções logísticas

33
―Ao longo de toda era capitalista, as expansões financeiras assinalaram a transição de um sistema de
acumulação em escala mundial para outro. Elas são aspectos integrantes da destruição recorrente de ‗antigos‘
regimes e da criação simultânea de ‗novos‘‖ (ARRIGHI, 1996, p. 27).
são grandes transformações nas estratégias, no planejamento e na gestão da circulação, dos
transportes e do armazenamento (e também nas comunicações já que durante muitos séculos
as comunicações só se realizavam através dos transportes físicos). As revoluções logísticas só
ocorrem quando as transformações que elas proporcionam chegam ao ponto de reverter à
ordem socioeconômica vigente repercutindo ao longo das décadas e séculos futuros (vide
diversas invenções e inovações chinesas nos transportes que não são levados em conta pela
visão eurocêntrica). De tal modo:
O conceito de ―revolução‖, nesse caso, se soma ao de ―logística‖ para
expressar ―um conjunto de estratégias, planejamento, gestão e transformações
tecnológicas no setor de transportes e comunicações a ponto de ampliar as
interações espaciais e mudar a ordem socioeconômica vigente‖. Assim, em
cada revolução logística, tanto as integrações territoriais, quanto a divisão
territorial do trabalho foram ampliadas. Novos espaços comerciais surgiram e
especializaram-se, novas formas de produção foram disponibilizadas, e as
trocas culturais consolidadas (SILVEIRA, 2009, p. 14).

Portanto, para haver uma revolução logística é imperativo que as estratégias, a


gestão e o planejamento de transportes, armazenamento e também comunicações incentivem
invenções, mas, sobretudo, convertam-se em inovações (no sentido schumpeteriano).

A logística é importante, especialmente, quando falamos da integração da


cadeia de abastecimento, todavia, não é mais que as transformações da natureza através da
aplicação combinada dos meios de produção e da força de trabalho. Devemos levar em conta
a fórmula clássica de Marx: D – M (FT+MP)... T... M‘ – D‘ e entender que a logística não
substitui esse processo ou é mais importante que ele. A logística só contribui para a
aceleração e encurtamento das fases (através da terceirização) do movimento circulatório do
capital até porque a produção é, ainda, apesar de tantas mudanças, a base do capitalismo.

Por mais que a logística afete as relações de produção e de trabalho ela não é o
fator condicionante e nem o principal fator de alteração das mesmas, ou seja, existem outros
predicados em jogo e eles são responsáveis pela evolução e pela aplicação da logística na
sociedade capitalista. A logística é um tipo de estratégia, de planejamento e de gestão,
sobretudo, da cadeia de abastecimento (organização de estoques e dos transportes). Apesar
dos mesmos atributos da logística serem utilizados na organização da produção eles não são
logísticos, são planejamentos da produção e da organização do trabalho para a produção,
como ergonomia, organização do chão da fábrica, flexibilização do trabalho (trabalho em
células, sistema kan-ban), etc. Mas, o planejamento da movimentação e armazenamento no
interior de uma fábrica é denominado de ―logística de produção‖. A influência da logística
―no projeto do produto, nas parcerias, nas alianças e na seleção de fornecedores e outros
processos de negócios‖, como também ela sendo a ―nova inteligência da empresa‖, é exagero.
Na verdade o que ela mais representa hoje é ser uma importante determinante que contribui
para o conjunto das estratégias de conquista de mercados e diminuição de custos pelas firmas,
ou seja, é a logística corporativa. Obviamente uma empresa pode quebrar caso a logística não
seja bem aplicada, mas isso pode ocorrer também por uma série de outros motivos.

A logística é supervalorizada como a responsável pelas grandes transformações


produtivas e comerciais. De qualquer forma ela é uma das determinações importantes. Não é
nem a circulação e o armazenamento e nem um meio e uma via de transporte, mas a
estratégia, o planejamento e a gestão de transportes e de armazenamento. Pensar em realizar
eficientemente essas tarefas e utilizar as tecnologias possíveis é que é colocar em prática a
visão logística.

A noção de estratégia levantada por nós não é a compreendida


tradicionalmente no termo militar (produzir e coordenar eficientemente e com destreza a ação
de conflito de ataque e/ou defesa a ponto de gerar vantagens sobre o adversário) e sim sua
derivação. Ou seja, para o planejamento e a gestão logística capazes de proporcionar
vantagens na movimentação de produtos, serviços e informações mais rapidamente e com
segurança a um custo reduzido e hábil de estender a distância entre o produtor e o cliente e
com custos relativamente baixos. Para isso, também se planeja e se gesta uma série de
recursos que são colocados a disposição para uma melhor eficiência logística (tecnologia da
informação, tecnologias em transportes e armazenamentos e sistemas de movimento).

Por que a diminuição do tempo e dos custos, um dos atributos planejados pela
logística, é fundamental para a concorrência intercapitalista? A empresa que utilizar melhor à
logística acelerará a circulação do capital e terá maior lucratividade a ponto de ganhar (se tudo
ocorrer de acordo, ou seja, se outras determinantes tanto quanto à logística funcionarem
adequadamente) a concorrência intercapitalista. Quer dizer, não adianta ter uma logística
eficiente e um produto de baixa qualidade. Produtos perecíveis, como hortifrutigranjeiros, se
chegarem ao mercado rapidamente e com eficiência poderá por um lado ter preço
diferenciado e ficar mais tempo a disposição dos consumidores, desse modo, a diminuição do
tempo de percurso e a eficiência no transportar aumenta os lucros e diminui os custos de
produção (redução do ciclo do pedido à entrega).

Para isso a administração da cadeia de suprimentos (Supply Chain


Management) é extremamente importante. Como arquétipo, podemos citar as exportações de
frutas do Vale do São Francisco para a Europa e Estados Unidos, como a manga que é colhida
previamente com cuidado, embalada, acondicionada e devidamente transportada por rodovia
até um aeroporto onde é embarcada para outros países, ou seja, além do processo ser rápido
ele é eficiente de acordo com a mercadoria a ser transportada e a exigência do cliente. Por
outro lado, o mesmo cuidado (logística) não é atribuído a alguns produtos para o mercado
interno. Imaginemos a complexidade quando a logística é pensada para o transporte de um
produto complexo e repleto de fornecedores e clientes, nos mais diversos países e regiões,
como um avião de grande porte, como o Airbus ou o Boeing.

Quando um jornalista afirma no noticiário que há um ―apagão logístico‖ e/ou


que a logística brasileira está sucateada o que ele quer dizer com isso? Que há um
estrangulamento nas infra-estruturas! Mas tanto no primeiro quanto no segundo caso o que
pode ocorrer é: a) a falta de estratégia, de planejamento e de gestão eficientes para transportes
e armazenamentos levou a um estrangulamento das infra-estruturas de transportes e
armazenamento; b) a falta de modernização dos portos, de construções de armazéns, de
estradas, de ferrovias, de silos, etc. ocasionaram transtornos logísticos e, c) a combinação de
ambas as hipóteses. Mas geralmente o que eles querem afirmar é que há um sucateamento e
falta de infra-estruturas de transportes e armazenamento, ou seja, há uma demanda maior de
fixos que a oferta.

A logística que é ―comum aos nossos olhos‖ é utilizada para atender os


interesses corporativos (a logística corporativa associada às transformações recentes coligadas
à ―mundialização do capital‖). Por outro lado, o grau de sofisticação da logística no âmbito
militar foi apresentado ao ―público global‖ através das Guerras do Golfo (1990), do
Afeganistão (2001) e do Iraque (2003) e, por conseguinte, foi um dos principais impactos
decisivos para a rápida conquista militar do território do Afeganistão e Iraque (a logística
militar que em grande parte é a logística do Estado). Fato expresso pelas estratégias de
armazenamento e transportes para abastecimento das tropas e para retorno (logística reversa)
de feridos, mortos, tropas e sobras de guerra. A logística invade o campo de batalha
contribuindo, inclusive, com o apoio da geoinformação e das comunicações, como as
estratégias de localização e de movimentação das tropas (rotas mais eficiente aliviam a
pressão sobre toda a cadeia de abastecimento de guerra, tornando-a mais eficiente).

Como já relatamos, a logística que nos interessa no momento é a que está


estritamente associada aos interesses corporativos. Isso não exclui a indústria, o comércio e os
serviços de guerra, pois eles foram quase que completamente terceirizados, ou seja, para
muitas economias do mundo a guerra é o principal indutor do PIB (Economia de Guerra) e
para as empresas a principal e/ou única fonte de lucro. Como o conceito de logística evoluiu
consideravelmente para atender as demandas corporativas, o termo estratégia também seguiu
os mesmos passos. Michael Porter, na década de 1980, publica o clássico livro: ―Estratégias
competitivas, técnicas para análise da indústria e da concorrência‖ ―fincando o pé‖ em
expressões importantes, como a ―estratégia‖, o ―planejamento‖ e a ―gestão‖ para atender as
novas demandas corporativas globais e deixa claro que a logística é um desses atributos
conceituais que reformulada é capaz de ampliar a eficiência das empresas multinacionais para
que elas dêem o ―próximo passo‖ na conquista de mercados, ou seja, transformarem-se em
―empresas globais‖. As condições estão dadas, isto é, o início do neoliberalismo, com as
desregulamentações, liberalizações, etc.

A logística, mais do que no passado, está utilizando novas tecnologias


(tecnologias da informação para transportes) para auxiliar, enquanto ferramentas, o
planejamento e a gestão de atividades tanto no âmbito público (logística de Estado) quanto
privado. As tecnologias da informação são utilizadas para ampliar a eficiência logística, como
Sistema Inteligente de Transportes34, radiofreqüência, GPS, softwares de simulação para
roteirização, tráfego, SIG, SIG-T, Internet-car, entre outros. O emprego das TIGs
(Tecnologias da Informação Geográfica) já é destaque no âmbito geográfico, principalmente
através da disciplina Geographic Information Science (que tem como principal ferramenta o
SIG-T, ou seja, SIG para transportes35).

Essa modernização tecnológica ―inovacional‖ só foi possível devido o aparato


tecnológico, especialmente, os microprocessadores (capazes de revolucionar a forma como se
produz e distribui a informação) da ―Terceira Revolução Industrial e Tecnológica‖
(COUTINHO, 1992). Ao ser aplicado a favor da logística essas tecnologias expõem a

34
O SIT visa à utilização de bases de dados navegáveis para facilitar o acesso, a recuperação, a análise e
representação de elevados volumes de informação em tempo real. O objetivo é facilitar as tarefas de inventário,
planejamento e gestão de infra-estruturas de transportes (condições das vias, rotas, etc.), de fluxos, de demandas
e demais serviços. Assim, toda essa tecnologia serve para: a) planificação de rotas e intermodalidade (com o uso
do SIG-T); b) sistemas de navegação assistida de veículos (SIG e GPS – Sistema de Posicionamento Global e
internet-car); c) controle de riscos meteorológicos (SIG para condições meteorológicas); d) controle de trânsito
(SIG e técnicas multimídias); e) gestão emergencial (GPS e telefonia móvel) (PONS; REYNÉS, 2003). Como
essas tecnologias foram essencialmente utilizadas para melhorar à logística e valorizadas dentro do contexto que
se expande a mesma, portanto, estão extremamente associadas.
35
―Las redes de transporte se construyen sobre el territorio y sobre ellas se desplazan flujos de personas, de
materia y de energía. Los SIG aplicados al área de transporte son más que un simple dominio de funcionalidad
genérica (Thill, 2000). Dada la importancia que han adquirido sus aplicaciones en este área, en el ámbito
anglosajón, se le ha dado una nomenclatura específica conocida como SIG-T (GIS for transport, GIS-T). Éstos
integran procesos de modelización, manipulación y análisis de datos no siempre incluidos en los SIG
convencionales‖ (PONS; REYNÉS, 2003, p. 11).
diferenciação entre os diversos serviços da cadeia de suprimentos (transportadoras,
agenciadoras e operadoras logísticas) e em seguida igualam-nas (Operadores de Transporte
Multimodal)36. Os serviços se especializaram e um operador de transporte logístico passou a
ser responsável (transporte, eficiência, segurança, burocracia, etc.) pela carga da origem ao
destino incluindo as etapas de armazenamento. Para isso há necessidade de elevar a
velocidade, assim, esta deve estar no planejamento, na transmissão dos dados e na execução.
O que há de novo é que diferentemente do passado – e isso fez com que a logística se
destacasse – há uma visão sistêmica da cadeia logística. Tais atributos enfatizam a ―Quinta
Revolução Logística‖ (SILVEIRA, 2009).

A GEOGRAFIA DIANTE DA LOGÍSTICA: PROCEDIMENTOS CRÍTICOS

Ao geógrafo não cabe o entendimento da logística como o de um funcionário


encarregado da logística de uma empresa. O geógrafo tem que analisar a logística do ponto de
vista de um cientista (geografia acadêmica) e/ou planejador crítico e responsável (geografia
aplicada). Todavia, essa também deve ser a função de outros cientistas humanos. Então como
diferenciar o geógrafo que estuda a logística de outros cientistas. Obviamente é através das
metodologias, dos referenciais teóricos, do(s) objeto(s) e do espírito crítico pertinente à
Geografia. A visão a partir do espaço geográfico (do lugar, da região, da paisagem, do
território) e das combinações geográficas (físicas, biológicas e humanas) é estritamente
correlacionada à sociedade, pois nenhuma dessas é a-social.

As ―estratégias logísticas diferenciadas‖ contribuem para uma maior


otimização capaz de aprimorar e de gerar novas formas de diminuição de custos e de aumento

36
―A movimentação de mercadorias (suprimentos e distribuição), sobretudo para longas distâncias, representa,
na maioria dos casos, a maior parte dos custos fora da linha de produção, o que justifica, em parte, a preocupação
quanto à eficiência dos modais de transportes. Uma empresa de transporte quando adota a visão logística visa
eliminar os desperdícios, as ―gorduras‖, principalmente em relação à melhor forma de armazenamento, as
melhores rotas e o menor tempo de percurso. O transporte deve fluir retilineamente, evitando curvas e gargalos
e, assim, ter os custos diminuídos, ou seja, evitando pedágios, substituindo e/ou intercalando modais, escolhendo
melhores rotas, diminuindo o tempo de entrega, personalizando serviços e cuidando de burocracias, como
impostos e liberalizações em alfândegas. Essa é a função dos ―Operadores de Transporte Multimodais‖ (OTM)
que, inclusive, atuando no mercado internacional cuidam das liberalizações em alfândegas‖ (SILVEIRA, 2007,
p. 139). Nesse sentido que as Estações Aduaneiras de Interior (EADs) ou mais conhecidas como ―Portos Secos‖
atuam, ou seja, na liberação alfandegária antes de chegar ao porto facilitando o embarque imediato. As EADs
também servem de local de transbordo de mercadorias valorizando em muitos casos a aplicação da
multimodalidade. Outros atributos da logística que contribuem para a eficiência: a) just-in-time – entregas
fracionadas e freqüentes, com o intuito de reduzir os estoques; b) abastecimento por terceiros direto na linha de
montagem (line-feeding); c) coleta seletiva (milk-run); d) transbordo direto (cross-docking); e) fornecimento de
componentes entregues nos fabricantes de conjuntos maiores que, por sua vez, entregam o sistema completo
(sistemistas); f) fabricantes de grandes conjuntos ou sistemas que entregam e montam o produto do cliente
(moduleiros) e; g) utilização de caixas padronizadas (bins) que são entregues direto na linha de montagem.
da rentabilidade a ponto de serem basilares para o atual estágio do sistema de regulação
flexível e dos ditames auferidos pelo neoliberalismo. Relacionados a isso podemos atribuir
outras expressões, como just-in-time, kan-ban, tecnologia da informação, etc. Ela está,
atualmente, extremamente conectada ao ―meio técnico-científico-informacional‖, à ―terceira
revolução industrial‖ e é um dos atributos fundamentais da ―quinta revolução e evolução
logística‖. Como cabe à Geografia Humana decifrar os componentes do desenvolvimento
capitalista, a ela também incumbe analisar os impactos da logística (corporativa ou não) sobre
a sociedade capitalista (como também em outros modos de produção). A partir da
contribuição que a logística emprega à circulação do capital é que há a modificação do espaço
e, por conseguinte, é dessa forma que a logística interfere ―na produção e na reprodução do
espaço‖. Como arquétipo, no caso dos transportes, tem a logística de cargas e passageiros no
âmbito internacional, nacional, regional e urbano.

A logística (enquanto estratégia, planejamento e gestão) envolve duas formas


básicas que se correlacionam, pois são interdependentes: a organizacional e a territorial. A
organizacional está voltada para facilitar o aumento da circulação do capital das empresas, ou
seja, facilitar para a mesma a acumulação e reprodução do capital (logística corporativa). Vale
lembrar que a logística organizacional é utilizada por outros segmentos, como o poder público
(logística de Estado), que não tem interesses direto na acumulação de capital 37. A logística
territorial, a que mais interessa à Geografia, por se relacionar melhor com outros ramos do
conhecimento geográfico, envolve o planejamento referente às infra-estruturas (sistemas de
movimento e armazenamento) e normas (sistemas de normas) capazes de tornarem eficiente a
fluidez territorial e, por conseguinte, alterar o território (os espaços urbanos e rurais). A
logística territorial é fundamental para o atendimento das demandas corporativas, mas
também é planejada pelo Estado sem necessariamente estar atendendo diretamente esses
interesses. A logística organizacional e a territorial são condicionantes e condicionadas entre
si. O interesse corporativo para tornar mais eficiente à logística organizacional necessita de
mudanças no território, isto é, da atuação da logística territorial através de suas estratégias e
planejamento. Ao mesmo tempo a organizacional tem que criar estratégias eficientes para
atuar sobre o território, ou seja, a logística territorial também condiciona à organizacional. A
logística territorial de Estado é relevante para a Geografia, visto que teve participação no

37
A logística organizacional pode influenciar a escolha, pela Receita Federal, de um local para estocar produtos
contrabandeados, pode influenciar na planta do prédio a ser construído, pode organizar melhor a estocagem e os
transportes. O conjunto de interesses parecidos, em especial, os corporativos pode levar à logística territorial, ou
seja, a forma e o local que os fixos serão produzidos no espaço, como portos, rodovias, entrepostos, etc.
processo de desenvolvimento brasileiro (de 1930 até o final da década de 1970), com as
políticas de desenvolvimento regional, de integração do território e do mercado interno e
setoriais. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), na atualidade, a partir da
logística territorial de Estado, configura-se como importante fator para a rápida saída do
Brasil da crise e como tentativa de recuperação do crescimento macroeconômico.

Um exemplo da modificação sobre o território pode ser atribuído às grandes


rodovias no Estado de São Paulo, como a Anhanguera, a Bandeirantes, a Anchieta e a Castelo
Branco. Elas atuam na valorização dos espaços interioranos e favorecem a desconcentração
econômica (produtiva e de consumo) e a concentração da gestão do território a partir da
metrópole. Redefinem, portanto, a tradicional área de atuação corporativa e populacional.
Essas regiões foram conformadas e reestruturadas a partir do interesse corporativo e
readequaram sua logística organizacional, especialmente, para superar as viscosidades
espaciais.

Na logística territorial estão contidos os sistemas de normas e de técnicas e seu


principal agente configurador é o Estado, que está diretamente envolvido, nas suas diversas
escalas, na conformação do espaço. Todavia, a iniciativa privada está mais atuante,
especialmente, quando através do Estado ela é obrigada a participar da construção e da
administração de infra-estruturas. Esses casos são mais comuns através dos modelos de
concessão de serviços públicos à iniciativa privada (RANGEL, 2005), que nos últimos anos,
no Brasil, representam mais uma entrega do patrimônio público do que uma alternativa
estratégica para o desenvolvimento. Ao mesmo tempo por detrás da atuação do Estado há os
interesses corporativos que, em muitos casos, não estão dissociados do interesse coletivo, ou
seja, da sociedade, já que a mesma por diversos motivos exige infra-estruturas variadas. Em
tempos de ―globalização econômica‖ as corporações formam ―redes transestatais‖ (ARIGHI,
1996) através do imperativo dos ideais de ―governança global‖, desregulamentações, áreas de
livre comércio e imposições diretas (conflitos armados – Oriente Médio) e indiretas (acordos
laterais).

Se por um lado os estoques tendem a diminuir, com uma logística de


estocagem eficiente, por outro, os fluxos devem fluir com extrema eficiência. Para uma cadeia
de fornecimento ser eficiente, a melhoria somente da estocagem e/ou só da fluidez não resolve
o problema. Com a aplicação logística na estocagem há uma forte pressão sobre a logística de
fluxos (da logística organizacional à logística territorial). Dessa forma é que o sistema de
entrega imediata (just-in-time) torna-se fundamental. Por mais que a logística organizacional
resolva parte dos problemas da falta de infra-estruturas e da matriz de desenvolvimento
(modificada nas últimas décadas sem planejamento infra-estrutural) reestruturada sobre o
agronegócio (baixo valor agregado e grande demanda de transporte) há um limite para a
mesma e isso só poderá ser resolvido pela logística territorial, ou seja, estratégia,
planejamento e gestão dos sistemas de movimento, especialmente as infra-estruturas em
transportes, como rodovias, ferrovias, portos, entre outros. Portanto, a logística deve funcionar
em rede e integrada da montante a jusante do sistema circulatório do capital. A logística
integral deve funcionar da organizacional à territorial e da intra-firma38 à global39.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que estamos chamando de ―Geografia da Circulação, Transportes e


Logística‖ não expressa muita diferença, na prática, do que outros autores chamam de
―Geografia dos Transportes‖, de ―Geografia da Circulação‖, de ―Geografia dos Transportes e
Comunicações‖ e de ―Geografia do Movimento‖. Nossa intenção, independente da
nomenclatura, é deixar claro que esse ramo do conhecimento geográfico tem como
possibilidade estudar todas as ações relacionadas aos transportes (e às comunicações), a
circulação do capital (movimento circulatório do capital relacionado ao movimento de
mercadorias, pessoas e informações, id est, o destaque para a esfera da circulação) e a
logística (cadeia de fornecimento: logística de suprimentos, de produção e de distribuição da
qual está os transportes, o armazenamento e também as comunicações).

O que queremos deixar claro é a autoridade do termo circulação e a


aproximação que deve ter a ―Geografia dos Transportes‖ dos preceitos marxistas, capazes de
enriquecer, sobremaneira, os estudos geográficos, em especial, através do conceito de
movimento circulatório do capital (a esfera da produção e da circulação, o tempo e os custos
de circulação, entre outros) e também a relação capital/trabalho advindo dele. Esses preceitos
foram poucos trabalhados pela geografia quantitativa. Ante o modo de produção capitalista os

38
Logística intra-firma ou micrologística: redunde na otimização de processos de produção através da
estratégia, do planejamento e da gestão eficiente dos fluxos de informações, de produção e financeiros. A lógica
central é baixar os custos e racionalizar a produção através da circulação e comunicação no âmbito da planta
industrial. Destaca-se a organização dos equipamentos numa planta industrial, a estocagem eficiente e a
capacidade de reposição, a troca de informações, a utilização do just-in-time e outros.
39
Logística global ou macrologística: redunde na organização espacial de atividades de uma empresa ou
grupo de empresas através de cadeias logísticas que se entrecruzam no tempo no espaço. Ela forma-se em rede e
essa pode funcionar de diversas formas, inclusive sobrepondo diferentes tipos de redes, dependendo do estágio
da corporação no meio técnico-científico-informacional. A rede mais comum entre as grandes corporações é a
de múltiplos circuitos. É esse tipo de logística organizacional que mais atua sobre o território, pressionando, em
muitos casos, a logística territorial.
especialistas em ―Geografia da Circulação, Transportes e Logística‖ devem observar a
circulação, os transportes e a logística como um importante atributo para a compreensão do
capitalismo, suas crises periódicas, seus saltos tecnológicos, seus estágios evolutivos, seus
sistemas de regulamentação e outros que nossas concepções científicas cognominar.

A logística apresenta-se como uma tática capaz de aumentar o movimento


circulatório do capital através de estratégias diversas, como o planejamento e gestão de
transportes, armazenamentos e comunicações. Destarte, ela apresenta-se como a grande
controladora e impulsionadora dos modelos de eficiência da cadeia de fornecimento,
nomeadamente com controle do tempo (organização e velocidade), dos custos, do conforto, da
acessibilidade, da freqüência, da mobilidade, da seguridade, ou seja, flexibilidade,
competência e complementaridade são as palavras-chave. Perante todos esses fatores a
velocidade das interações espaciais é ampliada e, por subsecutivo, o movimento circulatório
do capital é acelerado. A velocidade, deste modo, contém um componente econômico.

As possibilidades de pesquisa para os especialistas em transportes e áreas afins


de conteúdo disciplinar, diante do que foi exposto aqui, aumentam sobremaneira. Algumas
possibilidades, entre tantas outras, que o ramo da Geografia denominado de ―Geografia da
Circulação, Transportes e Logística‖ pode proporcionar são expostos abaixo:

 Devido à expansão dos centros urbanos (cidades médias, grandes, metrópoles,


megalópoles e metápoles) e aos problemas derivados desse aspecto
(congestionamentos, acidentes, diminuição da fluidez, viscosidade nas artérias
urbanas) os estudos sobre transportes de passageiros são requisitados nas suas diversas
modalidades e diversidades. Transporte público (concedido) e privado (transporte
fretado, como para firmas, turismo, etc.);

 Transporte aéreo, rodoviário, ferroviário, dutoviário, marítimo, hidroviário e fluvial de


cargas e passageiros e seus sistemas de transbordos, como aeroportos, portos,
rodoviárias, portos secos e estações ferroviárias;

 Estratégias, planejamento e gestão de transportes, armazenamento e comunicações, id


est, a logística em seu conjunto ou em fragmentos;

 Modais e infra-estruturas de transportes de acesso ao turismo ou como principal


indutor do turismo (viagens aeroespaciais, sobrevôos na Antártica, em ferrovias
antigas, entre outros);
 Transporte de informações ou comunicações (telecomunicações, redes duras,
tecnologias da informação, por exemplo);

 Interconexões modais (intermodalidade e multimodalidade), ou seja, planejamento e


gestão para eficiência dos transportes entre modais, inclusive, para a conexão com as
Estações Aduaneiras de Interior (EADIs), litorâneas (portos) e aeroportuárias;

 Sistemas de transportes, como as infra-estruturas e os meios de transportes e


comunicações. Nesse caso, se leva em consideração às tecnologias empregadas, como

a ferroviária (新幹線 – Shinkansen em japonês, direttissima - Itália, TGV e trem V150

– França, TAV – Alemanha e o Maglev – trem de levitação magnética), rodoviário


(free ways, veículos autotripulados, entre outros), aéreo (AIRBUS A380, viagens
aeroespaciais, etc.), marítimo (grandes cargueiros, embarcações com auxílio de velas
tipo kites de kitesurf) e comunicações (fibras óticas, redes duras, satélites, entre
outros);

 Transporte e meio ambiente (estudos de impactos e viabilidade sócio-ambientais.


Destaca-se a importância de especialistas em transportes nos estudos de impacto
ambiental e viabilidade sócio-econômica);

 Tecnologia da informação (TI) para transportes, armazenamento e comunicações (TI-


T, SIG, SIG-T, GPS, internet-car, sistemas de estoques e roteirização, entre outros);

 Recursos energéticos e transportes (biodiesel, álcool, hidrogênio, eletricidade, etc.);

 Eixos de circulação – a relação entre fixos e fluxos e a atratividade econômica que os


mesmos podem causar. A relação com a posição geográfica, a proximidade e conexão
com espaços urbanos densos, a mobilidade e a acessibilidade para mercadorias,
pessoas e informações e, por conseguinte, para as corporações. Por fim, um eixo
atrativo aos capitais, propício à formação de áreas construídas e infra-estruturas no seu
em torno;

 Sistema de normas – normatizações (leis, códigos, procedimentos) relacionadas aos


transportes e às comunicações, como concessões, permissões, autorgas, encampações
e legislação geral.

Não cabe a nós definir qual terminologia deve ser utilizada, mas é crível
lembrar os especialistas em transportes quais temas que podem ser valorizados tanto na
disciplina quanto nas pesquisas geográficas. Um espírito crítico e comprometido, capaz de
conformar idéias para a superação de estudos somente técnicos e condizentes com interesses
estritamente corporativos, é o ponto de partida dos especialistas em transportes, como também
de todo cientista humano.

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A FORMAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DA GEOGRAFIA DA CIRCULAÇÃO A
PARTIR DAS PERSPECTIVAS DE FRIEDRICH RATZEL E PAUL VIDAL DE LA
BLACHE40

Roberto França da SILVA JUNIOR


Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro)
Irati-PR
rofranssa@gmail.com

INTRODUÇÃO

Institucionalizada no século XIX, a Geografia recorreu à doutrina positivista,


cujas bases estavam fincadas na Medicina e na Biologia, para ganhar status definitivo de
ciência. Até os estudos de Friedrich Ratzel (1844-1904) sobre a ―Antropogeografia‖ (dois
volumes, 1882/1891), o enfoque nos aspectos físicos e naturais era mais evidente. Ratzel foi
responsável pela sistematização, organização e principalmente, reflexão a respeito da
Geografia Humana. Este ―ramo‖ do saber geográfico não foi menos influenciado pelo
positivismo e, por que não, pelo acúmulo de conhecimentos dos séculos anteriores acerca das
ciências da natureza, como a física e a matemática. Nesse contexto de construção da
Geografia Humana foi forjado o termo Verkehrsgeographie por Alfred Hettner (1859-1941)
em 1897, traduzido na França como “Geografia da Circulação”. Estudos geográficos sobre
transportes e comunicações, em suas relações com a produção e distribuição, já existiam e
eram numerosos, inclusive do próprio Hettner, todavia não sob este ―rótulo‖.

Com base neste fato, pretendemos apresentar algumas considerações a respeito


da formação, constituição e consolidação da “Geografia da Circulação”. Este processo
ocorreu à esteira do desenvolvimento técnico do século XIX, período em que a circulação
teve o desenvolvimento mais revolucionário da história, através da invenção da ferrovia, do
automóvel, do telégrafo, do telefone entre outras técnicas de circulação. Diante disso, não
narraremos a história da noção de circulação nem a história da Geografia da Circulação, mas
trataremos um pouco do pensamento elaborado sobre a Geografia das técnicas de circulação a
partir das concepções de Friedrich Ratzel (1844- 1904) e de Paul Vidal de La Blache (1845-
1918). Apresentaremos as concepções desses autores pelo fato de serem representantes de
projetos nacionais de Geografia e por terem tido posturas antagônicas em relação à circulação.

40
Agradeço ao professor Almir Nabozny pela leitura atenta das primeiras quinze páginas deste artigo.
Não será possível desenvolver neste espaço uma reflexão sobre todos os autores clássicos41
que pensaram a circulação em seu aspecto teórico-metodológico.

DELIMITANDO A IMPORTÂNCIA DA CIRCULAÇÃO E O SEU CAMPO DE


INVESTIGAÇÃO

O uso da noção de circulação tem uma história relacionada às descobertas da


fisiologia sobre a circulação sanguínea e se tornou uma noção polissêmica a partir de um
projeto de civilização racionalista, mecanicista, organicista e positivista. A grande eficácia
desse projeto civilizatório é a relação com a eficiência do corpo humano. Diante desse
projeto, a noção de circulação foi transposta para várias ciências, inclusive sociais, com o fito
de obtenção de legitimidade dos cientistas frente à sociedade. A circulação também tinha uma
função ―didática‖ de explicar fenômenos sociais por analogia e função. Atualmente, a noção
de circulação já vem sendo desenvolvida, nas diversas ciências humanas e sociais aplicadas,
com crítica e sem analogia com a fisiologia, mas o entendimento de seu passado serve para
explicar as ideologias subjacentes ao movimento e mobilidade espacial. Contudo, o objetivo
neste item é apresentar uma noção de circulação válida para explicar a situação atual, distante
das analogias fisiológicas dos séculos XVII, XVIII, XIX e primeira metade do século XX.
Apresentaremos este movimento, em torno da invenção da circulação, no item seguinte. Por
ora, nos ocuparemos em delimitar o que estamos considerando circulação.

A circulação é um fato da civilização (SORRE, 1948)42, portanto, uma ação


civilizadora que deixa seus ―rastros‖ ao longo do tempo na forma de rugosidades (SANTOS,
2002)43. Sendo assim, a circulação é uma ação capaz de proporcionar mudanças de valor no
espaço (COSTA; MORAES, 199344; SANTOS, 200445) através das técnicas e das normas

41
Autores clássicos são aqueles que contribuíram para a sistematização da Geografia através de propostas
teórico-metodológicas, tencionando o diálogo entre concepções de ciência e projetos de hegemonia, seja
nacional ou simplesmente epistemológico.
42
[...] ―A circulação [...] é um fato da civilização, essencialmente. Os movimentos que animam o ecúmeno
pressupõem, para a sua regularização e para a sua segurança, certo grau de organização política, de maturidade
das relações entre o homem e a terra‖ (SORRE, 1948, p. 396).
43
―As rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em paisagem, incorporado ao
espaço. As rugosidades nos oferecem, mesmo sem tradução imediata, restos de uma divisão de trabalho
internacional, manifestada localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho
utilizados‖ (SANTOS, 2002, p. 173).
44
―No capitalismo, em particular, a produção de mercadorias está intimamente associada a uma intensificação
da circulação, pois é nesta que aquela se realiza. Amplia-se a importância da espacialidade na definição do
valor. Esse modo de produção ultrapassa a inércia da distância absoluta, jogando com a velocidade dos fluxos e
a escala da produção (COSTA; MORAES, 1993, p. 129).
45
Como no processo global da produção, a circulação prevalece sobre a produção propriamente dita, os fluxos
se tornam mais importantes ainda para a explicação de determinada situação. O próprio padrão geográfico é
inerentes a ela. O comércio de longa distância, a expansão das feiras e das rotas comerciais, o
êxito das ligas de comércio (como, por exemplo, a Liga Hanseática), a criação de um sistema
de crédito e o aumento da circulação monetária entre os séculos XIII e XVII, proporcionaram
o alicerce para o desenvolvimento de novas práticas econômicas que culminaria com a
industrialização e a urbanização dos séculos XVIII e XIX, dois dos principais sedimentos do
capitalismo atual. Mais movimento conduz a mais mudanças espaciais (por extensão, sociais,
econômicas e políticas). Por exemplo, Henri Pirenne (1966) atesta que a circulação foi um dos
fatos capitais para a decomposição da ordem feudal e para a emergência de uma classe
capitalista no fim do período de expansão medieval, entre os séculos XIV e XV.

A título de balizamento e delimitação da noção de circulação, definimos esta


como sendo a produção do espaço em movimento por intermédio dos sistemas de
movimentos, de um sistema técnico e de normas. Segundo Contel (2006, p. 357), os sistemas
de movimento são o conjunto que envolve os sistemas de engenharia e os sistemas de fluxos
materiais e imateriais46.

Conforme Santos (1991, p. 79), os sistemas de engenharia são formados pelo


conjunto de fixos (instrumentos de trabalho e forças produtivas em geral, como, por exemplo,
as próprias vias de transporte) naturais e sociais e ―se define como um conjunto de
instrumentos de trabalho agregados à natureza e de outros instrumentos de trabalho que se
localizam sobre estes, uma ordem criada para e pelo trabalho‖.

Os fluxos materiais e imateriais são resultados das ações e da produção. Os


primeiros são relativos aos fluxos de pessoas (como força de trabalho e como consumidoras) e
bens (de consumo e de capital). Os segundos são concernentes aos fluxos de idéias, aos
informacionais, aos financeiros, de serviços, etc. Além dos fluxos de interação organizacional,
de imagens, de sons e símbolos, mencionados por Castells (2006, p. 501).

Os fluxos materiais são conduzidos por meios de transportes que se


movimentam sobre fixos: carros, caminhões, motocicletas, bicicletas, trens, barcos, navios,
aviões, etc. Todavia, embora preferencialmente se conduza pessoas e bens por meio de
veículos de transportes, é inegável que é cada vez mais difícil considerar que isso se faz

definido pela circulação, já que esta mais numerosa, mais densa, mais extensa, detém o comando das mudanças
de valor no espaço (SANTOS, 2004, p. 268).
46
Contel (2006, p. 357-358) resume e classifica os sistemas de movimento, no que ele considera os ―quatro
principais tipos‖: rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroviário. O autor alerta que esta classificação está
destacando somente os fluxos materiais, pois ―a movimentação dos fluxos informacionais (do tipo ondas de
rádio e televisão, ligações telefônicas, transmissão de dados binários, entre outros) requer, por si mesmo, um
estudo à parte‖.
isoladamente, sem o uso das telecomunicações e das tecnologias da informação, haja vista a
necessidade de um controle cada vez mais ―racional‖ dos fluxos de bens e pessoas.

Atualmente, os fluxos imateriais dependem cada vez mais de estruturas


materiais como satélites, servidores, computadores, redes de fibras ópticas, redes de cabos
contendo fios de cobre, etc., em outras palavras, a telemática. Os principais conteúdos
movimentados são o conhecimento e a informação, além de dados que substituem imensas
quantidades de papéis e espaço físico em escritórios e outras repartições. Ondas
eletromagnéticas são realizadas por intermédio de antenas e satélites e compõe este conjunto
de fluxos. Os fluxos imateriais dependem muito mais das inovações tecnológicas que os
fluxos materiais.

Delimitada a noção de circulação, apresentaremos a seguir, as bases científicas


e ideológicas para o surgimento da ―Geografia da Circulação‖.

CIRCULAÇÃO SANGUÍNEA E O MECANICISMO CARTESIANO: AS


INSPIRAÇÕES PARA A VERKEHRSGEOGRAPHIE

A noção de circulação transposta para a Geografia foi inspirada nas


descobertas de William Harvey (1578-1657), médico londrino que descreveu pela primeira
vez, de modo correto, os detalhes da circulação do sangue. Harvey, através de muitos
experimentos que constam na obra “Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in
Animalibus”, publicada em 1628, provou que o sangue circulava a partir do coração para o
restante do corpo e não a partir do fígado, como afirmava Cláudio Galeno (129-200), médico
grego que cuidou de gladiadores em Roma. Harvey ampliou os estudos do sírio Ibn al-Nafis
(1213-1288), o primeiro médico a descrever a circulação pulmonar, os capilares e a circulação
coronariana, que formam a base do sistema circulatório. Com estes estudos, Ibn Nafis é
considerado por muitos, o pai da fisiologia circulatória47. Apesar da reconhecida importância
de Nafis, os estudos de Harvey tiveram maior impacto, não somente na medicina, mas
também no discurso científico renascentista, haja vista que suas descobertas inspiraram
grande parte das idéias de René Descartes (1596-1650), um dos pensadores mais influentes de
todos os tempos.

47
Para maiores detalhes ver Porto (1994) e Haddad Junior (2009).
Descartes, a partir da noção de ―circulação perpétua‖48 do sangue, propõe uma
análise mecanicista com base no coração como órgão ativo nesse processo, num comparativo
com as máquinas, especialmente o relógio. Segundo o pensador, a circulação do sangue se
realiza:

Conforme as regras da mecânica – que são as mesmas da natureza –,


quando várias coisas tendem a mover-se conjuntamente para um mesmo
lado, onde não há lugar bastante para todas, do mesmo modo como as partes
do sangue que saem da concavidade esquerda do coração tendem para o
cérebro, as mais fracas e menos agitadas devem ser desviadas pelas mais
fortes, que, assim, são as únicas que atingem o cérebro (DESCARTES,
2005, p. 55).

Contemporâneo de Descartes, Francis Bacon (1561-1626) também colocou a


circulação na ordem da ciência moderna, em sua proposta (não menos mecanicista da feita por
Descartes) de observar a natureza tendo como pressuposto a ―necessidade‖ de uma nova
interpretação, que fosse mais eficiente e que ―contribuísse‖ para a construção de uma
―verdadeira ciência‖, análoga à observação da natureza e seus mecanismos, para o
estabelecimento de sua dominação pelo reino do homem.

Nos corpos naturais e nos corpos artificiais, especialmente nos sólidos, não-
fluidos, encontra-se uma certa colocação harmônica de suas partes, e (por
assim dizer) certos pêlos e fibras que estão a exigir um estudo mais
profundo, pois sem o seu conhecimento não é possível de maneira eficaz
manejar e controlar esses corpos. Mas a circulação dos líquidos que,
comprimidos, antes de se libertarem, elevam-se por igual para melhor
suportarem o peso da compressão, relacionando-a ao movimento de
liberdade (BACON, 2009, p. 209)49.

Para a explicação de processos relacionados à dinâmica socioeconômica,


François Quesnay (1694-1774), principal figura da fisiocracia, defendia a agricultura como a
principal fonte de riquezas de uma nação, opondo-se à tese mercantilista de que a riqueza era
proveniente do comércio exterior. Com o Dr. Quesnay (médico e naturalista), a circulação (ou
fluxo circular) se transformou em objeto econômico. John Locke (1632-1704), David Hume

48
Discurso do método foi escrito em 1637. Descartes ficou entusiasmado com as descobertas de Harvey,
incorporando-as em seu discurso. ―Se porém, me perguntarem o motivo por que não se esgota o sangue das
veias fluindo assim continuamente para o coração, e por que as artérias não se enchem demasiadamente ao
receberem todo o sangue que passa por aquele órgão, bastar-me-á responder o que já foi escrito por um médico
da Inglaterra, a quem cabe a glória de ter dado o primeiro passo nesse terreno e de ter sido o primeiro a ensinar
que existe, nas extremidades das artérias, uma porção de pequenas passagens pelas quais o sangue por elas
recebido do coração penetra nos pequenos ramos das veias, para de novo voltar ao coração, em um curso que
não é nada mais do que uma circulação perpétua‖ (DESCARTES, 2005, p. 53).
49
A obra Novum Organum, a qual extraímos este trecho, foi publicada originalmente em 1620.
(1711-1776) e outros filósofos, também trataram do fluxo circular da vida econômica, além de
Smith (1723-1790), o responsável pela sistematização da ciência econômica. Contudo, a
particularidade de Quesnay foi a ênfase dada ao fluxo circular visto como objeto econômico e
o prosseguimento da proposta cartesiana. Os fisiocratas desenvolveram um sistema geral da
relação direta entre gastos, trabalho, ganho e consumo, na qual compradores e vendedores,
credores e devedores se relacionam na forma de fluxo. Tudo isto baseado nas até então, recém
descobertas a respeito da circulação sanguínea, daí também o nome de fisiocracia. Segundo
Schwartz (1991, p. 94):

O fluxo circular era apresentado como a troca de produtos por produtos. A


circulação de uma dada quantidade de dinheiro seria só o resultado dessa
circulação de objetos. O comércio, os transportes ou a manufatura em nada
acrescentariam, em termos de valor, àquilo que já tivesse surgido da
natureza através da produção agrícola.

Não entraremos no debate acerca da teoria econômica do valor, da renda ou da


oposição entre pensamento estático ou dinâmico. O que vale aqui é registrar a trajetória da
noção de circulação até chegarmos à Geografia. Também é importante dizer, que a teoria
econômica dos fisiocratas não espacializou o fluxo circular, ficando este como uma mera
abstração. Depois dos fisiocratas, a circulação (o movimento) ganhou notoriedade entre as
ciências sociais. O pensamento dos fisiocratas influenciou diretamente as formulações saint-
simonianas sobre as redes, cujo elemento essencial era a circulação do ―sangue-dinheiro‖, que
manteria erguido o corpo social. A circulação na rede era a condição necessária para a boa
administração e para a mudança social. As redes de comunicação seriam a base para o melhor
controle estatal (MUSSO, 2004, p. 25-6). A originalidade de Saint-Simon (CLAUDE-HENRI
DE ROUVROY, CONDE DE SAINT-SIMON, 1760-1825), apesar das várias críticas já
proferidas contra o filósofo50, foi a consideração da circulação enquanto um elemento
responsável pela relação entre os diversos agentes econômicos e sociais esparsos no espaço, a
partir da ação estatal para construção de infra-estruturas de ―comunicações‖ (inclui as infra-
estruturas de transportes), para fins de controle por parte do próprio Estado e para circulação e
acumulação de capital.

O positivista Herbert Spencer (1820-1903), considerado o ―pai do darwinismo


social‖ e maior difusor da ideologia do progresso, propôs uma sociologia evolucionista
através do estudo do desenvolvimento dos organismos sociais, tais como: aparelhos, sistemas

50
Para compreender melhor a crítica ao saint-simonismo ler também Leila Dias (1995).
e funções, sob inspiração biológica. Este filósofo distinguiu três grandes ―aparelhos de
órgãos‖: o produtor (ou de manutenção), o distribuidor e o regulador, sendo a comunicação,
elemento básico constituinte dos dois últimos e que garante a distribuição da substância
nutritiva, enquanto a produção serve para a subsistência do corpo social. A análise de Spencer
é dirigida ao entendimento das relações entre sociedade e Estado, tendo a circulação um papel
estratégico e de controle por parte do Estado (O Centro do corpo social) que implanta técnicas
de circulação voltadas ao uso da informação e à propagação de sua influência (postos,
telégrafo óptico, telégrafo elétrico, agências de notícias, etc.) (MATTELART, 1994, p. 101-
2)51.

Este acúmulo de pensamentos narrados até aqui, acerca da construção da noção


de circulação influenciou a Geografia Humana52, cuja preocupação inicial era a sua
sistematização e não a especialização em diversos ramos como vemos atualmente. Nesse
sentido, a circulação seria não apenas uma parte da Geografia Humana, mas, sobretudo, uma
ação fundamental do homem em sua relação com o meio, e um princípio básico da Geografia
Humana que iniciava a sua construção. Esta relação apresentava mudanças justamente pela
ampliação das comunicações e o conseqüente aumento dos contatos entre os ―povos‖. Isto era
bem visível em fins do século XIX, a partir das bruscas mudanças nas formas de transportes e
a ampliação das telecomunicações para distâncias cada vez maiores. Observando este mundo
em forte processo de conexão, Alfred Hettner escreve, em 1897, o artigo intitulado “Der
gegenwärtige Stand der Verkehrsgeographie” (―O atual estado da Geografia dos
Transportes‖). Nesse artigo, segundo Hückel (1906, p. 402), a circulação é apresentada como
sendo ―a soma das relações recíprocas dos homens‖ ou ―um movimento de um lugar a outro
de pessoas e objetos de valor comparável à circulação do sangue no corpo humano‖.

A abordagem de Hettner seria sistematizada posteriormente por outro alemão,


Friedrich Ratzel. Este último publicou em 1903, a segunda edição do clássico “Geographie
Politische”, cujo título passou por uma ampliação, de modo que a obra passasse a se chamar
“Politische Geographie oder die Geographe der Staaten, des Verkehrs und des Krieges”

51
―O fio telegráfico que acompanha o sistema de caminho-de-ferro em todas as suas ramificações é o fio que
trava ou excita o tráfego, tal como o nervo que acompanha sempre uma artéria é o nervo vasomotor que regula
aqui a circulação... Embora para os fios telegráficos aéreos exista outro modo de isolamento, os fios
subterrâneos estão isolados de uma maneira que apresenta uma analogia com as observadas nas fibras nervosas‖
(SPENCER, 1883-1890 apud MATTELART, 1994, p. 102).
52
(...) e influenciaria também uma série de metáforas (analíticas) funcionalistas em outras ciências humanas,
como as interpretações antropológicas das sociedades tribais, a Sociologia Urbana da Escola de Chicago, entre
outras. Queremos ponderar a respeito disto, para demonstrar que o uso da fisiologia social foi comum a várias
ciências humanas e não somente à Geografia.
(―Geografia Política ou a Geografia dos Estados, dos Transportes e das Guerras‖) (HÜCKEL,
1906). Sobre a contribuição de Ratzel preferimos comentar doravante. Antes disso, no
próximo item, analisaremos a relação entre o desenvolvimento das técnicas de circulação
(fusão dos transportes e comunicações na produção de formas de circulação) e sua relação
com a modernidade fin de siècle (XIX).

Será necessária antes uma breve apresentação sobre o que estamos entendendo
como técnica, para representar e justificar a noção utilizada aqui de técnicas de circulação.

O DESENVOLVIMENTO DAS TÉCNICAS DE CIRCULAÇÃO E O “AR” DA


MODERNIDADE

Técnicas de circulação são técnicas que possibilitam a movimentação de


mercadorias, pessoas, serviços, idéias e informações. São tanto os instrumentos (máquinas e
objetos técnicos) como as formas de organização do movimento (como é o caso, por exemplo,
da logística), e envolvem os transportes (meios e sistemas), as comunicações
(telecomunicações) e a telemática.

Segundo Pierre Lévy (2001, p. 22), o progresso dos transportes e das


comunicações é a um só tempo, ―motor e manifestação‖ do processo de diminuição do espaço
prático53, ou seja, o espaço medido pela velocidade, pelo custo e pelo acesso às técnicas de
circulação, principalmente àquelas relacionadas à informação. O desenvolvimento das
comunicações à distância pari passu ao desenvolvimento dos transportes possibilitou aos
agentes hegemônicos, maior capacidade de articulação sobre os diversos territórios.

Ao longo da existência humana, as técnicas de circulação, sejam os transportes


ou as comunicações, passaram por mudanças que alteraram os ritmos de vida e as velocidades
dos agentes sociais de forma assimétrica no decorrer dos tempos. Contudo, em menos de dois
séculos (com base na invenção da ferrovia, em 1825), as transformações nas técnicas de

53
―Insisto sobre o paralelismo dos transportes e das comunicações, pois o efeito de atração mútua é constante,
fundamental, verificado em toda parte, ao passo que a substituição do transporte físico pelas transmissões de
mensagens é apenas local e temporária. A navegação de longo curso e a imprensa nascem juntas. O
desenvolvimento dos correios estimula e utiliza tanto a eficácia quanto a segurança das malhas rodoviárias. O
telégrafo se expande ao mesmo tempo que as estradas de ferro. O automóvel e o telefone tomam os mesmos
rumos. O rádio e a televisão são contemporâneos do desenvolvimento da aviação e da exploração espacial. Os
satélites lançados pelos foguetes estão a serviço das comunicações. A aventura dos computadores e do
ciberespaço acompanha a banalização das viagens e do turismo, o desenvolvimento do transporte aéreo, a
extensão das rodovias e das linhas de trens de grande velocidade. O telefone celular, o computador portátil, a
conexão sem fio com a Internet, em breve generalizados, mostram que o crescimento da mobilidade física é
indissociável do aperfeiçoamento das comunicações‖ (LÉVY, 2001, p. 23, grifo do autor).
circulação, bem como na sua velocidade intrínseca (inerente às tecnologias, como por
exemplo, trens de grande velocidade e aviões) e extrínseca (que ocasionam na vida social,
cultural, política e econômica) aumentaram abruptamente e exponencialmente, mais que nos
anos anteriores da presença humana na Terra.

A história não é um produto da técnica, mas se desenvolve e se complexifica a


partir do maior conhecimento do homem sobre o mundo, representando uma manifestação do
―processo de criação do homem por si mesmo‖, considerando também, que a técnica está
presente como base de todos os atos do homem, sejam materiais ou ideais (PINTO, 2005, p.
54 et. seq.).

Para o filósofo Jose Ortega y Gasset (1991, p. 12 et. seq.), a técnica é ―a


reforma que o homem impõe à natureza em vista da satisfação de suas necessidades‖. Essas
necessidades (básicas ou supérfluas) são satisfeitas por meio de ações (―atos técnicos‖), que
vão da invenção ao processo de execução de atividades que permitam ao homem, além de
satisfazer suas necessidades, gozar essa mitigação com mínimo esforço e ―criar possibilidades
completamente novas, produzindo objetos que não existem na natureza do homem. Assim
como, o navegar, o voar, o falar com o habitante do outro extremo do mundo mediante o
telégrafo ou a radiocomunicação‖.

Para Georges Friedmann (1968, p. 10), o homem em qualquer condição, serve-


se de máquinas de transporte. A facilidade, conforto e velocidade próprios destas técnicas,
―modificam as condições de vida nas mais variadas camadas sociais e áreas geográficas‖.
Deste modo, seja qual for a ocupação de uma pessoa, ―o papel da distância é cada vez mais
reduzido na concepção e na realização dos projetos, na organização da vida cotidiana‖. A
mudança é comparada entre o meio natural e o meio técnico, que se diferenciam em termos de
ritmo, tempo, sensibilidade/percepção e mentalidade.

O período compreendido entre os séculos XVIII e XIX abrigou a maior


transformação científica de todos os tempos, capaz de realizar a fusão definitiva da ciência
com a técnica e ―potencializar‖ o modo capitalista de produção. Esse evento foi decisivo para
a transformação e a concepção de novas formas e técnicas de circulação. A revolução
industrial inglesa ocorrida no referido período trouxe a reboque, uma revolução dos
transportes e conseqüentemente uma revolução da circulação, sobretudo terrestre, onde a
velocidade nos deslocamentos, por meio de um sistema de movimento inteiramente novo,
promovia as grandes transformações54. No âmbito da circulação aquaviária, transformações
importantes ocorreram no período das grandes navegações renascentistas, quando empresas
comerciais mercantilistas lançaram mão de novas técnicas cartográficas e novas tecnologias
de navegação, para superar as dificuldades e obter maior velocidade no transporte. No
entanto, a velocidade intrínseca obtida em terra com o trem foi a responsável pelas
transformações mais contundentes na organização do espaço, alterando a vida urbana e rural,
impondo um novo ritmo.

No século XIX, mais especificamente, surgiram o barco a vapor, as estradas


elaboradas a partir de novas técnicas de engenharia rodoviária e de pavimentação (o
pavimento de Telford, o pavimento macadame e o pavimento asfáltico), o automóvel, a
telegrafia, a telefonia e a mais revolucionária máquina de circulação, a ferrovia. Do ponto de
vista científico, teorias econômicas e políticas buscavam tanto a raiz das transformações como
a definição dos seus rumos. A visão iluminista deixava a herança filosófica aos novos
racionalistas positivistas e aos autores da dialética materialista (como Marx e Engels) e
idealista (Hegel). Através do positivismo aspirava-se sistematizar as ciências humanas à luz
das ciências naturais, principalmente a Biologia. Com a dialética, pretendia-se estabelecer
uma crítica ao desenvolvimento das relações sociais. Nesse contexto filosófico e científico, a
Geografia, um dos conhecimentos mais antigos da humanidade, se institucionalizou e passou
a ser sistematizada conforme os pressupostos da doutrina positivista. Entre os princípios do
positivismo estão a pseudo neutralidade científica e o empirismo, cujos resultados das
pesquisas deveriam ser ―demonstráveis‖, lançando-se mão da dedução e da observação como
fundamentos metodológicos.

O desenvolvimento de redes técnicas no século XIX, em consonância com o


advento de novas formas de circulação (conseqüência da constituição de sistemas de
engenharia e de sistemas de movimento), evidencia a modernidade. Segundo Berman (1986):

Se nos adiantarmos cerca de um século, para tentar identificar os timbres e


ritmos peculiares da modernidade do século XIX, a primeira coisa que
observaremos será a nova paisagem, altamente desenvolvida, diferenciada
e dinâmica, na qual tem lugar a experiência moderna. Trata-se de uma
paisagem de engenhos a vapor, fábricas automatizadas, ferrovias, amplas
novas zonas industriais; prolíficas cidades que cresceram do dia para a
noite, quase sempre com aterradoras conseqüências para o ser humano;
jornais diários, telégrafos, telefones e outros instrumentos de media, que

54
Muito embora ―melhorias muito substanciais e dispendiosas em transportes – por rios, canais e mesmo
estradas de rodagem – foram realizadas desde o começo do século XVIII, a fim de diminuir o custo proibitivo
de movimentar cargas terrestres‖. O que se transportava em vários dias já passava a ser realizado em horas
(HOBSBAWM, 2003, p. 43).
se comunicam em escada cada vez maior; Estados nacionais cada vez
mais fortes e conglomerados multinacionais de capital; movimentos
sociais de massa, que lutam contra essas modernizações de cima para
baixo, contando só com seus próprios meios de modernização de baixo
para cima; um mercado mundial que a tudo abarca, em crescente
expansão, capaz de um estarrecedor desperdício e devastação, capaz de
tudo exceto solidez e estabilidade. Todos os grandes modernistas do
século XIX atacam esse ambiente, com paixão, e se esforçam por fazê-lo
ruir ou explorá-lo a partir do seu interior; apesar disso, todos se sentem
surpreendentemente à vontade em meio a isso tudo, sensíveis às novas
possibilidades, positivos ainda em suas negações radicais, jocosos e
irônicos ainda em seus momentos de mais grave seriedade e profundidade
(BERMAN, 1986, p. 18).

Esse ―mundo moderno‖ passou a constituir o universo das análises


geográficas, sendo a circulação ―lentamente incorporada‖. Isto se deve aos propósitos da
Geografia quando da sua institucionalização, que era elaborar um conhecimento sistematizado
sobre o mundo em que se ―desvendava‖ e se ―neocolonizava‖. Nesse sentido, a
―responsabilidade‖ da Geografia enquanto ciência era a de elaborar a imagem do mundo,
através das descrições e narrativas de viagens55. Era mais importante, para o novo
imperialismo, apresentar as imagens das populações e recursos, do que propriamente das
relações inerentes ao capitalismo monopolista industrial do século XIX.

A seguir veremos como Ratzel e La Blache analisaram a circulação perante a


modernidade e as diversas mudanças nas formas de circulação.

FRIEDRICH RATZEL E PAUL VIDAL DE LA BLACHE FRENTE AO


DESENVOLVIMENTO DAS TÉCNICAS DE CIRCULAÇÃO

Instiga-nos compreender as posturas díspares dos dois principais


representantes da chamada Geografia Tradicional, frente ao desenvolvimento das técnicas de
circulação. Ambos analisaram a técnica, a relação homem-meio e apresentaram uma
preocupação com a influência exercida pelo meio sobre a circulação (as condições naturais).
Todavia, se diferenciam em três elementos fundamentais:

55
A Geografia ainda é responsável pela ―formulação‖ de ―imagens‖ do mundo (GOMES, 2005), no entanto,
esta prática a partir de narrativas de viagens, já não é comum. Vivemos o momento da ―consciência planetária‖
a partir da unicidade das técnicas, a unicidade do tempo e a convergência dos momentos, no qual em relação
aos satélites, todos os pontos se equivalem em termos de distância. Isto não é ideológico, pois passamos outra
etapa de formulação e reflexão acerca do mundo em que vivemos. Para maiores detalhes ler Santos (2001),
Santos (2004) e Santos (2008).
a) Ratzel é organicista, ao passo que La Blache leva bem menos em consideração as
analogias com a Biologia;

b) Ratzel dá mais ênfase ao aspecto político da circulação do que La Blache;

c) Enquanto La Blache se preocupou com uma Geografia Histórica lenta, Ratzel buscou
entender a vanguarda das inovações tecnológicas como fundamentos estratégicos,
sobretudo para os Estados.

Ratzel, maior representante da escola alemã de Geografia, pensou diretamente


os rumos da Alemanha enquanto potência imperialista. Para o autor, a representação do
Estado era a de ―um organismo enraizado ao solo‖ (RATZEL, 1903 apud MATTELART,
1994, p. 260), e, como todo o organismo, deveria se caracterizar por movimentos fisiológicos
de fluidos e de órgãos. A circulação, portanto, seria a ação responsável por religar todas as
partes e elementos desse organismo. Todavia, Ratzel considerava que o organicismo deveria
ter ―valor de hipótese‖ e não ser somente uma ―analogia esclarecedora‖ elaborada pelos
discípulos de Spencer, o qual Ratzel foi um crítico, pois, mesmo reconhecendo a organicidade
do Estado, Ratzel considerava que quanto mais uma sociedade se desenvolvia, mais ela se
afastaria do ―simples modelo orgânico‖ (MATTELART, 1994, p. 260). ―Quanto mais um
Estado se desenvolve, mais o conjunto da sua evolução se manifesta como uma ultrapassagem
do fundamento orgânico; do mesmo modo, a comparação direta do Estado com um organismo
assenta melhor aos Estados primitivos do que aos Estados evoluídos‖ (RATZEL, 1903 apud
MATTELART, 1994, p. 260). Ratzel expressa o ―fenômeno das comunicações, das suas redes
e circuitos‖, através do polissêmico termo Verkehr, que traduzido para o francês significa
―commerce‖ (comércio), ―relations‖ (relações), ―mouvement‖ (movimento), ―mobilité‖
(mobilidade) ou ―circulation‖ (circulação) (MATTELART, p. 261). Em inglês, o termo
Verkehr ainda pode ser traduzido como ―tráfego‖, além dos significados em francês. Os
franceses adotaram mais amplamente o termo ―circulação‖, mais coerente com a proposta
―fisiológica‖ de Ratzel e com o que se pretendia na França, também seguir as noções de física
e fisiologia social (Auguste Comte e Saint-Simon).

No seu mencionado livro “Politische Geographie oder die Geographe der


Staaten, des Verkehrs und des Krieges”, Ratzel se aprofunda um pouco mais sobre a
circulação soberana do espaço (HÜCKEL, 1906).

A expansão geográfica, e especialmente política, porta todos os caracteres


distintivos dos corpos em movimento, que se distende e se contrai
alternadamente em progressões e regressões, movimentos cujo objetivo é
sempre a conquista do espaço, em via da fundação dos Estados, sejam
pastores nômades, sejam agricultores sedentários (RATZEL, 1903 apud
HÜCKEL, 1906, p. 402).

A definição de circulação de Ratzel leva em consideração a idéia de espaço


continente, se configurando como uma ação do homem que eleva o ―movimento no espaço,
de pessoas e objetos a partir de regiões ou pontos determinados, com o objetivo de equilibrar
as trocas, os recursos e os dons naturais da terra e dos homens‖ (RATZEL, 1903 apud
HÜCKEL, 1906, p. 403). Expunha Ratzel, que desde que se desenvolveram eficientes
tecnologias de transportes e de comunicações, a civilização não precisou produzir tudo que
consumia no lugar de vivência, encontrando, portanto, mais uma forma de proteção a partir do
meio (DOUGLAS, et al, 1996, p. 315). Entretanto, a originalidade de Ratzel não está neste
axioma, está na proposta de ―ecúmeno da circulação‖, tão criticada por Hückel (1906), mas
que expressa, por analogia, a proposta recente de Castells (2006) acerca do ―espaço de
fluxos‖. Ratzel, através da idéia de ―ecúmeno da circulação‖, expressa o reconhecimento da
existência de diversos modos de circulação que formam diferentes redes, desde as periféricas,
desprovidas do progresso tecnológico até as redes mais complexas, providas da existência de
meios e sistemas de circulação avançados.

Hückel (1906, p. 402) compreende que a abordagem de Ratzel sobre a


circulação se divide em três frentes de análise:

a) Definição, leis e condições naturais da circulação na superfície do globo;

b) Teoria e desenvolvimento histórico das vias de comunicação;

c) As vias e os meios de circulação terrestre.

Para Ratzel, o homem é dependente do meio natural, sendo que as condições


naturais de circulação impõem obstáculos que são transponíveis perante o progresso técnico,
mas que definem os eixos comerciais do mundo e as demais vias de passagem (elementos da
superfície terrestre). As condições naturais da circulação também definem a ―distância como
um sério obstáculo‖ (RATZEL, 1903 apud HÜCKEL, 1906, p. 410), mas que no processo de
desenvolvimento histórico das vias de comunicação vão se organizando, em consonância com
as condições dispostas pelo meio natural, linhas de maior e de menor resistência à circulação.

O homem, por uma série de razões relacionadas à sua ―sobrevivência‖, se volta


à transposição desses obstáculos através do progresso técnico, que proporcionará ganhos de
velocidade. Isto se faz através do ―movimento histórico‖, demarcado em grande parte pela
―arte política‖ em saber mobilizá-lo. ―A vida está em movimento; a História, que é a soma e a
conseqüência da vida dos homens, conseqüentemente está em movimento‖ (RATZEL, 1987,
p. 90). Nesse sentido, completa Ratzel, ―a força política elementar consiste na mobilidade‖,
assim, ―quanto mais móvel é um povo, mais ocupa o espaço‖. Esta propositura confere ao
discurso de Ratzel, um valor estratégico dado à ocupação do espaço através da circulação.

Nesse processo, se formam ―grandes artérias‖, que se multiplicam com o


comércio, formando um sistema em que a circulação local (veias) alimenta as vias e rotas de
grande circulação (artérias). Essas vias entrecruzam ―regiões de passagem‖ e ―regiões
entrepostos‖, delimitando as ―funções‖ territoriais a partir da circulação. Este movimento é
responsável pela transformação do globo em um único organismo econômico (HÜCKEL,
1906, p. 418), para os interesses do Estado. Por extensão, a circulação é o principal agente de
desenvolvimento dos Estados (HÜCKEL, 1907, p. 14), concorrendo para isto, o progresso dos
serviços de informações através dos telégrafos que, segundo Ratzel, é a forma mais
importante de circulação do ponto de vista político (HÜCKEL, 1907, p. 9).

La Blache, diferentemente de Ratzel, se preocupou mais com a realização de


uma Geografia Histórica lenta. ―A história de um povo é inseparável da área que ele habita‖,
afirma La Blache, logo na primeira frase de seu ―Quadro de Geografia da França‖, de 1903 a.
Com esta idéia o autor conclama uma ―Geografia do fixo‖, expressa mais claramente através
da seguinte afirmação: ―o estudo atento daquilo que é fixo e permanente nas condições
geográficas da França deve ser ou deve tornar-se mais do que nunca o nosso guia‖ (LA
BLACHE, 1903 b, p. 386, grifos nossos). Segundo Thrift (1995, p. 218), a essência da obra
lablachiana é ―um hino à França dos camponeses‖, pois para La Blache (1903b):

A robusta constituição rural que o clima e o solo dão ao nosso país é um fato
cimentado pela natureza e pelo tempo. Ele se exprime por um número de
proprietários não igualado em parte alguma. Nisso reside, sobre isto se apóia
uma solidez que talvez não se encontre em nenhum país no mesmo grau que
no nosso, uma solidez francesa. Entre os povos de civilização industrial que
nos são vizinhos, vemos hoje os habitantes retirarem cada vez mais sua
subsistência do exterior; a terra, entre nós, permanece a nutridora de seus
filhos. Isto cria uma diferença no apego que ela inspira. Revoluções
econômicas como aquelas que se desdobram nos nossos dias imprimem uma
agitação extraordinária à alma humana; elas põem em movimento uma
multidão de desejos, de ambições novas; elas inspiram em alguns,
lamentações, em outros, quimeras. Mas este dilema não deve nos subtrair o
fundo das coisas. Quando uma rajada de vento agita violentamente uma
superfície de água muito clara, tudo vacila e se mescla; mas, em um
determinado momento, a imagem do fundo se desenha outra vez.
O pensamento exposto acima expressa uma das concepções de La Blache ao
longo de sua carreira, e não pode ser representativa de toda a sua obra, mas entendemos como
elemento essencial da sua proposta, isto é, a compreensão dos processos de apropriação da
técnica pelo homem e sua utilização no meio em que habita. Segundo Ruy Moreira (2006, p.
36), existem na realidade ―três La Blaches‖:

Pode-se falar de três La Blaches, a rigor dois, considerando os temas e


categorias de seus livros principais. Há o La Blache do Quadros de
Geografia da França, publicado em 1903, no qual estuda a identidade da
França a partir do seu quadro de diferenciações regionais e é considerado a
matriz de fundação da Geografia regional [...]. Há o La Blache dos
Princípios de Geografia Humana, obra póstuma e incompleta de 1922, na
qual estuda as paisagens das diferentes civilizações, advindas da relação
local do homem com o seu meio, e é considerado o texto fundador de uma
Geografia da civilização, subalternizada diante da Geografia regional, mas
que sobressai é o gênero de vida. Há, por fim, o La Blache de A França de
Leste, de 1917, em que analisa a especificidade da região fronteiriça da
França com a Alemanha, que podemos considerar um típico estudo de
Geografia política, porém limitado a este trabalho.

É o segundo La Blache que nos interessa aqui, o La Blache que procurou


analisar a civilização e o capitalismo industrial (sem, contudo, analisar as contradições
inerentes a esse processo). Segundo Moreira (2006, p. 37), essa ―Geografia da civilização‖ de
La Blache ―é, em suma, uma combinação da Geografia Física com a Geografia Humana‖, em
uma tentativa de se atingir a totalidade, diante de uma economia industrial e diante de um
paradigma fragmentário que acabou se tornando a soma dos conhecimentos acerca da ciência
geográfica, em princípios do século XX.

Em relação à Ratzel, La Blache conduziu uma abordagem mais limitada frente


ao desenvolvimento das técnicas de circulação de seu tempo, negligenciando a análise do
transporte de informações via telecomunicações. Assim, a abordagem de La Blache se
revestiu de uma campânula frente aos acontecimentos em curso, prova disso é a abordagem
dada por Berman (1986, p. 152 et. seq.) a partir do modernista Baudelaire (―A perda do
halo‖). Berman fala de uma Paris em intensa transformação em termos de mobilidade devido
ao tráfego moderno, a partir da criação dos bulevares que proporcionaram uma melhoria nos
fluxos carroçáveis e ao mesmo tempo, o perigo para os transeuntes.

Com isso, a vida dos bulevares, mais radiante e excitante que toda a vida
urbana do passado, era também mais arriscada e ameaçadora para as multidões
de homens e mulheres que andavam a pé. É esse, pois, o palco da cena moderna
primordial de Baudelaire: ―eu cruzava o bulevar, com muita pressa,
chapinhando na lama, em meio ao caos, com a morte galopando na minha
direção, de todos os lados‖. O homem moderno arquetípico, como o vemos aqui,
é o pedestre lançado no turbilhão do tráfego da cidade moderna, um homem
sozinho, lutando contra um aglomerado de massa e energia pesadas, velozes
e mortíferas. O borbulhante tráfego do bulevar não conhece fronteiras
espaciais ou temporais, espalha-se na direção de qualquer espaço urbano, impõe
seu ritmo ao tempo de todas as pessoas, transforma todo o ambiente moderno
em ―caos‖. O caos aqui não se refere apenas aos passantes — cavaleiros ou
condutores, cada qual procurando abrir o caminho mais eficiente para si mesmo
— mas à sua interação, à totalidade de seus movimentos em um espaço comum.
Isso faz do bulevar um perfeito símbolo das contradições interiores do
capitalismo: racionalidade em cada unidade capitalista individualizada, que
conduz à irracionalidade anárquica do sistema social que mantém agregadas
todas essas unidades (BERMAN, 1986, p. 153).

Robic (1996-1997) critica a postura dos seguidores de La Blache a respeito das


considerações sobre a circulação. Robic considera que existe um exacerbado ―elogio da
circulação‖ a partir da obra de La Blache, ao passo que na realidade, este autor desenvolveu
uma Geografia endógena com fulcro no nacionalismo econômico, tendo como referência uma
suposta França auto-suficiente, que não dependeria do comércio externo.

La Blache ensaia uma discussão mais aprofundada sobre a circulação na obra


póstuma ―Principes de Géographie Humaine‖, de 192156. Nas várias páginas dedicadas à
circulação, La Blache faz uma Geografia Histórica discutindo desde a noção de mobilidade do
homem vivendo em estágios tribais, nômades e bárbaros (abordagem tendendo à etnografia) à
utilização das tecnologias (sem, no entanto, discuti-la teoricamente) e das formas de
circulação no início do século XX. Na parte em que discute a circulação, La Blache
demonstra certa admiração pelos processos em curso na sua época e pelas rápidas
transformações (econômicas, políticas e sociais) possibilitadas pelos meios de transportes. No
entanto, apesar de La Blache fazer uma série de reflexões importantes à luz do seu tempo, o
seu fascínio pelas formas mais tradicionais de vida, do ―primeiro La Blache‖ de que trata Ruy
Moreira, ainda seja latente. Assim, La Blache acaba deixando para trás elementos como as
telecomunicações, incorporações e inovações tecnológicas nos transportes. O seu principal
foco de análise é mesmo a relação homem-meio por intermédio da técnica, desde o corpo,
passando pelo uso de animais, até chegar nas técnicas mais avançadas de transportes. Segundo
La Blache (1956, p. 292-294 passim), os artefatos ―para transpor obstáculos‖ produzidos pelo
homem, demonstram ―uma múltipla eclosão de invenções locais fortemente marcadas pelo
cunho do meio‖. Para o autor, ―a verdadeira pátria de uma invenção é o meio no qual se torna

56
Obra póstuma publicada a partir dos seus manuscritos por Emmanuel de Martonne. Nesse livro, o autor
dedicou a terceira parte à circulação (essa parte foi intitulada ―A circulação‖).
fecunda e diversifica as suas aplicações‖. Em sua Geografia Histórica La Blache busca,
portanto, um ponto de partida, que é essa ―ontologização‖ homem-meio para chegar a uma
análise da formação e estruturação de redes. Esse processo tem início a partir das
necessidades do homem em transpor obstáculos, de modo que antes da via é inventado o meio
para transporte e comunicação. Tendo em vista a existência desta possibilidade, e também
com base em uma longa exposição geo e etno gráficas, La Blache estabelece uma comparação
entre lugares, admitindo diferenças profundas em relação ao estágio das técnicas (LA
BLACHE, 1956, p. 311-312).

Com esta perspectiva, observa-se que a discussão acerca do tema circulação é,


sobretudo, uma discussão da técnica e econômica, sendo que um dos principais méritos de La
Blache (1956, p. 317) é a análise da rede, principalmente por considerar ―a diferença entre as
regiões servidas‖ por ferrovias. Apesar de considerar que os obstáculos físicos deixaram de
ser irredutíveis, La Blache observa que algumas regiões dispõem de mais ferrovias, tendo
―vantagens políticas e comerciais bastante grandes para que os capitais se meçam com essa
dificuldade. O investimento cresceu em proporção dos lucros‖57.

La Blache, nessa obra, apresenta incursões saint-simonistas para analisar a


relação entre rede e planejamento, fazendo considerações importantes a respeito da
manutenção das ferrovias em pleno funcionamento. Segundo ele, as ferrovias só podem ser
plenamente exploradas se percorrerem grandes distâncias. Isso serviria tanto para uma
ocupação pelo Estado, no ―sentido estratégico‖, quanto para um melhor aproveitamento
econômico. O plano é que as ferrovias sejam mundiais (LA BLACHE, 1956, p. 323-324). A
noção de rede transcende a abordagem estanque sobre os sistemas de movimento, tendo um
sentido ―multimodal‖, ou seja, o senso de que a formação de redes para a circulação de coisas
de todas as ordens e tipos, sobretudo mercadorias (que é o que La Blache idealiza), se dá a
partir de todos os meios de transportes possíveis.

De todos estes sistemas de comunicações forma-se uma rede que podemos


qualificar de mundial. Com efeito, abarca, se não a totalidade do globo, pelo
menos uma extensão assaz grande para que quase nada escape ao seu abraço.

57
[...] a rede está ainda longe de envolver toda a parte terrestre do globo. Escapam-lhe ainda grandes
superfícies no interior da Ásia, da África e da América do Sul; e enquanto nalguns pontos o ritmo da pulsação
se acelera até a febre, muitas regiões permanecem indiferentes e, senão inerte. Pelo menos obstinadamente fiéis
aos processos arcaicos de transporte gerados pelo meio geográfico. Este contraste era bem menos vincado
outrora. O estado atual das comunicações faz surgir sob luz crua os efeitos do isolamento; pelo menos, este não
parecia outrora uma anomalia, uma espécie de infração às condições gerais. Foram os progressos do comércio
ao serviço de uma indústria exigente de matérias-primas, ávida de mercados, que aumentaram o afastamento,
abrindo quase um abismo entre as regiões englobadas na rede mundial e aquelas que lhe escapam.
Criaram-se assim diferenças regionais profundas (LA BLACHE, 1956, p. 322, grifos nossos).
É o resultado total das combinações múltiplas, realizadas, em meios
diferentes, pelo carril, pela navegação marítima ou pela interior58 [...]. O que
devemos ver na variedade dos obstáculos vencidos é o desejo de realizar
adaptações capazes de reduzir ao mínimo tudo o que anexa o tráfico de
produtos alimentares, e de molde a evitar à circulação o maior número
possível de transbordos e de gastos acessórios (LA BLACHE, 1956, p. 345).

Em suma, apesar da preocupação central de La Blache estar focada na


Geografia Histórica, em que a noção de transposição de obstáculos, a partir da fixação das
estradas ao solo, adquire importância essencialmente técnica e econômica, o autor é original
ao não aderir ao fisiologismo para analisar a circulação, vislumbrando a rede como
possibilidade de análise geográfica em termos de escala e de diferenças regionais. Todavia, La
Blache não abandonou a noção de organismo como um dos fundamentos de seu raciocínio
para compreender a ação humana (GOMES, 2005, p. 198 et. seq.). Para finalizar este tópico é
importante ressaltar que La Blache fez uma opção analítica pelo viés da técnica e pelo viés
econômico, porém não desconsiderou a influência política da circulação59, apenas foi menos
incisivo que Ratzel.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitos autores clássicos auxiliaram na formação e constituição de uma


Geografia da Circulação, entre eles podemos citar: Jean Brunhes, Camille Vallaux, Max
Sorre, Jean Gottmann, entre outros, mas Ratzel e La Blache foram, sem dúvida, os mais
influentes. Em função da rivalidade franco-germânica, em disputa pela hegemonia científica
na Geografia, Ratzel e La Blache acabaram tendo posturas diferentes frente ao problema da
circulação. Há de se ressaltar, entretanto, que apesar de La Blache substituir a fisiologia pela
fisionomia (termo ainda orgânico), o uso do termo circulação na Geografia francesa, foi

58
Vidal de La Blache exemplifica a sua afirmação: ―Nos Estados Unidos, a navegação dos Grandes Lagos
ligando-se aos caminhos de ferro que acolhem e prolongam o tráfico; na Inglaterra, um desenvolvimento
extraordinário da marinha mercante, dispondo de uma carga que a hulha completa; nos Países Baixos e na
Alemanha, embarcações fluviais de grande tonelagem que penetram até ao coração do continente, e caminhos
de ferro que combinam os seus tráfegos com o Sudeste da Europa; na África, utilização dos grandes rios – Nilo,
Níger, Congo e Zambeze –, ligados por caminhos de ferro, quer ao mar, quer entre seus troços navegáveis;
finalmente, o ataque à Ásia Central, enquanto, pelo canal de Suez, se efetuava a junção de dois domínios do
comércio marítimo, distintos noutro tempo‖ (LA BLACHE, 1956, p. 345).
59
Na sua geografia histórica das estradas e sua gênese, o autor considera que as vias romanas possibilitaram um
―progresso decisivo na evolução dos meios de transporte‖, ―assegurando regularidade e a permanência‖.
Todavia, ―a via romana é, sobretudo, uma obra de imperialismo, um instrumento de domínio que aperta nas
suas malhas todo um feixe de regiões diversas e longínquas‖. Dessa forma, são na esteira desse processo, que
também circulam as ―mercadorias, peregrinos e os exércitos, todos os ecos do mundo, as idéias e as lendas‖
(LA BLACHE, 1956, p. 312).
incorporado a partir do termo alemão verkehr, um termo polissêmico. Além disso, o termo
circulação é tributário inicialmente das descobertas do médico inglês William Harvey e toda
sorte de formulações provenientes de diversos projetos de ciência.

Há de se ressaltar que Ratzel e La Blache são originais em relação às suas


formulações sobre a circulação, apesar de que entendemos La Blache como um ―resistente‖
em relação à análise da ―Geografia do movimento‖. Este autor morreu sem apresentar uma
análise sistematizada sobre a circulação, já que a obra em que comparece este
aprofundamento foi lançada postumamente por seu genro Emmanuel de Marttone, em 1921,
nos Principes de Geographie Humaine. Além disso, consideramos que esta obra ―peca‖ em
não apresentar consideração em relação ao papel das telecomunicações na circulação. Ratzel,
que publicou a obra demonstrada aqui, em 1903 (um ano antes de morrer), dedicou muitas
considerações a respeito das telecomunicações e sua relação com os transportes como valores
estratégicos para o Estado. As telecomunicações são elementos tão fundamentais para a
consolidação da circulação, que os franceses Camille Vallaux (1911, 1914), Jean Brunhes
(1962, 1925) e Max Sorre (1948), para citar alguns exemplos, se inspiraram muito mais em
Ratzel do que em La Blache, para formularem suas teorias a respeito da circulação. Não se
trata de uma questão relacionada ao contexto histórico vivenciado por La Blache, para
justificar sua negligência com as telecomunicações, mas uma questão de método. Contudo, é
importante considerar que a obra de La Blache tem muito valor, já que ele formulou
categorias e trouxe elementos essenciais para compreender a circulação em estágios pretéritos
do desenvolvimento das civilizações. Apesar de não ter sido seguido por alguns geógrafos, a
respeito de sua teoria da circulação, La Blache foi fundamental para a construção do
pensamento de Fernand Braudel, sobretudo em relação à circulação (central na teoria
braudeliana), como demonstra Lira (2008).

Ratzel e La Blache viveram no tempo das transformações mais revolucionárias


dos transportes, fato este que produziu profundas mudanças espaciais. Sem dúvida nenhuma
esta abrupta aceleração ocorrida no final do século XIX e início do XX era de difícil
apreensão, mas estes autores tiveram perspicácia em compreender e sistematizar a circulação
no período, sendo estudos fundamentais ainda hoje. Cabe aos atuais pesquisadores
retomarem, à luz das técnicas e normas atuais, os elementos fundamentais delineados por
estes clássicos da Geografia.

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VALLAUX, Camille. El suelo y el Estado. Madrid: Daniel Jorro, 1914.
LA GEOGRAFÍA DEL TRANSPORTE EN LA ENCRUCIJADA DE VARIAS
CIENCIAS SOCIALES: ALGUNAS POSIBILIDADES DE RENOVACIÓN

Joana Maria PETRUS BEY


Universidad de las Islas Baleares, España
joana.petrus@uib.es

Joana Maria SEGUÍ PONS


Universidad de las Islas Baleares, España
joana.segui-pons@uib.es

Maria Rosa MARTÍNEZ REYNÉS


Universidad de las Islas Baleares, España
mrmartinez@syacsl.com

INTRODUCCIÓN

La Geografía del Transporte es una de las subdisciplinas de la Geografía


Humana que cuenta con una mayor tradición y diversidad de investigaciones tanto de tipo
teórico y metodológico como empírico. Desde un punto de vista temático, los análisis de
redes, los estudios de demanda, la relación de los transportes con la actividad económica y la
interacción de los transportes con las formas urbanas pueden considerarse ya clásicos. A ellos
se han unido en las últimas décadas investigaciones sobre temáticas relacionadas con la
política estatal, la movilidad y el comportamiento urbano, la sostenibilidad medioambiental,
el cambio climático, la globalización y las cuestiones sociales, entre otras, que han ampliado
las fronteras de la investigación geográfica del transporte (KNOWLES, 1993; PRESTON,
2001; PONS; REYNÉS, 2004; GOETZ, 2006, 2009). Sin embargo, la mera constatación de
que se han ampliado las temáticas de estudio en la Geografía del Transporte resultaría cuando
menos superficial si no ahondáramos en las razones que han motivado la aparición de esos
nuevos campos de estudio. Una primera y superficial aproximación permitiría afirmar que la
Geografía del Transporte ha evolucionado desde el punto de vista temático – al igual que el
resto de ciencias sociales – a medida que la propia sociedad contemporánea se tornaba más
compleja, se transformaba y planteaba a las ciencias sociales nuevos interrogantes a los que
dar respuesta. La aparición de nuevas temáticas de investigación constituiría así una prueba
fehaciente de la capacidad de la Geografía del Transporte de mantenerse vitalmente activa,
preocupada como el resto de la Geografía Humana por dar respuesta a los retos que el mundo
actual plantea a las ciencias sociales.
Sin embargo, existen a nuestro juicio razones de carácter epistemológico más
profundas que justifican la ampliación temática que se observa en la Geografía del Transporte
en las últimas décadas, y es que no sólo se han incorporado nuevos campos de estudio,
también han comenzado a aplicarse de forma regular métodos y enfoques distintos a los
clásicos que revelan un intento por parte de la Geografía del Transporte de reubicarse en el
seno de la Geografía Humana y de establecer nuevos vínculos con otras ramas de las ciencias
sociales además de los tradicionalmente existentes con la economía o la planificación.

En este capítulo vamos a recorrer someramente la evolución epistemológica


seguida por la Geografía del Transporte para centrarnos luego en el debate, que sigue, abierto
acerca de la posición de la Geografía del Transporte en el seno de la Geografía Humana y de
las ciencias sociales. Finalmente, trataremos de varias posibilidades de renovación analizando
especialmente la Geografía del Transporte urbano, uno de los campos en los que a nuestro
juicio existen hoy por más posibilidades60.

LA GEOGRAFÍA DEL TRANSPORTE, DEL ENFOQUE DESCRIPTIVO AL


ENFOQUE ANALÍTICO Y SISTÉMICO

Debe señalarse en primer lugar que los enfoques y metodologías que marcan la
evolución epistemológica de la Geografía del Transporte no se han producido de manera
lineal ni se han sucedido unos a otros, sino que más bien han convivido a medida que nuevas
posiciones teóricas han hecho su aparición (ARRANZ; FERNÁNDEZ, 1986). Por otra parte,
es cierto que en algunos períodos ciertos enfoques y metodologías han marcado de forma tan
decisiva la evolución de esta subdisciplina que el resto de enfoques se han visto eclipsados o
incluso considerados meramente residuales (PONS; REYNÉS, 2003). Finalmente, cabe
analizar el devenir de la Geografía del Transporte a la luz de la evolución epistemológica de
la propia Geografía Humana, de la Geografía como ciencia y de su posición en el conjunto
mismo de las ciencias sociales.

Hasta la década de los años cincuenta del siglo XX no puede hablarse en


sentido estricto de una Geografía del Transporte como subdisciplina de estudio dentro de la
Geografía Humana. Con anterioridad a esa fecha, los aspectos relacionados con el transporte,
como su evolución histórica o técnica, su efecto sobre el empleo y valor productivo en el

60
Una visión global de los amplísimos campos temáticos y conceptuales en que la Geografía del Transporte
puede desarrollarse en este nuevo siglo se ofrece en Seguí et al en esta misma publicación.
sector terciario o su importancia para la actividad industrial y agraria fueron tratados de
manera eminentemente descriptiva. En su mayor consideración, dentro de la llamada
―Geografía de la Circulación‖, fue considerado un fenómeno complementario al comercio y
estudiado desde un punto de vista histórico por su capacidad de transformación del paisaje y
de conferir identidad y personalidad a una región. Este enfoque historicista y regionalista, así
como el papel secundario del transporte dentro de la Geografía Humana debe explicarse en el
contexto epistemológico que caracterizó las ciencias sociales a finales del siglo XIX.

El historicismo e idealismo surgido en esas décadas como réplica al


positivismo y al naturalismo decididamente empirista, racionalista y antimetafísico que
impregnó el conjunto de las ciencias llamadas ―positivas‖ surgidas de la ilustración, defendió
un conocimiento comprensivo y descriptivo de las individualidades históricas y de los hechos
sociales. Por ello, reivindicó, frente a la explicación determinista y causal de los fenómenos
naturales, el carácter idiográfico de las ciencias sociales, entre ellas de la Geografía, que se
enfrentó así a su primera gran crisis de identidad, dividida entre los métodos positivistas de la
Geografía Física y los métodos historicistas de la Geografía Humana. Es bien sabido que fue
el concepto de región geográfica la construcción teórica que permitió salvar, cuando menos
temporalmente, la unidad de la Geografía como ciencia, una ciencia que ahora pasaba a ser
concebida como ―geografía regional‖.

Es precisamente en el ámbito de las escuelas regionalistas francesa y alemana,


bajo la guía de Vidal de la Blache y Alfred Hettner respectivamente, en que se desarrollan las
primeras descripciones del fenómeno del transporte como elemento que posibilita y favorece
la existencia de variaciones sobre la superficie terrestre, y que es capaz de diferenciar, y de
distinguir por tanto, regiones como unidades espaciales singulares. En las obras de los autores
vinculados a estas escuelas regionalistas no se estudia de forma específica el transporte, que
sólo es considerado como un elemento que contribuye a la diferenciación regional y que
aparece siempre vinculado a la actividad económica y a la esfera del comercio y del
intercambio productivo entre regiones (ARRANZ; FERNÁNDEZ, 1986). Podemos afirmar,
por tanto, que la verdadera aparición de la Geografía del Transporte como subdisciplina
individualizada dentro de la Geografía Humana deberá esperar hasta el triunfo del
neopositivismo en las ciencias sociales, en torno a los años cincuenta del siglo XX.

El cambio metodológico al que condujo el neopositivismo en las ciencias


sociales después de la Segunda Guerra Mundial se estuvo fraguando paralelamente al
desarrollo del historicismo y del idealismo y de hecho es heredero del propio positivismo
decimonónico y de la tradición empirista inglesa, que se aquilató a finales del XIX con las
aportaciones de la lógica y de la filosofía analítica del lenguaje, aunque no se introdujo en las
ciencias sociales hasta bien avanzado el siglo XX. El positivismo lógico o nuevo positivismo
del siglo XX dio continuidad a la ya antigua pretensión de separar la ciencia de la metafísica y
en sus principios básicos puede considerarse establecido ya en 1929, en los trabajos de los
filósofos de la ciencia que constituyeron el Círculo de Viena. El objetivo de este nuevo
positivismo es conseguir una ciencia unificada, un sistema neutral y universal que garantice
un conocimiento objetivo de la realidad y ofrezca resultados válidos que libere el
conocimiento de la subjetividad, de los apriorismos y de la contaminación interpretativa a la
que nos somete la semántica del lenguaje. Por ello, sólo un lenguaje como el de la matemática
y la lógica simbólica podía dar validez universal a los razonamientos, a los conceptos y a las
proposiciones científicas, con independencia de la disciplina a la que aplicara, por lo que el
lenguaje matemático se convertirá en uno de los pilares básicos de la ciencia actual.

Una cuestión igualmente importante para este nuevo positivismo será el


rechazo a la inducción, al historicismo y al riguroso determinismo causal de los fenómenos
observables. Tanto la evolución, por un lado, de la filosofía de la ciencia y, por otro, de la
física, condujeron al neopositivismo a rechazar tanto la posibilidad de establecer teorías a
partir de meros enunciados verificados por la experiencia como a sustituir el concepto de
―verdad‖ científica por el de un alto grado de probabilidad, asumiendo así la existencia de la
indeterminación entre causa y efecto. Dado que ni siquiera es posible decidir sobre la verdad
o falsedad de las inferencias inductivas mismas, lo único que puede hacer la ciencia es
proponer teorías deductivas y contrastarlas con la realidad, verificando o falsando las
hipótesis propuestas. El método hipotético-deductivo propuesto por Karl Popper, basado a su
vez en un riguroso empirismo, supusieron, como explica Horacio Capel (1981), ―un giro
importante respecto al inductivismo general de la corriente neopositivista y tuvieron un eco
inmediato en las discusiones de diversas disciplinas científicas‖ hasta el punto que en muchas
de ellas el cambio metodológico fue tan revolucionario que permitió considerar la
investigación realizada a partir de entonces como propia de una ―nueva‖ disciplina, en el caso
que nos ocupa de una ―Nueva Geografía‖ o ―New Geography‖.

La revolución cuantitativa afectó profundamente las ciencias sociales tanto en


la forma de abordar los hechos sociales como en los métodos utilizados. Desde el punto de
vista epistemológico se consideró que los hechos no podían ser explicados ni interpretados
más que a la luz de teorías; desde el punto de vista metodológico, el uso de la matemática, la
estadística, el análisis cuantitativo y la construcción de modelos explicativos de la realidad se
impusieron en todas las disciplinas sociales, también en la Geografía Humana, con la clara
voluntad de hallar una explicación científica a los fenómenos, de formular las leyes generales
de los que éstos eran meros ejemplos y de descubrir las regularidades, reglas y patrones que
subyacían a la realidad social de la misma forma como era posible descubrirlos en la realidad
de los fenómenos naturales.

De entre todos los campos de la Geografía Humana, la Geografía del


Transporte fue sin duda el núcleo principal en torno al que se afianzó el positivismo lógico y
sus métodos cuantitativos de estudio. El nuevo concepto de espacio relativo (eisnteiniano, no
euclidiano, absoluto o newtoniano) pudo desarrollarse con gran éxito en esta subdisciplina,
pues si la nueva Geografía de los años sesenta fue entendida como ciencia espacial capaz de
analizar y explicar, mediante modelos principalmente, la posición, forma y localización de los
objetos en el espacio-tiempo, la Geografía del Transporte, mediante el análisis de redes, de su
topología y geometría espacial y de los sistemas territoriales articulados por la circulación de
sus flujos, se convirtió en un fructífero campo de investigación que permitió que esta
subdisciplina llegara a individualizarse y a distinguirse dentro de la Geografía Humana.

En sus orígenes, como subdisciplina diferenciable en el conjunto de la


Geografía Humana, la Geografía del Transporte se concibió como un campo de estudio
eminentemente funcionalista que centró su atención en la circulación de personas y
mercancías y en cómo esta circulación guardaba relación con la ubicación en el espacio de los
asentamientos humanos y los centros productivos, tejiendo sobre él redes y organizándolo de
forma que se minimizaran los costes derivados de los desplazamientos. Modelos como los de
Lösh, Weber o Christaller fueron recuperados por la Nueva Geografía y considerados por la
Geografía del Transporte antecedentes claros de lo que durante décadas, y especialmente tras
la revolución cuantitativa de los años cincuenta del siglo XX, habría de ser uno de los ejes
centrales de la Geografía: el estudio del espacio, de la organización y la jerarquización
espacial y de las estructuras en torno a las que se articulaban los territorios. Entre esas
estructuras espaciales, las creadas por las redes de circulación y de transporte merecían una
investigación específica de la que se ocuparía la Geografía del Transporte.

EL TRANSPORTE COMO CAMPO DE ESTUDIO ESPECÍFICO DENTRO DE LAS


CIENCIAS SOCIALES
No resulta difícil de entender porqué la Geografía Cuantitativa halló en el
campo de los transportes, especialmente terrestres y urbanos, un campo abonado para su
desarrollo. Existe en la Geografía Cuantitativa una clara voluntad de establecer modelos
conceptuales que faciliten la comprensión de la realidad y revelen, de forma simplificada pero
racional, las estructuras espaciales que se construyen mediante la relación de elementos
integrantes de un sistema61. El transporte, en su sentido más estricto de medio con el que
poner en comunicación y permitir el desplazamiento de flujos de muy distinta naturaleza
sobre el espacio, cumplía a la perfección los requisitos de la Nueva Geografía: destacar la
importancia de la localización en términos relativos y no absolutos, analizar las relaciones
espaciales existentes entre centros de generación y atracción de desplazamientos y estudiar los
patrones espaciales que producía la interacción del hombre con su entorno.

No obstante, no fue la Geografía Humana la única disciplina en aproximarse a


la lógica espacial de los transportes desde el análisis cuantitativo, pues también otras
disciplinas como la economía convirtieron los estudios del transporte en un campo clave de
sus investigaciones. De esta forma, si bien es cierto que el éxito de los métodos cuantitativos
y de la aplicación de modelos en el campo del transporte facilitó el desarrollo de la Geografía
del Transporte como subdisciplina dentro de la Geografía Humana, también lo es que
contribuyeron de forma indudable al progreso de otras subdisciplinas geográficas, como la
Geografía Urbana y de otras disciplinas sociales como la Economía. Trabajos hoy clásicos
como los de Brian Berry (1961), James Bird (1971), Willim Bunge (1962, 1964), Richard
Chorley y Petter Haggett (1967), William Garrison (1959, 1960, 1962), Peter Haggett y
Richard Chorley (1960), Peter Haggett (1965), Karel Kansky (1963), Nathaniel Lichifield y
Honor Chapman (1968), John Nystuen y Michael Dacey (1961), M. Potrikowsky y Z. Taylor
(1983), Edward Taffe y Howard Gauthier (1973), John Thomson (1974), Roger Robinson
(1977), Alan Voorhees y Salvatore Bellomo (1970) o Donald Wood (1971), constituyen
algunos ejemplos.

Sin embargo, no resulta una cuestión irrelevante plantearse por qué el


transporte, con independencia de su perfecta adaptación a los nuevos paradigmas científicos y
sus nuevos métodos analíticos de estudio, se convirtió desde la década de los cincuenta en un
campo preferente de las investigaciones realizadas por algunas ciencias sociales. Tampoco
resulta indiferente considerar en qué contexto histórico tuvo lugar la aparición de la Geografía

61
Cabe recordar el impacto que supuso la publicación en 1968 de la obra de Ludwing Bertalanffy General
system theory, cuya teoría sobre la organización sistémica y compleja de los fenómenos se convirtió en un
modelo entre los modelos tanto para las ciencias naturales como para las ciencias sociales.
del Transporte como una disciplina diferenciada dentro de la Geografía Humana o plantearse
por qué, desde sus inicios, estuvo íntimamente ligada a la ciencia económica. A nuestro
juicio, una parte importante del triunfo de los métodos analíticos, estadísticos y cuantitativos
aplicados al transporte, especialmente en el mundo anglosajón, se debió también al contexto
socioeconómico y político que vivieron los países occidentales tras la Segunda Guerra
Mundial.

Como ha explicado Eric Hobsbawm (1995) durante treinta años existió un


consenso en Occidente – entre pensadores y responsables de tomar decisiones – de que para
lograr el necesario pleno empleo, la expansión del comercio internacional, el progreso de la
producción y la industrialización y la modernidad tecnológica era necesario reformar el
capitalismo, pues la vuelta a un capitalismo de libre de mercado en el que los poderes
públicos no desempeñaran un papel importante en el control y gestión de la economía
resultaban en el nuevo escenario de la guerra fría y de la reconstrucción económica
simplemente impensable. ―La edad de oro del capitalismo habría sido imposible sin el
consenso de que la economía de la empresa privada (…) tenía que ser salvada de sí misma
para sobrevivir‖ (Hobsbawm, 1995, p. 276). Las políticas económicas de corte keynesiano e
instrumentos como la planificación de sectores estratégicos para el capitalismo, como el
comercio, el transporte o la economía regional, fueron vistas en esas décadas como una
necesidad. Enormes inversiones públicas estuvieron en la base del espectacular crecimiento
de la productividad de las principales economías occidentales y de la aparición de una
sociedad del bienestar, basada en altas tasas de empleo, estabilidad política, y ampliación de
coberturas sociales, que dio como resultado una cultura de consumo masivo de bienes y
servicios, del que el aumento de la movilidad de la población, el crecimiento urbano, el auge
del comercio internacional y el fenómeno turístico de masas constituyen algunos ejemplos
paradigmáticos.

De esta forma, el propio contexto sociopolítico de posguerra planteó desafíos


importantes a las ciencias sociales pero muy especialmente a aquellas disciplinas y
subdisciplinas que podían contribuir a resolver algunas de las cuestiones clave para el
desarrollo y el progreso de las economías y democracias occidentales. Este es el contexto
político y socioeconómico preciso en el que debe explicarse la creciente demanda formulada a
las ciencias sociales de dar respuesta a las necesidades de planificación. Planificar el
crecimiento de las ciudades, planificar las redes de transporte que debían garantizar la libre
circulación de mercancías, predecir – para satisfacerlas – las demandas de movilidad diaria de
la población, ahora en franca expansión, fueron algunos de los principales retos a los que se
enfrentaron algunas de las ciencias sociales, como la economía y la Geografía Humana.

Desde la década de los sesenta se multiplicaron pues por parte de geógrafos,


urbanistas, ingenieros y economistas las investigaciones aplicadas que, basándose en los
nuevos métodos del neopositivismo, pretendieron contribuir a mejorar la planificación y la
toma de decisiones respecto al destino de la inversión pública y privada en todos los órdenes
espaciales, desde la micro escala de barrio a la escala internacional.

Desde los años setenta, como explica J. Michael Thomson (1974) en su libro
“Modern Transport Economics‖, la economía del bienestar consideró el transporte como una
de sus ramas predilectas, pues ofreció a la teoría económica la posibilidad de aplicar sus
conceptos analíticos a la resolución de problemas prácticos como por ejemplo cómo satisfacer
al máximo las necesidades humanas utilizando de la forma más eficiente posible algunos
recursos escasos (materias primas, capital, mano de obra, etc.) La moderna economía del
transporte surgió así como una disciplina eminentemente preocupada porque los servicios de
transporte y la planificación de las nuevas infraestructuras rindieran el máximo beneficio neto
posible a la comunidad a la servían. El transporte fue considerado no como un fin en sí sino
como un medio por el que conseguir el cambio de localización de personas o de mercancías.
Ese necesario cambio de localización sobre el espacio de personas y de mercancías respondía,
entre otros, a la desigual distribución geográfica de la población y de los recursos, a la
progresiva especialización de ciertas regiones en la producción de determinados bienes y a la
existencia de economías de escala que una extensa red de transportes contribuía a aprovechar.

Desvelar la estructura de las relaciones espaciales establecidas a través de la


circulación e intercambio de personas y mercancías y materializadas sobre el espacio
mediante las infraestructuras de transporte constituyó el principal empeño de la Geografía del
Transporte, pero la economía del transporte no se conformó con la descripción de modelos
fijos que incluyeran todas las variables que se consideraban económicamente relevantes, sino
que avanzó hacia la creación modelos predictivos capaces de reproducir con razonable
exactitud los efectos que el cambio de determinadas variables producirían en los sistemas de
transporte.

Los modelos, tanto descriptivos como analíticos, se impusieron como forma


habitual de estudiar el transporte y en torno a las principales variables y predicciones de
comportamiento que éstos consideraban se agruparon las grandes tendencias de investigación
que constituyeron el núcleo de la economía y de la Geografía del Transporte entre 1950-1970.
Los principales modelos fueron: a) los modelos de tráfico, que intentaban predecir las
variaciones de tráfico que resultarían al introducir algún cambio en un sistema de transporte,
como por ejemplo el efecto que sobre el tráfico supondría la construcción de una nueva
autopista o vía férrea o los efectos que tendría sobre el tráfico aéreo la ubicación en
emplazamientos alternativos de un aeropuerto; b) los modelos de demanda, que pueden
considerarse similares a los de tráfico sólo que expresados en términos más abstractos que el
mero volumen de tráfico y; c) los modelos de costes, que predecían la variación de costes de
un determinado tipo que se producirían al introducir un cambio en el sistema de transporte.
Los principales tipos de modelos tenían en común el estudio de los motivos de
desplazamiento, el análisis del origen-destino, es decir, la distribución en forma de matriz O-
D de los flujos de tráfico generado y la elección de ruta y del modo de transporte. En este
marco conceptual queda claro que factores como la distancia – medida en tiempo de
desplazamiento o kilómetros –, la accesibilidad y conectividad de los distintos nodos, los
costes por kilómetro, toneladas o viajeros y variables como la densidad de red, el peso
demográfico o económico de los nodos de transporte, las restricciones físicas o limitaciones
técnicas capaces de introducir impedancias en el desarrollo de las redes, eran cuestiones
relevantes que debían ser dilucidadas.

La investigación en materia de transporte fue pues un campo eminentemente


híbrido, que no interdisciplinar, en el sentido que Mattei Dogan62 define, como veremos más
adelante, la hibridación en las ciencias sociales, pero estuvo desde sus orígenes claramente
dominado, académica y profesionalmente, por economistas e ingenieros civiles, que fueron
principalmente los especialistas a quienes los poderes públicos y la esfera empresarial
confiaron durante décadas la tarea de planificar su desarrollo. Por otro lado, la propia
evolución de la ciencia hacia su unificación epistémica y metodológica hizo que prevaleciera
en esas disciplinas el enfoque neopositivista, por lo que si la Geografía del Transporte quería
hacerse un lugar entre las ciencias sociales debía no sólo atender fundamentalmente las
cuestiones política y socialmente relevantes de su momento, sino también aceptar el
paradigma científico dominante en ellas.

La Geografía del Transporte y sus enfoques cuantitativos, aplicados a desvelar


los sistemas y jerarquías, los patrones de movilidad, a cuantificar la accesibilidad en función
62
Mattei Dogan, director emérito de investigaciones del Centre National de la Recherche Scientifique, París, ha
definido y profundizado, en numerosos de sus ensayos (DOGAN, 1989, 1994, 1996, 1997, 2001, 2006, 2007,
2009) el concepto hibridación como el ―solapamiento de disciplinas y la recombinación del saber en nuevos
campos especializados‖, provocados por el inevitable proceso de especialización al que ha conducido la ciencia
a través de un proceso de fragmentación disciplinaria y subdisciplinaria.
de los usos del suelo o de la estructura de las redes de comunicación, no fue en ningún caso
producto de una moda ni el reflejo de un mero ejercicio académico más o menos virtuoso,
sino un riguroso y comprometido esfuerzo científico de hibridación que intentó dar respuesta
a muchas de las cuestiones que afectaban la sociedad de esa época a través del paradigma
científico revolucionario por entonces.

FISURAS Y CONTINUIDAD DEL NEOPOSITIVISMO EN LAS CIENCIAS


SOCIALES

El neopositivismo supuso, por un lado, una renovación epistemológica y, por


otro, un cambio metodológico e incluso instrumental, asociado este último a los avances de la
tecnología informática y del manejo progresivamente automatizado de voluminosos datos
estadísticos que aquélla permitió. En las ciencias sociales, el cambio metodológico fue sin
duda más llamativo que el cambio teórico, pues los nuevos métodos de investigación se
introdujeron de forma relativamente rápida, lo que permitió a Ian Burton (1963) considerar
que hacia 1963 la ―revolución‖ había finalizado, pues, siguiendo las teorías sobre las
revoluciones científicas de Thomas Kühn (1962), podía afirmarse que ―una revolución
intelectual está superada cuando las ideas revolucionarias llegan a formar parte de la sabiduría
convencional‖ y hacia la mitad de los sesenta la mayoría de disciplinas sociales habían
adoptado esos nuevos métodos.

Sin embargo, es probable que la misma rapidez con que se introdujeron en las
ciencias sociales los métodos analíticos neopositivistas, fundamentalmente cuantitativos,
limitara el alcance de la renovación epistemológica y teorética de los que esos métodos eran
una mera consecuencia. Por ello, ya a principios de los años sesenta en Norte América y de la
siguiente década en Europa, se manifestó entre las ciencias sociales una cierta insatisfacción y
desencanto ante el hecho de que con demasiada frecuencia los modelos matemáticos y los
métodos cuantitativos no facilitaran la comprensión y explicación de la realidad social y en
concreto, en la Geografía Humana, no alcanzaran a predecir el comportamiento humano sobre
el espacio. En efecto, la preeminencia de la racionalidad económica y la teoría de la elección
racional, que consideraba al hombre como mero productor o consumidor para el que la toma
de decisiones estaba siempre guiada por la maximización del beneficio, establecía un rígido
marco epistemológico que encorsetaba la explicación de la organización espacial de la
sociedad (BOSQUE, 1986, p. 271). Por ello, y prácticamente a excepción, cuando menos de
forma clara y expresa, de la Geografía del Transporte, el resto de subdisciplinas de la
Geografía Humana, especialmente la Geografía Urbana, manifestaron relativamente pronto
claras fisuras con respecto al método neopositivista.

También otras disciplinas sociales, que recogieron ampliamente los nuevos


planteamientos filosóficos de la fenomenología, el existencialismo y el nuevo materialismo
histórico, se hicieron prontamente eco de la insuficiencia de la nueva ciencia positiva y de sus
métodos para el estudio de la compleja realidad social y del ser humano. Finalmente, de
nuevo el contexto político y socioeconómico de las últimos años de los sesenta y primeros de
los setenta contribuyó de forma decisiva a cuestionar el paradigma neopositivista como forma
válida de aproximarse a la realidad social. Como explica Joaquín Bosque (1986, p. 274),
citando la obligada referencia a la obra Geograhpy and geographers. Angloamerican Human
Geography since 1945, de Ron Jonhston (1979):

El problema de fondo era la incertidumbre económica, ya que después de


dos décadas de relativamente altos índices de crecimiento económico y
prosperidad, las economías americana y británica comenzaron a padecer
serias dificultades; más aún comenzó a ser evidente que la prosperidad de
las anteriores décadas no había sido de igual manera para todos‖
(JOHNSTON, 1979, p. 142).

Ciertamente, el período de prosperidad de la posguerra no se había producido


sin sombras. El dominio occidental norteamericano y europeo, basado en una confianza ciega
en los beneficios de la ciencia y la tecnología, la fe en el progreso indefinido y en el dominio
humano de la naturaleza, tuvo como contrapartida algunos hitos decisivos. Como señala
Capel (1981, p. 405), la revolución estudiantil de mayo de 1968, el triunfo de la revolución
comunista en China, el movimiento neutralista ante la amenaza nuclear, el proceso
descolonizador, la crisis del petróleo, la revolución cubana y otros movimientos
revolucionarios en el Tercer Mundo, pero sobre todo, por su valor simbólico, la guerra de
Vietnam, actuaron como revulsivos de la conciencia social y pusieron en cuestión tanto las
virtudes del nuevo sistema socioeconómico surgido de la posguerra como la neutralidad de la
ciencia y del paradigma científico que la había encumbrado. En palabras de Hanna Arendt,
citado por John Pickles (1985):

Este futuro hombre, que los científicos dicen que producirán en no más de
cien años, parece estar poseído por una rebelión contra la existencia humana
tal y como le ha sido dada ... lo que él desea es cambiar, lo que era, por algo
que él ha hecho. No hay ninguna razón para dudar de nuestras capacidades
de lograr tal cambio, tal como no hay razón de dudar de nuestra capacidad
presente para destruir toda la vida orgánica sobre la tierra. La única
pregunta es si deseamos usar nuestro nuevo conocimiento técnico en esta
dirección, una pregunta esta que no puede ser decidida por el significado
científico; es una pregunta política de primer orden y por lo tanto no puede
ser abandonada a la decisión de los profesionales de la ciencia o de la
política (ARENDT, 1958, p. 2-3).

En la práctica totalidad de las ciencias sociales surgieron paralelamente al


avance del neopositivismo, convertido en paradigma dominante de la ciencia – especialmente
de las llamadas ―hard sciences‖ o ciencias de la naturaleza –, corrientes críticas que
cuestionaron tanto sus métodos de investigación como la relevancia de sus resultados para
desentrañar, comprender, explicar y sobre todo transformar la realidad social. Como señala
Capel (1981, p. 408), ―fue en la Economía y la Sociología donde primeramente comenzaron a
ponerse en cuestión los principios hasta ahora aceptados‖. No obstante, aunque economistas
de sobra conocidos como M. Doob, Samir Amir, Paul Baran, Paul Sweezy o André Gunder
Frank, entre otros, denunciaran la Economía ortodoxa por conservadora e incluso reaccionaria
por amagar bajo formalismos, sofisticaciones técnicas y supuesto rigor y neutralidad, los
temas realmente significativos como la equidad, el bienestar social, la pobreza o el desarrollo
humano63, la visión ortodoxa continuó siendo dominante cuando menos en el ámbito de los
países anglosajones.

Por su parte, la Sociología, especialmente marxista, más arraigada en Francia y


Alemania, donde había podido seguir una evolución sin tantas rupturas, logró desarrollar una
teoría social que asentó las bases de una nueva concepción del espacio como ―producto
social‖. A ella se acogió rápidamente la Geografía Humana, que pareció diversificarse en
renovadas geografías híbridas (social, radical, behaviorista, del bienestar, humanista, política,
de género…) dependiendo del énfasis que pusiera en cada una de las dimensiones desde las
que podía estudiarse el ser humano, individual y colectivamente, en su relación con el espacio
y de las disciplinas sociales de las que asumiera sus conceptos y metodologías. Así, aunque
temáticas como la pobreza, la injusticia, el hambre, la contaminación o la marginación social
llegaron a ser temas predilectos de los autodenominados geógrafos radicales, que difundieron
sus ideas a través de revistas como Antipode, Hérodote o Roter Globus, también otros temas
como, la percepción, la dimensión subjetiva de la realidad, la imagen de la ciudad, la
percepción del riesgo y de la seguridad, la conciencia de pertenencia a un territorio, el acceso

63
Baran y Sweezy (1966), en un duro análisis sobre el orden social y económico americano, llegaron a afirmar
que los científicos sociales, “asegurándonos durante largo tiempo que todo era para bien en lo que ellos
consideraban el mejor de los mundos posibles, hicieron cuanto pudieron para impedirnos ver de frente la
realidad”.
a los bienes básicos como la sanidad, la educación o la vivienda fueron temáticas de estudio
comunes a la mayor parte de subdisciplinas de la Geografía Humana.

Autores como Leonard Guelke (1980), Ley y Samuels (1980), Richar Peet
(1974, 1980), Aurora García Ballesteros (1982), André Sanguin (1981), Peter Rimmer (1985)
o Milton Santos (1972, 1974) son un ejemplo de estas tendencias. En claro proceso de
hibridación con otras subdisciplinas sociales como la sociología política, la psicología social,
el humanismo o el neomarxismo, las nuevas subdisciplinas geográficas nacidas de las fisuras
del monolítico neopositivismo tuvieron en común, no sólo su rechazo hacia el éste, sino la
recuperación de los métodos inductivos, historicistas, genéticos, cualitativos y holísticos, que
se consideraban ahora nuevamente los métodos de investigación adecuados, al menos en
algunas subdisciplinas sociales. Así lo consideró la Geografía Humanista, que desarrolló un
renovado concepto del espacio, un espacio que en ningún caso era ya considerado como
abstracto, sino como un ―lugar‖ vivido y percibido sobre el que se toman decisiones
concretas de forma individual y colectiva, y con el que el hombre mantiene conexiones
emocionales (TUAN, 1974; BUTTIMER, 1974, 1976; SAMUELS, 1978; RELPH, 1980).

Resulta obligado preguntarse qué pasó, mientras tanto, en la Geografía del


Transporte. Comparada con el resto de las subdisciplinas de la Geografía Humana y aun con
otras ciencias sociales en las que, como hemos visto, se produjeron todas estas fisuras y
rupturas con el neopositivismo, podríamos considerar que la Geografía del Transporte
continuó aún durante décadas estrechamente vinculada, por las razones ya expuestas, a la
economía ortodoxa y a la planificación y fiel, por consiguiente, al paradigma cuantitativo
dominante.

No obstante, un análisis más profundo de las aportaciones realizadas por la


Geografía del Transporte, especialmente desde finales de los años noventa y en lo que
llevamos de este siglo XXI, nos permitirá comprobar que esa afirmación es cuando menos
imprecisa y debe ser matizada. Por otra parte cabrá preguntarse qué lugar le corresponde a la
Geografía del Transporte dentro del panorama actual de la Geografía Humana y qué enfoques
y métodos de los que han sido sucintamente expuestos son predominantes. A ello
dedicaremos el apartado siguiente.

LA GEOGRAFÍA DEL TRANSPORTE, UNA DISCIPLINA HÍBRIDA


Esa diversidad de enfoques y métodos de la Geografía Humana que
comentábamos en el apartado anterior ha sido repetidamente puesto de manifiesto por
numerosos autores, que habitualmente se han conformado con reconocer sin más esa realidad,
a la que se ha calificado de ecléctica, de la que se ha destacado – en un sentido claramente
positivo – su pluralidad de enfoques y métodos y mediante la que se ha defendido la
Geografía como ciencia interdisciplinar. El debate por la unificación de la ciencia geográfica,
que ya se planteó a finales del siglo XIX ante la dualidad epistemológica existente entre la
Geografía Física y la Geografía Humana, sigue apareciendo de forma recurrente a lo largo de
la historia de la disciplina. Como señala Andrew Goetz (2006), continúa existiendo en el seno
de la ciencia geográfica un candente debate a cerca de si existe realmente o no un núcleo
disciplinario propio y si este es imprescindible para que una disciplina científica exista o
tenga éxito. Pero el debate no ha quedado restringido a la Geografía como ciencia. De hecho,
desde los años setenta se ha trasladado al seno de la Geografía Humana y persiste hoy dentro
de algunas de sus especialidades, siendo en la Geografía del Transporte donde ese debate es
actualmente más vigoroso. Intentaremos ver por qué.

Ese mismo debate existe también en otras ciencias sociales, como la


Sociología, en la que según Terence Halliday (1992, p. 3), la multiplicidad de subdisciplinas
la ha hecho ―vulnerable a ataques o incluso anexión por parte de disciplinas adyacentes‖ de
manera que la Sociología se halla ―enfrentada a potentes fuerzas centrífugas a veces
desintegradoras‖. Prueba del vigor de ese debate en el seno de la Sociología son los
numerosos trabajos realizados por Mattei Dogan (1990, 1993, 1995, 2006, 2009), cuyas
reflexiones permiten no tan sólo resolver de una forma más que satisfactoria los supuestos
problemas de identidad de la Sociología sino del resto de ciencias sociales en el que ese
debate – por algo será – es un asunto común. Consideramos aquí que sus planteamientos
pueden ser perfectamente válidos también para arrojar algo de luz al debate falsamente
exclusivo, como puede comprobarse, de la Geografía y de algunas de sus especialidades como
la geografía del transporte.

Como señala Mattei Dogan (1997, p. 468), citando a Ralph Turner (1990) con
respecto de la Sociología, es impensable que actualmente exista un científico capaz de hacer
aportaciones relevantes en todas las subdisciplinas de su ciencia y hablar con autoridad
indiscutida de forma generalista sobre ella. La cantidad de conocimiento y de investigaciones
acumuladas es tan ingente que la fragmentación disciplinaria es una necesidad. No faltan sin
embargo autores que, como señala este Mattei Dogan (1997), siguen considerando, al estilo
de Augusto Comte, ―que cada ciencia debe poseer su propia materia de estudio distintiva‖, lo
que resulta cuando menos incierto si uno analiza la evolución histórica de las disciplinas
científicas clásicas.

Las fronteras de investigación tradicionales entre disciplinas se han difuminado


y aunque es cierto que los campos especializados necesitan orientaciones teóricas y
metodológicas consensuadas ―una disciplina no puede tener una teoría universal y
monopolista‖ (DOGAN, 1997). Las divisiones y subdivisiones disciplinarias clásicas ya no
responden a la diversidad de campos de investigación y especialidades científicas que los
investigadores crean constantemente64. No se trata sólo de que un mismo fenómeno pueda ser
estudiado desde diferentes perspectivas, no se trata pues de una cuestión de ―enfoque‖, ni de
que exista un fenómeno o una temática a la que sea posible aproximarse desde diversas
disciplinas (interdisciplinarmente), cada una con sus concepciones epistemológicas y sus
métodos inequívocamente propios.

La noción de campo de investigación interdisciplinaria debe ser redefinida,


pues en sentido estricto, dada la fragmentación disciplinaria de las ciencias, es imposible y
por añadidura, si bien aportaría enfoques plurales, resultaría dudoso creer que esa supuesta
interdisciplinarieadad pueda suponer algún tipo de avance científico (DOGAN, 2007). Los
nuevos campos de investigación en los que puede avanzar la ciencia se producen en los
intersticios que dejan las disciplinas y las especialidades o subdisciplinas al fragmentarse y al
ser ocupados por investigadores capaces de recomponer, como si de un nuevo puzzle se
tratase, un fenómeno o un problema con piezas de muy distinta procedencia. En eso consiste,
según explica Mattei Dogan (1989, 1996, 1997), el proceso de hibridación que ―entraña un
solapamiento de segmentos de disciplinas, la recombinación del saber en nuevos campos
especializados‖. Como expresa este autor,

El proceso de hibridación no sólo se da en intercambios de conceptos,


teorías y métodos entre las disciplinas y entre los subcampos. Es asimismo
patente en los intercambios de informaciones, puntos esenciales,
indicadores y datos estadísticos y en la práctica cotidiana de la investigación
empírica. Este comercio arroja un superávit en unas disciplinas y un déficit
en otras. La geografía social toma prestadas informaciones de la geografía
física, la cual a su vez las toma de la geología, en vez de a la inversa. Las
ciencias políticas han contraído una enorme deuda externa, porque la
política no se puede explicar únicamente con la política. Los fenómenos
políticos guardan relación con múltiples factores en los que la política se

64
De hecho las divisiones disciplinarias y subdisciplinarias no se mantienen más que en el seno de las
instituciones académicas de enseñanza superior. Su propia existencia oficial hace que existan fuertes intereses
en su defensa y que se plantee constantemente su justificación, aunque no haya motivos científicos para ello.
basa. Para explicar la política se emplean docenas de variables no políticas
y ésta es una de las muchas razones de que la política esté inextricablemente
unida a las demás ciencias sociales‖ (DOGAN, 1997, p. 480).

Esa es también una de las muchas razones por la que la Geografía está
―inextricablemente unida a las demás ciencias sociales‖ y por lo que, a nuestro juicio,
constituye sin duda una de las disciplinas más híbridas y por ello con mayor capacidad
innovadora. La ausencia de un enfoque epistemológico único impide obviamente la existencia
de un método único de investigación, puesto que bajo los métodos subyace siempre una
concepción teórica de la disciplina y en este caso, la Geografía, como muchas otras ciencias,
ha seguido afortunadamente una evolución suficientemente compleja como para fragmentarse
en múltiples subdisciplinas, siguiendo en ellas planteamientos teóricos, epistemológicos e
incluso ideologías distintas65.

Por tanto, el debate que resultaría realmente fructífero no estaría en discutir a


cerca de cuáles son los fundamentos últimos de la Geografía, o de alguna de sus primeras
hibridaciones, como la Geografía Física66 y la Geografía Humana o, de sus hibridaciones de
segunda y de tercera generación como la geografía urbana o la Geografía del Transporte sino
en qué grado puede esperarse que una determinada subdisciplina o especialidad se renueve o
dé lugar a nuevas hibridaciones. La garantía de pervivencia e incluso de utilidad social de una
disciplina no se halla en la existencia de un cuerpo doctrinal epistémico y metodológico único
en el que las especialidades sean compartimentos estancos en los que únicamente pueden
investigar acreditados científicos de esa misma especialidad, sino en ser capaz de mantener
una capacidad constante de hibridación con otras disciplinas, sugiriendo nuevas formas de
abordar problemas o, como dice Dogan, de descubrir ―fenómenos que a otros se les habían
simplemente escapado‖ (DOGAN, 1997, p. 477).

En el ámbito de la Geografía del Transporte ese debate es especialmente


relevante. Desde la pérdida de hegemonía del paradigma neopositivista en la mayoría de
ciencias sociales y de los métodos cuantitativos a ella asociados, la Geografía Humana ha
diversificado sus enfoques metodológicos incorporando aproximaciones cualitativas basadas
en métodos fenomenológicos, etnográficos, humanistas y culturales claramente relacionados
con los avances epistemológicos producidos en otras ciencias sociales, como la Psicología, la

65
Sobre si puede y debe hablarse de la existencia de un ―paradigma‖ en las disciplinas sociales ver Mattei
Dogan (2001).
66
Como ha señalado Dogan, la Geografía Física y sus subdisciplinas son una prueba de que las ciencias sociales
no sólo establecen hibridaciones entre ellas sino también con las ciencias naturales.
Antropología o la Sociología. Es lógico pues que, dentro de la Geografía Humana, sea en la
rama en que más claramente se asentó el paradigma neopositivista y sus métodos
cuantitativos, es decir, en la Geografía del Transporte, donde la pugna metodológica entre
esos, al decir de Jo Guiver (2004), ―mundos diferentes‖ se halla planteado de forma más
abierta y clara.

Así, autores como Ron Johnston (1998), Susan Hanson (2003) o Darren Scott
(2006) consideran que la Geografía del Transporte ha permanecido anclada en el marco
analítico neopositivista de los años sesenta, constituyendo en cierta forma el último bastión
del mismo y ha sido incapaz de realizar una evolución epistemológica como la realizada por
el conjunto de la Geografía Humana, que sí ha logrado en su conjunto incorporar los
paradigmas post-positivistas, estructuralistas y post-estructuralistas. Por otro lado, autores
como John Preston (2001), Andrew Goetz (2004) o Richard Knowles (2003) consideran que
la Geografía del Transporte sí ha sido capaz, al menos en la última década, de desmarcarse
cuando menos parcialmente del enfoque neopositivista y de su marco analítico y de ampliar
sus fronteras de investigación incorporando temáticas novedosas y logrando una mayor
interacción con otras ciencias sociales que mantienen fuertes vínculos con el transporte.

Más allá de ese debate, lo cierto es que, dentro de la Geografía Humana,


posiblemente sea la Geografía del Transporte la subdisciplina en la que con más dificultad los
geógrafos han sido capaces de romper con el cuerpo doctrinal creado como resultado de su
hibridación, entre otras, con la Economía, las ciencia sociales, por otra parte, más autárquica y
menos abierta en sus fronteras de investigación al resto de disciplinas al menos hasta los años
setenta.

Fue a nuestro juicio un proceso de hibridación entre la Geografía Cuantitativa


y la Economía, con participación de la Ingeniería Civil y la Econometría, el que permitió a
finales de la década de los cincuenta la aparición de la Geografía del Transporte como un
campo de investigación disciplinario nuevo, aunque sus investigaciones hayan podido
diferenciarse poco de algunas de las disciplinas mencionadas. Como señala Andrew Goetz
(2006), ―sólo un grupo relativamente pequeño de geógrafos ha podido llegar a convertirse en
especialista en uno o más campos complementarios de aquellas disciplinas y llegado a ser
competitivo en ellas‖. Hemos visto cómo existieron fuertes imperativos de tipo científico y un
claro marco político y socioeconómico para que esto fuera así, y también que la evolución
posterior, tanto de esos imperativos como de ese mismo marco, ofreció buenas razones para
que eso cambiara.
Desde entonces, y como quiera que el progreso científico se asienta siempre en
las fronteras de investigación de una disciplina, la Geografía del Transporte evolucionó, pero
no lo hizo de la mano de sus especialistas más ortodoxos, sino – como siempre sucede – de
aquéllos que se situaron en la periferia de la nueva disciplina, en contacto directo con
especialistas de otras subdisciplinas sociales, pertenecieran o no a la Geografía. El núcleo
central neopositivista de la Geografía del Transporte continuó durante décadas constituyendo
el corazón de la, cada vez menos nueva, disciplina, lo que condujo sin remisión a su
aislamiento. Mientras tanto, en los intersticios o lagunas que, era evidente, se abrían ante los
ojos de quienes, gracias a su contacto con otras especialidades geográficas y otras ciencias
sociales, eran capaces de observan fenómenos no explicados, se producían claras
innovaciones. Compartimos la convicción de John Preston cuando afirma que ―una Geografía
del transporte revitalizada podría proporcionar el nexo de unión necesario entre los estudios
de transporte y las ciencias sociales‖ (PRESTON, 2001), pues las especialidades híbridas que
en su momento de aparición suponen un avance y constituyen una nueva frontera acaban
agotándose si no se renuevan, quedando aisladas del progreso científico, que se produce
siempre gracias a la recombinación de especialidades situadas en la confluencia de varias de
ellas, no necesariamente contiguas. ―El punto de contacto fecundo se establece entre
especialidades y sectores y no paralelamente a las fronteras disciplinarias‖ (DOGAN, 1994).

ALGUNOS DE LOS POSIBLES CAMPOS DE RENOVACIÓN EN LA GEOGRAFÍA


DEL TRANSPORTE

Debe reconocerse que en la Geografía del Transporte se han producido en las


últimas décadas algunos avances significativos en cuanto a investigaciones que no han temido
tomar prestados métodos y conceptos de otros campos de la Geografía Humana y de otras
subdisciplinas no geográficas ni económicas, favoreciendo así la integración de la Geografía
del Transporte en el conjunto de las ciencias sociales y reduciendo su aislamiento, en la línea
que señala John Preston como necesaria para revitalizar la Geografía del Transporte.

Una revisión de las principales contribuciones realizadas por los geógrafos del
transporte a este campo de investigación en las revistas científicas especializadas, como el
Journal of Transport Geography, Les Cahiers Scientifiques du Transport Recherche,
Transports Sécurité, Transportation Research Record, Transportation Reviews o Policy
Analysis for Transport Networks por citar tan sólo algunas de las más conocidas, pone de
manifiesto que los procesos de fragmentación en el seno de la Geografía del Transporte,
consecuencia su avance y progreso, no han sido homogéneos ni simultáneos. Así, tanto el
debate metodológico que apuntábamos en los párrafos anteriores, como los procesos de
fragmentación que deben conducir a nuevas especialidades híbridas en la Geografía del
Transporte es particularmente intenso entre los geógrafos que trabajan en el campo del
transporte urbano e interurbano, y entre los dedicados en general al transporte terrestre de
viajeros, mientras que está aún lejos de ser relevante entre los especializados en el subcampo
del transporte de mercancías o el transporte marítimo y aéreo.

Presentamos a continuación las razones por las que, a nuestro juicio, los
procesos de renovación en la Geografía del Transporte se han producido con desigual
importancia según los campos temáticos de investigación y exploramos algunas de las
posibilidades de renovación que existen en ellos con especial atención a la Geografía del
transporte urbano.

LA GEOGRAFÍA DEL TRANSPORTE MARÍTIMO Y AÉREO DESPLAZA SUS


CENTROS DE INTERÉS

La aproximación científica que la Geografía realizó al campo de los transportes


fue inicialmente sistémica, los sistemas de transportes se concibieron como un conjunto
organizado que podía segmentarse para su análisis en distintos modos. Por ello es habitual
que aún que las investigaciones realizadas en Geografía del Transporte se organicen a la
manera clásica, atendiendo a los modos terrestre, marítimo y aéreo y en cada uno de ellos se
distinga, según los flujos transportados, entre transporte de pasajeros o mercancías. Como
hemos visto, en su conjunto y con independencia de los modos, la Geografía del Transporte
aplicó de forma unificada una concepción epistémica y metodológica neopositivista a todas
sus especialidades, aunque indudablemente el campo temático de los transportes terrestres y
especialmente el de viajeros fue el más desarrollado. Existieron dos razones básicas para ello,
en primer lugar porque también existieron desde la década de los sesenta mayores necesidades
de planificación en ese ámbito debido al espectacular crecimiento experimentado por las
ciudades y sus espacios metropolitanos67; en segundo lugar porque las infraestructuras
terrestres, tanto rodadas como ferroviarias, dejaban una clara impronta sobre el territorio,
extendían redes visibles perfectamente cartografiables en un mapa y permitían por ello

67
En paralelo, el propio crecimiento demográfico y la transformación socio-económica de muchos países
situaron los estudios sobre dinámicas demográficas y procesos urbanos como relevantes frente a otros
tradicionales que quedaron relegados como los estudios agrarios o de poblamiento.
realizar todo tipo de estudios geométricos de su estructura, lo que resultaba decisivo para una
disciplina como la geografía que en desde los años cincuenta se había empezado a definir
como una ciencia espacial (HAGGET, 1968). De entre las posibilidades de estudio que
ofrecen los transportes terrestres, el transporte urbano es el campo en que consideramos
existen más posibilidades de renovación y en el que se han producido más cambios
epistémicos y metodológicos con respecto al núcleo central de la geografía del transporte.
Hablaremos más extensamente en el apartado siguiente de los cambios y fisuras producidas en
la geografía del transporte urbano

Por su parte, y a diferencia del transporte terrestre, el sistema de transporte


marítimo tenía dificultades en definir claramente su estructura, pues por sus características no
traza sobre el espacio marítimo rutas permanentes y no construye más infraestructuras que las
portuarias. No obstante, aunque de forma más tardía, ello no impidió que la Geografía del
transporte marítimo desarrollara también una aproximación espacial a las infraestructuras
portuarias, fundamentalmente morfológica y funcional. James Bird, con su obra cumbre
Seaports and seaports terminals (BIRD, 1971) realizó uno de los primeros esfuerzos por
rescatar los estudios portuarios del marco descriptivo en el que con anterioridad habían sido
considerados, especialmente por la Geografía regionalista francesa, alejándolos así de su
excepcionalidad y singularidad. Claramente influidos pues por el cambio de paradigma
neopositivista de los años sesenta, la Geografía del Transporte marítimo, aunque con muy
pocos especialistas dedicados, propició la creación de modelos generales que explicaran la
evolución portuaria y sus instalaciones cada vez más especializadas en el tráfico de
determinados tipos de mercancías (BEY, 1990). Más allá por tanto de sus emplazamientos
obviamente singulares, el estudio de la estructura de los flujos de mercancías y la relación
existente entre la composición de estos flujos y sus áreas de influencia (hinterland y
foreland)68 permitían desvelar, por un lado y desde la óptica de la económica regional, el
armazón de la estructura de la estructura productiva y de consumo; por otro, y a escala
internacional, la red invisible de la que formaban parte todos ellos, ocupando cada uno su
correspondiente posición jerárquica en dicha red (BEY; PONS, 1991). La segunda de las
aproximaciones al transporte marítimo fue la desarrollada por Brian Hoyle (1988), que inició
una línea que aún hoy continua, consistente en el análisis de las relaciones puerto-ciudad.

68
Fueron decisivos los estudios de André Vigarié en Francia y los de Adalberto Vallega en Italia para la
conceptualización de las funciones portuarias y de los procesos de polarización del crecimiento urbano en el
litoral.
La renovación del marco conceptual de la Geografía del transporte marítimo,
producida a finales de los ochenta, no se produjo, a diferencia como veremos de la Geografía
del transporte urbano, por el contacto de esta subdisciplina con ninguna otra especialidad de
las ciencias sociales. Como ha señalado y estudiado extensamente Antoine Fremont (2004,
2005a, 2005b, 2007), fue un cambio tecnológico: la contenedorización, el que obligó a
renovar la forma de entender el transporte portuario. En efecto, la posibilidad de transportar la
mercancía mediante contenedores y, una vez llegada a puerto, redistribuirla hacia diferentes
destinos por medio de otros sistemas de transporte terrestre, en un proceso conocido como
intermodalidad, transformó por completo el concepto de Hinterland (WACKERMANN,
2005). El área de influencia de un puerto dejó de ser un espacio cautivo más o menos
inmediato y circunscrito a las características de la oferta-demanda que su estructura socio-
económica generaba, para pasar a ser un área de alcance internacional. Los puertos mejor
situados no tan sólo con respecto al tráfico marítimo mundial sino también con respecto a las
redes de transporte terrestres – rodadas y ferroviarias – y fluviales de mercancías vieron
crecer espectacularmente sus movimientos comerciales69. La logística y las estaciones
multimodales centraron a partir de entonces la atención de las investigaciones. De este
proceso, nos interesa destacar aquí el papel que jugó el cambio tecnológico en la renovación
conceptual que se produjo a la hora de entender el papel de los puertos en la Geografía del
transporte marítimo.

Algo parecido sucedió en el campo de la Geografía del transporte aéreo.


Tradicionalmente centrada en el estudio de los flujos de pasajeros, de nuevo las
investigaciones se dirigieron primeramente a analizar la estructura y composición de los
flujos, sus matrices según origen-destino, el carácter nacional o internacional de las
conexiones, las diferencias entre los vuelos regulares y los vuelos chárter; desde un punto
sistémico, a correlacionar la jerarquía aérea con la jerarquía urbana, y, desde un punto
funcional a considerar la especialización de los flujos en determinados territorios, por
ejemplo, los espacios turísticos70. Posteriormente, tras la liberalización del mercado aéreo y la
progresiva privatización de las compañías estatales, la atención se dirigió principalmente a
estudiar el papel jugado por las compañías de bajo coste en la distribución de los flujos, a
analizar las modificaciones de centralidad y accesibilidad de los espacios servidos por los

69
Rotterdam y Amberes a través del Rhin y de la red ferroviaria europea alcanzaron una de las posiciones más
destacadas en Europa, igual que sucedió con los puertos de Hong-Kong o Shenzhen en Ásia.
70
Para profundizar en las relaciones actuales entre el transporte aéreo y el turismo, ver Martínez et. al en esta
misma publicación.
aeropuertos ocasionadas por el aumento o reducción de su volumen de tráfico y de sus
conexiones, etc. Sin embargo, y sin que hayan existido aún claras rupturas metodológicas con
los análisis cuantitativos y económicos, a partir de los años noventa en que se ha hecho
evidente la existencia de una economía global en toda la esfera que afecta la movilidad, el
transporte aéreo ha renovado su interés por el transporte de mercancías.

En efecto, el desarrollo de esta nueva etapa del capitalismo ha producido


cambios socio-económicos muy importantes que ha provocado un gran impulso al transporte
internacional de mercancías a larga distancia. En particular como sugieren Menvi Lehto y
Veli Himanen (2001), el transporte aéreo de mercancías se ha visto fuertemente activado,
cuando siempre fueron los modos de transporte terrestre y marítimo los predominantes en este
tipo de flujos.

El crecimiento del transporte de mercancías por vía aérea es justificada por los
economistas de una forma sencilla: ―la elasticidad de la demanda de transporte respecto al
producto es superior a la unidad‖ (INGLADA et al, 2007) y se aducen como causas
principales los procesos económicos globalizados, en que se prima la satisfacción inmediata
de la demanda que empresas y consumidores finales realizan, a escala internacional, de
múltiples productos, por lo que el transporte aéreo – por su velocidad y largo recorrido – es un
modo en auge, sin que el precio sea ya el factor más decisivo a la hora de escoger el modo de
transporte.

De acuerdo con Vicente Inglada et al (2003), la rápida evolución de las


tecnologías de la información permiten hoy a los consumidores finales pero sobre todo a las
empresas tomar decisiones en tiempo real, a través del comercio electrónico, con lo que
pueden deshacerse de costes tradicionales como los de almacenamiento o cuando menos
reducirlos, teniendo garantizado el suministro del producto demandado en un tiempo
relativamente breve. La tipología de mercancía que preferentemente utiliza el modo aéreo
para su transporte a cualquier parte del mundo son los productos altamente fragmentados y
con alto valor unitario, como material electrónico e informático, óptica, relojería, joyas,
armas, etc. cuyo comercio ha crecido en las últimas décadas. El transporte aéreo se suma así,
como el resto de procesos socio-económicos que hemos veremos a continuación en una escala
más local, a los procesos de fragmentación espacial.

Analizar la distribución geográfica de estos intercambios por vía aérea, la


especialización funcional de los espacios que suministran estas mercancías y las
características socioeconómicas de los que generan su demanda es sin duda un campo de
estudio que los geógrafos del transporte deberían abordar.

CONTINUIDAD Y RUPTURAS EN LA GEOGRAFÍA DEL TRANSPORTE URBANO

Pese a las renovaciones conceptuales y temáticas con que la Geografía del


transporte marítimo y aéreo, respectivamente, vienen afrontando los cambios principalmente
tecnológicos que han modificado su papel en el transporte internacional, es el transporte
urbano el ámbito que a nuestro juicio ofrecen más posibilidades de hibridación con otras
ciencias sociales. A ellos dedicamos este apartado.

Los intentos de ruptura con el núcleo central de la Geografía del Transporte se


produjeron con mucha mayor intensidad allí donde los geógrafos del transporte entraron
prontamente y de forma inevitable en contacto con otras subdisciplinas geográficas y otras
ciencias sociales. El primer y más fructífero escenario de rupturas fue el medio urbano,
suburbano e interurbano, es decir, la ciudad en toda su extensión e interrelación; el espacio en
el que con más facilidad era posible desplazar el objeto de estudio del espacio, en sentido
abstracto, hacia el estudio del comportamiento humano en él, tal y como venían haciendo
otras disciplinas como la Geografía social, la Geografía del comportamiento, la Psicología
social, la Antropología cultural o la Sociología. El primero de los síntomas de renovación se
produjo en la Geografía Urbana, una de las subdisciplinas donde existía más contacto con las
ciencias sociales que cuestionaban la teoría de la elección racional y los modelos óptimos de
localización y de toma de decisiones.

Hay que señalar aquí que, a diferencia del núcleo central de la Geografía del
Transporte y de la propia Economía del transporte, que se mantuvo intacto hasta finales de los
setenta, algunos autores como J. March y Herbert Simon (1958), D. W. Meinig (1962)71 o
Peter Haggett (1965) llamaron prontamente la atención sobre la importancia de la toma de
decisiones. En el seno de la Geografía Cuantitativa y desde el análisis locacional se advirtió
que éstas influían la definición espacial de las rutas de transporte y cuestionaron que la lógica
espacial que podía desprenderse de sus modelos explicativos respondiera en muchos casos a
una optimización racional. Dice Peter Haggett (1965) citando a David Meinig (1962),

71
David Meining (1962), en su estudio sobre la extensión de la red de ferrocarriles de la Northern Pacific
Railroad Company, en la zona Noreste de Estados Unidos, halló que la lógica espacial con la que ilusoriamente
se ubicaban las ciudades que servían de nodos y trazaban la actual geometría de la red no eran más que
consecuencia de la propia extensión de la red (no la preexistían) y que su trazado fue producto de una toma de
decisiones políticas entre alternativas igualmente óptimas proyectadas técnicamente por los ingenieros.
la mayor parte de aspectos del comportamiento humano de interés para la
geografía humana (por ejemplo las migraciones, la localización industrial,
la elección del suelo) tienden a ―…dejarnos encallados en medio de la
espesura del proceso de la toma de decisiones.

Sin embargo, la Geografía del Transporte tardaría más tiempo en introducir la


influencia del comportamiento humano y su importancia en la toma de decisiones
individuales y colectivas en el análisis del transporte urbano y cuando lo hizo, a finales de los
setenta y principios de los ochenta, fue para responder básicamente a la creciente
insatisfacción con que el sistema de modelización del transporte urbano resolvía sus
necesidades de planificación (SCOTT, 2006). Esta respuesta se materializó a través del
estudio de los patrones de actividades diarias de la población con la clara intención de
mejorar los modelos de demanda de transporte urbano, cuya segunda generación aspirará a
simular, de forma desagregada, el comportamiento diario de los residentes en un área urbana.
El análisis de las actividades de la población, claramente relacionado con la estructura
económica, daba así, dentro de la Geografía del transporte urbano, un nuevo enfoque a su
investigación, pero sin que éste supusiera, ni pretendiera suponer, una ruptura metodológica
con la geografía del transporte de corte neopositivista ni con su capacidad de precisión
teorética y predictiva. Se reconocía simplemente que los modelos de demanda, ahora
desagregada, debían ser capaces de desvelar los patrones que rigen la movilidad de las
personas en el medio urbano, una movilidad que está generada por sus actividades y
fuertemente condicionada por la toma de múltiples decisiones (individuales y colegiadas,
como en el caso de una familia) como son el tipo de actividad – productiva, de estudios o de
ócio –, la duración de sus viajes, la localización de sus residencias y sus lugares de trabajo o
el modo de transporte que se utiliza para satisfacerla.

Está claro que el concepto de movilidad había avanzado, desplazándose del


mero análisis de la estructura urbana de transporte mediante la cuantificación del número de
desplazamientos y el reparto modal de sus flujos entre áreas, para considerar ahora los
motivos de viaje, que eran entendidos como una consecuencia de la participación de la
población en las actividades propias de la ciudad. Eso permitía afinar los modelos de
predicción de demanda de transporte, que se consideraba una demanda claramente derivada
de la actividad económica, y ajustar los modelos de oferta, con el fin de mejorar la
planificación tanto del propio sistema urbano de transporte como de la localización de
actividades y servicios – públicos y privados – a los que el transporte satisfacía.
Este enfoque de la Geografía del transporte urbano relacionado con las
actividades no ha dejado de crecer y constituye tradicionalmente uno de los núcleos potentes
de la Geografía del Transporte de tipo neopositivista, en la que algunos autores de referencia
son Martin Wachs y T. Gordon Kumagai (1973), J. Koening (1980), Joachim Merz (1991),
Eric Miller (1997), Darren Scott (2002), Joe Weber (2003) o S. Wixey (2005). Por un lado, la
determinación de las áreas urbanas y de la demanda de transporte que estas generan (real o
potencial) sigue siendo un capítulo obligado de la planificación e incluso de la gestión de los
transportes urbanos e interurbanos. Los responsables de crear o mejorar la oferta (ya sea
pública o privada) y de financiarla necesitan disponer de diagnósticos más eficaces para tomar
decisiones y anticiparse a futuros problemas. Por otro, la mayor disponibilidad de datos
estadísticos, económicos y espaciales, muchos de ellos desagregados, y el desarrollo las
tecnologías de la información geográfica (Sistemas de Información Geográfico, sistemas de
georreferenciación y posicionamiento automáticos, procesos de microsimulación, etc.), hacen
pensar que es posible planificar de forma más eficiente el transporte urbano, sus redes y sus
áreas de servicio (MORENO; PRIETO, 2004).

Al decir de Darren Scott (2006), el análisis de las actividades es uno de los


campos al que la Geografía del Transporte podría contribuir significativamente y apunta tres
líneas específicas en las que podrían producirse sinergias importantes con otras disciplinas.
Scott menciona especialmente: el estudio de las interacciones que se producen en el seno de
las familias cuando toman decisiones sobre actividades que ocasionan desplazamientos
(KANAROGLOU; SCOTT, 2002); el estudio de la influencia que provoca el entorno social
(laboral, familiar, de amistad) sobre las decisiones individuales de movilidad en relación con
las nuevas tecnologías en el sentido de incrementarla o reducirla; y, finalmente, la
implementación en los sistemas de información geográfica de los algoritmos espacio-tiempo,
que permitirían averiguar qué restricciones influyen en las elecciones de un destino.

Otros enfoques que han permitido considerar también la generación de


modelos demanda desagregada de transporte, y por tanto de movilidad, desde un punto
esencialmente espacial han sido los que han considerado el comportamiento de los usuarios
en relación a la localización de su residencia y de los patrones de uso de suelo. Numerosos
estudios se han centrado en determinar cómo se modifica la elasticidad de la demanda de
transporte en función de la densidad de las áreas urbanas, de su diseño, de la accesibilidad
entre ellas y han permitido poner en evidencia que el entorno urbano construido es una pieza
clave a la hora de interpretar variables de transporte como frecuencia de viajes, distancia
recorrida, modo escogido, kilómetros (u horas) recorridos por vehículo y composición y
medida de la demanda de transporte (EWING et al, 2001). Así, observamos que del análisis
tradicional que consideraba los modelos de demanda de transporte como derivados de las
actividades y su localización se considera, a partir de los años ochenta, como señala Peter Hall
(1985), que las actividades y su localización también pueden ser consecuencia de los modelos
de transporte.

Pese a estos avances producidos en el propio núcleo de la Geografía del


transporte urbano, y a la mejora indudable con que se hoy se diseñan los modelos de demanda
de transporte, debe decirse que la Geografía del Transporte centrada en el medio urbano no ha
sido capaz de romper con el enfoque neopositivista ni al mismo tiempo ni con la misma
intensidad con que lo ha hecho la geografía urbana. Sólo muy recientemente, como veremos,
y de forma aún poco aceptada dentro de la Geografía del Transporte, puede advertirse un
intento de redefinición de la Geografía del transporte urbano que incorpore los avances
epistemológicos con que la Geografía Urbana, de la mano básicamente del estructuralismo,
del neomarximo y de la sociología, supo romper a su vez con la Geografía Urbana
neopositivista y ocuparse del espacio social en el que se producen los desplazamientos y de
definir una nueva movilidad que el transporte aspira a satisfacer (HANDY, 1996; ENAUX,
2007).

Desde la década de los sesenta, la mayor parte de las ciencias sociales habían
empezado a advertir sobre las limitaciones que los métodos neopositivistas suponían para
estas disciplinas, al no poder incluir variables no cuantificables o de difícil expresión
numérica. Por ello, en la mayor parte de las ciencias sociales, a excepción de la Geografía del
Transporte, se recuperaron los métodos cualitativos, históricos, holísticos y cuando menos no
causales. Uno de los motivos de la perdurabilidad de los métodos neopositivistas y de los
modelos predictivos en los estudios del transporte urbano, tanto de los realizados por la
Geografía del Transporte como por la Economía o la Ingeniería Civil, es sin duda su gran
utilidad para la toma de decisiones de los entes públicos, puesto que su aplicabilidad para la
planificación permite justificar muchas de las decisiones políticas revistiéndolas de
racionalidad científica. Como señala Offner (1992), los modelos predictivos con los que su
justifican decisiones muchas veces políticas permiten decir: ―se toma esta decisión porque se
conocen las consecuencias y éstas son positivas.‖

Pese a que, como señala Miralles-Guasch (2002), existen numerosos ejemplos


que demuestran que la construcción y puesta en funcionamiento de diversas infraestructuras
de transporte no han producido las transformaciones espaciales ni socioeconómicas
previstas72, algunos autores consideran que el error sigue sin estar en el planteamiento
conceptual de las relaciones entre infraestructuras de transporte y medio urbano, sino en el
método, que, como tal, puede y debe seguir perfeccionándose, incluyendo nuevas variables o
relaciones de variables y modificando si es preciso el período temporal utilizado para definir
la prognosis del modelo.

Son numerosos y continuos desde finales de los setenta los estudios que
reconocen la amplia variedad de formas analíticas que pueden usarse para cuantificar, por
ejemplo, una de las variables fundamentales de los estudios de transporte, a saber, la
accesibilidad, y por ello se suceden los trabajos que pretenden afinar, cada vez con más
precisión, su medida. Pese a ello, y aunque las medidas de accesibilidad puedan llegar a
incluir datos perceptuales a demás de los cuantificables, todas ellas se expresan en forma de
índices de accesibilidad que se siguen relacionando a su vez con las teorías que unen la
accesibilidad con la demanda de consumo, de manera que la cuestión sigue siendo calcular
cada vez con más precisión la distancia media entre un juego de localizaciones (DUMBLE;
MORRIS; WIGAN, 1979; ALLEN et al 1993; POOLER, 1995). Los estudios más recientes
sugieren incluso que la accesibilidad, cuando se mide con índices espacio-temporales, resultan
invariante en relación a la interacción de desplazamientos o el uso del suelo (KWAN;
WEBERM, 2008) o que es posible trabajar en el desarrollo de modelos de localización
eficiente que sean capaces de mejorar la accesibilidad residencial en relación a ciertas
actividades (SOHN; SONG, 2007).

Aunque los ejemplos podrían continuar, los expuestos parecen suficientes


como para inferir que no es por el momento en el núcleo central de la Geografía del transporte
urbano – que sigue mejorando los métodos, pero sin cuestionarse las cuestiones
epistemológicas –, donde podamos vislumbrar la aparición de una geografía del transporte
renovada. Deberemos volver la vista pues hacia los huecos que vienen dejando desde sus
orígenes el núcleo central de la Geografía del transporte urbano para ver qué ha sucedido en
ellos. Desde el punto de vista teórico, subdisciplinas como la Filosofía, la Sociología o la
Psicología que no se centraron únicamente en las estructuras sociales, sino que buscaron
introducir en ellas el espacio como entorno vivencial individual y colectivo, ayudaron a la
propia Geografía y a la Sociología urbanas a redefinir, inicialmente sin pretenderlo, algunas
de las variables clave de la Geografía del Transporte, como movilidad y accesibilidad.

72
Miralles-Guach (2002) pone como ejemplo el TGV francés o el BART en la ciudad de San Francisco.
REDEFINIENDO CONCEPTOS DESDE LA ESFERA SOCIAL

Las obras ya clásicas de Kevin Lynch (1960), Jane Jacobs (1961) o Roger
Ledrut (1973), entre otros, ayudaron modificar la percepción de la ciudad y las pautas de
comportamiento social urbano, entre ellas, los desplazamientos. El concepto tradicional define
la movilidad como ―suma de los desplazamientos que hacen los ciudadanos‖ (CIUFFINI,
1993), unos desplazamientos que se entendían condicionados, como hemos visto, por la
disposición de las funciones y actividades sobre el espacio urbano, o dicho de otra forma, por
la distancia o accesibilidad (en kilómetros o tiempo) a los mismos. Sin embargo, como ha
señalado Miralles-Guasch (1997, 2001) esa concepción es válida para una época, que algunos
autores denomina fordista, en la que los

desplazamientos muy pautados, tanto en el espacio como en el tiempo, con


franjas horarias y recorridos fijos. Un tipo de movilidad que se conoce
como pendular o de conmutación, debido a la integración productiva
vertical en grandes fábricas, donde se concentraban un volumen de
trabajadores ingente.

Pero desde la década de los ochenta el proceso de globalización post-industrial


flexibiliza y fragmenta todos los procesos. La esfera productiva también se ha fragmentado y
ya no diseña de forma fundamental, a través de la localización de sus actividades, los patrones
de movilidad, puesto que a diario existen actividades no productivas que generan
desplazamientos que resultan cada vez más importantes para explicar la movilidad cotidiana,
como son las actividades domésticas o las actividades de ocio (sociales, culturales y
deportivas)73. Muchas de estas actividades no productivas comportan desplazamientos que
escapan a una lógica económica u óptima, puesto que los individuos que se desplazan no
siempre pretenden maximizar beneficios o ahorrar costes (ya sean monetarios o de tiempo) o
seguir el camino más corto, con lo que difícilmente pueden predecirse las demandas futuras
de transporte u optimizar la oferta, al menos con los modelos actuales. Tampoco es esperable
que los modelos futuros lo consigan.

Ningún modelo puede predecir qué diseño de red de transporte será óptimo si
previamente no define qué optimización pretende; así, una red optimiza o favorece un tipo de
desplazamientos pero a la vez empeora o dificulta otros y eso no sólo ocurre dentro del medio
urbano en el diseño de la red de autobuses, metro o autopistas, sino también en el interurbano
73
Un estudio realizado en la ciudad de Barcelona en 1996 reveló que los desplazamientos semanales en la
ciudad por motivos no laborales representaban el 45% del total de desplazamientos (ATM, 1997).
o incluso en el larga distancia como es el caso de la red ferroviaria de cercanías o de alta
velocidad. Siempre es posible pensar que el diseño de la red de transportes terrestres o las
mejoras introducidas en ellas (con independencia de los medios – autobús, metro, carretera,
tren y otros) tienen la finalidad de mejorar la accesibilidad, pero eso nos lleva a repensar ese
mismo concepto.

LA ACCESIBILIDAD COMO ATRIBUTO DE LOS INDIVIDUOS

Habitualmente se ha entendido la accesibilidad como una propiedad del


espacio. Un lugar resulta más o menos accesible desde otro lugar, dependiendo de la distancia
(física o temporal que los separa), del medio de transporte utilizado, de lo que cueste ese
desplazamiento, etc. Por ello, la accesibilidad se ha cuantificado y medido en términos de
kilómetros, tiempo o coste de desplazamiento entre un área y otra, lo que ha permitido a su
vez calcular costes y oportunidades de localización de ciertas actividades (productivas o no).
Pero la accesibilidad también puede considerarse un atributo de los individuos, que puede y
debe medirse en términos de opciones que las personas tienen de desplazarse y no sólo en
función de su lugar de residencia, algo sobre lo que ya Burns, en 1979, llamó la atención y a
lo que posteriormente Philips y Williams (1984) llamaron ―accesibilidad, física, social y
económica‖. Preston y Rajé (2006), en una de las líneas verdaderamente innovadoras dentro
de la Geografía del Transporte, argumentan que la existencia entre la relación entre exclusión
social y movilidad no se establece debido a la falta de oportunidades sociales, sino a la falta
de accesibilidad a dichas oportunidades. Se trata, como señalan Àngel Cebollada y Pau
Avellaneda (2008) de que ―el transporte posibilite el acceso a bienes y servicios en términos
de equidad social‖, es decir, de reformular el concepto de accesibilidad.

En este marco la accesibilidad es un concepto que se reformula, se


revaloriza y deja de tener un carácter unívoco puesto que ―a place is not
‗more‘ or ‗less‘ accessible, but accessible relative to people in all their
different circumstances: people experience more, or less, access to places
(FARRINGTON, 2007, p. 320). Esto da a la accesibilidad un carácter
individual en relación con el grado de opcionalidad que tienen los diferentes
ciudadanos para acceder a los lugares y a las actividades. En un mismo
espacio la accesibilidad no está uniformemente distribuida hacia todos los
individuos que habitan esta área por lo que no existe una accesibilidad
general para todos los ciudadanos de un determinado lugar (MIRALLES-
GUASCH, 2002), (AVELLANEDA; CEBOLLADA, 2008)

Si consideramos una estructura territorial dada, servida, a su vez, por una red
de transportes dada, cada área habitada y cada punto nodal de la red ocupa una posición
geométrica en el espacio y es posible medir la accesibilidad espacial que existe entre ellos.
Ahora bien, si consideramos la accesibilidad un atributo de los individuos y no del espacio
podemos fácilmente cuestionarnos que la accesibilidad pueda llegar a estar uniformemente
distribuida dentro de un área habitada, de manera que todos los individuos de un área tengan
las mismas oportunidades de movilidad. No hay duda que existe una accesibilidad definida
por la posición de los individuos en el espacio en relación a la estructura territorial en la que
habita y la red de transportes que la sirve, pero cada individuo tiene también una accesibilidad
que se ve condicionada por otras variables, como el género, edad, renta o incluso cultura o
etnia o grado de exclusión social que en muchos casos explican con mayor precisión su
accesibilidad que la simple posición o localización que ocupan en el espacio. Basta
preguntarse como hace Miralles-Guasch (2001) ―cuál será la accesibilidad de una persona que
no pueda conducir o que no posea coche en un lugar donde sólo se pueda llegar con transporte
privado‖.

Esa cuestión ha sido recientemente planteada, en Estados Unidos, un país mal


preparado para dar alternativas de transporte público a la población con restricciones de
movilidad en transporte privado. En un estudio coordinado por Linda Bayley y publicado en
2004 por la American Public Transport Association (APTA)74 (Aging Americans: Stranded
Without Options, Bayley, 2004), APTA prevé que el perfil de población estadounidense
cambiará en los próximos veinticinco años a medida que las personas nacidas a mediados del
siglo XX vayan convirtiéndose en septuagenarios o más75. A partir de ese dato, y del hecho
constatado de que la población es cada vez menos capaz de satisfacer su movilidad de forma
autónoma mediante el uso del transporte privado a medida que envejece, se infiere que se
producirá en las próximas décadas un fuerte aumento de la demanda de transporte público.
Las principales conclusiones del estudio revelan que el 21% de los norteamericanos que tiene
65 años o más no conduce (por motivos de salud, seguridad o por no tener acceso a un
vehículo). También que más del 50% de los no conductores de 65 años o más (3,6 millones de
personas) se queda habitualmente en casa por no tener opciones de transporte y ello afecta
principalmente a los hogares que no disponen de vehículo, a las comunidades que viven en
zonas rurales o en suburbios y a los afroamericanos, latinoamericanos y asiático-americanos
más ancianos.

74
APTA cuenta entre sus miembros con más de 20 universidades, 400 entidades de transportes regular en
Estados Unidos y Canadá y una larga serie de otros organismos públicos y privados.
75
La proyección que establece el U.S. Census Bureau permite afirmar que el número de norteamericanos con 65
años o más pasará de los 38 millones que hoy representa esa franja de edad a más de 62 millones en 2025, un
aumento cercano al 70%.
De hecho, las personas de estas minorías étnicas son una parte significativa de
los usuarios del transporte público y para desplazamientos fuera de su vecindario inmediato el
transporte público es su única alternativa76, hasta el punto que, comparadas con las personas
de su misma edad que no tiene restricciones, este conjunto de población realiza un 15%
menos de desplazamientos al médico, un 59% menos de desplazamientos por motivos de
compra y un 65% menos por actividades sociales, familiares y religiosas. Sin embargo, el
envejecimiento también alcanzará a los jóvenes y adultos que ahora viven en urbanizaciones
dispersas y excelentemente comunicadas siempre que se disponga de vehículo privado y se
esté en condiciones de utilizarlo. La posibilidad de acceder a un medio público de transporte
es, pues, indudablemente, uno de los factores claves de la inclusión social para todos los
grupos sociales, y la Geografía del transporte urbano debería considerar éste uno de sus
objetivos.

LA ACCESIBILIDAD COMO ATRIBUTO SOCIO-ESPACIAL DE N-DIMENSIONES

Sociólogos y geógrafos urbanos han estudiado los fenómenos socio-espaciales


que caracterizan la nueva etapa surgida de la transformación de la economía industrial en una
economía de servicios77. Desde los años ochenta asistimos a una nueva etapa, que muchos
autores denominan posfordista, caracterizada por la flexibilización del proceso productivo y
por una dispersión territorial de los centros de decisiones que alcanza dimensiones
internacionales. Las grandes ciudades, tanto aquéllas que históricamente formaban ya parte de
la jerarquía urbana mundial como aquellas que – mediante este proceso – se han incorporado
a la misma, conforman los nodos de múltiples redes por las que circulan flujos de muy
distinta naturaleza: de información, financieros y de capital, de personas, de mercancías, de
energía, de decisiones, etc.

David Harvey (1990) calificó esta etapa como de ―acumulación flexible‖, una
etapa que ha creado un paisaje urbano post-industrial orientado a las actividades de servicios,
donde lo verdaderamente importante para las ciudades tradicionales y las nuevas es su
capacidad de adaptación e innovación a los múltiples cambios de la demanda.

76
La probabilidad de uso del transporte público de estos colectivos, que no su posibilidad real, es dos veces
superior al mismo grupo etario de población entre la población blanca.
77
Una buena síntesis de las más recientes teorías con que los geógrafos urbanos y sociólogos explican el nuevo
espacio urbano en las ciudades globalizadas puede verse en Heineberg (2005). Para una aproximación a los
procesos de fragmentación y privatización de las ciudades latinoamericanas y a los autores que trabajan esta
temática, ver Janoschka (2002).
Independientemente de la escala territorial a la que se observen, una característica común
define los fenómenos socio-espaciales de las dos últimas décadas: la movilidad y circulación
de todo tipo de flujos, una movilidad que Oriol Nello (1995) ha calificado de movilidad
absoluta o movilidad en nube.

Frente a esa movilidad en nube, los espacios, y por consiguiente los individuos
con respecto a ellos, pueden ganar o perder la batalla de la centralidad a todas las escalas
territoriales y en cada una de las múltiples redes en que cada uno de esos flujos se estructura.
Hemos pasado así de una centralidad medible en términos de ―accesibilidad a los centros
urbanos mejor posicionados en la jerarquía de ciudades‖, o en términos de ―óptima
localización espacial de actividades/residencias en relación a los nodos de la red de
transportes‖, a una centralidad dispersa, definida por múltiples redes en la que la de
transportes es sólo una más, aunque no la menor, y en la que la accesibilidad debe de poder
medirse en un espacio de varias dimensiones.

Uno de los factores que más ha influido en la aparición de nuevas centralidades


que han redefinido la accesibilidad ha sido la progresiva pérdida de capacidad de los
gobiernos para tomar decisiones con independencia de los procesos políticos, financieros y
económicos cada vez más globales, lo que en numerosas ocasiones se ha traducido en una
manifiesta incapacidad de gestionar los servicios y prestaciones que debían dar a sus
ciudadanos. Así, los procesos de privatización de servicios como la sanidad, la educación y
los transportes, precedidos de una desregulación amparada jurídicamente, han reestructurado
el espacio productivo, el espacio de servicios y el espacio social, generando distintas
accesibilidades a cada uno de ellos, que podemos medir en función de parámetros que son
tomados como simples variables en los estudios empíricos, pero de imposible elección o
variabilidad para los individuos concretos, como la edad, el género, el lugar de nacimiento, la
estructura familiar, la etnia o la cultura a que cada uno pertenece. Hemos visto ya en el
apartado anterior cómo la accesibilidad a los medios de transporte públicos es sensible a
algunas de estas variables y cómo constituyen un medio de inserción social para colectivos
que no tienen alternativas de transporte privado, de manera que la accesibilidad puede
convertirse en un indicador del riesgo de exclusión social (HINE, 2003; LEVY, 2003).

Sin embargo, el estudio de ese tipo de accesibilidad a los transportes públicos


es sólo una de las muchas dimensiones en que puede estudiarse la actualmente accesibilidad.
La privatización de los servicios públicos y del suelo urbano ha permitido la aparición de
agentes privados que han hecho surgir nueva formas urbanas donde, los que Janoschka (2002)
llama ―ganadores de las transformaciones económicas‖, pueden consumir el tiempo, agotar
sus relaciones laborales y sociales y proveerse de los servicios que con anterioridad eran
públicos, quedando excluidos de ellas, lógicamente, quienes carecen de los medios para que
les resulten accesibles, produciéndose así una división social en multitud de fragmentos, algo
característico de la ciudad postindustrial. (DEAR, 1981, 1988). Estas nuevas formas urbanas,
no ubicadas indudablemente para satisfacer ningún tipo de interés general, pueblan ahora la
ciudad y establecen en ella nuevas centralidades (Malls, centros multiocio, parques temáticos,
grandes superficies, complejos residenciales, centros educativos y sanitarios privados, etc.) y
modifican la anterior. Las mejoras en la red de transporte existente y sus nuevos desarrollos,
sufragados en muchos casos con dinero público, coadyuvan a la consolidación de estas nuevas
centralidades aumentando su accesibilidad y conectividad espacial, por más que, a su vez,
sólo contribuyan a tornar más compleja la segregación funcional y social del espacio, aunque
como dice Heineberg (2005) ―los fragmentos urbanos distribuidos como mosaicos son más
vistosos en la estructura de la mega-ciudad que la segregación anterior entre los pobres y los
ricos‖.

Edward Soja (2000) ha distinguido hasta seis planos de reestructuración como


dimensiones de lo que él denomina el espacio de la postmetrópolis. Uno de los planos de
reestructuración más interesantes desde el punto de vista de la accesibilidad es el de la
reestructuración urbana y social ocasionada por los nuevos patrones de fragmentación,
segregación y polarización espacial. Estos nuevos patrones de fragmentación están
provocados por las crecientes desigualdades de renta, de estilos de vida y de formas de
inserción-exclusión social y se traducen en cambios de centralidad dependiendo del grado de
inserción de cada uno de estos fragmentos urbanos en las distintas redes creadas por los
procesos de globalización. Algunos de estos patrones de fragmentación son las out cities, las
edge cities, las gated communities, las no-go-area y los nuevos espacios periféricos que se
hallan distribuidos ahora sin ninguna regularidad aparente sobre el espacio.

La privatización del suelo urbano, por ejemplo, resultado de su liberalización,


ha generado en el sector de la vivienda un mercado inmobiliario del que han quedado
excluidos los grupos sociales con menores ingresos, lo que ha contribuido a la segregación
espacial de estos colectivos (KEMPEN; MARCUSE, 2000). John Mollenkopf y Manuel
Castells (1991), Janoschka (2002), entre otros, han verificado que una de las consecuencias
directas de esta exclusión ha sido la creación de una ―clase baja‖ urbana y Mike Davis (1990),
Stephane Degoutin (2002) y Edward Soja (1989, 2000), han demostrado cómo esa división
espacial producto de la desintegración social se expresa espacialmente desde los años ochenta
en muchas ciudades mediante la creación de barrios urbanos cerrados y privados,
microorganismos sociales que, como dice Stephane Degoutin, son ―islas funcionales de
bienestar con lugares de alto nivel de servicios, consumo y vida nocturna.‖ (DEGOUTIN,
2002). En el interior de las gated communities (urbanizaciones cerradas y privadas), vuelven a
recrearse espacios aparentemente públicos y de relación social (zonas verdes y de paseo,
zonas deportivas, zonas comerciales, clubes sociales), de los que han sido excluidos quienes
no tienen poder adquisitivo para consumirlo ni status para disfrutarlo o podrían amenazarlo.

El fenómeno de organización espacial en comunidades para defenderse de


aquello que podría ponerlo en riesgo constituye un proceso social muy antiguo, a ello obedece
la fortificación de ciudades o la creación de barrios de clase alta dentro del espacio urbano
industrial (JUDD, 1995); sin embargo, lo nuevo ahora es el papel de los poderes públicos en
su desarrollo. La renuncia del estado a planificar el desarrollo urbano, la privatización del
suelo e incluso el amparo legal concedido a las regulaciones establecidas por las llamadas
gated communities, han originado en las ciudades capitalistas avanzadas una fuerte división
del espacio urbano en múltiples áreas privadas independientes, de manera que los mismos
procesos de privatización, desregulación y fragmentación que hoy caracterizan la esfera de la
producción de bienes y servicios y la esfera del consumo a nivel internacional, alcanzan
también a manifestarse en la escala urbana o local.

La socióloga Saskia Sassen (1991, 1994) y el geógrafo Fred Scholz (2000) han
hecho aportaciones relevantes sobre este fenómeno. En su obra The Global City (1991) y en
Cities in a World Economy (1994), Sassen acuñó el término ―ciudad global‖ para, en
oposición a la ciudad clásica, designar las ciudades que están desempeñando un papel
estratégico en esta nueva etapa del capitalismo. Los estudios de Sassen aportan evidencias
empíricas a cerca de cómo/cuando menos en las ciudades por ella estudiadas78 – el aumento
de personas empleadas en sectores de actividad muy altamente remunerados (servicios
financieros, empresas multinacionales y en general todos los empleos globalizados) tienen
como efecto unos pobres salarios en el resto del sector servicios y un aumento de las
desigualdades espaciales y económicas. Por su parte, como señala Heineberg (2005), Scholz
ha diseñado una teoría sobre el desarrollo fragmentado según la cual sólo algunos de los
espacios de las ciudades globales se integran en los procesos mundializados, mientras el resto
de fragmentos se convierten en nuevas periferias excluidas y fragmentadas a su vez en una

78
Nueva York, Tokio, Londres, Sydney, Toronto, entre otras.
gran variedad de formas en las que surgen ―criptonacionalismos‖, ―etno-regionalismos‖,
―fundamentalismos‖, ―tribus urbanas‖, etc. (RODRIGUES, 2002). De esta forma podríamos
decir que, en cada ciudad, cada fragmento globalizado y localizado en una de esas nuevas
formas espaciales adquiere una centralidad distinta, dependiendo del lugar que ocupe ese
fragmento en cada una de las redes mundializadas. La accesibilidad de esos fragmentos no se
mide en términos de distancia física, temporal o económica al resto de fragmentos de su
misma ciudad, sino en términos de distancia al resto de fragmentos urbanos de otras ciudades
que conforman la red global por la que se transmiten un tipo específico de flujos. Incluso
espacios aparentemente periféricos por sus características espaciales, pueden en realidad ser
―fragmento urbanos globalmente integrados‖ y formar parte de procesos globales informales,
como la delincuencia internacional, el blanqueo de dinero o el tráfico de drogas, etc. Los
fragmentos urbanos no globalizados conforman, en cambio, la nueva periferia mundial, no
interconectada entre sí pero en las que sus habitantes padecen los mismos problemas:
exclusión, pobreza, desempleo, etc.

La Geografía del transporte urbano debería analizar sin duda esas nuevas
dimensiones que la accesibilidad tiene ahora en el mosaico en el que se ha convertido el
espacio urbano. El análisis de la creación de multicentralidades y el papel que la red de
transporte juega en ella contribuyendo a aumentar la cohesión o la exclusión social debería ser
una preocupación actual. De igual forma que la planificación urbana es un instrumento clave
para la asignación de usos del suelo y no puede ignorar los procesos de liberalización y
privatización que se han producido, la planificación del transporte debe reconocerse como un
instrumento capaz de corregir las inequidades sociales contribuyendo a recomponer los
fragmentos del nuevo mosaico urbano y a corregir la pérdida de accesibilidad de las nuevas
periferias.

LA ACCESIBILIDAD COMO UNA CUESTIÓN DE GÉNERO Y DE POBREZA

Uno de los objetivos claros tanto de la planificación urbana como de la


planificación del transporte en aras a mejorar la calidad de vida de las personas debería
considerar tanto su situación de pobreza como su condición de género. La movilidad humana
sobre el espacio varía dependiendo del género y dicha variación puede considerarse más
significativa cuanto menos urbanizada está la zona en el que la movilidad se genera, y mayor
es el grado de pobreza, o menor el nivel de desarrollo, del país o región en que se analiza. Así,
mientras en las áreas más empobrecidas de las ciudades de países desarrollados la movilidad
entre hombres y mujeres tiende a ser menos sensible a la localización y más significativa
conforme varían las pautas culturales, en los países menos desarrollados la localización de la
residencia sigue siendo un factor determinante.

En efecto, el lugar de residencia continúa siendo una variable de influencia


muy significativa en las ciudades y áreas metropolitanas de los países menos desarrollados
donde el transporte público no llega o llega con dificultad a las zonas periféricas o rurales y
donde la población no dispone de medios propios para desplazarse, de manera que el
desplazamiento a pie sigue siendo en muchos casos la única forma posible para muchos
individuos, especialmente las mujeres, de acceder a los servicios públicos, a un lugar de
trabajo habitualmente informal (VENTER, 2007), o incluso de tener un acceso al mismo, lo
que incrementa las posibilidades de pobreza. No obstante, los estudios sobre movilidad
cotidiana, entendida como necesidad de desplazamiento generada por las actividades
económicas y sociales, realizados en una zona empobrecida como el África subsahariana,
demuestran que la movilidad raramente ocupa un lugar destacado entre las demandas que
realiza la población, que antepone cuestiones como el acceso a la alimentación o a la sanidad
e incluso manifiesta un comportamiento tendente a incrementar los desplazamientos a pie del
que resulta una reducción de los índices de motorización de la población (DIAZ OLVERA;
PLAT; POCHET, 2001). Por su parte, los transportes públicos colectivos siguen viéndose
como un medio excesivamente caro para una gran parte de la población sumida en la pobreza.

En los países desarrollados muchas de las investigaciones que han analizado la


relación entre el género y el sector del transporte se han centrado en los hábitos de viaje y han
permitido poner de relieve que las redes de transporte tradicionales están diseñadas para
atender las necesidades de un patrón masculino de movilidad (ROSENBLOOM, 1996;
HAMILTON, 2001; ROOT; SCHINTLER, 2003), pero poco han podido decir acerca de otras
dimensiones en que el género afecta la movilidad. Sin embargo, como señalan Fernando y
Porter (2002), los estudios desarrollados por el Forum for Rural Transport and Development
(IFRTD) podían abrir nuevas vías de investigación, pues sus resultados han permitido poner
de relieve no sólo los problemas específicos a que se enfrenta el género femenino en los
contextos no urbanos sino, y especialmente importante, en qué medida los patrones culturales
imponen pautas de comportamiento respecto a la movilidad. Así, la práctica de reclusión de
las mujeres o su asignación en el seno de la familia a tareas reproductivas son cuestiones que
afectan directamente la movilidad y que no dependen del lugar de residencia o incluso del
nivel de ingresos, aunque se agravan lógicamente en situaciones de pobreza.
Jeff Turner y Fouracre (1995), Anvita Anand, 2002 y Chritoffel Venter et al
(2007), han demostrado que los patrones de actividad de las mujeres están más estrechamente
relacionados con la familia, lo que disminuye – en comparación con los hombres – su tiempo
disponible, y por tanto reduce habitualmente el tiempo que destinan a realizar
desplazamientos, cuando menos en modos motorizados, mientras que hace aumentar el
número de desplazamientos a pie y el número de actividades realizadas. Como ya demostró
Caroline Moser (1993), en los países en desarrollo, el género femenino encuentra mayores
restricciones a la movilidad, con independencia del medio rural o urbano en que vivan, debido
a que existen estructuras familiares y culturales que imponen mayores demandas sobre su
tiempo, un tiempo que es a la vez de producción (en empleos muchas veces informales), de
reproducción (cuidado de niños y mayores) y de gestión de la comunidad (redes sociales).

Ello lleva a replantearse también otro de los indicadores habituales utilizados


en los estudios de transporte para calcular la movilidad, a saber, el número de kilómetros
recorridos en vehículos o el tiempo que la población dedica a desplazamientos. Del valor que
se desprenda de estos indicadores se concluye – imprecisamente como puede verse – la
movilidad de hombres y mujeres, dando como resultado que los kilómetros anuales recorridos
y el tiempo empleado en los desplazamientos es mayor en los primeros, aunque el tipo de
actividad que los genera sea, por lo general en el caso de los hombres, exclusivamente la ida y
vuelta del trabajo. Esos indicadores arrojan cuando se aplican a las mujeres valores
sensiblemente inferiores, pero, como acabamos de ver, no porque lo sean numéricamente sino
porque se ignoran el alto número de desplazamientos realizados de forma no motorizada. En
los países desarrollados, especialmente en las áreas urbanas, los desplazamientos de las
mujeres son en buena parte peatonales y a corta distancia, con mayor frecuencia fuera de las
horas punta y con un alto número de actividades atendidas en estos desplazamientos
(VASCONCELLOS, 1998; MIRALLES-GUASCH, 2001; ABIDEMI, 2002; ANAND, 2002).

En cambio, en los países menos desarrollados, donde la pobreza es un factor


que afecta diferencialmente la movilidad, se observa que las mujeres pobres cargan con una
mayor carga de transporte que los hombres (VENTER, 2007), pues cubren mayores
distancias, utilizan modos más incómodos, con frecuencia también a pie, y tardan mucho más
tiempo en realizarlos (KUSAKABE, 2009). Así, autores como Ian Barwell (1996) o Roger
Behrens (2004) que ha estudiado algunas de las zonas rurales africanas han comprobado que
las mujeres transportan una carga tres veces superior (medida en t/km) que los hombres y
otros, como Mukul Mukherjee (2002), que ha estudiado la situación de la mujeres pobres en
la periferia de la Ciudad de Calculta, afirman que las mujeres pobres que trabajan pasan al
menos 12 horas al día fuera de sus hogares, de los cuáles una buena parte son simples esperas
en los servicios de tren o autobús.

Ello hace necesario también, como señala Miralles-Guasch (1998), superar


conceptualmente la diferenciación entre movilidad obligada y no obligada, no sólo porque el
transporte urbano debe dar respuesta de forma cada vez más acuciante a la movilidad no
obligada sino porque, como señala dicha autora esa distinción introduce un sesgo de
desigualdad entre los individuos y colectivos que se desplazan para realizar actividades
productivas y los que lo hacen para realizar actividades reproductivas, generalmente mujeres
o personas económicamente no activas.

AVANZANDO HACIA UNA GEOGRAFÍA DE LA MOVILIDAD

Este repaso no exhaustivo al nuevo contexto en que la Geografía del


Transporte tiene oportunidades de crecer permite ver que existe una opción real de
desarrollar, junto con otras ciencias sociales, fórmulas hibridadas que permitan avanzar en la
investigación científica. Las evidencias empíricas son cada vez más numerosas. Existen
muchos fenómenos de tipo espacial, social y econômicos – en los que de una u otra forma
están directamente implicados los distintos modos de transporte – que no pueden ser
explicados mediante los presupuestos axiomáticos bajo los que operan los métodos analíticos,
por más que se perfeccionen técnicamente, y esos fenómenos ofrecen nuevos campos de
investigación que la Geografía del Transporte no puede ni debe obviar.

En el campo del transporte aéreo pero sobre todo marítimo es imprescindible


renovar los estudios sobre la movilidad de las mercancías, como dice Jean Paul Rodigue
(2006), ―la globalización ha cogido algo desprevenidos a los geógrafos del transporte‖ que se
enfrentan ahora a un tipo de problemas totalmente nuevos que no están preparados para
abordar, al menos con el enfoque tradicional. En el campo de la Geografía del transporte
urbano, cabe estudiar, por ejemplo, en qué medida la existencia de fragmentos urbanos
globalizados y su movilidad residencial asociada ha contribuido a aumentar la movilidad de
transporte en la ciudad; cabe averiguar si en los espacios urbanos periféricos, fragmentados y
no globalizados de las ciudades, el lugar de residencia sigue siendo un factor determinante en
la movilidad o si ésta se ha visto modificada con la aparición de multicentralidades; también
si los procesos de globalización que han dado una dimensión fractal al espacio urbano han
agudizado las diferencias de movilidad y de otro tipo entre hombres y mujeres en sus distintos
fragmentos (tanto los integrados en la red global como los periféricos no integrados) y si han
modificado sus estilos y calidad de vida; o cabe, averiguar si es la planificación – y de qué
tipo – el instrumento que debe permitir reestructurar la movilidad urbana de manera que
contribuya a mejorar la comunicación y la cohesión social, ambas imprescindibles para
garantizar la gobernabilidad de las ciudades del capitalismo avanzado; finalmente, convendría
cuestionarse si tiene sentido planificar los transportes públicos con independencia de las
infraestructuras que permiten la movilidad privada y si ambas deben realizarse de forma
conjunta con la planificación urbana.

Quizá haya que proponer, como hace Genrre-Grandpierre (2007) para los
ferrocarriles, un cambio de métrica para las redes de transporte e ir pensando en ―redes lentas‖
que sean una verdadera alternativa a la movilidad privada o pensar en el transporte como
instrumento capaz de hilvanar los fragmentos dispersos del mosaico urbano. Quizá haya que
atender a John Preston (2001) y seguir alguna de sus hasta veinte recomendaciones con las
que volver a analizar el impacto social y económico de los transporte y no temer el uso de los
métodos cualitativos, como proponen y demuestran posible Jo Guiver (2004), Gunnar Roe
(2000), Susan Handy (1996, 2001, 2005), entre otros.

En cualquier caso, el debate sigue abierto, pero los síntomas de renovación


también van cobrando forma. La Geografía Económica, la Geografía y la Sociología urbanas,
la Economía ambiental, social y de la empresa, la Psicología social, el urbanismo, etc. son
algunas de las subdisciplinas con las que los geógrafos del transporte podrían converger para
abordar directamente estos y otros interrogantes. De su colaboración podría surgir una de las
formas renovadas de la Geografía del Transporte. Dicha disciplina podría ser denominada
―Geografía de la movilidad‖.

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NUEVAS PERSPECTIVAS PARA LA GEOGRAFIA DE LOS TRANSPORTES.
ALGUNAS APORTACIONES TEMÁTICAS Y CONCEPTUALES DEL NUEVO
MILENIO

Joana Maria SEGUÍ PONS


Universidad de las Islas Baleares, España
joana.segui-pons@uib.es

Joana Maria PETRUS BEY


Universidad de las Islas Baleares, España
joana.petrus@uib.es

Maria Rosa MARTÍNEZ REYNÉS


Universidad de las Islas Baleares, España
mrmartinez@syacsl.com

INTRODUCCIÓN

Si definimos la Geografía como el estudio de las interrelaciones entre las


actividades humanas y el medio en el contexto espacial, la geografía de los transportes podría
definirse como el estudio de los sistemas de transporte y sus impactos espaciales (HOYLE;
KNOWLES, 2000, p. 10) o dicho de otro modo, el estudio de los movimientos y sus modelos
en el territorio, de la estructura de las redes y de las dinámicas espaciales. Incluye el estudio
de los impactos que generas dichas interacciones generan tales como los derivados de la
congestión o la emisión por parte de los transportes de gases efecto invernadero y su
contribución al cambio climático. Y es que, bajo la perspectiva geográfica, el transporte juega
un papel capital en la interpretación de las interrelaciones físicas y socioeconómicas entre
individuos y grupos en la sociedad.

El papel de la Geografía de los Transportes no es pues liviano. Los análisis de


los movimientos de mercancías, personas e información; la exploración morfométrica y
funcional de las infraestructuras con el objetivo último de relacionar las restricciones
espaciales y los atributos con el origen, extensión, naturaleza y propósito del movimiento,
reflejan, por más que sintéticamente, las tareas más nobles de esta subdisciplina.
Espacio (geográfico) y movimiento79 los dos conceptos básicos que definen el
transporte, vertebran, asimismo, la subdisciplina. A ellos añadiríamos la variable temporal.
De su conjunción se desprenden tres expresiones espaciales que debemos examinar
detenidamente. En primer lugar, las redes de transporte, su estructura y organización. En
segundo lugar, la demanda espacial de los servicios de transporte. Por último, los sistemas
surgidos de la compleja dialéctica redes-demanda-espacio, así como sus implicaciones
económicas, sociales y ambientales.

Desde un punto de vista funcional, puede afirmarse que las redes de transporte
constituyen el sistema arterial de la organización regional. Vienen definidas por la estructura
de las rutas de carreteras, de ferrocarril o de los corredores marítimos y aéreos, entendiéndose
como ruta la relación entre dos nodos, parte de la red, siendo los nodos los focos de
generación y atracción de flujos y, éstos últimos, los elementos transportados a través de las
redes (personas, mercancías, información). La heterogénea distribución de los focos de
emisión y de recepción de flujos las marca profundamente (BEY; PONS, 1991 apud DUPUY,
1987). Serán estas diversidades locacionales, junto con la variedad cualitativa de las rutas por
las que se desplazan los flujos y la desigualdad de los mismos, los factores que jerarquizarán
los territorios desarrollando, de un lado, centros de poder y decisión a escala global y
periferias desconectadas, del otro.

Las redes conforman, junto con los aspectos económicos de su gestión y su


relación funcional recíproca, lo que se denominan sistemas de transporte (POTRYKOWSKI;
TAYLOR, 1984). Dada la multiplicidad de sus elementos definidores su análisis se aborda
desde una complejidad de temas y aspectos, tales como: la localización de los recursos como
factor generador de movimientos; la escala en la que se producen los movimientos generados
por la actividad humana; la estructura espacial de las interacciones entre localizaciones; la
distancia, esto es, la medida de fricción del espacio cuando se producen los movimientos; los
atributos geográficos, es decir, el conjunto de características que se encuentran cercanas al
lugar y que lo definen; y finalmente, las dinámicas evolutivas que explican los cambios
producidos en los lugares y que pueden afectar positiva o negativamente su sistema de
relaciones. Los sistemas de transporte son, además, resultado de las estructuras sociales y
económicas heredadas y también de las conformadas en el presente, así como de las
innovaciones y avances tecnológicos. Con todas estas premisas, la diversidad y

79
Desplazamiento, intercambio, relación o movilidad – o su plural movilidade –, para enfatizar en las
diferencias sociales.
heterogeneidad de los mismos no es casual. Aún así, se producen unas pautas y modelos de
comportamiento generalizados en los países denominados del primer mundo, siendo más
difíciles de caracterizar las producidas en los países emergentes y en los países en vías de
desarrollo.

La multiplicidad de aproximaciones, enfoques y metodologías que


caracterizan en la actualidad el estudio de los transportes y el de nuestra subdisciplina,
concuerda con las tendencias postmodernas que impregnan el desarrollo de la Geografía, así
como el de otras ciencias sociales, con la introducción de conceptos como la relativización y
el eclecticismo. En este contexto se enmarca, sobre todo entre los sociólogos, el término de
―liquidez‖ o de ―tiempo líquido‖ (BAUMAN, 2007) para expresar esta relativización y la
caída de referentes en el mundo contemporáneo. Debemos señalar, además, que el análisis y
la planificación de los transportes son interdisciplinarios (o híbridos)80 por naturaleza pues sus
aportaciones proceden de disciplinas muy diversas. Dos son las características que
singularizan específicamente los estudios de transporte respecto de otras temáticas de la
geografía humana. De un lado, la relación muy estrecha con los datos empíricos y con el uso
intensivo de técnicas analíticas consecuencia de planteamientos metodológicos
neopositivistas. Del otro, muestran una tendencia aplicada que busca y analiza la eficiencia de
los movimientos y, por tanto, proporciona un conjunto de conceptos para el análisis de
mercancías, personas e información, y genera estrategias y políticas de transporte. Si bien
estas dos características han predominado y predominan hoy en la producción científica,
recientemente los cambios espaciales y sociales han introducido otros enfoques y métodos,
así como otras temáticas más transversales, analizadas también en otras disciplinas afines,
tales como la globalización, la sostenibilidad, el cambio climático y calidad de vida, u otras de
componente más sociológico, como el comportamiento del viaje y sus impactos en la
movilidad, las movilidades diferenciales o los efectos de las tecnologías de la información y la
comunicación (TIC) en los viajes, por citar algunos de los más relevantes, que amplían el
espectro temático y metodológico de esta subdisciplina.

Aparte de los manuales de Geografía que tratan conjuntamente los transportes


y las comunicaciones, tradicionalmente, en los estudios de transportes, un grupo de geógrafos
estudiaba también la Geografía de las comunicaciones, mientras otros analizaban
separadamente las dos materias. El estudio de los transportes afectaba a pasajeros y

80
Término utilizado y justificado a partir de las aportaciones de Dogan, por las autoras en otro capítulo de la
presente obra, Joana M. Petrus; Joana M. Seguí; Maria R. Martínez.
mercancías y el de las comunicaciones a información. Esta postura podría estar aún justificada
hasta la década de los 1990 en que irrumpen las TIC y, sobre todo, Internet, pero Bakis
(1984, p. 3-4) afirmaba que el transporte de la información a través de las telecomunicaciones
contribuye a la jerarquización de los espacios geográficos, uniendo los dos conceptos. La
consideración de que las comunicaciones constituyen una parte de los transportes se explicita
en la contracción generalizada de los componentes espacio/tiempo y la convergencia entre
ellos (DEBIÉ, 1995). Las TIC se erigen en un elemento fundamental de la sociedad
postindustrial y caracterizan la nueva economía. Vidal (2009, p. 85) apunta, sin embargo, que
las innovaciones nacidas de la asociación de entre TIC y transportes han sido menos
analizadas por los geógrafos que otras, como las derivadas de la introducción de los
contenedores, el tren de alta velocidad o la reorganización del transporte aéreo. Aduce razones
de perifericidad, al contrario de los transportes marítimos o aéreos, con más anclaje territorial,
y mayor atención por parte de urbanistas o planificadores. Razones a las que podemos añadir
una menor tradición en su estudio, por ser procesos más recientes y menos tangibles.

Este capítulo, con una orientación básicamente bibliográfica, tiene como


objetivo poner de manifiesto las nuevas perspectivas, los enfoques y métodos y las temáticas
en la Geografía de los Transportes en el nuevo milenio, periodo muy prolífico y productivo en
aportaciones de carácter teórico y aplicado.

Del conjunto de libros y artículos de revistas consultados para su elaboración


se desprenden varias consideraciones que creemos oportuno realizar. La mayor parte de ellos,
no citados en el texto, pues no son objeto de análisis temático, tienen un fuerte componente
modal y son relativos sobre todo, al transporte por carretera y en las ciudades, al aéreo y
marítimo81 (en los dos últimos nos hemos detenido brevemente). Aparecen trabajos de
temáticas transversales, tratadas de forma genérica en los transportes, tales como la
sostenibilidad, los impactos económicos y territoriales, la incidencia de las TIC, a las que
dedicamos un apartado del capítulo, o los impactos sociales de la no accesibilidad o de la no
movilidad, como la exclusión social o las diferencias de género. Aunque minoritarios dentro
del conjunto, aparecen debates relativos al papel de la Geografía de los Transportes dentro y
fuera de la disciplina e interesantes aportaciones relativas a la movilidad, procedentes de
otras disciplinas vecinas, tales como la sociología.

81
Objeto de un análisis más en profundidad, transporte urbano, aéreo y marítimo, en otro capítulo de la presente
obra, Joana M. Petrus; Joana M. Seguí; Maria R. Martínez.
Los artículos consultados, las recopilaciones de trabajos de investigación en
forma de libro, editadas por especialistas de prestigio, o los libros de autor reflejan el gran
crecimiento y la enorme complejidad de las movilidades y su diferenciación, en transporte de
pasajeros, con mayores implicaciones sociales, y de mercancías. Esta demanda, excepción
hecha de artículos de carácter social cuya finalidad es precisamente recalcar las
desigualdades, aparece la mayor parte de las veces, en los trabajos de corte neopositivista,
como un todo agregado, que sin embargo esconde movilidades diferenciales por razones de
sexo, edad, estructura social, renta, localización, etc. Actualmente, el envejecimiento, se erige
en una de las variables que cambia la composición de las sociedades de los países
occidentales que, junto con los modos de trabajo y producción propios de la sociedad
postindustrial, más arrítmicos y difusos, y las TIC, están transformando las pautas de
movilidad y las necesidades en los avances tecnológicos del transporte de las sociedades
contemporáneas.

Finalmente, a escala territorial, cuando los artículos se han centrado en estudio


de casos, la mayor parte de las veces, han sido para territorios del mundo desarrollado.
Algunos para países emergentes, asiáticos, concretamente del área del Pacífico, por la
efervescencia de sus puertos y aeropuertos y la trascendencia que tienen para los intercambios
de pasajeros y mercancías en el contexto de la globalización. Pocos estudios aparecen
centrados en el continente africano82 y, excepto en alguna revista española, pocos estudios
relativos a países latinoamericanos. Como apuntan Brocard (2009, p. 30) se constata un
desconocimiento de la cobertura geográfica del mundo, excepto de Europa y de América del
Norte.

UNA APROXIMACIÓN TEMÁTICA A LAS REVISTAS MÁS RELEVANTES

La elaboración del presente capítulo se ha llevado a cabo a partir de la consulta


exhaustiva de las publicaciones, sobre todo a escala internacional, sin olvidar la nacional,
España. La fuente primordial han sido las revistas, más ágiles para publicar las
investigaciones más recientes, incluso en la recensión de libros publicados, aunque también
se han revisado algunos de los libros fundamentales de nuestra subdisciplina. La acotación
cronológica ha sido la última década.

82
Uno nos ha llamado especialmente la atención, referido a la totalidad del continente, de aparición reciente:
Wim Naudé (2009): ―Geography, transport and Africa‘s proximity gap‖. Journal of Transport Geography.
Se han consultado las principales revistas relativas a transportes, sin descartar
algunas de carácter más generalista pero con aportaciones sobre la temática destacadas.
Hubiera sido deseable, aunque demasiado ambicioso para el objetivo del trabajo, el pasar
revista al conjunto de congresos, reuniones y coloquios que se celebran a escala internacional
y analizar sus aportaciones, para valorar mejor las tendencias actuales en Geografía de los
Transportes. Hemos acudido a la Unión Geográfica Internacional (UGI), con una estructura
particular de comisiones y grupos de trabajo, entre los que se encuentra ausente el de
Transportes, aunque su temática pueda ser tratada en otros. Sin embargo sí cuenta con una
comisión específica dedicada a las comunicaciones, la de la ―Geografía de la Sociedad de la
Información‖, junto con otra denominada ―Ciencia de la Información Geográfica‖. Hemos
optado por otras dos vías para recabar información internacional sobre congresos. De un lado,
la consulta exhaustiva de la revista Journal of Transport Geography, una de las de mayor
prestigio en Geografía y, concretamente en Geografía de los Transportes a escala
internacional, y no sólo para el ámbito anglosajón.

Denominada en varios trabajos que en ella aparecen publicados, como ―el


buque insignia‖ de la subdisciplina, ha sido fundamental no sólo para los artículos y
comentarios de carácter más teórico y metodológico, sino para los de estudios de casos.
Aparece publicada en asociación con el grupo de investigación del Transporte del Instituto de
Geógrafos Británicos (TGRG, IBG) y nos pone al día de las aportaciones punteras en la
materia, a la vez que nos informa de las reuniones anuales celebradas por el IBG en
asociación con la Real Sociedad Geográfica Británica (RGS). Informaciones puntuales de las
reuniones de los geógrafos del transporte alemanes, daneses americanos o franceses también
tienen eco en la revista. Del otro, la consulta de las aportaciones a la reunión anual de la
Asociación de Geógrafos Americanos (AAG), de carácter marcadamente académico, que
recoge las tendencias mundiales en Geografía, pues cuenta con la presencia de geógrafos de
todos los continentes. Específicamente la geografía de los transportes ocupa una plaza
destacada pues el Transportation Geography Specialty Group organiza un número destacado
de sesiones. Concretamente se han consultado las aportaciones relativas al congreso de
Boston en el 2008 y algunas aportaciones del de Las Vegas del año 2009.

En el contexto de la interdisciplinareidad de la disciplina, se han analizado


otras revistas de transporte, no específicamente geográficas, que se han considerado
relevantes para analizar las tendencias actuales en los transportes, tales como: Research in
Transportation Economics; Transportation Research Part A: General; Transportation
Research Part A: Policy and Practice; Transportation Research Part C: Emerging
Technologies; Transportation Research Part E: Logistics and Transportation Review;
International Journal of Transport Management; Journal of Air Transport Management,
cuyo número de Mayo 2009 recoge las aportaciones a la onceava Conferencia en Aviación, en
Hamburgo (11th Annual Hamburg Aviation Conference, Tretheway, Niemeie, 2009); y uno
de sus números más recientes, Julio 2009, recoge las aportaciones de la conferencia de la
Sociedad de Transporte Aéreo, de Berkeley, del 2007 (GUDMUNDSSON; OUM; ZHANG,
2009); Transport Policy y Les Cahiers Scientifiques du Transport, desde su aparición en el
año 2006.

En todas las revistas mencionadas, incluída el Journal of Transport


Geography, aparece una destacada proliferación de artículos dedicados al transporte
marítimo y aéreo con las temáticas más frecuentemente tratadas: contenedorización, cargo,
logística, desreglamentación y sus consecuencias, hubs, reorganización de itinerarios y flujos,
compañías aéreas regulares y recientemente las de bajo coste, procesos de fusión entre ellas,
redes y sostenibilidad, entre otros.

Se han revisado igualmente los artículos aparecidos en Mobilities, más


relacionada con estudios sobre turismo, estudios urbanos, sociología y TIC, desde su
aparición en el año 2006. Cuenta con un artículo dedicado a las diferentes autoridades
aeroportuarias de los aeropuertos internacionales (KELLERMAN, 2008). También se han
analizado algunas revistas relacionadas con la temática específica del transporte aéreo, como
Tourism Management, Annals of Tourism Research, o Business Horizons, u otras muy
destacadas en el tratamiento de las comunicaciones y de la información: Telecommunications
Policy, o International Journal of Information Management.

Geojournal, revista de carácter generalista, sin embargo, atenta a las temáticas


de actualidad, dedica precisamente en este año, 2009, y en los dos anteriores tres
monográficos al transporte y a las TIC, temática novedosa de la que ya se ocupaba en el 2001
con la conceptualización geográfica de los ciberlugares (TAKEYAMA, 2001, p. 419-426). El
primero de ellos, del 2007, introducido por Grasland y Puel (2007, p. 1-3) analiza la difusión
de las tecnologías de la información y la comunicación y la brecha digital, a través de siete
artículos. Las redes de transporte aéreo y los sistemas urbanos, encabezados por Deruder,
junto con cinco artículos más, ocupan el segundo monográfico (2008). Recientemente son los
procesos de contenedorización en un mundo globalizado los que ocupan la atención
preferente del número monográfico (2009). La introducción, en este caso, de Rodrigue y
Notteboom precede otros cinco artículos dedicados a esta temática.

Hay que citar, igualmente, un conjunto de revistas denominadas generalistas,


en las que se ha localizado algún que otro artículo de transporte aéreo y marítimo en los
últimos diez años. En Progress in Human Geography, a lo largo de la última década, los
artículos de Geografía de los Transportes han sido más bien escasos, excepción hecha del
artículo de Keeling (2008) sobre los enfoques de la disciplina y su relación con los aspectos
sociales. Destacamos el reciente artículo de Adey, Budd y Hubbard (2007, p. 773) sobre la
producción social y el consumo de espacio aéreo, pues se basa en las ideas del reciente
"nuevo paradigma de las movilidades‖, aplicadas a este modo de transporte, que se
contrapone a la geografía del transporte aéreo basada en el estudio de la morfología de las
rutas. Esta nueva aproximación, señalan los autores, basada en las dimensiones sociales del
transporte aéreo, es fundamental para este modo considerado un factor destacado de la
globalización, y tratado, en la mayor parte de trabajos, de forma abstracta, a través del análisis
de los flujos.

Se han publicado concretamente dos artículos sobre sociedad de la


información. Uno relativo a la circulación de los flujos y las redes del conocimiento en la
sociedad capitalista (HUGUES, 2007) y otro sobre el papel del conocimiento, de las redes de
información y de internet en el desarrollo regional de las regiones periféricas (PARK, 2004).
Applied Geography, cuenta con un trabajo en la última década dedicado a transporte aéreo y
sostenibilidad en el estado de Amazonas (FENLEY, 2007); Cybergeo, European Journal of
Geography, cuenta con dos trabajos dedicados al transporte marítimo y fluvial (DUCRUET,
200883; FRANC; FREMONT; SLACK, 200984); uno dedicado a la densidad urbana y la
movilidad (VILHELMSON, 200585) y otro relativo al teletrabajo (MORISET, 200486).
Finalmente, en revistas de habla no española, citar Geoforum, revista interdisciplinar, con
algún que otro artículo sobre las nuevas relaciones espacio-tiempo a partir de la difusión de
las TIC (KWAN; SCHWANEN, 2008).

No queremos finalizar esta breve ojeada a las fuentes sin dejar de mencionar
los artículos relativos a transportes, en este caso, todos los modos y todas las temáticas,
justificados por su reducido número, aparecidos, en los últimos diez años, en un conjunto de

83
Documento 417, en línea 27 marzo 2008. In: http://www.cybergeo.eu/index17332.html.
84
Documento 437, en línea 19 febrero 2009. In: http://www.cybergeo.eu/index21743.html.
85
Documento 302, en línea 02 febrero 2005. In: http://www.cybergeo.eu/index3536.html.
86
Documento 257, en línea 06 febrero 2004. In: http://www.cybergeo.eu/index3815.html.
revistas generalistas, de alcance internacional, publicadas en España. Destaca entre ellas el
Boletín de la Asociación de Geógrafos Españoles, que dedica poco más de diez artículos, a lo
largo de la última década a los transportes y uno a la sociedad de la información (TORRES,
2003). Los autores, fundamentalmente españoles, así como el área de estudio objeto de la
investigación, excepto en tres de ellos. La temática es variada sin que ninguna de ellas
predomine sobre las demás. Movilidad, sostenibilidad y modelo territorial (MORENO;
MARTÍNEZ, 2005; RAMOS, 2005; CASADO, 2007; HERNÁNDEZ, 2007; PONS, 2007;
ROQUER, 2007); transporte marítimo y fluvial (DEBRIE; GUERRERO, 2006;
HERNÁNDEZ, 2006; SALORT, 2007;); temática aeroportuaria (PONS, 2004; PALLARÉ;
SUAU, 2007); vías de alta capacidad (SERRANO, 2007).

La también prestigiosa revista Scripta Nova, con única difusión en línea, se


erige en otro foro destacado para los artículos relativos a transporte. Poco más de diez
igualmente, de temática y, en este caso, de procedencia de los autores muy variada87.
Conceptos y métodos en geografía de los transportes (PONS; REYNÉS, 2003); transportes y
turismo (HERNÁNDEZ, 2008); movilidades (AVELLANEDA; CEBOLLADA, 2008;
CASADO, 2008; LAZO, 2008) y alguna referencia de movilidad en países en vías de
desarrollo (DIAZ; PLAT; POCHET, 1999); ferrocarril y alta velocidad (ALCAIDE, 2000;
BURCKHART; MARTÍ-HENNEBERG; TAPIADOR, 2008); transporte aéreo (RAMOS,
2008); sistemas inteligentes de tansporte (PONS; REYNÉS, 2004); SIG y transporte
(SANTARELLI, 2004). Un monográfico dedicado al impacto social y espacial de las nuevas
tecnologías de la información y la comunicación aparece en el vol. VI, n. 170, de 1 de agosto
de 2004, con casi ochenta aportaciones, que constituyen las Actas del VI Coloquio
Internacional de Geocrítica.

La revista Geofocus, dedicada a las tecnologías de la información y también, al


igual que la anterior, únicamente disponible en línea, dedica cuatro artículos a las TIC y a los
transportes88. Cibergeografia e internet (BUZAI; TOURDET, 2004; ALPERIN; BRENT;
KERRIGAN, 2008); ruido ambiental (MARTÍNEZ; MORENO, 2005); SIG y transporte
(PONS, 2003). Documents d‟Anàlisi Geogràfica cuenta con tres artículos. El de Blanco
(CÁNAVES, 2005) dedicado a las TIC; alta velocidad (FELIU, 2006) y sobre transporte
urbano (MIRALLES, 2002). Cuadernos Geográficos, dedica un artículo a la red de ferrocarril

87
Todos ellos localizables en la web de la revista. In: http://www.ub.edu/geocrit/nova.html.
88
Todos ellos localizables en la web de la revista. In: http://geofocus.rediris.es/principal.html.
(SALVADOR, 2002) y otro a la intermodalidad (MORENO, 2006), mientras Ería cuenta con
un trabajo relativo a transporte aeroportuario (FERNÁNDEZ, 2005).

LA GEOGRAFÍA DE LOS TRANSPORTES: CONCEPTOS, NUEVAS AGENDAS Y


VIEJAS TEMÁTICAS. UN REPASO A LAS PUBLICACIONES RECIENTES

Desde que Taaffe y Gauthier (1973) publicaran el Geography of


Transportation, la progresiva aparición de obras no ha cesado. La década actual se inaugura,
prácticamente (1998), con la segunda edición de la obra coordinada por Hoyle y Knowles,
Modern Transport Geography del año 1992. Este manual insustituible en el recorrido de
nuestra disciplina, abarca desde aspectos conceptuales del análisis de redes a temas clave
como transporte y medio ambiente, modelos de transporte urbanos e interurbanos,
accesibilidades rurales, además de la intermodalidad, la desregulación y otros retos de los
transportes marítimos y aéreos.

El incremento de la actividad de investigación en Geografía de los


Transportes, se refleja en la gran cantidad de obras y manuales universitarios publicados, a
partir del año 2000, sobre todo en USA, Reino Unido y Francia, de los que cronológicamente,
daremos un breve repaso.

Sin duda, el de Black, Transportation: a Geographical Analysis (2003),


constituye una de las mejores y más recientes aportaciones, orientada, sobre todo, hacia las
políticas de transporte. El autor identifica los factores externos que han influido en la
investigación de la Geografía del Transporte americana en los últimos 50 años tales como el
transporte urbano, la velocidad en las comunicaciones o la disminución de los costes. Aborda
los paradigmas que incluyen los problemas de equidad en la accesibilidad y en la movilidad,
la desregulación, la tecnología, los SIT (sistemas inteligentes de transporte) y el transporte
sostenible89. Identifica la congestión como una de las tendencias sociales actuales, un
problema significativo tanto en los países desarrollados como en vías de desarrollo. Añade
nuevas cuestiones para el análisis de los transportes en el futuro, tales como las nuevas redes
de bicicletas, los vehículos eléctricos o el control remoto de vehículos. Aboga por el papel de

89
Respecto a esta temática y aunque centrada en el Reino Unido, los anàlisis de la obra editada por Docherty y
Shaw (2003): A New Deal for transport?, son extrapolables a buena parte de las sociedades occidentales. Tiene
como objetivo explicar por qué el gobierno laborista no ha podido cumplir con sus promesas de apoyar el
transporte sostenible. Las razones que argumentan se centran en el miedo de asustar a los votantes, los
conocimientos inadecuados y las capacidades a nivel local; abunda en las contradicciones inherentes entre
crecimiento y protección del medio ambiente, así como en las dificultades de conectar todos los modos en una
política de transporte sostenible.
la psicología del transporte para el cambio de actitudes que contribuyan a disminuir la
demanda de viajes en vehículos individuales (KNOWLES, 2005).

Handbook of Transport Geography and Spatial Systems (2004), de autoría variada y


con una aproximación predominantemente cuantitativa, muestra como, aunque el transporte
no se encuentre presente de forma explícita en el conjunto de la Geografía Humana, resulta
imposible separarla del mismo. Relaciona los conceptos clásicos de la cognición y el uso del
tiempo, los dos grandes marcos para el análisis del comportamiento espacial, la toma de
decisiones y la realización de actividades concretas, precisamente con las nuevas
oportunidades generadas por las tecnologías de la información y la comunicación (SIG y
GPS). Géographie des Transports (2005)90, obra de diversos autores en la que se abordan
conceptos clásicos, como velocidad, movilidad, accesibilidad o modalidad, al propio tiempo
que se tratan cuestiones como el financiamiento, el medio ambiente o la planificación y como
interfieren en los transportes (BROCARD, 2009, p.11).

Rodrigue, Comtois y Slack, publican The Geography of Transport Systems, en


2006 (reeditado en 2009), obra en la que se pone de manifiesto la multidimensionalidad de los
sistemas de transportes, objeto de estudio de geógrafos, economistas, ingenieros,
planificadores y políticos, así como el papel que los geógrafos desarrollan en el análisis de los
sistemas de transporte, a partir de nuevos instrumentos como el SIG-T. Plantean una serie de
problemas y desafíos, algunos de ellos mencionados por otros autores, pues se encuentran
omnipresentes en el territorio, tales como: congestión, infraestructura, retos ambientales,
ordenación, energía u otros tratados con menor frecuencia, como son los aspectos
relacionados con la seguridad.

En Transport Geographies: Mobilities, Flows and Spaces (2008), sus autores,


Knowles, Shaw y Docherty, ejercen de editores de casi treinta aportaciones de estudio de
casos resultado de trabajos de investigación que, bajo un enfoque cualitativo, ponen de
manifiesto las relaciones de la Geografía con otras áreas complementarias de estudio:
Economía, Ingeniería, estudios ambientales o políticos, Psicología o Sociología, entre otros. A
través de un enfoque holístico señalan las movilidades y los espacios como el núcleo de la
Geografía del Transporte y, por tanto, de la Geografía Humana, idea igualmente presente,
como ya hemos indicado en el Handbook of Transport Geography and Spatial Systems. La

90
Cronológicamente se sitúa Geografía de los Transportes, de Joana M. Segui; Maria R. Reynés (2004),
manual generalista que aborda conceptos y temáticas, clásicas y actuales, como la movilidad, la accesibilidad, la
globalización el papel de las TIC, la intermodalidad, la exclusión social, las externalidades de los transporte, las
políticas o la sostenibilidad medioambiental.
obra plantea como el incremento de conocimientos acerca de los viajes y del transporte
constituye una oportunidad para la influencia intelectual de los Geógrafos del Transporte
(SHAW, 2007). Finalmente, en el tiempo, la obra de muy reciente aparición, Transports et
territoires. Enjeux et débats, bajo la dirección de M. Brocard (2009), estructurado en siete
partes, con aportaciones variadas en las que se pasa revista, entre otros temas, al
posicionamiento de los transportes en ciencias humanas y sociales, cuestiones relacionadas
con el desarrollo, la gobernanza, la importancia de las innovaciones y las TIC y la
modelización.

LA INTERDISCIPLINARIETAT EN EL ESTUDIO DE LOS TRANSPORTES

Uno de los debates ampliamente desarrollados en los noventa y retomados a


mediados de la presente década estriba en el papel de la Geografía de los Transportes en el
seno de la Geografía y en el conjunto de las ciencias sociales. El creciente interés por parte de
sociólogos o psicólogos por los temas de movilidad, o la tradición de otras disciplinas, como
la historia, interesada en el devenir y en la evolución de los modos de transporte, sin dejar de
mencionar las líneas de trabajo en transporte por parte de economistas e ingenieros, nos
sumerge de lleno en el tema de la ―interdisciplinariedad o hibridación‖ de nuestra disciplina,
en el que no vamos a incidir en demasía al estar ampliamente desarrollado en otro capítulo de
la presente obra91 (DOGAN, 1989, 1994, 1996).

El proceso de hibridación entraña, en palabras de Dogan, un solapamiento de


segmentos de disciplinas, una recombinación del saber en nuevos campos especializados que
se producen en los intersticios que dejan las disciplinas al fragmentarse y al ser ocupados por
investigadores capaces de recomponer un problema con piezas de muy distinta procedencia.
La interdisciplinariedad o hibridación existen pues ante la ―falta de acuerdo‖ por parte de
disciplinas diversas de trabajar conjuntamente, es un fenómeno íntrinseco al
desmembramiento de las disciplinas, aunque el punto de contacto fecundo se establece entre
especialidades y sectores y no paralelamente a las fronteras disciplinarias (DOGAN, 1994).
Brocard (2009, p. 17) señalan igualmente al respecto que al no existir todavía un campo
integrado de conocimiento científico que permita hace progresar el conocimiento de las
relaciones entre espacios, sociedades y territorios, la interdisciplinariedad se erige en una de
las características más remarcables de la Geografía de los Transportes en el nuevo milenio.

91
Joana M. Petrus; Joana M. Seguí; Maria R. Martínez.
Buena muestra de la interdisciplinariedad de la temática de los transportes es la
aparición reciente de obras no estrictamente geográficas que citamos por la transversalidad de
sus temas y riqueza de enfoques. Introduction to Transport Systems (SUSSMANN, 2001),
muy enfocado hacia los aspectos más de ingeniería del transporte. La obra editada por Button
y Hensher, en 2005, Handbook of Transport Strategy, Policy and Institutions, en la que se
incluyen la variedad de disciplinas relacionadas con la planificación de los transportes
(Economía, Derecho, Ciencias Políticas, planificación Física, Psicología, Ingeniería). Aunque
la Geografía no esté presente, es una obra relevante para la Geografía de los Transportes y
para el análisis de las políticas de movilidad. Transportation Planning, de Shifton, Button y
Nijkamp (2007) pasa revista a la literatura relativa a la planificación de los transportes
publicada a inicios de los años 60 hasta el 2002, una recopilación de los artículos más
notorios, y tan sólo dos aportaciones son de la década actual.

La Economía y la Sociología son, sin duda, dos de las disciplinas afines que
abordan la temática de los transportes que más predicamento han tenido en el seno de la
Geografía, cuyos planteamientos han generado y generan amplios debates que enriquecen
sobradamente las temáticas y los métodos de análisis. La Economía, por la renovación
conceptual y la introducción de planteamientos neopositivistas que prestigiaron muy mucho
nuestra disciplina, desde los años cincuenta, y la Sociología, mucho más recientemente, por
las aproximaciones más holísticas para el estudio de las movilidades.

Ramos (2005) señala como los argumentos de la Economía Clásica, basados en


planteamientos neopositivistas, consideraban y consideran el transporte como una forma de
producción generadora de riqueza y, por tanto, un fin en sí mismo, con lo que el incremento
de movilidad se convierte en síntoma de prosperidad económica. A partir de esta base, la
segunda mitad del siglo pasado se centró en la creación de nueva infraestructura que conllevó
aumentos insospechados de demanda. Y como corolario, dicho de modo simplista, con este
paradigma, la falta de infraestructuras hace peligrar el crecimiento y el desarrollo regional. En
este punto, Steck (2009) distingue entre desarrollo y crecimiento económico. Introduce la
teoría de los efectos estructurantes para analizar la articulación entre transporte y desarrollo,
teoría también debatida pues, muy en la línea de una lógica tecnicista, no permite abordar,
tampoco, la justicia socio-espacial al no afrontar la cuestión del acceso a las movilidades por
parte de todos los ciudadanos. La Sociología, por su parte, ha aportado nuevas perspectivas a
la investigación científica sobre el transporte, sobre todo en lo relativo a la profundización en
las movilidades.
Desde la Geografía, Potrykowski y Taylor (1984), retomando acepciones más
clásicas, definen la movilidad como ―una consecuencia de la falta de equilibrio espacial entre
la oferta y la demanda‖. Debié (1995) señala como la movilidad manifiesta, al igual que la
accesibilidad y la distancia, una gran dependencia de los niveles tecnológicos, organizativos
y culturales de las sociedades y de sus territorios. Por esa razón, y según el mismo autor, la
complejidad de los análisis de la demanda, es tan vasta como lo es la complejidad de
elementos que concurren en la evolución de la economía mundial. Todo ello explicaría la
propia evolución de los factores que optimizan o ralentizan la movilidad en los países
desarrollados y que, por otra parte, ayudan a comprender la situación de desventaja de los
países en vía de. Planteamientos de la Geografía social y del bienestar nos introducen en las
movilidades diferenciales.

El tema del movimiento fue abordado desde muy temprano, desde la Escuela
de Chicago, por la sociología urbana. Brocard (2009) señalan los estudios socio-
antropológicos de Tarrius, de los años ochenta, abundando en el tema de la circulación de
cuadros a escala europea y sus implicaciones en la movilidad, consumidora de tiempo de
transporte, en relación a las identidades de los circulantes. Sin embargo una visión muy
crítica de la movilidad (física, social, virtual) aparece en la obra de Bauman (1999), cuando
afirma que estamos en permanente desplazamiento, por elección o necesidad, aunque
físicamente permanezcamos en el mismo sitio. Apunta que la movilidad en el mundo es uno
de los factores de estratificación social más importantes y más buscados y está en la base de
como se hacen las jerarquías, cada vez más similares, sociales, políticas, económicas,
culturales.

Un punto insustituible en la temática de movilidades lo representa la aparición


de la revista Mobilities. La lectura de la editorial aparecida en su primer número (HANNAM;
SHELLER; URRY, 2006), pone de manifiesto la necesidad de ahondar en el denominado
―nuevo paradigma de las movilidades‖, enfoque integrador que permite trascender la
dicotomía entre investigación social e investigación en transporte, concediendo mucha más
relevancia a los aspectos sociales del mismo. Se debe ahondar, entre otras, en las cuestiones
de la globalización y la desterritorialización de los Estados-nación, la identidad y pertenencia,
así como profundizar en el concepto de sedentarismo de las sociedades contemporáneas que
trata la estabilidad como un estado natural de equilibrio. Estos enfoques plantean una nueva
narrativa de la movilidad, donde la fluidez o la liquidez generalizada son la condición de la
posmodernidad y de la globalización. Hay lugares nuevos y tecnologías que mejoran la
movilidad de algunos pueblos y lugares, incluso a medida que aumenta también la
inmovilidad de los demás, y la editorial pone el ejemplo de las personas que tratan de cruzar
fronteras entre países (ejemplo también utilizado por BAUMAN, 1999). Focaliza sus temas
de análisis en la migración, turismo y viajes; movilidad virtual e informacional; nodos de
movilidad y movilidades espaciales; materialidades y movilidades y movilidades futuras.

Social Perspectives on Mobility (CHARLTON, 2006) presenta los trabajos de


un grupo interdisciplinario de nueve investigadores de transporte, ligados al Centre of
Transport Research de la universidad de Roskilde. Otra obra más que ejemplifica la
expansión de la investigación en ciencias sociales en aspectos de movilidad.

Sin duda, otra de las aportaciones interesantes, de carácter interdisciplinar,


sobre todo de sociólogos y politólogos al conocimiento de las movilidades, lo constituye:
Tracing mobilities: towards a cosmopolitan perspective, editada por Canzler, Kaufmann y
Kesselring, en 2008. Ofrece nuevos e importantes puntos de vista sobre algunas de las
principales cuestiones críticas para el transporte a nivel mundial y local, así como nuevas
metodologías para su investigación. Las trece aportaciones (con escritos de Urry y Beck, entre
otros) coinciden en que la movilidad, constituye una temática importante para las ciencias
sociales y no sólo consiste en los movimientos entre orígenes y destinos, sino también en la
intención de moverse. El movimiento puede implicar el transporte de personas o bienes, pero
también de servicios del conocimiento y la información, a través del teléfono o internet.
Según los autores, la movilidad no es sólo el movimiento físico sino que también incluye
movilidades sociales, es un recurso no equitativo y produce una diferenciación cada vez
mayor entre las personas muy móviles y las que no se mueven.

Knowles (2006a), señala al respecto que se puede llegar a la exclusión social


por la restricción de acceso a los transportes, característica que aparece específicamente
contrastada en las zonas rurales de Irlanda (MCDONAGH, 2006). Kenyon, Lyons y Rafferty
(2002) apuntan hacia la movilidad virtual como alternativa a la movilidad física para combatir
dicha exclusión. Otro tipo de exclusión o de desigualdad social es la derivada del género y,
excepto en el estudio clásico de la movilidad al trabajo, se echa de menos un enfoque de
género en la mayor parte de la bibliografía consultada. Como señala Hall (2004), no sería
inapropiado dedicarle un monográfico del Journal of Transport Geography para el desarrollo
integral de la disciplina.

La interdisciplinariedad o hibridación de nuestra disciplina puede proceder


tanto de la aportación de otras disciplinas como del desarrollo en la propia Geografía de
temáticas estructurales como las movilidades diferenciales que necesariamente exigen
aproximaciones desde muy diversos ámbitos, de la Geografía Económica, Geografía Urbana,
Geografía Rural, Geografía de Género, Geografía de la Población, incluso Geografía Física,
por el estudio del transporte sostenible y los impactos en el cambio climático.

LAS LÍNEAS DE INVESTIGACIÓN EN LA GEOGRAFÍA DE LOS TRANSPORTES


EN EL NUEVO MILENIO

Un breve repaso al desarrollo de la Geografía de los Transportes pone de


manifiesto como los trabajos y las líneas de investigación se han renovado enormemente
desde sus inicios, a finales del XIX92, cuando se centraban, sobre todo, en la circulación y en
las infraestructuras. Así, en los estudios locacionales, el papel de los transportes fue crucial
para el análisis del territorio y los estudios sobre transportes fueron uno de los motores
destacados de la revolución cuantitativa de los años sesenta. La Geografía Cuantitativa, por su
parte, desarrolló el análisis de las redes, el tratamiento de los flujos, la simulación de modelos
predictivos de demanda, así como la utilización de modelos procedentes de otras disciplinas.
Hoy día estos análisis se compaginan con técnicas de carácter más humanista que permiten,
entre otras, la contrastación de resultados. Los estudios humanistas introducen la microescala,
y derivan su interés hacia las redes de transporte urbanas. El análisis de las movilidades de
los diferentes grupos sociales reflejan desigualdades y se basan en los trabajos de la Geografía
Radical o marxista, y en los relacionados con las tendencias de la geografía del bienestar. Los
estudios cronogeográficos se adscriben inicialmente a los planteamientos neopositivistas, en
cuanto a técnicas, aunque introducen la variable temporal en los desplazamientos en el
territorio.

Desde el estudio de flujos y redes a través de modelos hasta la utilización de


dispositivos móviles y de sistemas de información, pasando por el análisis de las
desigualdades en la accesibilidad y en la movilidad y sus causas, o la contribución al cambio
climático, la Geografía de los Transportes da cuenta de una pluralidad de enfoques, métodos y
temáticas. Un examen sumario realizado por Shaw (2006) sobre los principales temas de
investigación en la Geografía de los Transportes en Estados Unidos y en Europa, desde
Ullman, a mediados de los años cincuenta, hasta la actualidad, pone de manifiesto como

92
Un análisis mucho más profundo, con un particular énfasis en el impacto del neopositivismo en la Geografía
de los Transportes, lo realizan las autoras en el capítulo de la misma obra, Joana M. Petrus; Joana M. Seguí;
Maria R. Martínez.
algunas temáticas de investigación han permanecido estáticas a lo largo de las últimas
décadas, mientras otras han surgido a remolque de los cambios en las sociedades y en las
economías y por la aparición de las TIC (que incluyen también SIG, GPS, Internet y telefonía
móvil).

En la búsqueda de las líneas de investigación y las temáticas en Geografía de


los Transportes y telecomunicaciones más recientes nos remontamos, en el inicio de la década
de los noventa, a la introducción editorial realizada por R.D. Knowles en el primer número
del Journal of Transport Geography (1993) (PONS; REYNÉS, 2003). El análisis que realiza
para el Reino Unido es muy similar al modelo norteamericano, y al comportamiento de la
geografía en Alemania, y es fácilmente exportable a España, con la salvedad que los cambios
metodológicos y la introducción de nuevos enfoques y temáticas se produce entre diez y
quince años más tarde.

Knowles analiza el comportamiento de los geógrafos del transporte en las


década de los sesenta, setenta y ochenta, a saber, el paso del ―hombre racional‖ a la influencia
de las estructuras sociales en los modelos de consumo y la introducción de los estudios de
transporte y bienestar que abordan claramente las movilidades diferenciales. En los inicios de
los años noventa, la característica fundamental de los estudios de transporte, que a escala
internacional han experimentado un importante resurgimiento, es la pluralidad. Taaffe y
Gauthier (1994) convergen en esta línea al afirmar que los postsetenta se caracterizan por la
pluralidad de enfoques y métodos, sin embargo, en lo referente a temáticas, y engloban en
ellas a las tratadas por los geógrafos americanos, tan sólo identifican tres grandes grupos de
trabajo. Los estudios relativos a la organización espacial; los referidos a estudios de áreas
específicas y los estudios ecológicos (lo que denominaríamos hoy estudios sobre la
sostenibilidad del transporte).

―Los transportes y los cambios espaciales‖ fue, según Knowles, la línea


preferente de investigación de principios de los años noventa en la Geografía de los
Transportes, básicamente anglosajona, debido a un conjunto de características espaciales
dominantes que seguidamente mencionamos.

La aparición de las innovaciones tecnológicas en transportes y


telecomunicaciones que reducen las restricciones del comercio; la desregulación y la
privatización de las operaciones y de las infraestructuras de transporte. Emangard (2009, p.
162) señala al respecto como el análisis de la desreglamentación de los transportes terrestres,
por ejemplo, reposa en una división entre el transporte de mercancías y de pasajeros
(inexistente en los marítimos y aéreos por la propia especialización de los modos). Las
empresas se especializan en un dominio y los operadores se presentan en uno de los dos
mercados. En el de viajeros, se especializan aún más entre desplazamientos a larga distancia y
los locales, urbanos y regionales. Los investigadores se especializan en mercancías o
pasajeros, ciñéndose a campos estrechos de trabajo, con aproximaciones muy analíticas
apoyadas en la economía. Varias más son las características espaciales dominantes en los
inicios de los noventa: el desarrollo de economías de mercado en Europa central y del este y
la emergencia de las democracias en los países en vías de desarrollo; el crecimiento de las
movilidades diferenciales, por razones de renta y genero; los grandes proyectos de
infraestructuras de transporte; el crecimiento de la congestión urbana y, finalmente, el uso de
los recursos energéticos, junto con el incremento de conocimientos medioambientales en los
estudios de transporte.

A partir de los condicionantes expuestos, la investigación preferencialmente se


centra en nueve temas que continúan fijando la agenda en la actualidad, si bien se añade el
énfasis en los cambios sociales, muchos de ellos derivados de los efectos, en los últimos diez
años, de la globalización y del postfordismo. a) Análisis de los transportes y práctica política;
b) el impacto de la construcción de nuevas infraestructuras; c) la disminución de la fricción de
la distancia, tema complejo y recurrente en Geografía de los Transportes: intermodalidad,
telecomunicaciones y logística; d) las brechas en la movilidad y las accesibilidades
diferenciales también en los países en vías de desarrollo; e) los modelos de demanda; f)
transporte, medio ambiente y energía, impactos y asesoramientos; g) viajes, recreación y
turismo; h) retos teóricos y metodológicos; i) sistemas de información para la planificación y
gestión del transporte.

Las líneas de investigación en los albores del año 2000, en la Geografía de los
Transportes y telecomunicaciones, apuntadas por Graham (1999a) y Pons y Reynés (2004) en
la página del TGRG concuerdan con las de la década de los noventa si bien se introduce la
temática de las relaciones entre ―transporte, movilidad, comportamiento y cambio social‖. Se
apunta un conflicto de difícil solución inherente a estos factores, a saber, la necesidad de
restringir el crecimiento de la movilidad y la presencia cada vez mayor de una fluida y
flexible red social que depende de una movilidad sin restricciones.

Dos son, al menos, las áreas de trabajo y de contestación sociopolítica: la de la


congestión, con la temática de la ineficiencia económica, equidad/inequidad social y
aceptabilidad política; y las repercusiones ambientales del aumento del tráfico y del
incremento de aceptación social del concepto de país contaminador (GRAHAM 1999b).
Keeling (2008, p. 276) señala al respecto como la sostenibilidad se ha convertido en un
importante componente de la planificación y de la política de transportes, en lo que concierne
al cambio climático global por las emisiones de carbono provocadas por los viajes. Ramos
(2005) abunda en el tema al indicar que la hipermovilidad motorizada de personas y
mercancías, que afecta sobre todo a las sociedades desarrolladas, se encuentra en la base del
conflicto entre transporte y medio ambiente. Esta hipermovilidad, sobre todo por carretera,
aunque no exclusivamente, se encuentra asociada a un uso cada vez más extensivo y
especializado del territorio, por los cambios derivados de la globalización, de la logística y de
los procesos ajustado en tiempo, en un contexto económico de flujos mundiales. La
introducción del cambio social en el análisis de las movilidades proporciona bases mucho más
sólidas para su estudio, en un campo interdisciplinar compartido, en este caso, sobre todo por
sociólogos. Urry, fundamental para elevar el perfil de la movilidad de los investigadores,
según Shaw (2005), afirma como los geógrafos del transporte han omitido en sus
investigaciones las bases sociales del viaje, así como los cambios que éstas han
experimentado. Para Urry, la crítica de la hipermovilidad implica examinar como y porqué
existe un aparente deseo de viajar físicamente y de que manera las redes sociales: reuniones,
viajes y comunicaciones distribuidas a través de zonas geográficas específicas influyen en las
movilidades (AXHAUSEN; LARSEN; URRY, 2006).

Los elementos clave de carácter económico, social y territorial que marcan la


temática del cambio social en los inicios del siglo XXI, según Graham (1999a) son los que
seguidamente enumeramos. La movilidad, la globalización y los cambios en el mercado de
trabajo, derivados de la aparición del proceso de producción flexible; el papel de las redes
electrónicas como sustitutas de la movilidad real a través de los transportes; la configuración
de la sociedad en red, el papel del transporte y la intermodalidad; la movilidad, la exclusión
social y la desigualdad en la distribución de la riqueza; la movilidad personal en diferentes
sociedades; el transporte, la movilidad y la sostenibilidad medioambiental; y, finalmente, las
políticas de movilidad y cambio social, analizadas a diferentes escalas.

Muchos son los artículos que abordan las nuevas temáticas relativas a los
cambios sociales y los transportes, mencionamos, básicamente, tres referencias, por su
especial relevancia, tanto temática, como de autores y por situarse en los inicios de la
introducción de esta nueva temática. En primer lugar el número monográfico colectivo de la
revista Journal of Transport Geography (1997) presentado por T.R. Leinbach y J.H. Smith
que aborda la relación entre el cambio social y la sostenibilidad medioambiental. En la misma
línea destacamos como iniciativa trasatlántica el programa de investigación SCAST (Social
Change and Sustainable Transport) (BLACK, 2000), iniciado en el año 1996 sobre esta
temática, cuyos ejes de investigación giraron desde sus inicios en cinco puntos: transporte
sostenible, cambio social y transporte, globalización, TIC y consideraciones institucionales
relativas a gestión y apoyo. Finalmente, el artículo de Giuliano y Gillespie (1997), Research
issues regarding societal change and transport, enfatiza en los cambios producidos en la
sociedad y los impactos que éstos generan en las movilidades de las ciudades americanas y
europeas. Señalan como transformaciones más destacadas las que se producen en los hogares
derivadas del envejecimiento de la población; la inmigración exterior; el declive del núcleo
familiar tradicional y la aparición de familias monoparentales; las diferencias de ingresos y las
desventajas en los transportes, así como los cambios relacionados con las tecnologías de la
información y la comunicación.

Sin duda las TIC han impactado fuertemente no sólo en los procesos
productivos y en los servicios sino en los comportamientos de movilidad de las personas entre
las que se incluyen las transformaciones relativas al trabajo, sin duda, de las más visibles, así
como otros aspectos del quehacer y de la vida diaria, del tiempo de ocio, de las compras, de
los viajes, etc. En los países del mundo desarrollado, cabe señalar al respecto como esta
temática que cuenta con un apartado en este capítulo, aún incipiente en los inicios de la
presente década, se aventuraba ya con gran longitud de onda, así como ha quedado patente en
la proliferación de publicaciones.

Recientemente en el artículo de Andreev, Salomon y Pliskin (2010) se analizan


precisamente el papel de las TIC en la actividad personal y los patrones de viaje, a partir de
cien estudios de los impactos de las denominadas teleactividades. De los cuatro mayores
impactos directos de las TIC en los viajes, es decir, la sustitución, la complementariedad, la
modificación, y la neutralidad, la sustitución ha sido el más frecuente para el teletrabajo, así
como el más investigado (en más del 50% de los artículos revisados). El teletrabajo,
consecuencia igualmente de la restructuración de las empresas, se vislumbra como una
alternativa sostenible al incremento del uso del automóvil y vía para una mejora de la calidad
de vida, pues entre el 10 y el 20% de la población de los países industrializados teletrabaja
(MORISET, 2004). En la televenta y en el teleocio, éste menos estudiado, las TIC se
complementan con los viajes. Los cambios que las tecnologías producen en los usos de vida,
pues cambian las relaciones con el espacio, también ponen de manifiesto desigualdades
derivadas del género (SCHWANEN; KWAN, 2006). Muy pocos artículos se centran en los
países en vías de desarrollo, obvio por el menor desarrollo en ellos de las TIC. Cabe citar el
monográfico de Geojournal, The Diffussion of ICT and the Notion of the Digital Divide:
Contributions from Francophone Geographers (2007), con artículos relativos a países del
continente africano y de la India. Un interesante punto de vista en Progress in Human
Geography, nos pone sobre aviso del papel del conocimiento, de las redes de información y
de internet en el desarrollo regional de las regiones periféricas (PARK, 2004). Finalmente
Fadare y Salami (2004) cuentan con un trabajo referido al uso del teléfono y su impacto en
los viajes de los residentes en la ciudad media de Osogbo, en Nigeria.

Otras agendas en Geografía de los Transportes han enfatizado y ampliado la


temática del comportamiento y cambio social. Shaw (2006) apunta que las líneas de trabajo
preferentes de los geógrafos del transporte presentadas por Preston en el año 2001 inciden en
las relaciones entre transporte, actividades socioeconómicas y características
sociodemográficas. Goetz en el año 2003 nos señala tres grandes ejes de trabajo:
modelización, análisis de redes y SIG (en el que se sitúa el impacto de los SIG-T); política de
gobierno, desarrollo internacional y cambio industrial; y finalmente TIC, medioambiente,
comportamiento de viaje y aspectos sociales. Black, en 2004, presenta dieciocho líneas
temáticas como agenda de los estudios de transporte. Varias de ellas relacionadas con las
redes y sistemas de transporte y las variables que los miden; el análisis de flujos, los métodos
y predicciones; la interacción espacial y los modelos; políticas de transporte y planificación
urbana y regional; impactos del transporte; cambios institucionales; congestión y problemas;
o transporte sostenible (SHAW, 2006). Una de las temáticas más transversales y de mayor
actualidad, la del transporte sostenible, cuenta con una obra reciente de Rietveld y Stough
(2007), Institutions and Sustainable Transport: Regulatory, Reform in Advanced Economies.
Los efectos del transporte sobre el cambio climático, a partir de las emisiones de gases efecto
invernadero constituye una línea de trabajo que interrelaciona los transportes con otras
subdisciplinas geográficas, como la Geografía del Turismo (PEETERS, 2007; FORSYTH;
GRAHAM; PAPATHEODOROU, 2008).

Para finalizar este breve repaso a los temas de investigación del nuevo milenio
y en aras de definir líneas futuras, constatamos como éstas concuerdan con los elementos
clave que definen el futuro de los transportes en la Unión Europea, elementos que pueden
hacerse extensivos a América del Norte (The future of transport, 2009) y que de un modo u
otro se encuentran presentes en las grandes temáticas preferenciales de estudio. A saber,
envejecimiento demográfico, migraciones y movilidad interna, urbanización, integración
regional, globalización, cambio climático y tecnologías de la información y la comunicación.

TRANSPORTES Y TECNOLOGÍAS DE LA INFORMACIÓN Y LA


COMUNICACIÓN: LA NUEVA RELACIÓN ESPACIO-TIEMPO

Aunque las TIC hoy día monopolicen los debates de una nueva relación entre
la dimensión espacial y temporal, de la instantaneidad, de la disminución de la distancia, e
incluso de su desaparición, las innovaciones acaecidas en materia de transporte, desde hace
200 años hasta día de hoy, también han remodelado el espacio y han relativizado las
distancias físicas y temporales. Como nos indica Knowles (2006b), la revolución de los
transportes en rapidez y abaratamiento de costes ha impactado en la fricción de la distancia
desde la revolución industrial hasta nuestros días.

El impacto de las tecnologías de la información y la comunicación, tal vez uno


de los mayores de los últimos quince años, no sólo se produce en la realidad, en la alteración
de las movilidades, sino en la definición del propio concepto de movimiento y en la aparición
de nuevos sujetos de análisis geográfico. Precisamente Shaw (2006) enfatiza en las
implicaciones del tiempo real en las investigaciones y la actualidad que éstas han cobrado
debido al enorme desarrollo de las TIC. Las tecnologías han modificado las relaciones
espacio-tiempo y han posicionado la variable tiempo, casi al mismo nivel que la atención
prestada al espacio, poniendo en entredicho muchos modelos utilizados en geografía en los
que la variable temporal era más bien inexistente (como por ejemplo los modelos de
gravedad). Vidal (2009) nos señala como en el análisis de las TIC en relación a los transportes
se refleja, como ya hemos señalado, el interés por conocer en que grado las tecnologías
sustituyen, complementan o incitan a realizar viajes y como, a partir del inicio de la presente
década, Internet penetra también en los sistemas de transporte. Señala una novedad respecto
de la pasada década, el tema de la convergencia de dispositivos: internet móvil, GPS, SIG y
teléfono móvil son los 4 pilares.

En las relaciones transportes y comunicaciones se apuntan tres grandes líneas


de trabajo que tienen su reflejo en distintas publicaciones sobre transportes y comunicaciones,
con una aproximación multidisciplinar, propia de la materia. De un lado, las que estudian los
aspectos geográficos de las telecomunicaciones y del transporte de información. Las que
tratan conjuntamente las dos temáticas, por sus implicaciones en un mundo globalizado, a
nivel de ordenación territorial, de planificación y gestión y de interrelación cada vez mayor,
como se ha señalado, de las redes de comunicación con los transportes. Una tercera línea de
trabajo desarrolla las redes de la información y la aplicación de las TIC, específicamente a los
transportes para convertirlos en más eficientes, menos contaminantes, más seguros y que
contribuyan en definitiva a la mejora de la calidad de vida de los ciudadanos.

En la primera tipología, la de las telecomunicaciones y del transporte de


información se sitúan obras como Understanding Information. Business, Technology and
Geography (1992) de K. Robins, la obra de M. Hepworth, Geography of the Information
Economy (1992) o la editada por S. Brunn y T. Leinbach, Collapsing Space and Time.
Geograhic aspects of Communication & Information (1990), así como la mayor parte de
libros individuales o colectivos publicados por miembros del Grupo de Geografía de la
Sociedad de la Información de la UGI, encabezado hoy por Mark Wilson. Destacamos el de
E. Roche y H. Bakis, Developments in Telecommunications. Between Global and Local
(1997) y los publicados por el presidente de la Comisión entre los años 2000 y 2008, A.
Kellermann, Telecommunications and Geography (1993) o Personal Mobilities (2006).

Aparecería igualmente destacada la obra de Castells, La Galaxia Internet


(2001), y más recientemente Mobile Communication and Society. A Global Perspective
(2006). En la misma línea las obras de Dupuy, Internet Géographie d‟un Réseau (2002),
Kim, Internationalizing the Internet. The Co-evolution of Influence and Technology (2005),
Zook, The Geography of the Internet Industry (2005) o la de Malecki y Moriset, The Digital
Economy (2008). Cabe citar igualmente en la misma línea que esta última la obra de
Leinbach y Brunn, Worlds of E-Commerce: Economic, Geographical and Social Dimensions
(2001) en la que se abunda en los aspectos económicos, geográficos y sociales de la difusión
de las TIC. Finalmente, La fracture numérique (2007) de Dupuy enfatiza en las diferencias
que se generan a escala territorial por el desigual acceso a las TIC. La gran parte de
publicaciones consultadas tratan conjuntamente las dos temáticas, transportes y
comunicaciones.

Cabe citar las obras de Banister, Capello y Nijkamp, European Transport and
communications networks. Policy evolution and change (1995); G. Giannopoulos y A.
Gillespie sobre Transport and Communications Innovation in Europe (1993); la editada por
P. Nijkamp, S. Reichman y M. Wegener titulada Euromobile: Transport, Communications
and Mobility in Europe (1990); o la de C. Capineri y P. Rietveld sobre Networks in Transport
and Communications (1997). Tiffin, Kissling y Page, a través de Transport Communication.
Understanding Global Networks; Enabling Transport Services (2007), desarrollan las
relaciones entre el transporte, las comunicaciones humanas, las TIC y la globalización. Button
y Stough, con la obra Telecommunications, Transportation and Location, del 2006, analizan,
de un lado, los cambios sociales y económicos (crecimiento económico y urbanización,
globalización, tiempo de ocio y sus impactos) y las movilidades, las telecomunicaciones y los
viajes al trabajo (teleworking, telecommuting), temas ambientales y de género y del otro las
aplicaciones de las propias TIC a los transportes, como son los sistemas inteligentes de
transporte.

Los impactos de la sociedad del conocimiento en los transportes y


comunicaciones se analizan igualmente en Structural Change in Transportation and
Communications in the Knowledge Society (2006), editada por Kobayashi, Lakshmanan y
Anderson. La logística y la intermodalidad se desarrollan en la obra de Leinbach y Capineri,
Globalized Freight Transport: Intermodality, E-commerce, Logistics and Sustainability
(2008). En ella se ponen de relieve y se desarrollan relaciones muy destacadas entre la
economía global y los flujos de transporte de mercancías y se enfatiza en las conexiones entre
Geografía Económica y Geografía de los Transportes, a partir de la importancia de la
distribución y la logística para las manufacturas y para la economía en general.

La obra de Stern, Salomon y Bovy, (deis.) Travel Behaviour. Spatial Patterns,


Congestion and Modelling (2002), presenta igualmente capítulos dedicados a la movilidad y a
los modelos de viaje, con varios estudios de casos centrados en los Países Bajos y Bélgica, a
la vez que temas de infraestructuras de tráfico, de viajes y un capítulo dedicado a las
telecomunicaciones y los viajes. Temas ya clásicos como: los viajes al trabajo, las TIC:
sustitución, estimulación, complementariedad; el teletrabajo y el ―telecommuting‖.
Finalmente, la obra de Briggs y Burke, De Gutenberg a Internet (2002), cuenta con un
marcado carácter de evolución histórica de los medios de transporte y de las comunicaciones.

La tercera línea de trabajo desarrolla las redes de la información y la aplicación


de las TIC, específicamente a los transportes, para convertirlos en más eficientes, menos
contaminantes, más seguros y que contribuyan en definitiva a la mejora de la calidad de vida
de la ciudadanía. Destacan los denominados Sistemas Inteligentes de Transporte (SIT). Dos
obras se encuentra a caballo entre el grupo precedente y esta última línea de trabajo, la de
Graham y Marvin sobre Telecommunications and the city (1996) y la de A.Reggiani y D.
Fabbri, Network developments in economic spatial systems: new perspectivas (1999). Cabe
citar algunos artículos interesantes, como el de Naniopoulos, Bekiaris y Panou (2004), por la
aplicación de las TIC en los servicios de infomovilidad, tales como el viaje guiado.

En este tercer grupo se sitúa también el compilatorio de artículos editado por


Stough, Transport and Information Systems (2003), con aportaciones desde un punto de vista
histórico de las relaciones TIC y transporte desde el año 1977; las TIC como generadoras de
nuevas oportunidades para los consumidores de infraestructuras de transporte, por ganar en
eficiencia y equidad; el análisis específico de las redes SIT; y los impactos de las TIC y del
teletrabajo y sus efectos espaciales y comportamentales, con artículos desde finales de los
ochenta. El libro de Taniguchi: City Logistics: Network Modelling and Intelligent Transport
Systems (2001) se enmarca en esta misma línea. La logistique mondiale (2005) de G.
Wackerman, con un subtítulo que asocia transportes y comunicaciones, analiza la integración
de la producción y los intercambios a partir de las TIC (BROCARD, 2009, p. 11).

En la interrelación transportes y comunicaciones, Vidal (2009) nos apunta los


siguientes temas: comercio electrónico, transformación de la cadena logística – capítulo
aparte en el presente libro –, previsión de tráficos, matriz de flujos de mercancías, evolución
de sistemas de transporte, teleactividades, mejora del confort de los desplazamientos
individuales, derecho a la movilidad, peri-urbanización, modernización de los sistemas de
transporte urbano, movilidades virtuales y espacio engrandecido o aumentado. Temas que se
incardinan con un conjunto de cuestiones sociales pertenecientes al espacio de los flujos:
mundialización del comercio, que incluye la cadena logística; seguridad en los intercambios y
en los desplazamientos, con los SIT y cuestiones medioambientales; y en las pertenecientes al
espacio de los lugares, los temas se incardinan con las movilidades individuales, la
urbanización y la intrusión de las realidades virtuales.

Las relaciones entre transportes y comunicaciones, junto con otras temáticas y


enfoques en Geografía de los Transportes también se han puesto de manifiesto al revisar los
diferentes grupos de trabajo de las sesiones del congreso anual de la Asociación Americana de
Geógrafos (AAG). Se han analizado las aportaciones realizadas en las sesiones
esponsorizadas por el Transportation Geography Specialty Group del congreso realizado en
Boston, en el año 2008, y las de otros grupos de trabajo en las que también directa o
indirectamente se produjeron trabajos relativos a transportes y comunicaciones.

Más de cien aportaciones de las temáticas más candentes de nuestra


subdisciplina. Las hemos agrupado en grandes temas, algunos más bien clásicos: nuevas
medidas de rendimiento de los sistemas de transporte. Intermodalidad y logística. Nuevas
geografías de la movilidad y de la accesibilidad, sujeto común y diferentes aproximaciones.
Viajes de ida y vuelta ―commuters‖, usos del suelo y estructura urbana. Geografía Urbana,
planificación, Geografía Social y transportes. Ciudades, regiones, estados, Geografía
regional, económica, política, población. Retos de la sostenibilidad y energías alternativas.
Cambios en transporte aéreo, tres décadas de liberalización. También se desarrollaron otros
temas más relacionados con los procesos de globalización: red de ciudades mundiales y
cadenas globales de productos básicos. O con las TIC: Nuevas aproximaciones para medir la
Geografía del tráfico de internet o la influencia de las TIC en los transportes.

Las TIC se singularizan en la reunión de la AAG en el 2009 en Las Vegas,


sesión esponsorizada, además de por el Transportation Geography Specialty Group, por los
de Communication Geography Specialty Group y Cyberinfrastructure Specialty Group. La
sesión dedicada al ―Transporte Imaginativo‖ fue auspiciada por grupos muy diferentes93,
además del Transportation Geography Specialty Group para la temática: localización
―commuting‖ y comportamiento de viaje.

LA GEOGRAFÍA DE LOS TRANSPORTES A LA BÚSQUEDA DE SU IDENTIDAD,


UN DEBATE ABIERTO

La Geografía de los Transportes fue una temática más bien marginal en la


Geografía, fundamentalmente hasta la década de los setenta, en que se produce un punto de
inflexión con la publicación, en 1973, de Geography of transportation por parte de Taafe y
Gauthier. Desde entonces hasta día de hoy nuestra disciplina ha sido muy prolífica en obras,
sin embargo, en su seno, se sigue cuestionando si es poco reconocida en el conjunto de la
geografía y cuál es su impacto en otras disciplinas científicas (BROCARD, 2009, p. 10). La
posición de la subdisciplina en la Geografía académica y el papel que juega fuera de ella, en
la interdisciplinariedad94 con las demás ciencias, es un debate vivo en la actualidad, del que
hemos dado unas breves pinceladas en páginas anteriores, dada la trascendencia de los
transportes en la calidad de vida de las sociedades contemporáneas.

Varias son las causas que se argumentan, muchas de ellas implícitas en las
páginas precedentes, ante esta falta de visibilidad, causas internas y externas a la disciplina.

93
Cartography Specialty Group, Geographic Information Science and Systems Specialty Group, Spatial
Analysis and Modeling Specialty Group y el Environmental Perception and Behavioral Geography Specialty
Group,
94
Aspecto ampliamente desarrollado, como ya hemos señalado, en otro capítulo del presente libro (Joana M.
Petrus; Joana M. Seguí; Maria R. Martínez).
Entre ellas cabe señalar la prioridad que la Geografía y otras ciencias tienen por lo tangible,
en dónde no entra el abstracto análisis de flujos. Dificultad también de tratar los flujos en el
espacio geográfico, pues los datos de movimiento se refieren a puntos (puertos, aeropuertos,
paradas) lo que conduce a focalizar los transportes en el estudio de modos y a una
aproximación funcional, tecnicista y reductora de los movimientos. El estudio de las redes,
más allá de los flujos, supone una apertura progresista, en palabras de Steck (2009, p. 127).
Goetz (2006) nos indica que al ser la Geografía de los Transportes interdisciplinar por
naturaleza, tan sólo un reducido número de geógrafos que a ella se dedican compite con
especialistas procedentes de otras disciplinas, como ingenieros, economistas, etc., por ello, el
nivel de interacción interdisciplinar ha sido y es mayor que el intradisciplinar, en el propio
seno de la Geografía. Esta vocación de dar a conocer su disciplina fuera de la Geografía,
señala Vowles (2006), y de participar en la vida activa proporcionando juicios como expertos
en la esfera pública o en consultas privadas, proporciona visibilidad a la disciplina.

Otras razones de la falta de conocimiento de la Geografía de los Transportes


en la propia Geografía estriban en la ausencia de tradición y dificultad de la temática por la
necesidad de conocer técnicas y organización de los transportes, a través de marcos de estudio
más positivistas y cuantitativos que en otros campos de la disciplina.

La necesidad de referirse al espacio, como elemento diferencial de otras


disciplinas, como por ejemplo la Economía, no constituye un argumento suficiente, hoy día,
por la necesidad de introducir la variable temporal en muchos de los análisis, sobre todo en el
cambio de milenio, a partir del impacto de las TIC. Preston añade además como la Geografía
del Transporte necesitará considerar no solamente los modelos espaciales y temporales, sino
también apuntalar los procesos sociales si quiere explotar todo su potencial (DOCHERTY,
2005). Las relaciones dentro de la propia Geografía y de ésta con otras disciplinas que
abordan igualmente la temática de los transportes, se ponen de manifiesto, frecuentemente, en
debates en el Journal of Transport Geography o en los boletines de la AAG.

La nueva década presenta signos que auguran una mayor ―centralidad‖ de la


Geografía de los Transportes y una mayor visibilidad dentro y fuera de la disciplina. Citamos
en primer lugar, el Journal of Transport Geography, que a partir del 2006 pasa de cuatro a
seis números anuales, como buena muestra de la influencia de las investigaciones
internacionales que en él se publican. Goetz (2006), señala como la interacción con otras
disciplinas que tienen fuertes lazos con el transporte ha sido muy robusta y buena muestra son
las aportaciones a la revista realizadas por no geógrafos. Al propio tiempo, un repaso a las
aportaciones de los últimos 10 años de la conferencia conjunta AAG/RGS-IBG apunta a que
la producción científica de los geógrafos del transporte es también muy elevada.

En segundo lugar, la importancia de las relaciones entre transporte, movilidad


y cambio social, como temática clave de las nuevas agendas en los albores del siglo XXI
(SHAW, 2000). Graham insiste en esta oportunidad sin precedentes para los geógrafos del
transporte para ganar centralidad dentro y fuera de la disciplina, en definitiva para romper la
brecha entre los estudios más tradicionales de transporte y la geografía humana y otras
disciplinas afines que analizan los temas de globalización y regionalización.

En tercer lugar el artículo de Keeling (2008) basado en el nuevo paradigma de


las movilidades, aboga porque los geógrafos de transporte tengan una posición fuerte para
ayudar a revitalizar la investigación sobre la crítica de las conexiones entre el transporte y las
ciencias sociales y naturales a escala regional. Goetz (2006) abunda igualmente en esta
interacción, al propio tiempo que nos indica como a través de la introducción de este nuevo
paradigma el transporte es central para el estudio de la geografía y ésta para el estudio del
transporte.

El análisis de las movilidades derivadas del comportamiento del viaje (el


porqué, el cuándo y el cómo), de las actividades de los que se mueven, más que de las zonas
en las que se mueven (propia de los estudios de cambios espaciales) y los cambios sociales, la
sostenibilidad, las TIC, el papel de las instituciones en la gestión del transporte, la promoción
del cambio social, o el estudio de las desigualdades y la exclusión social, constituyen algunas
de las temáticas fundamentales para comprender la accesibilidad y la movilidad. Son, al
mismo tiempo, tan importantes para la planificación y la política de transportes como los
modelos o la cartografía de las redes de flujos (KEELING, 2008). La temática de los cambios
sociales aboga por nuevos enfoques culturales, históricos o de género. Preston considera
necesario adoptar un enfoque más holístico y genuinamente interdisciplinario, en el que la
sostenibilidad podría resultar un concepto integrador útil (DOCHERTY, 2005).

Al propio tiempo, la Geografía de los Transportes también se acerca e


interactúa con otros campos dentro de la propia disciplina que contribuyen a darle una mayor
visibilidad. El transporte se convierte en un nexo social de primera magnitud. Docherty
(2005), citando a Guiver, nos llama la atención sobre como reconciliar el papel de las
metodologías cualitativas y cuantitativas en la investigación. Mientras los métodos
cualitativos podrían enriquecer la comprensión del comportamiento de los viajes, aceptarlos
de forma indiscriminada podría devaluar la autoridad de la que goza la investigación del
transporte basada en metodologías cuantitativas. Como ya se ha señalado95, los enfoques
cuantitativos no fueron, en ningún caso, producto de una moda ni el reflejo de un mero
ejercicio académico más o menos virtuoso, sino un riguroso y comprometido esfuerzo
científico de hibridación que intentó dar respuesta a muchas de las cuestiones que afectaban la
sociedad de esa época a través del paradigma científico revolucionario por entonces. Sin
embargo, Docherty nos indica como, hoy día, las asunciones económicas hechas por muchas
aproximaciones cuantitativas, plantean preguntas muy críticas sobre cómo nuestras
metodologías de investigación apoyan o atenúan las posibilidades de lograr aproximarnos
realmente hacia un transporte más sostenible.

Preston considera que deben ser consideradas otras metodologías más


pluralistas a parte del positivismo lógico, inspiradas en tradiciones alternativas (el
estructuralismo o el humanismo). Una Geografía del Transporte revitalizada podría ser el
nexo de unión entre los estudios de transporte y las ciencias sociales. La Geografía de los
Transportes podría disponer de los máximos logros por parte de las aproximaciones
cuantitativas y de las cualitativas (DOCHERTY, 2005). El debate sigue abierto.

REFERENCIAS

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EL BINOMIO TRANSPORTE Y TURISMO: DEL FORDISMO AL
POSTMODERNISMO

Maria Rosa MARTÍNEZ REYNÉS


Universidad de las Islas Baleares, España
mrmartinez@syacsl.com

Joana Maria SEGUÍ PONS


Universidad de las Islas Baleares, España
joana.segui-pons@uib.es

Joana Maria PETRUS BEY


Universidad de las Islas Baleares, España
joana.petrus@uib.es

INTRODUCCIÓN

La interrelación entre Turismo y Transporte, desde la aparición del Turismo de


masas hasta el momento actual – en el que emergen nuevas pautas turísticas propias de la
hipermovilidad del postmodernismo –, se ha sustentando sobre la adaptación de los vehículos,
las infraestructuras y los servicios, anejos a los requerimientos de la creciente y cambiante
demanda. El ajuste constante en las ratios de seguridad, comodidad, rapidez y economía, así
como la flexibilidad en destinos accesibles, o la facilidad en la comercialización del servicio –
vinculada a la aplicación de las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) –, han
venido marcando la competitividad de los distintos modos de Transporte y explican tanto la
distribución modal de los desplazamientos turísticos como los crecientes flujos a escala
mundial, regional o nacional.

Pero la vinculación del Turismo y el Transporte presenta otra derivada y es la


contribución de éste a una buena parte de los impactos ambientales imputados a la actividad
turística. Así pues, las políticas tendentes a la consecución de un turismo sostenible han de
confluir, necesariamente, con las iniciativas en el campo de transporte destinadas a obtener los
mayores niveles de ecoeficiencia.

En los apartados que siguen, se intentará una aproximación a las lógicas que
explican la demanda de Transporte y del Turismo, su distribución modal y los impactos
medioambientales que se generan. Se incidirá en los contrastes entre el clásico modelo
fordista y el postmoderno porque en ellos se hallan algunas claves explicativas de la situación
del binomio en el momento actual.

EL TRANSPORTE COMO SOPORTE DE LOS FLUJOS TURÍSTICOS

El concepto Turismo se halla aun en discusión sin que exista una definición
unívoca que alcance a expresar toda la complejidad del fenómeno. Pero si existe un elemento
común en las distintas propuestas teóricas definitorias, éste es el concepto de desplazamiento,
de movimiento de personas hacia el lugar de disfrute del producto-atractivo turístico.

Desde la perspectiva sociológica, el Turismo se enfoca como un fenómeno


ligado a la formación de una sociedad pudiente de clases medias. En ese contexto, viajar,
disfrutar de las vacaciones o el ocio en un lugar distinto al de residencia constituye un bien de
consumo más. Pero hay una diferencia fundamental respecto de otros bienes: su consumo,
necesariamente en destino, genera nuevas formas de migración e interrelación entre
sociedades con las consecuencias que ello tiene sobre sus formas de vida y cultura.

Para el enfoque geográfico, el énfasis se sitúa en las relaciones territoriales


dada la enorme capacidad del Turismo para consolidar sistemas globales, regionales y locales
altamente especializados. Tales sistemas inciden en mayor o menor medida en la articulación
general del territorio solapándose con los sistemas desarrollados al impulso de otros sectores
económicos igualmente dependientes de las relaciones territoriales a distintas escalas, como
es el caso del comercio o la industria (WAKERMANN, 2001). Sistemas, por otra parte, que
necesitan nodos articuladores, es decir, infraestructuras de gestión (aeropuertos, puertos,
estaciones de ferrocarril, etc.) – tanto más potentes cuanto mayor sean los flujos de personas y
tanto más especializados cuanto mayor peso tengan los visitantes sobre los residentes – que,
en ocasiones, generan notables desequilibrios territoriales y excesiva dependencia económica
de unos pocos centros emisores.

De la importancia del sistema territorial y social del Turismo, puede ser un


buen indicador el volumen de llegadas internacionales que, sólo en el año 2007, superaron los
900 millones – en un contexto territorial que abarca más de 200 países – y los 4.000 millones
de viajes domésticos (OMT, 2008b, p. 2; UNWTO, 2008, p. 127).

La perspectiva económica, por su parte, incide en la potencia de un sector que


en el siglo XXI se configura ya como una de las principales actividades económicas globales.
Aunque calibrar esa potencia en su justa medida no es fácil, la última cifra
disponible para los ingresos mundiales, del año 2007, puede resultar orientativa: 625 mil
millones de euros, la mitad de los cuales entraron en Europa (tabla 1). A éstos, además, habría
que sumarles aquellos ingresos inducidos por otros sectores productivos complementarios.

Tabla 1: Ingresos por turismo internacional en las grandes regiones turísticas mundiales.
Región Ingresos por turismo internacional Ingresos
escala mundial 2.007 per cápita
millones de euros (€)
África 21 24
América 125 137
Asia-Pacífico 138 34
Europa 317 342
Oriente Medio 25 122
Fuente: Elaboración propia a partir de OMT, 2008a, anexo 17.

Cabe subrayar inmediatamente que el reparto territorial de la riqueza generada


por el Turismo es muy desigual, como desiguales son sus flujos. Si para el continente
africano los ingresos turísticos de un año suponen una media en torno a 24 Euros por
habitante, en Europa se superan ampliamente los 300. Se entiende bien la lucha de muchos
destinos poco desarrollados por entrar o ampliar su cuota en el mercado turístico global como
estrategia de desarrollo económico. Pero es vidente que entrar en ese mercado implica no sólo
considerables inversiones para poner en valor los recursos que constituyen el núcleo central
del producto ofertado si no, lo que es más importante, hacerlos accesibles a los mercados. Y
es ahí donde las políticas de inversiones en infraestructuras de Transporte resultan claves.

Ingresar en el sistema económico-turístico supone estar conectado al sistema


turístico-territorial global. Mantener la competitividad, viene relacionado con la
competitividad de los equipamientos e infraestructuras de Transporte disponibles. Y esto es
así porque si el Transporte tiene una importancia vital para la distribución del producto, no la
tienen menor para la formación de la imagen que se hacen del destino los turistas.

El viajero espera disponer de las mejores condiciones de accesibilidad al mayor


número de destinos y a sus atractivos durante el mayor tiempo posible. Por tanto, la forma y
flexibilidad con la que se provean las conexiones, la mayor o menor proximidad que sean
capaces de facilitar respecto de los recursos y la comodidad que ofrezcan al usuario,
condicionaran poderosamente el mapa mental del destino y, consecuentemente, modularan su
cuota de demanda (OMT, 1971).
Así pues, una correcta elección del modo, en función del destino apetecido, su
localización, y la forma de consumo de sus atractivos, es decir, el ajuste fino del modo a las
especificidades de la experiencia contratada, resulta fundamental para el correcto
funcionamiento del sistema, en términos económicos, sociales y medioambientales.

TRANSPORTE, TURISMO Y DISTANCIA

La distancia ha actuado siempre como un factor de restricción, de disuasión,


para los desplazamientos turísticos ya que implica un tiempo y unos costes no siempre
asumibles por la mayoría de la población.

El reto constante de proveer accesibilidad a los destinos y movilidad a los


viajeros a precios y tiempos ampliamente asequibles, se ha ido consiguiendo a medida que los
avances técnicos han posibilitado vehículos más rápidos y eficientes, infraestructuras más
seguras y sistemas de comercialización más ágiles. En ese proceso han jugado un papel
destacado las Tecnologías de la Información y Comunicación (TIC) implementadas tanto en
los procesos de producción industrial de los vehículos, como en la gestión de las
infraestructuras y el tráfico, sin olvidar los procesos de comercialización de los servicios
(MARTÍNEZ; PONS, 2004, p. 126; OMT, 2002, p. 6).

Paralelamente, y como consecuencia del proceso mencionado, el espacio se ha


ido contrayendo porque las distancias temporales, económicas y perceptuales se han
reducido. En efecto, si, como señalaba Gormsen en su modelo aplicado a Europa, a principios
de siglo XX se configura una primera periferia turística en torno a los destinos costeros
accesibles en ferrocarril desde los principales focos económicos y demográficos, en los años
60 aquella se situaba a cientos de kilómetros más allá, en la isocrona de unas pocas horas en
transporte aéreo.

Actualmente, la contracción del espacio, favorecida por los últimos avances


técnicos del transporte aéreo – virtualmente capaz de asumir cualquier destino del planeta sin
escalas –, hacen realidad una periferia global. Contribuye a ello el fácil acceso a la
información sobre destinos y servicios de Transporte disponibles proporcionada por la red de
redes.

Es posible que, en una sociedad postmoderna en la que prima la experiencia, la


diversidad y la aventura, esa cintura se amplíe aún más hasta incluir alguna porción del
espacio extraterrestre. Hoy día, los vuelos turísticos a 100 kilómetros de la superficie de la
Tierra son ya una realidad para acaudalados aventureros. Que estas primeras aventuras se
conviertan en asequibles y cotidianas, dependerá del desarrollo del Transporte espacial. No
faltan operadores que empiezan a tomar posiciones estratégicas para un futuro que presumen
relativamente próximo.

Con todo, por más que el Transporte haya mejorado sustancialmente el


cociente distancia/tiempo, y a pesar de la fuerte atracción que ejerce aún lo lejano y exótico,
aquella sigue siendo un elemento claramente disuasorio. Y lo es porque, a pesar de algunas
distorsiones introducidas en la regla general por las economías de escala – como muy bien
demostró Miossec en su teoría del espacio turístico (MIOSSEC, 1976), la relación
distancia/costes sigue siendo conflictiva.

No hay más que observar que el segmento de la demanda que hoy día puede
disfrutar de largos periodos de tiempo para desplazamientos de ocio y que dispone de
capacidad económica suficiente para permitirse traslados a largas distancias, sigue siendo
muy restringido. Así parece desprenderse de los siguientes datos: si en el año 1970 la ratio de
viajes internacionales fue del 4,5% sobre la población mundial, en el año 2007 la ratio se
había ampliado solamente al 11,5% (OMT, 2007, p. 34, 37). Es más, ese incremento parece
deberse más al incremento del número de viajes/persona dentro del segmento más acomodado
de la población que al ingreso de nuevos viajeros internacionales al mercado. El ejemplo de
los desplazamientos en transporte aéreo en Europa así parece confirmarlo (RAMOS, 2008, p.
18).

Otras evidencias apoyan lo que se viene argumentando. El 79% del turismo


internacional mundial se produce dentro de la propia región emisora, aunque se dan
variaciones en las tasas regionales que, como puede apreciarse en la figura 1, oscilan entre el
84% de Europa al 69% de América. Además, de forma generalizada, los viajes de corta
duración (de 7 a 15 días) que se efectúan en un marco intraregional son abrumadoramente
más habituales que los que se efectúan en un marco intra o intercontinental y de duración
superior a esos períodos.
Figura 1: Llegadas de Turismo internacional según región origen-destino, en 2006.

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
Europa América Asia-Pacífico África Oriente Medio
Regiones destino

Europa Asia-Pacífico América Oriente Medio África

Fuente: Elaboración propia a partir de OMT, 2007.

Este efecto explica bien el dominio de Europa en el contexto mundial (figura 2), al
beneficiarse sus destinos turísticos de una localización a distancias accesibles respecto de los
principales emisores. Se comprende también que un destino estrella, como el Mediterráneo se
encuentre fuertemente ligado a la demanda del norte y centro europeo – la más potente del
mundo – en tanto que el Caribe, por citar un ejemplo homologable, se halle cautivo de la
demanda centro y norteamericana.

Figura 2: Llegadas turísticas internacionales según región de destino, en 2006.


4,9%
4,8%

16,0%

54,5%

19,7%

Europa Asia-Pacífico América Oriente Medio África

Fuente: Elaboración propia a partir de OMT, 2007.

Pero si la distancia resulta determinante en la elección de los destinos, lo es


también respecto de la elección modal del Transporte. Es claro que cada modo presenta,
frente a la distancia, umbrales de competitividad contrastados, tal como se transcribe de forma
sintética en la tabla, 2. La distancia, pues, será un factor determinante para explicar el reparto
modal de los flujos a escala internacional y doméstica que se desarrollará más adelante.

Tabla 2: Competitividad modal para el factor distancia.

Modo Umbrales de eficiencia y competitividad

Carretera Hasta 1.000 km


Aéreo Más de 1.000 km
Marítimo Hasta 300 km
Ferroviario convencional Entre 200 km y 500 km
Ferroviario Alta Velocidad Entre 300 y 700 km
Fuente: Elaboración propia a partir de OMT, 1998a, p. 113.

LA MOVILIDAD TURÍSTICA EN LA SOCIEDAD POSTMODERNA

Al arranque de los años 60 el Turismo había alcanzado características


homologables a las formas de producción industrial fordista. Es por ello que puede hablarse
de producción turística para definir el Turismo moderno. Una producción turística, como es
bien conocido, sustentada en la masificación y la estandarización de los viajes.

Fue éste el modelo del paquete integrado, de la eclosión del chárter y de los
precios baratos. Y surge en respuesta a un mercado joven, aún poco experimentado que,
siguiendo las pautas sociales de las clases más acomodadas, perseguía el mito del paraíso –
como diría Chadefaud (CALLIZO, 1991, p. 184) y que creía que lo encontraría en cálidas
costas no muy lejanas. Fue, sobre todo, el tiempo de una demanda poco exigente que se
conformaba con poder elegir entre la oferta de productos que se le presentaba, poco
diversificados y diseñados a la medida de economías de escala. El paraíso venía empaquetado,
pero era posible.

Con el tiempo, aquellos mercados han madurado, tienen más acceso a la


información, se han habituado al viaje y han ganado en experiencia. De la misma manera, la
sociedad a la que pertenecen ha cambiado, impregnada del nuevo sistema de valores
postmoderno (FÉLIX; PEREIRA, 2001, p. 1).

La transposición de esos valores a las motivaciones turísticas explica que el


hedonismo, el placer por el consumo, cierto gusto por el riesgo, tanto como la exaltación de la
experiencia, la búsqueda de la novedad por la novedad, el individualismo o la creciente
nostalgia de los orígenes, alimente nuevas demandas a destinos clásicos pero también a
multitud de nuevos lugares toda vez que cualquiera de ellos tiene, hora, potencial para
responder a alguna de aquellas aspiraciones. Pero además, el turista postmoderno no busca
tanto observar, admirar los recursos disponibles, como la forma en que éstos se le presentan y
de la manera en que pueden ser experimentados para obtener placer. Tampoco le importa
tanto el exotismo cuánto la distinción, la diferenciación social que supone acceder nuevos
lugares, a las constantemente renovadas atracciones de los destinos tradicionales, a exclusivos
entornos de alta calidad medioambiental.

La proliferación de atractivos y destinos tanto como la microsegmentación de


los productos y expectativas a las que responden, encuentra su justa respuesta en la
hipermovilidad de la demanda. Frente a un solo viaje al año del turista moderno, el
postmoderno acumulará a las vacaciones estacionales otros viajes cortos a lo largo del año a
destinos que le acerquen a nuevos mitos: la vuelta a sus orígenes en ambientes rurales, el
hedonismo de los centros termales, el cosmopolitismo y la vanguardia de las grandes urbes,
experiencias de riesgo en destinos remotos.

Una paradoja puede servir como conclusión de este apartado. Tal como
argumenta Erik Cohen (2005, p. 15), mientras que la globalización va homogenizando el
mundo, están emergiendo más focos de atracción para el turista; mientras que la pérdida de
diversidad opera, en teoría, en contra de la capacidad de atracción, el viaje se consolida más y
más como signo distintivo de las sociedades postmodernas.
LA DISTRIBUCIÓN MODAL DE LOS FLUJOS TURÍSTICOS

Con el fin de aproximarnos a la relación Transporte-Turismo ahora en términos


cuantitativos, se revisará aquí la distribución de los flujos turísticos por modo de Transporte y
su evolución desde los años 60 a la actualidad en grandes cifras. Se hará desde una doble
perspectiva. La primera, abarcará valores globales para la escala mundial, con algunos
ejemplos puntuales cuando se ha creído oportuno. La segunda, hará incidencia en las
variaciones y contrastes que se dan entre las regiones turísticas mundiales para los
movimientos internacionales.

LOS MODOS DEL TRANSPORTE TURÍSTICO A ESCALA MUNDIAL,


EVOLUCIÓN Y DISTRIBUCIÓN ACTUAL

Para el conjunto de los movimientos turísticos, tal como se observa en la tabla


3, el transporte por carretera mantiene un dominio claro respecto del resto de modos
disponibles. Con más de dos mil millones de viajes, gestionó la mitad de todos los
desplazamientos turísticos del mundo en el año 2006. Le sigue en importancia, el
conglomerado ―Otros‖ (ferrocarril, vía navegable y autocar turístico) que aglutinaron ese
mismo año el 34% del mercado. En tercer lugar se situó el transporte aéreo con el 17%.

La prevalencia del automóvil se debe a la competitividad que presenta para los


desplazamientos domésticos – una cuota de mercado del 51% así parece señalarlo – pero
también para los internacionales en donde acapara el 38% de la demanda debido a la
importancia de los movimientos de proximidad entre países vecinos (DRIVING HOLIDAYS
INTERNACIONAL, 2007; UNTWO, 2008, p. 127). Para el resto de desplazamientos
internacionales a mayor distancia, el coche se ve desbancado por el transporte aéreo que, para
ese segmento, acumula una cuota del 45%, cinco puntos porcentuales más que el automóvil.

Tabla 3: Distribución modal de los desplazamientos turísticos a escala mundial, en 2006.


Avión Automóvil Otros* Total
Tipo desplazamiento (millones (millones (millones viajes) (millones viajes)
viajes) viajes)
Desplazamientos turísticos 480 2.028 1.492 4.000
domésticos
Desplazamientos turísticos 340 287 123 750
internacionales
Total por modo 820 2.315 1.615 4.750
Avión Automóvil Otros* Total
(%) (%) (%)
Desplazamientos turísticos 12 51 37 100
domésticos
Desplazamientos turísticos 45 38 16 100
internacionales
Total por modo 17 49 34 100
(*) Se incluyen en ―Otros‖ el transporte marítimo, autocar turístico y ferrocarril.
Fuente: Elaboración propia a partir de UNWTO, 2008.

La expansión del transporte aéreo para los flujos internacionales ha sido


constante desde los años 60. Sin embargo, el gran salto se produjo a finales de los 70 y
durante la década de los 80 cuando se produce un cambio radical en la distribución modal
carretera-vía aérea, como puede apreciarse en la figura 3. Si en la década de los 60 la carretera
aglutinaba el 80% de todos los movimientos internacionales, al inicio de los 90 había perdido
ya casi la mitad de esa cuota en tanto que el transporte aéreo la había triplicado ampliamente.
Desde 1990, la carretera ha seguido perdiendo importancia relativa frente al modo aéreo
aunque con menor intensidad, solo cuatro puntos, en tanto que la vía aérea se ha mantenido
en expansión hasta incrementarse en siete puntos.

El comportamiento de los dos modos minoritarios, la vía navegable y el


ferrocarril, ha sido también contrastado. Mientras que la primera en el año 2006 había
incrementado en un 75% su cuota respecto del año 1967 – debido en buena parte a la
expansión de los cruceros turísticos –, el ferrocarril la ha reducido a la mitad a pesar del
positivo impacto de la alta velocidad y los recorridos turísticos temáticos.

Figura 3: Distribución de las llegadas turísticas internacionales según modo de transporte. Período
entre 1967 y 2006.
100% 3
4 8 8 7
6
8 4
6 5

80%

43
44
47
60%

79
80

40%

43 46
20% 39

12
8
0%
1967 1976 1990 2000 2006

Vía aérea Carretera Ferrocarril Vía navegable

Fuente: Elaboración propia a partir de OMT, 1976, 2008b.

Ningún modo, sin embargo, ha perdido demanda en términos absolutos. Todos


han visto incrementado el número de pasajeros año a año, salvo excepciones puntuales. La
importancia relativa que han ido adquiriendo en el mercado se debe, por tanto, a diferenciales
de crecimiento muy acusados, como puede observarse en la tabla 4. Mientras que entre 1990 y
2006 el transporte aéreo internacional mantuvo crecimientos medios anuales del 8% – dos
puntos más que la media para todos los modos –, la carretera y la vía navegable los tuvieron
del 5%, en tanto que el ferrocarril creció sólo en un 1%96.

Tabla 4: Evolución de la distribución modal para las llegadas internacionales. Cuota de crecimiento
entre 1990 y 2006.
Modos Año Año Incremento Incremento
1990 2006 1990-2006 (%) interanual (%)

Total modos 436,1 847,3 94 6


Vía aérea 168,1 389,6 132 8

96
Más allá de sus propias capacidades técnicas para abordar largas distancias, la expansión del transporte aéreo
se ha visto impulsada por la creciente liberalización y desregulación del sector y por las políticas estratégicas
de los operadores respecto de sus formas de explotación y comercialización. Dos de ellas han sido muy
estacadas: las alianzas globales y la explotación ―low cost‖. Las alianzas globales entre grandes compañías de
todo el mundo han permitido establecer redes y compartir costos a escala mundial, posibilitando así el acceso a
más destinos y a mejores precios (OMT, 2002) Las ‖low cost‖, más especializadas en los flujos intraregionales,
han actuado como nuevos motores turísticos a esa escala y constituyen un excelente soporte para los viajes de
proximidad individuales y desestacionalizados en contraste a los ofertados por los grandes operadores turísticos
tradicionales (HERNÁNDEZ, 2008, p. 10).
Vía terrestre 233,6 394,2 69 4
Carretera 206,1 360,7 75 5
Ferrocarril 27,5 33,5 22 1
Vía Navegable 33,0 60,6 84 5
Fuente: Elaboración propia a partir de OMT, 2008b.

Pese al escaso brío manifestado por el ferrocarril – el transporte que peor ha


soportado la competencia modal –, cuenta con dos modalidades que sí están teniendo éxito: la
alta velocidad (AV) y los ferrocarriles turísticos aunque estos últimos tienen incidencia sólo a
escala doméstica.

La potencia de la alta velocidad (AV) radica en su competitividad para


trayectos entre 300 km y 700 km (tabla 2), o inferiores a las 2,5 horas de duración.
Constituye, pues, un serio competidor para el transporte aéreo de corta distancia puesto que
ambos modos persiguen dar respuesta a un sector de la demanda que tiene como condición
prioritaria la duración de viaje. Esto es muy claro en Europa en donde la AV acumula ya el
30% de todos los viajes ferroviarios, arrebatando la posición dominante a la vía aérea para los
desplazamientos entre grandes capitales. Son ejemplos paradigmáticos las relaciones Londres-
París, París-Lyón, París-Basilea-Zurich, Ámsterdam-Bruselas, Madrid-Sevilla o Madrid-
Barcelona, cuyas cuotas de mercado para la AV oscilan entre el 50% para el último trayecto
señalado y del 94% para la línea París-Lyón. En todos estos trayectos la duración del viaje es
algo mayor en AV que en avión, pero ésta se ve compensada por la comodidad a bordo, el
menor tiempo de espera y, en términos generales, por un menor coste del billete del
ferrocarril. Algo similar sucede en la línea estadounidense Acela Express para la ruta Nueva
York-Washington con una cuota de mercado, arrebatada a los grandes operadores aéreos, que
se aproxima al 55%.

Finalmente y por lo que se refiere al transporte marítimo, cuya participación


modal en los flujos turísticos se mantiene relativamente estable desde los años 90, hay que
destacar el empuje de los cruceros marítimos antes que la atonía del modo convencional que
ha perdido posiciones respecto del aéreo, su competidor para las relaciones entre territorios
fragmentados.

En efecto, el crucero turístico, que ha superado ampliamente ya los 15 millones


de pasajeros, arroja un balance evolutivo más que positivo. Con un crecimiento acumulado en
los últimos 20 años de un 300%, está registrando crecimientos interanuales en torno al 8% en
los últimos tiempos, (EUROPEAN CRUISERS, 2007, p. 3; OMT, 2008a, p. 1).
Los buenos resultados de este transporte-producto se asientan,
fundamentalmente, en las estrategias de los operadores que han sabido adecuar sus productos
al inquieto viajero actual. Ello ha supuesto: primero, incrementar el número de plazas
disponibles haciendo que sea la oferta quien arrastre a la demanda. Segundo, optar por la
especialización de los buques y destinos para abarcar el mayor abanico de posibilidades 97.
Tercero, extender territorialmente la red de operaciones hasta abarcar la escala mundial.

Al igual que sucede de forma generalizada en todo lo que atañe al sector


turístico, se evidencia una importante polarización territorial, tanto por el lado de la oferta
como por el de la demanda. Puesto que ambas funcionan a escala regional, los destinos
intraregionales de las áreas con mercados más potentes, son también aquellos que registran
mayor afluencia. Así, Norte América proporciona el 68% de todos los cruceristas del mundo y
Europa aporta una cuota del 22% (EUROPEAN CRUISERS, 2007, p. 3). Ambas zonas y sus
entornos más próximos son también las primeras receptoras netas, con cuotas que superan el
50% en el Caribe en la estación invernal y del 30% en el Mediterráneo en verano (OMT,
2008a, p. 13). En las tablas 5 y 6 pueden observarse los principales destinos para
norteamericanos y europeos.

Precisamente esa concentración, que amenaza con la saturación de los destinos


clásicos y el cansancio consecuente de la demanda, es el origen de las políticas de extensión
territorial de las líneas y circuitos. En este contexto, Sudamérica y Asia-Pacífico juegan ya un
papel importante en tanto que el Pacífico Sur, Australia, Oriente Medio, el Golfo Arábigo,
Sudáfrica u Océano Índico están llamados a complementar estacionalmente el área del Caribe.
El problema, por el momento, radica en la escasa demanda actual que esas zonas generan, lo
que obliga a seguir dependiendo de mercados localizados a distancias aún disuasorias para
buena parte de la demanda. En consecuencia, estos destinos suelen venir vinculados a
cruceros de alto coste.

Tabla 5: Principales destinos para los cruceristas norteamericanos.

Destinos Cruceristas

97
Actualmente el mercado del crucero dispone desde pequeños buques adaptados a circuitos naturalistas o de
aventuras en destinos ambientalmente protegidos y muy minoritarios, hasta los gigantescos VLCV de más de
100.00 GT con capacidad para más de 3000 pasajeros, asimilables en destinos y prestaciones a un resort
turístico del tipo ―sol y playa‖. Entre ambos extremos pueden encontrarse otras categorías más matizadas
capaces de satisfacer a cualquiera de los grupos en que se pueda estructurar la demanda: edades, gustos,
situación vital o capacidades adquisitivas que van desde el lujo más sofisticado a la simplicidad del ―low cost‖.
Caribe Occidental 2.817.000
Bahamas 1.448.000
Caribe Occidental 1.407.000
México 1.265.000
Alaska 1.015.000
Caribe Sur 859.000
Hawaii 250.000
Canadá /New England 231.000
Bermuda 224.000
Transatlánticos 168.000
Trans Canal 102.000
Costa del Pacífico 58.000
Nowhere 29.000
S.Pacífico 27.000
S. América 14.000
Total 9.914.000
Fuente: U.S. Department of Transportation, 2009.

Tabla 6: Destinos de los cruceristas europeos, en 2006.

Destino Pasajeros % 20050-6

Zona Mediterráneo 1.981.000 7


Zona Norte Europa 595.000 19
Zona Caribe y otros 832.000 7
Total 3.408.000 9
Fuente: European Cruisers, 2007.

LA DISTRIBUCIÓN MODAL DE LOS VIAJES INTERNACIONALES. LOS


CONTRASTES REGIONALES

Todas las regiones turísticas reciben sus flujos internacionales preferentemente


por vía aérea excepto en Europa en dónde domina el transporte terrestre con una cuota del
51% 98 tal como puede observarse en la figura 4.

Figura 4: Distribución modal de los flujos turísticos. Llegadas internacionales según región de
destino, en 2006.

98
Se considera de forma conjunta carretera y ferrocarril, aunque la participación del ferrocarril en la cuota
global del transporte en superficie es muy reducida, en torno al 7%, según las estadísticas Eurostat para el año
2006.
100% 4%
6% 6% 7%
10%
90%
80%
39% 47%
70% 47% 40% 51%
60%
50%
40%
30% 55%
47% 49% 50%
20% 42%

10%
0%
África Américas Asia Pacífico Europa Oriente
Medio
Regiones de destino

Vía aérea Vía terrestre Vía navegable

Fuente: Elaboración propia a partir de OMT, 2007.

Pero esta foto fija esconde una evolución contrastada entre las diversas
regiones desde los años del inicio de la explosión turística. En la tabla 7 se pueden observar
dos comportamientos regionales distintos. Por una parte, el de aquellas regiones que partían
de unos equipamientos en superficie muy escasos o poco articulados y que, por esa misma
razón, eran fuertemente dependientes del transporte aéreo: África y Asia Pacífico. De otra, la
evolución de las regiones que basaron sus primeros años de desarrollo turístico sobre una red
de carreteras y ferrocarriles ya suficientemente eficiente como para posibilitar los crecientes
desplazamientos de viajeros: Europa y América.

Tabla 7: Evolución de las llegadas internacionales por región y modo de transporte, entre 1967 y
2006.
Año 1967
Región Vía Vía terrestre Vía navegable Total
aérea
África 54% 26% 20% 100%
América 24% 70% 6% 100%
Asia-Pacífico 85% 4% 11% 100%
Europa 5% 91% 4% 100%
Oriente Medio 24% 75% 1% 100%
Año 2006
Región Vía aérea Vía terrestre Vía navegable Total

África 47% 47% 6% 100%


América 55% 39% 6% 100%
Asia-Pacífico 49% 40% 11% 100%
Europa 42% 51% 7% 100%
Oriente Medio 50% 47% 4% 100%
Fuente: Elaboración propia a partir de OMT, 1976 y 2007. Anexos estadísticos.

Con el tiempo, esas diferencias han ido matizándose. Por ejemplo, la cuota de
demanda del modo aéreo en 1967 oscilaba enormemente: entre el 85% de Asia-Pacífico y el
5% de Europa. En el 2006 ésta se movía en una horquilla mucho más estrecha: entre el 42%
de Europa y el 55% de América (OMT, 1976, 2007). Por el contrario, las dos regiones que
iniciaron el período analizado con mayor dependencia del transporte aéreo (África y Asia-
Pacífico) han ido consolidando los flujos por carretera hasta alcanzar en la actualidad el 47%
y el 40% respectivamente. Se ha configurado así un patrón modal muy similar en todas ellas
con pequeñas variaciones porcentuales relacionadas con las características estructurales
propias de cada región que abarcan desde aspectos físicos, como locacionales y económicos.
Valgan los ejemplos de Europa y Asía-Pacífico.

El dominio del transporte en superficie en Europa se explica por el menor


tamaño relativo de los países que conforman la región – los desplazamientos internacionales
en muchos casos son a cortas distancias –, por la existencia de una eficiente y densa red viaria
y ferroviaria y altas tasas de motorización. Pero también por una elevada densidad de recursos
y atractivos turísticos puestos en valor. La proximidad respecto de los principales mercados
turísticos emisores y el desarrollo de rutas paisajísticas, históricas o monumentales muy bien
señalizadas han propiciado que en países como Francia, Alemania o Bélgica, o las franjas
meridionales de Italia y España reciban la amplia mayoría de flujos internacionales por
carretera, con cuotas que oscilan entre el 60% y el 80% (DRIVING HOLIDAYS-
INTERNATIONAL, 2007).

A pesar de todo ello, es llamativa la evolución del transporte aéreo en la región


puesto que ha pasado de acaparar sólo el 5% de la demanda en el año 1967, a acumular el
42% en la actualidad. Esa cuota se ha nutrido, en buena medida, de la transferencia del
transporte rodado que ha descendido 40 puntos relativos desde aquel año, no tanto por la
disminución absoluta de los flujos en superficie como por el notable incremento de los viajes
por vía aérea hacia destinos insulares.

En el caso de Asia y Pacífico hay que tener presente sus características físicas
ya que se trata de un área fuertemente desarticulada, con numerosos territorios insulares que
restringen la alternativa de la carretera para algunos de sus principales enclaves turísticos.
Constituye, además, un destino de larga distancia para los principales mercados emisores: el
europeo y el norteamericano. Si el primer factor explica que la vía navegable aglutine aquí la
mayor cuota del mundo para llegadas internacionales – 11% – a pesar de no ser un destino
destacado para cruceros, la suma de los dos justifica el desarrollo de la opción aérea.

LOS IMPACTOS AMBIENTALES DEL TRANSPORTE EN EL SECTOR


TURÍSTICO

Como ya se ha argumentado, la necesidad de satisfacer la creciente demanda


ha obligado a potenciar la oferta de transporte en términos de viajes y destinos en todo el
mundo y ésta dinámica ha disparado sus impactos territoriales y medioambientales.

Por lo que se refiere al territorio, el desarrollo de las infraestructuras ha


reportado importantes desequilibrios: consumo del suelo a veces desmesurado, cambios de
usos en los entornos de los grandes equipamientos (aeropuertos, puertos), incremento del
ruido ambiental, contaminación lumínica, vertidos tóxicos o incremento de residuos entre
otros (JORDÀ, 2008). Todo ellos tienen consecuencia negativas a escala local, tanto más
acentuadas cuanto mayor es la presión turística y la fragilidad de los destinos.

Sin embargo, el impacto más importante del transporte turístico, por su


dimensión global, es su participación en el fuerte incremento de las emisiones de gases efecto
invernadero (GEI) al dispararse el número de kilómetros recorridos y, en consecuencia, el
consumo energético. Tan es así que hoy día, el Transporte constituye un agente protagonista
en el cómputo global de los impactos ambientales generados por el Turismo, (PONS;
REYNÉS, 2009).

Como puede apreciarse en la figura 5, en la que se comparan las emisiones del


principal gas de efecto invernadero – el dióxido de carbono (CO2) –, producidas en cada
subsector de los que componen el sector turístico, la mayor cuota, el 75%, corresponde al
Transporte, frente a la cuota del 21% originada en el alojamiento y del 4% en otras
actividades relacionadas con el ocio.
Figura 5: Distribución de las emisiones CO2 por segmentos del producto turístico, en 2005.

4%

21%

40%

3%

32%

Transporte aéreo Automóvil Otros transportes Alojamiento Otras actividades

Fuente: Elaboración propia a partir de UNTWO, 2008.

La comparación modal que se expresa en la figura 6, muestra la importante


participación de los dos modos con mayor demanda: el transporte aéreo y el automóvil. Así, el
aéreo – el modo más problemático en lo que se refiere a los impactos ambientales globales –,
aporta una cuota del 60% sobre el total de las emisiones producidas en los desplazamientos
turísticos y el automóvil del 36%. Su participación relativa varía, sin embargo, en función del
tipo de desplazamiento. En los internacionales es el Transporte aéreo quien acumula una
mayor cuota de emisiones, el 38%, en tanto que en los domésticos – habitualmente de menor
distancia de recorrido99 – lo es la carretera, con una participación del 31%. Tal
comportamiento se debe a la especialización de cada uno de ellos en uno u otro tipo de
desplazamiento.

Figura 6: Cuota emisiones CO2 por modo de transporte y tipo de desplazamiento, en 2005.

99
La segmentación de los flujos turístico en ―internacionales‖ y ―domésticos‖ en las fuentes estadísticas impide
análisis finos de los impactos ambientales del Transporte turístico ya que obvia las diferencias territoriales entre
países de dimensiones tan diferentes como China y Bélgica, por ejemplo. Es por ello que el parámetro distancia
entre el origen y destino de los flujos turísticos aportaría una visión más ajustada del fenómeno, como explican
Peeters y otros (2007, p. 91).
60

4%
50
1%

40 5%
31%

30

20 38

10 22%

0
Internacional Doméstico

Transporte aéreo Automóvil Otros transportes

Fuente: Elaboración propia a partir de UNWTO, 2008.

Si tenemos en cuenta las últimas proyecciones de la OMT, (2008b, p. 10) para


el año 2020 a escala mundial – que prevén en torno a los 1.600 millones de visitas
internacionales100 en ese año y, lo que es más importante, el incremento de los viajes de larga
distancia dos puntos porcentuales más que los intrarregionales –, es fácil suponer que ambos
modos incrementarán notablemente sus operaciones, especialmente el transporte aéreo.

Ante estas cifras, resulta más que evidente que las políticas sectoriales del
Transporte y del Turismo deben converger en su camino hacia la sostenibilidad. El Turismo,
pues, debe incorporar aquel o aquellos modos con mayor capacidad de responder de la forma
más adecuada a la movilidad turística con los mayores beneficios económicos, pero también
con los menores costes medioambientales. Esto es, deben apoyar su ecoeficiencia, en tanto
que sector económico, sobre la propia ecoeficiencia del sector Transporte101.

100
Desde el último semestre de 2008 se vienen registrando caídas del Turismo y de la demanda en Transporte
aéreo como consecuencia de la crisis económica global que aún persiste en el primer trimestre del 2009. Las
proyecciones efectuadas para la evolución del Turismo y la demanda del transporte no contemplaban ésta
situación.
101
Un indicador interesante para evaluar la ecoeficiencia del transporte es el que relaciona la variable ―emisiones
CO2‖ y la variable ―beneficios económicos‖ obtenidos por la comercialización de sus operaciones. Su
expresión, tomada de Gössling y otros (2008, p. 418) sería la siguiente: Kg. CO 2-e/€. En Peeters y otros, 2007, p.
91, se define como la relación entre los impactos económicos y los gastos externos relacionados con el cambio
climático.
Procurar incrementar la ecoeficiencia de los viajes, no sólo reporta beneficios
para el medio ambiente y para los destinos turísticos, si no que aporta ventajas económicas y
de imagen a los operadores. Así, además de permitirles ofertar billetes más económicos –
como consecuencia de la reducción del consumo energético – sin perder rentabilidad, les
proporciona la oportunidad de poner en valor su compromiso medioambiental. Ambos
aspectos constituyen poderosos incentivos para el nuevo turista (MASON; MIYOSHI, 1998,
p. 138). Por lo mismo, son atractivos comúnmente utilizados en el marketing turístico102.

Hay que recordar que, en contraposición al modelo fordista, el nuevo turista es


cada vez más consciente y más exigente respecto de los impactos generados por sus
desplazamientos y que, por lo mismo, demanda alternativas vacacionales
103
medioambientalmente neutras . Claro es que, estas alternativas suelen reportar incrementos
en los costes del Transporte y sólo los más concienciados y aquellos que hacen de esa forma
de Turismo un signo de distinción están dispuestos a asumirlos.

EL TRANSPORTE AÉREO: PROBLEMAS Y ALGUNAS ALTERNATIVAS

Como puede comprobarse en la tabla 8, en dónde se expresan las tasas medias


de emisiones de dióxido de carbono por pasajero y kilómetro en transporte aéreo, este modo
resulta ser el más contaminante. En el polo opuesto, el autocar y el ferrocarril se destacan
como las opciones más limpias.

Tabla 8: Tasas de emisiones CO2 por modos de transporte en los desplazamientos turísticos en
Europa.
Modo de Emisiones CO2
Transporte Gr/pasajero/km

Transporte Aéreo larga distancia (2.000 km) 118-153


Transporte Aéreo corta distancia (500 km) 77-240
Autocar turístico 45-80
Coche 100-500
Ferrocarril convencional 45-130
Ferrocarril Alta Velocidad 80-165

102
Compañías aéreas (EasyJet, Continental Airlines, Finnair), navieras (Costa Cruceros, MSC cruceros) y
operadores de coches de alquiler (Hertz, AVIS, EV Rental, etc.) han hecho públicas sus políticas y
compromisos medioambientales para situarse en posiciones competitivas respecto de otros operadores.
103
Una encuesta del operador europeo en AV Eurostar revela que el 60% de los británicos tiene en cuenta el
impacto medioambiental de sus desplazamientos a la hora de elegir sus viajes de vacaciones y que el 70%
considera que los operadores tiene la responsabilidad de adoptar medidas para proteger el medioambiente según
se explica en la noticia: EUROSTAR reduce sus emisiones de CO2 en un 31% publicada por el diario
Eleconomista.es (7/5/2009).
Fuente: Elaboración propia a partir de European Environment Agency (EEA), 2008.

Pero las tasas de emisión modal no son valores fijos si no que varían en
función de los modelos del vehículo utilizados, las tasas de ocupación y la distancia abordada,
especialmente significativa para el trasporte aéreo, como demuestra el estudio elaborado por
Miyoshi; Mason (2008), sobre las rutas intraregionales y las relaciones norte atlánticas del
Reino Unido. De manera general, puede afirmarse que los vehículos más modernos y
eficientes con máximas ocupaciones serán los que proporcionen menores ratios. Los valores
consignados en la tabla 8, se corresponden a las tasas mínimas y máximas de emisión en
función de esos factores.

Los avances conseguidos se deben a la implementación de diversas políticas


industriales I+D para reducir la huella de carbono. Han pivotado sobre tres ejes: la reducción
de consumo energético, el incremento de las capacidades de los vehículos y la utilización de
nuevos combustibles más eficientes104.

Un expresivo indicador de los avances alcanzados podría ser el incremento de


la eficiencia energética de las aeronaves actuales – o lo que es lo mismo, el ahorro en el
consumo de combustible/pasajero – que se estima próximo al 70% respecto de los aviones
que protagonizaron la explosión turística de los años 60, según el informe elaborado por la
European Aeronautic Defense and Space Company (EADS) del año 2007.

Las ventajas de esas mejoras son múltiples. Así, el ahorro energético generado
ha permitido rebajar las cuotas de dióxido de carbono emitido en un porcentaje que se
aproxima al 50% en los últimos 50 años de tal manera que las más modernas aeronaves
pueden alcanzar, en las condiciones más óptimas, niveles de emisión de monóxido de carbono
por pasajero incluso inferiores a los automóviles híbridos105. Pero también ha reducido entre
un 20% y un 25% los costes operativos directos de las aerolíneas (ATAG, 2009a).

Paradójicamente, si la creciente eficiencia del transporte aéreo ha venido


impulsando el incremento de los desplazamientos turísticos, también tiene su cuota de

104
Las expectativas más realistas para el futuro en lo que se refiere a la eficiencia de los combustibles se
concentran en intensificar la utilización de biocombustibles, el gas líquido o la electricidad, pero también en la
introducción de combustibles criogénicos (hidrógeno líquido) o combustibles semisintéticos –SASOL (EADS,
2007).
105
Por ejemplo, el nuevo A380, diseñado para viajes a largas distancias y uno de los más demandados por las
compañías ―low cost‖, consume un 17% menos de combustible sobre la media mundial y su tasa de emisiones
se ha reducido a 75gr. CO2/pasajero/kilómetro, en tanto que un automóvil híbrido como el Toyota Prius emite
104gr CO2 pasajero/ km. (EASYJET, 2008; SUSTAINABLE AVIATION, 2008).
responsabilidad en el incremento de consumo energético neto. Por eso mismo, en los últimos
años, lejos de disminuir sus emisiones, éstas se han venido incrementando a un ritmo anual
del 3%, o lo que es lo mismo, cada año se arrojan a la atmósfera unos 20 millones de
toneladas más de dióxido de carbono que el año anterior (ATAG, 2009b; PONS; REYNÉS,
2009).

Aunque la presión sobre la industria aeronáutica y química es continua para


buscar en esos sectores nuevas respuestas más eficientes – motores, materiales, combustibles
–, se están desarrollando otro tipo de actuaciones interesantes, relacionadas con la gestión de
los mercados.

Uno de los instrumentos de mercado implementados más recientemente ha sido


la entrada del Transporte aéreo al programa de comercio de emisiones establecido para la
industria. Sin embargo, esta práctica que ya se ha regulado en la UE y que entrará en vigor en
esa región en dos años, no está siendo muy bien aceptada por todos los operadores. El
principal motivo aducido radica en el impacto que tendrá la medida sobre el coste final del
billete106 y, por ello, se estima que se producirían repercusiones negativas sobre la demanda
de viajes a algunos destinos turísticos mediterráneos, especialmente vinculados al ―low cost‖
(HOSTELTUR, 2008).

Otros procedimientos eficaces son aquellos tendentes a potenciar la


transferencia de los flujos turísticos de corta distancia a los modos más eficientes para esos
recorridos como el ferrocarril y el autocar turístico.

Tabla 9: Distancias medias de los viajes turísticos según regiones turísticas.


Distancia Distancia
Región media viajes media viajes
domésticos internacionales
Europa 1.900 km 2.500 km
América 3.300 km 4.900 km
Asia-Pacífico 2.400 km 7.800 km
Oriente Medio 1.700 km 2.100 km
África 1.800 km 1.900 km
Fuente: Elaboración propia a partir de UNTWO, 2008

106
La Comisión Europea, calcula que el impacto de la instauración del sistema supondría un incremento del
precio del billete entre 1,8 y 20 euros en función de la distancia del viaje (COMISIÓN EUROPEA, 2006).
Obviamente, las políticas de transferencias modales de flujos precisan, en
primer lugar, disponer de infraestructuras viarias y ferroviarias eficientes y competitivas. El
continente Europeo – en dónde la distancia media de los desplazamientos es inferior a los
2.000 km y las infraestructuras para el transporte en superficie se hallan muy desarrolladas –
es un buen candidato para esas prácticas. Así, según cálculos de la UNTWO (2008, p. 152),
en la Unión Europea un traspaso del 20% de los flujos turísticos por carretera al ferrocarril
supondría el ahorro de 4%-5% sobre las emisiones CO2 actuales.

Pero es necesario también que exista una buena coordinación estratégica desde
los niveles locales y regionales para concertar las actuaciones encaminadas, tanto a adecuar la
dotación de los sistemas públicos de transporte y las redes viarias a las nuevas demandas,
como a incluir sus prestaciones en el marketing turístico. Aunque la coordinación
intersectorial no es el modo más habitual de actuar, ya se están dando algunos ejemplos con
resultados brillantes en Europa107.

De forma transversal en sus políticas medioambientales, la Unión Europea


viene trabajando sobre la red de transportes para hacerla más sostenible contemplando la
transferencia de flujos aéreos y de carretera a la Alta Velocidad ferroviaria cuyo desarrollo ha
potenciado decididamente. Los resultados, en términos de pasajeros transferidos, pueden
valorarse por las cifras comentadas en otro apartado, pero conviene citar aquí, a modo de
ejemplo ilustrativo, que un viaje en AV Londres-París o Londres-Bruselas genera 10 veces
menos CO2 que la misma ruta operada en Transporte aéreo, según estudios propios de
Eurostar, el operador de esas rutas.

EL CRUCERO TURÍSTICO

Punto y a parte merece el sector del transporte marítimo y, muy especialmente,


el crucero, por sus especiales características. El gigantismo de los nuevos buques, la
complejidad de las actividades que se llevan a cabo en ellos, comparables a las de los grandes
―resorts‖ turísticos, supone el consumo de ingentes cantidades de energía, de producción de
107
La asociación Alpine Perls Association (APA) integrada por los países europeos alpinos: Austria, Francia,
Alemania, Italia y Suiza participan en el Programa Interreg III de la UE Alpes y Mobilidad II-Perlas Alpinas.
Entre las actuaciones de ese programa cabe destacar los paquetes turísticos Neutral Climate Holidays que
proporcionan a los turistas sistemas de tarifas planas en la utilización del transporte público – ferrocarril y bus –
para sus desplazamientos entre los principales destinos de la región y la bicicleta o ―shuttletaxi‖ para acceder a
los atractivos turísticos locales. El programa tiene un componente de marketing turístico evidente puesto que a
los turistas se les expide, al finalizar sus vacaciones, un certificado que garantiza que sus vacaciones han sido
medioambientalmente neutras (INTERREG, III B ESPACE PROJECTALPS MOBILITY II PARTNERS,
2006).
residuos y vertidos que acaban produciendo fuertes impactos medioambientales locales y
globales.

Ciñéndonos al problema de las emisiones GEI, hay que reconocer que su peso
específico a escala mundial es escaso puesto que lo es la propia demanda respecto del resto de
modos, tan reducida que comúnmente se reflejan estadísticamente en un apartado común con
otros modos poco contaminantes. Pero su fuerte expansión que va a continuar según todas las
previsiones, obliga a plantear un futuro menos optimista, tanto más cuanto muchos de sus
destinos son entornos especialmente valiosos y frágiles en términos medioambientales108.

Algunos datos pueden ilustrar el calibre del problema. Se calcula que el


crucero turístico consume, como término medio, un volumen de combustible equivalente al de
12.000 automóviles. Por tanto en un crucero de 3.000 turistas, la cuota para cada uno de ellos
equivaldría a la de 4 automóviles. Semejantes consumos suponen, lógicamente, que se
cuadripliquen las tasas medias de emisión CO2 por pasajero respecto del automóvil. Pero
además, las emisiones atmosféricas se ven incrementadas por otras fuentes no relacionadas
con la combustión energética, como es el caso de las emisiones de cenizas y humos tóxicos
producidos por la incineración de los residuos producidos a bordo (OCEANA, 2008, p. 2-4;
OMT, 2008a).

Ciertamente, a medida que se ha incrementado la demanda, se han ido


incrementando también los controles sobre sus impactos globales y sobre la capacidad de
carga ecológica de los destinos. Entidades como la Asociación Internacional de Líneas de
Cruceros (CLIA) viene impulsando medidas en ese sentido como, la mejora del manejo de
basuras y residuos en los cruceros. Los operadores adheridos a estas políticas obtienen así
etiquetas ―verdes‖ que les dan cierta ventaja competitiva frente a otras compañías109.

Algunos avances se han producido también en la producción de emisiones


atmosféricas relacionadas con la combustión de los motores. La introducción en los nuevos
buques de sistemas de propulsión por turbinas a gas o vapor es, quizás, el más relevante para
la reducción de las emisiones GEI. Sirva un ejemplo: el buque Millenium – del operador
Celebrity Cruisers –, fue el primero en introducir la turbina de gas y ha reducido sus

108
Algunos ejemplos como la zona de Glaciar Bay en Alaska, uno de los atractivos más demandados por los
cruceristas, o las islas Galápagos, o la Antártica, Reserva Natural sometida a estricta reglamentación
medioambiental, se han limitado el número de cruceristas que pueden desembarcar y bajo especiales
condiciones al efecto de preservar los ecosistemas terrestres.
109
Un ejemplo de estas políticas ambientales se puede encontrar en Costa Cruceros, una compañía que redujo
en un 15% el consumo de agua a bordo de sus buques, generó un 10% menos de basura y aumentó un 18% la
cantidad de residuos reciclados, en el período 2006-2007, según su propia página corporativa.
emisiones en un 90% respecto de otros buques crucero que utilizan fuel convencional.
Actualmente, sólo una tercera parte de la flota mundial de cruceros dispone de ese tipo de
turbinas. Es de esperar que la renovación completa de la flota permita en el futuro
contrarrestar el problema a pesar de los incrementos de la demanda prevista en el sector.

A MODO DE CONCLUSIÓN

El incremento de la movilidad turística, derivado del muevo modelo turístico


en el que se dan comportamientos propios de la sociedad postmoderna, está conduciendo a la
multiplicación de los viajes y a la mundialización de los flujos, apoyándose en las nuevas
capacidades de los transportes y la globalización de la economía.

Si económicamente tal desarrollo está reportando resultados muy positivos


para el sector turístico y del Transporte, así como para las economías de los destinos, los
costes medioambientales a escala local, regional y global, derivados del mismo, relativizan el
optimismo.

La capitalización de los flujos por dos modos especialmente impactantes, como


el automóvil y el transporte aéreo, de forma generalizada en todo el mundo, precisa
actuaciones decididas tendentes a la obtención de las mayores tasas de ecoeficiencia posibles
para esos modos o la transferencia de su demanda a otros menos impactantes. Ello redundará,
igualmente, en la propia ecoeficiencia del sector turístico.

En éste empeño, tanto desde la industria – desarrollando vehículos y


combustibles más eficientes – como desde las instituciones políticas – produciendo
normativas progresivamente más restrictivas – se viene actuando de forma continuada desde
hace años, con buenos resultados si se observan las cuotas de reducción de las emisiones por
viaje, aunque no se haya conseguido reducirlas en términos absolutos.

Las perspectivas de crecimiento invitan a continuar en el empeño, no sólo


porque se juega el futuro de muchos de los destinos turísticos más demandados que podrían
dejar de ser atractivos bajo los efectos previsibles del cambio climático, si no por las
características del nuevo turista.

Especialmente sensible a los problemas medioambientales, más exigente que


su antecedente – el turista de masas – el nuevo viajero valora la implicación de los operadores
de Transporte en el cuidado del medio ambiente y empieza a elegir preferentemente aquellos
que pueden presentar una gestión medioambientalmente más sostenible.

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PARTE 2

TRANSPORTES NO BRASIL
INFRA-ESTRUTURAS DE LOGÍSTICA E TRANSPORTE:
ANÁLISE E PERSPECTIVAS

Josef BARAT
São Paulo-SP
barat@terra.com.br

INTRODUÇÃO
Apesar da dificuldade em localizar a origem histórica do termo ―infra-
estrutura‖, sua etimologia remete à idéia da parte inferior de uma estrutura, ou o que a ela
serve de sustentação. Estrutura, por sua vez, é o conjunto formado pela reunião de partes ou
elementos, em determinada ordem ou organização. A infra-estrutura seria, assim, a base de
um sistema onde os componentes se relacionam. O conceito difundiu-se pela economia e
ciências sociais e, do ponto de vista filosófico, o marxismo o disseminou como um conjunto
de relações sociais e econômicas que determina as superestruturas, estas representando o
complexo das ideologias e instituições religiosas, filosóficas, jurídicas e políticas dominantes
numa sociedade.

Do ponto de vista econômico, o conceito mais agregado de infra-estrutura é o


da base material ou econômica de uma sociedade ou organização. Podemos dizer que a infra-
estrutura – no singular – de um país, região ou área urbana é o conjunto das instalações
necessárias às atividades humanas, tais como os sistemas de logística e transporte, energia
elétrica, telecomunicações, bem como as redes de gás canalizado, abastecimento de água,
coleta e tratamento de esgotos e recepção de águas pluviais.

No plural, o termo pode ser usado, quando se adota uma visão abrangente, para
designar a articulação desses diversos segmentos que compõem a base ou conjunto de
equipamentos públicos, instalações e facilidades num país ou região. Os diversos segmentos
infra-estruturais dão suporte à prestação de serviços públicos, além de fomentar o
desenvolvimento regional. O conceito de infra-estruturas está ligado ao atendimento das
necessidades, tanto da vida social – ao proporcionar serviços essenciais à melhoria dos
padrões de vida – quanto das empresas – na medida em que os serviços delas decorrentes se
incorporam como insumos às funções de produção.

Já o termo ―logística‖ tem remota origem grega e era a denominação dada à


parte da aritmética concernente às quatro operações e, filosoficamente, ao conjunto de
sistemas de algoritmos aplicado à lógica. Modernamente, a palavra adquiriu, na arte da
guerra, o sentido de planejamento e realização de projeto, desenvolvimento técnico, obtenção
de meios, armazenamento, transporte, distribuição, reparação, manutenção e evacuação de
materiais ou pessoas (para fins operativos ou administrativos).

Pode-se transferir o conceito de uso militar para as necessidades de escoamento


de mercadorias destinadas às exportações, ao abastecimento do mercado interno e aos
processos de estocagem e distribuição que garantem a segurança alimentar. Trata-se, nestes
casos, de planejar alternativas, bem como buscar a redução de custos provocados por gargalos
físicos, ineficiências operacionais, obstáculos institucionais, legais e burocráticos em cada
uma das etapas do escoamento e distribuição. Estas etapas vão desde a coleta na origem,
estocagem, escoamento e distribuição no destino, até o apoio dos sistemas de comunicação e
informática nos diversos estágios do deslocamento das cargas. As infra-estruturas de
transporte, em seus diversos modais, constituem o principal suporte para as atividades
relacionadas com a logística.

LOGÍSTICA E MUDANÇAS NO PROCESSO PRODUTIVO

O conceito de logística difundiu-se largamente após o término da Segunda


Guerra Mundial. A partir da intensiva aplicação militar no conflito, consolidou-se
gradualmente o conceito de logística empresarial, abrangendo tanto as atividades de
suprimentos e de distribuição, quanto os métodos e procedimentos relacionados à logística
interna das empresas. Os estudos de logística centraram-se, inicialmente, na administração das
funções de transporte e estocagem. Neste estágio, as preocupações diziam respeito aos
aumentos de produtividade e às aplicações incipientes da informática. Esta abordagem
intensificou-se com a globalização, a partir dos anos de 1970, na medida em que as empresas
tornaram seus processos produtivos cada vez mais internacionalizados – e com cadeias
produtivas mais extensas – na busca de suprimentos (ou frentes de exportação) de matérias-
primas, peças e componentes.

Nos anos de 1990, num mercado caracterizado pela intensificação da


concorrência global, surgiram novas prioridades, tais como as reestruturações organizacionais
e os controles de custos baseados em segmentos específicos de atividades. As preocupações
passaram a ser relacionadas, principalmente, com o tempo e a qualidade. Os desafios
voltaram-se para a integração interna, acompanhada de esforços em terceirização e difusão
das tecnologias de informação. Ao longo de mais de trinta anos, portanto, a logística
empresarial vem sendo tratada de forma sistemática, passando por abordagens inovadoras e
ajudando a resolver problemas complexos de armazenagem, transporte e cadeias de
distribuição de produtos e insumos. Este tratamento também passou a dar suporte às decisões
de localização e de dimensionamento das instalações de novas unidades de produção (para
uma visão da evolução da logística, ver Ballou, 2003).

Mais recentemente, com a globalização, os sistemas de produção flexível e a


sofisticação das técnicas mercadológicas redefiniram-se, os princípios da logística alteraram
as prioridades e as estratégias. Surgiu uma preocupação maior com a racionalização de tempo
e custo, uma vez que a concorrência apenas em função de qualidade e preço já não garantia a
sustentação de vantagens competitivas. A realidade atual é a de uma vastíssima gama de
produtos demandados e ofertados, reduções nos ciclos de vida, maiores exigências dos
consumidores e a variada segmentação de clientes, canais e mercados (BALLOU, 2003).
Hoje, os consumidores demandam flexibilidade crescente, disponibilidade e segurança da
mercadoria procurada, tudo ao menor custo final. Desta forma, a demanda pela utilização de
operadores logísticos tem aumentado, principalmente, devido à complexidade operacional e à
sofisticação tecnológica. O conceito de logística já não diz respeito exclusivamente às cadeias
de distribuição, mas sim a um processo estratégico de planejamento e controle de estoques e
fluxos de materiais, desde o ponto de origem da produção, até o seu destino final, para fins de
transformação, embarque ou consumo (para uma abordagem integrada do conceito de
logística, ver Quayle e Jones, 2002).

A fragmentação dos sistemas produtivos induziu à especialização produtiva de


regiões e países, com uma lógica de produção orientada pela oferta de produtos diferenciados
e personalizados. Constatou-se a necessidade de respostas baseadas na demanda, estando a
produção fortemente condicionada às exigências do mercado. É crescente, assim, a
importância da logística apoiada em cadeias de transporte cada vez mais complexas,
fortemente dependentes de novas tecnologias de informação, nas quais a estratégia das
empresas é basicamente centrada em fatores de localização e comunicação.

Neste sentido, houve a intensificação da aplicação de tecnologias de


localização e transmissão de dados por meio de Sistemas de Satélite de Navegação Globais
(GNSS), assim como o grande avanço nas concepções dos chamados Sistemas de Transportes
Inteligentes. As vantagens oferecidas pelas tecnologias de satélites de observação,
telecomunicações e navegação, são adaptadas às necessidades específicas dos diversos modais
de transporte. São, no entanto, de especial importância para as complexas cadeias logísticas
baseadas no transporte multimodal. Tanto nos Estados Unidos, como na União Européia,
foram notáveis os avanços na aplicação dos sistemas de monitoração por satélites aos
transportes inteligentes, com informações em tempo real quanto à identificação, por meio de
―ID Tags‖, das cargas na sua movimentação, posicionamento dos veículos, monitoração de
velocidade, etc. – desde a origem até o destino final.

O atual estágio de evolução das tecnologias de informação permite que bancos


de dados sofisticados possam acompanhar ―on line‖ níveis de estoque, despachos e
deslocamentos de mercadorias em escala mundial, via internet. Por conseguinte, as
tecnologias associadas às cadeias logísticas constituíram um dos segmentos de crescimento
mais acelerado no campo da telemática.

LOGÍSTICA, TRANSPORTE E GLOBALIZAÇÃO

Tornou-se comum afirmar que a globalização – associada à evolução


tecnológica acelerada – alterou radicalmente as características da produção de bens e serviços.
De fato, a globalização trouxe a fragmentação e o espalhamento das cadeias produtivas em
escala mundial, dispersando a produção de componentes, partes e montagens finais. A forte
integração horizontal estimulou a terceirização da produção e serviços a qual, por sua vez,
ampliou o alcance dos deslocamentos de matérias primas e produtos. As novas cadeias
produtivas impuseram, assim, o surgimento de novas logísticas de abastecimento e
escoamento, por meio da utilização mais intensiva dos contêineres e do transporte
multimodal.

A difusão no uso da internet e os sistemas de tecnologia de informação


trouxeram, por sua vez, mudanças radicais nas cadeias logísticas, principalmente em
decorrência das tendências em direção à terceirização e ao ―offshoring‖. Em conseqüência, as
atividades de logística e transporte, incluindo o gerenciamento de cadeias de suprimento
(―supply chains‖), procedimentos de compras (―procurements‖) e distribuição tiveram grande
expansão em escala mundial. Para assegurar competitividade nos mercados globais,
produtores e varejistas, em todo o mundo, passaram a valer-se do estado da arte no
gerenciamento das cadeias de suprimento para reduzir estoques e custos de armazenagem.
Com isto, diminuíram, de forma vertiginosa, os tempos de estocagem e de entrega de insumos
e produtos finais (JONES; QUAYLE, 2002).
Note-se que a rápida adoção da terceirização e do ―offshoring‖ levou muitas
empresas, que tinham no deslocamento das suas mercadorias um fator crucial para seus
negócios, a tornarem-se, também, ofertantes de serviços de logística, inclusive provendo
armazenagem e planejando serviços de abastecimento e distribuição. Assim, os serviços de
logística, armazenagem, transporte, distribuição, bem como os de gerenciamento de cadeias
de suprimento e compras, tornaram-se de tal forma entrelaçados, que acabaram por gerar
graus de eficiência jamais imaginados há três décadas. No entanto, como os gargalos nas
infra-estruturas de transporte comprometem a eficiência das cadeias logísticas, obviamente a
globalização impôs grandes desafios competitivos para sua superação por parte de governos e
empresas. Assim, a competitividade teve o seu principal suporte nos investimentos em infra-
estruturas.

Na verdade, a globalização e a formação dos grandes blocos econômicos vêm


sendo conduzidas pelos grandes conglomerados transnacionais. Eles detêm o comando da
produção e induzem padrões inovadores de consumo. Determinam, ainda, como se formam as
cadeias produtivas e, portanto, as cadeias logísticas e os processos de distribuição de bens e
serviços pelo mundo. Como foi visto, as mudanças nas formas de produção e de distribuição
foram radicais, impulsionadas, sobretudo, pelos grandes avanços nas comunicações,
informatização, logística e transporte. Por outro lado, a maior participação privada nas infra-
estruturas e o menor peso dos Estados na sua provisão, corresponderam a um movimento que
associou a liberalização à regulação.

Cabe acrescentar, por outro lado, que as grandes aglomerações industriais


deixaram de ser relevantes para os processos produtivos. Com isto, os conceitos tradicionais
de territorialidade tendem a desaparecer e as localizações de atividades pautam-se pelos
sistemas em rede. Isto porque se tornou cada vez mais freqüente a formação de amplas redes
mundiais de empresas fornecedoras e produtoras, com o objetivo de encadear conjuntos de
atividades voltadas para o atendimento das necessidades de mercados globalizados (BARAT,
2008).

O transporte maciço de granéis e a difusão do uso de contêineres irromperam


em rotas ou corredores regionalizados. Propiciou-se, assim, a integração de diversas funções e
modais para garantir deslocamentos porta-a-porta com níveis elevados de produtividade e ao
menor custo. Por rotas ou corredores, entende-se o conjunto de infra-estruturas, sistemas
operacionais e meios logísticos que, em diferentes escalas e especializações, integram-se para
propiciar a continuidade do transporte desde a origem da produção até o destino do
beneficiamento, transformação, consumo ou embarque nos portos.

Desta forma, os fluxos de mercadorias materializam-se de forma crescente no


transporte multimodal, sendo o porto o elo mais importante do transporte terrestre com a
navegação de longo curso ou de cabotagem. A expansão do comércio mundial gerou grande
diversidade de opções de rotas ou corredores, o que impôs acirrada concorrência entre portos
na atração de cargas. Os portos tornaram-se, assim, empreendimentos comerciais, com forte
influência no desenvolvimento regional.

Os grandes complexos portuários norte-americanos e europeus não competem


mais como meros pólos individuais de carga e descarga de navios, mas sim como pólos
cruciais de ligação de complexas cadeias de suprimento em escala mundial. Assim, a
competitividade de um porto tornou-se cada vez mais dependente da coordenação e controle
por parte de atores exógenos à gestão portuária (para uma visão mais ampla do ambiente
competitivo dos portos, ver OECD, 2008).

Por outro lado, ganharam importância novos fatores de gestão de custos, no


contexto de acirrada competição, quais sejam: a) custo do tempo para a transferência de
mercadorias com maior valor agregado; b) confiabilidade e capacidade para atender as
premências de tempo; e c) maior flexibilidade na concepção de rotas alternativas disponíveis
para atendimento das cadeias logísticas. A figura 1 mostra o entrelaçamento dos objetivos das
gestões do transporte marítimo, dos portos e dos operadores logísticos.
Figura 1: Objetivos específicos e comuns às gestões do armador, do operador portuário e do operador
logístico multimodal.
ARMADOR (TRANSPORTE MARÍTIMO):

 Atracar no menor número possível de portos


 Obter a maior ocupação possível do navio
 Conseguir o menor tempo possível de espera no porto
 Arcar com menores custos nas operações
de embarque e desembarque OPERADOR PORTUÁRIO:
 Ter maior eficiência e rapidez nos
embarques e desembarques
 Alocar contêineres para
os clientes nos locais e
tempos certos
OBJETIVOS COMUNS:  Otimizar a realocação dos
contêineres nos portos
 Reduzir o tempo de deslocamento das  Oferecer condições de
mercadorias competição com outros
 Oferecer freqüência e amplitude de destinos portos
 Minimizar o custo total do transporte
 Oferecer a continuidade dos serviços de porta a
porta
 Oferecer uma rede global de logística e
transporte OPERADOR LOGÍSTICO MULTIMODAL:
 Garantir a eficiência do transporte multimodal
 Prover a cadeia de serviços
logísticos:
 Coleta e distribuição
 Carga e descarga nos
terminais
 Armazenagem,
embalagem e controle de
estoques
 Despacho aduaneiro
 Coordenação e gerenciamento do
transporte multimodal
 Identificar, por meio de ―ID Tags‖,
as cargas na sua:
 Movimentação,
 Posicionamento dos
veículos,
 Monitoração de
Fonte: Frémont, 2009, com adaptação e acréscimos do autor. velocidade

O transporte aéreo, por seu turno, induziu cadeias logísticas complexas


voltadas, tanto para o atendimento do chamado ―e-commerce‖, quanto para a movimentação
de mercadorias com alto valor agregado por unidade de peso. Os grandes aeroportos
destinaram áreas cada vez maiores para a transferência e embarque deste tipo de carga,
valendo-se dos grandes avanços ocorridos na tecnologia aeronáutica, bem como nos métodos
de unificação e preservação da carga aérea. Têm crescido, também, as escalas de
movimentação de passageiros em função, principalmente, dos aumentos de produtividade e
barateamento das passagens aéreas. A difusão do transporte aéreo, com fluxos crescentes de
viagens de negócios e turismo, propiciou maior presença e agregação de valor à complexa
cadeia produtiva da aviação civil. Os países que fortaleceram essa cadeia por meio de
políticas consistentes aumentaram seu potencial de barganha em acordos internacionais,
bilaterais ou multilaterais.

Na globalização, portanto, a logística e o transporte passam a atuar como


fatores essenciais para uma inserção mais plena no comércio mundial, redução de assimetrias
e adição de valor às cadeias produtivas nacionais. A existência de sistemas eficientes e
empresas nacionais privadas de porte para a logística e o transporte é hoje condição essencial
para que as negociações entre países e blocos possam ser feitas em bases de maior
reciprocidade (para uma abordagem mais ampla do impacto da globalização na logística e no
transporte, ver Barat, 2007b).

Note-se que a crescente inserção da produção nacional no mercado mundial e


as novas escalas impostas pela globalização tornam importante o suporte da navegação de
longo curso e do transporte aéreo de bandeira nacional. Isto porque a redução do pagamento
de fretes em moeda estrangeira tem um papel importante no equilíbrio da conta corrente do
Balanço de Pagamentos. A expansão da frota mercante dependerá, obviamente, do
crescimento da construção naval e dos armadores nacionais. Mas não se avançará muito, se os
portos persistirem como gargalos ao comércio e à navegação, pelas dificuldades burocráticas,
longos tempos de espera e custos elevados.

Por outro lado, um sistema de aviação civil forte e estruturado (empresas


aéreas, aeroportos e indústria aeronáutica) poderá aumentar o poder de barganha frente às
grandes mudanças que ocorrem no transporte aéreo mundial. Portanto, a inserção mais
madura do país no cenário mundial da logística e do transporte impõe hoje a definição de
linhas de ação claras voltadas para o aumento da participação da bandeira brasileira no
mercado mundial dos transportes marítimo e aéreo.

LOGÍSTICA, TRANSPORTE E MERCADO INTERNO

No Brasil, a evolução da logística e dos sistemas combinados de transporte, se


deu de maneira tardia. Para se ter uma idéia do quanto o setor ainda pode se desenvolver, o
país encontra-se, na média, na transição entre as fases 2 e 3, de acordo com o processo
evolutivo ilustrado na tabela 1. Esta esquematização permite identificar as mudanças de
paradigmas ocorridas no campo da logística. Em cada uma das etapas notam-se as
redefinições do escopo de atuação e do foco na prestação dos serviços logísticos. Os Estados
Unidos, por exemplo, comparativamente ao Brasil, encontram-se atualmente entre as fases 5 e
6.

Tabela 1: Evolução dos conceitos na logística.

Fases Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4 Fase 5 Fase 6

Armazenagem Qualidade Planejamento


Distribuição Logística Supply Chain
Atuação Total em Estratégico
e Transporte Física Integrada Management
Logística em Logística

Tático Tático Integração


Foco Operacional Mercado Consumidor
Gerencial Estratégico Total

Fonte: Ballou, 2003.

Somente a partir da segunda metade da década de 1990, as empresas brasileiras


conseguiram integrar suas atividades de forma a difundir o uso e a aplicação dos conceitos da
logística. Isto foi possível, sobretudo em decorrência da estabilização da economia. Mas o
interesse maior pelos serviços logísticos deveu-se, também, à busca pela competitividade da
indústria nacional em decorrência dos desafios impostos, de início pela abertura comercial
iniciada no Governo Collor e, posteriormente, pela valorização cambial decorrente do Plano
Real.

Em 1997, a receita anual do setor de logística era estimada em cerca de R$ 1


bilhão e as empresas operadoras não passavam de 35. Dez anos depois, o faturamento saltou
para próximo de R$ 20 bilhões e as empresas, entre elas gigantes multinacionais,
ultrapassavam 120. O crescimento acelerado do setor no Brasil começou, portanto, há pouco
mais de uma década, período no qual se intensificou a diversificação do lançamento de
produtos e quando ocorreram, também, reduções importantes nos seus ciclos de vida. Dentre
as operadoras de serviços logísticos, cerca de 70% atuam no mercado há menos de 10 anos,
contra apenas 30% que existiam anteriormente.

Com a abertura da economia e a inserção gradual no processo de globalização,


as atividades produtivas passaram a enfrentar acirrada concorrência internacional, sendo
obrigadas a se ajustar aos padrões de competição mundial. Criou-se a necessidade de
aumentos da eficiência e da produtividade, bem como de esforços na gestão da logística de
distribuição. Por outro lado, vale insistir que com a globalização se estreitaram de tal maneira
as distâncias entre as nações e os novos mercados, que as dinâmicas de circulação de
mercadorias alteraram-se radicalmente.

Apesar de o Brasil apresentar graves deficiências nas infra-estruturas de


transporte, armazenagem e distribuição – tomando-se como referência os países
desenvolvidos – o setor de logística ocupa posição importante na economia brasileira. Os
principais usuários de logística encontram-se nos setores químico e petroquímico, automotivo,
alimentos, farmacêutico (englobando higiene, limpeza e cosméticos), bem como de
eletroeletrônicos, nesta ordem. Entre os principais serviços oferecidos pelas operadoras
logísticas destacam-se os de armazenagem, controle de estoques e transporte nas funções de
coleta, transferência e distribuição, que compõem o núcleo central da gestão integrada da
logística.

Infelizmente, as cadeias logísticas do país são dependentes de uma matriz de


transporte de carga bastante distorcida. A tabela 2, a seguir, mostra que o transporte
rodoviário é responsável por 61% da movimentação de cargas do país. Se excluído da matriz
o minério de ferro (principal carga cativa da ferrovia) a participação do transporte por
caminhões se aproxima dos 70%, o que não tem paralelo em países com as dimensões
continentais do Brasil. Nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Rússia e China, as ferrovias,
dutos e navegação (fluvial ou costeira) têm participação muito mais expressiva, apesar do
inevitável avanço do transporte rodoviário.

A tabela 2 mostra, também, a baixa participação da cabotagem num país com


extensão costeira de mais de 8 mil km. Por outro lado, cabe ressaltar que o modal rodoviário
está saturado em trechos vitais e com uma infra-estrutura deteriorada em grande extensão da
malha viária. Por seu turno, a malha ferroviária – com exceção do escoamento do minério de
ferro – apresenta baixas velocidades médias, graves deficiências de traçado ou saturação da
capacidade física de transporte, tanto em termos da via permanente, como de sistemas de
apoio de comunicações e de material rodante e de tração.

Tabela 2: Matriz do transporte de cargas (em milhões de toneladas-quilômetro úteis e percentagens),


em 2006.

Países Total Ferrovias Dutos Rodovias Navegação Aéreo

Estados Unidos 6.585,1 100,0 2.593,4 39,4 1.336,6 20,3 1.809,8 27,4 822,0 12,5 23,2 0,4

Canadá 813,0 100,0 306,3 37,7 320,0 39,4 134,4 16,5 45,2 5,6 7,1 0,8
Austrália 499,7 100,0 198,7 39,8 0,0 0,0 177,1 35,6 122,1 24,6 1,8 0,5

Rússia 4.607,5 100,0 1.815,4 39,4 2.031,9 44,1 608,2 13,2 142,8 3,1 9,2 0,2

China 8.025,8 100,0 2.072,6 25,8 108,8 1,4 869,3 10,8 4.967,2 61,9 7,9 0,1

Brasil 794,9 100,0 164,8 20,7 33,3 4,2 485,6 61,1 108,0 13,6 3,2 0,4

Alemanha 539,5 100,0 114,6 21,8 15,8 2,8 343,4 63,4 64,8 12,0 0,9 0,1
Fonte: Boletim Estatístico da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), 2008; U.S. Department of
Transportation – North American Transportation Statistics e OECD – International Transport Forum, 2007.

Acrescente-se, por fim, que a precariedade do transporte afeta a


confiabilidade e presteza das cadeias logísticas, uma vez que ocorrem atrasos constantes e
perdas devido a roubos, acidentes e avarias. A maneira que os organizadores logísticos
encontram para se proteger dos riscos e incertezas decorrentes de atrasos, anulações de
entregas, entre outros, é a constituição de grandes estoques. Comparado com o sistema norte-
americano, o brasileiro carrega, em média, 22 dias adicionais de estoque, equivalentes a um
acréscimo desnecessário de investimento estimado em cerca de R$ 120 bilhões. Por outro
lado, os custos logísticos no Brasil são estimados em 12,6% do PIB, contra 8,6% nos Estados
Unidos. O transporte é responsável por 7,5% dos custos logísticos no Brasil, contra 5% dos
custos norte-americanos (ver a esse respeito, Caleffi, 2008).

A DETERIORAÇÃO DAS INFRA-ESTRUTURAS DE TRANSPORTES

As infra-estruturas em geral e a de transportes, em particular, passaram a fazer


parte da agenda das políticas públicas nos anos 1930 do século passado. Houve o colapso de
um modelo econômico exportador de matérias primas e alimentos, fortemente dependente do
transporte ferroviário, que se inviabilizou com a crise do comércio internacional. Ao longo
dessa década – e por força, inclusive, dos desdobramentos da Revolução de 1930 – o Estado
brasileiro teve uma característica marcantemente unificadora e centralizadora. Passou, não só
a induzir a industrialização por meio de medidas de políticas econômica e cambial, como
também a atuar de forma crescentemente intervencionista. De início, promoveu a expansão da
infra-estrutura rodoviária e, posteriormente à Segunda Guerra Mundial, realizou
investimentos vultosos e atuou nas operações das ferrovias, portos, energia elétrica e
telecomunicações, por meio de organizações estatais, que sucederam as antigas empresas
privadas que exploravam os serviços por meio de concessões (para ampliar a visão histórica,
ver Barat, 2007a).
A consolidação progressiva dessas infra-estruturas propiciou a ampliação e
unificação do mercado interno, induzindo e dando suporte ao desenvolvimento industrial. Este
modelo, fortemente dependente do transporte rodoviário, prevaleceu até meados dos anos de
1980. Note-se que, apesar dos conflitos de interesses com os beneficiários das atividades
exportadoras primárias nos anos de 1940 e 1950, o objetivo de industrializar o país contou
com o apoio de importantes segmentos políticos, empresariais, militares e de trabalhadores.
Assim, as implantações das infra-estruturas para consolidar o mercado nacional e incorporar
as fronteiras agropecuárias, sob a perspectiva do federalismo, integraram-se, na verdade, a um
longo ciclo de liderança centralizadora da União.

Este ciclo, atenuado pela ordenação democrática do período 1946-1964, foi


reforçado pela centralização ocorrida no regime militar (1964-1985). As ações da União, no
período compreendido entre os governos Dutra (1946-1950) e Geisel (1974-1979) foram
balizadas por uma sucessão de planos de governo voltados para o desenvolvimento.
Surpreendentemente, constata-se que, apesar de marcantes diferenças nas posturas políticas e
ideológicas, as prioridades de governo foram praticamente as mesmas, principalmente no que
diz respeito à ênfase dada às infra-estruturas de transporte, energia e, posteriormente,
telecomunicações e saneamento básico. Isto, tanto nos planos elaborados sob a vigência da
Constituição de 1946, como naqueles concebidos nas diversas administrações sob o regime
militar.

Desta forma, o melhor momento do desenvolvimento econômico brasileiro –


quando o país deixou de ser mero exportador de matérias-primas, construindo uma economia
diversificada, com sólida base na industrialização – teve o suporte de grandes investimentos
estatais na expansão das infra-estruturas. No entanto, desde o início dos anos de 1980, deixou
de existir a visão da contínua expansão e modernização das infra-estruturas como instrumento
de correção de distorções econômicas e sociais, no quadro de um planejamento
governamental abrangente e moderno. A grave crise econômica do início dos anos de 1980 –
reflexo da chamada Crise do Petróleo – traduziu-se num ciclo oposto ao que ocorreu por cinco
décadas, desde os anos de 1930. Entre 1930 e 1980, apesar (e mesmo em decorrência) de um
contexto de elevada centralização decisória e ênfase na alocação de recursos segundo
prioridades de caráter nacional, foi explicitada uma preocupação com as infra-estruturas,
especialmente as de transportes, com a questão espacial e a correção dos desequilíbrios
regionais.
A deterioração das infra-estruturas, desde os anos de 1980, deveu-se a uma
multiplicidade de causas. Estes anos foram marcados pelo desmoronamento do Estado
desenvolvimentista. Houve o impacto da crise fiscal e a redução drástica da capacidade do
setor público em financiar investimentos, com o colapso dos mecanismos tradicionais de
aporte de recursos. A conseqüência foi o fim de uma contínua expansão da oferta por mais de
três décadas. A queda ou estagnação nos investimentos acabou por se estender pelos anos de
1990. Este quadro foi agravado pela redução dos financiamentos das entidades multilaterais
de crédito (BIRD e BID), abundantes ao longo dos anos de 1970, em função, tanto da crise do
balanço de pagamentos, quanto da impossibilidade de oferecimento de contrapartidas com
recursos públicos. Outro fator de redução – e mesmo paralisação – dos investimentos públicos
nas infra-estruturas em geral, foi a vedação de financiamentos do BNDES às organizações
públicas.

Por fim, no que diz respeito aos problemas institucionais, em fins dos anos de
1980 e início dos de 1990, ocorreu a desestruturação das organizações públicas e dos núcleos
de inteligência governamental. A ênfase nas políticas de curto prazo, em razão das crises
inflacionárias e as ameaças constantes de hiperinflação, diminuiu a importância do
planejamento de longo prazo, das estratégias de crescimento e da formulação de políticas
públicas consistentes para as infra-estruturas. Somou-se, ainda, a dificuldade no
estabelecimento de novo pacto federativo, tendo em vista uma ampla reforma fiscal que a
Constituição de 1988 não conseguiu consolidar. As repercussões sobre as infra-estruturas de
transportes foram significativas. Entre outras, pode-se citar:

 Estagnação na oferta por falta de ampliação de capacidade;

 Degradação física e queda significativa da qualidade dos serviços;

 Queda no nível de profissionalização das organizações públicas, para a gestão e operação


dos serviços sob sua responsabilidade;

 Estrangulamentos na oferta de serviços, aumentando a incidência do ―Custo Brasil‖ nas


atividades econômicas;

 Desmonte das organizações públicas, sem que ocorresse uma reforma mais ampla do
Estado;
 Mudanças profundas nas escalas e estruturas de produção na indústria e agricultura, que
passaram a exigir maior capacidade de resposta das instalações e operações das infra-
estruturas.

As deficiências generalizadas, em termos de descompasso entre a oferta de


serviços infra-estruturais e a demanda reprimida, atingiram principalmente a malha rodoviária
federal, os portos e as ferrovias. As deficiências são sentidas até hoje, tanto nos efeitos sobre a
qualidade, resultantes da prolongada falta de manutenção sob a gestão estatal, quanto nas
dificuldades resultantes dos gargalos na oferta. Constituem os exemplos mais gritantes: a) o
―estado deplorável‖ das rodovias, que elevou a insegurança, os custos operacionais e os
tempos despendidos com o transporte; b) a ineficiência portuária, que onera as exportações,
reduzindo a nossa competitividade; e c) o sucateamento do material rodante e de tração das
ferrovias, que oneram os esforços de modernização de muitos segmentos ferroviários.

A tabela 3, a seguir, mostra a identificação, em pesquisa recente, do grau de


deterioração das rodovias federais. Observa-se que 74,2% da extensão pesquisada da malha
rodoviária federal encontram-se em situação insatisfatória, classificada como em estado
regular, ruim ou péssimo. O contraste com a extensão de toda a malha operada por
concessionárias é flagrante, uma vez que apenas 22% encontram-se nesta situação, mas com
predomínio da condição de regular (aproximadamente 20% do total). Neste sentido, pode-se
dizer que as concessões rodoviárias – como de resto nos outros modais – representaram um
avanço considerável, não somente no estancamento parcial da degradação, como na
recuperação de muitas infra-estruturas, como será abordado mais detidamente na próxima
seção.

Tabela 3: Grau de deterioração das malhas rodoviárias federal e concedida (extensão pesquisada de,
respectivamente, 58,8 e 10,8 mil quilômetros).
Extensão Extensão
Estado Geral Porcentagem Porcentagem
Federal (km) Concedida (km)

Ótimo 4.812 8,2 4.974 45,9

Bom 10.339 17,6 3.437 31,7

Regular 27.597 46,9 2.143 19,8

Ruim 11.653 19,8 232 2,1

Péssimo 4.411 7,5 50 0,5

Total 58.812 100,0 10.836 100,0


Extensão deteriorada 43.661 74,2 2.425 22,4
Fonte: Boletim Estatístico da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), 2008.

OS AVANÇOS NO ORDENAMENTO INSTITUCIONAL

Apesar das graves conseqüências apontadas e da queda drástica nos montantes


de investimentos na restauração e expansão das infra-estruturas, houve, a partir de meados dos
anos 1990, alguns importantes avanços institucionais. Assim, foi criado um suporte legal
adequado e amplo para as concessões das infra-estruturas (que favoreceu os setores de energia
elétrica, telecomunicações e modais de transportes). Neste sentido, um importante passo, do
ponto de vista da base legal, foi a promulgação da Lei Federal nº 8.987/95 referente às
concessões de serviços públicos, complementada pela Lei nº 9.074/95. Sua aplicação passou a
se dar em conformidade com o disposto pela Lei Federal nº 8.666/93, que disciplinou as
licitações (BARAT, 2007a). Este referencial foi imediatamente seguido e adaptado por muitos
estados da Federação. A Lei nº 9.277/96, por seu turno, permitiu delegar a exploração de
rodovias federais, para efeito de concessão pelos estados, no âmbito de uma diretriz de
descentralização. Com esta base legal, abriu-se caminho para a implementação das concessões
de longo prazo para exploração privada nas telecomunicações, distribuição de energia elétrica,
rodovias, ferrovias e portos.

Um grande avanço institucional foi a decorrente implantação das agências


reguladoras para controle e fiscalização dos contratos de concessão. Mas, talvez, a principal
inovação tenha sido a promulgação da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a
chamada Lei de Responsabilidade Fiscal. Por ela, passou a haver a limitação de despesas com
pessoal e o impedimento à transferência de parcelas do contrato para serem pagas no
exercício seguinte, sem disponibilidade de caixa. Assim, se o prazo de maturação do projeto
ultrapassa o mandato, os valores previstos – somadas todas as despesas da mesma espécie
realizadas e a realizar – não podem ultrapassar os limites estabelecidos para o exercício. Pela
Lei não é permitido, portanto, transferir despesas com investimentos para a próxima
administração sem recursos definidos e assegurados. É importante notar que as restrições são
drásticas em períodos pré-eleitorais.

Mais recentemente foi promulgada a Lei Federal nº 11.079, de 30 de dezembro


de 2004, que regula as parcerias público-privadas (PPPs). Em tese, ela seria um fator
contribuinte para a retomada do desenvolvimento econômico com maior justiça social. Cabe
ressaltar, a este propósito, que mesmo considerada a tendência de maior participação do setor
privado nos investimentos e operação das infra-estruturas, deve-se ter presente que, num país
com a extensão territorial, os desequilíbrios inter-pessoais e inter-regionais da renda e as
enormes carências acumuladas historicamente, será sempre importante a presença
governamental. Mas é inegável o avanço que se conseguiu com o processo de concessões que,
em parte, deteve o processo de deterioração das instalações fixas e equipamentos de apoio aos
serviços infra-estruturais.

Em linhas gerais, a Lei das Parcerias procura melhorar as condições de


atratividade de recursos privados para investimentos nas infra-estruturas, por meio da
flexibilização das ações do poder público, de modo a eliminar ou mitigar parte dos riscos que
o investidor identificaria num procedimento de concessão. Ou seja, numa parceria há
repartição de riscos e a administração pública assume parcela dos encargos. A parceria tem a
mesma concepção básica da concessão, valendo-se do ambiente criado pela legislação
mencionada. Na parceria o investimento mínimo é de R$ 20 milhões e o prazo máximo de
vigência contratual é de 35 anos.

De forma muito resumida (e superficial), na Concessão Administrativa, a


cobrança da tarifa ao usuário remunera os investimentos e os padrões de operação definidos
para o seu prazo de vigência. Ou seja, a engenharia financeira baseia-se no conceito de que
um projeto para ser viável tem que ser financiável, portanto, um empreendimento atraente e
que ofereça perspectivas de retorno do capital ao longo do período de concessão. O
escalonamento de prioridades e a escolha de projetos tornam-se, assim, mais seletivos e
menos centrados na ótica da obra pública. O que está em jogo é a rentabilidade no longo
prazo de um empreendimento, capaz de atender às expectativas dos investidores e balizada
pelas exigências do poder concedente.

Já nas PPPs – no que seria uma Concessão Patrocinada – o custo de


implantação de uma infra-estrutura e/ou operação de um serviço público pode não ser coberto
pela tarifa e, por conseguinte, não é passível de uma concessão convencional. Trabalha-se
com o conceito de ―tarifa sombra‖, ou seja, o diferencial (ou o integral) da tarifa é subsidiado
pelo poder público. Isto pode ocorrer na forma de investimentos com recursos públicos e/ou
subsídios operacionais. A parceria definida contratualmente estabelece as regras e os
compromissos dos parceiros público e privado. Pela Lei federal, entre outros dispositivos,
permite-se ao setor público que assuma riscos vedados pela legislação anterior.
Cabe, no entanto, refletir em aspectos práticos que merecem especial cuidado
no que se refere às parcerias. A Lei das PPPs representa, sem dúvida, um importante avanço
no sentido de atrair o capital privado para empreendimentos até então exclusivos do governo.
Mas, dada a tradição brasileira de quebra de contratos e mudanças arbitrárias das regras
estabelecidas, o avanço poderá ser pouco efetivo para atrair grandes volumes de capital
privado necessários para investimentos em infra-estruturas de grande porte, como, por
exemplo, usinas hidrelétricas, ferrovias e portos. Sendo assim, as PPPs poderão acabar por ser
um mecanismo de suporte apenas para pequenos investimentos, com curtos períodos de
maturação e baixo risco.

Portanto, se não houver garantias jurídicas, um ambiente de estabilidade nas


regras do jogo e credibilidade das agências reguladoras, poderão ficar de fora os grandes
investimentos necessários para suprir as gigantescas carências nas infra-estruturas. Note-se
que um aspecto vital é o de definir quem será responsável pela regulação dos contratos. As
PPPs, assim como as concessões, exigem uma ação reguladora por parte de organizações
públicas independentes.

AS MUDANÇAS DE PARADIGMA

No Brasil, como foi visto anteriormente, as cadeias logísticas estão baseadas


em uma matriz de transporte (e, conseqüentemente, energética) distorcida. Esforços têm sido
feitos no sentido de mudar o paradigma que prevaleceu por mais de seis décadas. Por
exemplo, as concessões das ferrovias, rodovias e instalações portuárias incentivaram a
migração de empresas de transporte para a atividade logística. Muitas empresas rodoviárias (e
algumas ferroviárias), pressionadas pela acirrada disputa no mercado de fretes, tomaram essa
decisão estratégica. Ao adotarem o conceito de operador logístico, adicionaram novos
serviços e capacidades aos seus portfólios. Ademais, houve um processo de consolidação de
empresas de transporte rodoviário de cargas.

O fato da economia brasileira ter parte do seu dinamismo calcado no


agronegócio torna a logística dos granéis o grande desafio. Neste setor, o transporte responde
por 60% ou mais dos custos logísticos. Muitos são os problemas de infra-estrutura que
deverão ser sanados para facilitar o escoamento de granéis, reduzir custos e, em conseqüência,
aumentar a competitividade das exportações. Por outro lado, no que diz respeito à produção
industrial, os principais usuários de logística demandam serviços de armazenagem, controle
de estoques, transporte de suprimentos, transferência e distribuição que, como foi visto,
constituem o núcleo da gestão integrada da logística.

O suporte do transporte às cadeias logísticas é, todavia, um problema que


persiste. Em todos os modais identificam-se (em maior ou menor grau) problemas
relacionados ao estado de degradação das infra-estruturas e das instalações de apoio. Além
disso, também são graves os problemas relacionados: a) aos elevados custos operacionais do
transporte (insumos, combustíveis e pedágios); b) à lenta absorção de inovações tecnológicas
e de gestão (idade elevada das frotas e equipamentos, assim como um baixo nível de
automação); c) à carga tributária elevada; d) à insegurança e roubo sistemático de cargas; e) às
exigências crescentes (e nem sempre coerentes) da legislação ambiental. Deste modo, as
deficiências nas infra-estruturas de suporte à logística e ao transporte acarretam a perda de
competitividade e, portanto, a elevação do chamado ―Custo Brasil‖.

São, portanto, amplos e profundos os problemas do transporte de cargas,


podendo se destacar, em linhas gerais as questões relacionadas com:

 A insuficiência de investimentos em manutenção das infra-estruturas;

 A carga tributária, a burocracia estatal e as práticas de corrupção;

 As deficiências de fiscalização e controle;

 A crônica escassez de informações.

Apesar da persistência dos gargalos, cabe lembrar que ocorreram grandes


mudanças nos últimos quinze anos. Toda a malha ferroviária para o transporte de carga já é
operada por empresas privadas. Os programas de concessão rodoviária avançaram bastante
nos âmbitos da União e de muitos estados. A operação de terminais portuários é quase
inteiramente privada, muito embora o sistema de gestão dos portos ainda permaneça muito
centralizado. No caso dos portos, acrescente-se uma burocracia complexa, cara e manipulada
por interesses políticos, o que sobrecarrega os custos das operações. Cabe chamar a atenção
para o fato de que paradigmas que prevalecem por longos períodos orientam a busca de
soluções para o desenvolvimento posterior no âmbito das suas próprias premissas. Esta é a
grande dificuldade que se interpõem às mudanças. Desta forma, no Brasil o processo de
mudanças no paradigma dos transportes não é nada simples, tanto em função da persistência
de abordagens estanques e da defasagem tecnológica, quanto pela amplitude dos problemas e
proporções significativas do setor.
Uma idéia das dimensões do setor de transportes pode ser proporcionada pelos
dados que se seguem:

a) Rodovias:
 A extensão da malha rodoviária (somadas as malhas sob a responsabilidade da União,
estados e municípios) era de cerca de 1,75 milhão de quilômetros, em 2007. Trata-se da
quarta malha rodoviária do mundo em extensão. No entanto, apenas 196,3 mil
quilômetros são pavimentados, ou seja, 11,2% do total;

 A extensão da malha rodoviária concedida à exploração privada, em 2007, era de 9,7 mil
quilômetros, representando apenas 5,6% do total das malhas pavimentadas sob a
responsabilidade da União e dos estados, que é de 173,5 mil quilômetros;

 O número de veículos de carga e de transporte coletivo que circulavam na extensão total


da malha rodoviária, em 2006, era de 3,2 milhões de caminhões, cavalos mecânicos,
reboques e semi-reboques (com idade média de 15 anos) e 186 mil ônibus interestaduais,
intermunicipais, urbanos e de fretamento;

 O número de empresas transportadoras de carga é estimado em aproximadamente 145 mil


e o de caminhoneiros autônomos de 769,8 mil, o que evidencia a grande fragmentação do
modal rodoviário.

b) Ferrovias:

 A extensão da malha ferroviária brasileira, em 2006, era de 29,3 mil quilômetros, operada
por 11 concessionárias. Trata-se da décima maior malha ferroviária do mundo;

 O número de locomotivas que circulavam nos trilhos desta malha, em 2006, era de 2.492.
Os vagões de todos os tipos em tráfego eram em número de 121.880 (sendo 62.744
vagões próprios das empresas concessionárias);

 Os vagões ferroviários transportaram, em 2006, 238,1 bilhões de toneladas-quilômetro


úteis (TKU) e 389,1 milhões de toneladas úteis anuais. Predominaram no transporte
ferroviário o minério de ferro (66% do total) e o complexo de soja e farelo
(aproximadamente 10% do total);

 O transporte de minério de ferro é realizado pelas duas ferrovias da Vale do Rio Doce
(Vitória-Minas e Carajás) e pela MRS Logística. As três concessionárias transportaram,
em 2006, nada menos que 83% da carga ferroviária, expressa em toneladas úteis;
 As ferrovias da Vale e a MRS Logística operam com níveis elevados de produtividade,
comparativamente às ferrovias norte-americanas e canadenses. Sem estas ferrovias, no
entanto, os indicadores ferroviários brasileiros são muito baixos, como pode ser visto na
tabela 4, a seguir.

Tabela 4: Dados comparativos de produtividade do sistema ferroviário, em 2007.

Extensão TKU / TKU / TKU / TKU / km /


Países
Ano
Ano Vagão Empregado

Estados Unidos 153.787 2.589.349 1.922 15.451 16.837


(Classe 1)

Canadá 53.856 445.689 3.015 11.468 8.285

Rússia 85.245 1.950.900 3.333 1.747 23.817

China 62.200 2.170.700 3.571 1.512 40.481

Índia 63.465 407.398 1.832 691 15.490

Alemanha 34.218 88.022 562 715 4.693

França 29.286 41.898 1.182 706 4.031

Brasil (sem Vale e 27.216 40.267 533 2.748 1.480


MRS)

Vale (EFC e 3.471 197.787 4.267 22.349 56.962


CVRD) e MRS

Brasil (Total) 29.013 238.054 1.953 11.723 8.205


Fonte: OECD – International Transport Forum, 2007 e Anuário Estatístico dos Transportes Terrestres – ANTT,
2007.

c) Dutos

 A extensão da malha dutoviária brasileira era, em 2007, de 22,2 mil quilômetros, sendo a
15ª do mundo;

 Esta malha é constituída por oleodutos (que movimentam petróleo, óleo combustível,
gasolina, diesel, álcool, GLP, querosene e nafta), minerodutos, (para o sal-gema, minério
de ferro e concentrado fosfático e gasodutos (para o gás natural);

 A movimentação de cargas na malha dutoviária brasileira foi de 251,3 mil toneladas nos
oleodutos, 18,3 mil nos minerodutos e de 14 mil nos gasodutos;
 O Gasoduto Brasil-Bolívia (com 3.150 km de extensão) é um dos maiores do mundo,
abastecendo o Centro-Sul do país com o gás natural importado;

d) Portos:

 O Brasil possui 40 portos e 43 terminais privados que movimentaram, em 2007, 754,7


milhões de toneladas, sendo 457,4 milhões de carga granelizada sólida, 194,6 milhões de
granelizada liquida e 102,7 milhões de carga geral;

 Somente os portos de Tubarão/ES, Itaquí/MA e Itaguaí/RJ movimentam 280 milhões de


toneladas – basicamente minério de ferro – representando 37,1% do total de toneladas
movimentadas e 61,2% dos granéis sólidos;

 Os portos brasileiros movimentam 4,2 milhões de contêineres (6,6 milhões de TEU)


representando 68 milhões de toneladas. A cabotagem envolve apenas 16,4% do número
de contêineres e 12% da tonelagem;

 O porto de Santos movimenta sozinho cerca de 40%, tanto das unidades, quanto da
tonelagem de toda a carga conteinerizada do país;

 A participação do transporte por hidrovias é muito reduzido, utilizando somente 20% dos
rios navegáveis (Região Norte 77% e Hidrovia Tietê-Paraná 7,9%).

Uma visão da inexpressiva posição dos portos brasileiros no que diz respeito à
movimentação de cargas em contêineres, comparativamente aos maiores portos mundiais é
dada pela tabela 5, a seguir.

Tabela 5: Dados comparativos da movimentação de cargas em contêineres nos maiores portos


mundiais (em toneladas e TEU), em 2006.
Toneladas TEU
Porto País Porto País
(milhões) (mil)

1 Xangai China 537,2 Cingapura Cingapura 24.792


2 Cingapura Cingapura 448,5 Hong Kong China 23.539
3 Rotterdã Holanda 378,4 Xangai China 21.710
4 Ningbo China 309,7 Shenzhen China 18.469
5 Guangzhou China 302,8 Busan Coréia 12.039
6 Tianjin China 257,6 Kaohsiung Taiwan 9.775
7 Hong Kong China 238,2 Rotterdã Holanda 9.655
8 Qingdao China 224,2 Dubai Emirados 8.923
9 Busan Coréia 217,9 Hamburgo Alemanha 8.862
10 Nagoya Japão 208,0 Los Angeles USA 8.470
11 Qinhuangdao China 204,9 Qingdao China 7.702

12 Louisiana USA 204,6 Long Beach USA 7.289


13 Kwangyang Coréia 202,4 Ningbo China 7.068
14 Houston USA 201,5 Antuérpia Bélgica 7.019
15 Dalian China 200,5 Guangzhou China 6.640

Brasil (total) 754,7 Brasil (total) 6.620


Brasil (sem minérios) 474,7
Santos 76,3 Santos 2.648

Fonte: American Association of Port Authorities e Anuário Estatístico Portuário, 2007.

e) Aeroportos:

 O Brasil possui 4.263 aeroportos e aeródromos, sendo a segunda maior rede do mundo,
apenas superada pela dos Estados Unidos, com 14.497;

 Dos 67 aeroportos operados pela Infraero, 31 são internacionais e 36 domésticos.


Movimentaram, em 2007, um total de 110, 5 milhões de passageiros e mais de 1 milhão e
300 mil toneladas de cargas;

 O número de passageiros em tráfego doméstico foi de 97,9 milhões e no internacional de


12,6 milhões. Na movimentação de cargas, 697,7 mil toneladas corresponderam ao
tráfego internacional e 620,8 mil ao doméstico;

 Do total da movimentação de cargas, o aeroporto de Guarulhos respondeu por 32,2%,


Viracopos por 18% e Manaus por 12,6%. Os três aeroportos concentraram nada menos
que 63% da carga aérea movimentada no país;

 No que diz respeito à movimentação de passageiros, os aeroportos de Guarulhos e


Congonhas concentraram, em 2007, 31% do total do país (18,7 e 15,3 milhões de
passageiros/ano, respectivamente). Agregando-se Brasília e Galeão, a concentração de
passageiros elevou-se a 50% do total.

Uma visão da posição dos aeroportos brasileiros quanto à movimentação de


passageiros e cargas, comparativamente aos maiores aeroportos mundiais, é dado pela tabela
6, a seguir.
Tabela 6: Dados comparativos da movimentação de cargas e passageiros nos maiores aeroportos
mundiais, em 2006.

Aeroporto Passageiros Aeroporto Cargas


(milhares) (mil toneladas)

1 Atlanta 84.846,6 Memphis 3.629,1

2 Chicago 77.028,1 Hong Kong 3.609,8

3 Londres 67.530,2 Anchorage 2.691,4

4 Tóquio 65.810,7 Seul 2.336,6

5 Los Angeles 61.041,1 Tóquio 2.280,8

6 Dallas/F.Worth 60.226,1 Xangai 2.168,1

7 Paris 65.849,6 Paris 2.130,7

8 Frankfurt 52.810,7 Frankfurt 2.127,6

9 Beijing 48.654,8 Louisville 1.983,0

10 Denver 47.325,0 Cingapura 1.931,9

Brasil (total) 102.185,4 Brasil (total) 1.229,7


(1) (1)
São Paulo 35.044,5 São Paulo 638,1

(1) Inclui os aeroportos de Guarulhos, Campinas e Congonhas.


Fonte: World Fact Book, CIA e INFRAERO, 2008.

Dado este panorama geral das dimensões e posicionamento do setor de


transportes brasileiro e voltando à questão da mudança de paradigma, cabe lembrar que as
transformações mundiais não foram somente de natureza tecnológica, gerencial e de métodos
e escalas das operações. Diante do colapso na capacidade de investimento público, novas
formas de financiamento passaram a ser buscadas. Com relação a este aspecto, cabe lembrar
que as duas últimas décadas trouxeram profundas modificações no sistema financeiro
internacional e nos fluxos de recursos entre países.

Os financiamentos dos investimentos nas infra-estruturas por parte de


entidades multilaterais de fomento ou financiamentos de governo a governo, predominantes
ao longo dos anos de 1970, cederam lugar às participações de grupos financeiros privados.
Estes lideraram consórcios de investimentos para a exploração das infra-estruturas, mediante
concessões de longo-prazo. As mudanças interferiram, também, na dinâmica dos
investimentos em transporte: saiu-se da perspectiva predominante da intervenção estatal, para
aquela dos interesses do mercado e da maior competitividade. (Para uma visão aprofundada
do processo de concessões e parcerias, ver Bowman; Hakim; Seidenstat, 1996, assim como
De Rus; Estache, 2000).

A recente crise financeira internacional, todavia, pode reverter parcialmente


esta tendência, na medida em que a carência de recursos privados e a instabilidade do
ambiente regulador podem exigir esforços adicionais de investimentos estatais (BARAT,
2008).

Na verdade, a junção dos fatores de mudança tecnológica, gerencial e


operacional, de um lado, e os de financiamento e planejamento, de outro, ocorrida nos países
desenvolvidos nos anos de 1980 e 1990, teve uma conseqüência importante. As cadeias de
produção – cada vez mais complexas – engendraram "cadeias logísticas" igualmente
complexas que, por sua vez, se materializaram, para o consumidor, no transporte porta a
porta, resultante da combinação mais conveniente de modais em termos de custo final do
transporte. As "cadeias logísticas" implicaram necessariamente na implementação de
investimentos e sistemas operacionais combinados e coordenados.

Neste sentido, com a crise podem surgir novas oportunidades para parcerias
entre interesses privados e governamentais para a configuração de sistemas de transporte
voltados para a consolidação de infra-estruturas e meios logísticos integrados em "corredores
regionalizados". Tais sistemas podem propiciar o deslocamento das cargas em níveis elevados
de produtividade e custos mais baixos para os consumidores (para uma perspectiva ampla
quanto ao planejamento e as mudanças nos transportes, ver Adams, 1981; Aldershot;
Nijkamp; Reichman, 1987).

Com relação às mudanças de paradigmas, um último aspecto – mas não menos


importante a ser lembrado – diz respeito ao forte entrelaçamento das infra-estruturas e
operações de logística e transporte com a questão ambiental. Dois temas devem ser
ressaltados para uma reflexão mais aprofundada por parte de governos e empresas.
Primeiramente, a tendência recorrente, no Brasil, de ocupação descontrolada do solo e
devastação do meio ambiente, em decorrência da implantação de uma infra-estrutura de
transporte, especialmente quando se trata de uma rodovia. Este problema é de tal gravidade
que se constata, em praticamente todos os processos de favelização, desmatamento, ocupação
irregular e exploração predatória do solo, a presença indutora de uma estrada federal, estadual
ou municipal. O país carece de uma legislação mais realista e rigorosa que, tanto coíba o
papel devastador das infra-estruturas, quanto regule a ocupação e uso do solo nas áreas
próximas ou lindeiras às rodovias.

A segunda tendência é a da distorção da nossa matriz energética em função do


predomínio do modal rodoviário no transporte de cargas e passageiros, tanto interurbano,
quanto urbano. Neste caso, a mudança de paradigma aponta para dois caminhos simultâneos a
médio e longo prazo: a) o fortalecimento do papel dos modais não-rodoviários, especialmente
em corredores regionalizados (ferrovias, dutos, e navegação); e b) a substituição (ou adição)
de combustíveis oriundos da biomassa (etanol e biodiesel) para movimentação do transporte
rodoviário.

Note-se que, em escala mundial, o uso de biocombustíveis no transporte é


ainda bastante baixo comparativamente ao dos derivados do petróleo. Nos Estados Unidos, o
etanol representa menos de 2% do combustível utilizado no transporte, enquanto no Brasil ele
representa aproximadamente 30%. Toda a experiência brasileira na pesquisa e
desenvolvimento de combustíveis da biomassa, assim como dos motores ―flex‖, não só
garantirá uma posição de destaque no cenário internacional, como poderá dar suporte a uma
mudança mais profunda na nossa matriz energética.

Cabe destacar, por fim, que enquanto os preços de produção dos


biocombustíveis são fáceis de medir, os benefícios de seu uso são difíceis de quantificar. Mas
isto não significa que os benefícios não sejam substanciais e muito amplos, podendo ser
citados: a) a melhoria da segurança energética; b) a redução de emissões de poluentes e,
conseqüentemente, do efeito estufa; c) a melhoria de desempenho dos veículos; d) o estímulo
ao desenvolvimento rural; e) a proteção de ecossistemas e dos solos, desde que a produção
obedeça a critérios ambientais corretos. Mas como esses benefícios são difíceis de quantificar,
o preço de mercado dos biocombustíveis, por não refleti-los adequadamente, torna-se ainda
―caro‖ frente aos derivados do petróleo, tornando mais difícil a sua difusão em escala mundial
(ver a esse respeito OECD, 2004). No entanto, no Brasil os custos de produção dos
biocombustíveis (especialmente do etanol) são muito mais baixos do que em países
desenvolvidos e mais próximos dos custos dos combustíveis de petróleo, o que nos abre
perspectivas bastante promissoras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Num mundo em que a economia é crescentemente globalizada, para competir
no mercado internacional são necessários investimentos continuados e consistentes em
aumentos de capacidade, assim como em inovação tecnológica e gerencial. No que diz
respeito às políticas e ações relacionadas às infra-estruturas é importante levar-se em conta a
tendência mundial de rápidos avanços tecnológicos e de escala em todos os segmentos infra-
estruturais.

Apesar das restrições impostas pela estagnação econômica prolongada que


assolou o Brasil por vinte e cinco anos, houve avanços extraordinários na incorporação de
novos padrões de gestão e novas tecnologias ao processo produtivo em muitos setores da
indústria, agricultura e serviços. Isto resultou de um esforço contínuo de empresários e
trabalhadores, que não dependeu, via de regra, de planos ou iniciativas governamentais.
Houve um crescimento significativo da produção física, foram gerados, direta e
indiretamente, milhares de empregos e fez-se a prosperidade de centenas de cidades médias e
pequenas. Alteraram-se as cadeias produtivas, assim como as logísticas de abastecimento e
escoamento, e surgiram ―clusters‖ de especialização.

As infra-estruturas de apoio, porém, não acompanharam este crescimento e


diversificação da economia. Assim, as atividades de produzir, armazenar, escoar e distribuir
ou embarcar a produção implicaram em redução da competitividade das nossas exportações e
encarecimento desnecessário do consumo interno (principalmente de alimentos e insumos
industriais e agrícolas).

Não há dúvida, portanto, que é inadiável a provisão de um complexo de infra-


estruturas integradas, com os objetivos de aumentar os níveis de produtividade em geral e
melhorar as condições de escoamento da produção. Mas como atingir tal objetivo, se a
disponibilidade de recursos públicos é restrita e se as políticas públicas – apesar do alarde
feito em torno do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – continuam a contemplar
visões fragmentadas, com ênfase nas ações voltadas para o curto prazo?

O caminho possível passa, primeiramente, pela racionalização das aplicações


dos recursos públicos, por meio da implementação de programas: a) que gerem sinergias entre
os diversos segmentos infra-estruturais envolvidos; b) que integrem as ações dos três níveis
de governo, valorizando da forma mais elevada o espírito federativo. Em seguida, pelo
envolvimento da iniciativa privada em programas conjuntos de melhorias e novos
investimentos por meio, tanto de concessões de longo prazo, como de parcerias confiáveis e
duradouras.
Trata-se, na verdade, de programas que englobarão, desde providências simples
ou pequenas obras que garantam melhorias operacionais imediatas, até a execução de projetos
de grande porte, estruturadores do processo de ocupação territorial e do desenvolvimento
sustentável. A perspectiva básica desta concepção é, antes de tudo, a da complementaridade e
integração entre as ações de planejamento, fixação de prioridades e execução de projetos, por
parte da União, estados e municípios. Além disso, a iniciativa privada prestará a sua
colaboração naquelas atividades em que pode (e deve) suplementar ou substituir a ação
governamental.

A inserção da logística e do transporte na agenda do desenvolvimento passa


pelo planejamento de longo prazo, formulação de políticas públicas consistentes e
consolidação de projetos sinérgicos, que propiciem a remoção de gargalos nas infra-
estruturas. Sem isto, não se conseguirá atender as necessidades impostas pelas exportações e
pelo abastecimento interno.

Cabe ressaltar que a logística e os transportes devem ser vistos como fatores
de: a) suporte à competitividade e inserção mais plena no processo de globalização; b)
articulação da estrutura produtiva e indução do desenvolvimento tecnológico; c) geração de
oportunidades de emprego nas infra-estruturas e operações; d) articulação de novas cadeias
produtivas, clusters de especializações e integração regional; e) suporte à sustentabilidade
ambiental; f) reestruturação da matriz energética.

São tantos e tão complexos os problemas relacionados com a definição de uma


política de logística e transporte que cumpre, na etapa atual de nosso desenvolvimento, mudar
paradigmas por meio da: a) reformulação de conceitos; b) discussão de métodos; e c) revisão,
em profundidade, da concepção tradicional centrada na ampliação extensiva (e
compartimentada) da infra-estrutura viária. Trata-se basicamente de olhar para os problemas
de operação, no contexto mais amplo do manuseio, acondicionamento e armazenagem das
cargas transportadas, bem como de conservação ambiental e segurança do tráfego nas vias.
Ou seja, trata-se de redirecionar políticas para uma visão de sustentabilidade ambiental,
eficiência econômica, incorporação e difusão de modernas tecnologias e métodos de gestão,
resultando em aumentos contínuos de produtividade.

Independente da crise financeira mundial – e, talvez, até em decorrência – o


novo ciclo de desenvolvimento econômico que se configura para o país, se relacionará
simultaneamente com a ampliação do mercado interno e a inserção mais profunda da moderna
agricultura e da indústria brasileira no mercado internacional. Esta nova dinâmica englobará,
inclusive, as atividades agrícolas "industrializadas" (em grande escala e com elevada
produtividade), além dos serviços decorrentes das tecnologias de ponta. O suporte do
transporte, em particular, e da logística no seu sentido mais amplo, ao novo ciclo de
desenvolvimento, estará vinculado essencialmente à competitividade e ao barateamento da
produção nacional, tanto internamente quanto nos mercados consumidores externos.

Neste sentido, o planejamento e a política de transportes não se pautarão mais


pela ênfase às ferrovias ou rodovias, nem apenas pela correção dos desequilíbrios na matriz
dos transportes, por conferir prioridade aos modais não-rodoviários. O planejamento e as
políticas públicas deverão tornar o sistema de transporte funcionalmente adequado às
exigências dos setores produtivos, pela incorporação, em grande escala, das concepções de
corredores regionalizados, da multimodalidade e das transformações tecnológicas e gerenciais
ocorridas nos países desenvolvidos.

REFERÊNCIAS

ADAMS, John. Transport planning: vision and practice. Londres e Boston: Routledge &
K. Paul, 1981.
BALLOU, Ronald. Business logistics, supply chain management. Nova York: Prentice
Hall, 5ª edição, 2003.
BARAT, Josef. Arquitetura Financeira Global. In: Revista Jurídica Consulex. Brasília: Ano
XII, n. 283, 2008.
BARAT, Josef. Logística, transporte e desenvolvimento econômico. São Paulo: CLA
Editora, 2007.
BARAT, Josef. Logística e transporte no processo de globalização: oportunidades para o
Brasil. São Paulo: Editora da UNESP e Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais –
IEEI, 2007.
BOWMAN, Gary; HAKIM, Simon; SEIDENSTAT, Paul. Privatizing transportation
systems. Westport, Conn: Praeger, 1996.
CALEFFI, Paulo. A Integração Latino Americana. In: Custo Brasil – soluções para o
desenvolvimento. Rio de Janeiro: ano 3, n. 17, out/nov, 2008.
ESTACHE, Antonio; DE RUS, Ginés. Privatization and regulation of transport
infrastructure: guidelines for policymakers and regulators. Washington, DC: The World
Bank, 2000.
FRÉMONT, Antoine. Empirical evidence for integration and disintegration of maritime
shipping, port and logistics activities. Paris: OECD – Round Table on Vertical Relations
between Transport and Logistics Businesses, 2009.
JONES, Bryan; QUAYLE, Michael. Logistics: an Integrated Approach. Liverpool:
Liverpool Business Publishing, 2002.
NIJKAMP, Peter, REICHMAN Shalom. Transportation planning in a changing world.
Brookfield: Vt. Gower The European Science Foundation, 1987.
OECD/INTERNATIONAL TRANSPORT FORUM/GLOBAL FORUM ON
SUSTAINABLE DEVELOPMENT. Transport and environment in a globalizing world.
Paris: OECD, 2008.
OECD/INTERNATIONAL TRANSPORT FORUM/JOINT TRANSPORT RESEARCH
CENTRE. Port competition and hinterland connections – summary and conclusions.
Paris: OECD, 2008.
OECD/INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. Biofuels for transport: an international
perspective. Paris: OECD, 2004.
TRANSPORTE AÉREO E PRODUÇÃO DE NOVAS TERRITORIALIZAÇÕES NA
DISPUTA PELA DEMANDA TURÍSTICA

Airton AREDES
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)
Glória de Dourados-MS
airton@uems.br

Márcio Rogério SILVEIRA


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Campus de Ourinhos
marcio@ourinhos.unesp.br

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é parte das primeiras reflexões cujo tema enfoca os fluxos
aéreos ocasionados pelas demandas turísticas, as interações espaciais advindas dessas
demandas e as estratégias logísticas das empresas aéreas de transporte regular. Estas empresas
têm, por hipótese, significativa parte de suas operações baseadas no transporte de passageiros
turistas. O recorte espacial pauta-se nos lugares e regiões do espaço brasileiro dotados de
infra-estrutura aeroportuária (fixos que atendam passageiros turistas) e emissão e demanda
turística.

Parte-se do princípio de que o turismo é uma atividade que elementarmente


―consome espaço‖ e que apesar do turista não viver no espaço produzido para o turismo ele é
um grande responsável pela produção do espaço que é destino turístico. O turismo não ocorre
sem deslocamento espacial que, por conseguinte, intensifica as interações espaciais e a
mobilidade geográfica do capital, pois é tanto produtor como indutor dessas interações e da
mobilidade do capital. É uma indústria110 que movimenta bilhões pelo mundo e que no
contexto da mundialização do capital (CHESNAIS, 1996) mobiliza significativa parcela de
várias cadeias produtivas. Ele envolve, portanto, três aspectos correlacionados: a) áreas de
dispersão; b) deslocamento espacial e; c) áreas de recepção. Assim se configuram os fluxos,

110
Kon (2004, p. 63) enfatiza que ―as tecnologias da informação e das comunicações têm conduzido à
industrialização dos serviços, à inovação organizacional e a novas formas de comercialização dos serviços [...]‖,
ao mesmo tempo em que coloca o turismo no seu todo e os elementos do sistema turístico, hotéis, restaurantes e
empresas aéreas na mesma condição de atividades pertencentes ao setor de serviços. Como esses setores vêm
passando por um processo de mudança na forma de comercializar seus produtos e na organização de suas
empresas, e por isso ganham o status de ―indústria‖, entende-se, baseado nessa autora, que o turismo é também
uma indústria.
meios pelo qual a demanda se desloca pelo espaço. Dentre esses três aspectos os meios de
transportes assumem condição muito importante. É por ele que as pessoas saem de um ponto
de dispersão para outro de recepção e consumo dos bens turísticos. Sem os transportes a
atividade turística não se realizaria, mesmo que houvesse demanda e atrativo.

Sendo o Brasil um país de "dimensões continentais" necessita de uma rede de


transportes que contemple este diferencial. Minimamente são exigidas dos transportes
turísticos satisfação e boa relação de distância, tempo e custo. O transporte aéreo consegue
reunir as referidas características criando uma condição em que as companhias aéreas que
operam ou operaram nos aeródromos/aeroportos111, em função da circulação de
passageiros/turistas e dos fluxos aéreos, produzam/exerçam algum tipo de poder, ou seja,
territorialização.

Para isso se faz necessário contextualizar aeródromos/aeroportos como infra-


estruturas, fixos que também atendem a demanda turística. Também se faz necessário refletir
se fatores como políticas governamentais de incentivo ao turismo, a popularização do crédito
e a entrada em operação de companhias aéreas com novo modelo de negócio, como o de
baixo preço, baixo custo, Low Cost, Low Fare, disputando mercado com as empresas do tipo
Hub-and-Spoke ou Network112, propiciaram o aumento da demanda para o transporte aéreo e,
conseqüentemente, da circulação de passageiros e das interações espaciais fomentadas pelo
turismo. O entendimento dos fatores arrolados anteriormente e dos procedimentos adotados
pela ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil anteriormente denominado DAC –
Departamento de Aviação Civil) para a concessão dessas operações, podem trazer algumas
respostas. Dessa forma, seria o turismo um forte elemento no planejamento e na conseqüente
produção/exercício das territorializações das companhias aéreas que operaram/operam em
aeródromos/aeroportos, em seus vôos regulares e fretamentos?

O foco desta reflexão está nos fluxos aéreos sob a perspectiva da circulação e
produção de novas territorializações das companhias aéreas e a contribuição do turismo nessa
questão. Isso posto, é necessária uma contextualização e interpretação da dinâmica mais
ampla que envolve a aviação comercial, os fluxos produzidos pelas companhias aéreas e o
turismo no contexto da circulação do capital, pois a circulação também é a imagem do poder.

111
Aeródromo é toda área destinada a pouso, decolagem e movimentação de aeronaves. Aeroportos são os
aeródromos públicos, dotados de instalações e facilidades para apoio de operações de aeronaves e de embarque
e desembarque de pessoas e cargas (BRASIL, 1986).
112
O Nome hub and spoke ou the spoke-hub distribution paradigm, é derivado do pneu de bicicleta que consiste
em apontar vários raios do aro (spoke) em direção a um eixo central. São aeroportos centrais e de conexão de
vôos. Network ou rede, é a malha aérea de destino de uma companhia aérea (SOUTELINO, 2006).
TURISMO E DESLOCAMENTO ESPACIAL

A história (Geografia) da humanidade tem estreita relação com o


desenvolvimento dos transportes. Os deslocamentos espaciais e suas motivações ―dão
algumas pistas‖ de como o espaço se organiza e se estrutura com a circulação do capital, das
mercadorias, das pessoas e da informação.

Karl Marx (O Capital) afirmava que as soluções são produzidas a partir de


problemas existentes. Para ele o processo de produção e acumulação só fecharia seu ciclo
quando o movimento produção-circulação-consumo estivesse completo, com o retorno do
excedente para as mãos do capitalista para acumulação e/ou reinvestimento no processo
produtivo. Para tanto, as mercadorias teriam que chegar até o consumidor. Nesse mesmo
sentido Paul Vidal de La Blache em ―Princípios de Geografia Humana‖ mostra que
historicamente o homem procura solução para o problema do transporte e circulação de
acordo com os meios disponíveis em estágios diferentes do desenvolvimento técnico ou
tecnológico.

No contexto da mundialização da economia a circulação do capital, das


mercadorias, das pessoas e da informação está cada vez maior e mais rápida – resultado do
progresso técnico, das invenções e inovações. A mobilidade, nesse período técnico-científico-
informacional (SANTOS; SILVEIRA, 2003), caracteriza o atual estágio do capitalismo e da
necessidade de maior fluidez para completar seu ciclo.

Outra característica desse momento histórico é o dinâmico processo de


urbanização. Nas últimas décadas, no espaço brasileiro, verifica-se significativo processo de
urbanização, industrialização e posterior terciarização e terceirização da economia que
envolve as populações dos centros, principalmente da região concentrada (SANTOS;
SILVEIRA, 2003). As condições e o modo de vida urbano, principalmente das grandes e
médias cidades, criam problemas de mobilidade intra e interurbanas dificultando os
deslocamentos da população nos diferentes afazeres do cotidiano.

Gera também o distanciamento dos espaços de lazer que são em sua maioria
não urbanos. Tal situação faz com que essa população procure utilizar o tempo livre com lazer
e turismo. Para uma parcela cria-se a possibilidade de usufruí-lo com viagens para variados
destinos. A ampliação do crédito e a facilitação da aquisição de pacotes turísticos e bilhetes de
passagens cria uma demanda potencial para o consumo turístico.
Porém, há necessidade de infra-estruturas e de sistemas de transportes que
garantam conforto, rapidez e segurança, pois os turistas muitas vezes têm poucos dias para
usufruir seu tempo livre. A demanda por turismo gera fluxos e deslocamentos espaciais. Na
abordagem dos fluxos e deslocamentos espaciais é necessário remeter-se a conceitos
anteriores que dão suporte para discuti-los. Esses são os sistemas de movimentos (as infra-
estruturas e meios de transportes). Mas anterior a eles estão as interações espaciais.

Para Ullman (1972) a interação espacial é um conceito ―locacional‖ e


dinâmico. O autor busca em Halford Mackinder (1889) a afirmação de que os homens se
deslocam e se fixam em função de suas relações. Crowe (1938 apud ULLMAN, 1972) sugere
que estudos geográficos mais frutíferos seriam – ou deveriam – ser concentrados sobre a
matéria circulante, ou seja, homens e coisas em movimento, em detrimento de descrições
estáticas.

Para Corrêa (1997, p. 279) ―as interações espaciais constituem um amplo e


complexo conjunto de deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação sobre o
espaço geográfico‖. É muito mais do que simples deslocamentos, pois expressam a
reprodução da sociedade e do capital.

Ainda segundo Ullman (1972), as interações espaciais estão baseadas em três


fatores:

a) complementary: a function or areal diferentiation promoting spatial


interaction; b) intervening complementarity: (or “opportunities”) between
two regions or places; c) distance: measured in real terms including cost
and time of transport and effect of improvement in facilities (ULLMAN,
1972, p. 33)113

A complementaridade seria as diferentes áreas que compreendem os espaços


de trabalho e vivência de onde vem o turista (demanda) e o atrativo a ser visitado (oferta). As
duas ensejariam a necessidade de rotas de transporte interligando-as. A oportunidade
mediadora seria o conjunto das infra-estruturas e meios de transportes que ligariam a demanda
à oferta, por exemplo, os aeroportos, aeronaves e aerovias ou espaço aéreo controlado (ou
não). A distância é mensurada em termos de tempo e custo. Para aqueles que se deslocam
para destinos turísticos e da mesma forma para as empresas aéreas os custos do deslocamento

113
a) Complementaridade: uma função ou diferenciação areal que promove interação espacial; b)
Oportunidades mediadoras: entre duas regiões ou lugares; c) Distância: mensurada em termos reais
incluindo custo e tempo de transporte e o efeito do melhoramento em facilidades (ULLMAN, 1972, p. 33).
e o tempo a se deslocar são fatores que contribuem para o sucesso ou não de um destino
turístico.

Os sistemas de movimento são retratados aqui nos aeroportos como fixos,


infra-estruturas de embarque e desembarque de passageiros, assim como todo sistema de
rádio-navegação necessário para táxi, decolagem, cruzeiro e pouso das aeronaves como
também as próprias aeronaves. A implantação dessas infra-estruturas só ocorre quando há
necessidades por parte da sociedade, mesmo que seja uma parcela dela. Logo, os sistemas de
movimento e os fluxos possuem motivações (SILVEIRA, 2009).

Os fluxos seriam o resultado do movimento da demanda de seu ponto de


partida até o destino e vice-versa, ou seja, os fluxos são os meios pelo qual a demanda se
desloca. O deslocamento espacial é condição para a atividade turística. Isso fica claro na
definição da Organização Mundial do Turismo (OMT), embora de forma generalística, em
que a convenciona como aquela que ―compreende as atividades que realizam as pessoas
durante suas viagens e estadas em lugares diferentes ao seu entorno habitual, por um período
consecutivo inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras‖ (OMT, 2001 apud
CRUZ, 2007, p. 5).

Essa característica é inerente ao turismo, pois o turista procura em outras


localidades manifestações naturais e/ou culturais que sejam diferentes do seu local habitual de
existência. Dessa forma o deslocamento espacial e o turismo estão estreitamente ligados, na
medida em que essa busca requer deslocamento do local de moradia ao destino turístico.

Segundo Rodrigues (1996), a atividade turística envolve um tríplice aspecto:


áreas de dispersão, geralmente as grandes cidades e áreas industriais, englobadas pela região
concentrada; deslocamento pelos mais variados modais; áreas de recepção que são os destinos
turísticos. Dentre esses três aspectos os meios de transportes assumem condição muito
importante.

Para Cruz (2003, p. 5) ―O turismo, entendemos, é, antes de mais nada, uma


prática social, que envolve o deslocamento de pessoas pelo território e que tem no espaço
geográfico seu principal objeto de consumo.‖

Os deslocamentos espaciais induzidos pelo turismo são parte dos


deslocamentos espaciais em que também se manifestam a circulação e as novas
territorializações do capital em sua reprodução geográfica. As empresas da indústria turística
(ou do Trade) são as expressões materializadas dessas territorializações, tendo o capital
privado e o Estado papel fundamental na sua estruturação, principalmente o último, como
implementador de infra-estruturas e políticas de incentivo à atividade e o primeiro como
utilizador dessas. São as demandas corporativas representadas pelos atrativos, meios de
hospedagem, equipamentos de restauração, meios de transporte, o capital imobiliário na
valorização de espaços passíveis de consumo, agências e operadoras que interagem para
melhor aproveitar suas capacidades e garantir lucro numa relação de cooperação entre os
vários segmentos.

Os transportes, nesse contexto específico, articulam-se com o restante do trade


para maximizar seus resultados, vide a estreita relação das empresas de transporte com as
agências e operadoras de turismo114. Aí reside a importância dos transportes turísticos e de
suas especificidades.

TRANSPORTE TURÍSTICO

A relação entre transporte e turismo e deste com a viagem é inegável. Para que
se possa haver turismo há a necessidade do deslocamento do local de residência ao lugar
turístico, ou seja, como enfocado anteriormente, é necessário que haja deslocamento e
interação espacial. Logo, o transporte é um elemento facilitador e condição essencial para o
desenvolvimento da atividade turística.

A evolução do turismo se deu paralelamente a dos transportes visto que os


lugares cada vez mais distantes requeriam meios de transportes mais rápidos exigindo-se
satisfação e a boa relação de distância, tempo e custo.

Os transportes turísticos fazem parte dos serviços turísticos. Sendo um serviço


ele é consumido no mesmo instante em que é prestado (KON, 2004). Portanto, não há um
produto palpável definido, mas tipos diferenciados de serviços a serem prestados. Eles

114
A CVC operadora faz parte da holding de mesmo nome. Criada em 1972, é a maior operadora do Brasil.
Conta com hotéis próprios e no verão de 2008/2009 fretou 140 vôos semanais. Em 2008 foram transportados
1,7 milhão de passageiros por vários modais, sendo que 65% viajaram pelo Brasil. Principais destinos no Brasil:
Região Nordeste, como Porto Seguro, Natal, Maceió, Fortaleza e Porto de Galinhas. Na região Sul:
principalmente Gramado e Serra Gaúcha em geral. No Exterior: Argentina, Chile, Estados Unidos (Orlando),
Caribe e circuitos europeus. Seus nichos de atuação: Viagens a lazer para toda a família, para todos os perfis de
público. A TAM Viagens também é um exemplo. Da empresa de transporte aéreo cria-se uma operadora que
agrega ao transporte de passageiros atrativos e meios de hospedagem como forma de maximizar o número de
assentos ocupados nos vôos em que a TAM Linhas Aéreas opera. Foi criada em 1998, conta com mais de 70
lojas no Brasil e no exterior e tem como principais destinos no Brasil: Fortaleza, Praia do Forte, Costa do
Sauípe, Natal, Porto de Galinhas, Maceió, Salvador, Gramado, etc. No exterior: Buenos Aires, Miami, Londres,
Assunção, Bariloche, Orlando, Nova York, Paris, Londres, Santiago, Caracas, Lima, Madri, Milão, Londres,
Frankfurt. Nicho de atuação: Ecoturismo, terceira idade (Também chamada de ―Melhor Idade‖, Público GLS
(Gays, Lésbicas e Simpatizantes, eventos, resorts (PANROTAS GUIA, 2009).
chegam a representar em média, para pequenas distâncias, 55% do custo total da viagem,
aumentando, proporcionalmente para distâncias maiores (COOPER et al., 2001).

Rejowski e Paolillo (2002) fazem uma cronologia da relação histórica dos


transportes e do turismo. Procurou-se também seguir a reflexão de Silveira (2009) sobre a
periodização das revoluções e evoluções logísticas. Para ele a intensidade das invenções e
inovações nos meios e vias de transportes não são lineares e nem ocorrem de forma contínua,
isso devido à diferenciação dos impactos sociais, ou seja, da capacidade de reversão da ordem
social vigente, que cada tipo de inovação proporciona: inovações básicas ou revolucionárias,
de processo e de produto. Porém, podem intensificar as interações espaciais 115 por diversos
motivos, meios e velocidades. Procurar-se-á então fazer um paralelo entre o desenvolvimento
histórico dos transportes turísticos e sua relação no encadeamento das revoluções e evoluções
logísticas.

Segundo Rejowski e Paolillo (2002), em meados do século XIX e início do


século XX, houve o desenvolvimento do transporte ferroviário, marcando nessa época a
origem do turismo organizado em agências, o turismo marítimo e transcontinental. Para
Silveira (2009) esse período se inicia com a Primeira Revolução Industrial que marca o
princípio da Terceira Revolução e Evolução Logística em que há uma refuncionalização das
invenções e inovações da Primeira Revolução Industrial, cujos sistemas de movimentos são,
entre outros, a locomotiva e o navio a vapor. Na Quarta Revolução e evolução logística, que
tem seu início com a Segunda Revolução Industrial, o sistema de movimento marcante é
movido pelo motor à combustão que marca a diminuição do tamanho dos propulsores e
aumenta a velocidade dos deslocamentos e das trocas. O automóvel movido a gasolina, a
locomotiva e navios movidos a diesel são exemplos desses sistemas de movimentos.

Apesar da amplitude dos períodos enfocados, Rejowski e Paolillo (2002)


enfatizam que antes e depois da Primeira Grande Guerra houve o desenvolvimento do
transporte marítimo com os cruzeiros se configurando como turismo de luxo.

Após a Segunda Grande Guerra até 1973 expandem-se o transporte aéreo


comercial e rodoviário de passageiros e cargas. O primeiro impulsiona o turismo internacional
e contribui para o turismo massivo. O segundo marca também o turismo massivo organizado,
115
Nesse caso já estamos atribuindo às interações espaciais um caráter mais totalizador, ou seja, seguindo a
acepção de Corrêa (1997), vizualizamos as interações espaciais como reflexos da união da categoria de
interações do materialismo histórico e dialético (Cheptulin, 1982) e do conceito de espaço geográfico proposto
por Milton Santos (2008; 2009). Assim, as interações espaciais deixam de ser entendidas como ações no espaço
e passam a ser melhor compreendidas como produtoras irrestritas de espaços, além de se tornarem um atributo
fundamental das análises geográficas (produção, organização, ordenamento espacial e outros).
principalmente o doméstico propiciado pela expansão da malha rodoviária mundial. As
evoluções logísticas advindas desse período de guerra são marcadas pela utilização dos
motores a jato. Foram utilizados na Segunda Grande Guerra, mas seu uso em uma aeronave
comercial, o Comet, da empresa de aviação comercial inglesa, dar-se-ia em 1952.

Por fim, a partir de 1973, a modernização dos transportes somados à


intermodalidade e ao desenvolvimento tecnológico consolida o turismo massivo rodoviário,
ferroviário, marítimo e aéreo. Este último é caracterizado pela facilitação de se atingir longas
distâncias em menor tempo116. Esse período, segundo Silveira (2009), é característico do final
da Quarta Revolução e Evolução Logística, adentrando a Quinta Revolução e Evolução
Logística marcada pela Terceira Revolução Industrial caracteriza por ―(...) maior integração
comercial, infovias, auto-estradas, telemática, trens de alta velocidade, fibra ótica,
comunicação via satélite, etc.‖ (SILVEIRA, 2009, p. 21). Estes refletiram significativamente
no turismo através do marketing, da informatização dos serviços, das novas gerações de
motores, veículos, enfim, de inovações que deram maior fluidez ao território e, ao mesmo
tempo, maior mobilidade para a circulação e reprodução do capital. Nesse contexto de busca
de maior fluidez no território o transporte aéreo ganha significativa expressão, já que dos
diferentes modais é ele quem incorpora grandes e recentes inovações, além de mobilidade e
velocidade de deslocamento.

TRANSPORTE AÉREO E INFRA-ESTRUTURAS

O transporte aéreo divide-se em várias indústrias, segmentando-se em vários


produtos e seus respectivos fornecedores, quais sejam: transportadores; ―produto‖ a ser
transportado e espaço do deslocamento (OLIVEIRA, 2009).

Conforme a divisão proposta por esse mesmo autor, os produtos e fornecedores


são divididos respondendo-se às perguntas abaixo:

Quem transporta: empresas aéreas regulares, empresas aéreas de fretamento,


empresas de táxi aéreo, etc. (operadoras de aviação comercial), pessoas
físicas (aviação geral, com aeronaves de menor porte), instituições militares
(aviação militar).
O que transporta: passageiros, carga, correio.

116
O que ocorre é que a distância, estando relacionada ao tempo, dá uma falsa aparência de
diminuição/encurtamento do espaço, mas o que se altera é o tempo e isso influi na percepção que temos do
espaço. Portanto, a distância strictu sensu (enquanto instância espacial) de um ponto ao outro não se alterou,
mas o tempo de percurso, a capacidade de interações espaciais, entre outros, se alteraram.
De onde para onde: doméstico (origem e destino no país), regional (origem e
destino no país, mas envolve não ligações principais ou ―tronco‖),
internacional (origem ou destino fora do país) (OLIVEIRA, 2009, p. 31)

Para essa reflexão serão levadas em consideração as empresas aéreas regulares


de transporte de passageiros em vôos domésticos e regionais que operam no Brasil.

O transporte turístico é visto pelo trade e pelos pesquisadores em turismo


como parte de um sistema. Isso fica claro em Page (2001), Rejowski e Paolillo (2002) e Beni
(2004) que o enfatizam como um subsistema ou um sistema em si mesmo, com uma estrutura
que possui em sua composição equipamentos e serviços de meios de transportes essenciais ao
deslocamento de pessoas das áreas de emissão às de recepção de turistas, inclusive dentro
delas.

Na Geografia a noção de sistema remete a um conjunto de elementos


interligados e interdependentes entre si. Também pode ser aplicada a noção de sistema em
rede, denotando tal inter-relação no transporte, principalmente o aéreo, já que o conceito de
hub and spoke e a inter-relação entre vários hubs cria a sobreposição de intrincadas ligações
aéreas em rede. Milton Santos (2002) constrói um conceito de rede a partir de três diferentes
tempos (pré-mecânico, mecânico intermediário e técnico-científico-informacional). Nesse
tempo, segundo ele, a busca voraz por maior fluidez cria condições para o desenvolvimento
de técnicas cada vez mais eficazes. E o transporte aéreo, em toda sua estrutura, é resultado de
tal busca.

O transporte aéreo é um dos modais responsáveis pelo deslocamento da


demanda turística. Se as principais características dos transportes turísticos são boa relação de
distância, tempo e custo para que haja satisfação do turista, o transporte aéreo consegue reunir
essas características, principalmente nas longas distâncias.

Dentre os vários modais que constituem esse sistema de transporte turístico o


aéreo é a importante conquista deste século. Atualmente o avião é um meio de transporte de
massa. Uma viagem aérea que há trinta anos ainda era uma aventura agora117 é uma viagem
segura, rápida e confortável.

O transporte aéreo, pelas vantagens que oferece, exerce importante papel no


desenvolvimento do Turismo, sobretudo naquele praticado a longas
distâncias. Na verdade, a aviação progrediu tão rapidamente que as
distâncias foram ficando cada vez menores. "Além dos vôos regulares que

117
Recentemente, no Brasil, essas características podem e devem ser revistas, apesar de que a aviação brasileira
está passando por grandes mudanças.
transportam milhares de pessoas, há uma modalidade específica que atende
primordialmente ao tráfego turístico: os vôos charters, que ganharam uma
importância tão grande que chegam em alguns países a suplantar os vôos
regulares em volume de turistas. Está havendo também um acentuado
crescimento do code sharing, que é um acordo entre empresas aéreas
conveniadas, consorciadas ou com alguma aliança comercial que atuam na
mesma rota, que permite a operação conjugada em operação de vôos (...)
(BENI, 2004, p. 205-206).

O turismo como uma atividade detentora e propulsora do transporte aéreo em


determinadas regiões conduz parte das ações das companhias aéreas que se tornam, de certa
forma, dependentes da demanda turística para que possa ter condições de operação seja com
vôo charter118 ou regular ou ainda por code sharing119.

O transporte aéreo, apesar de vários problemas como, por exemplo, o custo


geral de realização e as instabilidades quanto às políticas econômicas, são de vital importância
para a realização da atividade turística. Conforme Andrade (2000, p. 160),

As grandes distâncias a serem percorridas e a liberação ou necessidade de


ganhar tempo, somadas ao poder aquisitivo das pessoas que viajam, se
constituem em importantes fatores que viabilizam o avião como transporte
turístico a nível nacional, em países de grandes dimensões territoriais, e
internacional. Por isso – pelo menos em decorrência dos aspectos exteriores
– o desenvolvimento da aviação comercial pode ser considerado tanto causa
quanto efeito de expansão turística.

Para demonstrar a importância do transporte aéreo para a reprodução do capital


buscou-se nas reflexões de Oliveira (2009) respaldo em bases econômicas relativas ao setor
para consolidação das idéias aqui propostas.

Na visão desse autor, o transporte aéreo, de modo geral e no Brasil em


específico, ―é um bem industrial, um verdadeiro insumo produtivo de pequenas, médias e
grandes corporações responsáveis pelo desenvolvimento econômico nacional‖ (OLIVEIRA,
2009, p. 21), sendo visto também como estratégico pelo governo e analistas setoriais. É um
insumo produtivo porque nesse período em que a fluidez é extremamente necessária, várias
corporações necessitam de deslocamentos rápidos pelo território, que significam agilidade e
mobilidade, além de ser fator de integração nacional.

118
Vôos charters são vôos fretados, diferentes das linhas aéreas regulares, e que são previamente reservados e
pagos para a empresa aérea por meio de operadoras.
119
Code sharing é o compartilhamento de vôo entre companhias aéreas. Os passageiros cujos bilhetes foram
adquiridos em determinada empresa, podem embarcar no vôo de outra. Uma cede assentos para a outra
conveniada acomodar seus passageiros.
O transporte aéreo, segundo Oliveira (2009), é sensível ao crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB). Ele destaca a ―regra de bolso‖ de 2:1 para o setor. Por essa
regra, em que a cada 1% de crescimento do PIB há crescimento de 2% da aviação comercial,
e na mesma proporção a queda do PIB significa queda no setor aéreo, sendo que em setores
correlatos, como o turismo, esse crescimento ou queda pode ser ainda maior. É o que ele
denomina de ―Fator de Impacto‖ (FI) igual a 3, ou seja,

(...) para cada mil reais (ou mil dólares) gerados em atividades diretamente
vinculadas à aviação, são gerados outros dois mil por toda a economia como
efeito de transbordamento (spillowvers). O turismo, por exemplo, é um dos
setores mais impactados por efeitos indiretos do transporte aéreo
(OLIVEIRA, 2009, p. 27).

Para se ter idéia da relação PIB e setor aéreo, a tabela abaixo (tabela 1)
demonstra a taxa de crescimento anual média por década de vários setores da economia, em
que é possível comparar os níveis de crescimentos de tais setores, do PIB e da aviação. Nota-
se que a aviação sempre teve crescimento acima do PIB, principalmente na década de 1970, e
só teve crescimento abaixo de setores como energia elétrica (década de 1980) e indústria
automobilística (década de 1990).

Tabela 1: Taxa de crescimento anual média por década.


Período Energia Automobilística Construção Civil Transporte Aéreo PIB
Elétrica
1970-1979 10,2% 10,4% 9,2% 15,6% 7,7%
1980-1989 5,8% -3,3% -0,3% 5,1% 2,0%
1990-1999 3,8% 5,4% 1,8% 4,0% 2,1%
2000-2007 2,4% 6,8% 1,2% 7,7% 2,9%
Fonte: Oliveira, 2009/Ipeadata, 2009.
Organização: Airton Aredes, 2009.

As figuras 1 e 2 demonstram o crescimento dos assentos-quilômetros


oferecidos (ASK – available seats-kilometers), dos passageiros pagantes quilômetros
transportados (RPK – revenue-passenger kilometers) e o fator de aproveitamento dos vôos.
Fica claro o crescimento tanto dos assentos ofertados como dos passageiros pagantes
quilômetros transportados e do aproveitamento dos assentos oferecidos, com tendência a
crescimento.

Os dados da figura 1 são resultado da somatória do número de assentos


oferecidos multiplicados pelos quilômetros transportados em cada etapa de vôo, medido em
bilhões de assentos-quilômetros oferecidos, e do número de passageiros transportados pagos
multiplicados pelos quilômetros transportados em cada etapa de vôo, também medido em
bilhões.

Figura 1: Total de assentos/km oferecidos e passageiros/km transportados/pagantes no segmento


doméstico regular (em bilhões).

Fonte: Ipeadata, 2009.


Organização: Airton Aredes, 2009.

A figura 2 retrata a relação do número de passageiros-quilômetros


transportados pagos sobre o número de assentos-quilômetros oferecidos, dados em
percentuais.

Nas duas figuras, a partir de 2001, há acentuação positiva na curva de


crescimento em função da entrada da Gol, empresa que inaugura no Brasil o conceito de
empresa de baixo preço e baixo custo, ou seja, Low cost, low fare, o que propiciou acesso a
mais passageiros ao modal aéreo.
Figura 2: Fator de aproveitamento de vôo no total do segmento doméstico regular (%).

Fonte: Ipeadata, 2009.


Organização: Airton Aredes, 2009.

A credibilidade do sistema é fator fundamental para avaliação de custos e


riscos de investimentos e desenvolvimento econômico (OLIVEIRA, 2009). Um exemplo que
pode ilustrar isso foi a visita da comissão da FIFA (Federação Internacional de Football
Association, do francês: Fédération Internationale de Football Association) que esteve
recentemente no Brasil e ―(...) disse que o maior problema para o país receber a Copa do
Mundo de 2014 é a infra-estrutura aeroportuária‖ (GOMES, 2009, p. 66). Outros exemplos
são os ―apagões‖ aéreos de 2006 e 2007, ou seja, aparecimento de estrangulamentos nos
momentos de intensificação da demanda aérea. Os efeitos desses eventos puderam ser
sentidos na economia, negócios e no turismo.

Segundo dados da EMBRATUR (Empresa Brasileira de Turismo)120,

120
Os referidos dados, utilizados nas tabelas 2 e 3, foram extraídos do Boletim de Desempenho Econômico do
Turismo, que é uma pesquisa, de âmbito nacional, que interpreta as respostas dos empresários do setor sobre o
momento atual dos negócios, para que seja projetado um cenário futuro. Eles são produto de uma análise de
caráter qualitativo sobre a conjuntura econômica do turismo no Brasil. Tal análise tem por base as mais
significativas variáveis econômicas do contexto do turismo associadas aos resultados de um levantamento
amostral da opinião de diversos segmentos do trade. Variáveis de categorização apuradas na pesquisa permitem
a ponderação de cada resposta individual e a estimação do segmento respondente. As observações e as previsões
são apuradas utilizando o saldo de respostas, que é a diferença entre o total ponderado de assinalações de
aumento e de queda. Esse saldo indica a percepção do segmento respondente em relação ao tema da pergunta,
como por exemplo: Qual a sua perspectiva quanto ao faturamento total neste trimestre em comparação ao
O confronto entre o montante faturado em jan.-mar./2008 e em out.-
dez./2007 revela majoração em 74% do setor de turismo, estabilidade em
14% e redução em 12% – o saldo das respostas, representado pela diferença
entre as assinalações de incremento e as de queda foi de 62% (contra -5%
apurado na comparação entre os mesmos períodos de 2007 e de 2006,
respectivamente). Os mais elevados saldos foram registrados nos segmentos
transporte aéreo (100%) e operadoras (50%), enquanto que o mais baixo foi
detectado em eventos (-49%) (BRASIL, 2008, p. 6).

As tabelas abaixo (tabela 2 e 3) demonstra o comportamento do transporte


aéreo no período de 2006/2007 e no primeiro trimestre de 2007 em comparação com o
primeiro semestre de 2008 sobre o faturamento do setor turístico, com destaque para o
segmento aéreo, que apresentou significativo crescimento.

Tabela 2: Previsão de faturamento de 2007 em relação a 2006.


Opinião (%)
Segmento Diminuição (-) Aumento (+) Saldo
Transporte aéreo 0 92 92
Agências 20 47 27
Eventos 7 81 74
Hotelaria 15 79 64
Operadoras 0 38 38
Parques Temáticos 0 72 72
Receptivo 18 81 63
Fonte: Núcleo de Turismo – Ebape-FGV / EMBRATUR, 2008.
Organização: Airton Aredes, 2009.

Tabela 3: Previsão de faturamento do 1º trimestre de 2008 em relação 1º trimestre de 2007.


Opinião (%)
Segmento Diminuição (-) Aumento (+) Saldo
Transporte aéreo 0 100 100
Agências 36 58 22
Eventos 24 50 26
Hotelaria 12 77 65
Operadoras 0 100 100
Parques Temáticos 0 100 100
Receptivo 58 12 -46
Fonte: Núcleo de Turismo – Ebape-FGV / EMBRATUR, 2008.
Organização: Airton Aredes, 2009.

O setor aéreo é vinculado a uma cadeia produtiva que possui ―demanda


derivada‖, pois empresas e passageiros se utilizam do transporte aéreo como meio para atingir
um fim último, ou seja, o transporte aéreo não é consumido por si só. Em sua cadeia produtiva

trimestre anterior? Os símbolos (+), (=) e (-), que aparecem nas tabelas significam aumento/positivo,
estabilidade/neutro e queda/negativo, respectivamente. Os números indicam a intensidade da percepção dos
respondentes em relação à variável pesquisada. O saldo é a interpretação das expectativas dos respondentes.
temos a montante os ―insumos produtivos‖, como aeroportos e controle de tráfego aéreo,
fabricantes de aeronaves, produção e distribuição de combustíveis, escolas de formação de
pilotos, etc. A jusante estão os ―clientes‖ do transporte aéreo, como o setor turístico, rede
hoteleira, resorts, setor postal e corporações em geral (OLIVEIRA, 2009).

Porém, todo deslocamento por um modal necessita de infra-estrutura básica,


um terminal para embarque e desembarque de passageiros e cargas. Ao mencionar as infra-
estruturas os aeroportos e os equipamentos de rádio-navegação compõem-se de importantes
fixos para realização do transporte aéreo cuja concessão de serviços pertence ao Estado e a
administração a este na forma de empresas públicas como a Infraero e a iniciativa privada, um
caminho que as políticas governamentais tendem a seguir para maximizar o uso desses
terminais. Eles são tidos como espaços de negócios além da característica operacional. Em
ambos os elementos infra-estruturais a tecnologia da informação está presente.

Se, de modo geral a noção de infra-estrutura remete a um conjunto de


equipamentos materiais responsáveis pelo suporte técnico de dada atividade. Direcionando
essa discussão para o transporte aéreo, num primeiro momento a infra-estrutura poderia ser
vista pelos mais ―desavisados‖ como somente os aeroportos.

Mas, Santos (2002), ao discutir o conceito de rede propõe três interpretações


baseadas em H. Bakis (1993). Uma delas é ―(...) a das redes de telecomunicações hertzianas,
apesar da ausência de linhas e com uma estrutura física limitada aos nós‖ (BAKIS apud
SANTOS, 2002, p. 263). Com essas palavras, Santos (2002) extrapola o conceito de rede e
infra-estrutura baseadas somente em objetos materiais, e mostra que, por exemplo, as ondas
de rádio como as que sinalizam as aerovias, são partes de uma rede e consequentemente do
espaço geográfico.

Algo similar é visto no conceito de infra-estrutura adotado pelo Código


Brasileiro de Aeronáutica, o que Santos (2009) coloca como sendo o sistema de normas, o
sistema de objetos e o sistema de ações. Em sua sustentação técnica e legal para a aviação, o
Código Brasileiro de Aeronáutica, versa sobre tal infra-estrutura e traz que a infra-estrutura
aeronáutica é constituída por órgãos, instalações ou estruturas terrestres de apoio à navegação
aérea, toda área de manobras e prédios dos aeroportos e aeródromos brasileiros, com todas as
pistas de pouso, pistas de táxi, pátio de estacionamento de aeronave, terminal de carga aérea,
terminal de passageiros e as respectivas facilidades121.

Porém, se a noção de infra-estrutura nos remete à materialidade desses fixos, o


referido Código demonstra que sinais de rádio e pessoas que operam uma série de
equipamentos de rádionavegação é parte dessa infra-estrutura. Contudo, ainda prevalece o
entendimento de que infraestruturas estão relacionadas à materialidade (aos fixos), que sinais
rádio são fluxos intangíveis e que as pessoas são operadoras da infraestrutura. Nela são
destacados dentro do Sistema de Proteção ao Vôo que visa à regularidade, segurança e
eficiência do fluxo de tráfego no espaço aéreo, as atividades de controle de tráfego aéreo,
telecomunicações aeronáuticas122 e dos auxílios à navegação aérea, meteorologia aeronáutica,
cartografia e informações aeronáuticas, busca e salvamento, inspeção em vôo, coordenação e
fiscalização do ensino técnico específico, supervisão de fabricação, reparo, manutenção e
distribuição de equipamentos terrestres de auxílio à navegação aérea. Nessa perspectiva e do
ponto de vista geográfico, faz-se necessário (re)pensar o conceito de infra-estrutura,
especificamente no caso da aviação.

A figura 3 mostra um exemplo de configuração de uma carta de saída por


instrumentos do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. Nela é possível ver os fixos e suas
nominações que representam aparelhos que emitem ondas de rádio, as ondas que balizam as
direções a seguir e as pistas do aeroporto.

121
São facilidades: os balizamentos diurno e noturno; a iluminação do pátio; serviço contra-incêndio
especializado e o serviço de remoção de emergência médica; área de pré-embarque, climatização, ônibus, ponte
de embarque, sistema de esteiras para despacho de bagagem, carrinhos para passageiros, pontes de
desembarque, sistema de ascenso-descenso de passageiros por escadas rolantes, orientação por circuito fechado
de televisão, sistema semi-automático anunciador de mensagem, sistema de som, sistema informativo de vôo,
climatização geral, locais destinados a serviços públicos, locais destinados a apoio comercial, serviço médico,
serviço de salvamento aquático especializado e outras, cuja implantação seja autorizada ou determinada pela
autoridade aeronáutica (BRASIL, 1986).
122
O serviço de telecomunicações aeronáuticas classifica-se em: fixo aeronáutico, móvel aeronáutico, de
radionavegação aeronáutica, de radiodifusão aeronáutica, móvel aeronáutico por satélite, de radionavegação
aeronáutica por satélite, podendo ser operado diretamente pelo Ministério da Aeronáutica ou mediante
autorização, por entidade especializada da Administração Federal Indireta, vinculada àquele Ministério, ou por
pessoas jurídicas ou físicas dedicadas às atividades aéreas, em relação às estações privadas de telecomunicações
aeronáuticas (BRASIL, 1996)
Figura 3: Saída por instrumentos do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (Galeão).

Fonte: Junio, 2009.

Segundo a Infraero (2009), os embarques e desembarques de passageiros em


aeroportos administrados por ela passaram de 61.268.864 em 2003 para 99.011.654 em 2008,
retratando um considerável crescimento no fluxo aéreo (tabela 4).
Tabela 4: Desembarque de passageiros em vôos nacionais – variação mensal 2008/2009.
Mês 2008 2009 Variação
Vôos Vôos Não Total Vôos Vôos Não Total %
Regulares Regulares Regulares Regulares 2008/2009
Jan 4.076.337 214.760 4.291.097 4.331.333 256.502 4.587.835 6,92
Fev 3.577.409 163.382 3.740.791 3.476.979 163.212 3.640.191 -2,69
Mar 3.988.628 139.753 4.128.381 3.967.258 165.318 4.132.576 0,10
Abr 4.144.148 129.080 4.273.228 4.077.171 141.983 4.219.154 -1,27
Mai 4.336.130 129.609 4.465.739 4.153.213 137.009 4.290.222 -3,93
Jun 3.958.851 133.289 4.092.140 4.321.855 134.822 4.456.677 8,91
Jul 3.997.160 211.237 4.208.397 4.975.414 206.376 5.181.790 23,13
Ago 3.572.883 157.717 3.730.600 4.409.211 158.049 4.567.260 22,43
Set 3.520.193 163.439 3.683.632 4.742.198 165.525 4.907.723 33,23
Out 3.628.597 341.408 3.970.005 - - - -
Nov 3.709.769 150.465 3.860.234 - - - -
Dez 4.073.221 185.017 4.258.238 - - - -
Total 46.583.326 2.119.156 48.702.482 38.447.181 1.531.938 39.979.119 -

Fonte: INFRAERO – Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária, 2009.

Os dados anteriormente apresentados demonstram que o fluxo de passageiros


no transporte aéreo regular doméstico tende a crescer e por isso as infra-estruturas
aeroportuárias deveriam acompanhar esse novo cenário que se desenha no espaço brasileiro
para o modal aéreo. Uma dessas manifestações de aumento da demanda são os fluxos
turísticos que, por uma série de fatores como popularização do crédito, empresas de baixo
custo e novas estratégias competitivas por parte das empresas, vem crescendo principalmente
no segmento doméstico.

FLUXOS TURÍSTICOS

Os fluxos, de modo geral, são produto do movimento de circulação de bens


(produtos), informação e pessoas. Eles retratam as interações espaciais resultantes da divisão
social, territorial e tecnológica do trabalho em seus diferentes períodos técnico-históricos. É
proporcional às escalas de produção e demanda por serviços.

Os fluxos dependem da fluidez ou viscosidade dos espaços de deslocamentos


da demanda e estão diretamente relacionados à presença e eficiência dos sistemas técnicos,
sistemas de engenharia, infra-estruturas que dinamizam os deslocamentos. Teoricamente,
quanto maior o número e tecnologia das vias, dos terminais e dos veículos, mais dinâmicos
são os fluxos.

Rodrigues (1996, p. 22-23) destaca que:


A demanda turística se desloca através de fluxos – aéreos, terrestres, fluviais,
marinhos e oceânicos – que também incidem concretamente no território. No
caso dos transportes aéreos, (...) circunscrevem-se no espaço através dos
equipamentos de embarque e desembarque, que não deixam de ser
significativos. (...) esses fluxos quando mapeados, fornecem importantes
fontes de dados para o estudo das conexões, em qualquer escala geográfica
que se quer enfocar.

No âmbito do turismo, os fluxos são oriundos do movimento da demanda para


o atrativo e vice-versa. Mas, faz-se necessário identificar quem são os turistas. Há um
problema conceitual que coloca todas as pessoas que saem de seu local habitual de moradia
para outro, e ficam neste mais de vinte e quatro horas e menos de um ano, como sendo
considerados turistas.

Concordando com Cruz (2007), essa definição generaliza as estatísticas sobre


fluxo de turistas, pois a base dos dados está nos embarques e desembarques dos terminais e
não no indivíduo. Dessa forma, todos que viajam por período consecutivo de acordo com a
Organização Mundial do Turismo (OMT) é turista. Mas sem verter, ainda, para essa questão,
o que se coloca aqui é que o turismo não acontece sem o deslocamento espacial por uma via,
em um dado veículo até um terminal.

No mesmo sentido que Cruz (2007), Palhares alerta para equívocos com
relação à identificação de quem é ou não turista para quem planeja os transportes e faz parte
do trade turístico:

(...) tanto o agente quanto os planejadores de transporte e turismo poderão


muitas vezes estar lidando com viajantes que não são turistas (como no caso
do diplomata que adquire uma passagem aérea para uma missão no
exterior). Ainda assim, a importância destes viajantes, embora não
classificados como ―turistas‖, não deve ser desconsiderada (PALHARES,
2002, p. 24).

Mas, como foi anteriormente enfocado, essa é uma discussão de cunho


metodológico que deve ser revisitada para melhor compreensão sobre as estatísticas de
deslocamento de turistas. Mesmo que as estatísticas não sejam confiáveis, é possível verificar
em alguns modais o aumento do fluxo de passageiros. É um significativo ponto de partida
para o entendimento da lógica da circulação de pessoas e conseqüentemente do capital, pois
as indústrias diretas ou indiretamente ligadas aos transportes, as empresas que realizam esse
tipo de serviço e seus serviços atrelados demonstram crescimento importante nas últimas duas
décadas, como pode ser notado na indústria aeronáutica, de carrocerias e de chassis de ônibus,
assim como o nascimento de novas companhias aéreas.

As áreas de emissão e destinos turísticos são os mais diversos, e dependem do


que o turista quer conhecer. O avanço das tecnologias da informação, especialmente da
internet aliada às estratégias de marketing das empresas do trade, colocou à disposição dos
potenciais consumidores realidades diferentes das vivenciadas no quotidiano, potencializando
os desejos de viajar. Dentre os diferentes tipos de turismo (ecoturismo, turismo cultural, de
compras, de negócios, religioso, etc.) o de massa é que movimenta grande quantidade de
pessoas que se valem do transporte aéreo como modal de deslocamento pelas características
que foram levantadas anteriormente. Mas, o maior motivador da utilização desse modal está
na velocidade de deslocamento e ligação com diferentes localidades no território brasileiro.

O contexto da globalização e do meio técnico-científico-informacional


modificou os padrões de inter-relações humanas e econômicas. No caso do Brasil, enfatizam
Santos e Silveira (2003, p. 52-53) que:

A união entre ciência e técnica que, a partir dos anos 70, havia transformado
o território brasileiro revigora-se com novos e portentosos recursos da
informação, a partir do período da globalização e sob a égide do mercado. E
o mercado, graças exatamente à ciência, à técnica e à informação, torna-se
um mercado global. O território ganha novos conteúdos e impõe novos
comportamentos, graças às enormes possibilidades da produção e, sobretudo,
da circulação dos insumos, dos produtos, do dinheiro, das idéias e
informação, das ordens e dos homens. É a irradiação do meio técnico-
científico-informacional (...) que se instala sobre o território, em áreas
contínuas no Sudeste e no Sul ou constituindo manchas e pontos no resto do
país.

Essa nova dinâmica implementada pela globalização amplia a relação entre os


"espaços do mandar" e "os espaços do fazer". Os primeiros, ordenadores da produção, do
movimento e do pensamento enquanto que os segundos, instrumentalizadores destes.

É a partir do nexo informacional que se instala o nexo circulacional, criando-se


o movimento, inclusive do próprio turismo, cujos pólos receptores são mais difusos e podem
ser menos poderosos que os pólos emissores (SANTOS; SILVEIRA, 2003). E os pólos
emissores estão, em sua maioria, localizados na região concentrada.

Quanto aos fluxos aéreos, os trabalhos com enfoque geográfico sobre tais
fluxos no Brasil datam da década de 1963 com Carvalho que procurou tratar da Geopolítica
do transporte aéreo. Na década de 1970, Roberto Lobato Corrêa (et al) faz uma análise do
sistema urbano brasileiro a partir do fluxo de passageiros. Lucy A. R. Freire e Marina
Sant‘Anna realizam um estudo sobre a evolução da hierarquia urbana também baseada no
fluxo aéreo de passageiros.

Porém, no estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas


(FIPE) encomendada pelo Ministério do Turismo, caracteriza e dimensiona o turismo
doméstico no Brasil entre os anos de 2002 e 2006.

Tal estudo demonstra que dentro dos meios de transporte utilizados para
viagens o percentual de uso do aéreo foi de 10,8% em 2001 para 12,1% em 2005 em
detrimento da queda do transporte rodoviário, o qual respondia por 31,7% das viagens em
2001, mas que na última pesquisa passa a 25,5%. Quanto ao principal meio de transporte na
principal viagem doméstica, por classe de renda de um a quatro salários mínimos, o transporte
aéreo teve um incremento de utilização pelos viajantes dessa classe de menor renda, passando
de 3,6% para o percentual de cerca de 6%. (RELATÓRIO EXECUTIVO SINTÉTICO,
2007).

A região Sudeste é responsável por 59,4% do turismo emissivo doméstico


brasileiro, ou seja, quase 60% dos brasileiros que fazem viagens domésticas
residem nesta região, configurando-se como maior mercado para o setor. Em
2001, o Sudeste possuía 52,1% do fluxo emissivo, registrando, dessa forma,
um ganho de 7,3% nessa participação no turismo emissivo, em 2005. Por
outro lado, os dados sobre a participação de cada uma das regiões no turismo
doméstico receptivo podem ser visualizados na última linha do quadro. Em
2005, verifica-se que a região Sudeste recebeu 50% dos turistas domésticos
brasileiros, com aumento de 5,3% nessa participação em relação a 2001. Os
dados também mostram a equivalência das regiões Sul e Nordeste em termos
de receptivo no ano de 2005, ambas com aproximadamente 20% do fluxo.
(RELATÓRIO EXECUTIVO SINTÉTICO, 2007, p. 19-20).

Isso demonstra significativo aumento dos fluxos (turísticos) principalmente na


classe de menor renda, o que é resultado das estratégias competitivas adotadas pelas empresas
de transporte aéreo e do trade em geral que conseguem aumentar seus movimentos a partir
principalmente dessa classe. Anterior a isso estão fatores externos ao setor, como a política
atual relacionada ao crescimento econômico e geração de emprego e renda que colocou a
economia em situação de estabilidade, permitindo que parte da população de baixa renda que
nunca havia viajado de avião pudesse ter acesso a esse modal.

ESTRATÉGIAS LOGÍSTICAS CORPORATIVAS E TERRITORIALIZAÇÃO DAS


EMPRESAS AÉREAS
Ao mesmo tempo em que há deslocamento de pessoas, mercadorias,
informação, dos serviços e do capital, as infra-estruturas ―migram‖ para atender a crescente
demanda desses deslocamentos. É o caso dos hubs para atender o movimento dos
deslocamentos aéreos pelo território e que se configuram como materialização da logística
corporativa e do Estado.

Historicamente, os grandes hubs brasileiros estavam (e em sua maioria estão)


localizados no Sudeste. Porém, a estratégia competitiva para ampliação da circulação do
capital e territorialização da ação das empresas fez com que novos hubs fossem criados no
Centro-Sul. É o caso de Campinas/SP e Brasília/DF como hubs nacionais e de algumas
cidades médias como São José do Rio Preto e Ribeirão Preto, ambas no Estado de São Paulo,
como hubs regionais (PEREIRA; SILVEIRA, 2008).

Nesse sentido, busca-se base explicativa nas idéias de Porter (1986), que criou
o que é considerada provavelmente a mais importante ferramenta para competição que
engloba três estratégias genéricas: custo mais baixo, diferenciação e foco, que estruturam a
tarefa do posicionamento estratégico das empresas.

Em se tratando do transporte aéreo e sua relação com o setor turístico, novos


investimentos estatais e privados foram e ainda estão sendo implementados para a
consolidação dessa nova realidade no transporte aéreo brasileiro. Um dos instrumentos do
Estado foi a Política de Flexibilização da Aviação Comercial Brasileira, e seus
desdobramentos recentes, pois o transporte aéreo é tanto condicionador como condicionado
aos novos espaços turísticos que se configuram no território.

Como exemplos dessas infra-estruturas estão as rodovias e aeroportos


construídos ou revitalizados com o intuito de aumentar a capacidade de atendimento de
movimentação de passageiros, cargas e mala postal. O Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) é um dos programas governamentais que prevêem também investimentos
em aeroportos.

O fomento da aviação está vinculado ao desenvolvimento econômico, segundo


Eduardo Flores, chefe do Escritório da ACI (Conselho Internacional de Aeroportos) para a
América Latina e Caribe. A aviação na América Latina, especialmente no Brasil, está
crescendo, sendo um sinal de que a economia brasileira superou rapidamente o momento de
instabilidade econômica internacional, ou seja, o mercado brasileiro de aviação é um mercado
em expansão123. Mesmo com ares de recuperação da referida crise, outros fatores podem
comprometer tal crescimento, como o aumento no preço do petróleo, variação cambial, pois
os insumos da aviação, seguro e o arrendamento de aeronaves em sua maioria são cotados em
dólar, assim como outros fatores mais contundentes como atentados terroristas.

Deixando de lado o contexto de crise, muitas empresas aéreas estão investindo


na compra de aeronaves para atender uma demanda que se mostra crescente. Dentre os vários
motivos está o crescimento do turismo, no caso do Brasil o turismo doméstico, pois tal
atividade necessita dos transportes (aéreos) para ligar a demanda à oferta. Dessa forma, a
aviação cresce atendendo também as demandas corporativas do sistema turístico e em sua
estratégia competitiva está a parceria com os meios de hospedagem, restauração e mobilidade
local.

Com relação às empresas aéreas, além do deslocamento territorial dos hubs


está a mudança do modelo de negócios adotado. O modelo Low Cost, Low Fare ou baixo
preço, baixo custo incorporou os princípios de Porter, refletindo-se na padronização da frota
para redução de custos operacionais de peças, de consumo de combustível, treinamento de
tripulação e de uso de ferramentas da internet para atendimento aos clientes como, por
exemplo, a compra de bilhetes e programas de milhagens.

O modelo de baixo custo teve seu início nos Estados Unidos, em 1971, com a
empresa Southwest, somente com vôos domésticos, frota comum e padronizada, passagens
baratas com compra, check in124 e emissão de bilhetes pela internet, atendimento diferenciado
e operação em aeroportos não hubs para evitar congestionamentos e atrasos. Ela serviu de
modelo para muitas empresas ao redor do mundo, como a Ryanair (Irlanda), Gol Linhas
Aéreas e a recente Azul Linhas Aéreas, ambas no Brasil. A primeira entrou em operação em
2001. A segunda, no final de 2008. Mas, só a Sowthwest se mantém fiel ao modelo de
negócios original. Com tais medidas essas empresas conseguiram conquistar parcela da
população que se utilizava de outros modais para locomoção.

Porém, para que as empresas do trade turístico como um todo e as aéreas em


particular possam se territorializar, o Estado, para evitar e diminuir gargalos infra-estruturais

123
Entrevista com Eduardo Flores: chefe do escritório da ACI (Conselho Internacional de Aeroportos) para a
América Latina e Caribe. In: Aeromagazine. Oshkosh, julho de 2009.
124
O check-in é um processo de verificação. É o primeiro passo efetuado pelo passageiro de transporte aéreo
antes do embarque. Consiste na apresentação do viajante ao balcão da companhia aérea, agências ou terminais
específicos instalados em aeroportos, ou ainda pela internet, munido de seus documentos e bagagem. Após isso
o bilhete de passagem é emitido, a bagagem é despachada e a bagagem de mão, como bolsas e malas pequenas,
transportadas pelo passageiro dentro do avião é identificada.
tem que dotar o território com as infra-estruturas necessárias à fluidez e, por conseqüência, ao
processo de acumulação do capital. Um exemplo disso é o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) com previsão de ampliar em 40 milhões a capacidade de passageiros dos
aeroportos brasileiros, o que significa que há perspectiva de aumento no fluxo de passageiros.

Desta forma, [...] a instância institucional e suas articulações precisam da


nossa atenção [...], constituem realidades integrais [...] não se realiza sem as
marcas, sem os fixos e os fluxos e sem o uso. A instância das instituições –
o mundo do poder organizado e das materializações econômicas – não se
realiza sem as idéias. A articulação desses campos une materialidade e
imaterialidade. É no território que elas se articulam, coexistem e muitas
vezes, se embatem. (HEIDRICH, 2009, grifo nosso.)

O embate/cooperação entre Estado e iniciativa privada é uma constante, mas


ao mesmo tempo, há uma relação de simbiose entre ambas. É possível visualizar que, pelo
menos aparentemente, a perspectiva do turismo realizado pelo transporte aéreo era e continua
sendo preocupação de empresários e governo nos âmbitos regional e nacional e que a
territorialização das empresas depende da articulação entre o sistema de normas, sistema de
objetos e sistema de ações tanto do Estado como das corporações.

A territorialização trata-se de um termo que está muito próximo de


espacialização, segundo algumas abordagens levantadas por estudiosos da questão agrária no
Brasil. Porém, na perspectiva em que inicialmente avança este texto, qual seja: o transporte
aéreo e a produção de novas territorializações na disputa pela demanda turística, procura-se
refletir sobre como o transporte aéreo e o turismo podem contribuir na organização do
território.

Território, para Andrade (1995), é um conceito que se liga à idéia de domínio


tanto das empresas como do Estado sobre uma determinada área. Está muito ligado à idéia de
domínio ou de gestão de determinada área. Assim, deve se ligar sempre a idéia de território à
idéia de poder, ―quer se faça referência ao poder público, estatal, quer ao poder das grandes
empresas que estendem seus tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras
políticas‖ (ANDRADE, 1995, p. 19).

Raffestin (1993) mostra que existem outras formas de poder exercido em


diferentes escalas, como o poder das empresas, das organizações, das instituições religiosas,
entre outras que se ―escondem‖ atrás do poder do Estado. Esse poder invisível é o mais
perigoso e está presente nas relações cotidianas que se processam no território.
Resgatando as idéias de Raffestin (1993) e Andrade (1995), verifica-se que os
dois autores ligam o conceito de território à idéia de domínio tanto do Estado como das
empresas. O domínio se efetiva no poder exercido sobre outras pessoas individualmente, em
grupo ou ainda às empresas. Se há domínio de empresas sobre outras e elas são comandadas
por pessoas que têm interesses e intencionalidade, então as empresas não se territorializariam
quando da efetivação de suas ações e estratégias de mercado?

Nas nossas reflexões, a territorialização estaria ligada ao processo de criação


de infra-estruturas e da representação cartográfica das empresas, por exemplo, de um mapa de
rotas de companhias aéreas. Seguindo Raffestin, ―[...] o próprio sistema sêmico é marcado por
toda uma infra-estrutura, pelas forças de trabalho e pelas relações de produção, em suma,
pelos modos de produção‖ (RAFFESTIN, 1993, p. 144).

Portanto, se as empresas produzem e se utilizam de infra-estruturas de


comunicação e circulação e competem nas relações de produção, elas estão se
territorializando por meio de suas estratégias logísticas e da infra-estrutura implementada pelo
Estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O turismo é um dos motivadores dos deslocamentos espaciais e nos dão


algumas pistas sobre como o espaço se organiza e se estrutura com a circulação do capital, das
mercadorias, das pessoas e da informação.

É fato que a aviação e o transporte de passageiros vêm se desenvolvendo


significativamente no Brasil, em específico o transporte aéreo. Como mola propulsora desse
processo encontra-se o turismo, cuja relação com o deslocamento espacial é inegável. Mesmo
que metodologicamente o conceito de turista tenha equívocos, o fato é que, no caso da
aviação está havendo aumento no número de passageiros transportados, seja pela facilitação
do crédito ou pela oferta de vôos em empresas de baixo custo, o que força as outras empresas
aéreas a entrar na disputa e buscar novos clientes, planejando estratégias logísticas.

Na disputa pelos turistas as empresas aéreas de transporte regular e de


fretamentos criam estratégias para ―ganhar‖ esse consumidor. Algumas empresas não
suportam a disputa e saem do mercado. Outras têm que reformular suas estratégias para poder
competir. Aquelas que têm maior êxito nessa disputa, acredita-se que exerçam alguma forma
de poder.
As relações de poder exercidas pelas empresas aéreas pautam-se em parte pelo
transporte e a disputa pelo domínio de mercados, principalmente aqueles que têm como base o
turismo. E essa atividade cria e expressa as interações espaciais, os fluxos e a necessidade de
implantação de infra-estruturas. O Estado e as corporações implementam estratégias logísticas
para suprir o território de sistemas de engenharia que garantam maior fluidez no território e
maior velocidade no movimento do capital.

No território materializam-se as infra-estruturas e as ações das corporações do


trade, o que significa que estes são produtores e transformadores dessa porção do espaço que
se caracteriza pelas relações de poder.

Mas as reflexões e questionamentos continuam e espera-se que minimamente


esse texto tenha suscitado ao menos curiosidade para se repensar as relações de poder das
empresas de modo geral e no contexto da disputa das empresas aéreas pela demanda turística
em específico. Ainda é necessário e urgente relacionar tal fato às interações espaciais e à
circulação, objetivos que se tentará alcançar na continuidade das reflexões.

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O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL: ALGUMAS TIPOLOGIAS DA
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Vitor Hélio Pereira de SOUZA


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Ourinhos/SP
vitorgedri@hotmail.com

Márcio Rogério SILVEIRA


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Ourinhos/SP
marcio@ourinhos.unesp.br

INTRODUÇÃO

Com a mundialização do capital (CHESNAIS, 1996), ocorrida nas últimas


décadas, houve uma rápida ampliação dos circuitos espaciais de produção, possibilitada
devido à evolução das técnicas e das normatizações aplicadas à logística, que relativizam cada
vez mais o tempo necessário para percorrer longas distâncias, tornando possível uma maior
coesão entre os mercados globais125.

Assim sendo, as empresas fragmentam suas cadeias produtivas além das


barreiras nacionais, em busca de vantagens comparativas, como menores custos de produção
e, consecutivamente, a conquista de novos mercados consumidores. A intensidade nas
terceirizações amplia drasticamente o setor terciário, intensificando o movimento circulatório
do capital e, por conseguinte interferindo na mobilidade geográfica do capital. O uso do
espaço pelo capital torna-se pulverizado devido à redução do tempo de circulação e a idéia de
distance decay, ou seja, quanto maior for à distância, menor será o fluxo entre os espaços
relativiza-se. As comunicações (telégrafo, telefonia móvel, etc.) ―descolaram-se‖ dos sistemas
de movimento tangíveis (meios e vias de transportes) e o ato de transportar, devido às técnicas
e às normas, proporcionou interações espaciais126 em múltiplos circuitos e em diferentes
distâncias, id est, há geralmente interações mais intensas entre duas metrópoles do que entre a
metrópole e uma cidade próxima127.

125
Todavia, não são todos os mercados que são de interesse das demandas corporativas e, nesse sentido, há a
manutenção e ampliação das desigualdades regionais.
126
As interações espaciais são um conjunto complexo de deslocamentos de pessoas, bens e informações
(CORRÊA, 1997).
127
As interações espaciais não são simples fluxos no espaço, mas fazem parte do espaço. As interações
produzem espaços e são atributos tanto dos sistemas de normas quantos dos sistemas de objetos.
No Brasil, em especial, a fragmentação das cadeias produtivas, de modo mais
intenso, ocorreu a partir da década de 1990. Neste momento houve a emergência de uma
―aura‖ neoliberal que modificou a matriz de desenvolvimento designando maiores incentivos
às agroexportações e aos minérios (commodities). Estes produtos de baixo valor agregado
possuem elevado volume e peso e, por isso, a maior intensidade de caminhões e aumento do
peso das cargas contribui para o esgotamento do modal rodoviário (SILVEIRA, 2009), haja
vista, que 62% das cargas transportadas são realizadas por esse modal. Neste contexto,
caracterizado por uma abrupta reestruturação produtiva do país, as transformações que
ocorriam em países como Estados Unidos, Japão e parte da Europa, desde a década de 1970,
chegam ao Brasil. Destaca-se a reengenharia reversa (horizontalização das empresas), os
programas de dowsizing e lean manegement responsáveis pela redução do número de
empregados, a flexibilização nas organizações empresariais e, por fim, a flexibilização, em
muitos sentidos. Tais fatores acarretam na precarização das relações de trabalho através de
uma ―retaylorização‖, redução da capacidade de se compreender o que está sendo realizado,
devido ao desgaste que a realização de diversas tarefas ocasiona ao trabalhador
(PROSCURCIN, 2001, p. 58).

Tais modificações na estrutura produtiva influem em uma nova lógica para a


circulação, pois com a produção mais horizontalizada torna-se ascendente a circulação de
mercadorias e informações, de modo que o essencial deixa de ser dotar o território de
infraestrutura para distribuição de produtos no mercado interno e externo. Uma vez que o
circuito produtivo ―espalha-se‖ pelo globo, torna-se prioritário favorecer primeiramente a
circulação de matérias primas e peças para que a produção possa usufruir das vantagens
comparativas que determinadas porções do território tem a oferecer na tentativa de gerar
maior competitividade às empresas.

O transporte, que sempre foi uma das condições gerais de produção essencial
para a reprodução do capital, neste contexto, é ratificado. Logo, ―quanto mais se torna o
tempo de circulação igual a zero, ou mais se aproxima de zero, tanto mais funciona o capital,
tanto maiores se tornam sua produtividade e a produção de mais valia‖ (MARX, 2005, p.
140). Com isso, a circulação do capital é intensificada tanto na velocidade de reprodução
quanto na de mobilidade espacial. Os encurtamentos desses movimentos, realizados pelas
terceirizações e empregos de tecnologias, aumentam consecutivamente a composição
orgânica do capital e as crises tecnológicas tornam-se evidentes, como previu Josef
Schumpeter. Nada mais relutar que afirmar que o capitalismo é composto por fases cíclicas.
A busca pela redução dos custos equivalentes do tempo de circulação das
mercadorias coloca em foco as questões logísticas, isto é, referentes às estratégias de
planejamento e gestão na armazenagem e na distribuição de mercadorias, pessoas e
informações. Deste modo, gera-se o impasse entre a logística do ―Estado‖ enquanto
planejador, viabilizador e gestor das infra-estruturas de transportes versus a logística das
―empresas‖ enquanto implementadoras de medidas estratégicas para reduzir os custos que a
circulação de mercadorias ocasionam, como: escolha de melhores trajetos, criação de escala
(grandes quantidades de mercadorias para que o caminhão utilize uma capacidade máxima de
carga), monitoramento da carga transportada por radar, baús adaptados ao tipo de carga, entre
outros. Destarte, ocorrem continuas reivindicações das empresas para com o Estado, por
melhorias infra-estruturais e tributárias na incessante busca da redução dos custos de
circulação.

Nesta conjuntura, as empresas especializadas em logística, principalmente os


OTM (Operadores de Transporte Multimodal), parecem ser a melhor opção para as empresas
colocarem seus produtos no mercado nacional e internacional. No entanto, há diversos
entraves que agem dificultando a integração do mercado doméstico, assim como uma maior
participação do país no comércio exterior.

A INTEGRAÇÃO DO MERCADO DOMÉSTICO BRASILEIRO E A ESTRATÉGIA


BRASILEIRA DE EXPORTAÇÃO

Nos últimos anos os circuitos produtivos expandiram-se globalmente na busca


por vantagens comparativas, ultrapassando o âmbito da nação e se consolidando em redes de
múltiplos circuitos. A redução das barreiras alfandegárias é mais um marco do novo sistema
de normas a serviço das grandes demandas corporativas, enquanto a mobilidade populacional,
em busca de trabalho nas ―ilhas de prosperidade‖ (regiões ganhadoras), é dificultada. Com a
busca pela competitividade, a presença de uma matriz de transporte diversificada e integrada
(multimodalidade) torna-se mais latente, haja vista que, a disputa por mercados não se dá
mais no nível nacional, mas sim global.

O comércio internacional entra em foco no momento em que a escala do país


apresenta-se insuficiente (necessidade de acordos geopolíticos) para a acumulação capitalista
(necessidade de buscar fora do Brasil a ampliação complementar de um efeito multiplicador
interno) e ressalta-se a criação de blocos econômicos (Áreas de Livre Comércio, Uniões
Aduaneiras e Mercados Comuns – em blocos e em acordos bilaterais), sendo que estes
contribuem com o efeito multiplicador interno. Logo a participação das exportações no PIB
elevou-se, de 1998 ao ano de 2007, de 6,06% para 12,23 %, evoluindo de 48.013 milhões no
ano de 1999, para 197.942 milhões de exportações no ano de 2008, através de 20.408
empresas exportadoras.

A atuação do chanceler Celso Amorim, em uma política externa que já foi


tachada até mesmo de controvertida, resultou na diversificação dos parceiros tradicionais,
como: Estados Unidos, União Européia e Japão, visando a conquista de novos mercados
assim como: China, África, Oriente Médio, Europa Oriental e os países da América Central.
A conseqüência foi a redução da vulnerabilidade do país em relação às crises externas de
demanda. Sendo assim, os principais mercados de destino entre os anos de 2007-2008, foram
países que fazem parte do MERCOSUL, demais países da América Latina e Caribe, União
Européia, Ásia, Estados Unidos, África, Oriente Médio, Europa Oriental (vide tabela 1 e
gráfico 1).

Tabela 1: Principais destinos das exportações brasileiras no ano de 2008 (em US$ milhões).
Mercados Valor 2008/2007 (%) Participação (%)
América Latina e Caribe 51.196 22,5 25,9
MERCOSUL 21.737 25,3 11,0
Demais da AL e Caribe 29.459 20,5 14,9
União Européia 46.395 14,8 23,4
Ásia 37.442 49,3 18,9
Estados Unidos 27.648 9,2 14,0
África 10.170 18,6 5,1
Oriente Médio 8.055 25,9 4,1
Europa Oriental 5.580 29,5 2,8
Fonte: SECEX/MDIC, 2009.
Figura1: Principais destinos das exportações brasileiras no ano de 2008 (em US$ milhões).

Fonte: SECEX/MDIC, 2009.

Embora o país tenha buscado, enquanto estratégia de desenvolvimento, a


ampliação do mercado nacional brasileiro, através da conquista de novos parceiros
internacionais, é fundamental ressaltar que juntar esforços para efetivar uma integração
regional, como é o caso das experiências que vem passando os países do Cone Sul, através da
fomentação do MERCOSUL128, torna-se fundamental para a soberania da nação fronte a
interesses políticos e econômicos diversos. Sendo assim, o comércio entre Brasil e outros
países do MERCOSUL nos últimos anos, por meio dos incentivos dos países participantes,
apresentou elevadas tachas de crescimento, atingindo no ano 2008 uma movimentação de
US$ 21.737 milhões (embora tenha apresentando quedas de 1997-1998 e 2001-2002,
momento da ―Crise Argentina‖). Este número equivale a 11,0% das exportações.

Estes resultados atingidos são relevantes, porém podem ser melhorados, já que
os índices para o mesmo período, referentes ao comércio entre Brasil e Estados Unidos,
representaram 14,0% das exportações. No entanto, modificações de caráter normativo e
infraestrutural devem ser realizadas nos próximos anos para facilitar a circulação de
mercadorias entre os países membros. Destaca-se a atuação do MERCOSUL e do grupo
criado durante a Cúpula Sul-Americana em Brasília no ano 2000, denominado IIRSA (Grupo
de Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana), que tem enquanto objetivo a

128
O processo de integração regional no âmbito do MERCOSUL se iniciou em 26 de março de 1991, com a
assinatura do Tratado de Assunção pelos governos da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai.
resolução de problemas infra-estruturais (transporte, energia e telecomunicações), jurídicos,
socioculturais e ambientais.

Nesta conjuntura, em que a ampliação das exportações do país torna-se uma


estratégia de desenvolvimento, há também problemas no âmbito da nação, que devem ser
resolvidos para que a integração do bloco seja efetiva. Esta disposição por parte do Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior é exposta na política de governo de
―Estratégia Brasileira de Exportações‖ 129 para o ano de 2008 a 2010, que visa a ampliação da
participação em 10% do número de micro e pequenas empresas exportadoras, ocasionando
uma ampliação de 1,25% da participação das exportações brasileiras no mundo. Para tanto,
questões como maior competitividade, oferta de energia, crédito e, sobretudo, questões
infraestruturais devem ser solucionadas (o plano prevê em caráter de urgência projetos de
dragagem de portos públicos, além de 2.800 km de rodovias e 2.200 km de ferrovias,
destinados para exportação).

No que tange ao setor de transportes julgamos necessário uma reorganização


dos ―sistemas de objetos‖ no espaço, assim como os ―sistemas de ações‖ em escala regional, a
fim de romper barreiras e consolidar um espaço nacional mais poroso e coeso. Pois, ―(...) o
desenvolvimento regional não é somente resultado de fatores de produção, tais como capital e
trabalho, mas também da infra-estrutura. Melhorar a infra-estrutura conduz a uma maior
produtividade dos fatores de produção‖ (RIETVELD apud ARAUJO, 2006, p. 17).

Vale frisar que a integração do mercado doméstico brasileiro, desde a década


de 1940, ocorreu através de elevados investimentos no modal rodoviário, constituindo uma
extensa rede viária. Deste modo, o mesmo foi responsável pela incorporação de áreas que até
o momento fugiam à lógica do capital, possibilitando o desenvolvimento de uma
complementaridade entre os diversos ―arquipélagos geoeconômicos‖ até então existentes
(SILVEIRA, 2007). A partir de 1980 houve redução na construção de novos fixos
rodoviários. Houve um enfraquecimento do planejamento estatal, devido à necessidade de
estabilizar a economia, que apresentava altas taxas inflacionárias. Assim, entramos na década
de 1990 com o risco de um ―apagão infraestrutural‖, devido aos gargalos nos sistemas
técnicos e aumento de cargas com baixo valor e alto peso e quantidade pelos corredores de

129
―(...) política de governo ao ser capaz de explorar consensos entre vários órgãos públicos que, de alguma
maneira atuam sobre o controle administrativo e regulatório do comércio exterior e sobre as atividades de
promoção comercial e apoio à exportação‖ (ESTRATÉGIA BRASILEIRA DE EXPORTAÇÕES, 2008).
exportação. Ocorre que a ―logística do Estado‖ assume uma postura, por um lado, passiva e,
por outro, ativa frente às necessidades do capital. Isto é, passiva diante da estagnação dos
investimentos, nas últimas décadas, relativa à criação de externalidades positivas no espaço e
ativa devido ao alto grau de concessões de serviços públicos à iniciativa privada. Passa a
haver, portanto, uma atuação focada na mitigação de gargalos infraestruturais que são
atenuados através da utilização de novas posturas adotadas pelas empresas, como a
terceirização e a quarteirização logística (logísica corporativa).

A TERCEIRIZAÇÃO LOGÍSTICA ENQUANTO MITIGADORA DE UM COLAPSO?

Nas últimas décadas, a reestruturação produtiva entra em voga. Deste modo,


houve a desverticalização (tendência à reengenharia reversa) das cadeias produtivas das
indústrias, ou seja, as empresas passam a focar suas atividades no setor que apresentam
maiores vantagens competitivas (core business) a fim de reduzir ao máximo os custos de
produção, conseqüentemente, aumentando sua competitividade. Valoriza-se nesse ínterim as
terceirizações como aporte a um maior encurtamento e, por conseguinte, da ampliação do
movimento circulatório do capital.

Já com a cadeia produtiva mais horizontalizada se estabelece uma nova lógica


de circulação, pois se torna ascendente o fluxo de matéria-prima, materiais semi-acabados,
acabados e de informação. Deste modo, o Supply Chain Management (gerenciamento de
cadeias produtivas) torna-se essencial tanto na etapa de Administração de Materiais
(circulação da matéria prima até a entrada da fábrica – logística de suprimentos), assim como
na produção (interna na firma – logística de produção) e na de Distribuição Física (circulação
do local de produção até o local de comercialização do produto – logística de distribuição),
possibilitando a redução dos estoques das empresas, otimizando o transporte, eliminando as
perdas e custos desnecessários e auferindo maiores lucros.

É neste momento que entra em foco a figura do prestador de serviço logístico,


isto é, empresa terceirizada, com capacidade de planejamento, operação e gerenciamento. Sua
evolução no país pode ser caracterizada por três principais momentos:

 Primeiro: tendo início na década de 1970, com um perfil de empresas que atuavam
com funções específicas, como transportador, armazenador ou agente de carga;
 Segundo: período entre a década de 1980 e de 1990, em que as empresas são
geralmente terceirizadas com elevado número de ativos e buscam uma integração
logística diversificando os serviços prestados (surge a figura do Operador Logístico) e;

 Terceiro: período a partir do ano 2000, é reduzida a importância dos ativos, destaca-se
a questão do conhecimento aplicado à gestão, logo se identifica um quadro de
quarteirização logística, no qual uma empresa coordena a atividade de outras
terceirizadas.

Nos Estados Unidos, desde o segundo período, passa a haver uma integração
logística através da diversificação dos serviços oferecidos por caminhoneiros e pequenas
empresas do setor. Estas se caracterizam como provedoras de serviços logísticos, com uma
atuação mais especializada e integrada. No Brasil a primeira empresa, com estas
características, que atuou neste segmento de mercado, surgiu na década de 1980, com a
instalação da Brasildock‟s-Pirelli (DEMARIA, 2004). Logo, o setor experimentou nos anos
seguintes uma contínua expansão.

Na atualidade, torna-se cada vez mais pertinente a figura do Operador


Logístico. O operador deixa de atuar enquanto Operador de Transporte Intermodal (OTI), que
necessitava de documentos diferentes para cada etapa do transportes, e passa a atuar como
Operador de Transporte Multimodal (OTM)130, sendo a mercadoria transportada por mais de
um modal de transporte sob a responsabilidade de um único transportador ou OTM.

A atuação do OTM, através da racionalização dos fluxos, implica em uma


distribuição mais equitativa da demanda por transportes, conforme as vantagens comparativas
de cada modal. Assim sendo, o mesmo funciona enquanto paliativo para um colapso do
sistema de transporte rodoviário, na medida em que força uma multimodalidade.

Entretanto, a terceirização logística enfrenta diversos complicadores referentes


à atuação no mercado brasileiro utilizando-se da multimodalidade. Pois, além dos reduzidos

130
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publicou no Diário Oficial da União, em 23 de
novembro de 2004, Resolução nº 794, que regulamenta a habilitação do Operador de Transporte Multimodal
(OTM). A lei (Lei nº 9.611, de 19 de fevereiro de 1998) define que Transporte Multimodal de Carga é aquele
regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é
executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal (OTM). O registro de
Operador de Transporte Multimodal para empresa nacional exige uma documentação básica para abertura da
empresa. Esse conjunto de documentações consiste em: contrato social ou similar; registro comercial; CNPJ;
comprovação de patrimônio mínimo de R$ 120 mil (ou aval bancário ou seguro de caução) e apólice de seguro
que cubra responsabilidade civil sobre as mercadorias em sua custódia. Além de ser fundamental o registro no
Ministério dos Transportes, a regularização do crédito tributário e a integração ao SISCOMEX (Sistema
Integrado do Comércio Exterior), para transportes multimodais internacionais, assim como o registro na
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
investimentos realizados pelo Estado no modal ferroviário e marítimo no último quinquênio,
devido ao maior direcionamento de investimentos para o modal rodoviário, o mesmo
apresenta uma baixa eficiência pela má conservação de grande parte das vias, além de trechos
operando próximos da saturação.

TIPOLOGIAS DA VISCOSIDADE

A circulação de mercadorias tem sua dinâmica compreendida através da


―Logística das Empresas‖ (cuja atuação varia conforme o grau tecnológico dos ativos que a
empresa detém como: idade da frota de caminhões, utilização de radar, softwares, entre
outros) versus a ―Logística do Estado‖. Pois, embora as empresas possuam ativos adequados
para realizar a circulação de mercadorias com maior eficiência deve-se destacar que a fluidez
da circulação deverá variar conforme as viscosidades que o espaço apresentar, estas podem
ser físicas ou normativas. Reitera-se assim a importância do Estado enquanto organizador dos
sistemas de objetos e sistemas de ações no espaço. Assim sendo, realizaremos um esforço de
síntese, para acentuar algumas das tipologias da viscosidade referentes a uma ―Logística do
Estado‖ ineficiente.

PROBLEMAS REFERENTES AOS FLUXOS REAIS (MERCADORIAS)

As rodovias foram eleitas pelo governo brasileiro enquanto modal ideal para a
efetivação de sua integração territorial do país e a consolidação de um mercado doméstico,
findando, por conseguinte, com os ―arquipélagos econômicos e populacionais‖. Assim, em
1950 o modal rodoviário já respondia por 40% do total de transporte do país, chegando a
responder, na atualidade, por 65%131 deste total.

Este número deve ser reduzido, conforme estimativas do Plano Nacional de


Logística (PNL), já que o governo federal tende a retomar o planejamento a médio e longo
prazo. Investimentos em infraestruturas foram computados nos Planos Plurianuais e a
perspectiva é que a participação do modal rodoviário caia para 33% até meados de 2025. Isso
através da distribuição de forma mais equitativa das cargas para outros modais, como o
ferroviário que evoluíra de 25% para 32%, o aquaviário de 13% para 29%, o dutoviário 5% e

131
Há discordância em relação a este percentual, para o Ministério dos Transportes a estimativa é de 58%.
Todavia, se retirarmos os minérios transportados pelas ferrovias esse percentual ultrapassa 90% de cargas
transportadas pelas rodovias no país (SILVEIRA, 2009).
o aéreo de 0,4% para 1%. Entrementes, poucos investimentos apontam para a mudança na
matriz de transportes, ou seja, não vemos grandes transformações nas hidrovias de interior, no
transporte aéreo de cargas, no transporte de cabotagem e nas ferrovias (SILVEIRA, 2007). Os
investimentos mais visíveis são somente nas dutovias (com os gasodutos) e na movimentação
portuária, especificamente para granéis (minérios e grãos) e contêineres. Referentes às
ferrovias, Silveira (2007) já apontou que elas deveriam ser as responsáveis pela diminuição do
peso rodoviário nos transportes de cargas, todavia, contribuem muito pouco devido ao
fracasso do modelo de concessões. Algumas mudanças positivas no modal ferroviário são
mais visíveis no transporte de minérios.

No momento, o país apresenta uma malha rodoviária de 1.634.071 km dos


quais 1.422.393 km sem pavimentação (13.636 federais, 6.365 estaduais coincidentes,
113.451 estaduais e 1.228.941 municipais) e apenas 211.678 km pavimentados (74.940
federais, 23.421 estaduais coincidentes, 219.999 estaduais e 1.315.711 municipais) (vide
tabela 2). No entanto, a qualidade da infraestrutura rodoviária nos últimos anos não
apresentou grande evolução, constata-se que 27% da mesma se encontra em mau estado de
conservação, 39% em estado regular e somente 35% em bom estado (DNIT, 2009). Números
estes que resultam dos baixos investimentos realizados nas últimas décadas. Logo, estes
problemas causam também um aumento do tempo de rodagem dos produtos, pois uma pista
duplicada, em boas condições, acarreta numa velocidade média de 100 km/h e uma pista em
mau estado de conservação, na velocidade de 60 km/h, reduzindo, portanto, a reprodução do
capital.

Tabela 2: Malha rodoviária brasileira em extensão, em 2007.


Tipo Pavimentada Não Pavimentada Total
Federal 61.304 13.636 74.940
Estadual Coincidente 17.056 6.365 23.421
Estadual 106.548 113.451 219.999
Municipal 26.770 1.288.941 1.315.711
Total 211.678 1.422.393 1.634.071
Fonte: CNT, 2009.

A baixa qualidade da infraestrutura rodoviária brasileira é uma temática bem


divulgada pela mídia, pois influi nos custos de combustível, custos de conservação do
automóvel (maior desgaste cumulativo da reserva de depreciação do automóvel) fato este
complicante, haja vista que, em março de 2009 constatou-se um número de 817.620
caminhoneiros autônomos (CNT, 2009), ressalvo também que um número considerável dos
OTM atua sem frota própria, através da contratação de caminhoneiros que realizam o frete
com o próprio caminhão e que, conseqüentemente, arcam com os custos de deteriorização dos
automóveis.

Destarte, ao lembrar que a média do salário do caminhoneiro autônomo em


1999 era de R$ 3.000 e que após o mesmo arcar com os custos de pedágio e de manutenção
do automóvel restam-lhe R$ 1.200 de salário líqüido, a alternativa para o aumento dos lucros
do fretista concretiza-se através do aumento das cargas transportadas, aumento de horas
trabalhadas e transporte de cargas além do limite estipulado para o modal, assim como adoção
de postura negligente em relação a manutenção do veículo. A alternativa, que parece mais
plausível para o aumento dos lucros do fretista seria a troca do veículo por outro mais novo
(reduz custos de combustível e de manutenção). Mas embora haja programas do Governo
Federal para facilitar a renovação da frota de caminhões do país, devido aos baixos salários da
categoria, os mesmos acabam comprometendo cerca de 70% de sua renda mensal para quitar
as parcelas do financiamento. Por conseguinte o resultado desta equação é a redução da
eficiência da matriz de transporte, o aumento de acidentes e da deteriorização do modal, já
que há um número reduzido de postos de fiscalização dotados de balanças de pesagem nas
rodovias do país e por fim a elevação do Custo Brasil em Transporte.

Tabela 3: Distribuição anual de cargas na matriz de transporte brasileira, em 2005.


MODAL Milhões (TKU)
Rodoviário 485.625
Ferroviário 164.809
Aquaviário 108.000
Dutoviário 33.300
Aéreo 3.169
Total 794.903
Fonte: ANTT, 2006.

PROBLEMAS REFERENTES AOS FLUXOS NOMINAIS (FINANCEIRO)

Após verificar que as qualidades dos sistemas de engenharia ocasionam


variações nos custos operacionais, pois há áreas favorecidas com custos amenos, devido à
presença de melhores infra-estruturas, deve-se destacar que a circulação dos fluxos reais
ocorre sobre um espaço normatizado. Embora as despesas das empresas especializadas em
logística, com impostos e taxas, sejam relativamente baixas, contribuem apenas com 2,8% do
total de custos operacionais. Os principais impostos observados seriam o IPVA132 (Imposto
Sobre a Propriedade de Veículos Automotores) e o ICMS133 (Imposto Sobre a Circulação de
Mercadorias e Serviços), ambos de origem estadual. Tais tachas, mesmo representando um
custo operacional baixo em relação às empresas de logística, acabam influenciando na
alocação das empresas (principalmente dos Centros de Distribuição) e nas rotas realizadas
pelos produtos.

Vale acrescentar que o ICMS trata-se do principal imposto praticado em


resposta a circulação de mercadorias. Entretanto, atualmente houve a criação de um novo
tributo direto134 com o fim de realizar a manutenção da infraestrutura utilizada, a taxa de
pedágio, havendo, portanto, uma sobreposição de impostos de circulação de veículos
135
automotores. Baseada na idéia de ―quem utiliza paga‖ , possibilita reverter uma maior
parcela de incentivos, por meio da isenção de impostos, a produtos de necessidade básica às
populações menos abastadas economicamente. Já as áreas com menores fluxos que se tornam
menos atraentes à iniciativa privada, continuam tendo como fonte de recursos, para sua
manutenção, os ativos de tributação indireta.

Quanto ao ICMS, o governo pratica diferentes taxas para cada tipo de produto,
realizando a dinamização de setores da economia que o mesmo julga essenciais. Por exemplo,
hortifrutigranjeiros são isentos, produtos da cesta básica (arroz, feijão, farinha de mandioca,
pão, charque e sal de cozinha) pagam 7%, a maioria dos produtos é tributado em 18% e
produtos considerados supérfluos (cigarros, perfumes e cosméticos, bolas de tênis, etc.)
pagam 25%. Além de favorecer determinados setores da economia, o ICMS é utilizado
também para incentivar as interações espaciais entre determinados Estados da União, ou seja,
interações que são ditadas por um sistema de normas com base tributária. Sendo assim, toma-
se de exemplo o Estado de São Paulo, para o qual há cobrança de 17% para transações
132
As tachas praticadas para caminhões variam entre 1,0% e 1,5%.
133
É a principal fonte de receita dos estados, sendo que 25% do produto arrecadado é distribuído entre os
municípios, proporcionalmente ao movimento econômico, que é calculado através do Valor Adicional Fiscal
(VAF) do Estado (soma dos Valores Adicionados Fiscais dos municípios) dividido pelo VAF do município, que
por sua vez, é a somatória das receitas menos os custos das mercadorias produzidas pelas empresas do
município.
134
Conforme a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, o pedágio é definido enquanto taxa, já conforme
o Art. 150, V, da Constituição Federal, não se trata de uma taxa, pois é possível a União, Estados, Distritos
Federais e Municípios ―estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais
ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público‖.
135
Porém, conforme a ―Comissão de Monitoramento das Concessões do Estado de São Paulo, cerca de 18% da
receita bruta das concessionárias serão devolvidas ao poder público através de impostos, o que deve atingir,
segundo as previsões das propostas, mais de 7 bilhões de reais no final do período concessivo. Assim, somando-
se estes itens, ainda que numa conta exemplificativa, chegaríamos à conclusão de que cerca de 36% do valor
que se paga de pedágio vai para o Estado, ou seja, não é usado diretamente para a manutenção da rodovia onde
ele foi cobrado, nem é parte do lucro da concessionária‖ (BARELLA, 2008).
internas referentes a bens de consumo finais, 12% para transações interestaduais, excetuando-
se as realizadas do Sul e do Sudeste (excluindo o Espírito Santo). O Norte, o Nordeste, o
Centro-Oeste e o Espírito Santo são tributados com alíquotas de 7%. (vide figura 2).

Figura 2: Taxas de ICMS cobradas em transações realizadas a partir do Estado de São Paulo, em
2009.

Já as interações espaciais entre o Brasil e o mercado externo são incentivadas,


conforme a Lei complementar nº 87/96 houve a desoneração (total) sobre operações que
destinem mercadorias, bens e serviços para o exterior, assim como aos serviços prestados a
destinatários no exterior. ―No caso das importações a incidência do tributo ocorrera com‖ (...)
a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda
que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como
sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o
domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço‖
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 155, IX, ―a‖). Vale ressaltar que a União aplica
alíquotas zero em bens que são fundamentais para a política econômica do país). Além de
haver um regime preferencial na Zona Franca de Manaus e para as micros e pequenas
empresas136.

Deve-se destacar que as diferentes alíquotas cobradas pelos estados acabam


acarretando maiores custos logísticos em detrimento da redução dos custos fiscais, ocorre
assim o ―turismo‖ de produtos, isto é, o percurso de rotas desnecessárias que a mercadoria
realiza a fim de adquirir vantagens fiscais (YOSHIZAKI, 2002). Há, dessa maneira, um
planejamento das cadeias logísticas (indústria, centro de distribuição e mercado consumidor)
que visa uma localização estratégica do centro de distribuição numa tentativa de empurrar a
cobrança do imposto a jusante, havendo assim um ganho de competitividade por meio do
―planejamento tributário‖ aplicado a localização estratégica das unidades componentes da
cadeia logística.

Vale frisar também que, o ICMS estabelece-se enquanto um entrave na


horizontalização das empresas, pois, conforme ―o artigo 2º, do Regulamento do ICMS do
Estado de São Paulo, em observância ao inciso I, do art. 12, da Lei Complementar nº 87/96,
determina expressamente que constitui fato gerador do imposto a saída de mercadoria a
qualquer título, de estabelecimento de contribuintes, ainda que para estabelecimento do
mesmo‖ (MUSSOLINI, 2007) gerando debate. Destarte argumenta-se que a circulação da
mercadoria de um para outro ―(...) estabelecimento do mesmo contribuinte, por não acarretar a
circulação jurídica da mesma, nem mesmo sua circulação econômica (pois a mercadoria
permanece no mesmo estágio do ciclo econômico), traduz sua simples movimentação física,
não se amoldando aos parâmetros da regra matriz de incidência do ICMS‖ (FREITAS, 2004).

Logo, esta dinâmica relativiza a idéia de distance decay, pois devido os


incentivos de determinadas unidades federativas, em relação ao ICMS, as empresas optam por
rotas mais longas, aumentando os custos com transporte e reduzindo os custos tributários. O
mesmo ocorre com os pedágios onde os motoristas, principalmente caminhoneiros
autônomos, buscam novas rotas para reduzir custos. Considera-se também que há uma
seletividade, principalmente quanto aos centros de distribuição (CD) que servem enquanto
suporte à distribuição de mercadorias para o mercado doméstico, mas também de suporte para
um ―fluxo artificial‖ (YOSHIZAKI, 2002) de mercadorias que objetiva lucros através da

136
É importante esclarecer que o ICMS também é utilizado enquanto fator locacional, através da adoção de
isenção fiscal sem critério de seletividade do investimento, ―seja em capital fixo (maquinaria e equipamentos),
edificações e obras civis, capital de giro, desenvolvimento tecnológico e pesquisa‖ (PEROBELL;
PIANCASTELLI, 1996, p. 33).
elisão fiscal, isto é, uma forma licita de economizar tributos, porém que implicam neste caso
em maior tempo das mercadorias circulando pelas rodovias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a economia em crise, a necessidade em estreitar os laços comerciais com


outros países torna-se uma estratégia de desenvolvimento. Possibilitando então as empresas
nacionais expandir seus negócios para aquém das fronteiras da nação e aumentando o número
de empregos formais. Incorporando trabalhadores que até o momento faziam parte do exército
de reserva ao ciclo produtivo do capital que possibilitam a manutenção do mercado doméstico
e da nação, pois na medida em que ocorre o aumento da produção formal, consecutivamente
gera-se maior arrecadação de tributos que podem ser revertidos na manutenção do aparelho
estatal a serviço do bem estar social.

Sendo assim, com as sucessivas revoluções e evoluções logísticas chegamos a


um estágio em que a fluidez das informações e mercadorias é intensificada. No entanto, a
existência dessa tecnologia que responde a uma circulação mais fluida não é igualitária em
todos os espaços, pois nem todos possuem demanda suficiente para a manutenção de sua
funcionalidade de modo otimizado. Sendo assim, destacamos que no país há unidades
federativas com diferentes densidades e qualidade de malha rodoviária, de modo que há maior
coesão interna em alguns estados ou regiões do que no âmbito da nação.

Como foi apresentado no decorrer deste artigo há fatores estruturais (fluxo


real) assim como tributários que contribuem enquanto entrave para esta maior integração. Os
fatores estruturais são recorrentes na mídia como a priorização do modal rodoviário nos
últimos anos em detrimento dos demais, acarretando uma conjuntura na qual os demais
modais apresentam baixa representatividade no transporte de mercadorias no país. Buscamos
também contribuir com uma discussão que até então tem sido pouco trabalhada na ciência
geográfica que é a importância das questões tributárias na consolidação e ordenamento dos
sistemas de movimento no espaço, lembrando que esses embora intangíveis tem sua
compreensão fundamental para a análise da dinâmica que a circulação de mercadorias realiza
no espaço.

Destarte, não é demais situarmos que, com a mundialização do capital ressalta-


se a necessidade de uma maior qualidade de fixos de transportes para manter o contínuo fluxo
de mercadorias. Logo a solução é a racionalização dos fluxos de mercadoria pelas empresas,
enquanto estratégia de redução de custos. Deste modo, as mesmas começam a operar através
de uma multimodalidade, que age enquanto mitigadora de um colapso infraestrutural. Porém,
atrás da euforia que parece haver em relação aos resultados alcançados com as táticas
adotadas pela ―Logística das Empresas‖ há uma impossibilidade das mesmas operarem com
maior eficiência econômica devido aos diversos problemas infraestruturais e tributários que
contribuem para um espaço mais viscoso.

Há assim um embate entre as necessidades representadas pela ―Logística das


Empresas‖ que pressionam constantemente o Estado (Logística do Estado) para a viabilização
de infraestruturas mais adequadas. Destaca-se assim, após o período de 1980 a 1990
(momento em que o país tentou driblar a estagnação econômica e abandonou o planejamento
por medidas imediatistas), o surgimento do Plano Nacional de Logística e Transportes – este
foi apresentado no ano de 2006 à sociedade – que ambiciona retomar o planejamento a médio
e longo prazo dos sistemas de movimento do país; (trata-se de um plano de Estado e não de
governo que ira orientar os investimentos públicos e privados para os próximos 15 anos). Já
em relação às distorções dos fluxos que o sistema tributário ocasiona no fluxo de transporte
no país, a solução parece estar longe de ocorrer, já que a mesma encontra-se na reforma
tributária que é refém da morosidade do Congresso Brasileiro.

Logo, buscamos aqui contribuir com as discussões referentes aos sistemas de


movimento no país e o entrave que as inadequações nessas infraestruturas simbolizam para
um espaço mais fluido, através da pontuação de algumas viscosidades físicas e normativas
que se apresentam enquanto entraves para a integração do mercado doméstico brasileiro,
assim como o aumento da participação das exportações no comércio exterior, com destaque
para a integração com os países do Cone Sul, ressaltando a importância de colocarmos em
foco as questões que são intrínsecas à produção de um espaço mais fluido, coeso e a
conseqüente busca por uma maior equidade regional.

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GLOBALIZAÇÃO, MODERNIZAÇÃO DO SISTEMA PORTUÁRIO E RELAÇÕES
CIDADE-PORTO NO BRASIL

Frédéric MONIÉ
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro/RJ
fmonie@uol.com.br

INTRODUÇÃO
A globalização redefiniu a Geografia portuária das nações e as relações
cidades/portos cuja intensidade e contornos variam em função do posicionamento dos
governos centrais e locais diante da consolidação dos grandes dispositivos logísticos mundiais
e das estratégias dos atores que controlam essas redes. As políticas públicas setoriais e/ou
urbanas nas cidades marítimas refletem leituras diferenciadas das dinâmicas em curso no
espaço econômico mundial. Por um lado, a globalização é essencialmente analisada em
termos de mudança de escala do comércio internacional. As autoridades buscam então uma
inserção no espaço de fluxos global (CASTELLS, 1999) que depende do desempenho das
portas de entrada por onde transitam capital, turistas, informação e mercadorias. Por isso, a
modernização dos aeroportos e dos portos marítimos se tornou prioritária. No entanto, outros
autores destacam a reestruturação dos modos de produzir e consumir que marca a saída do
fordismo (BENKO; LIPIETZ, 1994; SASSEN, 1998; VELTZ, 1999, 2002). Segundo Veltz
(2002), a multilocalização da produção dentro de redes de valor agregado é responsável por
uma integração produtiva onde as regiões e cidades ganhadoras mobilizam suas competências
territoriais em prol do desenvolvimento. Nesses espaços, as políticas públicas remetem as
concepções proativas do papel do território nos processos desenvolvimentistas que orientaram
políticas públicas em algumas metrópoles marítimas onde são valorizadas as
complementaridades entre porto e cidade.

Como se situa o sistema portuário brasileiro diante dos desafios impostos pela
reestruturação do espaço econômico mundial e a transformação do território nacional? De que
maneira evoluiu a hierarquia portuária num país caracterizado pela dispersão geográfica das
instalações portuárias e pela concentração dos tráfegos em poucas cidades-porto? Como as
políticas públicas administram uma relação porto-cidade cada vez mais complexa do ponto de
vista da gestão dos conflitos de uso? Quais obstáculos enfrentam as cidades marítimas
brasileiras no caminho de promoção do desenvolvimento territorial?
OS PORTOS E A FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO

As primeiras cidades-porto brasileiras surgiram como portas de entrada dos


colonos e mercadorias enviados de Portugal e de escravos trazidos da África e eram pontos de
embarque de produtos tropicais e agrícolas. Ou seja, as instalações portuárias eram
instrumentos a serviço do capitalismo mercantil e da dominação colonial representativos da
inserção dependente do Brasil nas redes de trocas da economia-mundo ocidental. Seu papel
foi também relevante no processo de formação do território brasileiro. A partir dos portos
surgiram eixos de drenagem da produção dos sucessivos ciclos econômicos (PRADO
JÚNIOR, 2000). Rapidamente, as cidades nordestinas que abrigavam os maiores
equipamentos portuários se transformaram em centros político-administrativos, comerciais e
de serviços. As cargas eram embargadas a bordo de navios lusitanos e de raras embarcações
inglesas que obtiveram uma permissão de atracar em portos brasileiros (MARTINS
PIMENTEL, 1999).

Em seguida, o deslocamento do centro de gravidade da economia do Nordeste


para as Minas Gerais e a transferência da capital para o Rio de Janeiro mudaram a hierarquia
portuária que passou a ser dominada pelos portos do Sudeste. Em 1808, a abertura dos portos
às nações amigas constituiu outro marco na história do sistema portuário por simbolizar o fim
de exclusivismo colonial e o ingresso no sistema liberal de trocas internacionais. Porém, a
intensificação das importações e das exportações não foi acompanhada por uma mudança da
pauta do comércio exterior nem por um aumento significativo da participação do Brasil no
comércio mundial. Apesar disso, a modernização dos portos já constituía uma prioridade para
pioneiros como Visconde de Mauá que, em meados do Século XIX, propôs uma organização
do setor marítimo portuário articulando construção naval, atividade portuária e
estabelecimento de rotas marítimas no Atlântico no âmbito da Companhia de Estabelecimento
da Ponta da Areia, instalada em Niterói (KAPPEL, 2005). Mas, a ação isolada de Mauá não
amenizou a precariedade geral de equipamentos portuários que recebiam poucos recursos.

Na segunda metade do Século XIX, o ingresso da economia-mundo ocidental


na era da especialização produtiva acelerou a unificação do sistema mundial (MONIÉ;
VIDAL, 2006). A teoria das vantagens comparativas postulava que todo país tinha interesse
em se especializar na produção de bens para os quais ele dispunha de uma vantagem em
virtude de condições produtivas que explicam a diferença dos níveis de produtividade do
trabalho. A diminuição das barreiras alfandegárias e a especialização dinamizam as trocas
internacionais. No mesmo momento, o progresso do transporte marítimo permitia ampliar as
áreas de mercado. O dinamismo do comércio mundial, que passou a representar cerca de 20%
do PIB mundial nos anos de 1880, validou parcialmente o esquema ricardiano137. O Brasil
participava desta dinâmica através da modernização do seu modelo primário-exportador
centrado na borracha e no café.

O primeiro ciclo alavancou a atividade portuária e comercial de Manaus e


Belém. Mas foi no Sudeste que as transformações do sistema portuário foram notáveis graças
ao crescimento das exportações de ―ouro verde‖. Inicialmente, o desenvolvimento da
economia cafeeira no Vale do Paraíba beneficiou à atividade portuária da capital. Porém, o
crescimento da produção no interior paulista teve aos poucos efeitos ainda maiores, pois a
inserção no sistema de trocas mundial exigia uma modernização da base produtiva e
institucional. No que tange aos transportes, o objetivo consistia em facilitar o escoamento e a
exportação dos grãos. A atração de capital inglês permitiu construir ferrovias que melhoraram
as condições de acessibilidade ao porto de Santos, onde a expansão da atividade estimulou o
crescimento da cidade e o desenvolvimento de atividades financeiras e de negócio (ARAÚJO
FILHO, 1969).

Conforme o esquema clássico apresentado pelo geógrafo Taafe, o porto


paulista se posicionou então como instrumento central de uma rede de transporte irrigando a
hinterlândia regional (TAAFE, 1963). Paralelamente, o governo promulgou decretos
concedendo os portos ao capital privado, no intuito de modernizar os mesmos. Do ponto de
vista institucional, as instalações portuárias passaram sob a tutela do Ministério das Obras
Públicas, enquanto a criação da Companhia Docas de Santos prefigurava os futuros portos
organizados (KAPPEL, 2005). A modernização dos portos acompanhava a tendência mundial
de reestruturação do sistema marítimo-portuário que precisava atender a demanda de uma
economia em via de internacionalização (CLERC, 2004). As primeiras inovações técnicas de
grande porte aconteceram no transporte marítimo: navios maiores, mais velozes, seguros e
oferecendo maior capacidade de carga obrigaram os portos a ampliar suas instalações e
transformar seu padrão operacional. As Conferências Marítimas, as linhas regulares e os
canais inter-oceânicos completavam um dispositivo de circulação marítima mais sistêmico.
No Brasil, os investimentos realizados em Santos e Manaus e a construção do porto moderno
do Rio de Janeiro sinalizavam a superação dos trapiches e das técnicas tradicionais de

137
Validade parcial na medida em que Ricardo não tinha previsto a mobilidade dos fatores de produção no
momento da elaboração de sua teoria. A 2ª metade do século XIX foi justamente marcada por uma
intensificação da circulação do fator trabalho – migrações européias rumo ao Novo Mundo – e do capital.
manuseio de mercadorias. No entanto, Kappel (2005) aponta que a privatização e a
modernização das instalações portuárias não foram acompanhados por uma política setorial
nacional e que o sistema permaneceu precário e fragmentado.

O SISTEMA PORTUÁRIO BRASILEIRO A SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO


INDUSTRIAL

Nas décadas seguintes, guerras e crises provocaram uma desaceleração do


processo de mundialização. O protecionismo redirecionou as economias para o território
nacional, provocando uma retração do comércio internacional (MONIÉ; VIDAL, 2006). Nos
países centrais, as maiores empresas fortaleceram suas posições no mercado interno mediante
a generalização do modo de produção taylorista-fordista. Paralelamente alguns países da
periferia, como o Brasil, operaram a transição do modelo primário-exportador para um
modelo urbano-industrial. Estas dinâmicas impactaram no sistema portuário brasileiro que
depois de um declínio conseqüente à forte diminuição das exportações de café voltou a
movimentar volumes crescentes de fluxos.

As fases de declínio e recuperação da atividade provocaram uma intervenção


do governo federal que nos anos 1930 redefiniu a arquitetura institucional do sistema e
promulgou medidas como a transferência da administração dos portos para os Estados e
depois para União. Pela primeira vez, o Estado definiu então uma legislação setorial nacional
ressaltando o caráter estratégico da modernização dos portos para o processo de
industrialização sem, no entanto, planejar um projeto coerente e de longo prazo. Por isso, os
recursos têm sido sistematicamente aplicados para atender as demandas do momento
(GOULARTI FILHO, 2007). Neste contexto, a criação do GEIPOT, em 1965, ajudou a
repensar o sistema de transporte num contexto de crescimento econômico acelerado, expansão
do parque industrial e aumento das exportações de commodities. O Programa dos Corredores
de Exportações elaborado em seguida se traduziu em investimentos no sistema de circulação
terrestre e em portos considerados estratégicos: Paranaguá e Rio Grande como centros de
exportação dos grãos produzidos no Sul; Vitória que escoa a produção do quadrilátero
ferrífero de Minas Gerais e Santos onde a construção de um terminal de contêineres marca o
ingresso no novo padrão técnico-operacional do transporte marítimo (GONÇALVES;
PAULA NUNES, 2008). Terminais mais modestos foram também contemplados apesar da
concentração das inversões em poucas instalações portuárias de maior porte.
Em 1975, o fracasso dos planos setoriais levou o governo a criar a Portobrás
encarregada de administrar e planejar de forma centralizada um sistema portuário
pulverizado. A aplicação de recursos e a execução das diretrizes foram confiadas às empresas
portuárias estatais: as Companhias Docas. A eliminação dos gargalos burocráticos e a criação
dos conselhos de usuários deveriam também agilizar as operações. Outra prioridade consistia
na adequação do sistema aos novos padrões mundiais de circulação marítima e operação
portuária. Por isso, a ênfase foi dada à construção de novos portos – Suape, Praia Mole e
Barra do Riacho; de terminais de contêineres – Santos, Rio de Janeiro e Rio Grande e
terminais graneleiros em Santos, Paranaguá, Rio Grande e Vitória (MARTINS PIMENTEL,
1999). Porém, apesar de alguns avanços, o sistema portuário brasileiro sofria ainda da falta de
planejamento e da insuficiência crônica de recursos, o que aumentou a defasagem em relação
ao nível de competitividade do sistema mundial. Além dos gargalos infra-estruturais, a
natureza do quadro jurídico e institucional contribuiu para o engessamento dos portos, vítimas
da burocracia excessiva, dos efetivos pletóricos de mão-de-obra, da ausência de capacitação
dos recursos humanos, ou seja, de padrões de gestão e administração inadequados.

A tradição das nomeações políticas na Portobrás e nas Companhias Docas, por


vezes transformadas em feudos por políticos locais, agravou um quadro geral ilustrativo da
patrimonialização do aparelho de Estado (FAORO, 2000). Além disso, os portos funcionavam
raramente a serviço do desenvolvimento das cidades. Como aconteceu em outros países, a
industrialização colocou a atividade comercial e de negócio local entre parênteses em
benefício de uma função exclusiva: o escoamento fluido de insumos, bens de consumo e
commodities. A centralização da administração do sistema agravou o afastamento do porto e
da cidade, como o atesta a degradação das áreas portuárias do Rio de Janeiro e de Santos. As
infra-estruturas evoluíam segundo uma lógica distinta da lógica da cidade. Segundo Cocco e
Silva (1999, p.10):

Os portos foram como extraídos dos respectivos tecidos urbanos para


tornarem-se infra-estruturas terminais de corredores de exportação
planejados e gerenciados no nível federal […]. O porto transformou-se em
um anexo específico dentro de uma organização cada vez mais funcional do
espaço nacional.

Por seu lado, a Geografia portuária acompanhou as transformações do espaço


econômico nacional. A industrialização de São Paulo consolidou a primazia de Santos, cuja
hinterlândia imediata recebeu investimentos nos setores da petroquímica, da química e da
siderurgia, configurando um complexo industrial-portuário regional (GONÇALVES; PAULA
NUNES, 2008). O papel estratégico da plataforma santista para o processo de industrialização
nacional e a ausência de concorrência inter-portos transformaram Santos no maior porto da
América Latina. O caso paulista ilustra a constituição de uma área de influência terrestre
baseada numa relativa contigüidade espacial em escala regional. A sinergia entre a qualidade
das infra-estruturas de acesso e de manuseio das cargas criou, por sua parte, uma renda de
situação que permitiu ao porto operar em situação de quase monopólio na sua hinterlândia. Ao
contrário, o porto do Rio de Janeiro vítima do declínio relativo da economia fluminense e da
precariedade dos eixos terrestres perdeu espaço em relação ao concorrente paulista.

Paralelamente, alguns portos consolidaram suas posições no topo da hierarquia


graças à expansão da produção e exportação de soja – Paranaguá e Rio Grande – e de ferro –
Tubarão em Vitória e Itaqui em São Luis. Os dois últimos, que pertencem a Vale do Rio
Doce, ilustram a força crescente das corporações na reestruturação da base produtiva, na
modernização do sistema de transporte, mas também no ordenamento do território nacional. O
dinamismo e a importância dos terminais da Petrobrás – São Sebastião, Angra dos Reis e
Aratu – insere-se também nesta dinâmica.

O SISTEMA PORTUÁRIO BRASILEIRO NA ERA DA INTEGRAÇÃO PRODUTIVA

DEFININDO A INTEGRAÇÃO PRODUTIVA

A precariedade institucional e operacional do sistema portuário aparece


claramente no início dos anos de 1990 quando as autoridades federais decidem inserir o país
de forma competitiva no comércio mundial. A abertura comercial e a reestruturação produtiva
marcam a saída do nacional-desenvolvimentismo e o ingresso numa nova era de contornos
ainda mal delimitados. A ―crise‖ obrigou as firmas a definir novas estratégias de expansão
num ambiente marcado pela mudança das condições da competitividade. Por um lado,
permanece a tradicional competitividade pelos custos que estimula a re-localização dos
setores de baixo conteúdo tecnológico dos países centrais rumo às regiões sem tradição
industrial moderna. A supressão de parte das barreiras ao livre-comércio e os avanços
técnicos e organizacionais no setor dos transportes, em particular o marítimo, viabilizaram o
processo (MONIÉ; VIDAL, 2006).

Nos setores intensivos em tecnologia, as estratégias das organizações foram


mais complexas. Veltz (1999) argumenta que doravante a competitividade decorre, sobretudo,
da capacidade de atender às demandas de mercados de consumo mais heterogêneos. As
empresas precisam oferecer bens baratos, de qualidade e atendendo as exigências
diferenciadas dos consumidores, da micro-escala do indivíduo até a escala global. Neste
contexto, a divisão rígida do trabalho se torna improdutiva, a eficiência pelas operações não é
suficiente enquanto a localização das atividades não é determinada somente pelos laços
espaciais entre recursos, fatores de produção e operações produtivas (VELTZ, 2002). Por esta
razão, surgem redes de valor agregado (VELTZ, 2002) que multilocalizam a fabricação e a
montagem dos produtos em núcleos centrais metropolitanos e em periferias múltiplas, onde as
unidades são localizadas em função de sua capacidade de abastecer in time o sistema de
peças, componentes e semimanufaturados.

A acessibilidade aos dispositivos logísticos regionais e mundiais constitui um


fator de competitividade central para os fornecedores que integram as redes (MONIÉ, 2003).
Em conseqüência disso, assistimos a integração das esferas da produção, do consumo, do
transporte e da distribuição em todas as escalas (VELTZ, 2002; MONIÉ; VIDAL, 2006). A
reestruturação produtiva criou então um espaço econômico mundial integrado e
interdependente que adquire, segundo Veltz (1999), uma feição de arquipélago cujos centros
mais competitivos são as metrópoles, as cidades médias dinâmicas, as ―cidades-estado‖ e as
plataformas logísticas.

As inter-relações entre as ilhas de competitividade e sua articulação com as


regiões provedoras de mão-de-obra barata e recursos naturais provocam uma explosão dos
fluxos imateriais e materiais. O ingresso do ex-mundo comunista na economia de mercado, a
emergência de novas potências comerciais e os blocos regionais ―alimentam‖ também o
dinamismo do comércio e a formação do espaço global de fluxos, cuja constituição foi
possível graças à combinação de três tendências. A primeira é relativa à supressão, gradual e
incompleta, de barreiras ao livre-comércio que eliminou gargalos ao crescimento das trocas
internacionais. A segunda refere-se à adoção pelos órgãos internacionais, governos e
corporações de leis, normas e padrões que possibilitam a diversificação das estratégias
territoriais dos atores econômicos. A difusão das Novas Tecnologias da Comunicação e da
Informação – NTCI – representa a terceira tendência maior que possibilitou a integração dos
fluxos de informação entre os atores das redes produtivas e logísticas – fornecedores,
transportadores, distribuidores e clientes. Estas inovações articulam a ação de atores cujas
estratégias adquirem uma feição sistêmica conforme ilustra a evolução das redes de transporte
marítimo e do sistema portuário mundial.
A EMERGÊNCIA DE UM SISTEMA MARÍTIMO-PORTUÁRIO MUNDIAL
INTEGRADO

A ―explosão‖ das trocas confere aos dispositivos logísticos uma função


estratégica de ―costura‖ interna e externa dos espaços da produção e do consumo. Por um
lado, mais países e regiões participam da economia dos fluxos global provocando uma maior
dispersão dos fornecedores, produtores e consumidores que exige uma grande capilaridade
dos sistemas de transporte. Por outro lado, a organização da produção em redes supõe uma
conexão perfeita entre os nós e os vetores. Ou seja, os sistemas logísticos combinam
estratégias de concentração dos fluxos em eixos maiores (economias de escala) e
desconcentração em eixos menores (distribuição espacialmente ubíqua). No coração dos
dispositivos logísticos o transporte marítimo é hoje responsável pelo escoamento de cerca de
oito bilhões de toneladas de bens, o que representa 80% das trocas internacionais (em volume)
(UNCTAD, 2008).

A expansão da atividade marítima foi possibilitada por inovações tecnológicas,


institucionais e organizacionais (MARTNER PEYRELONGUE; MORENO MARTINEZ,
2001). No campo tecnológico, o gigantismo dos navios é fonte de economias de escala e o
equipamento dos mesmos em NTIC permite articular os atores das cadeias de valor
(FRÉMONT, 2005). Por sua parte, o uso do contêiner foi decisivo para diminuir os custos e
suavizar a gestão das interfaces intermodais. No campo institucional, o transporte marítimo
não escapou da onda neoliberal que se traduziu nas privatizações e na desregulamentação do
setor. Enfim, a emergência de novos atores marcou a vertente organizacional da atividade: o
Operador Multimodal, que oferece um serviço porta-a-porta sob contrato único (BARAT,
2007) e as Alianças Estratégicas são atores que por garantir capilaridade ao sistema são
essenciais para a organização sistêmica e multi-escalar das redes (FRÉMONT, 2007).

A dupla tendência de integração e expansão geográfica do espaço econômico


mundial exige então respostas sistêmicas: nenhum nó ou vetor do sistema produtivo-logístico
é apreendido isoladamente. Considera-se o produto das interações entre subsistemas. Todo
ator precisa assim situar-se em permanência dentro do Sistema Marítimo-Portuário Mundial –
SMPM – integrado que transporta e distribui cargas de todos os tipos de qualquer lugar para
qualquer outro lugar do mundo, num ambiente caracterizado pela dispersão espacial dos
clientes, pela extensão das distâncias a percorrer, pelo aumento do volume das cargas
movimentadas e pelas exigências dos clientes em termos de preço do serviço, pontualidade ou
integridade física das mercadorias. Nessa economia de fluxos os atores agem segundo uma
dupla lógica de hierarquização e des-hierarquização dos fluxos (MARTNER
PEYRELONGUE; MORENO MARTINEZ, 2001).

No topo da hierarquia, as rotas marítimas, que ligam a América do Norte, a


Ásia Oriental e a União Européia, concentram os maiores operadores globais que usam navios
gigantes e servem um grupo seleto de portos grandes e modernos. Nessas rotas, alguns hubs
como Cingapura, Dubai, Algeciras, Colon – redistribuem os contêineres para rotas regionais
que articulam os grandes centros econômicos às regiões de menor peso no mapa econômico
mundial, como a América do Sul. Enfim, rotas e portos locais garantem a algumas áreas
periféricas um acesso mínimo ao espaço global dos fluxos (MONIÉ; VIDAL, 2006). Mas, os
dispositivos logísticos seriam incompletos sem a incorporação dos acessos terrestres. Os
ganhos de produtividade nas rotas marítimas e na interface portuária não podem ser
aniquilados em ferrovias e rodovias, cuja precariedade ou saturação prejudicam o conjunto do
sistema.

Em síntese, o SMPM proporciona uma circulação eficiente e de baixo custo


num espaço econômico mundial sujeito às dinâmicas de concentração e difusão dos fatores de
produção. Por isso, a circulação tradicionalmente organizada de forma funcional dentro de
modalidades segmentadas envolve doravante a incorporação de novas variáveis, garantindo
fluidez e agregação constante de valor aos fluxos, cuja gestão obedece às imposições do just-
in-time. Passamos então da economia dos transportes para a economia da logística que ilustra
o ingresso na ―economia industrial de serviços‖ (VELTZ, 2002). A transição exige a
definição de políticas públicas inovadoras. A reforma portuária constituiu uma das respostas
das autoridades nos anos de 1990. Mas será que a reforma incorporou as inovações em curso
nos cenários da produção, do consumo e da circulação?

O SISTEMA PORTUÁRIO BRASILEIRO NO INÍCIO DOS ANOS DE 1990

A competitividade da base produtiva torna-se uma prioridade para o governo


brasileiro no início dos anos de 1990. A inserção competitiva nos fluxos globais supõe a
eliminação dos gargalos burocráticos e infra-estruturais que compõem o ―Custo Brasil‖. No
caso do setor portuário, o diagnóstico aponta diversos problemas. O sistema é
tecnologicamente obsoleto e a precariedade das instalações tem efeitos negativos sobre o
manuseio das cargas. Por sua vez, a liberação das cargas é sujeita a inspeção, fiscalização e
controle de ministérios e órgãos estatais cuja atuação não coordenada torna os prazos de
entrega imprevisíveis. Esta incerteza prejudica a competitividade dos portos, cujos clientes
evoluem em redes em que o just-in-time transformou a pontualidade em variável central da
concorrência. Por sua vez, a legislação trabalhista e a pulverização profissional dos recursos
humanos favorecem relações de trabalho hierarquizadas e paternalistas. Vale também
ressaltar, a defasagem dos programas de qualificação e o caráter pletórico dos efetivos da
mão-de-obra138.

A combinação destes elementos prejudica a competitividade dos portos que


figuram então entre os mais caros do mundo. Num estudo de 1993, o GEIPOT avaliou que o
custo da movimentação de um contêiner era 30% superior ao custo registrado em grandes
portos estrangeiros. No caso dos grãos, a diferença chegava a 55% (ROCHA DOMINGUES,
2001). Porém, os problemas não se limitam a um ―Custo Brasil setorial‖ que poderia ser
eliminado mediante a modernização das infra-estruturas. A administração do sistema pela
Portobrás sinaliza a incapacidade de elaborar uma política portuária nacional coerente
contemplando curto, médio e longo prazo. Por sua parte a burocratização e a tradição de
nomeações políticas na Portobrás e nas Companhias Docas contribuem para a inércia política
geral. Enfim, a centralização dos processos de tomada de decisão colabora para o afastamento
dos portos em relação às cidades. As relações entre a Portobrás e às Docas estatais, entre estas
últimas e às cidades-porto são caracterizadas pela sua verticalidade e a ausência de diálogo
interinstitucional. A cooperação é também insuficiente entre as autoridades portuárias e os
usuários de suas instalações (MAIA PORTO, 1999).

Diante deste cenário, a Comissão Portos da Ação Empresarial Integrada e a


Associação Brasileira de Terminais Portuários – ABTP – reivindicaram uma reforma do
sistema (FERREIRA VIDIGAL, 2007). As entidades cobravam uma lei de modernização dos
portos se deslocando no sentido das reformas neoliberais promulgadas em vários países. O
primeiro passo foi a extinção da Portobrás em 1990 e a transferência da tutela sobre os portos
públicos para o Ministério dos Transportes. A medida criou um vazio institucional e uma
paralisia da ação estatal. Goularti Filho (2007) aponta o ingresso numa era de confusão
administrativa e de degradação das estruturas em função da paralisia das obras, da suspensão
das licitações e da ausência de investimentos. Mas, a crise institucional acelera a aprovação
pelo Congresso Nacional da Lei 8.630/93, a chamada Lei de Modernização dos Portos,

138
Em 1990, os portos públicos brasileiros empregavam 45.000 trabalhadores e movimentaram 350 milhões de
toneladas de mercadorias, o que corresponde a um rendimento de 7,7 mil toneladas per capita. No mesmo ano, o
porto de Roterdã, que emprega 8.000 trabalhadores, movimentou sozinho 296 milhões de toneladas de
mercadorias, correspondendo a 37 mil toneladas per capita (GUIMARÃES in BARAT, 2007).
criando uma nova arquitetura institucional que segue os princípios da desestatização,
desregulamentação e descentralização.

O objetivo é a valorização da função comercial das instalações portuárias num


ambiente de livre mercado e de concorrência inter-portos. Para isso, as autoridades pretendem
abolir os monopólios – monopólio normativo do Governo Federal sobre o serviço portuário –
das Docas sobre as operações; dos sindicatos sobre o recrutamento da mão-de-obra avulsa – e
estimular uma gestão co-participativa no âmbito de Autoridades Portuárias juntando os atores
envolvidos na ―vida‖ do porto139. Finalmente, a esfera estatal permanece responsável pela
construção e a manutenção da infra-estrutura; pela gestão ambiental; pela fiscalização das
instalações portuárias ou ainda a promoção comercial do porto. Por sua parte, o setor privado
pode arrendar terminais, onde o Operador Portuário é responsável pelas operações de
manuseio das cargas e dos investimentos em equipamentos e instalações. Enfim, os terminais
de uso privativo são autorizados a movimentar cargas de terceiros. O novo quadro jurídico foi
completado pela Lei 9.277/96 autorizando a União a conceder a administração e exploração
dos portos aos estados e aos municípios.

Em 2001, foi criada a Agência Nacional de Transportes Aquáticos – ANTAQ,


autarquia vinculada ao Ministério dos Transportes, cuja missão consiste em regular e
fiscalizar o transporte aquaviário e a exploração da infra-estrutura setorial, além de estimular
a competição entre os operadores. Enfim, em maio de 2007, uma medida provisória criou a
Secretaria Especial de Portos que tem por principais atribuições a formulação de políticas e
diretrizes para o fomento do setor; a execução de projetos e ações de apoio ao
desenvolvimento da infra-estrutura, a participação na discussão e elaboração do planejamento
estratégico setorial e a consolidação do marco regulatório setorial.

O NOVO SISTEMA PORTUÁRIO: AVANÇOS E LIMITES DA MODERNIZAÇÃO

EFEITOS ESPACIAIS DAS MUDANÇAS INSTITUCIONAIS

Uma das principais conseqüências da re-engenharia institucional dos anos de


1990 reside na descentralização do sistema. Hoje somente 19 dos 82 portos do país são
administrados pelas Companhias Docas vinculadas ao Ministério dos Transportes. Mas se
muitos portos pequenos e médios passaram sob a tutela dos Municípios e dos Estados, as

139
Para uma análise detalhada da reforma ver Barat (2007) e Marcos Pimentel (1999).
possibilidades abertas pela Lei de 1996 não suscitaram uma ampla dinâmica de mobilização
dos atores locais, apesar da administração municipal ser bem sucedida em diversas regiões do
mundo (COLLIN, 1999). Convém, porém, mencionar o caso de Itajaí, onde as instalações
portuárias passaram sob administração da Prefeitura Municipal ao longo de um processo que
se estendeu na segunda metade dos anos de 1990. Desde então, o porto começou a ser
apreendido como um instrumento de desenvolvimento via à aproximação do processo
decisório das reivindicações dos atores econômicos e da comunidade local expressas no
Orçamento Participativo, em câmaras setoriais e transversais, etc. A combinação de ação
proativa do Município, de modernização do porto e de dinamismo da economia catarinense
teve resultados rápidos: entre 1995 e 2007, a movimentação de cargas cresceu cerca de 11,5%
ao ano. Para além dos cais, a integração entre as infra-estruturas portuárias e o território
urbano estimulou os investimentos no tecido produtivo por parte do setor empresarial local e
nacional.

A capacidade de inserir o porto e a cidade na ―cadeia logística do frio‖ é um


exemplo deste dinamismo. A inauguração recente de terminais privados especializados a
proximidade de Itajaí reflete o re-posicionamento do porto e da cidade no sistema marítimo-
portuário mundial e significa também novos desafios para definir um pólo portuário regional
estruturado em torno de um possível binômio Itajaí/Navegantes. Mas talvez o verdadeiro êxito
da cidade catarinense seja de natureza sócio-política na medida em que a municipalização
parece ter sido alimentada por uma mobilização dos atores locais inédita no Brasil, país onde
os municípios ainda não manifestaram muito interesse em administrar seus equipamentos
portuários. A imagem tradicionalmente negativa da atividade portuária, que ilustrava para
autores como Darcy Ribeiro e Gilberto Freire o caráter perverso da inserção do país no
sistema de trocas mundial explica em parte a dificuldade de re-aproximar o porto da cidade
(COCCO; SILVA, 1999). Da mesma forma, vale ressaltar que o caso mais exitoso de
integração porto-cidade ocorre numa região cujo desenvolvimento sócio-econômico foi pouco
dependente da tecno-burocracia desenvolvimentista e onde a cooperação entre atores locais é
uma constante no processo de formação territorial (RAUD, 2000).

EFEITOS OPERACIONAIS DA REFORMA PORTUÁRIA

Um dos principais efeitos da reforma portuária reside no aumento da


produtividade dos portos possibilitado pelos investimentos setoriais, pela diminuição da
massa salarial e a adoção de novos métodos de gestão. O processo de arrendamento atraiu
operadores que investiram em particular nos terminais de contêineres. Paralelamente, o
governo federal aplicou recursos na construção de novas instalações em Pecém-CE e na
reestruturação de portos existentes como Suape-PE e Itaguaí-RJ (MONIÉ; VIDAL, 2006). Os
ganhos de produtividade e a diminuição dos custos operacionais foram imediatos: entre 1997
e 2006 o custo médio de movimentação de um contêiner padrão diminuiu em cerca de 70%,
enquanto a movimentação horária média das caixas passou de 10 para cerca de 30 unidades.
Enfim, observamos uma redução do índice das perdas e danos. Os resultados obtidos são
essenciais para posicionar o Brasil de forma mais competitiva num sistema marítimo-
portuário mundial em que o ritmo de circulação das cargas, a qualidade do serviço, a
estabilidade institucional e o nível das tarifas são variáveis centrais na escolha das escalas
pelos operadores logísticos. Neste contexto, a modernização dos equipamentos e das infra-
estruturas foi globalmente suficiente para dar suporte ao crescimento do comércio exterior.

Porém, convém ressaltar a permanência de gargalos prejudicando o sistema.


Apesar dos progressos, os portos nacionais operam num patamar técnico-operacional inferior
ao dos concorrentes; os serviços prestados são relativamente precários e os custos superiores
ao padrão mundial. Ainda no campo operacional, o acesso às instalações portuárias continua
problemático: a acessibilidade náutica sofre do atraso das operações de dragagem enquanto o
acesso terrestre é prejudicado pela precariedade do sistema de transporte e a ausência de redes
intermodais. Outro dado preocupante é referente ao fato que os maiores portos já usam 90%
de sua capacidade instalada, situação que exige soluções técnicas e gerenciais integradas que
devem, por exemplo, considerar os impactos das obras sobre o meio ambiente e a qualidade
de vida da população. As disfunções são maiores nos portos administrados pelas Docas do
que nos terminais privativos pertencentes a firmas globais, como a Vale, a Petrobras ou as
tradings do complexo sojífero que operam dentro de padrões de gestão modernos e dispõem
de elevada capacidade de investimento para constituir sofisticadas cadeias produtivo-
logísticas verticalmente integradas. Além disso, o manuseio das commodities apresenta um
baixo grau de complexidade, o que facilita o alinhamento nos padrões dos grandes portos
mineradores e petrolíferos mundiais.

Diversos fatores explicam que a competitividade do sistema portuário seja


ainda insuficiente. O arcabouço institucional sofre da superposição de competências e
atribuições das Capitanias dos Portos e das Autoridades Portuárias. Outro gargalo reside no
baixo nível de eficiência administrativa ilustrado pela lentidão na liberação das cargas: os
órgãos governamentais atuam de forma não integrada, as tarefas são raramente informatizadas
e, em muitos portos, os serviços de alfândega funcionam apenas em horário comercial (CNI,
2007). Por seu lado, o padrão de gestão dos portos organizados sofre da politização das
nomeações para cargos cujos ―titulares‖ não dispõem sempre da qualificação adequada para
administrar um porto moderno. O clientelismo e a descontinuidade na direção de algumas
Docas prejudicam também o planejamento e a execução de uma ação pública desprovida de
qualquer autonomia. Ou seja, os processos decisórios hierarquizados e burocratizados
ilustram a dificuldade de definir padrões de governança democráticos e descentralizados.
Outro aspecto problemático reside na questão das relações trabalhistas. A privatização das
operações e o uso de novas técnicas de manuseio de cargas se traduziram por uma ―onda‖ de
demissões num universo em que a estabilidade era a regra. Diante deste cenário, o
enfrentamento das ortodoxias empresarial e sindical abriu pouco espaço paras soluções
socialmente sustentáveis.

A reconversão dos trabalhadores portuários em trabalhadores da logística foi


prejudicada pela representação conservadora da questão portuária entre atores que ignoram a
tendência mundial de criação de empregos nas atividades retro-portuárias. Outro obstáculo à
resolução da questão trabalhista é relacionado às dificuldades para os Órgãos Gestores de
Mão de Obra (OGMOS) de implementar as novas regras de racionalização do trabalho nos
cais. Em conseqüência disso, o excedente de mão-de-obra onera os serviços enquanto o
trabalhador se sente desprestigiado, ao contrário do que acontece nas cidades marítimas do
Norte da Europa, onde participa de forma ativa ao processo de modernização portuária
(COLLIN, 2003). A competitividade dos portos brasileiros sofre ainda com a insuficiência
dos investimentos no sistema.

Por um lado, a iniciativa privada investiu no re-aparelhamento das infra-


estruturas, mas o volume das inversões a realizar é considerável numa atividade em que o
retorno operacional e financeiro é incerto e demorado. Por outro lado, a capacidade de
investimento das Docas é limitada pelo elevado número de ações judiciais que alimenta uma
dinâmica de endividamento140. Enfim, após a promulgação de Lei nº 8.630/93, o governo
federal não tem dado prioridade ao setor portuário que recebeu relativamente poucos recursos
e dirigiu parte deles para a consolidação das cadeias logísticas integradas de multinacionais da
mineração ou da siderurgia, como no caso de Itaguaí. Mais recentemente, os planos de
investimentos da Agenda Portos nos portos organizados foram freqüentemente emperrados
por mandados de segurança e pela própria burocracia estatal.

140
Os passivos trabalhistas somam 800 milhões em Santos e aproximadamente 500 milhões no Rio de Janeiro.
UMA NOVA GEOGRAFIA PORTUÁRIA?

A atividade portuária brasileira está em franco crescimento desde o início dos


anos 2000 em conseqüência do aumento do PIB, da expansão e diversificação do comércio
exterior, da internacionalização das corporações brasileiras e da reestruturação do aparelho
industrial, geradora de interações espaciais pluri-escalares mais intensas. No que diz respeito
à evolução por natureza de cargas, os dados indicam uma progressão heterogênea dos
diferentes segmentos. O dinamismo dos graneis sólidos foi alavancado pelo aumento das
exportações das commodities minerais – com destaque para o ferro que representa 35% da
carga movimentada – e agrícolas – em particular a soja – num contexto marcado por um
aumento da demanda na China e nos países emergentes. Oito produtos transportados a granel
representam dois terços da movimentação de mercadorias141. A movimentação de carga geral
também progrediu sob o impulso dos produtos siderúrgicos (internacionalização das empresas
brasileiras) e dos contêineres. Neste caso, a explicação reside nas crescentes exportações e
importações de manufaturados e no papel das firmas industriais cujas cadeias produtivas
participam de maneira mais efetiva do espaço global de fluxos.

A dinâmica regional do sistema portuário apresenta tendências relevantes que


podemos relacionar tanto ao processo de formação do território brasileiro quanto à
reestruturação atual dos espaços econômicos mundial e nacional. Vale, em primeiro lugar,
lembrar que o Brasil conta com um grande número de portos marítimos distribuídos nos seus
8.600 quilômetros de litoral e com alguns portos fluvio-marítimos que recebem navios de
longo curso (Belém, Vila do Conde, Santarém, Manaus, Itacoatiara, etc.). A dispersão
geográfica do sistema portuário nacional encontra então suas origens nas dimensões
continentais do país, mas também nas especificidades da estrutura territorial cuja formação foi
marcada por uma sucessão de ciclos econômicos regionalmente definidos (FURTADO,
2000).

Ao longo do litoral surgiram, assim, instalações portuárias cuja atividade foi


ligada a uma hinterlândia especializada no fornecimento de determinado bem ao mercado
europeu. A incapacidade das autoridades de promulgar uma política nacional explica que cada
porto tenha se posicionado não dentro de um sistema integrado, mas sim em relação a sua área
de mercado específica. Do seu lado, a função de etapa na navegação de cabotagem era, ao

141
Minério de ferro, petróleo e derivados, soja e farelo, bauxita, açúcar, fertilizantes (ANTAQ, 2008).
mesmo tempo, estratégica para um país sem estradas longitudinais e residual devido à baixa
densidade das interações entre os principais núcleos de povoamento, situação que favoreceu
uma concentração dos tráfegos em poucas cidades-porto inseridas no sistema mundial e que
atuavam também como pivôs alimentados em fluxos menores por portos de segunda linha.

Tabela 1: Participação dos principais portos no comércio exterior brasileiro, em 1905.


Porto % das exportações % das importações
Santos 39 17
Rio de Janeiro 19 39
Belém 12 10
Salvador 8 6
Recife 2,5 10
Fonte: Vidal, 1998.

A hierarquia portuária de 1905 é um retrato bastante fiel da sucessão de ciclos


que definiu em épocas diferentes a posição dos portos: o posicionamento de Recife e Salvador
ilustra o papel doravante secundário dos portos do açúcar; Belém se beneficia dos últimos
momentos do ciclo da borracha, enquanto o Rio de Janeiro perde espaço para Santos na
medida em que São Paulo desponta como maior centro econômico do país. Observamos
também a feição específica do porto fluminense que desde a instalação da Corte transformou-
se em centro importador de manufaturados europeus. Por sua parte, Santos, responsável por
cerca de 40% do comércio exterior, ocupa o topo da hierarquia na fase que corresponde ao
auge do ciclo do café e à aceleração do processo de industrialização de sua hinterlândia
regional, momento simbolizado pela construção de um porto moderno indispensável à
inserção do Estado de São Paulo nos circuitos do capitalismo moderno (ARAÚJO FILHO,
1969).

Nas décadas seguintes a Geografia portuária continuou evoluindo em função da


reestruturação do território brasileiro, cujas linhas de força sofrem o efeito da transição do
modelo primário-exportador para um modelo urbano-industrial e da expansão de dois setores
econômicos tradicionais, a agricultura e a mineração. Nos anos 1960, a movimentação total
das cargas quase dobrou sob o efeito do crescimento econômico e da expansão do mercado
das commodities. As exportações do complexo soja ―deslancharam‖, como ilustra o
dinamismo de Rio Grande e Paranaguá que recebem grão e farelo do Sul do país onde a
agricultura moderna se desenvolve. No Sudeste, o fenômeno marcante é a constituição de uma
fachada portuária capixaba cuja atividade é relacionada às exportações de ferro do
quadrilátero ferrífero e ao crescimento industrial de Minas Gerais.

Por seu lado, a expansão da movimentação de cargas no Rio de Janeiro decorre


em grande parte da evolução do segmento granel e dos produtos siderúrgicos. Enfim, Santos
continua no topo da hierarquia quanto consideramos o valor das cargas, revelando uma
tendência relevante: o desenvolvimento paralelo dos terminais especializados no transporte de
produtos volumosos e de baixo valor unitário, e dos portos generalistas urbanos onde cresce o
segmento dos produtos manufaturados, cujo valor agregado é superior. A evolução da
hierarquia portuária ilustra a tendência em curso a partir dos anos de 1960.

Figura 1: Movimentação de cargas nos principais portos brasileiros, entre 1996 e 2007.

Fonte: ANTAQ, Companhias Docas, Ministério dos Transportes. Elaboração: Erika Ribeiro Souza e Frédéric
Monié/GEOPORTOS.

A figura retrata em primeiro lugar o dinamismo dos portos especializados na


movimentação de granéis líquidos e sólidos. O fato de somente doze produtos representar
80% da operação total em volume ilustra uma tendência à especialização relacionada ao duplo
processo de internacionalização e expansão dos mercados de produtos agrícolas e das
commodities minerais. A agricultura voltada para exportação se modernizou e apresenta
elevados níveis de produtividade, alcançados através da inovação técnica, da introdução de
novos métodos gerenciais e da transformação da Geografia da produção em que se destacam
as áreas de cerrado (grãos) e os polígonos de irrigação do Nordeste (frutas tropicais) (ADÃO
BERNARDES, 2005; ELIAS; PEQUENO, 2006). Estas dinâmicas espaciais colocaram a
agricultura moderna diante de novos desafios em termos de escoamento da produção, em
particular no que diz respeito à soja do Centro Oeste produzida a distâncias crescentes dos
portos exportadores tradicionais142 e em regiões onde a malha de transporte é precária e pouco
capilar (CASTILLO, 2007; MONIÉ, 2007).

A perda parcial da competitividade durante as operações de transporte suscitou


iniciativas de criação de novos corredores desembocando em cidades-porto da Amazônia e do
Nordeste. Podemos, por exemplo, ressaltar o caso do Grupo Maggi que através de sua filial
Hermasa S.A usa um terminal fluvial em Porto Velho a partir do qual a soja é transportada
pelos rios Madeira e Amazonas até as instalações de Itacoatiara. Por sua parte, a Cargill
investiu num terminal em Santarém, apostando no asfaltamento da BR-163 e na posição de
entroncamento rodo-fluvial da cidade que permitiria o escoamento da produção de grão do
eixo Nova Mutum-Sorriso e da área de cerrado local.

Diante do atraso nas obras a firma mudou suas estratégias territoriais em


benefício da rota fluvial Madeira-Amazonas que permite escoar soja produzida no Oeste de
Mato Grosso e em Rondônia até os mercados externos via Santarém. O porto de Itaqui
desponta também como alternativa para os produtores de grãos de Piauí, Tocantins e
Maranhão. Nesse caso, o ator central não é mais uma trading do setor e sim a operadora
logística Vale que busca diversificar sua carteira de clientes. O projeto de Ferrovia Norte Sul
é estratégico para a firma que poderá, entre outros, transportar soja das áreas citadas e do
Leste de Mato Grosso. A integração das estradas de ferro Norte-Sul e Carajás transformaria
Itaqui em centro de exportação de soja.

No que diz respeito à exportação de commodities minerais a Geografia


portuária foi marcada pela consolidação da posição de Itaqui, relacionada ao desenvolvimento
das atividades da Vale em Carajás, e pela ascensão dos terminais de Itaguaí na baia de
Sepetiba. Em 2009, foi também anunciada a construção de terminais pelo grupo MMX em
diversos estados, mas a conjuntura mundial temporariamente desfavorável, os conflitos

142
O município de Sorriso no centro norte de Mato Grosso localiza-se, por exemplo, a cerca de 2.000
quilômetros do porto de Santos.
socioambientais nas áreas preteridas pela corporação e problemas específicos a holding
deveriam adiar alguns destes projetos. A Geografia portuária da exportação do minério de
ferro deveria, assim, permanecer estável a médio e curto prazo.

O mercado dos graneis sólidos ilustra então o papel central das corporações no
re-ordenamento do território brasileiro e de sua base produtiva, com destaque para regiões
periféricas apresentando um baixo nível de inserção nos circuitos do capitalismo moderno. As
estratégias territoriais dos grupos almejam a re-funcionalização de regiões inteiras, como
ocorreu nos cerrados do Centro Oeste e na Amazônia oriental 143. Os investimentos foram em
geral acompanhados pela aplicação de recursos em infra-estruturas de transporte que
―desenharam‖ eixos ligados a terminais portuários equipados em armazéns e esteiras de
carregamento. O conjunto das operações ilustra claramente o ―efeito túnel‖ de corredores-
fronteira que interagem pouco com as regiões atravessadas (NUNES COELHO, 2008). As
ilhas do arquipélago produtivo de commodities formam então um espaço das operações
(VELTZ, 2002) espacialmente fragmentado e integrado por infra-estruturas, cujo efeito
desenvolvimentista em escala regional e local é inversamente proporcional à retórica que
justifica os empreendimentos (OFFNER, 1993). Por essa razão, a escala de ação global das
corporações transforma as cidades que abrigam suas instalações em espaços de transbordo
dentro de territórios logísticos off shore. Mesmo se os volumes manipulados nesses terminais
impressionam – 100 milhões de toneladas de minerais em Tubarão – cabe lembrar que se trata
de fluxos de baixo valor agregado que participam relativamente pouco na formação da riqueza
nacional e não abrem perspectivas de desenvolvimento territorial.

Em contrapartida, a evolução do tráfego de contêineres traduz de maneira mais


fiel o grau de desenvolvimento das economias e das sociedades, como ilustra a evolução deste
mercado nas últimas décadas. Vale notar que este mercado se expandiu muito desde os anos
de 1960, primeiro no Atlântico Norte depois na Bacia do Pacífico, onde a Ásia Oriental já é
responsável por mais da metade do tráfego mundial. Mesmo se a expansão do mercado
alcançou todas as regiões do mundo inseridas na globalização, o hemisfério sul continua
ocupando uma posição periférica nas redes de transporte conteinerizado. No Brasil, apesar de
contínuo, o crescimento deste mercado foi inferior à média mundial.

143
A especialização produtiva em commodities pode ser passageira, como demonstram os casos de
Rondonópolis ou do eixo Nova Mutum-Sorriso no Mato Grosso, que se consolidam progressivamente como
pólos industriais graças a investimentos em setores como o maquinário agrícola, a produção de bens
alimentares, etc.
Figura 2: Evolução da movimentação de contêineres nos principais portos brasileiros.

Fonte: ANTAQ. Elaborado por Erika Ribeiro Souza e Frédéric Monié/GEOPORTOS.

A localização no Sudeste e no Sul de oito entre os dez primeiros portos deste


ranking é logicamente o reflexo da distribuição espacial do parque industrial e das bacias de
consumo144. A concentração dos fatores de produção nessas regiões intensificou-se a partir
dos anos de 1950 quando as firmas procuravam as economias de aglomeração propiciadas por
espaços metropolitanos conectados ao território nacional pelas redes de transporte e
telecomunicações modernas. A partir dos anos de 1970, a dinâmica regional do investimento
industrial evoluiu sem que a primazia do Centro Sul seja contestada. A flexibilização
defensiva (LEBORGNE; LIPIETZ, 1994) marcada pela re-alocação de atividades intensivas
de mão-de-obra para o Nordeste; os investimentos recentes do setor agro-alimentar no Centro
Oeste ou a instalação de unidades de montagem de automóveis em estados sem grande
tradição industrial, não alteraram significativamente o padrão de concentração herdado do
período desenvolvimentista.

144
Os portos dessas duas regiões são responsáveis por cerca de 90% do tráfego de contêineres (TEU) no país.
Num estudo realizado nos anos de 1990, Pacheco (1996) mostrou que a
desconcentração espacial da indústria ocorreu essencialmente em escala intra-regional, dentro
de um polígono Belo Horizonte, Maringá, Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, São José dos
Campos. Desde então, investimentos no Vale do Paraíba, na Bacia de Sepetiba/RJ e no
Espírito Santo ampliaram um pouco os limites deste espaço sem reverter o caráter
concentrado do processo de desconcentração do parque industrial. Na medida em que os
contêineres transportam essencialmente produtos manufaturados e semimanufaturados, a
hierarquia dos tráfegos é dominada por plataformas cuja hinterlândia preferencial localiza-se
então dentro deste polígono.

Maior porto do subcontinente, Santos drena fluxos da macro-metrópole e do


interior paulista, além dos estados que constituem sua área de influência tradicional
(CAMPOS NETO, 2006). Por sua parte, os equipamentos portuários do Sul registraram um
aumento da movimentação de contêineres que acompanhou o desenvolvimento industrial
regional e a crescente abertura comercial das áreas meridionais do polígono. Alguns portos
conseguiram também ampliar sua hinterlândia além dos seus limites tradicionais, como Itajaí
que capta fluxos de bens agro-alimentares frios e congelados no Centro Oeste. No Sudeste, os
portos de Itaguaí e Vitória realizam a movimentação de cargas de firmas, principalmente, do
Estado de Minas Gerais.

A análise da evolução recente da Geografia portuária brasileira confirma então


uma tendência observada na escala sul-americana: os tráfegos crescem, mas o ritmo do
crescimento é inferior à média mundial, em particular no que diz respeito à movimentação de
contêineres que constituem o segmento ―nobre‖ do transporte marítimo e oferecem
possibilidades de geração de emprego e atividades nos espaços de interface.

UMA MODERNIZAÇÃO INCOMPLETA

A modernização do sistema portuário se traduziu então por um aumento de seu


nível de competitividade. No entanto, a ação pública e os investimentos foram caracterizados
por um viés ainda predominantemente setorial, funcionalista e segregador do ponto de vista
da relação entre o equipamento portuário e o território urbano (COCCO; SILVA, 1999;
MONIÉ; VIDAL, 2006). O aumento da produtividade circulatória (ROCHA DOMINGUES,
2001). O termo produtividade continua sendo o objetivo maior dos atores do setor que
privilegiam a competitividade do espaço das operações sem necessariamente pensar a relação
cidade-porto de maneira inovadora. Ou seja, a possibilidade de transformar as plataformas
portuárias em ferramentas a serviço do desenvolvimento do território metropolitano e/ou
regional permanece em geral ignorada. Vários fatores dificultam a discussão de um novo
―paradigma portuário‖. Em primeiro lugar, a globalização é ainda apreendida como uma nova
etapa da internacionalização da economia cuja conseqüência principal seria uma simples
mudança de escala do comércio, do espaço nacional para o espaço mundial. Esta
representação estimulou as autoridades locais e nacionais a investir nas portas de entrada
aeroportuárias, teleportuárias ou portuárias que seriam os vetores da inserção competitiva na
globalização.

Nas cidades marítimas, a extração definitiva do porto do tecido urbano é assim


apresentada como condição absoluta para a captação dos fluxos de cargas, turistas e
investimentos. As novas exigências do transporte marítimo e do turismo condenariam os
portos urbanos: acessibilidade terrestre precária, canal de acesso e área retro-portuária não
adaptados ao gigantismo dos navios, atividades impactantes sobre o meio-ambiente e
radicalidade dos conflitos de uso são os argumentos mais comumente avançados. A extinção
da atividade portuária também seria benéfica, pois permitiria atrair turistas – navios de
cruzeiro – e consumidores de equipamentos culturais e de lazer em waterfronts, simbolizando
uma relação renovada entre a cidade e a água. A solução consistiria então na construção de
plataformas em meio extra-urbano, ao exemplo dos investimentos aplicados em Pecém, Suape
ou Itaguaí.

A reprovação aos portos urbanos é ilustrativa de uma retórica, a nosso ver,


contestável. Em primeiro lugar, a incompatibilidade entre a dimensão produtiva do porto e as
oportunidades que surgem na frente de água é contestada, por exemplo, de metrópoles que
investem conjuntamente nos dois campos – Barcelona, Valência, Amsterdã, Miami,
Valparaiso, etc. Em segundo lugar, a superação do padrão técnico-operacional dos portos
brasileiros ante as exigências dos integradores logísticos globais deve ser relativizada. O
volume de recursos aplicado na modernização de portos que figuram entre os maiores e mais
competitivos do mundo sinaliza que todos os equipamentos portuários mundiais requerem
investimentos constantes diante dos crescentes problemas de acessibilidade, disponibilidade
de amplas áreas retroportuárias, etc. Mas, nestas aglomerações os necessários ajustes aos
padrões técnicos impostos pelo transporte marítimo não são motivos de condenação dos
portos urbanos. Em terceiro lugar, condenar portos brasileiros argumentando que eles não
podem receber porta-contêineres gigantes revela a dificuldade de contextualizar o país dentro
do Sistema Marítimo Portuário Mundial, em que este tipo de navio só circula no hemisfério
norte, que abriga as maiores bacias de produção e consumo.

Enfim, diversos autores ressaltam a centralidade das metrópoles no espaço


econômico global, onde elas atuam não só como centros de comando, mas também como
territórios produtivos responsáveis pela maior parte do PIB mundial (VELTZ, 1999;
SASSEN, 1998; STORPER, 2004). Entre elas, as cidades marítimas abrigam atividades de
alto nível, funcionam como espaços de comando, organização e gestão das redes globais e
como lugares de produção usando suas portas de entrada para fazer transitar e valorizar os
fluxos comerciais (BAUDOUIN, 1999; MONIÉ; VIDAL, 2006). Algumas delas aproveitam
assim sua situação litorânea, sua posição nas redes produtivas e os recursos específicos do
território urbano para transformar seus equipamentos portuários em vetores de
desenvolvimento. O Randstad Holland, o Pearl River Delta chinês, Xangai, Antuérpia ou
ainda Barcelona são exemplos de cidades-região e metrópoles que valorizam estes trunfos e
apostam na logística como ingrediente do desenvolvimento (COLLIN, 2003).

Neste caso, a estratégia das autoridades e dos atores privados consiste numa
análise prévia da forma de inserção da cidade na esfera mundial de produção multilocalizada,
montagem, transporte e distribuição final que caracteriza a era da integração produtiva
(MONIÉ, 2003). O esforço de contextualização é imprescindível para delimitar suas
potencialidades logísticas. Em seguida, as cidades-porto citadas definem políticas públicas de
desenvolvimento, em que os portos constituem uma das ―ferramentas‖ a serviço da expansão
das atividades logísticas, comerciais e industriais. Ao exemplo das dinâmicas observadas nos
distritos industriais, pólos tecnológicos, arranjos produtivos locais ou meios inovadores, a
valorização dos recursos territoriais constitui a chave do sucesso dos espaços ganhadores
(BENKO; LIPIETZ, 1994).

O uso conjunto dos recursos técnicos (o porto) e dos recursos produtivos da


cidade (serviços, P&D, negócio e indústria) ―desenha‖ a transição da cidade-porto, voltada
para o trânsito das mercadorias, para a cidade portuária que constrói um novo paradigma
portuário e logístico, em que a fixação de valor agregado é um objetivo central. A produção
de riqueza acontece quando o fornecedor do serviço supera a função de transporte tradicional
e gera, segundo Guillaume (2008), ―sinergias entre fluxos de origem e de destino diferentes
(efeitos de redes), entre as etapas de elaboração de um produto (efeitos de cadeias) ou a
mercantilização deste produto (efeitos de mercado)‖. Concretamente, os contêineres contém
subsistemas, peças, componentes destinados aos centros de montagem continentais ou
regionais que as cidades portuárias mercantilizam, mobilizando serviços à produção, além de
operações clássicas relacionadas à economia dos transportes (MONIÉ; VIDAL, 2006).

Mas, apesar de experiências bem sucedidas ―mundo afora‖, a inserção da


variável portuária nas estratégias de desenvolvimento é globalmente secundária ou inexistente
nas metrópoles marítimas brasileiras. A força do discurso desenvolvimentista tradicional
pautado nos ―impactos estruturadores‖ dos grandes empreendimentos é ainda dominante
(DIAS, 2005) e limita freqüentemente a reflexão à melhor maneira de aumentar a
competitividade operacional do porto. Outro obstáculo reside na baixa densidade institucional
comum a ―Estados territoriais‖ (Braudel), em que imperam formas de governos e
administração centralizadores. A cultura sócio-política que privilegia a relação direta e
vertical entre os micro-corporativismos e o aparelho de Estado prejudica a busca de soluções
dos conflitos negociadas horizontalmente entre os diferentes atores.

Da mesma maneira, a ausência de cooperação inter-portuária entre cidades de


uma mesma fachada marítima oblitera a formação de pólos logísticos regionais suscetíveis de
atrair armadores que definem suas estratégias territoriais nesta escala. Ou seja, a cidade
portuária, que se distingue pela existência de um projeto incorporando o porto ao
desenvolvimento urbano, pela mobilização dos atores locais voltada para a definição de
políticas públicas integradas, por ações em prol do crescimento da atividade portuária, pela
disponibilização de parte da área portuária para o consumo da população e dos turistas e,
afinal, por uma participação expressiva do porto na geração de riqueza, emprego e trabalho,
permanece então no Brasil uma idéia nova.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atividade portuária foi historicamente decisiva para a colonização do


território brasileiro e sua inserção no sistema mundial das trocas. Na virada dos séculos XIX e
XX, quando o modelo primário-exportador alcançou seu auge, Belém, Rio de Janeiro e Santos
eram plataformas de transbordo de mercadorias, mas também importantes centros financeiros,
comerciais e de negócios. Laços estreitos ligavam porto e cidade. Nas décadas seguintes, a
industrialização transformou o sistema portuário em todas as escalas. Os portos por serem
considerados instrumentos estratégicos a serviço do projeto de desenvolvimento nacional
foram incorporados no espaço das operações do parque industrial brasileiro, segundo uma
lógica funcionalista que converteu a interface mar-terra em simples espaço de transbordo.
Neste contexto, a relação cidade-porto afrouxa-se provocando uma degradação brutal dos
bairros portuários onde desaparecem indústrias e atividades relacionadas ao negócio. Como
ilustra a administração centralizada do sistema, a reestruturação em curso foi imposta por
atores externos cuja escala de ação privilegiada era um espaço econômico nacional redefinido
pelo processo de industrialização. A tradução imediata desta dinâmica sobre a hierarquia
portuária foi a consolidação da primazia de Santos e dos portos do Centro-Sul sobre o tráfego
das mercadorias de maior valor agregado. Paralelamente, emergiram em regiões periféricas
portos sem cidades (FOULQUIER, 2008) especializados na exportação de commodities
agrícolas e minerais.

O sistema portuário da época era caracterizado por um baixo nível de


produtividade que se revelou problemático no início dos anos de 1990, quando as autoridades
brasileiras almejaram uma inserção competitiva do país nos fluxos da globalização. Mas,
apesar da reengenharia institucional promovida pela Lei de Modernização dos Portos e dos
avanços no campo operacional, as políticas públicas se limitaram em geral a modernizar as
instalações e a administração portuárias sem definir estratégias de adaptação do sistema ao
novo paradigma produtivo (COCCO; SILVA, 1999; MONIÉ; VIDAL, 2006). Por isso, a
discussão sobre a relação cidade-porto pouco evoluiu. Hoje, porto e cidade continuam
apresentados como antagônicos: a cidade seria um obstáculo à fluidez da circulação; o porto
afetaria negativamente a paisagem urbana e a qualidade de vida da população. A opção em
favor da extração das instalações portuárias de dentro do tecido urbano predomina enquanto
as políticas setoriais, vítimas de determinismo técnico, continuam voltadas para a solução de
problemas exclusivamente operacionais.

Paralelamente, segundo a ortodoxia pós-moderna, as velhas áreas portuárias


deveriam ser exclusivamente destinadas a operações imobiliárias e a usos recreativos
(HARVEY, 1989). Ou seja, as políticas públicas são ainda marcadas pelas crenças e práticas
da era industrial que era caracterizada por ―uma segmentação espacial rígida das funções e
dos empregos, deixando ao território um papel passivo‖ (VELTZ, 2002, p. 80). A alocação
vertical de recursos destinados a um espaço considerado uma base física neutra e residual
prevalece. Se, por um lado, os investimentos conferem maior agilidade no escoamento das
exportações nacionais, por outro, o papel mais ativo do território nas dinâmicas
desenvolvimentistas contemporâneas é ignorado. Por esta razão, apesar das potencialidades
abertas pela reestruturação produtiva e pela diferenciação crescente dos mercados de
consumo, nenhuma grande metrópole marítima brasileira apostou sistematicamente na
valorização integrada dos recursos do território urbano e regional e do potencial técnico-
operacional das instalações portuárias suscetível de transformar a cidade-porto em ―região
ganhadora‖.

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AGRICULTURA GLOBALIZADA E LOGÍSTICA NOS CERRADOS BRASILEIROS

Ricardo Abid CASTILLO


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Campinas/SP
castillo@ige.unicamp.br

INTRODUÇÃO

A profunda transformação pela qual têm passado vastas áreas do território


brasileiro a partir dos anos de 1970, com a expansão de uma agricultura intensiva obediente à
lógica dos mercados internacionais de commodities em porções do chamado Grande Cerrado
do Brasil Central (DINIZ, 2006), deve-se a uma combinação de fatores internos (regionais e
nacionais) articulados a fatores externos, sintetizados pelo ideário da globalização.

Compreendida como a designação do período histórico atual (SANTOS, 1996),


a chamada globalização resulta do novo paradigma produtivo e regulatório (BENKO, 1996;
HIRST; THOMPSON, 1998), exigente de uma nova Geografia, fundada na acelerada
expansão e modernização das redes de fluxos materiais e informacionais e no aprofundamento
da divisão territorial do trabalho, traduzida na especialização regional produtiva. A gradativa
mundialização da produção, da prestação de serviços e do consumo, pelo menos para alguns
setores e circuitos econômicos e a unicidade planetária das finanças também são insígnias da
globalização.

Junto a esse ideário, emerge com muita força e difunde-se rapidamente o


sentencioso da competitividade que, pouco a pouco, deixa de ser um emblema somente das
empresas, perpassa toda a sociedade e torna-se também um atributo dos lugares, das regiões e
dos territórios145.

Duas manifestações geográficas indissociáveis emergem nesse contexto: a)


uma forma regional adaptada à produção globalizada e; b) uma forma de circulação
instrumentalizada por refinadas estratégias organizacionais e meios materiais performantes.
Região competitiva e logística traduzem a dimensão geográfica da globalização, mas
coexistem com formas anteriores. Desse embate entre uma lógica das redes e uma lógica dos

145
Diversos autores da Geografia e da Economia Regional têm chamado a atenção para a idéia de
competitividade associada à produção globalizada (SANTOS, 1996), à desintegração competitiva dos territórios
nacionais (BACELAR, 2000) e à nova lógica de localização das atividades econômicas, o neolocalismo
competitivo (VAINER, 2007).
territórios, resultam ilhas de eficiência produtiva, obedientes a parâmetros internacionais de
qualidade e custos, e também corredores de fluidez material, em meio à viscosidade de vastas
áreas, nas quais a mobilidade é precária ou mesmo inexistente.

Diante disso, nosso propósito nesse artigo é duplo: a) discutir as noções de


região competitiva e logística, compreendidas como expressões geográficas, respectivamente,
da produção hegemônica e da circulação corporativa na globalização, coexistindo com outras
formas, agora hegemonizadas ou marginalizadas, de produzir e circular e; b) analisar a
consolidação da agricultura científica globalizada em porções do Cerrado como uma
manifestação típica dessas expressões geográficas no território brasileiro.

Na ordem inversa dos propósitos mencionados acima, começamos pela análise


da situação concreta da expansão da agricultura moderna em áreas do Cerrado. Identificadas
as características regionais e a demanda por fluidez corporativa, passamos a discutir as idéias
de região competitiva e logística como designativos das maneiras pelas quais o velho embate
entre regiões e redes se manifesta no território brasileiro hoje. Por fim, avaliamos brevemente
as implicações dessa situação nas formas de regulação e planejamento federais através da
análise dos Planos Plurianuais, do Programa de Aceleração do Crescimento e do Plano
Nacional de Logística e Transportes.

A CONSTITUIÇÃO DA AGRICULTURA CIENTÍFICA GLOBALIZADA EM


ÁREAS DO CERRADO

Nas quatro últimas décadas, o Brasil assiste a uma acelerada modernização e


crescimento da produção de commodities agrícolas, numa porção do território que, até então,
tinha somente uma unidade natural, conhecida como Domínio Morfoclimático dos Cerrados
(AB‘SÁBER, 1977) ou, simplesmente, Bioma Cerrado.

Para além de um espaço natural (ISNARD, 1982) e de uma tradicional


diversidade de usos (pequena produção familiar em fundos de vale, usos coletivos ou
comunitários da cobertura vegetal original, urbanização incipiente), o termo Cerrado evoca,
hoje, uma unidade geoeconômica, baseada numa agricultura científica globalizada (SANTOS,
2000), moldada por parâmetros internacionais de competitividade, em grandes propriedades.

Em sua primeira fase, a modernização da agricultura brasileira contou com


forte apoio do Estado através de subsídios, sistema oficial de crédito agrícola, políticas de
internalização de indústrias à montante da produção (química e de maquinário), incentivos
para a expansão da fronteira agrícola moderna em áreas de Cerrado e investimentos em
transporte rodoviário, nas décadas de 1960 e 1970, possibilitando a geração de verdadeiros
Complexos Agroindustriais (MAZZALI, 2000; SILVA, 1998) em vários setores,
aproximando a agricultura da indústria, reformulando a base técnica produtiva no campo e
possibilitando a ampliação dos circuitos espaciais de alguns produtos, particularmente a
soja146. Predomina nesse período um ideário de desenvolvimento atrelado à idéia de que o
crescimento econômico conduz, necessária e automaticamente, ao bem estar social geral.

Desde meados da década de 1980, a crise fiscal do Estado, num contexto de


transição do paradigma produtivo (BENKO, 1996; HARVEY, 1993) e emergência do
discurso e da prática do neoliberalismo (FIORI, 2001), põe fim a esse modelo e abre a
possibilidade para uma nova regulação. O papel articulador, antes exercido quase que
exclusivamente pelo Estado, vai sendo compartilhado com grandes empresas agroindustriais e
tradings, nacionais e estrangeiras.

Os anos de 1990 são marcantes na consolidação dessa situação no Brasil, cujos


alicerces são reforçados com a adesão, ainda que parcial, ao Consenso de Washington e às
políticas econômicas e territoriais que dele decorrem. A agricultura moderna nos Cerrados vai
ganhando cada vez mais peso no Produto Interno Bruto do setor e geral e, ainda mais
significativo, o superávit da balança comercial brasileira vai se tornando cada vez mais
dependente da exportação proveniente desta porção do território.

Aos poucos, o ideário de desenvolvimento, predominante no período anterior,


vai sendo substituído por dois conceitos opostos e contraditórios: por um lado, o
desenvolvimento sustentável147 e, por outro, a competitividade148, preconizando mais

146
Desde o final dos anos de 1950, a reformulação das bases técnicas da agricultura e o aumento da produção e
da produtividade agrícolas tornaram-se um imperativo político e econômico, num contexto de extrema
concentração fundiária, desigualdades sociais, atraso tecnológico, aumento da demanda por alimentos e
matérias-primas (acelerada industrialização e forte crescimento urbano) e intensificação das lutas sociais no
campo. Nesse contexto, o Estado se encarrega de financiar e articular os agentes diretamente envolvidos na
produção agrícola e agroindustrial, através de uma série de ações, entre elas, a implementação do crédito oficial
(1965) atrelado a um programa de modernização do tipo Revolução Verde. Com isso, perdeu-se a oportunidade
histórica de promover a reforma agrária, que poderia ter servido de base para o encaminhamento das graves
questões agrícola e agrária (SILVA, 1998) no país, optando-se pelo investimento no desenvolvimento das forças
produtivas em detrimento da justiça social no campo. Esse conjunto de ações ficou conhecido como
modernização conservadora, isto é, a solução da crise agrícola levando ao agravamento da crise agrária.
147
A idéia de desenvolvimento sustentável emerge do reconhecimento de que a percepção linear de
desenvolvimento, difundida no pós-guerra durante o fordismo nos países centrais, não poderia mais servir de
base para as políticas de ―ajuda‖ do Banco Mundial aos países pobres, uma vez reconhecidos os limites dos
recursos naturais do Planeta. Para uma crítica contundente a essa noção e às políticas dela decorrentes, ver Porto
Gonçalves (2006).
148
A competitividade é uma forma de produzir a custos cada vez menores e obedecendo a padrões
internacionais de qualidade, alcançados pela super-exploração da força de trabalho, pelo uso indiscriminado dos
Mercado e menos Estado como forma de regulação da produção lato sensu. Outro emblema
desse período é a consolidação de uma urbanização funcional à agricultura intensiva, de um
―Brasil agrícola com áreas urbanas‖ (SANTOS, 1993), expressando-se naquilo que Elias
(2007) chamou de ―cidades do agronegócio‖.

Em suma, o Estado, que no primeiro momento de modernização agrícola, agia


diretamente na produção, passa a atuar, sobretudo, mas não exclusivamente, na esfera da
circulação ou da logística, através do planejamento, de investimentos materiais diretos e da
regulação (agências reguladoras setoriais e concessões simples, patrocinadas e
administrativas). Constitui-se, assim, a singular situação decorrente da imposição de uma
racionalidade globalizada a um espaço de poucas rugosidades, isto é, de baixas densidades
técnicas, menos afetado por heranças geográficas e mais dócil à instalação dos capitais mais
modernos.

A expansão e a consolidação de fronteiras agrícolas modernas em áreas de


Cerrado acabaram por transformar uma vasta e cada vez maior porção do território brasileiro
numa ―voraz‖ consumidora de insumos químicos e numa produtora de enormes massas
agrícolas, principalmente grãos, de baixo valor agregado e distante dos principais centros
consumidores do país e dos portos exportadores, exercendo enorme pressão sobre os sistemas
de transporte, armazenamento, distribuição, comunicação, equipamentos e serviços
especializados urbanos e rurais. A resposta a essa ―atropelada‖ demanda por fluidez pode ser
sintetizada na idéia de logística que, hoje, mobiliza a totalidade do território brasileiro e
orienta planos, programas e o planejamento nas diversas escalas de enquadramento territorial
da ação política.

REGIÃO COMPETITIVA E LOGÍSTICA COMO EXPRESSÕES GEOGRÁFICAS


DO PERÍODO ATUAL

A situação descrita acima tem causado perturbações nas noções tradicionais de


região e de rede. De sua análise, decorre a constatação teórica da limitação do alcance
explicativo de conceitos geográficos surgidos em momentos históricos anteriores e, em
conseqüência, o reconhecimento da operacionalidade de propostas de renovação para

recursos naturais (vantagens comparativas) e pela criação de condições materiais e organizacionais


(aprofundamento da especialização regional), ainda que isso não traga nenhum benefício para as populações
locais.
apreender as principais variáveis do atual período, tal como em Santos (1988, 1994),
particularmente em relação às idéias de formação regional e circuito espacial produtivo.

De nossa parte e com base na expansão da agricultura intensiva em áreas de


Cerrado, propomos considerar os conceitos de região competitiva e logística, compreendidos
de forma indissociável, como as expressões geográficas, respectivamente, da produção
―obediente‖ a parâmetros internacionais de qualidade e custos e da circulação corporativa.

Alguns autores149 consideram um disparate atribuir ao espaço a qualidade de


competitivo (que caberia somente às empresas ou aos produtos). Essa posição decorre de uma
compreensão limitada do que vem a ser o espaço. A partir de uma concepção mais substantiva
de espaço geográfico (ISNARD, 1982; SANTOS, 1996), depreende-se que a distribuição
desigual de densidades materiais e normativas no território confere diferentes graus de
competitividade às regiões e, por conseguinte, a alguns agentes produtivos que nelas atuam e
que delas fazem parte150. Esse tem sido, aliás, o fundamento lógico e prático dos decantados
Arranjos Produtivos Locais, clusters e congêneres, cuja profusão, com o apoio de poderes
públicos locais, é notória, trazendo benefícios duvidosos para os lugares e prejuízos certos
para o conjunto do território e da sociedade nacionais, como bem apontaram geógrafos
(SANTOS, 1996) e economistas (BRANDÃO, 2007), ao mesmo tempo em que se revelam
funcionais ao regime de acumulação vigente.

Quanto à idéia de logística, preferimos, por ora, não aderir à proposta de Ake
Andersson (1986), para quem a História conheceu quatro revoluções logísticas, tendo a
primeira ocorrido na Baixa Idade Média. A nosso ver, essa teoria dilui a força que o conceito
pode ter como variável–chave do período técnico-científico-informacional (SANTOS, 1994).
Como o nosso propósito é buscar operacionalidade para esse conceito, ainda que ao custo de
uma manipulação que pode ser considerada reducionista, restringimos seu alcance temporal e
espacial, empregando o termo para designar a manifestação hegemônica da circulação no
período histórico atual, como ação exclusiva das empresas do circuito superior da economia
(SANTOS, 1997).

149
Por exemplo, Wilson Cano, no prefácio ao livro de Brandão (2007).
150
Santos (1996, p. 197) propõe a idéia de produtividade espacial: ―Os lugares se distinguiriam pela diferente
capacidade de oferecer rentabilidade aos investimentos. Essa rentabilidade é maior ou menor, em virtude das
condições locais de ordem técnica (equipamentos, infra-estrutura, acessibilidade) e organizacional (leis locais,
impostos, relações trabalhistas, tradição laboral). Essa eficácia mercantil não é um dado absoluto do lugar, mas
se refere a um determinado produto e não a um produto qualquer‖.
FORMAÇÃO DE REGIÕES COMPETITIVAS AGRÍCOLAS

O conceito de região competitiva deriva diretamente da idéia de coesão


regional decorrente de vetores externos e fundamentada em arranjos organizacionais
(SANTOS, 1994)151. Trata-se de um compartimento geográfico caracterizado pela
especialização produtiva152 (rural e urbana) ―obediente‖ a parâmetros externos (em geral
internacionais) de qualidade e custos. Essas porções do espaço geográfico reúnem condições
materiais (naturais e/ou técnicas) e organizacionais (leis, formas locais de cooperação,
impostos, instituições regionais públicas e privadas, etc.) capazes de conferir maior
rentabilidade a determinados produtos ou segmentos produtivos.

O arranjo entre essas duas categorias de condições distingue cada porção do


espaço, segundo sua capacidade de oferecer rentabilidade aos investimentos em um dado sub-
setor econômico. Assim, a competitividade deixa de ser apenas um atributo das empresas e
passa também a se expressar em frações do espaço.

Essas regiões, preferencialmente, são as que atraem os investimentos públicos


e privados, transformando grandes porções do território em áreas de exclusão. A Tabela 1 dá
uma idéia, ainda que simplificada, do grau de concentração espacial de alguns produtos
agrícolas, para o conjunto do território brasileiro.

Tabela 1: Brasil – concentração da produção agrícola, em 2005.


Quantidade de municípios UF de maior Região de maior participação
participação
Produto 10% 25% 50% UF % Região %
Algodão herbáceo 2 4 15 MT 36,6 CO 63
Soja 4 16 69 MT 34,7 CO 56
Cana-de-açúcar 12 41 124 SP 60,2 SE 69
Arroz 4 12 49 RS 46,2 S 55
Laranja 2 7 21 SP 80,4 SE 84
Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal. Organização: Ricardo Castillo e Vitor Vencovsky.

151
―Na definição atual das regiões, longe estamos daquela solidariedade orgânica que era o próprio cerne da
definição do fenômeno regional. O que temos hoje são solidariedades organizacionais. As regiões existem
porque sobre elas se impõem arranjos organizacionais, criadores de coesão organizacional baseada em
racionalidades de origens distantes, mas que se tornam o fundamento da existência e da definição desses
subespaços‖ (SANTOS, 1994, p. 57).
152
A competitividade regional (GIORDANO, 2005) está relacionada à especialização regional produtiva, isto é,
a reunião de fatores produtivos e de características particulares numa determinada porção do território, de modo
que, dificilmente, vários setores distintos podem coexistir de forma competitiva na mesma região.
Quando se constata que o território brasileiro possui 5.564 municípios (IBGE,
2005), pode-se ter uma idéia mais concreta do aprofundamento da divisão territorial do
trabalho, para alguns setores da atividade agrícola.

Pode-se observar, para a safra 2005/2006, que apenas dois municípios (no
Mato Grosso) são responsáveis por 10% de todo o algodão herbáceo produzido no Brasil e a
produção mato-grossense responde por quase 37%; o Rio Grande do Sul produz quase a
metade de todo o arroz brasileiro; o Estado de São Paulo responde por mais de 80% da
produção de laranja e de suco concentrado congelado de laranja e assim é com diversos outros
produtos. As regiões sojícolas mato-grossenses de Sapezal e Campo Novo dos Parecis, na
Chapada dos Parecis; Lucas do Rio Verde, Sorriso e Sinop, no eixo da BR 163; e ainda as
regiões de Barreiras (Oeste da Bahia), Balsas (Sul do Maranhão), Uruçui (Sul do Piauí),
Vilhena (Sudeste de Rondônia), entre outras, são exemplos de regiões funcionais
especializadas, situadas em áreas de Cerrado.

Essa produção, concentrada em algumas manchas das fronteiras agrícolas


consolidadas, deve-se não somente à modernização da base tecnológica, mas também ao
tamanho dos municípios, ao tamanho das propriedades monocultoras, às inovações
financeiras, às estratégias de comercialização, à presença de grandes corporações que
dominam parte considerável do circuito espacial produtivo e atuam de forma decisiva em
diversos elos dos círculos de cooperação que se estabelecem.

Em suma, pode-se dizer da região competitiva que:

 Resulta da combinação de competências técnicas locais com interesses políticos e


econômicos distantes. Trata-se daquilo que Santos (1996) caracterizou como a separação
espacial entre a parcela técnica e a parcela política da produção ou entre lugares que
produzem massa e lugares que produzem fluxos;
 É tanto competitiva quanto vulnerável, uma vez que sua economia se baseia em
monoculturas e em commodities;
 Distingue-se de outras formas regionais (região histórica, região de planejamento),
estabelecendo-se aí um outro cimento regional, uma outra forma de solidariedade (SANTOS,
1994; CASTILLO, 1997);
 É fator de fragmentação territorial (VAINER, 2007), na medida em que se isola de seu
entorno imediato e recebe investimentos públicos e privados em detrimento das áreas
adjacentes e do conjunto do território nacional, formando ilhas de competitividade
(BACELAR, 2000);
 Tem pouca autonomia (decisória, financeira, científica, etc.).

Poder-se-ia considerar, com a ajuda da estatística, a possibilidade da


formulação de um índice de competitividade do agronegócio dos municípios brasileiros,
observando todas as limitações e reducionismos que decorrem desse tipo de artifício
quantitativo. Dentre as variáveis importantes a ser incorporadas nesse índice, figuram a área
plantada, quantidade produzida e rendimento das culturas; a presença de agroindústrias e
equipamentos especializados rurais e urbanos; o oferecimento de serviços urbanos
especializados (comércio, assistência técnica, crédito, consultorias, serviços de transporte,
armazenamento, etc.); e perfil do emprego. Com isso, seria possível propor uma topologia e
uma tipologia (consolidadas, em formação, estagnadas, em processo de conversão, etc.) das
regiões competitivas no território nacional.

LOGÍSTICA DE PRODUTOS AGRÍCOLAS

A especialização regional produtiva implica em aumento dos fluxos materiais e


de informação. No caso das fronteiras agrícolas modernas, a busca por fluidez envolve a
totalidade do território nacional e mobiliza investimentos públicos e privados.

A logística torna-se, assim, a expressão de uma organização e de um uso do


território, voltados, na linguagem corporativa (que também é da grande mídia) para superar os
gargalos da circulação, evitar os ―apagões‖ (portuário, ferroviário, de armazenamento, etc.) e
reduzir o ―custo país‖.

Em termos conceituais, a logística, na migração do sentido militar para o


empresarial, tornou-se um termo polissêmico, empregado para designar variadas formas de
prestação de serviços, condições gerais de produção, setor de atividade econômica, ramo de
investimentos públicos, entre outras. Na tentativa de compreender o termo em sua dimensão
geográfica, propomos defini-lo, como vimos fazendo há algum tempo (CASTILLO, 2007,
2008), como o conjunto de competências materiais (infra-estruturas e equipamentos
relacionados ao transporte, armazenamento, distribuição, montagem de produtos industriais,
recintos alfandegários, etc.), normativas (contratos de concessão, regimes fiscais, leis locais
de tráfego, pedágios, regulações locais para carga e descarga etc.) e operacionais
(conhecimento especializado detido por prestadores de serviços ou operadores logísticos) que,
reunidas num subespaço, conferem fluidez e competitividade aos agentes econômicos e aos
circuitos espaciais produtivos. Trata-se da versão atual da circulação corporativa.

COMMODITY AGRÍCOLA E CIRCULAÇÃO

Por commodity, entendemos um produto primário ou semi-elaborado, mineral


ou agrícola, padronizado mundialmente, cujo preço é cotado nos mercados internacionais, em
bolsas de mercadorias. Trata-se de uma invenção não apenas econômico-financeira, mas
também política, que enfraquece e submete o produtor local – pelo menos quando se trata de
commodity agrícola – a uma lógica única ou global e a uma situação sobre a qual não exerce
nenhum controle, favorecendo os compradores ou as grandes empresas de comercialização
(tradings). A lógica das commodities opõe agentes atrelados ao lugar ou região aos agentes
que atuam em rede.

A agricultura científica globalizada, expressa de forma contundente na


produção de commodities, é regida por fatores internos e, principalmente externos, à região
produtiva, dentre os quais se pode destacar: a) um mercado abstrato e desconhecido pelos
produtores, decifrado somente pelos agentes que controlam o circuito produtivo
internacionalizado dessas mercadorias; b) a ausência de um controle local sobre os preços,
tanto dos insumos, quanto daquilo que se produz e, portanto, sobre os custos de produção (por
isso os produtores estão freqüentemente endividados); c) incertezas quanto ao crédito; d)
subordinação às grandes empresas (fornecimento de insumos, crédito, comercialização,
armazenamento e transporte) e; e) a ―invisibilidade‖ dos concorrentes, que podem estar em
qualquer lugar do mundo.

No Brasil, essa agricultura intensiva se estabelece num quadro geográfico


singular, cujas características mais gerais são: a) um território de dimensões continentais, em
posição periférica no sistema capitalista; b) desigualmente equipado em infra-estruturas e
equipamentos; c) grande concentração fundiária, particularmente na porção Centro-Oeste; d)
fundos territoriais153 (MORAES, 2002) ainda a ser ocupados, explorados e valorizados; e)
fronteiras agrícolas modernas, recentemente consolidadas e ainda em expansão, com
participação crescente na pauta de exportação do setor agroindustrial; f) obstáculos logísticos
de todos os tipos, principalmente nas regiões Centro-Oeste e Norte; g) matriz de transporte
desequilibrada em favor do modal rodoviário, pouco indicado tecnicamente para o movimento

153
Estoques de espaço de apropriação futura (MORAES, 2002) pela lógica capitalista.
de produtos de grande volume e baixo valor agregado a grandes distâncias154; h) concessões
simples, administrativas ou patrocinadas155 como solução para os problemas de infra-
estrutura; i) Estado com orçamento restrito, para o qual se deve aplicar algum critério para
eleger prioridades, em função de um ―jogo de forças‖ políticas; j) grande exportador de
commodities agrícolas e; k) enormes déficits em serviços públicos e infra-estruturas sociais
básicas.

É nesse quadro de um ―país de dimensões continentais, magnificamente


heterogêneo e tragicamente desigual‖ (BACELAR, 2008) que emergem as condições para um
crescente uso corporativo do território e assim se reproduzem e se ampliam as desigualdades
sociais e territoriais.

MODAIS DE TRANSPORTE NO TERRITÓRIO BRASILEIRO

A partir de alguns modelos teóricos mais conhecidos156, pode-se dizer que as


hidrovias e ferrovias são, idealmente, mais adequadas para produtos de grande volume e baixo
valor agregado e a longas distâncias, com perda relativa de velocidade. Segundo Caixeta-
Filho (2001), ―em condições semelhantes de carga e distância, um conjunto de barcaças
consome menos da metade do combustível requerido por um comboio ferroviário‖. De
maneira geral, o frete hidroviário é 36% mais econômico do que o ferroviário e este é cerca de
31% mais econômico do que o rodoviário. As rodovias, teoricamente, deveriam ser utilizadas
para distâncias curtas (como vasos capilares ou linhas alimentadoras), enquanto hidrovias e
ferrovias são consideradas artérias principais ou linhas tronco. Na avaliação de Ojima (2006),
―um caminhão carrega cerca de 150 vezes menos soja do que uma composição ferroviária e
cerca de 600 vezes menos do que um comboio de barcaças numa hidrovia como a do Rio
Madeira‖. Essa conclusão é ainda mais contundente no caso do transporte desses produtos a

154
Segundo especialistas em transportes e fazendo abstração de outras variáveis importantes, as Distâncias
Econômicas Universais indicam o uso do modal rodoviário para distâncias de até 500 km, do modal ferroviário
para distâncias entre 500 e 1.200 km e da hidrovia para percursos acima de 1.200 km.
155
No mecanismo de concessão, avalia-se o preço do pedágio que remuneraria a empresa (considerando-se os
dispêndios com obras, etc.) em determinado intervalo de tempo e o preço que os usuários poderiam pagar; dessa
avaliação, define-se o tipo de concessão. No caso da concessão patrocinada (Parceria Público Privada), o Estado
cobre a diferença entre o preço remunerador e o poder aquisitivo dos usuários.
156
Características dos modais de transporte (topológica, temporal e econômica), características operacionais dos
serviços de transportes (velocidade, consistência, capacitação, disponibilidade e freqüência) e distâncias
econômicas universais (PASSARI, 1999; CAIXETA-FILHO, 2001; CONTEL, 2001; ABLAS, 2003;
NAZÁRIO; WANKE; FLEURY, 2005; VENCOVSKY, 2006; OJIMA, 2006).
longas distâncias, a exemplo da produção agrícola e agroindustrial das fronteiras agrícolas do
Cerrado.

Esses modelos teóricos alimentam os discursos de racionalidade e orientam


planos, programas e políticas públicas no Brasil, nas esferas federal e estaduais, frente ao
grande desequilíbrio da matriz de transportes em favor das rodovias, que respondem por mais
de 60% do transporte de carga no Brasil (GEIPOT; ANFAVEA, 2002).

São vários os fatores que, historicamente, explicam, em conjunto, essa


situação, a começar pela opção pelo rodoviarismo, ainda na década de 1930, em detrimento
do ferroviarismo. A flexibilidade do modal rodoviário, os imperativos geopolíticos para fazer
o Estado presente em todos os pontos do território157 e manter sua integridade, as demandas
geoeconômicas das grandes empresas, o favorecimento às indústrias automobilísticas e
petrolíferas, tudo isso num país de dimensões continentais carente de infra-estruturas de
circulação e comunicação, são alguns desses fatores.

Uma série de atributos políticos e materiais da formação sócio-espacial


brasileira (SANTOS, 1977) devem ser apontados com o intuito de compreender os limites e
as possibilidades da aplicação dos modelos teóricos mencionados acima, bem como medir sua
força orientadora para alcançar maior fluidez territorial para granéis agrícolas proveniente das
regiões produtoras mais distantes dos portos exportadores:

 A circulação hidroviária sofre severas restrições de ordem física (morfologia, traçado dos
rios e nível das águas) e exige altos custos para a implantação de infra-estruturas de
intermodalidade; restrições de ordem ambiental são particularmente importantes nesse modal;

 Um simples exercício de tipologia e topologia aplicado às rodovias brasileiras leva à


imediata conclusão de que o modal rodoviário se distribui de forma profundamente desigual
no território, quantitativa e qualitativamente;

 O frete rodoviário é mantido ―artificialmente‖ baixo (COPPEAD; CNT, 2000;


ANFAVEA, 2002), devido ao excesso de oferta de transportadores autônomos com baixa
exigência para operar o transporte de carga, baixo índice de manutenção e renovação da frota
de caminhões, jornadas de trabalho excessivas, carregamentos com sobrepeso; algumas das
conseqüências são, além do baixo valor do frete, o alto índice de acidentes, emissão excessiva

157
Na linguagem geopolítica clássica, isso significava fazer coincidir os espaços econômico e político com o
espaço físico (RODRIGUES, 1947).
de poluentes, engarrafamentos, consumo excessivo de combustíveis, danos às rodovias e
inibição de investimentos em outros modais;

 A rede ferroviária apresenta uma topologia extravertida vinculada, sobretudo, a


corredores de exportação;

 A baixa velocidade média das ferrovias brasileiras (25 a 28 km/h, a mais baixa entre os
países de dimensões continentais) se explica pelas inúmeras invasões da faixa de domínio,
passagens em centros urbanos, passagens em nível (cerca de 12.400 em 2005, segundo a
ANTT), diferenças de bitola e traçado inadequado das vias;

 A concessão da exploração das ferrovias à iniciativa privada158 não contribuiu para uma
efetiva expansão das redes, uma vez que, segundo a Associação Nacional de Transportadores
Ferroviários159, as empresas concessionárias não têm a obrigação de expandir as ferrovias.
Nos contratos assinados, consta apenas que elas devem zelar pelo patrimônio que receberam;
dos cerca de 29.000 km de ferrovias no Brasil, apenas 11.000 km são de fato explorados pelas
concessionárias (ANTT), cabendo ao Estado investir na expansão da rede e definir políticas
estratégicas.

O quadro 1 dá uma idéia do comportamento dos modais rodoviário, ferroviário


e hidroviário em relação à configuração territorial brasileira e às políticas, normas e regulação
dos transportes ao longo da história.

Quadro 1: Brasil – síntese dos modais de transportes.


Modais Frete (R$ t / 1.000 Extensão da malha Custo de implantação Velocidade média Capacidade (toneladas)
km) (km) (R$ / km) (km/h)

1.724.929 (9,6% 600.000,00 (pista com


pavimentadas) duas mãos de tráfego)
Rodo 100,00 60 15 a 50

29.295 25 1.500 a
Ferro 65,00 (38% utilizada) 2.500.000,00 (EUA: 80 km/h) 4.000
46.000 11
Hidro 40,00 (45% na Amazônia) 150.000,00 (Madeira e Tietê-Paraná) 18.000 a 23.000 (Madeira)

Fontes: COPPEAD/CNT, 2000; Caramuru Alimentos / FIESP, 2005; Agência Nacional de Transportes Terrestres; GEIPOT – Anuário
Estatístico dos Transportes.

158
No escopo da desestatização do sistema ferroviário, os casos da Ferronorte e da Norte-Sul são únicos.
Chamadas de ―ferrovias planejadas‖, foram entregues à iniciativa privada para construção e exploração em
1989, bem antes do leilão das malhas.
159
Em entrevista concedida em setembro de 2008.
Vale a pena destacar a densidade de transporte por modal no território
brasileiro, que atinge o índice de 26,4 quilômetros por mil quilômetros quadrados
(rodoviário160: 17,4; hidroviário: 5,6; ferroviário: 3,4), considerada muito baixa quando
comparada com Estados Unidos (447), México (57,2) e Canadá (48,3) (COPPEAD/CNT).

REGULAÇÃO E PLANEJAMENTO: PPA, PAC E PNLT

A situação descrita até aqui, envolvendo uma produção competitiva de


commodities agrícolas numa porção do território desprovida de sistemas logísticos (infra-
estruturas, equipamentos e organização) que atendam às demandas de uma circulação
corporativa, mobiliza o planejamento e orienta prioridades de investimentos, em várias
escalas de enquadramento territorial do poder público.

Na esfera federal, o Plano Plurianual (2008-2011), o Programa de Aceleração


do Crescimento (2007-2010) e o Plano Nacional de Logística e Transportes (2008-2023)
podem revelar, em suas intenções e na lista de investimentos em infra-estruturas, o
comprometimento do Estado com a fluidez do território para algumas categorias de produtos e
de agentes.

PPA, PAC E PNLT: DIFERENTES INSTRUMENTOS A SERVIÇO DA LOGÍSTICA

O Plano Plurianual, instituído pela Constituição Federal de 1988, é uma lei


elaborada pelo Poder Executivo (durante o primeiro ano de cada mandato presidencial, com
vigência a partir do segundo ano) e aprovada pelo Congresso Nacional161. Todos os gastos
públicos devem, obrigatoriamente, estar incluídos no PPA, mas nem tudo que está no PPA
será, necessariamente, executado. A cada ano, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
expressa as prioridades que irão compor o orçamento anual da União. Gastos não previstos no
PPA podem, excepcionalmente, ser incluídos na forma de lei, com aprovação do Legislativo.

Em seu capítulo de infra-estruturas, o PPA revela as prioridades de


investimentos em relação a determinados setores da economia e porções do território, dada a

160
Considera apenas as rodovias pavimentadas. Incluindo as não-pavimentadas, a densidade rodoviária sobe
para 202 km/mil km2.
161
Cada Estado da Federação também elabora um PPA, aprovado pelas Assembléias Legislativas.
restrição orçamentária, incapaz de dar conta tanto das demandas sociais quanto do conjunto
das demandas corporativas.

O Programa de Aceleração do Crescimento, por sua vez, é um subconjunto do


PPA. Nasceu de uma lista de investimentos e ações consideradas prioritárias para estimular a
economia e fomentar o crescimento do Produto Interno Bruto num horizonte de quatro anos
(2007 a 2010), substituindo o PPI162 e herdando todos os projetos nele contidos163. Em janeiro
de 2007, os estudos para a formulação do PNLT (Plano Nacional de Logística e Transportes)
já estavam em andamento e também serviram como insumos para o PAC. Trata-se de um
destacado do PPA que se beneficia de uma agilidade maior às ações e investimentos nele
previstos, através de um tratamento privilegiado e compromissos estabelecidos com os
agentes envolvidos, direta ou indiretamente, nas obras (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis, Fundação Nacional do Índio, Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, Tribunal de Contas da União, entre outros). Tudo é feito em
obediência às leis, porém com maior velocidade e agilidade no que compete a questões
institucionais. O TCU, por exemplo, pode paralisar uma obra se encontrar alguma
irregularidade em seu andamento; com as obras do PAC, existe um compromisso de não
paralisar automaticamente, mas resolver o problema de imediato. Da mesma forma, o IBAMA
se compromete a elaborar uma licença ambiental em três meses.

O PAC ainda foi integralmente incorporado ao PPA 2008-2011 e a soma de


seus investimentos anuais oscila entre 0,5 e 0,6% do PIB, mantendo-se, portanto, as regras
que valiam para o PPI. O Programa divide-se em três eixos de infra-estruturas, cabendo à
logística 11,6% de um total de R$ 503,9 bilhões, orçados em sua primeira versão. Além de
investimentos em infra-estruturas, o PAC prevê uma série de medidas normativas, que
incluem crédito e benefícios fiscais, com o intuito de apressar o crescimento econômico, em
resposta às críticas em relação ao modesto crescimento do Produto Interno Bruto do país nos
últimos anos.

162
O PPI (Programa Piloto de Investimentos) surge em 2004 da discussão, envolvendo o Fundo Monetário
Internacional, sobre se os investimentos em infra-estruturas deveriam ou não ser contabilizados no déficit
público e, assim, fazer parte ou não (pesar negativamente) do superávit primário. O PPI era um conjunto de
investimentos selecionados não contabilizados no superávit primário e sem contingenciamento (equivalente a
aproximadamente 0,5% do PIB a.a.). Em 2007, foi substituído pelo PAC, preservando-se os mesmos moldes
institucionais. O PAC é um herdeiro institucional do PPI.
163
Como as obras contidas no PAC já tinham sido aprovadas como PPA, foi possível contornar as pressões
políticas dos congressistas pela inclusão de obras de interesse pessoal, muitas vezes totalmente desarticuladas
em relação aos objetivos gerais do Plano ou Programa. Como bem observou Vainer (2007), o Congresso
Nacional costuma se comportar como uma ―Câmara Federal de Vereadores‖.
No que compete à logística, o PAC propõe, sinteticamente, superar gargalos da
economia, aumentar a competitividade e diminuir as desigualdades regionais. Com relação
aos modais de transporte e considerando a aplicação de recursos públicos e privados, suas
metas incluem: a) construção, duplicação e/ou recuperação de 45 mil quilômetros de rodovias
e 2.518 quilômetros de ferrovias; b) ampliação e melhoria de 12 portos e 20 aeroportos e; c)
construção de 4.526 quilômetros de gasodutos (apesar de o duto ser um modal de transporte,
essas obras estão incluídas no eixo de infra-estrutura energética). Uma análise da lista de
obras propostas no PAC revela que 49,3% do total de investimentos em logística do Programa
se relacionam ao escoamento de produtos agrícolas provenientes do Cerrado.

Por fim, o Plano Nacional de Logística e Transporte foi idealizado pelo


Ministério dos Transportes em conjunto com o Ministério da Defesa e a colaboração de outros
Ministérios, Agências Reguladoras, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil,
Confederação Nacional da Indústria, Universidades e outras associações setoriais de
transporte, indústria, agricultura, turismo e meio ambiente.

O PNLT propõe retomar o planejamento setorial indicativo de médio e longo


prazos, oferecendo subsídios à formulação dos PPAs 2008-2011, 2012-2015, 2016-2019 e
2020-2023, no que compete à racionalização e qualificação dos gastos públicos em logística.

Dentre os principais objetivos do PNLT, merecem destaque: a) melhoria da


eficiência e a competitividade da economia nacional, incorporando a idéia de cadeia logística
vinculada aos mercados doméstico e internacionais; b) contribuição para a mudança da matriz
de transportes de cargas (aumentando a participação das ferrovias, navegação interior e
cabotagem); c) implementação da integração multimodal e; d) enquadramento de projetos
estruturantes de ―desenvolvimento‖ em quatro categorias de subespaços: a) áreas
consolidadas (aumento da eficiência produtiva através da duplicação de faixas rodoviárias,
dragagem e vias de acesso portuárias, contornos ferroviários e solução para as passagens em
nível ferroviárias); b) áreas de expansão (indução ao desenvolvimento de fronteiras agrícolas
e minerais, através de pavimentação e reconstrução de rodovias, implantação de novos eixos
ferroviários); c) áreas deprimidas (redução de desigualdades regionais por meio de
implantação e melhoramento de infra-estrutura viária e recapacitação portuária); d) áreas de
fronteira (promoção da integração regional sul-americana com a implantação e melhoramento
de infra-estrutura viária e construção de pontes internacionais).

Um dos aspectos mais marcantes do PNLT são os chamados Vetores


Logísticos, revestidos de um discurso de inovação frente aos ―corredores de exportação‖ e aos
Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, presentes nos PPA 1996-1999 e 2000-
2003. De acordo com esse discurso, o PNLT não estaria focado em corredores de exportação
(conceito considerado superado), mas sim em Eixos de Desenvolvimento, chamados de
Vetores Logísticos. O conceito de vetor logístico seria mais amplo e pressuporia o
desenvolvimento do país, com base numa nova regionalização. Na concepção antiga, os
corredores existiam previamente e os planos procuravam justificá-los. Já os Vetores seriam
definidos a posteriori e com base em estudos prévios164.

No entanto, e tal como os ENID, os Vetores Logísticos se expressam em


topologias extravertidas, orientados aos portos por meio de eixos de transportes (Hidrovias do
Madeira-Amazonas, BR 163, BR 153, Estrada de Ferro Carajás, Estrada de Ferro Vitória-
Minas, Hidrovia do Tietê-Paraná, Ferronorte e malha ferroviária paulista, entre outros) que
designam ―bacias de captação‖, drenando mercadorias destinadas à exportação (quadro 2).

Quadro 2: Vetores logísticos do PNLT.

Vetores logísticos /regiões Bacias de captação de portos


Amazônico Manaus e Santarém
Centro-Norte Belém e São Luiz
Nordeste Setentrional Fortaleza/Pecem, Natal, João Pessoa, Recife/Suape, Maceió e
Aracaju
Nordeste Meridional Salvador, Aratu e Ilhéus
Leste Vitória, Rio de Janeiro e Sepetiba
Centro-Sudeste Santos e Paranaguá
Sul Itajaí e Rio Grande
Fonte: Plano Nacional de Logística e Transportes. Ministério dos Transportes.

Em suma, há uma seqüência histórica de diferentes termos: Corredores de


Exportação (Planos dos anos de 1970 e 1980), Eixos Nacionais de Integração e
Desenvolvimento (PPAs 1996-1999 e 2000-2003), Vetores Logísticos (PNLT). Trata-se de
mudança dos rótulos para um mesmo conteúdo ou uma mesma concepção, baseada num
pensamento saint-simonista (DIAS, 2005), ainda predominante na política nacional de
transportes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

164
Informações obtidas junto à Coordenação Geral de Planejamento da Secretaria de Política Nacional de
Transportes do Ministério dos Transportes, em setembro de 2008.
A ocupação das fronteiras agrícolas no Cerrado pela agricultura intensiva
retoma uma antiga discussão na Geografia, envolvendo as noções de rede e região. No
clássico Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo, Pierre Monbeig perguntava-se sobre a
possibilidade de reconhecer a existência de verdadeiras regiões em áreas desbravadas pela
cafeicultura e pelas ferrovias, nas últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX165.
O geógrafo procurava regiões homogêneas, mas se deparou com um fenômeno espacial
diferente daquilo que se esperava encontrar nos ―quadros regionais‖ europeus166.

Tratava-se, na verdade, de subespaços ocupados rapidamente em substituição à


cobertura vegetal original, com o propósito de instalar monoculturas exportadoras e redes de
escoamento em direção ao porto, aproximando-se daquilo que Isnard (1982) chamou de
espaços alienados.

Cem anos depois, já no período da globalização, as fronteiras agrícolas do


Cerrado fazem emergir a mesma questão, mas sob um novo contexto e uma nova situação, na
qual a competitividade e a lógica das commodities escrevem um novo ―enredo‖.

A atual ambigüidade entre redes e regiões aparece no planejamento territorial e


pode ser constatada, na esfera federal, nos planos e programas e, de alguma forma, também no
Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento (2008). Um velho determinismo que
associa a implantação da rede ao desenvolvimento regional (DIAS, 2005) e as antigas noções
de região homogênea e região polarizada ainda se fazem presentes com muita força, como
fundamento teórico, justificativa de investimentos e propostas de combate às desigualdades
regionais.

Os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID) expressam bem


esse determinismo (BRANDÃO; GALVÃO, 2003). Herdeiros dos corredores de exportação
dos anos de 1970, os doze eixos do PPA 1996-1999 foram substituídos pelos nove do PPA
2000-2003, sem que, com isso, fosse superada a ambigüidade entre redes e regiões, mas
reforçando-a.

165
―Estavam em curso de elaboração regiões humanas, que assentam em interesses comuns? Experimentariam
os pioneiros o sentimento de pertencer a uma coletividade regional?‖ (MONBEIG, 1984, p. 375). Dias (1995) já
havia chamado a atenção para o último capítulo da tese de Pierre Monbeig, intitulado ―Regiões ou redes de
comunicação‖, no qual se constata que o velho fenômeno regional, decorrente da longa interação entre uma
fração do espaço e uma fração da humanidade, não ocorria em sua área de estudo.
166
―o sentimento de pertencer a uma região, o desejo de fixar-se nela, de enraizar nela a família, a emulação que
o espírito regional pode desencadear, não passam de noções confusas‖ (MONBEIG, 1984, p. 387).
Com o objetivo de reduzir o custo Brasil e inserir o país de forma competitiva
nos mercados internacionais de commodities, os ENID tomam o lugar de um planejamento
estratégico, que considere o território e a sociedade brasileira como uma totalidade,
aparecendo como a solução para o ―problema do desenvolvimento‖ através de investimentos
em corredores de transportes.

À forma histórica atual da divisão territorial do trabalho corresponde uma


forma, também historicamente determinada, de circulação. Entendemos que a região
competitiva e a logística são termos que expressam mais adequadamente essas duas
importantes manifestações geográficas do presente.

Isso nos obriga a reconhecer a existência de uma lógica dos territórios e uma
lógica das redes, de cujo embate permanente criam-se e recriam-se distintos modos de
produzir e de circular, que coexistem de forma articulada e conflituosa, disputando espaços e
recursos. A logística somente ganhou importância e se constituiu como setor de atividade
econômica justamente porque os territórios, entendidos como totalidade, são, do ponto de
vista dos capitais mais modernos, irracionais, uma vez que resultam da interação entre muitos
agentes e do confronto entre diversos interesses.

No território brasileiro, essa ―irracionalidade‖ assim definida se exprime, por


exemplo, nas passagens em nível, invasões de domínios ferroviários, rodovias precárias,
caminhões circulando com sobrepeso, frete rodoviário mantido artificialmente baixo,
hidrovias sem sinalização, portos assoreados e de baixo calado, mas também nos produtores
agrícolas recalcitrantes, nos movimentos sociais de luta pela reforma agrária e no amplo
espectro do circuito inferior da economia urbana (SANTOS; SILVEIRA, 2001),
freqüentemente ―criminalizado‖ e considerado nocivo aos grandes negócios. Superar esses
―gargalos logísticos‖ e promover uma urbanização funcional às atividades agrícolas modernas
tornaram-se objetivos de Estados e empresas, como condição para inserir-se de forma
competitiva nos mercados internacionais.

A noção tradicional de região e a velha Geografia dos transportes não dão


conta de explicar a situação atual, exigente de uma renovação conceitual capaz de superar
tanto os discursos coniventes quanto as críticas desprovidas de análise. Trata-se, hoje, de
reconhecer a constituição de uma Geografia adaptada aos ditames da globalização, ao custo,
muitas vezes, do bem-estar das populações locais.
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FLUXOS E REDES TÉCNICAS NO COMÉRCIO DE MINÉRIO NO TERRITÓRIO
BRASILEIRO167

Lisandra Pereira LAMOSO


Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
Dourados-MS
lisandralamoso@ufgd.edu.br

INTRODUÇÃO

A produção de commodities é um dos papéis exercidos pela economia


brasileira no contexto da divisão internacional do trabalho. Esta atividade, em seu conjunto
(políticas, ações, investimentos) gerou uma rede técnica de transporte historicamente
construída com a função de ligar as áreas produtoras aos principais mercados internacionais.
Predomina no setor o modelo tradicional mina-ferrovia-porto, cujo traçado ferroviário
demonstra a ligação entre áreas produtoras e os principais portos marítimos. Essa ―malha
ferroviária de drenagem‖ é definida em função da maior ou menor inserção das exportações
brasileiras no comércio internacional e, por isso, diretamente ligada à demanda dos principais
centros consumidores.

Quando a industrialização via substituição de importações ocorreu para atender


ao mercado interno, a indústria mineral teve sua infra-estrutura de transportes organizada em
direção às siderúrgicas, estatais na época. Com o arrefecimento deste processo,
particularmente nos anos noventa, a agregação de valor foi secundarizada frente à
especialização da exportação de minério de ferro. As concessões dos serviços públicos
levaram as empresas de mineração a priorizarem seus investimentos nos terminais marítimos,
que são a porta de saída para o mercado internacional. A infra-estrutura de transportes, ao
materializar seus fixos, escreve a história da inserção da indústria mineral brasileira na
economia-mundo.

No Brasil, são três as áreas de lavra que tem produção destinada ao mercado
externo. Ao conjunto formado pelas minas, plantas de beneficiamento, infra-estrutura de
apoio, centros urbanos que gravitam no entorno da atividade extrativa, consideraremos, nesse
texto, como os ―espaços de mineração‖. São espaços organizados de forma a apresentar o
máximo de produtividade espacial, regidos diretamente pelos interesses dos corporativos e

167
Esta pesquisa conta com o auxílio financeiro da Fundect e do CNPq.
pela conjuntura econômica internacional. A produtividade espacial é tecida com a
participação histórica do Estado, ora assumindo diretamente investimentos no setor, ora
adotando o mais cômodo ofício de regulação da atividade.

Neste texto apresentaremos alguns apontamentos sobre as redes que atendem


em particular à atividade extrativa, em particular a de minério de ferro dado ser este um
importante elemento de aferição dos períodos de crescimento econômico, pois o minério de
ferro é matéria-prima básica para os processos siderúrgicos, que estão na origem da
industrialização dos bens de produção.

O texto apresenta as características da inserção brasileira na divisão


internacional do trabalho, as redes técnicas dos três principais espaços de mineração e tece
reflexões acerca do processo de desmantelamento das políticas econômicas e o fortalecimento
do poder corporativo.

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DO SETOR E A “VOCAÇÃO” MINERAL-


EXPORTADORA DA PRODUÇÃO BRASILEIRA

As atividades econômicas não têm, realmente, ―vocações‖ pré-definidas, mas a


persistência de padrões de inserção no mercado internacional nos últimos anos confirma que
ações políticas não têm sido envidadas para construir outra forma de relação para esse fator
que a natureza distribui em abundância pelo território brasileiro, a não ser como exportação de
commodity.

O minério de ferro é o segundo maior em valor no conjunto da produção


mineral brasileira, apenas superado pelo petróleo. Em 2007 representou uma produção de
354,7 milhões de toneladas (DNPM, 2008). Apenas 1/3 dessa produção permanece no
mercado interno. Em 2007 foram 119,1 milhões de toneladas empregadas na produção de
gusa e pelotas. Entre minério e pelotas (produto derivado de beneficiamento do minério de
ferro, que lhe agrega valor), o volume exportado em 2007 foi da ordem de 10.557,9 milhões
de dólares (FOB). Nesse mesmo 36 empresas exploraram 53 minas (todas a céu aberto) e 54
usinas de beneficiamento. Isso gerou 27,5 mil empregos – 18,2 mil diretos e 9,3 mil
terceirizados (DNPM, 2008).

O volume da produção já permite inferir o impacto dessa transferência de


cargas na rede de transporte mesmo com a localização da siderurgia próxima das áreas de
lavra, os espaços de mineração não são litorâneos – o minério do Quadrilátero Ferrífero tem
que transpor a Serra do Mar, o minério do Pará está na Serra (dos Carajás) e o minério de
Mato Grosso do Sul em condição continental.

O desenvolvimento científico e tecnológico possibilita uma relação pouco


linear entre exploração e exaustão. Classicamente, quando mais se extrai minério, menos
minério resta, mas a situação é que, quanto maior a demanda, maior a quantidade de pesquisas
na procura por mais minério, então os volumes das reservas podem aumentar, e é o que tem
ocorrido no Brasil. A figura 1 demonstra a evolução das reservas de minério para os
principais países produtores. Há também que se considerar nesse gráfico, que por se tratar de
dados relativos, quanto mais o conjunto dos países concorrentes reduz suas reservas, isso
pode representar um aumento relativo das reservas nacionais.

As maiores reservas encontram-se na Ucrânia, na China e na Rússia. O minério


da China, que é o principal mercado consumidor168, não possui teores de ferro elevados, o que
torna sua aplicação restrita e o país dependente de compras no mercado internacional.

Figura 1: Participação nas reservas mundiais em 1997 e 2007.

*os dados referem-se às reservas medidas mais indicadas.


Fonte: DNPM, 2008.
Organizado por: Lisandra Lamoso.

A participação da produção brasileira no total internacional alterou-se pouco,


em termos relativos, desde 1997, quando ocorreu a privatização da Vale (nome adotado pela

168
Detalhes sobre a demanda da China em Crossetti e Fernandes (2005).
Companhia Vale do Rio Doce – CVRD). China, Brasil, Austrália, Índia, Rússia e Ucrânia são,
respectivamente, os principais produtores mundiais em ordem decrescente. O Brasil participa
com 18,6% da produção mundial de minério de ferro e a China com 30,8% (ver figura 2).

Figura 2: Participação na produção mundial em 1997 e 2007.

Fonte: DNPM, 2008.


Organizado por: Lisandra Lamoso.

A produção está concentrada em Minas (Quadrilátero Ferrífero) com 68%;


Pará (Carajás) com 29% e no Mato Grosso do Sul (Corumbá) com 2%. No Quadrilátero
Ferrífero, o teor médio do ferro contido alcança 55% de Fe, em Carajás predominam as
hematitas com teores médios de 65% de Fe contido e em Corumbá-MS já foram registrados
teores em torno de 67%. Esse elemento natural define que, apesar da localização geográfica,
dos elevados custos de transferência e da complexa logística que a indústria mineral tem que
elaborar, permanecer em Corumbá é uma questão de estratégia econômica e geopolítica.

Há uma concentração espacial, em apenas três pontos do território e, nos


últimos dez anos, uma centralização de capital sob o comando da Vale, que tem adquirido a
concorrência e dominado a circulação de mercadorias em sua área de atuação.

Na exploração de minério de ferro a Vale realiza o total de 66,2% do país (um


pouco mais se considerarmos a participação acionária na MBR) (ver tabela 1). É a única
empresa que atua nos três estados. Isso nos permite antecipar que a logística de transporte
terá, na Vale, o principal agente definidor, o que lhe confere o chamado ―poder de mando
sobre o território‖, para utilizar a frase cunhada por Milton Santos.

Tabela 1: Participação das empresas na produção de minério de ferro no Brasil, em 2007.

Empresa Participação (%)

Quadrilátero Ferrífero (37%)


Vale Carajás (28,9%) 66,2
Corumbá (0,3%)
Minerações Brasileiras Reunidas* 17,6
Samarco Mineração** 4,6
Companhia Siderúrgica Nacional 4,2
Outras empresas 7,4
* 85% pertence à CAEMI e 5% à Vale.
** 50% da participação acionária é da Vale e 50% da BHP Billiton Limited, desde 2000.
Fonte: DNPM, home page: http://www.vale.com.br.
Organizado por: Lisandra Lamoso.

A exploração de commodities, tido como produto de baixo valor agregado, na


escala e nas condições de demanda nas quais é explorado, permite o acúmulo de capital que
foi paulatinamente transferido para os setores complementares, como o transporte,
principalmente ferrovias e infra-estrutura portuária. As operações com transporte são a
segunda maior receita da Vale.

Em 1996 o Japão era o maior importador de minério de ferro brasileiro, com


18% das nossas exportações totais, enquanto apenas 5% eram comercializados com a China
(ver figura 3).
Figura 3: Destino das exportações brasileiras.

Fonte: Sumário Mineral, DNPM.


Organizado por: Lisandra Lamoso.

As exportações para o Japão caíram de 18% em 1996 para 13% em 2007 e as


exportações para a Alemanha caíram de 15% em 1996 para 10% em 2007 – para ficarmos nos
tradicionais mercados consumidores do minério brasileiro. Em 1999 a China passou a
importar 9,7%, em 2001 o percentual foi de 13% e em 2007 importou 33% do total de
minério de ferro brasileiro comercializado no mercado externo. O Japão, para os anos de
1996, 1999, 2001 e 2007 importou, respectivamente, 18% e 15,5%, 17% e 13% (ver figura 3).

O destino das exportações brasileiras está mudando. Os tradicionais mercados


dos Estados Unidos, Alemanha e Japão estão sendo substituídos pela China e no ano de 2008,
parte do minério de Corumbá chegou até a Hevenza, siderúrgica venezuelana. As siderúrgicas
Acepar (no Paraguai) e Siderar (na Argentina) recebem minério de ferro de Corumbá, através
do Rio Paraguai (PEREIRA, 2006), embora em menor escala, o que torna esse comércio
pouco perceptível nos dados das exportações brasileiras.

AS REDES TÉCNICAS NOS ESPAÇOS DA MINERAÇÃO

Os custos de transferência representavam parcelas importantes dos estudos de


Geografia Econômica e estiveram presentes nas obras de Buchanann e Estall (1976), e George
(1979, 1983), para citar alguns. Estes últimos apresentaram as características da matéria prima
e a influência dos custos de transferência para a localização industrial. As premissas básicas
estão mantidas na atualidade: a extensão para a qual o material tem capacidade de atrair a
indústria para seu entorno variará de acordo com o material em questão e o processo que o
utiliza. (BUCHANANN; ESTALL, 1976). Se há perda de peso ou volume, se é perecível,
qual o seu valor por unidade de peso, são fatores definidores da localização da indústria e de
como se organiza o sistema de transporte.

Quando a matéria prima perde muito peso ou volume, isso faz com que a
indústria seja atraída para perto da fonte de abastecimento. Essa relação pode ser afetada pelos
custos de transferência e condições de fluxo, pelo custo e disponibilidade de energia ou pela
possibilidade de utilização de algum subproduto que se origina no processo e pela integração
de processos industriais.

Na indústria da exploração mineral, a localização da siderurgia tem um


componente determinante que é a proximidade da matéria-prima, e o minério, como recurso
natural não é lavrado em qualquer área. Sua ocorrência é definida geologicamente e a
indústria tende a dois caminhos: ou ter sua localização determinada pela ocorrência mineral
ou reunir um conjunto de fatores que torne viável economicamente o deslocamento da matéria
prima.

O quadro 1 apresenta uma síntese dos principais fatores que determinam a


localização da indústria extrativa para o minério de ferro, embora na maioria dos casos, possa
ser também estendida para outros minerais.

Quadro 1: Principais fatores que determinam a localização da indústria extrativa de minério de ferro.
Fatores Comentários
Ocorrência mineral A ocorrência é fator sine qua non, mas a simples ocorrência não é suficiente para a
instalação da indústria. É necessário que haja volume tal que torne a exploração
viável economicamente.
Teor de ferro contido As indústrias tendem a avaliar se o teor contido de minério é o desejado pelo
mercado ou se é compensador investir em processos de beneficiamento que possam
aproveitar minérios de baixo teor.
Proximidade do As minas e a siderúrgica tendem a se localizar próximas dos mercados
mercado consumidor consumidores, se houver essa opção.
Implicações Há áreas que apresentam elevados custos ambientais e restrições normativas à
ambientais instalação de atividades exploratórias. Ressalte-se que a lavra em si não é o fator
mais agravante, mas o processo de beneficiamento e as transformações causadas
pelo conjunto da atividade no seu entorno.
Arcabouço normativo O conjunto de normas que regulam a atividade pode ser definidor da localização das
empresas de mineração. Em áreas de fronteira, é proibida pela Constituição a
exploração do subsolo por empresa de capital estrangeiro, por exemplo.
Produtividade Geograficamente, a produtividade espacial refere-se ao conjunto de condições
espacial favoráveis que os espaços apresentam. Se considerarmos que há ocorrência de
minério em várias áreas, a área melhor servida de infra-estrutura, redes de
comunicação, mão-de-obra qualificada, centros urbanos, centros de pesquisa,
proximidade do mercado consumidor – são todos fatores que conferem a
determinados espaços maior produtividade espacial que a outros.
Elaborado por: Lisandra Lamoso.

No Brasil, a escala industrial da exploração em Minas Gerais organiza-se no


século passado, Carajás na década de oitenta e no Mato Grosso do Sul, no final do século XIX
o minério é descoberto. O que ocorreu é que os sistemas de movimento foram adequando-se
para tornar as áreas mais acessíveis e ligadas aos mercados consumidores. As dificuldades
impostas pela localização geográfica do minério em Corumbá são atenuadas pelo seu teor de
ferro contido, em torno de 67%, embora a expansão da cadeia produtiva em pleno Pantanal
também seja regulada pelas implicações ambientais e pelo arcabouço normativo, que limitou a
atuação de capital estrangeiro na fronteira. No Quadrilátero é mais presente a força de atração
que a produtividade espacial exerce sobre a economia mineral.

A REDE DE TRANSPORTES DAS MINAS DO QUADRILÁTERO FERRÍFERO –


MODERNIZAÇÃO NA REGIÃO CONCENTRADA

O principal espaço de mineração no Brasil está no Estado de Minas Gerais, que


faz parte da Região Concentrada. Isso representa mercado consumidor, melhores condições na
infra-estrutura de transportes e comunicações, quantidade de mão-de-obra qualificada e
também proximidade com importantes portos marítimos.

No Quadrilátero Ferrífero, o incremento tecnológico na infra-estrutura


instalada a serviço da mineração está relacionado ao aumento da produção. De 1996 a 2006
houve um incremento de 58% da produção de minério de ferro, diretamente relacionado ao
aumento da demanda internacional, em particular às compras realizadas pelo mercado chinês.

É o espaço melhor servido em termos de infra-estrutura de transportes para o


minério de ferro e tal não ocorre em função apenas do volume de produção ou do volume das
reservas. Na exploração mineral, as condições de mercado e preço podem ―alterar o volume
das reservas‖. Como isso ocorre? As reservas são classificadas pela Geologia em reservas
medidas, indicadas e inferidas, em ordem decrescente de certeza, respectivamente. Quando a
empresa instala toda sua infra-estrutura para a lavra e beneficiamento do minério, ela planeja
seus investimentos para determinado horizonte de tempo, de acordo com o apontado pelas
pesquisas geológicas, mas a tecnologia pode avançar e serem colocadas para lavra, áreas antes
não exploradas ou, ainda, intensificar o aproveitamento de materiais que antes eram
descartados.

Quanto maiores os investimentos materializados nos espaços de mineração,


maior tende a ser os investimentos em pesquisa, para que a reserva medida seja expandida
através da descoberta de mais minério. De 1997 a 2006 houve um aumento da ordem de 143%
na produção minério de ferro em Minas Gerais.

Outra forma de intensificar a exploração em um mesmo espaço mineral é


aproveitar o material que antes era descartado, por causa do tamanho diminuto (que o tornava
impróprio para ser aproveitado nos alto-fornos) e agrupá-lo em pequenas esferas, chamadas
―pellets‖. A pelotização reforçou a permanência da atividade mineral em áreas que já
poderiam ter suas reservas esgotadas, não fossem os avanços tecnológicos.

É frase corrente entre os trabalhadores do setor mineral, que ―minério não dá


duas safras‖. Mas a densidade técnica já implantada, acumulada através de décadas no espaço
do Quadrilátero Ferrífero, além de sua localização privilegiada em relação aos principais
mercados consumidores, fez com que fossem envidados investimentos em pesquisa geológica
e em novos processos de lavra e beneficiamento. Pilhas de rejeitos (minério de granulação por
demais pequena e inadequada ao processo siderúrgico) são reaproveitadas com a tecnologia
da pelotização.169

A Estrada de Ferro Vitória Minas (EFVM) é utilizada para embarque de


minério desde a presença dos ingleses, com a Itabira Iron Company, no início do século XX e
persistiu, ao contrário de ferrovias instaladas em outros espaços, recebendo investimentos que
ampliaram sua capacidade de carga devido à adoção de tecnologias avançadas de
operacionalização – possui controle automático de trens. São 337 locomotivas e 19.302
vagões que chegam a formar um comboio de até três quilômetros de extensão. Possui 906
quilômetros entre as minas de Itabira e o Porto de Tubarão, margeando o curso do Rio Doce
(ver figura 4). Em 2007 foi responsável pelo transporte de 37% de toda carga ferroviária
nacional.

169
O processo reúne partículas ultrafinas de minério (abaixo de 0,15 mm) através de um tratamento térmico e as
transforma em pequenos aglomerados esféricos na faixa de 8 a 18 mm, adequados para a alimentação das
unidades de redução, como os alto-fornos, além de agregar valor ao minério.
Figura 4: Mineroduto e Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM).
N

MI NAS G E RAI S
E S P Í RI TO
S ANTO

Cauê
Itabira
Conceição
Brucutu
C. do Meio
Alegria Fazendão
Alegria Terminal de
Timbopeba
Tubarão
Morro Agudo

Ponta do Ubú

Estrada de Ferro Vitória-Minas 0 41 82 123 km


Mineroduto SAMARCO
Org. LAMOSO
Minas Des. LOMBA, G. K.

Além da EFVM, outra importante via de escoamento é a malha da MRS


Logística, utilizando o trecho da Ferrovia do Aço, num percurso de 583 quilômetros. Tanto a
produção da Mineração Brasileira Reunida, que segue para o Terminal da Ilha de Guaíba/RJ,
quanto a produção da antiga FERTECO (que foi incorporada pela Vale) é exportada pelo
Terminal de Sepetiba, no Estado do Rio de Janeiro.

A construção da Ferrovia do Aço, no início dos anos setenta, ficou por décadas
sem conclusão. O período foi marcado pela crise do petróleo e pelo início de longa fase
depressiva. O trajeto em linha reta, para reduzir as distâncias entre as regiões metropolitanas
de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, passa pela região dos ―mares de morros
florestados‖ (na classificação dos domínios morfoclimáticos de Aziz Ab´Saber), uma
complexa obra de engenharia dada a quantidade de túneis e pontes.

O mineroduto (ver figura 3) é de propriedade da empresa Samarco Mineração.


Possui 396 quilômetros de extensão, ligando a mina de Germano/MG ao Porto de Ubu, no
Espírito Santo. É o maior mineroduto para transporte de minério de ferro do mundo. A carga
de minério é transformada em uma popa, pela adição de água e bombeada até o litoral. O
transporte entre Germano e Ubu leva cerca de 66 horas, à velocidade aproximada de 6 km/h.
É economicamente mais rentável que o transporte ferroviário. No porto, a carga é embarcada
em navios Cape Size, com capacidade de, até, 200 mil toneladas ou navios Panamax, de 70
mil toneladas. Essa sofisticada obra de engenharia representa uma aceleração no ritmo da
comercialização do minério e um objeto a mais em prol da intensificação das pesquisas e da
ampliação da lavra na área. A quantidade disponível e os preços pagos pelo mesmo
proporcionaram os investimentos na rede de transporte, da mesma forma que estes
investimentos materializam graus de lucratividade que fazem com que sejam priorizados
investimentos em pesquisa geológica para a descoberta de novos processos de beneficiamento
e lavra, de forma a estender a permanência da atividade da exploração mineral.

EM CARAJÁS – A ESTRUTURA MÍNERO-EXPORTADORA

Na região Norte, a produção de minério é transportada pela Estrada de Ferro


Carajás (EFC), que liga a mina de Carajás ao terminal marítimo da Ponta da Madeira, em São
Luiz, no Maranhão, por 890 quilômetros de extensão. O espaço produzido em seu eixo e em
função da sua existência constituem o que se pode chamar de ―área de influência da EFC‖ ou
―corredor da EFC‖.

Ao longo da ferrovia estão instalados produtores independentes que produzem


ferro-gusa no Estado do Maranhão. Segundo Monteiro (2002, p. 23), estão instaladas onze
siderúrgicas no Corredor da Estrada de Ferro Carajás. O autor chama a atenção para o fato de
que, apesar dos investimentos e da escala de produção dessas companhias serem pequenos
quando comparados com as usinas integradas, o processo requer elevada quantidade de
energia, que é suprida pelo carvão vegetal originário da floresta primária.

Além da concentração das empresas ao longo de seu percurso, à EFC também é


creditado facilitar a migração devido aos baixos preços do transporte que sua estrutura
proporciona (SILVA; DRUMMOND, 2005, p. 16).

NO PANTANAL – AS LIMITAÇÕES INFRAESTRUTURAIS

No Pantanal do Mato Grosso do Sul, em Corumbá, até 2008 quatro empresas


participavam das atividades de lavra de minério de ferro. A Corumbá Mineração (Comim
Ltda.), cujo destino é a siderúrgica do mesmo grupo, o Grupo Vetorial, instalada no município
de Ribas do Rio Pardo/MS; a MMX Mineração e Metálicos, do empresário Eike Batista, que
transferiu sua planta da Bolívia para Corumbá em 2006, desde que o governo boliviano vetou
a entrada em operação da siderúrgica do grupo EBX alegando violação das leis vigentes e
ausência de licença ambiental170; a Mineração Corumbaense Reunidas (100% do grupo Rio
Tinto) e a Urucum Mineração (coligada da Vale).

Em 2009, com alterações na expectativa de mercado devido à crise financeira,


houve uma reorganização que alterou o quadro organizacional. A MMX determinou férias
coletivas, paralisou a produção siderúrgica e colocou seus ativos em Corumbá à venda. A Rio
Tinto, movida pela política de redução do endividamento de 10 bilhões de dólares, vendeu
seus ativos da Potasio Rio Colorado (PRC), na Argentina, por 850 milhões de dólares, e de
minério de ferro em Corumbá, incluindo a infra-estrutura logística, por 750 milhões de
dólares para a Vale.

No Pará a Vale é a gestora principal (mas não exclusiva) e tem que negociar
cada vez mais com os demais gestores (federais, estaduais, municipais e locais) para garantir a
legitimidade de suas ações e o sucesso de suas metas (PALHETA DA SILVA, 2002, p. 82).
No Mato Grosso do Sul, a saída da única concorrente de porte deve provocar uma
reorganização nas estratégias de gestão da empresa.

Além da questão financeira, a falta de definição legal sobre a atuação de


empresas de capital estrangeiro em áreas de fronteira são motivos, não declarados
oficialmente, que podem ter contribuído para a decisão da Rio Tinto de se retirar atividades
em Corumbá, alguns anos após ter anunciado planos de investimento que elevariam a
produção de 2 para 15 milhões de toneladas anuais.

Cerca de 80% da produção de minério de ferro de Corumbá é encaminhada


para o mercado externo. No mercado interno, com o minério recebido de Corumbá, a
Siderúrgica Vetorial produz em torno de 300 mil toneladas de ferro gusa, utilizando carvão
vegetal como insumo energético. O minério segue de Corumbá para Ribas do Rio Parto nos
vagões da América Latina Logística171 (ALL). A Companhia Paulista de Ferro Ligas (empresa
coligada da Vale) também produz ferro gusa e transfere para usinas instaladas em Minas
Gerais e São Paulo. Parte do manganês é comercializado pela Urucum Mineração com a usina
instalada em Simões Filho, na Bahia. De Corumbá a Bauru segue através da América Latina
Logística e a partir daí, em caminhões até as siderúrgicas em Minas Gerais.

O transporte do minério de ferro de Corumbá é caracterizado por gargalos no


sistema de transbordo. Não há esteiras entre as minas produtoras e os portos fluviais, às

170
Brasil Mineral on line, número 249. Disponível em www.brasilmineral.com.br
171
Concessionária da Estrada de Ferro Novoeste.
margens do Rio Paraguai. A opção é o transporte rodoviário, onde trabalham caminhões da
frota própria da Mineração Corumbaense Reunida (MCR) e os caminhões da empresa Julio
Simões, uma terceirizada, empregada pela Vale.

No pátio do terminal ferroviário Antônio Maria Coelho (distante 16


quilômetros das minas), os vagões da ALL recebem o minério que é comercializado no
mercado interno. Para o mercado externo, os caminhões desembarcam em dois portos
fluviais: o minério da Vale, no porto arrendado da Sobramil e o minério da MCR no Porto
Gregório Curvo. Há uma diferença de logística entre as duas empresas. Enquanto a MCR
constituiu empresa própria (Transbarge Navegación, com sede em Assunção-Paraguai), a
Vale utiliza os serviços de empresas de transporte que operam na Hidrovia do Rio Paraguai.
Com investimentos da ordem de US$ 55 milhões e a Rio Tinto adquiriu sete empurradores e
134 barcaças, para o transporte do minério pelos 2.300 quilômetros entre Corumbá e o Porto
de San Nicolas, na Argentina, onde ocorre a transferência para navios maiores que entregarão
a carga nos portos da Europa e Ásia. Esse percurso tem a duração de 28 dias, em condições
normais de navegabilidade, visto que a estação das águas altera o regime do rio e limita o
calado das embarcações (ver figura 5).

Antes da venda dos ativos para a Vale, a Rio Tinto elaborou planos para a
ampliação da infra-estrutura para o transporte com a construção do Porto de La Agraciada, no
Departamento de Nueva Palmira, no Uruguai, onde o minério seria transferido das chatas para
navios Panamax, com capacidade para 75 mil toneladas.
Figura 5: Rota do transporte de minério de ferro explorado no Mato Grosso do Sul.

É difícil estabelecer uma comparação entre a tecnologia incorporada em meios


de transporte distintos como a ferrovia e as barcaças que navegam no Rio Paraguai, mas é
possível observar que no Mato Grosso do Sul, o transporte hidroviário foi modernizado com a
adoção de modernos propulsores azimutais, navegação monitorada, políticas de qualificação
dos funcionários, o que resultou na redução do tempo de embarque e de percurso, aumentando
a eficiência e reduzindo os custos de transferência. Na ferrovia, a velocidade média ainda é
baixa, as previsões de embarque são frustradas por acidentes localizados ou problemas
operacionais. É necessário lembrar que o transporte fluvial atende ao mercado externo e a
ferrovia ao mercado interno, o que parcialmente explica os investimentos diferenciados em
cada um dos modais.
O trecho da Novoeste em território sul-mato-grossense é subutilizado (BRITO,
2007). Não está entre os principais eixos de transporte de carga do país. No Brasil ocorre o
que em Mato Grosso do Sul se apresenta como didático exemplo da mesma situação relatada
por Fischer para a França e alguns Países Baixos. Fischer comenta que ―o transporte
ferroviário está pouco a pouco concentrado nos eixos principais da rede enquanto que
numerosas linhas secundárias desapareceram ou são pouco a pouco abandonadas‖
(FIRKOWSKI; SPOSITO, 2008, p. 123).

AMAPÁ – A ESTRUTURA DAS EXPORTAÇÕES DE MANGANÊS E A POLÍTICA


DA CONCESSÃO DO PORTO

O sistema de transporte no Amapá seguiu o padrão mina-ferrovia-porto e foi


inicialmente construído para atender à exploração de manganês pelo Grupo ICOMI, na década
de cinqüenta. Em 1953 foi concedido à ICOMI o direito de construção e utilização de uma
ferrovia que ligasse as jazidas de manganês da proximidade dos Rios Amapari e Araguari até
o Porto de Santana, na margem esquerda do Rio Amazonas, num percurso de 193
quilômetros172.

Com o encerramento das atividades da ICOMI a Ferrovia ficou subutilizada


para a atividade mineral até que nova demanda externa, dessa vez pelo mercado chinês,
elevasse os preços e tornasse compensador novos investimentos na lavra e na recuperação da
infra-estrutura de transporte.
Em 1997, o BNDES aprovou um financiamento da ordem de R$ 580,4
milhões, do total de R$ 1 bilhão necessário para a implantação de um projeto integrado de
mineração e infra-estrutura logística, conforme proposto pela empresa MMX Mineração e
Metálicos. O projeto prevê investimentos na mina e na unidade de beneficiamento de minério
de ferro no município de Pedra Branca do Amapari, além da reforma e adequação do Porto de
Santana e da Estrada de Ferro do Amapá.
A presença de mecanismos financeiros proporciona capital para os
investimentos na recuperação da ferrovia e na infra-estrutura de transportes, como um todo.
Além de recursos do Estado, via BNDES, a MMX obteve linha de crédito de US$ 250
milhões na forma de Project Finance para os empreendimentos no Amapá, captados junto aos
bancos Itaú BBA e ABC Brasil (BRASIL MINERAL, 2009a).

172
Detalhes da exploração de manganês no Amapá podem ser consultados em Coelho et al (2008).
Em Pedra Branca do Amapari, há uma velocidade nas transformações na
indústria mineral, apoiada na lógica financeira e na rapidez com que se redesenha a
geopolítica mineral. Os investimentos projetados adquirem valores na lógica do mercado
financeiro. A MMX teve uma curta e representativa passagem pelo Amapá. Em 2008, a
empresa MMX anunciou a venda para a empresa Anglo American dos 70% de sua
participação no Sistema MMX Amapá. Os 30% restantes são da empresa canadense
Cleveland Cliffs (2009b).

DESMANTELAMENTO DO ESTADO E FORTALECIMENTO DO PODER


CORPORATIVO

As rotas, fluxos e estratégias de circulação descritas anteriormente fazem parte


de um quadro nacional resultado do desmantelamento de políticas públicas e fortalecimento
do poder corporativo. Os anos noventa são um marco das políticas neoliberais no país. Para o
setor de transportes, a avaliação de Goularti Filho (2007, p. 480) foi de que:

O Governo Collor pôs fim às políticas de transportes, inclusive com a


extinção do Ministério dos Transportes, que foi reduzido a uma Secretaria
dentro do Ministério da Infra-Estrutura, juntamente com as Comunicações e
Minas e Energia. Se a estrutura portuária vinha se deteriorando nos anos
1980, com o fim da Portobras a situação se complicou mais ainda. As obras
foram paralisadas, as licitações foram suspensas e os projetos foram
encerrados.

O autor conclui sua avaliação afirmando que os investimentos ocorridos nos


últimos vinte anos foram executados para atender necessidades mais urgentes, sem ampliação
da estrutura da oferta na frente da demanda e com isso:

Rapidamente o sistema de transportes fica estrangulado e exige novos


investimentos para reparar danos e ampliar a capacidade de oferta. Malha
rodoviária estrangulada, falta de investimentos nos aeroportos, deficiência na
estrutura portuária, ferrovias obsoletas e baixos investimentos nas hidrovias,
este é o cenário do ―apagão logístico‖ brasileiro no final da década de 1990
(GOULARTI FILHO, 2007, p. 481)

Em outro trabalho, que avalia a percepção dos exportadores brasileiros sobre a


qualidade da infra-estrutura, os autores afirmam que os ―exportadores de carga a granel
tendem a considerar o escoamento e o acesso aos portos uma dificuldade logística mais crítica
que os exportadores de cargas em contêineres‖ (HIJJAR; WANKE, 2009, p. 160) e ainda que:
[...] a dificuldade de coordenar o transbordo das cargas nos caminhões para
os navios faz com que os exportadores do primeiro grupo (carga a granel)
gastem substancialmente mais com demurrage de navios e diárias de
caminhões e percebam substancial piora na infra-estrutura burocrática de
exportação nos últimos cinco anos, comparativamente ao segundo grupo
(exportadores de carga conteinerizada)‖ (HIJJAR; WANKE, 2009, p. 160).

As cargas acondicionadas em contêineres, que são produtos de maior valor


agregado diminuíram comparativamente às exportações de produtos de menor valor. O
aumento dos produtos primários, agrícolas e minerais, de alto peso, grande volume e valor
agregado baixo – as commodities aumentaram (SILVEIRA, 2009, p. 38) sem que os
investimentos tivessem sido realizados. Então há uma desarticulação entre as empresas de
capital privado que administram seus próprios terminais e tem autonomia na definição
logística e o restante da economia, que fica à mercê da falta dos investimentos necessários.

Num texto sobre mineração e transportes de cargas, impossível não destacar o


papel da principal empresa desses dois setores: a Vale. A empresa foi privatizada em 1997 e
desde então tem ampliado a abrangência de sua atuação. A Vale detém a concessão de quatro
ferrovias: Centro-Atlântica, Estrada de Ferro Carajás, Estrada de Ferro Vitória-Minas e a
Norte-Sul, no total de 9.890 quilômetros (considerando a Norte-Sul como construída até
Palmas/TO). Administra seis terminais portuários que foi adquirindo na mesma proporção que
adquiriu a concorrência através de aquisições ou participações acionárias e a participação na
MRS Logística, através da sua participação na MBR e a aquisição da Ferteco, o mineroduto,
através da aquisição da Samarco). Todos os terminais de minério são operados pela empresa.

Em 2003 foram transportados pela Vale cerca de 3,2 milhões de toneladas de


grãos em direção ao Porto de Tubarão, no Espírito Santo. Foi responsável por 14,2% da
movimentação de cargas no Brasil e por 53,3% da movimentação portuária de granéis sólidos.
Nos primeiros noves meses de 2003, o seu faturamento de transportes foi de US$ 685 milhões
– cerca de 25% do total da companhia (STEFANO, 2004).

A demanda internacional aquecida para o minério de ferro e sua importante


participação no transporte de cargas ajudou a empresa a ampliar os lucros em 556,8% entre
2002 e 2006. Os preços do minério de ferro subiram 18% em 2004 e 71,5% em 2005 (WAHL,
2007).

O fato da Vale obter maiores lucros derivados do aumento das exportações e


do aumento do preço do minério e empreender uma política de aquisições e expansão da
participação acionária em empresas concorrentes têm duas dimensões: o aumento do
patrimônio da empresa e do lucro dos acionistas, o fortalecimento de sua internacionalização
no competitivo mercado internacional é uma; a outra é que em termos de desenvolvimento
econômico nacional há um gap, os lucros não participam na ampliação da infra-estrutura de
transportes na dimensão que a economia nacional exige, a ampliação da infra-estrutura de
transportes da Vale ocorre pela compra do que já está construído.

A iniciativa privada organiza-se para seus desafios competitivos, mas em


termos de território nacional, a especialização dos lugares resulta na acentuação da diferença
entre espaços competitivos e espaços secundarizados, pois uma política territorial em escala
nacional na dimensão já ocorrida nos anos setenta, não apresenta sua materialidade.

Há ampliações e modernizações, mas não são significativas para o conjunto da


economia. No Mato Grosso do Sul, de 1997 a 2008 a empresa utilizou terminal arrendado e
terceirizou o serviço de transporte para os operadores que atuam na navegação do Rio
Paraguai. O sistema próprio que a empresa passou a contar em 2009 foi através da aquisição
de algo que também já existia e pertencia à Rio Tinto (empresa Transbarge Navegación).
Vagões e ferrovias foram encomendados da China173.

Essa capacidade de investimento se materializa no território sem coordenação


de uma política econômica mais ampla, mas apenas pelos interesses corporativos (interesses
hegemônicos) – o que é coerente com os objetivos almejados nos anos noventa, de
desestatização e redução do Estado à função reguladora. Mas não pode deixar de observar
que, concomitantemente ao desenvolvimento das redes de transporte na Região Concentrada,
há no país áreas cuja rede permanece precarizada, oferecendo pouca eficiência ao transporte,
encarecendo os custos de transferência das mercadorias. Houve uma apropriação, desde as
privatizações dos equipamentos de infra-estrutura, aprofundando o uso seletivo do território.

As Parcerias Público-Privadas (PPPs) não atingiram, ainda, seus objetivos para


os quais foram criadas e o ônus da instalação da infra-estrutura permanece com o Estado. Os
lucros significativos não impediram que, ao primeiro sinal de crise, a Vale demitisse 1.300
empregados (em janeiro de 2009), e colocasse a proposta de reduzir pela metade o salário dos
funcionários que entrassem de licença e a flexibilização dos contratos de trabalho enquanto os
estoques estivessem elevados. O poder da corporação é paralelo ao desmantelamento que foi

173
―Para atender à forte demanda por serviços de logística da empresa, a Companhia Vale do Rio Doce
(CVRD), sobretudo diante do incremento da produção de grãos, importará neste ano 1,2 mil vagões da China.
As compras externas complementam aquisições de vagões e locomotivas feitas à indústria nacional.‖ A-14
(Gazeta Mercantil, p. A 14, 11 de setembro de 2003. Disponível em:
http://indexet.gazetamercantil.com.br/arquivo/2003/09/11).
iniciado nos anos noventa, cuja recuperação está acontecendo, ainda que de forma lenta,
desde os primeiros anos do século XXI.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O minério de ferro como commodity ainda é importante nas exportações


brasileiras e o sistema de movimento é produzido em função das demandas do comércio
internacional.

No Quadrilátero Ferrífero, os centros urbanos, centros de pesquisa, mão-de-


obra qualificada, conjunto implantado de infra-estrutura de transportes e toda eficiência da
rede técnica são condições que fazem com que as empresas continuem a investir, prorrogando
a permanência e o usufruto da produtividade espacial dada. Como parte da Região
Concentrada, é o espaço melhor dotado de infra-estrutura de transportes (ferroviário, marítimo
e por dutovias).

No Amapá, os mecanismos financeiros propiciam recursos para investimentos


na modernização e reaparelhamento do sistema de transporte do minério, embora os marcos
regulatórios e os processos legais tenham sido questionados judicialmente – concessões para a
MMX.

Em 2009, no Mato Grosso do Sul, a Vale se estabelece como poder


centralizador e hegemônico na exploração mineral, com a aquisição dos ativos de sua
principal concorrente, a Rio Tinto, empresa estrangeira que sempre enfrentou os limites
jurídicos previstos na legislação brasileira, para a exploração mineral em área de fronteira.

A pesquisa aponta os limites econômicos da inserção brasileira no mercado


internacional a partir de produtos de baixo valor agregado, como o minério de ferro. Os lucros
obtidos com a alta nos preços dados pela demanda internacional, principalmente chinesa, não
tem alterado o padrão espacial de especialização da produção e valorização das regiões
dotadas de produtividade espacial em detrimento de regiões e setores (alguns eixos do
transporte ferroviário) menos dotados de modernização, o que reforça o poder hegemônico
corporativo e não trabalha o espaço econômico nacional em uma visão de conjunto.

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A PROBLEMÁTICA DO TRANSPORTE URBANO NO BRASIL

Flávio VILLAÇA
Universidade de São Paulo (USP)
São Paulo/SP
flavila@uol.com.br

Este artigo trata da relação entre, de um lado, os transportes de passageiros em


nossas grandes cidades, e de outro, as estruturas urbanas dessas cidades.

Vamos tratar aqui apenas do caso de São Paulo (eventualmente do Rio de


Janeiro), mas a análise aplica-se a todas as nossas metrópoles. Fazemos essa afirmação –
embora não tenhamos pesquisas específicas sobre essas metrópoles – baseados em nossos
estudos sobre segregação urbana nas metrópoles brasileiras. Este texto mostra como e porquê
a segregação entra em cena ao tratarmos do assunto anunciado no título.

Neste texto será dado destaque ao fato de que essa segregação não se manifesta
apenas nas áreas residenciais, mas também nas áreas de trabalho de maneira que ambas se
superpõem no espaço urbano de maneira a minimizar os deslocamentos diários das pessoas de
alta renda, entre locais de moradia e de trabalho. Por outro lado, as famílias de baixa renda
são forçadas a longos deslocamentos moradia/trabalho tendo em vista a localização de ambos.
Já se anuncia aqui a relação entre a segregação e os transportes.

Para compreender aquela superposição convém lembrar que as principais áreas


de trabalho das camadas de alta renda são as de atividades terciárias e não as industriais. Estas
últimas reúnem uma grande quantidade de empregos de baixa renda, mas apenas uma
quantidade relativamente pequena dos empregos da alta renda.

Ao afirmar que as áreas residenciais e as de trabalho das famílias de alta renda


se superpõem, temos um aparente paradoxo. Afinal o conceito convencional de segregação
diz que ambas essas áreas seriam separadas, ou seja, segregadas. Destacamos aqui que esse
não é o nosso conceito de segregação. Em outro texto (VILLAÇA, 2001) desenvolvemos o
conceito de ―Áreas de Concentração das Camadas de Alta Renda‖ e com isso um novo
conceito de segregação. Este novo conceito revela um processo muito mais importante para a
compreensão do nosso espaço urbano e da dominação através do espaço (VILLAÇA, 1999)
do que o conceito tradicional de segregação. Na Área de Concentração das Camadas de Alta
Renda está reunida a maior parte dessas camadas sociais, embora a recíproca não seja
verdadeira, ou seja, não é verdade que a maior parte dos que vivem em tais áreas sejam de
alta renda.

Nesta última obra citada mostramos também que a segregação (assim


conceituada) é um processo necessário para que haja dominação através do espaço urbano.

Uma das manifestações dessa dominação é o domínio exercido sobre o


mercado (especialmente o imobiliário) de maneira a fazer com que as áreas residenciais das
camadas de alta renda e suas áreas de trabalho sejam misturadas (ou se superponham, como
dito acima) de maneira a minimizar os deslocamentos entre locais de moradia e trabalho.
Chegamos assim aos pontos de Origem (O) e Destino (D) das viagens urbanas, ou seja, de um
lado, locais de moradia e, de outro, locais de trabalho (concentrações de indústria, comércio e
serviços).

Tradicionalmente os estudos e planos de sistema viário, transporte e tráfego,


baseiam-se nesses pontos onde se originam e se destinam as viagens urbanas, os já
tradicionais pontos O e D, das conhecidas Pesquisas OD. Tais pesquisas admitem tais pontos
como dados (no presente ou no futuro) e deles deduzem os fluxos e/ou demandas de
transportes.

O presente texto questiona exatamente essa premissa e analisa como tais


pontos são produzidos (e não dados). Pretendemos aqui questionar as previsões da futura
estrutura urbana e seus métodos e também analisar as relações entre os fluxos de transportes e
a estrutura urbana, ou seja, a organização das áreas residenciais (segundo as classes sociais) e
das áreas de concentração de empregos, de indústrias, comércio e serviços (a começar pelo
centro principal das cidades). Estes são os mais importantes elementos da estrutura territorial
urbana.

Entretanto, não é apenas a localização dos pontos O e os pontos D – locais de


moradia e locais de trabalho – que afeta os deslocamentos diários dos habitantes de uma
cidade. Vejamos os demais fatores que afetam tais deslocamentos.

Os deslocamentos das pessoas sejam eles moradia-trabalho, moradia-escola,


moradia-comércio e serviços, sejam eles moradia-lazer, etc., todos esses deslocamentos, seus
tempos e custos são determinados:

 Pelos veículos utilizados: temos aqui então a distinção fundamental que divide a
população de uma cidade em duas categorias principais: os que usam transporte público e os
que usam transporte particular. Nas metrópoles que tem metrô, poderíamos criar uma
subdivisão dentro dos usuários de transporte público, separando os que usam o metrô dos
demais;

 Pelo sistema viário que atende a população: tal sistema viário é muito ligado aos
veículos indicados no item anterior, já que há uma total correlação entre ambos. A diferença
está entre o sistema viário em trilhos e o sistema viário para pneus. No primeiro só podem ser
usados metrô e trens, ambos transportes públicos. Já no segundo caso, o mesmo sistema viário
tanto pode ser usado por transporte privado (automóveis) como por transporte público
(ônibus).

Finalmente – e repetindo – por ser um fator que raramente chama a atenção dos
técnicos e estudiosos, os deslocamentos são determinados pela localização dos pontos de
origem e destino das viagens. Estes não são dados como geralmente se admite.

Reconhecemos que é muito difícil enfrentar as leis do mercado (especialmente


as do mercado imobiliário); que é muito difícil contrariá-las; que não é fácil enfrentar as
forças políticas (sem falar, é claro, nas forças econômicas) que estão atreladas a esse mercado.
Entretanto é fundamental ter consciência da atuação e da força de tais leis e da importância de
se lutar contra elas. São tais leis que moldam a estrutura territorial de uma metrópole e é delas
sua relação com os transportes, que vamos falar.

São os interesses das camadas de mais alta renda – e o domínio que exercem
sobre o mercado – que levam à proximidade entre seus locais de trabalho e serviços e de
residência. O mesmo não se dá com as camadas de mais baixa renda. Vejamos.

As camadas de alta renda têm uma única concentração de empregos


(concentrações de locais de comércio e serviços); tal área é, não só concentrações de
empregos, mas também concentrações dos locais onde essas classes fazem suas compras
(lojas mais caras, shopping centers, etc.) como também se servem de seus serviços (escolas –
especialmente as de jovens e crianças –, restaurantes, locais de diversão, bancos, salões de
beleza, etc). Tais concentrações – e suas ligações com as concentrações de moradias são
responsáveis pelos maiores volumes de tráfego de qualquer metrópole.

Tais concentrações se superpõem aos bairros residenciais das camadas de mais


alta renda. No caso de São Paulo, ambas se localizam no Quadrante Sudoeste: de
Higienópolis-Pacaembu à Granja Viana ou Alphaville. No caso do Rio, são representadas por
toda a Zona Sul, até o Recreio dos Bandeirantes. A Barra da Tijuca, Copacabana, Ipanema e
Leblon, por exemplo, são um caso paradigmático de superposição das moradias, de um lado, e
de comércio e serviços (locais de emprego, compras e serviços), de outro. São Paulo, e seu
Quadrante Sudoeste, não são diferentes, embora não pareça.

O mesmo não ocorre com as camadas de baixa renda. Em primeiro lugar, por
que os locais de trabalho dessas camadas (sejam eles concentrações industriais, sejam
concentrações terciárias) são em número maior que os locais de trabalho da alta renda: no
caso de São Paulo seriam: a) o centro principal; b) a zona industrial do ABC; e c) a própria
região de concentração dos empregos da alta renda. Convém lembrar que esta região (no caso
de São Paulo, as concentrações terciárias do Quadrante Sudoeste) é uma grande concentradora
não só dos empregos de alta renda, mas também dos empregos da baixa renda. Um shopping
center, por exemplo, tem muito mais (talvez quatro ou cinco vezes mais) empregos da baixa
renda (segurança, manutenção, balconistas, garçons, pessoal de limpeza, etc.) do que de alta
renda.

São Paulo tem assim, no mínimo três grandes concentrações de empregos de


baixa renda, contra apenas uma dos de alta renda. Por outro lado, as áreas de moradia da baixa
renda ocupam cerca de 3/4 da metrópole. Assim, é muito difícil que os membros de uma
família de baixa renda consigam morar próximo ao local de emprego. Se morar perto do local
de emprego da esposa ou de um dos filhos, morará certamente longe do emprego do marido,
ou vice versa.

Forma-se assim uma estrutura urbana injusta e penosa para as camadas de


baixa renda, enquanto essa mesma estrutura urbana favorece aos moradores de mais alta
renda. Assim, os tempos gastos em deslocamentos territoriais (em transporte) não favorecem
aos de renda mais alta apenas por possuírem mais veículos particulares e terem para si um
melhor sistema viário. A própria localização dos locais de moradia e emprego (os pontos de O
e D) favorece a população de mais alta renda, em detrimento da de mais baixa renda.

É assim que os planos de transportes baseados nos pontos de O e D favorecem


as classes de mais alta renda. Claro que essa classe é favorecida mesmo sem esses planos
(pelo poder político de que desfrutam), como já mostramos nos textos aqui citados. O que
mostramos aqui é como a técnica e a ciência (incorporadas nas Pesquisas O-D) não são
neutras nem isentas. Na verdade é uma ―roupagem‖ supostamente ―científica‖ para os
interesses dominantes.

REFERÊNCIAS
VILLAÇA, Flávio. Espaço Intraurbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, FAPESP.
Lincoln Institute, 2001.
VILLAÇA, Flávio. Efeitos do espaço sobre o social na metrópole brasileira. In: SOUZA,
Aparecida de (org.). Metrópole e globalização. São Paulo, Cedesp, 1999.
PARTE 3

TRANSPORTES E LOGÍSTICA: UMA DISCUSSÃO REGIONAL


TRANSPORTE FLUVIAL NA AMAZÔNIA

Ricardo José Batista NOGUEIRA


Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Manaus/AM
nogueiraricardo@uol.com.br

INTRODUÇÃO

Numa rápida observação do mapa da região Norte, chega a ser evidente a


quantidade de traços azuis que representam a densidade da bacia amazônica. São rios em sua
maioria navegáveis, porque o porte das embarcações que por ele trafegam é determinado
socialmente como forma de assegurar a mobilidade interna dos ribeirinhos aí instalados, há
pelo menos três séculos.

O objetivo deste artigo é demonstrar a importância crucial dos rios na


Amazônia, e mais especificamente no estado do Amazonas. Um recurso que viabilizou e
continua viabilizando os processos de articulação da rede urbana regional - e mesmo
internacional - a partir da forma de organização do sistema de transporte fluvial existente na
região, a despeito da construção de algumas estradas que periferizam a região. Na verdade, o
padrão de circulação rio-várzea continua a ser fundamental para os ribeirinhos e inúmeras
cidades em pelo menos dois milhões de km² do país, tendo no transporte fluvial a principal
forma de mobilidade.

Toda história da Amazônia foi construída a partir dos processos de ocupação


que os colonizadores procuraram impor às sociedades já existentes na região, processos esses
que culminaram em pilhagens, massacres e submissão dos antigos habitantes. A forma de
penetração no território amazônico, ao contrário do Nordeste ou mesmo da região Sudeste,
onde as tropas de mulas tiveram sua importância, foi essencialmente por via fluvial, caminhos
que, com pequenas limitações, permitiram chegar até mesmo ao sopé da cordilheira dos
Andes. Esses caminhos fluviais serviram também para dinamizar todo um ―comércio
intertribal‖, entre nações que se estabeleceram, prioritariamente, nas várzeas dos rios da bacia
amazônica.

Com um padrão de povoamento linear, as sociedades originárias da região


construíram, em grande parte, todas as suas relações de comunicação e transporte utilizando o
rio como via. A extensão lateral das várzeas, associada à enorme variação do regime fluvial,
já dava aos rios a vantagem para a circulação de pessoas e produtos. Assim, a dizimação de
muitas nações ribeirinhas também foi facilitada, ―ao mesmo tempo em que missões e
povoados eram fundados ao longo do Amazonas com índios descidos pelas tropas de resgates
e missionários174

Talvez estejamos falando de como a primitiva forma de organização espacial


amazônica começa a dar lugar a outra forma de produção do espaço em que, no fundo, a
forma em si permanece a mesma, linear, embora com nova função, fornecendo produtos, e
originando processos diferenciados porque pertencentes, agora, a outra estrutura: a
dependência da metrópole portuguesa.

A consolidação de muitas dessas missões, fortalezas e povoados culminaram


na formação dos primeiros núcleos urbanos da Amazônia, todos às margens dos principais
rios, permanecendo, portanto, como a via de articulação dos lugares, por onde circularam
índios escravizados e drogas do sertão, rio abaixo, e mercadorias e as ordens da colonização,
rio acima. Uma condicionante na origem dos fluxos internos que demorará séculos para ser
rompida. A cidade de Belém, fundada em 1616 como centro principal da Amazônia por pelo
menos 300 anos expressa bem isso.

A NAVEGAÇÃO NA AMAZÔNIA

A colonização não podia deixar de assimilar, como assimilou, inúmeras


técnicas indígenas intimamente vinculadas ao mundo das águas, como a habitação, a pesca e a
navegação, principalmente. La Condamine, quando narra sua viagem pelo rio Amazonas em
1775 , no trecho compreendido entre Pebas, hoje território peruano e São Paulo (hoje São
Paulo de Olivença-Amazonas), diz: ―passamos por duas tormentas em nosso trajeto, mas a
grande experiência dos índios faz com que seja rara a ocorrência de uma surpresa no meio do
rio‖.175

A transmissão do conhecimento da técnica de produção das diversas


embarcações e acessórios – que envolve, por exemplo, a identificação da madeira apropriada
– e o domínio das técnicas de navegação – que envolvem conhecer os canais dos rios,176

174
Antonio Porro, O povo das águas. São Paulo/Petrópolis, Edusp/Vozes, 1995, p. 75.
175
Charles Marie de La Condamine, Viagem pelo Amazonas. Rio de Janeiro/São Paulo, Nova Fronteira/Edusp,
1992, p. 70.
176
O fato de os rios da calha Amazonas-Solimões não possuírem leito definido – pois são geologicamente
recentes – faz com que o canal principal de navegação não seja sempre o mesmo, a cada ano.
lugares com pedras ou bancos de areia e passagens, furos e paranás que encurtam o caminho –
constituiram-se em saberes fundamentais para a vida de caboclos, colonos e mamelucos,
oriundos da miscigenação, nas várzeas amazônicas; apesar de estarem sendo lentamente
―perdidos‖ com o processo migratório rumo às cidades.

Quanto à habitação, sua construção, seja sobre palafitas, fixada na altura da


―maior enchente‖, seja flutuante, sobre troncos de árvores, indica, num primeiro plano, formas
adaptativas a determinadas condições sócio-ambientais, sendo essas bem distintas no tempo e
no espaço.

Por último, a pesca, sendo o recurso alimentar mais abundante, implica em


conhecimentos diversificados e sofisticado de captura, que varia de instrumental, tecnologia,
tipo de peixe, época e lugar de pesca. Isso implicou, por exemplo, na implantação dos
chamados Pesqueiros Reais, aldeamentos reais cujo objetivo era a produção de alimentos por
índios e por colonos para garantir a sobrevivência na Amazônia, seja dos mandatários, seja
dos coletores das drogas. Oliveira aponta que ―na segunda metade do século XVII, já havia
pesqueiros na Amazônia, localizados tanto na Ilha do Marajó quanto no Amazonas e no Rio
Branco‖ 177 não sendo sequer permitida a pesca por particulares.

Torna-se difícil falar de navegação na história da Amazônia se não incluirmos


o comércio aí realizado, um comércio que já extrapolava as fronteiras naturais da região no
começo do século XVII. Aqui não nos referimos apenas ao comércio sob o controle dos
portugueses. Pelo menos duas rotas de comércio estabelecidas entre indígenas e estrangeiros
escapavam à vigilância do colonizador. Uma, foi a relação comercial entre nações da várzea
dos Rios Solimões – Carabayana, Jurimagua – e os holandeses que, a partir do Rio Essequibo,
na Guiana, atingiam o Tacutu, e daí as cabeceiras do Rio Branco, enviando ferramentas,
armas e panos àquelas nações em troca de escravos-índios capturados por outros índios,
inserindo-se num circuito comercial que envolvia diversas tribos. A outra, mais estritamente
intertribal, ligava o Japurá e o Rio Negro que, na enchente, unem-se, via pequenos rios, ao
Uaupés e daí aos contrafortes andinos, por onde passavam ouro, raladores de mandioca,
urucu, tacapes, etc. (PORRO, 1995, p. 130).

177
Tradicionalmente, os estudos sobre os processos de colonização na Amazônia enfatizam o papel da Igreja e
da escola – e mesmo da prática agrícola – como elementos fundamentais para tal fim. Contudo, pouca
importância foi dada às atividades que asseguraram a colonização, tais como: agricultura familiar camponesa,
pesca e navegação. Ora, os pesqueiros reais e os cabos de canoas garantiram, ainda, a reprodução das condições
gerais de existência na colônia (OLIVEIRA, 1983, p. 181).
Esses dois exemplos de circuitos comerciais realizados em direção contrária à
corrente do grande rio e, portanto, fora do controle português estabelecido na calha do Rio
Amazonas indica a possibilidade de se pensar uma Geografia da Amazônia colonial não
restrita aos circuitos montados pelos colonizadores para a coleta das drogas do sertão. É digno
de nota, sobre esse circuito oficial, o comércio realizado pelos índios do alto Solimões, que
surpreendeu La Condamine em sua viagem, não pelo que levavam até Belém – o cacau – mas
pelo que traziam:

Ficamos agradavelmente surpresos ao ver, no meio daquele deserto, camisas


de tela da Bretanha em todas as mulheres indígenas, baús com fechaduras e
chaves de ferro entre seus móveis, bem como ao encontrar ali agulhas,
espelhos, facas, tesouras, pentes e diversos outros pequenos móveis da
Europa [...] (LA CONDAMINE, 1992, p. 62).

Isso nos remete ao percurso inverso daquele realizado pelas drogas do sertão,
pois é certo que desciam índios, cacau, salsa, óleos, raízes, madeiras e outros produtos da
floresta. Mas, o que seguia no sentido inverso dos rios, além de ordens? Num trabalho extenso
sobre a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, e minucioso quanto aos produtos da
floresta e da agricultura e quantidades exportadas, Dias (1970) relaciona também a
diversidade de produtos que chegavam à Belém remetidos de Lisboa.

Em 1762, por exemplo, os navios Santa Anna e São Francisco Xavier deixam
Lisboa carregando barris de azeitonas, breu, manteiga, farinha, vinho, vinagre, tecidos,
pólvoras, chapéus, sal, vidros, louças, ferramentas, entre tantas outras mercadorias. Com
certeza, ao chegarem à Belém, após o abastecimento local, esses produtos deveriam continuar
subindo o rio em barcos e canoas de comerciantes, regatões e das missões, pois os navios da
Companhia Geral não subiam o Rio Amazonas.

De qualquer maneira, uma política colonialista da Coroa para a Amazônia


indígena (SILVA, 1996) era deter o domínio completo da navegação, mantendo fechado ao
estrangeiro o acesso fluvial à região até meados do século XIX, proibição que permanece após
a Independência e só é resolvida com a introdução do barco a vapor e do comércio,
procurando drenar para si os excedentes produzidos.

O REGATÃO178

178
Nome dado ao comerciante que, utilizando-se de um barco, vende mercadorias aos moradores estabelecidos
nos beiradões da Amazônia.
A Geografia do Brasil colonial aponta, no início da conquista do território, o
papel fundamental que os rios tiveram para penetrar em seu interior. Da Bahia ao Maranhão
os rios permitiram a ligação marinha-sertão. No Sudeste, os rios correndo em direção ao
interior em virtude da cadeia montanhosa existente – Serra do Mar – também contribuíram
para a conquista. A expansão da pecuária e sua mobilidade forjaram a construção de inúmeros
caminhos, paralelos ou transversais aos já conhecidos caminhos fluviais, passando a
predominar como via de circulação.

Condições como dispersão da população ao longo das principais rotas de


navegação – larga planície inundável pelo menos durante cinco meses do ano e floresta
tropical densa – fizeram com que os rios amazônicos se constituíssem em caminhos de acesso
a vilas, missões, fortes e pequenos aglomerados de ribeirinhos instalados às suas margens. No
decorrer do processo de ocupação territorial portuguesa, com certeza, não se optaria, para
efetivar a conquista, por abrir caminhos por terra. Primeiro, porque a vida estabelecida estava
às suas margens; segundo porque o meio de transporte – canoas, barcos, batelões, etc. – não
carecia de mão-de-obra extra para movimentá-lo, sendo o trabalho do índio também usado
para essa finalidade; por fim, a capacidade de transporte de produtos por via fluvial sempre
fez do barco um importante meio de transporte.

Ainda que não tenha sido construída, como o são os caminhos terrestres – não
aparecendo assim como matéria trabalhada – a rede hidrográfica condicionou, por longo
período, todas as práticas sociais na região. O extrativismo, por exemplo, impunha, ademais,
uma das formas mais elementares da relação sociedade-espaço, ocorrendo muito mais uma
valorização do produto do que do espaço (MORAES; WANDERLEY, 1984), um predomínio
da mobilidade frente à fixação. Talvez isso tenha contribuído para que não se constituísse na
região formas duradouras – as rugosidades – que pudessem expressar na paisagem um
processo mais evidente de exploração, exceto, obviamente, as maiores cidades como Manaus
e Belém, pois somente aí há testemunhos vivos de épocas pretéritas (SANTOS, 1978), lugares
de cristalização dos excedentes.

Nesse conjunto de circunstâncias, emergiu a figura do regatão, mascate fluvial


que negociava a créditos inúmeras mercadorias com as populações estabelecidas nos rios,
lagos e igarapés da região. Sua atuação ―soldou‖, a partir da mobilidade que lhe era própria,
diversos pontos do território amazônico. A provável aparição do regatão ocorreu por volta de
1668 (MONTEIRO, 1958). Houve uma expedição enviada, em 1716, do Pará ao Rio Madeira
contra os índios Turás que atacavam as canoas dos regatões (MONTEIRO, 1958). Já no final
do século XVIII, estavam disseminados no Negro, no alto Solimões e no baixo curso do
Madeira, com suas canoas de poço.

Perseguição e prestígio vão marcar a vida desse mercador flutuante e


ambulante. Foram vários os decretos provinciais que procuraram regulamentar, via cobrança
de impostos, a atividade que concorria com o comércio fixado, comerciantes da beira do rio
ou seringalistas, em virtude do desvio da borracha. Foi a exploração da borracha e a
introdução do motor que ampliaram a atuação territorial desses comerciantes ambulantes
fluviais.

Tão logo surgidos os motores de propulsão, o regatão adotou-o, adaptando-o


ao centro ou à popa do barco, dependendo do tipo e envergadura deste. A
novidade foi-lhe de grande utilidade, pois a par de abreviar o tempo gasto no
giro comercial, permitia-lhe, conforme a força da máquina, levar a reboque
batelões lotados de mercadorias (GOULART, 1968).

O barco motorizado vai revolucionar a noção de uso do tempo-espaço na


região, desorganizando territorialidades/temporalidades instituídas para dar origem a uma
reorganização das mesmas. Bastos (1975), apesar das críticas severas que faz às subvenções
dadas às empresas de navegação, diz ―abençoemos o vapor que sibila nas solidões do
Amazonas‖.

Vale destacar também o processo de diferenciação interna aos mascates


fluviais, que parecem aprofundar-se após a introdução do motor a propulsão, pois os regatões
não eram iguais entre si e suas atuações espaciais eram distintas. Essa diferenciação, segundo
Goulart, era dada a partir do poder financeiro dos mascates e materialmente expressa pela
capacidade de carga dos barcos,179 bem como na composição da tripulação. Assim, o pequeno
regatão foi definido como aquele que permaneceu com a canoa a remo, atingindo os altos rios,
onde outras embarcações maiores não conseguiam chegar; o médio regatão, motorizado,
legalizado, atuava em circuito intermediário, isto é, ultrapassava os limites de navegação
impostos às grandes embarcações, não alcançando, contudo, os altos rios; enfim, o grande
regatão

Estabelecido com armazéns nas bocas dos rios, irradiando (grifo nosso) seu
comércio por meio de lanchões motorizados, rebocando, à ilharga ou a ré,
batelões prenhes de mercadoria, ou dos navios-regatões que também supriam
componentes das demais categorias (GOULART, 1968, p. 63).

179
Começam a aparecer embarcações de até 50 toneladas.
Como na atualidade os ―barcos de linha‖ possuem uma atuação territorial mais
ampla, os territórios do regateio foram reduzidos.180
Esse esquema serve de ilustração ao modo como se dava o uso diferenciado do
território amazônico a partir das redes de transporte criadas para distribuir-coletar
mercadorias. Percebe-se, dessa maneira, Igreja, Estado, comerciantes de diversos portes –
móveis, nos rios, e fixos, nas cidades – índios, colonos, caboclos e funcionários participando
de uma ampla cadeia de relações de dominação e de subordinação, de produção e de consumo
que determinava a organização social do espaço criando fluxos mais e menos densos.
A reconstrução do espaço amazônico, composta de aldeamentos régios,
aldeamentos missionários, aldeamentos indígenas, aldeamentos militares, lugares de pesca, de
caça, de coleta, de agricultura e pequenos agrupamentos de colonos e de caboclos, arranhando
apenas as margens dos rios, contorno de ilhas, paranás e igarapés, estando os mesmos
articulados por uma rede de dependência mútua – trabalho, produtos, ordens –, pelo fato de
suas inscrições no espaço terem sido quase que imperceptíveis, ou melhor, por não terem
aberto marcas profundas na natureza, numa relação completamente distinta dos grandes
projetos das décadas de 1970 e 1980, desviou muitas análises a respeito da região,
considerando-a como um vazio. A princípio, uma ―paisagem sem história‖.
Daí os rios, os lagos e a floresta aparecerem sempre nos mapas como
elementos da natureza, desprovidos de qualquer conteúdo social. Ao contrário, uma estrada,
por menor que seja, aparece como via de ligação entre os lugares, traduzindo imediatamente
circulação de pessoas ou mercadorias. Pensar o mesmo para os rios é mais difícil.

O MOTOR NA EMBARCAÇÃO

A motorização das embarcações colocará em outro patamar a produção do


espaço amazônico. Embora com praticamente todos os limites territoriais definidos, ao final
do século XIX, a permissão por parte do Estado para a exploração da navegação no Rio
Amazonas e, depois, em outros rios, alterará, em primeiro lugar, os ritmos internos,
subordinando-os a outro ritmo, o externo; e, em segundo lugar, uma alteração territorial
resultando da conquista promovida pelo processo de valorização do látex – o território do
Acre.

180
A expansão do comércio fixo por vilas e cidades do Amazonas, bem como a expansão das linhas de
navegação dos barcos regionais, atingindo praticamente todas as cidades do Amazonas e Oeste do Pará, fez com
que esse tipo de comércio ficasse reduzido aos recônditos lugares onde não há barcos de linha regular.
É com o Barão de Mauá, em 1854, que a navegação a vapor ganha impulso no
Amazonas, às custas de subvenção da província do Amazonas (NOGUEIRA, 1994), que
culminaram numa história de incorporações empresariais, sendo sua a ―Companhia de
Navegação e Comércio do Amazonas‖, a empresa que incorporava quem lhe fizesse
concorrência. Transformada no final do século XIX em The Amazon Steam Navigation, com
excepcional geografização das atividades: capital inglês, sede em Belém, diretoria no Rio de
Janeiro, sucursal em Manaus, agências e estações espalhadas por todo o território amazônico
– brasileiro, peruano e boliviano –, impulsionou, em definitivo, o comércio no Amazonas,
dividindo, já àquela época, a Amazônia em duas: a região de Belém e a de Manaus. Essa
última, segundo Nery (1979) (Barão de Santa-Anna Nery) para libertar-se do estado vizinho,
ligou-se diretamente com o exterior. Linhas de navegação entre Manaus-Gênova, Manaus-
Liverpool, Manaus-Nova York foram criadas; internamente, de Manaus ao Rio de Janeiro e
de Manaus ao Alto Amazonas, Madeira, Purus e Juruá. O móvel de toda essa dinâmica
espacial foi, evidentemente, a exploração da borracha, mercadoria que, enquanto era
monopólio da região, proporcionou mudanças significativas nas duas cidades, seja como
centros de captação de parte do excedente produzido, seja em relação à infra-estrutura urbana.

Dentro da província do Amazonas, a linha do Rio Madeira, partindo de Manaus


até Santo Antônio, hoje Porto Velho, possuía 42 escalas; e a linha do Rio Purus, até a
localidade de Anajás, a 1.437 milhas de Manaus, tinha 72 escalas, pontos de coleta de
borracha e de outros produtos da floresta, e portos de lenha para abastecimento do vapor. A
valorização da borracha estimula as casas comerciais a encomendarem barcos possantes para
também subirem os rios atrás do produto. Isso garantiu a constituição de uma ―Geografia da
borracha‖, representada espacialmente pelas ―estradas de seringa‖, caminhos na mata; a casa
do seringueiro, defumação para o transporte; o barracão e o porto, formação de estoques; o
barco, efetivação do transporte; casas aviadoras, nas cidades, que compravam o produto;
bancos, para financiamento; e expedição para o exterior, através do porto fluvial, flutuante, de
Manaus, em operação até os dias atuais.

Esse padrão rio-várzea, linear, é ainda, nos dias de hoje, essencial para se
compreender a formação sócio-espacial da Amazônia, pois mesmo a construção de várias
estradas na região – algumas se articulando com o rio – não desviou cidades ou populações de
suas margens. Pelo contrário, cidades foram plantadas às margens das rodovias como fruto
dos projetos de colonização, principalmente. Hoje a construção de rodovias na Amazonia é
ponto extremamente polêmico, confrontando ambientalistas e produtores rurais. Como é que
algo – uma estrada – que sempre esteve associado à idéia de progresso e ao desenvolvimento
dos lugares, pode ser visto como destruição de outros? Por que condenar à imobilidade
populações que poderiam ter acesso a serviços médicos mais rápido que o transporte fluvial?

FORMAS DE EMPREENDIMENTOS NA NAVEGAÇÃO

Hoje a forma de estruturação do empreendimento de navegação na Amazônia é


bem diversa. Procuraremos expor o funcionamento de cada segmento: empresas de navegação
de transporte exclusivo de cargas; empresas de navegação de derivados de petróleo; e
empresas de transporte de cargas e passageiros. Além destes, existem embarcações de uso
particular, para turistas, travessias e mesmo de empresas estatais.

Cada segmento possui uma atuação territorial específica, estando alguns


disseminados em toda a Amazônia, outros apenas nas calhas principais. Procurar dar conta
dessa geografização significa querer deixar patente que o uso do território – nesse caso, do
rio, da via fluvial – é diferenciado porque resulta de uma história territorial que, ao longo do
processo de ocupação da região, definiu funções para cada lugar, aliado à forma de produção
predominante extrativista, que determinou muito mais a mobilidade que a fixação.

Por sua vez, mobilidade é também a característica fundamental da atividade


transporte, diferente das demais atividades produtivas que têm na fixação sua base de
realização. E, numa sociedade em que o ritmo da acumulação depende essencialmente do
tempo de rotação das mercadorias, o setor transporte está constantemente submetido a
inovações tecnológicas voltadas para o aumento da velocidade, da capacidade de carga e da
redução de seu custo de produção, visto que interfere nos custos de produção e distribuição de
várias mercadorias. Enfim, é um setor que, sendo considerado de utilidade pública, está sob
vigilância constante do Estado, principalmente o segmento de passageiros.

EMPRESAS DE NAVEGAÇÃO

O primeiro segmento da navegação a ser observado é o das grandes


empresas,181 caracterizado pela organização sindical, pelo emprego maciço de capital em
equipamentos flutuantes – balsas e empurradores –, um tempo mínimo de parada nos portos,

181
Podemos dizer que uma grande empresa de navegação, na Amazônia, é aquela que possui uma frota superior
a dez comboios – conjuntos – de balsa-empurrador.
atendendo às indústrias do Pólo Industrial de Manaus e ao comércio da cidade, fazendo a
articulação inter-regional, cujo percurso fundamental é o eixo Manaus-São Paulo. Usam, da
bacia amazônica, apenas os Rios Amazonas, até Belém e o Rio Madeira, até a cidade de Porto
Velho, tornando as cidades intermediárias apenas passagem, e ligando, posteriormente, com
rodovias que conduzem ao Centro-Sul.

As empresas locais que atuam nesse segmento, com suas sedes em Manaus e
em Belém, são basicamente oriundas do regatão tradicional, cuja acumulação, ao longo de
décadas, por um lado, e a própria decadência do comércio de regatão, por outro, permitiu que
se desviasse o empreendimento para o atendimento às indústrias que começaram a se instalar
em Manaus na década de 1970, e mesmo para o atendimento às obras governamentais no
mesmo período.

A expansão da oferta de cargas geradas em Manaus com o incremento da


produção industrial trouxe outras empresas de transporte para a região. Contudo, eram
empresas que atuavam apenas na modalidade rodoviária e, para cumprir o percurso, ficavam
na dependência dos armadores fluviais regionais. A exigência colocada pela indústria para
reduzir o tempo de rotação de suas mercadorias conduziu a uma corrida pelo melhor
equipamento flutuante, transformando algumas empresas originariamente rodoviárias em
empresas de navegação também.

Ao abrigar diferenciações, o segmento conta com um importante apoio dos


―carreteiros fluviais‖, proprietários de apenas um conjunto de balsa-empurrador, que, não
possuindo clientes certos ou rotas preestabelecidas, com uma atuação territorial indefinida,
levando mercadorias para onde forem contratados, são incorporados às frotas das grandes
empresas nos momentos de expansão econômica e descartados nas crises de cargas.

Outro segmento empresarial responde pelo transporte fluvial de soja,


embarcada na cidade de Porto Velho, no Rio Madeira, com destino à cidade de Itacoatiara, no
Rio Amazonas. As balsas graneleiras, construídas em estaleiros da cidade de Manaus,
cumprem este percurso guiadas por sistema sofisticado de sonar para identificar possíveis
bancos de areia ou pedras no leito do Rio Madeira, principalmente em seu período seco.

Quanto às empresas que transportam derivados de petróleo – gasolina, diesel,


gás, querosene, lubrificantes –, o ―filet mignon‖ da navegação, pelo fato do frete ser
subsidiado pelo governo federal, sua importância é fundamental na medida em que fazem
chegar às mais distantes comunidades produtos que vão movimentar motores de força das
usinas termelétricas de todas as sedes municipais do Amazonas, motores de popa, moto-
serras, raladores de mandioca e uma série de equipamentos úteis à vida da zona rural da
Amazônia.

Como são embarcações – balsas petroleiras – que possuem requisitos especiais


de segurança, são impedidas de transportar qualquer outra mercadoria, mesmo em seu retorno,
quando em geral estão vazias.

Ingressar neste segmento não é uma tarefa simples. Como este segmento é
extremamente disputado por quem transporta derivados de petróleo, a BR Distribuidora tem
adotado uma política de casar as vendas de gasolina nos postos das cidades e dos postos
flutuantes às cotas de transporte fluvial dos derivados de petróleo. Isto produziu uma corrida à
expansão da abertura de postos em diversos lugares da Amazônia.

O BARCO REGIONAL

O segmento de cargas e de passageiros, caracterizado pelo uso de barcos de


madeira, sem frotas, normalmente com proprietários de uma única embarcação, que atende
com regularidade todas as cidades da Amazônia e participando de um mercado com
concorrência acirrada, representa o que há de mais original no transporte da região. A
Capitania dos Portos, sediada em Manaus, possui o controle de cerca de 300 embarcações que
fazem linha regular saindo desta cidade. O entorno de Belém também apresenta grande
movimento para as cidades e vilas próximas. Além destas, há milhares de barcos que atuam
nas pequenas cidades, que usam portos particulares, que não estão registradas, que são usadas
para diversos fins.

Responsáveis pelo transporte intra-regional, as embarcações que navegam nos


mais diversos rios da Amazônia operam dentro de condições singulares, como dispersão dos
passageiros, baixo poder aquisitivo dos mesmos e longas distâncias a serem percorridas.182
Com essas condições, para assegurar a reprodução do empreendimento, cuja origem está
também no regatão, foi necessário fazer a aliança de três atividades em torno do barco: a
cobrança da tarifa sobre os passageiros, a cobrança do frete das mercadorias transportadas e a
realização de um comércio permanente entre a origem e o destino da linha, envolvendo a

182
A distância fluvial entre Manaus e Belém é de 1.660 km; de Manaus a Tabatinga, na fronteira com a
Colômbia, 1.500 km; de Manaus a Porto Velho, 1.200 km; de Manaus a Eirunepé, no alto Juruá, 3.100 km, este
percurso não possui freqüência regular.
compra e a venda de produtos industriais e de produtos da floresta, dos rios e da agricultura,
sendo essas duas as principais fontes de remuneração do pequeno armador.

Segmento que não pode ser caracterizado como capitalista, apesar das
imposições do órgão que regulamenta a segurança – a Capitania dos Portos183 –, esses
pequenos armadores são fundamentais à reprodução do processo de acumulação regional, na
medida em que asseguram, por exemplo, a mobilidade interna de uma força de trabalho e a
circulação de produtos pelo vasto território amazônico com a rentabilidade que uma empresa
capitalista se negaria a operar.

Os ―barcos de linha‖ têm a expansão da frota associada a dois processos


semelhantes em tempos distintos e, em ambos, o Estado teve participação. O primeiro
processo situa-se no período da borracha, momento em que o Estado subsidiava apenas as
grandes empresas de navegação, garantindo-lhes, ainda, as melhores linhas para o transporte
de carga e de passageiros. As casas comerciais que compravam borracha e eram donas de
embarcações, além de atuarem sem subsídio, circulavam nas ―brechas‖ deixadas pelas
grandes empresas. Eis a própria expressão territorial da atuação diferenciada das firmas. A
decadência da borracha arrasta para o fundo evidentemente as casas comerciais. O Estado
incorpora a empresa subsidiada – Amazon River – e a transforma em Snapp (Serviços de
Navegação e Administração dos Portos do Pará), na década de 1940, para transformá-la na
Enasa (Empresa de Navegação da Amazônia), já na década de 1960, que encerrou suas
operações em 2003.

O segundo processo inicia-se com a decadência da estatal Enasa, abrindo o


mercado para a atuação generalizada dos pequenos armadores no transporte de cargas e de
passageiros, operando com embarcações de tamanho médio – 25 metros e mais de 100
passageiros. Da mesma forma que há cobrança do frete continuam sendo os principais
geradores de receita das embarcações, pois são essas que respondem pelo abastecimento das
diversas cidades do interior, tendo como principais pólos irradiadores as cidades de Manaus,
Belém e Santarém.

O maior fluxo de embarcações não poderia deixar de ser o próprio Rio


Amazonas, visto que aí estão localizadas as maiores cidades da Amazônia e dezenas de
cidades intermediárias. Além do Rio Amazonas, o Rio Solimões, trecho compreendido entre
Manaus e a fronteira com a Colômbia, também apresenta um fluxo de embarcações regionais

183
Tais exigências incluem a regularização da tripulação, geralmente composta por familiares, equipamentos de
segurança, seguro da embarcação, entre outras tantas.
que atende as cidades às suas margens. Neste trecho, porém, não se encontra a navegação de
grandes empresas. O Rio Madeira apresenta a sua importância na medida em que é hoje a
principal ligação do Amazonas com o restante do Brasil. Para o Rio Negro, o fluxo apresenta-
se reduzido, pois existem apenas três cidades, com média de 25 mil habitantes, ao longo de
850 quilômetros.

Outro segmento, na verdade menos visível, é constituído por embarcações cujo


porte é menor que o anterior – 15 metros e 40 passageiros – e que se encarrega de articular as
cidades de pequeno porte com as inúmeras vilas e povoados dispersos por paranás, igarapés e
lagos, servindo até mesmo de correio. Realizam viagens curtas, entre 8 e 10 horas,184 e
atendem basicamente os ribeirinhos, comprando sua produção para negociar nos centros
urbanos e adquirindo aí mercadorias encomendadas pelos mesmos, que vão desde um galão
de gasolina até sementes para o plantio de horta. Enfim, a existência de um grande número de
proprietários de canoas com motores de popa, realizando serviços de travessia, atendimento a
turistas, táxi fluvial, fazendo fretamento ou simplesmente de uso particular para o
deslocamento entre uma mercearia flutuante e um núcleo urbano, visitar um amigo na outra
margem do rio, ver o gado que foi transportado para a terra firme, jogar futebol no campo
vizinho, ir a uma festa num lago de uma comunidade próxima, etc. A possibilidade de
aquisição de pequenos motores – entre 3,5 hp e 9 hp – por ribeirinhos tem produzido
mudanças em suas vidas.

Como condição específica à atividade transporte, nesses dois últimos


segmentos também estão presentes o desejo do aumento da velocidade, da superação mais
rápida do espaço a partir da introdução de máquinas mais potentes nas embarcações. A
emergência da renovação tecnológica é muito mais dirigida aos motores em si, às máquinas,
do que propriamente às condições de conforto no interior das embarcações. É importante aqui
salientar o surgimento de um segmento voltado para o transporte exclusivo de passageiros
denominado ―barcos expressos‖ ou ―a jato‖, em que lanchas com poltronas dotadas de
possantes motores cumprem percursos com redução substancial de tempo em comparação
com os barcos tradicionais.

Ora, pelo exposto fica patente que o padrão de circulação em grande parte da
Amazônia Ocidental, principalmente, apresenta-se extremamente condicionado às vias

184
Como as distâncias entre cidades na Amazônia são geralmente medidas em dias de viagens, variando entre
oito dias até Tabatinga, no alto Solimões, e um dia à Parintins, divisa do Amazonas com o Pará, partindo de
Manaus, consideramos viagens curtas aquelas percorridas em até 10 horas.
naturais, e isso faz-nos pensar em uma série de questões vinculadas a esses fluxos no
transporte fluvial. Podemos pensar na água como suporte físico de inúmeras atividades:
postos de gasolina flutuantes são freqüentes nas cidades da Amazônia, pois existem mais
barcos que carros; mercearias funcionando como pontos de abastecimento também aparecem
em diversas cidades, rios e lagos da região; casas flutuantes servindo mesmo de habitação
para milhares de ribeirinhos; fábricas de gelo, frigoríficos para estoque de pescado, postos de
fiscalização do Estado – IBAMA, Secretaria de Fazenda, Polícia e Receita Federal –, táxi
fluvial, ambulâncias e policiamento fluvial, barcos escolares, lanchonetes, bares, hotéis, casas
de beneficiamento de farinha, oficinas de reparo naval, além de inúmeras atividades que são
derivadas desse relacionamento com o rio. Há toda uma organização espacial a partir do uso
das vias fluviais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pressão para estender até a Amazônia as formas mais dinâmicas de produção


e circulação de mercadorias existentes nas demais regiões do país, principalmente no Sudeste,
demonstrou alguns fracassos, retratados, por exemplo, nos grandes projetos agropecuários, na
substituição da floresta pelo pasto; na abertura de estradas, algumas hoje com quilômetros
engolidos pela floresta. Não se procurou estimular qualquer forma de organização da
produção local; não se procurou, antecipadamente, compreender a vida de toda uma
população cujos laços com a natureza eram e são apertados; sequer pensaram em rios como
componente primordial para a reprodução social. Esses só foram pensados em termos de
megawatts.

O que procuramos mostrar é que há toda uma vida tecida centenariamente em


torno dos rios, visto menos sob a ótica do recurso aquático e mais sob a ótica das relações
sociais que vão desde a instalação de equipamentos necessários à sobrevivência, usado
intensamente para a circulação e até mesmo fonte de inúmeros mitos.

Quanto ao transporte fluvial, especificamente, o desenvolvimento diferencial


do território amazônico, a formação de uma rede de cidades articuladas unicamente por rios, o
povoamento disperso ao longo dos mesmos e a própria distância entre os diversos núcleos
urbanos, conduziram à formação dos empreendimentos que expusemos anteriormente,
predominando nos fluxos regionais o proprietário do barco que só se reproduz porque alia à
navegação ao comércio de mercadorias. As empresas de navegação expandiram-se como
extensão do pólo industrial assim como para a distribuição dos granéis líquidos (derivados de
petróleo). E, por último, a imensa nuvem de proprietários de pequenos barcos que singram
lagos, rios e igarapés, prestando inestimáveis serviços às comunidades ribeirinhas, sendo
muitas vezes difícil estabelecer um limite entre o uso privado e o público da embarcação.

REFERÊNCIAS

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1975.
CORRÊA, Roberto Lobato. A periodização da rede urbana da Amazônia. In: Revista
Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: FIBGE, ano 49, n. 3, 1987.
DIAS, Manoel, Nunes. A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778).
Belém: UFPA, vol. 1, 1970.
GOULART, José. Alípio. O regatão: mascate fluvial da Amazônia. Rio de Janeiro:
Conquista, 1968.
LA CONDAMINE, Charles Marie de. Viagem pelo Amazonas (1735-1745). Rio de
Janeiro/São Paulo: Nova Fronteira/Edusp, 1992.
MONTEIRO, Mário. O regatão. Manaus: Ed. Sérgio Cardoso, 1958.
MORAES, Antonio Carlos Robert de; COSTA, Wanderlei Messias da. A valorização do
espaço. São Paulo: Hucitec, 1984.
NERY, Barão de Santa-Anna. O país das amazonas. São Paulo/Belo Horizonte:
Edusp/Itatiaia, 1979.
NOGUEIRA, Ricardo. Amazonas: Um estado ribeirinho (estudo sobre o transporte
fluvial de cargas e passageiros). Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Gradução em
Geografia. São Paulo: FFLCH/USP, 1994.
OLIVEIRA, Adélia Engrácia. Ocupação humana. In: SALATTI, Eneas. Amazônia:
desenvolvimento, integração e ecologia. São Paulo/Brasília: Brasiliense/CNPq, 1983.
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1987.
PORRO, Antonio. O povo das águas. São Paulo/Petrópolis: Edusp/Vozes, 1995.
SANTOS, Milton. Por uma Geografia nova. São Paulo: Hucitec, 1978.
SILVA, Marilene Corrêa da. O paiz do Amazonas. Manaus: Ed. Universidade do Amazonas,
1996.
A POLÍTICA DE TRANSPORTE NO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE
CARDOSO: O EXEMPLO DO MODAL FERROVIÁRIO NO ESTADO DO MATO
GROSSO DO SUL

Adáuto de Oliveira SOUZA


Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
Dourados/MS
adauto.souza@ufgd.edu.br

INTRODUÇÃO

O objetivo aqui proposto diz respeito à análise da construção da ferrovia


Ferronorte e das intenções, desdobramentos e contradições do processo de concessão da Rede
Ferroviária Federal (RFFSA) – projetos estruturantes executados em Mato Grosso do Sul, no
bojo do ―Avança Brasil‖, programa derivado do Plano Plurianual de Investimentos (PPA
2000-2003) do Governo Federal, mais especificamente na gestão de Fernando Henrique
Cardoso.

No interior do ―Avança Brasil‖, o país foi dividido em 9 Eixos Nacionais de


Integração e Desenvolvimento, sendo que o Estado de Mato Grosso do Sul ficou delimitado,
geograficamente, em dois Eixos: o do Oeste e o do Sudoeste. Em cada um destes se fez um
diagnóstico econômico e, de seus pontos de estrangulamento em infraestrutura, apontando-se,
igualmente as oportunidades de investimentos.

Do ponto de vista geográfico, que leitura é possível fazermos desta nova


estratégia de desenvolvimento regional brasileiro? Quais os seus paradigmas? Como o Estado
de Mato Grosso do Sul foi inserido nesse Programa? Qual a importância atribuída ao modal
ferroviário nesse processo? E qual a situação das ferrovias em Mato Grosso do Sul? Enfim,
sobre essas indagações e, principalmente, as contradições desse processo de estabelecimento
de políticas públicas de transporte ferroviário que refletiremos neste trabalho.

DIRETRIZES GERAIS DO “AVANÇA BRASIL” (PPA 2000-2003)

O Plano Plurianual de Investimentos (PPA 2000/2003) e o Programa dele


derivado, denominado "Avança Brasil", conforme determinação constitucional, foi
encaminhado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ao Congresso Nacional, tendo sido
aprovado em junho de 2000.

Para a formulação das bases deste plano de investimentos quadrienal, o


BNDES e o Ministério do Orçamento e Gestão contrataram o Consórcio Brasiliana,
coordenado pela empresa internacional Booz-Allen & Hamilton do Brasil Consultores Ltda.,
para a produção de estudo denominado "Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento",
no qual foram identificadas as oportunidades de investimentos públicos e/ou privados que,
segundo consta, ―viabilizariam o desenvolvimento econômico e social, a integração nacional e
internacional, o aumento da competitividade sistêmica da economia e a redução das
disparidades regionais e sociais do Brasil.‖185

Tal estudo partiu de um inventário de projetos já existentes junto ao Governo


Federal, bem como do recadastramento de todas as atividades e projetos. É oportuno
relembrar que o Programa ―Brasil em Ação‖ (PPA 1996-1999) se constituiu num conjunto de
42 projetos de investimentos, voltados para a área de infra-estrutura e desenvolvimento social,
tendo aplicado no referido período cerca de R$ 66,1 bilhões (SOUZA, 2003).

O estudo do Consórcio Brasiliana concluiu pela formulação de 9 Eixos


Nacionais de Integração e Desenvolvimento: Arco Norte; Madeira-Amazonas; Oeste;
Araguaia-Tocantins; Transnordestino; São Francisco; Rótula; Sudoeste; e Mercosul.

Sobre a origem do conceito de Eixos Nacionais de Integração e


Desenvolvimento se afirma que surgiu pela primeira vez no "Brasil em Ação" – PPA (1996-
1999):

(...) como uma tentativa de traçar uma estratégia de desenvolvimento para o


Brasil que permitisse a redução dos desequilíbrios regionais e sociais. A
idéia básica era tratar esses desequilíbrios sob uma nova ótica, levando em
conta a Geografia Econômica do país e os fluxos de bens e serviços, sem
considerar, para efeito do planejamento, os limites dos Estados e regiões186.

Neste contexto, o Governo Federal lançou o Programa ―Avança Brasil‖ – tendo


como referência o mencionado estudo – consubstanciado em 365 projetos prioritários, a serem
executados no período 2000-2003, envolvendo dispêndios de cerca de R$ 1,1 trilhão no
quadriênio. Sobre este Programa e seus projetos se reconhece oficialmente que são ―projetos

185
"Origem, estrutura e métodos de estudo". In: http://www.eixos.gov.br. Disponível en: 24/04/01.
186
"Origem, estrutura e métodos de estudo". In: http://www.eixos.gov.br. Disponível en: 24.04.01.
estruturantes e integrados, que terão efeito multiplicador e desencadearão outros
investimentos.‖187

Os recursos necessários para a execução dos 358 projetos selecionados (em


infra-estrutura) totalizam US$ 165 bilhões entre 2000 e 2007.188

Quadro 1: Brasil – portfólio de investimentos por áreas, entre 2000 e 2007 (em US$ bilhões).
Áreas de investimentos Valor Percentual (%)
Infra-estrutura econômica 101,4 61,41
Desenvolvimento social 52,1 32,16
Meio ambiente 9,00 5,45
Informação e conhecimento 1,6 0,98
Total 165,1 100,00
Fonte: PPA 2000-2003 apud Piva, 1999.

Há um entendimento de que a competitividade da economia nacional é


obstacularizada, dentre outros fatores "sistêmicos", pelo que se convencionou chamar "Custo
Brasil". Neste sentido, o quadro 1 permite-nos afirmar que a redução deste "custo" é o vértice
da intervenção governamental, que inclusive eliminou regiamente as restrições ao capital
estrangeiro, quebrou monopólios de empresas estatais e procedeu à nova regulamentação dos
setores de energia, telecomunicações, petróleo e portos. Na própria elaboração do portfólio de
investimentos já estava delineado que a tarefa ―focalizará os empreendimentos em infra-
estrutura econômica. Aqueles nas áreas de desenvolvimento social e informação e
conhecimento serão considerados como contrapartidas necessárias aos primeiros.‖
(CONSÓRCIO BRASILIANA, proposta técnica v. 1, 1997, p. 1-56).

Ao refletir sobre o que chamou de busca insana pela diminuição de um suposto


"Custo Brasil", Cano (1998, p. 350) assevera que:

(...) estamos assistindo, passivamente, à desestruturação parcial de vários


setores produtivos, à precarização do trabalho – aliás, estimulada fortemente
pelo próprio governo – e a um "leilão" nacional (...) pela doação possível de
incentivos e subsídios para atrair mirabolantes e prometidos investimentos
estrangeiros.

187
BRASIL. Presidência da República (2000, p. 70).
188
BRASIL. Presidência da República (1998, p. 58).
Trata-se, portanto, de um termo que foi guindado à posição de articulador do
discurso ideológico e legitimador do modelo que se almeja implantar. Assim, segundo
Benjamim et al (1998, p. 62), a questão da competitividade é prenhe de significados, pois:

Mostra o predomínio sem freios da lógica de acumulação do capital privado


sobre o conjunto da vida social. O grande capital – pois ele é que é
"competitivo" – se apresenta como portador de uma racionalidade que seria
generalizável, sem mediações, para a sociedade como um todo.
Inversamente, todas as outras lógicas – a dos pobres, a dos agentes
econômicos não-capitalistas ou simplesmente não-competitivos, a da
cidadania – são consideradas irracionais ou desimportantes. Não articulam
linguagens, mas ruídos; não expressam direitos, mas custos; não apontam
para outras maneiras de organizar a sociedade, mas para a desordem.
Devem ser denunciadas, humilhadas e, progressivamente, silenciadas.

São estes os pressupostos ideológicos que buscam reconhecer que o governo


adota uma visão de longo prazo para o desenvolvimento sustentável do país e que vão
justificar os elevados dispêndios em setores infra-estruturais.

A economia capitalista reclama condições territoriais indispensáveis para a sua


produção e sua regulação e tais Eixos caracterizam-se pela sua inserção numa cadeia
produtiva mundial, pelas relações distantes e, freqüentemente, estrangeiras que criam e,
também, pela sua lógica extravertida. Ao refletirem sobre essa temática, Santos e Silveira
(2001, p. 261) argumentam:

Uma das características do presente período histórico é, em toda parte, a


necessidade de criar condições para maior circulação dos homens, dos
produtos, das mercadorias, do dinheiro, da informação, das ordens, etc. Os
países distinguem-se, aliás, em função das possibilidades abertas a essa
fluidez. Por isso um dos capítulos mais comuns a todos eles é a produção do
seu equipamento, isto é, da criação ou aperfeiçoamento dos sistemas de
engenharia que facilitam o movimento.

Trata-se de um contexto histórico em que o discurso predominante é o da busca


de eficiência competitiva.

É, portanto, neste quadro histórico e institucional – um "sobrevôo sucinto", é


verdade – que se definiram as opções estratégicas do Governo Federal, observadas na
elaboração do PPA 2000-2003. Neste Programa, consta um conjunto de determinações
relacionadas a cinco desafios: ―agenda dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento;
agenda ambiental; agenda do emprego e de oportunidade de renda; agenda de informação e
conhecimento e agenda de gestão do Estado‖.
Teceremos algumas considerações especificamente a respeito da primeira e da
última agendas. Acerca da primeira, se diz que:

O desafio desta agenda é construir uma nova Geografia do país apoiada em


dois pilares: repartição mais eqüitativa da geração e distribuição da riqueza
entre as regiões e integração destas para fazer de sua complementaridade a
base de eficiência e competitividade para a inserção econômica do Brasil.189

Segundo Araújo (2000, p. 14, 15), ao se priorizar a integração competitiva, ―o que se


busca é priorizar o aprofundamento da internacionalização do país. O eixo principal é a
internacionalização financeira e é ela que ganha destaque (...).‖ Ainda, segundo essa mesma
autora, do ponto de vista regional, esta opção estratégica,

(...) tende a valorizar os espaços econômicos portadores de empresas e


segmentos mais competitivos, com condições, portanto, de ampliar com
mais rapidez sua internacionalização ou de resistir com mais força ao
―choque de competição‖ praticado nos anos 90, no Brasil. E esse processo
secundariza as regiões menos competitivas, as mais negativamente
impactadas pela competição exacerbada ou as que se encontram em
reestruturação.

Ao refletirem acerca da problemática da "inserção global", Santos e Silveira


(2001, p. 255-6) argumentam:

(...) confunde-se a lógica do chamado mercado global com a lógica


individual das empresas candidatas a permanecer ou a se instalar num dado
país, o que exige a adoção de um conjunto de medidas que acabam
assumindo um papel de condução geral da política econômica e social. (...)
Em nome da inserção desse país na nova modernidade e no mercado global
são estabelecidas regras que acabam por constituir um conjunto irrecusável
de prescrições.

Fica demonstrado, portanto, que os ideólogos atribuem a autoria desse enredo


ao ―mundo‖, quando são, na realidade, as empresas que dispõem de poder suficiente para
induzir os governantes a adotar políticas públicas que respondam aos seus interesses 190, ainda

189
"As orientações estratégicas do Presidente e o PPA" In:http://www.mpo.gov.br/PPA/orientaçaopresi.
Disponível em: 02/02/01.
190
Segundo Poulantzas (2000, p. 135), o estabelecimento da política do Estado em favor do bloco no poder, o
funcionamento concreto de sua autonomia relativa, e seu papel de organização são organicamente ligados a
fissuras, divisões e contradições internas do Estado que não podem representar simples acidentes disfuncionais.
Em suas palavras: ―O estabelecimento da política do Estado deve ser considerado como a resultante das
contradições de classe inseridas na própria estrutura do Estado (o Estado-relação).‖ Com tais pressupostos,
compreender o Estado como a condensação de uma relação de forças entre classes e suas frações tais como elas
se expressam, sempre de modo específico, no seio do Estado, significa compreender que o Estado é constituído-
dividido de lado a lado pelas contradições de classe.
que tal processo ocorra a partir da idéia geral de globalização, tal como em dias atuais ela é
oficialmente entendida e aceita.

Com relação à agenda "Gestão do Estado", o objetivo é:

(...) transformar a atual burocracia em uma administração orientada para


resultados esperados pela população. Na nova divisão de trabalho entre o
poder público e a sociedade o público terá responsabilidades ainda maiores
no campo social e nas parcerias com o setor produtivo que o sustenta.191

No contexto destas orientações governamentais para o Consórcio Brasiliana (v.


1, 1997, p. 1-92), ―a experiência internacional sugere que uma utilização mais intensa de
parcerias entre os setores público e privado é benéfica ao desenvolvimento.‖ Ao refletir sobre
a ação do Estado hoje, Kurz (1998, p. 102) argumenta:

Trata-se, aqui, da contradição interna do próprio sistema moderno de


produção de mercadorias, que se reproduz em níveis cada vez mais elevados:
quanto mais total for o mercado, tanto mais total será o Estado; quanto maior
a economia de mercadorias e de dinheiro, tanto maiores serão os custos
anteriores, os custos secundários e os custos subseqüentes do sistema e tanto
maior serão também a atividade e a demanda financeira do Estado.

Trata-se, portanto, de um processo ideológico. Mais que isso, é um processo


histórico porque o discurso conservador brasileiro sempre se forjou como um discurso de
mudança.

De qualquer modo, as reformas do Estado denotam uma outra opção


importante, adotada pelo governo brasileiro nos anos de 1990. Grandes áreas do país, vistas
como espaços não-competitivos, momentaneamente, vão ficando marginalizadas nesse
processo, tendo em vista que os governos – federal e locais – assim como o setor privado
concentram sua atuação nas áreas dinâmicas.

Trata-se de uma intervenção governamental planejada, cujas premissas estão


voltadas para a viabilização de grandes eixos de transporte intermodal definidos como Eixos
Nacionais de Integração e Desenvolvimento.

CARACTERIZAÇÃO DOS EIXOS EM MATO GROSSO DO SUL

No contexto do ―Avança Brasil‖, o Mato Grosso do Sul teve o seu território


dividido por dois Eixos: o do Oeste, que engloba as cidades-pólos de Campo Grande e
191
―As orientações estratégicas do Presidente e o PPA‖ In: www.mpo.gov.br/PPA/orientaçaopresi. 02.02.00.
Corumbá; e o do Sudoeste, abarcando os pólos de desenvolvimento, expressos nas cidades de
Dourados e Três Lagoas.

Estes dois eixos, na "visão geral do estudo" estabelecida pelo Consórcio


Brasiliana, foram colocados de forma diferenciada. O Eixo Sudoeste aparece associado à
Rótula, com a visão estratégica de "eficiência e competitividade, capacidade de difusão,
importância do setor terciário, desafio do desemprego estrutural, integração com o Mercosul e
papel de articulação com os eixos." Por sua vez, o Oeste, aparece com a visão estratégica de
"integração, importância da infra-estrutura, expansão agrícola e agroindustrial, adicionar
valor: complexo mínero-metalúrgico, grãos, algodão e acervo ambiental do Pantanal."192
Assim delimitado geograficamente, o Eixo Oeste, segundo o Consórcio Brasiliana (1998a, p.
124), "abriga diferentes focos dinâmicos socioeconômicos os quais estabelecem áreas de
influência que se constituem subespaços diferenciados." Especificamente em Mato Grosso do
Sul, como já dito, engloba a porção do Baixo Pantanal, tendo a cidade de Corumbá como pólo
principal e a porção Centro-Norte, cujo pólo de desenvolvimento é Campo Grande.

Do ponto de vista industrial, o Eixo Oeste é caracterizado – pelo Consórcio


Brasiliana (1998b, p. 18) – como "incipiente e com potencial." Neste contexto, ―a indústria do
eixo, além de apresentar uma baixa expressão tanto regional quanto nacional, é pouco
diversificada.‖

Portanto, este potencial de crescimento industrial relaciona-se às atividades


ligadas à agricultura, aproveitando-se da existência das vantagens comparativas, tais como
proximidade da matéria-prima, baixos custos de fatores de produção, alta produtividade e
ampliação das disponibilidades energéticas.

Dentro da "logística de transportes", diz-se que o escoamento da produção


deste Eixo concentra-se no modo rodoviário, tornando pouco competitivos os preços dos
produtos, todavia estão iniciadas outras rotas, principalmente, utilizando as hidrovias
(Madeira-Amazonas, Araguaia-Tocantins, Teles Pires e Tapajós, Paraguai-Paraná e Tietê-
Paraná), que, embora incipientes e necessitando de investimentos, reduzem os custos de
transportes.

Desse modo, para o Consórcio Brasiliana (1998c, p. 4): "as perspectivas nesse
contexto são bastante animadoras, pois boa parte dessas insuficiências estão equacionadas
com a implantação, a curto prazo, dos investimentos ora em execução (...)."

192
Consórcio Brasiliana. Seminário: Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento. S.n.t. p.44/5.
Especificamente, em relação ao transporte ferroviário, o Consórcio Brasiliana
(1998b, p. 69), advoga que: "é notória a cobertura pouco expressiva desse sistema de
transportes em relação à abrangência territorial do Eixo Oeste, em especial quando se
enfocam as novas fronteiras agrícolas."

Do ponto de vista da energia e comunicações, o Eixo Oeste:

(...) apresenta significativa repressão de demanda, notadamente no caso da


oferta de energia elétrica, que impede a agregação de valor pelo
desenvolvimento dos segmentos industriais nas cadeias produtivas, bem
como as articulações com as demais áreas do país. Esta realidade sofrerá
radical transformação com a operação do Gasoduto Bolívia-Brasil e as
termelétricas (...)193

Portanto, o Eixo Oeste do ponto de vista da infra-estrutura econômica pode ser


caracterizado como de "deficiências e transformações."

Por sua vez, para o Consórcio Brasiliana (1998a, p. 34), o Eixo do Sudoeste:

(...) trata-se de uma porção territorial privilegiada em termos de vantagens


locacionais, pois é próxima da dinâmica da Rótula [Sudeste brasileiro], não
apresentando ainda seus problemas, e podendo exercer função estratégia no
processo de desconcentração da produção, como absorvedora de
investimentos, que potencialmente poderiam convergir para aquele eixo.

Esse Eixo incorpora parcelas dos Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso
do Sul e, em menor parcela, Goiás e Minas Gerais, abrigando diferentes focos dinâmicos
socioeconômicos, os quais estabelecem áreas de influência, que se constituem em subespaços
distintos.

Em Mato Grosso do Sul, incluem-se neste Eixo a sua porção leste, destacando-
se as cidades-pólos de Três Lagoas e Paranaíba; e a sua porção sul, que tem Dourados como
seu pólo de desenvolvimento, seguido de Ivinhema.

Quanto às suas potencialidades:

(...) são representadas pela sua infra-estrutura adequada já instalada,


assentada numa malha rodoviária completa; pela alta produtividade
agropecuária e agroindustrial; pela introdução do gás (..), ampliando seu
potencial industrial, e pelo seu potencial hídrico, de recursos humanos e
tecnológicos e mercado regional, que devem solidificar a agroindústria e a
indústria tradicional194 (CONSÓRCIO BRASILIANA, 1998a, p. 34).

193
Consórcio Brasiliana (1998c, p. 9).
194
Consórcio Brasiliana (1998a, p. 130-131).
Trata-se de um Eixo que abriga uma "modernização contínua em busca de
competitividade, a qual deve ser incentivada pela redução dos custos de transportes."

Segundo o Consórcio Brasiliana (1998a, p. 121), para todos os critérios


considerados em ambos os Eixos – o Oeste e o Sudoeste – "a avaliação é positiva."195

A partir destas avaliações – tendo já definido o espaço/eixo – definiram-se


também os setores infra-estruturais que deveriam ser objeto de intervenção. Vejamos os
quadros 2 e 3.

Quadro 2: Eixo Oeste: infra-estrutura econômica.


Setor US$ bilhões Número de projetos
Rodovias 0,92 9
Ferrovias 1,75 2
Telecomunicações 0,89 6
Hidrovias 0,55 2
Aeroporto 0,04 1
Portos 0,02 2
Usinas hidrelétricas 0,34 4
Usinas Termelétricas 0,21 2
Linhas de transmissão 0,08 3
Total 4,80 31
Fonte: Consórcio Brasiliana (seminário, s.d)196.

Quadro 3: Eixo Sudoeste: infra-estrutura econômica.


Setor US$ bilhões Número de projetos
Rodovias 1,37 11
Ferrovias 1,51 9
Telecomunicações 2,52 6
Hidrovias 0,57 2
Aeroporto 0,17 1
Portos 0,06 2
Usinas hidrelétricas 0,45 3
Linhas de transmissão 0,14 2
Total 6,79 36
Fonte: Consórcio Brasiliana (seminário, s.d.).

Ao analisarem a implementação destes equipamentos infra-estruturais, Santos e


Silveira (2001, p. 167) asseveram que:

Hoje não basta produzir. É indispensável pôr a produção em movimento,


pois agora é a circulação que preside à produção. (...) Os fluxos daí
decorrentes são mais intensos, mais extensos e mais seletivos. A criação de

195
O Eixo Oeste apresenta fortes restrições ambientais em pequena parcela territorial onde situa o Pantanal e o
ecossistema da Amazônia. Por sua vez, também o Eixo Sudoeste comporta como restrições a concorrência
espacial com outros eixos e dependendo, para sua consolidação, de investimentos centrados basicamente na
implementação plena da hidrovia.
196
Consórcio Brasiliana. Seminário: Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento., s.n.t., p.24.
fixos produtivos leva ao surgimento de fluxos que, por sua vez, exigem fixos
para balizar o seu próprio movimento. É a dialética entre a freqüência e a
espessura dos movimentos no período contemporâneo e a construção e
modernização dos aeroportos, portos, estradas, ferrovias e hidrovias.

Na atualidade, graças às possibilidades técnicas, o trabalho pode ser repartido


entre muitos lugares, de acordo com a sua produtividade para certos produtos. Isso leva a
refuncionalizar áreas portadoras de densidades pretéritas e a ocupar áreas até então rarefeitas,
como é o caso do Mato Grosso do Sul.

OS PROJETOS ESTRUTURANTES EM MATO GROSSO DO SUL

De um total de 42 empreendimentos previstos no ―Brasil em Ação‖ (PPA


1996-1999), e que tiveram continuidade no "Avança Brasil" (PPA 2000-2003), três deles,
relacionavam-se diretamente com os interesses de Mato Grosso do Sul: o gasoduto Bolívia-
Brasil, a Ferronorte e a hidrovia Tietê-Paraná. São projetos estruturantes, isto é, são aqueles
que o Consórcio considera que estimulam investimentos em cascata, de um ponto de vista
nacional.

Tais projetos foram previstos a partir do diagnóstico, feito pelo Consórcio


Brasiliana (1998c, tomo VIII, v. 1, p. 85), de que no Eixo Oeste existe uma incipiente
"atividade logística" – no sentido de integração inter/multimodal – e de que, "a logística de
transportes constitui uma questão indispensável para a atração de cargas pelos demais modos
(além do rodoviário), por refletir-se diretamente nos custos finais percebidos pelos usuários
(...)."

Ao refletir a respeito desta temática, Xavier (2001, p. 340) advoga:

O movimento e a velocidade são impostos para a conquista de ganhos de


produtividade e competitividade e convertem os sistemas de transportes em
vetores logísticos fundamentais para as atividades mais modernas.

Não é aleatório que dos 42 projetos do ―Brasil em Ação‖, lançados em agosto


de 1996, dois eram de comunicações, 6 de energia e 15 de transportes.

O MODAL FERROVIÁRIO EM MATO GROSSO DO SUL

A FERRONORTE
A Ferronorte (Ferrovias Norte Brasil), através de contrato de concessão
firmado com o Governo Federal em 1989, recebeu a incumbência de construir e operar
comercialmente durante 90 anos, um sistema ferroviário de carga de 5 mil quilômetros,
ligando Cuiabá/MT, Uberlândia/MG, Aparecida do Taboado/MS, Porto Velho/RO e
Santarém/PA. Tal ferrovia, idealizada pelo Grupo Itamarati, do Sr. Olacyr de Moraes, ―é uma
artéria logística das regiões Norte e Centro-Oeste do País, em sua ligação com o Sul e Sudeste
e com os portos de exportação197‖ (mapa 1).

Mapa 1: Brasil: malha ferroviária, em 2002.

197
In: http://www.ferronorte.com.br. Disponível em: 20/01/02.
A Ferronorte teve suas obras iniciadas em 1992, mas devido a problemas
financeiros (provocados pela crise da soja e a queda dos preços no mercado exterior, assim
como pelo encolhimento nos financiamentos e alta dos juros), teve suas obras paralisadas,
tendo sido retomadas somente em maio de 1997, contando inclusive com nova composição
societária incorporando investimentos estrangeiros e fundos de pensão.198

Em 1996 foi incluída como investimento do Programa ―Brasil em Ação‖ e teve


parte do seu primeiro trecho de 110 km entre a ponte rodoferroviária sobre o Rio Paraná na
divisa de Mato Grosso do Sul (município de Aparecida do Taboado) com São Paulo
(município de Rubinéia) e o terminal de Inocência/MS, inaugurado em maio de 1998. Em 31
de maio de 1999, mais uma parte deste primeiro trecho (entre Inocência e Chapadão do
Sul/MS) foi inaugurado (SOUZA, 2008).

Ainda em agosto deste mesmo ano foi concluída a I Fase (410 km). Ao se
completar este trecho da ferrovia e construir a ponte rodoferroviária – a maior do mundo no
gênero, com 2.600 m de extensão – o objetivo foi, na primeira etapa de 410 km, estabelecer a
ligação entre Aparecida do Taboado/MS e Alto Taquari (extremo Sudeste de MT) e o porto de
Santos (por intermédio da FEPASA), que será a "âncora virtual". 199 Tal etapa segundo o
presidente da Ferronorte exigiu investimentos de R$ 1,3 bilhão.200

Tal empreendimento ferroviário contando com elevados financiamentos


governamentais é visto como, ―divisor de águas entre o passado e o futuro econômico da
região que começa no Noroeste paulista e vai até Rondonópolis, no Mato Grosso, abrangendo
parte dos territórios dos Estados de Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais (...).201

Em visita as obras da ponte rodo-ferroviária, Fernando Henrique Cardoso


(2002, p. 201), em ―palavra do presidente, 1997‖, assim se pronunciou:

(...) ela vai ser terminada a tempo, para permitir aquilo que é essencial: que
os nossos produtores, os nossos trabalhadores se beneficiem com a obra.
Aqui, com esta obra, serão mais ou menos 200 milhões de reais, ou de

198
De acordo com Lamoso (2001, p. 260), associaram-se ao empreendimento: Previ (27,4%); Funcef (22%);
Laif/GE Capital (10,4%); BNDESPAR (9,3%); BRP/Chase (5,8%) e Bradesco (4,3%), dados relativos à
composição do capital total.
199
Além dos produtos agrícolas, especialmente a soja escoada para Santos para exportação, os trens devem
transportar calcário, fertilizantes e outros insumos. Somente nas áreas servidas pelo primeiro trecho da
FERRONORTE o consumo de adubos e corretivos é de 370 mil toneladas anuais. "Inaugurado mais um trecho
da FERRONORTE" In: O Progresso. Dourados, ano 49, nº 7.748, 7/8.08.99, p. 6.
200
"A primeira etapa teve investimentos de R$ 1,3 bi" In: O Progresso. Dourados, nº 7.748, 7/8.08.99, p. 6.
201
"Inaugurado mais um trecho da FERRONORTE" In: O Progresso. Dourados, nº 7.748, 7/8.08.99, p. 6.
dólares, que vão ficar no bolso do produtor, porque ela vai baratear o custo
do transporte.

A Ferronorte, em 2001, transportou de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para


o porto de Santos cerca de 30% da produção total de soja e farelo. Diariamente o percurso de
1.300 km entre o Alto Taquari/MT202 e o porto de Santos é feito por quatro trens de 42 vagões
cada um.

Calcula-se que a ferrovia reduzirá os fretes em cerca de 30% e vai


economizar por volta de R$ 120 milhões em combustível. A economia,
porém, será um benefício para as empresas operadoras, que compram e
comercializam os grãos. Por enquanto, os produtores, não verão o benefício
transformar-se em renda203 (grifo nosso). (FALTA REFERENCIAR A
CITAÇÃO)

Além da própria Ferronorte, através do Sr. Olacyr de Morais (detentor de


16,5% das ações e sojicultor), outras grandes empresas (transnacionais) do setor da soja já
possuem terminais ferroviários: a Cargill, a Archer Daniel Midlands (ADM) e a Bunge
Alimentos.

Grifamos parte da citação anterior para enfatizarmos o fato de que a


comercialização da produção nacional de grãos está concentrada em poucas empresas, isto é,
o mercado, principalmente o da soja, é oligopolizado e os produtores com poucas opções,
acusam os empresários de achatar os preços.204 No caso da soja, apenas três empresas
transnacionais – Cargill, ADM e Bunge – detém 60% da safra brasileira. Uma contradição,
portanto, a fala do Presidente FHC.

Ainda em Alto Taquari/MT, começou a operar em 2002 um terminal de


combustíveis, com capacidade para movimentar 500 mil m³ por ano, o terminal receberá
produtos transportados pela Ferronorte desde a refinaria de Paulínia/SP. Tal empreendimento
é compartilhado com a Ipiranga e a Petrobras.

Também no "Avança Brasil", obedecendo-se ao conceito de agrupamento de


projetos, visava-se construir, até 2005, o trecho de 660 km entre Alto Taquari/MT e

202
O terminal de Alto Taquari tem capacidade para armazenar 40 mil toneladas em seis silos e um armazém,
além de possibilitar a descarga de soja de 312 caminhões em 24 horas.
203
"Inaugurado mais um trecho da FERRONORTE" In: O Progresso. Dourados, ano 49, nº 7.748, 7/8.08.99,
p. 6.
204
Para Rui Carlos Prado – Presidente do Sindicato Rural de Campo Novo dos Parecis/MT, com a
concentração, o produtor perde cerca de 10% no preço: Ficamos sem poder de barganha, argumenta.
"Comércio de grãos é concentrado" In: http://www.gazetamercantil.com.br, ano III, nº 600, 06/03/01.
Cuiabá/MT, passando por Rondonópolis205 Este trecho ferroviário conforme demonstramos
no quadro 4 exige o seguinte montante de investimentos.

Quadro 4: Ferronorte: trechos previstos/concluídos e investimentos.


Trecho Distância (km) e condição Investimentos (R$)
Ponte rodoferrov./Alto Taquari 410 km - concluídos 1,3 bilhão
Alto Taquari/Rondonópolis 350 km - em construção 750 milhões
Rondonópolis/Cuiabá 310 km - projetado 527 milhões
Total 1.070 2.577 bilhões
Fonte: diversas. Elaborado pelo autor, 2001.

A partir de Cuiabá, o objetivo é prosseguir em direção Noroeste até Porto


Velho/RO – onde começa a navegação do Rio Madeira – numa extensão de 1.500 km. A
concessão também envolve uma bifurcação a partir de Cuiabá, na direção Norte, alcançando
Santarém/PA e acessando a navegação de longo curso pelo Rio Amazonas.

É também parte da concessão, um segundo tramo ligando a nova ferrovia à


malha da Ferrovia Centro-Atlântica (antiga Malha Centro-Leste da RFFSA, principal
controlador hoje é a Vale do Rio Doce), com previsão de se iniciar no Triângulo Mineiro e
alcançar o primeiro tramo em Alto Araguaia/MT, num total de 771 km. Tal conexão com a
malha da Estrada de Ferro Vitória-Minas, da Vale do Rio Doce, encontra-se projetada para
ocorrer nas proximidades de Uberlândia/MG, permitindo alcançar os portos de Vitória,
Santos, Paranaguá, Sepetiba e São Francisco do Sul.

Portanto, trata-se de um projeto estruturante com influência nos Eixos Oeste,


Sudoeste, Araguaia-Tocantins e Rótula e que ―em sua concepção global, (...) insere-se no
esforço de desenvolvimento de grande parte da região Centro-Oeste, visando a integração de
seus mercados à economia nacional e a racionalização do escoamento de sua produção‖206.

A Ferronorte é um empreendimento que, como demonstramos no quadro 5,


obteve financiamentos junto a órgãos governamentais de fomento ao desenvolvimento e que,
desde o início de suas obras até 2001, acumulou um montante de R$ 1,321 bilhão entre
financiamentos e renegociação de dívidas.

205
A FERRONORTE obteve financiamento de US$ 125 milhões, junto ao BNDES, para a construção do trecho
ferroviário de 290 km entre as cidades de Alto Taquari e Rondonópolis, ambas em Mato Grosso.
"FERRONORTE recebe US$ 125 milhões" In: http://www.infraestruturabrasil.gov.br. Disponível em: 20/12/00.
Até o início de 2009 esse tramo não foi concluído.
206
In: http://www.ferronorte.com.br. Disponível em: 20/01/02.
Quadro 5: Ferronorte: órgãos financiadores e montante financiado.
Órgão Valor (R$ milhões) Ano
BNDES 321,0 1999
BNDES – dívida renegociada 800,0 2000
SUDAM 72,0 2000
SUDAM 128,0 2001
Total 1.321 bilhão
Fonte: Diversas. Elaborado pelo autor, 2001.

Os dois últimos quadros, respectivamente os quadros 4 e 5, permitem


visualizar o montante gasto pela Ferronorte, no seu trecho até Rondonópolis, e a previsão de
gastos até Cuiabá. Mais importante ainda, permite-nos refletir sobre o papel do poder público
nestes investimentos. Ora, de um total de R$ 2,577 bilhões, os órgãos de financiamento
público injetaram nada menos que R$ 1,321 bilhão, ou seja, 51,26%, considerando-se o
percurso previsto até Cuiabá. Se considerarmos somente o percurso até Rondonópolis, tal
índice alcança o percentual de 64,43%.

Ainda com relação ao modal ferroviário, a antiga NOROESTE DO BRASIL


(RFFSA) – no trecho de 1,6 mil km entre Bauru/SP e Corumbá/MS, além de um ramal até
Ponta Porá/MS, na fronteira com o Paraguai –, hoje privatizada e com o nome de Rede
Ferroviária Novoeste, tem preocupado lideranças governamentais e empresariais. Este trecho,
o primeiro no Brasil, foi arrematado em março de 1996, por um grupo de investidores norte-
americanos, o Noel Group,207 por R$ 62,4 milhões, sendo que R$ 8 milhões foram pagos a
vista – com financiamento total do BNDES – e o restante parcelado em 30 anos, sendo que a
primeira parcela deveria ser paga só dois anos depois de terem assumido a concessão.

Sobre esse montante diz-se que foi "um valor irrisório, considerando que em
1995, último ano de operação sob controle estatal, a Rede faturou R$ 47 milhões".208

Acerca da remodelação/reoganização do sistema ferroviário brasileiro, o


presidente Fernando Henrique Cardoso (2002, v. 3, p. 734), na ―palavra do presidente‖, ao
conceder a outorga de concessão da Malha Oeste para o Noel Group, discursou:

Nós temos a convicção de que, nessa modalidade de concessão de serviço


público, com a racionalização, primeiro, que ela suscita – porque, para que

207
Noel Group é um fundo de investimentos de Nova Iorque, associado a Edward Moyers, ex-presidente da
Southern Pacific – uma das maiores ferrovias dos Estados Unidos. Os principais acionistas da Novoeste, como
passou a ser chamada, eram: Noel Group Inc. (38,11%); Brasil Rail Partners Inc. (6,70%); Western Rail
Investors (7,58%); Bankamerica Inter Invest Corporation (8,55%); DK Partners (0,95%) e Chemical Latin
America Assoc. (30,11%). Em discurso da concessão de outorga desta malha ferroviária ao referido grupo, o
presidente FHC (2002, v. 3, p. 736), disse: ―Talvez o representante do Noel Group, senhor Samuel Pryer, não se
dê conta, mas ele faz parte da história do Brasil. (...) Nós estamos remodelando o Brasil.‖
208
"A lenta agonia da Rede Ferroviária" In: O Progresso. Dourados, ano 49, nº 7.756, 17/08/99, p. 8.
se possa licitar, é preciso começar a racionalizar – e, depois, que ela exige
para ser uma operação rentável, com essas duas condições a nossa malha
ferroviária vai ganhar vigor. (...) Essa reorganização implica, obviamente,
investimentos diretos do Governo, mas implica também concessões,
privatizações, financiamentos.

Sua concessão, apesar do discurso dominante209, não lhe garantiu os


investimentos necessários à sua modernização operacional. Assim, a Novoeste passou a
apresentar déficits operacionais. Nesta condição, em 1998, o Grupo associou-se à Ferronorte,
constituindo a Ferronorte Participações S.A. (holding Ferropasa: 91% de propriedade da
Ferronorte e 9% da Novoeste).

Há um entendimento de que este modal está umbilicalmente vinculado à


estratégia de desenvolvimento, particularmente de Corumbá e "o grande problema"
denunciado várias vezes pelo Governo Estadual ao Ministério dos Transportes é o
sucateamento de sua malha, sob a concessão da Novoeste (então detentora do patrimônio dos
trilhos).

O Governo Estadual, inclusive, após audiência pública, defendeu a caducidade


da concessão e nova licitação do trecho. Nas palavras do então governador: "Mato Grosso do
Sul está em pleno processo de desenvolvimento econômico e não pode abrir mão de uma
ferrovia eficiente".210 Este trecho é considerado fundamental para a viabilização do pólo
mínero-siderúrgico, para as termelétricas – com o gás boliviano – assim como para a
expansão industrial prevista, inclusive contando com a probabilidade de Corumbá ter um pólo
petroquímico, que produzirá adubos e outros derivados de gás.

Estima-se que 700 mil dormentes estão danificados, aumentando


significativamente a ocorrência de acidentes: em março de 2001, foram 27 acidentes. No
interior desse quadro, o Governo Estadual pressiona para que o Governo Federal assegure o
cumprimento pela Novoeste do contrato de concessão – válido por 30 anos – da antiga
ferrovia. Quando assumiu o controle deste trecho, a Novoeste se comprometeu a investir na
recuperação e modernização de toda a malha.

209
Por ocasião do discurso na solenidade de outorga da concessão da Malha Oeste da RFFSA, o presidente
Fernando Henrique Cardoso (2002, v. 3, p. 733), afirmou que: ―(...) tem o trecho Corumbá/Bauru, além do mais
uma operadora de longa experiência, que é o Noel Group, o que é muito importante para nós, porque é
importante que tenha capacidade gerencial, como também nos demais trechos, (...), remodelando-se o sistema
ferroviário brasileiro, (...).‖
210
"Zeca discute 6ª feira com Ramez pólo siderúrgico e ferrovia" In: http://www.ms.gov.br. Disponível em:
7/8/01.
Segundo a direção da Novoeste – controlada pela holding da Ferropasa – a
empresa registra anualmente prejuízos de 5% da sua receita, principalmente em função da
falta de rentabilidade do transporte de cargas. Assim, a Novoeste, ―tem buscado recursos nos
bancos, mas a empresa não possui lastro, ou seja, está descapitalizada. (...) só um
investimento grande, pelo governo ou instituição de crédito, pode tirar a empresa das
dificuldades‖.211

Tais dificuldades segundo informa sua diretoria, começaram logo após a


concessão. Naquele ano, eram transportadas 677 mil toneladas úteis de combustível, porém, o
Governo Federal acabou com a exclusividade da empresa no transporte de diesel e gasolina e
também eliminou o subsídio ao frete, que a União concedia. Talvez uma indagação necessária
seja por que uma empresa privada moderna não prescinde de monopólio e subsídio para
executar, suas operações? Mais importante ainda, tais práticas não seriam contrárias aos atuais
pressupostos neoliberais, defendidos abertamente pelo meio empresarial?

Em setembro de 2000, a empresa entregou ao Ministério dos Transportes um


pedido de carência de 12 anos no pagamento do arrendamento. Neste período, a
concessionária pretende investir cerca de R$ 100 milhões na recuperação da via. O dinheiro
seria emprestado pelo BNDES.

Estrategicamente, enquanto o impasse não é solucionado, a Rede Ferroviária


Novoeste, atuando numa outra frente, conseguiu na justiça – por força de uma liminar,
concedida em maio de 2001 – pagar apenas metade do valor anual (6 milhões de reais)
correspondente ao preço de arrendamento da Malha Oeste, fazendo caução da outra parte, mas
a intenção é deixar de pagar 100%. Com esse propósito, impetrou judicialmente uma ação
visando à suspensão total do pagamento anual de R$ 12 milhões, ao Ministério dos
Transportes.

Destarte, no bojo deste processo – revisão do contrato de concessão,


sucateamento e esvaziamento da ferrovia – em contrapartida à sua importância econômica,
entende-se que:

A sociedade, o meio ambiente e o próprio processo de desenvolvimento do


Estado não podem continuar sendo atropelados por essa política de

211
"Governo Federal vê nova licitação como solução para ferrovia" In: http://www.ms.gov.br. Disponível em:
28/05/01.
privatização equivocada, feita a toque de caixa, que está dilapidando um
patrimônio histórico da população.212 (FONTE, ANO E PÁGINA).

Com esses pressupostos, o governador de Mato Grosso do Sul tenta, junto ao


Governo Federal viabilizar R$ 591 milhões para a recuperação deste trecho, como se pode
verificar no quadro 6.

Quadro 6: Orçamento previsto para recuperação da Novoeste.


Trecho Orçamento em (R$) milhões
Bauru/Três Lagoas 126
Três Lagoas/Campo Grande 150
Campo Grande/Corumbá 175
Campo Grande/Ponta Porá 115
Pátios e passagens de nível 25
Total 591
Fonte: http://www.ms.gov.br. Disponível em: 28/08/01.

Tal montante seria obtido com um financiamento semelhante ao destinado para


recuperar a Transnordestina, que contou com recursos do FINOR (Fundo de Investimentos do
Nordeste), do Governo Federal e de empresários. Especificamente, para a Novoeste os
recursos viriam das seguintes fontes, conforme demonstramos no quadro 7.

Quadro 7: Novoeste: origem e total de investimentos previstos (R$ milhões).


Origem Investimento
União 300
Novoeste 141
Mato Grosso do Sul 75
São Paulo 75
Total 591
Fonte: http://www.ms.gov.br. Disponível em: 28/08/01.

No documento entregue ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, o


Governo Estadual argumenta que, desde a privatização da ferrovia, em 1996, não houve
melhoria nos níveis de serviços para satisfazer a demanda de transporte. Isenta-se de julgar a
origem do problema, todavia aponta que esse modal tem papel estratégico para o
desenvolvimento de Mato Grosso do Sul, principalmente na operacionalização dos pólos
mínero-siderúrgico e petroquímico, em Corumbá, assim como para a produção estadual de

212
Vander Loubet. Então Secretário de Estado da Infra-Estrutura de MS. In: http://www.ms.gov.br. Disponível
em: 21/06/01.
grãos – hoje 70% escoada pelas rodovias a custo extremamente pesado – que "só não utilizam
a ferrovia devido à questão da baixa confiabilidade deste serviço".213

Diante desta tentativa de revitalização da ferrovia, o então presidente Fernando


Henrique Cardoso enviou o referido projeto – que lhe fora entregue pelo governador José
Orcírio – para análise do BNDES e do Ministério do Desenvolvimento e Integração Regional.

O que intriga é que o investimento do concessionário (R$ 141 milhões) está


condicionado a uma negociação com o Ministério dos Transportes relativo a uma carência no
pagamento do arrendamento, conforme apontamos anteriormente. Em termos exatos, desses
R$ 591 milhões, a Novoeste arcaria com apenas 23,85% e certamente ainda recorreria a
financiamentos junto aos órgãos e fundos federais. São estas as condições em que se tem dado
as "parcerias" entre o público e o privado, revelando as contradições internas próprias do
moderno sistema produtor de mercadorias, como asseverou Kurz (1998), quanto mais total o
mercado, mais total o Estado.

Neste contexto, o que se objetiva é ―a busca pela edificação de uma densidade


técnica nos lugares‖ – por meio de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, geração de energia,
distritos industriais – para torná-los aptos ao processo de industrialização, entretanto, ―para
progredir nessa contenda é preciso também construir uma densidade normativa que conceda e
combine satisfatoriamente proteções e atrativos legais.‖ Aqui se insere a chamada guerra
fiscal. Enfim os concorrentes buscam construir o que Santos e Silveira (2001) denominaram
―uma produtividade espacial apta à produção‖, e o Estado – nos seus três níveis – participa do
financiamento necessário à criação de novos sistemas de engenharia e de movimentos.

No caso dos mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-


2002),214 o setor ferroviário (não exclusivamente) passou por um processo de
―racionalização‖ no qual, segundo dizer do próprio presidente (2002, v. 3, p. 735): ―O
BNDES tem se mostrado ágil nessa como em outras tarefas. (...) tem tido um papel de

213
"FHC envia projeto ferroviário para análise do BNDES" In: http://www.ms.gov.br. Disponível em:
28/08/01.
214
Silveira (2003, p. 154), traça com maestria, o quadro nacional em que o governo FHC deixou o país ―No
final do seu mandato em 2002, o Brasil amargava/amarga uma das piores crises de sua história, com altos
índices de desemprego, dívidas externa e interna, violências, desordens internas diversas, adoção de políticas
neoliberais, de enfraquecimento do Estado brasileiro, aumento descontrolado da economia informal (...),
aumento dos trabalhadores rurais sem terra, desindustrialização, desnacionalização das indústrias privadas e
estatais, privatizações e concessões de empresas públicas superinvestidas à iniciativa privada. (...). O resultado
foi uma grande recessão e diminuição da soberania nacional.‖
primeira grandeza em todo o processo de privatização (...), de remodelação do Estado
brasileiro.‖

Analisando essa temática, Oliveira (1998, p. 130), aponta, apropriadamente


que:
(...) para construir-se o pretenso mercado auto-regulado, que dispensaria
tudo o mais a ser os próprios critérios de lucratividade, faz-se necessário
muito Estado, muitos recursos públicos. Tanto no nível internacional quanto
no nível nacional, essa contradição salta, cotidianamente, para as páginas dos
jornais!

Com tais pressupostos, podemos asseverar que o discurso de reforma do


Estado, é um discurso contraditório, mas, sobretudo ideológico, e inserido no bojo do
processo de avanço do neoliberalismo. É um período no Brasil que segundo Rangel apud
Silveira (2003, p. 162) temos a ―apostasia‖ – volta ao passado que, inicia-se com Collor e se
concretiza com FHC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, em termos de considerações finais concordamos com a assertiva de


Silveira (2003, p. 163) de que ―a atualidade reflete uma modalidade sucateada e entregue à
iniciativa privada por uma ―ninharia‖. (...) o modelo de concessão foi falho e as perspectivas
para o futuro não são animadoras.‖ Tais pressupostos, são válidos, sobretudo para o Mato
Grosso do Sul, no qual a RFFSA foi privatizada (1996) – não apresentando as melhorias
esperadas – e a Ferronorte, que desde sua implantação em 1992, ―vive‖ de recursos públicos.

Trata-se de uma intervenção governamental planejada, cujas premissas estão


voltadas para a viabilização de grandes eixos de transporte intermodal definidos como Eixos
de Integração, no qual, contradizendo o discurso liberalizante, o Estado participa ativamente,
criando novos sistemas de engenharia e de movimentos, assim como financiando a compra de
estatais do setor de transportes. Ademais, prioridade concedida à infra-estrutura econômica se
explica pelo fato que essas áreas, com o Mato Grosso do Sul, em processo de penetração do
capital, não disporem da "densidade técnica", que fora implantada no decorrer dos anos de
1960 e 1970 no Centro-Sul do País.

REFERÊNCIAS
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território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 6ª edição,
2004.
GRANDES PROJETOS E PRODUÇÃO DO ESPAÇO AMAZÔNICO: INTEGRAÇÃO
REGIONAL, INFRA-ESTRUTURA E TRANSPORTES NO ESTADO DO AMAPÁ

Emmanuel Raimundo Costa SANTOS


Universidade Federal do Amapá (UNIFAP)
emmanuel@unifap.br

Márcio Rogério SILVEIRA


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Campus de Ourinhos
marcio@ourinhos.unesp.br

INTRODUÇÃO

Uma determinada estrutura técnica-produtiva se expressa geograficamente pela


distribuição de atividades de produção, ou ainda, como forma particular de organização do
processo de produção destinada a agir sobre a natureza para obter os elementos necessários à
satisfação das necessidades da sociedade. Dessa forma, as diferenças entre os lugares são o
resultado do arranjo espacial dos modos de produção particulares, ou seja, onde o trabalho do
homem produz e transforma o seu espaço, com o qual se confronta historicamente (SANTOS,
1982).

Na região amazônica a implantação de sistemas técnicos e de ações oriundos


dos grandes projetos de Estado e do capital, passam a interferir diretamente na
(re)configuração territorial e urbana dessa região, sobretudo para articular espaços locais às
necessidades dos processos econômicos mundiais, definindo, assim, horizontalidades e,
principalmente, verticalidades de fluxos e de produção215 (SANTOS,1996a).

É nesse sentido que o texto a seguir buscará compreender parte da trajetória


sócio-espacial do Amapá tendo por base analítica a implantação da infra-estrutura proveniente
de grandes projetos produtivos e geopolíticos desenvolvidos no Estado do Amapá, em
especial, depois da criação do ex-Território Federal do Amapá em 1943. Tais sistemas de
engenharias promovidos pelo Estado em parceria com o capital passaram a legar os primeiros

215
―As horizontalidades serão os domínios da contigüidade, daqueles lugares vizinhos reunidos por uma
continuidade territorial, enquanto as verticalidades seriam formadas por pontos distantes uns dos outros, ligados
por todas as formas e processos sociais‖ (SANTOS, 1996b, p. 16).
esboços de ordenamento e de modernização imposta a esse território; buscando-o
(re)organizar e macroestruturar às exigências do capitalismo.

A noção de formação sócio-espacial servirá de referência para a análise de


certas particularidades e da dinâmica da produção espacial do Estado do Amapá. Tal noção,
sem dúvida, parte do conceito de Formação Econômica e Social (Ökonomische
Gesellschaftsformation) desenvolvido por Marx e Lenin, e pode ser considerada como uma
categoria que possui um papel fundamental para o materialismo histórico, pois expressará a
unidade das diversas esferas da vida de uma sociedade: econômica, social, política e cultural,
o conceito de unidade de todas as esferas estruturais e superestruturais, ou ainda, estabelece a
unidade da continuidade e descontinuidade do desenvolvimento histórico de uma determinada
Formação Econômica Social (FES) (SERENI, 1973).

As relações entre uma FES e o espaço são inevitáveis, e são de uma ordem
particular e não geral, pois o geral seria relativo ao modo de produção. Por isso, os modos de
produção escrevem a história no tempo, enquanto as formações econômicas e sociais
escrevem-na no espaço216. Dessa maneira, modo de produção, formação econômica e social e
o espaço são três categorias de análise interdependentes, pois todos os processos que juntos
formam o modo de produção (produção, circulação, distribuição e consumo) são históricos e
espacialmente determinados num movimento de conjunto através de uma determinada
formação econômica e social.

A opção teórica de compreender a produção do espaço enquanto produto


social, não deve reduzi-lo somente como mero reflexo da dinâmica social, ou que está sempre
à disposição da estrutura social, mas como uma combinação de instâncias, de um ―conjunto
histórico‖ dos elementos e influências materiais em interação, que deve ser compreendido e
interpretado a partir das relações sociais e de como estas originam forma, função e
importância à estrutura espacial e a todos os elementos de sua combinação (SANTOS, 1997).

Assim, são os processos sociais que vão originar as funções e as formas


espaciais, cuja distribuição irá constituir-se na própria organização do espaço. Esta deve ser
interpretada quanto à sua utilização na conexão da ação humana, no decorrer do tempo e do
espaço maior no qual se insere, e das mudanças decorrentes dessa relação, compreendendo
que o espaço não está organizado de forma aleatória, mas estruturado a partir de cada período

216
O modo de produção seria apenas uma possibilidade de realização e somente a formação econômica e
social seria a possibilidade realizada. O modo de produção seria o gênero, enquanto as formações econômicas
sociais seriam as espécies (SANTOS, 1982).
da organização social, o que torna necessário para tal estudo, de produção do espaço, a
elaboração de instrumentos teóricos suscetíveis de apreensão do concreto real, além da
utilização de instrumentos numa sucessão descontínua de análises particulares visando a
fenômenos históricos (CORRÊA, 1995).

Nesse sentido, para chegar ao objetivo almejado por esse trabalho, buscar-se-á
tratar a dimensão espacial do processo de desenvolvimento capitalista por meio dos
mecanismos articulados de homogeneização, de integração, de polarização e de hegemonia
estabelecidos pelo capital sobre o espaço (BRANDÃO, 2007), e de forma particular sobre o
território do Estado do Amapá.

Chama-se atenção para não produzir formulações abstratas acerca dos


fenômenos regionais e urbanos, para tanto, torna-se imprescindível mergulhar no concreto e
no histórico para captar e apreender as manifestações dos fenômenos inerentes à dimensão
espacial do processo de desenvolvimento capitalista em cada situação específica, pois as leis
de movimento e reprodução só podem ser apreendidas em sua realidade histórico-concreta, ou
seja, se tratam de estruturas, dinâmicas, relações e processos historicamente determinados.
Para tanto, torna-se necessário fazer a distinção entre historicidade (desse objeto urbano-
regional concreto) e historicismo (absolutização do caso), tendo como desafio reter-se às
determinações gerais e procurando recorrentemente decifrar as situações reais, pois não é
possível ―nem capitalismos idênticos nem singularidades irredutíveis‖ (MAZZUCCHELLI
apud BRANDÃO, 2007, p. 67).

Esse trabalho está organizado em três partes: a que tratará certas


especificidades da formação sócio-espacial do Amapá a partir do caminho já supracitado,
outra, que ressaltará o processo de primazia urbana da cidade de Macapá; capital do Estado do
Amapá, caracterizando alguns traços de seu sistema urbano, suas principais vias de
transportes e articulações espaciais. E, por fim, as considerações finais, momento de sínteses e
de reflexões sobre os novos projetos de desenvolvimento nessa porção do espaço nacional.

GENÊSE DA FORMAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL DO AMAPÁ

A partir do século XV, a expansão mercantilista européia no afã de incorporar


novas áreas ao emergente sistema econômico capitalista, cria núcleos urbanos destinados a
servir de ponto de defesa e como local para penetração e conquista do território diante da
pretensão de outras nações. No território brasileiro, várias criações urbanas vão anteceder o
povoamento de suas futuras regiões de influência, na região Amazônica, a cidade de Belém
fundada pelos portugueses em 1616 é um exemplo dessa prática (CORRÊA, 2006). Na fase
mercantilista do modo de produção capitalista quem controlasse a circulação sobre os
territórios controlaria o acesso de mercadorias, seu escoamento e comércio, que no caso do
controle do vale amazônico correspondia aos portugueses e às principais mercadorias,
denominadas drogas do sertão.

A cidade de Belém irá guardar a entrada meridional do rio Amazonas,


enquanto a entrada pelo canal Norte ou das terras do Cabo Norte, região como era conhecida
o que na atualidade constitui o Estado do Amapá, só passou a ser efetivamente resguardada a
partir da segunda metade do século XVIII através da fundação da Vila de São José de
Macapá, no ano de 1758, e com a construção de uma fortaleza homônima em sua mediação.
Na margem esquerda da foz do rio Amazonas, a cidade de Macapá, assim como outras
cidades ribeirinhas da Amazônia, representa a lógica do urbano colonial barroco amazônico
de penetração e de defesa, que marcou a presença local do além-mar das metrópoles do
colonizador; o urbano da soberania dos Estados absolutistas (VICENTINI, 2004), ou seja,
corresponde ao ideal de penetração no território amazônico vinculado à sua necessidade de
ocupação e defesa, o que traduziu sócio-espacialmente na gênese das cidades à beira dos
principais rios que dão acesso à região (TRINDADE JR., 2002) 217.

Foi no objetivo de ocupar e de garantir a soberania de Portugal e,


posteriormente, do Estado Brasileiro em terras que compõem o atual Estado do Amapá, que
foram implantados vários projetos de colônias militares, agrícolas e pecuaristas na região, em
especial, nos municípios de Macapá, de Mazagão e nos vales dos rios Araguari, Oiapoque e
Matapí. No entanto, por quase três séculos depois da criação do Forte do Presépio,
fortificação que originou a cidade de Belém, o processo de criação de cidades e sua
dinamização na Amazônia foi incipiente, sendo os pequenos aglomerados dispersos nas
margens dos rios os detentores do papel de defesa e de locos avançado do projeto de ocupação
da Amazônia. Como exemplo, pode-se falar da cidade de Macapá, a qual em 1940 possuía
1.012 habitantes218 (GUERRA, 1954), um contingente populacional menor do que essa região
possuía na segunda metade do século XVIII, no ano de 1778, durante a construção da

217
―São José de Macapá foi o núcleo populacional para onde convergiram dois projetos de importância para a
Coroa Lusitana: um relativo à defesa territorial e outro concernente à estratégia geopolítica e a exploração
econômica de gêneros demandados pelo capital comercial‖ (RAVENA, 2005, p. 137).
218
Em 1940, a população do território que corresponde ao atual Estado do Amapá era de 21.191 habitantes, o
que correspondia a uma densidade relativa de 0,16 habitantes por quilômetro quadrado (GUERRA, 1954).
Fortaleza de São José de Macapá, que era de 1.563 habitantes entre homens livres e escravos
(MARIN, 2005).

Em geral, maior dinamização no espaço amazônico só acontece em fins do


século XIX e início do XX, no chamado ―boom‖ da borracha, o qual foi seguido de uma fase
de estagnação. No caso do Amapá, maior e contínuo dinamismo populacional e econômico só
ocorrerá, de fato, com a constituição do Território Federal do Amapá, em 1943, como pode se
verificar através da elevação da população da cidade de Macapá, a qual em 1950 passa a ser
de 10.094 habitantes, ou seja, numa década sua população multiplicou por dez.

A década de 1950 marca o início da planificação em países subdesenvolvidos.


E em 1960 surgem os primeiros estudos concernentes à planificação espacial como, por
exemplo, os pólos de desenvolvimento de François Perroux (1955). Assim, se desenvolveu
uma planificação apressada e marcada por preocupações políticas e submetida
particularmente aos imperativos da política internacional. Novas realidades da economia
internacional criam novas necessidades que obrigam o Estado a se modernizar e a estar
presente em toda parte. A participação nas condições da modernização tecnológica conduz o
aparelho do Estado a uma série de obrigações, seja nas relações com o mundo exterior, seja
para estar em condições de responder às novas necessidades da população nacional, como
através de planos desenvolvimentistas (SANTOS, 2004).

O espaço plataforma homogêneo dotado de contigüidade, um plano


geométrico, cristalização de aglomerações humanas e agrupamento de certas atividades
econômicas, próprio aos modelos locacionais de desenvolvimento foram aplicados na região
Amazônica através dos grandes projetos de enclaves produtivos e geopolíticos. Assim, a
região passou a ser vista como mero receptáculo neutro, sítios sem textura ou entorno, um
espaço reflexo. Unidades espaciais que tomam decisões autônomas de uso do solo, de
assentamento, de vantagens locacionais e de proximidade e acessibillidade a bens e infra-
estruturas, segundo seus gostos e preferências individuais, realizaria suas escolhas por
espaço/localização (BRANDÃO, 2007).

Falar sobre a produção espacial de países denominados de subdesenvolvidos


não requer compreender esse processo através de uma visão evolucionista ou de etapas, ou
seja, como se estivessem numa situação de transição para chegar ao status de países
desenvolvidos, mas sim, de um mundo subdesenvolvido com suas características próprias,
que através do estudo da formação econômica e social desses países permita revelar as
especificidades de sua evolução em termos de organização da economia, da sociedade e do
espaço e, por conseguinte, de sua urbanização e regionalização, que se apresentam como um
elemento numa variedade de processos combinados (SANTOS, 2004), ou seja, sobre a
totalidade do concreto, onde o capitalismo se expandirá de forma totalizadora sobre o mundo,
que se constitui em traços de formação social e econômicas pré-capitalistas e capitalistas
modernos, que se desenvolvem através de combinações contraditórias e dialéticas, ou seja, de
ritmos desiguais de desenvolvimento social que não obedecem ou evoluem segundo etapas
historicamente determinada (TROTSKY, 1967).

Entre as especificidades dos países subdesenvolvidos está o fato de se


organizarem e reorganizarem em função de interesses distantes e mais frequentemente em
escala mundial. Por isso, acabam desenvolvendo uma história espacial seletiva, onde as forças
de modernização impostas pelo interior ou do exterior são extremamente seletivas, em suas
formas e em seus efeitos. Dessa forma, as variáveis modernas não são acolhidas todas ao
mesmo tempo nem tem a mesma direção sobre o espaço (SANTOS, 2004).

Em termos de movimento desigual da acumulação de capital no espaço


amazônico, o que se pode verificar no contexto histórico em questão é a intensificação do
processo de homogeneização do capital, limpando e nivelando o espaço para poder se instalar,
ou melhor, para criar as condições necessárias a sua reprodução através de infra-estrutura,
trabalho e normas. Apesar da aparência, esse processo não delimita regiões, mas
desconstroem fronteiras através da busca incessantes de consumir mercadorias e idéias, que
devem circulam cada vez mais rápidas pelo espaço e com menores custos de transportes e
comunicação (BRANDÃO, 2007).

A homogeneização imposta pelo capitalismo visa, também, generalizar suas


relações, impor e tornar comum a sua lógica, circular seus valores, símbolos e informações
supra-regionalmente, gestando em seu cosmopolitismo um espaço e um mercado uno,
dissolvendo as relações arcaicas, a mobilidade e flexibilidades espaciais, ou seja, buscam
destruir ou subjulgar as velhas formas de produzir, consumir e circular (BRANDÃO, 2007).

GRANDES PROJETOS E CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO AMAPAENSE

Regiões fronteiriças internacionais da Amazônia com baixa densidade


demográfica, em condição de isolamento geográfico, dinâmica econômica incipiente e de
precária infra-estrutura foram transformadas em Territórios Federais ao longo da primeira
metade do século XX. Esses passaram a ter os objetivos de servir de proteção para as regiões
fronteiriças consideradas como grandes ―vazios demográficos‖, e para garantir a presença do
Governo em regiões longínquas através da criação de condições jurídicas e econômicas como
mecanismo de reorganizar essas porções do espaço brasileiro (PORTO, 2003).

Dessa maneira, em 1943, por meio do Decreto Federal 5.812, de 13 de


setembro, foi criado o ex-Território Federal do Amapá219, que passou a receber a ação de
modernização sobre o seu território através de políticas públicas mais efetivas de ocupação,
defesa e integração por meio do desenvolvimento de grandes projetos, que ao selecionarem
suas áreas de interesse político e econômico passaram a dotá-las de infra-estruturas básicas e
complementares. Os sistemas de engenharias implantados no Amapá, em especial, desde sua
transformação em território federal, passaram a ser fundamentais para direcionar o seu
processo de urbanização, ocupação populacional e de configuração territorial.

A segunda metade do século XX marca em definitivo a inserção da Amazônia


na economia mundo, provocando transformações necessárias aos propósitos políticos e
econômicos de modernização imposta a essa região (BECKER, 1990; RIBEIRO, 2001). Tal
incorporação da Amazônia aos interesses do capitalismo é ressaltada por Corrêa (2006, p.
227) da seguinte maneira:

A incorporação que se verifica a partir de 1960 não significa mais, como


lembram Cardoso e Muller, uma integração de natureza cíclica à divisão
internacional do trabalho sem uma criação de uma divisão interna do
trabalho. Trata-se agora de uma efetiva integração, que foi viabilizada pela
magnitude do capital constante aí implantado e pelo afluxo da força de
trabalho que para lá se deslocou. O discurso oficial, por outro lado, ao falar
em integração nacional, ocupação de vazios demográficos e
desenvolvimento, estava, no plano ideológico, justificando a incorporação
capitalista da Amazônia.

Quanto à necessidade de integração territorial, não resta dúvida, que uma das
manifestações do Estado moderno é a constituição de uma rede unificada de transportes, uma
rede de circulação. Durante o período colonial, a construção de estradas também era
preocupação do governo metropolitano, que na ocasião tratava-se da criação de cidade junto a
um estuário ou baía, de estradas de ferro e de estradas de penetração destinadas a facilitar o
escoamento dos produtos necessários à economia do país dominante, entretanto, mesmo que
se configura uma rede caracterizada por um padrão dendrítico (CORRÊA, 1997), não visava à

219
O ex-Território Federal do Amapá foi constituído pelas terras adquiridas com o resultado positivo ao Brasil
do Laudo Suíço de 1901, em relação ao contestado sobre o limite da fronteira entre Brasil e França (Guiana
Francesa), parte do território do município paraense de Almerim e a totalidade dos territórios dos municípios até
então paraenses de Mazagão, Macapá e Amapá.
integração da economia territorial, mas a um sistema cidade-porto, ou seja, articulavam áreas
de agricultura de exportação e de mineração como atividades essenciais, tanto na fase colonial
como antes de um processo de industrialização nacional.

É somente com a industrialização que as redes num sentido de unificar


diferentes porções do território nacional irão se impor como um elemento fundamental de sua
integração, porém a existência de uma rede de circulação, mesmo que precária, não é
suficiente para promover a verdadeira integração econômica e geográfica de um país, a qual é
acompanhada por uma divisão regional do trabalho, que geralmente assume uma forma de
distribuição de produtos manufaturados pelas regiões mais avançadas e da remessa de
produtos alimentares, matérias primas, capitais e homens das regiões mais periféricas. Trata-
se de uma complementaridade inter-regional, mesmo com trocas assimétricas que conduzem à
idéia de dominação e dependência, denominada muitas vezes como uma colonização interna
(SANTOS, 2004). Assim, o processo de integração será:

...sempre um processo contínuo e de difícil reversão, que exerce influência


complexa e contraditória sobre as regiões aderentes, que serão engolfadas em
adaptações recíprocas, com intensidade e naturezas diversas, destacando-se,
evidentemente, a potência do vetor ―centro dinâmico‖ – ―periferia‖, embora nunca
possa ser encarado como unidirecional (BRANDÃO, 2007, p. 76).

Para Buarque (1995), o segundo período do processo de integração econômica


da Amazônia foi marcado pelas frentes agropecuárias e minero-metalúrgica220. Em se tratando
da história econômica do Amapá, a atividade de mineração possui destaque na região desde os
meados do século XIX, sendo um dos principais motivos para as disputas entre o Brasil e a
França, as ocorrências de ouro e os garimpos existentes na região do contestado. Para
Drummond e Pereira (2007), esse já era um prenúncio da importância que a atividade
mineradora assumiria no Amapá, que se efetivará somente no ano de 1953, com o início de
um grande projeto de mineração com previsão de exploração de manganês por 50 anos. Esse
correspondeu ao empreendimento da Empresa Indústria e Comércio de Minérios S.A.
(ICOMI), o qual para desenvolver suas atividades teve que introduzir no território um sistema
moderno de objetos e ações, gerando grandes transformações na dinâmica sócio-econômica
do Amapá.

220
Para Buarque (1995), podem ser identificados quatro grandes períodos em relação ao processo de integração
econômica da Amazônia associados a um conjunto de inovações tecnológicas primárias, como: o ciclo da
borracha, a frente agropecuária e minero-metalúrgica, o novo paradigma tecnológico e a diminuição da
demanda pelos recursos minerais convencionais e o aproveitamento de florestas tropicais a partir da informação
genética de sua diversidade biótica; este último definido por Becker (1990), como a Amazônia enquanto uma
fronteira tecno(eco)lógica.
PROJETO ICOMI

Mesmo não havendo consenso perante aos ganhos sócio-econômicos e


ambientais gerados e deixados pela ICOMI ao estado, não pode ser negada a sua contribuição
na instalação de infra-estrutura nos setores de transportes e urbano. A ICOMI é considerada
ainda como o empreendimento produtivo mais duradouro e mais importante do ex-Território
Federal do Amapá e do atual Estado do Amapá (DRUMMOND; PEREIRA, 2007).

Em 1957, antes mesmo do prazo previsto, foram concluídas as obras de


instalações industriais da mina de manganês em Serra do Navio, a Estrada de Ferro do Amapá
(EFA) e o Porto de Santana. Essas três formas espaciais começam a delinear e a configurar
uma rede geográfica na porção central do Estado do Amapá, que corresponde de forma linear
– sob a orientação da ferrovia – a uma região de aproximadamente 200 quilômetros; que,
ainda hoje, articula áreas de extração mineral no interior do estado à área portuária no
município de Santana.

A outorga de concessão pelo Decreto n.º 32.451, de 20/3/1953, concedeu à


ICOMI a construção, uso e gozo de uma estrada de ferro que, partindo do Porto de Santana
alcançasse as jazidas de manganês existentes na região dos Rios Amapari e Araguari, na
porção central do Estado do Amapá. A Extensão do seu trecho é de 194 km e possui bitola:
1,435 metros, em 1997, ano do encerramento das atividades dessa empresa, foram
transportados 84 mil passageiros e 1 milhão de toneladas de mercadorias (minério de
manganês, ferro-silício, dormentes, areia, explosivos, etc.), equivalente a 194 milhões de
TKU, empregando 40 funcionários (BRASIL, 2009b).

Em 1960, ocorreu o término das obras de construção e urbanização das duas


vilas residenciais do projeto da ICOMI, ou seja, as suas duas company towns221: a Vila
Amazonas junto ao Porto de Santana e a Vila de Serra do Navio junto à jazida de manganês
(RIBEIRO, 1992). As ex-Company Towns construídas pela ICOMI, a Vila Amazonas e a Vila
de Serra do Navio, podem ser consideradas como a proto-urbanização das atuais cidades de

221
São cidades planejadas de empresas (cidade-empresa) que visam produzir seu próprio espaço urbano, que
tem como objetivo central abrigar a população diretamente envolvida na obra e para servir de suporte ao
empreendimento. Quatro fatores caracterizam esses núcleos urbanos: a) representam uma espécie de extensão
da linha de produção das empresas a que estão ligadas; b) por sua natureza, concepção e densidades técnicas,
tendem a negar os padrões regionais de urbanização; c) caracterizam uma nova forma de gestão do espaço local
e regional, dada a relativa autonomia econômica e política de que são investidas e; d) acabam geralmente
definidas como verdadeiros ―enclaves urbanos‖, capazes de assegurar as atividades da empresa e o controle da
força de trabalho (ROCHA; TRINDADE JR, 2002).
Santana e de Serra do Navio. A primeira delas com o processo de desenvolvimento urbano se
metamorfoseou num bairro de médio e alto status social, enquanto, a segunda foi
transformada na sede do município de Serra do Navio, sendo o seu conjunto arquitetônico
adaptado em repartições de administração pública, em comércios e moradias.

No contexto político e econômico atual, o plano urbanístico dessas ex-


company towns foram deixado de lado, tendo que se adaptarem às demandas espaciais
geradas pelas atividades das novas empresas de mineração e de suas terceirizadas que estão
atuando na região; transformando o que outrora fora uma cidade planejada em um
assentamento urbano espontâneo com os problemas habituais. Além desses dois núcleos
urbanos que passaram a se desenvolver como cidades de ponta de trilho, fazem parte dessa
rede urbana linear as cidades de Porto Grande (Estação Porto Platon) e Pedra Branca do
Amaparí (Estação Cachorrinho), que serviram durante o projeto da ICOMI como estações do
trecho ferroviário entre o Porto de Santana e a Mina da Serra do Navio.

Ainda na região central do estado, localizada na margem direita do Rio


Araguari e distante a 133 quilômetros de Macapá pela BR-156, está localizada a cidade de
Ferreira Gomes. Essa cidade não se encontra orientada pelo trajeto da Estrada de Ferro do
Amapá (EFA), sua principal referência é de apoio logístico para a Usina Hidrelétrica Coaracy
Nunes (UHCN), mais conhecida por Usina do Paredão, instalada, também, no Rio Araguari e
representa uma estratégica infra-estrutura que foi construída parcialmente com recursos
provenientes da atividade de mineração da ICOMI (DRUMMOND; PEREIRA, 2007).

PROJETO JARI

Outro enclave produtivo de grande porte que teve reflexo no processo de


produção e configuração territorial do espaço amapaense é o Projeto da Jarí Celulose S/A.
(JARCEL). Este projeto surgiu com base na informação da progressiva diminuição dos
estoques de madeira dos produtores tradicionais de celulose, que esperavam em média 25
anos para ter uma árvore no ponto ideal de corte, foi, então, que o empresário americano
Daniel Ludwig idealizou e implantou em 1967 um grande projeto florestal no vale do rio Jari
em terras do Estado do Pará. Ludwig apostou na expansão do mercado desse produto e nas
condições ambientais tropicais de luminosidade, umidade e calor que diminuiria o tempo de
crescimento consideravelmente das árvores (LINS, 1997).
Em termos de infra-estrutura para a produção escoamento de celulose, a Jari
implantou na região uma fábrica de celulose, uma usina termelétrica com 55 MW de
capacidade, a Company Town de Monte Dourado (PA), um porto fluvial (Porto da Jari), 71
quilômetros de ferrovia e o aeroporto de Serra do Areão em Monte Dourado/PA, além desses
implantou também a Empresa Caulim da Amazônia (CADAM) e a Mineração Santa Lucrécia,
para a extração e beneficiamento de caulim e bauxita refratária, respectivamente (JARCEL,
2009).

A Jari ocupa 1,3 milhão hectares distribuídos em terras nos Estados do Pará
(55%) e do Amapá (45%), cortadas pelo rio Jari, que faz divisa entre os dois estados. Na
região do Jari vivem hoje cerca de 100.000 habitantes, distribuídos pelas cidades de Monte
Dourado (Pará), Laranjal do Jari (Amapá), Vitória do Jari (Amapá) e Almeirim (Pará). Sua
sede está situada em Monte Dourado, às margens do rio Jari, no Estado do Pará. Já a fábrica
de celulose está localizada no distrito industrial de Munguba, a aproximadamente 18
quilômetros de Monte Dourado, também às margens do rio Jari, ocupando uma localização
geográfica estratégica:

 é a fábrica brasileira de celulose situada mais próxima dos principais mercados


consumidores: Europa, América do Norte e Ásia;

 apresenta curta distância entre a floresta, a fábrica e o porto fluvial privativo, com
capacidade para receber navios de até 200 metros de comprimento;

 as condições naturais de clima e solo e a utilização da melhor tecnologia silvicultural


disponível permitem o cultivo de florestas de alta produtividade, onde cresce o
eucalipto de ciclo curto de corte (JARCEL, 2009).

Esse projeto, mesmo não sendo implantado totalmente em território


amapaense, passou a influenciar na dinâmica e organização espacial desse estado,
especialmente em sua região Sul nos limites fronteiriços com o Estado do Pará ao longo do
Vale do Rio Jarí. O Projeto Jarí buscou integrar atividades florestais, agrícolas, minerais e
industriais, estruturando-se em torno de dois núcleos urbanos principais: a Company Town de
Monte Dourado (PA) e a cidade de ocupação espontânea de Laranjal do Jarí/AP, que durante
anos não passava de uma imensa favela fluvial incrustada na floresta amazônica; denominada
de ―Beiradão‖.

PROJETO CALHA NORTE (PCN)


No ano de 1985, foi implantado um grande projeto do poder público federal
que visou resguardar a faixa de fronteira setentrional da região amazônica do seu limite
fronteiriço seguindo até 150 quilômetros para o interior do Território Nacional. Esse
corresponde ao Projeto Calha Norte (PCN), diferente dos dois primeiros foi concebido pelo
Estado e teve como finalidade principal proteger a fronteira Norte da Amazônia através de
ações nos setores de infra-estrutura viária, energética e de comunicações, educação e saúde,
apoio às comunidades e aos grupos indígenas, aparelhamento de órgãos policiais e judiciários;
além de fiscalização do movimento na área de fronteira.

No Amapá, a presença do PCN foi sentida, principalmente, na área do


município de Oiapoque na fronteira com a Guiana Francesa, através da presença da base
militar do exército na cidade de Clevelândia do Norte e instalação de órgãos públicos na
cidade de Oiapoque, como, por exemplo, o escritório da FUNAI e da Polícia Federal, que
possuem atuação ativa, respectivamente, junto às várias aldeias indígenas existentes na região
e na segurança e vigilância dos fluxos na fronteira internacional. A abertura da rodovia BR-
156 ligando a cidade de Macapá à cidade de Oiapoque e a abertura da BR-210 (Perimetral
Norte), são resultados do esforço do Estado em fazer cumprir as metas estabelecidas por
projetos de defesa e integração nacional e, ainda hoje, correspondem aos dois principais eixos
de circulação terrestres do Amapá, conforme mostra a figura 1.

Entre as condições espaciais de localização das grandes firmas em países


subdesenvolvidos pode-se relacionar a especialização horizontal do território, que ocorre por
meio da seletividade espacial para os diferentes níveis de produção industrial, devido à
raridade dos pontos que dispõem de vantagem locacionais significativas, havendo uma
tendência para as concentrações com efeitos cumulativos (SANTOS, 2004). Quando o Estado
funciona como suporte dos monopólios pela concentração das infra-estruturas, age como um
elemento de concentração econômica e demográfica, se o Estado dissemina pelo território os
equipamentos de natureza social, como hospitais e escolas, ou distribui incentivos aos
agricultores, é um fator de dispersão.

Há cada vez mais uma tendência a equipar mais o país, segundo uma
determinada mitologia de crescimento econômico, que acaba por atender às grandes firmas e
aos monopólios; essa associação funcional entre o Estado e o capital, ao invés de gerar uma
difusão geográfica e social do crescimento econômico, acaba por difundir a pobreza e a
concentração nos pontos de crescimento (SANTOS, 2004).
A partir do exposto, fica evidente que a produção sócio-espacial do Estado do
Amapá desde a década de 1940 esteve diretamente atrelada à implantação dos grandes
projetos privados e de Estado, onde os sistemas de objetos e ações desenvolvidos por eles
passaram a definir certos arranjos espaciais no estado, que podem ser identificados como: a) a
região de Macapá, a qual teve seu dinamismo sócio-econômico ligado ao projeto de criação
do ex-Território Federal do Amapá (1943), que passou a dotar a sua capital de condições
mínimas de infra-estrutura e garantias normativas para a chegada dos projetos de capital
privado; e deu início ao processo de polarização dos investimentos feito no estado; b) a região
central do Amapá, configurada pelo Projeto da ICOMI (1953); c) A região conhecida por
Vale do Jarí, configurado pelo Projeto JARI e abrange a região Sul do estado com fronteira
com o estado do Pará (1967) e; d) o Projeto Calha Norte configurando a região de fronteira
internacional entre o Brasil e a Guiana Francesa (1985), que corresponde no Amapá ao
município de Oiapoque.

Figura 1: Influência dos grandes projetos no Estado do Amapá, 2007.

POLARIZAÇÃO E INTERAÇÃO ESPACIAL NO AMAPÁ


A problemática regional e urbana começa a ganhar contornos concretos com a
efetivação do processo de integração nacional, o que promove a supressão da independência e
da autonomia dos lugares acionados por esse processo, submetendo todos às mesmas leis
coercitivas, sendo, portanto, ingenuidade pensar uma matriz produtiva densa e integrada no
âmbito de uma única região ou a busca de uma autonomia econômica regional (BRANDÃO,
2007).

Dessa maneira, as desigualdades regionais são inevitáveis com a consolidação


do processo de integração. Essas podem ser definidas como diferenças duráveis, localmente
interdependentes e cumulativas entre sub-espaços de um mesmo país, estabelecidas por
condições não somente conjunturais, mas também estruturais. A causa motriz dessas inter-
relações locais pode-se encontrar fora da região (SANTOS, 2004).

A consciência das desigualdades regionais faz aumentar as tensões sociais e


pode comprometer a coesão e a solidariedade do grupo nacional. No entanto, essas tensões
são amenizadas através de mudanças conjunturais, onde as forças detentoras do poder nas
regiões ricas reforçam o seu poderio sob a forma de concessões junto à região problema,
gerando as ―regiões planos‖ (SUDENE e SUDAM), as quais nasceram do crescimento
desigual entre espaços geográficos de um mesmo país; desequilíbrios históricos que se
intensificam sob a lei de uma complementaridade produtiva e dos efeitos multiplicadores dos
investimentos, que ao longo dos anos orientam novos capitais para as regiões mais
desenvolvidas (BRITTO, 1986).

Dessa maneira, o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo faz


surgir em termos espaciais da acumulação do capital o processo de polarização, a qual gera a
hierarquia e a centralidade, ou seja, estruturas de dominação fundadas na assimetria e na
irreversibilidade, que são reforçadas pela inércia dos investimentos em capital fixo
concentrados naquela área central, marcada por forças aglomerativas e apropriando-se de
economias de escala, de proximidade e de meios de consumo coletivo presente nos espaços
construídos nos núcleos urbanos centrais do processo de desenvolvimento (BRANDÃO,
2007).

O desenvolvimento dos processos de homogeneização, integração e


polarização da dinâmica capitalista do e no espaço, produz sua contradição em escalas
diversas, verificável por meio do movimento negação entre a integração e a polarização
espacial, onde esta última pode ser vista também como uma porção fragmentada de espaço
que articula e estabelece a hierarquia de outros. Assim, fragmentação e integração dão origem
às diferenciações dos lugares e, no modo de produção capitalista, as desigualdades marcadas
pelas diferenças e contrastes regionais. Toda essa situação de desigualdade sócio-espacial
acaba por promover importantes mudanças na (re)organização do espaço, que são
acompanhadas por migrações rurais-urbanas, inter-regionais e inter-urbanas.

URBANIZAÇÃO CONCENTRADA NO AMAPÁ

A ocupação espontânea ou dirigida, a abertura de rodovias e a implantação de


grandes projetos agropecuários, de mineração, hidrelétricos e os ligados à industrialização,
produziram grandes mudanças na esfera produtiva, nas relações de produção e na dinâmica da
configuração territorial do espaço amazônico (CORRÊA, 2006).

O revigoramento de velhos e estagnados núcleos urbanos e a criação de novos


foram de fundamental importância para a dinâmica econômica regional, pois esses passaram a
ser o locus de atração dos fluxos migratórios, da organização do mercado de trabalho e de
controle social, descaracterizando o processo de urbanização da Amazônia como
conseqüência de uma expansão agrícola. É dessa forma, que a fronteira econômica amazônica
já nasce urbana como estratégia geopolítica de ocupação feita pelo aparato de um Estado
centralizador e possui um ritmo de urbanização mais rápido do que o resto do Brasil
(BECKER, 1990; BROWDER; GODFREY, 2006).

Fora do eixo das cidades de Macapá e Santana, praticamente conurbadas 222, as


cidades de Laranjal do Jarí na porção Sul e a cidade de Oiapoque na porção Norte do estado,
mesmo possuindo dimensões de cidades pequenas, se destacam em termos de importância
urbana e de polarização regional. Nesse sentido, seguindo o raciocínio da influência dos
grandes projetos para a dinâmica territorial do Estado do Amapá, pode-se verificar que o
desenvolvimento e, em alguns casos, até a origem de núcleos urbanos está diretamente
vinculado aos sistemas de objetos e ações empreendidos por esses. Como exemplo, pode-se
destacar a influência do Projeto ICOMI na produção e organização do espaço na porção
central do estado do Amapá.

A transformação do Território Federal do Amapá em estado em 1988


desencadeou uma série de transformações econômicas e espaciais, que foram sentidas de
forma mais intensa nas cidades de Macapá e Santana. Essas mudanças na política e economia

222
Fenômeno ocasionado pela expansão horizontal de cidades que se encontram e formam um espaço urbano
contíguo.
amapaense estão relacionadas, em especial, às políticas de desenvolvimento promovidas pelo
poder público e com a chegada de novos agentes do capital no estado.

Dessa forma, a criação da Área de Livre Comércio de Macapá e Santana, em


1992, a criação de novos municípios no início de década de 1990, o Plano de
Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA), em 1995, a política federal de meio
ambiente através da criação de grandes áreas de conservação e preservação ambiental no
estado, o encerramento das atividades da ICOMI, em 1997, seguido da entrada de novas
empresas de mineração e de suas terceirizadas na área central do estado nessa primeira década
do século XX, contribuíram e contribuem, diretamente, para as transformações sócio-
espaciais em curso no Amapá.

A ilusão do Amapá como uma fronteira econômica ou como uma promessa de


lugar de prosperidade sócio-econômica, somado a uma conjuntura nacional de baixo
desenvolvimento e elevados índices de desemprego, foram alguns dos elementos que
contribuíram para o deslocamento de milhares de pessoas em busca de uma vida melhor. Para
melhor ilustrar essa intensa e concentrada dinâmica populacional após a criação do Estado do
Amapá, ressalta-se o incremento de seu processo migratório visto através do índice da Taxa
Líquida de Migração (TLM) para a sua capital, a cidade de Macapá, que durante o período de
1995-2000 foi de 8,28%, o que correspondeu a segunda maior taxa entre as capitais estaduais
da Amazônia Legal no período (IBGE, 2001).

A abertura de vários concursos públicos em diferentes setores da administração


e de serviços públicos para compor o quadro pessoal do estado em formação, somado à
expectativa de um lugar cheio de oportunidades de realização econômica e social, atraiu
migrantes de várias regiões do Brasil, destacando-se quantitativamente, os paraenses e os
maranhenses respectivamente, ou seja, o predomínio de uma migração intra-regional,
confirmando o comportamento de dinâmica populacional por meio da migração na região
Norte do país (MOREIRA; MOURA, 1998).

A elevada taxa de migração e de urbanização do Amapá são fatores que


incidiram diretamente em sua dinâmica territorial e urbana. A taxa de urbanização do Amapá
em 2000 foi de 89,0%; maior índice da região Norte e acima da taxa de urbanização do Brasil,
que nesse ano foi de 81,25%. Tal fenômeno tem se apresentado de maneira concentrada na
capital Macapá e na cidade de Santana, originando um fenômeno denominado de
macrocefalia urbana223, pois esses dois municípios concentram 74,28% da população do
estado (IBGE, 2007).

Distante uma da outra por 12 quilômetros é importante destacar a


complementaridade urbana existente entre as cidades de Macapá e Santana, principalmente
referente aos sistemas de transportes, pois o principal aeroporto do Amapá está localizado em
Macapá, enquanto os seus principais terminais portuários e parques industriais estão no
município de Santana. Como a maior parte de cargas e mercadorias chega ao estado por meio
da via fluvial e flúvio-marítima, vai ocorrer uma grande concentração de empresas de
transportes, atividades industriais e portuárias ocupando as orlas dos rios Amazonas e do
Matapí em Santana. Já na capital se concentram as atividades de comércio, serviços mais
especializados, faculdades, administração pública e gestão de empresas. Essa
complementaridade urbana acarreta grande interação espacial entre esses dois núcleos
urbanos que ocorrem, sobretudo, através de duas vias principais: a Rodovia Juscelino
Kubitchek e a Rodovia Duque de Caxias.

A urbanização na Amazônia tem apresentado uma elevada concentração em


poucas cidades. Esta urbanização concentrada reflete a ação do Estado através da criação e
estímulo, nas capitais, de um número crescente de instituições vinculadas a atividades
políticas, administrativas, de gestão e de empreendimentos privados voltados ao serviço e ao
comércio da população urbana; gerando um ponderável mercado de trabalho (CORRÊA,
2006). A cidade de Macapá é um bom exemplo dessa realidade de urbanização concentrada,
conforme se verifica nos percentuais populacionais da figura e quadro 1.

Quadro 1: População dos municípios do Estado do Amapá.


Município População (2007) % Estado Ano de criação
Amapá 7.492 1,28% 1901
Calçoene 8.656 1,48% 1956
Cutias 4.320 0,74% 1992*
Ferreira Gomes 5.040 0,85% 1987
Itaubal 3.439 0,59% 1992*
Laranjal do Jarí 37.491 6,39% 1987
Macapá (capital) ** 344.153 58,59% 1856
Mazagão 13.862 2,37% 1890
Oiapoque 19.181 3,27% 1945
Pedra Branca do Amaparí 7.332 1,24% 1992*
Porto Grande 13.962 2,37% 1992*

223
As macrocefalias urbanas são conhecidas nos países subdesenvolvidos como o resultado do progresso
tecnológico e das tendências à concentração que ele provoca. As cidades inicialmente privilegiadas beneficiam-
se com uma acumulação seletiva de vantagens e, assim, acolhem novas implantações. A concentração de
investimentos públicos em alguns pontos do espaço provoca a tendência a uma elevação do coeficiente de
capital necessário à instalação de uma nova atividade. O Estado também favorece a macrocefalia por meio da
escolha dos investimentos prioritários que vão para as cidades (SANTOS, 2004).
Pracuúba 3.353 0,59% 1994*
Santana ** 92.098 15,68% 1987
Serra do Navio 3.772 0,64% 1992*
Tartarugalzinho 12.395 2,12% 1987
Vitória do Jarí 10.765 1,84% 1994*
Estado do Amapá 587.311 100% 1988
Fonte: IBGE, 2007; AMAPÁ, 2002.
* Municípios que se emanciparam depois da criação do Estado do Amapá.
** Praticamente conurbadas.
Nota: Até o ano de 1943 as terras que atualmente correspondem ao Amapá pertenciam ao Estado do Pará, a
partir desse ano foi criado o Território Federal do Amapá que em 1988 passou a ser o atual Estado do Amapá.

Os demais núcleos urbanos do Amapá são formados por cidades pequenas,


onde 50% delas possuem municípios com uma população inferior a 10.000 habitantes;
concentrados em sua maior parte na sede do município de denominação homônima. Ressalta-
se, também, que a criação de novos municípios no Amapá ocorre, principalmente, durante o
processo de sua transformação em estado em 1988.

Não se deve entender a primazia urbana limitando-a como um fenômeno só


demográfico, mas através das realidades históricas que levaram a uma acumulação num só
ponto do território, estando essa seletividade na origem de novas instalações e novas
acumulações, que se agrava na atualidade com a concentração em todos os setores da
atividade econômica, social e política (SANTOS, 2004). Nesse sentido, a polarização da
cidade de Macapá tem início com a criação do Território Federal do Amapá, pois a partir daí
passou a receber os principais investimentos em infra-estrutura e serviços urbanos, sendo a
base logística principal dos vários projetos instalados no Amapá e destino de seus
investimentos e impostos, contribuindo para sua primazia urbana no estado.

Reverter uma macrocefalia urbana, considerando a atuação da força e os


interesses de uma sociedade de mercado, torna-se um processo bastante conflituoso, pois essa
representa a forma espacial da concentração e desigualdade econômica e geográfica. Assim,
para rever esse fenômeno tem-se que considerar todo o conjunto de causas internacionais e
nacionais que provocam as macrocefalias, o que implicaria uma programação pública
coerente e sólida, conduzida por um Estado consciente das dificuldades que qualquer tentativa
de modificar o status quo pode acarretar (SANTOS, 2004).

O isolamento por via terrestre do Amapá em relação ao restante da Amazônia e


do Brasil somado à precariedade de seus sistemas de transportes e de comunicação interna,
tem dificultado a funcionalidade, articulação e desenvolvimento de um sistema urbano mais
integrado e consolidado, contribuindo para intensificar a macrocefalia urbana na cidade de
Macapá, que assume a primazia da incipiente rede urbana do Amapá, polarizando todo o seu
território, além de municípios do arquipélago do Marajó pertencentes ao Estado do Pará.

No entanto, sub-redes ou curtos-circuitos estão se estruturando através de


núcleos urbanos localizados: no vale do Rio Jarí na porção Sul do estado com a polarização
de Laranjal do Jarí, no eixo da rodovia BR-210 articulados à atividade de mineração e ao
Norte do estado numa área de fronteira internacional entre o Brasil e a Guiana Francesa com
polarização na cidade de Oiapoque.

REDE GEOGRÁFICA E INTERAÇÃO ESPACIAL NO AMAPÁ

A rede geográfica amazônica, assim como a do Amapá, passa por um processo


de reconfiguração territorial e integração recente que geram a criação de novos nós, novas
hierarquias e especializações, que redirecionam fluxos de pessoas, mercadorias, bens, serviços
e informações, agora voltados para uma dinâmica cujo comando pode ser regional, nacional e
mundial (RIBEIRO, 2001).

Duas grandes matrizes permeiam a compreensão do significado de rede224,


uma que considera o seu aspecto como uma realidade material, e outra, onde é levado em
conta o dado social. A primeira delas leva a uma definição formal de rede como, a infra-
estrutura que permite o transporte de matéria, de energia ou de informação, que se
desenvolvem sobre um território que se caracteriza pela topologia de seus pontos de acesso,
seus pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus nós de bifurcações ou de
comunicações, já a segunda faz referência a rede como abstração, onde são considerados os
aspectos sociais e político das pessoas, mensagens, valores que a estabelece (SANTOS,
2002).

A rede, também, pode ser compreendida como interações de estruturas. As


estruturas econômicas, como uma manifestação de modelos de crescimento adotados, as
estruturas geográficas, verificadas através da distribuição da população, da infra-estrutura, das
atividades, das instituições, assim como de seu contexto, e, finalmente, as estruturas sociais e
políticas resultantes da superimposição do presente sobre o passado e da superimposição de
influências locais, nacionais e internacionais (SANTOS, 2002).

224
Enquanto teoria a noção de rede chama atenção para o seu caráter de conexão (rede de ligação) representado
pelos ―nós‖ das redes, os lugares de conexões, e quanto a sua visão sistêmica, que legará sua organização (rede
de organização).
Em termos das relações com o território as redes podem ser examinadas
segundo um enfoque genético e segundo um enfoque atual. A soma desses enfoques permite
compreender o passado e a configuração presente da rede, onde suas mudanças morfológicas
e técnicas sob o território podem ser contadas através de momentos diversos e não aleatórios,
pois obedece a uma exigência social. Essa reconstituição histórica da rede é complexa, mas é
de fundamental importância para a compreensão da totalidade da evolução de um lugar
(SANTOS, 2002).

Compreender a significação social do espaço ou de uma rede geográfica em


suas diferentes escalas de seu processo de criação, apropriação e circulação do valor
excedente acaba por revelar uma singularidade específica da totalidade social, ao mesmo
tempo que servem de fonte para compreensão dessa mesma totalidade. As redes geográficas
são historicamente contextualizadas, sendo parte integrante de um longo e cada vez mais
complexo processo de organização espacial socialmente engendrado. As redes geográficas
representam localizações articuladas entre si por vias de fluxos, onde se efetivam as
interações espaciais realizadas através dos atributos das localidades e das possibilidades reais
de se articularem entre si (CORRÊA, 1997).

As interações espaciais podem ser compreendidas como um amplo e complexo


conjunto de deslocamento de pessoas, mercadorias, capital e informação sobre o espaço
geográfico. Elas podem apresentar maior ou menor intensidade, variar segundo a freqüência
de ocorrência e, conforme a distância e direção, também, são caracterizadas pelos diversos
propósitos e se realizam através de diversos meios de velocidades. As interações espaciais
representadas pelas redes geográficas estão ancoradas na sociedade e em seu movimento de
transformação, portanto, sua dinâmica somente é inteligível quando consideradas como parte
da história do homem e de sua mutável Geografia (CORRÊA, 1997).

Para Ullman (1972), a definição de interação espacial parte do conceito de


localização (situation), e refere-se aos efeitos dos fenômenos de uma área sobre outra, ou seja,
verificadas por suas conexões. Tais interações devem ser baseadas na circulação ou
movimento físico de mercadorias e pessoas que tem como princípios de seu sistema: a
complementaridade (complementarity), a oportunidade mediadora e a distância
(transferability). A complementaridade é o primeiro fator de um sistema de interação, porque
este torna possível o estabelecimento de rotas de transportes a partir da demanda e da oferta.
Efetivada uma interação espacial inicial, novas interações podem surgir entre as áreas
complementares distantes, as quais devem ser mensuradas em termos reais de tempo e custo
(ULLMAN, 1972).

No caso empírico do Amapá, a maior complexidade da divisão territorial do


trabalho na região fez com que vários sistemas de objetos e de ações participassem e
constituíssem redes geográficas vinculadas aos seus sistemas de interações em várias escalas.
Ressalta-se, também, a subordinação da cidade de Macapá à centralidade exercida pela
metrópole de Belém/PA. Assim, no tocante à rede urbana regional o Estado do Amapá faz
parte de um subsistema comandado pela cidade de Belém (BECKER, 2004).

A seguir serão tratadas algumas particularidades dos sistemas de transportes do


Estado do Amapá: o aeroviário, hidroviário, ferroviário e rodoviário, com o objetivo de
apresentar, mesmo que de forma abrangente, algumas conexões e interações existentes no
espaço amapaense. Abaixo seguem as principais rotas de interações espaciais do Amapá,
realizadas por meio dos sistemas de transportes estabelecidos.

Quadro 2: Principais interações espaciais do Amapá por via dos transportes.


Sistema de Cidades ou Regiões Articuladas Abrangência Geográfica
Transporte
Intra- regional, Regional e
Aéreo Macapá/AP – Belém/PA Nacional
Fluvial Santana/AP – Belém/PA Intra-regional
Macapá e Santana/AP – Ilha de Marajó/PA (Afuá, Chaves,
Fluvial Breves) Intra – regional
Santana/AP - Vale do Jarí ( Laranjal do Jarí/AP, Vitória do
Fluvial Jarí/AP e Monte Dourado/PA) Estadual e Intra-regional
Santana/AP – Baixo e Médio Rio Amazonas (
Fluvial Almerim/PA, Óbidos/PA, Santarém/PA, Manaus/AM....) Intra – regional
Fluvial Macapá e Santana/AP – Arquipélago do Bailique/AP Estadual
Flúvio - Marítimo Santana/AP – Europa, E.U.A, Japão Internacional
Ferroviário Santana/AP – Serra do Navio/AP Estadual
Terrestre Municípios do Amapá Estadual
Macapá/AP – Caiena/Guiana Francesa via cidade de
Terrestre/Fluvial Oiapoque Internacional
Terrestre/Fluvial Macapá/AP – Monte Dourado e Almerim/PA Intra-regional
Organização: Emmanuel R. Costa Santos, 2009.

TRANSPORTE AÉREO

O Amapá segue a tendência nacional quanto ao aumento do número de pessoas


que passaram a utilizar o transporte aéreo, que ocorreu, sobretudo, pela relativa diminuição do
preço das tarifas, acesso ao crédito e concorrências entre as empresas do ramo. No entanto, no
caso do Amapá existe o condicionante de seu relativo isolamento geográfico por via terrestre,
e uma viagem de um dia via fluvial para chegar a Belém/PA; realidade que somada a
conjuntura anterior, certamente, contribui para aumentar a demanda de passageiros no uso do
transporte aéreo para sair e chegar no Amapá.

Quadro 3: Fluxo de passageiros no Aeroporto Internacional de Macapá.


Ano Número de Passageiros (unid.) Carga Aérea (kg) Número de Aeronaves (unid.)
2002 301.117 2.778.342 14.829
2003 324.170 2.702.438 13.479
2004 392.775 2.703.907 11.581
2005 414.481 2.702.682 11.327
2006 480.377 3.062.326 12.944
2007 526.570 3.109.042 12.821
2008 493.999 3.102.039 13.613
2009* 219.962 1.372.894 5.925
*Dados relativo até o mês 06/2009.
Fonte: Infraero, 2009.

Com base nos dados da Infraero, relativo ao fluxo de passageiros nos


aeroportos das capitais da Região Amazônica, com exceção das duas metrópoles regionais:
Belém e Manaus, o movimento do Aeroporto de Macapá (493.999) superou o de Boa
Vista/RR (205.180), de Rio Branco/AC (302.551), de Porto Velho/RO (426.470) e o de
Palmas/TO (259.362), o que reforça a importância do transporte aéreo para o Amapá diante
de seu relativo isolamento geográfico.

No quadro a seguir, nos seis voos comerciais diários que servem o Amapá,
pode-se observar sua interação via aérea com o restante do país, que ocorre sempre
obedecendo a uma escala ou conexão no Aeroporto de Belém, tanto na ida como na volta, o
que reforça a influência dessa metrópole regional sobre o Estado do Amapá. Nota-se,
também, o domínio de Brasília/DF e São Paulo/SP como pontos de origem e destino final das
viagens, obedecendo nitidamente a hierarquia urbana brasileira e os dois principais aeroportos
que concentram e distribuem estrategicamente os voos para o território nacional e
internacional.

Quadro 4: Voos comerciais no Aeroporto de Macapá/AP.


Cia Origem e Destino Final Escalas
Aérea
TAM Brasília – DF (Origem) Belém – PA.
São Paulo – Congonhas – SP (Destino Final) Belém – PA ; Brasília – DF.
GOL Foz do Iguaçu – PR (Origem) São Paulo – Guarulhos – SP; Belém – PA.
São Paulo – Guarulhos – SP (Destino Final) Belém – PA.
TAM São Paulo – Congonhas – SP (Origem) Brasília – DF; Belém – PA.
Brasília – DF (Destino Final) Belém – PA.
GOL São Paulo – Congonhas – SP (Origem) Brasília – DF; Belém – PA.
Foz do Iguaçu – PR (Destino Final) Belém – PA; São Paulo – Guarulhos – SP; Rio de
Janeiro - Galeão – RJ.
TAM São Paulo – Congonhas - SP Brasília – DF; Belém – PA.
GOL Brasília - DF Belém – PA.
Fonte: Infraero, 2009.

Ainda relativo ao transporte aéreo, destaca-se o tempo em que operavam voos


regulares de empresas regionais para o aeroporto da cidade de Oiapoque/AP e para o
aeroporto da cidade de Monte Dourado/PA, sendo que este último acabava atendendo todo o
Vale do Jarí. Outro voo que, também, foi suspenso era o que fazia a rota Macapá –
Caiena/Guiana Francesa – Macapá; proveniente de Belém. Dessa maneira, atualmente, todo o
Amapá está articulado por via aérea com o restante do território nacional e internacional
através do aeroporto da cidade de Macapá.

TRANSPORTE HIDROVIÁRIO

Devido à carência de rodovias, o custo elevado dos transportes aéreos em


relação aos demais e a abundância de vias navegáveis, o transporte hidroviário na Bacia
Amazônica reveste-se de grande importância econômica e social, destacando entre as
naturezas de transporte, os granéis sólidos (grãos e minérios), derivados de petróleo e
passageiros. As hidrovias que articulam o Amapá em escala intra-regional estão inseridas na
denominada Bacia Amazônica Oriental, através do rio Amazonas no trecho Macapá – Belém/
Belém – Macapá/ Santarém – Macapá/ Macapá – Santarém.

No quadro a seguir, novamente se observa a influência da metrópole regional


de Belém sobre o Amapá, agora como principal terminal de origem das cargas em geral e
granel líquido que chegam ao estado. Os portos de Belém servem como entrepostos do
sistema de intermodalidade que permitem a circulação de cargas e pessoas que chega por via
rodoviária de outras regiões do país em Belém e seguem para o Amapá via Macapá/Santana225
por meio do transporte hidroviário.

225
Apesar dos trechos hidroviários Belém – Macapá – Belém e Macapá – Santarém – Macapá fazerem
referência à cidade de Macapá, o principal sistema portuário do Amapá localiza-se na cidade de Santana. Dessa
maneira, o Porto de Macapá fica de fato na cidade de Santana, tal embaraço pode ser explicado devido o
município de Santana ter sido criado a partir do território do município de Macapá, em 1987.
Quadro 5: Movimentação de carga na Hidrovia do Amazonas nos trechos Belém – Macapá – Belém e
Macapá – Santarém – Macapá no ano de 2000.
Terminal Terminal Distância Quantidade Produção Produtos Principais Empresas
Origem Destino (Km) (t) Transporte Movimentados de Navegação
(tku)
Belém (PA) 574 387.179 222.240.746 Belnave, Conama,
Macapá Santarém 600 4.848 2.908.800 Rosiane, Reicon,
(AP) (PA) Carga Geral Silnave, M. Santos,
Sanave, Josina e
Bertoline
Santarém Macapá 600 4.848 2.908.800 Carga Geral A.M. Freire, CNA,
(PA) (AP) Tapajós, Transportes
Nonato e De Lima
Navegação
Belém (PA) Macapá 574 1.311.779 752.961.146 Carga Geral CNA, Belnave,
(AP) Transmar, Natura,
95.406 54.763.044 Granel Líquido Marajó, Conama,
Jonasa, João C.R. Filho
Fonte: Ministério dos Transportes, 2009.

As principais empresas de navegação que transportam carga nesse trecho


possuem seus próprios portos com atracadores para balsas, rebocadores e embarcações,
escritórios e depósitos, localizados ao longo das orlas do rio Amazonas e do rio Matapí na
cidade de Santana/AP. Quanto ao transporte fluvial de passageiros, o seu embarque e
desembarque, ocorrem no denominado Porto do Grego na área portuária central da cidade de
Santana, próximo de uma feira livre e de rampas com pequenas embarcações (catraias) com
capacidade média para 15 pessoas, que fazem a travessia do Canal Norte do Amazonas para
acessar a Ilha de Santana.

Além desses portos menores em sua maioria privados, existem dois outros
portos maiores: o Porto de Macapá e o Porto da ICOMI. O Porto de Macapá é administrado
pela Companhia Docas de Santana e está localizado na margem esquerda do rio Amazonas,
possui uma largura de 500 metros a 800metros, profundidade mínima de 10 metros, 3 berços
e 260 metros de comprimento de cais, sua principal carga embarcada é granel sólido: casca de
pinus, e sua principal carga importada é granel sólido: adubo.

O porto implantado em 1957 pela ICOMI era privado, e foi equipado para a
exportação do minério do manganês durante o controle dessa empresa por mais de quatro
décadas. Depois do encerramento das atividades da ICOMI em 1997, o sistema de engenharia
construído por ela, as duas company tows, a Estrada e Ferro do Amapá (EFA) e o Porto de
Santana foram repassados para a gestão do estado e das prefeituras dos municípios de Serra
do Navio e de Santana. Atualmente, o ―Porto da ICOMI‖ e da EFA está sob a concessão da
Empresa Pedra Branca do Amaparí (MPBA), a qual tem feito sua manutenção para o
escoamento e embarque, em especial, do minério de ferro; extraídos da área central do estado
nos municípios de Pedra Branca do Amaparí e Serra do Navio.

Na cidade de Macapá o transporte hidroviário de carga e pessoas ocorre em


pequenas e médias embarcações regionais que atracam do Canal do Jandiá, no Bairro da
Cidade Nova, na doca do Igarapé das Mulheres no Bairro do Perpétuo Socorro, nos trapiches
(rampas) do Santa Inês e no Canal das Pedrinhas. Os destinos principais são as cidades e
localidades ribeirinhas das Ilhas do arquipélago do Marajó/PA e Arquipélago do Bailique/AP.
Nessa interação intra-regional, além do transporte de pessoas, embarcam em Macapá produtos
industrializados que chegarão aos mais longínquos recantos dos emaranhados rios que
anastomoseiam-se na imensa foz do rio Amazonas, e onde são drenados produtos regionais
como o açaí, farinha, frutas e peixes que desembarcam e abastecem muitas feiras livres de
Macapá.

Por último, em relação ao transporte fluvial no Amapá, destaca-se a travessia


de mercadorias e pessoas que ocorrem nas fronteiras do Estado do Amapá em seus limites
territoriais contornados pelo rio Jarí com o Estado do Pará ao Sul e pelo rio Oiapoque com a
Guiana Francesa ao Norte, que são feitos por barcos de alumínio com motores de popa,
denominados localmente como voadeiras ou catraias. Esse transporte supre a ausência de
pontes sobre os rios mencionados e permitem a articulação respectivamente entre as cidades
de Laranjal do Jarí/AP e Monte Dourado/PA e das cidades de Oiapoque/AP com Saint
George/Guiana Francesa.

Nesses dois casos se observa a intermodalidade do transporte rodoviário com o


hidroviário para poder concluir viagens para as cidades de Monte Dourado e Almerim no Pará
ou para as cidades de Saint George e Caiena na Guiana Francesa, pois é indispensável para
atravessar sucessivamente os rios Jarí e Oiapoque por meio das catraias. Dessa forma, o
Estado do Amapá é praticamente uma ilha, cercado ao Sul e Oeste pelo rio Jarí, a Leste pelo
rio Amazonas e oceano Atlântico e a Norte pelo rio Oiapoque.

TRANSPORTE RODOVIÁRIO

O sistema rodoviário do Estado do Amapá é bastante precário, pois somente


19,74% dos 2.297,3 quilômetros de rodovias federais, estaduais e municipais possuem
pavimento, o qual nem sempre está em bom estado de conservação. Dessa malha viária pouco
densa se comparada com outras unidades da federação, 1.021,3 quilômetros são rodovias
federais dos quais só 390 quilômetros estão pavimentadas (DNIT, 2009). Os dois principais
eixos de circulação dentro do Amapá são as duas rodovias federais presente em seu território:
uma longitudinal a BR-156 e outra transversal a BR-210.

A BR-156 possui 822.9 quilômetros de extensão e destes apenas 315


quilômetros estão pavimentados. É uma verdadeira rodovia de integração, pois corta o Amapá
de Sul ao Norte e passa por 10 dos seus 16 municípios, seu quilômetros zero fica na
Cachoeira de Santo Antônio em Laranjal do Jarí e seu final na ponte internacional sobre o rio
Oiapoque, ainda não construída. Dessa maneira, essa rodovia começa e termina no estado,
diferente da BR-210, conhecida como Perimetral Norte, a qual é resultado direto do Projeto
Calha Norte e delineia toda a porção setentrional da Amazônia Brasileira perpassando pelos
estados do Amapá, Pará, Roraima e Amazonas.

A BR-210 possui no território do Amapá 471,2 quilômetros dos quais 106,7


apresentam pavimentação. Tem seu início na cidade de Macapá e seu final na fronteira do
Brasil com a Colômbia no Estado do Amazonas. A BR-210 integra os municípios da área
central do estado: Serra do Navio, Pedra Branca do Amaparí e Porto Grande à capital do
estado, sendo que seu trajeto até a cidade de Serra do Navio é, praticamente, paralela à EFA.

No terminal rodoviário de Macapá existem empresas que realizam viagens


para todas as sedes municipais, com exceção da cidade de Vitória do Jari, pois seu principal
meio de acesso é o hidroviário. Entre as principais empresas rodoviárias do estado estão: a
Amazontur, Garra, Santanense e Viação Macapá. Elas transportaram pelo Amapá em
conjunto com outras empresas menores 221.556226 passageiros no período de janeiro a junho
desse ano, quase o mesmo número de passageiros que utilizaram o sistema aeroviário que no
mesmo período foi de 219.962. Essa comparação demonstra que a interação do Amapá
externamente é bastante forte.

Chama atenção que os maiores fluxos de viagens e de passageiros ocorrem


para as cidades de Laranjal do Jarí, Oiapoque e Serra do Navio, evidenciando a dinâmica
econômica e populacional proveniente historicamente pelos grandes projetos aí instalados. É
necessário fazer certa ressalva para a cidade de Serra do Navio, pois depois da saída da
ICOMI houve retração econômica e refluxo da população, no entanto, a partir de 2003 novas
empresas de mineração passam a se instalar na região reiniciando nova dinâmica populacional
e econômica sobre os sistemas de objetos herdados, originando um novo ciclo de extração

226
Dados obtidos através de planilha de fluxo de passageiros por empresa em 2009, fornecida pelo Diretor
Geral dos terminais rodoviários do Amapá, sr. José Lamarque.
mineral no Amapá, ou seja, são velhos sistemas de objetos refuncionalizados sob novos
sistemas de ações.

Em agosto de 2000 foi discutida em Brasília/DF, a iniciativa para a Integração


da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que tem entre uma de suas orientações a
promoção dos Eixos de Integração e Desenvolvimento (EID)227. A IIRSA corresponde, como
o seu próprio nome revela a mais recente iniciativa de um projeto geopolítico de integração e
desenvolvimento para o continente sul-americano e que atinge plenamente a Amazônia
Internacional, propósitos bem questionáveis na obra de Bartesaghi (2006), quanto à real
possibilidade de desenvolvimento e integração da região ou, simplesmente, como estratégia
para aumentar a eficácia e eficiência da exploração dos principais recursos do continente e dar
continuidade através de megaprojetos de infra-estruturas o processo de hegemonização e
reprodução do capital.

Em relação à sub-região amazônica onde está inserido o Amapá, a IIRSA, tem


contribuído para o desenvolvimento de obras de infra-estrutura de transportes importantes
para esse estado, como é o caso da continuidade da pavimentação e construções de pontes de
concretos na BR-156, além das construções de pontes sobre o rio Jarí no Sul do estado,
interligando a cidade de Laranjal do Jarí/AP à Company Town de Monte Dourado no Pará no
município de Almerim, e outra ponte internacional no limite da fronteira Norte do Brasil com
a Guiana Francesa sobre o rio Oiapoque, interligando a cidade de Oiapoque no Brasil à cidade
de Saint George do lado francês; a primeira delas já em andamento e a segunda em
planejamento.

A possibilidade de melhoria na infra-estrutura desse segmento de EID que


corta longitudinalmente o território do Estado do Amapá, prever uma articulação terrestre em
escalas intra, interestadual e internacional, permitindo a conexão terrestre com o Estado do
Pará e com os demais países do Platô das Guianas e Venezuela, a partir da Guiana Francesa.
Caso todas essas obras sejam efetivadas, novos sistemas de engenharias vão possibilitar ao
Amapá, única unidade federativa brasileira sem articulação rodoviária com o restante do
território nacional ou com países vizinhos, quebrar relativamente o seu isolamento geográfico,
reabilitando esse estado frente aos interesses dos processos sócio-econômicos em escala
mundial e possibilitando uma nova interação potencial (ULLMAN, 1972).

227
Esses eixos se organizam em torno de franjas multinacionais que concentram fluxos de comércio atuais e
potenciais, buscando criar um mínimo comum de qualidade de serviços e infra-estrutura de transportes, energia
e telecomunicações, a fim de apoiar atividades produtivas presentes no eixo, além de facilitar o acesso às sub-
regiões com alto potencial produtivo, que se encontram na atualidade isoladas ou subutilizadas.
TRANSPORTE FERROVIÁRIO

O sistema ferroviário do Amapá é composto dela EFA, como já mencionado


essa estrada de ferro de 194 quilômetros de extensão e serve na atualidade para transportar,
principalmente, cargas de minério de ferro da área central do estado com destino ao antigo
Porto da ICOMI, ambos sob a concessão da MPBA. Existem composições ferroviárias para o
transporte de pessoas, no entanto, o tempo de viagem entre Santana e Serra do Navio dura
aproximadamente 5 horas, o que torna preferível fazer esse percurso por meio rodoviário com
uma duração média de duas horas e meia.

Existem projetos de estimular viagens turísticas de trem para a Serra do Navio,


pois essa estrada corta trechos que apresentam belas paisagens de florestas de terra firme e
rios amazônicos em excelente estado de preservação, contudo, falta uma maior demanda
turística para o estado, em parte, como reflexo da distância dos grandes centros emissores de
turistas, infra-estrutura de transportes interna deficiente e ausência de políticas públicas
eficientes para o desenvolvimento desse segmento econômico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das particularidades do desenvolvimento social e econômico e da


verificação das interações espaciais do Estado do Amapá, pode-se propor um padrão espacial
de sua rede geográfica em dois padrões dominantes de interações espaciais em rede: a
dendrítica e a axial (CORRÊA, 1997), as quais estabelecem o ordenamento estrutural do
território amapaense.

A rede dendrítica com característica dominante da localização excêntrica do


centro nodal mais importante e por vias e fluxos que se distribuem segundo um padrão
análogo ao de uma rede fluvial, em relação ao objeto de estudo em questão essa centralidade é
exercida numa escala sub-regional pela cidade de Macapá e regionalmente por Belém.

Os traços das duas rodovias federais cortando o território do Amapá ajuda a


descrever uma rede axial, caracterizada pela disposição linear dos nós, associada quase
sempre a uma única via de tráfego linearmente disposta. A hierarquia dos centros urbanos
obedece a uma regularidade espacial, resultado e condição de interações que se realizam em
duas direções. As interações perpendiculares ao eixo de tráfego são poucos significativos,
como, por exemplo, ocorre ao longo da BR-156, entre as cidades de Porto Grande, Ferreira
Gomes, Tartarugalzinho, Pracuúba, Amapá, Calcoene e Oiapoque, onde se verifica circuitos
ou fluxos que ultrapassam os centros pequenos dirigindo-se para um centro de hierarquia mais
elevada, nesse caso a cidade de Macapá; realidade semelhante acontece no eixo da BR-210

Percebe-se que o processo de produção espacial do Amapá e de sua rede


geográfica colaborou para (re)organizar um território que atendesse, majoritariamente, aos
interesses hegemônicos do capital, percebido, sobretudo, pela racionalidade dos sistemas de
engenharia ali implantados, quer seja pela ação do Poder Público, como por enclaves
econômicos nos setores de transportes, energia, comunicação e estrutura urbana. Assim, esses
sistemas técnicos acabaram por legar ao espaço amapaense os seus primeiros arranjos
espaciais modernos, que tiveram, sobretudo, o intuito de garantir os interesses produtivos e
geopolíticos previsto para essa sub-região Amazônica.

Dessa forma, os sistemas de objetos e ações desenvolvidos pelo Estado e o


grande capital, em áreas de baixa densidade demográfica e de fronteira econômica e política
da Amazônia, passaram a delinear os primeiros arcabouços sócio-espaciais de modernização e
de hegemonização da organização do espaço de unidades federativas originadas dos extintos
territórios federais. Esses sistemas prenhes de intencionalidades visaram, sobretudo, recriar
um espaço e uma região conforme os fins e os meios de uma razão, ação e informação
formalizada e deliberada por comandos hegemônicos e externos ao lugar (SANTOS, 1995;
1996b).

Para Brandão (2007), a hegemonia corresponde ao elemento terminal da


economia política da espacialidade da riqueza capitalista. Assim, o poder hegemônico deverá
ter poder de enquadrar e hierarquizar relações, processos e estruturas, e ser o portador do
novo, do domínio tecnológico, de regulação e de administração dos limites e possibilidades de
si e dos outros. Ou ainda, para se ter pleno êxito, obter um consentimento ativo, ao mesmo
tempo consciente e inconsciente, de parte da classe dominada, de um modo de vida, de
práticas, costumes, morais, culturas, ou seja, de um ―etos‖, concebido, sem dúvida, pela classe
dominante (LOJKINE, 1997).

No entanto, os sistemas de objetos e ações gerados com a implantação e


operação de grandes projetos ou de atividades sócio-econômicas originadas a partir desses,
sofreram refuncionalização e reestruturação diante das transformações econômicas e políticas
ocorridas no Amapá ao longo da metade do século XX e dos primeiros anos do atual. Se por
um lado sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações, por outro, sistemas
de ações levam ao surgimento de novos objetos ou refuncionalizam os preexistentes, ou seja,
sistemas de objetos e sistemas de ações interagem de forma dialética sobre o território
(SANTOS, 1996b).

É, nesse sentido, que o arranjo espacial do ex-Território Federal, mesmo


passado duas décadas desde sua transformação em unidade federativa, ainda, segue as
orientações espaciais herdadas dos grandes projetos, os quais passam a ser acrescidos diante
de outros sistemas de ações, por novas formas e funções, deixando de servir,
majoritariamente, aos interesses hegemônicos do Estado e de enclaves produtivos privados
por meio de uma circulação e comunicação verticalizada do território, para, também, atender
o desenvolvimento de uma produção horizontalizada do espaço. Sobretudo, compreender de
forma mais detalhada esse processo sobre a base empírica em questão, ou mesmo, numa
discussão teórica são pontos que vão requerer um novo trabalho.

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AÉREOS REGIONAIS NO ESTADO DE SÃO PAULO

Ana Paula CAMILO PEREIRA


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Presidente Prudente/SP
apaulacape@hotmail.com

Márcio Rogério SILVEIRA


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Ourinhos/SP
marcio@ourinhos.unesp.br

INTRODUÇÃO

As transformações conjunturais (econômicas, sociais, territoriais e culturais)


ocorridas numa escala mundial afetaram as economias globais, observadas, sobretudo a partir
do final do século XX, com destaque, para o novo padrão de acumulação capitalista. É nessa
perspectiva de análise que a mundialização do capital (CHESNAIS, 1996) contribuiu para o
cenário de reestruturação do transporte aéreo mundial, impondo novas formas de produção,
consumo e, principalmente, de mobilidade territorial.

Na lógica espacial do capital, a circulação é o vetor fundamental do processo


social e econômico e os territórios são equipados para facilitar a mobilidade espacial
necessária à economia mundial dos fluxos. O modo capitalista de produção requer e para isso
fomenta formas baratas e rápidas de comunicação e transporte, pois vivemos num mundo que
se movimenta em várias velocidades (LÉVY, 2001).

A análise do setor aéreo concebe um conjunto de fatores que revelam a


dinamicidade do modal, tanto em sua facilidade na mobilidade de pessoas e mercadorias, ou
seja, na velocidade que empreende, como também na brevidade do tempo de deslocamento no
espaço. Nessas condições, o espaço é fundamental para a existência de mobilidade,
acessibilidade, deslocamentos, fluxos e redes, ou seja, sem o aprimoramento da materialidade
no espaço a redução do tempo de comunicação e transportes não seria possível. O transporte
aéreo assim se caracteriza como o modal da modernidade, ao projetar-se como um meio de
transporte que opera na brevidade espaço-tempo, maximizando sua funcionalidade.
As discussões fundamentais que permeiam a eficácia e o desenvolvimento do
transporte aéreo no Brasil referem-se às importantes modificações setoriais na economia do
país, que ocorreram a partir do final da década de 1980 intensificando-se na década de 1990 e,
que trouxeram para o setor de transporte aéreo um cenário de maior concorrência frente ao
mercado aéreo nacional. Estas transformações foram constituídas a partir de um contexto
político-econômico que reestruturou o setor no Brasil. Entre as transformações que foram
admitidas ao setor de transporte aéreo brasileiro destaca-se a ―Política de Flexibilização do
Transporte Aéreo‖, que ocorreu pari passu com as opções políticas do Brasil, fator este que
orientou um setor em crise, em apostasia (RANGEL, 2005), isto é, um setor sujeito às
contradições do passado, que cumularam para uma crise cíclica que constantemente reflete em
mazelas para o crescimento do transporte aéreo brasileiro.

Ao refletirmos sobre a circulação e a mobilidade territorial temos que o setor


de transporte aéreo no Brasil tem apresentado grandes transformações, orientadas pela
admissão de medidas internacionais, sobretudo aquelas difundidas em países ditos
desenvolvidos, tais como os Estados Unidos. Estas transformações ora contribuem para a
dinâmica territorial do setor, ora implicam em apostasias para a otimização do modal aéreo,
na medida em que revelam opções negligentes com o crescimento do setor aéreo, devido à
importação de idéias e parâmetros de desenvolvimento que por vezes não se enquadram à
complexidade do Brasil.

O Brasil possui condições totalmente favoráveis para o desenvolvimento do


transporte aéreo, seja pela sua extensão territorial, seja pela estrutura de redes de suas cidades
brasileiras que favorecem a conexão territorial, as interfaces de circulação, confirmando o que
Théry (2008, p. 19) chama de “capillarité des échanges locaux et régionaux”228.

Estas condições favoráveis que o Brasil tem demonstrado fizeram com que o
setor aéreo apresentasse um crescimento considerável, principalmente no que tange ao
segmento regional, tendo destaque para o Estado de São Paulo, responsável pela maior
movimentação de passageiros e de cargas no país, em razão de ser o estado que mais gera
fluxos aéreos. No tocante a isso, temos que o transporte aéreo regional tem se revelado como
uma possível alternativa para os problemas relativos ao setor aéreo, sobretudo nos aeroportos
da cidade de São Paulo, que tem enfrentado um estrangulamento infraestrutural.

228
Capilaridade de trocas locais e regionais.
Ao tecermos considerações sobre o segmento aéreo regional consideramos a
utilização do termo ―regional‖ que decorre da história da aviação comercial brasileira e tem
como objetivo fazer referência ao transporte aéreo que interliga localidades interioranas e
estas com centros urbanos maiores e capitais. Nesse contexto, para o embasamento empírico
deste trabalho, ainda consideramos o transporte aéreo regional como aquele que interconecta
as cidades médias interioranas do estado, estabelecendo, assim, a intensidade das interações
espaciais, das relações sociais e econômicas nos territórios, bem como a constituição de uma
rede de cidades hierarquizadas de acordo com seu nível de especialização produtiva para o
transporte aéreo.

Abordamos nesse trabalho o transporte aéreo regional em cidades médias do


interior do Estado de São Paulo que operam vôos regulares, compreendendo para tanto, a
magnitude dos fluxos de passageiros, a partir de uma leitura regional sobre o modal. Nesse
sentido, retomamos historicamente o desenvolvimento do setor no estado, que contribui para a
compreensão da crise aérea atual e para o entendimento da dinâmica do processo de
desregulamentação, que atinge diretamente o segmento.

Em síntese, partirmos do pressuposto de que o modal aéreo funciona como um


complexo sistema de circulação e mobilidade territorial que é manifestado pelas redes
geográficas aéreas, demonstrando a complexidade inter-regional e a capilaridade das trocas
regionais, bem como a intensificação das interações espaciais. Concomitantemente
enfocamos, ainda, o transporte aéreo regional e sua funcionalidade econômica para o Estado
de São Paulo, evidenciando sua representatividade para a reestruturação do setor aéreo
brasileiro.

TRANSPORTE AÉREO BRASILEIRO: EVOLUÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO


SETOR

A evolução do transporte aéreo brasileiro se deu mediante diretrizes que


nortearam, numa escala global, o desenvolvimento do setor e que, por conseguinte,
reproduziram o desenvolvimento do transporte aéreo no Brasil.

O funcionamento do modal aéreo no Brasil data suas primeiras atividades na


década de 1910. O tráfego aéreo brasileiro encontrou um crescimento vertiginoso,
principalmente no Estado de São Paulo, por caracterizar-se como o centro de gestão
empresarial brasileiro, além de ser o maior sistema gerador de fluxos aéreos no país229.

A cronologia do setor ressalta a importância que o transporte aéreo obteve no


estado, sobretudo, devido à necessidade de articulação territorial no interior e a necessidade
de formas mais velozes de deslocamento. A intensificação da utilização do modal aéreo
ampliou-se na década de 1970 com o processo de desconcentração urbano-industrial
(LENCIONI, 1994; NEGRI, 1988; SPOSITO, 2007) que favoreceu a definição dos eixos de
desenvolvimento que foram acompanhados pelo transporte aéreo, configurando assim uma
rede de cidades servidas pelo modal que perfaziam a interconexão com a metrópole do estado.

No entanto, o setor de transporte aéreo conviveu com um ambiente de grandes


transformações a partir da década de 1980, período este que ficou marcado pelo processo de
desregulamentação do setor de transporte aéreo (ESPIRÍTO SANTO, 2000; OLIVEIRA,
2007), sendo orientado por uma política neoliberal adotada pelos governos brasileiros, como
Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso. Mamigonian (2006, p. 121) alude
que ―nos anos de 1990 fomos invadidos por uma onda neoliberal‖. E a brutalidade das
medidas neoliberais adotadas pelo Brasil levou ao aumento da miséria e da pobreza, além de
ter intensificado a crise econômica do país.

Nesse sentido, os desdobramentos desse processo acarretaram conseqüências


diversas para o setor e refletiram um contexto político-econômico nem sempre positivo para o
segmento regional, minimizando sua importância e alterando funções estratégicas de
interconexão e desenvolvimento regional das cidades paulistas que eram servidas pelo
transporte aéreo.

A confirmação da Política de Flexibilização do Transporte Aéreo indexou no


setor aéreo brasileiro um programa de medidas que alteraram as estratégias até então definidas
pelo transporte aéreo no país, ou seja, a função de integração territorial. Em outras palavras, a
desregulamentação inseriu o setor num processo de liberalização do mercado aéreo que
favoreceu, por um lado, as grandes empresas que dispuseram de um mercado livre,
desregulamentado e totalmente flexível às formas de concorrência e, de outro lado, o usuário
do modal que passou a obter um maior número de empresas aéreas operando as mesmas rotas,
de mais cidades servidas, a facilitação do crédito e, em alguns casos, a redução das passagens
aéreas.

229
Isso é mais observável atualmente, por exemplo, o Estado de São Paulo (capital e interior) movimentou
apenas no ano de 2007 mais de 36.500.000 passageiros (ANAC, INFRAERO, DAESP, 2008).
O desencadeamento desse processo no Brasil se deu mediante os
acontecimentos ocorridos nos Estados Unidos. A desregulamentação do setor aéreo nos
Estados Unidos ocorreu com a edição do ADA ―Airline Deregulation Act‖ em 1978, que
refletiu no país uma política de adesão de estados e de alguns países à legislação aeronáutica
dos Estados Unidos. Esse processo, posteriormente foi expandido, em meados dos anos de
1990, num contexto de liberalização internacional, no qual os Estados Unidos denominou
como a política de ―Céus Abertos‖.

As conseqüências desse processo são discutidas e defendidas por diversos


autores, como Tavares (1999) que considera que a desregulamentação do setor aéreo nos
Estados Unidos trouxe efeitos positivos para a economia do país, destacando ainda que com a
desregulamentação o consumidor norte-americano dispôs de uma maior variedade de
combinações preço-qualidade, as empresas aumentaram seu nível tecnológico, devido serem
impulsionadas mais ativamente pela concorrência, o que lhes permitiu melhorar a qualidade e
diminuir custos de produção, aumentando assim a eficiência produtiva.

O regime de desregulamentação do transporte aéreo no Brasil significou a


flexibilização das tarifas, a ausência da fixação de preços das passagens aéreas que passou a ser
estabelecido pelas empresas do setor, regime este que progressivamente adaptava-se às tendências
políticas liberalizantes que o país estava adotando.

Ao refletirmos sobre as vantagens e desvantagens do processo de


desregulamentação setorial e, concomitantemente, do setor aéreo no Brasil, temos posições
divergentes sobre tal elucidação. As defesas de que a desregulamentação trouxe grandes
contribuições para o desenvolvimento e posterior crescimento do setor de transporte aéreo no
Brasil, são de fato reais, no entanto estas defesas são admitidas a partir de uma visão
macroeconômica sobre o setor aéreo, desconsiderando os resultados advindos para o
segmento regional, que se constitui por conexões e fluxos de baixa densidade de tráfego, mas
que se caracteriza como um setor de grande importância para a economia do país. Desta
forma, as ressalvas a esse processo são inerentes para a compreensão do setor aéreo regional,
uma vez que a adoção de medidas de cunho liberal refletiu um efeito de desconexão entre o
setor aéreo (segmento regional) e o poder do Estado (entidades reguladoras).

Nesse contexto de análise, a desmistificação do Estado como poder regulatório


tem demonstrado que o processo de desregulamentação do setor de transporte aéreo, em
especial no Estado de São Paulo, é causa e efeito da importação de modelos de outros países,
que não reproduzem as mesmas conseqüências para o Brasil. Se por um lado a adoção do
processo de desregulamentação dos Estados Unidos no Brasil repercutiu em vantagens para o
setor aéreo em âmbito nacional e internacional, por outro lado, prejudicou o desenvolvimento
do segmento regional, que é mais sensível as transformações conjunturais que são processadas
no setor, devido comporem um ramo de intensas oscilações econômicas.

Ainda que o processo de desregulamentação tenha favorecido as empresas


aéreas regionais entrantes, o estado não ofereceu suporte para que o transporte aéreo regional
tivesse e tenha maior representatividade frente ao mercado, ora em razão da ausência de
planejamento, ordenamento territorial, planificação, projetamento, ora devido o descaso do
poder público com o segmento.

A maior flexibilidade da ação regulamentadora trouxe ganhos inquestionáveis


para o setor de transporte aéreo, propiciou a utilização do modal por uma importante demanda
da sociedade, que até então estava reprimida, devido os valores cobrados pelo serviço aéreo.
Destacamos, ainda, que esse processo favoreceu a maior competitividade entre as empresas,
que repercutiu inicialmente em vantagens para o usuário. Abriram-se novos nichos de
mercado e intensificou-se a escala de demanda pelo modal o que repercutiu positivamente,
tanto para as empresas que foram forçadas a modernizar-se, aumentando linhas, escalas e
conexões em localidades até então não servidas pelo transporte aéreo, assim como favoreceu
os consumidores, que dispuseram de maiores e melhores ofertas de transporte aéreo e,
conseqüentemente da viabilização tarifária, das formas de compra e emissão de bilhetes,
parcelamento de passagens, compra pela internet, bem como da disponibilização de todo
aparato tecnológico das empresas, como por exemplo, as modernas aeronaves.

Contudo, é necessário observar e analisar as ressalvas sobre esse processo de


transformações no transporte aéreo regional, em razão, sobretudo da ausência de políticas que
consideram o segmento, devido compor uma parcela de pequeno valor agregado, quando
comparado ao segmento nacional e internacional. Atentamos desta forma, para a necessidade
de políticas que impulsionem o crescimento do segmento regional, mediante o estímulo a
concorrência, desde que esta não seja ruinosa para as empresas e menos ainda para o usuário
do modal. Para Barat (2008) o transporte aéreo regional carece de políticas tarifárias próprias
e de uma nova concepção de interesse da integração do território nacional. Enfatiza-se ainda,
que o papel da aviação regional no suporte ao desenvolvimento do país implica em investir no
planejamento de longo prazo, em políticas públicas consistentes, assim como critérios claros e
transparentes de prioridades, o que retoma a discussão e a defesa de investimentos, de
planejamento estratégico e viável para aviação comercial regional.
As prioridades do país não se circunscrevem em manter e equipar um serviço
tal como o transporte aéreo, no entanto salientamos que se o planejamento não conceber as
condições básicas para o desenvolvimento do setor, corremos o risco de restringir o potencial
produtivo de regiões dinâmicas e manter os obstáculos à maior integração do território
nacional, por precariedade ou falta de atendimento de serviços de transporte aéreo (BARAT,
2008).

Embora Tavares (1999) argumente que o processo de desregulamentação no


Brasil tenha arbitrado em favor do desenvolvimento do modal aéreo, a autora enfatiza que
alguns trechos territoriais realizados pelo modal ficaram mais caros, pois se trata de trechos
curtos que anteriormente eram subsidiados pelo preço cobrado nos trechos mais longos. Nota-
se que, os ditos ―trechos curtos‖ são aqueles realizados por pequenas e médias empresas
aéreas, que geralmente operam vôos regionais. Assim, temos que o segmento regional tem
operado contra um processo análogo ao ocorrido nos Estados Unidos, todavia longe de ser
comparável com os índices superavitários do setor regional do mesmo país.

Compreendemos que embora o processo de desregulamentação do setor aéreo


tenha ofertado uma maior concorrência entre as empresas de grande porte, o que é uma
vantagem para o usuário e para aviação comercial, em geral, esse fator não tem possibilitado a
redução dos valores das passagens aéreas no plano regional, pelo contrário, o valor das
passagens aéreas regionais no Estado de São Paulo, muitas vezes são superiores aos valores
de passagens cobradas nos trechos com destino para cidades de outros estados (quadro 1). E
ainda, a desregulamentação tem provocado a redução do número de empresas de médio e
pequeno porte que atende localidades interioranas. Concomitante a esses resultados
observamos que tem diminuído drasticamente a oferta de vôos no estado, o que tem
descaracterizado o papel do transporte aéreo de cunho regional230.

230
No ano de 2007, empresas como Air Minas Linhas Aéreas e Oceanair Linhas Aéreas pararam de operar nas
cidades de Araçatuba e Bauru, em razão da concorrência com as grandes empresas, como TAM Linhas Aéreas e
Gol Linhas Aéreas Inteligentes, minimizando, desta forma, a atuação das pequenas e médias empresas,
resultando primeiramente numa concorrência predatória e, posteriormente, na duopolização das rotas e das
cidades servidas pelo modal aéreo.
Quadro 1: Rotas com destino a São Paulo pelo transporte aeroviário e distâncias (km), em 2009231.

Cidades do Estado de São Paulo Distância até São Paulo (km) Valor da passagem

Araçatuba 522 km A partir de R$ 279,00

Bauru 326 km A partir de R$ 239,00

Marília 438 km A partir de R$ 241,00

Presidente Prudente 587 km A partir de R$ 119,00

Ribeirão Preto 316 km A partir de R$ 220,50

São José do Rio Preto 443 km A partir de R$ 209,50

Cidades de outros estados232 Distância até São Paulo (km) Valor da passagem

Cabo Frio/RJ 586 km A partir de R$ 159,00

Chapecó/SC 877 km A partir de R$ 299,00

Londrina/PR 537 km A partir de R$ 79,00

Vitória/ES 946 km A partir de R$ 119,00

Porto Seguro/BA 1.507 km A partir de R$ 479,00

Uberlândia/MG 592 km A partir de R$ 99,00

Fonte: Empresas do setor aéreo e rodoviário, 2008.

A leitura aqui realizada sobre os fluxos aéreos regionais revelam que o


segmento, embora tenha sofrido com as ―nebulosas‖ contradições do processo de
desregulamentação no setor e, ainda perpasse por crises processuais advindas das opções
políticas do país, tem configurado um aumento no número de passageiros que o utilizam
como forma de circulação e mobilidade no Estado de São Paulo. Tal fato tem repercutido
positivamente para a economia das cidades médias que operam vôos no estado, no entanto o
segmento ainda encontra-se subutilizado.

No entanto, mesmo que sua subutilização repercuta em grandes mazelas para o


desenvolvimento regional paulista, destacamos que o transporte aéreo contribuiu para
concretização de uma rede geográfica aérea, a qual possibilitou o processamento das
interações espaciais em múltiplos níveis escalares, isto é, entre as cidades médias, entre estas

231
Informações obtidas na home page das empresas em 08/10/2009.
232
As cidades de outros estados da Federação foram selecionadas aleatoriamente de acordo com as empresas
aéreas que disponibilizam o serviço para determinados percursos.
e demais cidades de outros estados e, principalmente, entre as cidades médias paulistas e a
capital do estado, o que tem confirmado a interdependência do interior com a capital e desta
com o interior, no sentido de complementação, da contigüidade territorial.

REDES GEOGRÁFICAS E INTERAÇÕES ESPACIAIS: CIRCULAÇÃO E


MOBILIDADE TERRITORIAL A PARTIR DO TRANSPORTE AÉREO

Na lógica de analisar o transporte aéreo como fator de interações espaciais,


tem-se como atributo a variabilidade espaço-tempo e, assim as interações espaciais são
compreendidas como resultado da mobilidade territorial a partir do tempo de locomoção e da
interface espacial, atribuídas à circulação do transporte aéreo.

O transporte aéreo revela-se como um meio pelo qual a sociedade mantém suas
relações sociais e econômicas e, é neste âmbito, que procuramos entender o modal, como
fator de mobilidade material e imaterial no espaço onde o capital se reproduz. Atestamos que
de acordo com Lévy (2001), a mobilidade é considerada uma relação social de grande
riqueza, e assim as distâncias entre os objetos e os agentes sociais criam um risco de
separação e de desconexão antinômicas com a interação social, espacial nos territórios,
mesmo aqueles descontínuos espacialmente. A emblemática necessidade da mobilidade é
colocar em permanente interligação os lugares e os agentes que engendram as distâncias
espaciais, e as redes tem sido um importante elo de entroncamento que minimizam o
distanciamento das cidades, das pessoas, das mercadorias e até mesmo das informações.

A análise abordada nesse trabalho considera que as redes, apesar de suas


variáveis conceituais, processam-se como um elemento estruturador do setor de transporte
aéreo regional no Estado de São Paulo, na medida em que funciona como vértice das ligações
entre os territórios paulistas. Uma rede é um sistema de linhas que desenham tramas, assim a
idéia básica é considerar a rede como algo que assegura a comunicação, a interação espacial, a
integração entre os territórios (RAFFESTIN, 1993).

Os conceitos que corroboram a definição de redes são elencados por diversos


autores, os quais examinam a rede em suas múltiplas escalas de análise. Castells (2001)
afirma que as redes fundamentam-se no que chamamos de organização da sociedade, em
outras palavras, justificamos que as redes baseiam-se na lógica espacial ao qual denominamos
de espaço de fluxos. Para o autor a flexibilidade do espaço é decorrente da relação entre a
sociedade e os fluxos, isto é, os atores sintagmáticos estão envolvidos numa rede de fluxos
que corresponde à organização material das práticas ou dos sistemas de ações. A rapidez e a
mobilidade das redes promovem a aproximação no espaço, produzindo e reforçando efeitos
sociais, econômicos, culturais e institucionais na medida em que também promovem a
interação espacial ao permitirem o direcionamento dos fluxos nos territórios.

Nessa mesma discussão sobre interações espaciais, Ullman (1972) destaca


que o termo tem relação com a circulação, mas para tanto, o autor esclarece que suas
diferenciações são necessárias, uma vez que a circulação prescinde das relações de trocas, de
reciprocidade, de demanda, de oferta, etc. Sendo, portanto, uma relação complementar, ou
seja, a circulação complementa as interações espaciais, que por sua vez requer mobilizações,
trocas, isto é, interação.

Baseando-se nessa prerrogativa, Ullman (1972) ainda assevera que a


interação, propriamente dita, se dá entre os lugares quando há uma conexão entre os lugares,
seja por meio dos transportes, das comunicações, etc. Desta forma, afirma que para existir
interação entre duas áreas, em uma delas deve haver demanda (demand) e em outra uma
oferta (supply). Destacamos, nesse ínterim, que as interações espaciais existentes entre as
cidades médias analisadas e destas com a capital inserem-se no que o autor elucida como a
validez da complementaridade entre os espaços.

Já para Beguin (1995) a análise da interação espacial é a relação entre os


agentes habitualmente localizados em lugares diferentes. Com isso, o autor busca
compreender as modalidades de intercâmbios identificando as condições que as regem.
Destaca ainda que, as interações espaciais são, evidentemente, muito importantes para a
Geografia Econômica já que as trocas contribuem para formar um espaço e para influenciar o
padrão de interações existentes entre os lugares e os agentes econômicos. Para isso, considera
que a Geografia dos Transportes, Circulação e Logística é o ramo mais particular para analisar
as interações espaciais.

Acresce-se, nessa análise, as observações de Bey e Pons (1991) que destacam a


importância das redes de transportes para a promoção das interações espaciais:

En la interrelación establecida entre los puntos, los canales de circulación y


los flujos que por ellos transcurren se encuentra la noción de red (...), la
forma en que se produce a interacción espacial en el mundo actual se
explica gracias as las redes de transportes (BEY; PONS, 1991, p. 62).

Com isso, temos que os transportes configuram espacialmente a lógica da


circulação e da mobilidade territorial, aqui expressa como um elemento constituinte do modal
aéreo. La forma en que cada area geográfica configura sus redes refleja el grado de
desarrollo económico, de interacción espacial-social, que cada una ha alcanzad (PONS;
BEY, 1991, p. 64).

Para Pini (1995) o estudo sobre os transportes permite demonstrar a dimensão


espacial das redes de transportes, sobretudo do modal aéreo, que se constitui como um
importante vetor de conexão territorial:

Plusieurs indices résumant la structure topologique du réseau et la position


des noeuds en termes notamment de connectivité, d‟accessibilité, de
centralité (...). La connectivité d‟un réseau mesure as complexité et
l‟accessibilité d‟un noeud qualifie les possibilites d‟anteindre les autres
noeuds (PINI, 1995, p. 141) 233.

Complementamos que as redes correspondem a um conjunto hierarquizado de


nodosidades que requerem infra-estrutura, sistema de ações e objetos que, por conseguinte,
produz a fluidez através da mobilidade territorial. Ao analisar o transporte aéreo regional
paulista observamos que a configuração do desenvolvimento do setor, que proporciona a
manifestação das interações espaciais, é projetado de acordo com o direcionamento da rede
geográfica aérea e de seus respectivos nós e rotas.

Nesse ínterin, nota-se que há uma hierarquização na rede aérea do Estado de


São Paulo, que é constituida mediante o que Camagni (2005) analisa como os princípios
econômicos de organização do espaço. Para o autor, as cidades configuram um conjunto de
relações sociais, econômicas, culturais, institucionais, etc., que as fazem produzir e reproduzir
dinâmicas e lógicas espaciais análogas e ao mesmo tempo contraditórias, de acordo com seus
interesses. E esse processo resulta em configurações territoriais diversas. Camagni (2005)
define esta organização espacial dos territórios, que demarcam sua dinâmica no contexto
estadual e também nacional, como sendo o resultado das ações humanas e das relações
sociais, econômicas e de poder como uma forma espacialmente concentrada da reprodução do
capital.

Isso significa dizer que os princípios que organizam o espaço convergem-se a


partir da condição espacial que as cidades ou nós possuem, ou seja, o espaço é definido a
partir de um conjunto de fatores que englobam a economia, a centralidade, a competitividade,

233
Vários índices resumem a estrutura topológica da rede e da posição dos nós em termos particularmente de
conectividade, de acessibilidade, de centralidade. A conectividade de uma rede mede sua complexidade e a
acessibilidade de um nó qualifica as possibilidades de atingir outros nós.
a interação espacial, a acessibilidade, a conectividade, componentes estes que projetam
hierarquicamente os centros urbanos e confirmam seu grau de especialização produtiva,
dentro da cadeia de circulação e mobilidade territorial, neste caso do transporte aéreo.

A intensidade dos fluxos indica ainda a funcionalidade de cada centro e a


direção e situação de dependência ou dominância de cada um em relação aos demais
(CORRÊA, 1977). Nesse sentido, temos que as cidades médias do interior do Estado de São
Paulo, isto é, os nós da rede geográfica aérea têm suas rotas, seus fluxos aéreos estruturados
mediante os princípios econômicos de organização do espaço que, geralmente são
constituídos de acordo com a concentração espacial demográfica, a centralidade urbano-
industrial que definem a hierarquização territorial, a centralização da circulação e das
interações espaciais, bem como a concentração espacial do capital. Para Théry (2004, p. 85)
―les cartes de flux dessinent de façon on ne peut plus claire les réseaux hiérarchisés qui
reflètent bien la structure centralisée du pays”234.

Tal elucidação é melhor observável quando se analisam as redes e os


respectivos nós do transporte aéreo no Brasil (mapa 1). Nota-se que há uma interconexão via
aérea bem articulada no país. Dentro desse parâmetro de análise percebe-se que o Estado de
São Paulo constitui-se como uma rede geográfica estratégica para o transporte aéreo que
projeta hierarquicamente a maior demanda de fluxos, concentrando a operacionalização dos
vôos.

A partir da ilustração que se segue, observamos que os fluxos são mais densos
na região Centro-Sul, com destaque para o Estado de São Paulo. Conforme se afasta dessa
região concentrada, os fluxos tornam-se mais rarefeitos, confirmando o que chamamos de
―concentração centralizada‖ dos fluxos aéreos no Brasil. No entanto, salientamos que as
regiões mais inóspitas do país, como a região Norte, é a que mais necessita dos fluxos aéreos
regionais, uma vez que as condições de mobilidade exigem uma integração territorial via
aérea mais precisa, todavia o que se pode ver é uma diluição das conexões.

234
Os mapas de fluxos desenham de maneira muito clara as redes hierarquizadas refletindo a estrutura
centralizada do país.
Mapa 1: Rede de fluxos aéreos de passageiros no Brasil, em 2009.

Elucidando e confirmando a concentração centralizada dos fluxos aéreos no


Brasil, é possível observar a partir dos mapas seguintes, que a interconexão aérea no país
compõe-se, principalmente, de escalas e conexões que geralmente utilizam os hubs
principais, ou seja, os aeroportos centrais do Estado de São Paulo, como os Aeroportos de
Congonhas na cidade de São Paulo, Aeroporto Cumbica em Guarulhos e Aeroporto de
Viracopos em Campinas, como demonstrado a seguir (mapa 2).

Desta forma, as rotas verificadas nos mapas de fluxos do sistema aeroviário


brasileiro, conectam o principal centro do país, a capital São Paulo e sua região de influência
imediata com distintos pontos do território nacional, configurando a rede de transporte aéreo
brasileiro que demonstra a centralização aeroviária do Brasil.

Já a interconexão com o interior do estado, configura o processo de


desconcentração centralizada, ou seja, a desconcentração das atividades produtivas rumo ao
interior paulista e a centralização das atividades relacionadas à gestão, comando, logística,
etc., na capital São Paulo. Embora, a conectividade com o interior esteja restringida a alguns
centros urbanos médios, devido essa rede ser projetada hierarquicamente em razão da
centralidade urbano-industrial, estas cidades possuem densidade técnica, ou seja, possuem
uma organização técnica que as remetem na interface com a metrópole, reproduzindo o
espaço urbano, no sentido da desconcentração, num processo articulado de complementação
regional, de contigüidade centro/interior e da interior/centro. Isso, ainda, pode ser melhor
compreendido quando se tem como parâmetro as empresas aéreas que operam vôos no
estado.

Mapa 2: Concentração de fluxos aéreos de passageiros nos principais aeroportos do Estado de São
Paulo.

Ainda no contexto regional, a hierarquização das cidades médias paulistas


reproduz as interações espaciais entre os centros urbanos do estado e destes com as demais
cidades. A configuração das redes geográficas manifesta as interações espaciais e a
organização dos territórios e, assim a conectividade das cidades representa a fluidez e a
dinâmica social e econômica no espaço. Corrêa (1997) argumenta que as interações espaciais
fortemente regionais se devem à força de inércia das localizações estabelecidas no passado,
em um momento em que a distância desempenhava mais que atualmente, papel mais
determinante nas interações espaciais, destacando que a hierarquização dos centros urbanos
da rede geográfica se dá em decorrência de vários fatores:
A síntese das redes geográficas caracteriza-se pela complexidade das
interações espaciais, resultante do fato de cada centro desempenhar múltiplas
funções, cada uma originando um especifico padrão de interações espaciais.
Isto significa que cada centro participa de várias redes geográficas distintas
entre si no que se refere à natureza dos fluxos, intensidade, freqüência,
agentes sociais e outros atributos organizacionais, temporais e espaciais. Os
centros urbanos da rede diferenciam-se entre si tanto como lugares, como
também, e em muitos casos de modo predominante, enquanto centros
especializados, revelando uma forte divisão territorial do trabalho entre eles
(CORRÊA, 1997, p. 313).

Temos assim, que a rede geográfica do Estado de São Paulo verifica-se como
um complexo sistema de cidades hierarquizadas conforme a definição dos elementos que
estruturam e demarcam o território paulista. Estas cidades processam a estruturação dos
espaços que mandam e dos espaços que obedecem, em outras palavras, a hierarquização
urbana, neste caso, se dá de acordo com a configuração dos espaços luminosos e dos espaços
opacos (SANTOS, 1996).

As nodosidades são configuradas a partir da sua atratividade, de seu potencial


de acessibilidade, conectividade, de infra-estrutura adequada, de densidade técnica. Desta
forma, as rotas são o resultado da necessidade de conexão mediante a força interativa desses
territórios, que são causa e conseqüência da densidade produtiva do estado e do consumo da
sociedade.

Dentro desse contexto de análise, a concomitância de algumas regiões


dinâmicas do interior paulista é expressa no oferecimento de suporte técnico para o
desenvolvimento econômico do estado. Assim as cidades que apresentam maior dinamicidade
correspondem aos nós de redes que se processam com mais destaque na cadeia de
investimentos, por isso que alguns centros urbanos possuem uma maior demanda pelo modal,
indicando sua especialidade produtiva para o crescimento do setor e, também, para o
desenvolvimento regional.

Nessa perspectiva, Raffestin (1993) assegura que é conveniente compreender


as redes por meio de sua história considerando o espaço e o tempo do território em que estão
instaladas e, ainda por meio dos modos de produção que permitem a sua instalação e de suas
infra-estruturas técnicas que lhes dão forma e ação. Assim, estas redes cooperam para a
identificação dos espaços luminosos que acumulam maior conteúdo em capital, tecnologia e
organização.
INFRA-ESTRUTURA E ESTADO: A NECESSIDADE DA REGULAMENTAÇÃO

O meio técnico-científico-informacional exige uma fluidez territorial que


remonta uma perspectiva intensamente renovadora dos fixos, conseqüentemente, a fluidez
também demanda o aperfeiçoamento de novas técnicas, de novos sistemas de objetos para que
se intensifiquem os sistemas de ações, isto é, os fluxos (SANTOS, 2004).

Os sistemas de objetos (infra-estruturas) renovados e remodelados


constantemente possibilitam a fluidez material e imaterial, na medida em que transmitem
valores às ações das empresas aéreas. Desta forma, estes sistemas de objetos constituem as
vias atmosféricas as quais reproduzem as redes conectadas espacialmente, ou seja, mesmo
estas redes sendo formas intangíveis processam-se a partir dos nós da rede nos espaços onde
acontecem as interligações dos territórios, inclusive aqueles descontínuos espacialmente. As
redes imbricam-se e topologicamente criam a descontinuidade com os territórios que
topograficamente engendram a continuidade (LÉVY, 2001).

A mobilidade do capital se dá em decorrência da acumulação de infra-estrutura


e da disponibilização de serviços. Limonad (2002) assegura que os investimentos e a
dependência de infra-estruturas interferem na mobilidade do capital. Assim, considera-se que
o capital tem a facilidade de integrar-se e desintegrar-se na medida em que os fixos
promovem ou não sua estabilidade baseada na quantidade e na qualidade de infra-estrutura no
local onde o capital se desenvolve, fator este que se dá mediante o ciclo de reprodução do
capital.

Os investimentos em infra-estrutura possuem uma conotação técnica, de


operação, regulamentação, prestação de serviço, como base material no território para
promoção da fluidez. A intensificação dos investimentos em infra-estrutura possibilita a
organização dos arranjos competitivos do setor, influenciando a caracterização das formas e
estratégias das companhias aéreas no mercado regional, definindo o uso do território e
também o uso do transporte aéreo pelo usuário. Assim, os investimentos em infra-estrutura
articulam e integram os territórios descontínuos, uma vez que também são organizados na
intenção de incluir estes territórios na dinâmica da produção do espaço. Para Raffestin (1993)
as redes que se traduzem por infra-estrutura no território partem e/ou ligam sempre pontos
precisos específicos.

Assim, temos que o transporte aéreo regional do Estado de São Paulo


constituiu-se baseado numa infra-estrutura precária, em que o Estado oprimido pela ausência
de programação, planejamento, ordenamento territorial, não compete para a eficácia do
desenvolvimento do setor em âmbito regional. Barat (2008), ao tratar o transporte aéreo
regional alega que:

É importante, que se dê maior atenção à identificação clara e objetiva dos


gargalos que afetam a aviação civil, especialmente no que diz respeito à
aviação regional (...). As infra-estruturas aeroportuárias e aeronáuticas que
atendem a aviação regional são precárias em cidades que polarizam
economias regionais. Carências nas infra-estruturas aeroportuárias e
aeronáuticas podem afetar a especialização produtiva e a formação de novas
cadeias de produção nas áreas de influência dos aeroportos, uma vez que
estes têm importante atuação como facilitadores ou indutores do
desenvolvimento regional (BARAT, 2006, p. 2).

Nesse sentido, Possas (2002, p. 428), numa perspectiva análoga a descrita,


alega que ―aspectos regulatórios, infra-estruturais, sociais e mesmo macroeconômicos,
sistêmicos, em suma, agem de forma decisiva para calibrar a intensidade do processo
competitivo e eventualmente reforça a competitividade‖, o que gera externalidades positivas
para o usuário, assim como o desenvolvimento econômico regional.

No tocante a isso consideramos que, de acordo com o autor, a participação


privada e pública se complementa no sentido de incluir o transporte aéreo regional na
economia brasileira, como um setor promissor e indutor de crescimento. O estímulo ao
desenvolvimento do transporte aéreo regional tem-se caracterizado pela ausência de
planejamento e intervenção estatal. Para Espírito Santo (2006), lastimavelmente, o Brasil
insiste em não prestar a devida atenção para o segmento regional e teima em não estudar em
profundidade as suas especificidades.

Após a fragmentação das terminologias e especificações do segmento nacional


e regional, em 1991, a concorrência entre as empresas se impôs de forma prejudicial à aviação
comercial regional. Para Barat (2008), atualmente muitas empresas operadoras do transporte
aéreo regional voltaram a sofrer uma redução drástica em suas atividades e, em geral, não
conseguem acompanhar os mesmos índices de crescimento apresentados pela aviação regular
de âmbito nacional, isso ocorre devido a escassez de políticas de distinção entre o segmento
regional e o nacional.

A necessidade de planejamento se faz em favor de um cenário que, mesmo em


desvantagem econômica, tem apresentado índices de crescimento que requerem estímulo,
inclusive para uma maior e melhor atuação empresarial. Embora o segmento regional tenha
demonstrado seu potencial na geração de tráfego, o setor apresenta problemas que só serão
pormenorizados com a atuação pública e, melhorados em conjunto com a iniciativa privada.

De acordo com Porter (1989), o planejamento engloba fatores


macroeconômicos e macropolíticos, que segundo o autor são denominados de macrocenários.
É a partir desses fatores que se torna primordial a construção de cenários propícios à criação
de visões e alternativas de crescimento econômico, e isso é possível utilizando estes cenários
como instrumentos de planejamento. ―Um cenário é uma visão internamente consistente
daquilo que o futuro poderia vir a ser‖ (PORTER, 1989, p. 412). Assim, considera que o
planejamento, mediante a construção de cenários, implica em estratégias que são resultados
da ação política, que como um organismo planejador pode criar possibilidades de
desenvolvimento econômico.

Nota-se que a necessidade de projetamento/planejamento perpassa a questão


apenas de geração de tráfego e fluxos, a intervenção normativa e regulamentadora de ordem
política é, preponderantemente, crucial para o segmento regional. O mercado aéreo regional
tem conhecido um crescimento considerável no número de passageiros transportados e, é
nesse sentido que o transporte aéreo tem demandado potencial que supra os gargalos do
segmento, que necessita do planejamento institucional, assim como do reaparelhamento infra-
estrutural e operacional. Além do mais, não se tem uma definição clara de estratégias para a
aviação brasileira nos próximos 30 anos e, sobretudo, não se têm políticas e regras de
regulação econômica que balizem a evolução dos mercados internacional, doméstico e
regional (BARAT, 2008).

Para Rangel (2005) a necessidade de projetamento, de planejamento e de um


plano nacional de desenvolvimento, há muito tempo tem demandado alternativas de
estruturação e organização pública. Nessa perspectiva, Rangel (2005) atenta que o
projetamento é, ao mesmo tempo, macro e micro, é teoria e prática, é a aplicação de
conhecimentos anteriores e formulação de novos problemas que enriquece o acervo do
planejamento.

A partir dessa reflexão setorial sobre o transporte aéreo regional, temos que
para a eficiência e plenitude do desenvolvimento aéreo, como setor econômico indutor de
crescimento, é necessário que a adequação institucional do segmento seja permanentemente
restabelecida, no sentido, de otimizar o modal às necessidades impostas à circulação e à
mobilidade territorial.
Em relação a ação conjunta entre o Poder Público e o Poder Privado, Barat
(2008) considera que se trata de gerar um ambiente no qual a estabilidade institucional, a
segurança jurídica, o estímulo aos investimentos privados por meio de parcerias e concessões
são os elementos essenciais para viabilizar e promover o desenvolvimento da aviação
comercial regional e, ainda atender os interesses maiores da inserção da economia brasileira
num mundo globalizado, em que a integração nacional é o ―carro-chefe‖ para a integração
mundial.

Ainda nessa perspectiva, Rangel (2005) assinala que:

Podemos dizer que a intervenção direta do Estado é, ao mesmo tempo,


possível – graças à natureza administrativa, que evolui pari passu com a
estrutura técnica e econômica – e indispensável. A programação do nosso
desenvolvimento tem que combinar, portanto, o intervencionismo e o
liberalismo econômico: num sistema que só pode se desenvolver pela
iniciativa privada (...) (RANGEL, 2005, p. 278).

Tais assertivas competem para o crescimento do setor aéreo, com propostas e


planejamento próprios, sem a impregnação de idéias e planos estrangeiros que implicam em
ajustes e reajustes de complementaridade que consubstanciam a apostasia do setor aéreo. A
atual proposta de concessões de aeroportos à iniciativa privada reflete a configuração de uma
nova etapa para a aviação comercial brasileira e paulista, que fomentará as interações
espaciais e contribuirá para a interconexão das redes geográficas aéreas no Estado de São
Paulo. Todavia, é necessário atentar para que essa conciliação entre o público e o privado não
resulte nas conseqüências observáveis atualmente no modelo de concessão das rodovias, das
ferrovias e das hidrovias à iniciativa privada.

A questão principal das parcerias público-privadas é fomentar o


desenvolvimento mediante a qualidade infra-estrutural que deve prever, sobretudo, o bem
estar do usuário. Não se trata, portanto, de entrega do patrimônio público à livre atuação do
setor privado. De acordo com Silveira (2006), a concessão de setores estrangulados e com
necessidade de investimento (subinvestidos e não estratégicos) à iniciativa privada é
primordial para tornar esses setores eficientes. Assim, destaca que esse modelo, baseado nas
idéias de Ignácio Rangel, atrelado a uma política macroeconômica desenvolvimentista,
favorece um efeito multiplicador em diversos setores da economia brasileira.

Em tese, atestamos que o desenvolvimento do transporte aéreo regional induz à


necessidade de um conjunto de fatores inerentes a atuação e as iniciativas do Poder Público.
Através do planejamento setorial, de uma política de projetamento, de programação e,
principalmente na articulação das arestas públicas e privadas, que se vislumbra um possível
cenário de crescimento econômico para o transporte aéreo regional. E, é nessa perspectiva,
que surge, pois, ensaiar um esforço deliberado para construí-lo (RANGEL, 2005).

A DINÂMICA TERRITORIAL DOS FLUXOS AÉREOS NO ESTADO DE SÃO


PAULO: CENTRALIZAÇÃO E CENTRALIDADE

O Estado de São Paulo funciona como uma rede de interconexão dos pontos no
espaço. As redes são nós interconectados, que por sua vez requerem uma infra-estrutura
tecnológica, ou seja, suporte material que possibilite as interações espaciais e a integração
territorial. Assim, as redes definem a função de programação desses nós, na medida em que
necessitam de fixos que promovam a fluidez nos territórios.

O interior paulista consubstancia-se pelo crescimento das cidades médias que


ao sintetizarem as interações espaciais e a interligação entre os territórios, projetam a
dinâmica territorial viabilizada pela circulação aérea. Na prática, a rede de fluxos do Estado
de São Paulo reproduz a lógica espacial mediante o desenvolvimento de seus eixos de ligação
e interconexão dos fluxos entre o interior e a metrópole.

A normatização do transporte aéreo paulista está dividida de acordo com os


segmentos do setor de transporte aéreo, assim o Estado de São Paulo possui dois órgãos
especializados de gestão do transporte aéreo em âmbito federal e regional. A INFRAERO
(Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária), entidade federal, tem sob
administração os aeroportos centrais do estado, tais como: Congonhas (São Paulo), Cumbica
(São Paulo/Guarulhos), Viracopos (Campinas), Campo de Marte (São Paulo) e São José dos
Campos. O DAESP (Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo), órgão estadual,
responde pelos aeroportos do interior de São Paulo: Andradina, Araçatuba, Araraquara, Assis,
Avaré/Arandu, Barretos, Bauru, Bauru/Arealva, Botucatu, Bragança Paulista, Campinas
(Amarais), Dracena, Franca, Itanhaém, Jundiaí, Lins, Marília, Ourinhos, Penápolis,
Piracicaba, Presidente Epitácio, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, São Carlos, São José do
Rio Preto, São Manoel, Sorocaba, Tupã, Ubatuba, Urubupungá, Votuporanga e Registro.

Neste trabalho são elencados os fluxos aéreos dos aeroportos de administração


do DAESP que possuem empresas aéreas operando vôos regulares: Araçatuba, Bauru,
Marília, Presidente Prudente, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. Os aeroportos
respondem pela circulação aérea regional, e as empresas pela operacionalização das rotas
regionais. As companhais aéreas configuram assim, a fluidez do transporte aéreo e compõem
o vértice da interconexão territorial.

Ao analisar o constante desenvolvimento do transporte aéreo e a atual


conjuntura econômica em que o setor se encontra no cenário internacional e nacional,
compreende-se a inerente necessidade de se trabalhar o setor de transporte aéreo regional,
uma vez que a aviação regional do Estado de São Paulo tem apresentado grande relevância,
sobretudo, devido à quantidade de cidades servidas pelo modal e a interligação de cidades
interioranas com a capital do estado, intensificando as interações espaciais, o
desenvolvimento econômico urbano, bem como possibilita a redefinição de novas dinâmicas
territoriais reproduzidas a partir do desenvolvimento das cidades médias.

O Estado de São Paulo é um importante nó da rede geográfica aérea brasileira,


em razão de seu potencial de geração de tráfego e também por abrigar os principais aeroportos
do país, o que lhe dá a condição de destaca na malha aérea do país, caracterizando a
concentração e centralização do setor aéreo.

A representatividade paulista no mercado aéreo advém de seu contexto


histórico que produziu um espaço concentrado do ponto de vista da economia e da
financeirização. A concentração do poder de comando do processo produtivo espalhado pelo
território brasileiro é fonte de pesquisa de diversos autores sendo que todos asseguram que
esse poder decisório está concentrado na cidade de São Paulo devido à sua elevada densidade
informacional e comunicacional, afirmando-se na medida em que centraliza as atividades do
terciário superior. Atividades estas apoiadas em um sistema de telecomunicações que
possibilitou desconcentração das atividades da produção propriamente dita e a concentração
da decisão empresarial (GALLO, 2005).

O processo de desconcentração urbano-industrial (NEGRI, 1988) e de


consumo, iniciado a partir dos anos de 1970, contribuiu ainda mais para a definição de eixos
de desenvolvimento, que paralelo ao crescimento urbano, orientou os nós das redes de
transportes pelo interior do Estado de São Paulo.

Em síntese, estes fatores contribuem para a dinamicidade do setor aéreo no


desenvolvimento de novos territórios e revelam a funcionalidade e a incorporação da
utilização do modal aéreo, na medida em que o crescimento do setor demanda investimentos
em infra-estruturas, modernização, repercutindo economicamente para as cidades e,
conseqüentemente, para o Estado de São Paulo.
O transporte aéreo regional no Estado de São Paulo tem apresentado avanços
consideráveis no que diz respeito à geração de tráfego, embora as precisões de investimentos
em infra-estruturas aeroportuárias e aeronáuticas permaneçam constantes. Mesmo em meio as
constantes crises que o setor aéreo regional está inserido percebe-se que a maior
movimentação de fluxos e a quantidade de ligações aéreas com demais centros urbanos se dá
devido o potencial de geração de tráfego das cidades médias citadas anteriormente, como se
pode observar no quadro 2. Nota-se que, num período de nove anos, a geração de tráfego dos
aeroportos das cidades médias paulistas aumentou, ainda que o número de empresas aéreas
que oferecem o serviço e a quantidade de ligações aéreas tenha diminuído.

Quadro 2: Movimentação de passageiros (embarque e desembarque) entre 2000 e 2008.

Bauru/ Presidente Ribeirão São José Rio


Cidades Araçatuba Marília
Arealva* Prudente Preto Preto

2000 54.412 96.422 43.642 60.697 402.728 184.219

2001 59.602 106.383 48.256 66.095 413.254 208.393

2002 48.176 89.238 1.772 371.662 894 1.124

2003 28.381 54.660 34.738 33.224 268.152 141.348

2004 28.231 48.421 32.058 32.194 311.324 154.801

2005 33.757 54.718 36.924 36.374 464.287 229.517

2006 30.346 53.016 35.631 35.423 318.434 324.377

2007 78.932 65.470 33.794 61.656 391.207 324.088

2008 74.798 51.852 36.263 127.468 428.153 304.381


Fonte: Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo, 2008.
* A partir de 2006 o Aeroporto de Bauru passou suas operações para o Aeroporto Bauru/Arealva.

A rede geográfica aérea paulista, assim como o número de passageiros que


utilizam o modal aéreo em ligações regionais no Estado de São Paulo, confirma as
articulações econômicas, as interações espaciais, bem como as interconexões territoriais.
Estes fatores expressam a importância econômica do modal, que apesar de possuir condições
de maior geração de tráfego nas cidades que operam vôos regulares, ainda permanece
subutilizado, pela ausência de um Estado forte e regulamentador que impulsione políticas de
desenvolvimento regional, de competição empresarial coerente no setor aéreo regional.
Tão importantes quanto às cidades aeroviárias e o tráfego aéreo engendrado
por estas, encontra-se as empresas aéreas (quadro 3) que operam os vôos regionais. Em geral
compreendem empresas de médio porte com características da aviação comercial regional,
com exceção de duas empresas de porte nacional, a TAM Linhas Aéreas e a Gol Linhas
Aéreas Inteligentes, que compõe a duopolização do mercado aéreo brasileiro.

Estas empresas qualificam-se como as principais empresas aéreas brasileiras e


configuram o processo de concorrência no setor aéreo brasileiro e no Estado de São Paulo. A
TAM mantém-se na aviação comercial trabalhando no padrão tradicional de operação, com o
oferecimento de serviços mais especializados, delimitação de classes nas aeronaves, como a
executiva e econômica. Ação característica de empresas tradicionais do ramo aeroviário.

Já a empresa Gol inseriu-se no mercado apostando no conceito do modelo de


low cost/low fare235, ou seja, com menores custos e tarifas mais acessíveis que tem estimulado
a demanda pelo modal e, sobretudo, a demanda do cliente que é sensível ao preço e, portanto,
tem optado pela empresa que disponibiliza um crédito facilitado para aquisição de passagens
aéreas. Com isso, a empresa tem-se destacado no setor aéreo nacional e tem sido responsável
pelo crescimento no número de passageiros transportados no país. Porter (1989, p. 111)
adianta que uma empresa diferencia-se da concorrência se puder ser singular em alguma
―coisa valiosa‖ para os compradores. A estratégia de baixo custo e tarifa baixa tem feito da
empresa Gol uma marca registrada nas operações aéreas no Brasil, qualificando-a como a
segunda maior empresa brasileira do ramo.

Estas grandes empresas disputam um mercado e concentram as operações


aéreas de maior densidade, todavia, atuam no segmento regional paulista, característico de
operações de baixa densidade de fluxos, e constituem a duopolização do setor de transporte
aéreo, ora em razão de suas vantagens competitivas (PORTER, 1989), ora devido à estrutura
de mercado e suas estratégias que fazem com que estas empresas personifiquem a
concorrência em seu favor. Assim:

A concorrência236 é um processo (ativo) de criação de espaços e


oportunidades econômicas, e não apenas, ou principalmente, um processo

235
A expressão low-cost, low fare, que se tornou a referência e a principal estratégia da empresa Gol Linhas
Aéreas Inteligente, significa baixo custo e baixa tarifa. A opção da empresa Gol em trabalhar com o conceito de
low-cost, low fare, teve como precursoras as empresas Southwest, dos Estados Unidos e a britânica EasyJet.
236
A compreensão dada nesse texto para o termo ―concorrência‖ compete às definições consideradas pelas
proposições teóricas de Joseph Schumpeter, não apenas considerando o caráter das mudanças tecnológicas, mas
também no sentido de configurar todo o processo concorrencial de uma empresa. Para isso, nossas afirmações
partem de um conjunto de fatores que elenca, preponderantemente, o caráter estrutural da concorrência, sendo
assim, exemplificamos que tomamos o termo no contexto da competição direta entre as empresas, que se
(passivo) de ajustamento em direção a um suposto equilíbrio (...). O
desfecho do processo de concorrência não é predeterminado, mas depende
de uma interação complexa de forças que se movimentam ao longo do
mesmo processo (...). Concorrência implica o surgimento permanente e
endógeno de diversidade no sistema econômico capitalista, também como
convém a um processo evolutivo. Importa mais a criação de diferenças, por
meio de inovações em sentido amplo, do que sua eliminação, mesmo que
tendencial (POSSAS, 2002, p. 419).

As demais empresas, Pantanal e Passaredo compõem um perfil de empresas de


porte médio na aviação civil, embora tenham apresentado um crescimento contínuo no
número de passageiros transportados e no número de cidades servidas. Estas empresas tem se
destacado sobremaneira em razão de suas operações de baixa densidade de tráfego, mas que
tem favorecido a interligações aéreas, inclusive com cidades de outros estados237. Essa
estratégia de investimento em rotas de baixa densidade de fluxos sem escala e/ou conexão nos
principais hubs tem originado um instrumento de disputa competitiva na aviação comercial
tipicamente regional238.

Essas empresas, ainda, operam com equipamentos compatíveis com a aviação


regional, ou seja, aeronaves com menor capacidade de assentos239 e, mais econômicas, do
ponto de vista, da rentabilidade do quilômetro percorrido. Essas características têm projetado
as empresas de pequeno e médio porte, embora as mesmas ainda tenham prejuízos devido à

utilizam de vantagens competitivas, de estratégias de mercado, como propaganda, marketing empresarial,


interações estratégicas, enfim, de toda macrodinâmica capitalista para competir num mercado concorrencial.
Complementando as assertivas de Schumpeter, aludimos que, de acordo com Karl Marx, a concorrência é um
fator que integra permanentemente o progresso técnico, a partir de transformações das forças produtivas e
inovativas das empresas.
237
A empresa Passaredo Linhas Aéreas é exemplos de empresa de médio porte que está crescendo na oferta de
vôos que tem origem em cidades médias do estado de São Paulo com destino para cidades de outros estados,
como Curitiba, Uberlândia, Uberaba, Brasília, Cuiabá entre outras. Esses vôos não passam necessariamente nos
aeroportos centrais de São Paulo, primeiro porque isso encarece os custos e, segundo, porque é um centro
extremamente congestionado, é um hub que está acima da capacidade de atendimento e que está impactando
nas outras regiões e, consequentemente, cria dificuldades de slots, de horários etc.
238
Essa estratégia de mercado tem sido explorada pela recente empresa Azul Linhas Aéreas Brasileiras. A
empresa é propriedade do brasileiro David Neeleman, também proprietário da empresa aérea norte-americana
Jetblue. As operações iniciaram-se no segundo semestre de 2008. A nova empresa concentra rotas entre cidades
com aeroportos que ainda não são congestionados, tendo como principal hub o Aeroporto de Viracopos, em
Campinas, que era pouco utilizado para a aviação comercial de passageiros. Sua utilização baseava-se no
transporte aéreo de cargas, tendo pouca utilidade para as empresas aéreas no transporte de passageiros. Com
isso, a empresa Azul visualizou um importante hub ocioso e aproveitou-se dessa vantagem competitiva para
criar e aumentar seu market share no mercado aéreo brasileiro. Desta forma, a empresa pretende criar outros
hubs and spoke no sistema aéreo brasileiro no intuito de não arriscar suas operações e fugir dos riscos de
―apagões aéreos‖.
239
Entre esses equipamentos podemos destacar as aeronaves ATR42 modelo que vem atendendo bem a aviação
comercial, são aviões com características de aviação regional com custo operacional mais baixo e capacidade
para 42 lugares.
concorrência com as grandes empresas, que possuem estratégias de mercado e capital
circulante que favorecem suas atuações.

Tais condicionantes de diferenciação e de estratégias de mercado têm


projetado uma dinâmica espacial favorável para o transporte aéreo. Os resultados são
constatados na evolução dos passageiros que utilizam o modal, bem como no interesse das
principais empresas aéreas em operar no Estado de São Paulo.

Quadro 3: Cidades e empresas aéreas que operam no Estado de São Paulo, em 2009.

Cidades Empresas Destinos

Araçatuba Pantanal Linhas Aéreas Bauru e São Paulo

Bauru Pantanal Linhas Aéreas Araçatuba, Marília e São Paulo

Bauru, Presidente Prudente e São


Marília Pantanal Linhas Aéreas
Paulo

Pantanal Linhas Aéreas Marília e São Paulo

Presidente Prudente
Gol Linhas Aéreas Inteligentes São Paulo e Cuiabá

Passaredo Linhas Aéreas São Paulo, Marília e Bauru

São Paulo, Curitiba, Brasília, Belo


Horizonte, Rio de Janeiro,
Passaredo Linhas Aéreas Uberlândia e São José do Rio Preto

Ribeirão Preto
TAM Linhas Aéreas São Paulo

Passaredo Linhas Aéreas Ribeirão Preto


São José do Rio Preto

TAM Linhas Aéreas Ribeirão Preto, São Paulo e Cuiabá

Fonte: Empresas Aéreas, 2007.


As empresas que operam vôos regulares no Estado de São Paulo perfazem
percursos que em geral interligam as cidades citadas anteriormente com a capital São Paulo.
As empresas aéreas de grande porte, a Gol Linhas Aéreas Inteligentes e a TAM Linhas
Aéreas, embora sejam classificadas como empresas domésticas que operam vôos de alta
densidade de fluxo, são responsáveis pelos maiores percentuais de lucratividade no segmento
regional paulista e ainda tem movimentado o mercado aéreo com estratégias mercadológicas
que tem estimulado a fusão, a aquisição e, por vezes a falência de empresas de pequeno,
médio e até mesmo de grande porte240.

Na tentativa de permanecer no mercado, as empresas do transporte aéreo


enfrentam crises constantes e procuram soluções para atenuar as perdas substanciais
incorridas principalmente no último ano de 2008, em virtude da recessão econômica de
caráter mundial. Assim, as empresas procuram converter suas estratégias de forma a induzir o
aumento da demanda pelo modal, trabalhando de maneira a incentivar a utilização do serviço
aéreo em âmbito regional, a partir de estratégias de mercado que atraem o usuário e, assim
também contribuem para a ampliação de mais eixos de ligação entre as cidades médias do
interior paulista com a capital do estado e com demais territórios do país.

Nesse contexto, destacamos que mediante a análise empírica da atuação das


empresas aéreas no Estado de São Paulo, observa-se que a duopolização vai além da
concentração do mercado. As estratégias de grandes empresas, como a TAM e a Gol superam
a livre atuação e a competição direta com as concorrentes. Notamos que a principal estratégia
dessas companhias é a ―cooperação‖ entre grandes, médias e pequenas empresas, como forma
de manter um mercado em que as grandes empresas controlam os fluxos e as pequenas
alimentam as principais rotas. Tal fato desqualifica a concorrência e prejudica o usuário.

Constatamos que o duopólio existente no mercado aéreo paulista estimula, por


um lado, a concentração ruinosa, pois intensifica a liderança das grandes empresas aéreas,
constituindo ainda mais o market share destas. Por outro lado, favorece a cooperação de
estratégias coordenadas, uma vez que, as pequenas e médias empresas aéreas aceitam as
estratégias e os acordos de cooperação, como forma de garantir sua permanência no mercado
e as grandes empresas o faz como forma de controlar a expansão de suas concorrentes
entrantes.
240
Exemplos de grandes empresas que faliram, fundiram-se ou foram adquiridas por outras empresas são: BRA
Transportes Aéreos entrou em processo de recuperação judicial em 2005, a Trip Linhas Aéreas e a Total Linhas
Aéreas fundiram-se no ano de 2007 e a Gol Linhas Aéreas Inteligentes adquiriu a Varig em 2007.
Se tais funções são legais, concluímos que o usuário é por fim o receptor das
ações e reações das empresas e do movimento resultante no mercado aéreo. Todavia, é
importante destacar que cada vez menos o usuário tem a opção de voar pela empresa que
escolhe, uma vez que, todas cooperam para a manutenção de uma competitividade inexistente,
embora pronunciada por elas mesmas.

A eliminação das concorrentes não é o principal objetivo das companhias


aéreas, até porque a concorrência permite a comparação e isso faz com que a empresa
mantenha sua vantagem competitiva no mercado. As grandes empresas não sentem a
necessidade de romper a estrutura empresarial do transporte aéreo brasileiro, pois as pequenas
e médias empresas cumprem um papel totalmente estratégico para o setor, alimentando as
grandes e favorecendo a estabilidade e a permanência de ambas. Com isso, nota-se a
complexa situação de ―cooperativa‖, embora esse termo não prospere para uma ação que
favoreça o bem estar do usuário, uma vez que impede a concorrência e inabilita a diversidade
de opções de empresas.

Embora as grandes empresas sobreponham-se às pequenas e médias empresas,


a situação existente é de um sistema de cooperação, no qual as grandes empresas coordenam
todo o processo de acordos e contratos no qual permitem seu estabelecimento e das pequenas
e médias suas permanências. A estratégia espacial das empresas repercute a ação das
companhias, assim como o potencial de intervenção no mercado. É a partir de suas atuações,
acordos e contratos que modelam espacialmente o setor de transporte aéreo, que percebemos a
consolidação de um processo permissivo de cooperação, no qual o grande capital organiza o
mercado. Compreendemos, portanto, que o problema não consiste na demanda pelo modal
aéreo e muito menos na oferta. Há demanda e oferta, o que falta é a ação regulamentadora que
coordena o mercado, em favor do bem estar do usuário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O país adotou nos anos de 1980 a política e a administração do modelo


neoliberal, no qual formulou um conjunto de medidas que pouco contribuiu para a economia
brasileira. O neoliberalismo reproduzia/reproduz a proposta do ―Estado mínimo‖, isto é,
defesa à crítica do Estado regulador. Com isso, a redução da ação estatal conjuntamente com a
desregulamentação da economia, a abertura econômica do país e, consequentemente, as
liberalizações do comércio e dos fluxos internacionais de capitais retardaram o
desenvolvimento industrial e provocaram o desencadeamento de iniciativas políticas que
equivocadamente privatizaram e consideram setores estratégicos da economia nacional.

O setor de transporte aéreo brasileiro foi um dentre os tantos setores


econômicos que sentiram as consequências do processo de desregulamentação. Somam-se a
isso os desajustes econômicos contextualizados pelas crises cíclicas da economia que
intensificaram a defasagem do crescimento do setor, sobretudo em âmbito regional.

O Estado de São Paulo, caracterizado pela sua complexa configuração


territorial, permanentemente utilizada nas principais interconexões aéreas, fez com que o
modal aéreo se tornasse um dos meios de transporte mais utilizados nas ligações entre o
interior-capital e capital-interior.

É a partir desse processo de desregulamentação e de suas consequências que o


setor aéreo regional paulista, tem sido constantemente, atingido devido à reestruturação
política e administrativa que com seus revezes prejudicou, por um lado as empresas áreas
remanescentes e as entrantes, bem como o usuário do modal.

Apesar da atual crise, denominada pela mídia de ―apagão aéreo‖ ter se


revertido em perdas substanciais para o segmento regional, nota-se que a procura pelo
transporte aéreo tem aumentado ano a ano nas cidades médias do interior paulista. Tal fato
alude para a necessidade de planejamento, investimentos e programações estratégicas do
Poder Público, como forma de arregimentar o setor que ainda é subutilizado no estado. No
entanto, de acordo com Espírito Santo (2006) falta vontade, falta dedicação e faltam
conhecimentos específicos para as autoridades ―acordarem‖ para a importância do transporte
aéreo regional.

Constatamos que a escala de operações aéreas paulista revela que o segmento


regional oferece grandes possibilidades de desenvolvimento econômico regional para a
constituição de hubs regionais ou hubs secundários para o transporte aéreo paulista, bem
como se caracteriza pela integração territorial e pela dinâmica das interações espaciais, em
razão, sobretudo, da estrutura de cidades justaposta em redes que favorecem as interconexões
aéreas.

Os níveis escalares do transporte aéreo têm atingido territórios de outros


estados, fato este que tem contribuído para o desenvolvimento do modal aéreo na escala
regional. No entanto, é necessário mais investimentos em infra-estrutura operacional, bem
como políticas de incentivo, planejamento, intervenção normativa e regulamentadora para o
transporte aéreo e para as empresas aéreas que operam no Estado de São Paulo, como forma
destas não agirem mediante a livre ação no mercado. Tais políticas somente serão possíveis
com a maior atuação estatal, como forma de arregimentar a estrutura operacional aérea e
também a dinâmica empresarial do setor.

Em síntese, tendo como perspectiva a crise que o setor aéreo está inserido,
tratamos aqui o transporte aéreo regional no Estado de São Paulo, compreendendo sua
estrutura organizacional, bem como uma análise a partir dos fluxos aéreos projetados no
Estado de São Paulo. Consideramos que o segmento aéreo regional é de suma importância
para o desenvolvimento econômico regional, como também é um vetor de circulação e
mobilidade territorial que confere na dinamicidade empreendida pelo modal aéreo, na
articulação entre os territórios a partir das redes geográficas, como indutores do
processamento das interações espaciais. Finalizamos, observando de acordo com Lévy (2001)
que a técnica mais eficaz para tornar a mobilidade supérflua se encontra justamente na própria
mobilidade, ou seja, a forma mais sensata de produzir a circulação é o ―fazer circular‖.

REFERÊNCIAS

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EIXOS DE DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS DE CONCESSÕES
RODOVIÁRIAS: METODOLOGIA E ANÁLISE

Eliseu Savério SPOSITO


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Presidente Prudente/SP
essposito@gmail.com

Cássio Antunes de OLIVEIRA


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Presidente Prudente/SP
cassio.antunes@gmail.com

INTRODUÇÃO

A localização de atividades econômicas, principalmente as que ocupam


grandes terrenos e grandes áreas construídas, margeando ou próximas a vias de circulação é
prática comum nas decisões do empresariado que marca diferentes momentos no processo de
industrialização no Brasil. É possível afirmar também que, mais recentemente, a teoria
geográfica que aborda a formação dos eixos de desenvolvimento reafirma que a preferência
do empresariado por localizar seus empreendimentos próximos ou às margens de autopistas
acrescenta outros fatores, constituindo, quando se trata mais especificamente do caso do
Estado de São Paulo, os eixos de desenvolvimento. Como exemplo, podemos citar os eixos
formados pelas rodovias Dutra – BR-116, Anhanguera – SP-330 e Washington Luis – SP-310
(entre outros que já se conformaram no estado).

Para se identificar a configuração dos eixos (em disposição linear que se


desdobra ao longo de espaços bem definidos na rede urbana) e a disposição das atividades
produtivas próximas às rodovias foi elaborada uma metodologia, para a busca empírica da
informação geográfica, a partir de imagens obtidas no programa Google Earth. Por meio da
análise das imagens é possível identificar detalhes dos estabelecimentos de grandes
superfícies e, também das rodovias, tais como localização de praças de pedágio, por exemplo.

Um dos processos que favoreceu a dinamização dos ―municípios cortados‖


pelas rodovias citadas foi a duplicação das respectivas rodovias (como resultado de políticas
públicas estaduais de dotar o território paulista de infra-estrutura que organizasse os fluxos de
pessoas, veículos e mercadorias com maior velocidade) e da concessão da administração delas
à iniciativa privada (processo que se iniciou, oficialmente, em 1998) para sua manutenção e
gerenciamento do tráfego, resultado de uma política de Estado que transferiu a
responsabilidade das rodovias para agentes particulares.

Tendo como ponto de partida essas premissas, este texto visa apresentar a
metodologia que foi elaborada para a caracterização dos eixos de desenvolvimento a partir de
imagens de satélite que apresentam detalhes de acordo com a escala adotada para a elaboração
de mapas e de abordagem do tema.

Inicialmente, faremos algumas considerações sobre a metodologia elaborada


para a busca da informação geográfica para, em seguida, expor como se deu o processo de
concessões rodoviárias evidenciando as principais conseqüências num período considerado,
aproximadamente, de dez anos das concessões.

METODOLOGIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DOS EIXOS DE


DESENVOLVIMENTO

De maneira sucinta, pode-se caracterizar os eixos de desenvolvimento como o


resultado da conjunção de três principais elementos: infra-estrutura de transportes e
comunicações, cidades médias e forte participação das atividades produtivas. A sinergia entre
estes três elementos proporcionam condições favoráveis para o desenvolvimento econômico

Não há dúvidas de que,


no plano teórico, o conceito abrange as mudanças que se dão na
territorialização de novas dinâmicas direcionadas pelo paradigma dos eixos
que se sobrepõe ao modelo do paradigma das áreas ou das manchas de
disseminação de novas tecnologias e de unidades de produção (SPOSITO,
2007, p. 3).
Além disso:

De forma abrangente, o aumento da produtividade, a redução dos custos de


produção, os ganhos de escala e a acumulação de capital, embora dinamizem
algumas parcelas do território, não são suficientes para se explicar e
compreender o desenvolvimento, pois o incremento da atividade produtiva e
o aumento da acumulação, por si só, não são suficientes, pois, no modo
capitalista de produção, as rendas são apropriadas pelos proprietários dos
meios de produção; e isso pode gerar, quando muito, crescimento
econômico. O desenvolvimento, em sua forma geográfica mais extensa e
socialmente positiva só ocorrerá quando os benefícios auferidos com o
aumento da produtividade forem revertidos para a satisfação das condições
de vida da maioria da população, com uma melhor distribuição da renda e
das riquezas geradas com investimentos maiores nas potencialidades
humanas (SPOSITO, 2007, p. 3).
É com essa preocupação teórica que vamos expor a metodologia proposta. Em
primeiro lugar, partimos do fato de que, no Estado de São Paulo, destacam-se três eixos
principais, aqueles que são formados pelas rodovias BR-116 (via Dutra), SP-330 (via
Anhanguera), SP-310 (via Washington Luis), embora outros em menores proporções possam
ser identificados. Além disso, convém deixar claro que o objetivo da metodologia proposta,
elaborada com o objetivo de coletar, organizar e analisar a informação geográfica utilizando
instrumental da informática (imagem de satélite) e o trabalho de campo (percurso pelos eixos
para observar, fotografar e cartografar), é demonstrar, por meio de imagens obtidas no
programa disponível gratuitamente na internet Google Earth, o conjunto de edificações em
grandes superfícies (que são destinadas às atividades econômicas) de cada município pelo
qual passam os eixos de desenvolvimento e de que forma o setor produtivo se utiliza
estrategicamente das vantagens de localização em cada município. Além da referência da
localização, um aspecto importante é a análise da densidade de edificações destinadas a
atividades econômicas margeando as rodovias.

Assim, fica perceptível visualmente a concentração de atividades produtivas ao


longo e às margens das autopistas sugerindo seu significado para o setor produtivo e de
determinadas atividades do setor de serviços, como é o caso das empresas transportadoras.

Os passos seguidos para a elaboração do produto final (as figuras) serão


explicitados para que o leitor possa compreender com mais detalhes o processo de sua
preparação. Isto possibilitará, também, melhor compreensão dos resultados a partir da leitura
das figuras.

De acordo com a quantidade de grandes superfícies existentes em cada


município, estabelece-se a altitude do campo de visão. Essa altitude corresponde à distância
aproximada, verticalmente, que o observador está da superfície representada na imagem na
tela do computador. Assim, se num município há muitas grandes superfícies próximas à
rodovia, como é o caso do município de São José dos Campos (figura 2), a altitude do campo
de visão deverá ser maior: no caso desse exemplo a altitude variou de 1,71 km a 2,88 km. Por
outro lado, num outro município, em que há poucas superfícies grandes próximas à rodovia e
só se detecta a concentração dessas superfícies ao longo e às margens da rodovia, a altitude do
campo de visão deverá ser menor, como é o caso do município de Leme, cuja altitude pode
ser definida em torno de 1,67 km.
Figura 1: Jundiaí: grandes superfícies ao longo das vias Anhanguera e Bandeirantes.

Figura 2: São José dos Campos: localização de grandes superfícies ao longo da Via Dutra.
Por esses motivos, não convém adotar uma altitude do campo de visão fixa
para todos os municípios, pois se assim ocorrer, a precisão, para alguns municípios, ficará
comprometida, principalmente naqueles em que a altitude do campo de visão é menor, uma
vez que nesses municípios há predominância de tetos menores (como se verificou no caso do
município de Leme, exemplo já citado, quando comparado com o município de Jundiaí, que
possui muitas grandes superfícies próximas à rodovia).

O teto de cada grande superfície foi delimitado com a cor preta e é necessário
frisar que em cada delimitação se procurou corresponder ao máximo o tamanho real,
considerando, logicamente, a altitude do campo de visão. Em cada figura a rodovia que
constitui o eixo foi tracejada na cor cinza, da mesma maneira que as principais avenidas que
margeiam a rodovia e as principais ligações entre a rodovia e a cidade.

O critério mais apropriado para apresentar as figuras refere-se ao trajeto


percorrido durante o trabalho de campo, partindo-se do pressuposto de que é possível
relacionar as constatações empíricas com as informações visualizadas nas imagens.

As figuras 1, 2 e 3 demonstram alguns exemplos. No entanto, pode-se afirmar


que em todas as figuras elaboradas visualiza-se a concentração de grandes superfícies
margeando a rodovia. Assim, conclui-se que há intensa relação entre as atividades produtivas
e as rodovias que suportam fluxos densos, seja de veículos, pessoas ou mercadorias.
Conforme verificado nas imagens e nas oportunidades em que, durante o percurso empírico,
quando foi possível trafegar pelos eixos, notou-se o predomínio de empresas de grande porte
como a General Motors, localizada no eixo da BR-116, a Goodyear localizada no município
de Americana, a Nestlé localizada em Cordeirópolis e a 3M e a Honda, em Sumaré, estas
últimas se localizam próximo à rodovia SP-330.

Analisar as denominações ou a razão social das empresas instaladas nos


municípios situados ao longo dos eixos é interessante para se observar o ramo ou setor em que
se classificam as empresas. Assim, essa análise será possível por meio das denominações das
empresas obtidas no trabalho de campo e, posteriormente, acessando-se o domínio eletrônico
delas na internet, por exemplo, a partir da sua razão social ou da denominação que aparece em
sua fachada.
Figura 3: São José do Rio Preto: grandes superfícies e distrito industrial ao longo da rodovia
Washington Luiz.

Lembrando o que já foi afirmado anteriormente, os eixos de desenvolvimento


se caracterizam pelas infra-estruturas de transportes (principalmente a rodoviária) em boas
condições de conservação e, portanto, de tráfego. Mas a manutenção da qualidade da rodovia
e dos serviços disponíveis aos usuários (telefone, socorro médico em caso de acidente,
socorro em caso de pane mecânica ou falta de combustível) tem um preço pago diretamente
pelo usuário da rodovia, que é o pedágio. Neste ponto, é importante expor e analisar como se
deu a política de concessões rodoviárias empreendida pelo poder público no Estado de São
Paulo na década de 1990. Vamos a elas.

CAMINHOS E DESCAMINHOS DA PROBLEMÁTICA DOS PEDÁGIOS NO


ESTADO DE SÃO PAULO

A discussão em torno da questão da adoção pelo governo do sistema de


pedagiamento das autopistas para financiar a manutenção da infra-estrutura rodoviária federal
e as principais rodovias de alguns estados, entre eles o Estado de São Paulo, quase sempre é
marcada ou por uma visão unilateral, em que há quem defenda que essa é a única alternativa
para se manter a qualidade da infra-estrutura e do serviço (baseada no pensamento neoliberal),
mas há também quem defenda, principalmente aqueles que combatem as políticas baseadas no
pensamento neoliberal e situados à esquerda dessa tendência, que defendem o Estado como
regulador e produtor, encarando a infra-estrutura como patrimônio nacional. Entretanto, tanto
um lado como o outro, geralmente, não realiza uma análise aprofundada das mudanças nos
setores que financiavam o setor de transportes rodoviário e das alterações constitucionais que
modificaram o mecanismo de transferência de recursos. Como exemplos, podem-se citar as
mudanças empreendidas a partir da constituição de 1988.

Os principais propulsores do surto rodoviário brasileiro foram a Petrobras


(como paradigma da indústria do petróleo), a indústria automobilística e o FRN – Fundo
Rodoviário Nacional. Esses três elementos, inter-relacionados, contribuíram para o
desenvolvimento do sistema rodoviário, principalmente quando se sabe que a origem dos
recursos era o erário público241 (PEIXOTO, 1977).

Para Barat (1978), a instauração e o desenvolvimento do sistema rodoviário do


país ocorreram, sobretudo, à custa de recursos provenientes de outros setores e não
propriamente de impostos pagos pelos usuários dessa modalidade de transporte. Para que a
estrutura permanecesse até o momento atual em boas condições de uso, seria necessário que
as políticas públicas de investimentos no setor retirassem, sempre, recursos de outras áreas
para aplicá-los no transporte rodoviário, visto que a arrecadação de impostos obtidos nesse
modal não era suficiente para sua auto-sustentação.

Dessa forma, para superar esses problemas que se tornaram entraves para o
fluxo de veículos, pessoas e mercadorias, desde a década de 1970, alguns especialistas já
apontavam, como solução, dar prioridade para a conservação rodoviária dos grandes troncos
federais, através da implantação de sistemas de pedágio ou de contratos específicos com
empresas especializadas, visando maior autonomia, eficiência e dinamismo naquela atividade;
prioridade para o problema do tráfego, rural e urbano, para permitir uma utilização mais
adequada da capacidade instalada nos grandes troncos federais (BARAT, 1978, p. 176).242

A partir dessa afirmação, pode-se deduzir que as discussões feitas sobre a


questão das concessões rodoviárias quase sempre não levam em conta três pontos
importantíssimos: primeiro: a construção e a manutenção das rodovias não contam,
2
De acordo com o Decreto nº 94.399/87, no seu artigo 2º, são recursos do Fundo Rodoviário Nacional:
I) a parcela atribuída à União, proveniente de arrecadação do Imposto Único sobre Lubrificantes e
Combustíveis Líquidos e Gasosos incidente sobre a gasolina automotiva, o óleo diesel e o álcool para fins
carburantes, nos termos do artigo 3º da Lei nº 7.451, de 26 de dezembro de 1985;
II) outras receitas de qualquer origem e natureza, que lhe venham a ser destinadas.
242
Grifo nosso.
atualmente, com os recursos provenientes das mesmas fontes da época em que a base da
infraestrutura rodoviária brasileira foi construída; segundo: desde a década de 1970
especialistas do setor de planejamento de transportes já apontam o pedágio como alternativa
para a manutenção dos grandes troncos federais; e terceiro: a arrecadação do IPVA243
(Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) não é exclusiva para aplicação no
modal rodoviário.

Em qualquer modalidade de transportes é imprescindível que os mecanismos


de impostos e tarifação dos usuários cubram os custos de sua manutenção e desenvolvimento.
No caso do modal rodoviário houve, ao longo dos anos, principalmente após a década de
1950, a entrada de recursos de outros setores governamentais para sua expansão. A operação
de modalidades de transportes mediante subsídios levou a distorções entre os modais e, por
conta de mudanças das políticas, mais dependentes de ações de governo que de Estado, à
estagnação de determinadas modalidades pelo corte de subsídios.

Frente a esses fatos compreende-se, baseado em Barat (1978), haver duas


formas de canalização de recursos para expansão e manutenção do sistema rodoviário,
cobrando-se diretamente dos usuários dos setores modais:

 A cobrança direta de tarifa dos usuários do sistema, mas com a supressão do IPVA;

 Os impostos sobre combustíveis e IPVA sendo totalmente utilizados pelos setores


modais ou pelo Ministério dos Transportes. Neste caso, no entanto, deveriam ser
eliminados os pedágios existentes (ver mapa 1).

Embora Barat (1978) tenha chegado a essas conclusões em 1978, ainda hoje
são válidas, lembrando-se que os problemas com a conservação das vias e de impostos caros
são pauta de muitos debates que são realizados em inúmeros foros que têm, como tema
principal, o desenvolvimento econômico, seja ele de escala regional ou local, ou promovido
pelo Estado ou entidades particulares.

Dessas duas formas de canalização de recursos considera-se ser mais eficiente


a segunda, pois o imposto vinculado ao combustível será pago por proporcionalidade, ou seja,
quanto maior o uso, maior será o valor pago. Como o IPVA é pago de acordo com o valor de
mercado do veículo, os que possuem veículos de valores altos pagarão, em termos absolutos,
mais que um proprietário de veículo com baixo valor de mercado.
243
A Receita do IPVA, que é partilhada entre o Estado (50%) e o Município (50%) onde o veículo é registrado,
destina-se ao financiamento dos serviços básicos de que a população necessita: saúde, educação, segurança,
transporte, etc.
A outra opção de canalização de recursos também deve ser analisada, pois o
usuário que mais utilizar determinada rodovia conseqüentemente pagará mais. Contudo, o que
se identifica como falha nessa maneira de se cobrar pelo uso da infraestrutura de transportes, é
que todos os usuários pagam o mesmo valor, salvo as diferenças por classificação de veículos
(leves, pesados, etc.). Desde o usuário que tenha, hipoteticamente, a menor renda mensal até o
que possui a maior renda, todos pagarão o mesmo valor pela utilização da via em que transita.
Assim, essa forma de cobrança é inadequada do ponto de vista da justiça social, já que nessa
opção exclui-se o IPVA para aplicação exclusiva nas rodovias.

Mapa 1: Estado de São Paulo: localização de praças de pedágio em operação, em 2009.


437

Mapa 2: Volume médio diário de veículos em rodovias estaduais do Estado de São Paulo, em 2006.

CONCESSÕES RODOVIÁRIAS NO ESTADO DE SÃO PAULO: ALGUMAS


CONSIDERAÇÕES

Entre 1998 e 2000 foram entregues 3.546 quilômetros de rodovias à


administração de agentes privados. As rodovias estaduais foram selecionadas e divididas em
doze lotes que posteriormente seriam oferecidas por meio de concessão à iniciativa privada. A
tabela 1 apresenta a denominação das doze concessionárias, o município de localização de
suas sedes, os seus acionistas e os seus telefones 0800 disponíveis para atendimento aos
usuários e outros interessados.

Como parte das políticas neoliberais que se difundiram pela América Latina
nas décadas de 1980 e 1990 do século XX, o Estado de São Paulo empreendeu, a partir de
1998, definitivamente, o seu programa de concessões rodoviárias. Em 1998 foram fechados
nove contratos de concessões; outras três ocorreram no ano 2000. A tabela 2 contém os nomes
das concessionárias que venceram cada licitação, o ano em que foram assinados os contratos e
a duração dos prazos das concessões. Essa tabela deverá, para ser bem compreendida,
confrontada com o mapa 1, em que há a localização das praças que estavam em operação, no
Estado de São Paulo, em 2009.
438

Tabela 1: Estado de São Paulo: localização, acionistas e telefone das sedes das concessionárias de
rodovias concedidas.

Concessionária Município Acionistas Telefone 0800

Autoban Jundiaí Companhia de Concessões Rodoviárias - CCR 0800 055 55 50

Autovias Ribeirão Preto OHL Brasil Particip em Infraestrutura Ltda. 0800 707 900

Centrovias Itirapina OHL Brasil Particip em Infraestrutura Ltda. 0800 17 89 98

Colinas Itu Empate Engenharia e Comércio Ltda; Herber Participações Ltda 0800 703 50 80

Ecovias São Bernardo do Campo Primav Construções e Comércio Ltda. ; Impregilo IINV 0800 197 878

Intervias Araras OHL Brasil Particip em Infraestrutura Ltda. 0800 707 14 14

Nova Dutra São José dos Campos Companhia de Concessões Rodoviárias - CCR 0800 017 35 36

Renovias Mogi Mirim Encalso Cosntruções Ltda; S/A Paulista Construções e Comércio; 0800 05 59 696
Senpar Ltda

SPVias Tatuí Multivias Participações S/A; Latinoamericana de Rodovias S/A; 0800 703 50 30
Planova Planejamento e Construções Ltda; Vialco Participações Ltda;
CCI Concessões S/A; N.F.Motta S/A Construções; Serve Ltda -
Serviços Gerais; Serve Ltda - Serviços Gerais

Tebe Bebedouro TORC - Terraplan. Obras Rod. e Constr. Ltda.; EMPA S/A Serv. De 0800 55 11 67
Engenharia; Empresa Construtora Brasil

Triângulo do Sol Matão Leão & Leão Ltda.; Itinere Brasil Concessões de Infra-estrutura 0800 701 16 09

Vianorte Setãozinho CCI Concessões S.A.; Construcap CCPS Engenharia e Comércio; 0800 701 30 70
Ourinvest Participações S.A; Empresa Tejofran de Saneamento e
Serviços Ger; Itinere Brasil; Civil Obras Construções Ltda

Viaoeste Araçariguama Companhia de Concessões Rodoviárias - CCR 800 701 55 55

Fonte: Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias – ABCR.


Organização: Cássio Antunes de Oliveira, 2009.

Ao todo entre 1998 e 2000 foram colocados em licitação doze lotes de


rodovias. Os doze lotes concedidos entre 1998 e 2000 estão relacionados a seguir:

O primeiro lote a ser concedido foi o da região de Bebedouro, e a licitação foi


vencida pela concessionária Tebe. Neste lote foram incluídos trechos das rodovias: SP-326,
SP-351 e SP-323.

O segundo lote foi o trecho localizado na região de Ribeirão Preto, e a licitação


foi vencida pela concessionária Vianorte. A malha viária deste lote compreende trechos das
rodovias: SP-325/322, SP-330, SP-322.
439

Tabela 2: Estado de São Paulo: concessionárias privadas em operação, em 2007.

Empresa Início do Prazo do Pista simples Pista Dupla Total (em km)
contrato contrato
em anos

Autoban 1/5/1998 20 0 316 316

Tebe 2/3/1998 20 110 46 156

Cianorte 6/3/1998 20 35 202 237

Intervias 17/2/2000 20 249 122 371

Centrovias 18/6/1998 20 80 138 218

Triângulo do Sol 18/6/1998 20 157 285 442

Autovias 31/5/1998 20 91 226 317

Renovias 14/4/1998 20 148 197 345

Viaoeste 30/3/1998 20 47 115 162

Colinas 2/3/2000 20 133 166 299

SPVias 10/2/2000 20 209 297 506

Ecovias 27/5/1998 20 3 173 177

Nova Dutra 1/3/1996 25 0 231,500 231,500

Total 1.262 2.514,500 3.777,500


Fonte: Agência Reguladora de Transporte do Estado de São Paulo – ARTESP.
Organização: Cássio Antunes de Oliveira, 2009.

O terceiro lote está localizado na região de Sorocaba, e a licitação foi vencida


pela concessionária Viaoeste. A malha viária deste lote compreende trechos das rodovias: SP-
270, SP-280, SP-091 e SP-075.

O quarto lote está localizado na região de São João da Boa Vista, e a licitação
foi vencida pela concessionária Renovias. A malha viária deste lote compreende trechos das
rodovias: SP-340, SP-342, SP-350, SP-215 e SP-344.

O quinto lote localiza-se na região de Campinas, e a licitação foi vencida pela


concessionária Autoban. A malha viária deste lote compreende trechos das rodovias: SP-330,
SP-348.
440

O sexto lote localiza-se na região da Baixada Santista, e a licitação foi vencida


pela concessionária Ecovias. A malha viária deste lote compreende trechos das rodovias: SP-
150, SP-160 e SP-055.

O sétimo lote localiza-se na região de Jaú, e a licitação foi vencida pela


concessionária Centrovias. A malha viária deste lote compreende trechos das rodovias: SP-
310 e SP-225.

O oitavo lote localiza-se na região de Araraquara, a licitação foi vencida pela


concessionária Triângulo do Sol. A malha viária deste lote inclui trechos das rodovias: SP-
310, SP-326 e SP-333.

O nono lote localiza-se na região de Batatais, e a licitação foi vencida pela


concessionária Autovias. A malha viária compreende trechos das rodovias: SP-330, SP-334,
SP-255, SP-345 e SP-318.

O décimo lote localiza-se na região de Itapetininga, e a licitação foi vencida


pela concessionária SPVias. A malha viária deste lote compreende trechos das rodovias: SP-
280, SP-270, SP-127, SP-255 e SP-258.

O décimo primeiro lote localiza-se na região Itapira, e a licitação foi vencida


pela concessionária Intervias. A malha viária compreende trechos das rodovias: SP-330, SP-
147, SP-352, SP-191, SP-215, o acesso (Anel viário Prefeito Jamil Caber) SP-357/340 e o
acesso (Contorno rodoviário de Araras) SP-165/330.

O décimo segundo e último lote localiza-se na região de Itu, e a licitação foi


vencida pela concessionária Colinas (ARTESP, 2007). A malha viária deste lote compreende
trechos das rodovias: SP-300, SP-280, SP-075 e SP-127 (ABCR, 2009).

Em 2009, a ARTESP divulgou no seu endereço eletrônico na internet as tarifas


de pedágio do Estado de São Paulo. Na lista já consta as novas concessões, que incluem mais
cinco novas concessionárias, as quais são: Rota das Bandeiras que administra a rodovia Dom
Pedro I – SP-065, antes operada pelo DER-SP; Auto Raposo Tavares (CART) que administra
o trecho entre Presidente Epitácio e Ourinhos da rodovia Raposo Tavares – SP-270;
Viarondon que administra o trecho Oeste da rodovia Marechal Rondon – SP-300, antes
operado pelo DER-SP; Rodovias do Tietê, que administra o trecho Leste da rodovia Marechal
Rondon – SP-300, antes operado pelo DER-SP; e o Rodoanel Oeste – SP-021 que também foi
concedido. Há ainda a rodovia BR-153 cujo trecho que corta o Estado de São Paulo foi
totalmente concedido à concessionária Transbrasiliana. As informações sobre estas últimas
441

concessões ainda estão sendo atualizadas nos endereços eletrônicos na internet dos órgãos
públicos. Os valores das tarifas de pedágio cobrados nas praças operadas pela concessionária
Transbrasiliana, por exemplo, não estão disponíveis no endereço eletrônico da ARTESP.
Destas novas concessões o número de novas praças de pedágio no Estado de São Paulo
aumentou em dezessete, treze no Rodoanel Oeste e quatro na BR-153.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar as transformações que ocorrem no ordenamento territorial requer que,


além da teorização, se busquem alternativas que dêem sustentação às reflexões. Por essa
razão, identificar os eixos de desenvolvimento no plano teórico não é suficiente. Por isso este
texto objetivou apresentar uma metodologia, balizada pelo trabalho de campo, para que fosse
possível, empiricamente, identificar os elementos que integram um eixo de desenvolvimento
por meio de imagens que possibilitam a observação do fato com detalhes como tetos das
unidades produtivas ou de serviços, acessibilidade viária (quantidade de retornos nas
rodovias, viadutos e avenidas marginais) e localização de praças de pedágio.

Esses dados podem ser enfocados com a seguinte lógica: as concessões


eximiram o poder público de construir, manter e conservar a infraestrutura rodoviária no
Estado de São Paulo, principalmente aqueles trechos mais densos que se configuram como
eixos de desenvolvimento por comportarem maior fluxo de pessoas, veículos e mercadorias,
enfim, com maior densidade econômica. Essa densidade econômica propicia apropriação de
parte da renda produzida no território do estado para a iniciativa privada por meio da cobrança
de pedágios. Por isso, a configuração dos eixos de desenvolvimento foi motivo para a
concessão e a formação de consórcios para a cobrança de pedágios para a manutenção da
infraestrutura viária, o que significa apenas as rodovias economicamente mais rentáveis,
sobrando para o poder público aquelas que têm pouca densidade econômica.

As concessões rodoviárias estão vinculadas ao pensamento neoliberal que


incentiva a operação de atividades produtivas no território em detrimento de investimentos em
programas que tragam conseqüências positivas para as classes sociais menos favorecidas,
como o financiamento de casas populares, por exemplo, (FIORI, 1997). Deste modo, o Estado
de São Paulo optou por melhorar sua infra-estrutura de transportes com o argumento de que,
dessa forma, dinamizaria as áreas por onde as rodovias passam, partindo do pressuposto de
que, indiretamente, essa política traria benefícios às classes sociais menos favorecidas, uma
442

vez que gerariam mais empregos e de que, com o dinheiro poupado por não ter que investir na
conservação das rodovias e o arrecadado com os novos impostos, seriam aplicados recursos
na melhoria dos setores como educação, saúde e segurança pública (ARTESP, 2007). No
entanto, embora seja uma crítica que se repete constantemente, não é isso que se tem
observado no estado.

O argumento das concessões, encabeçado pelo poder público é, em parte,


verdadeiro, uma vez que as cidades que formam os eixos de desenvolvimento se tornaram
mais dinâmicas; mesmo assim, os empregos gerados muitas vezes requerem mão-de-obra
especializada, o que não favorece as pessoas de classes sociais com menor poder de renda ou
com formação cultural e escolar mais precária. Em suma, as concessões rodoviárias possuem
pontos positivos (melhoria da qualidade das vias e do atendimento aos usuários) e negativos
(pagar para trafegar nas rodovias concedidas, tarifas de pedágio muito altas, aumento dos
fretes). O fato de o Estado promover as concessões rodoviárias pode ser compreendido como
o reconhecimento de sua incapacidade administrativa.

REFERÊNCIAS

ARTESP. Agência de Transporte do Estado de São Paulo. Apresenta informações sobre as


concessões de rodovias no Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.artesp.sp.gov.br.
Acesso em: 14 de junho de 2009.
ABCR. Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias. Apresenta informações
sobre os lotes das concessões rodoviárias do Estado de São Paulo. Disponível em:
http://www.abcr.org.br/. Acesso em: 15 de novembro de 2009.
BARAT, Josef. A evolução dos transportes no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE: IPEA, 1978.
BORDO, Adilson Aparecido. As influências do eixo de desenvolvimento da rodovia
Washington Luis na estruturação econômica do município de Itápolis/SP. Dissertação de
mestrado. Departamento de Geografia. Presidente Prudente: FCT/UNESP, 2006.
FIORI, José Luís. Os moedeiros falsos. Petrópolis: Vozes, 1997.
MACHADO, Kal. Concessões de rodovias: mito e realidade. São Paulo: Prêmio, 2005.
PEIXOTO, João Baptista. Os transportes no atual desenvolvimento do Brasil. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1977.
SOARES, Laura Tavares. Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina. São
Paulo: Cortez, 2000.
SPOSITO, Eliseu Savério. Reestruturação produtiva e urbana no Estado de São Paulo.
Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Barcelona:
Universidad de Barcelona, v. XI, n. 245. Disponível em: http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-
24569.htm. Acesso em: 25 de junho de 2009.
443

SPOSITO, Eliseu Savério; MATUSHIMA, Marcos Kazuo. Dinâmica econômica no Estado de São
Paulo: do paradigma de área ao paradigma do eixo de desenvolvimento. In: SILVA, João Márcio
Palheta; SILVEIRA, Márcio Rogério (orgs.). Geografia econômica do Brasil: temas regionais.
Presidente Prudente: FCT/ UNESP, 2002.
TRANSBRASILIANA. Apresenta informações sobre a concessionária de rodovias. Disponível em:
http://www.transbrasilianasa.com.br/. Acesso em: 25 de junho de 2009.
444

SISTEMA HIDROVIÁRIO INTERIOR E INTERMODALIDADE NO ESTADO DE


SÃO PAULO: A HIDROVIA TIETÊ-PARANÁ

Nelson Fernandes FELIPE JUNIOR


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Campus de Presidente Prudente
nelfelipejr@bol.com.br

Márcio Rogério SILVEIRA


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Campus de Ourinhos
marcio@ourinhos.unesp.br

INTRODUÇÃO

Compreender a contemporaneidade significa considerar diversos aspectos e


agentes em sua complexidade, caso dos políticos, econômicos, financeiros, sociais e
ambientais. A mundialização do capital (CHESNAIS, 1996) e o advento do período técnico-
científico-informacional (SANTOS, 2002) determinam as mudanças nas relações entre o
local, o regional, o nacional e o global. Ademais, a expansão do sistema de circulação
material244 e a formação de redes245 e fluxos a partir de fixos (estes últimos formam redes e,
portanto, produzem e reproduzem o espaço) possibilitam o deslocamento a grandes distâncias,
alteram a paisagem e o espaço e modificam a divisão social e territorial do trabalho. Dessa
maneira:

A circulação é um fenômeno eminentemente geográfico. Depende da


geografia física que facilita ou prejudica certos traçados. Assim mesmo,
depende de técnicas tais como o modo de construção das vias ou a invenção

244
Lênin (2007) destaca que é errado identificar a matéria a partir de suas formas ou aspectos concretos. Ele
prova que o materialismo dialético relaciona o conceito de matéria à realidade objetiva e ao mundo exterior, que
existe independentemente da consciência humana. Tudo o que é realidade objetiva, ou seja, tudo o que tem
ligação com o mundo exterior se refere à matéria. Segundo Cheptulin (1982), cada formação material particular
não é eterna, isto é, sua existência tem um começo e um fim. Ela aparece, existe por um determinado tempo e
depois desaparece, transformando-se em outra formação material. Nenhuma matéria é ilimitada, pelo contrário,
ocupa um lugar determinado e limitado no espaço.
245
A palavra rede é antiga e oriunda do latim ―retis‖, que significa entrelaçamento de fios com aberturas
regulares que formam um tecido. Dias (1995) revela que a rede apresenta a propriedade de conectividade, isto é,
através da conexão de seus nós ela, simultaneamente, tem a capacidade de incluir ou excluir. Santos (1996)
afirma que as redes são animadas e movidas por fluxos. São dinâmicas e ativas, mas não trazem em si mesmas
seu princípio dinâmico, que é o movimento. São estimuladas por dinâmicas locais, regionais, nacionais e
globais, com destaque às demandas corporativas, sobretudo, das grandes empresas. Corrêa (1997) considera que
a rede é um conjunto de localizações geográficas interconectadas entre si por um certo número de ligações.
Claval (1968) diz que as redes de transportes e comunicações obedecem a uma lógica de hierarquização. Nas
redes de transportes, a hierarquia ocorre com base na importância dos eixos viários e dos ―nós‖, já na rede de
comunicações a hierarquia se dá em função das ligações centrais que unem pontos dispersos sobre um território.
445

de determinado tipo de veículo. Por um lado, modifica os fenômenos


humanos criando profissões e aglomerações ligadas ao transporte, e por
outro, permite algumas transformações na produção ou no consumo
(DERRUAU, 1964, p. 472).

Para garantir a fluidez no espaço é fundamental a construção e readequação da


materialidade (infraestruturas), bem como a utilização da intermodalidade. As transformações
decorrentes da acumulação flexível criam a necessidade de uma circulação mais rápida no
território. A modernização do sistema de transportes246 proporciona uma maior mobilidade no
espaço e intensifica a especialização funcional e produtiva dos territórios. Dessa maneira:

Com o progresso da produção capitalista, o desenvolvimento dos meios de


transporte e de comunicação reduz o período de circulação de determinada
quantidade de mercadorias, mas, por outro lado, esse progresso e a
possibilidade gerada pelo desenvolvimento desses meios acarretam a
necessidade de trabalhar para mercados cada vez mais longínquos, em
suma, para o mercado mundial (MARX, 2005, p. 288).

O sistema hidroviário Tietê-Paraná e os portos intermodais paulistas


possibilitam – ainda que de maneira incipiente – a formação de redes e fluxos materiais no
espaço e contribuem com a integração do território nacional, mais precisamente entre o
Centro-Oeste e o Sudeste. A utilização do transporte hidroviário é resultado da combinação de
diferentes fatores e elementos, como os naturais, técnicos, materiais e organizacionais. As
inter-relações entre os elementos da natureza247 (físicos e biológicos) e as atividades humanas
permitem uma visão integrada do espaço geográfico. Assim, a teoria das combinações
geográficas (CHOLLEY, 1964) diante da temática do transporte hidroviário é essencial, pois
considera em conjunto o meio físico (cursos fluviais), os objetos presentes no espaço e as
ações e atividades da sociedade.

Destacam-se os portos intermodais de Pederneiras-SP, Anhembi-SP, Jaú-SP e


Santa Maria da Serra-SP no escoamento de cargas, pois interligam diferentes regiões,
fomentam a produção agrícola e facilitam a distribuição das mercadorias aos centros de
demanda. Fazem parte do sistema hidroviário Tietê-Paraná e, através da intermodalidade,
soja, farelo de soja, sorgo, trigo e milho são transportados pela hidrovia, representando novas
alternativas para a reestruturação da matriz de transportes no Brasil e, sobretudo, no Estado de

246
Segundo Bey e Pons (1999), sistema de transportes é sinônimo de rede, e este, por sua vez, constitui uma
estrutura regional.
247
De acordo com Engels (2007), é precisamente a transformação da natureza pelo homem, e não a própria
natureza como tal, que é o fundamento mais essencial e mais direto do pensamento humano, e a inteligência do
homem aumentou na medida em que ele aprendeu a transformar a natureza.
446

São Paulo. Ademais, os terminais privados contribuem com a economia local/regional, visto
que viabilizam a formação de redes e fluxos no espaço, dinamizam as interações espaciais,
intensificam a mobilidade e a fluidez no território, geram empregos diretos e indiretos e
renda, estimulam o consumo de bens duráveis e não duráveis, etc.

O artigo está estruturado em duas partes, quais sejam: a primeira realiza uma
discussão acerca do sistema hidroviário interior e intermodalidade: problemas e possíveis
soluções para a expansão do setor; e a segunda trata da Hidrovia Tietê-Paraná: transporte de
cargas, participação do capital privado e interações espaciais.

SISTEMA HIDROVIÁRIO INTERIOR E INTERMODALIDADE: PROBLEMAS E


POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA A EXPANSÃO DO SETOR

Parte da produção agrícola nacional é voltada ao mercado externo


(commodities248), refletindo o processo de internacionalização dos mercados. A agricultura no
Brasil se caracteriza, cada vez com mais intensidade, pela lógica da modernização e da
produção com baixos custos. Os bens voltados ao mercado externo contribuem com o
superávit249 da balança comercial brasileira e com a acumulação de capitais no setor
agroindustrial. Assim, infere-se que há vários espaços agrícolas dentro do território nacional
integrados e articulados à economia internacional, sobretudo aos grandes mercados, como o
estadunidense, europeu e asiático.

O transporte fluvial, em comparação ao ferroviário e, sobretudo ao rodoviário,


apresenta as seguintes especificidades e vantagens: do ponto de vista econômico, o baixo
custo do frete e a grande capacidade de escoamento de cargas; do ponto de vista natural, um
sistema que é menos poluente e agressor ao meio ambiente; do estrutural, necessita da
intermodalidade para melhor funcionamento. Em relação ao transporte, apresenta maior
constância ao longo do trajeto e menor risco de acidentes, sendo vantajoso para certos tipos de
mercadorias, como minérios, fertilizantes, combustíveis (álcool, gasolina e óleo diesel), areia,
madeira, açúcar, grãos, farelos, etc.

Nesse sentido, Ullman (1972) destaca que diferentes produtos se movem com
facilidades desiguais no espaço (variação de acordo com os meios e vias de transportes

248
Produtos com baixo valor agregado que visam o mercado externo (exportações) e que possuem pequena
variação de qualidade e aparência.
249
Saldo positivo da balança comercial: quando o valor total adquirido com as exportações é maior em
comparação à quantia gasta com as importações.
447

utilizados), e que estas circunstâncias heterogêneas são refletidas em custos relativos de fretes
e condições de tráfego. Variados movimentos de commodities e bens de alto valor agregado
(industriais) mostram o contraste entre ambos, já que é possível medir a transferência de um
ou mais bens de um ponto a outro do território considerando o valor específico de um
produto, isto é, seu valor (frete) por unidade de peso ou volume a uma determinada distância.

A utilização do modal hidroviário e do sistema intermodal no território


brasileiro ainda é incipiente diante das condições físicas (abióticas) existentes, com presença
de gargalos infraestruturais e funcionamento precário em grande parte dos casos. A Hidrovia
Tietê-Paraná, apesar das importantes melhorias na sua base material, ainda carece de
investimentos e projetos para otimizar sua operacionalização e, por conseguinte, fomentar o
transporte de cargas no Estado de São Paulo. A partir da tabela 1, verifica-se a quantidade
total de cargas transportadas via hidrovias no Brasil ao longo dos anos.

Tabela 1: Total de cargas transportadas (em toneladas) pelo modal hidroviário no Brasil (1991 e
2000-2008).
Anos Quantidade
1991 326.746.839
2000 407.479.185
2001 445.259.606
2002 451.508.625
2003 474.579.730
2004 422.605.607
2005 459.297.598
2006 432.305.802
2007 470.512.318
2008 451.715.086
Fonte: Ministério dos Transportes, 2009.

Com base na tabela 1, infere-se que há oscilação no transporte fluvial de


produtos no território nacional, com crescimento e redução ao longo do período analisado,
destacando-se os totais de 2003 e 2007. Nestes anos houve grande colheita e transporte de
grãos (principalmente soja), movimentação de minérios, produção e escoamento de açúcar e
álcool, distribuição de petróleo e derivados nas hidrovias da Bacia Amazônica (Madeira,
Solimões, etc.), além do contexto externo favorável às exportações de commodities.

A Hidrovia do Paraguai é relevante para o transporte de produtos primários


(basicamente soja, minério de ferro e manganês), apesar dos estrangulamentos existentes,
como, por exemplo, o baixo calado em alguns trechos e a intermodalidade incipiente.
Destaca-se, na Hidrovia do Paraguai, o escoamento de minério de ferro extraído em Ladário-
448

MS e Corumbá-MS (Maciço do Urucum). Estas matérias primas seguem, em sua maioria, ao


mercado externo, beneficiando as indústrias de outros países. Entre as cidades de Cáceres, no
Mato Grosso, e Nueva Palmira, no Uruguai, a Hidrovia do Paraguai possui uma extensão total
de 3.442 quilômetros, percorrendo parte da Bolívia, do Paraguai, da Argentina e do Uruguai,
assim, contribui com a integração do Cone Sul (importância geoeconômica). A Hidrovia do
Paraguai possui ligação com o Oceano Atlântico, diferentemente da Hidrovia Tietê-Paraná, já
que esta última necessita da intermodalidade para escoar as mercadorias até o porto de
Santos-SP. A partir da tabela 2, têm-se dados comparativos no que se refere à movimentação
de produtos na Hidrovia do Paraguai e na Hidrovia Tietê-Paraná.

Tabela 2: Dados comparativos sobre o total de cargas transportadas na Hidrovia Tietê-Paraná e na


Hidrovia do Paraguai entre 2001 e 2008.
Anos / 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Hidrovias
Tietê- 1.991.600 2.048.522 2.198.000 2.763.962 3.011.413 3.979.233 4.559.297 4.906.218
Paraná
Paraguai 1.632.066 2.178.739 2.514.565 2.730.316 2.575.363 3.426.824 2.455.661 4.376.775
Fonte: Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo (DH), Administração da Hidrovia do Paraná (AHRANA) e
Administração da Hidrovia do Paraguai (AHIPAR), 2009.

Com base na tabela 2, observa-se que a Hidrovia Tietê-Paraná obteve


crescimento ao longo do período (2001-2008), todavia, a Hidrovia do Paraguai teve um
desempenho menos regular (maior oscilação). Tal fato explica-se, sobretudo, pela
dependência das exportações de minério de ferro no que tange à Hidrovia do Paraguai, já o
sistema Tietê-Paraná apresenta uma movimentação de cargas mais diversificada (soja, farelo
de soja, milho, sorgo, trigo, cana-de-açúcar, álcool, açúcar, areia, etc.), ou seja, é
relativamente menos susceptível a quedas na demanda interna e externa e aos preços
internacionais.

Cabe citar que desde os Planos de Viação das décadas de 1950 e 1960 já
constava a possibilidade de articular as várias bacias hidrográficas brasileiras através da
construção de canais artificiais e, em especial, as bacias do Paraguai e do Paraná (constituição
da Hidrovia do Prata), contudo, a relação custo-benefício e o planejamento focado na
expansão do modal rodoviário no país, em detrimento do hidroviário, inviabilizaram a
interligação entre elas.

O debate acerca da reestruturação da matriz de transportes no Brasil se torna


imprescindível quando se analisa a configuração territorial brasileira marcada pelas
heterogeneidades e pela escassez de investimentos em regiões que se encontram à mercê do
449

desenvolvimento250. O Brasil possui uma grande dimensão territorial, com significativas


diversidades socioeconômicas, com uma desigual distribuição de densidades tecnológicas e
infraestruturais, além de uma capacidade heterogênea de assegurar a circulação no espaço.

A utilização de hidrovias e da intermodalidade para escoamento de cargas a


longas distâncias ainda é pouco expressiva no país. A Hidrovia Tietê-Paraná e o transporte
intermodal no Estado de São Paulo se expandiram na segunda metade da década de 1990, a
partir da base infraestrutural instalada (eclusas, barragens, canais artificiais, etc.) e dos
investimentos realizados pelo capital privado em terminais bimodais e trimodais.

A intermodalidade consiste no uso de mais de um modo de transporte na


movimentação de cargas e/ou pessoas, aproveitando-se dos aspectos favoráveis de cada
modal, de maneira que o resultado final seja a otimização do deslocamento no espaço.
Iniciativas públicas e privadas com o objetivo de ampliar a capacidade de transporte de
mercadorias pela hidrovia são necessárias no sentido de integrá-la aos demais tipos de
transportes, mediante a construção de terminais intermodais. Um porto trimodal, como o de
Pederneiras-SP, permite o escoamento de cargas a partir de três modais diferentes: rodoviário,
ferroviário e hidroviário. Há integração entre eles, contribuindo para o aumento do volume de
cargas escoadas para o mercado externo via porto de Santos-SP. Cabe ressaltar que cada
modal desempenha o papel de transportar os produtos mais adequados às suas características
operacionais.

Realizar parcerias entre o poder público e o capital privado (PPPs) é


fundamental para reestruturar o sistema de circulação e transportes no Brasil, estimulando a
intermodalidade e, por conseguinte, a integração entre os modais. Vale destacar que a fluidez
é basilar para a reprodução acelerada do capital, sendo, portanto, possível dizer que o uso do
território se torna mais corporativo e privado, tanto no meio rural quanto no espaço urbano,

250
Segundo Trotsky (1967), o desenvolvimento desigual e combinado é uma característica inerente ao sistema
capitalista e aos diversos países, visto que apresentam, num mesmo tempo e espaço, variados estágios e relações
de produção, ou seja, podem variar desde os mais simples aos mais complexos e dotados de alta tecnologia.
Rangel (2005) revela que em cada uma das dualidades brasileiras há uma relação de produção dominante,
todavia, permanecem relações de trabalho e produção menos avançadas, isto é, marcantes desigualdades inter-
regionais e na técnica são mantidas ao longo do tempo. Com a substituição de importações da terceira dualidade
pautada na atividade industrial, tal período se caracteriza pela consolidação do capitalismo no Brasil. Iniciam-se
movimentos cíclicos internos de curta duração (ciclos juglarianos), variando entre 7 e 11 anos, cada um dos
quais centrado na expansão de um determinado grupo de atividades (setor), beneficiado por vantagens diversas,
como cambial, creditícia, monetária, fiscal e tecnológica. Por um lado, ocorre a modernização de determinados
setores que se destacam na economia brasileira, por outro, certos segmentos se mantêm obsoletos ou se tornam
antiociosos, resultado da própria dinâmica interna e das políticas setoriais adotadas pelo Estado ao longo do
período desenvolvimentista.
450

com destaque ao agronegócio e aos grandes grupos nacionais e internacionais. Ademais,


destaca-se a oligopolização251 de diversos setores (caso do transporte hidroviário), a formação
de cartéis e as especializações produtivas e funcionais.

A política neoliberal – que é incorporada pelo Estado brasileiro no governo de


Fernando Collor e intensificada durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso nos
anos de 1990 – enfraquece o planejamento realizado pelo Estado, ao mesmo tempo que se
verifica uma ausência de projeto de desenvolvimento nacional. As privatizações e concessões
foram realizadas de maneira incorreta e indiscriminada, e refletem a busca pela redução dos
gastos públicos252.

A década de 1980 é caracterizada pelos contextos recessivos internacional


(fase ―b‖ do quarto ciclo de Kondratiev) e nacional (ciclo juglariano endógeno negativo),
impedindo a continuidade do crescimento econômico e intensificando as problemáticas
urbana e agrária (RANGEL, 2005). Tem-se uma crise da dívida pública, do crédito e da
capacidade de endividamento por parte do Estado, assim, este último não consegue manter os
investimentos necessários em infraestruturas e serviços públicos (transportes, energia e
saneamento básico), essenciais para o desenvolvimento nacional.

Na década de 1990, há o enfraquecimento do planejamento e a difusão do


Estado-mínimo (política neoliberal), com um intenso processo de equivocadas e
indiscriminadas concessões de bens públicos à iniciativa privada, com destaque à concessão
da Companhia Vale do Rio Doce, da Companhia Siderúrgica Nacional, do setor Petroquímico
controlado pela Petrobrás, das ferrovias, entre outros. Todo esse processo ―liberalizante‖ e de
―entrega de patrimônio‖ tem início com a formação do Conselho Nacional de Desestatização
(CND) e o surgimento do Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei nº
8.031, de 1990, durante o governo de Fernando Collor (SILVEIRA, 2007).

Vale destacar que o modelo geral de concessão dos serviços públicos253


adotado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso expressa a fragilidade do Estado (Lei nº

251
Segundo Lênin (2007), a oligopolização da economia no sistema capitalista representa um dos principais
aspectos do imperialismo, visto que a incorporação de pequenas e médias empresas pelas grandes e a redução
da concorrência intrasetorial representam uma estratégia de concentração e centralização de capitais.
252
Os gastos públicos são importantes para movimentar e dinamizar a economia, o que contraria, portanto, o
discurso dos neoliberais que representam os grupos e partidos de oposição no Brasil.
253
As concessões rodoviárias realizadas na década de 1990 no Brasil e, principalmente durante o governo do
PSDB no Estado de São Paulo, sob os moldes da política neoliberal, possuem tarifas elevadas e escassez de
investimentos para melhoria do tráfego (caso de duplicações). Soma-se ainda, o fato de que, muitas vezes, o
poder público constrói as rodovias e, posteriormente, realiza a concessão. Esta estratégia é equivocada e
beneficia, sobretudo, as empresas concessionárias.
451

8.987, de 1995), ou seja, é contrário à proposta rangeliana (Projeto de Lei nº 2.569, de 1989),
em que o Estado é o poder concedente e o credor hipotecário. Esse modelo se caracteriza por
um Estado regulador com capacidade de estabelecer limites tarifários e metas a serem
cumpridas pela empresa privada concessionária, sob o risco de tomar seus bens colocados em
hipoteca (SILVEIRA, 2007). Não obstante, os modelos neoliberais e entreguistas são
frequentemente difundidos pelos oposicionistas do governo Lula da Silva (PSDB, DEM e
facções de outros partidos) e pelos neoliberais do Partido dos Trabalhadores, utilizando-se a
imprensa. Este discurso – que ganha maior força na década de 1990 – dificultou e até mesmo
impediu o surgimento de uma proposta nacionalista capaz de romper com a crise que
perdurou no Brasil durante mais de duas décadas (de 1980 até o início dos anos 2000).

Soma-se ainda que a Lei nº 10.233, de 2001, cria várias agências reguladoras
do setor de transportes, quais sejam: Conselho Nacional de Integração de Políticas de
Transporte (CONIT), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Agência Nacional
de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e o Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes (DNIT). Contudo, as concessões já tinham sido realizadas e, portanto, tais
instituições se tornam pouco eficientes na cobrança de metas e estabelecimento de limites
tarifários. Consequentemente, em muitos casos o serviço público não condiz com as
necessidades e vontades coletivas, caso, por exemplo, dos preços elevados dos pedágios
cobrados nas rodovias estaduais e federais brasileiras254 (SILVEIRA, 2007). Além disso, estas
agências funcionam de acordo com os interesses do capital privado, já que são mantidas com
recursos, sobretudo, de instituições financeiras.

Segundo Pons; Reynés (2004) há uma relação direta entre as infraestruturas de


transportes e o desenvolvimento regional255. A difusão dos investimentos na materialidade

254
No Estado de São Paulo as últimas concessões realizadas pelo governo de José Serra apresentam pedágios
caros e serviços ineficientes. Em grande parte das rodovias houve um recapeamento de baixa qualidade e
indicações de novos pedágios, caso, por exemplo, da Raposo Tavares.
255
Dissemina-se, no pós-II Guerra Mundial, a preocupação com o desenvolvimento desequilibrado na Europa,
nos EUA e na América Latina. Nesse contexto, ganham destaque o planejamento e os investimentos estatais
para mitigação das disparidades inter-regionais. Assim, Perroux (1967), observando a natureza desigual do
desenvolvimento francês e influenciado pela teoria schumpeteriana do progresso técnico, cria a teoria dos
―pólos de desenvolvimento‖. Myrdal (1957) demonstra que o desenvolvimento econômico promove um
processo de ―causação circular cumulativa‖, através do qual as regiões dinâmicas tendem a se tornar mais ricas
e as regiões pobres mais pobres, embora admita a existência de efeitos de ―espraiamento‖ do desenvolvimento
econômico, portanto, é fundamental o planejamento regional realizado pelo Estado. Hirschman (1958) analisa o
processo de polarização, através do qual as regiões mais desenvolvidas atraem capital e trabalho qualificado das
regiões atrasadas (o que realimenta a desigualdade), embora reconheça a existência de uma relativa
disseminação do crescimento econômico das regiões desenvolvidas para as atrasadas. Ainda na Europa, ganham
relevância as teorias clássicas alemãs acerca da localização das atividades econômicas (Von Thünen, Weber,
Lösch, Christaller). Isard (1956) se destaca na ―ciência regional‖ dos Estados Unidos, que valoriza diversos
fatores, como o custo de transporte, disponibilidade de matérias-primas, dimensão e escala dos mercados,
452

gera efeitos diretos e indiretos em diversos setores da economia, portanto, o transporte é


considerado como um indicador importante do desenvolvimento. As infraestruturas de
transporte influenciam na dinâmica econômica dos territórios, sendo importante considerar
alguns fatores, como o meio físico, formação histórica256, tecnologias, política e dinâmica
econômica, demografia, participação do Estado, assim como as políticas e decisões
internacionais (incluem-se aquelas ligadas ao capital privado).

O processo de deterioração da infraestrutura de transportes no Brasil e, em


especial, do modal hidroviário e dos portos fluviais e marítimos reflete diretamente no
desenvolvimento nacional. A estratégia para ampliação dos investimentos em infraestruturas e
fomento da atividade produtiva deveria contemplar diversas formas de parceria, como a
mobilização do capital privado, transferência de capitais de áreas ociosas para setores
subinvestidos (sistema portuário, por exemplo), bem como a concessão de serviços públicos à
iniciativa privada sob o modelo de um Estado com vistas ao desenvolvimento (RANGEL,
2005).

A ―saída rangeliana‖ propõe o carreamento de recursos ociosos para setores


antiociosos (estrangulados), casos dos transportes, energia e saneamento básico, bem como a
concessão de serviços públicos à iniciativa privada, sendo ligada à ideia de desenvolvimento
nacional a partir do Estado planejador. Esta não se refere à transferência desordenada de
empresas com capacidade ociosa à iniciativa privada, pois isto não gera resultados
macroeconômicos significativos. O capital privado, diante disso, não é estimulado a realizar
maiores investimentos. Não se faz necessário maiores recursos destinados a equipamentos e
máquinas, o que elucida a simples transferência de patrimônio, e não é representativo do
ponto de vista nacional e macroeconômico.

A transferência de recursos ociosos para setores subcapitalizados deve ser


conduzido pelo Estado via sistema financeiro e jurídico, assim, reduzir-se-ia os recursos
aplicados em bancos e no mercado especulativo, ao passo que se intensificariam os
investimentos em infraestruturas de transportes, energia e saneamento básico. Os recursos
seriam aplicados para superação dos gargalos, permitindo, por conseguinte, o fomento do

economias de aglomeração, etc. Na América Latina, o diagnóstico da CEPAL, baseado nos conceitos de
―centro‖ e ―periferia‖, procura demonstrar que o atraso relativo dos países decorria das relações de troca
internacionais, através das quais o ―centro‖ do mundo capitalista se beneficiava do comércio efetuado com a
―periferia‖, já que esta última exportava bens primários e comprava bens industrializados. A saída proposta era
a industrialização. Nesse contexto, surgem no Brasil a SUDAM, SUDENE, SUFRAMA, POLOCENTRO,
POLAMAZÔNIA, POLONORDESTE, etc.
256
Cabe aqui citar a contribuição de Santos (1977) com teoria da ―formação sócio-espacial‖.
453

transporte fluvial no Brasil. A construção de hidrelétricas, barragens, eclusas e canais


artificiais nos rios São Francisco, Tocantins e Araguaia, por exemplo, é fundamental para
dinamizar as regiões Norte e Nordeste (espaços materialmente rarefeitos), criando-se as bases
para o efeito multiplicador interno e para o desenvolvimento regional/nacional (RANGEL,
2005).

A proposta de Rangel (2005) se baseia na transferência à iniciativa privada das


empresas que se encontram estranguladas (capacidade antiociosa), isto é, com demanda por
maiores investimentos. A transferência se dá com o objetivo de fomentar maiores recursos aos
setores subinvestidos e obsoletos. Assim, os setores que demandam maior participação do
capital privado são os serviços de utilidade pública, já que se encontram subcapitalizados.
Não obstante, foram concedidas empresas do setor petroquímico, siderúrgico, extrativo,
telecomunicações, entre outros, não resolvendo o problema macroeconômico. Houve apenas
uma transferência de patrimônio do público para o privado.

A concessão de serviços públicos à iniciativa privada não significa isentar o


Estado de suas funções e responsabilidades políticas, administrativas, econômicas, financeiras
e de planejamento, isto é, não representa a política neoliberal. O poder público deve se
incumbir das seguintes funções: dizer como e onde investir, quais tarifas devem ser cobradas,
impor metas e prazos a serem cumpridos, fiscalização das ações e medidas adotadas pelas
empresas concessionárias, poder concedente e credor hipotecário, entre outros. Não obstante,
o preço elevado dos pedágios rodoviários, a falta de investimentos na sinalização e duplicação
das rodovias, a desativação de diversas linhas ferroviárias e os oligopólios257 existentes no
sistema hidroviário Tietê-Paraná são exemplos que elucidam o frágil modelo de concessão de
serviços públicos existente no Brasil (RANGEL, 2005).

Segundo a proposta rangeliana, o poder público deveria ser, ao mesmo tempo,


o poder concedente e o credor hipotecário. De acordo com este modelo de concessão, por um
lado, a iniciativa privada tem direito de assegurar sua lucratividade, por outro, ela deve
cumprir suas obrigações e respeitar os acordos estabelecidos em contrato. A concessionária
deveria emitir um título que seria avaliado, posteriormente, pelo poder público, assim, se
houver inadimplência ou descumprimento das metas estabelecidas, o Estado toma a concessão

257
Historicamente, no Brasil, o setor de transporte hidroviário interior e marítimo se caracterizou pela
oligopolização, já que desde o período imperial, com o início das concessões, poucas empresas realizavam o
transporte de mercadorias.
454

da empresa e repassa-a para outra concessionária. O aval que o poder público confere seria
assegurado por uma garantia real, para evitar prejuízos (RANGEL, 2005).

Investimentos, modernização e construção de infraestruturas hidroviárias e


intermodais geram, consequentemente, novos empregos e renda à população, redução do
desemprego, estímulo ao consumo, movimentam diversos ramos industriais, em suma, tem-se
um ciclo econômico que se retroalimenta. Entretanto, o cenário nacional no setor hidroviário
se caracteriza pelo Custo Brasil em transportes, já que há graves deficiências e gargalos
infraestruturais que impedem o fomento das interações espaciais, dos fluxos materiais, das
redes no território e do transporte de mercadorias.

Cabe destacar também o Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT) e


o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criados no governo Lula, que visam, com
base no planejamento, aumentar os investimentos privados e públicos em infraestruturas
fundamentais para o desenvolvimento nacional. Dessa maneira, busca-se eliminar os
principais gargalos que restringem o crescimento da economia, reduzir custos, aumentar a
produtividade, gerar empregos e renda e arrefecer as desigualdades intra e inter-regionais. A
partir da tabela 3, tem-se a previsão de investimentos em infraestruturas pelo PAC (Programa
de Aceleração do Crescimento).

Tabela 3: Investimentos previstos entre 2007 e 2010 pelo Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) em infraestruturas (em bilhões de reais).
Setores Investimentos
Logística 58,8
Energia 274,8
Infraestrutura social e urbana 170,8
Total 503,9
Fonte: Ministério do Planejamento, 2007.

Como se observa na tabela 3, os setores energético e de infraestruturas sociais


e urbanas (moradias, saneamento básico, etc.) serão, conforme o programa, aqueles que
receberão os maiores investimentos entre 2007 e 2010. A logística258 – compreendida a partir
das estratégias de otimização de diversas atividades (sobretudo armazenamento e transporte
de mercadorias) – receberá a menor parte dos investimentos. O modal rodoviário, por sua vez,

258
Segundo Silveira (2009), logística é sinônimo de estratégia, planejamento e gestão, sobretudo em transportes
e armazenamento, visando a otimização destas atividades. Logística e infraestruturas são coisas distintas, mas
ao mesmo tempo interdependentes e essenciais para assegurar a fluidez no território. Ambas potencializam a
acumulação do capital e influenciam na circulação e na mobilidade geográfica do capital.
455

receberá grande parte desses recursos. A partir da tabela 4, verifica-se o total de recursos
previstos para cada tipo de transporte.

Tabela 4: Previsão de investimentos (em bilhões de reais) por tipo de modal entre 2007 e 2010 pelo
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Modais 2007 2008-2010 Total
Rodovias 8,1 25,3 33,4
Ferrovias 1,7 6,2 7,9
Portos 0,6 2,1 2,7
Aeroportos 0,9 2,1 3,0
Hidrovias 0,3 0,4 0,7
Marinha Mercante 1,8 8,8 10,6
Total 13,4 44,9 58,3
Fonte: Ministério do Planejamento, 2007.

Pela tabela 4, infere-se que o modal rodoviário ainda permanece como o


principal dentro da matriz de transportes brasileira259. As ferrovias, aeroportos, hidrovias e
portos, também imprescindíveis para o desenvolvimento do país, continuarão, em parte, com
carências infraestruturais. Cabe citar que os pontos de estrangulamento do país são
empecilhos ao desenvolvimento nacional.

Os investimentos previstos no setor hidroviário ainda serão aquém do


necessário, visto que existem muitos gargalos. Assim, torna-se fundamental a transferência de
recursos ociosos260 concentrados próximos ao litoral para as regiões interioranas (dialética
territorial da capacidade ociosa e antiociosa). Tal estratégia contribui com a diminuição das
disparidades socioeconômicas inter-regionais e cria condições para o desenvolvimento do país
(RANGEL, 2005). Entretanto, deve-se considerar o fato de que os investimentos na
construção de rodovias e ferrovias devem ser maiores do que nas hidrovias, pois os custos são
mais elevados: construção de trilhos, asfaltamento, utilização de máquinas e equipamentos,
mão-de-obra, etc. No caso das hidrovias, utiliza-se, em grande parte, o curso natural dos rios,
arrefecendo, por conseguinte, os custos com a implantação.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) se caracteriza como uma


tentativa de recuperação do planejamento estatal com o objetivo de fomentar o crescimento

259
O modal rodoviário permanecerá como a base do sistema de transportes no território brasileiro, visto que as
políticas e os investimentos no setor ainda se concentram neste modal.
260
A China realiza o carreamento de recursos ociosos do litoral, ou seja, da região com o maior número de
Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), para o interior do território. Tal fato resulta na construção de
infraestruturas ferroviárias, rodoviárias, hidroviárias e energéticas e, consequentemente, na redução das
desigualdades inter-regionais e na viabilização do desenvolvimento. Assim, considerando a dialética da
capacidade ociosa, o Estado chinês, através do planejamento, fomenta a transferência de capitais ociosos da
região mais dinâmica (litoral) para o interior (área infraestruturalmente mais rarefeita).
456

econômico brasileiro. Investimentos em infraestruturas são fundamentais para estimular o


efeito multiplicador interno, criando demanda por mão-de-obra e máquinas produzidas
internamente. Há repercussões positivas na construção civil e no departamento I da economia
(indústrias de base e de bens de capital).

Diante do processo de acirramento da internacionalização da economia,


atribuir relevância ao sistema de circulação e transportes é fundamental para fomentar as
interações espaciais261, a integração territorial, o comércio, a produção e o escoamento de
mercadorias, fortalecendo as regiões já dinâmicas e fomentando o desenvolvimento nos
espaços permeados pelo atraso. Assim, é fundamental a expansão das hidrovias interiores e da
intermodalidade no Brasil, recebendo maiores investimentos e iniciativas para aumentar e
qualificar suas infraestruturas e elevar o fluxo de meios circulantes no espaço. O sistema
hidroviário e a intermodalidade vêm se destacando diante da necessidade de reestruturação da
matriz de transporte de cargas no Brasil, com o objetivo de fomentar a produção e, por
conseguinte, criar novos empregos e renda à população. Portanto, a Hidrovia Tietê-Paraná
aparece como uma alternativa para o desenvolvimento regional, pois a otimização das
infraestruturas pode contribuir com a economia e com a sociedade.

Há necessidade de recuperação e incremento do transporte ferroviário no


território nacional, pois tal fato é condizente com um projeto de desenvolvimento para o país.
Diversas são suas vantagens e características, podendo-se citar a maior flexibilidade em
comparação às hidrovias, adaptação ao transporte de commodities, permite a superação das
irregularidades do relevo, assegura a articulação inter-regional e entre produtor e mercado
consumidor, grande capacidade de escoamento de cargas, além da utilização no sistema
intermodal, com integração entre ferrovia e hidrovia.

O modal ferroviário é o mais indicado para reestruturar a matriz de transporte


brasileira, já que possui características que se adaptam ao escoamento de bens de baixo valor
agregado (sobretudo commodities), ao mesmo tempo que permite superar as adversidades do
relevo, isto é, diferentemente do modal hidroviário, a implantação de ferrovias independem
261
De acordo com Ullman (1972), nas interações espaciais é importante considerar o fator de oportunidade
mediadora que resulta, às vezes, em uma substituição de áreas, e o elemento distância que resulta em uma
substituição de produtos, assim, há, em certos casos, a escolha de determinados bens substitutivos, caso, por
exemplo, do uso de tijolos na construção civil no lugar de madeira e vice-versa. Lösch (1967) estabelece uma
relação entre a escolha de rotas mais curtas e que geram custos menores de transporte com a ―lei do mínimo
esforço‖. Este conceito sugere que eventos naturais (biológicos) e econômicos buscam sua meta pelo caminho
mais curto e menos desgastante. Ademais, Haggett (1965) usa a teoria do ―movimento mínimo‖ como base
explanatória do sistema de transportes, dos padrões industriais ou mesmo das zonas agrícolas, com regularidade
na distribuição. Argumenta que ―formas de equilíbrio‖ são frequentemente regulares e pouco variáveis, e que
em termos mecânicos elas correspondem a um controlado gasto energético.
457

das condições do meio abiótico262. Suas principais características são: segurança, relativa
rapidez, já que inexistem congestionamentos e ocorrem poucos acidentes que impedem a
mobilidade e a fluidez no território, como no caso das rodovias, grande capacidade de
deslocamento de mercadorias e passageiros (como se observa no quadro 1), baixo consumo
energético por TKU (tonelada-quilômetro útil), impacto ambiental menor em comparação ao
modal rodoviário, o transporte ferroviário, dentre os tipos terrestres, é o mais econômico na
movimentação de cargas pesadas e volumosas a longas e médias distâncias, como grãos,
farelos, minérios, fertilizantes, areia, cana-de-açúcar, etc.

Quadro 1: Equivalência de capacidade de carga por tipo de modal, em 2008.


Modais Hidroviário Ferroviário Rodoviário
Capacidade de carga
(6.000 toneladas) Comboio com 4 chatas 86 vagões 200 carretas
Comprimento total 150 m 1,7 km 3,5 km
Custo aproximado do
frete (em dólares) 14,00 24,00 41,00
Tempo aproximado
(1.000 quilômetros) 120 horas 16 horas 15 horas
Gasto energético por
TKU (em KJ) 470 830 2.400
Tipo de carga adaptada Grãos, farelos, minérios, Grãos, farelos, minérios, Industriais e porta-a-porta
(perecividade e volume) combustíveis, madeira, combustíveis, madeira,
areia areia, industriais
Fonte: Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo, 2009.

Como se verifica no quadro 1, as hidrovias e ferrovias têm grande capacidade


de transporte de cargas em comparação ao modal rodoviário. Existem, contudo, algumas
desvantagens das ferrovias, com destaque aos elevados investimentos para construção e
implantação da infraestrutura, bem como a necessidade de transbordo para o transporte porta-
a-porta, ou seja, entrega de produtos nos estabelecimentos atacadistas e varejistas. Importante
ressaltar que os diferentes modais de transporte (terrestre, aquático e aéreo) não são
concorrentes, mas sim, complementares, dessa maneira, é importante que o planejamento de
transportes valorize a intermodalidade para melhor organizar o sistema no território nacional

262
A construção de ferrovias é possível mesmo em regiões que apresentam grande adversidade do meio físico
(relevo acidentado e montanhoso), caso das ferrovias Transiberiana, Transcanadense e daquelas que
operacionalizam na Cordilheira dos Andes, não obstante, há uma demanda maior pelo conhecimento humano,
pela técnica, custo maior de implantação, além de mais tempo para construção.
458

e, por conseguinte, reduzir o Custo Brasil em transportes, prejudicial à economia e à


sociedade263.

O transporte rodoviário, por sua vez, é muito flexível e dinâmico264 no que


tange à movimentação de pessoas e/ou bens, permite o transporte porta-a-porta e ainda
articula e integra diferentes regiões com um baixo custo de instalação das infraestruturas
viárias e de sinalização. Além disso, tem-se uma relativa rapidez na construção e no
funcionamento, permitindo a constituição de redes e fluxos no território265. Todavia, seu custo
de fretamento é mais elevado em comparação aos demais modais (como se verifica na tabela
5), prejudicando os investimentos privados, o preço final dos bens no mercado, a
competitividade do capital nacional, a capacidade de escoamento de cargas é bastante
reduzida em comparação aos demais modais e os veículos utilizados para tração são mais
poluentes e degradam o meio ambiente266 de maneira mais intensa. Ademais, a malha
rodoviária demanda manutenção periódica, gerando custos ao Estado e ao contribuinte.

Tabela 5: Custo médio do frete (em dólares) por TKU (tonelada-quilômetro útil), em 2008.
Tipo do frete Custo (US$)
Rodoviário 41,00
Ferroviário 24,00
Hidroviário 14,00
Fonte: Secretaria de Transportes do Estado de São Paulo, 2008.

Infere-se, pela tabela 5, que o preço do frete hidroviário é praticamente três


vezes menor em comparação ao rodoviário, já o frete ferroviário é quase a metade do
rodoviário. O transporte hidroviário possui limitações físicas (naturais), isto é, necessita da
existência de cursos fluviais para seu funcionamento, diferentemente dos demais modais
(aéreo e terrestres), já que estes independem das condições do meio abiótico. Demandam
conhecimento humano, planejamento, investimentos, construção das infraestruturas,
contratação de mão-de-obra e meios de transporte, permitindo a articulação intra e inter-

263
O arrefecimento do Custo Brasil em transportes gera resultados positivos também para a sociedade, pois
permite reduzir o preço das mercadorias (maior consumo), cria condições para maiores investimentos na
produção, contratação de mão-de-obra e geração de renda.
264
A agilidade e rapidez na entrega de mercadorias a curtas distâncias, pelo modal rodoviário, apenas ocorre
quando não há problemas de congestionamentos ou acidentes de trânsito, isto é, em espaços de fluidez e grande
mobilidade e acessibilidade. Vale citar que nas grandes cidades tal situação é cada vez mais difícil, pois
estrangulamentos infraestruturais e falta de planejamento prejudicam uma eficiente circulação intraurbana.
265
A expansão rodoviária no Brasil a partir, sobretudo, do governo de Juscelino Kubitschek (Plano de Metas)
permitiu a integração do território, da economia e do mercado consumidor nacional.
266
A construção de rodovias, principalmente as duplicadas, gera mais impactos ambientais em comparação ao
modal ferroviário e, sobretudo hidroviário, com destaque ao desmatamento, à morte de espécies animais e
vegetais e à poluição (esta última durante a circulação dos veículos).
459

regional e as trocas entre diferentes cidades e países. As ferrovias apresentam, a curto prazo,
um elevado custo de implantação, contudo, a médio e longo prazos, os gastos com a operação
são menores em comparação ao sistema rodoviário. Este último, por sua vez, possui baixo
custo de implantação e maiores gastos com manutenção, sinalização e funcionamento ao
longo do tempo. A partir do quadro 2, tem-se uma comparação entre os diferentes modais no
que tange à emissão de poluentes e consumo de combustível.

Quadro 2: Total de poluentes liberados e consumo de combustível por modal de transporte a cada
tonelada-quilômetro útil (TKU).
Modais Total de poluentes liberados Consumo total de combustível
Rodoviário 116 kg de gás carbônico 96 litros
4.617g de monóxido de carbono
Ferroviário 34 kg de gás carbônico 10 litros
831 g de monóxido de carbono
Hidroviário 20 kg de gás carbônico 5 litros
254 g de monóxido de carbono
Fonte: Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), 2009.

Com base no quadro 2, infere-se que o modal fluvial é mais econômico quanto
ao consumo de combustível e é menos poluente em comparação, sobretudo, ao modal
rodoviário. Em relação ao transporte hidroviário interior, tem-se um reduzido custo com a
implantação e o funcionamento quando as condições naturais são propícias (rios com leito
extenso, calado profundo e curvas pouco acentudas), não obstante, o território brasileiro é
caracterizado, sobretudo pelos planaltos, assim, demandam-se adaptações no meio físico e nas
embarcações para viabilizar o escoamento de cargas, como, por exemplo, eclusas, barragens,
canais artificiais, sinalização de navegação, pontes ferroviárias e rodoviárias largas e altas,
aprofundamento do calado, chatas267 com capacidade de transportar grande quantidade de
produtos sob condições de baixo ou médio calado, entre outros.

Diante disso, há um custo elevado para implementação de hidrovias no Centro-


Sul e no Nordeste, ao passo que a integração do território brasileiro através da conexão das
diferentes bacias hidrográficas via canais artificiais268 é inviável economicamente (relação
custo-benefício). O sistema Tietê-Paraná, em especial, depende da intermodalidade para
melhor funcionamento, já que os rios Tietê e Piracicaba (ambos no Estado de São Paulo) são

267
Vale citar que, no Brasil, parte das chatas e dos comboios não são adaptados para transportarem grande
quantidade de cargas sob condições de médio e baixo calado, já que há escassez de investimentos e
modernização (em média, cada chata tem vida útil de 20 a 30 anos).
268
O Plano de Viação de 1951, ainda que de maneira incipiente, indicava a possibilidade de articulação e
integração do território nacional através da conexão das bacias hidrográficas, entretanto, tal fato não se
concretizou diante da inviabilidade econômica e da opção brasileira pela matriz rodoviária.
460

endorreicos (não deságuam no Oceano Atlântico). As mercadorias escoadas (grãos e farelos)


saem, principalmente, do Centro-Oeste com destino ao porto de Santos-SP, assim, necessitam
do transbordo e da intermodalidade (rodovia e ferrovia) para chegarem ao complexo portuário
santista e, posteriomente, serem exportadas à Europa e Ásia.

A escassez de eclusas, barragens e canais artificiais são gargalos que impedem


o fomento do transporte hidroviário interior no país, sobretudo nas bacias hidrográficas do
Tocantins/Araguaia, Paraguai e São Francisco. Este fato inviabiliza a aplicação de maiores
recursos por parte do capital privado nas regiões Norte e Nordeste, sendo um obstáculo à
geração de empregos e renda à população e ao crescimento econômico.

Fomentar a circulação de mercadorias nas hidrovias brasileiras, casos da Tietê-


Paraná, Paraguai, Amazônia, São Francisco, Tocantins-Araguaia, etc., é importante para o
arrefecimento das disparidades inter-regionais e fomento do desenvolvimento
regional/nacional. Cabe citar que muitos cursos fluviais brasileiros constituem vias
navegáveis não necessariamente em decorrência de investimentos realizados pelo Estado ou
sob parceria com o capital privado, mas devido às condições favoráveis do meio físico (rios
com calado profundo, leitos largos e localizados em áreas de planície). Dessa maneira, rios
como o Madeira, Xingu, Amazonas e Paraguai foram navegáveis ao longo do tempo (mesmo
antes da colonização portuguesa tribos indígenas se deslocavam sobre estes cursos fluviais em
canoas e jangadas), devido à baixa presença de desníveis significativos no relevo,
propiciando, assim, a articulação e as interações regionais.

O atual cenário do transporte hidroviário interior no Brasil e, em especial, nos


casos da Bacia Amazônica e da Hidrovia Tietê-Paraná, há poucas empresas que dominam o
setor, bem como precariedade nas infraestruturas e nos meios de transporte. Nos rios da
Amazônia Ocidental, com destaque para o Madeira, há quatro empresas que dominam o
transporte de produtos de baixo valor agregado, como grãos e derivados, casos da Amazonav
– Navegação do Amazonas, Hermasa Navegação da Amazônia, CNA Transportadora e
Equatorial Transportadora. Contudo, cabe uma ressalva no caso do rio Solimões, pois há,
basicamente, o transporte de petróleo em comboios realizado pela Petrobras, conduzindo o
produto, principalmente de Manaus-AM e Belém-PA, a pequenos centros urbanos localizados
no extremo Norte do país.

Em vários cursos fluviais da Bacia Amazônica há o transporte de cargas e


pessoas mesmo apresentando carências quanto à materialidade (eclusas, barragens, canais
fluviais, etc.), pois as condições do meio físico (relevo de planície e rios perenes) possibilitam
461

este tipo de deslocamento no espaço. No caso do rio São Francisco 269, há limitações de ordem
natural (relevo de planalto e estiagem) e técnica (escassez de infraestruturas de navegação e
portuária), bem como a falta de motivação por parte do capital privado, já que os principais
corredores de exportação e centros de consumo articulam o Centro-Oeste ao Sul e Sudeste do
país.

O planejamento estatal com o objetivo de fomentar as hidrovias e as ferrovias


no território brasileiro é importante para a utilização conjunta dos diferentes modais no
transporte de cargas. Não se defende, neste artigo, a substituição do modal rodoviário pelo
hidroviário no território brasileiro (já que é inviável sob o ponto de vista econômico e do
relevo), mas sim, o fomento deste último, bem como do ferroviário (este seria o mais
apropriado para reestruturar a matriz de transportes brasileira). Nesse sentido, a
multimodalidade/intermodalidade surge como estratégia essencial para reduzir o Custo
Brasil270 em transportes, ao mesmo tempo que o uso, de maneira conjunta, da hidrovia e da
ferrovia para o escoamento de grãos, farelos e minérios, possibilita obter ganhos econômicos
e sociais.

HIDROVIA TIETÊ-PARANÁ: TRANSPORTE DE CARGAS, PARTICIPAÇÃO DO


CAPITAL PRIVADO E INTERAÇÕES ESPACIAIS

O início do funcionamento do sistema Tietê-Paraná271 ocorreu na medida em


que foram concluídas diversas obras de aproveitamento múltiplo272 de ambos os rios. O

269
No início da década de 1970, foi firmado convênio entre a extinta Portobras (Empresa de Portos do Brasil
S.A.) e a CHESF (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) para realização das obras de transposição da
barragem de Sobradinho-BA. As obras da eclusa se estenderam de 1973 até o final de 1979, com início de
funcionamento no mesmo ano. Assim, foi possível a navegação fluvial ininterrupta em 1.371 quilômetros entre
as cidades de Pirapora-MG, Juazeiro-BA e Petrolina-PE.
270
Os subsídios estatais e as estratégias competitivas desleais dos países desenvolvidos interferem diretamente
na competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional.
271
Percorrendo grande parte do território paulista no sentido Leste-Noroeste, o rio Tietê desemboca no rio
Paraná. A Hidrovia Tietê-Paraná possui 2.400 quilômetros de extensão (1.600 quilômetros referentes aos rios
Paraná, Paranaíba e Grande e 800 quilômetros abrangendo os rios Piracicaba e Tietê).
272
A utilização dos rios Tietê e Paraná como vias navegáveis vem sendo proposta desde as décadas de 1940 e
1950, quando um grupo de engenheiros iniciou estudos para o aproveitamento múltiplo desses dois cursos
fluviais. No ano de 1967, foi firmado convênio entre os governos Federal e do Estado de São Paulo para
realização de obras infraestruturais, criando-se a CENAT (Comissão Executiva de Navegação nos Rios Tietê e
Paraná). Em 1974, foi firmado novo acordo envolvendo a CESP (Companhia Energética de São Paulo) para
intensificar as obras visando a produção de energia elétrica e o transporte de mercadorias. Dessa maneira, foram
criadas as barragens e eclusas de Barra Bonita, Bariri, Ibitinga, Promissão, Avanhandava e Três Irmãos, no rio
Tietê, e Jupiá e Porto Primavera (Engenheiro Sérgio Motta), no rio Paraná. A Hidrovia do Tietê começou em
1981, com o transporte regional de cana, açúcar e álcool realizado pela Usina Diamante/COSAN, localizada no
município de Jaú-SP. Em 1991, iniciou-se o transporte de longa distância através de parte do rio Piracicaba e
462

planejamento e os investimentos públicos, as demandas corporativas e sociais, bem como o


processo de industrialização e desenvolvimento do Centro-Sul e, em especial, do Estado de
São Paulo são fatores que explicam o surgimento da hidrovia. Dessa maneira, a produção de
energia elétrica satisfaz as necessidades da urbanização e da dinâmica econômica
regional/estadual, e o escoamento de mercadorias intensifica a articulação entre o Centro-
Oeste e o Sudeste.

Não obstante, é relevante destacar que as infraestruturas hidroviárias e os


terminais bimodais e trimodais paulistas possuem gargalos que impedem a otimização do
transporte, transbordo e armazenamento de produtos, casos da falta de investimentos e
modernização, chatas e empurradores antigos, esteiras com baixa capacidade de condução das
cargas aos armazéns, silos e vagões, pequena área de atracagem dos comboios, necessidade de
aumentar a largura e altura de pontes rodoviárias e ferroviárias, aprimoramento da sinalização
de navegação, dragagem273 e derrocagem274, entre outros. No mapa 1, verifica-se o sistema
Tietê-Paraná e seus fixos.

Mapa 1: Hidrovia Tietê-Paraná e suas infraestruturas, em 2008.

dos tramos Tietê e Paraná, ligados pelo canal artificial de Pereira Barreto-SP, possibilitando que a navegação
alcançasse o Sul e Sudeste do Estado de Goiás e o Sul e Sudoeste do Estado de Minas Gerais.
273
Processo de retirada de sedimentos depositados no fundo dos cursos fluviais por ação natural e/ou antrópica,
visando o aprofundamento do calado dos rios.
274
Processo de quebra das rochas subaquáticas para aprofundamento do calado dos rios e evitar colisões no
fundo das embarcações.
463

A hidrovia apresenta infraestruturas precárias e obsoletas, pequena


movimentação de comboios e falta de projetos estatais e alianças adequadas entre o poder
público e o capital privado que fomentem o sistema fluvial e a intermodalidade. Com o intuito
de arrefecer o Custo Brasil em transportes e a saturação de algumas rodovias paulistas,
prejudiciais ao crescimento econômico, é necessário romper com a estrutura exacerbadamente
rodoviária existente no país e investir em outros modais.

Os sistemas hidroviário, ferroviário e a intermodalidade são importantes para a


racionalização do transporte de cargas no Brasil. Dentro desse contexto, insere-se a Hidrovia
Tietê-Paraná e os portos intermodais paulistas, visto que contribuem com as interações
espaciais na região concentrada275, através do transporte de grãos e farelos, sobretudo, dos
Estados de Goiás e Mato Grosso até o porto de Santos-SP.

Atribuir relevância à Hidrovia Tietê-Paraná e à intermodalidade é condição


para melhor articular espaços de produção e de demanda (Grande São Paulo e,
principalmente, Europa e Ásia), ao mesmo tempo que possibilita a integração entre os modais
hidroviário interior e ferroviário. A partir da tabela 6, tem-se o crescimento anual do
transporte de cargas pela hidrovia.

Tabela 6: Quantidade total de cargas escoadas (em toneladas) pela Hidrovia Tietê-Paraná entre 2001 e
2008.
Produtos/ 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Ano
Açúcar - 2.710 - 2.710 - 0 65.749 72.910
Trigo - - 5.000 82.166 121.932 109.713 42.954 53.827
Soja 851.526 773.124 800.000 716.511 906.549 707.172 649.851 682.419
Farelo de 274.370 370.061 350.000 621.652 361.017 383.687 518.422 530.137
Soja
Milho 0 0 26.500 157.601 263.788 390.241 827.463 883.365
Gado - - - - - 0 0 0
Óleo de 32.375 16.711 1.500 - - 0 0 0
Soja
Adubo / - - 65.000 99.100 111.031 155.406 278.751 284.517
Calcário
Álcool - - - - - 0 0 0
Cana e 633.329 635.710 700.000 783.199 807.611 1.500.000 1.254.763 1.473.634
Bagaço
Mandioca - - - 1033 4.438 3.837 6.430 6.891
Cascalho/ - - - 23.000 31.100 69.450 162.613 168.351
Areia
Madeira / - - - 18.840 51.637 37.394 82.237 46.332
Carvão

275
Santos (2002), com base nas fortes heterogeneidades que caracterizam o território nacional, cria a
denominação ―região concentrada‖, já que é em grande parte do Centro-Sul do país que se concentram a
população brasileira, as atividades econômicas, as movimentações e aplicações financeiras, a gestão do grande
capital privado nacional e estrangeiro, a criação das leis que regem a sociedade, assim como as políticas
adotadas pelo Estado.
464

Areia 200.000 250.206 250.000 258.150 323.577 589.882 647.384 674.012


Diversos - - - - 28.733 32.451 28.100 29.823
TOTAL 1.991.600 2.048.522 2.198.000 2.763.962 3.011.413 3.979.233 4.559.297 4.906.218
Fonte: Anuário Estatístico da Administração da Hidrovia do Paraná (AHRANA), 2009.

Apesar do crescimento no transporte de mercadorias ao longo dos anos, como


verificado na tabela 6, a Hidrovia Tietê-Paraná, por um lado, possui estrangulamentos na
materialidade e, por outro, possui uma capacidade infraestrutural subaproveitada276,
impedindo o fomento das interações espaciais.

Segundo Corrêa (1997), as interações espaciais, dominadas pelo sistema


capitalista, apresentam mecanismos econômicos de alcance espacial mínimo e máximo e de
conquista de economias de aglomeração, com destaque às vias de transporte, redes de
comunicação, tecnologias, estratégias e inovações, sob a lógica da acumulação do capital. Por
conseguinte, surgem diferenciações hierárquicas entre os diversos pontos (nós) de uma rede
de circulação. O processo de acumulação, baseado na produção industrial e no trabalho
assalariado, possui uma dimensão espacial e esta tem como uma de suas principais
características a rede de localidades centrais277, tanto em nível regional quanto intraurbano.
Nesse sentido, o autor atribui relevância às esferas da produção, distribuição e do consumo,
visto que desempenham papel de destaque na organização da sociedade e do espaço.

A constituição de redes de escoamento de mercadorias a partir de fixos


(barragens, eclusas, terminais intermodais, etc.) é uma característica do sistema Tietê-Paraná,
incrementando, por conseguinte, as interações espaciais e a integração territorial. Destacam-
se, no Estado de São Paulo, os portos intermodais de Pederneiras 278, Anhembi279, Jaú280 e

276
Alguns especialistas afirmam que somente entre 10% e 15% da capacidade da Hidrovia Tietê-Paraná é
utilizada para o transporte de cargas.
277
A ―Teoria dos Lugares Centrais‖ (CHRISTALLER, 1969) faz referência à rede de distribuição (ou difusão)
dentro de uma estrutura espacial. Nesta rede, são considerados os graus de centralidade e as regiões de
influência de um determinado conjunto de centros.
278
O porto intermodal de Pederneiras-SP possui dois terminais, sendo um do grupo Louis Dreyfus (capital
francês) e outro das empresas Torque/Caramuru Alimentos (ambas de capital nacional). O porto possui
entroncamento trimodal (hidroviário, ferroviário e rodoviário), com desembarque de soja, farelo de soja, milho
e sorgo. A carga segue de São Simão-GO, chega em Pederneiras-SP, e daí é conduzida via ferrovia até o porto
de Santos-SP para exportação, com destaque aos mercados europeu e asiático. Suas infraestruturas são: estaleiro
para construção de chatas, armazéns, silos, equipamentos de transbordo, chapas para retirada das mercadorias
das barcaças e esteiras para condução das cargas.
279
No porto intermodal de Anhembi-SP há o terminal da Torque que movimenta soja, farelo de soja, milho,
sorgo e açúcar. As quatro primeiras seguem de São Simão-GO até Anhembi-SP via hidrovia, já o açúcar é
oriundo da Usina São João, localizada em Araras-SP, que também segue até Anhembi-SP via fluvial. Daí se
destinam ao porto de Santos-SP via modal rodoviário, tendo como mercados a Europa e a Ásia. Possui as
seguintes infraestruturas: equipamento de transbordo, chapas de retirada das mercadorias das barcaças,
armazéns e esteiras de condução das cargas.
465

Santa Maria da Serra281. As redes favorecem a circulação material no espaço e aumentam a


conectividade entre centros produtores de grãos, unidades de esmagamento e produção de
farelos (principalmente de soja) e centros de demanda internos (Grande São Paulo) e externos
(Europa e Ásia). A partir do quadro 3, têm-se as principais redes de distribuição de
mercadorias.

Quadro 3: Redes de escoamento de cargas, em 2008.


Porto de Porto Porto final Cargas escoadas Espaços de consumo
origem intermediário

São Simão-GO Pederneiras-SP Santos-SP Soja, farelo, milho e Europa e Ásia


sorgo
São Simão-GO Anhembi-SP Santos-SP Soja, farelo e sorgo Europa e Ásia
São Simão-GO Santa Maria da Santos-SP Soja Europa e Ásia
Serra-SP
Hernandarías Santa Maria da _ Trigo Grande São Paulo
(Paraguai) Serra-SP
Fonte: Empresas Caramuru Alimentos S.A., Torque S.A., Louis Dreyfus Commodities Brasil S.A. e
Sartco/ADM, 2008.

Conforme se observa no quadro 3, a maior parte das cargas escoadas pelo


sistema Tietê-Paraná tem como destino final a Europa e a Ásia, sendo um fator que contribui
para a intensificação do processo de internacionalização da economia brasileira.

De acordo com Pons; Reynés (2004), sobre qualquer espaço as redes de


transporte se configuram como uma expressão da organização territorial das atividades
econômicas. Manifestam sua maior ou menor capacidade de eliminar ou mitigar as
descontinuidades espaço-temporais geradas pela heterogênea distribuição dos pontos (centros)
de produção e consumo dos bens e serviços. Tal capacidade, que indica sua eficiência
espacial, é diretamente relacionada às tecnologias utilizadas e à estrutura que organiza as
redes, ou seja, a disposição funcional do território e de suas características físicas. Dessa
maneira, a estrutura geológica, os acidentes geográficos, os elementos hidrográficos e o clima
280
O porto intermodal de Jaú-SP pertence à Usina Diamante/COSAN (capital nacional), sendo criado um canal
artificial que permite o desvio de parte da água do rio Tietê até o interior da unidade agroindustrial. Foi o
primeiro a ser construído no tramo Tietê e está em operação desde 1981, especializado na movimentação fluvial
e no transbordo de cana e açúcar.
281
O porto intermodal de Santa Maria da Serra-SP é localizado no rio Piracicaba e tem a presença do terminal
da Sartco/ADM (capital estadunidense) que realiza o transporte e armazenamento de soja e trigo. A soja é
plantada em Mato Grosso e Goiás, já o trigo é cultivado no Paraguai, mais precisamente na Planície do Chaco.
A soja é escoada via rodovia ao porto de São Simão-GO, seguindo, posteriormente, até o terminal de Santa
Maria da Serra-SP através da hidrovia. Já o trigo sai do terminal de Hernandarías, no Paraguai, e é transportado
ao terminal de Santa Maria da Serra-SP via fluvial. A soja vai até o porto de Santos-SP e o trigo se destina à
Grande São Paulo. A própria Sartco/ADM realiza o transporte fluvial de suas mercadorias.
466

determinam, em maior ou menor medida, a organização estrutural das redes e,


consequentemente, seu nível de eficiência.

A integração entre hidrovia, ferrovia e rodovia – a partir de um eficiente


sistema intermodal de transporte – assegura uma circulação contínua desde a origem até o
destino final das mercadorias, gerando, por conseguinte, resultados econômicos e sociais
positivos. A partir da tabela 7, verifica-se o total de produtos movimentados no porto de
Pederneiras-SP ao longo dos anos.

Tabela 7: Quantidade de cargas movimentadas pelas empresas Caramuru Alimentos e Louis Dreyfus
no porto de Pederneiras-SP entre 2001 e 2008 (em toneladas).
Anos Caramuru Alimentos Louis Dreyfus
Quantidade total Produtos Quantidade total Produtos
movimentada movimentada
2001 202.785 Soja e farelo 247.502* Soja e milho*
2002 226.787 Soja e farelo 275.634 Soja e milho
2003 245.087 Soja, farelo e 308.993 Soja, farelo e milho
sorgo
2004 257.970 Soja e farelo 320.591 Soja e farelo
2005 300.606 Soja e farelo 403.846 Soja e farelo
2006 470.000 Soja e farelo 630.000 Soja e farelo
2007 550.000 Soja, farelo e 750.000 Soja e milho
sorgo
2008 596.146 Soja, farelo e 792.578 Soja e milho
sorgo
* Em 2001, o terminal ainda pertencia a Comercial Quintella – este foi comprado pela Louis Dreyfus em 2002.
Fonte: Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo, Caramuru Alimentos S.A., Torque S.A. e Louis
Dreyfus Commodities Brasil S.A., 2009.

Pela análise da tabela 7, infere-se que há um crescimento na movimentação de


commodities ao longo dos anos de 2001-2007 pelas empresas Caramuru Alimentos e Louis
Dreyfus, contribuindo com a intensificação da circulação material no território e com as
interações espaciais entre o Centro-Oeste e o Estado de São Paulo a partir da formação de
redes e fluxos entre diferentes portos intermodais.

Segundo Marx (2005), o capital aparece na esfera da circulação como capital-


mercadoria e capital-dinheiro. Estes dois processos de circulação consistem em passá-lo de
mercadoria para dinheiro, bem como da forma dinheiro para a forma mercadoria. A
transformação da mercadoria em dinheiro é a realização da mais-valia incorporada à
mercadoria, e a transformação do dinheiro em mercadoria é a conversão ou reversão do valor-
capital à figura de seus elementos de produção. No processo de circulação, portanto, tem-se a
―metamorfização‖ das mercadorias. A expansão e a redução do tempo de circulação são
inversamente proporcionais à diminuição e ao aumento do tempo de produção. Quanto mais
467

são ideais as metamorfoses da circulação do capital, isto é, quanto mais se contrai o tempo da
circulação, melhor funciona o capital e maiores se tornam a produtividade e a extração de
mais-valia.

Quanto menor a segurança, a regularidade e a velocidade da oferta, tanto maior


tem de ser a parte latente do capital produtivo, caso, por exemplo, do estoque de matéria-
prima e grãos que esperam para ser incorporados ao processo produtivo (MARX, 2005). A
Hidrovia Tietê-Paraná escoa commodities, principalmente grãos e farelos, sendo importante a
qualidade dos armazéns e silos e a modernização dos meios de transporte (comboios, trens e
caminhões) para evitar perdas, a degradação da mercadoria-latente, bem como a otimização
do transbordo para acelerar o movimento circulatório do capital (com reflexos diretos na
produção).

O sistema Tietê-Paraná e a intermodalidade fomentam as interações espaciais,


entendidas com base no processo de reprodução social e do capital, e a partir de uma visão
que considera em essência as heterogeneidades e possibilidades de cada parcela do espaço. As
interações espaciais potencializadas a partir do sistema Tietê-Paraná e do transporte
intermodal de cargas atribuem maior complexidade e dinâmica ao território. Esta teoria serve
de embasamento para uma melhor compreensão das transformações e inter-relações sociais e
econômicas em diferentes espaços, atribuindo a devida importância à formação e dinâmica de
cada território ao longo do tempo. Considerando o conjunto de deslocamentos de pessoas,
mercadorias, capitais e informações, com intensidades, frequência de ocorrência, distância,
direção, propósito e velocidades distintas sobre o espaço geográfico, as interações são parte da
transformação social e econômica e refletem as diferenças entre os espaços (CORRÊA, 1997).

De acordo com Ullman (1972), para existir interação entre duas áreas é
fundamental a existência de demanda e oferta. É necessário que haja complementaridade para
haver interação no espaço e formação de rotas de transporte. Produtos, sobretudo de baixo
valor agregado, são transportados a longas distâncias a custos reduzidos (destaque para o
modal hidroviário). O autor afirma que a distância282 é importante para um sistema de
interação, mensurada em termos de tempo e custo. Assim, para escoar grãos e farelos do
interior do território para os portos de exportação (caso da Hidrovia Tietê-Paraná e da
intermodalidade) é viável o uso da ferrovia e/ou da hidrovia, já que a relação custo-tonelada

282
A distância ainda é um elemento importante para os transportes (apesar das tecnologias e da modernização
das vias e dos meios). Como exemplo, tem-se o cultivo de hortaliças no entorno da Região Metropolitana de
São Paulo, já que são mercadorias altamente sensíveis e perecíveis e, portanto, são produzidas próximo ao
centro de demanda.
468

movimentada permite maior produção, distribuição, redução dos gastos e menor preço das
mercadorias nos mercados interno e externo.

Cabe destacar que a inexistência de eclusa na Usina Hidrelétrica de Itaipu 283 é


um dos grandes gargalos que impedem o fomento das interações espaciais e das relações
comerciais entre os países do Mercosul. A não superação das adversidades do meio físico
(relevo) e a ineficiente rede viária (terrestre) que articula o Brasil ao Paraguai, Uruguai e
Argentina dificultam a expansão das trocas e são empecilhos à intensificação da integração
econômica entre eles.

O funcionamento da hidrovia e do sistema intermodal deve ser compreendido


de acordo com as estratégias logísticas que caracterizam o capital privado que atua no setor.
Nesse sentido, analisar as empresas Torque S.A.284, Caramuru Alimentos S.A.285, Louis
Dreyfus Commodities Brasil S.A.286 e Comercial Quintella Comércio e Exportação S.A.287
que atuam no porto intermodal de Pederneiras-SP288 e contribuem para o transporte de
produtos de baixo valor agregado (commodities), articulando o Centro-Oeste ao Sudeste, é
importante para compreender a dinâmica da movimentação fluvial e intermodal de cargas no
território paulista. O porto intermodal em destaque se caracteriza como um fixo que contribui

283
A Usina Hidrelétrica de Itaipu é binacional (pertence ao Brasil e ao Paraguai).
284
O grupo Torque atua em vários ramos, como metalurgia e transporte hidroviário. Possui capitais e controle
acionário nacionais e se destaca no transporte de mercadorias pela Hidrovia Tietê-Paraná. Atua na Hidrovia
Tietê-Paraná através da DNP – Indústria de Navegação Ltda.
285
A empresa Caramuru Alimentos S.A. se dedica à produção de grãos e farelos, armazenagem, extração e
refino de óleos especiais de soja, milho, girassol, canola, etc. Com capitais e controle acionário nacionais, a
empresa atua no porto intermodal de Pederneiras-SP desde 2001, armazenando grãos e farelos e transportando
as mercadorias via ferrovia até o porto de Santos-SP em cooperação com a MRS Logística. A Caramuru é uma
empresa brasileira com atuação no ramo alimentício e nas exportações de commodities.
286
O grupo Louis Dreyfus, fundado por Leopold Louis-Dreyfus, em 1851, é um conglomerado controlado pela
holding286 S.A. Louis Dreyfus & CIE, sediada em Paris, França. A holding é propriedade exclusiva da família
Louis-Dreyfus. O grupo atua em diversos ramos, quais sejam: comercialização internacional de commodities
agrícolas, extração de madeira, produção de energia, esmagamento e refino de sementes oleaginosas, produção
de açúcar e álcool, processamento de frutas cítricas, exploração, refino e comercialização de petróleo e gás
natural, telecomunicações, administração de frotas de navios oceânicos, projetos imobiliários e serviços
financeiros. Com capitais e controle acionário internacionais (franceses), este grupo é um dos maiores do
mundo no que tange à comercialização de commodities agrícolas.
287
A Comercial Quintella Comércio e Exportação S.A. realiza a prestação de serviço de transporte fluvial para a
Louis Dreyfus, sendo responsável pelo escoamento dos grãos de soja e milho pela Hidrovia Tietê-Paraná. A
Comercial Quintella possui capitais e controle acionário nacionais, utilizando chatas e empurradores próprios
para o transporte de cargas. Em 2002 houve a compra do terminal da Comercial Quintella, em Pederneiras-SP,
pelo grupo Louis Dreyfus.
288
O início das operações do porto intermodal de Pederneiras-SP data de 1993, com o terminal da empresa
Comercial Quintella Comércio e Exportação S.A., realizando o transporte e armazenamento de granéis e
farelos. Em 1994, entra em funcionamento o estaleiro da empresa Torque S.A. para construção de chatas de
navegação. A partir do ano 2000 há uma relativa melhoria das infraestruturas portuárias, com a construção da
Avenida Irmãos Pontes que liga a área urbana de Pederneiras-SP aos terminais e a extensão da linha férrea, com
um terceiro trilho, utilizado pela MRS Logística. A construção dessa linha foi de suma relevância, pois acabou
com o problema da incompatibilidade de bitolas que prejudicavam o escoamento de mercadorias para o porto de
Santos-SP.
469

para o funcionamento do sistema Tietê-Paraná, sendo um ponto nodal no que tange ao


escoamento de soja, farelo de soja, milho e sorgo que navegam pela hidrovia e chegam ao
porto de Santos-SP.

Em relação aos fatores estruturais que influenciam na competitividade das


empresas que atuam ou se beneficiam do transporte fluvial e intermodal, Porter (1989) indica
a presença de cinco forças determinantes, quais sejam: a inserção de outros concorrentes no
mercado, a ameaça iminente de novos líderes de mercado, a pressão exercida pelos clientes, a
pressão exercida pelos fornecedores e, por fim, a intensificação da rivalidade entre os
concorrentes de um mesmo setor. O mesmo autor revela que o capital privado pode adotar
três tipos principais de estratégias competitivas: liderança nos baixos custos das atividades
desempenhadas, diferenciação nos tipos e qualidade dos produtos e serviços oferecidos e foco
na conquista de novos e maiores mercados globais.

A logística de transportes e armazenamento é basilar para a reprodução do


capital, pois visa estabelecer a otimização dessas atividades e, consequentemente, o aumento
da eficiência na distribuição das mercadorias, maior segurança ao longo dos trajetos, redução
e controle de estoques e entrega das encomendas nos prazos estabelecidos em contrato. As
estratégias ligadas ao transporte significam escolher rotas mais rápidas, rodovias em melhores
condições de sinalização e asfaltamento, opção pelos modais ferroviário, hidroviário e pela
intermodalidade em detrimento do rodoviário, entre outros.

São aspectos relevantes para as empresas Torque S.A. (DNP – Indústria de


Navegação Ltda.), Caramuru Alimentos S.A., Louis Dreyfus Commodities Brasil S.A. e
Comercial Quintella Comércio e Exportação S.A. o atendimento qualificado dos clientes, a
confiabilidade dos fornecedores e a eficiência e segurança nos transportes com baixos custos
para manter a competitividade nos mercados nacional e mundial. Como indica Porter (1989),
a vantagem competitiva está também relacionada ao valor que uma determinada empresa cria
para seus clientes, estabelecendo condições de eficiência nos serviços e produtos oferecidos
no mercado. O controle de qualidade e a reposição rápida dos bens são imprescindíveis para
as empresas, já que elucidam a eficácia da produção, distribuição e gestão empresarial e,
assim, estabelecem um vínculo de credibilidade em relação aos consumidores. Há estocagem
de cargas e uma entrega otimizada dos bens por parte das empresas citadas anteriormente,
tanto no mercado interno quanto no externo, com destaque à Europa Ocidental, China e Japão.

São características das empresas Torque, Caramuru Alimentos, Louis Dreyfus


e Comercial Quintella a preocupação com a eficiência e segurança de todas as atividades
470

realizadas: produção, distribuição, processamento industrial, transbordo, armazenamento,


manutenção de vagões, chatas de navegação e equipamentos de movimentação de produtos,
entrega das mercadorias nos prazos estabelecidos em contrato, entre outros. Tais aspectos são
fundamentais para conquistar a confiança dos consumidores e determinam a competitividade
das empresas nos mercados nacional e global. Ademais, o custo menor do frete e o
aproveitamento das infraestruturas de navegação são fatores que reduzem os custos e
contribuem para a acumulação de capital por parte das empresas.

A opção pela exportação de grãos e farelos, em detrimento da venda no


mercado interno, é uma ―questão de mercado‖, já que os lucros auferidos com a
comercialização das mercadorias de baixo valor agregado com países da Europa Ocidental e
da Ásia (a China é o principal importador) são maiores. A escolha da Caramuru Alimentos
pelo transporte hidroviário interior e pela intermodalidade representa um importante fator para
competir com a agropecuária européia. Mesmo com os grandes subsídios fornecidos pelos
países europeus aos pequenos e médios agricultores, sobretudo de grãos, o baixo custo da
mão-de-obra brasileira, a abundância de terras para plantio, clima e solo favoráveis e a
redução do custo com o transporte permitem superar, em muitos casos, o preço dos produtos
estrangeiros (franceses, por exemplo).

O custo do transporte intermodal de cargas, principalmente de commodities


(soja, farelo de soja, milho, sorgo e trigo), em comparação ao modal rodoviário, é até três
vezes menor. Fatores como o preço do frete, manutenção de vagões e chatas, grande
capacidade de transporte, gasto menor com combustível, baixo índice de acidentes e perda de
mercadorias, inexistência de congestionamentos, entre outros, são determinantes para elevar o
lucro das empresas que utilizam as vantagens do transporte fluvial e intermodal de produtos
de baixo valor agregado.

Tais grupos se organizam sob algumas condições, como a redução máxima de


custos, conquista de economias de escala, arrefecimento da capacidade ociosa, logística de
transporte e estocagem otimizada, automação, inovações tecnológicas, mão-de-obra
especializada e barata, terceirizações, trabalho temporário, etc. As estratégias utilizadas pelas
empresas que atuam na Hidrovia Tietê-Paraná visam assegurar uma forte competitividade no
mercado global e a posição de liderança nos setores em que atuam (agroindustrial e de
transporte fluvial).

O pensamento de Porter (1989) se enquadra às empresas que realizam


atividades hidroviárias e portuárias, já que destaca a necessidade de redução de custos para
471

intensificar a competitividade no mercado. Entretanto, a diferenciação dos produtos não é um


aspecto de grande destaque nas empresas analisadas, pois o cultivo de grãos, processamento
industrial de farelos, produção de óleos, etc., não apresentam expressivas variações de uma
empresa para outra. Apenas há a valorização das tecnologias no processo produtivo e a
preocupação com a qualidade das mercadorias (controle de qualidade).

Crédito a juros baixos, reinvestimentos constantes em capitais e tecnologias,


criação de patentes de diferentes produtos, relações de confiabilidade e eficiência com os
fornecedores das matérias-primas e clientes, mão-de-obra qualificada e barata, organização
eficiente da produção, infraestruturas, meios e vias de transportes qualificados, gestão
logística otimizada e capacitação profissional são pré-requisitos para viabilizar a reprodução
acelerada do capital e conquista de mercados em escala mundial (PORTER, 1989). O grupo
Louis Dreyfus, em especial, possui diversas unidades produtoras de farelos e bens
industrializados e alguns terminais intermodais no Brasil e em outros países sulamericanos,
como na Argentina, por exemplo, utilizando-se de mão-de-obra abundante e relações de
trabalho pautadas na subcontratação.

Segundo Porter (1989), a participação de uma empresa no mercado e, em


especial, no setor hidroviário revela sua competitividade em um determinado período. Este
tempo, por sua vez, é maior ou menor de acordo com as estratégias logísticas adotadas, a
reestruturação interna e os investimentos em capitais e infraestruturas. Uma grande
corporação (como a Louis Dreyfus, por exemplo) atua em diferentes territórios e países,
aproveitando-se das vantagens existentes, como incentivos fiscais, mão-de-obra barata e
abundante, infraestruturas de comunicação e transportes (telecomunicações, ferrovias,
rodovias, hidrovias interiores, portos, aeroportos, etc.) e mantêm uma eficiente rede de
conexões com fornecedores, prestadores de serviços e consumidores.

Cabe destacar que vários aspectos destacados pelo autor anteriomente citado
foram confirmados nas empresas hidroviárias e portuárias, quais sejam: aplicação de recursos
em máquinas, equipamentos e tecnologias, cursos de qualificação profissional, modernização
da base material, qualidade dos produtos, otimização do escoamento das cargas aos centros
consumidores, cumprimento dos prazos de entrega das mercadorias, redução máxima dos
riscos de acidentes e perda de cargas, estocagem controlada, uso das tecnologias de
comunicação e informação, administração em rede e com metas a serem cumpridas,
terceirizações, entre outros.
472

A competitividade no setor hidroviário e portuário requer uma reestruturação


interna e a adoção de estratégias logísticas mais flexíveis por parte do capital privado e, em
especial, pelas empresas que atuam na Hidrovia Tietê-Paraná. Estas se reorganizaram,
sobretudo na última década, no sentido de alterar as relações de trabalho, aumentar as
terceirizações de diversas atividades (transbordo, transporte intermodal, segurança, limpeza,
etc.), buscar a otimização na prestação de serviços, estabelecer contratos apenas com
fornecedores confiáveis, aquisição de tecnologias ligadas, principalmente, à produção,
investimentos visando a modernização e aprimoramento do sistema de gerenciamento e
controle de estoques, entre outros. A subcontratação e o trabalho temporário, cada vez mais
utilizados nos terminais intermodais privados, resultam em queda nos custos de até 30%
(trinta por cento).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As infraestruturas, os fluxos e as redes de transportes possuem relação com a


dinâmica e o desenvolvimento regional/nacional. Investimentos na base material geram
efeitos positivos em diversos setores da economia (indústria, agricultura, mineração, serviços
e comércio). As hidrovias e a intermodalidade influenciam e produzem o espaço, assim,
devem ser considerados o meio abiótico, a formação socioespacial, as tecnologias, as políticas
econômicas e setoriais, a complexidade da economia regional, a participação do Estado e as
estratégias logísticas das empresas que atuam no setor hidroviário e portuário.

Os investimentos no setor hidroviário interior e, especificamente no sistema


Tietê-Paraná, ainda são pequenos. Não obstante, deve-se considerar o fato de que os recursos
necessários para a construção de rodovias e ferrovias são, em geral, maiores do que nas
hidrovias interiores, visto que os custos de implantação são mais elevados: construção de
trilhos, asfaltamento, retirada da cobertura vegetal, uso de máquinas, mão de obra, contratação
de empreiteiras, etc. No que tange às hidrovias, utiliza-se, na maioria das vezes, o curso
natural dos rios, diminuindo, portanto, os custos com a implantação.

A Hidrovia Tietê-Paraná e a intermodalidade no Estado de São Paulo são


importantes para potencializar o transporte de cargas e as interações espaciais. Maiores
investimentos em infraestruturas hidroviárias e portuárias podem contribuir com o
desenvolvimento regional/nacional a partir do efeito multiplicador interno. O Estado
brasileiro não tem condições de assegurar os investimentos necessários em infraestruturas,
473

assim, ganha destaque a necessidade de carreamento de recursos ociosos de setores


supercapitalizados às áreas antiociosas (subinvestidas), através de um instrumento de
intermediação financeira e jurídico que viabiliza e estimula a transferência de recursos ao
setor de transportes, em detrimento dos ganhos exorbitantes do mercado financeiro e
especulativo.

Soma-se ainda, a concessão de serviços públicos à iniciativa privada, sob a


tutela de um Estado intervencionista e com capacidade de estabelecer metas e limites
tarifários às empresas concessionárias. Tem-se, portanto, uma proposta contrária à vigente no
Brasil (Lei Fernando Henrique Cardoso), pois se opõe aos moldes neoliberais e prevê um
poder público que atua, ao mesmo tempo, como poder concedente e credor hipotecário, sob
pena de tomar os bens da empresa concessionária caso descumpra as resoluções contratuais.

A Hidrovia Tietê-Paraná, por um lado, possui gargalos que prejudicam o


transporte de cargas, como pontes ferroviárias e rodoviárias baixas e sem proteção nos pilares,
falta de sinalização de navegação em alguns trechos, baixo calado, canais de eclusagem muito
estreitos e que impedem a passagem de comboios com um maior número de chatas, etc., por
outro, muitas empresas que poderiam utilizar as vantagens do transporte hidroviário interior e
da intermodalidade não o fazem, optando pelo modal rodoviário no transporte de commodities
(capacidade infraestrutural subaproveitada).

O transporte hidroviário, em comparação aos modais terrestres (principalmente


o rodoviário), apresenta algumas vantagens, como o baixo preço do frete, grande capacidade
de escoamento de cargas, menor poluição ambiental, permite a integração de diferentes
modais (intermodalidade), baixo risco de acidentes e congestionamentos, menor gasto
energético (relação entre o consumo de combustível e a quantidade total de cargas escoadas),
entre outros.

A política nacional de transportes é baseada no sistema rodoviário, com baixa


utilização dos modais ferroviário e hidroviário interior. O transporte fluvial e a
intermodalidade são ainda muito incipientes no território nacional, sendo necessários maiores
investimentos e políticas públicas para expansão de suas infraestruturas. As concessões,
pautadas na política neoliberal, impedem o fomento do transporte fluvial e, principalmente
ferroviário, no país, já que há desativação de diversos trechos por parte das empresas
concessionárias, caso da América Latina Logística (ALL), falta de maiores investimentos,
baixa recuperação do material rodante, entre outros.
474

A Hidrovia Tietê-Paraná e a intermodalidade contribuem, ainda que de


maneira relativa, para o crescimento econômico do Centro-Sul e, em especial, do Estado de
São Paulo, já que fomentam a produção agrícola e industrial, a criação de empregos diretos e
indiretos, a geração de renda e o consumo de bens duráveis e não-duráveis. Ademais, dentre
as estratégias logísticas das empresas que atuam no setor hidroviário e portuário, são
destacadas a redução de custos e a maximização do lucro, as exportações de commodities
(grãos e farelos), as terceirizações no transporte e transbordo de cargas, bem como a
contratação temporária de trabalhadores.

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476

TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO: ACESSIBILIDADE E CRISE NAS CIDADES


MÉDIAS PAULISTAS

Rodrigo Giraldi COCCO


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Presidente Prudente-SP
rodrigogiraldi83@yahoo.com.br

Márcio Rogério SILVEIRA


Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Ourinhos-SP
marcio@ourinhos.unesp.br

INTRODUÇÃO

As relações entre transportes, acessibilidade e desenvolvimento são bastante


antigas, remontando a autores clássicos da Geografia como G. Braun (1912), A. Hettner
(1897) e Friedrich Ratzel289 (1906), sendo estes juntamente com outros autores, expoentes da
chamada Verkehrsgeographie. Esta, salvo algumas divergências, inspirou autores franceses
como Vidal de La Blache, Max Derruau, Jean Brunhes e R. Clozier a desenvolver a
―Geografia da Circulação‖, ramo da Geografia que passa a estabelecer relações entre o
movimento e o espaço. Objetivamente, a Geografia da Circulação e a Geografia dos
Transportes alemã seguiam rumos semelhantes, com diferenças restritas mais a estas
definições do que propriamente a seus conteúdos (BRUNHES, 1962).

Na década de 1950, Ullman (1959) resgata o termo ―Geografia dos


Transportes‖ (Transportation Geography) sob novas bases, trazendo a noção de interações
espaciais, a qual se mostra sumamente importante para os estudos sobre transportes290. É
necessário destacar que não se trata da aplicação imediata e ―acrítica‖ da noção de interação
espacial oriunda do pragmatismo da Geografia anglo-saxã, antes, trata-se de uma contribuição
para a construção do conceito como o fez Roberto Lobato Corrêa (1997), apontando para a
possibilidade de seu desenvolvimento sob bases materialistas dialéticas. Nesse sentido,

289
Este mesmo autor resumiu sua teoria em uma teoria geral, na qual os progressos técnicos das vias e meios
determinariam: a) a multiplicação das vias; b) o seu aumento em distâncias percorridas; c) os deslocamentos em
trajetos mais curtos; d) a substituição das regiões impostas pela natureza, pelas zonas e pontos acidentalmente
escolhidos; e) o crescimento em extensão do espaço conquistado e o aumento da capacidade de transporte de
massa e ainda; f) a transferência da circulação continental para a fluvial (BRUNHES, 1962).
290
Há outros autores que passam a abordar a temática, como E. J. Taafe (1963), R. L. Morril (1963), W. L.
Garrison (1960), entre outros.
477

destaca-se a noção de mobilidade espacial do capital (advinda da espacialização do


movimento circulatório do capital) como condicionada e condicionante das interações entre
espaços. Esta possibilidade é amplamente possível, já que a ―interação‖ é uma importante
categoria da dialética materialista, mais do que isso, só a partir da interação é possível o
desenvolvimento de uma nova formação material mais complexa e superior291 (CHEPTULIN,
1982).

A recente retomada de estudos geográficos sobre transportes encontra


atualmente uma ampla gama de problemáticas, contextualizadas sob um ponto de vista mais
crítico e condizente com as contradições inerentes ao modo de produção capitalista. Estas
discussões versam atualmente sobre a relação entre transportes e desenvolvimento econômico,
transportes e desenvolvimento regional e ainda, de imbricações entre os transportes no espaço
da cidade e sua ação estruturadora292.

Neste sentido, torna-se inevitável relacionar os transportes a discussões como,


produção do espaço urbano, processos de suburbanização, urbanização difusa e
periurbanização, atualmente em voga dentro de muitas análises que expõem a interação entre
os transportes e o uso do solo urbano, evidentemente, com as devidas ressalvas no que tange a
diferenças entre a realidade européia e a brasileira293. Ademais, dentro do atual contexto

291
Duas ou mais formações materiais se combinam, ―interagem‖, enxertando reflexos reciprocamente e
conduzindo à transformação dos elementos combinantes em novos elementos, propriedades, etc. (CHEPTULIN,
1982). O próprio Edward Ullman (1972), apesar de pouco contato com o marxismo – tendo inclusive,
contribuído para o desenvolvimento da Escola de Washington, encabeçada por Willian Garrison e a
subseqüente ―revolução quantitativa‖ – já atestava que a interação (originada da complementaridade de áreas)
possuía uma propriedade transformadora, na medida em que elementos de diferentes espaços eram
―transportados‖ a outros, transformando-os ou intensificando características pré-existentes. Baseando-se nos
pressupostos da ―diferenciação de áreas‖ de Richard Hartshorne, propala a Geografia como a ciência das
interações espaciais, fazendo frente aos postulados da Escola de Chicago, a qual preconiza ser a Geografia a
ciência incumbida do estudo das ―regiões funcionais‖ (SUGIURA, 1999).
292
As três discussões podem ser imbricadas dentro de um arcabouço teórico-metodológico materialista histórico
e dialético, uma vez que há rebatimentos mútuos entre o desenvolvimento dos transportes públicos e o
desenvolvimento econômico mais amplo. Por exemplo, a provisão de acessibilidades ao emprego, à aquisição
de renda, de mercadorias e demais circunstâncias atinentes à reprodução da força de trabalho contribui para com
o desenvolvimento, do mesmo modo como as oscilações na dinâmica deste acabam por fazer variar as
condições da demanda efetiva primária e da demanda efetiva secundária, com conseqüências sobre os sistemas
de transporte público.
293
Segundo Dematteis (1998) a constituição da cidade difusa e da periurbanização, diferem conceitualmente da
suburbanização da cidade fordista, se associando aos novos paradigmas produtivos e organizacionais oriundos
do ―toyotismo‖, os quais ganham força a partir da década de 1970, se atrelando a uma perspectiva de um lugar
que gesta um novíssimo potencial inovativo para a sociedade capitalista. Trata-se deste modo, de uma ―cidade
sem centro‖ e que se conforma de modo reticular, em contraposição ao modelo de expansão urbana em forma
de ―mancha de azeite‖ – na expressão utilizada por Dematteis – fazendo convergir distintos modelos de
urbanização: o anglo-saxão (suburbanizador) e o latino (compacto). Trata-se ainda, da perda relativa de
população de centros tradicionais para cidades menores que se formam de modo ―difuso‖ e em rede,
redundando em maiores distâncias médias a percorrer, com mais custos aos meios de consumo coletivo e,
portanto, maior a necessidade de políticas compensatórias.
478

econômico-social, isto é, de uma ―globalização‖ cujos resultados são severos para com os
segmentos menos abastados da sociedade – introduzindo novos elementos de desigualdade –
o transporte público constitui um importante instrumento de justiça social, na medida em que
pode conduzir de modo mais racional o crescimento das cidades e aglomerações urbanas, ou
seja, tornando possível uma acessibilidade mais equitativa à cidade e suas possibilidades de
emprego, de cultura e de lazer. Contra isto, erguem-se pujantes interesses imobiliários que
produzem um espaço cada vez mais disperso e rarefeito, levando a desníveis em termos de
densidade e qualidade de equipamentos e serviços de consumo coletivo, com efeitos danosos
sobre a acessibilidade, a qualidade de vida dos trabalhadores e sobre suas atividades diárias.

Destaca-se, que questões de âmbito macroeconômico perpassam esta


problemática, na medida em que oscilações na dinâmica econômica têm rebatimentos tanto
sobre a produção do espaço quanto sobre os sistemas de transporte. Estas podem ser diretas,
quando afetam as condições dos insumos deste último, e/ou indiretas, quando afetam a
demanda efetiva para o serviço, refletindo os níveis de emprego, renda e produtividade dos
setores industrial, comercial e de serviços.

Dentro deste contexto, apresentamos neste trabalho elementos que contribuem


para o entendimento destas relações, tendo como eixo norteador principal o espaço da cidade
de Bauru/SP, o qual é clivado por diversas destas contradições e entre estas, a de um
crescimento urbano muito mais territorial do que econômico, isto é, de uma expansão do
espaço urbano que é sofrivelmente acompanhada pela expansão do espaço da cidade
propriamente dita294, o que é demonstrado pela carência generalizada em suas periferias, de
asfalto, galerias de águas pluviais, serviço adequado de transporte público, entre outros.

Estes fatos em Bauru são históricos, na medida em que a cidade se urbaniza


muito rapidamente, a uma velocidade não acompanhada da provisão adequada de infra-
estruturas e serviços urbanos,295 o que é factível tendo em vista que da década de 1950 à
década de 1970, incorporam-se vários loteamentos distos da malha urbana como o Santa
Edwirges, Parque Jaraguá, Vila Aviação, Parque Bauru, Parque Giansante, Vila São Paulo,
Bairro de Tangarás, Parque Industrial Manchester, Jardim Mary, Jardim TV, Jardim Marília, e

294
A expansão urbana se diferencia da expansão da cidade, ao passo que não se pode conceber a idéia de cidade
sem ter em conta que esta significa mais do que a simples expansão horizontal e vertical de condomínios ou
casas populares. A cidade em seu conceito mais amplo deve ter interações diversas, equipamentos, infra-
estrutura e serviços sociais diversos, o que nos habilita a dizer que atualmente, o ―urbano‖ se expande antes que
chegue a ―cidade‖ (SPOSITO, 2005).
295
Até a década de 1940, a população urbana de Bauru correspondia a 50% do total, aumentando para 80% em
1950 e 98% em 2000.
479

outros, todos aprovados e registrados antes da Lei Federal 6.766/79. Apesar do tempo
decorrido, há problemas derivados destes processos em todo o espaço urbano, com destaque
para as descontinuidades territoriais e as insuficiências infra-estruturais, como fonte de
desacordo entre o planejamento urbano e os transportes. A segunda descendendo da primeira,
uma vez que a não execução de infra-estruturas básicas, cuja extensão da rede é encarecida
pela expansão urbana (galerias de águas pluviais, guias, sarjetas, rede de esgoto, etc.),
deflagra em problemas a outras infra-estruturas de suporte aos transportes públicos (sobretudo
o asfalto) e que – além do custo de circulação acrescido pelos vazios urbanos, cujos lotes
correspondem a pelo menos 40% dos lançamentos totais de IPTU – acumula o custo da
manutenção dos veículos sob condições severas de circulação (vias esburacadas por processos
de ravinamento, pontos de alagamento, etc.), com rebatimentos perversos sobre os usuários do
sistema, sob os quais incidem os efeitos perversos das ações das empresas operadoras no
sentido de reajustar tarifas, desviar rotas, etc.

Assim sendo, nosso objetivo é traçar um panorama mais abrangente dos


transportes públicos das cidades do interior paulista, o que nos obriga a ampliar a análise
também para outros municípios, tais como Marília, Presidente Prudente, Araraquara, ou
mesmo, para municípios de menor porte como Ourinhos/SP e grandes cidades como São
Paulo, com o intuito de estabelecer análises mais comparativas, ainda que de modo
horizontalizado ao longo do texto.

CONDIÇÕES DE OPERAÇÃO DO SISTEMA DE TRANSPORTE PÚBLICO,


EXPANSÃO DO SISTEMA VIÁRIO E ACESSIBILIDADE NAS CIDADES DO
INTERIOR PAULISTA

O atual cenário de mundialização, mais do que nunca, promove impactos não


apenas multiescalares, na medida em que atinge espaços diversos, vai além ao impor efeitos
interescalares, isto é, impacta um ponto da escala geográfica que é sentido em diversas outras
escalas da hierarquia urbana, considerando que tratamos de espaços dinâmicos e em constante
transformação no tempo. Deste modo, ao passo que estas transformações afetam o mundo
―globalizado‖, o país, a região e as cidades, percorrem a rede urbana e sua hierarquia, de
modo a situar diferentemente cada cidade nesta rede, segundo os interesses dos diversos
setores capitalistas.
480

Sabemos, contudo, que esta hierarquização deve ser relativizada, na medida em


que atividades modernas também se instalam em cidades médias sem, no entanto, estarem
submetidas a uma metrópole que intermedeia as relações internacionais destas atividades
econômicas. Em se tratando do espaço da cidade, outrora estas atividades produtivas,
comerciais e de serviços atendiam a padrões ―fordistas‖ de localização, sem muita
flexibilidade para a escolha de sua fixação, levando a um padrão mais denso – tanto de
localização de moradias quanto de atividades – daquele que hoje observamos.

Atualmente, com o desenvolvimento e disseminação de meios de transporte e


comunicação modernos, o uso de estratégias logísticas cada vez mais arrojadas 296 e a
suburbanização de moradias e de certas atividades, propiciadas pelo uso do automóvel,
enceta-se a produção de um espaço urbano cada vez mais ―esquizofrênico‖ 297, isto é, a um só
tempo disperso e (pontualmente) concentrado. Este fato é observável na medida em que torna-
se explícito o espraiamento de certas atividades econômicas e de espaços de moradia,
concomitante a pontos de alta densidade (pólos geradores de tráfego), como shoppings e
determinadas atividades de serviços. Deve-se ter em conta, que atividades de serviços
também podem concentrar tráfego ao passo que demandam poucos metros quadrados por
funcionário, normalmente localizados em eixos de grande acessibilidade (PASCHETTO,
1984).

Esta morfologia dual causa prejuízos à distribuição espacial dos meios de


consumo coletivo, os quais – contraditoriamente – são de suma importância à reprodução
ampliada da força de trabalho e, conseqüentemente, ao novo paradigma de produção
flexível298. Sob o ponto de vista da medida capitalista, as atividades dos meios de consumo
coletivos são improdutivas, mas são cada vez mais necessárias à formação ampliada das
forças produtivas humanas, principalmente dentro do contexto de uma economia flexível que

296
Na Europa, por exemplo, com a finalidade de vencer os desequilíbrios oriundos da dispersão urbana, muitos
sistemas de transporte tencionam a adoção de estratégias logísticas de distribuição do serviço de transporte
público bastante heterodoxas. Estas derivam de estratégias de marketing e logística aplicadas em outros setores
empresariais como, por exemplo, a distribuição ―one-to-one‖ de serviços, a qual preconiza um serviço o mais
individualizado possível em termos de qualidade e quantidade de oferta (PONS, 2004).
297
Trata-se do crescimento da verticalização de modo pontual no espaço, concomitante à expansão horizontal do
território, à revelia do planejamento e das possibilidades de provisão adequada de infra-estrutura coletiva e de
acessibilidade física da maioria da população. Este crescimento encarece substancialmente os serviços de
transporte público e demais serviços de consumo coletivo.
298
Este prejuízo não se reduz tão somente à diminuição da produtividade da força de trabalho devido a seu
desgaste físico e mental, mas pode redundar em impacto direto ao empregador, na medida em que ocorre
aumento nos custos de reprodução da força de trabalho via encarecimento dos vales-transporte, no caso
específico do transporte público. Neste caso, está implícito um conflito entre a fração de capital que opera os
transportes e aquela que dirige o chão de fábrica.
481

não exige tão somente o quantum cristalizado de trabalho sobre os meios de produção, como
no fordismo299 (LOJKINE, 1997).

Dentro desta problemática, os processos de desconcentração industrial,


reconcentração industrial e nova desconcentração industrial para a ―macrometrópole‖ paulista
e para algumas cidades médias do interior do Estado de São Paulo, exigem um eficiente
sistema de transportes e logística300 tanto de cargas quanto de passageiros, como medida de
aumento da produtividade capitalista, já que se trata de trazer maior conforto ao trabalhador,
com menor tempo gasto dentro do sistema de transporte (tempo esse que poderia ser utilizado
no lazer, nos estudos, no aprimoramento técnico do trabalhador, etc.). A não provisão de um
transporte de qualidade traz graves e conhecidas conseqüências para a população
trabalhadora, assim como para outras atividades da população de menor renda, como o
exemplo trazido pela economista Sônia Draibe (1993, p. 55).

[...] o transporte coletivo é necessário para melhorar o acesso aos equipamentos


sociais, não apenas para seus usuários – os doentes ou os alunos, por exemplo –
mas também aos profissionais que aí trabalham. A Região Metropolitana de São
Paulo é rica em exemplos na área da educação, onde se pode selecionar, em
perversos encadeamentos para trás, os seguintes fenômenos: mau desempenho
dos alunos – má localização da escola (inclusive por falta de transporte rápido)
– deficiente e descontínua direção – deficiência, alta rotatividade e alto grau de
absenteísmo dos professores301.

Outro fator que acaba por influenciar o sistema de transporte público intra-
urbano está relacionado ao forte papel de centro regional de comércio e serviços do município
de Bauru, de modo correlato a outras cidades médias paulistas (como Marília e Presidente

299
A socialização das forças produtivas (para desenvolvimento da mais-valia relativa), não se limita à formação
do ―trabalhador coletivo‖ no local de produção; para Marx, esse conceito de socialização estende-se de fato ao
conjunto da reprodução do capital social, abrangendo a divisão técnica do trabalho na oficina e a divisão do
trabalho no conjunto da sociedade. Há então em Marx um processo imediato de produção (na unidade de
produção) e um processo ―global‖ de produção e de circulação do capital que ele chama de condições gerais de
produção, na qual se inserem de modo especial os meios de consumo coletivo, para a reprodução ampliada da
força de trabalho (LOJKINE, 1997). Assim, o par ―máquinas-trabalhadores manuais‖, sendo estes últimos
acessórios do meio de produção, já não são suficientes dentro do paradigma toyotista, o qual exige uma postura
mais pró-ativa dos trabalhadores.
300
Entendemos por logística, as estratégias de gestão e planejamento em transportes que influenciam os
sistemas de movimento (redes técnicas e meios de transportes) e os fluxos sobre o território (SILVEIRA, 2009).
301
Outros exemplos são notáveis, como o do sistema de transporte público do Rio de Janeiro, demonstrando a
má qualidade deste tipo de serviço no Brasil. Comprimidos dentro dos vagões, passageiros dos trens operados
pela Supervia (concessionária do transporte ferroviário de passageiros do Rio de Janeiro) são recorrentemente
agredidos pelos próprios funcionários da operadora e ―espremidos‖ para dentro dos vagões sem qualquer
conforto ou segurança, fatos como este certamente engendram conseqüências na disposição física e psicológica
dos usuários afetando o desempenho de suas atividades diárias. Ademais, demonstra o descaso das autoridades
e a falência do modelo de concessões e financiamento vigentes.
482

Prudente, também em destaque no mapa), exercendo centralidade sobre municípios como


Agudos, Pederneiras e Lençóis Paulistas, entre outros (mapa 1).

Mapa 1: Fluxo intermunicipal de passageiros por ônibus em viagens por dia no Estado de São Paulo,
com destaque para os hinterlands de Bauru, Marília e Presidente Prudente*.

Fonte: IBGE, 2009.


*Trata-se de fluxos que perfazem apenas o Estado de São Paulo, não demonstrando os fluxos deste com outros
estados da federação.

Estas características fazem com que a cidade seja tomada por fluxos de
passageiros de outros municípios sobre os quais exerce centralidade, redundando em maior
quantidade de passageiros a ser alocada no sistema de transporte intra-urbano, fato observável
inclusive, em alguns pontos de conectividade entre o transporte interurbano e o ―intra-urbano‖
fora da rodoviária do município, como na Avenida Rodrigues Alves e na Castelo Branco.

Alguns destes pontos localizam-se inclusive, externamente à mancha urbana,


ou seja, em descontinuidade territorial com a cidade, passando por áreas nas quais não há
serviço de transporte público. Um processo de estruturação pode levar à constituição de
núcleos urbanos nessas áreas, passando então a demandar serviços de transporte público intra-
urbano. Em tais condições, ou seja, adentrando áreas de baixa densidade descontínuas do sítio
urbano da cidade, o transporte público tende a oferecer baixos níveis de serviço.
483

Trata-se, portanto, de uma relação entre as vias regionais de transporte e o


crescimento da cidade, com as rodovias provocando um crescimento mais rarefeito e
descontínuo, uma vez que nela a acessibilidade pode se dar a qualquer ponto, diversamente ao
que ocorre com a ferrovia (VILLAÇA, 2001). Assim sendo, fica patente como fatores
externos à cidade podem trazer dificuldades aos sistemas urbanos que a constituem. Todavia,
vale destacar que não pode haver expansão urbana apenas a partir do transporte regional.

São os casos – extremos, repetimos – das aerovias e dos aeroportos, ou das


hidrovias e portos. Um porto ou aeroporto pode até fazer surgir uma cidade
em torno de si, mas não pelos transportes que oferecem e sim pelos
empregos; estes, sim, podem vir a gerar uma demanda por transporte – que
será intra-urbano e nada terá que ver com o transporte oferecido pelo porto
ou aeroporto. Com o transporte extra-urbano apenas, sem o transporte intra-
urbano de passageiros, não pode haver expansão urbana. O oposto ocorre
com uma rodovia que, ao longo de todo o seu percurso, oferece
possibilidade de concretização de transporte urbano de passageiros; ou com
uma ferrovia, onde a acessibilidade se concretiza somente nas estações
(VILLAÇA, 2001, p. 81).

Mais especificamente com relação ao espaço da cidade destes municípios, suas


próprias paisagens deixam transparecer certa riqueza e uma urbanização preteritamente
calcada sobre o absenteísmo de sua elite agrária. Cidades como Marília, Presidente Prudente e
Bauru têm constituído um amplo mercado para o capital imobiliário pulverizar seus
novíssimos produtos a um segmento social médio e médio-alto bastante significativo
(CORRÊA, 2006), construindo um espaço cada vez mais parecido com a dispersão de
atividades de algumas cidades estadunidenses, objetivando um sério agravante para a
operação de transportes públicos coletivos, os quais vêm perdendo passageiros
progressivamente302. Contudo, esta ―dispersão‖, associada à expansão urbana promovida
pelos interesses imobiliários, tem uma complexa relação com a idéia de produção do espaço
urbano e mesmo com a dinâmica dos ciclos econômicos303.

302
Entrevista fornecida por Eduardo Alcântara Vasconcellos na Associação Nacional dos Transportes Públicos
– ANTP, em São Paulo, no ano de 2008.
303
Autores como Walker (1981), Harvey (1981), Kuznets (1960) e Gottlieb (1976) identificaram estágios na
produção do ambiente construído que estavam associados, segundo eles, à natureza cíclica da acumulação do
capital, ou seja, à crise de superacumulação dentro de certos setores do circuito primário de capital, a qual
provocaria uma onda de investimentos imobiliários (circuito secundário) de contenção da crise. Contudo,
Lefebvre (1973) expõe em seus escritos, preocupação com a produção ininterrupta de espaço, fazendo com que
este tipo de produção alce o patamar de leitmotiv da economia, levando à subcapitalização de outros setores.
Com efeito, ainda que de maneiras diversas, todos estes autores colocam uma maior ou menor influência dos
ciclos econômicos para a produção do espaço. Walker por exemplo, situa a história urbana dentro dos ciclos de
Kondratiev, dividindo-a em estágios de 25 anos, os quais atrelam-se às oscilações na acumulação de capital
(GOTTDIENER, 1997).
484

O sistema de transporte público de Bauru/SP assevera estas afirmações, uma


vez que já transportou cerca de 5 milhões de passageiros/mês no ano de 1993, demonstrando
uma forte oscilação de demanda, sendo que mais recentemente, as três empresas operadoras
(Baurutrans, Cidade Sem Limites e Grande Bauru)304 têm transportado cerca de 2 milhões de
passageiros/mês. Como indício desta diminuição relativa, o município de Bauru já registrara
em outros tempos, IPKs (índice de passageiros transportados por quilômetro) que giravam em
torno de 3 ou 3,5 (pass./km) e atualmente, mostra-se em torno de 1,8305.

Não obstante, a inflexão dos níveis de IPK não deve ser associada tão somente
ao fenômeno da dispersão urbana. Pensar o IPK remete a uma reflexão acerca de diversos
elementos de impacto sobre a demanda de transportes públicos e que se somam à dispersão
urbana. São eles: a) aumento do uso de veículos individuais (motocicletas, automóveis e
bicicletas); b) diminuição dos níveis de emprego e renda; c) diminuição na dinâmica
econômica, reduzindo os motivos gerais de deslocamento e; d) a mobilidade à pé, efetuada
por uma demanda reprimida que não utiliza do transporte público por conta do preço das
tarifas, forma de deslocamento que vem aumentando sensivelmente. O cômputo destes fatores
negativos torna-se de suma importância, uma vez que contribuem para o entendimento das
estratégias adotadas pelas empresas operadoras no sentido de manter seu equilíbrio
econômico, seja através de redução da qualidade e quantidade do serviço (freqüência,
conforto, número de veículos), ou de incremento de tarifas306. Este último fator em especial é
extremamente danoso, uma vez que solicita ainda maior aporte de renda a ser gasto com
transporte pelo usuário. Eis aí uma questão de difícil resolução e que exige decisões de
escalas de poder mais amplas.

[...] o problema tarifário em sua essência só terá solução definitiva com a


recuperação da economia e, principalmente, do poder de compra da população,
ficando até lá o poder público concedente – o município – apenas responsável

304
Atualmente, estas três empresas operam por lote de veículo, ou seja, segundo contrato firmado com a
Prefeitura mediante licitação, a partir de um valor de outorga oferecido (como ―garantia de capitalização‖) em
torno de R$ 8 milhões. A operação por lote de veículos prevê uma quantidade fixa de ônibus para operação e
uma reserva técnica, não havendo, portanto, ―territórios de operação‖ para cada empresa. Esta medida visou
corrigir as discrepâncias advindas do altíssimo déficit do sistema de Câmaras de Compensação Tarifárias
vigentes até o ano de 2003 e que inicialmente visavam transferir recursos de itinerários mais lucrativos para
itinerários deficitários dentro de um sistema que funciona com divisão espacial de operação entre as operadoras
(SAAD, 2009).
305
Entrevista fornecida pela Engenheira Deise Maria Santesso Saad, gerente de transporte da Empresa de
Desenvolvimento Urbano de Bauru/SP, em Bauru, no ano de 2009.
306
Todavia, já vigora nova legislação sobre tarifas aprovada pelo Governo Lula, a qual preconiza que o cálculo
de reajuste tarifário deverá ser baseado na inflação e não mais sobre os custo e receitas das empresas operadoras
(BRASIL, 2009).
485

pelos reajustes tarifários, tarefa inglória, pois a maioria das prefeituras


encontra-se desequipada para realizá-la [...] (MELLO, 1986, p. 84).

Vale ressaltar, que o serviço do transporte público depende diretamente de


parte da renda da população paga em tarifas para sua manutenção efetiva, ou seja, depende de
circunstâncias macroeconômicas e de como o Estado reage a elas, intervindo ou não nos
momentos de crise. Todavia, aumentos abusivos de tarifa (somados ao desemprego ou
compressão salarial) podem excluir ampla parcela da população do acesso à cidade.

Ademais, na medida em que a economia sinaliza para o aumento nos custos


dos insumos ou queda na renda/nível de emprego, o setor de transportes é atingido pela
crise307. Os anos de 1980 foram exemplares neste sentido, quando ficou patente a pressão do
desemprego sobre todos os meios de consumo coletivo, levando muitas empresas em diversos
municípios paulistas, inclusive a subsidiar passagens para desempregados a preços bastante
reduzidos308. A atual crise e seu rebatimento sobre os transportes públicos, ainda se manifesta
espacialmente de modo seletivo, a partir de restrição ao crédito de empresas operadoras em
alguns países 309.

Como já salientamos, a ampla gama de fatores que atingem os sistemas de


transporte público faz com que as operadoras dos serviços ―lancem mão‖ de estratégias
logísticas para a manutenção de seu equilíbrio. Em 2003, por exemplo, foi efetuada uma forte
remodelagem de todo o sistema de transporte público em Bauru, determinadas, segundo a
administradora do sistema (Emdurb), pela combinação de diversos fatores como: surgimento
de novos subcentros, queda do poder aquisitivo da população e desconcentração de
atividades, entre outros310.

307
Isto ocorre na medida em que o serviço de transporte de passageiros – em termos keynesianos – depende
tanto de aumentos secundários, quanto pelos aumentos primários de renda, já que os primeiros advêm da
dinamização do comércio e, portanto, dos deslocamentos motivados por compras e trabalho (dos comerciários)
aos espaços que concentram comércio e serviços nas cidades, enquanto que estes últimos se referem aos
deslocamentos à unidade de produção (ESTEY, 1953). Em suma, as receitas do transporte público são
dependentes do aumento da demanda efetiva de todos os outros setores da economia, já que o transporte público
não é um fim em si mesmo.
308
Frente à crise da década de 1980, municípios como Diadema, Osasco e Campinas, passaram a implantar
passagens gratuitas de transporte público, funcionando com cotas mensais de passes cuja validade limitava-se a
horários específicos. O usuário tinha que comprovar sua condição com determinada freqüência. Em Osasco os
passes funcionavam inclusive em horário de rush, com o objetivo de facilitar a procura de emprego pelos
usuários (REVISTA DOS TRANSPORTES PÚBLICOS, 1984).
309
Exemplo disso é a queda na produtividade de indústrias encarroçadoras, as quais diminuíram vendas e em
alguns casos inclusive paralisaram a produção (como a unidade russa da Marcopolo) devido à restrição ao
crédito para operadoras, oriunda da atual crise econômica (BUENO, 2009).
310
Entrevista fornecida pela Engenheira Deise Maria Santesso Saad, gerente de transporte da Empresa de
Desenvolvimento Urbano de Bauru/SP, em Bauru, no ano de 2009.
486

Marília é um exemplo notável de litígios envolvendo a lógica de lucro da


operadora e a necessidade dos usuários, na medida em que conflitos entre prefeitura, SAF
(Sistema de Auxílio à Fiscalização do Transporte Público) – órgão consultivo composto por
entidades representantes de classes e bairros – e a empresa operadora Circular Cidade de
Marília (ligada ao Grupo Andorinha) 311, tem sido recorrentes. Dentre estes litígios, destacam-
se aqueles ligados à questão tarifária e a má qualidade dos serviços. Para se ter uma idéia, a
operadora (há 20 anos na operação do serviço em Marília) vinha tencionando uma tarifa de
R$ 2,50, enquanto a passagem formulada pela Gerência de Trânsito do município apontava
R$ 2,31 como sendo o preço ideal312. Vale destacar que reclamações recorrentes de
superlotação nos ônibus são dirigidas ao órgão consultivo e, inclusive, há ação cível pública
endereçada à operadora por parte do Ministério Público, determinando ajustamentos de
conduta na operação do sistema (parada paralela junto à guia, fiscalização da superlotação dos
veículos, etc.). Neste contexto, torna-se perceptível a tentativa de imposição de uma lógica de
sobrelucro a partir de um serviço que é essencialmente público, mediante estratégias de
equilíbrio econômico.

Pari passu, novas demandas por deslocamento, relacionadas aos papéis de


centro de comércio e serviços exercidos por estas cidades, tem exigido um sistema de
transporte público mais moderno, confortável e eficiente. Na contramão destes fatos, vem se
ampliando o deslocamento a pé, como reflexo do peso cada vez maior das tarifas sobre a
renda e uso de veículos individuais e fretados, como amostra da tendência ao solucionamento
individual de problemas de ordem coletiva, como sinal da própria natureza indivisível dos
meios de consumo coletivo, isto é, dos limites que os meios de consumo coletivo impõem à
rentabilidade do capital. Tal como assevera Lojkine (1997).

Problema idêntico decorre da rentabilidade dos transportes coletivos cuja


utilidade global, coletiva para um conjunto de consumidores espacialmente

311
O grupo Áurea, do qual faz parte a empresa Andorinha, congrega as atividades econômicas da família
Constantino (família tradicional em Presidente Prudente e originada em Minas Gerais). Aplica capitais em
diversas atividades econômicas, assim como possuem uma rede de atuação nacional na provisão de transportes
públicos ―intra-urbanos‖, operando sistemas em Maringá (TCCC), Presidente Prudente (Pruden Express e
TCPP), Marília (Circular Cidade de Marília), Brasília (Planeta), entre outras. Também são proprietários da Gol
linhas aéreas e da Empresa Andorinha de transporte intermunicipal. O grupo também vem paulatinamente
adquirindo várias empresas de transporte público do país e ganhando licitações em diversos municípios. Trata-
se de uma poderosa holding de transportes, constituída por 38 empresas de transporte terrestre distribuída em
sete estados brasileiros mais o Distrito Federal, com grande penetração política nas diversas escalas de poder.
Ademais, também detém participação em empresas concessionárias de rodovias como a BRVias (34% das
ações, com o restante dividido entre a Splice e a Walter Torre Jr.).
312
A partir dos custos apresentados pela operadora e critérios para cálculo de tarifas tradicionalmente utilizados
em todo o país, segundo aquele que fora inicialmente idealizado pelo extinto GEIPOT.
487

concentrados (unidade de um mercado regional do trabalho ou do consumo,


por exemplo), entra em contradição com os critérios mercantis que se tenta
aplicar-lhes ao individualizar a ―rentabilidade‖ de cada linha de transporte, em
função de sua freqüentação específica e da relação receitas obtidas/despesas
investidas (pessoal+material). A não rentabilidade (mercantil capitalista) dos
transportes coletivos tomada como um valor de uso complexo e indivisível –
apesar de dividida pelo modo capitalista de produção – aparece então como a
expressão da ―rejeição‖ pelo sistema capitalista de um setor econômico que é
alheio a uma pura medida mercantil clássica (LOJKINE, 1997, p. 156).

O município de Ourinhos/SP remete a exemplos destes casos, uma vez que


iniqüidades inerentes ao sistema de transporte público implantado, associados à forma de
planejamento das linhas radiais – que se direcionam a um único terminal central – tem levado
as indústrias a solicitar serviços de transporte fretado, como medida de evitar a não
confiabilidade dos transportes públicos e suas restrições para horário de funcionamento. A
própria empresa operadora em Ourinhos é que oferece este tipo de serviço, obtendo a partir
dele uma garantia de rentabilidade muito maior, enquanto o transporte público regular é
taxado de ―serviço problemático‖.

Outro fato que exemplifica cabalmente a contradição entre os critérios


mercantis clássicos e a natureza coletiva do consumo do transporte público é verificado em
Presidente Prudente/SP, onde microônibus do próprio sistema de transporte público são
utilizados em linhas e horários de grande demanda, levando à lotação e ao desconforto do
usuário. Estes fatos podem ser entendidos como uma forma encontrada pela empresa
operadora de reduzir custos do sistema ―mutilando‖ o nível de serviço do transporte, já que os
microônibus têm menor consumo de combustível e menor quantidade de assentos, ou seja,
têm uma alta rentabilidade do ponto de vista das empresas operadoras (opera sempre no limite
313
da capacidade), não correndo o risco de ―bater banco‖ como os ônibus de tamanho
convencional. Todavia, estes veículos atualmente têm apresentado um desempenho ruim do
314
ponto de vista das empresas operadoras (TCPP e Pruden Express) , na medida em que nos
horários de pico – nos quais tem operado em superlotação – vem acumulando sérios desgastes
mecânicos devido ao excesso de peso e deficiência na infra-estrutura viária315 (quebra de
molas principalmente). Há inclusive, relatos de microônibus que em certos horários não

313
Expressão muito utilizada por profissionais do transporte público e que remete a linhas e horários nos quais
os ônibus não têm todos os seus assentos ocupados, demonstrando baixa utilização.
314
A empresa TCPP – Transporte Circular Presidente Prudente e Pruden Express operam juntas o sistema de
transporte público da cidade, sendo administradas pela SEMAV – Secretaria Municipal de Administração
Viária de Presidente Prudente.
315
Há diversos núcleos urbanos descontínuos à mancha urbana de Presidente Prudente (como o núcleo Ana
Jacinta, por exemplo), fato que exerce certa pressão sobre os serviços de transporte público e sobre a provisão
de outros meios de consumo coletivo.
488

param nos pontos de embarque com a justificativa de superlotação. Destaca-se, que estes
danos acabam sobrepujando a economia efetuada na relação baixo consumo/alta
rentabilidade, induzindo as empresas operadoras a repensarem a viabilidade deste tipo de
veículo.

A utilização de microônibus – tanto entre empresas de fretamento quanto entre


operadoras de transporte público – também parece sinalizar para algumas conclusões a
respeito da morfologia do espaço urbano e mais diretamente, para transformações na própria
demanda usuária específica. Com relação à morfologia urbana, o uso do microônibus316
parece ser uma forma de adaptação à dispersão do espaço urbano, associada aos processos de
estruturação e produção do espaço dentro do contexto da economia flexível. Estas e outras
estratégias seriam então formas de atenuar os efeitos negativos da diminuição progressiva do
IPK, derivada entre outros fatores, destes processos.

Assim, a união destes elementos demonstra claramente que o transporte


público deixou de estruturar o adensamento do espaço da cidade para tão somente atender de
modo precário às demandas da produção do espaço e nos dias de hoje, apenas debilmente
inserir as populações usuárias mais carentes dentro da economia formal. Eis a atual limitação
de sua capacidade estruturadora: as periferias mais carentes de acessibilidade e mobilidade
são precariamente providas de meios de consumo coletivo de qualidade e dentre eles, de
transporte público.

INVESTIMENTO SELETIVO E ESTRANGULAMENTO DOS SISTEMAS DE


TRANSPORTE PÚBLICO

Outros fatos exemplificam de modo notável a ocorrência de uma seletividade


dos investimentos em meios de consumo coletivo (LOJKINE, 1997) em prejuízo de
populações de renda mais baixa, como demonstra a opção do poder público de Bauru/SP por
não edificar terminais de apoio para que o usuário efetue integração entre linhas no sistema de
transporte. Este tipo de infra-estrutura está sumariamente excluído da pauta de investimentos
da Prefeitura e das operadoras, declaradamente por conta dos custos de manutenção a elas
associados. Obviamente que tais infra-estruturas devem ser corretamente dimensionadas na

316
Estes fatos contrastam com a oferta de ônibus articulados e bi-articulados em municípios como Curitiba e
Uberlândia, os quais servem ao propósito de estruturar o adensamento urbano a partir da combinação entre uma
legislação específica de uso do solo hierarquizado, a partir das linhas troncais de transporte (ônibus articulados
e bi-articulados), rarefazendo-se na medida em que é conduzido pelas linhas alimentadoras (ônibus
convencionais) que adentram de modo mais capilar o espaço da cidade.
489

medida em que há diversos exemplos negativos em várias cidades 317. Contudo, a flexibilidade
garantida pela integração temporal – sistema utilizado na cidade de Bauru318 – deve ser
associada a infra-estruturas de apoio mais confortáveis para o usuário, na medida em que a
transferência de veículo pode ocorrer de modo inseguro, sob intempéries, ou com desajuste de
conectividade (no espaço e no tempo). O fato é que do ponto de vista da reprodução do
capital, tais infra-estruturas são ―facultáveis‖, ―supérfluas‖ e de ―alto custo‖ (LOJKINE,
1997). No entanto, este discurso cai por terra quando se verifica que o município possui um
grande plano de ampliação do sistema viário319.

Para a Emdurb de Bauru, o principal impeditivo para uma maior eficiência e


qualidade do sistema de transporte público são as vias estreitas – são, portanto, externos ao
serviço de transporte público – manifestando amplo apoio à expansão do sistema viário por
parte da prefeitura de Bauru. Contudo, sabemos que a expansão de infra-estrutura viária como
uma forma de solucionar os problemas do transporte público é historicamente tida por
improlífera, como atestam os exemplos de cidades como Los Angeles 320 ou São Paulo. Mais
do que isto, este tipo de intervenção urbana, calcada sobre o discurso da ―necessidade de
espaço viário‖ (VASCONCELLOS, 2000), serve a interesses particulares 321 muito mais do
que à coletividade, pois nada faz crer que tais iniciativas convertam-se em significativa
melhoria dos sistemas de transporte público. Pelo contrário, trata-se de maior espaço viário a
ser ocupado pelos automóveis, uma vez que não é concebido concomitantemente a corredores
de operação exclusiva de transporte público.

Estes problemas são agravados pela tendência do grande capital (investidores)


em desinteressar-se pelos investimentos em equipamentos de consumo coletivo (transporte

317
Os casos de sucesso e fracasso são diversos e demonstram não haver uma regra geral. Em Araraquara, o
terminal de integração possui restaurantes e demais estruturas de suporte ao usuário, que ao contrário de
―degradar‖ o entorno, é motivo de valorização do uso do solo, dada a acessibilidade que o mesmo proporciona.
Enquanto isso, Florianópolis é exemplo de um sistema mal dimensionado, que inclusive redundou em
inutilização ou subutilização destas infra-estruturas em alguns pontos da cidade, enquanto em Ourinhos/SP foi
construído um único terminal na área central, o qual, do ponto de vista do usuário, leva a deslocamentos
irracionais, dada a obrigatoriedade de entrada no terminal para baldeação.
318
O sistema de transporte público de Bauru funciona a partir de integração temporal, ou seja, é possível ao
usuário, efetuar integração entre linhas de transporte dentre uma hora e meia ou duas horas (dependendo da
extensão da linha), sem pagamento adicional de tarifa. Em Presidente Prudente vigora o mesmo sistema, mas a
integração sem pagamento adicional só vale durante 90 minutos.
319
Entrevista fornecida pelo Engenheiro Aníbal dos Santos Ramalho, Gerente de Planejamento e Operações
Viárias da Empresa de Desenvolvimento Urbano de Bauru/SP, em Bauru, no ano de 2009.
320
Em Los Angeles, como atesta Soja (1993), este fato contribuiu ainda, para a edificação de uma cidade
polinucleada, na qual é difícil identificar uma única área central sobressalente. A menos que tais centros
dispersos constituam densos polígonos de demanda (o que é difícil pensando na escala da cidade), tem-se sério
óbice à operação de serviços de transporte público.
321
Além do subsídio imediato que tais obras conferem ao automóvel, podem beneficiar futuros
empreendimentos imobiliários devido à dotação de acessibilidade proporcionada pela expansão viária.
490

público, escolas, hospitais, etc.) devido à própria duração de seu consumo e a lentidão de sua
renovação, as quais diminuem a rotação do capital improdutivo, deflagrando em uma
rentabilidade capitalista muito fraca. É por essas razões que seus valores de uso são
―mutilados‖ de acordo com os interesses isolados dos setores capitalistas responsáveis por sua
construção. Exemplo disso é o produtivismo imobiliário de precárias casas populares pré-
fabricadas, da deficiência no conforto do transporte público, na provisão deficitária de
pavimentação viária dos bairros pobres, entre outros322. Diante disso, Lojkine (1997, p. 154) é
bastante contundente:

Enquanto os meios de circulação social (crédito, bancos, etc.) compensam sua


improdutividade pela necessidade de intervirem no nível da reprodução do
capital produtivo, os meios de consumo coletivo, na medida em que só
intervêm no nível da reprodução da força de trabalho, são pois classificados
como ―supérfluos‖, do ponto de vista da reprodução do capital. A restrição
desses meios entra pois no próprio objetivo da acumulação do trabalho morto,
em detrimento do trabalho vivo.

Há ainda, uma clivagem dentro dos próprios meios de consumo coletivo, ou


seja, aqueles que pertencem à reprodução do capital e aqueles que pertencem à reprodução da
força de trabalho, separando interesses ―urbanos‖ dos segmentos sociais menos favorecidos,
dos interesses dos segmentos médios e altos da cidade. Lojkine (1997), para o caso francês,
coloca três elementos básicos de segregação socioespacial como sendo:

 A segregação no nível da habitação;

 A segregação no nível dos equipamentos coletivos (creches, escolas, equipamentos


esportivos, etc.) e;

 A segregação no nível do transporte urbano, com a crise permanente dos transportes


coletivos para os segmentos menos abastados, contrastando com os privilégios
―burgueses‖ referentes ao uso do automóvel.

Assim, enquanto determinados segmentos são beneficiados por certas políticas


(como a de expansão viária), o serviço de transporte público de Bauru demonstra vários
pontos de estrangulamento, como por exemplo, as linhas de maior fluxo do serviço, as quais
passam pela região Sul da cidade e pelo Distrito Industrial I, nas proximidades de bairros de
grande densidade de população pobre. Atualmente, estas linhas mostram-se como o maior

322
Enquanto que por outro lado, ocorre um interesse ascendente na individualização desses usos, quais sejam, a
indústria do transporte individual (motocicletas e automóveis) e a oferta de serviços privativos de transporte
(transportes coletivos fretados, táxis, moto-táxis, etc.).
491

ponto de estrangulamento em termos de nível de serviço do sistema de transporte público,


tornando imperiosa a necessidade de aumento do número de ônibus em circulação para um
maior conforto dos passageiros, como atesta a própria autarquia administradora do consórcio
na cidade323. Contraditoriamente, é patente um processo de redimensionamento de frota, ou
seja, a diminuição da frota de ônibus das empresas operadoras do sistema, demonstrando o
uso das já mencionadas estratégias logísticas (tabela 1).

Tabela 1: Frota de ônibus das empresas operadoras em Bauru/SP.


Ano Baurutrans Cidade Sem Limites Grande Bauru Total do sistema Total
Operação Reserva Operação Reserva Operação Reserva Operação Reserva
2002 57 5 69 5 113 11 239 21 280
2003 37 4 63 6 113 11 213 21 234
2004 38 3 64 5 112 12 216 20 236
2005 38 3 64 5 114 10 216 18 234
2006 37 4 62 7 109 13 208 24 232
2007 40 1 67 2 112 10 219 13 232
2008 40 1 67 2 112 10 219 13 232
Fonte: Emdurb, 2009.

Em agravo a estas circunstâncias e especialmente em prejuízo do sistema de


transporte público bauruense, destaca-se que 95% de seus itinerários se sobrepõem em uma
única via (Avenida Rodrigues Alves), o que conduz o sistema ao ―tráfego em comboio‖
(viscosidade espacial gerada pelos ônibus e veículos individuais) – ainda que este se dê
pontualmente em alguns horários324. Para agravar ainda mais o problema, esta mesma avenida
recebe fluxos de caminhões em direção a Marília, o que além de causar transtornos à fluidez
intra-urbana, reforça o desgaste da infra-estrutura viária já combalida (80% do asfalto de
Bauru está vencido).

Não obstante, fica patente a falta de prioridade de circulação ao transporte


público, cuja operação em sistemas de tráfego misto mostra-se dificultada na medida em que é
significativa a quantidade de veículos individuais em circulação. Eis o foco verdadeiro destes
problemas: uma grande quantidade de automóveis em circulação (uma das maiores relações
entre automóveis/habitantes do país) e a ausência de prioridade de operação do transporte
público. Assim sendo, Bauru exemplifica de modo formidável, o caso de cidades médias do
oeste paulista – com semelhantes formações sociais – que possuem uma relação de até 3,22

323
Entrevista fornecida pela Engenheira Deise Maria Santesso Saad, gerente de transporte da Empresa de
Desenvolvimento Urbano de Bauru/SP, em Bauru, no ano de 2009.
324
Entrevista fornecida pela Engenheira Deise Maria Santesso Saad, gerente de transporte da Empresa de
Desenvolvimento Urbano de Bauru/SP, em Bauru, no ano de 2009.
492

habitantes por automóvel (BRASIL, 2009)325, ou seja, uma frota de veículos individuais a
impactar o sistema de transporte público, o qual – em termos relativos – acumula perdas na
quantidade de deslocamentos (tabela 2).

Tabela 2: Passageiros transportados pelas empresas concessionárias do sistema de transporte público


em Bauru/SP.
Ano Baurutrans Cidade Sem Limite Grande Bauru
2003 5.497.956 9.128.961 15.812.364
2004 4.503.251 8.552.830 15.134.215
2005 4.617.476 9.043.758 15.913.003
2006 4.514.922 8.970.284 15.800.956
2007 4.496.649 8.797.582 15.158.726
2008 3.914.890 7.051.684 13.127.922
Fonte: Emdurb, 2009.

Neste quadro, o investimento em expansão de infra-estrutura viária


pavimentada não é capaz, isoladamente, de reverter as dificuldades enfrentadas pelo sistema
de transporte público e tampouco de promover uma estruturação adensada da expansão
urbana. Do contrário, pode levar a um mecanismo de retroação de demanda e tornar o espaço
de circulação tão restrito quanto atualmente se evidencia. Trata-se assim, de uma estruturação
urbana baseada na acessibilidade conferida pela expansão do sistema viário e pelo automóvel.

A estruturação ou reestruturação, na medida em que remete a uma


transformação ditada por novas lógicas espaciais no espaço intra-urbano, acaba por
relacionar-se à acessibilidade, estando esta por sua vez, fortemente imbricada com as
diferentes possibilidades de deslocamento (fluxos e interações) proporcionadas pelos modos
diversos de transportes no espaço da cidade. Este processo – contido dentro do processo mais
amplo de produção do espaço urbano – caracteriza-se pelas relações existentes entre os
elementos materiais que compõem o espaço urbano de modo contínuo no tempo (SPOSITO,
2005).

No Brasil, o transporte público – principalmente no caso de bondes e trens –


estruturou o crescimento urbano de importantes cidades brasileiras até a primeira metade do
século XX. Trata-se de um momento no qual a ausência de competição por parte do transporte
privado associado à expansão de redes axiais de infra-estrutura conduziu as cidades a um
desenvolvimento adensado. Todavia, na segunda metade do século XX em diante – com

325
Segundo dados do SEADE, Presidente Prudente possui 3,39 e Marília 3,89 habitantes/automóvel, em dados
de 2008, estando entre as 70 cidades do Estado de São Paulo com maior relação entre frota e população. A
cidade que lidera o ranking estadual é São Caetano do Sul com 1,81 habitantes por automóvel. Destaca-se que
todas elas constituem papéis centrais como cidades médias (BRASIL, 2009).
493

exceção de poucas cidades que implantaram sistemas relativamente eficientes de metrô ou


ônibus em operação troncal-alimentadora – o funcionamento em tráfego misto tem contraído
progressivamente o espaço de circulação do transporte público, sendo o espaço urbano um
ambiente que deixou de se estruturar concomitante ao desenvolvimento do transporte público
(PASCHETTO, 1984), para se estruturar mediante interesses de acessibilidade tanto do
segmento médio e alto, quanto de interesses corporativos, beneficiados pela proximidade com
os centros comerciais e de serviços326.

O contexto que vem se delineando em Bauru mostra certo paralelismo com


estes fatos, assim como remete a diversas outras realidades, como os exemplos trazidos por
Lojkine (1997), concernentes à rede de transportes francesa de Maine-Montparnesse, cujo
projeto, idealizado pelo Atelier Parisien d‟Urbanisme, acabou por privilegiar ainda mais o
acesso ao automóvel graças à expansão do sistema viário, propiciando com isso, um fluxo
ainda maior de veículos e conseqüentemente, maiores engarrafamentos, lotando as vias de
acesso de transporte em prejuízo da circulação de ônibus (LOJKINE, 1997)327.

O planejamento deve, portanto, relativizar seu alicerce sobre a ampliação da


infra-estrutura viária, pois mais espaço viário acolhe mais fluxo, levando a um processo de
ampliação crônico. O déficit de pavimentação dos espaços periféricos da cidade (bastante
amplo no caso de Bauru) deve ser a prioridade das políticas públicas, assim como a
concomitante constituição de eixos estruturais exclusivos de transporte público – em todos os
espaços apresentados neste trabalho – com vistas a organizar um espaço urbano mais denso e,
por conseguinte, provido de maior acessibilidade. Contudo, não se devem esquecer as
questões macroeconômicas que citadas anteriormente, as quais afligem os meios de consumo
coletivo a partir de oscilações na dinâmica econômica. Para estes problemas, torna-se urgente
a criação de mecanismos de financiamento, gestão e concessão mais adequados, capazes de
manter a qualidade do sistema adequadamente.

326
As acessibilidades variam também de acordo com o veículo utilizado e não apenas pela proximidade física
variando, portanto, conforme os diferentes segmentos sociais. Distingue-se deste modo, a acessibilidade
daqueles que dependem do transporte público, para aqueles que possuem transporte individual (VILLAÇA,
2001).
327
Trata-se de um processo de retroalimentação entre expansão do sistema viário e sua apropriação pela cada
vez maior quantidade de automóveis em circulação. Para o caso em destaque, Jean Lojkine utiliza o conceito de
antecipação, ou seja, a ação do poder público como o navio ―quebra gelo‖ das intervenções do capital e que
foram correntes na França de então. Contudo, no caso brasileiro, as intervenções do poder público nas suas
diversas escalas, assim como do capital privado, não raro se dão de modo concomitante, ou mesmo com este
último se adiantando à ação do Estado.
494

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão medrada por este trabalho buscou acima de tudo demonstrar como
a ineficiência e a adoção de determinadas estratégias logísticas, sobretudo por parte de
empresas de transporte público de algumas cidades do interior paulista, assestam rebatimentos
negativos sobre a qualidade de seus sistemas de transporte, reduzindo a já iníqua
acessibilidade que conferem aos segmentos sociais de baixa renda. Também destacamos a
existência de reflexos mútuos entre o desenvolvimento dos transportes públicos e o
desenvolvimento macroeconômico, uma vez que a provisão de acessibilidades ao emprego, à
aquisição de renda, de mercadorias e demais circunstâncias atinentes à reprodução da força de
trabalho contribuem para com este último, enquanto as fases recessivas inerentes ao sistema
capitalista se abatem sobre a demanda efetiva primária e secundária com efeitos danosos
sobre a demanda por circulação urbana.

Os exemplos trazidos a partir de Bauru, Presidente Prudente, Marília, Ourinhos


e outros municípios paulistas expressaram de modo formidável como as empresas operadoras
se comportam frente a oscilações na demanda – expressas pela inflexão do IPK – associadas a
efeitos macroeconômicos sobre os transportes. A dispersão urbana determinada por interesses
locais de agentes incorporadores e proprietários fundiários, torna estes fatos palpáveis em
Presidente Prudente, Bauru e Marília, uma vez que descontinuidades territoriais oriundas da
construção de imóveis comerciais e residenciais de alto padrão, novas localizações industriais,
ou mesmo a periferização dos segmentos de baixa renda, impingem graves danos à oferta de
transporte público coletivo. Estes são compensados pelas empresas operadoras com
estratégias logísticas e pulverização de serviços iníquas do ponto de vista do usuário (uso
indevido de veículos de menor porte, de serviços de fretamento, etc.) o que é perfeitamente
explicável pela própria natureza indivisível dos meios de consumo coletivo, e a necessidade
que tem o capital de tornar altamente rentáveis tais serviços e infra-estruturas.

Ao longo do trabalho destacamos o caso de Presidente Prudente, cujas


operadoras de transporte público fazem uso (excessivo) de microônibus para efetuar o serviço
dos ônibus convencionais, com vistas a reduzir custos. Todavia, também destacamos a
insuficiência técnica destes veículos, na medida em que não suportam um regime de lotação
severo (ocasionando quebras recorrentes) nos horários de pico (horários nos quais as
operadoras têm aumentos na lucratividade), ainda que em um quadro de dispersão urbana, os
micro-ônibus sejam bastante flexíveis à demanda espacial rarefeita.
495

Diante disso, fica patente como a morfologia da cidade afeta os meios de


consumo coletivo, os quais, diga-se de passagem, são sumariamente importantes para a
reprodução ampliada da força de trabalho humana, fato cabalmente imprescindível dentro do
atual contexto econômico, dentro do qual torna-se cada vez mais intensa a exigência de um
trabalhador polivalente e com postura pró-ativa frente aos problemas e desafios do mercado.
Há, contudo, uma miopia diante destes fatos e os transportes públicos permanecem com baixo
nível de serviço e/ou com gargalos logísticos em suas redes, em generalizadas realidades no
Brasil, a exemplo da sobreposição de 95% das linhas de transporte público de Bauru em uma
única via, sem qualquer exclusividade de circulação. Somam-se a estes problemas, uma
quantidade de habitantes por automóvel bastante significativa, além de cada vez mais
facilitada aquisição de motocicletas.

Ademais, a questão tarifária torna-se premente, na medida em que, além de


afastar o usuário do sistema, rebate em encarecimento da reprodução da força de trabalho,
carreando a mais-valia produzida por uma fração de capital aos capitais particulares
incumbidos de operar o transporte público. Marília exemplifica notavelmente estes fatos, na
medida em que se trata de uma cidade com indústrias importantes, mas que é clivada de
conflitos entre a prefeitura, a operadora e o órgão consultivo de fiscalização ao transporte,
sobretudo no que tange ao aumento objetivado de tarifa por parte da operadora (R$ 2,50) e
aquele proposto pelo poder público (R$ 2,31).

Municípios como estes que destacamos, também são tomados por certa
densidade de fluxos regionais de passageiros e de cargas que acomodam ainda maior
quantidade de veículos dentro do sistema viário da cidade, como é o caso de Bauru,
deflagrando em ainda menor espaço para a operação do sistema de transporte público. Na
contramão das necessidades coletivas, tais municípios resistem à implantação de corredores
exclusivos de transporte público, o que demonstra a influência do segmento médio e alto da
cidade sobre as políticas públicas locais, à revelia inclusive da proposta de financiamento
ofertada pelo governo central, concentradas exatamente na abertura de vias exclusivas em
municípios médios e grandes. Não obstante, modelos tradicionais de planejamento ainda
vigoram, como demonstra o projeto de expansão do sistema viário de Bauru, plano que
certamente favorecerá exponencialmente os usuários de automóveis e poderá favorecer os
especuladores, caso não seja elaborado dentro de parâmetros legais norteadores. Em Bauru,
estas intervenções se farão na construção de avenidas e dentre outras, na Avenida Nações
Unidas em seu trecho norte, para interligação da ―Baixada do Silvino‖ com a rodovia SP-294,
496

em uma obra de pelo menos 3,5 quilômetros de extensão orçada em R$ 49.971.660,31.


Recursos que poderiam ser direcionados a obras específicas para operação de transportes
públicos.

Tais planos fragmentam investimentos de fato essenciais, como a manutenção


e pavimentação das periferias carentes, eventuais desapropriações necessárias à constituição
de corredores, terminais de apoio de transporte público, etc. Neste contexto, o transporte
público deixa de estruturar o adensamento do espaço da cidade para tão somente atender
precariamente e posteriormente à sua estruturação, às demandas dispersas espacialmente, com
efeitos danosos sobre a acessibilidade daqueles segmentos sociais que mais dela necessitam.

O objetivo do transporte público, enquanto meio de consumo coletivo, deveria


pautar-se na constituição de um importante instrumento de justiça social e desenvolvimento,
na medida em que pode conduzir de modo mais racional o crescimento das cidades e
aglomerações urbanas, ou seja, graças à acessibilidade que proporciona.

Contudo, estes objetivos só poderão ser alcançados a partir de uma nova


postura por parte das autoridades, direcionada ao desenvolvimento integrado do sistema de
transporte público e dos usos do solo no espaço da cidade, o que demandará fatalmente,
investimentos orientados especialmente à fluidez e qualidade do transporte público.
Entrementes, não haverá progresso enquanto vigorarem formas de financiamento, concessão e
planejamento com pouca intervenção estatal, redundando em sistemas de transporte público
que sequer oferecem condições mínimas de segurança e conforto ao usuário. Isto equivale a
uma ampliação do papel do Estado sobre os serviços de transporte público, a partir de
mecanismos que possam carrear recursos ociosos de determinados setores para pontos de
estrangulamento dos sistemas de transporte, objetivando o resgate de seu papel estruturador e
contendo interesses da expansiva especulação imobiliária em favor de um alvissareiro
desenvolvimento do espaço urbano em prol dos segmentos de baixa renda.

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VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 2001.
499

VERBETES
500

Revoluções logísticas (Márcio Rogério Silveira): as revoluções logísticas (e suas


respectivas evoluções) acompanham acontecimentos essenciais, isto é, as invenções e suas
concernentes inovações radicais/revolucionárias nos sistemas de circulação e comunicações.
O conceito de ―revolução‖ (através das inovações na circulação e comunicações capazes
reestruturarem as ordens políticas, sociais e econômicas vigentes), nesse caso, se soma ao de
―logística‖ (estratégias de planejamento e gestão da circulação e comunicações). Em seu
conjunto, portanto, as revoluções logísticas expressam um conjunto de inovações tecnológicas
e organizacionais e estratégias de planejamento e de gestão da circulação e das comunicações
a ponto de ampliarem as interações espaciais e reestruturar a ordem global estabelecida. Cada
revolução logística contribui para a ampliação da divisão territorial do trabalho e, no
capitalismo, impulsionam revoluções industriais e os conseqüentes ciclos econômicos.
Portanto, novos espaços comerciais surgem e especializam-se, novas formas de produção são
disponibilizadas e as trocas culturais consolidadas.

Logística (Márcio Rogério Silveira): o termo logística, apesar de ser usualmente novo, é tão
antigo quanto o ato de transportar, de armazenar e de se comunicar. Isso por ser a expressão
das estratégias de planejamento e de gestão destes. Portanto, a logística não tem uma
temporalidade concreta e, por isso, não possui uma identidade estruturada no domínio militar
(logística militar), corporativo (logística corporativa), estatal (logística de Estado) e de uso
comum (logística das relações comuns). Ela é todas e, por isso, que a logística corporativa é o
termo que deve ser usado para destacar as transformações logísticas no âmbito das recentes
reestruturações econômicas impostas pelo modelo neoliberal (que redundou no que cingimos
por mundialização do capital) para ensejar as demandas corporativas na facilitação de
realocações produtivas e de consumo, no aumento das trocas comerciais e nas movimentações
financeiras. Podemos afirmar, portanto, que a logística corporativa é um conjunto de
estratégias, planejamento e gestão hábil de orientar, em conjunto com as tecnologias
informacionais, a movimentação e o armazenamento de mercadorias (lembramos que a mão
de obra também é uma mercadoria) e informações dentro de uma rede bastante complexa,
especialmente, a produtiva. A logística deve ser entendida como uma estratégia complexa que
procura reduzir as barreiras físicas e operacionais da montante à jusante do sistema
circulatório (no capitalismo é o sistema circulatório do capital e, por esse motivo, a logística é
basicamente corporativa). Assim, a função mais específica da logística corporativa é encurtar
501

o tempo de circulação do capital em prol das demandas corporativas globais a ponto de


influírem no espaço e redefinirem os territórios.

Circulação (Márcio Rogério Silveira): a palavra circulação significa o ato ou o efeito de


circular, de movimento contínuo, de curso, de marcha e refere-se a um circuito que está
relacionado à noção de interação. Para haver circulação, o movimento tem que ser circular,
em círculos, mas no sentido de realizar trocas, ou seja, de ações e suas implicações espaciais
transformadoras. Já quando falamos em mobilidade de pessoas, de mercadorias e de
informações, a circulação insere-se como consequência, no capitalismo, do movimento
circulatório do capital. A circulação redunde, portanto, no ato e nos efeitos de transportar,
como parte integrante da evolução humana e das transformações espaciais. Não é o simples
fato da existência de meios e de infraestruturas de transportes e sua conjugação, id est, o ato
de transporte. Na circulação, a ação de transportar está relacionada às suas consequências, a
uma totalidade globalizante (natural e humana), como reflexo do passado, do presente e das
potencialidades futuras. Os traços essenciais da teoria geral da circulação estão na ampliação
do domínio da circulação geral, no aumento das velocidades, no aumento da capacidade de
transporte e na aceleração contemporânea de todas essas características juntas que, por fim,
também produzem, estruturam, reproduzem e reestruturam o espaço geográfico.

Transportes (Márcio Rogério Silveira): o termo transporte é derivado do verbo transportar.


Expressa levar de um lugar a outro. Assim, significa ato, o efeito ou a operação de transportar.
A expressão circulação etimologicamente é mais ampla, já que traduz o movimento e as
mudanças espaciais. Mas, para a Geografia, o que importa são as interações socioespaciais
entre os grupos humanos através do movimento de mercadorias, de pessoas e de informações
que transformam o espaço em um ―ser‖ socialmente construído. Para que isso ocorra, é
necessário o transportare. A expressão Geografia dos Transportes, como conseqüência do
termo transportes, expressa mais as lógicas de organização e ordenamento espacial.

Comunicações (Roberto França da Silva Junior): antes da invenção do telégrafo em 1844,


as comunicações à distância eram realizadas principalmente através dos meios de transportes
e do corpo de mensageiros. Além destes, as comunicações também se realizavam através de
sons de tambores, sinos e outros meios de emissão sonora, bem como através de sinais de
502

fumaça. Isto faz das comunicações uma noção ainda mais importante. Atualmente, falar em
comunicações subentende-se ―telecomunicações‖, que significa comunicações a distância
(―tele‖ significa ―distância‖), todavia, em um sentido mais amplo, quando se pensa na relação
entre espaço e estratégia, articular a circulação significa organizar um sistema de
comunicações. Em suma, pode-se dizer que o conceito de comunicações abrange dois
sentidos, igualmente fundamentais. Em sentido estrito, comunicações significam
telecomunicações (tecnologias da informação e das telecomunicações e telemática). Em
sentido lato, comunicações significam ―por em comum‖, ―unir‖ e informar (por em forma)

Técnicas de circulação (Roberto França da Silva Junior): a técnica é um elemento


presente na vida do homem como um dos principais fundamentos de sua produção (no sentido
lato, da produção e reprodução material e imaterial da vida social), não se caracterizando
como um simples instrumento de mediação sociedade-natureza, mas como elemento de
ideação no espaço. Por ter uma significação tão ampla, as técnicas servem a muitos objetivos
e ações conforme a finalidade dos agentes, podendo ser divididas entre técnicas de
organização (capacidade de planejamento), técnicas de produção (no sentido restrito, voltadas
para a produção material) e técnicas de circulação (movimento no espaço). As técnicas de
circulação, especificamente, são técnicas que possibilitam a movimentação de mercadorias,
pessoas, serviços, idéias e informações. São tanto instrumentos (máquinas como os trens e
demais objetos técnicos, como é o caso de rodovias, por exemplo) como as formas de
organização do movimento (como é o caso, por exemplo, da logística), e envolvem os
transportes (meios e sistemas), as comunicações (telecomunicações) e a telemática. Ao longo
de toda a existência humana, as técnicas de circulação passaram por mudanças que alteraram
os ritmos de vida e as velocidades dos agentes sociais de forma assimétrica no decorrer dos
tempos.

Distância (Roberto França da Silva Junior): tendo como ponto de partida a Geografia
como uma ciência do espaço social, a noção de distância deve ser analisada a partir de seu
conteúdo relacional. Atualmente, a noção de distância tem sido apresentada para demonstrar a
instantaneidade e ubiqüidade planetária dos agentes hegemônicos, atribuindo a estes, a
capacidade de reduzir as distâncias entre pontos através da banalização do uso de tecnologias
da informação e das telecomunicações e da maior capacidade de produção e facilitação dos
deslocamentos de fluxos materiais (fluidez). No entanto, o principal problema nas análises
503

deste tipo, é a condução da noção de distância para uma distância métrica (espaço absoluto) e
não uma distância relacional (espaço relacional). Do ponto de vista da circulação material, ou
seja, do deslocamento de mercadorias para os mercados, a noção de distância deve ser
analisada como tempo necessário à realização da ligação entre dois locais, visando a
diminuição de custos. Nesse sentido relacional, a noção de distância se torna ―distância-
tempo‖ e ―distância-custo‖.

Compañías de bajo coste o “low cost” (Joana Maria Petrus Bey; Joana Maria Seguí
Pons; Maria Rosa Martinez Reynés): generalmente la expresión se refiere a las compañías
aéreas que, por las características del modelo empresarial de gestión y explotación, pueden
ofrecer billetes a costes más reducidos que las convencionales. Sin embargo, el modo de
explotación ―low cost‖ se ha extendido a otros sectores, como el caso de los cruceros
turísticos o la hotelería. La primera línea aérea de bajo coste surgió Estados Unidos a finales
de la década de los años 40 y ese país conserva aún el liderazgo. A partir de los años 90 tras la
liberalización y desregulación del sector aéreo en la Unión Europea empiezan a extenderse en
Europa, como lo hacen asimismo en el resto del mundo. Actualmente, tienen un papel
destacado también en Canadá, Brasil, Australia, Indonesia o Malasia. De forma general,
aunque con algunas excepciones, se caracterizan por estrategias de explotación tendentes a
abaratar sus costes al máximo. Cuentan con una flota compuesta por aviones de un mismo
modelo a fin de reducir los costes de entrenamiento y mantenimiento. Suelen volar entre
aeropuertos secundarios poco congestionados – para evitar costes de espera – y que tengan las
tasas más económicas. Operan, por lo general, rutas de corta o media distancia y con un alto
número de frecuencias. Por otra parte, venden los billetes directamente al usuario a través de
Internet con lo que evitan el pago de tasas y comisiones a intermediarios. No ofrecen
servicios a bordo y, si lo hacen, son de pago. Las principales Compañías Aéreas de bajo coste
del mundo son, por orden del volumen de pasajeros gestionados en 2005 las siguientes:
Southwest Airlines (EE.UU.); Ryanair (Irlanda); easyJet (Reino Unido); AirTran (EE.UU.);
Jetblue Airways (EE.UU); Air Berlin (Alemania); Virgen Blue (Australia). Todas ellas
superaron los 10 millones de pasajeros en ese año.

Ecoeficiencia (Joana Maria Petrus Bey; Joana Maria Seguí Pons; Maria Rosa Martinez
Reynés): término aplicable a cualquier sector económico y que expresa la relación entre la
creación o producción de bienes y/o servicios, la utilización de recursos y la producción de
504

residuos y polución. Así, un sector será más ecoeficiente cuanto mayor número de bienes o
servicios sea capaz de proveer utilizando el menor número de recursos y causando el menor
nivel de impacto ambiental. Fue acuñado en 1992 por el World Council for Sustainable
Development (WBCSD) y actualmente se ha convertido en un parámetro ampliamente
utilizado en las políticas ambientales empresariales públicas y privadas. Su éxito radica tanto
en factores coercitivos derivados de las normativas cada vez más restrictivas en la lucha
contra el cambio climático, como en factores de estímulo positivo puesto que la mejor
productividad de los recursos posibilita ventajas competitivas. Para la evaluación de la
ecoeficiencia de cada sector se utilizan indicadores específicos en los que se relacionan, de un
lado, los ingresos o beneficios obtenidos y, de otro, los impactos ocasionados o el consumo
de recursos registrado. Por ejemplo, en el sector Transporte, un indicador de ecoeficiencia
utilizado por el Ministerio de Medio Ambiente de España pone en relación las emisiones de
gases de efecto invernadero procedentes del Transporte (kt. CO2), la demanda de Transporte
de viajeros (pasajeros./km.) y/o de mercancías (tn./km) y el crecimiento económico del sector
(VAB).

Movilidad sostenible (Joana Maria Petrus Bey; Joana Maria Seguí Pons; Maria Rosa
Martinez Reynés): se trata de un concepto que emerge ante la creciente motorización de la
población en las zonas urbanas y los impactos que ello produce en términos de contaminación
acústica y atmosférica pero también desde la perspectiva económica – pérdida de horas de
trabajo por atascos –, y la perspectiva sanitaria – enfermedades producidas por el estrés y la
polución. Aunque se puede hablar de movilidad sostenible en el más amplio sentido
abarcando todos los modos y escalas, el concepto se sigue aplicando mayoritariamente a la
escala local urbana. Los indicadores que se manejan para la evaluación de los niveles de
sostenibilidad en la movilidad de la población incluyen variables que cubren tres ejes de cuyo
equilibrio se deriva la sostenibilidad: la calidad y eficiencia de los servicios y las
infraestructuras; los impactos generados y el gasto en inversiones y explotación. Así, la
movilidad será tanto más sostenible cuanto implique mejores servicios, al mayor número de
personas y con el menor impacto secundario en relación a las inversiones realizadas. En el
primer grupo, alguno de los indicadores más comunes son: número de desplazamientos
(pasajeros/km.), los motivos de los mismos (trabajo, ocio, compras, etc.); el modo utilizado (a
pie, bicicleta, automóvil, ferrocarril, vía aérea, navegable, etc.) o la calidad de la red (número
de kilómetros, amplitud de la vía, niveles de articulación de la red, frecuencias de las
505

conexiones, interconexión modal, etc.). En el segundo, los impactos generados: consumo de


energía (tn/km, tn/pasajero/km.) y emisiones (CO2, NOx, SO2) pasajero/km., contaminación
acústica (dB), numero de habitantes afectados, número de accidentes con y/o sin muertes y el
coste sanitario de los mismos. Finalmente, en el apartado de inversiones se utilizan entre
otros: porcentaje de costes anuales por explotación de las infraestructuras, coste de formación
de personal, número de trabajadores necesarios por modo o infraestructura, coste de controles
de seguridad, etc.

Accesibilidad (Joana Maria Petrus Bey; Joana Maria Seguí Pons; Maria Rosa Martinez
Reynés): el concepto accesibilidad se refiere habitualmente a la facilidad con que los
individuos, o en sentido lato los lugares, áreas y territorios, pueden salvar la distancia que los
separa del resto de individuos (lugares, áreas y territorios) donde hallan los medios con que
satisfacer sus necesidades. Varias disciplinas trabajan con el concepto ―accesibilidad‖ con
acepciones diversas. Así, la planificación del transporte considera la accesibilidad un atributo
espacial que se cuantifica y se mide en términos de distancia (expresada en unidades métricas
o de tiempo) y velocidad, que varía en función de la ruta escogida y el modo de transporte – o
su combinación – elegido; la planificación urbana considera la accesibilidad en términos de
distancia entre actividades y entre éstas y los lugares de residencia, pero pondera estas
distancias atribuyendo mayor poder de atracción a las áreas donde se concentran
determinados usos; la planificación de servicios sociales entiende la accesibilidad como la
menor distancia física, económica o de información que permite el acceso de determinados
colectivos (personas con algún tipo de discapacidad, grupos con bajos ingresos, personas
mayores, etc.) a todos los servicios que pueden ayudar a mejorar su integración social; en la
planificación peatonal el término se refiere a las oportunidades que tienen las personas de
acceder al medio urbano y opera bajo la consigna de ―accesibilidad universal‖ y ―diseño para
todos‖; la ingeniería de caminos considera la accesibilidad como acceso desde una vía hacia
propiedades adyacentes, de manera que mejorar la accesibilidad implica aumentar el número
de intersecciones y caminos de entrada en un determinado tramo de carretera; finalmente, los
expertos en comunicaciones entienden la accesibilidad como acceso de la población a las
nuevas tecnologías de la información y la comunicación (teléfono, Internet, etc.). El concepto
tiene pues un campo de significación amplio y variable según la ciencia social que lo
considere. El concepto ha evolucionado especialmente en el campo de la Geografía y la
planificación del transporte. Los indicadores clásicos distinguían entre la accesibilidad entre
506

puntos (relativa), que no tenía porqué ser simétrica y la accesibilidad global (integral). El
análisis de matrices origen-destino fue el primer método para estudiar las redes de transporte;
le siguieron los modelos de gravedad que ponderaban el peso de cada nodo según variables
demográficas, económicas, etc. Finalmente se introdujeron los modelos de utilidad y los
modelos espacio-tiempo en que la accesibilidad individual de los sujetos en función de su
patrón de comportamiento diario permitió analizar la accesibilidad con un grado máximo de
desagregación y donde la percepción o distancia psico-emocional a los lugares cobró
importancia.

Hibridación disciplinaria (Joana Maria Petrus Bey; Joana Maria Seguí Pons; Maria
Rosa Martinez Reynés): el término ha sido ampliamente difundido por Mattei Dogan,
especialista en ciencias sociales y políticas del CNRS de París, y Robert Pahre, economista
político de la Universidad de California. En sus estudios sobre la evolución de las disciplinas
científicas comprobaron que una de las consecuencias de la progresiva especialización de la
ciencia, producto de una fragmentación continua del conocimiento generado por el propio
avance científico, era la de dejar vacíos entre campos de estudios afines. También se advertía
que las nuevas especialidades o subdisciplinas creadas surgían del intento de recombinar total
o parcialmente fragmentos de disciplinas ya especializadas, de manera que la interacción del
progreso de los conocimientos que permitía la especialización daba lugar a un proceso
llamado hibridación. El concepto de hibridación es tomado de la botánica y como en esa
disciplina se concibe el híbrido como un nuevo individuo mejor adaptado que sus genotipos
puros; así la disciplina híbrida es una combinación de saberes que mejora el conocimiento. El
proceso de hibridación se da en todas las disciplinas, especialmente en las dedicadas a la
naturaleza que, por su formalización como ciencias con anterioridad a las ciencias sociales,
han tenido un proceso de fragmentación más dilatado. En las ciencias sociales el proceso de
hibridación es más reciente pero surge de forma idéntica a como ha surgido en las ciencias
naturales. Para su aparición es necesario en primer lugar que las disciplinas estén
suficientemente fragmentadas, para que existan suficientes vacíos entre ellas; en segundo
lugar, es necesario que existan científicos creativos, que vean los problemas ocasionados por
esos vacíos y se aparten del núcleo de su disciplina para explorarlos. En esa exploración de
problemas, dichos científicos entablan relación con otros que a su vez están también
explorando esos mismos vacíos desde el punto de vista de sus propias disciplinas. Mediante la
interacción se llega a definir un nuevo subcampo híbrido derivado de disciplinas matrices, que
507

ya no se aborda exclusivamente con ninguno de los métodos ni teorías de éstas, de manera


que el tratamiento no es interdisciplinario sino combinado: cada disciplina origen arroja nueva
luz sobre una serie de variables que la otra no consideraba por suponerlas exógenas. Este es el
proceso básico de la investigación actual en las ciencias sociales y va acompañado de dos
tendencias inseparables: la especialización, por la que se profundiza en un tema y la
hibridación, por la que las especialidades se recombinan. Los científicos a menudo son más
productivos en comunidades científicas hibridadas y llegan a tener más en común con
especialistas de otras disciplinas que con los de su propia disciplina origen.

Transporte urbano (Joana Maria Petrus Bey; Joana Maria Seguí Pons; Maria Rosa
Martinez Reynés): habitualmente se entiende por transporte urbano el conjunto de
infraestructuras y servicios de transporte que satisfacen la demanda de movilidad de una
población urbana. La demanda de movilidad no se reduce sólo a la de pasajeros sino también
a la mercancía, pero ésta no se ha tomando en consideración a la hora de planificar las
infraestructuras o los servicios de transportes en el medio urbano. Así, el transporte urbano se
ha centrado en mejorar la movilidad de las personas partiendo básicamente de considerar que
la movilidad es un derecho que los poderes públicos tienen la obligación de satisfacer. No
obstante, el crecimiento exponencial de la movilidad pone en cuestión que la planificación del
transporte pueda proponerse como objetivo satisfacer todas las demandas de movilidad,
puesto que el coste financiero, social y ambiental que ello generaría hace inviable ese
propósito. Muchas de las demandas de movilidad o de mejoras en las infraestructuras de
transporte vienen motivadas por decisiones individuales (elección del lugar de residencia o de
servicios como escuelas y lugares de ocio), otras en cambio se generan por desigualdades de
renta o falta de recursos con los que lograr una movilidad privada. Por ello, la planificación
del transporte tiene un importante papel político a desempeñar con el fin de garantizar la
movilidad a los servicios básicos de la población sin alternativas. La mayor parte de la
demanda de transporte de viajeros se generaba habitualmente por desplazamientos al trabajo y
secundariamente por otros motivos como compras o tiempo libre. Pero en la actualidad, en
muchas de las grandes ciudades de los países desarrollados los desplazamientos por motivos
laborales no representan ya más que el 40% del total de desplazamientos, lo que se debe a la
propia mejora del transporte urbano. El volumen máximo de desplazamientos está limitado
fundamentalmente por el tiempo de que se dispone para desplazarse y luego por el coste del
desplazamiento (medido a su vez en tiempo, dinero u oportunidad), por lo que un transporte
508

más eficiente y rápido libera un tiempo que la población puede dedicar a otras actividades,
con lo que la movilidad – sobre todo privada – también se incrementa; por ello un problema
constante del transporte urbano es la saturación de las infraestructuras y la congestión en
horas punta. Desde los años ochenta el transporte urbano se ha visto desbordado por el
crecimiento exponencial de la demanda de movilidad privada a la que han contribuido
factores externos al medio urbano: globalización de procesos económicos, expansión y
dispersión de los usos residenciales, etc., por ello el transporte urbano se enfrenta hoy a la
necesidad de planificar su desarrollo de forma conjunta a la planificación urbana debiendo
primar ésta el desarrollo compacto y la no segregación de usos.

Infra-estruturas (Josef Barat): instalações, equipamentos e facilidades de suporte à


prestação de serviços públicos em diversos segmentos (energia, transporte, telecomunicações
e saneamento). Atendem, tanto a necessidades econômicas de empresas – com os serviços
delas decorrentes entrando nas funções de produção como insumos –, quanto a necessidades
da vida social. Por outro lado, fomentam o desenvolvimento regional e urbano.

Logística (Josef Barat): conceito que evoluiu do uso militar para as necessidades de
escoamento de mercadorias destinadas às exportações, ao abastecimento do mercado interno e
à segurança alimentar. De forma mais ampla e do ponto de vista do planejamento e
formulação de políticas públicas, trata-se de planejar alternativas e buscar a redução dos
custos na movimentação de mercadorias. Tais custos são impostos por gargalos físicos,
ineficiências operacionais, obstáculos institucionais, legais e burocráticos em cada uma das
etapas do escoamento e distribuição.

Globalização (Josef Barat): tendência de fragmentação das cadeias produtivas em escala


mundial, dispersando-se a produção de componentes, partes e montagens finais. A forte
integração horizontal estimula a terceirização da produção e dos serviços a qual, por sua vez,
amplia o alcance dos deslocamentos de matérias primas e produtos. As novas cadeias
produtivas impõem o surgimento de novas logísticas de abastecimento e escoamento, por
meio da utilização dos contêineres e do transporte multimodal.
509

Ordenamento institucional (Josef Barat): do ponto de vista das infra-estruturas,


importantes avanços foram dados com a promulgação da Lei Federal nº 8.987/95 referente às
concessões de serviços públicos, complementada pela Lei nº 9.074/95. Sua aplicação passou a
se dar em conformidade com o disposto pela Lei Federal nº 8.666/93, que disciplinou as
licitações. Em decorrência, houve a implantação das agências reguladoras para controle e
fiscalização dos contratos de concessão. Igualmente importante foi a promulgação da Lei
Complementar nº 101/00, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal. Avanço mais recente foi
a promulgação da Lei Federal nº 11.079/04 que regulou as parcerias público-privadas.

Região competitiva (Ricardo Castillo): a região se expressa em diversas formas de


compartimentação do espaço geográfico, sejam elas de cunho histórico-cultural,
administrativo ou econômico. Essas formas, surgidas historicamente e constantemente
recriadas, coexistem, se sobrepõem e se articulam a cada momento da divisão territorial do
trabalho. No presente, a exacerbação da especialização regional produtiva caracteriza um tipo
de região funcional aos mercados internacionais. Trata-se de um compartimento produtivo do
espaço geográfico, cujas forças de coesão se estabelecem a partir de uma combinação de
competências técnicas locais com interesses políticos distantes, cuja melhor designação
parece ser a de região competitiva. A competitividade deriva da articulação, em algumas
frações do espaço, entre formas materiais (acessibilidade, infra-estruturas produtivas, de
circulação, comunicação, energia elétrica, abastecimento de água, sistemas de
armazenamento, terminais multimodais e outras categorias de instalações e equipamentos,
mais ou menos especializados) e normas (benefícios fiscais, outros incentivos a partir de
recursos públicos locais, acordos entre instituições de pesquisa e empresas, etc.) que garantem
elevados níveis de produtividade e de fluidez. A idéia central que sustenta esse conceito é a de
que a distribuição desigual de densidades materiais e normativas no território confere
diferentes graus de competitividade a frações do espaço para um determinado produto ou
setor da atividade econômica e, por conseguinte, a alguns agentes produtivos que nelas atuam
e que delas fazem parte. Trata-se de um compartimento geográfico caracterizado pela
especialização produtiva (rural e urbana) obediente a parâmetros externos (em geral
internacionais) de qualidade e custos. Essas porções do espaço geográfico reúnem condições
materiais (naturais e/ou técnicas) e organizacionais (leis, formas locais de cooperação,
impostos, instituições regionais públicas e privadas, etc.) capazes de conferir maior
rentabilidade a determinados produtos ou segmentos produtivos. Pode-se dizer ainda que a
510

região competitiva constitui-se em fator de fragmentação territorial, na medida em que se


isola de seu entorno imediato e recebe investimentos públicos e privados em detrimento das
áreas adjacentes e do conjunto do território nacional, formando ilhas de competitividade. O
período conhecido como globalização, assim, reproduz as segmentações políticas do espaço
geográfico, particularmente a divisão do mundo em territórios nacionais, ao mesmo tempo em
que faz emergir uma forma regional como expressão geográfica do novo paradigma
produtivo. Disso decorre um grande aumento dos fluxos materiais e imateriais e uma
ampliação dos circuitos espaciais de alguns produtos, fazendo da circulação um campo de
atuação mais privilegiado do que em momentos anteriores.

Vetores logísticos (Ricardo Castillo): tecnicamente, os Vetores Logísticos aparecem como


uma novidade no Plano Nacional de Logística e Transporte (2008-2023), com a função de
orientar investimentos, de modo a conciliar atividades econômicas regionais com a função
transportes. Trata-se de uma proposta de regionalização através do agrupamento de
microrregiões homogêneas do IBGE, considerando impedâncias ambientais; similaridades
sócio-econômicas; perspectivas de integração e inter-relacionamento (a antiga noção de
corredores de transportes); funções de transporte, identificadas a partir da análise de isocustos
em relação aos principais portos concentradores de carga do país. O território brasileiro foi,
assim, dividido em sete Vetores Logísticos: Amazônico, Centro-Norte, Nordeste Setentrional,
Nordeste Meridional, Leste, Centro-Sudeste e Sul. Os Vetores Logísticos são revestidos de
um discurso de inovação frente aos corredores de exportação, em voga nos anos de 1970 e
1980 e aos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID), presentes nos Planos
Plurianuais 1996-1999 e 2000-2003. O conceito de Vetor Logístico seria mais amplo e
pressuporia o desenvolvimento do país, com base numa nova regionalização. No entanto, e tal
como os ENIDs, os Vetores Logísticos se expressam em topologias extravertidas, orientados
aos portos por meio de eixos de transportes (hidrovias do Madeira-Amazonas, BR 163, BR
153, Estrada de Ferro Carajás, Estrada de Ferro Vitória Minas, hidrovia do Tietê-Paraná,
Ferronorte e malha ferroviária paulista, entre outros) que designam ―bacias de captação‖,
drenando mercadorias destinadas à exportação. Em suma, há uma seqüência histórica de
diferentes termos (Corredores de Exportação ou de Transportes, Eixos Nacionais de
Integração e Desenvolvimento, Vetores Logísticos) que, sob novos discursos, mantém um
mesmo conteúdo ou uma mesma concepção, baseada num pensamento saint-simonista, ainda
predominante na política nacional de transportes.
511

Desenvolvimento Econômico (Lisandra Pereira Lamoso): de elevada complexidade, o


conceito de desenvolvimento econômico já foi elaborado por vários teóricos, com caráter
predominantemente econômico. Joseph Alois Schumpeter contribuiu de forma sistemática em
sua conceituação. Para Schumpeter, o desenvolvimento econômico difere do simples
crescimento econômico, sendo caracterizado pelo emprego diferente da oferta dos meios
produtivos existentes no sistema econômico. Ressalta a importância da inovação e o papel do
empresário inovador na realização de novas combinações, que podem englobar: a introdução
de um novo bem, de um novo método de produção, a abertura de um novo mercado, a
conquista de nova fonte de matéria-prima ou uma nova organização no processo produtivo. O
aprofundamento teórico e empírico tem reelaborado o conceito de desenvolvimento
econômico para adequá-lo a diferentes necessidades de explicação. Tanto tem sido utilizado
para conceituar o aumento da renda per capita quanto também definido a partir de parâmetros
qualitativos. Mais recentemente, a dimensão social, como um contraponto ao determinismo
econômico, tem se imposto na construção do conceito. Alguns teóricos incorporam índices
como IDH, por considerarem a importância da expressão quantitativa dos avanços sociais
obtidos a partir das três dimensões: longevidade, educação e renda. Quanto maiores os índices
sociais, maior seria o desenvolvimento econômico. Capital humano é outra dimensão utilizada
como indicador de desenvolvimento econômico. Este capital, diferente da esfera mercantil,
pode ser compreendido como o conjunto de investimentos destinados à formação educacional
e profissional de determinada população. Além do IDH e do Capital Social, há a
sustentabilidade ambiental. Muitas definições são construídas a partir de avanços teóricos e
empíricos, mas a pulverização das mesmas faz com que se perca a noção do todo e de como
isso é operacionalizado em termos políticos e econômicos. O conceito aproxima-se da utopia,
na qual são depositadas expectativas progressistas quanto ao processo histórico, muito embora
não se explicitem sobre quais mediações econômicas isso será alcançado.

Commodities (Lisandra Pereira Lamoso): expressão da língua inglesa, plural do


substantivo commodity, que é frequentemente utilizada nas transações comerciais para
designar mercadorias com baixa transformação industrial, de pouco valor agregado. São
razoavelmente homogêneas, com um padrão internacionalmente aceito. Podem ser citados, como
exemplo de commodities, o açúcar e o minério de ferro, importantes produtos da balança
comercial brasileira. A concorrência no mercado de commodities se baseia fundamentalmente nos
512

preços e não na diferenciação do produto. São produzidas, transportadas e comercializadas em


larga escala, possuindo um padrão relativamente homogêneo. Os preços são fixados em mercados
internacionais e isso, aliado às características da mercadoria, faz com que os produtores, para
obterem ganhos de mercado, procurem reduzir seus custos de produção. Embora as commodities
recebam inúmeras referências das ciências econômicas, para a Geografia, compreender a
dimensão dessa produção é relevante porque se trata de um vetor de comunicação entre os
espaços produtivos locais e o mercado global. Assim como os preços reagem às demandas
internacionais, aos fluxos financeiros e aos interesses das grandes corporações, também os
espaços ficam sujeitos aos impactos positivos e negativos desses arranjos exógenos. Nos espaços
produtores de commodities os vetores da globalização estão intensamente presentes.

Transporte de minério (Lisandra Pereira Lamoso): a produção mineral requer uma


logística própria para sua transferência. Quando há o beneficiamento próximo da mina, são
empregadas esteiras, ferrovias ou caminhões-caçamba de grande porte, conhecidos como
fora-de-estrada. No Brasil, parte significativa da produção mineral, principalmente de minério
de ferro, é transportada até os portos (marítimos e fluviais) onde é embarcada com destino aos
mercados consumidores internacionais. A força do mercado internacional na economia
brasileira induziu o desenho da malha de transportes e dos equipamentos portuários em
função do atendimento da demanda exportadora do setor. Esse transporte segue o padrão
mina-ferrovia-porto, com pequena variação para o caso de Mato Grosso do Sul, onde ocorre a
inclusão do transporte rodoviário, para levar o minério até os portos no Rio Paraguai. Como o
minério de ferro é a principal carga mineral transportada em território brasileiro, seu
deslocamento é responsável pela implantação e utilização de importantes sistemas de infra-
estrutura, entre os quais a Ferrovia Carajás, Ferrovia Vale do Rio Doce, Ferrovia do Aço e
terminais como o de Ponta da Madeira (Maranhão) e Tubarão (Vitória). Os terminais são
dotados de equipamentos e instalações que lhes conferem extrema especialização. Os volumes
e recursos obtidos com as exportações levaram ao aperfeiçoamento do sistema de
transferência com o objetivo de reduzir o tempo de deslocamento. O mineroduto da Samarco,
que leva a produção do Quadrilátero Ferrífero (Mina Alegria) até Ponta do Ubu, no litoral do
Estado do Espírito Santo, é resultado dessa busca pela fluidez. Importante registrar que desde
as privatizações no setor, no final dos anos noventa, que os sistemas de engenharia envolvidos
no transporte de minério de ferro passaram por transformações materiais (reformas,
ampliação, reaparelhamento) e legais (normas que legitimam uma utilização bastante
513

particular em função dos interesses das empresas concessionárias). A modernização


operacional foi acompanhada da corporatização, com importante papel impositivo da empresa
Vale (Companhia Vale do Rio Doce).

Integração produtiva (Frédéric Monié): a crescente ocorrência da produção industrial


dentro de redes de valor agregado multilocalizadas intensifica as interações materiais e
imateriais entre espaços e atores que participam da dinâmica da globalização. A integração
das funções de produção, transporte, distribuição e consumo numa esfera única articula
horizontal e verticalmente os lugares do arquipélago produtivo mundial dominado por países,
cidades-estado, metrópoles ou cidades médias que mobilizam recursos e vantagens
comparativas e competitivas a serviço de suas estratégias de desenvolvimento. Por sua parte,
as firmas multinacionais desenham arquiteturas produtivas e logísticas em rede que,
concomitantemente, moldam e se alimentam deste processo, combinando valorização dos
efeitos de proximidade com desterritorialização das tarefas rotineiras. A integração produtiva
cria então um espaço econômico mundial mais interdependente cujas novas linhas de fratura
são, em parte, ditadas pela capacidade de articular-se ao espaço mundial dos fluxos.

Logística territorial (Frédéric Monié): a logística territorial pode ser definida como o
conjunto de estratégias e técnicas de mobilização de recursos genéricos e específicos a serviço
do desenvolvimento de determinado território mediante processos de transformação da
circulação em vetor de agregação de valor. Trata-se, então, de uma logística ―aberta‖ que
integra as contribuições da logística empresarial e de transporte dentro das redes produtivas
multiescalares que caracterizam a integração produtiva.

Cidade portuária (Frédéric Monié): a cidade portuária é uma aglomeração marítima (ou
fluvio-marítima) que adiciona à sua clássica função de porta de entrada/saída do comércio
internacional um conjunto de atividades de negócio, comércio e serviços que agregam valor
aos fluxos de mercadorias. A centralidade do transporte marítimo e dos portos no espaço
mundial de fluxos e a organização da produção em redes que aproximam a montagem final
dos mercados consumidores transformam algumas cidades-porto em grandes centros
logísticos que juntam os recursos técnicos providos pelas tradicionais funções de transporte
aos recursos mais específicos do território urbano. A cidade portuária se singulariza em
514

relação à cidade-porto pela formulação de projetos de desenvolvimento que estimulam a


inovação institucional e conferem às lógicas territoriais a primazia sobre as lógicas funcionais.

Transporte aéreo (Airton Aredes): é o processo de deslocamento/movimento físico de


pessoas e cargas por via aérea, em veículos propulsados mecanicamente ou não, produto de
reações aerodinâmicas das superfícies de sustentação e controle dos veículos com o ar. Dos
quatro modais o aéreo é o que garante maior fluidez no território, sendo utilizado para cobrir
longas distâncias em razão de sua velocidade. Como todo modal, o transporte aéreo, como um
sistema, é composto, segundo Cooper, por quatro elementos básicos: a via, que nesse caso é
natural, o ar, mas que apresenta uma infra-estrutura em parte não visível, ou seja, as aerovias,
delimitadas por sinais de rádio e altimetria; o terminal – aeroportos destinados ao embarque e
desembarque de passageiros e cargas; a unidade de transporte – a aeronave, e a força motriz
que pode ser as correntes de ar, ventos e os motores a pistão e hélice, turbo-hélices e
propulsão a jato. O transporte aéreo divide-se em várias indústrias, segmentando-se em vários
produtos e seus respectivos fornecedores, quais sejam: transportadores; ―produto‖ a ser
transportado e espaço do deslocamento. Quanto às transportadoras, divide-se em empresas
aéreas regulares, empresas aéreas de fretamento, empresas de táxi aéreo, etc. (operadoras de
aviação comercial), pessoas físicas (aviação geral, com aeronaves de menor porte),
instituições militares (aviação militar); o ―produto‖ a ser transportado pode ser passageiros,
carga e correio; quando ao espaço de deslocamento, podem ser vôos domésticos (origem e
destino no país), regionais (origem e destino no país, mas não envolve ligações principais ou
―tronco‖), internacionais (origem ou destino fora do país).

Transporte turístico (Airton Aredes): o princípio dos transportes turísticos é a ligação entre
os centros emissores e receptores de turistas. É a interação espacial que se baseia em três
princípios: a complementaridade, a concorrência entre destinos e a habilidade de transferência
que se reflete no custo e tempo de deslocamento. A definição de transporte voltado para o
turismo é tida como atividade meio que interliga a origem de uma viagem turística a um
determinado destino (e vice-versa), de forma a interligar vários destinos turísticos entre si ou
que faz com que os visitantes se desloquem dentro de um mesmo destino. É a estrutura em
cuja composição há serviços e equipamentos de um ou mais meios de transportes para o
deslocamento de viajantes e turistas entre os núcleos emissores e receptores ou dentro dos
515

mesmos. São divididos em diferentes modais: ferroviário, rodoviário, hidroviário e aéreo.


Esses, por sua vez, são divididos em três elementos físicos: a via, o terminal e o veículo.

Fluxos (Airton Aredes): os fluxos surgem com a criação de fixos produtivos e exige outros
fixos para balizar seu próprio movimento. Resulta de um movimento dialético do período
contemporâneo entre a freqüência e a espessura do movimento a partir de fixos, como
aeroportos, portos, estradas, ferrovias e hidrovias. Os fluxos, de modo geral, são produto do
movimento de circulação de bens (produtos), informação e pessoas. Eles retratam as
interações espaciais resultantes da divisão social, territorial e tecnológica do trabalho em seus
diferentes períodos técnico-históricos. É proporcional às escalas de produção e demanda por
serviços. Os fluxos dependem da fluidez ou viscosidade dos espaços de deslocamentos da
demanda e estão diretamente relacionados à presença e eficiência dos sistemas técnicos,
sistemas de engenharia e infra-estruturas que dinamizam os deslocamentos. Quanto maior o
número e tecnologia das vias, dos terminais e dos veículos, mais dinâmicos são os fluxos.

Regatão (Ricardo José Batista Nogueira): comerciante instalado em embarcações que


circula nos rios da Amazônia negociando a compra de produtos da floresta e fornecendo
produtos industrializados aos moradores dos beirados. Há indicações históricas da existência
destes comerciantes que remontam ao século XVIII, utilizando de remos para realizar as
viagens. Na atualidade, percebe-se uma redução muito grande destes pelo fato de que os
barcos de linha regular se expandiram para inúmeros lugares na Amazônia, além da
construção de estradas em muitos municípios, ficando, assim, restrito às localidades que não
são assistidas por barcos ou rodovias.

Pesqueiros-reais (Ricardo José Batista Nogueira): ambientes aquáticos (lagos, igarapés,


etc.) ricos em peixes e quelônios que eram reservados para a pesca destinada ao
abastecimento dos representantes da Coroa Portuguesa na Amazônia.

Política regional. Os eixos (Adáuto de Oliveira Souza): as políticas regionais no Brasil,


com seus erros e acertos, tiveram um razoável sucesso, contribuindo para reverter uma
tendência de progressiva ampliação das disparidades inter-regionais de distribuição de renda.
516

Todavia, segundo discurso governamental, expresso no ―Avança Brasil‖, o modelo de


desenvolvimento e a estratégia de ação (polarização) que respaldavam essas políticas parecem
esgotados, impondo-se uma reflexão sobre os rumos da política de desenvolvimento nacional,
indicando que urge conceber novas estratégias, rever políticas, reestruturar instituições e
renovar instrumentos de ação, a fim de que as regiões periféricas possam dispor das condições
de enfrentar os desafios impostos pela competitividade e pelo paradigma do desenvolvimento
sustentável. Ainda do ponto de vista governamental, o novo paradigma de desenvolvimento
pressupõe, de um lado, a liberalização econômica, o fortalecimento da economia de mercado
como base para a inserção competitiva nos mercados estrangeiros e, de outro lado, a reforma
do Estado, com a revisão de suas relações com a economia e a sociedade. Portanto, a
concepção de desenvolvimento presente no Programa "Avança Brasil" é a de "integração
equilibrada", com o escopo de "preparar o Brasil para que ele possa participar da economia,
em escala internacional". É, com tais pressupostos, que se insere a política dos Eixos
Nacionais de Integração e Desenvolvimento. No interior dessa política, o Eixo é definido
como: ―Corte espacial composto por unidades territoriais contíguas, efetuado com objetivos
de planejamento, e cuja lógica está relacionada às perspectivas de integração e
desenvolvimento‖. Nesse sentido, dois critérios foram considerados na sua definição e
delimitação: a existência de rede multimodal de transporte de carga e a presença de
possibilidades de estruturação produtiva interna, em termos de um conjunto de atividades
econômicas que definem a inserção do Eixo em um espaço mais amplo e a maximização dos
efeitos multiplicadores dentro de sua área de influência.

Integração regional (Adáuto de Oliveira Souza): o conceito de integração, como relação de


interdependência, passa pelas seguintes combinações de articulações: espacialmente, entre
Eixos, entre um dado Eixo e o mercado internacional, entre um dado Eixo e o Mercosul, e um
dado Eixo e a costa (cabotagem); funcionalmente, entre enfoques de natureza setorial. Nesse
contexto, a concepção oficial defende a necessidade de ―integrar o Brasil de maneira
equilibrada‖ e, portanto, inserindo as regiões periféricas e, ao mesmo tempo, inserindo
competitivamente a economia brasileira no mercado mundial. Segundo discurso
governamental essa é a concepção moderna de desenvolvimento. Não se trata de um pólo de
desenvolvimento (François Perroux) que se concentre numa região, mas de um Eixo que
distribua seus efeitos numa área mais ampla. Com tais pressupostos, os investimentos em infra-
estrutura deverão acompanhar, o processo de estruturação dos eixos nacionais de integração e
517

desenvolvimento, apoiando-se em parcerias público-privadas. No bojo desse processo, uma


das prioridades para o setor de transportes passou a ser a outorga e a regulamentação, com a
definição de regras para que as empresas privadas possam operar concessões de transportes.

Competitividade (Adáuto de Oliveira Souza): o processo de operacionalização do


Programa ―Avança Brasil‖ – final dos anos de 1990 – ocorreu num contexto histórico em que
o discurso predominante é o da busca de eficiência competitiva. Há um discurso da
"competitividade", ideologicamente consolidado que, nem mesmo no plano das intenções
expressa a mesma abertura para os interesses da sociedade. Trata-se, portanto, de um termo
que foi guindado à posição de articulador do discurso ideológico e legitimador do modelo que
se almejava implantar. A problemática da competitividade é prenhe de significados, pois
mostra o predomínio sem freios da lógica de acumulação do capital privado sobre o conjunto
da vida social. O grande capital – pois ele é que é "competitivo" – se apresenta como portador
de uma racionalidade que seria generalizável, sem mediações, para a sociedade como um
todo. Inversamente, todas as outras lógicas – a dos pobres, a dos agentes econômicos não-
capitalistas ou simplesmente não-competitivos, a da cidadania – são consideradas irracionais.
Não articulam linguagens, mas ruídos; não expressam direitos, mas custos; não apontam para
outras maneiras de organizar a sociedade, mas para a desordem, devendo, portanto, ser
denunciadas e progressivamente, silenciadas. São estes os pressupostos ideológicos que
buscam reconhecer que o governo Fernando Henrique Cardoso adotou uma visão de longo
prazo para o desenvolvimento sustentável do País e que vão justificar os elevados dispêndios
em setores infra-estruturais, a eliminação regia das restrições ao capital estrangeiro, a quebra
de monopólios de empresas estatais e nova regulamentação dos setores de energia,
telecomunicações, petróleo e portos, evidenciando a orientação de um desenvolvimento
econômico baseado na modernização e ampliação dos sistemas de transportes, energia, e
comunicação: facilidades "logísticas" necessárias ao fluxo de mercadorias e pessoas.

Ordenamento territorial (Emmanuel Raimundo Costa Santos): ordenamento,


literalmente, é a organização dos elementos de um conjunto de acordo com uma relação de
ordem, isto é, do arranjo mais conveniente dos meios, segundo certas relações, para se
obterem os fins desejados. A ordenação, termo empregado em Portugal ou ordenamento como
mais freqüentemente se utiliza no Brasil, nasceu no país como instrumento de planejamento,
como elemento de organização e de ampliação da racionalidade espacial das ações do Estado.
518

Contém implicitamente a idéia de organizar a ocupação, uso e transformação do território


com o objetivo de satisfazer as demandas econômicas, sociais e ambientais, implicando tanto
na incorporação da dimensão territorial e no desenho das políticas públicas setoriais, quanto
na elaboração de estratégias territoriais integradas para o desenvolvimento dos diferentes
âmbitos espaciais ou escalas do país. Na União Européia o Ordenamento Territorial (OT), é a
expressão espacial da harmonização de políticas econômica, social, cultural e ambiental,
micro e macrorregionais, ora ciência, ora técnica administrativa, ora política pública
concebidas com enfoque interdisciplinar e global, cujo objetivo é o desenvolvimento
equilibrado das regiões e a organização física do espaço, segundo uma diretriz. No Brasil
entre os elementos que ressaltam no conjunto de propostas sobre o seu OT estão: a)
articulação da organização física do espaço com o desenvolvimento regional, sobretudo para
evitar o risco de acentuação das desigualdades e b) articulação/harmonização institucional,
das políticas públicas e das instâncias decisórias. Dessa forma, para o Planejamento Nacional
de Ordenamento Territorial (PNOT), o OT será a regulação das tendências de distribuição das
atividades produtivas e equipamentos no território nacional ou supranacional decorrente das
ações de múltiplos atores, segundo uma visão estratégica e mediante articulação institucional
e negociação, de modo a alcançar os objetivos desejados. Do ponto de vista dos agentes,
podem-se considerar como principais sujeitos territoriais, o Estado, a sociedade civil e os
agentes privados. O impacto das ações destes atores ou agentes, incluídas aí as relações de
dominação, determina os processos territoriais, que podem complementar-se, entrar em
conflito e/ou anular-se. O desafio conceitual do OT está, portanto, associado à questão
política, da nova relação Estado-território, unidade indissociável até recentemente, mas hoje
rompida por novas forças no contexto da globalização. O conceito de ordenamento territorial
pressupõe, ainda, um modelo de governabilidade, que pode ser definido como as formas como
se conjugam as ações do Estado com os outros dois âmbitos, o Mercado e a Sociedade Civil,
para que exista uma capacidade de implementação e administração dos processos de decisão
incorporados nas políticas territoriais.

Infraestrutura de integração (Emmanuel Raimundo Costa Santos): são verificadas


quando um conjunto de estruturas de um território como suas rodovias, usinas hidrelétricas,
portos, aeroportos, rodoviárias, sistemas de telecomunicações, ferrovias, rede de distribuição
de água e tratamento de esgoto, sistemas de transmissão de energia, etc., são planejados ou
(re)orientados para poderem cumprir com os objetivos previstos por políticas de
519

desenvolvimento nacional integrada, de planos e programas regionais de desenvolvimento, de


estratégias de integração das economias regionais e de ordenamento territorial. Em uma visão
marxista a infra-estrutura, ou base econômica, constitui-se da junção das forças produtivas
com as relações de produção, ao passo que a superestrutura é constituída pela instância
jurídica, política e ideológica, nesse caso, representado pelo Estado e suas políticas de
integração. Dessa forma, a infra-estrutura de integração pode ser entendida como o conjunto
daqueles elementos estruturais de uma economia que permitem a produção e o fluxo de bens e
serviços no mercado, tais como as telecomunicações, os vários modos de transporte, os
sistemas de energia, os serviços de saneamento, entre outros, os quais constituiriam pré-
requisitos para um desenvolvimento sócio-econômico menos desigual sobre o território de um
país. Muitas das atividades de infra-estrutura são consideradas como serviços de utilidade
pública, produzidos muitas vezes por empresas estatais, embora mais recentemente venham
sendo prestados crescentemente por empresas privadas, por concessão pública.

Rede rodoviária (Emmanuel Raimundo Costa Santos): uma rede pode ser caracterizada
pela topologia de seus pontos de acesso ou pontos terminais, seus arcos de transmissão, seus
nós de bifurcação ou de comunicação. Possui uma preocupação de ativar pontos e linhas, ou
de criar novos através do principio de conexidade que lhe é próprio e do poder de solidarizar
ou excluir lugares. Assim, uma rede rodoviária pode ser entendida como uma realidade
material, como uma infra-estrutura, que permite num espaço reticulado (maíllé) inscrito sobre
o território, realizar por meio de veículos automotores e de um sistema de redes rodoviárias
(estradas) de jurisdições de poder das esferas federal, estadual e municipal, o transporte de
cargas e pessoas. As primeiras estradas como se conhece na atualidade surgiram no Brasil
somente no século XIX. A necessidade de escoamento dos produtos e o crescimento do
intercâmbio comercial entre localidades e regiões exigiam a abertura de rotas mais modernas.
A primeira rodovia pavimentada do país, hoje conhecida como Washington Luís, foi
inaugurada em 1928, ligando a cidade do Rio de Janeiro a Petrópolis. Na primeira metade do
século XX, a percepção de que o Brasil ainda constituía um imenso arquipélago de ilhas
econômicas traduziu-se na ideologia nacionalista da marcha para o Oeste e, nesta linha, os
governos de Vargas e de Kubitschek consagraram a integração nacional como objetivo
prioritário da política pública, por meio de grandes obras rodoviárias e da construção de
Brasília. O Plano Nacional de Viação de 1951 estabeleceu as rodovias como a modalidade de
transportes prioritária no Brasil. A implantação da indústria automobilística em meados do
520

século passado também foi fator determinante para a consolidação e transformação do modal
rodoviário como matriz de transporte no Brasil, já que corresponde, atualmente, a 96,2% da
matriz de transporte de passageiros e a 61,8% da matriz de transporte de cargas. Dessa
maneira, a rede rodoviária brasileira é elemento fundamental para as interações sociais e
produtivas, pois une mercados e pessoas promovendo a integração de regiões e estados.

Mobilidade geográfica do capital (Ana Paula Camilo Pereira): o termo ―mobilidade


geográfica do capital‖ compreende um amplo campo de análises. Nessas condições, é possível
observar análises que tratam a questão na óptica do modo capitalista de produção, da
circulação material, da esfera do processo produtivo, da relação com a mais-valia, com os
meios de transportes, assim como análises que convergem para uma abordagem crítica dos
estudos relacionados com a mobilidade geográfica do capital. Dentre os estudiosos que
trataram a questão destacamos Adam Smith. A partir de uma visão fisiocrática, este autor
relaciona a circulação do capital ao processo de funcionamento do sistema capitalista de
produção. Já David Ricardo, embora seguindo uma vertente semelhante à de Smith, relaciona
o termo ao valor e à utilidade do produto, o que gera a acumulação de capital. Articulava o
conceito mediante o trabalho incorporado à produção e à utilidade do objeto produzido, pois
assim seriam computados seus valores. Contrariamente as vertentes destacadas anteriormente,
Karl Marx refere ao termo ―mobilidade geográfica do capital‖ associando-o a todo processo
de produção das mercadorias, que está intrinsecamente relacionado à acumulação e
reprodução do capital, ao processamento da mais-valia e à conformação dos ciclos de
acumulação capitalista. Ainda segundo as análises de Marx, a mobilidade geográfica do
capital está atrelada ao circuito total da economia capitalista e pode ser caracterizada de
acordo com a circulação produtiva e a circulação mercantil e monetária. Para tanto,
compreende-se que a análise da circulação geográfica do capital é imprescindível para o
processo de rotação, movimentação, acumulação e reprodução do capital. Criticamente, a
vertente exposta por Karl Marx e Rosa Luxemburgo toma a concepção do termo mediante o
problema da reprodução do capital. Suas formulações iniciam-se destacando que a mercadoria
e o dinheiro trocam constantemente de lugar, pois fazem parte de um mesmo processo lógico
da acumulação de capital, ou seja, o processo geral da circulação segue uma ordem
processual, o qual conforma as bases do sistema capitalista de produção. Numa perspectiva
mais recente sobre o termo, David Harvey destaca que o capital está conectado à expansão do
modo de produzir capitalista. Sua interpretação parte do movimento físico do lugar de
521

produção até o lugar de consumo. Nesse sentido, o autor relaciona a mobilidade geográfica do
capital com a fluidez promovida pelos transportes e pelo comércio exterior. Salientamos que a
discussão continua em voga, sobretudo nas abordagens que tratam a mobilidade geográfica do
capital na perspectiva dos transportes. Os transportes – tanto na esfera da produção como na
esfera da circulação – são fundamentais para a evolução do capitalismo através do complexo
processo de circulação do capital. A relação existente entre o termo especificado e os meios
de transportes encontra destaque no atual momento devido à complexidade das abordagens,
das especificidades e do conteúdo técnico que os territórios demandam no período técnico-
científico-informacional. Quanto mais há necessidade de mobilidade geográfica do capital,
mais haverá expansão e aprimoramento de fixos e de fluxos de transportes, armazenagem e
comunicações. Nesse mesmo processo, o próprio movimento circulatório e geográfico do
capital é alterado através do aumento da velocidade da circulação, tornando mais rápida sua
realização através do consumo.

Transporte aéreo regional (Ana Paula Camilo Pereira): o desenvolvimento do transporte


aéreo no Brasil permeou diversos contextos de análise sobre a aviação comercial, distribuindo
e classificando o transporte aéreo em segmentos, dentro os quais: o internacional, nacional e
regional. O transporte aéreo classificado como regional caracteriza-se como aquele que
interliga centros pequenos e médios a centros urbanos maiores e/ou às capitais estaduais e
ainda é considerado como aquele que interconecta as cidades interioranas, estabelecendo as
relações sociais e econômicas nos territórios, bem como a constituição de uma rede de cidades
hierarquizadas de acordo com seu nível de especialização produtiva. Em 1991, de acordo com
a legislação aeronáutica, ocorreu o desmembrado do segmento nacional e regional. As
grandes transformações institucionais que pautaram a aviação civil na década de 1990
aboliram a delimitação de áreas para a exploração exclusiva das empresas de transporte aéreo
regional, permitindo a concorrência direta entre empresas de âmbito nacional e regional.
Contudo, se juridicamente a distinção entre empresas de transporte aéreo regional e de
transporte aéreo nacional deixou de existir, na prática, a extinção desse conceito ainda vigora
em termos práticos, o transporte aéreo regional continua operando em linhas de baixa
densidade de tráfego, correspondendo a uma complementação do transporte aéreo de âmbito
nacional. A caracterização da nomenclatura e da legislação repousa sobre uma questão mais
urbana que institucional da aviação comercial, ou seja, o transporte aéreo brasileiro está
inserido em uma rede hierárquica de cidades que incontestavelmente subdivide o setor de
522

transporte aéreo é constituída em razão da própria hierarquia do sistema de cidades e da rede


de aeroportos, bem como da evolução tecnológica e concepção das aeronaves, em termos de
capacidade, velocidade e necessidades de apoio das infra-estruturas aeroportuárias e
aeronáuticas.

Interações espaciais (Ana Paula Camilo Pereira): o processamento do transporte aéreo, isto
é, as manifestações de suas relações sociais, econômicas, culturais são consideradas a partir
da definição das interações espaciais. Segundo Roberto Lobato Corrêa, as interações espaciais
constituem um amplo e complexo conjunto de deslocamentos de pessoas, mercadorias,
capitais e informações sobre o espaço geográfico. Podem apresentar maior ou menor
intensidade, variar segundo a freqüência de ocorrência e, conforme a distância e direção e
ainda caracterizar-se por diversos propósitos e se realizar através de diversos meios e
velocidades. Nesse contexto de análise, temos as interações espaciais como expoente máximo
da produção sócio-econômica do transporte aéreo, neste caso regional. As interações espaciais
são vistas como parte integrante da existência, da reprodução, das trocas econômicas e do
processo de transformação social que o modal opera, para isso partimos do pressuposto de que
os deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação no espaço, ou seja, a
mobilidade territorial, caracteriza como um importante componente para o desenvolvimento
urbano-regional. No que concernem as interações espaciais consideramos que se
caracterizam, preponderantemente, pela interface territorial, isto é, por relações que tendem a
favorecer as trocas regionais e o desenvolvimento econômico regional, transformando a
dimensão e a hierarquização das redes do transporte aéreo.

Redes (Ana Paula Camilo Pereira): o conceito de rede possui diversas e conflitantes
definições, no entanto as abordagens em sua maioria partem da conceituação de Walter
Christaller, o qual elucidou suas afirmações a partir da teoria dos grafos, um modelo
conceitual e operacional sobre as redes geográficas. Segundo as orientações acerca da teoria
christalleriana, a origem de suas abordagens possui uma matriz neopositivista baseada na
geografia teorético-quantitativa. Baseados nas elucidações sobre as redes têm-se que estas
constituem um conjunto indissociável de fixos que são produzidos através dos fluxos de
pessoas, mercadorias, informações, etc. Entre as divergentes interpretações, Roberto Lobato
Corrêa assevera que os atributos fixos diferenciam as redes e ainda destaca que os centros
urbanos são funcionalmente articulados pelas redes, constituindo um reflexo social, que é
523

resultado de complexos e mutáveis processos engendrados pela sociedade. Já para Leila Dias
as redes estão correlacionadas à intensificação da necessidade de circulação e também devido
às transformações técnicas que exigem formas cada vez mais eficazes de circulação. Manuel
Castells em ―Sociedade em rede‖ considera as escalas das redes e argumenta que as redes
constituem a nova morfologia social de nossas sociedades, e a difusão das redes modifica de
forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder
e cultura. Para Milton Santos a rede é uma mera abstração, no entanto é capaz de criar novos
espaços, de ativar pontos, linhas que se conectam a partir das redes e ainda são estas que
permitem a mobilidade das pessoas, das coisas e das informações. O autor ainda considera
que as redes, no seu sentido lato, não são mais propriamente redes, mas sim pontos
intimamente ligados. Nesse sentido, destacamos que as divergências de análise sobre o termo
de complementam. As múltiplas interpretações sobre as redes consubstanciam-se na
contextualização de que as redes são complexamente o vértice das ligações territoriais, da
produção das interações espaciais, assim como um elemento constituinte da sociedade
moderna, em outras palavras, as redes são as formas com que as interações se verificam.

Eixo de desenvolvimento (Eliseu Savério Sposito; Cássio Antunes de Oliveira): com as


transformações das formas de organização das atividades produtivas no contexto mundial, se
tomamos o Brasil como referência, a partir da segunda metade do século XX, pode-se
observar transformações significativas no Estado de São Paulo. Nesse estado, as mudanças
ocorreram, principalmente, no que concerne à localização das unidades produtivas. Os
principais fatores que influenciaram esse processo foram: a) a desconcentração industrial
ocorrida; b) as ações dos governos federal e estadual com vistas à melhoria da infra-estrutura
rodoviária e de comunicações; c) as ações do governo estadual com políticas públicas para a
consolidação do papel de cidades médias no interior do estado. Essas condições propiciaram a
formação de eixos de desenvolvimento que se formaram ao longo das principais rodovias
(geralmente as autopistas) que ligam a capital ao interior. A constituição dos eixos se
diferencia de outros paradigmas pelo fato de contar com infra-estruturas de transportes
(principalmente o modal rodoviário) e de comunicações (por meio de cabos de fibra ótica e
pela intensidade da telefonia móvel) com capacidades de operações simultâneas e de boa
qualidade de conservação. Essas infra-estruturas garantem as operações administrativas pela
importância dos fluxos de comunicações e de matérias-primas para as unidades produtivas, e
pela distribuição de produtos acabados para as unidades distribuidoras, pelo acesso rápido aos
524

portos, aeroportos e à capital (onde se localiza a maioria das sedes das grandes empresas). As
cidades médias localizadas ao longo dos eixos contam com equipamentos urbanos capazes de
sustentar os principais requisitos para o funcionamento de grandes empresas tais como escolas
técnicas e universidades, empresas de transportes, cartórios, delegacias de polícia, shopping
centers, estádios, hospitais, área de lazer, hotéis, redes de hipermercados e lojas, etc., além de
empresas que são fornecedoras de produtos ou serviços ou parceiras para as empresas que,
porventura, estão em busca da melhor localização para suas unidades.

Concessões rodoviárias (Eliseu Savério Sposito; Cássio Antunes de Oliveira): iniciamos a


apresentação deste item fazendo uma diferenciação entre concessões e privatização rodoviária
para dirimir dúvidas que, comumente, causam confusão. A privatização ocorre quando o
Estado vende uma empresa pública à iniciativa privada que passa a oferecer os mesmos
serviços públicos antes oferecidos pelo Estado, mas sob fiscalização dele. Fica a cargo do
Estado fiscalizar a prestação dos serviços e controlar os mecanismos de aumento das tarifas
(são exemplos desta prática a privatização dos setores energético e de telefonia no Brasil). A
concessão, por sua vez, ocorre quando o Estado delega à iniciativa privada a administração de
infra-estruturas ou serviços autorizando ou não a cobrança de pedágio, quando o tema é o
modal dos transportes rodoviários (há casos em que o Estado viabiliza outras formas de
arrecadação para as concessionárias). No Brasil, a cobrança de pedágio é autorizada uma vez
que é exigida, das concessionárias, uma série de investimentos a serem feitos durante o
período de concessão. No final do período de concessão a rodovia e todos os investimentos
feitos pela concessionária (inclusive os automóveis, praças de pedágio, sistemas de segurança
eletrônica, etc.) retornam ao poder do Estado. O Estado de São Paulo optou pela forma de
concessão em que a infra-estrutura rodoviária é administrada pela iniciativa privada durante
vinte anos (para os lotes da primeira etapa – que corresponde ao período de 1998 a 2000) e de
trinta anos (para os lotes da segunda etapa, considerada a partir de 2008). Na concessão de
rodovias a função das concessionárias é respeitar os termos do contrato que deve ser
fiscalizado por uma agência reguladora de transportes do Estado. No Estado de São Paulo
quem tem este papel é a Agência Reguladora de Transportes do Estado de São Paulo
(ARTESP) e no Brasil é a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Atualmente
existem diversos tipos de concessão de rodovias: no caso das brasileiras, por exemplo, não há
a necessidade de existir, para cada rota com cobrança de pedágio, outra rota, alternativa, sem
cobrança.
525

Metodologia (Eliseu Savério Sposito; Cássio Antunes de Oliveira): o termo metodologia,


neste caso, é empregado com o objetivo de apresentar a forma prática de se identificar com
mais precisão os eixos de desenvolvimento econômico no Estado de São Paulo. Desta forma,
acredita-se que demonstrar o passo-a-passo de uma metodologia que pode ser desconhecida
pelo leitor é pertinente para que a imbricação teórica e empírica seja facilitada nas reflexões
posteriores à leitura do texto. A metodologia, neste caso, se vale de um programa livre na
internet, o Google Earth, que possibilita a coleta de imagens que são organizadas a fim de
demonstrar, por meio de figuras, algumas características dos eixos de desenvolvimento. Esta
metodologia ganha importância pelo fato de que é acessível a qualquer pessoa e requer
poucos conhecimentos de informática para que ela seja aplicada na identificação de eixos ou
de outros aspectos da realidade que sejam importantes em suas pesquisas específicas. Outro
ponto importante a ser destacado em relação à metodologia apresentada no texto é o fato de
que ela contém, em si, a possibilidade de aperfeiçoamentos, uma vez que, ao ser utilizada para
diferentes realidades, os pesquisadores poderão adaptá-la incrementando inovações que
poderão vir a ser úteis para as pesquisas científicas. Há que se fazer um alerta sobre a
metodologia que, para ser mais confiável, deve ser aplicada conjuntamente com trabalho de
campo, percorrendo-se, com máquinas fotográficas, GPS ou outro artifício de localização e
com a disposição de se aplicar questionários ou realizar entrevistas, na mesma área
representada nas imagens. Certamente será por meio do trabalho de campo que se poderá
confirmar a natureza das atividades econômicas realizadas na área representada nas figuras,
produto final da metodologia, para se apreender as dinâmicas territoriais. Em suma, com a
explicitação da metodologia a compreensão do que é constituído e de que forma se
compreendem os eixos de desenvolvimento no Estado de São Paulo, ela se torna mais
acessível a um número maior de possíveis usuários.

Acessibilidade (Rodrigo Giraldi Cocco): conceitualmente, a ―acessibilidade‖, um atributo


do espaço, reflete a facilidade em se atingir os destinos desejados e pode se medir através do
número e natureza dos destinos objetivados e que podem ser alcançados dentro de certo
contexto urbano, pelos custos incorridos no deslocamento e o tempo esperando, caminhando,
efetuando baldeação e no próprio percurso dentro do veículo, podendo refletir a carência
―dramática‖ de investimentos em infra-estruturas exclusivas para transporte público, cuja
viabilidade é comprometida pelas externalidades dos congestionamentos ou pelo crescimento
526

anárquico do espaço urbano (em São Paulo, o tempo de percurso do ônibus é em média o
dobro do automóvel). No caso do transporte público, o tempo a pé para se chegar ao terminal
ou ponto de parada de ônibus reflete a distribuição e densidade dos pontos, das linhas e da
freqüência do serviço, podendo ser um bom indicador da acessibilidade espacial. Pode-se
pensar a acessibilidade por dois vieses: o da ―macroacessibilidade‖ ou facilidade de acesso
aos equipamentos urbanos e o da ―microacessibilidade‖ ou facilidade de acesso físico
imediato ao modo de transporte. Outro elemento pode ser agregado, somando-se aos demais e
conduzindo a uma imbricação ainda maior com os aspectos econômicos mais amplos, trata-se
da ―acessibilidade econômica‖, isto é, a possibilidade de uma determinada renda familiar
pagar pela tarifa de transporte público sem comprometer o seu consumo, neste caso, o mundo
subdesenvolvido ainda sofre muito o efeito negativo da baixa renda e do desemprego de sua
população e que se reflete na dificuldade em se utilizar ônibus, além da equiparação entre
pagamento de tarifa e acesso à motocicleta (comparativamente quase os mesmos custos),
incorrendo em mais concorrência com o serviço público.

Mobilidade (Rodrigo Giraldi Cocco): há uma grande polissemia na expressão


―mobilidade‖. Em linhas gerais, a mobilidade é um atributo da coisa ou pessoa que é móvel,
que possui a faculdade de se deslocar diferencialmente segundo as capacidades materiais das
quais dispõe. Na sociologia, fala-se em ―mobilidade social‖, quando se refere à circulação ou
movimento de idéias, de valores sociais ou de indivíduos de um segmento ou grupo social a
outro, enquanto nas disciplinas que estudam o espaço urbano, e adentram, portanto, uma
problemática espacial, refere-se à ―mobilidade urbana‖ como a capacidade das pessoas em
obter acesso físico ao espaço da cidade e aos seus equipamentos urbanos, isto é, trata-se da
capacidade de circulação humana no espaço. Diz-se, por exemplo, que são pessoas com
mobilidade urbana reduzida: os cadeirantes, os idosos, os grupos de baixa renda, etc.
Ademais, quando se fala em ―mobilidade residencial‖, remete-se à possibilidade de
transferência da família ou do indivíduo, segundo o segmento social do qual participa, de uma
residência a outra no espaço da cidade. Esta troca de local de residência pode ser ascendente
ou descendente (de uma moradia de maior status para uma de mais baixo status e vice-versa),
seguindo a ascensão ou decadência social do adquirente da casa. Fala-se também em
―imobilidade‖ residencial para aqueles que não têm possibilidade de transferir-se. Dentro da
genealogia marxista, a expressão ―mobilidade‖ foi utilizada por autores como Rosa
Luxemburgo e Lênin, quando referiram-se às migrações motivadas por trabalho em seus
527

estudos, tratando-se, portanto, de um deslocamento inter-regional/internacional (mobilidade


da força de trabalho). Jean Paul de Gaudemar, fala em ―mobilidade do capital e da força de
trabalho‖, conceituando a mobilidade do capital como a propriedade que tem o capital nas
suas diversas formas (mercadorias, dinheiro) de se transpor de um espaço a outro e de um
setor/ramo de atividade a outro, com vistas a furtar-se das desvalorizações setoriais e/ou
espaciais que o acometem com o passar do tempo. A forma mais ―volátil‖ de mobilidade do
capital na forma de investimento é manifesta atualmente na instantaneidade de reprodução do
capital financeiro, tencionando sempre uma mínima imobilização enquanto a mobilidade do
capital na forma de mercadoria é determinada por atributos da própria mercadoria, ou seja,
suas possibilidades de armazenamento, resistência aos deslocamentos e custos. A força de
trabalho deve seguir os deslocamentos regionais/internacionais do capital no espaço, isto é, a
―mobilidade da firma‖, responsável pelos desenvolvimentos espaciais (e temporais) desiguais,
que são seguidos das migrações com fixação de residência no local de trabalho. Conclui-se,
que no contexto capitalista, as outras ―mobilidades‖ são, em geral, arrastadas pela mobilidade
do capital.

Planejamento de transportes (Rodrigo Giraldi Cocco): o planejamento da circulação de


bens e pessoas é antigo e remonta ao século I a.C., quando o governo romano passou a
determinar aos possuidores de veículos particulares, circulação restrita a determinados
horários, com vistas a reduzir a viscosidade espacial do centro de Roma. Ao longo da história
urbana, os problemas relacionados ao transporte foram se tornando cada vez mais evidentes,
na medida em que cresce a população e a economia se modifica, levando a diferenças
relativas, obviamente, a cada período histórico em questão. Desde o advento da Primeira
Revolução Industrial (segunda metade do século XVIII), até a primeira metade do século XX
– exceto no que se refere ao equilíbrio econômico planejado das empresas de transporte – a
implantação de sistemas de transportes seguia a lógica de atender à demanda crescente de
modo consecutivo ao crescimento da mesma, sem grande estudo prévio de racionalização da
distribuição espacial dos serviços segundo usos de solo diversos, projeção de demanda futura,
etc., se atendo mais às evidências empíricas imediatas. Destaca-se, que estas formas de
implementação tornaram-se cada vez mais insuficientes frente à crescente complexidade
assumida pelo espaço urbano. O marco inicial de uma nova forma de abordagem dos
transportes urbanos, isto é, de programar a ampliação e melhoramento dos sistemas de
transportes segundo seu planejamento integrado com o uso do solo, foi concebido em 1953 no
528

Detroit Metropolitan Area Traffic Study e em 1954, no Chicago Area Transportation Study,
utilizando conceitos de teoria da localização, análises de insumo-produto interindustrial,
técnicas de projeção da população, empregos e uso do solo. A ênfase rodoviária das novas
formas de planejamento de transportes se dá no bojo da expansão da indústria automobilística
americana, com notável impulso após a assinatura do Federal Aid Highway Act de 1965, o
qual determinava que nenhum programa para áreas urbanas com mais de 50.000 habitantes
seriam aprovados caso não se baseassem em planos pré-estabelecidos de transporte. Dentro
deste contexto, o processo de planejamento de transportes diz respeito a todas as facilidades
utilizadas para movimentação de bens e pessoas, incluindo terminais e sistemas de controle de
tráfego, baseando-se na coleta, análise e interpretação dos dados relativos às condições
existentes e ao seu desenvolvimento histórico, nas metas e objetivos da comunidade, na
previsão do futuro desenvolvimento urbano e na futura demanda por transportes, com
inclusão de revisões periódicas do processo de planejamento, segundo transformações da
própria cena histórica no qual se desenrolam. Assim, a partir das premissas do Ato de 1965,
enceta-se o desenvolvimento do denominado Urban Transportation Planning System, modelo
de planejamento de transportes baseado na modelagem em quatro etapas e muito criticado por
conduzir o desenvolvimento do sistema de transporte a simplesmente reproduzir tendências
ou sobreestimá-las, edificando grandes obras subutilizadas nas cidades, sem internalização de
uma postura crítica para subverter a ordem vigente. Também foi duramente censurado por
diversos estudiosos do transporte, pois preteria a análise de processos ocorrentes em outras
escalas, como, por exemplo, oscilações na dinâmica macroeconômica e que afetam os índices
de mobilidade. Tal miopia simplesmente inviabilizava qualquer projeção de demanda futura
para o local estudado. Atualmente, o planejamento de transportes tenciona uma maior
participação da sociedade no processo de planejamento, ainda que interesses hegemônicos
venham a emergir pressionando o poder público sempre que há possibilidade de valorização
para seus capitais.

Trânsito (Rodrigo Giraldi Cocco): o conceito de trânsito ou tráfego refere-se ao movimento,


à circulação, à afluência de pessoas ou veículos em determinadas condições na cidade. É um
objeto do planejamento da circulação, participando do planejamento de transportes. O
primeiro esquema tradicional de abordagem do trânsito proveio dos Estados Unidos na década
de 1920, quando da expansão da indústria automobilística e o aumento nos
congestionamentos, a partir dos quais as condições de trânsito se deterioraram enormemente.
529

Nos países subdesenvolvidos, o trânsito – objeto específico da Engenharia de tráfego –


assume posição isolada e destacada do planejamento de transportes e do planejamento urbano,
quando em verdade, urge a necessidade de um enfoque integrado destas questões. O trânsito
enquanto objeto de estudo, envolve quatro atividades que se relacionam, a saber: a legislação
definidora das regras de uso das vias (o código de trânsito); a engenharia de tráfego,
definidora do esquema de circulação; a educação, como treinamento do uso do espaço de
circulação e; a fiscalização, defendendo a observância das leis de trânsito. A visão tradicional
do trânsito e seu planejamento preconizam a intervenção na circulação, tendo como escopo a
otimização do espaço de circulação mediante instrumentos matemáticos e físicos. A premissa
principal desta concepção pauta-se na fluidez e na segurança como a conformação ideal para
o trânsito, isto é, a eficiência na travessia do espaço (velocidade) com redução dos riscos de
acidentes, em outras palavras, o objetivo do enfoque tradicional é garantir a máxima
mobilidade mediante a fluidez, com mínimas condições aceitáveis de segurança. Neste caso,
há uma escolha implícita de quem será privilegiado, na medida em que a máxima velocidade
só pode ser alcançada pelo automóvel. Como contrapondo a esta visão, outras abordagens
sobrevieram, como a de Buchanan, destacando o conflito antes negligenciado entre qualidade
de vida e trânsito, tratando este também como uma externalidade negativa que deveria ser
administrada. Em 1967, Whol e Martin assestam a crítica à prioridade da fluidez do trânsito,
questionando a ênfase puramente na eliminação dos congestionamentos e propondo uma visão
mais ampla, na qual a circulação deve atender aos objetivos de toda a comunidade, ficando
implícito o favorecimento ao pedestre e aos modos coletivos de transporte. Em linhas gerais, a
visão tradicional do trânsito apenas identifica dois papéis a serem administrados: o do
motorista e o do pedestre como papéis ―estáticos‖. Atualmente, tem sido salientado o caráter
dinâmico destes papéis ao passo em que os indivíduos não são todo o tempo motoristas,
residentes ou pedestres. Contudo, a freqüência na mudança dos papéis está intimamente
relacionada à renda e à mobilidade dos segmentos sociais nos quais o indivíduo se insere, com
os grupos de maior mobilidade controlando os outros grupos e segmentos sociais no trânsito.
Trata-se de uma abordagem que não visa favorecer simplesmente o pedestre ou o residente
ante a ameaça do trânsito, mas refletir sobre a necessidade de deslocamento de segmentos
sociais menos favorecidos e prejudicados pelos veículos individuais no trânsito.

Sistema (Nelson Fernandes Felipe Junior): o termo ―sistema‖ é difundido na ciência a


partir da ―Teoria Geral dos Sistemas‖. Esta foi criada pelo biólogo austríaco Ludwig von
530

Bertalanffy e aparecia em seus trabalhos publicados entre os anos de 1950 e 1968. A teoria
tem como objetivo analisar a natureza dos sistemas e as inter-relações existentes entre os
diversos elementos presentes no espaço. Um sistema, constituído de componentes ou
elementos, é mais do que a simples união das várias partes. Um sistema não existe
isoladamente, ele é sempre parte de um todo. Ele é geral para as partes que o compõem e é
parte da composição de outro sistema mais geral. Todas as partes de um sistema estão inter-
relacionadas e, assim, oferecem suporte para sua integração. Um ―sistema‖ é um conjunto de
elementos interconectados, de modo a formar um todo organizado que possui uma função e
um objetivo. Oriundo do grego, o termo "sistema" significa "combinar", "ajustar", "formar um
conjunto". Foi incorporado por diversas áreas do conhecimento, casos da Biologia, Medicina,
Informática, Economia, Administração, Geografia, Engenharias, etc., sendo também muito
utilizado no planejamento e gestão de transportes e tráfego. Segundo Bey e Pons, sistema de
transportes é sinônimo de rede, e este, por sua vez, constitui uma estrutura regional. Celso
Furtado, revela que um sistema representa o conjunto de relações e interdependências entre as
partes. Ademais, Milton Santos, atribui à palavra ―sistema‖ a conotação de conjunto de
elementos integrados que formam o espaço (objetos e ações), e que estão em constante
interconexão. Quando o autor utiliza a expressão ―sistema de comunicação‖ (inclui-se a
informação), refere-se à rede constituída no espaço a partir dos fixos e da técnica.

Modal (Nelson Fernandes Felipe Junior): significa o tipo de transporte utilizado ou


referido, podendo ser aéreo, aquático (fluvial e marítimo) ou terrestre (dutoviário, rodoviário e
ferroviário), permitindo o deslocamento de pessoas e/ou mercadorias no espaço.
Multimodalidade: o transporte multimodal é aquele em que a mercadoria é escoada por mais
de um modal sob a responsabilidade de uma mesma pessoa jurídica ou do Operador de
Transporte Multimodal (OTM) durante todo o trajeto percorrido. Este tem a obrigação da
entrega dos bens em determinado estabelecimento ou ponto do território e todo o trajeto é
coberto por um único documento de transporte, isto é, por apenas um contrato. Tal fato requer
o aprimoramento da logística para realização de um transporte eficiente, seguro e sem atrasos
na entrega dos produtos. O Operador de Transporte Multimodal (OTM) pode ou não realizar o
transporte, ou seja, pode transferir essa função a outro prestador de serviço, entretanto, é de
sua responsabilidade qualquer eventual problema com o escoamento das cargas. Assume a
obrigação de responder pelo contrato firmado, pelos prejuízos ocorridos eventualmente nas
mercadorias, pelo atraso em sua entrega, entre outros. Intermodalidade: caracteriza-se pela
531

emissão individual de documento de transporte para cada modal, bem como pela divisão de
responsabilidades entre os transportadores. Cada transportador se responsabiliza pelas
mercadorias ao longo do trajeto de sua incumbência, desde o ponto inicial até o final. Na
multimodalidade, o pagamento do frete é realizado apenas uma vez e, em geral, essa forma
têm vantagens frente à intermodalidade, pois, na maior parte das vezes, eleva-se o custo
diante da divisão de responsabilidades entre os transportadores, bem como há um número
maior de disputas judiciais entre os prestadores de serviços para uma mesma empresa. Apesar
das definições e diferenciações legais entre multimodalidade e intermodalidade, para a
Geografia dos Transportes o importante é a integração dos diferentes modais (terrestre,
aquático e aéreo) visando a racionalização do sistema de transportes no território. A utilização
conjunta dos modais – mesmo com a burocracia existente – contribui para intensificar a
produção, a distribuição, as interações espaciais e a formação de redes e fluxos materiais no
espaço, sendo, portanto, uma alternativa condizente para o desenvolvimento
regional/nacional.

Navegação interior (Nelson Fernandes Felipe Junior): possui um caráter genérico, ou seja,
refere-se à navegabilidade sob condições precárias, tanto infraestruturais quanto das
embarcações, sem a existência de rotas definidas e regularidade no transporte de mercadorias
e pessoas, ao mesmo tempo em que não há uma declaração legal por parte do Estado.
Hidrovia interior: definida a partir da aprovação de um ato declaratório do poder público
federal, estadual ou municipal. O fato de uma via aquática ser considerada como hidrovia
interior significa que há uma intenção, uma deliberação explícita por parte do Estado ou órgão
responsável. Ademais, caracteriza-se pela regularidade, rotas definidas e planejamento de
transporte, sendo a atividade realizada por empresas estatais ou privadas (sob regime de
concessão). É constituída a partir das infraestruturas (eclusas, canais artificiais, barragens,
sinalização, pontes ferroviárias e rodoviárias, etc.), assegurando a conexão intra e inter-
regional, os fluxos materiais a partir de fixos e as interações espaciais.

Terceirização (Nelson Fernandes Felipe Junior): a ―terceirização‖ (outsourcing) é um


procedimento que pode ser realizado por empresas privadas e estatais, bem como pela
administração pública, delegando a terceiros (tanto pessoas físicas quanto jurídicas) diferentes
funções. São estabelecidas, portanto, relações entre as empresas com objetivo de otimizar as
atividades e, por conseguinte, encurtar o processo circulatório do capital e potencializar a
532

reprodução do capital. O processo de terceirização representa uma externalização setorial que


se fixa e se mobiliza no território para atender às necessidades do capital (mobilidade
geográfica do capital). A expansão da indústria, o advento da economia flexível e a
mundialização do capital fomentaram a expansão dos serviços e das terceirizações, como é o
caso das atividades financeiras, dos transportes, da assessoria jurídica, da assistência técnica
em informática, etc., visto que o capitalista industrial passou a delegar algumas funções
complementares e residuais à produção. Tais funções e atividades transferidas a outras
pessoas e empresas podem representar etapas do processo de produção ou serviços de
assistência, casos da publicidade, contabilidade, limpeza, transportes, manutenção de
máquinas, equipamentos e meios de transporte, alimentação, vigilância, entre outros. A
necessidade de reestruturação da produção e da circulação levou muitas empresas (pequenas,
médias e grandes) a adotarem a terceirização como estratégia logística, visando incrementar a
competitividade e a conquista de mercados em âmbito internacional. A prestação de serviços
contribui para o aumento do lucro das empresas e determina novas relações entre diferentes
instituições (formação de redes corporativas). O que marca mais efetivamente o atual
processo de terceirização é a externalização das atividades, pois a produção não é mais
concebida como um processo fechado, mas sim, como uma rede interconectada e
interdependente. Esta tendência representa a estratégia de foco e está ligada à capacidade do
administrador em selecionar o que é principal na empresa e, consequentemente, externalizar
(delegar a um terceiro) as atividades de produção e/ou de apoio.

Terciarização (Nelson Fernandes Felipe Junior): o termo ―terciarização‖ representa o


processo expansivo do setor terciário (serviços, comércio, transportes e comunicações), ou
seja, todos os segmentos da economia que não estão relacionados ao setor primário
(extrativismo, mineração e agropecuária) e ao secundário (transformação industrial). A
terciarização é ampliada com o desenvolvimento do capitalismo industrial, visto que este
necessita acelerar o movimento circulatório do capital e encurtar sua realização através do
consumo. Os serviços com caráter pessoal também se expandiram em virtude, sobretudo, do
processo de urbanização, criando novas demandas aos indivíduos. Comércio, transportes,
seguros, contabilidade, etc. são atividades que foram delegadas pelo capitalista industrial a
outros capitalistas, isto é, o primeiro preferiu transferir parte do seu lucro extraído da mais
valia a terceiros ao invés de ser responsável por todas as atividades. O setor terciário adquire
grande importância na atual estrutura do emprego e da organização do território, pois fatores
533

como localização das atividades, região de influência, fluxos tangíveis e intangíveis,


infraestruturas, efeitos de atração e polarização, etc. são vitais para compreender a
concentração e a valorização do espaço. A terciarização contemporânea, pautada nas
transformações do terciário, é resultante da dinâmica de acumulação versus marginalização,
inerente ao sistema capitalista. A localização das atividades terciárias é movida por fatores
favoráveis, com destaque às condições de comunicação e de distribuição, ao mercado
consumidor, à mão de obra qualificada, às economias de aglomeração e outros. Entretanto, a
questão da proximidade geográfica perde relativa importância na atualidade, visto que a
introdução e a utilização de tecnologias ligadas às telecomunicações, à informática e aos
transportes têm possibilitado um contato facilitado a longas distâncias, como é o caso dos call
centers e do comércio, no qual a escolha e o pedido da mercadoria são realizados através do
e-commerce (comércio online) e a entrega das encomendas ocorre via empresas de transporte
de cargas públicas e/ou privadas. Somam-se, ainda, os serviços bancários de autoatendimento
e via internet, a compra de passagens de ônibus e aéreas nos sites das empresas, entre outros.
534

SOBRE OS AUTORES

Adáuto de Oliveira SOUZA


Graduado em Estudos Sociais e Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e doutorado em
Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), com a tese ―A estratégia dos distritos
industriais como instrumento para o desenvolvimento regional e sua aplicabilidade em Mato
Grosso do Sul‖, defendida em 2003. Atualmente é professor do curso de graduação e de pós-
graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). É integrante
do Grupo de Pesquisa Sócio-Econômico-Ambiental de Mato Grosso do Sul e do Grupo de
Estudos em Planejamento, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (PPODER).

Airton AREDES
Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestre pela mesma
instituição, com a dissertação intitulada ―A questão da conservação dos recursos naturais no
meio rural analisada à luz da teoria da Ação Comunicativa: o exemplo do município de
Emilianópolis/SP‖, defendida em 1999. Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual
Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente/SP. Atualmente é professor no curso de
graduação em Geografia da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), campus
de Glória de Dourados/MS. É integrante do Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional
e Infra-Estruturas (GEDRI).

Ana Paula CAMILO PEREIRA


Graduada em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Mestre em
Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente Prudente/SP,
com a dissertação intitulada ―Transporte aéreo regional em cidades médias do interior
paulista‖ e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Integrante do Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Infra-Estruturas (GEDRI).

Cássio Antunes de OLIVEIRA


Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestrando em
Geografia pela mesma instituição, com a dissertação intitulada: ―Transporte, informação e
logística: a constituição de eixos de desenvolvimento no Estado de São Paulo‖ e bolsista do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Integrante do
Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais (GAsPERR).

Eliseu Savério SPOSITO


Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), mestre e doutor em
Geografia pela Universidade de São Paulo (USP) e livre-docente pela UNESP com a tese
―Contribuição à Metodologia de Ensino do Pensamento Geográfico‖, defendida em 2000.
Atualmente é professor do curso de graduação e pós-graduação da UNESP (campus de
Presidente Prudente/SP) e professor visitante da Universidad Nacional de San Juan. É
535

coordenador do Grupo de Pesquisa Produção do Espaço e Redefinições Regionais


(GAsPERR).

Emmanuel Raimundo Costa SANTOS


Graduado em Geografia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Planejamento
do Desenvolvimento pela mesma instituição com a dissertação intitulada ―A beira do rio e as
margens da cidade: planejamento e gestão urbana na orla fluvial de Belém-PA, defendia em
2003. Doutorando pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente
Prudente/SP. É integrante do Grupo de Estudos em Desenvolvimento Regional e Infra-
Estruturas (GEDRI).

Flávio VILLAÇA
Graduado em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo. Doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, com sua tese
defendida em 1979. Pós-Doutorado no Departamento de Geografia da Universidade da
Califórnia, Berkley, EUA, em 1985. Atualmente é Professor Titular de Planejamento Urbano
na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Fréderic MONIÉ
Graduado em História e Geografia pela Université de Toulouse le Mirail, mestre em
Geografia pela mesma instituição e doutor em Geografia pela Universite de Paris III
(Sorbonne-Nouvelle), com a tese ―Transports collectifs et Production de l'Espace Urbain à
Rio de Janeiro‖, defendida em 1997. Atualmente é professor do curso de graduação e pós-
graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É coordenador
do Grupo de Estudos em Geografia Portuária.

Joana Maria PETRUS BEY


Joana María Petrus Bey. Profesora titular de Análisis Geográfico Regional y doctora en
Geografía por la Universidad de las Islas Baleares. Directora del departamento de Ciencias de
la Tierra y del Máster en Análisis, planificación y gestión en Áreas Litorales de la UIB.
Autora y coautora de diversos libros de geografía del transporte y artículos en revistas
científicas sobre temáticas industriales, servicios y ordenación del territorio.

Joana Maria SEGUÍ PONS


Es doctora en Geografía desde el año 1987 y Catedrática de Geografía Humana de la
Universitat de les Illes Balears (España), desde el año 2001. Profesora visitante del
Departamento de Geografía de l‟Université du Quebec à Montreal (Montreal/Canadá), curso
2005-2006. Dirige el Grupo de Investigación: Movilidad Sostenible, Sociedad de la
Información y Territorio, de la Universitat de les Illes Balears.

Josef BARAT
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Economista e Doutor Livre-Docente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


Atualmente é consultor de entidades e empresas públicas e privadas. Sócio-Diretor da
PLANAM CONSULT – Planejamento, Assessoria e Monitoração de Projetos, Presidente do
Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Federação do Comércio do Estado de São
Paulo e colaborador do jornal O Estado de São Paulo. Foi superintendente da Área de Projetos
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Secretário dos
Transportes do Estado do Rio de Janeiro, Presidente da Empresa Metropolitana de
Transportes Urbanos do Estado de São Paulo e Diretor da Agência Nacional de Aviação Civil
(ANAC).

Lisandra Pereira LAMOSO


Graduada em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), mestre em Geografia
pela mesma instituição e doutora em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), com a
tese ―Exploração de Minério de Ferro no Brasil e no Mato Grosso do Sul‖, defendida em
2001. Atualmente é professora do curso de graduação e de pós-graduação em Geografia da
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). É líder do Grupo de Pesquisa Sócio-
Econômico-Ambiental de Mato Grosso do Sul e integrante do Grupo de Estudos em
Desenvolvimento Regional e Infra-Estruturas (GEDRI).

Márcio Rogério SILVEIRA


Graduado em Geografia pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e doutor
em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), com a tese ―A Importância
Geoeconômica das Estradas de Ferro no Brasil‖, defendida em 2003. Atualmente é professor
do curso de graduação (campus de Ourinhos/SP) e do curso de pós-graduação (campus de
Presidente Prudente/SP) em Geografia da UNESP. É coordenador do Grupo de Estudos em
Desenvolvimento Regional e Infra-Estruturas (GEDRI).

Maria Rosa MARTÍNEZ REYNÉS


Graduada em Geografia la profesora Maria Rosa Martínez Reynés es Licenciada y Doctora en
Geografia por la Universitat de les Illes Balears con la Tesis: ―Transporte Aéreo y Turismo en
Mallorca. Análisis jerárquico y funcional‖ defendida en 1998. Es profesora de Geografia de
la Universitat de les Illes Balears y ha sido profesora de la Escuela de Turismo. Es miembro
del grupo de investigación: Movilidad Sostenible, Sociedad de la Información y Territorio
(MOSIT).

Nelson Fernandes FELIPE JUNIOR


Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Presidente
Prudente/SP. Mestre em Geografia pela mesma instituição, com a dissertação intitulada ―A
Hidrovia Tietê-Paraná e a intermodalidade no Estado de São Paulo‖, defendida em 2008.
Atualmente, é doutorando pela UNESP, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e integrante do Grupo de Estudos em Desenvolvimento
Regional e Infra-Estruturas (GEDRI).

Ricardo Abid CASTILLO


537

Graduado em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em


Geografia pela mesma instituição, com a tese ―Sistemas orbitais e uso do território.
Conhecimento digital e integração eletrônica do território brasileiro‖, defendida em 1999.
Atualmente é professor no curso de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). É líder do grupo ―Logística, tecnologias da informação e uso do
território brasileiro‖.

Ricardo José Batista NOGUEIRA


Possui especialização em Demografia da Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas
(UFAM). Mestre e doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), com a tese
―A Divisão da Monstruosidade Geográfica‖, defendida em 2002. Atualmente é professor no
curso de graduação em Geografia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). É membro
do ―Projeto Cidades – Coordenação do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia‖.

Roberto França da SILVA JUNIOR


Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), mestre e doutor em
Geografia pela mesma instituição com a tese intitulada ―Circulação e logística territorial: a
instância do espaço e a circulação corporativa‖. Atualmente é professor do curso de
graduação em Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), campus
de Irati/PR, e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa para a Gestão do Território
(GESTER).

Rodrigo Giraldi COCCO


Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de
Ourinhos/SP. Mestrando em Geografia pela mesma instituição, com a dissertação intitulada
―A influência dos sistemas de transporte público sobre a organização das cidades médias do
interior paulista: Bauru, Marília e Presidente Prudente‖ e bolsista do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Integrante do Grupo de Estudos em
Desenvolvimento Regional e Infra-Estruturas (GEDRI).

Vitor Hélio Pereira de SOUZA


Graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de
Ourinhos/SP. Foi bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP) entre 2007 e 2009 e é integrante do Grupo de Estudos em Desenvolvimento
Regional e Infra-Estruturas (GEDRI).

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