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Departamento de História | Licenciatura em Arqueologia

História da Antiguidade Clássica | Professor Doutor Nuno Simões Rodrigues

A Oração Fúnebre de Péricles

Ensaio Crítico

João Manuel Pires Gomes, aluno 150251

Caldas da Rainha, 31 de março de 2019


Introdução
O trabalho que apresentamos aborda a Oração Fúnebre de Péricles homenageando os primeiros
soldados caídos em batalha depois do primeiro ano da Guerra do Peloponeso e a perspetiva que
ela nos transmite sobre o Estadista Ideal.
Para um bom entendimento das circunstâncias em que a oração foi proferida (bem como do homem
que a proferiu) pareceu-nos importante fazer uma contextualização sumária do Mundo Grego no
século V a.C. Começaremos por uma cronologia elementar, seguindo para duas telegráficas
biografias: a de Péricles, que proclamou a oração e a de Tucídides, que a registou. Faremos um
apontamento breve sobre a obra de Tucídides (História da Guerra do Peloponeso) para
imediatamente depois passarmos à Guerra do Peloponeso em si. Antes de abordarmos a oração
fúnebre de Péricles, servir-nos-ão os seus dois discursos para introduzirmos algumas perspetivas
sobre a retórica do estadista. Na última parte do trabalho –a mais longa –, apresentaremos a nossa
perceção sobre o estadista ideal evidenciado na oração.
Para este trabalho utilizámos a versão digital de A História da Guerra do Peloponeso da Editora
da Universidade de Brasília, traduzida do grego por Mário da Gama Kury. Para o estudo da Oração
Fúnebre, além da constante nesta edição, utilizámos também uma versão fotocopiada da edição da
Fundação Calouste Gulbenkian, traduzida do grego por Raul Rosado Fernandes e Gabriela
Granwehr. Por razões de coerência, mantivemos nas citações a versão da tradução de Mário da
Gama Kury.
Todas as referências cronológicas deste trabalho reportam-se á era pré-cristã, como tal,
dispensámos a referência “a.C.”

Cronologia
A História da Grécia Antiga é comumente dividida entre quatro grandes períodos: A Idade das
Trevas ou Período Homérico (Séc. XI – VIII), marcado pela formação dos genos (organização
social de cariz familiar que alegava uma descendência comum) e pelo período que se julga o da
criação das obras de Homero, a Íliada e a Odisseia; o Período Arcaico (Séc. VIII-VI), marcado
pelos primeiros jogos Olímpicos (em 776), pelo aparecimento do alfabeto fonético a partir da
adaptação do alfabeto fenício, pelo surgimento das primeiras poleis, da divisão do trabalho, do
crescimento económico e da expansão ateniense. Este período tem como evento que marca o seu
fim a Batalha de Salamina; o Período Clássico ou Século de Péricles (Séc. V-IV), considerado o
período áureo da cultura helenística com o desenvolvimento da polis, o nascimento da democracia,
a expansão e hegemonia de Atenas ou a bipolarização entre Atenas e Esparta com a subsequente
Guerra do Peloponeso. Será este o período em análise ao longo das próximas páginas. O último
período da História da Grécia Antiga é o Período Helenístico (séc. IV-III) que ficará marcado pela
ascensão do Reino da Macedónia, de Alexandre, O Grande, da sua adesão à cultura helenística e
à sua difusão pela Ásia Menor e Egipto.

Péricles, Político e General

Péricles nasceu em Atenas, no ano 490, membro da rica aristocracia ateniense. Filho de Xantipo
(um dos líderes gregos que derrotou os persas em Micale) e Agarista (sobrinha de Clístenes, um
dos mais importantes legisladores de Atenas), teve acesso a uma educação privilegiada e com
vários dos mais importantes mestres da época áurea ateniense. Péricles ingressou na vida política
como auxiliar de Efialtes, chefe dos democratas em Atenas. Com a morte deste, assassinado em
462, Péricles conquistou a maioria dos votos do conselho dos 500 (membros), encarregados de
eleger os dez “estrategos” ou generais, para chefiar a cidade grega. Já no poder, Péricles levou a
cabo uma série obras e reformas, mandou construir muralhas defensivas em volta da cidade. Entre
450 e 449, conseguiu obter da Assembleia a aprovação de um decreto que autorizava Atenas usar
o tesouro da Liga na reconstrução dos templos e edifícios públicos destruídos durante a guerra
com os persas. Reeleito anualmente durante mais de trinta anos (de 462 a 429), Péricles tornou-se
no maior dirigente da democracia ateniense promovendo a participação efetiva dos cidadãos
atenienses no processo do desenvolvimento político e social (embora os cidadãos de Atenas do
século V constituíssem – de acordo com as estimativas - uma minoria de menos de 10% da
população). Vale a pena referir que uma das reformas de Péricles – paradoxal à democracia que
defendia - condicionava a cidadania ateniense apenas a filhos de pai e mãe atenienses (antes desta
reforma, bastava o pai ser ateniense). Durante os últimos anos de Péricles, Atenas era a cidade
dominante da região provocando com a sua hegemonia alguma desconfiança nas cidades vizinhas
(especialmente a outra grande potência, Esparta). Em 431, estala a Guerra do Peloponeso e Péricles
morre dois anos depois.

Tucídides, o Historiador

Tucídides nasceu provavelmente entre 460 e 455, em Atenas. Pertencia à aristocracia ateniense e
foi educado de maneira condizente com sua condição social. Do seu pai, recebeu como herança
uma mina de ouro na Trácia. Foi comandante das tropas atenienses na Trácia quando, no exercício
do seu cargo, não conseguiu evitar que o comandante lacedemónio, Brásidas, ocupasse Anfípolis,
localidade trácia de grande importância no tráfego marítimo de cereais daquela região para Atenas.
Por não ter chegado a tempo de auxiliar as tropas atenienses estacionadas em Anfípolis, foi exilado.
Em 424, após vinte anos de exílio, regressa a Atenas, morrendo por volta do ano 400. Tucídides
deixou a sua única obra (escrita - crê-se - durante os anos de exílio), a História da Guerra do
Peloponeso, por terminar tendo morrido em 410. Tucídides parece ter sido profundamente
influenciado pelas figuras mais marcantes da sua época em Atenas: Péricles (de quem era
admirador como veremos mais adiante); o filósofo Anaxágoras (de quem foi discípulo), os sofistas
Górgias e Protágoras; Antífono, político e orador; Sófocles e Eurípides, (dois poetas trágicos).

História da Guerra do Peloponeso


A primeira parte (livro I) fala-nos sobre a importância da Guerra do Peloponeso em comparação
com as guerras anteriores. Tucídides expõe o seu método e especula sobre as causas da guerra
enquanto reforça a ideia de que o conflito resulta do crescente aumento do poder Ateniense. A
segunda parte (livros II, III e IV) corresponde à descrição da “Guerra dos Dez Anos”. A terceira
parte (livro V) abarca o período de paz precária entre atenienses e lacedemónios. A quarta parte
(livros VI e VII) descreve a guerra na Sicília. A quinta parte (livro VIII) abarca a chamada “Guerra
da Deceleia” e a deslocação das operações militares para a Ásia Menor. Tucídides, durante a sua
narrativa tem a particularidade de usar o discurso indireto e o discurso direto.
Antes de nos debruçarmos sobre a obra de Tucídides na tentativa de deles extrairmos uma linha
de pensamento que ilustre Péricles como o ideal de estadista, começamos por transcrever aquelas
que são as palavras de Tucídides a propósito da sua metodologia e dos seus objetivos sobre a
fundamentação da sua narrativa:

Quanto aos discursos pronunciados por diversas personalidades [… ] foi difícil recordar com
precisão rigorosa os que eu mesmo ouvi ou os que me foram transmitidos por várias fontes. Tais
discursos, portanto, são reproduzidos com as palavras que, no meu entendimento, os diferentes
oradores deveriam ter usado, [… ] embora ao mesmo tempo eu tenha aderido tão estritamente
quanto possível ao sentido geral do que havia sido dito. […] Quanto aos fatos da guerra,
considerei meu dever relatá-los, não como apurados através de algum informante casual nem
como me parecia provável, mas somente após investigar cada detalhe com o maior rigor possível,
seja no caso de eventos dos quais eu mesmo participei, seja naqueles a respeito dos quais obtive
informações de terceiros.

[… ] quem quer que deseje ter uma ideia clara tanto dos eventos ocorridos quanto daqueles que
algum dia voltarão a ocorrer em circunstâncias idênticas ou semelhantes em consequência de seu
conteúdo humano, julgará a minha história útil e isto me bastará. Na verdade, ela foi feita para
ser um patrimônio sempre útil, e não uma com posição a ser ouvida apenas no momento da
competição por algum prémio. (Tucídides, 1.22.1).

Antecedentes da Guerra do Peloponeso


Durante o século V, mais precisamente entre 490 (data da primeira batalha greco-persa com o
exército persa a ser impedido de desembarcar por uma menor força grega em Maratona) e 479
(data da batalha de Plateias, o último combate em terras gregas entre estes e as forças persas), o
Império Aqueménida (também tido como Primeiro Império Persa) tentou ocupar e subjugar as
cidades-estados gregas através de várias incursões militares. Nem o Imperador Dario I, nem o seu
filho Xerxes, conseguiram derrotar as forças gregas que se haviam unido para defenderem da
invasão persa. Para a História ficariam celebrizadas – para além das duas já referidas – as batalhas
de Termópilas (a famosa resistência do rei Leónidas e dos seus espartanos que atrasaram a
progressão das – estimadas em trezentas mil – forças persas de Xerxes) e a de Salamina, na qual
Temístocles, político e general ateniense, derrota uma força muito maior de embarcações persas
com os seus trirremes, ao atrair a frota persa para a zona de um estreito onde o elevado número de
embarcações persas se viu incapaz de manobrar eficazmente, acabando por ser dizimada. Depois
desta batalha, Xerxes rumaria de regresso à Ásia e deixaria o seu lugar-tenente, Mardónio, para
travar um último combate na já referida Batalha de Plateias.
Perante a contínua ameaça persa, em 481 é formada uma aliança por várias cidades-estado gregas:
a Liga de Delos. A liga de Delos é assim chamada por ter sido formada na cidade com o mesmo
nome, cidade berço de Apolo (a divindade mais celebrada depois de Zeus) e onde se encontrava o
seu mais importante templo bem como da sua irmã gémea, Artemisa. Era também em Delos que
estava guardado o erário amealhado pelo contributo de todas as cidades da liga para a construção
de uma frota marítima que fizesse frente aos persas. Quando a ameaça persa desaparece da região,
Esparta sai da Liga mas Atenas continua a fortalecer a sua frota marítima e a crescer
economicamente uma vez que gere os tributos de cada cidade para a Liga. Em 454, Atenas
transfere o erário da Liga para a acrópole ateniense sugerindo que uma pequena ilha do Egeu não
seria o lugar mais seguro para guardar o tesouro da Liga. Retirando suas tropas da Eubeia pouco
depois [inverno de 446-445], os atenienses concluíram uma trégua com os lacedemónios e seus
aliados, com vigência por trinta anos, devolvendo-lhes Niseia, Pegas, Trezena e a Acaia, regiões
pertencentes aos lacedemônios então ocupadas por eles (Tucídides, 1.115.1). A assinatura desta
trégua de trinta anos parece ter sido o momento em que o mundo grego se dividiu definitivamente
em dois grandes blocos: o bloco liderado por Esparta, no continente, e o bloco liderado por Atenas,
no Mar Egeu.

A Guerra do Peloponeso
A Guerra do Peloponeso durou vinte e sete anos (431 a 404) e envolveu praticamente todo o mundo
helénico chegando mesmo a regiões mais remotas com as quais a Hélade mantinha relações. A
ocupação de algumas cidades por Atenas durante a luta com os persas e a obrigatoriedade do
pagamento de tributo enquanto cidades membros da Liga de Delos, a atitude impositora do regime
democrático grego, a sua superioridade económica e a sua frota marítima tornavam a cidade numa
ameaça hegemónica da região. Cidades como Tebas, Mégara e Corinto queixam-se a Esparta de
Atenas devido às suas imposições e exigências. As últimas tentativas de evitar a guerra ficam
assim registadas por Tucídides: Depois eles [os Lacedemónios] voltaram a Atenas frequentemente
e pediram aos atenienses que se retirassem de Potideia, e dessem independência a Egina, e
sobretudo declararam em termos precisos que somente poderiam evitar a guerra se revogassem
o decreto referente aos megáricos (Tuc. 2.139.1) [por] haverem sido excluídos de todos os portos
situados em regiões dominadas pelos atenienses e do mercado de Atenas, contrariamente ao
tratado (Tuc. 2.65.1). Os últimos enviados da Liga do Peloponeso, Ranfias, Melesipos e
Agesandros, que nada disseram a respeito das reclamações anteriores, mas apenas o seguinte:
"Os lacedemónios desejam paz e ela será possível se concederdes independência aos helenos".
Diante desse fato os atenienses, reunindo-se em assembleia, deram aos cidadãos oportunidade de
opinar. (Tuc. 2.139).

Primeiro discurso de Péricles

A admiração do historiador pelo político parece inquestionável, Tucídides introduz o primeiro


discurso (no qual Péricles se manifesta a favor da guerra com os lacedemónios) da seguinte
maneira: Péricles filho de Xântipos, o homem mais eminente entre os atenienses daquele tempo
graças à sua superioridade tanto em palavras quanto em atos, subiu à tribuna (Tuc. 1.139.2). A
questão financeira, fraca do lado dos espartanos e seus aliados, e a forte frota marítima ateniense,
aliada às defesas de Atenas, parecem ter sido os argumentos de Péricles que melhor convenceram
quer a assembleia quer o próprio Tucídides sobre a superioridade dos atenienses. No seu discurso
de decisão pela guerra, Péricles parece fazer uma oratória instrutiva (refleti então, Tuc. 1.143.2)
ao apresentar as razões que pesam favoravelmente sobre a superioridade ateniense ao mesmo
tempo que a presenta as razões económicas, militares, políticas e geográficas que fragilizam a
situação dos peloponesos. Mais tarde, já no epitaphios logos, Péricles dirá: não é o debate que é
empecilho à ação, e sim o fato de não se estar esclarecido pelo debateantes de chegar a hora da
ação (Tuc. 2.40.1). Neste seu primeiro discurso, Péricles insta a assembleia a acompanhá-lo nos
seus pensamentos enquanto expõe as razões que o levam a optar pela guerra e ao colocar o discurso
na terceira pessoa do plural, suponhamos (Tuc. 1.142.1); devemos imaginar-nos (Tuc. 1.143.1),
Péricles identifica-se com os ouvintes não os fazendo esquecer que também ele é um ateniense ,
um igual. Este gesto que transmite uma ideia de igualdade entre Péricles e os membros da
assembleia, aliada à despretensão de os convencer, se me julgasse capaz de persuadir-vos (Tuc.
1.143.1), criam uma certa sensação de empatia entre o orador e os ouvintes, uma ligação de
igualdade entre as duas partes.

Segundo discurso de Péricles

Num momento em que a Ática era atingida pela peste e devastada pelos peloponésios, enquanto
os habitantes dos campos se refugiavam na cidade e os cidadãos começavam a duvidar do estadista,
Péricles parece não gozar da admiração e confiança dos atenienses quando profere o seu segundo
discurso registado por Tucídides que – apesar da situação – refere que a razão do prestígio de
Péricles era o fato de sua autoridade resultar da consideração de que gozava e de suas qualidades
de espírito além de uma admirável integridade moral; ele podia conter a multidão sem lhe
ameaçar a liberdade e conduzi-la ao invés de ser conduzido por ela (Tuc. 2.65.1). Esta evidente
admiração assenta na capacidade Péricles conduzir e não ser conduzido, como viria a ser apanágio
dos demagogos que lhe sucederam e que nunca vieram a alcançar o sucesso de Péricles enquanto
estadista, líder e orador.

A Oração Fúnebre

A Oração Fúnebre de Péricles, a epitaphios logos, é um tributo à cultura Ateniense, à cidade de


Atenas, à democracia e à liberdade. A investigação discute se a oração (à semelhança do que
acontece com os dois discursos) deve ser atribuída na íntegra a Péricles ou se terá havido um
contributo (e em que medida) do próprio Tucídides. Parece haver no entanto alguma unanimidade
em concordar com a importância destes discursos para a reconstrução das políticas de Péricles.
Albin Lesky sugere que todo intento de querer separar la concepción de Pericles de la de
Tucídides sería erróneo (Lesky, 1989, p. 491). A propósito da contribuição desta oração para a
compreensão de Atenas na segunda metade do séc. V, Nicole Loraux afirma que the funeral
oration dissolves and provides transparente access to a transparente political model (Loraux,
1996, p. 7), enquanto L. J. samons II declara que Thucydides’ history remains the single best
source for the Periclean period and the statesman himself. (Samos, 2009, p.1).

A oração começa por falar nos antepassados e na herança legada aos presentes. Num segundo
momento (o mais longo, ocupando cinco capítulos, 37-41), Péricles fala sobre Atenas, sobre a
democracia, a coragem e a conduta ideal do cidadão ateniense. Os capítulos 42 e 43 são, finalmente
os capítulos dedicados aos heróis tombados em batalha. É contudo interessante notar que a pretexto
dos mortos, seja mais uma vez a cidade o tema central do discurso de Péricles: não é dos heróis
caídos que o orador fala, é da justificada razão pela qual os heróis caíram: Atenas. Ao mesmo
tempo que justifica a sua longa exposição sobre a cidade, Péricles fala sobre os pobres e os ricos,
a glória e a coragem de todos e a forma como compensaram o mal com o bem e saldaram as falhas
na vida privada com a dedicação ao bem comum [morrendo] num momento de glória e não de
medo (Tuc. 2.42.1). A morte gloriosa destes heróis não é inferior nem superior à glória de Atenas,
ela é condizente com nossa cidade (Tuc. 2.42.1).

Ainda no início da oração, Péricles enaltece a morte dos que caíram ao mesmo tempo que relativiza
o valor da oração que irá pronunciar: ter-me-ia parecido suficiente, tratando-se de homens que se
mostraram valorosos em atos, manifestar apenas com atos as honras que lhes prestamos (Tuc.
2.35.1). Esta subvalorização das palavras em relação aos atos (dos que morreram e que são
homenageados) prioriza quilo que de importante a assistência deve reter: tudo o que for dito será
de menor importância quando comparado com a ação dos que caíram em nome do bem comum.
Para não correr o risco de ser mal interpretado pelos que conhecem os factos ou pelos que não os
conhecem, ao mesmo tempo que estabelece uma baliza entre a devida justiça e algum exagero (Id.
Ibid), Péricles diz aos primeiros que as suas palavras poderão não fazer jus à grandeza dos atos e
aos segundos que as mesmas poderão ser consideradas um exagero. O cumprimento da
formalidade do discurso é assegurado pelos antepassados que julgaram boa esta prática (Id. Ibid).
É precisamente pelo enaltecimento dos antepassados e da herança legada que Péricles começa
porque é a eles que se deve a liberdade em forma de recursos que tornam Atenas autossuficiente
em tempos de paz e em tempos de guerra. Seguem-se palavras de louvor aos princípios de conduta,
regime de governo e traços de caráter (Tuc. 2.36.1) que tornam a cidade de Atenas e o regime
democrático num modelo (Tuc. 2.37.1) e numa escola (Tuc. 2.41.1) para todas as cidades vizinhas.
Qualquer ouvinte que não tivesse consciência da grandeza da cidade (aos olhos dos outros), passá-
la-ia a ter depois da oração de Péricles. Em público, respeitando as leis, ou em privado sem
ingerência dos assuntos dos outros, Péricles demonstra como deve ser a conduta do cidadão
ateniense nas duas elementares esferas da vida. Péricles não se esquece de lembrar os seus
concidadãos sobre os prazeres tangíveis da cidadania ateniense referindo as coisas boas da vida
num momento de homenagem à morte e aos mortos: concursos, festas religiosas regulares ao
longo de todo o ano, bom gosto e elegância, e o deleite que isto nos traz todos os dias, afasta de
nós a tristeza. (Tuc. 2.38.1). Se algum ateniense tivesse dúvidas sobre a capacidade militar da
cidade, elas seriam esclarecidas durante a apologia da confiança e bravura militar de soldados que
não precisam de ser educados para a guerra (à semelhança do que acontece com os espartanos). A
bravura no momento crucial é pois um bem maior do que a preparação para a guerra. Com este
argumento, Péricles parece querer demonstrar que não é a espartana preparação dos lacedemónios
que os fará superiores no momento do embate. Enquanto valor fundamental nas relações sociais,
a amizade não é esquecida quando a solidariedade desinteressada é valorizada naquele que concede
o favor. Enfim, somente nós ajudamos os outros sem temer as consequências, não por mero
cálculo de vantagens que obteríamos, mas pela confiança inerente à liberdade (Tuc. 2.40.1). Esta
passagem alusiva à solidariedade “inata” fundamentada na autoconfiança inerente à liberdade,
embora ambígua, parece aludir duplamente – no nosso entendimento – a um modelo de relações
sociais e um outro – embora não tão claro – de relações militares, uma espécie de “espírito de
corpo” alusivo à camaradagem entre os hoplitas de uma falange. A escola de toda a Hélade não
precisa das canções de Homero para se mostrar superior à sua reputação quando posta à prova
(Tuc. 2.41.1) porque em toda a parte, por terra e por mar, os monumentos erigidos (aqui, mais uma
vez, o apelo de Péricles às evidências concretas) atestam a audácia dos atenienses.

O entendimento da natureza do grupo ao qual Péricles se dirige, a sua composição e os seus estados
de ânimo, mostram-nos uma outra faceta fundamental no estadista e orador ideal: o conhecimento
do seu público ao qual dirige a oração em função da sua condição. Esta capacidade é visível a
partir do capítulo 44 quando Péricles se dirige aos pais dos homenageados: aos que ainda estão em
idade de ter filhos, aconselha-os a procriar (e com isso suavizar a tristeza e – Péricles não o diz
mas podemos pensá-lo – substituir os cidadãos mortos), aos mais velhos, aconselha-os a
consolarem-se com as memórias felizes e com a morte gloriosa dos filhos. Depois, os filhos e
irmãos que devem ser julgados não iguais a eles, mas pouco inferiores (Tuc. 2.45.1). Finalmente,
uma palavra às viúvas que devem ser fieis à própria natureza feminina e gloriosas caso (aqui
Péricles pare impor uma condição) sejam discretas, seja pelas virtudes, seja pelos defeitos (Tuc.
2.45.2). No último capítulo (45) Péricles encerra o discurso coroando a morte dos heróis com o
anúncio da educação dos seus filhos às expensas da cidade, até à adolescência.
A Oração Fúnebre é uma invenção e uma instituição ateniense. Estudada como modelo de retórica
(especialmente a partir do séc. XIX), a oração de Péricles, foi adotada por diferentes políticos,
filósofos ou militares que ao longo da História a usaram em benefício próprio e em contextos
específicos. Vale a pena referir Gustave Glotz que em França acrescentou na sua La cité grecque
(1928) a fraternidade aos valores da liberdade e da igualdade. Até à Declaração Mundial dos
Direitos do Homem, vão apenas vinte anos. Durante a sua exposição sobre Oração Fúnebre, Nicole
Loraux cita Glotz: “a correct balance between the legal power of the state and the natural right of
the individual”. Na Alemanha pós-napoleónica, Hegel havia já utilizado a oração aproximando-a
ao seu idealismo filosófico, concentrando-se na beleza (de carácter) de Atenas mas desvalorizando
a sua constituição ou o significado político e militar da oração. Na Inglaterra, o Empirismo de
John Grote utilizaria a oração fúnebre de Péricles comparando a sociedade trabalhadora,
expansionista e imperialista à Commonwealth britânica (Loraux, 1986, 6-7).
Bibliografia

LESKY, Albin, Historia de la Literatura Griega, Editorial Gredos, S. A., Madrid, 1989

LORAUX, Nicole, The Invention of Athens, The Funeral Oration in the Classical City, translated
by Alan Sheridan, Harvard University Press, London, England, 1986

RHODES, P. J., Democracy and Empire, Cambridge Collections Online, Cambridge University
Press, 2009

SAMONS, L. J. II, Athenian History and Society in the Age of Pericles, Cambridge Collections
Online, Cambridge University Press, 2009

SHAW, Rebecca, Periccles’ Tribute to Athens and Her Fallen, The Journal of Core Curriculum,
Boston University, 2012

TUCÍDIDES, História da Guerra do Peloponeso, Tradução do Grego de Mário da Gama Kury,


Prefácio de Helio Jaguaribe, Editora da Universidade de Brasília, 1987

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