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A INTOLERÂNCIA CRESCEU BRUTALMENTE NA POLÍTICA

(Renato Janine Ribeiro – professor de ética e filosofia política da USP – Jornal Zero Hora – 31 de agosto
de 2014 - Porto Alegre)

É gritante nas redes sociais, ainda mais em época de eleição, uma absoluta intolerância às
opiniões divergentes. Por que um ambiente que reúne milhões de pessoas parece, às vezes, mais
desagregá-las do que uní-las.
As pessoas têm à disposição um instrumento para o qual, ao menos até agora, não estão
preparadas. É como se você colocasse um carro superpotente nas mãos de uma criança. Ela não terá
noção do poder daquela máquina. As redes sociais deram voz a uma multidão que não tinha voz, o que é
fantástico: há 10 ou 15 anos, o único meio de tornar pública qualquer informação era a imprensa. Mas
quem recebeu esse direito à palavra faz péssimo uso dele. O nível do debate é baixo, o nível da educação
é baixo, tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Em resumo, o instrumento – o Facebook, por exemplo
– é superior ao usuário. O pior de tudo isso é que as pessoas estão se fechando.
Como assim?
Petista só tem amigo petista, tucano só tem amigo tucano, evangélico só tem amigo evangélico.
Os usuários, irritados, param de seguir no Facebook quem pensa diferente. É uma tendência clara.
Portanto, um instrumento fabuloso para você aprender, para você refletir sobre novas visões, acaba sendo
apenas uma ferramenta de reiteração do que você já acredita. Isso reduz ainda mais o nível do debate. O
próprio Facebook, percebendo essa tendência, utiliza algoritmos que povoam a linha do tempo dos
usuários apenas com posts de amigos que pensam de maneira semelhante à deles. No fim das contas, não
faz muita diferença. Porque, quando as pessoas leem algo do qual discordam, respondem com violência.

[...]

O senhor costuma dizer que há uma escassez de ideias nas campanhas eleitorais, em
especial no campo da economia. Que exemplo concreto de ideia o senhor teria?
Hoje existem, por exemplo, condições técnicas para reduzir consideravelmente o tempo de
trabalho das pessoas. E os governos poderiam estimular esse avanço, que, além de combater o
desemprego, impulsionaria um mercado gigantesco voltado ao lazer. As empresas obtiveram um ganho de
produtividade enorme com as máquinas e com a informática. Nas últimas décadas, em praticamente todos
os setores, a produção cresceu de duas a três vezes, mas a carga horária permaneceu igual – e o reflexo
sobre os salários não foi tão grande. Se, em vez de cinco dias por semana, as pessoas trabalhassem quatro,
o que é perfeitamente viável na maioria dos setores, haveria um aumento de 50% no tempo de lazer
semanal. Afinal, seriam três dias de folga, e não dois, como hoje.
Essa medida que o senhor propõe, com os funcionários trabalhando um dia a menos na
semana, beneficiaria inclusive os empregadores?
Os funcionários iriam precisar de teatro, de cinema, de música, de opções de lazer criativo. Não
pense que o Faustão daria conta. Teríamos uma sociedade na qual a cultura, o lazer e a atividade física
representariam um mercado muito robusto, o que seria bom tanto para os trabalhadores quanto para os
investidores. Ricardo Semler (sócio-majoritário do Grupo Semco, reconhecido mundialmente pela
moderna gestão empresarial) me disse que, dentro da carga horária atual, a produtividade dos
funcionários cai pela metade nos últimos 20% do horário de trabalho. Quer dizer, se as pessoas
trabalhassem quatro dias na semana, e não cinco, não haveria perda de produtividade de um dia inteiro, e
sim de apenas meio dia. Some-se isso ao ganho inestimável na qualidade de vida dos funcionários, e a
queda na produção seria bem pequena.
Em colunas recentes, o senhor criticou a postura egocêntrica do brasileiro, que tem o mau
hábito de parar no acesso à escada rolante, na porta de saída, no meio da calçada, sempre
bloqueando a passagem do outro. Por que somos assim?
Não é por maldade. Não é necessariamente uma conduta hostil, e sim uma dificuldade em
perceber a existência do outro. Me parece um problema cultural agravado por uma gestão administrativa
– seja pública ou privada – de péssima qualidade. Por exemplo: a venda de ingressos para um espetáculo
está anunciada para começar às 8h da manhã. As pessoas formarão fila a partir das 5h30min. E, às 8h, não
há jeito de abrirem a droga da bilheteria! Vão abrir às 8h15min, 8h30min, 9h. Por quê? Porque o
funcionário vai chegar, vai perceber coisas fora do lugar, vai procurar os carimbos, vai arrumar o sistema
que saiu do ar. A essa altura, com o horário estourado, tem gente que começa a formar fila paralela, todo
mundo vai se apinhando, as pessoas ficam histéricas, desconfiam de que não haverá ingresso suficiente.
E a relação cotidiana se transforma em um martírio...
Exatamente. Há uma série de situações em que o convívio com o outro, no Brasil, é um episódio
tenso. Na Europa ou nos EUA, na hora em que abre o comércio, você compra qualquer coisa com uma
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nota de US$ 20 ou de 50 euros, e o atendente lhe dá o troco. No Brasil, você entra na loja, no ônibus ou
no táxi, no início do dia, e ninguém tem troco. O taxista sai de casa para trabalhar sem um centavo no
bolso, sem o capital de giro básico. E, se o cliente só tem R$ 50 para pagar uma corrida, ele fica furioso.
Nos acostumamos a enxergar o outro como um estorvo. Essa relação só não vira guerra porque a gente,
defensivamente, evita o outro, ignora a existência do outro, o que explica as pessoas pararem no meio do
saguão atrapalhando todo mundo. Você só percebe a existência do outro quando ele te incomoda.
Em um plano mais geral, não apenas no que se refere ao Brasil, qual é o grande dilema
ético contemporâneo?
É justamente o laço social. Estamos vivendo um período no qual nunca houve tanta
independência no mundo, tanta liberdade. Posso mencionar exemplos aparentemente tolos, como a
invenção do microondas, que permite que cada membro da família jante no horário em que quiser, sem a
necessidade de uma reunião familiar. Ou a multiplicação dos televisores, liberando as pessoas para assistir
sozinhas ao que quiserem em quartos separados. Ou a pílula anticoncepcional, emancipando o sexo sem o
risco da gravidez. Há também o telefone celular, as redes sociais, permitindo que você fale de onde quiser
com quem quiser a qualquer momento. Essa liberdade toda individualizou muito as pessoas. Não se presta
mais contas a ninguém, praticamente.
Existe um lado positivo nessa individualização da sociedade?
O avanço maior é que, hoje em dia, não somos mais obrigados a preservar um relacionamento
conjugal horroroso. Por outro lado, quando surgem os primeiros problemas no convívio, a tendência é
trocar de parceiro sem grandes considerações, afinal há gente interessante e disponível por todo lado. As
pessoas estão de tal forma convictas de que podem – e de que devem – buscar o prazer, que as obrigações
em relação ao outro se enfraqueceram. Isso também se reflete nas relações entre pais e filhos. Começa a
ficar difícil, atualmente, ver um filho se dispondo a cuidar de uma mãe velhinha, resistindo à ideia de
colocá-la em um asilo. Aparentemente, nunca houve sociedade com laços sociais tão fracos como a nossa,
e esse será um grande desafio dos próximos tempos. As pessoas vão ficar muito desconfiadas umas das
outras. Afinal, que confiança terei em alguém que pode me largar a qualquer momento?

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