Sei sulla pagina 1di 8

ARTE SOVIÉTICA PÓS-REVOLUCIONÁRIA:

DA FACTOGRAFIA AO REALISMO
OU O CREPU SCULO DA VANGUARDA
Carlos Vidal
Assistente na Faculdacle de Belas Artes
ela Universidade ele Lisboa. 1.Jrtista, crítico ele arte.

1.
a) Analisarei as linhas esse11ciais das vanguardas l1istóricas soviéticas
e, ao 111esmo tempo, procm·arei definir o conceito de \1c1rzguarda, cren­
do que as movime11tações de início de séct1lo denominadas <<vanguar­
das soviéticas>> não têm legibilidade fora dessa con1paração, que
suponl10 i1nportante para a co111preensão da st1a singular evolução.

b) Quanto às vang11ardas, ge11ericamente, não existe uma dinâmica


una que as agregue 11e111 ao que nelas é conflitual (além de co11traditó­

rio) por natureza. E11co11tra1no-nos num 1novimento dialéctico (se111
síntese): estas experiências e 1nanifestações for111ais presumida1nente
de <<dianteira>> ( estética e política) desencadeian1 t1ma resistência tnais
ou 111enos oculta, suscitando dinâ111icas regressivas subsequentes,
situação claramente verificável na evolução das va11guardas l1istóricas
soviéticas como nas 11eovanguardas (anos 60 / 70); emergindo das pri-
1neiras o realis1no socialista e das segu11das os <<regressos>> à pintura,
à . exp1·essão e à representação (11arrativa).

e) Deste modo, as vanguardas como p11lsão destr11tiva, tabitla ,,.ase,


(um dos aspectos expressos na figura Legislativa do <<Manifesto>>),
ab1·en1 espaço, desde o seu irite,,.io,,., ao surgime11to de antíteses conser­
vadoras ou regressivas.

d) As lin11as essenciais das vangua1·das l1istóricas soviéticas serão aqui


trabalhadas contexh1alizando 11ma possível sustentação da dialéctica
apresentada.

2.

Un1a análise das linl1as evolutivas das vanguardas soviéticas conside­


rará um apogeu na década iniciada e1n 191 O (corn algu11s a11os de a11terio-

153
Carlos Vidal Arte Soviétic,, pós-revo/1,cio,1,íri,1:
,1,1 Fttctogr,{fia ,,o ret1/is1110 011 o crep1ísc11/o ,1,, vrt11g11,1rd,,

ridade à revolução, porta11to) e u111a crise, decadê11cia, ou existê11cia dif'i­ vang11ardas soviéticas esta linba ele traba]l10 gera tuna realidade signi­
cultada por razões várias até u111 desaparecin1ento pelos a11os 20, proces­ ficativa, a <<Factografia>> ).
so que oficicLl1ne1ite ter1ninará em 1932 , aqua11do da reunião do Co1nité
Ce11tral elo Pru·tido Co111ti11ista da U11ião Soviética detern1i11a11do a criação Não p1·etendendo uma resposta definitiva, a min11a pri1neira l1ipótese, 011
p· or decreto da Utúão dos Escritores e a supressão da co11flitualidade artís­ conclt1sâo, aponta para o facto de os realis1110s predomina11tes na arte sovié­
tica 110 país. Data de 25 de Maio desse a110 u111 artigo pttblicado tica de Estado sere1n rest1ltado deste segundo pólo [ B ], gt1e teria imposto
lite,,.a.toi,,-nctia Gctzetc, onde, pela pri1nei1·a vez, st1rge o ter1no t1n1a obrigação 111Í1nética, propagandística e didáctica à prática artística.
socialista>), consolidando o fi111 das va11guardas h ·istó1icas e
nor1nas de vigilâ11cia para os artistas, sequência de factos que 3.
e111 1934 11a realização do 1 ° Co11gresso dos Escritores da URSS 3.1. A vangt1arda, à entrada do sécl1lo XX, estabelece-se con10 ur11a
pelas fa1nigeradas intervenções de Andrei sitt1ação pl11ral e contraditória., 11ela e pera11te o que a rodeia, aginclo se1n
Interessa-111e averiguar se o realisn10 socialista se i1npôs so111e11te cen.tl"o, gerando movimentos, teses e teorias estéticas desconexas. Por
por decreto gover11a111e11tal OLl se algu111 tópico das suas li11has fecl1adas isso, a vangt1arda não ocupa un1a posição absoluta1nente hege111ónica,
se vi11ha entreta11to detecta11do no seio da con1plexa, contraditória e pois 11a arte 111oderna e co11ten1porâ11ea s01nos co11frontados com n1últiplas
A • • .. , •

conilit1.1al realidade não só da prática co1no da teoria formado1·a das seqL1enc1as 1n1prev1s1ve1s.
vangi1ardas. Apesar dessa plt11·alidade, partirei do princípio que l1á. 1novi1ne11-
Para tal, será u11perioso o exa1ne do co11ceito de va11guarda, conceito tos, correntes, artistas, obras que se e11quadra111 110 g11alificativo <<van­
qL1e tem u1na génese e t1111a história i11de1Jendente da arte soviética, não gt1arda>> e outros não. O que significa qt1e há t11na definição possível,
nos esqueça1nos. Destas observações iniciais pode dedL1zir-se c1ue 11as apesar de flt1ida e complexa, para <<vangLiarda>>, e há objectos que
va11gt1ardas l1á se1npre uma bifurcação decisjva, i11stabil.idade que poderá exemplificam essa difícil defi11ição e t11na sua história ou 111atriz espe­
(ou 11ão) estar na orige1n das suas evoluções e involuções, co11creta111ente cífica.
das evoltições e involuções que a !Jrópria va11gu.arda i111porá e111 rest1ltan­
tes se1npre imprevisíveis: disse atrás que, 11as vanguardas soviéticas, aos 3.2. Vejamos a origem do co11ceito e os seus pri1neiros passos a pru·tir
n1ovime11tos 111ais fL1lgura11tes de inovação se segl1iu o reaJis1110 socialista, de ti111a co]age1n entre vanguarda e política (até 1870). Segundo Renato
con10 depois das tensões des111aterializa11tes das décadas de 60 e 70, no Poggioli, a vanguarda co1110 Ja11ce de radicalização transfor111adora co1ne­
contexto da ru·te ocidental, depará1nos não apenas co1n L1111 retorno claro à ça por ser subsidiária da acção política; o radicalis1110 vanguru·dista, até
rep1·ese11tação co1110 à objectualidade. 1870, 11ão existe no exterior da literah1ra política. Leia-se Baudelau·e (o
Qua11to à biftu·cação das va11gi1ardas (inclt1indo a sovjética), destaca- caderno de 11otas 1\11011 coeLt1· 11iis à 11.it, ent1·e 1862 e 1864), po1· exe1nplo,
ria estes pólos: onde o termo <<les littérateurs d'ava11t-ga1·de>> significa escritor político· e
de esql1erda. Com o 1nesn10 sentido teria Bal<uni11e t1tiliza.do o termo na
A) A arte das vanguardas (evitarei referu·-me à <<va11gt1arda>>, para 11ão sua revista de curta duração (11este caso en1 1878, e111 Chaux de Fo11ds,
sugerir uma u1verosímil 1,tnidcide) vai interessar-se essencia1Jne11te por Suíça) precisamente intitulada L'Ava11t-Ga1 --de. A vanguarda cultL1ra1 é
processos de inovação forn1al - primazia do 111edi1,1111 - alhea11do-se da posterior a 1870, e Poggioli refere a sua gé11ese, ot1 mais concretan1ente a
evolução e dos movi1nentos sociais (nas vanguardas soviéticas esta passada paralela das dl1as vanguru·das - a política e a cultt1ral:
linha de t1·aball10 dá orige1n à <<Fal<tm·a>>).
Na realiclade, apenas alg11ns anos depois de 1870, qt1ando o espírito
B) A arte de vanguarda interessa-se esse11cial111ente por processos de francês supero11, se1n a esquecer, a crise 11acio11al e social representa­
i11tervenção social, procL1ra11do aco1npanl1ar, e1n vários dos seus do1ní- da pelo desastre da guerra prt1ssiana e pela revolta e repressão da
11ios ( económico, político, tecnológico), a evolução da sociedade (11as Comu11a, começa un1a certa i111agem de vanguarda a to1nar forn1a; jt1n-

154 155
Carlos idal Arte Soviétic11 pó -revo/11cio11árit1:
1/<1 Ft1ctogrcific1 ao ret1/is1110 011 o crep1ísc1,lo 1/<1 111111gt111rdt1

ta111ente co1n a primei1·a [política] sU1·ge então uma segu11da signific,1- lt1jr a condição c1·iativa 1noderna: a condição criativa moder11a (e set1 patri-
ção. Apenas a partir daí se começa a designar e1n separado ttLna va11 111611io) clarif'ica este ecoar de u111 gesto através do tempo con10 dese11vol­
g11arda artístico-ct1lt111·al, co11ti1111a11do efectiva a designação de u111,1 vcrci, fazendo coexistir n1ateríalízação� objecto e des111aterialização com
vai1guarda sociopolítica. Tal foi possível porque por u1n u1stante, �,s l1111a teoria de <<n1ediações pobres>> (actt1al1nente ostensiva 11algt1ns artis­
duas vanguardas stu·gira111 1uiidas ( ...).' lns justa111e11te contra o n1ercado hig/1-tecl1) e correlativa re111aterializa­
ção. StLcessão inter1ni11ável de crítica e 1·egresso ao objecto e à forma
Vemos então que, ao af1r111ar que há 111ovi1ne11tos, corre11tes, artistas, �1ctt1al1ue11te ente11dida L10s te1·mos l1eterodoxos de Bataille: i1ifo1·111e e
obras qt1e se e11quadram no qualificativo <<va11gt1arda>> e ot1tros não, La 1 l1ete1-o/ógica. A for1na vangt1ardista russocia- e da sua 111ate1ialidade ·pro­
sig11ifica que a vru1gt1arda vai coexistir simulta11ea1ne11te co111 aquilo que ct1rat1do espaços d.e rt1ptL1ra. ReinstatLrando depois a 1natéria c1n tnoldes
são as suas contradições i11teruas (e apontá1nos doi entendj111entos para o regressivos ou <<ostensivatnente pobres>>.
termo, sua defi11ição e JJrática) e com o que a rodeia l1isto1·ica1nente e da Tal sig1lif�ica que a vanguarda não pode deixar de se ler segundo 111ode­
va11gt1arda, das suas leis e 111anifestos, no fundo, quase nada prete11de. lo e1n contradição: o de utn JJt·olo11gct11ie11to !1istó1·ico (qu.e prete11de a va11-
Veren1os seguidamente como é que a depe11dê11cia da l1istórica e da polí­ gL1arda como 11an.1ral prossect1ção da histó1·ia da a1·te e do século XIX ern par­
tica vai 1nina1· algu11s alice1·ces da vanguarda ru·tístico-culn1ral. i icular be1n como da st1a vocação demiú1·gica e n1nclacio11al); da ,-i1pti11·a
Para alé1n da estratégia 1nilitar, de onde é i1nportado o ter1no vanguar­ (j)Ouco estiinula11te quando previsível co11ceptt1al e ideologica111ente, mas
da, vin10s que a sua raiz é política para depois se to1·nar estética. Até 1870, 11i11da assitn a co11siderar no plai10 das inte11ções: de facto, a rt1ptura perma-
com Baudelaire, o escritor de va11guru·da era t1111 escritor con1p1·omctido. 11e11te foi t11na proposta co11creta, na arte e 11a política); e, por fim, da e.x:pc,11-
Proporia agora ttma primeira definição do termo para localizar aquilo qt1c ,\·cio (aproxi1na11do-se aqtti a va11gL1arda da 11oção de experunentalis1no, ou de
na história da arte l11e pode ou. não pertencer. t1n1a progressão cruza11do discjplinas - o que é diferente da 1·tLpti11-c1 e do
Vanguarda é tt1do o que se co11ip1·01nete ( e a todos quer comprometer) cqt1ívoco p1·og,·e ssi11;�•ta tão clarai11-er1te negado por Cle111e11t Gt·ee11berg).
co1no força-de-lei num determinado n1omento e, sj1nultaneamente, se pre­ As leis· das vc11igi1a1·clas JJodc1n ai11da se1·, co1n 111,aior ou 1nenor pe11inên­
tende projectar como fi1tit1�0, o que ocorrerá sob a for111a de irze,,itá vel ,·epe­ cia e n111n seg11ndo e diferente plai10 de abordage1n sujeitas a uma releitu­
tição (co1111Jletando e assegura11do a veracidade da ocorrência anterio1·, do ra a partir de outro conjunto de 1nodelos� co1110 o n-·ai,111ático (equivale11te
aco11teci111 e11to p1·in1e i1·0, acto que apenas se pode cl1amar de <<aco11tecunen­ ao p1·olo11.gan1e11to: u111a obra co11seguida JJ1·olorigci u1n tópico consegt1ido de
to>> qua11do recoberto por essa mes1na repetição) 11uma p1·esença corzstarzte. t11na ob1·a a11te1ior); o 1·etó1·ico (onde predomina a ruptura); e o anatóniico­
Pensando 11a sua co11stância, pode considerar-se a existência de wn substra­ /Jiológico (as disciplinas estéticas alarga1n-se 11a experi1nentação).
to de va11guarda em todo o acto (evene11zer1.cia[) criativo. Simplificando: 11ão
l1á acor1teci1nento setn repetição, isto é cada gesto criativo propagar-se-á 3.3. Se a \Jc111gitc1f·da é u 111c111ife!)·tação de Lt111 co11)it11to defo,·ças de lei, OtL
pelo te1npo nu,na espécie de corite11ipo1·aneidacle pe1·pétitcl. ele ti,clo o qtte éfo,·ça de lei 11L11r1 clete1111i11ado 1110111e11to - e111 qi,e a jó,·ça de
Ao dizer-se qtte a vctng,,1.a,�da é ti,do aquilo qite é fo,·ça-de-/ei 11it111 lei ele itn1111.ovi111e11.to (de tt1na corrente ou de wn ,nanifesto) ni111cc1 pode se1-
dete1711inaclo 1110111.ento (nL1ma sequência temporal não lit1ear), está a pro­ s·i,ficie11te111e11te <<fo1·te>> pa,·a cLnt1/a1· a fo,·ça ele lei pe1·tençc1 de OLttJ·o - e se
por-se urna norn1a totalizante, q11ando não mes1no, pai·a alguns, totalitária, essa totalidade apenas 110s sw·ge co1no testemunho de u1ua vocação i11clt1s;­
só que tal sucederá. por razões de inclitsão e nt1nca d. e exclitsão. Quer dizer va, e não o sct.1 co11trário (11a 01edida em que a \1at1gua:rcla é a realidade para­
qLte, no ca1npo das artes, aqLtilo qite é fo,·ça-de-lei 11.it111 dete1·n·1ir1ado doxal da Lei, com maiúsct1la, qite i11cli1.i todas c,s leis·, mesn10 as qt1e contra­
1non1e11to é aci1na de tudo t1m co11ju11to irreparável de enuncjados nt1nca dize1n a t111iversalidade irreal da <<I.El>>), diren10s qL1e esta proposição é sllnul­
<<plurais>> porqu.e predo1ninante1nente contraditórios. Isto sabemos co11sti- tanca1ne11te i11trodutória e conclusiva. 11a 1nedida e111 qt1e a inc Jt1são da contra­
dição impede o maior e1·ro das va11gt1ai·das, ou de t1111 ce1to e 1·estrito entendi-
1
l{enato Poggioli, Teoria deli 'Arre d 'Ava11gu(lrdia ( 1962), ed. ut: 11,e TheorJ of 1/,tt Ava11t-Garde, The
1
1ne11to das vanguai·das- erro que se apoia em deter11únações burocráticas i11s­
-
Bclknap Press oí 1 [arvard Universily Press, 1962, p. 1 O. titucionais qt1e não conte1npla1n a il1clt1sâo da co11t1·adição, preferindo a11tes

156
Carlos Vidal Arte Soviétic<1 pós-revoli1cio11/tri<1:
<l<L F<1ctogr<ifi<1 <to ret1/is1110 011 o cre111,sc11/o t!tt vt111gu<tr<la

uma silnplificação unidime11sional (do tipo arte=vída) co1·porizada r1tu11a <<forma>> sepai·ados das convulsões sociais (l:>ara eJes a arte era aliada da
<(Via oficial>> ql1e 1nais não é do que um estereótipo dificílin10 de re1nover. nova sociedade se fosse in,,ençào for111al pura e 11ão propaga11da 1ni1néti­
Der 1·ida, em A1111e Dz,{foi,,,·11tcl11telle lrz,1ite Jacqi,es De,,.1·iclc1 e, ca), se i11teg1·a111 11a li11ha denominada Fal<tl1ra e os ot1tros na Factografia
Repon.d1-e: De l 'Hospitalité, a t)ropósito precisamente de Ulna Lei (co1n - te111os os dois te1npos da arte soviética de vanguarda, na 1nedida e1n qt1e
r11aiúscula) da Hospitalidade, t111iversal e pt1ra, que consistiria na detern1i­ ao experi111e11talis1no da Falctura suced.etl a mimetiza.ção socioindtlstrial da
nação-obrigação de albergar alguém sem 11ada lhe 1Jergl111tar (quem é, de Factografia.
011de ve111 ou porqt1ê), explica o processo da Lei (que aqui poden1os con1- Fal<tura e Factografia pontua1n a produção artística soviética 11as três
parar ao entendi111ento generalista das vanguardas), a qual 11ão existiria pritneiras déca.das do século XX. Mas convil·ia co1neçai· por oll1ru· para o
(não existe) se111 se multiplicai· nas leis que gera: <<A Lei está sobre as leis. panorama artístico e1n cat1sa sem estes filtros. Todas as 111ovi1nentações
Porta11to, acaba po1· se tornar ilegal, transgressiva, fora da lei ( ...) a lei artísticas radicais ) cor1sideradas ainda en1 b1-i1to, despertara111 o interesse dos
incondicional (...) necessita. daJ· leis, reqt1ere-as. É t1111a exigência consti­ estrategos e dos ideólogos da Revolu.ção, e 11essa sequência realizou-se,
tl1tiva. A Lei não é efectiva111e11te i11condicional se 11ão se tornar efectiva, poucos dias depois da vitória bolcl1evique a ret1nião de S111ol11y, para a qltal
concreta, determinada, esse é o selt ser co1110 o setL dever-ser. foi co11vocada, pelo Conuté Central Executivo das repúblicas soviéticas, a
Dife1·ente1nente, arriscar-se-ia a ser abstracta utópica e ilt1sória>>. elite Lntelech1al de Petrogrado (Alexandre Blok: ,, Maiakosl<i, o encenador
Por isso as vanguardas se 111ultiplica1n en1 111ovi111e11tos que entre si se Meyerl1old, os J:>intores Petrov-Vodl<ine e Nata11 Altma11), com o objectivo
contradizem sen1 se a11ularem, sem que ne11J1U1n tente 011 possa riscar de acordar a colaboração f11tt11·a. e11tre a 11ova lidera11ça e os artistas.
qualquer outro, ne111 tão-J>: ouco rasurar o próprio co11ceito de vangt1arda. Apesar das pri1neiras n1anifestações, na URSS, de va11g·uarda artística
Há a pe1fectibilidade da Lei (a Vanguarda) e a efecti11idade ou pe,,.ver·tibi­ radical (futt11·is1110, 1:,1·odt1tivisn10 e constrtttivismo) derivru·en1, como
lidade das· leis (as va11guardas). Ai11da no 1nes1110 cor1texto da Lei da salientou Walter Benjamin, da cl1amada <<arte b11rg11esa ocidental>>, estas
Hospitalidade, Derrida refere-nos: <<Para ser o que é, a Lei 11ecessita das 11ão passaram despercebidas aos governantes nos primeiros anos pós­
leis que a 11ega1n, otL algu111as vezes a a1neaçan1; por vezes, corrompem­ revolucionários, sobretudo a Lt111atcharsl<i, Co1nissário do Povo para a
na, perverte1n-na. E tal deve111 sempre poder fazer>>.2 Educação, pelas l1ipóteses que oferecia111 de cobertt1ra às segt1intes virh1-
des programáticas gené1·icas: reco11struçào - ou ,�efit11clação - do 1nl1ndo
4. pela ru·te; co11strução da sociedade futura· su_peração da tradição; eq1-1iva­
4.1 Restri11girei agora a mi11l1a análise à situação artística soviética lê11cia arte de va11guarda e arte de esqt1erda.
saída da Revolução de Out11bro, laboratório qt1e é, como se percebe facil­ Progra1na que pree11cheri,1 a terceira das três frentes de co111bate anu11-
mente, o n1elhor cainpo de trabalho para ente11dern1os esta realidade: a cia.das pelo próprio Le11i11e em 1917: a f1·ente política, a fre11te eco11ó111ica
pluralidade dissona11te da realidade artística e dos n1oviinentos existe11tes, e a fre11te c11ltural, na qua], para alé111 da prática artistica, se adicionavam
concretamente a postura oposta dos artistas que se co1nprometiam com as objectivos de orde111 edl1cacio11al ) co1110 a erradicação do a11alfabetismo
questões exclt1sivamente formais e1n relação aos 011tros qt1e considerava1n até 1928.
que as questões de rt1ptura e inovação for1nal (geral1nente abstractas) Apesar dos altos cargos concedidos aos artistas mais i11ov,1dores da
eram de somenos, pois o que i11teressava era participar na revolução época - criação d.o Instituto da Ct1ltura Artística, presidido por Kandinsky,
social, é o campo formador das vanguardas soviéticas. organis1110 que e1n 1923 foi tambén1 di1·igido por Malevicl1 11a st1a secção
Segui11do o importantíssiino ensaio de Benja1nin H. D. B11cbloh, de Leninegrado; criação dos Ateliers Superiores de Artes, que contaran1
<<From Faktura to Factograpl1y>>, 3 considerare1110s q·ue os artistas da co1n professores co1no Rodcl1e1lko, Nat1n1 Gabo, Anton Pevsne1· ot1
Lioubov Popova -, apesar desta efervescência, llll1a mega-1náq itirza anti­
? Jacques Derrida, Anne D11fo11r111anrelle Invite Jacques Derri(/a à Re11011dre: De l 'líospita/i;é, Paris. vanguardista (tern10 q11e Lewis Munúord cunl1ou, en1 Le Mithe ele la
CaJn1ann-Lévy, 1997, p. 75. Mac/1ine, para definir as estruturas dos 1·egimes totalitários) começot1 a
l Ver Benja1uin 1-1. D. Buchloh, «Fron1 Faktura to Factography», October, 30, 1984, repub: Ocrober: The
Firsr Decade. 1976-1986, The tv111· Press, 1987 (pp. 77-113). ser erigida Jogo em 1917.

158 159
Carlos Vidal Arte Soviétict1 JJÓs-revo/11cio11árit1:
<l<t Ft1ctogr<ifit1 e10 ree1/is1110 011 o crep1ísc11/o ele, vc111gi1artlt1

O Estado tinl1a o mo11opólio da vida a1·tística e todas as i11stituições Na passage1n para a. década de 20, os artistas u1ovadores e revolucio-
czaristas fora111. extintas: a Academia Iinperial; os 1nuseus, qt1e fora111 11ários ,perderam definitiva1nente o combate trava.do, de un1a forrna ou de
11acio11alizados; be111 como os esboços já existentes de 1necenato cultL1- ot1tra, contra a 111ega-1náqui11a corzce11.tr·acla do Estado, qt1e desde os pri-
ral. Passado pouco te111po, en1 1919, co1neçara111 a surgir divergê11cias 1neiros anos da revolução vinha ampliando o seu poder. A edificação geral
claras entre alguns artistas (que posteriortnente abandonaria1n o paLs) e dessa 1nega-111áqtiina e st1a relação estrutural con1 a arte e a •culhira foi
a política do Estado. Entre estes encontrava1n-se Ka11dinsl<y e Marc assim definid.a por Igo1· Golomstocl<:
Chagall.
1. O Estado declara q11e a arte (e a ct1ltt1ra no seu conjt1nto) é un1a
4.2. Não obsta11te o abafa1ne11to i11e,,itável dos moder11istas, nestes pri- ar111a ideológica e 1u11 instrt11nento de luta ao serviço do i:)oder.
111eiros a11os de revolt1ção foi existindo u111 plura1is1110 evide11te, 1101neada­ 2. O Estado adquire o 111onopólio de toda a n1a1ufestação da vida artís­
mente no panora1na literário, n1anifesto na coexistência de vários grt1pos tica do país.
ot1 orgru1izações que se posicio11ava1n de 111odos disti11tos perante a ideia 3. O Estado co11strói t1n1 aparelho exa11stivo para controlar e dirigir a
de l1egemo11ia i11telectual e artística do proletariado. arte.
Tivemos a VAPP, associação pa11-rL1ssa de <<escritores proletários>>, 4. E11tre a 1nt1ltiplicidade dos 111ovi111entos a1·tísticos existentes, o
cuja orientação estética esta,,a pate11te 110 próprio nome; depois, por opo­ Estado escoll1e s0111e11te um, o 1najs conservador, aqt1ele qt1e 1ne111or
siçã.o, dois outros grupos que não destacavan1 essa hegemonia intelecn.1al responde às suas necessidades, e declara-o oficial e obrigatório.
do proletariado, a classe ascendente (r1un1 111essianismo que 11ão previu o 5. E1ú'in1, o Estado declara gtterra sem freio a todos os estilos e 111ovi­
trit111fo da ftttura peque11a burgt1esia pJa11etária): o LEF (Fre11te de _mentos não oficiais, decretando qt1e eles são reaccio11ários e hostis à
Esquerda), grupo que teve Maial<ovski como figura tutelar e que propôs classe, à raça, ao povo, ao partido ou ao Estado, à hu1na11idade, ao pro­
aci111a de tt1do, a criação de formas artísticas revolucionárias, privilegiai1- gresso social 01.1 artístico, etc:'
do a for1na/n1edii1111 em relação ao conteí1do: leia-se, por exemplo, o n1ani­
festo <<Viveiro dos Juízes>>: Se quisermos seguir I-Ia11.11al1 Arendt, obten10s tu11a correcta síntese
destes pri11cípios: a partir da edificação da 1nega-má.qt1ina do Estado, a
<< 1 - Deixá1nos de considerar a estrt1tura e a proni.'.1ncia das palavras sua vida cultural fica submetida a três factores - a ideologia, a 01-ga11iza-
~ .
segundo regras gra1naticais ) não vendo nas letras senão discursos çao e o te,·1-01·.)
or1entantes. Desmen1brá1nos a sintaxe. 2 - Conferimos se11tido às Os princípios n1íticos e teleológicos dos despotismos de estado 11a
palavras seg1.1ndo o set1 carácter gráfico e fo11ético. 3 - O papel dos URSS aparentara111-se com o <<progresso>>, 1nas um J>1·og1·esso sempre cen­
prefixos e sufixos foi reconhecido por nós. 4 - E1n nome da liberda­ u·alizado 11a discip1i11a e1nru1ada do Cl1eíe (co11tudo, deve-se contrapor a
de d.o facto individt1al despreza1nos a ortografia>>. discipli11a estatal estalinista. à indisciplina mais criativa do 111aoismo - 1nas
esse seria assu11to para outro texto). E1n detern1inado momento a arte ofi­
A Maiakovsl<i ju11tar-se-ia111 o di1·ector de teatro Meyerl1ol� os escri­ cial conf't.1ndiu-se co1n u1na das mais conservadoras categorias estéticas, o
tores 1. Babel, Seifillina e Trétial<ov, qt1e viria a morrer num campo esta­ retorno de uniafigi,raçào 1··eactiva, 11esse ponto e à sua manei1·a i,11ic1 esté­
linista. Registe1nos também um terceiro grupo, sih1ado além daqueles q1,1e ticct rc1diccil (ainda qt1e pri111á1�ia e co11ceptual1ne11te ilustrativa): o ,,.ealis-
reconheciam ou não a hege1nonia do proletariado: eram os nacionalistas 1110 de tipo de111iúrgico. E repare-se ta1nbé1n como o fulgor den1iúrgico
como Iessenin e El1renburg, autores bucólicos, de intensa ligação à terra deste realismo se i11screve no cinema, 1nedii1111 1nodert10, em A Ter,-a,
e irreconciliados co1n a revolução. Por último, um quarto grupo, os deno- 1930, de Dovjenl<o, por exemplo -já e1n plena era estalinista.
1ninados <<escritores burgueses>>, grupo em parte resulta11te da NEP (Nova
Política Econón1ica) liberalizante de Leni11e: os dra1nah1rgos Alexei � lgor Golo1nstock, Totalitarian 1/rt ( 1990), ed. ut: l'Art Tot(1/itaire, Paris, Carré, 1991, p. 13.
Tolstoi e Bt1lgal<ov (próxi1nos de Stai1islavski). s Hannah Arendt. cilada por Golon1stock, ibicle111, p. 86.

160 161
Carlos Vidal Arte Soviétic{t JJÓs-revol1-1cio11árif1:
da Factogrftfia ao realis111-o oi, o crepúsculo fift va11g11{1,rtlft

O realjs1110 socialista foi ar1·egi111e11tado e oficializado 11a década de co1npleta 1·egressão, 110 fundo, não deixo11 de corresponder a t1ma certa
30. Contudo, a st1a escalada ru1no ao poder total co1neçot1 com alguma <<inovação>> processual: quer dizer, ironicamente, mas não apenas, ta111-
antecedê11cia e preparação gradual, passos pre1nonitórios q11e convirá bén1 podernos ver , ,.aclicalidade en1 regressões absolutas e totalinente dis­
segui.dame11te descortinar. Datara111 se11sivelmente de 1921 os primeiros sociadas do ten1po e do espaço (recordemo-11os do Spiitstil de Theodor
siI1ais de que o realis1110 destro11aria o abstraccionismo va11guardista. Adorno, conceito q11e talvez aqui não seja aplicável).
Coi11cidentemente, ou não, esse ano foi també1n o do 1nassacre de Não inteira1nente satisfeito com a vitória das Sl1as teses na década de
T(ronstadt (a revolta de mari11heiros q11e reivindicara111 11111a i1np1·ensa livre 30, Gorlci foi ao po11to de classificar a década progresista 1907-1917
para operários, can11)011eses e n1ilitantes anarquistas). con10 t11n período artístico obtuso e irresponsável, que 111ais não fez senão
a <<propaga11da do siste1na bt1rguês ocidental>>.
5.
5.1. En1 seguida, a imposição do realis1no socialista surgiu com a rapi­ 5.2. As duas primeiras correntes citadas disputara111, a seu tempo, a
dez e a l1abitual arbitrariedade d.os decretos governamentais (que é igt1al hegemo11ia do n1ovin1ento vanguardista: VAPP e LEF, respecti\ra111ente,
nos totalitarisn1os e 11as den1ocracias). Foi pois por wn decreto de 23 de proxi1nidade à Factografia e à Faktura. Benja111in Bucl1lol16 analisa esses
Abril de ·1932 qt1e o Co1nité Central do Partido Co111unista criou a U11ião dois tempos das vanguardas soviéticas a partir dos diários de Alfred Barr,
dos Escritores da URSS, órgão <<t1nitário>> desti11ado a pôr fim ao pluralis- ft111dador do MOMA qt1e viajo11 pela URSS entre 1927 e 1928. O primei­
1110 das correntes literárias e estéticas atrás ap1·esentadas. Quanto à expres­ ro período estabeleceu-se entre 1913-1920, chamemos-lhe Fal<:tura, com
são <<realis1110 socialista>> propria1nente dita, ela surgiu pela primeira vez, proposições a.uto-1·eflexivas, sistemáticas e paracientíficas (dados a par­
con10 disse, 11un1 artigo do Lite1"citoit1"11ctict Gc1zetc1 en1 25 de Maio, tan1bé1n tir dos quais 1nais tarde trabalharão Joseph Albers, a Bat1haus, 011 a
de 1932. Abstracção-Criação); neste espaço a pintura e a esculttu·a redefiniam-se
Os seus conte11dos 1Jrogramáticos foram esta.belecidos co111 o contribu­ redefinindo as estrutt1ras perceptivas do espectador. Nt1n1 segundo perío­
to do próp1·io Estali11e 11uma reunião de escritores em casa de Gorl<i, trans­ do, a Factografia, a arte foi gradualmente perdendo a sua auto11on1ia e,
for111ado para o efeito 110 i11telectual cl1efe-de-fila do regi1ne, en1 26 de como o próprio non1e indica, te11tol1 cola.r-se aos <<factos>>. Nestes termos,
Ot1tubro do mesmo ano. Ressaltou desta ret1nião a caracterização do escri­ autores como El Lissitzky, Sergei Tretyal<ov OlL Rodchenko, como que
tor como llm erigenheiro ele alnias, fórn111la que o próprio Estaline e1npre­ coloca1n a estética numa zona iri-betvveen futura1nente sem saída, pro­
gou, n1as que foi, co11cretamente, roubada a Trétial<:ov e à pri1neiJ·a vaga de po11do que a função <<reportage1n>> (a arte como ·um novo tipo de jorna­
artistas vangua1·distas e revolucionários. Que, e1n co11textos difere11tes, lis1110) predomi11asse sobre as a11teriores investigações, agora apelidadas
propuseram a definição de artista como psico-enge11liei1"0. de <<forn1alistas>>. Ao percebern1os que daqt1i deriva uma parte do que
Em Agosto de 1934, 110 1° Congresso de Esc1·itores da URSS, o rea­ mais tarde (anos 60-70, neovangt1ardas) iren1os e.ntender por <<fusão
lis1110 socialista teve corno porta-esta11darte o famigerado And1·ei Zda11ov. arte-vida>>, teremos igualmente de estud.ar a ligação da Factografia ao
Discursando em 1101ne de Estaline, encar1·egou-se de IJassar o segui11te realismo socialista, ou o n1odo co1no a prin1eira nos enca111inhou para o
receituário aos artistas das letras: caber-ll1es-ia o dever de co11l1ecer a_ vida segundo.
a fim de a <<pintar>> co1n fidelidade, e tal significaria pintá-la numa dirzâ­ Numa síntese apressada de dois tempos do século XX, poderei dizer
niica revolitcioná,,.ia. Eram estes os tópicos norteadores da acção estética q11e, na. URSS, o triunfo da Factografia sobre a Faktt1ra conduzit1 as van­
zdanovista: a fidelidade (for1nal e conteudística); a obediêrzcict (a u111a guardas ao beco sem saída do realis1110 socialista, enq11a11to. que 11a Europa
psel1do-história); por fin1, a assunção de u1na função cha1nada de editca­ e A111érica a pe1·sistê11cia livre de pressupostos afins à Faktura conduzi1·ia
tÍVCl da clclsse ope,,.ária, finalidade estrita111ente didáctica. a um interminável ciclo de experiências for1nais auto-reflexivas, definin-
Este progran1a si11alizot1 a 1norte def'initiva de toda a modernidade
soviética, substituída por wna linha artística não menos radical (radicali­
dade en1ble1natizada nu1nafigitr·ação reactiva, tout-coi,,,·t, pri1nária). Esta 6
Buchloh, ob. Cit.

162 163
Carlos Vida! Arte Soviétic<t pós-revo/11cio11.ári<t:
rl<t F<tctogrrifi<t <to ret1/is1110 011 o crep1ísc11/o d<t vrn1g11<tr(l<1

do expansiva111.ente o sig11ificado do 1noder1lisn10 - e co11sidere1110s aqt1i <<formal>> que servitt. de 1nediação/transiçào e11tre a Fal<tL1ra e a
<<Ava11t-garde a11d l<itscl1>> de Greenberg,1 u1n texto decis.ivo. Factografia, averiguando se pode111os aí detectar o preârnbt1lo do ft1turo
trit111fo da estética realista. A estratégia for1nal a que 1ne refiro é a cola­
FAKTURA ge111, formalização qt1e repõe, cor1tra o predomí11io da abstracção experi-
1913 -1920 111e11tal anterior, todas as 1nodalidades possíveis de iconicidade e de repre­
A Falctw·a correspo11de a algt1ns tópicos p1·opostos pela corre11te críti­ se11tação figL1rativa didáctico-propagandística.
ca de1101nu1ada .fo1·111.alis11io ,,. L,sso, ca111po de traball10 oriundo, desde Efectivame11te, a colage111 te111 objectivos co111u11s ao posterior realis­
finais do século XIX, dos esh1dos literários. Citaremos Ba1<11ti11e e Victor mo, sobretl1do: o alargan1ento dos IJÍlblicos e a cl1a111ada educação das
Sltl<lovsl<y, desde S. Petersburgo e Roman Jalcobson, de Moscovo. tnassas, presst1postos qt1e entregaria1n a a11terior arte de va11guarda ao
Rect1sa,,am: arsenal crítico já 111011tado pela propaganda estali.tústa. Diag116stico que
•A crítica corno divagação poético-fjlosófica Be11ja1nin H. D. Bt1chlol1 ta1nbé1n elabora a partir da análise de obras
•O sin1bolis1no características da época como as de Rodcl1e11l<o, El Lissitzl<y e Gt1stav
•A sobrecarga política 11a il1terpretação das obras Klticis. Walter Benja1nin, 110 set1 conhecido ensaio <<Ü autor enquanto pro­
•A crítica co1110 fo1·rna de jo1·11alisn10 dutor>> explicitará (1934) o problen1a deste 1nodo:
Defendian1:
•A obra de arte e111 si a Slla auto110111ia e auto-1·eflexividade ...antes de perguntar: co1110 se relacio11a a poesia con1 as rela.ções pro­
• U111a tttópica ciê11cia da ]jteratL1ra dt1tivas da época, gostaria de pergt1L1tar: como se situa nela? O objec­
• A partir destes tópicos, desejavel1nente, poderia 111es1no cl1egar-se a tivo i111ediato desta qL1estão é dete1·n1juar a função que a obra asstlffie
t1111a definição da literattu·a. n.as relações ele tJroduçào da escrita nt1n1a época. Por outr·as palavras,
o seu objectivo é a téc11ica escrita da obra. Desigi10 o conceito de téc-
Segundo Benjamin Bt1cl1loh, esta experi111e11taçã.o al1tolegitimada e 11ica co1no aquele que, nos prodt1tos literários, torna acessível uma
auto-suficie11te da íor111a radicalizot1 os pressL1postos do 1nodernismo. a11álise i1nediata e 1naterialista da sociedade. 8
Stu·giu e111 n1anifestos co1110 <<Bofetada no gosto do público>>, de David
Bur1ii1l< ot1 no Mct11ifesto Raionista de Lario11ov e111 19 12. Era o conceito Nos apo11ta1ne11tos diarísticos da viagen1 à U11ião Soviética (e11t1·e 1927
ce11tral dos objectos e instalações de Lissitzl<y e Vladin1u· Tatlin, 11t11na pri­ e 1928), relatava Barr9 que u111 autor como Sergei Trétial<ov, por exemplo,
meira fase. Marcot1 Maial<ovslci (ver aci111a <<Viveiro de Jt1ízes>> ), e levot1 se desinteressara da pintura porque esta evoluit1 para un1a total abstracção,
a infli1ê11cia de Malevicl1 a pintores corno Roza11ova e Lit1bov Popova. te11do igt1almente deixado de escrever poesia para se dedicar a t11na espé­
cie de ,-epo1-tc1ge111 i11terve11tiva. Barr concluía que os artistas a.ba11do11arain
FACTOGRAFIA a pintura na tentativa de enco11trar Lun 1nodo ele prodt1ção ap1·oxi1nável da
Década de 20 i11dt1st1ialização e1n marcha 11a União Soviética. Confirmru·ia esta tendên­
Al1tes do mais, co11viria ate11tar en1 algu11s aspectos do período entre cia 11ova1ne11te em visitas de 1927 aos ateliers de Rodchenl<o e El Lissitzl<y.
1919 e 1923, sensiveln1ente, para 1nelhor con1pree11dermos qual a prática
6.
; Cfr. Cle111ent Greenberg. «Avant-Garde and kitsch» (1939). republicação ut: The Collected Essays and Fica1110s assi1n co1n os dois pressupostos fundainentais das vanguardas,
Criticis1n, Vol 1: Perceptions and Judge,nents, 1939-1944 (John O'Brian. org.). University of Chicago
Press, 1986. Este texto.. verdadeiran,ente fundador, enfatiza as dinân1icas contraditórias elas vanguardas ao to1nando o caso soviético como moldt1ra determi11ante para o e11te11di1ne11-
1nesn10 ten1po que estabelece a auto-reflexividade e reinvindicaçào de autono1nia estéticas con10 fulcro do
1nodernis1no. Greenberg exa1nina o n1odo con,o a vanguarda necessitou dos ideais t·evoluciouários para
isolar o conceito de «burguesia», de que se queria separar; por outro lado, na junção entre vanguarda e � \Valter Benja1nin, «O autor enquanto produtor» (1934), en, Sobre 1lrte. Técnica. Ling11agen1 e Política.
boé1nia, o artista pretendia afastar-se das dinã1nicas sociais. dos ideais burgueses tanto quanto dos revolu­ lrad. port., Lisboa, Relógio d·Água, 1992, pp. 139-140.
cionários. Esta tese da autono111ia consideraria, e Greenberg será o seu protagonista, que o n1ediun1 (na 4
Cfr. AI freei 1-1. Barr, Jr, «Russian Diary>> (1927- 1928), en, Barr, Defí11i11g 1\!fo,ler11 1lr1 ( Irving Saneiler,
pintura ou na literatura) é o responsável e a 1na1riz da fonna, do conteúdo e da sig11iJicação. Atny Ne,v1nan. orgs.), Nova [orque. 1-larry N. Abran,s, 1986 {pp. 103-137)

164 165
Carlos Vidal

to da evolução da arte moder11a no resto da Europa e, segL1indo o pensa­


mento (anti-Factografia, digamos) de Clen1ent Greenberg, nos EUA.
LINGUAGEM <<ZAOUM>> COMO
Resumidan1ente, a Factografia, a. segu11da fase das vangt1ardas sovié­ ANTECÂMARA DO SUPREMATISMO
ticas depois de 1920, relevou u111 artista co1npro111etido co1n a sociedade e
com os set1s modos de produção aba11donando por isso os processos <<tra­ José Quaresma
dicionais>> (a pintura, nomeadamente) em favor de 1.1ma 1nin1etização Assistente na Faculdade de Belas-1lrtes
da Universidade de Lisboa (FBAUL).
industrial, por vezes ta1nbé1n denonú11ada P,�odutivismo. Os artistas troca­
ra111 a pi11tura pela li11guagen1 das 1nassas e1n conso11â11cia co111 a euforia
industrial, dando a poesia lugar à <<repo1·tagem>> e, conseqt1enternente, A sis11iologia CULTURAL-cl te11tativa ele registo deis virage11s e deslocctçõ­
entregando a experimentação ao realis1110. es da se11sibilidade qi,e regirlarnie11.te ocorreni na /1.istória dei c1rte, dct literc1ti1rc1
Buchloh sublinl1a, a este propósito, algo muito importante. No seu e do pe11sctn1.e11to-disti11gite hl1biti1c1ln1e11te três orclerzs d[fere11tes ele 111c1gniti1de.
regresso da U11ião Soviética, Alfred Barr traz um objectivo: i1npedir a Nun1 dos e.x.trenzos clct escc1la, e11co11trct111-se ctqiteles tre111.ores da 111oclc1 que sitr­
entrada de uma estética produtivista nos Estados Unidos. O que nos pode­ gen1 e se clesvctneceni ao rit1110 dei pc1ssctgen1 deis gerações, (. .. ). A lt111.c1 segit11clcl
rá co11dt1zir a Clemente Gree11berg, ct1jas teses suste11tadas desde os anos orclent ele tnag11.ititcle perte11.ce11i essas cleslocc1ções 111c1is exte11sas citjos efeitos
30 nos EUA são t1ma prova de que as posturas formalistas, ou seja, de u1na veio 111aisji,11.do e 1nc1is lon.ge forn1ctndo exterzsos períoclos de estilo e se11sibiliclc1-
enfatização al1to-reflexiva da for1na, co11tinuaram os tópicos da Faktura cle co111preendiclos 11.11111.d ditração de séculos. Isto deixa liberta itn1c1 terceira
soviética. Para isso, bastaria ler os três e11saios decisivos de Greenberg categoric, /JCLrc, essas deslocações esn1c1gacforc1s, ( ..) qi,e parecen1 ft1zer estre1ne­
neste âmbito, co11siderando a st1a sig11ificativa inflt1ência histórica: cer o 111.ciis sóliclo e sz,bsta11cicil deis nossas crençc,s e co,1.vicções, clei,tan1- grci,i­
<<Avant-Garde and Kitsch>> (1939), <<Modernist Pai11ti11g>> (1960) e <<After c/es áreas ,lo passado e111 ri1í11as ( ..), e estinzi1/a1r1 i111ifrerzesin1 ele reconst1··i1ção.'
Abstract Painti11g>> (1962). E termi11aria com uma longa citação do 1nais
conl1ecido e polé1nico, <<Modernist Painti11g>>: A Lingi1agen1 tt·ans-tnental - <<zaot1m>> segundo a espressão em ciríli­
co-, assi1n co1110 a respectiva repercussão e troca co1n o do111ínio das artes
A civilização ocidental não foi a primeira a camiJihar en1 redor de si plásticas, nomeada1nente a pi11tura coeva de Malévitch nos anos 1913-14,
1nesn1a para questio11ar os seus próprios fi1ndamentos, 1nas foi a civi­ inscreve-se nesta terceira categoria da. sismologia cultural, esboroando, a
lização que n1ais longe se enipenl1ou 11essa tarefa. Eu ide11tifico o par de outras vanguardas dos prin1eiros decénios do séc. XX, a solidez dos
Modernismo com a intensificação, ou mesmo exacerbação, desta te11- valores e crenças i11stituícias.
dência autoc1·ítica iniciada na filosofia de Kant. Na medida en1 que foi Porém, fenó111e110 cultural ainda 1nais extren10, a vontade de ser va11-
o primeiro a criticar os n1eios do próprio criticismo, vejo e111 ·Kant o gi1arda e o 1nessia11ismo reconstrutor não se limita a fazer vacilar o esta­
pri1neiro 1nodernista. (... ) Evide11ciou-se desde logo que a área exclu­ do da arte e da literatura a11teriores ao apareci1nento das primeiras van­
siva e própria de competência de cada arte coincidia con1 tudo o que guardas, tais co1no o Fauvismo, o Cubis1no, o Expressionismo e até o
era exclusivo da natureza dos set1s n1eios. Tornou-se tarefa da autocrí­ Futuris1110. Ta1nbén1 estas - ainda que recé1n-aparecidas e se111 tempo de
tica eliminar dos efeitos de cada arte todo e qualquer efeito que, pos­ sedimentação suficiente para o respectivo aba11do110, 111as já co111 111t1itos
sivelme11te, pL1desse vir emprestado dos 1neios, ou pelos meios, de resultados proporciona.dos devido à inte11sidade da respectiva experimen­
qualq11er outra arte. Por conseguinte, cada arte deveria tornar-se tação-, são alvo dos ''franco-atiradores'' ql1e pt1gnam pela estética e pelos
<<pura>>, e em sua <<pureza>> encontrar a garantia dos se11s padrões d.e procedi1ne11tos ''tra11s1nentais''. Leia1nos a título de exemplo aquilo que
qualidade e independência. 10 afirma Malévitcl1 a propósito do cubo-ft.1turis1no:

1° Clement Greenberg, «Modernist Painting» ( 1960), repub. ut: The Collecte<I Essays an<I Crilicis,n, 1'ol 4: 1 Malcolin Bradbury, James McFarlane, /vlo<lernis,11. A Guie/e to European Literature. 1890-1930. London.
i\lfoclernis111 H1ith a Ve11geance, J 9 5 71969
- (John O'Brian, org.), U11iversity of Chicago Press, 1993, pp. 85, 86 Penguin Books, 1991, j). 19.

166 167

Potrebbero piacerti anche