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Em síntese: A profecia das setenta semanas de Daniel 9,24-27 é uma das passagens mais obscuras e
controvertidas da S. Escritura, pois o texto não somente é conciso e misterioso, mas também está mal
conservado, prestando-se consequentemente a variadas interpretações.
Abaixo será examinado o texto como tal. Ao que se seguirá a explanação das duas interpretações mais em
voga entre os exegetas. Nenhuma, porém, é plenamente convincente. - Aliás, deve-se levar em conta
o fato de que o texto de Dn
9,24-27está inserido num contexto apocalíptico ou de um gênero literário simbolista, que não é propriamente
profético.
A profecia das setenta semanas de Daniel 9,24-27 é uma das passagens mais obscuras e controvertidas
da S. Escritura, pois o texto não somente é conciso e misterioso, mas também está mal conservado,
prestando-se consequentemente avariadas interpretações.
Já São Jerônimo, no séc. V, enumerava nove explicações diversas do vaticínio (cf. In Dn 9,24 ed. Migne
lat. 25, 542-553). F. Fraidl em 1883 enunciava 107 interpretações do texto, propostas todas antes do
século XVI; dessas interpretações, 22
eram messiânicas, isto é, referentes a Jesus Cristo. Os exegetas modernos aumentaram esses números;
contudo reconhecem
abertamente que nenhuma sentença é cabal ou capaz de elucidar plenamente o texto. Em
consequência, devemos de antemão renunciar a conclusões irreformáveis na nossa exegese de Dn 9,24-
27, e contentar-nos com a mais provável das explicações que se possam dar.
Nas considerações que se seguem, procuraremos ser sóbrios, evitando questões sutis, para deter-nos
nas grandes linhas e nas expressões mais importantes do texto sagrado. Examinaremos primeiramente a
face do trecho a ser analisado; a seguir, percorreremos as duas principais interpretações que têm sido dadas
à profecia das setentas semanas, tentando por fim daí deduzir uma conclusão positiva.
1. O TEXTO DE DN 9, 24-27
A passagem de Dn 9 nos apresenta o jovem israelita Daniel no fim do exílio de Israel na Babilônia (587-
538), ou seja, no fim do ano de 539 ou no início de 538 (é o que equivale ao "primeiro ano de Dario Medo"
mencionado em Dn 9,1). Daniel então se lembra da profecia que Jeremias (25,11-13) proferira em 606,
anunciando que o degredo devia durar 70 anos (cifra arredondada, à qual não se deve atribuir precisão
matemática). Consequentemente, inflama-se do desejo de ver, quanto antes, terminada a humilhação de
Israel, e derrama ardente oração penitente, a fim de impetrar a almejada misericórdia para o seu povo (Dn
9,3-19). Em resposta a esta prece, o anjo Gabriel é enviado ao jovem orante, a fim de comunicar-lhe o
seguinte:
24 "Um prazo de setenta anos foi fixado
A respeito do teu povo e da tua Cidade Santa, Para pôr termo ao pecado,
Para dar fim à iniquidade, Para expiar a culpa,
Para introduzir justiça eterna,
Para selar (= cumprir) visão e profecia, Para ungir o Santo dos Santos.
25 Reconhece e compreende:
Desde o momento em que foi emitida a palavra De restauração e reconstrução de Jerusalém Até a vinda
do Príncipe Ungido,
Transcorrerão sete semanas.
E durante sessenta e duas semanas
Será restabelecida e reconstruída (Jerusalém) Com sua praça e seu fosso,
Dentre essas diversas possibilidades, certos exegetas escolhem a do ano 458 ou ano sétimo do reinado de
Artaxerxes I (as outras datas ou não seriam muito precisas, ou não se refeririam propriamente a um decreto
de restauração e reconstrução de Jerusalém). Ora, de 458 até a vinda do Príncipe Ungido (= Messias,
Cristo), devem transcorrer, conforme Dn 9,25, sessenta e nove semanas de anos, isto é, 483 anos - o
que nos leva até o ano 23 da era cristã. Esta data, porém, não condiz exatamente com a cronologia
real da vida de Jesus, que começou a sua vida pública por volta do ano de 27 ou de 29/30.
Diante disto, outros exegetas começam a contar os anos do reinado de Artaxerxes I desde que, como dizem,
este foi nomeado "co-regente" (companheiro de governo) de Xerxes no regime da Pérsia, isto é, desde
474. Além disto, escolhem como ponto de partida do cálculo o decreto do ano 20 de Artaxerxes I, decreto
portanto datado de 445/44. Acrescentando a este termo sessenta e nove semanas de anos (483 anos),
chega-se à data de 29/30 da era cristã, data que bem corresponde à do batismo de Jesus(1). - Dado que
o Senhor tenha pregado aproximadamente três anos, foi no meio da septuagésima semana que Ele
morreu (o que concordaria com os dizeres de Dn 9,26 e 27).
1 O cálculo é forçado ou artificioso, pois 483 - 444 dá 39, e não 29.
2. Uma vez feitos estes cálculos, os adeptos da interpretação diretamente messiânica explicam do seguinte
modo os sucessivos dizeres do vaticínio:
O texto de Dn 9,24 seria como que uma visão de conjunto da bonança acarretada pela vinda do
Messias. O "Santo dos
Santos" a ser ungido significaria Jesus Cristo (cf. At 10,35).
No v. 25 dever-se-ia fazer a soma das sete e das sessenta e duas semanas aí mencionadas. No decurso
deste período (mais precisamente: durante o século V) Jerusalém foi, sim, restaurada e reconstruída,
embora em meio a muitas dificuldades, como assevera o texto de Daniel.
O v. 26, falando da extirpação do Ungido, aludiria à morte de Cristo. O príncipe que sobreveio com seu
povo, destruindo
Jerusalém e o santuário, seria Tito com seu exército, ao qual de fato se deve a ruína de Jerusalém em 70
d.C.
No v. 27, a aliança firmada com muitos seria a nova e definitiva aliança estabelecida por Cristo com todo o
gênero humano. O sacrifício e a oblação que cessam seriam o ritual do Antigo Testamento, tornado inútil
após o sacrifício de Cristo na Cruz. A devastação do santuário referir-se-ia ao que se deu em 70 d.C, quando
os romanos entraram em Jerusalém.
3. Agora pergunta-se: que dizer de tal corrente exegética?
— A mais de um título, é falha:
a) Ressente-se de um erro fundamental, pois comete círculo vicioso: supõe de antemão que Daniel tenha
tido em vista diretamente o Messias (coisa que deveria ser provada) e, a partir desse pressuposto, tenta
provar que realmente o Messias como tal é focalizado pela profecia. A data do "decreto" ou da "palavra" (v.
25) é então calculada em função da provável cronologia da vida de Cristo e, para que haja plena
convergência entre a profecia e o Evangelho, alguns intérpretes chegam a admitir uma pretensa elevação
de Artaxerxes I à co-regência no ano de 474 - hipótese esta que é assaz arbitrária, pois não há documentos
nem testemunhos para provar que Artaxerxes tenha sido nomeado co-regente de Xerxes.
b) A teoria diretamente messiânica negligencia a perspectiva geral do livro de Daniel. Este tem em mira
geralmente os tempos dos Macabeus ou o séc. II a.C: são assim orientados, de modo especial, os capítulos
7,8, 10 e 11, que cercam a profecia das setenta semanas (c. 9); seria, portanto, muito estranho que o autor
sagrado neste vaticínio tivesse fugido ao cenário geral das suas descrições. "Bom número de traços se
unem, compenetram e identificam do c. 7 ao c. 12 do livro de Daniel, de modo que, colocados tão perto uns
dos outros, logicamente não podem significar coisas diferentes" (I. Bigot, em "Dictionnaire de Théologie
Catholique" IV 1911, 102).
c) A exegese judaica geralmente interpretou o oráculo em função da era dos Macabeus, e não
diretamente em vista do
Messias.
Conscientes destas dificuldades, abalizados exegetas propõem outra sentença, a saber:
II) A interpretação diretamente macabaica (ou referente à era dos Macabeus no séc. II a.C).
1. Os fautores desta tese partem do princípio de que o decreto ou a palavra mencionada em Dn 9,25 é
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As Setenta Semanas de Daniel 9, 24-27 de Estêvão Bettencourt em www.... http://www.pr.gonet.biz/kb_read.php?pref=htm&num=
Com efeito, no v. 24 a salvação vindoura é solenemente anunciada em termos negativos (três expressões)
e termos positivos (três outras expressões).
O pecado desaparecerá por completo, pois lhe será dado fim (ele será encerrado e selado ou lacrado, diz o
texto original hebraico) e as culpas serão expiadas. Em substituição ao pecado, difundir-se-ão os bens
espirituais da era messiânica:
a justiça eterna será introduzida, isto é, não haverá mais tratamento injusto para os cidadãos do Reino de
Deus; visões e profecias serão seladas, isto é, cumpridas, e o seu cumprimento será o sinal da sua
autenticidade; algo ou alguém de muito santo será ungido, palavras suscetíveis de mais de um sentido:
significam ou o templo de Deus vivo que é a Santa Igreja, ou o Messias.
Em conclusão: deveremos contentar-nos com uma atitude sóbria diante da profecia das setenta semanas,
renunciando a querer deduzir de seus dizeres datas precisas ou indicações muito minuciosas. Ela fala, sim,
da vinda do reino de Deus messiânico sobre a terra; fala, porém, no estilo habitual dos profetas, isto é,
usando de tipos e figuras, o que quer dizer: ... aludindo diretamente a personagens e fatos (tipos) da história
antiga, pré-cristã, que devem simbolizar, para o leitor, o antítipo ou a realidade final, messiânica. O estudioso
portanto desistirá de forçar artificialmente (mediante cálculos cronológicos rebuscados) a aplicação do texto
à vinda de Jesus Cristo; admitirá, antes, que os números 7,70 e 490 no vaticínio são cifras arredondadas e
simbólicas, destinadas a caracterizar perfeição e boas notícias em geral, conforme a linguagem mística dos
antigos.
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