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Espiritualidade

GUIA DE ESTUDOS
ESPIRITUALIDADE: EM BUSCA DA PLENITUDE1.

INTRODUÇÃO

Todos nós somos seres espirituais. Alguns percebem essa


presença com mais facilidade do que outros. Alguns têm mais
necessidade de viver a espiritualidade do que outros. E desse
modo, para conhecer e explicar o que nós humanos sentimos
no coração, é necessário que busquemos formas adequadas
para que compreendamos como se dá essa presença do Espíri-
to de Deus na vida humana. Para isso, a Bíblia é um bom rotei-
ro para se responder às perguntas: De onde vem o Espírito de
Deus? Quem ele é? E o que ele faz?
O termo Espírito de Deus aparece 377 vezes no Antigo Testa-
mento e, para nossa surpresa, 250 vezes no Novo Testamento.
Surpreende-nos o fato de que, popularmente, há uma tendência
de ligar o aparecimento do Espírito de Deus somente a partir do
livro de Atos dos Apóstolos, sobretudo no capítulo 2, na conheci-
da narrativa da descida do Espírito Santo no Dia de Pentecostes.
No Antigo Testamento, Espírito é a tradução da palavra he-
braica Rûah. No Novo Testamento, a palavra grega equivalente
é Pneuma. Ambas as expressões significam vento e despertam
a nossa curiosidade por causa de sua simbolização com algo
tão intangível, imensurável como é o vento. Não é tanto o mo-
vimento do vento, sua dinâmica ou mesmo sua invisibilidade
que nos causa espanto, mas sim a energia que faz com que o
vento se mova. Aliás, para a teologia bíblica, Deus é a energia

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O Rev. Adilson de Souza Filho é Professor de Teologia na FATIPI e Pastor na 1ª IPI do
Tatuapé em São Paulo; tem doutorado em Ciências da Religião, pela Universidade Metodista
de São Paulo

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que move o vento e quem lhe dá a direção. Assim, parafrasean-


do o autor de Gn 1.2, o Espírito de Deus se move sobre a face de
todo o universo, dando elasticidade, ornamento e vida a tudo
que o próprio Criador forjou.
Na passagem, Ez 37.1-10, especialmente no verso 9, temos
a descrição do profeta dizendo que o espírito vem dos quatro
ventos, ou seja, de todos os lugares, e vai numa direção úni-
ca, assoprando sobre mortos, trazendo-lhes de volta o sopro/
fôlego de vida. Esses quatro ventos simbolizam a onipresença
de Deus. E é por meio de sua onipresença que Deus vai ao en-
contro de todos que se encontram caídos, prostrados, abatidos
e sem esperança, pois, a perfeita descrição sobre Deus revela
sempre seu amor incondicional por todos e todas que sofrem e
carecem de sua graça.
A experiência com o Espírito Santo é sempre descrita como
fenômeno; essa expressão é usada para designar algo que não
conseguimos decifrar completamente; é sempre algo extra-
ordinário, isto é, vai além da ordem que estabelecemos para
descrever as coisas que conhecemos. Dizer que a revelação
de Deus ao ser humano é sempre um fenômeno, é o mesmo
que afirmar que jamais teremos uma explicação completa e
objetiva de quem é Deus. Conforme os relatos do Antigo Testa-
mento, toda a experiência do povo hebreu foi, via de regra, por
meio de símbolos que, apenas em parte, representaram o ser
de Deus. Daí a simbologia do Espírito de Deus ser tão comum
nas formas de revelação divina. Lembramos mais uma vez que
o Espírito, o poder de Deus, é comparado à energia que move
e dá direção ao vento.
Então, é pelo poder do Espírito que Deus criou e sustenta
todas as coisas. É pelo Espírito que Deus sopra fôlego de vida
em todos os seres e, especialmente, no ser humano (Ec 3.17-21,
Ez 37.8-10, Is 42.5). Por isso é que coube aos autores bíblicos
afirmarem nossa imagem e semelhança com o próprio Deus.

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Assim, é o ser humano que percebe o agir de Deus em toda a


sua história. O ser humano percebe e se relaciona com Deus
exatamente porque foi criado como imagem e semelhança es-
piritual. Por exemplo, a expressão “Espírito” aparece na Bíblia
algumas vezes aliada à expressão “coração” (veja Êx 35.31-35);
isso sugere que o conceito de imagem e semelhança pode ser
percebido por meio de nossas faculdades mentais, passando
por nossas emoções, consciência, percepções sensorial e cogni-
tiva. Isso reforça a afirmação de que nossa relação com Deus é
sempre espiritual, o que significa dizer que sempre transcende
a nossa capacidade intuitiva, cognitiva e mesmo emocional de
perceber a Deus em sua completa natureza. Cabe muito bem
aqui o ensino do apóstolo Paulo de que “as coisas de Deus so-
mente o Espírito de Deus as conhece” e ainda, “Ora, o homem
natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são
loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem es-
piritualmente” (1Co 2.11.14).
É a necessidade que todos nós temos de ir além de nossa
própria existência, que faz com que percebamos nossa limita-
ção humana, nossa natureza limitada e pecadora. Eis o suspiro
de nossa alma destituída de Deus. Assim, é somente no sofri-
mento da existência, quase sempre diante da incerteza da vida
e certeza da morte, que todos nós humanos, desde os tempos
mais remotos, buscamos transcender nossa limitação, procu-
rando ir além de nós mesmos, numa luta constante contra o
vazio da alma. Vale dizer que o vazio da alma é uma caracterís-
tica de todo ser humano, justo ou injusto, honesto ou desones-
to, bom ou mal. Por exemplo, a angústia referida no livro de Jó
diante do drama da existência, ilustra muito bem o que estamos
dizendo. Outro livro que retrata o grande dilema da vida é Ecle-
siastes, 2.1-17. Temos nesse livro um verdadeiro seriado retra-
tando a falta de sentido para quase tudo na vida.
A revelação de Deus ao ser humano é apaziguadora, e isso

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significa dizer que o próprio Deus ouviu o grito existencial da


finitude humana. A incerteza diante da nossa origem pecadora,
o drama dos altos e baixos da existência e a certeza da morte
nos fazem clamar por socorro. Aliás, esta linguagem de angústia
existencial foi muito bem captada pelo salmista ao descrever
que “Deus é o nosso socorro bem presente” – Sl 46.1; “Socor-
re-me, Senhor” – Sl 12.1; “Ele me acudiu quando clamei por so-
corro” – Sl 18.6; “Presta-nos auxílio na angústia, pois vão é o so-
corro do homem” – Sl 108.12. Em Êx 3.8-10 Deus diz ter ouvido
o clamor e a aflição do povo, por isso, desceu a fim de livrá-lo.
Diante da grande quantidade de passagens bíblicas que deno-
tam o drama da existência humana e de como necessitamos
religar-nos ao sobrenatural, isto é, ao Deus que é infinito e que
não sofre os dramas da materialidade da existência, percebe-
mos a revelação de Deus em nós; Ele vem ao nosso encontro e,
como uma sonda, penetra o mais íntimo de nosso coração (Sl
139.1-12.23). É no coração que o Espírito de Deus derrama sua
abundante paz; ainda conforme a linguagem do salmista, dize-
mos: “Clamou este aflito, e o SENHOR o ouviu e o livrou de todas
as suas tribulações” (Sl 34.6).
A revelação apaziguadora de Deus por meio de seu Espírito
se dá sempre no interior do coração humano. Isto significa di-
zer que, sendo imagem e semelhança de Deus, fomos formados
para perceber sensivelmente a intervenção do Espírito Santo
em nossa existência, marcando radicalmente a nossa história.
O apóstolo Paulo, falando sobre esta intervenção do Espírito
na vida humana, mencionou em sua experiência um momento
de angústia quando estava preso em Jerusalém (At 23.11), e o
Senhor se colocou ao seu lado dizendo: “Coragem!”. O mesmo
apóstolo Paulo, escreveu em Fl 4.7: “E a paz de Deus, que exce-
de todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa
mente em Cristo Jesus”. Não há palavras para descrevermos
a maravilhosa sensação de ter a presença do Espírito de Deus

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agindo no mais íntimo de nosso coração, trazendo-nos sua paz


em todo tempo, principalmente nos momentos de angústia e
dor. E ainda, uma expressão figurada que ilustra bem essa sen-
sação de conforto e paz espiritual diante da presença do Senhor
em nossa vida encontra-se registrada em Lc 24.32: “Porventura,
não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava,
quando nos expunha as Escrituras?”.
A revelação do Espírito Santo no Novo Testamento tem como
característica básica anunciar a chegada do Reino de Deus, uma
nova aliança, agora firmada no coração e na mente, conforme
prometida em Jr 31.31-33. Tanto os evangelhos quanto as cartas
Do apóstolo Paulo descrevem claramente que a revelação do Es-
pírito Santo se dará no coração, isto é, apontando para um novo
tempo de relacionamento pessoal com Deus. O próprio evange-
lho de Lucas destacou um dito de Jesus, ao afirmar que o Reino
de Deus não se mostra em lugares; ao contrário, “porque o reino
de Deus está dentro de vós” (Lc 17.21). É também Lucas quem
destacou a experiência pessoal de dois jovens ao se encontrarem
com o Senhor ressurreto que, ao lhes expor as Escrituras, tive-
ram seus corações aquecidos pelo poder da palavra (Lc 24.32).
Contudo, o destaque quanto à revelação do Espírito Santo
no Novo Testamento é o de que Ele é o poder de Deus para o
cumprimento da promessa da nova aliança, que se dá no cora-
ção e na mente. Desse modo, a encarnação do Messias Jesus,
o seu batismo, a sua morte e a sua ressurreição correspondem
exatamente ao propósito de Deus: conduzir, por meio de seu
Espírito, a completa salvação de todos os que creem. Por isso,
faz todo sentido as muitas afirmações de Jesus quanto à fun-
ção do Espírito Santo: “Se, porém, eu expulso demônios pelo
Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus so-
bre vós” (Mt 12.28). Ao anunciar profeticamente a chegada do
Consolador, Jesus disse: “mas o Consolador, o Espírito Santo,
a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas

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as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (Jo
14.26); “quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da
justiça e do juízo” (16.8). Desse modo, a revelação do Espírito
Santo no Novo Testamento tem como principal objetivo a ação
poderosa no coração e o convencimento da mente de todos
quantos hão de crer na mensagem da salvação.
Portanto, o nosso objetivo nessa reflexão sobre o tema pro-
posto, é conhecer a origem bíblica do Espírito Santo e como se
dá nossa experiência com ele, bem como conhecer os sinais e
efeitos de sua presença em nossa vida. Para atender essa ta-
refa, estabeleceremos alguns pontos já conhecidos pelo povo
cristão sobre esse tema; porém, esperamos elucidar algumas
dúvidas e equívocos que surgiram e ainda surgem ao nos de-
bruçar sobre esse assunto.

1. QUANDO ELE VIER, VOS ENSINARÁ TODAS AS COISAS E


VOS FARÁ LEMBRAR DE TUDO QUE VOS TENHO DITO.

O anúncio de Jesus sobre a missão do Consolador torna-se


especialmente importante quando menciona dois verbos fun-
damentais que correspondem à função do Espírito Santo. Con-
forme o registro de Jo 14.26, o primeiro verbo que destacamos
é “ensinar”. A missão de ensinar conferida ao Espírito Santo
vem da tradição do Antigo Testamento, atribuindo ao Espírito
de Deus a função de doar sabedoria que vem do próprio Deus:
Gn 41.37-40; Pv 2.6; 3.1-7; 1Rs 4.29-34. Muitíssimas passagens
bíblicas denotam que a sabedoria é dom de Deus, revelada por
meio de seu Espírito. Contudo, uma passagem significativa en-
contra-se em Is 11.2, na qual o profeta revela-nos que o propó-
sito de Deus é revestir os seus eleitos para que ajam consoante
à instrução divina.
A sabedoria que vem como dádiva do Espírito não deve
ser confundida com a capacidade humana de compreender

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e conhecer algo; antes, a sabedoria que vem de Deus está li-


gada ao seu propósito de conduzir e dirigir todas as coisas.
Desse modo, a sabedoria que vem de Deus, conforme vimos
nas Escrituras, está sempre ligada à autoridade e poder do
alto. Veja, por exemplo: “...porque ele as ensinava como quem
tem autoridade e não como os escribas” (Mt 7.29). Jesus pro-
fetizou que essa mesma autoridade seria conferida aos discí-
pulos quando estivessem com a missão de anunciar as boas
novas do Reino de Deus: “Quando, pois, vos levarem e vos
entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer,
mas o que vos for concedido naquela hora, isso falai; porque
não sois vós os que falais, mas o Espírito Santo” (Mc 13.11).
Cabe ainda dizer que o apóstolo Paulo também diferenciou
claramente a sabedoria vinda do Espírito Santo e a sabedoria
adquirida pela própria capacidade humana: “A minha palavra e
a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de
sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para
que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana, e sim
no poder de Deus” (1Co 2.4-5). Aliás, neste mesmo contexto, o
apóstolo Paulo faz uma clara afirmação da total diferença entre
a sabedoria humana e sabedoria divina: “Irmãos, reparai, pois,
na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios
segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre
nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do
mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas
do mundo para envergonhar as fortes” (1Co 1.26-27). Assim, de
acordo com a afirmação de Jesus contida em Jo 14.26, uma das
ações fundamentais do Espírito Santo é conferir aos seus esco-
lhidos a autoridade espiritual para ensinarem todas as coisas
acerca do Reino de Deus, porém, tendo como modelo o próprio
Jesus, nosso Mestre e Senhor; é por isso que temos nesta pas-
sagem o dito de Jesus: “... quando ele vier, vos ensinará todas as
coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”.

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O segundo verbo que destacamos desta passagem de Jo


14.26 é “lembrar”. A segunda característica básica da ação do
Espírito Santo é lembrar aos eleitos de Deus tudo o que apren-
demos de Jesus. Isso significa que, ao lembrarmos dos exem-
plos deixados por nosso Senhor, somos também encorajados
pela força do Espírito a imitá-lo. Entretanto, há uma questão
bíblica importante que devemos destacar aqui. O fato de Jesus
afirmar que o Espírito Santo faria com que os seus discípulos
lembrassem dos ensinos dele, remete-nos ao tema da Santa
Trindade. Ou seja, Jesus Cristo é o Messias Filho de Deus, é o
verbo encarnado, é o Filho de Deus cheio do Espírito, é o que
veio do Espírito, é guiado pelo Espírito, é o que atua no Espírito
e que se entrega à morte na cruz pelo Espírito e é ressuscitado
pelo Espírito2. Jesus é o portador da boa nova de salvação, ele
é o pão vivo que desceu do céu; aliás, ele mesmo disse: “...se,
porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente
é chegado o reino de Deus sobre vós” (Mt 12.28). Precisamos
dizer também que Jesus fez questão de afirmar que nada podia
fazer de si mesmo, porque não procurava sua própria vontade,
mas, antes, a vontade daquele que o enviou (Jo 4.30). E, por últi-
mo, destacamos que o próprio Jesus disse que enviaria, da par-
te do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, e que esse
daria testemunho sobre ele (Jo 15.26).
A segunda função básica do Espírito Santo é fazer com que
os eleitos de Deus sejam “lembrados” constantemente de que
devemos ter em Jesus o nosso único salvador e, como servos,
imitá-lo em nosso testemunho diário. Essa relação da Santa
Trindade entre Pai, Filho e Espírito Santo é também fundamen-
tada nos escritos do apóstolo Paulo. Em Rm 8.9-11 temos: “Vós,
porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de fato, o Es-
pírito de Deus habita em vós. E, se alguém não tem o Espírito

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MOLTMANN, J. O Espírito da vida. Petrópolis: Vozes, 1999, p.65

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de Cristo, esse tal não é dele. Se, porém, Cristo está em vós,
o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o
espírito é vida, por causa da justiça. Se habita em vós o Espírito
daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos, esse mesmo
que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará tam-
bém o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós
habita”. Desse modo, é o Espírito Santo quem atua no coração
humano, guiando-o para o testemunho de Cristo, ensinando-o
e fazendo-o guardar todos os preceitos de Jesus (Rm 8.12-17).
Outra passagem significativa ainda sobre esse assunto é a de
Rm 6.22-23: “Agora, porém, libertados do pecado, transforma-
dos em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a santificação
e, por fim, a vida eterna; porque o salário do pecado é a morte,
mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus,
nosso Senhor”. Assim, “frutificar”, nada mais é senão imitar a Je-
sus, anunciando as boas novas de salvação a todos os povos, ra-
ças e nações. Imitar Jesus também pressupõe ter vida de renún-
cia, obediência, santidade e, sobretudo, servir ao próximo. Eis o
conteúdo e modelo de vida cristã que serão sempre lembrados
pelo Espírito Santo no testemunho dos eleitos de Deus. E isso
faz todo sentido quando aprendemos a razão da promessa pro-
fética da descida do Espírito Santo sobre toda a humanidade.

2. QUANDO ELE VIER, VOS BATIZARÁ COM O ESPÍRITO


SANTO E COM FOGO.

O anúncio feito pelo último dos profetas, João Batista, con-


forme o relato de Lc 3.16, faz alusão profética direta à espe-
rança messiânica contida em Joel 2.28-32. A promessa agora
abrangerá todos os povos, sem distinção, incluindo escravos,
mulheres, crianças, estrangeiros, pobres, ricos, cegos, coxos, la-
drões, prostitutas, corruptos... Sem distinção não significa uni-
versalidade; ou seja, o alcance da promessa é universal, mas

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a sua concretização se dará a todos os que creem, conforme


podemos conferir no próprio dito de Jesus: “Porque Deus amou
ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para
que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”
(Jo 3.16). Cabe aqui lembrar das palavras, também proferidas
por Jesus, que “todo aquele que proferir uma palavra contra o
Filho do Homem, isso lhe será perdoado; mas, para o que blas-
femar contra o Espírito Santo, não haverá perdão” (Lc 12.10).
Bem, se foi Jesus mesmo quem afirmou que uma das funções
do Espírito Santo é convencer e lembrar a todos acerca da boa
nova de salvação, então, a blasfêmia é sinal de que há pessoas
com corações e mentes insensíveis, incapazes e indiferentes ao
agir do Espírito Santo. Ao passo que, “a todos quantos o recebe-
ram, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber,
aos que creem no seu nome” (Jo 1.12). E, para complementar a
afirmação bíblica acerca do agir do Espírito Santo no coração
humano, citamos o ensino do Apóstolo Paulo registrado em Rm
8.14.16-17: “Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus
são filhos de Deus. O próprio Espírito testifica com o nosso espí-
rito que somos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos tam-
bém herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se
com ele sofremos, também com ele seremos glorificados”.
A expressão “batismo com o Espírito Santo” é uma das mais
controvertidas na história do cristianismo, sobretudo, nas tra-
dições carismáticas. De modo popular, esta expressão foi en-
tendida como “selo” ou mesmo “identificação” de pessoas que
receberam dons extraordinários, como o “falar em línguas es-
tranhas” ou mesmo dons de “curar”. Algumas ramificações das
tradições carismáticas, ensinam que as pessoas que trazem em
seus ministérios essas características extraordinárias são porta-
doras de uma “segunda bênção”, evidenciando assim o “batis-
mo com o Espírito Santo”. Entretanto, não podemos usar a pa-
lavra “batismo” fora de seu contexto originário que é, de acordo

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com os três primeiros evangelhos, Marcos, Mateus e Lucas, o ba-


tismo realizado por João e também o próprio batismo recebido
por Jesus e sua unção com o Espírito Santo. Quando observamos
o relato feito por Marcos sobre o batismo de Jesus, percebemos
que não há nenhuma descrição anterior de quem é Jesus, ou
seja, qual sua origem e qual a razão do destaque que é feito em
seu batismo. Durante muito tempo os cristãos primitivos se per-
guntaram qual a razão de Jesus ter sido submetido a um batis-
mo para arrependimento de pecados, sendo ele o Filho de Deus.
Uma possível explicação foi oferecida pelo evangelho de Mateus
que, ao narrar a mesma cena de batismo, acrescenta um diálo-
go entre João Batista e Jesus: “Ele, porém, o dissuadia, dizendo:
Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim? Mas Jesus
lhe respondeu: Deixa por enquanto, porque, assim, nos convém
cumprir toda a justiça. Então, ele o admitiu” (Mt 3.14-15).
O apóstolo Paulo oferece-nos importante explicação sobre
a necessidade do batismo de Jesus, conforme registrado em
2Co 5.21: “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado
por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus”. Des-
se modo, o batismo de Jesus bem como sua unção recebida
do Espírito Santo são sinais evidentes de que é nele que reside
toda a plenitude de Deus. É por isso que o próprio Jesus teve
consciência de que toda a sua autoridade vinha dos céus, con-
ferida pelo Pai, no poder do Espírito Santo. Essa autoridade
aponta diretamente para o anúncio de um novo tempo que é a
chegada do Reino de Deus. E foi exatamente isso que o após-
tolo Paulo entendeu ao dizer: “Ele nos libertou do império das
trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor,
no qual temos a redenção, a remissão dos pecados... e que,
havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, re-
conciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra,
quer nos céus” (Cl 1.13-14.20).
Com o batismo de Jesus e sua unção por meio do Espírito

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Santo, inaugura-se um novo tempo, anuncia-se que em Jesus


e com Jesus está o poder de exercer autoridade que suplanta-
rá todos os reinos e domínios sobre a terra e sobre as regiões
celestiais. Essa é a mensagem antecipatória de João Batista, ao
anunciar que o Messias batizaria com o Espírito Santo e com
fogo (Mt 3.11). Nesse sentido, o “batismo com o Espírito Santo”
não aponta para uma “segunda bênção” e nem mesmo deve ser
identificado como forma de classificar pessoas que receberam
dons extraordinários. Antes, o batismo com o Espírito Santo
revela o poder e autoridade que revestiram a Jesus para que
o propósito de redimir toda a criação fosse cumprido. Desse
modo, sendo Jesus o primogênito de nossa morte e ressurrei-
ção, conforme nos ensina 1Co 15.20-28, sendo Jesus o mesmo
quem rogou ao Pai que enviasse o Consolador sobre toda a car-
ne, conforme Jl 2.28, Jo 16.8-14, é o próprio Jesus quem instaura
a chegada do Reino de Deus, estendido a todos quantos crerem
em seu nome. Com isso queremos dizer que o batismo com
o Espírito Santo é o poder de Deus agindo, por meio de Jesus,
em toda a terra, anunciando a todos a boa nova de salvação;
e todos quantos têm seu coração tocado pelo fogo do Espírito
Santo, são também batizados por ele. Assim, o batismo com o
Espírito Santo não evidencia a chegada de dons extraordiná-
rios; ao contrário, anuncia a chegada da justiça de Deus contra
o príncipe deste mundo e contra o pecado. O batismo com o
Espírito Santo é o poder de Deus, capaz de “queimar” o coração
humano, convencendo-o da verdade libertadora que há na boa
nova de salvação trazida por Jesus. A figura do fogo utilizada por
João Batista remonta tanto ao juízo de Deus quanto ao poder do
Espírito Santo que é capaz de “queimar, convencer e lembrar” a
todos os corações sensíveis a mensagem do evangelho.
A partir dessa forma de se entender o que significa o batis-
mo com o Espírito Santo, passamos a entender também o sen-
tido da “descida do Espírito Santo” sobre toda a humanidade.

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Espiritualidade

Essa ação de “descer sobre” prometida e cumprida pelo Espírito


Santo tem exatamente o sentido de derramar graça e perdão
sobre todos nós humanos. Diferente do que alguns movimen-
tos carismáticos pensam, o batismo do Espírito Santo é sinal de
graça e como promessa é oferecida a todos e todas e apenas
para “aqueles poucos” que se acham privilegiados e favorecidos
por sua pseudo santidade, quase sempre moralista e ascética.
Assim, a palavra profética trazida à jovem Maria significou e ain-
da significa sinal de graça para todos e todas que estão consa-
dos e sobrecarregados para obterem descanso em Jesus Cristo.
Aliás, é isso que entendemos com as palavras do apóstolo Pau-
lo quando nos recomenda andar no Espírito. Este conselho tão
somente significa que encontramos descanso para nossa alma
quando não nos negamos a viver a nossa espiritualidade. Esse
conselho quer nos lembrar o tempo todo que somos seres espi-
rituais; fomos criados com essa característica e, o tempo todo,
somos lembramos no drama da existência que precisamos de
nos conectar ao nosso criador. É por isso que as pessoas que
vivem adequadamente sua espiritualidade têm, invariavelmen-
te, melhor equilíbrio emocional e sentimental. E o contrário é
verdadeiro; pessoas céticas, materialistas e ateístas tendem a
sofrer de crise de ansiedade, angústia e terror diante do futuro
fugidio.

3. COM CRISTO MORREMOS PARA O PECADO E


RESSUSCITAMOS PARA UMA NOVA VIDA

“É no corpo que somos espírito”. Essa frase foi pronuncia-
da pelo teólogo e poeta Jaci Maraschin. No contexto da cultura
evangélica brasileira, é muito comum verificar diversos grupos
descritos como pentecostais, neopentecostais e avivados que
enfatizam grandemente a experiência de uma espiritualidade
carismática. Quase sempre e em quase todos os grupos citados,

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traduz-se o conceito de espiritualidade carismática por meio de


expressões cúlticas de louvor, adoração, jargões evangélicos
que normatizam culturalmente termos como profecia, revela-
ção, cura, milagres, bênçãos, prosperidade e variedade de dons.
Não vemos problema algum em buscar e viver todo esse tipo
de espiritualidade carismática. Entretanto, a nossa preocupa-
ção aponta para os “modismos” que muitos grupos e pessoas
acabam vivendo. Para estes, a preferência primeira é a da ado-
ração e da busca pela mística e pela espiritualidade carismática.
Porém, nem sempre se dá o mesmo tempo e dedicação para o
estudo aprofundado da Palavra de Deus. É sobre essa ausência
de estudo sério das Escrituras Sagradas que queremos refletir
neste tópico.
Afirmar que é no corpo que somos espírito, significa dizer
que, não se é possível dividir/separar o corpo de nosso espí-
rito e nem o espírito de nosso corpo. Parafraseando o dito do
apóstolo Paulo, podemos trocar o termo “corpo” por “consciên-
cia” sem, contudo, cometer qualquer deslize, pois bem sabemos
que a palavra corpo (soma) na teologia paulina tem o sentido de
“pessoa” e define a dimensão completa da “existência humana”.
Ao trocar a palavra corpo por consciência e aplicando-a como
sendo o templo do Espírito Santo, estamos afirmando que não
é possível pensar o corpo sem consciência e nem sequer pensar
a consciência sem corpo, pois ambas perfazem o todo indivisí-
vel da existência humana. Semelhantemente, não existe cons-
ciência fora do corpo. Conforme disse o teólogo alemão Paul
Tillich, até mesmo numa experiência de êxtase, por exemplo, o
ser humano continua na sua estrutura corporal e psicológica in-
tegrada, no seu todo indivisível. Isto quer dizer que a presença
do Espírito Santo na consciência humana não anula a sua estru-
tura racional. O filósofo francês, Sartre, também afirmou que a
consciência nada mais é senão o próprio corpo, e o corpo nada
mais é do que a própria consciência. Desse modo, a presença

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Espiritualidade

do Espírito Santo no ser humano, sendo este o templo do Es-


pírito (1Co 6.19), é sinal de que a partir da experiência de con-
versão, morremos para a vida e prática de pecado e nascemos
para uma vida de santidade e comunhão com Deus (Cl 3.1-17);
é na consciência, na mente, que podemos perceber que verda-
deiramente fomos transformados pelo poder regenerador do
Espírito Santo que habita na vida do crente.
É equivocada qualquer tentativa de separação entre corpo
e consciência, ou mesmo corpo e espírito. As práticas ascéticas
(esforços para se alcançar virtudes) são sempre evidenciadas
por pessoas que procuram viver a espiritualidade separando o
corpo da consciência. Tais pessoas acreditam que se abstendo
de comida, bebida, vícios, relações sexuais, além de certos usos
e costumes, poderão estar mais próximas de Deus e até mesmo
“serem mais habitadas pelo Espírito Santo”. O próprio apósto-
lo Paulo alertou a comunidade colossense (Cl 2,16-23) contra
tais costumes. Isto não quer dizer que não exista consagração
do corpo; ao contrário, o apóstolo Paulo também alertou para
que o pecado não venha reinar no corpo, obedecendo suas pai-
xões (Rm 6,12). Assim, é no corpo que, como seres espirituais,
somos movidos pelo Espírito Santo a viver como Cristo viveu,
amando-nos mutuamente e apresentando-nos ao Supremo
Pastor como instrumentos de bênçãos em comunhão uns com
os outros. Como podemos observar na teologia paulina, o cor-
po é a totalidade do ser humano; e a prova incontestável disso
está na seguinte explicação: “... apresenteis o vosso corpo por
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto
racional; transformai-vos pela renovação da vossa mente” (Rm
12,1-2). Esse ensino fala tanto do corpo consagrado quanto da
boa consciência (razão e mente); assim, cremos que o apóstolo
Paulo jamais pregou a supervalorização do corpo em detrimen-
to da consciência ou vice-versa.

15
Guia de Estudos

4. É NO CORPO E NA CONSCIÊNCIA QUE FOMOS


TRANSFORMADOS CONFORME A IMAGEM DE CRISTO

Se não é possível separar a nossa vida espiritual da nossa


vida corporal, então, uma vez convertidos pelo poder do Espí-
rito Santo, recebemos uma nova vida, uma nova consciência e,
portanto, a nossa espiritualidade será experimentada e vivida
em nosso corpo; ou seja, tudo o que somos, falamos, pensa-
mos e fazemos está relacionado ao nosso corpo. Desse modo,
se é verdadeira a nossa conversão, também será verdadeira e
notória a transformação de toda a nossa vida. É isso que o após-
tolo Paulo ensina em Rm 8.5: “Porque os que se inclinam para
a carne cogitam das coisas da carne; mas os que se inclinam
para o Espírito, das coisas do Espírito”. De acordo com esse en-
sino de Paulo, não faz sentido alguém dizer que é convertido
ou mesmo que tem um dom espiritual, geralmente dons extra-
ordinários, se sua vida moral continua destoando do modelo
de Cristo; é por isso que Paulo afirmou que:“todos nós, com o
rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória
do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua
própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3.18). Tudo
o que somos deve testemunhar a imagem de Cristo em nós.
Aqui a figura do espelho utilizada por Paulo, significa que, quan-
do as pessoas olham para nossa conduta, podem visualizar as
marcas de Cristo em nós. Somente aqueles que carregam as
marcas de Cristo no corpo e o selo do Espírito Santo na consci-
ência são verdadeiramente templo do Espírito Santo. Isto está
registrado também na teologia do apóstolo Paulo, ao afirmar:
“o Senhor conhece os que lhe pertencem” (2Tm 2,19); o Espírito
Santo testifica em nossa (consciência graciosamente espiritual)
que somos filhos de Deus (Rm 8,16).
Da mesma forma que o Espírito Santo conhece aqueles em
quem habita, também nós, filhos e filhas, reconhecemos no

16
Espiritualidade

corpo e na consciência que somos templo do Espírito Santo. E


a forma mais evidente que temos para reconhecer a presen-
ça do Espírito Santo habitando a nossa existência se dá pelo
sentimento do coração (Lc 24.32; Rm 10. 10-12; Gl 4.6-7) e pelo
desprendimento para, em todo tempo, imitar a Jesus Cristo,
contribuindo para a expansão de seu Reino de santidade, paz,
comunhão, justiça e esperança.

5. A NOSSA LIBERTAÇÃO EM CRISTO POR MEIO DO


CONVENCIMENTO DO ESPÍRITO SANTO.

No texto de Gl 4.6, encontramos uma informação importan-


tíssima para a nossa compreensão acerca da ação libertadora
de Deus sobre seus escolhidos. Paulo afirma que, ao nos adotar
como filhos em Cristo, Deus enviou o Espírito Santo ao nosso co-
ração. Esta afirmação está em total harmonia com as palavras
proféticas de Isaías, Jeremias e Joel. Em Isaías 53 temos a promes-
sa de que o Messias, num ato de graça, levaria sobre si as nossas
iniquidades; em Jeremias 31.31-33 temos a promessa de que a
nova aliança prometida teria como fundamento o próprio agir de
Deus ao nos doar um coração novo, imprimindo em nossa mente
o propósito de uma vida nova; em Joel 2.28-32 temos a promessa
de que a iniciativa de cumprir o novo tempo de comunhão com
Deus, vivendo na nova aliança, seria do próprio Deus.
É a isto que chamamos de “graça salvadora”, pois toda a ini-
ciativa de redimir os seus escolhidos parte do próprio Deus; ele
mesmo proveu todos os meios de vir ao nosso encontro, não le-
vando em consideração nenhum mérito humano. Desse modo,
especialmente no texto de Joel 2.28-32, temos uma designação
fundamental do que significa libertação do pecado por meio do
mover do Espírito Santo; há nessa promessa profética a indica-
ção de que, logo após o derramamento do Espírito sobre seus
escolhidos, teríamos condições, em nosso coração e mente, de

17
Guia de Estudos

perceber a libertação e transformação de nossa vida por meio


do agir de Deus. É o que designamos como convencimento do
Espírito Santo. Ou seja, o Deus que interveio em nossa história,
individual e coletiva, é o único agente de nossa salvação. Ele fez
a promessa, ele proveu os meios, ele se revelou em Jesus na
cruz e ressurreição, ele derramou seu Espírito sobre crianças,
jovens, idosos, ricos, pobres de todas as culturas e etnias. É por
isso que temos em Ef 2.1-8 a afirmação de Paulo de que todo o
ato de nossa salvação é divino, desde a condenação do pecado
na cruz, até a doação da graça e da fé, condição absoluta para
se receber libertação em Cristo. Este mesmo sentido pode ser
encontrado em Rm 3.21-31. A partir da nova aliança no Novo
Testamento, é impossível falar em derramamento do Espírito
Santo, sem mencionar a ação redentora de Deus revelada em
Jesus. Sendo assim, todos quantos foram alcançados pela graça
salvadora de Jesus em suas vidas, são eleitos tanto como filhos
de Deus quanto como portadores da habitação ininterrupta do
Espírito Santo em seus corações (Rm 8.1-17).

6. A NOSSA MATURIDADE EM CRISTO COMO SINAL DO “AN-


DAR” NO ESPÍRITO SANTO.

A palavra maturidade é bem popular e, quase sempre, faz


referência à figura de um fruto maduro, pronto para consumo.
Entretanto, não devemos interpretar o conceito de maturidade
ligando-o ao da salvação, dando a ideia comum de algo que está
em progresso. A nossa tradição cristã não ensina a doutrina da
salvação a partir do conceito de progresso da salvação; antes,
o que nós cremos é que a salvação em Cristo não depende de
nossos méritos, nem para sua conquista e muito menos para
sua manutenção. A salvação é um estado e não um processo.
O conceito de maturidade tem a ver com a figura que Paulo
usou em Rm 11.11-23, afirmando que, fora de Cristo, éramos

18
Espiritualidade

semelhantes à oliveira brava; porém em Cristo, pela graça, me-


diante a fé, fomos enxertados no tronco, tornando-nos galhos
ligados à mesma árvore da vida. Esse é o meio pelo qual os
filhos eleitos de Deus em Cristo iniciam a caminhada de vida
nova, em santidade e comunhão com o Pai e com o corpo de
Cristo. Então, maturidade significa perceber a presença de Deus
em nós, que por meio de seu Espírito que habita em nosso co-
ração, ensina-nos seus propósitos, os quais são impressos em
nossa mente, conforme prometido em Jr 31.31-33.
Assim, andar no Espírito não pressupõe esforço ou mérito hu-
mano; ao contrário, andar no Espírito é consequência natural em
todas as pessoas que foram efetivamente redimidas por Deus
em Cristo, mediante o derramamento do Espírito em seus cora-
ções, conferindo a genuína graça salvadora, transformando os
pecadores em novas criaturas. Aliás, é exatamente isso que Pau-
lo ensina em Rm 8.1-17, especialmente o verso 14, quando afir-
ma que todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos
de Deus. Com essa fundamentação bíblica e teológica acerca da
redenção em Cristo, concluímos que “maturidade” tem a ver com
o desenvolvimento natural de uma vida nova em Cristo, guiada
pelo Espírito Santo que nos conduz em triunfo Cl 2.8-15, habili-
tando-nos com a sua unção a viver tanto em santidade quanto
em dedicação ao serviço de Deus. Como filhas e filhos eleitos de
Deus em Cristo, tendo o Espírito Santo habitando em nosso co-
ração, a nossa vida naturalmente será marcada por um testemu-
nho santo, podendo ser observado por meio do fruto do Espírito
em nós quando vivemos e repetimos o que Cristo nos ensinou.

7. É NO CORPO E NA CONSCIÊNCIA QUE SOMOS CHEIOS DO


ESPÍRITO SANTO

A afirmação “ser cheio do Espírito Santo” é muito popular


no contexto evangélico brasileiro. Geralmente essa afirmação

19
Guia de Estudos

é feita por crentes que vivem as experiências carismáticas de


avivamento. Entretanto, uma pergunta óbvia se faz necessária:
o que é ser cheio do Espírito Santo? Quase sempre, a resposta
mais comum está aliada a uma conduta religiosa carismática.
Ou seja, há muitas pessoas que se “dizem e se acham” cheias do
Espírito Santo pelo fato de viverem experiências sobrenaturais,
tais como falar em línguas espirituais, revelações, profecias e
curas. Mas será que essa resposta é confiável? Bem, o que te-
mos visto em muitos casos concretos aqui no Brasil é que várias
dessas pessoas que se disseram “cheias do Espírito Santo”, aca-
baram se metendo em diversos escândalos morais, destoando
completamente do ensino bíblico de que os que são filhos de
Deus são guiados pelo Espírito Santo (Rm 8.10).
Cabe aqui lembrarmos das palavras duras de Jesus, alertan-
do-nos contra os falsos profetas: “Acautelai-vos dos falsos pro-
fetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por
dentro são lobos roubadores. Pelos seus frutos os conhecereis.
Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros ou figos dos abro-
lhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, porém a árvo-
re má produz frutos maus” (Mt 7.15-17). Nessa passagem, Jesus
diz que muitos, no dia do juízo, alegarão terem feitos sinais e
maravilhas, contudo, a despeito disso, não viveram segundo a
vontade de Deus e, por isso, ouvirão: “Nunca vos conheci. Afas-
tai-vos de mim, os que praticais a iniquidade” (Mt 7.22-23). Des-
sa dura afirmação de Jesus aprendemos duas lições importan-
tíssimas. A primeira lição é: se Jesus não conhece uma pessoa,
então ela não é convertida, não foi transformada em filha de
Deus; conforme disse o apóstolo Paulo, “se alguém não tem o
Espírito de Cristo, esse tal não é dele (Rm 8.9). A segunda lição
é: quem pratica iniquidade, de acordo com a primeira carta de
João, é filho do Diabo: “Aquele que pratica o pecado procede
do diabo, porque o diabo vive pecando desde o princípio. Para
isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do

20
Espiritualidade

diabo” (1Jo 3.8). Nessa passagem, João faz uma clara distinção
entre possibilidade do pecado e prática do pecado; ou seja, se
um crente cai em pecado, ele se arrepende e perde perdão a
Cristo, que intercede por nós junto a Deus. Contudo, para João,
viver na prática do pecado significa imitar o Diabo e não Cristo.
João deixa esse ensino muito claro ao dizer: “Todo aquele que
é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que
permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver
pecando, porque é nascido de Deus” (1Jo 3.9).
Uma resposta segura, bíblica e confiável para a pergunta “O
que é ser cheio do Espírito Santo?”, obrigatoriamente, precisa
conciliar dois princípios bíblicos fundamentais que são: arrepen-
dimento e transformação. Para o teólogo Millard Erickson, “ser
cheio do Espírito” não significa alguém ter mais e mais do Espíri-
to Santo; ao contrário, “ser cheio do Espírito” significa o Espírito
Santo ter mais e mais da pessoa. Esta explicação é totalmente
confiável e está em harmonia com o ensino bíblico que une “ar-
rependimento” com “transformação”. Em Atos dos Apóstolos,
após a pregação de Pedro, há um registro maravilhoso que não
deixa nenhuma dúvida acerca da união entre arrependimento
e transformação, condições obrigatórias para alguém tornar-se
filho de Deus e, portanto, cheio do Espírito Santo. Em At 2.37-38
temos: “Ouvindo eles estas coisas, compungiu-se-lhes o coração
e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: “Que faremos,
irmãos? Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de
vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos
vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo”. Nessa
passagem aparece a palavra “arrependimento” no mesmo con-
texto de remissão dos pecados. A palavra arrependimento vem
do original grego que é: Metanóia. Traduzida literalmente dá o
sentido de “mudança de mente, mudança de consciência”. E é
exatamente neste contexto de arrependimento (mudança de
mente, mudança de vida) que o autor de Atos dos Apóstolos

21
Guia de Estudos

coloca a recepção do dom do Espírito Santo. Isso significa que


não é possível “ser cheio do Espírito” sem antes ter passado pela
experiência de genuína conversão.
O outro princípio bíblico fundamental que caracteriza a afir-
mação “ser cheio do Espírito” vem da palavra transformação.
Em Rm 6.22 temos: “Agora, porém, libertados do pecado, trans-
formados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a san-
tificação e, por fim, a vida eterna”. Nessa passagem o Apóstolo
Paulo liga diretamente o termo “libertados do pecado” ao termo
“transformados em servos de Deus”. Ou seja, quem morreu para
o pecado, passou pela experiência de arrependimento, mudan-
ça de mente e de consciência. Quando isso acontece, imedia-
tamente se dá lugar à transformação para uma vida nova, que
Paulo descreve como “servos de Deus”. A palavra “transforma-
ção” vem do original grego que é metamorfose; traduzida literal-
mente seu sentido é de “aquilo que recebeu uma nova forma”.
Assim, parafraseando o próprio apóstolo Paulo, podemos dizer:
“Se alguém se converteu a Cristo, nova criatura (pessoa) é; a
pessoa antiga, que vivia na prática do pecado já não existe mais,
antes, a mesma pessoa (o mesmo corpo, a mesma identidade,
a mesma consciência) foi totalmente transformada pelo poder
regenerador do Espírito Santo. De acordo com o que vimos em
1Jo 3.9, o que permanece nessa nova criatura (pessoa) é: “pois
o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode
viver pecando, porque é nascido de Deus”.
Agora sim podemos compreender com clareza a dura afirma-
ção de Jesus contra os falsos crentes, as falsas ovelhas, descritas
em Mt 7.15-23; nessa passagem, ser “conhecido” de Jesus signifi-
ca “fazer a vontade do Pai”. De acordo com o que vimos em Rm
6.22, só podem ser servos de Deus aqueles que foram libertos
do pecado, transformados e santificados completamente. Des-
se modo, quem passou pela genuína experiência do arrepen-
dimento, foi também genuinamente transformado em filho de

22
Espiritualidade

Deus, recebendo o Espírito de Cristo e, portanto, andando no


Espírito, sendo cheio do Espírito Santo, habilitado com os dons
do Espírito para ser útil aos propósitos de Deus (1Co 12.1-11).

8. A AÇÃO ANTECIPADORA DO ESPÍRITO SANTO DOA TEMPE-


RAMENTO AO CORAÇÃO HUMANO

O temperamento do Espírito Santo na vida cristã é uma das


coisas mais belas que podemos descrever, quando, por exem-
plo, observamos os meios pelos quais isso ocorre. Foi o após-
tolo Paulo quem utilizou a figura do “tempero” atribuída à con-
duta cristã, conforme Cl 4.2-6. É importante destacar que Paulo
inicia esse texto com a frase: “Perseverar na oração...”. Todos
nós sabemos que a oração é um meio de graça, com o qual
somos alimentados pela presença do Espírito Santo em nossa
vida, pois o Espírito Santo intercede por nós com palavras que
não podemos jamais compreender. Com a oração nós reconhe-
cemos o quanto somos dependentes do Senhor; com a oração
nós preenchemos o vazio da nossa alma, clamando pelo enchi-
mento do Espírito Santo; com a oração somos fortalecidos dian-
te das adversidades. Um exemplo claro desse fortalecimento
pode ser observado na experiência de Jesus diante da angústia
no Getsêmani (Mt 26.36-56). No verso 38, Jesus estava profun-
damente triste. Entretanto, foi por meio da oração que o Mes-
tre encontrou forças no Pai para que pudesse enfrentar aquele
momento. Já o verso 55 revela que Jesus havia recobrado suas
forças, pois demonstrou ternura diante de um momento de ex-
trema dificuldade. Isso é sinal de temperamento!
Temperamento não é única e absolutamente o agir do Espí-
rito Santo na vida do crente. Temperar, segundo a figura culiná-
ria, significa adicionar ingredientes que dão sabor ao alimento;
ou seja, o temperamento do Espírito Santo não anula as nossas
atitudes, ao contrário, adiciona as virtudes em nosso agir, em

23
Guia de Estudos

nosso pensar, em nosso falar fazendo com que toda a nossa


conduta cristã se transforme em canal de bênção na vida de nos-
so próximo. Quando isso ocorre, começamos a deixar sinais por
meio de palavras e atitudes que certamente marcarão as pesso-
as de nosso convívio. Quando isso ocorre, manifesta-se aquilo
que Paulo descreveu como: “Digo, porém: Andai em Espírito, e
não cumprireis a concupiscência da carne. Porque a carne cobi-
ça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se
um ao outro, para que não façais o que quereis” (Gl 5.16-17).
O temperamento do Espírito Santo na vida cristã pode ser
compreendido pela maturidade que o crente adquire ao longo
de sua caminhada de fé e comunhão com Deus; podemos des-
crever isso como “aperfeiçoamento”, conforme o próprio Paulo
afirmou em Fp 3.12-16. De modo prático, o temperamento do
Espírito Santo se revela de modo até visível na vida cristã, pois
as marcas do Espírito Santo na vida do crente se mostram por
meio de nosso testemunho. Desse modo, segundo Rm 12.9-
21, o apóstolo Paulo, depois de ter falado sobre o devido “uso
dos dons espirituais”, deixou-nos exemplos práticos de como
demonstrar que somos portadores desses dons, exercendo-os
como instrumentos de bênção na vida do próximo. No verso 9,
Paulo diz que o amor deve ser sem hipocrisia; em 1Co 12 Paulo
também fala dos dons espirituais e em seguida fala da unidade
da igreja; no capítulo seguinte da mesma carta, o apóstolo diz
que o dom supremo é o amor; então, afirmar que o amor deve
ser sem hipocrisia, significa exatamente o temperamento do
Espírito Santo na vida cristã, pois sem isso, corremos o risco de
fingir amar as pessoas. Uma evidência clara de que o amor é um
exemplo clássico do temperamento do Espírito Santo na vida
cristã, vem da própria palavra grega (Ágape), que Paulo usou
para descrever esse amor. Ágape significa amor incondicional,
virtude divina que é doada ao coração de todos quantos são re-
generados e santificados em Cristo. Desse modo, não há como

24
Espiritualidade

dizer que somos temperados com o Espírito Santo se não con-


seguimos nos despir da falsidade e da hipocrisia. Por fim, Paulo
nos deixa um excelente recurso para testarmos se realmente
somos cheios do Espírito Santo, se realmente somos tempe-
rados pelo Espírito, requisitando a todos nós que observemos
nossa conduta cristã a partir da prática descrita em Rm 12.9-19.

9. DISCERNIR A VOZ DE DEUS DA VOZ DO CORAÇÃO NÃO É


PARA MUITOS.

O reformador Martinho Lutero viveu uma experiência mística


que moldou radicalmente a sua vida: “No dia 2 de julho de 1505
Lutero se encontrava numa viagem de retorno para Mansfeld.
Nesse dia foi acometido por uma forte tempestade e um raio
lhe jogou ao chão, ferindo-o na perna. Esta experiência o im-
pactou de tal forma que decidiu abandonar o estudo do direito
e ingressar no Mosteiro Agostiniano em Erfurt”. Como resposta
ao impacto que teve em sua vida, a partir desse episódio, Lutero
passou a ler as Escrituras e, interpretando-as, sentiu-se desafia-
do a compartilhar com seus ouvintes o que Deus estava falando
com ele. A narrativa da visão que disse ter tido é demasiada-
mente significativa, pois foi lendo as Escrituras, especialmente a
Carta aos Romanos, que Lutero veio a compreender o verdadei-
ro sentido da graça de Deus. Outro reformador, João Calvino, ao
falar de sua conversão, dizia que ela aconteceu de forma súbita.
Ele afirmava que Deus tinha subjugado seu coração e o forçou
a ser dócil, pelo poder de sua providência secreta. Tanto com
Lutero quanto com Calvino, as ações que se seguiram após as
suas experiências de encontro com Deus foram surpreenden-
tes. O tempo e a história se encarregaram de mostrar que, de
fato, eles viveram algo extraordinário com Deus. Muitas outras
experiências místicas poderiam ser citadas, dando-nos simboli-
camente uma clara noção de como Deus intervém, por meio do

25
Guia de Estudos

Espírito Santo, na vida humana, transformando-a radical e efeti-


vamente. Poderíamos citar as experiências de Jonathan Edwards,
pregador avivalista da igreja congregacional e missionário entre
os índios americanos; John Wesley, clérigo anglicano e teólogo
cristão britânico, líder precursor do movimento metodista e um
dos dois maiores avivalistas da Grã-Bretanha; Ashbel Green Si-
monton, pastor presbiteriano e missionário norte-americano,
que dedicou sua vida e vocação como missionário no Brasil.
Em todas essas experiências valeria a pena pesquisar cada
detalhe sobre como aconteceram. Elas têm algo em comum: a
forma como as pessoas foram usados como verdadeiros ins-
trumentos nas mãos de Deus. E é nesse ponto que devemos
colocar nossa atenção, ou seja, uma das formas mais eficazes
para se perceber a voz da Palavra de Deus, falando ao nosso co-
ração por meio do Espírito Santo, é observar o propósito para o
qual Deus está falando com seus escolhidos. Como já vimos em
todas as reflexões anteriores, num primeiro momento, Deus se
comunica com eleitos por meio do agir interno do Espírito Santo
no coração da pessoa, convencendo-a da graça salvadora em Je-
sus. Num segundo momento, o mesmo Deus também se revela
de modo especial ao seus escolhidos, para uma finalidade es-
pecífica, determinada pelo próprio Deus (1Co 12.1-11). E é nes-
se ponto que, via de regra, alojam-se a maioria dos equívocos
acerca daquilo que convencionalmente é descrito como: “Deus
falou comigo”. A pergunta sempre intrigante é: “Como é que
Deus falou com você?”. E a resposta mais segura é: “O Espírito
do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar
os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e
restauração da vista aos cegos, para por em liberdade os opri-
midos” (Lc 4.18). Foram essas palavras que o próprio Senhor Je-
sus ouviu como voz do Espírito Santo que falou em seu coração
desde o dia do seu batismo, conforme relato de Mc 1.9-11.
Quando dizemos que discernir a voz do Espírito Santo não é

26
Espiritualidade

para muitos, estamos querendo dizer que o privilégio de ouvir


a voz do Espírito Santo é reservado apenas àqueles que Deus
escolhe e capacita para fazer tudo que está proposto apenas
no coração do Senhor. Ao contrário disso, ao longo da histó-
ria podemos verificar muitos personagens que se apresenta-
ram como “portadores” de uma revelação especial de Deus e,
em nome dela, dividiram a igreja de Cristo, realizaram grandes
proezas em nome de Cristo, porém suas obras morreram com
eles (1Co 3.9-15). Aliás, o próprio Jesus alertou-nos sobre os fal-
sos profetas, inclusive dizendo que eles fariam grandes coisas
em nome do Senhor, mas eles próprios seriam reprovados (Mt
7.15-23). Assim, a Palavra de Deus nos recomenda ter cautela
diante de pessoas que dizem ter recebido “revelação especial”.
Em 1Jo 4.1-6 temos um claro exemplo de como deve ser o nosso
procedimento diante dessas circunstâncias.

10. O ESPÍRITO QUE CONCEDE OS DONS É O MESMO QUE


CONCEDE A SALVAÇÃO

O ponto fundamental que deve guiar o estudo sobre os dons


distribuídos pelo Espírito Santo é o de que o mesmo Espírito
que convence do pecado, da justiça e do juízo é também quem
distribui, conforme lhe apraz, todos os dons, visando sempre
um fim proveitoso. Seguir por esse fundamento é um caminho
seguro, pois, de imediato, eliminamos o risco de pensar que
qualquer pessoa pode receber algum dos dons distribuídos
pelo Espírito Santo. Essa nossa afirmação está balizada no ensi-
no bíblico conforme Rm 6.22-23 e 12.5-6. Nestas duas referên-
cias, o apóstolo Paulo ensina sobre os meios em que se dá a
distribuição dos dons espirituais.
Em Rm 6.22-23, Paulo afirma que o resultado da graça sal-
vadora, que nos liberta da escravidão do pecado e nos trans-
forma em servos de Deus, é naturalmente uma vida frutífera.

27
Guia de Estudos

O apóstolo faz uma comparação entre uma vida de pecado que


tem como fruto (salário, resultado, consequência) a morte, e
uma vida transformada pela graça, que tem como fruto a san-
tificação, vida eterna. É importante dizermos que nesta passa-
gem de Rm 6.22-23 aparecem duas palavras que correspondem
perfeitamente à afirmação que fazemos ao ligar os dons à sal-
vação. A primeira palavra é graça, que vem do grego charis; e a
segunda palavra é dom, que vem do grego charismata. De acor-
do com o ensino do apóstolo Paulo, da mesma raiz da palavra
graça surge a palavra dom. Essa é a base de nossa afirmação de
que o mesmo Espírito que convence o coração humano acerca
da graça da salvação em Cristo, é quem distribui, por meio da
mesma graça, os dons espirituais. Isso está escrito com todas
as letras em Rm 12.6, na afirmação do apóstolo Paulo de que
há diferentes dons, charismata, segundo a graça, charis, que
nos foi dada.
Do mesmo modo que não há nenhum mérito humano no
ato da nossa salvação, pois todos os méritos são de Cristo, não
há nenhum mérito humano na dádiva dos dons espirituais. Tan-
to a salvação quanto os dons são “graciosamente” (charis e cha-
rismata) doados pelo Espírito Santo. Outro dado importante a
ser lembrado é que todos nós que fomos libertos da escravidão
do pecado e transformados em servos de Deus, somos também
habilitados para desenvolver em nosso testemunho de vida os
dons do Espírito Santo. É nesse ponto que se alojam muitas dú-
vidas, pois se todos os crentes em Cristo são habilitados para
desenvolver a prática dos dons, como podemos receber ou de-
senvolver os dons espirituais? Sou eu quem escolho o dom que
desejo praticar?
Cabe aqui, por enquanto, a afirmação do apóstolo Paulo
conforme 1Co 13.13: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperan-
ça e o amor, estes três; porém, o maior destes é o amor”. Paulo
enfatiza o amor como dom supremo para dizer que, por meio

28
Espiritualidade

do amor, todos os crentes podem experimentar em si mesmos


a porção generosa do amor de Deus que, mediante sua graça,
nos libertou da escravidão da morte, conduzindo-nos para uma
vida de santificação (Rm 6.22-23). Veja também Jo 3.16 e 1Pe 2.9.
Desse modo, quando experimentamos em nós o amor de Deus,
somos habilitados pelo Espírito Santo a amar o nosso próximo
com o mesmo amor. A palavra grega usada para traduzir o que
chamamos de “amor” é ágape, que significa: amor incondicional.
Ágape é um tipo de amor divino, e os seres humanos só podem
experimentá-lo e praticá-lo quando são genuinamente trans-
formados pela graça salvadora de Jesus. Desse modo, não há
como ser portador de um dom espiritual sem antes ter recebido
a graça transformadora do coração humano. Do mesmo modo,
não há como não viver e imitar a Cristo depois que somos li-
bertos da escravidão do pecado, transformados em servos de
Deus. Não há como dizer que se é convertido, se não há exercí-
cio/prática de algum dom recebido. Não há como dizer que se
é portador de algum dom extraordinário, se o testemunho/con-
duta denuncia mau-caratismo. Infelizmente é comum encontrar
crentes inertes, que não desenvolveram a salvação, crentes que
têm dificuldade em praticar o amor recebido de Deus. Há tam-
bém crentes que se dizem portadores de dons extraordinários,
entretanto, seus atos destoam do temperamento do Espírito
Santo. É por isso que o conselho de Jesus é sempre infalível:
“Pela árvore se conhece o fruto”.

11. O DOM DE LÍNGUAS NÃO É EVIDÊNCIA DE BATISMO COM


O ESPÍRITO SANTO.

Ao afirmar que o dom de línguas é um sinal do batismo com


o Espírito Santo, os pentecostais/carismáticos acabaram inci-
tando e criando uma “segunda categoria” de crentes. Sim, afir-
mamos isso com base nos relatos de pessoas que frequentam

29
Guia de Estudos

igrejas com essas características, onde o desejo de se participar


do grupo dos “mais espirituais”, por conta da evidência visível
e auditiva dos crentes batizados com o Espírito Santo, é muito
grande. Afinal, dá muito mais “ibope” estar entre aqueles que
são considerados “mais espirituais”. Mas a pergunta que sur-
ge diante desse contexto é: o falar línguas estranhas é sinal do
batismo com o Espírito Santo? A resposta é simplesmente não!
Conforme afirmou Sobrinho, “todas as vezes em que o batismo
no Espírito Santo é referido no Novo Testamento, nossa primei-
ra conclusão é a de que, por esse batismo, nós somos inseridos
no corpo de Cristo, que é a igreja (At 2.37-42; 10.44-48; Rm 6.1;
1Co 2.12)”3. Segundo as afirmações do apóstolo Pedro, At 2.38,
e também as afirmações do apóstolo Paulo, Gl 2.26-27, para re-
ceber esse batismo é necessário arrependimento e fé. Desse
modo, não só o dom de línguas, mas qualquer dom distribuído
no Novo Testamento está vinculado à completa regeneração da
pessoa. Assim, o batismo com o Espírito Santo não é atestado
por meio do dom de línguas; antes, é atestado pelo testemunho
de vida regenerada em Cristo.
Entretanto, a busca frenética pelo dom de línguas ocorreu
e ocorre em razão da marca distintiva daquilo que é descrito
como misterioso. Tudo que é misterioso na experiência religio-
sa sempre causa espanto e curiosidade. E é exatamente esse
elemento de mistério que é utilizado por muitos líderes pen-
tecostais e carismáticos para fundamentarem sua autoridade
ministerial. Mas, como vimos anteriormente, o dom de línguas
é bíblico, contudo, é o menos importante. Não há razão para
espanto e nem mesmo atitude de “maravilhamento” diante de
pessoas que estejam falando em línguas estranhas. Aliás, con-
forme vimos no ensino do apóstolo Paulo, é melhor até que se
evite esse tipo de experiência quando estamos em comunidade,

3
VV.AA. A doutrina do Espírito Santo. São Paulo: Pendão Real, 2012, 2. edição, p.114

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Espiritualidade

pois o dom de línguas é para edificação do crente individual-


mente e não da comunidade.

CONCLUSÃO

Concluímos essa reflexão citando a expressão “migalhas que


caem da mesa” que aparece na passagem de Mt 15.27 que nar-
ra sobre a mulher cananeia que implorou a Jesus que libertasse
sua filha de uma possessão demoníaca; essa passagem é muito
característica, pois trata-se de alguém que não fazia parte do
grupo dos discípulos de Jesus.
Duas coisas nos chamam atenção nessa passagem. A primei-
ra diz respeito à fé demonstrada pela mulher cananeia, surpre-
endendo até mesmo Jesus. A segunda diz respeito ao tormento
causado pela possessão demoníaca sofrida pela filha. Biblica-
mente, os cananeus são descritos como povo idólatra, supersti-
cioso, profano e iníquo. A terra dos cananeus, Canaã, era a terra
prometida para Abrão e os patriarcas como herança. A religião
dos cananeus era politeísta, identificada com a natureza, e seu
objetivo era ensinar aos homens cooperarem e controlarem o
ciclo das estações tendo em vista os interesses agrícolas. A re-
ligião cananeia era grosseiramente sexual e perversa. Requeria
no culto o serviço de homens e mulheres prostitutos, disponí-
veis como sacerdotes. A pessoa para adorar a Baal tinha que co-
pular com um ou vários desses sacerdotes. Isso é visto no livro
de Oséias. A sua esposa não era simplesmente uma prostitua,
era uma sacerdotisa de Baal (Os 4:11-14). Assim, com base na
passagem de Mt 15.27, podemos pensar que o modo “estranho”
pelo qual Jesus inicialmente se nega a ajudar aquela mulher ca-
naneia fosse pelo fato de saber sua origem. Mas, como vimos,
Jesus foi surpreendido com a fé demonstrada por ela.
Entretanto, essa passagem nos faz refletir sobre algo seme-
lhante que acontece na realidade brasileira. Como temos em

31
Guia de Estudos

nosso país todo tipo de igreja e todo tipo de “oferta de bên-


ção”, é muito comum ver templos com grandes concentrações
de pessoas desesperadas, em busca de soluções de suas mais
diversas situações de problemas e sofrimentos. No caso de Je-
sus, ele bem conhecia a origem daquela mulher; já em nosso
contexto, para muitos “líderes espirituais”, pouco importa a ori-
gem ou mesmo experiência espiritual dessa multidão. Afinal, o
que importa mesmo é que cada pessoa acredite que, dando a
sua oferta, em troca receberá a tão sonhada bênção. E, como já
afirmamos anteriormente, milhares dessas pessoas têm recebi-
do a graça esperada que João Calvino denominou de “graça co-
mum”, pois Deus é infinitamente misericordioso. Aliás, no texto
sobre a mulher cananeia, Jesus também atendeu o pedido feito
por ela. Contudo, a pergunta que devemos fazer sempre é: “Que
aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”
(Mc 8.36). Em outras palavras, o que adianta uma pessoa rece-
ber uma graça comum, aquela que cura enfermidade, aquela
que alivia os sofrimentos desta vida terrena, porém, perder a
sua alma? Esta pergunta foi respondida pelo próprio Senhor Je-
sus, conforme Jo 6.26-27: “Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em
verdade vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais, mas
porque comestes dos pães e vos fartastes. Trabalhai, não pela co-
mida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual
o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o
seu selo”. É isto que estamos chamando de “migalhas que caem
da mesa”. Desejar apenas as bênçãos temporárias e comuns
de Deus é semelhante ao hábito de buscar na igreja apenas a
solução de nossos problemas.
Portanto, o principal alvo do ser humano é buscar o consolo
completo para a sua vida. Desse modo, a ação consoladora do
Espírito Santo, conforme o ensino no Novo Testamento, está liga-
da à ação completa de Deus sobre a vida humana, que tem seu
propósito revelado por meio da morte e ressurreição de Jesus. O

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Espiritualidade

tormento do pecado e do mundo de trevas acomete a todo ser


humano, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus (Rm
3.23). A graça especial de Deus deve ser o alvo de todo ser huma-
no; somente a graça especial de Deus pode regenerar completa-
mente a pessoa em toda a dimensão de sua vida.
Finalmente, o exemplo que serviu de base para a nossa re-
flexão nesse tópico é o de Jó. Conforme podemos conferir em
toda a história do livro de Jó, inicialmente o que se destaca é
sua prosperidade e sua família linda e próspera. Destaca-se
também a religiosidade vivida e praticada constantemente por
Jó. Porém, do mesmo modo que qualquer pessoa está sujeita
aos muitos revezes da vida, com Jó não foi diferente. Foi num
momento de extrema dor e sofrimento que Jó, realmente, pode
perceber o quanto é necessário estar próximo e em efetiva co-
munhão com Deus. Foi somente com esta experiência de intimi-
dade com Deus que Jó pôde narrar a sua profunda conversão e
arrependimento para mudança de vida: “Quem é aquele, como
disseste, que sem conhecimento encobre o conselho? Na verda-
de, falei do que não entendia; coisas maravilhosas demais para
mim, coisas que eu não conhecia. Escuta-me, pois, havias dito, e
eu falarei; eu te perguntarei, e tu me ensinarás. Eu te conhecia
só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem. Por isso, me abo-
mino e me arrependo no pó e na cinza”(Jó 42.3-6). Certamente
essa ação consoladora do Espírito Santo sobre a vida de Jó foi
infinitamente superior aos momentos de antes, quando via o
consolo de Deus por meio da graça comum, graça da vida, da
família e da prosperidade.

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