Mestrado em Estudos Linguísticos – Disciplina “Língua e Discurso”
Foucault, Michel. Nascimento da biopolítica.
Aula de 10 de janeiro de 1979.
Foucault iniciará tentando definir o que consiste um estado. Por meio
dos questionamentos sobre os seus pressupostos, limitações e objetivos do que se espera e se constrói em um estado, Foucault irá descontruir o conceito de estado e afirmar que acima de tudo, o estado, assim como as noções de doença e loucura, não é algo como uma regra ou estrutura universal, mas sim algo construído.
"Toda a questão da razão governamental crítica vai girar em torno de
como não governar demais. Não é ao abuso da soberania que se vai objetar, é ao excesso do governo. E é comparativamente ao excesso do governo, ou em todo caso à delimitação do que seria excessivo para um governo, que se vai medir a racionalidade da prática governamental." (p.18)
Para todo esse campo de organização de limites de um estado, ele será
fundado naquilo que Foucault define, ao retornar a Rousseau, de economia política. "A economia política é uma espécie de reflexão geral sobre a organização, a distribuição e a limitação dos poderes numa sociedade. A economia política, a meu ver, é fundamentalmente o que possibilitou assegurar a autolimitação da razão governamental" (p.19). A economia política não questiona os valores reais e financeiros em si, mas sim o peso no equilíbrio das relações de poder existentes e que dizem a respeito do direito do estado em suas ações, considerando-as como legíveis ou não. A legitimidade ou ilegitimidade de um ato do estado será definido pelo sucesso ou fracasso nos atos exercidos pelo mesmo em seu regime de verdade.
"O objeto de todos esses empreendimentos concernentes à loucura, à
doença, à delinquência, à sexualidade e àquilo de que lhes falo agora é mostrar como o par "série de práticas/regime de verdade" forma um dispositivo de saber- poder que marca efetivamente no real o que não existe e submete-o legitimamente à demarcação do verdadeiro e do falso" (p.27).
Foucault, ao encerrar o primeiro capítulo, propõe que antes mesmo de
se investigar o biopoder, é necessário fundamentar e investigar, no núcleo estruturante da questão do biopoder, os conceitos de população e liberalismo.
Aula de 17 de janeiro de 1979
Foucault começa a investigar e estudar a ordem discursiva do mercado. O mercado, por meio dos processos de validação e autenticidade dos produtos e dos preços, visando o seu equilíbrio econômico, irá se constituir como um local jurídico, atuado como um regime de verdade. “[...] quer se trate do mercado, do confessional, da instituição psiquiátrica ou da prisão – em todos esses casos, trata-se de abordar sob diversos ângulos uma história da verdade [...] que estaria acoplada, desde a origem, a uma história do direito” (p.48). Para tal, Foucault produz o conceito de regime de veridição para conceituar “o conjunto das regras que permitem estabelecer, a propósito de um discurso dado, quais enunciados poderão ser caracterizados, nele, como verdadeiros ou falsos (p.49). Portanto, o que está em jogo não é o impacto e a legitimidade de algo. Não importa se a loucura ou a doença é real ou não, aplicada ou não, e sim a legitimidade da verdade que se cria ao se indicar o poder pela verdade dos discursos. “[...] o que tem uma importância política atual é determinar que regime de veridição foi instaurado num determinado momento, que é precisamente aquele a partir do qual podemos agora reconhecer, por exemplo, que os médicos do século XIX disseram tantas tolices sobre o sexo” (p.50). Para a formação do conceito de liberalismo, irá ocorrer uma heterogeneidade de duas ordens discursivas cooptando e se modulando mutuamente: uma via revolucionária, partindo de pressupostos da noção de direito, em que “a lei é concebida, portanto como a expressão de uma verdade, de uma vontade coletiva que manifesta a parte de direito que os indivíduos aceitaram ceder e a parte que eles querem reservar” (p.57). A outra via, essa sendo uma via radical, partindo de pressupostos ligados da prática governamental, “a lei será concebida como efeito de uma transação que vai colocar, de um lado, a esfera de intervenção do poder público e, de outro, a esfera de independência dos indivíduos” (p.57). A partir daquilo que Foucault propõe como lógica da estratégia, o autor reforça as conexões que permitem que tais sistemas tão sócios historicamente separados, podem se organizar e agir de forma mutua. “Agora, o interesse cujo princípio a razão governamental deve obedecer são interesses, é um jogo complexo entre os interesses individuais e coletivos, a utilidade social e o benefício econômico, entre o equilíbrio do mercado e o regime do poder público, é um jogo complexo entre direitos fundamentais e independência dos governados. O governo, em todo caso o governo nessa nova razão governamental, é algo que manipula interesses” (p.61). Por meio desta nova razão governamental, o conflito entre a razão do estado e o estado mínimo justamente busca a resolução e atuação do estado apenas nas situações e cenários que houver interesse do próprio estado. A questão fundamental do liberalismo será “qual o valor de utilidade do governo e de todas as ações do governo numa sociedade em que é a troca que determina o verdadeiro valor das coisas? ” (p.64).