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Resumo
Introdução
O Universo parece ter algum parentesco com o livro das Mil e Uma Noites, nas
quais Sherazade narra histórias que se ligam umas às outras: a história da
cosmologia, a história da natureza, a história da vida, da matéria e das sociedades
humanas. (Idem, p. 32)
Neste contexto, “cabe às futuras gerações construir uma ciência que incorpore todos
estes aspectos, porque, por enquanto, a ciência continua em sua infância” (Idem, p. 17).
Certamente as oposições entre Natureza e Cultura, ciência e sociedade, Cultura científica e
Cultura humanística, fazem parte desta história ainda pueril de uma ciência nascente.
Quanto a nós, educadores e cientistas, cabe, ao que parece, favorecer bifurcações e
flutuações, tanto quanto nos alimentarmos de incertezas. É nossa missão construir estratégias
e subsídios para esta árdua tarefa. Cabe a nós, educadores também, compreender a intersecção
entre os vários domínios do mundo, o que configura propriamente os híbridos, ou seja,
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Edgar Morin e Michel Cassé (2008) vão mais longe a este respeito. Em Filhos do Céu,
o que temos em destaque é nossa filiação ao universo, domínio em relação ao qual somos
simultaneamente próximos e distantes, filhos e estranhos. Filhos do universo porque somos
constituídos das mesmas partículas que originaram o cosmos. Estranhos porque desde que a
espécie humana existe, sofre mutações e reorganizações nos padrões de ordem e desordem do
ser. Esta condição de familiaridade e estranhamento diante do universo inquieta-nos perante o
mundo, seus desafios e possibilidades. Nosso pertencimento e nossos horizontes projetivos
são marcados pela incerteza e pela relação ambígua entre Natureza e Cultura.
Nossos dispositivos de compreensão do nosso ser no mundo nos foram sendo
construídos por pensadores e intelectuais capazes de, por vezes, imputar um sentido de
verdade que construíram os grandes paradigmas da ciência, marcados pela certeza. Esses
pensadores e intelectuais de pertencimentos disciplinares diversos procuraram descrever e
compreender as diferentes relações, formas e interações presentes na Natureza. Os saberes
construídos pelas suas observações sistemáticas são até os dias de hoje fonte de inspiração e
pesquisa para as ciências formais, que levam consigo a marca dos métodos acadêmicos e da
quantificação laboratorial. Uma multiplicidade de saberes construídos pelas sociedades
tradicionais estão relegados ao segundo plano ou são excluídos da rede de disseminação das
instituições educacionais. Muitos destes saberes permanecem, portanto, no esquecimento das
sociedades ocidentais ou são discriminados como saberes menores, uma vez que a estes foram
imputados valores da inconsistência ou do esoterismo.
O fato é que os saberes da tradição têm demonstrado sua eficácia e é deles que se
valem numerosas populações espalhadas pelo planeta. As diferentes observações e condições
sócio-culturais em que foram desenvolvidos estes saberes geraram, historicamente, métodos
singulares de viver e compreender o mundo. Como sabemos, a ciência, mesmo que
hegemônica na sociedade ocidental é uma entre as várias representações sobre os fenômenos
do mundo e da Cultura (ALMEIDA, 2009). Em face destas singularidades e diversidades de
saberes narrados ao longo da flecha do tempo, o que realmente mudou? Haveria diferença
entre a concepção de Natureza descrita pelos saberes da tradição e os saberes dos cientistas?
De que meios se valer na formação do Biólogo, por exemplo, para ampliar o conjunto de
saberes diversos em relação à concepção de Natureza?
Para compreender a importância da dimensão diversa da concepção de Natureza nos
valemos aqui de um questionamento posto por Basarab Nicolescu (2000), no seu Manifesto
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Desdobramentos e Reencontros
habilidades, atitudes e competências”, sendo estes um “bem de uso comum do povo, essencial
à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (MEC/BRASIL, 1999, p. 1).
No espaço desse artigo ampliamos esta abordagem complexa do ensino de ciências e
dos diálogos entre a Natureza e a Cultura para as ciências Biológicas. Uma abordagem
complexa do ensino de Biologia deve estar relacionada à sua própria condição imprecisa,
envolvendo transformações e interações, construindo-se e desconstruindo-se não apenas a
partir do vivo, como também do não vivo.
É a partir dessa condição intrínseca de mutabilidade que devemos refletir sobre o
currículo dos cursos de ciências Biológicas, da educação básica à superior. Já ultrapassamos
os imobilismos das dualidades Natureza vs Cultura, ciêcia vs sociedade? Os currículos
construídos de forma universal pelas ciências ocidentais estão fundamentados apenas nos
saberes “formais”, isto é nos conhecimentos e conteúdos paradigmatizados. Subjaz a essa
projeto curricular pedagógico o fantasma de um outro, ou seja, o que é diverso e, de forma
subliminar, sua automática aniquilação. Um tal processo se mantém e se repete em todos os
níveis de escolaridade, da alfabetização ao pós-doutoramento.
Como podemos pensar a criação do novo, a estocasticidade, a variabilidade nos
ecossistemas a partir de programas seqüências, impossíveis de retroceder ou expandir?
Poderíamos pensar a transformação curricular do ensino das ciências Biológicas por
meio de uma estratégica policêntrica. Para alavancar tal horizonte, a formação dos professores
de Biologia precisaria nutrir os licenciandos de conteúdos que os permitisse ir expandindo
seus referenciais e dando lugar aos outros saberes, enquanto representações importantes para
se aproximar das metamorfoses próprias ao que é da ordem dos fenômenos do mundo.
Aprender com outras representações e interpretações distintas da ciência hegemônica, e ter
como meta uma aprendizagem entre as Culturas, parece aqui ser o princípio epistemológico
que alicerça o ensino complexo da Biologia.
Uma vez formada, a imagem da Natureza exerce uma influência sobre todas as áreas
do conhecimento. A passagem de uma visão a outra não é progressiva, contínua, ela
ocorre antes por rupturas bruscas, radicais, descontínuas. Várias visões
contraditórias podem inclusive coexistir. A extraordinária diversidade de visões da
Natureza explica porque não podemos falar de Natureza, mas apenas de uma certa
natureza de acordo com o imaginário de uma dada época (NICOLESCU, 2002, p.
8).
Essa reflexão serve de fundamento ou princípio para pensarmos a educação além dos
diálogos entre aspectos técnicos e conceituais de um ambiente que, por vezes,
compreendemos como exógeno, oposto e distante de nós. Por outro lado, a compreensão de
uma Natureza multifacetada instiga a construção de situações de envolvimento e, acima de
tudo, de (des)encontros formativos que perpassam a ética e a justiça entre os indivíduos, suas
relações sócio-culturais e o meio ambiente (REIGOTA, 1999, p. 82).
Vivemos em um mundo de contrastes, onde dialogam saberes e interesses de diversas
ordens. Aproximar, sem compactar, as singularidades e compreensões sobre uma mesma
Natureza, mas ontologicamente diferente, “parece ser o desafio de uma nova cosmologia dos
saberes humanos, ou seja, de uma ciência da complexidade” (ALMEIDA, 2010, p. 55) que,
fundamentada nas múltiplas compreensões e nas incertezas do real, possa subsidiar uma
educação verdadeiramente formadora e autônoma, defensora das diferentes formas de olhar e
explicar a Natureza.
Propomos, portanto, uma busca, um desafio, a construção de um horizonte coletivo
para a educação. Uma busca pela interface entre conhecimentos, o que levaria, por suposição,
e passo a passo, a dissolver o imobilismo disciplinar das propostas educativas redutoras. Por
extensão, seria possível ultrapassar uma sociedade imersa em uma rede restrita da informação
por uma sociedade simbiótica, capaz de construir conhecimento.
As teorias e conteúdos consagrados hoje pelas ciências formais que estão nos livros
didáticos e permeiam os currículos dos cursos de ciências Biológicas, por exemplo, tiveram
sua origem em conhecimentos locais construídos com afinco e cuidado e que, sistematizados,
testados e avaliados acabaram sendo aceitos por um público maior, posteriormente. Muitos
dos saberes paradigmatizados e universalizados pela Cultura científica nasceram de
experiências singulares e locais por indivíduos providos de curiosidade e inventividade na
forma de compreender a Natureza.
Daí porque as observações sistematizadas pelos intelectuais da tradição - ou seja,
aquelas pessoas que, não tendo frequentado escolas e universidades, constroem
conhecimentos pertinentes sobre o mundo e os fenômenos cotidianos -, devem ser avaliados e
discutidos para ampliar e renovar os conhecimentos já oficializados como verdadeiros. Por
outro lado, há sempre várias versões e interpretações para os mesmos problemas, e essa
diversidade é o valor maior da cultura científica e da cultura humanística.
A partir desses pensadores da Natureza e de seus saberes sistematizados, aprendemos
não só a respeitar, mas a admirar a multiplicidade de formas e dinâmicas dos fenômenos
vivos, dos ecossistemas, dos regimes das águas e da diversidade de interações características
do vivo. Os intelectuais da tradição se valem de diferentes elementos do meio e “transitam por
diferentes domínios – físicos, biológicos e culturais – para construir um conhecimento
ecossistêmico” (ALMEIDA, 2007, p. 10).
“Filósofo da Natureza”, como tem sido chamado, Francisco Lucas da Silva (ou Chico
Lucas), tem ensinado, a partir de uma ‘ecologia das idéias e da ação’, uma maneira sensível e
complexa de compreender a Natureza. Talvez esse leitor do mundo exemplifique com os seus
saberes o que Claude Lévi-Strauss denominou “Uma ciência do sensível”, próxima da
Natureza, uma “ciência do concreto” (LÉVI-STRAUSS, 1976).
Chico Lucas é morador da comunidade Areia Branca, Lagoa do Piató, localizada na
região semiárida do Rio Grande do Norte, onde nasceu e vive até hoje. A partir dos
ensinamentos de seu pai, o talento de Chico Lucas foi sendo tecido frente às necessidades e
dificuldades do ecossistema da região. Talentos como a pesca, caça, agricultura, construção
de canoas e, principalmente, predição do tempo, constituem juntos domínios diversos dos
saberes plurais construídos com o passar do tempo, como o próprio Chico Lucas confessa na
obra A Natureza me disse (SILVA, 2010):
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Eu sempre fui ligado às previsões de chuva e de seca. Isso eu aprendi com meu pai.
Ele era um agricultor e sempre prestava atenção na natureza. A minha vivência foi
no trabalho com ele, e eu toda vida tive a curiosidade de perguntar as coisas a ele.
Quando tinha o formigueiro, e a gente estava trabalhando numa vazante, na pegado
do inverno, e o formigueiro se retirava, ele dizia: “Vai chover. Eu vou parar o
trabalho da vazante porque o inverno vai pegar”. Quer dizer, são essas coisas que eu
prestei atenção e elas são, durante o tempo que eu venho observando, corretíssimas
(SILVA, 2010, p. 30).
Estaleiro de saberes
atividade de Estaleiro. Isso porque, sendo o estaleiro o lugar onde se constrói canoas e barcos,
essa palavra é mais próxima do cotidiano da atividade pesqueira tão importante na região do
Assú. Assim, o encontro entre pesquisadores do Grecom e os professores da rede pública
pode ser considerado uma oportunidade e um lugar para a construção de saberes coletivos que
levem em conta a relação entre os conhecimentos científicos e os saberes locais (ALMEIDA ;
PEREIRA, 2008).
Os temas tratados nestes encontros de formação de professores dizem respeito à:
saberes da tradição, ecologia e ciências da saúde; paisagens sonoras e cultura da criança;
cosmologia e matemática da tradição; saberes da tradição, patrimônio, história oral e
literatura.
Considerações finais
Essa experiência de uma formação complexa dos professores da rede pública pode ser
considerada uma experiência exitosa e tem levado a um desdobramento rizomático não
previsto. A experiência do Estaleiro pode vir a ser, talvez, um casulo capaz de fazer replicar
outras experiências marcadas pela diversidade, mas pautadas sempre pelo desejo de uma
ciência mais múltipla e transdisciplinar.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria da Conceição Xavier de. Para pensar bem. In: SILVA, F. L. D. (Org.). A
Natureza me disse. Natal: Flecha do Tempo, 2007.
CASSÉ, Michel.; MORIN, Edgar. Filhos do céu - entre vazio, luz e matéria. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
______. Ciência, Razão e Paixão. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Livraria da Física, 2009.