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Abstract The current article presents conclu- Resumo O presente artigo apresenta conclusões
sions of a developed research in ENSP/Fiocruz, as de uma pesquisa desenvolvida na ENSP/Fiocruz,
part of a master degree course, about the relation como parte do curso de mestrado, sobre a relação
between poverty and obesity from the symbolic entre pobreza e obesidade a partir da apreensão
structure seizure around the body. The research da construção simbólica em torno do corpo. A
had as a goal examining the perception about the pesquisa teve por objetivo investigar as percepções
body of a fat women group living in a carioca acerca do corpo de um grupo de mulheres obesas
slum, from the use of the qualitative methodolo- moradoras de uma favela carioca, a partir do em-
gy, using the technique of the semi-structured in- prego da metodologia qualitativa, utilizando a
terview. The final researches in this work showed técnica da entrevista semi-estruturada. Os resul-
that among the Rocinha women was in force tados obtidos neste trabalho revelaram que entre
proper standards of body that tied little esthetic as mulheres da Rocinha vigoravam padrões pró-
attributes. The examined women noticed the obe- prios de corpo que pouco se vinculavam a atribu-
sity in a different way. It was felt through clinical tos estéticos. A obesidade era percebida de forma
symptoms as for example: “leg pains”, “back diferenciada pelas mulheres investigadas. Ela era
pains”, “lack of breath”, “less disposition”. It was sentida através de sintomas clínicos tais como:
still possible to observe that the fat body was “dor nas pernas”, “dor na coluna”, “falta de ar”,
sometimes valorous among the group, tied to “menor disposição”. Foi possível, ainda, verificar
work and the social condition. These results lead que o corpo obeso era por vezes valorizado no
us to believe that the obesity assume proper out- grupo, vinculando-se ao trabalho e à condição so-
lines in the different contexts and social groups. cial. Tais resultados nos conduzem a acreditar que
For this reason we believe to be necessary the ful- a obesidade assume contornos próprios nos dife-
fillment of new research dates about the obesity rentes contextos e grupos sociais. Por essa razão,
1 Faculdades Federais theme in Brazil. acreditamos ser necessária a realização de novas
Integradas de Diamantina. Key words Obesity, Poverty, Public health agendas de investigação sobre a temática da obe-
Rua da Glória 187, sala 25, sidade no Brasil.
Centro, 39100-000,
Diamantina MG. Palavras-chaves Obesidade, Pobreza, Saúde pú-
vanessa.nutr@ig.com.br blica
2 Departamento de
Ciências Sociais da Escola
Nacional de Saúde Pública,
Fiocruz.
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Ferreira, V. A. & Magalhães, R.
desenvolvimento da favela ao longo dos últimos serviços básicos, encontram-se na parte plana
anos. Em 1999, o Iplan-Rio adscreveu 47 mil ha- da favela, tal como o Largo do Boiadeiro, onde
bitantes. Contudo, a associação de moradores se localiza grande parte do comércio local30, 31.
do bairro afirma que a população atualmente é A diversidade sociocultural e de infra-es-
composta de duzentos mil habitantes, com taxas trutura também está presente na Rocinha. O
anuais de crescimento de 3,07% 29. tamanho e a variedade da Rocinha, considera-
A localização peculiar da Rocinha, próxima da a maior favela da América Latina, podem ser
ao bairro da Gávea, um dos locais mais nobres percebidos através dos inúmeros estabeleci-
da cidade do Rio de Janeiro, impõe aos mora- mentos públicos e privados existentes no local.
dores conviver com diferença sociais marcan- A associação de moradores do bairro estima a
tes. Mas os contrastes não se limitam apenas aos existência de 2.500 estabelecimentos comer-
bairros adjacentes. É possível identificar ainda ciais30, 31, 32, 33. No que se refere às atividades
diferenças internas significativas na favela. A de lazer, essa população encontra disponível a
população da Rocinha é composta, sobretudo, praia de São Conrado, o Clube Emoções (casa
de adultos jovens, com um contingente maior de shows), a Escola de Samba GRES Acadêmi-
de indivíduos do sexo feminino. No que se refe- cos da Rocinha e, ainda, atividades alternativas
re à renda, observou-se uma faixa de rendimen- dispersas, tais como grupos de teatro, arte, pin-
tos entre um a cinco salários mínimos. O perfil tura, música; bares e biroscas com espaço para
dos moradores revela, ainda, que a maior parte danças nordestinas, como o forró; e bailes po-
deles são oriundos da região Nordeste. Quanto pulares de funk. Neste sentido, a favela da Roci-
às ocupações de trabalho, a população masculi- nha se apresenta como um verdadeiro mosaico
na desempenha predominantemente atividades socioeconômico e cultural, sendo, portanto,
no comércio e na indústria, enquanto as mu- extremamente complexa. A heterogeneidade
lheres estão inseridas no setor de serviços, tais das favelas cariocas tem sido debatida atual-
como as atividades de doméstica. O perfil de mente por diferentes autores e institutos de
saúde da população da Rocinha caracteriza um pesquisa34, 35, 36.
quadro sanitário de áreas de aglomeração sub-
normal, onde as doenças comumente diagnos- Percepções do corpo
ticadas referem-se a: hepatite A, dengue, doen- e a concepção da obesidade
ças diarréicas, respiratórias e de pele30.
No que se refere às condições de infra-es- Entre as doze mulheres entrevistadas, sete
trutura, a Rocinha dispõe de rede elétrica for- apresentaram obesidade classe I (IMC=30,0-
necida pela Companhia Elétrica Light e existe 34,9kg/m2) e cinco obesidade classe II (IMC=
uma rede parcial da Companhia Estadual de Á- 35,0-39,9kg/m2), com riscos de co-morbidade
gua e Esgoto (Cedae). A rede de esgotamento moderado e grave, respectivamente25. No que
sanitário, contudo, não é disponibilizada para diz respeito à faixa etária de nosso universo de
todos os moradores. Verifica-se na Rocinha um pesquisa, as mulheres apresentaram idades que
sistema de saneamento ainda deficiente. A co- variaram entre 34 a 60 anos, com média de ida-
leta de lixo é realizada pela Companhia de Lixo de de 48 anos. A maior parte das mulheres en-
Urbano (Comlurb), em parceria com os agen- trevistadas era proveniente da região Nordeste
tes comunitários da favela. Entretanto, a limpe- do país. Das doze informantes: quatro eram
za pública é precária e há o permanente acú- naturais do estado do Ceará, três da Paraíba,
mulo de lixo30. Ainda segundo o estudo, a es- duas da Bahia e uma de Sergipe. Somente duas
trutura dos domicílios também é heterogênea. mulheres revelaram ter vindo de estados da re-
Além de barracos, existem casas de alvenaria e gião Sudeste: uma do interior de Minas Gerais
cerâmica, e prédios, entre outros tipos de cons- e uma do interior do Rio de Janeiro. O perfil
trução. O acesso a essas habitações ocorre atra- das entrevistadas reflete em grande parte o
vés de becos, ruelas e escadarias irregulares, se- contingente populacional da Rocinha, com-
melhantes às de áreas faveladas, e, também posto especialmente de nordestinos. Todas as
através da Estrada da Gávea. Nas áreas mais entrevistadas eram moradoras da favela da Ro-
distantes, as partes mais altas da favela, como a cinha. A árdua vida na terra natal, com o traba-
denominada Rua 1, e nos sub-bairros mais ca- lho no roçado, é transformada em um cotidia-
rentes, como o Barcelos, as condições de sanea- no igualmente difícil, marcado pela dupla jor-
mento são deficientes. Os domicílios com maior nada de trabalho, que inclui os afazeres domés-
infra-estrutura, no que diz respeito ao acesso a ticos, os cuidados com os filhos, as ocupações
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de. Entretanto, observa-se que esta concepção é transgressores das normas e regras. No entan-
relativizada, ou seja, ao mesmo tempo em que to, pouco a pouco, as mulheres vão revelando
o corpo obeso é desejado por estar relacionado os dilemas ligados à superação da obesidade:
ao vigor e a saúde, também é julgado como “pe- Com a comida que tenho em casa, eu não consi-
sado” e, portanto, menos ágil. Nesse aspecto, o go; Se eu tivesse um salariozinho melhor pra eu
corpo magro passa a ser valorizado. Contudo, comprar mais coisa que ajudasse; A verdura é
entre um corpo magro ágil e magro doente, o muito difícil, nem todo o pobre compra aquele
último parece ser o mais ameaçador, já que pa- negócio de verdura [...] por isso que eu não faço
ra as classes populares a doença é o maior im- dieta, porque eu não posso, não posso comer legu-
pedimento para a realização do trabalho12. Tais mes direito.
concepções revelam a relação do corpo com o No entanto, a desigualdade no acesso à ali-
trabalho e enfatizam a noção do corpo utilitá- mentação adequada não parece ser o único as-
rio, apto à execução das atividades rotineiras e pecto relacionado ao corpo obeso. Assim, dian-
do trabalho informal9. te da diversidade de alimentos, os critérios de
Ferreira41 verificou concepções de corpo seleção dos itens parecem se aproximar do pa-
específicas em sua investigação numa vila de drão de consumo alimentar da infância, espe-
classe popular, localizada na periferia de Porto cialmente da vida no Nordeste, com a escolha
Alegre. A relação que alguns moradores estabe- de alimentos próximos ao consumido no roça-
leciam com o corpo evidenciava a necessidade do. Dessa forma, a memória alimentar se revela
de distinguir-se de outros que apresentavam o es- no universo de alimentação das mulheres da
tereótipo da pobreza: corpos sujos, desnutridos, Rocinha: Eu fui criada na roça comendo isso; Eu
às vezes consumidos pelo álcool, com marcas de gosto [fritura] porque eu fui acostumada assim;
violência. Segundo Bourdieu42, a sociedade im- Na roça, a comida é muito pesada, é feita naque-
prime ao corpo princípios de divisão social e la banha; Arroz, feijão [...] dispensa qualquer
de oposição, que são utilizados como forma de coisa. Eu acho que é porque eu fui acostumada
justificar a distinção de classe. Neste sentido, o assim.
corpo obeso entre mulheres pobres seria uma O papel do alimento enquanto elemento de
maneira de diferenciação social em relação ao conforto para a amenização dos dilemas diá-
corpo magro e esbelto das mulheres burguesas. rios, das angústias, das perdas, das tensões oca-
Nesse contexto, a perda de peso torna-se sionadas pela falta de recursos, pela violência,
muito mais uma exigência dos profissionais de pela responsabilidade com a casa e os filhos,
saúde do que propriamente uma demanda for- também surge na fala das mulheres da Rocinha:
te das mulheres: “Eu preciso emagrecer, isso to- Quando eu tô tristinha, eu vou lá e como; Pra mim
dos os médicos falam.” Ao mesmo tempo, a é nervoso; Eu acho que é muita responsabilidade,
conciliação entre as recomendações médicas e agora eu tenho que cuidar de dois filhos, eu tenho
o cotidiano é difícil e, muitas vezes, acaba ge- que dar conta de duas vidas; Se eu tivesse um ho-
rando sentimentos de culpa e impotência: Se eu rário certo de alimentação, uma dieta balancea-
fizer uma dieta legal, procurar fazer as coisas di- da. Orbach44 se refere a um sintoma singular
reitinho, eu perco peso; Eu tenho que levar mais que, segundo a autora, ocorre em muitos indi-
a sério; Eu sou muito desorganizada, eu não al- víduos com problemas de excesso de peso: a
moço na hora certa, eu como qualquer coisa, eu “fome emocional”. Diferente da necessidade de
não caminho; Eu acho que foi falta de atenção saciar a sensação física ocasionada pela falta do
minha mesmo, se eu tivesse um pouco mais de alimento, a “fome emocional” diz respeito à uti-
cuidado, fosse mais atenciosa com que eu como, lização da comida para apaziguar inquietações
eu acho que eu ia acabar perdendo. Para Bau- emotivas. Para a autora, os sentimentos são mui-
drillard43, é nos regimes alimentares que se des- to parecidos com a comida. Se você dá atenção ao
cortina a pulsão agressiva em relação ao corpo sentimento e se permite vivenciá-lo, ele irá satis-
[...]. Nesta perspectiva, o corpo se transforma fazê-lo44. Orbach44 alerta ainda que muitas ve-
num objeto ameaçador, que deve ser vigiado e zes a própria sensação de fome amedronta de-
reduzido permanentemente. Segundo Fis- terminados indivíduos, principalmente quando
chler4, para a sociedade de consumo os gordos tiveram experiências indesejáveis no passado
são percebidos como os únicos responsáveis como, por exemplo, quando não dispunham de
por sua condição. São gordos “porque comem comida suficiente na infância. Por essa razão,
muito e são incapazes de se controlar”. De mo- muitas pessoas comem antes que possam sentir
do implícito, são julgados socialmente como fome. Numa das falas das entrevistadas esse
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