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1ª PARTE

Anísio Teixeira*
(Caetité-BA, 1900 – Rio de Janeiro-RJ, 1971)

A administração pública brasileira


e a educação**

N
ão é nenhuma novidade afirmar-se que uma das tendências de nossa época, com o
progresso das comunicações e das técnicas, é o crescimento das organizações
humanas, não só no sentido da área territorial sob seu alcance, como no da densidade
de sua força unificante e uniformizante. Toda a indústria moderna é uma ilustração, quase
* Por questão de espaço, deixa-
mos de incluir notas biográficas diria assustadora, dessa tendência. As críticas ao gigantismo americano se fazem sempre
sobre os autores dos artigos
constantes deste número.
à luz desses aspectos estandardizantes da técnica, excessivamente mecânica, dos tempos atuais.
Assim, remetemos o leitor ao Essa tendência à grande organização da indústria e à uniformização dos seus produ-
Dicionário dos educadores no
Brasil: da Colônia aos dias tos decorre do caráter mecânico da produção e da conseqüente facilidade de se produzi-
atuais, organizado por Maria de
Lourdes de Albuquerque Fávero rem, em massa, antes produtos estandardizados do que produtos diferenciados. A des-
e Jader de Medeiros Britto e edi-
tado pela Universidade Federal
truição da produção local e da variedade dos produtos é, assim, mais o resultado da
do Rio de Janeiro (UFRJ), em produção industrial e mecanizada, do que objetivo deliberadamente pretendido e procurado.
2002, no qual a vida e a obra de
importantes nomes da educação Se fosse possível idêntica eficiência industrial com fabricação diversificada e em pequena
nacional são analisadas por
diversos estudiosos. (N. do E.) escala, não creio que alguém se opusesse à idéia, que, aliás, não me parece impossível,
**
Publicado originalmente na pois nada há na ciência que impeça o desenvolvimento de uma tecnologia para pequenas
RBEP v. 25, n. 61, p. 3-23, jan./
mar. 1956. organizações, em oposição à atual, para produção em massa.

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A minha observação, contudo, restrin- domínio – não para produzir, mas para con-
ge-se, nos limites da argumentação que de- trolar. A sua eficácia consiste em conter e su-
sejo aqui desenvolver, ao aspecto de serem bordinar, sendo, assim, centralizador por es-
a centralização e a estandardização indus- sência e natureza. As técnicas modernas de
triais mais uma conseqüência dos atuais comunicação e transporte; portanto, se fize-
métodos da produção moderna em massa, ram logo instrumentos preciosos de sua ação
do que uma aspiração ou um ideal. Busca- fiscal, policial e militar, tornando possíveis,
se produzir mais e com a maior eficiência afinal, os grandes maciços políticos, entre os
possível e para isso se organiza a produção quais tende o mundo, hoje, a dividir-se.
em série e em larga escala, com o máximo A concentração de poder nos Estados
de planificação, mecanização, divisão do seria a conseqüência da sua própria natureza
trabalho, uniformização das operações e expansionista como organizações do Poder –
uniformização de produtos. poder político. A concentração de poder na
A "produção" fundada, assim, em pla- produção industrial seria, principalmente,
nos uniformes e na repetição indefinida um resultado da aplicação de métodos uni-
das mesmas fases operatórias faz-se algo formes e mecânicos de produção. Os dois
de quase automático, reduzindo-se ao mí- fenômenos são diversos, embora, tanto em
nimo a participação individual do operá- um quanto em outro caso, se registre a mes-
rio e exaltando-se ao máximo a contribui- ma subordinação do indivíduo à organiza-
ção central no sentido de planejamento e ção, com perda conseqüente de independên-
decisão. Toda a organização industrial fun- cia e liberdade individual, tanto na organiza-
ciona, então, como um organismo, com as ção do "Estado", quanto na produção moder-
funções centrais de deliberação e as fun- na, seja esta, a meu ver, do tipo capitalista
ções automáticas de execução. ou do tipo socialista.
A velha e pretendida analogia de "orga- Ambas as tendências, hoje facilitadas
nização" com "organismo" ganhou, assim, em pelas técnicas modernas, seja a do Estado ao
face dos métodos modernos de produção, poder absoluto, seja a da produção industri-
um novo vigor, tornando menos evidente a al moderna à concentração – que acaba por
não menos velha "falácia do administrador", se tornar uma outra forma de poder – , não
que consiste exatamente nessa propensão a são tendências pacificamente aceitas, mas,
crer naquela falsa analogia e julgar a organi- pelo contrário, tendências contra as quais vem
zação um organismo, como os biológicos, lutando o homem, infatigavelmente, na busca
com existência própria, necessidades pró- de uma organização do Estado e do trabalho
prias e até interesses próprios. em que se conciliem as suas necessidades,
A transferência desse espírito, até certo de segurança – Estado e eficiência – trabalho,
ponto compreensível ou explicável nas com as necessidades de certa independência
puras organizações industriais, para as or- e liberdade individual, que lhe parecem,
ganizações políticas e de serviços públicos talvez, ainda mais que as primeiras,
só em parte pode ser feita. Quando a trans- imprescindíveis ao seu bem-estar e felicidade.
ferência se generaliza, temos nada mais nada Nesse sentido, pelo menos desde 1776
menos que totalitarismo. (Revolução Americana) e 1789 (Revolução
Ocorre, porém, que o Estado, indepen- Francesa), vem-se tentando a organização
dente da tendência moderna de centralização de um Estado, que afinal viemos chamar
e concentração do poder da organização de democrático, em que o indivíduo con-
da indústria, já possuía a tendência à serve um mínimo de independência pessoal
centralização. e, na parte em que se sinta subordinado,
O Estado, como organização, busca a cen- participe, de algum modo, do poder a
tralização como forma de exercício do seu que esteja sujeito, intervindo em sua
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constituição e podendo ainda recorrer dos sempre que inevitável e a combater sempre
seus atos, mediante mecanismos indireitos que supérflua ou pedantesca, ou grosseira-
e complicados, mas suscetíveis de razoá- mente contraproducente.
vel eficácia. Outra não é a tarefa da democracia, que,
Tais propósitos, dos mais caros ao es- constituindo, historicamente, a luta do ho-
pírito humano, opõem-se às tendências do mem pela organização de um Estado em que
Estado para aumentar o seu poder sobre o fique salvaguardada a sua relativa indepen-
indivíduo e à do trabalho em se organizar de dência individual, passou a ser também a
modo a transformar o homem em engrena- sua luta por uma organização do trabalho,
gem de máquina, corrigindo e moderando estas em que não se veja transformado em engre-
últimas tendências, quando se tornam inevi- nagem pura e simples de uma máquina
táveis, ou, cancelando-as, simplesmente, econômica.
quando supérfluas ou impertinentes. A feição mais sutil por que se insinua a
Os próprios termos que estou a usar tendência totalitária do progresso material
revelam que tais tendências não são algo moderno está no convite que tal progresso,
que se encontra na natureza das coisas, mas à primeira vista, parece fazer à organização
outros tantos propósitos, corporificados em em massa, ou em grande escala, fundada na
pessoas ou grupos de pessoas, que usam divisão do trabalho e especialização de
vontade e força para impor limitações e uni- funções. Tomado, com efeito, o progresso
formidade ao comportamento humano. O técnico como simples arsenal de meios de
Estado, no fim de contas, são os seus fun- ação e considerando-se que, teoricamente,
cionários, que, embora divididos em orga- não há limites para o tamanho da organiza-
nizações aparentemente impessoais de ção, desde que se dividam e uniformizem
poder – legislativo, executivo e judiciário – as funções e se especializem as pessoas para
têm uma vontade coletiva e inconsciente ten- essas funções, está aberto o caminho para o
dente à concentração e centralização do gigantismo organizativo moderno, com a
poder. E o trabalho são as empresas indus- conseqüente impessoalidade da organização
triais, que também têm a sua propensão e concentração irresponsável de poder no
natural à expansão, com as conseqüentes pequenino grupo de dominantes e
limitações à independência individual não mandantes, do vértice da pirâmide.
só dos seus operários, como dos seus A tirania e irresponsabilidade desse tipo
próprios clientes. de organização é a mais perfeita das que o
Do outro lado, opostos ao Estado e às homem logrou criar, em sua história, até
organizações de produção, temos a vonta- hoje. Porque não é tirânico apenas o grupo
de dos indivíduos, organizada em partidos central, dotado de capacidade de decisão,
políticos ou em associações, sindicatos e mas cada um dos indivíduos componentes
uniões, nem sempre lúcidos e eficazes em da organização, que, agindo como peça de
sua luta contra as tendências expansionistas máquina, tem a implacabilidade e a
e absolutistas das duas primeiras forças re- irredutibilidade do dente da engrenagem.
feridas – estatal e industrial – muito melhor Os tempos modernos, em face disto,
organizadas. estão assistindo a uma fase de absolutismo,
Tais considerações visam mostrar quan- que excede tudo que se experimentou em
to é legítimo e necessário examinar-se a ten- relação ao poder absoluto de reis e sacerdo-
dência à racionalização mecânica da vida tes, o que não deixa de estar suscitando cer-
moderna, que, longe de constituir-se em algo tas atitudes irônicas de saudade ou mesmo
sempre e indiscriminadamente benéfico ou de volta ao regime do poder pessoal. Afinal,
implacavelmente inevitável, é uma tendên- um tirano pessoal é melhor do que um tira-
cia a se admitir com reservas, a moderar no gelidamente impessoal...
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A democracia, como regime do homem e falando um jargão pseudocientífico de
para o homem, importa em evitar tais orga- "racionalização de serviços", o Estado Novo
nizações monstruosas, aberrantes da dig- elaborou um conjunto de leis
nidade humana, sejam elas do Estado ou centralizadoras e uniformizadoras na or-
do trabalho, ou só permiti-las se e quando ganização política, jurídica e administra-
não ponham em perigo essa imprescritível tiva do País, como, talvez, não tenhamos
qualidade de respeito pelo indivíduo, que tido nem sequer na colônia. E não somen-
é a marca de toda saudável organização te no plano federal. A fúria uniformizante
humana. e centralizante estendeu-se aos Estados e
Em relação ao Estado, os remédios de- aos municípios, como se fazer tudo do
mocráticos são os da difusão e distribuição mesmo modo, de forma mecânica e
do poder por organizações distritais, mu- estandardizada, sem respeito às circuns-
nicipais, provinciais e nacionais ou fede- tâncias nem às pessoas, fosse o último
rais, em ordens sucessivas, autônomas, de estágio do progresso.
atribuições, de modo que a centralização Uniformizaram-se e unificaram-se gover-
total, acaso inevitável, fique reduzida em nos, impostos, orçamentos, quadros, esta-
seu alcance somente às funções mais gerais tutos de pessoal, repartições e serviços, sem
do Estado soberano, em rigor, às relações consideração de lugar, nem de tempo, nem
com outros Estados, à segurança e à defesa. de circunstâncias, nem de pessoas. Proce-
Na parte em que o Estado assume funções deu-se, além disso, à centralização dos ser-
que não lhe são privativas, a democracia viços de pessoal e material de todos os go-
recomenda um pluralismo institucional, vernos, desde o federal e os estaduais até os
que impeça toda centralização perniciosa ao municipais, destruindo-se, de um jato, todas
princípio fundamental de respeito da orga- as independências e diferenciações e crian-
nização pela pessoa humana. Difusão, pela do-se monólitos burocráticos tão gigantescos
extrema distribuição, do poder propriamen- quanto inoperantes.
te do Estado e pluralização competitiva das Essa tremenda reforma administrativa
organizações outras que prestem serviços decorreu e foi acompanhada de uma série
ou rejam, de qualquer modo, direto ou in- de leis uniformes para todo o país, sobre
direto, a vida humana, são os dois modos todos os assuntos, sem excetuar quaisquer
pelos quais a democracia luta contra a ten- setores especializados – nem mesmo a edu-
dência totalitária na utilização dos novos cação, em cujo campo ou domínio se decre-
meios de controle e produção obtidos pe- taram "leis orgânicas" a respeito de todos os
los progressos técnicos modernos. ramos e níveis de ensino, com incríveis de-
Ora, é essa luta democrática que se in- talhes de matérias ou disciplinas, currículos
terrompeu, entre nós, em 1937 e que, reto- e programas, quiçá até horários.
mada nominalmente em 1945, está longe São os resultados dessa centralização e
de haver feito o que já devia ter realizado. uniformização, antes de tudo, profundamen-
Embora não se possa considerar que te antidemocráticas, que iremos analisar em
o País, mesmo no período em que passou alguns dos seus aspectos, e muito especial-
pela coqueluche fascista, tenha sido inte- mente em suas conseqüências sobre a
gralmente totalitário, o espírito das leis educação nacional.
do chamado Estado Novo foi o da mais Mas, vamos, primeiro, à administração
extrema centralização, uniformização e geral, pois, centralizada como ficou esta,
mecanização da administração pública. Jo- os seus efeitos são omnímodos e invadem
gando com as aparências modernas da ten- todos os serviços públicos, inclusive a
dência concentracionista do poder que, educação. Com fundamento numa distinção
de começo, sucintamente focalizamos, perfeitamente óbvia entre serviços de meios
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e serviços de fins, ou serviços auxiliares competição dos que detinham as funções-
e serviços executivos, como melhor se po- fins, junto aos que detinham funções-meios,
deriam chamar, praticou-se a monstruo- para conquistarem um lugar ao sol,
sidade de se centralizarem os serviços de nos grandes e extraordinários planos
meios, sob o pretexto de que esses pode- unificados e formais da nova administração
riam ser estandardizados e concentrados, "científica" do país. Todo o período trans-
à maneira de serviços industriais, para correu nesse pandemônio, em que, como
maior economia e eficiência da máquina era natural, se algo se fazia era quando
do Estado. Desse modo, transformou-se alguns detentores dos "meios" se metiam a
todo o governo federal em um "organis- ter "fins" e a realizá-los por conta própria,
mo" único, em rigor uma única reparti- ou a "proteger" alguns dos detentores dos
ção, cujo diretor geral seria o Presidente "fins" para realizar o que os "meios"
da República; o diretor do Dasp – o seu quisessem ou julgassem bom. Daí os
superassistente; os ministros – meros "grandes projetos" do Departamento
diretores de serviços; os chamados Administrativo do Serviço Público (Dasp),
diretores – apenas chefes de seção. Nesse repartição evidentemente de "meios", na
monólito federal, a linha de comando real, sistemática "racionalizadora", e que passou
era Presidente – Diretor do Dasp – a ser o próprio governo federal.
diretores dos departamentos de adminis- A imobilização da administração fede-
tração – diretor de orçamento, diretor de ral, em face dessa divisão e separação entre
material e diretor de pessoal, isto é, os fins e meios e da centralização dos serviços
detentores dos "meios", os quais, a des- de meios, transformou-se em fato de
peito de sua tremenda importância, deve- observação quotidiana.
riam atuar automaticamente como atuam Por certo que não é impossível a cen-
nos organismos biológicos, os seus órgãos tralização dos serviços de meios, sendo até
viscerais em oposição aos voluntários, que aconselhável senão necessária; mas, em or-
seriam os órgãos dos "fins". Como, porém, ganizações de tamanho suficientemente ra-
"organização" não é "organismo", os deten- zoável, nas quais o comando central fique
tores dos "meios" ficaram efetivamente com alguém que tenha poder eficaz sobre os
com a força, o poder, e os dos "fins", com fins e sobre os meios, pondo esses efetiva-
a veleidade e a impotência. O grande gi- mente a serviço daqueles. Sempre, porém,
gante todo-poderoso da organização imen- que a organização for demasiado grande para
sa ficou com os músculos para um lado e esse controle efetivo pelo comando
o cérebro para outro. unificador, ter-se-á de desdobrar a organiza-
Em torno da linha de músculos – os ção, ou de sofrer as conseqüências de ver
meios – passaram a agitar-se ministros e di- os serviços centrais de meios tomarem, sub-
retores, supostos cérebros da organização, versivamente, o controle efetivo de toda a
ganhando ou perdendo poder conforme o organização.
maior ou menor "prestígio", ou a maior ou E foi isso o que se deu entre nós. Com
menor habilidade. O Ministro da Fazenda, efeito, os centralizados serviços de meios,
na sua função de detentor também dos mei- na administração federal, estariam, teori-
os, era o único que se aproximava um pou- camente, sob o comando do Presidente da
co do poder autônomo da grande linha de República, por meio do Dasp e do Minis-
força das funções que, por ironia, se tro da Fazenda, e dos demais ministros,
chamavam "adjetivas". estes por seus diretores de Administração.
Durante oito anos viveu o país nessa Mas, como nenhuma das 11 autoridades
paradoxal anarquia, provocada pela centra- governamentais (Presidente e Ministros)
lização das funções-meios e conseqüente pode ser realmente administradora, pois
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suas funções políticas as absorvem a tratar. Não vejo eu quanta gente está a de-
precipuamente, a máquina dos "meios" pender dele! E, então, só a sorte, o "agrado"
entra a operar por si e a ser governada so- que consegui suscitar ou o meu "prestígio"
mente pela sua força de inércia, sem co- podem ajudar-me. Tal situação é uma situa-
mando geral unificador nem propulsão ção corrupta de minha parte e irresponsá-
interna, sem sinergia nem unidade com os vel da parte do funcionário. Não se corrige
órgãos-fins, o que transforma toda a sua por conselho, nem pelo aperfeiçoamento
força em uma força cega e irresponsável, moral de nenhuma das partes, mas, pela re-
acessível somente às pressões externas e dução da distância entre o trabalho do funcio-
igualmente irresponsáveis da corrupção, nário e o centro, onde a operação total esteja
do "prestígio" ou do "jeito". sendo considerada, redução que se dá sem-
A "racionalização" dos serviços gerou, pre que houver desconcentração dos servi-
assim, uma anarquia fundamental, de al- ços e organização dos mesmos em blocos, tão
cance muito superior à possível anarquia autônomos e completos quanto possíveis.
dos múltiplos órgãos semi-autônomos e Há que evitar as organizações excessi-
completos, do período histórico e empírico vamente grandes e, sobretudo, as linhas
da administração brasileira. centralizadas de serviços, na realidade, au-
Não foi, porém, a anarquia e imobilização xiliares, e que, centralizados, se transfor-
dos serviços públicos o pior mal do equívoco mam em serviços em que os meios passam
"racionalizante" da administração pública bra- a valer como fins em si mesmos, acabando
sileira. A corrupção generalizada e a por obstruir todas as atividades reais ou
irresponsabilidade a que foi arrastado o "substantivas", operando-se a pior das sub-
funcionário parecem-me males muito maiores. versões que é a da supremacia dos meios
Quando falo em corrupção e sobre os fins, com a conseqüência ainda
irresponsabilidade, não me estou referin- mais grave de criar a irresponsabilidade dos
do a faltas pessoais dos funcionários, mas funcionários dos serviços auxiliares, pois
a condições gerais que determinam, salvo esses, não tendo consciência da subversão
exceção, atitudes generalizadas de gerada pelos fatos, embora negada pela lei,
corrupção e irresponsabilidade. Qualquer não se sentem, efetivamente, responsáveis
exemplo pode demonstrar o que desejo pelas conseqüências perturbadoras, mais
dizer. Imaginemos uma simples fila de do sistema do que deles próprios.
protocolo. Os protocolos, como se sabe, fo- A irresponsabilidade, mesmo no caso de
ram todos centralizados. Ali, na fila, estou haver consciência da situação criada, não pode
submetido a uma autoridade que, à medi- ser corrigida por nenhum dispositivo do sis-
da que o objeto do meu pedido ou de minha tema, pois o único encontro das linhas dos
necessidade for mais remota ou distante do meios com a linha dos fins seria naqueles 11
conhecimento real do funcionário de que comandantes centrais do sistema – Presidente
estou a depender, o que se dá sempre que da República – Diretor do Dasp – ministro –
esse funcionário estiver em um serviço cen- todos tão distantes, que se pode considerar,
tralizado de meios, no caso o protocolo com algum exagero, um encontro no infinito.
central da Fazenda, por exemplo, nessa me- Mas, se o encontro efetivamente se desse, em
dida estou a depender de sua boa vontade. todos os casos de conflitos entre os meios e
Essa boa vontade é algo que se move inde- os fins, então os 11 comandantes (ministros)
pendente do seu sentimento de dever. Tal nada mais teriam a fazer do que resolver os
fato gera imediatamente uma situação problemas dessas linhas de meios, perden-
que considero de corrupção ou irres- do-se nos problemas processuais de material
ponsabilidade. O meu direito passa a não e pessoal da administração, não para criar a
ser exigível. O funcionário tem outros casos eficiência administrativa, e sim para se
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ocuparem de sua parte formal, centralizada, sentimento de frustração que permeia toda
de tal sorte que todas as suas horas seriam a administração pública. É que tais servi-
poucas para fazer marchar a infinita e ços-meios, a despeito de sua fantástica ine-
atravancada linha de montagem. ficiência, quando funcionam dão tal satisfa-
Todos sabemos, aliás, que é isso que ção e quando não funcionam inspiram tal
se dá com o pouco que acaba por chegar ao receio e respeito às partes deles dependen-
comando central e que as nossas supremas tes, que constituem para seus funcionários
autoridades, nem com doze horas de traba- fontes de pura, rara e larga fruição de poder.
lho diário, conseguem pôr em dia o núme- Seus funcionários são, em geral, gente
ro de processos de pessoal e material, que inflada, pelas circunstâncias, quando não
acabam por lhes chegar às mãos, em cada por tendências pessoais, de imenso senso
dia, nessa incrível e monstruosa linha de de importância, dispondo, por conseguinte,
montagem, sem direção nem comando, que de certa condição, vulgar e elementar, é certo,
são os serviços centralizados de meios na mas muito significativa para se considera-
administração da República, compreenden- rem felizes: o poder de fazer o mal ou o bem,
do o pessoal, o orçamento e o material. como verdadeiros deuses.
Por isso mesmo, já de muito deixou E aí está uma das fortes razões psicoló-
de ser trabalho de Presidente da Repúbli- gicas do triunfo do sistema. A outra é a feliz
ca ou de Ministro ter qualquer programa irresponsabilidade em que acabam por cair
sistemático de trabalho (e já não digo de também os especialistas, os verdadeiros téc-
governo) ou pretender pôr a máquina sob nicos a cujo cargo se acham os fins. Como
seu comando ao menos em condições de pouco ou nada podem fazer, é infinita a com-
operação eficaz, o que seria a sua mínima placência de toda gente para com estes po-
obrigação, uma vez que a lei os faz geren- bres diabos, sobretudo quando, por alguma
tes, efetivamente gerentes, dessa imensa arte não arranjam algo de independente a
máquina única em que se transformou o realizar ou não se insinuam na aparelhagem
governo federal. dos meios, obtendo que qualquer coisa ve-
Rebaixados, com efeito, Presidente e nha também a depender deles. Nada se lhes
ministros a simples administradores e lhes pede e, se conservam-se quietos e amáveis,
sendo impossível a administração efetiva, podem também levar vida muito agradável.
dados seus outros encargos políticos e so- São amados por tão pouco poderem, assim
ciais e a grandeza incontrolável do maciço como são temidos e respeitados os homens
administrativo assim criado, entra a máqui- dos "meios".
na burocrática imensa a operar, como já Nisso é que deu a moderníssima
disse, pela força da inércia e pelas pressões "racionalização" dos serviços empreendida
externas das partes e dos interesses, e os no Estado Novo. Há, porém, um pouco
administradores, no caso, o Presidente e os mais. A algum observador menos atilado
ministros, a arranjar "programas extraordi- poderia parecer que, afinal, isso é o que se
nários", cada um escolhendo duas ou três está passando em todo o mundo. E me
coisas a que possam prestar atenção e para oporiam as grandes organizações maciças do
as quais têm de usar todo seu poder e pres- nazismo, do fascismo, do comunismo, ou,
tígio (às vezes, com que sacrifício!) a fim de mesmo, do governo americano – a do
ver se as levam adiante. Pentágono, por exemplo, a cujo cargo está
Só as grandes organizações dos cha- toda a defesa do "mundo ocidental".
mados serviços adjetivos e de meios – A peculiaridade da grande organização
o Ministro da Fazenda, o Dasp, os serviços monolítica brasileira – a do nosso governo
de orçamento, de pessoal e de material (parte federal, que estamos a focalizar em contras-
formal) – escapam, entre nós, ao tremendo te com qualquer dos exemplos monstruosos
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que nos oferece o mundo nesse reino das funcionários, sejam ministros, ou direto-
macroorganizações, consiste na força de res de serviços de "meios", ou serviços
inércia ou na feição estática da organização autárquicos. A acomodação com a organi-
brasileira. Os demais macroorganismos são zação é tão extraordinária que constitui
instituições dinâmicas, com uma tremenda para mim uma das maiores provas da
força de propulsão e pontos sensibilíssimos virtuosidade brasileira, que sabe de tudo
de consciência. Se algo funcionar errado, a perceber as vantagens e passar a dançar
máquina toda se quebra, qualquer desleal- de acordo com a música...
dade é punida violentamente e o centro está Não ficaram, porém, a centralização e
animado de extrema excitabilidade para uniformização dos serviços públicos bra-
acompanhar o próprio dinamismo da orga- sileiros e a divisão das funções de meios
nização total. Reclamações funcionam, todo e de fins limitadas apenas ao governo fe-
um sistema de controles e supercontroles deral, que, no fim de contas, não prestan-
percorre o organismo do monstro, que é frio do às populações brasileiras nenhum ser-
no sentido nietzscheano, mas vivo, tremen- viço essencial direto, salvo o da seguran-
damente vivo. ça e da defesa, podia sofrer tal gigantismo
Coube ao nosso país criar organizações esterilizante e fatal. O mesmo espírito,
semelhantes, mas totalmente desprovidas durante o período do Estado Novo, pene-
de sensibilidade, não frias e duras, porém trou os Estados e os municípios. O Dasp
mornas e sorumbáticas, quase diria mor- multiplicou-se em DSP estaduais e até
tas, deixando que se processe nas juntas municipais e a nova "ciência da adminis-
da grande maquinaria sacudida apenas pe- tração" impregnou toda a ação dos Esta-
las pressões externas, uma multidão de dos com o caráter formalístico da ação fe-
pequenos processos operatórios indepen- deral, dividindo e separando fins e meios,
dentes, com que alguns, com a devida ha- uniformizando e centralizando estes últi-
bilidade ou jeito, conseguem o que seria mos e provocando, por toda parte, a mes-
impossível, mesmo em pequenas organiza- ma ineficiência e imobilização dos serviços
ções nucleares e autônomas. O prestígio, públicos.
a relação pessoal e o "jeito" são ma- A crítica esboçada à organização
nipuladores solertes do monstro, que, fora monolítica do governo federal pode esten-
disto, é frio sem ser cruel, tardo sem im- der-se aos governos estaduais, onde também
pertinência, obstrutivo sem insolência, de- se processou a mesma hipertrofia e centrali-
primido e deprimente sem consciência ao zação dos serviços de meios, com a perda
menos disso. da eficiência dos serviços de fins, e a redu-
É esse amaciamento brasileiro das con- ção das funções dos governantes aos traba-
dições brutais da organização absurda, junto lhos de direção formal do pessoal e do ma-
com aqueles privilégios psicológicos já terial ("meios"). A situação nos Estados ain-
apontados, sobretudo o do novo senso de da se tornou mais grave, dada a natureza
importância criado para os funcionários dos dos serviços essenciais que lhe estão
serviços de "meios", que faz com que tudo precipuamente afetos, como os da saúde, da
isso funcione, sai ano e entra ano, como educação e de alguns serviços urbanos. Em
algo não só normal, como até esplêndido. alguns casos, nos municípios atingidos pelo
Só alguns marginais, excessivamente imper- espírito "científico" da administração, o de-
tinentes, é que ainda se irritam e criticam... sastre atingiu caráter catastrófico, como é o
Para se ter idéia do estado espiritual, caso da administração municipal do Rio de
digamos assim, da burocracia brasileira, Janeiro (DF), um dos maiores casos de
da sua euforia, do seu êxito, do seu status teratologia administrativa talvez existentes
social, basta observar as posses dos altos em todo o mundo.
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Com efeito, toda a Prefeitura do Rio Além da organização centralizada, com
de Janeiro é um imenso e ineficiente servi- especialização das funções adjetivas e subs-
ço de pessoal, comandado por uma secre- tantivas, o Estado Novo legislou sobre o fun-
taria de administração, que é uma cionário público, deixando-se também aí do-
peculiaridade de Dasp municipal, com minar pelo espírito formalista e
agravantes sensíveis sobre o federal, pois uniformizante, elaborando um estatuto úni-
tem a efetiva administração de todo o pes- co para o funcionário administrativo, o téc-
soal, podendo-se bem imaginar qual não nico e o professor, criando um sistema
seja a sua ação retardadora e obstrutiva de deveres e direitos absolutamente
sobre todos os demais serviços da cidade. insuscetível de ser controlado, pois tal con-
Porque não pode ser esquecido que, trole se distribuiu por uma série de funcio-
não constituindo atribuição do governo fe- nários, sem autoridade final, reservada esta
deral prestar serviços diretos à população para o órgão central, que, todo poderoso e
brasileira, os erros de sua organização de distante, age com total irresponsabilidade.
governo são suscetíveis de produzir males Além dos estatutos únicos, tivemos os
infindáveis, desconfortos inacreditáveis, quadros únicos, de sorte que todos os fun-
mas, não chegam a poder parar o país, como cionários passaram a pertencer à grande or-
é o caso dos governos estaduais e dos go- ganização impessoal de todo o Estado e a
vernos municipais, que atuam em setores ser lotados nos diferentes serviços, como
de interesse vital imediato para as respecti- seus hóspedes mais ou menos passageiros.
vas populações. Este fato foi um dos mais radicais, que
Salvo a vida financeira e econômica, se poderia praticar, para acabar com a histó-
que, praticamente, passou, de fato, a de- ria e a fisionomia específica de cada servi-
pender do governo federal, os demais as- ço, destruindo-se de um só golpe todas as
pectos da vida brasileira escapam, de certo repartições do Estado, por assim dizer, e
modo, à ação federal. Note-se, com efeito, retirando-se ao funcionário a possibilidade
que os serviços de defesa, que atingiram, de se devotar ao seu serviço. Selecionado e
afinal, o grau de eficiência que atingiram, recrutado por um órgão central e por ele
fizeram-se quase, se não de todo, indepen- distribuído ao serviço especial, pode-se per-
dentes da organização governamental, cons- ceber como o funcionário terá duas lealda-
tituindo-se praticamente verdadeiras des a cultivar: ao serviço central, que real-
autarquias, com autonomia suficiente para mente tem poder sobre ele, e ao serviço es-
se fazerem eficientes. E os departamentos pecial em que se acha lotado. Quando se
do Ministério da Viação, que têm real pres- tratar de funcionário administrativo, isto é,
tação de serviços a fazer, também se fizeram um funcionário de meios, ainda poderá ha-
relativamente independentes. No mais, so- ver uma certa identidade de critérios entre
mente funcionam razoavelmente no gover- o serviço especial e o central, mas, no caso
no federal serviços fiscais e de controle, dos funcionários técnicos ou de ensino, a
pois apenas esses resistem ao poder divergência é inevitável. O serviço central
obstrutivo e retardador da sua não pode ser onicompetente para entender
"racionalizada" organização burocrática. de todos os serviços, passando, então, a fa-
zer a funcionários técnicos e ainda mais aos
*** de ensino exigências idênticas aos adminis-
trativos, com grave prejuízo para estes e para
Passemos, porém, embora rapidamen- os serviços.
te, ao exame dos aspectos da centralização Mas, não é só isso. O mais grave é a
em relação a pessoal, com a criação de dualidade de autoridades a que se vê, prati-
"carreiras" e "quadros únicos". camente, subordinado o funcionário,
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podendo resolver seus casos com o poder Tal secretário – político e administrador –
central dos "meios" sem dar satisfação ao não tem sequer o poder do antigo diretor-
poder específico, ao qual, realmente, pres- geral, porque, dada a unificação do governo,
ta os seus serviços. Tal fato produziu uma o real diretor-geral é o governador com DSP
desmoralização generalizada dos serviços estadual, e o secretário, o seu assistente em
específicos e encoraja cada vez mais a sua educação. Dada a centralização de todo o
progressiva desagregação. Não direi que poder com o governador, como na União,
tal devesse ser o resultado teórico da com o Presidente, é puramente ilusória a
organização. Bem sei que se previa divisão do governo em secretarias e minis-
teoricamente outro funcionamento, mas, na térios. Separadas as funções de meios e fins
prática, o que se dá é isso, que, para ser e estando as primeiras centralizadas, as se-
evitado, exigiria que os diretores dos servi- cretarias são muito menos autônomas que
ços-fins se dispusessem a verdadeiras ba- as antigas diretorias-gerais.
talhas em relação ao seu pessoal com Desse jeito, as reformas provocaram
resultados por certo muito duvidosos. praticamente uma perda do espírito profis-
Ora, todo esse espírito de centraliza- sional na direção das escolas – pois o cargo
ção e unificação invadiu, como já afirma- de secretário não podia nem pode ser técnico
mos, os Estados. Os governos estaduais – e ao mesmo tempo, por mais paradoxal
foram unificados, à maneira do governo fe- que pareça, foram aumentadas terrivelmen-
deral, dando-se todo o poder ao governa- te as responsabilidades técnicas dessa dire-
dor, assistido por DSP estaduais, sobre os ção. Com efeito, transformando todas as es-
serviços centralizados de pessoal, de orça- colas, com os quadros únicos para todo o
mento e de material. As secretarias, como Estado, em uma só imensa escola, obrigou
os ministérios, passaram a depender des- o administrador, isto é, o governador com o
ses órgãos centrais. Processou-se, assim, na seu secretário, à tarefa impossível de admi-
Educação, agora "elevada" à categoria de se- nistrar o sistema escolar, com um todo úni-
cretaria, a mesma curiosa anarquia e impo- co, nomeando, removendo e promovendo,
tência administrativa. O sistema escolar foi não em cada escola, mas em todo o Estado,
envolvido na unificação e passou a ser di- o seu professorado, o seu pessoal adminis-
rigido pelo governador, assistido pelo trativo e o seu pessoal subalterno.
secretário e pelo DSP estadual. Imaginemos algum industrial que dis-
Anteriormente, as escolas eram pusesse para as suas cem fábricas de um só
dirigidas por Departamentos de Educação, quadro de pessoal, que ele distribuísse do
providos por diretores gerais, geralmente co- centro para os cem estabelecimentos fabris,
nhecedores do seu trabalho e com poderes que mantivesse. Pareceria absurdo. Entre-
suficientes para administrar técnica e mate- tanto, seria imensamente mais fácil que um
rialmente as escolas, cujo pessoal lhes era quadro único para, digamos, as 15 mil
todo subordinado. Havia, pois, espírito pro- escolas do Estado de São Paulo.
fissional e unidade na direção das escolas, Pode-se bem avaliar o que isso deve ter
condições imprescindíveis para um mínimo provocado nos sistemas escolares. Deve ter-
de eficiência. O diretor respondia perante se dado uma profunda alteração na histó-
um secretário, geralmente do Interior, ao qual, ria, na fisionomia, no caráter das escolas.
cabia não a administração, mas a supervi- Deve-se ter perdido a individualidade de
são geral da educação. cada escola, algo de impessoal deve ter sido
O espírito de "racionalização" criou as criado, tornando as escolas instituições
secretarias de Educação, cujo provimento desenraizadas, imprecisas e fluidas. A mo-
havia de ser de natureza política, e lhes deu bilidade de professores, diretores e
toda a responsabilidade de administração. serventuários gera, por um lado, essa perda
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de personalidade da instituição e, por ou- impostos ou de fiscalização da legislação
tro, lhe comunica um sentimento de impo- trabalhista.
tência e de irresponsabilidade. Transformou-se a educação em uma ati-
Embora julgada célula ou unidade do vidade estritamente controlada por leis e
grande organismo abstrato que são todas as regulamentos e o Ministério da Educação e
escolas do Estado, passa, realmente, a ser as Secretarias de Educação em órgãos de re-
um fragmento, movido ou sacudido por gistro, fiscalização e controle formal do cum-
ordens do centro, que, de tão remoto, fez- primento de leis e regulamentos. A função
se acidental ou fatal, como as forças cósmi- desses órgãos é a de dizer se a educação é
cas, importando a monstruosa centraliza- legal ou ilegal, conforme hajam sido ou não
ção na mineralização das escolas, que se cumpridas as formalidades e os prazos legal
"organizam" e "desorganizam" como os aci- e regularmente fixados.
dentes geográficos, sujeitos às forças inde- De tal sorte, a educação do brasileiro,
pendentes e distantes dos ventos e das chu- que é um processo de cultura individual,
vas, a que, por fim, acabam por se identifi- como seria o processo do seu crescimento
car as ordens, instruções e determinações biológico, passou a ser um processo formal,
do poder central distante. de mero cumprimento de certas condições
Toda centralização, mesmo razoável, externas, que se comprova mediante docu-
importa sempre em criar-se certa mentação adequada.
irresponsabilidade no centro e certa impo- E foi esse fato que transformou o
tência na periferia. Mas, quando a centrali- Ministério da Educação, durante o período
zação conduz à desintegração das unidades estadonovista, no organismo central de con-
por ela atingidas, por isto que se separam trole e fiscalização da educação, em tudo equi-
as suas diferentes funções, que passam a valente a um cartório da educação nacional.
órgãos centrais, por sua vez, independen- Ali se registra e se "legaliza" a educação minis-
tes, como é o caso brasileiro, com a separa- trada aos brasileiros. É o cartório e o
ção prática dos fins e dos meios, em tais contencioso da educação nacional, atuando
casos não é só a irresponsabilidade do cen- mediante autos de processos, e prova
tro e a impotência do órgão atingido que se documental, concedendo o direito de educar
cria; cria-se, na verdade, a real desintegra- e fiscalizando o cumprimento da lei nas
ção do órgão, que ainda parece existir, na atividades públicas e particulares relativas ao
sua aparência física, mas, de fato, já não ensino.
funciona. É certo que o governo federal, além des-
Somente a centralização dos chamados sa ação de controle e fiscalização, mantém
serviços de meios – pessoal e material – teria um estabelecimento de ensino secundário,
de produzir a desintegração da escola, partida algumas escolas industriais, várias univer-
que ficou esta em sua unidade substancial sidades e escolas superiores e institutos de
pela dualidade de autoridades independen- ensino especial.
tes a que se via submetida. Houve, porém, A administração desses institutos em
mais do que isso. O espírito formal e buro- pouco ou nada difere da administração co-
crático de uma falsa técnica administrativa, mum de qualquer órgão burocrático do go-
concebida como uma ciência autônoma de verno. O seu pessoal está centralizado, à
organização e de meios, não distinguiu maneira comum, dependendo do departa-
serviços de controle e fiscalização dos serviços mento de administração, pela sua diretoria
de condução de atividades próprias e de pessoal, e, em última instância, do Dasp.
autônomas como os de educação. De modo O mesmo, de referência ao material.
que estes serviços passaram a ser regulados Programas, seriação, métodos de ensino,
de forma idêntica aos de arrecadação de horas de trabalho, condições de matrícula,
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de exames, etc., tudo se acha estritamente espalhadas por todo o Estado, um quadro
regulado por lei e o estabelecimento federal único de pessoal e distribuição uniforme de
em nada difere dos estabelecimentos de ensi- material, só por si destruiria, como já disse,
no particular "equiparados", no que diz a individualidade de cada escola, mas, além
respeito ao controle legal das atividades disto, as escolas têm todo o seu trabalho
educativas. Difere destes últimos nas dificul- uniformizado e controlado por órgãos ad-
dades – conseqüentes à centralização de par- ministrativos centrais e órgãos técnicos cen-
te dos seus serviços (pessoal e material) – de trais, que acabam por lhes destruir mesmo
se administrar eficientemente, o que vem con- a aparência de integridade.
duzindo o país a uma idealização das Com efeito, o fato de haverem perdido
condições do ensino privado, tido, por a autonomia quanto a pessoal e material ini-
muitos, como mais eficiente do que o público. cia a desintegração da escola. Essa desinte-
A legislação de tipo uniforme e a gração se completa com a supressão da au-
uniformização dos métodos e processos de tonomia quanto ao ensino, sua seriação,
controles, por um lado, e a centralização dos métodos e exames. Levada a ordenação ex-
serviços de pessoal e material, por outro lado, terna da escola até esse ponto, é evidente
determinaram a completa burocratização do que nada restará senão o automatismo de
Ministério da Educação, que se fez um diretores e mestres, a executar o que não
atravancado cartório de registro de centenas planejaram, nem pensaram, nem estudaram,
de milhares de documentos educativos e um como se estivessem no mais mecânico dos
ineficiente administrador das poucas escolas, serviços.
que ainda mantém. Ora, mais não será preciso dizer para
O mal é muito grande, mas podia ser explicar a pobreza, a estagnação, a total au-
muito pior, se estivesse a cargo do governo sência de pedagogia, que vai pelas nossas
federal toda a educação nacional. escolas. Com o tempo reduzido, pelos tur-
Nos Estados, a situação é mais grave, por nos, os horários e os programas determi-
isso mesmo que há grandes serviços educa- nados pelo centro, os exames feitos igual-
cionais, com milhares de escolas públicas. mente por órgãos técnicos e centrais, o pes-
Tais escolas, quando puramente estaduais, soal e o material dirigidos por DSP ainda
encontram-se sob o controle de um governo mais centrais – não há possibilidade de vida
unificado, como o federal, isto é, transforma- na escola, pois vida é integração e autono-
do todo ele em uma só repartição, com servi- mia e, na escola de hoje, os processos de
ços à parte e centrais de pessoal e material, o "racionalização da administração" destruí-
que torna praticamente impossível a admi- ram toda integração, transformando-a em
nistração individual de cada escola. uma justaposição de aspectos impostos e
Na parte dos métodos e conteúdo do mecânicos.
ensino, o mesmo espírito unificante preva- Mesmo que se tratasse de um simples
lece, tudo sendo determinado pelo centro, serviço material, digamos que as escolas
segundo normas rígidas uniformes. não tivessem senão que alimentar as crian-
Quando a escola, além desse controle ças, centros de alimentação organizados e
central do Estado, está ainda sujeita à le- administrados dessa sorte, isto é, por po-
gislação federal, passa a funcionar em obe- deres centralizados e distantes delas, não
diência a instruções ainda mais distantes, seriam eficientes. Mas, escolas não são ser-
as instruções federais, e a ter, praticamen- viços materiais, e sim, casas de educação,
te, uma dupla direção – a do diretor esta- exigindo que alunos e educadores tenham
dual e a do fiscal federal. a autonomia necessária para juntos condu-
A transformação de todas as escolas em zirem um processo que é, por excelência,
uma só escola monstruosa, com seções pessoal e tão diversificado quanto for o
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número de alunos que ali se estiverem próprio e individual de cada escola e em cada
educando. Se há tarefa que não pode obedecer escola, de cada classe.
a planos previamente fixados é a da educação. Pouco importa o número das escolas.
A educação é um cultivo individual, Todas deverão ter o máximo de autonomia,
diferente em cada caso. Quem se educa é o sendo a sua unidade não imposta, embora
aluno e a ele tem o mestre de atender. Se resultante e resultado de idéias comuns,
algum serviço jamais terá aspecto mecâni- conhecimentos comuns e práticas comuns.
co, este será o da educação. Ciência, técnica Nessa unidade, haverá todas as diversifi-
e filosofia da educação sempre hão de cons- cações, segundo as circunstâncias de
tituir não receitas, mas esclarecimentos para tempo, lugar e pessoa.
conduzir a experiência única e exclusiva, As escolas só voltarão a ser vivas, pro-
que é a educação de cada um. gressivas, conscientes e humanas, quando se
Diagnósticos de situações, medidas dos libertarem de todas as centralizações impos-
resultados obtidos poderão ser feitos, mas tas, quando seu professorado e pessoal a ela
tudo isso servirá somente para fornecer in- pertencerem, em quadros próprios da esco-
dicações e sugestões sobre o que deva cada la, constituindo seu corpo de ação e direção,
mestre em cada situação observar e ver, para participando de todas as suas decisões e as-
conduzir melhor o processo educativo, sumindo todas as responsabilidades.
como o médico deve conduzir individual- O princípio da autonomia, consagrado
mente o processo de cura. Se em medicina quanto à universalidade, tem de se estender
se diz que não há doença, mas doentes, em a todas as escolas, como o princípio funda-
educação ainda é mais verdade que não há mental de organizações de ensino. As limita-
senão educandos. ções dessa autonomia devem ser apenas aque-
Se o processo educativo e, assim, in- las limitações impostas pela necessidade de
dividual e peculiar a cada um, está claro eficiência, o que se verifica, nos casos em
que, de todas as instituições, nenhuma pre- que ao professorado e corpo dirigente faltem
cisa de maior autonomia e liberdade de ação experiência ou tirocínio suficiente para a
do que a escola. Essa autonomia vai do alu- autonomia.
no ao professor, até ao diretor do estabele- Por isso mesmo é que a aplicação do
cimento. Cumpre dar a cada estabelecimento princípio vai do máximo de autonomia uni-
o máximo de autonomia possível e essa re- versitária até ao mínimo no ensino primá-
gra é a grande regra de ouro da educação. rio. Compreenda-se, contudo, que a limita-
Tudo que puder ser dispensado, como con- ção da autonomia, mesmo no ensino primá-
trole central, deverá ser dispensado. rio, não significa a subordinação da escola a
Logo, primeiro, as chamadas funções decisões finais do centro, mas a um meca-
adjetivas não poderão ser centralizadas. Os nismo de organização e supervisão, pelo qual
americanos chamam a esse aspecto da admi- professor e diretor sejam assistidos e auxi-
nistração – "housekeeping-administration". É liados em seus planos, na sua organização
o arranjo daquelas condições materiais e pes- de trabalho e na execução e medida dos
soais, sem as quais a casa não funciona. Es- mesmos.
tas funções serão especializadas, mas per- Ainda quando falte, assim, ao professor
tencem à casa. Cada estabelecimento terá a a completa autonomia, nem por isto se há de
sua mordomia, mas não haverá uma mordo- admitir que seu trabalho se faça sem a sua
mia central, pois é contraditória a própria participação e sem que, no final de contas,
noção de mordomia central. Depois, a dire- ele próprio o julgue e o aprecie, à luz da
ção quanto a programa, seriação e métodos melhor assistência técnica que lhe puder ser
pode atender a conselhos e sugestões do oferecida, pelos órgãos supervisores e
centro, mas, como elementos para o plano orientadores.
R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005. 35
*** pessoal e, em parte, pelo menos, do
seu material;
As dificuldades legislativas e adminis- 3) da concepção errônea de que o pró-
trativas para que as nossas instituições de prio processo educativo podia ser
ensino possam ser o que devem ser, decor- objeto de estrito controle legal;
rem, na realidade, da concepção de que a 4) de sua conseqüente organização em
lei pode disciplinar um processo de cultu- serviço de controle e fiscalização
ra que, por sua natureza, é um processo a legalísticos, centralizado e mecani-
ser regulado pela consciência profissional zado como qualquer outro serviço
e técnica dos que o orientem. fiscal do Estado;
Aí se enraíza o erro cometido, entre nós, 5) de uma concepção de "ciência da
por uma confusão entre o âmbito da lei jurí- administração", como algo de autô-
dica, propriamente dita, e o dos processos nomo e geral, que se pode aplicar a
existenciais de ação e vida, como é o de edu- todos os campos, constituindo-se,
cação. A lei, em educação, tem de se limitar por isso, o administrador em um es-
a indicar os objetivos da educação, a fixar pecialista em tudo, capaz de organi-
certas condições externas e a prover recur- zar seja lá o que lhe der na telha or-
sos para que a mesma se efetive. Não pode ganizar, resultando daí um tipo de
prescrever as condições internas do seu organização divorciado do verdadei-
processamento, pois essas condições são re- ro conhecimento do conteúdo da
sultantes de uma ciência e uma técnica em administração, com a hipertrofia ine-
constante desenvolvimento, e objeto do con- vitável de meios e processos pura-
trole da consciência profissional dos próprios mente formais e, na realidade,
educadores, e não de leis. formalísticos, que desatendem e
Assim fazemos em medicina, em enge- desprezam os fins.
nharia, em agricultura e assim temos de
fazer em educação e ensino. Parece-me, assim, necessário, se desejar-
O formalismo e o jurisdicismo da le- mos restaurar as nossas escolas, retirá-las do
gislação do Estado não se podem aplicar, magma da administração geral e formal do
pois, em educação, senão dentro desses li- Estado e dar-lhes organização autônoma.
mites e nesses termos. Todas as demais Ministério e secretarias de Educação
normas de administração, de técnica de precisam ter organização especial, como os
ensino, de exames, de métodos, de horári- ministérios militares pelo menos, e, sob cer-
os, etc. são e não podem deixar de ser tos aspectos, ainda mais radical, dada a na-
normas profissionais, e não legais, sujeitas, tureza peculiaríssima dos seus serviços de
portanto, ao delicado arbítrio de interpre- educação e cultura.
tação, que essas normas profissionais com- Nessa organização especial, o âmbito de
portam em oposição à rigidez das normas controle legal deve ser mínimo, devendo fi-
legais. car tudo que disser respeito aos aspectos
A educação e a escola, entre nós, são internos dos processos educativos e cultu-
vítimas, assim: rais sujeitos ao controle de órgãos exclusi-
vamente profissionais, específicos, mediante
1) da organização monolítica do Esta- instruções permanentes e facilmente
do, que não reconheceu que os ser- modificáveis, à luz da melhor consciência
viços de educação precisavam de profissional existente.
organização própria e autônoma; Administrativamente, as escolas se de-
2) da conseqüente centralização, nos verão constituir órgãos autônomos, à manei-
serviços comuns do Estado, do seu ra de fundações, sujeitas ao controle e
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fiscalização de órgãos centrais, também eles tão-somente a serviços de controle e fiscali-
governados por normas estabelecidas por zação, mas aplicadas, como são, mesmo aos
conselhos técnicos. grandes empreendimentos do Estado
Somente assim poderá o Estado man- moderno – como os da saúde e da educação
ter escolas com a mesma capacidade de efi- –, tínhamos que mostrar que são elas não
ciência com que as mantêm as organizações só ineficazes, mas, o que é mil vezes pior,
privadas, isto é, em obediência à natureza profunda e irremediavelmente maléficas e
da atividade educacional que resolveu ele, antidemocráticas.
Estado, assumir, em tudo e por tudo dife- O movimento pelas autarquias e "cam-
rente das suas comuns atividades de fisca- panhas" vem constituindo a reação do bom
lização e controle, que são, mais especifica- senso brasileiro a esse estado de coisas. Urge
mente, a sua função privativa. sairmos desses paliativos e reorganizar to-
A nossa crítica à administração pública dos os nossos serviços educacionais na base
brasileira seria, por certo, muito menos ra- única em que poderão funcionar – o da sua
dical, se as suas normas fossem aplicadas autonomia e independência.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 86, n. 212, p. 23-37, jan./abr. 2005. 37

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