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Fatalismo disciplinar e corpos em ruína: Foucault genealogista da Liberdade

1. O fatalismo disciplinar como falso problema: a relevância de um erro

A questão da Liberdade no pensamento de Foucault pode ser abordada por diferentes


vias a considerar o modo como o pensador lidou com a questão ao longo de seus trabalhos.
Mas um ponto de reflexão se mostra decisivo a partir de 1976 com a publicação de A
vontade de saber. A repetida, célebre e talvez desgastada formulação “onde há poder, há
resistência” de História a sexualidade I (p. 91) é a explicitação de que o poder é
compreendido como correlações de forças, que ele não tem um termo predominante na
rede, que se forma em um domínio, que atua como jogo e afrontamento de lutas, com
pontos de apoio múltiplos, que o poder é, inclusive, num rompante nominalista de
Foucault, definido como “um nome dado a uma situação estratégica complexa numa
sociedade determinada (p.89). Enfim, estou me referindo um pouco livremente a essa
caracterização que Foucault faz na segunda parte do “Dispositivo de sexualidade” e que
resulta em dizer “que lá onde há poder há resistência e, no entanto (ou melhor, por isso
mesmo) esta nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder”.
Doravante, ele pode concluir que as próprias correlações de poder “não podem existir
senão em função de uma multiplicidade de pontos de resistência que representam, nas
relações de poder, o papel de adversário, de alvo, de apoio, de saliência que permite a
preensão. Esses pontos de resistência estão presentes em toda a rede de poder” (p. 92).

Gostaria de sublinhar com essa referência algo que parece importante de


comunicar, de saída, na reflexão sobre a Liberdade: tal qual as correlações de poderes, as
resistências passam a ser pulverizadas, disseminadas, são irregulares, ou seja, estão sob
determinada codificação estratégica tal como qualquer outra correlação de forças. Elas
são entendidas como o termo irredutível das correlações de forças que formam regiões de
irredutibilidades: as relações-resistências formam-se em códigos estrategicamente
dispostos no próprio “tecido espesso das relações de poder”. Para adiantar um pouco as
coisas, vamos dizer que uma expectativa aqui se cria: deste tipo de apreciação sobre o
limite coextensivo da relação sujeito e poder, esperaríamos ser informado quais são, como
se formam, por meio do que são apreendidas as tais regiões irredutíveis do poder. Quais
foram, afinal, estes códigos estratégicos das resistências?

É claro que estou aqui um pouco fingindo não existir esta resposta em Foucault,
fingindo não saber sobre a governamentalidade, os temas do governo de si, fingindo não

1
saber a respeito do famoso “não ser governado assim”, fingindo não saber que o próprio
Foucault tenha respondido a isso, até mesmo definindo uma liberdade política como o
conduzir condutas, uma liberdade entendida como conjectural e agonística. Estou
como que ignorando propositadamente o ano de 1978, mais especificamente o curso
Segurança, Território, População, assim como a conferência O que é a Crítica e depois,
em 1982, O sujeito e o poder. E por que? Porque certo fatalismo disciplinar parece
cristalizar-se neste ponto e organizar uma percepção sobre os trabalhos da microfísica do
poder que seria esta: ao realizar uma multifacetada genealogia das disciplinas em distintos
domínios discursivos, Foucault teria posto em prática um tipo de história reveladora do
permanente exercício da razão instrumental na modernidade. E veremos mesmo este par
aparecer na interpretação do pensamento de Foucault: uma ontologia radical da
dominação sempre acarretarando um assujeitamento inescapável contra o qual apenas
certo uso do individualismo poderia fazer frente, mas mesmo assim, muito parcialmente.
É claro que isto deve ter relação com a publicação de Vigiar e Punir e sua recepção.

Embora este fatalismo não resista à crítica quando considerado em relação a outros
trabalhos do pensador, ele tem uma segunda face desde a qual um problema relevante se
coloca. Um segundo modo de entender o inexorável das disciplinas na constituição dos
modos de subjetivação é colocar-se a questão ética da condução. E é claro que vocês,
como bons estudiosos de Foucault, vão me dizer que foi justamente este o
encaminhamento que Foucault deu: ao retornar à ética antiga, ao desenvolver uma
hermenêutica do sujeito, ao realizar uma genealogia do homem do desejo e, sobretudo
mais especificamente, ao caracterizar o tema das contra condutas dentro da
governamentalidade moderna. Vão concluir que não haveria, portanto, razão nenhuma
para insistirmos na ideia de um fatalismo disciplinar se Foucault estuda todos estes
domínios de resistência.

Mas me permitam indicar a relevância de um erro. Quando se demanda que o


pensamento da analítica do poder apresente os modos históricos de resistir; e quando
Foucault, então, passa a dar uma resposta à questão por meio do trabalho histórico com
as artes de governar, vemos que fatalismo disciplinar e condução política passam a ter a
mesma importância para o genealogista, desfrutam de um mesmo peso, por assim dizer,
de historicidade dos modos de subjetivação. Em outros termos, se, por um lado, é uma
má compreensão afirmar que a analítica do poder é a mais flagrante ausência de meios
efetivos para uma ruptura com a operação das disciplinas, de outra parte, a resposta que

2
este mesmo falso problema engendra sobre o que é resistir tem de apresentar-se robusta:
ela tem de apresentar algo como uma des-finalização do sujeito que é interior ao processo
mesmo de subjetivação histórica; tem de prever ou mesmo acoplar a todo foco de poder,
um ponto de resistência; tem de apresentar, enfim, razões historicamente profundas desde
as quais seja possível explicar que conduzir implica uma determinada codificação
estratégica do poder-resistência.

2. Foco de poder, ponto de resistência: O que é a Crítica? como resposta robusta

Agora, depois de situado o problema, podemos desenvolver o tema da


governamentalização de modo a mostrar que esta é a resposta robusta sobre as formas de
resistência, isto é, o trabalho com a história das artes de governar que se remontam ao
poder pastoral no cristianismo vai culminar no desenvolvimento da ideia de que a
governamentalização não se dissocia da questão de como não ser governado
(FOUCAULT, 2015, p.36-37). É claro que não poderei desenvolver todo esse percurso e
suas particularidades, e são muitas, que vai desde a enunciação dessa questão, como
vimos, em A vontade de saber, passa por Segurança, Território e População a propósito
do estudo do biopoder até ganhar novos tratos no curso O governo de si e dos outros em
1983. 1

Gostaria de tratar dessa resposta robusta, da sua fundamentação segundo a qual a


governamentalização implica um “não ser governado” de mencionar esta referência que
todos conhecemos no qual o tema da resistência é inserido de modo específico e se
acentua mais: a conferência de maio 1978, O que é a Crítica. Passo a resumir então
alguns aspectos dessa contra-governamentalidade que Foucault estuda na primeira parte
da conferência.

Foucault sugere que para compreender a atitude crítica é preciso fazer uma genealogia
dessa atitude que vai surgindo a partir do poder pastoral como uma espécie de virtude
geral, ou se quisermos, como contra-virtude, um modo de recusar a condução pastoral
desde quando este surgira. A atitude crítica, antes de Kant e até mesmo antes do século
XV, seria uma forma específica de contracondução. No manuscrito, a questão aparece de
um modo um pouco mais direto: a atitude crítica nunca é autônoma, revela-se na dispersão
de domínios de atuação, mas ainda configura um estilo e procedimentos; enfim, é um

1
(verifique nota 10 p. 72 vrin)]
3
“modo de pensar, de dizer e de fazer que se poderia chamar a ´maneira crítica´” (2015,
p.).

De todo modo, a genealogia da atitude crítica considera este primeiro ponto em que a
ideia, original da pastoral cristã, – a ideia de conduzir à salvação – segundo a qual todos
devem ser governados: ser governado e deixar ser governado. Todos devemos ser
conduzidos até a salvação por alguém que nos ligue por uma relação de obediência global
e, ao mesmo tempo, meticulosa e detalhada. Conduzidos conforme uma tripla relação
com a verdade: compreendida como dogma; como conhecimento particular e
individualizante assim como na qualidade de técnica reflexiva. Esta última interessa
particularmente a Foucault que são as formas pastorais da direção de consciência como
arte de governar os homens coletiva, e ao mesmo tempo, individualmente. Este modo de
conduzir, a partir do século XV, vai ampliar-se para todo o corpo social (FOUCAULT,
2001b, p. 1050), vai explodir como arte de governar tanto no sentido de um processo de
laicização na sociedade civil deste tipo de condução, quanto a multiplicação dos domínios
sobre os quais estas artes se exercerão. Novas conduções pastorais laicizadas: governo
das crianças, pobre, mendigos, família, a casa, o exército, diferentes grupos, cidades,
Estados, governo do próprio corpo, governo do seu próprio espírito (FOUCAULT, 2015,
p. 36).2

Neste ponto então que Foucault passa a defender a ideia de que a governamentalização
como condução à salvação em diferentes artes de governar não está dissociada da questão
de “como não ser governado” (p. 37):

Eu não quero dizer com isso que, na governamentalização, haveria uma


oposição em um tipo de face a face a afirmação contrária, "nós não
queremos ser governados, e não queremos ser governados
absolutamente". Eu quero dizer que, nessa grande inquietude em torno
da maneira de governar e na busca sobre as maneiras de governar,
localiza-se uma questão perpétua que seria: "como não ser governado
assim, por aqueles, em nome desses princípios, em vista de tais
objetivos e por meio de tais procedimentos, não dessa forma, não para
isso, não por eles?"; e se damos a esse movimento da
governamentalização, da sociedade e dos indivíduos ao mesmo tempo,
a inserção histórica e a amplitude que creio ter sido a sua, parece que se
poderia colocar um tanto deste lado o que se chamaria atitude crítica.

Foucault é preciso: há uma indissociabilidade entre governar e não ser governado


e não a afirmação da possibilidade de uma recusa absoluta de ser governado. No

2
Veja nota 6 da Vrin.

4
manuscrito, ele sublinha: o ne pas - o je ne veux pas dire para indicar que a própria arte
de governar suscitar a arte de não governar.3 A questão da arte de não ser governado se
aproxima, assim, de uma afirmação do tipo modal: recusa de uma modalidade relativa ao
modo particular pelo que se deve executar ou cumprir uma condução. Foucault procura
definir a atitude crítica como uma “forma cultural geral” e uma “atitude moral e política,
uma maneira de pensar”. (2015, p. 37). 4
Logo após o levantamento dessa hipótese, Foucault dará propriamente os pontos
de ancoragem da crítica que tem sua genealogia. Analisa seu surgimento desde o retorno
às Escritura e à sua verdade na qualidade de germe deste não querer ser governado. (não
querer ser governado desde o que diz a Bíblia, a Escritura, o Magistério, portanto,
a representação do poder). Depois, não querer ser governado é no limite o problema
levantado pelo direito natural. Segundo Foucault, não se trata de recusar ser governado
em nome de leis injustas, em razão da soberania ilegítima ou qualquer “ilegitimidade
essencial”. Esse “não querer ser governado”, no direito natural, recorre, assim, a uma
dimensão mais profunda que modela a arte de governar, ele recorre a “direitos universais
e imprescritíveis” conforme os quais, não importando quem governe, todos devem se
submeter. Assim, o direito natural, conforme lemos Foucault, parece implicar
historicamente neste reajuste, por assim dizer, daquilo em nome do que se governa: não
mais em nome da legitimidade, digamos, adquirida, forjada, mas em nome de alguma
universalidade do direito (não querer ser governado desde o Direito, a natureza, a lei,
a verdade). E por fim, não querer ser governado é elaborar uma recusa da verdade dita
pela autoridade: “problema da certeza em face da autoridade”. Se se for obedecer, é
preciso considerar, por si mesmo, boas razões para aceitar a verdade dita pela autoridade
(não querer governado desde a Ciência, a relação a si, a autoridade do dogmatismo,
desde a elaboração do sujeito).
Aqui poderíamos simplesmente lembrar, como indica Lorenzini e Davidson, que
a ideia de contra conduta, especialmente assinalada nas lutas religiosas da segunda metade
da Idade Média, foram estudas em Segurança, Território e População e tem em comum

3
P 65 vrin ver!
4
A expressão “em face e como contrapartida”, “parceiro e adversário das artes de governar”, “maneira de
suspeitar” delas”, “de recusá-las”, “de limitá-las”, “de lhes encontrar uma justa medida”, de “transformá-
las”, de procurar escapar a essas artes de governar ou, em todo caso, desloca-las, a título de reticência
essencial” - a arte de não ser governado tellement, assim. Ligar isto ao discurso Ubu: o incontornável do
poder tem o mesmo estatuto?

5
com esta arte de não ser governado uma clara proximidade: “o ´contra´ e o ´assim´
testemunham a dimensão sempre local e estratégica destas formas de resistência. Com
esta genealogia da atitude crítica em três ancoragens, Foucault entende, pois, que a forma
singular da maneira crítica ou atitude crítica é um feixe de relações historicamente
constituídas entre poder, verdade e sujeito que elabora a arte de conduzir cotidianamente
e também de não ser conduzido. Define Foucault:
E se a governamentalização é mesmo esse movimento pelo qual tratava-
se. na realidade mesma de uma prática social, de assujeitar os
indivíduos por mecanismos de poder que reclamam uma verdade, pois
bem, eu diria que a crítica é o movimento pelo qual o sujeito se dá o
direito de interrogar a verdade sobre seus efeitos de poder e o poder
sobre seus discursos de verdade; a crítica, esta será a arte da inservidão
voluntária,5 aquela indocilidade refletida. A crítica teria essencialmente
por função o desassujeitamento no jogo do que se poderia chamar, em
uma palavra, a política da verdade.

Sabemos com que complexidade Foucault ira aproximar esta genealogia da


atitude crítica da própria Aufklärung de Kant e daí chegar ao esquema de modernidade
tão distintos na experiência da Auflärung na Alemanha e na França. Complexidade e
ousadia de Foucault, eu diria, que chega a ponto de identificar na Aufklärung as três
ancoragens genealogicamente descritas, a ponto de colocar como tarefa para si próprio
mostrar como a Aufklärung, enquanto nova atitude crítica, teve solução de continuidade
séculos XIX e XX. A tarefa é árdua: tentar “ver sob que condições, ao preço de quais
modificações ou de quais generalizações podemos aplicar a algum momento da história
esta questão da Aufklärung, a saber, as relações de poderes, da verdade e do sujeito” (50).
O devir da atitude crítica a parti da Aufklärung será interpretado por Foucault recusando
os moldes históricos que suscita a pergunta pela “falsa ideia que o conhecimento faz dele
mesmo e por qual uso excessivo ele se viu exposto, a qual dominação, por consequência,
ele se encontrou ligado? ” (50-51). Diferentemente, ele compreenderá a necessidade de
uma atitude crítica pelo que denomina de acontecimentalização (événementalisation)
que, em nossa compreensão, é uma maneira de reler a ideia de dispositivo sob o valor de
recuo entre a Aufklärung e a Crítica. 6 Ou melhor, elaborando seu pensar como atualizador
da Aufklärung dentro de uma linhagem que denunciou os excessos do poder desde a qual

5
Servidão voluntária do La Boetie.
6
Foucault, recusando entender a atitude crítica pela via do projeto crítico exclusivamente, isto é, no domínio
do conhecimento (a pergunta “o que possível o conhecimento conhecer” teria levado a um tipo de
investigação legítima dos moldes históricos do conhecer,), propõe uma atitude crítica como os modos de
entrelaçamentos de mecanismos de coerção e conhecimento – poder e saber).

6
a razão moderna seria responsabilizada, Foucault faz pertencer sua analítica do poder a
esta longuíssima história da atitude crítica. Ouçamos:
A questão seria antes essa: como a indissociabilidade do saber e do
poder no jogo das interações e das estratégias múltiplas pode induzir ao
mesmo tempo singularidades que se fixam a partir de suas condições de
aceitabilidade e um campo de possíveis, de aberturas, de indecisões,
de retornos e de deslocamentos eventuais que os tornam frágeis,
que os tornam impermanentes, que fazem desses efeitos dos
acontecimentos nada mais, nada menos que acontecimentos? De
qual forma os efeitos de coerção próprios a essas positividades podem
ser não dissipados por um retorno ao destino legítimo do conhecimento
e por uma reflexão sobre o transcendental ou o quase transcendental
que o fixa, mas invertidos ou desfeitos no interior de um campo
estratégico concreto que os induziu, e a partir da decisão precisamente
de não ser governado?

[O percurso argumentativo precisa ser cuidadosamente revisto depois da publicação de


2015 que tem por base os manuscritos e não apenas a transcrição do áudio].

Com esta rápida indicação sobre o empenho de Foucault em realizar uma


genealogia da atitude crítica, de situar seu próprio trabalho como um desenvolvimento da
atitude crítica, gostaria de colocar um pouco a questão da Liberdade. Penso que ela deve
ser pensada desde este horizonte historicamente profundo, isto é, em que toda resistência
é a resposta por um não ser governado assim. Como ele afirma no debate que se segue a
esta mesma conferência de 1978, esta atitude não é “[...] um anarquismo fundamental que
seria como uma liberdade originária, absolutamente inquieta à toda governamentalização
em seu fundo” (65). Foucault insiste em dizer que se nos perguntarmos pelo o que é a
Crítica, somos reenviados a esta dupla dimensão de uma recusa local e estratégica –
somos reenviados a uma revolta, a “uma não aceitação de um governo real” e, ao mesmo
tempo, à “uma experiência individual da recusa da governamentalidade”. A mística, dirá
Foucault, foi uma “das primeiras grandes formas da revolta” e parece demonstrar para ele
a constante postulação desses foyers de résistance (65).
Deste modo, creio que as razões históricas apresentadas no poder pastoral são
suficientes para admitirmos que a analítica do poder de Foucault não é fatalista no sentido
de afirmar que certas relações de poder ou são absolutamente necessárias ou que, eu o
cito em Sujeito e Poder, “o poder constitua, no centro das sociedades, uma fatalidade
incontornável”. O que temos é que se o poder, como condução de condutas, tem suas
regras, suas estratégias, seu como. A especificidade do exercício de poder é que ele se
exerce por uns sobre os outros em que nem o consentimento, nem o consenso, nem a

7
violência participam como definidores desse exercício. Trata-se de uma relação de poder
que ação sobre ação; ela “se articula sobre dois elementos que lhe são indispensáveis por
ser exatamente uma relação de poder: que “o outro” (aquele sobre o qual se exerce) seja
inteiramente reconhecido e mantido até o fim como o sujeito de ação; e que se abra, diante
da relação de poder, todo um campo de respostas, reações, efeitos, invenções possíveis”
(243; 1055b).
[A partir daqui eu teria feito a opção de desenvolver este primeiro ponto, este
fenômeno especifico do Ocidente, o de conduzir a conduta cotidiana que acaba por repor
a arte de não ser governado, em relação a alguns textos nos quais Foucault explicitamente
tematiza e problematiza a questão da Liberdade: como Sujeito e Poder, de 1982 incluído
como apêndice do livro de Dreyfus e Rabinow, as entrevistas A ética de si como prática
da Liberdade, Uma Estética da existência de 1984 entre outros. Desejei também avaliar,
à luz dos diferentes enfoques da leitura foucaultiana da Aufklärung, como o pensador
organiza o valor crítico de seu próprio trabalho e como a coragem do saber, a própria
ousadia do pensar foucaultiano, teria articulado uma ideia de Liberdade original
Liberdade e atualidade seria o tema, então, a ser analisado em textos como O que são as
Luzes, as aulas iniciais de O governo de si e dos outros entre outros extratos].
Caminho certamente relevante sobre o qual pesquiso nesse momento. Contudo, além
de contarmos com leituras bastante corretas sobre estas possibilidades, penso que a
potência da análise histórico-filosófica da Liberdade em Foucault pode ser pensada a
partir da própria genealogia que o pensador realizou. E o que justifica esse caminho?
Justamente Foucault ter situado seu trabalho no horizonte de uma história da atitude
crítica. Quero com isso mais defender uma posição com relação à Liberdade em Foucault
que propriamente defini-la. Quero dizer que esta atitude crítica em Foucault é uma prática
de Liberdade, que esta prática se chama genealogia e que ela ser realiza sobre corpos em
ruína. Ou em outros termos, o genealogista do poder é, essencialmente, o genealogista da
Liberdade. Isto porque em seu amor fati pela história, em sua elaboração de analisar o
que que somos nestas formas históricas das disciplinas, aí ele já assinala todo feixe de
relações que também se opuseram a elas, todos in-governos possíveis, todos modos de
não sermos governados assim. 7

7
Somos livres na medida mesma em que podemos fazer genealogias de todas as resistências que foram
possíveis na história, o que equivale a dizer que todas ingovernabilidades históricas são também os sinais,
no sentido kantiano, desde as quais apreendemos nossas liberdades-resistência.

8
Então, eu passo a analisar a Liberdade por meio da governamentalidade dos corpos,
ou melhor, a explicitar muito parcamente este não ser governado assim dentro de dois
exemplos da genealogia do poder psiquiátrico. E isto desde a ideia de que, diante da
emersão de um corpo dócil, diante de uma docilidade irrefletida, uma indocilidade ou
inservidão voluntária pode se colocar.

3. Corpos em ruína: pensar a liberdade pela governamentalidade dos corpos


[posso suprimir e apenas dizer o que é a ruína]

Corpos em ruína – corpos que se formam na história e fazem história


Há uma ideia na leitura foucaultiana da genealogia de Nietzsche que é muito sutil e
extremamente relevante. Como análise da proveniência, a genealogia nietzschiana está
ligada ao corpo porque é uma análise dissociativa do Eu: o pertencimento a uma formação
coletiva, à raça, ao tipo social, ou seja, pergunta pelo que liga o sujeito a esta identidade
histórica. Trata-se aí de marcar a diferença do tipo que pertence a uma coletividade. A
função dessa análise é “dissociar o Eu e fazer pulular, nos lugares e recantos de sua síntese
vazia, mil acontecimentos perdidos”. O corpo é também, assim, o lugar das decisões das
gerações, nele se dá a sanção de qualquer verdade que por ele é, ao fim, sustentada. O
corpo mantém a origem porque qualquer decisão afeta o corpo e ele sustenta como afeto
na história. Enfim, o corpo aparece como vértice da história: ele é marcado de história e
a história se faz por ele.

A genealogia foucaultiana se fará principalmente como uma história efetiva de


corpos à medida que são por eles, ou neles, que as subjetividades são marcadas e
afrontadas; estes corpos são discursos que emergem e aparecem como lugar de luta. Eis
propriamente a pergunta do genealogista de corpos: como se estreitaram o corpo e o poder
na emersão de corpos-acontecimentos e quais contra condutas engendraram? 8

8
Função-sujeito.

9
4. Os poder psiquiátrico e suas suscitações de resistência: os corpos arruinados
do soberano, do doente mental e das histéricas.

[pode-se começar com a própria ideia de pinel libertando os encarcerados e a cena


do George III – continuidade p. 36)

Para responder a isso é preciso trabalhar pelos antagonismos das estratégias. Tomemos
alguns dados do poder psiquiátrico. Pensamos no antagonismo básico que opõe o
psiquiatra ao doente mental. Vamos lembrar que esta oposição pertence à própria história
do poder psiquiátrico como sua relação formadora. Estou me referindo à cena da
protopsiquiatria: a ortopedia mental da cura do rei George III que revelava a estratégia de
contenção do furor soberano por um cálculo bastante detalhado por parte do corpo médico
– corpo do médico sempre descrito como forte e viril e do corpo-médico, os auxiliares
todos que estavam ali para fortalecer o médico – o corpo do médico coincidirá com o
próprio espaço disciplinar do asilo). Tratava-se de enfrentá-lo, de destitui-lo em um ritual
de inverso da soberania segundo o qual o poder disciplinar se impunha taticamente para
manipular a loucura, para identificar o corpo soberano ao corpo furioso insano ali
efetivamente acontecendo. Portanto, o poder psiquiátrico nada tem a ver com a elaboração
teórica, a organização institucional, nenhuma verdade médica ou empréstimo de modelos
se convocam aí, mas sim um tipo de racionalização da conduta. Esta ortopedia tática entre
dois corpos revela o mais importante para Foucault: que o saber médico na terapêutica
psiquiátrica vai organizar-se como um funcionamento disciplinar. E isto de um modo
bastante especifico: dando um sobrepoder de realidade ao saber médico em seu
funcionamento de modo que poderá sempre, em suas práticas, “acrescentar uma marca
suplementar ao poder do psiquiatra”. A loucura será, doravante, sempre envolta de um
sobrepoder de realidade medicalizante pela terapêutica psiquiátrica.

Um exemplo da efetividade disciplinar desse sobrepoder é o seguinte. A


psiquiatria, à diferença da anatomoclínica, enfrenta na sua constituição como saber o
problema de possuir apenas a possibilidade de um diagnóstico absoluto e não diferencial.
Trata-se de dizer sim ou não à loucura, mesmo se em algum momento a psiquiatria
recorreu ao modelo da paralisia geral como tentativa de diagnóstico diferencial. Isto
significa, no limite, que a medicina psiquiátrica sempre demandou por um corpo como
domínio de objetividade tal qual a anatomoclínica tinha o seu desde a descoberta da
doença na lesão. Bom, ela ficará sem corpo e terá algo como uma vontade de corpo
objetivo na elaboração de seu mode de diagnosticar. Assim, e isto são algumas dezenas
10
de páginas do curso de 1973-1974, o diagnóstico absoluto da psiquiatria terá, por assim
dizer, de elaborar as chamadas provas de realidade para efetivar o diagnóstico absoluto.
Provas de realidade que constituem justamente o modo de suplementar a realidade com o
próprio diagnóstico cuja finalidade é, no limite, a legitimação da decisão pelo
internamento por parte do médico (349):

O que ocorre aí é que há uma espécie de ficção real. A cura clássica e a cura
psiquiátrica demonstram isso (dar o exemplo).

Ora, quanto a esta relação de disciplinar que é um sobrepoder de realidade, que é


uma reinserção ad infinitum do corpo psiquiatrizado, pergunto-me, que espécie de
resistência é possível, ou melhor, que campo específico de resistência foi suscitado? No
desenvolvimento do poder psiquiátrico, podemos nos referir a algumas experiências de
corpos ingovernáveis (350)

O corpo do doente mental dentro da prova de realidade da psiquiatria negocia esta


realidade: teremos todos os ajustes do quanto se quer se psiquiatrizar que, é claro, não é

11
uma decisão da vontade, mas uma provocação agonística ente o quanto a prova de
realidade médica poderá se estabelecer diante do quanto o paciente insano entronizará o
médico como tal.

O corpo dos histéricos

Outro exemplo, agora mais complexo por isso vou citar uma passagem integralmente, é
a resistência suscitada pelo corpo dos histéricos. Se eu pudesse desenvolver todo o tema,
diria que corpo das mulheres histéricas, está aí uma genealogia preciosa do corpo
feminino como resistência 324:

Em suma, se Foucault vê a si próprio como um pensador critico, colocando seu trabalho


analítico com o poder, o sujeito e a verdade no horizonte da genealogia da atitude crítica
que ele próprio elabora (ironicamente ali, nesta conferência, ele declara não ser filósofo
diante da Sociedade Francesa de Filosofia em 1978), não é possível furtar-se à pergunta
sobre como seu pensar reúne Crítica e Liberdade. Se é verdade que seu pensar crítico é
uma etapa da atitude crítica e se esta provoca na história sempre um “não ser governado
assim”, é imprescindível que voltemos a Foucault, e voltemos a ler todos os textos de
Foucault e a eles perguntar: que resistências especificas eles provocam? Que corpos

12
ingovernáveis, enfim, se sublevam no poder psiquiátrico, no dispositivo de sexualidade,
nos corpos dos encarcerados, no corpo das crianças? O que estes corpos ingovernáveis
suscitam como furos na rede, como esgarçam o tecido do aparente fatalismo disciplinar?
Estas respostas podem nos dar a ideia de como os novos modos de subjetivação seriam
permitidos; e permitidos desde esta abertura imensa do arquivo das liberdades reais.
Talvez a Liberdade em Foucault deva ser compreendida como uma relação histórica que
se aprende e se apreende na história a respeito de como os corpos ousaram não ser
governado assim. A máxima das luzes para a atualidade agora poderia ser esta: “ousar
saber como não ser governado assim o seu corpo”. Se me permitirem durante o debate
posso ousar dizer o que seria ser subjetivo-corporalmente outros sujeitos, outros corpos,
enfim, posso lhes dizer algo sobre como ousar em saber para não ter o próprio corpo
governado assim...

A ruina do corpo do soberano

Depois de analisar minuciosamente a cena de cura do rei George III, resume “e a


microfísica do poder disciplinar, cujo funcionamento é encontrado nos diferentes
elementos que dou a vocês e que aparece aqui apoiando-se de certo modo nos elementos
desconectados, arruinados, desmascarados do poder soberano” (34). O corpo do soberano
é o vértice das duas microfísicas, portanto, marcado inteiramente pela história que este
corpo é.

APÊNDICES

Pensar a atitude crítica como corpos ingovernáveis: do hermafrodita monstruoso à


transsexualidade – o mesmo corpo disciplinado é o que pode ser livre. Se queremos saber
sobre nossa liberdade, devemos responder por quais são os corpos ingovernáveis? Isto é,
se as disciplinas incidiram sobre um ponto que são nossos corpos, se onde há poder há
resistência, toda liberdade é a resposta pela questão: qual a materialidade que poderia
ser a materialidade da inservidão voluntária? Quais corpos responderam à docilização
dos corpos [a heteronomatividade compulsória que reduz o corpo ao desejo sexual
masculino, no limite, é sobre ela que resistimos porque não somos estes corpos, porque
criamos novas identidades]

[talvez a liberdade em Foucault seja justamente o conflito esquizofrênico das disciplinas


entre diferentes dispositivos – dissociação entre ação e pensamento]
[Monstro – medo de sermos um – PIELES – trocar o cu pela boca é um problema ne:?]

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[FOUCAULT não inverte La boetie, ok?]
- Fatalismo disciplinar é um fatalismo ético.
- a armadilha que pode ser o no gender: os banheiros nos incitam a revisitar possíveis
materialidade corporais fixados em identidades. À diferença disso, B.P. Preciado seu
interstício subjetivo, seu modo de ser que é um tornar-se o que se é (fatalismo do amor
fati; Ecce Homo). A pergunta é que condição de existência o “no-gender” dá existência?
O que ele pode fazer circular? (globo negócios e soluções)
- Infância: ela faz como as simuladoras: “não foi a partir da psquiatrização da família que
a infância serviu de ponto de apoio para a capilarização do poder psquiatrico? Pois bem,
esta mesma infância volta com questão: e se aceitarmos o desafio de ponto de
generalização mas, agora, no sentido de não sermos mais a infância perigosa e sim a
infância que reivindica uma sexualidade adulta? Ser um disfórico seria ser uma
sexualidade provisória

CURA

Qual a cura desse espaço disciplinar? Cura clássica: Pinel, Mason Cox; A redução do erro.

1. O erro de louco: um erro de louco se supera sem demonstração!

a. A realidade se transforma para ajustar ao erro de louco: o erro e seu


correlativo produzido que o verifica extingue o erro e, portanto, a loucura;
b. A loucura deixa de ser loucura quando o erro do louco se verifica na realidade
e deixar de ser erro;

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c. Desenganar o delírio para não enganar-se mais; alteração do real;

2. Quem é o médico que REALIZA verdade na cura clássica? Ele Irrealiza a realidade para agir
sobre o juízo errôneo do doente.

3. O psiquiatra não é o dramaturgo do real, mas suplementador de poder da realidade e


subtrador da irrealidade do erro da loucura. Ele dá a força coativa do real.

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