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Resumo
Este estudo analisou as modifica- que, de maneira geral, nesta amostra
ções sofridas pelo sistema estomatog- de idosos, não houve limitação na fala
nático (SEG) no processo de envelhe- mesmo na presença de algum distúr-
cimento e suas implicações na fala de bio do SEG ou da motricidade oral.
idosos. Foram incluídos no estudo
idosos independentes de ambos os se- Palavras-chave: fala do idoso, sistema
xos, com 65 anos de idade ou mais, estomatognático, fonoaudiologia.
usuários do Sistema Único de Saúde.
Os idosos foram submetidos à avalia-
ção fonoaudiológica, realizada com a
aplicação de um protocolo de ava-
liação miofuncional orofacial, que
examinou o SEG e as funções orofa-
ciais. Os dados da avaliação miofun-
cional orofacial sofreram tratamento
estatístico, não paramétrico, caracteri-
zando-se o aparecimento das modifi- * Fonoaudióloga do Serviço de Fisiatria do Hospital de
cações do SEG e suas funções, assim Clínicas de Porto Alegre; Doutora em Gerontologia Bio-
médica pela PUCRS.
como as associações entre as mesmas. ** Professor da Faculdade de Medicina da Ufrgs, chefe
Encontrou-se que a maior parte dos do Serviço de Fisiatria do Hospital de Clínicas de Porto
idosos apresentou adaptações parecen- Alegre.
***Professora do Programa de Pós-Graduação em Geronto-
do criar mecanismos compensatórios logia Biomédica da Pontifícia Universidade Católica
ao problema funcional. Verificou-se do Rio Grande do Sul.
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Introdução seado em queixas de comunicação, apre-
senta um leve predomínio de queixas
O envelhecimento de um organismo auditivas afetando a vida social dos in-
ocorre pelo efeito de eventos associados divíduos, conforme Neiva, Zackiewick,
ao tempo durante seu período de vida. Cattoni et al. (2000). O envelhecimento
Durante esse período, as mudanças que social acarreta a limitação de interlo-
ocorrem nos processos fisiológicos po- cuções significativas que podem levar à
dem ser benéficas, neutras ou degene- perda de algumas habilidades, o que se
rativas em sua natureza. O padrão de agrava ainda mais se o próprio idoso, de
envelhecimento é considerado variável forma estereotipada, acreditar que a ve-
mesmo nas modificações determinadas lhice está mais associada a perdas do
pelo envelhecimento normal (MASO- que a ganhos (VARELA, 1992).
RO, 1998). A relação com outros pode ser fonte
Conforme Hoit, Watson, Hixon, de profunda satisfação. A interação so-
McMahon et al. (1994), as estruturas e cial humana consiste, principalmente,
as funções no mecanismo periférico da na participação em conversas. O resulta-
fala sofrem muitas modificações com o do disso pode ser considerado um mis-
envelhecimento, ainda não adequada- to de solução de problemas e transmis-
mente esclarecidas. A maioria dos ido- são de informações, por um lado, e ma-
sos demonstra uma comunicação rela- nutenção de relações sociais, por outro
tivamente normal, e a deterioração nes- (QUANDT, ARCURY e BELL, 2001).
ta função seria, principalmente, desen- As interações sociais, como descrito por
cadeada pela ausência completa dos Tubero, Nunn, Souza et al. (1996), vin-
dentes (BOONE, 1982). Autores como culam o idoso em seu ambiente, promo-
Rastatter, McGuire e Bushong (1987) vidas essencialmente pela comunicação
estudaram a análise eletromiográfica do efetiva, que encoraja intercâmbios, re-
músculo orbicular dos lábios e mús- força socialmente as situações de comu-
culos masseter em mulheres idosas sau- nicação e minimiza sua privação. Além
dáveis, verificando uma equivalência na disso, a manifestação de intenções e de-
fala entre idosos e crianças. Vale lem- sejos é essencial para a independência
brar que a comunicação oral descrita do idoso, o que torna fundamental man-
está relacionada à condição motora da ter uma adequada comunicação no en-
fala, não às características relacionadas velhecimento (LUBINSKI e WELLAND,
à cognição ou sensoriais. E, mesmo para 1997).
esses processos, há controvérsias quan- Considerando a carência ainda de es-
to às modificações no envelhecimento, tudos fonoaudiológicos com relação à
especialmente devido ao enfoque descon- comunicação de idosos, objetivou-se
textualizado das avaliações utilizadas identificar a presença das modificações
(ROBBINS, HAMILTON e LOF, 1992). do SEG e da função da fala num grupo
De maneira geral, o perfil das altera- de idosos clientes do SUS, num serviço
ções fonoaudiológicas encontrado em de fisiatria. Não foi interesse desta pes-
um grupo de idosos em nosso meio, ba- quisa caracterizar a fisiopatologia ou as
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A fala dos idosos: modificações associadas ao...
transformações deste sistema, delimi- tos, dos quais sete apresentavam alguma
tando graus de normalidade ou associa- alteração na avaliação miofuncional.
ções com possíveis patologias. Preten- Dos seis sujeitos que não apresentaram
deu-se tão-somente identificar as possí- a queixa, cinco não tinham o problema.
veis modificações associadas ao proces- Dessa forma, o tamanho da amostra foi
so de envelhecimento. calculado baseado nesses valores ado-
Este artigo é parte de uma pesquisa tando-se o nível de significância de 0,05
que serviu para a elaboração da tese de e poder estatístico de 80%, o que resul-
doutorado intitulada Análise das modifi- tou no número mínimo de 41 sujeitos.
cações nas interações sociais de idosos sub- A avaliação fonoaudiológica foi rea-
seqüentes a alterações da motricidade oral lizada junto a cada um dos sujeitos se-
(NISA-CASTRO, 2003) e tem por fim lecionados da amostra pela própria pes-
apresentar alguns dados relativos à fala quisadora e constituiu-se do levanta-
de idosos associada ao envelhecimento mento de dados com a avaliação mio-
normal. funcional orofacial (instrumento em
anexo). Esse exame consistiu na avaliação
Método do sistema estomatognático e das fun-
ções estomatognáticas. A articulação e
A população definida nesta pesquisa a fonação foram examinadas na avalia-
foi representada por pacientes idosos de ção global da fala. A avaliação dessas
65 anos e acima, do Ambulatório Geral funções foi adaptada de outras avalia-
do Serviço de Fisiatria do Hospital de ções já utilizadas na clínica fonoaudio-
Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Tal lógica de rotina do Ambulatório de Fo-
estrato etário foi definido em razão de noaudiologia do Serviço de Fisiatria do
já poder se verificar alterações na coor- HCPA. A avaliação observacional dos
denação muscular e diminuição da for- órgãos do SEG foi associada à avaliação
ça física em alguns segmentos do corpo. de cada função, à análise de movimen-
Para a seleção da amostra, os critérios de tos isolados, do tônus, da morfologia e
exclusão envolveram a presença de sensibilidade das estruturas.
doenças respiratórias, cardíacas, neuro- A fala foi avaliada com questões in-
lógicas, genéticas, progressivas, crônicas, formais que eram respondidas pelos
ou qualquer condição clínica sistêmica sujeitos ao longo do exame. A expressão
mais importante. Também foram ex- oral espontânea de cada idoso foi clas-
cluídos indivíduos com desordens psi- sificada como normal, com presença de
quiátricas, perdas auditivas e história de substituições, omissões ou distorções de
abuso de drogas ou álcool. O tamanho fonemas, com acúmulo de saliva nas
da amostra foi estimado com base em comissuras, escape de saliva durante a
análise de teste-piloto feito com 16 pa- fala ou presença de ceceio. O registro foi
cientes. A declaração mais freqüente feito em vídeo com filmadora Panasonic
descrita pelos idosos foi de problema de Omni Movie VHS HQ, em plano fron-
mastigação, que apareceu em dez sujei- tal, com o idoso em posição sentada.
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Os dados encontrados na avaliação em eversão; duas apresentavam a língua
miofuncional foram submetidos ao tra- fissurada; 17 idosos apresentavam sime-
tamento por procedimentos de estatís- tria das bochechas; 13, queda bilateral
tica descritiva não paramétrica, a fim de das mesmas; sete, queda unilateral direi-
estimar a freqüência das referidas mo- ta e seis, queda unilateral esquerda. Fo-
dificações. Foram consideradas signifi- ram verificadas lesões levemente aver-
cativas as ocorrências que apresentaram melhadas nas mucosas das bochechas de
correlação igual a p≤0,05. Os indivíduos uma idosa.
avaliados foram agrupados em razão das Na dentição, verificaram-se dois ido-
similaridades entre as modificações en- sos com dentição total, 26 com dentição
contradas no SEG. parcial e 15 eram edentados. Dos sujei-
tos com dentes naturais, completa ou
Resultados parcialmente, 19 apresentavam os den-
tes em bom estado de conservação e
Os dados foram colhidos no período nove, em mau estado.
entre maio e dezembro de 2002 e a Quanto à prótese dentária, quatro não
amostra compôs-se de 36 idosas e sete utilizavam nenhum tipo de protetisa-
idosos, dos quais, com idade que variava ção, 11 utilizavam prótese total e 28,
entre 65 e 85 anos e idade média de 72 protetisação parcial. Dos usuários de
anos. Eram idosos independentes e resi- prótese, 28 mantinham as próteses em
dentes em seus lares, com a família ou bom estado de conservação, e 11, não. As
sozinhos, usuários do Sistema Único de próteses estavam com boa adaptação
Saúde. Quanto à situação laboral, 25 já para todos os sujeitos, mesmo para as
estavam aposentados, 11 sempre foram duas idosas que usavam unicamente a
e continuam sendo donas de casa e qua- prótese superior.
tro ainda exerciam atividades ocupacio- Quanto à oclusão, 14 sujeitos apre-
nais. Em relação à escolaridade, uma sentavam oclusão adequada e 29, algum
idosa concluiu a formação superior (pe- tipo de má oclusão, anomalia de mordi-
dagogia); sete, o ensino médio; cinco, o da, mordida cruzada, sobremordida ou
ensino fundamental; 21, o ensino funda- estreitamento das arcadas.
mental incompleto; oito não eram alfa- Quanto à morfologia do palato, veri-
betizados e uma estava sendo alfabetiza- ficaram-se três idosas com palato duro
da. estreito, porém o palato mole apresen-
Os idosos, de um modo geral, não tava morfologia normal para todos os
apresentaram alteração quanto à sensi- idosos da amostra.
bilidade tátil das estruturas do SEG ava- Quanto à tonicidade, verificaram-se
liadas e quanto à morfologia e mobili- 22 sujeitos com tônus labial adequado
dade do palato mole. Ao exame dos as- e vinte apresentavam flacidez dos lábi-
pectos morfológicos, verificou-se que os. Uma idosa apresentou o lábio infe-
quatro idosos não apresentavam vedação rior mais rígido. A língua apresentava
labial e uma apresentou lábio inferior tônus normal na maioria dos idosos,
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A fala dos idosos: modificações associadas ao...
exceto para uma idosa, na qual a língua chas. Para os 12 sujeitos com fala nor-
estava levemente flácida. As bochechas mal, encontrou-se tônus normal em bo-
apresentavam tônus normal em 12 ido- chechas; entre os 29 sujeitos que apre-
sos, e 29 apresentaram ambas as boche- sentaram flacidez bilateral em boche-
chas flácidas; um idoso apresentou a bo- chas, 25 apresentaram fala sem altera-
checha direita mais flácida e uma ido- ções e quatro, alguma alteração de fala;
sa, a bochecha flácida à esquerda. O um sujeito apresentou fala normal e fla-
tônus do músculo mentual estava ade- cidez em bochecha esquerda; um, alte-
quado para a maior parte dos idosos, ração e flacidez na bochecha direita.
exceto para uma idosa, na qual se encon- Houve também associação significa-
trava levemente rígido. tiva (χ 2 = 21,23; p < 0,000) entre o
A mobilidade dos lábios, para 39 ido- acúmulo de saliva nas comissuras dos
sos, encontrava-se normal, e dois apre- lábios durante a fala e o tônus nas bo-
sentavam tremor ao movimento; duas chechas. Nos dois idosos com acúmulo
apresentavam incoordenação leve ao de saliva durante a fala, um apresentou
movimento dos lábios. Com relação à bochecha flácida à direita e o outro, em
língua, 25 idosos apresentavam mobili- ambas. Dos 41 idosos sem a presença de
dade adequada; dez, tremor ao movi- acúmulo de saliva, 28 apresentavam
mento e oito, incoordenação. Quanto à flacidez bilateral em bochechas e um, à
mandíbula, 39 idosos apresentaram mo- esquerda. Verificaram-se 12 idosos apre-
bilidade normal; três, tremor ao movi- sentando fala sem presença de saliva
mento e uma, incoordenação à abertu- acumulada em comissuras e tônus nor-
ra. mal entre as bochechas.
Quanto ao modo de respiração, ob- A associação foi significativa (χ2 =
servaram-se 41 idosos com respiração 8,06; p ≤ 0,018) entre a mobilidade de
nasal e duas idosas com respiração oro- mandíbula e presença de fala normal.
nasal. Quando à saída de ar nasal, 39 Em 39 idosos com mobilidade normal
apresentaram saída de ar nasal bilateral; de mandíbula, 35 apresentaram também
duas, saída de ar maior por uma das fala normal; em cinco idosos com algu-
narinas e duas, escape nasal diminuído. ma alteração na fala, quatro apresenta-
Na avaliação miofuncional, encon- ram mobilidade normal, e um, incoorde-
traram-se cinco idosos com alterações nação ao movimento; três apresentaram
na articulação da fala ou durante a fala; tremor ao movimento e fala normal.
duas com sibilância e uma apresentava Também foi significativa a associação
leve distorção em fonema /r/ na fala. (χ2 = 13,76; p ≤ 0,001) entre a mobilida-
Como alterações durante a fala, dois ido- de de mandíbula e a fala com alteração.
sos apresentaram acúmulo de saliva em Entre os 39 sujeitos com mobilidade
comissuras. normal de mandíbula, 37 também apre-
Encontrou-se associação significati- sentaram fala normal. Houve três ido-
va (χ2 = 9,44; p ≤ 0,020) entre a presen- sos com fala normal e com tremor à mo-
ça de fala normal e o tônus das boche- bilidade da mandíbula. Entre os três ido-
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sos com distorção na fala, dois apresen- Os dados dos idosos deste estudo
taram mobilidade normal e um, incoor- mostraram uma associação significati-
denação. va entre sexo e mobilidade da língua,
com um maior número de idosas apre-
Discussão sentando normalidade para essa variável,
assim como um número bem menor
Em alguns setores sociais, a velhice apresentando tremor ao movimento.
ainda pode ser confundida com doença; Não foram encontrados sinais de nasa-
por isso, sua chegada não é comemora- lidade na fala dos idosos avaliados, cor-
da como a chegada da adolescência ou roborando com a literatura vigente, ou
da idade adulta (SUZUKI, DUPRAT e seja, a função velofaríngea não se mo-
LEDERMANET, 1998). No envelheci- difica com a idade (HOIT, WATSON e
mento, os sistemas e órgãos ficam geral- HIXON, 1994). Houve apenas três ido-
mente mais lentos e podem exibir dimi- sas que apresentaram fala sibilante, as-
nuição de força, estabilidade, coordena- sociada à presença de prótese superior
ção e resistência sem associação a algum e ausência da inferior, e uma idosa com
processo patológico. Como um todo, o uma sutil distorção que apresentava den-
envelhecimento implica interação entre tição parcial, porém com próteses bem
os processos sociais, as predisposições adaptadas. Dois idosos apresentavam
genéticas, as mudanças no sistema imu- acúmulo de saliva em comissuras du-
nológico, endocrinológico, neurológico rante a fala. Nenhuma outra alteração
e fisiológico, além das alterações não pa- na fala foi detectada na avaliação clíni-
tológicas no processo perceptual, cogni- ca dos idosos. A partir desses resultados
tivo, emocional e psicológico (GLES- confirma-se, como em outros estudos,
SON, 1999; DOOSE e FEREYENSEN, que os idosos freqüentemente comuni-
2001). Com relação ao envelhecimento cam-se bem com seu meio, pois as leves
da função motora oral, Smith, Waso- modificações que ocorrem na voz ou na
wicz e Preston (1987) concluíram que as articulação têm impacto moderado nas
alterações sistemáticas nas respostas re- habilidades de comunicação. Contudo,
flexas ocorreriam desde a idade adulta conforme Boone, Bayles e Koopman
até a sétima década de vida, o que indi- (1981), os indivíduos edentados e os
caria uma modificação contínua do sis- com prótese mal daptada podem apre-
tema sensoriomotor oral ao longo do sentar uma deterioração da articulação.
tempo. As perdas de fibras musculares, As queixas podem aparecer tanto na fala
de neurônios motores, unidades moto- quanto na mastigação, quando não são
ras, massa muscular, disparo da força considerados a estabilidade e o confor-
muscular ou aceleração podem ter iní- to durante a confecção e adaptação da
cio entre os cinqüenta e os sessenta anos prótese (FELICIO, 1998). Sabe-se que
de idade, chegando à metade de seu nú- alguns problemas percebidos em eden-
mero ou nível em torno dos oitenta anos tados podem estar associados a outros
(BOOTH, WEEDEN e TSENG, 1994). fatores coexistentes, desconhecidos dos
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sujeitos, e que são atribuídos à falta dos fissionais. As atitudes de aceitação da ve-
dentes. Nesses casos, mesmo com ade- lhice dependem, em grande parte, da
quada protetisação, o problema pode personalidade. Ocorrem conforme as
não ser solucionado ou, ainda, ser agra- circunstâncias que aparecem e são in-
vado. Além disso, o uso contínuo das fluenciadas pelos conhecimentos, cren-
próteses provoca mudanças na função ças e valores gerados em seu processo de
muscular; as novas relações horizontais crescimento e desenvolvimento, permi-
e verticais que vão sendo adquiridas com tindo responder ou adotar um determi-
o uso contribuem para uma modificação nado comportamento na velhice (MON-
do tônus. São estabelecidos novos engra- CAYO et al., 1991). A adaptabilidade à
mas durante os movimentos das estru- disfunção pode estar associada à pouca
turas do SEG para que os fonemas sejam necessidade de responder às exigências
adequadamente emitidos (FELICIO, do meio.
1998; FELICIO, 1999). Geralmente, para Godino, Canestrari
Encontraram-se em estudos modifi- e Cipolli (2001), os indivíduos idosos
cações associadas à idade com relação à podem apresentar uma freqüência
competência fonológica, à freqüência maior com experiências de perdas, o que
fundamental e aos aspectos temporais da os predispõe ao isolamento social e ao
fala (BENJAMIN, 1984; OYER e DEAL, desenvolvimento de déficits cognitivos
1985; MORRIS e BROWN, 1994). Con- e sensoriais. Esse isolamento não só con-
siderando a geração de força obtida em tribui para estabelecer problemas de
lábios, língua e mandíbula, McHenry, saúde, como também reduz a capacida-
Minton e Hartley (1999) também veri- de do idosos de ganhar acesso à infor-
ficaram algum declínio, principalmen- mação e à assistência. Por isso, as inter-
te após os oitenta anos, que, contudo venções sociais e pessoais podem ser
não chegou a afetar a comunicação fun- decisivas na evolução positiva do enve-
cional. lhecimento e, ao contrário, a fragilida-
Com relação aos resultados da avalia- de pode precipitar situações constrange-
ção miofuncional dos idosos deste estu- doras (BOTH, 2000; OPAN, 2002).
do, encontraram-se modificações bas- Neri (1993) afirma que o idoso envol-
tante sutis na fala, como a sibilância as- ve-se num menor número de interações,
sociada ao uso de prótese dentária, ou que são mais íntimas, oferecendo expe-
durante a fala, como o acúmulo de sali- riências emocionais mais positivas. Em
va nas comissuras dos lábios. Mesmo na situações de intimidade, o idoso apre-
presença dessas modificações, apresen- sentaria menos reações de vergonha ou
taram comportamentos adaptativos. Não constrangimento; mesmo na presença
houve limitação da funcionalidade, pos- de alguma limitação, seria mais fácil
sivelmente em razão das modificações ignorá-la ou compensá-la através de
serem leves ou, ainda, devido aos idosos mecanismos adaptativos. Essa capacida-
pertencerem a uma classe menos favore- de garantiria motivação para envelhecer
cida e com menores cobranças sociopro- bem, um conceito que traduz satisfação
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com a vida atual e manutenção de expec- damental a participação e a interação
tativas positivas para o futuro. entre especialistas das mais diversas
A compreensão dos fatores que têm áreas para discussão desses aspectos (FAS-
impacto na qualidade de vida no enve- SINO, LEOMBRUNI e DAGA, 2002).
lhecimento é fundamental para identi- Da Cruz e Schwanke (2001) relatam que
ficar os idosos que podem apresentar essa interação busca um planejamento
algum risco de não manter uma quali- mais objetivo e específico para a promo-
dade de vida adequada. Para manter a ção de saúde e bem-estar desse estrato da
auto-estima e uma forma de interagir população, o que é preconizado pela pes-
com o contexto imediato, o indivíduo quisa em biogerontologia. O presente
deveria adaptar-se à velhice, à conotação estudo de investigação fonoaudiológica
sociocultural de ser velho e às mudan- pretende contribuir para a manutenção
ças ocupacionais (AGOSTINI e KIGUEL, de um padrão de funcionalidade, funda-
1998; KEISTER e BLIXEN, 1998). As mental para um viver saudável e com
adaptações às condições de velhice con- qualidade.
siderariam que a perda da plasticidade O papel do fonoaudiólogo pode ofe-
estaria associada ao desenvolvimento de recer incremento à qualidade de vida,
capacidades compensatórias que garanti- orientando o cuidado do idoso quanto
riam domínio e sucessão (NERI, 1993). aos processos da motricidade oral, o que
Os estudos do envelhecimento ainda inclui a mastigação, a sucção, a degluti-
mantêm certa falta de informação quan- ção e a fala; da voz; da linguagem e da
to à influência na qualidade de vida de audição. O objetivo principal deste tra-
determinadas perdas sensoriais. Encon- balho, também da equipe, é manter um
trou-se que os idosos podem manter es- nível funcional, ou a reabilitação, quan-
tabilidade quanto à performance fun- do houver um comprometimento dessas
cional, demonstrando sua adaptação às funções junto ao cliente idoso, seus fa-
modificações. Em condições ótimas de miliares e cuidadores.
saúde e ambiente, as pessoas mais velhas Os idosos investigados nesta pesquisa
podem manter altos níveis de desempe- pertencem essencialmente a uma clas-
nho; podem também adquirir novos co- se menos favorecida em escolaridade e
nhecimentos e manter interações sociais em recursos financeiros, usuários do
significativas (NERI, 1993; HUPPERT, Sistema Único de Saúde; desta forma, os
BRAYNE e JAGGER, 2000; LEINO- resultados encontrados apresentam as-
NEN, HEIJJINEN e JYLHA, 2002). sociação com essas características. Além
O que já foi confirmado através de de todos os aspectos discutidos previa-
estudos longitudinais direcionou a mente, é fundamental ter em mente a
abordagem no envelhecimento também variabilidade do envelhecer. O envelhe-
para garantir uma vida com qualidade. cimento biológico, para Da Cruz e
Para isso, são considerados, além dos Schwanke (2001), é variável num mes-
aspectos funcionais, os aspectos psico- mo organismo, entre os indivíduos de
lógicos e ambientais, tornando-se fun- uma mesma raça e, especialmente, en-
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