Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Gisele Echterhoff
Claudia Amorim
Marcos Dias de Araújo
Mariana Paladino
Claudia Amorim
Pós-doutora em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo
(USP). Doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Mestre em Letras Vernáculas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista em
Literatura Portuguesa e graduada em Letras Português – Literaturas de Língua Portuguesa pela
UFRJ. Professora do ensino superior e autora de livros sobre literatura africana.
Mariana Paladino
Doutora em Antropologia e mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduada em Antropologia pela Universidad Nacional de La Plata,
Argentina. Atua nos seguintes temas: educação, interculturalidade, ações afirmativas, políticas in-
digenistas e relações interétnicas.
Sumário
Apresentação 9
Gabarito 141
Referências 149
Gabarito 237
Referências 241
9
Apresentação
Você está iniciando a leitura de um livro que é muito importante para a sua formação acadê-
mica e, principalmente, para a construção de sua condição de cidadão. Estudar direitos humanos e
relações étnico-raciais é de extrema relevância para a formação de um verdadeiro cidadão, já que
vivemos em sociedade e precisamos aprender a conviver em harmonia, respeitando as diferenças.
O objetivo desta obra é fornecer uma noção geral sobre esses temas, procurando aprofundar
alguns assuntos específicos e indispensáveis, como os direitos das crianças e dos adolescentes, dos
idosos, das pessoas com deficiência e discutir questões relacionadas à diversidade étnico-racial,
religiosa, de gênero e LGBT.
A obra está dividida em duas partes: a primeira (capítulos 1 a 6) trata sobre os direitos hu-
manos de forma mais ampla, já a segunda (capítulos 7 a 12) trata, especificamente, das relações
étnico-raciais.
No Capítulo 1 são dadas noções gerais sobre os direitos humanos e apresentada um pouco da sua
história, além das leis e dos sistemas de proteção aos direitos humanos. O Capítulo 2 foca nos direitos
das crianças e dos adolescentes, no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e no combate ao traba-
lho infantil e à pedofilia. Os direitos das pessoas com deficiência e dos idosos são tratados no Capítulo 3,
que discute a importância da inclusão social e de programas de acessibilidade. Na sequência, o Capítulo
4 aborda de forma ampla a diversidade étnico-racial, religiosa, de gênero e LGBT. São tratados temas
como preconceito, racismo, diversidade religiosa, equidade de gênero e direitos da população LGBT.
O combate às violações e ao trabalho escravo são temas do Capítulo 5. Por fim, o Capítulo 6 discute
aspectos polêmicos da bioética, como a reprodução artificial.
O Capítulo 7, que inicia a segunda parte deste livro, problematiza os conceitos de raça, etnia
e identidade cultural e nacional, com o objetivo de discutir o que seria a identidade nacional brasi-
leira. Os Capítulos 8 e 9 tratam sobre a história e cultura da África lusófona, procurando relacionar
a cultura dos povos africanos com a do povo brasileiro. Já a história e a cultura dos povos indígenas
são apresentadas nos Capítulos 10 e 11. Fechando o livro, o Capítulo 12 discute as políticas de ações
afirmativas e as políticas curriculares relacionadas às questões étnico-raciais.
Bons estudos!
1
Noções gerais de direitos humanos
Gisele Echterhoff
Não raro, ao iniciar uma disciplina que não seja diretamente relacionada ao curso, os alunos
ouvem de seus professores a importância da interdisciplinaridade. Isso não será diferente em rela-
ção a essa obra, tendo em vista a importância do conhecimento de noções gerais de direitos huma-
nos, que vai muito além da necessidade decorrente do exercício profissional, pois está diretamente
relacionada ao exercício da cidadania.
Este capítulo examinará noções gerais sobre o tema e adentrará em aspectos históricos de
maior relevância, além de analisar alguns diplomas e organismos internacionais que visam à pro-
teção desses direitos para, ao final, analisar a legislação nacional.
de primeira geração), que surgem exatamente como forma de limitar o poder dos soberanos e
garantir direitos mínimos ao restante da população. Após essa contextualização, passemos a
uma análise mais técnica.
Iniciar o estudo sobre os direitos humanos exige uma conceituação da expressão. De acordo
com a ONU Brasil: “Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, inde-
pendentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição”.
Incluem-se “o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao traba-
lho e à educação, entre e muitos outros. Todos e todas merecem estes direitos, sem discriminação”.
Os direitos humanos são considerados aqueles essenciais ao ser humano, que existem em
razão da natureza humana.
João Baptista Herkenhoff (1994, p. 30) assim conceitua direitos humanos:
Por direitos humanos ou direitos do homem são, modernamente, entendidos
aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por
sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos
que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são
direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.
Embora a expressão direitos humanos seja a mais utilizada, é necessário observar que há
outras denominações. É comum usar expressões como direitos naturais, direitos públicos subjetivos,
liberdades públicas, direitos morais, direitos dos povos, direitos do homem, direitos fundamentais,
dentre outros.
As terminologias mais utilizadas são direitos humanos e direitos fundamentais. Todavia, mes-
mo que a distinção não seja tão relevante na atualidade, estas expressões não são consideradas, em
si, como sinônimas. A expressão direitos humanos se refere àqueles direitos no âmbito da ordem
internacional, independentemente do reconhecimento por um ordenamento jurídico específico,
possuindo caráter supranacional. A par disso, a denominação direitos fundamentais “se aplica para
aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional po-
sitivo de determinado Estado” (SARLET, 2005, p. 35-36).
Partindo para a evolução histórica dos direitos humanos como direitos essenciais à proteção
do ser humano, por evidência que estes não surgiram todos somente em um momento da histó-
ria, tendo sido frutos da evolução da civilização humana e, em especial, em razão da limitação do
poder político.
Da mesma forma, não se pode afirmar que a teoria dos direitos humanos já era concebida
na Antiguidade, pelo contrário, a sua concepção tal qual conhecemos na atualidade é muito mais
produto dos acontecimentos decorrentes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Todavia, a proteção da pessoa humana já era conhecida na Antiguidade, sendo, em especial,
tratada por filósofos como Zaratustra, na Pérsia; Buda, na Índia; Confúcio, na China; Dêutero-
-Isaías, em Israel, além de Platão e Aristóteles, na Grécia. No âmbito normativo, também é possível
apontar várias legislações que já demonstravam preocupação com a proteção desses direitos, den-
tre eles, por exemplo, o Código de Hammurabi (1792-1750 a.C.), considerado o primeiro código
de normas de condutas, preceituando esboços de direitos como o direito à vida, à propriedade e
Noções gerais de direitos humanos 13
à honra; além da Lei das Doze Tábuas na República Romana, que veio estipular uma lei escrita
como regente das condutas. O direito romano também consagrou vários direitos, como o da pro-
priedade, da liberdade, da personalidade jurídica, entre outros (RAMOS, 2015, p. 32-34).
Segundo Ramos (2015), o cristianismo teve grande influência na proteção da pessoa huma-
na, em especial ao apregoar que o homem é criado à imagem e semelhança de Deus. Necessário
lembrar também os filósofos católicos, como São Tomás de Aquino, que defendia a igualdade dos
seres humanos e a aplicação justa da lei.
Foi na Idade Média que se iniciou a luta pela limitação do poder político, pois na Europa o
poder dos governantes ainda era ilimitado e fundado na vontade divina. Foi nessa época que surgi-
ram os primeiros movimentos de reivindicação de liberdades, dos quais provêm a Declaração das
Cortes de Leão, adotada na Península Ibérica em 1188 e a Magna Carta inglesa, de 1215.
André de Carvalho Ramos ressalta que a Magna Carta continha um ingrediente “essencial
ao futuro do regime jurídico dos direitos humanos: o catálogo de direitos dos indivíduos contra o
Estado” (RAMOS, 2015, p. 36-37). Claro que o documento possuía um caráter elitista, pois prote-
gia o baronato inglês contra os abusos do monarca João Sem-Terra, mas já era o início da luta pela
limitação do poder político. Salienta o autor que, embora seu foco seja a elite fundiária, a Magna
Carta já traz a ideia de governo representativo, além de reconhecer direitos como o de ir e vir em
situação de paz, de ser julgado pelos seus pares, de acesso à Justiça e proporcionalidade entre o
crime e a pena.
Após a crise da Idade Média e o questionamento dos estados absolutistas, o poder soberano
do rei se tornou cada vez mais limitado. Exemplo disso é a Petition of Right (Petição de Direitos), de
1628, por meio do qual o baronato inglês novamente impõe limites ao poder do rei em relação à co-
brança de impostos, tornando-o dependente de autorização do Parlamento. Esse documento ainda
estabeleceu que “nenhum homem livre podia ser detido ou preso ou privado dos seus bens, das
suas liberdades e franquias, ou posto fora da lei e exilado ou de qualquer modo molestado, a não
ser por virtude de sentença legal dos seus pares ou da lei do país” (RAMOS, 2015, p. 37-38), sendo
o embrião do devido processo legal. Também na Inglaterra, surge a Declaração de Direitos (a Bill
of Rights de 1689) da Revolução Gloriosa, que reduziu o poder dos reis ingleses de forma definitiva.
Essa declaração estabeleceu a necessidade de respeito à vontade da lei – superior em relação à von-
tade do soberano – e reafirmou o poder do Parlamento, cujos membros eram livremente eleitos.
Entre os filósofos mais importantes que debateram o tema, Ramos (2015) cita Hobbes,
Grócio, John Locke, Rousseau e, em especial, Kant (já no final do século XVIII), que defendeu a
existência da dignidade intrínseca a todo ser racional, que não tem preço ou equivalente, não po-
dendo o ser humano ser tratado como um meio, mas, sim, como um fim em si mesmo – concepção
atualmente importante para o regime jurídico dos direitos humanos.
Foram as revoluções liberais inglesa, americana e francesa e as suas respectivas declarações
de Direitos que trouxeram a afirmação histórica dos direitos humanos.
Já falamos da Revolução Inglesa e do Bill of Rights de 1689. A Revolução Americana, por sua
vez, deu origem ao processo de independência das colônias britânicas na América do Norte, com a
14 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Declaração de Independência dos Estados Unidos de 04 de julho de 1776, estipulando que “todos
os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis.
Que para garantir estes Direitos, são instituídos Governos entre os Homens, derivando os seus
justos poderes do consentimento dos governados” (RAMOS, 2015, p. 42).
Foi a partir da independência dos Estados Unidos da América que surgiu a primeira constituição
do mundo, a Constituição Norte-Americana de 1787 e, com ela, a era do constitucionalismo liberal.
A Revolução Francesa fez surgir a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão,
adotada pela Assembleia Nacional Constituinte francesa em 27 de agosto de 1789, sendo conside-
rada o marco para a proteção dos direitos humanos no plano nacional. A realidade social de desi-
gualdade, o privilégio das castas e a insensibilidade das elites fizeram surgir motins populares que
resultaram na tomada da Bastilha em 14 de junho de 1789. A Assembleia Nacional Constituinte,
formada por representantes dos três estamentos, sendo, de um lado, as elites religiosas (clero) e
a nobreza e, de outro, o chamado terceiro estado (a grande e pequena burguesia além da camada
urbana sem posses), adotou a Declaração em 27 de agosto de 1789, consagrando a igualdade e a
liberdade como direitos inatos de todos os indivíduos. Aboliram-se privilégios, direitos feudais e
imunidades de várias castas, em especial a da aristocracia de terras (RAMOS, 2015, p. 42-43).
A principal premissa da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789
– todos os homens nascem livres e com direitos iguais –, influenciou a Constituição Francesa de
1791, assim como várias constituições e tratados de direitos humanos posteriores. Essa premissa
consagra a ideia de universalidade dos direitos humanos, a qual seria definitivamente estabelecida
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
As revoluções liberais fizeram surgir uma categoria própria de direitos humanos: aquela
exercida contra o poder do Estado. Essa visão é própria do momento histórico vivido e da ne-
cessidade da classe burguesa detentora do poder econômico, mas desprestigiada em relação ao
reconhecimento de direitos na esfera jurídica. Ainda, demonstrou a pretensão de limitação do
poder estatal em relação ao poder econômico, consagrando direitos como a liberdade e a igualdade
sempre com enfoque voltado à proteção do patrimônio.
Obviamente, tais movimentos somente agradaram a parcela da população que não pos-
suía os privilégios da elite, ou seja, somente aqueles detentores do poder econômico: a burguesia.
Consequentemente, passaram a surgir movimentos sociais visando a ampliação do rol de direitos
humanos para abarcar os direitos sociais, como o direito à educação e à assistência social.
Assim afirma Giuseppe Tosi (2001):
A tradição liberal dos direitos do homem domina o período que vai do Século
XVII até a metade do Século XIX, quando termina a era das revoluções burgue-
sas. Nesta época, irrompe na cena política o socialismo, que encontra suas raízes
naqueles movimentos mais radicais da Revolução Francesa que queriam não
somente a realização da liberdade, mas também da igualdade.
O socialismo, sobretudo a partir dos movimentos revolucionários de 1848
(ano em que foi publicado o Manifesto da Partido Comunista, de Marx e
Engels), reivindica uma série de direitos novos e diversos daqueles da tradi-
ção liberal. A egalité da Revolução Francesa era somente (e parcialmente) a
Noções gerais de direitos humanos 15
igualdade dos cidadãos frente à lei, mas o capitalismo estava criando novas
grandes desigualdades econômicas e sociais e o Estado não intervinha para
pôr remédio a esta situação.
Os movimentos revolucionários de 1848 constituem um acontecimento chave
na história dos direitos humanos, porque conseguem que, pela primeira vez, o
conceito de “direitos sociais” seja acolhido na Constituição Francesa, ainda que
de forma incipiente e ambígua. [...] Estava assim aberto o longo e tortuoso ca-
minho que levaria progressivamente à inclusão de uma série de direitos novos e
estranhos à tradição liberal: direito à educação, ao trabalho, à segurança social,
à saúde etc. que modificam a relação do indivíduo com o Estado.
Na sua longa luta contra o absolutismo, o liberalismo considerava o Estado
como um mal necessário e mantinha uma relação de intrínseca desconfiança.
A questão central era a garantia das liberdades individuais contra a intervenção
do Estado nos assuntos particulares. Agora, ao contrário, tratava-se de obrigar o
Estado a fornecer um certo número de serviços para diminuir as desigualdades
econômicas e sociais e permitir a efetiva participação de todos os cidadãos à
vida e ao “bem-estar” social.
Surge o chamado Estado de bem-estar social, que passa a ser consagrado nas cartas consti-
tucionais (Constitucionalismo Social) por meio de diversos direitos sociais ao lado dos direitos
políticos e civis.
George Sarmento ensina que:
Muitos foram os textos precursores dos direitos sociais, econômicos e culturais.
Entre eles, a Constituição Francesa de 1848, a Constituição Mexicana de 1917,
a Declaração Russa dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918) e o
Tratado de Versailles, de 1919. Mas foi a Constituição alemã de 1919, mais co-
nhecida como Constituição de Weimar, que primeiro os sistematizou, criando
um catálogo de direitos que exerceu forte influência sobre os países democráti-
cos. (2011, p. 5-6)
A par disso – claro que não de forma uniforme e/ou linear, mas tentando se estabelecer
uma breve noção histórica dos pontos mais marcantes da história dos direitos humanos – não se
pode esquecer a relevância da Segunda Guerra Mundial para a internacionalização desta categoria
de direitos.
Somente após as barbáries ocorridas na Segunda Guerra Mundial é que o discurso de pro-
teção dos direitos humanos tomou uma dimensão universal e passou a ser alvo de preocupação
internacional.
Por isso, Fábio Konder Comparato sustenta:
após três lustros de massacres e atrocidades de toda sorte, iniciados com o for-
talecimento do totalitarismo estatal nos anos 30, a humanidade compreendeu,
mais do que em qualquer outra época da história, o valor supremo da dignidade
humana. O sofrimento como matriz da compreensão do mundo e dos homens,
segundo a lição luminosa da sabedoria grega, veio a aprofundar a afirmação
histórica dos direitos humanos. (2005, p. 54)
Poderíamos ficar aqui por diversas páginas analisando a influência dos acontecimentos de-
correntes da Segunda Guerra Mundial na evolução dos direitos humanos, mas apenas recordar
as atrocidades praticadas pelo nazismo durante aquele período já faz lembrar o total desrespeito
16 Direitos humanos e relações étnico-raciais
à condição do ser humano pelos regimes totalitaristas, que tiveram a capacidade de, legalmente,
transformar as pessoas em displaced persons – seres supérfluos.
Como ensina Flávia Piovesan (2015, p. 196), “o legado do nazismo foi condicionar a titula-
ridade de direitos, ou seja, a condição de sujeito de direitos, à pertinência de determinada raça – a
raça pura ariana”. Portanto, fundado numa legalidade estrita, o Estado Nazista conseguiu restringir
a condição de sujeito de direitos apenas àqueles sujeitos da raça pura ariana, negando o valor da
pessoa humana como valor fonte do direito.
Com o término da guerra surgiu uma necessidade de reconstrução dos direitos humanos.
Por isso, Piovesan afirma que “se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos,
o pós-guerra deveria significar sua reconstrução” (PIOVESAN, 2015, p. 196-197), mas em um
âmbito internacional, não se restringindo ao âmbito estatal.
Nesse contexto, Piovesan afirma que o Tribunal de Nuremberg, em 1945-1946, foi um signi-
ficativo impulso ao movimento de internacionalização dos direitos humanos, por meio da criação
de um Tribunal Militar Internacional com o fim de julgar os criminosos de guerra, bem como
consolidando a ideia de limitação da soberania nacional, reconhecendo-se que os indivíduos têm
direitos protegidos pelo Direito Internacional.
A vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial introduziu uma nova ordem com im-
portantes transformações no Direito Internacional: a criação das Nações Unidas, em 1945, com a
assinatura da Carta das Nações Unidas em 26 de junho de 1945, em São Francisco.
As Nações Unidas (chamadas de Organização das Nações Unidas – ONU) são organi-
zadas em diversos órgãos, sendo que os seis principais são a Assembleia Geral, o Conselho de
Segurança, a Corte Internacional de Justiça, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela
e o Secretariado.
É a carta das Nações Unidas de 1945 que “consolida, assim, o movimento de internacio-
nalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção desses
direitos a propósito e finalidade das Nações Unidas” (PIOVESAN, 2015, p. 209).
A Carta das Nações Unidas faz expressa referência aos direitos humanos nos arts. 1º (3),
13 (1 e 2), 55, 56 e 62 (2 e 3). Num exame detido da Carta das Nações Unidas se constata que esse
documento, embora faça expressa referência aos direitos humanos, não define o seu conteúdo, o
que somente veio a ser feito três anos depois, com o advento da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH).
Obviamente, essa breve análise histórica dos direitos humanos não foi capaz de abranger
todos os fatos históricos, mas os mais relevantes até o advento da DUDH foram examinados, o que
é suficiente para o objetivo proposto. Com base nesse exame histórico, constata-se que os direitos
humanos surgem de acordo com a necessidade de sua consagração: primeiro surgiram direitos
civis e políticos vinculados à necessidade de limitação do poder do Estado, e em seguida, surgiram
direitos econômicos, sociais e culturais, decorrentes da noção do Estado de bem-estar social.
Noções gerais de direitos humanos 17
Assim, surge a Teoria das Gerações ou Dimensões dos Direitos Humanos, lançada pelo ju-
rista francês de origem tcheca, Karel Vasak, que, em 1979, classificou os direitos humanos em três
gerações, cada uma com características próprias, sendo que atualmente outros autores defendem a
ampliação destas categorias para quatro e até cinco gerações (RAMOS, 2015, p. 55).
Karel Vasak vinculou cada uma das gerações a um dos componentes do dístico da Revolução
Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade (RAMOS, 2015, p. 55). São considerados direitos de
primeira geração os direitos de liberdade, os direitos vinculados às liberdades públicas e direitos
políticos, referindo-se aqueles direitos às prestações negativas, nas quais o Estado deve proteger a
esfera de autonomia do indivíduo, limitando a esfera de poder do Estado.
Dentre estes direitos, George Sarmento (2011, p. 3-4) cita a liberdade de expressão, a pre-
sunção de inocência, a inviolabilidade de domicílio, a proteção à vida privada, a liberdade de loco-
moção, os direitos da pessoa privada de liberdade, o devido processo legal, entre outros. No campo
dos direitos políticos, podem ser indicados: o direito ao voto (tanto de votar, como de ser votado),
o direito de ocupar cargos públicos, o direito à filiação partidária, entre outros.
Os direitos humanos de segunda geração são aqueles que passam a exigir um papel ativo
do Estado, visando garantir os chamados direitos sociais, econômicos e culturais, nascidos do
chamado Estado de bem-estar social. Dentre estes direitos, George Sarmento (2011, p. 7) cita:
a) Direitos sociais: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer segurança, pre-
vidência social, assistência aos desamparados, proteção à maternidade e à
infância [...].
b) Direitos econômicos: valorização do trabalho, livre iniciativa, função social da
propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualda-
des regionais e sociais etc. [...].
c) Direitos culturais: acesso às fontes da cultura nacional, valorização e difu-
são das manifestações culturais, proteção às culturas populares, indígenas e
afro-brasileiras; proteção ao patrimônio cultural brasileiro, que são os bens de
natureza material e imaterial portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
George Sarmento (2011, p. 12), advertindo que não existe consenso na existência da quar-
ta geração (quem dirá nas espécies de direitos que estariam inclusas nessa categoria), entende
que dentre esses direitos estariam, também, os direitos de informática, oriundos da Sociedade
de Informação.
Embora não haja concordância em relação às dimensões dos direitos humanos ou à forma
de sua classificação, há consenso em relação ao seu fundamento axiológico (referente a um con-
ceito de valor), sendo que, seja doutrinariamente, seja normativamente, os direitos humanos são
extraídos, em essência, da noção de dignidade da pessoa humana, das exigências consideradas
imprescindíveis e inescusáveis a uma vida digna e da proteção do ser humano.
Conceituar a dignidade da pessoa humana é uma tarefa difícil, sendo mais fácil se constatar
no caso concreto a ofensa à dignidade do que definir o que é viver com dignidade. Porém, é inegá-
vel que a dignidade é um conceito a priori, anterior a própria existência do ordenamento jurídico;
é um dado prévio, uma qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana e que
está em constante processo de desenvolvimento de acordo com o momento histórico e cultural da
sociedade (SARLET, 2002, p. 40).
1 Tradução livre da autora, referente ao trecho original: “Toda una seria de nuevos derechos – algunos ya consolida-
dos y otros en proceso de serlo-tales como el derecho a la protección del genoma humano contra prácticas contrarias a la
dignidad del individuo, a la autodeterminación genética, a la privacidad genética, a la no-discriminación por razones genéti-
cas, al consentimento libre e informado para la realización de estudios genéticos, etc., conforman uma nueva dimensión de
los Derechos Humanos, categoría histórica que permanentemente en su camino fue adaptándose a los requerimientos y a
las necesidades del momento, para proteger al hombre en su dignidad y en su libertad” (BERGEL, 2002. p. 329).
Noções gerais de direitos humanos 19
Flavia Piovesan (2015, p. 215) ressalta que “a Declaração consolida a afirmação de uma éti-
ca universal ao consagrar um consenso sobre valores de cunho universal a serem seguidos pelos
Estados”, o que é observado desde o seu preâmbulo ao afirmar a consagração da dignidade humana
como valor universal.
A autora demonstra com clareza as razões históricas da necessidade de a Declaração ressal-
tar expressamente a característica de universalidade desses direitos:
A Declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial
fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos uni-
versais. Desde seu preâmbulo, é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa
humana, titular de direitos iguais e inalienáveis. Vale dizer, para a Declaração
Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularida-
de de direitos. A universalidade dos direitos humanos traduz a absoluta ruptura
com o legado nazista, que condicionava a titularidade de direitos à pertinência à
determinada raça (a raça pura ariana). A dignidade humana como fundamento
dos direitos humanos e valor intrínseco à condição humana é concepção que,
posteriormente, viria a ser incorporada por todos os tratados e declarações de
direitos humanos, que passaram a integrar o chamado Direito Internacional dos
Direitos Humanos. (PIOVESAN, 2015, p. 216)
Entre os direitos que disciplinam a declaração, alguns fazem expressa referência aos direitos
civis (exemplos: art. XVII e XVIII) e políticos (exemplo: o artigo XXI), além dos direitos econô-
micos (exemplo: art. XXIII, também exemplo de direito social), sociais (exemplo: artigo XXV)
e culturais (exemplo: artigo XXVII), o que demonstra com clareza a adequação dos momentos
históricos decorrentes do discurso liberal e social, evidenciando as diferentes gerações de direitos
humanos e demonstrando a sua inter-relação e interdependência, sem que uma geração venha a
substituir a outra.
20 Direitos humanos e relações étnico-raciais
A doutrina jurídica muito discutiu sobre a eficácia da DUDH diante do fato de ter sido ado-
tada sob a forma de uma Resolução, que, no âmbito do ordenamento jurídico, não possui força de
lei em sentido estrito. A posição majoritária é que a Declaração possui, sim, força jurídica vincu-
lante como fonte de direito, seja por integrar o direito costumeiro internacional e/ou os princípios
gerais de direito.
Assim, leciona Flávia Piovesan:
Para este estudo, a Declaração Universal de 1948, ainda que não assuma a forma
de tratado internacional, apresenta força jurídica obrigatória e vinculante, na
medida em que constitui a interpretação autorizada da expressão “direitos hu-
manos” constante dos arts. 1.º (3) e 55 da Carta das Nações Unidas. Ressalta-se
que, à luz da Carta, os Estados assumem o compromisso de assegurar o respeito
universal e efetivo aos direitos humanos.
Ademais, a natureza jurídica vinculante da Declaração Universal é reforçada
pelo fato de – na qualidade de um dos mais influentes instrumentos jurídicos e
políticos do século XX – ter-se transformado, ao longo dos mais de cinquenta
anos de sua adoção, em direito costumeiro internacional e princípio geral do
Direito Internacional. (PIOVESAN, 2015, p. 225-226)
É inegável a força vinculante da DUDH quando se examina diversos outros textos de trata-
dos e documentos internacionais relacionados aos direitos humanos, bem como, e em essência, ao
se pesquisar as Constituições Nacionais e se constatar que aqueles mesmos direitos humanos foram
incorporados no âmbito nacional, inclusive em decisões judiciais de tribunais locais.
Em razão dessa discussão sobre a força vinculante da DUDH, iniciou-se uma ampla discussão
internacional com o objetivo de juridicização2 da Declaração em forma de tratado internacional.
Esse processo foi concluído em 1966 com a elaboração de dois tratados internacionais – o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais – que incorporaram os direitos constantes na DUDH (PIOVESAN, 2015, p. 238).
A união desses pactos e da DUDH deu origem à Carta Internacional dos Direitos Humanos,
International Bill of Rights, formando, assim, o sistema global de proteção dos direitos humanos, que
vem sendo ampliado constantemente com tratados multilaterais de direitos humanos, pertinentes
a determinadas e específicas violações de direitos, como, por exemplo, a violação dos direitos das
crianças, das mulheres, discriminação racial, entre outras (PIOVESAN, 2015, p. 238-239).
Portanto, além da DUDH e dos Pactos já indicados, podemos citar, dentre outras:
• Convenção para Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio;
• Convenção Internacional contra a Tortura;
• Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial;
• Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher;
• Convenção sobre os Direitos da Criança;
• Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
2 Juridicização significa o ingresso de determinado documento, no caso a DUDH, no mundo jurídico, deixando de ser
mera carta de intenções e passando a ter conteúdo de norma jurídica, de lei em sentido estrito.
Noções gerais de direitos humanos 21
À ONU, por meio de seus diversos órgãos, cabe também a proteção aos direitos humanos,
conforme já examinamos antes. Por isso, em 1946, foi criada a Comissão de Direitos Humanos, a
qual, após mais de 50 anos de trabalho, em 24 de março de 2006 teve sua última sessão, sendo abo-
lida em 16 de junho de 2006 e substituída pelo Conselho de Direitos Humanos.
A criação do Conselho de Direitos Humanos objetivou dar maior credibilidade à temática
no âmbito da ONU, pois, ao contrário da comissão anterior, este não se submete ao conselho de
direito econômico e social, sendo subsidiário da Assembleia Geral. O Conselho passa a gozar de
uma natureza semipermanente, possuindo reuniões várias vezes ao ano e não somente uma, como
ocorria anteriormente (VIEGAS, SILVA, 2013, p. 104).
O conselho é formado por 47 Estados-membros, eleitos diretamente pela Assembleia Geral
da ONU com base no princípio do escrutínio universal3 e da não seletividade política, observando-
-se a distribuição geográfica equitativa entre os grupos regionais, sendo: 13 membros dos Estados
africanos; 13 membros dos Estados asiáticos; 6 membros dos Estados do Leste Europeu; 8 mem-
bros dos Estados da América Latina e Caribe; e 7 membros dos Estados da Europa Ocidental e
demais Estados.
Conforme afirma Flávia Piovesan (2015, p. 212), a composição do Conselho aponta novo
critério para a formação das maiorias, pois os países com reduzido e médio graus de desenvolvi-
mento contarão com expressiva maioria de 40 membros.
Entre as suas principais atribuições, o Conselho tem como vocação institucional “promover
o respeito universal pela proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais de to-
das as pessoas, sem distinções de nenhum tipo e de forma justa e equitativa” (Assembleia Geral,
Resolução 60/251, parágrafo 2, apud BORGES, 2011).
E, ainda, o Conselho se ocupará de:
[...] situações em que se violem os direitos humanos, incluídas as violações
graves e sistemáticas; coordenar e incorporar os direitos humanos à atividade
geral do sistema da ONU; impulsionar a promoção e a proteção de todos os
direitos humanos, incluído o direito ao desenvolvimento; promover a educação
em direitos humanos e prestar serviços de assessoria técnica por solicitação e de
acordo com os Estados interessados; servir de fórum para o diálogo sobre ques-
tões temáticas referentes a todos os direitos humanos; contribuir para o desen-
volvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos; promover o pleno
cumprimento das obrigações em matéria de direitos humanos contraídas pelos
Estados; facilitar o acompanhamento dos objetivos e compromissos sobre direi-
tos humanos emanados das conferências e cúpulas das Nações Unidas; realizar
um exame periódico universal, baseado em informação objetiva e fidedigna,
sobre o cumprimento por cada Estado de suas obrigações e compromissos em
matéria de direitos humanos, de uma forma que garanta a universalidade do
exame e a igualdade de tratamento em relação a todos os Estados, baseado num
diálogo interativo, com a plena participação do país de que se trate e levará em
consideração suas necessidades em relação ao fomento da capacidade; prevenir
as violações de direitos humanos e responder com prontidão às situações de
3 Escrutínio significa a forma como o exercício do direito ao voto se realiza. Ao se falar em escrutínio universal se dá a ideia
de que o direito ao voto será exercido por todos, sem restrições como as advindas de raça, credo ou sexo, por exemplo.
22 Direitos humanos e relações étnico-raciais
A grande novidade trazida pelo Conselho de Direitos Humanos foi a Revisão Periódica
Universal (RPU), que é um mecanismo por meio do qual se realiza um exame da situação de direi-
tos humanos da totalidade dos Estados-membros da ONU em ciclos de quatro anos (no primeiro
ciclo) e quatro anos e meio (a partir do segundo ciclo).
Ressalta Marisa Viegas e Silva (2013, p. 113):
Observe-se que o objetivo da RPU não é de duplicar o trabalho já exercido
pelos órgãos para fiscalizar a aplicação dos tratados de direitos humanos e os
procedimentos especiais, mas complementá-lo. Neste sentido, a RPU distin-
gue-se desses outros mecanismos por algumas características, como seu caráter
essencialmente interestatal, o fato de que as recomendações emanam do Estado
individualmente e não do Conselho como órgão; a possibilidade de aceitação
ou rejeição da recomendação por parte do Estado examinado, com a conse-
quência de que somente as recomendações aceitas devem ser implementadas; a
universalidade da revisão e dos direitos objetos da revisão. Ainda a este respeito,
durante os primeiros anos de atividade há registros de intercâmbio positivo
de informação entre a RPU e os demais mecanismos – por exemplo, algumas
recomendações formuladas durante o RPU foram utilizadas pelos órgãos encar-
regados de verificar o cumprimento dos tratados de direitos humanos ou pelos
procedimentos especiais e, por outro lado, muitos Estados utilizaram sua par-
ticipação na RPU para comentar suas atividades perante aqueles mecanismos,
ou para realizar recomendações a terceiros países relativas a tais mecanismos.
Podemos afirmar, inclusive, que em certo sentido a Revisão Periódica Universal
tem funcionado como ferramenta de estímulo à implementação das obrigações
dos procedimentos especiais e dos órgãos estabelecidos em virtude dos tratados.
Portanto, o Estado-membro que passa pela revisão periódica universal participa da avalia-
ção e assume compromissos voluntários relacionados às recomendações decorrentes da RPU.
A par do Conselho de Direitos Humanos, o Pacto de Direitos Civis e Políticos determinou
a constituição do Comitê de Direitos Humanos, que é integrado por 18 membros que exercem a
sua função a título pessoal. Esses membros são indicados pelos Estados-partes do Pacto e devem
ser pessoas de elevada reputação moral e reconhecida competência em matéria de direitos huma-
nos. Cada Estado-parte pode indicar duas pessoas que devem ser naturais do país que as indicou,
passando-se por eleição que se dá mediante votação secreta entre os Estados-partes em reunião
convocada pelo Secretário-Geral da ONU, não podendo ser eleito mais de um nacional do mesmo
Estado (RAMOS, 2015, p. 288).
O Comitê tem competência de examinar os relatórios sobre as medidas adotadas para tor-
nar efetivos os direitos reconhecidos no Pacto; emitir recomendações aos Estados-partes; rece-
ber e examinar comunicações em que um Estado-parte alegue que outro não vem cumprindo as
Noções gerais de direitos humanos 23
obrigações previstas no Pacto; e comunicações de indivíduos que aleguem ser vítimas de violação
de qualquer dos direitos previstos no Pacto (RAMOS, 2015, p. 289-290).
Podemos citar, ainda, entre organismos vinculados à proteção dos direitos humanos, o
Conselho Econômico e Social, órgão das Nações Unidas responsável por coordenar assuntos inter-
nacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, de saúde e conexos; e o seu respectivo
Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (RAMOS, 2015, p. 291-292).
Mencionamos, ainda, o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, o Comitê para
a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, o Comitê contra a Tortura, o Comitê para os
Direitos da Criança, o Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o Comitê contra
Desaparecimentos Forçados.
Finalmente, não podemos esquecer do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos
Humanos, criado por meio da Resolução n. 48/141 da Assembleia Geral da ONU, de 20 de dezem-
bro de1993, cujo objetivo é unir todos os esforços das Nações Unidas no que tange a proteção dos
direitos humanos. O Alto Comissário é alguém de elevada idoneidade moral e integridade pessoal,
devendo ser expert no campo dos Direitos Humanos, sendo indicado pelo Secretário-Geral da
ONU e aprovado pela Assembleia Geral, tendo em conta uma alternância geográfica (RAMOS,
2015, p. 317-319).
Ao lado desses organismos vinculados à ONU, temos órgãos regionais, decorrentes de um
sistema regional de proteção aos direitos humanos. Entre eles, podemos citar o sistema regional
americano da Organização dos Estados Americanos (OEA), que é o mais antigo organismo regio-
nal do mundo, tendo sido fundado em 1948, com a aprovação da Carta da OEA e a Declaração
Americana de Direitos e Deveres do Homem.
A Declaração Americana anterior, inclusive, à Declaração Universal, já reconhecia a
universalidade dos direitos humanos e, juntamente com a Carta da OEA, trazia disposições
sobre direitos humanos.
Dentre os saltos de desenvolvimento do sistema interamericano de proteção de direitos hu-
manos, deve ser citada a aprovação do texto da Convenção Americana de Direitos Humanos (assi-
nada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José – Costa
Rica, em 22 de novembro de 1969), que criou órgãos como a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A Convenção Americana veio aprimorar a redação dos direitos enunciados na Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, mas vinculando os Estados membros da OEA e tra-
zendo um extenso rol de direitos protegidos, dentre os quais direitos civis, políticos, econômicos,
sociais e culturais (RAMOS, 2015, p. 251-262).
Finalmente, somente para esclarecer a adoção, pelo Brasil, dos principais documentos inter-
nacionais de proteção dos direitos humanos, trazemos, a seguir, uma relação desses documentos
com a correspondente data de adoção e ratificação pelo nosso país:
24 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Instrumento Data da
Data de adoção
internacional ratificação
Pacto Internacional dos Direitos Civis Adotado pela Res. 2.200-A (XXI) da Assembleia
24/01/1992
e Políticos Geral das Nações Unidas em 16/12/1966
Pacto Internacional dos Direitos Adotado pela Res. 2.200-A (XXI) da Assembleia
24/01/1992
Econômicos, Sociais e Culturais Geral das Nações Unidas em 16/12/1966
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Adotada pela Res. 34/180 da Assembleia Geral
01/02/1984
formas de Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas em 18/12/1979
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Adotada pela Res. 2.106-A (XX) da Assembleia
27/03/1968
Formas de Discriminação Racial Geral das Nações Unidas em 21/12/1965
Instrumento Data da
Data de adoção
internacional ratificação
Adotada e aberta à assinatura na Conf. Especia-
Convenção Americana de Direitos Humanos lizada Interamericana sobre Direitos Humanos, 25/09/1992
em São José, Costa Rica, em 22/11/1969
O artigo 4º, inciso II, faz, pela primeira vez, expressa referência aos direitos humanos: “pre-
valência dos direitos humanos” (BRASIL, 1988).
Quanto ao rol de direitos humanos, a Constituição de 1988 é considerada um marco na
história constitucional brasileira, pois “introduziu o mais extenso e abrangente rol de direitos das
mais diversas espécies, incluindo os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, além
de prever várias garantias constitucionais, algumas inéditas, como o mandato de injunção e o
habeas data” (RAMOS, 2015, p. 369).
Entre os direitos expressamente reconhecidos no texto constitucional, há uma extensa relação
de direitos individuais e coletivos (Capítulo I, art. 5°), de direitos sociais (Capítulo II, art. 6° a 11), de
direitos de nacionalidade (Capítulo III, art. 12 e 13) e de direitos políticos (Capítulo IV, art. 14 a 16).
E, como se não bastasse, a Constituição brasileira estabelece expressamente que o rol nela
existente não é exaustivo: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988, art. 5º, §2º).
Não se pode, em hipótese alguma, deixar de ressaltar que as normas que estabelecem direi-
tos e garantias individuais são cláusulas pétreas (art. 60, §4º, IV da CF), ou seja, não podem ser
objeto de emenda constitucional, nem sofrer qualquer espécie de alteração legislativa.
Buscando a implementação de todas as espécies de direitos humanos, a Conferência Mundial
de Viena, de 1993, organizada pela Organização das Nações Unidas, promulgou a Declaração e o
Programa de Ação, estabelecendo, inclusive, o dever dos Estados de adotar planos nacionais de
direitos humanos (RAMOS, 2015, p. 420).
Em 13 de maio de 1996, foi editado pela Presidência da República o Decreto n. 1.904, que
criou o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) cuja meta era realizar um diagnóstico
da situação desses direitos no país e medidas para a sua defesa e promoção. Esse PNDH foi deno-
minado de PNDH-1 e estava voltado à garantia de proteção dos direitos civis, com especial foco no
combate à impunidade e à violência policial (RAMOS, 2015, p. 421-422).
O PNDH-2, aprovado pelo Decreto n. 4.229/2002, dava ênfase aos direitos sociais em senti-
do amplo e de grupos vulneráveis, como os direitos dos afrodescendentes, dos povos indígenas, de
orientação sexual, consagrando o multiculturalismo (RAMOS, 2015, p. 422).
Já o PNDH-3, aprovado em 2009, adotou eixos orientadores:
• Interação democrática entre Estado e Sociedade Civil;
• Desenvolvimento e direitos humanos;
• Universalização de Direitos em um Contexto de Desigualdades;
• Segurança Pública, acesso à Justiça e Combate à Violência;
• Educação e Cultura em Direitos Humanos;
• Direito à Memória e à Verdade. (RAMOS, 2015, p. 423)
órgãos do Poder Executivo e presidido pelo Secretário de Direitos Humanos, responsável por de-
signar os demais representantes (RAMOS, 2015, p. 424-425).
Com o objetivo de intensificar a proteção dos direitos humanos – e levando em considera-
ção a diversidade regional e cultural –, vários estados brasileiros adotaram programas estaduais de
direitos humanos, sendo o primeiro deles o estado de São Paulo, pelo Decreto n. 42.209/97, que
criou o PEDH, designando a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania para coordenar as ini-
ciativas governamentais ligadas ao PEDH.
Entre as principais instituições de defesa dos direitos humanos na esfera do executivo fede-
ral, temos:
a) Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República;
b) Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos;
c) Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e Secretaria de
Políticas para as Mulheres;
d) Conselho de Direitos Humanos;
e) Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescentes – Conanda;
f) Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – Conade;
g) Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – CNDI;
h) Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – CNCD-LGBT;
i) Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos – CEMDP;
j) Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo – Conatrae;
k) Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos – CNEDH;
l) Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR;
m) Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM. (RAMOS, 2015,
p. 429-459)
O estado conta ainda com o COPED – Conselho Permanente dos Direitos Humanos do
Estado do Paraná, “um órgão de caráter permanente, autônomo, deliberativo e paritário, que conta
com a participação de representantes do Governo do Estado e de Organizações não Governamentais
ligadas à defesa dos Direitos Humanos” (PARANÁ, 2018).
Além do COPED, também integra a estrutura do Departamento de Direitos Humanos e
Cidadania – DEDIHC os seguintes conselhos (PARANÁ, 2018):
• Conselho Estadual de Proteção às Vítimas de Abuso Sexual – Copeas.
• Conselho Estadual de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Estado do Paraná
– CPICT/PR.
• Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial – Consepir.
• Conselho Gestor do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de
Morte – PPCAAM/PR.
• Conselho Deliberativo do Programa Estadual de Assistência às Vítimas e Testemunhas
Ameaçadas – Provita/PR.
Citamos, também, o estado do Rio de Janeiro, que conta com a Secretaria de Estado de
Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), “responsável pela gestão e coordenação da Política
de Assistência Social, Segurança Alimentar, Transferência de Renda e Promoção da Cidadania e
Direitos Humanos no Estado” (RIO DE JANEIRO, 2018).
Entre os estados que possuem secretarias específicas de proteção dos direitos humanos, tam-
bém podemos indicar o estado da Bahia, que possui a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e
Desenvolvimento Social (SJDHDS), responsável por executar políticas públicas voltadas à proteção
e promoção dos direitos humanos e ao desenvolvimento social (BAHIA, 2018).
Integram a estrutura da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social
(SJDHDS) do estado da Bahia: Conselho Estadual de Assistência Social (Ceas); Conselho Estadual
dos Direitos da Criança e do Adolescente (Ceca); Conselho Estadual de Defesa do Consumidor
(CEDC/BA); Conselho Estadual de Entorpecentes (Conen/BA); Conselho Estadual dos Direitos
da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT; Conselho Estadual
dos Direitos dos Povos Indígenas do Estado da Bahia (Copiba); Conselho Estadual de Proteção
dos Direitos Humanos (CEPDH); Conselho Estadual do Idoso (CEI); Conselho Estadual dos
Direitos da Pessoa com Deficiência (Coede/BA); Conselho Gestor do Fundo Estadual de Proteção
Noções gerais de direitos humanos 29
Atividades
1. Leia o texto a seguir:
balho vista como degradante pela sociedade, os catadores fizeram do lixo uma maneira de
obter a renda para o próprio sustento.
No entanto, estes catadores à medida que estão buscando seu sustento e ao mesmo tempo
lutando contra a exclusão social, estão desenvolvendo uma atividade de grande importância
ao meio ambiente e consequentemente à sociedade. Nesse sentido cabe destacar o papel
do catador como agente disseminador de uma cultura ambientalista e analisar a sua pró-
pria consciência como importante agente ambiental. Neste contexto, e analisando a relação
desses “trabalhadores” com o ambiente, pressupõe-se que estes catadores apresentam uma
consciência ambiental.
(Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, v. 19, jul./dez. 2007.)
Com base na análise do texto anterior, reflita quais gerações de direitos humanos, em espe-
cial, estão sendo violadas com a descrição retratada no texto.
O caráter universalizante dos direitos do homem [...] não é da ordem do saber teórico, mas do
operatório ou prático: eles são invocados para agir, desde o princípio, em qualquer situação dada.
(François JULIEN, filósofo e sociólogo)
No ano (2008) em que são comemorados os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, novas perspectivas e concepções incorporam-se à agenda pública brasileira. Uma
das novas perspectivas em foco é a visão mais integrada dos direitos econômicos, sociais,
civis, políticos e, mais recentemente, ambientais; ou seja, trata-se da integralidade ou indivi-
sibilidade dos direitos humanos. Dentre as novas concepções de direitos, destacam-se:
• a habitação como moradia digna e não apenas como necessidade de abrigo e proteção;
• a segurança como bem-estar e não apenas como necessidade de vigilância e punição;
• o trabalho como ação para a vida e não apenas como necessidade de emprego e renda.
Tendo em vista o exposto acima, selecione uma das concepções destacadas e esclareça por
que ela representa um avanço para o exercício pleno da cidadania, na perspectiva da integra-
lidade dos direitos humanos. Seu texto deve ter entre 8 e 10 linhas.
3. Escolha um dos direitos humanos e disserte sobre o tema, analisando-o com base na DUDH
e na Constituição Federal.
2
Dos direitos das crianças e dos adolescentes
Gisele Echterhoff
Foi após a Segunda Guerra Mundial que surgiu uma preocupação efetiva com a proteção
das crianças e dos adolescentes. Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), em
1948, as Nações Unidas fizeram menção expressa a essa proteção, no artigo XXV, item 2: “A ma-
ternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas
dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.” (ONU, 1948, grifos nossos).
Porém, antes mesmo dessa expressa referência pela DUDH foi criado, em 11 de dezembro
de 1946, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef), cujos primeiros programas “forneceram assistência emergencial a milhões de crianças no
período pós-guerra na Europa, no Oriente Médio e na China” (UNICEF BRASIL, 2018a).
Alguns países entenderam que a missão do Unicef teria sido alcançada com a reconstrução
da Europa no pós-guerra, mas algumas nações mais pobres argumentaram que a ONU não poderia
ignorar as condições das crianças ameaçadas pela fome e pela doença em outros países, o que fez com
que o Unicef se tornasse órgão permanente do sistema das Nações Unidas em 1953, passando a ter
como objetivo atender às crianças de todo o mundo em desenvolvimento (UNICEF BRASIL, 2018a).
Em 20 de novembro de 1959, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclama a Declaração
dos Direitos da Criança, com uma visão bastante diferente da Declaração de Genebra. O discurso
protetor é substituído por outro de reconhecimento da criança como sujeito titular de direitos, e
não mais como objeto de proteção (MATTIOLI; OLIVEIRA, 2013).
Embora a Declaração de Direitos da Criança tenha demonstrado um significativo avanço
ao assegurar um rol de direitos às crianças, essa declaração (da mesma forma que a Declaração de
Genebra), por não ter força obrigatória nem qualquer coercibilidade, não passou de uma carta de
intenções (MATTIOLI; OLIVEIRA, 2013, p. 17).
Em 20 de novembro de 1989 foi adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas a Convenção sobre os Direitos da Criança, destacando-se como o tratado internacional
de proteção de direitos humanos com o mais elevado número de ratificações. Até o ano de 2014,
contava com 193 Estados-partes (PIOVESAN, 2015).
Somente no ano de 1990 esse documento foi oficializado como lei internacional, passando a
vigorar obrigatoriamente e possuindo força coercitiva (UNICEF BRASIL, 2018b). No seu primeiro
artigo, a Convenção define quem é criança: “Para efeitos da presente convenção considera-se como
criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a
lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes” (ONU, 1989).
Flávia Piovesan (2015) ressalta que a convenção adota um elenco extenso de direitos às
crianças, incluindo na categoria de direitos, os civis, os políticos, os econômicos, os sociais e os
culturais, acolhendo e dando ênfase especial ao desenvolvimento integral da criança como verda-
deiro sujeito de direitos.
Por isso se afirma que, com essa convenção, adota-se a doutrina da proteção integral à criança e
ao adolescente, reconhecendo, com base na concepção do princípio da dignidade da pessoa humana,
que a criança e o adolescente são como sujeitos titulares de direitos fundamentais e que precisam de
proteção especial e com prioridade, diante de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Dos direitos das crianças e dos adolescentes 33
Dentro dessa concepção, o artigo 3º, item 1, da Convenção estabelece: “Todas as ações relati-
vas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais,
autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o melhor
interesse da criança.” (ONU, 1989, grifos nossos).
A partir daí começaram a se estabelecer as bases do princípio The Best Interest (o melhor
interesse, em inglês) como padrão quando se trata de questões relacionadas à proteção da criança
e do adolescente. Esse princípio estabelece que, no caso concreto, devem sempre ser considerados
os interesses da criança em detrimento dos interesses dos pais, interpretando-se a circunstância
concreta com base na visão do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento dos
direitos humanos (AZAMBUJA, 2016).
A Convenção de 1989 estabeleceu um rol de direitos, entre eles: direito à vida (art. 6º); direito
ao nome, à nacionalidade, a conhecer os pais e a ser cuidado por eles (art. 7º); direito à identidade
(art. 8º), proteção ante a separação dos pais (art. 9º), à liberdade de expressão (art. 13), pensamento,
consciência e crença (art. 14); proteção contra exploração e abuso sexual (art. 19); acesso a serviços
de saúde e previdência social (art. 24, 25 e 26); direito à educação (art. 28); direito ao descanso e
ao lazer (art. 31); proteção contra a exploração econômica, com a fixação de idade mínima para
admissão em emprego (art. 32), entre outros.
A par da Convenção sobre os Direitos da Criança, visando fortalecer o rol de medidas prote-
tivas “no tocante à exploração econômica e sexual de crianças e no tocante à participação de crian-
ças em conflitos armados, foram adotados, em 25 de maio de 2000, dois Protocolos Facultativos
à Convenção” (PIOVESAN; PIROTTA, 2015, p. 462), por meio da Resolução A/RES/54/263 da
Assembleia Geral das Nações Unidas:
• Protocolo Facultativo sobre a Venda de Crianças, Prostituição e Pornografia Infantis;
• Protocolo Facultativo sobre o Envolvimento de Crianças em Conflitos Armados.
Com o objetivo de controlar e fiscalizar os direitos enunciados na Convenção e visando
cumprir o disposto no seu artigo 43, foi instituído o Comitê sobre os Direitos da Criança, ao qual
“cabe monitorar a implementação da Convenção, por meio do exame de relatórios periódicos en-
caminhados pelos Estados-partes” (PIOVESAN; PIROTTA, 2015, p. 462).
O Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança em 24 de setembro de 1990 e
promulgou-a no âmbito interno por meio do Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990, bem
como ratificou os Protocolos Facultativos em 27 de janeiro de 2004.
Em 19 de dezembro de 2011 foi adotado o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os
Direitos da Criança relativo ao procedimento de comunicações1, com o objetivo de instituir os
child-sensitive procedures (procedimentos sensíveis à criança, em tradução livre). Esse protocolo
habilita o Comitê de Direitos da Criança a:
apreciar petições individuais (inclusive no caso de violação a direitos econômi-
cos, sociais e culturais); a adotar “interim measures” quando houver urgência, e
• Estar presente nas ações emergenciais sempre que a infância estiver ameaçada.
• Garantir o cumprimento da Convenção sobre os Direitos da Criança.
• Combater qualquer tipo de discriminação, especialmente as sofridas por meninas
e mulheres.
• Ajudar os países para que alcancem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).
• Assegurar a paz e a segurança.
• Estimular a participação dos adolescentes nos processos de decisão em sua comunidade,
em sua cidade, em seu estado e em seu país.
Foi a Constituição Federal de 1988 que consolidou os ideais da Convenção sobre os Direitos
da Criança, sendo que a proteção estabelecida nos artigos do Capítulo VII da nossa Constituição
foi regulamentada pela Lei n. 8.069/90.
O ECA foi sancionado em 13 de julho de 1990 e dispõe sobre a proteção integral à criança
e ao adolescente, ou seja, foi consagrado no âmbito do Direito Brasileiro o princípio da proteção
do melhor interesse da criança, estabelecendo expressamente no seu artigo 3º que a criança e o
adolescente gozem de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo
da proteção integral, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e as
facilidades, a fim de facultar-lhes o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em
condições de liberdade e de dignidade.
O ECA afasta (revoga) a ideia do Código de Menores (Lei n. 6.697/79) e do Código Civil de
1916, que somente protegiam a criança e o adolescente em situação irregular, ou seja, aqueles que
eram privados das condições essenciais para o seu desenvolvimento.
A partir da promulgação da CF/1988 e da sua regulamentação pela legislação estatutária, a
criança deixa de ser objeto a ser protegido e passa a ser sujeito de direitos, detentora de dignidade
a ser assegurada pelos pais, pela família, pelo Estado e por toda a sociedade. Reconhecendo essa
mudança de perspectiva, Ana Carolina Figueiro Longo explica (2015, p. 416):
É relevante destacar que apenas a partir da promulgação da constituição vigente
que se assegurou, na condição de direito subjetivo, a proteção da infância e ju-
ventude. Foi criado, pois, um microssistema de atenção especial, que assegura
a proteção integral.
Esta é uma mudança de perspectiva importante, que viabiliza a mobilização das
ações estatais para as condições especiais desta população de pessoas em desen-
volvimento. Veja-se que, antes, crianças e adolescentes que não estavam integra-
dos na proteção de um núcleo familiar eram vistos como um problema social
e a política estatal estabelecida se voltava apenas para a proteção da sociedade.
Positivado um extenso rol de direitos fundamentais destinados a essa parcela da
população a partir de 1988, elas passaram a ser reconhecidas como sujeitos de
direitos e, portanto, objetos de políticas públicas especificamente voltadas para
a proteção de seus interesses. Esta compreensão é uma conquista recente, visto
que os primeiros atos normativos brasileiros que cuidavam da infância e juven-
tude ocupavam-se ora com uma concepção assistencialista aos “desamparados”,
ora com o aspecto criminal de seu comportamento.
A autora continua esclarecendo como passou a ser a atuação do Estado a partir dessa nova visão:
Dos direitos das crianças e dos adolescentes 37
Vale destacar a grande mudança que a nova Constituição causou para a pro-
teção da criança e do adolescente, visto que deixam de ser objeto da atenção
do Estado apenas quando destituídos de suas famílias ou em situação de de-
linquência. A partir do reconhecimento constante do art. 227 da Constituição,
passam as ser objetos de políticas públicas específicas, observando a responsa-
bilidade do Estado de zelar pela integridade de toda criança e adolescente, com
máxima prioridade.
Assim, se abre espaço para uma série de readequações do Direito à sociedade
brasileira em transformação, viabilizando a modificação desde o reconheci-
mento da criança e do adolescente, como sujeitos de direitos, como dito, até o
reconhecimento que o próprio conceito de família se modifica sensivelmente.
Antes em uma situação de desamparo, e objeto de uma política assistencialista
e de necessidade de controle social, a criança e o adolescente que estão fora de
seu contexto familiar, agora, merecem proteção no texto constitucional como
sujeitos de direitos.
Ao Poder Público se imbuiu o dever de zelar para que toda a criança e o ado-
lescente possa se desenvolver no âmbito familiar, ainda que se trate de famí-
lia substituta na ausência ou impossibilidade da família biológica acolhê-los.
(LONGO, 2015, p. 429)
Portanto, a partir da vigência do ECA, essa legislação passa a regular a situação jurídica de
todas as crianças e adolescentes até 18 anos de idade, independentemente da sua condição, não
havendo mais a distinção ocorrida pelo Código de Menores, o qual somente era aplicável aos me-
nores em condições irregulares.
Assim, as crianças e os adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais garantidos à
pessoa humana, tanto aqueles reconhecidos de forma expressa pela legislação nacional, quanto os
previstos em tratados internacionais (PIOVESAN, PIROTTA, 2015).
Passemos a um exame superficial de alguns dos dispositivos do ECA. Primeiramente,
ele define quem é criança e quem é adolescente, estabelecendo que se considera criança a
pessoa de até doze anos de idade incompletos e adolescente aquela compreendida entre doze e
dezoito anos. Porém, destaca a legislação estatutária que pode ser aplicada, excepcionalmente,
às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade, nos casos expressos em lei, conforme o
artigo 2º e parágrafo único.
O Estatuto da Criança e do Adolescente se estrutura em Parte Geral e Parte Especial.
A primeira aponta os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes no Título II (art. 7º ao
art. 69), dentre eles, o direito à vida e à saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade, à convivência
familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à profissionalização e à proteção
no trabalho.
No artigo 7º expressamente, além de garantir o direito à vida e à saúde, estabelece que cabe
ao Estado a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio
e harmonioso, em condições dignas de existência. Ou seja, determina ações positivas do Estado
para assegurar aqueles direitos.
A legislação estatutária também assegura atendimento integral à saúde pelo Sistema Único
de Saúde – SUS, não somente à criança e ao adolescente (art. 11 do ECA), mas também às gestantes
38 Direitos humanos e relações étnico-raciais
b) lesão;
II – tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em
relação à criança ou ao adolescente que:
a) humilhe; ou
b) ameace gravemente; ou
c) ridicularize.
Art. 18-B – Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os
agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa
encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou pro-
tegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como
formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão su-
jeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão
aplicadas de acordo com a gravidade do caso:
I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
III – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
IV – obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;
V – advertência.
Parágrafo único. As medidas previstas neste artigo serão aplicadas pelo
Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais. (BRASIL, 1990,
incluído em 2014)
Em regra, a interpretação conferida aos referidos dispositivos é que, a partir de sua vigência,
é vedado qualquer tipo de castigo físico (uso da força física que resulte em sofrimento ou lesão
física), ou tratamento cruel e/ou degradante (conduta que humilhe, ameace gravemente ou ridi-
cularize), embora também se critique o fato de não haver qualquer medida penal a ser imposta ao
agressor além de medidas socioeducativas (encaminhamento a programa oficial ou comunitário
de proteção à família; encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; encaminhamen-
to a cursos ou programas de orientação; obrigação de encaminhar a criança a tratamento especia-
lizado; advertência).
Além dessas medidas incluídas pela referida lei, já poderiam ser impostas a perda da guarda,
a destituição da tutela e a suspensão ou destituição do poder familiar (art. 129 do ECA). Contudo,
não se pode esquecer que as medidas na esfera penal não dependem de qualquer alteração legisla-
tiva, sendo que o Código Penal de 1940 já previa o crime de maus tratos no seu art. 136:
Art. 136 – Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guar-
da ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer
privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a
trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou
disciplina:
Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
§1.º – Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
§2.º – Se resulta a morte:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
40 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Sem analisar o mérito da questão, cumpre ressaltar que alguns autores afirmam que a altera-
ção legislativa não impede o castigo disciplinar, aquele que tem como objetivo disciplinar a criança
e o adolescente sem lhe infligir um mal grave, pois a mudança da lei (ao afirmar que castigo físico
é a ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o
adolescente que resulte em sofrimento físico) acaba por abrir ao subjetivismo do intérprete a análi-
se do caso concreto se o castigo imposto extrapolou os limites do aceitável e do objetivo disciplinar.
Na sequência da análise do ECA cumpre ressaltar que, em consonância com o artigo 227, §6º da
CF/1988, o artigo 20 da legislação estatutária reconhece a igualdade entre todos os filhos, havidos ou
não da relação de casamento ou por adoção, proibindo qualquer designação discriminatória.
Ainda no Capítulo III do Título II (arts. 19 a 52-D), o ECA vai tratar da adoção como me-
dida excepcional, quando não há mais possibilidade de convivência da criança ou do adolescente
com a família natural ou extensa2. Dispõe também sobre a guarda3 , a tutela4 e sobre o exercício,
suspensão e perda do poder familiar.
No Capítulo IV (do Título II), do artigo 53 ao 59, o Estatuto regula os direitos à educação,
à cultura, ao esporte e ao lazer, regulamentando os artigos 205 a 217 da CF/1988. Na sequência,
nos artigos 60 a 69, o ECA regulamenta os direitos à profissionalização e à proteção no trabalho.
O objetivo proposto para este capítulo era traçar um perfil dos direitos e garantias assegu-
radas pelo ECA. Evidentemente, essa legislação não trata apenas de prever direitos, mas também
de estabelecer formas de prevenção e medidas de proteção e fiscalização desses direitos (exemplos:
arts. 70 a 73 e arts. 95 a 97). Regula, por exemplo, a proibição de venda à criança e ao adolescente
de alguns produtos prejudiciais a sua formação e sua educação, tais como armas, munições e ex-
plosivos, bebidas alcoólicas ou produtos cujos componentes possam causar dependência física ou
psíquica ainda que por utilização indevida (art. 81 do ECA).
Por outro lado, o Estatuto também trata dos atos infracionais (condutas definidas como
crime ou contravenção penal) praticadas por crianças ou adolescentes (art. 103 do ECA) e regula
as correspondentes medidas socioeducativas a serem aplicadas aos respectivos infratores (art. 112
do ECA)5.
2 Família extensa ou ampliada vem conceituada no parágrafo único do artigo 25 do ECA: “aquela que se estende para
além da unidade pais e filho ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adoles-
cente convive e mantém vínculo de afinidade ou afetividade” (BRASIL, ECA/1990).
3 Guarda é “locução indicativa, seja do direito ou do dever, que compete aos pais ou a um dos cônjuges, de ter em sua
companhia ou de protegê-los, nas diversas circunstâncias indicadas na lei civil. E ‘guarda’ neste sentido, tanto significa
custódia como a proteção que é devida aos filhos pelos pais” (PLÁCIDO; SILVA, 2000, p. 365-366).
4 Tutela é o encargo legal ou judicial atribuído a alguém, que deverá administrar os bens ou a conduta do tutelado. De
acordo com o artigo 1.728, do Código Civil será instituída a tutela a favor dos filhos menores nas seguintes hipóteses:
“I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes; II - em caso de os pais decaírem do poder familiar”.
5 Para uma breve introdução sobre os atos infracionais e as medidas socioeducativas, recomendamos o seguinte
artigo: AQUINO, Leonardo Gomes de. Criança e adolescente: o ato infracional e as medidas sócio-educativas. Âmbito
Jurídico, Rio Grande, v. XV, n. 99, abr. 2012. Disponível em: <www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_
leitura&artigo_id=11414>. Acesso em: 8 jun. 2018.
Dos direitos das crianças e dos adolescentes 41
Apesar de várias críticas – em especial, da parcela da população mais leiga –, essa legis-
lação é reconhecida internacionalmente e foi elaborada por juristas de renome nacional e in-
ternacional. Ao completar 25 anos de sua promulgação, em 13 de julho de 2015, a Unicef apre-
sentou um relatório sobre os 25 anos da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente,
visando identificar os resultados obtidos no período e apontar a necessidade de criação de
políticas diferenciadas, capazes de promover a inclusão de meninos e meninas que ainda têm
seus direitos violados (UNICEF, 2015).
O relatório indica que o Brasil é uma das nações que têm se destacado por reduzir a mor-
talidade infantil, superando a meta de redução da mortalidade infantil prevista nos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM) antes mesmo do prazo estabelecido. De 1990 a 2012, a taxa
de óbito entre crianças menores de 1 ano foi reduzida em 68,4%, atingindo a marca de 14,9 mortes
para cada 1.000 nascidos vivos (UNICEF, 2015, p. 14).
Aponta, também, que todos os indicadores sobre educação avançaram: de 1990 a 2013, o
percentual de crianças com idade escolar obrigatória fora da escola caiu 64%, passando de 19,6%
para 7% (Pnad). Outro indicador a ser celebrado é a queda na taxa média de analfabetismo entre
brasileiros de 10 a 18 anos de idade. Essa taxa caiu 88,8%, passando de 12,5%, em 1990, para 1,4%,
em 2013. A queda foi ainda mais significativa entre os adolescentes negros, com redução de 17,8%
para 1,5%, e pardos, caindo de 19,4% para 1,7% no mesmo período. A queda foi de aproximada-
mente 91% em ambos os casos (PNAD apud UNICEF, 2015, p. 16).
O relatório acrescenta ainda que o Brasil é um “exemplo para outros países na estruturação
e implementação de uma vigorosa rede de proteção social, com políticas de referência como o
Sistema Único de Assistência Social (SUS) e o Bolsa Família” (UNICEF, 2015, p. 5).
A partir do ECA o direito ao registro civil de nascimento é garantido a 95% das crianças
brasileiras, sendo que “de 1990 a 2013, o percentual de crianças registradas no mesmo ano de nas-
cimento subiu de 66% para 95% (Pnad)” (UNICEF, 2015, p. 20).
Todavia, embora tenham sido muitos os avanços, sendo somente alguns os citados acima, o
Brasil tem muito a melhorar e o relatório indica como um retrocesso a possibilidade de redução da
maioridade penal e como alarmante o fato de terem dobrado o número de homicídios de crianças
e adolescentes (UNICEF, 2015, p. 28-34), entre tantos outros. O ECA, embora existente e vigente,
ainda continua a ser desrespeitado.
Figura 1 – Trabalho infantil: evolução do percentual de pessoas ocupadas entre 5 e 15 anos de idade
5 a 9 anos 10 a 15 anos
30%
22,5%
15%
7,5%
0%
1992 2001 2011 2013
Trabalho infantil: evolução do percentual de pessoas ocupadas entre 5 e 15 anos de idade
A incidência do trabalho infantil entre a população de 5 a 15 anos reduziu-se considera-
velmente nos últimos 20 anos. Entre os mais novos, de 5 a 9 anos, o trabalho infantil está
próximo de zero. Região Nordeste foi a que mais avançou.
Fonte: UNICEF, 2015, p. 24.
Figura 2 – Trabalho infantil: evolução do percentual de pessoas ocupadas entre 5 e 15 anos de idade por região
18%
13,5%
9%
4,5%
0%
1992 2001 2011 2013
Trabalho infantil: evolução do percentual de pessoas ocupadas entre 5 e 15 anos de idade por região
O relatório da Unicef aponta a situação econômica das famílias como uma das principais cau-
sas do problema do trabalho infantil, o que levou à criação, em 1996, do Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil (Peti), objetivando a complementação de renda e apoio aos pais de crianças e
adolescentes que trabalhavam (UNICEF, 2015).
O trabalho infantil atinge diretamente a relação da criança e do adolescente com a escola,
tirando-os da escola ou afetando o rendimento escolar. O referido relatório indica que “em 2013,
Dos direitos das crianças e dos adolescentes 43
O ECA regulamenta a matéria entre seus artigos 60 a 69. Numa interpretação sistemática da
CF/1988 e do ECA, pode ser entendido como o limite de idade os 16 anos, sendo que entre 14 e 16
anos somente seria possível o trabalho na condição de aprendiz.
O artigo 67 proíbe, ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho,
aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não governamental, o trabalho:
• Noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia se-
guinte, visando garantir o bom desenvolvimento físico dos adolescentes diante da neces-
sidade de garantia de uma boa noite de sono.
• Perigoso, insalubre ou penoso. Perigoso é o trabalho que ameaça a integridade física da
pessoa, podendo gerar risco de morte, como aqueles que colocam a pessoa em contato
com produtos químicos, inflamáveis, equipamentos cortantes e explosivos. Insalubre é o
trabalho que traz risco à saúde, como aquelas que, por sua natureza, condições ou méto-
dos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde. Trabalho penoso
é o que gera desgaste físico ou psíquico. Todos são proibidos visando evitar prejuízo ao
desenvolvimento físico do adolescente.
• Realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico,
psíquico, moral e social, como, por exemplo, os vinculados a jogos, sexo, violência
ou drogas.
• Realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola, o que demons-
tra que a preocupação da legislação é maior com a educação do que com o trabalho.
A legislação estatutária estabelece, também, entre os artigos 62 e 65, a aprendizagem pro-
fissional vinculada à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – n. 9.394/96) e a garantia de
44 Direitos humanos e relações étnico-raciais
6 Para mais informações sobre o trabalho educativo, além da bibliografia apresentada, indicamos também o se-
guinte texto: DINALI, Danielle de Jesus. Trabalho educativo de criança e adolescente: exploração de mão de obra
de baixo custo? Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3808, 4 dez. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/
artigos/26057>. Acesso em: 20 jun. 2018.
7 Sobre o Projeto Escola de Fábrica, indica-se o seguinte artigo: RUMMERT, Sonia Maria. Projeto escola de fá-
brica – atendendo a “pobres e desvalidos da sorte” do século XXI. Perspectiva, Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 303-322,
jul./dez. 2005. Disponível em: <http://www.uff.br/ejatrabalhadores/artigos/projeto-escola-fabrica.pdf>. Acesso em:
20 jun. 2018.
Dos direitos das crianças e dos adolescentes 45
Por isso, existe uma preocupação nacional e internacional com a prevenção e erradicação do
trabalho infantil, criando-se programas com esse objetivo, como, por exemplo, o IPEC – Programa
Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil, implementado mundialmente pela OIT, em
1992, inclusive no Brasil. O Programa envolve a atuação conjunta dos governos federal, estaduais
e municipais, além das demais entidades do poder público, organizações de trabalhadores e em-
pregadores, entidades da sociedade civil organizada, movimentos sociais e organizações interna-
cionais, o que contribuiu para a retirada de mais de 800 mil crianças do trabalho desde então,
tornando o Brasil referência na redução do trabalho infantil (OIT, 2016).
O programa está presente em todo o Brasil:
Figura 3 – Atuação do IPEC
Legenda:
Exploração sexual
Canaviais
Agrícola
Calçados
Sisal
Mineração
Tráfico de pessoas
Fumageiro
Trabalho doméstico
Narcotráfico
Tecelagem
Construção Civil
Hortifrúti
Erva-mate
Carvão
Olarias
Garimpo
oculto, cujos desafios não são menores do que eram quando o IPEC se estabele-
ceu no Brasil há mais de 10 anos. (OIT [2004?])
criança mais retraída, agressiva, tímida, deprimida, causar pesadelos ou insônia, podendo, inclusi-
ve, gerar transtornos psicológicos mais graves.
Estatisticamente, o maior centro de atendimento de vítimas de violência sexual da
América Latina, Hospital Pérola Byington, em São Paulo/SP, apresenta números que demons-
tram um aumento significativo dos atendimentos relativos a caso de violência sexual contra
crianças e adolescentes:
Figura 4 – Principais estatísticas de atendimento
6.350
crianças (33,9%)
11.966 casos (63,8%)
5.616
adolescentes (29,9%)
1000
800
600
400
200
0
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Crianças
Adolescentes
Adultos
Todos os dias são noticiados casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, de-
monstrando a importância da análise do tema e da efetivação de medidas de combate a tal prática.
A legislação brasileira não é omissa: desde a nossa Constituição Federal há expressa disposi-
ção sobre o assunto, mais precisamente no seu artigo 227, parágrafo 4º: “A lei punirá severamente o
abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente” (BRASIL, 1988).
A legislação penal dispõe sobre o tema nos seguintes artigos, entre outros:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro
ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§1.º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é me-
nor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
48 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Art. 241-D. Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de co-
municação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:
I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explí-
cito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;
II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir
criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.
Art. 241 E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo
explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança
ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição
dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente
sexuais. (BRASIL, ECA/1990)
Outra inovação surgida recentemente, é a chamada Lei Joanna Maranhão (Lei n. 12.650/2012),
que alterou o artigo 111 do Código Penal, incluindo o inciso V:
Art. 111 – A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa
a correr:
[...]
Atividades
1. Analise o caso internacional abaixo:
Após a leitura e análise do caso acima descrito, estabeleça as semelhanças entre ele e o co-
nhecido caso da Chacina da Candelária, ocorrido no Rio de Janeiro, em 1993.
2. Você é diretor de uma Escola Municipal e tem acompanhado a história de João Pedro, ga-
roto de 10 anos, que reside com sua mãe, padrasto e três irmãos provenientes dessa união.
A família parece ser harmoniosa, João Pedro é bom aluno, frequenta regularmente as aulas,
é participativo e tem boas notas. Porém, há um ano você notou que João Pedro passou a agir
de forma estranha, não participa mais das atividades escolares e apresenta hematomas nos
membros inferiores. Como diretor, chamou a mãe de João Pedro para uma conversa e ela
alega que está tudo bem com o filho e sua família. Mediante o exposto e tendo o ECA como
referencial, o que você deveria fazer?
3. Um dos temas de maior embate no meio jurídico e leigo relacionado à proteção das crianças
e adolescentes é a questão da redução da maioridade penal. Todavia, constata-se que, muitas
vezes, a opinião externada pela maioria da população leiga se dá em razão de fatos crimino-
sos divulgados pela mídia, sem qualquer análise mais abrangente e científica do tema. Sem a
pretensão de impor uma posição em relação ao assunto, propomos aqui que você faça uma
análise, no mínimo, dos textos e notícias indicados no quadro a seguir e disserte sobre o
tema, indicando as razões expostas como favoráveis e as contrárias à redução da maioridade
penal. Ao final, exponha sua opinião fundamentada sobre o assunto.
Dos direitos das crianças e dos adolescentes 53
Gisele Echterhoff
Neste capítulo, passaremos a uma análise dos direitos humanos das pessoas com deficiência,
examinando desde a legislação internacional até a legislação interna, bem como os programas de
acessibilidade existentes. Na sequência, nosso estudo terá como enfoque os direitos humanos das
pessoas idosas, demonstrando a importância do Estatuto do Idoso, sua abrangência e aplicabilida-
de. Ao final, examinaremos a questão da violência contra os idosos e conheceremos os programas
de combate à violência.
Essa fase acaba por manter a ótica da exclusão, mas mudando a sua forma de física para
visual: “Os membros da sociedade, por ter piedade das pessoas com deficiência e, em razão da ca-
ridade apregoada pelo cristianismo como virtude a ser perseguida, prestam assistência a essas pes-
soas, desde que em locais reservados, longe dos olhos da sociedade em geral” (TISESCU; SANTOS,
2014, p. 373).
Com o avanço nas ciências biomédicas, dissociou-se a deficiência da punição religiosa, pro-
porcionando uma transformação na sociedade, pois esta passou a enfrentar o problema e buscar a
integração dessas pessoas (TISESCU; SANTOS, 2014). Passa-se a conceber o portador de deficiên-
cia como parte da sociedade, devendo, por isso, ser integrado a ela, o que gerou um avanço com o
reconhecimento de direitos e garantias a estas pessoas.
Todavia, a ideia central era normalizar primeiro para depois integrar, ou seja, não era a so-
ciedade que deveria se adaptar ao deficiente, mas, sim, estes que deveriam se adaptar para integrar
o grupo social. A sociedade permanecia numa postura de tolerância em relação àquela circunstân-
cia, o que não permitia a concretização efetiva da noção de dignidade dessas pessoas (TISESCU;
SANTOS, 2014).
A entrada na quarta fase da história de evolução dos direitos humanos das pessoas com defi-
ciência – fase da inclusão – foi resultado, em especial, dos efeitos das duas Grandes Guerras Mundiais,
em virtude do grande número de mutilados advindos do combate e da necessidade de sua reabili-
tação (TISESCU; SANTOS, 2014). Essa nova realidade mudou a mentalidade social, não somente
em relação às pessoas mutiladas pela guerra, mas também em relação aos deficientes, “a diversidade
social passa a ser objeto de aceitação social. Não se busca mais a ‘cura’ para as deficiências nem se
imputa o ônus da adaptação apenas ao com deficiência” (TISESCU; SANTOS, 2014, p. 377).
Aqui se inicia a elaboração de normas internacionais e nacionais voltadas à proteção dos
deficientes. Flávia Piovesan (2015, p. 303) ressalta que “de ‘objeto’ de políticas assistencialistas e
de tratamentos médicos, as pessoas com deficiência passam a ser concebidas como verdadeiros
sujeitos, titulares de direitos”.
Na década de 1950, vários foram os documentos internacionais aprovados que visavam à
proteção das pessoas com deficiência. Dentre eles, Damasceno (2014) cita a Recomendação 99 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1955, que trata da reabilitação das pessoas defi-
cientes, e a Convenção n. 111, de 1958, acerca da discriminação em matéria de emprego e profissão.
Na década de 1970, a ONU iniciou a aprovação da Declaração dos Direitos do Retardado
Mental (1971), que “trouxe a importante afirmação de que as pessoas com deficiência intelectual
devem gozar dos mesmos direitos que os demais seres humanos, advertindo ainda que a mera in-
capacidade para o exercício pleno dos direitos não pode servir de mote para supressão completa de
seus direitos” (DAMASCENO, 2014).
Em 1975, a ONU promulgou a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes e, poste-
riormente, em 1976, foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU uma resolução que proclamou
o ano de 1981 como o Ano Internacional da Pessoa Deficiente pela ONU. Luiz Rogério da Silva
Damasceno (2014) afirma que a ONU, visando à preparação para o referido ano, criou um Comitê
Dos direitos das pessoas com deficiência e dos idosos 57
Consultivo “formado por 23 países que tinha por finalidade preparar uma minuta de um plano
de ação mundial sobre este tema para atuação das nações”. Acrescenta o autor que esse comitê
elaborou um relatório que indicou entre os principais obstáculos enfrentados pelas pessoas com
deficiência as barreiras físicas, os preconceitos e as atitudes discriminatórias.
Na sequência, o decênio 1983 a 1992 foi declarado pela ONU a Década das Nações Unidas
para as Pessoas com Deficiência, com a finalidade de executar ações do Programa de Ação Mundial
relativo a Pessoas com Deficiência, baseado no seguinte tripé: prevenção, reabilitação e equipara-
ção de oportunidades (DAMASCENO, 2014).
Em 1999, a Organização dos Estados Americanos (OEA) editou a Convenção Interamericana
para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência, a chamada Convenção da Guatemala, que se caracterizou “por sua originalidade na
definição de pessoa com deficiência com base no modelo social de direitos humanos e foi o primei-
ro documento regional que assumiu o caráter vinculante no tocante aos direitos das pessoas com
deficiência” (DAMASCENO, 2014).
Damasceno ainda cita que, em 2001, mudou a concepção de deficiente, deixando de lado
uma visão meramente biomédica para expressar “um fenômeno multidimensional resultante da
interação entre as pessoas e seus ambientes físicos e sociais, ou seja, adota de forma explícita o
modelo social de deficiência” (DAMASCENO, 2014).
Podemos visualizar essa mudança conceitual ao examinar a definição de deficiente para a
Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, de 1975, bem como a que surge com
a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006.
A Declaração, de 1975 assim conceitua deficiente: “1 – O termo pessoas deficientes refere-se a
qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma
vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas
capacidades físicas ou mentais” (ONU, 1975).
A Convenção de 2006, também chamada de Convenção de Nova York sobre os Direitos da
Pessoa com Deficiência, surge com o objetivo de mudar essa perspectiva meramente biomédica.
De acordo com o artigo 1º da desse documento, “pessoas com deficiência são aquelas que têm
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdades de condições com as demais pessoas” (ONU, 2006). Ou seja, como bem observa Débora
Diniz (2009), pessoa com deficiência vai muito além do problema médico, passa por barreiras so-
ciais impostas em razão da desigualdade.
Lais de Figueirêdo Lopes esclarece que esse conceito adotado pela Convenção teve partici-
pação direta de uma proposta brasileira:
A partir dessa nova visão, e com base nos direitos humanos, foi que se elaborou
no tratado a conceituação de pessoa com deficiência. A maior preocupação era
garantir, por meio do acordo em torno de uma definição geral, a identificação
dos sujeitos de direitos da Convenção. Para chegar ao consenso final, os países
tiveram que ser flexíveis.
58 Direitos humanos e relações étnico-raciais
[...]
A proposta levada pelo Brasil era de definir pessoa com deficiência como aquela
cujas limitações físicas, mentais ou sensoriais, associadas a variáveis ambientais,
sociais, econômicas e culturais, tem sua autonomia, inclusão e participação
plena e efetiva na sociedade impedidas ou restringidas. A ideia era enfatizar
a combinação entre os aspectos descritivos da deficiência, com os efeitos das
características sociais, culturais e econômicas encontradas em cada indivíduo.
“O correto equacionamento dessas variáveis e combinações pode proporcionar,
restringir ou impedir o exercício e o gozo de direitos. Daí a importância da
opção por definir pessoa com deficiência ao invés de focar a definição na defi-
ciência em suas características”, era o que dizia o relatório oficial emitido pela
Câmara Técnica do Brasil, quando da elaboração de propostas para a última
sessão, na ONU. (LOPES, 2014, p. 27)
Flávia Piovesan afirma que essa definição é inovadora porque reconhece explicitamente
que o meio econômico e social pode ser causa ou fator de agravamento da deficiência, e destaca
que “a própria Convenção reconhece ser a deficiência um conceito em construção, que resulta
da interação de pessoas com restrições e barreiras que impedem a plena e efetiva participação na
sociedade em igualdade com os demais” (2015, p. 303).
A Convenção enuncia direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, entre eles: o direito
à igualdade e não discriminação (art. 5º); há expressa referência aos direitos da mulher (art. 6º) e da
criança com deficiência (art. 7º); direito à vida (art. 10); ao igual reconhecimento perante a lei (art. 12);
de acesso à justiça (art. 13); à liberdade e segurança da pessoa (art. 14); a não ser submetido a tortura
ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (art. 15); à liberdade de movimentação e naciona-
lidade (art. 18); à vida independente e inclusão na comunidade (art. 19); à liberdade de expressão e de
opinião e acesso à informação (art. 21); ao respeito à privacidade (art. 22); ao respeito pelo lar e pela
família (art. 23); à educação (art. 24); à saúde (art. 25); ao trabalho e emprego (art. 27); à participação na
vida política e pública (art. 29) e na vida cultural e em recreação, lazer e esporte (art. 30).
Flávia Piovesan afirma que “o propósito maior da Convenção é promover, proteger e assegu-
rar o pleno exercício dos direitos humanos das pessoas com deficiência” (2015, p. 304), o que exige
“dos Estados-Partes medidas legislativas, administrativas e de outra natureza para a implemen-
tação dos direitos nela previstos” (PIOVESAN, 2015, p. 304). Ressalta a autora que a Convenção
garante a oportunidade de participação ativa das pessoas com deficiência nos “processos decisórios
relacionados a políticas e programas que a afetem” (PIOVESAN, 2015, p. 304).
A Convenção institui o Comitê para os Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 34) vi-
sando a monitorar os direitos previstos na Convenção, por meio de relatórios a serem elaborados
periodicamente pelos Estados-partes (art. 35). O Comitê deve ser integrado por 12 especialistas
que devem atuar a título pessoal e não governamental, devendo ser observada a representação
geográfica equitativa, a representação dos distintos sistemas jurídicos e o equilíbrio de gênero e a
participação de peritos em deficiência (item 2 a 4 do art. 34).
Até 18 de dezembro de 2012, a Convenção já tinha sido ratificada por 126 países e 155 países
são signatários. O Brasil assinou a Convenção em 30 de março de 2007, sendo que o Congresso
Dos direitos das pessoas com deficiência e dos idosos 59
Nacional a ratificou pelo Decreto Legislativo n. 186/2008, tendo sido promulgado pelo Decreto
n. 6.949, de 25 de agosto de 2009 (DAMASCENO, 2014).
Importante ressaltar que essa Convenção foi a primeira sobre direitos humanos a ser incor-
porada com status de Emenda Constitucional, por ter cumprido o disposto no §3º do artigo 5º da
Constituição Federal/88 (DAMASCENO, 2014).
No âmbito nacional, a nossa própria Constituição Federal trata expressamente da proteção
das pessoas com deficiência, dentre outros artigos:
Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiência;
[...]
Art. 37. [...]
VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as
pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
(BRASIL, 1988)
Podemos apontar, ainda, dentre as medidas legislativas já tomadas pelo Brasil, as seguintes
(além de outras indicadas no site da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República):
• Lei n. 7.853/89 – Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração
social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
– Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, dis-
ciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.
• Lei n. 8.899/94 – Concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de
transporte coletivo interestadual.
• Lei n. 10.226/01 – Acrescenta parágrafos ao art. 135 da Lei 4.737, de 15 de julho de 1965,
que institui o Código Eleitoral, determinando a expedição de instruções sobre a escolha
dos locais de votação de mais fácil acesso para o eleitor deficiente físico.
• Lei n. 11.133/05 – Institui o Dia Nacional de Luta da Pessoa Portadora de Deficiência.
O governo federal lançou, em 17 de novembro de 2011, “o Viver sem Limite – Plano Nacional
dos Direitos da Pessoa com Deficiência, como resultado do firme compromisso político com a
plena cidadania das pessoas com deficiência no Brasil” (Decreto n. 7.612) (BRASIL, 2018). É um
programa voltado à efetivação dos direitos das pessoas com deficiência, o qual consiste em um
“conjunto de políticas públicas estruturadas em quatro eixos: Acesso à Educação; Inclusão social;
Atenção à Saúde e Acessibilidade” (BRASIL, 2018).
Em 6 de janeiro de 2016, entrou em vigor o chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência
(Lei n. 13.146/2015), que adotou o mesmo conceito de deficiência da Convenção da ONU:
Art. 2.º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena
60 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Em 1991, a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução 46/91, “instituiu
carta contendo alguns princípios aplicáveis à proteção e promoção dos direitos das pessoas idosas:
independência, participação, cuidados especiais e dignidade” (MAIO, 2013, p. 35). Por meio desse
mesmo instrumento, foi instituído o dia 1.° de outubro como o Dia Internacional do Idoso e o ano
de 1999 como o Ano Internacional das Pessoas Idosas.
Assim, a publicação da ONU descreve os princípios acima indicados:
• “Independência” inclui o acesso à alimentação, à água, à habitação, ao vestuá-
rio e aos cuidados de saúde adequados. Direitos básicos a que se acrescentam a
oportunidade de um trabalho remunerado e o acesso à educação e à formação.
• Por “Participação” entende-se que as pessoas idosas deveriam participar ati-
vamente na formulação e aplicação das políticas que afetem diretamente o seu
bem-estar e poder partilhar os seus conhecimentos e capacidades com as gera-
ções mais novas bem como poder formar movimentos ou associações.
• A secção intitulada “Cuidados” afirma que as pessoas idosas deveriam poder
beneficiar dos cuidados da família, ter acesso aos serviços de saúde e gozar os
seus direitos humanos e liberdades fundamentais, quando residam em lares ou
instituições onde lhes prestem cuidados ou tratamento.
• No que se refere à “Autorrealização”, os “Princípios” afirmam que as pessoas de
idade deveriam poder aproveitar as oportunidades de desenvolver plenamente
o seu potencial, mediante o acesso aos recursos educativos, culturais, espirituais
e recreativos da sociedade.
• Por fim, a secção intitulada “Dignidade” afirma que as pessoas de idade deve-
riam poder viver com dignidade e segurança, e libertas da exploração e maus
tratos físicos ou mentais, ser tratadas dignamente, independentemente da idade,
sexo, raça ou origem étnica, deficiência, situação econômica ou qualquer outra
condição, e ser valorizadas independentemente do seu contributo econômico.
(ONU, 2002, p. 2-3)
discriminação em razão da idade e o artigo 5.°, inciso XLVIII, que determina que a pena seja cum-
prida em estabelecimentos distintos, sendo a idade um dos critérios de distinção. Verifica-se tam-
bém a proteção no âmbito das relações de trabalho diante da previsão do artigo 7º, inciso XXX, que
proíbe a diferença de salários, exercícios de funções e de critério de admissão por motivo de idade.
Cita-se, ainda, os dispositivos relacionados ao exercício do direito ao voto (art. 14, §1º, inciso II,
alínea “b”) e os que se referem à previdência e à assistência social (art. 201, inciso I e 203, inciso V).
Em 1994, foi sancionada a Lei Federal n. 8.842, que dispõe sobre a Política Nacional do
Idoso e cria o Conselho Nacional do Idoso, estabelecendo que se considera idosa a pessoa maior
de 60 anos de idade. Essa lei foi regulamentada pelo Decreto n. 1.948/96, dispondo sobre a Política
Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (PNDPI).
Iadya Gama Maio (2013, p. 38) afirma que essa legislação tinha como objetivo assegurar os
direitos sociais a essa classe de pessoas, criando condições para promover sua autonomia, integra-
ção e participação efetiva na sociedade, mas ainda não a protegia de forma integral.
Podemos indicar, ainda, conforme relaciona Modena (2009), entre as legislações que tratam
da matéria:
• Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993, a LOAS, que dispõe sobre a Organização da
Assistência Social e que configura a garantia de percebimento de um salário mínimo ao
idoso com 70 anos ou mais, desde que o mesmo comprove que não possui meios de pro-
ver a própria subsistência e não encontra na família esse amparo.
• Lei n. 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dispõe sobre a prioridade no atendimento
do idoso, maior de 60 anos, em todos os bancos, órgãos públicos e concessionários de
serviço público.
• Lei n. 10.173, de 8 de janeiro de 2001, que promoveu significativa mudança no Código
de Processo Civil, permitindo a prioridade na tramitação de processos judiciais a idosos,
maiores de 65 anos, em qualquer instância ou tribunal.
Finalmente, o marco legislativo no âmbito nacional foi o Estatuto do Idoso, por meio da san-
ção da Lei n. 10.741, de 2 de outubro de 2003. “O Estatuto do Idoso, não só foi um marco jurídico
e político importante, como também mostrou ser uma lei amplamente inovadora, ousada e avan-
çada, além de protetiva deste grupo vulnerável” (MAIO, 2013, p. 38), assegurando, com absoluta
prioridade, vários direitos humanos a eles.
Dentre os direitos assegurados, cumpre citar os direitos: à vida (arts. 8º e 9º); à liberdade, ao
respeito e à dignidade (art. 10); a alimentos (arts. 11 a 14); à saúde (arts. 15 a 19); à educação, cul-
tura, esporte e lazer (arts. 20 a 25); à profissionalização e ao trabalho (arts. 26 a 28); à previdência
social (arts. 29 a 32); à assistência social (arts. 33 a 36); à habitação (arts. 37 a 38); e ao transporte
(arts. 39 a 42).
Dos direitos das pessoas com deficiência e dos idosos 65
A par de estabelecer um extenso rol de direitos à população idosa, o Estatuto do Idoso tam-
bém instituiu medidas de proteção desses direitos quando estes forem violados ou ameaçados por
ação ou omissão da sociedade, do Estado, da família, do curador ou entidade de atendimento ou
até mesmo em razão da condição pessoal do idoso (artigo 43 do Estatuto).
Entre as medidas específicas que podem ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, a legis-
lação prevê, em seu art. 45:
I – encaminhamento à família ou curador, mediante termo de responsabilidade;
II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III – requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospi-
talar ou domiciliar;
IV – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tra-
tamento a usuários dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou
à pessoa de sua convivência que lhe cause perturbação;
V – abrigo em entidade;
VI – abrigo temporário. (BRASIL, 2003)
Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD apud FRASÃO,
2015), houve aumento da expectativa de vida da população, que passou de 71,2 anos para 74,9
anos, entre 2003 e 2013. Indicadores da Agência da Saúde definem que
esse crescimento se deve às medidas de combate à desnutrição, redução da
mortalidade materna e infantil, ampliação do acesso a vacinas e medicamen-
tos gratuitos, melhoria do atendimento às mães e bebês, enfrentamento das
doenças crônico-degenerativas e das chamadas mortes violentas, entre outras
medidas promovidas pelo governo federal em parceria com estados e municí-
pios. Segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD 2013),
do IBGE, o Brasil possui hoje aproximadamente 26,1 milhões de pessoas idosas,
número que corresponde a 13% da população total. (FRASÃO, 2015)
Proporção de população
7,8% 9,3% 8,4% 10,5% 11,1% 14,0%
idosa (60 ou mais)
Proporção de população
Grupos de idades
Esse mesmo estudo indica que, em 20 anos, o número de idosos dobrou (segundo dados do
IBGE), enquanto a quantidade de crianças, de até quatro anos de idade caiu nos últimos 10 anos:
Gráfico 1 – Envelhecimento no Brasil
Crianças de até 4 anos Idosos com 60 anos ou mais
Crianças
Crianças de4 anos
de até até 4 anos Idosos com
Idosos com 60ouanos
60 anos mais ou mais
milhões
milhõesde
depessoas
pessoas milhões
milhõesde
depessoas
pessoas
milhões de pessoas milhões de pessoas
24
24
24
16
16
16 20
20
20
12 16
16
12
12 16
8 12
12
88 12
88
4 8
4
44
0 4
00 00
0
1999 2011
1999 2011
2011 1990
1990 1999
1999 2011
2011
Fonte: Pnad/IBGE
Fonte: Pnad/IBGE Observação: Dados de 1990 1990
Fonte: Pnad/IBGE 1999 2011
Fonte: Pnad/IBGE
Observação: DadosObservação: Dados
não de
de 1990 não disponíveis 1990
disponíveis Pnad/IBGE
não disponíveis Pnad/IBGE
Fonte: Brasil, 2018, p. 2.
Entre os tipos de violações registradas pelo DDH – 100 em relação aos idosos, a negligência,
a violência psicológica, o abuso econômico e financeiro e a violência física são as situações mais
corriqueiras:
Gráfico 2 – Tipos de abuso relatados por idosos
Negligência 68,7%
Discriminação 0,8%
Por causas externas o Manual enquadra as “agressões físicas, psicológicas, acidentes e maus-
-tratos que provocam adoecimento ou levam à morte de uma pessoa” (SDH/PR, 2014, p. 39).
O Manual também apresenta as proporções de óbitos por causas externas:
Gráfico 3 – Proporções de óbitos por causas externas relativas ao óbito geral, 2011, Brasil.
4,0
3,2 3,2 3,4 3,4
3,5
2,7 2,8 2,6 2,6 2,6 2,7 2,7 2,7 2,8 3,0 2,9 3,0
3,0
2,5
% 2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
ANO
160,0
153 154 151 154 147 147 152 160 164 162 155 154 162 166
148 MASCULINO
140,0
Taxa por 100.000 hab.
136
120,0
100,0 105 110 113 114 110 110 115 119 TOTAL
105 105 104 105 98 101 104
92
80,0
66 70 71 74 69 73 75 77 81
60,0 FEMININO
64 64 64 63 57 59 63
40,0
20,0
0,0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
ANO
1
Gráfico 5 – Taxa de mortalidade por causas externas específicas em idosos, Brasil – 1996 a 2011.
30,0
4
25,0 40,0
35,0
20,0
Taxa por 100.000 hab.
30,0
4
15,0 25,0
3 6
10,0 20,0 2
15,0 5
5,0 3 6
7 10,0 2
5
0,0 5,0
7
1996 19970,0 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
ANO
ANO
1 - Acidentes de
1 - transporte
Acidentes de transporte 5 - Lesões
5 - Lesões autoprovocadas
autoprovocadas voluntariamente voluntariamente
2 - Agressões 6 - Eventos cuja intenção é indeterminada
2 - Agressões 3 - Quedas 6 - Eventos cuja intenção é indeterminada
7 - Afogamento e submersão acidentais
3 - Quedas 4 - Demais causas 7 - Afogamento e submersão acidentais
4 - Demais causas
O Manual ainda cita que: “Em 2012, foram realizadas 169.673 internações de pessoas idosas
por violências e acidentes, sendo que 50,9% se deveram a quedas; 19,2% a acidentes de trânsito;
6,5% a agressões e 0,3% a lesões autoprovocadas, além de outros agravos” (BRASIL, 2014, p. 57).
Desses dados, foram apontados aqueles que utilizaram serviços públicos, sendo que 51.902
eram mulheres e 34.517 eram homens. Indica o documento que, dentre as internações femininas,
das causas de internamento,
o fator mais importante foram as quedas, cujos percentuais foram maiores em
todos os grupos de idade, quando comparados aos homens: nos de 60 a 69
anos os percentuais quase se assemelham (50,6% contra 49,4%) e a partir daí se
distanciam: de 70 a 79 anos (56,0% contra 44,0%) e de 80 anos ou mais (63,4%
contra 36,6%). (BRASIL, 2014, p. 57)
Com base nesses dados, o Plano de Enfrentamento da Violência contra a Pessoa Idosa pela
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República mapeou vários tipos de violência
contra idosos: “As violências contra a pessoa idosa podem ser visíveis ou invisíveis: as visíveis são
70 Direitos humanos e relações étnico-raciais
as mortes e lesões; as invisíveis são aquelas que ocorrem sem machucar o corpo, mas provocam
sofrimento, desesperança, depressão e medo. A maioria dessas últimas é incontável” (BRASIL,
2014, p. 37).
Entre os tipos de violência a que estão expostos os idosos, está o abuso econômico-financei-
ro e patrimonial, que vai desde as disputas familiares em relação aos bens dos idosos até dificul-
dades dos próprios familiares em arcar com as despesas geradas com a manutenção do idoso. São
citadas situações corriqueiras de familiares forçando os idosos a assinarem procurações para que
lhes deem acesso aos bens patrimoniais, incluindo aqui o confinamento do idoso em um cômodo
ínfimo enquanto o restante da família usufrui do imóvel de sua propriedade, ou, ainda, o obrigan-
do-o à alienação dos bens. Também é de conhecimento público e notório as situações em que os
benefícios previdenciários são apropriados indevidamente pelos familiares. Evidentemente, essas
circunstâncias estão associadas a outras violências (como a psicológica), podendo, ainda, gerar
situações de maus-tratos e violência física, quando não causar a morte.
Podemos citar, também, abusos físicos, que constituem a forma mais visível de violência,
caracterizando-se por “empurrões, beliscões, tapas, ou por outros meios mais letais como agressões
com cintos, objetos caseiros, armas brancas e armas de fogo” (BRASIL, 2014, 39-40). Ao lado dos
abusos físicos, temos abusos psicológicos, que correspondem “a todas as formas de menosprezo,
de desprezo e de preconceito e discriminação que trazem como consequência tristeza, isolamento,
solidão, sofrimento mental e, frequentemente, depressão” (BRASIL, 2014, p. 40).
O Manual ainda aponta atos de violência relacionados a violência sexual, enquadrando tan-
to aqueles voltados ao abuso sexual como aqueles que impedem os idosos de relações amorosas.
Tem-se também o abandono e a negligência: o abandono pode ser gerado pelos familiares, pelos
cuidadores e até pelos órgãos públicos. Dentre os atos de negligência, o manual cita ainda os pra-
ticados na área da saúde, como o desleixo e a inoperância dos órgãos de vigilância sanitária em
relação aos abrigos e clínicas.
Podemos indicar, também, a violência autoinfligida e a autonegligência: nesses casos não é o
outro que abusa, mas a própria pessoa que se maltrata. O Manual cita, como exemplo de autonegli-
gência, a atitude de se isolar, de não sair de casa e de se recusar a tomar banho, de não se alimentar
direito e de não tomar os medicamentos, manifestando clara ou indiretamente a vontade de morrer.
Os idosos também estão sujeitos aos abusos econômicos praticados pelo Estado, por enti-
dades particulares e até por criminosos. No primeiro caso, quando são frustrados os benefícios
previdenciários a que têm direito; no segundo, quando são obrigados a arcar com valores vultosos
em planos de saúde ou, ainda, quando há negativa do plano na cobertura de determinado trata-
mento. A fragilidade dos idosos os tornam vítimas frequentes de crimes, desde os mais sorrateiros
(estelionato e furto) até os violentos (roubo). Estão sujeitos, também, ao péssimo atendimento nas
agências bancárias, lojas, caixas eletrônicos etc.
Há, ainda, outro problema que vitimiza os idosos: a desigualdade social, que resulta na
chamada violência estrutural. Apenas 25% dos idosos vivem com três salários mínimos ou mais
(BRASIL, 2014), mesmo sendo as suas necessidades básicas ainda maiores diante da fragilidade de
sua condição de saúde e de dependência.
Dos direitos das pessoas com deficiência e dos idosos 71
Lembrando que esses dados estatísticos decorrem de notícias ou informações que chegam
aos agentes públicos (hospitais, redes de saúde, delegacias especializadas, Ministério Público etc.),
sendo evidente que o número deve ser muito maior, pois boa parte das situações de violência
sequer é levada ao conhecimento da autoridade competente, em especial por medo do abusador.
A violência contra a pessoa idosa pode assumir várias formas e ocorrer em dife-
rentes situações. Por diferentes motivos, entretanto, é impossível dimensioná-la
em toda a sua abrangência: ela é subdiagnosticada e subnotificada. A Lei 12.461
de 26 de julho de 2011 que reformula o artigo 19 do Estatuto do Idoso (Lei
10.741, de 1 de outubro de 2003) ressaltou a obrigatoriedade da notificação dos
profissionais de saúde, de instituições públicas ou privadas, às autoridades sani-
tárias quando constatarem casos de suspeita ou confirmação de violência contra
pessoas idosas, bem como a sua comunicação aos seguintes órgãos: Autoridade
Policial; Ministério Público; Conselho Municipal do Idoso; Conselho Estadual
do Idoso; Conselho Nacional do Idoso. Falamos, pois, de violências visíveis e
invisíveis. (BRASIL, 2014, p. 37)
72 Direitos humanos e relações étnico-raciais
O Estatuto do Idoso apresenta 14 tipos penais, ou seja, crimes visando à tutela dos direitos
dos idosos, sendo alguns novos e alguns adaptações de crimes já existentes. A seguir, os crimes
novos são relacionados:
• ao combate à discriminação (art. 96);
• à punição da negativa por entidades em realizar o acolhimento na tentativa de obrigar a
outorga de procuração (art. 103);
• à retenção do cartão magnético de conta bancária com o objetivo de recebimento ou res-
sarcimento de dívida (art. 104);
• à exibição ou veiculação de informações ou imagens depreciativas ou injuriosas em rela-
ção à pessoa do idoso (art. 105);
• à indução da pessoa idosa sem discernimento de seus atos a outorgar procuração para fins
de administração de bens ou disposição (art. 106);
• ao ato de lavrar ato notarial (ex.: escritura pública de compra e venda de imóvel) que
envolva pessoa idosa sem discernimento de seus atos e sem a devida representação legal
(art. 108).
Como mencionado, o Estatuto adaptou outros crimes já existentes para a condição de víti-
ma idosa, por exemplo, no caso de omissão de socorro, prevendo, no artigo 97: “Art. 97. Deixar de
prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente
perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa, ou não pedir,
nesses casos, o socorro de autoridade pública” (BRASIL, 2003).
Outro exemplo é o disposto no artigo 98, que penaliza a prática do abandono do idoso em
hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência ou congêneres, assim como a negligên-
cia às suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado.
A figura típica de maus-tratos contra os idosos é disposta no artigo 99:
Art. 99 – Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso,
submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de ali-
mentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a
trabalho excessivo ou inadequado:
Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa.
§1.° Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§2.° Se resulta a morte: Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
(BRASIL, 2003)
Além de outros crimes previstos (mas de menor relevância), aponta-se a criação de tipo
específico de apropriação indébita cuja vítima é idoso: “Art. 102. Apropriar-se de ou desviar bens,
proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa da de sua
finalidade: Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa” (BRASIL, 2003).
Dos direitos das pessoas com deficiência e dos idosos 73
Cita-se, ainda, uma variante do crime de constrangimento ilegal que visa coibir as disputas
familiares, em especial, em relação ao patrimônio dos idosos: “Art. 107. Coagir, de qualquer modo,
o idoso a doar, contratar, testar ou outorgar procuração: Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco)
anos.” (BRASIL, 2003).
O Estatuto realizou outras alterações de relevância no Código Penal para o combate à vio-
lência contra o idoso, segundo apontam Souza e Carboni (2013):
• A substituição da palavra velho por maior de 60 (sessenta) anos nas circunstâncias agra-
vantes da parte geral (art. 61, II, “h”, do Código Penal).
• No homicídio doloso, a pena foi aumentada de 1/3 quando for praticado contra pessoa
maior de sessenta anos (art. 121, §4º, do Código Penal).
• No crime de abandono de incapaz, criou-se uma causa especial de aumento de pena
quando a vítima for maior de sessenta anos (art. 133, §3º, III, do Código Penal).
• No crime de injúria, a utilização de elementos referentes à condição de pessoa idosa ou
portadora de deficiência passou a ser incluída entre aquelas previstas como qualificadoras
(art. 140, §3º, do Código Penal).
• Os crimes de calúnia e difamação passam a ter sua pena aumentada em 1/3 quando
cometidos contra pessoa maior de sessenta anos ou portadora de deficiência (art. 141,
IV, do Código Penal).
• O crime de sequestro e cárcere privado, quando praticado contra pessoa maior de
sessenta anos, fica apenado com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos (art. 148, §1º, I,
do Código Penal).
• O crime de extorsão mediante sequestro fica apenado com reclusão de 12 (doze) a 20
(vinte) anos também quando o sequestrado for maior de sessenta anos (art. 159, §1º, do
Código Penal).
• Os crimes praticados nas circunstâncias do artigo 182 do Código Penal passaram a ser de
ação penal pública incondicionada, sempre que (praticado sem violência ou grave amea-
ça) seja em detrimento de pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos (artigo 183,
III, do Código Penal).
• Passa a ser considerado crime deixar de prover a subsistência de pessoa maior de sessenta
anos (art. 244, do Código Penal).
• Aumenta-se a pena de 1/3 até metade quando a vítima for maior de sessenta
anos, nas hipóteses de contravenções penais (art. 21, parágrafo único, da Lei de
Contravenções Penais).
• A pena no crime de tortura fica aumentada de 1/6 até 1/3, se for praticado contra pessoa
maior de sessenta anos (art. 1º, §4º, II, da Lei n. 9.455/97).
74 Direitos humanos e relações étnico-raciais
É claro que o combate à violência contra o idoso não passa somente pelo âmbito da penali-
zação das condutas, muito menos pela efetivação destas penas pelo agente público. Vai muito além!
São necessárias políticas públicas de atendimento aos direitos humanos dos idosos para evitar que
eles fiquem em situação de risco, assegurando-lhes os direitos básicos. São indispensáveis ações
educacionais voltadas à conscientização da população em relação a esses direitos (inclusive dos
próprios idosos e de seus familiares) e a capacitação dos agentes públicos, tanto no âmbito da saúde
pública, da assistência social, como de todo o funcionalismo público.
É possível passar horas e horas a tecer comentários em relação às práticas necessárias para a
efetivação das medidas de respeito aos direitos dos idosos, mas, ao que parece, tudo passa por uma
reviravolta moral, no restabelecimento de valores morais de proteção da pessoa humana, naquela
visão de proteção do mais fraco, em especial, de respeito ao próximo e àquele que eventualmente
já cuidou de você.
Atividades
1. Realize uma pesquisa e disserte sobre a questão do abandono afetivo do idoso, a necessidade
de previsão legal de obrigações de cuidado dos familiares em relação aos idosos e a imposi-
ção de punições civis e penais em caso de descumprimento dessas disposições.
2. O Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violação dos
direitos das pessoas com deficiência, tendo esse fato ocorrido em 2006, no caso Damião
Ximenes Lopes (Acesse em: <www.conectas.org/pt/acoes/sur/edicao/15/1000169-caso-
damiao-ximenes-lopes-mudancas-e-desafios-apos-a-primeira-condenacao-do-brasil-pela-
corte-interamericana-de-direitos-humanos>. Acesso em: 7 jun. 2018). Após pesquisa sobre
a questão, relate o caso e descreva quais os direitos que foram violados.
3. Disserte sobre um dos direitos humanos dos idosos consagrados no Estatuto do Idoso.
4
Diversidade étnico-racial, religiosa, de gênero e LGBT
Gisele Echterhoff
A busca pela igualdade foi o principal objetivo das primeiras declarações de Direitos
Humanos do século XVIII, como uma resposta aos privilégios de determinada casta ou categoria
social (nobreza, castas religiosas etc.).
No entanto, a pretensão de igualdade era meramente formal, ou seja, igualdade somente pe-
rante a lei (isonomia), exigindo-se um tratamento idêntico para todas as pessoas submetidas à lei,
não se reconhecendo a existência de condições desiguais que precisam ser supridas por medidas
públicas para superar a desigualdade.
Além do mais, o objetivo não era um reconhecimento efetivo de igualdade para todos, pois
parcela da população ainda se encontrava em condições de desigualdade e sem reconhecimento de
direitos, como era o caso das mulheres e dos escravos.
André de Carvalho Ramos cita os seguintes exemplos de declarações daquela época:
A primeira Declaração de Direitos dessa época, a Declaração de Virgínia, de
12 de junho de 1776, reconheceu que todos os homens são, pela sua natureza,
iguais e todos possuem direitos inatos. A Declaração de Independência dos
Estados Unidos da América, aprovada no Congresso Continental de 4 de julho
76 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Com a ascensão do Estado Social, a noção de igualdade ganha uma nova concepção: a de
igualdade material em complementação à formal, que “busca ainda a erradicação da pobreza e de
outros fatores de inferiorização que impedem a plena realização das potencialidades do indivíduo.
A igualdade, nessa fase, vincula-se à vida digna” (RAMOS, 2015, p. 480).
Ramos (2015) afirma que, atualmente, o fundamento do direito à igualdade é a universali-
dade dos direitos humanos, pois este reconhece a todos os seres humanos a titularidade desses di-
reitos, tal qual concebe o artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “Todos
os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (ONU, 1948).
Com base nessa noção histórica, podemos passar ao exame das três vertentes do direito à
igualdade:
a) a igualdade formal, reduzida à fórmula “todos são iguais perante a lei” (que,
ao seu tempo, foi crucial para abolição de privilégios); b) a igualdade material,
correspondente ao ideal de justiça social e distributiva (igualdade orientada pelo
critério socioeconômico); e c) a igualdade material, correspondente ao ideal de
justiça enquanto reconhecimento de identidades (igualdade orientada pelos
critérios gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e outros). (PIOVESAN,
2015, p. 328)
De outro lado, Ramos (2015) cita a existência de duas dimensões da igualdade, a primeira
que visa à proibição de discriminação indevida, chamada de vedação da discriminação negativa, e a
segunda que prevê o dever de impor uma determinada discriminação para a obtenção da igualdade
efetiva, chamada de discriminação positiva (ou ação afirmativa).
Flávia Piovesan (2015) demonstra nitidamente que as duas dimensões são complementares,
ressaltando que a estratégia repressiva-punitiva – que visa proibir, punir e eliminar a discriminação
– é medida de urgência, porém, insuficiente, devendo ser complementada pela estratégia promo-
cional, a qual tem por objetivo promover, fomentar e avançar a igualdade.
Assim, exemplifica seu entendimento a autora:
Faz-se necessário combinar a proibição de discriminação com políticas com-
pensatórias que acelerem a igualdade enquanto processo. Isto é, para assegurar a
igualdade não basta apenas proibir a discriminação, mediante legislação repres-
siva. São essenciais as estratégias promocionais capazes de estimular a inserção
e inclusão de grupos socialmente vulneráveis nos espaços sociais. Com efeitos, a
igualdade e a discriminação pairam sob o binômio inclusão-exclusão. Enquanto
a igualdade pressupõe formas de inclusão social, a discriminação implica a
Diversidade étnico-racial, religiosa, de gênero e LGBT 77
A par da DUDH, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 também faz
expressa referência ao direito à igualdade:
Artigo 2.º
1. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar e a garantir
a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a
sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação
alguma por motivo de raça, cor, sexo, religião, opinião política ou outra natu-
reza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer
outra condição.
[...]
Artigo 4.º
1. Quando situações excepcionais ameacem a existência da nação e sejam pro-
clamadas oficialmente, os Estados partes do presente Pacto podem adotar, na
78 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Flávia Piovesan ressalta que o Comitê de Direitos Humanos, em sua Recomendação Geral
18, a respeito do artigo 26 do Pacto, “entende que o princípio da não discriminação é um princípio
fundamental previsto no próprio Pacto, condição e pressuposto para o pleno exercício dos direitos
humanos nele enunciados”. Afirma a autora que, “no entender do Comitê, ‘A não discriminação,
assim como a igualdade perante a lei e a igual proteção da lei sem nenhuma discriminação, consti-
tuem em princípio básico e geral, relacionado à proteção dos direitos humanos’” (2015, p. 312-313).
De forma bastante semelhante é a previsão do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, de 1966, no seu artigo 2º:
2.º Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a garantir que os
direitos nele enunciados e exercerão em discriminação alguma por motivo de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem
nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.
No âmbito da legislação interna – novamente numa análise dos dispositivos gerais em rela-
ção ao direito à igualdade – verificamos que já no preâmbulo da Constituição Federal há expressa
referência a esse direito:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-es-
tar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição
da República Federativa do Brasil. (BRASIL, 1988, grifos nossos)
direitos relacionados à igualdade, como o inciso I (“homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações”), inciso XLI (“a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais”) e o inciso XLII (“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão”) (BRASIL, 1988).
Além desses dispositivos gerais, há, também, outros específicos em relação ao racismo, à
discriminação contra a mulher, contra os deficientes, entre outros; porém, estes serão examinados
quando falarmos especificamente de cada um desses assuntos.
Baseando-se nessa análise geral sobre o direito à igualdade, passemos ao exame das questões
étnicos-raciais, do preconceito racial.
A sociedade brasileira é bastante plural, sendo constituída de diversos grupos étnico-raciais.
Esse fator é de extrema relevância para a nossa riqueza cultural; porém, também é um fator que nos
caracteriza como uma sociedade marcada por grandes desigualdades e discriminações em razão
dessa diversidade, em especial em relação aos negros e indígenas.
De acordo com o Censo de 2010, o Brasil “contava com uma população de 191 milhões de
habitantes, dos quais 91 milhões se classificaram como brancos (47,7%), 15 milhões como pretos
(7,6%), 82 milhões como pardos (43,1%), 2 milhões como amarelos (1,1%) e 817 mil indígenas
(0,4%)” (IBGE, 2011, p. 75-76).
Constatou-se uma diferença em relação ao censo de 2000, pois houve uma redução da pro-
porção de pessoas que se declararam brancas e crescimento das que se declararam pretas, pardas
ou amarelas (IBGE, 2011).
Gráfico 1 – Distribuição percentual da população residente, segundo cor ou raça – Brasil, 2000-2010.
%
53,7
47,7
43,1
38,5
6,2 7,6
0,5 1,1 0,4 0,4 0,7
0,0
2000 2010
Considerando alguns dados mais recentes, a Síntese de Indicadores Sociais de 2015, também
do IBGE, apresenta os seguintes dados:
80 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Embora frequentemente mascarado, o racismo é algo presente em nosso dia a dia, sendo que
a condição racial ligada à condição socioeconômica faz com que a desigualdade seja ainda mais
surpreendente e gere constantes violações de direitos humanos.
O brasileiro tem um problema em aceitar a sua condição de racista, mas os números não
enganam:
Nesse contexto de racismo institucional, que se nutre de uma ideologia persis-
tente e velada em sua origem, mas explícita em seus efeitos, a melhor estratégia
há de ser o enfrentamento dos indicadores socioeconômicos, quando o racismo
institucional aparece bem evidenciado:
Finalmente, o levantamento da presença das pessoas negras nos cargos de di-
reção e gerência das 500 maiores empresas do país reforça todas as análises
anteriores. Em 2003, no nível mais elevado das hierarquias dessas companhias,
apenas 1,8% dos funcionários era negro. Na esfera intermediária, as pessoas
negras representavam 13,5% dos supervisores e, em todo o quadro funcional,
23,4%.Como essas organizações são as que oferecem maiores possibilidades de
progressão na carreira, pode-se concluir que as mulheres e os homens negros
não só têm dificuldade de acesso a cargos de decisão no mercado de trabalho
como enfrentam obstáculos para simplesmente trabalhar nessas companhias,
que frequentemente oferecem melhores empregos em termos de remuneração,
proteção e benefícios. (PNDU BRASIL, s.d., p. 51). (SILVA; SOARES FILHO,
2011, p. 12)
Não é por outra razão que existem tratados internacionais que visam eliminar todas as for-
mas de discriminação para com essa minoria étnico-racial.
Cita-se a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de
1965, que, já no preâmbulo, prescreve “que qualquer doutrina de superioridade baseada em dife-
renças raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa, em
que, não existe justificação para a discriminação racial, em teoria ou na prática, em lugar algum”
(ONU, 1965).
O art. 1º dessa Convenção define expressamente discriminação racial:
1. Nesta Convenção, a expressão “discriminação racial” significará qualquer dis-
tinção, exclusão restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou
origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o re-
conhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano, (em igualdade de condição),
de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico,
social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública. (ONU, 1965)
Piovesan (2015), comentando esse dispositivo, afirma que discriminação significa sempre
desigualdade. E ressalta a autora que a própria Convenção estabelece a possibilidade de ações afirma-
tivas com vistas a promover sua ascensão na sociedade até um nível de equiparação com os demais:
Diversidade étnico-racial, religiosa, de gênero e LGBT 81
1 Insuscetível de concessão de fiança. “A fiança é um direito subjetivo constitucional do acusado, que lhe permite,
mediante caução e cumprimento de certas obrigações, conservar sua liberdade até a sentença condenatória irrecorrível”
(MIRABETE, 2008, p. 415).
2 Que não submete a prazo prescricional.
82 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Essa perspectiva mudou com a edição da Lei n. 12.288, de 20 de julho de 2010, conheci-
da como Estatuto da Igualdade Racial, que tem por objetivo “garantir à população negra a efeti-
vação da igualdade de oportunidades, a defesa de direitos étnicos e o combate à discriminação”
(PIOVESAN, 2015, p. 335).
O Estatuto estabelece a possibilidade de adoção de ações afirmativas consistentes em “po-
líticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discri-
minatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do país”
(parágrafo único do art. 4º).
O artigo 42, por exemplo, indica a possibilidade de adoção de critérios para o provimento de
cargos da administração pública federal e estadual destinados a ampliar a participação de negros.
Conduta de promoção semelhante à da Lei n. 10.558/2002, chamada Lei de Cotas para o ingresso
no ensino superior.
O Estatuto assegura vários direitos fundamentais, como saúde, educação, cultura, esporte,
lazer, liberdade de consciência e de crença, livre exercício dos cultos religiosos, acesso à terra e à
moradia adequada e ao trabalho. Traz, também, algumas previsões bem específicas, como:
• valorização da herança cultural afrodescendente na história nacional;
• estímulo à participação de afrodescendentes em propagandas, filmes e programas;
• estímulo à adoção de programas de ações afirmativas pelo setor privado;
• programas de ações afirmativas para afrodescendentes e povos indígenas em universida-
des federais.
Além disso, esse Estatuto institui o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial
(Sinapir) como forma de organização e de articulação voltadas à implementação do conjunto de
políticas e serviços destinados a superar as desigualdades étnicas existentes no Brasil, prestados
pelo poder público federal (art. 47).
Diversidade étnico-racial, religiosa, de gênero e LGBT 83
Embora seja comum usarmos as expressões liberdade de crença e liberdade religiosa como si-
nônimas, José Afonso da Silva indica que existem diferenças entre ambas, embora sejam correlatas.
O autor sustenta que na liberdade de crença se inclui “a liberdade de escolha da religião, a liberdade
de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também
compreende a liberdade de não aderir a religião alguma” (2000, p. 251-256 apud BREGA FILHO;
ALVES, 2008, p. 3573-3574). Afirma o autor que
a religião não é apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples ado-
ração a Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica
básica se exterioriza na prática dos ritos, no culto, com suas cerimônias, mani-
festações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela
religião escolhida. (SILVA, 2000, p. 251-256)
Ingo Wolfgang Sarlet afirma que a liberdade religiosa desdobra-se na liberdade de crença,
“faculdade individual de optar por uma religião ou de mudar de religião ou de crença” (2015, p.
96), e na liberdade de culto, que “guarda relação com a exteriorização da crença”, por meio dos “ri-
tos, cerimônias, locais e outros aspectos essenciais ao exercício da liberdade de religião e de crença”
(2015, p. 96).
A violação da liberdade religiosa tem origens muito remotas. Não é de hoje que a intolerân-
cia religiosa é motivo para preocupação da sociedade, já passamos por situações em que a religião
se tornou fundamento para atrocidades, como na época da Inquisição. Infelizmente, em razão de
questões religiosas, ainda vemos guerras e conflitos civis em várias regiões do mundo, em especial,
os conflitos entre cristãos e muçulmanos.
Embora o Brasil seja um país com grande variedade cultural e étnica, consequentemente,
religiosa, tal circunstância, por si só, não é capaz de afastar as graves violações à liberdade religiosa.
Conforme um artigo publicado pelo Jornal do Senado, de Juliana Steck, o número de denúncias no
Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República cresceu mais de sete
vezes em 2012 em relação a 2011 (um aumento de 626%). E não se deve esquecer que estes núme-
ros não representam a real dimensão do problema, fato este reconhecido pela própria Secretária
de Direitos Humanos, pois “o serviço telefônico gratuito da secretaria não possui um módulo es-
pecífico para receber esse tipo de queixa” (STECK, 2013). Consequentemente, “muitos casos não
chegam ao conhecimento do poder público. A maior parte das denúncias é apresentada às polícias
ou órgãos estaduais de proteção dos direitos humanos e não há nenhuma instituição responsável
por contabilizar os dados nacionais” (STECK, 2013).
A Associação SaferNet demonstra em números que a maioria das agressões são cometidas
via internet:
Muitas agressões são cometidas pela internet. Segundo a associação SaferNet,
em 2012, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos recebeu
494 denúncias de intolerância religiosa praticadas em perfis do Facebook.
O mundo virtual reflete a situação do mundo real. De 2006 a 2012, foram
247.554 denúncias anônimas de páginas e perfis em redes sociais que conti-
nham teor de intolerância religiosa. (STECK, 2013)
Diversidade étnico-racial, religiosa, de gênero e LGBT 85
Existem casos emblemáticos dentro do território nacional que demonstram a que nível che-
ga a intolerância religiosa. O Mapa da Intolerância Religiosa, de Marcio Alexandre M. Gualberto
(2011), cita, por exemplo, casos como o do cartunista Glauco Villas-Boas e seu filho, Roani, em
que o assassino, Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu, afirma expressamente que praticou o crime
cumprindo um chamado de Deus, referindo-se à Crença do Santo Daime, seita esta adotada pelo
cartunista, que era fundador da Igreja Céu de Maria.
Esse documento cita, ainda, os ataques comuns às imagens sacras das Igreja católica, como o
praticado pelo bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, Von Helder, que, em 12 de outubro de
1995, em rede nacional, chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida.
Dentre vários outros casos, o documento cita, também, o suicídio, em novembro de 2010, da
jovem Larissa Rafaela Kondo de Lima, de 15 anos, em Cafelândia/SP, que havia sido agredida pelos
pais, evangélicos, para que obedecesse às “regras da igreja e do respeito à família” (GUALBERTO,
2011, p. 64-65).
Necessário, ainda, apontar o caso da Mãe Gilda, que faleceu logo após ter sua “foto estam-
pada no Jornal Folha Universal em matéria extremamente desrespeitosa às religiões de matriz afro”
(GUALBERTO, 2011, p. 111-112). O dia da morte da Mãe Gilda, 21 de janeiro, passou a ser consi-
derado o Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa pela Lei n. 11.635/2007.
Sem dúvida, os números e as histórias de violação são assustadores, demonstrando a neces-
sidade de atuações de toda a sociedade em prol da garantia de liberdade religiosa, tanto em âmbito
internacional como no direito interno.
Em termos internacionais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra expres-
samente a liberdade religiosa:
86 Direitos humanos e relações étnico-raciais
recebe denúncias de maus-tratos contra as mulheres oferecido pela a Secretaria de Políticas para as
Mulheres da Presidência da República” (IBGE, 2012).
Especificamente esses registros se referem a vários tipos de violência:
Tabela 1 – Registros de atendimentos da Central de Atendimento à mulher, segundo o tipo de relato –
Brasil, 2009-2012.
Tabela 2 – Número e taxas (por 100 mil) de homicídio de mulheres – Brasil, 1980-2013.
(Continua)
90 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Δ%
1994 2.838 3,6 197,3 87,7
1980/2006
Δ%
1995 3.325 4,2 18,4 12,5
2006/2013
Δ%
1996 3.682 4,6 252,0 111,1
1980/2013
Δ% aa.
1997 3.587 4,4 7,6 2,5
1980/2006
Δ% aa.
1998 3.503 4,3 2,6 1,7
2006/2013
Δ% aa.
1999 3.536 4,3 7,6 2,3
1980/2013
Gráfico 2 – Evolução das taxas de homicídios de mulheres (por 100 mil) – Brasil, 1980-2013.
5,0
2013, 4,8
1996, 4,6
Taxas de homicídio (por 100 mil)
4,0
2007, 3,9
3,5
3,0
2,5
1980, 2,3
2,0
1980 1983 1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004 2007 2010 2013
após a lei, entre 2006 e 2013, “o crescimento do número desses homicídios cai para 2,6% ao ano e
o crescimento das taxas cai para 1,7% ao ano” (WAISELFISZ, 2015, p. 11).
Este estudo apresenta uma alarmante comparação do Brasil em relação a outros países:
Com sua taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, o Brasil, num grupo de
83 países com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da
Saúde, ocupa uma pouco recomendável 5ª posição, evidenciando que os índices
locais excedem, em muito, os encontrados na maior parte dos países do mundo.
Efetivamente, só El Salvador, Colômbia, Guatemala (três países latino-america-
nos) e a Federação Russa evidenciam taxas superiores às do Brasil, mas as taxas
do Brasil são muito superiores às de vários países tidos como civilizados:
• 48 vezes mais homicídios femininos que o Reino Unido;
• 24 vezes mais homicídios femininos que Irlanda ou Dinamarca;
• 16 vezes mais homicídios femininos que Japão ou Escócia.
Esse é um claro indicador que os índices do País são excessivamente elevados.
(WAISELFISZ, 2015, p. 27)
E não para por aí: o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério
da Saúde, que registra os atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) no campo das violên-
cias, aponta que, em 2014, foram atendidas 223.796 vítimas de diversos tipos de violência, sendo
que “duas em cada três dessas vítimas de violência (147.691) foram mulheres que precisaram de
atenção médica por violências domésticas, sexuais e/ou outras. Isto é: a cada dia de 2014, 405
mulheres demandaram atendimento em uma unidade de saúde, por alguma violência sofrida”
(WAISELFISZ, 2015, p. 42).
Ao se identificar quem foi o agressor, constata-se que:
• 82% das agressões a crianças do sexo feminino, de <1 a 11 anos de idade, que
demandaram atendimento pelo SUS, partiram dos pais – principalmente da
mãe, que concentra 42,4% das agressões.
• Para as adolescentes, de 12 a 17 anos de idade, o peso das agressões divide-se
entre os pais (26,5%) e os parceiros ou ex-parceiros (23,2%).
• Para as jovens e as adultas, de 18 a 59 anos de idade, o agressor principal é o
parceiro ou ex-parceiro, concentrando a metade do todos os casos registrados.
• Já para as idosas, o principal agressor foi um filho (34,9%).
• No conjunto de todas as faixas, vemos que prepondera largamente a violência
doméstica. Parentes imediatos ou parceiros e ex-parceiros [...] são responsáveis
por 67,2% do total de atendimentos. (WAISELFISZ, 2015, p. 48)
O estudo ainda indica os tipos de violência, apontando que a violência física é mais frequen-
te, a par da psicológica e sexual:
92 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Tabela 3 – Número e estrutura (%) de atendimentos de mulheres pelo SUS, segundo tipo de violência e
etapa do ciclo de vida – Brasil, 2014.
Número %
Adolescente
Adolescente
Tipo de
Criança
Criança
Jovem
Jovem
Adulta
Adulta
Idosa
Idosa
violência
Total
Total
Física 6.020 15.611 30.461 40.653 3.684 96.429 22,0 40,9 58,9 57,1 38,2 48,7
Psicológica 4.242 7.190 12.701 18.968 2.384 45.485 15,5 18,9 24,5 26,6 24,7 23,0
Tortura 402 779 1.177 1.704 202 4.264 1,5 2,0 2,3 2,4 2,1 2,2
Sexual 7.920 9.256 3.183 3.044 227 23.630 29,0 24,3 6,2 4,3 2,4 11,9
Tráfico
20 16 28 30 3 97 0,1 0,0 0,1 0,0 0,0 0,0
humano
Econômica 115 122 477 1.118 601 2.433 0,4 0,3 0,9 1,6 6,2 1,2
Negligência/
7.732 2.577 436 593 1.837 13.175 28,3 6,8 0,8 0,8 19,0 6,7
abandono
Trabalho
140 133 273 0,5 0,3 0,0 0,0 0,0 0,1
infantil
Intervenção
75 94 64 90 29 352 0,3 0,2 0,1 0,1 0,3 0,2
legal
Outras 649 2.359 3.228 4.978 684 11.898 2,4 6,2 6,2 7,0 7,1 6,0
Total 27.315 38.137 51.755 71.178 9.651 198.036 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
homens e mulheres” (PIOVESAN, 2015, p. 366). Salienta que essas medidas são “compensatórias
para remediar as desvantagens históricas, aliviando as condições resultantes de um passado discri-
minatório” (PIOVESAN, 2015).
O artigo 18 da Convenção cria a sistemática de relatórios como forma de exame da imple-
mentação pelos Estados-partes dos direitos ali assegurados, o que será realizado pelo Comitê sobre
a Eliminação da Discriminação contra a Mulher (art. 17).
No entanto, Piovesan (2015) ressalta que essa Convenção foi o instrumento internacional
que mais recebeu reservas entre as convenções de direitos humanos, “pois ao menos 23 dos 100
Estados-partes fizeram, no total, 88 reservas substanciais” (2015, p. 367). Destaca a autora que a
maioria das reservas se concentrou na cláusula relativa à igualdade entre homens e mulheres na
família, estando justificada em argumentos de ordem religiosa, cultural ou mesmo legal.
E explica:
Isso reforça o quanto a implementação dos direitos humanos das mulheres está
condicionada à dicotomia entre os espaços público e privado, que, em muitas
sociedades, confina a mulher ao espaço exclusivamente doméstico da casa e da
família. Vale dizer, ainda que se constate, crescentemente, a democratização do
espaço público, com a participação ativa de mulheres nas mais diversas arenas
sociais, resta o desafio da democratização do espaço privado – cabendo pon-
derar que tal democratização é fundamental para a própria democratização do
espaço público. (PIOVESAN, 2015, p. 367)
Por fim, a autora afirma que a Conferência de Direitos Humanos de Viena de 1993 “rea-
firmou a importância do reconhecimento universal do direito à igualdade relativa ao gênero, cla-
mando pela ratificação universal da Convenção” (PIOVESAN, 2015, p. 368), cabendo ao Comitê
continuar a revisar as reservas à Convenção, convidando os Estados-partes a eliminar reservas que
sejam contrárias aos propósitos da convenção.
O Brasil ratificou a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher em 1º de fevereiro de 1984. Também ratificou, em 1995, em âmbito regional, a
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção
de Belém do Pará), editada no âmbito da OEA (Organização dos Estados Americanos) em 1994.
Piovesan ressalta que a Convenção de Belém do Pará é o primeiro tratado internacional a
reconhecer “a violência contra a mulher como um fenômeno generalizado, que alcança, sem dis-
tinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, um elevado número de mulheres”
(2015, p. 371).
Já no seu preâmbulo, a Convenção destaca que a violência contra a mulher constitui ofensa
contra a dignidade humana e representa manifestação das relações de poder historicamente desi-
guais entre mulheres e homens. A Convenção define que violência contra a mulher é “qualquer ato
ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico
à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (art. 1º).
De acordo com Piovesan (2015), com essa Convenção que surgem valiosas estratégias para
a proteção internacional dos direitos humanos das mulheres, destacando, especificamente, o
94 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Embora não haja expressa referência à orientação sexual nesses documentos, há con-
senso de que a não discriminação e a igualdade decorrente da orientação sexual podem ser
extraídas das cláusulas gerais, em especial pelas expressões: ou qualquer outra condição e ou
qualquer outra situação.
Diversidade étnico-racial, religiosa, de gênero e LGBT 97
Essa foi a posição adotada pelo Comitê dos Direitos Humanos, em 1994, no caso Toonen
versus Austrália3, quando sustentou que os Estados estão obrigados a proteger os indivíduos da
discriminação baseada em orientação sexual (PIOVESAN, 2015). Também foi a posição adotada
pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturas, pela Recomendação Geral 20, quando
observou que a expressão outra situação, constante do artigo 2º do Pacto, inclui orientação se-
xual e “realçou o dever dos Estados-partes de assegurar que a orientação sexual de uma pessoa
não signifique um obstáculo para a realização dos direitos enunciados no Pacto” (PIOVESAN,
2015, p. 445).
Em 26 de setembro de 2014, o Conselho de Direitos Humanos da ONU adotou uma reso-
lução em relação ao tema da orientação sexual e identidade de gênero “com 25 votos a favor, 14
contra e sete abstenções – na qual expressou ‘grave preocupação’ com atos de violência e discrimi-
nação, em todas as regiões do mundo, cometidos contra indivíduos por causa de sua orientação
sexual e identidade de gênero” (ONU BRASIL, 2014).
Essa resolução, que teve o Brasil como um dos países que apresentou projeto, “pede ao Alto
Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) que atualize seu relatório sobre as
‘leis e práticas discriminatórias e atos de violência contra indivíduos com base em sua orientação
sexual e gênero identidade’” (ONU BRASIL, 2014). O objetivo da resolução é “‘compartilhar boas
práticas e maneiras de superar a violência e a discriminação’ na aplicação do direito internacio-
nal dos direitos humanos e das normas existentes”, visando “apresentá-lo ao Conselho de Direitos
Humanos durante sua vigésima nona sessão” (ONU BRASIL, 2014).
Ainda no âmbito internacional, Piovesan (2015) cita um vasto repertório jurisprudencial
da Corte Europeia de Direitos Humanos envolvendo a livre orientação sexual. A autora indica
casos relativos à proibição da criminalização de práticas homossexuais consensuais no final da
década de 1980. Depois, passa para o exame de casos de discriminação baseados em orienta-
ção sexual no final da década de 1990, em que cita demissões de oficiais das forças armadas
do Reino Unido em razão das suas orientações sexuais, demonstrando que a Corte Europeia
reconheceu a violação ao direito e ao respeito à vida privada e à proibição de discriminação da
Convenção Europeia.
Em seguida, a autora menciona, ainda, casos relativos a reconhecimentos de direitos de
transexuais no Reino Unido, no âmbito da Corte Europeia de Direitos Humanos, como direito
à mudança de sexo após a realização de cirurgia, tratamento diferenciado na esfera trabalhista,
seguridade social, pensão e casamento. Piovesan (2015) examina, também, os casos submetidos à
Corte em relação à adoção por homossexuais, reconhecendo a possibilidade de adoção por uma
homossexual solteira, no caso de E. B. versus France4.
No âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a autora cita o leading case Atala
Riffo y niñas versus Chile, decidido em 24 de fevereiro de 2012, como sendo o primeiro caso julgado
3 Sobre o caso Toonen versus Austrália, assista ao vídeo da ONU: ONU prepara estudo inédito sobre violações de direitos
humanos da comunidade LGBT. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=NUqPo5Oa7Hs>. Acesso em: 7 jun. 2018.
4 Sobre o caso E. B. versus França, consulte o item 6.2 do material disponível no link: <https://eces.revues.org/1658#
tocto2n13>. Acesso em: 7 jun. 2018.
98 Direitos humanos e relações étnico-raciais
pela corte concernente à violação aos direitos da diversidade sexual. Após intenso litigio judicial
no Chile, a Sra. Atala perdeu a custódia das três filhas para o pai, sob o argumento de que ela não
poderia manter a custódia por conviver com pessoa do mesmo sexo após o divórcio. “No entender
unânime da Corte Interamericana, o Chile violou os artigos 1º, parágrafo 1º e 14 da Convenção
Americana, por afrontar o princípio da igualdade e da proibição da discriminação” (PIOVESAN,
2015, p. 454).
E conclui sobre esse precedente:
À luz de uma interpretação dinâmica e evolutiva compreendendo a
Convenção como um living instrument, ressaltou a Corte que a cláusula do
art. 1.º, parágrafo 1.º, é caraterizada por ser uma cláusula aberta de forma
a incluir a categoria da orientação sexual, impondo aos Estados a obriga-
ção geral de assegurar o exercício de direitos, sem qualquer discriminação.
(PIOVESAN, 2015, p. 454)
De acordo com dados colhidos na Ouvidoria do SUS entre 2013 e 2014, dos 40.852 questio-
nários respondidos, 952 pessoas indicaram sua orientação sexual como diferente de heterossexual,
e, destas, a distribuição por identidade sexual foi a seguinte:
Gráfico 3 – Identidade sexual ou identidade de gênero dos usuários da Ouvidoria SUS, 2013-2014.
44,0%
21,0%
18,0%
13,0%
3,0%
1,0%
Esse relatório indica que, em 2013, foram registradas 1965 denúncias pelo Disque Direitos
Humanos, “de 3.398 violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 1.906 vítimas e 2.461
suspeitos. Em relação a 2012, houve uma queda dos registros ao Disque 100 de 44,1%” (BRASIL,
2016, p. 11).
Gráfico 4 – Denúncias, por mês em 2013
13,1%
11,6%
9,6% 9,9%
9,6
7,7% 7,8%
7,1%
6,8% 6,5%
5,6%
4,7%
jan. fev. mar. abr. mai. jun. jul. ago. set. out. nov. dez.
O perfil das violações demonstra que a maioria decorre de violência psicológica, de discri-
minação ou violência física:
Gráfico 5 – Distribuição das violações, por tipo em 2013
40,1%
36,4%
14,4%
5,5%
3,6%
Não é por outra razão que tanto o Supremo Tribunal Federal (ADIn5 4277 e ADPF6 132)
como o Superior Tribunal de Justiça (Resp7 1.183.348) reconheceram a união homoafetiva como
entidade familiar, atribuindo-lhes direitos decorrentes ou da união estável ou do casamento, de-
pendendo do caso.
A evolução no reconhecimento de direitos aos homossexuais tem sido maior no âmbito ju-
risprudencial, seguindo a ótica internacional. Por exemplo, no que tange à adoção, não há previsão
legislativa reconhecendo essa possibilidade, embora uma interpretação principiológica e sistêmica
permita tal conclusão; mesmo assim, já verificamos posições jurisprudenciais favoráveis a essa
hipótese de adoção (exemplo de jurisprudência no STJ: REsp 1.281.093/SP e REsp 889.852/RS).
Com relação às legislações infraconstitucionais, podemos citar:
• Lei n. 9.612/98 – define, no seu artigo 4º, que as emissoras deverão atender em sua pro-
gramação alguns princípios, entre eles, no inciso IV, o da não discriminação por raça,
sexo, preferências sexuais etc.
• Lei n. 10.2016/2001 – assegura direitos e proteção às pessoas acometidas de transtorno
mental, sem qualquer discriminação, inclusive por orientação sexual.
• Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) – faz referência expressa à orientação sexual no
artigo 2º.
• Decreto 4/2010 – institui o dia 17 de maio como Dia Nacional de Combate à Homofobia.
• Lei n. 12.414/2011 – disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações
de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico
de crédito, proibindo, expressamente, no artigo 3º, §3º, inciso II, anotações de informa-
ções sensíveis, assim consideradas aquelas pertinentes à origem social e étnica, à saúde, à
informação genética, à orientação sexual e às convicções políticas, religiosas e filosóficas.
• Resolução n. 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos
Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais – visa garantir, pelas instituições e redes
de ensino, o reconhecimento e a adoção do nome social às pessoas cuja identificação civil
não reflita adequadamente sua identidade de gênero, mediante solicitação do interessado.
5 ADI significa Ação Direta de Inconstitucionalidade, “ação que tem por finalidade declarar que uma lei ou parte dela é
inconstitucional, ou seja, contraria a Constituição Federal. A ADI é um dos instrumentos daquilo que os juristas chamam
de “controle concentrado de constitucionalidade das leis”. Em outras palavras, é a “contestação direta da própria nor-
ma em tese” (STF. Glossário jurídico. Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=124>.
Acesso em: 5 abr. 2016).
6 ADPF significa Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, “é um tipo de ação, ajuizada exclusivamente
no STF, que tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Nesse caso,
diz-se que a ADPF é uma ação autônoma. Entretanto, esse tipo de ação também pode ter natureza equivalente às ADIs,
podendo questionar a constitucionalidade de uma norma perante a Constituição Federal, mas tal norma deve ser muni-
cipal ou anterior à Constituição vigente (no caso, anterior à de 1988). A ADPF é disciplinada pela Lei Federal 9.882/99”
(STF. Glossário jurídico. Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=481>. Acesso em:
5 abr. 2016).
7 Resp significa Recurso Especial, um “recurso ao Superior Tribunal de Justiça, de caráter excepcional, contra deci-
sões de outros tribunais, em única ou última instância, quando houver ofensa à lei federal. Também é usado para pacificar
a jurisprudência, ou seja, para unificar interpretações divergentes feitas por diferentes tribunais sobre o mesmo assunto.
Uma decisão judicial poderá ser objeto de recurso especial quando: 1 – contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes
vigência; 2 – julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal; 3 – der à lei federal interpreta-
ção divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal” (STF. Glossário jurídico. Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/
glossario/verVerbete.asp?letra=R&id=206>. Acesso em: 5 abr. 2016).
102 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Embora existam no Brasil vários projetos de leis que visam regulamentar os direitos da co-
munidade LGBT, o objetivo deste capítulo foi examinar os principais aspectos normativos relacio-
nados ao assunto, demonstrando que, embora obrigatório o reconhecimento da proteção desses
direitos por uma interpretação constitucional, ainda estamos muito aquém do necessário em rela-
ção a medidas legislativas, repressivas e promocionais.
Atividades
1. (ENADE-2015) A paquistanesa Malala Yousafzai, de dezessete anos de idade, ganhou o Prê-
mio Nobel da Paz de 2014, pela defesa do direito de todas as meninas e mulheres de estudar.
“Nossos livros e nossos lápis são nossas melhores armas. A educação é a única solução, a
educação em primeiro lugar”, afirmou a jovem em seu primeiro pronunciamento público na
Assembleia de Jovens, na Organização das Nações Unidas (ONU), após o atentado em que
foi atingida por um tiro ao sair da escola, em 2012. Recuperada, Malala mudou-se para o
Reino Unido, onde estuda e mantém o ativismo em favor da paz e da igualdade de gêneros.
Texto I
“Representantes do Movimento Negro Socialista entregaram ontem no Congresso um mani-
festo contra a votação dos projetos que propõem o estabelecimento de cotas para negros
em Universidades Federais e a criação do Estatuto de Igualdade Racial. As duas propostas
estão prontas para serem votadas na Câmara, mas o movimento quer que os projetos sejam
retirados da pauta. [...] Entre os integrantes do movimento estava a professora titular de
Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Yvonne Maggie. ‘É preciso fazer o
debate. Por isso ter vindo aqui já foi um avanço’, disse.” (Folha de S.Paulo, Cotidiano, 30 jun.
2006, com adaptação.)
Texto II
“Desde a última quinta-feira, quando um grupo de intelectuais entregou ao Congresso
Nacional um manifesto contrário à adoção de cotas raciais no Brasil, a polêmica foi reacesa.
[...] O diretor executivo da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro),
frei David Raimundo dos Santos, acredita que hoje o quadro do país é injusto com os negros e
defende a adoção do sistema de cotas.” (Agência Estado-Brasil, 3 jul. 2006.)
Ampliando ainda mais o debate sobre todas essas políticas afirmativas, há também os que ado-
tam a posição de que o critério para cotas nas universidades públicas não deva ser restritivo,
mas que considere também a condição social dos candidatos ao ingresso.
Analisando a polêmica sobre o sistema de cotas “raciais”, identifique, no atual debate social
• um argumento coerente utilizado por aqueles que o criticam;
• um argumento coerente utilizado por aqueles que o defendem.
Gisele Echterhoff
Os números dessa ruptura dos direitos humanos são significativos: foram en-
viados aproximadamente 18 milhões de indivíduos a campos de concentração,
gerando a morte de 11 milhões deles, sendo 6 milhões de judeus, além de ini-
migos políticos do regime, comunistas, homossexuais, pessoas com deficiência,
ciganos e outros considerados descartáveis pela máquina de ódio nazista. Como
sustenta Lafer, a ruptura trazida pela experiência totalitária do nazismo levou a
inauguração do tudo é possível. Esse “tudo é possível” levou as pessoas a serem
tratadas, de jure e de facto como supérfluas e descartáveis.
Este legado nazista de exclusão exigiu a reconstrução dos direitos humanos após
a Segunda Guerra Mundial, sob uma ótima diferenciada: a ótica da proteção
universal, garantida, subsidiariamente e na falha do Estado, pelo próprio Direito
Internacional dos Direitos Humanos. Ficou evidente para os Estados que orga-
nizaram uma nova sociedade internacional ao redor da ONU – Organização
das Nações Unidas – que a proteção dos direitos humanos não pode ser tida
como parte do domínio reservado de um Estado, pois as falhas na proteção local
tinham possibilitado o terror nazista. A soberania dos Estados foi, lentamente,
sendo reconfigurada, aceitando-se que a proteção de direitos humanos era um
tema internacional e não meramente um tema da jurisdição local. (RAMOS,
2015, p. 89-90)
Foi com a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que a univer-
salidade dos direitos humanos se consagrou. “Para a Declaração Universal a condição de pessoa é
o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos” (PIOVESAN, 2015, p. 215-216). Essa
declaração “consolida a afirmação de uma ética universal ao consagrar um consenso sobre valores
de cunho universal a serem seguidos pelos Estados” (PIOVESAN, 2015, p. 215-216), o que é obser-
vado desde o seu preâmbulo, ao afirmar a consagração da dignidade humana como valor universal.
A proteção desses direitos se dá de duas formas: por meio de medidas repressivas, que visam
a combater as violações dos direitos humanos, e/ou por meio de medidas da promoção desses di-
reitos, as chamadas ações afirmativas, que têm como medida garantir o amplo acesso e a efetivação
dos direitos humanos.
A partir deste momento iremos abordar alguns programas de políticas públicas adotados
pelo governo federal, em especial, com o objetivo de gerar a concretização dos direitos humanos.
Mas o que são políticas públicas?
Segundo Eduardo Appio, “as políticas públicas podem ser conceituadas como
instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção esta-
tal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos
cidadãos, tendo por escopo assegurar as condições materiais de uma existência
digna a todos os cidadãos”. Continuando, Appio esclarece que “as políticas pú-
blicas no Brasil se desenvolvem em duas frentes, quais sejam, políticas públicas
de natureza social e de natureza econômica, ambas com um sentido comple-
mentar e uma finalidade comum, qual seja, de impulsionar o desenvolvimento
da Nação, através da melhoria das condições gerais de vida de todos os cida-
dãos”. (apud GONÇALVES, 2018, p. 5)
Podemos, então, partir de um conceito básico de política pública como programa de ação
governamental que visa à concretização dos direitos humanos.
Direitos para todos e combate às violações e ao trabalho escravo 107
Nunca é demais ressaltar que a garantia constitucional ou internacional dos direitos huma-
nos de forma expressa, mas apenas representada pela letra fria da lei, é insuficiente enquanto não
se dá voz e garantia efetiva a esses direitos por meio da ação por parte da administração pública.
De acordo com Ramos (2015), não há como se falar em política pública de promoção dos
direitos humanos sem relembrar o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), adota-
do pela Presidência da República em cumprimento às proposições da Conferência Mundial de
Viena de 1993, organizada pela Organização das Nações Unidas, que promulgou a Declaração e
o Programa de Ação, e estabeleceu, inclusive, o dever dos Estados de adotar planos nacionais de
direitos humanos.
Ramos (2015) ainda menciona que, em 13 de maio de 1996, foi editado pela Presidência da
República o Decreto 1.904, que criou o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que
tinha como meta realizar um diagnóstico da situação desses direitos no país e medidas para a sua
defesa e promoção. Esse PNDH foi denominado de PNDH-1 e estava voltado à garantia de prote-
ção dos direitos civis, com especial foco no combate à impunidade e à violência policial.
O PNDH-2, aprovado pelo Decreto 4.229/2002, enfatizou os direitos sociais em sentido am-
plo e os de grupos vulneráveis, como os direitos dos afrodescendentes, dos povos indígenas, de
orientação sexual, consagrando o multiculturalismo (RAMOS, 2015).
Ramos (2015) menciona também o PNDH-3, que foi aprovado em 2009 e adotou os seguin-
tes eixos orientadores:
1. Interação democrática entre Estado e sociedade civil.
2. Desenvolvimento e direitos humanos.
3. Universalizar direitos em um contexto de desigualdades.
4. Segurança pública, acesso à justiça e combate à violência.
5. Educação e cultura em direitos humanos.
6. Direito à memória e à verdade.
O primeiro eixo, voltado à interação democrática entre Estado e sociedade civil, visa fortale-
cer a democracia participativa, trazendo para a elaboração das políticas públicas a sociedade civil
como um todo. O Programa assim ressalta a importância desse eixo:
Aperfeiçoar a interlocução entre Estado e sociedade civil depende da imple-
mentação de medidas que garantam à sociedade maior participação no acom-
panhamento e monitoramento das políticas públicas em Direitos Humanos,
num diálogo plural e transversal entre os vários atores sociais e deles com o
Estado. (PNDH-3, 2009, p. 27)
O quarto eixo – segurança pública, acesso à justiça e combate à violência – pretende incen-
tivar a democratização e modernização do sistema de segurança pública, garantir o acesso à justiça
com a garantia e a defesa de direitos, além de, por exemplo, garantir os direitos das vítimas de cri-
mes e a proteção das pessoas ameaçadas:
O PNDH-3 apresenta neste eixo, fundamentalmente, propostas para que o
Poder Público se aperfeiçoe no desenvolvimento de políticas públicas de pre-
venção ao crime e à violência, reforçando a noção de acesso universal à Justiça
como direito fundamental, e sustentando que a democracia, os processos de
participação e transparência, aliados ao uso de ferramentas científicas e à profis-
sionalização das instituições e trabalhadores da segurança, assinalam os roteiros
mais promissores para que o Brasil possa avançar no caminho da paz pública.
(PNDH-3, 2009, p. 129-130)
O quinto eixo orientador do PNDH-3 está voltado à educação e cultura em direitos huma-
nos e pretende garantir a promoção da educação em direitos humanos, o acesso à informação para
a consolidação de uma cultura em direitos humanos:
A educação e a cultura em direitos humanos visam à formação de nova men-
talidade coletiva para o exercício da solidariedade, do respeito às diversidades
e da tolerância. Como processo sistemático e multidimensional que orienta
a formação do sujeito de direitos, seu objetivo é combater o preconceito, a
Direitos para todos e combate às violações e ao trabalho escravo 109
O último eixo orientador está voltado ao direito à memória e à verdade, reconhecendo que:
A investigação do passado é fundamental para a construção da cidadania.
Estudar o passado, resgatar sua verdade e trazer à tona seus acontecimentos,
caracterizam forma de transmissão de experiência histórica que é essencial para
a constituição da memória individual e coletiva.
[...]
A história que não é transmitida de geração a geração torna-se esquecida e si-
lenciada. O silêncio e o esquecimento das barbáries geram graves lacunas na ex-
periência coletiva de construção da identidade nacional. Resgatando a memória
e a verdade, o País adquire consciência superior sobre sua própria identidade,
a democracia se fortalece. As tentações totalitárias são neutralizadas e crescem
as possibilidades de erradicação definitiva de alguns resquícios daquele período
sombrio, como a tortura, por exemplo, ainda persistente no cotidiano brasileiro.
(PNDH-3, 2009, p. 207)
etc.), econômicos (emitir CTPS, abrir conta bancária etc.) e sociais (obter benefícios previdenciá-
rios, receber certificação escolar etc.).
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República cita, também, programas
diretamente ligados à promoção dos Direitos Humanos e a Saúde Mental, com o aumento no nú-
mero de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de 148 unidades em 1998 para 1.803 em 2012.
Ainda houve o aumento no número de Residências Terapêuticas (SRT) de 85 em 2002 para 779 em
2012. Ainda sobre programas relacionados a Direitos Humanos e Saúde Mental, o site da Secretaria
de Direitos Humanos aponta o programa “De volta para casa”, cujo número de beneficiários au-
mentou de 206 pessoas em 2003 para 4.085 em 2012, sendo este “um auxílio-reabilitação psicos-
social, para assistência, acompanhamento e integração social, fora das unidades hospitalares, com
pessoas acometidas de transtornos mentais, com história de longa internação psiquiátrica (dois
anos ou mais de internação)” (SDH/PR, s.d.).
A Secretaria de Direitos Humanos também menciona os Centros de Referência em
Direitos Humanos, esclarecendo que “atuam como mecanismos de defesa, promoção e acesso
à justiça e estimulam o debate sobre cidadania influenciando positivamente na conquista dos
direitos individuais e coletivos” (SDH/PR, s.d.). A própria Secretaria explica no que consistem
estes Centros de Referência:
Os Centros de Referência em Direitos Humanos deverão ser uma Casa de
Direitos, de convivência entre pessoas. Um espaço físico onde são implementa-
das ações que visam à defesa e a promoção dos direitos humanos.
As equipes envolvidas nos Centros de Referência em Direitos Humanos têm
como ponto de partida, atividades que visam à humanização, à emancipação
do ser humano, à transformação social, construindo realidades mais justas e
igualitárias. (SDH/PR, s.d.)
Além de prestar informações sobre direitos e serviços enquanto cidadãos, esses centros também
prestam serviços de atendimento jurídico, social e psicológico, além de capacitar lideranças locais, agen-
tes públicos e estudantes em assuntos relacionados a direitos humanos, dentre outros serviços.
A Secretaria de Direitos Humanos ainda instituiu, por meio do Decreto 5.174/2004, a
Coordenação Geral de Educação em Direitos Humanos, que, dentre as várias ações que desen-
volve, estão:
[...] disseminação dos referenciais do Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos – PNEDH apoio ao funcionamento do Comitê Nacional de Educação
em Direitos Humanos; execução de Projetos de Cooperação Internacional,
com a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) e a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO); implanta-
ção de Comitês de Educação em Direitos Humanos nos Estados e Municípios;
apoio às instituições de educação superior para o desenvolvimento de estudos
e pesquisa na área da Educação em Direitos Humanos; implantação de Núcleos
de Estudos e Pesquisas em Educação em Direitos Humanos em Universidades
e apoio para publicações e produção de materiais relativos à Educação em
Direitos Humanos; operacionalização do Prêmio Direitos Humanos e do
Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos. Recentemente, ocupa-se
sobretudo com a implementação das Diretrizes Nacionais para a Educação em
Direitos Humanos e com a efetivação da transversalidade da temática em rela-
ção às demais áreas da SDH/PR. (SDH/PR, s.d.)
Até o momento citamos apenas algumas das políticas públicas relacionadas à promoção dos
direitos humanos; porém, devemos ressaltar outro instrumento de elaboração de políticas públicas,
os chamados conselhos de direitos, também denominados conselhos de políticas públicas ou conse-
lhos gestores de políticas setoriais (ARZABE, 2001, p. 33). Podemos conceituá-los como “órgãos
colegiados, permanentes e deliberativos, incumbidos, de modo geral, da formulação, supervisão e
avaliação das políticas públicas, em âmbito federal, estadual e municipal” (ARZABE, 2001, p. 33).
Esses conselhos contam com a participação de diversos segmentos da sociedade, desde o
próprio poder público até entidades de classe, associações, clubes de serviço etc., os quais “contri-
buem para o diagnóstico das prioridades do ente público nas áreas correspondentes aos direitos
sociais, formulando projetos, encaminhando sugestões e requerimentos ao Poder Executivo no
sentido de que sejam implementados” (GONÇALVES, p. 10).
Patrícia Helena Massa Arzabe afirma que a grande novidade deste instrumento é a gestão
compartilhada, passando do caráter meramente estatal, para a participação da sociedade civil:
Trata-se de fato de uma nova institucionalidade da perspectiva de sua consti-
tuição, no sentido de configurar um arranjo institucional com feições novas,
porque eles não são meramente comunitários são distintos dos fóruns con-
gregadores de entidades e associações da sociedade civil e não são meramente
estatais. E sua novidade é ainda mais significativa pelo caráter compartilhado na
formulação, gestão, controle e avaliação das políticas públicas. Esta participação
com igualdade de poderes é inteiramente nova para o Estado, em especial para
a Administração Pública, habituada à centralização das decisões e pelo uso des-
cabido do argumento do poder discricionário mesmo em matéria de direitos
humanos, especialmente de direitos sociais. (ARZABE, 2001, p. 34)
112 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Cita-se, dentre estes conselhos, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
– Conanda (Lei n. 8.242/91), o Conselho Nacional de Assistência Social (Lei n. 8.742/93), o
Conselho Nacional de Saúde (Lei n. 8.142/90) e o Conselho do Idoso (Lei n. 8.842/94).
A par desses dois documentos internacionais, temos também a Convenção contra a Tortura
e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela ONU em 28 de
setembro de 1984, que em janeiro de 2014 já contava com 154 Estados-partes (PIOVESAN, 2015).
A Convenção traz a definição de tortura:
1. Para os fins da presente Convenção, o termo “tortura” designa qualquer ato
pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos inten-
cionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, infor-
mações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha
cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou
outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer
natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário
público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação,
ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura
as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legíti-
mas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.
Flavia Piovesan afirma que configurar tortura como crime grave contra a ordem interna-
cional justifica-se na medida em que sua prática revela a perversidade do Estado, haja vista que
“garante de direitos, passa a ter em seus agentes brutais violadores de direitos” (2015, p. 289-290).
A autora afirma que a definição de tortura envolve três elementos essenciais:
a) a inflição deliberada de dor ou sofrimentos físicos ou mentais; b) a finalidade
do ato (obtenção de informações ou confissões, aplicação de castigo, intimida-
ção ou coação e qualquer outro motivo baseado em discriminação de qualquer
natureza); c) a vinculação do agente ou responsável, direta ou indiretamente,
com o Estado. (PIOVESAN, 2015, p. 289-290)
Direitos para todos e combate às violações e ao trabalho escravo 113
Divergências:
a. só a Convenção da ONU exige que a tortura seja feita por agente público ou
com sua aquiescência;
b. só a Convenção da ONU exige que o sofrimento seja agudo;
c. a Convenção Interamericana tipifica como tortura o ato de imposição de so-
frimento físico e psíquico com ‘qualquer fim’;
d. a Convenção Interamericana admite que pode ser tortura determinada pena
ou medida preventiva;
e. a Convenção Interamericana criou a ‘figura equiparada’, ou seja, são equipa-
radas a tortura medidas que não infligem dor ou sofrimento, mas diminuem a
capacidade física ou mental. (RAMOS, 2015, p. 514-515)
A matéria é regulamentada pela Lei n. 9.455/97 que define os crimes de tortura no art. 1º:
Art. 1.º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-
-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de
terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma
de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
§1.º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de
segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não
previsto em lei ou não resultante de medida legal.
§2.º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evi-
tá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.
§3.º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclu-
são de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
§4.º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I - se o crime é cometido por agente público;
II - se o crime é cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente;
II - se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência,
adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos;
III - se o crime é cometido mediante sequestro.
§5.º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a
interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
§6.º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
§7.º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará
o cumprimento da pena em regime fechado.
Ramos (2015) afirma que a Lei n. 9.455/97 é mais próxima da Convenção Interamericana
para Prevenir e Punir a Tortura, pois é mais geral que a Convenção da ONU, que considera essen-
cial ser a tortura cometida por agente público ou com sua aquiescência.
A Lei n. 9.455/97 prevê expressamente que o crime de tortura é inafiançável e insuscetível de
graça e anistia, reproduzindo o artigo 5º, XLIII da Constituição Federal.
Ainda no âmbito da legislação infraconstitucional, devemos citar a Lei n. 9.140/95 que re-
conheceu como mortas as pessoas desaparecidas durante a ditadura militar (1964-1985), conce-
deu indenização àqueles que foram vítimas ou familiares das vítimas da ditadura militar e criou a
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. E a Lei n. 10.559/02 que regulamentou
as reparações econômicas para as pessoas que foram afastadas ou demitidas durante a Ditadura
Militar, por terem se engajado em atividades políticas contrárias ao período. Essa mesma lei criou
a Comissão de Anistia para reunir e julgar os pedidos de reparação (SDH/PR, s.d.).
Direitos para todos e combate às violações e ao trabalho escravo 115
Recentemente, em inspeção das prisões no Brasil, o relator da ONU sobre Tortura, Juan
Méndez”, afirmou que a prática está enraizada no Estado e é generalizada nos presídios brasileiros”
(CONECTAS, 2013).
Em 2 de agosto de 2013, entrou em vigor a Lei n. 12.847/2013, que instituiu o Sistema
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criando o Comitê Nacional de Prevenção e Combate
à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, como resultado da assunção
pelo Brasil da responsabilidade perante a ONU de criar mecanismos de prevenção à tortura.
Esse Sistema vincula três órgãos (o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária
e o Depen, ambos ligados ao Ministério da Justiça, e o Comitê Nacional de Prevenção e Combate
à Tortura da Secretaria de Direitos Humanos) e cria um novo órgão, o Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura. Esse novo órgão é “responsável por fazer visitas a locais de priva-
ção de liberdade, solicitar a instauração de inquéritos, fazer perícias, elaborar relatórios, sistemati-
zar dados e sugerir políticas públicas” (CONECTAS, 2013).
Como uma das condutas mais significativas para combate à tortura no Brasil temos a cria-
ção da Comissão Nacional da Verdade, por meio da Lei 12.528/2011 e instituída em 16 de maio
116 Direitos humanos e relações étnico-raciais
de 2012, a qual tem por finalidade examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos
praticadas no período entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Entre os objetivos da
Comissão Nacional da Verdade, o artigo 3º, inciso II, da Lei n.12.528/2011 indica “promover o es-
clarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação
de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior”.
O relatório final da CNV, entregue em 10 de dezembro de 2014 à Presidente Dilma Rousseff,
indica 434 mortes e desaparecimentos de vítimas; entre estas, 210 são desaparecidas. O texto indica
que esses números decorreram da “prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e de tortu-
ra, assim como o cometimento de execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres
por agentes do Estado brasileiro” (CANES, 2014).
Conforme a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o combate às vio-
lações também engloba outras questões que não somente o combate à tortura, incluindo, a prote-
ção das vítimas e testemunhas de crimes, a proteção da população em situação de rua e a proteção
aos defensores dos direitos humanos.
A questão do trabalho escravo é uma realidade evidente da nossa sociedade, e o Disque 100
– Direitos Humanos indica que ainda é uma violação constante nos dias atuais, conforme dados a
seguir apontados:
Direitos para todos e combate às violações e ao trabalho escravo 117
Tabela 1 – Disque 100 – Ano 2011 – Denúncias de trabalho escravo, por grupo vulnerável e violação.
Aprisionamento
2 2 3 7
do trabalhador
Condições
degradantes de 3 7 8 8 3 29
trabalho
Jornada
excessiva de 10 5 6 8 1 30
trabalho
Outros 6 2 1 8 17
Retenção de
3 8 14 8 2 35
salários
Total 24 24 32 32 6 118
Tabela 2 – Disque 100 – Ano 2012 – Denúncias de trabalho escravo, por grupo vulnerável e violação
Aprisionamento
3 8 6 3 20
do trabalhador
Condições
degradantes de 16 2 17 20 16 1 72
trabalho
Jornada
excessiva de 38 3 17 26 15 1 100
trabalho
Outros 13 4 3 10 30
Retenção de
8 15 20 16 59
salários
Total 78 5 61 75 60 2 281
Esse é um problema de reconhecido interesse internacional: “em 1926, foi assinado o primei-
ro tratado internacional proibindo a escravidão, firmado pela Liga das Nações Unidas. Em 1956,
foi instituída a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos
e das Instituições e Práticas Análogas à Condição de Escravo” (DELGADO; NOGUEIRA; RIOS,
2008, p. 2.986-2.987).
A OIT (Organização Internacional do Trabalho) também instituiu convenções visando erra-
dicar o trabalho escravo no mundo. Entre elas, citamos a Convenção 29, denominada Convenção
sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório, aprovada na 14ª reunião da Conferência Internacional do
Trabalho (Genebra, 1930), a qual entrou em vigor no plano internacional em 1º de maio de 1932.
118 Direitos humanos e relações étnico-raciais
O Código Penal (Lei n. 2.848/1940) também regulamenta a questão, prevendo como crime a
redução de alguém à condição análoga à de escravo (art. 149), além de também criminalizar quem
atentar contra a liberdade de trabalho (art. 197), frustrar direito assegurado por lei trabalhista (art.
203) ou aliciar trabalhadores de um local para outro do território nacional1 (art. 207) (DELGADO;
NOGUEIRA; RIOS, 2008).
A par das previsões de combate ao trabalho escravo, não podemos negar que a nossa legis-
lação reconhece o direito fundamental a um trabalho digno, por uma interpretação do princípio
1 Aliciar, nesse caso, significa seduzir, convencer, atrair trabalhadores para que exerçam labor em outro local do ter-
ritório nacional.
Direitos para todos e combate às violações e ao trabalho escravo 119
da dignidade da pessoa humana (art. 3º, inciso III da CF/88), seja por meio de um exame mais
específico do art. 6º da CF/88, que reconhece o trabalho como direito social.
Nesse sentido está a doutrina de Darléa Carine Palma e Elizabete Geremias:
O trabalho foi adquirindo o status de instrumento de concretização da dignida-
de da pessoa humana ao longo de sua própria história, até atingir, nos tempos
atuais, a natureza de direito fundamental social do cidadão brasileiro, nos ter-
mos do artigo 6º, da Constituição da República.
O princípio da dignidade humana, também insculpido constitucionalmente,
possui, por sua vez, inquestionável força normativa, configurando-se num re-
gulador de todas as relações intersubjetivas disciplinadas pelo Direito, nota-
damente em âmbito trabalhista. Verifica-se, assim, que, sendo a dignidade da
pessoa humana um princípio geral do Direito, deve ser fonte inesgotável à qual
deve recorrer todo legislador e operador do Direito nos processos de elabora-
ção, aplicação e integração do ordenamento jurídico.
No Direito do Trabalho, como corolário dessa norma-princípio fundamental, as
relações jurídico-trabalhistas devem sempre preservar e resguardar a dignida-
de do trabalhador – até porque o trabalho digno é, indiscutivelmente, um dos
principais instrumentos de solidificação da dignidade do ser humano. Todavia,
não são raros, infelizmente, no cotidiano, os vários exemplos de afronta a esse
princípio geral fundamental, como acontece nos casos de trabalho escravo.
O constituinte, ao erigir a dignidade da pessoa humana a fundamento da
República Federativa do Brasil, buscou, na verdade, enfatizar que os pilares do
Estado Democrático de Direito se apoiam nessa noção. Dessa maneira, a dig-
nidade, enquanto bem jurídico inerente à própria condição humana, revela-se
inestimável objeto de tutela do intérprete e aplicador do Direito do Trabalho.
Por isso, o direito ao labor deve ser entendido como o direito ao trabalho em
condições decentes, de forma a assegurar a valorização social do próprio traba-
lho, assim como o efetivo respeito à dignidade da pessoa humana do trabalha-
dor. (2015, p. 238-239)
Darléa Carine Palma e Elizabete Geremias (2015) afirmam que o Plano Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo tem como objetivo traçar ações gerais de melhoria na estrutura
administrativa do grupo de fiscalização móvel, da ação policial, do Ministério Público Federal e do
Ministério Público do Trabalho, ações específicas de promoção da cidadania e combate à impuni-
dade além de ações específicas de conscientização, capacitação e sensibilização.
O Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) foi criado em 1995 e se constitui em um
dos principais instrumentos do governo federal para reprimir o trabalho escravo. É composto por
auditores-fiscais do trabalho, com a presença de membros do Ministério Público do Trabalho, da
Polícia Federal e, em alguns casos, da Polícia Rodoviária Federal.
Maria da Conceição Maia Pereira afirma que essa “composição interinstitucional objetiva
dificultar ingerências e corrupção, uma vez que os integrantes dos diversos órgãos sempre atuam
juntos”. Aduz, também, que “com essa composição, os GEFMs reúnem as competências necessárias
para que a fiscalização realizada acarrete para o infrator consequências nas esferas administrativa,
trabalhista e criminal” (PEREIRA, 2015, p. 564).
O Ministério do Trabalho e Emprego e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República, por intermédio da Conatrae e por meio da Portaria Interministerial 2, de 31 de
maio de 2015 (que revogou a Portaria Interministerial 2, de 12 de maio de 2011), criaram o
Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de es-
cravo, conhecida como Lista Suja, disciplinando os meios de inclusão e de exclusão dos nomes
dos infratores no Cadastro. Seguindo esse parâmetro, o ministro da Integração Nacional, por
meio da Portaria 1.150/2003, no seu artigo 2º, recomenda aos agentes financeiros que se abs-
tenham de conceder financiamentos para as pessoas físicas e jurídicas que venham a figurar
no Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de
escravo (PEREIRA, 2015).
Outra ação prevista no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (PNETE)
era a busca pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 57A/99, pelo Senado
Federal, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, que previa “a expropriação de todas as pro-
priedades onde forem encontrados trabalhadores reduzidos à condição análoga à de escravo”
(BRASIL, 2016). Essa emenda foi acolhida após mais de dez anos de tramitação:
Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde fo-
rem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de tra-
balho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária
e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário
e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o
disposto no art. 5.º (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 81, de 2014)
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em de-
corrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de
trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação
específica, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 81,
de 2014)
Direitos para todos e combate às violações e ao trabalho escravo 121
Segundo Staffen e Blau (2015), apesar da importância da Emenda Constitucional para fins
de combate ao trabalho escravo, até o momento não houve regulamentação da medida, o que de-
monstra desinteresse na efetivação da medida.
Atividades
1. Disserte sobre a Comissão Nacional da Verdade e seu combate às violações.
Gisele Echterhoff
1 A genética é a ciência que estuda os genes em todos os níveis, ou seja, “estuda a hereditariedade e os mecanismos
e leis da transmissão dos caracteres dos progenitores aos descendentes, bem como a formação e evolução das espé-
cies animais e vegetais” (BARBAS, 1998, p. 17).
2 A terapia gênica é uma nova forma de tratamento das doenças de herança genética, na qual, por meio de inter-
venções no DNA do paciente, ou seja, especificamente nas causas das doenças genéticas, pode-se buscar a sua cura
(SIQUEIRA; DINIZ, 2003, p. 226).
3 “Pela teoria geracional dos direitos do homem, se estuda como os direitos do homem pela análise cronológica
passaram a integrar os ordenamentos jurídicos dos diversos Estados, isto é, como acontece a positivação dos direitos
do homem, a priori naturais universais, em direito positivo (fases dos direitos do homem), à medida em que foram sendo
reconhecidos como essenciais a uma sociedade democrática” (OLIVEIRA, 2010b, p. 17).
124 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Outro exemplo de violação de direitos humanos vinculados às inovações das ciências bio-
médicas pode ser indicado pela restrição ao direito à reprodução humana assistida, com a negativa
do Estado de promover e garantir às pessoas de baixa renda o acesso às novas técnicas de reprodu-
ção humana assistida.
Constatamos, por meio desses exemplos, que com a concepção dessa quarta geração de di-
reitos humanos não se pretende apenas a proteção de direitos individuais, mas, acima de tudo, a
proteção da coletividade, dos interesses e valores da humanidade, tendo por base o reconhecimen-
to de que o homem é membro de uma espécie (OLIVEIRA, 2010b).
Mas para entendermos com profundidade essa questão, é indispensável contextualizar o
tema, identificando o que é a biotecnologia e quais são os principais avanços advindos dessas ino-
vações, bem como demonstrar a necessidade de se estabelecer limites éticos e jurídicos a essas
novidades fundamentando-se na bioética e no biodireito.
Direitos humanos e sua correlação com a bioética 125
De acordo com a ONU, “Biotecnologia significa, qualquer aplicação tecnológica que utilize
sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou
processos para utilização específica.” (1992, art. 2).
É com o trabalho da biotecnologia que a humanidade está se defrontando com novidades
como:
a) alimentos transgênicos;
b) tratamentos médicos decorrentes do uso dessas tecnologias, como a questão das
células-tronco;
c)
conhecimentos e possíveis tratamentos relacionados ao genoma humano e à
terapia genética;
d) desenvolvimento de organismos vivos e geneticamente modificados para tratamento da água;
e) desenvolvimento de novos medicamentos e novas vacinas;
f) demais avanços na área de biomedicina, como o aperfeiçoamento das técnicas tradicio-
nais da reprodução humana, entre outros.
No entanto, essas novas tecnologias trazem em seu âmago inúmeras possibilidades de viola-
ção dos direitos humanos, como:
a) uso indiscriminado de informações genéticas;
b) alterações no patrimônio genético que afetem de forma imprevisível as gerações futuras;
c) violações decorrentes de técnicas como clonagem humana, inovações no campo da repro-
dução humana assistida, entre outras.
Por isso, é indispensável uma rediscussão dos valores éticos da sociedade, a fim de estabe-
lecer limites para os progressos das ciências biotecnológicas, sempre tendo em vista seu objetivo
maior, que é a proteção do ser humano.
Quando se constatou que a ética médica ou profissional não era mais suficiente para exami-
nar esses avanços e estabelecer limites éticos para seu uso, surgiu a bioética.
O termo bioética, conforme Elton Dias Xavier (2000), surgiu na década de 1970, em um tra-
balho do oncologista Van Rensselder Potter, da universidade americana de Wisconsin, intitulado
Bioética: uma ponte para o futuro. Sobre a importância da contribuição de Van Rensselder Potter,
pode-se afirmar:
Potter diagnosticou com seus escritos o perigo que representa para a sobre-
vivência de todo o ecossistema a separação entre duas áreas do saber, o saber
científico e o saber humanista. A clara distinção entre os valores éticos (ethical
values), que fazem parte da cultura humanista em sentido lato, e os fatos bio-
lógicos (biological facts) está na raiz daquele processo científico-tecnológico
126 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Com essas considerações, podemos afirmar que bioética é o ramo da ética filosófica que se
ocupa do “estudo das condições de possibilidade dos valores, normas e princípios, que procuram
ordenar o avanço científico e tecnológico” (BARRETO, 1998).
Léo Pessini e Christian de Paul de Barchifontaine afirmam que a bioética “é um neologismo
derivado das palavras gregas bios (vida) e ethike (ética)” (2000, p. 17). Definem-na como “o estudo
sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciên-
cias da vida e do cuidado da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto
interdisciplinar” (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2000, p. 17).
Portanto, com a bioética4 se pretende estabelecer uma discussão ética em torno das ino-
vações decorrentes das ciências biotecnológicas, impondo limites éticos e morais ao uso desses
conhecimentos, visando proteger direitos como a vida, integridade física, intimidade, privacidade,
igualdade, entre outros.
Embora a função da bioética seja importante para se estabelecerem limites éticos e morais
em relação às novidades decorrentes das ciências biotecnológicas, diante da sua condição de ciên-
cia do dever moral, é desprovida de medidas coercitivas que se fazem necessárias em algumas cir-
cunstâncias nas quais apenas valores morais não são suficientes, sendo indispensável a intervenção
de mecanismos estatais para que sejam cumpridos esses valores.
Surge, então, a função do biodireito, que visa estabelecer limites fundados não somente em va-
lores éticos e morais, mas sobretudo baseados em normas jurídicas, com poder coercitivo e punitivo.
Jussara Maria Leal de Meirelles afirma que a norma moral é insuficiente porque somente
opera no plano interno da consciência, sendo indispensável, assim, a existência e atuação de nor-
mas jurídicas “não somente éticas, pois somente o caráter coercitivo daquelas impedirá ao cientí-
fico sucumbir à tentação experimentalista e à pressão de interesses econômicos” (2001, p. 90-91).
Conclui a autora que o objeto do biodireito “é a fundamentação e pertinência das normas jurídicas,
de maneira a adequá-las aos princípios e valores relativos à vida e à dignidade humanas trazidos
pela ética.” Isso equivaleria a afirmar a “existência do Biodireito como novo ramo do conhecimento
e sua adequação com a Bioética” (MEIRELLES, 2001, p. 96).
Portanto, está no campo do biodireito a obrigatoriedade de respeito aos direitos humanos
quando do estudo e da aplicação dos avanços das ciências biomédicas ou biotecnológicas. Por isso,
Renata Furtado de Barros afirma que o biodireito busca um equilíbrio entre as necessidades huma-
nas advindas do progresso científico e os direitos humanos correlatos. E afirma:
4 Das considerações acima perpetradas, já se dimensionam os princípios da bioética: o da autonomia (“ou do res-
peito às pessoas por suas próprias opiniões e escolhas, segundo valores e crenças pessoais”), o da beneficência (“que
se traduz na obrigação de não causar dano e de extremar os benefícios e minimizar os riscos”), o da justiça (“ou impar-
cialidade na distribuição dos riscos e dos benefícios, não podendo uma pessoa ser tratada de maneira distinta de outra,
salvo haja entre ambas alguma diferença relevante”) e o da não maleficência (“segundo o qual não se deve causar mal a
outro”) (BARBOSA, 2000 apud ECHTERHOFF, 2010, p. 100).
Direitos humanos e sua correlação com a bioética 127
Ainda no âmbito internacional, Piovesan (2015) cita a Conferência do Cairo sobre População
e Desenvolvimento, de 1994, que estabeleceu relevantes princípios éticos concernentes aos direitos
reprodutivos, reconhecendo-os como direitos humanos, “concebendo o direito a ter controle sobre
5 “Em virtude dos altos custos dos tratamentos de reprodução assistida, o Ministério da Saúde instituiu, por meio da
Portaria 426/GM, de 22 de março de 2005, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Atenção
Integral em Reprodução Humana Assistida, assegurando o acesso a todas as pessoas aos serviços de atenção básica,
média complexidade e alta complexidade relacionadas à reprodução assistida, inclusive fertilização in vitro e insemina-
ção artificial. No entanto, a referida Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida foi extinta
pela Portaria MS 2.048, de 3 de setembro de 2009, deixando aparentemente desprotegidos casais de baixa renda inca-
pazes de arcar com os custos do tratamento de reprodução assistida.” (RESENDE; MEIRELLES, 2015, p. 3).
Direitos humanos e sua correlação com a bioética 129
as questões relativas à sexualidade e à saúde sexual e reprodutiva, assim como a decisão livre de
coerção, discriminação e violência, como um direito fundamental” (PIOVESAN, 2015, p. 411).
José Leocádio da Cruz (2008) afirma que a Conferência também reconheceu que o Estado
deve proporcionar a todo indivíduo a oportunidade de procriar, a partir da informação quanto à
saúde reprodutiva, aos meios de decisão e métodos disponibilizados pela ciência para que se possa
satisfazer essa necessidade humana.
Assim, dispõe o Relatório da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento que:
7.2 A saúde reprodutiva é um estado de completo bem-estar físico, mental e
social e não simples a ausência de doença ou enfermidade, em todas as maté-
rias concernentes ao sistema reprodutivo e a suas funções e processos. A saúde
reprodutiva implica, por conseguinte, que a pessoa possa ter uma vida sexual
segura e satisfatória, tenha a capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir
sobre quando, e quantas vezes o deve fazer. Implícito nesta última condição está
o direito de homens e mulheres de serem informados e de ter acesso a métodos
eficientes, seguros, permissíveis e aceitáveis de planejamento familiar de sua
escolha, assim como outros métodos, de sua escolha, de controle da fecundi-
dade que não sejam contrários à lei, e o direito de acesso a serviços apropriados
de saúde que dêem à mulher condições de passar, com segurança, pela gestação e
pelo parto e proporcionem aos casais a melhor chance de ter um filho sadio. De
conformidade com definição acima de saúde reprodutiva, a assistência à saúde
reprodutiva é definida como a constelação de métodos, técnicas e serviços que
contribuem para a saúde e o bem-estar reprodutivo, prevenindo e resolvendo pro-
blemas de saúde reprodutiva. Isto inclui também a saúde sexual cuja finalidade
é a intensificação das relações vitais e pessoais e não simples aconselhamento e
assistência relativos à reprodução e a doenças sexualmente transmissíveis.
[...]
7.6 Todos os países devem o mais cedo possível e não depois de 2015, envidar
esforços para tornar acessível, por meio de um sistema primário de assistência à
saúde, a saúde reprodutiva a todos os indivíduos em idades adequadas. (CRUZ,
1994, grifos nossos)
Augusto César Leite de Resende e Jussara Maria Leal de Meirelles ressaltam que essa
Conferência foi particularmente importante no que tange aos direitos reprodutivos, pois nos ter-
mos do Princípio 8:
Toda pessoa tem direito ao gozo do mais alto padrão possível de saúde física e
mental, motivo pelo qual os estados devem tomar todas as devidas providências
para assegurar, na base da igualdade de homens e mulheres, o acesso universal
aos serviços de assistência médica, inclusive os relacionados com a saúde repro-
dutiva, que inclui planejamento familiar e saúde sexual. (2015, p. 15)
De acordo com Piovesan, a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, que deu ense-
jo à Declaração de Beijing, reitera os conceitos de saúde reprodutiva e direitos reprodutivos da
Conferência de Cairo, afirmando que “os direitos sexuais e reprodutivos constituem em parte ina-
lienação dos direitos humanos universais e indivisíveis” (PIOVESAN, 2015, p. 416).
Examinando as plataformas de ação dessas duas conferências, Piovesan afirma que os direi-
tos sexuais compreendem:
130 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Do exame das questões já apresentadas, constata-se que as polêmicas éticas e jurídicas re-
lacionadas à reprodução humana assistida não se restringem somente ao direito à reprodução as-
sistida. Várias são as questões, e a maioria delas não possui solução jurídica, dependendo, ainda,
de muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais até que seja definida uma solução legislativa.
Entre essas questões, podemos citar a própria definição de filiação (em algumas hipóteses já
solucionadas pelo Código Civil6), outras ainda de grande repercussão, como o estabelecimento da
filiação no caso de gestação por substituição (vulgarmente chamada de barriga de aluguel).
No caso da gestação por substituição, há outras discussões, como a própria autorização para
que terceiro realize o procedimento, além das questões financeiras vinculadas.
Outro tema de amplo debate é relacionado ao direito de herança no caso de uso das técnicas
de reprodução humana assistida após a morte do genitor: se caberia ou não direito à herança, con-
siderando que o filho foi concebido após a morte do autor da herança.
A maioria dessas discussões demanda aprofundamento em questões jurídicas que extra-
polam os limites deste estudo, por isso, optou-se pela restrição à questão do direito à reprodução
humana assistida como integrante do rol de direitos humanos.
também, com apoio internacional por parte de agências análogas às americanas que coordenaram
esses estudos em outros países, como Inglaterra, França, Itália, Canadá, Japão e Brasil).
O alcance do mapeamento do genoma humano traz vários benefícios para a sociedade, como
a possibilidade de, conhecendo diretamente os mecanismos de certas doenças, desenvolverem-se
os meios necessários para seu tratamento, com a criação de novas tecnologias farmacêuticas, novas
vacinas gênicas estudos que visem à produção de plantas ou animais transgênicos que melhor se
adaptem ao meio ambiente, buscando o aumento de produção agrícola e pecuária.
Outro benefício advindo desse conhecimento é o desenvolvimento da chamada medicina pre-
ditiva, que busca “através de testes de diagnósticos genéticos, verificar a possibilidade de o paciente
desenvolver uma doença de origem, eminentemente, genética” (ECHTERHOFF, 2010, p. 44).
Cite-se, ainda, o desenvolvimento dos diagnósticos pré-natais e pré-implantatórios:
Ponto de extrema importância quando se aborda a questão dos diagnósticos
genéticos se relaciona com os diagnósticos pré-natais e pré-implantatórios e as
suas consequências, dentre elas o aborto eugênico.
O exame pré-natal “é realizado num período determinado do desenvolvimento
fetal, sobre o próprio feto, para confirmar se ele está afetado por malformações
ou defeitos que possam influir em sua vida futura”. Ou seja, através do diagnós-
tico pré-natal se pode confirmar a existência de malformações ou de doenças
genéticas antes mesmo do nascimento do feto.
Já o exame pré-implantatório são aqueles diagnósticos que visam detectar as
anomalias genéticas antes mesmo da implantação do embrião no caso de fecun-
dação assistida. Ainda é possível o diagnóstico “sobre o embrião obtido após a
lavagem do útero para extração de embrião precoce, sucessivamente, reimplan-
tado após o exame genético (washing out)” visando também detectar eventuais
deformações genéticas. (ECHTERHOFF, 2010, p. 46-47)
Partindo dessa ideia, podemos nos questionar: será possível a reafirmação da pretensão de
determinismo genético, da redução do ser humano às suas características e informações genéticas,
Direitos humanos e sua correlação com a bioética 133
Ou seja, a par dos benefícios advindos desse conhecimento, constatamos a presença da pos-
sibilidade de violação inúmeros direitos humanos, o que exige uma atuação determinada dos cam-
pos da bioética e do biodireito.
Certa vez, o filósofo Hans Jonas chamou a atenção para o dilema da técnica
moderna, que consiste na dificuldade de se determinar as tecnologias benéficas
e as prejudiciais. A engenharia genética não é exceção a essa regra. De um lado,
há grandes expectativas quanto aos seus possíveis benefícios; de outro, muito
receio. Segundo Schramm, as possibilidades de prevenção e de intervenção nos
organismos vivos abertas pela engenharia genética despertam, ao mesmo tem-
po, sentimentos de fascínio e espanto. Por exemplo, alguns autores alertam para
a existência, nos dias atuais, de práticas eugênicas camufladas pela promessa de
cura ou com vistas à resolução de problemas orgânicos da espécie – mas, muitas
vezes, atendendo a interesses econômicos e políticos. (CACIQUE, 2012, p.61)
7 “A Eugenia, ciência que estuda as condições mais propícias para o melhoramento da raça humana, pode distinguir-
-se em duas espécies, de acordo com o objetivo que se propõe: a eugenia negativa e a positiva.
A eugenia negativa busca extirpar os defeitos genéticos, através da esterilização ou recolhimento dos defeituosos em
instituições fechadas, impedindo a transmissão de defeitos genéticos. [...]
A eugenia positiva conclama a reprodução de ‘pessoas sadias’ ou de ‘qualidade superior’ e ainda a criação de ‘traços
desejáveis’ (VARGA, 1990, p. 78). A eugenia positiva pode ser conseguida buscando encorajar a reprodução entre seres
humanos “superiores”, através dos métodos de reprodução artificial, através de manipulações genéticas sem fins tera-
pêuticos ou até mesmo através da clonagem de seres humanos.” (ECHTERHOFF, 2010, p. 57-58).
134 Direitos humanos e relações étnico-raciais
• Em 1992, foi celebrado o Convênio das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, que
tratou da diversidade genética da humanidade.
• No ano seguinte, 1993, surgiu a Declaração de Bilbao8, que ressaltava a importância dos
novos conhecimentos advindos das pesquisas genéticas e advertia sobre alguns proble-
mas surgidos desse conhecimento. Essa declaração é fruto da Reunião Internacional
sobre “O Direito ante o Projeto Genoma Humano”, “promovida e organizada pela
Fundación Banco Bilbao Vizcaya, com a colaboração da Diputación Foral de Bizkaia e
da Universidad de Deusto” (CASABONA, 1999).
• Em 1994, foi elaborada, por membros da Unesco, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos das Gerações Futuras.
• Em 1995, foi redigido o Projeto de Convênio de Bioética do Conselho da Europa, que foi
considerado pioneiro no Direito Internacional, pois tinha como objeto a investigação não
terapêutica do embrião in vitro.
• Em 1996, surgiu a Declaração Ibero-Latino-Americana sobre Ética e Genética, revisada
em 1998 em Buenos Aires.
• Em 11 de novembro de 1997, foi aprovada pela XXIX Conferência da Unesco a Declaração
Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, elaborada pelo Comitê
Internacional de Bioética da Unesco.
Foi essa Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos que mate-
rializou o trânsito da bioética para o biodireito, com a consagração dos princípios da bioética. Para
o Vicente de Paulo Barreto (1998), essa Declaração nada mais é do que
[...] mais uma etapa no processo de inserção de valores morais na construção de
uma ordem jurídica, pois estabelece princípios bioéticos e normas de biodireito,
às quais aderiram os estados, e que servirão como patamar ético-jurídico da
pesquisa e da tecnologia da biologia contemporânea.
Com base no mesmo autor, podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que é com essa de-
claração que se cria uma categoria nova de direitos humanos: “o direito ao patrimônio genético e a
todos os aspectos de sua manifestação” (BARRETO, 1998).
Esse diploma internacional proclama o genoma humano, e a informação nele contida, como
patrimônio comum da humanidade, ao afirmar que o genoma é a “unidade fundamental de todos
os membros da família humana” (art. 1.º).
A Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos é composta por
25 artigos, divididos em sete grupos temáticos, assim distribuídos:
1. Dignidade humana e os direitos humanos (arts. 1º ao 4º);
2. Direitos dos indivíduos (arts. 5º ao 9º);
8 Como bem ressalta Carlos María Romeo Casabona (1999, p. 44), essa declaração teve “a virtude de haver sido o
primeiro texto internacional que aborda, de forma global e específica, os diversos aspectos relacionados ao genoma
humano, fundamental desde o ponto de vista do Direito”.
Direitos humanos e sua correlação com a bioética 135
Outrossim, verifica-se que a Declaração também se preocupou com a questão das infor-
mações genéticas. Destacam-se os artigos 2º e 6º, que preveem o princípio da não discriminação
com fundamento nas características genéticas do indivíduo, bem como o artigo 7º, que trata sobre
a proteção da confidencialidade dos dados genéticos, e o artigo 12, que regulamenta a questão do
direito à privacidade. Portanto, “a Declaração demonstra, mesmo que indiretamente ao analisar
a questão da discriminação genética e da confidencialidade, que a informação genética, além de
identificar o indivíduo, revela suas características genéticas” (ECHTERHOFF, 2010, p. 187-188).
Necessário citar outros documentos internacionais, como a Declaração Internacional sobre
os Dados Genéticos Humanos, que, em 16 de outubro de 2004, na 32ª sessão da Conferência Geral
da Unesco, foi aprovada por unanimidade e aclamação. Essa Declaração reafirmou os princípios
anteriormente consagrados pela Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos
Humanos, bem como visou:
Garantir o respeito da dignidade humana e a proteção dos direitos humanos
e das liberdades fundamentais na recolha, tratamento, utilização e conservação
136 Direitos humanos e relações étnico-raciais
dos dados genéticos humanos9, dos dados proteômicos humanos10 e das amostras
biológicas11 a partir das quais eles são obtidos, daqui em diante denominadas
“amostras biológicas”, em conformidade com os imperativos de igualdade, justiça
e solidariedade e tendo em devida conta a liberdade de pensamento e de ex-
pressão, incluindo a liberdade de investigação; definir os princípios que deverão
orientar os Estados na formulação da sua legislação e das suas políticas sobre estas
questões; e servir de base para a recomendação de boas práticas nestes domínios,
para uso das instituições e indivíduos interessados. (UNESCO, 2004, p. 4)
9 No seu artigo 2º, a Declaração traz a definição de dados genéticos humanos: “informações relativas às caracterís-
ticas hereditárias dos indivíduos, obtidas pela análise de ácidos nucléicos ou por outras análises científicas.” (UNESCO,
2004, p. 4).
10 Também o referido diploma internacional define dados proteômicos: “informações relativas às proteínas de um
indivíduo, incluindo a sua expressão, modificação e interação.” (UNESCO, 2004, p. 4).
11 A mencionada Declaração assim define amostras biológicas: “qualquer amostra de material biológico (por exemplo
células do sangue, da pele e dos ossos ou plasma sanguíneo) em que estejam presentes ácidos nucleicos e que conte-
nha a constituição genética característica de um indivíduo.” (UNESCO, 2004, p. 4).
Direitos humanos e sua correlação com a bioética 137
Atividades
1. (FUMARC-2013, Concurso do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais)
Eutanásia
É uma forma de apressar a morte de um doente incurável, sem que esse
sinta dor ou sofrimento. A ação é praticada por um médico com o con-
sentimento do doente, ou da sua família. A eutanásia é um assunto mui-
to discutido tanto na questão da bioética quanto na do biodireito, pois
ela tem dois lados, a favor e contra. Do ponto de vista a favor, ela seria
uma forma de aliviar a dor e o sofrimento de uma pessoa que se encon-
tra num estado muito crítico e sem perspectiva de melhora, dando ao
paciente o direito de dar fim a sua própria vida.
Já do ponto de vista contra a eutanásia seria o direito ao suicídio, tendo
em vista que o doente ou seu responsável teria o direito de dar fim a sua
vida com a ideia de que tal ato aliviaria sua dor e sofrimento.
No Brasil, a eutanásia é considerada homicídio, já na Holanda é permi-
tida por lei.
Um dos casos mais recentes de eutanásia é o da americana Terri Schiavo:
seu marido entrou com um pedido na justiça para que os aparelhos que
mantinham Terri viva fossem desligados.
Esse caso chamou a atenção do mundo todo, muitas pessoas se ma-
nifestaram contra, as igrejas se revoltaram com tal situação, a família
da paciente era contra, os pais dela entraram na justiça tentando im-
pedir tal ação. No fim, a justiça e o governador da Califórnia, Arnold
Schwarzenegger, decidiram pelo desligamento dos aparelhos que a man-
tinham viva.
(Disponível em: <www.brasilescola.com/sociologia/eutanasia.htm>.
Acesso em: 14 mar. 2013.)
Utilizando o texto acima para motivar suas reflexões e levando em consideração seus co-
nhecimentos acerca do assunto, escreva um texto dissertativo-argumentativo, de 100 a 120
palavras (de 20 a 25 linhas), em conformidade com a norma-padrão da Língua Portuguesa,
sobre o tema:
2. O filme Gattaca: experiência genética se passa em um futuro, talvez bem próximo, no qual as
técnicas de engenharia genética seriam capazes de orientar a produção de filhos “perfeitos”.
“Mesmo que um pouco ficcionista o filme Gattaca (Dir. Andrew Niccol, 1997. 101 min.
Estados Unidos) relata uma nova ordem social, fruto de uma “matemática genética esta-
belecida ao nascer: predisposições genéticas a desordens caracterizavam os inválidos, ao
passo que os válidos eram aqueles com altos índices de ‘quociente genético’, um conceito
eficientemente criado pelo filme para resumir o conjunto de expectativas sociais condensa-
das pela biologia.” (DINIZ, 2001, p. 97). Gattaca representa uma nova ordem social porque
se estabelecem castas não sobre fundamentos étnicos, raciais ou econômicos, mas sim sobre
características genéticas, as quais estabelecem a ponte entre válidos e inválidos. Como bem
adverte Débora Diniz (2001, p. 97), “a lição profética do filme é aquela que aponta para o
risco de que o desenvolvimento da genética e sua conversão na mais poderosa das religiões
transformem-se em uma força totalitária inquestionável: a força de uma suposta natureza
imutável, que sempre esteve encoberta e que, agora, miraculosamente vem sendo descorti-
nada pela ciência.”
Certamente há um pouco de ficção na história que nos relata o filme Gattaca, porém, não
seria nada surpreendente que a nossa sociedade, já acostumada em estabelecer castas sobre
diversos fundamentos, use do conhecimento que as ciências biotecnológicas nos têm pro-
porcionado para a fundação de uma nova ordem social. Já se tem notícia de que razões bio-
lógicas ou médicas têm formado categorias sociais de excluídos, por exemplo, os portadores
de HIV.” (ECHTERHOFF, 2010, p. 74).
Com base nas ideias apresentadas pelo filme Gattaca: experiência genética, disserte, correla-
cionando os temas eugenia e diagnósticos pré-natais e/ou pré-implantatórios.
3. (ENADE-2004)
Em, no máximo, dez linhas, expresse a sua opinião em relação a uma (e somente uma) das
questões propostas no terceiro parágrafo do texto.
Gabarito
Esses direitos exigem uma atuação positiva do Estado visando assegurar aos seus cidadãos qualida-
de de vida, educação, saúde, acesso a um trabalho digno e à assistência social, dentre outros direitos.
• a habitação como moradia digna e não apenas como necessidade de abrigo e proteção;
• a segurança como bem-estar e não apenas como necessidade de vigilância e punição;
• o trabalho como ação para a vida e não apenas como necessidade de emprego e renda.
Deve-se partir do próprio princípio da dignidade da pessoa humana, ao iniciar qualquer um dos
temas, examinando, inclusive, a Constituição Federal de 1988.
O conceito de moradia digna, para a Agenda Habitat,
[...] é aquela que oferece condições de vida sadia, com segurança, apresen-
tando infraestrutura básica, como suprimento de água, saneamento básico
e energia, e contando com a prestação eficiente de serviços públicos urba-
nos, tais como saúde, educação, transporte coletivo, coleta de lixo. Ainda,
pressupõe a segurança da habitação: é possível ir e vir em segurança e o
local não é suscetível a desastres naturais. Quanto à acessibilidade, é preciso
que a infraestrutura viária permita o acesso decente e seguro à habitação.
(DIAS, 2012)
Esse direito é expressamente previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948,
que garante que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua
família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação [...]” (artigo XXV, item 1).
E está consagrado na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 6.º, como direito social (defi-
nindo, também, como competência de todos os entes da Federação) a promoção de programas
de construção de moradias e de melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico
(CF, art. 23, IX).
3. Deve-se escolher um dos direitos humanos e realizar uma breve dissertação a respeito, exami-
nando-o com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal.
Escolhemos o direito à privacidade.
O primeiro texto internacional a proteger a intimidade foi a Declaração Americana dos Direitos e Deve-
res do Homem, aprovada em Bogotá, no dia 2 de maio de 1948, no seu artigo 5.º (FARIAS, 1996, p. 111).
A nossa Constituição Federal prevê, expressamente, em consonância com os valores por ela consa-
grados, a proteção do direito à privacidade (incluindo o direito à intimidade e à vida privada) no seu
artigo 5.º, inciso X, 71, bem como em diversos outros dispositivos que buscam resguardar aspectos
particulares da vida dos indivíduos, assegurando a inviolabilidade da casa (inciso XI), do sigilo de da-
dos, da correspondência e das comunicações (inciso XII), entre outros dispositivos, alguns dos quais
preveem instrumentos processuais para assegurar o direito à privacidade.
De igual forma, no caso Villagrán Morales e outros vs. Guatemala, a chacina foi praticada por policiais, o
que gera ainda mais insegurança e desafia o mecanismo estatal. Todavia, ao contrário do caso Villagrán
Morales, em que foi necessária a intervenção da Corte Internacional (pois o Estado da Guatemala não
tinha tomado medidas judiciais para investigar os fatos e punir os autores do crime), no Brasil isso ocor-
reu muito mais pela pressão da opinião pública e de organizações brasileiras e estrangeiras.
As investigações apontaram que “seis policiais militares planejaram friamente o massacre. Três deles
foram condenados, dois absolvidos e um morreu durante as investigações. Os policiais Marcus Vi-
nícius Borges Emmanuel e Marcos Aurélio Dias Alcântara foram condenados a mais de 200 anos de
prisão; Nélson Oliveira dos Santos Cunha, a 45.”. Todos cumpriram parte da pena em regime fechado
e foram posteriormente beneficiados por indultos ou liberdade condicional.
2. Como diretor, por expressa previsão do ECA (art. 13), você deverá obrigatoriamente comunicar o
caso de suspeita de maus-tratos ao Conselho Tutelar da localidade, sob pena de responder adminis-
trativamente pela omissão, nos termos do art. 245 do ECA.
• o dispositivo constitucional que prevê a maioridade aos 18 anos (art. 228 da CF) é
uma cláusula pétrea (art. 60, §4.º da CF) e, como tal, não pode ser modificada por
emenda constitucional;
• os crimes cometidos por adolescentes estão ligados a uma questão social, a qual deve
ser primeiramente solucionada pelo Estado, devendo este assumir o seu papel ativo no
cumprimento das políticas públicas e na garantia dos direitos fundamentais assegurados
pela CF/1988;
• “o simples aumento do número de encarcerados, e a consequente ampliação da lotação
dos presídios, em nada irá diminuir a violência” (OAB, 2016);
• o sistema carcerário brasileiro não recupera sequer os adultos, quem dirá os adolescentes;
Gabarito 143
• “segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública, jovens entre 16 e 18 anos são res-
ponsáveis por menos de 0,9% dos crimes praticados no país. Se forem considerados os
homicídios e tentativas de homicídio, esse número cai para 0,5%” (PRAZERES, 2015);
• deve haver investimentos em educação e no combate ao trabalho infantil como solução
para a criminalidade;
• em vez de reduzir a maioridade penal devemos dar efetividade ao ECA em relação às me-
didas socioeducativas, e não tratar os jovens como meros delinquentes, sem lhes garantir
a reeducação e reinserção social.
Da análise dos argumentos favoráveis, podemos citar os seguintes:
• a alteração da maioridade penal não acabaria com direitos e garantias individuais, apenas
iria impor novas regras, o que não geraria a ofensa ao art. 60, §4.º da CF, que estabelece
as cláusulas pétreas;
• a impunidade dos jovens gera mais violência: por terem consciência de que não serão
punidos continuam a cometer crimes;
• a redução da maioridade iria proteger os jovens do aliciamento pelo crime organizado;
• o Brasil precisa alinhar a sua legislação ao dos países desenvolvidos, como os “EUA, onde,
na maioria dos Estados, adolescentes acima de 12 anos de idade podem ser submetidos a
processos judiciais da mesma forma que adultos” (PRAZERES, 2015);
• a maioria da população brasileira é favorável à redução da maioridade penal. Pesquisa do
instituto CNT/MDA indicou que 92,7% dos brasileiros são favoráveis a medida;
• se o jovem tem consciência aos 16 anos para votar, tem consciência para responder por
seus atos criminosos.
Não há razões para não admitir que o abandono afetivo por parte dos familiares (em especial pelos
filhos) pode gerar responsabilização penal. Exemplos disso são os arts. 98 e 99 do Estatuto do Idoso e
o Código Civil, com a condenação dos agentes pelos danos morais sofridos pelos idosos, nos termos
dos arts. 186 e 927.
Já que não é possível obrigar o amor, critério subjetivo, é possível obrigar os cuidados mínimos
– este, sim, critério objetivo. Em caso de descumprimento, devem ser reparados todos os danos
sofridos pelo idoso.
2. Damião Ximenes Lopes tinha 30 anos quando, em outubro de 1999, foi internado por sua mãe Alber-
tina Viana Lopes na única clínica psiquiátrica do município de Sobral, no Ceará, em razão de um qua-
dro de sofrimento mental. Quatro dias depois, a sua genitora, ao tentar realizar visita, foi impedida,
porém mesmo assim conseguiu adentrar na clínica, onde encontrou seu filho com as mãos amarradas
144 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental
para trás, sangrando pelo nariz, com a cabeça toda inchada, com os olhos quase fechados, com vários
machucados pelo corpo e cheirando a excrementos e urina. Após exigir que o desamarrassem a mãe
pediu ajuda dos profissionais da clínica para limpá-lo, sendo que o único médico ali existente lhe teria
receitado remédios sem sequer realizar exames. Após a mãe deixar a clínica, quando chegou em casa,
a genitora havia recebido recado da clínica, e ao retornar, teve a notícia que seu filho havia morrido.
Após realizar exame no IML pelo mesmo médico da Clínica, este conclui por “morte real de causa
indeterminada”, mesmo havendo sinais de prática de tortura (ROSATO; CORREIA, 2011).
Além de ajuizar ação criminal e ação civil indenizatória contra o proprietário da Clínica, a famí-
lia peticionou contra o Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH). Após as conclusões da Comissão, diante do não cumprimento integral por parte do Brasil
das recomendações (foi recomendado que o Estado brasileiro fizesse “uma investigação completa, im-
parcial e efetiva dos fatos relacionados com a morte de Damião Ximenes Lopes e reparasse adequada-
mente seus familiares pelas violações [...] incluído o pagamento de uma indenização”), tanto a família
como a própria Comissão encaminhou o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Em 2006, a Corte Interamericana de Direitos Humanos apresentou sua sentença, condenando o Bra-
sil pela primeira vez em um caso de violação de direitos humanos, “pela violação dos direitos consa-
grados nos artigos 4 (direito à vida); 5 (direito à integridade pessoal); 8 (direito às garantias judiciais)
e 25 (direito à proteção judicial) da Convenção Americana, em relação à obrigação estabelecida no
artigo 1.1 (obrigação de respeitar os direitos) da mesma, em prejuízo de Damião Ximenes, pelas con-
dições inumanas e degradantes de sua hospitalização, em um clínica psiquiátrica que operava dentro
do marco legislativo do SUS no Brasil” (ROSATO; CORREIA, 2011).
A Corte condenou o Brasil, ainda, a reparar moralmente e materialmente a família Ximenes, me-
diante o pagamento de uma indenização e outras medidas não pecuniárias. “Dentre elas, o Brasil
foi instado a investigar e identificar os culpados da morte de Damião em tempo razoável e também
promover programas de formação e capacitação para profissionais de saúde, especialmente médicos/
as psiquiatras, psicólogos/as, enfermeiros/as e auxiliares de enfermagem, bem como para todas as
pessoas vinculadas ao campo da saúde mental” (ROSATO; CORREIA, 2011).
3. Não raro as pessoas passam a vida lutando pela aquisição da casa própria, chegam à velhice sem ao
menos ter garantido o direito à moradia, submetendo-se à ajuda de familiares ou até mesmo tendo
que continuar a trabalhar mesmo após a aposentadoria, pois o valor do benefício não é suficiente para
as despesas básicas e o aluguel de uma moradia digna.
O Estatuto do Idoso, entre os diversos direitos consagrados, também prevê (ao menos em tese) o
direito à moradia, estabelecendo, no seu artigo 37, que “o idoso tem direito à moradia digna, no seio
da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou,
ainda, em instituição pública ou privada”.
A regra é o exercício desse direito com sua família natural ou substituta, e, excepcionalmente, quando
inexistente grupo familiar, casa-lar, em casos de abandono ou carência de recursos financeiros pró-
prios ou da família. Esse direito será exercido no âmbito de entidades de longa permanência (§1.º do
art. 37). Essas entidades devem manter padrões de habitação compatíveis com as necessidades dos
idosos, provendo-os de alimentação regular e higiene (§3.º do art. 37).
Gabarito 145
O Estatuto também prevê a obrigatoriedade de o governo criar programas habitacionais para dar
prioridade aos idosos na aquisição da casa própria:
Art. 38. Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos
públicos, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia pró-
pria, observado o seguinte:
I - reserva de pelo menos 3% (três por cento) das unidades habitacionais resi-
denciais para atendimento aos idosos;
II - implantação de equipamentos urbanos comunitários voltados ao idoso;
III - eliminação de barreiras arquitetônicas e urbanísticas, para garantia de aces-
sibilidade ao idoso;
IV - critérios de financiamento compatíveis com os rendimentos de aposenta-
doria e pensão.
Parágrafo único. As unidades residenciais reservadas para atendimento a idosos
devem situar-se, preferencialmente, no pavimento térreo.
Mas, infelizmente, esta é a realidade de alguns países do Oriente em razão de sua cultura e da sua
religião. As mulheres são relegadas ao espaço privado e destinadas exclusivamente aos afazeres do-
mésticos, sem que se reconheça o direito à igualdade e a possibilidade de inclusão social.
Malala Yousafzai não precisou pegar em armas para mostrar a sua luta contra um regime terrorista
e desigual: apenas continuou a lutar pelo exercício de um direito, o direito à educação, o que foi sufi-
ciente para ser quase assassinada pelo talibã e hoje ser obrigada a morar fora de seu país para poder
conquistar seus sonhos e viver em paz.
No entanto, mesmo tendo passado por tudo o que passou, Malala ainda defende o exercício de seu
direito e pretende lutar para que outras jovens e mulheres também o alcancem; inclusive, tem a pre-
tensão de se tornar uma política para retornar ao seu país e lutar pela igualdade de gêneros.
2.
b) Entre os argumentos utilizados pelos que defendem o sistema de cotas, podemos citar:
• o sistema de cotas é a concretização do princípio da igualdade material, promovendo a
igualdade por meio da desigualdade como forma de reparar décadas de exclusão dessa
parcela da população do reconhecimento e efetivação de direitos;
• a adoção do sistema de cotas reconhece as diferenças decorrentes de décadas de exclusão
social e não significa a inferiorização de determinado grupo social;
• a alegação de que é difícil se definir quem é negro não procede, pois não faltam agentes
sociais versados em identificar os negros quando o intuito é discriminá-los;
• pesquisas revelam que, entre as universidades que adotaram os sistemas de cotas, não há
diferença de rendimentos entre os alunos cotistas e os não cotistas, inclusive verificando-
-se que os cotistas são mais assíduos.
3. Quando se fala em orientação sexual no âmbito da legislação brasileira, verifica-se que a nossa
Constituição Federal, embora não venha abordar expressamente a questão, traz em seu âmago
princípios e valores que não permitem negar o reconhecimento ao direito da comunidade LGBT,
em especial quando examinamos o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à igual-
dade e à liberdade sexual.
Analisando a legislação civil em relação à adoção também não se vislumbra nenhum dispositivo legal
relacionado ao tema; porém, também não há qualquer proibição da adoção por casais homossexuais
ou até mesmo pessoas solteiras com orientação sexual diversa de heterossexual.
Num exame atento da jurisprudência sobre o assunto, embora ainda exista posicionamento contrário,
verifica-se uma tendência à permissão da adoção por homossexuais, em especial ao se verificar que
o pressuposto da adoção é o melhor interesse da criança, sendo que estando este assegurado na com-
panhia do homossexual, o qual lhe atende as necessidades básicas, seja econômicas, seja em relação à
educação e carinho, não haveria motivos para a não permissão.
Ademais, considerando a quantidade de crianças disponíveis para adoção sem oportunidade de al-
cançar um lar e uma família – porque os pretendentes à adoção heterossexuais, em regra, têm prefe-
rências em relação à idade ou se negam a aceitar crianças deficientes –, a jurisprudência não vislum-
bra razões em se preferir deixar que essas crianças permaneçam até a maioridade em entidades de
acolhimento em vez de lhes dar um lar e uma família, mesmo que de orientação homossexual.
O relatório final da CNV, entregue em 10 de dezembro de 2014 à presidente Dilma Rousseff, indica
434 mortes e desaparecimentos de vítimas (210 são consideradas desaparecidas). O texto indica que
esses números decorreram da “prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e de tortura, assim
como o cometimento de execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes
Gabarito 147
• falta de alternativas para pessoas sem qualquer qualificação que não seja a própria
força manual de trabalho – necessária para serviços pesados, como os desenvolvidos
nas fazendas;
• falta de empregos regulares, ampliando a oferta de mão de obra barata, tornando os tra-
balhadores vulneráveis;
• ausência de fiscalização e certeza da impunidade;
• empregadores que pretendem diminuir custos de produção, garantindo a competitivida-
de e aumentando os lucros.
3. Os Conselhos de Políticas Públicas são órgãos colegiados que articulam representantes da população
e membros do poder público estatal, tendo como finalidade principal garantir a participação popular,
o controle social e a gestão democrática das políticas e dos serviços públicos. Esses órgãos atuam no
planejamento e no acompanhamento da execução dessas políticas e desses serviços públicos.
O mapeamento genético possibilita identificar as pessoas consideradas doentes em razão de uma con-
dição genética, o que acarreta a possível catalogação dessas pessoas com base em critério biológico,
sem levar em consideração aspectos sociais.
E, se não bastasse o uso desse conhecimento na fase pré-natal e pré-implantatória, seria possível, com
intenção de seleção dos fetos ou embriões, a prática eugênica.
O uso indiscriminado e sem limites desse conhecimento, levando em consideração o poder que
as técnicas oriundas do mesmo geram aos seus detentores, pode trazer prejuízos evidentes para
a sociedade.
São necessários limites éticos e jurídicos para o uso desse conhecimento, estabelecendo como
fundamento principal a dignidade da pessoa humana, buscando se restringir ao seu uso em prol
da humanidade.
Referências
ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de direito
democrático, 7/12/1988. Palestra proferida na sede da Escola Superior da Magistratura Federal (Esmafe).
Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/download/47414/45316>.
Acesso em: 8 jun. 2018.
ALVES, Jones Figueirêdo. Abandono afetivo inverso pode gerar indenização. 15 jul. 2013. IBDFAM –
Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+
Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 8 jun. 2018.
ANAYA, S. James. Cenário internacional: os Direitos Humanos dos Povos Indígenas. In: ARAÚJO, Ana
Valéria (Org.). Povos Indígenas e a Lei dos Brancos: o direito à diferença. Coleção Educação Para Todos. Série
Vias dos Saberes, v. 3, Brasília: MEC/Secad; Rio: Laced/Museu Nacional, 2006. Disponível em: <www.trilhase
conhecimentos.etc.br/livros/arquivos/ColET14_Vias03WEB.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
AQUINO, Leonardo Gomes de. Criança e adolescente: o ato infracional e as medidas sócio-educativas.
Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 99, abr. 2012. Disponível em: <www.ambito-juridico.com.br/
site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11414>. Acesso em: 8 jun. 2018.
ARZABE, Patrícia Helena Massa. Conselho de direitos e formulação de políticas públicas. In: BUCCI,
Maria Paula Dallari et al. Cadernos Pólis 2: direitos humanos e políticas públicas. São Paulo: Pólis, 2001,
60 p. p. 32-43. Disponível em: <http://polis.org.br/publicacoes/direitos-humanos-e-politicas-publicas/>.
Acesso em: 8 jun. 2018.
BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves. Direito ao Patrimônio Genético. Portugal: Almedina, 1998.
BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Bioética e Início da Vida: alguns desafios. São Paulo: Centro
Universitário São Camilo, 2004.
BARRETO, Vicente de Paulo. Bioética, biodireito e direitos humanos. Revista Ethica, v. 5, n. 1, 1998.
Disponível em: <www.dhnet.org.br/direitos/direitosglobais/paradigmas_textos/v_barreto.html>.
Acesso em: 8 jun. 2018.
BARROS, Renata Furtado de. Avanços da Biotecnologia: os direitos humanos como fundamentos para a
proteção do Biodireito na América Latina. In: Revista Eletrônica de Direito Internacional. Belo Horizonte:
CEDIN, v. 8, p. 245-288, 2011. Disponível em: <www.cedin.com.br/static/revistaeletronica/volume8/
arquivos_pdf/sumario/Renata%20Furtado%20de%20Barros.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
BERGEL, Salvador Darío. Los derechos humanos entre la bioética y la genética. Acta Bioethica, año VIII,
n. 2, p. 315-331, 2002.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BORGES, Alci Marcus Ribeiro; BORGES, Caroline Bastos de Paiva. Breves considerações sobre o sistema
global de proteção dos direitos humanos. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível
em: <www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=10503&n_link=revista_artigos_leitura>.
Acesso em: 8 jun. 2018.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, 5/10/1988.
Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, 31/12/1940. Disponível
em: <www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Decreto-Lei n. 5.452, de 1.º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Publicada
no Diário Oficial da União de 9/8/1943, retificado pelo Decreto-Lei n. 6.353, de 1944) e retificado pelo
Decreto-Lei n. 9.797, de 1946. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>.
Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979. Institui o código de menores. Revogada pela Lei n. 8.069, de
1990. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/1970-1979/L6697.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá ou-
tras providências. Diário Oficial da União. 16/7/1990. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
L8069.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 9.455, de 7 de abril de 1997. Define os crimes de tortura e dá outras providências. Diário
Oficial da União, 8/4/1997. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9455.htm>. Acesso em: 8
jun. 2018.
______. Lei n. 9.612, de 19 de fevereiro de 1998. Institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária e dá ou-
tras providências. Diário Oficial da União, 20/2/1998. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
L9612.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, 9/4/2001.
Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10216.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 10.559, de 13 de novembro de 2002. Regulamenta o art. 8.º do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias e dá outras providências. Diário Oficial da União, 14/11/2002. Disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10559.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Estatuto do Idoso. Disponível em: <www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 11.340, de 7 de outubro de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher. [Lei Maria da Penha]. Diário Oficial da União, 8/8/2006. Disponível em:<www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial [...]. Diário Oficial da
União, 21/7/2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12288.
htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 12.414, de 09 de junho de 2011. Disciplina a formação e consulta a bancos de dados com
informações de adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para formação de histórico de
crédito. Diário Oficial da União, 10/6/2011. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Lei/L12414.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 12.528, de 18 de novembro de 2011. Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa
Civil da Presidência da República. Diário Oficial da União, 18/11/2011. Disponível em: <www.planalto.gov.
br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12528.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 12.650, de 17 de maio de 2012. Altera o Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –
Código Penal [...]. Diário Oficial da União, 18/5/2012. Disponível em: <www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_
Ato2011-2014/2012/Lei/L12650.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
Referências 151
BRASIL. Lei n. 12.847, de 2 de agosto de 2013. Institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura;
cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate
à Tortura; e dá outras providências. Diário Oficial da União, 5/8/2013. Disponível em: <www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12847.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Lei n. 13.146, de 06 de julho de 2015. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Disponível em: <www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Brasil assina Protocolo
Facultativo da Convenção dos Direitos da Criança. 28 fev. 2012. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/
cidadania-e-justica/2012/02/brasil-assina-protocolo-facultativo-da-convencao-dos-direitos-da-crianca>.
Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Direitos Humanos e Saúde
Mental. In: Direitos para Todos. Disponível em: <www.sdh.gov.br/assuntos/direito-para-todos/programas/
direitos-humanos-em-saude-mental>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos
Direitos Humanos. Relatório da Violência Homofóbica no Brasil: ano 2013. Brasília, DF, 2016. Disponível
em: <http://www.saude.sp.gov.br/resources/ses/perfil/cidadao/homepage-new/outros-destaques/lgbt-
comite-tecnico-de-saude-integral/textos-tecnicos-e-cientificos/relatorio_violencia_homofobica_2013.pdf>.
Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH). Plano nacional de promoção da cidadania e direitos
humanos de LGBT: lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Brasília ,DF, 2009. Disponível em: <www.
arco-iris.org.br/wp-content/uploads/2010/07/planolgbt.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
152 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental
______. Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Características da População Brasileira.
Censo 2010. Brasília, DF, 2010. Disponível em: <www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/node/766>. Acesso
em: 8 jun. 2018.
______. Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. Plano de Ação para o enfrenta-
mento da violência contra a pessoa idosa. Brasília: SDH, 2005. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/
bvs/publicacoes/plano_acao_enfrentamento_violencia_idoso.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
BAHIA. Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social. Disponível em: <http://www.
justicasocial.ba.gov.br/>. Acesso em: 8 jun. 2018.
BREGA FILHO, Vladimir; ALVES, Fernando de Brito. Da liberdade religiosa como direito fundamental:
limites, proteção e efetividade. Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI. Brasília, DF, nov. 2008.
p. 3569-3589. Disponível em: <www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/brasilia/03_611.
pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Nova contagem do prazo prescricional para os crimes contra a digni-
dade sexual praticados contra crianças e adolescentes (Lei 12.650/12). Revista de Criminologia e Ciências
Penitenciárias, Programa de Estudos em Criminologia e Ciências Penitenciárias – PROCRIM, São
Paulo, Ano 3, n. 4, dez. 2013, jan./fev. 2014. Disponível em: <https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/
artigos/121937317/nova-contagem-do-prazo-prescricional-para-os-crimes-contra-a-dignidade-sexual-
praticados-contra-criancas-e-adolescentes-lei-12650-12>. Acesso em: 8 jun. 2018.
CACIQUE, Denis Barbosa. Delineando fronteiras: reflexão sobre os limites éticos para a aplicação de tecno-
logias genéticas. Revista Bioética, v. 20, n. 1, p. 60-70, 2012. Disponível em: <http://revistabioetica.cfm.org.
br/index.php/revista_bioetica/article/view/603/737>. Acesso em: 8 jun. 2018.
CANES, Michèlle. Comissão reconhece 434 mortes e desaparecimentos durante ditadura militar. EBC Agência
Brasil, 10 dez. 2014. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-12/
comissao-reconhece-mais-de-200-desaparecidos-politicos-durante>. Acesso em: 8 jun. 2018.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 11. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2007.
CARDIN, Valéria Silva Galdino; BARRETO, Maíra de Paula. Da pedofilia e dos direitos da personalidade
da criança. In: XVIII Encontro Nacional do CONPEDI, 2009, Maringá. As dimensões da personalidade na
contemporaneidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. p. 3983-4012. Disponível em: <http://galdino.
adv.br/site/artigos/download/page/8/id/177>. Acesso em: 8 jun. 2018.
CASABONA, Carlos María Romeo. Do gene ao direito: sobre as implicações jurídicas do conhecimento e
intervenção no genoma humano. São Paulo: IBCCrim, 1999.
CLÈVE, Clèmerson Merlin; FREIRE, Alexandre Reis Siqueira. Algumas notas sobre colisão de direitos fun-
damentais. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais da Faculdades do Brasil, p. 29-42. mar./
ago. 2002. p. 36.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2005.
CONECTAS. Direitos Humanos. Dilma sanciona lei de combate à tortura. 2 ago. 2013. Disponível em:
<http://old.conectas.org/pt/acoes/justica/noticia/dilma-sanciona-lei-de-combate-a-tortura >. Acesso em: 8
jun. 2018.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM n. 1.955/2010. Diário Oficial da União, 3/9/2010.
Disponível em: <www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2010/1955_2010.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
Referências 153
CRUZ, José Leocádio da. A reprodução assistida frente aos direitos humanos. Lumiar – Revista de Ciências
Jurídicas, v. 2, n. 1, 2008. Disponível em: <www.revistas2.uepg.br/index.php/lumiar/article/view/1631>.
Acesso em: 8 jun. 2018.
DAMASCENO, Luiz Rogério da Silva. Direitos humanos e proteção dos direitos das pessoas com deficiência:
evolução dos sistemas global e regional de proteção. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF, 29 out. 2014. Disponível
em: <www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.50391&seo=1>. Acesso em: 8 jun. 2018.
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Atualização Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 28. ed., 2.
tiragem. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
DELGADO, Gabriela Neves; NOGUEIRA, Lílian Katiusca Melo; RIOS, Sâmara Eller. Instrumentos
jurídico-institucionais para a erradicação do trabalho escravo no Brasil Contemporâneo. In: Anais do XVI
Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008, p. 2984-3003. Disponível em:
<www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/bh/gabriela_neves_delgado.pdf>. Acesso em:
8 jun. 2018.
DHNET. Sistema Global de Defesa dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/
cartilhas/dh/onu/sddh/>. Acesso em: 8 jun. 2018.
DIAS, Daniella S. O direito à moradia digna e a eficácia dos direitos fundamentais sociais. Revista Eletrônica
do CEAF, Porto Alegre . Ministério Público do Estado do RS, v. 1, n. 1, out. 2011/jan. 2012.
DINALI, Danielle de Jesus. Trabalho educativo de criança e adolescente: exploração de mão de obra de baixo
custo? Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3808, 4 dez. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/
artigos/26057>. Acesso em: 8 jun. 2018.
DINIZ, Débora; BARBOSA; Lívia, SANTOS, Wederson Rufino dos. Deficiência, Direitos Humanos e Justiça.
Sur-Revista Internacional de Direitos Humanos, v. 6. n. 11. dez. 2009. p. 65-77. Disponível em: <www.scielo.
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452009000200004>. Acesso em: 8 jun. 2018.
DIREITOS HUMANOS NA INTERNET. O Marco Legal Internacional e Nacional dos Direitos da Pessoa
Idosa. Disponível em: <www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/cc/3/idoso/marco.htm#2>. Acesso em: 8 jun.
2018.
______. A terapia gênica e a eugenia. Revista da Ajuris, v. 36, p. 127-144, 2009. Disponível em: <http://
livepublish.iob.com.br/ntzajuris/lpext.dll/Infobase/d77c/d7da/dbad?f=templates&fn=document-frame.
htm&2.0>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. O princípio da dignidade da pessoa humana e a biotecnologia. In: MEIRELLES, Jussara Maria Leal
de (Coord.). Biodireito em Discussão. Curitiba: Juruá, 2007, p. 60-72.
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a
liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Fabris, 1996, p. 111.
FRASÃO, Gustavo. Cuidados de longa duração para pessoas idosas é tema de seminário internacional
promovido pelo Ministério da Saúde. Portal da Saúde. 22. out. 2015. Disponível em: <http://portalms.
saude.gov.br/noticias/sas/20328-cuidados-de-longa-duracao-para-pessoas-idosas-e-tema-de-seminario-
internacional-promovido-pelo-ministerio-da-saude>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. O que fizemos em 2016. Relatório Anual do Unicef Brasil, Brasília, DF, ano 13, n. 36, jan. 2017.
Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/UNI2016.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2018.
______. ECA 25 anos. Estatuto da Criança e do Adolescente. jul. 2015. Disponível em: <https://www.unicef.
org/brazil/pt/ECA25anosUNICEF.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2018.
FUZIWARA, Aurea Satomi. Lutas Sociais e Direitos Humanos da criança e do adolescente: uma necessária
articulação. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 115, p. 527-543, jul./set. 2013.
GALEANO, Eduardo. Bocas del tiempo. Buenos Aires: Catálogos, 2004. Disponível em: <www.publica
direito.com.br/artigos/?cod=cf43a9e6874c5afb>. Acesso em: 8 jun. 2018.
GEDIEL, José Antonio Peres. Declaração Universal do Genoma Humano e Direitos Humanos: revisita-
ção crítica dos instrumentos jurídicos. Limite – a ética e o debate jurídico sobre acesso e uso do genoma
humano, Rio de Janeiro: Fiocruz, p. 1-7, 2000. Disponível em: <www.dbbm.fiocruz.br/ghente/publicacoes/
limite/declaracao.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
GONÇALVES, Leonardo Augusto. Políticas Públicas e Direitos Sociais. [s.d.]. Disponível em: <www.mpsp.
mp.br/portal/page/portal/cao_civel/acoes_afirmativas/aa_doutrina/Politicas%20Publicas%20-%20DS.
doc>. Acesso em: 8 jun. 2018.
GUALBERTO, Marcio Alexandre M. Mapa da Intolerância Religiosa – 2011. Violação ao Direito de Culto
no Brasil. Disponível em: <www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/39/Documentos/Mapa_da_
intolerancia_religiosa[1].pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
HERKENHOFF, João Baptista. Curso de Direitos Humanos: gênese dos Direitos Humanos. São Paulo: Editora
Acadêmica, 1994.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: características da população
e dos domicílios. Resultados do universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.
gov.br/visualizacao/periodicos/93/cd_2010_caracteristicas_populacao_domicilios.pdf>. Acesso em: 8 jun.
2018.
______. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2015.
IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. Rio de Janeiro: IBGE, 2015. Disponível em:
<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv95011.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Violência contra mulher. IBGE TEEN – Notícias, nov./2012. Disponível em: <https://educa.ibge.gov.
br/>. Acesso em: 8 jun. 2018.
LEITE, Gisele. Aspectos jurídicos da Lei Maior. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. X, n. 46, out. 2007.
Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_
id=2321>. Acesso em: 8 jun. 2018.
LONGO, Ana Carolina Figueiro. O reconhecimento de criança e adolescente como sujeitos de direitos e
a atuação do estado brasileiro ao longo do tempo para efetivá-los. In: ANDREUCCI, Álvaro Gonçalves
Antunes; MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander; SIQUEIRA, Gustavo Silveira. História do Direito.
Florianópolis: CONPEDI, 2015. Disponível em: <www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/gv4u3hv2/
W5yY34A1u31KT761.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
Referências 155
LOPES, Lais de Figueirêdo. Artigo 1. Propósito. In: Novos Comentários à Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência. Brasília, DF: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/
PR) /Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD), 2014. p. 26-35.
Disponível em: <http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencao-
sdpcd-novos-comentarios.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
MACHADO, Talita Ferreira Alves. Criança vítima de pedofilia: fatores de risco e danos sofridos. Dissertação
(Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível
em: <www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-13022014-111701/pt-br.php>. Acesso em: 8 jun. 2018.
MAIO, Iadya Gama. Os Tratados Internacionais e o Estatuto do Idoso: rumo a uma Convenção Internacional?
In.: STEPANSKY, Daizy Valmorbida; COSTA FILHO, Waldir Macieira; MULLER, Neusa Pivatto (Orgs.)
Estatuto do Idoso. Dignidade humana como foco. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2013. p. 32-45.
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental.
Curitiba: Juruá, 2003.
MATTIOLI, Daniele Ditzel; OLIVEIRA, Rita de Cássia da Silva. Direitos Humanos de Crianças e
Adolescentes: o percurso da luta pela proteção. Imagens da Educação, v. 3, n. 2, p. 14-26, 2013. Disponível em:
<http://eduem.uem.br/ojs/index.php/ImagensEduc/article/viewFile/20176/pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
MEIRELLES, Jussara Maria Leal. A vida embrionária e sua proteção jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
______. Bioética e biodireito. In: BARBOZA, Heloíza Helena; BARRETO, Vicente de Paulo. (Org.) Temas de
Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 85-97.
______. Técnicas usuais da reprodução assistida. In: Reprodução assistida e Exame de DNA: implicações
jurídicas. Curitiba: Genesis, 2004.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS (MPMG). Todos contra a pedofilia: algumas
informações para os pais ou responsáveis. 2. ed. Belo Horizonte, 2012. Disponível em: <http://www.coaliza.
org.br/wp-content/uploads/2014/05/Todos-contra-a-pedofilia.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2008.
MODENA, Ana Isabel. Os Direitos Humanos, a Proteção Jurídica e as Ações Afirmativas dirigidas aos
Idosos. In: Anais do XVIII Encontro Nacional do CONPEDI. Organização: Conselho Nacional de Pesquisa
e Pós-Graduação em Direito e Centro Universitário de Maringá. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.
p. 385-404. Disponível em: <https://s3.amazonaws.com/conpedi2/anteriores/XVIII+Encontro+Nacional+-
+CESUMAR-Maring%C3%A1+(02%2C+03+e+04+de+julho+de+2009).pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL – ONUBR. Conselho de Direitos Humanos da ONU adota resolução pedindo
fim da homofobia. 29 set. 2014. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/conselho-de-direitos-humanos-
da-onu-adota-resolucao-pedindo-fim-da-homofobia/>. Acesso em: 8 jun. 2018.
NADER, Paulo. Curso de direito civil. v. 5. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
OLIVEIRA, Oris de. Trabalho e Profissionalização de Adolescente. São Paulo: LTR, 2009.
OLIVEIRA, Patricia Fonseca Carlos Magno de. Uma análise do direito de gerar enquanto direito humano à
saúde sexual e reprodutiva. 2010. Disponível em: <www.patriciamagno.com.br/wp-content/uploads/2014/08/
PM_Analise-Dir-Gerar-enqto-DH-saude-sexual-e-reprod.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
156 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental
OLIVEIRA, Samuel Antonio Merbach de. A teoria geracional dos direitos do homem. Theoria – Revista
Eletrônica de Filosofia, n. 3, p. 10-26, 2010. Disponível em: <www.theoria.com.br/edicao0310/a_teoria_
geracional_dos_direitos_do_homem.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Plano de ação Internacional de Viena sobre o
Envelhecimento. 1982. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/e-psico/publicas/humanizacao/prologo.html>.
Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Centro de Informação das Nações Unidas para Portugal. Direitos Humanos e Pessoas Idosas 2002.
Disponível em: <https://www.unric.org/html/portuguese/ecosoc/ageing/D_H_Pessoas_Idosas.pdf>. Acesso
em: 8 jun. 2018.
______. Convenção internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial. (1965).
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/
cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/ConvIntElimTodForDiscRac.html>.
Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (1979).
Adotada pela Resolução n. 34/180 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 18 de dezembro de 1979 e
ratificada pelo Brasil em 1.º de fevereiro de 1984. Disponível em: <www.unicef.org/brazil/pt/resources_10233.
htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Convenção sobre Diversidade Biológica. 5 jun. 1992. Disponível em: <www.mma.gov.br/estruturas/
sbf_dpg/_arquivos/cdbport.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 10 dez. 1948. Disponível em: <https://www.unicef.org/
brazil/pt/resources_10133.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
ONU BRASIL. 126 países ratificaram Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Disponível
em: <https://nacoesunidas.org/126-paises-ratificaram-convencao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-defi-
ciencia/>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Carta das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça. 26 jun. 1945. Disponível em
<https://nacoesunidas.org/carta/>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 13 dez. 2006. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. 16 dez. 1966. Disponível em: <www.dhnet.org.
br/direitos/sip/onu/doc/pacto2.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, sociais e culturais, 1966. Disponível em: <www.dhnet.
org.br/direitos/sip/onu/doc/pacto1.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Relatório da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento. Plataforma de Cairo, set.
1994. Disponível em: <www.unfpa.org.br/Arquivos/relatorio-cairo.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
Referências 157
______. Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos. 2004. Disponível em: <http://bvsms.
saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_inter_dados_genericos.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Convenção Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. 2005. Disponível em: <http://unesdoc.
unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA. Comunicado de Imprensa. CIDH saúda a entra-
da em vigor do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança Relativo à Instituição de um
Procedimento de Comunicação. 3 fev. 2014. Disponível em: <www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2014/008.
asp>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura (1985). Adotada e aberta à assinatura no XV
Período Ordinário de Sessões da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, em Cartagena
das Índias (Colômbia), em 9 de dezembro de 1985 - ratificada pelo Brasil em 20.07.1989. Disponível em:
<www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/cartagena.htm>. Acesso em: 8 jun.
2018.
______. Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil – IPEC. Disponível em: <www.oit.
org.br/sites/all/ipec/apresentacao.php>. Acesso em: 8 jun. 2018.
OSORIO, Rafael Guerreiro. O sistema classificatório de “cor ou raça” do IBGE. Texto para Discussão, Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada, n. 996. nov. 2003. p. 7-35. Disponível em: <www.ipea.gov.br/portal/ima-
ges/stories/PDFs/TDs/td_0996.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
PACTO de San José da Costa Rica. Convenção Americana de Direitos Humanos. San José Costa Rica,
22/11/1969 – ratificada pelo Brasil em 25/09/1992. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodee
studos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
PALMA, Darléa Carine; GEREMIAS, Elizabete. As políticas públicas de combate ao trabalho escravo
contemporâneo como instrumento de efetivação do direito fundamental ao trabalho digno. In.: Anais do
XXIV Encontro Nacional do CONPEDI - UFS. Florianópolis: CONPEDI, 2015. p. 228-250. Disponível em:
<www.conpedi.org.br/publicacoes/c178h0tg/rma2ey1m/ZJBQUaNMKqQBcRd1.pdf>. Acesso em: 8 jun.
2018.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos. História. Disponível em: <www.
justica.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=52>. Acesso em: 8 jun. 2018.
PEREIRA, Maria da Conceição Maia. A lista suja como instrumento eficiente para reprimir a exploração de
mão de obra em condições semelhantes à escravidão. In.: Anais do XXIV Congresso Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: CONPEDI, 2015. p. 554-574. Disponível em: <www.conpedi.org.br/publicacoes/66fsl345/
dob3j465/g4rfv2nRVC0p3UPE.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
PESSINI, Léo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de. Problemas Atuais de Bioética. 5. ed. rev. e ampl.
São Paulo: Loyola, 2000.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 15. ed., rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2015.
PIOVESAN, Flávia; PIROTTA, Wilson Ricardo Buquetti. Os direitos humanos das crianças e dos adolescen-
tes no direito internacional e no direito interno. In: PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2015.
PIOVESAN; Flávia; SILVA, Beatriz Pereira da; CAMPOLI, Heloisa Borges Pedrosa. A proteção dos direitos
das pessoas com deficiência. In: PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2015. p. 476-495.
PROTOCOLO de San Salvador. Protocolo Adicional à Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos
em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais. San Salvador, El Salvador, 17 nov. 1998. Disponível em:
<www.dhnet.org.br/direitos/sip/oea/protsalv.htm>. Acesso em: 8 jun. 2018.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015.
RESENDE, Augusto César Leite; MEIRELLES, Jussara Maria Leal de Meirelles. A proteção do direito funda-
mental à reprodução assistida no Brasil. Derecho y Cambio Social, 2015. Disponível em: <www.derechoycam-
biosocial.com/revista039/A_PROTECAO_DO_DIREITO_FUNDAMENTAL_A_REPRODUCAO_
ASSISTIDA.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos. Desenvolvimento so-
cial: conheça a secretaria. Disponível em: <www.rj.gov.br/web/seasdh/exibeconteudo?article-id=140843>.
Acesso em: 8 jun. 2018.
ROSATO, Cássia Maria; CORREIA, Ludmila Cerqueira. Caso Damião Ximenes Lopes: Mudanças e desa-
fios após a primeira condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Sur-Revista
Internacional de Direitos Humanos. v. 8, n. 15, jan. 2011. Disponível em: <www.conectas.org/pt/acoes/sur/
edicao/15/1000169-caso-damiao-ximenes-lopes-mudancas-e-desafios-apos-a-primeira-condenacao-do-
brasil-pela-corte-interamericana-de-direitos-humanos>. Acesso em: 8 jun. 2018.
RUMMERT, Sonia Maria. Projeto escola de fábrica – atendendo a “pobres e desvalidos da sorte” do século
XXI. Perspectiva, Florianópolis, v. 23, n. 02, p. 303-322, jul./dez. 2005. Disponível em: <www.uff.br/
ejatrabalhadores/artigos/projeto-escola-fabrica.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
SACAVINO, Susana. Direitos Humanos e Políticas Públicas no Brasil, 2008. Disponível em: <www.dhnet.
org.br/direitos/militantes/susanasacavino/sacavino_dh_politicas_publicas_br.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
SANTIN, Janaína Rigo. O estatuto do idoso e as ações afirmativas para uma vida digna na velhice. In.: Anais
do XVIII Encontro Nacional do CONPEDI; Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. p. 523-524. Disponível
em: <https://s3.amazonaws.com/conpedi2/anteriores/XVIII+Encontro+Nacional+-+CESUMAR-Maring%
C3%A1+(02%2C+03+e+04+de+julho+de+2009).pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite. Limites éticos e jurídicos do projeto genoma humano. In: SANTOS,
Maria Celeste Cordeiro Leite (Org.) Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. São Paulo: RT, 2001.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
______. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
______. Notas acerca da liberdade religiosa na Constituição Federal de 1988. In: Revista Direito UFMS.
Edição Especial. Campo Grande: UFMS, 2015. p. 87-102. Disponível em: <http://seer.ufms.br/index.php/
revdir/article/view/1234>. Acesso em: 8 jun. 2018.
SARMENTO, George. As gerações de direitos humanos e os desafios da efetividade. Disponível em: <https://
georgesarmento.jusbrasil.com.br/artigos/121941965/geracoes-dos-direitos-humanos-e-os-desafios-de-sua-
efetividade>. Acesso em: 8 jun. 2018.
______. Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. Manual de enfrentamento à
violência contra a pessoa idosa. Brasília: SDH, 2014. Disponível em: <http://www.cedi.pr.gov.br/arquivos/
File/CEDI/ManualViolenciaIdosogovfedweb.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
Referências 159
SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. I. Fundamentos e ética biomédica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002.
SILVA, Eliezer Gomes da; SOARES FILHO, Almiro Sena. O racismo institucional e o papel do Ministério
Público Brasileiro na implementação do Estatuto da Igualdade Racial (lei 12288/10) – ou por que não de-
vemos esperar mais 45 anos para levar a sério a Convenção da ONU contra a Discriminação Racial. 2011.
Disponível em: <www.mppr.mp.br/arquivos/File/imprensa/2013/ESTATUTOIGUALDADERACIAL_
DrEliezerDrAlmiro.pdf>. Acesso em: 8 jun. 2018.
SIQUEIRA, José Eduardo; DINIZ, Nilza. Ética e responsabilidade em genética. In: GARRAFA, Volnei;
PESSINI, Leo. Bioética: poder e injustiça. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, 2003. p. 225-234.
SOARES, Evanna. A exploração do Trabalho escravo e a Emenda Constitucional n. 81/2014. Revista Jus
Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4104, 26 set. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/32315>. Acesso
em: 8 jun. 2018.
SOUZA, Luiz Roberto Sales; CARBONI, Chistian Marcos. Crimes contra a Pessoa Idosa. In: STEPANSKY,
Daizy Valmorbida; COSTA FILHO, Waldir Macieira da; MULLER, Neusa Pivatto (Org.) Estatuto do Idoso:
dignidade humana como foco. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2013. p. 182-203.
STAFFEN, Márcio Ricardo; BLAU, Fernanda Maiara Staehr. Perda da Propriedade pela redução do homem
à condição análoga à de escravo. Revista Jurídica UNICURITIBA (Direito Civil; Direito Constitucional;
Direito Trabalhista), Curitiba, 2015, p. 397-421. Disponível em: <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.
php/RevJur/article/viewFile/1428/969>. Acesso em: 8 jun. 2018.
STECK, Juliana. Intolerância religiosa é crime de ódio e fere a dignidade. Jornal do Senado. 16 abr. 2013.
Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/496197>. Acesso em: 8 jun. 2018.
STIVAL, Mariane Morato. Análise da jurisprudência internacional sobre casos de violação de direitos
de crianças e mulheres no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Jus Navigandi, 2015.
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/40883/analise-da-jurisprudencia-internacional-sobre-casos-de-
violacao-de-direitos-de-criancas-e-mulheres-no-ambito-da-corte-interamericana-de-direitos-humanos#_
ftn10>. Acesso em: 8 jun. 2018.
TISESCU, Alessandra Develsky da Silva; SANTOS, Jackson Passos. Apontamentos Históricos sobre as
fases de construção dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência. Direito Internacional dos Direitos
Humanos II. CONPEDI 2014, p. 366-382. Disponível em: <http://publicadireito.com.br/publicacao/ufsc/
livro.php?gt=196>. Acesso em: 8 jun. 2018.
TOSSI, Giuseppe. Anotações sobre a história conceitual dos direitos do homem. Disponível em: <www.dhnet.
org.br/dados/livros/edh/br/pbunesco/i_01_anotacoes.html>. Acesso em: 8 jun. 2018.
TRINDADE, Jorge; BREIER, Ricardo. Pedofilia: aspectos psicológicos e penais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007.
VIEGAS E SILVA, Marisa. O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas: seis anos depois. Sur –
Revista Internacional De Direitos Humanos, n.18, p. 103-119, 2013.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil. 1. ed. Brasília: Flacso,
2015. Disponível em: <www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf>. Acesso
em: 8 jun. 2018.
WILKIE, Tom. Projeto Genoma Humano: um conhecimento perigoso. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1994.
XAVIER, Elton Dias. A Bioética e o conceito de pessoa: a re-significação jurídica do ser enquanto pessoa.
Bioética, v. 8, n. 2, 2000. Disponível em: <http://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/
article/view/277/276>. Acesso em: 8 jun. 2018.
7
Conceitos de raça, etnia e
identidade cultural e nacional
Marcos Araújo
Neste capítulo, vamos refletir sobre os conceitos de raça, etnia e identidade nacio-
nal. O objetivo é discutir o surgimento e a evolução das ideias sobre o tema até o momento
atual. Daremos atenção especial à aplicação dos conceitos no Brasil e sua variedade de
sentidos contemporâneos.
7.1 Raça
A pura observação da diversidade entre seres humanos sempre intrigou o homem que, ao mes-
mo tempo em que via traços comuns de humanidade, apontava diferenças consideradas insuperáveis
para o pertencimento social: cor da pele, índole, práticas sociais, textura e cor de cabelos, concepção
de mundo, inteligência e força. Muitas vezes, a classificação dos homens se dava, no mundo antigo,
por obediência política, religião, local de nascimento, tribo, raça ou nação.
Havia em quase todas as culturas um senso de superioridade em relação às outras. Os diver-
sos hábitos sociais eram considerados bizarros, inumanos, e a cultura daqueles que não eram do
grupo era considerada subalterna. Os gregos, por exemplo, achavam que todos os povos não gregos
eram bárbaros e inferiores; se não o fossem em poderio militar, o seriam em índole e cultura.
Nos séculos seguintes à derrocada do mundo antigo, a emergência das religiões universa-
listas como o cristianismo e o islamismo adicionou um elemento de identidade e separação pela
religião que guiou as disputas pela Península Ibérica, pela África e pelas áreas dos otomanos, no
Leste do Mediterrâneo. Porém, com o crescimento da sociedade europeia para regiões da África e
da Ásia, bem como seu domínio sobre a América, a concepção de uma humanidade mais diversa
começou a intrigar os homens.
Os europeus se achavam mais inteligentes e justos por terem sua religião católica e se viam
como superiores aos demais. O contato com povos diversos colocou as verdades europeias em che-
que. Com a dominação gradual sobre portos africanos e a colonização da América, a Europa criou
as bases de uma sociedade econômica em crescimento constante. Ao mesmo tempo, a escravidão
africana e indígena precisava de uma justificativa moral que advinha da religião (os negros e índios
seriam descendentes de Cam, filho amaldiçoado de Noé) e a própria condição de escravo colocava
esse homem europeu como superior aos cativos.
Entre alguns homens sensatos, algumas dúvidas foram plantadas. Montaigne (1533-1592),
que estudou o canibalismo de nossos índios tupinambás, esclareceu que mais chocante do que
162 Direitos humanos e relações étnico-raciais
pensar que humanos devoram humanos, seria pensar que cristãos matam cristãos em lutas entre
católicos e protestantes, que atearam fogo na Europa da época. Montaigne observou que “cada qual
considera bárbaro o que não se pratica em sua terra” (BRASÃO, 2013). No entanto, de forma geral
a sociedade aristocrática do Antigo Regime manteve um discurso de superioridade de sua cultura.
Algo que a sociedade burguesa só ressaltaria ainda mais.
No século XVII, o filósofo François Bernier tentou pela primeira vez classificar as pessoas
por ratio, termo latino que designa descendência, espécie ou categoria. O avanço da ciência e a bus-
ca por classificações foram vitais para a disseminação da noção de raça moderna. Carl Linneauhs
(Carlos Lineu), um botânico sueco, desenvolveu o sistema binominal de classificação dos espéci-
mes (por exemplo, o gato é Felis catus). Lineu também classificou os humanos, em 1775, segundo
raças e mantendo uma visão fortemente preconcebida dos tipos humanos unindo características
físicas de cor de pele com marcas de índole:
• americano (Homo sapiens americanus: vermelho, mau temperamento,
subjugável);
• europeu (Homo sapiens europaeus: branco, sério, forte);
• asiático (Homo sapiens asiaticus: amarelo, melancólico, ganancioso);
• africano (Homo sapiens afer: preto, impassível, preguiçoso). (NORMANDO
et al., 2010)
Essa classificação serviu de base àqueles que vieram depois, no século XIX, e seguiam a linha
de Lineu. Depois dele, J. F. Blumenbach, em 1795, estipulou que a humanidade estaria dividida em
tipos físicos mais ou menos gerais como caucasiano, mongol, etíope, americano e malaio. Durante
o século XIX, essa teoria justificou uma visão racialista da humanidade, ou seja, de que existiam
grandes diferenças entre os tipos humanos e que havia uma relação entre tipo físico e cultura.
Dessa forma, o pensamento científico do século XIX reforçou a doutrina da superioridade
europeia, adotando práticas matemáticas – medição de crânios, narizes, altura etc. – com discursos
eurocêntricos, segundo os quais a inteligência e a índole dos europeus seriam superiores às dos
asiáticos, africanos, oceânicos e ameríndios. Histórias como a de Tarzan, a qual conta como um
menino branco perdido era superior aos animais da África e se tornava rei deles (o homem branco
controla tudo, inclusive a natureza), foram repetidas de diversas formas e com variantes.
Esse conceito da superioridade da raça branca não deixou de ser visto como uma resposta à
questão da igualdade iluminista, proposta ao mesmo tempo. Enquanto o conceito iluminista de ci-
dadão engloba, em tese, todos os nascidos na pátria, independentemente de classe e posição social,
o conceito de raça aposta numa desigualdade intrínseca ao homem, que separa os seres humanos
de uma mesma nação. Tanto é assim que a teoria racialista ganhou terreno não só na ciência euro-
peia, mas também na norte-americana e na jovem ciência brasileira. Nomes de cientistas brasilei-
ros como Mena Rodrigues e Euclides da Cunha estão ligados aos estudos de raça.
Na medida em que é um conceito derivado da biologia e que as raças cruzadas geram
mestiços e seres misturados, apagando traços originais, logo, surgiram ideias de que é possível,
por meio de cruzamentos humanos, melhorar o plantel humano do país ou, ao contrário, torná-lo
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional 163
decadente e fraco. Esse paradigma deu suporte a várias políticas de eugenia, criadas em quase
todos os Estados contemporâneos, europeus e americanos.
Eugenia é uma política de limpeza da raça por meio de proibição de geração de determi-
nados grupos, ou de miscigenação. Muitas vezes serve para argumento da detenção do avanço
de doenças hereditárias e doenças mentais. No Brasil, a política de imigração do Segundo
Império foi implantada por D. Pedro II, sob consulta do Conde Gobineau, um dos pais do
racismo moderno. Gobineau escreveu o “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas”.
Para ele, a única saída possível para o Brasil, formado por negros e índios (que, segundo sua
concepção, são inferiores), era a de importar brancos europeus e, aos poucos, eliminar os
negros, miscigenando-os até que os traços das raças inferiores desaparecessem da sociedade.
A política de importação de europeus e a segregação de negros alforriados e livres em guetos
empobrecidos eram as táticas nessa política.
Nas décadas seguintes, a ciência continuaria a aprofundar os estudos das raças erguendo
regimes sociais baseados nas desigualdades entre elas. Mesmo na África, colonizada por europeus,
o sistema racial entrou em vigor, classificando os habitantes do país. Em Ruanda, por exemplo, país
colonizado pelos belgas, estabeleceu-se um sistema em que tutsis mais altos e com narizes mais
finos, considerados “mais europeus”, eram colocados acima dos hutus, que eram os negros mais
baixos e com nariz largo (GOUREVITCH, 2006).
A ciência do final do século XIX ligava os elementos darwinistas e os racistas ao unir as tra-
dições cristãs e outras paternalistas em relação aos demais povos. Mesmo com eventos que aponta-
vam sua insustentabilidade, essas teses estavam tão arraigadas que mais se pareciam com crenças.
Dentre tantos exemplos, a derrota dos russos para os “amarelos” japoneses encheu de vergonha não
só os próprios russos, mas como também os brancos europeus, ao mostrar que as táticas modernas
e as armas poderiam ser utilizadas com maestria por oficiais inteligentes e capazes. Nenhum outro
argumento racional era capaz de demonstrar o contrário. A ciência e o senso comum continuaram
repetindo o discurso de raças. Nos censos dos países, os homens eram classificados de acordo com
sua raça, muitas vezes associada à cor de pele, de forma que o racialismo se tornou vital no estabe-
lecimento de políticas públicas.
No campo da ciência surgiram pessoas, especialmente antropólogos, que começaram a
questionar a cientificidade da teoria racialista, especialmente as derivações sociais do racialismo,
isso é, a ideia de limitações mentais ou físicas para negros ou índios nas sociedades dominante-
mente brancas. O auge da divisão racista do mundo ocorreu com a doutrina nazista, que serviu de
pavimento para regimes e grupos supremacistas pelo resto do século XX.
Hitler, que fora um artista frustrado e que fora cabo do exército na Primeira Guerra Mundial,
não entendia de ciência, mas, imbuído dos conceitos de senso comum do racialismo, colocou o
sistema alemão sob essa visão quando assumiu o poder, em 1933. Ele aprovou leis que negavam
o direito de judeus, negros, ciganos e poloneses de casar com mulheres arianas (brancas alemãs).
Em seguida, a segregação ocorreu no trabalho, nas escolas e nas cidades por meio da criação de guetos
164 Direitos humanos e relações étnico-raciais
nas áreas ocupadas. Por fim, Hitler e seus subordinados criaram campos de concentração, onde
12 milhões de pessoas perderam a vida (6 milhões de judeus).
Em oposição ao racialismo hitlerista, o socialismo e o liberalismo adotaram posições cada
vez mais opostas ao racismo. Do lado socialista, um discurso de igualdade entre povos oprimidos
pelo imperialismo e colonialismo e a abertura de universidades e postos de trabalho, bem como
a cooperação entre a União Soviética e movimentos e países africanos e asiáticos, fizeram com
que diversos estudos universitários começassem a ser feitos nas universidades africanas, incluindo
estudos da história dos povos africanos anteriores à colonização. Nos países africanos e asiáticos,
a igualdade racial foi tentada, ainda que muitas vezes os governos não conseguissem acabar com
fortes tradições.
Nos países liberais, o sistema de igualdade racial começou nas áreas mais sensíveis à pre-
sença negra, como Estados Unidos e Brasil, países onde a presença negra era muito grande e a
escravidão criou uma ciência fortemente racialista. Se pelo lado dos racistas havia um forte apelo
tradicional, por outro, a forte presença negra e sua cultura eram cada vez mais importantes no
cenário urbano moderno, criando comportamentos, formas de luta, músicas e discursos. Além
disso, cada vez mais celebridades e figuras importantes da sociedade encontraram eco de sua luta
por igualdade racial entre liberais brancos que aproximaram o Partido Democrata da plataforma
de integração e direitos civis durante as décadas de 1940 a 1960.
Com os estudos antropológicos em alta (ver conceito de etnia, a seguir), a ideia de raça
perdeu força no meio científico, mas continuou vigorando nos meios sociais, ganhando inclusive
significados mais positivos atribuídos por suas primeiras vítimas, isto é, os negros. “Raça” passou
a ser utilizada de maneira positiva. Expressões como “esse é um sujeito de raça”, “esse jogador joga
com raça”, “minha raça é negra”, entre outras, mostravam como o termo foi incorporado no dia a
dia das pessoas.
Diversos regimes mantiveram os estatutos de raça para dividir socialmente as pessoas, sendo
o caso mais conhecido e debatido no estatuto da África do Sul, onde, depois da Segunda Guerra,
construiu-se um regime de segregação baseado em leis fortes e repressivas. Por meio dessas leis,
os negros, indianos e mestiços foram considerados inferiores e não podiam frequentar determina-
dos lugares, nem podiam votar. O regime do apartheid, como ficou conhecido, mantinha a desi-
gualdade e a violência aberta contra os negros, perseguindo e matando abertamente os opositores.
O maior deles, Nelson Mandela, ficou preso de 1964 até 1990 e só obteve de volta sua liberdade
quando o regime desmoronou interna e externamente, depois que o mundo fez um boicote aos
produtos africanos. A legislação segregacionista foi suprimida, e a África do Sul se tornou uma
democracia com igualdade racial.
Por outro lado, no mesmo período pós-guerra, o conceito de raça sofreu um forte revés após
o avanço científico da época, mas continuou existente na burocracia e na vida social, o que resultou
numa volta de estudos sobre raça. Antes de negar o conceito, um grupo de antropólogos o retomou
sob um prisma mais moderno, que não levava em conta medições cranianas ou apenas achava que
a construção da raça era política e não tinha implicações sociológicas. Para esse grupo de cientistas
sociais, a raça é uma construção social que representa uma forma de identidade moderna em uma
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional 165
série de conjunções de identidades possíveis, que misturam gênero, classe, raça, religião e outras
formas contemporâneas de identidades que formam indivíduos plurais e multifacetados.
Figura 1 – RUGENDAS, Johann Moritz. Escravos Benguela, Angola, Congo, Monjolo. In: Viagem pitoresca
através do Brasil. Paris, 1835
7.2 Etnia
Quando a sociologia surgiu entre as ciências, duas tradições foram criticadas pelos pensa-
mentos de Marx, Durkheim e Boas: a imanência da religião e a subordinação do humano à natu-
reza. Foi assim que a influência do clima ou da formação racial foi minorada diante da questão da
formação social. Seus graus de evolução não tinham a ver com a natureza, mas sim com sua posi-
ção no tecido histórico social. Em dadas condições objetivas, os grupos humanos se equivaliam em
moral, inteligência e trabalho (PINHO, SANSONE, 2008, p. 64-65). Sendo assim, a sociologia se
afastou do conceito de raça e, até mesmo entre biólogos, passou-se a usar o conceito de população
para designar um grupo mais ou menos homogêneo geneticamente.
Na antropologia e na sociologia, o termo etnia passou a ser usado para classificar grupos
humanos coesos cultural e biologicamente. Trata-se de um termo grego que designava exatamen-
te isso: grupos de mesma espécie no mundo animal ou pessoas de uma mesma tribo ou nação.
Em 1950, a ONU, por intermédio da Unesco, passou a adotar o termo grupo étnico, que designava
grupos humanos com características sociais, culturais e históricas comuns.
O termo grupo étnico tinha diversas implicações interessantes. Os grupos étnicos poderiam
ser usados de maneira indistinta pelos diversos grupos humanos, não só no presente como no pas-
sado, e davam conta de uma situação cada vez mais comum, que era a existência de grupos étnicos
com culturas e aparências diferentes dentro de um mesmo espaço nacional ou mesmo urbano.
166 Direitos humanos e relações étnico-raciais
As grandes cidades cosmopolitas sempre foram uma mistura, desde a Lisboa moderna, de 1500,
que já contava com um número expressivo de negros vivendo na cidade, bem como Amsterdã e
Londres, um pouco mais tarde. No século XX, as grandes cidades mundiais se tornaram, até o final
do século, depositárias e geradoras de diferentes culturas formadas a partir de experiências indi-
viduais no intercurso dessas diferentes culturas. Sob esse ponto de vista, o avanço do estudo que
usava o conceito de etnia foi notável.
Se no início havia, na Escola de Chicago de Antropologia, uma confusão entre os termos
étnicos, comunidade, tribo e nação, mais tarde, houve uma ampliação do significado e uma
precisão maior na metodologia em vez de uma discussão teórica.
Do ponto de vista antropológico, as conquistas foram a compreensão dos mecanismos de
sobrevivência da cultura, sua adaptação às tensões do contato com as outras culturas circundantes
e as formas como a aculturação acontecia, ou seja, como novas manifestações – músicas, compor-
tamentos, costumes – eram incorporadas e adaptadas pelos grupos sociais.
Já na sociologia, as pesquisas de grupos étnicos valorizaram as maneiras como esses grupos
se formaram e resistiram aos conflitos e problemas decorrentes de sua situação de fragilidade so-
cial, sejam imigrantes ou sujeitos a códigos racistas, sejam grupos que sofrem com alguma tensão
social, os japoneses, italianos e alemães nos Estados Unidos e Brasil durante a Segunda Guerra
Mundial, ou as minorias e as perseguições e ações do Estado contra elas.
De qualquer forma, os estudos mostravam que:
A cidade, e mais em geral o processo de urbanização, além de integrar e/ou
estigmatizar o outro étnico, também é heterogenética – cria diferença, diversi-
dade e novas oportunidades para o processo identitário, e torna mais amplo e
variado o banco de símbolos ao qual um grupo étnico pode atingir no processo
de redefinição da sua identidade coletiva. (PINHO, SANSONE, 2008, p. 165)
baseada somente em casos norte-americanos ou canadenses, que teve uma forte escola. Dessa for-
ma, sem conhecimento sobre a realidade do mundo, os pesquisadores americanos lançaram bases
igualmente centradas em seus casos e exemplos.
Outro ponto de vista crítico foi o de que a visão estática da cultura sofria com a realidade
da globalização, em que modelos globais são mais fortes que heranças locais. Além disso, havia o
entendimento de que muitos dos casos de cultura tradicional eram o que Eric Hobsbawm chamou
de “tradição inventada”. Dessa maneira, uma tradição de grupos sociais era recente, inventada há
pouco, mas sua fixação na sociedade se fazia pelo discurso da tradição, dizendo que essa tradição
era mais antiga do que, de fato, era. Nos estudos de grupos étnicos, muitas vezes os pesquisado-
res acreditaram que estas tradições inventadas eram reais e antigas. A crítica consistia no fato de
que era muito comum o pesquisador enxergar somente aspectos tradicionais das sociedades, sem
entender o avanço e a mudança das comunidades. Estas, por vezes, faziam um jogo para reforçar
estereótipos a fim de mostrar a turistas e pesquisadores a real comunidade.
os interesses econômicos dos Estados e/ou do rei com empresários de comércio e do monopólio
dos portos abertos para o mundo coincidiram. A economia de todo o Período Moderno europeu
foi predominantemente agrícola – mais de 80% da riqueza dos países era gerada pela agricultura –,
mas a parte dinâmica da economia, a que gerava grandes lucros e grandes perdas, era o capitalismo
comercial. O Estado moderno apresentava todas as características do Estados contemporâneos:
forças de repressão, burocratas fiscais e de fronteiras, cobrança de impostos, censura sobre o que
circulava entre os habitantes das cidades, interferência no comércio, definição da política externa e
um judiciário que legitimava, sobre o primado da lei, a ação dos burocratas e do rei.
A presença do rei era ambígua no sistema. Por um lado, a política da nobreza da época aca-
bou criando figuras de grande poder – militares que, por dom administrativo, criavam dinastias que
duravam gerações e que só eram retiradas do poder por meio do uso da força. Se bons reis faziam
bons governos, reis ruins podiam despedaçar e enfraquecer reinos para sempre. Porém, mais que isso,
os reis não permitiam a criação de uma identidade nacional verdadeira. A fidelidade era a ele, monar-
ca e príncipe. Pouco importava a origem de classe, língua ou local de nascimento do sujeito para que
ele fosse súdito de um rei que, muitas vezes, tinha domínios não contíguos.
É possível analisar o caso da Dinastia dos Habsburgos, que foram arquiduques da Áustria
(1363-1780), reis da Croácia, da Boêmia e da Hungria (1526-1780), reis dos espanhóis (1516-1700),
reis de Nápoles e da Sicília (1516-1700), reis dos portugueses (1580-1640) e grandes príncipes da
Transilvânia (1690-1780), além de terem sido duques da Borgonha e condes da Holanda. Um rei
com tantos súditos diferentes não podia esperar unidade linguística, econômica e identitária entre
eles; só a fidelidade de seus súditos a seus interesses era necessária. Do ponto de vista simbólico,
o Estado girava em torno do monarca, dos seus feitos e dos seus símbolos e caprichos pessoais
(BALAKRISHNAN, 2000).
O Estado absoluto entrou em colapso depois que o Iluminismo começou a questionar o
poder absoluto dos reis e da religião, de forma que as autoridades foram abertamente questiona-
das. O surgimento de uma doutrina de direitos humanos e de cidadania se implantou em grupos
burgueses e até mesmo aristocráticos, enquanto ganhava o povo da Europa. Quando a Revolução
Americana e a Revolução Francesa eclodiram, em 1776 e 1789, respectivamente, um dos termos
revolucionários era nação.
A nação era uma entidade nova – se não a palavra, o seu novo sentido, que proporcionava
um tom político. Surgia como uma novidade revolucionária, o Estado, a língua, o povo, os costu-
mes e a visão de mundo, o território, as regiões federadas e as histórias comuns. Todas as diferenças
sociais se obliteravam diante da nação, que carregava um sentido simbólico e político, já que englo-
bava, também, seus representantes e sua autodeterminação.
O conceito de nação era revolucionário, pois, diante do Antigo Regime, que proporcionava
acesso a poucos, a nação incluía a todos – se não no voto, na concepção de que mesmo esse sujeito
tinha direitos que o Estado respeitaria e faria os outros respeitarem. Esses direitos são os chamados
direitos humanos e universais, base das leis norte-americana e francesa. O Estado nacional passou
a não ter mais o rei como referência, mas sim uma entidade abstrata, que era a nação, os seus sím-
bolos e a sua sobrevivência, sustentados e mantidos pelo povo.
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional 169
atribuída ao político americano Carl Schurz, mostra como a nação tomou conta da política e da
noção de moral, subordinando tudo à sua vontade.
Com esse entendimento, o nacionalismo logo se tornou um sentimento manipulado pelos
homens do poder para mobilizar as massas na luta pela manutenção do Estado ou seu alargamen-
to. Os interesses de capitalistas, militares, donos de terras e até de donos de jornais se sobrepunha
às vidas de milhões de mortos em conflitos cada vez mais sangrentos. A era das nações matou,
entre os séculos XIX e XX, mais de 100 milhões de pessoas em conflitos abertos, sem contabilizar
perseguições aos não nacionais, expropriações e deslocamentos forçados de minorias que eram
vistos como ameaça à nação. Tanto os movimentos de independência africanos e asiáticos como a
luta contra o imperialismo, o fascismo e o antifascismo se utilizaram do sentimento nacional para
inspirar homens e mulheres na luta social durante os séculos XX e XXI.
As identidades nacionais são consideradas naturais no senso comum e no discurso de
políticos, mas os teóricos perceberam o caráter discursivo e simbólico da nação. Foi Benedict
Anderson quem marcou essa abordagem, quando tratou das nações como entidades imaginadas.
Para ele, a forma como o Estado capitalista se estruturou precisava de uma identidade nova para
reinos antigos, então, a nação foi a forma escolhida, pois abrangia elementos essenciais para a
propagação dos interesses econômicos e sociais das elites dos países.
Mesmo os novos povos e as novas nações que surgiram dos conflitos dos séculos XIX e XX,
conjugando língua, território e história novos, construíram um discurso em que a existência da
nação se naturalizava. Tentavam, assim, nivelar a sociedade do ponto de vista cultural e simbólico,
fazendo com que todas as diferenças sociais fossem minoradas pela igualdade teórica sob a nação
e sua história muitas vezes fantasiosa. Se a nação foi a forma contemporânea de agrupar grandes
grupos de homens sob o mesmo interesse, seus limites começaram a ser enxergados na segunda
metade do século XX. O nacionalismo foi visto de forma negativa depois de o fanatismo alemão,
italiano e japonês terem levado o mundo ao desastre da Segunda Guerra Mundial. Como conse-
quência, o nacionalismo foi colocado como uma doutrina extremista e violenta, que desprezava a
realidade do mundo e da própria nação.
O nacionalismo obscurantista esquecia ou suprimia violentamente o dissenso e a diversi-
dade. Em lugares em que a participação do Estado era a de manter privilégios sociais arraigados,
sistemas de distribuição de renda desiguais e uma legislação preconceituosa contra uma minoria,
o Estado nacional foi combatido internamente por forças igualitárias. Aqueles que o mantinham
acabaram confundindo na imprensa e em suas peças de propaganda esses sistemas de privilégios
com a própria nação, levando a um rompimento entre esta e determinados grupos discriminados.
Esse fator levou a força do Estado contra essas pessoas, que passaram a ser vistas não mais como
uma força da sociedade buscando igualdade, mas sim como uma força contra a sociedade e a nação.
Por fim, no final do século XX, um movimento de globalização acelerou com as tecnolo-
gias da comunicação e a venda de artigos globais em um mercado global. Os Estados passaram
a incentivar o capitalismo global, abrindo fronteiras e baixando tarifas para importar produtos
de tecnologia. De forma cada vez mais frequente, a aldeia global começou a seguir modelos de
Conceitos de raça, etnia e identidade cultural e nacional 171
uma acirrada disputa regional pelo poder entre famílias poderosas. Os imigrantes brancos eram
bem-vindos para trabalhar, mas seus costumes eram considerados estranhos e muitos viviam em
colônias fechadas, onde a “brasilidade” demorou a chegar.
Os negros e os índios formadores do Brasil eram desprezados pela elite, e só foram resgata-
dos por um novo conceito e ideia de Brasil. Foram os modernistas que olharam para o Brasil com
olhos mais complacentes, instigados pela curiosidade sociológica brasileira. O resgate do folclore
brasileiro, por Mário de Andrade e pelos modernistas, e a valorização do índio e do negro come-
çaram fortemente nas artes. Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral trouxeram esses temas para suas
pinturas, e os mitos indígenas e os negros apareceram como o verdadeiro Brasil.
Também na década de 1930, a sociologia brasileira foi impulsionada. De obras racistas como
as de Euclides da Cunha e Raymundo Nina Rodrigues, surgiram obras que redescobriam o Brasil e
sua identidade. Gilberto Freyre, por meio de Casa-grande & senzala, mostrou a herança dos negros
e índios sobre um prisma positivo, apontando o quanto o brasileiro devia sua alegria, melancolia,
sociabilidade, desconfiança e jeito de ver de mundo ao contato entre raças e à sua miscigenação em
larga proporção. Já Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, procurou entender como os
brasileiros lidavam com a relação entre público e privado e como essa relação era marcada por um
prisma afetivo e pessoal (“o homem cordial”).
Nos anos 1930, o passo decisivo da nova identidade nacional brasileira foi a aceitação das
heranças raciais e sua ideia de assimilação a um todo brasileiro. Esse passo se tornou política de
Estado com a ditadura de Vargas, instaurada em fins de 1937 e que durou até 1945. Durante esse
período, a brasilidade ganhou contornos nítidos: o samba, a despeito de ser uma música carioca,
tornou-se a música brasileira e, depurado de seu elogio à malandragem, o Estado Novo incentivou
também a feijoada, que ganhou status de comida nacional. O feijão preto, o arroz branco, a laranja
amarela e a couve verde, somada à farinha de mandioca indígena, formava a própria imagem que
reunia harmoniosamente as raças formadoras do Brasil (negro, índio e branco) e as cores nacio-
nais. A bandeira brasileira e o hino ganharam escolas e ruas em um amor patriótico, enaltecido
pelo governo e seu líder. A Segunda Guerra Mundial reforçou a ideia nacionalista.
Nos anos 1950 e 1960, o Brasil cresceu e se tornou mais global, de modo que entraram em de-
bate as influências estrangeiras sobre a cultura brasileira, como o jazz e o rock, o cinema americano e
os padrões de consumo contemporâneos. Com o regime militar, o nacionalismo brasileiro foi agigan-
tado por meio de uma propaganda massiva nos cinemas e na televisão, sempre girando em torno da
herança das três raças e na acolhida respeitosa aos estrangeiros. Por trás dessa imagem produzida ha-
via uma forte desigualdade, social e legal, que afastava os pobres e os periféricos de governo e Estado
brasileiros e mesmo da sociedade que era veiculada na televisão, muito diferente do Brasil real.
Depois da redemocratização, repensou-se o Brasil. Diversos movimentos sociais e grupos
minoritários mostraram um Brasil diverso, repleto de contradições: grupos arcaicos e modernos
que conviviam em um mesmo espaço de trabalho, de diversão e até mesmo familiar. Tratava-se
de um Brasil que mostrava diversas regiões com suas heranças locais e sua relação ambígua, de
orgulho e diferenciação, e que se relacionava com o mundo globalizado de maneira muito peculiar,
com uma sociabilidade cada vez mais tecnológica, mas ainda com diversos traços culturais antigos,
174 Direitos humanos e relações étnico-raciais
revalorizados pelos grupos sociais urbanos que buscavam a junção entre a história do país e a de
suas vidas, dando significação a si mesmo no mundo.
Nas décadas de 1980 e 1990, os movimentos negro, das mulheres e dos índios ressurgiu forte-
mente. A luta pela redemocratização terminou, de forma que todos podiam, então, lutar pelas suas pró-
prias agendas. O mito do Brasil sem racismo, da cordialidade do brasileiro, caiu por terra com a emer-
gência da violência urbana e das manifestações de racismo sendo combatidas pelos grupos organizados.
Com a Constituinte e os anos 1990, os negros e pardos tiveram mais visibilidade e suas lutas
surgiram nas favelas. O movimento black, que era forte nos anos 1970 e 1980 nas favelas cariocas e
que ressaltava a alegria da descoberta do black is beautiful (o negro é lindo), por exemplo, transfor-
mou-se no rap paulista dos anos 1990, que denunciava o problema do tráfico e a violência policial.
A luta dos negros e pardos conscientizou os brasileiros do papel ainda maior desses agentes
na sociedade, cultura e história brasileiras, transformando o conhecimento sobre o tema e criando
condições políticas e culturais para a inserção de disciplinas sobre o tema nas universidades e es-
colas de todo o Brasil.
Graças à Lei n. 10.639 (BRASIL, 2003), o ensino da disciplina História e da cultura
afro-brasileira se tornou obrigatória nas escolas e universidades de todo o Brasil, diante do re-
conhecimento oficial da necessidade de todo brasileiro saber identificar as matrizes africanas
de nossa cultura nacional.
Dicas de estudo
• Sobre escravidão: Amistad, de Steven Spielberg, 1997.
Filme. Conta a história real de um navio negreiro espanhol, apreendido pelos americanos,
que resultou num processo que antecipa o conflito da Guerra Civil.
• Sobre eugenia: Homo sapiens 1900, de Peter Cohen, 1998.
Documentário. Traça os princípios da eugenia, ou a busca de uma raça pura e melhorada.
Morte, castração, leis que proibiam casamentos e outras formas de segregação eugênica
foram implantados em diversos países nos século XIX e XX.
• Sobre a formação brasileira: O povo brasileiro, de Darcy Ribeiro, 2000.
Documentário. Entrevistas com o antropólogo Darcy Ribeiro sobre a formação do Brasil
e do povo brasileiro e suas várias matizes.
Atividades
1. Descreva o surgimento do conceito de raça e sua utilização política.
Claudia Amorim
Ceuta que Tarik e o seu exército de 7 mil berberes partiram no ano de 711 para invadir a Península
Ibérica, permanecendo nesta durante sete séculos.
Para além do espírito cruzadístico dessa empreitada, a conquista de Ceuta foi o primeiro
passo do caminho que levou os navegadores portugueses da Península Ibérica ao Extremo Oriente
e ao Brasil no final do século XV e início do século XVI.
A cidade de Ceuta era o ponto de chegada das rotas comerciais oriundas do sul da Berbéria
(nome com que os europeus designaram, até o século XIX, a região que hoje compreende o
Marrocos, a Argélia, a Tunísia e a Líbia – o atual Magreb, com exceção do Egito) e das caravanas
com o ouro proveniente da Guiné. Essas riquezas encontradas em Ceuta fizeram com que os por-
tugueses adivinhassem que havia outras maiores espalhadas em alguns pontos do continente afri-
cano. Na intenção de dominar esse comércio, ao mesmo tempo em que buscava contato com um
suposto soberano cristão na África – Preste João das Índias1 –, a política de expansão portuguesa
adotou a exploração da África em detrimento da ocupação de territórios ao longo do Mediterrâneo.
Assim, a expansão portuguesa teve início no norte da África, seguiu para o sul ao longo da
costa ocidental africana, alcançando as ilhas do Atlântico e depois avançou pela costa oriental do
continente africano ao longo do Oceano Índico, em direção ao Oriente e ao Extremo-Oriente, che-
gando finalmente à região do Atlântico Sul com a colonização do Brasil.
O desejo de lutar contra os mouros e de alargar o “império de Cristo” entre os povos não
cristãos foi se misturando, pouco a pouco, a perspectivas economicamente mais enriquecedoras. A
exploração da Costa Africana onde os navegantes encontraram pimenta malagueta, canela e outras
especiarias, além do marfim e do ouro, mostrava-se bastante lucrativa. Assim, novas expedições
se organizaram pelos mares já navegáveis da Costa ocidental e oriental da África, marcando um
período da história conhecido como Descobrimentos Portugueses.
1 Nos séculos XV e XVI corria uma lenda na Europa de que havia um rei cristão no Oriente, cujo nome era Preste João
das Índias, e acreditava-se que seu reino, que não se sabia precisar exatamente onde ficava, mas que se pensava ser na
África, poderia ser aliado europeu para a exploração do caminho marítimo para as Índias. A Coroa portuguesa, a partir
dos relatos de viajantes e peregrinos, tentou encontrar o reino de Preste João com o desejo de fazer possíveis alianças.
A África lusófona: um pouco de história 177
armada para uma viagem até a Índia. Em 1488, Gama partiu da Praia do Restelo em Lisboa, onde
está atualmente a Torre de Belém, avançando para o Sul até alcançar o Oceano Índico. Antes que
o propósito de sua viagem se concluísse, as caravelas portuguesas aportaram em Moçambique no
ano de 1489.
Em cada lugar em que as caravelas portuguesas aportavam, um padrão de pedra com
as armas e o brasão português era fincado. O padrão simbolizava a posse oficial do território.
Essa medida da Coroa portuguesa visava a desencorajar intrusos e reforçar o senhorio sobre
as terras ocupadas.
anos seguintes. Nas colônias, a política de exploração das riquezas tinha seguimento e, para tanto,
Portugal precisou instituir uma legislação trabalhista que obrigava o nativo ao trabalho forçado nas
plantações de algodão ou nas obras públicas.
Paralelamente às pressões externas, ao longo do século XIX, a vida nos territórios africanos
mudava lentamente. A essa altura, uma população mestiça e burguesa, ainda que em número re-
duzido, vai se formando nas colônias do ultramar, reivindicando melhores condições para essas
terras. Aparecem os primeiros assimilados, nome pelo qual eram identificados os descendentes de
portugueses, geralmente mestiços, nascidos na África, que recebiam uma educação mais formal.
Nessa época, alguns poucos jornais circulavam pelas mais importantes cidades da África portugue-
sa, instaurando a necessidade de uma educação nas regiões mais importantes do ultramar.
As demais nações europeias, interessadas em repartir a África, pressionaram Portugal a abrir
mão de alguns de seus territórios. Na Conferência de Berlim, de 1885, Portugal perdeu o Congo
e teve que se contentar com o enclave de Cabinda, região próxima à Angola. No entanto, apesar
desse recuo, Portugal era, no fim do século XIX, senhor de 2 milhões de quilômetros quadradros
no território africano.
A curta vida da República portuguesa, que surgiu em 1910 e foi derrubada pelo golpe militar
de 1926, põe fim às pretensões dos republicanos, inaugurando um longo período ditatorial marcado
por perseguições de toda ordem, retrocesso político e econômico, com reflexos graves nas colônias
do ultramar. Em 1928, Antônio de Oliveira Salazar – um professor de Coimbra – foi convidado a
assumir a Pasta das Finanças do país e a partir dessa data inaugurou-se um período difícil da história
de Portugal. É o início da ditadura salazarista, nome pelo qual ficou conhecido o regime ditatorial em
Portugal, que teve início em 1926 e só terminou em 1974, com a Revolução dos Cravos.
Como observa José Paulo Netto (1986, p. 18), durante a ditadura salazarista “um projeto
econômico-social se integra organicamente à repressão antipopular e antidemocrática. Trata-se,
explícita e nitidamente, do projeto fascista do grande capital, de que Salazar se fez um funcionário
coerente, lúcido e pertinaz”.
Entre 1929 e 1933, Salazar acumulou os Ministérios das Finanças e das Colônias, e com mão
de ferro tomou medidas duras contra a enfraquecida oposição. Em 1932, instaurou o Ato Colonial,
que instituiu o trabalho forçado para os nativos das colônias, obrigando a população negra a servir
por um determinado período de sua vida ao Estado ou a um patrão europeu. Esse Ato Colonial
era, na verdade, uma reedição do trabalho forçado instituído no século XIX pela Coroa Portuguesa
aos nativos dos territórios africanos ocupados. Além disso, a ditadura salazarista criou a polícia
política portuguesa – PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado), mais tarde conhecida como
PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), que também teve sua área de atuação nas colô-
nias do ultramar, especialmente nos anos 1960, quando se inicia um movimento de grande revolta
nas colônias contra a política da Metrópole.
Além do trabalho forçado nas colônias africanas, instituído pelo Ato Colonial, o regime
português continuou a explorar vorazmente suas riquezas, especialmente algodão, cana-de-açúcar,
café, petróleo, entre outros produtos. Os lucros obtidos com essa exploração eram revertidos para a
Metrópole, ao passo que as colônias amargavam uma situação de penúria e ausência de perspectiva.
O descontentamento com essa política de exploração aumentou visivelmente na década
de 1950 e, durante essa mesma época, disseminaram-se na África as ideias do Movimento da
Negritude, criado em 1934, em Paris, por um grupo de poetas e intelectuais negros. O Movimento
da Negritude defendia uma revolução na linguagem e na literatura, a fim de reverter o sentido pe-
jorativo da palavra negro e dela extrair um sentido positivo. Em 1939, o poeta negro martinicano
Aimé Césaire a utilizou pela primeira vez em um trecho do “Cahier d’un Retour au Pays Natal”
(Caderno de um regresso ao país natal), poema que se tornou a obra fundadora do movimento.
Inspirados pela luta dos negros norte-americanos, que combatia a discriminação racial e a intole-
rância, os adeptos do Movimento da Negritude defendiam o respeito à diferença e a valorização das
características próprias da cultura negra.
Nesse ínterim, a situação de alguns dos territórios africanos colonizados por franceses ou
ingleses, por exemplo, ganhava outro estatuto. Alguns novos países independentes surgiam na
África, acelerando o processo de descolonização. Todas essas lutas eram estimuladas pela ação do
Movimento da Negritude, que defendia a valorização dos negros e da sua cultura e pelas lutas dos
negros norte-americanos contra o racismo.
180 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Desse modo, a grande insatisfação com a política salazarista para as colônias, a dissemina-
ção das ideias do Movimento da Negritude, a luta dos negros norte-americanos contra o racismo e
a independência de países africanos colonizados pela França e pela Inglaterra foram os propulsores
dos movimentos independentistas nas “províncias ultramarinas” portuguesas.
Na entrada dos anos 1960, a situação nas colônias portuguesas do ultramar se torna mais
difícil, forçando-as à luta armada pela conquista da independência. Nesse momento, à exceção de
São Tomé e Príncipe e de Cabo Verde, cuja contribuição para os movimentos de independência
consistiu em enviar guerrilheiros para engrossarem a luta armada das outras colônias, Angola,
Guiné Portuguesa e Moçambique iniciam sua guerra pela independência.
O movimento armado é deflagrado em Angola quando no norte do país um grupo de agri-
cultores protesta violentamente contra a política de plantação compulsiva de algodão, queimando
armazéns de algodão e expulsando os compradores. O regime salazarista responde à revolta com
violência e como reação a isso, em fevereiro de 1961, em Luanda, capital de Angola, um grupo
organizado do MPLA toma de assalto a prisão da cidade para libertar os líderes do movimento.
A África lusófona: um pouco de história 181
Munidos de catanas2 e algumas poucas armas automáticas, o movimento não logra bons resultados
e a repressão que a ele se segue é extremamente dura.
Em razão desses acontecimentos, alguns antigos colonos e brancos que haviam chegado re-
centemente a Angola conseguem permissão do regime para invadir os bairros nos quais moravam
os negros (os musseques) e ali atacar qualquer um que considerassem suspeito. Desse episódio
resultaram muitas mortes, em sua maioria de jovens assimilados – que são justamente aqueles que
se aculturaram, deixando suas raízes negras para frequentar as escolas de brancos. Reagindo a essa
matança, os movimentos organizados em Angola respondem com a luta armada que irá se disse-
minar também por outras regiões da chamada África lusófona, como a Guiné Portuguesa (1963) e
Moçambique (1964). É o início da Guerra Colonial.
A Guerra Colonial durou 13 anos em Angola (1961-1974), 11 anos na Guiné (1963-1974)
e 10 anos em Moçambique (1964-1974). Durante essa época, cerca de 800 mil jovens portugueses
foram mobilizados para a guerra na África, onde permaneceriam em média 29 meses, ou seja, qua-
se 10% da população portuguesa e 90% da juventude masculina da época estiveram diretamente
envolvidas com os conflitos na África. Do lado africano, a mobilização do contingente masculino
foi massiva. Muitos se envolveram na guerra por motivações político-ideológicas, outros se aliaram
às guerrilhas aliciados pelas necessidades que se criaram em razão especialmente da falta de man-
timentos. Essa guerra também propiciou que, em Portugal, as forças contrárias ao regime Salazar/
Caetano se unissem aos oficiais – especialmente tenentes e capitães – do Movimento das Forças
Armadas (MFA), que iniciaram na madrugada do dia 25 de abril de 1974 uma revolução para
derrubar o regime ditatorial e pôr fim à guerra na África. Esse movimento ficou conhecido como
Revolução dos Cravos.
A guerra na África marcou o início do fim do Império Colonial português e foi um dos fa-
tores que propiciou a queda da ditadura salazarista. No entanto, um legado cultural, para além da
língua portuguesa – oficialmente adotada pelos países africanos já independentes –, consolidou-se
nos cinco países do PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Certos traços da
cultura portuguesa e a adoção e o uso da língua portuguesa nesses países, ainda que modificada e
enriquecida pelas diversas línguas locais, são exemplos de como a cultura portuguesa enraizou-se
nos territórios africanos anteriormente ocupados.
Dicas de estudo
• História da África Lusófona, de Armelle Enders, Editorial Inquérito.
Essa obra da historiadora francesa Armelle Enders, da Universidade Paris-IV – Sorbonne,
aborda a história da África de língua portuguesa, focalizando desde a chegada dos portu-
gueses a Ceuta até o fim do Império Colonial português com a saída dos portugueses da
África, após o fim da Guerra Colonial.
Atividades
1. Em 1415, a conquista da cidade de Ceuta, no Marrocos, foi estratégica para a empreitada
portuguesa pelos mares do Ocidente. Por que motivos partiram os portugueses até Ceuta?
E por que, quando lá chegaram, abandonaram a ideia da ocupação dos territórios ao longo
do Mar Mediterrâneo?
4. Quais foram os fatores que desencadearam a luta dos povos africanos das colônias contra o
regime fascista de Salazar?
9
A África lusófona e o Brasil:
laços e letras
Claudia Amorim
atos fundadores do avanço para o mar que modificaria definitivamente a história da humanidade.
Podemos dizer que, com as viagens marítimas do século XV e XVI, iniciou-se verdadeiramente o
conhecimento e o domínio das terras e mares do nosso planeta. Iniciou-se a globalização.
Porém, a história da África, antes da chegada do europeu, ainda se mostra obscura, pelo
fato de os povos africanos serem, nessa época, diversos e quase todos ágrafos. Os primeiros relatos
acerca do continente foram feitos por árabes e posteriormente por europeus.
Sabe-se que o continente africano, no século XV, contava com diferentes grupos étnicos mais
ou menos isolados que ocupavam relativamente uma pequena parte do imenso território conti-
nental. Os povos que ali viviam possuíam uma organização social e econômica similar, baseada
em graus de parentesco. Havia sociedades patriarcais e algumas matriarcais. Os laços parentais
que uniam os membros de um grupo proporcionavam a valorização da memória do grupo, a sua
ancestralidade e, consequentemente, a reverência aos mais velhos.
Porém, nem todas as sociedades africanas gozavam da mesma estrutura. Havia na África
grandes reinos, como o Reino de Mali e o do Congo, e uma série de aldeias e vilas menores nas
quais seus habitantes, unidos por laços de parentesco, partilhavam naturalmente das mesmas cren-
ças. Diferentemente desses, que habitavam um território comum, havia ainda grupos nômades que
transitavam pelo continente, por oportunidades de negócios ou obrigados pelas circunstâncias
climáticas, por exemplo.
A expansão de alguns desses reinos, a migração de alguns povos e a tentativa de controle de
certas regiões próximas a rios ou postos comerciais geravam conflitos entre os diferentes povos e
ainda a dominação de um povo sobre outro.
Aproveitando-se de uma escravidão doméstica2 que existia na África antes da chegada do
europeu, uma vez que após alguns conflitos os povos vencidos eram feitos prisioneiros e escravos
domésticos, os portugueses viram nesse sistema a possibilidade de operar um diferente negócio: o
comércio de escravos.
Porém, antes dos europeus, os árabes, que haviam se estabelecido em algumas regiões da
África por volta do século VIII, já haviam adotado o sistema escravista, utilizando o escravo como
moeda de troca. Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 15),
[...] desde que os árabes ocuparam o Egito e o norte da África, entre o fim do
século VII e metade do século VIII, a escravidão doméstica, de pequena esca-
la, passou a conviver com o comércio mais intenso de escravos. A escravidão
africana foi transformada significativamente com a ofensiva dos muçulmanos.
Os árabes organizaram e desenvolveram o tráfico de escravos como empreen-
dimento comercial de grande escala na África. Não se tratava mais de alguns
poucos nativos, mas de centena deles a serem trocados e vendidos, tanto dentro
da própria África quanto no mundo árabe e, posteriormente, no tráfico transa-
tlântico para as Américas, inclusive para o Brasil.
2 Conforme sustenta Silva (2002), a escravidão doméstica na África consistia em se aprisionar os vencidos nas guer-
ras étnicas para aproveitar sua mão de obra no trabalho agrícola. A terra era abundante, mas muitas vezes faltava mão
de obra, e nesse tipo de cativeiro aproveitavam-se também mulheres e crianças. A fertilidade das mulheres garantia a
ampliação do grupo e elas se tornavam concubinas de seus senhores e geravam filhos, que iam gradativamente perden-
do a condição servil e sendo incorporados à linhagem do senhor.
A África lusófona e o Brasil: laços e letras 185
Com a chegada dos primeiros europeus ao continente africano, operou-se a forma de es-
cravismo estabelecida pelos árabes. Quanto mais os portugueses avançavam pela Costa Ocidental
da África e o ouro cobiçado não era encontrado, mais essa falta era compensada com os produtos
comerciáveis da África, especialmente o marfim e a pimenta.
Logo, os portugueses construíram, em 1445, uma feitoria na ilha de Arguim, que serviria
de entreposto comercial para o comércio das especiarias com os africanos e, posteriormente, ao
comércio de escravos. À medida que o comércio escravista começava a ser lucrativo para os por-
tugueses, o infortúnio crescia para o continente africano. A presença dos portugueses no litoral da
costa da Guiné reforçou o poder dos chefes africanos dispostos a guerrear contra povos inimigos
com o objetivo de fazê-los cativos e adquirir lucros com isso. A guerra entre os povos na África
produzia o cativo e o comércio com os portugueses distribuía o escravo.
Para criar uma certa estrutura para o comércio de escravos e desencorajar a abordagem de
outros europeus, os portugueses construíram fortalezas ao longo dos territórios ocupados no lito-
ral da África. Uma das mais importantes fortalezas foi o castelo de São Jorge da Mina, construído
em 1482, onde atualmente é a República do Gana, de onde partiram para a América, entre 1500 e
1535, cerca de 10 a 12 mil escravos.
O tráfico de escravos para as Américas modificou completamente o mapa da África.
Os reinos que forneciam prisioneiros escravos para os portugueses conheceram o apogeu nos
séculos XVII e XVIII. Muitos desses reinos, como o Reino Iorubá, que se dedicava à agricultura e à
tecelagem, com os famosos panos da Costa3, acabaram praticamente abandonando essas atividades
para enfatizar o tráfico negreiro. Como havia várias cidades iorubanas na região do golfo de Benin
envolvidas no negócio, a região ficou conhecida como a Costa dos Escravos. Os iorubás da região
faziam prisioneiros de guerra de escravos e os trocavam por mercadorias como, por exemplo, o
fumo de rolo, produzido na Bahia. A procura pelo fumo de rolo, muito apreciado na região, fez dos
brasileiros os principais compradores de escravos.
O tráfico de escravos foi uma atividade permanente entre os séculos XVI e XIX. Durante
esse período, estima-se que mais de 11 milhões de homens, mulheres e crianças foram transpor-
tados da África para as Américas em grandes navios negreiros (também conhecidos como tum-
beiros)4. Desse total, cerca de 4 milhões desembarcaram em portos brasileiros e eles pertenciam,
principalmente, a dois grandes grupos étnicos: os sudaneses (oriundos da Nigéria, Daomé e Costa
do Marfim) e os bantos (oriundos do Congo, Angola e Moçambique). Os bantos foram destinados
especialmente a Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro, enquanto os sudaneses foram leva-
dos, em sua maioria, para a Bahia. Também da região da Guiné – cuja vila de Bissau se tornaria
um importante entreposto de escravos – foram trazidos muitos negros para o território brasileiro.
3 O pano da costa era uma indumentária usada no Brasil por mulheres africanas ou descendentes, especialmente na
Bahia e no Rio de Janeiro. O nome provavelmente se deve ao fato de esse tipo de pano ser encontrado na região da Costa
do Marfim, de onde foram trazidos muitos escravos para o Brasil, ou ainda ao fato de esse pano retangular ser usado
jogado por sobre os ombros e as costas. Ainda hoje é usado na composição da roupa das baianas.
4 Conforme observam Albuquerque e Fraga Filho (2006), essa cifra não inclui aqueles que não resistiam à travessia
atlântica feita em péssimas condições nos navios negreiros e acabavam morrendo no caminho. Assim, se explica o
porquê de os navios negreiros serem também conhecidos pelo nome de tumbeiros, uma vez que o número de mortos nas
travessias era bastante grande.
186 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Para melhor situarmos esses espaços de onde foram levados milhões de africanos, apresen-
tamos a seguir um mapa político da África, com sua respectiva divisão territorial.
Figura 1 – Mapa político da África
Esse violento deslocamento do nativo da África para outras terras constituiu a maior diáspora
da história da humanidade. Esse triste episódio uniu para sempre a história do Brasil, território da
América onde os portugueses também haviam chegado, à história da África. A extensa colônia
portuguesa na América, devido à exploração agrícola, necessitava de mão de obra permanente.
A escravidão de indígenas não prosseguia como se esperava. Muitos índios cativos e escravizados
acabavam morrendo dizimados por doenças trazidas pelo colonizador; além disso, muitos índios,
resistindo à escravidão, fugiam para áreas de difícil acesso aos portugueses, o que tornava a
sua captura um investimento muito alto. Assim, a migração transatlântica forçada tornou-se a
principal garantia de trabalho escravo nas terras brasileiras. No entanto, também os africanos que
sobreviviam à travessia dos mares, já em terra brasileira, devido aos maus-tratos e às péssimas
condições de vida, morriam cedo ou fugiam para os quilombos.
A África lusófona e o Brasil: laços e letras 187
Os quilombos foram locais de resistência dos escravos refugiados e abrigavam uma comuni-
dade com leis e costumes próprios. O mais famoso desses foi o dos Palmares, assim chamado por
se situar em um local com muitas palmeiras. O Quilombo dos Palmares, cuja extensa localização
abrangia parte do atual estado de Alagoas e parte do atual estado de Pernambuco, chegou a abrigar,
por volta de 1670, cerca de 50 mil escravos refugiados.
Em Palmares, os refugiados sobreviviam da cultura do milho, da mandioca, do feijão e das
bananeiras. A terra era fértil, e cada uma das três entradas da longa extensão do Quilombo dos
Palmares era vigiada por cerca de 200 guerreiros. No Quilombo, também eram guardadas armas e
munições para garantir a luta pela liberdade. Ganga-Zumba era o rei dos quilombolas e, após sua
morte, Zumbi, seu sobrinho e sucessor, foi consagrado rei dos Palmares.
O comércio negreiro sempre alimentava as mortes ou as fugas de africanos trazendo ou-
tros escravos que lhes substituíam no trabalho. Especialmente durante o século XVIII e princípio
do XIX, a região de Angola foi a principal exportadora de escravos para o Rio de Janeiro, Minas
Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Na segunda década do século XIX, com a investida inglesa
contra o tráfico negreiro, os comerciantes de escravos foram buscar cativos na Costa Oriental da
África (sul da Tanzânia, norte de Moçambique, Malauí e nordeste da Zâmbia). Os escravos oriun-
dos desses territórios eram denominados moçambiques.
Durante um bom tempo, a escravidão indígena e a escravidão do africano alimentaram a
economia da colônia portuguesa na América. Logo, porém, a escravidão africana ultrapassa em
cifras a escravidão indígena.
Mas antes de investir maciçamente no tráfico africano, os colonos portugue-
ses recorreram à exploração do trabalho dos povos indígenas que habitavam a
Costa Brasileira. A escravidão foi um tipo de trabalho forçado também imposto
às populações nativas. O índio escravizado era chamado de “negro da terra”, dis-
tinguindo-o assim do “negro da guiné”, como era identificado o escravo africa-
no nos séculos XVI e XVII. Com o aumento da demanda por trabalho no corte
do pau-brasil e depois nos engenhos, os colonizadores passaram a organizar
expedições com o objetivo de capturar índios que habitavam em locais distantes
da Costa. Através das chamadas “guerras justas”, comunidades indígenas que
resistiram à conversão do catolicismo foram submetidas à escravidão. Por volta
da segunda metade do século XVI, a oferta de escravos indígenas começou a
declinar e os africanos começaram a chegar em maior quantidade para substi-
tuí-los. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 40)
Figura 2 – RUGENDAS, Johann Moritz. Navio negreiro. c. 1830. 35,50 x 51,30 cm. Museu Itaú Cultural.
Os traficantes de escravos que forneciam mão de obra para a região nordeste do Brasil foram
buscar, entre meados do século XVIII até o fim do tráfico em 1850, nativos escravizados na região
do golfo de Benin (sudoeste da atual Nigéria). Dessa região vieram os jejes, bornus, tapas, nagôs,
entre outros, e aqui foram designados minas.
Durante os séculos da escravidão, comerciantes africanos, portugueses e brasileiros fizeram
fortuna e a elite comercial e financeira brasileira do primeiro reinado e até 1850 era composta de
traficantes de escravos. Apesar de crescentemente rejeitada por parte da opinião pública mundial,
o tráfico de escravos era o esteio da riqueza da elite e só por pressão inglesa é que foi abolido, em
1850, continuando com entradas ilegais até pelo menos 1856.
O tráfico de escravos também se justificava perante a Igreja, que via nessa atividade uma
possibilidade de evangelizar os infiéis africanos. Para a Igreja católica, a salvação das almas dos
africanos pagãos se faria no Brasil católico. Assim, o discurso religioso justificava essa atividade
como uma cruzada contra a barbárie africana.
Durante o século XIX, importantes acontecimentos no Brasil e em Portugal propiciaram
mudanças profundas no sistema escravista até a sua extinção no fim do mesmo século. No
contexto brasileiro, antes que esses acontecimentos viessem à tona, a população escrava era,
em algumas localidades, maior que a população livre. Segundo observam Albuquerque e Fraga
Filho (2006, p. 66):
No início do século XIX, o Brasil tinha uma população de 3.818.000 pessoas,
das quais 1.930.000 eram escravas [...]. Até meados daquele século, quando foi
abolido o tráfico, a maior parte dos escravos era nascida na África. Para se ter
uma ideia, os africanos representavam 63% da população de Salvador. No Rio
de Janeiro, os nascidos na África constituíam cerca de 70%.
A África lusófona e o Brasil: laços e letras 189
Com a independência do Brasil, em 1822, o grande desafio da elite econômica da época era
promover o desenvolvimento, mas garantindo a manutenção da escravidão, sem a qual não haveria
produção agrícola. Nessa época, o perfil da sociedade brasileira era claramente escravista e racista,
uma vez que, mesmo os negros que conseguiam alforria ou eram libertos, ou, ainda, os mestiços,
eram considerados inferiores aos brancos nascidos em Portugal ou no Brasil.
No entanto, a condição do negro escravo começa a ganhar amplitude. Por pressão da Inglaterra,
o Brasil também se vê obrigado a atenuar as leis da escravidão. Em 1823, em um pronunciamento à
Assembleia Nacional Constituinte, José Bonifácio de Andrada e Silva declara que a escravidão é um
“cancro mortal que ameaçava os fundamentos da nação”. Em 1850, proibiu-se o tráfico negreiro e os
últimos desembarques de escravos ocorreram por volta de 1856. Em 1871, promulgou-se a Lei do
Ventre Livre, que concedia a liberdade a todos os filhos de escravos nascidos a partir daquela data, em
1885; com a Lei dos Sexagenários, ficavam libertos os escravos com mais de 60 anos; e, finalmente,
em 1888, assinou-se a Lei Áurea, que libertava todos os escravos do Brasil.
Concomitante à pressão externa e ao interesse dos abolicionistas (homens letrados, inte-
lectuais, escritores, políticos etc.) em abolir a escravidão, os escravos desde muito lutavam, como
podiam, pela liberdade. Obviamente, algumas dessas lutas tiveram grande alcance e exerceram
pressão também sobre os acontecimentos que desembocaram na Lei Áurea. Entre os mais conheci-
dos movimentos de escravos em prol da liberdade dos cativos, estão a Revolta dos Malês, ocorrida
na Bahia em 1835, a Revolta da Cabanagem, no norte do Brasil, entre 1835-1840, as reivindicações
dos negros farroupilhas no Rio Grande do Sul que, entre 1835-1845, lutaram ao lado de Bento
Gonçalves e conquistaram sua liberdade na República do Piratini, entre outras.
Também a literatura do jovem país independente expressou as condições da escravidão.
Bernardo Guimarães (1825-1884), romancista brasileiro, publicou em 1875 o romance A escrava
Isaura. Nesse famoso romance, a mestiça Isaura, filha de pai branco e mãe negra, ainda que quase
branca, é uma escrava criada na casa-grande com educação e cuidados. Ela é assediada pelo filho
do comendador e não consegue a liberdade desejada em razão da morte dos antigos donos da
fazenda. O pai quer comprar-lhe a alforria, mas o filho do comendador, Leôncio, herdeiro dos
bens, não permite. Isaura foge com o pai e em Recife conhece Álvaro, um jovem rico que por ela
se apaixona. A condição de escrava, porém, vem à tona e Leôncio vai resgatá-la em Recife. Álvaro,
apaixonado, tenta comprar a liberdade de Isaura e só o consegue quando, investigando a situação
de Leôncio, descobre que ele está falido. Comprando seus bens, resgata Isaura de um casamento
forçado com um camponês por ordem de Leôncio. Em desespero, Leôncio se mata.
Por meio desse enredo romântico, descortina-se a situação do escravo, ainda que Isaura,
como heroína do romance, fugisse completamente ao padrão da escrava da casa-grande do Brasil
Colônia. Outros escritores do século XIX também foram importantes para a divulgação e ques-
tionamento da condição do escravo. Entre esses, destacam-se o poeta baiano Castro Alves (1847-
-1871), o romancista carioca Lima Barreto (1881-1922), o poeta catarinense João da Cruz e Sousa
(1861-1898), o maior poeta simbolista brasileiro. Embora tenham produzido suas obras no fim do
século XIX, quando a escravidão já estava extinta por lei, esses escritores ainda demonstraram pela
190 Direitos humanos e relações étnico-raciais
literatura o quanto havia por fazer para se atenuar a condição do homem escravo ou do negro livre,
mas socialmente discriminado em razão de sua cor e de sua pobreza.
Outro nome de grande importância na literatura brasileira do século XIX foi Joaquim Maria
Machado de Assis (1839-1908), um dos maiores romancistas em língua portuguesa. Nascido no
Rio de Janeiro, filho de um mulato e de uma açoriana e neto de escravos alforriados, Machado
de Assis foi um escritor atento à condição do homem no cotidiano dos meios urbanos do fim do
século XIX. Usando da ironia, o escritor tecia uma crítica fina e lúcida à hipocrisia da sociedade
brasileira finissecular.
Apesar de suas péssimas condições de vida antes da abolição da escravidão (os escravos vi-
viam em senzalas, recebiam castigos corporais no pelourinho, eram acorrentados, passavam fome
etc.) ou mesmo depois dela, uma vez alforriados, os negros não tinham onde ficar, nem do que
viver, o que gerou um grande número de indigentes que começou a ocupar as zonas mais afastadas
da cidade ou os morros nos quais construíram míseros casebres. O fato é que os africanos e seus
descendentes foram também construtores da cultura brasileira, conforme atestam Albuquerque e
Fraga Filho (2006, p. 43):
Foi na condição de escravos que africanos e seus descendentes chegaram aos
locais mais remotos da colônia. Mas apesar da escravidão, os africanos foram
atores culturais importantes e influenciaram profundamente as formas de vi-
ver e de sentir das populações com que passaram a interagir no Novo Mundo.
Os europeus os trouxeram para trabalhar e servir nas grandes plantações e
nas cidades, mas eles e seus descendentes fizeram muito mais do que plantar,
explorar as minas e produzir riquezas materiais. Os africanos para aqui trazidos
como escravos tiveram um papel civilizador, foram um elemento ativo, criador,
visto que transmitiram à sociedade em formação elementos valiosos da sua cul-
tura. Muitas das práticas da criação de gado eram de origem africana. A minera-
ção do ferro no Brasil foi aprendida dos africanos. Com eles a língua portuguesa
não apenas incorporou novas palavras, como ganhou maior espontaneidade e
leveza. Enfim, podemos afirmar que o tráfico fora feito para escravizar africa-
nos, mas terminou também africanizando o Brasil.
no mesmo navio. Assim, encontramos os grupos nagôs, jejes, cabindas, angolas e moçambiques,
identidades criadas pelos africanos no Brasil.
Como observa Silva (2003, p. 158), nesses “pontos de encontros, e nos pátios que prolonga-
vam as cozinhas, e nas senzalas, e nos esconderijos das matas, os escravos tentavam refazer como
podiam os liames sociais violentamente partidos”. Assim, preservar as tradições e a cultura era uma
condição de sobrevivência e, graças a isso, a cultura africana se propagou pelo Brasil na música, na
culinária, na religião ritualística, na língua, no vestuário etc.
Em alguns casos, o africano justapôs ou superpôs as suas manifestações culturais às que
provinham da Europa. Mas podemos dizer que, em alguns casos, ele também se apropriou sem
quase nada alterar das formas europeias. No entanto, de modo geral, houve uma miscigenação dos
costumes e valores dos africanos com os dos europeus e dos ameríndios na organização da vida
cotidiana de homens e mulheres descendentes dos primeiros africanos.
De acordo com Silva (2003, p. 163):
Dessas justaposições, recriações, somas e misturas, há evidências por todo lado.
Nas urbes brasileiras, a cidade africana se incrusta na europeia. Na música po-
pular, embaralham-se instrumentos africanos e europeus. Alguém lembraria
igualmente a confluência de ritos religiosos do candomblé com os da Igreja
católica – por exemplo, na festa do Senhor do Bonfim, a lavagem da igreja, na
qual se repete uma cerimônia, com mulheres a levar à cabeça jarras de água com
flores, para a purificação de um sítio ritual, que se processa no sul da República
do Benin.
Um dos mais marcantes traços da cultura africana no Brasil diz respeito às práticas religiosas
trazidas pelos africanos. Até o século XVIII, a palavra calundu, originária da palavra kilundu, em
umbundo (uma das línguas de Angola), significava divindade e era bastante usada pelos africa-
nos e seus descendentes. A primeira referência escrita à palavra candomblé (também originária de
Angola) é do início do século XIX e o termo designa oração.
As manifestações religiosas do sudeste do Brasil – mais precisamente do Rio de Janeiro e de
São Paulo – originam-se da região do centro-sul da África, onde se situa atualmente o território de
Angola. No nordeste do Brasil, os povos diversos originários do reino de Daomé (atual República
do Benin), conhecidos como jejes na Bahia e minas no Maranhão, cultuavam deuses diversos que
eles chamavam voduns. Já os povos do reino Iorubá, na Bahia – os nagôs – cultuavam os orixás.
Nos terreiros de candomblé nagô, os deuses de partes distintas da África eram igualmente
cultuados. Segundo Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 104), entre os vários deuses cultuados,
temos “Oxossi, do reino de Ketu, Xangô de Oió, Oxum de Oxogbô e assim por diante. Por isso que
se diz que a religiosidade africana foi reinventada no Brasil”.
Mas não foram só os ritos próprios da África que vieram com os escravos. Africanos isla-
mizados, devido à presença árabe no continente, também chegaram ao Brasil em grandes navios
negreiros. Os muçulmanos eram reduzidos no Rio de Janeiro, mas em Salvador e no Recôncavo
Baiano eram numerosos. De acordo com Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 106), por serem
“adeptos de uma religião militante, os muçulmanos organizaram na Bahia algumas rebeliões
192 Direitos humanos e relações étnico-raciais
escravas, sendo a de 1835 a mais conhecida. Por isso, ao longo do século XIX, foi o grupo religioso
mais perseguido pelas forças policiais”.
Iniciado no catolicismo na África ou no Brasil, o escravo africano ou crioulo
dotou a religião dos portugueses de ingredientes de tradições religiosas africanas,
especialmente música e dança. Era um catolicismo cheio de festas, de muita comi-
da e bebida, de intimidades com santos, tal qual a relação dos africanos com seus
orixás, voduns e outras divindades. As promessas de santos, pagas com missas,
tinham função semelhante às oferendas que acompanhavam pedidos feitos aos
deuses e outras entidades espirituais africanas. Para homenagear santos de sua
devoção, os negros organizavam grandes festas nas suas irmandades. Daí porque
muitos escravos africanos se aproximaram do catolicismo sem que fossem força-
dos pelos senhores. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 106)
Nas irmandades, os africanos tinham oportunidade de conviver com outros africanos, pre-
servando sua cultura, e nesses lugares o sagrado e o profano se mesclavam, de modo que nessas
festas traços da cultura africana se juntavam ao catolicismo.
Outra forte contribuição da cultura africana no Brasil liga-se às festas carnavalescas. Com
a colonização portuguesa, o Carnaval que havia no Brasil era o entrudo (um desfile de foliões),
porém, com a presença da cultura africana, essas festas se modificaram paulatinamente com a in-
corporação, por exemplo, de tambores, chocalhos e ganzás, instrumentos muito usados por negros
em suas festas.
No Rio de Janeiro, o Carnaval ganharia outra dimensão com a criação das escolas de samba,
no início do século XX. Com músicos e sambistas, quase sempre negros e oriundos das localidades
mais pobres da cidade, o samba ganhava as ruas e logo seria alçado ao patamar de grande festa
popular da cultura brasileira. As primeiras organizações de sambistas surgiram no Estácio, nos
morros do centro da cidade e na Mangueira. As escolas de samba eram inicialmente agremiações
de caráter assistencial e festivo. No entanto, elas foram aos poucos conquistando espaço na cultura
nacional e na indústria de entretenimento. Paulatinamente, começaram também a modificar sua
estrutura: os ranchos carnavalescos – como eram chamados os desfiles dos passistas – ganharam
uma nova roupagem com a cadência rítmica do samba e das coreografias e com a incorporação de
enredos com temas nacionais.
O samba, expressão musical própria da cultura brasileira, também exibe suas raízes africa-
nas pela apresentação de uma batida sincopada de origem claramente africana. Na Bahia, o samba
de roda existente desde o século XIX mostra a influência africana com a inclusão de palmas e can-
tos que marcam o ritmo de quem dança no interior da roda. No Rio de Janeiro, o samba surgia na
casa das tias baianas da Praça Onze e nos morros cariocas e falava do cotidiano difícil das pessoas
mais pobres em meio à vida urbana. O samba, com seus diferentes acentos regionais (samba baia-
no, carioca, paulista etc.), acabou se tornando a expressão musical de maior relevo da cultura do
Brasil, sempre acompanhado de uma expressão corporal rítmica.
Também em outras manifestações populares festivas e religiosas encontra-se a presença afri-
cana. Em Pernambuco, por exemplo, havia surgido o maracatu, uma dança de batuque africana
com influências também indígenas e portuguesas. Conhecida como nação maracatu, essa mani-
festação cultural relaciona-se claramente à coroação do rei do Congo, uma cerimônia já existente
A África lusófona e o Brasil: laços e letras 193
no século XVIII em Minas, Pernambuco, Bahia e outros estados do Brasil, e naturalmente trazida
pelos escravos oriundos daquela região da África.
Outra contribuição da cultura africana para a formação da cultura no Brasil foi a incorpo-
ração da capoeira como elemento da cultura brasileira. Inicialmente, a capoeira era praticada na
metade do século XIX pelos escravos libertos que usavam essa luta, em que entra em cena a agili-
dade corporal, para se defender dos adversários. Além disso, os capoeiristas usavam muitas vezes
uma navalha manejada com destreza em meio aos golpes com o corpo. Aos olhos da polícia e das
classes dominantes, os capoeiristas eram gente vadia e perigosa que deveria ser vigiada de perto.
Na década de 1930, a capoeira praticada em Salvador, em rodas orientadas pelo mestre
Bimba, deu um novo estatuto para essa luta, que deixava paulatinamente de ser vista como uma
luta de desordeiros para se impor como uma prática desportiva.
A palavra capoeira significa mata rasteira e faz referência às áreas do interior do Brasil onde
há esse tipo de mata, ou seja, a palavra se liga naturalmente aos locais vizinhos às grandes proprie-
dades rurais de base escravocrata, na qual os escravos exercitavam essa luta.
A música, os cultos afro-brasileiros, o Carnaval, a capoeira são alguns dos exemplos em que
podemos perceber a contribuição da cultura africana, trazida pelos escravos, para a formação de
uma cultura nacional brasileira. Assim, é inegável que incontáveis laços (históricos, culturais, reli-
giosos etc.) unem o Brasil à África e, especialmente, à África de língua oficial portuguesa, de onde
foram trazidos muitos escravos para o Brasil. Certamente, ainda há muito que se falar sobre essas
culturas tão próximas, porém, não seria possível abordar aqui todos os traços que nos unem como
brasileiros aos nossos irmãos africanos.
Entre os intelectuais brasileiros, observa-se que já no século XIX alguns intérpretes do Brasil,
como Raimundo Nina Rodrigues, Sílvio Romero, Arthur Ramos, passando por alguns do século
XX, como Gilberto Freyre, Florestan Fernandes etc., buscaram entender e divulgar ideias sobre a
África brasileira e o negro.
Contemporaneamente, algumas obras atribuem a devida importância à história dos africa-
nos e de seu continente, assim como buscam mostrar as ligações entre o Brasil e a África. Falamos
das obras de autores como João José Reis, Alberto da Costa e Silva, Kwame A. Appiah, Luiz Felipe
de Alencastro, Pierre Verger, Jaime Rodrigues, entre outros.
Além desses estudiosos, várias entidades, organizações não governamentais, centros de cul-
tura etc. foram criados nos últimos anos objetivando resgatar a cultura negra, a história da África,
dos africanos no Brasil e sua importante contribuição na formação da cultura brasileira, como
a Fundação Palmares, o Instituto Casa da Cultura Afro-Brasileira, agremiações festivas como o
Olodum etc.
Dicas de estudo
• Uma História do Negro no Brasil, de Wlamyra R. de Albuquerque e Walter Fraga Filho,
Editora Centro de Estudos Afro-Orientais e Fundação Cultural Palmares.
Esse livro, editado pela Fundação Cultural Palmares em conjunto com o Centro de Estudos
Afro-Orientais da UFBA, traz uma ampla pesquisa sobre a história do negro no Brasil,
desde a chegada dos primeiros africanos escravizados, passando pelas lutas e resistências
negras até as organizações que hoje resgatam a africanidade na cultura brasileira. A obra
traz imagens e fotos que ilustram o texto bastante didático e cuidadoso de seus autores.
• Os condenados da Terra, de Fanon Frantz, Editora Civilização Brasileira.
Essa obra já clássica nos estudos sobre a luta anticolonial e sobre os negros em geral, de
autoria do martinicano Fanon Frantz, resultou de seu testemunho como médico psiquia-
tra do exército francês na Argélia. Publicada em 1961, a obra valoriza as lutas revolucio-
nárias por uma sociedade melhor.
• Site da Fundação Cultural Palmares: <www.palmares.gov.br>.
A Fundação Cultural Palmares, fundada em 1992, é uma entidade pública vinculada ao
Ministério da Cultura e tem como objetivo resgatar a história dos negros no Brasil. O site
contém ações governamentais em prol desse resgate, contém vários artigos sobre o negro,
a negritude, a consciência negra, entre outros dados históricos e culturais a respeito dos
os negros no Brasil, além de um dicionário de expressões afro-brasileiras.
• Quilombo, de Cacá Diegues. 119 min.
Esse filme de Cacá Diegues, 1984. narra a história do Quilombo dos Palmares, uma repú-
blica de escravos fugidos no século XVII, mostrando o cotidiano dos quilombolas refu-
giados e sua luta por manter sua república livre até sua destruição final.
A África lusófona e o Brasil: laços e letras 195
Atividades
1. Quando os portugueses aportaram na África, havia dois tipos de escravidão no continente:
uma existente entre os povos nativos e outra introduzida pelos árabes. Explique a diferença
entre cada uma dessas práticas.
2. Em que consistiam os quilombos? Qual a sua importância para a preservação dos valo-
res africanos?
3. Por que podemos dizer que os cultos religiosos africanos foram reinventados no Brasil?
De que maneira podemos falar de um sincretismo entre as religiões no Brasil?
10
História e historiografia indígena
Mariana Paladino
Este capítulo tem como objetivo fornecer informações básicas e instrumentos de análise
para a compreensão da presença indígena ao longo da história do Brasil.
A reconstrução dessa presença não é fácil, já que as sociedades que habitaram o território
que veio a se tornar o Brasil eram fundamentalmente orais e não deixaram fontes escritas. Têm
sido os relatos dos colonizadores e dos missionários dos séculos XVI, XVII e XVIII, dos viajantes e
naturalistas do século XIX e dos etnólogos do século XX e XXI que nos proporcionam fontes para
a compreensão da história indígena. Contudo, esses escritos – principalmente os dos primeiros
séculos da colonização – devem ser lidos com cuidado, e devemos considerar os contextos em que
foram produzidos e as imagens vigentes neles sobre os índios. Assim, por exemplo, algumas crôni-
cas oferecem imagens fantasiosas dos povos indígenas, ora idealizando-os como inocentes e puros,
ora desumanizando-os ao apresentá-los como bárbaros e antropófagos. As evidências arqueológi-
cas são um bom complemento para contrastar aquelas fontes. Outra abordagem riquíssima é a da
própria perspectiva dos povos indígenas contemporâneos, que nos apresentam, por meio de sua
memória, transmitida por tradição oral, por mitos e diversas formas de narrativas, sua interpreta-
ção da história.
Neste capítulo nos centraremos na história indígena pós-contato com os europeus, iniciada
com a chegada dos portugueses no ano 1500. Cabe esclarecer que se trata de um panorama geral,
que deveria ser complementado por histórias locais, que deem conta da complexidade e diversida-
de dos acontecimentos e das especificidades históricas e culturais dos povos em contato.
Vamos começar estudando como foram considerados e tratados os indígenas no sistema
colonial e missionário, depois analisaremos o período do Diretório dos Índios e o retorno da ação
missionária (1755-1910), além do regime tutelar estabelecido com a criação da República. Ainda
abordaremos as representações e imagens sobre os índios vigentes nos séculos XVIII até XX, que
explicam em grande parte as políticas e legislações existentes. Por fim, abordaremos as formas com
que os povos indígenas percebem e explicam o contato com os brancos, chamando a atenção para
o fato de que – contra a ideia de que se tratariam de sociedades estáticas – eles foram e são sujeitos
ativos da história.
1 Esse termo refere-se ao declínio populacional dos nativos americanos. Os acadêmicos acreditam que, entre vários
fatores, as doenças epidêmicas foram de longe a maior causa do declínio populacional dos nativos americanos.
2 A política de concentração da população em aldeias praticada por missionários e pelos órgãos oficiais favoreceu
as epidemias, como de varíola, sarampo, coqueluche, catapora, difteria, gripe e peste bubônica. Fausto destaca que em
1562 uma epidemia consumiu em três meses cerca de 30 mil índios na Baía de Todos os Santos. Em 1564, veio a “fome
geral”, pois nada se plantara nos anos anteriores (FAUSTO, 2000, p. 70-71).
3 Os aldeamentos são os povoados que os missionários criaram para segregar os índios convertidos. Foram o centro
da ação catequética, inicialmente dos jesuítas e depois das outras ordens também. Neles eram reduzidos os índios que
haviam sobrevivido às guerras ou às epidemias. Nos aldeamentos jesuíticos os índios eram educados para viver como
cristãos. Essa educação significava uma imposição forçada de outra cultura, a cristã. Os jesuítas valiam-se de aspectos
da cultura nativa, especialmente da língua, para se fazerem compreender e se aproximarem dos indígenas.
200 Direitos humanos e relações étnico-raciais
do Sul. Nos primeiros séculos de colonização, várias Coroas disputavam a ocupação de algumas
partes do atual Brasil. Só a partir do Tratado de Madrid, em 1750, a Espanha reconheceu a ocupa-
ção territorial alcançada por Portugal. Veremos a seguir um mapa que retrata a representação que
existia sobre a América Meridional em meados do século XVII. Nele se evidencia que o território
denominado Brasil era muito menor do que o atual.
Figura 2 – SANSON, Nicolas. L’Amérique Meridionale dressée sur lês observations de Mrs. Del’Academie
Royal dês Sciencies. séc. XVII. 1 carta: com traçados color: 58 x 48 cm. Chez Pierre Morties, Amsterdam.
A distinção entre índios aliados e índios inimigos redundou numa política e tratamento
diferenciados por parte da Coroa portuguesa. Aos primeiros lhes foi garantida a liberdade ao
longo de toda a colonização. Deles dependeram o sustento (produziam gêneros de primeira ne-
cessidade e trabalhavam nas plantações dos colonizadores) e a defesa da Colônia (constituindo o
grosso dos contingentes de tropas de guerra contra inimigos, tanto indígenas quanto europeus).
A política para esses “índios de pazes”, “índios das aldeias” ou “índios amigos” sustentou-se nos
descimentos, ou seja, nos deslocamentos de povos inteiros que foram trazidos do interior para
as povoações portuguesas.
A legislação colonial estabelecia que os descimentos deviam resultar da persuasão exerci-
da por tropas lideradas ou acompanhadas por um missionário, sem qualquer tipo de violência.
A persuasão consistia em convencer os “índios amigos” de que, nas aldeias, teriam posse de suas
terras, receberiam bons tratos e trabalho assalariado. Essa política, que estabelecia a ilegalidade do
descimento baseado na coação, continuou sendo afirmada até o século XVIII. A recomendação de
História e historiografia indígena 201
tratamento bondoso e pacífico para os índios aldeados baseou-se em razões de ordem religiosa: a
conversão só podia ser conseguida com brandura e se os cristãos dessem aos índios o bom exem-
plo. Contudo, há vários indícios de que os índios das aldeias acabaram ficando em situação pior
do que os escravos: sobrecarregados, explorados, mandados de um lado para outro sem que sua
vontade, exigida pelas leis, fosse considerada (PERRONE-MOISÉS, 1992, p. 121).
Os jesuítas foram responsáveis não apenas pelo governo espiritual dos povos indígenas (ca-
tequese), mas também pelo governo temporal (a administração das aldeias e do trabalho indígena).
De modo geral, nas aldeias viveram apenas os índios e os missionários. Só mais tarde, durante a
política pombalina, incentivou-se a presença de brancos nos aldeamentos, com o objetivo de pro-
curar a assimilação dos índios.
Por outro lado, a escravidão foi o destino dos ditos índios inimigos. Existiu uma legislação
que falava das “justas razões de direito” para a escravização dos indígenas. Essas razões eram a
guerra justa e o resgate. As causas legítimas para estabelecer uma guerra contra os índios eram
a recusa à conversão da fé, a prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portugueses e a
quebra dos pactos celebrados. Outros dois motivos que aparecem nas discussões dos jesuítas sobre
a guerra justa são a salvação das almas e a antropofagia (PERRONE-MOISÉS, 1992, p. 123-124).
A escravização que resultava da captura dos índios inimigos após o término da guerra justa era
vista como lícita.
É importante destacar que embora muitas das guerras contra os índios fossem motivadas por
interesses econômicos e para as quais eram encontradas justificativas a posteriori, elas suscitavam
discussões e controvérsias entre missionários, reis e autoridades militares. Discutia-se acalorada-
mente acerca dos fundamentos teológicos e jurídicos da justiça dessa prática contra os indígenas,
e a questão preocupava bastante a Coroa, permanecendo um ponto controverso (CUNHA, 1986,
p. 152). A lei de 30 de agosto de 1609 declarou a liberdade de todos os índios do Brasil, para coibir
as escravizações ilícitas. No entanto, a lei de 10 de setembro de 1611 restaurou a escravidão dos
índios capturados em guerra justa, mas determinou que esta deveria ser julgada pelo rei. Assim,
houve ao longo de todo o período colonial avanços e recuos na legislação que prescrevia o cativeiro
indígena. Sua extinção formal – mas não real – foi decretada pela Lei de 6 de junho de 1755.
De meados do século XVII a meados do século XVIII, os jesuítas construíram um enor-
me território missionário. Pela sua ligação direta com Roma e pela independência financeira que
adquiriram, lograram ter uma política independente, mas entraram em choque ocasionalmente
com o governo e regularmente com os moradores. A causa dos conflitos era principalmente pelo
controle do trabalho indígena nos aldeamentos. Os missionários reuniram povos com culturas e
línguas diversas, promovendo sua catequização, o que envolveu o estabelecimento de novas formas
de trabalho, organização social e familiar, padrões de moradia, práticas de sociabilidade e rituais.
Impôs-se o uso da língua geral – ou nheengatu – como língua franca e veículo de homogeneização
e se criou um sistema de autoridades nativas, como mediadores entre os índios e os missionários.
Como vimos, a legislação e a política da Coroa portuguesa em relação aos povos indíge-
nas do Brasil colonial diferenciaram os índios aldeados e aliados dos índios bárbaros e inimigos
(PERRONE-MOISÉS, 1992, p. 129). A questão da liberdade dos índios ocupou um lugar central
202 Direitos humanos e relações étnico-raciais
num debate que envolveu as principais forças políticas da Colônia: os jesuítas e os colonizadores
(chamados, na época, de moradores). Foram de tal dimensão as dúvidas relativas à escravidão in-
dígena que o início do incremento da importação de escravos africanos foi atribuído à dificuldade
que encontravam os moradores em legitimar a posse dos índios. Como Perrone-Moisés (1992,
p. 116) destaca,
os jesuítas defendiam princípios religiosos e morais e mantinham os índios
aldeados e sob controle, garantindo a paz na colônia. Os colonos garantiam
o rendimento econômico da colônia, absolutamente vital para Portugal [...]
Dividida e pressionada de ambos os lados, a Coroa teria produzido uma legisla-
ção indigenista contraditória, oscilante e hipócrita.
4 O assimilacionismo é uma ideologia e uma política voltada a absorver os grupos ou minorias de modo a impor uma
hegemonia político-cultural, fazendo com que aqueles percam suas características distintivas. Para um Estado – como
o brasileiro – que começava a ser construído, o assimilacionismo foi percebido como condição para criar valores e sen-
timentos nacionais, solidez política, paz social e desenvolvimento econômico.
5 Sesmaria foi um instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas à produção.
O Estado, recém-formado e sem capacidade para organizar a produção de alimentos, legou a particulares essa função.
Esse sistema surgiu em Portugal durante o século XIV, com a Lei das Sesmarias de 1375, criada para combater a crise
agrícola e econômica que atingia o país e a Europa, e que a peste negra agravara. Quando a conquista do território bra-
sileiro se efetivou a partir de 1530, o Estado português decidiu utilizar o sistema sesmarial no além-mar, com algumas
adaptações. Esse sistema iria garantir a instalação da plantation açucareira na Colônia.
História e historiografia indígena 203
à posse das terras, utilizou toda sorte de subterfúgios para ocupá-las. Dizia-se, por exemplo, que
os índios eram errantes, que não se apegavam ao território, que não tinham a noção de proprie-
dade. A Lei de Terras de 1850 estabeleceu uma política agressiva em relação às terras das aldeias.
Extinguiram-se aldeias sob o pretexto de que os índios se achavam confundidos com a massa da
população e reverteram-se suas terras ao Império e depois às províncias, que as repassaram aos
municípios, que, por sua vez, venderam-nas a particulares. Assim, fechou-se um processo de ex-
propriação e redução da terra indígena iniciado no século XVI.
A mão de obra indígena tornou-se – para o governo e os poderes locais – uma alternativa
transitória diante da possibilidade de contar com outras populações trabalhadoras, como a dos
escravos africanos ou a dos colonos mestiços. Foi o caso do que aconteceu, por exemplo, com a
extração da borracha na Amazônia ocidental, que passou a ser explorada por trabalhadores nor-
destinos (CUNHA, 1992, p. 134).
Os missionários foram reintroduzidos no Brasil na década de 1840, mas ficaram estrita-
mente a serviço do Estado, para que se desenvolvessem como assistentes religiosos e educacionais
dos administradores. Porém, pela carência de diretores de índios minimamente preparados, foi
frequente a situação de missionários exercerem cumulativamente os cargos de diretores de índios.
empecilhos ao progresso. Forçou-se o contato dos índios isolados, para liberar suas terras para
diversas empresas, estradas e barragens, e realocaram-se os índios segundo os interesses em jogo.
As fronteiras se militarizaram e os índios passaram a ser considerados riscos à segurança nacional,
por ocuparem territórios próximos a essas regiões, tidos como alvos suscetíveis de invasão ou in-
fluência por parte de nações vizinhas.
Nesse período, em oposição à política governamental, multiplicaram-se as organizações não
governamentais de apoio aos índios, e, no início da década de 1980, pela primeira vez, organi-
za-se um movimento indígena de âmbito nacional: a União das Nações Indígenas. O Conselho
Indigenista Missionário (CTMI), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), com uma proposta de evangelização libertadora, teve um papel fundamental nisso.
A mobilização das organizações de apoio aos índios e o próprio movimento de reivindicação que
eles gestaram redundou na conquista de um reconhecimento dos direitos indígenas na Constituição
de 1988, que abandona por fim a perspectiva assimilacionista das Constituições anteriores.
A Constituição de 88 garante o reconhecimento da organização social, dos costumes, das
línguas, crenças e tradições indígenas, além dos direitos originários sobre as terras que tradicional-
mente ocupam. O artigo 231 detalha o que são essas terras, a que se destinam e como será o usu-
fruto de suas riquezas. Também rompe com a herança tutelar originada no Código Civil de 1916,
mudando o status dos índios e permitindo que individualmente ou por meio de suas organizações
ingressem em juízo para defender direitos e interesses.
Segundo destacam Pacheco de Oliveira e Freire (2006, p. 135-136), a proximidade da Reunião
Internacional sobre Meio Ambiente, a ECO-92, que foi realizada no Rio de Janeiro, impulsionou a
política de identificação e demarcação de terras no início dos anos 1990. Como consequência da
reunião, iniciou-se o financiamento internacional de programas para a proteção da floresta tropi-
cal e para a demarcação das terras indígenas.
Com o reconhecimento do direito territorial, o direito à saúde e à educação bilíngue, in-
tercultural e diferenciada, garantidos pela Constituição de 1988, abre-se um novo panorama para
os povos indígenas do Brasil. Contudo, ainda falta muito caminho a percorrer para garantir esses
direitos na prática.
de fogo por parte dos brancos é explicada nos mitos como uma escolha que foi dada aos índios.
Eles poderiam ter escolhido ou se apropriado desses recursos, mas fizeram uma escolha por outros
objetos, próprios de sua atual cultura. Por exemplo, os krahô e os canela, povos falantes de língua
jê, família timbira, habitantes de Tocantins e Maranhão, contam em seus mitos que quando lhes foi
dada a opção pelo seu herói cultural, criador de todas as coisas, entre pegar a espingarda e o prato
(os quais tinha colocado um bem perto do outro) e o arco e a cuia (que estavam mais afastados),
preferiram estes últimos.
As sociedades indígenas constroem uma história do mundo em que seus atos e escolhas
tiveram importantes efeitos nas suas formas de vida atual. Os movimentos messiânicos em alguns
povos indígenas podem ser entendidos como uma forma de reatualizar os mitos e reverter escolhas
ou fatos anteriormente vivenciados neles.
Dicas de estudo
• Os índios antes do Brasil, de Carlos Fausto, Editora Jorge Zahar.
Escrito por um professor de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, es-
pecialista em povos indígenas, em linguagem acessível a todos, essa obra convida o leitor
a descobrir os índios que habitaram o Brasil antes de Cabral.
• História dos índios no Brasil, organizado por Manuela Carneiro Cunha, Editora Companhia
das Letras.
Essa importante compilação de artigos produzidos por antropólogos e historiadores foca-
liza diversos períodos da história indígena, desde a situação dos povos indígenas antes da
chegada dos portugueses, as políticas e legislações do período colonial e do Império, até
chegar à política tutelar da República. Os textos que compõem o livro apresentam uma
rica documentação de fontes e imagens e são produto de longas trajetórias de pesquisa
dos autores nessas temáticas.
• Brava gente brasileira, direção de Lúcia Murat, 2000. 104 min.
A ficção se passa no atual Mato Grosso do Sul, no fim do século XVIII, quando um grupo
de portugueses designados para fazer um levantamento topográfico na região do Pantanal
envolve-se no estupro de índias da tribo kadiwéu. O filme focaliza o conflito cultural entre
brancos (colonizadores) e nativos, tendo como tema principal a dificuldade de compreen-
são cultural.
• Site do Museu do Índio: <www.museudoindio.org.br>.
Criado por Darcy Ribeiro em 1953, o Museu hoje se descreve como “órgão científi-
co-cultural da Funai”. O site traz informações sobre o acervo da Biblioteca Marechal
Rondon, que é muito rico em documentos textuais e visuais produzidos pelo Serviço
de Proteção aos Índios (SPI).
História e historiografia indígena 209
Atividades
1. Que fontes disponíveis existem para o estudo da história indígena? Que características
elas têm e qual é a importância de considerar as narrativas históricas produzidas pelos pró-
prios indígenas?
3. Qual era a política para os índios aliados e qual era a política para os índios inimigos durante
a Colônia?
4. Quais foram os objetivos e princípios que orientaram a primeira agência indigenista laica
estatal, o Serviço de Proteção aos Índios?
11
Situação contemporânea
dos povos indígenas
Mariana Paladino
Apesar de o emprego do termo índio ou indígena ter adquirido, ao longo da história do Brasil, um
sentido pejorativo, sendo associado a um modo de vida pouco “civilizado” e indolente, o movimento
indígena, surgido a partir da década de 1970, decidiu que era importante manter, aceitar e promover
aquela denominação genérica como uma forma de fortalecer a identidade conjunta e valorizar o fato de
ser originário dessas terras, assim como de se unir para lutar por direitos comuns.
212 Direitos humanos e relações étnico-raciais
No entanto, cada povo ou grupo indígena tem sua própria denominação. Em geral, tem duas
denominações: a autodenominação, ou seja, como o grupo se chama ou refere a si mesmo, e um
nome que lhe foi dado por outros povos, geralmente vizinhos, baseando-se em certas característi-
cas ou imagens que tinham deles. Por exemplo, os tikuna se autodenominam magüta, mas povos
do tronco tupi que conviviam com eles os chamaram de tikuna, e assim foi registrado e divulgado
por missionários, nos séculos XVII e XVIII.
Os povos indígenas contemporâneos – ao contrário da imagem de senso comum que os
representa como pequenas e frágeis microssociedades que vivem isoladas no interior da Floresta
Amazônica, sofrendo um inevitável processo de aculturação, estão vivendo um processo de for-
talecimento cultural e de conquista de direitos significativos. A partir da década de 1970, com o
apoio de organizações da sociedade civil e de entidades religiosas católicas vinculadas à vertente da
teologia da libertação, vêm se organizando e mobilizando em prol de demandas fundamentais para
garantir sua sobrevivência. O Estado reconheceu várias dessas demandas na Constituição de 1988
e, hoje, muitos grupos indígenas têm seus territórios demarcados1, escolas onde o ensino é bilíngue
e intercultural, postos de saúde com profissionais indígenas e levam a cabo projetos de desenvolvi-
mento sustentável e de proteção do território. Nas aldeias, os indígenas convivem crescentemente
com tecnologia ocidental (rádio, telefone, televisão, internet), mas simultaneamente opera-se uma
valorização e resgate de rituais, de registro e conservação da memória oral e dos conhecimentos
que ela veicula (contos, mitos, conhecimentos medicinais, conhecimentos artísticos, entre outros).
O crescimento populacional indígena vem sendo significativo nas três últimas décadas. Ele
deve ser entendido principalmente por dois fatores. Por um lado, como decorrência do crescimen-
to demográfico, que está em torno de 4% ao ano, contra 1,6% da população brasileira. Por outro
lado, como resultado dos processos de fortalecimento e reconhecimento da identidade étnica que
os povos indígenas vêm atravessando nas últimas décadas, o que motivou que muitos começassem
a se visibilizar e identificar como tais (LUCIANO, 2006a, p. 20). É importante entender que, em
muitas regiões do país, os índios se viram obrigados – para sobreviver e para evitar a exploração e a
carga de preconceitos vinculados à sua condição – a ocultar e negar sua identidade, deixando para
isso de utilizar sua língua e de praticar seus costumes. Alguns grupos passaram a se mimetizar com
a população camponesa ou cabocla e foram considerados assimilados ou aculturados. No contexto
atual de reconhecimento dos direitos indígenas, muitos conseguiram reassumir sua identidade.
Esse fenômeno se denomina etnogênese ou reetnização e vem ocorrendo nos últimos anos, princi-
palmente na região nordeste do país.
1 O artigo 25 da Lei n. 6.001 e o artigo 231 da Constituição estabelecem o reconhecimento do direito dos indígenas
às terras por eles habitadas e faculta ao órgão indigenista (Funai) o poder e a agilidade necessários para regularizar a
situação das terras indígenas. A demarcação constitui a última etapa do processo de regularização das terras indígenas.
O Decreto n. 76.999, de 8 de janeiro de 1976, fixou as normas para a demarcação dessas terras. O Presidente da Funai
designa um antropólogo, um engenheiro e um agrimensor, que inicialmente devem realizar um levantamento de campo e
descrever os limites da área. Ver Pacheco de Oliveira (2006) para mais explicações sobre o processo de demarcação de
terras indígenas.
Situação contemporânea dos povos indígenas 213
2 A Amazônia Legal é uma área que engloba nove estados brasileiros pertencentes à Bacia Amazônica e, que, con-
sequentemente, possuem em seu território trechos da Floresta Amazônica. Com base em análises estruturais e conjun-
turais, o governo brasileiro, reunindo regiões de idênticos problemas econômicos, políticos e sociais e com o intuito de
planejar o desenvolvimento social e econômico da região amazônica, instituiu o conceito de Amazônia Legal. Sua atual
área de abrangência corresponde à totalidade dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia,
Roraima e Tocantins e parte do estado do Maranhão, perfazendo uma superfície de aproximadamente 5.217.423 km²,
correspondente a cerca de 61% do território brasileiro.
214 Direitos humanos e relações étnico-raciais
sociedade nacional) no território brasileiro, das quais apenas 12 foram confirmadas até hoje
pela Funai (LUCIANO, 2006a, p. 51)3.
Por outro lado, devido a processos complexos de desterritorialização que as populações in-
dígenas atravessaram, de deslocamento forçado ou expulsão de seus territórios, alguns segmentos
terminaram se instalando em meio urbano ou em fazendas para morar próximo aos espaços de tra-
balho. Há alguns povos que têm migrado para as grandes metrópoles (como Manaus e São Paulo)
e outros para cidades de menor tamanho. O IBGE estima que a parcela da população indígena que
residia em área urbana passou de 23,9% em 1991 para 52,2% em 2000 (IBGE, 2005). Ou seja, nem
todos os povos continuam ligados ao seu território ancestral, embora ele esteja geralmente presente
em narrativas, lembranças e na continuidade de relações que estabelecem com grupos de parentes-
co que ainda moram naqueles territórios.
Considerando os dados de 2005, que contemplavam os índios urbanos, o número de in-
dígenas chegou a 740 mil indivíduos. E esse número continuou crescendo para 817.892 índios
em 2010 (IBGE).
Esse crescimento significativo da presença dos índios se deu em áreas rurais, indicando uma
retomada da cultura indígena agrícola e rural, sinal de reforço nas políticas de proteção do índio.
Nos números de assentamento e áreas legalizadas, o Brasil teve uma queda substancial no governo
Lula e Dilma, depois dos governos Collor e FHC terem legitimado largas faixas de terra. Apesar disso,
a proteção ao índio cresceu nesses governos com políticas afirmativas e melhoria do atendimento
médico e sanitário.
As terras que até hoje o Estado reconheceu como de posse indígena representam atualmente
cerca de 12% do território brasileiro. A Constituição de 1988 garante o direito originário dos povos
indígenas às terras tradicionalmente ocupadas por eles. Cabe aclarar que isso não significa que te-
nham a propriedade dessas terras, que são bens e patrimônio da União, apenas lhe são garantidos
a posse e o uso delas.
Segundo dados de 2006 do Departamento Fundiário da Funai, existem no Brasil 612 ter-
ras indígenas com algum grau de reconhecimento por parte desse órgão, totalizando uma ex-
tensão de 106.373.144 ha, ou seja, 12,49% do território brasileiro. A Amazônia Legal é a região
brasileira que concentra a maior parte das terras indígenas: 20,67% da região (LUCIANO, 2006a,
p. 105).
Apesar do avanço que houve na garantia por parte do Estado de terras aos povos indígenas,
ainda faltam várias áreas a serem demarcadas e existem vários grupos que estão sem terra, ou com
terra insuficiente para garantir a sua sobrevivência. É igualmente grave a situação de muitas terras
que sofrem invasão por parte de regionais não indígenas: madeireiros, caçadores, pescadores, entre
outros, sendo seus recursos naturais violentados.
3 O fato de serem denominados “isolados” não deve nos levar a pensar que nunca tiveram contato com a sociedade
não indígena ou com outros grupos indígenas. Alguns estudiosos consideram que provavelmente já tiveram algum con-
tato no passado, mas, fugindo da violência ou de pressões decorrentes dessa relação, refugiaram-se em lugares mais
distantes e inóspitos. As gerações seguintes foram as que não tiveram contato (LUCIANO, 2006a).
Situação contemporânea dos povos indígenas 215
Existem papéis especializados como os pajés ou xamãs, responsáveis pela segurança espiri-
tual e pela cura dos membros de seu grupo. Alguns povos indígenas tinham papéis especializados
de guerreiros, outros de caçadores e pescadores, outros de contadores de histórias e cantores.
produtos de sua roça por objetos manufaturados e, ao contrário, alguns indígenas que vivem na
cidade conservam roças na aldeia e se deslocam para cuidar delas nos períodos necessários do ano.
4 Os especialistas definem os mitos como narrativas orais, que contêm verdades consideradas fundamentais para
um povo e que formam um conjunto de histórias dedicado a contar peripécias de heróis que viveram no início dos tem-
pos (no tempo mítico ou das origens). O que se enfatiza, dessa perspectiva, é o caráter de narrativas que os mitos têm.
O mito pode também ser definido como um nível específico de linguagem, uma maneira especial de pensar e de expres-
sar categorias, conceitos, imagens. Ambas definições sugerem uma relação particular entre o mito (ou os mitos), o modo
de viver e pensar e a história daqueles povos responsáveis por sua existência (LOPES DA SILVA, 1995).
Situação contemporânea dos povos indígenas 219
que defende a possibilidade de ter simultaneamente essa identidade e valorizar sua cultura. De fato,
lideranças importantíssimas do movimento indígena receberam durante sua infância e juventude
uma educação missionária, mas se apropriaram criticamente de algumas ferramentas úteis que
essa formação lhes proporcionou, como o domínio do português e da escrita, utilizando-as mais
tarde em prol de suas demandas e processos de luta.
Dicas de estudo
• O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje, de
Gersem dos Santos Luciano.
Escrito pelo professor Gersem dos Santos Luciano – da etnia baniwa – primeiro indígena
mestre em Antropologia Social no Brasil e ator importantíssimo do movimento indíge-
na, esse livro é uma leitura imprescindível para conhecer a situação contemporânea dos
povos indígenas de nosso país. Proporciona tanto informações muito valiosas, para com-
preender as formas e condições de vida atual desses povos, quanto provoca uma reflexão
acerca da problemática que eles enfrentam e as formas com que vêm se organizando e
lutando pela conquista de seus direitos.
• Site do Instituto Socioambiental: <www.socioambiental.org>.
O Instituto Socioambiental é uma das organizações não governamentais de apoio aos
povos indígenas mais antigas e reconhecidas pela relevância de sua trajetória e atua-
ção. O site, além de conter boletins informativos atualizados sobre a situação dos po-
vos indígenas e os principais acontecimentos e notícias relativos a eles, apresenta uma
seção que se chama “Povos Indígenas no Brasil”, na qual pode-se obter informações
de cada grupo indígena, com dados de sua localização, história, organização social,
cosmologia, rituais, além de apresentar fontes de informação para o aprofundamento
da pesquisa sobre esses grupos.
• Site da Funai: <www.funai.gov.br/mapas/fr_mapa_fundiario.htm>.
Esse link dá acesso a um mapa do Brasil em que é possível situar a localização dos diversos
grupos indígenas do nosso país.
• Terra vermelha (Birdwatchers), direção de Marco Bechis, coprodução ítalo-brasileira,
2008. 108 minutos.
O filme, escrito pelo diretor e roteirista brasileiro Luiz Bolognesi (o mesmo de Bicho de
sete cabeças), foi inspirado na história do cacique Ambrósio Vilhalva, da etnia guarani-
-kaiowa, que liderou um acampamento para a retomada das terras de seus ancestrais, em
um local hoje ocupado por uma fazenda produtora de soja.
Com índios nos papéis principais, o filme conta ainda com atores como Leonardo
Medeiros, Matheus Nachtergaele, Claudio Santamaria, Fabiane Pereira da Silva e a ita-
liana Chiara Caselli. A ficção mostra de uma forma sensível e complexa as relações entre
índios e brancos em uma região do país onde mais conflitos existem entre esses segmen-
tos pela posse de terras.
220 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Atividades
1. Que fontes de informação existem para uma abordagem demográfica dos povos indígenas
no Brasil? Quais são suas diferenças e quais são as estimativas da quantidade de população
indígena que elas apresentam?
2. Quantas línguas indígenas são, aproximadamente, faladas hoje no Brasil? Quais são os tron-
cos linguísticos reconhecidos pelos estudiosos e que outras famílias linguísticas existem?
3. O que o território representa para os povos indígenas? De que forma garante sua sobrevi-
vência econômica e cultural?
12
Políticas de ações afirmativas,
políticas curriculares e currículo
Marcos Araújo
o ataque a quilombos e índios rebeldes eram constituídos pelos índios mobilizados por bandeiran-
tes e homens a soldo do rei. O grau de miscigenação com o índio foi intenso no Brasil. A respeito
dessa forte presença indígena, em 1500 o número de índios era superior a 5 milhões de habitan-
tes, enquanto em 1990 era de apenas 280 mil. As populações indígenas pareciam estar fadadas
a desaparecer. Aos índios não eram dados terra, direitos, proteção, tecnologia, estrutura ou paz.
Desprezados pelos não índios e isolados, a tendência sempre foi escapar da pobreza rural indo para
cidade. Nela, sem os costumes e a língua, o índio deixava de ser índio – desaparecia ou aparecia
como um desenraizado. A proporção da população indígena era de 0,4% do total nos anos de 1990
e 2000 (IBGE, 2012).
O Censo de 2010 observou um crescimento significativo da população indígena, especial-
mente nas áreas rurais do Nordeste. Mais que o aumento dessa população em números, esse cresci-
mento se deu por etnogênese, ou seja, um processo que ocorre quando um grupo que outrora não
se declarava indígena, por temer o preconceito, passa, por alguma razão social ou política, a fazê-lo,
redescobrindo um fator étnico. No caso brasileiro, a valorização do indígena pela sociedade e pelo
Estado, por meio de políticas públicas, fez com que a autoestima das populações aumentasse e elas
passassem a se definir como indígenas.
De outro lado, de acordo com pesquisas acadêmicas recentes na área de genética,
os estudos de DNA mitocondrial revelam proporções gerais de 33% de li-
nhagens ameríndias, 28% de africanas e 39% de europeias, mas com varia-
ções consideráveis de região para região, segundo o padrão esperado pela
história de colonização de cada uma [...]. No Sul, são europeus 66% dos
haplótipos, o que reflete a ampla imigração da Europa para a região nos
séculos 19 e 20. No Norte, onde a presença indígena é elevada, 54% das
matrilinhagens são ameríndias. No Nordeste, como esperado, predominam
matrilinhagens africanas (44%). No Sudeste, a distribuição das linhagens é
muito uniforme. (ALVES-SILVA et al., 2000)
Quantos aos negros, é indiscutível que chegaram ao Brasil por meio do comércio escravo
vigoroso no período colonial. A escravidão africana sempre existiu, mas, com o comércio europeu
para suas colônias americanas, o negócio se capitalizou enormemente. Eram trocados rum, cacha-
ça, açúcar, roupas, armas etc. por homens, mulheres e crianças. Ao todo, 20 milhões de africanos
foram extraídos da África. Desse total, 12 milhões desembarcaram na América, tendo o resto mor-
rido na captura e no embarque nos navios negreiros. Assim, esses milhões perderam a vida nos
400 anos em que o sistema escravagista se manteve no sistema Atlântico. Foram dezenas de povos
escravizados pelos africanos em longas caravanas que vinham do interior, patrocinadas pelos reis
africanos do litoral, que agrupavam seus inimigos em fortes europeus para, em seguida, embarcar
essa carga humana para a América.
O Brasil foi o país que mais recebeu negros em seus portos, majoritariamente vindos do
Benin e de Angola. Eles eram concentrados nas áreas dinâmicas da economia colonial e imperial
(Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais) e nas áreas, por todo o Brasil, onde havia portos
ou uma economia forte – Porto Alegre, Rio Grande, Pelotas, Paranaguá e Cuiabá; depois, Belém
do Pará.
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo 223
lutavam contra o preconceito nos clubes e na polícia de São Paulo. O movimento tentou se tornar
um partido político, mas o golpe varguista de 1937 extinguiu todos os partidos.
O regime varguista permitiu mais liberdade aos cultos africanos e liberou o jogo de capoei-
ra, transformando-o em esporte em 1937. Também criou o Dia da Raça, em 1939, que exaltava a
tolerância entre os brasileiros (SCHWARCZ, 1998).
Em 1945, o Teatro Experimental do Negro, criado por Abdias do Nascimento, colocou o
negro como protagonista do teatro e da vida. O Movimento Negro começou a se aglutinar entre
os homens das artes. Em 1950, o censo apontou que 61,6% eram brancos, 26,6% eram mulatos e
11% eram negros. Nesse ano, existiam 5.378.000 crianças na Ensino Fundamental. Entre essas, só
10% eram mulatos e 4,3% eram negros. No Ensino Médio, de quase um milhão de estudantes no
Brasil, só 6.794 eram negros (0,69%), enquanto 41.410 eram mulatos (4,20%). No Ensino Superior,
eram 157.874 estudantes – 96,87% brancos, 2,26% mulatos e 0,28% negros (exatos 448 indivíduos)
(SCHWARCZ, 1998, p. 206-207).
Se o negro passou a ser visto na segunda metade do século XX sob um ponto de vista posi-
tivo, essa positividade também trouxe uma visão estereotipada sobre negros e negras. O negro era
visto como alegre e informal. Sua ginga e conhecimento do submundo eram presumidos, enquanto
a sensualidade era a marca das mulheres negras, que logo passaram a decorar shows de Carnaval e
clubes. A mulata, negra ou mestiça sensual que sambava se tornou fetiche dos brasileiros, de forma
que passaram a ser cantadas em sua beleza.
Em 1951, foi criada a Lei Afonso Arinos, que punia atos de preconceito racial, prevendo
punição para atos públicos de discriminação e vedando proibições de entrada em recintos, propa-
gandas racistas etc. Apesar de ser uma lei tão antiga, as punições que poderiam ser proporcionadas
por ela são inexistentes na história do Brasil.
Nos anos 1960, os negros assumiram um papel de maior destaque em todo o mundo, es-
pecialmente nos Estados Unidos. As negras e mestiças encantavam poetas e músicos e geravam
uma onda de dançarinas lançadas em programas de televisão, rádio e clubes noturnos, como os
de Osvaldo Sargentelli, que se denominava mulatólogo. Na cena brasileira do black is beautiful, os
casamentos inter-raciais se tornaram mais frequentes.
O regime militar manteve as diferenças sociais agudas nos meios rural e urbano brasilei-
ros, ainda que os números apresentassem alguma melhora, como, por exemplo, o crescimento
da economia, de maneira geral. O abismo entre negros pobres e brancos ricos continuava
grande. O número de negros universitários continuava baixo e a discriminação existia, ainda
que de maneira velada.
O mito da democracia racial, criado na década de 1930, continuava sendo manipulado pelo
Estado, mas os negros continuavam mais pobres, mais perseguidos pela polícia, com menos em-
pregos e com empregos sem qualificação.
A geração dos anos 1970 impulsionou a presença negra na política brasileira. O mar-
co, nessa trajetória, foi a criação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação
Racial, resultante da articulação das várias tendências que atuavam na luta antirracial e pelas
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo 225
O Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial nasceu por meio do Ato
Público, realizado em São Paulo, em 7 de julho de 1978, em protesto contra a discriminação so-
frida por quatro jovens negros nas dependências do Clube Regatas Tietê e contra a tortura e mor-
te de Robson Silveira Luz, numa delegacia de São Paulo. Essa data ficaria marcada como o Dia
Nacional de Luta Contra o Racismo. Passaram-se, então, 41 anos desde o fechamento da Frente
Negra Brasileira.
Com a reabertura política, o Movimento Negro se mobilizou no processo de conscientização
do lugar dos negros no Brasil, em sua sociedade e em sua história. Em 1988, a Constituição classi-
ficou o crime de racismo como inafiançável e imprescritível. Políticos que lutavam pela causa dos
negros, como Darcy Ribeiro, Abdias do Nascimento, Benedita da Silva, Alceu Colares, Paulo Paim,
entre outros, marcaram presença no plenário da Câmara dos Deputados e no Senado em defesa
dos negros. Apesar de alguns eleitos, os negros e pardos estavam sub-representados. Nesse ano –
cem anos depois da Abolição –, os negros e pardos ainda apresentavam uma taxa de analfabetismo
de 30% e 29%, enquanto brancos tinham 12% de analfabetos e amarelos, 8%. O brasileiro médio
estudava então quatro anos, enquanto os negros estudavam somente dois anos.
Durante os anos 1990, a melhoria da economia com o fim da inflação não levou a uma
imediata melhora da situação da população negra, visto que as melhoras foram proporcionais aos
demais grupos. Sendo assim, a distância entre brancos, negros e pardos se manteve a mesma.
Os avanços alcançados nos níveis de educação e rendimento não alteraram significativa-
mente o quadro de desigualdades raciais. Embora a taxa de analfabetismo tenha caído para todos
os grupos, ainda é mais elevado, em 1999, para pretos e pardos (20%) do que para brancos (8,3%).
O aumento do número de anos de estudo foi generalizado – com a população como um todo re-
gistrando um ano a mais de estudo de 1992 a 1999. Apesar disso, na comparação por cor ou raça,
há uma diferença de dois anos de estudo, em média, separando pretos (4,5 anos) e pardos (4,6) de
brancos (6,7). Uma vez que esses patamares têm se mantido historicamente inferiores para pretos e
pardos, o crescimento de um ano de estudo no total revela-se mais significativo para esses grupos.
No Nordeste, por exemplo, esse ganho correspondeu a um aumento de quase 50% nos anos médios
de estudo de pretos e de mais de 25% no de pardos.
Entre 1992 e 1999, o aumento de um ano de estudo correspondeu a uma elevação de 1,2
salários no rendimento de brancos e de meio salário no rendimento de pretos e pardos.
226 Direitos humanos e relações étnico-raciais
Na década, houve uma queda generalizada no número de famílias vivendo com até meio
salário mínimo per capta, mas, em 1999, ainda se encontram nessa situação 26,2% das famílias
pretas e 30,4% das pardas, para 12,7% das brancas. Também, a posição na ocupação se mantém
inalterada na década, com mais pretos e pardos (14,6% e 8,4%) no emprego doméstico que brancos
(6,1%) e, ao contrário, mais brancos (5,7%) entre os empregadores, que pretos e pardos (1,1% e
2,1%) (BRASIL, 2012).
É esse quadro resumidamente desenhado de mudanças muito lentas que motiva diferentes
grupos sociais a sugerir uma série de ações para melhorar os números. Nós trataremos delas no
Brasil, mas antes vamos ver como elas surgiram.
Um caso conhecido é o de Ruanda, país que fora uma colônia belga. Como metrópole colonizadora,
a Bélgica, por sua vez, respeitara o sistema monárquico local com aristocracia tutsi e campesinato
hutu. Quando o país buscou sua independência, em 1962, uma revolução popular hutu (85% da
população) tomou o poder e submeteu a outrora elite (14%) a um sistema opressivo. Em 1973, um
militar hutu, Juvénal Habyarimana, tomou o poder e criou um sistema de cotas para a população.
Essa medida ajudou a conter a presença dos tutsis nas escolas e universidades, limitando ao
máximo sua presença e colocando empecilhos diante dos alunos. O sistema de cotas foi, nesse
caso, usado para discriminar, segregar ou separar os grupos sociais. Depois do genocídio de 1994,
o novo governo aboliu o sistema de classificação entre tutsis e hutus, mas criou o sistema de cotas
para mulheres no parlamento, medida que fez do país o maior quanto à representação feminina
no mundo.
Na Europa, na Alemanha e na Noruega, o mecanismo de cotas que obrigava os partidos a
ter candidatas em distritos, cidades e estados fez os números de mulheres participantes na políti-
ca partidária e de ocupantes de cargos públicos crescerem vertiginosamente desde 1970, quando
o sistema foi implantado. A força do movimento das mulheres gerou leis de cotas que fizeram
países como Argentina, Ruanda, Burundi, Moçambique e África do Sul terem crescimento muito
significativo das representações femininas. No caso das mulheres, diversos países têm legislações
de suporte para candidatas: Brasil, Finlândia, Alemanha, Índia, Japão, Líbano, Romênia, Ruanda,
Espanha, Estados Unidos.
Basicamente o sistema de cotas ou reserva de vagas para minorias nos sistemas educacionais
ou em funções estatais visa justamente forçar o ingresso de alguma minoria com mais expressi-
vidade, a fim de gerar ascensão generalizada no grupo. Pensa-se que os integrantes dessas classes
terão educação de melhor qualidade, de forma que suas condições financeiras também sejam me-
lhoradas, para que seus descendentes ajudem a romper o ciclo da ignorância e da humilhação de
ver todos do seu grupo em funções subalternas, excluídos das benesses do poder e das tecnologias.
Nesse sentido, as ações afirmativas servem para aumentar as chances daqueles que são socialmente
discriminados; aqueles cuja autoestima os faz sofrer. Essas ações visam alargar a base de cidadãos
bem posicionados profissionalmente para servir de modelo e inspiração para aqueles que são jo-
vens e buscam modelos bem-sucedidos entre os de mesmo grupo. Com isso, nos casos dos negros
norte-americanos e dos brasileiros, rompem-se os esquemas tradicionais de agentes bem-sucedi-
dos serem só os artistas e desportistas. Surgem, nesse conceito, médicos, advogados, empresários,
jornalistas, políticos, generais e professores negros, tal como surgem mulheres ou ciganos ou quem
mais se puder apoiar.
Países como África do Sul, China, Israel, índia, Sri Lanka, Malásia, Finlândia, França,
Noruega, Romênia, Rússia, Eslováquia, Reino Unido, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e
Brasil possuem políticas afirmativas. Nos Estados Unidos, onde essas políticas existem há mais de
50 anos, o resultado é uma significativa melhora dos níveis de educação dos grupos discriminados,
sejam mulheres, hispânicos ou negros. A chegada de Barack Obama ao cargo mais alto do país
mostrou os sucessos dos processos de inclusão, que foram reafirmados pelo presidente.
228 Direitos humanos e relações étnico-raciais
A situação dos alunos sempre foi difícil – e, ainda que exista um sistema de cotas, talvez
sejam necessárias outras ajudas para que eles se mantenham nas instituições.
Desde então, diversas universidades públicas criaram um sistema de cotas para pobres, ne-
gros e indígenas.
Entre 2013 e 2015, a política afirmativa de reserva de cotas garantiu o acesso a
aproximadamente 150 mil estudantes negros em instituições de ensino superior
em todo o País. Segundo dados do Ministério da Educação, em 1997 o percen-
tual de jovens negros, entre 18 e 24 anos, que cursavam ou haviam concluído o
Ensino Superior era de 1,8%, e o de pardos, 2,2%. Em 2013, esses percentuais
já haviam subido para 8,8% e 11%, respectivamente. (PORTAL BRASIL, 2016)
epidemia de febre amarela, que deu visibilidade à Escola de Manguinhos. De resto, a pesquisa
científica ficou abandonada.
Em 1925, foi criado o Conselho Nacional de Ensino, que se dedicava ao ensino superior e ao
ensino secundário, ficando as escolas primárias a cargo dos municípios e estados.
Na década de 1920, reformas aconteceram nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Itália e na
URSS, todas visando aumentar a escolaridade e o alcance dos escolarizados. Nesse período, no
Brasil, houve mais reflexão sobre a pedagogia, com estudos sobre educação rural e de moças. Em
1927, foi criada a Associação Brasileira de Educação, que fez com que o debate se aprofundasse
ainda mais (AZEVEDO, 1963, p. 607-605).
Em 1928, a reforma do sistema educacional do Distrito Federal iniciou uma nova fase dos
assuntos pedagógicos, pois lançou as bases de uma educação mais humanista, com respeito à pes-
soa humana e que pregava o respeito ao indivíduo, o que era coerente com a ideologia liberal, ainda
estranha no Brasil. Em 1931, criou-se o Ministério da Educação.
Em 1934, a Constituição estipulou uma política educacional nacional, que seria fixada pela
União, ficando os estados responsáveis pela implantação do sistema. Em 1937, o regime autoritário
manteve esse sistema, mas buscou o aumento do ensino profissional para os trabalhadores mais
pobres. Nasceu, assim, o ensino profissionalizante no Brasil, numa parceria entre associações em-
presariais e Estado (AZEVEDO, 1963, p. 687).
O principal impulso da época concentrou-se no campo das construções, visto que houve um
salto no número de escolas de 27 mil, em 1932, para mais de 40 mil escolas, em 1939, e um salto
de 56 mil para 78 mil professores no mesmo intervalo. Nessa mesma direção, houve uma elevação
no número de instituições de Ensino Superior – de 4, em 1937, para 15, em 1953 –, muitas delas,
porém, surgidas sem a infraestrutura necessária para fazer ciência.
O Brasil tem uma tradição de atendimento educacional de grupos minoritários desde a le-
gislação de 1961, que atendia os deficientes buscando integrá-los, sempre que possível, ao sistema
geral de educação. Em 1971 os deficientes foram colocados em escolas especiais e só voltaram a ser
atendidos em escolas gerais depois da Constituição de 1988.
Em 1961, as escolas ganharam nova dimensão com um governo popular, que buscou, de
todas as formas, aumentar o número de alfabetizados e recompor a educação baseando-se nas
propostas de Paulo Freire, para quem o sujeito deveria passar de aluno passivo a agente das trans-
formações na escola, no trabalho e na sociedade: não bastava ensinar coisas, era preciso tratar da
posição do sujeito no mundo.
Em 1964 o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) fez um simpósio sobre a educação
e as diretrizes educacionais do período militar. Segundo Demerval Saviani (2008, p. 295):
Para orientar os debates do simpósio foi elaborado um “documento básico”,
organizado em torno do vetor do desenvolvimento econômico, situando-se na
linha dos novos estudos de economia da educação, que consideram os inves-
timentos no ensino como destinados a assegurar o aumento da produtividade
e da renda. Em torno dessa meta, a própria escola primária deveria capacitar
para a realização de determinada atividade prática; o ensino médio teria como
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo 231
O analfabetismo era ainda um problema, mas o governo optou por substituir a experiência
reconhecida de Paulo Freire por outra, mais técnica e que permitiria criar milhões de analfabetos
funcionais (pessoas que só sabiam ler formalmente) por meio do Mobral. Outra característica do
período foi o crescimento do sistema privado de ensino. A falta de estrutura e investimento na
educação fez com que a educação privada tivesse mais qualidade que a escola pública, que atendia
os pobres, da década de 1970 até a década de 1990.
Após o fim da ditadura, a Constituição de 1988 deu mais autonomia educacional para o
professor e o MEC passou a ser um ministério mais aberto ao debate.
Nessa fase, o Estado democrático voltou-se para a educação. Contudo, apesar do discurso
sobre a educação como direito de todos os brasileiros e a intenção de colocar todas as crianças nas
escolas, os números referentes à pobreza, ao afastamento da escola, à evasão do curso fundamental
para trabalhar e à falta de professores, bem como o fato de haver pais que não dão importância à
educação e administradores mais preocupados com a construção da escola que com sua operacio-
nalidade, representaram grandes problemas durante a redemocratização.
Nos anos 1990, políticas educacionais e curriculares dos governos enveredaram para um
modelo condizente com o neoliberalismo, em que a tecnicidade e a preparação para o mercado
contam mais do que todos os outros elementos. Dessa forma, os currículos foram abertos para
facilitar a inclusão de realidades econômicas regionais.
Por outro lado, a política educacional liberal não pôde ficar alheia ao esteio da sociedade tec-
nológica, que é a tecnologia digital, daí a contínua tentativa por parte dos agentes da educação de
incorporar novas tecnologias educacionais e novas técnicas de ensino do mundo contemporâneo.
As formas de sociabilidade e comunicação, bem como o novo modelo de gerenciamento do Estado
e das empresas (com uma eficiência mensurável), devem ser ensinadas na escola, preparando o
jovem para o mundo da eficiência globalizada e dos novos modelos de consumo e trabalho. Aos
alunos deverá ser ensinada a versatilidade necessária ao trabalhador da tecnologia.
Do ponto de vista gerencial, a relação entre Estado e escolas se tornou mediada por um
sistema de administração pública tipicamente estadunidense, de caráter quantitativo, que pouco,
ou nada, levava em conta as realidades regionais e locais, aceitando padrões estandardizados e um
discurso de sucesso de avaliação, resultando em mais investimentos. Esse sistema abria a possibi-
lidade de ingresso de recursos internacionais, como os oriundos das parcerias do Banco Mundial,
mas somente se o país melhorasse seus números nas parcelas do Banco Mundial. Assim, o banco
se assegurava da execução de seu sistema em escolas de toda a América Latina. Tal prática foi im-
plantada no Brasil no governo FHC (1995-2002).
Sobre o sistema de avaliação empregado, diz Álvaro Hypolito (2010, p. 1.343-1.344):
Com relação à avaliação da educação básica, o Estado brasileiro possui vários
programas, que incluem provas e avaliações em larga escala, as quais visam
232 Direitos humanos e relações étnico-raciais
escolas, nos colégios e nas universidades, da história e cultura indígena e africana. Nesse sentido, é
que o MEC tornou obrigatória a inclusão de cultura africana e indígena no currículo da educação
básica, não só para que os brancos de todo o país conhecessem essa história, mas para que negros
e índios se vissem mais como integrantes da história e da sociedade brasileiras.
A inserção dos negros nas universidades por meio do sistema de cotas e a entrada de negros
e pobres por meio do Prouni e do Fies mudou o cenário universitário brasileiro, tanto nas universi-
dades públicas, marcadas pela contradição de serem públicas mas altamente elitistas, e as privadas,
que se mantinham fechadas aos pobres pelo alto preço das mensalidades. Com a reserva de cotas
para negros, índios e deficientes, a situação mudou e os sistemas de financiamento permitiram a
entrada de milhares de negros e pobres nas universidades. A mudança no currículo dessas institui-
ções atendia a essa reivindicação. No caso dos negros, o número cresceu 230% em 10 anos.
Muitas vezes o exagero aconteceu, como na tentativa do MEC de mudar o ensino de História,
suprimindo o ensino de história antiga e substituindo-o pelo ensino de história da África e dos ín-
dios. A recusa dessa tentativa deixou claro que o aluno brasileiro deverá saber sobre os diversos po-
vos da Antiguidade, do Período Medieval, da Modernidade, da Idade Contemporânea, da África,
da Europa, da América e da Ásia, ou seja, do mundo como um todo.
O Brasil se transformou muito nos últimos anos e promete mais transformações sociais nos
próximos. Sua educação sofrerá uma transformação notável na hora que todos esses egressos das
universidades entrarem no mercado de trabalho e tiverem seus filhos.
12.5 Currículo
Todas as reformas educacionais passam pelo currículo. Ele é definido como essencial nas
escolas e na relação entre professores e alunos. A importância do currículo é tão óbvia que muitas
vezes ele é tratado como o elemento mais importante do contexto escolar.
Para os teóricos da educação, o currículo é fundamental para divulgar na sociedade os co-
nhecimentos e saberes necessários ao cidadão, ao aluno e ao profissional. Mas o problema sempre
será saber o que colocar no currículo e quando. Determinados conhecimentos são fundamentais
para acessar e entender outros. Dessa maneira, é preciso sempre olhar as séries anteriores e as pos-
teriores para saber em qual momento o conhecimento se encaixará na vida escolar dos alunos e
como ele deverá ser acessado pelos alunos e professores posteriormente.
O currículo é o mediador da sociedade e sua cultura herdada entre a escola e o aluno. Sendo
assim, selecionar os elementos do currículo mostra a relação da sociedade com sua cultura e com
a ciência.
Existem três formas de currículo, segundo os especialistas. O currículo formal que é cria-
do pelo sistema de ensino formal, fica estabelecido pelo Estado e estipula os conhecimentos ne-
cessários a serem ensinados em cada ano escolar. Sua referência são os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs). Outro currículo é o real, ou o que acontece em sala de aula. Isso porque existem
momentos em que assuntos prementes ou a realidade dos alunos ou da turma fazem o professor
alterar o programado. Por exemplo, em uma turma com problemas de relacionamento entre os
234 Direitos humanos e relações étnico-raciais
alunos, talvez seja preciso que o professor altere o andamento da disciplina para resolver o proble-
ma. Ou, ainda, talvez a turma não tenha entendido um elemento que precise ser revisto, fazendo
com que o professor deixe de abordar os últimos assuntos do currículo ou reúna-os nas aulas fi-
nais do curso. Muitas vezes a escola e o professor sabem das necessidades dos alunos e executam
alterações no plano de aula para atender uma realidade que o MEC não tem como conhecer. Já o
currículo oculto é o que o aluno aprende em meios diversos, contatos pessoais e leituras fora da
classe e que não está no plano de ensino do professor.
O currículo não pode ser apresentado pela escola e pelo professor como a verdade absolu-
ta. Afinal, o currículo não pode ser a única verdade, mas também não deve permitir a fuga dos
assuntos científicos complicados. Muitas vezes, no entanto, é preciso impor ideias que estão no
currículo, já que a sociedade ou os pais não o farão.
O currículo, portanto, deve ser flexível para dar conta da realidade regional e escolar e, ao
mesmo tempo, tentar cumprir o que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) estipulam. Eles
não devem ser deixados de lado, mas também não podem engessar a aula e o professor. Os PCNs
balizam o que o aluno precisa saber ao longo da vida escolar, estabelecem os parâmetros que orien-
tam teoricamente o ensino e a forma de organizar o encadeamento do conhecimento. Porém, exis-
tirão alunos que aprenderão bem todos os conteúdos de todas as disciplinas no momento que lhes
são ensinados, alunos que terão ao longo da vida escolar que consolidar e reafirmar conhecimentos
e aqueles a quem serão dados os conhecimentos, mas ao longo da vida escolar poucos conceitos
serão passados. Isso quer dizer alunos que saberão sempre, alunos que saberão para realizar as
provas e alunos que não saberão aqueles conteúdos.
A falência do sistema de não repetição que os governos brasileiros criaram fez com que
muitas vezes se voltasse ao modo antigo de mera avaliação e reprovação, quando talvez a saída para
essas dificuldades criadas seja as aulas de reforço, os projetos de extensão, os trabalhos em grupo
para cultivar o conhecimento entre os alunos e a ocupação cultural das escolas pelos alunos, pais
e professores. Isso pode reforçar o espaço da escola na comunidade como propagadora de conhe-
cimentos, fazendo que, independentemente de o aluno passar ou não, ele esteja inserido na escola
e na comunidade, sendo valorizados outros conhecimentos em sua avaliação geral, em todas as
atividades escolares anuais e ao longo do ano.
Os currículos passaram recentemente por um processo de reavaliação de prioridades. A
conscientização do papel do índio e do negro na sociedade, por exemplo, aparece em todos os cur-
sos, visando acabar com a defasagem do conhecimento que os estudantes brasileiros têm dos pro-
blemas referentes a essa população. A obrigatoriedade dos estudos sobre a história da África nos
cursos de História e nas universidades, com os estudos humanos, visa a suprir a demanda e fazer o
aluno e o professor conscientes de que existe uma história africana cheia de elementos interessantes
e relevantes. Dessa maneira, a obrigatoriedade do ensino de cultura afro-brasileira e indígena já
mudou também o mercado, o qual passou a abordar esse tema em seus livros didáticos. Diversas
publicações especializadas apareceram no mercado editorial e diversos grupos culturais de jovens
negros e indígenas mostram uma transformação cultural significativa.
Políticas de ações afirmativas, políticas curriculares e currículo 235
Dicas de estudo
• Casa Grande, direção de Fellipe Barbosa, 2014. 115 min.
Nesse filme, uma família de classe média alta do Rio de Janeiro entra em falência, criando
situações de choque com os empregados da casa e entre o filho jovem e seus pais.
• Que horas ela volta?, direção de Anna Muylaert, 2015. 114 min.
Mulher pernambucana, empregada, recebe sua filha em São Paulo, na casa de seus pa-
trões. O comportamento de sua filha, independente e questionador, coloca-se em rota de
colisão com os donos da casa.
Atividades
1. Faça um resumo dos principais pontos do capítulo sobre o papel das relações raciais brasi-
leiras e os estudos escolares.
2. O conceito de etnia abrange grupos sociais mais ou menos homogêneos racialmente, mas com
ênfase na cultura compartilhada pelo grupo e não pelas suas características físicas.
3. O Brasil foi formado de grupos desiguais de negros, índios e brancos que eram vistos como base
da formação brasileira mas com diferentes níveis de influência. Em 1930, com o Modernismo, os
negros passaram a ser vistos como responsáveis por parte de nossa cultura e sua visão passou a
ser positiva. A partir de 1937, o Estado brasileiro propagandeou a identidade mestiça brasileira e
sua centralidade no Sudeste, com o samba e a feijoada como símbolos nacionais. O Brasil ganhou
contornos ainda mais democráticos com a inserção de minorias e grupos marginalizados na po-
lítica a partir de 1985, criando uma identidade nacional que leva em conta as variações regionais
e a diversidade do povo brasileiro.
2. Toda a riqueza encontrada em território africano era levada para a metrópole. Com a necessidade
de se colonizar a América, descobre-se outro “negócio” rentável na África: o tráfico negreiro. Esse
tipo de comércio terá seu vigor durante os séculos seguintes até meados do século XIX, quando
Portugal começou a sofrer as imposições de países europeus mais poderosos que exigiam mudan-
ças na política portuguesa na África.
4. Os fatores que desencadearam a luta dos povos africanos das colônias contra o regime de Salazar
foram o descontentamento com o Ato Colonial instituído nas colônias, a disseminação das ideias do
Movimento da Negritude, o conhecimento das lutas dos negros norte-americanos contra o racismo e
a independência dos países africanos colonizados por ingleses e franceses.
2. Na penosa travessia pelo Atlântico, muitos africanos morriam em razão das péssimas condições em
que eram transportados nos navios negreiros. Ao chegarem ao Brasil, muitos não se adaptavam ao
trabalho escravo e fugiam para o interior. Assim, eram criados os quilombos no interior do Brasil que
funcionavam como espaços de liberdade para o africano. Entre os séculos XVII e XVIII, centenas de
quilombos existiram no Brasil e o mais famoso deles foi o Quilombo dos Palmares, no qual Zumbi foi
consagrado rei. Nesses lugares, a cultura africana era valorizada e cultuada, embora os africanos que
para ali fugiam fossem de diferentes regiões da África.
3. Podemos dizer que os cultos africanos foram reinventados no Brasil, uma vez que cada grupo étnico
que aqui chegava, estrategicamente disposto pelo colonizador em regiões distintas do Brasil, trazia
uma cultura própria de seu grupo étnico, em que havia crenças e divindades próprias. Porém, a apro-
ximação desses diferentes grupos, com suas crenças diversas, fez surgir um sincretismo das diferentes
religiões africanas, já que umas cultuavam orixás e outras voduns, por exemplo. Esse sincretismo tam-
bém se fundiu ao catolicismo e, em determinadas regiões do Brasil, ao islamismo, e esse amálgama de
crenças gerou os cultos afro-brasileiros.
3. A política que a Coroa estabeleceu para os índios diferenciou “índios aldeados e aliados” de “índios
inimigos”, dando um trato diferente a cada um deles. Aos primeiros lhes foi garantida a liberdade ao
longo de toda a colonização e o direito de serem pagos pelo seu trabalho. Contudo, isso não significa
que não tenham sofrido exploração, sendo sobrecarregados de trabalho e deslocados de um lado a
outro segundo interesses de governantes e particulares. Aos segundos se declarou “guerra justa” e a
escravização posterior foi vista como lícita e até legitimada por várias leis.
4. Os objetivos e princípios que orientaram a primeira agência indigenista estatal – o Serviço de Pro-
teção aos Índios – foram o estabelecimento de uma convivência pacífica entre índios e brancos, a
garantia da sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, a promoção gradual e com métodos
bondosos e dissuasórios de sua “civilização” e formação como “trabalhadores nacionais”. Esses obje-
tivos eram ambíguos, já que se promoveu uma política protecionista, mas ao mesmo tempo integra-
cionista, que considerou a condição indígena como transitória, condenada à extinção. Contudo, com
a diferença das políticas durante a Colônia e o Império, o órgão indigenista defendeu a aplicação de
métodos brandos, de atração, de mudança de hábitos pelo exemplo e o ensino de ofícios e novas for-
mas de trabalho, assim como o inculcamento de valores e símbolos de nacionalidade.
2. Hoje se falam 180 línguas indígenas no Brasil. Algumas delas são consideradas em risco de extinção
devido ao número reduzido de falantes (cerca de 40 das 180 línguas). Outras são vitais e ativas e
possuem um considerável número de falantes. Existem também grupos que perderam suas línguas e
falam somente o português como língua materna, porém alguns deles estão envolvidos em processos
de resgate.
3. O território representa para os povos indígenas não apenas o meio onde obter recursos naturais para
seu consumo, mas também o espaço habitado por seres, espíritos e ancestrais com os quais possuem
fortes vínculos e aos quais associam valores e conhecimentos de fundamental relevância para a re-
produção do grupo.
O território proporciona as condições para o desenvolvimento das economias indígenas, que variam
conforme a extensão de terras, a abundância de recursos naturais e os tipos de ecossistemas que nele
se desenvolvam. Também garante a reprodução cultural ao permitir a continuidade de práticas valo-
rizadas pelos povos indígenas, como a reciprocidade e a generosidade na distribuição de alimentos
e a prática de rituais e festas em que o consumo de certos alimentos e bebidas é fundamental. Ainda
cabe destacar que os indígenas, devido ao maior consumo de bens manufaturados, crescentemente
comercializam os produtos da roça ou da pesca no mercado.
2. Sistema de cotas por raça, gênero, condição social ou outra forma de seleção que tente minorar as
diferenças de acesso de determinados grupos à educação ou ao emprego. Contratação de empresas,
por parte do governo, que respeitem e pratiquem os instrumentos de inclusão de minorias como os
deficientes e os negros e igualdade entre sexos.
3. As críticas revelam que o sistema não leva em conta necessariamente o mérito e separa pessoas segun-
do a cor delas, e não de acordo com sua posição social, ou seja, de maior pobreza.
Referências
ALBERT, Bruce; RAMOS, Alcida Rita. Pacificando o branco: cosmologias do contato no norte amazôni-
co. São Paulo: Ed. da UNESP, 2002.
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de; FRAGA FILHO, Walter. Uma história do negro no Brasil. Salvador:
Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.
ALMEIDA, Rita Heloísa de. O diretório dos índios: um projeto de “civilização” no Brasil do século XVIII.
Brasília: Ed. da UnB, 1997.
ALVES, Castro. Navio Negreiro. In: GOMES, Eugênio (Org.). Poesia. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1980.
p. 74-83.
ALVES-SILVA, Juliana et al. Retrato molecular do Brasil. Ciência Hoje, v. 27, n. 159, p. 24, abr. 2000.
Disponível em: <http://labs.icb.ufmg.br/lbem/pdf/retrato.pdf>. Acesso em: 5 jun. 2018.
ANDRADE, Mário Pinto de. (Org.). Na noite grávida de Punhais antologia temática da poesia africana.
Lisboa: Sá da Costa, 1975. v. 1.
APPIAH, Kwame. Na casa do meu pai: a África na filosofia da cultura. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1997.
AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. Brasília: Ed. da
UnB, 1963. p. 607-650.
BALAKRISHNAN, Gopal (Org.). Um mapa da questão nacional. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2000.
BIRMINGHAM, David. Portugal e África. Trad. Arlindo Barbeitos. Lisboa: Vega, 2003. (Coleção
Documenta Historica, 28).
BOXER, Carl R. O império colonial português (1415-1825). Trad. Inês Silva Duarte. Lisboa: Edições 70,
1981. (Coleção Lugar da História, 14).
BRASÃO, Heber Junio Pereira. Diversidade cultural e cidadania. Cadernos da FUCAMP, v. 12, n.
16, 2013. p. 12-20. Disponível em: <www.fucamp.edu.br/editora/index.php/cadernos/article/view
File/236/224>. Acesso em: 5 jun. 2018.
BRASIL. Lei 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis 7.716,
de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de
novembro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 jul. 2010. Disponível em: <www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12288.htm>. Acesso em: 6 jun. 2016.
_______. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que es-
tabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 10 jan. 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/
L10.639.htm>. Acesso em: 5 jun. 2018.
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
COUTO, Mia. Cada homem é uma raça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
COTISTAS superam notas de não cotistas no vestibular da UFMG. Revista Exame, 26 jan. 2016. Disponível
em: <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/cotistas-superam-notas-de-nao-cotistas-no-vestibular-da-
ufmg>. Acesso em: 5 jun. 2018.
CUNHA, Manuela Carneiro. (Org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
D’ABBEVILLE, Claude. História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão. Trad. Sérgio Milliet.
São Paulo: Martins, 1945.
É UM IDEAL pelo qual estou disposto a morrer; disse Mandela em 64 (2.ª parte). Folha de S.Paulo, dez. 2013. Trad.
Clara Allain. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/12/1381519-e-um-ideal-pelo-qual-estou-
disposto-a-morrer-leia-2-parte-de-discurso.shtml>. Acesso em: 5 jun. 2018.
EMBALÓ, Filomena. Breve resenha sobre a literatura da Guiné-Bissau. Disponível em: <www.didinho.org/
Arquivo/resenhaliteratura.html >. Acesso em: 5 jun. 2018.
EMIRI, Loretta; MONSERRAT, Ruth (Org.). A conquista da escrita: encontros de educação indígena. São
Paulo: OPAN/Iluminuras, 1989.
ENDERS, Armelle. História da África lusófona. Trad. Mário Matos Lemos. Lisboa: Inquérito, 1997.
ERVEDOSA, Carlos. Roteiro da literatura angolana. 2. ed. Lisboa: Edições 70, 1979.
FEITORIA. In: HOUAISS, Antonio. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2004.
FERNANDES, Anamélia Lima Rocha. Política de cotas raciais para ingresso em instituições públicas de ensino
superior: ausência de política pública. Brasília: Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: <www2.camara.
leg.br/responsabilidade-social/edulegislativa/educacao-legislativa-1/posgraduacao/publicacoes/banco-de-
projetos/curso-lpp/lpp-1a-edicao/proj_anamelia_fernandes_lpp>. Acesso em: 5 jun. 2018.
FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa I. Lisboa: Biblioteca Breve, 1977. (Série
Literatura, 6).
_______. Literaturas africanas de expressão portuguesa II. Lisboa: Biblioteca Breve, 1977. (Série Literatura, 7).
FERREIRA, Mariana L. K. Da origem dos homens à conquista da escrita: um estudo sobre povos indígenas e
educação escolar no Brasil. 1992. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, 1992.
FRANTZ, Fanon. Os condenados da Terra. Prefácio de Jean-Paul Sartre. Trad. José Laurênio de Melo. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. (Coleção Perspectivas do Homem, 42).
FROBENIUS, Leo; FOX, Douglas C. A gênese africana: contos, mitos e lendas da África. Prefácio de: SILVA,
Alberto da Costa, Trad. Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Landy Livraria, 2005.
GARCÍA, Stella Maris; PALADINO, Mariana. Educación escolar indígena: investigaciones antropológicas en
Brasil y Argentina. Buenos Aires: Antropofagia, 2007.
Referências 243
GOMES, Simone Caputo. Cabo Verde: literatura em chão de cultura. São Paulo: Ateliê Editorial; Praia/
Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2008.
GOUREVICH, Philip. Gostaríamos de informá-lo de que amanhã seremos mortos com nossas famílias: histó-
rias de Ruanda. Trad. José Geraldo Couto. São Paulo: Companhia de Bolso, 2006.
GREGÓRIO, Rafael. História negra, escola branca. Carta Educação, nov. 2015. Disponível em: <www.carta
educacao.com.br/entrevistas/historia-negra-escola-branca/>. Acesso em: 5 jun. 2018.
GRUPIONI, Luis Donisete Benzi (Org.). Índios do Brasil. São Paulo: Global, 1998.
HYPOLITO, Álvaro Moreira. Políticas curriculares, Estado e regulação. Educação e Sociedade, Campinas,
v. 31, n. 113, p. 1337-1354, out./dez. 2010.
HOBSBAWM, E.; RANGER, T. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 17. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1984.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Tendências demográficas: uma análise dos indígenas
com base nos resultados da amostra dos censos demográficos 1991 e 2000. Rio de Janeiro, 2005.
_______. Os indígenas no censo demográfico de 2010: primeiras considerações com base no quesito de cor
e raça. Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf>. Acesso
em: 6 jun. 2018.
LARANJEIRA, Pires. Literaturas africanas de expressão portuguesa. Lisboa: Universidade Aberta, 1995.
LOPES DA SILVA, Aracy; FERREIRA, Mariana K. L. (Org.) Antropologia, história e educação: a questão
indígena e a escola. São Paulo: Global, 2001.
LOPES DA SILVA, Aracy; GRUPIONI, Luis Donisete Benzi. A temática indígena na escola: novos subsídios
para professores de 1.º e 2.º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995.
LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no
Brasil de hoje. Brasília: Ministério de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu
Nacional, 2006a. (Série Via dos Saberes, n. 1).
_______. Projeto é como branco trabalha; as lideranças que se virem para aprender e nos ensinar: experiências
dos povos indígenas do alto Rio Negro. 2006. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Brasília. Brasília,
2006b.
MACLAURY, Judson. President Kennedy’s E.O. 10.925: seedbed of affirmative action. Federal History, 2010.
Disponível em: <http://shfg.org/shfg/wp-content/uploads/2011/01/4-MacLaury-design4-new_Layout-1.
pdf>. Acesso em: 14 jul. 2016.
MEGGERS, Betty. Amazônia: a ilusão de um paraíso. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
MORSELLI, Enrico. La questione dei Negri. Torino: Fratelli Bocca, 1898. In: RODRIGUES, Raymundo Nina.
Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. p. 294. Disponível em:
<www.ufgd.edu.br/reitoria/neab/downloads/os-africanos-no-brasil>. Acesso em: 12 abr. 2016.
NASCIMENTO, Abdias; NASCIMENTO, Elisa Larkin. Reflexões sobre o Movimento Negro no Brasil.
1938-1997. In: GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo; HUNTLEY, Lynn. (Org.) Tirando a máscara: ensaios
sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
NIMUENDAJU, Curt. Mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju. Rio de Janeiro: IBGE, 1981.
NOVAES, Adauto (Org.). A descoberta do homem e do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
NÚMERO de negros em universidades brasileiras cresceu 230% na última década. Revista Fórum, 23 nov.
2014. Disponível em: <www.revistaforum.com.br/2014/11/23/numero-de-negros-em-universidades-
brasileiras-cresceu-230 na-ultima-decada/>. Acesso em: 6 jun. 2018.
NORMANDO, David et al. Raça versus etnia: diferenciar para melhor aplicar. Revista Dental Press de
Ortodontia e Ortopedia Facial, maio/jun. 2010.
PACHECO DE OLIVEIRA, João. O nosso governo: os Ticuna e o regime tutelar. São Paulo: Marco Zero;
Brasília: MCT/CNPq, 1988.
_______. Muita terra para pouco índio? Uma introdução (crítica) ao indigenismo e à atualização do precon-
ceito. In: LOPES DA SILVA, Aracy; GRUPIONI, Luis Donisete Benzi. A temática indígena na escola: novos
subsídios para professores de 1.º e 2.º graus. Brasília: MEC/Mari/Unesco, 1995.
PACHECO DE OLIVEIRA, João (Org.). Sociedades indígenas e indigenismo no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/
Marco Zero, 1987. Ensaios de Antropologia Histórica. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1999.
______. A viagem da volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no nordeste indígena. 2. ed. Rio de
Janeiro: Contra Capa Livraria/LACED, 2004.
______ (Org.). Hacia una antropología del indigenismo. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2006.
PACHECO DE OLIVEIRA, João; FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. A presença indígena na formação
do Brasil. Brasília: MEC/SECAD; LACED/Museu Nacional. 2006. Disponível em: <www.trilhasde
conhecimentos.etc.br/livros/arquivos/ColET13_Vias02WEB.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2018.
PADILHA, Laura Cavalcante. Entre a voz e a letra: o lugar da ancestralidade na ficção angolana do século XX.
2. ed. Niterói: Ed. da UFF; Rio de Janeiro: Pallas, 2007.
PALADINO, Mariana. Educação escolar indígena no Brasil contemporâneo: entre a revitalização cultural e a
desintegração do modo de ser tradicional. 2001. Dissertação (Mestrado ) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, 2001.
PAULA, Marilene de. Políticas de ação afirmativa para negros no governo Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002). 2010. 149 f. Dissertação (Mestrado em Bens Culturais e Projetos Sociais) – Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getúlio Vargas, Rio de
Janeiro, 2010. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/6891/
CPDOC2010MarilenedePaula.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 6 jun. 2018.
PAULO NETTO, José. Portugal: do fascismo à revolução. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986. (Série
Revisão, 20).
Referências 245
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do perío-
do colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, Manuela Carneiro (Org.) História dos índios no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992.
PINHO, O.; SANSONE, L. Raça: novas perspectivas antropológicas. Salvador: EDUFBA, 2008.
PORRO, Antonio. As crônicas do Rio Amazonas: notas etno-históricas sobre as antigas populações indígenas
da Amazônia. Petrópolis: Vozes, 1992.
PORTAL BRASIL. Em 3 anos, 150 mil negros ingressaram em universidades por meio de cotas. 22 mar.
2016. Disponível em: <www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2016/03/em-3-anos-150-mil-negros-
ingressaram-em-universidades-por-meio-de-cotas>. Acesso em: 6 jun. 2018.
PORTUGAL, Francisco Salinas. Entre Próspero e Caliban: literaturas africanas de língua portuguesa. Santiago
de Compostela: Laiovento, 1999.
REDE ANGOLA. Número de negros em universidades brasileiras cresceu 230% na última década. Revista
Fórum, 23 nov. 2014. Disponível em: <www.revistaforum.com.br/2014/11/23/numero-de-negros-em-
universidades-brasileiras-cresceu-230-na-ultima-decada/>. Acesso em: 6 jun. 2018.
RIBEIRO, Berta. O índio na cultura brasileira. São Paulo: Ática, 1986. (Série Princípios).
______. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. Petrópolis:
Vozes, 1979.
RICARDO, Carlos Alberto. Os índios e a sociodiversidade nativa contemporânea no Brasil. In: LOPES DA
SILVA, Aracy; GRUPIONI, Luis Donisete Benzi. A temática indígena na escola: novos subsídios para profes-
sores de 1.º e 2.º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995.
RODRIGUES, Aryon D. As outras línguas da colonização do Brasil. In: CARDOSO, Suzana et al. (Org.) 500
anos de história linguística do Brasil. Salvador: EDUFBA, 2002.
ROOSEVELT, Ana. Arqueologia amazônica. In: CUNHA, Manuela Carneiro (Org.). História dos índios no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
SANTILLI, Márcio. Os direitos indígenas na Constituição brasileira. In: ______. Povos indígenas no Brasil –
1987/88/89/90. São Paulo: CEDI, 1991.
SANTOS, Sílvio Coelho dos. Povos indígenas e a Constituinte. Porto Alegre: Movimento, 1989.
SAVIANI, Demerval. O legado educacional do regime militar. Cadernos Cedes, Campinas, v. 28, n. 76, p.
291-312, set./dez. 2008.
SCARAMUZZI, Igor Alexandre Badolato. Considerações sobre a(s) escrita(s) “indígena” da história(s).
In: REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA DO MERCOSUL, 7., Porto Alegre. Anais... Porto Alegre, 2007.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade – história
da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SECCO, Carmen Lucia Tindó Ribeiro (Coord.). Antologia do mar na poesia africana de língua portuguesa:
Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau. Rio de Janeiro: PPG-FL/Ed. da UFRJ, 1999. p. 146-151.
_______. A magia das letras africanas: ensaios escolhidos sobre as literaturas de Angola, Moçambique e al-
guns outros diálogos. Rio de Janeiro: ABE Graph/Barroso Produções, 2003.
246 Direitos humanos e relações étnico-raciais
SÉRGIO, António. Breve interpretação da história de Portugal. 14. ed. Lisboa: Sá da Costa, 1998.
SEPÚLVEDA, Maria do Carmo; SALGADO, Maria Teresa (Org.). África e Brasil: letras em laços. Rio de
Janeiro: Atlântica, 2000.
SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002.
______. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/
Ed. da UFRJ, 2003.
SILVA, Rosa Helena Dias da. A autonomia como valor e a articulação de possibilidades: um estudo do mo-
vimento dos professores indígenas de Amazonas, Roraima e Acre. 1998. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
SOUZA FILHO, Carlos F. M. O renascer dos povos indígenas para o Direito. Curitiba: Juruá, 2001.
SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; BARROSO-HOFFMANN, Maria (Org.). Etnodesenvolvimento e políticas
públicas: bases para uma nova política indigenista. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria/Laced, 2002.
_______. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis:
Vozes, 1995.
SPIX, J. B. von; MARTIUS, C. F. P. von. Viagem pelo Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938.
VIDAL, Lux (Org.). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética. São Paulo: Studio Nobel, 2007.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
Aguardando texto, com Anne
Esta obra procura aprofundar alguns assuntos
específicos e indispensáveis, como os direitos
das crianças e dos adolescentes, dos idosos,
das pessoas com deficiência e discutir questões
relacionadas à diversidade étnico-racial, religiosa,
de gênero e LGBT.
A leitura deste livro sobre direitos humanos e
relações é tnico-raciais é muito importante para o
a sua formação acadêmica e, principalmente, para
a construção de sua condição de cidadão, já que
vivemos em sociedade e precisamos aprender a
conviver em harmonia, respeitando as diferenças.