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ENVELHECIMENTOS MASCULINOS:
ENTRE VIVÊNCIAS PLURAIS E EXIGÊNCIAS
NORMATIVAS1
RESUMO ABSTRACT
O presente artigo apresenta reflexões sobre os sig- This article presents reflections on the meanings of
nificados de velhice e envelhecimento, produzidos old age and aging produced in a context of
em um contexto de homossociabilidade, a partir de homosociability, based on information obtained in
informações produzidas em pesquisa de mestrado research carried out in a countryside city of Rio Gran-
realizada em uma cidade do interior do Rio Grande de do Sul. We started from the theoretical inter-
do Sul. Partimos das leituras teóricas que buscam pretations that seek to understand men and
compreender os homens e as masculinidades como masculinity as gender constructions. We seek to
construções de gênero. Buscamos compreender understand how gender symbolic orders produce
como ordens simbólicas de gênero produzem distin- different looks to the aging process, making it plural
tos olhares ao processo de envelhecer, constituindo- and heterogeneous, but at the same time marked by
o como plural e heterogêneo, mas ao mesmo tempo power games. The qualitative methodology was
marcados por jogos de poder. A metodologia, de na- based on ethnographic records made in a central town
tureza qualitativa, baseou-se em registros square, which concentrate a high number of men
etnográficos feitos em uma praça central da cidade, considered old. Our analysis highlights the
onde se concentram uma expressiva quantidade de multiplicity of possible ways to categorize, define
homens considerados velhos. Nossas análises desta- and differentiate aging experiences, also producing
cam a multiplicidade de formas possíveis de different ways of being old man, strongly marked by
categorizar, definir e diferenciar experiências de sexuality as power device.
envelhecimento, produzindo modos de ser homem Keywords: Aging; Gender; Masculinities; Sexuality;
velho também diversos, fortemente marcados pela Process of subjectivation.
sexualidade como dispositivo de poder.
Palavras-chave: Envelhecimentos; Gênero; Mas-
culinidades; Sexualidade; Processos de subjetivação.
1
A pesquisa da qual o artigo é fruto contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
2
Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Cultura, Gênero e Saúde (GEPACS) da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Mestre em Ciências Sociais. E-mail: gabryelamaia@gmail.com
3
Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (UFSM). Doutora em Ciências Sociais. E-mail: perurena@terra.com.br
4
Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Psicologia Social. E-
mail: beneditomedrado@gmail.com
tendência dos estudos feministas e de gê- 1992b) e Craig (1992), o homem e a mascu-
nero em focar nas mulheres, passaram a in- linidade têm sido frequentemente tratados
cluir, em seu debate, a condição feminina. como modelo, padrão, protótipo enfim, re-
Então, surgem problematizações a respeito ferência normativa, afinal, “durante séculos
das formas de envelhecer alternativas às mu- quase todos os livros publicados eram so-
lheres (MOTTA, 1994; DEBERT, 2004; bre homens. Inclusive hoje em dia, se um
ALVES, 2005, 2006; BARROS, 2006a, texto não tem a palavra mulheres no título,
2006b). O debate sobre como novas confi- provavelmente trate acerca dos homens”
gurações, estilos de vida, formas de agir e (KIMMEL, 1992a, p. 129).
perceber a velhice como um processo plural Embora ainda que percebamos uma
expandiram as possibilidades de ser velha ao tendência nos estudos científicos a relacio-
permitir que mulheres velhas pudessem re- nar o conceito de ‘homem’ ao genérico ‘ser
ver os scripts do que é velhice e ser mulher humano’, um conjunto de pesquisadores(as)
(DEBERT, 2004), permitindo-lhes vislumbrar têm-se dedicado a refletir sobre as especi-
novas sociabilidades, fora do âmbito e influ- ficidades do conceito de “masculinidade”,
ência familiar (MOTTA, 1994, 2006; ALVES, como uma questão pertinente aos estudos
2005; BARROS, 2006b).
de gênero, tendo em vista que, como desta-
Por outro lado, estudos sobre a rela-
ca Kimmel (1992a, p. 131), estudar os ho-
ção envelhecimento/gênero sob olhares
mens como atores sociais engendrados é
masculinos são ainda escassos. Alguns pou-
algo “essencial se se busca examiná-los des-
cos estudos encontrados problematizam as
centrando-os de sua situação inicial de ter-
questões referentes ao universo de envelhe-
ritório genericamente inexplorável (homens
cimento masculino desde a perspectiva de
como seres humanos), para fazê-los regres-
gênero ou dos estudos de masculinidade.5
Outros, por sua vez, destacam as diferenças sar a sua condição de seres especificamente
entre os modos de envelhecer feminino e genéricos”.
masculino, considerando-as um elemento Nesse sentido, este trabalho insere-
importante para refletir sobre os estilos de se dentro das discussões que problematizam
vida e modos de pensar e agir na velhice, os homens e as masculinidades não apenas
contudo sem se deter especificamente na como contraponto ao debate sobre a auto-
análise de um ou outro (MOTTA, 1999, nomia e o corpo das mulheres (CONNELL,
2006; DEBERT, 2004; FIGUEIREDO et 1995), mas a partir de reflexões que buscam
al. 2007). a construção de uma matriz teórica feminis-
Procurando deslocar nosso olhar, ta de gênero para pesquisas sobre homens
propusemo-nos a descrever e analisar signi- e masculinidades (MEDRADO; LYRA,
ficados de velhice e envelhecimento pro- 2008), buscamos compreender práticas e sig-
duzidos em um contexto de homossocia- nificados que constituem modos de ser ho-
bilidade, tendo como apoio teórico os estu- mem velho no contexto estudado.
dos de gênero e envelhecimento sob a ótica Esta matriz se organiza em quatro
das ciências sociais, atrelada às leituras fe- eixos: 1) o sistema sexo/gênero; 2) a dimen-
ministas de gênero que buscam compreen- são relacional; 3) as marcações de poder e 4)
der os homens e as masculinidades como a ruptura da tradução do modelo binário de
construções de gênero. gênero nas esferas da política, das institui-
É importante reconhecer que, como ções e das organizações sociais.6
destacam autores como Kimmel (1992a,
5
Podemos citar as dissertações de Carlos Lima Rodrigues (2000) e Mirella Pinto Valerio (2001) e o artigo de Renato Xavier Coutinho
e Marco Aurélio Acosta (2009).
6
Para a construção dessa matriz, tomamos por base especialmente as produções de Vale de Almeida (1995, 1996); Lyra (1997); Medra-
do (1997); Figueroa-Perera (2004); Arilha, Unbehaum; Medrado (1998); Arilha (1999, 2005).
7
Robert Connell submeteu-se à cirurgia para ‘mudança de sexo’ e, mais recentemente, vem publicando ou reeditando suas produções
com assinatura de Rayween (seu nome atual) ou simplesmente R. W. Connell.
8
Tomamos de empréstimo o termo “condição de parceria potencial” utilizado por Nádia Meinerz (2007) para caracterizar a relação
estabelecida durante o seu trabalho de campo a respeito da constituição da parceria homoerótica feminina. Procuramos reter o
mesmo significado utilizado pela autora para caracterizar a relação de pesquisa entre a pesquisadora mulher jovem e os homens
velhos.
a pesquisa. Era início da tarde, por volta de va livre. Constantemente elogiava a pesqui-
13 horas. Havia pouco movimento e poucas sadora, dizendo que esta era simpática, le-
pessoas sentadas nos bancos. Próximo à Rua gal e sabia conversar. Perguntava sobre seus
Venâncio Aires havia um homem, aparen- relacionamentos e o que faria caso algum
tando ter idade avançada, sentado sozinho. dos homens entrevistados se apaixonasse
A pesquisadora cogitou aproximar-se para por ela. Esses constantes elogios constran-
conversar com ele. Ao abordá-lo, a pesqui- giam-na, pois havia um forte indício de se-
sadora apresentou-se como estudante que dução, com constantes elogios e perguntas
tinha como interesse pesquisar o envelhe- que soavam como indiretas. Tinha interes-
cimento masculino. Encerrada a explicação se em continuar encontrando-se com a pes-
dos objetivos da pesquisa e convidando-o a quisadora, mas, em momento algum, esta
participar, ele respondeu: “então nós vamos poderia fazer menção à pesquisa, utilizan-
namorar?” Neste momento, entendemos do ferramentas como o gravador, o roteiro
esta fala como um mal-entendido quanto à ou discutir questões abertas relacionadas à
palavra encontro, pois foi explicado que, pesquisa, o que resultou na impossibilida-
para a realização da pesquisa, seriam com- de de contar com ele como interlocutor.
binados alguns encontros para conversar, e Conforme Plínio, a aproximação de
pensamos que estes poderiam ter soado uma mulher sempre será vista com segun-
como encontro afetivo. Por isso, tentando das intenções. Certa vez, relatou que du-
desfazer esse possível mal-entendido, refor- rante uma conversa entre ele e a pesquisa-
çamos que se tratava de uma pesquisa. Após dora um de seus ex-colegas da Viação Fér-
este encontro, nunca mais o encontramos na rea, sentado em um dos bancos da praça,
praça. estava observando. Após a saída da pesqui-
O que é importante reter deste sadora, aproximou-se dele e perguntou se a
exemplo é que, embora estivéssemos comu- mulher que conversava com ele era sua na-
nicando que se tratava de um encontro para morada. Plínio conta que negou, explican-
uma entrevista, a situação de entrevista, em do que se tratava de uma estudante, reali-
que há alguns encontros para se falar de zando uma pesquisa com os velhos na pra-
determinadas questões, pode ser interpre- ça. Contudo, afirma que apesar de ter ex-
tada diferentemente pelos sujeitos pes- plicado ao seu ex-colega, em geral, todos os
quisados. A esse propósito, Antônio, após homens que circulam pela praça iriam pen-
combinado de encontrá-lo uma segunda vez sar o mesmo ao verem uma mulher jovem
para dar continuidade à pesquisa, comuni- conversando com qualquer homem (Diário
cou que gostaria de encontrar a pesquisa- de Campo).
dora em um bar próximo à praça, onde ele Nesta situação, mesmo os homens
pagaria uma bebida enquanto conversavam. estando cientes dos motivos que levavam a
Compreendemos que se tratava de um con- pesquisadora a aproximar-se deste espaço
vite para um encontro com vias à formação público e a interagir com eles, eles poderi-
de parceria sexual-afetiva. Era uma situa- am colocar em questão esse interesse em
ção inusitada que naquele momento não pesquisar, aceitando participar, explícita ou
sabíamos como contornar. Em razão disso implicitamente, com a intenção de desen-
foi negada a possibilidade de um encontro, volver outro tipo de relacionamento.
reforçando que se tratava de uma pesquisa. A partir dessas situações viven-
Apesar de Antônio concordar com ciadas no contexto da pesquisa, destacamos
os termos dos encontros, dificilmente res- a condição de parceria potencial que
pondia às perguntas ou comentava algo so- permeou boa parte do trabalho de campo
bre sua vida quando proposto uma narrati- realizado na praça. Nádia Meinerz (2007),
de práticas e discursos sobre o envelheci- apontam Maria Liz de Oliveira, Selma Oli-
mento que permitem reconhecer e agrupar veira e Lilian Iguma (2007), a naturalização
homens como velhos ou não, a partir de da funcionalidade da sexualidade para a pro-
determinados noções de masculinidade an- criação também naturalizou a atividade se-
coradas em estatutos corporais. São proces- xual de tal forma que não se poderia pensar
sos de classificação e diferenciação produ- em seu prolongamento até a velhice.
zidos por estes homens que possibilitam Ao combater essa ideia de que a se-
distanciá-los das representações negativas xualidade se extingue com o envelhecimen-
que implicam ser considerado um homem to, a gerontologia defende que o prazer se-
velho. Os significados culturais que consti- xual é um dever e um indicador de saúde,
tuem e estruturam a percepção e a organi- adotando procedimentos terapêuticos para
zação concreta e simbólica das relações en- restabelecer a experiência sexual satisfatória
tre homens e entre homens e mulheres no na velhice em face às disfunções sexuais. A
centro da cidade, institucionalizam os mo- discussão sobre o envelhecimento bem-su-
dos de ser homem velho a partir da virilida- cedido, em sintonia com a ideia de terceira
de e da sexualidade ativa. idade, aparece como uma importante pre-
missa gerontológica para associar a manu-
5 Envelhecer com virilidade: a sexuali- tenção da atividade sexual na velhice à saú-
dade como marcador de diferenças de e à qualidade de vida. Se hoje é possível
falar sobre essa associação, enquanto há bem
Envelhecimento e sexualidade pouco tempo imperava o mito da velhice
quando vistos da perspectiva do desenvol- assexuada, é porque percepções e significa-
vimento humano – envelhecimento conce- ções sobre o envelhecimento vêm sofrendo
bido como progressão cronológica rumo à mudanças nas últimas décadas, de modo a
finitude – tornam-se excludentes mutua- constituir um novo-velho (BRIGEIRO,
mente, pois, dentro da perspectiva de dete- 2006).
rioração, considera-se que há um declínio Se a noção de velho, de acordo com
do desejo, da função sexual (menopausa ou Clarice Peixoto (2006), pertence à
disfunção erétil), perda da atratividade físi- categorização de sujeitos pobres, sem esta-
ca e da justificação social, visto a perda da tuto social, em decadência e dependentes.
capacidade produtiva – saída do trabalho – A preferência pela juventude e o vigor, em
e reprodutiva. nossa sociedade, torna a experiência de en-
Mauro Brigeiro (2006) em seu estu- velhecer negativa, atingindo, sobremanei-
do de revisão da literatura gerontológica so- ra, a vivência de homens velhos que têm a
bre o tema da sexualidade na velhice verifi- capacidade de ereção diminuída. A noção
cou um consenso de que a sexualidade de de velho ao associar-se à negatividade
pessoas mais velhas está marcada pelo “mito inviabilizaria que estes homens se consti-
da velhice assexuada”. Segundo Doris tuíssem como sujeitos sexuais possíveis. Por
Vasconcellos et al. (2004), até bem pouco isso mesmo, torna-se difícil reconhecerem-
tempo ainda se acreditava que o declínio da se como velhos. Aqueles que têm saúde
função sexual ao se chegar em determinada saem de casa, possuem atividades de lazer
idade era inevitável, face à menopausa e à e sociabilidade, mantêm-se sexualmente
progressiva disfunção erétil. Além disso, sua ativo, não se consideram velhos e não que-
justificação social ligada à reprodução per- rem ser enquadrados neste modelo.
deria seu objetivo ao envelhecer e contri- Isto foi perceptível no entendimen-
buiria para uma negligência quanto à exis- to do que seja o envelhecimento com virili-
tência de atividade sexual na velhice. Como dade para os homens que participaram des-
9
Envelhecer com virilidade é um termo êmico.
Essas noções estruturaram as possi- quem é ou não velho não está relacionada à
bilidades de relação e deram suporte ao idade cronológica ou biológica. Pertencer a
modo como os homens velhos entenderam uma categoria implica a identificação da pre-
a entrada de uma mulher em um espaço sença ou ausência de certas condições que
marcado por princípios de visão de divisão demarcam e diferenciam sujeitos. Isto sig-
sexuadas do mundo social. Assim, as parti- nifica que, ainda que haja o reconhecimen-
cularidades surgidas na interação entre pes- to do processo de envelhecimento, reconhe-
quisadora e sujeitos pesquisados, no que diz cerem-se – e serem reconhecidos – como
respeito à condição de parceria potencial homens sexualmente ativos os exclui da
que permeou a relação de pesquisa, de- condição de sujeitos velhos.
monstraram que as representações em tor- A expectativa em torno do
no da masculinidade entrelaçaram-se com envolvimento sexual está associada ao em-
um movimento de resistência à velhice es- penho em reconhecerem-se em um mode-
tigmatizada. lo de envelhecimento que, de modo mais
geral, torna-se uma prerrogativa para uma
6 Considerações finais velhice ativa e saudável. Pode ser pensada
como um dos mecanismos encontrados pe-
Este trabalho teve como principal los homens velhos para demarcar que ‘ve-
desafio compreender representações e sig- lho’ é sempre o outro. Portanto, a sexuali-
nificados de velhice e envelhecimento pro- dade como uma tecnologia que constitui
duzidos em um contexto de homos- comportamentos, sujeitos e representações
sociabilidade masculina, a partir da interação possibilita que, através do sexo, marcadores
com uma pesquisadora mulher e jovem. corporais de diferença materializem os cor-
Avaliamos que os resultados obtidos são pro- pos enquanto corpos velhos ou corpos não
duto e processo de uma relação surgida na velhos.
situação de pesquisa, caracterizada pela con-
dição de parceria potencial e balizada por Referências bibliográficas
uma tecnologia de gênero que (en)gendra
as posições dos sujeitos como sujeitos ALVES, A. M. Família, sexualidade e ve-
gendrados. Entendemos que somente atra- lhice feminina. In: HEILBORN, M. L.;
vés de uma maior atenção ao modo como os DUARTE, L. F.; PEIXOTO, C.; BARROS,
homens estudados estavam significando a M. M. L. Sexualidade, família e ethos
relação de pesquisa foi possível compreen- religioso. Rio de Janeiro: Garamond Uni-
der um conjunto de mecanismos que visam versitária, 2005. p. 19-38.
a diferenciar a experiência pessoal de enve-
lhecer em relação a de outros velhos. _____. Mulheres, corpo e performance: a
Percebemos que esses homens não construção de novos sentidos para o enve-
querem ser posicionados e posicionarem-se lhecimento entre mulheres de camadas
no modelo de velhice assexuada e em de- médias urbanas. In: BARROS, M. M. L.
cadência física, psíquica e social. Por isso, (Org.). Família e gerações. Rio de Janei-
procuram estratégias por meio das quais ro: FGV, 2006. p. 67-89.
possam diferenciar suas experiências indi-
viduais de envelhecimento da experiência BARROS, M. M. L. Gênero, cidade e gera-
de outros sujeitos considerados por eles ção: perspectivas femininas. In: BARROS,
como pertencentes ao modelo de velhice. M. M. L. (Org.). Família e gerações. Rio
A classificação e significação de de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006a.
p.17-37.