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Palhoça
2010
ALINE JULIANA VICENTIN RODRIGUES
Palhoça
2010
ALINE JULIANA VICENTIN RODRIGUES
_________________________________
Prof. e orientadora Michelle Regina da Natividade, Msc.
Universidade do Sul de Santa Catarina
_________________________________
Prof. Leandro Castro Oltramari, Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina
_________________________________
Prof. Vanderlei Brasil, Esp.
Universidade do Sul de Santa Catarina
Dedico este trabalho ao meu amor, meu
marido Jerônimo Jr., “artista-trabalhador”,
por ter me apresentado o “mundo da
música” e ter instigado minha curiosidade
em estudá-lo. Sou tua fã.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente aos meus queridos pais, Orli e Maria Carmem, por seu
amor imensurável, sempre me apoiando em todos os momentos de minha vida.
Obrigada por terem me proporcionado a oportunidade deste recomeço profissional.
Amo vocês.
Ao meu marido e “consultor para assuntos musicais”, Jerônimo Jr., pela
eterna parceria e compreensão nos meus momentos de “neura total” no decorrer da
faculdade, principalmente neste último ano, que foi de muitas “ausências”. A vida
sem você não faz sentido. LUS.
À minha sobrinha e afilhada, Ana Beatriz, por sua especial participação na
realização de trabalhos acadêmicos durante minha formação, e por entender os
tantos “a dinda tem que fazer um trabalho da escola!”, que impossibilitaram que
nossa convivência fosse maior. Amo você.
À Iza, por seu amor incondicional e pela companhia nos dias e noites
“tccendo”. Quem criou o slogan “cachorro é tudo de bom”, sabia o que estava
dizendo.
Aos meus queridos sogros, Jerônimo e Eluiza, por seu amor e
acolhimento na vida de vocês.
À “minha” professora orientadora do TCC II, Michelle, por seu carinho e
paciência no decorrer desta caminhada, não só durante as orientações, mas
também no período em que fui monitora da disciplina de Psicologia das
Organizações e do Trabalho II, ministrada por você. Obrigada também por me fazer
compreender que os “travamentos intelectuais” são “completamente normais”.
Aprendi muito com você. Admiro sua dedicação à docência e procurarei espelhar-me
nela.
Ao querido professor Pedro, orientador do TCC I, pelos incentivos na
elaboração do projeto desta pesquisa e pela sua amizade, iniciada nas aulas de
Metodologia da Pesquisa em Psicologia I e estreitada com o trabalho em conjunto
no Boletim Informativo do Curso.
Ao professor Vanderlei, por aceitar o convite para participar da banca
desta pesquisa desde a qualificação, contribuindo com seu saber. Suas aulas de
História da Psicologia, na primeira fase, instigaram meu interesse em estudar
Psicologia.
Ao professor Leandro, “músico-psicólogo”, pela contribuição dada a este
estudo nas aulas de Oficina Metodológica I, e por tão prontamente aceitar o convite
para participar da banca de defesa.
À professora Cristiani, orientadora no estágio clínico, pelos muitos
“desvios” provocados, por meio de “frustrações” super “habilidosas”! Obrigada por
“não desistir de mim” e por me “fazer acreditar” que sim, sou uma gestalt-terapeuta.
Você é ótima!
À “minha” psicóloga querida, Ana Luiza, por ter me acompanhado nesses
anos todos, ajudando-me a “despir minha armadura”, sempre me recebendo de
“braços abertos” e compreendendo meus momentos de “resistência”. Obrigada pelos
ótimos “encontros”, nos quais pude dividir com você minhas alegrias e angústias.
Admiro seu trabalho.
Às amigas Cidiane, Denise e Renata, companheiras de orientação de
TCC e estágio, por transformarem cada momento difícil em alegres encontros, com
união e afeto, e também por me ensinarem a conviver em grupo, ajudando-me a
“enxergar” minha maneira um tanto esquisita de querer “fazer tudo sozinha”. Como
diz a música, “não importa o arranjo, em conjunto somos mais do que solo”. Vocês
fazem parte da minha história. Contem comigo sempre. Adoro vocês!
Aos amigos e parceiros de estágios Mariana, Gabriela, Liliane, Rafaela,
Micheli, Vitor, Eduardo, Hellen e Luana, pelos momentos de convivência que
resultaram em aprendizado significativo. Vocês são especiais.
Às professoras Carolina e Juliane, orientadoras no estágio em Gestão de
Pessoas, pelos conhecimentos compartilhados. Vocês são profissionais exemplares.
Aos músicos “Paulo” e “Edu”, pela participação fundamental no estudo
piloto desta pesquisa.
Aos músicos da banda “Resistência”, que confiaram a mim, uma “ilustre
desconhecida”, um pouco de suas histórias profissionais, possibilitando a realização
desta pesquisa. Sucesso!
A todos, familiares, amigos e professores, que direta ou indiretamente
contribuíram para que minha trajetória acadêmica fosse mais completa, meu muito
obrigada.
“Desde que a Igreja pára de patrocinar ali o grande músico ele tem que se virar né,
daí tamo tudo junto desde essa época.” (Gary)
RESUMO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12
1.1 PROBLEMÁTICA E JUSTIFICATIVA................................................................... 13
1.2 OBJETIVOS......................................................................................................... 18
1.2.1 Objetivo geral.................................................................................................. 18
1.2.2 Objetivos específicos..................................................................................... 18
2 REFERENCIAL TEÓRICO..................................................................................... 20
2.1 O TRABALHO E SEUS SENTIDOS ..................................................................... 20
2.2 O TRABALHO NO CAMPO DA MÚSICA ............................................................ 24
2.3 O MÚSICO, A MÚSICA E A BANDA AUTORAL ................................................. 27
3 MÉTODO ................................................................................................................ 31
3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA .................................................................. 31
3.2 PARTICIPANTES ................................................................................................ 31
3.2.1 Lula .................................................................................................................. 32
3.2.2 Bob................................................................................................................... 33
3.2.3 Gary ................................................................................................................. 33
3.2.4 Patrick.............................................................................................................. 34
3.2.5 Eugene............................................................................................................. 34
3.3 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS....................................................... 35
3.3.1 Estudo piloto................................................................................................... 35
3.4 PROCEDIMENTOS ............................................................................................. 36
3.4.1 Procedimento de seleção e contato com os participantes ........................ 36
3.4.2 Procedimento de coleta de dados e registro das informações ................. 36
3.4.3 Procedimento para organização e análise dos dados ................................ 37
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ...................................................... 39
4.1 TRAJETÓRIA PROFISSIONAL ........................................................................... 39
4.2 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO................................................................. 48
4.2.1 Cotidiano de trabalho..................................................................................... 48
4.2.2 Dificuldades para o exercício profissional de uma banda autoral ............ 54
4.3 IMAGEM SOCIAL DO MÚSICO .......................................................................... 60
4.4 DEFINIÇÃO DE TRABALHO............................................................................... 65
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 71
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 76
APÊNDICES.............................................................................................................. 84
APÊNDICE A – Roteiro de entrevista..................................................................... 85
APÊNDICE B – Protocolo de observação ............................................................. 87
APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Estudo piloto . 88
APÊNDICE D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ........................... 89
12
1 INTRODUÇÃO
buscando mostrar o que pretendi com esta pesquisa. Na segunda parte apresento o
referencial teórico, que contempla as temáticas sobre o conceito de trabalho e seus
sentidos; o trabalho no campo da música; e o músico, a música e a banda autoral,
que serviram de base para a análise dos dados. No método, referente à terceira
parte, caracterizo a pesquisa, os participantes, as estratégias para coleta dos dados
e os procedimentos de organização, tratamento e análise dos dados. Na quarta
parte apresento a análise dos dados e, por último, na quinta parte, as considerações
finais.
Ah, você é músico! Mas o que você realmente faz? Com o quê você
trabalha? Questões como essas podem ser ouvidas quando é questionado ao
músico, que tem no fazer musical sua principal fonte de renda, qual sua profissão.
Por que é tão importante saber que profissão cada um exerce? Para Ciampa (2001),
é pelo fazer que nos tornamos algo, pois o trabalho é fator essencial para a
constituição da identidade humana, que está sempre em construção, e é um
processo que se dá na relação com os outros. Segundo Codo (1985), o trabalho é
considerado uma via de identificação com o outro, pois ele nos insere em
determinado grupo, em uma espécie, nos igualando e nos distinguindo dos demais
sujeitos. Nestes termos, em nossa sociedade, tornou-se comum que, ao ser
perguntado a alguém: quem é você?, a resposta venha (ou tenha que vir)
acompanhada de aspectos relacionados ao trabalho que este realiza, “reservando
um lugar de destaque ao papel de trabalhador.” (JACQUES, 1996, p. 22).
O trabalho hoje, mais do que em outros tempos, é considerado
determinante na vida das pessoas. (CODO, 2006). Conforme Diogo (2005), a partir
da Primeira Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, e com a consolidação do
sistema capitalista de produção, passamos a viver numa sociedade de trabalho e
este passou a definir a maneira como nos situamos socialmente. Desde então,
somos reconhecidos pelo trabalho que realizamos, havendo uma valorização do
aspecto profissional. Desta forma podemos entender que o homem é reconhecido
14
por aquilo que faz, e que o trabalho ocupa um lugar central em nossa vida, pois,
segundo Natividade (2007), é com base nele que planejamos e organizamos os
demais aspectos do nosso dia-a-dia.
De acordo com Olivier e Silva (2004), algumas profissões tradicionais, tais
como a de médico ou advogado, destacam-se das demais em termos de
remuneração, status e aceitação pelo meio social, e nestes termos, para as autoras,
existem outras que não são reconhecidas pela sociedade, e a de músico é uma
delas, embora esteja registrada na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), do
Ministério do Trabalho e Emprego. Conforme Jacques (1996, p. 24-25), “alguns
espaços de trabalho e/ou categorias profissionais, pelas suas especificidades
próprias, em geral associadas a prestígio ou desprestígio social, proporcionam
atributos de qualificação e/ou desqualificação do eu”, o que, para Diogo (2005), pode
vir a representar experiências de sofrimento e repercutir na vida do sujeito, no
trabalho e fora deste.
A profissão de músico é regulamentada de acordo com a Lei nº 3.857, de
22 de dezembro de 19601, que cria a Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), dispõe
sobre a regulamentação do exercício da profissão e dá outras providências. A
história da OMB, instituída com a finalidade de exercer, em todo país, a seleção, a
disciplina, a defesa da classe e a fiscalização do exercício da profissão do músico, é
marcada por polêmicas que permanecem até hoje, além de ser questionada em sua
legitimidade pelos próprios músicos, que argumentam contra a obrigatoriedade de
filiação que a ordem impõe a todos que aspiram exercer a profissão (PICHONERI,
2006). Sobre esta questão, foi noticiado no Jornal Federal Hoje2, que, em 14 de julho
de 2009, a procuradora-geral da República em exercício, Deborah Duprat,
protocolou uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra dispositivos da Lei
n. 3.857/60, por considerar que alguns de seus artigos violam a Constituição Federal
e são incompatíveis com a liberdade de expressão artística e profissional. Para
Chaves (2007), o fato de esta profissão estar incluída na CBO e ter regulamentação
por Lei Federal, seria um indicativo de sua importância em nossa sociedade.
Apesar dessa importância aparente, segundo Assis (2008) e Olivier e
Silva (2004), no senso comum o mundo artístico ainda carrega muito das marcas do
1
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3857.htm>. Acesso em: 17 ago. 2009.
2
Jornal de circulação interna no Tribunal Regional Federal – Seção Judiciária do Estado da Bahia.
Disponível em: <http://www.ba.trf1.gov.br/JFBA/Noticias/jfh/09-07-17.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2009.
15
passado, sendo que o estereótipo vigente é de que os músicos têm uma imagem
vinculada ao uso de drogas e consumo de álcool, de sujeitos que nada fazem e que
não são úteis à sociedade, pois a música, nesse sentido, não é considerada
trabalho. No Brasil, segundo Maheirie (2001), a maior parte dos trabalhadores do
campo musical dificilmente consegue viver exclusivamente da música, tendo de
buscar reforço econômico em outras áreas. Um dos fatores para esta constatação
pode estar relacionado ao preconceito social decorrente do sistema capitalista
vigente, que supervaloriza o trabalho formal e acaba dificultando o reconhecimento e
a identidade dos sujeitos que trabalham para proporcionar lazer à sociedade.
(ASSIS, 2008). Mesmo aqueles que conseguem sucesso comercial e financeiro não
escapam aos estereótipos constituídos no imaginário social, como por exemplo de
“estrela”, aos quais Maheirie (2001) chama de estereótipos positivos, que acabam
contribuindo para a não visibilidade das condições reais do seu trabalho.
Souza (2008 apud SUGIMOTO, 2008) investigou o trabalho e a formação
profissional no campo da música e, em sua tese, recorrendo aos clássicos da
literatura para mostrar a consolidação da profissão de músico no Brasil, constatou
que este aparece como um malandro à margem da sociedade, citando como
exemplo o violonista dos romances de Lima Barreto, que retrata a imagem pública
do músico na época, perdurada na contemporaneidade. Para exemplificar este
estereótipo nos dias de hoje, o autor, que dirige a Escola de Música da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), fez referência ao caso de pais que
procuram uma escola de música por apreciarem a ideia de educação musical de
seus filhos, mas temem todo e qualquer tipo de orientação para a formação
profissional. Neste sentido, não são raros os sujeitos que, preocupados com a
insegurança e marginalização da profissão de músico, acabam abandonando-a ou
adotando-a como coadjuvante em suas vidas ou apenas como hobby. (BAIOCCHI,
2008; OLIVIER; SILVA, 2004). Aos que pretendem manter sua escolha pela música,
muitas vezes há a necessidade de mudança para os grandes centros urbanos, ou
outros países, onde há maiores possibilidades de crescimento e perspectivas
profissionais. (BAIOCCHI, 2008; MAHEIRIE, 2001).
Coli (2005 apud PICHONERI, 2006) enfatiza em seus estudos que
houveram mudanças no mundo do trabalho, no qual estão inseridas as artes e a
música na sociedade contemporânea e, portanto, a ideia que o senso comum faz do
trabalho musical, atribuindo-lhe um significado de diversão, é questionável. Menger
16
(2005 apud SIQUEIRA, 2005, p. 491) assinala que “o nosso tempo não é mais o das
representações herdadas do século XIX, que opunham o idealismo sacrificial do
artista e o materialismo do trabalho calculado [...]”, aspecto histórico destacado na
conhecida fábula de La Fontaine, A cigarra e a formiga, “[...] típica alegoria do elogio
ao trabalho e crítica à ‘vagabundagem’ da cigarra, que passara o verão cantando e
‘se esquecera’ de fazer as provisões para o inverno.” (ARANHA, 1997, p. 28). Na
contemporaneidade, portanto, distante de representações românticas, contestatórias
ou subversoras do artista, seria necessário vê-lo como uma “figura exemplar do
novo trabalhador” (SIQUEIRA, 2005, p. 492), que tem coisas a nos ensinar, tais
como versatilidade da mão-de-obra e flexibilidade das relações de trabalho,
indispensáveis no atual contexto laboral.
Neste ponto questiona-se: a música é arte ou profissão? De acordo
Siqueira (2005, p. 492), “a arte não é mais somente o oposto do trabalho [...]”, e para
Pichoneri (2006 apud SUGIMOTO, 2006, p. 12), “músicos não são apenas artistas,
mas também trabalhadores; são artistas-trabalhadores”. Por que então o trabalho do
músico, segundo Olivier e Silva (2004), não é reconhecido pela sociedade? Este
profissional considera o seu fazer como trabalho? Como são estabelecidas as suas
relações de trabalho? Quais as características das atividades que desenvolve?
Como se deu sua profissionalização? Como se insere no mercado de trabalho? A
expressão “sexo, drogas e rock n’ roll” pode ser relacionada ao seu trabalho? Diante
do exposto pergunta-se: Quais os sentidos que músicos de uma banda autoral
atribuem ao seu trabalho?
Segundo Alberton (2008), a importância do trabalho na sociedade
contemporânea estimula seu estudo no meio acadêmico. Dentre os estudos
realizados estão as pesquisas sobre os sentidos que os trabalhadores atribuem
àquilo que fazem, que, conforme Tolfo e Piccinini (2007), podem ser realizadas por
diferentes disciplinas e diversas perspectivas teóricas. Nesta pesquisa opta-se pela
perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica, que toma como base a Psicologia
Histórico-Cultural de Vygotski, fundamentada epistemologicamente no materialismo
histórico-dialético.
A escolha em estudar os músicos de uma banda autoral deu-se em
função de que estes profissionais têm uma relação não alienada com o produto do
seu fazer, a música, ou seja, não se vêem impedidos de “[...] exercer sua liberdade e
criatividade no trabalho [...]” (TOLFO; PICCININI, 2007, p. 40). Portanto, segundo
17
Aranha (1997), podem colocar em prática o que eles mesmos projetaram, não
havendo separação entre a concepção e a execução do trabalho, sem terem um “[...]
sentimento de estranheza perante o todo [...]” (TOLFO; PICCININI, 2007, p. 40). Isto
possibilita que, ao produzirem uma música, criem uma série de significados e
produzam a si próprios através dela. Esta característica do fazer musical exemplifica
o que é o trabalho para Codo (2006, p. 80), ou seja, “uma relação de dupla
transformação entre o homem e a natureza, geradora de significado.”
Na revisão bibliográfica realizada, no período de agosto a novembro de
2009, em bases de dados disponíveis on-line3 e nas Bibliotecas da UNISUL e da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), foi possível constatar que a
temática sobre o sentido do trabalho é registrada em pesquisas de diferentes áreas,
contudo, ainda é pouco explorada na literatura em Psicologia.
As pesquisas em Psicologia encontradas abordaram o sentido do trabalho
em diversas profissões, tais como a de Coutinho, Diogo e Joaquim (2008), Morin,
Tonelli e Pliopas (2007), Dal Magro (2006), Diogo (2005), Gonçalves e Coimbra
(2002), Morin (2001) e Basso (1998); Dias (2009), pesquisou a relação do sentido do
trabalho com o projeto de vida de universitários; Faccio (2008), investigou os
sentidos que proprietários de empreendimentos familiares atribuem ao trabalho que
seus filhos/dependentes com menos de quatorze anos realizam em suas empresas;
Natividade (2007), buscou compreender os sentidos do trabalho atribuídos pelas
crianças; e Coutinho e Gomes (2006), pesquisaram o sentido do trabalho a partir de
oficinas vivenciais com jovens. Foram também localizadas, na literatura em
Administração, as pesquisas de Alberton (2008), Ribeiro (2007), Araújo (2005) e
Oliveira (2004), que versaram sobre o sentido do trabalho para profissionais de
várias áreas. O estudo de Baiocchi (2008), sobre os sentidos do trabalho acústico
para um músico profissional, aproxima-se da temática desta pesquisa.
Na área da música e do trabalho no contexto musical, foram localizadas
pesquisas em distintas áreas de conhecimento. Assis (2008), que investigou sobre a
psicodinâmica do trabalho dos músicos de uma banda de blues; Chaves (2007), que
pesquisou sobre o bem-estar subjetivo e os valores humanos em músicos e
advogados; e Maheirie (2001), que buscou compreender a mediação do trabalho
3
Bases de dados on-line pesquisadas: Scielo (www.scielo.br); Biblioteca Virtual em Saúde –
Psicologia (www.bvs-psi.org.br); Banco de Teses da Capes (http://servicos.capes.gov.br/capesdw);
Biblioteca Universia (http://biblioteca.universia.net/index.htm).
18
1.2 OBJETIVOS
2 REFERENCIAL TEÓRICO
e fora do trabalho. Neste ponto, cabe dizer que, segundo Codo (1985, p. 9), “[...] o
trabalho é ao mesmo tempo criação e tédio, miséria e fortuna, felicidade e tragédia,
realização e tortura dos homens”. Com o exposto, pode-se entender o trabalho como
fonte de sofrimento, quando é alienado4; e de prazer, quando, por exemplo, quem o
realiza se reconhece no que faz.
No que tange aos sentidos e significados do trabalho, Tolfo e Piccinini
(2007) referem que os primeiros estudos sobre este tema datam de 1975 e são
atribuídos aos psicólogos Hackman e Oldhan, representantes da Escola
Sociotécnica. Os pesquisadores relacionaram a qualidade de vida no trabalho ao
sentido do trabalho e concluíram que um trabalho dotado de sentido é importante,
útil e legítimo para quem o realiza. Além disso, ele deve apresentar três
características essenciais:
4
No trabalho alienado o sujeito não imprime ao seu fazer nenhuma característica sua e como
consequência, não se reconhece na obra que executa, além de não controlar o processo produtivo
em si, visto que a decisão do que, quando, quanto e como fazer não é da competência do
trabalhador. (ARANHA, 1997).
23
5
No sentido de Marx, “o trabalho improdutivo é aquele que não se constitui como um elemento vivo
no processo direto de valorização do capital e de produção de mais-valia. [...] Improdutivos, para
Marx, são aqueles trabalhadores cujo trabalho é consumido como valor de uso e não como trabalho
que cria valor de troca.” (ANTUNES, 2001, p.197, grifo do autor).
25
6
Para Marx, o trabalho produtivo é “aquele que participa diretamente do processo de criação de
mais-valia.” (ANTUNES, 2001, p.197, grifo do autor).
7
Dias (1997, p. 145) considera a difusão “[...] como espaço de mercado que antecipa, complementa e
direciona o consumo.”
26
8
Segundo Bourdieu, o capital cultural prevê as condições objetivas de aquisição da cultura, definindo
seu processo e o resultado final. Manifesta-se de três formas: estado incorporado: como um
patrimônio adquirido e interiorizado no organismo, passando a ser indissociável da pessoa,
constituindo uma habilidade que a valoriza; estado objetivado: como bens de consumo duráveis; e
estado institucionalizado: como uma forma objetivada, um certificado. (FUCCI AMATO, 2008).
29
uma música estabelece-se relação não apenas com a matéria musical em si, mas
também com toda rede de significados construídos socialmente, em contextos
coletivos amplos e singulares. Para as autoras, “os significados e sentidos
demonstram a utilização viva da música e a constante movimentação de sujeitos
implicados com a atividade musical, que constituem esta atividade enquanto ela
também se faz constituinte deles.” (p. 107)
Ao se reunirem para criar uma banda, os músicos constituem-se num
grupo unificado em torno de um projeto musical comum. (MAHEIRIE, 2001). No
trabalho autoral de uma banda, os músicos são os compositores e arranjadores da
obra musical, e também os intérpretes, bem como, cada componente é responsável
por uma tarefa no conjunto das atividades a serem desenvolvidas pela banda.
Tendo delineado o referencial teórico, a seguir será apresentado o
método.
31
3 MÉTODO
3.2 PARTICIPANTES
3.2.1 Lula
9
Os nomes fictícios fazem referência aos personagens do desenho animado “Bob Esponja”, e
surgiram em decorrência de uma brincadeira entre os integrantes da banda.
33
trabalhos musicais cover, dentre eles um trio, composto por ele, Bob e Patrick.
3.2.2 Bob
Bob considera que sua história musical iniciou aos 11 anos de idade,
quando fez aulas de violão clássico. Após aproximadamente dois anos de estudo
passou um período longe da música, mais ligado em atividades esportivas, e a partir
do surf retomou a música, pois levava o violão para a praia e tocava para os amigos,
suscitando “a vontade de montar uma banda” (sic). A banda montada foi a
Resistência, que inicialmente tocava músicas de outras bandas, mas já tinha
músicas autorais, escritas por ele, que compõe a maioria das letras das músicas da
banda. Mesmo já trabalhando com a banda, Bob, influenciado pela crença de que
tinha que dar continuidade aos estudos, iniciou a faculdade de Agronomia mas não
concluiu, dedicando-se à música nas suas possibilidades de atuação autoral, cover e
free-lancer, que constituem sua renda.
3.2.3 Gary
3.2.4 Patrick
3.2.5 Eugene
Eugene começou a estudar música aos 8 anos de idade, sendo que ele,
os quatro irmãos e a mãe estudaram piano. Fez também aulas de teclado e teve
contato informal com outros instrumentos, como flauta e violão, durante a faculdade
de Educação Artística com Habilitação em Música que cursou. No início de sua
carreira como músico dava aulas informalmente para alguns amigos e “fazia som”
(sic) com alguns deles, considerando que iniciou profissionalmente sua carreira com
a entrada na Resistência há 12 anos, quando passou a ser remunerado pelo seu
trabalho. A música sempre foi seu único trabalho, seja tocando com a Resistência,
ou em casamentos, ou ministrando aulas, ou em produções de discos.
35
3.4 PROCEDIMENTOS
10
Gíria relacionada ao surfe, que se refere a um surfista que diz saber surfar, mas na verdade não
sabe.
43
[...] eu não tive nem tempo de pensar em ser outra coisa... Quando eu vi eu
já era músico e já tava envolvido, não tive nem a possibi... nem me permiti
abrir a possibilidade de... ah o que é que eu vou fazer... quando eu vi eu já
era... foi meio natural... tocava pros amigos, aí tocava pra galera, já tocava
pra ganhar um dinheirinho... montou uma banda, passa a fazer som e viver
disso... foi um processo bem natural. Foi indo.
45
“[...] seria a área mais fácil das pessoas entenderem como uma profissão da
música.”
Segundo Alves (2007), o aprimoramento dos saberes apenas habilita o
sujeito para competir num mercado de trabalho cada vez mais restrito. Para autores
como Pichoneri (2006) e Diogo (2005), a qualificação profissional não é garantia de
reconhecimento dos conhecimentos profissionais e nem tampouco do ingresso no
setor produtivo. As afirmativas destes autores contrariam a lógica capitalista que
corrobora a necessidade de qualificação profissional para a inserção no mercado de
trabalho. A referida lógica, em última instância, pode acabar por responsabilizar o
sujeito pelo seu sucesso ou fracasso profissional.
Uma culpabilização, em relação à dificuldade de inserção no mercado de
trabalho da música, pode ser percebida na fala de Eugene, quando relata que “[...] a
gente demorou para ter uma qualidade de gravação, de composições mesmo de
músicas que pudessem ser incluídas na rádio, ou uma qualidade de show que
valesse dois, três mil reais e que uma casa noturna pagaria sem menor problema
[...]”. Contudo, não se pode esquecer da existência de fatores, dentre eles o
econômico, representado pelo jabá, como referido por Dias (1997), que acabam
interferindo no consumo do produto fonográfico, o que faz com que muitos trabalhos
com qualidade continuem “marginalizados”. Considerando o sistema capitalista em
que vivemos, pode-se inferir que qualquer atividade artística (ou não) acaba sendo
submetida à lógica financeira de mercado.
Por meio das categorias e subcategorias construídas, foi possível
compreender o processo de constituição profissional dos participantes. Os músicos
investigados construíram uma história de relação com a música, desde a infância e
adolescência, de forma que esta passou a ser o seu trabalho principal, em todas as
suas possibilidades de atuação.
Tendo delineado a trajetória profissional dos músicos da banda
Resistência, a seguir será apresentada a caracterização do seu trabalho.
48
11
Músico contratado que integra a banda de apoio de um artista.
51
dados coletados por meio de observação não participante em um show do trio cover
formado Lula, Bob e Patrick. No trabalho cover, os músicos são responsáveis pela
montagem do equipamento e preparação do repertório que seja condizente com as
expectativas do público, tocam por um período de aproximadamente quatro horas,
com dois intervalos, e recebem, dependendo do contratante, cachê fixo ou
percentual do couvert artístico cobrado pelo local onde se apresentam. No trabalho
autoral, a estrutura do show é mais complexa, envolvendo outras pessoas na
preparação do espetáculo, além de que, segundo Lula, “[...] as pessoas vão no show
pra curtir o artista [...]”, vão porque se identificam com a banda e suas composições,
diferente do cover, que seria entretenimento para o público que frequenta uma casa
noturna. Em suma, o trabalho cover representa para eles, o “[...] ganhar dinheiro
[...]”, como dito por Lula, e o autoral, o “[...] momento fantástico [...]” da profissão,
nas palavras de Gary.
A flexibilidade das atividades realizadas pelo músico acaba por
estabelecer que seu horário de trabalho não seja fixo, o que pode torná-lo
cansativo e “[...] mais difícil [...]”, como relatou Patrick. O horário de trabalho dos
participantes pode ser dividido em semanal e em dia de show. O semanal refere-
se ao tempo dedicado às atividades cotidianas da banda e aos trabalhos paralelos,
sendo assim, é “[...] dependente da demanda [...]”, como afirmou Eugene. O tempo
de trabalho em dia de show, que pode ser local ou em outra cidade, não se
restringe somente ao momento da performance, como afirmado por Patrick ao
ponderar que “[...] desde a hora que eu saí de casa eu tô trabalhando [...]”. Porém,
no discurso do senso comum, tornou-se habitual que seja dito que o trabalho do
músico limita-se à apresentação, o que, segundo Requião (2008), acaba encobrindo
a complexidade do seu processo de execução.
No que se refere ao show em outra cidade, de acordo com o relato dos
participantes, este demanda um tempo maior de trabalho e é cansativo, visto que
envolve viagem, além das outras atividades inerentes à apresentação. Entretanto, o
fato de viajar proporciona um momento de integração para a banda, pois segundo
Bob, “[...] cada um tem a sua vida, então quando a gente tá viajando a gente tá junto
ali, tá todo mundo junto, as ideias tão ali, e é muito legal, é bom isso [...]”. Quanto ao
show local, para Lula, a “[...] função é mais fácil, porque a gente meio que combina
um horário, dependendo do horário a gente vai, passa o som e volta pra casa ou
então fica na casa de alguém todo mundo [...]”.
52
12
O artista independente não está ligado a grandes gravadoras.
54
parte de produção, na parte burocrática [...]”, como dito por Gary, o que corrobora
Martins (2004, p. 12) ao referir que “[...] para uma banda funcionar todos têm de
trabalhar.” O autor ainda expõe que não é possível romantizar a profissão e pensar
que o trabalho do músico é fácil, pois este demanda planejamento e dedicação, que
não necessariamente são revertidos em sucesso financeiro e reconhecimento
profissional imediatos.
Pela análise do cotidiano de trabalho dos participantes, foi possível
constatar que há uma rotina, e que todas as atividades por eles desenvolvidas estão
relacionadas com a música. Os cinco músicos “vivem” sua profissão, mesmo não
estando em atuação.
Para melhor caracterizar o trabalho dos participantes, a seguir serão
apresentadas as dificuldades, por eles apontadas, para o exercício profissional de
uma banda autoral.
Falta de apoio para o “Falta locais pra tocar, faltam projetos assim. 5
trabalho autoral em É, por exemplo no Rio, tem um projeto de
Santa Catarina lonas, que as bandas de autoral tocam nas
favelas, tem lonas culturais que chamam lá, e
isso mexe com a cultura né, faltam aqui.”
(Bob)
Falta de consumo do “Eu vejo pelo Rio Grande do Sul, que além 5
trabalho autoral de ter os veículos de comunicação que
catarinense influenciam aqui, eles tem o lado deles de
gostar do que é deles, que eu acho que a
gente gosta do que é deles e não do que é
nosso né.” (Bob)
55
13
Grande gravadora de discos.
56
14
Mais informações sobre o FEMIC no site: http://www.femic.com.br/2009.
57
pra cá, então a gente acaba, ah, tendo que fazer uma coisa que agrada todo mundo
[...]”, o que acaba abrindo espaço para o trabalho cover, no entanto, o trabalho
autoral “[...] fica sem cenário, fica sem identidade [...]”. Aliado a isso, Lula ainda
afirma que “[...] a nossa principal mídia [tanto de rádio quanto de televisão] de Santa
Catarina não é de Santa Catarina [...]”, mas sim do Rio Grande do Sul, o que pode
fazer com que o trabalho autoral catarinense não tenha um espaço de divulgação
adequado, legitimando o ditado popular que diz que “quem não é visto, não é
lembrado”. Segundo Bob, a influência da mídia nacional e gaúcha em nosso Estado,
faz com que o público goste “[...] do que é deles e não do que é nosso [...]”, pois ela
acaba por ditar o que será consumido, como referiu Dias (2007 apud SILVA, 2007),
ao afirmar que os meios de comunicação social fazem valer um crivo estético
poderoso, baseado (infelizmente) no poder econômico.
Para Gary, em nosso Estado, há falta de incentivo ao consumo cultural de
maneira geral, evidenciado por “[...] aquela velha lenda de que tudo passa por cima
de Santa Catarina, é Curitiba e depois já vai direto pra Porto Alegre [...].” Segundo
ele ainda, “[...] o público não é educado, incentivado a ir consumir o que é feito
entendeu [...], pô, eu conheço o Gary, então eu não vou pagar né, pelo amor de
Deus!” Esta fala vai ao encontro do que Salazar (2009) refere ser o desafio para
quem trabalha com música, que é agregar valor comercial ao seu trabalho artístico e
fazer com que o consumidor pague por ele. Em se tratando de músicos locais, este
desafio poderia tornar-se ainda maior pelo fato de eles estarem “acessíveis”, de
serem conhecidos e próximos do público? Esta proximidade poderia fazer com que
eles percam o glamour de ser artista, e o público acabe não os valorizando da
mesma forma que valoriza quem é “de fora”? Por que se paga (caro) por um show
nacional ou internacional e não se quer pagar por um local? De acordo com Chaves
(2007), para ganhar notoriedade e fazer sucesso em uma cidade pequena, basta
que a “origem” do artista seja do eixo Rio/São Paulo. Neste sentido, portanto, seria
necessário deixar de ser músico local?
Com base no exposto, pode-se constatar que, das dificuldades inerentes
ao “ser artista local” decorre a necessidade de deslocamento para grandes
centros urbanos, como o Rio de Janeiro e São Paulo, em busca de melhores
oportunidades e condições de trabalho. Para os cinco participantes, em Santa
Catarina há uma carência de profissionais que trabalhem com produção musical,
empresarial e técnica, o que faz com que algumas bandas autorais optem por sair
58
Não reconhecimento “Tá, o que tu faz? Ah, eu sou músico! Tá, mas 5
do trabalho musical o que tu trabalha? Onde é que tu trabalha?”
como profissão (Patrick)
Imagina tu num bar sentado aqui, eu e tu tomando uma cerveja, nove horas
da noite, tranquilaço, curtindo, fazendo um rango. Aí tu olha ali e tem três
cara tocando. Aí um tocando bateria, rindo pro outro, outro tocando baixo,
os três rindo assim, dai tu olha assim tem um tomando cerveja, outro
tomando coca e o outro tomando água né. Daí qual é a relação que tu tem
do cara que tá ali fazendo a mesma coisa que tu ta fazendo... Ele não tá
trabalhando cara! Pô ele tá tocando ali, cantando feliz, ele tá se divertindo
que nem a gente! [...] Olha, o horário que ele tá aí, ele deve ter trabalhado
que nem a gente e vem aqui fazer um som. Mas na verdade pra chegar lá tu
teve que ralar um monte, estudar várias horas, ensaiar muito, a gente
ensaia muito. [...] Elas [as pessoas] não vêem que pra tu chegar lá tu tem
que dar uma raladinha.
15
Que está ao alcance do grande público, difundido principalmente pelos meios de comunicação em
massa.
63
[...] pô eu sou doador de sangue, ando com uma camisa ‘doe sangue’, vou
lá trabalhar com projetos sociais com crianças, então eu ajudo de certa
64
maneira a desmistificar isso... eu acho que isso também ajuda né. Porque
cria essa coisa pô, se eu usasse droga eu não poderia doar sangue, então é
óbvio que eu não uso drogas.
Com esta finalidade, Gary relatou que considera o trabalho “[...] uma função em prol
dum maior assim, de um grupo, de uma coisa maior [...].” Para ele, os projetos
sociais de educação musical em que atua são uma forma de retribuição pela alegria,
satisfação e oportunidades que a música tem oferecido à sua vida. Por meio deles,
Gary sente-se útil e valorizado pelos familiares e pela sociedade. Segundo Patrick,
por intermédio dos trabalhos sociais, Gary “[...] salvou vários de ser bandido, de hoje
nem tá vivo. [...] o Corpo de Bombeiros não vai lá atrás de uma vida? Ele também foi
[...]”, referindo a importância do trabalho do músico para a sociedade, ao compará-lo
com o fazer do profissional mais confiável do Brasil, segundo os resultados da
pesquisa realizada no ano passado pelo Instituto de Pesquisa GFK Brasil, divulgada
no site do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social16, em 21 de
julho de 2009.
Dentre outras contribuições sociais, Patrick referiu que uma delas seria a
de “alegrar o povo”, proporcionando entretenimento para as pessoas. Lula fez
referência ao fato de poder fazer uso da imagem “[...] que a arte ajudou a construir
[...]”, para realizar algo para quem precisa, como o show beneficente que a
Resistência realizou, juntamente com outras bandas, para angariar fundos para uma
pessoa que estava doente. Este sentimento de utilidade está em consonância com a
pesquisa de Morin, Tonelli e Pliopas (2007, p. 54), que afirmaram que o trabalho tem
“[...] sentido quando presta alguma contribuição à sociedade”, transcendendo a
individualidade. Bob disse que por meio das letras, das composições, é possível “[...]
ajudar algumas pessoas, [...] alertar vários problemas que estão acontecendo [...]”,
mostrando, assim, a sociedade em que se insere, como afirmou Maheirie (2002).
Os cinco participantes expuseram que o trabalho é também um meio de
subsistência, “[...] é a tua fonte de renda [...]’, como referiu Bob, embora ele não
tenha escolhido o trabalho com a música por dinheiro. Segundo Patrick, o trabalho
[...] representa o meu suor, o dinheiro que eu ganho fazendo aquilo que eu
acho que eu sei fazer bem. Isso aí é a coisa que eu acho mais legal. [...] eu
pego o meu cachê assim né, ô eles me pagaram pra eu tocar bateria! Se
eles soubessem, eu vinha aqui e ficava tocando a noite toda de graça.
16
Disponível em: < http://www.ibdes.org.br/noticias/not_view.asp?cod=1441>. Acesso em: 31 mai.
2010.
69
serviço prestado, ou seja, por fazer o que gosta e ainda ser pago por isso, embora o
dinheiro seja necessário “[...] pra se manter [...]”, como disse Lula, garantindo sua
sobrevivência. Pelas falas de Bob e Patrick, pode-se perceber que trabalham com o
que “sabem fazer bem”, e que este fazer é prazeroso e satisfatório, o que qualifica
seu trabalho como realização humana, produtor de valor-de-uso, caracterizando o
trabalho concreto descrito por Marx (1985).
Mais uma vez se afirma que, segundo os participantes, há uma relação
entre o trabalho e o dinheiro, sendo que esta é uma característica do capitalismo,
como já referenciado na discussão da profissionalização. `
Para dois dos participantes, o trabalho remete ao cansaço, que seria
decorrente do desgaste físico promovido pelo estilo de vida que levam, que envolve
viagens, trabalho noturno, jornadas longas, como exemplificou Patrick ao dizer que,
dependendo do trabalho a ser realizado, “[...] sai de casa sete horas da noite e
chega sete horas da manhã. Dá 12 horas de trampo direto! [...] Então tu vai ver
como é que tu tá! Pode tá um dia assim de praia, tu vai querer o teu quarto escuro! É
cansativo cara, apesar das pessoas não acharem.” Entretanto, apesar do trabalho
ser exaustivo, este parece não representar fonte de sofrimento, como apontado na
fala de Bob: “Olheiras, muitas olheiras, mas eu adoro!”, o que faz um contraponto
com a pesquisa de Assis (2008), na qual os músicos por ela investigados
relacionaram o desgaste físico, promovido pelo trabalho noturno, com sofrimento.
Para Lula, trabalho não é emprego, fazendo uma diferenciação entre
eles ao dizer que já teve empregos, para ganhar dinheiro, até que começou “[...] a
fazer a música em paralelo [...]”, e quando passou a ter “[...] condições de largar o
emprego [...]”, passou a “[...] trabalhar só com música.” O emprego, como explicitado
por Morin (2001), é uma das formas que o trabalho assume, engendrado pelo
capitalismo, que envolve contrato, remuneração e regras a serem seguidas. Parece
estar claro que, para Lula, os empregos que teve foram somente um meio de
subsistência, até ter condições de trabalhar com o que realmente gosta e retirar seu
sustento deste trabalho. Pode-se considerar que, para ele, o emprego está
relacionado ao dinheiro para sobrevivência, e o trabalho com a música à satisfação,
sendo que o retorno financeiro seria uma consequência deste fazer, não assumindo
o lugar de objetivo central.
Com a análise dos dados deste eixo, pode-se constatar que os
participantes identificam-se com sua profissão, sentem-se realizados, consideram o
70
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
aqueles que somente trabalham com música, mas têm vínculo empregatício, a fim
de que seja verificado qual o caráter do trabalho na vida destes sujeitos.
Para finalizar, mas sem concluir, pode-se entender a expressão “sexo,
drogas e rock n’ roll” como um significado atribuído ao trabalho do músico pela
sociedade no decorrer da história da transformação deste artesão em artista. Ela,
remete à diversão que está atrelada ao trabalho do músico e à imagem deixada
pelos “ídolos musicais” que faziam uso de drogas e tinham uma vida desregrada,
podendo ser caracterizada como mais uma herança cultural deixada à profissão. Até
que ponto o significado desta expressão ainda estaria embutido no sentido que os
participantes atribuem ao seu trabalho e à própria construção de sua identidade
profissional? A continuidade deste ranço histórico ainda marca estes sujeitos, que
tentam de todo modo livrar-se desta imagem social negativa, pois não é desta forma
que se percebem. Por meio do seu trabalho, os participantes esperam ser
reconhecidos socialmente.
76
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APÊNDICES
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Identificação
Nome:
Nome fictício que gostaria de ser chamado na pesquisa:
Idade:
Grau de escolaridade:
Estado civil:
Trajetória Profissional
Há quanto tempo você é músico?
Como se deu a sua formação musical?
Como foi o início de sua carreira como músico?
Como se deu a sua inserção no mercado de trabalho da música?
Há quanto tempo você tem a música como seu trabalho principal?
Como você pensa o seu futuro profissional na música?
Você já exerceu outro trabalho não relacionado com a música? Qual? Como era
para você realizá-lo?
CONTATOS
Acadêmica responsável: Aline Juliana Vicentin Rodrigues
Endereço eletrônico: alinejuliana1975@hotmail.com
Telefone: (48) 9989-4999
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