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Rio de Janeiro
Dezembro de 2008
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ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL - CFCH
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
RIO DE JANEIRO
DEZEMBRO DE 2008
A PERSISTÊNCIA DO MESMO NA INQUIETUDE TURBULENTA DO MUNDO:
Aprovada por:
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Rio de Janeiro
Dezembro de 2008
RESUMO
Rio de Janeiro
Dezembro de 2008
ABSTRACT
The main concern of this work is to understand the meaning of the loss of historicity in
postmodernism, according to Fredric Jameson’s theorization. To the north american critic, the
most important elements of the postmodern culture (and the new role of culture itself) cannot
be fully understood if we do not put, in a privileged place, the weakening of historicity, which
imprisons us in an eternal, unchangeable, present — late capitalism —, where any possibility
of radical change seems out of question, even in the realm of imagination. The research of this
problem, central to marxism, will provide us, we believe, the best key for an accurate grasp of
the cultural logic of the third stage of capitalism.
117 f.
APRESENTAÇÃO....................................................................................................1
INTRODUÇÃO.........................................................................................................9
I- UM MAPA DA PÓS-MODERNIDADE
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................118
AGRADECIMENTOS
Por mais que nos esforcemos pessoalmente em alcançar determinados objetivos, nunca
é demais lembrar que sem a amizade, a crítica, a compreensão, a confiança e a dedicação do
outro, ou seja, sem a real possibilidade de compartilhar nossas experiências, tudo aquilo que
realizamos, individual e coletivamente, se torna infrutífero, frustrante, sob qualquer ponto de
vista. Assim sendo, agradeço, primeiramente, ao meu orientador, o professor Marildo
Menegat, que com sua reconhecida competência, ousadia intelectual/política e radical apreço
à liberdade, foi capaz de me mostrar, desde os nossos primeiros contatos, possibilidades
inteiramente novas de compreensão do marxismo, muito mais desafiadoras e amplas,
revigorando a minha paixão pelo conhecimento, quando todos os caminhos pareciam levar a
lugar nenhum. Acima de tudo lhe agradeço por ter acreditado que eu poderia realizar esse
trabalho — insistindo sempre na necessidade de se pensar para além dos meios acadêmicos e
de nossas limitadas perspectivas individuais — e por você ter sido sempre rigoroso,
compreensivo e gentil na medida certa, mesmo nos momentos mais complicados deste
processo. Agradeço também a meus pais, Nadja e Cesar, à Nathalia Lãoturco — companheira
no amor e na utopia —, ao meu irmão Marcus e a Ana Cecília, meu inesquecível avô Dario,
Nélio e às grandes amigas que nunca deixaram de me apoiar: Kátia San Martin, Renata
Medeiros, Tatiana Campbell, Valéria Noronha, Mariana D’ Acri e Vera Suarez. Não posso
deixar de ressaltar a preciosa contribuição das professoras Isabel Loureiro e Maria Elisa
Cevasco, que, mesmo me conhecendo apenas através de emails, tiveram participação decisiva
na produção desta dissertação. Agradeço ainda à professora Yolanda Guerra, que, sempre
atenciosa, me “ apresentou ” ao Serviço Social, com inegável empenho e talento, assim como
às professoras Maria das Dores Machado e Roberta Lobo, que, com suas importantes
observações, contribuíram para a realização deste trabalho quando ele ainda era apenas um
projeto. Agradecimentos especiais aos meus colegas da pós-graduação da ESS: Roberth
Salamanca, Márcia Botão, Paula Vidal, Elaine Martins, Paula Kropf, Emanuela do Carmo,
Fernanda Kilduff, Danielle Horta, Débora Santos, Daniele Taha e Andreza Prevot, que,
durante quase dois anos de convívio, se esforçaram para preservar e aprimorar a tradição
crítica e combativa da nossa Escola. Ao CNPq, sem dúvida, que por dois anos me concedeu
uma bolsa de pesquisa. Por último, e não menos importante, quero expressar aqui minha
profunda gratidão para com o professor Manoel de Jesus, a quem devo o meu tardio e
decisivo encontro com a filosofia.
Para Nathalia e Mariana, que em tempos e formas
distintas antecipam o mundo que ainda não veio.
Se pudesse desejar algo para mim, não desejaria riqueza nem poder, mas
a paixão da possibilidade; desejaria um olho que, eternamente jovem,
ardesse de desejo de ver a possibilidade.
O objetivo central deste trabalho é a compreensão daquele problema que, pelo menos
na perspectiva do marxismo, constitui uma das mais angustiantes e decisivas características da
ordem burguesa em seu período pós-moderno, a saber: a perda da historicidade. Aos olhos da
crítica materialista, o nosso presente perpétuo, pós-histórico, deve ser enfrentado, antes de
tudo, a partir da idéia de que, na atual constelação, uma avalanche de mudanças frenéticas e
incessantes sustenta e fortalece, paradoxalmente, um imobilismo sem precedentes. Essa
dialética regressiva e, à primeira vista, inconcebível se deixa ver nos traços definidores da
cultura contemporânea e revela — como pretendemos entender — o ocaso da história na pós-
modernidade. O entendimento dessa questão, creio eu, nos propiciará as bases mais seguras
para uma apreensão abrangente do pós-modernismo, ou seja, da lógica cultural do capitalismo
tardio. Procuraremos desenvolver o tema nos valendo, fundamentalmente, da seminal e
riquíssima contribuição teórica de Fredric Jameson. As obras de referência para esse estudo
serão aquelas que cobrem o início do debate sobre a pós-modernidade e todo o seu
desenvolvimento ulterior, quais sejam: O Inconsciente Político: A Narrativa como Ato
Socialmente Simbólico; Pós-Modernismo: A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio; O
Marxismo Tardio: Adorno ou a Persistência da Dialética; As Sementes do Tempo,
Modernidade Singular: ensaio sobre a ontologia do presente e Arquaeologies of the Future,
além de alguns importantes ensaios publicados em coletâneas.
No contexto das universidades brasileiras qualquer pesquisa sobre Jameson ainda é,
em grande medida, pioneira, fato que exige de nós o que em outros lugares seria totalmente
desnecessário, ou seja, uma breve apresentação da trajetória intelectual e da própria biografia
do grande pensador norte-americano.
Fredric Jameson nasceu na cidade de Cleveland, Ohio, em 1934, e graduou-se em
Letras pela Haverford College, em 1954. O ano seguinte, passado na França e na Alemanha,
seria marcante na formação de Jameson. Durante esse período na Europa, nosso autor pôde
aprofundar seus estudos sobre a literatura francesa, a tradição filosófica e, ainda que de forma
embrionária, travar contato com o chamado marxismo ocidental. Em 1956, de volta aos
Estados Unidos, Jameson inicia seu doutorado, sob a orientação de Erich Auerbach, na
Universidade de Yale. Desse estudo resultou seu primeiro texto importante: Sartre: As
Origens de um Estilo (1961, sem tradução para o português). Entre as décadas de 1950 e 60,
Jameson também viajou constantemente pelo terceiro mundo, tendo permanecido alguns
meses no México e no norte da África. Esse fato é importante para compreendermos a atenção
especial que a cultura dos países periféricos receberá ao longo de sua obra. Pouco depois da
conclusão de seus estudos com Auerbach, Jameson inicia sua carreira de professor na
Universidade Harvard, onde permanecerá até 1967. A fim de reforçar a relevância de nosso
tema e marcar nitidamente a continuidade das preocupações centrais de Jameson (por vezes
pouco percebida), vale sublinhar que, já em seu estudo sobre Sartre, ele via ao seu redor uma
sociedade aprisionada:
“ uma sociedade sem futuro visível, deslumbrada com a permanência em massa de suas
próprias instituições, na qual nenhuma mudança é possível e a idéia de progresso está
morta. ” (Citado em ANDERSON, 1999, p.79)
Com seu mestre, Aeuerbach, grande autoridade em filologia alemã e teoria literária,
Jameson aprendeu que a literatura só pode ser de fato compreendida, em seu sentido amplo,
quando a análise dos textos está firmemente ancorada na história social. Muito
provavelmente, vem daí a percepção de Jameson da necessidade de se ultrapassar os limites
tradicionais das disciplinas acadêmicas. A figura de Sartre, como principal intelectual francês
do pós-guerra, politicamente engajado e libertário, foi, no entanto, primordial na formação
intelectual do jovem e talentoso crítico, que, segundo Perry Anderson, já no final dos anos 70,
se firmaria como o maior crítico literário marxista do mundo. Para além das afinidades
teóricas, o autor de O Ser e O Nada era para Jameson o grande modelo do erudito que sabia,
ao mesmo tempo, responder às demandas do cotidiano, produzir intensamente e participar das
lutas políticas de sua época, com todos os riscos que daí decorrem. Numa recente entrevista,
Jameson assim descreveu a importância de Sartre:
“ Havia em Sartre a possibilidade (que muitas pessoas daquela geração [também na França
] sentiram) de que, em algum momento, você teria um modo de análise, de teorizar, de
filosofar, que de fato fosse um filosofar sobre tudo, desde a vida cotidiana e a experiência
existencial até a política e a história... Para mim, portanto, meu trabalho inicial parte de
Sartre, mesmo porque, do meu ponto de vista, o que havia de mais importante em Barthes
eram O Grau Zero da Escrita, as Mitologias, os primeiros trabalhos, que, pra mim, são
essencialmente prolongamentos da problemática sartreana.” (Entrevista em Buchanan,
2006, p. 122)
Fredric Jameson se define como um homem dos anos 50, mais do que dos 60, que,
como tantos outros esquerdistas de sua geração, viu na Revolução Cubana de 1959 a
possibilidade concreta de se construir uma ordem social radicalmente distinta do capitalismo.
Esse evento histórico, como lembra o próprio Jameson, colocou-o definitivamente nas
linhagens do marxismo ocidental:
“...na nossa situação provinciana dos Estados Unidos da Guerra Fria, a revolução política e
a revolução da forma caminharam juntas, e como sendo partes de uma mesma coisa. Assim,
meu marxismo e meu interesse pela dialética partiram dessa situação. ” (CEVASCO,
prefácio, PLC, p. 8)
O entusiasmo e a alegria com que Jameson saldou a revolta daquele povo que acabara de se
libertar de uma ditadura apoiada pelos EUA, para fazer sua própria história, contrastavam
radicalmente com o marasmo e o conservadorismo da vida social norte-americana, que tanto o
incomodavam. A construção desse consenso imobilista teve, evidentemente, um preço.
As idéias progressistas e de esquerda1 aportaram nos Estados Unidos juntamente com
as enormes levas de imigrantes que, no início do século XIX, chegavam de vários países da
Europa (e posteriormente da Ásia) como produtos indesejáveis da expansão capitalista. Isso
sem falar na grande quantidade de judeus expatriados! Desde então, vítimas de perseguições e
denúncias sistemáticas, os homens e mulheres de esquerda pouco puderam desfrutar do
agradável acolhimento da tolerância liberal americana. Logo depois da Revolução Russa de
1917, até o início dos anos 20, o país inteiro viu-se em grande perigo. O chamado “ pânico
vermelho ” (Red Scare) havia tomado conta de todas as esferas da sociedade e milhares de
pessoas foram presas arbitrariamente, acusadas de traição ou por suspeita de apoio ao
bolchevismo. Nos anos 50 e 60 foi a vez do machartismo, período no qual o denuncismo e a
perseguição de intelectuais de esquerda atingiu duramente os meios de comunicação, as
universidades e até mesmo Hollywood. Cevasco nos explica muito bem como a formação de
Jameson se insere neste contexto:
1
É importante ressaltar que este corpo de idéias era marcadamente heterogêneo. Entre os milhões de
imigrantes, existiam revolucionários marxistas, anarquistas, socialistas e reformadores sociais, mais ou menos
radicais, que, de uma forma ou de outra, lutaram contra a brutal exploração do trabalho e a profunda
desigualdade social existente no país. Ver História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI, p. 175- 195,
Vários autores, São Paulo: Contexto, 2007.
“ Como resultado dessas medidas sistemáticas de profilaxia do ambiente político e
cultural, quando, na esteira dos movimentos sociais e embalado pelos ventos de reforma da
sociedade civil e de protesto contra a guerra que agitam os Estados Unidos nos anos 60, o
pensamento teórico de esquerda consegue uma certa visibilidade, ele vai se afinar não com
uma tradição de movimento social autóctone mas com as importações do marxismo
europeu que vicejavam nos departamentos universitários de línguas estrangeiras. ”
(CEVASCO, prefácio, PLC, p. 8)
É fundamental realçar a força dessa atmosfera puritana e conservadora, para que, mais
adiante, possamos compreender o papel crucial de Jameson no desenvolvimento e, porque não
dizer, na história do marxismo ocidental nas duas últimas décadas do século passado.
Como já foi dito, Jameson formou-se nos anos 50, em meio ao silêncio em que se
encontrava a esquerda americana durante a estagnação política do governo Eisenhower. A
radicalização política de nosso autor não se deu apenas em função da Revolução Cubana; é
preciso destacar que ela passou também pela esfera da estética — da literatura para sermos
mais precisos. Numa palavra: a leitura dos clássicos do modernismo fortaleceu
significativamente as idéias anticapitalistas de Jameson.
É no contexto da rebelião da juventude americana (o movimento hippie, a
contracultura), da luta dos negros pela conquista dos direitos civis e dos protestos contra a
Guerra do Vietnã que Jameson publica, em 1971, Marxismo e Forma, sua primeira grande
obra. O objetivo central do crítico norte-americano, aqui, era intervir de maneira profunda e
inovadora no debate contemporâneo daquele período, apresentando ao público acadêmico dos
Estados Unidos um marxismo bem diferente da tradição bolchevique, que lhe era
praticamente desconhecido e cujo riquíssimo desenvolvimento havia ocorrido principalmente
no âmbito da cultura e da estética. Deixemos que o próprio Jameson explique esse passo
decisivo:
“ Quando o leitor americano pensa em crítica literária marxista, imagino que seja
ainda a atmosfera dos anos 1930 que lhe vem a mente. As questões candentes daqueles
tempos — o anti- nazismo, a Frente Popular, a relação entre o movimento dos trabalhadores
e a literatura, a luta entre Stalin e Trostky, entre o marxismo e o anarquismo — geraram
polêmicas nas quais podemos pensar com nostalgia mas que não mais correspondem às
condições do mundo hoje...Em anos recentes, no entanto, um tipo diferente de crítica
marxista começou a ter sua presença sentida no horizonte da língua inglesa. Este é o que
pode ser considerado — em oposição à tradição soviética — um tipo de marxismo
relativamente hegeliano, que para os alemães teve seu início, em 1923, no entusiasmo
teórico de História e Consciência de Classe, de Lukács, ao lado da redescoberta dos
Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, de Marx; enquanto na França pode-se mais
convenientemente datá-lo no revival de Hegel durante os anos 30.” (JAMESON, MF, p. 9).
Ao analisar algumas das obras mais significativas de Adorno, Benjamin, Marcuse, Bloch,
Lukács e Sartre, a mensagem de Jameson transpareceu inequivocamente: era chegada a hora
dos americanos aprenderem a pensar dialeticamente, apropriando-se daquela herança
imprescindível e do aparato crítico que a dialética oferece. A ambiciosa tarefa que Jameson se
impôs foi cumprida com brilhantismo. Desnecessário dizer que, já nesse momento, as
fronteiras da crítica literária tradicional haviam sido ultrapassadas.
Após a publicação de The Prison-House of Language (1972), importante estudo sobre
o formalismo russo e o estruturalismo francês, Jameson produzirá uma série de
inspiradíssimos ensaios ao longo de toda a década de 1970, a maioria deles ainda inéditos em
português. Dentre eles, podemos destacar Metacommentary (1971), The Ideology of the Text
(1975) e Reificação e Utopia na Cultura de Massa (1979), disponível em português na
coletânea intitulada As Marcas do Visível.
Diferente de seus colegas, confortavelmente inseridos na tradição empirista e
pragmatista predominante no mundo anglo-saxão, Jameson não considerava que os textos
literários eram obras apolíticas ou que, no máximo, como queriam as ideologias
conservadoras, poderíamos reconhecer, em obras muito específicas, um conteúdo político que
funcionaria, em maior ou menor medida, como “ pano de fundo ” para uma narrativa
individual. Em O Inconsciente Político (1981), Jameson defenderá a tese segundo a qual
todos os textos literários devem ser lidos e interpretados, primordialmente, como textos
políticos, isto é, como produtos históricos moldados, inconscientemente, pela luta de classes e
pela lógica do modo de produção dominante nas sociedades e épocas em que foram escritos.
Para Jameson, a história e a política constituem o horizonte intransponível de todas as
interpretações e narrativas. No prefácio a este livro, que tornou-se um verdadeiro clássico nos
EUA, Jameson escreve uma das passagens mais enfáticas e ilustrativas de seu compromisso
com materialismo histórico:
“ Seu modo de tratar as teorias com que acerta contas tem lhe custado alguns problemas de
recepção, como se pode ver nas reações ao seu The Prison-House of Language (1972), em
que discute o formalismo russo e o estruturalismo francês: para alguns ele é um defensor
desses modos de trabalhar o texto literário e para outros é seu crítico. Este, aliás, é um
problema que se repete com seu tratamento posterior do pós-estruturalismo — como em
seu estudo sobre Paul de Man, presente neste livro — e do próprio pós-modernismo.
Afinal, perguntam os mais afoitos, Jameson é a favor ou contra essas manifestações? A
resposta é, é claro, nem uma coisa nem outra, como ele discute na Conclusão. No entanto é
inegável que o movimento onívoro de sua prosa vai incorporando posições e evidenciando,
mais uma vez, a contradição imanente a toda representação: discutir os formalismos, os
pós-estruturalismos e pós-modernismos não o torna um deles, mas a incorporação dessas
posições como parte da discussão acaba tendo um efeito talvez indesejado que é o de
permitir que reverberem e interfiram na exposição. ” (CEVASCO e COSTA, prefácio,
PLC, p. 9)
Essa dificuldade em relação aos escritos de Jameson é muito semelhante àquela que sempre
perseguiu Adorno por conta de sua peculiar abordagem do tema da identidade. Aliás, no que
se refere à recepção no sentido mais geral, podemos dizer que Jameson herdou o falso
problema que, não raro, era colocado em relação ao autor da Dialética Negativa, a saber: para
alguns ele é demasiadamente marxista, enquanto, para outros, ele não é suficientemente
marxista.
No outono de 1982, três anos antes de se tornar professor emérito da Universidade de
Duke, Jameson apresentou, em forma de conferência, o texto cujas idéias centrais seriam a
base de todo o seu trabalho teórico nas décadas seguintes: Pós-Modernismo e Sociedade de
Consumo. Neste momento, o marxismo ganhou algo de extrema importância, que, até então,
nos faltava: um diagnóstico radical, sofisticado e amplo das transformações culturais
ocorridas no terceiro estágio do capitalismo. Em 1984, foi publicado, na New Left Review, o
fascinante ensaio Pós-Modernismo: A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio, no qual
Jameson analisa a cultura do simulacro em suas mais variadas formas, mostrando que, na
pós-modernidade, a antiga fronteira que separava o cultural do econômico foi inteiramente
dissolvida. O marxismo mais tradicional encontrava-se totalmente alheio a esse debate,
preocupado com questões supostamente mais relevantes e impotente diante dos
desalentadores anos finais do “socialismo realmente existente.” Enquanto isso, evitando
julgamentos morais, Fredric Jameson — inspirado pela leitura de O Capitalismo Tardio, de
Mandel, — nos mostrava que as chamadas mudanças culturais eram, na verdade, parte
essencial de um processo global, complexo e assustadoramente conservador, que, em última
análise, preparava o mundo para o domínio absoluto do capital. Neste período Jameson
identificou, com precisão, o poder paralisante do fenômeno que é a razão de ser deste
trabalho:
2
“ A compreensão de Jameson do pós-moderno estabeleceu os termos do debate subseqüente. Não é
surpresa que as intervenções mais significativas desde a entrada dele em campo tenham sido marxistas de
origem. As três contribuições mais importantes podem ser vistas como tentativas de suplementar ou corrigir,
cada um à sua maneira, o relato original de Jameson. Against Postmodernism (1989), de Alex Callinicos, faz
em sua improdutiva defesa do “ projeto inacabado da modernidade ” perdeu, pelo menos para
algumas correntes de esquerda, qualquer sentido. Os trabalhos posteriores de Jameson, sejam
eles sobre Brecht, o cinema do terceiro mundo ou ficção científica, têm sido obstinadamente
fiéis à ousada tarefa que ele se impôs: enfrentar a “ exclusão estrutural da memória ” na pós-
modernidade, mostrando, por meio de uma crítica incisiva do presente, que o desejo chamado
utopia existe até mesmo onde menos se espera, e que tudo pode ser historicizado.
A obra de Fredric Jameson abriu horizontes novos e estimulantes — ampliando
decisivamente as fronteiras do marxismo ocidental — exatamente quando, depois da derrota
histórica, a esquerda revolucionária parecia não ter mais nada de relevante a dizer. Acima de
tudo, a indispensável contribuição de Jameson nos possibilitou perceber, com orgulho e um
discreto alívio, que, apesar das perspectivas sombrias, se não ficarmos presos olhando para
trás, o pensamento crítico-dialético estará sempre em condições de compreender o inimigo e
denunciá-lo em sua falsa necessidade. Ainda que ele, de formas novas e inesperadas, continue
triunfando às custas da destruição da vida.
uma análise mais detalhada do background político do pós-moderno. Condition of Postmodernity (1990), de
David Harvey, oferece uma teoria bem mais completa de suas pressuposições econômicas. As ilusões do pós-
modernismo (1996), de Terry Eagleton, aborda o impacto da difusão ideológica. ” (ANDERSON, 1999, p. 93)
INTRODUÇÃO
“ Não basta que haja, de um lado, condições de trabalho sob a forma de capital e,
de outro, seres humanos que nada têm para vender além de sua força de trabalho.
Tampouco basta forçá-los a se venderem livremente. Ao progredir a produção capitalista,
desenvolve-se uma classe trabalhadora que, por educação, tradição e costume, aceita as
exigências daquele modo de produção como leis naturais evidentes. ” (MARX, 2004, p.
851)
5
Ver WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Lisboa: Presença, 2001 e THOMPSON,
E. “ Tempo, disciplina de trabalho e o capitalismo industrial ”, in: Costumes em Comum. São Paulo, Companhia
das Letras, 2005.
uma situação que torna impossível qualquer retrocesso e na qual as próprias condições
gritam: Hic Rhodus, hic salta! ” (MARX, 2006, p. 19)
De acordo com Robert Kurz, no entanto, existe na obra de Marx um dilema, no que
diz respeito ao sujeito coletivo revolucionário, que, bem compreendido, nos revela a
verdadeira encruzilhada da modernidade. Se, por um lado, o trabalho promove a socialização
e a cooperação entre os operários, e isso os possibilita unificar e organizar sua luta; de outro, o
trabalho alienado, abstrato, e a necessidade produzem consciências reificadas (a fragmentação
do sujeito, segundo Lukács), promovem a concorrência no interior da classe operária e a
assimilação da ética burguesa do trabalho. Ou seja, se os valores e a ideologia do proletariado
são os mesmos da burguesia, como poderia a classe dominada, ela mesma produto do capital,
representar uma alternativa histórica concreta e radical ao mundo das mercadorias? Como
afirma Kurz, em O Colapso da Modernização, a crítica da economia política e a exaltação da
classe trabalhadora são incompatíveis:
Percebe-se, nessa perspectiva, que a classe que deveria ser o representante negativo na
sociedade burguesa e cuja tarefa era promover o salto da humanidade para fora da pré-
história é, na verdade, um elemento constitutivo da própria ordem do capital, e não seu
oponente estrutural.
Não se pode negar que a classe trabalhadora européia obteve conquistas significativas
nas décadas que se seguiram à morte de Marx. Entretanto, ela não fez a tão esperada
revolução e tampouco conseguiu instituir o socialismo pela via parlamentar; ao contrário, o
proletariado continuou sendo vítima da dominação burguesa, de sua consciência reificada, e,
por conta própria, caminhou em direção ao abismo. Como se sabe, o desenvolvimento do
imperialismo e a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914) transformaram as ingênuas
esperanças da social-democracia européia em cinzas e sangue da maneira mais catastrófica
e violenta possível, vale sublinhar6. Em suas Teses Sobre o Conceito de História, Walter
Benjamin nos mostra que, subjacente a passividade dos social-democratas, estava um conceito
positivista e dogmático de progresso, no qual o aprimoramento infinito da humanidade era
inquestionável e o destino da história, a priori, conhecido:
6
“ Parecia óbvio que o velho mundo estava condenado. A velha sociedade, a velha economia, os
velhos sistemas políticos tinham, como diz o provérbio chinês, ‘ perdido o mandado do céu ’. A humanidade
estava à espera de uma alternativa. Essa alternativa era conhecida em 1914. Os partidos socialistas, com o
apoio das classes trabalhadoras em expansão em seus países, e inspirados pela crença na inevitabilidade
histórica de sua vitória, representavam essa alternativa na maioria dos Estados da Europa. Aparentemente, só
era preciso um sinal para os povos se levantarem, substituírem o capitalismo pelo socialismo, e com isso
transformarem os sofrimentos sem sentido da guerra mundial em alguma coisa mais positiva: as sangrentas
dores e convulsões do parto de um novo mundo. ” (HOBSBAWM, 2002, p. 62)
7
Ver LUXEMBURG, R. The Junius Pamphlet: The Crisis in the German Social Democracy. New York:
Pathfinder, 1997.
traumática demonstração da incorporação, pelos trabalhadores, dos valores da classe
dominante.
Exatamente neste período, atordoado pelo devastador impacto da guerra, Lukács
desenvolveu magnificamente o que Marx já havia identificado em germe. Ao examinar as
antinomias do pensamento burguês e os efeitos da produção generalizada de mercadorias, em
História e Consciência de Classe (1923), Lukács formulou o conceito de reificação, que,
como fenômeno, corresponde à forma própria e característica da consciência sob o modo de
produção capitalista. A reificação, que de acordo com Marx (e depois Lukács), transforma as
relações sociais humanas em relações sociais entre coisas, deve ser compreendida, em
primeiro lugar, como um estranhamento radical entre os homens e sua própria atividade
(práxis). No processo de trabalho os homens se submetem a um sistema mecânico,
racionalizado e acabado, que aniquila as particularidades e funciona independente de sua
vontade. A cisão entre sujeito e objeto (Lukács já fala de um processo de fragmentação do
sujeito, tema central no pós-moderno), no trabalho alienado, resulta num esquecimento
histórico, estrutural, e numa percepção radicalmente imediatista da realidade. Daí, como
mostra Lukács, decorre uma completa mistificação dos processos sociais:
Em seus escritos posteriores, Lukács recuou em certos aspectos e não levou algumas de suas
teses mais ousadas às últimas conseqüências. É possível encontrar, em História e Consciência
de Classe, passagens nas quais a possibilidade de uma derrota definitiva do proletariado8, isto
é, de um fechamento irreversível dos horizontes sociais da modernidade, aparece bem
delineada:
8
Essa hipótese foi sugerida pelo Professor Marildo Menegat durante o curso “ Pensamento Social
Contemporâneo ”, oferecido pelo Programa de Pós-graduação da ESS da UFRJ (2006/2).
“ A violência é produzida em três níveis: nos indivíduos, ao deixar sem representação a
agressividade do desamparo; na sociedade civil, por substituir traumaticamente a política
pela polícia; e na economia, pelo papel que a indústria armamentista desempenha. Nestas
condições, ela se torna um hábito que, invisível, se naturaliza como um estado perpétuo da
sociedade. Quando se observa a facilidade com que a violência se manifesta no cotidiano
das relações sociais, a explicação provavelmente não está, apenas, na construção desta
como uma cultura ou como uma forma de sociabilidade, mas na estetização de relações
sociais que se decompõe com uma velocidade que torna impossível o seu controle pelos
indivíduos nela envolvidos. [...] Vico, ao estudar o período heróico da formação dos gregos,
falava da violência como uma forma de sociabilidade da transição para a era clássica. Neste
caso, o uso do termo para este fenômeno procurava demonstrar o processo de lapidação dos
hábitos e costumes na entrada para a civilização, na qual as formas de sociabilidade
prescindiriam da violência. No atual estado de coisas, uma cultura da violência só pode
referir-se ao processo inverso, isto é, ao retorno à barbárie, cujo veículo estabilizador da sua
estruturação, no interior da sociedade, é a estetização. ” (MENEGAT, 2003, 154-155)
No capitalismo tardio, portanto, o desenvolvimento das forças produtivas destrói não apenas
as próprias forças produtivas e os laços sociais, ou seja, além crescimento de todos os tipos de
violência e do aumento das desigualdades sociais, somos forçados a reconhecer a
possibilidade da extinção da natureza tal como a conhecemos. Numa palavra: o movimento do
capital é a marcha da barbárie. Feito este importante esclarecimento, voltemos agora a Adorno
e Horkheimer.
Tradicionalmente, o pensamento iluminista havia sempre considerado que o mito era a
verdadeira antítese do esclarecimento, quer dizer, o esclarecimento agia contra as forças
autoritárias e repressoras do mito, anulava seus poderes mágicos através da racionalidade e
cumpria, assim, seu papel emancipador do indivíduo e das coletividades. Segundo A Dialética
do Esclarecimento, sob o domínio das forças cegas do capital, revelou-se, na modernidade, a
continuação de uma nefasta dialética entre mito e esclarecimento, isto é, a humanidade, que
esperava livrar-se do medo, da opressão e da penúria material, sucumbe aos seus próprios
impulsos de dominação da natureza. O entrelaçamento histórico entre mito e esclarecimento
se deixa ver na necessidade de calcular, de conhecer e projetar, na natureza, o subjetivo. Na
base de ambos está o princípio da racionalidade instrumental, dizem Adorno e Horkheimer,
que, em nome da liberdade e progresso do saber, ratifica a dominação como destino dos
homens:
“ Do mesmo modo que os mitos já levam a cabo o esclarecimento, assim também o
esclarecimento fica cada vez mais enredado, a cada passo que dá, na mitologia. Todo
conteúdo, ele o recebe dos mitos, para destruí-los, e ao julgá-los, ele cai na orbitado
mito...Mas quanto mais se desvanece a ilusão mágica, tanto mais inexoravelmente a
repetição, sob o título da submissão à lei natural, parecia garanti-lo como sujeito livre. O
princípio da imanência, a explicação de todo acontecimento como repetição, que o
esclarecimento defende contra a imaginação mítica, é o princípio do próprio mito. ”
(ADORNO / HORKHEIMER, 1985, p. 26)
“ A práxis nasceu do trabalho. Alcançou seu conceito quando o trabalho não mais se
reduziu a reproduzir diretamente a vida, mas sim pretendeu produzir as condições desta:
isto colidiu com as condições então existentes. O fato de se originar do trabalho pesa muito
sobre toda práxis. Até hoje, acompanha-a o momento de não-liberdade que arrastou
consigo: que um dia foi preciso agir contra o princípio de prazer a fim de conservar a
própria existência; embora o trabalho, reduzido a um mínimo, entretanto não precisasse
continuar acoplado à renúncia. O ativismo de nossos dias reprime também o fato de que a
nostalgia de liberdade é estreitamente aparentada com a aversão à práxis. Práxis foi o
reflexo das penúrias da vida: isto a desfigura ainda ali onde ela tenta abolir tais penúrias. ”
(ADORNO, 1995, p. 206)
9
Ver HABERMAS, J. O Discurso Filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002 e
MÉSZÁROS, I. O Poder da Ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004.
10
A análise mais instigante e convincente do significado da experiência do “ socialismo real ” encontra-
se, a meu ver, em KURZ, R. O Colapso da Modernização. São Paulo: Paz e Terra, 2004
O período que vai do final da década de 1960 a 1991 trouxe a derrocada do chamado “
socialismo real ”, a crise da modernidade, a crise estrutural do sistema produtor de
mercadorias (neoliberalismo) e, conseqüentemente, o alardeado fim da história (isso sem falar
na liquidação universal da natureza). Esses temas são partes de um mesmo problema e, de
uma forma ou de outra, colocam em xeque a validade do materialismo-histórico, as
possibilidades do socialismo e, sem exagero algum, a sobrevivência da própria humanidade.
A viabilidade do projeto revolucionário fundado por Marx e Engels — se considerarmos que
ele ainda é possível — depende do enfrentamento teórico e prático dessas questões. A reação
das diferentes correntes marxistas a esse enorme desafio tem sido variada. Alguns não as
enfrentaram, preferindo simplesmente permanecer em suas antigas posições, como se nada
tivesse que ser revisto. Outros, terrivelmente arrependidos, deram as costas ao marxismo,
reconhecendo a eficiência do mercado e a inevitabilidade do capitalismo. Os mais teimosos,
entretanto, decidiram enfrentar esse imenso desafio em sua totalidade, sem moralismos,
elaborando criticamente a dolorosa experiência do stalinismo e encarando o pós-modernismo
como uma nova realidade histórica a ser teorizada.
De nossa perspectiva, como veremos a seguir, Fredric Jameson está entre os autores
que, de forma mais criativa e consistente, ousou enfrentar o presente e as múltiplas
determinações que envolvem a compreensão da pós-modernidade — seguindo, a seu modo, as
trilhas da mais rica da tradição marxista.
CAPÍTULO I
UM MAPA DA PÓS-MODERNIDADE
“ o próprio pós-moderno mudou, dando, a meu ver, a guinada errada. Encurralado entre a
truculência ideológica e a ineficácia desmistificadora, preso no seu próprio kitsch, o pós-
modernismo tornou-se uma espécie de pilhéria eclética, refinada lascívia de nossos prazeres
roubados e descrenças fúteis. ” (Citado em ANDERSON, 1999, p. 28)
O que Hassan estava longe de imaginar era que a guinada do pós-modernismo, que
para ele representou seu fim, seria a fonte inspiradora de Learning from Las Vegas, o grande
manifesto arquitetônico da década de 1970, publicado, em 1972, por Robert Venturi, Denise
Brown e Steven Izenour. A mensagem desse texto postulava uma atitude pragmática, de
aceitação do existente, e era claramente um ataque à arquitetura11 modernista, em seus
11
“ Mas é no âmbito da arquitetura que as modificações da produção estética são mais
dramaticamente evidentes e seus problemas teóricos têm sido mais consistentemente abordados e
elementos utópicos, progressistas e, até mesmo, revolucionários. Na perspectiva do manifesto,
a tarefa do arquiteto era aprimorar o que está dado, criando ambientes simpáticos e
heterogêneos, nos quais deveriam ser contemplados, ao mesmo tempo, o bom gosto
tradicional e a sensibilidade popular. Segundo Anderson, Learning from Las Vegas assinala a
preponderância da construção de acordo com as necessidades do capital sobre o bem-estar e o
“construir para o Homem ”.
A despeito de seu programa de superação do modernismo, sublinha Anderson, o
manifesto de Venturi e seus colegas ainda não fazia uso da expressão “ pós-modernismo”. O
papel de difusor desse programa coube a Charles Jencks, que, com a publicação de seu The
Language of Post-modern Arquiteture, deu uma forma muito mais acabada e consistente às
idéias centrais de Learning from Las Vegas. Depois de uma breve hesitação, Jencks passaria a
celebrar entusiasticamente o ecletismo do pós-modernismo, sua vocação para suplantar o
elitismo do moderno e sua capacidade libertadora de combinar o sofisticado e o vulgar, o
velho e o novo. Citando palavras do próprio Jencks, Anderson nos explica o real significado
desses novos princípios:
O pós-moderno ganharia uma dimensão muito mais ampla quando, em 1979, Jean
François Lyotard, ex- militante do grupo Socialismo ou Barbárie, publicou A Condição Pós-
Moderna. O livro tratava basicamente das implicações epistemológicas decorrentes dos
recentes avanços no campo das ciências naturais, mas, na realidade, esta foi a primeira obra a
conceber a pós-modernidade como um fenômeno social, melhor ainda, como uma
transformação geral da condição humana.
articulados; de fato, foi dos debates sobre arquitetura que minha concepção do pós-modernismo...começou a
emergir. De modo mais decisivo do que nas outras artes ou na mídia, na arquitetura as posições pós-
modernistas são inseparáveis de uma crítica implacável ao alto modernismo arquitetônico, a Frank Lloyd
Wright e ao assim chamado estilo internacional (La Corbusier, Mies, etc.). (JAMESON, PLC, p. 28)
Para Lyotard, filósofo de formação marxista, a pós-modernidade anunciava o
surgimento de uma sociedade pós-industrial, entendida como uma gigantesca rede de jogos
lingüísticos, na qual a informação se tornara a mais importante força econômica. Segundo
Lyotard, a ciência era apenas um entre muitos outros jogos de linguagem, o que retirava dela
qualquer tipo de privilégio em relação ao conhecimento e à verdade. Na perspectiva do
pensador francês, a posição soberana que a ciência ocupara até então havia sido conquistada
graças a duas grandes narrativas, a saber: a primeira era aquela que, desde a Revolução
Francesa, colocara, nas mãos dos próprios homens, a tarefa de libertar a humanidade através
do avanço do conhecimento; a segunda, originária da filosofia clássica alemã, enxergava, no
caminhar do espírito, a progressiva e irreversível revelação da verdade. Se essas duas
narrativas legitimaram todo o desenvolvimento da modernidade, dizia Lyotard, o elemento
definidor da pós-modernidade é precisamente a perda da credibilidade dessas
metanarrativas.
As “ narrativas mestras ” caíram em descrédito em função do próprio avanço
científico, afirmava Lyotard. Tivemos, de um lado, uma pluralização dos argumentos, a partir
da multiplicação dos paradoxos e dos paralogismos, antevistos, na filosofia, por Nietzsche e
Wittgenstein; por outro lado, em razão das pressões do capital e do Estado, a prova científica
foi tecnificada, ou seja, a verdade havia sido reduzida a critérios de desempenho. O
pragmatismo da ciência pós-moderna — enquanto pequena narrativa — se revela na produção
de paralogismos, na exaltação do caos, do imponderável e na teorização de sua própria
evolução descontínua e repleta de catástrofes.
Como mostra Perry Anderson, a política e as artes haviam ficado ausentes da reflexão
de Lyotard sobre a pós-modernidade. Esse fato era na verdade um sintoma, e evidenciava o
abandono, por Lyotard, do marxismo e do socialismo revolucionário. Sempre impulsionado
por sua ardente repulsa ao comunismo, o filósofo francês ainda tentaria, com resultados
contraditórios e improdutivos, enfrentar as questões políticas e estéticas do pós-moderno. A
integração da classe operária francesa havia deixado Lyotard imobilizado em seu hedonismo
niilista. Enquanto isso, o capitalismo (e suas recentes transformações), que, segundo ele, não
constituía uma narrativa porque era uma história sem historicidade e esperança, permanecia
sem qualquer teorização consistente. Para Anderson, toda a retórica de Lyotard a respeito das
rupturas, das pequenas narrativas e da multiplicidade caiu por terra com o triunfo planetário
do capitalismo:
“ Com a profunda mudança de conjuntura nos anos 80 — a euforia do boom do
período Reagan e a triunfante ofensiva ideológica da direita que culminou com o colapso
do bloco soviético no final da década —, essa posição perdeu toda credibilidade. Longe de
terem desaparecido as grandes narrativas, parecia que pela primeira vez na história o
mundo caía sob o domínio da mais grandiosa de todas — uma história única e absoluta de
liberdade e prosperidade, a vitória global do mercado. ” (ANDERSON, 1999, p. 39)
12
“ Reclamam igualmente o fim do esclarecimento, ultrapassam o horizonte da tradição da razão, da
qual a modernidade européia entendeu outrora fazer parte, e fincam o pé na pós-história...Não podemos
excluir de antemão que o neoconservadorismo ou o anarquismo de inspiração estética está apenas tentando
mais uma vez, em nome de uma despedida da modernidade, rebelar-se contra ela. Pode ser que estejam
simplesmente encobrindo com o pós-esclarecimento sua cumplicidade com uma venerável tradição do contra-
esclarecimento. (HABERMAS, 2002, p. 7-8)
Mesmo admitindo que o cenário é pouco promissor, Habermas sustenta que o projeto
da modernidade ainda pode e precisa ser realizado. Para o filósofo alemão, trata-se, acima de
tudo, de promover — via ação comunicativa — a reapropriação das esferas especializadas
pela experiência comum das diferentes culturas e o fortalecimento da esfera pública. Esse
processo depende, fundamentalmente, de nossa capacidade de desenvolver mecanismos que
permitam à sociedade atuar livre e democraticamente sobre si mesma e, desta forma, impedir
a colonização do mundo da vida pelas forças do sistema (economia e burocracia, domínios da
razão instrumental). Nas palavras do próprio Habermas:
A não percepção do presente como história expressa, segundo Jameson, uma identificação
não mediatizada entre os homens e o real, ou seja, um empobrecimento radical da
experiência, que está no cerne de nossa atual incapacidade de imaginar um futuro que não seja
o prolongamento desse mesmo presente. No capitalismo tardio, a práxis humana é, no
essencial, práxis degenerada, pseudoatividade, quer dizer: somos mônadas reagindo
irrefletidamente ao automatismo do capital. A história, stricto senso, continua a existir, sem
dúvida, mas ahistoricamente, como um tempo desumanizado, ou seja, desprovida de seu
elemento fundamental, conforme lembra Debord:
13
Para uma excelente abordagem dessa questão, ver JAMESON, F. MV, p. 9-35, 1995.
“ A história sempre existiu, mas nem sempre sob forma histórica. A temporalização do
homem, tal como se efetua pela mediação de uma sociedade, é igual a uma humanização do
tempo. O movimento inconsciente do tempo se manifesta e se torna verdadeiro na
consciência histórica. ” (DEBORD, 2007, p. 87)
14
“ Livrar-se dos velhos nomes, de todas essas abstrações que ainda fedem a universalismo e
generalidade, apegar-se com uma determinação ainda maior ao empírico e ao factual, estigmatizar o residual
como filosófico no mau sentido, ou seja, idealismo puro, sem por isso cair no materialismo igualmente oculto e
metafísico — esses são o lema do pós-moderno, que já serviram como lema para certas caças às bruxas de tipo
wittgensteiniano, em nome da defesa da saúde e da pureza da linguagem, mas que agora circulam na
economia tão à vontade quanto as entregas do supermercado da esquina ”. (JAMESON, ST, p. 21-22)
sem precedentes de tudo — sentimentos junto com bens de consumo, linguagem junto com
espaço construído — que parecia ser incompatível com a mutabilidade. É um paradoxo que
pode ainda ser conceitualizado, mas em razão inversa: o da modularidade, por exemplo, no
qual a transformação intensificada é possível por meio da próprio estandardização, na qual
os módulos pré-fabricados, em tudo, desde a mídia até a vida privada doravante
estandardizada, da natureza comodificada à uniformidade de equipamentos, permitem que
reconstruções miraculosas se sucedam umas às outras, à vontade, como um vídeo fractal.”
(JAMESON, ST, p.30)
Contra a corrente de nossa época, a análise de Jameson procura estabelecer uma periodização
do pós-moderno, ou seja, situá-lo historicamente no tempo e no espaço, identificando as
mudanças reais e, ao mesmo tempo, examinando se ele é de fato tão novo e diferente quanto
acredita ser. O propósito dessa periodização é explicar a passagem do modernismo ao pós-
modernismo, demonstrando que mudanças substantivas podem ocorrer nos quadros de um
mesmo modo de produção, no caso, do capitalismo. Na ótica de Jameson, rupturas e mutações
de grande porte, no interior de um modo de produção (na forma), não envolvem mudanças
completas de conteúdo, mas, sim, a reorganização ou reestruturação de aspectos presentes no
período anterior. Os traços definidores do pós-modernismo já existiam no modernismo,
argumenta Jameson, a diferença é que alguns aspectos que eram secundários tornaram-se
agora dominantes ou centrais. Inversamente, determinados elementos que eram
preponderantes no modernismo passaram a ser coadjuvantes no pós-moderno. A obsessiva
procura pelo novo e a perda da historicidade, presentes na modernidade e intensificadas e no
pós-moderno, nos dão boas pistas sobre esse problema. De acordo com pensador norte-
americano, a especificidade do pós-moderno — que constitui uma ruptura irreversível com a
modernidade — deve ser assim compreendida:
“ Não me parece, de modo algum, que toda produção cultural de nossos é pós-moderna no
sentido amplo em que vou usar este termo. O pós-moderno é, no entanto, o campo de forças
em que vários tipos bem diferentes de impulso cultural — o que Raymond Williams
chamou, certeiramente, de formas ‘ residuais ’ e ‘ emergentes ’ de produção cultural — tem
que encontrar seu caminho. Se não chegarmos a uma idéia geral de uma dominante
cultural, teremos que voltar a visão da história do presente como pura heterogeneidade,
como diferença aleatória, como coexistência de inúmeras forças distintas cuja efetividade é
impossível aferir. ” (JAMESON, PLC, p. 31-32)
15
“...o pós-modernismo não é a dominante cultural de uma ordem social totalmente nova (sob o
nome de sociedade pós-industrial, esse boato que alimentou a mídia por algum tempo), mas é apenas reflexo e
aspecto concomitante de mais uma modificação sistêmica do próprio capitalismo. (JAMESON, PLC, p. 16)
16
Em função desta necessidade criou-se toda uma indústria que trabalha com o desejo, a fantasia e os
impulsos utópicos, planejando a imagem das mercadorias, criando estilos de vida associados a elas e
elaborando estratégias de venda (a propaganda torna-se aqui a mediação fundamental).
possibilidade do aparecimento de novidades. O que Jameson nos ensina é que o pós-moderno
não é nada tolerante, digamos, pois o que resta às formas de cultura que estão fora desta
lógica são espaços diminutos e aparições muito episódicas. Ao mesmo tempo em que procura
mostrar que o pós-modernismo constitui, ele mesmo, um sistema, Jameson quer evitar a
construção de uma lógica sistêmica fechada, indestrutível, que, segundo ele, dissolveria a
capacidade crítica de seu trabalho e nos deixaria impotentes diante de um quadro social que
não pode ser enfrentado (Os casos emblemáticos deste tipo de sistematização são o Vigiar e
Punir, de Michel Foucault, e a jaula de ferro da burocracia, teorizada por Weber).
Para Jameson, o fato econômico decisivo do final do século XX, já mencionado por
nós, foi a virtual conclusão do processo de modernização. Ratificando a análise de
Wallenstein, o pensador norte-americano sustenta que o modelo de sociedade construído na
URSS e seus satélites nunca chegou a ser um sistema realmente novo e separado do
capitalismo ocidental17. Esses países promoveram estratégias ultra-rápidas de modernização,
que, no entanto, nunca os levaram para fora do capitalismo, ou seja, o bloco comunista era um
espaço anti-sistêmico no interior do próprio sistema. Stalin modernizou a União Soviética,
transformando um país atrasado e essencialmente agrícola numa superpotência industrial /
militar, que dispunha de uma população alfabetizada e uma extraordinária base científica.
Nesse sentido, argumenta Jameson, o stalinismo cumpriu sua missão histórica e foi um
inegável sucesso, pelo menos até o advento da terceira revolução industrial (microeletrônica,
robótica), no início dos anos 70, quando os países do leste europeu se mostraram incapazes de
acompanhar o enorme salto dos países centrais do capitalismo18. A modernização capitalista
deve ser entendida, portanto, como o veículo da modernidade, como um processo econômico
global, de caráter desigual e combinado, conforme a clássica teorização de Trotsky19. O
17
Ver JAMESON, F. CTM, p. 193.
18
“... a União Soviética ‘ tornou-se ’ ineficiente e entrou em colapso quando tentou integrar-se a um
sistema mundial que estava passando da fase de modernização para a fase pós-moderna, um sistema que, de
acordo com suas novas regras de operação, estava por isso mesmo funcionando em um nível
incomparavelmente mais alto de ‘ produtividade ’ que qualquer coisa na esfera soviética. Impelida por motivos
culturais (consumismo, as novas tecnologias da informação etc.), atraída por uma competição militar-
tecnológica calculada, pela isca da dívida e por formas de coexistência comercial que se intensificavam cada vez
mais, a sociedade soviética ingressou em um ambiente no qual não poderia sobreviver. ” (JAMESON, CTM, p.
192)
19
“ As leis da história não têm nada em comum com o esquematismo pedantesco. O desenvolvimento
desigual, que é a lei geral do processo histórico, não se revela, em nenhuma parte, com maior evidência e
complexidade do que no destino dos países atrasados. Açoitados pelo chicote das necessidades materiais, os
países atrasados se vêem obrigados a avançar aos saltos. Desta lei universal do desenvolvimento desigual da
cultura decorre outra que, por falta de nome mais adequado, chamaremos de lei do desenvolvimento
acentuado enfraquecimento da autonomia dos Estados nacionais nas últimas décadas obriga
os países periféricos a se sujeitar à regulamentação financeira externa, quer dizer, as decisões
são tomadas simplesmente como confirmação do movimento automático do capital, o que
explica a atordoante insignificância a que foram reduzidos os tradicionais espaços da política
no mundo inteiro. Em grande medida, o capitalismo globalizado segue sua lógica à revelia
dos Estados nacionais e dos resultados a que chegou a modernização no terceiro mundo, por
exemplo. A conclusão da modernização é a expressão mais concreta e acabada do fim do
moderno. De acordo com Jameson, o atual estágio do capitalismo já não permite nenhum
avanço modernizador:
“ O capital internacional não esperará por eles, por nenhuma ‘ modernização ’ no sentido
clássico. A conjuntura é, portanto, extremamente desfavorável, para não dizer contraditória:
para a maioria das nações do Terceiro Mundo e do então chamado Segundo Mundo, o
relógio ainda bate pela modernização de maneira bem mais peremptória e urgente, ao passo
que para o capital, movendo-se rapidamente de uma situação de baixa compensação à
próxima, só são finalmente atraentes a tecnologia cibernética e as oportunidades pós-
modernas de investimento. No entanto, no novo sistema internacional, poucos países
podem se fechar para proceder a uma modernização em seu próprio ritmo e gosto: a
maioria já entrou no circuito internacional de dívida e consumo do qual já não pode se
desligar. Nem tem a tecnologia cibernética nenhum uso imediato para tais países em
desenvolvimento, por razões tanto sociais quanto econômicas: ela não cria novos empregos
nem riqueza social, ela não fornece, nem de maneira mínima, substituições de importação,
quanto mais uma fonte básica nacional de necessidades comuns. ” (JAMESON, MRE, p.
100-101)
combinado, aludindo à aproximação das distintas etapas do caminho e à confusão de distintas fases, ao
amálgama, de formas arcaicas e modernas. Sem recorrer a esta lei, enfocada, naturalmente, na integridade de
seu conteúdo material, seria impossível compreender a história da Rússia, nem a de nenhum outro país de
avanço cultural atrasado, seja em segundo, terceiro ou décimo grau. ” (TROTSKY, L. 2007, p. 21)
cultural / artística obedece, em maior ou menor medida, a lógica do capital, e a produção
econômica, em decorrência da importância fundamental das imagens e do espetáculo, precisa
cada vez mais ser estetizada. As teses de Jameson acerca dos papéis da cultura e da economia
na totalidade do capitalismo multinacional certamente apontam para um novo tipo de relação
entre base econômica e superestrutura:
“Dizer que meus dois termos, o cultural e o econômico, se fundem desse modo um no
outro e significam a mesma coisa, eclipsando a distinção entre base e superestrutura, o que
em si mesmo sempre pareceu a muitos ser uma característica significativa do pós-moderno,
é o mesmo que sugerir que a base, no terceiro estágio do capitalismo, gera sua
superestrutura através de um novo tipo de dinâmica. E isso pode bem ser o que preocupa (e
com razão) os que não aderiram ao termo; este parece nos obrigar, de antemão, a tratar os
fenômenos culturais no mínimo em termos de business, se não nos termos da economia
política.” (JAMESON, PLC, p. 25)
20
Ver o prefácio de CEVASCO, M. E. e COSTA em JAMESON, F. PLC.
A generalização absoluta do valor de troca no pós-modernismo revela a conquista,
pela lógica mercantil, dos últimos enclaves pré-capitalistas, a saber: a natureza e o
inconsciente21. Segundo Jameson, o moderno tinha como uma de suas experiências
fundamentais a alteridade entre as grandes metrópoles e o campo. Havia claramente uma
cultura das cidades e uma outra provinciana, camponesa, que podia ser reconhecida em muitas
áreas do terceiro mundo (colônias) ou associada a um passado pré-capitalista do continente
europeu. Quando os habitantes dos centros urbanos visitavam o campo e as regiões agrícolas
percebiam a inquestionável coexistência de dois mundos desnivelados, ou seja, eles podiam
realmente dizer, orgulhosos, que eram absolutamente modernos. Essa dicotomia desaparece
no pós-moderno. A conclusão da modernização extinguiu as tradições camponesas, a saber,
seu modo de produção agrícola, as antigas aldeias, as terras que não eram propriedade privada
e sua própria temporalidade. O campo é agora domínio das grandes corporações, do
agrobusiness (especulação), e estas precisam eliminar hábitos e práticas residuais de outros
modos de produção22. Jameson não quer dizer, com isso, que o globo terrestre foi
homogeneizado por completo. O que ele reconhece — como tendência — é a radicalização de
um processo que, na modernidade, ainda tolerava a existência das formas de vida tradicionais.
No pós-moderno, os habitantes do campo podem ter acesso a todas as tecnologias e meios de
comunicação / informação que, antes, eram exclusividade das grandes metrópoles. Hoje, a
internet, a publicidade e todos os tipos de mídia estão presentes nos meios rurais, promovendo
os mesmos desejos consumistas, a mesma moda e as mesmas ideologias que constituem a
cultura urbana, quer dizer, estamos diante de um assombroso processo de estandardização da
cultura mundial.
A industrialização da natureza produz uma temporalidade universal abstrata, na qual o
novo é esvaziado de seu sentido e o tempo, cristalizado pela mudança perpétua das imagens
21
“ Cada vez mais os indivíduos se transformam, de fato, naquele homo ecomomicus que outrora era uma
simples imagem da economia política clássica. Com a economização de todas as esferas da vida, a
economização da conciência avançou num grau até havia pouco inconcebível — e isso, graças à globalização,
nos quatro cantos do mundo, não só nos centros capitalistas. Quando até mesmo amor e sexualidade, tanto na
ciência quanto no cotidiano, são pensados cada vez mais como categorias econômicas e estimados segundo
critérios econômicos, a comercialização da alma parece irresistível. (KURZ, 2004, p. 249)
22
“ Tudo agora é organizado e planejado, a natureza foi triunfalmente cancelada, e também os
camponeses, o comércio pequeno-burguês, o artesanato, as aristocracias feudais e as burocracias imperiais. A
nossa condição é mais homogeneamente modernizada, não estamos mais sobrecarregados pelos estorvos das
não-simultaneidades e não-sincronicidades. Tudo chegou a mesma hora no grande relógio do desenvolvimento
ou da racionalização...Esse é o sentido em que podemos dizer que o modernismo caracteriza-se por uma
modernização incompleta, ou que o pós-modernismo é mais moderno que o próprio modernismo. ”
(JAMESON, PLC, p.314)
da moda e da mídia, reduzido ao espaço. Nesse presente fungível, o espaço e a psique podem
ser manipulados e formatados de modo ilimitado, às dispensas de qualquer disputa
ideológica, de acordo com as necessidades do capitalismo em sua atual fase pós-fordista
(acumulação flexível23). Assim como a esfera da produção, o inconsciente, colonizado pela
propaganda e pela indústria cultural, tornou-se igualmente flexível no pós-moderno24. No
centro das etapas finais do processo de modernização e do desaparecimento da natureza,
explica Jameson, aparece, mais forte do que nunca, o “ demônio da identidade ”:
23
“ A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do
fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e
padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas
maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente
intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas
mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto em setores como entre regiões geográficas,
criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado ‘ setor de serviços ’...” (HARVEY, 1992, p.
140) Essas transformações, segundo Harvey, sugerem que a acumulação de capital em nossos dias se dá,
principalmente, por meio da espoliação do patrimônio público, e não mais pela exploração direta do trabalho.
24
JAMESON, 1997, p. 24-43.
as posições políticas dos autores. A arte produzida neste período continha um forte sentido de
transcendência (utopia), ou seja, ela apontava para além do estético (segundo Jameson, esse
era o significado do sublime no modernismo). Os pós-modernistas se rebelaram contra a alta
cultura modernista, contra uma cultura que, em dado momento, se afastou das massas e
tornou-se patrimônio oficial de uma elite conservadora. No pós-moderno, os impulsos
transestéticos da arte desaparecem, dando lugar a uma produção artística cuja característica
principal é o que Jameson chama de “uma nova falta de profundidade ”. Essa
superficialidade, vale ressaltar, está também na base dos princípios epistemológicos da
chamada teoria, como um dos elementos centrais da cultura do simulacro e das imagens.
Para explicar a falta de profundidade do pós-modernismo, Jameson recorre a duas
obras emblemáticas: o quadro de Van Gogh dos sapatos do camponês, obra-prima do alto
modernismo, e Diamond Dust Shoes, de Andy Warhol, representante da arte pós-moderna. De
acordo com a brilhante análise de Jameson, é necessário reconstruir a situação inicial da qual
surge a obra acabada, ou seja, suas matérias-primas e o conteúdo que ela, de algum modo,
precisou confrontar e trabalhar. Somente assim a obra pode ser compreendida como um ato
simbólico, como práxis. A matéria-prima inicial do quadro do pintor holandês consiste no
mundo embrutecido e opressivo do trabalho rural, na miséria de uma vida em seus limites. No
entanto, esse mundo de dificuldades extremas transforma-se, surpreendentemente e de
maneira avassaladora, a partir da materialização das cores em pintura a óleo. Esse conjunto de
cores e seu efeito representam o momento utópico da obra de Van Gogh, isto é, contrapondo-
se à vida sem esperança, surge o desejo de superação da miséria e da divisão do trabalho na
sociedade capitalista. O quadro de Van Gogh, em razão de seu impulso trasestético, pode ser
entendido como um sintoma de uma realidade muito mais ampla — essa é a sua verdade, diz
Jameson.
Bem diferente disso, Diamonds Dust Shoes, de Warhol, apresenta vários pares de
sapatos num quadro que não possibilita ao espectador qualquer tipo de movimento, tampouco
a reconstrução da situação inicial da obra. Trata-se de um objeto quase natural, reificado, uma
imagem que se esgota em si mesma e não nos diz absolutamente nada. A obra de Warhol é
uma produção totalmente integrada ao mundo das mercadorias, uma imagem reluzente,
desprovida de qualquer conteúdo ou sentido. Segundo Jameson:
“ Aqui, no entanto, temos uma coleção aleatória de objetos sem vida, pendurados na tela
como se fossem nabos, tão desprovidos de sinais de sua vida anterior como uma pilha de
sapatos que ficaram em Auschwitz, ou restos de um incêndio inexplicável e trágico em um
salão de baile lotado. Não há, então, em Warhol, nenhum modo de completar o gesto
hermenêutico e reintegrar essa miscelânea ao contexto vivido mais amplo do salão, ou do
baile, do mundo da alta moda ou das revistas glamourosas. ” (JAMESON, PLC, p. 35)
25
“ O positivismo se torna pós-modernismo quando, como a filosofia no antigo paradigma, se realiza e
portanto se abole a si mesma. Adorno insiste em um aspecto de sua missão, fornecendo-nos assim uma valiosa
descrição: ele quer abolir o subjetivo, na medida em que este adota formas de pensamentos, interpretações e
opiniões (talvez também queira abolir a linguagem que corresponde a essas coisas: poética, emotiva, retórica).
Isto significa que se trata de um nominalismo e, como tal, quer reduzir-nos ao presente empírico (ou usar o
presente empírico como único padrão para imaginar outras situações e outros momentos temporais). Quer
abolir o valor como tal, qualquer pensamento que suscite a questão dos fins (a formulação da chamada ‘ crítica
da razão instrumental ’), sem excluir a própria dialética, mas incluindo todas as outras ideologias visionárias das
quais ele igualmente promete o ‘ fim ’. (JAMESON, MT, p. 320-321)
26
A reestruturação produtiva alterou completamente essa dinâmica nas últimas décadas, como bem
demonstrou Harvey, por exemplo. Ver HARVEY, 2006, Parte II, p. 115-184.
“ Chama-se cooperação a forma de trabalho em que muitos trabalhadores juntos, de acordo
com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes,
mas conexos...O efeito do trabalho combinado não poderia ser produzido pelo trabalho
individual, e só o seria num espaço de tempo muito mais longo ou numa escala muito
reduzida. Não se trata aqui da elevação da força produtiva individual através da cooperação,
mas da criação de uma força produtiva nova, a saber, a força coletiva. Pondo de lado a nova
potência que surge da fusão de muitas forças numa força comum, o simples contato social,
na maioria dos trabalhos produtivos, provoca emulação entre os participantes, animando-os
e estimulando-os, o que aumenta a capacidade de realização de cada um...É que o homem,
um animal político, segundo Aristóteles, é por natureza um animal social. ” (MARX, 2004,
p. 379)
27
Ver JAMESON, PLC, p. 42-43.
A fragmentação do sujeito no pós-modernismo se dá num contexto em que as
categorias espaciais parecem se sobrepor de maneira avassaladora sobre as temporais (ao
contrário do que acontecia no modernismo). O hiperespaço pós-moderno, ou seja, o ambiente
urbano degradado, saturado de imagens, nos impõe uma carga de informações para a qual
nossos aparelhos sensoriais encontram-se inteiramente despreparados. Segundo Jameson,
nossos hábitos perceptivos, formados no espaço do alto modernismo, não passaram por
nenhuma mudança similar, o que nos deixa impossibilitados de agir e representar a grande
rede global de informações que constitui o capitalismo globalizado. Temos assim um radical
descompasso entre sujeito e objeto, em outras palavras, não conseguimos mais representar a
totalidade do real. Considerando-se os impactos dessa transformação, cabe perguntar se a
práxis humana, em seu sentido mais amplo, já não estaria de todo comprometida.
Em sua impressionante análise do Hotel Bonaventure, construído em 1977, em Los
Angeles, Jameson nos mostra que esse ambicioso projeto da arquitetura pós-moderna, no qual
os visitantes são incapazes de identificar a entrada principal, tem a pretensão de substituir a
cidade (transformando-a em mais uma imagem) e oferecer alternativas aos nossos antigos
hábitos urbanos. No Bonaventure, que é também um shopping center, as pessoas circulam
desorientadas, invisíveis umas as outras, movidas unicamente pelo propósito de comprar.
Mais do que tudo, afirma Jameson, essa construção é um verdadeiro monumento à
passividade e à contemplação:
A crítica filosófica do sujeito, iniciada por Nietzsche, Freud e Lacan, teve seus
prolongamentos mais importantes no pós-estruturalismo, particularmente nas obras de
Foucault e Deleuze. Essa crítica que, pelo menos neste último, aparece como uma exaltação
da experiência esquizofrênica, representou, segundo Jameson, a correta percepção de uma
mudança muito significativa, ou seja: a experiência do sujeito no capitalismo tardio havia de
fato se tornado muito diferente do que era no estágio anterior da ordem burguesa. Temos
agora a fragmentação, o uso de drogas alucinógenas e psicofármacos, dispersões psíquicas e
descontinuidades temporais, quer dizer, um conjunto de sensações inteiramente desconhecidas
pelos seres humanos do início do século XIX, por exemplo28. Jameson reconhece os méritos
28
Falando a respeito dos limites do capitalismo e dos atuais contornos da subjetividade, Zizek critica
uma determinada concepção da esquizofrenia, corroborando, a meu ver, as teses de Jameson: “Alguns
psicólogos sociais chegam até a achar que existe um limite psíquico, no sentido de que o capitalismo atual — e
não se trata de uma posição tão ridícula quanto parece — está literalmente nos levando à loucura. É
praticamente o oposto de Deleuze e Guattari, porque eles têm aquela idéia da esquizofrenia capitalista, da
paranóia ruim que depois explode numa boa esquizofrenia revolucionária. Mas penso que Deleuze e Guattari
aproximam-se perigosamente de uma espécie de celebração pseudo-antipsiquiátrica da loucura. Penso que a
loucura é uma coisa terrível — as pessoas sofrem — e sempre considerei falso tentar identificar nela alguma
dimensão libertária. Seja como for, o limite a que se referem os psicólogos sociais é de natureza muito mais
direta. Por exemplo, segundo algumas estimativas norte-americanas, pelo menos 70% dos professores e
acadêmicos de hoje usam Prozac ou alguma outra forma de droga psicotrópica. Isso já não constitui a exceção.
da crítica deleuziana (pós-estruturalista) do sujeito, mas, ao mesmo tempo, a fim de não
avalizar o ideal esquizofrênico que ela parece requerer, devemos, como afirma a pensador
americano, historicizar radicalmente esta transformação. Para Deleuze e Guattari (em O Anti-
Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia29), haveria um tipo de esquizofrenia libertária, capaz de
produzir um presente absoluto, que marcaria tanto uma ruptura com o passado (a família, o “
complexo de Édipo ”) quanto com o futuro, identificado aqui com a rotina de trabalho sob o
capitalismo. A interessante teorização de Deleuze, no entanto, falha, pelo menos do ponto de
vista do marxismo, em não reconhecer que somente a invenção de formas de vida coletiva e
pós-individualistas pode oferecer um verdadeiro antídoto contra a solidão, o isolamento e a
fragmentação do sujeito burguês. A crítica deleuziana acaba, assim, presa ao que ela mesma
denunciou com grande perspicácia. Segundo Jameson:
“ Na medida em que a libertação do tempo é somente aquela redução ao presente que temos
examinado, o que parece ser uma crítica da nossa ordem social e a conceituação de uma
alternativa a ela se revela, na realidade, como a reprodução de uma de suas tendências mais
fundamentais. A noção deleuziana de esquizofrenia é, portanto, certamente profética, mas
ela é profética em relação à tendências latentes no interior do capitalismo e não a um
entusiasmo quanto a uma ordem social radicalmente diferente, capaz de substituí-la. De
fato, é questionável se Deleuze esteve em algum momento interessado em teorizar a
respeito de qualquer ordem social alternativa enquanto tal. ” (JAMESON, ET, p. 711)
Trata-se literalmente de que, para funcionar, já precisamos de psicofármacos. Portanto, o limite é este:
simplesmente começaremos a enlouquecer. ” (ZIZEK e DALY, 2006, 187)
29
DELEUZE, G./GUATTARI, F. O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia. Lisboa: Assírio & Alvim, 1996.
30
Ver BENJAMIN, 1996, p. 165-196.
para ridicularizá-lo. Há, na paródia, inconscientemente ou não, um elemento satírico, uma
leve simpatia e, por vezes, até mesmo uma real admiração pela pessoa imitada. Seja como for,
o objetivo final da paródia é sempre revelar o ridículo, o inconfundível, os excessos no modo
pelo qual os grandes artistas do período modernista cantam, escrevem, falam etc. Entretanto,
os estilos dos modernistas só podem ser ridicularizados em função da existência de uma
norma lingüística, de um critério fundamental. Mas, se como já observamos, a cultura do pós-
modernismo não contempla nenhum estilo ou norma, preferindo celebrar a multiplicidade e o
heterogêneo, o que vem a ser o pastiche? Jameson nos explica com muita clareza:
Para cada um de seus três estágios a ordem do capital gerou uma lógica cultural
dominante. No capitalismo concorrencial predominaram, como primeiro momento do
modernismo, as tendências realistas; no período do imperialismo, ou capitalismo dos
monopólios, prevaleceu o que Jameson chama de alto modernismo; e agora, em seu estágio
mais “ puro ”, o capitalismo tardio, a dominante cultural é o pós-modernismo. A passagem de
um estágio ao outro acarretou sempre em profundas mudanças na base produtiva do sistema
capitalista, impulsionadas, como mostrou Mandel, pela introdução de tecnologias
revolucionárias, que possibilitaram, a seu tempo, o começo de um novo ciclo de expansão.
Tomando como ponto de partida o ano de 1884, quando, na Conferência de Berlim, as
potências européias partilharam a África, Jameson explica que a grande expansão do capital
nessa época, isto é, o imperialismo, produziu um alargamento substancial da experiência
cotidiana, para o qual os habitantes do velho mundo estavam absolutamente despreparados.
Segundo Jameson, essa mudança trouxe, entre outros problemas, uma sensível perda de
significado:
Na perspectiva de Jameson, a grande cultura modernista foi, em boa medida, a resposta dos
europeus a essa radical crise de representação. Este problema histórico original constituiu um
novo tipo de conteúdo, um dilema, uma contradição formal que o modernismo procurou
resolver de diferentes maneiras. Aliás, explica Jameson, somente a arte que reflexivamente
percebeu e aceitou enfrentar esse dilema formal pode ser chamada de modernista.
Fizemos esse breve retorno a situação original da cultura modernista com o intuito de
mostrar que, da expansão planetária do capital, nas últimas três décadas, emergiu uma nova
crise de representação, ainda mais profunda do que aquela que, segundo Jamesou, abriu
caminho para o modernismo. Na pós-modernidade, essa crise já não constitui um dilema,
melhor dizendo: a representação aparece como uma impossibilidade. A globalização do
capital produziu a uma espantosa dilatação da esfera da cultura e, com ela, o hiperespaço
pós-modernista. Esse hiperespaço — o sublime do pós-moderno — ultrapassou as
capacidades do corpo humano de se localizar na nova totalidade, em outras palavras, a
mutação espacial do capitalismo multinacional tornou nossos aparelhos sensoriais obsoletos.
Estamos lidando, portanto, com uma espécie de abismo entre o corpo individual e o ambiente
em que vivemos, e essa disjunção, ainda que dramática, pode ser considerada secundária
quando comparada à incapacidade de nossas mentes de mapear a gigantesca rede global de
comunicação, descentralizada e não-representável, que nos mantém aprisionados enquanto
sujeitos individuais.
O hiperespaço pós-moderno deve ser concebido como o fundamento de uma nova
realidade histórica, que nos impõe a tarefa de construir um internacionalismo de um tipo
radicalmente novo. Nesse contexto de desorientação, uma cultura política de esquerda precisa,
em primeiro lugar, promover a desalienação nas cidades, isto é, capacitar o sujeito individual
(e posteriormente um sujeito coletivo) a reconquistar um sentido de localização, quer dizer,
tornar as pessoas capazes de reter e articular, na memória, um conjunto de informações que as
permitam mapear e remapear o espaço pós-moderno, numa palavra: trazer de volta a
possibilidade de uma práxis revolucionária. A estética do mapeamento cognitivo postula que
o capitalismo globalizado, enquanto totalidade espacial e histórica, é irrepresentável, mas isto
não quer dizer que ele não pode ser decifrado, conhecido. O maior desafio desse programa
político-pedagógico, como reconhece Jameson, é a superação das categorias individuais,
melhor dizendo, a transposição do mapa visual da cidade para uma escala global, para o
plano das lutas políticas coletivas. O mapeamento cognitivo, pode-se dizer, é a fórmula
atualizada da nossa velha e conhecida consciência de classe, uma teoria do conhecimento
para os nossos tempos pós-modernos31. Para os marxistas e todos os progressistas do mundo,
afirma Jameson, tão importante quanto o mapeamento do espaço multinacional do capitalismo
tardio é a tarefa de examinar e diagnosticar o medo e a ansiedade diante da utopia. A
reconquista da possibilidade de se fazer história no século XXI depende, assim, de um
incansável trabalho teórico-prático sobre os desejos, esperanças e angústias das coletividades:
“ É preciso fazer uma terapia coletiva com as vítimas da despolitização, lançar um olhar
rigoroso sobre tudo o que fantasiamos como mutilador, negativo, opressivo, pesaroso e
depressivo, em todas as visões disponíveis de transformação radical da ordem social. Penso
que esses sentimentos, os quais, em seu conjunto, constituem aquele fato amorfo, mas
mesmo assim real e ativo, que é o antiutopismo, não brotam realmente da felicidade pessoal
profunda e da gratificação ou realização no presente, mas servem meramente para bloquear
a experiência da satisfação do presente de tal forma que, logicamente, a ‘ satisfação ’ se
torne o único julgamento que pode ser feito por um observador confuso, a quem as provas
inconscientes mais profundas foram sonegadas.” (JAMESON, ST, p. 72)
31
Ver o prefácio de CEVASCO, M. E. e COSTA, I. C. em JAMESON, PLC.
Uma ontologia marxista do presente deverá necessariamente encarar o pós-
modernismo como uma nova realidade histórica, promover o mapeamento cognitivo do
espaço global e, mais do que nunca, radicalizar a crítica da economia política. Isto, insiste
Jameson, implica em resistirmos à tentação de apelar para modelos culturais elaborados em
vista de dilemas que pertencem ao passado, ou seja, precisamos reconhecer que o caminho
para a modernidade está fechado32. A luta pelo socialismo demanda, ao contrário,
arqueologias do futuro, como pretendemos mostrar, a partir da compreensão do tema central
deste trabalho, nos dois capítulos seguintes.
32
Este é o ponto mais sensível e radical, por assim dizer, que, de uma perspectiva panorâmica, separa
Jameson de outros pensadores marxistas que, como ele, se esforçaram para compreender o significado da pós-
modernidade. David Harvey, por exemplo, ainda acredita que uma reformulação do Iluminismo pode nos
fornecer as bases para um programa político transformador: “...há uma renovação do materialismo histórico e
do projeto do Iluminismo. Por meio do primeiro, podemos começar a compreender a pós-modernidade como
condição histórico-geográfica. Com essa base crítica, torna-se possível lançar um contra-ataque da narrativa
contra a imagem, da ética contra a estética e de um projeto de Vir-a-ser em vez de Ser, buscando a unidade no
interior da diferença, embora o contexto em que o poder da imagem e da estética, os problemas da
compressão do tempo-espaço e a importância da geopolítica e da alteridade sejam claramente entendidos.
Uma renovação do materialismo histórico-geográfico pode na verdade promover a adesão a uma nova versão
do projeto do Iluminismo. ” (HARVEY, 2005, p. 325)
CAPÍTULO II
33
. Em O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte, Marx assinala enfaticamente a necessidade de uma
ruptura completa com as tradições do passado: “ A revolução social do século XIX não pode tirar sua poesia do
passado, e sim do futuro. Não pode iniciar sua tarefa enquanto não se despojar de toda veneração
supersticiosa do passado. As revoluções anteriores tiveram que lançar mão de reminiscências da história
universal para se iludirem quanto ao próprio conteúdo. A fim de alcançar seu próprio conteúdo, a revolução do
século XIX deve deixar que os mortos enterrem seus mortos. Antes a frase ultrapassava o conteúdo; agora é o
conteúdo que ultrapassa a frase. ” (MARX, 2006, p. 18)
34
Ver HABERMAS, J. 2002, cap. I
primeiros estágios do capitalismo, inclusive Marx, puderam manter, compreensivelmente,
uma atitude mais ou menos otimista durante todo esse período, quer dizer: o futuro
permanecia em aberto e o progresso, ainda que aos tropeços, nos conduziria à superação da
sociedade de classes35. Para Marx, a revolução comunista representava a ruptura mais radical
possível com o passado, e o próprio desenvolvimento do capitalismo preparava,
necessariamente, seu fim:
35
O otimismo de Marx deve ser sempre relativizado, uma vez que em vários momentos de sua obra
ele percebeu e assinalou, mais ou menos claramente, a possibilidade do fracasso, ou seja, a idéia de que a
derrota da revolução comunista poderia produzir um estado de barbárie, a despeito de todo o
desenvolvimento das forças produtivas. É curioso notar que a formulação mais instigante de Marx sobre uma
possível recaída na barbárie aparece, justamente, num panfleto de chamado à luta revolucionária, no qual o
pesadelo da derrota definitiva poderia, ou mesmo deveria, ser desconsiderado. No Manifesto Comunista, Marx
e Engels afirmam: “ A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história da luta de classes. Homem
livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo,
oporessores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora
disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira,
ou pela destruição das duas classes em conflito. ” (MARX, ENGELS, 2005, p. 40) Para um instigante
desenvolvimento dessa questão, ver MENEGAT, M. O Olho da Barbárie. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
mencionadas na introdução deste trabalho). Em virtude do aprofundamento dos processos de
reificação, o mundo do capital realizou a liberdade tão-somente como ideologia, produziu
desigualdades sociais absurdas e ainda integrou a classe cuja missão histórica era a
emancipação da humanidade — a realização concreta do projeto da modernidade. Já em
História e Consciência de Classe (1923), Lukács parece ter percebido, certamente com pesar,
que o conformismo poderia se instaurar definitivamente na consciência dos trabalhadores, nos
colocando numa situação de imobilismo estrutural:
36
Em sua implacável crítica ao dogmatismo da social-democracia alemã, Benjamin escreveu: “ A
representação de um progresso do gênero humano na história é inseparável da representação do avanço dessa
história percorrendo um tempo homogêneo e vazio. A crítica à representação desse avanço tem de ser a base
crítica da representação do progresso em geral. ” (BENJAMIN, Tese XIII, 2005, p. 116)
As chamadas metanarrativas históricas, isto é, o marxismo e o pensamento dialético
em geral, são, segundo a teoria e do discurso pós-moderno, as grandes responsáveis pelas
tragédias da modernidade. Mas qual seria o ponto crucial dessa recusa intransigente? As
críticas dos pós-modernos têm seu momento de verdade? Segundo Anderson:
“ Dissolução, decerto, significa, antes de tudo, ruptura da unidade, e não fim puro
e simples da história. Percebeu-se que a história dos eventos — políticos, militares, dos
grandes movimentos de idéias — é apenas uma história entre outras. A ela pode se
contrapor, por exemplo, a história dos modos de vida, que caminha muito mais lentamente
e se aproxima quase de uma ‘ história natural ’ dos fatos humanos. Ou então, e mais
radicalmente, a aplicação de instrumentos de análise da retórica à historiografia mostrou
que, no fundo, a imagem da história que nós temos é toda ela condicionada pelas regras do
gênero literário; em suma, que a história é muito mais uma ‘ estória ’, um relato, do que
geralmente se está disposto a admitir. ” (VATTIMO, 2002, Introdução, XIV)
38
Curso “ Tópicos Especiais em Teoria Social ”, oferecido pelo professor Marildo Menegat no
Programa de Pós-graduação da ESS, UFRJ, (2008/2).
“ Roland Barthes era um homem de esquerda que achava o marxismo lamentavelmente
pobre quando se tratava de semiótica, a ciência dos signos. Julia Kristeva trabalhou com
linguagem, desejo e corpo, nenhum deles temas que ocupassem exatamente os primeiros
lugares na agenda marxista. Ainda assim, esses dois pensadores tinham afinidades estreitas,
pelo menos naquele momento, com a política marxista. [...] Jacques Derrida afirma hoje em
dia que sempre entendeu sua própria teoria da desconstrução como uma espécie de
marxismo radicalizado. [...] Michel Foucault, um aluno de Louis Althusser, era um herético
pós-marxista que não achava força de persuasão no marxismo quando se tratava de
questões de poder, loucura e sexualidade, mas que continuou a circular, durante algum
tempo, no ambiente marxista. O marxismo deu a Foucault um interlocutor silencioso em
vários de seus trabalhos mais famosos. [...] Nem todos os teóricos dos Estudos Culturais
tinham essa relação tensa com as idéias marxistas. Mas parece justo dizer que muito da
nova teoria dos Estudos culturais nasceu de um diálogo extraordinariamente rico com o
marxismo. Começou como tentativa de achar uma maneira de contornar o marxismo sem
propriamente abandoná-lo. Acabou fazendo exatamente isso. ” (EAGLETON, 2005, p. 57-
58)
39
A teorização da indústria cultural, por Adorno e Horkheimer, certamente antecipou muitas das “
grandes descobertas ” dos radicais pós-modernos, que, de maneira empobrecida, não-dialética, denunciam a
supressão das alteridades na modernidade, festejando o seu fim como a vitória das minorias (da diferença)
sobre o universal opressor. Segundo Adorno e Horkheimer: “ Em face da trégua ideológica, o conformismo dos
compradores, assim como o descaramento da produção que eles mantêm em marcha, adquire boa consciência
Ele se contenta com a reprodução do que é sempre o mesmo. Essa mesmice regula também as relações com o
que passou. O que é novo na fase da cultura de massas em comparação com a fase do liberalismo avançado é a
exclusão do novo. A máquina gira sem sair do lugar. Ao mesmo tempo que já determina o consumo, ela
descarta o que ainda não foi experimentado porque é um risco. [...] Nada deve ficar como era, tudo deve estar
em constante movimento. Pois só a vitória universal do ritmo da produção e reprodução mecânica é a garantia
de que nada mudará, de que nada surgirá que não se adapte. ” (ADORNO/HORKHEIMER, 1985, p. 125-126)
40
Curso “ Tópicos Especiais em Teoria Social ”, oferecido pelo professor Marildo Menegat no
Programa de Pós-graduação da ESS, UFRJ, (2008/2).
“ Não se trata somente de dar voz a interesses particulares, mas de interpretar, colocar de
forma legível para todos, perspectiva, expectativas e esperanças, exatamente daquela parte
da humanidade que até agora não teve a capacidade de se fazer ouvir. [...] Não unicamente
por dizerem coisas importantes, mas porque são ‘ outras ’ e o ser (mas, se se quiser, Deus
ele próprio) é sempre outro, ou o outro. [...] Nietzsche nos ensina a pensar que o niilismo,
ou seja, o declínio das grandes metanarrativas não é uma lástima, mas a possibilidade de
inventar novos valores, menos repressivos, para nossa convivência. [...] Uma perspectiva
pós-moderna, que é também uma perspectiva antimetafísica, prefere liberalismo e
democracia não porque estejam fundados sobre valores humanos eternos, mas porque
representam as únicas possibilidades de dar um sentido retrospetivo à História. Como
afirma Heidegger, nós somos ‘ projetos ’ e por isso precisamos de liberdade e de espaços
abertos. ” (VATTIMO, O nascimento do pós-moderno, artigo publicado, em 31/05/2008,
no jornal O Globo)
Seja como for, é fundamental sublinhar que a questão do ocaso da história na pós-
modernidade (e mesmo antes dela) não é uma construção subjetiva ou ideológica de um
marxismo ressentido, isto é, também para os liberais e os pós-modernos algo como um “ fim
da história ” parece ter ocorrido41. Perry Anderson nos mostra que a famosa teoria de Francis
Fukuyama, formulada em O Fim da História e o Último Homem, não postulava o fim dos
conflitos no interior das sociedades capitalistas, tampouco que as instituições liberais estavam
prontas para resolver todos os problemas sociais e criar um mundo perfeito, plenamente
estável. A intenção básica de Fukuyama era nos convencer de que, tendo o comunismo
fracassado totalmente, haviam sido suprimidas todas as alternativas à democracia liberal, quer
dizer: o melhor dos mundos possíveis estava decididamente posto. A maior comprovação
dessa tese seria a derrocada não violenta de quase todas as ditaduras pelo mundo a fora
(América Latina, Europa oriental, África), como demostração do reconhecimento, por parte
de seus antigos adversários, da superioridade dos valores liberais e democráticos42.
Analisando a obra de Fukuyama, Anderson escreve:
41
Nas páginas iniciais de seu belo livro sobre a história do século XX, Eric Hobsbawm chama a atenção
do leitor para o problema de que estamos tratando: “ A destruição do passado — ou melhor, dos mecanismos
sociais que vinculavam nossa experiência pessoal à das gerações passadas — é um dos fenômenos mais
característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de
presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. ”
(HOBSBAWM, 2002, p. 13)
42
Ver ANDERSON, P. 1992, cap. 5
“ Muitos problemas sociais por solucionar — déficit habitacional, falta de
empregos e de oportunidades; pobreza e criminalidade — permanecem mesmo nos países
mais ricos; e diferentes soluções podem ser consideradas para eles no âmbito de permutas
entre liberdade e igualdade que um capitalismo democrático propicia. Se há limites
exteriores para esse espaço, fixados pelos princípios de efetiva propriedade privada, não
existe um ótimo estável ao longo dele, e mais democracia social pode ser inculcada aqui e
ali, sem alterar os parâmetros básicos do tempo. Na verdade, o fato político central nos dias
de hoje é que não sobrou nenhum programa que afirme superar o capitalismo. A revolução
liberal ainda não está realizada em toda a parte. Mas na ausência de quaisquer
competidores, a história parece realmente ter chegado ao seu termo. ” (ANDERSON, 1992,
p. 97)
Tendo em vista esse cenário, Jameson nos mostra que, enquanto dominante cultural, o
pós-modernismo representa a falência completa do novo, o aprisionamento da humanidade,
que, não mais sabendo lidar com o tempo e a história, permanece encarcerada no reino da
necessidade e do fetiche, reproduzindo velharias e mascarando, sob a forma do pastiche e do
simulacro, o dramático processo de auto-dissolução do sistema do capital. Passivos diante de
um excesso de imagens e informações (a imagem é a forma última da mercadoria, segundo
Debord43), já não somos capazes de representar nossas experiências mais significativas e
avaliar criticamente o que nos é ofertado pela indústria cultural, pelos discursos políticos e
pela fala dos economistas, quer dizer: o presente tornou-se, para nós, um tempo abstrato,
cristalizado, uma realidade espacial desconhecida, simplesmente contemplada, sem
movimentos exteriores ao capital, — apesar do agravamento das mazelas sociais, do
empobrecimento cada vez mais intenso da existência humana e da real possibilidade de
extinção do meio natural. O apego desesperado à modernidade — por parte da esquerda —,
como se ela fosse uma espécie de garantia última de que o socialismo não foi derrotado
definitivamente, sustenta Jameson, é parte desse problema. A defesa de um processo que,
segundo as próprias tendências identificadas por Marx, teria seu fim com a chegada do
capitalismo aos seus limites lógicos e históricos (ainda que os resultados políticos tenham
sido desfavoráveis do ponto de vista da revolução) é contraproducente, ahistórica e somente
fortalece o jogo cínico dos apologistas do capital. Esse medo de enfrentar o presente nos
43
Em A Sociedade do Espetáculo, Guy Debord escreve: “ O espetáculo é o capital em tal grau de
acumulação que se torna imagem. ” (DEBORD, 2007, Tese 34, p. 25)
impede de diagnosticar corretamente os problemas atuais, alimentando, assim, a atitude
contemplativa diante do intolerável. De acordo com Jameson:
“...‘ modernidade ’ é uma palavra suspeita nesse contexto, e está sendo usada precisamente
para acobertar a ausência de qualquer esperança, ou telos, social coletiva depois do
processo de descrédito do socialismo. Isso porque o capitalismo em si mesmo não tem
nenhum objetivo social. Sair usando a palavra ‘ modernidade’ a torto e a direito, em vez de
capitalismo, permite que políticos, governos e cientistas políticos finjam que o capitalismo
tem um objetivo social e que disfarcem o fato terrível de que não tem nenhum. ”
(JAMESON, CD, p. 33)
O fracasso dos grandes projetos coletivos abriu caminho para a proliferação de iniciativas
locais e movimentos particularistas — as chamadas políticas de identidade —, que, em geral,
impulsionadas pela celebração festiva do pluralismo e do direito à diferença, revelam,
implicitamente em suas ações, sua impotência e a aceitação do mundo burguês como
horizonte insuperável da humanidade. O capital oferece migalhas de liberdade àqueles que,
sabidamente, não o vêem como adversário44. A grande ironia é que, justamente quando a
direita tem o globo terrestre à sua disposição, a esquerda pós-moderna limita-se ao local, a um
pragmatismo inócuo.
Juntamente com o arcaico e os resíduos pré-capitalistas (o campesinato, os pequenos
burgueses, a natureza), que tiveram uma sobrevida na modernidade, a cultura pós-moderna
dissolveu o próprio passado, a historicidade e a memória coletiva. No capitalismo pós-
moderno, as pretensas novidades e rupturas não têm mais nenhum conteúdo transcendente ou
utópico claro (pouco importa o que acontece depois desses eventos), elas são meros
simulacros, ou seja, artefatos produzidos e reproduzidos a partir de uma cópia, que, em sua
44
O aparecimento dos chamados novos movimentos sociais é um acontecimento de inegável
importância, segundo Jameson, mas, pelo menos em sua maioria, creio eu, eles não têm se colocado como
opositores radicais do capital. A questão parece ser exatamente a posição que esses grupos assumirão, a médio
prazo, diante da ordem burguesa. Os limites atuais desse tipo de política são bem pontuados por Zizek: “ Essa
floração perpetuamente em irrupção de grupos e subgrupos nas sua identidades híbridas, fluidas e móveis,
insistindo cada um deles em afirmar o seu modo específico de vida e/ou de cultura, esta incessante
diversificação não é possível e pensável a não ser apoiada na base da globalização capitalista; é a maneira
própria através da qual a globalização capitalista afecta nosso sentimento de pertença étnica e outras formas
de pertença comunitária: o único laço que liga estes grupos múltiplos é o laço do próprio Capital, sempre
disposto a satisfazer as reclamações específicas de cada grupo e subgrupo (turismo gay, música hispânica...). ”)
(ZIZEK, 2006, p. 61)
imediatez e superficialidade, reforçam o imobilismo histórico do presente. A modernidade
caminhou sempre sob o domínio do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo,
no qual o novo e o moderno ainda se deparavam com o velho, o arcaico, permitindo, assim, a
coexistência de temporalidades nitidamente distintas durante todo esse período — a
percepção de alteridades sistêmicas — e, é claro, a genuína experiência do novo. O desfecho
do processo de modernização produziu um verdadeiro enclausuramento espaço-temporal,
uma cultura achatada e homogênea, que, como afirma Jameson, é o resultado lógico e
necessário da expansão planetária da forma mercadoria:
45
De acordo com Kurz, a reflexão crítica moderna, presa à ideologia do progresso e à lógica do
desenvolvimento, não foi capaz de desvelar as bases fetichistas da modernidade, mais precisamente, a
metafísica do dinheiro. Marx, afirma o pensador alemão, elaborou os princípios dessa crítica verdadeiramente
radical, mas eles acabaram sendo esquecidos pelo próprio marxismo. Ver KURZ, Robert. Com todo vapor ao
colapso, p. 145-153, ou ainda, Os Últimos Combates, p. 23-30.
porque o velho e o tradicional ainda estão presentes. Uma maneira de se narrar a história da
transição do moderno para o pós-moderno é mostrar como, a longo prazo, o moderno
triunfa sobre e aniquila completamente o velho: a natureza é eliminada juntamente com o
velho campo da agricultura tradicional; até os monumentos históricos sobreviventes, agora
limpos, tornam-se simulacros brilhantes do passado, e não sua sobrevivência. Agora tudo é
novo, mas, pela mesma via, a própria categoria do novo perde seu sentido e torna-se agora
algo como um remanescente modernista. ” (JAMESON, PLC, p. 315)
A busca incessante pelo novo, aliás, é uma daquelas características centrais da modernidade
que o pós-moderno tratou de intensificar, — tão-somente como tragédia ou farsa —
alimentando sentimentos de nostalgia e criando imagens de um futuro, desde já, planejado
pelo capital. Se as novidades do pós-modernismo são fundamentalmente simulacros
(mercadorias), como entender a afirmação de Jameson segundo a qual o nosso presente —
esse mundo sem tempo e sem história — se deixa ver como um período de mudança
perpétua?
O atual estágio do capitalismo evidencia, mais nitidamente do que suas fases
anteriores, que, enquanto modo de produção, este tipo de sociedade se legitima e se perpetua
proliferando diferenciaçõe, que podem inegavelmente, em alguns momentos, representar
mudanças e transformações significativas. Impulsionadas principalmente pelo avanço
tecnológico, essas mudanças, no entanto, não vão de encontro à ordem, muito pelo
contrário46! O capitalismo tardio se deixa compreender como uma forma social cuja lógica
interna exige a produção sistêmica de diferenças e novidades que, por meio do consumismo,
garante a aparente eficácia e eternidade do mundo burguês. Assim, a maioria das pessoas
identifica suas próprias necessidades com as necessidades fetichistas do sistema. Uma
interpretação dialética de alguns dilemas da globalização pode nos ajudar a entender melhor
essa lógica. Se tomarmos isoladamente as inúmeras culturas locais e seus conteúdos,
provavelmente não teremos como deixar de celebrar o pós-modernismo, ou seja, exaltar as
diferenças, as alteridades, enfim, a vitória do pluralismo sobre qualquer tipo opressão
universalista, — principalmente se levarmos em conta o convívio, geralmente amistoso, na
46
Cabe sublinhar que, para Jameson, a tecnologia não constitui de forma alguma a determinação
fundamental de nossas sociedades, sua importância está muito mais em sua capacidade de nos propiciar,
mesmo que de maneira deturpada, uma figuração do capitalismo globalizado. Diz ele: “A tecnologia da
sociedade contemporânea é, portanto, hipnótica e fascinante, não tanto em si mesma, mas porque nos oferece
uma forma de representar nosso entendimento de uma rede de poder e de controle que é ainda mais difícil de
ser compreendida por nossas mentes e por nossa imaginação, a saber, toda a nova rede global descentrada do
terceiro estágio do capital. ” (JAMESON, PLC, p. 64)
esfera pública, de grupos étnicos distintos, homossexuais, religiosos de todo tipo e
movimentos de gênero. Esse fato, em si, pode ser visto como um ganho, como uma conquista
democrática por parte daqueles que foram, durante um longo tempo, silenciados ou
violentamente perseguidos. Mas, como sabemos, a globalização não é apenas um fenômeno
cultural, trata-se, em primeiríssimo lugar, de um acontecimento econômico. Do ponto de vista
da produção material, a heterogeneidade perde força e o próprio conceito de diferença torna-
se obscuro, suspeito. Radicalizando essa segunda possibilidade, vemos que a economia (o
valor de troca universalizado) suprime as alteridades substantivas e põe em cena a identidade,
que se faz presente, por exemplo, na integração forçada e avassaladora dos antigos mercados
nacionais, relativamente autônomos, numa única esfera global, ou seja, no mercado mundial.
Já não é possível ficar fora desse sistema, desligar-se dele, e o enfraquecimento dos Estados
nacionais não é o menor dos sintomas desse movimento irresistível. Se na esfera da cultura
parece reinar a diversidade, a diferença, o que parece brotar do solo da economia é justamente
o oposto, ou seja, um imenso processo de homogeneização, baseado na produção sistemática
de identidades, a repetição exaustiva do “ sempre igual ”. E se, como insiste Jameson,
tratarmos o cultural e o econômico como uma única esfera, como dois momentos de um
mesmo processo? O que o crítico estadunidense nos mostra é que, longe de constituir um par
incompatível, o brilho e o êxtase libertário do pós-modernismo estão em perfeita harmonia
com o tom sombrio e opressor da ordem do capital, em outras palavras, o mercado comporta,
em sua lógica e estrutura, conteúdos distintos, aparentemente excludentes, que compõe, na
perspectiva de uma “ dialética interrompida ”, um tipo de antinomia insolúvel. Assim sendo,
Jameson afirma que duas posições políticas podem resultar desse cenário paradoxal:
“ Tendo colocado essas duas possibilidades estruturais iniciais, podemos projetar seus eixos
uns sobre os outros. Agora, em um segundo momento, a visão desastrosa da identidade
pode ser transferida para o domínio do cultural: e o que se verá, à maneira da desalentada
da escola de Frankfurt, é a estandardização ou americanização da cultura mundial, a
destruição das diferenças locais, a massificação de todos os povos da terra. Mas você tem
toda a liberdade de fazer o oposto e transferir a diferença alegre e festiva e as
heterogeneidades múltiplas da primeira dimensão, a do cultural, para a esfera econômica:
aí, é claro, pululam os retóricos do mercado livre que tentam nos convencer, com acentos
febris, das benesses e das possibilidades excitantes do novo mercado livre para todo o
mundo: o aumento da produtividade a que levarão os mercados abertos, a satisfação
transcendental de constatar que os seres humanos finalmente começaram a perceber que a
troca, o mercado e o capitalismo são as mais fundamentais de suas possibilidades enquanto
seres humanos, a mais segura das fontes da liberdade. ” (CD, 2001, p. 87)
É desta maneira, sob o domínio absoluto da lei do valor, que as diferenças e o movimento
atordoante da cultura pós-moderna mostram sua verdade, quer dizer, aqui, as mudanças e
alteridades são, em geral, tão relevantes quanto a distância que separa dois modelos de
automóvel. Numa palavra: o dinamismo é constitutivo da inércia estrutural, ou seja, estamos
falando de mudanças puramente aparentes ou quantitativas, nunca de um movimento
transformador que poderá colocar em xeque as estruturas fetichistas do capital. Em seu
repúdio ao conceito de totalidade, os pós-estruturalistas colocam em primeiro plano a
diferença, o “ fluxo total ” e a heterogeneidade, mas não percebem que a valorização dessas
categorias só é possível a partir da existência de ideologias universalistas e de uma realidade
homogênea já posta, as quais eles devem rejeitar e se opor. A diferença se destaca como o
que, pelo menos aparentemente, escapa do universal instituído, ou seja, o próprio conceito só
faz sentido em referência a um sistema totalizante.
O pós-modernismo, sugere Jameson, deve ser entendido como uma época mais
propícia às antinomias do que às contradições propriamente ditas47. O que ocorre, portanto, é
que, na lógica cultural do capitalismo tardio, os pares antinômicos se mantém unidos, um
termo não exclui o outro, como seria de se esperar. Sem causar danos ou qualquer
perplexidade, a diferença se transforma em identidade, a homogeneidade se dissolve no
heterogêneo, a identidade anula a diferença, e assim por diante. Enquanto modo de produção,
o capitalismo globalizado gerou uma temporalidade específica (é o tempo da mídia, da moda,
das vitrines), na qual a mudança perpétua acaba se igualando à estase absoluta. Isto é, esse
paradoxo temporal — que constitui o esmaecimento do próprio tempo e da historicidade —
expressa a dinâmica inerente à sociedade burguesa em seu terceiro estágio, cujo resultado
final, em que pese a incrível maleabilidade que ela confere ao real, é um sistema que
percebemos como incontrolável, imutável48. Neste contexto, aparentemente inconcebível, o
47
“...organizarei adequadamente a minha sintomatologia e passarei a operar como se a antinomia
fosse o sintoma de uma contradição: isso pode pressupor um modelo ou imagem multidimensional, assim
como a noção de que a nossa era — esta do positivismo tecnológico e do nominalismo experiencial — é uni ou
bidimensional tanto por opção quanto por desenvolvimento histórico. ” (JAMESON, ST, p. 20)
48
Robert Kurz acrescenta argumentos muito interessantes nesse sentido, que parecem corroborar as
instigantes teses de Jameson acerca da “ dinâmica estática ” do capitalismo pós-moderno e sua relação com o
ocaso da história: “ Que outro enunciado, senão a ‘ espantosa rapidez do esquecimento ’, caracterizaria melhor
as conjunturas capitalistas, que não se caracterizam mais como evolução humana, sendo antes um processo de
espaço se sobrepõe ao próprio tempo, o que significa dizer, em outras palavras, que, no pós-
moderno, o tempo de alguma maneira foi transformado em espaço. O hiperespaço pós-
moderno produziu em nossos aparelhos sensoriais um verdadeiro curto-circuito, uma
desorientação radical que nos impede de organizar e elaborar a temporalidade, ou seja, houve
uma profunda transformação no objeto (espaço) que não teve, até o momento, uma mutação
correspondente no que se refere a subjetividade (tempo). Nossos hábitos perceptivos foram
formados no espaço do alto modernismo, sublinha Jameson. Assim, explica o crítico norte-
americano:
conteúdos diferentes, cujo combustível é o dinheiro? E ‘ facilidade de substituição ’, que descrição seria mais
precisa da personalidade rebaixada a objeto que o ser humano universalmente cambiável? E o que poderia ser
mais ‘ ávido de mobilidade ’ do que o próprio capitalismo, o qual, na condição de sistema econômico tipo bola
de neve, de fato ‘ só consegue subsistir enquanto se mantiver em movimento e puser em movimento tudo ao
seu redor ‘? [...] E o que, finalmente, poderia representar uma ‘ falta de continuidade ’ mais radical do que o
mercado universal sem história, que realiza seu movimento sempre idêntico numa espécie de nirvana
atemporal? (KURZ, 2004, p. 179)
49
Zizek sublinha com muita propriedade que a proliferação de novos sujeitos na pós-modernidade
encobre esse assombroso processo: “ O resultado último da subjetivação global não é o desaparecimento da ‘
realidade objetiva ’, mas o desaparecimento de nossa própria subjetividade, que se transforma num capricho
fútil, enquanto a realidade social continua seu curso. ” (ZIZEK, 2003, p. 105)
esvanecem na perda das experiências das gerações anteriores, uma vez que até mesmo a morte
parece incapaz de produzir qualquer corte significativo no presente e nos propiciar uma visão
coerente dos possíveis encadeamentos entre presente, passado e futuro, ou seja, a expressão
mais concreta e radical da finitutude se dilui na arbitrariedade do presente perpétuo. A
sensação preponderante é a de um incontrolável esvaziamento da experiência, de uma perda
brutal, assinala Jameson. Aniquilado pelas determinações espaciais, o tempo, enquanto “
fluxo total ”, se iguala ao vazio, ao nada. É interessante notarmos aqui a ambigüidade do pós-
moderno, que em seu louvor da diferença anula as tradicionais distinções da modernidade,
transformando seu ímpeto libertário em homogeneidade. Os pares dicotômicos do moderno se
configuram agora como antinomias insolúveis (identidade/diferença,
homogeneidade/heterogeneidade, espaço/tempo, sujeito/objeto), que, na ótica de Jameson,
devem ser compreendidas como sintomas de contradições materiais. Assim sendo, escreve
nosso autor:
50
Um sem número de cineastas importantes da atualidade, deixando-se de lado qualquer juízo sobre
suas obras, já trabalham com produtores, elencos ou, pelo menos, distribuidores dos países centrais, o que nos
faz pensar que os filmes por eles produzidos dificilmente podem ser considerados nacionais; mais ainda, que
essa tendência está, rapidamente, se transformando em norma (necessidade?). Ensaio sobre a Cegueira
(Blindness, 2008), de Fernando Meirelles, uma co-produção Brasil/Japão/Canadá, ilustra perfeitamente o que
estamos tentando explicar. O mesmo Meirelles dirigiu O Jardineiro fiel (The Constant Gardener), produção
norte-americana de 2005. Poderíamos citar vários diretores mexicanos, orientais e europeus que, hoje,
trabalham em Hollywood. O cineasta mexicano Arturo Ripstein, diretor dos filmes A Rainha da Noite e
Vermelho Sangue, comenta: “ Existe uma nova geração, mas ela é composta de poucos cineastas. Diretores
como Alfonso Cuarón e Alejandro Gonzáles Iñárritu fazem, na verdade, cinema americano. Não se trata de ser
bom ou ruim. Apenas não é cinema mexicano. ” (Publicado em O Globo, dia 7/10/2008)
O que resulta desse quadro é que não podemos mais considerar seriamente qualquer tipo de
continuação do moderno, ou seja, algo como a construção de modernidades sul-americanas ou
orientais, por exemplo, alternativas e/ou autônomas em relação ao modelo anglo-saxão51. A
mais padronizada e homogênea sociedade de todos os tempos se fecha em si mesma,
globalmente, ainda que em seu interior apareça alegremente um conjunto impressionante de
diversidades e um grau de heterogeneidade nunca antes visto. No moderno, tudo o que nas
antigas colônias não podia ser conhecido ou mapeado cognitivamente, pode agora, na pós-
modernidade, difundir-se pelo globo por meio da informação instantânea, quer dizer, a
distância que antes separava as colônias das metrópoles foi suprimida e a interdependência
econômica cada vez mais cancela os espaços que existiam entre essas realidades outrora
diferentes. Essa visibilidade do outro, essa nova transparência, nada mais é, no entanto, do
que o outro lado da americanização do mundo (confinamento ideológico/cultural). A história
termina na realização mundial do capital, na regressão da humanidade à consciência da
natureza. Aqueles que isolam a religião e outros elementos culturais, postulando uma possível
modernização da periferia, somente podem fazê-lo esvaziando idealisticamente o projeto da
modernidade. Mas como afirma Jameson:
“...isso seria passar por cima de outro significado fundamental da modernidade, que é o
capitalismo mundial. A padronização da projetada pela globalização capitalista, neste
terceiro ou mais recente estágio do sistema, lança uma dúvida considerável sobre todas
essas piedosas esperanças por uma variedade cultural, num mundo futuro colonizado por
uma ordem universal do mercado. ” (JAMESON, MS, p. 22)
51
A guerra do governo Bush contra o terrorismo reascendeu a luta dos civilizados (modernos) contra o
barbarismo do terceiro mundo e, com ela, a insuperável necessidade de democratização e modernização dos
países periféricos. Em sua brilhante análise do 11 de setembro, Zizek desmonta essa falsa dicotomia: “ Apesar
de sua eficácia retórica, essa doxa esconde o paradoxo contrário, muito mais perturbador: os fundamentalistas
maometanos não são verdadeiramente fundamentalistas, já são ‘ modernistas ’, um produto e um fenômeno
do capitalismo global moderno — representam a forma como o mundo árabe luta para se ajustar ao
capitalismo global. Devemos portanto rejeitar também a sapiência liberal padrão segundo a qual o Islã ainda
precisa realizar a revolução protestante que o abriria para a modernidade: essa revolução protestante já foi
realizada há dois séculos na forma do movimento Wahhabi que surgiu no que é hoje a Arábia Saudita. Seu
princípio básico, o exercício do ijtihad (o direito de reinterpretar o Islã com base na mudança das condições), é
o correspondente exato da leitura de Lutero da Bíblia. ” (ZIZEK, 2003, p. 69)
humana. Na perspetiva do marxismo, essa questão diz respeito, evidentemente, a pergunta
sobre a revolução (considerando-se que ela ainda é possível), isto é: quem pode vir a ser o
sujeito coletivo da transformação social? A desmoralizada classe trabalhadora? Os chamados
movimentos sociais? Os excluídos? No caso de Jameson, essa pergunta pode ser formulada da
seguinte maneira: levando-se em conta as transformações do pós-modernismo, a partir de que
bases um grupo ou classe social poderá conduzir o desejo chamado utopia às últimas
conseqüências, ou seja, lutar em favor da construção de uma sociedade sem classes, de um
mundo radicalmente diferente do sistema produtor de mercadorias?
É necessário frisar que, para Jameson, qualquer tentativa de solução local, particularista ou
nacional, no contexto do capitalismo tardio, será sempre muito pouco promissora. A luta
contra o capital mundializado requer um sujeito coletivo, um grupo ou classe capaz de
reconhecer que os problemas da humanidade são universais e não podem ser resolvidos por
meio de medidas individuais.
O quadro geral do pós-moderno nos mostra, lamentavelmente, que a crença na
capacidade de ação e produção dos homens está profundamente abalada, as novas gerações já
não guardam nenhuma experiência de lutas políticas coletivas e a percepção dominante é a de
que podemos, na melhor das hipóteses, evitar um desastre irreversível, mais precisamente: a
destruição completa do planeta. Já nos acostumamos à degradação urbana, ao desemprego
estrutural, às gritantes desigualdades sociais, à corrupção generalizada, à violência, à ausência
de liberdade etc. Essa aceitação acrítica e/ou resignada do intolerável, do sofrimento
injustificável, é a expressão mórbida e mais radical da impotência. Somos seres humanos
bloqueados, perdidos num espaço desconhecido e saturado de imagens, que, de maneira mais
ou menos clara, percebem que a política tradicional desligou-se da vida e que já não temos
nenhum poder decisório sobre a atividade produtora, a economia. A impotência, diz Jameson,
é uma verdadeira mortalha sobre a psique, que se deixa compreender como um crescente e
profundo desinteresse pelo próprio “ eu ” e pelo mundo exterior (Nietzsche chamou essa
vontade de “querer o nada” de niilismo). A perda da historicidade é a forma mais acabada da
impotência coletiva, ou da obstrução radical da produtividade humana. Diante de uma
realidade objetiva imutável e presos à condição de não-produtividade, o que nos resta é o
consumismo — ele é o contraponto do imobilismo, a nossa grande satisfação, pelo menos
para aqueles que ainda podem e conseguem se distrair com a parafernália tecnológica. A
reificação quase absoluta dos processos sociais é inseparável do fracasso das sociedades
burguesas em atingir qualquer transparência sobre si mesmas. Segundo Jameson:
52
O abandono da crítica da economia política está intrinsecamente ligado ao verdadeiro culto da
sociedade civil que temos acompanhado nas últimas décadas. Esta aparece como um espaço neutro, livre da
tirania do Estado e das determinações econômicas, ou seja, como o terreno ideal para o desenvolvimento da
democracia e a participação de todos. Segundo Wood: “ Por mais diferentes que sejam os métodos para
dissolver conceitualmente o capitalismo — o que inclui tudo desde a teoria do pós-fordismo até os ‘ estudos
culturais ’ pós-modernos e a ‘ política de identidade ’ —, eles em geral têm em comum um conceito
especialmente útil: ‘ sociedade civil ’. Depois de uma história longa e tortuosa, depois de uma série de marcos
representados pelas obras de Hegel, Marx e Gramsci, essa idéia versátil se transformou numa expressão
mágica adaptável a todas as situações da esquerda, abrigando uma ampla gama de aspirações emancipadoras,
bem como — é preciso que se diga — um conjunto de desculpas para justificar o recuo político. Por mais
construtiva que seja essa idéia na defesa das liberdades humanas contra a opressão do Estado, ou para marcar
o terreno de práticas sociais, instituições e relações desprezadas pela ‘ velha ’ esquerda marxista, corre-se o
risco hoje de ver ‘ sociedade civil ’ transformar-se num álibi para o capitalismo. ” (WOOD, 2003, p. 205)
esses novos personagens coletivos que são os grupos não podem mais, por definição, ser
sujeitos. Por certo essa é uma das coisas que tornam problemáticas as visões da história, ou
das ‘ narrativas mestras ’ da revolução burguesa ou da socialista (como Lyotard explicou),
pois é difícil de imaginar tais narrativas mestras sem um ‘ sujeito da história ’. ”
(JAMESON, PLC, p. 349)
Na perspetiva de Jameson, nada do que se pode dizer a respeito das classes sociais ou das
políticas de identidade resolve a questão primordial, qual seja: o processo de desaparecimento
do “ eu ” e de qualquer coletividade dotada de sentido utópico, que, como já deve estar claro,
está na base do ocaso da história na pós-modernidade. O que parece estar diante de nós é o
velho dilema entre voluntarismo e determinismo, isto é, a questão de compreendermos o
sentido das ações e seus possíveis efeitos no interior do modo de produção capitalista. Se,
como quer Jameson, entendermos que não há uma alternativa real entre voluntarismo e
determinismo, torna-se factível um engajamento ativo nos movimentos sociais, que nos
permitirá, ao mesmo tempo, por meio de um realismo sistêmico, manter uma postura crítica e
contemplativa em relação a esses mesmos movimentos, principalmente no que diz respeito às
suas tendências particularistas. Em vista desse quadro ambivalente, devemos ter claro que a
produção de uma cultura revolucionária não é um momento menor da práxis, e que, em todo
esse processo, devemos estar abertos ao inesperado, às desconcertantes surpresas da história
das revoluções, isto é, ao possível aparecimento de um sujeito revolucionário não teorizado
(ou previsto) pelo pensamento53. Dito isto, podemos entender melhor os grandes problemas
políticos da atualidade, os limites da ação, que, na ótica de Jameson, configuram um contexto
de imobilismo histórico. Segundo nosso autor:
“ Antes a política tentava coordenar as lutas globais e as localizadas e, por assim dizer,
dotar a ocasião imediata de luta localizada de um valor alegórico, a saber, o de representar a
53
Comentando a Revolução Cubana, Jameson destaca que, a despeito de seus resultados não terem
sido os pretendidos, sua desconcertante originalidade será sempre inspiradora: “ Desde o início, a experiência
cubana revelou-se original, como um novo modelo revolucionário a ser radicalmente diferenciado das formas
tradicionais de prática revolucionária. [...] Essa peculiaridade do modo como as coordenadas espaciais da
estratégia cubana são concebidas tem conseqüências imediatas no modo como os elementos de classe do
movimento revolucionário são teorizados. Nem cidade, nem campo; prova disso é que, paradoxalmente, os
próprios guerrilheiros não são vistos nem como operários, nem como camponeses (e muito menos como
intelectuais), mas como algo inteiramente novo, para o que a sociedade de classes pré-revolucionária não tem
categorias: novos sujeitos revolucionários, forjados na luta de guerrilha, indiferentemente, a partir do material
social de camponeses, trabalhadores urbanos ou intelectuais, mas que transcendem de muito essas categorias
de classe... ” (JAMESON, P60s, p. 116-117)
própria luta geral, encarnando-a no aqui e no agora que ficavam assim transfigurados. A
política funciona apenas quando esses dois níveis podem ser coordenados; caso contrário,
eles se separam e se transformam em uma luta abstrata e desencarnada pelo Estado e em
torno dele, uma luta facilmente burocratizada, por um lado, e, por outro, em uma série
verdadeiramente interminável de questiúnculas regionais, cuja ‘ má infinitude ’ acaba por
ser investida, no pós-modernismo, quando se transforma na única forma da política que
restou, em algo como o darwinismo social de Nietzsche, e com a euforia forçada de uma
revolução metafísica permanente. Penso que a euforia é uma formação compensatória em
uma situação na qual, por algum tempo, a política autêntica (ou ‘ totalizante ’) não é mais
possível; é necessário acrescentar que o que fica perdido em sua ausência é precisamente a
dimensão do econômico, ou do sistema, da iniciativa privada e da razão do lucro que não
podem ser desafiadas num plano local. ” (JAMESON, PLC, p. 332)
“ No caso da figuração, o objeto representado é uma idéia abstrata cujo efeito é nos libertar
do aprisionamento do particular e do concreto. [...] Ao contrário, o objeto representacional
do mapa cognitivo é um conceito abstrato, cuja intenção é tornar visíveis as várias forças e
movimentos que dão forma e constituem a situação mundial. Falar de um mundo já
significa, inclusive, iniciar a produção de um mapa cognitivo, pois trata-se de uma
articulação de uma ‘ totalidade ’ concreta muito mais ampla do que aquilo se pode verificar
empiricamente. O conceito mesmo de ‘ mundo ’, na sua forma mais crua, denota o
reconhecimento e o registro de um misterioso conjunto de forças e efeitos que eu não posso
ver, mas que, entretanto, sei que têm uma influência sobre a minha existência. ”
(BUCHANAN, 2006, p. 109)
Para Jameson, no que se refere ao capitalismo tardio, a questão pode ser assim formulada:
como ordenar nossas limitadas posições, enquanto indivíduos ou mesmo classes sociais, no
interior de um processo histórico mundial cuja dinâmica não conseguimos representar? O
mapeamento cognitivo é uma teoria do conhecimento socialista, cujo objetivo central é criar
as condições necessárias para a constituição de um novo sujeito coletivo, capaz de agir nas
condições específicas do pós-moderno. A abordagem totalizante de Jameson busca produzir
um distanciamento crítico da imediaticidade, da urgência do real e da sucessão de eventos
caóticos e não-relacionados que caracteriza a pós-modernidade. A reconstrução da
historicidade somente será possível se conseguirmos dar um sentido concreto à determinadas
abstrações sistêmicas, tais como modo de produção, capitalismo global e pós-modernismo
(nenhuma dessas noções nos é dada pela experiência imediata). Esse movimento está
evidentemente em conflito com o repúdio pós-moderno da totalidade, que, segundo Jameson,
tem suas raízes no medo da utopia, isto é, naquele conjunto de teses idealistas que nos faz
acreditar que toda e qualquer tentativa de revolução necessariamente produzirá algo como o
terror stalinista (este tema será desenvolvido no próximo capítulo). Ironicamente, as
tendências nominalistas e empiristas da pós-modernidade descartam os conceitos
universalizantes justamente quando, em seu terceiro estágio, o capitalismo tornou-se um
sistema planetário, impossibilitando, assim, qualquer conhecimento mais amplo e substancial
do presente, ou seja, a experiência humana fica reduzida aos fenômenos repetitivos do
cotidiano degradado. Livre de qualquer alteridade sistêmica, o espaço saturado do capitalismo
pós-moderno suprime as distâncias, as mediações, deixando nossos aparelhos perceptivos
completamente expostos a um conjunto imensurável de informações, cujo resultado é uma
desorientação total, uma desarmonia radical entre o novo ambiente e a subjetividade formada
ainda no período modernista. A historicidade é, por assim dizer, diluída no espaço, ou seja,
excluída de um processo social que já não conta com a intervenção consciente de nenhum
sujeito além do próprio capital. Jameson explica os dramáticos efeitos dessa situação:
54
“ O que não podia ser mapeado cognitivamente no mundo do modernismo pode, agora, aparecer
lentamente nos próprios circuitos da nova cibernética transnacional. A informação instantânea suprime
repentinamente a distância que, no período moderno, mantinha a colônia afastada da metrópole. Enquanto
isso, a interdependência econômica do sistema mundo, hoje, significa que onde quer que alguém se encontre
no globo, sua posição pode, daqui para frente, ser sempre articulada aos outros espaços deste. Esse tipo de
transparência epistemológica caminha, sem dúvida, de mãos dadas com a estandardização, que tem sido
freqüentemente caracterizada como a Americanização do mundo (ou mesmo sua Disneyficação). Esta
descrição não é enganosa ou incorreta, mas omite o meio através do qual o novo sistema também transmite
tendências e mensagens oposicionistas, tais como o movimento ecológico; paradoxalmente, assim como o
próprio movimento anti-globalização, são desenvolvimentos políticos que resultaram dos danos causados pela
globalização, mas que, ao mesmo tempo, se tornaram possíveis por conta dela. ” (JAMESON, ET, p. 701)
processo, isto é, de uma ordem social, mundializada e desumana, que não se presta a
mudanças superficiais ou locais.
Apropriando-se das sugestivas contribuições de Kevin Lynch, em The Image of the
city, Jameson nos lembra que a cidade alienada é um espaço no qual os seres humanos,
enquanto indivíduos e coletividades, tornaram-se inaptos a reconhecer e mapear suas posições
na totalidade em que vivem, isto é: o ambiente urbano, saturado de imagens e informações, se
transforma num espaço assustadoramente desconhecido, estranho, no qual nos movemos
como autômatos, incapazes de estabelecer conexões entre os fenômenos que ocorrem a nossa
volta e perceber de que maneira nos situamos neste processo. Essa incapacidade de
mapearmos o hiperespaço pós-modernista, sustenta Jameson, é desastrosa tanto para a
experiência da vida urbana quanto para a prática política. O mapeamento cognitivo aponta,
portanto, para a necessidade de reconquistarmos o espaço, de conhecê-lo e registrá-lo na
memória e, assim, nos tornarmos novamente aptos a agir e fazer escolhas substantivas, ou
seja, intervir politicamente no processo social. O capitalismo tardio e sua lógica cultural, o
pós-modernismo, constituem uma totalidade irrepresentável, um sistema altamente complexo,
o qual, apesar desse fato, de forma alguma é incognoscível. A função do mapeamento
cognitivo é precisamente possibilitar a representação situacional por parte dos indivíduos —
ainda que precária e imaginada — das estruturas que constituem as sociedades
contemporâneas em seu todo. A recuperação do sentido histórico exige, no entanto, que este
mesmo processo transponha as categorias individuais, ou seja, devemos mapear
cognitivamente o globo terrestre afim de permitir a emergência de uma nova práxis coletiva,
revolucionária. Estão presentes aqui as dimensões lacanianas do imaginário, do real e do
simbólico, que podem nos ajudar a superar o verdadeiro abismo que separa, hoje, a
experiência existencial e o conhecimento, conforme explica Jameson:
“ Uma estética do mapeamento cognitivo — uma cultura política e pedagógica que busque
dotar o sujeito individual de um sentido mais aguçado de seu lugar no sistema global —
terá, necessariamente, que levar em conta essa dialética representacional extremamente
complexa e inventar formas radicalmente novas para lhe fazer justiça. Esta não é, então,
uma convocação para a volta a um tipo mais antigo de aparelhagem, a um espaço nacional
mais antigo e transparente, ou a qualquer enclave de uma perspectiva mimética mais
tradicional e tranqüilizadora: a nova arte política (se ela for de fato possível) terá que se ater
à verdade do pós-modernismo, isto é, a seu objeto fundamental — o espaço mundial do
capitalismo multinacional —, ao mesmo tempo que terá que realizar s façanha de chegar a
uma nova modalidade, que ainda não somos capazes de imaginar, de representá-lo, de tal
modo que nós possamos começar novamente a entender nosso posicionamento como
sujeitos individuais e coletivos e recuperar nossa capacidade de agir e lutar, que está, hoje,
neutralizada pela confusão espacial e social. A forma política do pós-modernismo, se
houver uma, terá como vocação a invenção e a projeção do mapeamento cognitivo global,
em uma escala social e espacial. ” (JAMESON, PLC, p. 79)
“ Em virtude do modo pelo qual organizou a sua base tecnológica, a sociedade industrial
contemporânea tende a tornar-se totalitária. Pois ‘ totalitária ’ não é apenas uma
coordenação política terrorista da sociedade, mas também uma coordenação técnico-
econômica não-terrorista que opera através da manipulação das necessidades por interesses
adquiridos. Impede, assim, o surgimento de uma oposição eficaz ao todo. Não apenas a
uma forma específica de Governo ou direção partidária constitui totalitarismo, mas também
um sistema específico de produção e distribuição que bem pode ser compatível com o ‘
pluralismo ’ de partidos, jornais, ‘poderes contrabalançados ’ etc. ” (MARCUSE, 1979, p.
24-25)
“...a nova cultura pós-moderna global, ainda que americana, é expressão interna e
superestrutural de uma nova era de dominação, militar e econômica, dos Estados Unidos
sobre o resto do mundo: nesse sentido, como durante toda a história de classes, o avesso da
cultura é sangue, tortura, morte e terror. (JAMESON, PLC, p. 31)
55
O tema da utopia é central na obra de Jameson desde o final da década de 1970, na qual se destaca,
sem dúvida, o brilhante ensaio Reificação e Utopia na Cultura de Massa (1979). A partir daí as elaborações
acerca da utopia aparecem em todos os trabalhos mais sistemáticos do crítico norte-americano, culminando, em
2005, com a publicação de Arquaeologies of the Future, o mais criativo e abrangente estudo sobre a utopia
realizado nas últimas décadas — e que encerra o projeto intitulado “ A Poética das Formas Sociais. ”
com Jameson, numa desesperadora situação de clausura, na qual o dito fatalista de que não há
alternativa ao capitalismo soa, para a grande maioria das pessoas, como uma desnecessária
constatação do óbvio. A experiência do enclausuramento ideológico (inseparável da perda da
historicidade), no ainda não mapeado hiperespaço do pós-moderno, é o ponto de partida da
argumentação de Jameson em sua obstinada tentativa de resgatar a função primordial da
utopia, a saber: sua possível função política em sociedades que parecem ter se tornado
incapazes de imaginar ou conceber uma transformação qualitativa radical, isto é, o advento de
uma formação social distinta do capitalismo. Segundo o pensador norte-americano:
“ Mesmo depois do ‘ fim da história ’, ainda parece persistir uma certa curiosidade
histórica geral mais sistêmica do que meramente anedótica: não saber somente o que vai
acontecer depois, mas também uma ansiedade mais geral sobre a sorte ou destino do nosso
próprio sistema ou modo de produção — a experiência individual (de tipo pós-moderno)
nos quer convencer de que ele tem que ser eterno, enquanto nossa inteligência sugere que
essa impressão é, de fato, muito improvável, sem que se chegue, no entanto, a nenhum
roteiro plausível para sua desintegração ou substituição. Parece que hoje é mais fácil
imaginar a deterioração total da terra e da natureza do que o colapso do capitalismo tardio;
e talvez isso possa ser atribuído à debilidade de nossa imaginação.” (JAMESON, ST, p. 9-
10)
“...o declínio da idéia utópica é um sintoma histórico e político fundamental que, por si só,
merece um diagnóstico — para não dizer alguma nova terapia mais eficaz. De um lado,
esse enfraquecimento do senso histórico e da imaginação da diferença histórica que
caracteriza a pós-modernidade está paradoxalmente entrelaçado com a perda daquele lugar
além de toda história (ou depois do seu final) que chamamos de utopia. De outro, hoje é
bastante difícil imaginar algum programa político radical sem o conceito de alteridade
sistêmica, de uma sociedade alternativa, que apenas a idéia de utopia parece manter vivo,
ainda que de modo débil. É claro que isso não significa que, ainda que consigamos reviver
a própria utopia, os contornos de uma política prática nova e eficaz para a época da
globalização vão se tornar visíveis de imediato; mas apenas que jamais chegaremos a ela
sem isso. ” (JAMESON, PU, p. 160)
Tendo em vista essas primeiras idéias, podemos adiantar que a reflexão de Jameson sobre a
utopia (o lugar para além da história) e sua função política vai girar em torno de uma
dialética entre diferença e identidade, ou seja, um confronto — na forma de uma experiência
de pensamento — entre um sistema universal produtor de identidades e alteridades
superficiais (inofensivas à ordem do capital) e a capacidade de imaginarmos uma diferença
radical, mais precisamente, formas de vida social genuinamente estranhas ao mundo das
mercadorias.
Uma das chaves para entendermos as relações entre diferença e identidade no
capitalismo tardio, argumenta Jameson, é a compreensão de que em sua lógica atomista, esse
modo de produção é, na verdade, uma anti-sociedade, uma ordem que estruturalmente produz
diferenças e, em momento algum, deixa de funcionar como um sistema, ao contrário do que
pensam os apologistas da pós-modernidade. No sistema produtor de mercadorias, a exaltação
das diferenças mascara a impossibilidade do não-idêntico, como dizia Adorno. Numa
passagem fundamental, Jameson nos dá boas razões para desconfiar do atual culto da
diferença:
Sublinhemos, portanto, a delicada questão apresentada por Jameson, pois sua própria resposta
a ela, ou seja, a tese de que vivemos num mundo cada vez mais homogêneo, desprovido de
alteridades sistêmicas e radicais, nos permitirá compreender o sentido da idéia utópica: sua
ascensão na modernidade e seu declínio no pós-moderno.
O que salta aos olhos nessa passagem emblemática é o ímpeto crítico e inconformista da
cultura modernista, principalmente em sua luta contra a necessidade da sociedade capitalista
de suprimir a memória histórica e o desejo de mudanças.
A cultura modernista foi, assim, desde seu início, tendencialmente subversiva e
manteve sempre uma postura de recusa, mais ou menos aberta, da ordem capitalista, ou, pelo
menos, um vigoroso sentimento de mal-estar e estranhamento em relação a ela (uma
hostilidade ao mercado) — independente das escolhas políticas dos chamados grandes
artistas ou gênios. Isto quer dizer, em outras palavras, que a arte modernista, como ressalta
Jameson, se define exatamente em função de seus impulsos transcendentes (utópicos),
transestéticos, de sua negação do positivismo (a corrente hegemônica no pensamento burguês
pós 1848) e de um mundo que separava radicalmente a arte da vida. Mas como entender o
ethos crítico e rebelde do modernismo? Se não se trata de uma questão de opções pessoais,
morais ou apenas uma crise de valores, precisamos articular essa problemática ao
desenvolvimento mesmo do sistema capitalista, isto é, buscar, na contramão do espírito da
pós-modernidade, os fundamentos econômicos dessa postura crítica. O descompasso entre a
cultura produzida no período modernista e suas bases materiais, desde o capitalismo
concorrencial ao estágio dos monopólios, pode ser bem compreendido à luz da teoria do
desenvolvimento desigual e combinado, ou seja, como uma desarmonia temporal (histórica)
entre o modernismo e a modernização. De acordo com Jameson:
“ O moderno ainda tem algo a ver com a arrogância da gente da cidade sobre os
provincianos, quer se trate do provincianismo dos camponeses, de culturas distintas,
colonizadas, ou simplesmente do próprio passado pré-capitalista: aquela satisfação mais
profunda de ser ‘ absolument modern ’ se dissipa quando as tecnologias modernas estão em
toda parte, não existem mais províncias e mesmo o passado acaba por parecer mais um
mundo alternativo do que um estágio imperfeito e carente deste. Entretanto, os habitantes ‘
modernos ’ da cidade ou os metropolitanos de décadas passadas vinham do campo ou pelo
menos ainda podiam registrar a coexistência de mundos desnivelados; podiam medir a
mudança dos modos, coisa que se torna impossível quando a modernização está, mesmo
que relativamente, completa (e não é mais um processo isolado, antinatural e enervante,
perceptível a olho nu). ” (JAMESON, ST, p. 26-27).
56
“ A necessidade de mercados sempre crescentes para seus produtos impele a burguesia a
conquistar todo o globo terrestre. Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter
cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para grande pesar dos reacionários, ela retirou a
base nacional da indústria. As indústrias nacionais tradicionais foram, e ainda são, a cada dia destruídas. São
substituídas por novas indústrias, cuja introdução se tornou essencial para todas as nações civilizadas. Essas
indústrias não utilizam mais matérias-primas locais, mas matérias-primas provenientes das regiões mais
distantes, e seus produtos não se destinam apenas ao mercado nacional, mas também a todos os cantos da
Terra. (...) No lugar da tradicional auto-suficiência e do isolamento das nações surge uma circulação universal,
uma interdependência geral entre os países. E isso tanto na produção material quanto intelectual. Os produtos
intelectuais das nações passam a ser de domínio geral. ” (MARX/ ENGELS, 1998, p. 11-12)
justamente depois da catástrofe de 1914 que os Estados Unidos, beneficiando-se da destruição
e do esgotamento dos países ricos da Europa, vão se consolidar como grande potência
mundial.
Voltando ao desenvolvimento da cultura modernista, sabemos que, nas primeiras
décadas do século XX, as vanguardas artísticas (surrealismo, dadaísmo, cubismo etc) levaram
a crítica social e as tendências anticapitalistas do modernismo às suas últimas conseqüências,
tendo boa parte dos maiores nomes da época se engajado diretamente na luta política,
inclusive como membros dos partidos comunistas57. A negação da arte pela arte viveu um
outro momento decisivo durante o período da ascensão do nazismo e o término da Segunda
Guerra Mundial, quando, por exemplo, o apelo de Benjamin sobre a necessidade da
politização da arte e as teorizações sobre o surgimento da indústria cultural, por Adorno e
Horkheimer, já apontavam, em boa medida, para a crise decisiva do estético, isto é, para o fim
de sua relativa autonomia e para a perpetuação da “ culpa da arte ” (ADORNO) nas
sociedades burguesas tardias. Depois da Segunda Guerra mundial, com o advento do chamado
Estado do Bem-Estar social em alguns países da Europa, o modernismo, não resistindo à idéia
do progresso e encantado com a tecnologia, foi aos poucos perdendo seu potencial subversivo,
utópico, ou seja, por força mesmo do desenvolvimento do capital, a cultura modernista foi
assimilada e transformada em patrimônio exclusivo de uma pequena elite, que, resguardada
da penúria material, podia ocupar seu tempo livre com a fruição estética. O pós-moderno e a
teoria nascem no final dos anos 60, de forma pouco sistemática, sem dúvida,
fundamentalmente como uma recusa da cultura modernista tornada oficial e das instituições
petrificadas das “ sociedades administradas ” (ADORNO)58. Nesse mesmo período, explodem
57
Uma vez desfeitas as esperanças revolucionárias na Europa, os artistas vanguardistas perderam suas
raízes e não raro se colocaram na perspectiva do decadentismo. Mas a força subversiva dessas formas de arte
mostrou-se capaz de suplantar a decepção radical. Segundo De Micheli: “ Claro, não poucas experiências do
vanguardismo coincidem seriamente com as do decadentismo e dele fazem parte, mas existe uma alma
revolucionária da vanguarda (que é, afinal, sua alma verdadeira) que não pode de maneira alguma liquidar com
tamanha superficialidade. A existência desta alma revolucionária aparecerá de forma evidente toda vez que um
verdadeiro artista de vanguarda encontrar com suas próprias raízes um terreno histórico novamente propício,
ou seja capaz de proporcionar renovada confiança no fato de que a única salvação não está na evasão, mas na
presença ativa dentro da realidade. (DE MICHELI, 2004, p. 45-46)
58
O conceito adorniano de “ mundo administrado ” é inseparável do de indústria cultural
(homogeneização). O que nos ensina Adorno é que, no capitalismo tardio, uma imensa rede de dominação
parece capaz de fazer até mesmo os mais radicais opositores da ordem burguesa incorporarem os princípios
desta. No aforismo “ Reprodução Piper ”, Minima Moralia (132), o filósofo alemão escreve: “ A Sociedade é
integral, antes mesmo de ser governada de um modo totalitário. Sua organização envolve mesmo aqueles que
a combatem e impõe normas à sua consciência. Mesmo os intelectuais que têm à mão todos os argumentos
políticos contra a ideologia burguesa sucumbem a um processo de estandardização, que — não obstante um
as lutas políticas de libertação colonial e entram em cena os novos movimentos sociais. A
última tentativa revolucionária de se unir arte e política no ocidente ficou a cargo dos
situacionistas franceses, exatamente nessa mesma época, principalmente nas proféticas
intuições de Guy Debord, que anunciavam a derrota da arte, da revolução e a chegada do
capitalismo a seus limites últimos:
Não se trata aqui de fazer qualquer exposição da história da arte moderna ou coisa
que o valha, o que nos interessa é tão-somente indicar, de maneira panorâmica, as
transformações que, na ótica de Jameson, vão incrementar a relevância e a função da utopia
na passagem da cultura modernista, subversiva e claramente utópica, ao pós-modernismo,
uma cultura a-histórica, desprovida de profundidade, na qual predominam o simulacro e o
pastiche, especialmente na forma de imagens, como falava Debord. O desafio de Jameson (e
da crítica cultural marxista, segundo ele) consiste precisamente na árdua tarefa de detectar,
na cultura degradada do capitalismo tardio, onde já não há mais um fora do mercado e da
ideologia, a presença de impulsos utópicos, de formas de inconformismo com o atual estado
de coisas, isto é, mostrar a inevitável permanência do desejo chamado utopia — depois do “
fim da utopia ”. O tamanho deste desafio não é nunca subestimado por Jameson, que sintetiza
em poucas frases a mudança fundamental que queremos salientar:
conteúdo crassamente oposicionista —, pela disposição a também se acomodarem de sua parte, de tal
maneira os aproxima do espírito predominante, que seu próprio ponto de vista se torna objetivamente cada
vez mais contingente, dependendo apenas de frágeis preferências ou de sua avaliação de suas próprias
chances. ” (ADORNO, 1993, p. 181) Ver ainda o ensaio “ Notas marginais sobre teoria e práxis ”, in: ADORNO, T.
1995.
o constituem: o modernismo era, ainda que minimamente e de forma tendencial, uma
crítica à mercadoria e um esforço de forçá-la a se autotranscender. O pós-modernismo é o
consumo da própria produção de mercadorias como processo. ” (JAMESON, PLC, p. 14)
“ Essa visão dita uma perspectiva ampliada a qualquer análise marxista da cultura,
que não pode mais se satisfazer com sua vocação desmistificadora de revelar e demonstrar
maneiras pelas quais um artefato cultural cumpre uma missão ideológica específica, ao
legitimar uma dada estrutura de poder, ao perpetuar e reproduzi-la, e ao gerar formas
específicas de falsa consciência (ou ideologia no sentido mais estrito). Ela não deve deixar
de praticar esta função hermenêutica essencialmente negativa (que só o marxismo entre
todos os métodos críticos contemporâneos assume hoje), mas também deve buscar, através
e além desta demonstração da função instrumental de um dado objeto cultural, projetar seu
poder simultaneamente utópico como a afirmação simbólica de uma forma de classe
59
“ A falta de esperança é, ela mesma, tanto em termos temporais quanto em conteúdo, o mais
intolerável, o absolutamente insuportável para as necessidades humanas. É por isto que até mesmo a fraude,
para que seja eficaz, tem de trabalhar com a esperança lisonjeira e perversamente estimulada. É por isto que
justamente a esperança, limitada porém a uma mera manifestação interior ou como consolação voltada para o
além, é pregada de todos os púlpitos. ” (BLOCH, 2005, p. 15)
60
Em relação a este ponto, assinala Jameson, é emblemático o caráter utópico da religião na
sociologia de um pensador inegavelmente conservador como Durkheim. Em sua luta contra as organizações da
classe trabalhadora e a anomia social, a religião aparece como o elemento capaz de suspender as divisões de
classe, ou seja, desempenhar um papel unificador no imaginário coletivo e assim manter ou restituir a coesão
social sob constante ameaça. Ver Fredric Jameson, IP, p. 301-302.
específica e histórica de unidade coletiva. Esta é uma perspectiva unificada, e não a
justaposição de duas opções ou alternativas analíticas: nenhuma das duas é satisfatória em
si mesma. ” (JAMESON, IP, p. 300)
Para que possamos apreender a radicalidade dessa nova forma de conceber as relações
entre ideologia, utopia e cultura precisamos marcar, com muita clareza, o limite histórico das
teorizações da Escola de Frankfurt a respeito da indústria cultural e da autonomia da alta
cultura. Para Jameson, o aparato crítico e negativo produzido pelos frankfurtianos constitui
um legado indispensável para o enfrentamento de nossos atuais dilemas, mas já não podemos
trabalhar com qualquer tipo de valoração positiva e apriorística da cultura modernista em
contraposição à cultura de massa61. Na perspectiva de Jameson, as avaliações subjetivistas da
cultura, baseadas em padrões ou critérios estéticos definidos, atemporais e mais ou menos
rígidos, não nos permitem perceber que essas duas formas de cultura, outrora dicotômicas, se
tornaram, no pós-moderno, fenômenos objetivamente inseparáveis e dialeticamente
interdependentes. É preciso reconhecer que a tão propalada autonomia da arte se foi (se é que
ela de fato existiu em algum período do capitalismo) e que a cultura de massa não é pura e
simplesmente manipulação, engodo ou falsidade.
As novidades introduzidas por Jameson preparam o marxismo para um embate
rigorosamente crítico e dialético com a cultura pós-moderna e sua incontornável tendência à
repetição (simulacro), sem que, com isso, tenhamos que descartá-la em bloco ou deixar de
reconhecer que, de modo geral, ela é de fato paupérrima. O esforço de Jameson se justifica na
medida em que ele nos oferece um método de análise capaz de demonstrar que a cultura
degradada da pós-modernidade precisa administrar os medos, esperanças e desejos das
coletividades, ou seja, através de suas mais variadas formas, a cultura tem a função primordial
de acalentar, em alguma medida, ainda que de forma ilusória, efêmera ou fraudulenta, os
anseios de felicidade, justiça, amor e liberdade que a lógica do capital não cessa de pulverizar.
Assim sendo, diz Jameson sobre o filme Tubarão (1975):
61
Em uma passagem de A Dimensão Estética, Marcuse defende exatamente o que, para Jameson, é
atualmente inaceitável: “ Considero ‘ autênticas ’ ou ‘ grandes ’ as obras que satisfaçam os critérios estéticos
previamente definidos como constitutivos da arte ‘ autêntica ’ ou ‘ grande arte ’. Como argumento, diria que,
ao longo da história da arte, apesar de todos os critérios se transformarem, permanece fixa uma valoração, que
não só nos permite distinguir entre literatura ‘ alta ’ e ‘ trivial ’, ópera e opereta, comédia e farsa, como
também, no interior dos gêneros, entre boa e má arte. ” (MARCUSE, 1999, p. 12)
“ procurarei defender que não podemos fazer plena justiça à função ideológica de obras
como essa, a menos que queiramos aceitar a presença no seio delas também de uma função
mais positiva: daquilo que chamarei, seguindo a Escola de Frankfurt, seu potencial utópico
e transcendente — essa dimensão mesmo do mais degradado tipo de cultura de massa que
permanece implícita e, não importa quão debilmente, negativa e crítica da ordem social, da
qual, enquanto produto e mercadoria, deriva. Nesta altura do argumento, então, a hipótese é
que as obras de cultura de massa não podem ser ideológicas sem serem, em certo ponto e ao
mesmo tempo, implícita ou explicitamente utópicas: não podem manipular a menos que
ofereçam um grão genuíno de conteúdo, como paga ao público prestes a ser tão
manipulado. ” (JAMESON, MV, p. 30)
A dissolução parcial ou completa das fronteiras tradicionais e das diferenciações das esferas
no pós-moderno, que nos orientavam no capitalismo dos monopólios e forneciam as bases
para a auto-compreensão da modernidade, fortalece a idéia de que estamos passando por um
gigantesco processo de unificação e estandardização, no qual sociedades inaceitáveis, carentes
de qualquer sentido de coletividade, se pretendem eternas, a despeito da crise estrutural que se
aprofunda em todos os seus níveis (em escala global). Recapitulemos os antigos pares
dicotômicos que, segundo Jameson, somente podem ser compreendidos em sua nova
dinâmica por meio de uma “ dialética interrompida ”, na qual os dois termos não podem ser
excluídos e permanecem em tensão: economia/cultura, alta cultura/cultura de massa, primeiro
mundo/terceiro mundo, essência/aparência, espaço/tempo, arcaico/moderno, ideologia/utopia,
Estado/mercado. Esse ambiente, radicalmente anti-utópico e homogêneo, em que os processos
de reificação atingiram níveis impressionantes, obscurece as velhas distinções, tornando a
ideologia e seus modos de reprodução absolutamente naturais (não há mais um fora da
ideologia). Segundo Jameson, a elaboração de ideologias mais sofisticadas tornou-se
desnecessária ou mesmo impossível para a classe dominante, ou seja, as idéias e valores
conservadores já não precisam da política e dos grandes líderes carismáticos para se propagar,
pois é fundamentalmente através do consumismo compulsivo62 e da publicidade que se dá
aceitação acrítica da “ vida danificada ” (ADORNO) e da barbárie.
62
Terry Eagleton destaca com muita pertinência a mudança da relação entre prazer e consumo no
capitalismo tardio: “ O capitalismo puritano do velho estilo nos proibia de nos darmos prazer, pois uma vez que
tivéssemos adquirido gosto pela coisa, provavelmente nunca mais seríamos vistos em nosso local de trabalho.
Sigmund Freud sustentava que, se não fosse pelo que chamou de princípio de realidade, simplesmente
ficaríamos jogados por aí o dia todo, em vários estados mais ou menos escandalosos de jouissance. No entanto
um tipo de capitalismo mais esperto, consumista, nos persuade a sermos indulgentes com nossos sentidos e a
Se a ideologia permeia todos os poros da cultura no capitalismo tardio, podemos dizer,
com Jameson, que os impulsos utópicos estão igualmente presentes no cinema, nas artes
plásticas, na música, nos vídeos experimentais e, evidentemente, na publicidade. Ao sujeito,
economica e politicamente paralisado, alienado da produção e incapaz de controlar seu
próprio destino, o consumismo aparece como a única forma de atividade livre, reparadora,
por assim dizer. Desta forma, sustenta Jameson, em reação ao imobilismo social e o
movimento autônomo do capital, o consumismo — em todo o seu conteúdo ideológico e
utópico — se transforma num grande alívio:
“ Uma psicologia social marxista tem que insistir acima de tudo nos elementos psicológicos
que acompanham a produção. A razão pela qual a produção (e o que podemos chamar
vagamente de ‘ o econômico ’) é filosoficamente anterior ao poder (ou ao que podemos
chamar vagamente de ‘ o político ’) está aqui, nessa relação entre a produção e os
sentimentos de poder em primeiro lugar, mas isso é algo que é preferível, e mais
convincente, colocar em sentido contrário (e não apenas porque isso nos ajuda a evitar a
retórica humanista, a saber: ao insistir no que acontece com as pessoas quando suas
relações de produção são bloqueadas, quando elas não tem mais poder sobre a atividade
produtora. A impotência é antes de mais nada exatamente isso, uma mortalha sobre a
psique, a perda gradual do interesse no eu e no mundo exterior, algo bastante parecido com
a descrição do luto por Freud, com a diferença de que se pode recuperar do luto (Freud
mostra como), mas a condição de não-produtividade, uma vez que é um índice de uma
situação objetiva que não muda, tem que ser tratada de outra maneira, uma maneira que
leve em conta sua persistência e inevitabilidade, e que disfarce, reprima, desloque e sublime
uma incapacidade fundamental. É claro que a outra maneira é o próprio consumismo, como
uma compensação pela impotência econômica que é também uma total ausência de poder
político: o que é chamado de apatia dos eleitores é principalmente visível nas camadas
sociais que não têm meios para se distrair através do consumo. ” (JAMESON, PLC, p. 319-
320)
nos gratificar tão despudoradamente quanto possível. Dessa maneira, não apenas consumiremos mais bens;
também identificaremos nossa própria satisfação com a sobrevivência do sistema. ” (EAGLETON, 2005, p.)
consciência histórica e o caráter essencialmente anti-utópico (anti-transcendente) do nosso
presente acentuam-se radicalmente. Como entender essa constatação? A atual irrelevância da
política teria alguma relação direta com a centralidade que Fredric Jameson atribui à utopia?
O imobilismo histórico e o enclausuramento ideológico alimentam os impulsos utópicos, a
imaginação?
64
Ver, especialmente, JAMESON, F. O Marxismo realmente existente. In: “ Espaço e Imagem: Teorias
do pós-moderno e outros ensaios. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1995.
65
Podemos lembrar aqui as ações dos bancos centrais europeus e dos Estados Unidos que, em 2007,
despejaram, em poucas semanas, quase 400 bilhões de dólares no mercado mundial a fim de impedir o colapso
do sistema financeiro internacional. Mais recentemente, o jornal O Globo, do dia 8/09/2008, publicou a
seguinte notícia: “ O governo americano assumiu ontem o controle da Fannie Mae e da Fredie Mac, gigantes do
setor de hipotecas afetados pela crise financeira dos EUA. Ao anunciar um pacote de medidas, o secretário do
Tesouro, Henry Paulson, sinalizou ao mercado que pode injetar até US$ 200 bilhões para evitar a falência das
empresas. Se isso for necessário, será o maior socorro na História do país. ”
66
“ Nem o descontentamento latente do terço de pobres na periferia e tampouco a repercussão das
crises e colapsos de outras regiões do globo nos centros ocidentais constituirão a última fase do processo de
crise mundial. Pois a promessa de uma nova prosperidade futura também cobrirá de vergonha as economias
do ocidente, cujas zonas de normalidade já vêm se tornando cada vez mais restritas. A lógica da crise está
avançando da periferia para os centros. Depois dos colapsos do Terceiro Mundo nos anos 80 e do socialismo
real no começo dos anos 90, chegou a hora do próprio ocidente. O princípio da rentabilidade ainda partirá para
uma última corrida deslumbrada antes de percorrer, até o fim, seu caminho duplo de ‘ emancipação negativa ’
e destruição social-ecológica. ” (KURZ, 2004, p. 192)
encontra sua finalidade em si mesmo: o trabalho abstrato67. A ordem burguesa tem flutuado
desde então, e cada vez mais, sobre o capital financeiro, num movimento suicida, buscando
neste uma saída para a sua crise sistêmica de acumulação. Essa crise, sem precedentes, parece
confirmar, em seu andamento, a dissolução das bases sobre as quais se ergueu a modernidade
e o fim das ilusões a respeito das relações entre Estado e mercado. De acordo com Kurz:
“...o que se deu não foi uma conciliação assimiladora de mercado e Estado, num processo
ontológico de transformação das sociedades industriais marcadas pelas ciências naturais,
mas sim um colapso histórico. Se esse colapso não significa simplesmente o triunfo do
sistema ocidental da economia de mercado como uma formação extrínseca ao socialismo
real, já falecido e enterrado sem cerimônias, e indica de fato a existência de uma base
comum danificada que vai se tornando obsoleta, então essa base deve ser procurada para
além tanto do paradigma da sociedade industrial como das relações entre mercado e Estado.
Mercado e Estado, bem como os agentes da tecnologia e das ciências naturais uma vez
postos em movimento, seguem uma lógica básica social mais profunda; a identificação
desta como sociedade do trabalho não denomina, de modo algum, um estado ontológico
fundamental da humanidade. (...)...essa crise deve ser procurada naquele nível em que se
encontram todos os sistemas sociais até agora conhecidos na modernidade. O termo, há
algum tempo em circulação, da crise da sociedade de trabalho, mesmo que apareça por
enquanto apenas como problemática particular e não se refira às formas sociais básicas,
pode ter nascido do pressentimento dessa metacrise, que está amadurecendo. ” (KURZ,
2004, p. 17)
67
“ Se prescindirmos do valor-de-uso da mercadoria, só lhe resta ainda uma propriedade, a de ser
produto do trabalho. Mas, então, o produto do trabalho já terá passado por uma transmutação. Pondo de lado
seu valor-de-uso, abstraímos, também, das formas e elementos materiais que fazem dele um valor-de-uso. Ele
não é mais mesa, casa, fio ou qualquer outra coisa útil. Sumiram todas as qualidades materiais. Também não é
mais o produto do trabalho do marceneiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outra forma de trabalho
produtivo. Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos
trabalhos neles corporificados; desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não
mais se distinguem umas das outras, mas reduzem-se, todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho
humano abstrato. Vejamos o que é esse resíduo dos produtos do trabalho. Nada deles resta, a não ser a
mesma objetividade impalpável, a massa pura e simples do trabalho humano em geral, do dispêndio de força
de trabalho humana, sem consideração pela forma como foi despendida. Esses produtos passam a representar
apenas a força de trabalho humana gasta em sua produção, o trabalho humano que neles se armazenou. Como
configuração dessa substância social lhes é comum, são valores, valores-mercadorias. ” (MARX, 2006, p. 60)
Kurz interpreta o curso da modernidade, fundada sobre a exaltação do trabalho como
valor supremo, como uma sucessão de ciclos de monetarismo e estatismo. Nesses ciclos, a
economia capitalista e o “ socialismo de caserna ” (KURZ) historicamente superaram suas
crises ora fortalecendo o Estado contra as falhas do mercado, ora minimizando o papel do
Estado em favor da liberdade de comércio. Não de agora, no entanto, essas alternativas já não
produzem qualquer efeito positivo ou civilizatório, diz Kurz, pelo contrário, as tradicionais
tentativas de resolver a crise tem apenas contribuído para aprofundá-la ainda mais. Os Estados
dependem do mercado para financiar as despesas de seu funcionamento como um todo, que
crescem passo a passo com as demandas da economia, que, por sua vez, no contexto da atual
crise de acumulação, precisa desesperadamente de incentivos e subsídios do Estado. O
resultado inevitável dessa lógica é o galopante endividamento estatal68.
Um outro ponto fundamental dessa crise, que reforça a idéia do enclausuramento, da
chegada a uma situação limite, desprovida de alternativas visíveis, diz respeito à práxis
política, mais precisamente à incapacidade (ou falta de vontade?) do movimento dos
trabalhadores de dar fim a esse imobilismo destrutivo. A análise de Kurz mostra, de modo
bastante convincente, que a chamada contradição estrutural entre capital e trabalho —
inquestionável para o marxismo tradicional — revelou-se definitivamente, na pós-
modernidade, uma contradição pouco explosiva. Segundo Menegat, assim como Estado e
mercado, capital e trabalho têm se condicionado mutuamente, principalmente depois da
Segunda Guerra Mundial, como sócios na barbárie69, como inimigos que, enquanto produtos
da mesma ordem — incapazes de imaginar e oferecer qualquer saída emancipatória do
sistema — brigam sem sair do lugar (informação verbal70). A integração da classe
68
“ Se o recurso da tributação regular não funciona, o Estado deva passar para um segundo recurso,
cujo caráter fundamentalmente aventureiro aos poucos está sendo esquecido: o endividamento junto aos
participantes do mercado da sua economia nacional. O Estado não mais se financia, portanto, só com os
impostos, que ele cobra graças à sua pretensão de soberania e graças ao seu monopólio da força, mas toma
dinheiro emprestado de seus cidadãos, como um participante comum do mercado financeiro. Hoje, esse
processo não é mais considerado como uma atitude em princípio aventureira; discute-se somente até que
montante do produto social bruto o Estado pode se endividar para ainda ser considerado solvente. ” (KURZ,
1998, 104-105)
69
Essa idéia está longe de ser lugar comum no marxismo e deve ter seu desenvolvimento bem situado.
Ver, principalmente, ADORNO, T. e HORKHEIMER, M. 1985 e MENEGAT, 2003.
70
Curso “ Tópicos Especiais em Teoria Social ”, oferecido pelo professor Marildo Menegat no
Programa de Pós-graduação da ESS, UFRJ, (2008/2).
trabalhadora, diz Kurz, demorou a ser percebida (e ainda não o foi por boa parte da
esquerda) em função de uma mistificação das classes sociais:
“...em vez de criticar o próprio capital, passou-se a criticar ‘ os capitalistas ’ que tinham de
aparecer como sujeitos pessoais da relação social da mercadoria, que na verdade não tem
sujeito algum. As classes, mistificadas como metasujeitos sociais, assumiram assim um
caráter estranhamente familiar, tal como o possuem os deuses da Antiguidade, que também
se apresentavam como caracteres pessoais com comportamento muito humano. Desse
modo, uma categoria social analítica, a ‘ classe trabalhadora ’, transformou-se numa pessoa
coletiva com identidade consistente que, independentemente de pessoas empíricas, ‘ atua ’
de forma quase biográfica. A identidade de classe encontrou sua razão numa ontologia
equivocada do trabalho, que não foi compreendido como elemento e parte integrante do
sistema fetichista da mercadoria, mas sim de forma quase bíblica (isto é, ‘ protestante ’),
como essência eterna da humanidade que apenas externamente foi violentamente
modificada pelos ‘ exploradores ’, os capitalistas. ” (KURZ, 2004, p. 45)
Delineadas as linhas gerais da crise estrutural que está na base do pós-modernismo, temos
agora os elementos necessários para voltar a Jameson com o propósito de entender a função
política da utopia no contexto do capitalismo tardio.
Devemos partir de uma tese central do crítico norte-americano, colocada desde a
introdução deste trabalho, qual seja: o pós-moderno deve ser concebido como um conjunto de
modificações frenéticas, aleatórias, que, contrariamente a sua auto-imagem, sustenta e ratifica
o que ele pensa ter mandado pelos ares, a saber: um sistema total, um imobilismo histórico
nunca visto, onde toda a exaltação das diferenças e da liberdade se desfaz em ideologia
quando confrontada com a realidade. Tendo em vista esse jogo dialético entre imobilismo
(identidade) e movimento (diferença absoluta), Jameson afirma que a utopia torna-se
absolutamente necessária nos momentos da suspensão da política, isto é, naqueles períodos
históricos de impotência total, claramente anti-utópicos, quando, diante de uma realidade
insuportável, nenhuma solução está dada e o consenso geral é que de fato é impossível
transformar o existente. Nas palavras de Jameson:
“ Talvez seja mais fácil começar dizendo: a política está sempre entre nós e é sempre
histórica, sempre no processo de mudar, evoluir, desintegrar-se e deteriorar-se. Quero
transmitir uma situação na qual as instituições políticas pareçam tanto imutáveis quanto
infinitamente modificáveis; não surgiu no horizonte nenhum meio que permita a menor
possibilidade ou esperança de modificar o status quo, mas, mesmo assim, na mente — e
talvez por essa mesma razão —, todo tipo de variação e recombinação institucional parece
imaginável. ” (JAMESON, PU, p. 167)
“ São todos períodos de grande fermentação social, mas aparentemente sem leme, sem
força motriz nem direção; a realidade parece maleável, mas não o sistema; e é essa própria
distância entre o sistema imutável e a inquietude turbulenta do mundo real que parece criar
um momento de jogo ideal, livre e criador de utopias na própria mente ou na imaginação
política. Se isso transmite algum tipo de imagem plausível da situação histórica em que as
utopias são possíveis, então só resta ponderar se isso também não corresponde à da nossa
própria época. ” (JAMESON, PU, p.168)
O fator que confere sentido e força à utopia é o seu distanciamento do mundo real, do
presente que nos aprisiona. Segundo Jameson, o poder crítico desse distanciamento é ainda
mais consistente do que aquele que Marcuse identificou na cultura em seu célebre ensaio de
1937 (Sobre o caráter afirmativo da cultura). A liberdade da imaginação evidentemente não
constitui uma base para um programa político revolucionário, seu propósito fundamental é
negativo, ou seja: a melhor utopia, ensina Jameson, é aquela que permite que nos tornemos
mais conscientes das nossas impossibilidades reais, dos limites impostos à vida social,
produzindo, assim, um diagnóstico elaborado de uma situação de desespero, de clausura,
como a nossa, para a qual não existem soluções dadas. Acima de tudo, não dispomos de um
sujeito coletivo para enfrentar o capital. A utopia revela o fracasso e funciona, em certa
medida, como um contrapeso à indisponibilidade da história.
Na ótica de Jameson a idéia utópica é produzida por meio de uma experiência do
pensamento, que, impulsionada pela imaginação, realiza a mediação representacional entre a
alteridade radical por ela produzida e a homogeneidade do mundo (identidade). Um primeiro
problema surge quando lembramos que o pós-moderno caracteriza-se, em boa medida, pela
supressão das mediações e pelo empobrecimento geral da experiência. Cevasco explica essa
questão sublinhando o valor cognitivo da utopia:
A idéia — anti-utópica por excelência — de que existe uma identidade entre mercado e
natureza humana (pecaminosa, agressiva), ou seja, uma inclinação natural dos seres humanos
para realizar negócios e ganhar dinheiro, é, provavelmente, o ponto central da luta discursiva
que o marxismo, valendo-se de seu inigualável arsenal crítico, deverá travar, no interior do
pós-modernismo, com o objetivo de demonstrar suas incongruências, fraquezas e seu acordo
inconfesso com o capital.
As possibilidades da imaginação e os violentos constrangimentos que lhe impõe a
cultura pós-moderna devem ser entendidos como tensões constitutivas e incontornáveis das
relações entre ideologia e utopia na contemporaneidade. Por mais que o capitalismo tardio
precise de inconscientes maleáveis, flexíveis, os impulsos utópicos e o desejo não podem ser
suprimidos ou totalmente moldados pelo mercado. Como eliminar a esperança e as promessas
de uma vida melhor dos sonhos de consumo e de felicidade vendidos pela publicidade e a
indústria cultural, por exemplo? Numa palavra: querendo ou não, o capital necessitará sempre
da imaginação, de desejos incontroláveis e de vários tipos de utopia. Cabe ao marxismo tentar
encaminhar os impulsos utópicos para outros objetivos, insiste Jameson. Partindo daí, nosso
autor procura explicar que, mesmo os argumentos mais agressivos contra a utopia são, eles
mesmos, utópicos. O traço mais ousado da obra de Bloch, assinala Jameson, está
precisamente nessa percepção, ou seja: pode ser muito mais interessante e produtivo
identificar e desbloquear os impulsos utópicos onde eles são radicalmente repudiados e/ou
recalcados (o nazismo é o exemplo mais acabado nesse caso) do que simplesmente olharmos
para os lugares onde eles se mostram claramente. Assim, diz Jameson:
“ Se, de fato, considerarmos que o desejo utópico está em toda parte e algumas libidos
freudianas individuais ou pré-individuais são ampliadas e complementadas por um domínio
do desejo social, no qual o anseio por relações coletivas transfiguradas é não menos
poderoso e onipresente, então não é absolutamente de surpreender que esse inconsciente
político particular deva ser identificado mesmo lá onde é mais apaixonadamente
desacreditado e denunciado. ” (JAMESON, ST, p. 66)
O discurso vitorioso do capitalismo esconde, nesse sentido, uma antinomia, sugere Jameson.
O mercado precisa fazer uso das figurações ou representações de seu adversário, isto é, do
discurso utópico, e, no que é forçado a usar as armas de seu inimigo para se auto-glorificar
como o melhor dos mundos possíveis, acaba difundindo mensagens e idéias contrárias a sua
lógica.
A questão da utopia traz em seu cerne um sério dilema acerca das relações entre
subjetividade e transformação social: afinal, uma revolução requer uma verdadeira e radical
mutação no que costumamos chamar de natureza humana, ou seja, a criação de um novo ser
humano, ou, diferente disso, a possibilidade de se construir uma sociedade sem classes já teria
suas bases na própria natureza humana, apenas necessitando ser libertos das amarras do
capital, que, em função de sua lógica anti-social, os oprime e os distorce? A tentação de optar
por uma dessas alternativas é quase irresistível e os debates em torno desse problema tem uma
longa história nas lutas políticas. Para Jameson, no entanto, devemos nos manter firmes e não
tentar eliminar a tensão aqui expressa. A escolha, nesse caso, somente contribuiria para
desqualificar a utopia, isto é, para reforçar o velho discurso da direita sobre a supressão do
indivíduo e o desejo de uniformização. De acordo com Jameson:
Mantendo a tensão entre as duas opções mencionadas, Jameson reconhece, em cada uma
delas, um momento de verdade. A utopia, enquanto desejo do que ainda não existe, é uma
forma que não possui um conteúdo verdadeiro, pré-determinado ou definido. Seu conteúdo,
produzido pelo próprio movimento da forma, terá necessariamente as marcas de nossa
experiência histórica, quer dizer, as representações e imagens da utopia serão sempre
ideológicas, distorcidas e limitadas, ainda que possamos ou tentemos projetar as formas mais
radicais de alteridade. O domínio da identidade (ela representa o modo de produção
estabelecido) sobre a diferença real se faz presente aqui, restringindo a imaginação e nos
impedindo de atribuir qualquer tipo de determinação concreta ou conteúdo transparente (não-
ideológico) à utopia.
Recapitulando o que dissemos até o momento sobre o significado e a função da utopia,
temos as seguintes teses: o conteúdo da utopia é sua própria forma, sempre ideológico, vazio
de determinações práticas e historicamente limitado; sua função política primordial é
essencialmente negativa, ou seja, permitir que enxerguemos a situação de enclausuramento
em que nos encontramos no presente; a utopia é uma forma ineliminável da vida social, em
que pese a presença permanente de seu oposto, quer dizer, do anti-utopismo (medo,
ansiedade); a idéia utópica se constrói por meio de experiências do pensamento, que, em seu
distanciamento do real, introduzem, na paisagem homogênea, diferenças verdadeiras; os
impulsos utópicos configuram um jogo dialético entre diferença e identidade (entre alteridade
e persistência do mesmo). Dito isto, podemos colocar uma outra questão fundamental
envolvendo a utopia, a saber, a relação do declínio das energias utópicas
(compreensivamente associado ao fim do comunismo soviético) com a crise de representação
que caracteriza o pós-moderno. Ao explicar as bases desse problema, Jameson sublinha uma
diferença entre a crise de representação que fundou o modernismo e aquela que está na
origem do pós-modernismo:
“ Está última não pode, é claro, ser confundida com a relação do modernismo com uma
crise de representação que o antigo movimento tentou superar através heróicas invenções
formais e das grandiosas e proféticas antecipações dos visionários modernistas. Na pós-
modernidade a representação não é concebida como um dilema, mas, sim, como uma
impossibilidade, que pode ter dado fim a um tipo de razão cínica no âmbito da arte,
substituindo-a por uma multiplicidade de imagens, as quais nenhuma corresponde à ‘
verdade ’. Já argumentei em vários lugares que tal relativismo oferece caminhos novos e
produtivos à práxis; e que não há razão para temermos que as utopias pós-modernas não
serão tão energéticas em seu novo contexto histórico quanto o foram as antigas nos séculos
passados. A dúvida mais imediata está na diferenciação das novas utopias de suas
predecessoras. ” (JAMESON, AF, p. 212)
71
Processo pelo qual, por meio de restaurações ou transformações, as culturas ou ambientes
populares e tradicionais tornam-se agradáveis às classes abastadas.
assegurando o futuro do local: o turismo e a disneyficação são as faces gêmeas daquele
futuro que, com admiração, observa primeiramente o terceiro e depois o primeiro mundo.
Podemos assim supor que a oposição entre o global e o local é um dualismo ideológico que
gera não apenas falsos problemas, mas, também, falsas soluções: pluralismo e
multiculturalismo são os filhos gêmeos desse dualismo quando ele deseja sintetizar seus
elementos positivos num termo complexo ou imagem de solução. A multiplicidade torna-se
o tema central dessa solução imaginária, cujo dilema conceitual permanece sendo a aquele
da clausura.” (JAMESON, AF, p. 216)
72
“...na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações sociais determinadas,
necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau
de desenvolvimento das forças produtivas. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura
econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual
correspondem determinadas formas de consciência social. Não é a consciência dos homens que determina o
seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. (...) A transformação da base
econômica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. Ao considerar tais alterações é
necessário sempre distinguir entre a alteração material — que se pode comprovar de maneira cientificamente
rigorosa — das condições econômicas de produção, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou
filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito,
levando-o às suas últimas conseqüências. Assim como não se julga um indivíduo pela idéia que ele faz de si
próprio, não se poderá julgar uma tal época de transformação pela mesma consciência de si; é preciso, pelo
medidas ou um programa político a ser adotado depois da revolução (ou ainda uma teoria
sobre as instituições), vai ao encontro da idéia de que a utopia é uma forma vazia de
conteúdos definidos, o que nos livra, pelo menos em tese, da tentação de projetar um futuro
fechado à imaginação, cristalizado, incompatível com um pensamento radicalmente
historicista como o de Marx e a construção de uma sociedade sem classes. Para Jameson,
Marx percebeu inequivocamente que, em função da lógica interna do capital, a economia
dominaria inteiramente a vida social, e que, portanto, uma teoria crítica revolucionária deveria
tomar a forma de uma crítica da economia política, que evidenciaria, entre outras coisas, o
caráter falacioso da autonomia da consciência e da cultura. A suposta negligência de Marx em
relação ao político não foi um acidente teórico, afirma Jameson. Podemos, com isso, levantar
a hipótese de que, justamente nesse ponto, encontra-se o espaço da utopia do pensamento de
Marx, ainda que, em suas críticas e ambivalentes relações com os socialistas utópicos, ele não
o tenha reconhecido como tal73. Em seu ensaio intitulado Filosofia e Teoria Crítica, de 1937,
Marcuse chama a atenção para o que podemos entender como o núcleo idealista do
materialismo histórico, relacionando-o, de maneira muito perspicaz, com a utopia e o papel
da imaginação. Vale à pena reproduzirmos uma passagem central desse texto:
contrário, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças
produtivas sociais e as relações de produção. ” (MARX, 2003, 5-6)
73
Ver, especialmente, a seção do Manifesto Comunista em que Marx elenca alguns tipos de
socialismo, mostrando suas falácias, limites e, em alguns casos, seus méritos (o socialismo ou comunismo
utópico).
partir do fundamento do material dado do conhecimento, a imaginação indica um elevado
grau de independência, a liberdade em meio a um mundo de não-liberdade. Ao ultrapassar
o presente, pode antecipar o futuro. ” (MARCUSE, 2006, p. 154-155)
“...algo como uma filosofia política vem igualmente ressurgindo, arrastando por trás de si
todas essas questões antigas sobre a Constituição e a cidadania, a sociedade civil e a
representação parlamentar, a responsabilidade e a virtude cívica, que constituíram os
tópicos mais ardentes do final do século XVIII, tão certamente quanto elas já não nos
pertencem. É como se nada se houvesse aprendido dos desafios do século revolucionário
que se concluía, e que confrontou o pensamento tradicional burguês sobre o Estado com as
ressentidas contradições de classe e do ser social coletivo. Pois, em si mesmos, todos esses
antigos conceitualismos constituíram de tal maneira reflexos de uma situação histórica
muito diversa da nossa — especificamente, a transição do feudalismo para o capitalismo...
” (JAMESON, MS, p. 10)
74
“ A utopia sempre foi um ideal ambíguo, estimulando alguns a realizações desesperadas e
impossíveis, a respeito das quais outros tinham certeza de que, por princípio, jamais se realizariam, e assim
atirava os apaixonados e dogmáticos num frenesi, enquanto imergia os liberais mornos num conforto
intelectual imobilista. O resultado é que aqueles que desejam ação podem repudiar o utópico com a mesma
determinação que os que não a desejam; sendo a recíproca, evidentemente, verdadeira. ” (JAMESON, ST, p.
64)
revolucionária é possível. O poder crítico da utopia nos proporciona um distanciamento do
existente, uma recusa permanente, mais ou menos consciente, da lógica da mercadoria e de
todas as instituições políticas criadas pelo próprio capitalismo em sua necessidade de auto-
legitimação.
Na carência de projetos coletivos, sugere Jameson, é interessante pensarmos
novamente no nacionalismo, não como saída emancipatória, é claro, mas considerando que,
enquanto movimento coletivo mais bem-sucedido da era do capital, talvez ele nos sirva como
uma espécie de termômetro para avaliar as reais possibilidades de outros projetos coletivos.
Se por um lado o nacionalismo impulsionou as lutas de libertação colonial e revoluções
socialistas, por outro, é certo que, sob sua bandeira, foram justificadas, no século XX, as duas
grandes guerras mundiais e várias tragédias de menor envergadura. Insuflados pelo
nacionalismo, milhões de jovens europeus se entregaram à carnificina de 1914, plenamente
convencidos de que lutavam pela liberdade e por um futuro melhor para seus povos. A
questão que interessa aqui, segundo Jameson, é saber se alguma forma de utopia libertária é
capaz de despertar paixões desse calibre75. Isto significa, em outras palavras, investigarmos a
possibilidade da utopia enquanto ruptura sistêmica radical, não apenas com presente, mas
também com um futuro neutralizado, que, não tenhamos dúvida, já está sendo preparado pelo
capital. Para Jameson:
“ O que se quer não é apenas privar o futuro de seu potencial explosivo, mas também
anexar o futuro como uma nova área de investimento e colonização para o capitalismo.
Onde Benjamin observou que ‘ nem mesmo o passado estará a salvo ’ dos conquistadores,
podemos agora acrescentar que o futuro também não está seguro, e que ele se compara ao
nivelamento dos especuladores de terra e investidores da construção, cujos tratores
destroem todas as propriedades locais e específicas de um terreno com o objetivo de limpá-
lo e torná-lo fungível a todo tipo de investimento, para que se possa construir sobre ele
75
O problema torna-se mais complexo se lembrarmos que, com o descrédito do socialismo, outras
formas de utopia apareceram em seu lugar. Estas expressam, com toda a certeza, reações distintas ao tédio, à
impotência política e à desintegração social. Dois exemplos são bem ilustrativos da lógica cultural do
capitalismo tardio: a utopia da eterna juventude (o corpo é um tema obsessivo no pós-moderno) e a utopia da
segurança total, que, com seus carros blindados, guerras preventivas, seguranças privados e câmeras nos
vigiando por toda a parte, transformou em escárnio até mesmo a liberdade das classes dominantes. Seja como
for, esses novos tipos de utopia convivem, é claro, com as velhas, e cada vez mais risíveis, utopias
liberais/burguesas, tais como a idéia de uma paz perpétua e do chamado pleno emprego, que, note-se bem, é
muito diferente do fim do desemprego. Esta demanda tem uma conotação radicalmente utópica, subversiva,
uma vez que, logo de saída, a mesma nos coloca diante dos limites intransponíveis da ordem capitalista,
especialmente, agora, na era do desemprego estrutural.
qualquer coisa que o mercado demande. Este é o futuro preparado pela eliminação da
historicidade, por sua neutralização através da evolução tecnológica e do progresso: é o
futuro da globalização, no qual nada permanece em sua particularidade e tudo agora é
válido em nome dos lucros e da introdução do trabalho assalariado. ” (JAMESON, AF, p.
228)
76
“ Quando repasso na memória as várias repúblicas que vicejam hoje em dia, que Deus me ajude,
nada vejo senão a conspiração dos ricos, que engordam seus negócios sob a capa e o nome da República. Eles
imaginam e inventam todos os artifícios para conservar os bens que adquiriram por meios escusos e, depois,
para oprimir o pobre, comprando seu esforço e trabalho a preço vil. E essas práticas tornam-se lei, tão logo o
rico, que tem voz nas instituições da república — da qual os pobres fazem parte — diz que elas devem ser
observadas. E assim, esses homens maus e insaciavelmente gananciosos dividiram entre eles o que seria
suficiente às necessidades de toda uma população. Quão longe estão da felicidade reinante na República da
Utopia, que aboliu não apenas o dinheiro mas, com ele, a ganância! Que massa de problemas erradicados
apenas com uma medida! Quantos crimes não foram eliminados pela raiz! Todos sabem que se o dinheiro
fosse abolido, a fraude, o roubo, as brigas, a sedição, o assassinato, as traições e todo tipo de crime que a forca
pode punir mas não consegue prevenir, desapareceria. Se o dinheiro desaparecesse, também desapareceriam
o medo, a ansiedade, a angústia, o trabalho estafante e as noites sem dormir. Mesmo a pobreza, que parece
precisar de dinheiro mais do que qualquer outra coisa, se esvaneceria completamente se o dinheiro fosse
abolido. ” (MORE, 2004, p. 129)
quer dizer, a alteridade radical se insere na vida social, na contramão do imobilismo e da
estandardização, antecipando a luta política e produzindo imagens de um futuro estranho
àquele já configurado pelo capital. A experiência do pensamento para além do presente
perpétuo produz um alívio estético, que, segundo Jameson, é condição si ne qua non para
produzirmos a radical e dramática ruptura da qual depende qualquer transformação social
genuína, a saber: a supressão do dinheiro e das abstrações do valor. A ruptura é, ela mesma,
uma nova estratégia de luta discursiva, que, por sua vez, necessariamente assume a forma da
utopia, para nos mostrar, contra as afirmações de que não há alternativa ao capitalismo, que a
diferença radical é possível. Na perspectiva de Jameson, é muito mais relevante afirmar a
necessidade da ruptura do que dizermos o que pode ou deve acontecer depois dela, ou seja, a
utopia é de fato a mediação do real com o impossível, o irrealizável, mas ela, bem mais do
que qualquer programa de ação, nos aproxima de um verdadeiro futuro político. Vejamos o
que diz o crítico norte-americano sobre o instigante poder da utopia:
“ para nós o tempo consiste em um eterno presente e, muito mais adiante, numa catástrofe
inevitável, esses dois momentos vão aparecer distintamente, em um aparelho de registro,
sem estágios sobrepostos ou transicionais. É próximo instante de tempo que nos falta;
somos como as pessoas que só conseguem se lembrar do passado distante, perdemos toda a
77
“ A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘ estado de exceção ‘ no qual vivemos é a regra.
Precisamos chegar a um conceito de história que dê conta disso. Então surgirá diante de nós nossa tarefa, a de
instaurar um real estado de exceção... ” (BENJAMIN, 2005, Tese VIII, p. 83)
78
O ‘ instinto ’ de autopreservação é, segundo Adorno, a tendência dominante do mundo burguês em
seu período de decadência. Ver JAMESON, F. (MT), p. 95. Em oposição a essa postura paralisante, escreve
Menegat: “ O desenvolvimento pleno do indivíduo deve se colocar, com efeito, como uma superação da mera
autoconservação, e esta implicaria antes de mais nada um domínio sobre o tempo, de tal forma a poder
determinar o tempo livre como um tempo singular construído dentro da sua disponibilidade universal. Este
tempo significa, dessa forma, uma desconstrução das formas desantropomorfizadas de condensação de tempo
e espaço. O tempo no capitalismo, porém, é a medida do trabalho socialmente necessário, e este se manifesta
no espaço dominado pela técnica como ‘ justaposição de muitos dias de trabalho ’ num único dia e lugar. ”
(MENEGAT, M. 2003, p. 196)
dimensão do recente e do mais familiar. Tanto quanto uma causa, de fato, essa
incapacidade de imaginar a mudança (que deve ser em si imaginada como a paralisia de um
lobo do cérebro coletivo) constitui também a alegoria dos dilemas que delineamos aqui: a
Identidade de um presente confrontando a imensa e impensável Diferença de um futuro
impossível, as duas coexistindo como globo oculares que registram, cada um, um tipo
diferente de espectro. É uma situação dota a espera de um novo tipo de suspense, quando
ouvimos pelo próximo tique que está faltando no relógio, o primeiro passo ausente de uma
práxis renovada. ” (JAMESON, ST, p. 80-81)
“ A história é a experiência mais intensa dessa fusão única entre o tempo e o evento, a
temporalidade e a ação; a história é escolha, é liberdade e ao mesmo tempo fracasso,
fracasso inevitável, mas não morte. A utopia é colocada numa altura em que essas
79
A importância do encadeamento das gerações para o rompimento utópico do individualismo pode
ser bem compreendida numa bela passagem do livro Woman on the edge of time, de Marge Piercy, citada pelo
próprio Jameson: “ Vocês podem nos extinguir [...] Vocês, individualmente, podem deixar de nos entender ou
de lutar em sua própria vida e em sua própria época. Vocês, do seu tempo, podem deixar inteiramente de lutar
[...] [Mas] nós temos de lutar para existir, para continuar existindo, para ser o futuro que vai acontecer. Foi por
isso que viemos até vocês. ” (JAMESON, PU, p. 176)
mudanças não são mais visíveis: mesmo que a Utopia em questão seja de mudança
absoluta, a mudança é, todavia, vista daquele ponto de vista quase glacial e inumano como
repetição absoluta, como uma mesmice de mudança até onde a vista alcança. O estado de
uma sociedade que não precisa da história ou do conflito histórico está além de muitas das
coisas preciosas para nós na existência tanto individual, quanto coletiva; o seu pensamento
nos obriga a confrontar as mais terríveis dimensões de nossa humanidade, ao menos para o
individualismo das pessoas modernas burguesas, e isso é o ser da nossa espécie, a nossa
inserção na cadeia de gerações, que conhecemos como morte. ” (JAMESON, ST, p. 129)
A função política da utopia, isto é, sua capacidade de nos fazer perceber que estamos
aprisionados, confinados num contexto de desesperança e negação radical das potencialidades
do ser humano, deixa de existir naqueles raros momentos, desejados ou temidos, em que a
classe dominante já não consegue exercer seu poder de comando e as instituições vigentes
perdem sua legitimidade perante a maioria. Nos períodos de agitação política incontrolável,
quer dizer, nas situações verdadeiramente revolucionárias, a utopia é revogada em favor da
ação, a imaginação deixa de ser livre, pois a realidade exige escolhas bem definidas, demanda
concentração e nos põe diante de dilemas concretos. Por mais que desejemos a chegada de um
período de revolução e o término do marasmo destrutivo do capital, devemos lembrar sempre
— à luz da experiência socialista derrotada no século XX — que a construção de uma
sociedade sem classes, genuinamente nova, livre e aberta à produtividade de todos, não se
dará sem uma elevada dose de imaginação, sem o uso intenso e permanente da criatividade.
Afinal, o que, para além da razão e da consciência da morte, melhor poderia definir o ser
humano do que a nossa imensurável capacidade de inventar? Sem o desejo do impossível, o
reino fetichista das mercadorias e do dinheiro permanecerá incontestado, e as velhas
estruturas reificadas da dominação serão preservadas pelo Estado e/ou outras formas de “
divindade ”. Ainda que sob o álibi das boas intenções.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“ A esquerda é, hoje, colocada na posição de ter que defender o grande governo e o Estado
de bem-estar social, algo que suas tradições refinadas e sofisticadas de crítica à social-
democracia tornam embaraçoso fazer sem uma compreensão mais dialética da história que
aquela que grande parte da esquerda possui. Em especial, é desejável recuperar algum
sentido da maneira como as situações históricas mudam e, juntamente com elas, as reações
políticas e estratégias apropriadas. Mas essa atitude também exige um enfrentamento do
denominado fim da história, isto é, a a-historicidade fundamental do pós-moderno em
geral.” (JAMESON, CTM, p. 189-190)
80
Menegat compreende essa lógica de forma muito precisa. Segundo ele: “ A consciência reificada é
um momento de percepção e de participação na produção de uma objetividade, cujo dinamismo a sociedade
capitalista não cessa de reproduzir. Na verdade, não há contradição entre uma estrutura dinâmica e outra
estática, mas a articulação do momento estático do domínio de uma na outra. Elas se equivalem, uma vez que
o que as determina é o processo de troca. Neste, os movimentos vivos são subsumidos e a percepção de
reificação aparece como dinamismo das coisas em oposição à estaticidade dos produtores. ” (MENEGAT, 2003,
p. 53)
Tentamos mostrar que o esmaecimento da historicidade e a cisão do sujeito burguês
aparecem, na pós-modernidade, como resultado de uma transformação geral da experiência
humana no mundo, produzida pela terceira grande expansão do sistema do capital. Agora as
categorias espaciais predominam sobre a temporalidade de forma implacável, gerando um
desacordo radical entre sujeito e objeto. A dissolução do tempo no hiperespaço do pós-
moderno nos amarra a um presente perpétuo, aprisionando a imaginação, o desejo e nossas
aspirações nos limites da forma mercadoria. Esse enclausuramento ideológico/cultural se
configura num mundo inteiramente dominado pela lógica do capital, no qual a virtual
conclusão do processo de modernização evidencia o aniquilamento das alteridades sistêmicas
(formas de vida pré-capitalistas) e a conquista daqueles enclaves que, no modernismo,
constituíam territórios relativamente autônomos, a saber: a cultura, o inconsciente e a
natureza. Esse conjunto de transformações revela, em seu sentido mais profundo, uma
mudança radical do papel da cultura nas sociedades contemporâneas:
“ Para aqueles que pensam que tudo isso é pessimista, posso agora sugerir que não
precisamos deixar Nietzsche para os inimigos, mas sim nos consolar com a profunda
convicção de que apenas o mais profundo pessimismo é fonte de força verdadeira.
Devemos ser profunda e infatigavelmente pessimistas sobre esse sistema, como foram meus
amigos do leste sobre o outro sistema; o otimismo, ainda que do tipo mais fraco, só pode
81
“...mesmo se a teoria do desejo constituir uma metafísica e um mito, seus grandes eventos
narrativos — a repressão e a revolta — deverão ser compatíveis com uma perspectiva marxista, cuja visão
utópica da liberação do desejo e da transfiguração libidinal constitui-se em característica essencial das grandes
revoltas de massa ocorridas na década de 1960 na Europa Oriental e Ocidental, bem como na China e nos
Estados Unidos. Mas exatamente por isso, e mais particularmente devido às dificuldades teóricas e políticas
encontradas pelas conseqüências desses movimentos à medida que tentavam adaptar-se às circunstâncias
muito diferentes do período atual, esses mitos devem ser cuidadosamente reexaminados. Se eles têm
afinidades com o marxismo, têm-nas ainda maiores com o anarquismo, e a atual e vigorosa renovação deste
exige que o marxismo contemporâneo dê conta delas. ” (JAMESON, IP, p. 61)
ser recomendado para aqueles que não têm nada contra serem usados e manipulados. ”
(JAMESON, COM, p. 233-234)
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