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ÉTICA E MORAL

Marilena Chauí
46a. Reunião da SBPC - Vitória

1. Ética e Moral
Normalmente, identificamos ética e moral. A primeira vem do grego, ethos, e
a segunda do latim, mores, significando os costumes estabelecidos por uma
sociedade como normas, regras e valores que determinam o comportamento
de seus membros. Todavia, sob outro aspecto, os dois conceitos se referem
a realidades diferentes quando consideramos uma outra palavra grega, cuja
grafia é diferente da já mencionada, embora para nós, seja lida da mesma
maneira: ethos, significando agora, caráter, índole, temperamento,
disposição física e psíquica individual.
O ethos é a maneira pela qual um indivíduo realiza sua natureza própria e,
nesta acepção, a ética refere-se à educação do caráter dos indivíduos em
vista da felicidade, da vida justa e livre que, para os gregos só era possível
como vida política. A moral refere-se, portanto, ao comportamento normativo
cujas normas foram definidas externamente ao indivíduo, pela sociedade. A
ética ao comportamento autônomo do indivíduo como capaz de desejar e
alcançar racionalmente o bem, a felicidade. Assim, a moral impõe, do exterior,
as regras do comportamento e da ação, além de definir sanções para a
prática desviante. A ética supõe um sujeito racional e livre, capaz de, por si
mesmo, estabelecer valores e respeitá-los.
Apesar da diferença entre ética e moral, três pontos são comuns a ambas:
a) A causa de seu aparecimento: tanto num como noutro, a prática da ética e
o comportamento moral se definem pela disposição do indivíduo (no caso da
ética) e da sociedade (no caso da moral) de colocar um término à violência.
Fundamentalmente, a violência é a ação pela qual violamos a natureza ou a
essência de um outro ser, impondo-lhe pela força física, pela coação psíquica
ou por ambas aquilo que lhe é contrário, forçando-o a sentir, pensar, dizer e
fazer o oposto daquilo que, por sua própria natureza, sente, pensa, diz ou faz.
No caso dos seres humanos, parte-se da idéia de que são seres sensíveis,
racionais, dotados de consciência e vontade, capazes de liberação, escolha
e decisão, isto é, são sujeitos.
A violência portanto, consiste em tratar um sujeito humano como se fosse
coisa ou objeto, isto é, como insensível, irracional, inconsciente, desprovido
de vontade e de capacidade para deliberar, escolher e decidir. Coisificar ou
reificar um ser humano é violência e, portanto, imoralidade e ausência de
ética. Eis porque os filósofos, primeiro, e os teólogos cristãos, depois, tiveram
sempre enorme dificuldade para demonstrar a legitimidade da escravidão e
da servidão.
b) Pelo seu campo de realização: tanto uma como outra constituem o campo
da práxis,
isto é, de uma ação que encontra no próprio agente as capacidades, a
disposição e a aptidão para praticar uma ação que encontra nela mesma sua
própria finalidade. Em outras palavras, na práxis, o agente, o ato e a finalidade
da ação são uma só e a mesma coisa.
c) pela sua diferença com a relação aos conhecimentos teóricos e às práticas
técnicas: a teoria visa à explicação (seja por meio de descrições, seja por
meio de construções intelectuais) de uma realidade, enquanto a ética visa à
ação subjetiva e intersubjetiva segundo valores; a técnica é uma ação regida
pelas idéias de utilidade e eficácia, de uma ação instrumental para alcançar
certos fins, enquanto a ética é uma relação intersubjetiva não-instrumental.
Em outras palavras, teoria e técnica operam no campo do necessário,
enquanto práxis ética opera no campo do possível, isto é, do que poderá ser
diferente do que é, graças à ação dos humanos.
Habermas afirma que os seres humanos são capazes de três tipos de
atividades racionais: a atividade instrumental, que é nossa relação com o
mundo dos objetos naturais e artificiais, ou técnico-tecnológicos; a atividade
estratégica, que é nossa relação com o mundo do poder-político ou militar e
a atividade comunicativa, que é a relação dos seres humanos em busca de
compreensão recíproca, para chegar ao entendimento e ao consenso.
A ética seria a ação comunicativa por excelência, tendo como pré-condição:
1. A disposição verdadeira dos interlocutores de não mentir e sempre dizer a
verdade; 2. A disposição sincera dos interlocutores de ouvirem-se uns aos
outros, sem usar a violência; 3. A disposição sincera dos interlocutores de
serem imparciais, aceitando mudar de opinião e de posição quando
reconhecem que a opinião ou posição alheias são mais verdadeiras, mais
corretas ou mais justas do que as suas.

2. O campo da vida ético-moral


Se deixarmos de lado a história do pensamento ético e das variadas formas
da moralidade nas diferentes sociedades para ficarmos apenas com o que foi
proposto pelo pensamento ocidental moderno, podemos dizer que este
definiu o campo ético-moral como constituído pelos seguintes elementos
essenciais:
a) O sujeito ético-moral como racional, consciente e dotado de vontade para
controlar seus instintos, impulsos e paixões.
b) O sujeito ético-moral como capaz de deliberação, escolha e decisão livres
que percebe as situações como simultaneamente determinadas e abertas,
necessárias e possíveis.
c) O sujeito ético-moral dotado de capacidade para definir para si e para os
outros os fins da ação ético-moral como recusa da violência contra si e contra
os outros.
d) O sujeito ético-moral como capaz de estabelecer uma relação justa e
legítima entre os meios e os fins da ação, considerando que meios violentos
ou imorais ou anti-éticos são incompatíveis com fins ético-morais.
e) Os valores e normas, postos pelos próprios sujeitos ético-morais, na
qualidade de deveres, virtudes ou de bens realizáveis por todos e cada um.
Assim, o campo ético-moral moderno pressupõe:
n Uma subjetividade dotada de consciência, razão, vontade, liberdade e
responsabilidade;
n A intersubjetividade não-violenta, consciente, racional e responsável, capaz
de justificar seus atos e responder por eles;
n Valores ou fins, considerados bons e justos, válidos para todos os sujeitos
ético-morais de uma sociedade historicamente determinada;
n Regras e normas de comportamento definidos pela noção de dever ou de
obrigação para aqueles que interiorizam a moralidade de sua sociedade;
n A diferença entre necessidade natural e histórica e a possibilidade
transformadora aberta pela ação dos sujeitos éticos e políticos;
n A idéia de situação ou de determinação histórico-cultural dos valores,
normas e ações éticos, isto é, o reconhecimento de que somos seres situados
no mundo, condicionados pelas situações sociais, econômicas, políticas e
culturais, mas capaz de compreendê-las, avaliá-las, superá-las ou
transformá-las por nossa própria ação, na companhia de outros.

3. Questões da Ética contemporânea


Quando nos aproximamos da sociedade contemporânea, podemos perceber
que alguns problemas novos foram colocados para a ética.
A psicanálise - ao trazer o conceito de inconsciente - é o marxismo - ao trazer
o conceito de ideologia - estabeleceram limites intransponíveis para a crença
no poderio total da consciência total da consciência autônoma, enfatizando
seus limites. No caso do marxismo, foi trazida também a idéia de que a moral
vigente, representando os interesses dos dominantes, não pode ter a
pretensão à universalidade porque o sujeito social está internamente dividido
em classes sociais diferentes e contraditórias. Se a psicanálise cria
problemas para noção de subjetividade consciente autônoma, o marxismo
cria problemas para a noção de subjetividade universal e de
intersubjetividade comunicativa, à maneira de Habermas.
A estes problemas, veio acrescentar-se mais um quando, a partir dos anos
50 e 60 de nosso século, nas ciências humanas, ao estruturalismo considerou
que o sujeito autônomo não existe verdadeiramente, pois o que existe são as
estruturas (econômicas, sociais, linguísticas, psíquicas, políticas, culturais)
que são necessárias e inconscientes, e das quais os indivíduos são partes
determinantes, sentindo, agindo e pensando em conformidade com as regras
e normas estruturais. Falou-se, assim, na norte do sujeito ou da subjetividade,
na medida em que esta pressupunha um agente autônomo que as estruturas
revelaram não existir. No lugar do possível como criação ético-histórica dos
sujeitos, afirmou-se que a possibilidade de mudança é apenas um vetor
existente na própria estrutura, do qual os sujeitos podem ou não tomar
consciência.
Um filósofo como Michel Foucaule foi mesmo mais longe, mostrando que as
idéias de homem e sujeito, humanidade e subjetividade são muito recentes
no pensamento ocidental e, sob certos aspectos, datam do final do século
XIX e início do século XX. Não são apenas recentes. São frágeis e destinadas
a uma rápida desaparição no pensamento contemporâneo. Em seu lugar, diz
Foucaule, surgem conceitos novos, tais como vontade de poder, vontade de
saber, a ciência como desejo de poder social, econômico e político, as
instituições sociais como formas disciplinadoras e repressivas, realizando-se
de maneira microscópica ou de micro-poderes que determinam a estrutura,
organização e modo de funcionamento da família, da escola, do trabalho, das
prisões, dos asilos psiquiátricos, da sexualidade, dos partidos políticos, etc.
A estas formulações devemos acrescentar as mudanças trazidas pelos anos
60 e 70 quando introduziram na cena sócio-política um outro tipo de sujeito:
não mais o sujeito individual, nem mesmo o sujeito como classe social, mas
o sujeito coletivo criado pelos movimentos populares e sociais de
reivindicação e criação de direitos, em nome do direito à diferença. Tais
movimentos vinculam ética e direitos e, portanto, ética e cidadania, ética e
democracia, de sorte que a distinção clássica entre uma esfera privada da
existência ética e uma esfera pública da existência política não pode ser
mantida, uma vez que sem a garantia de direitos não há ética possível, pois
somente os direitos são capazes de combater a violência.
Nesse novo quadro, a questão ética tornou-se inseparável da democrática,
na medida em que a democracia afirma os princípios da igualdade, da justiça,
da liberdade e da felicidade como direitos universais, criados pelos agentes
sociais, assim como o princípio do direito às diferenças, universalmente
reconhecidas como legítimas por todos.
Mas é neste ponto que irrompem o neoliberalismo e a ideologia pós-moderna,
esfacelando qualquer pretensão ética à universalidade e à diferença real.

4. Neoliberalismo e Pós-modernismo
O neoliberalismo, ao afirmar que os imperativos do mercado são racionais e
que, por si mesmos, são capazes de organizar a vida econômica, social e
política introduz a idéia de competição e competitividade como solo
intransponível das relações sociais, políticas e individuais. Desta maneira,
transforma a violência econômica em modelo da ação humana e destrói toda
possibilidade da ética.
O pós-modernismo, ideologia do capitalismo neoliberal, ao afirmar que as
antigas idéias de razão, universalidade, consciência, liberdade, sentido da
história, da luta de classes, justiça, responsabilidade e que as distinções entre
Natureza e Cultura, público e privado, ciência e técnica, subjetividade e
objetividade perderam a validade, passaram a afirmar como realidades
únicas e últimas a superfície veloz do aparecer social, a intimidade e a
privacidade narcísicas, expostas publicamente sob a forma da propaganda e
da publicidade, a competição e a vitória individual a qualquer preço.
O neoliberalismo, fragmentando e dispersando a esfera da produção, por
meio da terceirização, usando a velocidade das mudanças científicas,
tecnológicas e dos meios de informação, operando com o desemprego e a
inflação estruturais, fez com que o capital passasse a acumular-se de modo
oposto à forma clássica, isto é, não por absorção e incorporação crescente
dos indivíduos e grupos ao mercado de trabalho e do consumo, mas por meio
da exclusão crescente da maioria da sociedade, polarizando-a em dois
grandes blocos: o da carência absoluta e o do privilégio absoluto.
O pós-modernismo, aceitando os efeitos do neoliberalismo, tomou-os como
verdade única e última, renunciou aos conceitos modernos de racionalidade,
liberdade, felicidade, justiça e utopia, mergulhando no instante presente como
tempo único e último.
A este quadro é preciso acrescentar um aspecto que nos diz diretamente
respeito : as mudanças nas ciências e nas tecnologias.
A ciência antiga definia-se como teoria, isto é, para usarmos a expressão de
Aristóteles, estudava aquela realidade que independe de toda ação e
intervenção humanas. A ciência moderna, ao contrário, afirmou que a teoria
tinha como finalidade abrir o caminho para que os humanos se tornassem
senhores da realidade natural e social.
Todavia, a ciência moderna ainda acreditava que a realidade existia em si
mesma, separada do sujeito do conhecimento e que este apenas podia
descrevê-la por meio de leis e agir sobre ela por meio das técnicas. A ciência
contemporânea porém, não contempla nem descreve realidades, mas as
constrói intelectual e experimentalmente nos laboratórios. Os humanos
realizam, hoje, o sonho dos magos da Renascença, isto é, serem deuses
porque capazes de criar a própria realidade.
A essa mudança do estatuto da ciência corresponde a mudança do estatuto
da técnica. Para a ciência antiga, teoria e técnica nada possuíam em comum,
a técnica sendo uma arte para encontrar soluções para problemas comuns
sem qualquer relação com a ciência. A ciência moderna modificou a natureza
dos objetos técnicos porque os transformou em objetos tecnológicos, isto é,
em ciência materializada, de tal maneira que a teoria cria objetos técnicos e
estes agem sobre os conhecimentos teóricos. A ciência contemporânea foi
além ao transformar os objetos técnicos em autônomos, portanto, num
sistema de objetos auto-referidos, auto-regulados e dotados de lógica própria,
capazes de intervir não só sobre teorias e práticas, mas sobre a organização
social e política.
Como sabemos, a ciência e a técnica contemporâneas tornaram-se forças
produtivas e trouxeram um crescimento brutal do poderio humano sobre o
todo da realidade que, afinal, é construída pelos próprios homens. As
tecnologias biológicas, nucleares, cibernéticas e de informação revelam a
capacidade humana para um controle total sobre a natureza, a sociedade e
a cultura. Controle que não sendo puramente intelectual, mas determinado
pelos poderes econômicos e políticos, pode ameaçar todo o planeta.
Ora, filósofos e cientistas antigos e modernos haviam apostado nos
conhecimentos como fontes liberadoras para os seres humanos: seriam
liberados do medo e da superstição, das ciências impostas por uma natureza
hostil, e sobretudo do medo da morte, graças aos avanços das ciências, das
técnicas e de uma política capaz de deter as guerras.
A ciência e a tecnologia contemporâneas, submetidas à lógica pós-moderna,
parecem haver-se tornado o contrário do que delas se esperava: em lugar de
fonte de conhecimento contra as superstições, criaram a ciência e a
tecnologia como novos mitos e magias; em lugar de fonte libertadora das
carências naturais e cerceamento de guerras, tornaram-se, através do
complexo industrial-militar, causas de carências e genocídios.
Surgem como poderes desconhecidos, incontroláveis, geradores de medo e
de violência, negando a possibilidade da ação ética como racionalidade
consciente, voluntária, livre e responsável, sobretudo porque operam sob a
forma de segredo (o controle das informações como segredos de Estado e
dos oligopólios transnacionais) e da desinformação propiciada pelos meios
de comunicação de massa.

2.1 – ÉTICA MORAL E VALORES[1]


Os problemas sociais despertam sempre a atenção para a reflexão sobre a
ética, a moral e os valores; porque é diante dos fatos concretos que as
pessoas tomam posições a favor ou contra, após fazerem um julgamento
prévio.
No confronto das contradições é que tomamos posição, às vezes de forma
correta, às vezes de forma incorreta, tendo em vista a influência ideológica e
os interesses particulares que temos. Por exemplo, se vemos um mendigo
em uma padaria se apropriar de um pão sem ter dinheiro para pagá-lo,
deixamos que o proprietário chame a polícia, intervimos pagando o pão, ou
simplesmente aconselhamos o proprietário que deixe o mendigo saciar sua
fome?
Podemos ver que neste simples ato estão as três dimensões: da ética, da
moral e dos valores associados.
Entendemos que a moral é a norma concreta que orienta o comportamento
social das pessoas. Por exemplo, “não se apropriar das coisas alheias”. A
ética é o juízo que fazemos da situação; “está certo ou não o mendigo pegar
o pão?” Se achamos que está certo, entra em ação o valor da solidariedade
e partimos em defesa do mendigo não deixando que o proprietário chame a
polícia, pois o “desrespeito” à norma moral, tem justificativas éticas.
É difícil fazer esta separação na vida concreta, geralmente misturamos ética,
moral e valor, por isso é que muitas vezes agimos de um jeito e em outro
momento agimos de forma diferente. Por exemplo, no mesmo ato onde o
mendigo apanha um pão, se por acaso o conhecemos e por ventura não
simpatizamos com ele, por qualquer motivo anterior, ou por preconceito,
acabaremos deixando as coisas acontecerem sem nos indignar e influir na
decisão final, ao contrário podemos nos satisfazer com ela.
Neste caso encontraremos várias justificativas e preconceitos como: “O
mendigo é preguiçoso mesmo”. “Não pode pegar te quem pedir”. Ou o dono
da padaria usaria do velho subterfúgio, “se me pedisse eu dava”.
A ética vista por este aspecto quotidiano, assume o caráter “normativo”, ou
seja, é a força da norma que orienta as pessoas e não o juízo que se faz da
norma.
A ética mostra e interliga as questões que estão além da norma. Podemos
dizer então que a moral se ocupa dos problemas práticos e a ética das
explicações teóricas que nos fazem agir e explicar as situações em que nos
envolvemos “...O problema do que fazer em cada situação concreta é um
problema prático-moral e não teórico-ético”.[2]
O objetivo principal da ética é ajudar a compreender determinada realidade
através da investigação e da explicação teórica. A ética é portanto “... A teoria
ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é
ciência de uma forma específica de comportamento humano”[3]. A busca do
conhecimento para explicar determinados aspectos é a característica
fundamental da ética. Enquanto que a moral se baseia em normas
estabelecidas a partir dos problemas e interesses sociais, influenciadas pela
posição ideológica de quem as estabelece.
Se tomarmos como referência a placa fixada na entrada de um latifúndio com
o dizer: “Não entre”. Esta é uma norma moral do latifúndio, baseada no direito
de propriedade. Um latifundiário ao ver placa dirá que está certo. Um Sem
Terra dirá que está errado. O certo e o errado se baseiam na visão de justiça
social que cada um tem.
Seguindo em frente. Um grupo de famílias ocupam esta área por ser ela
improdutiva e não cumprir função social, mas assim que dividem os lotes
erguem cercas para separar o que pertence a cada um como propriedade e
ali também, mesmo sem ter a placa, não se pode entrar e a família se isola
criando seu próprio mundo.
Moralmente cada família está correta, usando o direito de propriedade.
Éticamente também estão corretas por fazer a terra cumprir função social
desmanchando o latifúndio, mas há um erro profundo na qualidade dos
valores que não modificaram o conteúdo apesar de toda a luta desenvolvida.
Permanece o individualismo, o preconceito contra o vizinho, a falta de
solidariedade etc.
Neste caso a terra ao ser dividida passou a cumprir função social. De uma
pessoa, passou a pertencer a muitas, que viverão de seu trabalho. Mas estas
pessoas é que “não cumprem” corretamente função social. Isto porque, a
sociedade não é feita de objetos e propriedades, mas primeiramente de
pessoas que tem um papel determinante em sua edificação. As pessoas não
podem valer pelo que possuem materialmente, mas pelo que são
“profissionalmente” no desempenho de sua contribuição para que a
sociedade seja justa e democrática.
As normas morais e os valores mudam, não na totalidade, de tempos em
tempos, pois estão ligados ao funcionamento da sociedade, principalmente
no seu aspecto econômico. Isto já foi definido e previsto por Marx quando
disse que “... O que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que
se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de trabalho
servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e além
disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho...”[4]
Se tomarmos como referência o desenvolvimento tecnológico atual e o
compararmos com o modo de produção feudal, iremos ver que as condições
sociais são bem diferentes e o próprio trabalho tem sentido diferente. No
feudalismo o ócio era um valor fundamental[5] pois o trabalho era garantido
pelos servos que deveriam demonstrar lealdade, fidelidade e coragem para
enfrentar as guerras. Com o surgimento do capitalismo, o trabalho passou a
ser um valor para todos, porque o capital se reproduz através do lucro que
extrai da força de trabalho. Por isso vem a norma moral preconceituosa:
“quem não trabalha é preguiçoso”. Agora a disciplina, a produtividade, a
eficiência, a honestidade, são valores fundamentais nestas novas relações
de produção. Por isso vemos idosos, deficientes físicos, negros e uma
infinidade de pessoas desempregadas.
Se tomarmos também como referência as cartas de doação das capitanias
hereditárias, encontraremos normas que hoje poderíamos considerá-las
absurdas. Na carta de doação da Capitania de Pernambuco, lavrada em
Portugal na cidade de Évora, em 10 de março de 1534, podemos ler “O
donatário e seus sucessores darão sesmarias de todas as terras da capitania
a qualquer pessoa, contando que seja católica, livres de foro e direitos, salvo
o dízimo a Deus, de acordo com as ordenações, não podendo toma-las para
si, sua mulher ou filho herdeiro”.[6]
Desta forma podemos entender que, a moral é no fundo o conjunto de normas
usadas pela classe dominante para impor à classe dominada seus interesses.
Estas normas cumprem o papel orientar e proibir, segundo os interesses da
classe que está no poder. Por isso sofrem modificação de tempos em tempos
de acordo com os interesses desta mesma ou de outra classe. Este conjunto
de normas, institui o código do comportamento moral.
É nesta produção da existência através da intervenção humana na realidade,
que se produzem as contradições, e na medida em que as pessoas tomam
consciência de seu papel na sociedade, acabam rebelando-se contra normas
que impedem o exercício verdadeira democracia. Como, escola para todos
até a faculdade. trabalho, moradia, alimentação, lazer etc. A ética possibilita
compreender estas situações e contribui para que as pessoas através do
conhecimento científico possam dar novo conteúdo as normas sociais
forçando as mudanças da realidade.
A moral autêntica surge com a edificação das bases de uma nova sociedade,
onde o Estado e a propriedade mudam de caráter. Há então mudanças nas
relações de produção e na forma de apropriação dos bens produzidos,
garantindo-se assim igualdade entre as pessoas e respeito pela vida no meio
em que cada ser social estiver inserido.
Estes germens devem surgir já a partir de agora através da criação de uma
nova consciência em torno do significado de todas as coisas. Nada existe por
acaso. Tanto os homens quanto os insetos, as árvores, a terra e os rios, tem
sua importância em existir. Sem a existência de qualquer um destes sujeitos,
a vida no planeta será comprometida.
É tempo de se criar novas relações para forjarmos uma nova moral baseada
na investigação ética da realidade que possibilite modificar o comportamento
e os hábitos das pessoas, onde a solidariedade seja um valor universal.
A ética, a moral e os valores se integram e passam a fazer parte da cultura e
da consciência, penetrando na construção desta realidade projetada, agora,
com voltados para o bem da maioria.
A ética fundamentalmente cumpre a função de orientar esta construção, para
que não se desvie dos verdadeiros objetivos estabelecidos, onde o ser
humano e os demais tipos de vida sejam respeitados.
Vivemos num tempo em que o progresso se sobrepôs a ética, deixando de
acreditar que a vida é superior à técnica. A técnica deve auxiliar o
desenvolvimento da vida e não destruí-la. A ética exige mudanças de
atitudes[7] levando em consideração inclusive os aspectos técnicos.
As modificações genéticas e o uso indiscriminado de herbicidas, fungicidas e
outros ofensivos à vida das espécies, está se tornando um verdadeiro
atentado contra o planeta. Para as empresas que lucram milhões, isto é o
bem, para os que consomem os produtos é o mal. É preciso perguntar se no
futuro a terra será habitada por empresas ou ainda por seres vivos?
Por que se usa como definição, que as descobertas industriais que visam
lucros são de “ponta” e as que respeitam o ambiente não são?
Há de tempos em tempos experimentos que tentam se sobrepor aos
conhecimentos acumulados na sociedade. O que está em discussão no
momento são os produtos transgênicos, como sendo uma grande descoberta,
por se conseguir através da tecnologia transportar genes de um produto para
outro fazendo com que o produto gerado adquira mais resistência. “... O
transgênico é a ponta de uma tecnologia superada, que é a tecnologia da
Revolução Verde[8], que não resolveu o problema da fome no mundo – como
diziam que iriam resolver -, não resolveu o problema social – só o ampliou -,
envenenou a terra, os alimentos e o meio ambiente... A tecnologia de ponta
é uma agricultura sem veneno, sem agrotóxico, saudável, que produz
alimentos sadios”[9]
O problema da nação brasileira não é saber se os legumes, as frutas e as
verduras ficam mais tempo nas bancas dos supermercados sem estragar,
mas fazer com que todas as pessoas de nosso país tenham estes alimentos
em suas refeições. Isto somente se consegue através do trabalho,
devolvendo a terra à quem pode e quer trabalhar nela.
A falta de leite nas mamadeiras de milhões de crianças pobres e desnutridas
não se resolve importando leite ou tecnologia que façam as vacas produzirem
40 litros de leite por dia, mas fazer com que, o governo faça a reforma agrária
e recoloque na terra as quase 5 milhões de famílias Sem Terra e lhes dê o
direito de ter uma vaca que produza 5 litros, a produção de leite será
aumentada em 25 milhões de litros somente com o esforço da natureza.
Há muitos avanços já alcançados nos assentamentos na formulação das
normas de convivência, organização e produção. Aos poucos estamos nos
entendendo como parte do universo e possibilitando o surgimento de uma
nova ética.
Na medida em que os jardins se enchem de flores, os bosques de árvores e
as pessoas respeitam as características da terra, plantando nela as culturas
que se adaptam ao tipo de solo, aproveitando o material orgânico para a
recomposição do potencial produtivo e deixando de lado o químico,
venenoso, é a ética da vida que começa a surgir a partir de pequenos gestos.
Na medida em que buscamos através do intercâmbio de conhecimentos,
apropriar-nos de elementos que modifiquem a realidade sem destruir seus
componentes fundamentais, estamos não só elevando o nível de consciência,
mas nos colocando como instrumento de recriação da existência das
espécies.
Os valores nascerão das pequenas mudanças no comportamento que
conseguirmos edificar. Basta - como disse Raul Seixas-, ser sinceros e
desejar profundo, voce será capaz de sacudir o mundo[10]. Sacudi-lo para
que se desprenda a poeira do egoísmo burguês e se inicie um novo tempo,
através da construção de um novo cenário histórico, pintado pelas mãos da
solidariedade.

2.2 – DIRETRIZES PARA OS VALORES


Neste longo caminhar, a terra sempre foi a principal companheira de todas as
espécies. Estendeu-se como um tapete, suportando o peso da vida e da
morte.
Os desequilíbrios causados são desvios de conduta primordialmente do ser
humano , que ao longo do tempo perdeu o sentido da ética e dos valores em
relação à natureza e a vida das espécies e impôs usas próprias normas.
A norma moral estabelecida foi sempre a de extrair, devastar, cercar para
aumentar o poder de pequenos grupos da sociedade humana. Para isso foi
preciso passar por cima da comunidade dos bichos, dos pássaros, insetos,
ervas e árvores que também tem suas normas de convivência e
desenvolvimento.
Construiu-se e destruiu-se sobre a terra em milhares de anos, para satisfazer
necessidades e interesses do ser humano. A diferença entre a terra e os
seres humanos é que os últimos se orientam por paradigmas que de tempos
em tempos entram em conflito com os modos, os hábitos, princípios, valores
etc. A terra só tem um paradigma: alimentar a vida.
Estes paradigmas forçam as mudanças. Vão imprimindo características
novas na forma de ser das pessoas e da sociedade, constuíndo-se em
cultura. A cultura pois, é a construção lenta da realidade objetiva e subjetiva
através da qual as pessoas se reconhecem.
O ser humano habituou-se a sujeitar a natureza para satisfazer seus desejos,
caprichos e necessidades, e o mundo foi ficando a imagem e semelhança da
vontade desordenada dos seres humanos.
Toda vez que se mexe na natureza desaloja-se e desarmonisa-se a lógica
criada por ela durante muito tempo. A palavra talvez mais autoritária vem do
verbo querer “eu quero”, por isso muitas perguntas ficam sem sentido assim
como as respostas: por que estas fazendo isto? Porque eu quero. Assim o
homem quer ouro, mas está sob o solo fértil e vai buscá-lo. Quer um casaco
de pele e vai matar o jacaré para buscá-lo. Quer construir um prédio vai
destruir a rocha para buscar cimento. Quer ter lucro em sua empresa e vai
inventar venenos para matar. Assim segue sem renunciar a nada. As coisas
que renuncia é porque não lhes dá importância ou ainda não as descobriu.
É possível seguir em frente com a história do desenvolvimento da
humanidade, mas até onde iremos com esta marcha?
O modo de ser dos Sem Terra como edificadores ou destruidores do que
sobra das espécies de vida, nas áreas conquistadas, depende de nós. Por
isso nos perguntamos não apenas sobre que tipo de camponeses devemos
ser? Mas também que tipo de camponeses a terra e a natureza precisam que
sejamos?
Não se trata de ser contra os avanços tecnológicos e o progresso em si,
precisamos saber que inventos são esses e para quem serve o progresso?
Por outro lado não podemos cair no simplismo de Domenico de Masi que
afirma: “...Quem se perturba diante da tecnologia pode se limitar a não usá-
la. Mas não tem o direito de impedir seu uso pelos outros. Se eu tenho medo
de andar de avião, nem por isso posso proibir a aviação. A tecnologia é uma
oportunidade e não uma obrigação. Aliás, o planeta está cheio de zonas não-
tecnologizadas: sobre a terra hoje coexistem todos os níveis de civilização,
desde a pré-história até o ano 2000. Quem não gosta de tecnologia tem para
onde ir, se quiser”[11]
Ora, não podemos voltar às cavernas se estas estão ameaçadas por quem
caminha sobre elas! As futuras gerações, que multiplicarão ainda mais as
pessoas, dependem das gerações que vivem e fazem o tempo presente. “A
humanidade precisou de 10 mil gerações para chegar a 2 bilhões de
habitantes”. Em seguida passou de “2 bilhões para 5,5 bilhões”. Seguindo
assim na “próxima geração seremos 11 bilhões”.[12]
O universo é esta morada definitiva da vida e da morte das espécies, não há
para onde fugir e nem tempo para acovardar-se diante deste perigo iminente
de extinção e destruição. “... entre 1500 e 1850 foi eliminada uma espécie
(animal e vegetal) a cada 10 anos. Entre 1850 e 1950 uma espécie por ano.
No ano de 1990 desapareceram dez espécies por dia. Por volta do ano 2000
desaparecerá uma espécie por hora...”.[13]
O que mais podemos dizer se isto representa a extinção de mais de 20% de
todas as espécies que já existiram. Sentimos pena dos dinossauros extintos
a milhões de anos, mas estes representavam apenas uma entre todas
espécies.
A extinção das espécies, uma por hora, tem sua causa vinculada à produção
de uso de venenos e adubos químicos. Queima das florestas. Poluição
química. Lixo jogado nos rios e na terra em demasia e tantas outras.
Se há os que desenvolvem tecnologias para melhorar a qualidade de vida,
há os que também as desenvolvem sem se preocupar com a qualidade de
vida. E o progresso não tem sido sinônimo de respeito, isto porque, dos mais
de 6 bilhões de habitantes que somos no planeta, apenas 1,5 bilhões que
vivem nos países industrializados do hemisfério norte tem direito ao
“progresso” a qualquer custo e por isso consomem: “70% da energia mundial,
75% dos metais, 85% da madeira, 60% dos alimentos”.[14] Mais, 64% da
carne, 92% dos automóveis, 81% do papel[15] Isto, além de ouras causas,
trás consequências perversas para os pobres do mundo, onde somente de
fome morrem por ano 40 milhões de pessoas, destas 14 milhões são crianças
que morrem antes de completar cinco anos de idade.[16] Enquanto isso as
grandes potências tecnificadas erguem muralhas com armas gastando a
cada minuto quase dois milhões de dólares para prevenir-se e fazer as
guerras.
A continuar assim, a espécie humana corre perigo também de ser extinta,
embora desenvolva cada vez mais tecnologias sofisticadas. Não há como
fugir nem esconder-se, o espaço planetário está tomado pelos interesses do
lucro. Correr e ou omitir-se, significa deixar o caminho livre para aqueles que
querem impor a ordem da desintegração. Nada está separado ou
desvinculado no universo. O equilíbrio ainda existente é devido ás coisas e
os seres que ainda conseguem cumprir seu papel.
É momento de interligar, causas e valores para que as diretrizes da
construção do resgate do húmus que gera o homem, não seja extinto antes
que a vida humana.
Isto porque, que homens faremos com o húmus poluído, envenenado,
queimado, sem sombras e sem florestas? Que frutos podemos colher deste
húmus, ressecado, cheio de frestas de erosão? Que animais poderemos criar
se o verde que poderia alimentá-los não nasce, não cresce neste húmus
infértil e sem vida? Que peixes poderemos comer se este húmus ressecado
obrigou-se a beber toda a água dos rios para saciar a sede antes satisfeita
com as águas da chuvas? Que variedades transgênicas poderão sobreviver
sobre o húmus se a poluição destruiu a camada de âzonio que protegia a pele
das folhas dos raios solares?
O caminho para a reconstrução é longo. Mas a humanidade levou desde seu
surgimento até 1950 para, a golpes de machado, destruir a metade das
florestas do mundo. Com a descoberta da “motoserra”, nos últimos 50 anos
já quase foi destruída 50% da outra metade. Somente novas e velhas causas
interligadas poderão recolocar o trem da história sobre os trilhos de valores
coerentes com a defesa, o respeito e a solidariedade entre as espécies.

2. 3 – DIRETRIZES QUE FUNDAMNETAM OS VALORES.


Que diretrizes podem orientar as causas e os valores?
1o – Interligação entre as causas e as consciências
Não basta olhar apenas para um ponto no infinito, a verdade está distribuída
um pouco em cada espécie e elemento da natureza. As causas invencíveis
serão àquelas que tiverem capacidade de interligar os vários tipos de
consciências: política, ecológica, estética, agrícola, artística, medicinal,
pedagógica etc.
As causas da defesa e da resistência tornam-se cada vez mais comuns. O
capital afeta a autonomia da vida na medida em que privatiza para
individualizar a apropriação das coisas.
Quanto menos social forem as causas, mais opressão e desrespeito aos
direitos da maioria.
As formas de luta devem estar combinadas com o caráter das diversas
causas políticas e sociais em desenvolvimento no mundo. As minorias locais
tornam-se maioria quando se articulam universalmente.
No caso específico do campo, sem se desviar da exigência da realização da
reforma agrária, os protestos devem se estender para questões pontuais que
sejam contrários à lógica do projeto de libertação de 80% da população pobre
do mundo.
Todos os movimentos sociais existentes no campo, devem ser incentivados
a lutar por um programa de reforma agrária comum, que ajude a construir
este novo projeto com os movimentos e organizações urbanas.
Com a política de globalização econômica do imperialismo, os problemas se
tornam cada vez mais comuns, não importa se residam no campo brasileiro
ou na cidade, em Lima no Peru.
O capital requer cada vez mais lucro e o ser humano se torna cada vez mais
descartável, como os objetos que se desfazem em lixo.
Esta diretriz de interligação entre as causas e as consciências, despertarão a
humildade, sensibilidade anti-sectária com os valores fundamentais para as
alianças entre os explorados. Ninguém é portador absoluto da verdade, por
isso precisamos lutar para saber se as idéias estão corretas. O triunfo apenas
econômico, das lutas reinvindicatórias não é o suficiente para garantir o bem
estar das futuras gerações. Isto porque, o que é conseguido isoladamente
perde-se também isoladamente.
O capital e a classe dominante nacional e mundial, jamais assumirão
compromisso com as futuras gerações. Isto porque, o capital vive do presente
e espera pelo futuro para explorar ainda mais. Somente as grandes potências
mundiais são responsáveis por 80% da poluição do planeta e não estão nada
preocupadas com as consequências futuras.
Os pobres e explorados vivem no presente preparando o futuro, por isso ele
será com certeza vitorioso.

2o – Trabalho e respeito na convivência


A organização do trabalho deve ir além da geração de renda, extraída dos
diferentes ramos de produção, extinguindo a ociosidade. Deve criar uma nova
identidade de seres sociais, políticos e humanos, combinada com a
organização da convivência com as demais espécies.
As relações de produção educam e organizam as pessoas no caminho de um
sistema social diferente. Trabalhar e conviver, se constitui em uma
combinação de respeito com identidade. Ser significa existir. Existe
harmoniosamente quem possui identidade e respeita a identidade dos outros.
A identidade Sem Terra, deve significar algo diferente na convivência social.
A pronúncia das palavras devem projetar imagens que simbolizem a
produção de uma nova existência através de novas relações.
Mas a convivência não pode estar apenas relacionada ao gueto localizado,
deve abrir-se para a sociedade, estabelecendo com ela relações afetivas e
de compromisso. O trabalho neste caso, assume caraterísticas voluntárias e
solidárias dentro e ao redor das Comunidades Camponesas.
A convivência deve cada vez mais estender-se dentro da área geográfica.
Não podemos aceitar a idéia imposta pelo Estado, que área de reforma
agrária é uma ilha. Ao contrário, devemos encarar estas como criação de
Comunidades Camponesas, que se abrem para os demais habitantes,
humanos, animais e vegetais do campo, para estender a eles as conquistas,
os conhecimentos, as invenções, os programas e o projeto de sociedade
futura.
O trabalho voluntário, deve ampliar-se para a esfera, política, educativa e de
saúde em busca da construção de alternativas, de superação de entraves
que impedem o desenvolvimento da vida.
É dentro desta compreensão que se justifica a idéia do popular para o novo
projeto. Assim a Escola deve ser pública mas popular, porque a população à
assume e participa dela. A saúde deve ser pública, mas popular. Os créditos
devem ser públicos mas populares; contrapondo-se a elite que sempre usou
do Estado para financiar seus investimentos. O mercado deve ser público e
popular etc. O povo deve assumir através de conselhos, núcleos e brigadas,
o controle de todas as iniciativas e transformá-las em base da construção de
um novo projeto, através de novas relações de trabalho e de convivência
social. É a criação de uma nova superestrutura social, em confronto com a
superestrutura do estado burguês.
A convivência somente será igualitária no dia em que as pessoas
descobrirem a importância de cada espécie para manter o equilíbrio
ecológico. Aí saberemos que as ervas queimadas serviriam para fazer
remédios. As árvores servem para manter a umidade do ar e a temperatura
estável, os urubus e os gaviões para manter a limpeza da terra e do ar. As
minhocas para perfurar o solo e produzir húmus para enriquecer o solo
enfraquecido etc.
Viver portanto se torna um dever e não apenas um prazer temporário.
3o – Cooperação e organização política
A cooperação deve estar voltada para atingir objetivos políticos acima dos
objetivos econômicos. É a ciência da colaboração organizada.
Os produtos produzidos desta forma, passam ter um sentido ideológico e
cumprem função política, ao serem comercializados no espaço social.
É o que fazem as grandes empresas com os produtos importados, porém
alienando. Influem no mercado, mas também no comportamento, nos hábitos
e na linguagem que estabelecem através dos nomes dos objetos que se
movem no mercado.
As cores que embalam os produtos, reafirmam a ideologia da reforma agrária
ou do dono do produto.
A cooperação deve combinar-se com as diferentes necessidades humanas,
sejam na esfera econômica, política, cultural, artística, educacional etc.
Novamente reaparece a solidariedade de classe como referência. A luta
política alcança seus objetivos quando a solidariedade se manifesta através
de gestos concretos em defesa dos interesses de classe.
A defesa da reforma agrária, se dará na medida em que a cooperação política
e solidária for estabelecida com os demais setores da sociedade. Chegará o
dia que a simples opinião favorável não terá mais efeito, para defender as
idéias e as práticas contra da repressão. Será preciso o envolvimento direto
e concreto.
A anomia dos movimentos sociais não pode ser eterna. Em cada espaço
social há um mastro a espera de uma bandeira. Basta compreender que a
dignidade é fruto da ousadia de buscá-la e mantê-la viva.

4o – Desenvolvimento e coerência
Não pode haver desenvolvimento sem coerência com aquilo que
acreditamos. Aqui entra o projeto de revolução cultural que, em nosso caso,
prepara a revolução social e política.
Uma sociedade ou comunidade, não pode se desenvolver para alienar as
pessoas, afastando-as das decisões e do destino dos objetos que produzem.
Quando isto ocorre, as pessoas perdem o controle sobre o seu próprio futuro.
É preciso elevar a consciência de todas as pessoas para que compreendam
o que está sendo edificado. Porque se edifica desta forma e não de outra.
O assentamento passa ser uma trincheira de resistência cultural, quando
edifica em si, o monumento da coerência histórica e moral dos que lutaram.
Ali o imperialismo pode entrar como imagem, mas nunca conseguirá
transformar-se em ideologia.
O desenvolvimento social modificará os hábitos, as práticas, as idéias e os
valores, constituindo-se uma nova consciência em torno do papel do ser
humano no universo, e sua relação com as demais obrigações sociais.
Os avanços tecnológicos corretamente desenvolvidos, servirão para facilitar
a relação de gênero e para diminuir e eliminar os preconceitos.
Coerente é aquele que consegue andar sem disfarçar os rastros que deixa
pelo caminho. Evita equivocar-se simplesmente para matar curiosidades e
não brinca com o destino daqueles que caminham em busca do suficiente
para viver. Nem mais nem menos do que o necessário.
Os valores de um povo novo, desenvolvem-se a cada passo, não inventa-se
o caminho apenas emprega-se esforço para fazê-lo acontecer.
A coerência terá combinar idéias, práticas e valores sem obstruir o direito da
vida acontecer e se manifestar no verde das folhas, no vermelho das flores e
das bandeiras, no canto do povo e nas asas dos pássaros.

5o – Imaginação e disponibilidade
Somente teremos condições de criarmos novas relações no campo se as
pessoas aprenderem a antecipar o que querem no futuro, através da
imaginação e fazerem isto acontecer através da disponibilidade.
As crianças devem tentar construir suas fantasias através do trabalho
educativo. Os jovens devem imaginar e criar formas que elevem o nível
cultural, e os adultos possam servir de exemplo de edificação anteriormente
sonhados.
Estas duas características ( imaginação e disponibilidade) alimentam a
mística e darão às organizações populares, maior qualidade e consistência.
A construção do imaginado é dolorosa quando não depende apenas de nossa
vontade. Mas é preciso imaginar e dispor-se a realizar.
A disponibilidade leva-nos a perder oportunidades de acompanhar o soletrar
das primeiras palavras e ensaiar os primeiros passos de nossos filhos, mas
é sinal que o egoísmo está sendo combatido através do desapego da própria
comodidade, para contribuir com o crescimento de outras lutas e ações que
envolvem muito mais pessoas do que nossa simples família.
Disponibilidade é sujeitar-se a trocar o colchão e os cobertores macios, para
esticar as lonas frias antes de estender as esteiras para plantar a semente do
conflito que leva a libertação da terra.
Disponibilidade é sonhar e partir em busca de cada sonho, para não deixá-
los adormecer.
Sonhar não cansa.. O que cansa é sonhar e duvidar dos próprios sonhos.
Pissarev, citado por Lenin afirmou que “...Meu sonho pode ultrapassar o curso
natural dos acontecimentos, ou desviar-se para uma direção onde o curso
natural dos acontecimentos jamais poderá conduzir. No primeiro caso, o
sonho não produz nenhum mal; pode até sustentar e reforçar a energia do
trabalhador... Em tais sonhos, nada pode corromper ou paralisar a força de
trabalho. Ao contrário. Se o homem fosse completamente desprovido da
faculdade de sonhar assim, se não pudesse de vez em quando adiantar o
presente e contemplar a imaginação o quadro lógico e inteiramente acabado
da obra que apenas esboça em suas mãos, eu não poderia decididamente
compreender o que levaria o homem a empreender e realizar vastos e
fatigantes trabalhos na arte, na ciência e na vida prática... O desacordo entre
o sonho e a realidade nada tem de nocivo se, cada vez que sonha, o homem
acredita seriamente em seu sonho, se observa atentamente a vida, compara
suas observações com seus castelos no ar e, de uma forma geral, trabalha
conscientemente para a realização de seu sonho. Quando existe contato
entre o sonho e a vida, tudo vai bem”[17].
Nossa tarefa primeira é sonhar, sem medo de levar o sonho presente até o
futuro, e deixá-lo lá descansando, até o dia em que o futuro se tornar
presente, com grande parte do que sonhamos realizado.

[1] Parte do livro de Ademar Bogo: “Um povo feito de terra”, Bahia, 2001.
[2] Adolfo Sánchez Vásquez; Ética. RJ 1996. P. 8
[3] Idem. P.12
[4] Karl Marx. O Capital. Livro I. Vol. I. RJ 1996. P.204
[5] Ma. Lúcia de Arruda Aranha e Ma Helena Pires Martins. Filosofando:
Introdução a filosofia, SP 1996 p. 274
[6] Fragmon Carlos Borges. Origens Históricas da Propriedade da Terra. In
Brasil: A Questão Agrária. SP !980, p. 6
[7] Jung Mo Sung e Josué Cândido da Silva. Conversando Sobre Ética e
Sociedade 1995 p. 42
[8] Revolução Verde. É chamada assim as mudanças tecnológicas
introjetadas na agricultura brasileira com orientação norte-americana na
década principalmente a partir da década de 70 aqui no Brasil, onde se
incentivou o uso de máquinas, venenos e adubos químicos para aumentar a
produtividade na agricultura.
[9] Frei Sérgio Görgen, ofm. Riscos dos Transgênicos. Petrópolis. 2000 p. 18.
[10] Seixas, Raul/ Coelho Paulo/ Motta Marcelo,. Música Tente Outra Vez.
[11] Domenico de Masi. Entrevista Maria S. Palieri : O Ócio Criativo. Sextante
2a Edição RJ. 2000. P. 36
[12] Jung Mo Sung e Josué C. da Slva. Vozes Petrópolis. 1995 p. 88.
[13] Idem
[14] Ibidem
[15] Emir Sader. O Anjo Torto: Esquerda ( e direita) no Brasil. Editora
Brasiliense. SP. 1995 . p. 13,14
[16] Leonardo Boff. O ecocídio e o Biocídio. In 7 Pecados do Capital.
Record.SP.RJ. 1999. P. 42
[17] V. I. Lênin. Que Fazer? Hucite SP. 1986. P.133

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