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Marilena Chauí
46a. Reunião da SBPC - Vitória
1. Ética e Moral
Normalmente, identificamos ética e moral. A primeira vem do grego, ethos, e
a segunda do latim, mores, significando os costumes estabelecidos por uma
sociedade como normas, regras e valores que determinam o comportamento
de seus membros. Todavia, sob outro aspecto, os dois conceitos se referem
a realidades diferentes quando consideramos uma outra palavra grega, cuja
grafia é diferente da já mencionada, embora para nós, seja lida da mesma
maneira: ethos, significando agora, caráter, índole, temperamento,
disposição física e psíquica individual.
O ethos é a maneira pela qual um indivíduo realiza sua natureza própria e,
nesta acepção, a ética refere-se à educação do caráter dos indivíduos em
vista da felicidade, da vida justa e livre que, para os gregos só era possível
como vida política. A moral refere-se, portanto, ao comportamento normativo
cujas normas foram definidas externamente ao indivíduo, pela sociedade. A
ética ao comportamento autônomo do indivíduo como capaz de desejar e
alcançar racionalmente o bem, a felicidade. Assim, a moral impõe, do exterior,
as regras do comportamento e da ação, além de definir sanções para a
prática desviante. A ética supõe um sujeito racional e livre, capaz de, por si
mesmo, estabelecer valores e respeitá-los.
Apesar da diferença entre ética e moral, três pontos são comuns a ambas:
a) A causa de seu aparecimento: tanto num como noutro, a prática da ética e
o comportamento moral se definem pela disposição do indivíduo (no caso da
ética) e da sociedade (no caso da moral) de colocar um término à violência.
Fundamentalmente, a violência é a ação pela qual violamos a natureza ou a
essência de um outro ser, impondo-lhe pela força física, pela coação psíquica
ou por ambas aquilo que lhe é contrário, forçando-o a sentir, pensar, dizer e
fazer o oposto daquilo que, por sua própria natureza, sente, pensa, diz ou faz.
No caso dos seres humanos, parte-se da idéia de que são seres sensíveis,
racionais, dotados de consciência e vontade, capazes de liberação, escolha
e decisão, isto é, são sujeitos.
A violência portanto, consiste em tratar um sujeito humano como se fosse
coisa ou objeto, isto é, como insensível, irracional, inconsciente, desprovido
de vontade e de capacidade para deliberar, escolher e decidir. Coisificar ou
reificar um ser humano é violência e, portanto, imoralidade e ausência de
ética. Eis porque os filósofos, primeiro, e os teólogos cristãos, depois, tiveram
sempre enorme dificuldade para demonstrar a legitimidade da escravidão e
da servidão.
b) Pelo seu campo de realização: tanto uma como outra constituem o campo
da práxis,
isto é, de uma ação que encontra no próprio agente as capacidades, a
disposição e a aptidão para praticar uma ação que encontra nela mesma sua
própria finalidade. Em outras palavras, na práxis, o agente, o ato e a finalidade
da ação são uma só e a mesma coisa.
c) pela sua diferença com a relação aos conhecimentos teóricos e às práticas
técnicas: a teoria visa à explicação (seja por meio de descrições, seja por
meio de construções intelectuais) de uma realidade, enquanto a ética visa à
ação subjetiva e intersubjetiva segundo valores; a técnica é uma ação regida
pelas idéias de utilidade e eficácia, de uma ação instrumental para alcançar
certos fins, enquanto a ética é uma relação intersubjetiva não-instrumental.
Em outras palavras, teoria e técnica operam no campo do necessário,
enquanto práxis ética opera no campo do possível, isto é, do que poderá ser
diferente do que é, graças à ação dos humanos.
Habermas afirma que os seres humanos são capazes de três tipos de
atividades racionais: a atividade instrumental, que é nossa relação com o
mundo dos objetos naturais e artificiais, ou técnico-tecnológicos; a atividade
estratégica, que é nossa relação com o mundo do poder-político ou militar e
a atividade comunicativa, que é a relação dos seres humanos em busca de
compreensão recíproca, para chegar ao entendimento e ao consenso.
A ética seria a ação comunicativa por excelência, tendo como pré-condição:
1. A disposição verdadeira dos interlocutores de não mentir e sempre dizer a
verdade; 2. A disposição sincera dos interlocutores de ouvirem-se uns aos
outros, sem usar a violência; 3. A disposição sincera dos interlocutores de
serem imparciais, aceitando mudar de opinião e de posição quando
reconhecem que a opinião ou posição alheias são mais verdadeiras, mais
corretas ou mais justas do que as suas.
4. Neoliberalismo e Pós-modernismo
O neoliberalismo, ao afirmar que os imperativos do mercado são racionais e
que, por si mesmos, são capazes de organizar a vida econômica, social e
política introduz a idéia de competição e competitividade como solo
intransponível das relações sociais, políticas e individuais. Desta maneira,
transforma a violência econômica em modelo da ação humana e destrói toda
possibilidade da ética.
O pós-modernismo, ideologia do capitalismo neoliberal, ao afirmar que as
antigas idéias de razão, universalidade, consciência, liberdade, sentido da
história, da luta de classes, justiça, responsabilidade e que as distinções entre
Natureza e Cultura, público e privado, ciência e técnica, subjetividade e
objetividade perderam a validade, passaram a afirmar como realidades
únicas e últimas a superfície veloz do aparecer social, a intimidade e a
privacidade narcísicas, expostas publicamente sob a forma da propaganda e
da publicidade, a competição e a vitória individual a qualquer preço.
O neoliberalismo, fragmentando e dispersando a esfera da produção, por
meio da terceirização, usando a velocidade das mudanças científicas,
tecnológicas e dos meios de informação, operando com o desemprego e a
inflação estruturais, fez com que o capital passasse a acumular-se de modo
oposto à forma clássica, isto é, não por absorção e incorporação crescente
dos indivíduos e grupos ao mercado de trabalho e do consumo, mas por meio
da exclusão crescente da maioria da sociedade, polarizando-a em dois
grandes blocos: o da carência absoluta e o do privilégio absoluto.
O pós-modernismo, aceitando os efeitos do neoliberalismo, tomou-os como
verdade única e última, renunciou aos conceitos modernos de racionalidade,
liberdade, felicidade, justiça e utopia, mergulhando no instante presente como
tempo único e último.
A este quadro é preciso acrescentar um aspecto que nos diz diretamente
respeito : as mudanças nas ciências e nas tecnologias.
A ciência antiga definia-se como teoria, isto é, para usarmos a expressão de
Aristóteles, estudava aquela realidade que independe de toda ação e
intervenção humanas. A ciência moderna, ao contrário, afirmou que a teoria
tinha como finalidade abrir o caminho para que os humanos se tornassem
senhores da realidade natural e social.
Todavia, a ciência moderna ainda acreditava que a realidade existia em si
mesma, separada do sujeito do conhecimento e que este apenas podia
descrevê-la por meio de leis e agir sobre ela por meio das técnicas. A ciência
contemporânea porém, não contempla nem descreve realidades, mas as
constrói intelectual e experimentalmente nos laboratórios. Os humanos
realizam, hoje, o sonho dos magos da Renascença, isto é, serem deuses
porque capazes de criar a própria realidade.
A essa mudança do estatuto da ciência corresponde a mudança do estatuto
da técnica. Para a ciência antiga, teoria e técnica nada possuíam em comum,
a técnica sendo uma arte para encontrar soluções para problemas comuns
sem qualquer relação com a ciência. A ciência moderna modificou a natureza
dos objetos técnicos porque os transformou em objetos tecnológicos, isto é,
em ciência materializada, de tal maneira que a teoria cria objetos técnicos e
estes agem sobre os conhecimentos teóricos. A ciência contemporânea foi
além ao transformar os objetos técnicos em autônomos, portanto, num
sistema de objetos auto-referidos, auto-regulados e dotados de lógica própria,
capazes de intervir não só sobre teorias e práticas, mas sobre a organização
social e política.
Como sabemos, a ciência e a técnica contemporâneas tornaram-se forças
produtivas e trouxeram um crescimento brutal do poderio humano sobre o
todo da realidade que, afinal, é construída pelos próprios homens. As
tecnologias biológicas, nucleares, cibernéticas e de informação revelam a
capacidade humana para um controle total sobre a natureza, a sociedade e
a cultura. Controle que não sendo puramente intelectual, mas determinado
pelos poderes econômicos e políticos, pode ameaçar todo o planeta.
Ora, filósofos e cientistas antigos e modernos haviam apostado nos
conhecimentos como fontes liberadoras para os seres humanos: seriam
liberados do medo e da superstição, das ciências impostas por uma natureza
hostil, e sobretudo do medo da morte, graças aos avanços das ciências, das
técnicas e de uma política capaz de deter as guerras.
A ciência e a tecnologia contemporâneas, submetidas à lógica pós-moderna,
parecem haver-se tornado o contrário do que delas se esperava: em lugar de
fonte de conhecimento contra as superstições, criaram a ciência e a
tecnologia como novos mitos e magias; em lugar de fonte libertadora das
carências naturais e cerceamento de guerras, tornaram-se, através do
complexo industrial-militar, causas de carências e genocídios.
Surgem como poderes desconhecidos, incontroláveis, geradores de medo e
de violência, negando a possibilidade da ação ética como racionalidade
consciente, voluntária, livre e responsável, sobretudo porque operam sob a
forma de segredo (o controle das informações como segredos de Estado e
dos oligopólios transnacionais) e da desinformação propiciada pelos meios
de comunicação de massa.
4o – Desenvolvimento e coerência
Não pode haver desenvolvimento sem coerência com aquilo que
acreditamos. Aqui entra o projeto de revolução cultural que, em nosso caso,
prepara a revolução social e política.
Uma sociedade ou comunidade, não pode se desenvolver para alienar as
pessoas, afastando-as das decisões e do destino dos objetos que produzem.
Quando isto ocorre, as pessoas perdem o controle sobre o seu próprio futuro.
É preciso elevar a consciência de todas as pessoas para que compreendam
o que está sendo edificado. Porque se edifica desta forma e não de outra.
O assentamento passa ser uma trincheira de resistência cultural, quando
edifica em si, o monumento da coerência histórica e moral dos que lutaram.
Ali o imperialismo pode entrar como imagem, mas nunca conseguirá
transformar-se em ideologia.
O desenvolvimento social modificará os hábitos, as práticas, as idéias e os
valores, constituindo-se uma nova consciência em torno do papel do ser
humano no universo, e sua relação com as demais obrigações sociais.
Os avanços tecnológicos corretamente desenvolvidos, servirão para facilitar
a relação de gênero e para diminuir e eliminar os preconceitos.
Coerente é aquele que consegue andar sem disfarçar os rastros que deixa
pelo caminho. Evita equivocar-se simplesmente para matar curiosidades e
não brinca com o destino daqueles que caminham em busca do suficiente
para viver. Nem mais nem menos do que o necessário.
Os valores de um povo novo, desenvolvem-se a cada passo, não inventa-se
o caminho apenas emprega-se esforço para fazê-lo acontecer.
A coerência terá combinar idéias, práticas e valores sem obstruir o direito da
vida acontecer e se manifestar no verde das folhas, no vermelho das flores e
das bandeiras, no canto do povo e nas asas dos pássaros.
5o – Imaginação e disponibilidade
Somente teremos condições de criarmos novas relações no campo se as
pessoas aprenderem a antecipar o que querem no futuro, através da
imaginação e fazerem isto acontecer através da disponibilidade.
As crianças devem tentar construir suas fantasias através do trabalho
educativo. Os jovens devem imaginar e criar formas que elevem o nível
cultural, e os adultos possam servir de exemplo de edificação anteriormente
sonhados.
Estas duas características ( imaginação e disponibilidade) alimentam a
mística e darão às organizações populares, maior qualidade e consistência.
A construção do imaginado é dolorosa quando não depende apenas de nossa
vontade. Mas é preciso imaginar e dispor-se a realizar.
A disponibilidade leva-nos a perder oportunidades de acompanhar o soletrar
das primeiras palavras e ensaiar os primeiros passos de nossos filhos, mas
é sinal que o egoísmo está sendo combatido através do desapego da própria
comodidade, para contribuir com o crescimento de outras lutas e ações que
envolvem muito mais pessoas do que nossa simples família.
Disponibilidade é sujeitar-se a trocar o colchão e os cobertores macios, para
esticar as lonas frias antes de estender as esteiras para plantar a semente do
conflito que leva a libertação da terra.
Disponibilidade é sonhar e partir em busca de cada sonho, para não deixá-
los adormecer.
Sonhar não cansa.. O que cansa é sonhar e duvidar dos próprios sonhos.
Pissarev, citado por Lenin afirmou que “...Meu sonho pode ultrapassar o curso
natural dos acontecimentos, ou desviar-se para uma direção onde o curso
natural dos acontecimentos jamais poderá conduzir. No primeiro caso, o
sonho não produz nenhum mal; pode até sustentar e reforçar a energia do
trabalhador... Em tais sonhos, nada pode corromper ou paralisar a força de
trabalho. Ao contrário. Se o homem fosse completamente desprovido da
faculdade de sonhar assim, se não pudesse de vez em quando adiantar o
presente e contemplar a imaginação o quadro lógico e inteiramente acabado
da obra que apenas esboça em suas mãos, eu não poderia decididamente
compreender o que levaria o homem a empreender e realizar vastos e
fatigantes trabalhos na arte, na ciência e na vida prática... O desacordo entre
o sonho e a realidade nada tem de nocivo se, cada vez que sonha, o homem
acredita seriamente em seu sonho, se observa atentamente a vida, compara
suas observações com seus castelos no ar e, de uma forma geral, trabalha
conscientemente para a realização de seu sonho. Quando existe contato
entre o sonho e a vida, tudo vai bem”[17].
Nossa tarefa primeira é sonhar, sem medo de levar o sonho presente até o
futuro, e deixá-lo lá descansando, até o dia em que o futuro se tornar
presente, com grande parte do que sonhamos realizado.
[1] Parte do livro de Ademar Bogo: “Um povo feito de terra”, Bahia, 2001.
[2] Adolfo Sánchez Vásquez; Ética. RJ 1996. P. 8
[3] Idem. P.12
[4] Karl Marx. O Capital. Livro I. Vol. I. RJ 1996. P.204
[5] Ma. Lúcia de Arruda Aranha e Ma Helena Pires Martins. Filosofando:
Introdução a filosofia, SP 1996 p. 274
[6] Fragmon Carlos Borges. Origens Históricas da Propriedade da Terra. In
Brasil: A Questão Agrária. SP !980, p. 6
[7] Jung Mo Sung e Josué Cândido da Silva. Conversando Sobre Ética e
Sociedade 1995 p. 42
[8] Revolução Verde. É chamada assim as mudanças tecnológicas
introjetadas na agricultura brasileira com orientação norte-americana na
década principalmente a partir da década de 70 aqui no Brasil, onde se
incentivou o uso de máquinas, venenos e adubos químicos para aumentar a
produtividade na agricultura.
[9] Frei Sérgio Görgen, ofm. Riscos dos Transgênicos. Petrópolis. 2000 p. 18.
[10] Seixas, Raul/ Coelho Paulo/ Motta Marcelo,. Música Tente Outra Vez.
[11] Domenico de Masi. Entrevista Maria S. Palieri : O Ócio Criativo. Sextante
2a Edição RJ. 2000. P. 36
[12] Jung Mo Sung e Josué C. da Slva. Vozes Petrópolis. 1995 p. 88.
[13] Idem
[14] Ibidem
[15] Emir Sader. O Anjo Torto: Esquerda ( e direita) no Brasil. Editora
Brasiliense. SP. 1995 . p. 13,14
[16] Leonardo Boff. O ecocídio e o Biocídio. In 7 Pecados do Capital.
Record.SP.RJ. 1999. P. 42
[17] V. I. Lênin. Que Fazer? Hucite SP. 1986. P.133