Apesar do título deste capítulo se referir a uma visão
histórico-filosófica do conhecimento psicológico, é importante esclarecer o seguinte: • Não é possível se estabelecer relações exatas de correspondência entre as diversas teorias psicológicas existentes e os pressupostos filosóficos a elas subjacentes, uma vez que se depara, neste contexto, com um complexo de noções irredutíveis entre si. • Por outro lado, é também impossível se concluir por uma linearidade na história da Psicologia, já que a diversidade teórica que se instalou neste campo de conhecimento, quase que simultaneamente, não permite falar de evolução de uma para outra teoria, mas de oscilações entre uma e outra teoria, em consonância com a sua base epistemológica e com as circunstâncias socioculturais dos países nos quais emergiram. Isto significa que as teorias psicológicas produzidas não estão fundadas nos mesmos pressupostos, o que faz com que cada uma delas tenha seguido o seu próprio curso de desenvolvimento. Daí, alguns autores se referirem, em função da persistência desta diversidade e apesar do surgimento de esforços de unificação, não a uma história da Psicologia, mas às várias histórias da Psicologia. O que esta introdução pretende, portanto, é mostrar que a Psicologia, a exemplo do que ocorreu com as demais ciências, teve como berço os conhecimentos filosóficos que buscavam, ao longo dos séculos, explicar os fenômenos do universo e a própria natureza humana. Essas explicações deram origem aos principais eixos epistemológicos que embasam, uns mais outros menos, as várias teorias psicológicas da atualidade. Os primórdios da construção do conhecimento sobre o psiquismo humano datam de época tão remota que coincidem com as primeiras manifestações do homem em tentar compreender o meio circundante, meio definido pelas coordenadas de espaço e tempo. O homem primitivo, por não possuir noções naturalistas acerca dos acontecimentos de seu meio e de si próprio, atribuía às forças superiores e externas o controle e a dinâmica dos eventos. Da mesma maneira que interpretava os acontecimentos do meio ambiente sob uma perspectiva animista e antropomórfica, explicava o comportamento humano através da mística, da religião e da superstição, sem se ater a uma reflexão crítica. Esta perspectiva antropomórfica e animista é que fez com que o sol, a lua, a terra, os animais, as plantas, da mesma maneira que as emoções, o pensamento e as ações humanas fossem interpretados como decorrentes de forças exteriores, dos deuses, de espíritos e correlates. Os gregos da antiguidade, por exemplo, acreditavam que as moiras, divindades da mitologia grega, dirigiam o movimento das esferas celestes, organizavam a harmonia do mundo, assim como determinavam a sorte dos homens. Uma das moiras, Cloto, fiava e tecia os destinos dos mortais. Laquesis punha o fio no fuso, e Átropos cortava, impiedosamente, o fio que media a vida de cada indivíduo. Tanto os eventos do meio ambiente, quanto a ação e o comportamento humano, neste mito, são ligados aos desígnios dos deuses e, portanto, fora do controle das pessoas. Esta visão mítica e supersticiosa do mundo e do comportamento humano difere grandemente da visão filosófica. Enquanto no mito e na superstição não existem categorias de análise logicamente sistematizadas, sendo o conhecimento, daí advindo, parcial, assistemático e emocional, o conhecimento filosófico é organizado de modo racional e lógico. O conhecimento filosófico se desenvolveu na história ocidental, a partir do século VI a.C. com o advento da filosofia grega. Uma das características mais marcantes desta outra maneira de construir conhecimentos é a utilização da razão lógica, através de demonstrações e argumentações, como método de análise. O esforço da filosofia grega dirigiu-se para uma explicação racional de mundo: do mundo da natureza, do mundo do espírito, do mundo da arte, do mundo da técnica e do mundo da política. No primeiro período da filosofia grega, denominado pré- socrático, o interesse dos pensadores se dirigia mais para a natureza ou cosmos, uma vez que procuravam a causa ou o princípio primordial do mundo. Acreditavam que este princípio das coisas estaria no interior da própria coisa e não fora dela, a exemplo dos mitos, que dependiam da vontade dos deuses. A partir do segundo período da filosofia grega, o interesse se desloca do cosmos para o homem. Os filósofos buscam compreender o homem em suas relações com o mundo. Sócrates (480-399 a.C), Platão (429-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) procuravam entender, entre outras questões, a origem do conhecimento, a diferença entre os homens, a moral, a virtude, o bem e o mal, a liberdade, o conteúdo da mente humana, as emoções, o corpo e o espírito, o estado e as classes sociais, a organização da educação, as categorias da logicidade, a consciência. O terceiro e o quarto períodos da filosofia grega se voltaram para os problemas morais e religiosos, respectivamente. Apesar de nos limitarmos à abordagem de alguns poucos filósofos da antiguidade e da modernidade, inúmeros outros pensadores podem ser tomados como referência, para a compreensão da história da Psicologia em uma perspectiva filosófica. O pensamento grego e mais tarde o greco-romano dominaram o mundo até, aproximadamente, o século V da nossa era. Com a queda do império romano por ocasião das invasões bárbaras e com o consequente desaparecimento dos centros culturais e políticos, houve profundas mudanças na construção, acumulação e divulgação do conhecimento acerca do meio ambiente e sobre o homem e seu comportamento. Enquanto os gregos davam ênfase primordial à razão como condição de conhecimento, a Idade Média submete a razão à fé. Nesta perspectiva, o verdadeiro conhecimento é o conhecimento revelado. E as questões sobre o meio ambiente e sobre o homem já estavam respondidas, de acordo com esta perspectiva de conhecimento, nas Escrituras Sagradas. Nos dez séculos de Idade Média, onde há o predomínio do pensamento judaico-cristão, não se tem notícia de avanços significativos na construção do conhecimento do meio e do homem em suas relações com o mundo, numa perspectiva mais objetiva e pragmática, uma vez que o pensamento medieval manteve-se mais preocupado com a alma e sua salvação. Por volta de 1500/1600, inicia-se uma época crítica de grandes conflitos sociais, econômicos, políticos, religiosos, filosóficos e artísticos, determinados por profundas mudanças em todos os aspectos da vida medieval: volta aos ideais gregos humanistas em que o homem é o centro do saber, em contraposição à visão teocêntrica de mundo; fortalecimento do poder dos reis em detrimento do poder do senhor feudal; mudança nas relações de produção, com o surgimento da burguesia como ciasse social; desenvolvimento de inúmeras interpretações para as Escrituras, como o protestantismo e o calvinismo; mudança da visão geocêntrica para heliocêntrica e, consequente me n te, a construção do conceito de universo infinito, aberto no tempo e no espaço; alargamento das fronteiras do mundo pelos grandes descobrimentos e as grandes invenções; valorização do saber prático e naturalista em lugar do saber contemplativo e revelado. Assim, em dois séculos, aproximadamente, mudanças radicais ocorreram na maneira de descrever o mundo, nos modos de pensar, nas relações sociais, políticas e econômicas, nas relações religiosas, nas artes e nos valores. É o advento da era moderna na história da civilização ocidental. A construção do conhecimento do meio ambiente tem, na Renascença, sua maior expressão em Galileu Galilei (1564-1642), que fundamenta o conhecimento na experiência. Constrói o método científico baseado na observação, na formulação de hipóteses, na experimentação com a consequente formulação de leis. Galileu utiliza seu método de base indutiva para a compreensão dos fenômenos da natureza e desvendamento de suas leis, em substituição a uma abordagem metafísica que busca descobrir a essência imutável das coisas. A ciência galileana é ativa, com explicações quantitativas e mecanistas de causa e efeito, segundo leis necessárias e universais, Galileu é considerado o pai da revolução científica, pois foi o primeiro a combinar a experimentação científica com a linguagem matemática. O procedimento metodológico indutivo usado por Galileu é formalizado por Francis Bacon (1561-1626) que lança as bases lógicas de uma nova ciência que deveria dar ao homem o domínio da realidade. A obra iniciada por Galileu e Bacon teve em Descartes (1596- 1649) um eminente continuador que definiu os rumos a serem tomados na construção do conhecimento da natureza e do comportamento humano. Ele é considerado o fundador da filosofia moderna e do racionalismo. Descartes rompe efetivamente com o ideal medieval do conhecimento pela fé e resgata o sujeito conhecedor e o método racionalista como o verdadeiro método de construção de conhecimento. Em decorrência das mudanças profundas que estavam ocorrendo em sua época, mudanças essas já citadas nos parágrafos anteriores, Descartes coloca todo o conhecimento passado sob suspeição. Critica todos os conhecimentos fundados na tradição, na fé, nas Escrituras ou mesmo nos órgãos de sentido que, segundo ele, não são capazes de revelar o conhecimento verdadeiro. Descartes instaura a dúvida metódica ou dúvida organizada, que procura fazer a crítica a todo conhecimento até então construído, seja da natureza ou do homem. A dúvida metódica duvida de todo o conjunto dos conhecimentos medievais, eliminando os "a priores" e destruindo os dogmas. Pretende chegar a uma primeira verdade da qual não se possa duvidar, ou a um ponto fixo a partir do qual seja possível pensar e agir. Analisando a dúvida, Descartes descobre: não se pode duvidar sem pensar. Portanto, o pensamento é a essência da natureza humana. O pensamento é o ponto de partida para o conhecimento, e todas as coisas que concebemos peio pensamento claro e distinto são verdadeiras. Para assegurar a consistência do conhecimento, Descartes enfatiza o método. O método cartesiano é analítico, porque consiste em decompor os problemas em suas partes constituintes e organizá-las em sua ordem lógica. A decomposição dos problemas tomou-se uma característica essencial da ciência moderna, pois acredita-se que todo e qualquer evento possa ser compreendido, se reduzido às suas partes. Além da ênfase no método, ou seja, na organização do conhecimento. Descartes diz haver no mundo três substâncias: uma substância pensante (res cogitans) - alma; uma substância material (res extensa) - o corpo; e uma substância infinita, ou seja, Deus. No pensamento medieval e mesmo no pensamento greco-romano, admitia-se uma pluralidade infinita de substâncias, pois definia- se substância como toda realidade capaz de existir ou subsistir por si mesma. Assim, cada animal diferente, cada vegetal, cada mineral ou cada indivíduo era formado por uma substância diferente. Com Descartes, há uma simplificação grande neste conceito, pois a extensão torna-se o atributo definidor de toda a matéria; o pensamento é o atributo definidor da alma, e o infinito como Deus, o incriado. A tricotomia cartesiana – alma, corpo, Deus – define os rumos do desenvolvimento da Psicologia e das outras ciências, até os tempos atuais. A divisão entre mente e matéria trouxe consequências importantes para a construção do conhecimento do ambiente e do homem. Para Descartes, o universo material é uma máquina perfeita, porque funciona segundo leis mecânicas e matemáticas e pode ser explicado em função da organização e do desenvolvimento de suas partes. O mundo de Descartes é um mundo de pontos, linhas, ângulos, esferas que estão em movimento. A ciência moderna parte deste mundo de realidade quantitativa, deixando de lado a qualidade que deve ser sempre transformada em quantidade. Esta quantidade deve ser tratada matematicamente, pelos recursos da geometria analítica, pelo cálculo diferencial e integral e outros cálculos. O mecanicismo do universo tomou-se, então, o paradigma dominante da ciência moderna. As plantas e os animais, como não possuíam alma, de acordo com Descartes, passaram a ser considerados como sendo "simples máquinas" e, portanto, possíveis de serem conhecidos através do mesmo método aplicado aos objetos. A alma, entretanto, deveria ser estudada de maneira diferente do estudo do mundo dos objetos, das plantas e dos animais. Por isto, tomaram rumos ou caminhos diferentes, os construtores do conhecimento do meio ambiente e dos objetos em relação aos construto- ^ rés do conhecimento psicológico ou da alma. Enquanto o conhecimento do meio ambiente galgou os caminhos abertos pela experimentação, iniciando a constituição das ciências da natureza, o conhecimento sobre a alma do homem ainda estava na dependência absoluta dos sistemas filosóficos. A partir de Descartes, dois grandes sistemas filosóficos vão se desenvolvendo – o racionalismo e o empirismo – que, por mais divergentes que fossem, visavam, ambos, libertar o homem da tutela das Escrituras Sagradas e fundamentar novas perspectivas de construção do conhecimento em uma nova ordem social, que já estava causando a desintegração do mundo medieval. Tais sistemas filosóficos são definidores dos pressupostos epistemológicos de muitas das teorias psicológicas no mundo contemporâneo, como: Teorias Maturacionais, Teorias Comportamentistas, Teorias de Campo, entre outras. As perspectivas racionalista e empirista do conhecimento, subjacentes às teorias citadas, floresceram nos séculos XVII e XVIII; ambas preocupadas com o problema do conhecimento e concordantes em que o homem não conhece diretamente as coisas, mas o conhecimento das coisas, a saber, as impressões que os objetos exercem sobre ele mesmo: sobre o seu intelecto (racionalismo) e sobre seus órgãos de sentido (empirismo). O problema fundamental para os filósofos é, nesse momento, explicar o mundo através de sua representação ou através do pensamento. Para isto. o conhecimento do pensamento humano, de como surge, de como se desenvolve e de como se relaciona com o mundo dos objetos, torna- se o ponto central dos sistemas filosóficos. Os racionalistas têm como pressuposto que todo o conhecimento é reduzido à razão, ou seja, que o homem, através da razão, pode chegar ao conhecimento verdadeiro. O conhecimento é gerado pelo homem de dentro para fora, por meio de uma intuição pura que prescinde dos dados do mundo, ou por uma intuição abstrativa que parte dos fatos mas os ultrapassa. Este tipo de conhecimento é considerado como anterior a qualquer experiência e depende de uma programação inata, inerente à razão humana. Nesta perspectiva, a razão humana apresenta-se como um ponto de referência sólido para o conhecimento do meio e do próprio homem, favorecendo a sua libertação dos esquemas religiosos medievais. Para os empiristas, por sua vez. o conhecimento humano enraíza-se nos fatos e acontecimentos do mundo e, por isto, jamais pode atingir a verdade de maneira absoluta e definitiva, como pretendiam os racionalistas. Negam a intuição intelectual e colocam o conhecimento humano na dependência do plano sensível ou empírico. Desta maneira, na explicação da formação da mente humana, consideravam que todo conhecimento, lodo pensamento e todas as ideias são formados a partir das estimulações ambientais, ou seja, de fora para dentro. As sensações são o efeito subjetivo dos objetos do mundo exterior sobre os nossos órgãos de sentido. A associação das sensações (cores, sons, sabores, odores, forma, movimento, etc.) forma a mente do homem que, ao nascer, nada mais é que uma folha de papel em branco. Assim, a mente é formada pelas sensações dos objetos do mundo, e, desta forma, não há ideia ou pensamento inato, como explicavam os racionalistas. A "síntese crítica" do racionalismo e do empirismo é feita por Kant (1724-1804), um dos filósofos alemães mais influentes no pensamento moderno. Para Kant, a inteligência não se limita a receber marcas do ambiente, como uma cera mole, como diziam os empiristas, para os quais os objetos determinavam o sujeito. Nem tão pouco o sujeito determinava os objetos, como queriam os racionalistas. Segundo Kant, a inteligência percebe os objetos por meio do entendimento a priori que se manifesta no momento exato da experiência. Nenhum conhecimento precede a experiência, mas todos os conhecimentos começam com ela. O entendimento, a noção de tempo e espaço, as relações lógico-matemáticas não são propriedades que pertencem às coisas do mundo, mas ao homem e, a priori, são condições para que essas coisas sejam percebidas. Daí a necessidade tanto do a priori da razão quanto da experiência dos sentidos, para ocorrer o conhecimento. Mas, para Kant, os homens não conhecem as coisas em si ou como elas são de verdade, pois somente Deus tem capacidade para isso. Eles conhecem as coisas de acordo com a apreensão de seus sentidos e de seu intelecto que, por natureza, são limitados. Daí, a limitação dos homens em conhecer o mundo. Para haver o conhecimento, a simples experiência sensorial não basta, pois o que o homem conhece é, antes, a ideia que faz da realidade e não a realidade em si. Observa-se que esta é, ainda, uma solução idealista para o problema do conhecimento. Os sistemas filosóficos pós-kantianos se abrem a várias posições que muito influenciaram a constituição da Psicologia contemporânea, dentre as quais se destaca o positivismo. O positivismo surge na segunda metade do século XIX, como uma reação ao apriorismo dos idealistas, da mesma maneira que o empirismo foi uma reação às ideias inatas. O positivismo admite, como sendo a única fonte de conhecimento e o único critério de verdade, os dados sensíveis e os fatos observáveis. Enfatiza a metodologia indutiva, a determinação causal dos fenômenos ou as relações de sucessão destes fenômenos e a elaboração de leis, como protótipo de todo conhecimento verdadeiramente científico. Como as ciências da natureza – a Física, a Astronomia, a Química, a História Natural – vinham se valendo desse tipo de metodologia, por que não submeter o estudo do pensamento humano a essa mesma abordagem? Assim, a construção do conhecimento psicológico é fortemente influenciada, a partir do século XIX, pelo positivismo e, somente a partir daí, a Psicologia se constitui num ramo de conhecimento definido, através de um objeto de estudo delimitado – as atividades psíquicas ou a consciência, ou o comportamento – e através de uma metodologia voltada para uma observação cuidadosa e sistematizada. A partir da influência do positivismo na construção do conhecimento psicológico, a psicologia da alma e do espírito é substituída por uma Psicologia fundada nos dados obtidos pela Neurologia, pela Fisiologia, pela Medicina, pela Psicofísica e pela Biologia que, por esta ocasião, já estavam efetivamente constituídas. A fundação do primeiro laboratório de psicologia experimental, em 1879. Em Leipzig, na Alemanha, por Guilherme Wundt (1832-1920), positivista, mas também crítico do próprio positivismo, é considerada, pela maioria dos historiadores da Psicologia, como o marco formal da emancipação da Psicologia como ciência autônoma. Wundt e seus seguidores estudavam as imagens, os pensamentos e os sentimentos, os três elementos que, na sua opinião, formariam a estrutura da consciência. O método utilizado nesse estudo era o método introspectivo. Este psicólogo seguia a orientação elementarista, ou seja, a divisão da mente em suas partes constituintes. Estes elementos se combinariam através da associação, formando as atividades psíquicas. A esta visão atomista das atividades mentais surgiram oposições de psicólogos que enfatizaram a unicidade dos fenômenos da consciência, como William James (1842-1910) nos Estados Unidos. Ele defendia a interação corpo e mente, sendo a consciência como um fenômeno pessoal, integral e processual, A natureza dinâmica mutável da atividade mental foi realçada por James, bem como as maneiras pelas quais um organismo se ajusta a um ambiente. Wundt e seus seguidores estudavam a estrutura da mente; daí, a sua escola ser chamada de Estruturalista. William James, por estudar a dinâmica funcionalista da mente, é considerado um dos fundadores do Funcionalismo. Após a criação do laboratório de Wundt, na Alemanha, rapidamente a psicologia experimenta] se estabelece na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Daí se expande por várias outras nações do mundo. O racionalismo e o empirismo, como foi visto, foram os eixos epistemológicos, a partir dos quais as principais teorias psicológicas do século passado se desenvolveram. Na contemporaneidade, estes mesmos eixos epistemológicos, juntamente com o criticismo kantiano, o idealismo em suas diversas vertentes e o materialismo histórico e dialético (dos quais falaremos a seguir), de modo geral, subsidiaram as principais teorias psicológicas do desenvolvimento e da aprendizagem. Teorias Psicológicas Contemporâneas do Desenvolvimento e Aprendizagem
Podemos organizar, didaticamente, algumas das teorias
psicológicas do desenvolvimento e da aprendizagem em vigência, atualmente, em:
Teorias maturacionais
Não tão influentes, na atualidade, no campo da educação quanto
as teorias psicogenéticas de Piaget e de Vygotsky, as teorias classificáveis na categoria de maturacional podem ser consideradas como pertencentes ao eixo epistemológico do racionalismo. Arnold GeselI (1880-1961), Francis Galton (1822-1911), Cattell (1860- 1944), Stanley Hall (1845-1924) e Alfred Binet (1857-1911), entre outros, são representantes desta categoria de teorias, cuja premissa básica implica na constatação de que as características fundamentais de qualquer organismo vivo estão programadas em sua constituição genética e enraizadas em processos biológicos, significando que há uma sequência ordenada no desenvolvimento do comportamento humano. Gesell, por exemplo, enfatizava o papel da maturação no desenvolvimento infantil, devido à grande semelhança entre o comportamento apresentado pelas crianças, em uma mesma idade, apesar de reconhecer, também, a atuação da estimulação do meio ambiente. Mas, para este autor, os limites da atuação do ambiente estariam condicionados pela programação genética que determinaria todas as direções possíveis do desenvolvimento. Tal perspectiva teórica provocou, principalmente nas décadas de 30, 40 e 50, os famosos estudos normativos, nos quais o ritmo e as sequências previsíveis do desenvolvimento infantil eram caracterizados. Binet, juntamente com Theodore Simon, publicou o primeiro teste de inteligência ou de QI (Quociente intelectual), em 1905, na Franca, baseado na perspectiva de que os itens ou questões do teste representavam comportamentos típicos de cada faixa etária. Binet não acreditava que a inteligência fosse fixa e imutável durante toda a vida do indivíduo, o que o diferia dos psicólogos norte-americanos que fizeram a revisão de seus testes. Ele admitia, isto sim, que a inteligência podia mudar, mas que a pretensão de seu teste era de medi-la numa dada ocasião. Na escolha dos itens que iriam compor as questões típicas de cada idade cronológica do teste do QI, a perspectiva maturacional estava implícita, na medida em que tais itens ou questões eram consideradas como referentes a comportamentos normativos, isto é, a comportamentos próprios de uma certa idade. Em Stanley Hall, através de sua lei do desenvolvimento – a ontogênese recapitula a filogênese –, observa-se a ênfase em determinantes genéticos e maturacionais. Ao afirmar, por essa lei, que o indivíduo, em seu processo de desenvolvimento, passa pelas mesmas etapas de desenvolvimento de sua espécie, expressa a epistemologia da pré-formação de estruturas mentais. Nos dias atuais, apesar das várias críticas sofridas pelas teorias maturacionais por parte das outras abordagens, que dão maior ênfase aos estímulos ambientais e sociais no desenvolvimento e na aprendizagem, um novo olhar tem sido dirigido, pelos estudiosos, aos fatores genéticos e maturacionais do comportamento. O Projeto Genoma, em andamento em vários países do mundo, procurando mapear todo o código genético humano, provavelmente, lançará, muito em breve, novas perspectivas para a compreensão do comportamento humano. As teorias psicológicas incorporarão, com certeza, o resultado dessas novas pesquisas sobre os genes humanos, articulando-os a seu conceituai básico.
Teorias comportamentistas
A crítica ao racionalismo cartesiano produzida pelo empirismo
inglês propiciou a emergência do pressuposto de que todo o conhecimento provém da experiência, pedra angular das teorias comportamentistas. O empirismo, como já foi dito, questiona o sujeito do conhecimento, nega as ideias inatas e advoga as sensações como elementos psicológicos mínimos que são organizados pelas associações. O empirismo, aliado ao positivismo, que, por sua vez, propõe como ideal de objetividade a utilização de uma metodologia experimental com vistas à elaboração de leis gerais, e destes com alguns aspectos da perspectiva funcional is ta, advinda dos estudos da Biologia, fundaram a base epistemológica e metodológica para o desenvolvimento do behaviorismo ou das teorias comportamentistas que, por volta de 1914, começaram a se organizar nos Estados Unidos. Marcante no behaviorismo é a ruptura com o objeto tradicional da Psicologia, ou seja, a alma, o espírito, a consciência, os fenômenos psíquicos. Para os behavioristas, o objetivo de estudo da Psicologia é o comportamento ou as reações observáveis de um organismo através de respostas a estímulos do meio ambiente, também observáveis. A evidência científica, para o behaviorismo, é justamente a crença na possibilidade do controle objetivo do estímulo do meio ambiente na determinação de respostas do indivíduo a tais estímulos. Nesta perspectiva, o que se observa é que o comportamento humano é não só fracionado em seus elementos constituintes, ou seja, em (E – R) estímulos e respostas, como também é totalmente formado a partir das estimulações do meio. Assim, todo e qualquer comportamento pode ser previsto, bastando que para isto se estabeleçam relações funcionais com o ambiente. Como se vê, o behaviorismo é uma psicologia de base mecanicista, ou seja, uma psicologia que reduz todo comportamento a sequências mecânicas ou respostas condicionadas, refletindo a crença na possibilidade de manipulação do comportamento humano. Seus principais representantes são: John Watson (1878-1958) e Skinner (1904-1990), entre outros.
Teorias de campo
A Psicologia da Gestalt ou Psicologia da Forma, uma das
principais representantes deste grupo de teorias, nasceu na Alemanha, tendo como base epistemológica o racionalismo e o idealismo. A Psicologia da Gestalt surgiu como uma reação à psicologia elementarista que explicava o comportamento mediante o seu fracionamento em estímulos e respostas. Wundt, citado anteriormente, já percebera a natureza complexa dos três elementos (imagens, pensamento e sentimentos) que, segundo ele, formavam a estrutura da mente. No entanto, para Wundt, a associação destes elementos não se constituía num mero processo aditivo, mas havia também a ocorrência da "síntese integradora", irredutível às partes constituintes. Apesar de ser considerado um elementarista, pois ainda concedia aos elementos uma realidade própria, já vislumbrava a emergência de uma nova perspectiva de análise para o psiquismo humano. Essa nova perspectiva vai ser desenvolvida pelas teorias de campo, através do conceito de qualidades formais ou configuracionais que só existem no contexto dos conjuntos estruturados. Nessa perspectiva, os comportamentos e as experiências humanas não são fracionáveis, uma vez que, segundo essa visão, o todo não é a soma das partes, do mesmo modo que o simples ajuntamento de notas musicais, por exemplo, não faz a melodia. Enquanto Wundt procurava identificar as unidades dos fenômenos comportamentais para depois reconstituí-los em sua complexidade, os teóricos gestaltistas procuravam descrever e compreender tais fenômenos a partir da observação da experiência dos sujeitos. Na tentativa de garantir a objetividade dessas observações, evitando a natureza individual, arbitrária e idiossincrática que, por ventura, pudesse ocorrer, os estudiosos gestaltistas procuravam encontrar leis gerais explicativas para o comportamento humano. Daí, a convicção e a busca de organizações universais nos campos perceptivos dos indivíduos, uma vez que esta universalidade é que possibilitava, de acordo com o positivismo, um discurso verdadeiramente científico. Segundo a Gestalt, o ser humano é dotado, então, de estruturas pré-formadas que determinam e condicionam todas as suas experiências perceptuais. Os principais gestaltistas foram Wertheimer (1880-1943), Kóhler (1887-1967), Koffka (1886-1941) e Kurt Lewin (1890-1947).
Teorias psícanalítica e neopsicanalíticas
Fundada pelo médico vienense Sigmund Freud (1856-1939), a teoria psicanalítica não se desenvolveu no ambiente da história da Psicologia, mas no da Medicina. O interesse de Freud era descobrir as causas da doença mental. De início, Freud buscou causas orgânicas, lesões cerebrais, ou fatores patogênicos para as neuroses e psicoses, tal qual a orientação desenvolvida pela medicina experimental. Fortemente influenciado por Charcot, médico francês que fez uso da sugestão hipnótica no tratamento da histeria, Freud põe em dúvida a abordagem organicista da psiquiatria da época e passa a utilizar uma abordagem psicológica para o estudo da doença mental. Apesar de usar o modelo cartesiano de ciência, discorda dos racionalistas no que se refere à razão humana. Para Freud, o homem é grandemente comandado pelo inconsciente, sendo que a consciência lógica e racional representa uma fina camada sobre um vasto domínio de forças instintivas e inconscientes. A psicanálise de Freud é a base do surgimento de teorias neopsicanalíticas produzidas por outros teóricos, tais como Eric Erikson (1950), Margareth Mahler (1977), Spitz (1954), entre outros.
Teorias fenomenológicas e humanistas
Sendo difícil precisar a filiação epistemológica subjacente ao
grupo das teorias fenomenológicas e humanistas, podemos apenas considerá-la como relacionada com o criticismo kantiano e com seus desdobramentos f através do idealismo e da fenomenologia. Isto significa dizer que esta matriz epistemológica postula uma consciência a priori intencional, ou seja, uma consciência constituída pela relação sujeito-objeto. Nessa perspectiva, o sujeito individual torna-se a origem e o fim do conhecimento, atrelando a si o objeto e retirando-lhe toda existência autônoma. As teorias psicológicas fenomenológicas e humanistas representam, com tal eixo epistemológico, uma alternativa ao reducionismo behaviorista, que tenta explicar todo comportamento humano através de estímulos e respostas, e, ao mesmo tempo, uma reação à irracionalidade psicanalítica, que postula o inconsciente como mola mestra das atividades humanas. As teorias fenomenológicas e humanistas não compreendem o homem em termos mecanicistas ou em termos irracionalistas e enfatizam a pessoa como um ser que se direciona e evolui através de suas experiências e valores, visando, antes de tudo, ao seu próprio bem-estar neste mundo e à sua realização pessoal. Entre outros, podemos citar como representantes das teorias humanistas e fenomenológicas: Maslow (1972), Rogers (1975) e Combs (1975). Rogers, por exemplo, é bastante conhecido no Brasil e desenvolveu uma teoria psicoterápica – método não diretivo –, segundo a qual o cliente é que orienta a relação terapêutica. De acordo com esta perspectiva, o passado de uma pessoa e o seu organismo interno biológico não são determinantes de seu modo de viver e, portanto, as soluções para os seus problemas devem ser buscadas a partir de sua percepção da realidade. A tarefa do terapeuta centrado no cliente é, justamente, prover um clima de aceitação e compreensão, para possibilitar ao indivíduo um maior entendimento de seu campo perceptual e, consequentemente, de si mesmo. A esta perspectiva fenomenológica acrescenta-se a perspectiva humanista, segundo a qual o referido autor considera que o homem, sendo inerentemente bom, tende à manutenção de si mesmo e à sua autorrealização. Para Rogers, o objetivo da educação, tendo em vista a sua experiência psicoterápica, é propiciar uma aprendizagem significante, que não se circunscreve a uma acumulação de informações, mas que provoca uma reorganização de toda a vida da pessoa: das emoções, da cognição, dos valores e das atitudes. Para que esta aprendizagem ocorra, ela deve ser autoiniciada pelo aluno, de acordo com seus objetivos, e deve se basear nas atitudes empáticas do professor, que se torna um facilitador desta aprendizagem e não simplesmente um planejador curricular, ou um mero usuário de livros e audiovisuais, ou um formulador de provas ou atribuidor de notas. Tal perspectiva implica que o ensino seja centrado no aluno, nas suas motivações e interesses; que o professor deixe o aluno livre para aprender, para escolher o seu próprio curso de ações; que o professor tenha uma confiança básica de que o aluno é digno e merecedor de oportunidades para o seu desenvolvimento; que o professor tenha compreensão empática, ou seja, que consiga colocar-se no lugar do estudante.
Teorias psicogenéticas
JeanPiaget (1896-1980), Vygotsky í 1896-1934), Leontiev (1903-
1979), Luria(I902-J977) e Wallon (1879-1962) têm sido considerados os representantes mais eminentes de um grupo de teóricos que procuram explicar o comportamento humano dentro de uma perspectiva na qual sujeito e objeto interagem em um processo que resulta na construção e reconstrução de estruturas cognitivas. São os chamados teóricos interacionistas. Para se compreender epistemologicamente o interacionismo, podemos nos remeter, como ponto de referência inicial, à atuação do sujeito e do objeto nas epistemologias racionalistas e empiristas. Como já dissemos anteriormente, a epistemologia racionalista e os vários desdobramentos do idealismo explicam o psiquismo humano como possuidor ou de ideias inatas, ou de espírito e alma. ou de intuição e sensibilidade, ou de razão, ou de a priori. ou de consciência, etc., inerentes à condição humana. É este sujeito pré-formado que significa o objeto. Por sua vez, a epistemologia empirista, negando as noções acima, coloca o psiquismo humano na dependência do plano sensível ou empírico para a sua constituição. E o sujeito tábula-rasa é moldado pelos objetos físicos e objetos sociais que compõem o meio ambiente. No interacionismo, como o próprio nome diz, há a interação entre o sujeito e o objeto, para a construção do psiquismo do sujeito e para a construção dos próprios objetos. Fundamental para a compreensão desta nova perspectiva epistemológica é justamente a explicitação dos processos subjacentes a esta interação. Retomando Kant como o filósofo que procurou a síntese entre o racionalismo e o empirismo, observamos, no entanto, que a sua solução para o problema do conhecimento é ainda racionalista. Para este filósofo, nós conhecemos as coisas na forma em que elas são apreendidas pelo nosso intelecto, que possui, a priori, entendimento, sensibilidade, noções de tempo e de espaço. E Piaget, através de suas observações e experimentações sobre a construção do número, do espaço, do tempo e da causalidade, vai justamente mostrar que os próprios, "a priores" kantianos são resultado de um processo de interação entre o sujeito e o meio. Para Piaget, o conhecimento (psiquismo), no recém-nascido, não está nem no sujeito nem no objeto, mas num ponto P, periférico, externo ao sujeito e ao objeto. À medida que o sujeito interage com os objetos penetrando nas suas propriedades intrínsecas, ele vai se construindo como sujeito. À medida que ele vai construindo o seu psiquismo, a sua interação com os objetos vai se tornando mais elaborada e diversificada. De acordo com Piaget, este é um processo dialético de trocas. Este processo interacionista não pode ser, em hipótese nenhuma, confundido com a atualização progressiva de pré- formações, característica da perspectiva maturacional, e nem tão pouco pode ser comparado com uma atuação mecânica do objeto sobre o sujeito, característica do comportamentismo. Deve ser considerado como constituído por construções autênticas em que uma estrutura é pré-condição para a estrutura subsequente, como foi uma ampliação da estrutura anterior. Vygotsky é um interacionista que desenvolveu uma teoria (não tão detalhada e elaborada como a Teoria Psicogenética de Piaget, devido a sua morte prematura) sobre a construção do psiquismo humano, utilizando-se de categorias conceituais inspiradas no materialismo histórico e dialético de Marx e Engels. Da mesma maneira que, para Marx, a história da humanidade não deveria ser estudada como sendo decorrente de um propósito divino ou dos ideais dos homens, mas a partir da ação do homem concreto, para Vygotsky a constituição do psiquismo não poderia ser encontrada nas profundezas da alma ou nos pré-formismos da mente, mas nas relações sócio-históricas.