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SEGREGAÇÃO URBANA E RACIAL EM SÃO PAULO

Reinaldo José de Oliveira


PUC SP – reinaldo.jose@uol.com.br

Resumo

Este trabalho analisa a segregação da população negra em São Paulo, a principal


metrópole do capitalismo brasileiro e latino-americano. Na capital paulistana a
população negra tem um papel histórico e contemporâneo imprescindível, ela
participou e se mant ém presente em todas as etapas da economia local, nacional e
internacional. Buscou-se conhecer a origem e o desenvolvimento da segregação em
São Paulo, particularmente da população negra. Concluiu -se que a segregação
sócio-espacial é insuficiente para examinar o quadro histórico e contemporâneo de
negros e negras na capital paulistana.

Palavras-chave: cidade. racismo. relações raciais. segregação.


SEGREGAÇÃO URBANA E RACIAL EM SÃO PAULO

INTRODUÇÃO

Em princípio, a produção da academia brasileira nega que exista a


segregação racial. Portanto, a produção nacional aborda em sua s reflexões a
segregação sócio-espacial, centro versus periferia ou a segregação da pobreza
versus a segregação da riqueza (Villaça , 2001; Torres, 2005)
Recentes estudos vem se dedicando à análise e reflexão, elegendo raça/etnia
como categorias analíticas centrais para a observação da segregação da população
negra (Oliveira, 2008; Vargas, 2005). Para demonstrar se há ou não segregação de
base racial, analiso as principais referências da academia brasileira sobre
segregação e, sobretudo, trabalhos que abo rdam a segregação da população negra e
as territorialidades negras.
Abordar a segregação em São Paulo, focalizando a clivagem da condição
social e raça/cor, altera e propõe outra discussão na academia e na sociedade
brasileira, esta reflexão nos encaminha à problematizar a busca por igualdade e o
direito à cidadania para todos os indivíduos que vivem, trabalham e constroem a
cidade; ricos e pobres, brancos e negros e homens e mulheres.
Na história e em nossa contemporaneidade, há um acumulo de benefícios,
oportunidades e vantagens, restritas à população branca e extensiva aos segmentos
socioeconômicos. Na capital paulistana, a segregação proporciona diferentes
(di)visões territoriais: de um lado, àqueles que lucram e se beneficiam com o
racismo e as desigualdades, como os segmentos pertencentes às classes média e alta
branca, que continuam mantendo seus privilégios, de outro lado, a população negra
que sistematicamente vive nos lugares da pobreza e das desigualdades.

SEGREGAÇÃO URBANA

A segregação desponta com a afirmação da sociedade urbana industrial, ou


seja, a partir da revolução industrial que despeja nos grandes centros a classe
trabalhadora. A luta de classes sociais é uma relação que se constitui em torno dos
bens materiais e simbólicos, que é política, social, econômica e espacial. Os
espaços das cidades são os lugares onde estas lutas, conflitos, vitórias e derrotas se
inscrevem, ora a partir da história dos segmentos sócio-econômico de mais alta
renda e, ora por intermédio dos segmentos sociais de baixa renda.
Lojkine (1977) distingue três tipos de segregação urbana: 1. Uma oposição
entre o centro e a periferia, onde o preço do solo varia conforme o lugar; 2. Uma
separação crescente entre as zonas e moradias reservadas às camadas sociais mais
privilegiadas e as zonas de moradia popular. 3. A divisão generalizada da cidade
em funções de uso e consumo, disseminadas geograficamente em zonas
especializadas: regiões de escritório, indústrias, comércio, moradia, ciência e
tecnologia e as áreas de cultura e lazer. É o que a literatura acadêmica e a
legislação tratam de zoneamento urbano.
Para Castells (1983) a segregação urbana interfere na organização do
espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com bruscas
disparidades sociais entre elas, sendo esta disparidade compreendida em termos de
diferenças e de hierarquia. A segregação urbana aparece como uma rede complexa
que separa não só as residências, mas se estende às formas de produção e
reprodução da força de trabalho e das forma s mais variadas de apropriação do
espaço social (referente aos valores de uso e aos valores de troca que constituem o
corpo da cidade).
A literatura marxista é uma fonte muito importante para melhor delinear a
segregação urbana. Segundo a abordagem marxista, a segregação urbana aparece
como resultado dos processos de exclusão resultante dos conflitos sociais na luta
pelo espaço (Véras, 1991). Harvey (1980) é um dos principais pesquisadores
contemporâneos, cuja abordagem tem como referência a análise marxista sobre a
cidade e o urbano. De acordo com o autor, o valor de uso e o valor de troca
constantemente mudam de posição e lugar, através da forma que eles ocupam na
mercadoria 1. Na cidade e, em particular, em todo o processo da segregação urbana
o valor de troca vem ganhando a luta contra o valor de uso, que determina a
mercantilização da terra, das benfeitorias e do ambiente construído. Para Harvey

1
A mercadoria tem dois valores, que são produzidos em todas as etapas até ser consumida. Valor de uso é um
bem material essencial para todas as realizações do consumo, como o alimento, o vestuário, a habitação, os
meios de transporte e, nos dias de hoje, os meios de comunicação do mundo virtual. O valor de troca é a
transformação do valor de uso em necessidades do mercado e do consumo, por exemplo, a força de trabalho, o
mercado imobiliário da terra e da habitação, os serviços privados de consumo coletivo, etc.
(1980) o ambiente construído se divide em elementos de capital fixo a serem
utilizados na produção (fábricas, rodovias, ferrovias, etc.) e em elementos de
fundo de consumo a serem utilizados no consumo (ruas, casas, parques, passeios,
etc).
Na sociedade capitalista e contemporânea, o ambiente construído é
produzido pelo Estado, capital imobiliário, pela iniciat iva privada e outros atores
que atuam no espaço urbano. Geralmente, os atores que ditam a segregação urbana
interferem nos espaços da cidade que irão receber os principais instrumentos do
ambiente construído, como hospitais, escolas, setor de negócios fin anceiros,
mercado de trabalho, rede de transportes (metro, trens e ônibus), centros de
ciência e tecnologia, dentre outros.
A literatura sociológica sobre segregação não é absoluta, em diferentes
sociedades e contextos espaciais as diferenças estão prese ntes. Do século XX aos
dias de hoje, as lutas do e pelo espaço não se resume à segregação sócio-espacial.
Existem outros mecanismos que movem e dão forma à segregação urbana,
com ou sem a vontade explícita dos atores sociais envolvidos. A segregação
voluntária entra em cena quando determinado grupo social decidi ocupar ou deixar
determinada área. Um exemplo típico é a segregação da riqueza em São Paulo, que
no decorrer do século XX foi se deslocando para o quadrante sudoeste 2. A outra
face, a segregação involuntária, como a segregação da pobreza que muda de lugar
conforme o seu poder de compra, geralmente, nos últimos lugares da cidade onde o
mercado imobiliário da terra e da habitação não tem interesse ; em loteamentos
irregulares, morros, cortiços e favelas (Villaça, 2001).
A elaboração de políticas públicas para combater a segregação deve ter como
orientação a cidadania e a igualdade para todos. Nós só podemos pensar em uma
sociedade democrática e cidadã, onde todos possam ter os mesmos direitos de
igualdade, mobilidade, comunicação, moradia digna e usufruto de tudo o que a
cidade produz, a partir de políticas de combate e eliminação da segregação e das
desigualdades.
A literatura da academia brasileira pouco observou a segregação da
população negra (Villaça, et al. 2001). A raça não é uma categoria analítica central
nos estudos sobre segregação no Brasil, quando aparece ocupa um lugar de pouco

2 São Paulo do ponto de vista político administrativo tem 96 distritos, a região sudoeste reúne os distritos mais
ricos e de melhor infra-estrutura urbana, dentre eles: Perdizes, Vila Mariana, Itaim Bibi, Moema, Morumbi, etc.
destaque. Vargas (2005) contextualiza que a literatura nacional aborda raça nas
entrelinhas, ou seja, está no universo da segregação da pobreza.

SEGREGAÇÃO E RELAÇÕES RACIAIS

A construção da segregação racial no Brasil só pode ser interpretada a partir


da análise da literatura nacional, a primeira fase, referente aos anos de 1900 até
1950, particularmente, as obras que inauguram a Pesquisa Unesco no país 3. A
segunda fase, tendo como base os estudos das décadas de 1960 até o final de 1990.
Por último, a terceira fase, o final da década de 1990 até os nossos dias.
Inicialmente, Florestan Fernandes e Roger Ba stide (1971) observam a cidade
e a realidade urbana de São Paulo em constante metamorfose, tendo como eixo de
análise a questão das desigualdades entre brancos e negros. Segundo Fernandes e
Bastide (1971), mesmo vivendo e participando da construção da economia local e
nacional, a população negra vivia restrita aos muros da cidade, nas ocupações mais
humildes e mal remuneradas (Fernandes e Bastide, 1971).
A transição da economia agrícola para a urbana industrial proporcionou
progresso e desenvolvimento para a cidade de São Paulo. Porém, as oportunidades
criadas foram parar nas mãos dos trabalhadores nacionais brancos e imigrantes. A
mão-de-obra negra foi segregada nas ocupações mais modestas e que exigiam
esforço físico e de baixa remuneração. No corpo da c idade, brancos e negros
compartilhavam a mesma geografia social de São Paulo. O branco e o imigrante
habitavam as casas, sobrados e cortiços, quanto aos negros, as habitações mais
insalubres e precárias, geralmente, os porões. Homens e mulheres negras hab itavam
os subterrâneos de São Paulo, mesmo ocupando as mesmas posições na hierarquia
social.
Em “A Integração do negro na sociedade de classes” Fernandes reitera as
desigualdades sociais na sociedade em mudança. Dentre as contribuições mais
emblemáticas, destacamos três questões: 1. a primeira, trata-se da sobre-
representação branca e imigrante nos espaços mais importantes da economia
paulistana; 2. até as três primeiras décadas do século XX, o progresso e o

3 A Pesquisa Unesco nos idos de 1940, tinha como objetivo, comprovar que em solo brasileiro a idéia de
democracia racial era fértil, um verdadeiro paraíso racial. Os resultados dos primeiros estudos, como os de
Florestan Fernandes e Roger Bastide, comprovaram que o mito da democracia racial não é real no cotidiano
brasileiro.
desenvolvimento ficaram nas mãos dos brancos; 3. a crítica em relação ao mito da
democracia racial (Fernandes, 1965).
Com a sociedade urbana industrial em desenvolvimento, a inserção do negro
na sociedade de classes foi necessária. A inserção aconteceu em razão do fim da
imigração, a necessidade de mão-de-obra barata para compor o operariado e o
dinamismo das transformações do mundo urbano industrial. As desigualdades entre
brancos e negros, tão abruptas nas três primeiras décadas do século XX sofreria
impactos diretos com a constituição da sociedade industrial, que tenderia a
proporcionar mudanças e oportunidades no mercado de trabalho para a população
negra, no entanto, em postos de baixa remuneração.
Na cidade maravilhosa – Rio de Janeiro – a transição de escravo à cidadão
também não se concretizou. A capital carioca proporcionou proletarização em
massa dos homens e mulheres negras. A participação da população negra no
desenvolvimento urbano industrial do Rio de Janeiro foi mais elevada do que São
Paulo, em razão da imigração, que foi espontânea, a de São Paulo foi subsidiada
pelo Estado (Hasenbalg, 1999). Nas três primeiras décadas do século XX a
geografia física e social do Rio de Janeiro já delimitava os lugares entre brancos e
negros. A construção da cidade, ou seja, a produção e reprodução d o espaço social
já estava em plena contextualização: de um lado, quanto maior a urbanização,
maior a participação de brancos; de outro lado, quanto menor a urbanização, maior
a participação de negros. Nos idos de 1940 no Rio de Janeiro, 70,95% da
população favelada era negra, sob um total de 138.837 favelados (Pinto, 1998).
Quanto mais proletária a área, maior a participação negra.
Em outro contexto, Donald Pierson (1945) e Thales de Azevedo (1955)
estudaram as relações raciais na cidade de Salvador, co nsiderada a principal
concentração negra dentre as cidades brasileiras. Segundo os autores, encontramos
em Salvador uma sociedade multirracial de classes. Mas os negros estão sobre-
representados nas ocupações mais degradantes e de baixa remuneração e, no que
tange à ocupação residencial, também são maioria nos bairros mais pobres da
capital soteropolitana. Thales de Azevedo (1955) descreve a distribuição da
população negra conforme a condição social e racial, isto é, a maioria da população
negra vivia como toda a classe baixa, em bairros pobres e nos contornos da cidade
ou em pequenos aglomerados de casas modestas intercaladas nas áreas residenciais
das classes mais altas. A estrutura de classes e a ocupação da cidade de Salvador é,
de um lado, sobre-representada por brancos nas principais posições sociais e os
melhores lugares na cidade, e, de outro lado, a sobre-representação da população
negra nas desigualdades sócio-territoriais.
A segregação da população negra nas primeiras décadas do século XX,
conforme as leituras de Fernandes (1971), Pinto (1998) e Azevedo (1955) é o
cenário da segregação invisível e mascarada. Os negros estão sobre -representados
nas favelas, nos cortiços, porões, nas periferias, em determinadas regiões próximo
dos melhores lugares, mas em geral, estão na base da hierarquia socioeconomica.
Após os trabalhos da Pesquisa Unesco, nas décadas de 1970 e 1980 temos a
combinação de estudos sobre a questão urbana e as relações raciais. As primeiras
análises interpretativas, elas não só reiteram as anteriores, (Fernandes; Pinto,
1998), mas avançam ao compor o quadro das desigualdades entre brancos e negros
na sociedade brasileira.
Dentre os trabalhos críticos, Nascimento (1977) colabora para a composição
da análise do urbano combinado às relações raciais. O autor faz interessante
abordagem (intelectual e política) ao denunciar o genocídio material e simbólico da
população negra. O genocídio é resultado do racismo institucional, tendo à frente
a estrutura do Estado (escola, mercado de t rabalho, saúde, cultura, equipamentos de
consumo coletivo, etc). A estrutura legal garante vantagens e benefícios para a
população branca de todas as classes sociais, que estão presentes no cotidiano
brasileiro mesmo sem o exercício da lei.
As desigualdades sociais e raciais no plano urbano e da cidade, demarca
lugares e hierarquias socioeconômicas entre brancos e negros. Gonzáles (1982)
descreve que, da cidade escravista à cidade contemporânea, os lugares ocupados
por negros e brancos não sofreram mudança s estruturais.

“O lugar natural do grupo branco dominante são as moradias


amplas, espaçosas situadas nos mais belos recantos da cidade ou do
campo e devidamente protegidas por diferentes tipos de
policiamento: desde os antigos feitores, capitães do mato, capangas
etc, até a polícia formalmente constituída (...) Já o lugar natural do
negro é o oposto, evidentemente: das senzalas às favelas, cortiços,
porões, invasões, alagados e conjuntos habitacionais (...)”

Posteriormente, Hasenbalg (1989) analisa as d esigualdades materiais e


simbólicas entre brancos e negros no país, suas conclusões trazem novas
colaborações para tratar do acesso do negro à cidadania. Segundo o autor, a
integração do negro na sociedade de classes, conforme indicava Florestan, não se
realizou. A industrialização não garantiu participação da força de trabalho negra na
sociedade brasileira, isto é, em condição de igualdade com a mão de obra branca
(Hasenbalg, 1989). Portanto, a indicativa de que com a industrialização a população
negra teria, gradualmente, conquistas, oportunidades e melhores posições na
sociedade brasileira só se efetivaram no plano formal, porque no plano real as
desigualdades persistem.
O avanço da literatura nacional sobre segregação vai ocorrer em 1990, com
os trabalhos de Villaça (1998) e Caldeira (2000). Estes autores, assim como a
literatura nacional não desconhecem a segregação articulada às relações raciais,
mas são raros os trabalhos com esse recorte no país. As primeiras análises sobre o
tema – segregação e relações raciais – foram realizadas por pesquisadores norte-
americanos (Andrews; Telles, 2003).
Telles é o pesquisador que tem se dedicado a fazer este estudo no Brasil,
tendo como base suas reflexões em pesquisas quantitativas, por exemplo, a PNAD e
o Censo de 2000, do IBGE. Segundo o autor, a categoria raça/etnia não é
insignificante para a análise da segregação no Brasil, criticando a idéia de que a
segregação residencial no país refere-se apenas às desigualdades de classe, mas
reconhecendo a idéia de que a questão racial em interface à segregação não é auto -
evidente e nem tem a mesma dimensão política que no Estados Unidos ou na África
do Sul. Telles (2003) afirma que a segregação racial nos Estados Unidos é severa,
em razão do alto índice de separação de brancos e negros, e, no Brasil, ela é
moderada.
Compartilhamos da opinião do autor acima, a segregação brasileira não pode
ser limitada às desigualdades de classe social. Porém, discordamos de que aqui a
segregação é moderada. Por motivos históricos, culturais, políticos e sociais,
consideramos inadequadas estas analises, a comparação das sociedades norte -
americana e brasileira. Lá, nos Estados Unidos, a segregação e as desigualdades
eram abertas, aqui, em solo brasileiro, continuamos com a mesma ideologi a, o mito
da democracia racial que mascara e transmite para o cotidiano social a falsa
igualdade entre brancos e negros na estrutura social. Para melhor constituição do
cenário da segregação de base racial no país, destacamos a seguir recentes
interpretações sociológicas e espaciais sobre o assunto, as cidades do Rio de
Janeiro, Salvador e São Paulo.
Em 2000, a distribuição negra na cidade de Salvador correspondia a 74%, no
Rio de Janeiro, 40% e, em São Paulo, 30%. No passado e no presente, as inscrições
materiais e simbólicas e o protagonismo de negros e negras foram e continuam
sendo fundamentais para a construção das cidades brasileiras.
O Rio de Janeiro completou no corrente ano, 454 anos, são histórias que
retratam os contrastes socioeconômico e territorial, entre ricos e pobres, brancos e
negros. Campos (2007) observa a cidade do Rio de Janeiro nos últimos anos do
século XIX até o final do século passado, particularmente a apropriação do espaço
pelos mais pobres e negros. Historicamente, na cidade do Rio de Janeiro, os
quilombos urbanos e os cortiços deram lugar às favelas localizadas nos morros da
cidade, como único recurso frente às transformações do mercado imobiliário da
terra e da habitação. O Rio de Janeiro também experimentou as transformações
urbanas, visando à imagem da cidade bela, moderna e civilizada. Buscando
inscrever nas pedras da cidade feições das cidades européias, através da limpeza e
higienização dos espaços ocupados pela população pobre, principalmente negra.
O período de 1900 é conhecido como a era do “bota abaixo” no Rio de
Janeiro, significou a limpeza urbana dos cortiços e habitações insalubres
distribuídas nas áreas centrais e estratégicas, de interesse do Estado e dos atores
sociais envolvidos com o mercado imobiliário. Com a derrubada dos cortiços, do
dia para a noite, teve início a edificação das favelas nos morros da “Cidade
Maravilhosa”. Já se completaram 100 anos da favela enquanto fenômeno urbano na
cidade do Rio de Janeiro. Em mais de um século de história (das desigual dades
sociais e raciais), a favela permanece nos espaços das cidades brasileiras, porém do
ponto de vista estratégico de localização e origem social, os direitos à cidade e à
cidadania são negados aos habitantes que nela vivem e escrevem suas histórias.
Campos (2007) demonstra que, historicamente a segregação espacial ou a
discriminação étnica de um dado segmento social é constituída para atender aos
interesses de grupos socialmente dominantes. A condição de excluído teve seus
reflexos no passado e no presente. Primeiro, pela constituição dos espaços de
resistência dos quilombos urbanos e, segundo, no Brasil República, com a subida
aos morros e a edificação das favelas. Portanto, a segregação teve grande impacto
nas políticas públicas e sociais voltada ao crescimento da cidade do Rio de Janeiro.
Em 458 anos, a história da cidade de Salvador não é diferente quanto à
ocupação do espaço por parte da população negra. Com a transição da cidade
escravista para a cidade industrial, observa-se que o tipo de habitação popular não
se traduz em transformações fundamentais, ou seja, no sentido de uma cidade
cidadã. Da casa grande, sobrados e porões são substituídas por bairros ricos e
bairros pobres, favelas e asfalto, apartamento versus periferias, palacetes e
condomínios fechados versus conjuntos habitacionais para a população de baixa
renda.
Historicamente e contemporaneamente, nas periferias da cidade de Salvador,
a sobre-representação negra aproxima-se de 90% (Garcia, 2009). Este cenário
produz e reproduz diferentes lugares entre brancos e negros na estrutura urbana da
cidade de Salvador; de um lado, ilhas ricas e brancas com status de poder
econômico, político e cultural, de outro lado, territórios de desigualdades sociais e
raciais, imprimindo o lugar de negro na urbe soteropolitana. Há o lado positivo,
referente ao quadro da segregação da população negra em Salvador, os núcleos e as
territorialidades negras fortalecem suas organizações sociais, culturais e políticas,
principalmente por meio dos blocos afros, a capoeira e os terreiros de candomblé
(Garcia; Oliveira, 2008). Em Salvador, a segregação se traduz em desigualdades de
acesso ao mercado de trabalho, ao consumo de bens individuais e coletivos e toda a
produção e reprodução social do espaço que impede o e xercício do direito à cidade,
dos pobres e negros.
Após as transformações da economia nacional e internacional, referente às
últimas décadas do século XX na cidade de São Paulo, parte dos resultados está
presente na massa de desempregados e no aumento do trabalho informal. Ainda
assim, com as transformações da economia local e global, São Paulo continua
mantendo o posto de sede da economia brasileira. Parte desta hegemonia política e
econômica de São Paulo deve-se à força de trabalho de negros e negras. O trabalho
investido não resulta em direitos sociais, igualdade e oportunidades de acesso à
população negra no mercado de trabalho, moradia, saúde e educação de qualidade.
Nos dizeres de Silva (2006), os melhores espaços, infra -estrutura urbana e os
equipamentos sociais de consumo coletivo em São Paulo não são de direito de
todos que trabalham e vivem na capital paulistana, como a população negra e pobre.
Nas periferias onde a população negra está representada, o ambiente construído é
ausente e/ou precário. Em outras direções da cidade, como o quadrante sudoeste,
homens e mulheres negras convivem em geografias sociais onde há maior
participação da população branca de todas as classes sociais (Silva, 2006; Oliveira,
2008).
A literatura mais recente (Carril et al.,2006) aborda a combinação das
desigualdades urbanas e as desigualdades raciais, compartilha da mesma opinião; as
cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo são as capitais do racismo no
Brasil.

CARTOGRAFIAS NEGRAS EM SÃO PAULO: SEGREGAÇÃO E


DESIGUALDADES

São Paulo completou em 2012, 458 anos de histórias e transformações


estruturais; do ponto de vista administrativo, econômico, político e espacial, de um
pequeno e simples vilarejo, se transformou na metrópole mais importante do país e
da América Latina. Hoje, a cidade de São Paulo não tem mais para onde crescer de
forma horizontal, porque a cidade ilegal 4 se expandiu de forma desordenada.
Em 1980, segundo informações do Censo do IBGE, a média da população
negra na cidade era de 23%. Rolnik (1989) e Oliveira (2002) descrevem que a
população negra deslocou-se em direção às periferias, em razão da
desterritorialização de antigos núcleos negros das três primeiras décadas do século
XX e da ideologia da casa própria, construída em regime de autoc onstrução em
loteamentos irregulares com a ajuda da família e dos amigos. A distribuição da
população negra corresponde aos núcleos da Brasilândia (42,4%), Capela do
Socorro (36%), Santo Amaro (33%), Jabaquara (29%), Pirituba (27%), Vila Matilde
(27%), Vila Nova Cachoeirinha (27%), Limão (26%) e Nossa Senhora do Ó (26%).
Em seguida, no censo de 1991, novas cartografias se expandiram na capital
paulistana: na região sul, a participação corresponde ao Jardim Ângela (53%),
Capão Redondo (44%), Grajaú (43%), Parelheiros (41%), Pedreira (40%), Cidade
Ademar (41%) e Jardim São Luiz (40%); na zona oeste, destaca -se apenas o distrito
de Raposo Tavares (36%) e, na zona norte, o distrito de Brasilândia (39%).

4 A cidade ilegal é a forma de construção em loteamentos irregulares, cortiços, favelas, ocupações em áreas de
proteção ambiental que não estão nos trâmites da legislação urbanística.
No censo de 2000 5, a população negra alcançou as franjas da capital
paulistana, ou seja, ela está nos limites da cidade (ver mapas 1 e 2). A
representação negra alcançou a média de 30% na urbe paulistana, conforme as
informações do Censo do IBGE. Na Figura 1, estão distribuídos os distritos com
população negra acima de 30% e na Figura 2, os distritos com população negra
abaixo de 15%. A primeira cartografia é resultado da segregação, promovida desde
as primeiras décadas do século XX, como a separação da população negra do seu
lugar de origem e o ininterrupto deslocamento para as regiões mais pobres. A
segunda cartografia, de um lado, são os negros que conseguiram algum sucesso na
vida, que se encontram na condição de classe média; profissionais liberais, micro -
empresários e àqueles que atingiram mobilidade sócio -econômica por meio da
escolaridade (Silva, 2006; Oliveira, 2008). De outro lado, são os prestadores de
serviços que moram no local de trabalho ou nos arredores.

Figura 1. Distribuição Negra em SP Figura 2. Distribuição Negra em SP


(concentração acima de 30%) (concentração abaixo de 15%)

Fonte dos dados: Censo do IBGE, 2000.

5 Infelizmente, para este trabalho, não temos os dados do Censo Demográfico do IBGE de 2010, referente a
combinação de espaço urbano, classe social e raça. Estamos, no momento, em fase de observação das
informações que serão analisadas em trabalhos posteriores.
Classificamos abaixo, para melhor compreensão da segregação, a
distribuição negra 6 nos 10 primeiros distritos com maior participação e nos 10
primeiros distritos com menor part icipação.

Tabela 1 - Distribuição da população negra, conforme as 10 maiores e menores


concentrações na cidade de São Paulo

Distrito > 40% % Distrito =< 15% %


Negro Negro
Jardim Ângela 51,40% Jardim Paulista 5,20%
Lajeado 51,80% Vila Leopoldina 6,0%
Cidade Tiradentes 50% Itaim Bibi 6,5%
Grajaú 49% Santo Amaro 6,90%
Jardim Helena 48,10% Mooca 7,0%
Jardim S.Luiz 48,50% Tatuapé 7,0%
Parelheiros 48,50% Moema 7,0%
Guaianases 47,30% Perdizes 7,0%
Capão Redondo 45,50% Vila Mariana 7,20%
Vila Curuçá 44,30% Pinheiros 7,2%
Fonte: Censo do IBGE, 2000.

Em primeiro lugar, os distritos que compõem a segregação da po pulação


negra na cidade de São Paulo, estão localizados nos extremos das periferias e
constituem a sobre-representação em loteamentos irregulares, favelas e conjuntos
habitacionais. Na cidade, estas regiões apresentam alto índice de violência e
homicídios, os jovens e adolescentes são os sujeitos e protagonistas da violência
urbana e a sub-representação socioeconômica, que reforçam as de sigualdades
sociais e raciais (Oliveira, 2008). Os capitais social, cultural, econômico e humano
nestas áreas carecem de bens de produção e consumo, como parques, praças, clubes
desportivos, teatros, centros culturais, hospitais, creches e infra -estrutura urbana na
área de transportes.
Em segundo lugar, nos distritos onde prevalece a segregação da elite, a
presença negra é menor. Nestes distritos está concentrado o ambiente construído;
são os shopping centers, universidades, transporte coletivo (metrô e ôn ibus),
hospitais, teatros, cinemas, setor de prestação de serviços, as principais escolas
particulares da elite paulistana, a conexão com o mundo informacional

6 As informações do IBGE, no que diz respeito à cor/raça, trabalha as seguintes categorias: branco, preto, pardo,
amarelo e ignorados. Neste trabalho, estou considerando negro as pessoas que se declaram pretos e pardos.
Portanto, estou utilizando a categoria negro enquanto um conceito social e político.
(comunicação e tecnologias), o capitalismo nacional e internacional. No quadrante
sudoeste estão distribuídos os mais altos salários dos chefes de família brancos.
Em terceiro, quanto às diferenças espaciais e raciais, de um lado, o
trabalhador negro é sobre-representado nos estratos de renda de zero até três
salários mínimos, de outro lado, a su brepresentação nos estratos de renda acima de
dez salários mínimos. Nas periferias, homens e mulheres negras recebem salários
menores que seus vizinhos brancos, mesmo estando em ligeira vantagem no quadro
educacional (Oliveira, 2008).
O embranquecimento no mercado de trabalho na sociedade paulistana,
geralmente, proporciona poucas oportunidades para o trabalhador negro nas
posições de status, prestígio e poder econômico. Na capital paulistana, a renda
média dos trabalhadores é de R$ 1.031,85 (Fundação SEA DE, 2000) no contexto
geral da força de trabalho. O rendimento diferencia -se, primeiro, os homens
brancos recebem em média R$ 1.919,20 e os negros R$ 690,54. As mulheres, R$
1.092,23, para as brancas e R$ 425,47, para as negras. Calculando a média entre
homens e mulheres, brancos e negros, os trabalhadores brancos recebem em média
R$ 1.505,50 e os trabalhadores negros R$ 557,50. O trabalhador negro recebe
apenas 37% do rendimento, comparado ao ganho médio do trabalhador branco.
Nos espaços reservados à riqueza e à pobreza, brancos e negros definem seus
lugares na sociedade paulistana, através das posições socioeconômicas, os lugares
de moradia, trabalho e escolaridade.

Tabela 2 - Renda do Chefe de Família nos dez distritos com maior população negra
na cidade de São Paulo

Homem Mulher
Sub-Prefeitura Branco Negro Branca Negra
Freguesia/Brasilândia 1.036,00 647,00 562,06 384,83
C.Ademar 1.068,00 590,00 557,00 322,99
Campo Limpo 1.620,00 667,88 901,96 361,18
M’Boi 821,00 585,00 448,00 337,00
Socorro 1.008,00 528,00 544,00 345,00
São Miguel 782,00 581,00 448,00 320,00
Itaim Paulista 698,00 515,00 364,00 285,12
Itaquera 949,00 699,51 499,00 397,00
Guaianases 665,07 533,48 377,85 296,81
Cidade Tiradentes 622,09 522,81 405,55 380,65
Fonte: IBGE, 2000.
Nos 96 distritos da capital paulistana, a diferença de rendimento entre
brancos e negros é significativa, conforme o recorte de classe social, espaço,
gênero e raça.
Conforme informações da tabela 2, nas subprefeituras/distritos a renda do
chefe de família negra é inferior ao chefe de família branc a. A diferença tem grade
relevância no processo acumulativo das desigualdades entre brancos e negros
(Hasenbalg e Silva, 1999). Segundo Porcaro (1981), o lugar do negro no mercado
de trabalho diz respeito ao seguinte quadro: é o primeiro a adentrar e o último a
sair, tem rendimento inferior aos brancos, forte tendência ao proletariado e sobre -
representação nos espaços da pobreza.
A segregação da população negra acontece em virtude da sua condição soc ial
ou em razão da cor/raça? São os dois fenômenos, a condição social e a cor/raça em
combinação, são determinantes para a sobre-representação negra nas cidades
brasileiras, em geral, inscrita no quadro das desigualdades em todas as frentes da
sociedade brasileira (Fernandes, 1940).
Os distritos pesquisados para este trabalho, Brasilândia, Cidade Tiradentes
e Jardim Ângela, foram selecionados em razão da distribuição negra em seus
territórios e, particularmente, os trabalhos de Oliveira (2002, 2008), q ue
contribuem para a observação da segregação da população negra.

Tabela 3 – População negra na cidade de SP e nos


distritos pesquisados

Distrito/MSP 1980 1991 2000


SP 22,3% 27,49% 30%
Brasilândia 42,4% 38,73 40%
Cidade Tiradentes - 49,24% 50%
Jardim Ângela - 53,33% 51,4%
Fonte: IBGE, censos de 1980, 1991 e 2000.

Para retratar parte do cenário da segregação da população negra, faremos


breves apontamentos do contexto habitacional, particularmente, as habitações
subnormais nos três distritos pesquisados. São Paulo tem 10.340.036 habitantes que
se distribuem no cenário municipal em casas, apartamentos e cômodos (IBGE,
2000). São 8.066.639 paulistanos residindo em casas, 2.199.269 em apartamento e
124.139 em cômodos. Do total de habitantes por tipo de habitação, há diferenças
entre brancos e negros no contexto habitacional.
Tabela 4 – Classificação por Distrito, Tipo de Habitação e Cor/Raça, 2000

Brancos Negro
Casa Apto. Cômodo Casa Apto. Cômodo
Município 5.152.619 1.710.498 63.731 2.635.235 395.364 68.781
De SP 64,5% 77,8 47,5% 32,9% 18% 51,3%
Brasilândia 124.979 15.038 2.577 85.301 8.868 3.518
58,5% 61,7% 41,9% 39,6% 36,4% 37.2%
Cidade 42.918 50.460 765 49.929 43.184 1.458
Tiradentes 45,9% 53,5% 34,1% 553,4% 45,8% 65%
Jardim 109.558 1.146 4.992 118.633 352 6.791
Ângela 47,3% 75% 41,8% 51,5% 23% 56,8%
Fonte dos dados: IBGE, 2000.

Entre os brancos, são 64,5% que moram em casas, 77,8% em apartamentos e


47,5% em cômodos. Os negros estão classificados em 32,9% em casas, 18% em
apartamento e 51,3 em cômodos. Para os habitantes negros, a proporção é maior em
casas e cômodos e menor em apartamentos. Os brancos estão sobre -representados
nos três tipos de habitação. A diferença sobressai, os negros estão sobre -
representados no quadro habitacional, refe rente à pobreza paulistana.
A classificação por distrito na cidade de São Paulo é complexa. O quadro se
altera conforme o deslocamento do centro em direção às periferias. Na Brasilândia
é o seguinte quadro habitacional: a classificação da população branca em casas é
58,5%, 61,7% em apartamentos e 41,9% em cômodos; para os negros, a
classificação em casas é 39,6%, 36,54% em apartamentos e 37,3% em cômodos. Há
um diferencial entre brancos e negros concentrados em apartamentos, onde a
proporção de moradores brancos é superior.
Na Cidade Tiradentes, encontra-se uma exceção em relação aos dois
distritos, por ser uma região dormitório construída e “planejada” pelo Estado
(Governo do Estado de São Paulo e Prefeitura Municipal de SP). Dentre os
moradores brancos, são 45,9% em casas, 53,5% em apartamentos e 34,1% em
cômodos. Para os moradores negros, são 53,4% em casas, 45,8% em apartamentos e
65% em cômodos.
No Jardim Ângela, os brancos são 47,3% em casas, 75% em apartamentos e
41,8% em cômodos. Entre os negros, 51,5% em casas, 23% em apartamentos e
56,8% em cômodos.
Verifica-se que, mesmo na periferia, a população negra está sobre -
representada em casas e cômodos. Na Cidade Tiradentes é um caso particular. No
entanto, nesse distrito, encontra-se o maior percentual de negros morando em
cômodos. Conforme o histórico da habitação no Brasil (Bonduki et al. 1998) a
habitação prevalece por conta do trabalhador na periferia distante e em loteamentos
irregulares. O quadro habitacional da população negra confirma a comb inação entre
segregação e desigualdades sociais e raciais.

Tabela 5 - Distribuição entre brancos e negros e tipo da condição do domicílio, SP,


2000

Cor/Raça Próprio Próprio Alugado Cedido por Cedido Outra Total


ainda empregador de outra condição
pagando forma
Brancos 4.369.990 668.341 1.350.580 71.417 327.627 148.889 6.936.844
63% 9,60% 19,50% 4,70% 4,70% 2,10% 100%
Negros 1.781.957 330.977 609.505 37.300 184.357 155.283 3.099.379
57,50% 10,70% 19,70% 1,20% 5,90% 5% 100%
Fonte: Censo IBGE, 2000.

De acordo com o IBGE 2000, a menor expressão de negros na condição de


proprietário de domicílios confirma que o poder aquisitivo é insuficiente para arcar
com a compra da habitação no mercado imobiliário. Adquirir habitação no mercado
imobiliário de São Paulo, após o termino do padrão periférico de crescimento
urbano 7, torna-se mais difícil para os estratos de menor renda. A viabilidade da
compra da casa própria só se torna possível nos extremos da cidade e da região
metropolitana, haja vista que a população negra está distribuída nas periferias e na
pobreza.
Em relação aos domicílios alugados, brancos e negros dividem o mesmo
ambiente (dados relativos). Somando as quatro últimas variáveis da tabela acima
(alugado, cedido por empregador, cedido de outra fo rma e outra condição),
concluímos que 31,80% da população negra não é proprietária do seu local de
moradia. Em relação aos brancos, 26,3% não são proprietários dos imóveis em que
vivem.
A pobreza racial (Henriques, 2001) tem interfaces com o mercado de
trabalho, escolaridade, renda e a habitação no contexto urbano das cidades
brasileiras. Na periferia paulistana, o quadro racial permanece o mesmo: os brancos

7 Padrão periférico de crescimento urbano, trata-se da expansão horizontal das periferias na capital paulistana e
na região metropolitana, por intermédio da autoconstrução em loteamentos irregulares, ocupações, em áreas de
risco e de proteção ambiental, nos finais de semana.
têm mais vantagens nos mercados de trabalho e habitacional. Outra face das
desigualdades urbanas entre brancos e negros, diz respeito ao quadro da habitação
subnormal (favelas, loteamentos irregulares e cortiços) 8.

Tabela Nº 6 – Distribuição da Habitação Subnormal por Raça/Cor e dos


distritos pesquisado s, 2000.

Distritos/SP Média Brancos Negros


MSP 912.972 (8,7%) 427.876 (46,9%) 472.195 (51,7%)
Brasilândia 32.334 (13,1%) 17.097 (52,9%) 14.568 (45,1%)
C.Tiradentes 2.165 (1,1%) 775 (35,8%) 1.390 (64,2%)
Jd.Ângela 48.066 (19,6%) 42.787 (46,9%) 472.219 (51,7%)
Fonte: IBGE, 2000.

No conjunto da cidade, a população negra distribui-se nos aglomerados


subnormais com 51,8% e os brancos, 46,9%. Homens e mulheres negras
compartilham as habitações de menor relevância material e simbólica.
A habitação subnormal é central nos três distritos pesqu isados e de forma
mais complexa, nos 96 distritos que compõem a cidade de São Paulo. Esta é a
realidade, o quadro das desigualdades urbanas e das desigualdades raciais é
histórico e contemporâneo, ou seja, estão enraizadas no chão do território
paulistano.
Na Brasilândia, os brancos são 52,9% e os negros, 45,1%. Nesse caso
particular, a diferença é de apenas 7% a mais para os brancos. A Cidade Tiradentes
é um contexto recente, uma história de apenas 25 anos de vida do distrito. Porém,
no último censo, o percentual de habitação subnormal se compôs em 13% de
favelas e cortiços. Neste distrito, 35,8% de brancos e 64,2% de negros vivem em
habitações subnormais. No Jardim Ângela é 46,9% entre os brancos e 51,7% em
relação aos negros, classificados em habitaçõe s subnormais.
Calcula-se que são 10% de habitantes morando em favelas na cidade de São
Paulo, que é uma questão social urgente que precisa ter prioridade nas políticas
públicas (Bógus, 2004). Em números absolutos são mais de 1.000.000 de
indivíduos nesse tipo de habitação. No território da cidade, os negros estão sobre -
representados nas habitações subnormais. É preciso compreender que o cenário da
habitação subnormal está associado a outros fatores, como o mercado de trabalho e

8 A classificação do censo do IBGE, 2000, consideração como subnormal apenas os aglomerados acima de 50
unidades. Portanto, a contagem não reconheceu o universo fora da lei abaixo de 50 unidades.
a ocupação, portanto, a habitação é um bem material e simbólico em interface ao
bairro, à estrutura urbana e social da cidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho permitiu verificar a segregação da população negra na cidade


de São Paulo, relacionando a questão da habitação a outras necessidades da vida
cotidiana, como o mercado de trabalho, renda, equipamentos públicos e privados
de consumo coletivo, saúde e educação.
Homens e mulheres negras estão em desvantagens raciais, socioeconômicas e
espaciais na capital paulistana, principalmente nas periferias, onde os direitos e a
cidadania são regulados, inacabados e em construção.
Fica comprovado que a raça não constitui uma categoria insignificante para a
análise dos processos de segregação urbana, ainda que não seja uma catego ria
central nas principais referências da academia nacional.
Acreditamos que é preciso avançar, que a segregação socio espacial não é
suficiente para analisar a segregação da população negra nas cidades brasileiras.

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