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15902018 3327
ARTIGO ARTICLE
em uma comunidade virtual da Rede Social Facebook
Fernanda Martinhago 1
desempenham o seu trabalho em um ambiente mentais em grande escala produz uma deman-
de conflito. Dentre estes resultados, destacam-se da de crianças e adolescentes que “necessitam
dois vetores: um vetor de atenção e um outro ve- de tratamento”, o que pode favorecer o mercado
tor de conduta. O primeiro está relacionado com dos profissionais da saúde, bem como a venda
os problemas que surgem em consequência da de medicamentos. Segundo Frances3, milhões de
falta de atenção no âmbito escolar. Por exemplo, pessoas saudáveis estão sendo prejudicadas com
quando se aponta que um estudante tem déficit diagnósticos psiquiátricos equivocados e trata-
de atenção, não está especificado em que ativida- mentos desnecessários, ao passo que os que pos-
des não se concentra. Um estudante que é capaz suem transtornos mentais graves não têm acesso
de se concentrar em outras tarefas e não presta às terapias necessárias.
atenção em sala de aula, pode-se considerar que Vale ressaltar a existência de crianças que
o fator “motivação” pode estar implicado neste apresentam um transtorno mental severo e que
processo considerado como déficit de atenção. O necessitam muito mais do que medicamentos
segundo vetor, o de conduta, apresenta uma na- para amenizar seu sofrimento e o de suas famí-
tureza diferente e parte do contexto relacional. As lias. É importante esclarecer que não se preten-
manifestações em relação às outras pessoas são de de forma alguma questionar a existência de
consideradas como: desafio, oposição, confronto, transtornos mentais em crianças e adolescentes e
insultos, agressões verbais ou físicas. Neste con- da necessidade de acompanhamento em relação
texto, uma das características mais preocupantes à saúde mental. O que está em discussão é o cres-
do comportamento violento realizado por crian- cente número de diagnósticos falso-positivos de
ças e/ou adolescentes é a banalização, ou seja, transtornos mentais em crianças e adolescentes e
o ato violento não é considerado como um ato o alto consumo de medicamentos.
sério. Na questão diagnóstica, salientou-se que a Diante deste cenário, esta pesquisa teve como
desatenção, hiperatividade e impulsividade não objetivo compreender como os conteúdos vei-
são sintomas específicos para o TDAH, mas po- culados nas redes sociais (comunidades virtu-
dem fazer parte de um outro transtorno mental. ais) influenciam no modo pelo qual os familia-
Consequentemente, é necessário um diagnósti- res, membros destas comunidades, entendem
co diferencial cuidadoso e medidas terapêuticas o TDAH e o tratamento, bem como lidam com
adequadas. seus filhos com suspeita ou já diagnosticados
Quando patologias psiquiátricas são confun- com tal transtorno.
didas com perturbações típicas da vida, percalços
temporários, passa a ocorrer o que Frances10 de-
nomina de inflação diagnóstica. Em muitas situa- Metodologia
ções, o que tratamos não são doenças, mas trans-
tornos da vida, percalços que pensamos ou somos A pesquisa foi desenvolvida na perspectiva da
induzidos a pensar que não daremos conta de Antropologia Médica11. A etnografia virtual12 foi
lidar na contemporaneidade. Conforme o autor10, elegida como metodologia de investigação para
o modo mais adequado de lidar com os proble- adentrar a uma comunidade virtual da rede so-
mas da vida cotidiana é solucioná-los diretamen- cial Facebook.
te ou aguardar que desapareçam, buscar apoio da As redes sociais no âmbito virtual são am-
família, amigos, fazer mudanças necessárias na bientes em que as pessoas se reúnem publica-
vida, enfim, buscar alternativas que fortaleçam mente por meio da mediação da tecnologia, onde
o sujeito, no lugar de recorrer imediatamente a ocorre a interação e troca social, bem como se
medicamentos. Para aqueles que sofrem de um configura em um espaço em que as informações
transtorno mental real, a medicação pode ser ne- são disseminadas, amplificadas reverberadas,
cessária para restabelecer a homeostase, mas para discutidas e repassadas. Vale salientar que a ex-
aqueles que sofrem por problemas cotidianos, o pressão “rede social” refere-se ao relacionamento
medicamento interfere na homeostase10. de pessoas no âmbito de um grupo socialmente
Diante deste contexto, a principal preocu- organizado, que se comunicam por algum inte-
pação que rege esta pesquisa é com as crianças resse comum13.
e os adolescentes que estão sendo rotulados com Hine12 afirma que o agente de transformação
diagnósticos falso-positivos de transtornos men- não é a tecnologia em si, mas o uso e a constru-
tais e “tratadas” com intervenções medicamento- ção dos sentidos em torno dela, fato que leva ao
sas como se tivessem transtornos mentais graves. desenvolvimento de pesquisas sobre o cotidia-
Esta disseminação de diagnósticos de transtornos no das pessoas no âmbito virtual. A etnografia
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fica nervosa, a gente briga, ela me responde e às ve- zagem e problemas de comportamento do filho.
zes avança em mim (CPJ). Será que alguma vez Entretanto, o diagnóstico de transtorno mental
foi questionado o efeito dos medicamentos nesta em uma criança pode gerar como consequência
criança? Não houve comentários sobre esta pos- a incapacidade de desenvolver algumas ativida-
tagem, nem sobre a “qualidade de vida” que os des enquanto uma pessoa autônoma, semelhante
medicamentos proporcionam para as crianças, àquelas que convivem no seu contexto, mesmo
nem sobre os médicos “especialistas”, muito me- na idade adulta, por se reconhecer com os sinto-
nos sobre a “influência” de Deus. mas da doença.
O descaso com as reações adversas em decor- O imperativo “que se deve fazer” e “como
rência do uso desta medicação aparece na inves- se deve fazer”, conforme mencionam Dantas et
tigação citada por Lima e Santos24, uma pesquisa al.21, vai desde o castigo à medicamentalização
realizada em 2013, pelo Núcleo de Farmacovigi- da criança, perpassada pelos saberes médico, psi-
lância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde cológico e pedagógico. São formas de governar
de São Paulo, a qual constatou que o metilfenida- a infância, neste caso, por artifícios virtuais em
to (princípio ativo da Ritalina) é a primeira op- que se constrói comunidades de pessoas adeptas
ção para o tratamento do TDAH. Entre os anos a uma cultura que privilegia um mercado, bem
de 2009 e 2011, o aumento do consumo destes como o controle desta população. Estas comu-
medicamentos foi de 164%, tendo redução no nidades vão se constituindo e se multiplicando,
período das férias e aumento no segundo semes- movidas por um tipo de poder que intervém por
tre do ano letivo. Esta pesquisa também revela, meio de estratégias biopolíticas, as quais se ex-
com dados significativos, que estes medicamen- pandem pelas redes sociais.
tos causam reações adversas como taquicardia,
hipertensão, depressão, psicose, dependência e
contrações musculares involuntárias. Estas infor- Considerações Finais
mações, na maioria das vezes, sequer são passa-
das pelos médicos aos responsáveis pela criança. A comunidade virtual constituída por mães
Estes, quando informados, geralmente não ques- de crianças e adolescentes diagnosticados com
tionam a prescrição do medicamento, devido à TDAH discute principalmente o uso da medi-
confiança no profissional médico. Além disso, a cação (Ritalina ou Concerta) para tratamento
maioria dos médicos não faz a reavaliação anu- do TDAH em seus filhos. Causa muita angústia
al da terapêutica do uso dos medicamentos para em algumas mães darem a seus filhos um me-
verificar a necessidade de seguir ou não com o dicamento controlado, ou seja, que pode causar
tratamento medicamentoso24. dependência física ou psíquica. Observa-se que
este grupo interage como apoio aos pais para su-
Dificuldades em lidar com os filhos perarem dita angústia e aceitarem a medicação.
sem medicação As mães parecem acreditar que somente com
o uso da medicação seus filhos conseguirão ter
As narrativas das mães revelam que elas não êxito na escola, apesar de passarem por inúme-
sabem como agir com seus filhos e, mesmo re- ros profissionais da educação e da psicologia. É
correndo ao auxílio de profissionais, parece in- inevitável a passagem pelo médico e a prescrição
suficiente, conforme relata sobre sua filha: Ela já medicamentosa. Os depoimentos de mães que
passou por duas neurologistas, uma psicóloga, uma enaltecem o sucesso escolar dos filhos, “graças à
psicopedagoga e faz aula de reforço três vezes por medicação”, é um modo de encorajar as demais
semana. Mesmo assim, ainda não conseguimos participantes a seguirem o mesmo caminho.
uma melhora (ICV). Parece que a medicação se A crença que a medicina e os medicamentos
tornou uma necessidade para a convivência har- são meios de intervenção divina parece influen-
mônica da criança na família e na escola, pois ciar para que haja mais adeptos a este modo de
como se pode averiguar nas narrativas, as mães enfrentar as dificuldades com os filhos. A palavra
que decidiram pelo uso da medicação para os fi- “Deus” aparece frequentemente nos discursos,
lhos avaliam positivamente a experiência: A me- o que nos leva a compreender que muitas mães
dicação foi um divisor de águas na vida do meu acreditam que talvez a ajuda divina por meio de
filho (JGL). Neste sentido, a pesquisa de Brzo- medicamentos contribua para a mudança no
zowski e Caponi25 demonstrou que o diagnóstico comportamento do filho.
de TDAH pode causar um alívio aos pais que não O fato é que a Ritalina causa reações adver-
se sentem culpados pela dificuldade de aprendi- sas, fazendo com que as crianças passem a sofrer
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Agradecimentos
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p. 113-141. Versão final apresentada em 11/06/2018
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