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METAFÍSICA1

1 – A Antigüidade
2 – Transformação da metafísica
3 – Do retorno à razão ao descrédito da
metafísica
4 – Kant e o problema da metafísica
5 – Renascimento e negação da metafísica
6 – Atualidade da metafísica

À física, que estuda a natureza, opõe-se freqüentemente a metafísica. Esta é definida seja como a
ciência das realidades que não se apresentam aos sentidos, dos seres imateriais e invisíveis ( como a alma e
Deus), seja como o conhecimento do que as coisas são em si mesmas, por oposição às aparências que elas
apresentam. Nos dois casos, a metafísica trata do que está alem da natureza, da physis, ou , se se prefere, do
mundo assim como nos é dado, e tal como as ciências positivas o concebem e estudam.
Mas, precisamente, não é isto que está alem da natureza que é impossível de se conhecer? A ambição
de fundar uma metafísica passa então, aos olhos de muitos, por quimera, e a palavra metafísica que segundo
certos filósofos como Descartes, designa o conhecimento fundamental e supremo a uma só vez, é tomado por
outros num sentido depreciativo. Dizer que uma questão é metafísica não é reconhecer que ela é insolúvel, e
que aqueles que se consagram ao seu estudo não poderão nos oferecer nada além de divagações e palavras
vazias?
É portanto necessário considerar historicamente aquilo que foi a metafísica, precisar os sentidos
diversos que o termo recebeu, examinar as atitudes que os diferentes pensadores adotaram no que concerne a
este conhecimento, efetivo ou pretendido. Poder-se-á enfim perguntar se a metafísica pode guardar, na
atualidade, um sentido e um valor.

1. A Antigüidade

Platão e o mundo supra-sensível

A noção de metafísica como ciência do além da natureza resulta, na origem, de uma espécie de
contra-senso sobre a palavra grega . A obra de Aristóteles que nós chamamos “A Metafísica” foi
assim denominada porque, na edição feita por Andronico de Rhodes, foi posta em seguida à Física. Os livros
que a constituíam foram pois designadas pelas palavras . Mais tarde a
expressão “metafísica” significou o que se encontra além da natureza, embora , que quer dizer depois,
não possa receber corretamente este sentido de “além”.
Mas se o termo “metafísica” é relativamente recente (“metafísica”, em uma só palavra, não é
encontrado antes da idade média), a noção que ele designa é muito antiga. Desde a Antigüidade, querer
apreender aquilo que está além da natureza é, com efeito, um dos maiores anseios dos filósofos. Isto se vê
claramente em Platão. E sem dúvida a teoria platônica das Idéias, fontes e modelos de todas as coisas, não
deve ser interpretada de modo ingenuamente realista, e como se as Idéias formassem uma espécie de mundo
separado. Platão, contudo, não teme falar do céu das Idéias e, por exemplo no Fedro, de explicar o amor
dizendo que as almas, tendo alguma lembrança das “coisas do céu”, onde anteriormente elas seguiram o
cortejo dos deuses, são tomadas de entusiasmo e de uma forma de delírio quando, sobre esta terra, uma
beleza reencontrada lhes faz relembrá-la. A beleza é então o signo de um outro mundo, situado “além “ do
mundo físico. E o desejo de retornar a este outro mundo será, sob diversas formas, o motor de toda reflexão
metafísica. Em seu movimento essencial, o encaminhamento de Descartes, elevando-se a Deus, não diferirá
do de Platão.

1 F. Alquié, “Encyclopaedia Universalis”, vol. 10, 984-989.


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De outro lado, Platão tende sem cessar a ultrapassar o conhecimento científico (ao menos tal como
existia no seu tempo) rumo à pesquisa dos primeiros princípios. Ele sonha com uma ciência absoluta,
totalmente racional, e sem mistura de sensibilidade. Um tal projeto é propriamente metafísico: ele será
encontrado em todos os filósofos desejosos de descobrir os fundamentos últimos do conhecimento, ou
desejando ascender, como Hegel, ao saber absoluto.
Pesquisa de um ser se situando além das aparências, pesquisa dos primeiros princípios, tudo aquilo
que se denominará mais tarde metafísico é, desde o platonismo, claramente indicado. Supõe-se, assim, que a
metafísica responde à questão mais essencial que um espírito humano possa formular: a do fundamento e da
origem do seu próprio pensamento e, ainda, a da sua relação com as coisas. Em Descartes, em Kant, este
problema não deixará de ser colocado, de forma que a metafísica constituirá, através dos sistemas, uma
espécie de filosofia eterna.

A metafísica de Aristóteles

Como nota Heidegger a metafísica de Aristóteles responde a duas inquietações por ele confundidas
mas todavia distintas: a do ser e da descoberta dos primeiros princípios, inquietações que se encontram em
Platão mas que tomam aqui uma forma nova.
Todas as ciências tratam de um gênero determinado do ser, de objetos específicos e considerados nas
suas próprias particularidades. Mas todos os objetos estudados pelas ciências (compreendidos nelas os
objetos matemáticos para Aristóteles) têm em comum o fato de serem: o ser é sua característica mais geral.
Deve haver portanto uma ciência que trate do ser enquanto ser, do ser enquanto tal ciência que merecerá o
nome de ciência primeira ou de filosofia primeira, ciência que recebe atualmente o nome de metafísica. Neste
nível pode se dizer que o problema do qual Aristóteles se ocupa é eterno: Heidegger o retoma em nossos dias
quando deseja constituir uma ontologia fundamental. Porém, contrariamente aquilo que fará Heidegger,
Aristóteles trata de resolver a questão do ser por uma analise essencial descobrindo, por exemplo, que todo
ser é feito de potência e ato, de matéria e forma. Isto quer dizer subordinar o problema do ser àquele das
coisas que são.
Aristóteles não podia deixar pois de encontrar as dificuldades que haviam embaraçado Parmênides.
Como conciliar a unidade do ser e a multiplicidade dos seres; como compreender a unidade do ser se o ser
não pode existir à parte dos seres particulares, daquilo que Heidegger chamará “entes”? Refletindo sobre este
problema Aristóteles, para determinar as significações múltiplas da palavra “ser”, aborda o estudo das
categorias , estudo que dentro de um objetivo análogo Kant retomará mais tarde. Esta procura o conduzirá à
passagem do problema do ser como existência ao problema do ser como essência, a se interrogar sobre a
primeira causa daquilo que é. Neste sentido a metafísica de Aristóteles tende a tornar-se teologia.
Por outro lado, Aristóteles percebe que a apreensão dos primeiros princípios do conhecimento se situa
além de toda ciência particular. Com efeito, se é objeto de ciência aquilo que pode ser demonstrado, os
princípios a partir dos quais se demonstra não podem ser eles mesmos objetos de demonstração. O
pensamento que apreende esses princípios não pode ser chamado propriamente de científico: ele é metafísico.
E nisto a metafísica aparece ainda como filosofia primeira, ciência dos princípios indemonstravéis de toda
demonstração. Mas dessa vez a investigação de tais princípios ( como o princípio da contradição) conduz
Aristóteles a reflexões de natureza lógica. Assim pode-se dizer que em Aristóteles a metafísica, ou melhor a
filosofia primeira, pretendendo descobrir o fundamento da realidade por um lado, e pretendendo estabelecer
os princípios primeiros do conhecimento por outro lado, tende a se constituir ao mesmo tempo como teologia
e como lógica. Esta tensão interior se encontrará a partir daí em toda metafísica. E pode-se considerar que a
revolução kantiana consistirá essencialmente na substituição de uma metafísica considerada como teoria do
ser por uma metafísica definida como teoria do conhecimento.

2. Transformação da metafísica:
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O deus criador e a prova ontológica

A idéia judaico-cristã de um deus criador de todas as coisas vai contribuir para a identificação da
metafísica com a teologia, mas num sentido diferente daquele de Aristóteles. Para Aristóteles, Deus não era a
causa do mundo senão a título de causa final do movimento que tende para ele. Isto deixava intacto o
problema colocado por Parmênides, o problema da relação entre unidade do ser e multiplicidade das coisas
que são. Para os pensadores cristãos, ao contrário, Deus é o criador, a causa direta da existência de todos os
seres. Assim, o problema de Parmênides desaparece e a teoria do ser se encontra profundamente
transformada. Com efeito, se todos os seres são dependentes e efeitos do Ser primeiro, se somente Deus
merece o nome de Ser em sentido absoluto, a metafísica como ciência do ser enquanto ser deverá tornar-se a
ciência de Deus e se reduzir agora totalmente e sem reservas à teologia.
Numa tal perspectiva deveria nascer aquilo que Kant chamará mais tarde de argumento ontológico,
argumento que se pode considerar essencial à metafísica moderna, uma vez que será encontrado em
Descartes, Spinoza, Malebranche, Leibniz, e mesmo (num sentido diferente, é verdade) em Hegel e nos pós-
kantianos. Deus aparece nesse argumento como o ser absoluto, o ser que de modo algum se poderá negar, o
ser que existe por si, o ser que contém em si mesmo sua própria razão de ser, o ser - como dirá Spinoza – cuja
essência envolve a existência. E este ser é, assim, aquele no qual o pensamento se enraíza, aquele que lhe
permite sair de si, de se dirigir às coisas, de se descobrir como pensamento do real.
O argumento dito ontológico (recordemos ainda que este nome foi dado por Kant) é formulado pela
primeira vez por Santo Anselmo em seu célebre “Proslogion”. Aos olhos de Anselmo, somente um insensato
(quer dizer aquele que é privado de razão, e não se inquieta por enunciar proposições contraditórias) pode
declarar que Deus não é. Deus é, com efeito, o ser do qual nada de mais grandioso pode ser concebido. É
suficiente que uma tal definição pode ser compreendida para que se estabeleça que um tal ser existe ao menos
ao título de idéia, ao menos no “espírito”. Mas se um tal ser não existisse a não ser no espírito, poder-se-ia
conceber um maior, quer dizer, um ser semelhante existente de fato. Seria necessário então dizer que o ser do
qual nada de mais grandioso pode ser concebido não é o ser do qual nada de mais grandioso pode ser
concebido, o que é contraditório. O ser do qual nada de mais grandioso pode ser concebido existe portanto,
no espírito e de fato. Este ser é Deus.
Descartes retomará o argumento dando-lhe uma forma matemática: a existência de Deus resulta de
sua definição como da definição do triângulo resulta que as somas dos seus ângulos é igual a 180 º . Para
Malebranche, trata-se de uma prova de simples constatação. Aos olhos de Leibniz a existência aparecerá
analiticamente contida na idéia de Deus. Spinoza insistirá que Deus é causa de si mesmo. Mas, para todos
estes filósofos a noção de ser irá coincidir com aquela de Deus, com a qual ela se confunde. É por isto que,
desejando condenar a metafísica dogmática, Kant defenderá que seu desenvolvimento está inteiramente
calcado na prova ontológica. Refutar esta prova, demonstrar a insuficiência dos argumentos metafísicos,
separar a afirmação do ser da afirmação de Deus, subtrair o ser do pensamento, tudo isto para Kant será uma
só coisa.

Metafísica e Teologia em Santo Tomás de Aquino

Os filósofos da Idade Média, todavia, estão longe de acolher unanimemente a prova ontológica: em
particular, o argumento de Santo Anselmo é rejeitado por Santo Tomás. Pela prova ontológica com efeito, o
espírito humano parece se instalar imediatamente no ser, prescindindo não somente do recurso da revelação
mas também do recurso à experiência do mundo. A razão tomista se mostra mais modesta. É a partir do
mundo, e pela prova cosmológica que invoca a necessidade de uma causa do mundo, que ela se eleva a Deus.
Mas, em todos os filósofos medievais, Deus, qualquer que seja a via pela qual a ele se chegue,
permanece o Ser supremo, o único Ser que é no sentido pleno da palavra: a metafísica permanece confundida

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com a teologia. Se Deus é o ser dos seres, como poderá haver fora da ciência de Deus uma ciência do ser em
geral tal qual pretendia fundar Aristóteles?
Em contrapartida, desta vez por extensão, a metafísica se volta em Santo Tomás para tudo aquilo que
manifesta o sobrenatural, sendo entendido que tudo aquilo que é sobrenatural é em certa medida divino. A
alma enquanto imortal, os anjos, são pois objetos da metafísica, objetos imateriais, não sensíveis e, como diz
Sto. Tomás, transfísicos (transphysica). A metafísica torna-se agora a ciência de Deus e de tudo que se liga
diretamente ao divino.
Entende-se então que a metafísica tomística se identifica com a teologia revelada? Bem ao contrário:
se ela tem o mesmo objeto, difere dela pelo método, ela não usa senão os recursos naturais ao espírito
humano, não trabalha senão com a pura razão. Assim se fará a distinção, pelos próprios filósofos cristãos,
entre a aspiração religiosa e a aspiração metafísica ao sobrenatural. A metafísica pertence à filosofia. E a
teologia metafísica constitui aquilo que nós chamamos, que Kant denominou, teologia racional.
Em Santo Tomás, pois, uma tal teologia não pode pretender uma independência completa: ela deve
estar subordinada à teologia revelada. E é a teologia revelada que fornecerá freqüentemente a solução de
problemas que pela simples razão seriam definitivamente insolúveis. Uma tal concepção será reencontrada
em Malebranche e em Pascal, ambos pretendendo que o pecado original pode somente justificar as
características contraditórias da natureza humana. Assim, bem antes de Kant, que examinará esta dificuldade
em sua primeira antinomia, Santo Tomás destaca que nossa razão não poderá decidir se o mundo teve ou não
um começo no tempo. Para deter-se nas evidências naturais, poder-se-iam fornecer argumentos tanto em
favor da tese da eternidade quanto em favor de um começo temporal do universo. Somente a fé, revelando
que o mundo foi criado, permite aqui alcançar uma verdade que deixada livre às suas próprias forças o
entendimento humano não poderia estabelecer.
Será necessário, enfim, esperar Descartes para que a metafísica volte a ser puramente racional. Um
Deus descoberto pela pura razão justificará por sua veracidade a própria razão. E o século XVII será o século
dos sistemas metafísicos que, permanecendo teológicos, serão todavia libertos de qualquer apelo à revelação.

3. Do retorno à razão ao descredito da metafísica.

A metafísica de Descartes

A metafísica de Descartes pode ser considerada a fonte de toda a metafísica moderna. Convém
portanto destacar aquilo que esta metafísica tem de ambíguo. Poderia mesmo dizer-se que a metafísica
cartesiana só é moderna na medida em que se lhe confira um sentido que Descartes na sua intenção explícita
não deu claramente. E apresentando a obra que leva em latim o título de "Meditationes de Prima
Philosophia", e em francês o de “Méditations Métaphysiques”, Descartes anuncia, com efeito, que aí se
encontrará, antes de mais nada, a demonstração da existência de Deus e da imortalidade da alma, ou ao
menos a distinção entre alma e corpo. Isto conserva à metafísica sua definição medieval: ela permanece
sendo a ciência das realidades invisíveis e “transfísicas” que Sto. Tomás tomava por seus objetos próprios.
Ela é, pode-se dizer, a ciência dos objetos imateriais.
Mas é necessário convir que Descartes não consagra muito tempo ao estudo positivo de tais objetos.
De Deus ele não afirma senão a existência, a infinidade e a veracidade. Da alma ele se contenta em dizer que
é puro pensamento, distinta do corpo. De fato, o Deus de Descartes aparecerá sobretudo como o fundamento
e a garantia de um conhecimento do qual a alma se constituirá no sujeito. Dessa maneira, a natureza própria
do saber metafísico será profundamente modificada. Antes a metafísica era saber supremo; com Descartes ela
se torna a raiz de todo saber.
“Toda a filosofia, escreve Descartes na carta prefácio dos Princípios da Filosofia, é como uma árvore
cujas raízes são a metafísica, o tronco é a física e os galhos que saem destes troncos são todas as outras
ciências”. Nesta medida, Descartes abandona aquilo que se chamou metafísica especial, estudando estes
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objetos especificados que são por exemplo a alma e Deus, e se dirige a uma metafísica geral, refletindo sobre
o ser que é a origem de todos os seres, a fonte de toda ciência e de toda realidade. E sem dúvida, da
concepção medieval, Descartes guarda a idéia de que este Ser é um deus criador. Mas antes de tudo é um
deus verídico, um deus que garante minhas idéias claras, e a pretensão de meu espírito de apreender o real.
Este deus se encontra na origem de todo o saber.
Cada um destes dois aspectos da metafísica cartesiana terá na seqüência da história das idéias um
destino bem diferente. Ninguém prova mais atualmente a imortalidade da alma por meio dos argumentos
utilizados nas meditações, nem invoca mais para apoiar sua fé as provas que Descartes propõe para
estabelecer a existência de Deus.
Em contrapartida, a primazia do espírito sobre o objeto estabelecida por Descartes permanece sempre
atual: ela anuncia em particular o que se chamará em Kant a revolução copernicana, substituindo uma
explicação do conhecimento operado a partir do objeto por uma explicação partindo do sujeito; ela torna
possível tudo aquilo que na filosofia contemporânea depende ainda desta revolução. Apesar de seu título e da
aparência, a metafísica cartesiana nada tem de medieval. Ela não é um estudo de Deus, da alma, ou do
mundo, ela é a colocação em cena dessas três realidades, entre as quais ela estabelece uma nova hierarquia
totalmente contrária aquela da escolástica e a do senso comum. Para todos nós, com efeito, aquilo que
aparece mais evidentemente é o mundo. A alma parece duvidosa, e Deus não é senão o objeto de uma crença
difícil. Ora, pela dúvida, Descartes coloca de início em questão o conjunto dos objetos percebidos e o
conhecimento científico. Pela tomada de consciência desta dúvida, o eu pensante descobre seu próprio ser,
donde vem nossa primeira certeza; nossa alma, como diz Descartes, parece mais fácil de conhecer do que
nosso corpo. Refletindo sobre si, nosso espírito descobre enfim a idéia de infinito a partir da qual ele se eleva
à existência de Deus, criador no meu pensamento e de todas as coisas. A veracidade divina funda agora o
direito que nossa razão possui de funcionar sem embaraço e seu poder de alcançar a verdade, e é a partir
dessa garantia que o mundo material poderá ser reencontrado. De forma que a ordem comum das evidências
se encontra invertida.
Aqui, alguma coisa começa, e os modos de proceder que Descartes efetua, as realidades que ele
invoca, se ainda são designadas pelas palavras tiradas do vocabulário antigo, tomam entretanto um novo
sentido. A dúvida cartesiana não é a dúvida cética, o sujeito que afirma a “meditação segunda” não é o sujeito
humano que para os gregos era apenas a fonte de erro. O espírito conhecedor, descobrindo seus poderes se
encontra colocado em primeiro plano, e Kant não fará nada além de retomar e aprofundar sua analise para aí
descobrir as condições de possibilidade de todo objeto.
A metafísica cartesiana inova, assim, naquilo que, longe de ser conhecimento teórico e puramente
intelectual, é meditação e reflexão vivida. É por uma experiência temporal que o espirito descobre que ele é a
condição de tudo aquilo que conhece e pode conhecer. Esta inserção da temporalidade na essência mesma da
descoberta anuncia Hegel. Por outro lado, como vemos na celebre analise do pedaço de cera, Descartes
inaugura a análise transcendental das condições de nossa percepção. Ele afirma a uma só vez que a
consciência conhecedora nada é senão uma manifestação do ser ao qual ela deve permanecer submissa, e que
ela é superior a tudo aquilo que aparecendo como mundo se revela a título de objeto conhecível. Neste
sentido o desenvolvimento cartesiano não poderá ser ultrapassado, e não é por acaso que Husserl intitulará
uma de sua obras “Méditations Cartesiennes”.
Contudo, será necessário esperar Kant para que a metafísica de Descartes dê verdadeiramente seus
frutos, frutos que de resto serão desconhecidos pelo próprio Kant. Nos sistemas que sucedem a metafísica de
Descartes, nos filósofos que se costumam chamar cartesianos, o movimento essencial que animava as
Méditations, se acha perdido: não mais se encontra nem a dúvida e nem o cogito. Levada por Descartes à sua
certeza, a razão humana, esquecendo o desenvolvimento pelo qual ela se emancipou, tem a ambição de
conhecer tudo ou ao menos de dar uma imagem exata de todo o universo. É o período dos grandes sistemas
que muitos consideram erradamente como a expressão mais perfeita da metafísica.

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Os grandes sistemas

Foi dito muitas vezes que a segunda metade do século XVII foi a idade de ouro da metafísica. É
verdade num sentido, pois jamais se viu propor tantas explicações do universo, ordenadas, coerentes e
profundas. Esta época é a dos grandes sistemas de Malebranche, de Leibniz, de Spinoza. E entretanto esta
apogeu da metafísica é o anúncio de seu próximo declínio.
Segundo Malebranche, a razão percebe diretamente as idéias em Deus. Consultar sua razão é
consultar o Verbo, que responderá sempre às nossas interrogações atentas, sendo a atenção uma espécie de
prece natural que o espírito endereça a Deus para descobrir a verdade. É-nos pois possível penetrar as
intenções mesmas de Deus. Malebranche pretende explicar porque Deus criou o mundo, porque não age
senão através de leis gerais, e a partir de que se explicam todas as imperfeições aparentes, as desordens, as
dores e as monstruosidades. E num tal sistema, o que se encontra justificado é a totalidade do que nós
constatamos. Mas, por isso mesmo, sobrenatural e natural tendem a se confundir e o objeto último de nosso
conhecimento torna-se o universo instalado no espaço, do qual a ciência descobre a estrutura e as leis. O
sistema de Malebranche tende ao naturalismo. Ao mesmo tempo que uma metafísica, ele nos apresenta uma
cosmologia.
Segundo o “princípio da razão suficiente”, Leibniz estima que de todas as coisas é possível dar razão.
Mas as razões últimas das coisas não se descobrem no plano do mecanismo. Metafisicamente considerado, o
mundo é composto de substâncias espirituais, ou mônadas, que são os sujeitos aos quais se podem atribuir
todos os eventos que lhes advêm. Numa análise infinita, toda proposição verdadeira apareceria pois como
totalmente racional. E sem dúvida Deus, único capaz de uma tal análise, teve escolha, no momento da
criação, entre uma infinidade de mundos possíveis. Mas o princípio do melhor, que em sua bondade ele devia
necessariamente seguir, o determinou moralmente desta forma a escolher e a criar o melhor dos mundos
possíveis. Uma vez mais, é possível pois dar razão de tudo, e o sistema proposto pelo filósofo apresenta-se
como o sistema mesmo do universo.
Uma mesma ambição se faz presente em Spinoza, que pretende conduzir-nos à liberdade, à beatitude
e à salvação pelo conhecimento. Deus é a substância única das coisas. Nos conhecemos dois de seus
atributos: a extensão e o pensamento. Cada um se desenvolve independentemente do outro, e uma infinidade
de modos podem se deduzidos. Mas a ordem e a conexão das idéias constituem uma unidade com a ordem e
a conexão das coisas. De forma que encadeando os pensamento na ordem devida, que é aquela da razão, o
espirito pensará por idéias adequadas, e em completa conformidade com o real. E coincidindo a idéia que ele
tenha de si mesmo com a que Deus tem dele, experimentará sua própria eternidade.
É claro que estas breves indicações não tendem em nada a revelar a profundidade e a riqueza dos
grandes sistemas metafísicos da segunda metade do século XVII. Elas desejam somente trazer à luz a
ambição racionalista que lhes inspira, ambição que, aos olhos da maioria, é a característica essencial da
empresa metafísica. Os filósofos desta época pensam ter captado a verdade absoluta: a ordem que eles nos
propõem para encadear nossas idéias lhes parece ser a ordem do real mesma.
E é por isto que se pode pensar que esta aparente vitória da metafísica é na realidade a derrota da
verdadeira metafísica. Ela o é, primeiramente, naquilo que os sistemas propostos se opõem entre si:
Malebranche, Leibniz, Spinoza pretendem nos ensinar aquilo que é o mundo em sua realidade última. Mas
cada um nos dá uma imagem diferente. Além disso, os sistemas destes autores são em grande parte sistemas
do objeto: neste sentido, eles aparecem, mais ainda que metafísicos, como sistemas físicos, sistemas da
natureza. Ora, ao mesmo tempo o estudo da natureza é empreendido por uma ciência que realiza cada dia
novos progressos, graças a um método paciente e às experiências renovadas sem cessar. Em face das
conquistam mais modestas, mas solidamente estabelecidas da ciência, os grandes sistemas de Malebranche,
de Leibniz, de Spinoza aparecerão como sonhos, inspirados pelo esquecimento dos limites do espírito
humano. Com o século XVIII veremos, ao sucesso dos sistemas, suceder o descrédito da metafísica.

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O empirismo

O descrédito da metafísica no século XVIII revestiu-se de diversos aspectos. Ás vezes toma aquele do
ceticismo, ou do agnosticismo: os problemas propostos pela metafísica são agora tidos por insolúveis ou, em
todo caso, como estando além dos poderes da razão humana. Um certo espírito científico se desenvolve de
outra parte: espera-se da ciência, e somente dela, todo progresso positivo do conhecimento. Tudo isto aparece
em Voltaire, que despreza os metafísicos, em Diderot, na maior parte dos Enciclopedistas. Ao racionalismo
doutrinal, que afirma que o fundo do ser é a razão, sucede agora um racionalismo metódico, que faz da razão
não a medida do ser, mas a do nosso conhecimento. E esta razão não mais é tomada como em Platão ou em
Malebranche como uma faculdade capaz de nos dar a intuição do ser, mas como o meio de organizar nossas
experiências e nossos pensamentos. Porém, o século XVIII não abandona toda a filosofia, no sentido
tradicional do termo, mas sua filosofia é empirista e crítica, ela deriva de Locke e de Condillac. Sua história
também está marcada pela destruição das duas noções fundamentais sobre as quais parecia repousar a
metafísica clássica: a de substância e a de causa. Berkeley arruina a noção de substância material, Hume
aquela de substância espiritual e de causalidade.
Berkeley é propriamente um metafísico. Ele nos apresenta um universo composto de almas, que Deus
afeta com suas sensações que compõem o mundo para nós. Mas o método de Berkeley é empirista e crítico.
Ele rejeita antes de mais nada as idéias abstratas, idéias que Locke havia admitido para explicar o fato da
linguagem. Berkeley assinala que nenhuma idéia abstrata se poderia descobrir sem a intuição do espírito.
Podemos representar-nos uma cor que não seja uma cor particular, podemos representar-nos um cavalo que
não seja nem grande nem pequeno, nem branco, nem negro, ou pardo? Ora, uma tal crítica aplicada à idéia de
matéria revela uma ausência total de conteúdo. Quando falamos de matéria não poderíamos conceber nada
que não fosse sensação, percepção, ou idéia do espírito. Portanto, somente existem, como substâncias, os
espíritos: a existência do mundo é a de suas idéias.
Mas Hume, retomando o método de Berkeley, aplica-o por sua vez à noção de substância espiritual.
Quando me volto sobre mim mesmo eu não percebo se não uma série de estados, e não este eu, uno e
idêntico, este eu substância, esta alma que Descartes acreditava ter descoberto. Deus não poderá desde então
ser provado com certeza. Eis a metafísica privada de seus objetos.
Não poderemos mais captar no sentido metafísico uma causa. Analisando esta idéia Hume estabelece
que não encontramos jamais no que antecede a razão do conseqüente. Tampouco percebemos a
produtividade, a ação passando do fenômeno causa ao fenômeno efeito. Somente nos é oferecida uma
sucessão. Mas a constatação repetida de pares de fato desenvolvendo o hábito de esperar um dos termos
quando o outro é dado, o sentimento que nos advém desta espera engendram em nós a idéia de causalidade:
é nesta impressão de transição esperada e fácil que reside tudo aquilo que há de positivo na idéia de causa.
Assim se encontra consumada a ruína da metafísica. Em Malebranche, em Leibniz, o mundo era
sustentado por Deus. Com Hume sua estrutura parece repousar inteiramente sobre o sujeito humano. Ora,
este sujeito ainda não é o que será em Kant, um sujeito transcendental. É um sujeito feito de hábitos e de
sentimentos, é um sujeito natural. A natureza parece se bastar, não há mais lugar para um tal apelo além da
natureza que constitui a essência da metafísica.

3. Kant e o problema da metafísica

A Atividade do sujeito e a ciência

É claro todavia que o naturalismo do séc. XVIII deriva num certo ceticismo. Por que os mesmos fatos
sempre se sucedem? Por que nossa espera causal é satisfeita? Hume não se coloca estas perguntas ou as tem
por insolúveis. Há uma certa harmonia entre o homem e a natureza parecendo nos contentar.

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Kant não se contenta. Ele percebe que a teoria de Hume não explica em nada a universalidade e a
necessidade das leis que a ciência descobre. Pois a ciência existe, e o papel da filosofia é descobrir como ela
é possível. A filosofia kantiana fundará então a ciência. E nesta medida constituirá uma nova metafísica que
se poderia chamar metafísica crítica. O sujeito ao qual esta metafísica se eleva não é o deus de Descartes,
nem o sujeito psicológico e natural invocado por Hume. Sua atividade é transcendental e é como tal que ela
torna possíveis os “juízos sintéticos a priori” que constituem o nosso saber. A estética transcendental descobre
em nossa sensibilidade as formas a priori que são o espaço e o tempo, formas às quais todas as coisas devem
se submeter para serem percebidas. A analítica transcendental estuda a formação do objeto do conhecimento
pelo poder unificador do objeto de entendimento: este aplica suas categorias aos diversos dados fornecidos
pela sensibilidade e, sem esta síntese, nenhum objeto nos poderia aparecer como real. Mas é preciso estar
atento: a existência cuja constituição Kant descreve aqui não é a existência em si, a existência que os antigos
metafísicos acreditavam alcançar. Ela não é o ser. É a existência puramente fenomenal do objeto científico.
Kant opõe ao fenômeno o noumenon, e a coisa em si.
Há pois um certo abuso em considerar, como se faz freqüentemente na atualidade, a crítica kantiana
como uma metafísica positiva, que revela como o sujeito transcendental constitui o “ser” do objeto. É
necessário recordar ao contrário que jamais, segundo Kant, um ser verdadeiro é constituído pela atividade,
mesmo transcendental, do sujeito e que o sujeito transcendental não é jamais afirmado por Kant como um ser.
E é por isto que, depois da estética e da analítica transcendental, Kant coloca sua dialética transcendental,
inteiramente consagrada a crítica da metafísica e particularmente à refutação da opinião segundo a qual não
poderíamos captar o ser do sujeito.

A crítica kantiana da metafísica

Mas não seria necessário todavia acreditar, como se fazia correntemente no fim do século passado,
que a intenção de Kant teria sido a de arruinar a metafísica para deixar lugar à ciência. A bem da verdade,
Kant constata, na época em que escreve, que a antiga metafísica foi abandonada por todos: ele não terá pois
que destruí-la, uma vez que ninguém mais a toma por verdadeira. O que ele pretende é compreender as
razões deste fracasso, assim como ele descobriu as razões do sucesso das ciências. E nos dois casos seu
esforço consiste no estudo dos juízos sintéticos a priori, porque encontramos tais juízos na metafísica, assim
como na matemática e na física. Mas uma vez que nas ciências a atividade do entendimento se exerce sobre
dados sensíveis que ela unifica, a atividade racional que se pode descobrir na fonte da metafísica não se apoia
sobre nenhuma intuição: ela se exerce sobre o vazio. A metafísica não chega a se constituir, ela não existe
senão a título de “disposição natural”. E esta disposição natural não gera nada além de ilusão.
Esta colocação do problema é completamente nova. O século XVIII havia tomado perante a
metafísica uma atitude puramente negativa, vinculando suas construções à necessidade de crer, e a uma
espécie de delírio afetivo. Kant ao contrário vê na metafísica o fruto de uma exigência puramente racional. E
é a fonte racional da metafísica que explica que a ilusão da qual ela é feita não poderia ser verdadeiramente
reduzida. Ela persiste após a sua refutação. Ela não é menos ilusão.
Os pseudos conhecimentos forjados pela razão humana no que concerne a alma o mundo e Deus
constituem aquilo que Kant chama a aparência transcendental. Esta aparência resulta da extensão ilegítima,
fora de toda intuição, de nossos conceitos. E a mesma extensão se produz sob a influência de princípios que,
como diz Kant, “ultrapassam os limites da experiência” e “ordenam sua ultrapassagem”. Estes princípios
ditos transcendentes, são os mesmos da razão: eles nos conduzem à idéias de cujos objetos não podem ser
dadas nenhuma experiência. Pode-se neste sentido falar de conceitos da razão ou de idéias transcendentais.
Kant as deduz a priori das funções do raciocínio silogístico. E ele encontra assim com o eu, o mundo e Deus,
as divisões clássicas da metafísica tradicional: psicologia racional, cosmologia racional, e teologia
transcendental.
Pelo exame dos paralogismos da razão pura, Kant empreende a crítica da psicologia racional.
Segundo ele é por um sofisma que nos elevamos do “eu penso” ao “eu sou” e, portanto, à existência da alma.
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A crítica de toda a cosmologia que se pretenda ontológica é fundada sobre o exame das antinomias: se ela
coloca o mundo como coisa em si, a razão é necessariamente conduzida naquilo que lhe concerne, à teses, e à
antíteses necessárias, e no entanto contraditórias. Enfim, no seu estudo do ideal da razão pura, Kant
estabelece a não validade de todas as provas da existência de Deus.
Contudo, a intenção de Kant não é negar a imortalidade da alma ou a existência de Deus. Ele
reencontrará estas verdades por outra via, a da moral. Ele as colocará então pelos postulados da razão
prática. Mas elas não serão aos seus olhos objetos de um verdadeiro conhecimento. É neste sentido que Kant
pode escrever que ele havia pretendido abolir o saber para deixar espaço à fé. Como pretensão de
conhecimento racional além do objeto científico, a metafísica é pois condenada.

4. Renascimento e negação da metafísica

Dos pós-kantianos a Bergson

Na própria crítica que ele apresenta da metafísica, Kant trazia à luz o poder construtor da razão. É a
idéia deste poder que Hegel retoma para afirmar, segunda sua célebre fórmula, que tudo que é racional é real,
que tudo que é real é racional. Encontra-se aqui o equivalente da metafísica spinozista: a ordem das idéias é a
ordem mesma das coisas, e seguindo seu próprio movimento, a razão constrói o universo. O erro de Spinoza,
aos olhos de Hegel, foi somente de fazer da razão uma concepção matemática. Ora, o raciocínio matemático
permanece exterior ao seu objeto. Mas uma vez que se percebe que o caminho da razão é dialético, ver-se-á
que o devir da história não é outro senão o do espírito. Recolhendo-se em si mesmo e repensando a história, o
espírito chegará então ao saber absoluto. Porque, segundo Hegel, o absoluto somente aparece no fim. Ele é
essencialmente resultado.
Embora Hegel empregue pouco à vontade a palavra “metafísica” - que ele mesmo toma
freqüentemente num sentido desfavorável - a filosofia de Hegel, chegando ao saber absoluto e pretendendo
descobrir o sentido último de tudo o que é, é certamente uma metafísica. Pode-se dizer o mesmo de Fichte, de
Schelling, de Schöpenhauer, que identifica com a vontade a coisa em si que Kant tinha por incognoscível. A
primeira metade do século XIX foi denominada a época dos sistemas, e é notável, após a crítica kantiana à
metafísica sistemática, o renascimento vigoroso dos sistemas metafísicos.
Mas é possível também se opor ao kantismo de um outro ponto de vista, e tratar de constituir uma
metafísica que escape à sua critica, descobrindo para ela a experiência que Kant declarou lhe faltar. É o que
fará Bergson. Para Bergson, o ser é descoberto no próprio devir da consciência. Rejeitemos a divisão
espacializante da técnica, a divisão conceptual e simbólica da ciência e da linguagem e encontraremos, nesta
simpatia pela qual nos transportamos “ao interior de um objeto para coincidir com aquilo que há de único e
consequentemente de inexprimível”, a experiência metafísica. Porque a metafísica é, segundo Bergson, “’a
ciência que pretende prescindir dos símbolos.” Ela é a coincidência pura, e abole toda distância entre o
sujeito e o objeto. Nela se descobre o “élan” de uma duração criadora, de um sujeito que transcende o eu e
alcança a ação divina, jorro permanente e fonte de imprevisível novidade.

O positivismo e o marxismo

A crítica Kantiana é a ultima das críticas propriamente filosóficas da metafísica. No século XIX a
metafísica não será mais verdadeiramente criticada, mas freqüentemente contestada e negada. Assim, para
condenar a metafísica , Marx, tal como Comte, se colocam fora dela , e se recusam a considerar seus
problemas.
O marxismo rejeita a metafísica por diversas razões. Algumas vezes ele vê nas suas construções
ideologias, pretendendo descobrir suas raízes e interesses de classe. Outras vezes ele julga que a preocupação
metafísico nos desvia de tarefas mais urgentes da transformação social e da revolução. Outras enfim ele

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estima que os problemas metafísicos não poderão ser corretamente colocados senão em uma sociedade onde
o homem seja libertado de toda a alienação.
É em nome da ciência que o positivismo de Comte rejeita a metafísica. Segundo Comte, o espírito
humano passa, em cada ordem de conhecimento, por três estágios. O primeiro é o estágio teológico: o
homem procura as causas dos fenômenos em vontades semelhantes às vontades humanas, na intervenção de
deuses. Num segundo estágio, o chamado estágio metafísico, os agentes sobrenaturais são substituídos pelas
entidades abstratas concebidas como capazes de engendrar por elas mesmas todos os fenômenos observados.
Enfim, com o estágio positivo, o espírito chega a uma concepção científica e, segundo Comte, definitiva e
suficiente do real. Renunciando à alcançar as coisas em si, o homem se limita à observação dos fenômenos,
quer dizer, aquilo que lhe é dado. Renunciando a encontrar as causas, ele estabelece as leis que lhe permitem
agir sobre o mundo. Aos olhos de Comte , por conseqüência, a era metafísica está terminada. Enfim, nos
países anglo-saxões a “filosofia analítica”, que sucedeu ao positivismo lógico, considera todas as afirmações
metafísicas como proposições sem sentido.

6 Atualidade da metafísica

Hamelin, Husserl e Heidegger

Além de resistir à crítica apresentada por Kant, a metafísica sobreviveu às suas negações, marxistas
ou positivistas. É um fato que a filosofia contemporânea é inteiramente metafísica ou permeada de
metafísica. O idealismo de Octave de Hamelin é certamente uma metafísica. Encontramo-lo à procura
daquilo que na França se chamou a "filosofia do espírito". Hamelin, escreve René Le Senne, "ensina
expressamente que nada se pode introduzir de fora no espírito, que é tudo e mais que tudo". Louis Lavelle
reflete sobre a experiência do ser que se pode encontrar na origem de todo pensamento. Gabriel Marcel trata
de cercar o que ele chama o "mistério ontológico", e escreve um "Journal Metaphysique".
Os estudo de Husserl sobre a "consciência doadora originária" e a "intencionalidade" são igualmente
metafísicos. E é conhecida a influência que a fenomenologia de Husserl exerceu tanto sobre o
existencialismo alemão quanto sobre o existencialismo francês: "O ser e o nada", de Sartre, a
"Fenomenologia da Percepção" de Merleau-Ponty são igualmente obras metafísicas.
Heidegger, é verdade, esforça-se para efetuar uma subida regressiva em direção aos fundamentos da
metafísica, fundamentos que ele diz não-metafísicos. Mas procurar os fundamentos da metafísica, explorar o
solo onde se assentam as raízes da metafísica, ou mais exatamente, aquela raiz de todo saber que é a
metafísica, é propriamente ainda fazer metafísica. Preocupado com o problema do ser, Heidegger censura
sem dúvida a metafísica ocidental de tê-lo negligenciado. Isto eqüivale a dizer que ele a critica de não ter sido
suficientemente metafísica, de ter herdado os preconceitos de uma ciência redutora do real a um conjunto de
objetos mensuráveis. É baseado nisto que se pode pensar que Heidegger desconhece injustamente o sentido
de ser que tinham seus predecessores. Mas não se poderá negar que o pensamento heideggeriano não
responde à preocupação essencial da metafísica.
Se, então, apesar das críticas da qual foi objeto, apesar dos ataques que sofreu de todas as partes, a
metafísica permanece viva, há lugar para que se pergunte o que garante esta vitalidade. Trata-se somente da
permanência de uma necessidade humana, de ansiedade diante do mistério da morte ou do destino? Ou é
preciso reconhecer à metafísica um valor específico, de forma que a sua supressão ou seu esquecimento
implicassem uma mutilação do homem? A metafísica se contenta em colocar os problemas? Ou podemos
descobrir uma verdade em suas afirmações?

Metafísica e sistemas

Antes de mais nada, é necessário convir: enquanto intenciona a totalidade ou o saber absoluto, a
exigência metafísica está em cheque. Ela chega então à constituição de sistemas, e nenhum sistema
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conseguiu se impor. Os do século XVII engendraram, nos pensadores do século seguinte, o ceticismo. O de
Hegel provocou ao mesmo tempo os protestos de Kierkegaard e as críticas de Marx. A exigência metafísica é
exigência de um saber rigoroso, totalmente demonstrado e podendo assim se impor ao espírito de todos os
homens. Como pretender que um sistema possa se constituir num tal saber, se os sistemas se opõem entre si,
e se no curso da história da filosofia os sistemas não cessam de se suceder uns aos outros?
Mas não se deve concluir que o fracasso dos sistemas seja necessariamente o fracasso de toda a
metafísica. A crença, fortemente difundida, segundo a qual de fato assim é, deriva de que se tenha
identificado espírito metafísico e espírito sistemático, o que nada autoriza a fazer. Pudemos mesmo observar
que, mais que metafísicos, os sistemas são cosmológicos, ou, com Hegel, históricos: são sistemas de objeto e,
efetivamente, não pode haver senão sistemas de objeto. Teremos pois que considerar os sistemas como
aquilo que são: os frutos da ambição, inerente ao espírito humano, de conhecer e de pensar a totalidade do
universo. O espírito constroi, então, conjuntos coordenados de hipóteses, conjuntos dos quais se pode admirar
a arquitetura e a coerência interna, mas que permanecem inadequados à verdade.
Todo sistema propõe um mundo. A exigência metafísica é a de um além do mundo: é assim que ela
aparece em Platão elevando-se às idéias, em Descartes provando Deus, em Kant regressando do
conhecimento às suas condições a priori. Mas, se esta exigência não encontra sua satisfação em nenhum
sistema, onde então descobrirá este ser para o qual ele tende? Este lhe será dado numa experiência
privilegiada, numa experiência metafísica?

Metafísica e experiência

Ao lado das metafísicas dos sistemas encontram-se as metafísicas da experiência, como a de Bergson:
aqui a intuição, abolindo toda distância entre o sujeito e o objeto, pretende dar ao homem o meio de se
colocar no coração das coisas mesmo. E poder-se-á sustentar também que aquilo que Spinoza chama
consciência de terceiro gênero comporta uma experiência imediata do ser.
Pode-se duvidar, todavia, da realidade, e mesmo da possibilidade de tais experiências. Elas
constituiriam, em todo caso, tipos de estados excepcionais e incomunicáveis, e como tais, estranhos à
filosofia. Como saberei, então, fora do recurso à razão, que estou em presença do Ser? Tudo que se pode
apresentar a mim como experiência metafísica é indiscernível daquilo que seria para mim ilusão de uma tal
experiência. Em virtude de sua própria essência, o absoluto e o além não poderiam ser experimentados.
Experimentado, o absoluto se tornaria relativo; experimentado, o além não seria mais que presença natural.
Mas dir-se-á talvez que em Descartes, a apreensão do "eu penso" ou a descoberta de Deus constituem
experiências metafísicas. Não é nada disso, todavia. Em Descartes, a experiência apreende sempre um
atributo, ou uma idéia, os quais remetem ao ser ou permitem alcançá-lo por meio da demonstração, sem que
haja jamais coincidência total entre o pensamento e o ser. Mesmo no momento privilegiado do cogito, o
pensamento que eu experimento me remete ao ser da coisa pensante, à substância da qual ele é o atributo.
Quanto a Deus, ele se manifesta em nós por sua idéia, a partir da qual ele deve ainda ser provado. De forma
que se se pode falar, nos grandes racionalistas do século XVII, de um tipo de experiência metafísica, é
necessário acrescentar logo que esta experiência constitui uma espécie de limite, sobre o qual é possível se
perguntar com razão se ele não é aquele na qual a experiência propriamente dita deixa o lugar à posição
inteletual do conceito que tornará inteligível a experiência mesma. Neste sentido, é necessário assinalar que
toda experiência demanda um além, pelo qual ela se qualifica. Mas deste além mesmo, não se poderia ter
uma experiência. E o Ser, se ele é o fundo e o horizonte sobre o qual se perfila toda experiência, permanece,
em sua substancialidade, sempre transcendente.
Sobre este ponto, é necessário pois atender às severas lições do kantismo. Com efeito, em Kant a
experiência não poderia ser definida senão ao nível da construção, pelo espírito, de um dado sensível. Toda
experiência é pois experiência do relativo, o sujeito puro e o objeto puro, o sujeito construtor e a coisa não
construída, permanecem por essência inacessíveis. A possibilidade mesma de uma experiência metafísica
parece dever ser negada.
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Metafísica e evolução filosófica

É preciso então permanecer na idéia de que a exigência metafísica, se é fundamental no homem, não
poderia de modo algum ser satisfeita? Essa é a posição de todos aqueles que têm a filosofia como o mais
leviano dos estudos, e estimam com Pascal que ela não vale qualquer esforço. Mas esta opinião desoladora é
oriunda daqueles que se recusam a compreender o que a metafísica é, e qual o gênero particular de saber que
ela pode alcançar. Em vão os filósofos repetem, desde Sócrates, que o seu saber é um não-saber. Ninguém se
da o trabalho de refletir sobre o que eles querem dizer.
Para tratar de compreendê-lo, é preciso notar primeiramente que, se eles não podem comunicar sua
experiência mais íntima, e se eles diferem por seus sistemas, os filósofos manifestam, pelo desenvolvimento
que eles realizam, um acordo notável. Assim Platão, descrevendo o movimento do prisioneiro da caverna que
se “volta” e olha para trás para perceber as Idéias, Descartes nos aconselhando a colocar em dúvida o mundo
que, primeiro, nos parecia evidente para nos “voltarmos” sobre nós mesmos, Kant nos convidando a
“voltarmos” do objeto para o sujeito que o constitui, Husserl operando a redução fenomenológica colocando
o mundo entre parênteses, realizando um mesmo movimento. E este movimento, que é o próprio da
metafísica, consiste numa reflexão graças à qual o espírito, deixando de ser prisioneiro do mundo objetivo
que lhe parecia antes a medida do ser, eleva-se às condições a priori deste mesmo mundo.
Este retorno à origem e à condição, este retorno ao ser constitui um saber? Pode-se chamá-lo assim,
mas é necessário então acrescentar que este saber não é metafísico, enquanto ele não degenerar por sua vez
num saber de tipo científico, o que precisamente lhe ocorre enquanto o filósofo apresenta um sistema. Pois, é
preciso repeti-lo, um sistema não pode ser senão cosmológico, e os filósofos do sistema não nos afastam
deste mundo senão para nos apresentar um outro, composto, como ele, de objetos. A lição última e eterna da
metafísica é que, se este mundo não recebe realidade e sentido senão em referência a uma outra coisa, esta
outra coisa não é ela mesma um mundo. O objeto não poderia ser metafisicamente explicado a partir de um
outro objeto, nem o mundo a partir de um outro mundo. Senão o desenvolvimento metafísico deveria ser
recomeçado para que fosse por sua vez fundado e explicado este mundo novo. Isto não teria fim.
Exprimindo a reação total da consciência humana diante de toda situação dada, diante de todo o
mundo objetivo, a metafísica não poderia nos conduzir ao repouso. Seu saber é pois um não-saber, é um
saber de nada. Mas este saber, em aparência negativo, permite julgar todo outro saber, situar todo saber
constituído em referência ao Ser, cuja idéia habita a nossa consciência. Assim a vida filosófica recomeça
sempre. A metafísica não é uma ciência entre as outras. Livrando-nos do dogmatismo, de todo fanatismo, de
toda alienação intelectual, ela nos ensina que nenhuma doutrina constituída é à medida do ser, que nenhuma
ciência objetiva é, propriamente falando, ontológica, e que nenhum conhecimento contém ele mesmo seu
próprio fundamento.

F.A.
Bibliografia: Vide original.

Tradução: Roberto M. Ribeiro sj.


Digitação: Antonio Tabosa Gomes sj,
Cláudio A. Lorencini sj e Roberto M. Ribeiro sj.

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