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ARTIGO DE REVISÃO

Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo
2007; 52(3):108-13

Humor e afeto. Como defini-los?


Mood and affect. How to define them?

Leonardo Baldaçara1, Celso Ricardo Bueno2, David Souza Lima3, Luciana PC Nóbrega4, Marsal Sanches5

Resumo and subjective issues in psychopathology. During the


description of the mental state, these aspects are
O estudo dos aspectos emocionais corresponde a um contemplated in the items “humor” and “affect”.
dos mais importantes e subjetivos capítulos da However, these terms lack standardized definitions
psicopatologia. Na descrição do exame do estado men- and their meanings vary largely from one psychiatric
tal, tais vivências são habitualmente incluídas nos school to other. The present paper reviews different
itens humor e afeto. Entretanto, estes termos, embora definitions and concepts regarding the expressions
de uso corrente, não parecem ser adotados e conceitu- “humor” and “affect” in classical and current
ados de forma homogênea entre as diferentes escolas psychopathology. In addition, a systematic
psiquiátricas. Neste artigo fazemos uma revisão so- description of these issues for use in clinical settings
bre as principais definições de humor e afeto na is proposed.
psicopatologia clássica e atual, seguido por uma pro-
posta de sistematização para a observação desses ele- Keywords: Psychopathology, Affect, Emotions,
mentos no exame psíquico. Affective symptoms

Descritores: Psicopatologia, Afeto, Emoções, Sintomas Introdução


afetivos
O estudo dos aspectos emocionais corresponde a
Abstract um dos mais importantes e subjetivos capítulos da
psicopatologia. Expressões como afetividade, senti-
Emotional aspects represent one of the most important mento, emoção e paixão aparecem de forma corriquei-
ra e por vezes imprecisa na literatura psiquiátrica.
Quanto da descrição do exame do estado mental, tais
1. Médico psiquiatra, Coordenador do Pronto Socorro do Centro de vivências são habitualmente incluídas nos itens hu-
Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da mor e afeto1. Entretanto, estes termos, embora de uso
Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Pós-graduando em Psi- corrente, não parecem ser adotados e conceituados de
quiatria pela Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de forma homogênea entre as diferentes escolas psiquiá-
Medicina(UNIFESP/EPM). Membro do Laboratório de tricas2.
Neurociências Clínicas (LINC) da UNIFESP.
Esta problemática adquire particular importância
2. Médico psiquiatra do Centro de Atenção Psicossocial Itapeva –
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Médico psiquiatra
quando se considera o crescente interesse em trans-
comissionado do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas tornos mentais primariamente relacionados a altera-
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq- ções emocionais. De que forma sistematizar a descri-
HCFMUSP) ção do estado afetivo de pacientes deprimidos ou em
3. Médico psiquiatra do Comando do 8º Distrito Naval – São Paulo. fase de mania? Como nomear, classificar e quantificar
Médico voluntário do Programa de Distúrbios Afetivos e Ansiosos vivências tão pessoais e subjetivas?
da Escola de Universidade de São Paulo. Escola Paulista de Medi- O presente artigo destina-se a revisar as princi-
cina (PROFAF-UNIFESP/EPM) pais conceituações referentes à semiologia e descrição
4. Médica psiquiatra do Hospital João Evangelista – São Paulo
dos elementos da vida afetiva. Adicionalmente, uma
5. Professor Assistente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo – (Departamento de Psiquiatria
proposta de padronização destes elementos no exa-
e Psicologia Médica) me psíquico é apresentada.
Endereço para correspondência: Leonardo Baldaçara. Rua
Major Maragliano, 241 – Vila Mariana – São Paulo – SP - Cep. Humor e afeto na psicopatologia clássica
04017-030. Tel. 11-34662100 Fax 11-34662100. E-mail:
leonardobaldassara@terra.com.br Ainda que descrições de quadros afetivos (como

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mania e melancolia) sejam tão antigas quanto a pró- que para outros autores caracterizaria os afetos como
pria medicina, a abordagem psicopatológica de seus veremos a seguir. Por outro lado também se refere à
elementos centrais só surgiu no século XVIII3. O sig- distimia como uma variação de humor, através do
nificado dos termos cunhados varia conforme o autor tônus afetivo. Nessa afirmação poderia estar se refe-
e o século, nem sempre se referindo à mesma função rindo ao humor como um elemento basal.
mental ou à sua combinação4 . Ribot (1906)8 definiu emoções e sentimentos como
No século XVII, influenciado por trabalhos de uma vivência transitória, mais ou menos intensa e re-
Descartes e Leibniz*, os sentimentos eram vistos como lacionada a um objeto reconhecível. Humor e afeto,
pensamentos vagos ou confusos (Wang, 2005)3. Até o por sua vez, eram vistos como estados de duração mais
século XVIII, prevalecia a opinião de que toda ativi- prolongada, capazes de fornecer a tonalidade afetiva
dade psíquica alheia à esfera intelectual pertenceria à basal ao indivíduo, não havendo necessariamente um
vida afetiva5. objeto reconhecível4. Entretanto, não diferenciou es-
No século XVIII, as emoções eram consideradas ses dois elementos.
como um resíduo das sensações ou um componente Para Jaspers (1979)9, sentimentos são todo fenô-
da volição, mas nunca como uma função psíquica em meno psíquico que não se pode coordenar com os fe-
si. Mas, estando a emoção e a paixão sempre acompa- nômenos da consciência objetiva, nem com os impul-
nhadas de sensações e mudanças corporais, eram con- sos instintivos e atos da vontade. Em outras palavras,
sideradas portadoras de propriedades motivacionais6. sentimento seria um nome geral para as vivências
No final do século XIX e início no XX iniciou-se o afetivas. Também equivaleria a todas as formações
desenvolvimento dos primeiros conceitos e os dife- psíquicas não desenvolvidas e imprecisas, todas aque-
renciais dos diversos componentes da vida afetiva. las que não se podem apreender e esquivam à análise.
Entretanto como é visto até hoje, os mesmos termos Classificou os sentimentos segundo a fenomenologia,
tiveram diferentes significados e importância para objetos a que se dirigem, origem, importância, parti-
cada autor. Alguns se destacaram na psiquiatria devi- cularidades, intensidade de duração, e sua diferencia-
do ao rigor de suas descrições. Faremos a seguir um ção das sensações. Quanto ao diferencial da duração,
breve relato dos principais conceitos encontrados na fala de três conceitos: sentimento, afeto e disposição.
psicopatologia clássica Além disto, chamou de “sentimentos” os movimen-
tos singulares próprios e originários da alma; de “afe-
Definições na psicopatologia clássica tos” os processos de sentimentos complexos e momen-
tâneos de grande intensidade e com manifestações
Bleuler (1971)7, na 10a edição de seu Tratado de concomitantes de natureza corpórea; e de “disposições
Psiquiatria, agrupou dentro do conceito de afetividade do estado de espírito” a constituição interior mais
os sentimentos e estados de ânimo, os afetos, humo- duradoura que conferem um colorido particular a toda
res, emoções e a vida instintivo-pulsional. Colocou a existência da vida psíquica.
afetividade como o grupo de todas as vivências e afe- Já Schneider (1968)10 mencionava sentimentos cor-
to como um termo geral para todos os elementos. Para porais que se distinguiam dos sentimentos psíquicos
esse autor a afetividade é vivida subjetivamente, mas (anímicos). Esses últimos não se localizam no corpo
se manifesta ao mesmo tempo em nossa ação, nosso ou em parte dele, ainda que possam provocar sensa-
pensamento, assim como através dos processos vitais ções e sentimentos corporais. Freqüentemente são
corporais. Nossa ação orienta a busca pelo prazer e reativos, motivados por: alegria, medo ou arrependi-
afastamento do desagradável. Bleuler (1971)7 relata mento frente a algum evento. Na medida em que se
ainda que nosso pensamento reflete nossas sensações ligam a algo percebido, não se prendem aos elemen-
sendo marcado por nossos sentimentos. tos da percepção, mas ao sentido do que se percebe.
Para Bleuler(1971)7 o humor corresponde, do pon- Não é a impressão ótica de uma notícia escrita que
to de vista biológico, à primazia de uma função vital, me faz triste e sim o seu sentido, a sua significação.
o qual envolve todas as atividades intelectuais, emo- Em última análise, todo sentimento corporal, locali-
cionais e vegetativas. Apesar de referir que pode esse zado ou difuso (vital), é também um sentimento “psí-
elemento se expressar através do comportamento, este quico”, do contrário, não seria um sentimento. Porém,
autor relata que deve ser de duração limitada, pois como nem todo sentimento psíquico é motivado e, por
poderia não permitir a satisfação de outras necessida- conseguinte, não pode ser assim suficientemente ca-
des vitais. Acreditamos que talvez estaria se referin- racterizado, não saberíamos de nenhuma designação
do a variações momentâneas e reativas do humor, o inequívoca para eles.

* Descartes e Leibniz APUD Wang YP. Aspectos históricos da doença maníaco-depressiva. In: Moreno RA, Moreno DH. Da psicose
maníaco-depressiva ao espectro bipolar. São Paulo: segmento Farma; 2005. p.13-42.

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Segundo Schneider (1968)10 os sentimentos psíqui- nismo. Define-se afeto como a qualidade e o tônus
cos têm uma valência positiva ou negativa, são esta- emocional que acompanham uma idéia ou represen-
dos do eu, agradáveis ou desagradáveis. Agrupa ain- tação mental. Os afetos acoplam-se a idéias, anexan-
da os sentimentos psíquicos em: do a elas um “colorido” afetivo, seriam os componen-
A) Sentimentos subjetivos: agradáveis (alegria, bem- tes emocionais de uma idéia. Em uma acepção mais
estar, facilidade, júbilo, felicidade, quietude, con- ampla, também se pode fazer uso do termo afeto para
tentamento, confiança); ou desagradáveis (triste- designar, de modo inespecífico, qualquer estado de
za, preocupação, angústia, medo, mal-estar, estra- humor, sentimento ou emoção.
nheza, pusilanimidade, nostalgia, desespero, hor- Já as emoções, para Paim (1993)12, são reações
ror, aborrecimento, ira, cólera, inveja, ciúme, mo- afetivas agudas, momentâneas, desencadeadas por es-
notonia). tímulos significativos. É um estado afetivo intenso, de
B) Sentimentos de valor: referentes a si mesmo, afir- curta duração, originado geralmente como uma reação
mativos (força, orgulho, vaidade, autoconfiança, do indivíduo a certas excitações internas ou externas,
superioridade, arrogância), ou negativos (vergo- conscientes ou inconscientes. Freqüentemente, acom-
nha, sentimento de culpa, arrependimento, emba- panha-se de reações somáticas mais ou menos especi-
raço); e sentimentos referentes aos outros, afirma- ficas.
tivos (amor, inclinação, confiança, compaixão, es- Sentimentos são estados e configurações estáveis;
tima, interesse, aprovação, gratidão, respeito, ad- em relação às emoções, são mais atenuados em sua
miração), ou negativos (ódio, aversão, desconfi- intensidade e menos reativos a estímulos passageiros.
ança, desprezo, hostilidade, zombaria, desconten- Os sentimentos estão geralmente associados a conteú-
tamento, indignação). dos intelectuais, valores, representações e, no mais das
Já os sentimentos anímicos são classificados de vezes, não implicam concomitantes somáticos. Cons-
emoções. Denominam-se afetos aos sentimentos tituem fenômeno muito mais mental do que somático.
anímicos reativos e de caráter agudo, intensos e acom-
panhados por manifestações corporais denominadas Definições na psicopatologia atual
afetos (horror, ira, júbilo). Já o humor, trata-se de um
estado de duração prolongada e nem sempre de índo- Vemos então a variedade de definições para a vida
le reativa. O humor geralmente implica em sentimen- afetiva. Levando em conta cada autor, acreditamos que
tos orgânicos, na ressonância dos acontecimentos ul- a maioria se refere ao humor como o elemento basal
timamente vividos, e sentimentos anímicos, não (ou estado de ânimo) e a afeto como estados passa-
reativos e que têm suas raízes no fundo da personali- geiros vivenciados segundo o conteúdo do pensamen-
dade. Sentimentos anímicos envolvem ainda inclina- to. Usaremos tais definições no item a seguir.
ções ou tendências habituais da personalidade, inclu- Owens, Maxmen (1979)13 relatam que muitos au-
sive da personalidade anormal. tores enfatizam a duração dos estados emocionais,
Para Ey et al(1981)11, afeto é um termo geral para referindo ao afeto como uma condição imediata e hu-
exprimir todos os fenômenos da afetividade, isto é, mor como um estado prolongado ou uma soma de
todas as nuanças do desejo, prazer e dor, que entram numerosas instancias de afeto. Relata que o humor é
na experiência sensível sob a forma do que chama- uma experiência interna, enquanto o afeto se refere a
mos sentimentos vitais, humor e emoções. Separou ainda manifestações externas. Kolb (1973)14 define o afeto
esses elementos como afetividade de base ou holotí- como uma experiência subjetiva, confrontando outros
mica dos sentimentos complexos (paixões, sentimen- psiquiatras que enfatizam a natureza subjetiva do
tos sociais) ou catatímica, formada pela afetividade humor e consideram o afeto como observável.
elaborada em um sistema pessoal de vida. Das obras de psicopatologia atuais, dois autores
Quanto aos afetos basais, relatam Ey et al(1981)11 destacam-se por agruparem as definições anteriores.
que constituem o teclado sensível da experiência, pois Para Dalgalarrondo (2000)15 o humor, ou estado de
podemos dizer que cada movimento ou modalidade ânimo, é definido como o tônus afetivo do indivíduo,
dela tem uma tonalidade afetiva (tímica) mais ou o estado emocional basal e difuso no qual ele se en-
menos viva, vivenciada sobre o registro do prazer ou contra em determinado momento. É a disposição
da dor, da euforia ou da tristeza. afetiva de fundo que penetra toda a experiência psí-
Segundo Paim (1993)12, no estado de ânimo (ou quica. Define o afeto como a qualidade e tônus emoci-
humor) há componentes somáticos e psíquicos, que onal que acompanham uma idéia ou representação
se unem de maneira indissolúvel para fornecer um mental. Também diz que, em uma acepção mais am-
colorido especial à vida psíquica momentânea. Em boa pla, usa-se o termo afeto para designar qualquer esta-
parte o humor é vivido corporalmente e se relaciona do de humor, sentimento ou emoção.
consideravelmente às condições vegetativas do orga- Cheniaux Jr (2002)16 agrupou os elementos sobre

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a denominação de afetividade. Segundo esse autor os emoções. O que deve ser observado e como o é no
afetos, assim como as sensações, consistem em esta- transtorno depressivo também é proposto para o epi-
dos psíquicos subjetivos, mas que, diferentemente sódio maníaco. Assim, temos um humor anormal per-
destas, se caracterizam pela propriedade de serem sistentemente elevado, expansivo ou irritável, por pelo
agradáveis ou desagradáveis. Os afetos podem ser menos uma semana. Observa-se além do que é relata-
vistos como uma conseqüência das ações do indiví- do pelo paciente e seus familiares, suas atitudes na
duo que visam à satisfação de suas necessidades (cor- entrevista, assim como a forma de seus pensamento,
porais ou psíquicas). Relata que o afeto pode desig- auto-estima, atenção entre outros elementos indica-
nar genericamente os elementos da afetividade, ou- tivos indiretos de uma perturbação mais extensa e
tras vezes é empregado como sinônimo de emoção. duradoura da esfera afetiva.
Define emoção como um estado afetivo súbito, de Já a Classificação Internacional de Doenças (Or-
curta duração e grande intensidade, que se acompa- ganização Mundial da Saúde)18, na sua 10a edição
nha de alterações corporais, relacionadas a uma (1993), refere-se a esses transtornos como perturba-
hiperatividade autonômica. Define sentimento como ções do humor ou do afeto. Nos critérios diagnósticos
um estado afetivo menos intenso e mais prolongado, são incluídas observações diretas e indiretas da esfera
sem as alterações fisiológicas das emoções e que tal- afetiva, mas também é mais flexível quando se refere
vez resultem de um processamento cognitivo maior a temporaridade. Mesmo levando-se em conta de que
do que haveria as emoções. O humor representa um pode haver alteração do afeto, o elemento mais im-
somatório ou sínteses dos afetos presentes na consci- portante observado é o humor, entretanto esse não é
ência em um dado momento. Constitui o estado conceituado na classificação. Também são importan-
afetivo basal e fundamental, que se caracteriza por ser tes para a observação das perturbações o nível de ati-
difuso, isto é, não relacionado a um objeto específico, vidade e o pensamento.
e por ser geralmente persistente e não-reativo.
Avaliação do humor e afeto na entrevista
Humor e afeto nas modernas classificações psiquiátrica
psiquiátricas
A distinção do humor e afeto não é sempre um
O DSM-IV-TR (American Psychiatry Association, aspecto fácil e claro. Para Alonso-Fernández (1972)5 a
2000)17 denomina os transtornos referentes à afeti- compreensão descritiva-cognitiva da afetividade ofe-
vidade de transtornos do humor, colocando esse últi- rece muitas dificuldades e Schneider(1968)10 no início
mo elemento como aquele que deve estar predomi- do capítulo de “Sentimentos e Sensações”, em seu li-
nantemente perturbado. Como episódio depressivo vro Psicopatologia Clínica, já mostra a ambigüidade
maior, por exemplo, estabelece como critério humor para definir tais elementos.
deprimido ou perda de interesse ou prazer por um Para Sanches et al (2005)19 estes itens corres-
período mínimo de 2 semanas. Esse critério temporal pondem à seção mais difícil e subjetiva do exame do
valoriza então um estado afetivo basal nos últimos 15 estado mental, haja vista que compreendem a descri-
dias. Portanto podemos concluir dessa classificação ção do estado emocional do indivíduo durante a ava-
que o elemento basal da afetividade é denominado liação. Tal subjetividade decorre das inúmeras varia-
como humor, sendo também o mais importante a ser ções encontradas na maneira como emoções e senti-
observado para estabelecer um critério diagnóstico. mentos são vivenciados e expressos não somente de
Esse critério é semelhante ao adotado por Ribot, 19068 indivíduo para indivíduo como também de cultura
; Schneider, 196810 e Paim, 199312. para cultura (Sanches e Jorge, 2004)20.
Outro fator importante é o de que no DSM-IV-TR Porém sistematizar a observação desses elemen-
toma como referência o que o paciente descreve (as- tos na entrevista psiquiátrica facilita o diagnóstico e
sim denomina-se humor deprimido como tristeza, torna-o mais preciso. Permitem a reavaliação mais
desesperançado, desencorajado ou “na fossa”) e o que fidedígna dos pacientes e a reprodutibilidade dos di-
é observado, pois nem sempre o paciente relata ver- agnósticos. Faremos, portanto uma proposta para a
balmente estar deprimido (choro, expressão facial). abordagem da afetividade no exame psíquico.
Também leva em conta outros sintomas como ditas O primeiro passo como discutido acima é definir
queixas somáticas e vegetativas como podendo ser o que é cada um dos dois elementos. Assim adotamos
expressões da esfera afetiva. Portanto devem-se so- os conceitos de Strauss (1999)21 no qual:
mar as queixas apresentadas pelo paciente (localizan- O humor refere-se às emoções predominantes do
do-as no tempo) ao que é observado na entrevista. paciente. Tem tanto um componente subjetivo (a pró-
Entretanto essa classificação não faz menção aos pria avaliação do paciente) quanto um objetivo (ob-
estados afetivos menos duradouros como afetos e servado ou descrito por outros, por seus acompanhan-

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tes ou membros da equipe do hospital durante uma determinado objeto. Já o afeto trata-se de um elemen-
internação). O humor do paciente, não importando se to de curta duração, uma vivência momentânea rela-
objetivo ou subjetivo, é mais bem descrito em termos cionada a um objeto (uma representação). Durante a
que definem estados emocionais. Exemplos típicos entrevista podemos observar um estado basal (humor)
incluem calmo, feliz, triste, ansioso, deprimido, ale- e diversos estados passageiros de acordo com o con-
gre, eufórico, tenso, hostil, furioso ou enraivecido, texto (afetos). Sentimentos e emoções são conceitos
apático, sério e exaltado. diferenciados, mas acabam incluídos dentro desses
O afeto refere-se à expressão ou à expressividade dois elementos. Padronizar esses elementos pode tor-
das emoções do paciente. Enquanto o humor do paci- nar o exame psíquico mais prático e facilitar futuras
ente pode ser comunicado em uma ou duas palavras, pesquisas.
várias emoções podem ser experimentadas e expres-
sadas durante o curso de uma entrevista de 45 a 90 Referências Bibliográficas
minutos. Por afeto entende-se esta capacidade, ou li-
mitação, do paciente de variar a expressão emocional 1. Arciniegas DB. New-onset bipolar disorder in late life: a case of
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pomos a observação de algumas propriedades. O hu- In: Moreno RA, Moreno DH. Da psicose maníaco-depressiva
mor pode ser caracterizado mais a fundo em termo de ao espectro bipolar. São Paulo: Segmento Farma; 2005. p.13-42.
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Conclusão 93.
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Perante os conceitos acima, uma das dificuldades shington (D.C); American Psychiatric Association; 2000.
do exame psíquico é definir se o que é observado tra- 18. Organização Mundial de Saúde. Transtornos do humor
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