Sei sulla pagina 1di 14

Memento, homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris

Genesis 3,19

Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma


Antoine-Laurent de Lavoisier

Words, words, mere words, no matter from the heart


William Shakespeare
1. Marcelino

O meu tio Marcelino era míope.


O meu tio Marcelino era muito míope. Era mesmo muito míope.
Tentava todos os expedientes para disfarçar a sua profunda miopia mas a
ninguém enganava: Todos os que o conheciam sabiam que ele,
comprovadamente, era mesmo muito, muito míope.
Um dia morreu.
Não me recordo bem de quê mas, certamente, de nada que tivesse a ver com
a sua aguda miopia.
Já era velho.
Morreu.
No funeral apareceram cinco viúvas.
Não foi bem um funeral, foi um cambalacho, um regabofe, uma feira popular.
Poderia contar mais sobre o meu tio Marcelino.
Poderia contar uma rocambolesca história que o envolvia a ele e um quarteirão
de carapaus.
Mas não.
Fico-me por aqui.
O meu tio Marcelino era míope.
Muito míope.
2. Natali

Natali foi uma das cinco viúvas que teimaram em estar presentes no funeral do
meu tio Marcelino
Tenho a certeza que o seu nome era Natali.
Apesar de ser muito novo na altura - criança ainda pequena - tenho a absoluta
certeza de que o nome dela era Natali.
Quando são absolutas nunca se deve duvidar das certezas de uma criança,
mesmo quando a criança é criança pequena.
Natali era, das cinco viúvas em presença, a única viúva que chorava com
sinceridade naquele funeral extraordinário.
Era por de mais evidente a sinceridade das suas lágrimas.
Mau grado a minha tenra idade percebi logo que se estava ali perante uma
contingência astrológica.
No fundo, como bem se sabe, são as contingências astrológicas que movem o
mundo.
As lágrimas de Natali caíam sincopadas e quase silenciosas no chão de
mármore do crematório.
Agora, aproximando-me da velhice, lembro-me como se fosse hoje do som, o
som das lágrimas de Natali caindo, entre silêncios, sobre o fúnebre mármore.
Talvez por isso mesmo, e sendo a minha vida feita de música, nunca aprendi a
tocar instrumento algum.
Um que fosse.
3. Sarita Monte dos Reis

E o fotógrafo estava lá.


Sarita Monte dos Reis fez uma entrada cinematográfica na capela mortuária e
num ápice estava em cima do esquife, sapateando.
Rodopiou, rodopiou, rodopiou… fazendo ruflar o seu curto cabelo louro onde,
implícitas, já despontavam indeléveis cãs.
Do vestido preto, que ousado apertava sensuais e anafadas curvas, brotavam
soltos confettis prateados.
Os presentes, como se nada vissem ou fazendo de conta, continuavam a
cavaquear a meia voz sobre a vida ai tantas vezes ingrata ai, como é de bom-
tom quando se vela um recém-defunto.
E Sarita rodopiou, rodopiou… profissional competente dos tempos de rodopio,
até que se deteve no exacto momento do flash do fotógrafo.
Um só instante.
Único.
Com a sabedoria de quem sabe o micrométrico momento de sair de cena, saiu.
Da porta da capela, com um acentuado sotaque colonial - talvez Mozambique,
quem sabe? - atirou para os que a quiseram ouvir:
- Não contem nada disto à minha filha.
Agradeço ao fotógrafo ter lá estado.
No verso da fotografia desbotada que encontrei não por acaso – tolos são os
que acreditam em acasos – estava escrito:
Sarita Monte dos Reis dançando em funeral/LX 19..
4. Isibella

Se fosse só pelo corpo presente e respectiva missa Isibella não teria lá metido
os seus sapatinhos de meio salto em tom pastel seco.
Isibella era incapaz de amar os vivos quanto mais os que inexoravelmente
deixam de ser embora, penosamente, teimando estar.
Marcelino ali, como todos os mortos em velório, era só um objecto justificativo.
Isibella amava só, e só, a imagem que tinha da necessidade do amor.
Queria-se completa e amor era um item que pela sua impermanência lhe
estava sempre em falta.
Assim, amava o amor, tal comum cláusula a cumprir.
Como mulher organizada que era, competente colava num livro de recortes
imagens comprovativas que de nada carecia. Era um livro pequeno que trazia
sempre consigo no seu prestável nécessaire. O livro e bâton rosa velho.
As suas origens petty bourgeois faziam-na exagerar nas demostrações
públicas de equilíbrio atestadamente equilibrado. Tudo o que de pouco
saudável se aproximasse da sua toilette era veemente banido.
A suposta paixão, à primeira vista, de Isibella pelo meu tio Marcelino aconteceu
porque ele lhe sorriu, um sorriso aberto, deixando visível o seu esplendente
dente de ouro.
Em primeiro lugar, embora não seja agradável de se dizer é preciso ser dito
que, por via da sua aguda miopia, o meu tio sorria indiscriminadamente para
todos os vultos que lhe parecessem desenhados em linha curvilínea e que,
mesmo remotamente, cheirassem a doçaria de arroz. Era o caso, a fragrância
que Isobella não dispensava tinha um levíssimo toque a arroz-doce biológico.
Por outro lado, Isibella era uma fervorosa devota da fogosa mística do ouro. Tal
como Prometeu ou as vulgares traças era atraída pela sua fulgurante luz,
desafiando o decepcionante lugar-comum que afirma que nem tudo o que
brilha é ouro, a isso contrapondo ela que é entre o tudo e o nada que
precisamente nasce a possibilidade, a possibilidade de encontrar descuradas
pepitas. Onde existisse nem que fosse uma mera hipótese Isobella estava lá.
E o romance deu-se depois de ser exarado em tácito acordo que aquela paixão
estaria uns níveis acima da vulgar amizade colorida, coisa para triviais
adolescentes retardativos.
Tudo o que tem princípio tem fim.
Marcelino via pouco mais que menos mas, como filho de boa gente, sentia.
Assim, uma noite quando Isobella tentou introduzir um alicate na esfuziante
alcova d’amor - sussurrando doce e asperamente: abre-a-boca-e-fecha-os-
olhos, justificando que tal era prática corrente entre gurus orientais muito bem-
sucedidos - Marcelino fugiu tão aterrorizado que deixou esquecidos no psiché
estilo império tardio os seus imprescindíveis óculos de lentes de fundo garrafa.
Como é fácil perceber o fim daquele romance deixou tantas mazelas que
Marcelino decidiu saltar o tempo regular de luto emocional.
O que a seguir de emocionante se passou no hospital deixarei para outras
calendas.
Uma das virtudes do ouro, ao contrário da intemperança do corpo humano, é a
de ser quase quase eterno.
Isibella, embora em sentido único, era intelectualmente apessoada.
Chegou ao velório já decorria a matinée.
De alicate de grifos sub-repticiamente em punho avançou para a urna e sem a
menor hesitação introduziu o indicador e o polegar na boca cerrada de
Marcelino deixando-a impudica e disponível.
Quando correctamente ajustados os alicates de grifos exercem pressões
implacáveis.
Missão cabalmente cumprida. Isibella já nada ali fazia.
E assim saiu como entrou, sorrindo suavemente simpática para o público
presente.
A boca escancarada do meu tio Marcelino monopolizou toda a conversa do
velório nas horas seguintes.
Tarde para pasmo, referiram alguns.
5. Dona Ivone

Embora não seja relevante para a história do tal fantástico velório das tais cinco
viúvas contarei aqui o que sei do meu tio Marcelino enquanto vivo.
Por ser míope Marcelino nunca passou pelas inquietudes que atormentam a
maior parte dos nascem rapazes. Isto é, nunca quis matar o pai nem
desassossegar a mãe.
Os seus olhinhos de recém-nascido só enxergavam vultos. Só vultos.
Como superiores estudos revelam, um progenitor nunca poderá tomar a forma
de vulto correndo assim o risco de, para sempre e fatalmente, perder o
progénito estatuto.
A triangulação “tal pai, tal mãe, tal filho” no presente caso não fazia sentido.
Nunca fez.
Para ele nunca existiu pai ou mãe, ali perante os seus débeis olhos apenas
deambulavam vultos com cheiro.
Por vezes cheiravam bem, outras, cheiravam mal, nada que os diferenciasse
de outros seres.
Na altura do parto, em mil novecentos e poucos, ocorreu um facto que iria
marcar toda a longa e restante vida de Marcelino.
Como bem se sabe, naquela remota época nascia-se em casa.
Quando a coisa se estava para dar era chamada a parteira que presidia à
função.
Dona Ivone era uma bretã minhota, óbvio fruto de semente plantada pela
segunda invasão francesa em madona pré-histórica. Filha de filha de filha de
mãe parteira de aldeia. De corpo possante ganho numa infância rústica onde
toda a aspereza inicial tinha dado lugar a curvas cheias, cheias, cheias.
Na altura do parto Dona Ivone já estaria perto da idade jubilar, a longa trança
branca que lhe marcava as costas isso o confirmava, mas as curvas, essas,
continuavam cheias. Dona Ivone cheirava a arroz-doce em travessa de barro.
Não se podendo precisar se o doce odor provinha do avental branco que
envergava para a função ou da sua pele clara, muito clara, clara.
Foram essas duas qualidades de Dona Ivone que iriam marcar definitivamente
Marcelino para o resto da vida.
As curvas e o cheiro a arroz-doce.
Todo o pensamento freudiano rechaçado assim por uma miopia.
Aquela grave miopia do meu tio Marcelino.
6. Maria Kin Finito

Ter visão em excesso é muito mais grave que ser muito míope.
Ver absolutamente tudo é o mesmo que nada ver, isto é, ser operacionalmente
cego.
É impressionante o que os míopes conseguem ver quando fazem coincidir os
seus olhos com a coisa a ver. Vêem o que ninguém com uma visão normal
consegue ver sem para isso recorrer a lupa. Vêem o que lhes está coincidente.
Agora à distância, posso afirmar que Maria Kin Finito era uma clave de Se,
uma condicional condicionada absurdamente pela extraordinária abrangência
da sua visão.
A humanidade para ela era como a linha do horizonte, via-a em toda a sua
grandeza mas nunca lhe podia chegar, tocar, cheirar, senti-la real e
efectivamente próxima.
Era esse o seu drama.
A impossibilidade de realmente ver os outros ficando, por consequência,
privada de se ver a si própria.
Num inevitável dia, não por via de fogueteiro encontro livresco, chocaram um
com o outro na esquina de uma barraca de farturas de feira beirã.
O que os tinha levado ali, àquele lugar interior com atmosfera impregnada por
emanação de vapores de óleo queimado, nunca ninguém saberá.
Um muito míope e uma cega funcional, o céu conjugava a tempestade quase
perfeita.
Nessa mesma tarde daquele escaldante Setembro foram patinar no gelo numa
tenda que a organização das festividades, em honra de São Mateus
Evangelista, sabiamente proporcionava aos recém-encontrados precavendo
assim que as paixões solares originassem incontroláveis ignições.
Imediatamente a seguir Kin apontou ao Sul afirmando ser aquele o momento
ideal para se fazer coincidir com a linha do horizonte.
Apesar de um enigmático eflúvio de acetona começar a despontar no ar,
Marcelino não hesitou e foi a reboque daquele entusiasmo abléptico.
A forma rebuscada da frase anterior pretende ilustrar o tom do que a seguir
aconteceu. A impossibilidade tentada do encontro entre dois seres, cada um
em seu grau, invisuais.
Duas cegueiras desgraçadas desprovidas de ferramentas adequadas para
atravessarem as encruzilhadas de cada um. Duas passagens de nível sem
anjo da guarda.
Desígnios divergentes, um almejando o pormenor, outra correndo frenética
para horizontes inexistentes.
O cheiro a acetona acentuava-se.
Dia após dia. Cada vez mais intenso.
A acetona é um solvente muito usado por mágicos nos truques em que fazem
desaparecer objectos, animais e pessoas perante o pasmo de público pouco
erudito.
Truque é ilusão. Ilusão é quimera. Quimera é devaneio.
Pouco sábias e incautas são as pessoas que não sabem da sua própria
solubilidade.
Vivem devaneios onde buscam o inatingível.
De tanto usar acetona Kin desvaneceu-se no elemento ar.
Nunca mais se deixou ver. Puf!
Enquanto permaneceu no éter - mítico elemento de propagação de luz e
odores - o cheiro agudo a acetona, Marcelino teve saudades.
Não de Kin, para ele era só mais um vulto, mas das fantásticas correrias,
eufemísticas viagens, que Kin lhe proporcionara. Durante meses padeceu de
soluços.
Kin apareceu no velório vestida de freira - old habits die hard, diz o povo –
como sempre elegantemente provinciana.
Entrou e saiu fazendo tudo o que lhe tinham ensinado em criança no que diz
respeito a velórios.
Missão cumprida.
Fui! Sussurrou Kin transpondo o portão de alumínio.
7. Éle Oh’Ni S.Torre

Muitas das vezes o simples é assustadoramente excitante.


Assustamo-nos pensando que o importante tem de se resguardar
obrigatoriamente em cláusulas, alíneas, notas remissivas. Muitas.
Tal assusta tanto que muitas vezes abdicamos de usufruir da excitação ou
trasvestimo-la em algo desinteressantemente espontâneo.
Espontâneas são as galinhas do filósofo, terá dito Marcelino certo dia à beira
de um promontório.
Sentindo-se inspirado pelo ar marítimo, terá acrescentado ainda que a
caldeirada do original pescador, contrariando o senso comum, nunca foi uma
mistura de peixes, mas sim um alimento de recurso imaginado num caldeiro
com o peixe da faina do dia, um só.
Marcelino desprezava o senso comum alcunhando-o de pensamento
emaralhado e cabotino.
Tudo em Éle Oh’Ni S.Torre, para grande espanto dos incautos, correspondia à
desassossegante mensagem babélica da correspondente carta de Tarot.
Sabido é que esse jogo esotérico não procura respostas mas sim encontra
perguntas. Éle era uma pergunta aberta em forma voluptuosa de pequena
mulher, sempre aberta, aberta.
Acomodo-me a viver nos escombros ou reconstruo tudo de novo?
Acomodo-me a viver nos escombros ou reconstruo tudo de novo?
Acomodo-me a viver nos escombros ou reconstruo tudo de novo?
Fechada em alto castro amuralhado, agrilhoada tal moura encantada, Éle
soltava a existencial pergunta aos sete céus e a todos os seus ventos. Em
silêncio. Nunca seria sirene de sereia. De vinagre doce era feita a sua força.
Só os dependentes de restrita visão, e tantos são, não acreditam na possança
vigorosa do pensamento que nem competente, hábil e afiado machado logra
cortar.
Ingredientes necessários e suficientes para Marcelino se sentir inadiavelmente
atraído por Éle:
Mulher (1)
Agrilhoada (com zelo)
Dilema (q.b.)
Cheiro de arroz, leite, açúcar e canela irmanados com sapiência em alta e
rústica fraga, que vindo das nuvens os ventos transportavam. Nada faltava.
Não seria a miopia impeditiva de Marcelino trepar à alta torre onde Éle cativa
estava. Depois de várias quedas aparatosas devido à musgosidade das pedras
resolveu parar para pensar.
E pensou:
Ponto 1.
Ícaro foi suficientemente inteligente para da cera do mel de abelhas e penas de
gaivota contruir asas.
Ponto 2.
Aqui não se avistam gaivotas, mas está ali um melro.
Ponto 3.
Ao trabalho, vou-me às asas que a morte está certa.
Nota final:
Manter sempre sobre vigia apertada a distância para o Sol.
E Marcelino voou.
Voou para a mulher que possuía todos os ingredientes de atraimento.
Mal pousou, Éle que era uma mulher aberta deu por aberta a sessão. Sessão
incessante e aberta. Tudo foi possível.
Até que… Instâncias do Alto decidiram que tinha chegado o tempo de Éle ser
livre.
Nunca se duvide do poder supremo e omnipotente das Altas Instâncias.
E a grilheta de Éle abriu-se.
A palavra FIM apareceu no ecrã.
Aquele filme, sem réplicas possíveis, era dos tais que deixa ao espectador toda
a responsabilidade para imaginar o que não foi mostrado. Uma obra de arte.
Éle Oh’Ni S.Torre entrou na capela mortuária, dirigiu-se à urna e depositou,
com a solenidade possível a quem a tudo está aberta, uma singela tijela de
doce de ginja.
Como uma oração em meia-voz proferiu:
Desculpa, mas não tive tempo para fazer arroz-doce.
Recolheu-se na última fila do balcão e ali ficou, aberta, até ao fim da função.
8. The End

Por estranho fenómeno óptico a miopia descampou pela altura do último


suspiro de Marcelino. Pela primeira vez na vida, perdão, pela primeira vez na
morte enxergava o mundo em todas as suas formas definidas e particulares
daquelas caras e corpos de mulheres, antes só vultos, de quem só conhecia as
nuances dos cheiros e as palpáveis e contornáveis curvas e recônditos e
apaladados recessos.
Quieto, muito quieto observava todas as peripécias idiossincráticas daquele
velório.
O seu.
Estava satisfeito. Tinham vindo quase todas e, bem, viúva só faz falta a que
está.
Se não tivesse morrido de morte súbita teria pedido para tocarem o My Way.
And now, the end is near
And so I face the final curtain
My friend, I'll say it clear
I'll state my case, of which I'm certain
I've lived a life that's full
I've traveled each and every highway
But more, much more than this
I did it my way
A canção do Sinatra faria um sim-senhor sentido aqui, pensava na sua serena
solidão de rei da festa, dispensava obviamente a parte do Regrets, I've had a
few.
Arrependimentos nunca os senti, talvez por ser míope. Muito míope.
E assim embarcou Marcelino para a Terra do Sei Lá onde a saúde visual não
teria qualquer relevância.
9. Nota Final

É fotográfica a minha memória, ou seja, é precisa mas tão fiável quanto


potencialmente enganadora. Quando o fotógrafo enquadra, essa é a sua arte,
tão importante como o motivo central, o dito boneco, é o que ele, da
delimitação da imagem escolhe excluir, esfumar ou remeter para dúbia vinheta
exterior. Como todas as artes, a fotografia revela selectivamente o invisível.
Esta é a minha memória. Vivo bem com ela.
Dessa memória saiu esta crónica sobre o velório do meu tio Marcelino.
Precatando desde já presumível crítica de leitores mais sensíveis por não ter
tido o cuidado e a pudicícia de encriptar o nome próprio das intervenientes - o
das cinco viúvas que compareceram a este velório - acautelando assim aquela
ínfima parcela de suas vidas em que se cruzaram com a personagem central
desta crónica, a esses o único facto que consigo encontrar para os tranquilizar
é que todas elas já não vivem na mesma terra onde estas palavras foram
escritas de memória.
Quero aqui deixar um beijo para a Dona Ivone.
Fui, tal como o meu tio Marcelino anos antes e digo-o com orgulho, objecto do
seu labor.
Foi o meu o seu último parto. Pelas suas mãos fortes vim ao mundo.
Nasci eu na Avenida São João de Deus, morreu ela na Avenida Frei Manuel
Contreiras com a linha do comboio a separar-nos, sete horas depois.
Morreu em casa, satisfeita e em paz.
Todos os anos nostálgico peregrino à sua campa em terras do Alto Minho, na
tola ilusão de rever - por alquímica reflexão sabe-se lá - espelhada em algum
lugar ou recanto verde a forma orogénica dos seus latos seios, os primeiros
que me foram dados ver, e recordar a saudosa fragância de arroz-doce em
travessa de barro que fez, também de mim, o homem que sou.

Potrebbero piacerti anche