As maneiras de cantar a liberdade foram muitas ao longo da nossa História. O grito, a
voz, o violão, a rua, o verso e a rima, o corpo a luta e o gesto. Muitos puderam a sua voz e vez cantar sua própria liberdade. Ainda é possível cantá-la? Ainda é possível vivê-la? Ainda é possível sê-la? De quais caixas somos feitos? A quantas algemas somos submetidos? De quantas prisões olhamos o Mundo? A escravidão dos preconceitos, da discriminação (você pode dar nome a eles?). O nosso próximo Sarau pretende nos perguntar (e não responder) de que formas podemos alcançar as liberdades de que somos feitos. Que possamos ouvir o som a liberdade, e que em seus ventos possa, abrir as asas sobre nós. Leve poemas... leve sua vida... faça sua vida leve... e prepare-se para encontrar-se com sua própria Liberdade!
Liberdade tinta. Fernando Pessoa Estudar é uma coisa em que está indistinta A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quanto há
bruma, Esperar por D.Sebastião, Quer venha ou não!
Ai que prazer Grande é a poesia, a bondade e as
Não cumprir um dever, danças... Ter um livro para ler Mas o melhor do mundo são as E não fazer! crianças, Ler é maçada, Estudar é nada. Flores, música, o luar, e o sol, que Sol doira peca Sem literatura Só quando, em vez de criar, seca. O rio corre, bem ou mal, Sem edição original. Mais que isto E a brisa, essa, É Jesus Cristo, De tão naturalmente matinal, Que não sabia nada de finanças Como o tempo não tem pressa... Nem consta que tivesse biblioteca... Livros são papéis pintados com
Liberdade
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza, Aqui onde há somente Ondas tombando ininterruptamente, Puro espaço e lúcida unidade, Aqui o tempo apaixonadamente Encontra a própria liberdade.
Sophia de Mello Breyner Andresen
O Último Negócio moedas. Rabindranath Tagore Mas eu voltei-lhe as costas e fui-me embora. Certa manhã ia eu pelo caminho pedregoso, Anoitecia e a sebe do jardim quando, de espada estava toda florida. desembainhada, Uma gentil rapariga chegou o Rei no seu carro. apareceu diante de mim, e disse: Gritei: Compro-te com o meu sorriso. Vendo-me! Mas o sorriso empalideceu O Rei tomou-me pela mão e e apagou-se nas suas lágrimas. disse: E regressou outra vez à sombra, Sou poderoso, posso comprar-te. sozinha. Mas de nada lhe serviu o seu poder O sol faiscava na areia e voltou sem mim no seu carro. e as ondas do mar quebravam-se caprichosamente. As casas estavam fechadas Um menino estava sentado na ao sol do meio dia, praia e eu vagueava pelo beco tortuoso brincando com as conchas. quando um velho Levantou a cabeça com um saco de oiro às costas e, como se me conhecesse, disse: me saiu ao encontro. Posso comprar-te com nada. Hesitou um momento, e disse: Desde que fiz este negócio a Posso comprar-te. brincar, Uma a uma contou as suas sou livre. Mors Liberatrix Antero de Quental (A Bulhão Pato)
Na tua mão, sombrio cavaleiro,
Cavaleiro vestido de armas pretas, Brilha uma espada feita de cometas, Que rasga a escuridão como um luzeiro.
Caminhas no teu curso aventureiro,
Todo involto na noite que projectas... Só o gládio de luz com fulvas betas Emerge do sinistro nevoeiro.
Se esta espada que empunho é coruscante,
(Responde o negro cavaleiro-andante) É porque esta é a espada da Verdade.
Firo, mas salvo... Prostro e desbarato,
Mas consolo... Subverto, mas resgato... E, sendo a Morte, sou a Liberdade. A Solidão é Sempre Fundamento da Liberdade Fernando Echevarría
A solidão é sempre fundamento
da liberdade. Mas também do espaço por onde se desenvolve o alargar do tempo à volta da atenção estrita do acto. Húmus, e alma, é a solidão. E vento, quando da imóvel solenidade clama o mudo susto do grito, ainda suspenso do nome que vai ser sua prisão pensada. A menos que esse nome seja estremecimento fruto de solidão compenetrada que, por dentro da sombra, nomeia o movimento de cada corpo entrando por sua luz sagrada. Oração Miguel Torga
Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia, A pedir-te, humildemente, O pio de cada dia. Mas a tua bondade omnipotente Nem me ouvia.
Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia De emoção. Mas um silêncio triste sepultava A fé que ressumava Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado, Saborear, enfim, O pão da minha fome. Liberdade, que estais em mim, Santificado seja o vosso nome. Evolução Antero de Quental
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incógnita floresta... Onda, espumei, quebrando-me na aresta Do granito, antiquíssimo inimigo...
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta; O, monstro primitivo, ergui a testa No limoso paúl, glauco pascigo...
Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme, Que desce, em espirais, da imensidade...
Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro E aspiro unicamente à liberdade. De que Serve a Bondade Bertold Brecht
De que serve a bondade
Quando os bondosos são logo abatidos, ou são abatidos Aqueles para quem foram bondosos?
De que serve a liberdade
Quando os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Quando só a sem-razão arranja a comida de que cada um precisa?
Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos
Por criar uma situação que torne possível a bondade, e melhor; A faça supérflua!
Em vez de serdes só livres, esforçai-vos
Por criar uma situação que a todos liberte E também o amor da liberdade Faça supérfluo!
Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos
Por criar uma situação que faça da sem-razão dos indivíduos Um mau negócio! Vivo uma Vida que não Quero nem Amo Ricardo Reis
Súbdito inútil de astros dominantes,
Passageiros como eu, vivo uma vida Que não quero nem amo, Minha porque sou ela,
No ergástulo de ser quem sou, contudo,
De em mim pensar me livro, olhando no alto Os astros que dominam Submissos de os ver brilhar.
Vastidão vã que finge de infinito
Como se o infinito se pudesse ver! Dá-me ela a liberdade? Como, se ela a não tem? Quem nos Ama não Menos nos Limita Ricardo Reis Não só quem nos odeia ou nos inveja Nos limita e oprime; quem nos ama Não menos nos limita. Que os deuses me concedam que, despido
De afetos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada. Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.
- Ela é tão livre que um dia será presa.
- Presa por quê? - Por excesso de liberdade. - Mas essa liberdade é inocente? - É. Até mesmo ingênua. - Então por que a prisão? - Porque a liberdade ofende. Clarice Lispector Para meu coração basta teu peito para tua liberdade bastam minhas asas. Desde minha boca chegará até o céu o que estava dormindo sobre tua alma.
E em ti a ilusão de cada dia.
Chegas como o sereno às corolas. Escavas o horizonte com tua ausência Eternamente em fuga como a onda.
Eu disse que cantavas no vento
como os pinheiros e como os hastes. Como eles és alta e taciturna. e entristeces prontamente, como uma viagem.
Acolhedora como um velho caminho.
Te povoa ecos e vozes nostálgicas. eu despertei e as vezes emigram e fogem pássaros que dormiam em tua alma.