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A Lenda da Imortalidade da Alma Página 1

SUMÁRIO

PREFÁCIO ...................................................................................................................................................................................5
I-Um testemunho pessoal.........................................................................................................................................5
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO AO TEMA .............................................................................................................14
I –Introdução .................................................................................................................................................................14
II–A Primeira Mentira..............................................................................................................................................14
III–Por que a mentira?.............................................................................................................................................22
IV–Como o conceito de “alma imortal” entrou no Judaísmo............................................................30
CAPÍTULO 2 – OS PAIS DA IGREJA E A IMORTALIDADE DA ALMA ...............................................38
I–Os Pais da Igreja criam na imortalidade da alma? .............................................................................38
II–A Dormição de Maria e a Imortalidade da Alma ...............................................................................49
CAPÍTULO 3 – CONCEITOS BÍBLICOS SOBRE CORPO, ALMA E ESPÍRITO ................................52
I–Conceitos com relação à alma ........................................................................................................................52
II–Qual é o conceito correto?...............................................................................................................................52
III–O que é o “espírito” [ruach] e o que é a “alma” [nephesh]? .......................................................54
IV–A morte da alma...................................................................................................................................................76
V–Conclusão ..................................................................................................................................................................95
VI–Sobre os significados secundários para a alma ................................................................................96
CAPÍTULO 4 – A CRENÇA DA IMORTALIDADE DA ALMA NO ANTIGO TESTAMENTO .104
I –Introdução ao Capítulo ...................................................................................................................................104
II–Moisés, Jó e a Imortalidade da Alma......................................................................................................105
III–Os Livros Poéticos ...........................................................................................................................................110
IV–A posição dos Livros Proféticos ..............................................................................................................121
V–Saul conversou com Samuel depois de morto? ...............................................................................124
VI–A alma no lugar de silêncio ........................................................................................................................130
VII–Conclusão ............................................................................................................................................................133
VIII–Estavam enganados os escritores do Antigo Testamento?.................................................137
CAPÍTULO 5 – A CRENÇA NA IMORTALIDADE DA ALMA NO NOVO TESTAMENTO.......147
I–Introdução ao Capítulo ....................................................................................................................................147
CAPÍTULO 5.1 – JESUS PREGOU A IMORTALIDADE DA ALMA?...............................................148
II–A Parábola do rico e do Lázaro .................................................................................................................148
III–A Origem pagã do Hades .............................................................................................................................155

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IV–O que é o Sheol? ................................................................................................................................................157
V–O Significado da Parábola .............................................................................................................................161
VI–Deus de vivos, não de mortos – Argumento contra ou a favor da imortalidade da
alma? ...............................................................................................................................................................................175
VII–Mateus 10:28 e a destruição da alma ................................................................................................178
VIII–Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso? ......................................................................................183
IX–Um espírito não tem carne e ossos .......................................................................................................197
CAPÍTULO 5.2 – O QUE JESUS REALMENTE ENSINOU?..................................................................200
X–Sobre a entrada no Reino ou na condenação....................................................................................200
XI–Sobre Imortalidade e Vida Eterna .........................................................................................................209
XII–Sobre o Estado Final dos ímpios ...........................................................................................................211
XIII–A Ressurreição de Lázaro ........................................................................................................................212
CAPÍTULO 5.3 – OS APÓSTOLOS PREGAVAM A IMORTALIDADE DA ALMA? ................217
XIV–Atos dos Apóstolos.......................................................................................................................................217
CAPÍTULO 5.4 – PAULO PREGOU A IMORTALIDADE DA ALMA?............................................226
XV–Ausente do corpo e presente com Cristo .........................................................................................226
XVI–A realidade da ressurreição em contraste com a alma imortal........................................238
XVII–A consolação do apóstolo Paulo aos Tessalonicenses ..........................................................246
XVIII–“Buscando” aquilo que nós já temos? ...........................................................................................251
XIX–Deus, o único que possui a imortalidade ........................................................................................254
XX–Levou cativo o cativeiro..............................................................................................................................257
XXI–A Bíblia e as Experiências Fora do Corpo.......................................................................................261
XXII–A Entrada no Reino é somente na Ressurreição ......................................................................263
XXIII–Últimas considerações dos ensinos de Paulo contra a imortalidade da alma......272
CAPÍTULO 5.5 – AFINAL, ALGUM APÓSTOLO PREGOU A IMORTALIDADE DA ALMA?
.................................................................................................................................................................................................278
XXIV–O autor desconhecido de Hebreus também desconhecia a Imortalidade da Alma
.............................................................................................................................................................................................278
XXV–Pedro pregou a Imortalidade da Alma? .........................................................................................290
XXVI–João pregou a Imortalidade da Alma? ...........................................................................................301
XXVII–Mais pilares do imortalismo sendo derrubados ...................................................................305
CAPÍTULO 6 – O SONO DA MORTE .....................................................................................................................320
I–A Metáfora do Sono............................................................................................................................................320
II–O “dormir” é referência somente para o corpo?.............................................................................324

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CAPÍTULO 7 – A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS.......................................................................................330
I-A Ressurreição é Física?...................................................................................................................................330
II–O que é a “Ressurreição”?.............................................................................................................................342
III–A recompensa é no momento da morte ou somente na ressurreição? ..........................344
IV–Morte – o maior inimigo ..............................................................................................................................346
V–O que acontece na Ressurreição? ............................................................................................................347
CAPÍTULO 8 – A DOUTRINA DO INFERNO E DOS ACONTECIMENTOS FINAIS ...................359
I-Introdução ao Capítulo .....................................................................................................................................359
CAPÍTULO 8.1 – INFERNO: TORMENTO ETERNO OU ANIQUILACIONISMO? .................362
II–Conceitos errôneos sobre o Inferno ......................................................................................................362
III–O Repertório Bíblico de Aniquilamento.............................................................................................364
IV–Analisando as passagens utilizadas pelos imortalistas ............................................................374
V–O Aniquilamento dos Ímpios ......................................................................................................................396
VI–A Lei da Proporcionalidade .......................................................................................................................411
VII-A Lei Moral ..........................................................................................................................................................420
VIII–Conclusão ..........................................................................................................................................................423
CAPÍTULO 8.2 – OS ACONTECIMENTOS FINAIS...................................................................................426
I–Onde passaremos a eternidade? ................................................................................................................426
II-Novos Céus e Nova Terra ..............................................................................................................................429
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................................................................434

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PREFÁCIO

I-Um testemunho pessoal

“Se as pessoas que morreram em Cristo já estão no Céu, então qual a necessidade da
ressurreição? Por que elas precisariam deixar o Céu, voltar para o corpo sepultado,
ressuscitar novamente e retornar para o Céu? Será que é por causa deste ‘dilema
doutrinário’, impossível de ser resolvido, que não se vê muita pregação sobre a ressurreição
nas igrejas cristãs que creem no estado consciente dos mortos?”1

Quem estiver lendo este livro pela primeira vez pode se surpreender em saber que seu
autor não é adventista ou testemunha de Jeová, mas um evangélico comum que cria na
imortalidade da alma, a exemplo do que a grande maioria dos evangélicos ainda creem. A
noção de que Deus tenha implantando um elemento imortal no homem, que sobrevive à
parte do corpo na morte e volta para Deus em estado incorpóreo esperando a ressurreição
em um estado intermediário é ponto de fé em muitas religiões, inclusive cristãs.

Nasci e cresci aprendendo a doutrina da imortalidade da alma. Talvez a primeira coisa que
eu tenha ouvido sobre a morte é que a alma é imortal. Sobre ressurreição? Não, isso não
era muito importante. Um mero detalhe desnecessário e de menor importância , que não era
muito ressaltado nas igrejas. Tinha apenas um leve conhecimento sobre ressurreição, mas
sobre imortalidade da alma estava na ponta da língua. Fui doutrinado, tanto pelas igrejas
que eu frequentava quanto pelos sites apologéticos evangélicos na internet, que a a lma era
imortal.

Quando comecei a construção de meu primeiro site 2 , em 2009, eu dediquei uma página
para “provar” a imortalidade da alma, baseando-me naquelas mesmas meia dúzia de
passagens bíblicas isoladas que todo bom imortalista sabe de cor: partir e estar com Cristo,
as “almas” debaixo do altar clamando vingança, o ladrão da cruz, a parábola do Lázaro, os
espíritos em prisão, etc. Passava essas passagens no site achando que era tudo aquilo que
a Bíblia tinha a dizer sobre o tema. E, nos debates, sustentava essa mesma posição.

Antes de contar como que eu deixei de crer na imortalidade da alma, será necessário
começar contando como que tudo começou. Uma daquelas pergunta s que todo cristão tem
em mente mas que apenas alguns poucos têm coragem de assumi-la é sobre como que um
Deus cheio de amor, graça, justiça e misericórdia poderia deixar queimando literalmente
entre as chamas de um lago de fogo e enxofre por toda a eternidade os pecadores que
durante alguns anos não serviram a Cristo em suas vidas terrenas.

Não é preciso ser um filósofo para entender que tal punição seria injusta. Um tormento
infinito por pecados finitos não entrava na minha cabeça, pelo menos não com o Deus que
nos é revelado nas Escrituras, que tanto amou o mundo ao ponto de dar o Seu único Filho
por todos nós. Se nem eu ou você seríamos tão cruéis e implacáveis ao ponto de mandar o
nosso maior inimigo para literalmente as chamas de um fogo eterno, para sofrer
terrivelmente para sempre e sem volta, quanto menos Deus, que ama muito mais essa
pessoa do que eu ou você!

1 MEDEIROS, Gilson. Jesus falou mais sobre o inferno do que sobre o Céu. Será? Disponível em:
<http://prgilsonmedeiros.blogspot.com.br/2009/07/cuidado-com-o-fogo-do-inferno.html>. Acesso em:
22/08/2013.
2 apologiacrista.com

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As explicações que ouvia sobre isso não me eram satisfatórias. Uns diziam que o inferno foi
criado para o diabo e seus anjos, e que “por acidente” os não -cristãos vão acabar
partilhando do destino do diabo e seus anjos. Mas como Deus é onisciente e sabia muito
bem de todo o desenrolar da história humana antes mesmo de criar o homem, fica ainda
mais incoerente crer que ele não tenha previsto esse inferno de tormento eterno para os
homens pecadores. Na verdade, essa explicação não ajudava nada.

Por esta época, eu comecei a me aventurar a ler vários daqueles relatos de vida após a
morte. Li desde pessoas que supostamente foram ao Céu, até pessoas que passaram pelo
inferno e voltaram (há também pessoas que dizem ter visitado o purgatório e o limbo) .
Claro que a maior ênfase e quantidade de relatos era deste último, o inferno. Li desde as
visões de Santa Faustina do inferno, até a “divina revelação do inferno” de Mary Baxter, os
“23 minutos no inferno” de Bill Wiese, dentre muitas outras “revelações”, as quais eu me
amarrava, e tinha toda a credulidade do mundo de que tais visões eram reais.

Na época, eu não tinha qualquer conhecimento bíblico sério sobre o que era realmente o
inferno bíblico, apenas tinha aquela visão tradicional de inferno, herdada a nós pela Igreja
Católica na Idade Média, ao maior estilo “Comédia de Dante”. Para mim, o inferno era um
local subterrâneo, onde as almas ou espíritos imortais dos pecadores desciam, e lá eram
atormentados por demônios, por fogo, por torturas colossais de todos os tipos. O inferno
era praticamente uma Disneylândia do demônio, que se divertia à beça torturando os
pecadores.

Em outras palavras, ao invés de o inferno ser uma punição para o demônio (pois
foi “preparado para o diabo e seus anjos” – cf. Mt.25:41), era uma total curtição para ele.
Mas não era somente isso que me estranhava nestes relatos “infernais”. Não era preciso ter
nenhum conhecimento teológico para perceber que os relatos eram sempre contraditórios
entre si (portanto, mutuamente excludentes), e em quase todos os casos as pessoas
encontravam por lá personagens famosos, como Michael Jackson, John Lennon, o papa João
Paulo II, dentre outros. E os “espíritos”? Estes sangravam, vestiam roupas humanas,
tinham até pele e ossos.

Tudo isso me parecia muito estranho, para dizer pouco. Mas o ponto em comum em todas
as visões do inferno é que a pessoa que foi supostamente levada até lá estava ao lado de
Jesus, que se mostrava profundamente triste com o sofrimento daquelas pessoas, quase
que arrependido, como se não tivesse sido ele próprio que tivesse preparado aquele lugar e
soubesse de antemão o destino que os não-salvos teriam ali. Mas dizia que naquele
momento já não restava mais nada a ser feito, pois aquelas pessoas já estariam
condenadas para passarem toda a eternidade naquele lugar. Apenas mais tarde fui entender
que os mortos só serão julgados e condenados na segunda vinda de Cristo (cf. 2Tm.4:1;
Jo.5:28,29; At.17:31).

Contudo, ao invés de me conformar com essa explicação, isso piorava ainda mais as coisas,
pois passava a ideia de um Deus que é incapaz de solucionar os problemas ou resgatar as
pessoas daquele lugar terrível, que sabia premeditadamente que aquelas pessoas iriam
para aquele lugar, e, ao invés de decretar um juízo justo e correspondente aos pecados de
cada um, decide por um tormento eterno para todos, indiscriminadamente. Um rapaz de
doze anos que não conheceu Jesus teria a mesma pena de Adolf Hitler, que exterminou os
judeus.

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O diabo, autor do pecado e que peca desde o princípio (cf. 1Jo.3:8), ficaria se divertindo
torturando aqueles que pecaram somente durante algum tempo. Todas as respostas que lia
e ouvia não serviam para melhorar a situação, mas apenas serviam para acentuar o
problema. A base filosófica podia às vezes parecer racional, mas nunca atingia o cerne da
questão. E, com medo de questionar se isso é justo ou não e ir parar neste local infernal,
tinha receio de questionar o próprio Deus sobre isso, ou de perguntar a outras pessoas.

Afinal, o motor que rege muitos crentes para viverem certinho não é Deus ou a vida eterna,
é o fogo do inferno. Muitos crentes querem ser santos à marra, por força de obrigação e
não por livre e espontânea vontade de amar a Deus, porque tem medo de morrer no
pecado e irem parar neste local infernal. Sendo assim, a real motivação para servir a Cristo
acaba sendo escapar do inferno, e não encontrar seu Salvador. Para elas, se um tormento
eterno não existisse, valeria mais a pena viver no pecado!

E cristãos firmados sobre o medo do inferno não são cristãos verdadeiros. O cristão tem que
estar firmado em Cristo, e somente nEle. Mas isso é muito difícil para alguém que tem em
mente a ideia de que, se cometer algum deslize, tem um local embaixo da terra com vários
seres passando por tormentos colossais nas mãos de criaturas demoníacas com um garfo
na mão, junto a um fogo que queima espíritos incorpóreos para sempre.

Seria mais justo que Deus punisse cada pecador com o tanto correspondente aos seus
pecados do que enviar todos juntos para uma mesma condenação de um tormento infinito
por pecados finitos. Da mesma forma que eu considerava injusto que não houvesse castigo
nem punição pelos pecados, igualment e achava injusto que essa punição fosse eterna para
todos, indistintamente. A solução para isso seria um castigo proporcional aos pecados de
cada um, e não uma extinção de vida antes de pagar pelos pecados, e muito menos um
tormento eterno, que só serviria para perpetuar o pecado, os pecadores, o mal, as
blasfêmias e o tormento no Universo para sempre, ao invés de eliminá -lo de uma vez por
todas.

Foi então que, lendo um artigo do doutor Samuele Bacchiocchi ( o qual eu faço questão de
citar neste livro em várias ocasiões), eu descobri a verdade sobre o inferno, que consiste
em um castigo proporcional às obras e em aniquilacionismo, e não em um tormento
eterno. É claro que isso não era tudo. Comecei a estudar o assunto e perceber a falácia dos
argumentos imortalistas para um tormento eterno, os quais serão examinados ao longo
deste livro. Descobri, então, que Deus não castiga da mesma forma todos os pecadores com
um tormento eterno para todos indistintamente, mas pune a cada um com o tanto
correspondente pelos seus pecados.

Descobri que Deus não dá “infinitos açoites” em ninguém, mas que uns receberão “muitos
açoites” (cf. Lc.12:47), enquanto outros, por sua vez, receberão “poucos açoites” (cf.
Lc.12:48). Descobri, finalmente, a linguagem bíblica que expressa de maneira grandiosa a
justiça de Deus: que os ímpios serão castigados pelo tanto correspondente aos seus
pecados e, em seguida, eliminados, e não atormentados para sempre.

Essa descoberta foi duplamente libertadora: primeiro, me libertou de um engano bíblico


tremendo que é a crença em um inferno de tormento eterno e consciente, baseando -me em
uma ou outra passagem isolada, quando a Bíblia por completo rejeita tal doutrina. Segundo,
ela me libertou de outro tormento, o psicológico, pois pude ver novamente como que o

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amor e a justiça de Deus andam de mãos dadas, e que Ele não é incoerente com relação ao
destino eterno dos perdidos. Como o próprio Bacchiocchi disse, “a recuperação do ponto de
vista bíblico do juízo final pode soltar a língua dos pregadores, porque podem pregar esta
doutrina vital sem receio de retratar a Deus como um monstro” 3 .

Mesmo após crer na crença bíblica da destruição eterna dos ímpios e rejeitar a tese do
tormento eterno, o fato é que eu continuei crendo no estado intermediário, onde as almas
dos justos já estariam com Deus e as dos ímpios já estariam no inferno (ainda que não seja
eternamente). Sim, é incoerente crer nisso, pois se a alma sobrevive à morte do corpo é
porque ela não morre; ou seja, que ela é imortal. Mas se ela morre na segunda morte,
então ela não é imortal! Em outras palavras, crer que a alma sobrevive a pós a morte e ao
mesmo tempo crer que ela perecerá no dia do juízo é ser incoerente: seria o mesmo que
dizer que a alma morre e não morre, que ela é e não é imortal.

Portanto, de duas, uma: ou a crença no tormento eterno do inferno é verdadeira, ou então,


se não é, a própria imortalidade da alma em um estado intermediário é falsa. Demorou
mais algum tempo para descobrir isso, e dessa vez a bomba veio com um
nome: ressurreição dos mortos! Sim, essa crença tão esquecida e praticamente abandonada
pelos pastores e igrejas em nossos dias foi exatamente aquilo que me levou rejeitar a
imortalidade da alma.

É certo que as igrejas que pregam a imortalidade da alma, em sua maioria, não rejeitam a
ressurreição dos mortos. Porém, isso não muda o fato de que ambas as doutrinas são
mutuamente excludentes. Os gregos da época de Cristo, que difundiram enormemente a
tese da alma imortal para o mundo, não criam na ressurreição dos mortos, e por isso
zombaram de Paulo no Areópago (cf. At.17:32). O teólogo luterano Oscar Cullmann logo
percebeu esse contraste e escreveu o livro: “Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos
Mortos?”, onde ele aborda tal contraste abismal entre ambas as doutrinas.

O fato é que a imortalidade da alma anula completamente o valor e a importância (e


principalmente a necessidade) da ressurreição. Prova disso é que raramente se vê
pregações colocando o foco na esperança da ressurreição nos dias de hoje. Desde quando a
doutrina pagã na imortalidade da alma entrou no Cristianismo, o foco passou a ser a
esperança da imortalidade da alma, e não mais a esperança de ressurgir dentre os mortos
na manhã da ressurreição do último dia. O foco mudou completamente.

Da Igreja Primitiva, onde nunca se ouviu falar de “alma imortal” [psiquê athanatos], e que
pregava que a única esperança dos cristãos era na ressurreição, para a igreja atual, onde
não se ouve mais pregações sobre a ressurreição, onde ninguém fala que a sua maior
esperança é em ressuscitar dos mortos, onde a crença na alma imortal suprimiu a crença
fundamental na ressurreição. Rejeitar a imortalidade da alma não é apenas repudiar uma
doutrina falsa oriunda do paganismo grego, mas é engrandecer e enaltecer novamente a
ressurreição dos mortos, assim como era crida na Igreja primitiva.

Diante disso, chegou o dia em que eu parei para ler 1ª Coríntios, capítulo 15. Nunca vou me
esquecer daquele dia. Nunca algum capítulo mexeu tanto comigo. A cada verso que lia, a
cada compreensão do ensino de Paulo sobre a ressurreição, eu ficava admirado, e ao
mesmo tempo espantado – como nunca havia percebido aquilo antes? Era difícil acreditar

3 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o


destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
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que a Igreja se distanciou tanto daquele ensino. Era difícil acreditar que a cada versículo eu
me convencia cada vez mais que imortalidade da alma não condiz com ressurreição dos
mortos.

Confesso que fiquei pálido quando li no verso 18 Paulo dizendo que, se não fosse pela
ressurreição, os que dormiram em Cristo já pereceram. Confesso que fiquei mais pálido
ainda quando li no verso seguinte que a nossa esperança em Cristo se limitaria some nte a
esta presente vida, se não existisse a ressurreição. Quanto mais eu lia, mais me convencia
que, se não fosse pela ressurreição do último dia, não existiria nada depois da morte. Tanto
é que Paulo diz que, sem ressurreição, seria melhor comer, beber e depois morrer (v.32), e
estaríamos correndo perigos à toa (v.30).

Nunca havia visto um imortalista pregar essas passagens. E até hoje nunca vi alguém as
explicar satisfatoriamente, à luz de sua crença na imortalidade da alma. Afinal, Paulo
poderia ter dito que viveríamos no Céu do mesmo jeito sem a ressurreição, estando com
nossas almas no Paraíso sem um corpo. Para os imortalistas, a ressurreição é isso: um
detalhe desnecessário. Para que ressusc itar um corpo morto, se já estaríamos no Céu? De
qualquer forma, na teologia imortalista, a ressurreição é desnecessária e inútil, pois
estaríamos com Deus no Céu com ou sem um corpo físico glorioso.

Estaríamos desfrutando das delícias do Paraíso para sempre, do mesmo jeito. Estaríamos
com Deus eternamente, independentemente de um corpo se levantar dos mortos ou não.
Mas, se a alma não é imortal, então a ressurreição é totalmente necessária. Sem ela, os
mortos já teriam perecido para sempre (v.18). Sem ela, não haveria outra vida após a
morte, e a nossa esperança seria somente esta vida presente (v.19). Sem ela, é inútil sofrer
perseguições por amor a Cristo (v.30). Sem ela, a própria vida é inútil (v.32). Quanta
diferença entre imortalidade da alma e ressurreição dos mortos!

Depois, li os versos 51-54, onde vejo Paulo dizendo que seremos dotados de imortalidade
somente após a ressurreição, pois ela não é algo que já trazemos conosco em nossa
natureza no presente momento. E vejo também que a morte não é a libertadora da alma
imortal, mas o maior inimigo a ser venc ido (vs. 54-55), e que só é tragada na ressurreição
(v.54). Quão importante, gloriosa e fundamental é a ressurreição!

Quando descobri o valor da ressurreição no Cristianismo, o tanto que ela é importante e


como ela foi sendo tão sistematicamente abandonada até chegar aos nossos dias (a tal
ponto que raramente se vê pregações sobre a ressurreição hoje em dia), tentei entender o
porquê que ela foi tão esquecida. Afinal, isso tudo não poderia ter acontecido do nada, sem
uma razão de ser. Ao lermos o livro de Atos vemos que em 2/3 das ocasiões em que a
palavra “esperança” entra em cena ela está relacionada à esperança da ressurreição dos
mortos, no último dia.

O próprio Paulo disse que “nessa esperança”, isto é, na esperança da “redenção do nosso
corpo”, é que “fomos salvos” (cf. Rm.8:24), que tinha “a mesma esperança desses homens,
de que haverá ressurreição tanto de justos como de injustos” (cf. At.24:15), e de que
estava sendo julgado “por causa da minha esperança na ressurreição dos mortos” (cf.
At.23:6). Se a esperança da ressurreição era o foco da Igreja primitiva e foi perdendo
espaço até os dias atuais, é porque algo aconteceu, porque alguma outra coisa foi ganhando
este espaço.

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E, ao estudarmos a história da Igreja, vemos que no final do século II os filósofos cristãos,
admiradores da filosofia de Platão, decidiram criar um meio de tentar conciliar o ensino da
ressurreição com a imortalidade da alma, inventando um estado intermediário, onde as
almas esperariam em forma incorpórea a ressurreição dos seus corpos. A partir de então, a
imortalidade da alma foi ganhando cada vez mais espaço, e a ressurreição perdendo cada
vez mais. Pois, se a alma já vai para o Céu sem a necessidade da ressurreição, para que
existe ressurreição? A ressurreição seria desnecessária, pois já estaríamos na glória ou pelo
menos assegurados entre os salvos.

E tudo aquilo que Paulo disse aos coríntios em 1ª Coríntios 15 perderia completamente o
sentido e a razão de existir. Ao invés de Paulo estar pregando a necessidade da
ressurreição, ele estaria simplesmente pregando a existência dela. A ressurreição que a
Bíblia ensina é uma ressurreição não apenas física e real, mas necessária e fundamental. A
ressurreição crida pelos imortalistas, no entanto, é inútil e desnecessária (pois já estaríamos
no Céu antes dela e continuaríamos lá sem ela, mesmo se ela nunca existisse).

Esse evidente contraste entre os pontos de vista mortalista e imortalista em relação à vida
após a morte fica ainda mais acentuado quando vemos que, se de fato é apenas na
ressurreição que ganhamos vida, então essa deve ser a nossa maior esperança, mas se a
nossa alma já está no Céu antes dela e sem a necessidade dela, então a nossa esperança
não é a ressurreição dos mortos, como tão insistentemente pregava m os apóstolos, mas a
imortalidade da alma.

E é neste espantalho criado pelos imortalistas e apelidado de “ressurreição” que eles


acreditam: uma ressurreição desnecessária, sem razão lógica de existir, em que viveríamos
muito bem sem ela e onde é absurdo colocar “esperança” numa tão simples religação de
corpo com alma por ocasião da segunda vinda de Cristo. A maior razão deste livro existir
não é dizer que a alma morre, mas é anunciar a verdadeira ressurreição, retornando às
raízes da esperança cristã primitiva, voltando aos primórdios de quando a imortalidade da
alma estava das portas para fora da Igreja, e por essa mesma razão a ressurreição era o
foco de todo o pensamento apostólico e neotestamentário.

Para o inimigo, bastou inventar a mentira de que “certamente não morrerás” (cf. Gn.3:4),
que o homem rapidamente deixou de lado, arquivado em algum lugar, a sua crença numa
ressurreição vindoura. Bastou ensinar que a alma não morre para trazer junto consigo todas
as outras heresias que vemos hoje: oração pelos mortos, culto aos mortos, intercessão dos
santos falecidos, reencarnação, consulta aos espíritos, purgatório, limbo, dentre outras
inúmeras heresias perpetuadas até os dias de hoje, tendo todas elas essa mesma base
inventada pelo maligno, de que existe vida consciente entre a morte e a ressurreição.

O que vemos, na verdade, é que todas as heresias têm como fundamento a crença de que a
alma sobrevive após a morte. Sem ela, nenhuma das maiores heresias citadas acima
existiria. Sem ela, Satanás não teria um pretexto para fazer com que o povo ascenda velas
aos mortos, beije imagens deles, se prostre diante delas, reze a alguém que já faleceu, ore
por eles ou os consulte. A imortalidade da alma foi a primeira mentira inventada por
Satanás na história da humanidade (cf. Gn.3:4), porque ela é a base e o fundamento de
todas as demais mentiras.

Na verdade, a maioria dos evangélicos perde tempo enquanto refuta a crença no purgatório,
intercessão dos santos, imagens, idolatria, culto aos mortos, dentre tantas outras heresias,

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pois elas são apenas a consequência de uma heresia maior. Todas elas
são consequências da crença na imortalidade da alma. Destruindo essa maior mentira,
todas as outras mentiras secundárias caem por terra, sem fazer qualquer esforço, como em
um efeito dominó. Enquanto os evangélicos apenas atacarem essas doutrinas em si
mesmas, não estarão fazendo qualquer progresso. Só conseguirão quando perceberem que
o mal só é cortado se for pela raiz: quando destruirmos a base e o fundamento de todas
essas heresias, que é precisamente a imortalidade da alma.

Em resumo, aqui escreve alguém que sempre foi doutrinado com os ensinos de imortalidade
da alma e tormento eterno, que sempre frequentou igrejas que criam e creem nisso, que
sempre ouviu isso a vida inteira, aí veio a Bíblia e mudou tudo. Como é que isso ocorre?
Somente quando estamos com a mente aberta para a verdade. O curioso é que eu já havia
lido 1ª Coríntios 15 diversas vezes antes daquele dia. Por que nunca havia notado nada
“diferente”? Porque estava com a mente fechada para a verdade.

Enquanto eu estava apenas seguindo uma orientação religiosa proveniente de tradições


humanas denominacionais de uma igreja X ou Y, eu podia ler mil vezes aquele capítulo, que
iria estar como que com um “véu” espiritual me cobrindo. Mas, uma vez que dispus em meu
coração o interesse de descobrir a verdade, e nada além da verdade bíblica, eu conheci a
verdade, e a verdade me libertou. Todos se deparam com a verdade, mas apenas alguns
poucos estão realmente abert os a aceitá-la. Da mesma forma que Cristo bate na porta do
coração de cada um de nós, mas só o aceitamos se estivermos dispostos a isso ( cf.
Ap.3:20), o mesmo acontece com as verdades bíblicas. Certa vez um amigo meu comentou
o seguinte:

“Sabe o que acontece, Lucas? O problema é que a gente pode até ampliar alguma coisa
sobre isso, mas não vai pegar. Você, e nem eu, ou quem quer que seja, consegue falar tão
alto. A coisa talvez até mude, talvez, se quem padronizou o mandamento, no caso a Igreja
Católica, reverter o quadro, dizendo que houve um erro. Muitos recebem as mudanças com
alegria, satisfação, concordando com tudo, mas em apenas alguns dias elas voltam à crença
comum. Pode-se encher isso aqui de textos e mais textos que convençam as pessoas que
nada vai resolver. Que se encha isso aqui de argumentos que nos deixem com olhos
lacrimejantes de satisfação, com apenas dez dias sem tocar no assunto, as pessoas são
novamente empurradas para a crença tradicional ensinada há milênios, no que se refere a
esses assuntos”

Essa é a mais pura verdade, e é o que eu mais constato nestes tempos em que eu debato
sobre isso. A maioria das pessoas não segue a Bíblia, segue uma religião. Não segue Cristo,
segue o ensino denominacional mais tradicional. Não falo mal e nem quero desmerecer
nenhuma denominação, mas a verdade está somente na Bíblia. Isso vale tanto para
católicos, como principalmente para os evangélicos, que dizem seguir a Sola Scriptura.

O que vemos é que muitas pessoas não estão com a mente aberta para decidir pela
verdade bíblica. Elas já têm uma verdade pré-estabelecida na mente delas, oriunda da
tradição da igreja X, e defendem essa tradição com unhas e dentes, usando a Bíblia não
para descobrir a verdade que está nela, mas somente para encontrar pretexto s e passagens
que possam corroborar com a crença da tradição. Ao invés de fazerem um estudo sério e
honesto, com a mente totalmente aberta para a verdade, elas já estão com uma verdade
pré-concebida na mente delas, e buscam apoio para essa verdade na Bíblia.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 11


Em outras palavras, a Bíblia não é a fonte da verdade para essas pessoas. A fonte da
verdade é a tradição denominacional, e a Bíblia é apenas um meio para dar pretextos para
essa crença. Sendo assim, não me assusta que tantas pessoas leiam 1ª Coríntios 15 a
exemplo de como fazem com inúmeras outras passagens das Escrituras que desmentem
claramente a imortalidade da alma, mas elas continuam batendo nessa mesma tecla.

Enquanto eu estive com a mente fechada, ainda que lesse 1ª Coríntios 15 ou ouvisse fala r
sobre ressurreição, não a compreendia. Era como os discípulos, que ouviam Jesus falando
explicitamente a eles que iria morrer e ressuscitar ao terceiro dia, mas mesmo sendo assim
tão claro, eles mesmo assim não entendiam, pois o seu entendimento estava e ncoberto (cf.
Lc.9:45). Porém, quando estive com a mente aberta para a verdade, a quantidade
insuperável de evidências bíblicas era tão grande que precisei fazer um livro sobre isso.

Com a mente aberta para a verdade bíblica, não foi difícil achar uma riqueza bíblica que eu
jamais teria descoberto se não me lançasse nas Escrituras e mergulhasse nelas. Jamais
teria descoberto tudo isso se não fosse por estar com a mente aberta para a verdade
bíblica. É claro que a ajuda de apologistas experientes me ajudara m bastante neste
processo. Tenho que ser grato a Azenilto Brito (que gentilmente me apresentou o livro de
Bacchiocchi e que me ajudou muito com os seus brilhantes artigos sobre o tema), a
Samuele Bacchiocchi, a Leandro Quadros, a Oscar Cullmann e a tantos outros, em suas
maravilhosas defesas deste ponto sobre a vida após a morte .

Porém, acima de tudo, tenho que ser agradecido a Deus, por ter nos dado a Sua Santa
Palavra. Eu não tive nenhum sonho, nenhuma revelação, não vi Deus, não tive contato com
um anjo poderoso com uma espada na mão, não fui alvo de uma profecia e nem fui
arrebatado ao terceiro céu. Tudo isso que eu descobri não foi de alguma forma
extraordinária: foi somente lendo a Bíblia. Algo tão simples, mas tão pouco praticado por
muitos.

Fico imensamente agradecido ao Senhor por ter me dado a honra de militar por essa
doutrina tão abandonada de nossas igrejas nos dias de hoje, chamada ressurreição dos
mortos, e de poder combater a raiz de todas as heresias e a primeira de todas as mentiras,
chamada imortalidade da alma. É claro que isso me custou caro. Muito caro. Já fui chamado
de “herege” por causa disso não poucas vezes. Muitos outros evangélicos perdem o
prestígio e consideração que tem por mim por verem que eu prego uma coisa que vai
contra a tradição da igreja deles. Já sabia desse risco desde o início.

Se eu quisesse agradar a homens, estaria pregando aquilo que todo mundo gostaria de
ouvir. Se eu quisesse agradar a homens, estaria ensinando que “certamente não morrerás”.
Se a minha intenção em Cristo fosse de fazer amigos que dessem um tapinha nas costas e
me apoiassem em tudo o que eu dissesse, certamente estaria pregando que possuímos uma
alma, e não que somos uma (cf. Gn.2:7). Esse é o preço pago por pregar a verdade, e sei
que pagarei esse preço até o fim da minha vida.

Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se
tão somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me
confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus. E, por essa mesma graça, hoje eu
fico muito feliz em ver que tantas pessoas já se libertaram dessa doutrina pagã, e hoje
estão livres para pregar a ressurreição e a vida em Jesus Cristo.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 12


E eu não sou o único. Poderia passar todo o dia mostrando inúmeros teólogos de diferentes
segmentos religiosos evangélicos imortalistas, mas que, através de uma leitura sincera e
honesta das Escrituras, adotaram a postura bíblica da mortalidade natural da alma humana.
Poderíamos referir aqui os nomes de Oscar Cullmann, Clark Pinnock, John Stott, John
William Weham, Edward Green, Philip Hughes, David Edwards, Basil Atkinson, Greg Boyd,
William Branham, Harold Camping, Charles Fitch, Roger Foster, Fudge Edward, Charles
Gore, Henry Grew, Homer Hailey, Emmanuel Pétavel-Olliff, Oliver Chase Quick, Ulrich Ernst
Simon, George Storrs, William Temple, dentre tantos outros eruditos e teólogos de renome,
que não eram adventistas nem testemunhas de Jeová, e que, mesmo fazendo parte de
denominações que pregavam a imortalidade da alma, adotaram a postura de mortalidade
da alma após um exame bíblico sério e honesto consigo mesmos.

Todos eles poderiam ter mantido a sua crença na imortalidade da alma, o que seria muito
mais fácil e confortável para eles. Mas, mesmo sofrendo não poucas vezes a oposição e
perseguição de ataques contrários, eles não puderam fechar os olhos para as tão grandes e
notáveis evidências bíblicas que combatem tão fortemente a crença na imortalidade da
alma, que pode até enganar a muitos com uma dúzia de versos isolados sem exegese , mas
que dificilmente resiste a um exame bíblico criterioso respeitando as normas da
hermenêutica bíblica.

É claro que ainda existem aqueles que hesitam, que perseguem, que chamam os outros de
hereges sem examinar a si mesmos, que olham torto, que são fechados para a verdade ou
que lerão este livro meramente na intenção de refutá-lo. Isso sempre existiu, e sempre
existirá. Paulo foi debochado pelos gregos, porque pregava a ressurreição dos mortos, e
eles a imortalidade da alma (cf. At.17:32). Por isso, não é de se surpreender que a mesma
coisa aconteça nos dias de hoje.

Mas a minha alegria é ver que não estou sozinho nesta batalha – estou cercado de tão
grande nuvem de testemunhas, entre leigos e eruditos, das mais diferentes denominações
religiosas, que cada vez mais estão abrindo os olhos para a verdade e se libertando do
engano. Destes, sou apenas mais um militante. Apenas mais um que, ao inv és de iludir
você dizendo que certamente não morrerás, digo que Deus é o único que possui a
imortalidade, mas que Cristo é a ressurreição e a vida.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 13


CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO AO TEMA

I –Introdução

“Nenhuma das minhas publicações provocou tal entusiasmo ou tão violenta hostilidade” 4 .

É assim que Oscar Cullmann, renomado teólogo suíço, definiu o seu livro ferrenhamente
atacado: “Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos mortos?”, após uma mudança de
posição e consciência sobre a vida pós-morte. A ideia de imortalidade inerente está
enraizada nas principais religiões do mundo, mas atualmente cresce o número de eruditos
que, lendo a Bíblia, abandonam tal crença. O que leva tantos teólogos na atualidade, como
Oscar Cullmann, Clark Pinnock, John Stott, John William Weham, Edward Green, Philip
Hughes, David Edwards, entre muitos outros, a abandonarem a visão de estado
intermediário e de eternidade no lago de fogo, se nasceram aprendendo que tais crenças
eram verdadeiras e apenas as “seitas heréticas” pregavam o contrário? Simplesmente,
continue lendo. Você vai entender!

II–A Primeira Mentira

“Certamente não morrerás” (cf. Gênesis 3:4)

Não é a toa que a crença na imortalidade da alma está presente em praticamente todas as
religiões pagãs. Todos sabem que existem principados (demônios) atuando por trás dos
grandes sistemas religiosos, que monitoram, regem, comandam e perpetuam esses
enganos. Muitas mentiras foram implantadas nas raízes da Igreja ao longo dos séculos, e
como a tradição foi tendo um valor doutrinário cada vez mais acentuado e muito maior do
que a própria Escritura Sagrada, estes enganos passaram a atuar nos cristãos como
verdades independentes da Bíblia.

A justificação ficou por obras, o evangelho deixou de ser “Cristocêntrico”, os que morreram
passaram a ser intercessores, a ressurreição dos mortos começou a perder a sua
importância, a salvação da alma poderia perfeitamente achar-se por meio da venda de
indulgências, a Santa Inquisição tratou de “dar um fim” em quem fosse contra os dogmas
sagrados da tradição e o evangelho puro, simples, sincero e verdadeiro, que não estava
sujeito a acréscimos (cf. Gl.1:8), começou a se desviar do Caminho, do foco, daquilo que
lhes foi originalmente pregado por Cristo e pelos apóstolos.

Ao longo dos séculos, muitos enganos e mentiras foram perspicazmente sendo infiltrados na
Igreja, e o evangelho estava gritantemente angustiado por uma Ref orma. Como os dogmas
não podiam ser contestados (eram “infalíveis” por meio do Magistério), ninguém ousava
contrariar aquilo que lhes era dito. E, se alguém ousasse tanto, poderia ser queimado ou
torturado, intitulado como herege e inimigo público da Santa Sé. É claro que existia um
livro, que foi praticamente reprimido das mãos do povo, livro este que continha aquilo que
foi originalmente anunciado, que continha o evangelho puro, sincero, da maneira como era
no início.

4 CULLMANN, Oscar. Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos? Disponível em:


<http://www.mentesbereanas.org/download/imort-ressur_folheto.pdf>. Acesso em: 13/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 14
Essas Sagradas Letras tinham que ser reprimidas, ou, doutra forma, as próprias pessoas
acabariam por descobrir dezenas de mentiras que foram invadindo o Cristianismo com o
tempo. O mundo, enquanto sob o jugo da Igreja Romana, vivia em trevas. O povo, sem as
divinas Escrituras traduzidas em sua língua. E o clero, cada vez mais explorando a
ignorância deste povo. Isso levou a Igreja Católica a proibir a leitura da Bíblia e a lutar ao
máximo contra a divulgação dela. O Concílio de Tolosa (1229) categoricamente declarou:

“Proibimos os leigos de possuírem o Velho e o Novo Testamento... Proibimos ainda


mais severamente que estes livros sejam possuídos no vernáculo popular. As
casas, os mais humildes lugares de esconderijo, e mesmo os retiros subterrâneos de
homens condenados por possuírem as Escrituras devem ser inteiramente
destruídos. Tais homens devem ser perseguidos e caçados nas florestas e cavernas,
e qualquer que os abrigar será severamente punido”5

Os leigos eram proibidos de lerem as Escrituras Sagradas em sua própria língua e até
mesmo de possuírem a Bíblia. Tais homens que tivessem uma Bíblia em casa deveriam ser
condenados, caçados, inteiramente destruídos, perseguidos e caçados nas florestas e
cavernas. Nesta época de trevas, a Igreja Católica, a serviço de Satanás, lançava dura
perseguição contra o povo de Deus que se apegava às Escrituras, que tinha que buscar
locais de esconderijo em retiros subterrâneos para poderem ler a Bíblia, mas a Igreja
Católica ordenava caçar e perseguir tais homens até nas cavernas ou em qualquer outro
lugar, até serem destruídos por completo.

Nenhuma perseguição à Bíblia feita por um não-cristão em toda a história da humanidade


se comparou a perseguição elaborada pela Igreja Romana, nem mesmo a de Diocleciano ou
a de Nero. O Papa Pio IX defendia que as sociedades bíblicas eram pestes que deveriam ser
destruídas por todos os meios possíveis:

“Socialismo, comunismo, sociedades clandestinas, sociedades bíblicas... pestes estas


devem ser destruídas através de todos os meios possíveis ”6

A leitura da Bíblia era absolutamente proibida aos leigos e considerada como sendo uma
peste:

“Essa peste (a Bíblia) assumiu tal extensão, que algumas pessoas indicaram sacerdotes
por si próprias, e mesmo alguns evangélicos que distorcem e destruíram a verdade do
evangelho e fizeram um evangelho para seus próprios propósitos... elas sabem que a
pregação e explanação da Bíblia são absolutamente proibidas aos membros
leigos”7

John Wycliffe (1328 – 1384 d.C), que lutou fortemente pela restauração do evangelho
bíblico e chegou até a elaborar uma tradução das Escrituras para tirar o povo das trevas, foi
chamado de pestilento canalha de abominável heresia, por ter lutado em prol da divulgação
da leitura bíblica pelos leigos:

5 Concil. Tolosanum, Papa Gregório IX, Anno Chr. 1229, Canons 14:2.
6 Papa Pio IX, em sua Encíclica “Quanta Cura”, Título IV, 8 de Dezembro de 1866.
7 Acts of Inquisition, Philip Van Limborch, History of the Inquisition, cap. 8.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 15
“O pestilento canalha de abominável heresia, que inventou uma nova tradução das
Escrituras em sua língua materna” 8

As decisões dos concílios eram claras: a leitura da Bíblia era proibida aos leigos, mas,
enquanto a Bíblia era um livro proibido, as “Horas da Bem-aventurada Virgem” era
permitido:

“Proibimos ainda que seja permitido aos leigos possuir os livros do Velho e Novo
Testamento, êxito o Saltério, ou o Breviário para dizer o Ofício divino, ou as Horas da
Bem-aventurada Virgem a quem as desejar ter por devoção; porém proibimos estritamente
que esses livros sejam em língua vulgar” 9

Em outra encíclica do papa Pio IX, ele reitera a proibição da leitura da Bíblia em língua
vulgar, por sanção geral de toda a Igreja:

"Nas regras que foram aprovadas pelos Padres designados pelo Concílio Tridentino,
aprovadas por Pio IV e antepostas ao Índice dos livros proibidos, lê -se por sanção geral que
não se deve permitir a leitura da Bíblia publicada em língua vulgar”1 0

O papa Leão XII também se revoltou contra aqueles que tentavam trazer ao povo a tão
sonhada leitura da Bíblia em sua própria língua:

“Não se vos oculta, Veneráveis Irmãos, que certa Sociedade vulgarmente chamada bíblica
percorre audazmente todo o orbe e, desprezadas as tradições dos santos Padres, contra o
conhecidíssimo decreto do Concílio Tridentino [v. 786], juntando para isso as suas forças e
todos os meios, tenta que os Sagrados Livros se vertam, ou melhor, se pervertam nas
línguas vulgares de todas as nações”1 1

O papa Pio VII reforça que não somente ele, mas também os seus predecessores avisavam
constantemente que a leitura da Bíblia ao povo é mais um dano do que algo útil, e a única
versão permitida era a Vulgata Latina:

"Porque deverias ter tido diante dos olhos o que constantemente avisaram também os
nossos predecessores, a saber: que se os sagrados Livros se permitem correntemente e
em língua vulgar e sem discernimento, disso há de resultar mais dano que utilidade.
Ora, a Igreja Romana que somente admit e a edição Vulgata, por prescrição bem notória do
Concílio Tridentino (ver 785 s), rejeita as versões das outras línguas”1 2

Como a Vulgata estava escrita em latim e praticamente a totalidade do povo da época não
entendia nada deste idioma (alguns mal sabiam a sua própria língua, quanto menos o
latim!), então eles astutamente permitiam somente esta versão da Bíblia, para que o povo
não entendesse nada do que estava escrito.

Também o papa Clemente XI, em sua Constituição Dogmática “Unigenitus”, condenou


vigorosamente como erradas uma série de reivindicações feitas por Pascásio Quesnel.

8 Condenação de Wycliffe pelo Concílio de Constança, em 1415.


9 Concílio de Tolosa, 1229, cap. 14.
10 Pio IX, Encíclica Inter praecipuas, 16 de Maio de 1844.
11 Leão XII, Encíclica Ubi primum de 5 de Maio de 1824.
12 Pio VII, carta Magno et acerbo, 3 de Setembro de 1816; Denzinger # 1603.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 16


Entre elas, inclui-se a necessidade de estudar as Escrituras, que a leitura da Bíblia é para
todos, que é danoso querer retrair os cristãos da leitura bíblica, que as mulheres poderiam
ler a Bíblia, que os cristãos poderiam ler o Novo Testamento, que o povo simples teria o
direito de ler as Escrituras, entre outros:

70. Útil e necessário é em todo tempo, em todo lugar e para todo gênero de pessoas
estudar e conhecer o espírito, a piedade e os mistérios da Sagrada Escritura.

71. A leitura da Sagrada Escritura é para todos.

81. A obscuridade santa da Palavra de Deus não é para os leigos razão de dispensar-se da
sua leitura.

82. O dia do Senhor deve ser santificado pelos cristãos com piedosas leituras e, sobretudo,
das Sagradas Escrituras. É coisa danosa querer retrair os cristãos desta leitura.

83. É ilusão querer convencer-se de que o conhecimento dos mistérios da religião não
devem comunicar-se às mulheres pela leitura dos Livros Sagrados.

84. Arrebatar das mãos dos cristãos o Novo Testamento ou mantê -lo fechado, tirando-lhes
o modo de entendê-lo, é fechar-lhes a boca de Cristo.

86. Arrebatar ao povo simples este consolo de unir a sua voz à voz de toda a Igreja, é uso
contrário à prática apostólica e à intenção de Deus.

(Denzinger #1429-1434, 1436, 8 de Setembro de 1713)

Por que estamos dizendo tudo isso? Simplesmente porque a própria Igreja Católica
sabia que tinha algo a esconder. Sabia que, se as Sagradas Letras fossem reveladas ao
povo, muitas lendas que foram surgindo através dos séculos pela tradição iriam ruir
sistematicamente. O próprio Magistério católico reconhecia que, de fato, muitas doutrinas
mentirosas que vão contra o evangelho verdadeiro foram, ao passar dos séculos,
encontrando lugar na Igreja. Uma dessas principais mentiras era que, como o catecismo
católico expõe: “A Igreja ensina que toda alma espiritual é criada imediatamente por Deus --
não é ‘produzida’ pelos pais – e também é imortal: não perece quando se separa do
corpo por ocasião da morte”1 3

Apesar de boa parte dos “rebeldes” serem facilmente silenciados de um ou de outro jeito
(na maioria das vezes, do outro), começaram a surgir homens levantados por Deus a fim de
fazer com que, ao passar dos séculos, a doutrina fosse aos poucos voltando ao foco inicial.
Muitas doutrinas claramente contraditórias à Palavra de Deus foram aos poucos sendo
repensadas. O próprio Martinho Lutero chegou a expressar-se de maneira contraria às teses
de imortalidade da alma, colocando-a no grupo das “monstruosidades sem fim no monte de
estrume dos decretos romanos”:

“Contudo, eu permito ao Papa estabelecer artigos de fé para si mesmo e para seus próprios
fiéis – tais como: que o pão e o vinho são transubstanciados no sacramento; que a essência
de Deus não gera nem é gerada; que a alma é a forma substancial do corpo hu mano; que
ele [o papa] é o imperador do mundo e rei dos céus, e deus terreno; que a alma é

13 Catechism of the Catholic Church, pág.93.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 17
imortal; e todas estas monstruosidades sem fim no monte de estrume dos
decretos romanos – para que tal qual sua fé é, tal seja seu evangelho, e tal a sua igreja,
e que os lábios tenham alface apropriada e a tampa possa ser digna da panela" 1 4

Em outra ocasião, Lutero chamou a imortalidade da alma de "sonho humano" e de "doutrina


de demônios":

"Daí os especialistas em Roma recentemente pronunciaram um decreto sagrado [no Quinto


Concílio Laterano, 1512-1517] que estabelece que a alma do homem é imortal, agindo
como se nós não disséssemos todos em nosso comum Credo, “eu acredito na vida eterna”.
E, com a assistência do gênio Aristóteles, eles decretam além disto que a alma é
“essencialmente a forma do corpo humano”, e muitos outros esplêndidos artigos de
natureza parecida. Estes decretos são, de fato, mais apropriados para a igreja papal,
pois eles possibilitam a eles manter sonhos humanos e as doutrinas de demônios
enquanto eles pisam e destroem a fé e ensino de Cristo"1 5

A visão de Lutero era de uma natureza humana holista, de uma alma mortal e de os mortos
“dormindo” até a manhã da ressurreição do último dia, quando “Ele nos chamar e nos
acordar juntamente com todos os Seus queridos filhos para a Sua eterna glória e juízo” .
Enquanto isso, eles “nada sentem absolutamente”:

“Não há ali deveres, ciência, conhecimento, sabedoria. Salomão opinou que os mortos
estão a dormir, e nada sentem absolutamente. Pois os mortos ali jazem, não levando
em conta nem dias nem anos; mas, quando despertarem, parecer-lhes-á haver dormido
apenas um minuto”1 6

“Assim como alguém que dorme e chega a manhã inesperadamente, quando acorda, sem
saber o que aconteceu: assim nós nos ergueremos no último dia sem saber como chegamos
a morte e como passamos por ela. Nós dormiremos até que Ele venha e bata na
pequena sepultura e diga: Dr. Martinho, levanta-te! Então eu me erguerei num
momento e serei feliz com Ele para sempre” 1 7

“Nós devemos aprender a ver nossa morte com a luz correta, de forma que não fiquemos
alarmados por causa dela, como o descrente faz; porque em Cristo ela não é de fato morte,
mas um fino, doce e breve sono, que nos traz libertação deste vale de lágrimas, do pecado
e do temor e extremidade da verdadeira morte e de todos os desfortúnios desta vida, e nós
devemos estar seguros e sem cuidado, descansando docemente e gentilmente por um
breve momento, como em um sofá, até o tempo quando ele nos chamar e nos
acordar juntamente com todos seus queridos filhos para sua eterna glória e gozo .
Pois já que nós o chamamos de sono, nós sabemos que não ficaremos nele, mas seremos
novamente acordados e vivificados, e que o tempo durante o qual dormimos, não parecerá
mais longo do que se nós tivéssemos apenas caído no sono. Daí nós devemos nos censurar
por estarmos surpresos ou alarmados com tal sono na hora da morte, e de repente formos

14 Martinho Lutero, Assertio Omnium Articulorum M. Lutheri per Bullam Leonis X. Novissimam
Damnatorum.
15 Lutero, LW 32:77.
16 Exposição do Livro de Salomão, Chamado Eclesiastes, de Lutero.
17 The Chrislian Hope-pág.37.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 18


revividos da cova e da decomposição, e inteiramente bem, novo, com uma pura, clara e
glorificada vida, encontrarmos nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo nas nuvens” 1 8

Infelizmente, a noção de Calvino de que a alma era imortal acabou falando mais alto e a
maioria das igrejas reformadas acabaram adotando a tese da imortalidade da alma. Para
não causar divisão e nem atrito com os demais reformadores, Lutero acabou não
dogmatizando a questão e deixou-a em aberto para quem quisesse crer que a alma era
imortal (como Calvino cria) ou para quem se unisse à sua crença particular na mortalidade
natural da alma.

Isso não impediu que, com o tempo, um número impressionante de mestres e teólogos
respeitados e reconhecidos começassem a repensar as suas doutrinas de imortalidade da
alma à luz das Sagradas Escrituras, e passaram a ver que, de fato, a doutrina da
imortalidade da alma não bate com a doutrina da ressurreição e muito menos com o que as
Sagradas Letras tem a nos dizer. O número de pessoas que deixam a visão dualista da
natureza humana impressiona não apenas pela quantidade, mas também por estar em
franco crescimento. De fato, a imortalidade da alma pode ser classificada como sendo a
primeira mentira que entrou no mundo e provavelmente a última a sair dele.

Muitas pessoas de bem têm sido enganadas atualmente sobre o estado dos mortos. Mas
não é de hoje que isso acontece. Deus disse para o homem, como consequência do pecado:
“Certamente morrerás” (cf. Gn.2:17). Mas Satanás, a serpente, retrucou: “Certamente que
não morrerás” (cf. Gn.3:4). Quem estava com a razão? Deus ou Satanás? Certamente que
Deus.

A própria presença da “árvore da vida” no jardim do Éden indica claramente que a


imortalidade era condicional à participação do fruto de tal árvore. Nós não tínhamos uma
“alma imortal”! Com a Queda da humanidade, quando o pecado entrou no mundo, a morte
(que não estava prevista no plano inicial de Deus para com a Sua Criação) passou a tornar-
se uma realidade. O estado do homem alterou-se, e este passou a ser um ser mortal.

A segurança de imortalidade baseava-se em partilharem da árvore da vida no Jardim, que


lhes garantia exatamente a imortalidade (cf. Gn.3:22). É ev idente que Deus não iria colocar
tal árvore a disposição caso já tivesse implantado uma alma eterna que lhes garantisse tal
imortalidade. Visto que a condição para “viver para sempre” constituía -se na participação do
fruto da árvore da vida, fica muito claro que eles não detinham em si mesmos a
imortalidade, supostamente na forma de um elemento eterno implantado em seu ser. Se
Deus colocou no ser humano uma alma imortal, então por que razão existiria a “árvore da
vida” no Jardim do Éden?

Ora, se já fôssemos imortais isso seria totalmente desnecessário! Se o homem comesse da


árvore da vida, se tornaria imortal (cf. Gn.3:22). Contudo, foram expulsos do Jardim do
Éden, sem terem comido da árvore da vida, e dois querubins ficaram na guarda do
Jardim, exatamente a fim de que não comessem da árvore da vida e vivessem eternamente
(cf. Gn.3:24). Tudo isso seria totalmente desnecessário se já possuíssemos uma alma
imortal. Para que guardar o homem de comer do fruto da árvore da vida e viver para
sempre se ele já era imortal por meio de uma alma eterna que já lhes teria sido
implantada?

18 Compend of Luther’s Theology, editado por Hugh Thomson Kerr, Jr., p. 242.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 19
O homem seria imortal caso comesse do fruto da árvore da vida, mas não comeu. Deus não
fez o homem com o conhecimento do bem e do mal, mas ele comeu do fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal e teve tal conhecimento. Da mesma maneira, Deus não fez
o homem com uma alma imortal. A imortalidade era condicional a participação do fruto da
árvore da vida, assim como o conhecimento do bem e do mal era condicional a participação
daquela árvore. Mas, ao contrário do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal na
qual eles comeram, eles não comeram do fruto da árvore da vida!

O resultado disso é que o homem não tornou-se um ser imortal. Ele, “morrendo, morreria”
(cf. Gn.2:7). O homem era mortal pela sua natureza original, sem uma alma imortal, mas
com a possibilidade de receber a imortalidade por meio da participação da árvore da vida.
Isso, contudo, ele perdeu ao ser expulso do Jardim, e, portanto, perderam a possibilidade
de participação na árvore da vida que lhes poderia nutrir de imortalidade. O homem perdeu
a imortalidade quando foi expulso do Éden, e assim a morte veio a partir do pecado, sendo
revertida na ressurreição (cf. 1Co.15:22,23).

A Bíblia, contudo, nos apresenta que a árvore da vida (imortalidade) estará novamente
presente no Paraíso, somente aos salvos, após a ressurreição dos mortos (cf.
Ap.22:2). E acontecerá que “quem tem sede, venha; e quem quiser, receba de graça a
água da vida” (cf. Ap.22:17). O homem, agora sim, se tornaria imortal. A árvore da vida
representava a imortalidade na comunhão com Deus, mas com o pecado fomos privados do
acesso desta fonte de eternidade, que agora continua na presença dEle, onde iremos
desfrutá-la depois que formos ressuscitados (cf. Ap.22:2). A eternidade no homem era
condicional, não a uma alma que lhes teria implantada, mas sim a obediência ao Ser
Criador do Universo, como um dom de Deus.

O homem foi privado da árvore da vida para que não se tornasse imortal como Deus, e, de
fato, não comemos da árvore da vida (cf. Gn.3:22-23). Com a desobediência a Deus, a
participação na árvore da vida foi cortada (cf. Gn.3:22,23), o que demonstra claramente
que a imortalidade não residia numa alma imortal recém-implantada, mas sim na
obediência a Deus. A desobediência foi o que ocasionaria a morte, em um contraste direto
com a vida eterna residente na forma da árvore da vida. Quando entrou o pecado do
mundo, juntamente com ele entrou a morte: O processo da morte teria início.

O texto original hebraico simplesmente reza que: “Morrendo, morrereis”. A Bíblia não diz
que “no dia em que comerdes, certamente morrerás no mesmo dia”. Diz somente que ele
morreria, mas não diz quando. A morte não estava no plano inicial de Deus para com a Sua
Criação. Contudo, com o pecado reinou a morte (cf. Rm.5:21; Rm.5:12), que só será
revertida na ressurreição do último dia (cf. 1Co.15:51-55; 1Co.15:22,23; Jo.6:39,40).

No dia em que Adão comesse daquela árvore proibida ele ia morrer, ou seja, tornar-se-ia
um ser mortal, o que ele realmente se tornou. O processo de morte como consequência do
pecado alcançaria a todos os seres humanos a partir do momento em que este pecasse
contra Deus, tornando-se receptível ao processo de morte que lhes sucederia. Analisando o
texto original hebraico, vemos que, realmente, a morte seria a cessação total de vida.

O que foi dito a eles: ”umê`êtshadda`ath thobh vârâ` lo' tho'khal mimmennu kiy beyom
'akhâlkhamimmennu moth tâmuth” (cf. Gn.2:17). Analisando as duas últimas palavras,
vemos claramente quando é que o homem morreria: “moth tâmuth” – traduzindo:
“morrendo morrereis”. Isso é omitido pela maioria das versões vernáculas porque contraria

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 20


diretamente a posição imortalista de que ocorreu apenas uma “morte espiritual” e que esta
morte teria acontecido logo naquele mesmo dia, ignorando o fato de que o hebraico diz
taxativamente que tal morte seria quando o homem morresse – “morrendo, morrereis”.

Passando para o bom linguajar português dos dias de hoje, o que Deus estava dizendo era
que “quando vocês morressem iriam morrer mesmo”! A morte seria o fim total de qualquer
existência humana, corpo e alma, pois, como consequência do pecado, o processo de morte
teria início a partir do primeiro falecimento. A verdade incontestável é que não existiria
nenhum estado de vida entre a morte e a ressurreição.

Ora, se o homem continuasse vivo em um estado intermediário após a morte corporal que
todos nós passamos, então o homem não morreria completamente – ele estaria vivo em um
estado desencarnado. Essa é exatamente a mentira que a serpente pregou à Eva (cf.
Gn.3:4), e que engana milhões de pessoas até hoje, invalidando toda uma consequência de
morte – física e espiritual – que o homem encontraria como consequência do pecado.

Ademais, a mentira de Satanás seria classificada como uma “verdade”, uma vez que o
homem não morreria mesmo – viveria eternamente por meio de uma alma imortal que teria
sido supostamente implantada no ser humano. Fica muito claro que o homem não seria
inerentemente imortal, mas passaria por um estado de morte – “morrendo, morrereis” –
por causa do pecado, uma “lacuna”, um período sem vida entre a morte e a ressurreição,
fato esse que Satanás queria desmentir, dizendo que “certamente não morrerás” (cf.
Gn.3:4).

O processo de morte alcançaria todos os seres humanos, pois “o salário do pecado é a


morte” (cf. Rm.6:23) e “todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (cf.
Rm.3:23), por isso, “a alma que pecar, essa morrerá” (cf. Ez.18:4). Isso tudo nos deixa
claro que a morte como consequênc ia do pecado não alcançaria tão somente o corpo, mas o
ser integral do ser humano, corpo e alma (cf. Ez.18:4,20; Gn.2:7). Como bem disse o
pastor luterano Martin Volkmann: “Como vemos, há duas concepções de vida após a morte.
A diferença, segundo certo modo de pensar, é que a parte supostamente imortal não foi
afetada pelo pecado em nós, enquanto na outra forma de pensar reconhece-se a
natureza radical do pecado e proclama uma nova vida através da obra salvadora
de Deus”.

A morte seria a cessação total de vida. Corpo e alma foram afetados pelo pecado. A
imortalidade não era uma possessão natural através de uma alma recém-implantada, mas
condicionada à obediência a Deus na participação da árvore da vida. Mas o homem pecou.
Transgrediu a ordenança divina. Trouxe a morte para si mesmo. Perdeu a participação na
árvore da vida. Tornou-se naturalmente mortal. E, a partir deste dia, ele morreria na morte
– não teria uma existência contínua em forma incorpórea após a morte.

Felizmente, a Palavra de Deus nos apresenta uma reviravolta neste quadro, apresentando
que o processo de morte iniciado em Adão e a cessação de vida como consequência do
pecado não seria um quadro perpétuo, mas seria revertido em Cristo, na Sua Vinda: “Pois
da mesma forma como em Adão todos morrem, em Cristo todos serão vivificados.
Mas cada um por sua vez: Cristo, as primícias; depois, quando ele vier, os que lhe
pertencem” (cf. 1Co.15:22,23).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 21


O processo de cessação de vida na morte, ocorrido com todos os seres humanos e iniciado
em Adão – “em Adão todos morrem” – seria revertido no “último dia” (cf. Jo.6:39,40),
quando Cristo há de vivificar os que lhe pertencem por ocasião de sua segunda vinda,
porque Ele venceu a morte (cf. Hb.2:14), dando-nos também vitória sobre a morte na
ressurreição (cf. 1Co.15:54). Neste momento, então, Cristo nos resgatará da morte, nos
vivificará e nos levará para as nossas moradas celestiais onde Ele está (cf. Jo.14:2,3).

Em Adão todos morrem porque ele certamente não viveria eternamente (cf. Gn.2:17;
Gn.3:4), mas como consequência do pecado ele passaria por um estado sem vida que teria
início no momento da morte física. Mas a esperança cristã é a de que este estado não é
perpétuo, mas é revertido pelo milagre da ressurreição, que nos traz vida e nos resgata da
morte a fim de possuirmos a nossa herança celestial em Cristo.

Por isso os cristãos tem na ressurreição a sua maior esperança (cf. At.26:7), pois é ela que
nos diz que nem tudo está perdido, que o trabalho dos cristãos não é em vão (cf.
1Co.15:32), que haverá o momento em que a morte será tragada pela vitória (cf.
1Co.15:54), que aqueles que fizeram o bem “sairão para a ressurreição da vida” (cf.
Jo.5:29), quando terão a recompensa pelo o que fizeram em vida e tomarão posse de suas
moradas eternas. A ressurreição é o antídoto para a morte, é o milagre que Deus
providenciou a fim de que não ficássemos para sempre sem vida, mas que por meio de
Cristo pudéssemos herdar a vida eterna.

Claro, não demorou muito para Satanás entrar em cena e deturpar essa verdade,
propagando o que hoje é a base e fundamento da doutrina imortalista, retirada
diretamente da boca da serpente: “Certamente não morrerás” (cf. Gn.3:4) – o
homem seria inerentemente imortal! A ressurreição já não era mais o antídoto para a
morte, mas sim a libertação da alma se desprendendo da prisão do corpo, como pregava
Platão. Este foi, com toda a certeza, o primeiro sermão imortalista na história, a primeira
das mentiras que Satanás implantou no mundo: a lenda da imortalidade da alma.

III–Por que a mentira?

Por que a mentira? – O motivo desta pergunta é: “Qual é o objetivo de Satanás em pregar
tal mentira?”. Certamente que ele teria uma boa razão para isso, além de contradizer o
ensino claro de Deus (cf. Gn.2:17). Para respondermos a esta pergunta, temos
primeiramente que ter em mente que o principal objetivo de Satanás é desviar o cristão da
verdade. Passar a ideia de um Deus mal.

Eis aí a principal das armas de engano de Satanás: Desviar o caráter imutável do amor
de Deus. Satanás é a serpente, é aquele que engana. Quanto mais pessoas ele conseguir
desviar de Deus, de preferência passando a ideia de um deus sanguinário, que tem uma ira
pelos ímpios que não cessa nunca, melhor. Infelizmente, essa tática tem causado muito
sucesso nas nossas igrejas.

Muitos milhões de indivíduos no mundo todo abandonam a crença em Deus por causa desta
ideia, por não conseguirem admitir que Deus possa ser ao mesmo tempo bom e mal e com
duas faces, ou que para demonstrar Sua justiça tenha que atormentar eternamente no fogo
a alma de bilhões de pessoas, e acabam por pensar: “Ele não existe”. Muitos têm saído das
fileiras do Cristianismo por causa deste assunto. Isto poderia ser evitado, caso fosse feito

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 22


um estudo sincero, honesto e fiel à exegese e ao contexto das Escrituras, que é o que
faremos ao longo de todo este estudo.

O Dr. Samuelle Bacchiocchi elucida a questão nas seguintes palavras:

“Um Deus que inflige torturas infindáveis a Suas criaturas assemelha -se muito mais a
Satanás do que a um Pai amoroso a nós revelado por Jesus Cristo (...) A justiça divina
nunca poderia requerer para pecadores finitos a infinit a penalidade da eterna dor, porque o
tormento infindável não serve a qualquer propósito reformatório, precisamente porque não
tem fim”1 9

John Stott manifesta a mesma opinião, ao dizer:

“Eu não minimizo a gravidade do pecado como rebelião contra Deus, nosso Criador, mas
questiono se o tormento eterno consciente é compatível com a revelação bíblica da divina
justiça”2 0

A verdade é que muitas pessoas têm deixado as fileiras do Cristianismo por não poderem
acreditar que Deus, em Sua Onisciência, poderia criar seres sabendo que os puniria com um
tormento eterno e infindável de maneira premeditada. Seria muito mais lógico e racional
(pela justiça e pelo amor de Deus) crermos que Ele puniria a cada um de acordo com aquilo
que cada ser merece, e não uma pena infindável para cada ser que comete pecados finitos,
tendo como consequência a queima eterna de sua alma em um verdadeiro lago de fogo.

Se tal fato sucedesse, poderíamos também dar margens a movimentos como a “Santa”
Inquisição, por exemplo, que matou e torturou milhões na Idade Média, mas, como apontou
Azenilto Brito, “se Deus é impiedoso ao punir pecadores com tormentos infindáveis no
mundo por vir, porque não devia a Igreja agir de modo semelhante neste presente mundo,
torturando e queimando os heréticos?”2 1

O assunto é motivo de entusiasmo para os ateus, e a grande maioria dos cristãos


defensores da imortalidade da alma não conseguem conciliar o amor divino com a crueldade
eterna que seria tal destino aos impenitentes. Ademais, muitos cristãos que já est ão dentro
da Igreja não saem, não por buscarem um comprometimento sincero e verdadeiro com
Deus, mas para escaparem de um tormento eterno no inferno. O Cristianismo não somente
muda de sentido como também perde o foco, o amor, a justiça e a misericórdia no s
revelada mediante o evangelho. Na verdade, todos estes atributos – e muitos outros –
fazem parte da natureza divina e nenhum deles daria margem a um tormento eterno por
pecados finitos.

Como a Igreja pode coerentemente apresentar Deus como sendo alguém que amou o
mundo de tal maneira que enviou o Seu único Filho para que todo aquele que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna (cf. Jo.3:16), se, por outro lado, odeia os pecadores de tal
maneira que os envia para um lago de fogo e enxofre onde passarão tormentos infinitos

19 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o


destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
20
STOTT, John. Essentials: A Liberal-Evangelical Dialogue. Londres: Hodder and Stoughton, 1988, p.
316.
21 BRITO, Azenilto Guimarães. Implicações Morais e Cosmológicas do Tormento Eterno. Disponível

em: <http://www.salvos.com.br/inferno>. Acesso em: 15/08/2013.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 23
perpetuados por toda a eternidade sob choro e ranger de dentes e sofrendo torturas
colossais? Se Deus ama os pecadores (como a teologia moderna ensina), como conciliar
isso com permitir tamanhos horrores aos pecadores impenitentes?

Ora, se nem mesmo uma pessoa humana, falível e que nem ama tanto assim o próximo (ou
é até mesmo odeia o próximo) não chegaria ao ponto de enviá-lo para “o quinto dos
infernos”, sob as chamas de um fogo eterno para sofrer tormentos horríveis por toda a
eternidade, quanto menos Deus, que em teoria é aquele que mais ama, que mais perdoa e
que é a fonte de toda a misericórdia! Enquanto a Igreja tiver a noção deste deus mutável,
que ama os pecadores nesta vida mas já preparou um inferno eterno onde eles deverão
sofrer horrivelmente após a morte e para sempre, dificilmente um descrente poderá
compreender perfeitamente o amor de Deus que excede todo o entendimento. Sempre t erá
em mente este contraste que vai claramente contra a moral humana, quanto mais a divina.

Apenas um regresso às Escrituras nos faria ter em mente um Deus justo e verdadeiro, que
recompensa os justos com a vida eterna e que pude os ímpios de acordo com aquilo que
cada um merece, e não com um tormento eterno para todos indistintamente. Isso sim é
unir a justiça e o amor de Deus como descrito no evangelho bíblico. A justiça e o amor de
Deus andam juntos, e o que Satanás mais quer é desqualificá -los ao perpetuar a primeira e
provavelmente a maior de todas as mentiras – a da “imortalidade da alma”.

Um exame fiel e honesto das Escrituras não apenas mostra o quanto não -bíblica é essa
doutrina, mas também nos faz voltar ao Cristianismo puro e verdadeiro focado em um Deus
de amor e justiça e na ressurreição para a vida eterna que Ele nos concede pela Sua Graça.
A imortalidade condicional e a “vida somente em Cristo” afirmam a realidade do inferno sem
impugnar o caráter de Deus, e dá honra completa para Cristo como "a ressurreição e a
vida”.

A crença na imortalidade inerente como base de fé – Satanás continua usando dos mais
variados meios a fim de perpetuar a primeira mentira, pois isso é um forte meio de desviar
as pessoas da sinceridade e pureza devidas a Cristo. Por meio da crença da sobrevivência
da alma na morte, inúmeras religiões do mundo terminam cursando os mais variados meios
de consulta aos mortos em desobediência à Palavra de Deus.

Existem religiões que tem como base a doutrina da sobrevivência da alma em um estado
intermediário. Caso essa doutrina esteja errada, a religião termina. O culto aos mortos no
catolicismo é um bom exemplo disso, uma vez que Cristo deixou claro que “só ao Senhor
teu Deus darás culto” (cf. Mt.4:10) e que “há um só Deus e um só mediador entre Deus e
os homens, Cristo Jesus” (cf. 1Tm.2:5).

Satanás usa das mais variadas maneiras para deturpar a Palavra de Deus e perpetuar a
primeira mentira, da imortalidade da alma, a fim de que o que Paulo mais temia
acontecesse: “Pois, assim como Eva foi enganada pelas mentiras da cobra, eu tenho medo
de que a mente de vocês seja corrompida e vocês abandonem a devoção pura e sincera a
Cristo” (cf. 2Co.11:3). A imortalidade da alma foi a doutrina que Satanás encontrou uma
“brecha” a fim de que o evangelho fosse sutilmente modificado por meio de homens que
“introduziram secretamente heresias destruidoras, chegando a negar o Soberano que os
resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição” (cf. 2Pe.2:1).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 24


O culto aos mortos é um bom exemplo de um meio que a Serpente continua utilizando a fim
de desviar o cristão do evangelho puro e genuíno somente a Cristo. Quando o evangelho
deixa de ser Cristocêntrico, a missão de Satanás está completa. E qual é o meio que ele
usa para perpetuar tais enganos? Claro, a mesma mentira pregada à Eva no Jardim:
“...certamente não morrereis” (cf. Gn.3:4).

O que Satanás ensina, na verdade, é bem simples. Ele diz que o nosso “verdadeiro eu”, a
nossa “alma eterna”, não morre. De modo que, se não formos tão bons, “a reza resolve
tudo”! Tal visão de imortalidade inerente que Satanás ens ina é bem mais simples do que o
que Deus quer que creiamos: que “a alma que pecar, essa morrerá” (cf. Ez.18:4), porque a
consequência do pecado seria “moth tâmuth” – “morrendo, morrereis” (cf. Gn.2:17). Todas
as práticas de culto aos mortos, de intercessão de santos já falecidos, de invocação ou
comunicação com os mortos ou de qualquer coisa do gênero, que quase sempre geram
idolatria e apego no coração dos homens àquilo que já morreu ao invés de se focar Naquele
que está vivo (Jesus), tem como base e fundamento a crença na imortalidade da alma.

No espiritismo, então, a coisa complica ainda mais. A consulta aos mortos, que existe de
maneira “mascarada” no catolicismo mediante a oração que é um claro meio de
comunicação, é “desmascarada” no espiritismo que abertamente declara isso
convictamente. A própria crença na reencarnação, que é crida não somente por espíritas
mas também por muitos outros grupos panteístas (como o budismo e o hinduísmo) também
tem por base a crença que a alma sobrevive consciente após a morte. Afinal, se a alma não
sobrevive, não há como reencarnar.

A Bíblia afirma categoricamente que “entre ti não se achará quem faça passar pelo fogo a
seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem
feiticeiro; nem encantador, nem quem consulte a um espírito adivinhador, nem mágico,
nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao Senhor;
e por estas abominações o Senhor teu Deus os lança fora de diante de ti" (cf. Dt.18:9-12).
Afinal, “a favor dos vivos consultar-se-ão os mortos?” (cf. Is.8:19). Não!

Deus sabe muito bem dessa impossibilidade de comunicação dos mortos com os vivos, e foi
por isso o Senhor proibiu o seu povo israelita de tentar tal “comunicação”, a fim de que não
fossem enganados por espíritos demoníacos (cf. Lv.19:31; 20:6; 1Sm.28:7-25; Is.8:19;
1Tm.4:1; Ap.16:14), dada a devida impossibilidade de comunicação com os que já
morreram (cf. Gn.2:7; Sl.13:3; Ec .9:5,6; Ec .9:10; Sl.146:4; Sl.6:5; Sl.115:17; Sl. 13:3; Jó
14:11,12; Sl.30:9; Is.38:18; Is.28:19; Sl.94:17). Dada tal impossibilidade, quem se
apresenta no “além" para se comunicar com os vivos são os espíritos do s demônios, e se
aproveitando, é claro, da mentira da imortalidade da alma.

Tudo isso poderia ser perfeitamente removido e o evangelho restaurado caso fosse
realizado um exame apurado das Escrituras, analisando a um conteúdo total e não se
apegando cegamente a um texto ou outro descontextualizado tomando tais textos isolados
como regra de doutrina. Mas, como Jesus disse em Mateus 28:20 para ensinarmos tudo,
também precisamos revelar às pessoas o que realmente acontece depois da morte, pois
isso nos faria voltar ao evangelho Cristocêntrico tão abandonado por consequência da
primeira mentira.

Imagine um mundo onde todos creem conforme a Bíblia diz: que a alma que pecar, essa
morrerá (cf. Ez.18:4). Imagine um mundo onde a mentira de que “certamente não

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 25


morrerás” não engana mais ninguém. Imagine um mundo onde todos creem que a
ressurreição é o caminho para uma nova vida no retorno à existência. Ou seja: imagine o
mundo todo seguindo os padrões bíblicos. No que isso implicaria? Isso implicaria na
completa inexistência da idolatria no mundo, visto que grande parte dela subsiste com base
na crença que “espíritos” ou “almas” subsistem após a morte e são dignos de serem
consultados, venerados, cultuados ou adorados.

Isso implicaria na completa inexistência de todos os falsos sistemas religiosos que tem por
base a crença que a alma é imortal, o que inclui espiritismo, catolicismo, budismo,
hinduísmo, religiões panteístas, politeístas e pagãs, que tem como fundamento a crença da
transmigração das almas, da reencarnação, da evocação dos mortos, da intercessão dos
falecidos, da veneração e culto aos defuntos. Isso implicaria também em um mundo mais
Cristocêntrico, isto é, um mundo onde Aquele que vive é o único digno de toda a glória,
toda a honra, toda a majestade e todo o louvor, pois é aquele que venceu a morte e
ressuscitou, Cristo Jesus.

Todas as orações e todo o culto em todo o mundo seriam voltados e dirigidos unicamente
Àquele que era, que é e que há de vir. Todas as nações seriam felizes e haveria paz no
mundo, pois “feliz é a nação cujo Deus é o Senhor” (cf. Sl.33:12). Todos os nossos atos de
adoração seriam sempre voltados por Ele e para Ele. Você poderia pensar: “Este é um
mundo utópico, imaginário, impossível de ser verdade um dia”. Mas seria isso tão somente
o reflexo de um mundo onde a primeira mentira implantada pela serpente já não teria mais
lugar, e as suas consequências também não. O único que fica feliz da vida em ver o povo
continuar crendo e propagando a heresia de que a alma é imortal é o diabo que inventou
essa mentira, pois é por meio dela que ele sempre enganou e continua cegando bilhões de
pessoas em todo o planeta.

A imortalidade da alma é a carta “coringa” de Satanás. É por meio dela que tantas pessoas
desviam o foco e a atenção que deveriam ser direcionadas a Deus. Sem essa carta na
manga, dificilmente o Inimigo conseguiria desenvolver outros métodos para desviar a
devoção pura e sincera somente a Cristo. Por outro lado, o exame sincero e honesto das
Escrituras nos faria desmantelar sistemas religiosos totalmente baseados na crença em uma
alma imortal. Isso faria voltar ao evangelho puro e sincero de devoção somente a um
homem, aquele que mesmo tendo morrido ainda vive, e por isso pode interceder por nós –
Cristo: “Portanto, ele é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dele,
aproximam-se de Deus, pois vive sempre para interceder por eles” (cf. Hebreus 7:25).

Resumindo este ponto, o que devemos ter em mente é que toda falsa doutrina criada
por Satanás tem algum objetivo por detrás dela, e este objetivo nunca é levar o
cristão mais perto de Cristo e da devoção única a Ele, mas sempre reside em desviar as
pessoas da devoção única ao Senhor (cf. 2Co.11:3). Seria muito estranho que o diabo
quisesse “inventar a mentira da mortalidade da alma”, uma vez sendo que isso apenas
serviria para destruir por completo com todos os enganos existentes nos mais diversos
sistemas religiosos falsos que existem no mundo, e que se baseiam na crença em uma alma
imortal.

Em outras palavras, o diabo não ganharia nada pregando a mortalidade da alma; ao


contrário, apenas perderia o seu império de engano e o veria caindo às ruínas. Teria que
inventar outras mentiras que substituíssem a crença em uma alma imortal para conseguir
conduzir novamente o povo à perdição. Não faz qualquer sentido a mortalidade da alma ser

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 26


uma “heresia”, pois heresia é algo criado por Satanás com uma finalidade que de alguma
forma consiste em poder desviar o cristão de Cristo. Quem é que vai “se desviar de Cristo”
por crer que a vida termina na morte e recomeça na ressurreição? Ninguém. Ao contrário,
iria apenas reforçar a importância do papel da ressurreição dentro da comunidade cristã.
Iria fazer-nos retornar aos primórdios da fé, aos tempos em que a ressurreição era a maior
esperança dos cristãos (cf. At.24:15; 26:6; 28:20; 23:6; 26:7).

Mas seria totalmente lógico que ele implantasse a mentira da imortalidade da alma e
assim conseguisse enganar cada vez mais pessoas através dela, como de fato engana, pois
a imortalidade da alma sim tem o poder de desviar o cristão de Cristo, de criar falsos
sistemas religiosos em torno dela, de servir como base para a perda de um evangelho
Cristocêntrico para colocar o foco nos mortos, para dar plausibilidade às crença s na
transmigração e reencarnação das almas, evocação e consulta aos espíritos, oração e
intercessão dos mortos e pelos mortos, culto e veneração àqueles que já morreram, e por aí
vai.

Por isso que foi a primeira mentira implantada pela serpente no Jardim (cf.
Gn.3:4). Note que Satanás não perdeu tempo em implantar essa mentira no mundo. Ela
não foi a terceira, nem a quarta mentira inventada. Não foi inventada depois de muitos
séculos, foi a primeira, foi a que serviu como ponto de partida para todas as demais
mentiras que vimos acima.

Por tudo isso, eu concordo plenamente com a colocação verdadeira feita pelo professor
Sikberto sobre isso: “A imortalidade da alma é a base doutrinária da rebelião de
Lúcifer, e o fundamento das demais mentiras. Sempre que ele entra em ação em
uma situação nova, a primeira coisa que tenta fazer crer é que a alma não morre.
E sabe por quê? Pelo fato de que assim é mais fácil crer nas demais mentiras
dele” 2 2

Desvantagens óbvias em crer que os mortos já estão no Céu – Embora para algumas
pessoas o simples fato de pensar que os seus entes queridos não estejam neste exato
momento no Paraíso possa ser uma dura realidade, também devemos ressaltar o fato de
que, em primeiro lugar, em absolutamente nunca alguém na Bíblia é consolado com a
notícia de que alguma pessoa já tenha subido aos Céus.

Pelo contrário, é dito de maneira clara há uma multidão de mais de três mil pessoas no
Pentecoste que Davi não subiu aos Céus (cf. At.2:34), algo que os apóstolos evitariam ao
máximo de pronunciar diante de tão grande multidão no caso de Davi, ao contrário, já
tivesse subido aos Céus. Em segundo lugar, quando o apóstolo Paulo envia consolações aos
tessalonicenses sobre os seus parentes falecidos ele foca -se inteiramente na esperança da
ressurreição, e não no “fato” de que eles supostamente já estivessem no Céu ou em algum
lugar de bem-aventurança (cf. 1Ts.4:13-18).

Tal consolação focada completamente na esperança da ressurreição do último dia não seria
logicamente cabível caso a ressurreição fosse somente um mero “detalhe” e as sua s almas
já estivessem no Paraíso. Até porque, se tal se sucedesse, bastaria que Paulo relatasse isso
e pronto – já estariam consolados. O próprio fato de ele omitir completamente tal menção

22 MARKS, Sikberto. História da Adoração. Disponível em: <http://cristoembrevevira.com/introducao-a-


historia-da-adoracao/>. Acesso em: 15/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 27
nos faz pensarmos que ou (1) Paulo não os consolou direto da maneira que qualquer
imortalista faria; ou (2) eles realmente não estão no Céu, mas irão ressuscitar no último
dia, o que explicaria devidamente o porquê de Paulo tê -los consolado somente com a
esperança de alcançar superior ressurreição.

Em terceiro lugar, ao enviar consolações à família de Onesíforo (já morto), ele novamente
em nada fala que este já estivesse desfrutando das bênçãos paradisíacas; pelo contrário, de
novo foca-se inteiramente na esperança de alcançar a misericórdia de Deus “naquele dia”:
“Conc eda-lhe o Senhor que, naquele dia, encontre misericórdia da parte do Senhor!” (cf.
2Tm.1:17).

Ademais, tal “consolação” não faria sentido em caso que Onesíforo já estivesse no Céu
porque se assim fosse ele já teria alcançado a misericórdia de Deus já adentrando no
Paraíso junto com os demais santos. Isso é somente lógica. Até mesmo quando Jesus Cristo
foi consolar as irmãs de Lázaro, já falecido, ele em nada indica que já este estivesse na
“glória”, mas insiste em apontar a ressurreição “no último dia” como única fonte de
consolação (cf. Jo.11:17-27).

Além disso, ressalta o aspecto inconsciente e não-consciente do ser racional na morte ao


fazer a devida analogia de Lázaro com um estado de “sono”, uma indicação de inatividade,
e não de atividade: “Assim falou; e depois disse-lhes: Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas
vou despertá-lo do seu sono” (cf. Jo.11:11). Se Lázaro estivesse consciente na glória
desfrutando das maravilhas do “estado intermediário” então a analogia correta seria com o
“acordado” e não c om o “dormindo”, tendo que ser “despertado” de seu “sono”. A
caracterização é de inconsciência na morte e de um “despertar” na ressurreição.

Vemos, portanto, que se ninguém em parte alguma da Bíblia enviou “consolações”


baseando-se no suposto “fato” de que alguém já estivesse no Céu, então não seria absurdo
demais acreditar que, de fato, eles não estão lá. Difícil mesmo seria acreditar que os
apóstolos criam na imortalidade da alma e mesmo assim insistiam em nunca se basear nela
para consolar alguém, como todo e qualquer bom imortalista faz nos dias de hoje, focando-
se na crença de que o falecido “já está no Céu” e não que “ele irá ressuscitar um dia”.

O que realmente vemos é o apóstolo Paulo focando-se no momento em que realmente


atingiremos a imortalidade, que é quando todos os que estão dormindo, “num momento,
num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta, a trombeta soará, e os mortos
ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque convém que isto que é
corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da
imortalidade. E, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é
mortal se revestir da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada
foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua
vitória?” (cf. 1Co.15:51-54).

Tal imortalidade não é obtida no momento do nascimento mediante a posse de uma “alma
imortal”, mas sim no momento da ressurreição dos mortos. Por fim, seria imensamente
mais desfavorável imaginarmos, por exemplo, que alguma pessoa justa morra e a sua
“alma imortal” parta de imediato ao Paraíso, aguardando a entrada celestial dos seus entes
queridos, mas passa-se o tempo e... nada. Passa-se mais tempo e eles continuam sem
aparecer por lá.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 28


Mais algumas gerações vão passando e, vendo que ninguém ali se achega, tem que chegar
à triste conclusão de que os seus parentes morreram sem alcançar a salvação e , pior, estão
sofrendo em torturas colossais em um inferno de fogo e enxofre, assim condenados por
toda a eternidade. Como pode ter paz e alegria celestiais um homem sob tais condições?
Felizmente, o que a Bíblia nos mostra é que nós, os vivos, de modo nenhum precederemos
os que dormem – entraremos nas nossas moradas no mesmo instante deles (cf. 1Ts.4:15),
quando Cristo voltar para nos levar onde ele está (cf. Jo.14:2,3).

A motivação errada – Se para manter alguém na linha for preciso a ameaça de um infe rno e
demônios torturadores terríveis, então nesse contexto Jesus se torna apenas um meio
utilizável para se escapar do mal. O objetivo e finalidade dessa "conversão" é fugir do
inferno e não Jesus. Para aqueles que tem a fé edificada sobre a rocha que é C risto, a bem-
aventurança de obter superior ressurreição e uma vida eterna somente em Cristo é
motivação mais do que suficiente que o mundo jamais poderia imaginar, ainda assim
continuarei cristão, pois eu não fui convertido pelo medo de um tormento eterno.

Certa vez, enquanto eu debatia com um católico romano, ele me veio com a seguinte
indagação: “Que vantagem teriam os justos diante dos maus, se ambos morrem, acabam-
se e simplesmente a única vantagem é os justos gozarem a vida eterna”? Infelizmente, esse
é um pensamento bastante comum entre os defensores do tormento eterno.

Lamentavelmente, acham ser pouco e insuficiente gozar de uma vida eterna em um Paraíso
junto a Deus. Só teria validade caso víssemos os “hereges” queimando eternamente,
incluindo muitos parentes e até mesmo irmãos! Adoraríamos a Deus por medo e não por
amor! Infelizmente, para muitos o Paraíso só seria uma recompensa mesmo caso houvesse
pessoas queimando para todo o sempre. Se não houvessem seres queimando
miseravelmente por toda a eternidade vivendo terrores colossais, então nem vale a pena
ser justo!

A vida eterna é suficiente para mim. Adoro a Deus não com medo de um inferno eterno,
mas pelo dom da vida eterna que ele concede gratuitamente a todos aqueles que creem.
Infelizmente, a doutrina da imortalidade da alma cria “cristãos” edificados sobre o medo do
inferno e não sobre a graça de Deus. Disso resulta toda uma desvalorização do que é o dom
da vida eterna e da imortalidade que Deus concede aos justos pela Sua Graça. Os livros de
Mary Baxter, por exemplo, produzem "conversões" motivadas pelo medo do inferno. Nos
seus livros, os “espíritos” ali mencionados detêm inclusive ossos e sangue! Pasme! Isso sem
mencionar o fato de que os “espíritos” da “Divina Revelação do Inferno” descem a este
lugar ainda vestidos com as suas roupas usuais! As outras “revelações” infernais vão daí
para pior!

Isso nos mostra claramente que tais “revelações” realmente não passam de mais investidas
do maligno a fim de perpetuar, de todas as maneiras possíveis, a primeira mentira. O que o
diabo mais quer é “revelar” para o povo aquilo que Deus não revelou na Bíblia, ainda mais
quando tal revelação claramente a contraria. Pessoas assim vivem debaixo de um legalismo
terrível e suas vidas se tornam um verdadeiro inferno. Elas são atormentadas pela
insegurança da própria salvação e enxergam Deus de forma volúvel, mut ável e leviano. E a
fé dessas pessoas depende desse tormento pra continuarem "firmes na fé", pois se o
inferno não existir mais para elas, então elas pensam que já não vale a pena viver em
santidade.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 29


Elas vivem em santidade para que o diabo não tenha bre chas e não serem lançadas no
inferno. A santidade torna-se apenas um mecanismo contra o mal e não o propósito da vida
cristã. Definitivamente, são inúmeras as razões pelas quais Satanás prega a doutrina da
imortalidade da alma nos grandes sistemas religiosos, e perpetua estes enganos, com uma
única finalidade, que aliás é próprio de sua própria natureza: desviar o caráter de Deus.
“Propague a mentira que afaste as pessoas deste Deus, e esvazie as fileiras da Igreja”.

IV–Como o conceito de “alma imortal” entrou no Judaísmo

Como já vimos, a primeira vez em que a doutrina da imortalidade da alma entrou no mundo
foi através da serpente, no Jardim do Éden, proferindo o que seria hoje a base da doutrina
imortalista: “...certamente não morrerás” (cf. Gn.3:4). Essa mentira foi a primeira que
Satanás implantou no mundo, por inúmeros motivos, como vimos:

(1) Impugnar o caráter imutável do amor [e justiça] de Deus;

(2) Ser a base das demais mentiras que resultam em adoração e culto às criaturas mortas,
espiritismo, paganismo, consulta aos mortos, intercessão dos santos, purgatório,
reencarnação, etc;

(3) Tirar do evangelho o Cristocentrismo primitivo;

(4) Se a pessoa não morre, ela não tem a necessidade de um arrependimento sincero e
genuíno (através de um processo de santificação), para ser separada do mundo e tornar-se
propriedade exclusiva do Senhor, pois bastaria apenas ser “mais ou menos boa” e depois d a
morte “as rezas resolvem tudo”;

(5) Faz com que o foco das pessoas seja de escapar de um inferno horrivelmente
atormentador ao invés do foco ser em Cristo Jesus e na graça divina;

(6) Desvaloriza o conceito de “vida eterna”, uma vez que todas as pessoas teriam uma vida
eterna de qualquer jeito (no Céu ou no inferno), e a vida eterna não seria um dom e não
seria somente em Cristo, mas existiria também uma vida eterna com o diabo;

(7) Despreza o verdadeiro valor da ressurreição dos mortos para a vida ou para a
condenação, uma vez que os mortos já estariam no Céu ou no inferno, sendo, portanto,
totalmente desnecessário e inútil tal ressurreição dos mortos;

(8) O objetivo e finalidade da “conversão” de um cristão seria de escapar de um inferno


eterno e não Jesus;

(9) Cria cristãos edificados sobre o medo e sobre uma consciência errada com relação a
Deus, ao invés de estarem edificados sobre o amor e sobre a graça do Pai; e, finalmente:

(10) Tira a honra completa para Cristo como "a ressurreição e a vida”, com o objetivo de
esvaziar as fileiras da Igreja a fim de trazê-las para religiões falsas edificadas sobre a
crença na alma imortal para continuarem subsistindo.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 30


Satanás é considerado pela Bíblia o “pai da mentira” (cf. Jo.8:44), que, ao ser expulso do
Céu, procurou de todas as maneiras atacar a criação do Deus, o homem, uma vez que ele
não tinha força suficiente para confrontar diretamente a Deus. O resultado disso foi a
implantação de diversas mentiras, quase todas elas construídas sobre a crença de que
“certamente não morrerás”, e a partir daí o ensino em um estado intermediário consciente
dos mortos e em um tormento eterno se tornaram realidade para boa parte dos
antediluvianos e foi retomado pelas pessoas no tempo de Ninrod.

O criador da imortalidade natural da alma é Satanás (cf. Gn.3:4), mas, depois, ele se
utilizou de recursos humanos para difundir tal doutrina pelo mundo afora, na “confusão das
línguas” na Torre de Babel, se disseminando pelo mundo, sendo maior o número de pessoas
a crer na alma imortal do que as que criam na mortalidade natural da alma.

Uma vez que tal ideia foi criada pelo diabo, ficou muito fácil torná-la plenamente difundida
entre as religiões pagãs que não tinham comprometimento com o Deus de Israel. Afinal,
são os próprios espíritos malignos que regem e perpetuam estes enganos, e com facilidade
vemos que a grande maioria das religiões pagãs da antiguidade passaram a seguir também
a mentira propagada pela boca da serpente no Éden.

Os hebreus, contudo, tinham o Deus vivo, e por isso acreditavam em uma natureza humana
holista, e não dualista do ser humano. Eles estavam protegidos pelo Deus de Israel de
doutrinas falsas que pudessem enganar até os homens justos. Os povos pagãos, contudo ,
não tinham o Deus de Israel, estando completamente expostos às doutrinas dos demônios,
os verdadeiros agentes por detrás dos “ídolos” (cf. 1Co.10:20). O resultado disso foi que
sem a menor dificuldade praticamente todas elas adotaram a mesma mentira prof erida à
Eva no Jardim e passaram a crer na doutrina da imortalidade da alma, em suas mais
diferentes formas.

Com o passar do tempo, a crença na sobrevivência da alma passou a se tornar realidade até
mesmo entre os judeus, o povo do Deus vivo, mas somente depois que o Antigo
Testamento foi concluído. Segundo a própria Enciclopédia Judaica, a imortalidade da
alma não é ensinada nas Escrituras e os judeus só passaram a crer nela através de Platão,
seu principal expoente, em um verdadeiro sincretismo religioso com o helenismo
predominante naquela época e naquela região, por ocasião da diáspora judaica:

"A crença de que a alma continua existindo após a decomposição do corpo é uma
especulação... que não é ensinada expressamente na Sagrada Escritura... A crença na
imortalidade da alma chegou aos judeus quando eles tiveram contato com o
pensamento grego e principalmente através da filosofia de Platão (427 - 347 a.C.),
seu principal expoente, que chegou a esse entendimento por meio dos mistérios órficos e
eleusianos, que na Babilônia e no Egito se encontravam estranhamente misturados"2 3

Para entendermos como isso se deu, temos que regressar à história dos hebreus. Israel era
um só povo unido até 922 a.C, quando as doze tribos se dividiram em dois reinos, o reino
do Sul (liderado por Judá) e o reino do Norte (liderado por Efraim). O reino do Norte foi
invadido pelos assírios em 725 d.C, e o rei Salmanaser V conquistou Israel, prendeu o rei e
levou cativos os israelitas para outra terra. O mesmo veio a acontecer tempos mais tarde
com o reino do Sul, em 586 a.C, nas mãos dos babilônicos. Eles foram levados cativos e
foram dispersos pelas outras regiões do mundo, daí o nome diáspora, que vem de

23 Enciclopédia Judaica, 1941, vol. 6, "A Imortalidade da Alma", pp. 564-566.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 31
dispersão. Quando eles foram expulsos da terra de Israel, eles se misturaram aos outros
povos e adaptaram muito de sua cultura e doutrina para si.

Ocorre que essa época da diáspora judaica se deu exatamente no período helenístico,
onde os gregos impunham sua cultura os povos conquistados:

“Designa-se por período helenístico (do grego, hellenizein – ‘falar grego’, ‘viver como os
gregos’) o período da história da Grécia e de parte do Oriente Médio compreendido entre a
morte de Alexandre o Grande em 323 a.C e a anexação da península grega e ilhas por
Roma em 146 a.C. Caracterizou-se pela difusão da civilização grega numa vasta área que se
estendia do mar Mediterrâneo oriental à Ásia central. De modo geral, o helenismo foi a
concretização de um ideal de Alexandre: o de levar e difundir a cultura grega aos territórios
que conquistava”2 4

Um dos elementos principais da cultura grega era a filosofia, e dentro dessa área se
destaca Platão. Ele foi o maior divulgador da doutrina da imortalidade da alma na Grécia
Antiga, e a alma ser imortal era um elemento essencial em sua filosofia. Com o período
helenista, essa filosofia (de que a alma é imortal) chegou em grande peso aos demais
povos, em especial aos hebreus, que não mais tinham um território próprio e estavam
“dispersos entre os gregos” (cf. Jo.7:35), e esses hebreus foram helenizados, isto é,
adquiriram para si a forma de pensar dos gregos, mesclando às crenças já cridas por eles.

O resultado disso é que eles continuaram crendo em ressurreição, mas passaram a incluir
em sua cultura a tese grega pagã de que a alma é imortal. Daí surge o tal do “estado
intermediário”, que foi inventado pelos imortalistas numa tentativa de conciliar ambas as
crenças, a imortalidade da alma e a ressurreição, pois, enquanto essa ressurreição não
ocorre, as almas dos que morreram estariam no Céu esperando essa ressurreição
acontecer, num estágio intermediário, entre a morte e a segunda vinda de Cristo.

Durante o período helenista foram fundadas várias cidades de cultura grega, e dentre elas
destaca-se Alexandria, que era uma espécie de “centro do helenismo”, com forte
concentração da cultura grega. Muitos judeus foram dispersos para essa cidade . Um dos
judeus helenizados que começaram a propagar fortemente a imortalidade da alma fo i Filon,
sobre quem a Enciclopédia Judaica afirma:

“Não há referências diretas na Bíblia para a origem da alma, sua natureza e sua relação
com o corpo, e essas perguntas deram espaço para as especulações da escola judaica de
Alexandria, especialmente de Filon, o judeu, que procurou na interpretação alegórica de
textos bíblicos a confirmação de seu sistema psicológico. Nos três termos ( ‘ruach’, ‘nephesh’
e ‘neshamah’) Filon viu a corroboração da visão platônica de que a alma humana é
tripartite (τριμεής), tendo uma parte racional, uma segunda mais espiritual, e uma terceira
como sendo a sede dos desejos” 2 5

Essa crença grega foi originalmente rejeitada pelos judeus da palestina, como atesta a
Enciclopédia Judaica citando o Talmude:

24 Wikipédia, a enciclopédia livre. Período helenístico. Disponível em:


<http://pt.wikipedia.org/wiki/Per%C3%ADodo_helen%C3%ADstico>. Acesso em: 12/09/2013.
25 Enciclopédia Judaica, 1941, “Alma".

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 32


“Essa crença foi rejeitada pelos estudiosos do Talmude, que ensinaram que o corpo está em
um estado de perfeita pureza (Ber. 10a;. Mek 43b), e está destinado herdar sua morada
celestial (...) Os rabinos afirmaram que o corpo não é a prisão da alma, mas, ao contrário, o
seu meio de desenvolvimento e aperfeiçoamento” 2 6

Por isso mesmo, nada é dito na Enciclopédia Judaica sobre os judeus crerem que a alma é
um elemento imaterial e imortal antes dessa helenização com as teses gregas. Ao contrário,
ela diz claramente:

“Uma vez que a alma é concebida como sendo apenas a respiração (‘nephesh’, ‘neshamah’,
comp. ‘anima’), e inseparavelmente ligada, senão identificada, com o sangue da vida (Gn
9:4; 4:11; Lv 17:11), nenhuma substância real pode ser atribuída a ela. Assim, quando o
espírito ou sopro de Deus (‘Nishmat’ ou ‘Ruach Hayyim’), que é o que se acredita que
mantém corpo e alma juntos, tanto dos homens como dos animais (Gn 2:7; 6:17; 7:22; Jó
27:3), é retirado (Sl 146:4) ou retorna a Deus (Ec 12:7; Jó 34:14), a alma de sce ao Sheol
ou Hades, para lá ter uma sombria existência, sem vida e consciência (Jó 14:21; Sl 6:5;
115:7; Is 38:19; Ec 9:5; 9:10). A crença em uma vida contínua da alma, que é a base da
primitiva adoração aos antepassados e dos ritos de necromancia, prat icados também pelo
antigo Israel (1Sm 28:13; Is 8:19), foi desencorajada e suprimida pelo profeta como
antagônica à crença em YHWH, o Deus da vida, o Governador do Céu e da Terra” 2 7

E sobre o significado original de “espírito” entre os judeus da época do A ntigo Testamento


ela diz:

“O relato mosaico da criação do homem fala de um espírito ou fôlego com que foi dotado
por seu Criador (Gn 2:7), mas esse espírito é concebido como sendo inseparavelmente
ligado, senão totalmente identificado, com o sangue da vida (Gn 9:4; 4:11; Lv 17:11).
Somente através do contato dos judeus com o pensamento persa e grego surgiu a
ideia de uma alma desencarnada, tendo sua própria individualidade ”2 8

A Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional também revela que os israelitas não criam na
imortalidade da alma antes de serem tardiamente influenciados por Platão:

"Quase sempre somos mais ou menos influenciados pela ideia grega platônica, que diz que
o corpo morre, mas a alma é imortal. Tal ideia é totalmente contrária à consciência israelita
e não é encontrada em nenhum lugar do Antigo Testamento"2 9

Claro que Deus só deixou que tal fato se concretizasse depois do Antigo Testamento ter sido
concluído, pois Ele cuida de não haver doutrinas falsas em Sua Palavra. Quando o último
livro do Antigo Testamento foi escrito (que foi o livro de Malaquias, em 397 a.C), ainda não
havia ocorrido esse sincretismo com o paganismo grego, que, como vimos, se deu a
partir de 323 a.C. Sendo assim, podemos chegar à conclusão de que Deus guardou a Sua
Palavra do paganismo, salvaguardando o Antigo Testamento de conter alguma filosofia
imortalista de séculos posteriores, quando já estavam influenciados pela filosofia grega.

26 ibid.
27 Enciclopédia Judaica, 1941, vol. 6, "A Imortalidade da Alma", pp. 564-566.
28 Enciclopédia Judaica, 1941, “Alma".
29 Enciclopédia Bíblica Padrão Internacional, 1960, vol. 2, "Morte", p. 812.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 33
O fato da doutrina na alma imortal ter sido propagada entre os judeus atravé s do
sincretismo com a filosofia platônica, também atestado pela própria Enciclopédia Judaica,
explica o porquê dos livros apócrifos contidos nas Bíblias dos católicos estarem repletos de
informações claras sobre a “imortalidade da alma” e sobre a existênc ia do estado
intermediário, e até mesmo do “purgatório” e de oração pelos mortos, pois foram escritos
depois de ter se consumado tal contato com o paganismo.

É evidente que tal pensamento para os hebreus só se tornou realidade a eles a partir do
sincretismo religioso com as religiões pagãs, por ocasião da diáspora judaica, quando o
povo hebreu esteve exposto às doutrinas helenísticas de grande influência, incluindo a forte
concepção grega de imortalidade da alma impregnada por Platão na Grécia Antiga.

Quando os judeus estiveram expostos a tais pensamentos, passaram então a escrever e a


acreditar em tais superstições, contrariando o pensamento holístico bíblico de séculos
anteriores (cf. Gn.2:7; Sl.13:3; Ec.9:5,6; Ec.9:10; Sl.146:4; Sl.6:5; Sl.115:17; Sl. 13:3; Jó
14:11,12; Sl.30:9; Is.38:18; Is.28:19; Sl.94:17). Na própria narração da criação humana é
narrado o simplismo bíblico no homem tornar-se uma alma (cf. Gn.2:7), algo muito
diferente dos contos pagãos em que os seres humanos recebiam (ou “obtinham”) uma alma
eterna/imortal que lhes era infundida.

Na Bíblia Sagrada, “espírito” significa somente “vida”, e não uma outra pessoa c onsciente
dentro do ser humano (cf. Gn.6:17; Gn.7:21,22; Ec .3:19,20; Gn.7:15; Sl.104:29), algo
muito diferente do que criam as religiões pagãs e politeístas da época. Na diáspora judaica,
influenciados pelo sincretismo pagão, o povo judeu passou a claramente declarar a posição
de imortalidade da alma (cf. Sabedoria 3:1-4; 5:1-4; 2:23; 3:2,4; 8:19,20; 9:15).

O livro de “Sabedoria”, por exemplo, cita passagens de livros bíblicos escritos séculos
depois da morte de Salomão (em 998 a.C) e faz isso da Septuaginta grega, que começou a
ser traduzida por volta de 280 a.C. Por isso, o livro “Sabedoria de Salomão”, na verdade,
não tem nada a ver com Salomão, que claramente negava a vida após a morte (cf.
Ec.3:19,20; Ec.9:5; Ec.9:6; Ec.9:10), isso evidentemente séculos antes da diáspora
judaica. Atualmente acredita-se que o escritor tenha sido um judeu de Alexandria, no Egito,
por volta de meados do primeiro século antes de Cristo.

O escritor deste livro faz uso fortemente da filosofia grega, mostrando grande particular
familiaridade com ela. Ele usa terminologia platônica na divulgação da doutrina da
imortalidade da alma (cf. Sabedoria 3:1,4; 5:1-4; 2:23; 3:2,4; 8:19,20; 9:15). Outros
conceitos pagãos apresentados são a pré-existência das almas humanas e o conceito de que
o corpo é um impedimento ou estorvo para a alma (cf. 8:19, 20; 9:15). É óbvio que tais
ensinamentos não existem em parte nenhuma da Bíblia canônica e muito menos antes da
diáspora, pois tais ensinamentos estão clarissimamente relacionados ao sincretismo com o
dualismo platônico.

ANTES DA DIÁSPORA DEPOIS DA DIÁSPORA


“Porque os vivos sabem que hão de “As almas dos justos estão nas mãos de
morrer, mas os mortos não sabem coisa Deus, e nenhum tormento jamais os
nenhuma, nem tampouco terão eles tocará [...] pois na verdade eles estão
recompensa, porque a sua memória jaz no em paz, e a esperança deles é plena
esquecimento. Amor, ódio e inveja para imortalidade” (cf. Sabedoria 3:1-4)
eles já pereceram; para sempre não têm

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 34


eles parte em coisa alguma do que se faz
debaixo do sol [...] Tudo quanto te vier à
mão para fazer faze-o conforme as tuas
forças, porque no além, para onde tu vais,
não há obra, nem projetos, nem
conhecimento, nem sabedoria alguma” (cf.
Eclesiastes 9:5, 6 e 10)

Antes daquele momento, nada de imortalidade da alma; depois daquele momento,


inúmeras menções explícitas dela. No livro anteriormente citado, lemos algumas destas
“descrições”: "As almas dos justos estão na mão de Deus, e não os tocará o tormento da
morte. Pareceu aos olhos dos insensatos que morriam; e a sua saída deste mundo foi
considerada como uma aflição, e a sua separação de nós como um extermínio; mas eles
estão em paz (no céu). E, se eles sofreram tormentos diante dos homens, a sua esperança
está cheia de imortalidade” (cf. Sabedoria 3:1-4)

Fica mais do que claro que tais menções explícitas de imortalidade da alma nos livros não -
canônicos (ou “apócrifos”) foram feitas não pela inspiração divina, mas sim pelo sincretismo
com o paganismo grego, “coinc identemente” no exato momento da diáspora judaica. Se a
imortalidade da alma fosse a doutrina do Antigo Testamento antes da influência de
ensinamentos gregos de dualismo entre corpo e alma, então o que deveríamos esperar
seria justamente inúmeras e constantes menções plenamente definidas de imortalidade da
alma neles (assim como vemos constantemente ensinamentos dualistas depois da
diáspora).

Tal fato, contudo, está muito longe de ser realidade. O próprio fato de os hebreus
começarem a escrever sobre a imortalidade da alma a partir da diáspora corrobora com a
História que nos mostra que houve tal sincretismo pagão por esta época. O Dr. Samuelle
Bacchiocchi acrescenta:

“Durante esse período inter-testamentário, o povo judeu esteve exposto, tanto em seu lar,
na Palestina, quanto na diáspora (dispersão), à cultura e filosofias helenísticas (gregas) de
grande influência. O impacto do helenismo sobre o judaísmo é evidente em muitas áreas,
inclusive na adoção do dualismo grego por algumas obras literárias judaicas produzidas
nessa época”3 0

Vemos, portanto, que como o resultado deste impacto foi o que resultou na difusão da
doutrina da imortalidade da alma entre os judeus, que entrou no judaísmo não por uma
ordenança divina, mas decorrente do puro sincretismo religioso com as religiões
pagãs.

Mas havia ainda uma linha de pensamento que corria no mundo judaico em paralelo com a
visão dualista helenista. Esta outra linha de pensamento diz respeito ao judaísmo
palestino que se manteve fiel aos escritos bíblicos veterotestamentários. Um dos livros que
nos mostra isso é o apócrifo de 2ª Baruque, que, em linguagem bem semelhante aos
ensinos canônicos neotestamentários provenientes da palestina, afirma que os mortos
“dormem no pó da terra” e na segunda vinda do Messias “todos os que adormeceram na

30 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a


natureza e o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 35
esperança dEle ressuscitarão; todos os justos serão reunidos num instante e os ímpios
lamentarão, pois o tempo de seu tormento é chegado” (cf. 2ª Baruque cap.30).

A linha de pensamento é fortemente semelhante ao pensamento do Novo Testamento e


expressa com exatidão a figura bíblica adequada para a morte: o sono (cf. Jo.11:11); o
local onde estão os mortos: o pó da terra (cf. Dn.12:2); a esperança do verdadeiro crist ão:
a ressurreição (cf. Hb.11:35); o momento em que os justos serão todos ajuntados
juntamente: na segunda vinda de Cristo (cf. 1Ts.4:15); e quando é que os ímpios
finalmente serão atormentados: somente na ressurreição que lhes é chegado o momento da
sua punição (cf. 2Pe.2:9).

Esta linha de pensamento ainda corrente no primeiro século (2ª Baruque foi escrito em fins
do primeiro século d.C ou início do segundo) ainda corria entre o judaísmo palestino. Uma
linha que mantém a esperança focada na ressurreição (cf. At.24:15), que prega que só
Deus é possuidor natural de imortalidade (cf. 1Tm.6:16), e que o homem tem que buscá-la
porque não a possui naturalmente (cf. Rm.2:7). Essa é a linha de pensamento
neotestamentária utilizada pelos apóstolos.

Foi somente a partir de meados do segundo século que os filósofos primitivos cristãos
adotaram o conceito grego de imortalidade da alma, algo presumível uma vez que tal
conceito era fortemente difundido nas comunidades não-cristãs. Muitas doutrinas foram
corrompidas ao longo dos séculos, incluindo a concepção do dualismo grego dominante na
época.

Por este tempo a ideia da existência de uma alma imortal tomou conta do Cristianismo,
permanecendo até os dias de hoje, na maioria das igrejas cristãs. Tendo como única fonte
de fé as Sagradas Escrituras disponíveis em sua época, e que negavam em absoluto
qualquer tipo de vida pré-ressurreição (cf. Gn.2:7; Sl.13:3; Ec .9:5,6; Ec.9:10; Sl.146:4;
Sl.6:5; Sl.115:17; Sl. 13:3; Jó 14:11,12; Sl.30:9; Is.38:18; Is.28:19; Sl.94:17), os
apóstolos a seguiam em não tomar parte com tal doutrina que, até esta época, estava das
portas para fora da Igreja.

O próprio fato da vida ser apenas a partir da ressurreição fazia com que o foco da Igreja
primitiva fosse completamente voltado ao glorioso dia da ressurreição dos mortos, assunto
este que era a base de todo o Novo Testamento, sendo mencionadas algumas centenas de
vezes (ex: Atos 16:6-8; Hebreus 11:35; Atos 4:2; 17:18; Atos 23:6; 24:15, que mostram
que a esperança dos cristãos era na ressurreição).

Por que quase não ouvimos falar na doutrina da ressurreição entre as igrejas cristãs dos
dias de hoje? Porque elas passaram a adotar a imortalidade da alma. O helenismo
trouxe aos hebreus uma mescla das doutrinas gregas de imortalidade da a lma com as suas
próprias convicções a respeito a ressurreição dos mortos. O resultado desta mescla foi que
eles não deixaram de conceber a doutrina da ressurreição, mas incluíram junto a ela uma
nova ideia que com o passar dos tempos foi deixando a realida de da ressurreição cada vez
mais insignificante: a imortalidade da alma.

Na época de Cristo, imortalidade da alma e ressurreição dos mortos eram dois opostos. Os
gregos acreditavam na doutrina da imortalidade (e os cristãos dos dias de hoje misturam os
dois). Naquela época, contudo, uma vez que a esperança cristã era a da ressurreição, se
você quisesse pregar que os mortos já tinham ido para a glória teria que pregar deste jeito:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 36


“Os quais se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição era já feita , e perverteram a
fé de alguns” (cf. 2Tm.2:18). O próprio apóstolo Paulo teve sérios problemas em Atenas por
causa da crença deles na imortalidade da alma, como é dito em Atos 17:32. A verdade é
que Paulo pregava a ressurreição, e, os gregos, a imortalidade incondicional da alma. O
resultado disso foi a rejeição por parte deles aos ensinamentos de Paulo.

A esperança bíblica primitiva era sempre voltada à ressurreição, e não à imortalidade da


alma. A crença na alma imortal não apenas desqualifica e tira a importância da
ressurreição, como também a anula como sem sentido, uma vez que todos iríamos
continuar no Céu ou no inferno do mesmo jeito sem ela. Tal detrimento óbvio entre
imortalidade da alma e ressurreição dos mortos é tão evidente que levou muitos g randes
escritores a exporem tal discrepância, como o grande teólogo luterano Oscar Cullmann e o
doutor adventista Samuelle Bacchiocchi (que colocaram tal contradição no título de seus
livros).

O autor deste livro disponibilizará de mais de duas centenas de provas contra a doutrina
dualista ao longo de toda a Bíblia, Antigo e Novo Testamento, que serão mostradas e
comentadas uma a uma ao longo de todo o livro, revelando como que tal doutrina não é
apenas a primeira mentira, como também a maior de todas as mentiras de todos os
tempos.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 37


CAPÍTULO 2 – OS PAIS DA IGREJA E A IMORTALIDADE DA ALMA

I–Os Pais da Igreja criam na imortalidade da alma?

Os Pais da Igreja foram os influentes cristãos, bispos, teólogos e mestres que marcaram
história na Igreja primitiva nos primeiros séculos e cujos trabalhos foram utilizados como
precedentes doutrinários nos séculos seguintes. O estudo dos escritos do s Pais da Igreja é
denominado “patrística”, e seu conteúdo é de profunda relevância quando buscamos saber
se a Igreja cristã dos primeiros séculos cria ou não em alguma doutrina. Afinal, se os Pais
da Igreja que conviveram tão próximos aos apóstolos, como Polic arpo (69-155 d.C) que foi
discipulado pelo próprio apóstolo João, ou Inácio (35-107 d.C), que também conviveu com
os apóstolos, estavam equivocados, então toda a verdade cristã deixada pelos discípulos de
Jesus foi corrompida dentro de um período de tempo extremamente curto.

Doutra forma, se confirmamos que os primeiros cristãos criam de acordo com a crença
bíblica sobre a vida após a morte, temos a ratificação de que os bispos que sucederam os
apóstolos salvaguardaram a doutrina bíblica a este respeito, e que apenas tardiamente a
Igreja se desviou do curso. Por isso, embora a Bíblia seja a nossa única regra de fé e
prática, o estudo da patrística não perde seu valor por isso, mas nos ajuda a entender se os
primeiros cristãos da Igreja primitiva criam na imortalidade ou na mortalidade da alma,
assim como as epístolas apostólicas nos ajudam a entender a visão daqueles que
conviveram pessoalmente com Cristo. Afinal, se aqueles que conviveram de perto com os
apóstolos não criam na imortalidade da alma, tampouc o cremos que os próprios apóstolos
tenham passado tal ensino a eles.

Que a imortalidade da alma não era uma crença adotada pelos primeiros Pais da Igreja, em
especial os do século I até meados do século II d.C, isso fica evidente pela própria
argumentação imortalista que sempre cita apenas os Pais de tempos bem posteriores,
começando por Orígenes e avançando até Agostinho. Eles realmente não têm nenhuma
prova irrefutável dessa doutrina que possa ser encontrada em qualquer obra de qualquer
Pai da Igreja que tenha convivido mais de perto com os apóstolos. Neste capítulo, portanto,
irei provar resumidamente como que a patrística refuta a imortalidade incondicional da alma
naquilo que tange aos primeiros séculos de Cristianismo.

Inácio de Antioquia (68 – 107 d.C) cria que seria encontrado como discípulo de Policarpo
depois que a ressurreição tivesse sido consumada, e não imediatamente após a morte em
algum estado intermediário:

”Uma vez que a Igreja de Antioquia da Síria está em paz, como fui informado, graça s à
vossa oração, fiquei mais confiante na serenidade de Deus, se com o sofrimento eu o
alcançar, para ser encontrado na ressurreição como vosso discípulo”3 1

Era na ressurreição – e não após a morte – que Inácio se reencontraria com Policarpo, e
seria reconhecido como seu discípulo. O mesmo ele afirma aos cristãos de Éfeso:

”Fora dele [Jesus], nada tenha valor para vós. Eu carrego as correntes por causa dele. São
as pérolas espirituais com as quais eu gostaria que me fosse dado ressuscitar, graças à

31 Carta de Inácio a Policarpo, 7:1.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 38
vossa oração. Desta desejo sempre participar para me encontrar na herança dos
cristãos de Éfeso, que estão sempre unidos aos apóstolos pela força de Jesus Cristo” 3 2

Inácio queria se encontrar na herança dos cristãos de Éfeso, mas a pergunta que não quer
calar é: “quando”? Qualquer imortalista responderia que seria logo após a morte e antes
da ressurreição, quando supostamente a “alma imortal” de Inácio partiria para o Céu e se
encontraria na sua herança, junto aos cristãos de Éfeso. Porém, Inácio diz claramente q ue
seria na ressurreição que isso aconteceria! A crença de Inácio de que era somente na
ressurreição dos mortos que os cristãos entram em sua herança celestial e se reencontram
com os demais cristãos era crida também por Policarpo (69 – 155 d.C), contemporâneo de
Inácio, que afirmou que a ressurreição não é somente do corpo (como creem os
imortalistas), mas também da alma:

“Eu te bendigo por me teres julgado digno deste dia e desta hora, de tomar parte entre os
mártires, e do cálice de teu Cristo, para a ressurreição da vida eterna da alma e do
corpo, na incorruptibilidade do Espírito Santo” 3 3

Justino (100 – 165 d.C) foi ainda mais além e declarou que aqueles que criam que a alma
vai para o Céu após a morte e antes da ressurreição nem sequer poderiam ser considerados
cristãos, mas estariam no grupo daqueles que eram considerados «ímpios e hereges», que
ensinavam «doutrinas que são em todos os sentidos blasfemas, ateístas e tolas»:

"Além disso, eu indiquei-lhe que há alguns que se consideram cristãos, mas são
ímpios, hereges, ateus, e ensinam doutrinas que são em todos os sentidos
blasfemas, ateístas e tolas. Mas, para que saiba que eu não estou sozinho em dizer isso
a você, eu elaborarei uma declaração, na medida em que puder, de todos os argumentos
que se passaram entre nós, em que eu devo registrá-las, e admitindo as mesmas coisas
que eu admito a você. Pois eu opto por não seguir a homens ou a doutrinas humanas, mas
a Deus e as doutrinas entregues por Ele. Se vós vos deparais com supostos Cristãos que
não façam esta confissão, mas ousem também vituperar o Deus de Abraão, o Deus de
Isaque e o Deus de Jacó, e neguem a ressurreição dos mortos, sustentando antes, que no
ato de morrer, as suas almas são elevadas ao céu, não os considereis Cristãos . Mas
eu e os outros, que somos cristãos de bem em todos os pontos, estamos convictos de que
haverá uma ressurreição dos mortos, e mil anos em Jerusalém, que será construída,
adornada e alargada, como os profetas Ezequiel e Isaías e outros declaram" 3 4

O Diálogo com Trifão, escrito por Justino, é ainda mais interessante por ser apresentado em
forma de diálogo. Nele, podemos ver as incoerências da crença de que a alma é imortal e
também como que os primeiros cristãos contestavam essa crença de origem pagã. Por
exemplo, Justino afirma que as almas dos homens são em tudo semelhante às almas dos
animais:

Velho: E todas as almas de todos os seres vivos podem compreendê -Lo? Ou são as almas
dos homens de um tipo e as almas dos cavalos e de jumentos de outro tipo?

Justino: Não. Mas as almas que estão em todos são semelhantes. (Capítulo 4)

32 Inácio aos Efésios, 11:2.


33 O Martírio de Policarpo, 14:2.
34 Diálogo com Trifão, Cap.80.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 39
Aqui Justino declara que as almas humanas não são diferentes das dos animais. Se lermos
o relato da criação em Gênesis, vemos que ambos são descritos como sendo alma -nephesh
(cf. Gn.1:20,21,24,30; 2:19; 9:10,12,15,16; Lv.11:46). Alguns imortalistas, na tentativa de
refutar este fato bíblico, tentam dizer que as almas dos animais são diferentes das almas
humanas, pois a deles seria mortal, enquanto a nossa seria imortal. Isso é o que o homem
velho estava dialogando com Justino, mas este nega que haja diferença entre ambas as
almas, exatamente como prega a doutrina bíblica holista!

Mais a frente, vemos um interessante diálogo de Justino com o Velho, onde os dois
discorrem sobre a natureza do universo e sobre o destino da alma após a morte. Desde que
o universo lhes pareceu ser gerado (como a Bíblia ensina que foi), eles concluem que as
almas não podem ser imortais, mas morrem após a morte do corpo:

Velho: Você diz que o mundo também é não-gerado?

Justino: Alguns dizem que sim. Eu, porém, não concordo com eles.

Velho: Você está certo, pois que razão alguém tem para supor que um corpo tão sólido,
possuindo resistência, composto, mutável, em decomposição, e renovado a cada dia, não
surgiu de alguma causa? Mas se o mundo é gerado, as almas necessariamente
também são geradas, e talvez em algum momento elas não existam, porque elas
foram feitas por conta dos homens e outros seres vivos, se você for dizer que eles foram
gerados totalmente à parte, e não juntamente com seus respectivos órgãos.

Justino: Isso parece estar correto.

Velho: Não são, pois, imortais?

Justino: Não, desde que o mundo pareceu-nos ser gerado. (Capítulo 5)

Justino afirma que as almas não são imortais, porque o universo foi gerado. Então, vem a
parte que alguns imortalistas se utilizam, tirando-a de seu devido contexto, que é
quando o velho que debate com Justino (e não o próprio Justino) afirma que as almas não
morreriam completamente, mas as almas dos justos iriam para um “lugar melhor” após a
morte, e as dos injustos iriam para um “lugar pior”, esperando o dia do julgamento. Já vi
alguns imortalistas fazerem uso dessa passagem na intenção de passar a ideia de que
Justino não cria que a alma morria após a morte, mas eles se esquecem de que foi o
próprio Justino que corrigiu este pensamento do homem velho logo na sequencia
do Diálogo:

Velho: Mas eu não digo, na verdade, que todas as almas morrem... mas depois da morte
as almas dos piedosos permanecem em um lugar melhor, enquanto as dos injustos e
perversos estão em um lugar pior, esperando o momento do julgamento. Assim, alguns que
tem sido dignos de serem apreciados por Deus nunca morrem, mas outros são punidos,
desde que Deus quer que eles existam e sejam punidos.

Justino: O que você diz, então, é de uma natureza similar com o que Platão ensina sobre o
mundo, quando ele diz que ele é realmente sujeito à decadência, na medida em que foi
criado, mas que nem vai ser dissolvido, nem encontrar-se com o destino da morte por conta
da vontade de Deus. Parece-lhe que o mesmo pode ser dito da alma, e em geral de todas

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 40


as coisas? Para as coisas que existem depois de Deus, ou em qualquer momento
existem, estas têm a natureza de decadência, e podem ser apagadas e deixarem
de existir, pois só Deus é ingênito e imortal, e por isso mesmo Ele é Deus, mas
todas as outras coisas criadas por Ele são corruptíveis. Por esta razão ambas as
almas morrem, uma vez que, se fossem ingênitas, elas nem teriam pecado, nem seriam
preenchidas com a loucura, e nem seriam covardes ou ferozes; nem seriam de bom grado
se transformarem em porcos e as serpentes em cães, se fossem não -geradas.

Note que o homem velho realmente propôs a imortalidade da alma a Justino, mas foi o
próprio Justino quem refutou aquele pensamento logo em seguida, dizendo que o homem
velho estava pensando da mesma forma que Platão, de que o mundo não vai ser dissolvido,
e de que o mesmo poderia ser aplicado com relação à alma (que não s e dissolveria após a
morte). Isso estaria errado pelo fato de que as coisas criadas por Deus tem uma natureza
corruptível, e por essa razão “ambas as almas morrem”, isto é, tanto as almas dos
homens como também as dos animais perecem após a morte, não são imortais como cria
Platão. Mais adiante, Justino reitera mais uma vez que a alma deixa de existir após a morte,
e que o homem não existe mais quando o espírito da vida é retirado dele, não existindo
mais a alma:

“Sempre que a alma tem de deixar de existir, o homem não existe mais, o espírito da
vida é removido, e não há mais alma, mas ele vai voltar para o lugar de onde foi feito” 3 5

Para Justino, quando Deus retira do homem o sopro de vida que Ele soprou originalmente
nas narinas de Adão, o homem não existe mais, a alma deixa de existir e «não há mais
alma»; o homem como um ser integral volta para o lugar de onde ele foi formado: o pó da
terra. Por isso, a ressurreição é a única esperança para trazer o homem de volta à
existência, como Justino também declara a Trifão:

Trifão: Diga-me, então, devem os que viviam de acordo com a lei dada por Moisés,
viverem da mesma maneira com Jacó, Enoque, Noé, na ressurreição dos mortos, ou
não?

Justino: Quando citei, senhor, as palavras ditas por Ezequiel, que, ”mesmo que Noé, Daniel
e Jó estivessem nela, eles não poderiam livrar seus filhos e suas filhas, o pedido não lhes
seria concedido", mas que cada um deve ser salvo pela sua própria justiça, disse também
que aqueles que suas vidas foram reguladas pela lei de Moisés de igual modo devem ser
salvos. Pois o que está na lei de Moisés é naturalmente bom, piedoso e justo, e foi prescrito
a ser praticado por aqueles que devem obedecê-la, e foi designada para ser realizada em
virtude da dureza dos corações do povo, e feita também para aqueles que estavam debaixo
da lei. Desde aqueles que fizeram o que é universal, naturalmente, e eternamente bom é
agradável a Deus, eles serão salvos por esse Cristo na ressurreição, em pé de
igualdade com os homens justos que foram antes deles, ou seja, Noé e Enoque, e Jacó, e
quem mais existir, juntamente com aqueles que conheceram esse Cristo, Filho de Deus, que
foi a estrela da manhã e submeteu-se ao encarnar-se, e nascer desta virgem da família de
Davi, a fim de que, por nesta dispensação, a serpente que peca desde o princípio e os anjos
com ele possam ser destruídos, e que a morte possa ser desprezada, para sair
eternamente, na segunda vinda de Cristo, aqueles que acreditam n'Ele e viveram
aceitavelmente. (Capítulo 45)

35 Diálogo com Trifão, Cap.6.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 41
É tão claro como a luz do dia o fato de que Justino cria que seria na ressurreição (que
acontece na segunda vinda de Cristo) que aqueles que já morreram (tais como Noé, Enoque
e Jacó) iriam ser salvos e sair para a vida eterna. Por isso ele se regozijava da morte: não
por pensar que tinha uma “alma imortal” que sobrevivesse conscientemente após a morte,
mas por crer que Deus o ressuscitaria e o tornaria imortal nessa ressurreição:

“Mas nós nos regozijamos da morte, acreditando que Deus nos ressuscitará a nós pelo
seu Cristo, e nos fará incorruptíveis, e intactos, e imortais , e sabemos que as
ordenanças impostas em virtude da dureza dos corações do povo em nada contribuem para
o desempenho da justiça e da piedade”3 6

Por tudo isso, a vida eterna seria herdada somente após a santa ressurreição, e não antes
dela:

“Ele [Josué] não apenas teve o seu nome alterado, como também foi sucessor de Moisés,
sendo o único de seus contemporâneos que saiu do Egito, ele levou os sobreviventes para a
Terra Santa e foi ele, e não Moisés, que conduziu as pessoas para a Terra Santa, e assim
como ela foi distribuída por sorteio para os que entraram junto com ele, assim também
Jesus Cristo virá novamente e distribuirá a boa terra para cada um, embora não da mesma
maneira. Pois o primeiro [Josué] deu-lhes uma herança temporária, visto que ele não era
nem Cristo, que é Deus, nem o Filho de Deus; mas este último [Jesus], após a santa
ressurreição, nos dará a posse eterna”3 7

Os homens de todas as épocas que creram em Cristo e que viveram de acordo com a
Palavra de Deus “estarão” {futuro} naquela terra, e “herdarão” {futuro} o eterno e
incorruptível bem:

“E, portanto, todos os homens em todos os lugares, quer escravos ou livres, que creem em
Cristo, e reconheceram a verdade em suas próprias palavras e dos Seus profetas, sabemos
que eles estarão com ele naquela terra, e herdarão o eterno e incorruptível bem ”3 8

Se Justino cresse que herdamos a vida eterna antes da ressurreição (no momento em que a
alma “voa” para o Céu após a morte), então ele teria dito que os que já morreram já estão
naquela terra prometida por Deus, e que já herdaram o eterno e incorruptível bem. O fato
de ele colocar tudo no tempo futuro nos mostra mais uma vez que ele não cria na
imortalidade da alma. A posse da vida eterna era vista como um acontecimento depois da
ressurreição dos mortos, e não antes:

“E a Palavra, sendo o Seu Filho, veio até nós, tendo sido manifestado em carne, revelando
tanto si mesmo como também o Pai, dando-nos a ressurreição dos mortos e, depois, a
vida eterna”3 9

Por isso mesmo ele advogava a tese bíblica de que a ressurreição não é meramente do
corpo, mas do corpo e da alma, pois tanto o corpo como a alma formam o homem, e
consequentemente tanto o corpo como a alma morrem, e tanto o corpo como a alma
ressuscitam na ressurreição:

36 Diálogo com Trifão, Cap.46.


37 Diálogo com Trifão, Cap.113.
38 Diálogo com Trifão, Cap.139.
39 Justino, Tratado sobre a Ressurreição, Cap.1.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 42
“Pois o que é homem, senão um animal racional composto de corpo e alma? É a alma
chamada de homem por si mesma? Não, mas é chamada a alma do homem. Será que o
corpo pode ser chamado de homem? Não, mas é chamado o corpo do homem. Se, então,
nenhum deles é por si só o homem, mas o que é composto dos dois juntos é
chamado de homem, e Deus chamou o homem para a vida e ressurreição, Ele
chamou não uma parte, mas o todo, que é a alma e o corpo”4 0

“Se Ele não tinha necessidade da carne, por que Ele iria curá -la? E o que é o mais
convincente de todos: Ele ressuscitou os mortos. Por quê? Não era para mostrar como a
ressurreição deveria ser? Como, então, Ele ressuscitará os mortos? Suas almas ou os
seus corpos? Manifestamente ambos”4 1

Arnóbio foi outro a declarar que a tese da imortalidade da alma era crida em sua época por
“pensadores recentes e fanáticos”:

"Não há motivo, portanto, que nos engane, não há motivo que nos faça conceber
esperanças infundadas aquele que se diz por alguns pensadores recentes e fanáticos
pela excessiva estima de si mesmos que, as almas são imortais”4 2

Essa é uma declaração enfática que nos leva a crer novamente que quando a imortalidade
da alma entrou na Igreja não foi por ser pregada desde sempre pelos apóstolos, mas foi ao
longo de um processo de desvio doutrinário, começando a ser pregada por apenas alguns
“recentes”, que, influenciados pela filosofia grega platônica, trouxeram para dentro da
Igreja o conceito pagão de que a alma seria imortal. Os pensadores da época que criam que
a alma era imortal eram questionados pela sua própria infantilidade e ignorância em ver
este assunto desta forma:

“Mas se você está realmente certo de que as almas dos homens são imortais e dotadas
de conhecimento, quando elas voam para cá, deixe-me questionar a juventude que
você vê as coisas pela sua ignorância, estando ac ostumado aos caminhos dos
homens”4 3

Arnóbio enfatiza também que as almas não são incorpóreas, o que é outra base e
fundamento da tese imortalista que é derrubada, juntamente com a crença de que elas
seriam “imortais”:

“Além disso, o mesmo raciocínio não só mostra que elas [as almas] não são
incorpóreas, mas também as privam de toda e qualquer imortalidade, e remete-as
para os limites dentro dos quais a vida é normalmente fechada” 4 4

Por fim, outros dois autores cristãos do segundo século d.C que são bem importantes para
entendermos o pensamento presente na Igreja da época, são Teófilo de Antioquia (120 –
180 d.C) e Taciano, o Sírio (120 – 180 d.C), que são da mesma época, sendo que ambos
eram filósofos e ambos discorreram amplamente sobre a ressurreição, sobre a natureza

40 Justino, Tratado sobre a Ressurreição, Cap.8.


41 Justino, Tratado sobre a Ressurreição, Cap.9.
42 Arnóbio, op. cit., Liv. II, 14-15; pag. 51.
43 Arnóbio, Against the Heathen , Livro II, Cap.24.
44 Arnóbio, Against the Heathen, Livro II, Cap.26.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 43
humana e sobre a vida após a morte. Começaremos por Teófilo, que escreveu três livros a
Autólico, e disse:

“Ó homem, se compreenderes isso, e viveres de maneira pura, piedosa e justa, poderás ver
a Deus. Antes de tudo, porém, entrem em teu coração a fé e o temor de Deus, e então
compreenderás isso. Quando depuseres a mortalidade e te revestires da
incorruptibilidade, verás a Deus de maneira digna. Com efeito, Deus ressuscitará a
tua carne, imortal, juntamente com tua alma. Então, tornado imortal, verás o
imortal, contanto que agora tenhas fé nele. Então reconhecerás que falaste injustamente
contra ele”4 5

Acima constatamos três pontos principais. O primeiro, é que a natureza humana atual é
mortal. A segunda, é que a alma ressuscita juntamente com o corpo, o que era uma crença
comum no século d.C. E o terceiro, que é somente na ressurreição, quando o homem se
torna imortal, que ele verá o imortal, Deus. A doutrina tardia da imortalidade da alma
mudou tudo isso, pois prega que o ser humano possui atualmente a imortalidade na forma
de uma alma imortal, ensina que a ressurreição é somente do corpo e também que veremos
a Deus logo após a morte, antes mesmo da ressurreição. Quanta diferença disso para aquilo
que os Pais da Igreja criam e ensinavam!

Outro fato que Teófilo nos mostra e que, como já vimos, é totalmente compatível com a
Bíblia e com aquilo que disse Justino de Roma, é que os animais também são almas
viventes:

“E disse Deus: ‘Que as águas produzam répteis de alma vivente e aves que voam sobre a
terra debaixo do firmamento do céu’. E assim se fez. E Deus fez os monstros grandes do
mar, e toda alma dos animais que se arrastam, que as águas produziram conforme suas
espécies, e todo volátil alado segundo a sua espécie. E Deus viu que era bom. E Deus os
abençoou, dizendo: ‘Crescei e multiplicai-vos e enchei as águas do mar, e que as aves se
multipliquem sobre a terra’. Houve tarde e houve manhã: quinto dia.E disse Deus: ‘Q ue a
terra produza alma vivente conforme a sua espécie, quadrúpedes e répteis e feras da
terra segundo a sua espécie’. E assim se fez. E Deus fez as feras da terra conforme a sua
espécie e os animais segundo a sua espécie, e todos os répteis da terra” 4 6

Depois que a doutrina pagã da imortalidade da alma ganhou força dentro do Cristianismo,
ficou comum os teólogos da imortalidade negarem que os animais sejam ou possuam alma,
e a grande maioria das traduções vertem os textos acima (a exemplo de outros onde
aparece nephesh para os animais) como “criaturas viventes”, antes que como “almas
viventes”, que é o real significado do hebraico nephesh. Tudo para negar que os animais
são tão nephesh quanto o ser humano, e que, por isso, nephesh não é nem nunca foi um
elemento eterno, imortal e imaterial presente na natureza humana.

O curioso é que estas mesmas traduções que adulteram o original hebraico e traduzem por
“criatura” onde deveria ser “alma” relacionando-se aos animais, no mesmo contexto
traduzem a mesma palavra [nephesh] por alma mesmo quando se refere a seres humanos!
A manobra por trás disso tudo é muito clara: eles querem passar a falsa ideia de que
nephesh (alma) é um elemento imortal e imaterial que está presente em nós mas não nos
animais; por isso, traduzem essa palavra por “alma” quando se refere aos seres humanos,

45 Teófilo a Autólico, Livro I, Cap.7.


46 Teófilo a Autólico, Livro II, Cap.11.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 44
mas não traduzem por “alma” quando a mesma palavra é aplicada igualmente aos animais,
ou senão todos ficariam sabendo que nephesh não é um elemento imortal coisa nenhuma.

Teófilo também faz um contraste entre nós e Deus, mostrando que Deus é imortal,
enquanto o homem deixa de existir por um tempo, até voltar à existência em uma
ressurreição futura:

“Os luzeiros contêm o exemplo e símbolo de um grande mistério, pois o sol é símbolo de
Deus e a lua o é do homem. Como o sol difere muito da lua em poder e glória, assim Deus
é muito diferente da humanidade; como o sol permanece sempre cheio e não
diminui, assim Deus permanece sempre perfeito, repleto de poder, inteligência, sabedoria,
imortalidade e de todos os bens. Em troca, a lua perece cada mês, e de certo modo,
morre, e é símbolo de como é o homem; depois torna a nascer e cresce, para
demonstrar a ressurreição futura”4 7

De todos os escritos de Teófilo, o meu preferido é aquele em que ele trata mais diretamente
sobre a constituição da natureza humana. A crença unânime entre os imortalistas é a de
que o homem foi criado naturalmente possuindo a imortalidade, isto é, que a alma é
naturalmente imortal, e isso vale para todo mundo, justos ou ímpios, crentes ou incrédulos.
Por outro lado, eu não digo que a alma foi criada naturalmente imortal (o que já vimos que
é uma heresia), mas nem que ela foi criada mort al, e sim que foi criada com a
possibilidade de ambas, mas o homem, ao escolher o pecado, trouxe a morte a si
mesmo, e, desta forma, o homem não se tornou imortal, mas mortal por natureza. É
exatamente isso o que Teófilo nos explica com grande sabedoria ne ssas palavras:

“Poder-se-á dizer: ‘O homem não foi criado mortal por natureza?’ De jeito nenhum. ‘Então
foi criado imortal?’ Também não dizemos isso. ‘Então não foi nada?’ Também não
dizemos isso. O que afirmamos é que por natureza não foi feito nem mortal, nem
imortal. Porque se, desde o princípio, o tivesse criado imortal, o teria feito deus; por
outro lado, se o tivesse criado mortal, pareceria que Deus é a causa da morte .
Portanto, não o fez mortal, nem imortal, mas, como dissemos antes, capaz de uma c oisa
e de outra. Assim, se o homem se inclinasse para a imortalidade, guardando o
mandamento de Deus, receberia de Deus o galardão da imortalidade e chegaria a ser
deus; mas se se voltasse para as coisas da morte, desobedecendo a Deus, seria a causa
da morte para si mesmo, porque Deus fez o homem livre e senhor de seus atos . O
que o homem atraiu sobre si mesmo por sua negligência e desobediência , agora
Deus o presenteou com isso, através de sua benevolência e misericórdia, contanto que o
homem lhe obedeç a. Do mesmo modo como o homem, desobedecendo, atraiu sobre si a
morte, assim também, obedecendo à vontade de Deus que quer, pode adquirir para si a
vida eterna. De fato, Deus nos deu lei e mandamentos santos, e todo aquele que os
cumpre pode salvar-se e, tendo alcançado a ressurreição, herdar a imortalidade”4 8

Teófilo acima foi simplesmente brilhante em suas colocações. Deus não criou o homem com
uma alma imortal, pois, se o tivesse criado imortal, «o teria feito deus»; nem tampouco o
criou mortal, senão poderia parecer que Deus é a causa da morte, ou seja, que Ele não
deixou a nós outra opção a não ser a morte. A imortalidade ou mortalidade, portanto,
estava dependente da escolha do homem. Dito em termos simples, a possibilidade de

47 Teófilo a Autólico, Livro II, Cap.15.


48 Teófilo a Autólico, Livro II, Cap.27.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 45
possuir a imortalidade não estava baseada em uma alma imortal recém-implantada,
mas condicionada à obediência a Deus.

Mas, no Jardim, o homem preferiu comer do fruto proibido, pecou e desobedeceu ao


Criador, e atraiu a morte para si mesmo. Desde então o homem passou a ser natura lmente
mortal, por causa do pecado, que afetou tanto o corpo como a alma. O homem, desta
forma, «se tornou a causa da morte para si mesmo, porque Deus o fez livre e senhor de
seus atos». O homem tornou-se naturalmente mortal pela sua própria negligência e
desobediência. Mas Deus, pela Sua misericórdia, deu-nos a possibilidade de sermos
imortais, se obedecermos a vontade de Deus, podendo adquirir a vida eterna.

A pergunta que devemos fazer é: “O que Deus providenciou para poder nos conceder uma
vida eterna (imortalidade)”? A resposta não é uma alma naturalmente imortal, mas sim a
ressurreição dos mortos. A ressurreição é, por assim dizer, o “antídoto” para a
imortalidade, é por meio dela que os santos podem obter a vida eterna. Foi por isso que
Teófilo disse que, tendo alcançado a ressurreição, podemos herdar a imortalidade.

A imortalidade não é uma posse já garantida através da detenção de uma alma imortal em
nossa própria natureza, mas sim algo que herdaremos, no futuro, através da ressurreição
dos mortos, para aqueles que forem obedientes a Deus. Este pensamento mina toda uma
noção de imortalidade natural da alma, onde o homem já foi criado possuindo naturalmente
a imortalidade, onde tanto justos como ímpios viverão eternamente e são imortais, onde o
pecado afeta apenas o corpo e não a alma, e onde a ressurreição não passa de uma
encenação desnecessária e já estaríamos no Céu muito antes dela acontecer.

Essa realidade que os imortalistas não podem aceitar, que é o fato de que há uma “lacuna”
(inexistência) entre a morte e a ressurreição, que a Bíblia metaforicamente chama de
“sono”, era muito bem crida pelos Pais da Igreja, como Taciano, que também reiterou que,
da mesma forma que o homem não existe antes de nascer, ele também não existirá após a
morte, só voltando a existir através da ressurreição, quando se dará a reintegração de
todos os homens por ocasião do julgamento:

“Por isso, também cremos que acontecerá a ressurreição dos corpos depois da consumação
do universo, não como dogmatizam os estóicos, segundo os quais as mes mas coisas
nascem e perecem depois de determinados períodos cíclicos, sem utilidade nenhuma, mas
de uma só vez. Totalmente acabados os tempos que vivemos, dar-se-á a reintegração de
todos os homens por razão do julgamento. Então seremos julgados não por Minos ou
Radamante, antes de cuja morte, como dizem os mitos, nenhuma alma era julgada, mas o
juiz é o próprio Deus que nos criou. Por mais que nos considereis charlatães e palhaços,
nada disso nos importa, depois que cremos nesta doutrina. Com efeito, do mesmo modo
como, não existindo antes de nascer, eu ignorava quem eu era e só subsistia na
substância da matéria carnal – mas uma vez nascido, eu, que antes não existia, acreditei
em meu ser pelo nascimento – assim também eu, que existi e que pela morte deixarei
de ser e outra vez desaparecerei da vista de todos, novamente voltarei a ser como
não tendo antes existido e portanto nasci. Mesmo que o fogo destrua a minha carne, o
universo recebe a matéria evaporada; se me consumo nos rios ou no mar, ou sou
despedaçado pelas feras, permaneço depositado nos tesouros de um senhor rico. O pobre
ateu desconhece esses depósitos, mas Deus, que é rei, quando quiser, restabelecerá em
seu ser primeiro a minha substância, que é visível apenas para ele” 4 9

49 Taciano, Diálogo com os Gregos, Cap.6.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 46
A mesma verdade da natureza humana criada “neutra” podendo se tornar mortal ou imortal
pela sua própria escolha é reforçada também por Taciano:

“Todavia, como a virtude do Verbo tem em si a presciência do futuro, não por fatalidade do
destino, mas por livre determinação dos que escolhem, predisse os acontecimentos futuros,
freou a maldade por suas proibições e louvou os que perseveram no bem. Aconteceu,
porém, que os homens e os anjos seguiram e proclamaram Deus àquele que, por ser
criatura primogênita, superava os demais em inteligência, justamente ele que se havia
revelado contra a lei de Deus. Então a virtude do Verbo negou a sua convivência não só ao
que se tornara cabeça desse louco orgulho, mas também a quantos o haviam seguido. E o
homem, que tinha sido criado à imagem de Deus, apartando-se dele o espírito
mais poderoso, tornou-se mortal e aquele que fora primogênito, por sua transgressão e
insensatez, foi declarado demônio, e os que imitaram suas fantasias se transformaram no
exército dos demônios que, por razão de seu livre-arbítrio, foram entregues à própria
perversidade”5 0

“Nós não fomos criados para a morte, mas morremos por nossa própria culpa . A
liberdade nos deixou; nós que éramos livres, nos tornamos escravos; fomos vendidos pelo
pecado. Deus não fez nada mau; fomos nós que produzimos a maldade; nós que a
produzimos, porém somos t ambém capazes de recusá-la”5 1

E a realidade de que a ressurreição não é somente do corpo, mas também da alma,


também era crida por Taciano, seguindo o exemplo de todos os outros Pais da Igreja de sua
época que já foram citados fazendo o mesmo tipo de mençã o, tais como Justino, Policarpo e
Teófilo:

“Com efeito, nem a alma poderia por si mesma jamais se manifestar sem o corpo, e nem a
carne ressuscita sem a alma”5 2

A alma, segundo Taciano, não pode jamais se manifestar sem o corpo. Ele certamente
deveria explicar isso para os imortalistas atuais, que creem e ensinam que passaremos
longos tempos manifestados no Céu apenas em alma e sem um corpo físico ressurreto. O
próprio Credo Apostólico (de origem antiga) prega a ressurreição do corpo, sem nada dizer
a respeito de imortalidade da alma.

Diante de tudo isso, a afirmação de que a imortalidade da alma é uma doutrina ortodoxa do
Cristianismo é uma lenda para aqueles que no mínimo se dão ao trabalho de estudar a
fundo os escritos patrísticos do primeiro ao segundo século d.C, que constituem um
verdadeiro arsenal de declarações altamente destrutivas contra os pilares da crença pagã
em uma alma imortal. Não, os Pais da Igreja mais próximos dos apóstolos jamais creram
que a alma era imortal, pois essa nunca foi uma doutrina apostólica. Com Orígenes, famoso
por fantasiar e metaforizar tudo, e Clemente de Alexandria (que em muito seguiu a linha de
Orígenes), o Cristianismo passou a adotar a crença de que possuímos uma alma imortal.

Curiosamente, nem mesmo estes aut ores sabiam direito do que estavam falando. Orígenes,
que mais tarde foi declarado herege pela própria Igreja, não foi apenas aquele que começou

50 Taciano, Diálogo com os Gregos, Cap.7.


51 Taciano, Diálogo com os Gregos, Cap.11.
52 Taciano, Diálogo com os Gregos, Cap.15.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 47
a propor que a alma era imortal; ele também propôs a preexistência das almas ou
reencarnação, ao induzir que foram os méritos de uma vida anterior que fizeram com que
Jacó tivesse sido amado por Deus:

“Então, depois de ter examinado mais a fundo as Escrituras a respeito de Jacó e Esaù,
achamos que não depende da injustiça de Deus que antes de ter nascido e de ter feito
algum bem ou mal - isto é nesta vida -, tenha sido dito que o maior serviria o menor; e
achamos que não é injusto que no ventre da mãe Jacó tenha suplantado seu irmão (...), se
crermos que pelos méritos da vida anterior com razão ele tenha sido amado por
Deus por merecer ser preferido ao irmão”5 3

O Dicionário de Teologia Evangélica também destacou essa influência grega sofrida por
Orígenes:

"A especulação acerca da alma na Igreja pós-apostólica foi fortemente influenciada pela
filosofia grega. Podendo ser visto pelo fato de Orígenes ter aceitado as doutrinas de Platão,
sobre a preexistência da alma, originalmente como uma mente ( nous em grego) pura, a
qual, por causa do seu afastamento de Deus, se abrandou para a condição de alma
(psyche), perdendo assim a sua participação na chama divina ao voltar-se para a Terra"5 4

O outro, por sua vez, propôs que os apóstolos foram evangelizar no inferno:

“Os apóstolos, seguindo o Senhor, evangelizaram também aqueles que se


encontravam no Hades; evidentemente era necessário que os melhores discípulos se
tornassem imitadores do Mestre também lá” 5 5

Até mesmo Voltaire percebeu essa grande confusão que se tornou a Igreja depois da
adoção da crença de que a alma era imortal – cada um cria em uma coisa diferente:

“Que importam em questões inacessíveis à razão, essas novelas criadas por nossas incertas
imaginações? Que importa que os pais da Igreja dos quatro primeiros séculos
acreditassem que a alma era corporal? Que importa que Tertuliano, contradizendo-
se, decidisse que a alma é corporal, figurada e simples ao mesmo tempo? Teremos
mil testemunhos de nossa ignorância, porém nem um só oferece vislumbre da verdade” 5 6

Então, aquilo que antes era o evangelho simples, puro e sincero, onde a alma era
naturalmente mortal por causa do pecado e o homem poderia se tornar imortal na
ressurreição da alma e do corpo, se tornou a maior bagunça, e dali para frente começaram
a dar margens a uma série de outras grandes heresias que foram surgindo com o passar
dos tempos. Dentre tais heresias, destaca-se a crença no purgatório, a intercessão dos
santos (crida por muitos Pais da Igreja a partir do terceiro século d.C), a da preexistência
da alma, a da reencarnação, a da comunicação ou evocação dos mortos, a das rezas aos
mortos, e por ai vai.

O Cristianismo já estava infectado pela primeira mentira pregada pela serpente – que
“certamente não morrerás” (Gn.3:4), que era e é a base para todos os demais enganos e

53 Orígenes, I Principi, Torino 1968, Livro II, 9, 7.


54 Dicionário de Teologia Evangélica, "Alma", 1992, p. 1037.
55 Clemente de Alexandria, op. cit., Livro VI, 45,5: pag. 688-689.
56 Voltaire, Sobre a Alma, Cap.1.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 48
mentiras perpetuados até os nossos dias. A partir do momento em que alguns «pensadores
recentes e fanáticos» começaram a implantar a semente da imortalidade da alma no seio da
Igreja antiga, uma série de out ras heresias destrutivas começaram a entrar na Igreja como
o fruto deste processo. Graças a Deus que, possuindo tão grande arsenal de centenas de
provas bíblicas contra a imortalidade da alma e mais um outro arsenal insuperável de
provas históricas de que os primeiros Pais da Igreja jamais deram crédito a essa heresia,
hoje podemos rejeitar essa doutrina profana e colocá-la no mesmo lugar onde ela se
encontrava na época dos apóstolos: das portas para fora da Igreja Cristã e alicerçada
unicamente no mais puro paganismo.

II–A Dormição de Maria e a Imortalidade da Alma

A “Dormição de Maria” é a crença de que Maria “dormiu” (morreu) e ressuscitou


posteriormente, assim como Jesus Cristo, sem ter sofrido a corrupção no túmulo. Ela é crida
pela Igreja Católica Ortodoxa, que comemora a morte de Maria e a sua ressurreição de
corpo e alma aos céus como a “Festa da Dormição da Mãe de Deus” no dia 15 de Agosto
(28 de Agosto no calendário juliano). Essa doutrina que sugeriu a assunção de Maria,
embora não haja nenhuma pista de que tenha sido proveniente dos apóstolos, é de origem
antiga, pois no quarto século d.C já haviam Pais da Igreja defendendo ou supondo essa
ideia. Mas a pergunta principal a se destacar aqui sobre a dormição de Maria é: o que
aconteceu com Maria entre a sua morte e assunção?

Como vemos, a Igreja Católica Ortodoxa crê que Maria ressuscitou de corpo e alma, e não
se ressuscita algo que não esteja morto. A crença presume que Maria morreu
completamente – corpo e alma – e posteriormente passou pela ressurreição, não
meramente corporal, mas uma ressurreição de corpo e alma. A Igreja Romana igualmente
crê que “Maria foi assunta de corpo e alma à glória celeste”5 7 . Se Maria foi assunta de
corpo e alma à glória celeste, isso significa que a alma de Maria não estava já no Céu
quando ela ressuscitou.

A doutrina, portanto, presume que Maria morreu de corpo e alma e ressuscitou de


corpo e alma. A Igreja Ortodoxa declara isso categoricamente, enquanto que a Igreja
Romana, embora oficialmente não tenha tido uma declaração em ex cathedra que confirme
se Maria morreu ou não, conta com diversas declarações de papas e doutores da Igreja que
também criam que Maria passou pela morte. O papa João Paulo II, por exemplo, em sua
Audiência Geral de 25 de Junho de 1997, citou São Tomás de Aquino e disse:

“No que diz respeito às causas da morte de Maria, não parecem fundadas as opiniões que
querem excluir as causas naturais. Mais importante é investigar a atitude espiritual da
Virgem no momento de deixar este mundo. A este propósito, São Francisco de
Sales considera que a morte de Maria se produziu como efeito de um ímpeto de amor.
Fala de uma morte ‘no amor, por causa do amor e por amor’ e por isso chega a afirmar
que a Mãe de Deus morreu de amor por seu filho Jesus (Tratado do Amor de Deus, Liv. 7,
cc. XIII-XIV). Qualquer que tenha sido o fato orgânico e biológico que, do ponto de vista
físico, tenha produzido a morte de Maria, pode-se dizer que o trânsito desta vida para a
outra foi para Maria um amadurecimento da graça na glória, de modo que nunca melhor
que nesse caso a morte pode conceber-se como uma ‘dormição’"5 8

57 §966 do Catecismo Católico.


58 Audiência geral de 25 de Junho de 1997 de João Paulo II. Disponível em:
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 49
Vemos claramente, portanto, o papa João Paulo II em uma audiência geral afirmando que
Maria morreu, e citando São Francisco de Sales que cria da mesma forma. O padre Miguel
Ángel Fuentes segue essa mesma linha e cita também outro teólogo católico para confirmar
a sua posição de que Maria passou realmente pela morte:

“Segundo G. Alastruey ('Tratado da Virgem Santíssima', BAC, Madrid 1945, pp. 405 e
seguintes), somente para citar um dos mais influentes mariólogos, a verdadeira doutrina (e
que deve se ter como teologicamente correta) é que a Virgem Maria verdadeiramente
morreu”5 9

O mesmo cita também Agostinho, Jerônimo, João Damasceno, André de Creta, João de
Tessalônica e Nicolás Cabasilas em apoio da tese de que Maria realmente morreu, de acordo
com a tradição tanto grega como latina. Portanto, vemos que a crença crida pela Igreja
Católica Romana também é a mesma crença da Igreja Católica Ortodoxa, de que:

1º Maria morreu de corpo e alma.

2º Maria ressuscitou de corpo e alma.

3º Maria foi assunta aos céus de corpo e alma.

Se a alma de Maria já tivesse subido aos céus no momento da morte, então Maria não teria
sido assunta “de corpo e alma” como pregam a Igreja Romana e Ortodoxa, mas teria sido
assunta somente de corpo, porque a alma supostamente já estaria no Céu. Isso
mostra clarissimamente que até a época em que se deu essa tradição não se cria na
imortalidade da alma, doutrina esta que ensina que a alma é imortal e parte desta vida
imediatamente no momento da morte, e que a ressurreição é somente do corpo. Se os
cristãos dos primeiros séculos cressem na imortalidade da alma, teriam ensinado que
apenas o corpo de Maria que morreu, que a alma dela subiu ao Céu no momento da morte
corporal, e que apenas o corpo ressuscitou e foi assunto ao Paraíso, como creem os
imortalistas atuais 6 0 .

A ressurreição de corpo e alma de Maria sugere fortemente que até aquela época a Igreja
ainda não havia ensinado errado a doutrina da imortalidade da alma. Para que os mais
mariólogos pudessem colocar Maria no Céu, não apelaram para uma “imortalidade da
alma”, pois essa doutrina não existia na Igreja, por isso tiveram que sugerir a crença
na assunção de Maria, onde tanto o corpo quanto a alma que morreram ressuscitariam e
adentrariam os céus. Tempos mais tarde, quando a doutrina da imortalidade da alma
ganhou força na Igreja da época, ficou muito mais fácil para os católicos colocarem todos os
santos no Céu: bastou ensinar que a alma era imortal.

<http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/audiences/1997/documents/hf_jp-
ii_aud_25061997_po.html>. Acesso em: 21/08/2013.
59 FUENTES, Miguel Álgel. Él Teólogo Responde. Disponível em:
<http://www.exsurgedomini.xpg.com.br/>. Acesso em: 21/08/2013.
60 Vale destacar que eu não estou aqui defendendo a veracidade da crença na assunção de Maria, mas

demonstrando historicamente que, até o período em que tal crença foi proposta, não se criam na
imortalidade da alma – e isso independe totalmente se a crença de que Maria foi assunta aos céus é
verdadeira ou falsa.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 50
Desta forma conseguem sustentar até hoje suas crenças na canonização dos santos,
intercessão dos santos, oração pelos mortos, purgatório e consulta aos mortos em cima
deste sustentáculo da imortalidade da alma, que é a base e fundamento de todas as demais
heresias. Os primeiros cristãos não tinham tal crença, tanto é que a palavra
“cemitério” veio dos cristãos primitivos. Os romanos chamavam de “necropolis”, que era
a cidade dos mortos, mas os cristãos, por crerem diferente dos romanos pagãos que
ensinavam a vida no pós-morte, decidiram dar um nome diferente ao local onde colocamos
os mortos, chamando-o de “cemitério”, que vem do grego kimitírion, significando
“dormitório”.

Por que os cristãos primitivos deram o nome de “dormitório” para o lugar dos mortos, ao
invés de manterem o nome de necropolis? Porque, diferentemente dos pagãos que criam
que a alma era imortal, eles acreditavam que os mortos estavam realmente “dormindo” 6 1
até a volta de Jesus e a ressurreição para a vida.

61 No capítulo 6 deste livro analisaremos o que exatamente os cristãos primitivos queriam dizer quando
falavam que os mortos “dormem”.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 51
CAPÍTULO 3 – CONCEITOS BÍBLICOS SOBRE CORPO, ALMA E ESPÍRITO

I–Conceitos com relação à alma

Dualismo – A visão do ser humano no contexto imortalista é que este possui uma natureza
dualista, isto é, tem um corpo e possui uma alma [nephesh, no hebraico, psiquê, no grego],
que seria imortal e estaria presa dentro do corpo e que é liberta por ocasião da morte
deste, indo imediatamente para o Céu ou para o inferno, durante toda a eternidade. Na
ressurreição, apenas o corpo morto ressuscita, pois a alma imortal já está lá, liberta do
corpo, há muito tempo, religando-se a este por ocasião da ressurreição dos mortos que se
dá no momento da segunda vinda de Cristo (cf. 1Co.15:22,23).

Essa é a visão dualista da natureza humana, de imortalidade da alma. Noutras palavras,


você é uma pessoa que tem outra “pessoa” dentro de você. A visão tricotomista do ser
humano ensina o mesmo contraste dualista de corpo e alma e prega que nós somos um
espírito, possuímos uma alma e moramos em um corpo. Portanto, ambas as visões –
dualista e tricotomista – serão refutadas da mesma forma, visto que possuem os mesmos
conceitos básicos sobre a constituição da natureza humana.

Holismo – O conceito holista da natureza humana prega, ao contrário da imortalidade, que o


ser humano não tem uma alma: ele é uma alma. Ele vive como uma alma, ele morre como
uma alma. Uma alma vivente significa apenas um “ser vivo”. Nós não temos uma alma
imortal presa dentro do nosso corpo que é liberta por ocasião da morte. A morte é o último
inimigo a ser vencido (pelo fator “ressurreição”), e não o libertador da “alma imortal” (cf.
1Co.15:26). Pessoas morrem, pessoas ressuscitam.

Corpo, alma e espírito são características da mesma pessoa e não pessoas separadas. O
espírito é o princípio ativador da vida, é aquilo que dá animação ao corpo, é o sopro de
Deus por meio do qual respiramos e somos seres (almas) viventes. É esse o simplismo
bíblico sobre a criação da natureza humana, que elimina os complexos malabarismos
propostos por Platão em sua tese sobre a natureza dualista e a sobrevivência da alma após
a morte em um estado consciente.

II–Qual é o conceito correto?

“E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego de


vida, e o homem tornou-se uma alma vivente” (cf. Gênesis 2:7)

Eis aí a passagem bíblica acerca da criação do ser humano, que nos dá um perfeito
entendimento dos conceitos bíblicos de corpo, alma e espírito. É aqui que entra em cena
algo muito desconhecido pela maioria das pessoas: biblicamente, o homem não tem uma
alma, ele é uma alma. Ele “TORNOU-SE” uma alma e não “obteve” uma! A alma é o que o
homem passou a ser, e não o que ele obteve de Deus. O corpo é a alma em sua forma
exterior. A ideia hebraica de personalidade é a de um corpo animado pelo fôlego de vida
(espírito) que alimenta o corpo, e não de uma alma presa dentro deste corpo. Assim,
podemos entender que:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 52


“E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra [corpo], e soprou em suas narinas o
fôlego de vida [espírito], e o homem tornou-se uma alma vivente [alma]” (cf. Gênesis
2:7 – grifo meu)

A passagem bíblica que relata a criação do ser humano também nos deixa um sentido claro
de corpo, alma e espírito. Nenhum é um elemento que Deus implantou no homem, imaterial
e imortal, que saia dele após a morte, com consciência e personalidade. O espírito é tão
somente o fôlego de vida que Deus soprou em nós e que o possuímos pela duração de
nossas vidas terrenas. Nós permanecemos com este fôlego que nos concede respiração para
continuarmos vivos durante a nossa existência terrestre, mas, quando este sopro se vai, as
“almas viventes” tornam-se “almas mortas”.

O que retorna a Deus é o princípio de vida que ele soprou em nós a fim de conceder
animação ao corpo formado do pó, e não uma alma imortal. Este princípio animador d a vida
é possuído tanto por homens como por animais (cf. Gn.6:17; Gn.7:21,22; Ec.3:19,20;
Gn.7:15; Sl.104:29). Este princípio é garantido tanto aos seres humanos quanto aos
animais pela duração de sua existência terrena. A alma, no conceito bíblico, é que o ser
humano “tornou-se” e não “obteve”. Deus não colocou uma alma no homem. Por isso
mesmo, morrendo o homem, morre a alma (cf. Nm.31:19; 35:15,30; Js.20:3, 9; Gn.37:21;
Dt.19:6, 11; Jr.40:14, 15; Jz.16:30; Nm.23:10; Ez.18:4; Ez.18:21).

Já a visão dualista em sua totalidade defende que o sopro de vida que Deus soprou em
nossas narinas é a própria alma imortal implantada no ser humano. Sendo assim, o sopro
de Deus em nossas narinas é o espírito (alma) imortal implantado nele, totalmente
independente do corpo, preso dentro dele e liberto após a morte, com consciência e
personalidade. Sendo assim, a narrativa de Gênesis 2:7 deveria ser entendida da seguinte
maneira:

“E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra [corpo], e soprou em suas narinas o


fôlego de vida [espírito/alma imortal], e o homem tornou-se uma alma vivente” (cf.
Gênesis 2:7 – grifo meu)

Essa é, contudo, uma interpretação tendenciosa que deturpa completamente a clareza do


texto bíblico. Não é necessário ser nenhum grande teólogo para pe rceber que tal
interpretação é inválida pelo fato que adultera os sentidos primários de corpo, alma e
espírito, que são deixados de maneira bem clara na narrativa da criação da natureza
humana em Gênesis 2:7. Além de ignorar o fato de que a primeira vez que alma [nephesh]
é mencionada na Bíblia é relacionado ao próprio ser humano como um todo, tornando-se
uma alma e não obtendo uma, também altera nephesh para o meio do versículo quando na
realidade ela é claramente relacionada ao final deste. Tudo não passa de uma completa
manipulação bíblica textual.

A passagem da criação do homem coloca nephesh no fim do verso, e não no meio como
querem os imortalistas. A alma é o que o homem “tornou-se”; o “espírito” é o que foi
soprado nele para dar animação ao corpo formado do pó. Pelo fato de Deus não ter
revelado a Moisés uma realidade dualista do ser humano, este narra simplesmente o
princípio animador da vida dando animação a uma “alma vivente”. Esse total simplismo
bíblico nega inteiramente que a natureza humana seja dualista, composta por uma alma
imortal e por um corpo mortal. A revelação de Deus a Moisés incluiu apenas um corpo

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 53


proveniente do pó tornando-se animado, sem qualquer tipo de alma sendo ingerida dentro
da substância corporal para lhe conceder imortalidade.

A forte tentativa de ignorar o simplismo bíblico no relato da criação humana não provém de
alguma razão teológica (de fato, os imortalistas fazem de tudo para colocar uma “alma
imortal” no relato da criação onde não aparece nada disso), mas sim porq ue negam em
aceitar o fato óbvio de que a narração da criação traz uma natureza holista e não dualista
do ser humano. Isso, evidentemente, os faria negar a sua crença de que Deus tenha
implantado no homem um elemento eterno lhe concedendo imortalidade, o q ue daria um
fim na doutrina do “estado intermediário” e do tormento eterno.

Que nephesh não é o próprio espírito [ruach, no hebraico] implantado no ser humano com
imortalidade e personalidade, isso fica muito bem claro na Bíblia Sagrada, embora sejam
coerentes em alguns de seus sentidos secundários. A ignorância em aceitar o sentido claro
de corpo, alma e espírito de acordo com a Bíblia segundo Gênesis 2:7 causa, além de
adulterações no sentido do texto, uma confusão ainda maior para solucionar os problema s
depois, por causa da interpretação tendenciosa e errônea por parte dos dualistas. E este é
apenas o início do fim da imortalidade da alma.

III–O que é o “espírito” [ruach] e o que é a “alma” [nephesh]?

Espírito, no original hebraico “ruach”, significa literalmente: “sopro, vento”. É o fôlego de


vida que Deus soprou em nossas narinas tornando-nos almas viventes. Para os imortalistas,
significa nada a mais e nada a menos do que a própria alma imortal implantada no homem,
um segmento com consciência e personalidade. Mas isso não é verdade. A seguir, apresento
inúmeras provas de que o espírito não tem parte nenhuma com um ser vivo inteligente que
sobrevive fora do corpo:

O fôlego de vida sai do ser humano – Uma grande prova de que o fôlego de vida (espírito)
que Deus soprou em nós não é uma alma imortal, é que a Bíblia afirma categoricamente
que nós o perdemos por ocasião da morte (cf. Jó 27:3; Jó 34:14-15). Ora, se fosse uma
entidade consciente presa dentro de nós, então continuaria conosco após a nossa morte,
mas isso não é verdade: a Bíblia caracteriza a morte como a retirada do fôlego de vida
(sopro). Isso prova que o “espírito” que possuímos nada mais é do que o sopro da parte de
Deus que concede animação ao corpo, sendo freqüentemente caracterizado como sendo o
“sopro de Deus” (cf. Jó 33:4).

Quando é retirado por Deus (expirando), o fôlego é reintegrado no ar, por Deus. O próprio
fato de nós possuirmos o “fôlego de vida” não significa possuir em si mesmo a imortalidade,
porque na morte este princípio volta para Deus. Isso nos mostra que a vida deriva de Deus,
é sustida por Deus e retorna para Deus por ocasião da morte. “Espírito”, no conceito bíblico,
em nada tem a ver com uma entidade viva e consciente tal como no estilo kardecista ou
platônico.

Tal fato é acentuado por Jó ao declarar: “Enquanto em mim houver alento, e o sopro de
Deus no meu nariz, nunca os meus lábios falarão injustiça, nem a minha língua pronunciará
engano” (cf. Jó 27:3,4). Enquanto o sopro de Deus está nas nossas narinas, nunca Jó

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 54


pronunciaria qualquer palavra de engano. Quando, porém, o sopro se vai, o que é dele?
Nada, não mais existe (cf. Jó 7:21; Jó 14:10-12).

Por isso ele acentua que enquanto estiver com ele o sopro de Deus nas suas narinas, os
seus lábios não pronunciariam engano. O sopro (fôlego de vida) é inteiramente dependente
de estar nas nossas narinas (corpo físico) para continuar ativo, dando continuidade a vida.
Sem o corpo físico, este princípio deixa de conceder vida em si mesmo. Ademais, se o
espírito [ruach – sopro] fosse a própria alma imortal implantada em nós, então a declaração
de Jó nos levaria a crer que a “alma imortal” está situada no nariz de cada indivíduo:
“Enquanto em mim houver alento, e o sopro de Deus no meu nariz” (cf. Jó 27:3).

Também lemos na passagem anteriormente citada: “E formou o Senhor Deus o homem do


pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem tornou-se uma alma
vivente” (cf. Gn.2:7). Ora, é aí que se situa essa “alma imortal”, no nariz de cada indiv íduo?
É mais do que evidente que o espírito (fôlego de vida) não é a alma implantada no ser
humano nas suas narinas, mas simplesmente o princípio que anima o corpo, concedendo -
lhe respiração a fim de se tornar um ser ativo.

Isso explica o fato bíblico deste princípio encontrar-se nas nossas narinas, e não na “alma”
ou em alguma outra parte do corpo. Evidentemente, o fôlego de vida (espírito) que
possuímos não tem parte nenhuma com uma noção dualista de corpo e alma; antes, é o
princípio animador do corpo, que garante a existência da vida terrestre de toda a carne, e
que volta para Deus quando expiramos na morte. Dizer que o fôlego de vida (espírito) que
foi soprado no homem em Gênesis 2:7 é uma “alma imortal” é o mesmo que diz er que
possuímos a alma em nosso nariz, o que creio não ser nem um pouco razoável.

O princípio animador do corpo - O corpo é formado de matéria, de pó. O espírito é o que dá


animação ao corpo, e assim tornamo-nos almas viventes. Sem o espírito em nós, o nosso
corpo morto não passa de matéria (pó) inanimado, sem vida. O que é o “espírito”, então? É
exatamente aquilo que dá animação ao corpo, é a “vida” por assim dizer. Obviamente não
tem parte nenhuma com algum outro “você” que volta para Deus, mas represe nta tão
somente a vida deixada nas mãos do Criador; é por isso que a Bíblia apresenta os animais
com o mesmo espírito-ruach possuído pelos humanos (cf. Gn.6:17; Gn.7:21,22;
Ec.3:19,20; Gn.7:15; Sl.104:29). No livro de Apocalipse é lido que até uma imagem de
escultura é dotada de espírito [pneuma, no grego] para tornar-se um ser animado:

“E foi-lhe concedido que desse espírito [pneuma] à imagem da besta, para que também a
imagem da besta falasse, e fizesse que fossem mortos todos os que não adorassem a
imagem da besta” (cf. Apocalipse 13:15)

Aqui vemos que a imagem de escultura (um ser inanimado) foi dotada de espírito [ pneuma]
e assim foi dada animação [vida] à imagem. É mais do que óbvio que Deus não colocou
uma “alma imortal” dentro da imagem e muito menos alguma entidade consciente que volta
com personalidade e inteligência para Deus, mas simplesmente concedeu-lhe o fôlego da
vida para dar animação à imagem de pedra. É exatamente a mesma coisa que sucedeu aos
seres humanos.

A mesma coisa sucedeu a nós: fomos formados do pó da terra, de matéria inanimada; até
que Deus soprou em nós o espírito [vida] dando animação à matéria formada do pó – e

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 55


assim o homem tornou-se uma alma [ser] vivente. O espírito é o que vem da parte de Deus
e que dá animação a um elemento inanimado, tornando tal elemento em animado,
concedendo-lhe vida. Quando as pessoas morrem, elas perdem a vida [espírito], tornam-se
novamente em matéria inanimada (pó), é por isso que a Bíblia afirma que o espírito de
todos retorna a Deus (cf. Ec.12:7), pois as pessoas perdem a vida, voltam a ser pó.

Deus, contudo, ressuscitará os nossos corpos mortais, soprando novamente em nós o


espírito [vida] na ressurreição (para sermos novamente um ser animado, vivente)
tornando-nos novamente em “almas viventes”. Tal fato é relatado com clareza em
Apocalipse:

“Então vi uns tronos; e aos que se assentaram sobre eles foi dado o poder de julgar; e vi as
almas daqueles que foram degolados por causa do testemunho de Jesus e da palavra de
Deus, e que não adoraram a besta nem a sua imagem, e não receberam o sinal na fronte
nem nas mãos; e reviveram, e reinaram com Cristo durante mil anos” (cf. Apocalipse
20:4)

Aqui é nos dito que as almas dos que foram degolados por causa do testemunho de Jesus
reviveram. Se elas “reviveram”, é porque estavam mortas. O que aconteceu, então, nessa
ressurreição? Aconteceu que Deus soprou em nós novamente o espírito que vem da parte
dEle, para que saíssemos do estado inanimado (i.e, sem vida), tornando-nos novamente em
almas viventes:

“Assim diz o Soberano, o Senhor, a estes ossos: Farei um espírito entrar em vocês, e vocês
terão vida. Porei tendões em vocês e farei aparecer carne sobre vocês e os cobrirei com
pele; porei um espírito em vocês, e vocês terão vida. Então vocês saberão que eu sou o
Senhor” (cf. Ezequiel 37:5,6)

“Por isso profetize e diga-lhes: Assim diz o Soberano, o Senhor: Ó meu povo, vou abrir os
seus túmulos e fazê-los sair; trarei vocês de volta à terra de Israel. E quando eu abrir os
seus túmulos e os fizer sair, vocês, meu povo, saberão que eu sou o Senhor. Porei o meu
espírito em vocês e vocês viverão, e eu os estabelecerei em sua própria terra. Então vocês
saberão que eu, o Senhor, falei, e fiz. Palavra do Senhor” (cf. Ezequiel 37:12-14)

Notem que não é o nosso espírito que deixa o Céu para se religar ao corpo por ocasião da
ressurreição, mas sim o espírito de Deus que concede vida que nos é soprado novamente;
fazendo-nos sair dos túmulos, o local onde o povo que já morreu se encontraria. Nós
estaríamos sem vida na morte, mas Deus nos concederia novamente o espírito que parte
dEle a fim de nos conceder novamente vida por ocasião da ressurreição.

Não existe nenhuma religação entre corpo e alma, mas tão somente o princípio animador da
vida sendo novamente concedido a nós por ocasião da ressurreição dos mortos. Podemos
assim traçar uma correta analogia com a imagem inanimada de Apocalipse que recebeu o
espírito para tornar-se animada:

A NATUREZA HUMANA A IMAGEM DE APOCALIPSE


SEGUNDO GÊNESIS 2:7 13:15
Feito do pó da terra Feita de pedra
Material inanimado Material inanimado
Foi-lhe dado o espírito Foi-lhe dada o espírito

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 56


Passou a ter vida (tornou-se um Passou a ter vida
ser vivente)
Tornou-se um ser animado Tornou-se um ser animado

Como vemos, o “espírito” que possuímos é nada a mais do que aquilo que dá animação ao
corpo (matéria), concedendo-lhe vida. A analogia com a imagem de pedra relatada no
Apocalipse é válida porque o mesmo que sucedeu aos seres humanos sucedeu também à
imagem, ambos tornaram-se um ser animado após ser lhes soprado o espírito. É evidente
que o “espírito” soprado não é uma “alma imortal” (pois se assim o fosse então por lógic a a
imagem de pedra também a deveria possuir, pois também foi dotada de espírito -pneuma),
mas é tão somente o princípio de vida concedido às criaturas viventes durante a
permanência de sua existência terrestre.

É claramente nos referido que o motivo dos ídolos mudos não serem vivos é decorrente do
fato de não possuírem “espírito-ruach”: “Eis que está coberto de ouro e de prata, mas no
seu interior não há fôlego [ruach] nenhum” (cf. Hc.2:9). E também em Jeremias: “Todo
ourives é envergonhado pela imagem que ele esculpiu; pois as suas imagens são mentira, e
nelas não há fôlego [ruach]” (cf. Jr.10:4).

Aqui vemos que os que não têm vida são descritos como sem “espírito -ruach”. Os ídolos são
considerados como “sem vida” pelo fato de serem destituídos de espírito-ruach, que é o
princípio animador de toda a vida. Quando um ídolo ou uma imagem ganha animação, é
descrito como constituído de “espírito-pneuma” (cf. Ap.13:15), porque passou a ter vida.
Em outras palavras, o espírito é nada a mais do que o poder capacitador de vida a qualquer
ser vivente, mesmo quando se trata de imagens de pedra ou de animais, como veremos
mais adiante.

Ele não é uma alma imortal, e nem algo que traz consigo imortalidade, consciência e
personalidade após a morte, mas apenas a vida que possuímos em nossa jornada em nossa
terrestre. Se o espírito fosse uma alma imortal, então a imagem de pedra de
Ap.13:15 e os animais também teriam “almas imortais”, pois são descritos
possuindo “espírito-pneuma”. Quando o espírito é retirado do ser humano, este volta
para o pó da terra (cf. Sl.104:29; Sl.146:4; Gn.3:19). Da mesma forma, quando o espírito
concedido temporariamente àquela imagem lhe é retirado, esta volta a ser uma pedra
inanimada. O processo é o mesmo: seres ou objetos inanimados que temporariamente
ganham vida pelo sopro do espírito-ruach em seu interior e que tornam-se novamente
inanimados (sem vida) após este sopro retornar ao Criador.

Sai o espírito, volta ao pó – Confirmando o fato anterior, vemos que os autores bíblicos
correspondiam bem ao fato de que a saída do espírito-ruach por ocasião da morte não
significa a continuação da vida em um outro estágio ou em uma dimensão superior, mas
sim a cessação dela. O salmista expressa em palavras o que aconteceu na criação humana
e o que acontece ao fim dela: “Quando sopras o teu fôlego, eles são criados” (cf.
Sl.104:30). O sopro de Deus [fôlego] nas nossas narinas, também denominado por
“espírito-ruach” (cf. Jó 33:4; Jó 32:8; Is.42:5), é o que nos faz vivos – nos transforma em
“almas viventes” (cf. Gn.2:7).

A pergunta que fica é: quando este “fôlego” ou “espírito” deixa o corpo por ocasião da
morte (ao expirar), o que acontece ao ser racional? O verso anterior do Salmo no qual

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 57


acabamos de passar responde corretamente a esta pergunta: “Quando escondes o teu
rosto, entram em pânico; quando lhe retiras o fôlego, morrem e voltam ao pó” (v.29).
O ser racional simplesmente volta ao pó. Quando o fôlego [espírito] é retirado do ser
humano, este não parte desencarnado para um estado intermediário, mas simplesmente
deixa de existir – volta a ser pó.

A saída do espírito por ocasião da morte não significa um ser racional deixando o corpo. Jó
declara isso enfaticamente nas seguintes palavras: “Porém, morto o homem, é consumido;
sim, rendendo o homem o espírito, então onde está ele? Como as águas se retiram do
mar, e o rio se esgota, e fica seco, assim o homem se deita, e não se levanta; até que não
haja mais céus, não acordará nem despertará de seu sono” (cf. Jó 14:10-12).

Aqui vemos a entrega do espírito não significa levar consciência e personalidade na morte,
porque mesmo assim ele não é despertado até não existir mais céus. Após afirmar que o
homem rende o seu espírito na morte, Jó faz a pergunta que não quer calar: “Ond e ele
está”? Isto é, para onde ele vai? O que acontece com ele? Simplesmente, deixa de existir.
Não vai desencarnado para o Céu. Ele torna-se como as águas que se retiram do mar e
como um rio que se esgota e fica seco. Essa analogia feita por Jó nos mostra claramente
que o homem não mais existe.

Assim como quando as águas se retiram do mar este já não existe, e quando o rio se
esgota fica seco e desaparece, assim também do mesmo modo o homem na morte já não
existe. O ser racional só volta a atividade quando “não existir mais céus” (v.12), o que o
Novo Testamento relaciona à “ressurreição do último dia” (Jo.6:39,40), quando “os céus e a
terra que agora existem estão reservados para o fogo, guardados para o dia do juízo e para
a destruição dos ímpios” (cf. 2Pe.3:7).

Se a retirada do espírito do homem na morte significa a ida imediata na presença de Deus


em estado desencarnado, então a analogia feita por Jó seria nula e sem sentido. Tal
analogia nos revela que o ser racional deixa de existir após a entrega do espírito -ruach. Tal
fato é apresentado com ainda mais clareza no Salmo 146:4 – “Quando o espírito deles se
vai, eles voltam ao pó, e naquele dia perecem os seus pensamentos” (cf. Sl.146:4).

A entrega do espírito não significa a continuação de vida em um estado desencarnado, mas


sim a cessação dela, pois os “pensamentos perecem”. Sendo que os próprios imortalistas
atribuem o processo de pensamento como função da alma, a sede dos pensamentos, seria
imprescindível que eles continuassem existindo após a entrega do espírito na morte, caso
fosse um ser racional com inteligência e consciência. Contudo, os próprios pensamentos
perecem, pois não existe ser racional na morte.

A alma e o sangue – Em Levítico 17:11, lemos: “Porque a vida da carne está no sangue”.
No texto original hebraico, “vida” aqui é a tradução de nephesh, de modo que a
transliteração correta da passagem seria: “A alma da carne está no sangue”. O motivo pelo
qual a alma é igualada ao sangue provém do fato de que a vitalidade da vida -nephesh
reside no sangue. Em outras palavras, sem sangue não há vida -nephesh. O corpo não é a
prisão de uma alma imaterial, pois a alma da carne está no sangue.

Isso não faz sentido caso a alma fosse algo imaterial implantado dentro de nós, pois se
assim o fosse não teria parte nenhuma com o sangue. Também lemos certa afirmação em

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 58


Gênesis no mesmo estilo: “Carne, porém, com sua vida [nephesh] isto é, com seu sangue,
não comereis. Certamente requererei o vosso sangue, o sangue da vossa vida [nephesh];
de todo animal o requererei, como também da mão do homem, sim da mão do próximo de
cada um requererei a vida [nephesh] do homem” (cf. Gn.9:4,5).

Ora, se a vida (alma- nephesh) do homem é o sangue, então sem o sangue não há vida
(alma-nephesh). Isto é somente lógica. O homem sem sangue não pode permanecer vivo
de acordo com esta declaração de Gênesis. Pois a vida [alma -nephesh] está no sangue.
Como então assumir que uma pessoa sem sangue (um espírito incorpóreo, por exemplo)
possa ser considerada viva em um “estado intermediário”? Não faz sentido. Sem sangue
não há vida, pois “a alma da carne está no sangue”. Como o erudito Basil Atkinson
corretamente assinala: “A alma do homem está em seu sangue e, de fato, o seu sangue é a
sua alma”.

O maior problema da teologia imortalista é que eles pensam que o sangue está relacionado
apenas ao corpo físico, externo, e que, portanto, sem sangue não há mais vida no corpo,
mas a alma não é afetada com isso e permanece viva subsistindo sem o corpo em algum
lugar. Em outras palavras, para os dualistas é extremamente crucial que o sangue seja a
vitalidade apenas do corpo e não da alma. Caso contrário, a alma não escaparia da morte,
tanto quanto o corpo. O texto bíblico, porém, ao invés de dizer “o sangue do vosso corpo”,
diz “o sangue da vossa alma” (nephesh – Gn.9:5). Isso mostra que a alma subsiste viva
através do sangue tanto quanto o corpo físico.

E assim matamos dois coelhos de uma só vez: o primeiro, é aquele que desassocia a alma
do sangue e ensina que somente o corpo é movido pelo sangue e só existe com a vitalidade
deste (o que já vimos que é falso, pois o sangue desempenha o mesmo papel para com a
alma), e o segundo é o de que a alma seria uma entidade espiritual imaterial infundida
dentro de nós. Se fosse, não estaria dependente de algo físico e tangível (como o sangue),
e a Bíblia não diria que “a sua alma-nephesh, isto é, o seu sangue, não comereis”, pois
seria ilógico e sem qualquer possibilidade “comer a alma, ou seja, o sangue”.

Uma coisa estaria tão desassociada da outra que tal sentença seria no mínimo absurda.
Uma seria tangível e a outra intangível, uma seria material e a outra imaterial, uma
desceria ao túmulo na morte e a outra aos céus, uma estaria ligada ao corpo e a outra ao
espírito. Como dizer que a alma é o sangue com tantos contrastes que a teologia imortalista
afirma que os separa? Uma coisa não teria nada a ver com a outra, e, portanto, não seriam
igualadas. Só foram porque a linha dualista que separa a alma do corpo e os contrasta
realmente não tem qualquer cabimento bíblico.

Portanto, não restam objeções ao fato de que não existe alma sem sangue; sem sangue
não há vida. Não existe qualquer chance ou possibilidade de existir um “estado
intermediário” de “espíritos incorpóreos” pré-ressurreição ausentes de corpo. O fato bíblico
de que a alma da carne está no sangue e de que a vida [ nephesh] do homem é o seu
sangue nos mostra que não pode uma pessoa ser considerada como “viva” em algum lugar
sem a vitalidade da vida-nephesh que reside no sangue.

Na morte, o coração deixa de bater, o sangue deixa de circular, e tornamo-nos almas


mortas. Só voltaremos ao estado de vida novamente quando estivermos com a vitalidade
da vida, com o sangue, sem o qual não existe vida [alma-nephesh]. Poderíamos resumir o
argumento nas seguintes premissas:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 59


(1) A alma da carne está no sangue – cf. Lv.17:11.
(2) Não existe vida [alma - nephesh] sem sangue – cf. Gn.9:4,5.
(3) Na morte, perdemos o sangue, a vitalidade da alma.
(4) Sem o sangue que dá vida a alma, não existe alma.
(5) Só voltaremos a ser reconstituídos de sangue novamente na ressurreição.
(6) Logo, a alma ganha vida novamente a partir da ressurreição dos mortos.

O homem torna-se uma alma vivente – Uma outra prova importante para que possamos
compreender que o espírito não é uma alma imortal é a própria continuação da passagem
de Gênesis 2:7 – “...soprou em suas narinas o fôlego de vida, e o homem tornou-se uma
alma vivente”. Duas coisas são interessantes aqui. Em primeiro lugar, a alma é o que o
homem “tornou-se”, e não o que ele “obteve”. Como já vimos, Deus não colocou uma alma
no homem, como erroneamente pensa a doutrina dualista.

Em segundo lugar, com a implantação do sopro de Deus em nossas narinas, o homem


tornou-se uma “alma vivente”, e não uma “alma imortal”! Ora, se a interpretação correta
fosse a dualista, então a sequência imediata de tal passagem seria que o homem tornou-se
(ou melhor, “obteve”) uma “alma imortal”, “imaterial”, pois o termo “alma vivente” após a
implantação do espírito-ruach implica que pode se tornar “alma morta” após a retirada do
espírito-ruach. Isso é somente lógica.

Quando a Bíblia diz que em resultado do sopro divino “o homem tornou-se uma alma
vivente”, ela está dizendo apenas que o corpo formado literalmente do pó da terra ganhou
animação e se fez um ser vivo, que respira – nada além disso. O sangue (vitalidade da alma
– cf. Lv.17:11; Gn.9:4,5) começou a circular, o cérebro começou a raciocinar e o coração a
bater, com todos os sinais ativados. O homem tornou-se uma “alma vivente”, ou seja, ou
ser vivo, que deixa de existir na morte e volta à existência na ressurreição gloriosa.

Não houve um componente imaterial e imortal colocado no ser humano. Declarado em


termos simples, “uma alma vivente” significa “um ser vivo”, e não “uma alma imortal”!
Evidentemente a alma é considerada “vivente” enquanto vive, passando a ser “alma morta”
por ocasião da retirada do fôlego de vida [espírito] no falecimento. Uma alma vivente
significa simplesmente um ser vivo, que morre. Alma é vista como a natureza humana
como um todo, e não como uma parte do ser humano separada do corpo e presa dentro
deste.

O espírito sobe para Deus – Outra prova patente contra os imortalistas é o que Salomão
descreve em Eclesiastes: “E o pó volte a terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o
deu” (cf. Ec.12:7). É fato bíblico que todas as pessoas (sendo justas ou ímpias) desciam
para o Sheol na morte (cf. Gn.37:35; Jó 10:21,22; Sl.94:17; Gn.42:38; Gn.42:29,31;
Is.38:10,17; Sl.16:10; Sl.49:9,15; Sl.88:3-6,11; Jó 17:16). Para os imortalistas, Sheol é a
habitação dos espíritos incorpóreos e conscientes. Já para os mortalistas, significa
puramente “sepultura”, em um sentido mais amplo, como veremos mais adiante . O debate
sobre o conceito correto sobre Hades/Sheol será abordado mais a frente neste livro.

O que temos de fato, por hora, é que todas as pessoas desciam ao Sheol por ocasião da
morte. Onde se localiza o Sheol? Localiza-se nas regiões inferiores da terra (cf. Ef.4:9), no

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 60


“coração” desta terra (cf. Mt.12:40), em oposição ao Céu (cf. Mt.11:23). Os seguidores da
revolta de Coré “desceram... vivos ao Sheol” (cf. Nm.16:30,33). Eis aqui já a primeira
contradição dos imortalistas: O “espírito” sobe para Deus, e não “desce” para o Sheol
(cf. Ec.12:7)! Se o espírito fosse um elemento com consciência e personalidade, ele
deveria descer e não subir. Mas isso jamais é dito na Bíblia, pelo simples fato de que o
espírito é nada a mais do que o dom da vida [fôlego] concedido durante a duração de
nossas vidas terrenas, e não algum segmento que leva consigo consciência e personalidade
após a morte.

Sobe para Deus por ocasião da morte porque deriva de Deus, e volta para Deus. Salomão é
bem claro em dizer que o espírito subiu para Deus, e não “que desceu para o Sheol”!
Nisso vemos uma clara evidência que o espírito está longe de ser a própria pessoa como
uma entidade viva e consciente, mas é tão somente o princípio de vida que retorna para
Deus no momento da morte. Sendo que na época de Salomão todas as pessoas desciam ao
Sheol, que biblicamente fica nas regiões inferiores desta terra (cf. Ef.4:9), como é que
Salomão diz que o espírito sobre para Deus? Também em Atos 2:27, falando a respeito de
Jesus, entre a sua morte e ressurreição, o texto assim narra: “Porque não deixarás a minha
alma no Hades, nem permitirás que aquele que te é leal veja a corrupção” .

E também em Mateus 12:40 – “Porque assim como esteve Jonas três dias e três noites no
ventre do grande peixe, assim o Filho do Homem estará três dias e três noites no coração
da terra”. A alma de Jesus passou os três dias e três noites em que esteve morto no Sheol,
que fica debaixo da terra, e não no Paraíso! Isso, contudo, não impediu ele tivesse
entregado o seu espírito ao Pai nos dias em que esteve morto: “Pai, ao Senhor entrego o
meu espírito. E com estas palavras morreu” (cf. Lc.23:46).

Ora, como é que Cristo passou os três dias em que es teve morto no Sheol (cf. Mt.12:40;
At.2:27), que fica nas regiões inferiores desta terra (cf. Ef.4:9), se a Bíblia diz que o
“espírito” dele subiu para Deus? Obviamente, porque o “espírito” não é o nosso “próprio
eu”, não sendo uma “alma imortal”, mas é tão somente o princípio animador da vida
concedido por Deus tanto aos seres humanos quanto aos animais pela duração de sua
existência terrena, que volta para Deus por ocasião da morte.

Nisso fica claro que o espírito não é o nosso próprio “eu” liberto na morte, pois, se assim
fosse, seguir-se-ia que Cristo teria passado (os dias em que esteve morto) com o Pai, e não
debaixo da terra, no Sheol (cf. Mt.12:40; At.2:27), pois o espírito sobe, e não desce!
Vemos, portanto, que se a visão dualista de que o espírito é um segmento consciente que
leva consigo personalidade, deveríamos pressupor que:

(1) O espírito desceria para o Sheol, e não voltaria a Deus (cf. Ec.12:7).

(2) Sendo que Cristo entregou seu espírito ao Pai, ele deveria ter subido aos céus na
morte, e não descido ao Sheol (cf. Mt.12:40; At.2:27).

Contudo, estas duas premissas imortalistas contrariam diretamente a Bíblia Sagrada, como
já vimos.

NA BÍBLIA SAGRADA NA TEOLOGIA DUALISTA


O espírito sobe para Deus na O espírito de todos deveria descer
morte – cf. Ec.12:7 (para o Sheol) na morte

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 61


Jesus entregou ao Pai o seu Se o espírito fosse um segmento
espírito mas mesmo assim esteve consciente com personalidade,
no Sheol (regiões inferiores da Cristo deveria logicamente estar
terra – cf. Ef.4:9) na morte com o Pai enquanto esteve morto

Vale também ressaltar que Cristo, depois de três dias em que esteve morto, ainda assim
declarou a Maria Madalena: “Não me detenhas, porque ainda não subiu para o Pai” (cf.
Jo.20:17). Óbvio, porque a entrega de seu espírito ao Pai não significou o seu regresso a
Ele, pelo fato de que o espírito não é um segmento consciente e com personalidade, mas
tão somente o princípio animador do corpo.

Tudo isso nos mostra de forma mais do que clara e lúcida de que o espírito que possuímos
não é uma outra pessoa que é liberta conscientemente após a morte, mas sim um princípio
que ativa o corpo concedendo-lhe animação. Como o corpo volta para o pó da terra na
morte, ele deixa de ser animado e, portanto, o espírito-ruach perde o seu sentido de
animação do corpo e volta para Deus por ocasião da morte.

A “salvação universal dos espíritos” – Uma verdade universal é dita em Eclesiastes 12:7 - “E
o pó volte a terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu”. Essa é uma verdade
universal, ou seja, o espírito de todos volta para Deus, que o deu. Em lugar nenhum da
Bíblia está escrito que o espírito dos ímpios desce para o inferno ou para o diabo. Não, pois
todos os espíritos sobem para Deus.

Nisso também fica mais do que claro que o espírito não é o nosso próprio “eu” fora do
corpo, pois, se assim o fosse, então teríamos uma salvação universal (de justos e ímpios),
pois o espírito de todos sobre para Deus! O que Salomão estava falando era simplesmente
para que se lembrassem do seu Criador nos dias da sua juventude (v. 1), antes que chegue
à velhice (v.2-6), e com a morte “o pó volte a terra, como o era, e o espírito volte a Deus,
que o deu” (v.12).

Esse processo é ocorrido em todos os seres humanos sejam justos ou ímpios. Assim como
todas as criaturas humanas devem se lembrar do Criador na juventude e assim como tanto
justos como ímpios envelhecem, assim também o espírito de todos sobre para Deus por
ocasião da morte. Em momento nenhum o autor deixa passar qualquer hipótese de que o
termo se restringisse apenas aos salvos, porque o próprio contexto mostra um processo que
sucede a todos os seres humanos.

O que Salomão (autor do livro de Eclesiastes – cf. Ec.1:1) estava relatando é uma verdade
universal de que o espírito [de todos] por ocasião da morte retorna a Deus, quem o deu. O
que retorna a Deus se refere ao espírito de todos os homens, não somente dos justos, mas
de “toda a carne”. O próprio fato do espírito de todas as pessoas voltar a Deus na morte
nos prova novamente que este espírito-ruach não é uma alma imortal ou a própria pessoa
em estado desencarnado, pois se assim sucedesse então apenas o espírito das pessoas
boas que subiria para Deus, e o das pessoas más desceria para o inferno ou para o diabo.

Todos os espíritos sobem para Deus porque o nosso espírito não é uma entidade consciente
com personalidade com destinos diferentes entre bons e maus após a morte, mas tão
somente o fôlego de vida presente em todas as criaturas durante a nossa existência
terrestre, princípio este que retorna para Deus porque provém dEle mesmo a fim de dar

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 62


animação para o corpo formado do pó. Por isso, o autor não faz a mínima questão de
diferenciar o destino do espírito de bons ou de maus por ocasião da morte. Novamente a
doutrina imortalista entra em choque contra os princípios da exegese e hermenêutica.

Os animais também como alma – Uma outra prova clara de que “alma vivente” não significa
“alma imortal” é o fato de que aos animais também foi designado o termo “alma vivente -
nephesh hayyah” (cf. Gn.1:20,21,24,30; 2:19; 9:10,12,15,16; Lv.11:46). A maioria das
pessoas desconhecem tal fato simplesmente porque os seus tradutores decidiram traduzir o
termo hebraico “nephesh hayyah” como “criaturas viventes” em referência aos animais, e
como “alma vivente” nas referências a seres humanos.

O motivo, evidentemente, não é por causa dos manuscritos originais, mas sim por
consequência de suas convicções religiosas, de que o homem conta com uma alma imortal
não possuída pelos animais. Em decorrência disso não quiseram comprometer as suas
doutrinas da imortalidade da alma humana criando um dilema de primeira ordem, e
tomaram a liberdade de traduzir o nephesh do hebraico como “criatura” quando em
referência aos animais e como “alma” quando em referência aos seres humanos.

Essa é a mesma adulteração reconhecida em outras inúmeras passagens bíblicas que


mostram também a alma-nephesh sendo morta ou destruída, o que também é ocultado
pela grande maioria das versões, embora fosse um conceito amplamente difundido na
Bíblia. O original, contudo, traz nephesh [alma], tanto a seres humanos, como também aos
animais. O termo alma-nephesh é empregado tanto para as pessoas quanto para os animais
porque ambos são seres conscientes.

Tanto homens como animais partilham do mesmo princípio animador de vida, isto é, o
“fôlego da vida”. Todo o ser vivente relaciona-se a todas as criaturas, não somente ao
homem, mas também aos animais (cf. Jó 12:10). O homem não recebeu uma alma de
Deus; ele tornou-se uma alma vivente, assim como os animais. A natureza de todo o
ser vivente é mortal, e não imortal, o que somente Deus é (cf. 1Tm.6:16).

Herdaremos uma natureza imortal com a ressurreição dos mortos na segunda vinda de
Cristo (cf. 1Co.15:53; 1Co.15:23). A alma não é algo imaterial e nem imortal, pois até
mesmo os animais são referidos como alma-nephesh. Sendo que no mesmo contexto em
que Deus dá a revelação a Moisés sobre a criação em Gênesis 1 e 2 a palavra nephesh
[alma] é uma referência não somente aos humanos mas também aos animais, fica claro
que Moisés não imaginava que este termo hebraico significasse em si mesmo a detenção de
imortalidade.

Doutra forma, teria ele apenas feito menção a este termo quando em referência aos
humanos, somente. Para ele o termo significava tão somente um ser consciente, sujeito a
morte tanto quanto os animais. Por isso, ele não se incomodava e nem se intimidava em
fazê-lo em menção a humanos e a animais. Quando os defensores da imortalidade da alma
se deparam com o fato bíblico de que nephesh também é mencionado em referência direta
aos animais e no mesmo contexto dos seres humanos, se dão conta do dilema
intransponível que são obrigados a encarar.

Afinal, se a alma é imortal e imaterial, então os animais também partilhariam desta mesma
qualidade que deveria estar presente somente nos seres humanos. A única solução lógica

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 63


para isso é exposta por Basil Atkinson: “Eles [o homem e os animais] não são criaturas
bipartites que consistem de uma alma e um corpo que podem ser separados e prosseguir
vivendo. Suas almas são a totalidade deles e compreende seus corpos, bem como suas
faculdades mentais”6 2

Os animais com espírito e fôlego – Ademais, exatamente a mesma palavra, no original


hebraico ruach, que é traduzida por “espírito”, é usada tanto em relação aos seres humanos
quanto a animais (cf. Gn.7:15; Gn.7:21,22; Ec.3:19,20; Gn.6:17; Sl.104:29). Ou seja: os
animais também possuem espírito-ruach da mesma forma que os seres humanos! A Bíblia
não faz sequer a menor distinção entre eles. O espírito “de toda a carne” entrou na arca de
Noé, e não foram apenas seres humanos que lá entraram:

“E de toda a carne, em que havia espírito de vida, entraram de dois em dois para junto
de Noé na arca” (cf. Gênesis 7:15)

Note que de toda a carne em que havia espírito de vida entraram de dois em dois para a
arca de Noé. Será que foram apenas os humanos que entraram na arca? É claro que não.
Isso deixa claro que os animais também possuem espírito de vida, pois o espírito-
ruach não é uma detenção apenas dos humanos. Dizer que os animais têm fôlego, mas não
tem espírito, é negar dois fatos claros na Bíblia Sagrada.

O primeiro, é que espírito [ruach] é usado tanto a animais como a seres humanos
indistintamente (cf. Gn.7:15). A Bíblia não faz a mínima distinção, porque “entraram na
arca de dois a dois de toda carne em que há um espírito vivo” (cf. Gn.7:15 – Young’s Literal
Translation). Se alguém alega que os animais não têm espírito, ent ão além de contradizer a
Bíblia seria forçado a negar também que os seres humanos o possuam, pois a mesma
palavra é usada para os dois no mesmo contexto!

Também lemos em Gênesis 6:17:

“Porque eis que eu trago um dilúvio de águas sobre a terra, para desfazer toda a carne
que há espírito [ruach] de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra expirará”

A passagem é bem clara em relatar a eliminação completa de toda a carne em que há o


espírito-ruach, por ocasião do dilúvio. Se fosse correta a interpretação dos dualistas de que
o espírito significa uma alma imortal e que apenas os humanos a possuem, então
deveríamos pressupor que somente os seres humanos foram eliminados por ocasião do
dilúvio, pois a Bíblia relata bem claramente que toda a criatura em que houvesse espírito -
ruach seria desfeita. É evidente que os animais também foram eliminados no dilúvio,
porque eles também possuem espírito-ruach (cf. Gn.6:17; Gn.7:21,22; Gn.7:15; Sl.104:29;
Ec.3:19,20).

Em Gênesis 7:21,22 lemos novamente a confirmação bíblica de que os animais também


possuem espírito-ruach: “E expirou toda a carne que se movia sobre a terra, tanto de ave
como de gado e de fera, e de todo réptil que se roja sobre a terra, e todo homem, tudo o
que tinha fôlego de espírito [ruach] de vida em seus narizes, tudo o que havia na
terra seca, morreu” (cf. Gn.7:21,22). Também lemos no Salmo 104:29 o rei Davi afirmando
que os peixes e os outros animais marinhos também possuem ruach:

62 ATKINSON, Basil F. C. Life and Immortality. Londres, pp. 1-2;.


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“Ó Senhor, quão variadas são as tuas obras! Todas as coisas fizeste com sabedoria; cheia
está a terra das tuas riquezas. Assim é este mar grande e muito espaçoso, onde há
seres sem número, animais pequenos e grandes. Ali andam os navios; e o leviatã que
formaste para nele folgar. Todos esperam de ti, que lhes dês o seu sustento em tempo
oportuno. Dando-lho tu, eles o recolhem; abres a tua mão, e se enchem de bens. Escondes
o teu rosto, e ficam perturbados; se lhes tiras o fôlego, morrem, e voltam para o seu
pó. Envias o teu espírito, e são criados, e assim renovas a face da terra” (cf. Salmos
104:24-30)

Diante do contexto, o escritor bíblico inspirado não está falando de seres humanos, mas de
animais marinhos, pequenos e grandes. E o que ele diz? Que, quando Deus retira -hes o
fôego (que o original hebraico traz ruach, espírito!), eles morrem e voltam ao pó! No verso
seguinte, é nos dito como eles são criados: Deus envia -lhes o espírito [ruach], e eles são
criados, e quando esse espírito [ruach] lhes é retirado, eles morrem e voltam ao pó. Ou
seja: o que diferencia humanos de animais no quesito da vida após a morte não é a suposta
possessão de um espírito no íntimo do ser, nem a posse de um espírito na criação ou a
retirada dele appós a morte, pois isso tudo isso acontece também com os animais ,
mas é o fato de que um ressuscita e o outro não. Daí toda a importância da ressurreição no
NT, como sendo a esperança dos cristãos.

Isso tudo mostra que é fato indiscutível que os animais também possuem o mesmo espírito-
ruach possuído pelos seres humanos. Será que os animais ao morrer irão para o estado
intermediário junto com os homens? Claro que não. Fica claro que espírito significa
“vida”, e não um ser inteligente que sai do corpo na hora da morte . O segundo erro
provém do fato de que o espírito é o próprio fôlego de vida, conforme descrição de Gênesis
2:7 e o paralelismo de Jó 33:4, de Jó 32:8 e de Isaías 42:5. E todos – humanos e animais –
possuem o mesmo fôlego, e não fôlegos diferentes:

“Porque o que sucede aos filhos dos homens, isso mesmo também sucede aos animais, e
lhes sucede a mesma coisa; como morre um, assim morre o outro; e todos têm o mesmo
fôlego, e a vantagem dos homens sobre os animais não é nenhuma, porque todos são
vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos foram feitos do pó, e todos voltarão ao pó”
(cf. Eclesiastes 3:19,20)

O que sucedeu na criação do homem é exatamente o mesmo que aconteceu na criação dos
animais: Deus soprou-lhes o fôlego de vida [espírito] e eles tornaram-se almas viventes.
Não há diferença alguma e nem vantagem nenhuma conosco em relação aos animais que
nos permita desfrutar de uma imortalidade inerente e incondicional diferentemente deles
que voltam para o pó. Todos foram feitos do pó e voltarão para exatamente o mesmo lugar:
o pó.

O mais interessante sobre esta última passagem (cf. Ec.3:19,20) é que o autor faz uso do
hebraico ruach (espírito) no mesmo contexto dos seres humanos, dizendo ainda que ambos
são iguais! “Todos tem o mesmo espírito-ruach” (v.19)! O escritor inspirado faz questão de
ressaltar o fato de que não apenas o fôlego-neshamah, como também o espírito-ruach é
possuído pelos animais, e, se adiantando a quaquer objeção imortalista, afirma ainda que o
espírito possuído por ambos é o mesmo, refutando qualquer psosibilidade de o espírito dos
humanos ser uma “alma imortal” e dos animais ser uma mera “respiração”!

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 65


Ele iguala em absoluto o espírito dos homens com o dos animais dizendo que são a mesma
coisa (v.19), e por consequência disso a vantagem dos homens sobre os animais não é
nenhuma (v.19), e, finalmente, conclui dizendo que o local que os homens partem na
morte é o mesmo caminho dos animais (v.20). Francamente, mas apenas uma
interpretação textual extremamente tendenciosa e mal feita que pode ria chegar ao ponto de
negar o fato óbvio de que o espírito possuído pelos seres humanos não é diferente daquele
que é detido pelos animais, e que em decorrência deste fato ambos perecem igualmente na
morte e tem o mesmo destino: o pó da terra.

Aqui é claramente indicado a nós que o motivo pelo qual o homem não possui vantagem
nenhuma sobre os animais decorre do fato de que ambos possuem o mesmo espírito -ruach.
Ora, se o espírito-ruach dos animais não lhes concede uma imortalidade, então é óbvio que
o dos seres humanos também não lhes dá tal vantagem. Como os defensores da alma
imortal fizeram com tão grande prova irrefutavelmente contra o ensinamento dualista?
Simples, adulteraram a tradução. Preferiram tomar a liberdade em traduzir por “fôlego”
antes do que por “espírito”, como deveria ser traduzido. O hebraico tem palavra exata para
ambos, mas Salomão faz menção do ruach [espírito] para os animais e o faz no mesmo
contexto dos seres humanos e igualando-os a estes!

É óbvio que o “espírito” possuído por nós não significa uma alma imortal e muito menos
alguma qualificação em nós presente que nos ofereça vantagem alguma sobre os animais
ou que nos leve para o Céu após a morte. Antes, é nada a mais do que a vida presente não
apenas nos seres humanos, como também nos animais. O destino de ambos é o pó da
terra. Felizmente, a Bíblia nos assegura que existirá a ressurreição dos mortos para todos
os seres humanos (cf. Dn.12:2), que acontece na segunda vinda de Cristo (cf.
1Co.15:22,23). É a ressurreição, e não a possessão de uma “alma” ou um “espírito”, que
nos distinguem dos animais no quesito “morte”.

Devemos também considerar mais alguns fatos importantes a ser mencionados. O primeiro
deles é que se os escritores bíblicos tivessem a ideia de que apenas os humanos possuem
espírito e os animais possuem apenas o “fôlego” (como ensinam os imortalistas), então eles
utilizariam essa segunda palavra para quando relacionado aos animais, pois o hebraico
possui palavra para fôlego [neshamah] e para espírito [ruach]. Mas quando aplicado aos
animais, ao invés de mencionarem apenas o fôlego-neshamah, eles mencionavam o
espírito-ruach (cf. Gn.6:17; Gn.7:21,22; Gn.7:15; Sl.104:29)!

E, pior ainda, eles a mencionavam junto com os seres humanos sem fazer a menor
distinção entre eles (cf. Gn.7:15; Gn.6:17; Gn.7:21,22)! E mais, quando o rei Davi foi
tratar de peixes, ao invés de ele mencionar apenas o fôlego (como qualquer imortalista
faria), ele faz questão de mencionar o próprio espírito-ruach (Sl.104:29). Finalmente, se o
fôlego é aquilo que dá animação ao corpo e o espírito é uma alma imortal e consciente,
então a estátua de pedra do Apocalipse deveria ter sido revestida de fôlego para dar
animação à imagem, e não de espírito. Vemos, contudo, que o apóstolo João descreve a
imagem de pedra recebendo espírito-pneuma para conceder animação, e não “fôlego” (cf.
Ap.13:15)!

Portanto, a não ser que os imortalistas queiram dar lições de Bíblia aos escritores bíblicos,
fica mais do que claro que o espírito que possuímos nada mais é do que o próprio fôlego de
vida que nos dá animação ao corpo formado do pó. Isso explica o parale lismo bíblico entre
fôlego e espírito (cf. Jó 33:4; Jó 32:8; Is.42:5), indicando que ambos tratam-se do mesmo

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 66


elemento e não de elementos diferentes; ambos são aquilo que dá animação à matéria,
nenhum sendo uma “alma imortal” ou algum elemento eterno const ituído de personalidade,
pois até mesmo os animais o possuem.

A imensa dificuldade por parte dos imortalistas em conciliar os conceitos de corpo, alma e
espírito com a Bíblia Sagrada, é que eles usam os conceitos kardecistas e platônicos de
dualidade de c orpo e alma com o espírito sendo uma entidade consciente com
personalidade. Quando tentam conciliar isso com a Bíblia (que nos deixa um conceito
simples, claro e coerente desses princípios básicos) resulta em uma total confusão de
ideias, pois o dualismo grego de corpo e alma influenciado pelas doutrinas de origens pagãs
não se mistura com as doutrinas bíblicas acerca da criação do homem.

“Porque o que sucede aos filhos dos homens, isso mesmo também sucede aos animais,
e lhes sucede a mesma coisa; como morre um, assim morre o outro; e todos têm o
mesmo fôlego [ruach – espírito], e a vantagem dos homens sobre os animais não é
nenhuma, porque todos são vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos foram
feitos do pó, e todos voltarão ao pó” (cf. Eclesiastes 3:19,20)

O espírito não é uma entidade que traz consigo vida e personalidade após a morte – Uma
prova muito forte disso é o fato de que, falando de meros peixes, o salmista afirma: “Se
lhes cortas a respiração [ruach], morrem, e voltam ao seu pó” (cf. Sl.104:29). Ora, nem
mesmo qualquer imortalista chegaria ao ponto de alegar que o espírito -ruach dos peixes
leva consigo personalidade e consciência na morte. Dizer que com os seres humanos é
totalmente diferente é forçar o texto, pois a mesma expressão é empregada para ambos
(cf. Sl.104:29; Gn.7:15; Gn.7:22; Ec.3:21).

O processo que acontece com os humanos é o mesmo que acontece com os peixes:
“Escondes a tua face - e ficam perturbados, Tu ajunta o seu espírito – eles expiram, e
voltam para o pó” (cf. Sl.104:29 - Young’s Literal Translation). Embora você provavelmente
já tenha ouvido algo assim antes com relação aos seres humanos, essa passagem está
falando de meros peixes! Compare, por exemplo, tal passagem acima (referindo -se a
peixes) com o que Jó declara: “Se fosse a intenção dele, e de fato retirasse o seu espírito e
o seu sopro, a humanidade pereceria toda de uma vez, e o homem voltaria ao pó” (cf. Jó
34:14,15).

Veja que o mesmo processo que ocorre com os seres humanos acontece também com os
peixes: Deus retira o seu espírito [ruach], e eles voltam ao pó. Não há a mínima diferença
entre o processo que ocorre com um e o que sucede ao outro. Claro, os imortalistas
evidentemente preferiram traduzir na maioria das vezes “respiração” no Salmo 104:9 para
os peixes e “espírito” para os homens em Jó 34:14,15. Mas a palavra usada no original
hebraico é a mesma para ambos [ruach] e o processo que ocorre também é exatamente o
mesmo.

Sendo assim, o “espírito” que Cristo e que Estêvão entregaram a Deus nada mais era do
que as suas vidas humanas que voltavam para Deus que soprou-lhes o fôlego enquanto
estes ainda viviam. O espírito que retorna para Deus é, como vimos, simplesmente o
princípio animador da vida que concedido por Deus tanto para homens como para animais
durante a jornada terrestre.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 67


O “espírito” não é o nosso “verdadeiro eu” – Certa vez, vi uma exemplificação que
compreende muito bem os sentidos reais de alma e espírito humanos no contexto da
criação. A vida surge quando um corpo inanimado (pó) se une com a força vital,
denominada de ruach (espírito ou respiração). Como resultado desta união, o homem
tornou-se uma alma vivente (cf. Gn.2:7). Em momento nenhum lhe é infundida uma alma;
ao contrário, ele se faz uma alma vivente quando Deus lhes sopra a respiração
[fôlego/espírito] nos seus corpos.

Poderíamos compará-lo com a “eletricidade” nesta analogia. A questão que fica é: O que
sucede à alma vivente, como resultado da junção da respiração com o pó? A resposta para
essa pergunta pode ser ilustrada através da nossa ilustração com a lâmpada. A lâmpada
pode ser analogicamente comparada com o corpo e a eletricidade com o espírito. Enquanto
a eletricidade circula por dentro da lâmpada, há luz. A luz é como a alma vivente, o ser
racional. Quando, porém, desligamos o interruptor da luz e a eletricidade cessa de circular
na lâmpada, para onde é que a luz vai?

Simplesmente deixa de existir. Não vai para uma outra dimensão. Ao sair da lâmpada, ela
simplesmente acaba. Igualmente, quando Deus resolve desligar a “eletricidade” da nossa
vida, o fôlego deixa de entrar de entrar em nosso corpo. Para onde vai a alma vivente? Para
onde vai a pessoa? Vai imediatamente para o Céu, para o inferno ou para o purgatório?
Não, deixa de existir. Exatamente como a luz. A Bíblia descreve este estado como um sono
pacífico (cf. Sl.13:3).

Mais um outro exemplo elucidativo: a alma é o resultado da junção do pó da terra com o


fôlego da vida (cf. Gn.2:7). Assim, entendemos que não há uma alma viva [vivente] sem o
corpo (pó) com o espírito (fôlego de vida). É como a água, que é a combinação de oxigênio
e hidrogênio. Mas se você separar os dois elementos a água desaparece. Não existe uma
alma vivente sem o corpo com o fôlego de vida. Poderíamos elucidar a questão da seguinte
maneira:

LÂMPADA + ELETRECIDADE = LUZ


LÂMPADA – ELETRECIDADE = SEM LUZ

OXIGÊNIO + HIDROGÊNIO = ÁGUA


OXIGÊNIO – HIDROGÊNIO = SEM ÁGUA

PÓ DA TERRA + FOLÊGO DA VIDA [ESPÍRITO] = ALMA VIVENTE [vida]


PÓ DA TERRA – FOLÊGO DA VIDA [ESPÍRITO] = ALMA MORTA [sem vida]

Estêvão conhecia a Bíblia, e sabia que o espírito voltava para Deus que é quem o deu (cf.
Ec.12:7). E quando ele entregou o espírito (cf. At.7:59,60), para onde Estêvão foi? Ele foi
para o Céu ou para o inferno? Ele foi arrebatado? Foi levado para junto de Cristo? Não. A
Bíblia diz simplesmente que ele “adormeceu” (cf. At.7:60). Igualmente, Jesus Cristo
entrega o espírito no momento da morte (cf. Lc.23:46), mas a Bíblia afirma que a sua alma
esteve no Sheol (cf. At.2:27), no coração da terra durante os três dias e três noites em que
esteve morto (cf. Mt.12:40), e não no Paraíso! Além disso, declara à Maria Madalena, após
três dias que esteve morto, que ainda não subiu para o Pai (cf. Jo.20:17). Isso nos revela
que o comprometimento de seu espírito (cf. Lc.23:46) não foi o seu regresso ao Pai. O
espírito separado do corpo não é o "real" você!

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 68


Na morte, o real volta ao pó (cf. Gn.3:19). O espírito de todos volta para Deus (cf.
Ec.12:7), pois foi Deus quem o deu. Esse é o princípio básico da vida: a vida deriva de
Deus, é sustida por Deus e volta para Deus por ocasião da morte. O corpo se desintegra
(volta a ser pó) e o fôlego da vida (espírito), que Deus assoprou originalmente nas narinas
de Adão, retorna para Ele. Esse é um princípio universal de que Deus recebe o espírito de
todos, evidentemente não sendo o nosso “verdadeiro eu”. Outra designação comum na
Bíblia com relação ao sentido de “alma” é de “vida”. A vida é o resultado do que o homem
foi formado (ou seja, pó da terra + fôlego de vida = vida [alma vivente]). Por isso mesmo,
em muitas ocasiões a palavra “alma” é corretamente traduzida simplesmente por “vida” ou
como “vida eterna” no sentido ampliado de alma-psiquê empregado no Novo Testamento.

Tal sentido secundário não adultera o sentido primário simplesmente porque não apresenta
nenhuma contradição com outras verdades bíblicas (como Gênesis 2:7 que narra o
simplismo bíblico da alma como resultado e não como parte da porção), e, ainda mais, é um
significado secundário plausível uma vez que a vida é o resultado dos elementos que
tornaram o homem um ser animado. Em outras palavras, se uma “alma vivente” é
simplesmente um “ser vivo”, a alma pode ser assim classificada, então, como a própria vida
humana. Veremos mais detalhes sobre isso neste estudo ao explorarmos algumas
passagens bíblicas tais como, por exemplo, a de Mateus 10:28, usada pelos imortalistas
como suposta “prova” da imortalidade da alma.

O corpo é a alma visível – A partir do relato da criação humana em Gênesis 2:7, podemos
perceber claramente que o homem é uma alma e possui um fôlego de vida que dá a
animação ao corpo formado do pó. O que seria então o “corpo”? Nada mais é do que a alma
visível. A alma é a pessoa integral, como o resultado do corpo formado do pó da terra com
a fusão do fôlego de vida [espírito] soprado em suas narinas para o homem tornar-se um
ser vivente. Dito em termos simples, o corpo não é a prisão da alma, mas reflete a própria
alma como visivelmente ela é. O Dr. Hans Walter Wolff faz a seguinte ponderação:

“O que nephesh [alma] significa? Certamente não a alma [no sentido dualístico tradicional]
(...) O homem não possui nephesh [alma], ele é nephesh [alma], ele vive como nephesh
[alma]”6 3

A Bíblia confirma tal posição relatando inúmeras vezes a morte do corpo como a morte da
alma (ver Lv.19:28; 21:1, 11; 22:4; Nm.5:2; 6:6,11; 9:6, 7, 10; 19:11, 13; Ag.2:13).
Nestas passagens, o original hebraico traz alma [nephesh] embora fosse o corpo (ou
“carne”) que jazia morto. Por exemplo: “Todos os dias da sua consagração para o Senhor,
não se aproximará de um cadáver” (cf. Nm.6:6). No original hebraico dessa mesma
passagem lemos: “kol-yemêy hazziyro layhvh `al-nephesh mêth lo' yâbho'” (cf. Nm.6:6).

Também lemos em Números 9:7 – “Estamos imundos por termos tocado o cadáver de um
homem; por que havemos de ser privados de apresentar a oferta do Senhor, a seu tempo,
no meio dos filhos de Israel?” (cf. Nm.9:7); no original hebraico: “vayyo'mru hâ'anâshiym
hâhêmmâh 'êlâyv 'anachnu themê'iymlenephesh 'âdhâm lâmmâh niggâra` lebhiltiy haqribh
'eth-qorbanAdonay bemo`adho bethokh benêy yisrâ'êl” (cf. Nm.9:7).

63
WOLFF, Hans Walter. Anthropology of the Old Testament. Filadélfia, 1974, p. 1.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 69


Lemos também em Números 19:11 – “Aquele que tocar em algum morto, cadáver de
algum homem, imundo será sete dias” (cf. Nm.19:11); no original hebraico: “hannoghêa`
bemêth lekhol-nephesh 'âdhâm vethâmê' shibh`ath yâmiym” (cf. Nm.9:11). E dois versos
à frente: “Todo aquele que tocar em algum morto, cadáver de algum homem, e não se
purificar, contamina o tabernáculo do Senhor; essa pessoa será eliminada de Israel; porque
a água purificadora não foi aspergida sobre ele, imundo será; está nele ainda a sua
imundícia” (cf. Nm.19:13). No texto original hebraico: “kol-hannoghêa` bemêth benephesh
hâ'âdhâm 'asher-yâmuth velo'yithchathâ' 'eth-mishkan Adonay thimmê' venikhrethâh
hannephesh hahiv'miyyisrâ'êl kiy mêy niddâh lo'-zoraq `âlâyv thâmê' yihyeh `odhthum'âtho
bho” (cf. Nm.19:13).

Poderíamos ficar o livro todo repassando inúmeras passagens bíblicas que demonstram de
maneira clara que para os hebreus o corpo nada mais era do que a própria alma visível, não
tinha absolutamente parte nenhuma com qualquer segmento imaterial ou imortal. Por isso,
o cadáver de um homem era frequentemente relacionado à alma que jazia morta porque o
corpo é a alma visível.

Para Moisés e para os hebreus, a alma nunca foi imortal. Mas, para aquelas pessoas que
insistem em se opor à doutrina da mortalidade bíblica, “estarão em apuros para explicar
aquelas passagens que falam de uma pessoa morta como uma alma-nephesh morta (Lev.
19:28; 21:1, 11; 22:4; Núm. 5:2; 6:6, 11; 9:6, 7, 10; 19:11, 13: Ageu 2:13). Para elas é
inconcebível que uma alma imortal possa morrer com o corpo” 6 4

A alma não é algo imaterial – Nenhum escritor bíblico tinha em mente a crença de que o
corpo é a prisão de uma alma imaterial dentro dele. Isso fica muito claro na Bíblia por
inúmeras razões. Em primeiro lugar, porque a Bíblia afirma que a alma emagrece: “E ele
lhes cumpriu o seu desejo, mas enviou magreza às suas almas” (cf. Sl.106:5). Evidente
que, se a alma fosse uma entidade imaterial, então ela não poderia “emagrecer” de jeito
nenhum! É óbvio que a alma é o ser integral do homem e, sendo assim, ela também
emagrece junto com o corpo (lembre-se de que o corpo é a alma visível).

Se a alma emagrece, então ela não é imaterial mas sim algo bem material, que nasce, que
cresce, que emagrece, que engorda, que sente sede, que envelhece e que morre. Se a
crença dos escritores bíblicos fosse de que apenas o corpo que sofre todas essas alterações
físicas naturais (como nascer, crescer, emagrecer, morrer, etc), então o salmista
certamente teria empregado a palavra hebraica bashar, que significa “corpo”, e não
nephesh (alma). O mesmo pode ser dito com relação aos demais pontos que apresentarei a
seguir.

Isaías nos diz que “será também como o faminto que sonha, que está a comer, porém,
acordando, sente-se vazio; ou como o sedento que sonha que está a beber, porém,
acordando, eis que ainda desfalecido se acha, e a sua alma com sede; assim será toda a
multidão das nações, que pelejarem contra o monte Sião” (cf. Is.29:8). Uma entidade
imaterial não pode sentir sede, pois a sede é uma característica do corpo físico. No máximo
poderia sentir sede em um sentido puramente metafórico, como quando o salmista afirma
que tem “sede de ti [de Deus]” (cf. Sl.143:6). Mas no contexto no qual o texto de Isaías

64BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o


destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 70
está inserido percebemos facilmente que se trata não de uma linguagem poética ou
alegórica, mas natural e literal.

Ele fala de pessoas fisicamente famintas que sonham em comer algo, mas que acordam e
veem que estão vazias, e de pessoas com sede que sonham que estão bebendo algo, mas
que acordam e ainda estão desfalecidas, e a sua alma com sede. Sede do que? Sede de
Deus? Não, sede de beber algo, como o contexto indica. Trata-se de pessoas fisicamente
com sede, que sonham em estar bebendo algo, mas acordam e percebem que não beberam
nada, que ainda estão desfalecidas fisicamente, que a sua alma continua com sede. Nisso
fica muito claro que a alma é o próprio ser vivente como pessoa, e não algo imaterial dentro
dele.

Outro exemplo semelhante ocorre quando os israelitas murmuravam no deserto na


insistência por carne: “Agora, porém, seca-se a nossa alma [nephesh], e nenhuma cousa
vemos senão este maná” (cf. Nm.11:16). Eles estavam falando de um maná físico, e de
uma sede real, não meramente de algo simbólico ou em algum sentido espiritual. Portanto,
a alma que está seca se refere ao próprio físico que clama por outra comida além do maná.
Ou seja, a alma é identificada novamente como sendo algo físico e visível na forma do
corpo, e não em uma substância imaterial residente dentro do corpo.

Existem muitas coisas que um elemento imaterial não pode fazer. Uma dessas é chorar, por
exemplo. Contudo, lemos na Bíblia que a alma de tristeza verte lágrimas: “Chora de tristeza
a minha alma; reconfortai-me segundo vossa promessa” (cf. Sl.119:28). Se a alma derrama
lágrimas, então ela não é imaterial. Nada há nas Escrituas nada que possa mostrar que a
alma é um segmento imaterial na natureza do homem, afinal, se assim fosse esperaríamos
que ela não pudesse derramar lágrimas, uma vez sendo isso um fenômeno natural,
material, físico, visível.

Além disso, a Bíblia afirma categoricamente que a alma desce à cova após a morte (cf. Jó
33:18,22,28,30; Is.38:17; Sl.94:17). Se a alma fosse algo imaterial, então ela de maneira
nenhuma poderia descer à sepultura na morte (ela deveria era subir ao Céu ou ir para o
inferno). Também sabemos que a Bíblia afirma inúmeras e incansáveis vezes que a alma
morre, e uma entidade imaterial não pode falecer (ver a morte da alma em Nm.31:19;
Nm.35:15,30; Js.20:3,9; Jo.20:3,28; Gn.37:21; Dt. 19:6, 11; Jr.40:14,15; Jz.16:30;
Nm.23:10; Ez.18:4,20; Jz.16:30; Nm.23:10; Mt.10:28; Ez.22:25,27; Jó 11:20; At.3:23;
Tg.5:20, etc).

Jó fala que “se comi os seus frutos sem dinheiro, e sufoquei a alma dos seus donos, por
trigo me produza cardos, e por cevada joio. Acabaram-se as palavras de Jó” (cf. Jó
31:39,40). “Sufocar a alma” significa sufocar a própria pessoa, porque algo imaterial não
pode ser sufocado. Por fim, a Bíblia declara a alma como em Gênesis 2:7: uma pessoa, e
não uma entidade imaterial. Assim podemos entender que Abraão “tomou a Sarai, sua
mulher, e a Ló, filho de seu irmão, e todos os bens que haviam adquirido, e as almas que
lhe acresceram em Harã; e saíram para irem à terra de Canaã; e chegaram à terra de
Canaã” (cf. Gn.12:5). Abraão não estava tomando para si substâncias imateriais, mas sim
algo bem material, pessoas, de carne e osso.

Concluímos, pois, que a alma não é um segmento imaterial, mas sim a própria vida humana
como o resultado da junção do pó da terra com o fôlego de vida (para dar animação ao
corpo morto), resultando em um ser vivo. Enquanto o dualismo platônico ensina que a

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 71


alma-psiquê é algo imaterial, intangível, invisível, eterno e imortal, as Sagradas Escrituras
apresentam a alma como referência a criaturas terrestres, incluindo os animais, referindo-
se a algo bem material, tangível, visível e mortal.

Sumariando, corpo e alma não são duas pessoas dentro de um único ser (um mortal e outro
imortal), mas sim duas características da mesma pessoa. A alma é a sede dos
pensamentos, que também perecem com a mort e (cf. Sl.146:4). O corpo é um homem
como um ser concreto. Isso não significa dualismo entre corpo e alma, mas sim duas
características da mesma pessoa.

Como disse Dom Wulstan Mork:

“Não havia a dicotomia grega de alma e corpo, de duas substâncias opostas, mas uma
unidade, homem, que é bashar [corpo] de um aspecto e nephesh [alma] de outro. Bashar,
pois, é a realidade concreta da existência humana, nephesh é a personalidade da existência
humana”6 5

De fato, a própria Enciclopédia Católica fez uma interpretação muito feliz daquilo que
realmente significa “alma”, sem ter parte com algum segmento imaterial preso dentro do
homem:

“Nephesh [né·fesh] é um termo de muito maior extensão do que nossa ‘alma’, significando
vida (Êx 21.23; Dt 19.21) e suas várias manifestações vitais: respiração (Gn 35.18; Jó
41.13,21), sangue [Gn 9.4; Dt 12.23; Sl 140(141).8], desejo (2 Sm 3.21; Pr 23.2). A alma
no Antigo Testamento significa, não uma parte do homem, mas o homem inteiro — o
homem como ser vivente. Similarmente, no Novo Testamento significa vida humana: a vida
duma entidade individual, consciente (Mt 2.20; 6.25; Lu 12.22-23; 14.26; Jo 10.11, 15, 17;
13.37)”6 6

A alma na cova – Outro fator importante que mostra que os escritores do Antigo e do Novo
Testamento não imaginavam uma natureza dualista do ser humano é a resposta para a
pergunta: para onde vai o corpo quando morre? Biblicamente, para a cova, a sepultura. De
acordo com os imortalistas, a alma tem um destino diferente do corpo, prosseguindo de
imediato ao Céu ou ao inferno.

Sendo a alma a própria pessoa integral como o resultado do pó da terra com o fôlego de
vida, entendemos que não há uma alma viva sem a combinação de corpo e espírito. Sem
corpo não há uma alma vivente e sem espírito também não há alma viva. O que a Bíblia diz
a respeito disso? A alma regressa ao lugar de silêncio (a sepultura) ou seria levada para
tormentos eternos ou imediatamente ao Céu, tendo dest inos diferentes do corpo? No livro
de Jó temos a resposta a esta questão:

“Para apartar o homem do seu designo e livrá-lo da soberba; para livrar a sua alma da
cova, e a sua vida da espada” (cf. Jó 33:18). Como vemos, o lugar para onde a alma
regressaria seria à cova (sepultura), e não para uma outra dimensão! Também continuamos
lendo no mesmo capítulo: “Sua alma aproxima-se da cova, e sua vida, dos mensageiros
da morte” (cf. Jó 33:22). Novamente é relatado o fato bíblico de que o lugar para onde a

65 MORK, Dom Wulstan. The Biblical Meaning of Man. Milwaukee, Wisconsin, 1967, p. 34.
66 New Catholic Encyclopedia, 1967, Vol. XIII, p. 467.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 72
alma se aproxima não é para o Céu ou para o inferno, mas para a cova. E novamente
continuamos lendo:

“Ele resgatou a minha alma, impedindo-a de descer para a cova, e viverei para
desfrutar a luz” (cf. Jó 33:28). A clareza da linguagem é tão evidente que não ne cessita de
maiores elucidações. O lugar para onde a alma iria era para a cova, não era o destino
apenas do corpo! Por que Eliú no livro de Jó omite completamente que a alma suba
consciente para o Céu, inferno, ou qualquer outro canto, mas diz que ela desce para a
cova?

Ele estava tentando enganar os teólogos da doutrina da imortalidade? Bom, talvez. Mas,
apesar de ter todas as possibilidades de narrar a sobrevivência da alma à parte do corpo, já
assegurada em algum lugar “entre os salvos”, ele afirma de maneira categórica que o local
da alma é na cova. Ele manifesta claramente a sua visão holista bíblica de que a alma nã o
tem destinos diferentes do corpo após a morte. Ademais, além de relatar que a sua alma
desceria para a cova caso morresse, ele ainda afirma que, uma vez que continua com vida,
“viverei para desfrutar a luz”.

Em outras palavras, caso ele morresse já não veria mais luz nenhuma! Como se isso tudo
não fosse suficientemente claro, o salmista declara o mesmo ponto de vista do livro de Jó,
assumindo exatamente a mesma posição de que não é apenas o corpo que jaz na sepultura,
mas a alma também: “Se o Senhor não fora em meu auxílio, já a minha alma habitaria
no lugar do silêncio” (cf. Sl.94:17). Ora, qual era o lugar do silêncio no qual o salmista
declara que partiria a sua alma?

Evidentemente não é uma referência ao Céu com altos louvores e muito menos aos terrores
e gritarias do fogo do inferno; sendo, antes, uma clara referência à sepultura, o verdadeiro
lugar do silêncio para o qual o salmista afirma categoricamente que não o corpo tão
somente, mas também a alma partiria após a morte. Quando o rei Ezequias estava à beira
da morte, ele relata a sua convicção de que a sua alma partiria para a cova, para a
corrupção:

“Foi para minha paz que tive eu grande amargura; tu, porém, amaste a minha alma e a
livraste da cova da corrupção, porque lançaste para trás de ti todos os meus pecados”
(cf. Is.38:17). O Senhor livrou a sua alma de ir para onde? Pro Céu? Pro inferno? Pro
purgatório? Não, de ir pra cova. Ezequias sabia que o destino de sua alma seria para a
cova, para o lugar de corrupção. Por isso mesmo, ele clama pela manutenção de sua vida
no capítulo inteiro (cf. Isaías 38). No Salmo 88:3, o salmista expressa a mesma ideia:

“Porque a minha alma está cheia de angústia, e a minha vida se aproxima da sepultura”
(cf. Sl.88:3). Outro fato interessante encontra-se no Salmo 49:8,9, que diz: “Pois o resgate
da alma deles é caríssima, e cessará a tentativa para sempre, para que viva para sempre e
não sofra decomposição” (cf. Sl.49:8,9). Aqui fica claro que a alma também pode sofrer
decomposição; contudo, é passível de ser resgatada [na ressurreição] para viver para
sempre e não sofrer decomposição [na sepultura].

Com toda a clareza necessária, a Bíblia não deixa espaços para a heresia de que o corpo é a
prisão de uma alma imaterial e imortal que tem destinos diferentes após a morte partindo
para o Céu ou para o inferno. Antes, a alma, como é a própria pessoa humana como o
resultado do pó da terra com o fôlego da vida (cf. Gn.2:7), jaz na sepultura. Não obstante a

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 73


isso, o salmista afirma: “Na prosperidade repousará a sua alma, e a sua descendência
herdará a terra” (cf. Sl.25:13). A alma também “repousa”, não é só o corpo que dorme!

Muito embora os escritores bíblicos tivessem a sua disposição a plena condição de relatar
que o corpo somente é que desce a cova ou que “repousa”, eles insistem em declarar que a
alma [nephesh] desce a cova, a corrupção, ao silêncio. Ponderamos: iriam todos eles
relatar que a alma jaz na cova caso tivessem em mente que após as suas mortes a sua
alma partiria logo para qualquer lugar, menos para a cova?

É óbvio que não! A crença dos escritores bíblicos era de uma natureza holista e não dualista
do ser humano, de modo que a alma não escapava da sepultura. É digno de nota, também,
o fato de que nunca em passagem nenhuma da Bíblia há qualquer declaração de a lgum
relato da alma subindo ao Céu ou descendo para o inferno. Em absolutamente todas as
vezes em que alguém relata o local onde a sua alma partiria com a morte, diz respeito
somente a sepultura.

Evidentemente a alma descer para a cova é a conclusão dos escritores bíblicos diante do
fato de que a alma morre, e é exatamente isso o que veremos a seguir. Afinal, “que homem
há, que viva, e não veja a morte? Livrará ele a sua alma do poder da sepultura?” (cf.
Sl.88:48). Não! Ninguém! Todos os homens são mortais e não tem uma vida inerentemente
imortal; a alma de todos está sujeita ao poder da sepultura! O salmista deixa nítido que
todos os homens morrem e descem à sepultura, e que esta morte não se resume apenas ao
corpo, mas também à alma, fazendo a pergunta retórica: “livrará ele a sua alma do poder
da sepultura”?

Diante de tudo isso, apenas alguém bem mal intencionado para acreditar que os escritores
bíblicos acreditavam que a alma tinha destinos diferentes do corpo após a morte, uma vez
que a Bíblia apresenta tantas vezes não só a morte da alma, mas também a sua descida ao
silêncio e a cova (sepultura), bem como que a alma está “repo usando”. Sendo assim, a
visão bíblica, como vimos, é holista, e não dualista.

Paralelismo entre corpo e alma - Somente aquele que entende que corpo e alma são duas
características da mesma pessoa e não duas coisas opostas, entenderá o paralelismo bíblico
entre corpo e alma: “Ó Deus, tu és o meu Deus forte, eu te busco ansiosamente; a minha
alma tem sede de Ti; meu corpo Te almeja” (cf. Sl.63:1). Corpo e alma não são dois
opostos; doutra forma seria impossível que eles fossem colocados intercambiavelmente.
Isso seria uma afronta para a doutrina dualista, que prega exatamente o contrário disso,
isto é, que corpo e alma são dois opostos, dois extremos distintos, material e imaterial,
mortal e imortal.

Qual nada, ambos são colocados intercambiavelmente em um paralelismo bíblico, porque


são duas manifestações da mesma pessoa, e não formas diferentes de existência. Nisso fica
muito claro a visão bíblica holista em detrimento da doutrina dualista. Colocar corpo e alma
intercambiavelmente como paralelismo seria uma completa afronta à visão grega dualista,
que prega exatamente o inverso disso, isto é, que um é antagônico – oposto – ao outro.

O mesmo paralelismo é feito no Salmo 84:2 entre alma, coração e carne e também em Jó
14:22 incluindo corpo e alma. Devemos sempre lembrar que, de acordo com o dicionário,
paralelismo é “um encadeamento de funções sintáticas idênticas ou um encadeamento

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 74


de orações de valores sintáticos iguais. Orações que se apresentam com a mesma estrutura
sintática externa, ao ligarem-se umas às outras em processo no qual não se permite
estabelecer maior relevância de uma sobre a outra” 6 7 .

Paralelismo é, portanto, quando duas linhas expressam o mesmo pensamento em


linguagem ligeiramente diferente, ou quando o pensamento da primeira linha é completado,
ampliado ou intensificado na segunda, tendo a mesma aplicação prática . Noutras palavras,
se corpo e alma fossem dois distintos opostos como pregam os dualistas ( o corpo mortal e a
alma imortal; o corpo corruptível e a alma incorruptível; o corpo material e a alma
imaterial), então o que esperaríamos seria justamente uma antítese, isto é, um contraste
nítido entre ambos que expressaria tal discrepância.

Contudo, o que vemos na Bíblia é que corpo e alma são usados intercambiavelmente como
paralelismo, porque não são dois opostos e nem duas “pessoas” dentro de um único ser,
mas sim duas características da mesma pessoa, pois os dois estão intimamente
relacionados; o corpo é a forma exterior da alma e a alma é a vida interior do corpo
humano. Por isso, eles não são opostos (como ensinavam os gregos dualistas), mas
intercambiáveis (como apregoa o holismo bíblico). Tal definição fere gritantemente o
conceito platônico da “alma imortal”.

A sede dos pensamentos – Alguma parte dos defensores da imortalidade da alma sustentam
que o fato dela ser utilizada biblicamente como fonte dos pensamentos humanos significa
que ela é um segmento imortal. Sustentam a diferença entre a parte mortal (que não
pensa) e a imaterial implantada por Deus (que comanda os sentimentos humanos). Essa
conclusão, contudo, carece inteiramente de respaldo teológico. Isso porque o coração
também é utilizado biblicamente como sede dos pensamentos, ainda mais do que a própria
alma.

Por exemplo, é nos dito que o coração é sede de alegria (cf. Pv.27:11), coragem (cf.
Sm.17:10), tristeza (cf. Ne.2:2), desânimo (cf. Nm.32:7), perturbação (cf. 2Rs.6:11),
tenção (cf. Is.35:4), ódio (cf. Lv.19:17), amor (cf. Dt.13:3), confiança (cf. Pv.31;11),
generosidade (cf. 2Cr.29:31), inveja (cf. Pv.23:17). O coração estremece (cf. 1Sm.28:5),
excita-se (cf. Sl.38:10), desmaia (cf. Gn.45:26), adoece (cf. Pv.13:13), desfalece (cf.
Gn.42:28), agita-se (cf. Pv.13:12).

Em outras ocasiões, o coração é claramente indicado como sendo a fonte dos pensamentos
e sentimentos do ser humano: “Pois do coração procedem os maus pensamentos, os
homicídios, os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos, os falsos testemunhos e as
calúnias” (cf. Mt.15:39). Por isso mesmo, “sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu
coração, porque dele procedem as fontes da vida” (cf. Pv.4:23). E quando Davi diz a
Salomão: "E você, meu filho Salomão, reconheça o Deus de seu pai, e sirva -o de todo o
coração e espontaneamente, pois o Senhor sonda todos os corações e conhece a motivação
dos pensamentos” (cf. 1Cr.28:9).

Portanto, se a alma é imortal porque em determinadas ocasiões é utilizada como fonte de


sentimentos e emoções, então o coração certamente não pode deixar de ser também. O
próprio fato de organismos materiais que perecem com a morte do corpo serem utilizados
como sede dos pensamentos juntamente com a alma, nos mostra que ambos não são duas

67 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Paralelismo_sint%C3%A1tico>. Acesso em: 15/08/2013.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 75
partes distintas (uma pensante e outra matéria irracional), mas sim duas manifestações do
mesmo ser mortal.

Não existe um aspecto espiritual em contraposição ao físico, nem o ser “interior” em


oposição ao “exterior”, mas sim o ser como criatura viva, consciente e pessoal. O
paralelismo bíblico entre alma e coração como sede dos pensamentos nos mostra que eles
não são duas entidades distintas, mas consistem em duas maneiras de se referir a si
próprio. Os escritores bíblicos se utilizavam de paralelismo entre coração e espírito como
sede dos sentimentos: “O coração alegre é bom remédio, mas o espírito abatido faz secar
os ossos” (cf. Pv.17:22).

E também de paralelismo entre coração e alma: “O Senhor, o seu Deus, está pondo vocês à
prova para ver se o amam de todo o coração e de toda a alma” (cf. Dt.13:3). Tal
paralelismo entre coração e alma nos mostra que ambos são tão somente agentes materiais
utilizados intercambiavelmente ao tratar-se dos pensamentos e sentimentos humanos. O
coração e a alma não são dois opostos (um material e outro imaterial; um mortal e outro
imortal), mas dois agentes que estão intimamente ligados entre si, sendo duas
características da mesma pessoa, e não entidades opostas.

Isso nos permite perfeitamente acentuarmos o parelelismo entre alma e coração e


colocarmos ambos como sede dos pensamentos, o que infelizmente não é possível no
modelo dualista tradicional. A verdade bíblica é a de que o sopro de Deus que nos traz
fôlego de vida é visivelmente presente na forma da respiração, e a alma é visivelmente
presente na forma do corpo. Por isso, corpo, alma, espírito e coração não são opostos e
nem distintos, mas características da mesma pessoa, o ser integral holista do ser humano.
A Bíblia Sagrada, em sua totalidade, contradiz gritantemente os conceitos platônicos da
“alma imortal”.

IV–A morte da alma

No Antigo Testamento – A Bíblia relata a morte da alma tantas inúmeras vezes que eu tive
que resumir citações condensadas aqui ao invés de passar uma a uma. O arsenal bíblico da
morte da alma é tão significativo ao ponto de nenhum exegeta sério poder contestar que
este é um fato. Ela não sobrevive a parte do corpo, mas, pelo contrário, morre com ele,
pelo que não existe “alma vivente” sem o corpo com o fôlego de vida. Quando o fôlego de
vida [espírito] é retirado, nós que somos almas viventes nos tornamos almas mortas. É por
isso que a Bíblia fala tão frequentemente na morte da alma também.

No Antigo Testamento, os escritores bíblicos quase cansaram de falar que a alma morre. No
texto original hebraico, a alma morria, era transpassada, podia ser morta, morria para esta
vida e morria para a próxima, a alma morria a toda hora. Josué conseguiu o “feito” de
exterminar muitas almas... (ver Josué 10:28 no original hebraico: “Ve'eth-maqqêdhâh
lâkhadh yehoshua` bayyom hahu' vayyakkehâlephiy-cherebh ve'eth-malkâh hecherim
'othâm ve'eth-kâl-hannephesh 'asher-bâh lo' hish'iyr sâriydh vayya`as lemelekh
maqqêdhâh ka'asher `âsâhlemelekh yeriycho”).

A tradução literal ficaria assim: “Naquele dia tomou Maquedá. Atacou a cidade e matou o rei
a espada e exterminou toda a alma que nela vivia, sem deixar sobreviventes. E fez com
o rei de Maquedá o que tinha feito com o rei de Jericó”. E não foi só essa vez que Josué

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 76


conseguiu o feito extraordinário de matar não só o corpo, mas a alma também: em Josué
10:30, 31, 34, 36 e 38, a alma costumava morrer sempre. No original hebraico, Josué
“matou a espada todas as almas” (cf. Js.10:30), e “exterminou toda a alma” (cf.
Js.10:28). Definitivamente, se existia uma imortalidade da alma, então Josué deveria
ganhar uma medalha de honra ao mérito por tais feitos.

Se alguém “matava uma alma acidentalmente”, podia fugir para uma cidade de refúgio
(cf. Js.20:3). Era possível aniquilar uma alma sem intenção (cf. Js.20:9). A alma morria
tantas vezes, que uma referência completa a todas as pass agens nos faria superar os
limites de escopo deste livro. É claro que a maioria das versões bíblicas a nossa disposição
simplesmente não traduzem a palavra “alma” como colocada no original hebraico [nephesh]
pelo simples fato de que isso seria uma afronta à teoria imortalista de que é só o corpo que
morre e a alma não. Os personagens bíblicos não acreditavam que seria apenas o corpo que
morreria, pois eles categoricamente afirmam: “Quem contará o pó de Jacó e o número da
quarta parte de Israel? Que a minha alma morra da morte dos justos, e seja o meu fim
como o seu” (cf. Nm.23:10).

Veja que ele não diz: “que meu corpo morra a morte dos justos”, o que presumivelmente
seria a única coisa que os defensores da imortalidade da alma afirmariam. A própria alma
não escaparia da morte, e essa era a tão forte convicção de toda a Bíblia. A esperança deles
não era que as suas almas fossem imortais, mas sim que elas morressem as mortes
dignas dos justos, isto é, com honra. Este seria o fim deles, e não um início de uma nova
existência!

Tal convicção de que a alma também não escapa da morte pode ser encontrada mais
inúmeras vezes: “Dai-me um sinal seguro de que salvareis meu pai, minha mãe, meus
irmãos, minhas irmãs e todos os que lhe pertencem e livrareis as nossas v idas da morte”
(cf. Js.2:13). Caso os israelitas atacassem Jericó, as “vidas” da família de Raabe seriam
mortas. Poucos sabem, contudo, que o original hebraico verte novamente a morte da alma -
nephesh ao invés de “vida” como é traduzido por muitas versões. A Versão King James é
uma das versões que traduzem nesta passagem corretamente a morte da alma, como
sendo o próprio término da vida, a cessação da existência.

Em Deuteronômio 19:11, a tradução em português assim reza: “Mas, se alguém odiar o seu
próximo, ficar à espreita dele, atacá-lo e matá-lo, e fugir para uma dessas cidades...”.
Contudo, o original hebraico traz novamente a morte da alma: “Vekhiy-yihyeh 'iysh
sonê'lerê`êhu ve'ârabh lo veqâm `âlâyv vehikkâhu nephesh vâmêth venâs'el-'achath
he`âriym hâ'êl”. “Matá-lo” aqui é a tradução do original hebraico que traz nephesh: matar
a alma!

Em Jó 27:8, quando lemos que Deus eliminaria os ímpios, tirando a sua vida, o original
traduz por “tira a alma” [nephesh]: “Pois, qual é a esperança do ímpio, quando é eliminado,
quando Deus lhe tira a alma [nephesh]”? O fato bíblico é que “a alma que pecar, essa
morrerá” (cf. Ez.18:4; Ez.18:21). Se Deus tivesse feito a alma imortal, teria dito a Ezequiel
que “a alma que pecar viverá eternamente em estado desencarnado”; ou, então, diria que
“a alma que pecar nunca morrerá”! Contudo, vemos que nem mesmo a alma está isenta da
morte.

Os autores bíblicos usavam e abusavam da morte da alma. Outro fato interessante


encontra-se no Salmo 49:8,9, que diz: “Pois o resgate da alma deles é caríssima, e cessará

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 77


a tentativa para sempre, para que viva para sempre e não sofra decomposição” (cf.
Sl.49:8,9). Se a alma fosse algo à parte do corpo que se desliga deste por ocasião da
morte, então ela jamais poderia em circunstância alguma sofrer decomposição. O que
deveria sofrer decomposição seria o corpo, somente, e não a alma. Contudo, o vers o 8 faz
menção a nephesh - alma!

A verdade é que no original hebraico a alma é explicitamente morta: “Para que nelas se
acolha aquele que matar alguém [nephesh] involuntariamente” (cf. Nm.35:15).
Evidentemente o hebraico nephesh [alma] nunca é traduzido na maior parte das versões
pelo simples fato de que isso iria suscitar o questionamento de que a alma claramente
morre com a morte do corpo. Por isso, traduzem até o “matar alguém”... e daí pulam
imediatamente para o: “...involuntariamente”.

Não traduzem por “matar alguma alma”, pois desta forma é muito mais fácil enganar os
leitores que não tem como descobrir usando apenas a linguagem disponível no texto em
português se o verso verte a morte apenas do corpo ou também da alma. O q ue bem
podemos observar, ao longo de toda a Bíblia, é que a alma morre tanto quanto o corpo (ou
até mais), mas isso é escondido dos leitores pela maioria das traduções. Tais casos
semelhantes ocorrem inúmeras vezes nas Escrituras.

Alguns, na tentativa de provar que a alma é imortal, argumentam usando o texto de 1ª Reis
17:21-22, que assim diz: “E estendendo-se três vezes sobre o menino, clamou ao Senhor, e
disse: Ó Senhor meu Deus, rogo-Te que faças a alma deste menino tornar a entrar nele. E o
Senhor atendeu à voz de Elias; e a alma do menino tornou a entrar nele, e reviveu” (cf.
1Rs.17:20-22). Mas, na realidade, tudo o que este texto nos mostra é que a alma do
menino, que estava morta, voltou a ter vida – ele tornou-se novamente um ser vivente,
uma alma vivente. Corrobora com isso a variante linguística do texto, como observa o Dr.
Samuelle Bacchiocchi:

“Esta leitura, que se acha à margem da versão AV, apresenta uma construção linguística
diferente. O que retorna às partes interiores é a respiração. A alma como tal nunca se liga a
algum órgão ‘interior’ do corpo. O retorno da respiração às partes interiores resulta no
reavivamento do corpo, ou, poderíamos dizer, faz com que se torne uma vez mais uma
alma vivente”6 8

Concorda com isso também o significado secundário de alma como sendo "vida". Cristo
disse que aquele que queria segui-lo teria que odiar a sua alma-psiquê (cf. Jo.12:25). Odiar
a "si mesmo"6 9 ou a um elemento imortal que o próprio Deus tenha implantado no homem,
como creem os imortalistas, não faz qualquer sentido, razão pela qual a maioria das
traduções bíblicas tem vertido a passagem por "vida"7 0 . Isso é o mesmo que ocorre em 1ª
Reis 17:22, onde alma aparece no sentido de vida. A "vida" voltou ao menino, como diz a
NVI: "O Senhor ouviu o clamor de Elias, e a vida voltou ao menino, e ele viveu" (cf.
1Rs.17:22), e desta forma ele passou a ser uma alma vivente novamente, não mais uma
alma morta7 1 . Sobre isso, Bacchiocchi acrescenta:

68 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o


destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
69 Cristo disse para amar o próximo como a si mesmo (cf. Mt.22:39), e não para odiar a si mesmo, o

que seria uma contradição.


70 Tal como fazem a Almeida Revisada e Imprensa Bíblica, a Nova Versão Internacional e a Sociedade

Bíblica Britânica, além das versões católicas Ave Maria, a Bíblia de Jerusalém e versão da CNBB.
71 Algum imortalista poderia aproveitar essa ocasião para objetar dizendo que "alma" também deveria ser

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 78


“Até mesmo o Interpreter’s Dictionary of the Bible [Dicionário bíblico do intérprete], de
concepção liberal, em seu verbete sobre a morte declara explicitamente: ‘A partida do
nephesh [alma] deve ser vista como uma figura de linguagem, pois não continua a existir
independentemente do corpo, mas morre com ele (Núm. 31:19; Juí. 16:30; Eze. 13:19).
Nenhum texto bíblico autoriza a declaração de que a ‘alma’ é separada do corpo no
momento da morte. O ruach, ‘espírito’, que faz do homem um ser vivente (cf. Gên. 2:7), e
que ele perde por ocasião da morte, não é, falando-se apropriadamente, uma realidade
antropológica, mas um dom de Deus que retorna a Ele ao tempo da morte. (Ecl. 12:7) ’”7 2

Além disso, aquele que matasse alguma alma deveria ficar sete dias fora do arraial:
“Acampai-vos por sete dias fora do arraial; todos vós, tanto o que tiver matado alguma
alma [nephesh], como o que tiver tocado algum morto” (cf. Nm.31:9). Se tais
“exterminadores de alma” vivessem no século presente e vissem o que o conceito de “alma”
se tornou após a adoção universal do conceito platônico para este termo, iriam ficar
realmente assombrados em descobrir que mataram almas imortais!

A morte do corpo está sempre ligada à morte da alma porque o corpo é a forma visível da
alma. Nós não temos uma alma presa dentro de nós que é liberta por ocasião da morte; nós
somos essa “pessoa” que morre e que revive por ocasião da ressurreição (cf. Ap.20:4)! É
por isso que, quando Josué conquistou as várias cidades além do Jordão, a Bíblia nos diz
repetidas vezes que “ele destruiu totalmente toda alma [nephesh]” (cf. Js.10:28, 30, 31,
34, 36, 38). Definitivamente não haviam avisado Josué que no máximo o que ele matou foi
somente um corpo!

Em Deuteronômio 11:9, lemos que “havendo alguém que aborrece o seu próximo, e lhe
arma ciladas, e se levanta contra ele, e o fere de golpe mortal, e se acolhe a uma destas
cidades...”. A frase “o fere de golpe mortal” é uma infeliz tradução do original hebraico que
diz “fere a alma-nephesh mortalmente”. Jamais poderíamos imaginar que um cidadão iria
com a sua espada transpassar tanto um indivíduo num combate ao ponto de matar até a
alma “imortal” e imaterial que essa pessoa possui dentro dela! É nítido que a alma não era
crido como sendo algo imaterial com imortalidade preso dentro de nós, o que também fica
claro em Jeremias:

“Então disse eu: Ah, Senhor Deus! Verdadeiramente enganaste grandemente a este povo e
a Jerusalém, dizendo: Tereis paz; pois a espada penetra-lhe até à alma” (cf. Jr.4:10). Se
a alma fosse algo imaterial, não poderia ser atingida por objeto algum material e nem ser
penetrada! Uma entidade imortal e imaterial não pode ser ferida com espada ou algum
outro instrumento; contudo, lemos que “vos estejam à mão cidades que vos sirvam de
cidades de refúgio, para que ali se acolha o homicida que ferir a alguma alma [nephesh]
por engano” (cf. Nm.35:11).

Aqui o “ferir” é propriamente a morte, porque o que a atinge é um homicida. Obviamente a


morte do corpo é a morte da alma, pelo fato de que a alma não é um segmento imaterial

traduzida por "vida" nas mais de 58 citações explícitas onde ela morre, como se resolvesse o problema
da morte da alma. Contudo, "matar a vida" não faz qualquer sentido, mostrando que nessas ocasiões
alma aparece em seu significado primário, de um ser vivo, e eliminando aqui a possibilidade de se tratar
de um elemento imortal que sobrevive à parte do corpo após a morte, que é o significado principal de
alma na visão imortalista.
72 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o

destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 79
que não pode ser atingido e nem destruído. Nenhum autor bíblico acreditava que existia
uma alma imortal e imaterial presa dentro do nosso corpo, pois, se assim fosse, então a
alma jamais e em circunstância alguma poderia ser morta e nem destruída em hipótese
nenhuma!

Isaías fala a respeito de Jesus nessas palavras: “Por isso lhe darei a sua parte com os
grandes, e com os fortes ele partilhará os despojos; porque derramou a sua alma até a
morte, e foi contado com os transgressores. Contudo levou sobre si os pecados de muitos,
e intercedeu pelos transgressores” (cf. Is.53:12). Comentando essa passagem, o Dr.
Samuelle Bacchiocchi afirma: “’Ele derramou’ é versão do hebraico arah que significa
‘esvazia, desnudar, ou deixar a descoberto’. Isso significa que o Servo Sofredor esvaziou -Se
de toda a vitalidade e força da alma. Na morte, a alma não mais funciona como o princípio
animador da vida, mas descansa na sepultura” 7 3

De qualquer forma, eles não insistiriam tanto na morte da alma, com os tradutores bíblicos
na grande maioria dos casos traduzindo por “pessoa” ao invés de “alma-nephesh”, como
deve ser traduzido, presumivelmente por causa de crerem que a alma é imortal e não pode
ser morta, contrariando a Bíblia toda (cf. Nm.31:19; 35:15,30; Js.20:3, 9; Gn.37:21;
Dt.19:6, 11; Jr.40:14, 15; Jz.16:30; Nm.23:10; Ez.18:4; Ez.18:21). Em Números 31:19,
lemos que a morte do corpo é a morte da alma:

“Acampai-vos sete dias fora do arraial; qualquer de vós que tiver matado alguma pessoa
[nephesh] e qualquer que tiver tocado em algum morto, ao terceiro dia e ao sétimo dia, vos
purificareis, tanto vós como os vossos cativos” (cf. Nm.31:19). O original novamente traz a
morte da alma: “Ve'attem chanu michutslammachaneh shibh`ath yâmiym kol horêgh
nephesh vekhol noghêa` bechâlâltithchathe'u bayyom hasheliyshiy ubhayyom
hashebhiy`iy 'attem ushebhiykhem”.

Qualquer erudito familiarizado com as Escrituras também irá se deparar repetidamente com
a forte convicção bíblica de que, caso as pessoas morressem, as suas almas não
escapariam da morte. Isso explica o porquê que, em tantos casos, vemos os salmistas
agradecendo a Deus por ter livrado a alma deles da morte, prolongando os dias de vida
deles, ou, então, dizendo que a sua alma morreria a morte dos justos:

“Porque tu livraste a minha alma da morte, os meus olhos das lágrimas, e os meus pés
da queda” (cf. Sl.116:8).

“Para lhes livrar as almas da morte, e para os conservar vivos na fome” (cf. Sl.39:19)

“Pois tu livraste a minha alma da morte; não livrarás os meus pés da queda, para andar
diante de Deus na luz dos viventes?” (cf. Sl.56:13)

“Quem contará o pó de Jacó e o número da quarta parte de Israel? Que a minha alma
morra da morte dos justos, e seja o meu fim como o seu” (cf. Nm.23:10)

“E a sua alma se vai chegando à cova, e a sua vida aos que trazem a morte” (cf. Jó
33:22)

73 ibid.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 80
“Portanto guardareis o sábado, porque santo é para vós; aquele que o profanar certamente
morrerá; porque qualquer que nele fizer alguma obra, aquela alma será eliminada do
meio do seu povo” (cf. Êx.31:14)

“Preparou caminho à sua ira; não poupou as suas almas da morte, mas entregou à
pestilência as suas vidas” (cf. Sl.78:50)

“E sucedeu que, importunando-o ela todos os dias com as suas palavras, e molestando-o, a
sua alma se angustiou até a morte” (cf. Jz.16:16)

“Conspiração dos seus profetas há no meio dela, como um leão que ruge, que arrebata a
presa; eles devoram as almas; tomam tesouros e coisas preciosas, multiplicam as suas
viúvas no meio dela” (cf. Ez.22:25)

“E naquele mesmo dia tomou Josué a Maquedá, feriu-a a fio de espada, e destruiu o seu rei,
a eles, e a toda a alma que nela havia; nada deixou de resto: e fez ao rei de Maquedá
como fizera ao rei de Jericó” (cf. Js.10:28)

“Os seus príncipes no meio dela são como lobos que arrebatam a presa, para derramarem
sangue, para destruírem as almas, para seguirem a avareza” (cf. Ez.22:27)

Estes são alguns exemplos de passagens nas quais não precisamos ir até o original hebraico
para revelarmos que o original traz a palavra “alma”, pois as próprias versões em português
(ou a maioria delas) já traduzem por “alma” nestes versos, traduzindo nephesh por alma
como realmente deve ser, em um contexto onde ela é morta, ou destruída, ou eliminada, ou
devorada! Vale lembrar sempre que existe uma outra grande maioria de passagens
bíblicas relatando a morte e extermínio da alma, em que nephesh não foi traduzido por
“alma” como corretamente deveria ser, mas o que restou a nós já é mais do que o
suficiente para imputarmos a doutrina de que a alma não morre como algo completamente
antibíblico.

Os escritores bíblicos jamais disseram que a alma é um elemento imaterial e imortal, mas
sim algo bem material e que morre. Por tudo isso, não existe alma imortal; o fato de a alma
morrer tanto provém de que uma “alma vivente” não significa uma “alma imortal”, mas
simplesmente um “ser vivo”, sujeito a morte: “Eis que todas as almas são minhas; como a
alma do pai, também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá” (cf.
Ez.18:4).

O Dr. Bacchiocchi ainda acrescenta:

“As pessoas tinham grande temor por suas almas [nephesh] (Jos. 9:24) quando outros
estavam buscando suas almas [nephesh] (Êxo. 4:19; 1 Sam. 23:15). Eles tiveram que fugir
por suas almas [nephesh] (2 Reis 7:7) ou defender suas almas [nephesh] (Est. 8:11); se
não o fizessem, suas almas [nephesh] seriam totalmente destruídas (Jos. 10:28, 30, 32,
35, 37, 39). “A alma que pecar, essa morrerá” (Eze. 18:4, 20). Raabe pediu aos dois espias
israelitas que salvassem sua família falando em termos de “livrareis as nossas vidas [almas-
VKJ] da morte” (Jos. 2:13)” 7 4

74 ibid.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 81
Sumariando, vemos que, biblicamente, a alma morre (cf. Ez.18:4), perece (cf. Mt.10:28), é
destruída (cf. Ez.22:27), não é poupada da morte (cf. Sl.78:50), é completamente
eliminada (cf. Êx.31:14), desce à cova na morte (cf. Jó 33:22), revive na ressurreição
[porque estava morta antes disso] (cf. Ap.20:4), é totalmente destruída (cf. Js.10:28), é
derramada na morte (Is.53:12), é penetrada pelo fio da espada (cf. Jr.4:10), é passível de
sofrer decompisição [na sepultura] (cf. Sl.49:8,9), “repousa” na morte (cf. Sl.25:13), é
sufocada (cf. Jó 31:39,40), é devorada (cf. Ez.22:25), pode ser assassinada (cf. Nm.35:11)
e exterminada (cf. At.3:23).

Que a alma não é e nem nunca foi imortal, isso também fica evidente pelo fato de que, em
mais de 1600 citações em que aparece “alma” na Bíblia, em nenhuma delas é seguida do
termo “eterno” [aionios] ou “imortal” [athanatos], o que obviamente seria feito caso a alma
fosse eterna ou imortal. Porém, isso nunca ocorre nas Escrituras, que preferem insistir
constantemente em dizer que a alma morre, é destruída, exterminada e aniquilada ( cf.
Nm.31:19; 35:15,30; 23:10; Js.20:3,9; Js.20:3,28; Gn.37:21; Dt.19:6, 11; J r.40:14,15;
Jz.16:30; 16:30; Ez.18:4,21; 22:25,27; Jó 11:20; At.3:23; Tg.5:20, etc).

A Bíblia usa e abusa de todos os termos genéricos para a morte da alma. Junte isso ao fato
que vimos acima, de que nunca algum escritor bíblico fez qualquer questão de dizer que a
alma seria ‘eterna’ ou ‘imortal’ (em mais de 1600 citações), porque eles sabiam bem que a
alma morre com a morte do corpo. Ou seja: temos centenas de centenas de citações
mostrando explicitamente e expressamente a morte da alma, mas nenhuma que de forma
direta afirme que a alma é “imortal” (athanatos) ou “eterna” (aionios)! Isso vai
frontalmente contra o dualismo grego que divulgava a imortalidade da alma amplamente e
nunca ousava dizer que a morria podia ser morta, o que seria uma completa afronta para os
gregos dualistas, um verdadeiro escândalo para eles.

Se a alma de fato fosse imortal, o que deveríamos esperar seria uma “enchente” de citações
bíblicas falando sobre a “alma eterna”, a “alma imortal”, a “imortalidade da alma”, etc. O
próprio fato de a Bíblia insistir tanto na morte da alma ao invés de promover a imortalidade
desta é suficientemente incontestável a fim de desqualificarmos inteiramente esta doutrina
por não possuir um mínimo de respaldo teológico sério. Crer que a alma é imortal é estar
com os olhos “vendados” (cf. 2Co.4:4) a luz de todas as evidências.

No Novo Testamento – O Novo Testamento confirma, mantém e amplia a crença bíblica de


que a alma morre. Jesus nos contou sobre aquele que pode destruir o corpo e a alma (cf.
Mt.10:28), Tiago nos diz que a alma está sujeita à morte (cf. Tg.5:20) e Pedro declara que
ela pode ser exterminada:

“E acontecerá que toda a alma que não escutar esse profeta será exterminada dentre o
povo” (cf. Atos 3:23)

Neste texto a palavra usada para o extermínio da alma é exolothreuo, que, de acordo com o
léxico de Strong, significa “derrubar do seu lugar, destruir completamente, extirpar” 7 5 . Não
tem qualquer relação com um prosseguimento eterno e ininterrupto de vida consciente, mas
diz respeito a um extermínio, uma completa cessação de existência. A palavra grega
exolothreuo denota o completo extermínio da alma. Embora os escritores bíblicos tivessem
a completa decisão de escolha entre respaldar a morte do “corpo” ou da “pessoa”, duas

75 Léxico da Concordância de Strong, 1842.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 82
palavras disponíveis tanto no grego como no hebraico, eles insistem na morte e extermínio
da alma [nephesh/hebraico – psuchê/grego].

Paulo também afirma, no auge da tempestade de Atos 27, que “nenhuma vida se perderá”
(cf. At.27:22). O “perder-se” aqui referido é claramente relacionado com a cessação de
vida, a morte na qual passaria aquelas pessoas em caso que o navio se afundasse. Poucas
pessoas sabem, contudo, que o original grego traz “alma-psiquê” novamente: “kai abs=ta
abs=nun t=tanun parainô umas euthumein apobolê gar psuchês oudemia estai ex umôn
plên tou ploiou”. Em outras palavras, eles teriam as suas próprias almas mortas.

O apóstolo Paulo usou a palavra para alma-psiquê apenas treze vezes em seus escritos (de
1600 em que aparece na Bíblia). A razão mais razoável para isso é que ele não queria dar
entender aos seus leitores um sentido equívoco daquilo que seria a “alma”, em direto
contraste com o pensamento platônico que a divulgava amplamente. Por isso mesmo, ele
jamais se utilizou do termo “alma-psichê” para denotar a vida que sobrevive à morte. Pelo
contrário, relata que “é semeado um corpo natural [psychikon] e ressuscita um corpo
espiritual. Se há corpo natural [psychikon], há também corpo espiritual” (cf. 1Co.15:44).

Aqui ele se utiliza de um derivado de alma-psyche a fim de denotar a natureza do corpo


natural que está sujeito à morte [e consequente ressurreição], e não a algum elemento
imaterial ou imortal. “Corpo natural” aqui é a tradução do grego que diz: “soma psuchikos”,
que literalmente significa: “corpo psíquico” (psiquê significa alma). Alma-psiquê, portanto,
está relacionada a um corpo natural que morre e que ressuscita, e não a um elemento
imaterial, intangível e imortal desassociado do corpo natural e mortal.

Os manuscritos originais da Bíblia (AT/hebraico; NT/grego) sempre insistem que a alma não
é uma parte divisível do corpo ou algum potencial imaterial presente na natureza humana
trazendo consigo imortalidade, mas sim a própria pessoa como um ser vivo, como uma
alma vivente. Paulo e Barnabé eram “homens que têm arriscado a vida [psiquê] pelo nome
de nosso Senhor Jesus Cristo” (cf. At.15:26), porque a alma-psiquê também morre. Por
isso, ela também é colocada em risco de acordo com os perigos em determinada localidade.
Eles colocaram a própria alma em risco por amor a Cristo, porque a alma também pode ser
morta. Se assim não fosse, eles estariam arriscando apenas o corpo mortal, e não a alma,
pois esta supostamente seria imortal e inatingível a qualquer perigo de vida.

Em Mateus 2:20, é nos dito que já morreram os que buscavam a alma-psiquê do menino
Jesus:

“Levanta-te, toma a criancinha e sua mãe, e vai para a terra de Israel, porque já morreram
os que buscavam a alma da criancinha” (cf. Mateus 2:20)

No grego:

“legôn egertheis paralabe to paidion kai tên mêtera autou kai poreuou eis gên israêl
tethnêkasin gar oi zêtountes tên psuchên tou paidiou”

O termo “buscar a alma”, diante do contexto, tem clara ligação com buscar a morte
daquela criança, que era o objetivo de Herodes: matar o menino Jesus. Ocorre que o
evangelista Mateus, ao invés de dizer que eles matariam apenas o corpo, emprega
novamente o termo “alma-psiquê”, pois a morte seria total: corpo e alma. Jesus disse em

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 83


Mateus 16:25 que “todo aquele que quiser salvar a sua alma [psiquê], perdê-la-á; mas todo
aquele que perder a sua alma [psiquê] por minha causa, achá-la-á”.

O termo “perder a alma” aqui diz respeito ao martírio que todos os discípulos de Cristo
passaram. Eles “perderam a alma”, isto é, tiveram um fim nesta vida pelas mãos de
homens cruéis, visando “ganhá-la” num momento futuro, na ressurreição dos mortos. Mais
uma vez, a morte não está relacionada ao corpo de modo estrito, mas também à psiquê:
alma! Outra clara referência neotestamentária sobre a morte da alma está em Marcos 3:4,
quando Cristo diz:

“A seguir, disse-lhes: ‘É lícito, no sábado, fazer uma boa ação ou fazer uma má ação, salvar
ou matar uma alma?” (cf. Marcos 3:4)

No grego:

“kai legei autois exestin tois sabbasin a=agathon a=poiêsai tsb=agathopoiêsai ê


kakopoiêsai psuchên sôsai ê apokteinai oi de esiôpôn”

De acordo com a Concordância de Strong, a palavra grega apokteino significa:

615 αποκτεινω apokteino


de 575 e kteino (matar); v
1) matar o que seja de toda e qualquer maneira.
1a) destruir, deixar perecer.

Portanto, apokteino psiquê denota a morte completa da alma, e não uma “imortalidade
natural” dela. Pedro, ao dizer que morreria por Cristo, chegou a dizer:

“Senhor, por que é que não te posso seguir atualmente? Entregarei a minha alma em
benefício de ti!” (cf. João 13:37)

No grego:

“legei autô ats=o petros kurie ab=dia ab=ti ts=diati ou dunamai soi akolouthêsai arti tên
psuchên mou uper sou thêsô”

Pedro estava simplesmente dizendo que estava disposto a morrer por Cristo, e para isso
diz que entregaria a sua psiquê por amor do Mestre, isto é, estaria disposto a entregar a
sua própria alma à morte em benefício de Cristo. Ele não cria que no máximo entregaria um
corpo para morrer, mas a alma. Ele não via a alma como um elemento imaterial e imortal,
mas como algo tão fadado à morte quanto o próprio corpo. E o mesmo pode ser dito com
relação ao Filho do homem, que daria a sua alma-psiquê como resgate em troca de muitos:

“Assim como o Filho do homem não veio para que se lhe ministrasse, mas para ministrar e
dar a sua alma como resgate em troca de muitos” (cf. Mateus 20:28)

No grego:

“ôsper o uios tou anthrôpou ouk êlthen diakonêthênai alla diakonêsai kai dounai tên
psuchên autou lutron anti pollôn”

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 84


“Eu sou o pastor excelente; o pastor excelente entrega a sua alma em benefício das
ovelhas” (cf. João 10:11)

No grego:

“egô eimi o poimên o kalos o poimên o kalos tên psuchên autou tithêsin uper tôn
probatôn”

“Ninguém tem maior amor do que este, que alguém entregue a sua alma a favor de seus
amigos” (cf. João 15:13)

No grego:

“meizona tautês agapên oudeis echei ina tis tên psuchên autou thê uper tôn philôn autou”

“Dar a sua alma” nada mais é do que entregar a sua própria vida à morte, em favor da
humanidade. Psiquê mais uma vez não é vista como algo imortal, mas algo sujeito à morte,
como o corpo. Finalmente, em Apocalipse 20:4 é nos dito que as almas dos que foram
degolados por causa do testemunho de Jesus reviveram. Se elas “reviveram”, é porque
estavam mortas antes disso:

“E vi tronos; e assentaram-se sobre eles, e foi-lhes dado o poder de julgar; e vi as almas


daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de Deus, e que
não adoraram a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal em suas testas n em em
suas mãos; e reviveram, e reinaram com Cristo durante mil anos” (cf. Apocalipse 20:4)

Neste contexto em que as almas revivem, não aparece corpo -soma na passagem, mas
apenas a referência às almas-psiquê que João viu em sua visão ganharem vida novamente
no ato da ressurreição. Dizer que aquilo que reviveu foi somente o corpo é entrar em
gritante contradição com o texto bíblico, que em momento nenhum fala de corpos. O texto
não diz: “as almas daqueles corpos que foram degolados”, mas sim “as almas daqueles
que foram degolados”. Foram “as almas daqueles que foram degolados” que reviveram, e
não “os corpos daqueles que foram degolados”.

Dizer que o “daqueles” está associado ao corpo (que nem sequer aparece no texto) e não
ao referencial direto (“almas”) é no mínimo querer ferir a exegese e amputar as regras de
interpretação textual. “Daqueles” é uma referência clara ao referencial mais direto, ou seja,
“as almas”. Um exemplo prático para elucidar a questão: se eu dissesse que “a gasolina
daqueles carros que pararam de funcionar foi recolocada”, o que é que foi recolocado? A
gasolina ou os carros? Óbvio: a gasolina. É a gasolina daqueles carros, e não os próprios
carros. Em Apocalipse 20:4 é exatamente a mesma estrutura textual que aparece. Vemos
que as almas daqueles mártires reviveram. O que reviveu? A resposta também é óbvia: as
almas daqueles que foram degolados!

Além disso, o original grego traz o artigo definido, que no grego é "των" (ho), e que é
traduzido na maioria das versões por “daqueles”:

“kai eidon thronous kai ekathisan ep autous kai krima edothê autois kai tas psuchas tôn
pepelekismenôn dia tên marturian iêsou kai dia ton logon tou theou kai oitines ou

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 85


prosekunêsan a=to tsb=tô a=thêrion tsb=thêriô a=oude tsb=oute tên eikona autou kai
ouk”

De acordo com o léxico da Concordância de Strong, significa:

3588 ο ho que inclui o feminino η he, e o neutro το to


em todos as suas inflexões, o artigo definido; artigo
1) este, aquela, estes, etc.
Exceto “o” ou “a”, apenas casos especiais são levados em consideração.

Este artigo inclui o feminino e também o neutro, o que mostra que está apenas reiterando
que o sujeito é mesmo as almas, e não algum outro. “Corpo-soma” é masculino, e não
feminino; ademais, nunca que o artigo definido ho toma o lugar de sujeito da frase, ele
apenas é um artigo definido que confirma o sujeito da frase, não é utilizado para fazer uma
distinção das “almas”, mas é um prosseguimento do relato delas, ainda com elas (as
almas) sendo o sujeito único da frase. Portanto, em momento nenhum a referência e o
sujeito da frase deixa de ser “as almas”, o que nos mostra que:

• Almas são decapitadas (morrem)


• Almas revivem na ressurreição

Por tudo isso, vemos que o Catecismo Católico que afirma que “a alma não perece com a
morte do corpo”7 6 mostra uma total carência de conhecimento e discernimento bíblico. Isso
explica o porquê do “problema da Bíblia” como já foi aqui exposto; e, de fato, até hoje a
grande maioria das traduções continuam omitindo dos seus leitores a morte da alma com a
morte do corpo. Mas, fazer o que: essa é a única maneira de “salvar” a doutrina de que a
alma não morre e está viva em algum lugar, escondendo e omitindo dos seus leitores a
verdade bíblica da morte da alma, o que exterminaria com um império de cegueira
espiritual que tenta monopolizar a opinião escondendo a verdade dos olhos do povo,
perpetuando estes enganos através das tradições humanas.

Citações explícitas da morte da alma nos originais – Como foi dito, as versões vernáculas à
nossa disposição na grande maioria das vezes omitem as menções à morte da alma quando
ela aparece, e para que isso seja verificável de forma mais clara e próxima dos leitores
segue abaixo uma lista completa com 58 citações explícitas da morte da alma, afora
aquelas onde a morte da alma vem implicitamente no texto e outras várias menções ao
longo de toda a Escritura.

No Pentateuco:

(Gênesis 19:19-20) - Ora, por favor, teu servo achou favor aos teus olhos, de modo que
estás magnificando a tua benevolência de que usas para comigo, para preservar viva a
minha alma, mas eu — eu não posso escapar para a região montanhosa, para que não se
apegue a mim a calamidade e eu certamente morra. Ora, por favor, esta cidade está
perto para se fugir para lá... e minha alma viverá.

(No Hebraico) - hinnêh-nâ' mâtsâ' `abhdekha chên be`êyneykha vattaghdêlchasdekha


'asher `âsiythâ `immâdhiy lehachayoth 'eth-naphshiy ve'ânokhiy lo''ukhal lehimmâlêth

76 §366 do Catecismo Católico.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 86
hâhârâh pen-tidhbâqaniy hârâ`âh vâmattiy hinnêh-nâ' hâ`iyr hazzo'th qerobhâh lânus
shâmmâh vehiy' mits`âr'immâlthâh nâ' shâmmâh halo' mits`âr hiv' uthechiy naphshiy.

(Gênesis 37:21) - Ouvindo isso Rubem, tentou livrá-lo da mão deles. De modo que disse:
Não golpeemos fatalmente a sua alma.

(No Hebraico) - vayya`as gam-hu' math`ammiym vayyâbhê' le'âbhiyvvayyo'mer le'âbhiyv


yâqum 'âbhiy veyo'khal mitsêydh benoba`abhurtebhârakhanniy naphshekha.

(Êxodo 31:14) - E tendes de guardar o sábado, pois é algo santo para vós. O profanador
dele será positivamente morto. Caso haja alguém fazendo nele alguma obra,
então essa alma tem de ser decepada do meio do seu povo.

(No Hebraico) - ushemartem 'eth-hashabbâthkiy qodhesh hiv' lâkhem mechaleleyhâ moth


yumâth kiy kol-hâ`osehbhâh melâ'khâh venikhrethâh hannephesh hahiv' miqqerebh
`ammeyhâ.

(Levítico 19:28) - E não vos deveis fazer cortes na carne em prol duma alma falecida e
não deveis fazer tatuagem em vós.

(No Hebraico) - vesereth lânephesh lo' thittenu bibhsarkhem ukhethobheth qa`aqa`lo'


thittenu bâkhem 'aniy Adonay.

(Levítico 21:1, 11) - Ninguém se pode aviltar entre o seu povo por uma alma falecida. E
não se deve chegar a uma alma morta. Não se pode aviltar por seu pai e por sua mãe.

(No Hebraico) - vayyo'mer Adonay 'el-mosheh 'emor 'el-hakkohaniym benêy 'aharon


ve'âmartâ 'alêhemlenephesh lo'-yithammâ' be`ammâyv ve`al kol-naphshoth mêth lo'
yâbho'le'âbhiyv ule'immo lo' yithammâ'.

(Levítico 23:30) - Quanto a qualquer alma que fizer qualquer sorte de obra neste mesmo
dia, terei de destruir esta alma dentre o seu povo.

(No Hebraico) - vekhol-hannephesh 'asher ta`aseh kol-melâ'khâh be`etsem hayyom


hazzeh veha'abhadhtiy 'eth-hannepheshhahiv' miqqerebh `ammâh.

(Levítico 24:17) - E caso um homem golpeie fatalmente qualquer alma do gênero


humano, sem falta deve ser morto.

(No Hebraico) - ve'iysh kiy yakkeh kol-nephesh 'âdhâm moth yumâth.

(Números 19:13) - Todo aquele que tocar num cadáver, a alma de qualquer homem que
tenha morrido, e não se purificar, profanou o tabernáculo de Jeová, e essa alma terá de
ser decepada de Israel.

(No Hebraico) - kol-hannoghêa` bemêth benephesh hâ'âdhâm 'asher-yâmuth


velo'yithchathâ' 'eth-mishkan Adonay thimmê' venikhrethâh hannephesh hahiv'miyyisrâ'êl
kiy mêy niddâh lo'-zoraq `âlâyv thâmê' yihyeh `odhthum'âtho bho.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 87


(Números 23:10) - Quem contará o pó de Jacó e o número da quarta parte de Israel? Que
a minha alma morra da morte dos justos, e seja o meu fim como o seu.

(No Hebraico) - miy mânâh `apharya`aqobh umispâr 'eth-robha` yisrâ'êl


tâmoth naphshiy moth yeshâriymuthehiy 'achariythiy kâmohu.

(Números 31:19) - Quanto a vós mesmos, acampai sete dias fora do acampamento. Todo
aquele que tiver matado uma alma e todo aquele que tiver tocado em alguém que foi
morto — deveis purificar-vos no terceiro dia e no sétimo dia.

(No Hebraico) - ve'attem chanu michutslammachaneh shibh`ath yâmiym kol


horêgh nephesh vekhol noghêa` bechâlâltithchathe'u bayyom hasheliyshiy ubhayyom
hashebhiy`iy 'attem ushebhiykhem.

(Números 35:11) - E tendes de escolher cidades convenientes para vós. Servirão para vós
de cidades de refúgio, e para lá terá de fugir o homicida que sem querer golpear
fatalmente uma alma.

(No Hebraico) - vehiqriythem lâkhem `âriym `ârêy miqlâthtihyeynâh lâkhem venâs


shâmmâh rotsêach makkêh-nephesh bishghâghâh.

(Números 35:30) - Todo aquele que golpear fatalmente uma alma deve ser morto
como assassino, pela boca de testemunhas, e uma só testemunha não pode
testificar contra uma alma para ela morrer.

(No Hebraico) - kol-makkêh-nephesh lephiy `êdhiym yirtsach 'eth-hârotsêach ve`êdh


'echâdhlo'-ya`aneh bhenephesh lâmuth.

(Deuteronômio 19:11) - Porém, caso haja um homem que odeie seu próximo, e ele se
tenha posto de emboscada contra este e se tenha levantado contra ele e golpeado
fatalmente a sua alma, e ele tenha morrido, e o homem tenha fugido para uma destas
cidades.

(No Hebraico) - vekhiy-yihyeh 'iysh sonê'lerê`êhu ve'ârabh lo veqâm `âlâyv


vehikkâhu nepheshvâmêth venâs'el-'achath he`âriym hâ'êl.

(Deuteronômio 22:26) - E não deves fazer nada à moça. A moça não tem pecado que
mereça a morte, pois, assim como um homem se levanta contra seu próximo e deveras o
assassina, sim, uma alma, assim é neste caso.

(No Hebraico) - velanna`ar [v][la][na`arâh] lo'-tha`aseh dhâbhâr 'êynlanna`ar


[la][na`arâh] chêthe' mâveth kiy ka'asher yâqum 'iysh `al-rê`êhuuretsâcho nephesh kên
haddâbhâr hazzeh.

Nos Históricos:

(Josué 2:13-14) - E tereis de preservar vivos meu pai e minha mãe, e meus irmãos, e
minhas irmãs, e todos os que lhes pertencem, e tereis de livrar as nossas almas da
morte. A isto lhe disseram os homens: “Nossas almas hão de morrer em vosso lugar”!

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 88


(No Hebraico) - vehachayithem 'eth-'âbhiy ve'eth-'immiy ve'eth-'achayve'eth-'achothay
['achyothay] ve'êth kol-'asher lâhem vehitsaltem 'eth-naphshothêynu mimmâveth
vayyo'mru lâh hâ'anâshiym naphshênuthachtêykhem lâmuth 'im lo' thaggiydhu 'eth-
debhârênu zeh vehâyâh bethêth-Adonay lânu 'eth-hâ'ârets ve`âsiynu `immâkh chesedh
ve'emeth.

(Josué 10:28, 35) - E naquele dia Josué capturou Maquedá e passou a golpeá-la com o fio
da espada. Quanto ao seu rei,devotou à destruição tanto a ele como a toda alma que
havia nela. Não deixou restar sobrevivente. E foram capturá-la naquele dia e começaram a
golpeá-la com o fio da espada, e naquele dia devotaram à destruição toda alma que
nela vivia, segundo tudo o que tinham feito a Laquis.

(No Hebraico) - ve'eth-maqqêdhâh lâkhadh yehoshua` bayyom hahu' vayyakkehâlephiy-


cherebh ve'eth-malkâh hecherim 'othâm ve'eth-kâl-hannephesh 'asher-bâh lo' hish'iyr
sâriydh vayya`as lemelekh maqqêdhâh ka'asher `âsâhlemelekh yeriycho vayyilkedhuhâ
bayyom hahu' vayyakkuhâ.lephiy-cherebh ve'êth kol-hannephesh 'asher-bâh bayyom
hahu' hecheriymkekhol 'asher-`âsâh lelâkhiysh ph.

(Josué 11:10-11) - E foram golpear toda alma que havia nela com o fio da
espada, devotando-as à destruição. Não sobrou absolutamente nada que respirasse, e
ele queimou Hazor com fogo.

(No Hebraico) - vayyâshâbhyehoshua` bâ`êth hahiy' vayyilkodh 'eth-châtsor ve'eth-


malkâh hikkâhbhechârebh kiy-châtsor lephâniym hiy' ro'sh kol-hammamlâkhoth hâ'êlleh
vayyakku 'eth-kâl-hannephesh 'asher-bâh lephiy-cherebh hacharêm lo'nothar kol-
neshâmâh ve'eth-châtsor sâraph bâ'êsh.

(Juízes 16:16) - E sucedeu que, importunando-o ela todos os dias com as suas palavras, e
molestando-o, a sua alma se angustiou até a morte.

(No Hebraico) - vayhiy kiy-hêtsiyqâh lo bhidhbhâreyhâ kol-hayyâmiymvatte'alatsêhu


vattiqtsar naphsho lâmuth.

(Juízes 16:30) - E Sansão passou a dizer: “Morra a minha alma com os filisteus”
Então se encurvou com poder e a casa foi cair sobre os senhores do eixo e sobre todo o
povo que havia nela, de modo que os mortos, que entregou à morte ao ele mesmo morrer,
vieram a ser mais do que os que entregara à morte durante a sua vida.

(No Hebraico) - vayyo'mer shimshon tâmoth naphshiy `im-pelishtiym vayyêthbekhoach


vayyippol habbayith `al-hasserâniym ve`al-kâl-hâ`âm 'asher-bo vayyihyu hammêthiym
'asher hêmiyth bemotho rabbiym mê'asherhêmiyth bechayyâyv.

(1 Reis 19:4) - E ele mesmo entrou no ermo, sentou-se debaixo de certo zimbro. E
começou a pedir que a sua alma morresse a dizer: “Já basta, Senhor, agora tira a
minha alma, pois não sou melhor que os meus pais”.

(No Hebraico) - vehu'-hâlakh bammidhbâr derekh yom vayyâbho' vayyêshebh tachath


rothem'echâth ['echâdh] vayyish'al 'eth-naphsho lâmuth vayyo'mer rabh `attâhAdonay
qach naphshiy kiy-lo'-thobh 'ânokhiy mê'abhothây.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 89


Nos Poéticos:

(Jó 7:15) - De modo que a minha alma escolhe a sufocação, a morte em vez de meus
ossos.

(No Hebraico) - vattibhchar machanâq naphshiy mâvethmê`atsmothây.

(Jó 11:20) - E falharão os próprios olhos dos iníquos; e perecerá deles o lugar de refúgio,
e sua esperança será a expiração da alma.

(No Hebraico) - ve`êynêy reshâ`iym tikhleynâhumânos 'âbhadh minhem vethiqvâthâm


mappach-nâphesh ph.

(Jó 27:8) - Pois, qual é a esperança do ímpio, quando é eliminado, quando Deus lhe tira a
alma?

(No Hebraico) - kiy mah-tiqvath chânêph kiy yibhtsâ` kiyyêshel 'eloah naphsho.

(Jó 33:22) - E sua alma se chega à cova, e sua vida aos que infligem a morte.

(No Hebraico) - vattiqrabh lashachath naphsho vechayyâtho lamemithiym.

(Jó 36:14) - Sua alma morrerá na própria infância, e sua vida entre os homens que se
prostituem no serviço dum templo.

(No Hebraico) - tâmoth banno`ar naphshâm vechayyâthâm baqqedhêshiym.

(Salmos 22:29) - Todos os gordos da terra comerão e se curvarão; diante dele se


dobrarão todos os que descem ao pó, e ninguém jamais preservará viva a sua própria
alma.

(No Hebraico) – dashen erets akal shachah yarad aphar kara paniym chayah nephesh.

(Salmos 49:8,9) - Pois o resgate da alma deles é caríssima, e cessará a tentativa para
sempre, para que viva para sempre e não sofra decomposição.

(No Hebraico) – âch lo'-phâdhoh yiphdeh 'iyshlo'-yittên lê'lohiym kophro veyêqar


pidhyon naphshâmvechâdhalle`olâm.

(Salmos 56:13) - Pois tu livraste a minha alma da morte; não livrarás os meus pés da
queda, para andar diante de Deus na luz dos viventes?

(No Hebraico) – natsal nephesh maveth regel dchiy halak paniym elohiym owr chay.

(Salmos 78:50) - Ele passou a preparar uma senda para a sua ira. Não refreou a alma
deles da própria morte; e entregou a vida deles à própria pestilência.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 90


(No Hebraico) - yephallês nâthiybh le'appo lo'-châsakhmimmâveth naphshâm
vechayyâthâm laddebher hisgiyr.

(Salmos 116:8) - Porque tu livraste a minha alma da morte, os meus olhos das
lágrimas, e os meus pés da queda.

(No Hebraico) - kiy chillatstâ naphshiy mimmâveth'eth-`êyniy min-dim`âh 'eth-raghliy


middechiy.

Nos Profetas:

(Isaías 53:12) - Por isso lhe darei a sua parte com os grandes, e com os fortes ele
partilhará os despojos; porque derramou a sua alma até a morte, e foi contado com os
transgressores. Contudo levou sobre si os pecados de muitos, e intercedeu pelos
transgressores.

(No Hebraico) - lâkhên 'achalleq-lo bhârabbiym ve'eth-`atsumiym yechallêq shâlâl


tachath'asher he`erâh lammâveth naphsho ve'eth-poshe`iym nimnâh vehu' chêthe'-
rabbiym nâsâ' velapposhe`iym yaphgiya` s.

(Jeremias 2:34) - Também, nas tuas saias foram achadas as manchas de sangue das
almas dos pobres inocentes. Não as encontrei no ato de arrombamento, mas [estão] em
todas estas.

(No Hebraico) - gambikhnâphayikh nimtse'u dam naphshoth 'ebhyoniym neqiyyiym lo'-


bhammachtereth metsâ'thiym kiy `al-kâl-'êlleh.

(Jeremias 4:10) - Então disse eu: “Ah, Senhor Deus! Verdadeiramente enganaste
grandemente a este povo e a Jerusalém, dizendo: Tereis paz; pois a espada penetra-lhe
até à alma”.

(No Hebraico) - vâ'omar 'ahâh 'adhonây Adonay.'âkhên hashê' hishê'thâ lâ`âm hazzeh
veliyrushâlaim lê'mor shâlomyihyeh lâkhem venâghe`âh cherebh `adh-hannâphesh.

(Jeremias 40:14) - E passaram a dizer-lhe: “Acaso não sabes que o próprio Baalis, rei dos
filhos de Amom, enviou Ismael, filho de Netanias, para golpear-te a alma?” Mas Gedalias,
filho de Aicão, não lhes deu crédito.

(No Hebraico) - vayyo'mru 'êlâyv hayâdhoa` têdha` kiy ba`aliysmelekh benêy-`ammon


shâlach 'eth-yishmâ`ê'l ben-nethanyâh lehakkothekhanâphesh velo'-he'emiyn lâhem
gedhalyâhu ben-'achiyqâm.

(Ezequiel 13:19) - E porventura me profanareis para com o meu povo em troca de


punhados de cevada e por pedacinhos de pão, para entregardes à morte as almas que
não deviam morrer e para preservardes vivas as almas que não deviam viver, pela
vossa mentira ao meu povo, os que ouvem a mentira?

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 91


(No Hebraico) - vattechallelnâh 'othiy 'el-`ammiy besha`alêy se`oriymubhiphthothêy
lechem lehâmiythnephâshoth 'asher lo'-themuthenâh ulechayyoth nephâshoth 'asher lo'-
thichyeynâh bekhazzebhkhem le`ammiy shome`êy khâzâbhs.

(Ezequiel 17:17) - E Faraó não o fará eficiente na guerra por meio duma grande força
militar e por meio duma congregação numerosa, levantando um aterro de sítio e
construindo um muro de sítio, a fim de decepar muitas almas.

(No Hebraico) - velo' bhechayil gâdhol ubheqâhâl robh ya`aseh'otho phar`oh


bammilchâmâh bishpokh solelâh ubhibhnoth dâyêq lehakhriyth nephâshoth rabboth.

(Ezequiel 18:4) - Eis que todas as almas — a mim me pertencem. Como a alma do pai,
assim também a alma do filho — a mim me pertencem. A alma que pecar — ela é
que morrerá.

(No Hebraico) - hên kol-hannephâshoth liy hênnâh kenephesh hâ'âbhukhenephesh


habbên liy-hênnâh hannephesh hachothê'th hiy' thâmuth s.

(Ezequiel 22:25) - Conspiração dos seus profetas há no meio dela, como um leão que
ruge, que arrebata a presa; eles devoram as almas; tomam tesouros e coisas preciosas,
multiplicam as suas viúvas no meio dela.

(No Hebraico) - qesher nebhiy'eyhâ bethokhâh ka'ariy sho'êghthorêph


thâreph nephesh 'âkhâlu chosen viyqâr yiqqâchu 'almenotheyhâ hirbubhethokhâh.

(Ezequiel 22:27) - Os seus príncipes no meio dela são como lobos que arrebatam a presa,
para derramarem sangue, para destruírem as almas, para seguirem a avareza.

(No Hebraico) - sâreyhâbheqirbâh kiz'êbhiym thorephêy thâreph lishpâkh-dâm


le'abbêdh nephâshothlema`an betsoa` bâtsa.

(Ezequiel 33:6) - E no que se refere ao vigia, se ele vir a espada chegar e realmente não
tocar a buzina e a espada vier e lhes tirar a alma, terá de ser tirada pelo seu próprio
erro, mas o seu sangue exigirei de volta da mão do próprio vigia

(No Hebraico) - vehatsopheh kiy-yir'eh 'eth-hacherebh bâ'âh velo'-thâqa`bashophâr


vehâ`âm lo'-nizhâr vattâbho' cherebh vattiqqach mêhem nâpheshhu' ba`avono nilqâch
vedhâmo miyyadh-hatsopheh 'edhrosh s.

Jesus Nos Evangelhos:

(Mateus 2:19-20) - E disse: “Levanta-te, toma a criancinha e sua mãe, e vai para a terra
de Israel, porque já morreram os que buscavam a alma da criancinha”

(No Grego) - teleutêsantos de tou êrôdou idou aggelos kuriou a=phainetai kat onar
tsb=phainetai tô iôsêph en aiguptô legôn egertheis paralabe to paidion kai tên mêtera autou
kai poreuou eis gên israêl tethnêkasin gar oi zêtountes tên psuchên tou paidiou.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 92


(Mateus 20:28) - Assim como o Filho do homem não veio para que se lhe ministrasse,
mas para ministrar e dar a sua alma como resgate em troca de muitos.

(No Grego) - ôsper o uios tou anthrôpou ouk êlthen diakonêthênai alla diakonêsai kai
dounai tên psuchên autou lutron anti pollôn.

(Marcos 3:4) - A seguir, disse-lhes: “É lícito, no sábado, fazer uma boa ação ou fazer uma
má ação, salvar ou matar uma alma?”

(No Grego) - kai legei autois exestin tois sabbasin a=agathon a=poiêsai tsb=agathopoiêsai
ê kakopoiêsai psuchên sôsai ê apokteinai oi de esiôpôn.

(Lucas 6:9) - Jesus disse-lhes então: Eu vos pergunto: é lícito, no sábado, fazer o bem ou
causar dano, salvar ou destruir uma alma?

(No Grego) - eipen a=de tsb=oun o iêsous pros autous a=eperôtô tsb=eperôtêsô umas
a=ei tsb=ti exestin a=tô tsb=tois a=sabbatô tsb=sabbasin agathopoiêsai ê
kakopoiêsai psuchên sôsai ê b=apokteinai ats=apolesai.

(Lucas 17:33) - Todo aquele que buscar manter a sua alma a salvo para si mesmo, perdê-
la-á, mas todo aquele que a perder, preservá-la-á viva.

(No Grego) - os ean zêtêsê tên psuchên autou a=peripoiêsasthai tsb=sôsai apolesei
autên tsb=kai os a=d a=an tsb=ean apolesê tsb=autên zôogonêsei autên.

(João 10:11) - Eu sou o pastor excelente; o pastor excelente entrega a sua alma em
benefício das ovelhas.

(No Grego) - egô eimi o poimên o kalos o poimên o kalos tên psuchên autou tithêsin uper
tôn probatôn.

(João 12:25) - Quem estiver afeiçoado à sua alma, destruí-la-á, mas quem odiar a sua
alma neste mundo, protegê-la-á para a vida eterna.

(No Grego) - o philôn tên psuchên autou a=apolluei tsb=apolesei autên kai o misôn
tên psuchên autou en tô kosmô toutô eis zôên aiônion phulaxei autên.

(João 13:37) - Senhor, por que é que não te posso seguir atualmente? Entregarei a
minha alma em benefício de ti!

(No Grego) - legei autô ats=o petros kurie ab=dia ab=ti ts=diati ou dunamai soi
akolouthêsai arti tên psuchên mou uper sou thêsô.

(João 15:13) - Ninguém tem maior amor do que este, que alguém entregue a sua
alma a favor de seus amigos.

(No Grego) - meizona tautês agapên oudeis echei ina tis tên psuchên autou thê uper tôn
philôn autou.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 93


Discípulos e Apóstolos Cristãos no Resto do Novo Testamento:

(Atos 3:23) - Deveras, toda alma que não escutar esse Profeta será completamente
exterminada dentre o povo.

(No Grego) - estai de pasa psuchê êtis ab=ean ts=an mê akousê tou prophêtou ekeinou
a=exolethreuthêsetai tsb=exolothreuthêsetai ek tou laou.

(Atos 15:25,26) - Pareceu-nos bem, reunidos concordemente, eleger alguns homens e


enviá-los com os nossos amados Barnabé e Paulo, homens que arriscaram as suas
almas pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo.

(No Grego) - edoxen êmin genomenois omothumadon a=eklexamenois tsb=eklexamenous


andras pempsai pros umas sun tois agapêtois êmôn barnaba kai paulô anthrôpois
a=paradedôkosi tsb=paradedôkosin tas psuchas autôn uper tou onomatos tou kuriou êmôn
iêsou christou.

(Atos 27:20-22) - E, não aparecendo, havia já muitos dias, nem sol nem estrelas, e
caindo sobre nós uma não pequena tempestade, fugiu-nos toda a esperança de nos
salvarmos. E, havendo já muito que não se comia, então Paulo, pondo -se em pé no meio
deles, disse: Fora, na verdade, razoável, ó senhores, ter-me ouvido a mim e não partir de
Creta, e assim evitariam este incômodo e esta perda. Mas agora vos admoesto a que
tenhais bom ânimo, porque não se perderá a alma de nenhum de vós, mas somente o
navio.

(No Grego) - kai abs=ta abs=nun t=tanun parainô umas euthumein apobolê
gar psuchês oudemia estai ex umôn plên tou ploiou.

(Romanos 11:3) - Mataram os teus profetas, só eu sobrei, e eles estão procurando a


minha alma.

(No Grego) - kurie tous prophêtas sou apekteinan tsb=kai ta thusiastêria sou kateskapsan
kagô upeleiphthên monos kai zêtousin tên psuchên mou.

(Hebreus 10:38-39) - Ora, nós não somos dos que retrocedem para a destruição, mas
dos que têm fé para preservar viva a alma.

(No Grego) - o de dikaios a=mou ek pisteôs zêsetai kai ean uposteilêtai ouk eudokei
ê psuchê mou en autô êmeis de ouk esmen upostolês eis apôleian alla pisteôs eis
peripoiêsin psuchês.

(Tiago 5:20) - Sabei que aquele que fizer um pecador voltar do erro do seu
caminho salvará a sua alma da morte e cobrirá uma multidão de pecados.

(No Grego) - ginôsketô oti o epistrepsas amartôlon ek planês odou autou


sôsei psuchên a=autou ek thanatou kai kalupsei plêthos amartiôn.

(Apocalipse 12:11) - E eles o venceram por causa do sangue do Cordeiro e por causa da
palavra do seu testemunho, e não amaram as suas almas, nem mesmo ao encararem
a morte.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 94


(No Grego) - kai autoi enikêsan auton dia to aima tou arniou kai dia ton logon tês
marturias autôn kai ouk êgapêsan tên psuchên autôn achri thanatou.

(Apocalipse 16:3) - E o segundo derramou a sua tigela no mar. E este se tornou em


sangue como de um morto, e morreu toda alma vivente, [sim,] as coisas no mar.

(No Grego) - kai o deuteros tsb=aggelos b=exechee ats=execheen tên phialên autou eis
tên thalassan kai egeneto aima ôs nekrou kaipasa psuchê a=zôês tsb=zôsa apethanen
a=ta en tê thalassê.

(Apocalipse 16:3) - E vi tronos; e assentaram-se sobre eles, e foi-lhes dado o poder de


julgar; e vi as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e pela
palavra de Deus, e que não adoraram a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal
em suas testas nem em suas mãos; e reviveram, e reinaram com Cristo durante mil anos.

(No Grego) - kai eidon thronous kai ekathisan ep autous kai krima edothê autois kai
tas psuchas tôn pepelekismenôn dia tên marturian iêsou kai dia ton logon tou theou kai
oitines ou prosekunêsan a=to tsb=tô a=thêrion tsb=thêriô a=oude tsb=oute tên eikona
autou kai ouk.

É impressionante a quantidade esmagadora de evidências bíblicas claras e diretas que


atestam a mortalidade da alma. Essa doutrina é biblicamente muitíssimo mais óbvia e
evidente do que praticamente todas as doutrinas que cremos, incluindo Trindade, divindade
de Cristo, forma de batismo, discussões escatológicas, livre arbítrio, soteriologia ou outras
discussões semelhantes, em que, na maioria dos casos, temos uma dúzia de versículos
bíblicos que são usados para fundamentar determinado ponto de vista da fé cristã, mas
quando tratamos da mortalidade da alma existem literalmente centenas e centenas de
citações explícitas de que a alma morre, não deixando qualquer sombra de dúvida
sobre o tema aos leigos. Infelizmente, embora as evidências sejam esmagadoras e em um
mundo normal nenhuma pessoa com a mente aberta negaria a clareza da mortalidade
bíblica, isso é muito diferente quando tratamos deste tema com aqueles que já estão pré -
condicionados a crerem diferente.

V–Conclusão

A vista de tudo isso, podemos certamente concluir que, no conc eito bíblico, e não no
conceito kardecista, platônico ou pagão que inf elizmente acabaram influenciando a nossa
cultura, a designação de “corpo”, “alma” e “espírito”, de acordo com as Escrituras, são:

CORPO ESPÍRITO ALMA


Matéria, pó. O corpo é a alma É sopro de Deus que ele A pessoa integral como o
visível. soprou em nós concedendo resultado do pó da terra com
animação ao corpo o fôlego da vida, isto é, o
formado do pó. É a própria próprio ser vivo.
vida presente tanto em
homens como nos animais.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 95


O Dr. Samuelle Bacchiocchi definiu bem os princípios bíblicos acerca de corpo, alma e
espírito na visão bíblica holista, dizendo que “o corpo, o fôlego de vida, e a alma estão
presentes na criação do homem, não como entidades separadas, mas como características
da mesma pessoa. O corpo é o homem como um ser concreto; a alma é o homem
como um indivíduo vivo; o fôlego de vida ou espírito é o homem tendo sua fonte
em Deus”7 7 .

Nós não somos uma pessoa com outra pessoa dentro de nós; antes, “corpo, alma e espírito”
são três características da mesma pessoa. Entender os conceitos bíblicos acerca de corpo,
alma e espírito é de fundamental importância para rejeitarmos a doutrina errônea de
“imortalidade da alma”.

VI–Sobre os significados secundários para a alma

Certamente existem vários sentidos secundários de alma ou espírito, mas, uma vez que o
homem “tornou-se” uma alma (e não “obteve” uma), sendo assim alma, e não possuindo
uma, e uma vez que o espírito não é a própria alma, não é o nosso próprio “eu”, não é algo
com personalidade e consciência, volta o espírito de todos para Deus por ocasião da morte,
entre muitos outros fatores que vimos anteriormente, fica claro que o sentido de “alma”
como uma entidade imortal/imaterial presa dentro do nosso corpo e libert a por ocasião da
morte é perder completamente o sentido primário e legítimo de definições de alma e
espírito, por tudo aquilo que vimos acima, para seguir os padrões gregos dualistas de corpo
e alma.

Os sentidos secundários de alma e espírito jamais podem corromper os seus sentidos


primários, pois se assim fosse criaria um dilema teológico de primeira ordem e acarretaria
em uma série de contradições bíblicas pelo o que vimos até aqui. Uma vez que o homem
não obteve alma nenhuma (mas tornou-se uma) e que a alma morre, qualquer
interpretação que defina o corpo como a prisão de uma alma imaterial e imortal levando
consigo consciência e personalidade seria falsa. O corpo nunca foi uma prisão da alma.

Tais conceitos foram completamente deturpados, primariamente com o dualismo platônico


de corpo e alma difundido na Grécia Antiga, e chega aos dias de hoje com ainda mais força
despertado pelo espiritismo kardecista com suas concepções dualísticas da natureza
humana, conceitos esses que batem de frente com a Palavra de Deus, que nada nos diz
sobre Ele ter formado dentro do homem uma alma imortal. Os imortalistas pregam os
conceitos espíritas de corpo, alma e espírito, e assim tentam misturar com a Bíblia: o
resultado é uma completa e total confusão.

Seguem-se treze pontos no quadro a seguir que resumem bem isso:

NA TEOLOGIA MOTIVO NA BÍBLIA SAGRADA


IMORTALISTA
(1) Apenas o espírito dos Sendo que o espírito seria O espírito de todas as pessoas
justos sobe para Deus após a uma entidade consciente, – justas ou ímpias – retorna
morte então o dos justos deveria para Deus na morte (cf.
subir para Deus (cf. Ec.12:7)

77 ibid.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 96
Lc.23:46), e o dos ímpios
deveria ter um destino
diferente descendo para o
Hades, que fica nas
regiões inferiores desta
terra (cf. Mt.11:23;
Ef.4:9; Mt.12:40).
Contudo...

(2) Ao entregar o espírito na Sendo que o espírito é a Depois de três dias morto,
morte, Jesus foi para o Pai própria pessoa inteligente, Jesus ainda não havia subido
então quando Cristo ao Pai (cf. Jo.20:17)
entregou o seu espírito
para o Pai (cf. Lc.23:46),
seria lógico que Cristo já
tivesse subido para o Pai
depois da morte.
Contudo...
(3) Ao entregar o espírito Se Deus está no Paraíso, A alma de Cristo passou os
para Deus, Jesus foi para o e Cristo ao morrer três dias e três noites no
Paraíso entregou o seu espírito ao coração da terra, no Sheol,
Pai, então a sua alma lá nas regiões inferiores da terra,
deveria ter passado os e não no Paraíso (cf. At.2:27;
três dias em que esteve Mt.12:40)
morto. Contudo...
(4) O homem obteve uma Essa é a base da doutrina O homem tornou-se uma
alma imortalista, de que Deus alma (cf. Gn.2:7)
supostamente teria
implantado uma alma nos
seres humanos.
Contudo...
(5) Apenas os seres Se o espírito fosse Os homens e os animais
humanos possuem espírito realmente uma entidade possuem espírito-ruach (cf.
consciente e dotada de Gn.6:17; Gn.7:21,22;
personalidade em nós Ec.3:19,20; Gn.7:15;
implantada, então Sl.104:29)
somente os humanos a
possuiriam. Contudo...
(6) Existe vida sem sangue Nosso espírito sobrevive Não há vida sem sangue; a
em um “estado alma da carne está no sangue
intermediário” antes da (cf. Lv.17:11; Gn.9:4,5)
ressurreição quando
ganharemos novamente
um corpo. Contudo...
(7) Nós já possuímos a Se o nosso “verdadeiro Nós temos que buscar a
imortalidade eu”, a nossa alma, fosse imortalidade (cf. Rm.2:7)
eterna, então nós já
seríamos detentores da
imortalidade,
supostamente na forma

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 97


de um elemento eterno
implantado em nosso ser.
Contudo...
(8) A alma vai para o Céu ou Essa é a base da doutrina A alma retorna para a cova na
para o inferno na morte imortalista. Contudo... morte (cf. Jó 33:18; Is.38:17;
Jó 33:22; Sl.94:17; Jó 33:28;
Sl.49:8,9; Jó 33:30)
(9) A alma é eterna e imortal Apesar de nunca na Bíblia A alma morre (cf. Nm.31:19;
inteira tais termos Nm.35:15,30; Js.20:3,9;
precederem a palavra Jo.20:3,28; Gn.37:21; Dt.
“alma”, é assim que os 19:6, 11; Jr.40:14,15;
imortalistas acreditam. Jz.16:30; Nm.23:10;
Contudo... Ez.18:4,20; Jz.16:30;
Nm.23:10; Mt.10:28;
Ez.22:25,27; Jó 11:20;
At.3:23; Tg.5:20)
(10) O homem já foi criado Um elemento eterno já Se o homem comesse da
com a imortalidade teria sido implantado em árvore da vida seria imortal
nós logo na criação do ser (cf. Gn.3:22)
humano, concedendo-lhe
imortalidade. Contudo...
(11) Nós já somos revestidos Mediante uma alma Só alcançaremos a
de imortalidade eterna em nós imortalidade quando seremos
implantada, nós já somos revestidos dela a partir da
revestidos de ressurreição dos mortos (cf.
imortalidade, para 1Co.15:51-54)
desfrutar dela em um
“estado intermediário”
pré-ressurreição.
Contudo...
(12) A alma é algo imaterial A base da teologia que A alma é visivelmente
divide a natureza humana presente na forma do corpo, e
entre o corpo material e até mesmo em cadáveres (cf.
uma “alma imaterial” que Lv.19:28; 21:1, 11; 22:4;
possuiríamos presa dentro Nm.5:2; 6:6,11; 9:6, 7, 10;
do corpo. Contudo... 19:11, 13; Ag.2:13), pois o
corpo é a forma exterior da
alma
(13) Corpo e alma são dois Sendo o corpo mortal e a Corpo e alma são usados
opostos alma imortal; o corpo intercambiavelmente como
corruptível e a alma paralelismo bíblico (cf.
incorruptível; o corpo Sl.63:1)
material e a alma
imaterial; corpo e alma
são antagônicos entre si –
dois opostos. Contudo...

Em resumo, os sentidos secundários de espírito e alma devem necessariamente seguir a


mesma linha a partir de seu sentido principal e primário, ou, senão, a própria Bíblia
seria contraditória e confusa consigo mesma. Além disso, poderíamos sempre dar a

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 98


qualquer palavra bíblica o significado que bem quiséssemos ao nosso bel prazer. A exegese
seria inútil, a hermenêutica ficaria amputada. Quem se importaria com o que alma significa
primariamente ou sem seu devido contexto, se cada um pode dar a ela o sentido que bem
quiser na passagem que bem entender? Alma, como vimos, possui o significado primário de
um ser vivo, o “todo” do ser humano, cujas características são:

• Corruptível (emagrece, sente sede, chora, desce à cova da corrupção na morte)


• Mortal (a morte do corpo é a morte da alma)
• Material (visível na forma do corpo)
• Algo que somos (e não algo que detemos)

Diante dos sentidos primários para alma presentes na própria narração da natureza humana
em Gênesis 2:7 e também ao longo de toda a Escritura, os sentidos secundários jamais
podem contrariar os sentidos primários, como se pudesse significar ao mesmo tempo:

• Incorruptível
• Imortal
• Imaterial
• Algo que obtemos

Isso seria o mesmo que dizer que os significados secundários de uma palavra
corrompem, substituem ou contradizem seus significados primários, o que
evidentemente nada mais é senão aleijar a exegese. Podemos dar a palavra significados
secundários de acordo com cada situação? Sim, podemos. Mas este significado é dado ao
nosso bel prazer? Não. Pode entrar em contradição com seus significados primários? Nunca!
Muito pelo contrário: são exatamente os significados primários de um determinado termo
bíblico que dão significados secundários a esta mesma palavra. Por exemplo, sabemos que
alma é, primariamente, o ser integral, o ser vivo. Por isso, não seria errado dizer que a
alma é a própria vida, uma vez sendo que pela junção do corpo com o espírito a própria
vida se formou, teve início, como consequência da junção daqueles dois elementos. Por
isso, nesse sentido, “alma” significa “vida”.

Note que este sentido está correto e plausível diante do significado primário da palavra
e da descrição bíblica segundo Gênesis 2:7. Não é um significado arbitrário, não contradiz
em primeira mão o fato de que o homem não obteve uma alma mas se tornou uma, não
entra em contradição com nenhum dos fatos apresentados neste estudo. Por isso, o
imortalista que alega que em Gênesis 2:7 o homem realmente é uma alma mas que em
outras situações o homem não mais é uma alma mas possui uma, está entrando em sérias
contradições com a Escritura.

É o mesmo que afirmar que o significado secundário da palavra é o mais correto e que toma
o lugar do significado primário, que um significado secundário pode entrar em contradição
com o significado primário e que o homem ao mesmo tempo é uma alma e possui uma
alma, o que é totalmente contraditório. Uma coisa é compreender que biblicamente o
homem é uma alma e a partir deste conceito primário ir descobrindo sentidos
secundários que tem como base este sentido primário real, outra coisa inteiramente
distinta é concordar com isso mas ao mesmo tempo formular sentidos secundários que
em nada tem a ver com o sentido primário e que ainda o contradiz!

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 99


Em outras palavras, se o homem é holista (como aqui ficou provado que é), então dentro
desta linha holista devemos procurar os sentidos secundários, pois o homem não pode ser
holista e dualista ao mesmo tempo; ou seja, a alma não pode ser mortal em um lugar e
imortal em outro. Ou a alma é mortal ou é imortal. Como vimos, há um arsenal bíblico
insuperável de citações Escriturísticas que revelam expressamente que a alma morre;
portanto, não há lugar para o dualismo na Bíblia, nem mesmo em sentidos secundários. O
fato da natureza humana ser holista elimina qualquer sentido secundário dualista
para a alma.

Quando você vê uma pessoa, você está vendo uma alma, que morre. Uma alma vivente é
simplesmente um ser vivo, mortal, que só atinge o patamar de imortalidade a partir da
realidade da ressurreição (cf. 1Co.15:51-54), somente no último dia. O corpo é a alma
visível. Por isso, é errado dizer que “você é um espírito que possui uma alma”. É o espírito
chamado de homem por si mesmo? Não, mas é chamado de “espírito do homem”. Sendo
assim, você não é um espírito que possui uma alma, mas é um ser vivo (alma vivente) que
é constituído de um organismo físico (corpo) com todas as suas funções, junto à força vital
(fôlego de vida) que dá vida ao corpo durante a sua jornada terrestre. Não existe nenhum
segmento imaterial, ou imortal, que leve consigo consciência e personalidade, que Deus
tenha implantado no ser humano.

É digno de nota que sempre a Bíblia afirma que é o espírito [princípio animador da vida]
que volta para Deus por ocasião da morte (cf. At.7:59; Lc.23:46; Ec.12:7), tanto de just os
como de ímpios (cf. Ec.12:7), sendo que nunca é nos dito que a alma volta para Deus ou
desce para o inferno. Salomão nos escreve que o espírito volta para Deus (cf. Ec.12:7);
Estêvão entregou o espírito para Deus na morte (cf. At.7:59), do mesmo modo Jesus
entregou o espírito na morte (Lc.23:46). Por que nunca em parte alguma da Bíblia há
sequer qualquer menção da alma voltando para Deus ou sendo entregue nas suas mãos
após a morte?

A razão para isso é simples: o que retorna a Deus não é uma alma imortal, mas
simplesmente o princípio animador da vida concedido por Deus tanto aos seres humanos
quanto aos animais pela duração de sua existência terrena. O fôlego de vida [espírito] é nos
concedido como “empréstimo” a fim de animar um ser inanimado (pó). Quando, porém,
esse espírito deixa de dar animação ao corpo (que volta a ser pó), Deus recebe de volta
para ele aquilo que já era dele mesmo. Por isso, o espírito de toda a carne volta para Deus,
que é quem o deu (cf. Ec.12:7). O ser racional simplesmente deixa de existir – volta a ser
pó: morre.

Como disse o Dr. Bacchiocchi:

“Enquanto permanecer o ‘sopro de vida’ [espírito], os seres humanos são ‘almas viventes’.
Quando, porém, o sopro se vai, tornam-se almas mortas. Isso explica porque a Bíblia
frequentemente se refere à morte humana como a morte da alma (Lev. 19:28; 21:1, 11;
22:4; Núm. 5:2; 6:6,11; 9:6, 7, 10; 19:11, 13; Ageu 2:13)” 7 8

Na ressurreição, Deus sopra novamente em nossas narinas o fôlego de vida que retorna a
Ele, o nosso corpo é ressuscitado glorificado, e nos tornamos novamente em almas
viventes. Quanto ao fator ressurreição, veremos mais sobre isso nos próximos capítulos. A
pergunta, no entanto, que quisemos responder neste ponto é: onde no relato da criação

78 ibid.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 100
Deus aparece implantando uma alma imortal no homem? Exatamente... em lugar
nenhum.

Quando analisamos a criação da natureza humana, vemos como fica absurdamente claro
que nós não fomos dotados de uma alma imortal cativa dentro de nós. Assim como Deus
soprou o fôlego de vida em nossas narinas (cf. Gn.2:7), ele soprou nos animais também (cf.
Ec.3:21; Gn.7:15). E exatamente a mesma expressão “alma vivente” empregada aos seres
humanos também foi empregada aos animais. Em Gênesis 2:19, Adão foi convidado para o
nome de cada “alma [nephesh] vivente”. O que aconteceu no relato da criação dos seres
humanos foi exatamente o mesmo que aconteceu com os animais.

A nossa diferença é que fomos criados a imagem e semelhança de Deus, sem, contudo,
sermos compostos da mesma substância, como Deus. Deus é espírito, Deus é imortal; Ele
possui auto-inerência à vida eterna. O homem, por outro lado, foi formado a partir dos
elementos da terra como um material inerte, o cadáver físico de matéria orgânica no chão -
até que Deus soprou nele o fôlego da vida. Ao ponto que o homem passou a ser alma
vivente.

O argumento mais inútil já utilizado pelos defensores da tese de que o homem é matéria e
possui em si mesmo uma substância imaterial é dizer que pelo fato do homem ser formado
a imagem e semelhança de Deus lhe dá o direito de ser como Deus, imortal. Isso é um
completo disparate. Por essa mesma linha de raciocínio, poderíamos presumivelmente
pressupor que o homem deveria também ser onisciente, onipresente e onipotente – porque
Deus é!

É óbvio que nem onipresença, nem onisciência, nem tampouco onipotência ou imortalidade
é possuído por outro a não ser o próprio Deus vivo, que é “o único que possui a
imortalidade” (cf. 1Tm.6:16). Dizer que o homem é eterno não é o colocar no mesmo
patamar de Deus, mas também fazer dele próprio deus. Ele contaria com um poder divino
inerente dentro dele mesmo e possuiria aquilo que somente Deus possui (cf. 1Tm.6:16). Tal
visão é ferrenhamente contrária ao que a Bíblia nos mostra, afinal, “que é o homem mortal
para que te lembres dele?” (cf. Sl.8:4).

Nada além de substância materiais que perecem na morte, sendo milagrosamente recriado
pelo fator ressurreição. O ser humano é um ser distinto de Deus: Deus é eterno, o homem é
finito; Deus é imortal, o homem é mortal; Deus não tem começo e nem fim, o homem
naturalmente tem um começo e um fim temporal. Mas Deus, pela Sua infinita graça e
misericórdia, trouxe-nos “a ressurreição e a vida” (cf. Jo.11:25) por meio de Jesus Cristo,
pelo que nós poderemos desfrutar da imortalidade condicional a partir deste prorrogamento
de vida que é a ressurreição dentre os mortos na segunda vinda de Cristo.

Bacchiocchi ainda acrescenta:

“Nada na Escritura sugere que o homem transmite a imagem de Deus por possuir atributos
divinos, como a imortalidade. Não existem razões válidas para isolar a imortalidade como o
único atributo divino que se tenciona expressar pela frase ‘imagem de Deus’” 7 9

A “alma” é algo que somos, não é algo que nós temos. Na ressurreição, seremos dotados de
imortalidade e incorruptibilidade (cf. 1Co.15:54,55). Enquanto isso, os seres humanos são

79 ibid.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 101
criaturas de pó: “Defendes o órfão e o oprimido, a fim de que o homem, que é pó, já não
cause terror” (cf. Sl.10:18); “Com o suor do teu rosto comerás pão, até que voltes a terra,
porque dela foste tirado; pois és pó e ao pó tornarás" (cf. Gn.3:19). Abraão respondeu e
disse: "Eis que agora eu me comprometi a falar ao Senhor, eu que sou pó e cinza” (cf. Gn
18:27). A nossa estrutura é puramente o pó: “Pois ele conhece a nossa estrutura, ele
lembra que somos pó” (cf. Sl.103:14).

É interessante notar que, enquanto o dualismo e tricotomismo afirmam que nós somos
espírito (que por definição seria algo imortal e imaterial), a Bíblia declara que nós somos
pó (que por definição não é nada senão algo corruptível e fadado à inexistência).
Infelizmente, muitas pessoas hoje em dia preferem seguir doutrinas de homens famosos
que guiam ao erro do que se apegar ao que é simples e claro através da Escritura Sagrada.

O Salmo 104 retrata muito bem o processo que ocorre com o ser humano. Não é algo
complexo, pelo contrário, completamente simples. Na criação: “Quando sopras o teu fôlego,
eles são criados” (v.30); e na morte: “Quando escondes o teu rosto, entram em pânico;
quando lhe retiras o fôlego, morrem e voltam ao pó” (v.29). Deus não formou o
homem a partir de alguma substância espiritual divina, mas sim exatamente do pó da terra
(cf. Gn.2:7).

Concluindo, nós não temos uma alma imortal em nosso ser, o nosso “verdadeiro eu” não
tem destinos diferentes após a morte, senão ao pó. Nós não temos alma, somos "almas
viventes" [nephesh] (cf. Gn.2:7), assim como os animais. Claro, não demorou muito para
que Satanás aparecesse em cena contrariando o aviso de Deus sobre o pecado e suas
consequências mortais. Tentando Eva com o fruto proibido, ele disse: "você certamente
não morrerá...” (cf. Gn.3:4). Em certo sentido, os conceitos modernos de alma imortal e
reencarnação visam transmitir a mesma ideia, de que o homem é inerentemente imortal,
que ele realmente não vai morrer. Ezequiel disse exatamente o oposto: "... A alma que
pecar, essa morrerá" (cf. Ez.18:4,20).

Como bem colocou o teólogo luterano Oscar Cullmann:

“A doutrina grega da imortalidade e a esperança cristã na ressurreição diferem tão


radicalmente porque o pensamento grego tem uma interpretação completamente diferente
da criação. A interpretação judaica e cristã da criação exclui todo o dualismo grego de corpo
e alma”8 0

A natureza holista do ser humano é tão evidente que todas as tentativas de negar o
simplismo bíblico na criação do homem caem em inúmeras contradições e erros de primeira
ordem, porque a narração do Gênesis é gritantemente contrária a uma suposta “alma
imortal/imaterial” implantada no ser humano. Moisés (autor do Gênesis) não tinha sequer a
mínima ideia de dualismo; e, se tal fosse o caso, decerto teria relatado a criação como
sendo da seguinte forma:

“...Deus formou o homem do pó da terra e incluiu nele um espírito eterno e o


homem obteve uma alma imortal”

80 CULLMANN, Oscar. Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos? Disponível em:


<http://www.mentesbereanas.org/download/imort-ressur_folheto.pdf>. Acesso em: 13/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 102
Apesar de isso parecer ser uma piada diante do que realmente está na Bíblia (e uma piada
de mau gosto), incrivelmente é deste modo que os imortalistas imaginam, e empreendem
todos os seus malabarismos “exegéticos” para tentar forçar o texto ao máximo a fim de
passar tal ideia falsa e completamente distorcida do que o texto bíblico diz. Provavelmente
seria assim que Moisés teria escrito caso imaginasse que o homem possui uma alma imortal
diferentemente dos animais.

É óbvio que isso não aparece em lugar nenhum da Bíblia, porque o simplismo bíblico exclui
qualquer tentativa de dualismo entre corpo e alma. Deus soprou o fôlego para dar animação
ao corpo formado do pó, e assim o homem tornou-se uma alma vivente. Não existe nada,
absolutamente nada mesmo, nem sequer alguma pista, de alguma alma imortal implantada
nos seres humanos. Os dualistas tentam achar a tal da “alma imortal” onde não existe, e
isso acaba acarretando em uma série de contradições sérias co mo vimos acima. Não é a toa
que o Dicionário e Enciclopédia Bíblica Online, a mais completa enciclopédia bíblica em
Língua Portuguesa, que por vezes apresenta tendências dualistas, mesmo assim declara no
tema de imortalidade da alma:

“Nos autores não cristãos, Heródoto, historiador grego que viveu alguns séculos antes de
Cristo, diz-nos que os egípcios foram os primeiros que ensinaram a imortalidade da alma
humana. Logo depois Platão ensinou ao mundo grego a mesma verdade, dizendo ter
aprendido essa doutrina de outro filósofo, chamado Pitágoras. Platão baseou uma boa
porção dos seus ensinamentos morais nesta grandiosa crença, o ser bom ou o ser mau é
que determina o futuro da alma, sendo pitorescamente descritos os tormentos dos maus, e
a felicidade dos bons. Na Sagrada Escritura, ‘E formou o Senhor Deus o homem do pó da
terra, e soprou-lhe nas narinas o fôlego da vida; e o homem tornou-se alma vivente.’ (Gn
2.7). A alma é a combinação do corpo e do fôlego de vida, quer dizer, sem corpo não há
alma e sem fôlego de vida também não há alma. O fôlego de vida é a mesma coisa que
espírito (Jó 27:3). Quanto à vida futura, a Escritura claramente nos ensina que o corpo
volta a ser pó e o espírito, ou fôlego de vida, volta para Deus. 'Eis que todas as almas são
minhas; como o é a alma do pai, assim também a alma do filho é minha: a alma que pecar,
essa morrerá.' Ezequiel 18:4. Nós aspiramos possuir a imortalidade. A Bíblia usa a palavra
alma 1600 vezes, mas nunca usa a expressão: 'alma imortal'. Receberemos a imort alidade
quando Jesus voltar (1Tim 6:16 e Rom 2:7)"8 1

81 Disponível em: <http://dicionariobiblico.elosdejesus.com.br/imortalidade-da-alma/2520>. Acesso em:


15/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 103
CAPÍTULO 4 – A CRENÇA DA IMORTALIDADE DA ALMA NO ANTIGO TESTAMENTO

I –Introdução ao Capítulo

Da primeira a última página da Bíblia, a doutrina da imortalidade da alma não resiste a um


exame apurado das Escrituras. Já começando com o Antigo Testamento. Um exame das
páginas do AT nos faz perceber que os escritores inspirados não tinham a mínima noçã o de
uma existência consciente imediatamente após a morte. As evidências são tão fortes que as
explicações dos imortalistas quanto ao AT muitas vezes chegam a negar que os escritores
sabiam mesmo do que estavam falando: “eles não tinham tanto conhecimento” – dizem
eles.

Outros apelam com explicações que deixam a desejar e muito, e, ainda outros,
simplesmente deixam sem explicação mesmo – o que vale na verdade é só o Novo
Testamento! Sim, o NT certamente que vale também como regra de fé e doutrina, mas o AT
jamais pode ser esquecido, porque “toda a Escritura é divinamente inspirada” (cf.
2Tm.3:16), e as Escrituras que os apóstolos tinham disponíveis a seu tempo eram
exatamente os escritos do AT que negavam a vida após a morte em um estado
intermediário.

Toda Escritura é divinamente inspirada. O Espírito Santo que inspirou as páginas do Antigo
Testamento é o mesmo Espírito que dirigiu as páginas do Novo. Ou os dois testamentos
pregam a vida pós-morte antes da ressurreição do último dia, ou nenhum dos dois pregam!
A fortíssima luz das evidências nos deixa claramente a segunda opção como a única via. Na
verdade, ambos não se contradizem – um confirma o outro.

O fato é que ambos derrubam a imortalidade da alma, tanto o Novo como o Velho.
Começaremos com as definições de ambos os grupos e em seguida passaremos a ver os
ensinamentos veterotestamentários com relação à vida após a morte. Nos próximos
capítulos, o foco será centralizado no estado entre a morte e a ressurreição que os seres
humanos passam, para, no fim, passarmos aos acontecimentos finais.

Holismo – Na visão bíblica holista da natureza humana, o homem na morte está


inconsciente, lit. morto (i.e, sem vida). Não existe nenhuma forma de vida incorpórea e
consciente entre a morte e a ressurreição, pois a morte implica na cessação total de vida
para qualquer ser humano. Este estado entre a morte e a ressurreição é o que a Bíblia
caracteriza como um estado de “sono” (cf. Sl.13:3; Jo.11:11), uma metáfora ad equada
para o estado inconsciente do ser racional na morte.

O despertar da ressurreição na volta de Cristo traz novamente a vida aos que nEle
dormiram, revivendo e sendo julgados para a vida ou para a condenação. Tal ensinamento
é amplamente fundamentado pela Escritura Sagrada, como veremos ao longo de todo este
estudo. A ressurreição dos mortos implica em dar a vida a alguém que está sem vida, e não
em um processo de religação de corpo com alma, pois tal suposição é estranha à luz das
Escrituras. A morte do corpo implica na morte da alma, uma vez que o corpo é a alma
visível.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 104


Dualismo – Para os defensores da doutrina da imortalidade da alma, o corpo é uma prisão
da alma, que é liberta por ocasião da morte, indo direto ao Céu ou ao inferno (algumas
vertentes pregam também o purgatório, limbo, e outros “compartimentos”), e lá esperam
até a ressurreição dos mortos, quando as suas almas imortais se religam novamente ao
corpo. Defendem esta tese baseando-se em algumas passagens bíblicas isoladas entre si,
as quais analisaremos amplamente ao longo deste estudo.

Para eles, existe existência de vida entre a morte e a ressurreição em um estado


incorpóreo, e a maior parte dos defensores desta doutrina acredita que os mortos já foram
julgados, baseando este ensinamento em Hebreus 9:27, mas tem grande dificuldade em
explicar outros textos que refutam absolutamente isso (ex: At.17:41; 1Pe.4:5; 2Tm.4:1).
As amplas referências bíblicas ao “sono” para os mortos se referem em sua totalidade
somente ao corpo, e não à alma. A alma, imaterial e imortal por natureza, jamais pode
morrer.

II–Moisés, Jó e a Imortalidade da Alma

Segundo reza a tradição, o autor de Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio


teria sido Moisés, o que também é confirmado biblicamente (cf. Lc .24:44; 2Cr.25:4). Estes
livros são muito importantes, pois relatam fatos como a criação do homem, bem como a
sua natureza humana. Em termos simples, se exist isse uma alma imortal, aí estaria uma
ótima oportunidade de mencionar tal fato tão importante no t ocante a natureza do homem.
Mas nada de imortalidade é mencionado nos cinco livros de Moisés. No relato acerca da
criação do ser humano bem como a sua natureza, ela é apresentada de maneira holista, e
não dualista (cf. Gênesis 2:7 – ver Capítulo 3).

Vimos neste estudo que o mesmo processo que sucede aos homens sucede também aos
animais. Afinal, “o que sucede aos filhos dos homens é mesmo que sucede aos animais,
lhes sucede a mesma coisa; como morre um, assim morre o outro; todos têm o mesmo
fôlego [espírito - ruach], e a vantagem dos homens sobre os animais não é nenhuma,
porque todos são vaidade. Todos vão para o mesmo lugar; todos foram feitos do pó,
e todos voltarão ao pó” (cf. Ec.3:19,20).

É comum a Bíblia igualar absolutamente os homens com os animais, pelo simples fato de
que não existe vantagem nenhuma de um em relação a outro. Ambos são feitos do pó e o
único lugar para o qual voltam é para o pó. Disso resulta toda uma infinidade de passagens
bíblicas em que o homem é igualado aos animais pelo fato de não possuir nenhuma
vantagem sobre eles: “O homem, mesmo que muito importante, não vive para sempre, é
como os animais, que perecem” (cf. Sl.49:12).

Tais comparações não fariam sentido em caso que nós (ao contrário deles) fôssemos
dotados de uma alma imortal que nos diferenciasse deles no quesito pós-morte. Isso seria
uma clara vantagem nossa. Deus soprou o fôlego que garante vida aos animais do mesmo
modo que soprou aos seres humanos (cf. Ec.3:19,20), ambos possuem “espírito” [ ruach] –
cf. Gênesis 7:15; Eclesiastes 3:19,20; Salmo 104:29 -, que é o que garante a vida; ambos
expiram o ruach na morte (cf. Sl.104:29; Ec.12:7), e a ambos é referido o termo alma-
nephesh (cf. Gn.2:7; Gn.1:20). Não foi dado aos seres humanos nenhuma vantagem sobre
os animais quando o assunto é o destino pós-morte, e por isso que Salomão os iguala
absolutamente quando trata disso (cf. Ec.3:19,20).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 105


O mesmo que sucedeu aos homens sucedeu aos animais, os humanos não têm a vantagem
de possuírem uma “alma imortal”! Deus não colocou uma alma no homem. Moisés é bem
claro no relato da criação em negar qualquer vestígio de um elemento transcendental que
garanta imortalidade incondicional, intrínseca, com consciência e personalidade na morte.
No aspecto prático, é óbvio que nos cinco livros de Moisés não existe qualquer menção de
vida dentre os mortos em um “estado intermediário”. Pelo contrário, quando Caim mata
Abel, o Senhor Deus diz: “O que foi que você fez? Escute! Da terra o sangue do seu irmão
está clamando” (cf. Gn.4:10).

O Abel como pessoa não poderia clamar nada depois da morte porque ele estava passando
por aquilo que a Bíblia caracteriza por “inconsciência” (cf. Ec.9:5,6; Ec .9:10; Sl.146:4;
Sl.6:5; Sl.115:17; Sl. 13:3; Jó 14:11,12; Sl.30:9; Is.38:18; Is.28:19; Sl.94:17) e por
“sono” (cf. Sl.13:3; Sl.25:13; Jó 14:11-12; 1Co.15:6; 1Co.15:20; 1Co.15:51; 1Ts.4:13;
1Ts.4:14; 1Ts.4:15). Por isso, o que clamava não era o próprio Abel, mas sim o sangue
dele. Evidentemente é uma personificação e não uma realidade, pois o sangue não tem vida
e personalidade em si mesmo. É comum a Bíblia personificar personagens inanimados (ex:
Juízes 9:8-15; 2 Reis 14:9; Habacuque 2:11; Lucas 10:40; Mat eus 3:9; ver Jó 12:7 e 8;
Gênesis 4:10; Apocalipse 10:3).

Se Abel estivesse vivo em um “estado intermediário”, Deus teria dito que ele próprio [Abel]
que estava clamando. Mas como ele não está, então Deus teve que personificar algo sem
vida [o sangue] para exercer a linguagem do “clamor”. Ainda mais importante do que isso é
o que relata outro escritor bíblico tão antigo quanto Moisés: Jó. Este homem teve a sua
história narrada aproximadamente no ano 2000 a.C. Se no caso de Moisés a natureza
dualista do homem é totalmente omitida e rejeitada, no caso de Jó os seus diálogos com
seus companheiros (Bildade, Zofar, Eliú e Elifaz) é extremamente produtivo em termos
práticos.

Nele, Jó comenta: “Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará
sobre a terra. E depois de consumida a minha pele, contudo ainda em minha carne verei a
Deus, por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros o contemplarão; e por isso os meus
rins se consomem no meu interior” (cf. Jó 19:25-27). Até mesmo Jó, há dois mil anos a.C,
já sabia que só iria ver a Deus quando por fim o Redentor (figura de Cristo) se levantasse
sobre a terra, e não antes disso!

Jó também é o mesmo que diz: “Mas, morto o homem, e, consumido; sim rendendo o
homem o espírito, então onde está? Como as águas se evaporam de um lago, e o rio se
esgota e seca; até que não haja mais céus, não acordará nem despertará de seu sono” (cf.
Jó 14:10-12). Jó sequer imaginava que ao morrer estaria na presença imediata de Deus,
por isso revela que teria que esperar até que “não houvesse mais céus”, pois só neste
momento veria a Deus (cf. Jó 19:25-27), sendo despertado de seu estado caracterizado de
“sono” (cf. Jó 14:12).

Para Jó, a morte não seria um passaporte para estar imediatamente com Deus, porque ele
fala claramente de esperar até não mais “existirem os céus” (cf. Jó 14:11) e até ser
“substituído” (cf. Jó 14:14). A esperança de Jó, assim como a de todos os cristãos, é
na ressurreição do último dia, e não na partida da alma na morte! E, como se isso
não fosse suficientemente claro, Jó continua a dizer: “Morrendo o homem tornará a viver?
Todos os dias da minha vida esperaria, até que viesse a minha mudança. Chamar-me-ias, e

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 106


eu te responderia...” (cf. Jó 14:14, 15). Jó sabia muito bem que, “morrendo... morreria” (cf.
Gn.2:7). Mas ele tinha a esperança de ver a Deus no tempo do fim, e somente no tempo do
fim, quando o seu Redentor se levantaria sobre a terra.

Este é o momento da ressurreição do último dia (cf. Jo.6:39,40), que o Novo Testamento
relaciona à segunda vinda de Cristo (ver 1Co.15:22,23). É só neste momento que veremos
a Deus. Jó definitivamente não cria numa natureza dualista do ser humano. Isso explica o
porquê de ele dizer que “o único lar pelo qual espero é a sepultura” (cf. Jó 17:13), porque
ele não cria que o ser humano fosse um ser dividido em corpo e alma, cada qual com
destinos diferentes após a morte. Se assim fosse, a sepultura não seria o seu único destino,
mas o destino apenas do corpo, uma vez sendo que o ser racional dele (que seria a alma) já
estaria assegurada entre os salvos em alguma espécie de Paraíso, o que é claramente
rejeitado por ele que cria que o seu único destino era o túmulo.

Jó também sabia que, caso morresse (cf. Jó 3:11), não iria imediatamente para junto de
Deus, mas estaria permanecendo em “repouso” (cf. Jó 3:13,17; 14:10-12), no mesmo lugar
onde encontra-se os justos com os ímpios (cf. Jó 3:17-19), sendo que já não se ouvem
mais gritos (cf. Jó 3:18) e todos estão em sossego (cf. Jó 3:18), algo impossível para
alguém que está em um lugar ouvindo os gritos de espíritos que estão em meio às chamas:

“Ali os ímpios já não se agitam, e ali os cansados permanecem em repouso; os prisio neiros
também desfrutam sossego, já não ouvem mais os gritos do feitor de escravos. Os simples
e os poderosos ali estão, e o escravo está livre de seu senhor” (cf. Jó 3:17-19)

Jó não tinha a menor visão de vida após a morte onde justos e ímpios teriam destinos
distintos no pós-vida, mas sim de um lugar onde estão “os simples e os poderosos” (v.19),
os cansados, os prisioneiros e os homens livres (vs.18-19). A linguagem sobre permanecer
em repouso (v.17) mostra claramente que ele não tinha a menor noção dos ímpios sofrendo
horrivelmente gritando entre as chamas de um fogo eterno aterrorizante, pois cria que “os
ímpios já não se agitam” (v.17), denotando um estado de inatividade. Já “não se ouvem
mais gritos” (v.18), o que seria difícil de se esperar caso a descrição fosse das chamas de
um fogo infernal.

Não há qualquer citação sobre a presença de Deus naquele lugar, nem de anjos, nem de
demônios, nem de suplícios, nem de regozijos. Tão somente o simplis mo do sono da morte.
Tudo isso nos mostra que o local de repouso, inatividade, sem gritos e sem distinção entre
justos e ímpios que Jó tinha em mente após a morte não era outro senão a sepultura. Não
havia qualquer visão sensacionalista sobre a vida pós-morte e muito menos uma
imaginação aflorada como um “inferno de Dante”. Em meio a tantas evidências claras de
que Jó não acreditava na existência de uma suposta “alma imortal” que lhe garantisse
sobrevivência após a morte, os dualistas conseguem encontra r uma “brecha” em Jó 26:5,
que supostamente “provaria” a sobrevivência da alma em um estado intermediário.

Algumas traduções em língua portuguesa vertem da seguinte maneira o verso: “A alma dos
mortos treme debaixo das águas com seus habitantes”. Essa traduç ão, contudo, não é fiel
aos manuscritos originais. A palavra usada nos manuscritos originais do hebraico é Há
Rephaim, que significa literalmente “os gigantes”, e não “almas”! Tal tradução de “a alma
dos mortos” não corresponde ao que o texto original do hebraico diz, pois a referência é aos
Rephains e não a “almas”-nephesh. Várias das melhores traduções do mundo vertem o
texto da maneira como ele verdadeiramente o é, como a Young’s Literal Translation (que

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 107


mantém uma tradução fiel aos manuscritos originais), e traduz: “Os refains são formados
debaixo das águas com seus habitantes”.

Os Rephains foram gigantes que habitaram na Palestina e outros lugares, mas foram
destruídos por outros povos e por fim acabaram por desaparecer. Com o tempo, a
expressão passou a significar qualquer ser gigantesco, como as baleias, por exemplo. Jó
26:5 deveria ser melhor traduzido por “os gigantes tremem debaixo das águas com seus
habitantes” – uma clara alusão aos grandes animais marinhos, como as baleias. Tal
tradução de “as almas dos mortos” nem corresponde aos textos originais e nem faz
qualquer tipo de lógica, pois as almas dos mortos não ficam “debaixo da água tremendo”...

Vale também ressaltar que para Jó os ímpios não estavam sendo atormentados no dado
momento. Se fosse este o caso, então seria imprescindível que isso tivesse sido mencionado
em algum lugar no diálogo ou filosofias com os seus amigos, uma vez que eles abordavam
bastante o aspecto da outra vida e a vantagem entre justos e ímpios. Contudo, o que lemos
é que os maus não estão no inferno, mas estão “reservados”, no túmulo, para o dia do
Juízo:

“Pois dizeis: Onde está a casa do príncipe, e onde a tenda em que morava o ímpio?
Porventura não perguntastes aos viandantes? e não aceitais o seu testemunho, de que o
mau é preservado no dia da destruição, e poupado no dia do furor? Quem acusará diante
dele o seu caminho? e quem lhe dará o pago do que fez? Ele é levado para a sepultura, e
vigiam-lhe o túmulo” (cf. Jó 21:28-32).

Também em Jeremias 12:3, lemos que os ímpios estão “reservados... para o dia da
matança” (cf. Jr.12:3). A punição não é algo já vigente, mas um acontecimento futuro. Em
momento nenhum é dito no livro de Jó que a morte seria um prêmio ou um passaporte para
um Paraíso. Pelo contrário, a morte é caracterizada como um inimigo. A situação de Jó era
tão decadente que até a morte seria melhor alternativa para ele. Is so porque a morte dos
justos era absolutamente igualada a dos ímpios (cf. Jó 21:23-26). Não existia “vantagem”
dos bons em detrimento dos maus no sentido de que a alma de todos desceria para a cova
com a morte (cf. Jó 33:18,22,28,30).

Quando é retirado o espírito do homem, para onde este vai? Para junto de Deus? Para Jó,
não exatamente. Retirado o espírito, o homem não vai para junto de Deus, mas volta para
o pó da terra (cf. Jó 34:14,15). Não só ele, mas o salmista também declara a mes ma
realidade: “Quando escondes o rosto, entram em pânico; quando lhes retira o fôlego,
morrem e voltam para o pó” (cf. Sl.104:29). E em outra parte: “Quando o espírito deles se
vai, eles voltam ao pó, e naquele dia perecem os seus pensamentos” (cf. Sl.146:4). Os
hebreus, ao contrário dos gregos, acreditavam em uma natureza humana holista, e não
dualista. É mais do que evidente que Jó não acreditava em imortalidade da alma nenhuma.

Até por isso, ele afirma: “Porém os olhos dos ímpios desfalecerão, e perecerá o seu refúgio;
e a sua esperança será o expirar da alma” (Jó 11:20). Ora, já vimos que o extirpar da
alma significa a própria morte desta (cf. Dt. 19:6, 11; Jr.40:14,15; Jz.16:30; Nm.23:10;
Ez.18:4,20; Jz.16:30; Nm.23:10; Ez.22:25,27), com destino à cova (cf. Jó 33:18,22,28,30;
Is.38:17; Sl.94:17), sendo que a vida humana sobe para Deus (cf. Ec.12:7).

Ora, a coisa mais ridícula que algum defensor da imortalidade da alma ousaria dizer era que
a esperança dos ímpios seria o extirpar da alma, pois iss o remeteria a um imediato

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 108


lançamento da alma em um lago de fogo eterno completamente atormentador. De jeito
nenhum que essa seria a “esperança” deles! O “extirpar da alma” seria o seu maior medo, e
não sua esperança. É óbvio que para Jó não existia qualquer existência de vida antes da
ressurreição dos mortos, concluindo-se então que logicamente a situação destes ímpios
seria aqui na terra ruim ao ponto da morte ser um “alívio”, pois eles deixariam
absolutamente de existir, ainda que durante algum tempo, até a ressurreição.

É evidente que na própria visão veterotestamentária haverá um dia que Deus determinou
para julgar todo o mundo (cf. Ec.11:9), mas este castigo seria proporcional ao que lhes é
merecido e não seria antes da ressurreição, pois, se tal se sucedesse, então o extirpar da
alma seria a consequência mais agonizante e aterrorizadora que algum ímpio já poderia
passar! Isso estaria longe, muito longe de ser uma “esperança”! É muito claro que para Jó
não existia tormento para os ímpios logo após a morte, e nem vida antes da ressurreição.

Para Jó, o homem é mortal e não imortal (cf. Jó 4:17; Jó 10:5; Jó 9:2) – “Como pode o
mortal ser justo diante de Deus?” (9:2) -, declaração, aliás, que permeia a Bíblia toda com
respeito à natureza humana (cf. Sl.9:17; Sl.56:4; Is.51:12; Dn.2:10; 1Co.15:54; 2Co.5:4;
Rm.1:23). Existem biblicamente (AT e NT) dezenas de dezenas de menções com relação à
natureza humana definindo-a como “mortal”, como o próprio Deus diz em Isaías: “Eu, eu
sou aquele que vos consola; quem, pois, és tu, para que temas o homem, que é mortal,
ou o filho do homem, que não passa de erva?” (cf. Is.51:12).

O homem é um mero ser mortal, não passa de uma simples erva, não possui em si mesmo
um segmento transcendental que lhe dê imortalidade. Por isso mesmo, ele não deve ser
temido (v.12), pois “não passa de erva” (v.12). Tal analogia feita por Deus seria nula e sem
sentido em caso que, ao contrário da simples erva, o “verdadeiro eu” do ser humano fosse
imortal, e não mortal como diz o próprio verso. Aqui a comparação do homem com a erva é
claramente relacionada ao fato de ele ser mortal. Se o homem tivesse uma alma imortal,
então a erva também deveria ter, pois, doutra forma, tal analogia seria oca e sem sentido.
Os dois são mortais; nenhum dos dois tem um elemento imortal – por isso, neste
sentido o homem não tem nenhuma vantagem sobre a “erva” (cf. Is.51:12), como o próprio
Deus afirmou.

Ademais, se o “verdadeiro eu” do ser humano fosse imortal, seria bem presumível que
também houvessem dezenas de menções a essa parte imortal do homem; contudo, em
absolutamente todas as ocasiões em que a natureza humana é colocada em jogo, ela
sempre aparece como “mortal”, e nunca como “imortal” (cf. Sl.9:17; Sl.56:4; Is.51:12;
Dn.2:10; 1Co.15:54; 2Co.5:4; Rm.1:23; Jó 4:17; Jó 10:5; Jó 9:2). Tal quadro que nos é
apresentado mostra-nos claramente que o ser humano não é um ser dualista (parte mortal
e parte imortal), mas plenamente mortal.

Jó também sabia que, morrendo, já não existiria mais: “Por que não perdoas as minhas
ofensas e não apagas os meus pecados? Pois logo me deitarei no pó; tu me procurarás,
mas eu já não existirei” (cf. Jó.7:21). Se Jó morresse e sua alma imortal fosse levada
para junto de Deus, então este “acharia” Jó! De maneira nenhuma que Deus não
encontraria Jó após a sua morte como é claramente relatado em 7:21, caso este estivesse
com o próprio Deus logo após a morte.

Mas a razão pela qual o Deus onipresente não encontraria Jó é que este, morrendo, já não
existiria. A mesma verdade é relatada no Salmo 39:13. Não é possível “encontrar” algo que

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 109


não mais existe. Nem Moisés com a criação do ser humano, nem Jó na conversa com seus
amigos, acreditavam em qualquer imortalidade da alma. Um nega uma na tureza dualista do
homem, o outro nega um estado intermediário das almas. O fato em comum é que
ambos levantam a bandeira contra a imortalidade da alma.

III–Os Livros Poéticos

São chamados de “Livros Poéticos” aqueles livros que se destacam dos demais d o Antigo
Testamento pelo gênero devocional de seu conteúdo. São cinco ao todo: Jó, Salmos,
Provérbios, Eclesiastes e Cantares. Já vimos a evidência de Jó. Veremos agora o
testemunho de Eclesiastes.

O Testemunho de Eclesiastes - O livro de Eclesiastes certamente que desperta uma grande


curiosidade por parte dos leitores. As filosofias do “sábio”, filho de Davi (cf. Ec.1:1), sobre a
vida pós-morte, apresenta uma grande recusa da possibilidade de existir vida em um
estado intermediário antes da ressurreição. Do início ao fim de Eclesiastes, vemos que
Salomão segue um princípio e segue essa linha em seus pensamentos. A lógica presente no
livro é que não existe vida após a morte. A partir disso, é comum vermos o autor igualar a
morte dos homens com a dos animais, por exemplo:

“Porque o que sucede aos filhos dos homens, isso mesmo também sucede aos animais, e
lhes sucede a mesma coisa; como morre um, assim morre o outro; e todos têm o mesmo
fôlego, e a vantagem dos homens sobre os animais não é nenhuma, porque todos são
vaidade. Todos vão para um lugar; todos foram feitos do pó, e todos voltarão ao pó” (cf.
Eclesiastes 3:19,20)

A razão pela qual os homens não terem vantagem nenhuma sobre os animais é que o
destino dos dois é o mesmo após a morte. Nisso fica claro que Salomão não cria em uma
natureza dualista do ser humano, com uma alma imortal que o diferenciasse dos animais.
Isso implicaria em uma evidente vantagem dos homens sobre os animais! Aliás, já vimos
que até aos animais foi designado o mesmo termo “nephesh hayyah” que foi designado aos
seres humanos (cf. Gn.2:7; Gn.1:20).

Como vimos no capítulo 3 deste estudo, no original hebraico a palavra aqui utilizada por
Salomão (cf. 3:19) é ruach-espírito. Os seres humanos possuem o mesmo espírito-ruach
dos animais e, por isso, não possuem nenhuma vantagem sobre eles. Isso nos mostra
claramente que o nosso espírito-ruach não é uma “alma imortal” ou algo que garanta
imortalidade levando consigo consciência e personalidade após a morte, pois, se assim
fosse, o espírito-ruach dos humanos seria gritantemente diferenciado do espírito-ruach dos
animais, e Salomão não os igualaria.

É evidente que em vários aspectos temos vantagens sobre eles; quando, porém, a questão
é a natureza e destinos pós-morte, ambos são absolutamente igualados (cf. Ec.3:19):

ESPÍRITO DO DESTINO DO MATERIAL DO CONCLUSÃO


HOMEM E DOS HOMEM E DOS QUAL FORAM
ANIMAIS ANIMAIS FEITOS
O mesmo (cf. 3:19) O pó da terra (cf. Feitos do pó (cf. A vantagem de
3:20) 3:20) homens sobre

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 110


animais no quesito
de natureza e
destinos pós-morte
não é nenhuma (cf.
3:19)

Seguindo essa linha de raciocínio, Salomão diz também que o destino pós-morte dos tolos é
o mesmo do sábios (cf. Ec.2:15), que o sábio morre do mesmo jeito que o tolo (cf.
Ec.2:16), que o destino dos justos é o mesmo destino dos ímpios (cf. Ec.2:14), que o
destino dos homens é o mesmo dos animais (cf. Ec.3:19), e que todos vão para o mesmo
lugar após a morte (cf. Ec.3:20): “E, ainda que vivesse duas vezes mil anos e não gozasse
o bem, não vão todos para um mesmo lugar?“ (cf. Ec.6:6); “Tudo sucede igualmente a
todos; o mesmo sucede ao justo e ao ímpio, ao bom e ao puro, como ao impuro; assim ao
que sacrifica como ao que não sacrifica; assim ao bom como ao pecador; ao que jura como
ao que teme o juramento” (cf. Ec.9:2).

Salomão não diferenciava o destino dos justos e dos ímpios, tampouco com o dos animais ,
porque não cria em uma alma imortal deixando o corpo na morte . Ele não acreditava em
uma alma imortal que era julgada no momento da morte com destinos diferentes , não
existia uma recompensa logo após a morte: o destino de ambos era o mesmo.

“Assim que também isto é um grave mal que, justamente como veio, assim há de ir; e que
proveito lhe vem de trabalhar para o vento... Eis aqui o que eu vi, uma boa e bela coisa:
comer e beber, e gozar cada um do bem de todo o seu trabalho, em que trabalhou debaixo
do sol, todos os dias de vida que Deus lhe deu, porque esta é a sua porção” (cf. Eclesiastes
5:16,18).

Com a realidade da ressurreição dentre os mortos, é comum vermos os escritores do Novo


Testamento proferirem que a recompensa será dada a cada um no momento da segunda
vinda de Cristo (cf. Mt.16:27; Ap.22:14; 1Pe.5:4; 5; Lc.14:14; 2Tm.4:1), que é qua ndo os
mortos serão ressuscitados (cf. 1Co.15:22,23; 1Ts.4:15), para aí entrarem no gozo do
Paraíso (cf. Jo.14:2-4; 1Ts.4:15). Salomão não acreditava na vida imediatamente após a
morte e não tinha o foco centrado na ressurreição como os escritores do Novo Testamento
tinham, razão pela qual, ao invés de escrever focado no momento da ressurreição (como
faziam os escritores neotestamentários), escrevia focado naquele estágio imediatamente
após a morte, antes da ressurreição, que é um estado sem vida.

Mais significativo ainda do que isso são as comparações que Salomão faz: “Se o homem
gerar cem filhos, e viver muitos anos, e os dias dos seus anos forem muitos, e se a sua
alma não se fartar do bem, e além disso não tiver sepultura, digo que um aborto é melhor
do que ele” (cf. Ec.6:3). Qualquer leitor honesto concluirá que, para Salomão, uma criança
abortada é sinal de alguém que perdeu totalmente o dom da vida. Se ela tivesse
automaticamente uma vida no Paraíso ou em algum lugar garantida entre os salvos, não
valeria tal comparação que Salomão faz neste verso.

E ele continua: “Porquanto debalde veio, e em trevas se vai, e de trevas se cobre o seu
nome. E ainda que nunca viu o sol, nem conheceu nada, mais descanso tem este do que
aquele” (cf. Ec.6:5). A vantagem de um aborto sobre os vivos não baseava-se em possuir
automaticamente uma vida eterna com Deus, mas sim decorrente do fato de que “nunca
veria o sol”. Salomão realmente acreditava que “os mortos não sabem de nada” (cf.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 111


Ec.9:5)! Entender o pensamento de Salomão é de fundamental importância para
compreendermos a revelação no livro de Daniel:

“E muitos dos que dormem no pó da terra despertarão, uns para vida eterna, e outros
para vergonha e desprezo eterno” (cf. Daniel 12:2)

Outra comparação que Salomão faz é relatada em Eclesiastes 9:4, que diz que um cão vivo
vale mais do que um leão morto: “Quem está entre os vivos tem esperança; até um
cachorro vivo é melhor do que um leão morto!” (cf. Ec.9:4). É claro que se os mortos
estivessem vivos gozando de bem-aventuranças então um leão morto valeria muito mais do
que um cão vivo! Como Salomão não acreditava em vida após a morte, então mesmo um
“leão”, se estivesse morto, valeria menos até mesmo em relação a um “cão” vivo!

Vale ressaltar também que, para Salomão, nós [os que estamos “debaixo do sol”] somos os
únicos vivos. Não existem vivos em algum outro lugar. Quem está entre os vivos somos
nós, que ainda temos esperança. O verso seguinte também elucida o anterior mostrando o
porquê do cão vivo valer mais do que um leão morto: porque os mortos não estão cônscios
de coisa alguma:

“Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma,
nem tampouco terão eles recompensa, mas a sua memória fica entregue ao
esquecimento. Também o seu amor, o seu ódio, e a sua inveja já pereceram, e já não
têm parte alguma para sempre, em coisa alguma do que se faz debaixo do sol” (cf.
Eclesiastes 9:5,6)

Aqui Salomão apenas reitera aquela linha de raciocínio que ele já mantém desde o início de
seu livro, desta vez de forma ainda mais direta: os mortos não sabem de coisa nenhuma
(cf. Ec.9:5), tem a memória entregue ao esquecimento (cf. Ec.9:5), e sentimento s de amor,
ódio e inveja já pereceram (cf. Ec.9:6). Como os imortalistas respondem a evidência de
Eclesiastes? A maioria afirma que tudo isso se limita ao que acontece “debaixo do sol”. A
expressão “debaixo do sol” se refere realmente ao nosso mundo; porém, Salomão a usou
porque na mente dele não há a mínima ideia de que os mortos cheguem a outro lugar! Os
hebreus não pensavam como os gregos. De fato, Salomão fala muito das coisas que
acontecem “debaixo do sol”, como em Eclesiastes 9:6:

“Amor, ódio e inveja já pereceram, e já não têm parte alguma para sempre, em coisa
alguma do que se faz debaixo do sol” (v.6)

Aqui ele diz que as coisas que acontecem debaixo do sol (tais como amor, ódio e inveja) já
não são possíveis para os mortos, que não sabem de “coisa nenhuma” (v.5). Ele não está
dizendo que os mortos não desfrutam de amor, ódio e inveja debaixo do sol, mas sim que
os sentimentos de amor, ódio e inveja não são possíveis aos que já morreram, mas apenas
aos que estão debaixo do sol, isto é, aos vivos. As interpretações tendenciosas dos
imortalistas em suas tentativas de negarem o óbvio do texto bíblico se mostram
completamente fracassadas quando se deparam com uma interpretação de texto simples e
ao mesmo tempo precisa.

Se, portanto, o sentimento de amor só está presente entre os vivos, ou seja, entre aqueles
que estão debaixo do sol, então só nos restam duas alternativas: ou os mortos estão
realmente inconscientes, isto é, sem vida; ou, então, eles estão vivos em algum lugar e não

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 112


tem amor por ninguém! Qual é o mais provável? Que o sentimento de amor já não exista
entre os mortos ou que ele não exista exatamente porque são os próprios mortos que não
estão com vida?

Além disso, é extremamente impreciso dizer que Salomão só se preocupava com os vivos,
pois ele fala também com relação à vida no além, ele fala do estado dos mortos:

“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além,
para onde vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma ”
(cf. Eclesiastes 9:10)

Fica claro que também no além, na “habitação dos mortos”, não existe qualquer atividade
ou sabedoria. O original hebraico traz neste verso a palavra “Sheol”, transliterado para
Hades no grego do NT. Para os defensores da imortalida de, este lugar é referência a
“habitação consciente dos espíritos”. Salomão liquida com isso usando as palavras hebraicas
ma`aseh', cheshbown e chokmah, que de acordo com a Concordância de Strong, tais
palavras transliteradas demonstram que os mortos:

(1) Não tem nenhum conhecimento, obras ou atividade [ma`aseh]8 2


(2) Não tem inteligência e nem dispositivo de razão [cheshbown]8 3
(3) Não tem sabedoria, habilidade e nem inteligência [chokmah]8 4

Evidentemente um estado de completa inconsciência.

O Espírito Santo não “inspirou errado” o livro de Eclesiastes, e tentar negar todas as
evidências deste livro como prova contra a imortalidade da alma é no mínimo estar com a
mente totalmente fechada para o conteúdo geral do livro, é negar todo um raciocínio que o
autor mantém desde o princípio de seu livro. Fica claro, diante de todas as evidências,
passagens bíblicas, bem como a linha de raciocínio que Salomão segue desde o seu início,
que ele não cria de maneira nenhuma em qualquer “alma imortal” que sai do corpo no
instante da morte. A visão de Salomão não é única, mas reflete uma regra do AT: não
existe a imortalidade da alma.

Outro argumento bastante utilizado por alguma parte dos defensores da imortalidade
intrínseca com relação ao livro de Eclesiastes é que ele não acreditava que pudesse existir
vida em qualquer era futura. Sendo assim, o argumento deles é que , se nos basearmos no
livro de Eclesiastes como evidente prova contra o estado intermediário , teríamos que negar
também qualquer vida futura – até mesmo por meio de uma ressurreição – porque
(segundo eles) Salomão não acreditava em nenhum tipo de vida para nenhuma era.

Esse argumento falha em dois pontos principais. Em primeiro lugar, porque seria o mesmo
que negar que o Espírito Santo dirigia Salomão em seus ensinamentos. Se o Espírito Santo
dirigia os ensinamentos dele e ele conta um “engano”, seria o mesmo que afirmássemos
que o Espírito Santo “inspirou errado” e escreveu mentiras e enganações na Bíblia Sagrada,
o que é um ultraje contra a divindade. Se, contudo, tomarmos o outro ponto (de que
Salomão não estava inspirado), então deveríamos também negar a Bíblia como regra de fé,
pois ela não seria considerada “segura” em seus ensinamentos.

82 Léxico da Concordância de Strong, 4639.


83 Léxico da Concordância de Strong, 2808.
84 Léxico da Concordância de Strong, 2451.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 113
Afinal, se Salomão pôde escrever bobagens e ensinar doutrinas erradas e antibíblicas aos
seus leitores – e está na Bíblia – quem pode nos garantir que não existam outros vários
erros doutrinários presentes nos demais livros que também fazem parte do cânon bíblico? A
única maneira de salvaguardar a inspiração das Esc rituras e a infalibilidade (segurança)
doutrinária dela é admitindo também a inspiração de Eclesiastes no mesmo nível dos
demais livros.

Ademais, se Salomão errou ao escrever isso, deveríamos também negar que toda a
Escritura (incluindo Eclesiastes, é claro) seja divinamente inspirada, e deste modo
estaríamos chamando o apostolo Paulo de mentiroso, pois ele afirmou que “toda Escritura
é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a
educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado
para toda boa obra” (cf. 2Tm.3:16), e não apenas parte dela. Aqui vemos que a Escritura é
útil não somente para aperfeiçoar o caráter das pessoas (como alguns pensam), mas
também como “ensino”, isto é, em questões doutrinárias.

Em segundo lugar, é um completo equívoco dizer que Salomão desacreditava


completamente que os mortos ressuscitariam um dia. Tão certo como ele desacreditava
completamente em que os atuais mortos já estivessem vivos em sua época em algum tipo
de “estado intermediário” (cf. Ec.9:5,6; 9:10), também é certo que ele sabia muito bem
que Deus haveria de julgar a cada um pelo que fez e lhes conceder uma vida eterna (aos
justos). De fato, Salomão fala da "eternidade" no coração humano (cf . Ec.3:11) e de
imortalidade quando ele declara que o homem um dia irá "à casa eterna" (cf. 12:5).

Ele enfatiza também que devemos temer ao Senhor porque num certo dia "de todas estas
coisas Deus nos pedirá contas" (cf. 11:9). A realidade do dia do juízo quando estaremos
diante de Deus é reiterada por ele no capítulo seguinte, quando ele conclui o livro dizendo
que “Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido, seja
bom, seja mal” (cf. Ec.12:14). Isso é claramente uma menção ao juízo que acontece na
segunda vinda de Cristo. Portanto, a partir de Eclesiastes, podemos perceber o que é abaixo
relatado:

VIDA TERRENA ESTADO INTERMEDIÁRIO RESSURREIÇÃO (JUÍZO)


PARA A VIDA ETERNA
A breve vida em que Um estado em que os Um estado de vida em que
passamos “debaixo do sol” mortos se encontram Salomão acentua que
atualmente e que Salomão estaremos em “moradas
define como “sem eternas” (cf. 12:5) e que
inteligência, razão, certamente passaremos pelo
conhecimento ou sabedoria” juízo de Deus que nos julgará
(cf. 9:10), e que “os mortos por tudo o que fizermos (cf.
não estão cônscios de coisa 11:9; 12:14)
alguma” (cf. 9:5), sendo
que os sentimentos como
“amor, ódio e inveja já
pereceram” (cf. 9:6)

Outra prova clara de que o livro de Eclesiastes não contradiz o restante dos ensinamentos
bíblicos neotestamentários é o fato de que ele próprio escrevia sabendo que o espírito

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 114


retornava para Deus por ocasião da morte: “E o pó volte à terra, como o era, e o espírito
volta a Deus, que o deu” (cf. Ec.12:7). Este ensino não é contrário ao do NT, pelo contrário,
corresponde exatamente ao ensino neotestamentário: “Pai ao Senhor entrego o meu
espírito. E com estas palavras morreu” (cf. Lc.23:46). Note que o que Salomão declara em
Eclesiastes é exatamente aquilo que é confirmado pelo NT. Salomão, que sabia muito bem
que o espírito subia para Deus, afirmava também categoricamente, neste mesmo livro, que
os mortos não estão conscientes de coisa alguma (cf. Ec.9:4,5; 9:10) e que o homem
possui o mesmo espírito-ruach dos animais, tendo o mesmo destino que eles tem ao
morrerem (cf. Ec.3:19).

A palavra usada no original hebraico de Eclesiastes 9:10 é “Sheol”, que para os imortalistas
é a morada dos espíritos, que se localiza nas regiões inferiores desta terra (cf. Ef.4:9;
Mt.12:40; Mt.11:23). Tanto isso não é verdade que Salomão afirma que o espírito [de
todos] sobe para Deus (cf. Ec.12:7), e sabia que neste local não existia nenhum tipo de
sabedoria ou conhecimento (cf. Ec.9:10), que os mortos não sabiam de nada (cf. Ec.9:5), e
iam todos [justos ou ímpios] para o mesmo lugar após a morte (cf. Ec.3:20).

Em outras palavras, Salomão sabia que o espírito subia para Deus, mas também sabia que
não tinha parte alguma com alguma “entidade viva e consciente” que nós levamos conosco
após a morte. Vemos claramente que Salomão não contraria os ensinos neotestamentários,
ao contrário, concorda com eles:

ECLESIASTES NOVO TESTAMENTO


“E o pó volte à terra, como o era, “Pai ao Senhor entrego o meu
e o espírito volta a Deus, que o espírito. E com estas palavras
deu” (cf. Ec.12:7) morreu” (cf. Lc.23:46)
RESULTADO RESULTADO
Mesmo assim os mortos não Mesmo assim Jesus não havia
sabem de nada (cf. 9:5) e não subido ao Pai mesmo três dias
tem amor, ódio ou inveja que já depois de ter sido ressuscitado
não existem para eles (cf. 9:6), (cf. Jo.20:17)
que não tem inteligência, razão,
conhecimento ou sabedoria (cf.
9:10)

Sendo assim, Eclesiastes não representa nenhuma contradição com o restante da Bíblia e
podemos chegar à fácil conclusão de que o Espírito Santo não inspirou errado nenhum
escritor bíblico. Tal testemunho de Eclesiastes reflete todo o pensamento do Antigo e do
Novo Testamento, como veremos mais adiante. Tudo o que Salomão fez, e que
comprovamos até aqui, é negar absolutamente qualquer imortalidade da alma em um
estado intermediário, pois ele não havia sido influenciado pela filosofia grega de dualismo
que viria mais tarde.

Embora seja verdade que ele ressaltasse muito mais o período sem vida entre a morte e a
ressurreição, também é fato que ele cria que um dia viria o juízo ( cf. Ec. 11:9; 12:14) e
uma vida eterna (cf. Ec.12:5). Portanto, ele pode ser usado como prova de alguém que cria
em vida futura após o juízo, mas não cria na imortalidade da alma, pois não aceitava um
estado já consciente dos mortos atuais em algum estado intermediário entre a morte e a
ressurreição.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 115


O “espírito” que subia para Deus (cf. Ec.12:7), como já vimos no capítulo 3 deste livro, não
era uma alma imortal, mas a própria vida humana de todos os homens, justos ou
pecadores. Por isso, alegar em cima desta passagem a “imortalidade da alma” significa
negar todo o restante do livro de Eclesiastes que explicitamente nega isso, e também inferir
que os ímpios assim como os justos estarão com Deus após a morte, quando apenas os
justos deveriam estar com Ele. Afinal, segundo Salomão é o espírito de todos os homens
que volta a Deus após a morte, e não apenas o dos justos ou daqueles que merecem o Céu
(cf. Ec.12:7).

Sendo assim, é correto afirmar que Salomão não via o espírito como sendo uma alma
imortal ou alguma entidade incorpórea e consciente que leve consigo personalidade e
racionalidade após a morte, motivo pelo qual ele declara que os animais possuem
exatamente o mesmo espírito-ruach possuído pelos seres humanos (cf. Ec.3:19) e, por
conta do fato de que o espírito presente em ambos serem o mesmo, o destino de ambos
após a morte também seria o mesmo: o pó da terra (cf. Ec.3:20).

O que nos distingue dos animais no que tange à vida após a morte, tanto para Salomão
como também para os demais escritores bíblicos, não é que nós sejamos possuidores de
uma alma-nephesh e os animais não, ou que nós sejamos detentores de espírito-ruach e os
animais não, mas sim que nós ressuscitaremos do pó, e os animais não. Por isso ele diz
em Eclesiastes 3:21 que o nosso espírito volta para Deus (que soprará novamente em nós
pela ressurreição, tornando-nos novamente “almas viventes”), mas o dos animais volta à
terra (de onde não tem mais volta).

O Livro dos Salmos - Outro livro de valor histórico de grande consideração para analisarmos
o pensamento do povo do Antigo Testamento na questão relativa à vida pós-morte, é a
coletânea de hinos, salmos e corinhos, também entre os Livros Poéticos aos quais
denominamos de “Salmos”. Nele, vemos inúmeras considerações import antes que nos
fazem confirmar aquele pensamento de Salomão em Eclesiastes, como vimos acima. Dos
cento e cinquenta salmos, não vemos nenhuma menção explícita ou mesmo implícita de um
estado intermediário ou de uma imortalidade da alma. Ao contrário, vemos constantemente
menções bem explícitas de que não existe vida entre a morte e a ressurreição. Uma prova
óbvia disso é o fato dos mortos não poderem mais se lembrar de Deus:

“Na morte não há lembrança de ti. E no Sheol, quem te louvará?” (cf. Salmos 6:5).

A razão pela qual os mortos não se lembrarem de Deus é porque perderam completamente
a consciência, porque o processo de pensamento cessa quando o corpo morre. Mesmo no
inferno ou em qualquer outro lugar, entre os mortos justos ou ímpios, se houvesse
consciência após a morte poderiam recordar-se de quem é Deus. Na verdade, a primeira
pessoa na qual eles se lembrariam seria de Deus! É impossível concluirmos que os
mortos estão conscientes sem poderem nem ao menos recordar-se de Deus, uma vez que é
Deus quem nos julga, é Deus quem manda para o Céu ou para o inferno, é Deus quem tem
o domínio sobre o passado, o presente e o futuro das pessoas.

Se existisse vida inteligente entre a morte e a ressurreição, então onde fosse que os mortos
estivessem (seja no Céu, no inferno, ou em qualquer outro lugar), seriam capazes de se
lembrar de Deus! É evidente que os mortos não se lembram mais de Deus porque não tem
mais consciência alguma. Veja que o salmista não expressa uma dúvida se os mortos

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 116


lembram ou se não lembram de alguma coisa; pelo contrário, afirma de forma categórica a
sua convicção que não é possível haver lembrança na morte. Ou seja, se a alma é mesmo
“imortal”, neste caso ela sofre de um grave problema de amnésia.

O Salmo 115 também garante de forma clara que os mortos não louvam a Deus (cf.
Sl.115:17), e no verso seguinte reitera que quem louva a Deus são os vivos (cf. Sl.115:18).
Essa verdade é confirmada em Isaías 38:19, que diz que “os vivos, e somente os vivos,
que te louvam, como eu te louvo agora”. Na morte não existe mais nenhum louvor a Deus
(cf. Sl.6:5; Sl.115:17). Nenhum salmista ou qualquer escritor fez distinção entre os mortos
justos ou ímpios – somente os vivos é que louvam a Deus! Ponderamos: caso os salmistas
soubessem que a alma dos mort os está consciente, insistiriam tanto em dizer que na morte
não é possível louvar a Deus? É evidente que não, pois quem já estivesse no Paraíso, em
um lugar de alegria, ou em algum lugar assegurado entre os salvos, poderia perfeitamente
louvar a Deus.

Afinal, “todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor, para
a glória de Deus o Pai” (cf. Fp.2:10,11). É evidente que os mortos não louvam a Deus e
quem louva é somente os vivos em decorrência da inconsciência pós -morte que determina a
impossibilidade de se louvar a Deus entre os que morreram (cf. Sl.6:5). Isso porque eles
não estariam vivos em algum lugar, mas sem vida, no pó da terra: “Que proveito obterás
no meu sangue, quando baixo à cova? Louvar-te-á, porventura, o pó? Declarará ele a
tua verdade?” (cf. Sl.30:9). Aqui novamente o salmista reitera a sua posição de negação à
existência de vida entre os mortos. Se ele morresse, nada mais poderia dar de proveito
para Deus. A razão disso? Viraria pó: “Louvar-te-á, porventura, o pó”?

Claramente o salmista diz que o lugar para onde todas as pessoas vão após a morte não é o
Céu ou o inferno c om as suas almas imortais, mas o pó da terra. Ao comparar a morte com
o pó, o salmista claramente mostra que não há consciência na morte , porque o pó não
pode pensar. Por isso mesmo, não seria de proveito nenhum para Deus, e nem ao menos
poderia louvá-lo depois da morte (cf. Sl.30:9). Como se isso não fosse suficientemente
claro, o Salmo 146 confirma novamente a crença na inconsciência pós -morte, ao afirmar
que os mortos não pensam: “Quando eles morrem, voltam para o pó da terra, e naquele dia
perecem os seus pensamentos” (cf. Sl.146:4).

Sendo que na morte os pensamentos perecem, é evidente que não há alma consciente que
sobreviva a parte do corpo em um estado desencarnado. Se o processo de pensamento que
os próprios imortalistas atribuem como função da alma sobrevivesse à morte do corpo,
então os pensamentos dos que morressem continuaria, e não pereceria! No momento da
morte os pensamentos perecem porque a pessoa simples mente deixa de existir e passa à
inconsciência que a Bíblia caracteriza de “sono” relativo ao estado dos mortos (cf. Sl.1 3:3).

Os mortos não mais pensam. Alegar que essa passagem diz respeito somente ao corpo é se
mostrar extremamente arbitrário e desonesto consigo mesmo, visto que os próprios
imortalistas atribuem o processo de pensamento como função da alma , e, portanto,
na morte os pensamentos não “pereceriam”, mas continuariam existindo à parte do corpo, a
não ser que a alma realmente morra, como já constatamos aqui.

Portanto, a não ser que os imortalistas refaçam toda a sua teologia e digam que a sede d os
pensamentos não é mais atribuição da alma mas somente do corpo e a alma não tem
qualquer ligação com isso, eles terão que admitir a morte da alma com o fim dos

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 117


pensamentos. Se você quiser testar a honestidade intelectual de determinado defensor da
imortalidade da alma, basta mostrar esse verso bíblico a ele. O tempo todo eles dizem que
a sede dos pensamentos é associada à alma, mas quando chegamos a uma passagem
bíblica que explicitamente diz que estes pensamentos perecem após a morte, aí não é mais
a alma não, é o corpo somente!

Ademais, vemos biblicamente que os que já morreram estão numa “terra de silêncio”, e não
de gritarias características do inferno ou de algum lugar de tormento, ou de altos louvores e
regozijos característicos do Paraíso: “Os mortos, que descem a terra do silêncio, não
louvam a Deus, o Senhor” (cf. Sl.115:17). Que nítido contraste com a visão popular
“barulhenta” da vida após a morte, na qual os salvos louvam a Deus no Paraíso e os não -
salvos gritam desesperadamente no inferno! É evidente que a terra de silêncio na qual não
é possível mais louvar-se a Deus diz respeito à sepultura e não a alguma “habitação dos
espíritos”. A tentativa imortalista em afirmar que essa passagem também diz respeito
somente ao corpo e não à alma também é um completo fracasso, visto que o mesmo
salmista afirma taxativamente que é a alma que habitaria neste local de silêncio:

“Se o Senhor não fora em meu auxílio, já a minha alma habitaria no lugar de silêncio”
(cf. Salmos 94:17)

É a alma que vai para o lugar de silêncio, não meramente um corpo morto. O local de
silêncio não é o Céu ou o inferno, mas puramente sepultura para onde a alma, o ser integral
do salmista, partira na morte. Mais uma vez vemos que as interpretações tendenciosas que
os imortalistas são forçados a adotarem para salvarem a crença deles numa “alma imortal”,
dizendo que as referências dizem respeito apenas ao corpo e não à alma, fracassam
miseravelmente por uma exegese simples e por passagens bíblicas onde os próprios
escritores inspirados deixavam nítido e evidente que essa inconsciência se trata da alma, e
não apenas do corpo.

Os salmistas sabiam que os mortos não veem mais a luz: “Irá para a geração de seus pais;
eles nunca verão a luz” (cf. Sl.49:19). Se os mortos estivessem vivos no Céu, no inferno, no
Sheol, ou onde quer que fosse, eles poderiam ver a luz como resultado e consequência da
visão. Contudo, não mais veem a luz porque eles já não estão cônscios de coisa alguma. O
salmista esperava ver Deus, mas não quando ele morresse e a sua alma imortal partisse
para o Céu, mas sim quando ele “despertasse”, na ressurreição:

“Quanto a mim, feita a justiça, verei a tua face; quando despertar, ficarei satisfeito em
ver a tua semelhança” (cf. Salmos 17:15)

O salmista só esperava ver a face de Deus quando “despertasse”, e não quando morresse.
O “despertar” diz respeito à ressurreição dos mortos do último dia , quando “muitos dos que
dormem no pó da terra despertarão, uns para vida eterna, e outros para vergonha e
desprezo eterno” (cf. Dn.12:2). Sendo que é só nesse “despertar” que o salmista veria a
Deus, então é óbvio que ele não o estaria vendo antes disso. Ele expressa nitidamente a
sua convicção de que o momento de ver a Deus seria somente na ressurreição. Onde ele
estaria agora, então? Dormindo o sono da morte: “Ilumina-me os olhos, para que eu não
durma o sono da morte” (cf. Sl.13:3).

É digno de nota que o salmista esperava ver a Deus quando ele “despertasse” (u ma clara
figura da ressurreição – cf. Dn.12:2), ele não tinha a mínima ideia de que estaria

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 118


imediatamente com Deus depois da morte por meio de uma alma imortal, por isso relata
que o momento em que veria a face de Deus é na ressurreição – quando despertasse! É
mais do que claro que nenhum dos salmistas acreditava na vida consciente após a morte
em um estado intermediário dos mortos. Isso fica ainda mais evidente ao vermos que o
salmista usou neste verso a palavra hebraica “quwts”, que significa exatamente: “ser
arrancado do sono; despertar; surgir”. É uma claríssima referência à ressurreição, e
prova disso é que exatamente esta mesma palavra é utilizada por Daniel para falar do dia
em que os mortos hão de ressurgir:

“E muitos dos que dormem no pó da terra despertarão [quwts], uns para vida eterna, e
outros para vergonha e desprezo eterno” (cf. Daniel 12:2)

Também em Isaías 26:19 essa mesma palavra é usada como clara referência à ressurreição
dos mortos:

“Que os vossos mortos revivam! Que seus cadáveres ressuscitem [quwts]!” (cf. Isaías
26:19)

Agora voltando para o Salmo 17:15 – “Mas eu, confiado na vossa justiça, contemplarei a
vossa face; ao despertar [quwts], saciar-me-ei com a visão de vosso ser”. Não poderia
haver linguagem mais clara e lúcida do que essa a fim de denotar que só veremos a Deus
na ressurreição, e não antes disso. É no despertar-quwts da ressurreição que veremos a
Deus, e não na morte-moth/tâmuth., em algum estado intermediário pré-ressurreição.

O Salmo 88:12 diz: “Acaso, nas trevas se manifestam as tuas maravilhas? E a tua justiça,
na terra do esquecimento?” (cf. Sl.88:12). O local é descrito como terra do
“esquecimento”, pois não mais pode lembrar-se de coisa alguma, nem mesmo de Deus (cf.
Sl.6:5). Note que os mortos não estão numa terra de consciência ou de atividade, mas sim
de esquecimento, uma clara linguagem de inconsciência, e não de consciência. Os que já
morreram não mais veem manifestadas as maravilhas de Deus (cf. Sl.88:12).

Davi também faz a pergunta retórica: “Será que fareis milagres pelos mortos? Ressurgirão
eles para vos louvar?” (cf. Sl.88:10). Alguém que já morreu não mais pode louvar a
Deus; por isso, seria necessário que eles “ressurgirem” para louvá-Lo. O estado em que
eles estão agora os impede de louvar ao Senhor, pelo que Davi aponta à ressurreição
como sendo o único modo pelo qual os que já morreram possam voltar a louvar o Senhor.
Se os que já morreram já pudessem louvar a Deus, então não faria sentido eles terem que
“ressurgirem” para poderem louvá-Lo!

Ainda mais se considerarmos que a palavra hebraica “koom” – subir; levantar; ressurgir
– está no sentido de ressurreição (como vemos que a Bíblia usa – cf. Dn.12:2; Dn.12:13;
Jo.3:14; Jo.12:32; Jo.12:34), vemos que o salmista expressa a sua convicção de que
apenas por meio da ressurreição é que os que já morreram poderão louvar a Deus. A frase
“ressurgirão eles para vos louvar” só faz sentido se, realmente, eles não estão louvando a
Deus no presente momento, sendo, portanto, necessário eles ressurgirem
(ressuscitarem) para isso. É uma enfática declaração de que só poderemos voltar a louvar o
Senhor após a morte no momento da ressurreição, e não antes disso, em algum estado
intermediário através de uma alma imortal que já estivesse no Céu antes da ressurreição do
último dia.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 119


Uma tentativa dos imortalistas de fugirem de algumas dessas claras evidências contrárias a
eles reside em tentar provar que logo após a morte os salmistas pensavam que seriam
imediatamente levados para junto de Deus, usando textos como o Salmo 49:15 – “Mas
Deus remirá a minha alma do poder do Sheol, pois me receberá”. Como pode isso se a
Bíblia diz claramente que a alma vai para o lugar de silêncio (cf. Sl.94:17), e não para o
lugar de louvores no Paraíso? É uma contradição bíblica?

Logicamente que não. O Salmo apenas fala que Deus remirá a alma do poder do Sheol, que
a luz da Bíblia Sagrada é a sepultura (cf. Sl.115:17; Sl.88:11; Sl.94:17; Gn.37:35), que
Deus não a esqueceria naquele local de escuridão, pelo contrário, iria recebê-lo com Ele,
através de uma ressurreição dentre os mortos. Remir a alma do poder do Sheol não
significa não ir ao Sheol, pois a crença do AT era unânime em acreditar que todos iam para
lá após a morte (cf. Sl.18:5; Gn.37:35; 44:31; Jó 17:13), mas diz respeito a ser resgatado
da morte, remido daquele local de escuridão, através da ressurreição. Prova disso é que e m
Atos 2:27 essa mesma passagem é relacionada à ressurreição e não ao momento da morte.
Em Oséias 13:14, também lemos sobre Deus remir a alma do poder do Sheol, na seguintes
palavras:

“Eu os redimirei do poder do Sheol; eu os resgatarei da morte. Onde estão, ó morte, as


suas pragas? Onde está, ó sepultura, a sua destruição?” (cf. Oséias 13:14)

Ocorre que o apóstolo Paulo relaciona este momento ao da ressurreição do último dia:

“Eis aqui vos digo um mistério: Nem todos dormiremos mas todos seremos transformados,
num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta; porque a trombeta
soará, e os mortos serão ressuscitados incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque
é necessário que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade e que isto que é
mortal se revista da imortalidade. Mas, quando isto que é corruptível se revestir da
incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a
palavra que está escrito: Tragada foi a morte na vitória. Onde está, ó morte, a tua
vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” (cf. 1ª Coríntios 15:51-55)

Vamos ligar os pontos:

1º O salmista diz que teria a sua alma remida do poder do Sheol.

2º Em Oséias 13:14 Deus diz o mesmo.

3º E o apóstolo Paulo relaciona o texto de Oséias ao momento da ressurreição.

Portanto, fica claro que remir a alma do Sheol (sepultura) não significa não ser conduzido
até lá, mas ser resgatado por meio da ressurreição, quando seremos transformados em
seres incorruptíveis e imortais. O único meio de voltar a vida é através de uma ressurreição
dentre os mortos. E essa verdade também é exposta no Novo Testamento, mais
especificamente com a ressurreição por ocasião da volta de Cristo, quando a pessoa que
está presa ao poder do Sheol ressuscitará para entrar na Jerusalém Celestial, e é só neste
momento que a morte é vencida (cf. 1Co.15:54-55).

Que todas as pessoas partiam para o Sheol após a morte, tanto justos como ímpios, isso é
mais do que evidente para qualquer leitor honesto da Bíblia, fato comprovado em inúmeras

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 120


passagens, das quais segue-se uma pequena lista: Gên.37:35; Jó 10:21,22; Sal.94:17;
Gên.42:38; Gên.42:29,31; Isa.38:10,17; Sal.16:10; Sal.49:9,15; Sal.88:3-6,11; Jó
17:16. Cada uma dessas passagens reflete o fato de que tanto justos como ímpios desciam
ao Sheol (sepultura) após a morte, não tinham destinos diferentes. O filho de Jacó, José,
partiria para o Sheol caso morresse (cf. Gn.37:35), e ele era considerado um homem justo.
Prova ainda mais forte é que até mesmo a alma de Cristo esteve no Sheol enquanto esteve
morto (cf. At.2:27), colocando um “ponto final” em qualquer discussão do tipo. Tanto justos
como ímpios jazem no Sheol após a morte.

O testemunho dos salmistas, que reflete todo o pensamento dos escritores divinamente
inspirados do Antigo Testamento, é que os mortos não louvam a Deus (cf. Isaías 38:19;
Salmos 6:5), não sabem de nada (cf. Eclesiastes 9:5), vale m menos do que um cachorro
vivo (cf. Eclesiastes 9:4), sua memória jaz no esquecimento (cf. Eclesiastes 9:5), não tem
lembrança de Deus (cf. Salmos 6:5), estão num lugar de esquecimento ( cf. Salmos 88:12),
não confiam na fidelidade de Deus (cf. Isaías 38:18), não falam da sua fidelidade (cf.
Salmos 88:12), estão numa terra de silêncio - e não de gritaria do inferno ou de altos
louvores do Céu (cf. Salmos 115:17; 94:17), não podem ser alvos de confiança (cf. Salmos
146:3), tem que ressurgir para poder louvar a Deus (cf. Salmos 88:10), somente O verão
após a ressurreição (cf. Salmos 17:15) e não pensam (cf. Salmos 146:4).

Definitivamente um estado de plena e total inconsciência entre aqueles que dormem em


suas sepulturas aguardando a ressurreição dentre os mortos.

IV–A posição dos Livros Proféticos

Ezequiel - Os Livros Proféticos se destacam dos demais por serem as palavras de Deus
liberadas pelos profetas. Concentrem-se muito mais no que Deus falou do que nos eventos
históricos em que falaram da parte do Senhor. No livro de Ezequiel, por exemplo, vemos o
Senhor Deus dizendo através daquele profeta:

“A alma que pecar, essa morrerá” (cf. Ezequiel 18:4)

Essa passagem pode ser um susto para muitas pessoas – sim, a alma [nephesh] – morre.
Isso porque, como vimos no capítulo 3 deste estudo, nós temos uma natureza holista, e não
dualista. Nós somos nephesh, e não “temos” nephesh. A alma [pessoa] que pecar, morrerá!
A consequência do pecado foi mortal para toda a natureza humana, atingindo não apenas o
corpo, mas também a alma. Deus não disse que apenas “o corpo que pecar... morrerá”; ao
contrário, tanto o corpo como a alma foram sujeitos aos efeitos destrutivos resultantes do
pecado. Por isso mesmo, a alma também pode ser devorada:

“Conspiração dos seus profetas há no meio dela, como um leão que ruge, que arrebata a
presa; eles devoram as almas; tomam tesouros e coisas preciosas, multiplicam as suas
viúvas no meio dela” (cf. Ezequiel 22:25)

O orginal hebraico traz neste verso a palavra “aw-kal'”, que significa literalmente:
“consumir; devorar”. A alma [nephesh] não é isenta do consumir e devorar do corpo. O
mesmo autor também afirma que as almas [nephesh] também são destruídas (cf.
Ez.22:27). Como no caso de Ezequiel 18, a grande maioria destes relatos não expressa

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 121


apenas um “pensamento do profeta” que poderia estar “ultrapassado” para os dias de hoje,
porque é o próprio Deus vivo que falava por meio do profeta.

Por exemplo: “Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai, também a alma do
filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá” (cf. Ez.18:4). Aqui é evidentemente o
próprio Deus que estava falando (o profeta apenas passou por escrito aquilo que lhe havia
sido dito), porque as “todas as almas são minhas”, isto é, de Deus (em primeira pessoa), e
essas almas também morrem. Se as almas não estivessem sujeitas à morte, então não
seria apenas a Bíblia que estaria equivocada, mas o próprio Deus estaria mentindo para o
profeta.

Isaías - O livro de Isaías relata o momento crucial em que o rei Ezequias encontrava -se à
beira da morte. O profeta Isaías é enviado a este rei para lhe dizer que ele iria adoecer de
uma enfermidade mortal que sofria (cf. Is.38:1). Qual foi a reação de Ezequias? Ficou feliz
pois sabia que iria estar imediatamente com Deus ou em algum paraíso? Não. Na verdade,
ele orou sob lágrimas clamando pela manutenção de sua vida. No capítulo inteiro é
mencionado como ele se alegrou ao ver que Deus lhe havia acrescentado quinze anos à sua
vida. Ora, se Ezequias pensasse que a sua alma imortal iria partir de imediato a um lugar
de conforto e bem-aventurança, então iria desejar a morte acima de todas as coisas!

A morte, porém, é tratada como um inimigo na Bíblia, o último inimigo a ser vencido (cf.
1Co.15:26). Não existe vida ou bem-aventuranças na morte. Ezequias queria fugir deste
inimigo, e conseguiu, ao menos temporariamente. Em toda a sua declaração de louvor a
Deus por este ter-lhe concedido a manutenção de sua vida, ele revela o que realmente
aconteceria caso ele tivesse morrido. É nos dito que ele não v eria mais os moradores do
mundo: “jamais verei homem algum entre os moradores do mundo” (cf. Is.38:11), e
também declara que “não tornarei mais a ver o Senhor, o Senhor, na terra dos viventes;
não olharei mais para a humanidade” (cf. Isaías 38:11).

Isso prova claramente que os que já morreram não estão de forma alguma conscientes do
que aqui acontece (como pregam algumas religiões), pois Ezequias demonstra nitidamente
a sua convicção que não mais veria ou olharia para qualquer cidadão deste mundo. Isso é
consequente do fato de que ele próprio sabia que não estaria consciente depois que
morresse. Afirma, alguns versos em seguida, o destino para o qual partiria sua alma na
morte:

“Foi para minha paz que tive eu grande amargura; tu, porém, amaste a minha alma e a
livraste da cova da corrupção, porque lançaste para trás de ti todos os meus pecados”
(cf. Isaías 38:17)

Ou seja, a cova, o local de corrupção, para o qual a sua alma não escaparia. Ele não diz que
se morresse a sua alma iria ao Céu ou ao inferno, mas à cova, isto é, à sepultura. E diz que
seria a sua alma (nephesh) quem partiria para a cova após a morte, e não apenas o corpo!
Em seguida, ele afirma também qual seria o estado dos mortos naquele momento em que
ele passaria também a ficar em caso que a sua vida lhe fosse retirada:

“Pois não pode louvar-te o Sheol, nem a morte cantar-te os louvores; os que descem
para a cova não podem esperar na tua fidelidade. Os vivos, somente os vivos, esses

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 122


te louvam como hoje eu o faço; o pai fará notória aos filhos a tua fidelidade” (cf. Isaías
38:18,19)

É evidente que do início ao fim Ezequias apresenta a sua convicção e linha de raciocínio de
que não existe vida na morte. Diante do que é aqui exposto, percebemos que:

(1) Caso ele morresse, não estaria mais ciente das coisas que acontecem neste mundo (cf.
Is.38:11)
(2) A sua alma iria para a cova com a morte (cf. Is.38:17)
(3) Na morte não há louvor a Deus (cf. Is.38:18)
(4) Os mortos não podem louvar a Deus e nem cantar louvores (cf. Is.38:18)
(5) Eles não esperam a fidelidade de Deus (cf. Is.38:18)
(6) Somente os que estão na terra dos viventes é que o louva (cf. Is.38:19)

Definitivamente Ezequias não acreditava em uma existência consciente com Deus logo após
a morte. Do início ao fim ele mostra a sua visão holista da natureza humana corrente nas
Escrituras, sabendo que a morte era a total cessação de vida. Ele não esperava partir rumo
a lugar algum de bem-aventurança, nem mesmo estaria com vida, pois se fosse assim
poderia louvar a Deus, entoar-lhe cânticos e esperaria pela Sua fidelidade!

É evidente que alguém que volta ao pó da terra, estando inconsciente, deixando de existir o
ser racional, realmente não pode realizar tais coisas. Note também que Ezequias não
somente relata que os mortos não louvam a Deus, como também denota a sua
impossibilidade. Os mortos “não podem”, isto é, “não tem como”, “não é possível”, não
existe meio nenhum de algum morto cantar louvores ao Deus Altíssimo.

É claro que tal impossibilidade só poderia ser fruto de uma inconsciência pós-morte, e por
isso ele diz em seguida que os mortos não esperam pela fidelidade de Deus, fato este que
seria uma inverdade profunda caso eles já estivessem na presença de Deus ou em lugar
entre os salvos. Os mortos não esperam mais na fidelidade de Deus, não por já estarem na
presença dEle, mas porque na morte simplesmente deixam de existir – “o que é dele?” (cf.
Jó 14:10); nada, não mais existe (cf. Jó 14:10,12; Jó 7:21).

Por fim, em Isaías lemos que os patriarcas não tinham a mínima ideia do que acontece
entre os vivos:

“Mas tu és nosso Pai, ainda que Abraão não nos conhece, e Israel não nos reconhece;
tu, ó Senhor, és nosso Pai; nosso Redentor desde a antiguidade é o teu nome” (cf. Isaías
63:16)

Para algumas religiões, os patriarcas como Abraão e Jacó não apenas conhecem os que
estão vivos hoje, mas também rezam e intercedem por nós. Já para a Bíblia, Abraão não
nos conhece, e Israel não nos reconhece.

Daniel - O livro profético de Daniel é um que diz da forma mais clara e explícita a
ressurreição dos mortos. É nele que lemos que “muitos dos que dormem no pó da terra
despertarão, uns para vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno” (cf.
Dn.12:2). Nele, lemos que os mortos que ressuscitassem est ariam “no pó da terra” (cf.
Dn.12:2), e não no “Céu” ou no “inferno” para reincorporarem em seus corpos mortos; e

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 123


logo no versículo seguinte tal confirmação de que a entrada na herança só viria no fim, com
a ressurreição:

“Tu, porém, vai até ao fim; porque descansarás, e te levantarás na tua herança, no fim dos
dias” (cf. Daniel 12:13)

Como podemos ver Daniel só se levantará no “tempo do fim”, no fim dos dias, e só depois
disso entrará na sua herança. A Young’s Literal Translation verte por “ficará na tua sorte no
fim dos dias”. A versão King James with Strongs também traduz semelhantemente: “tu
ficarás em tua sorte no fim dos dias”. Fica muito evidente que é só no final dos tempos,
depois da ressurreição, que entraremos em nossas moradas celestiais. Isso está de total
conformidade com o Novo Testamento que afirma de forma clara que só entraremos em
nossas moradas quando Cristo voltar (cf. Jo.14:2,3; Mt.25:31-34), que é o momento da
ressurreição dos mortos (cf. 1Co.15:22,23). Deus, de forma mais do que clara, deixa
evidente para o próprio Daniel que a sua entrada no Paraíso não seria algo iminente, pelo
contrário, seria algo que só aconteceria no fim dos dias.

O “descansar” aqui é a indicação do estado no qual Daniel estaria na morte, o que a Bíblia
relativiza com um estado de “sono” (ver Sl.13:3; 1Co.15:6; 1Co.15:20; 1Co.15:51;
1Ts.4:13; 1Ts.4:14; 1Ts.4:15; 1Co.11:30; 1Co.15:6; 1Co.15:18); o “levantar” é
claramente relacionado com a ressurreição dentre os mortos (ver João 3:14; João 12:32;
João 12:34); o “fim dos dias” é o momento em que ele [Daniel] seria “levantado”
[ressuscitado], o que a Bíblia caracteriza como sendo “no último dia” (ver João 6:39; João
6:40), e é somente neste momento em que Daniel entraria em sua herança, no fim dos
dias.

Ele não entra na herança logo após a morte com a sua “alma imortal”, mas
somente quando fosse ressuscitado no último dia. Isso por si só é prova mais do que
suficiente para desmontar completamente a falsa doutrina da imortalidade da alma, pois
não reflete um “pensamento ultrapassado do Antigo Testamento”, mas é o próprio Deus
falando para o profeta, de que este não estaria com Ele imediatamente na morte como um
acontecimento iminente, mas deixando claro que tal fato concretizar-se-ia apenas no final
dos dias, e através de uma ressurreição!

V–Saul conversou com Samuel depois de morto?

A passagem mais usada pelos imortalistas para mostrar a crença na vida pós -morte no
Antigo Testamento é – pasme – uma sessão espírita. O relato da suposta conversa com o
“espírito” de Samuel se encontra em 1ª Samuel 28. Isso só pode ser mesmo fruto de uma
teologia fraca que na carência de evidências sólidas ou factuais precisa apelar para coisas
do tipo. Nem mesmo os imortalistas mais sérios creem que foi mesmo Samuel quem
aparec eu a Saul, há muitos imortalistas honestos que admitem que se trata de um espírito
maligno se fingindo de Samuel. Temos várias razões para desacreditar que, de fato, o
espírito de Samuel tenha conversado com Saul (além do fato de que, como vimos, não
existe uma alma imortal no homem).

Em primeiro lugar, Deus havia cortado todo o tipo de comunicação dEle com Samuel. Esse
fato é extremamente importante: “E perguntou Saul ao Senhor, porém o Senhor não lhe
respondeu, nem por sonhos, nem por Urim, nem por profetas” (cf. 1Sm.28:6). Deus

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 124


realmente não estava disposto a dar nenhum tipo de mensagem dEle a Saul. Isso aconteceu
porque este havia desobedecido às ordens do Senhor. Havia se tornado repugnante a Ele, e
por isso Deus não lhe mandava uma resposta, nem por sonhos, nem por visões, nem por
profetas e nem mesmo pelo Urim. Em outras palavras, Deus definitivamente havia cortado
todo e qualquer laço com o rei Saul.

Logo, não foi Samuel quem apareceu a Saul. Se Deus não havia dado resposta a Saul,
então Ele não mandaria Samuel falar com ele. Dizer que foi de fato Samuel quem apareceu
a Saul significa dizer que Deus mudou de opinião tão rapidamente com relação a dar uma
mensagem a Saul, se arrependendo de não ter dado a mensagem antes. Ora, por que razão
Deus não mandaria a resposta a Saul por meio de meios legais e lícitos para o povo
israelita, como o Urim, os profetas, ou por sonhos ou por visões, mas ao invés disso foi dar
a resposta a Saul justamente por meio de uma prática condenada pelo próprio Deus?

Em outras palavras: se Deus não havia dado resposta a Saul pelos meios “lícitos”,
por que iria dar a resposta por um meio ilícito e contrário àquilo que Ele mesmo
tinha ordenado? Sabendo que o nosso Deus “não muda” (cf. Ml.3:6) e que nEle “não há
mudança nem sombra de variação alguma” (cf. Tg.1:17), é incoerente crer que Ele primeiro
não quis responder Saul, mas depois mudou de ideia e quis respondê -lo; que primeiro não
quis dar uma resposta nem mesmo por meios lícitos que convém, mas depois decidiu
responder-lhe justamente através de uma prática pagã condenada pelo próprio Deus!

Em segundo lugar, a própria passagem diz claramente, no verso 6, que Deus não queria
mandar uma resposta para Saul por meio de nenhum profeta. Sabemos que Samuel era
um profeta. Se fosse da vontade de Deus ter enviado uma resposta através de Samuel,
que era profeta, Ele certamente já o teria feito antes, quando Saul havia consultado os
próprios profetas. Mas vemos o texto bíblico dizendo claramente que Deus não queria
usar profetas para falar com Saul (v.6). Portanto, sendo Samuel um profeta e sabendo
que Deus não queria usar profetas, não é correta a afirmação de que Samuel apareceu a
Saul em En-Dor.

Em terceiro lugar, devemos lembrar que consultar os mortos era uma prática pa gã
totalmente repudiada pelas Escrituras e abominada por Deus (cf. Ex.22:18; 1Sm.28:3).
Deus não enviaria o seu servo Samuel a falar com o rei Saul se Ele próprio havia proibido
esse tipo de comunicação! A razão pela qual a comunicação com os mortos era proibida é
porque quem aparece de fato é um demônio, e não “espíritos”, já que, como vimos,
“espírito” na Bíblia não tem parte nenhuma com uma entidade imaterial presa dentro do
nosso corpo com personalidade e consciência.

Em quarto lugar, Deus ordenou que Saul devia morrer exatamente em decorrência desta
atividade de buscar estabelecer esse tipo de comunicação proibida pelo próprio Deus (cf.
1Cr.10:13). Ora, se Deus decidiu se comunicar com o rei Saul por aquele meio
(“permitindo” a aparição de Samuel a ele), então Ele terminou traindo ao rei! Como
podemos imaginar um Deus traiçoeiro assim? Pois além de ser volúvel por determinar algo
e logo em seguida mudar de ideia (passando a ideia de alguém que passa por cima de Suas
próprias regras), ainda castiga com morte o rei justamente porque foi em busca de uma
comunicação proibida, mas que, na verdade, teria sido propiciada pelo próprio Deus!

Em quinto lugar, porque Samuel, como profeta de Deus, não iria tomar a iniciativa de
atender ao chamado de uma feiticeira, o que contrariaria diretamente a ordem divina de

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 125


que os vivos não busquem comunicar-se com os mortos. Além disso, não se submeteria às
regras de necromancia, que não iriam jamais interferir em alguém que realmente estivesse
na presença de Deus. As Escrituras afirmam que quem buscasse a prática de necromancia
seria contaminados por ela (cf. Lv.19:31; Ap.22:15).

Se Samuel atendesse ao chamado da feiticeira estaria contribuindo para uma prática


condenada por Deus, e, além disso, estaria se contaminando em decorrência disso, e se
assim sucedesse nem mesmo poderia mais voltar à companhia divina, pois na presença de
Deus não entra quem se contamine (cf. Ap.21:27).

Então, de duas possibilidades, temos apenas as seguintes propostas:

(1) Ou Deus ordenou que Samuel se apresentasse a Saul, o que é improvável e antilógico,
tendo em vista que Ele não quis comunicar-se com Saul pelos meios legais e lícitos (v.6),
seguindo-se que muito menos iria se comunicar com ele justamente mediante uma prática
condenada por Ele próprio (cf. Lv.24:7) e, pior que isso, depois puni-lo com a morte
justamente por esta prática propiciada pelo próprio Deus!

(2) Ou foi Samuel quem quis se apresentar ao chamado da feiticeira por conta própria, algo
que é ainda mais absurdo, tendo em vista que ele estaria se contaminando com esta prática
e estaria indo contra as permissões do próprio Deus. Se a premissa 1 estiver errada, então
Deus não quis se comunicar com Saul por tal meio, e, se Samuel mesmo assim se
apresentou a Saul, então ele só poderia ter “passado por cima” das ordens de Deus ao se
apresentar à feiticeira. De qualquer modo, a encruzilhada é notável: ou Deus ordenou que
Samuel se apresentasse (o que já vimos que é ilógico e de todo incoerente), ou então
Samuel passou por cima do próprio Deus (muito, muito mais ilógico e incoerente!). A única
conclusão lógica que podemos chegar é que não foi Samuel quem se apresentou a Saul em
En-Dor.

Em sexto lugar, se foi de fato Samuel quem se apresentou para Saul, então teríamos que
dar crédito para todas as sessões espíritas abrindo uma clara possibilidade de eles estarem
realmente se comunicando com os “espíritos”. Afinal, se Samuel pôde tranquilamente se
apresentar diante daquela feiticeira mesmo sendo contra a v ontade e a Palavra de Deus,
quem é que garante que o mesmo não pode se repetir nos dias de hoje, e os “espíritos” (de
santos, inclusive) apareçam com “mensagens” às pessoas vivas da terra?

Em sétimo lugar, o que a feiticeira diz ter visto foi um ser sobre natural, ou seres
sobrenaturais — “um deus-elohim”. Este termo é utilizado com grande frequência quando
com relação a falsos deuses (cf. Gn.35:2; Êx.12:12; Êx.20:3), e Paulo nos diz que o agente
que atua por detrás dos “deuses” são os demônios (cf. 1Co.10:20). Portanto, nada mais
aconteceu senão “o próprio Satanás se transfigurando em anjo de luz” (cf. 2Co.11:14). Vale
ressaltar que em momento nenhum da Bíblia o profeta Samuel é descrito como sendo um
“deus” (elohim), mas o diabo, sim, este é descrito como sendo o “deus deste século”
(cf. 2Co.4:4). Portanto, é muito mais lógico e coerente que quem tenha se apresentado
tenham sido demônios, e não o próprio profeta.

Em oitavo lugar, porque o referido ser que a feiticeira viu “subia de dentro da terra”
(v.13). Ora, os seres “divinos” não vem de “dentro da terra” (tal citação é estranha à
Bíblia), mas sim do alto (cf. Gn.22:11,15; 2Rs.2:11; Is.6:1,2; Is.32:15; Lc.2:13,14;
Mt.3:16,17; Ap.14:6). Os próprios imortalistas entram em séria contradição com a sua

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 126


própria teologia aqui neste ponto, pois eles afirmam que o espírito que possuímos é uma
“alma imortal” com consciência e personalidade que sobrevive à parte do corpo após a
morte, e Salomão, ainda nos tempos do Antigo Testamento, afirma que o espírito sobe
para Deus após a morte (cf. Ec.12:7).

Portanto, se o espírito é a tal “alma imortal”, então os espíritos ou almas imortais deveriam
estar no Céu na época do Antigo Testamento, e não debaixo da terra. Consequentemente,
Samuel estaria lá em cima, com Deus, ent re os salvos, e não “debaixo da terra”, de onde
a feiticeira o viu. Ela disse claramente que “vejo deuses que sobem da terra” (v.13), e não
que descem do Céu.

Então, visto que o espírito sobe para Deus e não “desce” para debaixo da terra, se fosse o
Samuel verdadeiro ele não estaria sendo visto “subindo da terra”, a não ser que o espírito
dele tenha subido para Deus, depois descido de novo para debaixo da terra, depois subido
de novo para atender à necromancia da feiticeira... enfim... diante de tamanha c ontradição
lógica só nos resta desacreditar na implausível interpretação que alguns imortalistas fazem
desta passagem, dizendo que era mesmo Samuel quem apareceu e caindo em uma série de
contradições insuperáveis pela frente, que inteiramente refutam tal t eoria mirabolante.

Em nono lugar, porque a “predição” do suposto Samuel de que “amanhã tu e teus filhos
estareis comigo” (v.19) significaria então que os profetas de Deus e reis apóstatas
compartilham a mesma habitação após a morte? Não, isso é um absurdo e antibíblico.
Mesmo se Samuel estivesse vivo em algum lugar, Saul (um rei ímpio de acordo com a
Bíblia) não estaria na mesma habitação de Samuel! Se o espírito de Samuel estava no
Paraíso com Deus, então de modo algum que Saul, um rei ímpio, estaria com o próprio
Samuel após a morte.

O pseudo-Samuel cria que justos e ímpios partilhariam conscientemente o mesmo lugar


após a morte, estaria um junto do outro, o que é negado pela própria teologia imortalista!
Como crer em um “Samuel” que cai em tantas contradições ao ponto de contradizer a
própria teologia imortalista com as suas declarações? E como podem os imortalistas
fazerem uso dessa passagem como suposta “prova” da imortalidade da alma, se ela quando
analisada em seu todo refuta as próprias crendices populares sobre Céu e inferno e destinos
diferentes entre justos e ímpios após a morte e antes da ressurreição?

De acordo com a própria teologia popular que segue a tendência imortalista, os ímpios já
estão no inferno e os justos já estão no Céu e, portanto, Saul não estaria “comigo” (junto
com Samuel) mas sim queimando em uma outra dimensão enquanto Samuel desfrutava
das bênçãos paradisíacas (enquanto atendia o chamado de feiticeiras...). Veja que é a
própria doutrina imortalista entrando novamente em contradição com ela mesma.

Em décimo lugar, segundo boas traduções (como a versão inglesa King James e a
espanhola Reina Valera), a feiticeira disse que avistava “deuses”, no plural (v.13). Será
que Samuel veio acompanhado de um comitê de santos que subiam da terra para atender
ao chamado da feiticeira? Não, tudo indica que tratavam-se de espíritos malignos.

Em décimo primeiro lugar, porque Saul não foi entregue nas mãos dos filisteus (v.19), como
dizia a profecia do pseudo-Samuel. A profecia indicava que Saul viria a ser morto pelas
mãos dos filisteus. Mas o fato é que Saul se suicidou (cf. 1Sm.31:4), e veio parar nas mãos
dos homens de Jabes-Gileade (cf. 1Sm.31:11-13), e não dos filisteus (nem Saul e nem os

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 127


moradores de Jabes-Gileade eram filisteus). Saul apenas passou pelas mãos dos filisteus,
mas não foi entregue aos filisteus. Ele foi entregue aos cidadãos de Jabes-Gileade, após
cometer suicídio. Claro que o pseudo-Samuel não podia prever esse detalhe.

Em décimo segundo lugar, porque a profecia de “Samuel” era que no dia seguinte “tu e teus
filhos estarão comigo” (v.19). Isto indica que todos os filhos de Saul estariam com ele, pois
não foram feitas exceções na mensagem de Samuel. Na me lhor das hipóteses, a maioria
dos filhos [em geral] estariam mortos com ele. Contudo, metade dos filhos não morreram.
Saul tinha seis filhos e três deles sobreviveram. Morreram na batalha Jônatas, Abinadabe e
Malquisua (cf. 2Sm.31:8-10; 21:8).

Alguns imortalistas contestam este fato alegando que a profecia poderia ser considerada
verdadeira se somente um filho morresse. Isso, porém, não é verdade. Ela não diz “alguns
dos teus filhos”, mas diz claramente “os teus filhos”. Se isso não implica em totalidade, pelo
menos implica em maioria geral. Mas nem em um caso nem em outro a profecia obteria
êxito, visto que a metade dos filhos de Saul permaneceram vivos após a batalha!

Esses fatos contrastantes tornam essas profecias de “Samuel” uma flagrante contradição
com o testemunho da parte de Deus a respeito do verdadeiro Samuel, que “nenhuma das
suas palavras deixou cair em terra" (cf. 1Sm.3:19). Por mais que Satanás quisesse colocar
os filhos (a profecia não traz exceção a ninguém e ainda generaliza) na morte, apenas
conseguiu isso com a metade deles. Como o diabo não é onisciente como Deus é, ele não
pôde fazer profecias exatas, mas apenas generalizações, em estilo sibilino, e ainda por cima
erradas, quando muito apenas parcialmente corretas.

Em décimo terceiro lugar, e provavelmente o maior de todos os vários erros da “pro fecia”
do pseudo-Samuel, vemos ele afirmando que “amanhã você e seus filhos estarão comigo
(mortos)” (v.19). Entretanto, isso só ocorreu dias depois, e não no dia seguinte (cf.
1Sm.30:1; 31:1-6). Alguns imortalistas tentam contornar tamanha contradição tão evidente
entre o relato do pseudo-Samuel e este fato bíblico dizendo que a palavra “amanhã” refere -
se a um tempo indefinido, o que implica que Saul e seus filhos não precisariam morrer no
dia seguinte.

Contudo, a palavra utilizada no original hebraico para “amanhã” neste texto é mahar, que
significa realmente dia seguinte, e não um tempo indefinido, como em Êxodo 9:5:1, 1ª
Samuel 20:5, Provérbios 3:28, Isaías 22:13 e em outros textos. A palavra utilizada para
“amanhã”, portanto, tem o sentido de dia seguinte, e não de tempo indeterminado.

Se o pseudo-Samuel cresse que a morte de Saul e de seus filhos não fosse no dia seguinte
mas em algum tempo mais tarde, teria empregado o plural (“daqui alguns dias”), ou
expressões mais gerais de um tempo indeterminado ainda que iminente, como “em breve”,
ou simplesmente não mostraria nenhuma expressão temporal, muito menos empregaria
mahar, que significa dia seguinte, se soubesse que seria em qualquer outro dia menos no
dia seguinte! Na verdade, as contra-argumentações imortalistas, que carecem inteiramente
de fundamento bíblico, servem apenas para tentar contornar o fato óbvio de que o pseudo-
Samuel que se apresentou em En-Dor errou, errou e errou em suas predições.

Em qualquer outro lugar da Bíblia onde mahar é apresentado eles nem sequer contestam o
fato de que se trata realmente do dia seguinte, mas, como aqui vai contra a teologia deles,
então eles precisam apelar e dizer que aqui, e somente aqui, essa palavra tem um “sentido

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 128


diferente e mais amplo”, que não significa aquilo que sempre significa em todo o Antigo
Testamento, e que “Samuel” preferiu a utilizar mesmo correndo o risco de ser “mal
interpretado” quando poderia ter empregado inúmeras expressões diferentes que poderiam
se encaixar corretamente no tempo da morte de Saul e seus filhos!

De fato, fica difícil ver quem erra mais: se foi Saul com as suas predições ou se são os
imortalistas em suas inúteis tentativas de tentar negar a todo o custo o óbvio da Bíblia
Sagrada a fim de defender uma profecia nitidamente falsa. Finalmente, em décimo quarto
lugar, a Bíblia diz que Saul entendeu que era Samuel (cf. 1Sm.28:14). Partindo do
pressuposto de que o rei Saul havia entendido (na percepção dele) que tratava-se de
Samuel, o texto continua relatando como era na visão deste. Foi Saul que “ deduziu” que o
vulto que subia da terra, ao qual ele não via, era o profeta Samuel. Não foi Deus que
disse que era Samuel, foi o rei Saul que entendeu que supostamente tratar-se-ia
de Samuel.

Com efeito, a alegação imortalista de que o texto bíblico fala de “Samuel” e não de
“demônio” fracassa exatamente em não admitir o óbvio do texto bíblico, de que este tratava
o caso do ponto de vista do próprio Saul e de acordo com o entendimento deste. Saul
realmente achava que era Samuel, por isso o texto diz que “Saul entendeu que era
Samuel” (v.14) e continua o relato de acordo com a opinião de Saul, isto é, que se tratava
de Samuel e não de um espírito maligno. Ignorar que o texto está retratando claramente a
percepção de Saul e não dando um “veredicto” sobre se era ou não Samuel é
simplesmente ignorar a exegese correta do texto em seu todo. Exemplos similares a este
ocorrem aos montões no Antigo Testamento.

Por exemplo, sabemos que o sol não “parou” de fato, mas a Bíblia afirma que o sol parou
(cf. Js.10:13). Por que a Bíblia disse isso? Ela mentiu? Não, ela apenas relatou aquele
acontecimento do ponto de vista de Josué, que com o conhecimento limitado da época
achou que o sol havia “parado”. Ou seja, embora a Bíblia diga que “o sol parou”, o que ela
quer dizer com isso é que Josué entendeu que o sol havia parado. Da mesma forma, o texto
de 1ª Samuel 28 retrata o acontecimento do ponto de vista de Saul, como também o verso
14 deixa bem claro.

Embora esteja escrito que “era Samuel”, o que ela quer dizer com isso é que Saul entendeu
que era Samuel, que com o seu conhecimento limitado das coisas espirituais achou que era
o profeta “subindo de dentro da terra”. Sendo assim, é errado tentar tirar alguma noção de
“argumento” em cima do fato de que o texto bíblico traz “Samuel” e não “demônio”, a não
ser que o entendimento de Saul estivesse correto, o que provamos aqui que não estava, por
todas as razões apresentadas acima.

Concluímos, pois, que não foi Samuel quem se manifestou em En-Dor. Tudo não passou de
uma fraude e artimanha de um espírito maligno. Satanás é experiente, perito em
contrafazer as coisas de Deus, e até mesmo em imitar falsamente os mortos. Nem com
sessão espírita a imortalidade da alma consegue se sustentar. O fato é que os escritores
bíblicos, inspirados pelo Espírito Santo, jamais falaram em imortalidade da alma, mas
sempre respaldaram frequentemente que os mortos passam inconscientes o sono da morte
(cf. Sl.13:3; Ec.9:5,6; Ec .9:10; Sl.146:4; Sl.6:5; Sl.115:17; Sl. 13:3; Jó 14:11,12;
Sl.30:9; Is.38:18; Is.28:19; Sl.94:17). E, contra fatos, não há argumentos – nem mesmo
sessão espírita.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 129


VI–A alma no lugar de silêncio

“Se o Senhor não fora em meu auxílio, já a minha alma habitaria no lugar do silêncio ” (cf.
Salmo 94:17)

Essa informação, presente no Salmo 94, é também de extrema importância para


compreendermos o pensamento dos escritores do Antigo Testamento, também guiados pelo
Espírito Santo assim como os do Novo. Já provamos aqui neste estudo, por tudo o que
analisamos até aqui, que a doutrina do Antigo Testamento é fortemente contrária à posição
de imortalidade da alma e a qualquer tipo de vida inteligente entre a morte e a
ressurreição, e refutamos as interpretações errôneas que os imortalistas fazem em cima de
algumas passagens veterotestamentárias usadas como suposta “evidência” de vida após a
morte em um estado desencarnado.

O nosso próximo passo, agora, é refutarmos os argumentos que são usados por boa parte
deles a fim de negar tão tamanha evidência bíblica acerc a do pensamento dos escritores
bíblicos do Antigo Testamento relacionado ao estado dos mortos. Para muitos teólogos da
imortalidade da alma, todas as posições sobre os mortos tratam-se apenas e tão somente
do corpo. Isso é errado por vários motivos. Em primeiro lugar, porque, como vimos no
capítulo 3, a natureza humana é holista, e não dualista. Em outras palavras, quando nós
morremos, é a pessoa integral que morre. Isso é muito claro nas Escrituras Sagradas que o
conceito de “alma” e “espírito” na Bíblia não remete a uma alma imortal com personalidade
própria ou a um segmento preso dentro de nós que é liberto por ocasião da morte.

Em segundo lugar, porque seria completamente ilógico os escritores do Antigo Testamento


escreverem tanto sobre a vida após a morte e fazerem sempre referencias a “perecem os
pensamentos” (cf. Sl.146:4), “não sabem de nada” (cf. Ec.9:5), “sua memória jaz no
esquecimento” (cf. Ec.9:5); “não tem lembrança de Deus” (cf. Sl.6:5), “não louvam ao
Senhor” (cf. Is.38:19), “já não existe” (cf. Jó 7:21), dentre tantas inúmeras citações que
poderíamos aqui citar, e estarem sempre falando só do corpo, nunca da alma! É totalmente
inimaginável que tais pessoas estivessem tão excessivamente preocupadas em narrar tanto
o estado de um simples corpo morto ao invés de falar sobre a vida pós -morte espiritual!

Esperaríamos justamente o c ontrário: que eles constantemente fizessem amplas descrições


daquilo que realmente importa, do destino da alma e do ser racional após a morte, e nã o de
uma simples “carcaça” que nada mais vale. Será que os autores bíblicos iriam desperdiçar o
tempo deles fazendo descrições de um mero corpo morto que já virou pó, quando poderiam
ter a oportunidade de descrever o que seria muito mais importante, que se ria o lado
consciente e racional que os imortalistas atribuem à alma? Lógico que não! Portanto, alegar
que os autores bíblicos estavam sempre narrando o estado corporal depois da morte e não
o estado da alma (i.e, do ser racional ativo e pensante) é incorrer em uma grande
incoerência lógica.

Além disso, fato é que os próprios imortalistas associam o “verdadeiro eu” (i.e, o lado
racional, a consciência humana) à alma ou ao espírito. Eles dizem que você é um espírito,
possui uma alma e habita em um corpo. Em outras palavras, este seu corpo é um mero
revestimento, pois a sua consciência, racionalidade, fonte dos pensamentos, é tudo
relacionado à alma, e não ao corpo. O interessante é que o salmista disse explicitamente
que na morte “os pensamentos perecem” (cf. Sl.6:5). Se a racionalidade é atribuída à alma

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 130


e não ao corpo, é lógico que a citação bíblica diz respeito à alma. Não esperaríamos que o
salmista dissesse que depois da morte não há mais pensamentos se estes continuassem no
pós-vida através do mesmo “processador” que os mantinha ativos aqui na terra: a alma.

Em terceiro lugar, a descrição é com relação ao estado dos mortos. Quanto a isso não
resta dúvidas de que eles sabiam muito bem que era um estado de plena inconsciência,
caracterizado como um “sono” (cf. Jó 14:11-12; cf. Sl.76:5; 90:5), e nisso vemos
unanimiidade entre todos os salmistas e escritores do Antigo Testamento. Se o estado dos
mortos fosse de consciência e de atividade, então a figura usada não seria uma que indica
que os mortos estão dormindo, mas uma que indicasse que eles estão acordados. O fato do
“sono” ser utilizado como metáfora para o estado dos mortos prova que os escritores
bíblicos acreditavam que os mortos não estavam conscientes, pois se assim o fosse
escolheriam uma metáfora de “acordado”, e não de “dormindo”.

Em quarto lugar, as referências tratam-se de indivíduos, e não de meros corpos. É a


pessoa integral que morre, é a pessoa integral que perecem os pensamentos. Deus não
disse: “no dia em que comerdes dela, vossos corpos morrerão enquanto vossa alma
sobreviverá num estado desincorporado”. Antes, declarou: “Vós”, ou seja, a pessoa inteira,
“morrereis”. Deus não disse que “a alma que pecar, essa viverá eternamente em um estado
desencarnado”; ao contrário, disse que “a alma que pecar, essa morrerá” (cf. Ez.18:4).

No livro de Daniel, o próprio Deus chega a ele e diz: “Tu, porém, vai até ao fim; porque
descansarás, e te levantarás na tua herança, no fim dos dias” (cf. Dn.12:13). Deus estava
falando com indivíduo Daniel ou só com o corpo dele? “Tu, porém” é uma referência ao
próprio Daniel como pessoa, e não somente ao corpo dele! “...porque descansarás”... quem
descansarás? O indivíduo Daniel ou só o corpo dele? Não seria melhor então Deus corrigir a
sua frase para não confundir ou enganar Daniel e dizer: “porque o teu corpo
descansarás”... como induzem os imortalistas? Não, Deus não disse para Daniel: “teu corpo
dormirá, mas você ficará comigo”! É ao próprio Daniel, a pessoa integral, que são referidas
todas essas coisas. Deus estava falando com o ser racional de Daniel, e é o seu ser racional
que “descansaria” com a morte e só “despertaria” no final dos dias.

É extremamente confuso e incoerente crer que Deus estava falando apenas com o corpo
de Daniel, mas não com o ser racional pensante (alma) dele! Ele não estava falando
apenas com a “carcaça”, Ele estava falando com o ser pensante, racional, o verdadeiro “eu”,
que na visão dos imortalistas é a alma. Portanto, a passagem se aplica à alma. Mas quando
eles veem que essa mesma passagem fala em descansar e se levantar (i.e, morrer e
ressuscitar) para somente no final dos tempos entrar na sua herança celestial, aí a conversa
muda, não é mais a alma não, é só o corpo mesmo!

Então, a regra “exegética” dos imortalistas baseia-se no seguinte raciocínio: o “verdadeiro


eu” do ser humano é a alma, e, portanto, as citações diretas ao “eu” se referem à alma, ao
indivíduo como ser racional. Mas se algum texto bíblico fala do “eu” dormindo,
ressuscitando ou em estado inconsciente, aí não é mais a alma, é só o corpo mesmo! Essa
teologia confusa só pode ser fruto do desespero em precisar negar a obviedade dos textos
bíblicos que clarissimamente negam um estado consciente do ser racional na morte.

As suas crenças baseadas numa tradição que diz que a alma é imortal é tão forte que eles
são forçados, estando ou não de acordo com as regras básicas da exegese e da
hermenêutica, a negarem a priori qualquer texto bíblico que fale do “eu” em estado

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 131


inconsciente, ou de morte, ou de ressurreição, conquanto que em todas as outras ocasiões
na Bíblia este “eu” se refira à alma. Isso tudo somente para salvar uma crença confusa,
antibíblica e cheia de engano, que necessita de verdadeiros “malabarismos teoló gicos” para
sustentá-la. Por mais incrível que possa parecer, os imortalistas conseguem o extraordinário
feito de “interpretarem” Daniel 12:13 da seguinte maneira:

“Tu – isto é, o teu corpo, mas não a tua alma – vai até o fim; porque o teu corpo
descansarás, e somente ele se levantará na sua herança, no fim dos dias, enquanto você já
estará comigo no Céu muito antes disso”

Vejam só até onde eles precisam chegar para salvar a tese da alma imortal! De fato, a
interpretação simples, correta e objetiva dessa passagem mostra exatamente o inverso
disso:

“Tu [i.e, o indivíduo como pessoa, o ser racional, corpo e alma], porém, vai até ao fim;
porque [tu – corpo e alma, ser integral] descansarás, e [tu – corpo e alma, ser integral]
levantarás na tua herança, no fim dos dias”

O sujeito (“tu”), como vimos, se aplica ao próprio Daniel como pessoa, e a pessoa não se
resume ao seu corpo somente, mas a corpo e alma. E este mesmo sujeito é repetido
no mesmo contexto sequencialmente em se tratando de morte e ressurreição, e de entrar
na herança celestial somente no fim dos tempos. Definitivamente, uma exegese honesta e
sincera desfaz completamente as “interpretações” dos imortalistas, porque um exame
bíblico sincero e honesto desmente completamente o engano da imortalidade da alma.

Em quinto lugar, os escritores falavam da vida do além: “Tudo quanto te vier à mão para
fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além, para onde vais, não há obra, nem
projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma” (cf. Ec.9:10 - ARA). E é no “além” que
não há obra, projeto, conhecimento ou sabedoria! No “além” [Sheol] não existe inteligência
ou razão [khesh-bone'], logo, não há consciência. A palavra aqui utilizada no original
hebraico é “Sheol”, que, segundo os imortalistas, é a morada consciente dos espíritos,
enquanto que a sepultura seria o destino unicamente do corpo. Ocorre que Salomão diz que
no Sheol, isto é, neste local que os imortalistas dizem estar a alma à parte do corpo e
vivendo conscientemente, não há obra, nem projetos, nem conhecimento e nem
sabedoria alguma.

Como poderiam eles estarem fazendo referência apenas ao corpo, se o autor bíblico fala do
“além” [Sheol], que os próprios imortalistas admitem ser o destino da alma e não do corpo,
e dizem que neste local para onde a alma vai não existe qualquer c onhecimento, sabedoria
ou obra? Se fosse mesmo da opinião dos escritores bíblicos de que é apenas o corpo que
fica inconsciente após a morte, eles não teriam retratado o Sheol (onde ficaria a alma)
como um local onde não existe consciência, no máximo falariam da sepultura (onde ficaria o
corpo) desta maneira. Portanto, as citações dizem respeito ao corpo e à alma, ao todo do
ser humano, ao ser vivo como pessoa, corpo e alma, e não apenas a uma parte dele.

Em sexto lugar, os escritores do Antigo Testamento não acreditavam que a alma


permanecia viva, mas que ela morria: “Preparou caminho à sua ira; não poupou as suas
almas da morte, mas entregou à pestilência as suas vidas” (cf. Sl.78:50); “Quem contará o
pó de Jacó e o número da quarta parte de Israel? Que a minha alma morra da morte dos
justos, e seja o meu fim como o seu” (cf. Nm.23:10); “E naquele mesmo dia tomou Josué a

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 132


Maquedá, feriu-a a fio de espada, e destruiu o seu rei, a eles, e a toda a alma que nela
havia; nada deixou de resto: e fez ao rei de Maquedá como fizera ao rei de Jericó” (cf.
Js.10:28). Se a alma morre, então ela não é imortal. E, se os escritores bíblicos não
hesitavam em mencionar a morte da alma, então as diversas menções explícitas à
inexistência no pós-vida não tem relação somente ao destino do corpo.

Em sétimo lugar, a Bíblia também declara que o local da alma seria a cova (não era apenas
o destino corporal): “Eis que foi para minha paz que tive eu grande amargura; tu, porém,
amaste a minha alma e a livraste da cova da corrupção, porque lançaste para trás de ti
todos os meus pecados” (cf. Is.38:17); “Ele resgatou a minha alma, impedindo-a de descer
para a cova, e viverei para desfrutar a luz” (cf. Jó 33:28). Embora os escritores bíblicos
pudessem perfeitamente colocar em pauta a sua visão “dualista” de que era apenas o corpo
morto que partiria para a sepultura, enquanto a alma supostamente tomasse um rumo
diferente, eles fazem questão de mencionar que o destino do corpo é o mesmo destino da
alma – a cova (cf. Sl. 94:17; Is. 38:17; Jó 33:28; Jó 33:18; Jó 33:22; Jó 33:30). Se eles
retratavam a alma na cova, então não era crença deles de que fosse apenas um corpo
morto que já descesse na morte.

O que vemos em todo o Antigo Testamento é, portanto, a confirmação daquilo que nós
vimos historicamente: que a doutrina da imortalidade da alma era completamente estranha
para os hebreus, só se tornando realidade para os helenistas a partir da diáspora judaica. É
mais do que claro que, para os escritores do Antigo Testamento, a alma ia para apenas um
lugar após a morte, que por sinal era o mesmo de justos e ímpios: a sepultura (Sheol).

Este é o lugar de silêncio do qual o salmista fala, este é o local onde pere cem os
pensamentos (cf. Sl.146:4), onde é impossível louvar a Deus ( cf. Sl.6:5), onde os mortos
não sabem de coisa nenhuma (cf. Ec.9:5), onde a memória dos mortos jaz no esquecimento
e perecem sentimentos de amor, ódio e inveja (cf. Ec.9:5,6), o local onde não há mais
sabedoria alguma e nem planejamento (cf. Ec.9:5), o local onde a pessoa já não existe (cf.
Jó 7:21) e para a alma [a própria pessoa] vai após a morte (cf. Sl.94:7; Is.38:17).

Não é no Céu ou no inferno. É no pó da terra (cf. Gn.3:19; Sl.22:15; Is.26:19; Jó 7:21;


Dn.12:2). Haverá, porém, o dia em que “muitos dos que dormem no pó da terra
despertarão, uns para vida eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno” (cf.
Dn.12:2). Essa é a verdade bíblica, presente não só na teologia do Antigo Testamento, mas
também a mesma do Novo, como veremos no próximo capítulo.

VII–Conclusão

Pelos escritos do Antigo Testamento, podemos afirmar categoricamente a crença deles de


que:

Numeração Declarações relativas ao estado dos Base bíblica


mortos veterotestamentária
1 Os mortos não estão cônscios de Eclesiastes 9:5
coisa nenhuma
2 Um cachorro vivo vale mais do que Eclesiastes 9:4
um leão morto
3 No “além” [Sheol] não há sabedoria Eclesiastes 9:10

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 133


[khok-maw']
4 No “além” [Sheol] não há Eclesiastes 9:10
conhecimento [dah'-ath]
5 No “além” [Sheol] não há inteligência Eclesiastes 9:10
[khok-maw']
6 No “além” [Sheol] não há dispositivo Eclesiastes 9:10
de razão [khesh-bone']
7 Apenas os vivos [os que estão Eclesiastes 4:2
“debaixo do sol”] estão com vida
8 A vantagem dos homens sobre os Eclesiastes 3:19
animais é nenhuma
9 O destino de bons e de ímpios é o Eclesiastes 2:14,15
mesmo depois da morte
10 O destino dos homens e dos animais Eclesiastes 3:20
é o mesmo depois da morte
11 Fôlego de vida é a mesma coisa que Gênesis 2:7; Jó 33:4;
espírito 32:8; Isaías 42:5
12 O fôlego de vida dos homens é o Eclesiastes 3:19
mesmo dos animais e não há
diferença entre eles
13 O espírito de toda a carne [justos e Eclesiastes 12:7
ímpios] volta para Deus por ocasião
da morte
14 A memória dos mortos jaz no Eclesiastes 9:5
esquecimento
15 Sentimentos como amor, ódio e Eclesiastes 9:4
inveja já pereceram para os mortos
16 Na morte não há lembrança de Deus Salmos 6:5
17 Os mortos não louvam ao Senhor Isaías 38:19
18 Na morte os homens não têm Salmos 30:9
proveito nenhum para Deus
19 Os mortos não pensam Salmos 146:4
20 Os mortos estão numa terra de Salmos 115:17
silêncio
21 A alma vai para um lugar de silêncio Salmos 94:17
22 A alma vai para a cova Jó 33:18,22,28
23 Nós só veremos a Deus no tempo do Jó 19:25-27
fim
24 Nós só veremos a Deus após a Salmos 17:15
ressurreição
25 Nós só entramos em nossa herança Daniel 12:13
celestial na ressurreição do final dos
dias
26 Os mortos não olham mais para a Isaías 38:11
humanidade
27 Os mortos estão numa terra de Salmos 88:12
esquecimento
28 O único destino do homem após a Jó 17:13
morte é a sepultura

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 134


29 O homem é como os animais que Salmos 49:12
perecem
30 As referências ao “dormir” tratam-se Daniel 12:13
de indivíduos, do ser racional, e não
de meros corpos
31 Até não haver mais céus, o homem Jó 14:10-12
não despertará e nem levantará de
seu sono
32 O homem na morte já não existe e Jó 7:21
Deus não pode encontrá-lo
33 O homem na morte torna-se como Jó 14:11-12
um lago ou rio cujas águas se
secaram
34 O homem não levanta de seu estado Jó 14:12
de inatividade até “não existirem
mais céus”
35 Os ímpios não possuirão uma Salmos 21:9; 37:22; 37:9;
eternidade, mas serão devorados, 37:10; Provérbios 10:25
consumidos, eliminados, não
existirão e serão exterminados
36 Os ímpios deixarão de existir e Salmos 104:35; 49:8,9;
apenas os justos viverão para Provérbios 2:22; 19:16;
sempre 11:19
37 No dia do Juízo, o Senhor não Malaquias 4:1
deixará nem raiz e nem ramo dos
ímpios
38 Neste mesmo dia, os ímpios se farão Malaquias 4:3
em cinzas debaixo dos pés dos justos
39 A alma repousa após a morte Salmos 23:13
40 A alma também pode sofrer Salmos 49:8,9
decomposição; contudo, é passível
de ser resgatada [na ressurreição]
para viver para sempre e não sofrer
decomposição [na sepultura]
41 Os mortos não mais confiam na Isaías 38:18
fidelidade de Deus
42 Os mortos não falam da fidelidade de Salmos 88:12
Deus
43 Não existem gritos no “além” (Sheol) Jó 3:18
44 Sheol não é uma “morada de Gênesis 37:35; Salmos
espíritos”, mas uma figura da 141:7
sepultura
45 O “além” (Sheol) é um lugar de Jó 3:11,13,17; 3:18
repouso
46 O Sheol é um lugar de silêncio Salmos 115:17; 94:17
47 O Sheol é um lugar de escuridão (e Jó 10:20,21; Salmos
não de “fogo”, o que remeteria a 88:10-12
luminosidade)
48 São os ossos (e não “espíritos”) que Salmos 141:7
descem ao Sheol na morte

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 135


49 Os mortos não veem mais a luz Salmos 49:19
50 Todos descem para o Sheol na morte Jó 3:11-19
51 O Sheol é o pó da terra Jó 17:16
52 O local de habitação na morte é no Isaías 26:19
pó da terra
53 A consciência dos mortos é Salmos 30:9
comparada com o pó da terra – ou
seja, não há nenhuma
54 Até as ovelhas vão para o Sheol na Salmos 49:14
morte
55 O mau não está no inferno. Está Jó 21:28-32
“reservado” no túmulo até o dia do
juízo
56 O homem tornou-se (não “obteve”) Gênesis 2:7
uma alma
57 Não existe alma sem sangue Levítico 17:11; Gênesis:
9:4,5
58 O corpo é a alma visível Levítico 19:28; 21:1,11;
22:4; Números 5:2;
6:6,11; 9:6,7,10; 19:11,13
59 A estrutura dos homens é puramente Salmos 103:14; Gênesis
o pó 18:27
60 Apenas os vivos possuem o “espírito Gênesis 7:15
de vida”
61 A alma [nephesh] pode ser Josué 10:28, 30, 32, 35,
totalmente destruída 37, 39
62 O processo que ocorre aos homens é Salmos 104:29; Eclesiastes
o mesmo processo que sucede aos 3:19,20
animais na morte
63 Espírito significa “vida” e não um ser Salmos 104:29; Jó 12:10
inteligente que sai do corpo na hora
da morte
64 Tanto homens como animais expiram Salmos 104:29; Eclesiastes
o espírito-ruach na morte 12:7
65 A alma morre Ezequiel 18:4,10
66 A alma é exterminada Josué 10:28
67 A morte do corpo é a morte da alma Números 31:19; 35:15,30;
Josué 20:3,9; Gênesis
37:21;
68 A alma-nephesh pode ser Deuteronômio 11:9
transpassada mortalmente
69 Se você matar uma alma, poderá Josué 20:3
fugir para uma cidade de refúgio
70 A alma emagrece Salmos 106:15
71 A alma sente sede Isaías 29:8
72 A própria vida vai para a sepultura Salmos 88:3
após a morte
73 A alma vai para a cova da corrupção Isaías 38:17
[sepultura]

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 136


74 Até o sangue desce ao Sheol na 1 Reis 2:9
morte
75 O homem é um ser mortal e não Jó 9:2; 10:15; 4:17;
imortal Salmos 56:4; 9:17; Isaías
51:12
76 O Antigo Testamento nunca usa os Nunca usa mesmo
termos para “eterno” ou “imortal”
para a alma
77 O homem retorna para o pó na morte Salmos 103:14; Gênesis
3:19; 18:27
78 Os animais também são Gênesis 1:20,21,24,30;
denominados de “almas viventes” 2:19; 9:10,12,15,16
79 O homem não comeu da árvore da Gênesis 3:24
vida para ser imortal vivendo
eternamente
80 A presença da “árvore da vida” no Gênesis 2:9
jardim do Éden indica que a
imortalidade era condicional à
participação do fruto de tal árvore
81 O conhecimento do bem e do mal foi Gênesis 2:22,23
adquirido ao comerem da árvore da
ciência do bem e do mal; mas a
imortalidade não foi adquirida pois o
homem não comeu da árvore da vida
82 No relato da Criação de Gênesis 1 e 2 Nada mesmo
nada é dito de Deus ter formado
dentro do homem uma “alma” ou
“espírito” imortal
83 Os animais também possuem Gn.6:17; Gn.7:21,22;
espírito-ruach Gn.7:15; Sl.104:29
84 O homem certamente morreria Gênesis 2:7
(Heb.: Morrendo, morrerás)
85 A mentira da serpente [Satanás] é a Gênesis 3:4
base da doutrina imortalista:
“Certamente que não morrerás”

Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso e honestidade constata com facilidade que
definitivamente os escritores do Antigo Testamento não acreditavam absolutamente em
nenhuma vida logo após a morte. Eles tinham a consciência de que só voltariam de seu
estado de inatividade com o despertar da manhã da ressurreição. Esse pensamento não é
contrário ao do Novo, pelo contrário, o ensinamento neotestamentário confirma o Antigo.

VIII–Estavam enganados os escritores do Antigo Testamento?

“Deus não é homem para que minta, nem filho de homem para que se arrependa” (cf.
Números 23:19)

Até este ponto já vimos inúmeras evidências claras de que nenhum escritor do Antigo
Testamento acreditava em uma vida logo após a morte ou em um estado intermediário das

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 137


almas. Também já refutamos os argumentos usados pelos imortalistas numa tentativa de
anular as esmagadoras evidências do Antigo Testamento. À luz de tudo isso, devemos
perguntar: “estariam certos os escritores do Antigo Testamento em pregar a inconsciência
após a morte, ou eles estariam enganados em suas teologias por terem pouco
conhecimento”?

Por mais estranho que possa parecer, sim, existem imortalistas mais honestos, que
admitem que os escritores do Antigo Testamento negavam a vida após a morte, mas
tentam contornar este fato dizendo apenas que “eles tinham um conhecimento limitado” e
que o Novo Testamento “corrigiu o Antigo” e começou a pregar a imortalidade da alma.
Porém, não restam dúvidas que os escritores do Antigo Testamento não estavam sendo
enganados. Na verdade, se os escritores veterotestamentários estavam sendo enganados,
então quem os estava enganando era o Espírito Santo, pois é Ele quem inspirou as
Sagradas Letras:

“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a
correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e
perfeitamente habilitado para toda boa obra” (cf. 2ª Timóteo 3:16)

Notem que toda a Escritura é declarada como sendo inspirada, o Antigo Testamento não
era uma exceção à regra. Se, portanto, eles erraram, então erraram inspirados pelo Espírito
Santo! Ou pior: o próprio Espírito Santo, que inspirou as Escrituras, levou os escritores do
Antigo Testamento a errarem! Eles estavam escrevendo enganos inspirados!

De fato, a única diferença entre os escritores do Antigo e do Novo Testamento é que no


Novo o foco é maior na ressurreição dos mortos para a vida eterna, enquanto que no Antigo
o foco é maior no estado imediato pós-morte, uma vez que eles não conheciam Jesus para
saberem que são ressuscitados com a Sua Volta, embora soubessem que no final seriam
ressuscitados e recompensados para herdarem a vida eterna (cf. Dn.12:2; Jó 19:25-27;
Sl.58:9-11; Sl.37:22; Sl.37:9). Ou seja: ambos refutam a imortalidade da alma, mas cada
um da sua maneira.

Os autores do Antigo Testamento não estavam inspiradamente errados e nem enganando o


povo do século XXI, a única coisa que mudava era o foco, concentrado no estado dos
mortos imediatamente após a morte: de inconsciência. No Novo Testamento, a ressurreição
de Cristo assegura a nossa própria ressurreição (cf. 1ª Coríntios 15), como primícia
daqueles que dormem para um dia entrarem na vida eterna. Por isso, enquanto o foco
veterotestamentário é no estado atual dos mortos de inconsciência, o foco
neotestamentário é totalmente na ressurreição dos mortos para a vida eterna, como
veremos mais adiante neste estudo ao analisarmos o Novo Testamento e a sua posição com
relação à vida pós-morte.

É fato que eles sabiam que, no tempo do fim, voltariam a ver a Deus (cf. Jó 19:25-27),
quando até não mais “existirem os céus” (cf. Jó 14:11). O salmista também escreve que
Deus não esqueceria a sua alma no Sheol, mas lhe receberia com Ele (cf. Sl.49:15), o que o
Novo Testamento atribui à ressurreição dentre os mortos (cf. At.2:27). O Antigo
Testamento nos mostra a realidade da ressurreição “para a vida eterna ou para o desprezo
eterno” (cf. Dn.12:2), e que eles entrariam na herança quando se “levantassem” (cf.
Dn.12:13), uma figura da ressurreição. Davi deixa implícito que um dia os mortos
ressurgiriam para louvar a Deus (cf. Sl.88:10), e em outra passagem deixa claro que veria

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 138


a Deus “quando despertasse” (cf. Sl.17:15), novamente um indicador da ressurreição dos
mortos.

Jesus Cristo também aplica o texto de Êxodo 3:6 {Sou o Deus de Isaque, Abraão e Jacó}
como prova da ressurreição dos mortos (cf. Lc.20:37). Em Atos 13:34,35, vemos Paulo
aplicando o texto de Isaías 55:3 como prova da ressurreição. Neste mesmo livro, há a
menção explícita de que “os vossos mortos revivam; que seus cadáveres ressuscitem!” (cf.
Is.26:19). Ezequiel nos diz que a alma pode sofrer a morte final ou viver (cf. Ez.18:4,20), e
o salmista afirma que “a herança deles [dos salvos] será eterna” (cf. Sl.37:18) e que terão
uma vida eterna (cf. Sl.37:27).

Quanto à realidade do juízo vindouro, eles também tinham esse conhecimento, pois
afirmavam que “o Senhor não o abandonará em suas mãos e, quando for julgado, não o
condenará” (cf. Sl.37:33). Eles sabiam que seriam julgados, mas esperavam não sofrer a
condenação. Da mesma, Salomão também inclui o fato de que os mortos seriam julgados
um dia, quando Deus um dia "de todas estas coisas nos pedirá contas" (cf. Ec.11:9). O
próprio “livro da vida” era realidade não apenas ao período neotestamentário, mas no
próprio Antigo Testamento (cf. Sl.69:28; Sl.139:16; Êx.32:33).

Por tudo isso (e muito mais) torna-se inútil a tentativa frustrada por parte dos imortalistas
em dizer que os escritores do Antigo Testamento não tinham o devido conhecimento por
suas “limitações da época” ou que não acreditavam na ressurreição para a vida eterna ou
no juízo vindouro. É claro que eles acreditavam nestas coisas, só não aceitavam na doutrina
herética da imortalidade da alma e, por isso, não faziam menção nenhuma a ela. Ademais,
existem certas passagens do Antigo Testamento que não podem ser um “engano” dos
escritores por “falta de conhecimento”, simplesmente porque é o próprio Deus vivo
(imutável, que não pode mentir) que disse tal coisa.

Por exemplo, em Ezequiel 18:4,20 (ao falar da morte da alma) é o próprio Deus falando ao
profeta, e não apenas um pensamento deles. Também em Daniel 12:13 é o próprio Deus
dizendo ao profeta que este só entraria na sua herança prometida no final dos tempos ,
através da ressurreição dos mortos (ser “levantado” – cf. Dn.12:13 com Jo.3:14; 12:32, 34,
que é uma figura da ressurreição) para só neste momento entrar na sua herança, no final
dos tempos, e não imediatamente em seguida por meio de uma “alma imortal”. Isso não
era apenas um “pensamento do profeta”, mas era o próprio Deus falando para ele, e Deus
não pode mentir.

Inúmeros exemplos poderiam ser citados aqui. E, mesmo quando é apenas o escritor bíblico
fazendo as suas ponderações, temos que lembrar que e le estava sendo dirigido e inspirado
pelo Espírito Santo (cf. 2Tm.3:16). Embora tenham sido homens aqueles que escreveram
as mensagens, "nunca, jamais, qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto,
homens falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo" (cf. 2Pe.1:21). O Espírito
Santo é imutável. Isso significa que ele não poderia ter inspirado um autor a escrever uma
coisa sobre os mortos e depois inspirado outro a escrever uma coisa totalmente diferente.

A Bíblia não é contraditória em seus ensinamentos. Os escritores do Antigo Testamento


sabiam que iam levantar do estado de inatividade (cf. Dn.12:13; Dn.12:2; Jó 19:25-27;
Sl.49:15; Sl.73:21-24). Essa não é uma posição contraditória à do Novo Testamento, muito
pelo contrário, é a mesma do Novo (cf. 1Co.15:18; 1Co.15:22,23; Jo.14:3; 2Tm.4:6-8).
Jamais poderíamos imaginar que os escritores do Novo Testamento fossem contradizer o

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 139


Velho! Ainda mais quando vemos noções de que a única fonte de fé deles era a Escritura, e
não a tradição judaica, sabiam também que toda Escritura era divinamente inspirada (cf.
2Tm.3:16), e citavam inúmeras vezes partes da Escritura para basear os seus ensinos,
principalmente tratando-se das epístolas apostólicas.

Fica muito claro que todos os apóstolos liam as Escrituras e as compreendiam, colocavam-
nas como a fonte de fé divinamente inspirada e baseavam os seus escritos fundamentando-
se também naquilo que tinham de Escritura na sua época - o Antigo Testamento. Os
cristãos de Bereia foram desafiados a consultarem nas Escrituras para verem se aquilo que
Paulo dizia era mesmo verdade (cf. Atos 17:11), e eles foram elogiados por isso. Temos que
lembrar que, naquele tempo, a única “Escritura” que eles possuíam era precisamente
o Antigo Testamento.

É completamente impossível pensarmos que os apóstolos estavam pregando um evangelho


diferente daqueles que eles tinham como referência no Antigo Testamento. Se Paulo
pregasse a imortalidade da alma contraditoriamente ao ensinamento claro do Antigo
Testamento, os cristãos de Bereia teriam “desmascarado” ele, pois estes “eram mais nobres
do que os tessalonicenses, pois receberam a mensagem com grande interesse,
examinando todos os dias as Escrituras [AT], para ver se tudo era assim mesmo ”
(cf. At.17:11). Até mesmo Jesus desafiava a procurarem na Escritura, o Antigo Testamento
(cf. Mt.21:42).

Jesus citava repetidamente o Antigo Testamento, que era a Escritura vigente em Seu
tempo. Reconhecia sua autoridade como livro histórico, como um manual de instrução da
vida prática, e também como fonte de doutrina religiosa. O apóstolo João também diz para
examinar as Escrituras (cf. Jo.5:39), a exemplo de Paulo que incentivava Timóteo a
examinar a Escritura (cf. 2Tm.3:15) e a dedicar-se à leitura pública dela (cf. 1Tm.4:13).
Devemos sempre lembrar que a única Escritura que eles tinham disponível naquela época
era exatamente os escritos do Antigo Testamento. Jesus Cristo repetidamente citava as
Escrituras e mantinha a sua firme posição de que o Antigo Testamento era a Palavra de
Deus escrita, afirmando inúmeras vezes que "está escrito ... está escrito ... está escrito ..."
(cf. Mt.4:4,7,10).

Esta frase aparece mais de noventa vezes no Novo Testamento, o que nos mostra que não
apenas Jesus, mas todos os apóstolos criam ser o Antigo Testamento regra confiável de fé e
doutrina que não poderia ser anulada, confirmando a suprema autoridade divina da Palavra
de Deus escrita. Ao contrário do que pensam alguns, o Antigo Testamento não é apenas um
bom livro de regras morais, mas é também regra de doutrina religiosa, de fonte de ensino
(cf. 2Tm.3:16). Afinal, “tudo que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito” (cf.
Rm.15:4)!

Ademais, as Escrituras declaram enfaticamente que “é impossível que Deus minta" (cf.
Hb.6:18). O apóstolo Paulo confirma o fato declarando que "Deus que não pode mentir" (cf.
Tt.1:2), pois Ele é “o mesmo ontem, hoje e eternamente” (cf. Hb.13:8), Ele é o Senhor e
não muda (cf. Ml.3:6), é o Deus onisciente, “que não muda como sombras inconstantes”
(cf. Tg.1:17) e, portanto, não poderia colocar doutrinas falsas em Sua Palavra e depois ter
mudado de opinião no Novo Testamento, especialmente em doutrina religiosa com relação à
vida após a morte.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 140


Ele é a Verdade (cf. Jo.14:6), e Jesus declarou ao Pai que “a tua Palavra é a verdade” (cf.
Jo.17:17). Não há como imaginarmos que poderia haver alguma mentira incluída nas
Escrituras sobre o estado dos mortos, pois isso faria de Deus um mentiroso, mas “as tuas
palavras são em tudo verdade” (cf. Sl.119:160). Em tudo, inclusive no Antigo Testamento!
O Antigo Testamento é Palavra de Deus tanto quanto o Novo e, por isso, não pode mentir e
nem mudar de opinião como parte dos imortalistas pensam que mudou. Jesus referiu-se ao
Antigo Testamento como sendo a "Palavra de Deus", que "não pode falhar" (cf. Jo.10:35).
Ela veio “da boca de Deus” (cf. Mt.4:4) e, por isso, não contém falsos ensinamentos.

Jesus confirmou várias vezes que o Antigo Testamento era Pa lavra de Deus ao afirmar aos
fariseus que eles estavam "invalidando a palavra de Deus" pela sua própria tradição (cf. Mc
7:13). Paulo declara a mesma posição ao referir-se às Escrituras como sendo "a palavra de
Deus" (cf. Rm.9:6). Enquanto Paulo lhes expunha as Escrituras (AT), a Bíblia afirma que ele
expunha a “palavra de Deus” (cf. At.13:44; At.18:11). Os cristãos que foram dispersos
anunciavam a “palavra de Deus” (cf. At.13:5), tendo como única fonte de fé exatamente o
Antigo Testamento. Igualmente, o autor de Hebreus afirma que eles presisavam serem
ensinados “novamente sobre os princípios elementares da palavra de Deus” (cf. Hb.5:12). O
único lugar onde os hebreus eram ensinados era nas Escrituras; o autor de Hebreus,
portanto, a coloca como a sendo a “palavra de Deus”.

Isso tudo nos mostra que o Antigo Testamento era considerado como “Palavra de Deus”, e
Deus não pode mentir, enganar, mudar de ideia depois ou ter falta de conhecimento sobre
determinado tema. É bem notório que “aquele que desobedecer a um desses mandamentos,
ainda que dos menores, e ensinar os outros a fazerem o mesmo, será chamado menor no
Reino dos céus” (cf. Mt.5;19). Jesus afirmou categoricamente que "até que o céu e a terra
passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra" (cf. Mt 5:18).
Os defensores da imortalidade da alma não apenas tiram vários “is” ou “tios” de Eclesiastes,
dos Salmos, de Daniel, Jó, de Isaías, Ezequiel, etc, como também adicionam nela o que eles
jamais mencionaram: a falsa doutrina da imortalidade da alma.

Não, os apóstolos não eram contrários àquilo que a Palavra lhes ensinava. Ensinamentos
morais de regra de doutrina e de fé, jamais poderiam ter sido alterados! Isso nada mais é
do que uma artimanha maligna para desqualificar as doutrinas bíblicas, negar a
infalibilidade doutrinária das Escrituras e negar que um mesmo Espírito inspirou e dirigiu
ambos os Testamentos que não podem ser contraditórios entre si. Um confirma o outro, e
não o anula ou o altera como “totalmente ultrapassado”! O que Satanás mais quer é anular
a Escritura, que “jamais pode ser anulada” (cf. Jo.10:35), passando a ideia de que os
ensinamentos veterotestamentários estão ultrapassados e fora de tempo e que o Novo
Testamento contradiz o Antigo Testamento e a Bíblia choca-se consigo mesma em questão
de doutrina.

Essa artimanha maligna tem enganado milhões de pessoas no mundo todo que acabam
mesmo que impropositalmente renegando o Antigo Testamento que é a Palavra do Deus
vivo, desacreditando nela e, pior ainda, se opondo às Escrituras! A conclusão que vemos,
que ficará ainda mais clara após analisarmos o conteúdo do Novo Testamento, é que eles
não contrariavam o Velho, pelo contrário, o confirmavam. O Novo Testamento não anula
o Velho, mas o confirma, porque os dois fazem parte da Palavra de Deus escrita,
que não engana ninguém.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 141


Para refutar tais indivíduos, não basta simplesmente dizer que o Antigo Testamento está na
Bíblia tanto quanto o Novo Testamento. Eles vão dizer que a circuncisão, a guarda do
sábado e outros ritos cerimoniais, festas judaicas, lei mosaica, foi tudo abolido na Nova
Aliança. E pra eles a mortalidade da alma foi junto e a alma se tornou imortal, ou melhor,
“descobriram” isso! Ocorre aqui que o que foi abolido na Antiga Aliança não tem nada a
ver com assuntos sobre vida após a morte, mas sim com a lei cerimonial, isto é com
o lado cerimonial da lei que impunha uma série de obrigações ao povo judaico, a maioria da
qual foi abolida por Cristo na Nova Aliança, chegando ao fim desde que Jesus ressuscitou.

Desde que Jesus ressuscitou não precisamos mais nos circuncidar no oitavo dia, não
precisamos mais celebrar um ano do Jubileu, não precisamos de mais cidades de refúgio,
não precisamos festejar a festa do Purim, fazer ofertas diversas que estavam prescritas na
Lei, observar dias de festa, sacrificar um cordeiro todos os dias, etc. Porque essas coisas
chegaram fazem parte da lei cerimonial judaica, e foi substituída por alguma outra coisa
no Novo Testamento.

Por exemplo, a circuncisão foi substituída pelo batismo (cf. Cl.2:11-12), o sacrifício de
cordeiros foi substituído pelo sac rifício do Cordeiro de Deus, Jesus Cristo (cf. Hb.9:13-14), o
sábado cerimonial era uma representação descanso celestial eterno (cf. Hb.4:4-11), e assim
por diante. Mas a imortalidade ou mortalidade da alma não é uma obrigação
cerimonial da lei judaica! Ou seja: não tem nada a ver! Impossível que a alma fosse
mortal até Jesus morrer na cruz e imortal depois que Ele ressuscitou! Isso não tem qualquer
ligação com as cerimônias judaicas que foram abolidas no Novo Concerto! Prova disso é que
os próprios pregadores da imortalidade da alma (sejam católicos ou protestantes) pregam
muitas coisas provenientes do Antigo Testamento.

Para ser mais sincero, a maioria das pregações atuais baseiam-se muito mais no Antigo
Testamento do que no Novo. Pregam sobre os patriarcas, sobre os reis de Israel, sobre os
Dez Mandamentos, sobre o dízimo, sobre não fazer imagens de escultura b aseando-se em
Êxodo 20:4 (que desde que me lembro se encontra no AT), sobre não falar o nome de Deus
em vão (apenas alusões sobre juramentos são feitas no NT, mas sobre não falar o nome de
Deus em vão em qualquer situação é mandamento apenas do AT, não sendo repetido no
NT, e mesmo assim todos consideram verdadeiro), sobre não praticar incesto (que por
incrível que pareça só se encontra no AT e não no NT, e mesmo assim todos concordam que
incesto é errado), enfim, pregam inúmeras coisas (doutrinas e práticas) baseando-se no
Antigo Testamento.

Isso significa que eles próprios creem na validade doutrinal do Antigo Testamento para os
nossos dias (embora nem sempre confessem isso abertamente). Se eles creem também no
Antigo Testamento, isso significa que nem t udo do Antigo Testamento foi abolido. Temos,
assim, que usar de critério para sabermos o que foi abolido e o que não foi. Não é
simplesmente fazer como os imortalistas fazem à moda do “bem me quer, mal me quer”
dizendo simplesmente: “essa doutrina eu gosto, ela fica, mas essa eu não gosto, então ela
foi abolida”. Não! Como em tudo na vida, não é o gosto pessoal que determina o que foi
abolido e o que não foi. O que determina é aquilo que Paulo disse aos Colossenses:

“Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma
maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os
principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo. Porta nto,
ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 142


nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo” (cf.
Colossenses 2:14-17)

Aqui Paulo fala sobre o que que Cristo aboliu (riscou) com a entrada da Nova Aliança. Ele
afirma que Cristo riscou uma cédula de ordenanças, cravando-a na cruz. Ou seja: há coisas
que Cristo deu um fim nelas depois que morreu. Então, para que a questão não ficasse por
demais “vaga”, em aberto, ele afirma expressamente o que é isso que Cristo aboliu: os ritos
e leis cerimoniais da lei judaica relacionados à comida e bebida, aos dias de festa e
sábados. Em outras palavras, ele diz que o que foi abolido diz respeito às práticas e ritos
cerimoniais da lei judaic a, como já foi explanado. É isso o que vai embora, e não assuntos
como a vida após a morte, como alguns creem! É evidente que a vida após a morte não era
um cerimonial ou rito da lei judaica.

Portanto, as questões relacionadas aos ritos e cerimônias juda icas que estão prescritos na
lei deles chegaram ao fim, mas os outros assuntos que não tem relação com a lei cerimonial
(que não foram ordenanças dadas somente aos judeus de acordo com a cultura deles)
continuam valendo, evidentemente. É por isso que inces to é proibido, que usar o nome de
Deus em vão é pecado, que a imortalidade da alma é uma falsa doutrina. Porque o Antigo
Testamento condena expressamente essas coisas, e elas não têm qualquer relação com
“leis cerimoniais”!

Sendo assim, a pretensão daqueles que querem por um “fim” ao Antigo Testamento naquilo
que tange ao estado pós-morte fracassa absolutamente. Não, Deus não deixou o povo em
“trevas” no Antigo Testamento sem saber nada sobre a vida após a morte e os enganando
fazendo-os pensar que não existia vida após a morte quando existia. Deus desde sempre
deixou claro que a vida eterna é somente após a ressurreição, e isso desde os tempos do
Antigo Testamento!

Os que dizem que não, geralmente argumentam que o povo do Antigo Testamento não
tinha conhecimento sobre os assuntos relacionados à vida após a morte, o que incluiria a
ressurreição, evidentemente. Mas isso é puramente uma clara distorção da verdade. O
Antigo Testamento ensina clara e explicitamente a ressurreição, tanto quanto
nega clara e explicitamente a imortalidade da alma. É por isso que Daniel fala em
ressurreição:

“E muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão [quwts], uns para vida eterna, e
outros para vergonha e desprezo eterno” (cf. Daniel 12:2)

É por isso que Isaías também explicitamente fala em ressurreição:

“Os teus mortos e também o meu cadáver viverão e ressuscitarão [quwts]; despertai e
exultai, os que habitais no pó, porque o teu orvalho será como o orvalho das ervas, e a
terra lançará de si os mortos” (cf. Isaías 26:19)

E é por isso que o salmista também usa exatamente a mesma palavra no hebraico utilizada
por Daniel e por Isaías para descrever a ressurreição, em um contexto em que ele deixa
claro que ele só veria a Deus depois que “despertasse” [quwts – ressuscitar], e não antes
disso:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 143


“Quanto a mim, feita a justiça, verei a tua face; quando despertar [quwts], ficarei
satisfeito em ver a tua semelhança” (cf. Salmos 17:15)

A ressurreição aparece outras incontáveis vezes no Antigo Testamento de forma indireta,


mas só de mostrar que Davi, Isaías e Daniel escreveram explicitamente sobre a
ressurreição (e ainda dizendo que só obteriam vida eterna e veriam a Deus depois dessa
ressurreição ter se consumado) já nos deixa claro e lúcido que os autores do Antigo
Testamento tinham sim uma visão concreta sobre o que aconteceria após a morte. Assim
como acontece dezenas de vezes no Novo Testamento, os escritores do Antigo Testamento
também falavam sobre ressurreição, também diziam que obteriam vida somente após ela
ter se consumado e também criam que o estado pós-morte era um “sono”:

“Ilumina- me os olhos, para que eu não durma o sono da morte” (cf. Salmos 13:3)

Além disso, eles também tinham uma visão sobre o “livro da vida”, que seria um livro onde
estariam anotados os nomes dos salvos que herdariam a vida eterna:

“Sejam eles tirados do livro da vida e não sejam incluídos no rol dos justos” (cf. Salmos
69:28)

“Os teus olhos viram o meu embrião; todos os dias determinados para mim foram escritos
no teu livro antes de qualquer deles existir” (cf. Salmos 139:16)

“Respondeu o Senhor a Moisés: Riscarei do meu livro todo aquele que pecar contra mim”
(cf. Êxodo 32:33)

Eles também tinham uma visão bem concreta de que existiria uma vida eterna:

“Muitos daqueles que dormem no pó da terra despertarão, uns para uma vida eterna,
outros para a ignomínia, a infâmia eterna” (cf. Daniel 12:2)

“Ele vos pediu a vida, vós lha concedestes, uma vida cujos dias serão eternos” (cf.
Salmos 21:4)

“O Senhor vela pela vida dos íntegros, e a herança deles será eterna” (cf. Salmos 37:18)

“É como o orvalho do Hermon, que desce pela colina de Sião; pois ali derrama o Senhor a
vida e uma bênção eterna” (cf. Salmos 133:3)

E eles também tinham uma visão bem concreta no que tange ao pós-morte na questão do
juízo. Criam que Deus um dia julgaria todos os homens:

“E saía um rio de fogo, de diante dele. Milhares de milhares o serviam; milhões e milhões
estavam diante dele. O tribunal iniciou o julgamento, e os livros foram abertos” (cf. Daniel
7:10)

“Por isso os ímpios não resistirão no julgamento, nem os pecadores na comunidade dos
justos” (cf. Salmos 1:5)

“O Senhor reina para sempre; estabeleceu o seu trono para julgar” (cf. Salmos 9:7)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 144


“Trarei vocês para o deserto das nações e ali, face a face, os julgarei” (cf. Ezequiel 20:35)

“Pois Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo o que está escondido, seja
bom, seja mal” (cf. Eclesiastes 12:14)

“Alegre-se, jovem, na sua mocidade! Seja feliz o seu coração nos dias da sua juventude!
Siga por onde seu coração mandar, até onde a sua vista alcançar; mas saiba que por todas
essas coisas Deus o trará a julgamento” (cf. Eclesiastes 11:9)

Portanto, tendo em vista tudo isso, dizer que as provas bíblicas abundantes que negam
explicitamente a imortalidade da alma com uma objetividade incontestável “não valem”
somente porque estão no Antigo Testamento, alegando que os escritores bíblicos daquela
época não tinham conhecimento sobre a vida após a morte, é totalmente errado porque:

1º O Antigo Testamento é Palavra de Deus tão inspirada e inerrante em matéria de fé


quanto o Novo (cf. 2Tm.3:16), é fonte de ensino doutrinário (cf. Rm.15:4), é “peneira”
contra falsos ensinos (cf. At.17:11), e, como Deus não pode mentir (Tt.1:2), nem mudar
(cf. Ml.3:6), nem a Sua Palavra falhar (cf. Sl.33:4), jamais teria inspirado errado qualquer
escritor bíblico do Antigo Testamento, nem tampouco permitido que em Sua Palavra
houvessem enganos como fruto de um suposto “conhecimento limitado” em termos de
matéria de fé. Jesus disse que “a Escritura não pode ser anulada” (cf. Jo.10:35). Sendo que
na sua época toda “Escritura” que eles possuíam era o Antigo Testamento, é lógico que
Cristo estava proibindo que anulassem alguma matéria de fé por algum outro ensinamento
(a lei cerimonial não era matéria de fé e doutrina, mas costumes, cerimoniais e rituais
prescritos aos judeus, e isso que chegou ao fim na Nova Aliança).

2º Os próprios imortalistas creem em muitas coisas que estão no Antigo Testamento


(mesmo naquelas que não são explicitamente repetidas no Novo Testamento, tal como não
fazer imagens de escultura, não usar o nome de Deus em vão e não praticar incesto).

3º O que chegou ao fim na Nova Aliança diz respeito à lei cerimonial judaica relacionada
aos ritos e ordenanças prescritos ao povo judeu na época da Antiga Aliança (cf. Cl.2:14-17).
Não tem absolutamente nada a ver com a crença ou descrença na mortalidade ou
imortalidade da alma e no estado dos mortos!

4º Os escritores do Antigo Testamento tinham sim uma visão concreta sobre o que
aconteceria depois da morte. Eles escreviam explicitamente sobre o sono da morte (cf.
Sl.13:3), sobre ressurreição dos mortos (cf. Dn.12:2), sobre a existência do livro da vida
(cf. Sl.69:28) e sobre a realidade do dia do juízo (cf. Ec.12:14) , assim como os escritores
do Novo Testamento, que não mudaram nada daquilo que os autores do Antigo acreditaram
e escreveram sobre isso; pelo contrário, reiteraram a realidade de que a morte é um sono e
que a vida eterna é depois da ressurreição e do juízo para condenação final. Ou seja: os
escritores do Antigo Testamento tanto tinham uma visão concreta sobre o destino pós -
morte que os seus ensinos sobre isso serviram como base de tudo aquilo que foi
exaustivamente repetido no Novo Testamento sobre este tema! O Novo Testamento não
mudou nem acrescentou nada ao Antigo, apenas confirmou e reiterou amplamente as
verdades já contidas no tempo veterotestamentário.

5º Portanto, é de todo incoerente dizer que o Antigo Testamento “não vale”. Se Deus havia
revelado a eles a ressurreição dos mortos, por que iria “esconder” a imortalidade da alma
deles? O que Ele ganharia com isso? Tudo o que iria fazer seria deixá -los confusos, crendo

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 145


em uma mentira, e pior ainda: escrevendo na Bíblia, a Palavra de Deus inspirada, infalível e
inerrante, que a alma morre (cf. Js.10:28), é destruída (cf. Ez.22:27), não é poupada da
morte (cf. Sl.78:50), é eliminada (cf. Êx.31;14), é totalmente destruída (cf. Nm.31:19), é
devorada (cf. Ez.22:25), é assassinada (cf. Nm.35:11), é exterminada (cf. At.3:23) e desce
à cova na morte (cf. Jó 33:22). E, além disso, que...

1. Os mortos não podem louvar a Deus, mas somente os vivos – Sl.6:5; Is.38:19.

2. No Sheol (“morada dos mortos”) não há lembrança de Deus – Sl.6:5.

3. No Sheol Deus não é louvado e nem lembrado – Sl.6:5; Is.38:18,19.

4. Os que estão no Sheol não confiam na fidelidade de Deus – Is.38:18.

5. O Sheol é um local de escuridão – Sl.88:12.

6. O Sheol é uma terra de esquecimento, e não de memória – Sl.88:12.

7. Deus está “escondido” daqueles que estão no Sheol – Sl.143:7.

8. Ao morrer, os pensamentos perecem – Sl.146:4.

9. Um cachorro vivo vale mais do que um leão morto – Ec.9:4.

10. Os mortos não sabem de coisa nenhuma – Ec.9:5.

11. A memória dos mortos jaz no esquecimento – Ec.9:5.

12. Sentimentos como o amor já desapareceram para eles – Ec.9:5.

13. No além não há obra, nem projeto, nem conhecimento e nem sabedoria alguma –
Ec.9:10.

E contra isso não há lei.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 146


CAPÍTULO 5 – A CRENÇA NA IMORTALIDADE DA ALMA NO NOVO TESTAMENTO

I–Introdução ao Capítulo

Já vimos até aqui que a noção da natureza humana na concepção hebraica bíblica é de uma
natureza holista e não dualista do ser humano, confirmado pela descrição da criação
humana de Gênesis 1 e 2 e pelos escritos veterotestamentários que negam em completo a
doutrina de que o corpo é a prisão de uma alma imortal.

A visão bíblica do Antigo Testamento era de que o homem é uma alma, e não de que ele
possui uma, por isso é tão constante a linguagem denotativa de inconsciência no pós-
morte e da própria morte da alma. A noção de dualidade só veio a se tornar realidade para
os judeus helenistas a partir do período intertestamentário, depois da conclusão do Antigo
Testamento, quando o povo judeu esteve exposto na diáspora judaica à f ilosofias e culturas
helenistas (gregas), que mantinham forte influência nos povos dispersos, incluindo a
concepção do dualismo impregnado por Platão na Grécia Antiga.

Nosso próximo passo, a partir de agora, será estabelecer se o Novo Testamento altera a
Palavra de Deus escrita no Antigo Testamento ou se a apoia, no tocante à natureza humana
e seu destino. Uma absurda falácia que é constantemente utilizada pelos imortalistas como
uma tática de pressão é a de que os mortalistas tem que apelar para as passagens do
Antigo Testamento, porque o Novo não traria vantagem nenhuma à crença na mortalidade
da alma.

Isso, na verdade, é um conceito completamente deturpado do Novo Testamento. Em


primeiro lugar, a Bíblia é uma coisa só. O Antigo Testamento deve ser utilizado como regra
de fé e doutrina tanto quanto o Novo e é tão inspirado quanto o Novo. Em segundo,
pessoalmente, se tivesse que escolher entre o Antigo ou o Novo Testamento para anular a
imortalidade da alma, eu ficaria mil vezes com o Novo. O Novo Testamento não só confirma
o Antigo, como também possui inúmeras provas contra a imortalidade da alma muito mais
do que o Antigo Testamento possui, como veremos ao longo de todo o resto deste estudo.

Prossiga a leitura, e você verá que, de fato, um mesmo Espírito dirigia ambos os
Testamentos, divinamente inspirados, que não se contradiz em naquilo que afirmam e que
não entram em choque entre si. A visão do Novo Testament o confirma a visão do Antigo
porque o que os apóstolos tinham como fonte de fé e base de doutrina em sua época (as
Escrituras) eram exatamente os escritos veterotestamentários que negam a visão dualista
de imortalidade da alma. Começaremos com aquilo que foi diretamente dito por Jesus, e
depois passaremos às epístolas apostólicas.

Muitas refutações de teses imortalistas serão feitas nesta parte, cada uma por sua ordem.
Serão passados a partir de agora não somente as provas neotestamentárias da mortalidade
da alma, como também um longo estudo sobre todas as passagens que são utilizadas pelos
imortalistas, como supostas provas do dualismo platônico na Bíblia , refutando todas as
defeituosas interpretações que são feitas em cima delas, e, como veremos, a maioria delas
são provas contra (e não a favor) da visão dualista, sendo descaradamente tiradas de seu
devido contexto ou que não respeitam a regra gramatical dos manuscritos originais do Novo
Testamento, escritos em grego.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 147


CAPÍTULO 5.1 – JESUS PREGOU A IMORTALIDADE DA ALMA?

“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou
preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei
comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais” (cf. João 14:2,3)

Nós não entraremos em nossas moradas celestiais depois que morrermos, mas quando Ele
voltar. Isso entra em total acordo com o ensinamento bíblico acerca de quando seremos
ressuscitados dentre os mortos e vivificados, que se rá exatamente nesta segunda vinda:
“Pois da mesma forma como em Adão todos morreram, em Cristo todos serão vivificados.
Mas cada um por sua vez: Cristo, o primeiro; depois, quando ele vier, os que lhe
pertencem” (cf. 1Co.15:22,23). Se Cristo tivesse a intenção de lhes pregar a imortalidade
da alma indubitavelmente diria que os lugares estariam disponíveis aos salvos conforme
fossem morrendo e as suas almas se achegassem no Céu para assumi-las.

Mas, se Cristo não ensinou a imortalidade da alma, como entender determinadas passagens
bíblicas que tem sido constantemente vistas pela ótica dualista? A primeira delas que
veremos, e que talvez seja a mais explorada pelos imortalistas, é a parábola do rico e do
Lázaro. Para tanto, muitas quest ões terão que ser abordadas aqui. Questões históricas e
bíblicas, que poucas pessoas levam em consideração, mas que são de extrema importância
para chegarmos a uma conclusão satisfatória.

II–A Parábola do rico e do Lázaro

Um argumento bastante usado pelos dualistas é de que não se trata de uma parábola, pois
ela possui nomes. Ora, isso é totalmente compreensível pelo fato de que os judeus
colocavam Abraão acima de Jesus: “Nosso pai é Abraão ... És maior do que o nosso pai
Abraão?” (cf. Jo.8:39,53; Mt.3:9). O que simplesmente Jesus faz é pôr na boca Abraão
exatamente as palavras que ele teria dito em pessoa: “Se não ouvem a Moisés e aos
profetas, tão pouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos”
(cf. Lc.16:31).

Para isso é evidente que teria que citar nomes. Além disso, não há absolutamente nenhuma
regra que obrigue que uma parábola não tenha nomes. Jesus contou parábolas sem precisar
dizer para as pessoas: “Atenção, isso é uma parábola...”! A parábola do rico e do Lázaro fica
entre parábolas, como podemos ver a seguir:

CAP.14 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA GRANDE FESTA


CAP.15 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA OVELHA PERDIDA
CAP.15 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA MOEDA PERDIDA
CAP.15 DE LUCAS – A PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO
CAP.16 DE LUCAS – A PARÁBOLA DO ADMINISTRADOR DESONESTO
CAP. 16 DE LUCAS – A ******** DO RICO E LÁZARO
CAP.17 DE LUCAS – A PARÁBOLA DO EMPREGADO
CAP.18 DE LUCAS – A PARÁBOLA DA VIÚVA E DO JUIZ

Nisso fica claro que a história tratava-se realmente de uma parábola. A parábola diz que
"havia também certo mendigo, chamado Lázaro, coberto de chagas, que jazia à porta

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 148


daquele; e desejava alimentar-se das migalhas que caiam da mesa do rico; e até os cãe s
vinham lamber as úlceras" (cf. Lc.16:20,21). Igualmente, vemos que o homem rico da
parábola não era apenas rico, mas vaidoso e se vestia do melhor daquilo que podia usufruir:
"púrpura e linho finíssimo" (cf. Lc.16:19). Ele “todos os dias se regalava esplendidamente”
(cf. Lc.16:19), ou seja, era de absolutamente alta classe.

Ponderamos: onde é que você já viu um banquete de alta classe de um rico que permitisse
que um mendigo cheio de chagas ficasse sentado à sua porta, e que, além disso, ainda
deixava que comesse das migalhas de sua mesa? Se isso já é uma possibilidade
altissimamente improvável nos nossos dias, isso era completamente impossível de
acontecer naquela sociedade judaica.

O rico de jeito nenhum iria permitir que os seus visitantes (também ricos tais como ele)
passassem pela porta com um mendigo, que, além disso, ainda estava coberto de chagas,
em uma doença contaminosa, possivelmente a própria lepra, comum naqueles dias. Isso
não faz a personalidade de um judeu rico daquela época (muito menos um que teria sido
mandado para o inferno em seguida). Como se esse cenário não fosse suficientemente
improvável, ainda vemos também cachorros que lambiam as suas chagas! Quando vemos
tal cenário, vemos que isso era impossível!

Tratava-se somente de uma história que Jesus criou do mesmo modo que ele criou outras
histórias (parábolas) com uma lição moral a ser dela retirada. E, de fato, Cristo tinha um
ponto muito importante para chamar a atenção de seus ouvintes, como veremos mais
adiante. Para isso ele usava uma parábola, como é a do rico e do Lázaro. Cristo não
precisava dizer: “Olha, gente, isso é uma outra parábola”; pelo simples fato de que ele
“nada lhes dizia sem usar alguma parábola” (cf. Mt.13:34).

Em Lucas 12:41 os seus discípulos interpretaram um ensinamento de Cristo como sendo


uma parábola, mas em lugar nenhum vemos Cristo dizendo que aquilo era uma parábola
(ver Lucas 12:35-41). Os seus discípulos sabiam que ele lhes falava por meio de parábolas
ao contar histórias, e não precisavam questioná-lo quanto a isso, muito menos quando tal
história localiza-se exatamente no meio de outras histórias parabólicas! O mesmo quadro
ocorre em Mateus 7:17, quando os seus discípulos interpretam os seus ensinos como sendo
uma parábola (cf. Mt.7:15-17), embora em lugar nenhum Cristo tenha feito qualquer
questão de mencionar que aquilo tratava-se realmente de uma parábola.

Em outra ocasião, em Mateus 15:14, Pedro identifica um ensinamento de Cristo como sendo
uma parábola, embora em lugar nenhum Jesus tenha feito questão de ressaltar que aquilo
era mesmo uma parábola, e em Lucas 6:39 o evangelista conta o mesmo ensinamento mas
omite que aquilo tratava-se de uma parábola. Se Lucas conta o mesmo relato encontrado
em Mateus e não diz que se tratava de uma parábola (sendo que em Mateus está bem claro
que era), então vemos que Lucas citava parábolas de Cristo sem necessariamente afirmar
estar se tratando de uma parábola. Mas se toda vez que Cristo contasse parábolas tivesse
que haver a menção de que aquilo é uma parábola, então Mateus entraria em contradição
com Lucas, pois ambos contam a mesma história, mas um diz que é uma parábola e o outro
não diz nada!

Do mesmo modo, em Lucas 5:36 o autor diz que Cristo dizia uma parábola aos seus
seguidores, mas em Marcos 2:21 a mesma história aparece sem qualquer menção de
estar ligada a uma parábola. Tudo isso nos faz ter a certeza de que, realmente, Jesus

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 149


ensinava aos seus discípulos por meio de parábolas, que não tem qualquer necessidade de
serem mencionadas como tal. Se até mesmo nestes contextos os seus discípulos sabiam
que aquilo era parábola, mesmo sem ninguém ter dito expressamente que era uma, quanto
mais quando vemos que tal história parabólica de Lucas 16 está exatamente entre várias
outras parábolas que Jesus estava contando!

Se você está contando várias piadas numa roda de amigos, não precisa repetir o tempo
todo que ao término de uma você estará iniciando outra piada. Todos já saberão disso. Da
mesma forma, se Cristo estava contando várias parábolas uma em seguida da outra, era
completamente desnecessário dar um aviso de alerta avisando que aquilo era parábola e
não um relato real. Isso já era simplesmente óbvio. Os únicos que não conseguem entender
isso são os imortalistas, que por não compreenderem nem o contexto nem o significado de
uma parábola precisam ignorar tudo isso e fazerem de conta de que não é parábola, é
realidade, e de que, se não fosse uma história real, Jesus precisaria ter parado a conversa,
avisado que era outra parábola, e só assim eles ficariam satisfeitos!

Ademais, vários detalhes na parábola nos mostram que aquilo não era um relato real, mas
uma ficção. Por exemplo, veremos que o rico possui um corpo físico com língua e todos os
outros membros do corpo, que ele sentia sede, que precisava beber água, que conseguia
conversar com quem estava no Céu mesmo enquanto queimava em meio às chamas de
fogo, dentre outros tantos fatos que nos mostram claramente que tudo aquilo não passava
de mera parábola assim como todas as outras, cuja significância estava baseada no
ensinamento moral por trás dela, e não no relato em si como sendo algo literal.
Veremos que uma parábola nunca, jamais e em circunstância alguma pode ser
fundamentada como regra de doutrina pelos seus meios parabólicos.

Parábolas não tem meios literais - É mais especificamente neste ponto que colocamos um
fim na superstição de que existe um estado intermediário das almas porque os meios de
uma parábola tem que ser literais. É aí que muita gente se engana: parábolas não
necessitam de meios literais, ao contrário, apresentam uma lição moral valiosa por
detrás de meios não necessariamente literais. Uma prova muito forte disso é o simples
fato de que Jesus contou muitas parábolas, e se fôssemos tomar literalmente todos os
meios que ele usa, iríamos encontrar inúmeros “absurdos”.

Por exemplo: neste mesmo contexto da parábola do rico e Lázaro há a parábola do


administrador desonesto (cf. Lc.16:1-12). Veja o que o verso 8 diz: “O senhor elogiou o
administrador desonesto, porque agiu astutamente. Pois os filhos deste mundo são mais
astutos no trato entre si do que os filhos da luz” (cf. Lc.16:8). Analisando a parábola
literalmente, poderíamos chegar à infeliz conclusão de que Cristo aprovava a administração
desonesta. Contudo, ele não estava incentivando a prátic a de administração desonesta, até
mesmo porque em parte alguma a Bíblia aprova tal prática, mas a lição moral da parábola
não é sobre administrar desonestamente (cf. Lc.16:9). Os meios da parábola não são
reais e não influenciam sua lição moral!

Do mesmo modo, Jesus contou uma parábola sobre o dever de orar sempre e nunca
desfalecer (cf. Lc.18:1-8). Nela, o juiz (que representa Deus, aquele que atende as nossas
orações) é tratado como “um homem mau que nem ao homem respeitava” (cf. Lc.18:2). É
óbvio que o que Cristo queria realmente ensinar não era que Deus é um homem mau, mas
sim que se até um homem mau atende aos nossos pedidos, quanto mais o nosso Pai que

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 150


está no Céu nos atenderá (que não é mau coisa nenhuma, mas poderíamos chegar a essa
conclusão caso tomássemos os meios dessa parábola como reais). Novamente, vemos uma
lição moral (de orar sempre e nunca desfalecer) sendo ensinada através de meios não
reais/literais.

A mesma coisa veremos que sucede também na parábola do rico e Lázaro. Uma lição moral
(de advertência à incredulidade dos fariseus e às tradições da época) sendo ensinada
através de meios não reais/literais. Essa é uma regra comum em todas as parábolas, que os
imortalistas só não admitem que possa valer também para Lucas 16:19-31, porque
implicaria em abrir mão de uma das únicas passagens bíblicas que supostamente
favoreceriam a doutrina grega da imortalidade da alma.

Em outra parábola, Deus é retratado como “um homem severo que ceifas onde não
semeaste e ajuntas onde não espalhaste” (cf. Mt.25:24). Diante do contexto, este “homem”
é Aquele que distribui os dons (talentos) aos homens e a quem nós devemos prestar contas
um dia. Quem ele é? Óbvio: Deus. Mas será que Deus é “um homem severo que ceifa onde
não semeou e ajunta onde não espalhou”? Claro que não. Tomemos os meios de uma
parábola como reais e mudamos totalmente a visão de um Deus de amor e justiça que a
Escritura nos revela do início ao fim!

Vejam que curioso: se tomarmos os meios dessa parábola como reais, todo o conceito de
Deus apresentado em toda a Escritura muda. Da mesma forma, se tomarmos a
parábola do rico e Lázaro como literal, todo o conceito sobre a natureza humana e seu
destino pós-morte apresentado em toda a Escritura muda. Mas no primeiro caso os
imortalistas aceitam facilmente que se trata de meros meios não-literais e irreais
característicos de uma parábola, enquanto que no segundo caso não aceitam de jeito
nenhum, pois estão presos em seus sofismas sobre a existência de uma alma imortal e
precisam se apegar a todo e qualquer custo a passagens claramente parabólicas como a de
Lucas 16 para fundamentar as suas teses!

Tome também, por exemplo, outro meio de parábola contada por Cristo: “Então o senhor
disse ao servo: Vá pelos caminhos e valados e obrigue-os a entrar, para que a minha
casa fique cheia” (cf. Lc.14:23). Será que as pessoas são forçadas a entrar no Céu,
sendo obrigadas a isso, contra a vontade delas? É claro que não, pois Deus nos concedeu o
livre arbítrio. Ninguém é obrigado ou forçado por Deus a ser salvo, pois a salvação é algo
que implica em perseverança (nossa) até o fim (cf. Mt.24:13), ninguém vai pro Céu contra
a sua própria vontade.

Mas se as parábolas são reais em seu todo e seus meios são apresentados literalmente,
então somos obrigados a entrar no Reino de Deus, não há escapatória, seremos salvos
querendo ou não! O que é mais razoável de se aceitar? Que Deus nos obriga a entrar em
Sua casa, ou que as parábolas não possuem meios reais, mas apenas uma verdade moral
por detrás de um ensinamento com meios simbólicos?

Evidentemente que as parábolas não tem meios literais, jamais podemos fundamentar uma
doutrina bíblica sustentada por meios de parábolas. Se dissermos que a parábola de Lucas
16 (do Rico e do Lázaro) obrigatoriamente tem que ter meios reais e literais,
consequentemente as demais parábolas de Cristo também devem ter meios reais e literais.
Por que a parábola do rico e Lázaro teria que ser exatamente a única exceção à regra? Será

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 151


que é porque somente deste jeito que os imortalistas conseguem sustentar a doutrina da
imortalidade da alma baseando-se em tal parábola?

Ora, se fôssemos literalizar a parábola, encontraríamos, como vimos, uma série de


problemas e contradições de primeira ordem à frente. As parábolas não podem jamais
serem tomadas literalmente pelos seus meios, pois se fosse assim deveríamos chegar à
infeliz conclusão de que Deus é um juiz mau e que não respeita ao homem, que é um
homem severo que planta aonde não semeou, que aprova a prática de administração
desonesta e que obriga as pessoas a entrarem no Céu!

É óbvio que Deus não é nenhuma dessas coisas porque as parábolas nunca podem ser
tomadas literalmente – em circunstância nenhuma – mas devemos retirar delas a sua lição
moral. O mesmo deve ser dito também com relação à parábola do rico e do Lázaro. Qual é a
sua lição moral? Ela se encontra no verso 31:

“Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tão pouco se deixarão persuadir, ainda que
ressuscite alguém dentre os mortos” (cf. Lucas 16:31)

Vemos, portanto, que a lição moral da parábola contada por Cristo em Lucas 16:19-31 em
nada tem a ver com a imortalidade da alma, mas, ao contrário, tem relação com a
incredulidade dos fariseus em rejeitarem os ensinamentos de Cristo – nem sequer uma
ressurreição os faria persuadir. Quando tratamos de descrições bíblicas claras e reais ( não
em textos parabólicos ou simbólicos), os meios são necessariamente reais e literais ao todo.
Contudo, isso não acontece quando estamos tratando de uma parábola. Parábola não
necessita de meios reais, mas sim de lições morais que levam o ouvinte à reflexão . O
principal problema daqueles que pregam a existência da alma imortal é não saberem ao
certo o que é uma parábola:

PARÁBOLA
Acepções
■substantivo feminino
1 narrativa alegórica que transmite uma mensagem indireta, por meio de comparação ou
analogia
1.1 narrativa alegórica que encerra um preceito religioso ou moral, esp. as encontradas nos
Evangelhos
Ex.: a p. do filho pródigo

Vejamos então o significado de alegoria:

ALEGORIA
Acepções
■substantivo feminino
1 modo de expressão ou interpretação us. no âmbito artístico e intelectual, que consiste em
representar pensamentos, ideias, qualidades sob forma figurada e em que cada elemento
funciona como disfarce dos elementos da ideia representada.

Como o próprio dicionário atesta, parábolas são estórias de ficção, que Jesus
frequentemente empregava para ensinar alguma coisa aos seus ouvintes. Parábolas não são
e nem nunca foram histórias contadas com a intenção de pa ssar meios reais. Se fosse
assim, não faria uso de uma parábola. Parábola é quando o autor utiliza -se de meios ou

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 152


cenários quaisquer, sem a obrigatoriedade de serem verdadeiros ou literais, para ensinar
uma lição moral por finalidade, mediante a metaforização ou personificação de personagens
inanimados, como é o caso da conversa entre árvores registrada em 2ª Reis 14:9.

Isso nós podemos ver ao longo de várias parábolas contadas por Cristo, que claramente não
são fatos reais – são parábolas. Por exemplo, é extremamente improvável que houvesse um
homem que vendeu todos os seus bens para comprar uma pérola de grande valor (cf.
Mt.13:46), pois isso não faria sentido. Também não houve um administrador infiel elogiado
pelo seu senhor (cf. Lc.16:8). Da mesma forma, Cristo também afirmou sobre ter de
arrancar os olhos ou cortar pernas e braços para entrar no Reino dos céus. Será que por
isso no Reino haverá caolhos, manetas e pernetas – tudo isso literalmente? É claro que não.
Tudo isso é obviamente uma linguagem altamente metafórica, tanto quanto a parábola do
rico e do Lázaro.

Mais ainda que isso, uma outra prova fatal que nos faz concluir que Cristo não estava como
finalidade dado uma aula sobre o estado dos mortos, é o fato de que nem mesmo as
palavras “alma-psiquê” ou “espírito-pneuma” aparecem nesta parábola. Pelo contrário, o
rico possuía um corpo físico com dedo, língua e que sente calor e pede água para matar a
sede (cf. Lc.16:24). A própria sede é uma característica do corpo, e não de um espírito
“imaterial”, “fluídico”.

Um espírito desprovido de corpo não tem nada disso, e a Bíblia diz que nós só teremos um
corpo novamente após ressurgirmos dos mortos (cf. 1Co.15:42-44). Jesus disse claramente
que um espírito não tem nem carne e nem ossos (cf. Lc.24:39). Será que Cristo se
enganou dizendo que o rico possuía língua no Hades ou os corpos dos
personagens foram parar no Hades por engano? Nenhuma das duas, era mera
parábola: não exigia meios reais! Se o objetivo de Cristo ao contar esse parábola fosse
exatamente anunciar a imortalidade da alma, então seria completamente indispensável a
menção de “almas” ou de “espíritos” deixando o corpo e partindo para o “a lém”.

Contudo, os personagens ali citados vão com os seus corpos para o Hades, tudo nos mostra
que o que aconteceu foi a personificação de personagens inanimados e, por este
motivo, não eram os “espíritos” que desciam ao Hades, mas sim os próprios corpos.

Como bem assinalou o doutor Samuelle Bacchiocchi:

“Os que interpretam a parábola como uma representação literal do estado dos salvos e
perdidos após a morte defrontam problemas insuperáveis. Se a narrativa for uma descrição
real do estado intermediário, então deve ser verdadeiro em fato e coerente em detalhe.
Contudo, se a parábola for figurada, então somente a lição moral a ser transmitida deve nos
preocupar. Uma interpretação literal da narrativa se despedaça sob o peso de seus próprios
absurdos e contradições, como se torna evidente sob exame detido” 8 5

A questão aqui é muito simples: se a intenção de Cristo em contar essa parábola fosse de
alguma forma fazer uma descrição fiel do atual estado dos mortos, então é óbvio que os
personagens estariam no Hades em forma de espíritos incorpóreos, e não com os próprios
corpos físicos, como um exame da parábola nos indica claramente. O fato de eles estarem
lá com seus próprios corpos prova inequivocadamente que o que ocorreu neste caso nada

85BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o


destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007, p. 136.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 153
mais foi senão a personificação de personagens inanimados, o que é muito comum na
Bíblia. Corpos já mortos foram personificados e ganharam vida dentro de um contexto
parabólico, isto é, de uma estória alegórica para ensinar alguma lição moral como
finalidade.

O que ocorreu, portanto, não foi uma descrição do atual estado dos mortos como “espíritos
incorpóreos” em um estado intermediário entre a morte e a ressurreição, mas sim a
personificação de corpos mortos como se estivessem vivos , e do que aconteceria
neste contexto parabólico. Tanto quanto a linguagem parabólica da conversa entre árvores
em 2ª Reis 14:9 não significa que as árvores realmente conversam entre si, a parábola do
rico e Lázaro não prova que espíritos incorpóreos mantém consciência no pós -morte, mas
apresenta a mesma personificação de personagens inanimados que ocorre tanto em 2ª Reis
14:9 como em diversas outras ocorrências bíblicas num mesmo contexto alegórico ou
parabólico.

Isso também é constatado pelo fato de que o rico pede que joguem um pingo água para
molhar a sua língua, enquanto ele queimava em meio às chamas! Além da sede literal (por
água) ser uma característica corporal (e não de um “espírito”, como anjos ou demônios, por
exemplo), de que serviria um “dedo” molhado “em água” para aliviar tamanhos rigores
extremos de um fogo devorador e literalmente verdadeiro que o rico estaria passando
naquele exato momento e também por toda a eternidade?

Ademais, a própria parábola diz que havia um abismo muito grande entre ambas as partes,
motivo pelo qual o rico não podia ser molhado com água. Contudo, ele conversava com
Abraão como se estivesse face-a-face com ele! Ora, se ele conversava tão perfeitamente
com Abraão, então ele também poderia perfeitamente ser molhado com água, pois a
distância assim o permitiria.

E será possível compreender absolutamente o que cada pessoa da cena diz sendo que neste
mesmo cenário havia um barulho horrivelmente aterrorizante de fogo em atividade e
milhões ou bilhões de pessoas queimando e gritando aos prantos naquele mesmo
momento? Quem iria compreender o que alguma pessoa fala em tal cenário? Como se tudo
isso não fosse suficientemente claro, será que no Reino poderemos conversar c om os não-
salvos enquanto eles queimam em meios às chamas? Pois, pela parábola, tal comunicação
entre os salvos e os não-salvos seria perfeitamente plausível.

Poderíamos, caso tomássemos os meios da parábola como literais, ver e conversar com os
nossos parentes não-salvos enquanto eles queimam no inferno! Certamente bater papo com
alguém nestas condições e neste cenário, é uma terrível falta de bom senso. Os que não
forem salvos jamais poderão se unir novamente com os que forem salvos (por meio de uma
conversa, por exemplo), pois a morte significa a separação total entre ambos os grupos. É
isso o que também é ilustrado nesta parábola.

Não, meus amigos, definitivamente não foi o estado dos mortos que foi ilustrado nesta
parábola, não houve nenhuma descriç ão de “estado intermediário” algum, mas apenas e tão
somente a personificação de personagens inanimados ganhando vida (típico de parábola),
em um cenário corrente na época, como veremos mais a seguir. Com toda a clareza, os
imortalistas que insistirem em admitir a parábola do rico e Lázaro como sendo “prova” do
dualismo platônico na Bíblia, encontrarão tamanhos dilemas insuperáveis pela frente a tal
ponto de terem que reformular toda a sua teologia acerca de como é o pós -morte.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 154


Sobre o Hades – Outro fato que ajuda ainda mais a derrubarmos a má interpretação dos
dualistas é o lugar para onde t eria ido o rico:

“E, no Hades, viu Abraão e Lázaro, em seu seio” (cf. Lucas 16:23)

A clareza da linguagem é evidente: o rico estava no Hades. E é a partir desta parábola que
surge a idéia de que todos os “espíritos” desencarnados vão para o Hades após a morte,
com divisão para justos e ímpios. Ora, qual doutrina básica da fé cristã que tem por base
uma parábola? Nenhuma. Mas a parábola do rico e Lázaro (como única suposta “descrição”
do “estado intermediário” encontrada na Bíblia) obrigatoriamente tem que ser literalizada e
fundamentada como doutrina bíblica (para eles).

Afinal, a maior base da doutrina imortalista é justamente os meios de uma parábola, em


que os corpos descem junto para o “estado intermediário” conversar com os que já
morreram enquanto se queimam entre as chamas. Pasme! Mas, mesmo que este fosse o
caso, a História nos mostra que o Hades, como um local de tormento em que o rico estava,
é de origem totalmente pagã, e não bíblica. Veremos a seguir onde nasceu o Hades e como
entrou de braços abertos na doutrina imortalista.

III–A Origem pagã do Hades

A origem pagã do Hades - Na literatura hebraica, o Sheol (transliterado para “Hades” no


grego), não era um local de habitação de espíritos vivos e conscientes em estado
desencarnado. Já vimos que os autores do Antigo Testamento não tinham a mínima id eia de
vida consciente antes da ressurreição, muito menos de almas imortais ou espíritos em um
estado intermediário.

A vida pós-morte na visão do Antigo Testamento era que os mortos não louvam a Deus (cf.
Is.38:19; Sl.6:5), não sabem de nada (cf. Ec.9:5), valem menos do que um cachorro vivo
(cf. Ec.9:4), sua memória jaz no esquecimento (cf. Ec.9:5), não tem lembrança de Deus
(cf. Sl.6:5), não confiam na fidelidade de Deus (cf. Is.38:18), não falam da Sua fidelidade
(cf. Sl.88:12), estão numa terra de silêncio, e não de gritaria do inferno ou de altos
louvores do Céu (cf. Sl.115:17), não podem ser alvos de confiança (cf. Sl.146:3), não
pensam (cf. Sl.146:4), não tem proveito nenhum para Deus depois de morto (cf. Sl.30:9),
são comparados com o pó (cf. Sl.30:9), etc .

Mesmo assim, eles falavam constantemente em Sheol (Hades), como o local para onde vão
os mortos. Algumas referências são: Jó 7:9, Salmos 18:5, Salmos 86:3, Salmos 139:8,
Provérbios 30:16, Gênesis 37:35, Eclesiastes 9:10, entre outros. Ora, como podem o s
escritores do Antigo Testamento desacreditarem completamente no estado intermediário
mas falarem tanto no Sheol? É evidente que, para eles, Sheol estava longe de ser um local
de habitação consciente de espíritos incorpóreos, mas era meramente uma figura para a
sepultura.

Na passagem de Malaquias (último livro do AT) para Mateus (o primeiro do NT) há um


período de quatrocentos anos (conhecido como “período intertestamentário”). Neste período
é que os hebreus estiveram dispersos para as nações influenciadas pelo dualismo grego que

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 155


estabelecia nelas uma forte ligação ética, cultural, social e filosófica, por meio da doutrina
helenista. Tais filosofias correntes na Grécia Antiga (especialmente a amplamente difundida
doutrina da “imortalidade da alma”) acabaram entrando no judaísmo helenista.

Tal impacto do helenismo sobre o judaísmo é evidente em muitas áreas, incluindo na


adoção do dualismo grego por algumas obras literárias judaicas (inclusive vários “livros
apócrifos”) produzidas nessa época. De acordo com os professores Stephen L. Harris e
James Tabor, Sheol é um lugar de “vazio” que tem suas origens na Bíblia Hebraica e no
Talmud:

"Seres humanos, como os animais do campo, são feitos de ‘pó da terra’ e na morte eles
retornam ao pó (Gênesis 2:7; 3:19). A palavra hebraica Alma (Nephesh, Psyche),
tradicionalmente traduzida por ‘alma viva’, mas mais adequadamente compreendida como
‘criatura vivente’ é a mesma para todas as criaturas viventes e não se refere a nada
imortal... Todos os mortos descem ao Sheol, e lá eles jazem no sono juntos. Seja bom ou
mau, rico ou pobre, escravo ou liberto (Jó 3:11-19). Ele é descrito como uma região ‘escura
e profunda’, ‘a cova’, e ‘a terra do esquecimento’, interrupção da vida (Salmos 6:5; 88:3 -
12). Se se encara situações ext remas de sofrimento no mundo dos vivos acima, como
aconteceu com Jó, o Sheol pode ser visto como um alívio bem-vindo à dor - basta ver o
terceiro capítulo de Jó. Mas, basicamente, ele é um tipo de ‘nada’ (Salmo 88:10)” 8 6

Harris partilha observações similares em seu “Compreendendo a Bíblia”, e acentua o fato de


que houve uma associação com as religiões pagãs no período helenista que modificou o real
significado de “Sheol” bíblico:

“Quando os escribas judeus helenistas traduziram a Bíblia para o grego, eles


usaram o termo ‘Hades’ para traduzir Sheol, trazendo uma associação mitológica
completamente nova à ideia de existência póstuma. Nos mitos da Grécia Antiga, o
Hades, nomeado a partir da deidade sombria que o reinava, era originalmente similar ao
Sheol hebraico, um submundo escuro no qual todos os mortos, a despeito do mérito
individual, eram indiscriminadamente colocados"8 7

Sobre seu significado original, a Enciclopédia Britância afirma:

“O Sheol estava localizado em alguma parte ‘debaixo’ da terra. A condição dos mortos não
era de dor nem de prazer. Nem a recompensa para os justos nem o castigo para os iníquos
estavam relacionados com o Sheol. Tanto os bons como os maus, tiranos e santos, reis e
órfãos, israelitas e gentios – todos dormiam juntos sem estarem cônscios uns dos
outros”8 8

A própria Enciclopédia Católica reconhece isso ao dizer:

“Na Bíblia, [Sheol] designa o lugar de completa inércia ao qual se desce quando se morre,
quer alguém seja justo quer ímpio, rico ou pobre” 8 9

86 TABOR, James. What the Bible says about Death, Afterlife, and the Future . Disponível em:
<http://clas-pages.uncc.edu/james-tabor/>. Acesso em: 15/08/2013.
87 HARRIS, Stephen L. Understanding the Bible: the 6th Edition (McGraw Hill 2002) p. 436.
88 Enciclopédia Britânica, 1971, Vol. 11, p. 276.
89 Nova Enciclopédia Católica, Vol. 13, p. 170.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 156


Esta é uma verdade indiscutível: o Sheol estava longe de ser uma habitação consciente de
espíritos. Contudo, houve uma associação mitológica com as filosofias gregas (de
imortalidade da alma). Em outras palavras, o sentido bíblico de Sheol foi totalmente
deturpado pelo sincretismo com a mitologia pagã. Na mitologia grega o mundo dos
mortos, chamado apenas de Hades, era o local no subterrâneo para onde iam as almas
das pessoas mortas (sejam elas boas ou más), guiadas por Hermes, o emissário dos
deuses, para lá tornarem-se sombras. É um local de tristeza. No fim da luta dos deuses
olímpicos contra os Titãs (a Titanomaquia), os deuses olímpicos saíram vitoriosos.

Então, Zeus, Posídon e Hades partilharam entre si o universo: Zeus ficou com os céus e as
terras, Posídon ficou com os oceanos e Hades ficou com o mundo dos mortos. Os titãs
pediram socorro a Érebo do mundo inferior; Zeus, então, lançou Érebo para lá também,
assim tornou-se a noite eterna do Hades (Érebo também é outra designação do mundo
inferior). Das Idades do Homem e suas raças, a raça de bronze, raça dos heróis, e a raça de
ferro vão para o Hades após a morte.

Este sincretismo com as religiões pagãs que resultou em uma aplicação totalmente diferente
de Sheol/Hades: a de um local no subterrâneo para onde vão as almas das pessoas mortas
(sejam elas boas ou más), no “Mundo dos Mortos”, denominado Hades. Querendo ou não,
gostado ou não, é uma clara deturpação imortalista do que realmente é o Sheol. Tirando os
maiores absurdos, que jamais seriam assumidos pelos cristãos (como, por exemplo, o fato
de serem guiadas por Hermes, o emissário dos deuses, ou dos Titãs pedirem a ajuda de
Érebo), a essência pagã de Hades, como um local de habitação de espíritos, foi absorvida
da mitologia pagã direto para a teologia bíblica dos imortalistas.

IV–O que é o Sheol?

O que é o Sheol? - Como já vimos acima, antes da mitologia pagã se infiltrar dentro dos
moldes do Cristianismo, Sheol era puramente sepultura. É claro que a sua aplicação varia
de passagem a passagem, mas nunca no sentido mitológico de “habitação de espíritos”. O
Sheol bíblico é um local de silêncio, e não de gritaria do inferno:

“Os mortos, que descem à terra do silêncio, não louvam a Deus, o Senhor” (cf. Salmos
115:17)

“Se o Senhor não fora em meu auxílio, já a minha alma habitaria no lugar do silêncio” (cf.
Salmos 94:17)

Mais claro ainda é o Salmo 94:17, que diz de forma enfática que o que habita no silêncio é a
própria alma, derrubando a toda e qualquer tentativa de v ulgarizar o termo como se fosse
“silêncio somente para o corpo”. O salmista sabia muito bem que o local para onde iria após
a morte seria de silêncio, e não de louvores entre os salvos ou de gritaria do inferno.
Convenhamos: qual é o lugar do “silêncio” que o salmista fala? Claramente a sepultura. O
local para onde a alma vai após a morte (cf. Sl.94:17), em estado de total inconsciência (cf.
Ec.9:5,6; Ec.9:10; Sl.146:4; Sl.6:5; Sl.30:9; Sl.88:12). Outra prova clara de que os
hebreus do Antigo Testamento sabiam muito bem que Sheol não era inferno, mas sim
sepultura, é Jacó enterrando o seu filho José:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 157


“E levantaram-se todos os seus filhos e todas as suas filhas, para o consolarem; ele, porém,
recusou ser consolado, e disse: Na verdade, com choro hei de desce r para meu filho até o
Sheol. Assim o chorou seu pai” (cf. Gênesis 37:35)

Jacó evidentemente ainda não sabia que na mitologia pagã grega (de imortalidade da alma)
o Hades ficava no centro da Terra. Jacó foi cavando até o inferno para enterrar o seu filho
José? Não, Jacó sabia muito bem que Sheol era puramente sepultura. Ele sabia disso
porque essa era a crença da época, o sentido puro de Sheol.

Ademais, Jacó foi enterrar o corpo morto de José e não uma alma ou espírito incorpóreo.
Sheol não é um local de espíritos sem corpo, mas sim de corpos mortos. Sheol é claramente
identificado como sendo sepultura, o pó da terra. Outras inúmeras passagens nos trazem
um sentido completo de que Sheol não era habitação consciente de espíritos
desencarnados. Alguns exemplos, por exemplo, podem ser encontrados em Jó e em
Salmos:

“Porventura não são poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa -me, para que por um pouco
eu tome alento. Antes que eu vá para o lugar de que não voltarei, à terra da escuridão e
da sombra da morte” (cf. Jó 10:20,21)

“Será que fazes milagres em favor dos mortos? Será que eles se levantam e te louvam?
Será que no Sheol ainda se fala do teu amor? Será que naquele lugar de destruição se fala
da tua fidelidade? Será que naquela escuridão são vistos os teus milagres? Será que na
terra do esquecimento se pode ver a tua fidelidade?” (cf. Salmos 88:10-12).

Como podemos ver, a terra era claramente descrita como uma “escuridão”. Ora, se o Hades
é um local de tormento, com fogo e tudo, então o fogo remeteria à luminosidade. O local
não seria nem lugar de “escuridão” e muito menos lugar de “densas trevas”. Onde há fogo,
há luz. Essa descrição do Sheol bíblico anula a concepção pagã em um Hades cheio de fogo
e espíritos vivos ali queimando. O Salmo 49:14 também deixa claro que até as ovelhas vão
para o Sheol na morte:

“Como ovelhas são postas na sepultura [Sheol, no original hebraico]...” (cf. Salmos 49:14)

É óbvio que o Sheol é apenas o pó da terra, o destino de todas as criaturas viventes. Jó


também nos esclarece que o Sheol bíblico está longe de ser morada de espírito s queimando
em meio às chamas, ao dizer que naquele lugar ele “já agora repousaria tranquilo;
dormiria, e, então, haveria para mim descanso... Ali, os maus cessam de perturbar, e , ali,
repousam os cansados; os prisioneiros também desfrutam sossego, já não ouvem mais os
gritos do feitor de escravos” (cf. Jó 3:13,17,18). Já não se ouve mais gritos, algo
inconcebível caso Jó tivesse a ideia de que aquele local era um lugar de tormento ou de
gritos de espíritos em meio às chamas.

No livro de Eclesiastes também lemos:

“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças; porque no além
[Sheol], para onde tu vais, não há obra, nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria
alguma” (cf. Eclesiastes 9:10)

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A palavra usada em Eclesiastes 9:10 com relação ao Sheol é que não há chokmah
[inteligência, razão]. Morre o homem e o ser racional se vai. Não há inteligência, não há
consc iência. Biblicamente, Sheol não é, e nunca foi, uma morada de espíritos vivos e
conscientes em alegria ou em tormento com fogo. Como se não fosse suficientemente claro
o fato de que no Sheol não há obra, nem projeto, nem conhecimento, e nem sabedoria, o
salmista afirma que “quem morreu não se lembra de ti; e no Sheol quem te louvará?” (cf.
Sl.6:5). É evidente que no Sheol não se pode louvar a Deus. Fica a pergunta: que tipo de
“espírito” que é salvo e vai para este lugar sem poder louvar a Deus?

O único argumento utilizado pelos imortalistas na tentativa de contradizer o fato bíblico de


que o Sheol é o equivalente à sepultura é que os hebreus tinham palavra específica para
“sepultura”, que é qéver, então Sheol deve significar algo diferente disso. Isso, por si só,
não significa nada, pois no hebraico e no grego há diversas palavras sinônimas, que
possuem a mesma aplicação prática. Na própria língua portuguesa, aplicamos exterminar e
aniquilar com o mesmo sentido, bem como adversário e antagonista, oposição e antítese,
enfermo e doente, desagradar e descontentar, futuro e porvir, enorme e imenso, imparcial
e neutro, dentre tantas outras palavras sinônimas. Diante disso, por que Sheol e sepultura
não podem ser palavras sinônimas, assim como sepultura e túmulo?

Em segundo lugar, existe uma diferença básica entre Sheol e qéver. Hades ou Sheol não se
refere a um único sepulcro (gr.: tá‧fos), nem a um único túmulo (gr.: mné‧ma), nem a um
único túmulo memorial (gr.: mne‧meí‧on), mas à sepultura comum da humanidade, onde
os mortos e enterrados não são vistos. Assim, vemos que Sheol é aplicado quando a
referência é à sepultura comum da humanidade (em um sentido coletivo), enquanto qéver
se refere ao um único sepulcro (em um sentido individual).

Sheol é o sentido mais amplo da sepultura, tendo a mesma aplicação prática desta, pois
quem está na sepultura está no Sheol, da mesma forma que quem está em São Paulo está
no Brasil. Sheol é o “mundo dos mortos”, não como um local de habitação de espíritos
conscientes, mas de almas mortas (cf. Nm.31:19; 35:15,30; Js.20:3,9; Gn.37:21;
Dt.19:6,11; Jr.40:14,15; Jz.16:30; Nm.23:10), em local de total silêncio (cf. Sl.115:17;
Sl.94:17), e em estado de total inconsciência (cf. Sl.146:4; Sl.6:5; Ec.9:5,6; Ec.9:10) .

No caso da revolta de Coré, por exemplo, relatada em Números 16, a terra “abriu a sua
boca” e os seus seguidores “desceram vivos ao Sheol” (cf. Nm.16:30; Nm.16:33). Seria
extremamente inimaginável pensarmos que a terra abriu a boca para eles caírem até o
centro da terra onde ficaria o Sheol, sendo que no meio dessa queda os seus corpos foram
transformando-se automaticamente em espíritos desencarnados. A evidência aqui é tão
forte que os próprios imortalistas admitem que Sheol aqui significa o pó da terra, corpos
físicos sendo esmagados pela força da natureza através da ação divina (embora eles
afirmem que este caso é uma “exceção”, o que vemos que não – é a regra!).

Obviamente que o que aconteceu realmente é que a terra abriu a boca e os tragou
enquanto ainda estavam vivos, descendo para a “cova” (ou “pó”), o que mostra a total
correspondência entre estes dois termos. Mais forte ainda do que isso é o paralelismo
evidente que constatamos em Jó: “Descerá ela às portas do Sheol? Desceremos juntos ao
pó?” (cf. Jó 17:16). Aqui vemos Jó fazendo o uso de um paralelismo entre o “Sheol” e o
“pó”. Paralelismo é a sucessão de partes do discurso que tem entre si uma relação de
similaridade de conteúdo; um encadeamento de funções sintáticas idênticas de valores
iguais. Jó identifica o Sheol como sendo a mesma coisa que o pó da terra, ao relacionar

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ambos na mesma sentença expondo tal paralelismo. Após afirmar que ele desceria ao
Sheol, afirma categoricamente que este lugar é o pó (cf. Jó 17:16).

Ainda que os escritores do Antigo Testamento falassem constantemente em Sheol,


desacreditavam completamente em qualquer estado intermediário. Talvez seja por isso que
o apóstolo Paulo, em suas epístolas, não tenha mencionado absolutamente nenhuma vez a
palavra “Hades” – o termo já estava paganizado. Aliás, nem Paulo, nem Tiago, nem Pedro,
nem Judas, e nem o desconhecido autor de Hebreus: todos pareciam desconhecer tal
palavra, não sendo mencionada em parte nenhuma de suas epístolas. Só há uma única
razão mais provável para isso, que é exatamente não querer confundir os leitores dualistas
com o sentido pagão de Hades, já em vigor em sua época.

O Sheol também é caracterizado como “a terra das trevas e da sombra da morte” (cf. Jó
10:21,22), onde os mortos nunca mais vêem a luz (cf. Sl.49:20; 88:13). É também, como
vimos, a “região do silêncio”, e não de gritaria do inferno ou de louvores do Paraíso (cf. Sl.
94:17; 115:17), para onde caminha a alma rumo ao local do silêncio (cf. S l.94:17). A ideia
de descanso ou sono no Sheol fica evidente no livro de Jó que clama em meio a seus
tormentos físicos: “Por que não morri eu na madre? Por que não expirei ao sair dela? [...]
Porque já agora repousaria tranquilo; dormiria, e então haveria para mim descanso [...] Ali
os maus cessam de perturbar, e ali repousam os cansados” (cf. Jó 3:11,13,17).

No Salmo 141:7 também fica mais do que evidente que Sheol é claramente identificado
como sepultura: “Ainda que sejam espalhados os meus ossos à boca da sepultura [Sheol]
quando se lavra e sulca a terra”. Até os ossos desciam para o Sheol! Se Sheol fosse um
local de morada de “espíritos”, o salmista certamente mencionaria isso, mas além negar tal
fato ele acentua que são os ossos que descem ao Sheol, o que nos revela que é um local
não de “espíritos”, mas de corpos mortos, que jazem na sepultura.

Um dos textos mais claros de que o Sheol é uma referência à sepultura é o de Isaías 14:11,
que diz: “Sua soberba foi lançada na sepultura [Sheol], junto com o som das suas liras;
sua cama é de larvas, sua coberta, de vermes”. O detalhe é que o texto se refere a ele
estar sendo comido de larvas e coberto de vermes, o que nos mostra a total
correspondência entre o Sheol e o túmulo, abaixo da terra, e de quem estar lá ser um corpo
morto, um cadáver, e não alguma alma ou espírito incorpóreo.

De igual modo, Davi adverte seu filho Salomão com relação a Simei: “Mas, agora, não o
considere inocente. Você é um homem sábio e saberá o que fazer com ele; apesar de ele já
ser idoso, faça-o descer ensangüentado à sepultura [Sheol]” (cf. 1Rs.2:9). Novamente,
o original hebraico verte a palavra “Sheol”, e não “sepultura” como a maioria dos tradutores
preferiram traduzir. Aqui vemos que alguma pessoa pode descer ensanguetada ao Sheol,
o que nos mostra claramente que o Sheol não é uma morada de espíritos incorpóreos, mas
sim a própria sepultura, para o qual é o destino dos corpos que morreram (espírito não
sangra!).

Por isso, até mesmo o sangue das pessoas descem ao Sheol [sepultura]. Isso explica o
porquê que em absolutamente nenhuma parte das Escrituras é mencionado espírito -
ruach/pneuma no Sheol/Hades. Este nunca foi algum tipo de “morada de espíritos”! Fica
mais do que claro que nenhum escritor bíblico pensava em Sheol como uma morada
consciente de espíritos desencarnados, como um local de tormento ou suplício. Se fosse
esse o sentido primário de Sheol, então veríamos uma infinidade de passagens bíblica s que

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relatam tal fato, o que não é verdade. Aliás, nem sequer o elemento “fogo” aparece
relacionado em qualquer descrição bíblica do Sheol. Que maneira “estranha” de
descrever o inferno!

Portanto, vemos que o Sheol bíblico não é um lugar onde Caim está queimando há seis mil
anos até hoje, mas sim uma figura da sepultura, o lugar para onde parte a alma após a
morte (cf. Is.38:17; Sl.94:17; Jó 33:18; Jó 33:22; Jó 33:28; Jó 33:30). Sheol é sepulcro,
pó, profundezas da terra, morte, vazio, túmulo. Jamais foi morada de espíritos em plena
atividade e consciência, em regozijo ou em tormento. Nunca é mencionado tormento no
Sheol. Na parábola do rico e do Lázaro, o que ocorreu foi uma metaforização e
personificação dos personagens (Abraão, Lázaro, o rico) bem como do próprio cenário onde
se passava a parábola (Sheol), que não exige meios literais .

Prova forte disso é que a própria parábola retrata o rico indo para a sepultura (v.22), e
depois mostra ele no Hades (v.23) sem fazer menção de “almas” ou “espíritos”, mas com o
seu próprio corpo natural (v.24), o que nos mostra a correspondência entre a sepultura e o
Hades, e que nos revela que o que de fato ocorreu foi uma metaforização e personificação
própria dos meios de uma parábola, como é no caso de 2ª Reis 14:9 em que as árvores
falam.

Entender o significado bíblico e puro de Sheol é profundamente necessário para


compreendermos que o que ocorreu em Lucas 16 nada mais foi senão a personificação não
apenas dos personagens ali presentes, como também do próprio cenário em que aquilo tudo
se passava. Como já vimos, eram corpos físicos que desceram ao Hades na parábola, e
conferimos também que o Hades (Sheol) bíblico é a sepultura, que nada mais é senão o
local de corpos físicos. A única coisa que muda é a personificação de tais personagens,
ganhando vida neste lugar, como um fundo parabólico onde se passa aquilo que realmente
Jesus queria ensinar como a lição moral da parábola.

V–O Significado da Parábola

Voltando à parábola - Já vimos que a parábola não pode ser analisada literalmente. Vários
fatores corroboram para isso, incluindo o fato de que os personagens possuem corpos reais,
com língua, dedo, sentimento de sede, o local onde a parábola se passava e outras
parábolas que claramente também não necessitam de meios reais. Observe esta outra
parábola bíblica:

“Porém Jeoás, rei de Israel, enviou a Amazias, rei de Judá, dizendo: O cardo que está no
Líbano enviou ao cedro que está no Líbano, dizendo: Dá tua filha por mulher ao meu filho;
mas os animais do campo que estavam no Líbano, passaram e pisaram o cardo” (cf. 2ª Reis
14:9). Analisando literalmente (assim como fazem com a parábola do Lázaro), cardo e
cedro (que são árvores) falam. Creio que a maioria das pessoas concorde comigo que as
árvores não falem.

São parábolas, e parábolas são metáforas, alegoria, estória, ficção, que não podem ser
classificadas literalmente. Se pretendêssemos usar as parábolas literalmente, deveríamos –
usando a mesma lógica que os imortalistas fazem com a parábola do Lázaro – dizer que as
árvores também falam e fundamentarmos isso como doutrina. Felizmente, parábolas não
são relatos literais, e sim metáforas com uma lição moral.

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Sendo assim, podemos ficar tranquilos sabendo que as árvores realmente não falam, pois
parábolas não apresentam meios reais, mas apenas lições morais por detrás de um cenário
fictício. É evidente que cada elemento na parábola acima de 2ª Reis tinha o seu devido
significado e a sua devida lição moral. Nada mais que dois reis: o de Judá (Amazias), e o de
Israel (Jeoás) são personificados pelas árvores. Jeoás compôs a parábola para Amazias.
Este não a atendeu (cf. 2ª Reis 14:11), e por isso, o povo do “cardo” (Amazias) foi ferido
pelos “animais do campo” (exército do “cedro” – Jeoás). A lição da parábola não era que as
árvores falam, mas sim uma mensagem aos que lessem a metáfora a partir da
personificação de personagens inanimados. A mesma linguagem vemos em várias outras
partes da Bíblia:

“Foram uma vez as árvores a ungir para si um rei; e disseram à oliveira: Reina tu sobre
nós. Mas a oliveira lhes respondeu: Deixaria eu a minha gordura, que Deus e os homens em
mim prezam, para ir balouçar sobre as árvores? Então disseram as árvores à figueira: Vem
tu, e reina sobre nós. Mas a figueira lhes respondeu: Deixaria eu a minha doçura, o meu
bom fruto, para ir balouçar sobre as árvores? Disseram então as árvores à videira: Vem tu,
e reina sobre nós. Mas a videira lhes respondeu: Deixaria eu o meu mosto, que ale gra a
Deus e aos homens, para ir balouçar sobre as árvores? Então todas as árvores disseram ao
espinheiro: Vem tu, e reina sobre nós. O espinheiro, porém, respondeu às árvores: Se de
boa fé me ungis por vosso rei, vinde refugiar-vos debaixo da minha sombra; mas, se não,
saia fogo do espinheiro, e devore os cedros do Líbano” (cf. Juízes 9:8-15)

Novamente, a lição não era que as árvores ou os espinheiros falem ou dialoguem entre si.
Tudo não passava de mera parábola em que as oliveiras, a figueira e a videira
representavam aqueles que não quiseram reinar sobre as “árvores” (povo de Siquém). As
mais valiosas árvores do Oriente Médio aqui simbolizam os homens principais de Siquém, e
o espinheiro era um arbusto farpado comum nas colinas da Palestina e representava
apropriadamente Abimeleque, que nada produzia de valor. Os meios eram puro simbolismo
e representação comum na Bíblia Sagrada, não eram verdades literais porque nem árvores,
nem cedros, nem cardos, nem oliveiras, nem figueiras, nem videiras e nem espinheiros
falam!

É óbvio que a única coisa que devemos tirar como verdade literal é a sua lição moral, e não
os seus meios. O mesmo deve ser dito com relação à parábola do Lázaro, em que houve
uma personificação, vivificação dos personagens ali apresentados (Lázaro, o rico e Abraão)
bem como uma metaforização do cenário (Hades) que, como vimos, é puramente sepultura.
É comum a Bíblia personificar personagens inanimados.

A PERSONIF ICAÇÃO BÍBLICA DE PERSONAGENS INANIMADOS


1 “Foram uma vez as árvores a ungir para si um rei; e disseram à oliveira: Reina tu
sobre nós” (cf. Juízes 9:8-15)
2 “O cardo ... mandou dizer ao cedro ... Dá tua filha por mulher a meu filho” (cf. 2ª
Reis 14:9)
3 “Disseram então as árvores à videira: Vem tu, e reina sobre nós” (cf. Juízes 9:12)
4 “Porque a pedra clamará da parede, e a trave lhe responderá do madeiramento”
(cf. Habacuque 2:11)
5 “Se eles se calarem, as próprias pedras clamarão” (cf. Lucas 10:40; Mateus 3:9)
6 “O ouro e a prata de vocês enferrujaram, e a ferrugem deles testemunhará contra
vocês e como fogo lhes devorará a carne” (cf. Tiago 5:3)

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7 “A voz do sangue do teu irmão clama da terra a mim” (cf. Gênesis 4:10)
8 “Quando ele bradou, os sete trovões falaram” (cf. Apocalipse 10:3)
9 “Ao sangue aspergido, que fala melhor do que o sangue de Abel” (cf. Hebreus
12:24)
10 “E ouvi o altar responder: Sim, Senhor Deus todo-poderoso, verdadeiros e justos
são os teus juízos” (cf. Apocalipse 16:7)
11 “Vejam, o salário dos trabalhadores que ceifaram os seus campos, e que por vocês
foi retido com fraude, está clamando contra vocês” (cf. Tiago 5:4)
12 “Então jubilarão as árvores dos bosques perante o Senhor, porquanto vem julgar a
terra” (cf. 1 Crônicas 16:33)
13 “Pois com alegria saireis, e em paz sereis guiados; os montes e os outeiros
romperão em cânticos diante de vós, e todas as árvores de campo baterão
palmas” (cf. Isaías 55:12)
14 “Mas, pergunta agora às alimárias, e elas te ensinarão; e às aves do céu, e elas te
farão saber; ou fala com a terra, e ela te ensinará; até os peixes o mar to
declararão” (cf. Jó 12:7,8)
15 “Ressoe o mar, e tudo o que nele existe; exultem os campos, e tudo o que neles
há!” (cf. 1 Crônicas 16:32)
16 “Os rios batam as palmas; regozijem-se também as montanhas” (cf. Salmos 98:8)

Tudo isso acima tem um nome: alegoria. Tudo tem uma lição moral para aprendermos por
detrás de um cenário com personagens inanimados, sem vida, que ganham vida na
parábola ou na alegoria que está sendo dita, com a finalidade de ensinar alguma coisa aos
ouvintes. Obviamente, essa “alguma coisa” que se quer ensinar aos ouvintes não é o
próprio cenário em si ou seus meios (que árvores, rios, altares, trovões, sangue, pedra,
ouro ou pessoas após a morte falem), mas sim aquilo que moralmente podemos depreender
por meio destas alegorias.

Nada indica que o salmista esteja querendo passar a ideia de que rios batem palmas e as
montanhas se regozijam (cf. Sl.98:9), nada indica que Jó queria passar a ideia de que a
terra e os peixes falam (cf. Jó 12:7,8), nada indica que João cria que altares e trovões
falam (cf. Ap.10:3; 16:7), nada indica Moisés cria que o sangue tem voz (cf. Gn.4:10),
nada indica que o escritor bíblico cria que as árvores conversam entre si (cf. Jz.9:8-15;
2Rs.14:9), nada indica que Cristo pensava que as pedras falavam (cf. Lc.10:40), e da
mesma forma nada indica que esse mesmo Jesus cria que corpos mortos que
desciam ao Hades ganhavam vida literalmente (cf. Lc.16:19-31).

As pessoas se esquecem que é comum a Bíblia personificar personagens inanimado s, ainda


mais em um contexto parabólico ou simbólico! Biblicamente, as árvores, sangue e trovões
falam mais do que os mortos, que, quando falam, é em um contexto claramente metafórico,
inserido em um contexto alegórico que dá margens a isso. Os meios de uma parábola nunca
podem ser considerados literais e, por isso, o nosso próximo passo a partir de agora é
descobrirmos o que representa cada elemento personificado na parábola do Lázaro.

Entendendo a parábola - A Bíblia não diz que o rico era um rico ímpio. Diz apenas que era
“um homem ímpio e... morreu” (cf. Lc.16:22). E isso nunca, jamais, em circunstância
nenhuma, pode ser considerado um “pecado” digno de lançar uma alma no fogo do inferno.
Se fosse assim, então muitos homens por serem ricos deveriam partilhar do inferno
também, incluindo Abraão, Isaque, Jacó, Jó, José de Arimat eia, etc. Lembre-se que estamos

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analisando a parábola literalmente, como os imortalistas o querem que façamos para
fundamentar uma doutrina bíblica. A parábola diz apenas que era um homem rico. Em
momento nenhum diz que era um homem mau ou profano.

E quanto a Lázaro? A situação piora ainda mais para o lado dos imortalistas, pois a parábola
diz apenas que ele “era um homem pobre e... morreu”. Ora, jamais poderíamos pressupor
que ser pobre ou mendigo é passaporte para a salvação. Não. A Bíblia não ensina, em
nenhum lugar, que por ser pobre ou ter sofrido muitas dores, alguém tem a garantia
celestial. Isso não é bíblico! E a parábola nada diz de ser Lázaro um mendigo do “bem”, diz
apenas ser um mendigo. Pense: se o rico fosse uma representação de todos os justos e
Lázaro representasse todos os ímpios (como querem os imortalistas), então não seria
estranho que em momento nenhum Jesus dissesse que o rico era ímpio ou que o pobre
Lázaro era justo?

Afinal, isso seria da maior fundamental importância caso fosse este o caso que Cristo
quisesse ilustrar. Se fosse este o caso, então nos seria dito claramente que o rico era ímpio
e o mendigo era justo. Mas isso não nos é relatado, porque, como veremos, não era isso o
que Jesus ilustrar. Ademais, se a parábola deve ser analisada literalmente, então
deveríamos colocar todos os pobres no Céu e todos os ricos no inferno. Irmão, são
parábolas, e parábolas não tem meios reais, jamais podem entendidas literalmente.

Além disso, a parábola nos indica que Lázaro era do pior tipo de gente, com o corpo todo
carcomido e cheio de chagas por uma doença terrível, presumivelmente a lepra. A
obrigação, por Lei, de qualquer leproso (ou nestas condições do Lázaro da parábola) era de
passar longe das demais pessoas e ainda gritar: “Imundo! Imundo!” (cf. Lv.13:44-46). Isto
quando não eram apedrejados. Pobres criaturas!

Agora continue imaginando o cenário: um rico, de alta classe, de repente se depara com
esse pobre “farrapo” de gente, com cães lambendo as feridas em carne viva, devorada pela
lepra. Qual seria sua reação? Deixaria ele comer da comida ou o expulsaria dali? Lembrem-
se, pessoas como o pobre Lázaro nem mesmo podiam chegar perto de alguma pessoa da
sociedade! Quanto mais comer das migalhas de algum homem rico!

Qual seria sua atitude ao encontrar, na porta de sua casa um leproso, em tamanho
avançado grau de enfermidade? Sua reação é uma incógnita, mas a do Rico da parábola,
não. Não só o permitiu comer das migalhas, como também não o expulsou dali (o que
estaria de acordo com a própria Lei dos judeus) e, além disso, pelo relato percebemos que
tal fato deve ter durado dias de benevolência! Portanto, esse Rico da parábola não era um
homem mau, mas bom, de coração e inclinado a fazer tal “caridade”.

Ora, se Lázaro por ser mendigo foi para o Seio de Abraão, por que o rico também não foi,
uma vez que não é nenhum “pecado” ser rico, e esse da parábola demonstrou alguma
humanidade? Por que o rico também não foi salvo, se a parábola deve ser analisada
literalmente ou se a intenção de Cristo era representar os homens ímpios que vão para o
inferno a partir dessa parábola? Se essa fosse a intenção de Cristo, de veríamos esperar que
ele narrasse um homem rico completamente desumano, ímpio, ladrão, que merecesse
verdadeiramente um inferno para si.

Esperaríamos realmente a descrição de alguém que nem ao menos deixa o pobre comer das
migalhas e que ainda o chutaria para fora, ou que consegue a sua riqueza por meios

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desonestos. Contudo, isso está muito longe de ser o caso! Ademais, se os salvos
personificados pelo mendigo conversam com os ímpios no inferno, personificados pelo Rico ,
imaginemos, por exemplo, que você esteja no Céu, gozando a bem-aventurança, quando,
de repente, você ouve gritos, e estes aumentam gradativamente.

Você então contempla seu parente ou amigo no inferno, com o fogo o consumindo por
completo, sob gritos e torturas horríveis. Medite: como voc ê se sentiria, vendo-o do lado de
lá, um amigo ou parente nesta condição terrível? Afinal, se a parábola deve ser analisada
literalmente, então o Céu e o inferno são separados por uma “parede -de-meia”, certo? Ora,
é impossível acreditarmos numa coisa dessas, mas tal cenário insuportável é o que
deveríamos admitir em caso de aceitar que os meios da parábola são literais.

Selecionei uma lista com apenas vinte de todos os absurdos a que chegaríamos caso
fundamentássemos a parábola como uma doutrina bíblica:

ERROS E CONSTATAÇÕES DA ANÁLISE LITERAL DA PARÁBOLA PELOS SEUS


MEIOS
1 Os mortos partem para o outro mundo não como “espíritos”, mas com o seu
próprio corpo com dedos, línguas, etc.
2 Os “espíritos” sentem sede (v.24).
3 Ser rico é motivo de ser mandado ao inferno, apesar de ter demonstrado tão
grande benevolência para com o pobre Lázaro e a própria parábola nada dizer de
que o Rico era um homem mau!
4 Ser mendigo é passaporte para o Céu, uma vez que a parábola em nada indica que
o mendigo era um homem justo ou que cria no Senhor.
5 O Céu e o inferno ficam um bem do lado do outro (veríamos os nossos amigos ou
parentes queimando lá do outro lado!).
6 Apesar de haver um “abismo intransponível” entre ambas as partes, os salvos
podem ficar conversando a vontade com os ímpios que estão queimando no
inferno (vs. 25 e 26). A comunicação entre os justos do Céu e os ímpios do inferno
é perfeitamente possível (poderíamos ficar conversando com os nossos amigos ou
parentes enquanto estes estão entre as chamas de um fogo eterno e devorador).
7 É possível falar perfeitamente como em uma conversa normal enquanto queima -se
entre as chamas de um fogo verdadeiro (vs. 23-31).
8 O mediador não é Jesus, mas Abraão, para atender o chamado do rico (ver 1ª
Timóteo 2:5; João 14:6; Efésios 2:18, etc).
9 Usando a mesma lógica que os imortalistas usam com a análise literal dos meios
de uma parábola, concluímos que as árvores falam (cf. 2ª Reis 14:11).
10 O rico pedia que Lázaro molhasse apenas a língua dele enquanto queimava entre
as chamas, ao invés de lhe dar um verdadeiro “banho de água”!
11 Se os mortos justos partem para o “Seio de Abraão” na morte, para onde partiu
Abraão quando morreu?
12 Para onde iam os que morriam antes de Abraão?
13 Caim inaugurou o tormento do Hades e está queimando há seis mil anos até hoje.
14 Os meios de uma parábola são reais e, portanto, deveríamos chegar à infeliz
conclusão de que Deus é um juiz mau que nem ao homem respeita (meios da
parábola de Lucas 18:1-8).
15 Os meios de uma parábola são reais e, portanto, deveríamos chegar à infeliz
conclusão de que a Bíblia aprova a prática de administração desonesta (meios da
parábola de Lucas 16:1-12).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 165


16 Os meios de uma parábola são reais e, portanto, deveríamos chegar à infeliz
conclusão de que e Deus é um homem severo que ceifas onde não semeaste e
ajuntas onde não espalhaste (meios da parábola de Mateus 25:24)
17 Imediatamente após a morte vem o juízo (cf. Hb.9:27). Mas na parábola o rico e
Lázaro foram conduzidos aos seus respectivos lugares sem sequer passarem por
algum julgamento antes, que sequer é mencionado ao longo de toda a parábola.
Sendo assim, ou o autor de Hebreus se engana ao dizer que o que sucede a morte
é o juízo e não a condenação ao inferno ou o gozo do Paraíso, ou a parábola não
deve traduzir acontecimentos reais.
18 Se o Hades/Sheol é alguma “morada de espíritos”, então Davi estava enganando -
se a si mesmos e aos outros ao escrever que são os ossos que descem ao Sheol
(cf. Sl.141:7 – “Sheol”, no original hebraico)
19 Como explicar que na própria lição moral da parábola (ou seja, o que realmente
devemos retirar dela como fonte de doutrina teológica), o personagem Abraão fala
em “ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (vs. 30 e 31), confirmando
que só a ressurreição é o caminho do retorno de quem morreu à existência?
20 O rico reconhece Abraão (v.23), o que demonstra que tinha familiaridade com ele,
mas na própria parábola Abraão cita Moisés (v.29), que é de séculos posteriores.
Se essa parábola for considerada real, corroboraria com a tese de que os mortos
sabem o que acontece no mundo dos vivos, o que é negado pelos protestantes.

É evidente, portanto, que se trata de mera parábola e como as outras devemos tirar dela a
sua lição moral e não analisá-la literalmente e muito menos podemos sair por aí
fundamentando importantes doutrinas bíblicas edificando-as sobre meios de parábolas!
Assim como na parábola de 2ª Reis a lição não era que as árvores falam, mas cada
elemento tem o seu devido significado, assim também o é na parábola do rico e Lázaro. O
nosso próximo passo, então, será desvendarmos o que cada um representava na parábola.
Antes, porém, um pequeno adendo para a refutação de outros argumentos imortalista s
comumente enfrentados.

As contradições imortalistas – Os imortalistas, ao sustentarem essa parábola como sendo


real e literal quando querem refutar os mortalistas, incorrem em uma série de contradições
bíblicas com a doutrina deles mesmos. Um dos exemplos mais claros que podemos citar é a
interpretação deles sobre o “espírito” que volta a Deus após a morte. À luz da Bíblia, esse
espírito nada mais é senão o sopro de vida que volta a Deus após a morte porque provém
dEle, mas os imortalistas precisam sustentar que esse espírito que volta para Deus é a
própria alma imortal, um ser consciente com personalidade que vai para o Céu
imediatamente após a morte.

Sendo assim, a interpretação deles de textos como Eclesiastes 12:7 é de que logo ao
morrermos nossa alma deixa o corpo e vai para a presença de Deus. Mas, sabendo que
Deus está no Céu, como é que nesta parábola Abraão e Lázaro estavam no Hades, que fica
nas profundezas da terra e não no Céu, como o próprio Senhor Jesus deixou claro em
Mateus 11:23? Pois ele disse: “E tu, Cafarnaum, será elevada até ao Céu? Não, você
descerá até o Hades! Se os milagres que em você foram realizados tivessem sido
realizados em Sodoma, ela teria permanecido até hoje” (cf. Mt.11:23).

Se o Hades não é o Céu, mas fica em oposição a este (um está “acima” de nós e outro
“abaixo”) e o espírito volta a Deus após a morte (cf. Ec.12:7), como é que Abraão, Lázaro e

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 166


o rico estavam no Hades na parábola, e não no Céu ou em alguma dimensão celestial? Isso
fica claro na própria parábola, que diz:

“No Hades, onde estava sendo atormentado, ele olhou para cima e viu Abraão de longe,
com Lázaro ao seu lado” (cf. Lucas 16:23)

Como vemos, o rico estava no Hades, e não com Deus nas regiões celestiais. E Abraão, por
sua vez, também não poderia estar no Céu, porque estava tão próximo do rico que
podia vê-lo e conversar com ele! Se tudo isso se passava no Hades, que para os
imortalistas é um local embaixo da terra onde espíritos sobrevivem conscientemente à parte
do corpo, como conciliar isso com o texto de Eclesiastes 12:7, que diz que o espírito volta
para Deus na morte, e não que desce ao Hades? Na teologia bíblica mortalista é fácil
responder a esta pergunta, pois o Hades é uma figura da sepultura para onde vamos ao
morrer, e o espírito não é uma “alma imortal” ou um ser consciente e racional à parte do
corpo, mas apenas o sopro de vida de Deus.

Mas como os imortalistas interpretam que a alma é imortal e o espírito é uma entidade
consciente, teriam que explicar como é que o espírito sobe para Deus , como disse Salomão
(cf. Ec.12:7), Jesus (cf. Lc.23:46) e Estêvão (cf. At.7:59), e a alma vai parar no Hades, que
é onde estavam Abraão e Lázaro nesta parábola. Ou eles interpretam a parábola
alegoricamente (como deveriam fazer) ou é a própria teologia deles próprios que vai por
água abaixo.

Outra passagem que refuta a interpretação imortalista de Luc as 16 é a de Hebreus 9:27,


que diz que imediatamente após a morte segue-se o juízo, e não o Céu ou o inferno. Ou
seja: a próxima experiência consciente que alguém desfrutará após a morte será o imediato
encontro com o tribunal de Cristo (para os justos) ou o grande trono branco (para os
ímpios). Mas nessa parábola contada por Cristo não há qualquer menção ao juízo
seguindo-se à morte. Não é nos dito que o rico morreu, foi julgado e depois condenado a
sofrer no Hades, mas que ele foi direto para o Hades. Sendo assim, ou o aut or de Hebreus
errou ao dizer que logo após a morte vem o juízo, ou a parábola não é uma história real
contada por Jesus, mas uma alegoria.

Ora, sabemos que este juízo só ocorrerá na volta de Jesus (cf. 2Tm.4:1) e que os ímpios só
serão julgados após o término do milênio (cf. Ap.20:11-15), seguindo-se, portanto, que o
rico não foi literalmente enviado ao Hades conscientemente para ser atormentado, mas
espera o dia do juízo, que é de fato a próxima experiência que alguém tem depois de
morrer. Portanto, as verdades literais da Bíblia anulam qualquer possibilidade de essa
parábola ser um acontecimento real ou retratar algo que de fato ocorra com alguém após a
morte, e de quebra põe a própria teologia imortalista em confusão consigo mesma.

Refutando contra-argumentos – A contra-argumentação mais famosa utilizada pelos


imortalistas é que, mesmo que Lucas 16 seja uma parábola e não necessariamente precise
relatar meios literais, a imortalidade da alma deve mesmo assim ser considerada através
desta passagem porque Jesus não iria “confundir” os seus ouvintes judeus incrédulos, que
poderiam pensar que realmente aquele estado intermediário existia. Para eles, se aquela
descrição da parábola fosse fictícia, isso causaria enorme confusão na mente daquelas
pessoas e muitos poderiam tomar aquilo como sendo um retrato da verdade. A vista deste
argumento, temos que fazer as seguintes considerações:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 167


1º Em primeiro lugar, o povo daquela época, diferentemente do atual, já estava habituado
com o uso de parábolas e sabiam que elas não poderiam ser levadas ao pé da letra. Jesus
só lhes falava por meio de parábolas (cf. Mt.13:34), e, se eles fossem literalizar cada uma
delas, poderiam ter depreendido vários erros teológicos dos quais já constatamos aqui,
como, por exemplo, a alegação de que Deus é um juiz ímpio ( cf. Lc.18:2), que colhe onde
não semeou (cf. Mt.25:24), que obriga as pessoas a irem para o Céu (cf. Lc.14:23), ou que
aprova a prática da administração desonesta (cf. Lc.16:8). Mas nunca vemos alguém
acusando Jesus por insinuar que ele aprovava a administração desonesta, que colocava um
caráter ímpio em Deus ou que não respeitava a nossa própria liberdade. Portanto, podemos
perceber claramente que o próprio povo da época entendia que as parábolas não podiam
ser interpretadas literalmente. Se eles não faziam isso com as outras parábolas, também
não iriam aplicar este princípio na do rico e Lázaro para serem “confundidos”!

2º Em segundo lugar, se Jesus não poderia fazer uso dessa parábola em função da
“confusão” que causaria em seus ouvintes, então ele não obteve tanto sucesso, visto que o
Hades que ele mencionou era totalmente diferente daquele que é crido hoje pelos
imortalistas. Por exemplo, na parábola Céu e inferno ficam lado a lado, já na teologia
imortalista ficam em dimensões diferentes. Na parábola, os salvos e os perdidos conversam
numa boa, já na teologia imortalista não há contato entre os salvos e perdidos que se
foram. Na parábola, o rico tinha um corpo físico com língua, dedos, e sentia sede. Já na
teologia imortalista, é apenas um espírito incorpóreo que desce ao Hades. Sendo assim, se
este argumento imortalista realmente procede, certamente se volta contra eles mesmos
quando analisado mais de perto.

3º Em terceiro lugar, temos que ressaltar que Jesus não estava contando essa parábola aos
incrédulos (multidão), mas aos seus próprios discípulos. Isso por si só já fulmina com esse
argumento imortalista, pois, se Cristo contou essa parábola aos seus próprios discípulos (e
estes já estavam muito bem doutrinados por Cristo), não haveria possibilidades de
“confundir a multidão” que vivia em trevas. Podemos perceber que Jesus falava em
particular com os seus discípulos e não com toda a multidão através da leitura do verso
seguinte, que deixa claro que Jesus estava falando “aos discípulos” – Lucas 17:1. Temos
que lembrar que o original da Bíblia não continha a divisão por capítulos e versículos, e,
portanto, Lucas 17:1 era simplesmente a continuação direta e imediata do relato descrito
até o verso 31 em Lucas 16, que deixa evidente que a conversa era entre Jesus e seus
discípulos, e não entre Jesus e a multidão.

4º E, em quarto lugar, devemos lembrar que seus discípulos, evidentemente, já eram muito
bem doutrinados por Cristo, e portanto não teriam qualquer problema com essa parábola. O
pastor adventista Valdeci Junior costuma contar aos seus ouvintes uma história semelhante
a que Jesus contou em Lucas 16:19-31, dizendo9 0 :

«Certa vez, morreram, na mesma hora, em lugares diferentes mas não muito distante um
do outro, dois homens. O primeiro era um senhor simples, sem estudos, motorista de
ônibus na pequena região onde morava. Era conhecido de todos, principalmente pela má
execução de sua tarefa profissional. Era muito, mas muito barbeiro. Foi assim a vida toda,
até que morreu em acidente de transito. O segundo homem era o pastor da cidadela.

90 Disponível em: <http://www.nasaladopastor.com/2011/03/parabola-do-rico-e-do-lazaro-vai-pro.html>.


Acesso em: 15/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 168
Pois bem, chegaram na porta do céu praticamente juntos. São Pedro atendeu primeiro o
motorista. No questionário de admissão para entrar no céu, quando São Pedro queria saber
quem ele era, aquele homem começou a explicar: eu sou aquele conhecido motorista de
ônibus, da empresa tal, de tal cidade, e tal e tal... Ah, ta! Disse São Pedro. Você é o
motorista barbeiro! “Justamente”, respondeu o homem! Pois bem! Disse São Pedro. Entre!
O Céu é todo seu!

O pastor, que estava assistindo a entrevista enquanto esperava para ser também atendido,
pensava: “Se este homenzinho foi admitido ao Céu, imagine eu, o pregador”.

São Pedro se virou para o pastor: “Você é o próximo?”

“Sim”, respondeu o pastor, todo empolgado: “Sou o pastor, da mesma cidade deste
barbeiro que acabou de entrar...”

São Pedro cortou: “Olha, eu sei quem você é. Infelizmente, você não tem entrada livre ao
Céu. Não poderá ficar aqui”.

“Mas como?”, contestou o pastor. “Este homenzinho ignorante, iletrado, que fazia seu
trabalho mal feito, que não pregava, que vivia dando prejuízo pra empresa, que sempre
deixava todos os seus passageiros tensos e temerosos, vai entrar no Céu, e eu, o pregador,
que vivia na igreja, que falava da palavra de Deus, que procurava deixar todos em paz, não
poderei entrar?”

“É justamente nesta diferença que está a razão da rejeição de sua entrada em face da
admissão do motorista”, respondeu São Pedro.

“Não entendi”, disse o pregador.

O apóstolo porteiro do Céu explicou: “É que enquanto você estava na igreja, com seus
sermões sem vida, colocando todos os seus fiéis para dormir, o motorista estava colocando
todos os seus passageiros para rezar”»

Depois que ele conta a história, ainda antes de revelar ao auditório qual será o assunto do
dia, começ a a perguntar às pessoas quais são as lições que elas tiraram desta história. É
interessante notar alguns pontos da reação do auditório. Assim que termina a história, os
ouvintes sorriem e vão fazendo a lista das lições aprendidas:

“Nem todo o que me diz Senhor, Senhor entrará no reino dos céus”
“Os simples também têm entrada no Céu”
“É melhor a devoção do que o formalismo”
“Ser pastor não garante a salvaç ão”
“O pregador deve fazer bons sermões”
“O Céu não admite só pela aparência”
“As aparências enganam”
“Devemos vigiar e orar”

E por aí vai...

Interessante é que absolutamente ninguém até hoje diz que viu nesta história lições como:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 169


“São Pedro está lá na porta do Céu esperando por nós”
“Antes de entrarmos no Céu teremos que passar por uma entrevista”
“Assim que morremos chegamos ao Céu”
“Pode ser que cheguemos à porta do Céu e não sejamos admitidos”
“A alma é imortal”

Ninguém se escandaliza por isso ou ridiculariza a história. Esperam então que ele introduza
o assunto da palestra baseado em alguma das lições que conseguiram tirar dela. Começam
a imaginar qual será o tema da noite. Jamais pensam que ele iria falar da parábola do rico e
do Lázaro. Ele se aproveitou de uma crendice popular apenas como um cenário onde se
passava uma historia inventada, a fim de ensinar algumas lições. Por que?

1º O auditório sabe que esta não é uma historia verdadeira.

2º Eles conhecem a crendice popular de que quem morre vai pro Céu, e na entrada
encontra São Pedro.

3º Eles não creem nesta crendice como doutrina. Sabem que isto não é verdade ( ele já
conhece o auditório e sabe que eles creem como ele crê, sobre o destino do homem após a
morte).

4º O auditório vai conseguir captar as lições que ele quer ensinar com mais facilidade, pois,
através de uma metáfora, está figurando o ensino. Isto é didática. A primeira vez que ele
ouviu esta historia, ela foi contada por um palestrante que não cria na imortalidade da
alma, para um publico que também não cria. Na ocasião, todos entenderam a mensagem. A
questão de mortalidade ou imortalidade nem foi cogitada por ninguém. Não era este o
assunto.

Isto foi o que Jesus fez. Ele se utilizou de um cenário popular como um fundo fictício onde
se passava a parábola do rico e Lázaro, na qual ele ensinou aos seus discípulos as lições
morais que iremos analisar a partir de agora. Isso obviamente não confundiria os discípulos
nem a ninguém que entendesse um pouco de Bíblia para saber que a natureza humana é
holista, que a morte é a cessação da existência e a ressurreição é o antídoto para a vida
eterna, tanto quanto a palestra do pastor Valdeci Junior, que vimos acima, não levou
ninguém a tirar a conclusão de que aquela história ensina a imortalidade da alma, nem
tampouco chegou a “confundir” alguém.

O significado dos elementos da parábola - O homem rico representava a nação judaica, que
se orgulhava de se auto-considerar “os filhos de Abraão” (cf. Jo.8:33). Eram o povo
escolhido de Deus, a nação eleita, sacerdócio real, tinham a Lei de Deus, os Mandamentos,
eram os filhos legítimos de Abraão. Deus lhes computou todas as responsabilidades do
Reino como os Seus filhos, como a Sua nação eleita.

Contudo, rejeitaram o Messias, rejeitaram o Filho de Deus encarnado, preferiram seguir os


seus caminhos e as suas tradições, fundamentando-as na segurança de serem os filhos de
Abraão, a nação de Jeová e, portanto, os filhos legítimos do Reino. Em contras te, como eles
consideravam os gentios? Os consideravam como os coitados, considerados como cães,

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 170


imundos e indignos do favor do Céu, pelos judeus. Não foram os “escolhidos de Deus”,
eram, portanto, os “Lázaros espirituais”.

Enquanto os judeus receberam tudo de bom nesta vida, recebendo o favor de Deus como a
nação eleita e sacerdócio real, para lhes ser computada como justiça, os gentios
(representados pelo mendigo Lázaro) eram os “pobres” do Reino. Ficavam para trás, o
máximo que faziam era “comer as migalhas” daqueles que faziam parte do Reino, os
judeus, representados pelo Rico.

Como o rico, os judeus não estendiam a mão para auxiliar os gentios em suas necessidades
espirituais. Permitia apenas comer das migalhas. Cheios de orgulho, consideravam-se o
povo escolhido e favorecido de Deus; contudo, não serviam nem adoravam a Deus.
Depositavam confiança na circunstância de serem filhos de Abraão, dizendo: “Somos
descendência de Abraão” (cf. Jo.8:33), e diziam isso orgulhosamente.

Assim, foram os judeus comparados ao homem Rico da parábola, pelo fato de que po ssuíam
as riquezas do evangelho, mas, no entanto, não cumpriram a vontade de Deus a respeito
deles, que era de ser a luz dos gentios. No campo religioso, os pobres gentios pegavam
mesmo apenas as migalhas. Uma cena que exemplifica bem esse quadro encontra-se no
evangelho de Mateus:

“E, partindo Jesus dali, foi para as bandas de Tiro e Sidom. E eis que uma mulher cananéia,
que saíra daquelas cercanias, clamou dizendo: Senhor, filho de Davi, tem misericórdia de
mim, que minha filha está miseravelmente endemoniada. Mas Ele não lhe respondeu
palavra. E os discípulos, chegando ao pé dEle, rogaram-lhe dizendo: Despede-a, que vem
gritando atrás de nós. E Ele respondendo disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas
perdidas da casa de Israel. Então chegou ela e adorou-O dizendo: Senhor, socorre-me. Ele
porém, respondendo disse: Não é bom pegar no pão dos filhos e deitá -lo aos cachorrinhos.
E ela disse: Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que
caem da mesa dos seus senhores. Então respondeu Jesus, e disse-lhe: Ó mulher,
grande é a tua fé: Seja isto feito para contigo como tu desejas. E desde aquela hora a sua
filha ficou sã” (cf. Mateus 15:21-28).

Aquela mulher cananéia (gentios) também queria compartilhar das “migalhas” da mesa,
assim como o mendigo Lázaro. Uma descrição perfeita daquele cenário. O que Jesus fez?
Elogiou a sua fé. Apesar de ele ter sido chamado para a “casa de Israel”, ficou
impressionado com a fé dos gentios, pois “nem mesmo em Israel encontrou tamanha fé”.
Aquela gentia contentava-se em comer das migalhas da mesa, como é o caso de Lázaro na
parábola.

Outro exemplo disso encontra-se em Mateus 8:5-13. Nesta experiência, o centurião


expressou exatamente o que os judeus pensavam dos gentios: “Não sou digno de que
entreis em minha casa” (v.8). No entanto, o centurião demonstrou grande fé quando disse:
“Diga somente uma palavra e meu criado sarará” (v.8). Jesus curou o servo daquele gentio
e public amente elogiou sua fé com estas palavras: “Nem mesmo em Israel encontrei tanta
fé” (v.10), e, por fim, assegurou que muitos gentios irão se assentar na mesa com Abraão
(cf. Gl.3:27-29; Rm.10:12).

Apesar de serem considerados “a descendência de Abraão”, os gentios demonstravam uma


fé muito superior do que a dos próprios israelitas! Embora estes fossem “os ricos do Reino”,

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 171


devendo ser a luz das nações e os reis da terra deveriam caminhar vendo a glória de Deus
que paira sobre eles (cf. Is.60:3), não aproveit aram essa sua riqueza. Os gentios, contudo,
mesmo sendo os “Lázaros espirituais”, desprezados pelos judeus por não serem os “filhos
de Abraão”, demonstraram uma fé muito superior a dos próprios judeus.

No pátio do Templo de Jerusalém havia uma linha demarcatória que, no caso de ali algum
gentio passar, morria imediatamente (cf. At.21:29), isso porque eram considerados
indignos pelos judeus de cultuar a Deus no Seu Templo. Portanto, Cristo quis ensinar nesta
parábola que os judeus (Rico) banqueteavam-se na mesa da verdade, enquanto os gentios
(Lázaro), eram como os cachorrinhos que procuravam a todo custo apanhar ao menos das
migalhas do evangelho.

E, de fato, eles passaram a fazer parte da mesa de Deus, unidos em “um só povo” (cf.
Jo.11:52). Isso serviu de lição moral ao grupo dos fariseus, que eram exatamente aqueles a
quem Cristo condenava nesta parábola (v.14,15). A maior prova de que o Rico (nação
judaica) recebeu “seus bens em sua vida”, como nos informa a parábola, foi o fato de ter
sido chamada para ser o sacerdócio real de Deus na Terra, nação santa, peculiar.

Sobre ela o Senhor dispensou, por séculos, bênçãos sem limites, além de dar-lhes uma
terra onde mana leite e mel e, finalmente, deu-lhes o próprio Messias, o Salvador. A reação
do rico (judeus), contudo, foi esta: “Veio para o que era seu, e os seus não o receberam”
(cf. Jo.1:11). Os judeus, portanto, rejeitaram o Messias (o Rico morre). Assim sendo,
perderam a soberania divina sobre as demais nações.

O evangelho haveria de ser então anunciado em seu poder aos gentios (Lázaro), a fim de
que também eles participassem da mesa do Reino. Não comeriam mais migalhas da mesa
do Senhor, mas fariam parte do banquete do Reino (cf. Lc.13:29). O que Jesus faz? Ele tira
do próprio Abraão, sobre o qual aquela nação judaica se orgulhava em sua chamada
“superioridade”, as palavras que este haveria de ter dito em pessoa: “Se não ouvem a
Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite” (cf.
Lc.16:31).

Essa é a lição moral da parábola. Nada, nem mesmo uma ressurreição, poderia converter
aquela nação novamente. Tornaram-se cegos espirituais, cavaram-se a si mesmo um
abismo intransponível entre eles e Deus, entre eles e a salvação (cf. Lc.16:26). A parábola,
portanto, não deve ser interpretada literalmente pelos seus meios fundamentando -a como
doutrina, pelo contrário, tem cada elemento o seu devido significado ao exemplo das outras
parábolas que também não apresentam meios literais, mas uma verdade moral por detrás
de um cenário fictício.

Ele contou a parábola do Rico e do Lázaro, em que o homem rico representava o próprio
povo judeu que teve todas as oportunidades nesta vida, mas a desperdiçou, enquanto, em
contraste, os gentios (representados por Lázaro na parábola) eram os “Lázaros espirituais”,
desprezados pelos judeus, mas que desfrutariam de muito maior bem-aventurança do que a
própria nação judaica que se autoproclamava os “filhos de Abraão”. O quadro todo
representava aquela nação judaica que se orgulhava por serem os filhos de Abraão
escolhidos de Deus (representados pelo Rico), quando, na verdade, os que são da fé é que
são os verdadeiros filhos de Abraão (representados pelo pobre Lázaro), como disse o
apóstolo Paulo: “Estejam certos, portanto, de que os que são da fé, estes é que são filhos
de Abraão” (cf. Gl.3:7).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 172


Por fim, a lição moral da parábola é que, “se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco
acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite” (cf. Lc.16:31). Os fariseus
desprezavam Jesus, não acreditavam nele, o perseguiam, apesar de todos os feitos
milagrosos de Cristo, incluindo o de ressuscitar os mortos. Jesus havia ressuscitado
exatamente um homem chamado Lázaro (cf. Jo.11:43,44), que havia voltado à vida após
quatro dias em que esteve morto, mas nem mesmo assim os fariseus acreditaram nele, e
ainda continuavam a o perseguir!

Os que não escutam Moisés e os profetas também não vão acreditar em Cristo, nem mesmo
se os mortos ressuscitarem. De fato, essa verdade foi ainda mais ressaltada pela reação dos
dirigentes dos judeus quando Jesus ressuscitou Lázaro, no relato de João 11. Ao invés de
eles passarem a acreditar em Cristo, começaram a persegui-lo ainda mais do que antes:

“Depois os principais dos sacerdotes e os fariseus formaram conselho, e diziam: Que


faremos? Porquanto este homem faz muitos sinais. Se o deixarmos assim, todos crerão
nele, e virão os romanos, e tirar-nos-ão o nosso lugar e a nação (...) Ora, os principais dos
fariseus tinham dado ordem para que, se alguém soubesse onde ele [Jesus] estava, o
denunciassem, para o prenderem” (cf. João 11:47-48,57)

“E os principais dos sacerdotes tomaram a deliberação para matar também a Lázaro;


porque muitos dos judeus, por causa dele, iam e criam em Jesus” (cf. João 12:10-11)

Então, Cristo ensina que para aqueles que se proclamavam os “filhos de Abraão”, nenhuma
prova – nem mesmo sequer uma ressurreição, como foi a de Lázaro – os fariam mudar de
opinião e converter-se. O próprio Abraão que os condenava!

Jesus não estava dizendo que literalmente algum morto teria que voltar a vida para contar
sobre os tormentos do Hades, convertendo assim aquela nação judaica, pois a Bíblia traz
um relatório de sete pessoas que foram levantadas dentre os mortos (cf. 1Rs.17:17-24;
2Rs.4:25-37; Lc.7:11-15; 8:41-56; At.9:36-41; 20:9-11), mas absolutamente nenhuma
delas teve uma experiência de pós-morte para compartilhar. Lázaro, que foi trazido à vida
após quatro dias morto não teve nenhuma experiência f ora do corpo, e muito menos
alguma “mensagem” para trazer a família nenhuma.

O que Jesus estava fazendo era uma exortação à comunidade: ouvirem a Moisés e aos
profetas (i.e, a Escritura da época), antes que seja tarde demais. Isso porque as tradições
humanas daquele povo já estavam se sobrepondo a “Moisés e os profetas”, já estavam
tomando o lugar da Sagrada Escritura (cf. Mc.7:13). Se considerando filhos de Abraão
(Rico) que são beneficiados no banquete do Reino de Deus, desprezavam os gentios
(Lázaro), que tinham que comer das migalhas que caíam de suas mesas. Mas este quadro
estava se revertendo. A partir do período da Graça, eram os gentios que desfrutariam das
bem-aventuranças do Reino, ao passo que aqueles que se apoiavam na descendência
natural de Abraão seriam condenados pelo próprio Abraão.

Conclusão – A parábola apresenta através de meios não-literais (fictícios) diversos


princípios morais que estavam sendo rejeitados pelos judeus da época de Cristo , em
especial o repúdio aos gentios, que haveriam de desfrutar muito maior bem-aventurança
que os próprios judeus. Eles “virão do oriente, e do ocidente, e do norte, e do sul, e

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assentar-se-ão à mesa no reino de Deus” (cf. Lc.13:29), junto a Abraão e os patriarcas (cf.
Lc.13:28), enquanto os incrédulos ficarão de fora:

“Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, e Isaque, e Jacó, e todos os
profetas no reino de Deus, e vós lançados fora. E virão do oriente, e do ocidente, e do
norte, e do sul, e assentar-se-ão à mesa no reino de Deus” (cf. Lucas 13:28-29)

O quadro descrito em Lucas 13:28-29 é tipificado na parábola do Rico e Lázaro. Na


parábola, o pobre, representando a multidão de gentios convertidos, está ao lado de Abraão
(cf. Lc.16:22), exatamente como em Lucas 13:28, ao passo que os incrédulos estão de fora
do Reino, o que também é tipificado na parábola (cf. Lc.16:23). Assim como em Lucas
13:28-29, na parábola os gentios convertidos representados por Lázaro desfrutam das bem-
aventuranças do Reino como em um verdadeiro banquete, após terem desfrutado apenas
das “migalhas” enquanto estiveram aqui na terra (cf. Lc.16:21).

Sendo assim, podemos dizer que a parábola do Rico e Lázaro é uma tipificação do ensino de
Cristo descrito em Lucas 13:28-29, mas com maior riqueza de ensinos morais a serem
obtidos dela, como vimos acima. Note que o verbo em Lucas 13:28-29 está em todo o
momento no tempo futuro. Cristo diz que “haverá” choro e ranger de dentes (v.28), e não
que está havendo choro e ranger de dentes. Da mesma forma, diz que muitos virão do
oriente e do ocidente para fazerem parte do Reino, e não que já estejam lá (v.29). Eles se
assentar-se-ão à mesa de Deus, como em um acontecimento futuro (v.29).

Portanto, aquilo que acontecerá futuramente foi tipificado na parábola do Rico e Lázaro,
não de forma literal, mas com a personificação dos personagens ali citados e transmitindo
um ensinamento moral aos seus discípulos. A parábola em si não é a descrição de como
será o pós-vida, mas uma tipificação desta. Na parábola é tipificado aquilo que virá a ser,
isto é, gentios de todas as nações fazendo parte do Reino junto a Abraão, incrédulos de
fora, reforço ao apego às Escrituras (“Moisés e os profetas” – cf. Lc.16:31) e a rejeição à
incredulidade dos líderes dos judeus. De fato, à exemplo da lista de lições aprendidas na
história do pastor Valdeci Junior, podemos listar também aquilo que aprendemos com a
parábola do Rico e Lázaro:

1º Que, diferentemente dos fariseus que pensavam que as rique zas eram um sinal da
aprovação divina (e estes eram extremamente apegados ao dinheiro - cf. Lc.16:14),
haverão homens ricos (v.19) que estarão de fora do Reino (vs.22-23).

2º Que, diferentemente da crendice popular de que a pobreza e a doença eram coisas do


diabo, haverão homens extremamente pobres e doentes que serão salvos ( vs.20-21).

3º Que os gentios que na época comiam apenas das migalhas passarão a desfrutar da mesa
do Reino de Deus ao lado de Abraão (v.21).

4º Que o simples fato de se apoiar na descendência natural de Abraão em nada significa


que é realmente filho de Deus (v.24).

5º Que os que desprezam a Cristo estão cavando para si mesmos um “abismo


intransponível” entre eles e Deus (v.26).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 174


6º Que nem todo aquele que reivindica para si mesmo o direito de ser chamado filho de
Abraão ou de Deus é realmente um convertido (vs.24-25).

7º Que a ressurreição é o único caminho para quem morreu voltar à existência ( v.31).

8º Que até mesmo um grande sinal miraculoso como ressuscitar os mortos não é suficiente
para fazer que os descrentes creiam em Cristo Jesus (vs.30-31).

9º Que a oportunidade de salvação se limita ao “hoje”, e não depois da morte, quando nada
mais pode ser feito (v.s.24-31).

10º Que a Sagrada Escritura (“Moisés e os profetas” – v.31) é o único meio através do qual
um incrédulo pode se se arrepender e se converter de seus maus caminhos.

Na parábola do Rico e Lázaro, Cristo mostra que é nesta vida os homens decidem seu
destino eterno, porque, depois, será apenas por meio da ressurreição que voltaremos à
existência (cf. Lc.16:31) e seremos ressurretos para a vida eterna ou para a condenação
(cf. Jo.5:28-29), de acordo com os atos praticados em vida (cf. 2Co.5:10), sem segunda
chance após a morte (cf. Hb.9:27). Durante o presente momento, essa salvação é oferecida
por Deus a toda c riatura, sem distinção entre ricos e pobres, judeus ou não-judeus. Mas, se
os homens desperdiçam as oportunidades se apoiando em tradições humanas antes que nas
Escrituras, acabam por si mesmos cavando entre eles e Deus um abismo intransponível.

VI–Deus de vivos, não de mortos – Argumento contra ou a favor da imortalidade


da alma?

Outra passagem que tem sido olhada pela ótica dualista é o que Jesus diz em Lucas
20:38,39 – “Ora, Deus não é Deus de mortos, e, sim, de vivos; porque para ele todos
vivem”. Infelizmente, bastaria que as pessoas lessem o versículo anterior para entender o
que Jesus queria provar com aquilo: “E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o
indicou no trecho referente à sarça, quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de
Isaque e o Deus de Jacó. Ora, Deus não é Deus de mortos, e, sim, de vivos; porque para
ele todos vivem. Então disseram alguns dos escribas: Mestre, respondeste bem. Dai por
diante não ousaram mais interrogá-lo” (cf. Lc.20:37-40).

Do início ao fim Jesus est ava usando tal passagem para provar a ressurreição dos mortos, e
não uma imortalidade da alma. O fato é que, pelo contexto, Cristo estava debatendo com
uma seita da época, chamada de “saduceus”. Estes saduceus não acreditavam na
ressurreição dos mortos:

“Então se aproximaram dele alguns dos saduceus, que dizem não haver ressurreição, e
lhe perguntaram...” (cf. Marcos 12:18)

Então, Jesus, para provar que os mortos hão de ressuscitar, citou o trecho que diz que Deus
é o Deus de Isaque, Abraão e Jacó, provando assim que eles ainda seriam ressuscitados;
eles não estavam mortos para todo o sempre como acreditavam esses saduceus (que não
criam na ressurreição para trazer de novo alguém a vida), porque se fosse assim Deus iria
dizer que era o Deus de Abraão, Isaque e Jacó.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 175


O intuito de Cristo, portanto, era mostrar para aquele grupo de religiosos, que não
acreditavam na ressurreição, que essa era um fato que iria acontecer, pois Deus não é um
Deus de mortos. Logo, todos os mortos – incluindo Isaque, Abraão e Jacó – seriam
ressuscitados, ao contrário do que acreditavam os saduceus, e viveriam com Deus. Do início
ao fim a passagem é para provar a ressurreição dos mortos:

“E que os mortos hão de ressuscitar, Moisés o indicou no trecho referente à sarça,


quando chama ao Senhor o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó” (cf. Lucas
20:37,38)

Fica muito mais do que claro que Jesus usou essa passagem para desacreditar aquilo que os
saduceus acreditavam, isto é, que os mortos não vão ressuscitar nunca. Se a ressurreição
não acontecesse, Deus seria Deus de mortos. O evangelho de Marcos também é revelador
para descobrirmos o que Jesus estava querendo dizer com esta passagem:

“Pois, quando os mortos ressuscitarem, serão como os anjos do Céu, e ninguém casará”
(cf. Marcos 12:25)

“Quando os mortos ressuscitarem”, e não quando a nossa alma imortal deixa o corpo por
ocasião da morte! Jesus disse claramente, no contexto, que é “quando os mortos
ressuscitarem”, é isso o que Jesus queria provar. Se a intenção de Cristo fosse provar a
imortalidade da alma (algo estranho, pois a pergunta não foi sobre isso, mas sobre a
ressurreição), então decerto teria dito: “Quando vocês morrerem... serão como anjos
no Céu”, se a alma fosse direto para o Paraíso. Contudo, Cristo é claro em dizer: “Quando
os mortos ressuscitarem serão como anjos no Céu”.

Na verdade, quando os defensores da imortalidade da alma usam esta passagem como


suposta “prova” do estado intermediário, eles mal sabem que tudo não passa de um famoso
“tiro no pé”. Além de demonstrar uma lastimável interpretação de texto (sem observar o
contexto histórico e a contextualização textual que desmontam por completo com a
interpretação deles), a passagem ainda sustém uma grande prova contra o estado
intermediário. Por quê? Simplesmente porque Cristo afirma categoricamente que “quando
os mortos ressuscitarem, serão como os anjos do Céu” (cf. Mc.12:25).

Se o espírito dos salvos partisse para o Paraíso logo no momento da morte em um “estado
intermediário”, então certamente Cristo teria dito que “quando morrerem... serão como
anjos no Céu”. Contudo, é somente na ressurreição que tal fato se concretiza, o que
fulmina com a existência de um suposto estado intermediário. Ademais, os próprios
saduceus (que não acredit avam em nada após a morte e nem em ressurreição) sabiam que
o Mestre não acreditava em um “estado intermediário”, por isso perguntam a ele focando
no momento da ressurreição, pois é somente neste momento em que os mortos voltam à
vida:

“Na ressurreição, de qual deles será ela esposa, pois os sete por esposa a tiveram?” (cf.
Marcos 12:23)

Se Jesus cresse na imortalidade da alma, os saduceus o teriam indagado sobre essa


possibilidade de a alma ser imortal, e não sobre a possibilidade de a ressurreição acontecer.
Eles questionaram direto a ressurreição sem cogitar qualquer estado intermediário ou
imortalidade da alma (que eles também não criam) porque sabiam que Jesus cria na

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 176


ressurreição, e não na imortalidade da alma. Por isso, o foco da discussão em tod o o
momento não foi sobre se a alma é ou não é imortal, mas sim se a res surreição vai ou não
vai ocorrer. Aparentemente, a questão relativa a um estado intermediário não era um ponto
de discussão. Nem Jesus nem os saduceus que o questionavam criam nela, e por isso o
único que foi debatido foi a ressurreição, que Cristo ensinava e os saduceus não.

Além disso, devemos ressaltar o fato de que, neste mesmo contexto, Cristo relata que “não
podem mais morrer, pois são como os anjos. São filhos de Deus, visto que são filhos da
ressurreição” (cf. Lc.20:36). Aqui vemos que os que partem deste mundo tornam-se
imortais (“não podem mais morrer”) e tornam-se como os anjos (“são como os anjos”) a
partir da ressurreição dentre os mortos, como é claramente indicado pelo contexto (vs.
33 e 34) e pelo próprio fim do verso que torna tal afirmação muito evidente ao relatar
explicitamente que são “filhos da... ressurreição” (v.36). Não desfrutaremos de imortalidade
em um estado intermediário, mas somente quando Jesus voltar e nos ressuscitar para
entrarmos na vida eterna (cf. Jo.5:28,29).

Vemos, portanto, que esta passagem, em lugar de favorecer a doutrina grega da


imortalidade da alma, constitui-se exatamente em uma forte confirmação de que a vida
eterna e a era vindoura se dará pela ressurreição dos mortos! Finalmente, como se
tudo isso não fosse suficientemente claro para vermos como os imortalistas deturpam e ssa
passagem bíblica tirando-a do seu contexto, devemos ressaltar também que a lógica de
Cristo nesta passagem só faria sentido em caso que os mortos estivessem literalmente
mortos mesmo (i.e, sem vida) e só ganharão vida a partir da ressurreição.

Como podemos provar este ponto de vista?

Em primeiro lugar, porque se Cristo tivesse provado que os mortos estão atualmente vivos
(como os imortalistas interpretam erroneamente o verso 38), então isso , por si só, em
absolutamente nada provaria que os mortos irão ressuscitar, pois Cristo usou aquilo para
provar a ressurreição que os saduceus desacreditavam (cf. Lc.20:37; Lc.20:33), e tal
argumento dele no verso 38 (supostamente de que os mortos já estivessem vivos) não
seria nenhuma “prova incontestável” da ressurreição, uma vez que os mortos poderiam
viver eternamente em um estado desencarnado (como criam os gregos de sua época) na
forma de uma alma imortal, sem passar pela ressurreição. Sendo assim, Jesus teria tentado
provar a ressurreição por meio de um argumento que não prova a ressurreição! Afinal, que
os mortos estão vivos não é prova de que eles irão ressuscitar. Os próprios gregos de sua
época criam nisso e não criam na ressurreição.

Se, contudo, ponderamos que os mortos estão sem vida, vemos que tal afirmação de Cristo
(de que Deus não é Deus de mortos) prova totalmente a ressurreição, uma vez que, sem
ela, Deus seria Deus de mortos, e que o próprio fato de Ele ser Deus de vivos prova que
eles sairão deste estado de morte (i.e, sem vida), para necessariamente passarem por
uma ressurreição, ganhando vida, pois senão Deus seria um Deus de mortos e diria que
era o Deus de Abraão, Isaque e Jacó.

Então torna-se lógico que tal argumento de Cristo só seria validado caso os mortos
estivessem literalmente mortos (i.e, sem vida) para ganharem vida somente a partir da
ressurreição, pois somente desta maneira o objetivo de Cristo em provar a ressurreição se
concretizaria. Se os mortos já estivessem vivos, tal passagem não provaria a ressurreição, e

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 177


o argumento seria inútil. Mas se os mortos estão realmente sem vida, então o fato de que
eles viverão um dia prova totalmente que uma ressurreição deve ocorrer.

Vemos, portanto, que t al pretensão imortalista falha em inúmeros aspectos, como vimos:

1º O argumento de Cristo para provar a ressurreição somente a provaria efetivamente em


caso que os mortos estivessem literalmente mortos (sem vida) como de fato eles estão.

2º Se os que morreram já estivessem com vida em uma forma incorpórea, Jesus teria
usado um argumento para provar a ressurreição que simplesmente não prova a
ressurreição!

3º Cristo não quis de maneira nenhuma provar que os mortos já estão vivos, pois o verso
37 diz claramente que ele usou tal argumento para provar “que os mortos hão de
ressuscitar”, e não de que eles já estão vivos em algum lugar.

4º Os que morrem são filhos “da ressurreição” (v.36), e não da alma imortal, do estado
intermediário ou da imortalidade da alma. Eles são considerados “filhos da ressurreição”
porque é somente a partir dela que eles ganham vida.

5º Nós nos tornaremos semelhantes aos anjos (não no aspecto físico, mas no sentido de
que não possa mais se dar em casamento – v.35) quando “os mortos ressuscitarem” (cf.
Mc.12:25), e não quando a alma supostamente parte do corpo rumo a um “estado
intermediário” imaginário.

6º O saduceus sabiam que Jesus não acreditava no estado intermediário, por isso
perguntaram direto se “na ressurreição, de qual delas será ela esposa...” (cf. Mc.12:23). A
imortalidade da alma ou existência de um estado intermediário nem ao menos era um
ponto de discussão entre eles, pois tanto Cristo como os saduceus não criam nisso, e por
essa razão o debate entre os dois foi sobre a ressurreição, que era crida por Jesus e
rejeitada pelos saduceus.

Vemos, portanto, que quando analisamos o devido contexto, tal passagem não apresenta
absolutamente nenhuma, mas nenhuma mesmo, prova da “imortalidade da alma”, mas
constitui-se em uma fortíssima prova contra ela. Como em todas as outras passagens que
são utilizadas por eles, basta analisarmos o próprio contexto e deixarmos o texto fluir
normalmente que toda e qualquer pretensão imortalista cai por terra e volta-se contra os
seus próprios proponentes.

VII–Mateus 10:28 e a destruição da alma

A passagem de Mateus 10:28, em que Jesus diz: “Não temais os que matam o corpo e não
podem matar a alma; temei antes aquele que pode destruir no inferno tanto a alma como o
corpo”, tem sido vista pelas lentes dualistas como um apoio para a doutrina da imortalidade
da alma, possivelmente como a única passagem bíblica dentre mais de 1600 em que a
“alma” é mencionada com possibilidade de ser imortal. Tal interpretação, contudo, carece
inteiramente de fundamento.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 178


Se o que Jesus queria provar em Mateus 10:28 era a doutrina da imortalidade da alma, por
que então a continuação deste mesmo diz que a alma-psiquê é destruída junto com o
corpo? Afinal, como disse Cullmann, “se a alma é destruída, então ela não é imortal”9 1 . E,
se Cristo queria provar que a alma nunca é destruída, então certamente não teria dito que
ela pode perecer. Um elemento imaterial não poderia jamais sofrer a destruição que afeta o
corpo e nem ser destruído.

Se o que está em jogo em Mateus 10:28 é a alma como um elemento, como creem os imortalistas, isso
refutaria a própria tese da imortalidade da alma, pois a continuação lógica de um texto que diz que os
homens podem apenas matar o corpo mas não podem matar a alma é que Deus destruirá tanto um
como o outro. Não há a menor lógica em dizer que os homens podem matar o corpo e não a alma e
Deus também só mata o corpo e não a alma, ou pior: que os homens possam matar o corpo e não a
alma e Deus não mata nem um nem outro!

É óbvio que a mensagem de Jesus sobre temer a Deus acima de todas as coisas só faria sentido se, de
fato, os homens matassem o corpo e Deus matasse o corpo e a alma, isto é, que ele matasse mais do
que os homens são capazes de fazer. Isso implica necessariamente em uma destruição -apollumi no
sentido de cessação de vida, de morte no mesmo sentido de não-vida que o verso trata. Se o “destruir”
aqui é uma mera referência a “fazer perder” ou “lançar” (como vertem algumas traduções) mas não a
matar literalmente (fazer com que deixe de existir) o texto estaria dizendo que os homens matam apenas
o corpo e não a alma e Deus também mata apenas o corpo e não a alma.

Isso obviamente anula toda a mensagem de não temer quem pode dar um fim apenas ao corpo, se Deus
da mesma forma também só desse um fim ao corpo! Evidentemente, não estamos dizendo que em
outras ocasiões apollumi não possa significar meramente “perdição” e não “destruição” (pois ambos são
significados da palavra), mas sim que neste contexto específico de Mateus 10:28 seria um absurdo
interpretar apollumi em outro sentido que não seja o de aniquilamento, pois faria com que o texto
estivesse dizendo que não é para temer aqueles que só podem matar o corpo, mas era para temer
aquele que também só mata o corpo!

Em outras palavras, se “alma” aparece aqui no sentido de elemento da natureza humana, como creem
os imortalistas, essa seria uma prova indiscutível e irrefutável do aniquilacionismo da alma dos ímpios,
que Deus aniquila no geena tanto o corpo quanto a alma dos ímpios, o que implica na inexistência do
tormento eterno do inferno que creem os dualistas. Isso os faria renegar suas próprias convicções
teológicas a respeito do inferno, para salvar a crença da sobrevivência da alma em um estado
intermediário.

Sendo assim, alma no sentido de elemento em Mateus 10:28 é um golpe de morte na própria doutrina da
imortalidade da alma, pois provaria que esse elemento chamado “alma” é aniquilado no geena
juntamente com o corpo. Os imortalistas não teriam qualquer vantagem sobre os mortalistas em usarem
Mateus 10:28 com alma no sentido de elemento, pois estariam refutando a si mesmos. Uma análise
meticulosa da passagem, no entanto, nos mostrará que Cristo não usou alma no sentido de elemento da
natureza humana em Mateus 10:28.

Para entendermos o que Jesus realmente quis dizer nesta passagem, teremos que regressar
rapidamente para os conceitos básicos sobre corpo e alma, e depois analisarmos o contexto
em que Cristo aplicava a palavra “alma” em seus ensinos. Voltando a Gênesis 2:7, que fala
sobre a criação do homem, vemos que Deus “formou o homem do pó da terra [corpo], e
soprou em suas narinas o fôlego de vida [espírito], e o homem tornou-se uma alma
vivente [alma]” (cf. Gn.2:7 – grifo meu).

Este é o sentido primário de alma. Sendo que o homem “tornou-se” alma, e não “obteve”
uma, é fato que qualquer interpretação que induzisse que temos em nós uma alma imortal
presa dentro do nosso corpo estaria errada. Primeiramente, temos que lembrar que existem

91 CULLMANN, Oscar. Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos? Disponível em:


<http://www.mentesbereanas.org/download/imort-ressur_folheto.pdf>. Acesso em: 13/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 179
sentidos secundários de alma-psiquê. Uma vez que corpo, alma e espírito são
características da mesma pessoa, então é excluído de imediato a possibilidade de que a
nossa natureza seja dualista. Se o homem é alma, ele não pode ter/possuir alma, pois isso
altera o sentido primário do que é alma. Isso, contudo, não exclui a possibilidade de haver
sentidos secundários em que a palavra alma-psiquê é empregada, em um sentido que não
altere o seu significado primário. Um bom exemplo disso é psiquê no sentido de “vida”.

Jesus conhecia muito bem as Escrituras, e sabia perfeitamente que em nenhuma vez a
alma-nephesh/psiquê é apresentada na Bíblia como sendo “eterna” ou “imortal”; ao
contrário, a Bíblia afirma categoricamente que a alma perece com a morte do corpo (cf.
Nm.31:19; Nm.35:15,30; Js.20:3,9; Jo.20:3,28; Gn.37:21; Dt. 19:6, 11; Jr.40:14,15;
Jz.16:30; Nm.23:10; Ez.18:4,20; Jz.16:30; Nm.23:10; Mt.10:28; Ez.22:25,27; Jó 11:20;
At.3:23). Para entendermos, portanto, a aplicação que Ele fez nessa passagem, temos que
entender que, de acordo com a criação da natureza humana em Gênesis 2:7, a vida surge a
partir da implantação do fôlego de vida:

CORPO [PÓ] + FÔLEGO [ESPÍRITO] = VIDA

Assim, “alma vivente” ou “ser vivo” tem a mesma aplicação. Ambos significam a vida
humana que resulta de um corpo animado pelo fôlego da vida. Constantemente a Bíblia
emprega o termo psiquê no sentido de “vida”, principalmente no Novo Testamento. O
sentido neotestamentário de “alma” passou também a abranger a vida eterna àqueles que
aceitam a Cristo e seguem ao evangelho (cf. 1Co.15:51-54 com Mt.19:29). Inúmeros
exemplos podem ser citados como provas de tal fato, como podemos verificar em Mateus
16:25,26:

“Porquanto, quem quiser salvar a sua vida [psiquê] perdê-la-á; e quem perder a vida
[psiquê] por minha causa achá-la-á. Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo
inteiro e perder a sua alma [psiquê]? Ou que dará o homem em troca da sua alma
[psiquê]?”

Os tradutores da maioria das versões preferiram verter psiquê por “vida” do que
propriamente por “alma”, presumivelmente por crerem que ela é imortal e que não pode ser
“perdida”. No v.26, “perder a psiquê” significa perdê-la no fogo do juízo que há de devorar
os rebeldes (cf. Hb.10:26,27; Ap.20:9). Mas, no v.25, Cristo diz que é possível um homem
“perder a psiquê” por Sua causa! Isso evidentemente criaria um dilema teológico de
primeira ordem, razão pela qual os tradutores resolveram o dilema e traduziram psiquê
como “vida” no v.25 e como “alma” no v.26, variando a tradução de psiquê de acordo com
a sua própria ótica do que acreditam ser a melhor correspondência do termo.

Como vimos no capítulo 3, Cristo também disse que aquele que queria segui-lo teria que
odiar a sua alma-psiquê (cf. Jo.12:25). Odiar a "si mesmo" ou a um elemento
transcendental que o próprio Deus tenha implantado no homem, como creem os
imortalistas, não faz qualquer sentido, razão pela qual a maioria das traduções bíblicas tem
vertido a passagem por "vida”. Quando voltamos a Mateus 10:28 e fazemos o mesmo,
interpretando “alma” não como um elemento mas como uma representação da vida
póstuma que adquirimos na ressurreição, vemos que qualquer favorecimento à doutrina da
imortalidade da alma desaparece. O Dr. Samuelle Bacchiocchi também faz importantes
observações sobre o sentido de psiquê como vida eterna:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 180


“Cristo ampliou o sentido veterotestamentário de nephesh-alma como vida física tornando-a
inclusiva da vida eterna recebida por aqueles desejosos de sacrificar a vida presente (alma)
por Sua causa. Encontramos confirmação para o sentido ampliado de alma na redação de
João da mesma declaração de Cristo: ‘Quem ama a sua vida [psychê], perde-a; mas aquele
que odeia a sua vida [psychê] neste mundo, preserva-la-á para a vida eterna’ (João 12:25).
A correlação entre ‘este mundo’ e ‘vida eterna’ indica que alma-psychê é empregada para
referir-se tanto à vida terrena quanto à vida eterna” 9 2

O Dr. Edward Schweizer também faz uma importante observação a este respeito:

“Na versão joanina da declaração de Cristo é evidente que a alma não é imortal, porque
doutro modo não devíamos ser instados a detestá-la. Psychê é a vida dada ao homem por
Deus e que mediante a atitude do homem para com Deus recebe o seu caráter como mortal
ou eterno... Daí nunca lermos da psychê aionios ou athanatos (alma eterna ou imortal),
somente da psychê (alma) que é dada por Deus e mantida por Ele para zoe aionios [vida
eterna]”9 3

Bacchiocchi ainda acrescenta:

“O significado de alma como vida eterna aparece também em Lucas 21:19, onde Cristo
declara: ‘É na vossa perseverança que ganhareis as vossas almas’. O contexto indica que
Cristo não está falando da preservação da vida terrena, porque Ele prediz que alguns de
seus seguidores serão traídos e postos à morte (v. 16). Aqui a alma -psychê é claramente
entendida como vida eterna conseguida por aqueles dispostos a fazerem um compromisso
total, sacrifical com Cristo. Este é o sentido ampliado que Cristo atribui à alma; um sentido
que nega a noção da alma como uma entidade imaterial, imortal que coexiste com o corpo.
O erro mais tolo que qualquer um pode cometer é ‘ganhar o mundo todo e perder a sua
alma [psychê]’ (Mar. 8:36)”9 4

Vemos, portanto, que o termo alma-psiquê no NT chegou a incluir o dom da vida eterna que
é recebido por aqueles sacrificam a sua vida terrena por amor a Cristo. Tal imortalidade a
Bíblia nos deixa claro que obteremos a partir da ressurreição dentre os mortos (cf.
1Co.15:51-54), e é neste sentido ampliado de alma-psychê que devemos entender a
declaração de Cristo em Mateus 10:28. Matar o corpo mas não matar a alma significa matar
apenas para esta vida [primeira morte], mas não ter o poder para destruir na morte eterna
[segunda morte]. Deus, contudo, tem o poder para eliminar ambos: tanto para a primeira
morte como para a segunda, no lago de fogo (cf. Ap.20:14), privando o pecador da vida
eterna obtida pelos salvos que comem da árvore da vida (cf. Ap.22:2) .

Matar o corpo significa a eliminação desta vida presente, mas iss o não mata a alma [vida
eterna] que é recebida por ocasião da ressurreição àqueles que se sujeitaram ao senhorio
de Cristo. Os homens podem, no máximo, pôr alguma pessoa a dormir (morrer), mas nunca
destruí-la em definitivo até a segunda morte, como Deus f az. O corpo está representando
essa presente vida terrena, ao passo que a alma está no sentido da vida póstuma, adquirida

92 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o


destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
93 SCHWEIZER Edward, “Psyche,” Theological Dictionary of the New Testament, ed., Gerhard

Friedrich, (Grand Rapids, 1974), Vol. 9, p. 640.


94 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e o

destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 181
após a ressurreição. Em outras palavras, levando em consideração o sentido ampliado de
“alma” em seus ensinos, o que Cristo estava dizendo era:

“Não temais aqueles que podem pôr um fim à sua existência terrena, mas não podem fazer
nada quanto à vida póstuma, temei antes aquele que pode dar um fim tanto à sua vida
terrena quanto à vida futura”

Outra prova definitiva de que era este o sentido da frase de Jesus é o fato de que esta
mesma passagem encontra eco no evangelho de Lucas, mas este omite a palavra “alma -
psiquê”, presumivelmente para não confundir os leitores com o conceito dualista da época ,
explicando o sentido da declaração de Cristo que foi transmitida em termos literais por
Mateus:

“E digo-vos, amigos meus: Não temais os que matam o corpo e, depois, não têm mais que
fazer. Mas eu vos mostrarei a quem deveis temer; temei aquele que, depois de matar, tem
poder para lançar no inferno; sim, vos digo, a esse temei” (cf. Lucas 12:4,5)

E é exatamente este o sentido da frase de Cristo. O que Lucas faz é clarear aos seus
leitores aquilo que Jesus estava querendo dizer: não temer aquele que pode matar apenas o
corpo [primeira morte], temei antes aquele que, depois de matar, tem poder para lançar no
inferno [segunda morte]. Por qual motivo Lucas iria deixar de escrever exatamente as
palavras que Cristo de fato disse, para ao invés disso omitir a palavra “alma -psiquê” e ir
direto para o significado e aplicação da frase? A única razão lógica para isso é que ele não
queria confundir os leitores dualistas da época.

Mais ainda que isso, a passagem no versão de Lucas 12:4-5 (no mesmo texto de Mateus
10:28) nos revela que a alma não vai direto para o “inferno” depois da morte do corpo.
Alguns imortalistas poderiam objetar levantando a questão que Cristo afirmou que “temei
antes aquele que depois de matar, tem poder para lançar no inferno”. Para os imortalistas,
a palavra aqui traduzida por “inferno” (que não existe nos manuscritos originais, mas é uma
palavra de origem latina acrescentada depois de muitos séculos), deveria presumivelmente
se tratar do suposto “estado intermediário” em que a alma estaria passando após a morte
do corpo.

Este local, para eles, é o Hades (transliterado grego de “Sheol”). Não iremos voltar
novamente aos conceitos básicos já mostrados sobre Sheol/Hades, até porque já fizemos
isso aqui neste estudo. O que eu quero provar aqui é que Cristo nega que a alma parta de
imediato a um “estado intermediário” após a morte do corpo. Isso nós descobrimos ao
lermos os manuscritos originais do grego:

“upodeixô de umin tina phobêthête phobêthête ton meta to apokteinai tsb=exousian


echonta a=exousian embalein eis tên geennan nai legô umin touton phobêthête” (cf. Lucas
12:5)

Percebam na palavra grifada no texto acima do original grego, que o local para onde Cristo
disse que a alma partiria após a morte do corpo é ao geena. Tal local, contudo, ainda está
para ser inaugurado, após o término do milênio. Em outras palavras, Hades seria onde os
mortos se encontram atualmente sem vida [primeira morte] e geena é o local onde os
ímpios que ressuscitarão serão lançados.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 182


Ao dizer que “temei antes aquele que depois de matar o corpo tem poder para lançar no
inferno [geena]”, Cristo nega em absoluto que exista alguma vida consciente em forma de
espírito incorpóreo no Hades (estado intermediário), porque se fosse assim o que sucederia
a morte do corpo seria o lançamento da alma no Hades. Contudo, após a morte do corpo
lemos que o que sucede é o lançamento no “inferno” [geena], a morte final, ou seja, não
existe um estado intermediário!

O quadro abaixo ilustra o que acima foi dito:

VIDA TERRENA ESTADO INTERMEDIÁRIO ESTADO FINAL


[PRIMEIRA MORTE] [SEGUNDA MORTE]
Morte do corpo (=morte ??????? A alma é lançada no inferno-
para essa vida) geena (=morte eterna)

O quadro acima apenas ajuda a ilustrar o que é aqui exposto. Após a morte do corpo, a
alma é lançada no geena, que ainda não foi inaugurado! Nisso fica nitido a inexistência de
um “estado intermediário” com consciência, pois, se tal suc edesse, então a alma partiria a
um estado intermediário na morte, e não ao estado final pós -ressurreição. Depois da morte
corporal (primeira morte) o que vem direto é o lançamento da alma ao geena [segunda
morte], que é inaugurado depois da ressurreição dos mortos, sem qualquer menção a um
estado intermediário entre a morte e a ressurreição.

As palavras de Cristo em Lucas 14:5 foram exatas e ajudam absolutamente a confirmar a


interpretação correta de Mateus 10:28 em detrimento da posição dos defensores da
imortalidade da alma. Assim, fica ainda mais claro o sentido de alma em Mateus 10:28,
como vemos no quadro abaixo:

VIDA TERRENA ESTADO FINAL

“Não temais aqueles que podem “Temei antes aquele que pode dar
pôr um fim à sua existência um fim tanto à sua vida terrena
terrena, mas não podem fazer quanto à vida futura”
nada quanto à vida póstuma”

Vemos, portanto, que tal passagem de Mateus 10:28 é, mais uma vez, uma arma contrária
à imortalidade da alma. Ela prova a inexistência de um “estado intermediário”, e de fato nos
revela que haverá um dia em que Deus eliminará para sempre os pecadores, em uma
segunda morte final e irreversível. E, se isso não é aniquilamento final, então não sabemos
como isso poderia ser traduzido em palavras.

VIII–Hoje mesmo estarás comigo no Paraíso?

A última das falsas interpretações dos verdadeiros ensinos de Cristo por parte dos
defensores da doutrina da imortalidade da alma é também uma das últimas mensagens que
Cristo trouxe enquanto ainda estava em vida. Segundo os dualistas, o que Jesus disse ao
ladrão ao seu lado na cruz foi que estaria naquele mesmo dia com ele no Paraíso: “Em
verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso” (cf. Lc.23:43).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 183


O que poucas pessoas sabem, contudo, é que temos muitas evidências de que o ladrão,
realmente, não esteve no Paraíso naquele dia. Mas como não? A Bíblia não diz claramente
isso? Na verdade, não. O fato é que o original grego não tinha vírgulas, e o texto original
assim reza: “Kai eipen autw amhn soi legw shmeron met emou esh en tw paradeisw ” (cf.
Lc.23,43).

Em primeiro lugar, é bom mencionarmos logo que a adição presente em muitas Bíblias, da
palavra “QUE”, não existe nos originais. O que Jesus realmente disse ao ladrão da cruz foi:
“Em verdade te digo hoje estarás comigo no Paraíso”. Como o texto original não possui
vírgulas e o texto deixa em aberto a questão, poderíamos colocá -la em dois lugares
diferentes, entretanto é algo que mudaria completamente o significado da frase.

Esta poderia ser: “Em verdade te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (dando a entender
que estaria naquele dia no Paraíso com o ladrão da cruz) ou então: “Em verdade te digo
hoje, estarás comigo no Paraíso” (ele garantia “hoje” que o ladrão estaria no Paraíso).

É algo parecido com uma rebelião em determinada cidade, em que o governante comunicou
a revolta ao seu superior, dizendo: “Devo fazer fogo ou poupar a cidade?” A resposta do
superior foi: “Fogo não, poupe a cidade”. Infelizmente, o funcionário do correio trocou a
vírgula e escreveu o seguinte na resposta do telegrama: “Fogo, não poupe a cidade”.

E assim cidade foi totalmente destruída.

Mas como podemos saber que Jesus realmente não disse: “Em verdade te digo, hoje
estarás comigo no Paraíso”? Temos muitos motivos para desacreditar que o ladrão esteve
naquele mesmo dia com Cristo no Paraíso. Algumas das principais razões são:

Após três dias, Jesus ainda não havia subido ao Pai – Uma verdade que nos é reveladora
para concluirmos que Cristo não esteve com o ladrão da cruz naquele mesmo dia no Paraíso
é o fato de que, após três dias morto, Jesus ainda não havia subido ao Pai, e declarou a
Maria Madalena: “Não me detenhas; porque ainda não subi para meu Pai” (cf. Jo.20:17).
Ora, se Jesus ainda não havia subido ao Pai após três dias, então não poderia ter estado
naquele mesmo dia com o ladrão da cruz no Paraíso!

Alguns imortalistas rejeitam essa evidência pela alegação de que Jesus esteve no Paraíso
"em espírito" nesses dias, mas não corporalmente. Se isso fosse verdade, porém, Cristo
teria mentido a Maria Madalena, já que o texto em questão não faz menção ao corpo de
Nosso Senhor, mas sim ao ser racional dele. O texto não diz que ele não subiu “apenas
corporalmente”, o texto fala da pessoa de Cristo, do ser racional, que o próprio Cristo não
passou pelo Paraíso nos dias em que esteve morto. Admitindo -se que o ser racional seja a
"alma" ou o "espírito", como alegam os imortalistas, seria incoerente crer que Jesus
estivesse apenas se referindo ao corpo. Essa interpretação também fere as regras da lógica
e do bom senso, como observa o prof. Azenilto Brito:

“Para os imortalistas, quando Jesus declarou que não subiu para o Pai em João 20:17 Ele
quis dizer — minha alma é que subiu; agora é que vou completo, corpo e alma... Conclusão
absurda, para dizer o mínimo” 9 5

95 BRITO, Azenilto Guimarães. "Deixar o corpo e habitar com o Senhor". Disponível em:
<http://www.iasdemfoco.net/defesaPag.asp?Id= 114>. Acesso em: 15/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 184
É evidente que, caso Cristo tivesse subido ao Paraíso, então ele relataria isso a Maria
Madalena ou, no mínimo, omitiria tal declaração tão categórica de que ele não esteve no
Paraíso, optando por dizer algo como “já subi e subirei de novo”. Infelizmente para os
imortalistas, a única coisa que Cristo disse é que ainda não havia subido ao Pai, algo que
não seria verdade caso o “verdadeiro eu” de Cristo já tivesse subido.

Alguns imortalistas, em uma outra tentativa em demonstrar alguma objeção ao argumento


baseado em João 20:17, dizem que o fato de Jesus ter subido ao Pai não implica que ele
tenha ido ao Paraíso, como se o Paraíso ficasse em um lugar e Deus em outro! Esse
“Paraíso sem Deus” que eles creem certamente não é o Paraíso bíblico, mas um que eles
inventaram no desespero em oferecerem alguma refutação decente ao texto de João 20:17,
que por si mesmo é óbvio e refuta as teses imortalistas. Eles creem que Paulo foi
“arrebatado ao Paraíso” (cf. 2Co.12:4) e não viu nem Deus por lá (seria o mesmo que eu o
convidasse a estar na minha casa e eu mesmo não estivesse lá), e inacreditavelmente
interpretam que a “árvore da vida, que está no Paraíso de Deus” (cf. Ap.2:7), está em um
lugar onde nem Deus está!

Ou seja: que o Paraíso é chamado de “Paraíso de Deus” mas não é onde Deus está! É a
mesma coisa de a minha casa se chamar de “casa do Lucas” mas o Lucas não mora lá. Eles
pensam que Deus estava de “férias” naqueles três dias, longe do Paraíso dele mesmo! Além
disso, notemos que Jesus entregou o seu espírito ao Pai ao morrer (cf. Lc.23:46), e para os
imortalistas esse espírito é a alma imortal que deixa o corpo com consciência e
personalidade após a morte. Sendo assim, é imprescindível que Jesus estivesse com o Pai
naquele mesmo dia, ou senão eles teriam que reformular toda a teologia deles acerca
daquilo que é o “espírito”.

Portanto, a declaração categórica de que Jesus não subiu ao Pai (cf. Jo.20:17) entra em
choque com a crença deles de que o espírito é um ser consciente e racional, visto que por
essa lógica Cristo deveria ter subido ao Pai imediatamente na morte já que havia entregado
o seu espírito a Ele. Ou esse espírito não é um ser consciente e racional como os
imortalistas creem, ou Jesus fez uma encenação ao entregar o seu espírito ao Pai na morte
para depois dizer que ainda não havia subido ao Pai.

Jesus desceu, não subiu – Outro fator de clareza fundamental para concluirmos que Cristo
realmente não subiu ao Pai no dia em que morreu é o fato de que, nos três dias em que ele
esteve morto, ele esteve no Sheol, e não no Paraíso. Tal fato é relatado no livro de Atos,
quando Pedro falava a respeito da ressurreição de Jesus: “Porque não deixarás a minha
alma no Sheol, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção” (cf. At.2:27). Pedro na
realidade usou a passagem do livro dos Salmos em que Davi citava tal passagem, que diz:
“Pois não abandonarás a minha alma no Sheol, nem permitirás que o teu santo veja a
corrupção” (cf. Sl.16:10). De acordo com o léxico da Concordância de Strong, a palavra
traduzida por "deixar" vem do grego "egkataleipo", que tem o sentido de abandonar:

1459 εγκαταλειπω egkataleipo


de 1722 e 2641; v
1) abandonar, desertar.
1a) deixar em grandes dificuldades, deixar abandonado.
1b) totalmente abandonado, completamente desamparado.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 185


2) deixar para trás, desistir de sobreviver, falecer.

Como vemos, a alma de Jesus foi retirada do Sheol ao ser ressuscitado, e não do Paraíso.
Ele não viu a corrupção pois não foi deixado abandonado no Sheol, onde esteve enquanto
morto, mas foi retirado de lá apenas três dias depois. Aqui vemos mais uma vez que Sheol
significa sepultura, a "cova da corrupção" (cf. Is.38:17), e o detalhe é que Pedro e o
salmista declaram que foi o local para onde a alma de Cristo — e não apenas o corpo —
esteve na morte.

No grego de Atos 2:27:

"oti ouk egkataleipseis tên psuchên mou eis a=adên tsb=adou oude dôseis ton osion sou
idein diaphthoran" - Atos 2:27

No hebraico do Salmo 16:10:

"iy lo'-tha`azobh naphshiy lish'ol lo'-thittênchasiydhkha lir'oth shâchath" - Salmos 16:10

O próprio Cristo afirmou que esse Sheol (transliterado ao grego como "Hades") fica nas
regiões inferiores da terra, em oposição ao Paraíso: “E tu, Cafarnaum, será elevada até ao
céu? Não, você descerá até o Hades! Se os milagres que em você foram realizados
tivessem sido realizados em Sodoma, ela teria permanecido até hoje” (cf. Mt.11:23; ver
também: Ef.4:9; Mt.12:40).

Portanto, vemos que a alma de Cristo passou os três dias em que esteve morto no Sheol,
que não é o Paraíso, muito pelo contrário, está em um local em oposição a ele (cf.
Mt.11:23). O Filho do homem estaria “três dias e três noites no coração da terra” (cf.
Mt.12:40), não apenas de forma corporal, mas como alma, conforme diz a profecia do
salmista (c f. Sl.16:10) e a confirmação do apóstolo Pedro (cf. At.2:27), e não no Paraíso.
Tendo isso em mente, até aqui podemos perceber que:

• O ser racional de Cristo não passou pelo Paraíso nos três dias em que esteve morto (cf.
João 20:17).

• A alma de Cristo não esteve no Paraíso nos dias em que este esteve morto, mas no Sheol
(cf. At.2:27; Sl.16:10), que fica nas regiões inferiores da terra (cf. Ef.4:9; Mt.12:40), em
oposição ao Paraíso (cf. Mt.11:23), e não no próprio Paraíso.

Tudo isso já nos mostra que Jesus não pode ter dito que o ladrão estaria com Ele naquele
mesmo dia no Paraíso, se nem o próprio Cristo esteve no Paraíso nos dias de sua
morte. A interpretação correta de Lucas 23:43 deve estar de acordo com as regras da
hermenêutica, que afirma que a Bíblia explica a própria Bíblia. Sendo que é tão nítido
biblicamente que Cristo não esteve no Paraíso quando morreu, a interpretação correta de
Lucas 23:43 é contrária à oferecida pelos imortalistas.

Numa tentativa desesperada em negarem o óbvio e tentare m conciliar suas teses com
aquilo que a Bíblia declara taxativamente sobre para onde Cristo foi após a morte, alguns
imortalistas afirmam que Jesus esteve no Sheol mas ao mesmo tempo esteve com o ladrão
da cruz no Paraíso, fazendo uso de sua onipresença. T ais malabarismos exegéticos só são
feitos para negar a clareza da linguagem bíblica sobre a mortalidade da alma, pois em

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 186


outras circunstâncias nenhum deles diz que Jesus, enquanto esteve entre nós, viv ia em dois
lugares ao mesmo tempo.

Ninguém afirma que Jesus viva em Nazaré mas simultaneamente estava no Egito, na
América, no Paraíso e no Hades. Enquanto Jesus esteve limitado a um corpo, ele jamais fez
uso do atributo da onipresença. Ele era um homem, e, assim como nós, se estava em um
lugar, não estava em outro. Jesus não nasceu em todos os lugares do mundo por ser
onipresente, ele nasceu em Belém. Jesus não cresceu em todos os lugares do mundo por
ser onipresente, ele cresceu em Nazaré. Jesus não pregava em todos os lugares do mundo
por ser onipresente, ele pregava no Templo. Jesus não morreu em todos os lugares do
mundo por ser onipresente, ele morreu no Gólgota.

Da mesma forma, após a morte Jesus não estava no Sheol e ao mesmo tempo no Paraís o
por ser onipresente, a Bíblia diz que ele passou os três dias e três noites no Sheol. Jesus
esvaziou-se a si mesmo ao se fazer humano (cf. Fp.2:6,7), ele só voltou a fazer uso de seus
atributos divinos na glorificação. Nasceu, cresceu, viveu e morreu como homem. E, como
homem, não esteve em dois lugares ao mesmo tempo, seja na vida ou na morte. Isso por si
só já é mais que o suficiente para liquidar com a antibíblica tese de que o ladrão esteve com
Cristo naquele mesmo dia no Paraíso, mas prosseguiremos c om mais provas em diante para
enriquecermos ainda mais as evidências deste estudo sobre Lucas 23:43.

O contexto – O que foi dito pelo ladrão da cruz no verso anterior a esta resposta de Cristo
(no verso 42), no original grego foi: μνήσθητί = Lembra-te \ μου = de mim \ ὅταν =
quando \ ἔλθῃς = vier \ εἰς = em \ τὴν = o \ βασιλείαν = Reino \ σου = de ti. Ou seja,
“Lembra-te de mim quando vieres no teu Reino”. Tal é o texto original no grego e
confirmado pelas melhores versões a nossa disposição, tais como a versão Trinitariana, a
Versão Italiana de G. Deodatti, a Francesa L. Segond, a Inglesa de King James, Almeida
Revisada e Atualizada, entre outras.

Cristo buscava assegurar ao ladrão da cruz que não precisava pensar em termos de tempo
tão remoto para ser lembrado por Ele. “Hoje lhe garanto que estarás comigo no
Paraíso”, é o sentido lógico diante de tal contexto. O ladrão pediu a Jesus para lembrar-se
dele no futuro quando Ele viesse no Seu Reino visível (v.42), mas Jesus respondeu o
lembrando imediatamente - “hoje” - assegurando que estaria com Ele no Paraíso.

“Em verdade te digo hoje”, isto é, eu lembro agora mesmo, não precisa pensar em um
tempo tão distante, hoje mesmo eu te digo que você estará comigo no Paraíso. Esse é o
sentido lógico pelo contexto. Note que o próprio ladrão sabia que não iria ao Céu
imediatamente após a morte, já que pediu para Cristo se lembrar dele “quando viesse
em seu Reino”, ou seja, na segunda vinda de Cristo.

O ladrão não morria naquele mesmo dia – Um condenado a morte de cruz geralmente
demorava dias para morrer na cruz. Lemos em João 19:31-33 um costume antigo realizado
pelos judeus: “Os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os corpos na cruz, visto
como era a Preparação (pois era grande o dia de sábado), rogaram a Pilatos que lhes
quebrassem as pernas, e que fossem tirados. Foram, pois, os soldados e, na verdade,
quebraram as pernas do primeiro, e ao outro que com ele fora crucificado; mas vindo a
Jesus, e vendo-O já morto, não lhe quebraram as pernas” (cf. Jo.19:31-33).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 187


Qual seria a razão pela qual devia-se quebrar as pernas dos crucificados? Porque o
crucificado não morria no mesmo dia. Cristo foi exceção ao caso porque expirou antes (cf.
Lc.23:46), ele não morreu como resultado da hemorragia. Os outros, contudo, ainda
ficavam vivos agonizando durante dias – não poderiam estar com Cristo naquele mesmo dia
em questão. Isso é o que a História e a Bíblia Sagrada nos mostram. Diz o comentário de J.
B. Howell:

“O crucificado permanecia pendurado na cruz até que, exausto pela dor, pelo
enfraquecimento, pela fome e a sede, sobreviesse a morte. Duravam os padecimentos
geralmente três dias, e às vezes, sete"9 6

Arnaldo B. Christianini segue na mesma linha e afirma:

“Depois do sábado haver passado, sem dúvida esses dois corpos foram outra vez amarrados
na cruz, e lá ficaram diversos dias, até morrerem (...) Se era necessário quebrar as pernas
aos dois malfeitores, antes do pôr do sol, é porque não haviam morrido ainda. Na pior das
hipóteses viveram ainda, pelo menos, um dia a mais do que o Mestre. Como podia, um
deles, estar no mesmo dia junto de Jesus?” 9 7

Vemos, portanto, que historicamente os ladrões que morriam na cruz não faleciam no
mesmo dia da crucificação. E a Bíblia confirma isso? Sim, confirma. Na passagem
anteriormente citada, vemos que “os judeus, pois, para que no sábado não ficassem os
corpos na cruz, visto que era véspera do sábado, pediram a Pilatos que se lhes quebrassem
as pernas, e fossem tirados” (cf. Jo.19:31). Por que as pernas dos c rucificados foram
quebradas? Para matá-los logo? Se alguém quisesse matá-los, bastaria uma lancetada no
coração ou no fígado deles (como foi feita com Cristo porque viram que já estava morto).

A finalidade em quebrar as pernas deles não era para matá -los, mas porque havia uma
tradição entre os judeus que não permitia que o condenado ficasse dependurado na cruz no
dia de sábado. Por isso, lhes quebravam as pernas e era descido do madeiro e assim
permanecia até o fim do sábado. Prova ainda mais forte de que tal procedimento não
resultava em morte imediata dos crucificados é a grande surpresa de Pilatos (experiente em
crucificações) em ver que Jesus já havia morrido:

“E Pilatos se admirou de que {Cristo} já estivesse morto” (cf. Marcos 15:44)

Pilatos ficou pasmo em ver que Jesus já estivesse morto. Certamente deveria ter dito algo
como: “Já morreu?!” Por que Pilatos “se admirou”? Por certo, Pilatos, vetera no em mandar
pessoas para cruz, já familiarizado com as crucificações, admirou-se diante de um fato
inusitado: era algo incomum alguém morrer no mesmo dia da crucificação! O léxico de
Strong define a palavra aqui traduzida por "admirou-se" como sendo:

2296 θαυμαζω thaumazo


de 2295; TDNT - 3:27,316; v
1) admirar-se, supreender-se, maravilhar-se.
2) estar surpreendido, ser tido em admiração.

96 Comentário de S. Mateus, p. 500.


97 CHRISTIANINI, Arnaldo. Sutilezas do Erro. Casa Publicadora Brasileira, 1ª edição. São Paulo: 1965,
p. 222.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 188
Assim vemos que o fato de alguém morrer naquele mesmo dia da crucificação era algo
extraordinário, bem fora do normal, um fato que causa espanto, surpresa , admiração. Foi
assim com Jesus, mas nada indica que tenha assim sido também com os ladrões ao seu
lado na cruz. Ao contrário, a evidência indica que eles permaneceram vivos depois da morte
de Cristo, pois este foi o único a ter o lado furado por uma lança por já ter morrido naquele
mesmo dia (cf. Jo.19:33-34), os demais permaneceram vivos dependurados do madeiro até
o fim do sábado para depois serem outra vez amarrados à cruz. Não era intenção dos
romanos matá-los, mas deixá-los sofrendo (cf.Jo.19:32).

Concluímos, pois, que historicamente e biblicamente o ladrão não morria naquele mesmo
dia, e isso, unido às razões já apresentadas, nos mostra claramente que o ladrão não
poderia estar naquele mesmo dia com Cristo no Paraíso – que, por sinal, também não subiu
por lá enquanto esteve morto (cf. Jo.20:17; At.2:27).

Evidências Históricas – Como já foi demonstrado, no original grego (Koiné) em que a Bíblia
foi escrita não existia vírgulas, o que dá margens para os tradutores as colocarem de acordo
com as suas tradições religiosas. Mas, posteriormente, o grego passou a ter vírgula, e como
era costume dos Pais da Igreja citarem constantemente as Escrituras em seus próprios
escritos, eles transcreveram o texto de Lucas 23:43 da forma mais coerente que vimos
acima: “Em verdade te digo hoje: estarás comigo no Paraíso”. Por exemplo, Hesíquio de
Jerusalém, que foi um cristão presbítero e exegeta do quinto século d.C, transcreveu essa
passagem de Lucas 23:43 da seguinte maneira:

“Verdadeiramente eu lhe falo hoje”9 8

Teofilacto declarou o mesmo ao escrever Lucas 23:43 do seguinte modo:

“Verdadeiramente eu lhe falo hoje”9 9

Como vemos, os próprios Pais da Igreja de épocas posteriores (onde já existia a vírgula)
reconheciam que Jesus lhe falava “hoje” que o ladrão estaria com Ele no Paraíso, e não que
o ladrão estaria no Paraíso naquele mesmo dia. Vale ressaltar um detalhe importante: a
maioria dos Pais da Igreja, especialmente a partir do terceiro século d.C, começaram a
adotar a tese da imortalidade da alma, contrariando a visão de dois séculos de Cristianismo
(conforme já conferimos no capítulo 2 deste livro). Isso significa que estes Pais da
Igreja, mesmo sendo imortalistas, reconheciam que a forma gramatical do grego
apontava que a vírgula deveria ser colocada depois do “hoje” .

O mesmo acontece nos dias de hoje: vários imortalistas já abandonaram este “argumento
de Lucas 23:43”, uma vez que perceberam que a passagem pode perfeitamente ser
entendida e interpretada dentro do prisma mortalista, sem qualquer problema. A
interpretação de que Lucas 23:43 é uma “prova” da imortalidade da alma só começou a
surgir vários séculos depois, quando começaram a pedir provas bíblicas que
fundamentassem essa doutrina, e, sem encontrar quase nenhuma, tiveram que apelar para
passagens como essa, que nem mesmo os primeiros imortalistas lançaram mão dela,
entendendo que a pontuação realmente era contra, e não a favor da tese deles neste texto.

98 Hesichius de Jerusalem, em Patrologia Grega, Volume Noventa e Três, 1433.


99 Teofilacto em Patrologia Grega, em Patrologia Grega, Volume Cento e Vinte e Três, 1104.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 189
Vale também ressaltar que não foram apenas os Pais da Igreja que entenderam que a
vírgula em Lucas 23:43 deve ser colocada antes do “hoje”, pois muitos outros manuscritos
antigos atestam o mesmo. Os Manuscritos Bc e Sy-C, Antigo Siríaco, que são
grandemente respeitados na comunidade acadêmica e apologética e que datam do terceiro
século AD, sendo um dos manuscritos do NT mais importantes que temo s até hoje, verte o
texto de Lucas 23:43 colocando a vírgula depois do “hoje”:

"Eu digo a você hoje, que Comigo tu deve estar no Jardim de Éden"1 0 0

Por fim, o próprio Vaticanus 1209, um dos melhores manuscritos gregos do Novo
Testamento, que data do século IV d.C e que é uma das fontes pelas quais os estudiosos
mais trabalham na identificação do original do NT, traz o seguinte em Lucas 23:43:

Note que no texto grego há um ponto depois da palavra “semeron” (dia), e não antes dela.
Este Condex Vaticanus foi considerado por Westcott e Hort como o melhor manuscrito grego
do NT, e é também um dos manuscritos mais antigos da Bíblia, sendo inclusive mais antigo
do que o Codex Sinaiticus. É interessante também os comentários do erudito Ea rle Ellis em
sua obra “The Gospel of Luke”, no comentário da Bíblia New Century:

“Alguns manuscritos produzidos razoavelmente cedo colocam a vírgula depois de ‘hoje’ e


assim, continuam com a referência a parousia do verso 42” 1 0 1

Isto, sem dúvida, mostra que este erudito sabe a respeito da pontuação no Ms Vaticanus
em Lucas 23:43, bem como em outros respeitados manuscritos antigos.

A gramática – Ainda que o texto original não possua vírgulas, a forma linguística em que ele
é escrito nos ajuda a desvendarmos qual é o seu real sentido na passagem em pauta. No
português, quando traduzimos a frase podemos colocá-la em antes ou depois do advérbio
“hoje” (como vimos acima), e ambas as traduções aparentemente podem dar sentido real à
frase. Contudo, quando pegamos os manuscritos originais no grego e ponderamos em onde
colocar a vírgula, tal não faz sentido se ela for colocada antes do “hoje”, como querem os
imortalistas. Por quê? Simplesmente porque isso criaria um dilema de primeira ordem por
falta de lógica no próprio texto.

Grande parte dos tradutores simplesmente ignoram a palavra ἐμοῦ = de mim. Sem
considerar esta palavra o sentido original do foi dito se perde. Vejamos a tradução do verso
palavra por palavra:

100 Manuscritos Bc e Sy-C - Antigo Siríaco.


101 Publicado por Wm.B.Eerdmans Publishing Co. Grand Rapids Michigan, reprint of 1983.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 190
καὶ = E \ εἶπεν = disse \ αὐτῷ = a ele \ Ἀμήν = amém \ σοι = a ti \ λέγω = digo \
σήμερον = hoje \ μετ᾿ = depois \ ἐμοῦ = de mim \ ἔσῃ = serás \ ἐν = em \ τῷ = o \
παραδείσῳ = paraíso.

A palavra μετ᾿ significa “comigo”, como também significa “depois”, se você considerar que
μετ᾿ está no sentido de “comigo”. Necessariamente, temos que ignorar a palavra ἐμοῦ = de
mim. Comigo de mim, não faz sentido algum. A vírgula não pode ficar antes d e “hoje”. A
vírgula deve ser colocada após o “hoje” e também após o “depois”. Considerando todas as
palavras como elas são literalmente e traduzindo corretamente, o sentido original do foi dito
fica muito claro:

“E disse a ele; Amém a ti digo hoje, depois, de mim serás em o paraíso”. Depois de todas
as coisas concluídas, o ladrão com certeza absoluta será do nosso Salvador. Jesus entregou
ao ladrão da cruz a promessa de que este estaria no Paraíso. ‘Hoje’ é o momento em que
esta promessa lhe foi dita. Naquele momento Cristo assegurou a ele tal promessa.

Mas em resposta a que foi feita a promessa?

Verso 42... μνήσθητί = Lembra-te \ μου = de mim \ ὅταν = quando \ ἔλθῃς = vier \ εἰς =
em \ τὴν = o \ βασιλείαν = Reino \ σου = de ti.

“Lembra-te de mim quando vier em o reino de ti”. O ladrão tinha dúvida se aquilo poderia
ser possível e, por isso, seu pedido a Jesus foi que este se lembrasse dele, não quando
morresse, mas quando Ele viesse em seu poder visível. Então, naquele momento, o
hoje, Cristo lhe deu esta certeza. Ele lhe garantiu: “depois, de mim serás em o paraíso”.

A preposição μετὰ indica um tempo – depois; após; além de. Depois que todas as coisas
forem concluídas, quando Cristo vier na Sua Glória, o ladrão estará na glória com o Senhor
Jesus. Naquele momento, o ‘hoje’ do verso, o ladrão recebeu a certeza de que , no futuro,
estaria com Cristo no Paraíso.

ἐμοῦ ou μου é um pronome na primeira pessoa do singular, que não pode ser ignorad o. No
grego a pontuação não é absolutamente necessária para a compreensão textual, mas no
português se você não organizar as palavras da maneira correta e usando a pontuação, o
texto fica sem nenhum sentido, e ainda dá margens para más interpretações.

Refutando objeções – A principal objeção sustentada pelos defensores da imortalidade da


alma neste texto é que seria inteiramente desnecessário a adição do "hoje", pois se Jesus
dizia aquilo naquele momento (o "hoje") não seria preciso adicionar que estava dizendo
aquilo hoje. Em resposta a essa objeç ão, devemos ressaltar, em primeiro lugar, que é muito
comum na Bíblia a utilização do "hoje" em construções de frases em muito semelhantes à
de Lucas 23:43. Por dezenas de vezes vemos declarações semelhantes que são precedidas
pelo "hoje", como, por exemplo:

(Jeremias 42:21) - E vo-lo tenho declarado hoje; mas não destes ouvidos à voz do Senhor
vosso Deus, em coisa alguma pela qual ele me enviou a vós.

(Deuteronômio 6:6) - E estas palavras, que te ordeno hoje, estarão no teu coração.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 191


(Deuteronômio 11:8) - Guardai, pois, todos os mandamentos que eu vos ordeno hoje,
para que sejais fortes, e entreis, e ocupeis a terra que passais a possuir.

(Deuteronômio 30:18) - Então eu vos declaro hoje que, certamente, perecereis; não
prolongareis os dias na terra a que vais, passando o Jordão, para que, entrando nela, a
possuas.

(Deuteronômio 4:40) - E guardarás os seus estatutos e os seus mandamentos, que te


ordeno hoje para que te vá bem a ti, e a teus filhos depois de ti, e para que prolongues os
dias na terra que o Senhor teu Deus te dá para todo o sempre.

(Atos 20:26) - Portanto, eu lhes declaro hoje que estou inocente do sangue de todos.

As passagens acima são apenas alguns exemplos do emprego do "hoje" na mesma


construção de frase que observamos em Lucas 23:43. Constatamos facilmente que
expressões semelhantes a essa são utilizadas aos montões na Bíblia:

"...te ordeno hoje" (cf. Dt.6:6; 11:8; 4:40; 30:11; 27:10; 15:5; 30:8; 27:1; 10:13;
11:13; 15:5; 8:11; 28:14; 27:4; 13:18; 19:9; 8:1; 1:28; 28:1; 28:13)

"...declaro hoje" (cf. Je.42:21; Dt.30:18; At.20:26)

"...testifico hoje" (cf. Dt.8:19; 32:46)

"...ponho hoje" (cf. Dt.4:8)

"...proponho hoje" (cf. Dt.30:15; 11:32)

"...vos mando hoje" (cf. Dt.11:27)

"...vos anuncio hoje" (cf. Zc.9:12)

Lucas 23:43 não faz parte de uma exceção, faz parte de uma regra. De fato, o Dr. Rodrigo
Silva, em sua tese de doutorado na Pontífica Faculdade de Teologia Nossa Senhora da
Assunção, intitulada "Análise Linguística do Sémeron em Lucas 23:43", provou com base
em uma minuciosa investigação das ocorrências do advérbio sémeron nos textos gregos do
Antigo Testamento (tradução da Septuaginta) e do Novo Testamento que “na maioria
absoluta dos casos” em que existe uma ambiguidade semelhante à de Lucas 23:43, “a
ligação de sémeron com o primeiro verbo demonstrou-se a mais natural”. A expressão
"hoje" ligada ao verbo não é redundante, é enfática, e ocorre aos montões na Bíblia. Mesmo
se fosse uma exceção, isso de modo nenhum invalidaria o argumento, visto que exceções
também existem na Bíblia em grande quantidade.

Além disso, alegam também que Jesus se expressou diversas vezes dizendo "em verdade te
digo" além de em Lucas 23:43, mas que em nenhuma delas ele adicionou o "hoje", à
exceção de Marcos 14:30. Sendo assim, se Jesus não teve uma boa razão para mudar sua
forma habitual de dizer o "em verdade te digo", ele deve ter se expressado conforme os
imortalistas creem. O que eles não são capazes de imaginar, porém, é que existe uma boa
razão pela qual Jesus adicionou o 'hoje'. E isso está totalmente relacionado ao verso
anterior, em que o ladrão diz: “και ελεγεν τω ιησου μνησθητι μου κυριε οταν ελθης εν τη

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 192


βασιλεια σου”, corretamente traduzido por: “Lembra-te de mim quanto vieres no teu
Reino”.

A palavra grega aqui traduzida por "vir" (e que algumas versões traduzem por "entrar") é
erchomai, que, de acordo com o NAS New Testament Lexicon grego, significa: "vir de um
lugar para outro". Ainda segundo o léxico do grego, na grande maioria das vezes em que
essa palavra aparece no Novo Testamento significa vir:

Vieram: 225 vezes.


Vêm: 222 vezes.
Vem: 64 vezes.
Chegando: 87 vezes.
Foi: 18 vezes.
Vai: uma vez.
Chegou: uma vez;
Entrou: duas vezes.

Esse verbo aparece mais de quinhentas vezes ligado a "vir" e apenas duas vezes ligado
a "entrar", e mesmo assim muitas traduções preferiram traduzir por "quando entrar no teu
Reino", para dar algum sentido à declaração posterior de Cristo de que estaria naquele
mesmo dia com Ele no Paraíso. O Thayer's Greek Lexicon afirma que essa palavra tem
relação com: (a) a volta invisível de Cristo do Céu; (b) equivalente a vir para fora, mostrar-
se. De acordo com Buttmann, "quando é usado com substantivos de tempo, expressa um
sentido futuro, virá" (Buttmannm 204; Winer Gramática § 40, 2). Alguns exemplos de
quando esse verbo ocorre na Bíblia são:

(Mateus 3:7) - Mas, vendo ele muitos dos fariseus e dos saduceus que vinham
[erchomenous] para o batismo, disse-lhes: 'Raça de víboras! Quem vos ensinou a fugir da
ira vindoura'?

(Mateus 3:11) - Eu vos batizo com água para o arrependimento, mas aquele que vem
[erchomenos] depois de mim é maior do que eu e eu não sou digno nem mesmo de lavar as
suas sandálias.

(Mateus 3:14) - João, porém, tentou impedi-lo, dizendo: 'Eu preciso ser batizado por você,
e você vem [erche] a mim?

(Mateus 3:16) - Assim que Jesus foi batizado, saiu da água. Naquele momento os céus se
abriram, e ele viu o Espírito de Deus descendo como pomba e vindo [erchomenon] sobre
ele.

(Mateus 5:17) - Não pensem que vim [elthon] para abolir a lei ou os profetas; não vim
[elthon] para abolir, mas para cumprir.

(Mateus 6:10) - Venha [eltheto] o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra com
no Céu.

A nota de rodapé da Nova Versão Internacional também faz uma importa nte observação em
Lucas 23:42:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 193


"Muitos manuscritos dizem: 'quando vieres no teu poder real'" (NVI)

Os judeus criam que a vinda do Messias acarretaria na vinda imediata do Reino em sua
forma visível, com um Cristo político e libertador. Contudo, a vinda de Jesus trouxe o Reino
em sua forma espiritual, dando-nos vitória sobre as forças das trevas. Quando o ladrão
pede para ser lembrado por Cristo “quando vieres [erchomai] no teu Reino”, ou
"quando vieres no teu poder real", conforme muitos manuscritos antigos trazem, ele
revela a sua convicção de que ele só voltaria à vida novamente quando a vinda visível do
Reino de Cristo for consumada, pois é somente neste momento (da segunda vinda de
Cristo, a Sua Volta Gloriosa), que os mortos serão ressuscitados.

O ladrão sabia que ele iria morrer e pede para ser lembrado por Cristo naquele dia tão
esperado em que Ele viesse em Seu reino em sua forma visível, destruindo o poder da
morte e dando vida aos mortos. É neste momento que o ladrão queria ser lembrado por ele,
porque é somente neste momento em que os mort os ressuscitam para estar com Cristo.
Jesus, então, declara ao ladrão que não precisava pensar em tempos tão remotos para ser
lembrado por ele, mas que hoje mesmo lhe garantia que com Ele estaria no Paraíso. Ele
não precisaria ficar na ansiedade da volta de Jesus para ser lembrado somente dois mil
anos depois para saber de seu destino final, pois naquele mesmo momento, o "hoje" em
questão, Cristo lhe assegurava a salvação.

O verso 42, portanto, deixa claro que o próprio ladrão sabia que não entraria no Pa raíso
naquele mesmo dia, por isso pediu para ser lembrado por Cristo somente quando na Sua
Segunda Vinda. Cristo, então, lhe assegurou naquele mesmo dia que o ladrão estaria com
ele no Paraíso. O ladrão pediu a Jesus para lembrar-se dele no futuro quando Ele viesse em
seu poder visível, mas Jesus respondeu lembrando a ele imediatamente, o “hoje” do verso,
e garantindo que com Ele seria no Paraíso. Sendo assim, o emprego do "hoje" no verso 43
não é desnecessário e nem redundante. Ele não apenas serv e para enfatizar como ocorre
em outras dezenas de vezes na Bíblia, mas também para antecipar a garantia da salvação
ao crucificado. Como observa Bacchiocchi:

“A razão para esta ligação excepcional do advérbio ‘hoje’ à frase ‘verdadeiramente, te digo’
poderia muito bem ser o contexto imediato. O ladrão pediu a Jesus para lembrar-se dele no
futuro quando estabelecesse o Seu reino messiânico. Mas Jesus respondeu lembrando ao
penitente ladrão imediatamente, ‘hoje’, e por reassegurar-lhe que ele com Ele estaria no
Paraíso”1 0 2

Mas e as traduções bíblicas? – É alegado também pelos imortalistas que, se a vírgula deve
ser colocada depois do "hoje", e não antes dele, como foi provado aqui tendo em vista todo
o contexto textual, a gramática do texto em grego, a hermenêutica, os documentos antigos
e as evidências históricas, então praticamente todas as versões que existem hoje estão
todas adulterando a Bíblia, e que a única versão correta das Escrituras seria a "Tradução
Novo Mundo", das Testemunhas de Jeová, que traduz o verso desta maneira.

Isso simplesmente não é verdade. É fato que as traduções que optaram por colocar a
vírgula depois do "hoje" erraram, mas elas não erraram por desonestidade (o que seria
adulteração na Bíblia), pois o verso realmente deixa em abert o as duas traduções no grego

102 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 194
em primeira instância, mas por seus próprios pressupostos teológicos, pois todas elas
defendem a tese de imortalidade da alma. Igor Miguel, um erudito do grego bíblico,
esclareceu sobre a questão das traduções bíblicas nas seguintes palavras:

"Sabe-se que toda tradução é naturalmente interpretativa e hermenêutica. Ou seja, está


sempre submetida aos conceitos e ponto de vista do tradutor. Há os que sustentam uma
'imparcialidade' ou 'neutralidade' em traduções. Porém, cientifica mente, sabe-se que a
'neutralidade' é um mito. O tradutor pode tender à 'imparcialidade', porém sempre há algo
de sua individualidade e subjetividade que estarão presentes em sua produção textual.
Nesta mesma linha, há o mito da 'tradução fiel', que é trat ar a tradução como uma
reprodução literal e precisa da fonte primária. Em outras palavras, uma tradução da Bíblia
em português (ou qualquer outra língua) que se diga 100% fiel às fontes originais. O ideal
de uma 'tradução fiel' é uma impossibilidade técnic a, não há como fazer uma tradução que
reproduza fielmente, em todos os aspectos, o que o autor quis dizer. Pois é óbvio, que o
sentido de um texto só pode ser entendido em todas suas dimensões de significado, quando
inserido em sua língua e contexto originais. Ao passar este significado ou sentido para uma
outra língua, há perdas, limitações naturais que ocorrem pelo simples fato de ser uma
tradução"1 0 3

E ele conclui dizendo:

"Por isto, não existem traduções perfeitas, ou uma que possa ser considerada a melhor.
Existem boas traduções da Bíblia publicadas por editoras Evangélicas, Católicas e Judaicas,
porém, estão todas suscetíveis às críticas e às mesmas vulnerabilidades textu ais que já
foram mencionadas... toda tradução tem seu valor, o que não anula obviamente, suas
limitações"1 0 4

Essas colocações são decididamente importantes porque nos ajudam a compreender a razão
pela qual a grande maioria dos tradutores optaram por colocarem a vírgula antes do "hoje":
porque estão tendenciados a isso em vista de seus próprios conceitos teológicos. Isso é
muito diferente de dizer que eles "adulteraram" a Bíblia. Significa apenas que, quando
chega a um ponto de disputa teológica, sempre optam por seguir a linha teológica que a
determinada sociedade bíblica adota - na maioria dos casos, a de imortalidade da alma. Por
isso, é evidente que as traduções de imortalistas (como as Almeidas ou as ca tólicas) vão
optar por colocar a vírgula antes do "hoje", ao passo que as traduções de mortalistas (como
TJS ou adventistas) vão optar por colocar a vírgula depois do "hoje".

Isso não representa nada em questão de exegese, porque a obrigação do tradutor não é de
ser um exegeta, mas meramente de traduzir. Quem terá o trabalho de reunir todas as
evidências bíblicas na busca da compreensão correta do texto são os e ruditos bíblicos, os
críticos textuais, não os tradutores. Por isso, a grande quantidade de versões bíblicas com a
vírgula colocada antes do hoje apenas reflete que a grande maioria dos tradutores são
imortalistas, nada a mais do que isso. Se a maioria fosse mortalista (o que algum dia pode
chegar a ser), a maioria colocaria a vírgula depois do "hoje".

Isso obviamente não implica que as versões que se equivocaram colocando a vírgula antes
do "hoje" estejam erradas em seu todo, nem muito menos implica que as traduções que

103 MIGUEL, Igor. Problemas da Bíblia Hebraica em Português. Disponível em:


<http://www.welingtoncorp.xpg.com.br/biblia_hebraica_portugues.pdf>. Acesso em: 15/08/2013.
104 ibid.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 195


optaram pela vírgula depois do "hoje" estejam certas em todo o resto. Todas as traduções
bíblicas erram em alguns pontos e acertam em outras, e todas as traduções bíblicas tendem
pelo lado teológico aceito por eles quando há uma passagem de tradução livre e fruto de
interpretação bíblica.

Além disso, não é verdade que a Tradução Novo Mundo seja a única que coloca a vírgula
depois do "hoje". Outras versões, como a Tradução Trinitariana, em português, editada em
1883 pela “Trinitarian Bible Society” de Londres, diz:

“Na verdade te digo hoje, que serás comigo no Paraíso”

Da mesma forma, o Emphasized New Testament, de Joseph B. Rotherham, impresso em


Londres, em 1903, assim traduz Lucas 23:43:

“Jesus! Lembra-te de mim na ocasião em que vieres no Teu reino. E Ele disse -lhe: Na
verdade, digo-te neste dia: Comigo estarás no Paraíso”

O The New Testament, de George M. Lamsa, diz:

“Jesus lhe disse: Na verdade te digo hoje, estarás comigo no Paraíso”

A chamada Concordant Version, em inglês, assim traduz:

“E Jesus lhe disse: ‘Na verdade a ti estou dizendo hoje, comigo estarás no Paraíso '”

O famoso Manuscrito Curetoniano da Versão Siríaca, que está hoje no Museu Britâ nico,
assim diz:

“Jesus lhe disse: Na verdade te digo hoje, que comigo estarás no Jardim do Éden”

O comentário da Oxford Companion Bible ainda diz:

“’Hoje’ concorda com ‘te digo’ para dar ênfase à solenidade da ocasião; não concorda com
‘estarás’”,

No Apêndice n°. 173, a famosa Oxford Companion Bible acrescenta:

“A interpretação deste versículo depende inteiramente da pontuação, a qual se baseia toda


na autoridade humana, pois os manuscritos gregos não tinham pontuação alguma até o
nono século, e mesmo nessa época somente um ponto no meio das linhas, separando cada
palavra... A oração do malfeitor referia-se também àquela vinda e àquele Reino, e não a
alguma coisa que acontecesse no dia em que aquelas palavras foram ditas".

E concluem dizendo:

“E Jesus lhe disse: ‘Na verdade te digo hoje’ ou neste dia quando, prestes a morrerem, este
homem manifestou tão grande fé no Reino vindouro do Messias, no qual só será Rei quando
ocorrer a ressurreição – agora, sob tão solenes circunstâncias, te digo: serás comigo no
Paraíso”.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 196


Por fim, a versão impressa da Nueva Reina Valera de 2000 assim traduz:

"Então Jesus lhe respondeu: ‘Eu te asseguro hoje, estarás comigo no paraíso’"

Portanto, é simplesmente falsa a afirmação de que a única versão da Bíblia que traduz
Lucas 23:43 da maneira correta é a Tradução Novo Mundo das Testemunhas de Jeová.

De fato, Lucas 23:43 é uma mensagem em que Cristo diz ao ladrão da cruz: "Em verdade
te digo hoje, estarás comigo no Paraíso", mas que os tradutores bíblicos imortalis tas
preferiram por suas próprias convicções teológicas traduzirem por: "Em verdade te digo,
hoje estarás comigo no Paraíso".

E assim exegese foi totalmente destruída.

IX–Um espírito não tem carne e ossos

Depois que Jesus ressuscitou, ele apareceu aos discípulos, que se assustaram, pensando
estar vendo um espírito, ao que ele responde dizendo que um espírito não tem carne e
ossos como ele tinha:

"E falando eles destas coisas, o mesmo Jesus se apresentou no meio deles, e disse -lhes:
Paz seja convosco. E eles, espantados e atemorizados, pensavam que viam algum
espírito. E ele lhes disse: Por que estais perturbados, e por que sobem tais pensamentos
aos vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me
e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho" (cf. Lucas
24:36-39)

Para os imortalistas, se Jesus cresse na mortalidade da alma teria dito que não existia
espírito, e não que um espírito não tem carne e osso. A resposta para essa alegação
imortalista é muito simples: Jesus não poderia ter dito que não existem espíritos pela
simples razão de que os anjos (bem como os demônios) são espíritos (cf. Hb.1:14), assim
como o próprio Deus (cf. Jo.4:24).

Portanto, se Jesus simplesmente dissesse que "não existem espíritos" ele estaria negando a
existência de Deus, dos anjos e dos demônios. Tudo aquilo foi fruto do desespero
momentâneo dos discípulos de Cristo ao ver alguém misteriosamente entrando "do nada"
no meio da casa, que estava "com as portas fechadas" (cf. Jo.20:26), sem chances de
algum desconhecido "aparecer" no meio deles. Então, no pânico, eles pensaram "estar
vendo um espírito", que poderia ser um anjo do bem ou do mal, ou até mesmo um
fantasma, como ocorreu em outra ocasião, em que os discípulos pensaram estar vendo um
fantasma na hora do pânico, ao ver o mesmo Jesus andando por sobre as águas:

"E, vendo que se fastigavam a remar, porque o vento lhes era contrário, perto da quarta
vigília da noite aproximou-se deles, andando sobre o mar, e queria passar-lhes adiante.
Mas, quando eles o viram andar sobre o mar, acharam que era um fantasma, e deram
grandes gritos" (cf. Marcos 6:48,49)

Qualquer um sabe que fantasmas não existem de verdade. E eu tenho certeza que na
teologia dos apóstolos também não havia lugar para tal crendice popular. Mas, na hora do

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 197


desespero, eles gritaram apavorados, confundindo Jesus com um "fantasma", ainda que
fantasmas não existam. Da mesma forma, quando Jesus apareceu "do nada" dentro da casa
onde eles estavam reunidos a portas fechadas, o pânico tomou conta dos discípulos de tal
forma que eles, a exemplo da ocasião anterior em que pensavam estar vendo um
"fantasma", acharam que era um "espírito".

Nada indica se esse "espírito" que eles achavam que Jesus era fosse um espírito humano
incorpóreo, como creem os imortalistas, pois anjos e demônios também são espíritos, e na
hora do desespero até fantasmas (que são popularmente conhecidos como sendo espíritos)
eram cridos pelos discípulos, o que não implica na existência real deles. Esse "ser" que eles
achavam estar vendo podia ser, na imaginação deles, qualquer coisa, visto que por várias
ocasiões as pessoas não reconheceram Jesus, como no alto mar (cf. Mc.6:48,49), na
travessia de Emaús (cf. Lc.24:16), ou na pescaria que também ocorreu depois da
ressurreição (cf. Jo.21:4):

"E, sendo já manhã, Jesus se apresentou na praia, mas os discípulos não reconheceram que
era Jesus" (cf. João 21:4)

"Mas os olhos deles estavam como que fechados, para que não o reconhecessem" (cf. Lucas
24:16)

"E, vendo que se fastigavam a remar, porque o vento lhes era contrário, perto da quarta
vigília da noite aproximou-se deles, andando sobre o mar, e queria passar-lhes adiante.
Mas, quando eles o viram andar sobre o mar, acharam que era um fantasma, e deram
grandes gritos" (cf. Marcos 6:48,49)

Portanto, podemos ver que:

• Os discípulos estavam apavorados, como quando pensavam estar vendo um fantasma,


pois não é normal que uma pessoa entre "do nada" no meio de uma casa que estava às
portas fechadas, com medo dos romanos.

• Os discípulos, como em outras ocasiões, não estavam reconhecendo Jesus .

• No desespero e sem reconhecer quem era, pensaram que era um "espírito",


semelhantemente a quando creram que estavam vendo um "fantasma" na outra ocasião.

• Não é possível precisar ao certo que tipo de espírito eles acreditavam que era no
momento do pânico, visto que anjos e demônios também são espíritos, e que crendices
populares como fantasmas também são considerados como sendo espíritos.

• Jesus, por sua vez, não poderia responder dizendo que "espíritos não existem", pois
estaria negando a existência de espíritos que realmente existem, como anjos, demônios e o
próprio Deus, que é espírito. Não é porque existem determinadas crendices populares falsas
(como a crença em fantasmas e em espíritos humanos desencarnados, como no
espiritismo) que não existe nenhum tipo de espírito.

• Ao dizer que um espírito não tem carne nem ossos, Jesus acalmou os ânimos dos
discípulos, para que não mais pensassem estar vendo algum ser misterioso, como um
fantasma ou algum espírito do mal. É muito pouco provável que os discípulos acreditassem

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 198


que se tratasse do próprio Senhor Jesus em forma incorpórea, pois se os discípulos
tivessem identificado Jesus ali, ainda que em forma incorpórea, teriam ficado felizes,
jubilosos, exultantes ao reverem o Mestre. Se eles ficaram com medo e pensaram estar
vendo "um espírito", é porque eles não reconheceram Jesus, a não ser que tivessem medo
de Jesus! Evidentemente, o medo deles não era se Jesus estava em estado corpóreo ou
incorpóreo, mas sim se aquilo que eles viam fosse alguma coisa digna de medo, como
quando eles achavam estar vendo um fantasma e se amedrontaram, porque não sabiam
que era Cristo.

Concluindo, não há absolutamente nada conclusivo em Lucas 24:39 que ao menos indique
que a alma humana é imortal. Todo o texto pode ser perfeitamente entendido e plenamente
assimilado tendo em vista a ótica mortalista e bíblica, sem a necessidade de implicar na
existência de um elemento eterno e que sobreviva com consciência à parte do corpo após a
morte. Os imortalistas tem que, a todo custo, forçar a interpretação da passagem para que
favoreça a interpretação deles. O espírito não pode ser outra coisa senão um espírito
humano, os discípulos não poderiam estar enganados pelo pânico como quando achavam
estar vendo um fantasma, e Jesus tinha que ter dito que espíritos não existem, mesmo que
isso fosse impossível já que anjos, demônios e o próprio Deus são espíritos. Tudo isso fruto
da misteriosa forma de formular argumentos, inventada pelos imortalistas.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 199


CAPÍTULO 5.2 – O QUE JESUS REALMENTE ENSINOU?

Tivemos que mostrar muitas refutações a diversas interpretações defeituosas de passagens


que são usadas constantemente pelos imortalistas, para a partir disso apresentarmos quais
foram os verdadeiros ensinos de Cristo, pois de fato muitas palavras de Jesus foram mal
interpretadas, tiradas de seu devido contexto, sem ser fiel e verdadeiro para com a
gramática dos manuscritos em grego ou vistas com a ótica dualista de imortalidade da
alma.

Como vimos, nenhuma delas apresenta qualquer prova que chegue perto de abalar os
fortes fundamentos da doutrina da imortalidade condicional a partir da ressurreição, como é
relatado do início ao fim da Bíblia. Na realidade, grande parte delas não somente mostra m o
quanto a interpretação “pró-imortalidade” está equivocada, como também, em muitas
ocasiões, constituem-se em fortes provas contrárias a ela. Vemos isso quando respeitamos
as regras da exegese e colocamos cada passagem no devido contexto em que ela se insere.

Dadas as devidas refutações, passaremos agora a mostrar aquilo que Jesus Cristo
realmente afirmou com relação à natureza humana e a vida pós -morte. Como veremos,
todos os ensinamentos de Cristo são coerentes em negar veementemente qualquer
pretensão de dividir a natureza humana entre o aspecto material e o aspecto
imortal/imaterial. Ao contrário, veremos que a entrada no Reino é somente por ocasião da
ressurreição, bem como a entrada na condenação que os ímpios sofrerão, e todos os outros
fatores corroborando para isso nos ensinamentos de Jesus Cristo acerca da vida pós-morte.

X–Sobre a entrada no Reino ou na condenação

A Parábola do Joio e do Trigo – Ironicamente, comecemos com isso mesmo – uma parábola!
Mas essa, por sua vez, possui a explicação do próprio Cristo sobre o significado de sua
própria parábola, sobre o que significa cada elemento e sobre os tempos em que tais coisas
se dariam. Nessa parábola vemos Cristo ensinando sobre o estado dos mortos e sobre os
destinos finais. Veremos o que ele conta:

“Propôs-lhes outra parábola, dizendo: O reino dos céus é semelhante ao homem que semeia
a boa semente no seu campo; Mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou joio
no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o
joio. E os servos do pai de família, indo ter com ele, disseram-lhe: Senhor, não semeaste
tu, no teu campo, boa semente? Por que tem, então, joio? E ele lhes disse: Um inimigo é
quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres pois que vamos arrancá-lo? Ele, porém,
lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai
crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da ceifa, direi aos ceifeiros: Colhei
primeiro o joio, e atai-o em molhos para o queimar; mas, o trigo, ajuntai-o no meu
celeiro” (cf. Mateus 13:24-30)

Em seguida, os discípulos pedem que Cristo explique essa parábola, e a explicação do


Mestre vem na sequência:

“Então, tendo despedido a multidão, foi Jesus para casa. E chegaram ao pé dele os seus
discípulos, dizendo: Explica-nos a parábola do joio do campo. E ele, respondendo, disse -

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 200


lhes: O que semeia a boa semente, é o Filho do homem; O campo é o mundo; e a boa
semente são os filhos do reino; e o joio são os filhos do maligno; O inimigo, que o semeo u,
é o diabo; e a ceifa é o fim do mundo; e os ceifeiros são os anjos. Assim como o joio é
colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste mundo. Mandará o Filho
do homem os seus anjos, e eles colherão do seu reino tudo o que causa escândalo, e os que
cometem iniquidade. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de
dentes. Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai. Quem tem ouvidos
para ouvir, ouça” (cf. Mateus 13:36-43)

Essa parábola de Cristo simplesmente concorda com tudo aquilo que já vimos aqui: que os
justos não entram no Paraíso com as suas “almas imortais” logo após a morte, mas
somente no fim do mundo, momento em que os mortos serão vivificados (cf.
1Co.15:22,23), para a partir daí entrarem no Paraíso (cf. Jo.14:2,3; Jo.5:28,29). Do
mesmo modo, os ímpios não são condenados a ficarem queimando antes da ressurreição no
fim do mundo. A parábola do semeador nos ilustra bem esse quadro:

“E ele lhes disse: Um inimigo é quem fez isso. E os servos lhe disseram: Queres pois que
vamos arrancá-lo? Ele, porém, lhes disse: Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis
também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e, por ocasião da
ceifa, direi aos ceifeiros: Colhei primeiro o joio, e atai-o em molhos para o
queimar; mas, o trigo, ajuntai-o no meu celeiro” (cf. Mateus 13:28-30)

Vemos, portanto, que o trigo (filhos do Reino) e o joio (filhos do maligno) são deixados
juntos, isto é, no mesmo lugar, até a ocasião da ceifa. Um não está separado do outro,
como um no Céu e outro no inferno, muito pelo contrário, são mantidos juntos até a ceifa e
é só neste momento em que o joio (ímpios) irá queimar, e o trigo (justos) irá ser ajuntado
no “celeiro” (Reino dos céus).

Conforme a explicação que Cristo dá em seguida com relação à parábola, vemos claramente
que a ceifa é somente no fim do mundo: “O inimigo, que o semeou, é o diabo; e a ceifa é o
fim do mundo; e os ceifeiros são os anjos” (cf. Mt.13:39). Em outras palavras, o trigo
(justos) só será ajuntado no celeiro (Reino) no fim do mundo!

Até lá, ambos estão no mesmo lugar (cf. Mt.13:30). É só por ocasião da ceifa, que acontece
“no fim do mundo”, que os justos se separarão dos ímpios para aí sim entrarem no
“celeiro”. Isso é um golpe fatal na teoria de que entramos no Céu imediatamente após a
morte ao mesmo passo que os ímpios vão para o inferno também imediatamente após a
morte, e na ressurreição do último dia ambos são ressuscitados para continuarem no
mesmo lugar em que já estavam antes. Igualmente notório é o fato de que os ímpios só
serão queimados no fogo na consumação deste mundo:

“Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste mundo”
(cf. Mateus 13:40)

Isso prova que eles não estão queimando ainda, pelo contrário, só serão queimados no fogo
“na consumação deste mundo” (v.40). É na “consumação do mundo” – no final dos tempos,
na última era, no fim do mundo – que os ímpios serão queimados no fogo. Não é algo que
já esteja em atividade! O ensinamento de Cristo nega absolutamente que os ímpios já
possam estar queimando atualmente em algum lugar, porque tal fato só se tornará
realidade para eles no final dos tempos, na consumação deste mundo quando a Bíblia diz

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 201


que haverá a separação entre os justos e os ímpios (cf. Mt.13:30), por ocasião da ceifa (cf.
Mt.13:29,30), que acontece somente no fim do mundo (Mt.13:39).

Também é notório que é somente neste momento que os justos herdam o Reino do Pai:

“Então os justos brilharão como o sol no Reino do seu Pai. Aquele que tem ouvidos, ouça”
(cf. Mateus 13:43)

Note que é somente neste momento que os justos entram no Reino. O original grego traz a
palavra “tote”, que, de acordo com o Léxico da Concordância de St rong, significa:
“quando; o momento em que; naquele tempo; então” 1 0 5 . Ou seja, é somente naquele
tempo, quando daquele momento, que os justos brilharão como o sol no Reino de Deus.
Pelo contexto de Mateus 13, este momento é claríssimamente definido como sendo na
consumação deste mundo, no fim das eras:

“O inimigo, que o semeou, é o diabo; e a ceifa é o fim do mundo; e os ceifeiros são os


anjos. Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste
mundo. Mandará o Filho do homem os seus anjos, e eles colherão do seu reino tudo o que
causa escândalo, e os que cometem iniquidade. E lançá -los-ão na fornalha de fogo; ali
haverá pranto e ranger de dentes. Então os justos resplandecerão como o sol, no reino de
seu Pai. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (cf. Mateus 13:39-43)

O que Cristo ensina é bem claro: os justos só serão ajuntados para o celeiro no fim do
mundo (cf. Mt.13:30), e os ímpios só serão queimados no fogo na consumação deste
mundo (cf. Mt.13:40). Para um bom entendedor, meia-palavra basta. Mas Cristo foi bem
mais preciso que isso!

Separação entre justos e ímpios apenas no fim do mundo – Mais uma vez, em uma
parábola próxima à anterior, Cristo assegurou que a separação entre os bons e os maus só
se dará na consumação dos séculos: “Igualmente o reino dos céus é semelhante a uma
rede lançada ao mar, e que apanha toda a qualidade de peixes. E, estando cheia, a puxam
para a praia; e, assentando-se, apanham para os cestos os bons; os ruins, porém, lançam
fora. Assim será na consumação dos séculos: virão os anjos, e separarão os maus de
entre os justos. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de dentes”
(cf. Mt.13:47-50).

Aqui vemos novamente em cena a segurança de Cristo em afirmar que a separação entre
justos e ímpios só ocorrerá na consumação dos séculos, sendo que antes disso eles estão
no mesmo lugar, e não em lugares ou dimensões diferent es! Ademais, Cristo também
deixou mais do que claro aqui que os maus só serão lançados na fornalha de fogo para
terem prantos e ranger de dentes na consumação dos séculos.

Não é algo que já esteja em atividade com os ímpios sofrendo tormento. Antes da
“consumação dos séculos”, eles estão no mesmo lugar, ou seja, se os ímpios já estão
queimando com fogo, então os justos também estão! É óbvio que todos os grupos não se
encontram senão no pó da terra (cf. Is.26:19; Gn.3:19; Sl.22:15; Jó 7:21; Dn.12:2), o
que explica o porquê que Cristo só os diferenciou por ocasião da consumação dos tempos.

105 Léxico da Concordância de Strong, 5119.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 202
Tudo isso nos mostra que, realmente, Cristo queimará [futuro] a palha no fogo (cf.
Lc.3:17), eles não estão queimando [presente]. O joio, os cestos ruins e a palha serão
queimados na consumação dos séculos, na consumação das eras. Não é algo que já esteja
em atividade em algum lugar.

A entrada no Reino é somente na segunda vinda de Cristo - “Quando o Filho do Homem


vier em sua glória, com todos os anjos, assentar-se-á em seu trono na glória celestial.
Todas as nações serão reunidas diante dele, e ele separará umas das outras como o
pastor separa as ovelhas dos bodes. E colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à
sua esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham, benditos de meu
Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do
mundo” (cf. Mateus 25:31-34)

Aqui fica mais do que claro que a entrada no Reino se dará por ocasião da revelação
gloriosa de Cristo, quando o Filho do Homem vier na sua glória para separar os bons dos
maus. Se os justos já estivessem desfrutando das bem-aventuranças do Reino, então Cristo
diria para eles “continuarem no Reino”. Contudo, a clareza da linguagem textual não
deixa margem para duplas interpretações: os justos não estavam no Reino, mas entrariam
no Reino a partir da revelação gloriosa do Filho do Homem, ou seja, na segunda vinda de
Cristo. Ele não disse “continuem no Reino”, mas sim: “entrem no Reino” – “o recebam”!

Ninguém entra em algum lugar se já estava lá. Ninguém diz: "entre na casa" para um
convidado que já está hospedado em sua casa há muito tempo. Vale ressaltar que o que
está em jogo aqui não é apenas a recompensa, como alegam alguns imortalistas, mas é o
próprio Reino, o próprio Paraíso celestial. Impossível conciliar isso com a tese de que tais
pessoas já estavam há séculos no Reino como e spíritos incorpóreos para "receberem" o
Reino que já tinham e "entrarem" no Paraíso em que já estavam. A palavra grega
kleronomeo, usada aqui em Mateus, implica em "tornar-se participante de; obter"1 0 6 , e não
pode ser ignorada.

Ademais, também é digno de nota que é somente nesta vinda gloriosa do Filho do homem
com todos os anjos que as ovelhas serão separadas dos bodes – elas não estão separadas
ainda. Do mesmo modo, um pouco mais à frente é dito ao grupo da direita para entrarem
no inferno (v.41), também a partir daquele momento. Se eles já estivessem no inferno isso
não faria sentido, pois eles já estariam queimando como “espíritos”, para ressuscitarem,
serem julgados, e continuarem queimando do mesmo jeito!

É muito claro a partir destes textos que a separação entre os justos e os ímpios não vem
senão por ocasião da consumação do mundo, e é neste momento que os justos recebem o
Reino prometido e nesta ocasião é que os ímpios são queimados. Não é no momento da
morte com as suas “almas imortais”. Os justos viriam receber o Reino que lhes fora
prometido desde a criação do mundo, lhes sendo concedido naquele momento.

Lembro-me de certa vez, há muito tempo atrás, quando debatia em uma rede social com
um defensor da doutrina da imortalidade que, ao se deparar com tal passagem e todas as
suas implicações que destacamos aqui, simplesmente teve que dizer: “Não tem como
refutar”, e para disfarçar a falta de contra-argumentação ainda completou dizendo: “você

106 Léxico da Concordância de Strong, 2816.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 203
tinha que estar certo em alguma coisa”! De fato, tal passagem é tão expressamente clara
que não abre espaços nem para refutações e nem para duplas interpretações.

É inimaginável que Cristo tenha que separar os dois grupos caso eles já estivessem bem
separados (uns no Céu e outros no inferno), e não tem como se conceber que Cristo diria
“venham receber o Reino” a pessoas que já estivessem desincorporadas no Reino há
milênios, ou até mais! Realmente, não existe como ref utar a clareza e objetividade da
linguagem de Cristo em dizer de maneira explícita qual é o tempo em que os justos
receberiam o Reino e em que finalmente seriam separados dos ímpios.

Tudo isso ocorre, contudo, não quando as suas almas partem para o Céu c om a morte, mas
sim por ocasião da revelação gloriosa de Cristo, “curiosamente” o mesmo momento em que
se dá a ressurreição dos mortos (cf. 1Co.15:22,23). O Reino, que lhes estava “preparado”
desde a fundação do mundo (v.34), finalmente lhes seria concedido. E quando isso
acontecerá? A resposta se encontra no verso 31: “Quando o Filho do homem vier em sua
glória, com todos os anjos”. Trata-se da volta gloriosa de Jesus Cristo, e é só neste
momento em que os da direita, os justos, entram no Reino (v.34).

Voltarei e tomar-vos-ei comigo – Outro argumento conclusivo contra a teoria de que ao


morrermos somos imediatamente conduzidos ao Paraíso antes da ressurreição dos mortos é
o fato de que Jesus não deixou margem de dúvidas quanto à data em que os seus discípulos
seriam levados ao Paraíso:

“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou
preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei
comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais” (cf. Jo.14:2,3). A clareza da
linguagem é tão evidente que não abre espaços para duplas interpretações. A entrada no
Paraíso se dá por ocasião da volta de Cristo, e não por uma alma imortal que deixa o corpo
por ocasião da morte.

A clareza da linguagem é tão clara que já foram feitas inúmeras tentativas frustradas para
negar tamanha evidência, mas todas elas fraquejam em suas tentativas. A primeira
objeção diz que Jesus, ao dizer que voltaria para tomá-los consigo, referia-se ao tempo
apocalíptico quando ele arrebataria os salvos que ainda estivessem vivos aqui na terra.
Contudo, o contexto deixa bem claro que ele estava dizendo aquilo para os seus
discípulos (cf. Jo.13:36), e não para qualquer um em alguma era apocalíptica. Na verdade,
Jesus estava respondendo a uma pergunta de Simão Pedro (v.36), dizendo em seguida para
os discípulos:

“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou
preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos preparar um lugar, voltarei e tomar-vos-ei
comigo, para que, onde eu estou, também vós estejais” (cf. João 14:2,3)

Será que algum apóstolo está vivo até os dias de hoje para ser arrebatado nesta promessa?
É claro que não! Fica mais do que claro que Jesus, falando aos seus discípulos, indicava
claramente que eles só ocupariam as suas moradas no Paraíso por ocasião da Sua Volta
gloriosa. A segunda objeção imortalista contra a evidência deste texto é que Jesus estaria
falando da morte deles para ocuparem os seus lugares no Paraíso. Contudo, isso é ferir o

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 204


contexto bíblico que afirma de forma categórica de que tal fato se da rá não pela morte dos
apóstolos, mas sim por ocasião da volta de Cristo.

“Voltarei e tomar-vos-ei comigo” é uma clara referência a volta de Jesus. Em outras


circunstâncias, tal fato não seria alvo de objeção alguma, mas tendo em vista que
comprometeria a doutrina imortalista, tentam negar o evidente. Ademais, Cristo não disse:
“Quando vocês morrerem vão ocupar as moradas”, mas sim: “Quando eu voltar tomar-vos-
ei comigo”... para só então ocuparem as moradas.

E, por fim, o contexto deixa evidente que Cristo irá “preparar um lugar” (v.3), para depois
voltar (uma vez) para buscar aqueles que lhe pertencem. Se essa objeção estivesse correta,
então Cristo voltaria sucessivas vezes ininterruptas para buscar crente após a morte.
Porém, Cristo falava de um evento específico, de uma vinda em especial, para tomar todo o
corpo apostólico e não sobre vindas diferentes e variadas para cada um individualmente e
em tempos distintos.

A terceira objeção por parte dos imortalistas é que Cristo pudesse estar se referindo à sua
ressurreição dentre os mortos. Contudo, essa teoria falha no mesmo ponto da anterior:
“voltarei e tomar-vos-ei comigo” é uma clara referência à segunda vinda de Cristo, nunca
indicando que tratasse da ressurreição do Senhor. Se a referência fosse à ressurreição de
Cristo, isso faria de Jesus um mentiroso ao dizer que prepararia as moradas no Paraíso,
uma vez que tal fato não seria possível já que enquanto ele esteve morto antes de sua
ressurreição não esteve no Céu para “preparar” morada alguma, pelo c ontrário, ele não
subiu ao Céu (cf. Jo.20:17), e ficou três dias e três noites no Sheol (cf. At.2:27; Mt.12:40),
e não no Paraíso “preparando moradas”.

Finalmente, essa teoria falha ainda mais porque negaria que Jesus tomaria os seus
discípulos consigo. Se fosse uma referência à ressurreição de próprio Cristo, então teríamos
um grande problema uma vez que Jesus não “tomou consigo” em suas moradas discípulo
nenhum por ocasião da sua ressurreição! Isso seria um disparate e uma promessa não
cumprida se Cristo estivesse mesmo falando da ressurreição dele mesmo!

Por fim, devemos ressaltar que, para onde Cristo iria, nem sequer os seus próprios
discípulos poderiam segui-lo (cf. Jo.13:36). Por isso, faz-se necessário que Ele volte para
nos levar onde ele está [segunda vinda de Cristo], para estarmos com Ele onde ele estiver
(cf. Jo.14:3). Todas as objeções à clareza da linguagem de João 14:2,3 são refutações
fracas, quase sempre interpretações forçadas do texto bíblico numa tentativa desesperada
em negarem o óbvio daquilo que diz as Escrituras.

Jesus não disse que os lugares estariam disponíveis aos salvos conforme fossem morrendo
e suas almas chegassem no Céu para assumi-las. Seria impossível Cristo voltar para levar
os seus discípulos ao Céu caso eles já estivessem lá, pois Jesus não teria que voltar para
buscar novamente aqueles que já estivessem no Paraíso.

É óbvio que eles só entram na segunda vinda, quando Cristo voltar para nos levar onde ele
está, e não quando a suposta “alma imortal” deixa o corpo após a morte, em algum estado
intermediário dos mortos. Se a alma fosse imortal, o texto estaria dizendo que, "quando eu
for e vos preparar lugar, vocês virão a mim quando morrerem, para que, onde eu estou,
estejais vós também". Porém, a linguagem bíblica expressa é clara ao ponto de nos fazer

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 205


entender que apenas pela ressurreição, quando Jesus vier nos buscar, é que entraremos em
nossas moradas celestiais. E não restam objeções a tal fato.

Para onde Cristo vai, só iremos na ressurreição – “Disse, pois, Jesus: Ainda um pouco de
tempo estou convosco, e depois vou para aquele que me enviou. Vós me buscareis, e não
me achareis; e onde eu estou, vós não podeis vir” (cf. Jo.7:33,34). Quando Jesus afirma
em João 7:34 que “onde eu vou, vós não podeis ir”, os imortalistas são rápidos em
responder que Cristo estava falando com os fariseus e, portanto, eles vão queimar para
sempre e não podem ir onde Cristo vai. O problema, contudo, é que essa mesma verdade é
afirmada não apenas aos fariseus incrédulos, mas aos próprios discípulos dele!

Isso fica claro em João 13:33 em que ele afirma: “Meus filhinhos, vou estar com vocês
apenas por mais um pouco. Vocês procurarão por mim e, como eu disse aos judeus, agora
lhes digo: Para onde eu vou, vós não podeis ir” (cf. Jo.13:33). Não apenas os judeus
hipócritas de João 7:34, mas também os seu próprios seguidores em João 13:33 não
poderiam ir para onde Jesus partiria. Quando que eles poderiam, então, juntar-se a ele? O
próprio Mestre responde alguns poucos versos à frente:

“Na casa de meu Pai há muitas moradas. Não fora assim, e eu vos teria dito; pois vou
preparar-vos um lugar. E, se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos tomarei para
mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também” (cf. Jo.14:2,3). Ou seja,
quando Ele [Cristo] voltar em Sua segunda Vinda. Não, essa não é apenas uma repetição do
argumento passado acima, mas é um complemento muito importante, pois Cristo afirma
categoricamente que os próprios apóstolos não poderiam es tar com Cristo e nem sequer o
achar quando ele partisse para a outra vida, mesmo Simão Pedro afirmando que daria a
própria vida para seguir a Jesus: “Pedro perguntou: Senhor, por que não posso seguir-
te agora? Darei a minha vida por ti” (cf. Jo.13:37).

Em outras palavras, não adiantava procurar entre o “povo espalhado pelos gregos” (cf.
Jo.7:35), não adiantava nem mesmo morrer (cf. Jo.13:37), pois para onde Cristo iria,
absolutamente ninguém poderia ir até ele. Por isso, faz-se necessário ele voltar e nos levar
com ele, para só aí estarmos onde ele está – aquele local onde ninguém poderia segui-lo
(nem mesmo morrendo para isso) – o Paraíso.

Se a morte introduzisse a alma de Pedro imediatamente no Céu com o próprio Jesus, então
ele logicamente poderia segui-lo ao dar a vida por ele. Contudo, Cristo é enfático em relatar
que nem mesmo a morte os traria para onde ele iria (cf. Jo.13:37; 13:33), o que nos revela
que, realmente, é apenas com uma segunda vinda do próprio Cristo em que os apóstolos
estariam de fato com ele (cf. Jo.14:2,3), através da ressurreição dos mortos.

A justa recompensa na ressurreição – "E serás bem-aventurado; porque eles não têm com
que to recompensar; mas recompensado te será na ressurreição dos justos "
(Lc.14:14). Jesus aqui afirma que a recompensa será dada na ressurreição. Ir ao estado
intermediário já não é uma forma de recompensa? Claro que sim, afinal no estado
intermediário já haverá a distinção de pessoas salvas e perdidas e as perdidas estariam em
um fogo atormentador e os salvos curtindo as delicias da vida eterna (pelo menos é assim
que os imortalistas ensinam).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 206


Se existe um estado intermediário junto a Deus, com todos os outros santos, desfrutando
das bênçãos paradisíacas e da profunda felicidade que é estar com o Pai em contraste com
esta vida terrena, então isso seria uma forma de recompensa – e bota “recompensa” nisso!
Contudo, a declaração de Cristo é categórica ao afirmar que a recompensa pelas dada aos
justos não vem no momento da morte, mas sim na ressurreição dos mortos!

Ao tentar conciliar a existência do estado intermediário com a recompensa que só é dada no


momento da ressurreição, os imortalistas caem em uma séria contradição, pois, se tal
estado intermediário no Céu com Deus realmente existisse, então os que morressem já
estariam desfrutando das bênçãos paradisíacas, sendo recompensados. Contudo, Jesus
nega isso ao afirmar claramente que a recompensa dada aos que se esforçam nessa vida é
na ressurreição dos mortos, o que contraria o ensino do “estado intermediário”.

Na verdade, não há sequer “pista” alguma que indique que os justos seriam nem mesmo
recompensados gradativamente ao longo de tal “estado intermediário”, afinal, se a
recompensa é a ressurreição, então estar com Deus desfrutando das delícias celestiais em
um estado intermediário não é uma recompensa. Pelo menos seria essa desastrosa
conclusão que deveríamos pressupor em caso que, de fato, existisse esse “estado
intermediário”. Isso contraria também o ensino expresso no Concílio de Trento, considerado
infalível para os católicos, que de forma explícita declara que a recompensa vem
imediatamente após a morte, e não na ressurreição dos mortos, como disse Jesus:

“Quando morremos, experimentamos o que se chama o juízo indiv idual. A Escritura diz que
'aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois o juízo' (Heb.
9:27). Somos julgados imediatamente e recebemos a nossa recompensa, para bem
ou mal. Sabemos ao mesmo tempo qual será o nosso destino final. No fim dos te mpos,
quando Jesus voltar, virá o juízo geral ao qual a Bíblia se refere, por exemplo, em Mateus
25:31-32: 'Quando o filho do homem vier na sua glória, e todos os anjos com ele, então se
assentará no trono da sua glória. Diante dele serão reunidas todas as nações; e ele
separará uns dos outros, como um pastor separa as ovelhas dos cabritos.' Neste juízo geral
todos os nossos pecados serão revelados publicamente (Lucas 12:2-5)”1 0 7

Distorcendo o significado do texto de Hebreus 9:27 (que veremos mais adiante), a Igreja
Católica Romana mantém a ideia de que existem dois juízos, conquanto que a Bíblia afirme
tão claramente que existe apenas un único juízo (cf. Rm.2:16; At.17:31; 1Co.3:13;
Dn.12:13; 2Tm.4:1,8), e que a recompensa vem imediatamente após a morte e antes da
ressurreição, ainda que Cristo tenha sido tão direto em afirmar que os justos só serão
recompensados na ressurreição dos mortos (cf. Lc.14:14). Tudo isso nos mostra mais uma
vez o contraste entre a teologia da imortalidade da alma e o ensino bíblico : eles precisam
multiplicar a existência de juízos e antecipar o momento da recompensa, de outro modo
não haveria como pregar a doutrina dualista de uma forma que passasse um mínimo de
coerência.

A condenação é somente no último dia – "Há um juiz para quem me rejeita e não aceita as
minhas palavras; a própria palavra que proferi o condenará no último dia” (cf. Jo.12:48).
As palavras de Cristo são tão lúcidas que não necessitam nem um pouco de maiores
elucidações. Qual é o momento em que os ímpios serão condenados? Logo depois da morte
quando são lançados no inferno ou somente no último dia? Jesus nos responde a esta

107 Concílio de Trento, Decreto sobre o Purgatório, Denzinger # 983.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 207
questão dizendo claramente e sem rodeios que serão condenados “no último dia” e – que
grande "coincidência" – este é o momento da ressurreição:

“E a vontade do que me enviou é esta: Que eu não perca nenhum de todos aqueles que me
deu, mas que eu o ressuscite no último dia” (cf. João 6:39)

Vemos, portanto, que a condenação dos ímpios não é logo depois da morte em um “estado
intermediário” e muito menos que eles já estejam sofrendo suas condenações em algum
lugar, pois a sua condenação é somente no último dia, o dia da ressurreição dos mortos .
Considerar que os ímpios já estejam atualmente queimando em um lugar de fogo
denominado de “inferno” ou “Hades” significa crer que eles já sofreram a condenação antes
mesmo do momento em que Cristo disse que eles seriam condenados!

É óbvio que se o momento da condenação dos ímpios é no último dia, segue-se logicamente
que eles não estão na condenação, como pensam os imortalistas. Infelizmente, os
defensores da alma imortal nunca poderão admitir tal verdade declarada por Cristo, pois
isso invalidaria a tese pagã de que milhões de pessoas supostamente já estão sofrendo a
condenação de um inferno de fogo em atividade e fulminaria com a lenda da imortalidade
da alma.

A entrada no Reino ou na condenação é por ocasião da volta de Cristo – Confirmando as


claras palavras de Cristo aos seus discípulos assegurando-lhes que o momento em que eles
teriam parte em suas moradas celestiais seria na Sua Volta (cf. Jo.14:2,3), porque é este o
momento da ressurreição (cf. 1Co.15:22,23), o próprio Jesus lhes conta uma pará bola em
que confirma tal ensino de que a entrada no Reino ou na condenação ocorre por ocasião da
Sua Volta, e não de alguma “alma” ou “espírito” que parta desencarnado antes disso.
Vejamos o que ele ensina:

“Depois de muito tempo o senhor daqueles servos voltou e acertou contas com eles. O que
tinha recebido cinco talentos trouxe os outros cinco e disse: ‘O senhor me confiou cinco
talentos; veja, eu ganhei mais cinco’. O senhor respondeu: ‘Muito bem, servo bom e fiel!
Você foi fiel no pouco; eu o porei sobre o muito. Venha e part icipe da alegria do seu
senhor!’” (cf. Mateus 25:19-21)

Qual é o momento em que o servo bom e fiel tomou parte na alegria do Senhor? Antes ou
depois da volta do seu senhor? Não foi antes, mas depois! É muito claro aqui que o “senhor”
da parábola é uma representação do próprio Cristo que há de voltar para então
recompensar a cada um, e os servos fieis só entram no gozo do Senhor quando o dono da
vinha [representação de Cristo] voltar, “depois de muito tempo” (v.19)!

Ele não poderia ser mais claro e exato do que isso ao afirmar os tempos e datas em que se
daria tal acontecimento. Também vemos neste mesmo contexto que é somente quando o
Senhor volta que os seus servos têm que prestar contas a ele (vs. 20, 22). É no momento
da volta de Cristo, e não antes dela, que teremos que prestar contas perante Ele por tudo o
que fizemos! E, finalmente, também é este o momento em que o servo mau é lançado na
trevas (v.30).

Portanto, a partir de tal parábola de Cristo percebemos que: (1) entraremos na alegria do
Senhor por ocasião da Sua Volta; (2) seremos recompensados por ele nessa ocasião; (3) é

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 208


também nessa ocasião em que teremos que prestar contas a ele; e (4) é também na volta
de Cristo que os servos infieis são lançados nas trevas.

Todas essas conclusões negam em absoluto a imortalidade da alma, pois tal doutrina,
estranha à Bíblia, prega exatamente o inverso disso: de que já entramos na alegria do
Senhor em um estado intermediário muitíssimo antes da Volta de Cristo (alguns dois mil
anos antes de sua volta), de que somos recompensados entrando no Céu logo depois da
morte, de que prestaremos contas a ele antes da sua vinda e de que os servos infieis já
estão queimando atualmente e estão esperando entre as chamas a volta de Cristo para
prestarem contas e voltarem a queimar novamente depois dis so.

A vergonha dos ímpios é na segunda vinda – “Se alguém se envergonhar de mim e das
minhas palavras nesta geração adúltera e pecadora, o Filho do homem se envergonhará
dele quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos” (cf. Mc.8:38). O momento
em que o Filho do homem irá se envergonhar dos pecadores é quando ele vier na glória de
seu Pai com todos os santos anjos, algo que vai de frente à doutrina da imortalidade da
alma, uma vez que os ímpios já estariam queimando no inferno muito antes disso e,
portanto, já sendo envergonhados. O próprio Cristo, contudo, afirma que aquela geração
iria passar vergonha na Sua Vinda, e não antes disso.

O próprio fato de Cristo ter feito uma referência àquela geração judaica de sua época
(“nesta geração” – v.38), prova que eles não podem estar queimando atualmente, uma vez
que deste modo aquela geração já estaria sendo envergonhada, mas Cristo afirma
categoricamente que tal fato concretizar-se-á na Sua vinda, na ressurreição dos mortos
para a vida ou para a vergonha da condenação. É bem nítido que aquela geração que
pereceu não está já na condenação do inferno, pois desta forma eles já estariam
condenados e envergonhados antes da volta de Cristo!

XI–Sobre Imortalidade e Vida Eterna

Cristo e a Vida Eterna – É fator bem importante, primeiro, considerar que nem todos
alcançam uma vida eterna, que não existe uma vida eterna no inferno, que a vida eterna é
a partir da ressurreição e que a imortalidade é um dom de Deus para ser buscada. Nos
aprofundaremos mais neste ponto principalmente quando passarmos aos ensinos de Paulo,
por hora limitemo-nos acerca dos ensinamentos de Jesus Cristo, que disse:

“E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha


mão” (cf. João 10:28)

Se Cristo me dá a vida eterna, isso quer dizer que não temos uma natureza imortal, e sim
que essa imortalidade é totalmente dependente de Cristo se somos salvos. Essa verdade é
tão fundamental que é pregada por várias outras vezes por Crist o. A vida eterna está
reservada apenas e tão somente aos filhos de Deus: “Para que todo o que nele crê tenha a
vida eterna” (cf. Jo.3:15). Note que Cristo fez a promessa de dar a vida eterna somente
àqueles que nEle crerem. E ainda acentua: “E esta é a promessa que ele mesmo nos fez, a
vida eterna” (cf. 1Jo.2:25). Mas, por que razão que Jesus iria dar uma vida eterna a alguém
que já possuísse em si mesmo uma alma imortal? Essa é uma questão que imortalistas tem
uma grande dificuldade de explicar.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 209


“Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o
Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu selo” (cf. João 6:27)

“De fato, a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele crer tenha a vida
eterna; e eu o ressuscitarei no último dia” (cf. João 6:40)

Além disso, é importante considerarmos que a vida eterna é uma herança: “Certo homem
de posição perguntou-lhe: Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (cf.
Lc.18:18). Se a vida eterna já fosse garantia de todos por terem uma “alma imortal”, então
este homem não teria que perguntar para Cristo o que ele devia fazer para herdá-la,
pois ele já a teria de qualquer jeito! Mas apenas os justos herdam vida eterna. Em João
6:51, Cristo faz a seguinte afirmação:

“Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente” (cf.
João 6:51)

Logo, quem não come do pão da vida não viverá eternamente. O ensinamento é claro em
desfazer a imortalidade incondicional por meio de uma alma eterna, pois a conjunção “se”
expressa uma condição: apenas aqueles que comem do pão poderão viver eternamente.
Isso nos mostra que não existe uma alma imortal implantada nos seres humanos, pois é
apenas por meio de Cristo (e não mediante uma alma imortal) que os justos viverão
eternamente no futuro, e os ímpios (que não comem do pão vivo) não viverão eternamente
em algum lugar.

Isso é confirmado novamente por Cristo: “Assim como o Pai, que vive, me enviou, e
igualmente eu vivo pelo Pai, também quem de mim se alimenta por mim viverá” (cf.
Jo.6:57). Novamente aqui é acentuado o fato de que a vida é somente em Cristo. Apenas
por meio dEle é que podemos viver eternamente. O que vai além disso deve fazer parte da
mentira de Satanás (cf. Gn.3:4).

Os apóstolos contrariavam a Cristo? – Os apóstolos não contrariam a Cristo, muito pelo


contrário, seguem na mesma linha. O apóstolo Paulo afirma que a imortalidade é por meio
do evangelho (cf. 2Tm.1:10). Ora, se a imortalidade é por meio do evangelho então
aqueles que desprezam o evangelho não possuem a imortalidade. O a póstolo João vai além
e declara que o assassino não tem a vida eterna permanente em si (cf. 1Jo.3:15), e
assegura que a vida é somente em Cristo (cf. 1Jo.5:12). Os ímpios, ao contrário, não
verão a vida (cf. Jo.3:36). Importante ressaltar também que a vida eterna e a
imortalidade é a partir da ressurreição dentre os mortos.

Apenas Deus tem uma “vida eterna” permanente em si no sentido completo da palavra, não
tendo nem princípio nem fim de dias, sendo eterno literalmente. Aos justos é concedida
uma vida eterna e imortalidade, não como Deus possui (i.e, imortalidade inerente, sem
início e nem fim), mas sim uma imortalidade condicional (de seguir o evangelho e de aceitar
a Cristo – cf. 2Tm.1:10; Jo.6:51; Jo.6:57).

Essa imortalidade é a partir da ressurreiç ão dentre os mortos. É por isso que a imortalidade
tem que ser buscada (cf. Rm.2:7), e revestida (cf. 1Co.15:53), na ressurreição (cf.
1Co.15:51-54). Ora, ninguém busca aquilo que já se possui. Essa realidade, da vida eterna

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 210


a partir da ressurreição, é ainda mais acentuada pelo próprio Cristo, que declara: “Não
fiquem admirados com isto, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem nos
túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que fizeram o bem da ressurreição para a vida; e os
que fizeram o mau da ressurreição para a condenação” (cf. Jo.5:28,29).

Eles não estão na vida, mas sairão para a vida a partir da ressurreição. A vida está
relacionada à ressurreição porque ela está condicionada a ela. Ademais, todos ressuscitarão
vindos do túmulo (e não do Céu, do inferno ou do purgatório) a fim de comparecer no
tribunal divino. A Bíblia afirma que só Deus possui a imortalidade c omo uma possessão
presente:

“O único que possui imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem ninguém jamais
viu nem pode ver. Para ele, honra e poder para sempre. Amém” (cf. 1Tm.6:16). Para a
humanidade, a imortalidade é ainda um prêmio a ser buscada: “... para aqueles que pela
paciência em fazer bem, procuram glória, honra e imortalidade, ele dará a vida eterna ” (cf.
Rm.2:7). Definitivamente, Jesus e os apóstolos jamais ensinaram a doutrina da
imortalidade da alma.

XII–Sobre o Estado Final dos ímpios

Mais ensinamentos de Cristo – Os ensinamentos de Cristo acerca do estado final dos ímpios
é bem claro, e do início ao fim nega toda e qualquer “imortalidade” que seja concedida
também a eles. Um bom exemplo disso é o que o Mestre narra em Marcos 12:1-9:

“Certo homem plantou uma vinha, colocou uma cerca ao redor dela, cavou um tanque para
prensar as uvas e construiu uma torre. Depois arrendou a vinha a alguns lavradores e foi
fazer uma viagem. Na época da colheita, enviou um servo aos lavradores, para rece ber
deles parte do fruto da vinha. Mas eles o agarraram, o espancaram e o mandaram embora
de mãos vazias. Então enviou-lhes outro servo; e lhe bateram na cabeça e o humilharam. E
enviou ainda outro, o qual mataram. Enviou muitos outros; em alguns bateram, a outros
mataram. Faltava-lhe ainda um para enviar: seu filho amado. Por fim o enviou, dizendo: A
meu filho respeitarão. Mas os lavradores disseram uns aos outros: Este é o herdeiro.
Venham, vamos matá-lo, e a herança será nossa. Assim eles o agarraram, o mataram e o
lançaram para fora da vinha. O que fará então o dono da vinha? Virá e exterminará
aqueles lavradores e dará a vinha a outros” (cf. Marcos 12:1-9)

O que Cristo ensina nessa parábola acerca do fim dos ímpios é bem claro. Se ele quisesse
induzir que seriam dotados de imortalidade igual aos justos e ficando para sempre no lago
de fogo (conscientemente), então provavelmente teria dito que eles seriam “castigados
eternamente”, ou que “torturaria aqueles homens para sempre”. Mas claramente não é isso
o que Jesus ensina sobre o destino final dos pecadores. O Nosso Senhor compara a
destruição dos ímpios com joio reunido em molhos para ser queimado (cf. Mt.13:30). Ora,
acaso o joio que é queimado (que representa os ímpios) possui um material imortal e
indestrutível? É claro que não. Assim também os ímpios, representados pelo joio, não são
indestrutíveis.

A Bíblia diz claramente que os ímpios não terão corpos incorruptíveis, que é exclusividade
apenas dos justos (cf. Fp.3:20,21; 1Co.15:35-55). Paulo também afirma isso
categoricamente: “Porque o que semeia para a sua própria carne da carne colherá

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 211


corrupção; mas o que semeia para o Espírito do Espírito colherá vida eterna” (cf. Gl.6:8).
Em oposição a uma “vida eterna”, os ímpios possuirão corpos corruptíveis. Se fossem
queimar eternamente seriam exatamente o contrário, isto é, incorruptíveis. A comparação
de Cristo com o joio que é queimado é exata, pois, assim como o joio, os ímpios não ficam
queimando para sempre: são corruptíveis como o joio, e não incorruptíveis como os justos.

Ademais, como apontou o Dr. Samuelle Bacchiocchi em "Imortalidade ou Ressurreição?",


Jesus fez a devida analogia do destino dos não-salvos com ervas reunidas nos molhos para
serem queimadas (cf. Mt.13:30,40), os maus peixes que lançados fora (cf. Mt.13:48), as
plantas ruins que foram arrancadas (cf. Mt.15:13), a árvore que não dá frutos que é
cortada (cf. Lc.13:7), os galhos secos que foram queimados (cf. Jo.15:6), os servos
infieis exterminados (cf. Lc.20:16), o mau servo que foi despedaçado (cf. Mt.24:51), os
galileus que pereceram (cf. Lc.13:2,3), as dezoito pessoas que foram esmagadas pela
torre de Siloé (cf. Lc.13:4,5), os antediluvianos que foram destruídos pelo dilúvio (cf.
Lc.17:27), as pessoas de Sodoma e Gomorra que foram consumidas pelo fogo (cf.
Lc.17:29) e os servos maus que foram executados (cf. Lc.19:14,27).

Nenhuma dessas comparações do fim dos ímpios induz a uma existência eterna, muito pelo
contrário, remete a uma destruição completa, a um fim de existência.

XIII–A Ressurreição de Lázaro

A Ressurreição de Lázaro – Outro fato de fundamental importância que revela que Cristo
jamais ensinou a doutrina da imortalidade da alma é a ressurreição de Lázaro, o que fica
mais evidente quando analisamos cuidadosamente o contexto:

“Chegando, pois, Jesus, encontrou-o já com quatro dias de sepultura. Ora, Betânia distava
de Jerusalém cerca de quinze estádios. E muitos dos judeus tinham vindo visitar Marta e
Maria, para as consolar acerca de seu irmão. Marta, pois, ao saber que Jesus chegava, saiu-
lhe ao encontro; Maria, porém, ficou sentada em casa. Disse, pois, Marta a Jesus: Senhor,
se (estivesses aqui) meu irmão não teria morrido. E mesmo agora sei que tudo quanto
pedires a Deus, Deus to concederá. Respondeu-lhe Jesus: Teu irmão há de ressurgir.
Disse-lhe Marta: Sei que ele há de ressurgir na ressurreição, no último dia. Declarou-
lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto,
viverá; e todo aquele que vive, e crê em mim, jamais morrerá. Crês nisto? Respondeu-lhe
Marta: Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao
mundo” (cf. João 11:17-27)

Muitas coisas podemos considerar a partir deste relato. Em primeiro lugar, quando Jesus
consolava as irmãs de Lázaro (já morto), em nada indicou que este estivesse na “glória” ou
contemplando a face de Deus, mas apenas lhes dá a esperança da ressurreição (cf.
Jo.11:17-27). Ele aponta a ressurreição “no último dia” como única fonte de consolação.

Se Lázaro já estivesse na “glória”, então Jesus iria aproveitar tal oportunidade a fim de
ressaltar que era sem sentido o pranto por ele, uma vez que já estaria em um lugar
muitíssimo melhor, e seria muito mais desvantajoso para ele (Lázaro) ter que voltar para
esta presente terra cheia de perdição. Em outras palavras, seria melhor para Lázaro tê -lo
deixado onde ele estava! Mas Cristo não somente o ressuscita como também usa como
fonte de consolação a base na ressurreição do último dia.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 212


Em momento nenhum ele chega a induzir que Lázaro já estivesse desfrutando de alguma
bem-aventurança paradisíaca, e se tal fato fosse verdade então ele mencionaria às irmãs
dele sem a menor hesitação, uma vez que estavam não só elas, mas todos os outros, aflitos
de espírito e chorando pela sua morte.

Contudo, não somente Cristo usa como a única base de consolação a esperança da
ressurreição, como também Marta reage às palavras dEle nessa mesma base, confirmando
sua esperança na ressurreição. De acordo com o texto, Jesus consolou a irmã de Lázaro
dizendo que este iria “ressurgir”. Marta sabia disso, mas sabia também que ele só iria
ressurgir na ressurreição do último dia. Este fato é muito importante, pois mostra que
Marta acreditava que Lázaro só voltasse à vida através da rea lidade da ressurreição, que se
dá somente no último dia, o dia da volta de Cristo (cf. 1Co.15:22,23).

Marta certamente que não estava falando apenas de um simples corpo morto que voltaria a
vida, pelo contrário, referia-se ao próprio Lázaro como pessoa, como ser racional. Marta
acreditava realmente que seu irmão estava literalmente morto, e chorava, pois acreditava
que só ressurgiria na ressurreição do último dia. Um pouco mais de raciocínio e saberíamos
o porquê que a esperança de Marta era na ressurreiç ão do último dia: porque era somente
neste momento em que ela (Marta) voltaria a encontrá-lo (Lázaro).

O momento em que ambos seriam reapresentados e poderiam exultar-se de alegria e


satisfação não seria quando Marta também morresse e a sua alma se encontrasse com
Lázaro; pelo contrário, tal reencontro só se daria na ressurreição do último dia, pois é
somente neste momento em que Lázaro voltaria à vida e Marta (que certamente também
passaria pela morte) também, e ambos seriam apresentados. Isso explica a esperança de
Marta em voltar a vê-lo na ressurreição do último dia, o que também foi a única fonte de
consolação dada a ela.

Cristo não contradiz essa concepção de Marta, muito pelo contrário, concorda com ela, e por
fim diz: “...quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (v.25). Cristo não disse
“...ainda que morra, vive...”, pelo contrário, afirmou: “ainda que esteja morto, viverá”. Do
princípio ao fim, Jesus nega qualquer existência de um estado intermediário consciente em
que Lázaro estivesse vivo, pois se este fosse o caso então Ele teria dito que “ainda que
esteja morto... vive”, o que indicaria o estado consciente (de vida) do ser racional na
morte. O Mestre, contudo, nega este estado, pois afirma que tal vida não é algo presente,
mas sim um acontecimento futuro: “ainda que morra... viverá” – verbo no futuro,
indicando a esperança da ressurreição no último dia como único meio d e alguma pessoa
voltar à existência.

O ensinamento é que quem nele crer “viverá eternamente” (cf. Jo.6:58), e não “vive...
eternamente”. A posse da eternidade é um acontecimento futuro, e não algo já presente –
ainda que morra, viverá! Alguns ainda objetam dizendo que no verso seguinte ele diz que
nós não morremos nunca, como algumas versões erroneamente traduzem: “todo aquele
que vive, e crê em mim, jamais morrerá. Crês nisto?” (v.26). Contudo, esta tradução segue
novamente as tendências dualistas dos tradutores, e não o original grego. O texto original
traz: “ou mh apoqanh eiV ton aiwna" – não morrerá eternamente.

Como vemos, no verso 25 Jesus falava do estado atual dos mortos negando que estes
estivessem com vida e indicando que a posse da vida aos mortos é um acontecimento

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 213


futuro, e no verso seguinte (v.26) ele falava da morte eterna [segunda morte] na qual os
justos não passarão, mas somente aqueles que não forem encontrados no livro da vida no
dia do Juízo, na segunda vinda de Cristo (cf. 2Tm.4:1). Algumas versões traduzem este
texto corretamente de acordo com o original grego, como é o caso da NVI e da ARA.

Tal passagem é, portanto, um golpe de morte na doutrina do estado intermediário


consciente dos mortos. Todos passaremos pelo estado de morte (i.e, sem vida) entre a
morte e a ressurreição, mas apenas os ímpios sofrerão também a morte eterna [segunda
morte] em contraste com os justos que terão a vida eterna. É exatamente isso que Cristo
descreve nos versos de João 11:25,26, sem fazer nenhuma indicação de estado consciente
dos mortos, mas, ao contrário, dizendo que apenas no futuro os que já morreram
desfrutarão de vida.

Além de tudo isso, devemos lembrar também que o texto absolutamente não fala de lugar
nenhum em que Lázaro tivesse passado pelos quatro dias em que esteve morto. Cristo não
disse: “Lázaro, sobe”, ou então: “Lázaro, desce”; pelo contrário, disse simplesmente:
“Lázaro, sai para fora” (cf. Jo.11:43). O ser racional de Lázaro estava na sepultura, e não
no alto (Céu) ou embaixo (inferno).

Como os próprios imortalistas atestam que o processo de pensamento é ligado a alma e


como função desta, sendo o próprio ser racional de Lázaro, é imprescindível que Jesus se
dirigisse a este ser racional (alma) com o grito de “Lázaro, desce!” – se estivesse no Sheol
ou no inferno – ou então: “Lázaro, sobe!” – se estivesse com Deus no Céu. Contudo, vemos
que o ser racional não estava em outro lugar senão na própria sepultura.

Se Lázaro tivesse alguma “experiência sobrenatural” nos quatro dias em que esteve morto,
João certamente iria narrar tal fato sem hesitação alguma. Afinal, seria tema
importantíssimo e de maior interesse. Contudo, Lázaro nenhuma informação trouxe da sua
suposta passagem pela glória celestial; aliás, nem ele e nem qualquer das outras sete
pessoas que foram levantadas dentre os mortos (cf. 1Rs.17:7-24; 2Rs.4:25-37; Lc.7:11-
15; 8:41-56; At.9:36-41; 20:9-11) tiveram qualquer experiência entre a morte e a
ressurreição para compartilhar conosco.

Isso seria de importância fundamental para calar alguns grupos daquela sociedade judaica,
como os saduceus, que não acreditavam em nada após a morte nem em ressurreição.
Contudo, nem eles tiveram história nenhuma para contar, nem qualquer escritor bíblico fez
questão relatar tal suposição. Isso não é meramente um “argumento do silêncio” como
argumentam alguns. Mas, mesmo que assim fosse, o bom senso nos leva a acreditar que
qualquer experiência fora do corpo entre a morte e a ressurreição seria narrada por quem
tivesse passado por tal fato.

Uma prova muito forte disso são as várias pessoas que entraram em estado de “quase -
morte”, e o cérebro criou imagens de “paraísos” ou do “inferno”, sem, contudo, as pessoas
haverem falecido de fato. Todas elas narram tais acontecimentos sem a menor hesitação, e
não somente isso, mas tal fato é o primeiro a ser mencionado por elas. Na Bíblia Sag rada,
contudo, absolutamente nada disso acontece. As pessoas que literalmente morreram (não
ficaram apenas em estado de “quase-morte”) não tiveram nada e história nenhuma para
relatar.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 214


A razão pela qual Lázaro e as outras sete pessoas levantadas dentre o s mortos não tiveram
nada para contar é que elas passaram pelo “sono da morte”, assim como todas as pessoas
passam, até Cristo Jesus nos trazer de volta a vida, como ele prometeu: “Eis que virá a
hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz, e os justos sairão para a
ressurreição da vida; e os maus para a ressurreição da condenação” (cf. Jo.5:28,29).

Os que pregam a teoria do “estado intermediário” com as nossas “almas imortais” encaram
uma grande confusão: ou Cristo retirou Lázaro do conforto no Paraíso (no “Seio de
Abraão”), para trazer de volta a este mundo que jaz no maligno - cometendo assim uma
maldade para com Lázaro -, ou então teria retirado Lázaro do inferno (algo muito
improvável, pois era um seguidor do Mestre que Lhe amava), mas teria sido assim
antibíblico, concedendo-lhe uma segunda oportunidade de salvação. Não, Jesus não tirou
Lázaro do Paraíso à força para trazer de volta para este mundo (o que, aliás, faria Lázaro
ter ficado revoltadíssimo!).

O que os imortalistas imaginam Deus dizendo, jamais aconteceu: “’Lázaro, você já está aqui
há quatro dias, mas agora você vai ter que voltar, porque o meu Filho está te
ressuscitando!’ ‘Mas Deus, eu quero ficar aqui’! ‘Vai nada, Lázaro, você vai embora...!’” É
óbvio que esse absurdo jamais aconteceu, o que realmente aconteceu é o que Jesus disse
em João 11:11 – “Assim falou; e depois disse-lhes: Lázaro, o nosso amigo, dorme,
mas vou despertá-lo do seu sono”. Como acertadamente apontou o professor Gilson
Medeiros, seria um absurdo olhar o relato da ressurreição de Lázaro segundo a ótica
dualista de imortalidade da alma:

“Se já recebemos a recompensa logo por ocasião da morte, como querem os infernistas,
como será que Lázaro, irmão de Marta e Maria, deve ter se sentido depois que Jesus o
ressuscitou? Segundo a heresia pregada nas igrejas cristãs, ele foi chamado de volta para
este mundo de pecado e sujeiras depois de ter experimentado 4 dias de ‘glória’ no Céu.
Perceberam o absurdo de se crer no paganismo grego?! Prefiro ficar com a Bíblia!” 1 0 8

Conclusão – Concluímos, pois, que Jesus em momento algum pregou a doutrina da


imortalidade da alma. Pelo contrário, muitas passagens foram distorcidas por parte dos
dualistas, mas todas elas não passam por um teste de fogo bíblico, em poucas linhas são
facilmente refutadas. Uma doutrina que apresenta como principal fundamento os meios de
uma parábola não pode ser alvo de muita confiança.

Na verdade, não merece nem um mínimo de confiança. Nosso Senhor assegurou aos
apóstolos que para onde ele iria, eles não poderiam ir (cf. Jo.13;33). Contudo, apresenta -
lhes a esperança de que chegaria o dia em que ele voltaria para lhes tomar consigo, para
que onde ele estaria, lá estivessem eles também (cf. Jo.14:2,3). A necessidade da
ressurreição traduz-se em dar a vida a quem está sem vida, e não a um simples fato de
um espírito sem corpo ganhar um e continuar no Céu do mesmo jeito.

Tal fato é assegurado pelas palavras de Cristo de que entrariam na vida a partir a
ressurreição (cf. Jo.5:28,29), que a alma não vai diretamente para a vida eterna mas é
preservada até este momento em que entraria na vida [através da ressurreição] (cf.

108 MEDEIROS, Gilson. Jesus falou mais sobre o inferno do que sobre o Céu. Será? Disponível em:
<http://prgilsonmedeiros.blogspot.com.br/2009/07/cuidado-com-o-fogo-do-inferno.html>. Acesso em:
22/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 215
Jo.12:25), que a condição de ter vida é de segui-Lo (cf. 2Tm.1:10; Jo.6:51; Jo.6:57), da
realidade de que só a partir dessa ressurreição é que os justos se separarão dos ímpios (cf.
Mt.25:31,32), para só aí entrarem no celeiro, fato que se dará no fim do mundo (cf.
Mt.13:39), e de igual modo os ímpios só serão queimados na consumação deste mundo (cf.
Mt.13:40), na consumação dos séculos (cf. Mt.13:47-50).

Os justos entrarão no Reino não quando eles morressem e as suas almas imortais partissem
para o Céu, mas sim quando o “Filho do homem vier na sua glória e todos os anjos com ele”
(cf. Mt.25:31-34), pois é somente neste momento em que os justos recebem o Reino que
lhes fora prometido desde a fundação do mundo (cf. Mt.25:34).

Tudo isso prova que não há separação de corpo e alma por ocasião da morte c om destinos
diferentes a justos e ímpios, estabelecidos definitivamente em seus destinos finais por toda
eternidade logo após o momento da morte, através de uma alma imortal sendo liberta da
prisão do corpo. Corpo e alma não são opostos. A esperança do cristão é a de que “ainda
que morra, viverá” (cf. Jo.11:25), e não a de que “ainda que morra, vive”!

Seria excelente se todas as pessoas viessem a refletir sinceramente sobre o tema, e


deixassem de crer na mentira de Satanás (cf. Gn.3:4), para crerem que “virá a hora em que
todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz, e os justos sairão para a ressurreição
da vida; e os maus para a ressurreição da condenação” (Jesus Cristo, em João 5:28,29).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 216


CAPÍTULO 5.3 – OS APÓSTOLOS PREGAVAM A IMORTALIDADE DA ALMA?

XIV–Atos dos Apóstolos

“Ao contrário, tinham alguns pontos de divergência com ele acerca de sua própria religião e
de um certo Jesus, já morto, o qual Paulo insiste que está vivo” (cf. Atos 25:19)

Para descobrirmos se a Igreja primitiva adotava a doutrina da imortalidade da alma, temos


o testemunho ocular de uma pessoa que conviveu com os primeiros apóstolos, um médico
que contou a história dos primeiros anos do Evangelho: Lucas. Quando o sincronismo com
as religiões pagãs ainda não havia penetrado nos moldes do Cristianismo e a doutrina que
era pregada vinha diretamente daqueles que eram testemunhas oculares do Messias, que
conviveram com ele e estavam com ele, sendo deixados aqui com a missão de pregar o
evangelho a toda criatura (cf. Mc.16:15), a doutrina da imortalidade era deixada das portas
para fora da Igreja.

Como iremos ver ao longo da evidência de Atos, a pregação era totalmente voltada para a
ressurreição dentre os mortos, não só de Cristo, mas de todos os cristãos po r ocasião da
Sua Volta. A pregação era o Cristo que, mesmo morto, ainda vive, e vive para todo o
sempre. E aos demais estaria valendo essa mesma lógica? Certamente que não. A primeira
evidência que veremos é a de Davi.

Davi morto, Jesus vivo – A primeira forte evidência que veremos é a que Pedro se refere a
Davi, fazendo um contraste com Jesus Cristo. O que Pedro nos revela em Atos 2:34
certamente que não é aquilo que a maioria dos imortalistas imaginam:

“Porque Davi não subiu aos céus, mas ele próprio declara: Disse o Senhor ao meu
Senhor: Assenta-te à minha direita” (cf. Atos 2:34)

A clareza da linguagem é indiscutível: Pedro estava dizendo que Davi não havia subido aos
céus. Os imortalistas geralmente objetam a essa passagem alegando que o corpo de Davi
não havia subido ao Céu, mas a alma dele havia subido. Isso, contudo, carece de
confirmação bíblica.

Em primeiro lugar, Pedro jamais poderia ter dito que Davi não havia subido ao Céu
corporalmente, mas já havia subido em espírito, porque is so levaria a confundir uma
enormidade de pessoas que estavam acompanhando o discurso. Devemos lembrar que o
apóstolo estava pregando para nada a mais nada a menos que três mil pessoas, que, além
disso, eram descrentes ouvindo a pregação do Evangelho. A maioria poderia ser pessoas
humildes, que não teriam a tamanha “habilidade” que os imortalistas têm de discernir que a
alma subiu, mas o corpo não.

Certamente que eles iriam pensar como o texto parece indicar clarame nte: que Davi (a
pessoa de Davi, e não "uma parte" dele) não havia passado pelo Céu. E isso já seria o
suficiente para negarem o evangelho com o pretexto de heresia por não terem entendido
direito o que Pedro estava tentando dizer nesta passagem. As pessoas que ouviam viva -voz
a pregação de Pedro iriam pensar realmente que Davi não havia subido aos céus, e não
fazer malabarismos mentais para negarem este fato.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 217


Em segundo lugar, o próprio Pedro jamais iria querer confundir a multidão. Se Davi
estivesse já no Céu ele não diria que ele não estava e ainda omitiria explicações! O apóstolo
na iria “confundir” a multidão de tal maneira a induzir que apenas um corpo morto não
havia subido, mas que a “alma imortal” já estivesse lá. Se tal caso procedesse, certamente
que Pedro faria uma distinção, explicando que Davi não havia subido apenas corporalmente,
e explicando que a alma já havia subido para não confundir o pessoal.

Em terceiro lugar, isso é ferir o texto bíblico, que omite completamente que Davi tenha
subido em forma incorpórea. O texto só diz que ele não subiu. Dizer que Davi subiu sem
um corpo é colocar na boca de Pedro aquilo que ele jamais afirmou e ir absolutamente
“além daquilo que está escrito” (cf. 1Co.4:6).

Em quarto lugar, se a passagem deve ser interpretada conforme essa opinião, então
deveríamos entender que o escritor de Atos (Lucas) deixou entender errado. O jeito certo
seria: “Porque Davi não subiu corporalmente aos céus...”. Tal declaração seria a mais
lógica e se Lucas tivesse a intenção de dar a frase tal sentido ele teria essa opção pronta, a
mão, que poderia ser perfeitamente utilizada. Mas é óbvio que o texto não diz isso, o que o
texto realmente diz é: “Porque Davi não subiu aos céus, mas ele próprio declara...”. Lucas
era um escritor bem inteligente para deixar passar batido tão tremenda confusão aos seus
leitores. Qualquer imortalista daria uma ênfase ao fato de que Davi não subiu aos céus
corporalmente apenas, se esse fosse o caso. Mas em nada o texto nos indica isso. O ser
racional de Davi (geralmente associado à alma ou ao ser pensante) não havia subido aos
céus.

Em quinto lugar, conforme veremos mais adiante, o contexto da passagem não confirma tal
ideia. O contexto faz uma antítese com Cristo, que está vivo e já subiu ao Céu. Se Davi
também tivesse subido ao Céu, essa analogia seria nula e sem sentido. E, em sexto, a
referência faz alusão a pessoa de Davi, ao Davi como indivíduo. Não como um Davi
separado, “cortado pela metade”, mas ao Davi integral, como pessoa. Quando falamos de
indivíduos, tratamos da pessoa integral que não subiu aos céus. Davi não teve um corpo
que morreu e uma alma que subiu ao Céu. Davi, como pessoa, não havia subido aos céus.

Outra “explicação” que já fora levantada para essa passagem é que os mortos estariam no
“Paraíso” e não no “Céu”, e, por isso, Davi não subiu para o Céu (sim, eu já ouvi essa
“explicação”!). Essa última objeção é a mais absurda de todas por dois principais motiv os. O
primeiro, segundo e terceiro Céu incluem todas as dimensões existentes de vida humana ou
espiritual. Pedro não disse que Davi não subiu somente ao “primeiro ou segundo céu”, pelo
contrário, relata que Davi não subiu aos Céus, no plural, ou seja, Davi não subiu para
lugar nenhum! O Paraíso, portanto, localiza-se no “terceiro Céu”, que inclui todas as
dimensões espirituais, no qual Davi também não subiu. Logo, tal objeção é inválida e não
ajuda em nada para “melhorar” as coisas.

Em segundo lugar, para confirmar o fato de que o Paraíso é o t erceiro Céu, o apóstolo Paulo
escreve: “Conheço um homem em Cristo que há catorze anos foi arrebatado ao terceiro céu
[...] foi arrebatado ao paraíso e ouviu coisas indizíveis, coisas que ao homem não é
permitido falar” (cf. 2Co.12:2,4). Aqui vemos claramente o paralelismo de Paulo em afirmar
primeiramente que foi arrebatado ao terceiro Céu e, em seguida, confirmar que este local é
o Paraíso. E Davi não subiu a nenhum dos Céus (nem ao terceiro). Portanto, não restam

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 218


objeções contra o fato de que verdadeiramente Davi não subiu para lugar nenhum – nem
para o primeiro, nem para o segundo e nem para o terceiro céu, que é o Paraíso.

O Contexto

Este mesmo texto de Atos que diz que Davi não subiu aos céus faz um paralelo entre Davi e
Cristo, dizendo que este último não está morto que nem Davi, mas vivo , e já subiu aos céus
(cf. At.1:3; At.2:33), como podemos observar claramente inclusive no verso anterior, com
respeito a Cristo: “Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo rec ebido do Pai a promessa do
Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis” (cf. At.2:33).

Enquanto Davi, em contraste, o texto diz que: “Irmãos, seja-me permitido dizer-vos
claramente a respeito do patriarca Davi, que ele morreu e foi sepultado e o seu túmulo
permanece entre nós até hoje” (At.2:29). Mas por que o autor iria fazer uma declaração tão
óbvia como essa? Certamente que ele estava acentuando uma antítese: Davi está morto,
mas Jesus está vivo.

O seguinte quadro ajuda a elucidar o contraste feit o por Pedro:

CONTRASTE ENTRE JESUS E DAVI


JESUS CRISTO DAVI
Já subiu aos Céus – At.2:33 Não subiu aos Céus – At.2:34
Está com Deus (Pai) – At.2:33 Está na sepultura – At.2:29
Está vivo – At.1:3; ; 2:31; 2:33 Está morto e o seu túmulo se encontra entre
nós até hoje – At.2:29

O contraste entre Cristo e Davi é evidente no discurso de Pedro e qualquer bom analisador
bíblico consegue discernir a devida antítese entre um e outro em seu discurso. O bom
senso, a lógica, o contexto e a antítese clara são fortes evidências de que não existe a
imortalidade da alma, e não somente isso, mas elimina a possibilidade de haver um “estado
intermediário” nos Céus, pois nem sequer Davi (homem que era segundo o coração de Deus
– ver Atos 13:22) poderia ser achado por lá.

O Original Grego

Além de tudo isso que já vimos até aqui provando que, de fato, Davi não subiu de forma
alguma para os céus, outro fato de importância fundamental a ser mencionado é que, no
original grego, a palavra utilizada para “não subiu aos céus” é “ou”, que, de acordo com a
Concordância de Strong1 0 9 , é um negativo absoluto, geralmente usado em perguntas
diretas que se esperam uma resposta afirmativa. Ela difere da palavra grega geralmente
utilizada para "não", que é "mê", porque passa claramente a ideia de uma negação
absoluta, como um "nunca", e não de uma negação parcial. Por essa mesma razão a
tradução de Knox verteu o texto por: "Davi nunca subiu aos céus...".

A utilização do "ou" em contraste com o "não" comum (mê) refuta duas teses imortalistas
quanto a este texto. A primeira, que já vimos, é a de que uma parte de Davi subiu (a alma),
e outra não subiu (o corpo). A negação absoluta abrange o todo de Davi e não apenas uma
parte dele. É como se o texto estivesse dizendo: "absolutamente Davi não subiu aos céus",
ou seja, em termos absolutos.

109 Léxico da Concordância de Strong, 3756.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 219
E a segunda é a tese de que Davi não havia subido naquele momento em que ele escrevia o
verso, mas que já estivesse no Paraíso quando Pedro discursava, o que também é refutado
pelo sentido da frase, de que Davi nunca subiu aos céus. O texto não diz que Davi "não
havia (no passado) subido aos céus", passando a ideia de que ele poderia ter subido depois,
mas expressa uma negativa absoluta, que não abrange apenas o tempo passado com
possibilidade de alteração no presente, mas algo que nunca aconteceu, um "não" em
termos absolutos, no sentido completo da palavra. Desta forma, o texto inegavelmente põe
a imortalidade da alma das portas para fora da Igreja primitiva, e isso diante de uma
multidão de mais de três mil pessoas.

A insistência de Paulo: Jesus está vivo! – Uma prova muito forte de que todos os que
morreram estão literalmente mortos, e não “vivos em outro mundo”, é a insistência de
Paulo na presença do rei Agripa em provar que Jesus Cristo, mesmo morto, está vivo. É dito
para esse rei: “Ao contrário, tinham alguns pontos de divergência com ele acerca de sua
própria religião e de um certo Jesus, já morto, o qual Paulo insiste que está vivo” (cf.
At.25:19). Ponderamos: qual seria a razão da insistência de Paulo em provar que Jesus,
mesmo morto, ainda vive?

Simplesmente pelo fato de que os outros que morreram não estão vivos. É por isso que
Paulo tanto insistia para provar que Jesus, mesmo morto, ainda vive. Se todas as pessoas
ao morrerem fossem diretamente ao Céu ou ao inferno, vivas em algum lugar, será que
Paulo precisaria insistir com eles para provar que Jesus está vivo? Absolutamente que não!
Não seria nem necessário provar, já que todos os mortos já est ariam vivos em algum lugar!

Sendo que todos os mortos estariam, na teologia imortalista, vivos em algum lugar (e não
somente Jesus) seria inútil Paulo ter que insistir que alguém que já morreu está vivo. Ou se
a única coisa que Paulo queria provar era que Jesus ressuscitou, então Lucas (escritor de
Atos) indiscutivelmente deveria ter relatado que foi a ressurreição que Paulo queria provar –
e não que Cristo estava (naquele momento) vivo, em detrimento dos demais.

Note que o texto não diz que o espanto do rei Agripa foi apenas por Jesus ter ressuscitado,
mas por alguém que já morreu estar com vida. Ele não diz simplesmente: "o qual Paulo
insiste que ressuscitou", mas sim: "o qual Paulo insiste que está vivo". Se a imortalidade da
alma fosse a crença dos primeiros apóstolos na Igreja primitiva, então Paulo
definitivamente não teria que reiterar a sua posição de que Jesus está vivo, até porque
todos os mortos já estariam vivos! E, se é somente por meio da ressurreição que alguém
que já morreu ganha vida, então a imortalidade da alma é ainda mais claramente negada.

Se Paulo teve que insistir com eles para provar que Jesus está vivo, então evidentemente é
porque os outros em geral estão realmente mortos – não estão vivos em estado
“desencarnado”. Essa passagem não faz lógica nenhuma na teologia dos imortalistas: todos
os mortos estariam vivos mesmo! O motivo pelo qual Paulo tinha que insistir com eles para
provar que Jesus, mesmo morto, está vivo, vem pelo fato evidente de que os outros em
geral estão, realmente, mortos. Novamente o contraste: Cristo, mesmo morto, aind a vive,
ao contrário dos demais mortos.

Imagine, por exemplo, na trágica queda do World Trade Center, em 11 de Setembro de


2001, se eu dissesse a você que houve um sobrevivente que caiu de um dos últimos

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 220


andares, mas estava vivo. Certamente que poucas pessoas acreditariam logo de cara: eu
teria que insistir com você para provar que realmente houve um sobrevivente, que se
salvou em meio à tragédia.

Agora, imagine que no dia 11 de Setembro não houv e atentado algum. Os prédios não
foram atingidos por nenhum avião, não houve explosões e ele permaneceu intacto, perfeito,
sem nenhum arranhão. Eu teria que insistir com você para que acreditasse que existia
alguma pessoa viva naquele prédio? É claro não! Isso seria óbvio, pois logicamente todas as
pessoas estariam vivas!

Qualquer pessoa que faça uso de um raciocínio lógico percebe o motivo óbvio e evidente
pelo qual Paulo dizia que Jesus, mesmo morto, ainda vive: porque os outros que morreram
realmente não estavam vivos. A verdade é que Paulo teve que insistir que Jesus ainda vive
porque os outros mortos em geral estão, realmente, mortos – sem vida. Poderíamos
resumir o argumento da seguinte maneira:

(1) Paulo precisou afirmar na presença do rei Agripa a sua convicção de que Cristo mesmo
morto está vivo.

(2) Se todos os mortos estivessem vivos, então não seria preciso insistir para provar que
algum morto está vivo, pois isso seria algo óbvio e qualquer que já morresse estaria vivo
em algum lugar de qualquer jeito, através de uma alma imortal que sobrevive à morte.

(3) Logo, o bom senso nos diz que os que já morreram estão literalmente mortos (i.e, sem
vida), o que explica o porquê de Paulo ter que insistir em provar que Cristo está vivo.

Paulo contra os imortalistas – “Quando ouviram sobre a ressurreição dos mortos, alguns
deles zombaram, e outros disseram: 'A esse respeito nós o ouviremos uma outra vez'” (cf.
At.17:32). Paulo foi a Atenas, pregar o Evangelho no coração da crença da imortalidade da
alma. O contexto mostra que Paulo estava ensinando sobre o Deus vivo, o “Deus
desconhecido” dos gregos (v.23). Até este momento, eles o ouviam atentamente. Isso ,
contudo, durou apenas até o devido instante em que Paulo declarou uma verdade cristã,
mas contrária aos ensinamentos pagãos, dizendo uma coisa que fez co m que os atenienses
zombassem dele e parassem de escutá-lo: A Ressurreição dos Mortos.

O que acontece, e mais chama a atenção, é o motivo pelo qual eles rejeitaram a doutrina de
Paulo: porque eles acreditavam na imortalidade da alma. Aí está a chave de todos os
problemas. Paulo pregava a ressurreição, os atenienses pregavam a imortalidade. Enquanto
a esperança cristã primitiva era de alcançar superior ressurreição no último dia, a esperança
dos gregos era de ver a “alma imortal” deixando o corpo depois da morte. Obviamente eles
não puderam aceitar o ensinamento de Paulo, e zombaram dele.

O evangelho que Paulo pregava era totalmente diferente daquilo que os gregos acreditav am
sobre a vida pós-morte, a ideia de imortalidade incondicional e inerente, também enraizada
no catolicismo e em muitas igrejas protestantes. Foi, aliás, da filosofia grega secular que o
conceito antibíblico de imortalidade da alma entrou nas raízes do Cristianismo. Imortalidade
da alma e ressurreição dos mortos são dois opostos. Nesse caso, Paulo sofreu o maior
embate de ideias que persiste até os dias de hoje: Imortalidade da Alma x Ressurreição
dos Mortos.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 221


A Ressurreição dos Mortos: O Foco da Igreja – Contando apenas o livro de Atos dos
Apóstolos (sem levar em conta as epíst olas pastorais), são feitas mais de 25 exposições da
palavra “ressurreição” e seus derivados. Por que a Igreja primitiva focava tanto na
ressurreição dentre os mortos? Veja, por exemplo, o que o apóstolo Paulo disse em Atos
26:6-8:

“Agora, estou sendo julgado por causa da minha esperança no que Deus prometeu aos
nossos antepassados. Esta é a promessa que as nossa doze tribos esperam que se cumpra,
cultuando a Deus com fervor, dia e noite. É por causa dessa esperança, ó rei, que estou
sendo acusado pelos judeus. Por que os senhores acham impossível que Deus
ressuscite os mortos?” (cf. Atos 26:6-8)

É exatamente isso. A esperança de Paulo era focada no dia em que todas as pessoas hão de
ressuscitar dentre os mortos. “Por que os senhores acham impossível que Deus ressuscite
os mortos?” Se existisse uma “imortalidade da alma”, um elemento que está preso dentro
do nosso corpo, liberto por ocasião da morte, todos os mortos justos já estariam no Céu
(como é pregado pelos imortalistas) e o foco na esperança da ressurreição de um simples
corpo morto seria totalmente sem sentido, a esperança seria em uma “alma imortal” que se
libertaria do corpo rumo ao Paraíso.

Uma vez que todos já estivessem no Céu naquele momento, não haveria um motivo lógico
para acharem impossível que Deus ressuscite os mortos, e o foco da esperança não seria de
uma ressurreição de um simples corpo morto que já virou pó, mas sim de uma alma imortal
que deixa o corpo por ocasião da morte. Não seria estranho que, no livro da História da
Igreja, houvesse dezenas e dezenas de menções da “ressurreição dos mortos”, mas
nenhuma (absolutamente nenhuma mesmo) falando de “imortalidade da alma”, ou de
“estado intermediário”?

Afinal, se essa doutrina de “imortalidade da alma” fosse realmente uma realidade entre os
primeiros cristãos, seria completamente imprescindível que os apóstolos fizessem várias
menções a ela, ainda mais quando vemos eles fazendo dezenas de menções claras sobre a
ressurreição dos mortos no último dia. Adicione então a isso todas as cartas apostólicas que
também não mencionam nada de “alma imortal”, mas continuam falando em outras
centenas de vezes sobre a ressurreição, e você verá o resultado.

A pregação dos primeiros apóstolos e da Igreja primitiva era sempre focada na esperança
da ressurreição dentre os mortos. Essa doutrina, como já vimos anteriormente, não
combina em absolutamente nada com a imortalidade da alma. Isso porque não faz sentido
nenhum focar na ressurreição dos mortos se todos ao morrerem vão direto para o Céu ou
para o inferno e o fato da ressurreição é quase insignificante já que eles já estariam lá! É
por isso que nas nossas igrejas de hoje pregações sobre a ressurreição dos mortos
praticamente inexistem.

Pregações sobre a “ressurreição dos mortos” praticamente não existem porque a doutrina
pagã de imortalidade da alma sobrepõe grandemente a realidade da ressurreição. A
ressurreição dentre os mortos virou apenas uma ressurreição de um corpo morto, que na
maioria dos casos já virou pó. A única coisa que muda é que os “espíritos desincorporados”
acabam “ganhando novamente um corpo”.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 222


Por este motivo, torna-se ilógica pregações sobre a simples ressurreição de um mero corpo
morto: a realidade dentro da maioria das igrejas cristãs é de imortalidade da alma, e não de
ressurreição dos mortos! Pregações sobre os que “estão na glória” são mais do que comuns,
mesmo não se importando com o fato dos apóstolos jamais falarem tal coisa. A ressurreição
perdeu o seu sentido. Ficou “fora de moda”.

Isso é bem diferente daquela esperança, que os primeiros cristãos sustentavam dentro de si
mesmos com todas as forças: A Esperança da Ressurreição dentre os Mortos. Uma vez
que os mortos em geral estão literalmente mortos, só ressuscitando no último dia, t orna-se
comum pregações focadas sobre a esperança de ressurgir dentre os mortos no último dia e
torna-se lógica frases como: “Por que os senhores acham impossível que Deus ressuscite os
mortos?”

Respondendo a pergunta do início, por que os apóstolos focav am tanto na ressurreição


dentre os mortos sem dar nenhuma pista de “imortalidade”? Porque pessoas morriam, e
pessoas eram vivificadas. Eis a raiz da questão: a ressurreição é para a pessoa integral, e
não para um simples corpo morto que já virou pó que se une à sua “alma imortal” que lhe
espera lá em cima.

Aí vermos tanto foco da Igreja primitiva e dos primeiros apóstolos na ressurreição e nada
de “imortalidade”, em contraste com as igrejas dos dias de hoje, em que as pregações
sobre a ressurreição desapareceram pelo simples fato de que perderam o sentido diante da
imortalidade da alma. Voltemos ao evangelho puro e sincero. Voltemos ao foco da
ressurreição dentre os mortos.

A verdade é que imortalidade da alma e ressurreição são dois opostos, e a primeira anula a
segunda e torna a ressurreição algo completamente desnecessário. Para que “ressurreição”
se sem ela nós ficaríamos no Céu eternamente do mesmo jeito? De modo nenhum que a
esperança viva dos primeiros apóstolos seria totalmente voltada à ressurreição. A doutrina
da imortalidade da alma diminui completamente o sentido e o valor do que a ressurreição
representa no Cristianismo.

É de se espantar o fato de os apóstolos darem tanta importância à ressurreição, ao ponto


de dizerem que era essa a única esperança deles (cf. At.23:6; 24:5; 26:6-8), se ela se
resume simplesmente a isso: na prática... nada. Já estaríamos no Céu. Já estaríamos na
presença de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Então, pra que serve, na prática, uma
ressurreição? Seria um mero "religar entre o corpo e a alma", como dizem os imortalistas?
Não, em toda a Bíblia não há qualquer citação de um “religar” entre corpo e alma na
ressurreição.

Você irá folhear a Bíblia inteira e nunca verá alguém colocando a sua esperança no fato da
alma ser imortal. Mas, em lugar disso, irá olhar mais à frente, até contemplar aquela
mesma esperança tão admiravelmente crida e desejada pelos apóstolos:

“Não só isso, mas nós mesmos, que temos os primeiros frutos do Espírito, gememos
interiormente, esperando ansiosamente nossa adoção como filhos, a redenção do nosso
corpo. Pois nessa esperança fomos salvos” (cf. Romanos 8:23-24)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 223


“Agora, estou sendo julgado por causa da minha esperança no que Deus prometeu aos
nossos antepassados. Esta é a promessa que as nossas doze tribos esperam que se cumpra,
cultuando a Deus com fervor, dia e noite. É por causa desta esperança, ó rei, que estou
sendo acusado pelos judeus. Por que os senhores acham impossível que Deus ressuscite
os mortos?” (cf. Atos 26:6-8)

"E tenho em Deus a mesma esperança desses homens: de que haverá ressurreição
tanto de justos como de injustos" (cf. Atos 24:15)

“Irmãos, sou fariseu, filho de fariseu. Estou sendo julgado por causa da minha esperança
na ressurreição dos mortos!” (cf. Atos 23:6)

A palavra “esperança” aparece nove vezes no livro de Atos. Em seis delas é para se referir
a esperança de ressuscitar dentre os mortos (2/3 das ocasiões). Como seria bom ver a
Igreja voltar ao foco primitivo, onde a esperança não estava numa imortalidade da alma,
mas em estar com Cristo através da ressurreição dentre os mortos, a nossa esperança.

Não existe vida antes da ressurreição – Finalmente, devemos ver a afirmação que Paulo faz
em Atos: “O fato de que Deus o ressuscitou dos mortos, para que nunca entrasse em
decomposição, é declarado nestas palavras: ‘Eu lhes dou as santas e fieis bênçãos
prometidas a Davi’. Assim ele diz noutra passagem: ‘Não permitirás que o teu Santo sofra
decomposição’” (cf. At.13:34,35). Vamos por partes. O verso 35 nos faz explicitamente
pensarmos na ressurreição, pois ele não sofreria decomposição no túmulo. Mas e o verso
34? Será que Paulo citou um verso do AT de maneira errada? O que ele tem a ver com a
ressurreição? Vejamos novamente o verso 34:

“O fato de que Deus o ressuscitou dos mortos, para que nunca entrasse em decomposição,
é declarado nestas palavras: ‘Eu lhes dou as santas e fiéis bênçãos prometidas a Davi’”
(v.34)

Quais são as santas e fieis bênçãos que foram prometidas a Davi, e que se cumpriram em
Cristo? A de exercer um reinado perpétuo (cf. 1Rs.9:5). Cristo não poderia exercer tal
reinado perpétuo enquanto morto, pois, como vimos, não existe vida consciente entre a
morte e a ressurreição. Por isso, para tomar posse dessa promessa feita a Davi ele deveria
passar por uma ressurreição. Quando assumimos a posição de imortalidade da alma, esse
verso não faz sentido nenhum a fim de provar irrefutavelmente a ressurreiçã o, mas quando
assumimos a posição mortalista tudo começa a fazer sentido.

A lógica é bem simples: Se ele receberia as bênçãos prometidas a Davi de exercer um


reinado perpétuo, então ele necessariamente deveria passar por uma ressurreição, pois
não existe glória e benção antes da ressurreição, enquanto morto. A morte é um
estado sem vida (i.e, sem existência consciente), em que o ser racional deixa de existir.
Mas, se lhe eram prometidas as santas e fieis bênçãos, então ele deveria sair deste estado
de inatividade para ser abençoado. Nisso fica nítido que ele necessariamente deveria ser
ressuscitado, e vemos que o apóstolo Paulo citou um versículo certo e que realmente prova
a ressurreição.

Este verso só provaria de fato a ressurreição se antes dela não e xistisse vida
(consequentemente não existiria as bênçãos prometidas no verso ), pois doutra forma ele

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 224


poderia perfeitamente estar desfrutando da bênção com ou sem a ressurreição
(supostamente na forma de um espírito incorpóreo no Céu). Paulo segue a linha de
raciocínio de que entre a morte e a ressurreição não existe vida e, por isso, se lhe era
predito as bênçãos do reinado perpétuo, então ele deveria necessariamente ressuscitar para
desfrutá-las, pois elas não são possíveis antes da ressurreição em decorrê ncia do fato de
eles estarem sem vida.

Ele segue a seguinte lógica que contraria a posição dos imortalistas de que existe “glória”
antes da ressurreição:

(1) Era predito profeticamente a respeito de Cristo que este iria receber as bênçãos de
Davi.

(2) Como não existe existência consciente entre a morte e a ressurreição, segue-se que
antes da ressurreição ele não poderia desfrutar daquilo que foi descrito no verso.

(3) Logo, ele necessariamente teria que ser ressuscitado.

Qual nada, este versículo passado por Paulo só provaria de fato a ressurreição se na morte
não fosse possível se cumprir em Cristo aquilo que fora prometido a Davi.

Conclusão – Quando lemos todos os vinte e oito capítulos que nos mostram o pensamento
da Igreja primitiva, vemos que eles não tinham qualquer relação com a doutrina dualista de
imortalidade da alma. Para os imortalistas, Davi já subiu aos céus; já para Pedro, Davi
nunca subiu aos céus (cf. At.2:34), e o contexto nos mostra que ele só entra quando
“[Cristo] ponha todos os teus inimigos como estrado dos teus pés” (v.35), uma referência
ao que Jesus fará por ocasião da ressurreição (cf. 1Co.15:25). A verdade é que Davi está
morto, no túmulo (cf. At.2:29), pois, “tendo Davi servido ao propósito de Deus em sua
geração, adormeceu” (cf. At.13:36). Cristo, em contrapartida, está vivo (cf. At.2:33;
19:25).

A declaração de Pedro no pentecoste com relação ao estado de Davi jamais seria proferida
por um defensor da imortalidade da alma, e isso explica o porquê que a esperança dos
primeiros apóstolos era total e completamente voltada ao dia da ressurreição (cf. At.23:6;
17:18; 17:32; 26:6-8; 24:15), porque é somente este o momento em que “os mortos
viverão” (cf. Is.26:19). O próprio fato de Paulo ter a necessidade de provar que Cristo,
mesmo morto, ainda vive (cf. At.19:25), prova que os que morreram não desfrutam de vida
ainda, senão na ressurreição dos mortos do último dia. Como Cristo ressuscitou primeiro, já
desfruta de vida (cf. At.2:27,28).

Não é a toa que Paulo teve tão grande contenda com os gregos dualistas quando o tema era
a ressurreição dos mortos (cf. At.17:32), porque a doutrina da imortalidade da alma anula o
sentido e valor que a ressurreição tem dentro do Cristianismo. Enquanto a doutrina era pura
e sincera, o foco era completamente voltado na ressurreição; quando, porém, o dualismo
grego entrou também na teologia cristã, a ressurreição foi praticamente abandonada dos
púlpitos, dando lugar àquilo que jamais foi mencionado por apósto lo algum: A Lenda da
Imortalidade da Alma.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 225


CAPÍTULO 5.4 – PAULO PREGOU A IMORTALIDADE DA ALMA?

“Se, como homem, lutei em Éfeso com feras, que me aproveita isso? Se os mortos não
ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã morreremos” (cf. 1 Coríntios 15:32)

O apóstolo Paulo é outra peça fundamental para compreendermos se a Bíblia é contra ou a


favor da imortalidade da alma. Dois terços dos livros do Novo Testamento são de autoria do
apóstolo. Ele, além de ver a Cristo na estrada de Damasco, teve o apostolado marcado por
revelação direta por parte de Jesus Cristo (cf. Gl.1:11,12), tendo sido inclusive arrebatado
ao terceiro céu (cf. 2Co.12:2-4). Sem dúvida, se tem alguém instruído na verdadeira
doutrina, esse alguém é Paulo.

O evangelho paulino tampouco podia ser mudado (cf. Gl.1:8,9). Já vimos anteriormente que
Paulo inclusive foi censurado em Atenas exatamente por pregar a doutrina da ressurreição,
em contraste direto com a “imortalidade da alma” pregada pelos atenienses (cf. At.17:32).
Mas, para vermos se Paulo pregava ou não a doutrina da imortalidade da alma, iremos
começar pelo fim: quando é que Paulo “estaria com Cristo”?

XV–Ausente do corpo e presente com Cristo

Ausente do corpo e presente com Cristo. Quando? – Começaremos o nosso estudo sobre o
pensamento de Paulo em relação à vida após a morte analisando de forma aprofundada as
passagens que mais são constantemente utilizadas pelos imortalistas na tentativa de
ensinar que Paulo era adepto da doutrina imortalist a. Eles citam principalmente duas
passagens nas quais o apóstolo expressa o mesmo pensamento, de que queria "partir e
estar com Cristo", ou que desejava estar "ausente do corpo e presente com Cristo".
Examinaremos tais passagens dentro de seu devido contexto, analisando-as
exegeticamente, a fim de vermos se os argumentos imortalistas são ou não coerentes:

“Porquanto, para mim, o viver é cristo, e o morrer é lucro. Entretanto, se o viver na carne
traz fruto para o meu trabalho, já não sei o que hei de escolher. Ora, de um e outro lado,
estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente
melhor” (cf. Filipenses 1:21-23)

Para entendermos o que Paulo fala em Filipenses 1:21-23 é de extrema importância


analisarmos o que ele diz em 2ª Coríntios 5:1-8, pois ele reafirma exatamente o que ele
disse aos filipenses (sobre partir e estar com Cristo), mas de forma ma is extensa e
aprofundada, explic ando dentro do contexto o que ele entendia como sendo esse partir e
estar com Cristo:

"Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de
Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus. E por isso também
gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu; Se, todavia, estan do
vestidos, não formos achados nus. Porque também nós, os que estamos neste tabernáculo,
gememos carregados; não porque queremos ser despidos, mas revestidos, para que o
mortal seja absorvido pela vida. Ora, quem para isto mesmo nos preparou foi Deus, o q ual
nos deu também o penhor do Espírito. Por isso estamos sempre de bom ânimo, sabendo
que, enquanto estamos no corpo, vivemos ausentes do Senhor (porque andamos por fé, e

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 226


não por vista). Mas temos confiança e desejamos antes deixar este corpo, para habita r com
o Senhor" (cf. 2ª Coríntios 5:1-8)

Os imortalistas tem o costume de jogarem o verso 8 de 2ª Coríntios 5 de forma isolada,


retirando-o de seu devido contexto, como já é de costume, sempre isolando um verso de
seu contexto. A razão pela qual eles nunc a falam do contexto que envolve esses textos é
porque sabem que a análise meticulosa deles refuta as suas próprias teses de imortalidade
da alma. Paulo inicia o verso 1 de 2ª Coríntios 5 dizendo:

"Se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma
casa não feita por mãos, eterna, nos céus" (v.1)

Quando Paulo fala que a nossa casa terrestre vai se desfazer, ele não está se referindo à
nossa casa literal onde moramos, construída a base de tijolos, mas sim do nosso corpo
mortal, fazendo a mesma analogia que fez o escritor de Hebreus a este respeito, quando
disse:

"... mas Cristo é fiel como Filho sobre a casa de Deus; e esta casa somos nós, se é que
nos apegamos firmemente à confiança e à esperança da qual nos gloriamos" (cf. Hebreus
3:6)

Quando “a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer” não é uma referência à uma
casa literal feita à base de madeira ou tijolos onde Paulo morava, ele não estava
preocupado com o destino de uma moradia terrena porque ele disse claramente que “até
agora não temos tido residência certa” (cf. 1Co.4:11). Se ele nem moradia fixa tinha e
frequentemente escrevia em prisões, é evidente que a referência é ao seu próprio corpo
terreno.

Portanto, dentro da analogia que faz o apóstolo Paulo, ao dizer que essa casa terrestre
deste tabernáculo se desfará ele estava se referindo à sua própria morte corporal, ou
seja, a este presente corpo mortal que passará pela morte física. Mas Paulo continua nessa
mesma analogia, dizendo que, quando essa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer
(i.e, quando este corpo mortal perecer) temos de Deus um edifício, uma casa não feita por
mãos, eterna, nos céus. A que ele se refere aqui? Logicamente, se a casa deste tabernáculo
se refere ao nosso presente corpo mortal e corruptível, o edifício eterno a que Paulo se
refere diz respeito ao nosso corpo imortal e incorruptível da ressurreição.

Da mesma forma que o apóstolo não estava falando de casas literais de tijolos na primeira
parte do verso, mas de um corpo mortal e corruptível que temos hoje, igualmente na
continuação do verso ele complementa essa mesma analogia, não se referindo a uma casa
literal nos céus (c omo uma "mansão celestial", como pensam alguns), mas sim a um corpo
imortal e incorruptível, em contraste a este presente corpo mortal e corruptível que
possuímos hoje. Somente desta forma a analogia de Paulo faria sentido. Ele afirma que iria
morrer fisic amente (casa terrestre deste tabernáculo se desfazendo), para obter um edifício
superior e eterno (corpo imortal da ressurreição). Mais claro ainda é a afirmação
subsequente, onde ele diz:

“...temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos humanas” (v.1)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 227


Essa “casa não feita por mãos humanas”, como já vimos na analogia traçada pelo apóstolo,
não se refere a uma morada celestial, mas ao corpo ressurreto, pois não está em contraste
a uma morada terrena, mas ao corpo físico atual. A linguagem expressa por Paulo, acerca
de ser “uma casa não feita por mãos”, fortalece ainda mais este fato, pois essa foi também
exatamente a mesma linguagem utilizada por Jesus quando se referiu ao seu
corpo ressurreto:

“Nós ouvimos-lhe dizer: Eu derrubarei este templo, construído por mãos de homens, e em
três dias edificarei outro, não feito por mãos de homens” (cf. Marcos 14:58)

Este edifício “não feito por mãos de homens” que Cristo disse que edificaria em três dias
não é o próprio templo de Jerusalém em si, que até hoje está em ruínas, nem uma morada
celestial, mas sim o seu próprio corpo ressurreto, pois de fato ele ressuscitou três dias
depois, em um corpo glorificado. Por isso, João ressalta que “ele falava do templo do seu
próprio corpo” (cf. Jo.2:21). Assim, vemos que esse edifício que Paulo se refere, que estava
em contraste a um corpo físico terreno e que não foi feito por mãos humanas , não é uma
morada celestial, mas um corpo ressurreto.

Só pela análise desse verso 1 já podemos compreender perfeitamente que a visão de Paulo
não era de se desfazer deste corpo mortal para habitar no Céu sem um corpo antes da
ressurreição, mas era de se desfazer deste corpo mortal para obter um corpo imortal
que teremos na ressurreição dos mortos. Se o apóstolo traça um paralelo entre a casa
e o edifício, e essa casa não é uma casa literal mas sim o corpo terreno, então é evidente
que o edifício que Paulo se referia também não é um edifício literal que está no Céu, mas
sim um corpo ressurreto celestial.

Com efeito, Paulo nada falava sobre estar com Cristo em um estado intermediário entre a
morte e a ressurreição, onde estaremos despidos (sem um corpo), mas sim sobre a própria
ressurreição, quando estaremos revestidos de nosso "edifício" eterno nos céus (i.e, de um
corpo imortal da ressurreição). Essa ideia fica ainda mais clara quando prosseguimos na
leitura com o verso 2, onde o apóstolo diz:

"E por isso também gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu"
(v.2)

Paulo complementa no verso 2 a ideia do verso 1, de que morreria com o desejo de ser
revestido. Mas revestido do que? Da espada do Zorro? Não, mas revestido de um corpo
imortal e incorruptível. No original grego, a palavra utilizada por Paulo aqui é ependuomai,
que, de acordo com a Concordância de Strong, significa: "colocar sobre, vestir-se"1 1 0 . Ela
vem da palavra enduo, que tem o mesmo significado:

1746 ενδυοω enduo


de 1722 e 1416 (no sentido de entrar em uma veste) TDNT - 2:319,192; v
1) entrar numa (roupa), vestir, vestir-se.

Essa é exatamente a mesma palavra que Paulo usa quando se refere ao revestimento que
os crentes irão passar na ressurreição:

110 Léxico da Concordância de Strong, 1902.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 228
"E, quando isto que é corruptível se revestir [enduo] da incorruptibilidade, e isto que é
mortal se revestir [enduo] da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita:
Tragada foi a morte na vitória" (cf. 1ª Coríntios 15:54)

Portanto, Paulo estava dizendo que iria morrer para ser revestido de um corpo glorioso
ressurreto. Ele não estava neste verso dizendo que iria para o Céu, mas que seria
revestido de algo que é do Céu. Ele não disse: "desejando ir para a nossa habitação no
Céu"; mas sim: "desejando ser revestido da nossa habitação, que é do Céu". Com efeito, a
ideia que é passada aqui não é de morrer e ir para o Céu sem um corpo, mas sim, como
vimos pelo contexto, de ser revestido de um corpo ressurreto, que é "do Céu", isso é,
celestial, glorioso, em contraste a este presente corpo mortal, corruptível.

A nota de rodapé da NVI (Nova Versão Internacional) parece concordar com tal
interpretação lógica do texto bíblico, com "habitação terrestre" sendo uma referência ao
corpo terreno e que "gememos" esperando o revestimento de um corpo glorioso
ressurreto:

"Temporária habitação terrena em que vivemos. Nosso corpo (v. 2Pe 1.13). Como uma
tenda, temporária e pouco durável, nosso corpo é frágil, vulnerável e se desgasta (4.10-
12,16)"1 1 1

"Gememos. Porque ansiamos pela perfeição que será nossa ao nos vestirmos do glorioso
corpo espiritual (cf. 1Co 15.42-49)"1 1 2

Portanto, podemos ver que o desejo de Paulo, pelo qual ele "gemia" (v.2), não era de
habitar no Céu como um espírito incorpóreo antes da ressurreição dos mortos em algum
estado intermediário, mas sim de alcançar a ressurreição dos mortos. A tradução da
CNBB verte o verso 2 de forma ainda mais direta: "por isso, suspiramos neste estado,
desejosos de revestir o nosso corpo celeste". E isso fica ainda mais nítido quando
vemos o verso seguinte, que diz:

"Se, todavia, estando vestidos, não formos achados nus" (v.3)

É de consenso até mesmo entre os imortalistas que o "nus" no verso 3 se refira a um


estado não-corporal, isto é, destituído de corpo, ao passo que o "vestidos" se refira ao
revestimento do corpo ressurreto ao qual Paulo se refere em todo o contexto. A nota de
rodapé da NVI também concorda com isso e afirma:

"Nus. Sem a roupagem de um corpo, estado daqueles cuja habitação terrena, temporária,
foi desmantelada pela morte"1 1 3

Portanto, "vestido" seria o revestimento de um corpo ressurreto e "despido" (ou "nu")


seria ficar sem um corpo, ou seja, ficar morto. Para os imortalistas, esse "nu" seria o estado
consciente dos espíritos incorpóreos que aguardam a ressurreição dos mortos no Céu,
distinguindo da visão mortalista que interpreta o "nus" como sendo o estado sem vida entre
a morte e a ressurreição, em que os mortos não estão no Paraíso , mas em suas sepulturas.

111 Nota de rodapé da Nova Versão Internacional em 2Co.5:1, p. 1991.


112 Nota de rodapé da Nova Versão Internacional em 2Co.5:2, p. 1992.
113 Nota de rodapé da Nova Versão Internacional em 2Co.5:3, p. 1992.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 229
A visão imortalista deste verso fica bem clara na análise que o Pr. Airton Evangelista da
Costa faz deste texto:

"2 Co 5.4: '...não queremos ser despidos, mas vestidos de novo, para que o mortal seja
recolhido pela vida'. O estado do crente de ser despido não se refere ao corpo no sepulcro,
mas ao espírito que aguarda o 'corpo da glória' na ressurreição"1 1 4

Porém, o próprio Paulo refuta tal tese de que seja possível viver no Paraíso sem um corpo,
na forma de um espírito incorpóreo no Céu antes da ressurreição, pois deixa claro que no
Céu não seria achado despido, mas vestido. Outras traduções deixam isso ainda mais
claro, ao verterem o verso 3 da seguint e maneira:

"Contanto que sejamos achados vestidos e não despidos" (versão Ave Maria)

"E isso será possível se formos encontrados vestidos, e não nus" (versão da CNBB)

"O que será possível se formos encontrados vestidos, e não nus" (Bíblia de Jerusalém)

O professor Azenilto Brito também destacou isso ao dizer:

"Se vestido significa estar num corpo, estar nu é ficar sem um corpo. Observe que Paulo
deixa muito claro que a vida futura é uma condição de vestido e não de nu! Ele dá não dá
absolutamente qualquer apoio ao ensino de vida sem um corpo"1 1 5

Com efeito, Paulo refuta a tese de que o "despido" se refira a uma condição consciente no
Céu como um espírito incorpóreo antes da ressurreição, pois afirma que tal coisa só seria
possível se fosse encontrado vestido (com corpo), e não nu (sem corpo). Prova disso é o
verso seguinte, onde ele reitera essa pensamento com ainda mais força:

"Porque também nós, os que estamos neste tabernáculo, gememos carregados; não
porque queremos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela
vida" (v.4)

Paulo diz claramente que não queria ser despido, mas revestido. Ora, se a condição de
"despido", conforme os imortalistas dizem, se refere a uma condição consciente no Céu
onde já estamos com Cristo em forma de espírito incorpóreo, Paulo iria desejar isso mais do
que tudo, pois o maior desejo do cristão é estar com Cristo, independentemente se isso vai
acontecer com ou sem um corpo. Seria muito estranho que o “despido” se relacionasse a
um espírito com consciência e personalidade que vai para o Paraíso esperando a
ressurreição, pois se fosse assim Paulo não acentuaria tanto que não desejava estar neste
estado (vs. 3-4).

O fato de Paulo ter declarado tão enfaticamente que não queria ser despido põe por terra a
teoria imortalista de que esse "despido" se refira a uma condição consciente no Céu em um
estado intermediário. Seria o mesmo que Paulo estar dizendo: "Eu não quero estar no Céu

114 COSTA, Airton Evangelista. Reflexões sobre a imortalidade da alma . Disponível em:
<http://solascriptura-tt.org/AntropologiaEHamartologia/ReflexoesImortalidadeAlma-AECosta.htm>.
Acesso em: 16/08/2013.
115 BRITO, Azenilto Guimarães. O que é estar ausente do corpo. Disponível em: <http://www.c-

224.com/Ausente.html>. Acesso em: 19/08/2013.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 230
com Cristo como espírito em um estado intermediário, mas sim ser revestido". Isso faz
sentido? É claro que não. Para Paulo, não existia uma condição consciente no Céu sem
o revestimento de um corpo.

Quando ele fala sobre estar "despido" ou se encontrar "nu", não se refere a um estado
consciente em um estado intermediário, como sonham os imortalistas, mas sim à
verdadeira condição em que os mortos passam entre a morte e a ressurreição, onde estão
inconscientes e literalmente mortos (i.e, sem vida), destituídos de corpo (porque esperam a
ressurreição). É este o estado entre a morte e a ressurreição que Paulo tinha em mente, e
por isso ele afirmou que não queria ser despido, mas revestido; ou seja, que para ele
não interessava nem era de nenhum valor esse estado entre a morte e a ressurreição em
que não estamos com vida, mas o que ele queria mesmo era ser revestido ( ressuscitar). Joe
Crews também observa isso nas seguintes palavras:

"Ele não está ansioso para o sono da morte (sendo 'despidos') quando ele não estaria com o
Senhor, mas ele está esperando pela redenção do corpo quando ele ia ser revestido com a
'casa eterna nos céus'. Nesta vida ele estaria vestido com um corpo mortal, e depois a
mortalidade seria 'absorvida pela vida', e ele teria um celestial corpo imortal. Mas tanto no
tabernáculo terreno quanto no celestial ele continua a ter um corpo. Paulo não faz
referência à uma alma separada do corpo. Ou ele possui um corpo neste planeta e está
ausente do Senhor, ou ele possui um corpo redimido no céu, e está presente com o
Senhor"1 1 6

Isso mostra, mais uma vez, que Paulo não tinha em mente a visão que os imortalistas tem
sobre a vida após a morte, em que estamos com Cristo enquanto despidos (sem corpo, e
supostamente como espíritos incorpóreos ou almas desencarnadas) esperando a
ressurreição em um estado intermediário, mas sim de que não existe vida na condição
de despido, e por isso o desejo dele era de ser logo "revestido", que, como já vimos,
significa ressuscitar, ser revestido de um corpo glorioso, ressurreto.

Paulo não iria rejeitar entrar no Céu como um espírito incorpóreo. O que ele estava dizendo
é que seu desejo, pelo qual ele "gemia" (v.3), não era o de morrer para entrar no estado
sem vida entre a morte e a ressurreição, em que estaremos despidos, inconscientes, sem
vida, mas sim para alcançar a ressurreição dos mortos, isto é, para ser revestido
novamente (v.4), de um corpo glorioso.

O desejo de Paulo, pelo qual ele gemia carregado, era na esperança de ser revestido para
que o mortal fosse absorvido pela vida (v.4). A pergunta final que nos fica é: quando é
que se dá este momento tão desejado por Paulo, quando o mortal será absorvido
pela vida? Para os coríntios, isso não era uma dúvida, nem uma incógnita, pois o próprio
Paulo já lhes havia escrito sobre isso poucos anos antes, em sua primeira epístola a eles:

“Eis que vos digo um mistério: nem todos dormiremos, mas transformados seremos todos,
num momento, num abrir e fechar de olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta
soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Porque é
necessário que isso que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isso que é
mortal se revista da imortalidade. Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista

116 CREWS, Joe. O que a Bíblia diz sobre estar ausente do corpo. Disponível em:
<http://setimodia.wordpress.com/2008/12/16/livreto-o-que-a-biblia-diz-sobre-estar-ausente-do-corpo/>.
Acesso em: 19/08/2013
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 231
de incorruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de imortalidade, então se
cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória” (cf. 1ª Coríntios
15:51-54)

A resposta é clara: a morte só será absorvida pela vida ao soar da última trombeta, por
ocasião da ressurreição dos mortos. É somente na ressurreição que o mortal se reveste da
vida, que a morte é tragada pela vitória. Seria impossível que o mortal fosse absorvido pela
vida logo após a morte em algum estado intermediário em forma de espírito incorpóreo,
pois, na teologia imortalista, nosso corpo morre e nossa alma já é imortal. Assim, nada que
hoje é mortal ("para que o mortal") seria "absorvido pela vida" após a morte. Obviamente
Paulo estava se referindo não a um estado intermediário antes da ressurreição, mas
precisamente à ressurreição, quando nossa natureza mortal será transformada em uma
natureza imortal (cf. 1Co.15:51-54), com a morte sendo tragada (cf. 1Co.15:54), com o
mortal sendo absorvido pela vida.

Portanto, quando Paulo diz que não queria ser despido, mas revestido, para que o mortal
fosse absorvido pela vida, ele não estava dizendo que queria morrer para estar com Cristo
em um estado intermediário como um espírito incorpóreo, mas sim que não queria passar
pelo estado entre a morte e a ressurreição no qual estaria "despido" (i.e, sem um corpo,
porque estaria morto, sem vida), desejando logo chegar a ressurreição, quando seria
"revestido" e quando o mortal seria absorvido pela vida. Impossível conciliar isso com a
teologia imortalista, segundo a qual Paulo desejava estar com Cristo logo em um estado
intermediário e antes da ressurreição. Como bem observou Joe Crews:

"O que se entende pelo termo 'despido'? Repare que Paulo especificamente declara
que ele não tinha vontade de estar nu ou despido. Podemos estar certos, então,
que o estado despido não envolvia estar com o Senhor, uma vez que Paulo não
deseja estar despido [e ele desejava estar com o Senhor]. De fato, o apóstolo fez
referência a estar vestido em apenas duas casas, a terrena e a celeste. No estado despido,
ele não estava nem vestido com o corpo terreno e nem com o celeste. Isso deixa apenas
uma explicação possível. Estar 'despido' ou 'nú' é a condição de morte que é o intervalo
entre a dissolução da casa terrena e a entrada na celestial"1 1 7

Os imortalistas não tem saída, pois se veem obrigados a acreditarem que Paulo estava
desejando estar com Cristo e ao mesmo tempo estava desejando não estar com Cristo, pois
para eles este encontro de Paulo com Cristo se dá em um estado intermediário como
espírito incorpóreo, mas o próprio Paulo diz claramente que não queria estar despido (cf.
2Co.5:4). Se esse encontro de Paulo com Cristo se dá enquanto o apóstolo está “despido”,
então por que ele diz que não queria estar despido? Seria o mesmo que afirmar que não
queria estar com Cristo!

Além disso, a profunda semelhança entre o que Paulo diz aqui em 2ª Coríntios 5:1-5 e o
que ele declara em Romanos 8:22,23 (“mas até nós, que temos as primícias do Espírito,
também gememos em nós mesmos, aguardando a nossa adoção, a saber, a redenção do
nosso corpo”) faz um paralelo tão impressionante que demonstra que ele tinha a mesma
ideia em mente nas duas ocasiões:

AOS CORÍNTIOS (2Co.5:1-5) AOS ROMANOS (Rm.8:22-23)

117 ibid.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 232
"Neste tabernáculo nós gememos" (v.4) "Também gememos em nós mesmos"
(v.23)
"O qual nos deu como penhor o Espírito" "Temos as primícias do Espírito" (v.23)
(v.5)
"Desejando ser revestido da nossa "Aguardando a nossa adoção, a saber, a
habitação, que é do Céu" (v.2) redenção do nosso corpo" (v.23)

A analogia e a comparação dos versos nos deixa muito claro que o momento em que
seremos "revestidos da nossa habitação que é do Céu" (cf. 2Co.5:2) é quando teremos a
"redenção do nosso corpo" (cf. Rm.8:23), isto é, na ressurreição dos mortos. Joe Crews
também discorre sobre isso acentuando tal fato:

"A comparação revela que este revestimento para o Céu tem lugar na 'redenção do corpo'...
em outras palavras, mesmo que a morte deva dissolver esse corpo mortal, Paulo torna
muito claro que não seremos revestidos da nossa habitação que é do Céu (imortalidade) até
a vinda de Jesus e a redenção do corpo. Isto também é estabelecido por repetidas
referências ao estado 'nu' ou 'despido'"1 1 8

E Paulo segue com sua analogia no verso 6, dizendo:

"Por isso estamos sempre de bom ânimo, sabendo que, enquanto estamos no corpo,
vivemos ausentes do Senhor. Porque andamos por fé, não por vista" (vs. 6-7)

A Bíblia de Jerusalém traduz estes mesmos versos da seguinte maneira:

"Por conseguinte, estamos sempre confiantes, sabendo que, enquanto habitamos neste
corpo, estamos fora da nossa mansão, longe do Senhor, pois caminhamos pela fé e não
pela visão" (vs. 6-7)

Diante de todo o contexto, como já observamos, Paulo realmente queria estar ausente do
corpo, mas não para habitar com o Senhor em estado incorpóreo (despido), mas
revestido (ressurreto). Como diz Azenilto, "Paulo não está antecipando uma condição de
um corpo desvestido, e sim um corpo revestido (...) Paulo não está descrevendo uma
condição de algo imaterial ou o 'despido'. Ele se refere ao momento em que vai receber o
corpo imortal. O corpo do qual, então, estará ausente é o seu atua l corpo terreno, mas ele
não ficará desmaterializado (nu), nesse momento"1 1 9 .

Enquanto habitamos neste corpo (habitação terrena) estamos longe do Senhor e da nossa
"mansão" (corpo ressurreto), e por isso desejamos estar ausentes deste corpo mortal para
estarmos perto do Senhor, como o apóstolo afirma no verso seguinte:

"Mas temos confiança e desejamos antes deixar este corpo, para habitar com o Senhor"
(v.8)

E aqui chegamos, finalmente, ao verso 8, aquele tão usa do pelos imortalistas, com a
diferença de que nós mostramos o contexto e fazemos amplo uso da exegese e da
hermenêutica bíblica, e eles simplesmente fingem que esse verso 8 caiu do Céu sem

118ibid.
119 BRITO, Azenilto Guimarães. O que é estar ausente do corpo. Disponível em: <http://www.c-
224.com/Ausente.html>. Acesso em: 19/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 233
contexto e nem nada, e de forma isolada deturpam vergonhosamente es se verso bíblico
como se indicasse que Paulo estava dizendo que queria estar com Cristo num estado
intermediário como espírito incorpóreo, quando diante de todo o contexto o que vemos
é exatamente o contrário disso, e que Paulo só estaria com Cristo quando ressurreto,
dotado de um corpo glorioso da ressurreição, não despido, mas revestido, não incorpóreo,
mas corpóreo, e não antes do mortal ser absorvido pela vida, da morte ser tragada pela
vitória.

Paulo desejava realmente estar ausente deste corpo terre no e estar presente com Cristo,
mas não despido, senão revestido do corpo glorioso da ressurreição. Como bem disse
Azenilto, ele estava "contemplando o além-túmulo, para além da ressurreição, àquele
glorioso momento em que iria saudar a Jesus face a face e viver com Ele para sempre"1 2 0 .
Ou seja: o desejo de Paulo em estar com Cristo não se concretiza em um estado
intermediário despido de corpo, mas na própria ressurreição dos mortos.

Satanás é astuto e sabe tirar um texto de seu contexto para fundamentar uma heresia, e
este texto de 2ª Coríntios 5:8 é o maior exemplo disso, a mais vergonhosa adulteração
bíblica que já existiu, pois quando posta diante de seu contexto é na verdade um golpe de
morte na própria lenda da imortalidade da alma, e revela que Paulo tinha exatamente a
mesma mentalidade de um cristão holista.

Partir e estar com Cristo – O texto de Filipenses 1:21-23 expressa exatamente a mesma
coisa do texto de 2ª Coríntios 5:8, e, portanto, deve ser interpretado da mesma forma.
Paulo queria "partir e estar com Cristo", da mesma forma que alguém pode querer partir
para Washington e estar com Barack Obama. Sim, ambos vão deixar algo, um a vida e
outro o Brasil. E ambos vão encontrar alguém, um Cristo e o outro Obama. Mas tais frases
de maneira nenhuma indicam que isso se dará imediatamente no Chronos seguinte. Para os
hebreus, o tempo para de contar para quem morre. Quem morresse estaria
inconscientemente morto (cf. Sl.13:3; 30:9; 94:17; 146:4; 6:5; 115:17; Ec.9:5,6,10; Jó
14:11,12; Is.38:18; 28:19), de forma que o intervalo entre a morte e a ressurreição não
passaria de um piscar de olhos para o ressuscitado, mesmo que se passassem alguns
milênios entre a morte e a ressurreição.

Por isso, a passagem de Paulo em Filipenses aborda a vida após a morte neste aspecto
atemporal da existência depois da morte. Algo semelhante ocorre quando o autor de
Hebreus escreve que após a morte vem em seguida o juízo (cf. Hb.9:27), mas sabemos que
o juízo só ocorre na segunda vinda de Cristo (cf. 2Tm.4:1). Novamente vemos o autor
ressaltando o aspecto atemporal entre a morte e a ressurreição. Embora depois da morte
venha em seguida o juízo, este juízo só acontece na volta de Jesus, ainda que se passem
milênios entre a morte de alguém e a volta de Cristo.

Pela não existência de um estado intermediário, quem morre e volta ao pó não está mais
condicionado a tempo e a espaço. A ressurreição vem como em um piscar de olhos, de
modo que partimos e estamos com Cristo imediatamente depois, ainda que isso em um
aspecto temporal leve anos ou milênios para se concretizar. O pastor Hermes Fernandes,
bispo consagrado pela International Christian Communion (comunhão que reúne os bispos
de tradição anglicana/episcopal dos cinco continentes) mantém o mesmo ponto de vista e,
depois de passar por uma longa reflexão sobre o tema à luz da Bíblia, afirmou:

120 ibid.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 234
"A morte é sucedida imediatamente pelo juízo (Hb.9.27). Não há hiato entre os dois
eventos. Ao deixarmos essa vida, somos transportados ao Tribunal de Cristo, e à Sua
presença imediata. Deixamos o tempo, e entramos em uma esfera atemporal, chamada
também de eternidade. Não há estado intermediário entre a morte e a ressurreição, ou
entre a morte e o juízo. Foi a doutrina do estado intermediário que proveu um terreno fértil
para o surgimento de doutrinas como a do purgatório e da intercessão dos santos, que não
possuem qualquer respaldo bíblico consistente. Não devemos esperar que ao morrermos
sejamos levados ao Seio de Abraão, para ali esperarmos o momento da ressurreição" 1 2 1

Pouco depois, faz uso exatamente do mesmo contexto incontestável de 2ª Coríntios 5:1-8
para fundamentar essa posição:

"Alguns creem que, ao deixarmos nossos corpos, experimentamos um estágio


intermediário, em que seremos tão-somente espíritos desencarnados. Isso é um absurdo.
Nosso espírito não deseja viver, senão em um corpo através do qual possa glorificar a Deus.
Daí a importância da ressurreição corporal. Paulo chega a afirmar que nós 'gememos,
desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do Céu, po rque estando vestidos, não
seremos achados nus. Pois também nós, os que estamos neste tabernáculo (o corpo físico
atual), gememos angustiados, não porque queremos ser despidos, mas revestidos, para
que o mortal seja absorvido pela vida' (2 Co.5:2-4). O crente em Jesus jamais deve desejar
ser despido, isto é, viver sem um corpo, através do qual possa servir e louvar ao Seu
Deus"1 2 2

Por fim, ele declara:

"Para quem está vivo no mundo hoje, pode parecer que esse dia esteja num futuro remoto.
Mas para quem deixa o mundo hoje, é como se esse dia chegasse imediatamente. Não há
intervalo. É como se entrássemos numa máquina do tempo, e fôssemos arremessados em
um futuro distante. Lá chegando, não apenas nos encontraremos com o Senhor nos ares,
vindo em direção a Terra para julgar os vivos e os mortos, como também encontraremos
todos os eleitos de Deus, de todas as eras. Dentre os que morreram em Cristo, ninguém vai
chegar primeiro... Por isso Jesus disse que os amigos que granjearmos aqui na terra, serão
os mesmos que nos receberão 'nos tabernáculos eternos' (Lc.16.). Na verdade, nos
recepcionaremos uns aos outros, pois chegaremos todos juntos. Há ordem de partida, mas
não há ordem de chegada. Por vivermos confinados ao tempo e ao espaço, assistimos à
partida de cada pessoa que deixa essa vida. Mas na eternidade não haverá ordem de
chegada. Todos compareceremos diante do Trono de Deus concomitantemente" 1 2 3

O Dr. Samuelle Bacchiocchi acrescenta:

“Sua [dos crentes que morrem] relação para com Cristo é de algo imediato, porque não têm
consciência da passagem do tempo entre sua morte e ressurreição. Experimentam o que

121 FERNANDES, Hermes Carvalho. Afinal, para onde vamos ao morrer? Parte 1. Disponível em:
<http://www.hermesfernandes.com/2009/12/afinal-pra-onde-vamos-ao-morrer-parte-1.html>. Acesso em:
16/08/2013.
122 ibid.
123 FERNANDES, Hermes Carvalho. Afinal, para onde vamos ao morrer? Parte 2. Disponível em:
<http://www.hermesfernandes.com/2009/12/pra-onde-vamos-ao-morrer-parte-2.html>. Acesso em:
16/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 235
pode ser chamado ‘tempo eterno’. Mas para os que prosseguem vivendo sob o limite de
tempo ligado à Terra há um intervalo entre a morte e a ressurreição” 1 2 4

Essa visão bíblica da morte é compartilhada também pelo apologista cristão batista Joe
Haynes, que afirmou:

"A Bíblia ensina claramente que quando um crente morre, não há razão para acreditar em
qualquer estado intermediário, mas podemos supor que a sua próxima experiência vai ser o
momento da ressurreição, quando ele é unido com Cristo sobre a Terra"1 2 5

O próprio Lutero compartilhou essa visão sobre o estado entre a morte e a ressurreição ao
dizer:

"Repentinamente ressuscitaremos no último dia, sem conseguir compreender como


morremos e como passamos pela morte"1 2 6

Como disse Wolfhart, "a continuidade de nossa vida presente com a vida futura da
ressurreição dos mortos não deve ser buscada na seqüência linear do tempo; ela reside no
caráter oculto do Deus eterno, cujo futuro já está presente em nossas vidas" 1 2 7 . Aqueles
que pensam que aquilo que Paulo expressou em Filipenses 1:21-23 sobre "partir e estar
com Cristo" por ser algo "incomparavelmente melhor" é algo que vai contra os princípios do
mortalismo bíblico defendido pelo próprio Paulo o fazem por pura ignorância, confundindo a
crença da mortalidade da alma com a psicopaniquia, popularmente conhecida como "sono
da alma", segundo a qual as almas não morreriam, mas estariam dormindo literalmente em
um estado intermediário, aguardando a ressurreição dos mortos.

Embora essa outra visão ensine que os mortos só entram no Céu por ocasião da segunda
vinda de Cristo, ela falha exatament e em crer que existe um elemento imortal no homem e
que sobrevive à parte do corpo, ainda que inconscientemente. Tal não é a visão bíblica
sobre a morte. Quando falamos que os mortos dormem, não estamos a dizer que eles estão
literalmente dormindo, mas fazendo uso de uma figura de linguagem para um estado sem
consciência entre a morte e a ressurreição. É lógico que faz sentido o que Paulo disse em
Filipenses 1:21-23, e qualquer mortalista diria o mesmo, porque não existe "vida" ou
"tempo" entre a morte e a ressurreição.

Portanto, é realmente um "partir e estar com Cristo", ainda que isso somente se
concretize na ressurreição dos mortos. Para Paulo, seria infinitamente melhor a morte, pois
desta forma ele seria imediatamente conduzido a Cristo, pela não existência de passagem
de tempo entre a morte e a ressurreição, e não por possuir alguma "alma imortal" que
sobreviva à morte física e siga a um estado intermediário em condição incorpórea, o que o
próprio apóstolo fez questão de negar quando escreveu a mesma coisa aos coríntios (cf.
2Co.5:8), dizendo que queria morrer não para ser despido (sem corpo), mas revestido (com
corpo ressurreto), que não estaria no Céu em condição incorpórea, mas "vestido" (cf.
2Co.5:2-3), e que tal coisa se daria quando o mortal fosse absorvido pela vida (cf.
2Co.5:4), na ressurreição.

124 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007, pg. 170.
125 HAYNES, Joe. Por que não creio em um "estado intermediário" entre a morte e a ressurreição?

Disponível em: <www.revistacrista.org>. Acesso em: 16/08/2013.


126 WOLF, Manfred. p. 92.
127 PANNENBERG, Wolfhart. Systematische Theologie –Vol. 3, p. 574.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 236


Desta forma, os textos de 2ª Coríntios 5:8 e de Filipenses 1:21-23 realmente ensinam a
iminência em estar com Cristo logo após a morte, mas isso não se dá em função de uma
"alma imortal" em nós presente, mas sim pela inexistência de tempo entre a
morte e a ressurreição. É deste mesmo modo que o pastor presbiteriano José Luiz
Martins Carvalho se posicionou, dizendo:

"A Escritura nos adverte: 'E, assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez,
vindo, depois disto, o juízo' (Hb 9.27). O juízo segue-se à morte, pois passa-se do chrónos
ao kairós, muda-se o parâmetro temporal. Do tempo linear para a eternindade. Logo, para
o cristianismo bíblico não há imortalidade nem sono da alma [psicopaniquia], mas apenas a
mudança de estado do tempo para a eternidade. Na Parousia, tempo e eternidade se
encontrarão. É isto que, hoje, ansiosamente aguardamos!"1 2 8

Francis D. Nichol ainda faz importantes observações que nos mostram pela Bíblia que é
comum dois acontecimentos estarem ligados ainda que divididos por um longo período de
tempo entre eles em um aspecto temporal:

“Não é incomum um escritor bíblico reunir eventos que est ão separados por um longo
espaço de tempo. Geralmente, a Bíblia não entra em detalhes, mas apresenta os pontos
realmente importantes do trato de Deus com a humanidade no transcorrer dos séculos. Por
exemplo, Isaías 61:1 e 2 contém uma profecia da obra que Cristo faria em Seu primeiro
advento. Em Lucas 4:17-19 está o relato de Cristo lendo essa profecia para o povo e
informando: ‘Hoje, se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir.’ (v.21). Mas um exame
cuidadoso revelará que Cristo não leu toda a profecia de Isaías, embora evidentemente ela
seja uma declaração conectada. Ele terminou com a frase: ‘Apregoar o ano aceitável do
Senhor’. Mas a frase seguinte da sentença é: ‘E o dia da vingança do nosso Deus’. Ele não
leu essa parte porque ela não devia se cumprir logo. A passagem de Isaías nem mesmo
sugere que um período de tempo se interpõe entre esta frase e as precedentes. Mas outras
passagens bíblicas indicam claramente tal fato, e é pelo exame de todas as outras
passagens que entendemos uma profecia breve e condensada como essa de Isaías” 1 2 9

E ele continua destacando agora o período de mil anos que se interpõe entre a vinda de
Cristo e a destruição desta terra, que é ligado por Pedro como se não houvesse período de
tempo significativo entre eles:

“Ou considere a profecia do segundo advento conforme apresentada em II Pedro 3:3-13. Se


nenhuma outra passagem bíblica fosse comparada com essa, poderíamos facilmente chegar
à conclusão de que o segundo advento de Cristo resulta imediatamente na destruição do
mundo pelo fogo. Todavia, quando comparamos II Pedro 3 com Apocalipse 20, aprendemos
que um período de mil anos se interpõe entre o segundo advento e a destruição do mundo
pelo fogo. Pedro estava apenas dando um breve sumário dos extraordinários evento s
iminentes. Ele passou imediatamente do grande fato do segundo advento para o próximo
grande ato no drama do trato de Deus com este planeta: sua destruição pelo fogo. No caso

128 CARVALHO, José Luiz Martins. Imortalidade da Alma ou Ressurreição da Vida? Disponível em:
<http://teologiahoje.blog.com/2010/07/01/imortalidade-da-alma-ou-ressurreicao-da-vida/>. Acesso em:
16/08/2013.
129 NICHOL, Francis David. Respostas a Objeções. Tatuí: Casa, 2004.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 237


da profecia de Pedro, assim como no da profecia de Isaías, não há necessidade de confusão
se seguirmos o plano de comparar passagem com passagem para preencher os detalhes” 1 3 0

Vemos, portanto, que em absolutamente nada o "partir e estar com Cristo" implica em uma
alma incorpórea vivendo conscientemente em algum estado intermediário antes da
ressurreição, o que não é dito em parte nenhuma da teologia paulina e é negado pelo
próprio apóstolo quando trata dessa mesma questão com mais amplitude, como vimos na
exegese de 2ª Coríntios 5:1-8. Os imortalistas que formulam argumentos como esse
demonstram não conhecerem a doutrina mortalista, confundindo-a com a psicopaniquia,
crendo que achamos que existe passagem de tempo entre a morte e a ressurreição e
anulando a iminência da mensagem de Paulo sobre estar com Cristo. Se pelo menos
entendessem aquilo que tanto criticam, poderiam talvez formular argumentos mais sólidos.

XVI–A realidade da ressurreição em contraste com a alma imortal

Uma das maiores declarações bíblicas que contrariam a ilusão da imortalidade da alma é o
que o apóstolo Paulo escreve em 1ª Coríntios, no capítulo 15. Como veremos a seguir, o
capítulo inteiro é uma refutação à doutrina de que a alma imortal se religa ao corpo por
ocasião da ressurreição. Ele mostra que a ressurreição, longe de ser apenas uma religação
entre corpo e alma, é o único meio pelo qual podemos viver em alguma existência futura,
numa vida póstuma.

Para os imortalistas, se nenhuma ressurreição existisse nós já estaríamos assegurados no


Céu de qualquer jeito com as nossas almas imortais, e a existência da ressurreição apenas
implicaria em almas voltando do Paraíso e se religando ao nosso corpo morto, para depois
retornarem novamente ao Céu "completos". Tal conceito é totalmente estranho à Bíblia e
inconsistente com a teologia paulina. Na visão dualista, se a ressurreição não existisse nós
ficaríamos como espíritos desencarnados durante toda a eternidade.

Já para a Bíblia, que não atesta para a existência de um “estado intermediário das almas”,
se a ressurreição do último dia não existisse então estaríamos todos perdidos, mortos no pó
da terra sem mais nenhuma esperança. A pergunta que fica é: qual seria a posição do
apóstolo Paulo sobre o assunto? Seria ele favorável a uma religação do corpo com a alma,
sendo a ressurreição um mero detalhe desnecessário, ou seria ele favorável ao fato de que
não existe vida entre a morte e a ressurreição? Paulo nos responde a esta questão em um
longo capítulo de sua primeira epístola aos Coríntios. E é exatamente isso o que
analisaremos a partir de agora.

1 Coríntios 15
12 Ora, se é corrente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como, pois,
afirmam alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos?
13 E, se não há ressurreição de mortos, então Cristo não ressuscitou.
14 E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé;
15 e somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus
que ele ressuscitou a Cristo, ao qual ele não ressuscitou, se é certo que os mortos não
ressuscitam.
16 Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou.
17 E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados.

130 ibid.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 238
18 E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram.
19 Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais
infelizes de todos os homens.
20 Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que
dormem.
21 Porque assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos
veio por um homem.
22 Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão
vivificados em Cristo.
23 Mas cada um por sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na
sua vinda.
24 Depois virá o fim, quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai, e quando houver
aniquilado todo o império, e toda a potestade e força.
25 Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés.
26 Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte.
27 Porque todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés. Mas, quando diz que todas as
coisas lhe estão sujeitas, claro está que se excetua aquele que lhe sujeitou todas as coisas.
28 E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se
sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos.
29 Doutra maneira, que farão os que se batizam pelos mortos, se absolutamente os mortos
não ressuscitam? Por que se batizam eles então pelos mortos?
30 Por que estamos nós também a toda a hora em perigo?
31 Eu protesto que cada dia morro, gloriando-me em vós, irmãos, por Cristo Jesus nosso
Senhor.
32 Se, como homem, lutei em Éfeso com feras, que me aproveita isso? Se os
mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, que amanhã morreremos.

Fiz questão de passar todo o contexto para analisarmos as várias implicações para o que é
dito acima pelo apóstolo Paulo. Vemos que alguns cristãos da igreja de Corinto estavam
dizendo que a ressurreição não iria acontecer. Paulo, então, primeiramente mostra as
consequências disso, depois mostra o que aconteceria caso a ressurreição não existisse, em
seguida confirma que, de fato, a ressurreição irá acontecer como algo futuro, mostra os
tempos em que ela se cumprirá e termina o capítulo mostrando o que ele faria caso não
ocorresse a ressurreição dos mortos.

O capítulo inteiro, que vai até o verso 58, é uma verdadeira aula sobre a ressurreição dos
mortos. Se houve um ótimo momento para Paulo afirmar a sua doutrina da imortalidade da
alma, com a menção das nossas almas imortais no Céu ou de religaçã o de corpo e alma por
ocasião dessa ressurreição, aí estava uma ótima oportunidade! Contudo, vemos que as
implicações do que é acima exposto é muito, mas muito diferente daquilo que imaginam os
imortalistas.

Em primeiro lugar, se existisse uma imortalidade da alma, os que “dormem” estariam como
almas incorpóreas no Céu. Contudo, Paulo diz que, se não há a ressurreição, então os
mortos já teriam perecido (eles não ficariam “desincorporados pela eternidade”, pelo
contrário, estariam todos mortos!). O original grego traz a palavra apôlonto neste verso 18,
que, de acordo com a Concordância de Strong, significa: "perecer, estar perdido, arruinado,
destruído"1 3 1 . Todos esses significados dão a mesma dimensão de implicação: para Paulo,

131 Léxico da Concordância de Strong, 622.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 239
os mortos estariam agora perdidos, ou totalmente destruídos, arruinados, se não fosse
pela ressurreição dos mortos.

O problema para os imortalistas reside precisamente no fato de que, na teologia deles, os


que morreram em Cristo estariam neste momento no Céu, e continuariam lá da mesma
forma se não ocorresse a ressurreição, com o único detalhe de que viveriam para sempre
em forma incorpórea. Então, como é que eles poderiam estar perdios, arruinados ou
destruídos se não fosse pela ressurreição? Simplesmente não faz sentido.

Estar no Céu, ainda que em estado incorpóreo pré-ressurreto, deveria ser motivo de
regozijo, alegria e exultação, e não de estar "perdido" ou de já ter "perecido". Esses versos,
de fato, só tem sentido se Paulo cresse que não existe vida entre a morte e a
ressurreição, e que é a ressurreição que traz uma pessoa de volta à existência .
Desta forma, dizer que se não fosse por essa ressurreição os que morreram em Cristo já
pereceram ou estão perdidos faz todo o sentido, uma vez sendo que não haveria
ressurreição para herdarem uma vida eterna póstuma.

Esta é uma das consequências fatais em caso de a alegação infundamentada dos Coríntios
de que a ressurreição não existe fosse verdadeira. Aqueles que aguardam a ressurreição
dentre os mortos a fim de ganhar vida nesta ocasião não ganhariam vida nenhuma –
estariam destruídos – sem vida, para sempre, sem esperança (v.18,19,30,32). Não
estariam desfrutando as bênçãos paradisíacas no Céu por toda a eternidade desprovidos de
corpos. O que Paulo estava dizendo era que, se a ressurreição não existe, então os morto s
já pereceram. Em outras palavras, se não fosse pelo “fator ressurreição”, coitados –
estariam perdidos! De jeito nenhum que estariam com as suas “almas imortais”
desencarnados para todo o sempre!

Além disso, no verso 19 o apóstolo continua batendo firme nessa mesma linha, afirmando
que se não há a ressurreição [de um simples corpo morto(?)], então a nossa esperança se
limitaria apenas a esta vida, razão dele escrever no verso seguinte, seguindo a mesma
lógica: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais
infelizes de todos os homens” (cf. 1Co.15:19). Ora, mas as nossas almas já não estariam lá
no Céu, incorpóreas porém conscientes, na outra vida?

A ressurreição de um simples corpo morto não seria um mero detalhe? Por que a nossa
esperança se limitaria apenas para esta presente vida se nós ficaríamos a eternidade
inteira lá no Céu do mesmo jeito, só que sem corpo? É evidente que, para o apóstolo
Paulo, a vida é somente a partir da ressurreição, e, portanto, já teriam pe recido os que
dormiram em Cristo caso ela não fosse uma realidade, e não existiria uma vida póstuma
nem como “almas” nem como “espíritos”. A nossa esperança limitar-se-ia apenas e tão-
somente a esta presente vida.

Uma “saída” encontrada por alguma parte dos defensores do estado intermediário é que
Paulo referia-se somente ao versículo anterior: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé,
e ainda permaneceis nos vossos pecados” (v.17). Contudo, se contextualizarmos a
passagem, veremos que o apóstolo está relatando uma série de conseqüências em caso que
a ressurreição não existisse, das quais uma delas é a de que nem o próprio Cristo teria se
levantado do túmulo, outra delas é que a nossa fé seria vã, outra delas é que os apóstolos
seriam tidos como falsas testemunhas de Cristo, outra delas seria que os que dormiram em

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 240


Cristo já teriam perecido, outra delas é que a nossa esperança se limitaria apenas a esta
vida, e assim por diante, como podemos constatar por todo o contexto:

a) Alguns corintos estavam dizendo que a ressurreição não existia.

b) Paulo diz que, se a ressurreição não existe, então Jesus também não ressuscitou, e nós
continuamos mortos em nossos pec ados.

c) “E ainda mais” (ou seja, ele estava enumerando um outro ponto), se a ressurreição não
existe, estão os que dormiram em Cristo já pereceram.

d) Se a ressurreição não existe, então conforme o verso 19 a nossa esperança seria


apenas para esta vida (em outras palavras, não existiria uma “vida póstuma”!)

e) Mas, de fato, Cristo ressuscitou como primícia daqueles que dormem, e por isso
vivificará todos os mortos na sua segunda vinda (v.23)

f) O último inimigo a ser vencido é a morte.

g) Se não há ressurreição, então Paulo lutou com feras em Éfeso à toa.

h) Se não há ressurreição, então seria melhor “comer, beber, e depois morrer”.

Como vemos, alguns de Corinto estavam duvidando da existência da ressurreição, e Paulo


lhes apresenta uma série de conclusões que naturalmente se extrairiam desta falsa
alegação. Se os mortos não ressuscitam, logo (1) nem sequer Cristo ressuscitou (v.13);
(2) é vazia a nossa pregação (v.14); (3) é vã a nossa fé (v.14); (4) somos falsas
testemunhas de que Cristo foi ressuscitado (v.15); (5) ainda estamos nos nossos pecados
(v.17); (6) ainda estamos na condenação do pecado (v.17); (7) também os que dormiram
em Cristo já pereceram (v.18); (8) a nossa esperança seria somente para esta vida (v.19);
(9) somos os mais dignos de compaixão (v.19); (10) sofremos adversidades à toa (v.30);
(11) o melhor a fazer seria viver a vida hedonisticamente (v.32).

Principalmente as conclusões de Paulo de número 7 a 11 nos mostram claramente que, sem


a ressurreição, nem existiria mais nenhuma vida póstuma. Perceba ainda que em nenhum
dos argumentos Paulo fala de que “os que morreram não estariam com Cristo agora
mesmo”; ou que eles “não estariam na glória”; tampouco fala ele sobre “religação de corpo
com alma”. Se Paulo fosse imortalista, não diria que sem ressurreição os que morreram em
Cristo já teriam perecido e que a nossa esperança se limitaria apenas a esta vida, teria
dito que neste caso os que morreram em Cristo não estão no Céu e que
continuariam como espíritos incorpóreos para sempre.

Isso nos mostra que, na visão paulina, não existia nenhuma forma de vida racional entre a
morte e a ressurreição. Por isso, se não existisse ressurreição, seria o fim de tudo (cf .
1Co.15:18,19; 15:30,32). Vale a pena lembrar também que, se existisse uma alma imortal
em nós, então o fato de Cristo ter ou não ressuscitado nos garantiria de qualquer jeito uma
vida póstuma por meio dela, ainda mais quando de acordo com a teologia imortalista os que
morreram antes de Cristo já estariam com vida em algum lugar e, portanto, não poderiam
ter “perecido” como mostra o verso 18, e já obteriam uma vida póstuma contrariando o que
indica o verso 19.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 241


Para os imortalistas, os justos que morreram antes da ressurreição de Cristo já tinham suas
almas conduzidas ao Céu ou ao Seio de Abraão, a um lugar de paz e descanso , e, portanto,
o fato de Cristo ter ressuscitado ou não seria elementar, pois vida póstuma antes da
ressurreição aconteceria de qualquer jeito. Neste caso, Paulo também não teria dito que os
mortos sem a ressurreição de Cristo já teriam perecido ou estariam perdidos, mas teria dito
que ficariam para sempre no Céu ou no Sheol (o que não deixaria de ser um prêmio, ao
invés de uma perdição, como ele diz claramente no verso 18).

Ainda, seria errôneo afirmar que nossa esperança se limitaria apenas a esta presente vida
(v.19), já que, com ou sem a existência da nossa ressurreição ou da ressurreição de Cristo,
os mortos teriam sim uma vida póstuma, quando a suposta alma imortal se desligaria do
corpo após a morte, o que, segundo eles, já estava acontecendo desde o início da
humanidade, antes mesmo da ressurreição de Jesus ou da ressurreição geral dos demais
mortos. Portanto, não existem escapatórias à luz da clareza da linguagem de Paulo neste
capítulo sobre a ressurreição, que todo ele é uma negativa enfática à possibilidade de vida
consciente antes da ressurreição dos mortos.

Ele nega inteiramente que qualquer crente em qualquer era já pudesse estar com vida
antes da ressurreição. Os versos mostrados deixam bem claro que, na visão de Paulo, a
vida era somente a partir da ressurreição, e não antes da ressurreição em um estado
intermediário, como dizem os imortalistas. Evidentemente as únicas exceções a isso são os
que não passaram pela morte, como é o caso de Elias e Enoque e, portanto, não necessitam
de uma ressurreição, pois foram transladados vivos.

Mais algumas observações podem ser feitas à luz de todo o capítulo de 1ª Coríntios 15. O
último inimigo a ser vencido é a morte, que diante do contexto será vencida em função da
ressurreição, e não de uma alma imortal que vence a morte sendo liberta do corpo por
ocasião do falecimento. A morte não é tratada na Bíblia como sendo uma amiga, mas como
uma inimiga, como o último inimigo a ser vencido, que será destruído somente pela
ressurreição. Como bem destacou Oscar Cullmann:

"Somente aquele que discerne com os primitivos cristãos o horror da morte, que leva a
morte a sério como ela é, pode compreender a exultação da celebração da comunidade
cristã primitiva e entender que o pensamento de todo o Novo Testamento é governado pela
crença na ressurreição. A crença na imortalidade da alma não é a crença num evento
revolucionário. Imortalidade é, na verdade, só uma afirmação negativa: a alma não morre,
mas simplesmente continua viva. Ressurreição é uma afirmação positiva: todo homem, que
morreu de fato, é chamado de volta à vida por um novo ato criativo de Deus. Algo
aconteceu - um milagre de criação! Pois algo também tinha ocorrido anteriormente, algo
temível: a vida criada por Deus havia sido destruída"1 3 2

Se após a morte física nossa alma sobrevivesse e fosse direto à presença divina, a morte
teria sido vencida pela imortalidade da alma, e não somente pela ressurreição, no final de
todas as coisas, como nos diz João, no Apocalipse (cf. Ap.20:14). E, por fim, Paulo diz que,
se não há ressurreição, então ele lutou com feras em Éfeso à toa (v.32). Mas como seria “à
toa” caso ele fosse para o Paraíso do mesmo jeito só que desincorporado? Por que ele diz

132 CULLMANN, Oscar. Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos? Disponível em:
<http://www.mentesbereanas.org/download/imort-ressur_folheto.pdf>. Acesso em: 13/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 242
que não se aproveitaria nada disso, “se os mortos não ressuscitam”? Não valeria a pena
caso estivéssemos com nossa alma durante toda a eternidade no Paraíso do mesmo jeito?

Como vemos, para Paulo o Cristianismo só valeria a pena de ser vivido caso existisse a
ressurreição, pois sem ela a nossa luta diária seria inútil, seria em vão. É óbvio que Paulo
não imaginava que se pudesse estar no Céu como espírito incorpóreo antes da ressurreição.
E isso fica ainda mais nítido com o verso seguinte, onde ele diz:

“Se os mortos não ressuscitam, então comamos e bebamos, que amanhã morreremos”
(v.32)

Segundo o apóstolo, a melhor opção seria aproveitar hedonisticamente esta vida, “comendo
e bebendo e depois morrendo”. Qual a razão para Paulo falar deste jeito? Simplesmente
porque se a ressurreição não existe então também não e xistiria nenhuma vida póstuma.
Seria o “morrer e acabou”. Para sempre. A melhor opção, então, seria “comer e beber, e
depois morrer”! Clarissimamente o que se segue à morte não é um “estado intermediário
das almas”, mas sim a ressurreição na volta de Crist o (v.22,23).

Sem a realidade da ressurreição, não há nenhuma esperança de vida eterna. Também é


importante analisarmos o verso 30: “E por que também nós nos expomos a perigos a toda
hora? Dia após dia morro!” (v.30). Para Paulo, não fosse a ressurreição dos mortos, nem
valia a pena viver, porque a morte seria o fim de tudo. Por isso, o melhor a fazer seria viver
hedonisticamente esta vida (v.32), pois não existiria uma vida póstuma (v.19), e ele estaria
exposto a perigos sem razão lógica nenhuma (v.30)! Citando de exemplo uma prática
existente entre os pagãos, Paulo diz:

“Se não há ressurreição, que farão aqueles que se batizam pelos mortos? Se absolutamente
os mortos não ressuscitam, por que se batizam por eles?” (1ª Coríntios 15:29)

Paulo usa o exemplo “deles” (os pagãos), que tinham o costume de batizar em favor dos
mortos, por causa da esperança deles na ressurreição. Mas, se os mortos não
ressuscitam, então este batismo que era feito em favor deles seria simplesmente inútil, uma
perda de tempo. Difícil imaginar isso no caso de que as almas já estivessem em algum lugar
após a morte, pois, neste caso, tal batismo pelos mortos teria efeito com ou sem a
ressurreição acontecer!

Mas, na teologia bíblica, este verso faz total sentido. Afinal, se não há ressurreição, não há
vida póstuma, já que a vida póstuma se inicia na ressurreição. E, se não há vida póstuma,
não há razão de se batizar pelos mortos. Aqueles que batizavam pelos mortos não faziam
isso por crer na imortalidade da alma, mas por crer na ressurreição. Eles tinham a
esperança de que aqueles que já morreram iriam um dia retornar à vida por meio de uma
ressurreição dentre os mortos, e, com essa esperança, batizavam em favor deles. Mas, se
não há ressurreição, não há retorno à vida, não há retorno à existência – por isso a
inutilidade de tal batismo! Portanto, até mesmo quando Paulo faz uso do exemplo do
convívio dos pagãos, mesmo assim há a clara menção de que é só por meio da
ressurreição, e não antes dela, que alcançamos a vida.

Claramente Paulo não imaginava de jeito nenhum que sem a ressurreição os que já
morreram viveriam eternamente do mesmo jeito por meio de uma alma imortal. O contexto
todo faz com que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso abandone completamente

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 243


na mesma hora a heresia de que “morremos e vamos com as nossas almas imortais para o
Céu, e a ressurreição é de um simples corpo morto que se religa às nossas almas no Paraíso
por ocasião da ressurreição que acontece na segunda vinda de Cristo”.

A coisa mais absurda que algum imortalista diria é que sem a ressurreição o melhor que
temos a fazer é viver hedonisticamente sem mais nenhuma esperança, porque para eles a
vida seria eterna do mesmo jeito por meio de uma alma imortal em nós implantada . A
ressurreição, sendo ou não sendo uma realidade, não impediria a vida após a morte. Seria
um mero detalhe sem muita importância, pois nós viveríamos eternamente, seríamos
julgados e todas as demais coisas seriam feitas sem corpo. Isso é claramente negado pelas
palavras do apóstolo Paulo.

A verdade é que a própria esperança de vida eterna ou imortalidade teria perecido em caso
que a ressurreição na volta de Cristo não existisse (cf. 1Co.15:18,19,30,32), o que nos
mostra claramente que a esperança cristã não é a de eternidade po r meio de uma alma
imortal implantada em nós por ocasião do nascimento, mas sim de uma imortalidade
mediante a ressurreição dos mortos, o foco de todo o capítulo (cf. 1Cor.15) ; aliás, de todo o
Novo Testamento. É apenas pela ressurreição, por meio da ressurreição e na ressurreição
que obteremos a imortalidade. Paulo nega em absoluto a existência de vida póstuma senão
por ocasião da ressurreição dentre os mortos, a nossa esperança.

Do início ao fim, o apóstolo segue a linha de pensamento holista. Sendo que não existe uma
“alma imortal”, então não existe uma vida “com almas” antes da ressurreição. Por isso, se
essa ressurreição não existe, então os que dormem em Cristo já teriam perecido. Por isso, a
nossa esperança se limitaria apenas a esta presente vida. Por isso, Paulo teria lutado com
feras em Éfeso totalmente à toa, pois não existiria uma vida póstuma. Então, o melhor a
fazer caso os mortos não ressuscitassem seria “comer, beber e depois morrer”. Seria o fim.
Não fosse pelo fator ressurreição, a morte que cada indivíduo passa seria o fim definitivo de
sua existência.

É óbvio que Paulo não tinha a mínima noção de que a ressurreição se limitava a um simples
corpo mortal que se religaria ao nosso “verdadeiro eu”, as nossas almas imortais que já
estariam no Paraíso em uma existência contínua. Qual nada, se não fosse pela ressurreição,
já teriam perecido. Mas, de fato, Paulo traz uma esperança. Essa é a mesma esperança que
os apóstolos alimentavam tanto: a esperança da ressurreição dentre os mortos, no último
dia.

Paulo dá um motivo de esperança e de alegria aos coríntios, que não se baseava na ilusão
pagã de que as nossas almas imortais já estariam no Céu, mas sim no dia em que todos os
que estão literalmente mortos seriam vivificados. E essa esperança é apresentada nos
versos 22 e 23 de maneira mais clara: “Porque, assim como todos morrem em Adão,
assim também todos serão vivificados em Cristo. Mas cada um por sua ordem: Cristo as
primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda”.

Em Adão todos morremos, literalmente, pois Adão desobedeceu as ordens de Deus,


tornando-se mortal, sendo enganado pela mentira de Satanás de que certamente não
morreria (cf. Gn.3:4). Porém, a esperança é de que, em Cristo Jesus, todos serão
vivificados. De acordo com o dicionário, “vivificar” significa exatamente “Dar vida a; fazer
existir”. Os mortos voltarão à vida na ressurreição do último dia, na gloriosa volta do
Nosso Senhor Jesus Cristo.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 244


Curioso é notar que, enquanto por todo o capítulo o apóstolo lista uma série de fatos
trágicos que seriam realidade na hipótese de não existir ressurreição, ele por fim cita as
boas-novas, falando sobre o meio pelo qual podemos ganhar vida novamente no futuro,
onde em momento nenhum é mencionado que seja através de uma alma imortal
imediatamente após a morte, mas sim por meio da ressurreição dos mortos, quando
seremos vivificados na segunda vinda de Cristo (cf. 1Co.15:22,23).

Não é a toa que Paulo passou algumas epístolas falando capítulos inteiros sobre a
ressurreição, como em 1ª Coríntios 15, o único capítulo na Bíblia completamente elaborado
à ressurreição dos mortos, mas não há referência nenhuma à religação dos corpos
ressurretos a almas deixando o Céu, o inferno ou o purgatório. Como Paulo poderia ter se
esquecido do ponto mais fundamental da doutrina da ressurreição, no ponto de vista
dualista?

Certamente os teólogos imortalistas do século XXI com as suas doutrinas dualistas iriam dar
uma “aula teológica” para o apóstolo Paulo aprender a falar de algo tão importante na
doutrina da ressurreição! Não seria estranho que Paulo deixasse de mencionar isso
inteiramente em sua discussão acerca daquilo que acontece na ressurreição? Afinal, tal
conceito é de fundamental importância a fim de compreendermos o que se dá em tal
ocasião. Se Paulo fosse imortalista, certamente não hesitaria em mencionar um “fato” tão
importância dentre os acontecimentos que sobrevêm na ressurreição!

E olha que Paulo não poupou palavras sobre o tema. Disse sobre as consequências da
ressurreição (v.19,20), disse sobre as testemunhas da ressurreição (v.4,5), disse sobre o
seu próprio testemunho (v.8), disse sobre a ressurreição de Cristo (v.13), disse sobre
quando seremos vivificados (v.22,23), disse sobre o inimigo da ressurreição (v.2 6), disse
com que tipo de corpos virão (v.36-39), disse sobre os corpos celestes e os corpos
terrestres (v.40), disse sobre o corpo semeado e o corpo ressurreto (v.v.42-44), disse
sobre a imagem do homem terreno e celestial (v.47,48), disse sobre quando se remos
imortais (v.53), disse sobre quando seremos incorruptíveis (v.51-54), disse sobre quando a
morte é tragada (v.54,55). .. mas sobre a religação de corpos ressurretos com almas
incorpóreas, um dos principais pontos e focos da doutrina da imortalidade da alma
no contexto da ressurreição... nada!

Mais do que isso, ele acentua o momento em que realmente atingiremos a imortalidade:

“Eis que eu lhes digo um mistério: Nem todos dormiremos, mas todos seremos
transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta.
Pois a trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós seremos transformados.
Pois é necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que
é mortal, se revista de imortalidade. Quando, porém, o que é corruptível se revestir de
incorruptibilidade, e o que é mortal, de imortalidade, então se cumprirá a palavra que
está escrita: A morte foi destruída pela vitória” (cf. 1Co.15:51-54)

Como vemos, a imortalidade não é algo que nós já possuímos (supostamente na forma de
uma alma imortal dentro de nosso ser), mas sim algo pelo qual nos revestiremos, no
futuro. E quando? Na ressurreição dos mortos.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 245


Poderíamos resumir os argumentos levantados em torno de 1ª Coríntios 15 com um quadro
que resume o contraste entre a teologia paulina com a teologia imortalista:

O QUE ACONTECERIA CASO A RESSURREIÇÃO NÃO EXISTISSE


PARA OS IMORTALISTAS PARA O APÓSTOLO PAULO
Os mortos ficariam desencarnados para Os que dormiram em Cristo já pereceram –
sempre cf. 1Co.15:18
Existiria uma vida póstuma em forma de A nossa esperança se limitaria apenas a esta
“espírito incorpóreo” presente vida – cf. 1Co.15:19
Deveríamos dar o máximo pela nossa O melhor a fazer seria viver a vida
salvação pois as nossas almas ficariam para hedonisticamente, “comamos e bebamos,
sempre no Céu do mesmo jeito, embora para que amanhã morramos” – cf.
sem um corpo físico 1Co.15:32
Valeria a pena ficar em perigo pois as Estaríamos correndo perigo totalmente à toa
nossas almas ficariam para sempre no Céu – cf. 1Co.15:30
do mesmo jeito
Na ressurreição a alma imortal se religa ao Pessoas são mortas, pessoas são vivificadas
corpo morto na volta de Cristo – cf. 1Co.15:22,23
A morte é vencida quando a alma imortal A morte só é vencida por ocasião da
vence a morte sendo liberta da prisão do ressurreição dos mortos – cf. 1Co.15:55
corpo
Nós já detemos a imortalidade na forma de A imortalidade é uma possessão futura, a
uma alma imortal implantada em nosso ser qual só alcançaremos com a ressurreição
dos mortos – cf. 1Co.15:51-54

Com tudo isso, podemos constatar que, na visão de Paulo, a imortalidade está ligada
unicamente à ressurreição dos mortos, como podemos ver em todo o capítulo de 1ª
Coríntios 15. E Paulo termina o capítulo da seguinte maneira: “Portanto, meus amados
irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que o
vosso trabalho no Senhor não é em vão” (cf. 1Co.15:58). No capítulo inteiro toda a
esperança da recompensa pelo trabalho dos cristãos não é relativa a uma alma imortal que
lhes garante a imortalidade, mas unicamente ligada à ressurreição na volta de Cristo.

Se todos os crentes tivessem uma alma imortal implantada dentro deles, Paulo certamente
lhes lembraria disso como garantia certa de imortalidade e de recompensa pelo trabalho no
Senhor. Contudo, vemos em todo o capítulo que a ressurreição é o único fundamento e
penhor da esperança do crente a fim de atingir uma vida eterna e imortalidade na volta de
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.

XVII–A consolação do apóstolo Paulo aos Tessalonicenses

“Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas palavras” (cf. 1ª Tessalonicenses 4:18)

Paulo responde a várias perguntas dos tessalonicenses que foram feitas a ele sobre a vida
pós-morte, e lhes dá uma palavra de conforto, a qual ele diz para consolar-vos uns aos
outros com essas palavras. Mas qual foi essa consolação? A consolação de que os que
morreram já estão todos no Céu e desfrutando da glória ou a esperança de que um dia
todos os mortos iriam ressuscitar? O contexto todo aponta para a segunda alternativa:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 246


“Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para
não vos entristecerdes como os demais, que não têm esperança. Pois, se cremos que Jesus
morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, em sua companhia, os
que dormem. Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de
arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão
primeiro. Ora, ainda vos declaramos, por palavra do Senhor, isto: nós, os vivos, os que
ficarmos até à vinda do Senhor, de modo algum precederemos os que dormem” (cf. 1ª
Tessalonicenses 4:13-15)

O contexto é totalmente voltado para a esperança da ressurreição dentre os mortos. A


pergunta que incomoda os imortalistas é: por que razão Paulo não consolou os
tessalonicenses dizendo que os mortos já estavam no Céu, mas em momento nenhum disse
isso e trouxe como única esperança de consolo a ressurreição dentre os mortos? Por que
razão Paulo iria ocultar uma verdade tão fundamental e importante que é tão
insistentemente ensinada pelos imortalistas quando eles falam "com respeito aos que
dormem"?

Por que quando um imortalista fala sobre os que já morreram nunca hesita em mencionar
que os tais já estão salvos no Céu, mas Paulo, ao contrário, omite isso e cita apenas a
ressurreição como fonte de consolo? Se os mortos já estão com Cristo, o que custava ele
ter consolado os tessalonicenses com essa palavra, e não frisar apenas na ressurreição?
Por acaso um imortalista comum costuma consolar alguém que tem um ente querido morto
destacando apenas e tão somente a ressurreição, sem fazer qualquer alusão de que tal
pessoa já esteja no Céu? Como bem destacou o Dr. Samuelle Bacchiocchi:

“Se Paulo realmente cresse que ‘os mortos em Cristo’ não estavam de fato mortos nas
sepulturas, mas vivos no céu como almas desincorporadas, teria se aproveitado de sua
bendita condição no céu para explicar aos tessalonicenses que a lamentação deles era sem
sentido. Por que lamentar por seus amados, se estavam já desfrutando as bênçãos
celestiais? A razão de Paulo não lhes dar tal encorajamento é, obviamente, o fato de que
sabia que os santos adormecidos não estavam no céu, mas em suas sepulturas” 1 3 3

Paulo foca-se inteiramente na esperança da ressurreição ao consolar os tessalonicenses


sobre os seus parentes já falecidos. Quanta diferença para os dias de hoje , em que a
consolação é sempre voltada ao “fato” de que a pessoa supostamente “já está na glória”, e
a ressurreição (que é tomada como sendo apenas a adição de um corpo) virou um simples e
mero detalhe! Para Paulo, contudo, a única esperança para o cristão que hoje descansa é a
ressurreição (cf. 1Ts.4:18).

Dito em termos simples, Paulo consolou os tessalonicenses dizendo: "Não se entristeçam


como os demais que não tem esperança, pois nós temos uma esperança: de que os mortos
irão ressuscitar quando Jesus voltar"! Um imortalista, no lugar de Paulo, teria dito: "Não se
entristeçam como os demais que não tem esperança, pois os que morreram já estão
desfrutando das bênçãos paradisíacas do Céu". A diferença entre ambas é gritante, pois
uma tem seu foco na ressurreição, enquanto outra sobrepõe a ressurreição com um ensino
estranho às Escrituras, que deixa sem sentido a esperança de ressuscitar, já que os que
morreram já estariam com Cristo.

133 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007, p. 136.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 247
E assim estaremos com o Senhor – “Porque o Senhor mesmo descerá do céu com grande
brado, à voz do arcanjo, ao som da trombeta de Deus, e os que morreram em Cristo
ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos seremos arrebatados juntamente
com eles, nas nuvens, ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre
com o Senhor” (cf. 1ª Tessalonicenses 4:16,17).

Paulo deixa claro o modo pelo qual um crente pode "estar com o Senhor", expressando essa
ideia ao longo de todo o contexto. Para os vivos, esse meio é o arrebatamento ou
transladação dos crentes por ocasião da vinda de Cristo; para os mortos, esse meio é a
ressurreição dos mortos. Paulo simplesmente não deixa qualquer outra alternativa aqui.
Sobre este texto, Joe Crews fez essa importante observação:

"Observe o significado da palavra 'ASSIM'. Significa 'desta forma', 'deste modo', 'por esse
meio'. 'ASSIM', desta maneira, por este meio, 'nós estaremos com a Senhor'. Ao detalhar,
sem qualquer limitação, a forma e os meios pelos quais nós vamos estar com o Se nhor,
Paulo exclui todos os outros meios. Se existe outra maneira de conseguir estar com o
Senhor, depois de vermos a clara linguagem de Paulo, é uma estupenda falsidade. Se nós
vamos estar com o Senhor através do nosso espírito imortal quando morrermos, e ntão não
vamos estar com Ele por meio da vinda visível de Jesus, a ressurreição dos mortos, e a
transformação para a vida. As palavras de Paulo, então não seriam verdade. Não existe
uma forma possível de evitar tal conclusão, salvo afirmando que a descida do Senhor do
céu, o poderoso brado, a trombeta, a ressurreição dos mortos e a transformação para a
vida, todos ocorreriam quando a pessoa morre – uma posição demasiado absurda para ser
considerada"1 3 4

Azenilto Brito complementa:

"Observem novamente que, em 1 Tessalonicenses 4:16, 17, Paulo espera estar presente
com o Senhor. Ele descreve a vinda gloriosa de Cristo, a ressurreição dos mortos e a
trasladação dos santos vivos . Então diz que 'assim estaremos sempre com o Senhor'. Essa
palavra 'assim' significa, portanto, desta forma, ou por esse meio. Ele está dizendo: Isto é
como vamos chegar a estar com o Senhor. Se, portanto, é através da vinda de Cristo e da
ressurreição que chegaremos a estar com o Senhor, então é óbvio que não vamos estar
com o Senhor antes desse tempo"1 3 5

Desta forma, podemos ver que Paulo exclui a ideia de estar com o Senhor através de uma
alma imortal que sobrevive à parte do corpo após a morte, pois coloca como únicos meios
para se estar com Cristo a ressurreição (para os mortos) e o arrebatamento (para os vivos).
Nada de uma outra opção alternativa para aqueles que já morreram!

“Não sejamos ignorantes” – “Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca
dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm
esperança. Cremos que Jesus morreu e ressurgiu, assim também cremos que aos que

134 CREWS, Joe. O que a Bíblia diz sobre estar ausente do corpo. Disponível em:
<http://setimodia.wordpress.com/2008/12/16/livreto-o-que-a-biblia-diz-sobre-estar-ausente-do-corpo/>.
Acesso em: 19/08/2013.
135 BRITO, Azenilto Guimarães. O que é estar ausente do corpo. Disponível em: <http://www.c-

224.com/Ausente.html>. Acesso em: 19/08/2013.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 248
dormem em Jesus, Deus os trará com Ele” (cf. 1Ts.4:13,14). Não podemos enfrentar a
morte como aqueles que já perderam a esperança. Sabemos que os que já dormiram em
Cristo serão ressuscitados para a vida eterna. Essa é a grande esperança pela qual vive o
cristão (cf. 1Cor.15).

Paulo inicia o verso 15 dizendo que não queria que os seus leitores fossem ignorantes
sobre aqueles que dormem, ou seja, os mortos ("não quero que sejais ignorantes acerca
dos que já dormem"), o que significa que ele não queria que os tessalonicenses não
tivessem em conta o estado dos mortos, mas que eles tivessem conhecimento, para que
não fossem ignorantes (i.e, não instruídos, sem conhecimento). Estranho o apóstolo não
querer que eles ficassem sem conhecimento sobre os que dormem, e mesmo assim não
dizer absolutamente nada sobre eles estarem no Céu! Desse modo, eles continuariam na
ignorância sobre os que dormem!

Se Paulo não queria que eles fossem ignorantes sobre os mortos ele certamente teria dito
aquilo que é a base de toda a doutrina imortalista: que os que morreram já estão no Céu,
assegurados entre os salvos. Isso sim, além de tirar os tessalonicenses da ignorância, ainda
serviria como uma boa base de consolo a eles, que era o objetivo do apóstolo (cf.
1Ts.4:18).

Contudo, nada é nos dito sobre eles já estarem salvos no Céu, mas tudo aquilo que eles
precisavam saber sobre os que dormem a fim de serem consolados é que eles um dia irão
ressuscitar, e que haverá o reencontro entre eles e nós nos ares. Uma concepção
totalmente holista da natureza humana, onde somente nos reencontramos com nossos
entes queridos na volta de Cristo, onde os mortos somente voltam à vida na ressurreição, e
onde a única esperança e fonte de consolo é a expectativa pela da ressurreição da vida.

Seria um absurdo que Paulo, que não queria que seus leitores fossem ignorantes acerca
dos que dormem, não dissesse nada sobre eles já estarem no Paraíso, caso eles lá
estivessem. Não ser “ignorante” significa exatamente a falta de conhecimento, sabedoria e
instrução sobre determinado tema. Então, após insistir que os tessalonicenses não tivessem
falta de conhecimento ou instrução sobre os seus parentes falecidos, ele esclarece a
situação deles sem dizer nada que os mortos já estivessem no Céu.

Ora, se os mortos já estivessem no Céu então Paulo teria deixado os


tessalonicenses continuarem na ignorância, que era exatamente aquilo que Paulo
estava lutando contra! Em termos simples, ele estaria dizendo para que “não fossem
ignorantes” e depois tê-los deixado continuarem na ignorância! O mesmo apóstolo Paulo
escreveu aos coríntios que “acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais
ignorantes” (cf. 1Co.12:1). A mesma coisa que Paulo disse aos tessalonicenses sobre os
mortos ele disse aos coríntios sobre os dons espirituais: que não queria que eles ficassem
na ignorância. Então, o que ele faz em seguida?

Ele realmente não queria que eles tivessem falta de conhecimento a respeito de nada sobre
os dons espirituais, e lhes fala tudo: fala sobre os dom de línguas (cf. 12:10), sobre o dom
de sabedoria (cf. 12:8), sobre a palavra de conhecimento (cf. 12:8), sobre o dom de cura
(cf. 12:9), sobre o dom da fé (cf. 12:9), sobre o dom de operação de milagres (cf. 12:10),
sobre o dom de discernimento de espíritos (cf. 12:10), sobre o dom de variedades e de
interpretação de línguas (cf. 12:10), sobre a diversidade de dons (cf. 12:4), sobre a
diversidade de ministérios (cf. 12:5), sobre a diversidade de operações (cf. 12:6), sobre as

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 249


manifestações do Espírito (cf. 12:7), sobre que nem todos tem os determinados dons (cf.
12:28-30), fala mais um capítulo inteiro sobre o dom de línguas (cap.14), fala quais são os
dons de edificação coletiva (da Igreja) e quais são os dons de edificação pessoal (cf. 14:4),
sobre quais são os dons maiores e quais são os dons menores (cf. 12:1,39), fala que o
espírito dos profetas está sujeito aos profetas (cf. 12:32); enfim, fala sobre TUDO! Paulo
realmente não queria que eles continuassem na ignorância!

Igualmente, ele fala que “não quero que sejais ignorantes acerca dos que dormem” (cf.
1Ts.4:13), ou seja, sobre aqueles que já morreram, mas não fala nada sobre eles já
estarem no Céu, não fala nada sobre a imortalidade da alma, não fala nada sobre religação
de corpo com alma na ressurreição, não fala nada sobre “almas” ou “espíritos” subsistindo à
parte do corpo, não faz descrição nenhuma e nem qualquer menção do “estado
intermediário”, e a sua única fonte de consolação a eles é voltada inteiramente e
unicamente na ressurreição dos mortos, sem mencionar absolutamente nada daquilo
que os imortalistas pregam! Parece até que ele queria que os tessalonicenses
continuassem na ignorância!

E o mesmo apóstolo ainda diz: “... para que não vos entristeçais como os demais, que não
tem esperança” (v.13). Por que Paulo diz isso? Porque, para algumas pessoas, a morte era
o fim total da vida e nunca mais eles voltariam a viver um dia. Essas pessoas não tinham
mais esperança nenhuma. Inscrições em túmulos e referências na literatura demonstram
que os pagãos daquela região encaravam com pavor a morte, considerando -a o fim de tudo,
para sempre. Paulo, contudo, não queria que os tessalonicenses fossem como essas
pessoas. Consolou-lhes dizendo que não deviam ser como tais que não tinham mais
esperança nenhuma.

Para o verdadeiro cristão, a morte não é o fim para sempre. A Bíblia nos traz a realidade da
ressurreição no último dia, quando os mortos serão vivificados (cf. Jo.6:39,40; 5:28,29;
1Co.15:22,23). E é exatamente isso que Paulo escreve aos tessalonicenses: a morte não é
o fim completo, existe ressurreição! Da mesma forma que Cristo ressurgiu, os mortos
também ressurgirão um dia. Os outros não tinham mais esperança nenhuma por
acreditarem que os mortos nunca mais viveriam, mas Paulo faz a ressalva de que ainda
existe a esperança de alcançarem a ressurreição na vinda de Cristo.

Os outros não tinham mais esperança, mas Paulo lhes trazia uma esperança: a esperança
de ressurgir dentre os mortos no último dia. Paulo não queria que os tessalonicenses se
entristecessem, não porque os que “dormem” já estivessem no Céu, mas porque existia a
esperança da ressurreição na volta de Cristo. É evidente que ele realmente não os deixou
na ignorância, assim como na carta aos Coríntios em que ele não queria que fossem
ignorantes nos dons espirituais e não os deixa na ignorância disso, pelo contrário, passa a
expor-lhes detalhadamente a questão.

Da mesma forma, com os tessalonicenses ele disse absolutamente tudo aquilo que eles
precisavam saber com respeito aos que já dormiram para que eles não continuassem na
ignorância; ou seja, que eles iriam ressuscitar, passando a expor-lhes em detalhes como se
dariam os eventos finais da ressurreição, pois isso é tudo o que é necessário para o cristão
saber. O evangelho bíblico é algo realmente muito simples: você morre e só volta ao estado
de vida na ressurreição, essa é a consolação do cristão, e tudo o que o c rente precisa saber
sobre os mortos é que eles voltarão à vida quando Cristo voltar e nos tomar com Ele.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 250


XVIII–“Buscando” aquilo que nós já temos?

“E vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem, buscam glória, honra e
imortalidade” (cf. Romanos 2:7)

A Vida Eterna e a Imortalidade – Ter uma vida eterna é exclusividade apenas daqueles que
“perseveram em fazer o bem”, e a “imortalidade” não é algo que todos possuam dentro de
si, visto que tem que ser buscada. Ora, quem já viu alguém buscar uma coisa que todo
mundo já tem independente de ser bom ou mal, justo ou ímpio? Ninguém busca aquilo que
já se possui. Buscamos aquilo que não temos, mas almejamos ter. Também não é todos os
que conseguem alcançar, visto que se fosse assim não seria necessário “perseverar em
fazer o bem”. De acordo com o apóstolo Paulo, então, podemos assegurar que:

(1) A imortalidade não é uma possessão natural, visto que tem que ser buscada.

(2) Nem todas as pessoas a alcançam, mas apenas aqueles que “perseveram em fazer o
bem”.

Essas duas conclusões concordam afirmativamente com tudo aquilo que já vimos até aqui.
Se existisse uma ama imortal presa dentro do nosso corpo, mas liberta por ocasião da
morte, então a imortalidade não teria que ser buscada. Visto que deve ser buscada, então
nós não a temos. Ninguém diz: “vamos buscar a imortalidade” se todo mundo já tem uma
alma imortal que garante imortalidade a todos. Se temos que buscar é porque não a
possuímos agora, e porque nem todos a alcançam. No texto original grego, a palavra usada
foi aphtharsia, que, de acordo com a Concordância de Strong, significa:

861 αφθαρσια aphtharsia


de 862; TDNT - 9:93,1259; n f
1) incorrupção, perpetuidade, eternidade.

Paulo empregou essa palavra porque ambos os sentidos fazem a lógica de pensamento
dele. A vida eterna é dada a todos aqueles que buscam a “ glória [...] honra [...]
imortalidade [...] incorruptibilidade”. Se Paulo achasse que a imortalidade não tem que
ser buscada assim como a glória, a honra e a incorruptibilidade, então de modo algum teria
utilizado uma palavra que tem ambos os significados. O fato aqui é que o apóstolo
considerava tanto a imortalidade como a incorruptibilidade como dons que devem ser
buscados, de outra maneira não teria empregado a palavra aphtharsia.

Empregando tal palavra, Paulo deixa claro que tanto a imortalidade como a
incorruptibilidade tem que ser buscadas, porque a palavra aqui empregada significa ambas
e Paulo não iria querer passar tão tremenda confusão aos seus leitores. Se somos imortais,
por que devemos ainda buscar a imortalidade e a incorruptibilidade? Se devemos buscar, é
porque não a temos. Não se procura por algo que já se possui, supostamente na forma de
um elemento eterno que se carregaria no íntimo do ser.

A imortalidade não é algo que já somos possuidores mediante uma alma imortal,
mas algo que tem que ser buscado e que só a alcança aqueles que perseveram em
fazer o bem. Obter futura imortalidade não é algo simplíssimo pela implantação de uma

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 251


alma imortal em nosso interior, mas sim um prêmio que implica em perseverança e busca,
e que é alcançado por aqueles que fazem por merecer.

Ademais, se temos que buscar a imortalidade, então é certo também que nem todos a
alcançam (de outra forma não deveríamos buscá-la!). O próprio fato de a imortalidade ter
de ser buscada prova que não é algo que todos conseguem obter; é como uma corrida, em
que somente os melhores alcanç am a coroa da vida e aquilo que Paulo chama de
“imortalidade”. O contexto todo também faz desmoronar diante de nossos olhos qualquer
teoria de que os ímpios também são imortais.

Em primeiro lugar, porque a imortalidade é dada a todos aqueles que busca m alcançar a
“glória... a honra... e a imortalidade”. É evidente que nem todos alcançam a glória e é
evidente também que nem todos alcançam a honra – glória e honra apenas os justos
alcançam. Visto que a imortalidade também é imediatamente ligada a elas, é uma
presunção lógica que apenas os justos alcançam a imortalidade, que tem que ser buscada
tanto quanto a glória e a honra!

DEVE SER BUSCADA MOTIVO


Glória (cf. Rm.2:7) Nem todos a alcançam
Honra (cf. Rm.2:7) Nem todos a alcançam
Imortalidade (cf. Rm.2:7) Nem todos a alcançam

Se existisse em nós algum elemento eterno, imortal, imaterial, supostamente implantado


em nós desde o nascimento, então todos “alcançariam” a imortalidade, até porque todos já
possuiriam a imortalidade. Dizer que a glória e honra só são alcançadas por alguns mas a
imortalidade todos possuem é negar a clareza textual bem como o próprio contexto em
pauta.

Em segundo lugar, a imortalidade é dada àqueles que “perseveram em fazer o bem” (v.7),
ou seja, se você não persevera em fazer o bem você não alcança a imortalidade! Tendo em
vista tudo isso, fica muito claro que a imortalidade não é uma possessão natural que todos
possuem mediante a posse de uma alma imortal, mas é um dom de Deus que Ele concede
pela Sua Graça a todos aqueles que a buscam, e que a desfrutarão por ocasião da
ressurreição da vida. Outra passagem em que Paulo reafirma a sua crença de que a
imortalidade não é uma possessão natural do ser humano e é apenas para os justos,
aqueles mesmos que “perseveram em fazer o bem”, se encontra em sua segunda epístola a
Timóteo:

“E que agora se manifestou pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual
destruiu a morte, e trouxe à luz a vida e a imortalidade pelo evangelho” (cf. 2ª Timóteo
1:10)

A Nova Versão Internac ional traduz por: “imortalidade por meio do evangelho”. A ARA traz
“imortalidade mediante o evangelho”. Isso indica que a imortalidade não é algo que todas
as pessoas têm ou possuam, mas algo que é alcançado somente mediante o evangelho.
Isso explica o porquê que Paulo afirma categoricamente que só a obtêm aqueles que a
“buscam”, e “perseveram em fazer o bem”!

Se a imortalidade é por meio do evangelho então aqueles que desprezam o evangelho não
alcançam a imortalidade. E se só a obtém os que a alcançam por meio do evangelho, então

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 252


não existe uma alma imortal implantada dentro de nós, pois se assim o fosse a imort alidade
seria para todos, dentro ou fora do evangelho. Ademais, se Paulo cresse que a imortalidade
é para todos, não diria que ela é mediante o evangelho, se até mesmo um ímpio ou pagão
que nem conhece a Jesus ou o despreza a obtém através de uma alma imortal.

A imortalidade, então, não seria "por meio do evangelho", mas s eria por meio de uma alma
imortal que qualquer ímpio possui. Por que razão Paulo faz questão de acentuar que a
imortalidade é por meio do evangelho? Porque aqueles que não seguem o evangelho não
alcançam a imortalidade, que é um dom concedido por Deus (cf. Rm.6:23) , após a
ressurreição dos mortos (cf. 1Co.15:51-54; Jo.5:28,29). Nisso fica mais do que evidente
que não existe uma alma imortal implantada nos seres humanos.

Mais algumas considerações importantes nos escritos de Paulo nos revela que a
imortalidade (obter uma vida eterna) é um dom concedido por Deus:

“Que fruto vocês colheram então das coisas as quais agora vocês se envergonham? O fim
delas é a morte! Mas agora que vocês foram libertos do pecado e se tornaram escravos de
Deus, o fruto que colhem leva à santidade, e o seu fim é a vida eterna. Porque o salário
do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso
Senhor” (cf. Romanos 6:23)

O salário (i.e, o fim) do pecado não é uma existência eterna, mas a morte. O pecado tem
por finalidade a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, destinada apenas
àqueles que creem. Definir “morte” com outro significado aqui além de “cessação de vida” é
rejeitar o fato de que se trata dos destinos finais e está sendo usado em contraste com
“vida”, sendo que Paulo apresenta a nós os dois caminhos finais: a morte ou a vida.

O texto não diz que o ímpio viverá eternamente em tormento, aqui se contrastam a vida e a
morte. Quanto ao destino final dos ímpios, este tema será mais abordado mais adiante. Por
enquanto, o que eu quero colocar em evidência é o fato de que ter uma vida eterna é um
dom, dom este concedido por Deus. Não é qualquer um que tem o dom de alcançar uma
imortalidade. Stephen H. Travis definiu acertadamente o que é a imortalidade da seguinte
maneira:

“A imortalidade da alma é uma doutrina não-bíblica derivada da filosofia grega. No ensino


bíblico o homem é ‘condicionalmente imortal’--isto é, ele tem a possibilidade de tornar-se
imortal se receber a ressurreição e imortalidade como um dom de Deus. Isso deixaria
implícito que Deus concede a imortalidade na ressurreição àqueles que O amam, mas os
que a Ele resistem perdem a existência”1 3 6

Ter uma vida eterna (ou imortalidade) não é uma garantia por meio de uma alma eterna
em nós implantada, mas sim uma esperança para aqueles que tem fé em Jesus, uma
promessa futurística, e não algo já presente na forma de um elemento imortal presente no
nosso ser: “Fé e conhecimento que se fundamentam na esperança da vida eterna, a qual
o Deus que não mente prometeu antes dos tempos eternos” (cf. Tt.1:2).

O que nos garante ter no futuro uma vida eterna não é uma alma que já esteja implantada
em nós, mas a nossa fé e esperança em confiar que Deus é fiel para cumprir a sua
promessa “que Ele o fez a fim de que, justificados por sua graça, nos tornemos seus

136 TRAVIS, Stephen H. Eu Creio na Segunda Vinda de Jesus. Grand Rapids, 1982, p. 198.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 253
herdeiros, tendo a esperança da vida eterna” (cf. Tt.3:7). Se já possuíssemos uma alma
eterna que não perece na morte, então a imortalidade não seria uma “esperança”, mas
algo já certo e concretizado na forma deste elemento eterno, imortal, que seria a alma.

Contudo, vemos que a vida eterna é uma esperança porque não temos em nós mesmos
algo que nos garanta tal imortalidade, mas cremos (pela fé) que o mesmo Deus que
ressuscitou ao Senhor Jesus nos ressuscitará também, e essa é a esperança do verdadeiro
cristão. A imortalidade não é uma possessão natural do ser humano decaído, pois o pecado
atingiu tanto o corpo como a alma; a morte entrou no mundo não apenas para o corpo, mas
para o ser integral que foi desobediente e rebelde a Deus. O mesmo apóstolo Paulo escreve
para que “purifiquemo-nos de tudo o que contamina o corpo e o espírito, aperfeiçoando
a santidade no temor de Deus” (cf. 2Co.7:1), porque o espírito não está isento da
contaminação do pecado que atingiu o corpo.

Mas os justos, que são lavados e purificados no sangue do Cordeiro, tem a esperança de
herdarem, por meio do evangelho, a imortalidade. Atualmente, falar em “imortalidade” já
transformou-se em algo tão comum, banal e ordinário que poucas pessoas sabem
realmente que a natureza humana, como um todo, é mortal, mas Deus, em Sua infinita
misericórdia, concede uma vida eterna àqueles que lhes buscam.

Essa é a verdade do evangelho puro e sincero. É por isso que um homem perguntou ao
Filho do homem: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” (cf. Lc.18:18). A
vida eterna é um dom de Deus, e não uma realidade já presente em qualquer um na forma
da alma. Deus não distribui dons assim para qualquer um, e não é sádico para fazer com
que algumas pessoas tenham que buscar a imortalidade se todos já a possuem de qualquer
maneira.

XIX–Deus, o único que possui a imortalidade

Deus, o único que possui a imortalidade – “Aquele que possui, ele só, a imortalidade, e
habita em luz inacessível; a quem nenhum dos homens tem visto nem pode ver; ao qual
seja honra e poder para sempre. Amém” (cf. 1Tm.6:16). Essa declaração conclusiva que faz
o apóstolo Paulo confirme tudo aquilo que já vimos até aqui: Deus é o único que possui a
imortalidade. Ponderamos: se todos nós tivéssemos presos dentro de nós uma “alma
imortal”, Paulo iria dizer que apenas Deus que possui tal imortalidade? Absolutamente não.

Nisso fica claro que nós, seres humanos, não possuímos a imortalidade, supostamente na
forma de um elemento imortal implantado em nosso ser. Deus é o único. Ele só possui a
imortalidade. Se nós possuíssemos uma alma imortal, nós não morreríamos nunca,
viveríamos eternamente e inerentemente, através dessa alma. Aliás, essa é a base da
doutrina imortalista, refutada pelo apóstolo Paulo.

Tal passagem é tão irrefutável que os apologistas Norman Geisler e Thomas Howe (ambos
defensores da imortalidade da alma) tentaram oferecer a melhor explicação a ela dentro do
prisma imortalista, mas que, como veremos, só complica ainda mais a situação deles. Eles
argumentaram da seguinte maneira:

”Deus é o único que possui a imortalidade intrinsecamente, em virtude de sua própria


natureza. Todos os crentes a recebem como uma dádiva de Deus, mas ela não é inerente à

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 254


natureza humana, como criaturas que são. Coloquemos isso de outro modo: somente Deus
é imortal - os seres humanos simplesmente possuem imortalidade”1 3 7

A explicação deles, muito repetida no meio imortalista, acaba falhando exatamente no


ponto em que ela mais tenta se sustentar: de que nós não somos imortais, mas apenas
possuímos a imortalidade (por causa da alma imortal que em nós reside). O texto original
do grego, contudo, deita por terra essa tentativa de refutação, visto que Paulo fez questão
de usar o termo grego para possessão-echôn nessa passagem, como podemos constatar:

“o monos echôn athanasian phôs oikôn aprositon on eiden oudeis anthrôpôn oude idein
dunatai ô timê kai kratos aiônion amên” (cf. 1ª Timóteo 6:16)

De acordo com o léxico da Concordância de Strong, echôn significa:

2192 εχω echo


verbo primário; TDNT - 2:816,286; v
1) ter, i.e. segurar.
1a) ter (segurar) na mão, no sentido de utilizar; ter (controlar) possessão da mente
(refere-se a alarme, agitação, emoção, etc.); segurar com firmeza; ter ou incluir ou
envolver; considerar ou manter como.
2) ter, i.e., possuir.

Como vemos, tal verbo denota possessão, como quando alguém "segura" algo, quando têm
em seu controle, ou possui em sua natureza. É esse o verbo que sempre aparece quando o
assunto é ter ou possuir algo. Em Mateus 11:15, é nos dito que "quem tem [echôn] ouvidos
para ouvir, ouça". O jovem rico "retirou-se triste, porque possuía [echôn] muitas
propriedades" (cf. Mt.19:22). Os saduceus perguntaram a Cristo se alguém, "não tendo
[echôn] filhos, casará o seu irmão com a mulher dele" (cf. Mt.22:24). Os judeus, ao
ouvirem Jesus pregando, "maravilhavam-se da sua doutrina, porque os ensinava como
tendo [echôn] autoridade" (cf. Mc.1:22). Na sinagoga "estava ali um homem que tinha
[echôn] uma das mãos atrofiada" (cf. Mc.3:1). Paulo disse que "é preciso que o presbítero
seja irrepreensível, marido de uma só mulher, e tenha [echôn] filhos crentes..." (cf.
Tt.1:6).

Como podemos ver ao longo de todo o Novo Testamento, o verbo echôn nunca está
relacionado a "ser", mas a "possuir". Paulo sabia muito bem disso, e por essa mesma
razão não disse apenas que Deus "é o único imortal", mas que é o único que "possui
[echôn] a imortalidade". Desta forma, embora seja louvável a tentativa de refutação pelos
imortalistas, ela não é sincera quando analisamos o original grego1 3 8 . Ele nos mostra que
Deus não apenas é o único que é imortal, mas também que é o único a possuir a
imortalidade, refutando a objeção de Geisler e Howe.

137 GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual popular de dúvidas, enigmas e 'contradições' da
Bíblia. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1999.
138 Além do original grego, muitas versões vernáculas também traduzem corretamente esse verso por

"ter" ou "possuir", tais como a Almeida Revisada e Atualizada, a Almeida Corrigida e Revisada Fiel, a
Almeida Revisada Imprensa Bíblica, a Sociedade Bíblica Britânica, e até mesmo as versões católicas,
como a versão Ave Maria ou da CNBB, mostrando que os tradutores bíblicos sabiam do significado do
echôn e deitando por terra a tese imortalista de que Deus é o único que é imortal, mas que nós também
possuímos a imortalidade, por meio da alma imortal implantada em nosso ser.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 255


Tais apologistas, defensores da tese da alma imortal, sabiam muito bem que, se Deus é o
único a possuir a imortalidade, então nós não possuímos uma alma imortal, e por essa
razão tentaram objetar com tal distinção entre "ser" e "possuir", ainda que no grego esteja
"possuir" e não "ser"! O texto em pauta fala acerca de possessão, de posse presente. Paulo
afirma que Deus é o único a possuir a imortalidade.

Nós, seres humanos, não possuímos a imortalidade, mas almejamos obtê-la, é por isso ela
tem que ser buscada (cf. Rm.2:7). Deus é o único que tem a imortalidade como possessão
presente (cf. 1Tm.6:16), ao passo que os justos terão a sua natureza mortal transformada
um uma natureza imortal por ocasião da ressurreição (cf. 1Co.15:53,54). Nós não somos
um corpo mortal que possui um elemento imortal, porque o único a possuir tal
imortalidade é o Deus Todo-Poderoso (cf. 1Tm.6:16). E isso obviamente exclui todo o
dualismo grego entre corpo e alma.

Outros imortalistas, na tentativa de oferecerem alguma outra interpretação que lhes pareça
mais plausível que a anterior, que é facilmente refutada, argumentam que Deus é o único
que é a fonte da imortalidade, ao passo que os seres humanos apenas obtém imortalidade
derivada de Deus. Isso, contudo, novamente fere o texto bíblico, que em momento nenhum
fala sobre fonte de imortalidade, mas sobre possessão de imortalidade. Paulo não disse que
"Deus é o único que é a fonte da imortalidade", mas sim que Ele é "o único que possui a
imortalidade".

É praxe dos imortalistas terem que distorcer ou até mesmo manipular um texto bíblico,
reinterpretando-o ao ponto de reescrevê-lo, para poderem encaixar as suas teses na Bíblia.
A razão para isso é simples: porque aquilo que o texto diz de verdade simplesmente não os
agrada. Precisam mudar o texto bíblico, alterar a Palavra de Deus. Onde diz "o único que
possui a imortalidade", mudam para "o único que é a fonte da imortalidade". O texto,
porém, nada discorre sobre "ser uma fonte de imortalidade", passando a ideia de que
outros seres também a possuem; ao contrário, rejeita a tese de que outros seres a possam
possuir por possessão natural.

Além disso, uma objeção semelhante é feita por imortalistas que, em lugar de
"imortalidade", mudam para "eternidade", como fez o Pr. Airton Evangelista da Costa:

"A imortalidade de que trata 1 Timóteo 6.16, refere-se a um atributo intrínseco da


Divindade; uma imortalidade que pode ser traduzida por eternidade, isto é, Deus não teve
começo nem terá fim"1 3 9

Qual a necessidade de se alterar o que o texto bíblic o diz, de "imortalidade" para


"eternidade"? É evidente que os próprios imortalistas reconhecem as dificuldades de se
encarar um texto bíblico de acordo com aquilo que o texto diz categoricamente, daí a
necessidade de se trocar palavras, como se o próprio P aulo tivesse escolhido as palavras
erradas, obrigando os imortalistas de séculos posteriores a corrigirem Paulo e, em lugar de
"imortalidade", traduzirem por "eternidade", que seria uma escolha mais correta, na opinião
deles.

139 COSTA, Airton Evangelista. Reflexões sobre a imortalidade da alma . Disponível em:
<http://solascriptura-tt.org/AntropologiaEHamartologia/ReflexoesImortalidadeAlma-AECosta.htm>.
Acesso em: 15/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 256
Contudo, se o próprio Paulo quisesse apenas dizer que Deus é o único que "possui a
eternidade" (o que em si mesmo não t eria sentido, visto que Deus não "possui" a
eternidade, mas "é" eterno, tornando inócuo e sem sentido o emprego do echôn, como
vimos anteriormente) ele teria pronto, a mão, e perfeitamente disponível a palavra aionios,
que é a palavra sempre utilizada quando se refere à eternidade, ou a algo que é eterno. Por
exemplo, Deus fará conhecido o "eterno [aionios] propósito que fez em Cristo Jesus" (cf.
Ef.3:11), nos fará entrar no "reino eterno [aionios] de nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo" (cf. 2Pe.1:11), o evangelho é chamado de "evangelho eterno [aionios]" (cf.
Ap.14:6), o Espírito Santo é chamado de "Espírito eterno [aionios]" (cf. Hb.9:14), e
quando o próprio Paulo quis dizer que Deus é eterno ele empregou aionios:

"Mas que se manifestou agora, e se notificou pelas Escrituras dos profetas, segundo o
mandamento do Deus eterno, a todas as nações para obediência da fé" (cf. Romanos
16:26)

No grego:

"phanerôthentos de nun dia te graphôn prophêtikôn kat epitagên tou aiôniou theou eis
upakoên pisteôs eis panta ta ethnê gnôristhentos"

Portanto, quando Paulo queria passar a ideia de que Deus era eterno, ele nunca hesitava
em usar outra palavra senão a própria em questão que significa eterno, que é aionios. Se
ele decidiu mudar em 1ª Timóteo 6:16 e empregar a palavra para imortalidade, que é
athanasia, é porque ele não queria dizer "eterno", mas "imortal"! Paulo não se enganou na
palavra escolhida e nem disse uma coisa "querendo dizer outra", como a alegação
imortalista que mais parece querer concertar um erro do apóstolo Paulo no desespero em
oferecer alguma interpretação para a palavra "imortalidade" que não seja "imortalidade"!

Pois imortal não é aquilo que é eterno, isto é, que não tem começo e nem fim. Só Deus é
eterno, isso ninguém contesta. Mas imortal (athanasia), diferenciando-se de eterno
(aionios), diz respeito simplesmente a algo que não pode morrer. Nem os seres humanos
nem os anjos possuem a imortalidade em seu ser, que seria algo que lhes impedisse de
morrer e que lhes garantiria uma existência eterna. Se os anjos possuíssem a imortalida de,
os que caíram não estariam fadados à morte no lago de fogo, como veremos mais adiante
no capítulo sobre o inferno. Os anjos bons, por sua vez, tem sua imortalidade condicionada
à sua obediência a Deus, assim como os humanos, que não possuem nenhum elemento
imortal que lhes garanta uma existência sem fim, mas que podem viver eternamente se
forem fieis a Cristo e obedientes a Deus, herdando uma vida eterna na ressurreição.

Desta forma, podemos ver que todos os argumentos imortalistas que tentam contradizer
aquilo que o texto bíblico diz claramente falham miseravelmente quando postos à prova
pela própria Bíblia, pois não parecem interessados em fazer exegese, mas meramente em
demonstrar indignação com o que realmente está escrito, tentando reescrever a Bíblia ou
nos tentar convencer que Paulo disse uma coisa mas queria dizer outra, ou que usou uma
palavra quando o correto mesmo era outra que estava perfeitame nte disponível, mas não
foi usada por ele. Isso não é interpretar um texto, mas forçá-lo de tal forma que o contraste
entre ele e a imortalidade da alma se torne mais sutil.

XX–Levou cativo o cativeiro

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 257


Paulo pregou a entrada no Céu por ocasião da ressurreição de Cristo? – Outro conceito que
tem sido sistematicamente deturpado dentro da teologia imortalista é a tese não-bíblica
mas amplamente divulgada entre os dualistas, que consiste no ensino de que, por ocasião
da ressurreição de Cristo, os mortos justos que esperavam conscientemente no Sheol (que,
como vimos, não é uma morada de espíritos desencarnados, mas puramente sepultura),
partiram dali para o Paraíso, onde estão até hoje. Para isso, eles se apoiam em um único
versículo bíblico, que é analisado de forma isolada e tão mal interpretado por alguns a tal
ponto que foi necessário que os próprios imortalistas revissem essa tese e a refutassem em
seus livros. O verso em questão trata-se de Efésios 4:8-9, onde Paulo diz:

“Por isso, diz: Quando ele subiu às alturas, levou cativo o cativeiro e concedeu dons aos
homens. Ora, que quer dizer subiu, senão que também havia descido até às regiões
inferiores da terra?” (cf. Efésios 4:8,9)

E pronto! Os imortalistas, de alguma forma, acharam neste versículo o subsídio necessário


para a crença corrente por muitos neste meio, de que, por ocasião da ressurreição de
Cristo, todos os mortos que estavam no Hades foram transferidos para o Paraíso. Segundo
eles, Cristo desceu – pasme - até o inferno (v.9), entendem eles “inferno” por “regiões
inferiores da terra”.

Não é preciso dizer nada, pois o texto fala por mim: não há absolutamente nada disso no
texto! Se realmente houvesse havido esta transferência de lugar dos mortos, Paulo iria
acentuar isso em qualquer uma de suas epístolas ou então o próprio Jesus iria pregar tal
coisa. Este “ensinamento” seria amplamente encontrado nas Escrituras. Mas isso não
aparece em lugar nenhum, senão na teologia de alguns que distorcem completamente essa
passagem como forma isolada de conciliar os meios “literais” da parábola do Lázaro com a
consciência pós-morte no Céu.

Interpretar que “levar cativo o cativeiro” significa exatamente transportar espíritos


desencarnados justos do Hades para o Céu é forçar a passagem completamente – o texto
não diz isso e poderíamos forçá-la do jeito que quisermos para fundamentar qualquer
doutrina! Se essa transferência realmente tivesse ocorrido, então certamente isso estaria
sendo mencionado de maneira clara nas Escrituras. Mas isso não ocorre em parte nenhuma.
Vejamos, por exemplo, no comentário do mesmo apologista imortalista anteriormente
citado, o que ele tem a nos dizer sobre Efésios 4:8-9:

“Finalmente, quando Cristo ‘levou cativo o cativeiro’, não estava levando amigos para o céu.
É uma referência à sua vitória sobre as forças do inimigo. Os cristãos não são ‘cativos’ no
céu. Não somos forçados a ir para lá contra a nossa própria e livre esc olha (veja Mt 23:37;
2 Pe 3:9)"1 4 0

Sobre o “descer às regiões inferiores da terra”, ele comenta:

“A expressão ‘até as regiões inferiores da terra’ não é uma referência ao inferno, mas ao
túmulo. Até mesmo o ventre de uma mulher é descrito como sendo ‘profundezas da terra’

140GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual popular de dúvidas, enigmas e 'contradições' da


Bíblia. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1999.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 258
(Sl 139:15). Essa expressão significa simplesmente covas, túmulos, lugares fecha dos na
terra, em oposição a partes altas, como montanhas"1 4 1

O comentário dos tradutores na nota de rodapé da Nova Versão Internacional, que por sinal
também adota a crença na imortalidade da alma, também faz questão de refutar esse mito
no que diz respeito a Efésios 4:9:

"Embora Paulo cite o salmo para introduzir a ideia de 'dons aos homens', aproveita a
oportunidade para relembrar ao leitor a vinda de Cristo à terra (sua encarnação) e a
subsequente ressurreição e ascenção. É provável que o texto não signifique (como
pensam alguns e como querem algumas traduções) que Cristo desceu ao
inferno"1 4 2

Até mesmo o pastor norte-americano John Piper se posicionou contra a tese de que Jesus
tenha descido ao inferno entre a sua morte e ressurreição, e disse:

"Em Efésios 4:9, é dito que Cristo desceu às partes mais baixas da terra. Isso
provavelmente significa que ele desceu à terra, que é as partes mais baixas. O “da” ali não
significa que ele estava afundando na terra. Assim, não penso que o texto garanta a
interpretação que ele desceu ao inferno (...) Minha conclusão é que não existe nenhuma
base textual para crer que Cristo desceu ao inferno"1 4 3

Vemos, portanto, que são os próprios imortalistas que refutam esse mito amplamente crido
por muitos deles, de que "levar cativo o cativeiro" significa ter tirado pessoas do Hades e as
transferido para o Paraíso. Levar cativo o cativeiro é uma linguagem que expressa a vitória
de Cristo sobre as trevas e sobre os inimigos espirituais de Cristo. Não significa que ele
desceu até o inferno e nem que ele tenha levado amigos cativos para o Céu. Se assim
fosse, os próprios imortalistas teriam que rever sua própria teologia, pois ensin am que o
Sheol (Hades) era um local de paz para os justos, e não um "cativeiro".

Além disso, teriam que rever seus conceitos sobre alma e espírito, uma vez que se baseiam
em um texto de Eclesiastes que fala da retirada do espírito na morte para Deus (cf.
Ec.12:7), e não para o Sheol. Se tal interpretação fosse correta e o espírito fosse mesmo
uma "alma imortal", o espírito deveria descer ao Hades e só subir ao Paraíso após a
ressurreição de Cristo. É evidente que os imortalistas não conseguem conciliar su as teses
com elas mesmas, pois todas são contraditórias umas às outras.

Mas ainda há um texto bíblico por eles utilizado, e este é ainda mais completamente
descontextualizado: “’E também: Nele porei a minha confiança’. Novamente ele diz: ‘Aqui
estou eu com os filhos que Deus me deu’” (cf. Hb.2:13). Para eles, estes “filhos que Deus
me deu” significa exatamente os espíritos desencarnados que Cristo transportou para o Céu
na sua morte. Tal interpretação, contudo, é claramente negada pelo verso seguinte que
especifica tudo: “Portanto, visto que os filhos são pessoas de carne e sangue , ele
também participou dessa condição humana, para que, por sua morte, derrotasse aquele
que tem o poder da morte, isto é, o diabo” (v.14).

141 ibid.
142 Nota de rodapé da Nova Versão Internacional em Efésios 4:9, p. 2023.
143 PIPER, John Stephen. Cristo desceu ao inferno? Disponível em:
<http://www.revistacrista.org/Morte%20e%20Eternidade_Cristo%20Desceu%20ao%20Inferno.htm#.UhJ9
LZIqaO1>. Acesso em: 16/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 259
Aqui vemos que os “filhos” do verso 13 não são espíritos sem corpo levados para o Céu a
fim de serem apresentados para Deus, mas sim pessoas "de carne e de sangue" (v.14), e o
texto diz respeito à encarnação de Cristo, quando Jesus “participou desta condição humana”
(v.14), e esteve com pessoas “de carne e sangue”. Aqui temos mais um exemplo de como é
fácil tirar um texto de seu contexto para fundamentar mitos, que sempre tem o poder de
enganar aqueles que não buscam se aprofundar no contexto e procurar a verdade.

Por tudo isso, vemos que não existe base bíblica nenhuma para a teoria amplamente
mirabolante divulgada entre os imortalistas, de que, por ocasião da morte e ressurreição de
Cristo, ele desceu até ao inferno e transportou os justos direto do Hades para o Céu. O que
a Bíblia realmente ensina, como vimos, é exatamente o contrário de tal ensino. Os justos
não estão no Céu ainda, mas entrarão por ocasião da segunda vinda de Cristo, momen to
em que os vivos justos serão arrebatados a fim de entrarem no Paraíso ao mesmo passo
dos justos que já morreram. Qualquer doutrina que vai além disso é não-bíblica, e as
próprias Escrituras advertem a "não se deixar levar pelos diversos ensinos estranhos" (cf.
Hb.13:9).

Todo joelho se dobrará nos infernus? – Outra passagem usada a fim de pregar que os
ímpios já estão atualmente queimando no inferno se encontra em Filipenses 2:10, que
assim reza: “Para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo
da terra”. Algumas versões católicas trazem a palavra “infernus” nesta passagem1 4 4 ,
passando novamente aquela ideia de que Jesus desceu literalmente até o "inferno" (na
concepção popular do termo). Contudo, essa não passa de mais uma adulteração do texto
bíblico original.

O texto original grego verte: “epigeiôn kai katachthoniôn” – debaixo da terra. A palavra
“infernus” simplesmente não existe nos manuscritos originais , mas é de origem latina. A
tradução correta por “debaixo da terra” é aplicada em praticamente todas as outras
traduções, principalmente as mais respeitadas. O original não a traduz por “inferno” e,
como vimos, até mesmo o ventre de uma mulher é descrito como sendo "profundezas da
terra" (cf. Sl.139:15), o que não significa que o ventre de uma mulher seja o inferno!

Como constatamos anteriormente, essa expressão significa simplesmente covas, túmulos,


lugares fechados na terra, em oposição a partes altas, como montanhas. A expressão “que
todo joelho se dobre no Céu, na terra e debaixo da terra” não prega de jeito nenhum que
dentro do nosso planeta existam pessoas queimando no inferno dobrando os seus joelhos. A
própria NVI mais uma vez faz questão de corrigir mais este engano popular em sua nota de
rodapé, no comentário sobre Apocalipse 5:3:

“céu [...] terra [...] debaixo da terra. Expressão convencional usada para expressar a
universalidade da proclamação. Não pretendia ensinar uma divisão tríplice do universo”

Tão é verdade isso que neste texto de Apocalipse 5:13 lemos: “Depois ouvi todas as
criaturas existentes no céu, na terra , debaixo da terra, e no mar, e tudo o que neles há,
diziam: Àquele que está assentado no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, a honra, a glória
e o poder, para todo o sempre” (cf. Ap.5:13). Analisando literalmente, devemos supor

144 Tal como faz a versão Ave Maria, conquanto que outras versões católicas corrijam esse erro e
traduzam corretamente o texto por "debaixo da terra", como faz a CNBB.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 260
então que os animais marinhos (ou talvez os mergulhadores) declaravam isso no fundo do
mar? Evidente que não, era apenas uma expressão convencional usada para expressar a
universalidade da proclamação.

A Bíblia, do início ao fim, nega que os ímpios já est ejam queimando agora. Ela ensina que
“o Senhor sabe entregar o devoto fora das tentações, e reservar os injustos para o dia do
juízo para ser punido” (cf. 2Pe.2:9). Se eles estão sendo mantidos “reservados” para o dia
em que serão punidos, é porque eles não estão sendo punidos ainda (no presente
momento). Pois, como vimos, os ímpios só serão queimados no fogo na consumação deste
mundo: “Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação
deste mundo” (cf. Mt.13:40).

XXI–A Bíblia e as Experiências Fora do Corpo

Experiências fora do corpo – Alguns imortalistas citam a experiência de Paulo revelada aos
coríntios para tentarem provar de alguma maneira que existe uma alma imortal presa
dentro do nosso corpo. Veremos tal citação: “É necessário que eu continue a gloriar-me
com isso. Ainda que eu não ganhe nada com isso, passarei às visões e revelações do
Senhor. Conheço um homem em Cristo que há catorze anos foi arrebatado ao terceiro céu.
Se foi no corpo ou fora do corpo, não sei; Deus o sabe” (cf. 2Co.12:1,2).

Para eles, a alma de Paulo se desligou temporariamente do corpo rumando ao Céu a fim de
ter as revelações. Tal interpretação, contudo, carece de respaldo teológico sério. Em
primeiro lugar, porque a experiência que Paulo teve se deu enquanto este estava em vida, e
não depois de morto. A doutrina da mortalidade da alma prega que não existe vida entre a
morte e a ressurreição, sendo, portanto, a morte a cessação total de existência consciente.
Como a experiência de Paulo se deu enquanto este ainda estava com vida, segue -se que
não contraria os princípios teológicos da doutrina mortalista.

Em segundo lugar, não é nos dito que Paulo foi na forma de uma “alma imortal” para o
Paraíso. Ele afirma que foi “no corpo ou fora dele”; e não “no corpo ou na alma”. Em toda a
citação deste acontecimento não há qualquer citação de alma -psiquê ou de espírito-
pneuma, mas apenas de corpo-soma. Paulo não queria confundir os seus leitores e, por
isso, nem sequer faz qualquer menção de “alma” ou “espírito” em tal experiência.

Estar fora do corpo não significa, na visão holista paulina, estar na forma de um espírito
descorpóreo (se fosse assim então ele faria menção da possibilidade de partida da alma na
experiência, o que não é nos dito). Significa apenas que ele poderia estar fisicamente no
Paraíso (“no corpo”), ou tendo um quadro mental do Paraíso (“fora” do corpo). Isso explica
o porquê de Paulo falar claramente em “visões e revelações” no verso 1, porque ele sabia
da possibilidade daquilo ter se tratado apenas de uma visão, o que não é algo real em si
mesmo (cf. At.12:9).

Neste caso, não seria o seu próprio corpo que lá estaria, pois ele [Paulo] estaria na terra e
tendo uma visão [arrebatamento de sentidos] do Paraíso. O apóstolo Pedro nos afirma que
uma visão não é necessariamente algo que esteja acontecendo de fato no dev ido momento
como um acontecimento físico: “Pedro, saindo, seguia-o, e não sabia que era real o que se
fazia por meio do anjo, mas julgava que era uma visão” (cf. At.12:9).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 261


Vemos, portanto, que a dúvida de Paulo não se baseava na suposição de estar no Céu como
alma ou como corpo, mas sim de estar literalmente no Céu (corporavelmente) ou de estar
tendo uma visão como se lá estivesse (v.1), o que seria considerado “fora do corpo”,
porque o corpo estaria na terra enquanto passava-se a visão e as revelações, e não porque
a alma teria partido.

Concorda também com isso todo o ensinamento bíblico acerca de arrebatamentos, pois a
Bíblia nunca nos mostra qualquer caso de qualquer profeta do AT ou de qualquer pessoa
que tenha visto a partida da alma para ter a experiência. Essa nunca é a linguagem bíblica
empregada por eles, porque eles não acreditavam na visão dualista da natureza humana.
Por isso, em absolutamente nunca a alma-psyque/nephesh é referida em qualquer
experiência de qualquer pessoa, mas tão somente fazem eles questão de mencionar uma
visão (revelação), em um arrebatamento de sentidos em que eles se viam em determinado
lugar.

Vemos, por exemplo, a narração da experiência de Ezequiel: “Enquanto ele falava, o


Espírito entrou em mim e me pôs de pé, e ouvi aquele que me falava” (cf. Ez.2:2). Não
é nos dito que foi o espírito do próprio profeta que deixou o corpo na experiência, mas sim o
Espírito de Deus que temporariamente entrou nele a fim de lhe capacitar a receber de Deus
aquilo que Ele lhe havia dado. A mesma linguagem é expressa várias vezes pelo profeta:

“No quinto dia do sexto mês do sexto ano do exílio, eu e as autoridades de Judá estávamos
sentados em minha casa quando a mão do Soberano Senhor veio ali sobre mim” (cf.
Ezequias 8:1)

“Então o Espírito me ergueu e me levou para a porta do templo do Senhor, que dá


para o oriente. Ali, à entrada da porta, havia vinte e cinco homens, e vi entre eles Jazanias,
filho de Azur, e Pelatias, filho de Benaia, líderes do povo” (cf. Ezequias 11:1)

“Então o Espírito de Deus ergueu-me e levou-me aos que estavam exilados na Babilônia,
na visão dada pelo Espírito de Deus” (cf. Ezequias 11:24)

Veja que não é o espírito do profeta que deixa o corpo, mas sim o Espírito de Deus que
espiritualmente lhe erga a fim de ele ter uma visão de determinado local. É exatamente isso
também o que aconteceu com João no Apocalipse: “Imediatamente me vi tomado pelo
Espírito, e diante de mim estava um trono no céu e nele estava assentado alguém” (cf.
Ap.4:2), e é essa também a ideia expressa pelo apóstolo Paulo em 1Cor.12:1,2.
Sumariando, quando Paulo menciona que foi “arrebatado” nesta experiência, ele está
falando de visões proféticas, como diz de modo claro o verso 1.

Os profetas tinham a sensação de estarem em outros lugares quando estavam tendo as


visões (cf. Ez.11:24; Ap.1:10); mas essa de Paulo, em especial, ele não sabia se estava de
fato naquele lugar (se fosse assim necessariamente estaria no corpo), ou se estava lá em
uma visão, tendo um arrebatamento de sentidos em que se viu no Paraíso. Algo
semelhante aconteceu com Pedro:

“Estando eu orando na cidade de Jope, tive, num arrebatamento dos sentidos, uma
visão; via um vaso, como um grande lençol que descia do céu e vinha até junto de mim”
(cf. Atos 11:5)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 262


O que acontece é um arrebatamento de sentidos – que é considerado como sendo uma
“visão” – e não uma “alma imortal” deixando temporariamente o corpo ou um "espírito" se
desligando da prisão do corpo e habitando em outro lugar, ao maior estilo kardecista de
ensino. Tal linguagem é extremamente estranha à luz da Bíblia, simplesmente porque o
dualismo grego não se encaixa nas Escrituras.

Todos os apóstolos e profetas sabiam muito bem que o que lhes sucedia não era um espírito
deixando o corpo e muito menos uma alma imortal que se desligava da matéria, mas sim
um arrebatamento de sentidos em que se viam em determinado lugar. A razão pela
qual eles jamais afirmaram que as suas “almas” deixaram o corpo provém do fato evidente
de que eles não acreditavam no dualismo entre corpo e alma pregado entre os gregos.

XXII–A Entrada no Reino é somente na Ressurreição

Paulo e Onesíforo – O companheiro de Paulo, Onesíforo, morre, e Paulo fala a respeito dele
em sua segunda epístola a Timóteo: “O Senhor conceda misericórdia à casa de Onesíforo,
porque muitas vezes ele me reanimou e não se envergonhou por eu estar preso; ao
contrário, quando chegou a Roma, procurou-me diligentemente até me encontrar.
Conceda-lhe o Senhor que, naquele dia, encontre misericórdia da parte do Senhor!
Você sabe muito bem quantos serviços ele me prestou em Éfeso” (cf. 2ª Tm.1:16-18).

Este desejo de Paulo reforça ainda mais aquilo que já vimos até aqui: os mortos
permanecem sem vida até a ressurreição dos mortos, quando serão despertados, sendo
julgados para entrarem no Céu ou no inferno. Sabendo que Onesíforo, já morto, se
encontrava nesse estado, Paulo deseja que ele encontre misericórdia da parte do Senhor
“naquele dia” , indicado como um acontecimento futuro, o dia do juízo na segunda vinda
de Cristo.

Para os imortalistas isso não faz qualquer sentido já que Onesíforo já teria encontrado a
misericórdia da parte de Deus, pois já teria supostamente entrado no Paraíso com todos os
outros santos. A misericórdia a Onesíforo já seria encontrada, ele já estaria no Céu e já
teria sido julgado (cf. Hb.9:27), já estaria desfrutando das bênçã os paradisíacas. Contudo,
Paulo nada diz de Onesíforo já ter partido para a glória celestial, e ainda consola a família
baseando-se na esperança de alcançar a misericórdia da parte do Senhor “naquele dia”,
obviamente porque ele não teria encontrado tal misericórdia ainda.

Isso não faz senso algum caso Onesíforo já estivesse no Paraíso, pois Paulo (assim como
qualquer imortalista) teria escrito que Onesíforo já teria alcançado a misericórdia de Deus e
que ele já estava na “glória”. Mas o fato é que Onesíforo ainda não alcançou a misericórdia
de Deus, e somente a alcançará “naquele dia”, o dia do juízo. Paulo deseja que ele alcance
a misericórdia de Deus no dia do juízo, uma vez que Onesíforo não havia sido julgado
ainda para encontrar a misericórdia da part e de Deus e entrar no Céu. Tal declaração de
Paulo é fatal à doutrina da imortalidade por dois motivos principais:

(1) A consolação de Paulo não é que Onesíforo já esteja confortado no Céu, mas sim de
obter a misericórdia no dia de um juízo futuro.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 263


(2) Se Onesíforo já estivesse no Céu então já teria alcançado a misericórdia de Deus e,
portanto, Paulo teria que ter empregado o verbo no passado: “encontrou”, e não
“encontre naquele dia”, a misericórdia da parte do Senhor.

A linguagem de Paulo difere absurdamente dos defensores da alma imortal, porque ele não
diz que “ele encontrou misericórdia da parte de Deus”; mas sim que ele só encontra rá a
misericórdia de Deus em um acontecimento futuro que se dará “naquele dia”.
Evidentemente, tal linguagem de Paulo expressa a sua convicção de que os que já
morreram só ganham vida em um acontecimento futuro – “naquele dia” – e, portanto,
torna-se lógico o desejo do apóstolo em ver Onesíforo encontrar a misericórdia de Deus em
um futuro distante, e não em consolar alguém com a ilusão de que este já estaria “na
glória”, já tendo passado pelo juízo e alcançado a misericórdia de Deus.

A salvação do espírito é no Dia do Senhor – “Entreguem esse homem a Satanás, para que o
seu corpo seja destruído, e o seu espírito seja salvo no dia do Senhor” (cf. 1Co.5:5). Essa
é uma refutação de peso para a doutrina de que o espírito é salvo logo no momento da
morte. O apóstolo Paulo ressalta que o homem que seria excomungado da Igreja (“entregue
a Satanás”) de alguma forma poderia se voltar a Cristo e buscar a salvação para ser salvo.
A pergunta que fica é: quando é que o espírito deste homem seria salvo? Quando ele
morresse? Não, mas “no dia do Senhor”, que é claramente relacionado com a segunda
vinda de Cristo.

Inúmeros versículos nos mostram que o “dia do Senhor” trata-se da Sua segunda vinda: “O
sol se converterá em trevas, e a lua, em sangue, antes que venha o grande e glorioso dia
do Senhor” (cf. At.2:20). Outras passagens que relacionam claramente o “dia do Senhor”
que ainda está por vir com a segunda vinda de Cristo encontram-se nas epístolas de Paulo
aos tessalonicenses: “Pois vós mesmos estais inteirados com precisão que o dia do Senhor
vem como o ladrão de noite” (cf. 1Ts.5:2). E novamente ele afirma que o dia do Senhor é o
momento da Sua segunda vinda: “A que não vos demovais da vossa mente, com facilidade,
nem vos perturbeis, quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola, como se
procedesse de nós, supondo tenha chegado o dia do Senhor” (cf. 2Ts.2:2).

O “dia do Senhor” não chegou ainda porque ele só acontece na segunda vinda de Cristo.
Paulo, em todas as suas epístolas, compartilhava sua crença de que o dia do Senhor é
relacionado à volta de Cristo. Pedro também compartilhava da mesma ideia ao escrever:
“Virá, entretanto, como o ladrão, o dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso
estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela
existem serão atingidas” (cf. 2Pe.3:10).

Vemos, portanto, que o “dia do Senhor” é uma clara referência à segunda vinda de nosso
Senhor Jesus Cristo, a Sua Volta gloriosa, e não ao momento da morte do homem a quem
Paulo se refere. É no momento da segunda vinda de Cristo que o espírito será salvo, e não
no momento da morte! Vale ressaltar sempre que é exatamente nesta segunda vinda que
ocorre a ressurreição (cf. 1Co.15:22,23).

Se Paulo cresse que uma alma imortal deixasse imediatamente o corpo com a morte,
levando consigo consciência e personalidade, então diria que o e spírito seria salvo no
momento da morte. Contudo, é claro o sentido do texto – o espírito é salvo “no dia do

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 264


Senhor”, e não no dia de sua morte, o que nos revela ainda mais claramente a crença de
Paulo de que a vida era somente a partir da ressurreição.

Sendo que é nos dito de modo claro que “o corpo seja destruído” [iria morrer
corporalmente], o que esperaríamos na sequência, se existisse a imortalidade da alma,
seria que o espírito seria salvo logo neste mesmo momento da morte, partindo
imediatamente para junto de Deus. Contudo, Paulo faz questão de ressaltar que o espírito
será salvo é “no dia do Senhor”, e não no dia da morte ou no mesmo momento exato da
destruição corporal, porque é somente no dia do Senhor que ocorre a ressurreição para a
vida.

Os filhos não foram revelados na glória ainda – “A natureza criada aguarda, com grande
expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados” (cf. Rm.8:19). Se os filhos de Deus já
estivessem na glória, então a natureza não estaria esperando nada, pois já estariam todos
sendo sucessivamente revelados nas mortes de cada um! Veja que o verbo está no futuro:
“sejam revelados”; e não: “estão sendo revelados” ou “foram revelados”! O que o
apóstolo Paulo escreve vai frontalmente contra a doutrina de que “morremos e vamos para
a glória celestial”, porque os filhos de Deus ainda nem sequer foram revelados.

A natureza está aguardando, isto é, ela está com “grande expec tativa”, sabendo que os
filhos de Deus não foram revelados, mas haverá um dia em que eles, finalmente, serão
revelados. Essa é a expectativa que todo verdadeiro cristão deveria ter, centrado no
glorioso dia da ressurreição dentre os mortos no qual os filho s de Deus serão finalmente
revelados para a glória diante de Deus.

Alguém ainda poderia argumentar como é que podemos ter a completa certeza de que se
trata realmente da ressurreição dos mort os. A resposta a isso está na própria continuação
da passagem no seu contexto, que deixa tal interpretação ainda mais clara:

Romanos 8
19 A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam
revelados.
20 Pois ela foi submetida à futilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa da
vontade daquele que a sujeitou, na esperança
21 de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se
encontra para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
22 Sabemos que toda a natureza criada geme até agora, como em dores de parto.
23 E não só isso, mas nós mesmos, que temos os primeiros frutos do Espírito, gememos
interiormente, esperando ansiosamente nossa adoção como filhos, a redenção do nosso
corpo.
24 Pois nessa esperança fomos salvos. Mas, esperança que se vê não é esperança. Quem
espera por aquilo que está vendo?
25 Mas se esperamos o que ainda não vemos, aguardamo-lo pacientemente.

Paulo afirma que ele esperava com ansiedade o momento em que seremos adotados como
filhos, e indica este momento na sequência: a redenção do nosso corpo! Uma clara
referência à ressurreição dos mortos, quando este corpo corruptível se transformará em
incorruptível e a nossa natureza mortal se revestirá de imortalidade. O que Paulo afirma é
muito importante, pois a partir disso vemos que a expectativa de Paulo não era que sua

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 265


alma deixasse o seu corpo rumando a um estado intermediário, mas estava totalmente
centrada na ressurreição dos mortos.

Tal era a esperança dele, na qual ele diz que esperava ansiosamente (v.23). Quanta
diferença para os dias de hoje em que a doutrina da imortalidade da alma fez com que a
ressurreição se tornasse um mero detalhe desnecessário! É óbvio que esta é a esperança de
Paulo porque é neste momento em que ele se veria na glória. Tal conclusão fica ainda
mais forte quando vemos que é neste momento em que seremos adotados como filhos
(v.23). Não é logo após a morte em um estado desencarnado, mas sim na “redenção do
nosso corpo”, na ressurreição dos mortos.

Paulo nem imaginava que poderia ficar milênios no Paraíso em um “estado intermediário”
sem ter sido adotado como filho ainda para só depois disso Deus finalmente adotá-lo como
filho e só depois disso ele ser revelado. O foco todo é na ressurreição dos mortos , porque é
somente neste momento que vem a adoção como filho na glória (v.23) . Paulo segue uma
lógica incontestável: os filhos de Deus ainda não estão revelados (v.19), a espera ansiosa
era pela redenção do corpo (ressurreição - v.23), e a nossa adoção como filho é também
somente na ressurreição (v.23)!

E Paulo ainda conclui: “é nessa esperança que fomos salvos” (v.24)! Qual é o contexto?
Qual é a ênfase? Qual é o sentido lógico lendo-se todo o conjunto? É óbvio que Paulo sabia
que o momento em que estaria na glória seria na ressurreição, quando finalmente seremos
adotados como filhos. E era nessa esperança - da ressurreição - que ele vivia, e não na
ilusão de uma vida em estado incorpóreo, antes de chegar qualquer "redenção do nosso
corpo" e antes da nossa "adoção como filhos".

A recompensa ou a condenação ocorre somente por ocasião do juízo - “Se alguém constrói
sobre esse alicerce, usando ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, sua obra
será mostrada, porque o Dia a trará à luz; pois será revelada pelo fogo, que provará a
qualidade da obra de cada um. Se o que alguém construiu permanecer, esse receberá
recompensa. Se o que alguém construiu se queimar, esse sofrerá prejuízo; contudo,
será salvo como alguém que escapa através do f ogo. Vocês não sabem que são santuário
de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês? Se alguém destruir o santuário de Deus,
Deus o destruirá; pois o santuário de Deus, que são vocês, é sagrado” (cf. 1ª Coríntios
3:12-17)

A partir de tal relato de Paulo, podemos ver que a recompensa ou prejuízo se daria por
ocasião do dia do juízo quando seremos julgados (v.13). Esse dia, como tantas vezes
insistiu o apóstolo, ocorre por ocasião da segunda vinda de Cristo (cf. 2Tm.4:1), e é neste
momento que os que morreram receberão a recompensa (v.14), ou sofrerão o prejuízo
(v.15), ou serão destruídos {condenados} (v.17). De acordo com a teologia imortalista,
contudo, os mortos já estariam sendo recompensados no Céu e os ímpios já estariam
condenados sofrendo a destruição. Paulo nega tal interpretação porque, para ele, tais fatos
se concretizarão apenas naquele Dia, o dia do juízo, na segunda vinda de Cristo, quando os
mortos serão ressuscitados.

Também é interessante notar que, para o apóstolo, os que já morreram ainda não foram
feitos justos (justificados perante Deus), porque tal acontecimento é retratado como algo
futuro, e não como algo que já tenha acontecido:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 266


“Logo, assim como por meio da desobediência de um só homem muitos foram feitos
pecadores, assim também, por meio da obediência de um único homem muitos serão
feitos justos” (cf. Romanos 5:19)

Note que o verbo está no futuro: “serão feitos”, o que no mínimo indica que tais justos
ainda não foram justificados. Muitos já foram feitos pecadores por causa de um homem
(Adão), mas muitos serão feitos justos por meio de um homem (Cristo), na Sua Vinda. A
mesma linguagem é expressa por ele no verso 17: ”Se pela transgressão de um só a morte
reinou por meio dele, muito mais aqueles que recebem de Deus a imensa provisão da graça
e a dádiva da justiça reinarão em vida por meio de um único homem, Jesus Cristo” (cf.
Rm.5:17). Paulo de modo algum indica que eles já estão reinando, ou que “reinam”; pelo
contrário, indica novamente como um acontecimento lançado para um futro: reinarão –
por meio de Cristo – na Sua Vinda.

A entrada no Reino sucede a ressurreição – Existem, biblicamente, muitas verdades


espirituais que são também verdades materiais. Por exemplo, Deus nos “resgatou do
domínio das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado” (cf. Cl.1:13). Essa é
uma verdade espiritual; embora nós materialmente continuarmos nesta terra no mesmo
lugar antes e depois de recebermos a Cristo em nossos corações, nós espiritualmente
estávamos no Reino das Trevas, no poderio de Satanás, coberto pelos nossos pecados, sem
o sangue de Cristo, sem Jesus nas nossas vidas. O material destino dos ímpios e pecadores
é onde eles espiritualmente já estão agora, neste exato momento.

Da mesma forma, nós (os que já recebemos a Cristo) espiritualmente chegamos “ao monte
Sião, à Jerusalém celestial, à cidade do Deus vivo [...] aos milhares de milhares de anjos
em alegre reunião, à igreja dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus [...] a
Deus, juiz de todos os homens, aos espíritos dos justos aperfeiçoados, a Jesus, mediador de
uma nova aliança, e ao sangue aspergido, que fala melhor do que o sangue de Abel” (cf.
Hb.12:22-24).

O que materialmente só alcançaremos no juízo daquele Dia, nós espiritualmente já


alcançamos agora. Há muitas outras verdades materiais que são espiritualizadas na Bíblia.
Uma delas não poderia deixar de mencionar a ressurreição e a entrada na glória: “Deus nos
ressuscitou com Cristo e com ele nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus”
(cf. Ef.2:6). Evidentemente, trata-se de mais uma verdade espiritual, nós materialmente
seremos ressuscitados na volta de Cristo para depois estarmos com Ele.

O que é verdade no campo espiritual também é verdade no campo material: a


participação nos lugares celestiais sucede a ressurreição. Paulo coloca em primeiro
lugar a ressurreição, para depois mencionar a tomada nos lugares celestiais. O que nós
espiritualmente já tomamos posse hoje (no campo espiritual), nós materilamente
tomaremos de fato tais lugares após a ressurreição, como é claramente mencionado acima
pelo apóstolo, que coloca primeiro a ressurreição, para depois a tomada nos lugares
celestiais. Verdade espiritual, verdade material!

“Deus nos ressuscitou [1] com Cristo e com ele nos fez assentar nos lugares celestiais [2]
em Cristo Jesus” (cf. Efésios 2:6)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 267


Os imortalistas invertem essa lógica, pois, para eles, nós já estaremos nos lugares celestiais
muito antes da ressurreição, e, portanto, a ressurreição sucederia (ao invés de preceder) a
entrada na glória.

O orgulho de Paulo seria no dia do Senhor – “...Assim, no dia de Cristo eu me orgulharei


de não ter corrido nem me esforçado inutilmente” (cf. Fp.2:16). O orgulho de Paulo em ver
que não correu inutilmente é relacionado ao dia de Cristo (momento da ressurreição – cf.
1Co.15:23). Seria presumível que se Paulo acreditasse que iria para o Céu muito antes da
ressurreição (e os filipenses também), então nesse momento ele já se orgulharia de seu
trabalho em favor deles, em não ter corrido em vão. Contudo, tal satisfação de Paulo
concretizar-se-á no “dia do Senhor”, a Sua volta, relacionado à ressurreição dos mortos.

Paulo coloca a ênfase de sua satisfação nessa ocasião porque é na ressurreição que eles se
veriam novamente, e ele, Paulo, se orgulharia de seu trabalho, vendo que conseguiu a
salvação deles. O mesmo também pode ser dito quanto aos tessalonicenses: “Pois quem é a
nossa esperança, ou alegria, ou coroa em que exultamos, na presença de nosso Senhor
Jesus em sua vinda? Não sois vós?” (cf. 1Ts.2:19). O momento em que Paulo irá orgulhar-
se e regozijar-se de seu trabalho é na segunda vinda de Cristo, porque é neste momento
que os mortos serão ressuscitados.

Os que morreram ainda não foram manifestados na glória – “Quando Cristo, vossa vida, for
manifestado, então também vós sereis manifestados com ele na glória” (cf. Cl.3:4).
Como vemos, o momento em que seremos manifestados na glória é quando ele, Cristo, se
manifestar. Não é quando morrermos e a nossa alma imortal deixa o corpo, mas sim
quando Cristo, o Supremo Pastor, voltar em Seu Reino. O próprio fato de Paulo manifestar a
sua convicção de que ele e os demais seriam manifestados na glória na sua segund a de
Cristo indica que eles não estão manifestados ainda, mas que tal momento se dará pela
ocasião da ressurreição dos mortos, na volta de Cristo. Joe Crews também discorreu sobre
isso nas seguintes palavras:

"Quando Paulo esperava a transformação da mortalidade para a imortalidade? Ele


responde: 'Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então também vós vos
manifestareis com ele em glória'. Colossenses 3:4. Quando é então? Na Sua segunda vinda.
Os salvos têm aparecido com Ele na glória já? Não. Isso só acontecerá então, quando Ele
aparecer"1 4 5

A lógica é realmente muito simples: nós seremos manifestados na glória quando


Cristo for manifestado. E, se isso não é prova que os mortos não estão manifestados
ainda, então não sabemos como os imortalistas poderiam ser convencidos disso.

Somente na ressurreição Paulo veria a Deus – É também por ocasião da manifestação de


Cristo que Paulo veria a Deus: “Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em
espelho; mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então, conhecerei
plenamente, da mesma forma como sou plenamente conhecido” (cf. 1Co.13:12). A

145 CREWS, Joe. O que a Bíblia diz sobre estar ausente do corpo. Disponível em:
<http://setimodia.wordpress.com/2008/12/16/livreto-o-que-a-biblia-diz-sobre-estar-ausente-do-corpo/>.
Acesso em: 19/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 268
palavra “então” denota um tempo: naquele momento, naquele instante, a partir daquilo; é
somente na manifestação de Cristo em que conheceremos plenamente a Deus e o veremos
face a face, porque o contexto deixa claro que isso se dará por ocasião da segunda vinda de
Cristo, quando chegar o que é perfeito (cf. 1Co.13:10).

Nós seremos manifestados em glória quando ele (Cristo) se manifestar, e também é


somente nesta ocasião que Paulo e os leitores de sua carta veriam a Deus plenamente, face
a face. Já para os imortalistas, Paulo e os demais santos já conheceriam a Deus e o veriam
face a face muito antes da ressurreição, enquanto almas incorpóreas em um estado
intermediário, ainda que Paulo tenha sido enfático de que ele e os demais só veriam a Deus
"quando viesse o que é perfeito", ou seja, quando Cristo voltar1 4 6 .

A nossa cidadania celestial na ressurreição – “A nossa cidadania, porém, está nos céus, de
onde esperamos ansiosamente um Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Pelo poder que o
capacita a colocar todas as coisas debaixo do seu domínio, ele transformará os nossos
corpos humilhados, para serem semelhantes ao seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz
poder de sujeitar também a si todas as coisas” (cf. Filipenses 3:20,21).

Paulo aqui fala, no verso 20, que nós temos uma cidadania nos céus , e, no verso seguinte
(v.21), mostra quando é que tomaremos posse desta cidade: quando Cristo transformar
os nossos corpos humilhados para serem semelhantes ao seu corpo glorioso! É
evidente que trata-se de mais uma menção à ressurreição, quando “isto que é mortal se
revestirá de imortalidade e isto que é corruptível se revestirá de incorruptibilidade” (cf.
1Co.15:53).

Se Paulo cresse no estado intermediário e na imortalidade da alma, seria presumível que ele
falasse que "nossa pátria está nos céus, de onde também aguardamos um Salvador, Jesus
Cristo, a quem iremos encontrar tão logo morramos". Contudo, o desejo de Paulo em tomar
posse da cidadania celestial concretiza-se na ressurreição dos mortos, na transformação de
nossos humilhados a um glorioso à imagem de Cristo. Paulo acentua mais uma vez sua
expectativa da “cidade celestial” que herdaria quando no Seu retorno Cristo “subordinar a Si
todas as coisas”, e sabemos que tal fato se dará na consumação deste mundo, na volta de
Cristo, com a ressurreição dos mortos.

Os que já morreram não estão no Céu – Mais uma evidência de que os que morreram, em
geral, ainda não estão no Céu, é de que em nenhuma de suas epístolas Paulo se refere a
alguém que já morreu como já estando no Paraíso com Deus, e ainda “se esquece” de
mencioná-los até mesmo quando faz uma referência a quem lá está! Isso é demonstrado
quando analisamos a primeira carta de Paulo a Timóteo:

“Conjuro-te diante de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, e dos anjos eleitos, que sem
prevenção guardes estas coisas, nada fazendo por parcialidade” (cf. 1ª Timóteo 5:21)

146 Não pode se referir a outro momento senão à segunda vinda de Cristo. Primeiro, porque quando
chegasse o que é perfeito as profecias, o conhecimento e os dons espirituais cessariam (v.10), mas eles
continuam existindo. Segundo, porque dificilmente "já chegou o que é perfeito" se a Igreja ainda está
longe de cumprir toda a missão que a ela lhe foi incumbida na terra; e, terceiro, porque o mal, as
tragédias e o pecado que há no mundo atestam que o imperfeito continua atuando. Sendo assim,
embora o texto não diga de forma explícita que se trate da segunda vinda de Cristo (ressurreição), isso é
facilmente deduzido a partir dele.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 269
É evidente que ele está fazendo uma menção àqueles que estão hoje na glória, como
testemunhas daquilo que ele dizia a Timóteo. E ele menciona, a saber, Deus Pai, o Senhor
Jesus e os anjos eleitos. Se existisse uma “multidão de almas” no Paraíso junto a Deus e
aos os anjos eleitos seria imprescindível que ele fizesse menção a elas também!

É óbvio que ele, contudo, não faz menção nenhuma, porque sabia que os que já morreram
não estão lá ainda. Ele faz uma distinção entre os anjos, fazendo questão de mencionar os
anjos “eleitos”, uma vez que existem também anjos “caídos”, que perderam as suas
posições no Céu e por essa razão não estão mais lá. Por isso Paulo faz questão de
mencionar os anjos eleitos, pois estes ainda continuam no Céu; mas, com respeito a
“almas” naquele lugar... nada! Paulo não faz nenhuma questão de mencionar a multidão de
espíritos humanos que supostamente estariam no Céu!

“Conjuro-te diante de Deus [1], e do Senhor Jesus Cristo [2], e dos anjos eleitos [3], que
sem prevenção guardes estas coisas, nada fazendo por parcialidade” (cf. 1ª Timóteo 5:21)

Se Paulo fosse imortalista e cresse que os que morreram já estão salvos no Céu,
provavelmente teria dito:

"Conjuro-te diante de Deus [1], e do Senhor Jesus Cristo [2], e dos anjos eleitos [3], e
dos santos [4], que sem prevenção guarde essas estas coisas, nada fazendo por
parcialidade"

O reencontro é somente na ressurreição – “E espero que, assim como vocês nos


entenderam em parte, venham a entender plenamente que podem orgulhar-se de nós,
assim como nos orgulharemos de vocês no dia do Senhor Jesus” (cf. 2Co.1:14). Aqui fica
claro que o momento em que Paulo se orgulharia de que seu trabalho pelos corintos não foi
em vão não é no momento da morte de cada um deles se apresentando a Paulo e aos
demais santos no Céu, mas sim “no dia do Senhor Jesus”, o glorioso dia da Sua Vinda
quando os mortos serão ressuscitados. Por que? Porque é somente neste momento em que
ambos (Paulo e os coríntios) se veriam novamente. Tal fato é ainda mais acentuado por
aquilo que Paulo escreve na mesma carta:

“Porque sabemos que aquele que ressuscitou o Senhor Jesus dentre os mortos, também nos
ressuscitará com Jesus e nos apresentará com vocês” (cf. 2ª Coríntios 4:14).

Novamente vem à tona a ênfase de Paulo reafirmando que o momento no qual ele voltaria a
ver os coríntios e que ambos seriam apresentados novamente seria na ressurreição dos
mortos, no “dia do Senhor Jesus” (cf. 2Co.1:14; 2Co.4:14), e não no momento das mortes
de cada um com as suas almas imortais se encontrando lá no Céu. Paulo afirma que
gostaria de ser apresentado com aqueles a quem ele havia ganho para a fé cristã, queria
encontrá-los todos. Por que ele não disse que esperava que isso ocorresse quando morresse
e a sua alma fosse para o Céu?

A ênfase dele está na ressurreição, porque é na ressurreição que Paulo e os coríntios se


veriam novamente, como é claramente declarado por ele: “nos ressuscitará... para nos
apresentar com vocês” (v.14). Fica patente que, para o apóstolo Paulo, o momento em que

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 270


ele se veria de novo com os coríntios seria na ressurreição, quando Deus ressuscitará
ambos e nós seremos mutuamente apresentados.

A aprovação de Deus é somente na ressurreição – “Portanto, não julguem nada antes da


hora devida; esperem até que o Senhor venha. Ele trará à luz o que está oculto nas trevas
e manifestará as intenções dos corações. Nessa ocasião, cada um receberá de Deus a
sua aprovação” (cf. 1Co.4:5). Paulo declara que o momento em que o que está oculto
será revelado não é no momento da morte de cada um, mas quando o Senhor vier. Se os
ímpios já estivessem no inferno, já teria sido revelada as suas más obras e intenções do
coração.

Contudo, tal fato concretiza-se apenas na vinda do Senhor Jesus. Além disso, o apóstolo
escreve que “nessa ocasião” (quando o Senhor vier) cada um receberá de Deus a sua
aprovação. A aprovação dos justos não vem no momento da morte de cada um, mas sim na
volta do Senhor que é quando os mortos serão ressuscitados. Se os mortos já estivessem
no Céu ou em algum lugar de gozo e alegria, eles já teriam obtido a aprovação de Deus. Por
que nós só obteremos a aprovação de Deus no momento em que ocorre a ressurreição?
Porque é neste momento em que entramos no Paraíso, não antes disso.

A coroa da justiça – "Eu já estou sendo derramado como uma oferta de bebida. Está
próximo o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a
fé. Agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará
naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda" (cf.
2 Timóteo 4:6-8). Paulo, já próximo da morte, declara que ele só receberá a coroa da
justiça “naquele dia”. Esse dia é o da segunda vinda de Cristo (cf. 1Co.15:23), confirmado
também no final da própria passagem: “mas também a todos os que amarem a sua
vinda”. Até aquele dia, a coroa dele está “guardada” (v.8). Ele não vai para o Céu antes da
ressurreição.

É só neste momento receberemos a coroa da justiça, a justa premiação por todos os


esforços empreendidos pelos santos, consumando com a entrada no Paraíso, coroa a qual
Deus nos guarda até aquele dia (o dia da segunda vinda de Cristo). A linguagem de Paulo
próximo da morte não é: “a minha merecida coroa da justiça receberei tão logo ao morrer”,
mas sim de ter corrido uma corrida da fé, cuja retribuição por seus frutos ele veria
“naquele dia” da segunda vinda de Cristo (v.8), quando ganhará a sua merecida coroa da
justiça. Não era algo que aconteceria iminentemente após a morte antes da ressurreição,
mas é um prêmio guardado, reservado, para se tomar posse em um acontecimento futuro
através da ressurreição dentre os mortos na segunda vinda de Cristo.

Receberão a devida paga no futuro - “Se de fato é justo para com Deus que Ele dê em paga
tribulação aos que vos at ribulam, e a vós outros que sois atribulados, alívio juntamente
conosco, quando do céu se manifestar o Senhor Jesus com os anjos do Seu poder,
em chama de fogo, tomando vingança contra os que não conhecem a Deus e contra
os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidade de
eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do Seu poder. Isso acontecerá
no dia em que ele vier para ser glorificado em seus santos e admirado em t odos os

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 271


que creram, inclusive vocês que creram em nosso testemunho” (cf. 2ª Tessalonicenses
1:7-10)

Mais essa vez, Paulo deixa claro que:

(1) Os cristãos que estavam sofrendo perseguição receberão alívio “quando do Céu se
manifestar o Senhor Jesus” (segunda vinda de Cristo). Note que o alívio das tribulações dos
santos se daria não quando eles morressem e as suas almas fossem para o Céu, mas
quando se manifestasse o Senhor Jesus, na Sua volta em glória. Se nas mortes de cada um
as suas almas partissem para o Céu antes da ressurreição, então eles já seriam aliviados
muito antes da segunda vinda de Cristo!

(2) Os ímpios só serão castigados, quando “o Senhor tomar vingança contra os que não
conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus”. É
dito claramente que no verso 7 que isso só acontecerá “quando do Céu se manifestar o
Senhor Jesus”, ou seja, um acontecimento lançado para o futuro. No verso 9 Paulo
completa dizendo que eles sofrerão a pena da destruição eterna, o que significa que eles
não estão sofrendo ainda. O verbo está no futuro, indicando que a punição dos ímpios é
algo que está para acontecer “naquele dia”, e não algo que já esteja em atividade. Se já
existisse um inferno de fogo em atividade, Paulo teria se engana do em conjurar o verbo no
futuro: “sofrerão”, ao invés de colocar o verbo no presente: “sofrem”, ou “sofrendo”!

(3) Complementando o ponto anterior, Paulo relata no verso 10 quando é o momento em


que aqueles que atribulam os cristãos serão castigados. Ao invés de dizer que seria quando
eles morressem e as suas almas fossem para o inferno (o que já seria um grande castigo),
ele escreve categoricamente que “isso acontecerá no dia em que ele vier para ser
glorificado em seus santos”, ou seja, na segunda vinda de Cristo, que é o momento da
ressurreição.

Paulo se revela contrário ao pensamento grego de que a punição e o castigo viria no


momento das mortes de cada um. Para os cristãos, o momento de toda a esperança em ver
os atos de justiça de Deus serem consumados é na conclusão de todas as coisas (cf.
Ap.15:4; Ap.21:4,5), com a consequente retribuição aos justos com salvação e aos ímpios
com o castigo.

Do início ao fim, Paulo segue a lógica de que os ímpios não estão sendo castigado s
atualmente, mas que esse castigo se dará em uma ocasião futura, claramente indicada na
revelação do Senhor Jesus Cristo, do mesmo modo que o alívio dos santos é na revelação
de Cristo, o momento da ressurreição, e não quando eles morressem partindo para um
estado intermediário de bem-aventuranças; afinal, tal solenidade já seria um alívio para o
povo de Deus. Paulo, contudo, enfaticamente traduz a sua convicção de que tais fatos
apenas se concretizarão a partir da segunda vinda de Cristo e não antes dela.

XXIII–Últimas considerações dos ensinos de Paulo contra a imortalidade da alma

Paulo contra a imortalidade da alma em Atenas – Podemos perceber o contraste entre a


doutrina de Paulo e a imortalidade da alma a partir do texto de Atos 17, em que Paulo foi a
Atenas a fim de pregar o evangelho. Já vimos neste estudo que foi do dualismo grego que a
mentira da serpente de que “certamente não morrerás” entrou no judaísmo por ocasião da

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 272


diáspora judaica, sendo os gregos, portanto, ferrenhos defensores da doutrina da
imortalidade da alma. Em outras palavras, se Paulo pregava esta mesma doutrina, ele
estaria se sentindo praticamente em casa! O que nós vemos, contudo, é que Paulo de jeito
nenhum ensinava a imortalidade da alma:

“Ora, alguns filósofos epicureus e estóicos disputavam com ele. Uns diziam: Que quer dizer
este paroleiro? E outros: Parece ser pregador de deuses estranhos; pois anunciava a boa
nova de Jesus e a ressurreição” (cf. Atos 17:18)

Aqui vemos duas coisas que Paulo pregava. Uma delas praticamente todas as religiões
cristãs pregam: Jesus. A segunda coisa praticamente nenhuma igreja cristã que crê no
dualismo prega: a ressurreição dos mortos. Satanás conseguiu praticamente silenciar as
boas novas acerc a da ressurreição porque conseguiu trazer o dualismo grego direto para a
teologia dos imortalistas. Vemos, por enquanto, que Paulo pregava:

(1) Jesus
(2) Ressurreição

Prova ainda mais forte de que Paulo não pregava a doutrina da imortalidade da alma é o
versículo seguinte, que diz:

“E, tomando-o, o levaram ao Areópago, dizendo: Poderemos nós saber que nova doutrina é
essa de que falas?” (cf. Atos 17:18)

A doutrina da imortalidade da alma era bem conhecida pelos gregos, mas, ainda assim,
vemos a afirmaç ão deles de que o que Paulo pregava era uma “nova doutrina”, mais um
sinal de que o apóstolo não compactava com a velha e conhecida teologia da imortalidade
da alma, que não era nem um pouco "nova" para os gregos. Para os gregos, a primeira
coisa que Deus teria implantado no ser humano foi uma “alma imortal”. Paulo, contudo, não
faz qualquer questão de mencioná-la:

“Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo
dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas” (cf. Atos 17:25)

Paulo apenas faz menção do “fôlego” (aquilo que dá animação ao corpo formado do pó da
terra) que resulta na vida, em um ser vivo. Nada de “alma imortal” é mencionada por ele,
pelo simples fato de que Deus não colocou uma alma no homem. O que para os gregos
dualistas era de todas as coisas a mais primária e importante, para Paulo é desprezada –
ele nem faz questão de mencionar junto ao “fôlego” e a “vida”! Disso já podemos perceber
o contraste entre a teologia paulina e a dualista com relação à natureza humana. Um pouco
mais à frente e o vemos desmoronando ainda mais os pilares da doutrina da imortalidade
da alma pregada por eles:

“Porquanto determinou um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do
varão que para isso ordenou; e disso tem dado certeza a todos, ressuscitando-o dentre os
mortos” (cf. Atos 17:31)

Para os gregos, os mortos já haviam sido julgados para serem condenados num estado
intermediário ou desfrutarem as delícias de um Paraíso. Afinal, a alma é julgada logo depois
que sai do corpo! Para Paulo, contudo, Deus não julgou o mundo ainda ( cf. At.17:31). A

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 273


razão para isso é muito simples: nós só ganharemos vida novamente na ressurreição e, por
isso, é na volta de Cristo em que seremos julgados para a vida ou para a condenação (cf.
2Tm.4:1). Novamente vemos o contraste entre o ensino de que a alma é imortal e o ensino
de Paulo.

Mais interessante ainda é a segunda parte de seu argumento: “...e disso tem dado certeza a
todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (cf. At.17:31). Aqui vemos que a segurança e a
esperança de Paulo em uma vida eterna não se baseava em uma alma imortal que
garantiria isso a todos, mas sim na ressurreição de Jesus Cristo, que garante a nossa
própria ressurreição! A única esperança para o cristão ser julgado e obter vida é baseado e
fundamentado na esperança da ressurreição dentre os mortos, da qual Cristo foi a nossa
primícia. Os gregos depositavam toda a confiança deles na esperança de uma alma eterna
ter sido implantada neles – e essa alma imortal é segurança de vida eterna, de juízo e,
evidentemente, de imortalidade. Quanta diferença para o evangelho bíblico pregado por
Paulo!

Isso tudo explica o porquê de os gregos o terem deixado falar sozinho em seguida:

“Mas quando ouviram falar em ressurreição de mortos, uns escarneciam, e outros diziam:
Acerca disso te ouviremos ainda outra vez” (cf. Atos 17:32)

Ressurreição dos mortos e imortalidade da alma realmente não tem nada em comum.
Ambos são dois opostos e são também mutuamente excludentes, não se pode admitir a
existência de uma alma imortal com a ressurreição, pois a primeira faz com que a segunda
seja algo desnecessário e inútil, praticamente sem proveito uma vez que a nossa esperança
não seria baseada na ressurreição, mas sim em uma “alma imortal” indo para o Céu e lá
ficando eternamente.... independente de ressurreição ou não!

É claro que tal ideia grega não condiz com o Cristianismo puro, não bate com aquilo que
Paulo ensinava em Atenas, não combina com aquilo que o apóstolo ensinava em lugar
nenhum, pois ele nunca, em circunstância nenhuma, fez qualquer menção de imortalidade
da alma ou de estado intermediário em seus esc ritos, porque sabia que tal doutrina é uma
lenda à luz da Bíblia Sagrada, a nossa verdadeira fonte de fé e ensino. Por essa razão
Cullmann concluiu:

"Em suas viagens missionárias, Paulo certamente encontrou pessoas que eram incapazes de
crer em sua pregação da ressurreição exatamente em razão de acreditarem na imortalidade
da alma. Assim, em Atenas só houve zombaria no momento em que Paulo falou da
ressurreição (...) Com efeito, para os gregos, que acreditavam na imortalidade da alma,
pode ter sido mais difícil aceitar a pregação cristã da ressurreição do que foi para os outros.
Por volta dos anos 150, Justino (em seu Diálogo, 80) escreve sobre as pessoas, 'que dizem
que não há ressurreição dos mortos, e sim que imediatamente após a morte a alma deles
ascende ao céu'. Aqui se percebe claramente o contraste"1 4 7

A transformação da natureza humana é somente na ressurreição – A Bíblia não abre


margens para a interpretação de que a nossa natureza já possui a imortalidade mediante a
posse de uma alma eterna. Uma prova muito forte disso é que a imorta lidade é algo em que

147 CULLMANN, Oscar. Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos? Disponível em:
<http://www.mentesbereanas.org/download/imort-ressur_folheto.pdf>. Acesso em: 16/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 274
nós seremos revestidos, não é algo que nós já possuímos. Paulo escreve abertamente sobre
isso em sua primeira epístola aos Coríntios, no capítulo 15, o qual já abordamos em parte,
que é o mesmo capítulo em que Paulo trata acerca do caráter da ressurreição dos mortos, e
ele não poderia concluir o capítulo sem lhes revelar quando é o momento em que nós
seremos dotados de imortalidade:

“Eis que lhes digo um mistério: Nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados,
num momento, num abrir e fechar de olhos, ao soar da última trombeta. Pois a trombeta
soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados. Pois é
necessário que aquilo que é corruptível se revista de incorruptibilidade, e aquilo que é
mortal, se revista de imortalidade. Quando, porém, o que é corruptível se revestir de
incorruptibilidade, e o que é mortal, de imortalidade, então se cumprirá a palavra que
está escrita: ‘Tragada foi a morte pela vitória!’” (cf. 1ª Coríntios 15:51-54)

Diante do que é aqui exposto, percebemos que antes da ressurreição (que só acontece na
segunda vinda de Cristo), nós estaremos:

(1) Mortais
(2) Corruptíveis

Aqui vemos que a imortalidade não é uma possessão natural que levamos desde o
nascimento, mas algo que nós seremos revestidos a partir da ressurreição. Antes disso, nós
somos corruptíveis e mortais, só atingindo o patamar de imortalidade quando os mortos
ressuscitarem e a nossa natureza corruptível e mortal transformar-se revestindo-se de
incorruptibilidade e imortalidade.

Se os mortos já estivessem em um “estado intermediário das almas”, eles já estariam


desfrutando da imortalidade e esta não deveria ser revestida (i.e, ganha, adquirida) na
ressurreição. Isso é somente lógica. Se dentro da nossa natureza já existisse um elemento
imaterial concedendo imortalidade, então a imortalidade não deveria ser “revestida” por
nós na ressurreição, pois nós supostamente já seríamos detentores dela. Ora, só se
reveste de algo que não se possui. Se a imortalidade é revestida em nós na ressurreição
– e não implantada logo no nascimento – então nós não temos algum elemento eterno em
nosso ser.

O fato de que nós só atingiremos a imortalidade na ressurreição dos mortos e da morte só


ser tragada neste momento é prova mais do que suficiente de que nós não a possuímos no
presente momento, mas só a adquirimos no instante da ressurreição, em “um abrir e fechar
de olhos” (v.51). O texto é bem claro em dizer que a imortalidade só é alcançada após a
segunda vinda de Cristo! Nós não somos imortais mediante uma alma eterna, mas seremos
transformados em imortais a partir da ressurreição dos mortos, na segunda vinda do nosso
Senhor.

Como os imortalistas fazem para escapar de tamanha evidência deste te xto bíblico tão
claro? Geralmente, adulterando a Bíblia. Muitos tradutores preferiram tomar a liberdade de
traduzirem a passagem por "este corpo mortal" ou "este corpo corruptível", nos versos 53 e
54, por não conseguirem conceber a ideia de que é a natureza humana como um todo, e
não apenas um corpo, que é revestido de imortalidade na ressurreição . Contudo, essa
adição simplesmente não existe nos manuscritos originais. Paulo jamais colocou a palavra
"corpo" na passagem. O original é traduzido simplesmente diz:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 275


“dei gar to fqarton touto endusasqai afqarsian kai to qnhton touto endusasqai aqanasian
otan de to fqarton touto endushtai afqarsian kai to qnhton touto endushtai aqanasian tote
genhsetai o logoV o gegrammenoV katepoqh o qanatoV eiV nikoV”

A tradução correta é a passada acima neste texto. Paulo jamais induziu que era apenas e
tão-somente um corpo que é revestido de imortalidade, pois a palavra no original grego
para corpo (swma) nem sequer é mencionada em nenhuma parte do texto! Paulo estava
retratando o momento em que a nossa natureza mortal se revestiria de imortalidade:
somente na ressurreição dos mortos. Antes dessa ressurreição, o que nós somos? Mortais
e corruptíveis! Só alcançaremos a imortalidade com a ressurreição dos mortos por ocasião
da segunda vinda de Cristo.

Diante dos ensinamentos do apóstolo Paulo, percebemos que a imortalidade muito longe de
ser uma possessão natural do ser humano por meio da posse de uma alma imortal que
supostamente teria sido “implantada” nos seres humanos. Pelo contrário:

(1) A imortalidade deve ser buscada (cf. Romanos 2:7)


(2) A imortalidade é por meio do evangelho (cf. 2ª Timóteo 1:10)
(3) Só seremos dotados de imortalidade e de incorruptibilidade com a ressurreição dos
mortos (cf. 1ª Coríntios 15:52,53)

Isso explica o porquê que, caso ela não existisse, os mortos já teriam perecido (cf.
1Co.15:18) e a nossa esperança seria somente para esta vida (cf. 1Co.15:19;
1Co.15:30,32), pois nós não temos uma alma imortal.

Conclusão – Os ensinamentos do apóstolo Paulo foram desmoralizantes para a doutrina da


imortalidade da alma. Além de jamais ter afirmado que os que estão mortos já se
encontram atualmente com Cristo, ou que já estão no Paraíso, mas insistindo sempre que
eles “dormiam” (cf. 1Co.15:6; 1Co.15:20; 1Co.15:51; 1Ts.4:13; 1Ts.4:14; 1Ts.4:15;
1Co.11:30; 1Co.15:18; Ef.5:14), ele também afirma categoricamente que, se não fosse
pela ressurreição dos mortos, que acontece na volta de Cristo, todos os mortos já teriam
perecido (cf. 1Co.15:18), a nossa esperança então seria apenas para esta vida (cf.
1Co.15:19), e seria bem melhor “comer, beber e depois morrer” (cf. 1Co.15:32), porque a
luta de Paulo teria sido à toa (cf. 1Co.15:32).

É evidente que Paulo acreditava que não existia v ida antes da ressurreição. Para nós, não
existiria nenhuma vida póstuma sem a ressurreição (cf. 1Co.15:19,32), e, para os que já
morreram, já teriam perecido-apollumi (v.18) se ela não existe. Não estariam eternamente
no Céu, em estado incorpóreo. Paulo também deixa claro que estaremos no Paraíso
vestidos, e não achados nus (cf. 2Co.5:3,4). Afirma ainda que, após a sua morte, a coroa
da justiça estaria guardada para ele receber somente “naquele dia”, o dia da volta de Cristo
(cf. 2Tm.4:6-8).

Na consolaç ão aos tessalonicenses, falando sobre os seus parentes já falecidos, o apóstolo


jamais indica que eles já estão na glória do Paraíso, muito pelo contrário, os consola
unicamente com a esperançada da ressurreição dos mortos (cf. 1Ts.4:18), o que não faria
sentido nenhum se fosse apenas para um corpo morto que já virou pó se as almas imortais
já estivessem com Deus no Céu. A consolação de Paulo, voltada totalmente para a

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 276


ressurreição, além de omitir que os seus amigos e parentes já estivessem na glória, afirma
ainda de modo categórico que “de modo algum precederemos os que dormem” (cf.
1Ts.4:15), indicando que mortos e vivos entrarão no Paraíso no mesmo momento .

As pouquíssimas passagens usadas pelos imortalistas dentre as treze epístolas pa ulinas


assinadas são puramente constituídas de versos completamente descontextualizados ou de
passagens com interpretações inteiramente forçadas. O motivo para não acharem nada nos
escritos de Paulo que favoreça a imortalidade da alma em suas treze epístolas provém de
que, de fato, Paulo desacreditava completamente que Deus tivesse implantado nos homens
uma “alma imortal”. Se Paulo acreditasse que nós possuímos uma alma imortal, teria dito
que o espírito seria salvo no momento da morte, e não no “dia do Senhor” (cf. 1Co.5:5).
Também teria dito que o reencontro dele com os santos seria no momento das mortes de
cada um, e não na ressurreição (no “dia do Senhor Jesus” – 2Co.1:14; 4:14).

Paulo não acreditava que o ser humano era dividido dualisticamente. Por isso, a
imortalidade deve ser buscada (cf. Rm.2:7), e só Deus a possui como uma possessão
presente (cf. 1Tm.6:16). A imortalidade subsistirá com a ressurreição dos mortos, quando
aos justos será lhes dado corpos incorruptíveis (imortais), ao contrário dos ímpios (cf.
Gl.6:8), sendo a imortalidade apenas “por meio do evangelho” (cf. 2Tm.1:10). A morte é
vencida não em função de uma alma imortal que deixa o corpo após a morte sendo liberta
da prisão da matéria, mas pela ressurreição dos mortos (cf. 1Co.15:54).

Também é importante ressaltar que é apenas por ocasião da ressurreição que seremos
dotados de imortalidade (cf. 1Co.15:51), que seremos adotados por Deus como filhos (cf.
Rm.8:19-25) e que tomaremos posse de nossa cidade celestial (cf. Fp.3:20,21). Por
enquanto, não existe nenhuma “multidão de almas” no Paraíso (cf. 1Tm.5:21), porque é
somente pela manifestação de Cristo que seremos manifestados na glória (cf. Cl.3:4). Por
essa mesma razão, os que morreram, como Onesíforo, ainda não encontraram a
misericórdia de Deus entrando no Céu, mas acharão misericórdia "naquele dia", o dia do
juízo (2Tm.1:16-18), na volta de Jesus (cf. 2Tm.4:1).

Paulo deixa uma esperança, esperança essa tão pregada pela Igreja primitiva e pelos
primeiros apóstolos, esperança essa que consiste no fato de que, “assim como todos
morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo. Mas cada um por sua
ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda” (cf. 1Co.15:22,23). A
esperança de que seremos dotados do dom da imortalidade e da incorruptibilidade por
ocasião dessa ressurreição dos mortos (cf. 1Co.15:53,54), quando, finalmente, poderemos
dizer que “tragada foi a morte pela vitória” (cf. 1Co.14:54).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 277


CAPÍTULO 5.5 – AFINAL, ALGUM APÓSTOLO PREGOU A IMORTALIDADE DA
ALMA?

XXIV–O autor desconhecido de Hebreus também desconhecia a Imortalidade da


Alma

“Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, contudo, a
concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito, para
que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados” (cf. Hebreus 11:39,40)

A carta aos Hebreus, por não ser assinada, causa a especulação de muitos sobre quem teria
sido o seu autor. Alguns arriscam tratar-se do próprio apóstolo Paulo. Mas sendo Paulo, ou
sendo outro, o fato é que o autor da epístola aos Hebreus mantém a mesma linha de
pensamento holista, contrária à imortalidade da alma. A imortalidade condicional, a partir
da ressurreição (dia do juízo), era unanimidade entre todos os apóstolos. Começaremos
com a questão relativa ao juízo, bem colocada pelo autor de Hebreus:

A Questão do Juízo – “Da mesma forma, como o homem está destinado a morrer uma só
vez e depois disso enfrentar o juízo” (cf. Hb.9:27). Uma das provas que eu considero mais
fortes da inconsciência pós-morte é a questão relativa ao juízo. O autor de Hebreus é bem
enfático ao dizer que logo em seguida da morte vem o juízo. Não vem o Céu e nem o
inferno. A pessoa só é levada ao Céu ou ao inferno depois de ser julgada. Contudo, lemos
que este julgamento só irá acontecer ao soar da última trombeta (cf. Ap.11:18), e após
toda a tribulação apocalíptica, no final dos tempos (cf. Ap.20:12), na volta de Jesus (cf.
2Tm.4:1).

O julgamento só acontecerá “quando vier o Filho do Homem na sua majestade e todos os


anjos com ele, então, se assentará no trono da sua glória” (cf. Mt.25:31). Sendo assim, a
doutrina de que vamos diretamente para o Céu ou para o inferno antes da volta de Cristo
(quando os mortos serão ressuscitados – cf. 1Co.15:22,23) entra em um total choque de
lógica. Se as pessoas vão direto para o Céu ou para o inferno antes da volta de Cristo
quando serão julgadas (cf. Mt.25:31), isso conflitaria com Hebreus 9:27, que diz
enfaticamente que o juízo é logo após a morte.

Se o juízo é só na volta de Cristo (cf. Mt.25:41; 2Tm.4;1), mas os mortos já estão no Céu
ou no inferno muito antes disso, então eles estariam lá sem serem julgados ou, então,
haveria dois julgamentos, mas Hebreus 9:27 traz o juízo no singular. Cada pessoa é julgada
apenas uma única vez. Ninguém é levado ao Céu ou ao inferno antes do juízo, e este só
acontecerá na volta de Cristo.

Por conseguinte, os mortos antes disso não podem estar no Céu ou no inferno. Estão
literalmente mortos, na sepultura, e só serão ressuscitados na volta de Cristo quando serão
julgados. Um só julgamento, logo após serem ressuscitados, e só depois de serem julgados
irão para o Céu ou para o inferno. Uma lógica simples e coerente, mas do lado dos
imortalistas é preciso muita imaginação para sustentar a doutrina da imortalidade da alma à
luz da doutrina do juízo.

Para deixar um pouco mais claro, vamos enumerar as premissas:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 278


(1) Existe um só juízo.
(2) Esse juízo é somente na volta de Cristo.
(3) Ninguém é lançado no Céu ou no inferno sem antes ser julgado.
(4) Por conseguinte, concluímos que não existe vida antes da ressurreição dentre os mortos
quando todos serão julgados.

Vamos fortalecer um pouco mais os dois primeiros pontos e mostrar à luz da Bíblia Sagrada
a questão relativa ao Juízo:

1. Existe um só juízo. Esse é um fato evidente que a Bíblia deixa mais do que claro. Em
primeiro lugar, nunca na Bíblia inteira é mencionada qualquer pessoa passando por dois
juízos. O juízo é apenas um porque não pode ser revogado. Além disso, Hebreus 9:27 traz
“juízo” no singular. Existe um único juízo.

Também em Mateus 10:25, em Mateus 11:22, em Mateus 11:24, em Mateus 12:36, em


Mateus 12:41, em Mateus 12:42, em Lucas 10:14, em Lucas 11:31, em Lucas 11:32, em
João 5:29, em João 9:39, em João 12:8, em João 12:11, em Atos 24:25, em Hebreus 6:2,
em Hebreus 9:27, em Tiago 2:23, em 2ª Pedro 2:4, em 2ª Pedro 2:9, em 2ª Pedro 3:7, em
1ª João 14:17, em todas essas passagens o juízo vem no singular.

Apenas um péssimo leitor da Bíblia seria capaz de negar o fato inteiramente claro e óbvio
de que existe um únic o juízo para cada pessoa. Juízo este que não pode ser revogado e
nem alterado, por isso mesmo é chamado de “juízo eterno”. Que os mortos não foram
julgados fica ainda mais claro à luz de Atos 7:31, que diz: “Porquanto tem determinado um
dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso
deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos”. Esse dia não chegou ainda. Note
que o verbo está no futuro: “há de julgar” – ou seja, o juízo ainda não se concretizou e,
portanto, os mortos não foram julgados para entrarem no Céu ou no inferno. Tal juízo
ocorre é na segunda vinda de Cristo, como veremos a seguir.

2. Esse juízo é somente na volta de Cristo. Esse juízo a Bíblia afirma que acontece
exatamente no momento da segunda vinda de Cristo. Em Mateus 25, a partir do verso 31, o
Senhor Jesus fala sobre esse juízo, e diz quando ele será efetuado: “Quando o Filho do
Homem vier em sua glória, com todos os anjos, assentar-se-á em seu trono na glória
celestial” (cf. Mt.25:31). Trata-se a uma referência clara à volta gloriosa de Cristo. Também
no contexto lemos: “Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: Venham, benditos de
meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo”
(cf. Mt.25:32).

Veja que os justos só entram na herança depois deste juízo, que acontece na revelação
gloriosa de Cristo. Na epístola à Timóteo, Paulo afirma tal fato categoricamente: “Na
presença de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos pela sua vinda e
por seu Reino” (cf. 2Tm.4:1). Clareza maior do que essa é impossível: “há de julgar...
pela sua vinda”! "Há de julgar" denota que o juízo não aconteceu ainda, mas é um evento
futuro, ao passo que "na sua vinda" mostra quando é que esse juízo acontecerá.

Importante também é ressaltar que é só depois deste julgamento que os santos serão
recebidos no Reino (cf. Mt.25:32). Se ao morrerem as suas almas imortais já tivessem
partido para o Paraíso (sem serem julgadas e nem nada, contrariando inclusive Hebreus
9:27), então os santos já teriam sido recebidos no Reino. O fato é que este julgamento só

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 279


acontece na segunda vinda de Cristo. Isso explica o porquê que Paulo esperava que
Onesíforo encontrasse a misericórdia da parte do Senhor “naquele dia” (cf. 2Tm.1:16-18).

Se os mortos já estivessem sido julgados estando no Céu ou no inferno como pregam os


imortalistas, então Onesíforo já teria encontrado a misericórdia da parte do Senhor. No
próprio livro de Apocalipse lemos que o juízo só vem após o término de todos os
acontecimentos finais, após a segunda vinda de Cristo e a ressurreição: “Vi também os
mortos, grandes e pequenos, de pé diante do trono, e livros foram abertos. Outro livro foi
aberto, o livro da vida. Os mortos foram julgados de acordo com o que tinham feito,
segundo o que estava registrado nos livros” (cf. Ap.20:12).

3. Ninguém é lançado no Céu ou no inferno sem antes ser julgado. Já vimos nos dois
últimos pontos que existe um único juízo para cada pessoa, e este juízo começa apenas na
segunda vinda de Cristo. Obviamente, ninguém seria condenado sem ser julgado primeiro.
Se os ímpios já estivessem queimando no inferno, seria totalme nte desnecessário um juízo
na volta de Cristo já que eles já estão lá, não podem sair de lá, e vão continuar lá do
mesmo jeito. Isso prova que eles não estão queimando ainda. O castigo não está ainda
ocorrendo, não havendo esse fogo devorador senão por oca sião da revelação de Cristo
“naquele dia”, o dia da segunda vinda de Cristo (cf. 2Ts.2:7-10).

O fato é que existe um só juízo (cf. Mt.10:25; Mt.11:22; Mt.11:24; Mt.12:36; Mt.12:41;
Mt.12:42; Lc.10:14Lc.11:31; Lc.11:32; Jo.5:29; Jo.9:39; Jo.12:8Jo.12:11; At.24:25;
Hb.6:2; Hb.9:27, Tg.2:23; 2Pe.2:4; 2Pe.2:9; 2Pe.3:7; 1Jo.14:17), esse juízo após a
morte (cf. Hebreus 9:27), sendo na volta de Cristo (cf. Mt.25:31; Ap.20:12; 2Tm.4;1;
At.7:31), só depois deste juízo que os mortos receberão a merecida recompensa
(cf. Mt.16:27; Ap.22:12; Dn.12:13), e se os ímpios já estivessem queimando no inferno,
seria totalmente desnecessário um juízo na volta de Cristo já que eles já estão lá, não
podem sair de lá, e vão continuar lá do mesmo jeito. Ninguém é lançado no Céu ou no
inferno sem ser julgado primeiro!

- Por conseguinte, concluímos que não existe vida antes da ressurreição dentre os mortos
quando justos e ímpios serão julgados, para entrarem no Paraíso ou para serem punidos.
Os ímpios não vão estar sendo castigados no inferno sem nem ao menos serem julga dos
primeiro, para depois sair e ir para o julgamento e voltar a queimar novamente. Tal
doutrina (de estado intermediário) não se harmoniza com a doutrina do juízo.

Poderíamos sustentar as premissas de várias maneiras provando que a doutrina do juízo


não se harmoniza com a imortalidade em um estado intermediário. Alguns meios que são
legítimos pelo que vimos até aqui:

(1) Depois da morte vem em seguida o juízo, e não o Céu ou o inferno (cf. Hb.9:27) .
(2) Este juízo é único e ocorre somente na segunda vinda de Cristo (cf. 2Tm.4:1).
(3) Logo, os mortos não estão atualmente no Céu ou no inferno.

As duas primeiras premissas são fatos que nós já vimos até aqui, amplamente declarados
na Bíblia, e a terceira é a conclusão lógica das premissas. É muito claro que os apóstolos
tinham a convicção de que o estado entre a morte e a ressurreição era um estado
realmente de morte (sem vida) e, por isso, um estado atemporal. Não existe lapso de
tempo entre a morte e a ressurreição.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 280


É por isso que o escritor de Hebreus afirma que para quem morreu vem em seguida o juízo
(cf. Hb.9:27), apesar deste juízo ser somente na segunda vinda do Senhor (cf. 1Tm.4:1).
Se o estado intermediário fosse um estado temporal, então existiriam milhares de anos no
Céu ou no inferno antes da ocasião do juízo; em outras palavras, depois da morte não
haveria o juízo! É óbvio que este estado é, como vimos, atemporal, não-existente.
Morreu e vem o juízo, apesar de ser somente na volta de Jesus.

Sendo que em um estado atemporal não existe tempo, segue-se que, morrendo, vem em
seguida o juízo, que no estado temporal é claramente relacionado à segunda vinda do
Senhor, o Cristo. Para quem está literalmente morto (i.e, sem vida) não exis te tempo e
espaço, e a passagem da vida terrena para a ressurreição é, realmente, como em um abrir
e fechar de olhos, quando seremos ressuscitados e julgados para estar com Cristo. Isso é
muito evidente quando comparamos a declaração de Hebreus 9:27 em relação à doutrina
do juízo registrada na Bíblia Sagrada.

Outra maneira simples de desclassificarmos a doutrina da imortalidade da alma em frente à


doutrina do juízo:

(1) Existe um só juízo para cada pessoa.


(2) Se alguém é lançado no fogo do inferno, pressupõe que tenha sido julgado para isso.
(3) Contudo, o juízo somente vem a ocorrer na segunda vinda de Cristo.
(4) Logo, os mortos estão literalmente mortos (i.e, sem vida) esperando serem
ressuscitados para aí sim serem julgados para então entrarem na vida ou na condenação.

Novamente todas as premissas são confirmadas biblicamente, como já vimos acima. A


premissa número dois apresenta uma lógica incontestável de que para alguém ir para o
fogo do inferno é bem presumível que, realmente, deva ter passado por um juízo para isso.
Afinal, o nosso Deus é um Deus justo, que não iria de forma alguma condenar alguém sem
ter sido julgado para isso! Deus julga, e depois condena.

A salvação ou perdição não precedem o juízo porque na própria continuação da passagem o


autor de Hebreus evidencia que a salvação sucede (e não “antecede”) o juízo: “Da mesma
forma, como aos homens está ordenado morrerem uma só vez e depois disso enfrentar o
juízo, assim também Cristo foi oferecido em sacrifício uma única vez, para tirar os pecados
de muitos; e aparecerá segunda vez, não para tirar o pecado, mas para trazer salvação aos
que o aguardam” (cf. Hb.9:27,28).

Portanto, fica claro que não existe um “estado intermediário das almas ”, pois o juízo para a
separação entre justos e injustos só ocorre na segunda vinda de Cristo e a salvação não
precede o juízo. Se as pessoas já estivessem no Céu neste “estado intermediário” (ou em
algum outro lugar entre os salvos) então ela já estaria s alva e, portanto, a salvação
precederia o juízo, o que é claramente negado pelo autor de Hebreus (cf. Hb.9:28)! Os que
“o aguardam” não estavam já entre os salvos, pois se fosse assim Cristo não teria que
“trazer salvação” a eles! A lógica desmente completamente a lenda da imortalidade da
alma.

Também João afirma que “nisto é aperfeiçoado em nós o amor, para que no dia do juízo
tenhamos confiança; porque, qual ele é, somos também nós neste mundo" (cf. 1Jo.4:17).
Por que ele acentua essa confiança “no dia do juízo” e não no dia da morte, quando a
suposta “alma imortal” iria partir para o Céu? Ou o salvo morrendo já teria a sua sorte

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 281


definida entre os salvos, ali permanecendo esperando o dia do dia do juízo para saber se
serão salvos ou não, embora já certos de que sim!

Ora, o crente que morre só ganha (efetivamente) a salvação para desfrutá -la na segunda
vinda de Cristo (cf. Hb.9:27,28), e não em um “estado intermediário”, e a expectativa
sendo lançada para o Dia do Juízo seria inútil em caso que a alma já fosse salva ou
condenada logo no momento da morte. Esperaríamos justamente o inverso, isto é, que a
expectativa para saber se seremos ou não salvos fosse logo na morte e não no juízo que só
vem a acontecer na volta de Jesus (cf. 2Tm.4:1; At.7:31). Quando assumimos a posição de
mortalidade fazemos como João – colocamos o Dia do Juízo sendo o “clímax” da história;
quando, porém, a “imortalidade da alma” entra no Cristianismo, esse Dia deixa de ser o
centro do palco.

Poderíamos também argumentar de outra maneira, se preferíssemos:

(1) Se os ímpios já estivessem no inferno e os justos no Céu, não precisariam ser julgados
para permanecerem no mesmo lugar do mesmo jeito, já que a ida ao Céu ou ao inferno é
algo definitivo e irreversível.

(2) O juízo é somente na segunda vinda de Cristo.

(3) Pressupõe-se logicamente, portanto, que os mortos não estão na vida ou na


condenação antes do momento do juízo.

Nestas últimas premissas, o ponto-chave está fundamentado sobre a lógica da primeira


premissa, de que é algo que vai frontalmente contra a lógica ter que sair do Céu ou do
inferno para ser julgado e depois permanecer no Céu ou no inferno do mesmo jeito que
antes. Isso, além de não fazer lógica nem ter qualquer sentido, faz do Dia do Julgamento
algo presumível e sem razão de ser. Esperaríamos justamente o contrário, isto é, que os
mortos fossem julgados e, depois, encaminhados ou para a vida ou para a condenação, em
seus destinos finais de acordo com o que as suas obras fizeram por merecer.

Essa é uma lógica muito simples, que nos faz desacreditar na doutrina imortalista, uma vez
que apresentaria um choque de lógica irreversível. É impossível que a sabedoria divina
apresentar-se-ia de maneira tão confusa, de fazer um juízo depois de todos já serem
condenados ou terem ido para a vida, e depois do juízo voltar para o inferno ou voltar para
o Céu do mesmo jeito que estava antes.

Como já foi colocado aqui, os ímpios não vão estar sendo castigados no inferno sem nem ao
menos serem julgados primeiro, para depois saírem e irem para o julgamento para em
seguida voltarem a queimar novamente; e, se os ímpios já estivessem queimando no
inferno, seria totalmente desnecessário um juízo na volta de Cristo já que eles já estão lá,
não podem sair de lá, e vão continuar lá do mesmo jeito.

Mais importante ainda do que os fatos expostos acima que desqualificam a doutrina da
imortalidade em frente à doutrina do juízo é o que o autor da carta aos Hebreus escreve
logo em seguida do verso em que aqui colocamos: “Da mesma forma, como aos homens
está ordenado morrerem uma só vez e depois disso enfrentar o juízo, assim também Cristo
foi oferecido em sacrifício uma única vez, para tirar os pecados de muitos; e aparecerá

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 282


segunda vez, não para tirar o pecado, mas para trazer salvação aos que o aguardam”
(cf. Hebreus 9:27,28)

Assim como na ordem natural o homem morre uma só vez (v.27 – em consequência do
pecado – cf. Rm.5:12), também Cristo morreu uma só vez como sacrifício pelo pecad o
(v.28). E assim como, depois da morte, o homem enfrenta o juízo, também Cristo
aparecerá de novo, trazendo a salvação para os que o aguardam.

Aqui mora mais uma chave para compreendermos o teor da negação à doutrina imortalista
em frente à carta aos Hebreus e à doutrina do juízo: os que lhe aguardam (v.28), que
morreram vindo em seguida o juízo (v.27) [que ocorre na segunda vinda de Cristo – cf.
2Tm.4:1], não estão já salvos atualmente desfrutando das bênçãos paradisíacas, mas, ao
contrário, aguardam a segunda vinda do Senhor para aí sim serem salvos.

Se os mortos já estivessem no Céu então eles já teriam encontrado a salvação. Deus não
teria a necessidade de “trazer a salvação” para alguém que já está entre os salvos. Do início
ao fim, a doutrina do juízo nega de forma mais do que clara e precisa a doutrina da
sobrevivência da alma em um estado intermediário dos mortos antes da ressurreição geral.

Eles estão esperando por nós – “Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua
fé não obtiveram, contudo, a concretização da promessa, por haver Deus provido
coisa superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados”
(cf. Hb.11:39,40). Os heróis da fé ainda não obtiveram a concretização da promessa, pois
Deus não quer que sem nós eles sejam aperfeiçoados. Qual é essa promessa, de acordo
com o contexto? O contexto deixa claro que a “concretização da promessa” é a entrada no
Paraíso, na cidade celestial (cf. Hb.11:10; Hb.11:16; Hb.11:26), como também é dito
claramente no verso 16:

“Em vez disso, esperavam eles uma pátria melhor, isto é, a pátria celestial. Por essa
razão Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles, e lhes preparou uma cidade”
(cf. Hebreus 11:16)

E todos esses “heróis da fé”, dos quais o autor de Hebreus t rata no capítulo 11, não
obtiveram ainda a promessa. Eles esperam superior ressurreição, como é dito no
verso 35: “Mulheres receberam, pela ressurreição, os seus mortos. Alguns foram
torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior ressurreição”. O verso 39
deixa claro que eles não obtiveram a concretização da promessa (de entrar no Paraíso – cf.
11:16), e o verso seguinte explic a o porquê de eles não terem ainda entrado nos Céus, “por
haver Deus provido coisa superior a nossa respeito”, e “para que eles, sem nós, não sejam
aperfeiçoados”.

Eles [os mortos] só entrarão na Jerusalém celestial quando nós [os vivos] formos junto com
eles, eles não entram antes de nós! Pelo contrário, eles “esperam superior ressurreição”,
como é dito claramente no verso 35, e entram na pátria celestial ao mesmo passo nosso,
pois eles sem nós não são aperfeiçoados nem obtêm a concretização da promessa.

Os que morreram não obtêm a concretização da promessa após a morte, por Deus haver
provido coisa superior a nosso respeito, para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados!
Note que Paulo, em 1ª Tessalonicenses 4:15, usa o mesmo pronome na primeira pessoa do

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 283


plural quando se refere aos vivos que seriam arrebatados por ocasião da volta de [“nós, os
vivos”]; com os heróis da fé não é diferente, eles não obtêm a concretização da promessa
senão quando "nós", ou seja, os vivos da época da volta de Cristo, formos ajuntados para
entrar na Cidade Celestial ao mesmo tempo daqueles que já morreram.

Pois é apenas desta forma que os heróis da fé que já morreram alcançam a promessa:
quando todos forem ajuntados ao mesmo tempo, sem distinção, sem prioridade entre
mortos e vivos por ocasião da volta de Cristo. A segunda vinda do Senhor não é um bem
apenas aos vivos para entrar no Céu, mas também aos próprios mortos, pois da mesma
maneira que os vivos só entram no Céu na Sua Vinda, o mesmo se dá para os que já
morreram (cf. 1Ts.4:15; Hb.11:39,40).

Isso é o que significa colocar a volta de Cristo totalmente no centro do palco! Os que
pregam que o autor da epístola aos Hebreus, contraditoriamente, ensinava a doutrina da
imortalidade da alma, apregoam o texto de Hebreus 12:23, que diz: “à igreja dos
primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Vocês chegaram a Deus juiz de todos os
homens, aos espíritos dos justos aperfeiçoados”. Contudo, basta analisarmos o contexto
para vermos o quão equivocada está a interpretação dualista e deixarmos o texto fluir
livremente, a partir dos versos anteriores e seguint es:

“Mas vocês [hebreus] chegaram ao monte Sião, à Jerusalém celestial, à cidade do Deus
vivo. Chegaram aos milhares de milhares de anjos em alegre reunião, à igreja dos
primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Vocês chegaram a Deus, juiz de todos
os homens, aos espíritos dos justos aperfeiçoados, a Jesus, mediador de uma nova aliança,
e ao sangue aspergido, que fala melhor do que o sangue de Abel” (cf. Hebreus 12:22-24)

O autor começa falando de uma santificação sem a qual ninguém verá a Deus (v.14), alerta
para seus leitores não serem como Esaú que vendeu a benção de Deus, e de como o povo
pecou no pé do Sinai. Então a partir do v.22 começa a elogiar os hebreus a quem ele
escrevia, e nessa seção de elogio consta que eles já haviam chegado à Jerusalém celestial
(espiritualmente), chegaram também ao acesso dos anjos, faziam parte da mesma igreja
dos primogênitos, que assim como eles estão inscritos no céus (livro da vida), alcançaram a
Deus, alcançaram a Jesus, estão no mesmo patamar daqueles que tiveram seus espíritos
aperfeiçoados (estatura de varão perfeito), dos quais ele menciona em todo o capítulo 11,
aqueles ao qual o autor se referia estavam no mesmo nível dos justos patriarcas.

O autor não poderia estar falando que os justos que morreram já estão aperfeiçoados no
Céu, pelo simples fato de que, como vimos, ele declara taxativamente o contrário alguns
versos antes:

"Por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito, para que eles [os patriarcas
mortos do cap.11], sem nós [os vivos], não fossem aperfeiçoados" (cf. Hb.11:40)

Ou seja, os heróis da fé ainda aguardam o aperfeiçoamento total de suas vidas. O texto


deixa claro que esse aperfeiçoamento será em conjunto com os outros santos (nós), e
ocorrerá somente como Jesus predisse (cf. Jo.6:44), num abrir e fechar de olhos (cf.
1Co.15:52), no último dia, o da Sua volta e não antes disso.

O que o autor de Hebreus estava colocando era uma verdade espiritual e não um fato
material. Os hebreus não haviam chegado literalmente aos milhares de anjos, por exemplo.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 284


É como quando Paulo escreve que Deus nos “resgatou do domínio das trevas e nos
transportou para o Reino do seu Filho amado” (cf. Cl.1:13). Essa é uma grande verdade
espiritual; embora nós materialmente continuamos nesta terra no mesmo lugar antes e
depois de recebermos a Cristo em nossos corações, nós espiritualmente estávamos no
Reino das Trevas antes de conhecer a Cristo.

Materialmente falando, a nossa união com eles se dará por ocasião da ressurreição (cf.
1Ts.4:15), como o próprio autor de Hebreus escreve que eles ainda não foram
aperfeiçoados (cf. Hb.11:39,40). É só neste momento que eles entram no Céu sendo
aperfeiçoados, pois “eles sem nós não alcançam a promessa”. Ademais, não nos é dito que
os primogênitos estão nos céus, mas sim que os seus nomes estão nos céus. Isso é muito
significativo, porque nós temos os nossos nomes inscritos no Céu em vida e não depois que
morremos:

“E peço-te também a ti, meu verdadeiro companheiro, que ajudes essas mulheres que
trabalharam comigo no evangelho, e com Clemente, e com os outros cooperadores, cujos
nomes estão no livro da vida” (cf. Filipenses 4:3)

Veja que eles já estavam com os seus nomes inscritos no Céu, no livro da vida. Paulo não
escreve “estará” {no futuro}, mas sim “estão” {no presente momento}. Cristo também diz
que nós temos os nossos nomes escritos nos céus no presente momento (cf. Lc.10:20).
Portanto, a menção de Hebreus 12:23 diz respeito a pessoas vivas, e não a mortos!

Finalmente, se o autor de Hebreus quisesse realmente passar a informação de que as


próprias pessoas estão nos Céus, então ele diria que eles “estão nos céus”; contudo, ele
diz que “cujos nomes... estão nos céus”! Isso é muito importante, pois os nomes são
escritos enquanto as pessoas estão vivas e, por isso, não são as próprias pessoas, mas sim
os seus nomes que estão nos céus. Se o autor de Hebreus fosse imortalista, certamente
teria dito que eram os próprios primogênitos que estavam no Céu.

Outra passagem igualmente utilizada na tentativa de se provar a vida após a morte na


epístola aos Hebreus encontra-se no verso 4 de Hebreus 11, que diz:

“Pela fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício superior ao de Caim. Pela fé ele foi reconhecido
como justo, quando Deus aprovou as suas ofertas. Embora este ja morto, por meio da fé
ainda fala” (cf. Hebreus 11:4)

Mas vemos que eles falham aqui exatamente no mesmo ponto do anterior: não é a “alma”
de Abel que ainda fala, mas sim a sua fé! É o seu exemplo e dedicação de fé que nos serve
de exemplo e ensino até os dias de hoje. Seu ato ainda fala! O ato de Abel foi um ato de
adoração a Deus: pela fé ele apresentou a Deus um culto mais aceitável e excelente em
relação a Caim. É evidente que se fosse o próprio Abel que falasse, então bastaria que o
autor de Hebreus registrasse que “ele [Abel], mesmo morto, ainda fala” – e “fim de papo”!

Mas, uma vez que ele de fato não acreditava que Abel já estivesse vivo em algum lugar,
então teve que dizer que foi o seu ato de fé que fala a nós. Não é o próprio Abel, e muito
menos a “alma” dele que fala! O mesmo autor escreve na mesma epístola que o sangue de
Abel fala (cf. Hb.12:24). Não é “estranho” que sempre seja “a fé”, “o sangue” ou os
"nomes”, e não a própria “alma” ou “espírito" que estejam vivos ou falem?

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 285


Morreram, e mesmo assim não alcançaram a promessa – Neste mesmo contexto vemos o
autor de Hebreus colocando algo semelhante ao que ele relata nos versos 39 e 40 : “Todos
estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e
crendo-as e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra”
(Hb.11:13). Aqui vemos que, mesmo morrendo, eles ainda não alcançaram a promessa! A
versão católica da CNBB assim reza: “Todos estes morreram firmes na fé. Não chegaram a
desfrutar a realização da promessa, mas puderam vê-la e saudá-la de longe e se
declararam estrangeiros e peregrinos na terra que habitavam” (cf. Hb.11:13).

Temos sempre que lembrar que a “promessa” que o autor de Hebreus se refere é
exatamente a cidade celestial junto a Deus (cf. Hb.11:10; Hb.11:16; Hb.11:26). Mesmo
depois de morrerem {estando na fé}, eles não alcançaram a promessa! Ora, se a morte
introduzisse as suas almas direto na presença de Deus, então eles já teriam alcançado a
promessa na morte, que seria a própria estadia celestial. O que vemos, contudo, é
exatamente o inverso disso, eles morreram e não alcança ram a promessa, eles a viram
(“saudaram”) pelos olhos da fé, vendo-a de longe, mas sem a alcançar!

É impossível que as promessas ali relatadas tratem-se apenas de seus objetivos terrenos,
porque com relação a promessas terrenas eles já haviam alcançado as promessas (cf.
Hb.11:13). É inequívoco, então, que realmente tratam-se das promessas espirituais, da
“cidade que tem fundamentos” (cf. Hb.11:10), como é ressaltado por todo o contexto (cf.
Hb.11:10; Hb.11:16; Hb.11:26).

Vemos, portanto, que a morte não foi o passaporte direto para a presença de Deus no Céu
(como erroneamente pensam os defensores da alma imortal). O autor nunca diz em pa rte
nenhuma de sua carta que “eles já receberam a promessa”; pelo contrário, diz
exatamente o inverso disso: “morreram sem receber as promessas”; “não chegaram a
desfrutar da realização das promessas"; “não obtiveram a realização da promessa”; “eles
sem nós não são aperfeiçoados”, etc (cf. Hb.11:39; Hb.11:40; Hb.11:13).

Se os pais da fé já tivessem no Céu na época em que o escritor de Hebreus relatava tais


fatos, então seria imprescindível que ele narrasse este fato tão importante na teologia da
imortalidade da alma. Isso seria de fundamental importância pelo contexto, deixando claro
que depois de todos os seus esforços e lutas aqui na terra eles finalmente alcançaram a
promessa da cidade celestial. Contudo, tal colocação não é levantada em parte nenhuma ,
pelo simples fato de que eles, realmente, ainda não alcançaram a cidade que tem
fundamentos, mas esperam a concretização da promessa.

Eles não estão na pátria celestial – Um outro ponto importante com relação aos heróis da fé
é que é nos dito ainda mais enfaticamente que eles, de fato, ainda não estão na cidade
celestial, como podemos ver ao longo de todo o contexto:

Hebreus 11
13 Foi na fé que todos {nossos pais} morreram. Embora sem atingir o que lhes tinha
sido prometido, viram-no e o saudaram de longe, confessando que eram só estrangeiros e
peregrinos sobre a terra.
14 Porque, os que isto dizem, claramente mostram que buscam uma pátria.
15 E se se referissem àquela donde saíram, ocasião teriam de tornar a ela...

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 286


16 Mas não. Eles aspiravam a uma pátria melhor, isto é, à celestial. Por isso, Deus não se
dedigna de ser chamado o seu Deus; de fato, ele lhes preparou uma cidade.

Aqui vemos a confirmação de que os heróis da fé, de fato, não estão na pátria. Isso porque
eles “buscam uma pátria” (v.14). Ora, se eles buscam uma pátria, então eles não estão
nesta pátria! Tal lógica simples desmente em absoluto que eles já estejam no Cé u, porque o
mesmo contexto nos mostra que tal “pátria” refere-se exatamente a cidade celestial (v.16).
Se você busca por algo é porque você não possui tal coisa, mas ainda deseja alcançá-la.

É exatamente esta a situação dos heróis da fé: eles não alcançaram ainda tal pátria, não
estão nela, mas anseiam e desejam tomar posse dela. Por isso, eles buscam uma pátria, e
não estão em alguma pátria! O verso 13 traduz praticamente tudo o que nós estamos
dizendo aqui: “Embora sem atingir o que lhes tinha sido prometido...”; ou seja, eles
não atingiram tal pátria, e a analogia nos mostra a tipificação com a pátria celestial (v.16),
na qual eles não estão ainda.

Deus lhes “preparou” esta cidade (v.16). A cidade está preparada para eles entrarem; eles
não entraram ainda, mas aguardam tal concretização da promessa para que “conosco eles
sejam aperfeiçoados” (v.40). Tal união entre os heróis da fé e os outros salvos concretiza -
se exatamente neste momento tão esperado, tão desejado, momento este que se dá na
volta do Senhor deles e nosso, o Salvador, o Cristo, na superior ressurreição dentre os
mortos.

O autor de Hebreus faz questão de relatar que eles não então na pátria celestial (doutro
modo teria dito abertamente isso), mas sim que esta cidade lhes está “preparada” para o
dia em que irão entrar. A cidade está preparada não apenas para nós, mas também para
eles, para que juntamente atinjamos o que nos foi prometido, a promessa de uma pátria
suprema, isto é, a celestial.

Focando-se na esperança da ressurreição – “Mulheres receberam, pela ressurreição, os seus


mortos. Alguns foram torturados, não aceitando seu resgate, para obterem superior
ressurreição” (cf. Hb.11:35). A passagem é bem clara em dizer que o motivo pelo qual
eles suportaram a tortura e a perseguição foi a esperança de obterem uma superior
ressurreição, e não da alma partindo imediatamente para o Céu por ocasião da morte. Isso
seria muito estranho caso existisse a imortalidade da alma. Esperar-se-ia o contrário, isto é,
que eles morressem esperando que as suas almas já partissem para o Céu para receber sua
herança.

Contudo, eles morreram foi “para obterem superior ressurreição”. Foi pela ressurreição dos
mortos que eles aceitaram a tortura e a perseguição, pelo simples fato de que é na
ressurreição em que finalmente entraremos no Reino prometido do Pai. Se existisse a
imortalidade da alma, eles morreriam esperando que as suas almas imortais partissem
imediatamente para o Céu, o que seria o mais importante, e a ressurreição se limitaria
apenas a obter novamente um corpo para continuar no Céu do mesmo jeito. Obviamente,
essa visão estava longe de se comparar àquela que os mártires tinham próximos da morte.

Contraste entre Cristo e os homens mortais – “No primeiro caso, os que recebem os dízimos
são homens mortais; lá, porém, se trata de alguém do qual se declara que vive” (cf.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 287


Hb.7:8). Aqui contrasta-se “homens mortais” com aquele vive [atualmente] – Cristo. Este
versículo simplesmente não faz lógica para os imortalistas. Em primeiro lugar, porque os
que recebem o dízimo “no primeiro caso” (pelo contexto, os levitas – cf. Hb.7:5,6) também
deveriam estar vivos assim como Cristo, pois seriam imortais através de uma alma eterna
que lhes teria sido supostamente implantada.

Em segundo lugar, o contraste que faz o autor de Hebreus é muito claro: Jesus é aquele
“que se declara que vive”, ao contrário dos demais homens! Ora, se existisse a
imortalidade da alma então aqueles homens também estariam vivos e, portanto, o
contraste ali apresentado seria nulo e sem sentido. Novamente vemos a distinção entre
Cristo e os outros que já morreram, assim como a antítese entre Cristo e Davi (cf. At.2:34),
e entre Cristo e os demais (cf. At.19:25), vemos também aqui o fato de que os homens são
mortais, mas Cristo vive!

O texto original do grego traz: “apothnesko anthropos” – homens mortais – e, em


seguida, aplica os termos gregos: “ekei de” – lá, porém. Veja que o autor faz questão de
ressaltar o caráter de um contraste. A última palavra deixa claro uma condição: “mas;
porém; contudo”. Ele ressalta um nítido contraste, uma antítese, entre um grupo (levitas) e
o outro (Cristo). Após ressaltar que estava elaborando um contraste entre um e outro
grupo, ele dec lara que a respeito de Cristo: “marturoumenos oti zê" – testemunha que
vive.

Em outras palavras, dado o devido contraste, Cristo continua vivo e os outros não; à Cristo
se declara que vive, aos outros homens se declara que são mortais; é muito claro a partir
deste versículo que Cristo está atualmente vivo, ao contrário dos demais homens. Aqui são
homens que estão mortos; lá, porém, trata-se de alguém que está vivo. Embora na
teologia imortalista todos os que morreram já estão vivos em algum lugar (até mesmo
junto com o próprio Cristo), o autor de Hebreus faz o contraste e distinção entre ambos – lá
estão mortos, aqui está vivo!

Isso provém do fato de que Jesus já ressuscitou antes (cf. 1Co.15:22,23) e, por isso, vive.
Os outros, contudo, esperam a ressurreição (sem vida), o que explica o nítido contraste
feito pelo escritor de Hebreus, entre o Cristo vivo e os demais mortos. Se tanto Cristo
quanto os outros homens que morreram estivessem todos vivos, ent ão a antítese perderia
completamente o seu sentido. Só entende esta passagem quem realmente crê que não
existe vida entre a morte e a ressurreição, sendo a morte o fim da existência. A passagem
é uma prova incontestável de que Cristo está vivo e os outros do “primeiro caso”
estão, realmente, mortos - sem vida.

Antítese entre os que morrem e o que permanece eternamente – “E, na verdade, aqueles
foram feitos sacerdotes em grande número, porque pela morte foram impedidos de
permanecer. Mas este, visto que vive para sempre, Jesus tem um sacerdócio
permanente. Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por ele se chegam a
Deus, pois vive para sempre para interceder por eles” (cf. Hb.7:23-25). Aqui vemos que o
motivo pelo qual Cristo tem um sacerdócio perpétuo provém do fato de que ele permanece
[vivo] para sempre!

Ora, se os homens subsistissem fora do corpo em estado desencarnado por meio de uma
alma imortal, segue-se então que eles t ambém permaneceriam para sempre. Novamente,

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 288


vemos como é confusa a doutrina imortalista, porque de novo faz com que o contraste feito
pelo escritor seja fútil, sem sentido, pois ambos permaneceriam para sempre. Se Cristo
permanecesse vivo para sempre e os outros também, isso não seria antítese coisa
nenhuma. Isso ignora completamente o contexto bíblico e o fato de ele aplicar a partícula
grega “de” – mas; contudo; entretanto.

É muito claro que se trata de uma antítese, de um contraste entre o Cristo que está vivo e
os demais que estão mortos. Se seguimos a lógica incontestável de que os que já morreram
realmente estão sem vida (pois não existe forma de vida consciente entre a morte e a
ressurreição), então tudo começa a fazer sentido. A morte os impede de permanecer
(v.23); mas Cristo vive para sempre (v.25), porque tem um sacerdócio perpétuo
proviniente do fato de que permence vivo eternamente (v.24)!

Novamente, vemos que toda a antítese aqui feita revela-nos que a doutrina da alma imortal
não bate com o que é nos dito. Afinal, os dois grupos vive riam para sempre e os dois
grupos permaneceriam eternamente vivos. Isso significa contrariar o pensamento do autor,
que segue uma lógica incontestável: Cristo está vivo; os demais, mortos.

Conclusão – Seguindo a linha de raciocínio bíblico holista, o autor da epístola aos Hebreus
refuta vigorosamente a tese de imortalidade da alma em um estado intermediário. Afinal, se
isso fosse uma realidade, então os heróis da fé do passado já haveriam alcançado a
promessa, algo que não somente ele não diz em parte nenhuma da epístola, como também
faz questão de ressaltar o fato de que eles não alcançaram a promessa (cf. Hb.11:39,40).

Nem mesmo com a morte eles alcançaram a promessa (cf. Hb.11:13), o que nos mostra
que a morte não implica na libertação da alma direto à presença de Deus. Se tal fosse o
caso, eles já teriam alcançado a promessa e a morte introduziria eles direto ao Céu, algo
que o autor de Hebreus nega (cf. Hb.11:13; 11:39,40).

Ademais, o fato de o juízo suceder o momento da morte (cf. Hb.9:27) e este juízo só ser na
segunda vinda de Cristo (cf. 2Tm.4:1) nos mostra que os mortos não podem já estar no
Céu ou no inferno, uma vez que não é isso o que sucede a morte (mas sim o juízo na volta
do Senhor) e que presumivelmente para alguma pessoa ser lançada no fogo deve ter
passado primeiramente por uma condenação, algo que também é negado biblicamente que
já tenha acontecido (cf. At.17:41; 1Pe.4:5; Jo.5:28,29).

Em todo o livro de Hebreus, vemos que toda a “confiança que nós temos” (cf. Hb.10:35) e
que “será ricamente recompensada” (v.35) se dará não quando nós morrermos e as nossas
almas partirem para o Céu, mas sim quando “em breve, muito em breve, Aquele que vem
virá, e não demorará” (v.37), e aí sim receberemos o que Ele nos prometeu (v.36), porque
é somente neste momento em que os mortos serão ressuscitados (cf. 1Co.15;22,23).

Em Hebreus 11:35, vemos que o motivo pelo qual alguns deles aceitaram a tortura foi
visando uma superior ressurreição, e não a “esperança” de suas almas estarem de
imediato no Céu em um “estado intermediário”. A ressurreição deveria ser a única
esperança para o cristão obter vida novamente e imortalidade, algo que também é muito
ressaltado por Paulo ao longo de todo capítulo de 1ª Coríntios 15. Ademais, é nos feito um
contraste entre Cristo – que vive – e os homens mortais (cf. Hb.7:8).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 289


Uma vez que o autor de Hebreus está claramente intitulando uma antítese, segue -se que
não há como os “homens mortais” estarem vivos (pois se fosse assim não seria um
contraste!). Pouco mais a frente e lemos também que “ele [Cristo] pode também salvar
perfeitamente os que por ele se chegam a Deus, porquanto vive sempre para interceder por
eles” (cf. Hb.7:25). Novamente vemos o contraste aqui acentuado, entre aqueles que
perecem pela morte (v.23) e aquele que permanece para sempre (v.24), Cristo! Por tudo
isso, diante de tudo o que já constatamos até aqui pelos Pais da Igreja, pelo Antigo
Testamento, pelos ensinamentos de Jesus, de Paulo e agora também pelo autor de
Hebreus, a tese pagã da imortalidade da alma permanece sendo uma grande lenda quando
tratamos de Cristianismo bíblico.

XXV–Pedro pregou a Imortalidade da Alma?

Jesus foi ao inferno pregar aos antediluvianos? – Uma passagem bastante utilizada para
colocar Jesus no inferno (sim, vale tudo para defender a imortalidade da alma...) se
encontra na primeira epístola de Pedro. O texto bíblico assim narra: “Cristo morreu, uma
única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na
carne, mas vivificado no Espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os
quais noutro tempo foram desobedientes quando a longanimidade de Deus aguardava nos
dias de Noé, enquanto se preparava a arca, na qual poucos, a saber, oito pessoas, foram
salvos, através da água” (cf. 1Pe.3:18-21).

Por isso, grande parte dos imortalistas pregam que entre a morte e a ressurreição Jesus foi
para o inferno, selecionou os espíritos dos antediluvianos dos dias de Noé, e lhes fez uma
pregação. Há muitos problemas com essa interpretação. Em primeiro lugar, o ensino bíblico
em sua totalidade nega qualquer oportunidade de salvação para os mortos, pois ela é
restrita apenas a esta vida (cf. 2Co.6:1,2; Hb.3:13; Hb.9:27, etc.).

Logo, Cristo não poderia ter pregado para pessoas mortas, pois elas não podem mais se
arrepender e sair do lugar de condenação para o lugar de conforto. Dizer que Cristo
literalmente desceu para o inferno, a fim de fazer uma pregação para pessoas já mortas e
condenadas é, além de colocar o Senhor Jesus em um lugar que ele não merece, ferir a
Bíblia que afirma categoricamente que os mortos não tem uma segunda oportunidade de
salvação, tornando assim vã qualquer pregação.

Em segundo lugar, uma vez que os mortos não poderiam mais sair daquele lugar de
tormento, então qualquer pregação de Cristo, independente de qual fosse o teor, seria
inútil, uma vez que aqueles perdidos não poderiam sair de lá jamais. Se os mortos que se
encontravam no inferno, ou no Hades, não poderiam sair de lá mesmo, não importa qual
fosse a pregação, então podemos até especular sobre como devia ter sido a tal da
“pregação”:

“Eis que vos trago ‘boas novas’ de grande desespero: estão sendo atormentados por seus
pecados? Não viram nada ainda! Muito mais torturas enfrentarão depois da ressurreição ,
quando as suas ‘almas imortais’ deixarão este lugar para se religarem aos seus corpos
mortos, passarem pelo julgamento e depois voltarem de novo para o inferno para
continuarem queimando como antes para todo o sempre...!”

Será que isso faz o estilo de Jesus Cristo? Não me parece nem um pouco!

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 290


Em terceiro lugar, tendo descido ao Hades ou inferno, Jesus teria selecionado apenas e
tão-somente os espíritos daqueles da época de Noé, escolhendo a dedo só a alguns e,
enquanto eles queimavam, Cristo foi fazendo a tal “pregação” para eles. Os outros,
contudo, presumivelmente deviam estar com os ouvidos tampados para não ouvirem nada
da pregação.

E, por fim, após terminarem de ouvir a tal da pregação (enquanto queimavam entre as
chamas de um fogo real e inapagável), eles continuaram queimando do mesmo jeito que
antes! Isso realmente deve fazer lógica para os imortalistas, além de basearem-se em um
Deus arbitrário, que escolhe a dedo alguns poucos “privilegiados” para ouvirem a pregação
enquanto queimam no fogo do inferno, do purgatório, ou do Hades, e os outros nem sequer
podem ouvir a tal pregação!

Em quarto lugar, o texto nada diz sobre Jesus ter passado pelo inferno (ou Hades). Se
Cristo não subiu para o Céu entre a sua morte e ressurreição (cf. Jo.20:17), tampouco teria
morrido e ido para o inferno, lugar no qual ele, sem pecado algum, de modo algum teria
merecido! Se Cristo tivesse ido para o inferno fazer essa pregação, então bastaria que
Pedro tivesse mencionado isso no verso 19, no qual ele menciona que a pregação teria sido
realizada aos espíritos em prisão.

Se Cristo tivesse descido ao inferno ou ao Hades, Pedro poderia ter perfeitamente


mencionado este local, como qualquer um assinaria “espíritos no inferno” ou “espíritos no
Hades”. O fato de Pedro não mencionar nenhum destes dois lugares provém do fato de que
essa prisão corresponde à prisão do pecado, como veremos mais adiante. E, em quinto
lugar, mandar Jesus para o inferno é o bom senso que nos diz que um homem santo como
este não seria mandado para tal lugar entre a sua morte e ressurreição! O inferno foi feito
“para o diabo e seus anjos” (cf. Mt.25:41), e não para Jesus, nem mesmo de forma
temporária!

Portanto, tendo em vista as razões lógicas expostas acima, é ilógico interpretar a passagem
da maneira como querem os dualistas. Veremos a seguir mais algumas provas de que tal
interpretação deles está equivocada e, em seguida, explicar e elucidar tal passagem à luz
do contexto.

Alguns versículos que lançam bastante luz – Além dos fatos já expostos acima, há mais
razões pelas quais a Bíblia desaprova absolutamente que Cristo tenha prega do no inferno
para pessoas que já estavam mortas. Acima foi exposto como que o bom senso liquida com
tal “interpretação”, e agora veremos alguns textos bíblicos que também derrubam com
qualquer possibilidade dos mortos ouvirem o evangelho.

“Como cooperadores de Deus, insistimos com vocês para não receberem em vão a graça de
Deus. Pois ele diz: No tempo aceitável te escutei e no dia da salvação te socorri; eis aqui
agora o tempo aceitável, eis aqui agora o dia da salvação!” (cf. 2ª Coríntios 6:1,2)

Aqui fica claro que a pregação para a salvação não é depois da morte, mas é “ aqui agora”,
neste momento, no tempo chamado “hoje”. Depois da morte não existe qualquer chance de
ouvir a pregação a fim de ser salvo, porque é hoje – agora – o tempo aceitável, o dia da
salvação.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 291


A mesma linguagem é empregada pelo autor de Hebreus: “Pelo contrário, encorajem-se uns
aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama ‘hoje’, de modo que nenhum
de vocês seja endurecido pelo engano do pecado” (cf. Hb.3:13). O tempo que nós temos de
encorajar uns aos outros é hoje, nesta presente vida, porque depois não teremos mais
qualquer possibilidade de ouvir o evangelho. Por isso, é durante o tempo que se chama
“hoje” que ainda existe tal possibilidade. O evangelho não é e nem pode ser pregado para
mortos, mas apenas aqueles que estão debaixo do Céu:

“Desde que continuem alicerçados e firmes na fé, sem se afastarem da esperança do


evangelho, que vocês ouviram e que tem sido proclamado a todos os que estão
debaixo do céu. Esse é o evangelho do qual eu, Paulo, me tornei ministro” (cf. Colocenses
1:23)

Se os mortos tivessem ouvido alguma pregação de Cristo entre a sua morte e ressurreição,
então segue-se logicamente que o evangelho também teria sido proclamado não apenas
àqueles que estão debaixo do céu, mas também àqueles que estão “no além”, ou no
inferno. Tal suposição, contudo, é negada pelas claras palavras do apóstolo Paulo em relatar
que até aquele momento o evangelho havia sido pregado era para aqueles que estão
“debaixo do céu” (ou seja, a nós, os vivos), e não a pessoas já mortas em algum lugar!

Por fim, de acordo com o texto de Hebreus 9:27, que diz que “depois da morte vem o juízo”
(cf. Hb.9:27), segue-se a ideia de que os mortos já estariam julgados e qualquer pregação
de Cristo seria vã, pois o juízo é “eterno” (cf. Hb.6:2), ou seja, irreversível! Portanto,
biblicamente não existe qualquer chance de salvação depois da morte, bem como não existe
qualquer possibilidade de ouvir a pregação do evangelho depois de já haver morrido - muito
menos estando no inferno!

Por tudo isso, os eruditos bíblicos mais sérios têm rejeitado a interpretação absurda de que
Jesus tivesse ido para o inferno pregar para pessoas mortas que não poderiam se salvar.
Tal suposição, além de contradizer completamente as regras da lógica e do bom senso e de
ir frontalmente c ontra a Palavra de Deus, ainda tem como finalidade colocar Jesus no
inferno. É uma suposição tão satânica quanto a própria lenda da imortalidade da alma.

O nosso próximo passo, a partir de agora, será analisarmos o devido contexto a fim de
interpretarmos corretamente o texto de 1ª Pedro 3:19 à luz do contexto e das verdades
apresentadas nas Escrituras.

Como entender os “espíritos em prisão”? - Para vermos o que Pedro estava dizendo nessa
passagem, temos que contextualizá-la ao invés de isolarmos o verso 19 para
fundamentarmos uma doutrina antibíblica. O verso anterior (v.18), explica o seguinte
(v.19), declarando: “Pois também Cristo sofreu pelos pecados uma vez por todas, o justo
pelos injustos, para conduzir-nos a Deus. Ele foi morto no corpo, mas vivificado pelo
Espírito”.

Aqui o termo “espírito” é o próprio Espírito Santo, conforme também mencionam muitas
boas traduções como a Versão inglesa King James (considerada por muitos a melhor versão
do mundo), a versão francesa Louís Segond, a versão italiana Giovanni Diodati Bible, a

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 292


versão alemã Luther, a versão católica da CNBB, a NVI (Nova Versão Internacional), a nova
versão Vulgata Latina, entre outras.

Jesus não foi vivificado pelo espírito dele mesmo, foi o Espírito Santo quem vivificou a
Cristo. O original grego não possui diferenciação alguma entre as letras maiúsculas e
minúsculas, de modo que é pelo contexto que analisamos se “espírito” trata-se da pessoa
do Espírito Santo ou não. A prova mais forte de que é o Espírito Santo quem vivificou a
Cristo está na própria Bíblia Sagrada:

“E, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vocês,
aquele que ressuscitou a Cristo dentre os mortos também dará vida a seus corpos mortais,
por meio do seu Espírito, que habita em vocês” (cf. Romanos 8:11)

O Espírito (Santo) que ressuscitou a Cristo é o mesmo que nos ressuscitará. Nisso fica claro
que o “espírito” no verso 18 é uma referência ao Espírito Santo, e não ao próprio espírito de
Cristo. Portanto, o verso 18 afirma que Jesus foi vivificado pelo Espírito Santo. A palavra
grega “en” (empregada no início do verso 19) refere-se ao termo anterior “Espírito”, e o
verso 19 significa que Cristo pregou aos antediluvianos, não pessoalmente, mas pelo
Espírito Santo nos dias de Noé. Parafraseando Leandro Quadros, levando-se em conta o
contexto bíblico o texto diz o seguinte: “Nos dias de Noé, por meio do Espírito Santo
Cristo pregou aos antediluvianos que estavam presos pelas cadeias do pecado” 1 4 8 .

Quais eram essas “cadeias”? O próprio Cristo responde:

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porquanto me ungiu para anunciar boas novas aos
pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos, e restauração da vista aos
cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e para proclamar o ano aceitável do Senhor.
E fechando o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e os olhos de todos na sinagoga
estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta escritura aos vossos
ouvidos” (cf. Lucas 4:18-21)

Vemos que Jesus compreendia que a sua obra terrena implicava principalmente em dar
“abertura da prisão aos presos”. Ora, de qual “prisão” Jesus estava falando? Da prisão
espiritual. Achavam-se ligados em pecado, e Cristo devia fazer essa obra, porquanto sobre
Ele estava “o espírito do Senhor”. Tanto Cristo quanto as pessoas a quem Ele pregava
estavam vivos. Inúmeras menções a “prisão” como sendo uma referência espiritual (e não
física ou literal) com respeito ao pecado é encontrada nas Sagradas Escrituras. No Salmo
142:7 Davi suplicou que Deus tirasse a sua alma da prisão:

“Tira a minha alma da prisão, para que louve o teu nome; os justos me rodearão, pois me
fizeste bem” (cf. Sl.142:7). Provérbios 5:22 nos afirma que a prisão que traz a alma
prisioneira é a prisão do pecado: “Quanto ao ímpio, as suas iniqüidades o prenderão, e com
as cordas do seu pecado será detido” (cf. Pv.5:22). E que os antediluvianos estiveram bem
presos na prisão do pecado é dedutível a partir da leitura bíblica de Gênesis 6:5:

“E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a
imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” (cf. Gênesis 6:5)

148 QUADROS, Leandro. Cristo realmente pregou aos “espíritos em prisão”? 1 Pedro 3:19.
Disponível em: <http://novotempo.com/namiradaverdade/cristo-realmente-pregou-aos-
%E2%80%9Cespiritos-em-prisao%E2% 80%9D-1-pedro-319/>. Acesso em: 19/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 293
Portanto, o Espírito Santo pregou a pessoas vivas, e não a pessoas mortas que estavam
queimando em algum lugar e não podiam mais se salvar! A “prisão” ali mencionada é uma
referência, não ao inferno-geena, e nem ao Hades ou Tártarus, mas sim à prisão espiritual
na qual estão presos aqueles que vivem no pecado. Ademais, o termo “espírito” não remete
a pessoas mortas desencarnadas. Biblicamente, os vivos são considerados como espíritos,
porque corpo, alma e espírito são características da mesma pessoa. Na sua primeira
epístola aos Coríntios (cf. 16:18), Paulo aplica o termo com respeito as pessoas vivas –
“porque trouxeram refrigério ao meu espírito” -, isto é, a mim mesmo, à minha pessoa.

Também em Gálatas 6:18, ele afirma: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja irmãos,
com o vosso espírito”. Vosso espírito quer dizer convosco, com a vossa pessoa. Gênesis
7:15 afirma que: “de toda a carne, em que havia espírito de vida, entraram de dois em
dois para junto de Noé na arca” (cf. Gn.7:15). Em Hebreus 12:23, vemos o termo “espírito”
ser utilizado como menção para a igreja militante. Portanto, o termo “espírito” , quando se
refere a seres humanos, remete a pessoas vivas, e não mortas.

E a última questão a ser resolvida é: quando é que se deu tal pregação? No verso 21 há a
expressão “noutro tempo”, que claramente se identifica com o tempo em que “a
longanimidade de Deus aguardava nos dias de Noé”. O tempo era os dias de Noé, o tempo
durante o qual Deus procurou libertá-los da prisão do pecado.

Portanto, a passagem bíblia, dentro de seu devido contexto, nega qualquer possibilidade de
salvação após a morte ou de pregação para pessoas mortas e que não poderiam mais sair
do lugar onde se encontravam. A Bíblia é bem clara em mencionar que a oportunidade de
receber a pregação oferecida por Cristo é somente nesta vida (cf. 2Co.6:1,2; Hb.3:13;
Hb.9:27; Cl.1:23). O professor Apolinário faz uma boa observação em sua conclusão sobre
tal passagem:

“Ao ler com atenção 1 Pedro 3:18, verificamos que o Espírito Santo que ressuscitou dos
mortos a Cristo, foi o meio usado por Cristo para advertir o povo do tempo de Noé, de que
estava iminente o dilúvio e se preparassem para entrar na arca. Não obstante, eles
rejeitaram a mensagem, e somente Noé e sua família foram salvos. Não há, pois, nestes
passos, insinuação alguma de que enquanto esteve na sepultura, Cristo haja pregado. Essa
doutrina é ensinada pela Igreja Católica, sem apoio nas Escrituras ”1 4 9

O mesmo Pedro afirma que Noé era um “arauto de justiça” (cf. 2Pe.2:5). A pregação
ocorreu não quando Cristo teria descido ao “inferno” (o que é antibíblico), mas sim pelo
Espírito Santo (v.18), durante os dias de Noé. O que podemos tirar de 1ª Pedro 3:18-21 é
simplesmente que nos dias de Noé, por meio do Espírito Santo, Cristo pregou aos
antediluvianos que estavam presos pelas cadeias do pecado.

Não há apoio nenhum à doutrina da imortalidade da alma e não apresenta contradição


alguma com o restante total das Escrituras Sagradas que negam em completo tal doutrina
que divide a natureza humana. Os únicos que querem colocar Jesus no inferno são os
satanistas, e não os verdadeiros cristãos. Vejamos, então, o resumo de alguns pontos que
confirmam essa correta interpretação acima, em detrimento da interpretação isolada dos
imortalistas no verso 19.

149 APOLINÁRIO, Pedro. Explicação de Textos Difíceis da Bíblia . 4ª Edição Corrigida, p. 227-234.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 294
1 Não coloca Jesus no inferno.
2 Não contradiz o resto da Bíblia toda que desmente completamente a imortalidade
da alma.
3 A pregação não foi de Jesus pessoalmente, mas sim pelo Espírito Santo, como
indica o contexto (v.18).
4 A “prisão” não é o inferno ou o Hades (se fosse, poderia perfeitamente ser
utilizado estas palavras), mas trata-se da prisão espiritual na qual se encontravam
aqueles antediluvianos.
5 Não indica uma segunda oportunidade de salvação após a morte.
6 Não faz com que o evangelho tenha sido pregado para pessoas mortas em
condenação, o que é antibíblico e inútil, já que eles não poderiam sair de lá
mesmo. O evangelho foi pregado aos que hoje estão mortos (mas estavam vivos
na época em que a pregação foi feita).
7 Não induz um Deus arbitrário que escolhe alguns privilegiados da época de Noé
para ouvir a pregação (em meio à condenação) enquanto os outros que não foram
selecionados ficaram sem ouvir nada.
8 Faz uma correspondência correta com o tempo em que tal pregação foi feita
através do Espírito Santo (v.21).
9 Não contradiz o próprio Pedro que afirma em outra oportunidade que os ímpios só
serão punidos no dia do Juízo (cf. 2Pe.2:9) e que serão reduzidos as cinzas (cf.
2Pe.2:6), desmentindo assim qualquer imortalidade incondicional aos condenados.
10 Por fim, o fato que Pedro narrou em 1Pe.18-21 não é uma “revelação extrabíblica”
que ele recebeu diretamente de Cristo depois que ele ressuscitou, mas sim um fato
bíblico, como os autores das epístolas do NT constantemente costumavam fazer
menções a fatos Escriturísticos. Que o Espírito Santo pregou por meio de Noé e de
sua família àqueles antediluvianos, que não aceitaram a pregação, isso é um fato
bíblico. Em outras palavras, Pedro citou um fato escriturístico, sendo que ele
mesmo afirmou ser Noé um instrumento de Deus para a justiça na terra de sua
época (cf. 2Pe.2.5). Pedro não foi “além do que está escrito” (cf. 1Co.4:6), pelo
contrário, narrou algo que a Bíblia conta.

Finalmente, seria interessante destacarmos que os próprios imortalistas mais sóbrios e


respeitados refutam essa teoria de que Jesus tenha pregado a pessoas mortas em 1ª Pedro
3:19. O famoso pastor protestante John Piper, por exemplo, escreveu:

“O outro texto é 1 Pedro 3:18-20, onde é dito que Cristo foi pregar aos espíritos que agora
estão em prisão. Isto é, eles tinham morrido – tendo vivido nos dias de Noé – e estão agora
em prisão; e Cristo foi pregar a eles. Alguns tomam isso como significando que entre a
Sexta Feira da Paixão e o Domingo da Ressurreição, Cristo desceu ao inferno e pregou o
evangelho ali. Mas tampouco penso que esse seja o significado desse texto. Acredito que
ele significa que, quando essas pessoas estavam vivas nos dias de Noé, o Espírito de Cristo
pregou a eles através da pregação de Noé”1 5 0

A própria nota de rodapé na Nova Versão Internacional desdenha tal interpretação


imortalista de que Cristo tenha pregado a mortos, visto que os “mortos” seria uma

150 PIPER, John Stephen. Cristo desceu ao inferno? Disponível em:


<http://www.revistacrista.org/Morte%20e%20Eternidade_Cristo%20Desceu%20ao%20Inferno.htm#.UhJ9
LZIqaO1>. Acesso em: 19/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 295
referência a pessoas mortas na época em que Pedro escreveu o texto, mas vivas na época
em que a pregação foi feita:

“Essa pregação foi um acontecimento passado, a pessoas que então viviam, mas já
estavam mortas nos dias do autor da carta. Não haverá oportunidade para as pessoas
serem salvas após a morte; v. Hb 9.27” 1 5 1

Como diz Norman Geisler, “é possível que ela se refira àqueles que agora estão mortos, e
que ouviram o Evangelho no tempo em que estavam vivos. Em apoio a isso é citado o fato
de que o Evangelho ‘foi pregado’ (no passado) àqueles que estão ‘mortos’ (situação
presente)”1 5 2 . Como vemos, a insistência tola de alguns imortalistas em colocarem Jesus no
inferno em prol da lenda da imortalidade da alma se vê inútil quando colocada de frente aos
próprios imortalistas mais sóbrios.

O castigo é no dia do Juízo – Pedro não poupou clareza em se tratando de negar


completamente a imortalidade da alma. Em 2ª Pedro 2:9 lemos que: “O Senhor sabe
entregar o devoto fora das tentações, e reservar os injustos para o dia do juízo para ser
punido” (cf. 2Pe.2:9). Os ímpios não estão já sendo punidos, eles estão “reservados” para o
dia do juízo em que, aí sim, serão punidos. Se eles estão reservados para o dia em que
serão punidos é porque não estão sendo punidos ainda. Se eles já estivessem queimando
em algum lugar, já estariam sendo punidos. À luz deste texto bíblico tão ferrenhamente
contra a punição atual dos ímpios, algumas traduções como a Almeida Atualizada tomaram
a liberdade de traduzi-lo da seguinte maneira:

“Também sabe o Senhor livrar da tentação os piedosos, e reservar para o dia do juízo os
injustos, que já estão sendo castigados” (cf. 2ª Pedro 2:9)

Contudo, esta tradução não corresponde com o original grego, mas sim com as pretensões
dos defensores da imortalidade da alma em salvarem sua doutrina antibíblica de que os
ímpios já estão sendo castigados agora. O original grego traz: “krisewV kolazomenouV
threin” – reservados para condenação – e as palavras gregas “hmeran krisewV"
empregadas no verso mostram quando é que se dará essa punição: “hmneran krisewV” –
dia do juízo [julgamento, condenação]. É impossível que algum tradutor bíblico tenha
falhado na tradução deste verso de forma não-intencional ou acidental, sendo que ele é de
tão fácil tradução e assim é feito pelas melhores versões do mundo, como a versão inglesa
King James, conhecida mundialmente pela sua tradução fiel aos originais da Bíblia,
traduzindo este verso da seguinte maneira:

“The Lord knoweth how to deliver the godly out of temptations, and to reserve the unjust
unto the day of judgment to be punished”

“O Senhor sabe como livrar os piedosos da tentação, e reservar os injustos para o dia do
julgamento, para serem punidos”

Essa tradução correta também é a mesma tradução das melhores versões do mundo, como
a tradução de Reina Valera (Espanha), que assim traduz:

151Nota de rodapé da Nova Versão Internacional em 1Pe.4:6, p. 2134.


152GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual popular de dúvidas, enigmas e 'contradições' da
Bíblia. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1999.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 296
“Sabe el Señor librar de tentación á los píos, y reservar á los injustos para ser atormentados
en el día del juicio”

“O Senhor sabe livrar da tentação os justos, e reservar os injustos para serem


atormentados no dia do juízo”

Mais traduções que trazem que os injustos só serão punidos no dia do juízo, além do
próprio texto original no grego de acordo com a Concordância de Strong, é a Young’s Literal
Translation, a Luther (1912), a Giovanni Diodati Bible (1649), a Louis Segond (1910), entre
outras. Por incrível que pareça, nesse quesito até mesmo as traduções católicas superaram
as protestantes em língua portuguesa, pois tanto a Ave Maria como a CNBB traduziram por
“reservar os ímpios para serem castigados no dia do juízo” 1 5 3 e por “reserva os ímpios para
o castigo no dia do julgamento”1 5 4 . Uma das versões protestantes da Bíblia em português
que se salva é a Almeida Corrigida e Revisada Fiel, que verteu por “reservar os injustos
para o dia do juízo, para serem castigados”, corrigindo o equívoco das traduções anteriores.

A clareza da linguagem é indiscutível: os ímpios não estão sendo punidos ainda, mas estão
reservados para o dia do juízo, quando aí sim serão punidos. Para o apóstolo Pedro, os
ímpios não estavam sendo castigados no presente mome nto, mas o momento em que serão
castigados era no dia do juízo. A lógica é indiscutível:

(1) Os ímpios estão “reservados” para serem castigados “no dia do juízo” (cf. 2Pe.2:9).

(2) Este juízo é um um acontecimento futuro na volta de Cristo (cf. 2Tm.4:1; At.7:31;
1Pe.4:5).

(3) Logo, os ímpios não estão sendo castigados atualmente.

Essa lógica de Pedro é como um golpe de morte na visão tradicional e comum que se tem
do inferno, onde todos os não-salvos já estariam entre as chamas de um fogo devorador
neste exato momento, sofrendo pelos seus pecados ao passo que os justos já estariam na
glória. Pedro neste verso especificamente não fala nada sobre a condição atual dos salvos,
mas nos dá uma pista importantíssima que nos ajuda a refutar a tese da imortalidade da
alma: que os ímpios não estão sendo castigados ainda.

Tal castigo é futuro, não é algo que já esteja em andamento. Os ímpios estão “reservados”
(em suas sepulturas) para o dia do juízo (na segunda vinda de Cristo, quando ocorre a
ressurreição) em que serão castigados. A doutrina pagã da imortalidade da alma t enta a
todo custo reverter este raciocínio, tentando nos convencer que o castigo dos ímpios já é
atual e que depois do juízo apenas haverá uma continuação deste tormento já existente.
Nada que esteja mais longe da teologia de Pedro, onde vemos que a puniçã o e o castigo é
algo lançado no futuro, e que os ímpios estão “reservados” a sofrer, e não que já estejam
sofrendo neste momento.

A punição dos ímpios é um acontecimento futuro – Em 2ª Pedro 2:6 o apóstolo Pedro


reafirma sua crença com relação ao destino final dos ímpios: “Também condenou as cidades

153 Tradução da versão Ave Maria.


154 Tradução da versão da CNBB.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 297
de Sodoma e Gomorra, reduzindo-as a cinzas, tornando-as exemplo do que acontecerá aos
ímpios” (cf. 2Pe.2:6). “Reduzindo-os a cinzas”! Que péssima figura de linguagem para
alguém que terá uma vida eterna no inferno!1 5 5 Por meio deste texto percebemos que, além
da redução às cinzas por parte dos ímpios (o que de modo algum se relaciona a uma
“imortalidade”, como ensinam os dualistas), o apóstolo Pedro é claro em referir-se a
punição dos ímpios como algo futuro. Novamente, a confirmação de que os ímpios não
estão queimando ainda.

Se os ímpios já estivessem sendo castigados e sofrendo no presente momento, Pedro


escreveria que “está acontecendo aos ímpios”, e não “daquilo que acontecerá aos ímpios”.
O apóstolo deixa mais do que claro que o tempo dos ímpios serem castigados é no futuro,
do que “acontecerá” com os ímpios, e não daquilo que já está acontecendo com eles.

Não resta sombra de dúvida nenhuma que, na visão de Pedro, a punição/castigo e


destruição dos ímpios sempre foi considerado um acontecimento futuro, que lhes está
reservado a acontecer no dia do juízo, que corresponde a ressurreição dos mortos/segunda
vinda de Cristo (cf. 1Co.15:22,23). Isso se confirma nas palavras de Pedro na sua segunda
epístola:

“Estes são fontes sem água, névoas levadas por uma tempestade, para os quais está
reservado o negrume das trevas” (cf. 2ª Pedro 2:12-17)

Os pecadores estão “reservados” para o castigo final, intitulado “negrume das trevas”,
para o dia do juízo, ou seja, não estão queimando ainda. Ele jamais faz menção a um
“inferno de fogo em atividade”, pelo contrário, intitula os ímpios como “reservados para
serem castigados no dia do Juízo” (cf. 2Pe.2:9), para o que “acontecerá aos ímpios” (cf.
2Pe.2:6), aos quais está “reservado o negrume das trevas” (cf. 2Pe.2:17). Nada disso
condiz com um fogo eterno em andamento, mas com um acontecimento futuro que ainda
não lhes sobreveio.

Exultação e Regozijo somente na volta de Cristo – “Amados, não estranheis o fogo ardente
que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma coisa extraordinária vos
estivesse acontecendo. Pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois co-participantes
dos sofrimentos de Cristo, para que t ambém, na revelação de sua glória, vos alegreis
exultando” (cf. 1ª Pedro 4:12,13).

É também de grande importância o que é dito aqui por Pedro. De acordo com ele, a
exultação se dá por ocasião da revelação da glória de Cristo (segunda vinda). Ora, se
fossem com suas almas para o Céu, seguindo-se à morte, não iriam ali exultar e alegrar-se?
Para ele, contudo, somente por ocasião da “revelação da Sua glória” é que se concretiza
tal sentimento de exultação, porque é neste momento em que os mortos são ”vivificados”
(cf. 1Co.15:22,23).

A imarcescível coroa da glória – “Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis
a imarcescível coroa da glória” (cf. 1Pe.5:4). De acordo com Pedro, a imarcescível coroa da

155 Sobre essa parte do argumento, me reservarei a discorrer mais extensivamente sobre o destino final
dos ímpios no capítulo 8, que trata especificamente sobre a doutrina do inferno e dos acontecimentos
finais.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 298
glória só estará disponível aos crentes por ocasião do segundo advento de Cristo. Se já não
fosse o suficiente a “coroa da justiça” de Paulo estar guardada para “naquele dia” (cf.
2Tm.4:6-8), a coroa da glória também só estará disponível aos santos na segunda vinda de
Cristo, que “coincidentemente” é no mesmo momento da ressurreição dos mortos. Seria
muito estranho que os santos ficassem milênios no Céu sem terem recebido aind a a tão
esperada coroa da justiça e a coroa da glória!

A volta de Cristo no centro do palco - É digno de nota também que, em toda a epístola, o
que ele reflete não é a “esperança viva de morrer e a alma regozijar-se no Céu”, mas sim
da hora da volta de Cristo, pelo fato de que é neste momento em que os vivos são
arrebatados e os mortos ressuscitados, para todos juntos entrarmos junta mente no Reino
de Deus. Tal foco é apresentado ao longo de toda a epístola, a começar pelo primeiro
capítulo: “Que pelo poder de Deus sois guardados, mediante a fé, para a salvação que
está preparada para se revelar no último tempo” (cf. 1Pe.1:5).

A herança e a salvação só são recebidas na revelação de Cristo no último tempo. Isso fere a
doutrina da imortalidade da alma porque, para eles, os santos que fossem morrendo já
estariam salvos em um “estado intermediário” muito antes do “último tempo” na “re velação
de Jesus Cristo”! Pedro nega que possamos tomar parte efetivamente na salvação (Reino)
antes da revelação de Jesus Cristo que há de se consumar no último tempo.

Um pouco mais à frente lemos:

“Portanto, cingindo os lombos do vosso entendimento, sede sóbrios, e esperai inteiramente


na graça que se vos oferece na revelação de Jesus Cristo” (cf. 1ª Pedro 1:13)

A graça e a esperança são dadas no momento da ressurreição/segunda vinda de Cristo, e


não no momento das mortes de cada crente para habitar com Deus no Céu. Sumariando, a
esperança de Pedro sempre esteve ligada ao aparecimento de Jesus Cristo, porque é neste
momento que seremos salvos (cf. 1Pe.1:5) e é neste momento em que a graça nos é
concedida (cf. 1Pe.1:13). Essa graça relaciona-se a nossa própria união com Cristo, ao que
Pedro indica como se concretizando no dia da Sua Volta, e não nas mortes de cada crente e
suas almas subindo ao Céu. Tal doutrina é estranha à Bíblia, e não condiz nem um pouco
com a “esperança viva” de Pedro:

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua grande
misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo
dentre os mortos, para uma herança incorruptível, incontaminável e imarcescível, reservada
nos céus para vós, que pelo poder de Deus sois guardados, mediante a fé, para a salvação
que está preparada para se revelar no último tempo; na qual exultais, ainda que agora por
um pouco de tempo, sendo necessário, estejais contristados por várias provações, pa ra que
a prova da vossa fé, mais preciosa do que o ouro que perece, embora provado pelo fogo,
redunde para louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo” (cf. 1ª Pedro 1:3-7).

Essa era a esperança dos cristãos: de receberam a sua herança garantida nos céus, não por
ocasião da morte, mas sim “no último tempo... na revelação de Jesus Cristo”. Note que o
apóstolo confirma a ideia bíblica de que os santos entrarão na herança “no último tempo”
e, confirmando tal fato, ele ainda assinala: “na revelação de Jesus Cristo”! Há linguagem
mais clara do que isso para mostrar quando é que os salvos entrarão na herança e

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 299


receberão o Reino? Toda a ênfase está na vinda futura de Cristo no último tempo, porque é
exatamente neste momento em que os mortos levantam e ganham vida e que há a reunião
no Céu entre os arrebatados e os ressuscitados.

O foco cristão verdadeiro sempre foi voltado à segunda vinda de Cristo, a sua volta gloriosa,
que foi deixada de lado para dar lugar à ideia grega de que, morrendo, as nossas almas
partem já para o Céu – e tudo isso antes da volta de Cristo! Negar a falsa doutrina pagã de
“imortalidade da alma” significa colocar a esperança da segunda vinda e do Reino de Deus
em perspectiva: no centro do palco, como sempre faziam os primeiros crist ãos.

Alguns imortalistas poderiam tentar objetar alegando que Pedro esperava estar vivo quando
Jesus voltasse, e que por essa razão todas essas passagens acerca de receber a coroa da
glória quando Jesus voltar, de receber sua herança na volta de Cristo, de se alegrar
exultando na segunda vinda do Senhor e de tantas outras citações que mostram que a
entrada no Reino seria a volta de Cristo (ressurreição), e não em um estado intermediário,
se relacionam apenas com os vivos que serão arrebatados na volta de Jesus, e não com os
mortos. Tal alegação, porém, é facilmente refutada pela leitura da epístola do próprio
Pedro, onde ele afirma que sabia que em breve iria “deixar esse tabernáculo”, isto é, sabia
que morreria em breve, e não que ficaria vivo até ver a volta de Jesus:

“Porque sei que em breve deixarei este tabernáculo, como o nosso Senhor Jesus já me
revelou” (cf. 2ª Pedro 1:14)

Portanto, todas as passagens e argumentos que vimos acima onde o próprio Pedro coloca
toda a sua esperança voltada ao momento da segunda vinda e ressurreição se relaciona não
apenas com os vivos, mas aos mortos, pois o próprio Pedro sabia que iria morrer e m breve
e que não permaneceria vivo até a vinda de Cristo, pois o próprio Senhor Jesus lhe havia
revelado isso, de que ele iria morrer (cf. 2Pe.1:14). Desta forma, todas as alegações que
tentam anular tais evidências nas epístolas de Pedro como se ele estivesse apenas
preocupado em mostrar o momento em que os vivos estarão com o Senhor e não com os
mortos caem por terra, assim como com Paulo, que também sabia que iria morrer em breve
(cf. 2Tm.4:7,7), e mesmo assim fez todas aquelas declarações que vimos ant eriormente.

Os que morreram ainda não passaram pelo julgamento – Outra evidência muito forte de
que os ímpios não estão atualmente no inferno é o fato dos que morreram ainda não terem
passado por um julgamento. Já vimos diversas passagens que dão respaldo a tal fato, e
agora examinaremos o texto do próprio Pedro, que disse:

“Contudo, eles terão que prestar contas àquele que está pronto para julgar os vivos e os
mortos” (cf. 1ª Pedro 4:5)

Ora, não há como admitir que existam pessoas sofrendo horriveis tormentos sob a tortura
de demônios cruéis e torturadores em um inferno fogo durante milênios desde um passado
remoto até aqui e tudo isso sem ter passado por um julgamento! Até mesmo no Direito
Romano era proibido condenar algum cidadão sem ter passado por um juízo antes disso.
Era ilegal açoitar um cidadão romano (cf. At.16:38), ainda mais no caso de não haver
processo. Essas são regras de ética que regem o mundo até os dias de hoje.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 300


Se nós, “sendo maus” (cf. Mt.7:11), sabemos condenar um cidadão eticamente a partir de
um juízo para isso, quanto mais Deus, o Juíz que está nos céus, que é muitíssimo mais
justo do que o mais honesto dos homens, não irá atormentar alguma pesso a sem antes ter
passado por julgamento! Deus é ético, e, pela sua ética, só irá condenar alguém depois dele
passar por um juízo, a fim de ter a completa ciência do mal que praticou e ter o direito de
se defender ou não.

Dizer que Deus lança a alma de alguma pessoa em um tormento durante séculos sem
direito a julgamento é ferir a ética e a natureza divina. O próprio fato de Paulo e Pedro
insistirem tanto no fato de dizer que Deus não julgou ainda, mas “há de julgar”, e por
ocasião da Sua Vinda, já mostra que eles não acreditavam que a alma de qualquer pessoa
já pudesse estar sendo castigada ou condenada.

Afinal, onde é que já se viu uma pessoa estar na condenação sem nem ao menos ser...
condenada?! Ora, isso é inadimisível, completamente contra as leis da lógica e do bom
senso! Os que morrerem só irão para a condenação na ressurreição (cf. Jo.5:28,29) e só
serão julgados na volta de Cristo (cf. 2Tm.4:1), seguindo-se logicamente, então, o fato de
que eles não estão condenados e nem sofrendo castigo antes de tal momento.

XXVI–João pregou a Imortalidade da Alma?

A vida é somente em Cristo – Algo que o apóstolo João costumava acentuar bastante era o
ensino de que a vida era somente em Cristo, mediante Cristo e por meio de Cristo apenas.
Não existe vida senão em Cristo. Com isso, ele acentua ainda mais que nós não temos uma
alma imortal como posse presente a todos indistintamente, com uma imortalidade
incondicional.

Pelo contrário, assim como Paulo, João acentua o fato de que a vida é unicamente em
Cristo, que os que não seguem a Cristo não terão a vida e de que esta tem que ser
buscada, resultante do fato de que não temos em nós um elemento que nos garanta a
imortalidade. No seu evangelho, vemos João dar bastante ênfase aos ensinamentos de
Cristo acerca do tema da imortalidade.

De acordo com o dicionário, “vida eterna” e “imortalidade” são sinônimos:

Imortalidade: é o termo utilizado para designar uma vida ou existência indestrutível, que
se auto sustém.

Vida eterna: é o termo utilizado para designar uma vida ou existência indestrutível, que se
auto sustém.

Também de acordo com o dicionário da Língua Portuguesa (DPLP), “imortalidade” significa:

1. Qualidade, estado daquilo que é imortal.


2. Duração perpétua.

“Vida” significa “o período de tempo que decorre desde o nascimento até a morte dos
seres”1 5 6 . Aplicando os significados de ambos os termos, o dicionário conclui que “Vida

156 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 301
Eterna” significa: “Vida futura, a outra vida, a vida espiritual”. Biblicamente falando,
teremos uma vida eterna (i.e, que não tem fim) quando formos ressuscitados dentre os
mortos para a ressurreição da vida (cf. Jo.5:28,29; Jo.12:25; 1Tm.6:16; Rm.2:7;
1Co.15:51-54).

Portanto, vemos que “vida eterna” tem a mesma aplicação prática de “imortalidade”.
Porém, perante a Bíblia, teremos uma vida eterna (i.e, imortalidade, viver eternamente)
apenas por meio de Cristo. A vida eterna (imortalidade) é exclusividade dos salvos. Se
alguém já tivesse imortalidade, Jesus não prec isaria lhe prometer vida eterna. Para que dar
vida eterna a alguém que já é imortal? Não seria o mesmo que “chover no molhado”?

“E esta é a promessa que ele mesmo nos fez, a vida eterna” (cf. 1ª João 2:25)

“Contudo, vocês não querem vir a mim para terem vida” (cf. João 5:40)

Obter vida não é algo natural implantado em nós desde o dia do nascimento, mas algo que
está presente em Cristo (cf. Cl.3:4; Rm.6:23), que é concedido àque les que nEle creem
(cf.Jo.17:3), a fim de entrarem no Paraíso quando obterem imortalidade, na ressurreição
(cf. 1Co.15:51-54). A doutrina da imortalidade natural da alma não bate com os
ensinamentos bíblicos acerca do que é a “vida” e de como a adquirimos.

Apenas perseverando que obteremos a vida: “É perseverando que vocês obterão a vida” (cf.
Lc.21:19). Apesar de já possuirmos a vida por estarmos ligados a Cristo (cf. Jo.6:47),
porque “a vida eterna consiste em que conheçam a ti, um só Deus verdadeiro, e a Jesus
Cristo que enviaste” (cf. Jo.17:3), nós só tomaremos posse da vida (eterna) por ocasião da
ressurreição (cf. Jo.5:28,29; 1Co.15:51-54). Algo semelhante ocorre quando Paulo afirma
que Cristo “destruiu a morte” (cf. 2Tm.1:10), mas mesmo assim as pessoas continuam
morrendo (cf. Hb.9:27; Rm.5:12).

O que acontece é que Cristo destruiu a morte legalmente (por meio de sua ressurreição),
entretanto a morte só será destruída literalmente (efetivamente) por ocasião da
ressurreição (cf. 1Co.15:54), quando “se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a
morte pela vitória” (cf. 1Co.15:54). De igual modo, nós legalmente já somos possuidores da
vida (cf. Jo.6:47; 6:40), porque já conhecemos ao Deus verdadeiro e a Je sus Cristo, e é
nisto que consiste a vida eterna (cf. Jo.17:3).

Contudo, nós só obteremos literalmente a vida por ocasião da ressurreição, quando “isto
que é mortal se revestir de imortalidade” (cf. 1Co.15:53), e entraremos efetivamente na
vida eterna, de fato, quando os justos “sairão para a vida” (cf. Jo.5:29) e os ímpios “sairão
para a condenação” (cf. Jo.5:29), o que se dá por ocasião da ressurreição. Fazendo uma
analogia, é como se agora os que creem em Cristo já tem o “passaporte” da vida eterna, ou
seja, a garantia pela fé de que entraremos nela futuramente, ocasião em que vamos
efetivamente entrar na ressurreição.

É este aspecto que Jesus aborda em Lucas 21:19 – “obterão a vida”:

“É perseverando que vocês obterão a vida” (cf. Lucas 21:19)

A vida é efetivamente um acontecimento futuro (“obterão”, e não “possui”!). A vida não é


algo que já somos efetivamente possuidores por meio de uma alma imortal, mas algo que

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 302


implica em perseverança (cf. Lc.21:19), e que os santos “obterão”, no futuro. Obter vida
não é algo simplíssimo em decorrência de uma alma eterna em nós implantada, pelo
contrário, é algo que se obtém por meio da perseverança! Cristo também afirma no
evangelho de João:

“Pois, da mesma forma que o Pai ressuscita os mortos e lhes dá vida, o Filho também dá
vida a quem ele quer dá-la” (cf. João 5:21)

Esta passagem não faz sentido para os imortalistas, uma vez que os mortos já estariam
vivos em algum lugar e, portanto, não iriam “obter” vida na ressurreição, mas tão -somente
“continuar” vivos, como já estariam antes, supostamente em um estado desencarnado
entre a morte e a ressurreição. Sendo que o processo de pensamento é geralmente
associado à alma, segue-se que o ser racional estava realmente morto, e não vivo 1 5 7 .

Quando ele se manifestar – "Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é
manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar,
seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos" (cf. 1Jo.2:2). João
afirma que o momento em que veremos a Deus como Ele é não é na morte, em um estado
intermediário antes da ressurreição, mas quando Cristo se manifestar, que é precisamente
o momento quando ocorre a ressurreição dos mortos (cf. 1Co.15:22,23). Somente na
ressurreição dos mortos o "veremos como ele é" e somente nesta ocasião é que "seremos
semelhantes a ele" – nada que ocorresse antes da segunda vinda de Cristo!

Como disse Joe Crew:

"João não poderia ter acreditado que os justos mortos já estavam na presença do Senhor.
Se fosse assim, eles seriam capazes de vê-lo 'como ele é' e naquele momento eles já teriam
sido transformados para serem 'semelhantes' a Cristo. No entanto, ele refuta a ideia de que
qualquer um já O tenha visto e declara inequivocamente que tudo vai acontecer 'quando ele
se manifestar'"1 5 8

Vida eterna no futuro – Além disso, a Bíblia deixa claro quem é que herdará uma vida
eterna: “E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe [ou
mulher], ou filhos, ou campos, por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais e
herdará a vida eterna” (cf. Mt.19:29). Duas coisas ficam claras aqui. A primeira é que a
vida eterna não é algo que todos já possuem, mas que alguns possuirão, no futuro, a saber:
os salvos na ressurreição. Este mesmo relato em Marcos vem desta forma: “Que não receba
cem vezes tanto, já neste tempo, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos, e campos,
com perseguições; e no século futuro a vida eterna” (cf. Mc.10:30).

A vida eterna é algo relacionado ao século futuro, que vem do grego aion erchomai. A
primeira palavra, como já vimos, significa: “para sempre, uma idade ininterrupta, tempo

157O texto diz que o Pai ressuscita os mortos e lhes dá vida, e não que ressuscita corpos e lhes dá vida.
O texto fala da pessoa, e não apenas de uma parte da pessoa (como se estivesse limitado somente ao
corpo).
158 CREWS, Joe. O que a Bíblia diz sobre estar ausente do corpo. Disponível em:
<http://setimodia.wordpress.com/2008/12/16/livreto-o-que-a-biblia-diz-sobre-estar-ausente-do-corpo/>.
Acesso em: 19/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 303
perpétuo, eternidade” 1 5 9 . A segunda, por sua vez, significa “vir”1 6 0 . Se juntarmos as duas
palavras, teríamos algo como “quando vier o eterno”, o que algumas traduções verteram
por “século futuro”1 6 1 , “mundo vindouro”1 6 2 , “mundo por vir”1 6 3 , “século vindouro”1 6 4 ou
“mundo futuro”1 6 5 . Por mais que os tradutores tenham tomado a liberdade de traduzirem de
várias formas diferentes, todos são unânimes em demonstrar que a vida eterna não é algo
que nós já possuímos, supostamente na forma de uma alma imortal, mas sim algo que
possuiremos no futuro, e destinado apenas aos salvos, aqueles que decidiram seguir a
Cristo, como diz o verso (cf. Mc.10:30; Mt.19:29).

Se nós fôssemos possuidores de uma alma imortal, essa imortalidade seria uma possessão
presente, e destinada não apenas aos justos que seguem a Cristo, mas até mesmo aos
ímpios, que na teologia imortalista vivem para sempre. Além disso, vemos que a posse da
vida eterna não é em um estado intermediário imediatamente após a morte e antes da
ressurreição, mas no aion erchomai, no século futuro, na consumação deste mundo, no
mundo vindouro, quando “o eterno vier”, quando Jesus voltar, quando os mortos
ressuscitarem. Jesus não disse em momento algum que eles iriam herdar a vida eterna logo
após a morte em um estado intermediário, mas sim no “mundo vindouro” (cf. Mc.10:30;
Mt.19:29), na Jerusalém celestial que descerá dos céus à Nova Terra prometida somente
após a ressurreição se consumar (cf. Ap.21:2).

O apóstolo João, tanto em seu evangelho como também em suas epístolas, também
acentua o fato de que a imortalidade é apenas em Cristo Jesus. Em seu evangelho vemos
Cristo dizendo o seguinte:

“Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente” (cf.
João 6:51)

Logo, quem não come do pão da vida não viverá eternamente. Vocês se lembram do
apóstolo Paulo, que escreveu que a imortalidade é apenas por meio do evangelho (cf.
2Tm.1:10)? Da mesma maneira, João acentua tal fato: “Assim como o Pai, que vive, me
enviou, e igualmente eu vivo pelo Pai, também quem de mim se alimenta por mim viverá”
(cf. Jo.6:57). Havia uma plena concordância entre os apóstolos de Jesus de que a vida não
vem por meio de uma alma implantada no nascimento, mas essa vida é somente em Cristo,
sem Cristo não há vida.

É por isso que João escreve: “Quem tem o Filho, tem a vida; quem não tem o Filho de
Deus, não tem a vida” (cf. 1Jo.5:12). Quem não tem Cristo não tem vida. Somente em
Cristo temos a vida. Quem não tem Cristo nem sequer poderá ver a vida: “Por isso, quem
crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a
vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus” (cf. Jo.3:36). Os ímpios nem ao menos verão
a vida, pois essa é somente para quem crê no Filho de Deus, e a tem em seu nome: “Mas
estes foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e, crendo,
tenham vida em seu nome” (cf. Jo.20:31).

159 Léxico da Concordância de Strong, 165.


160 Léxico da Concordância de Strong, 2064.
161 Almeida Corrigida e Revisada Fiel.
162 Almeida Revisada Imprensa Bíblica e Almeida Atualizada.
163 Almeida Revista e Atualizada.
164 Reina Valera e Ave Maria.
165 Bíblia de Jerusalém e CNBB.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 304
Em João 5:40, Cristo afirma: “Contudo, vocês não querem vir a mim para terem vida” (cf.
Jo.5:40). Aqui são colocados dois caminhos finais: ter uma vida eterna ou ter a cessação de
vida, que significa não ter vida nenhuma. De outro modo, não seria estritamente necessário
vir a Cristo para ter vida, pois qualquer um teria vida em algum lugar de qualquer jeito!
Sim, as palavras de Simão Pedro acertaram o alvo: “Senhor, para onde iremos? Tu tens as
palavras de vida eterna” (cf. Jo.6:68). Não existe vida em outro lugar senão em Cristo. Ter
a vida não é algo natural pela posse de uma alma imortal, mas é algo que obtém aquele
que vem a Cristo, porque só os que vencerem obterão a vida: “Contudo, vocês não querem
vir a mim para terem vida” (cf. Jo.5:40). Vejam o que diz o apóstolo João:

“Quem tem o Filho de Deus tem a vida; quem não tem o Filho de Deus, não t em a vida” (cf.
1ª João 5:12)

A conclusão inequívoca a partir de tudo isso que o apóstolo João nos revela em suas
epístolas e em seu evangelho é que ter uma vida eterna e consequente imortalidade
herdando a vida não é uma possessão natural de todos os seres humanos por meio de uma
alma imortal presa dentro do corpo. Pelo contrário, é mediante Jesus Cristo para aqueles
que O seguem por meio do evangelho, negando-se a si mesmos e tomando a sua cruz, este
terá o dom da vida e da imortalidade, obtido com a ressurreição dos mortos:

“Não fiquem admirados com isto, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem
nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que fizeram o bem ressuscitarão para a
vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados” (cf. João 5:28,29)

Por fim, no evangelho de João vemos Jesus dizendo:

“Este é o pão que desceu do céu, em nada semelhante àquele que os vossos pais comeram
e, contudo, morreram; quem comer este pão viverá eternamente” (cf. João 6:58)

Será que os ímpios também comem do pão da vida?

Em suma, através dos ensinamentos de João podemos compreender que:

1º A posse da vida eterna (imortalidade) não é algo natural já infundido em nossa natureza
através de uma alma imortal, mas é algo futuro.

2º Não se obtém uma vida eterna através de uma alma eterna, mas por se crer em Cristo
Jesus, através da ressurreição dos mortos.

3º Os ímpios não possuem a imortalidade, pois essa é exclusividade daqueles que “comem
do pão da vida” (creem no Filho de Deus).

4º A posse da vida eterna está diretamente relacionada ao “século futuro”, ou “mundo


vindouro”, conforme Marcos 10:30 e Mateus 19:29, algo que só se consuma na
ressurreição dos mortos e segunda vinda de Cristo, com a chegada de novos céus e nova
terra inaugurando o “mundo vindouro” que Jesus se referia, e não imediatamente em um
estado intermediário antes da consumação deste mundo e da ressurreição.

XXVII–Mais pilares do imortalismo sendo derrubados

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 305


Uma passagem que tem sido usada com certa frequencia pelos imortalistas é a cena que
ocorreu no monte da transfiguração, acontecimento este registrado em Mateus 17:1-8, em
Marcos 9:2-8 e em Lucas 9:28-36, onde Elias e Moisés aparecem vivos a Pedro, Tiago e
João, e conversam com o Senhor Jesus no monte. Mas como isso pôde ter ocorrido de fato,
se, como vimos, os mortos só voltam à vida através da ressurreição? Isso levou alguns
imortalistas a conjecturarem que foram almas incorpóreas que desceram do além e se
apresentaram a Cristo e aos três discípulos naquela ocasião, e que isso seria “prova” da
sobrevivência da alma após a morte. Seria isso verdade? É isso o que vamos descobrir
agora.

Elias – Que Elias apareceu no monte, isso não apresenta problema nem contradição
alguma, uma vez que Elias não passou pela morte, não necessitando assim de uma
ressurreição. Elias foi transladado vivo: “E, indo eles caminhando e conversando, eis que
um carro de fogo, com cavalos de fogo, os separou um do outro; e Elias subiu ao céu num
redemoinho” (cf. 2Rs.2:11).

Moisés – Quanto a Moisés, a Bíblia relata a morte dele (cf. Dt.34:5), como também relata a
vivificação dele. À luz dos fatos bíblicos que nos norteiam, vemos que Moisés estava
corporalmente no monte da transfiguração, e não como um espírito incorpóreo. Isso fica
nítido a partir da leitura do próprio relato dos textos bíblicos que os imortalistas fingem
conhecer quando formulam este argumento. Pedro, por exemplo, sugeriu a construção de
três tendas, incluindo uma para Moisés:

“Pedro tomou então a palavra e disse-lhe: Senhor, é bom estarmos aqui. Se queres, farei
aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias” (cf. Mateus 17:4)

A palavra aqui traduzida por “tenda” é o grego skene, que, de acordo com o léxico da
Concordância de Strong, significa:

4633 σκηνη skene


aparentemente semelhante a 4632 e 4639; TDNT - 7:368,1040; n f
1) tenda, tabernáculo, (feito de ramos verdes, ou peles de animais, ou outros materiais).
2) do bem conhecido templo móvel de Deus, a partir do modelo do qual o templo em
Jerusalém foi construído.

Essa palavra denota, portanto, um objeto físico, e não algo imaterial. Ora, é inadmissível
construir tenda para um espírito, que seriam seres imponderáveis, fluídicos, abstratos e
não-físicos, conforme a crença popular imortalista. Isso por si só já define a questão e nos
permite chegar a conclusão de que o Moisés que apareceu no monte não foi um espírito
incorpóreo que aguardava em algum estado intermediário, mas alguém com corpo físico,
assim como estavam Elias e Jesus, doutra forma Pedro teria sugerido construir duas tendas,
e não três. Se Pedro estivesse contemplando algum “espírito” ou cresse que a aparição de
Moisés só poderia se dar em forma de alma descorpórea – como pensam os imortalistas –
não teria dito para construir uma tenda para Moisés.

Além disso, a construção de tendas leva a crer que Pedro pensava que eles iriam passar um
bom tempo ali, ao ponto de “acamparem” no local, de passarem a noite ali. Se ele pensasse
que fosse apenas uma aparição rápida, durante apenas alguns minutos, não haveria a
necessidade de tendas. Isso aponta que Pedro pensava que os três (Jesus, Elias e Moisés)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 306


iriam passar a noite ali, e por isso se fazia necessário a construção de uma tenda para cada
um. Neste ponto a crença de que Moisés estava no monte em espírito também é colocada
em xeque, pois um espírito não dorme, e o apóstolo não iria pensar que um espírito
incorpóreo precisasse de uma tenda para passar a noite e dormir.

Se ele sugeriu a construção de três tendas, incluindo uma para Moisés, significa que ele
sabia que Moisés estava fisicamente presente, e que por isso precisaria de uma tenda para
passar a noite e descansar. A teoria de que Pedro não conseguiu identificar se Moisés
estava ou não encarnado é fac ilmente refutada pelo fato de que ele, assim como os demais
discípulos que ali estavam, falavam face a face com Jesus, que estava ao lado de Elias e
Moisés. Se eles estavam tão próximos uns dos outros, ao ponto de saber quem era quem e
de poder conversar com quem ali estava, é óbvio que ele também teria a percepção de
Moisés estar corporalmente ali ou se estava apenas em espírito. E Pedro claramente
identificou como estando corporalmente.

Os imortalistas aqui pretendem ser melhores que Pedro. Eles não estavam no monte e
estão convencidos de que Moisés estava em forma de espírito incorpóreo, e acham que
Pedro, que estava no monte, estava errado! Será que devemos acreditar no apóstolo Pedro,
que estava no monte e presenciou tudo aquilo, demonstrando que Moisés estava com corpo
físico, ou deveríamos acreditar nos imortalistas, que não estavam no monte e mesmo assim
querem nos convencer de que Pedro estava enganado e que quem está certo são eles ?
Devemos confiar numa testemunha ocular dos fatos ou em apologistas desesperados em
formular um argumento confuso e contraditório? Eu prefiro ficar com a Bíblia!

A Bíblia dá pistas da vivificação de Moisés? – Já vimos que Pedro estava fisicamente no


monte, e não como um espírito incorpóreo. Isso por si só já é o suficiente para demonstrar
que a alegação imortalista não tem fundamento, pois toda ela se baseia na suposição de
que Moisés esteve como um espírito sem corpo. Portanto, que Moisés deve ter passado por
uma vivificação para ter aparecido no monte isso é um fato, e não uma hipótese. Se o
restante da Bíblia também apoia essa tese, é o que veremos agora. Um texto -chave para a
compreensão da vivificação de Moisés é o de Judas 9, que diz:

“Mas o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo e disputava a respeito do corpo de
Moisés, não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele; mas disse: O Senhor te
repreenda” (cf. Judas 9)

Aqui é relatada a cena em que Miguel briga com Satanás pelo corpo de Moisés. Mas para
quê o diabo iria querer um cadáver? O que é que o diabo iria ganhar com um simples
corpo morto? Evidentemente Satanás queria mantê-lo preso à sepultura, porque cada
ressurreição que acontece é um desafio ao seu “império de morte” (cf. Hb.2:14). Sobre isso
Cullmann faz excelentes observações:

“A morte como tal é o inimigo de Deus. Pois Deus é a Vida e o Criador da vida. Não é pela
vontade de Deus que existe a degradação e a decadência, a mortalidade e a doença, os
subprodutos da morte agindo em nossa vida. Todas estas coisas, segundo o entendimento
cristão e judaico, decorrem do pecado humano. Portanto, toda a cura que Jesus realizava
não envolve apenas trazer de volta da morte, mas também a invasão do domínio do
pecado, e foi por isso que, em todas as ocasiões, Jesus disse: ‘Seus pecados estão
perdoados’. Não é que exista um pecado correspondente para cada doença específica, mas,

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 307


em vez disso, assim como a presença da morte, o fato de a doença acometer a todos é uma
consequencia da condição pecaminosa de toda a humanidade. Toda cura é uma
ressurreição parcial, uma vitória parcial da vida sobre a morte . Este é o ponto de
vista cristão”1 6 6

A morte é considerada o império de Satanás (cf. Hb.2:14), e o maior inimigo de Deus (cf.
1Co.15:26). O ato da ressurreição é o que há de mais ameaçador ao império da morte,
exatamente porque traz de volta uma pessoa à vida, porque tira uma pessoa de seu
domínio. Morte e ressurreição são dois opostos, dois inimigos. Isso explica o porquê que o
diabo estava lutando pelo corpo de Moisés: para retê -lo em seu domínio, para impedir uma
ressurreição, que é o que se contrapõe à morte.

Não há sentido em lut ar por um simples cadáver se a alma “imortal” já está no Céu.
Satanás estava lutando pela permanência de Moisés na morte, em um estado sem vida. O
arcanjo Miguel, contudo, lutou contra o diabo pela posse do corpo de Moisés, para que este
fosse retirado do domínio da morte e conduzido ao reino de vida da ressurreição. Deste
modo podemos compreender perfeitamente tal relato de Judas 9. O que fortalece ainda
mais tal ponto de vista lógico é de onde Judas tirou tal fato: de um livro apócrifo chamado
de Assunção de Moisés. Norman Geisler discorre sobre isso nas seguintes palavras:

“Este episódio não é encontrado no AT e acontece de ser encontrado num livro apócrifo
intitulado A ascensão de Moisés”1 6 7

A nota de rodapé da Nova Versão Internacional também diz:

“Segundo vários mestres da igreja primitiva, esse versículo baseia -se numa obra apócrifa
chamada Assunção de Moisés” 1 6 8

Como vemos, Judas não tirou esse acontecimento “do nada”, não lhe veio à mente de uma
hora pra outra ou por uma revelação divina repentina, mas foi tirado de um livro que
contextualiza todo este acontecimento que envolveu a briga de Miguel e Satanás pelo corpo
de Moisés. Como o próprio título sugere, seria incoerente que a Assunção de Moisés não
narrasse uma assunção de Moisés! Este é o tema central do livro, que existia na época de
Judas mas se perdeu com o tempo, subsistindo hoje apenas através da tradição oral
judaica. Como vemos, o diabo não brigou pelo corpo de Moisés por nada, mas para tentar
impedir a vivificação dele, para tentar mant ê-lo na morte. Evidentemente cremos que
Miguel venceu a disputa com Satanás e que Moisés foi vivificado.

E foi precisamente isso o que possibilitou que ele aparecesse corporalmente no monte da
transfiguração: a sua vivificação dos mortos. Os judeus acreditavam na assunção de Moisés,
o diabo tentou mantê-lo preso à sepultura, mas Miguel prevaleceu e Moisés voltou à vida, e
apareceu no monte da transfiguração ao lado de Cristo e Elias. Isso certamente não
significa que todo o livro da assunção de Moisés é inspirado, significa apenas que aquele
fato – da ressurreição de Moisés – é uma verdade. Verdade é verdade em qualquer lugar.
Os hebreus de sua época acreditavam plenamente em tal fato, e Judas também acreditava

166 CULLMANN, Oscar. Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos? Disponível em:
<http://www.mentesbereanas.org/download/imort-ressur_folheto.pdf>. Acesso em: 20/28/2013.
167 GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual popular de dúvidas, enigmas e 'contradições' da

Bíblia. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1999.


168 Nota de rodapé na Nova Versão Internacional em Jd.9, p. 2164.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 308


nisso, tanto que ele transcreveu para a Bíblia Sagrada a passagem do livro judaico sobre tal
acontecimento.

A Bíblia nos apresenta apenas duas únicas alternativas para deixamos de estar no estado de
morte (i.e, sem vida). São essas:

(1) Passar pela ressurreição (ser vivificado – 1Co.15:22,23)


(2) Não passar pela morte (ser transladado vivo como nos casos de Elias e Enoque)

Sem passar pela ressurreição não há vida (cf. 1Co.15:18,19; 1Co.15:32), e é evidente que
nós seremos ressuscitados na volta de Cristo (cf. 1Ts.4:16; 1Co.15:22,23). A cena da
transfiguração do monte não era uma sessão espírita e muito menos uma contradição
bíblica. Pelo contrário, das duas únicas pessoas que apareceram com Cristo no monte, uma
não passou pela morte e a outra passou pela ressurreição. Contraditório seria se víssemos
um “espírito” baixando no monte, vindo do “além”. O erudito bíblico Adam Clarke colocou
perfeitamente em suas palavras aquilo que aconteceu no monte da transfiguração, sem
fazer absolutamente nenhuma acepção às teses dualistas neste contexto:

"Elias veio do Céu no mesmo corpo com que deixou a Terra, pois fora trasladado, e não viu
a morte. (II Reis 2:11). E o corpo de Moisés fora provavelmente ressuscitado, como sinal ou
penhor da ressurreição; e como Cristo está para vir a julgar os vivos e os mortos --porque
nem todos morreremos, mas todos seremos transformados (I Coríntios 15: 51)--Ele
certamente deu plena representação deste fato na pessoa de Moisés, que morrera e então
fora trazido à vida (ou aparecera naquele momento como aparecerá ressurreto no dia final),
e na pessoa de Elias, que nunca provou a morte”1 6 9

Por que Elias e Moisés? – Essa pergunta pode não fazer tanto sentido para alguns, mas
muitos se indagam do porquê que Cristo escolheu Elias e Moisés para aparecerem no
monte, e não algum outro que não tivesse passado pela morte (como Enoque) ou algum
outro que fosse temporariamente vivificado, no lugar de Moisés. Porém, a escolha específica
de Elias e Moisés não veio ao acaso. Moisés estava representando a Lei, é por isso que a lei
é chamada até hoje de “lei de Moisés” (Jo.1:17). Elias, por sua vez, estava ali
representando os profetas. Ele é até hoje reconhecido pelo povo judeu como sendo o
principal dos profetas que já existiu. E Cristo, por sua vez, representava o Evangelho, a
Nova Aliança em que vivemos hoje, da qual ele obviamente é o principal.

Sendo assim, a Lei, os Profetas e o Evangelho estavam sendo representadas nas pessoas de
Moisés, Elias e Jesus. Outra representação importante que estava sendo feita naquela
ocasião é o meio pelo qual podemos chegar a Cristo. Estava ali Elias, que não passou pela
morte, mas foi vivificado em vida. Elias representa ali aqueles que estarão vivos por ocasião
do arrebatamento e que não passarão pela morte por ocasião da segunda vinda de Cristo.
Do outro lado estava Moisés, que representava o outro grupo, o daqueles que de fato
morreram, mas que serão ressuscitados para estarem com Cristo no último dia , que ali na
transfiguração estava entre Elias e Moisés, porque estará junto a ambos os grupos na Sua
segunda vinda (cf. 1Ts.4:16,17). Assim, tanto Elias como Moisés estavam no monte não por
acaso, nem por sorte, mas com toda uma representação importante que ali estava sendo
figurada.

169 CLARKE, Adam, apud CHRISTIANINI, Arnaldo. Sutilezas do Erro. Casa Publicadora Brasileira, 1ª
edição. São Paulo: 1965.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 309
Seria uma sessão espírita? – Ademais de tudo isso, se Moisés e Elias estivessem no monte
como espíritos incorpóreos, conversando com outros seres em vida, quem deveria estar
fazendo a festa neste momento são os espíritas, que creem exatamente nisso. A cena do
monte da transfiguração deveria ser considerada como a primeira sessão espírita que já
existiu – ou a segunda, se contarmos a interpretação deles de 1ª Samuel 28. Seria
impensável, e até mesmo herético, pensar numa coisa dessas.

Ainda, se Moisés e Elias (ou um dos dois) eram “espíritos”, como foi que Pedro e os demais
discípulos os viram? Pois, de acordo com a concepção popular (espírita e imortalista),
espíritos são seres incorpóreos, imateriais, e não físicos. Se espíritos humanos incorpóreos
existissem e pudessem ser vistos, então todos nós veríamos os espíritos de nossos parentes
deixando o c orpo na morte e subindo ao Céu. Além disso, como eles falaram com eles? Pois
o texto nos mostra uma conversa normal de Jesus com Elias e Moisés, antes de serem
interrompidos por Pedro:

“Naquele mesmo momento apareceram diante deles Moisés e Elias, conversando com
Jesus” (cf. Mateus 17:3)

Alguns tentar cobrir isso alegando que aquilo ali era uma visão do Reino de Deus, como se
eles estivessem tendo uma visão dos céus. Sustentam isso com a afirmação de Cristo, que
disse que “alguns dos que aqui se ac ham não experimentarão a morte antes de verem o
Filho do homem vindo em seu Reino” (cf. Mt.16:28). Contudo, notem que Jesus não disse
que alguns dos que ali estavam veriam o Reino, mas sim que veriam o Filho do homem
vindo em Seu Reino, o que é bem diferente e aduz à volta de Jesus, à segunda vinda de
Cristo, quando Ele vier em Seu Reino.

Não se tratava apenas de uma visão comum do Céu, mas de Jesus vindo em Seu Reino.
Isso não se cumpriu no monte da transfiguração, mas sim com o apóstolo João, que viu
Jesus voltar em Seu Reino nas visões que teve no Apocalipse. Além disso, se naquele
momento houvesse ocorrido uma visão celestial do Reino de Deus, como alguns alegam,
isso teria ficado muito claro aos discípulos e ao próprio Pedro, que obviamente não iria
pedir para construir uma “tenda” se estivessem vendo espíritos no Céu!

É óbvio que Pedro os via de forma natural, no monte, não estava tendo uma visão do
Paraíso celestial, e por isso propôs a construção de tendas, uma para cada um, para
passarem a noite ali. Tudo aquilo se passou de forma natural, não eram espíritos, não era
uma visão celestial, mas era algo real e natural que acontecia no próprio monte.

Finalmente, há também aqueles que alegam (como é o caso das testemunhas de Jeová)
que tudo aquilo não passou de uma visão espiritual comum, e não de uma visão do Céu ou
do Reino de Deus. Sendo assim, Moisés estaria de fato morto, na sepultura, mas apareceu
no monte através de uma visão não-literal que não era um acontecimento real (o mesmo
teria acontecido com Elias).

Embora essa visão não ensine a imortalidade da alma, pois sendo meramente uma visão
não-literal não indicaria nada se Moisés estaria factualmente morto ou vivo na realidade, ela
está longe de ser a mais provável diante dos acontecimentos que nos norteiam, pois todo o
contexto parece indicar uma realidade literal, e a própria palavra “visão” aplicada por

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 310


Mateus em 17:9 é explicada por Lucas como se referindo às “coisas que tinham visto” (cf.
Lc.9:36; ver também Mc.9:9), o que passa a ideia de que Jesus usou a palavra “visão” não
para se referir a algum tipo de visão extática ou arrebatamento de sentidos, mas com
relação às “coisas que [os discípulos] tinham visto” (cf. Lc.9:36).

Além disso, dificilmente Jesus estaria literalmente conversando com Moisés e Elias (cf.
Mt.7:13) se aquilo tudo fosse apenas uma visão extática ou um arrebatamento de sentidos.
Uma comunicação real exige necessariamente uma presença real de Moisés e Elias naquele
monte. Corrobora com isso o fato de o texto bíblico apresentar o relato de forma bem
natural, “enquanto ele (Jesus) orava [literalmente], a aparência do seu rosto se
transfigurou [literalmente] e suas vestes resplandeceram de brancura [literalmente], e
eis que estavam falando [literalmente] com ele dois homens, Moisés e Elias” (cf.
Lc.9:28,29).

Se o contexto todo é natural e é apresentado de maneira natural, dificilmente a aparição de


Elias e Moisés seria irreal. Não estamos num contexto de uma parábola aqui, ou de uma
simbologia apocalíptica (que é um livro repleto de alegorias), mas de uma descrição natural
rodeada de alusões literais. Sendo assim, ainda que se tudo aquilo tivesse sido apenas uma
“visão” isso não afetaria em nada a doutrina da mortalidade da alma, essa não é a melhor
explicação para a aparição de Moisés no monte.

Cremos que todo o contexto, à luz de todos os fatos, nos deixa claro que Moisés e Elias
apareceram corporalmente aos discípulos diante de Jesus, e que isso foi um acontecimento
real que exige, portanto, a ressurreição de Moisés em forma corpórea 1 7 0 .

Refutando objeções – Mesmo com todos estes fatos que deixam claro que tudo aquilo que
se passou no monte não serve absolutamente nunca de prova de imortalidade da alma,
alguns imortalistas ainda insistem com perguntas que são feitas na tentativa de contrariar
este fato. Analisaremos cada uma delas e veremos se realmente refutam algo que foi
exposto aqui.

• Jesus é a primícia e primogênito dos mortos. É alegado aqui que Jesus, como a
primícia dos que dormem (cf. 1Co.15:22) e o primogênito dos mortos (cf. Ap.1:5), deve ter
sido o primeiro a passar pela ressurreição gloriosa adentrando os céus. Mas quem é que
nega isso? Nada na Bíblia indica que Moisés tenha tomado o lugar de Cristo ressuscitando
gloriosamente ou adentrando os céus. A ressurreição de Moisés que vimos se assemelha
muito mais aos vários casos de ressurreição na Bíblia que aconteceram antes da
ressurreição de Cristo, como diversos relatos de pessoas ressurretas no AT e no NT (cf.
1Rs.17:17-24; 2Rs.4:25-37; Lc.7:11-15; 8:41-56; Jo.11:11; At.9:36-41; 20:9-11). A
diferença entre essas pessoas e Jesus, que faz com que Cristo seja o primeiro mesmo em
vista desses casos, é que tais pessoas morreram de novo, ao passo que Jesus foi o primeiro
a adentrar os céus gloriosamente.

Moisés foi de fato vivificado para aparecer no monte da transfiguração, mas não adentrou
os céus em glória como Jesus, foi uma vivificação temporária, uma tipologia e
representação da ressurreição geral dos mortos no último dia, ele “aparecera naquele

170 Não estamos dizendo que Moisés ressuscitou em corpo glorificado, apenas que ele ressuscitou
fisicamente pelo poder divino. A glorificação de Moisés ocorrerá em conjunto com os demais santos na
ressurreição do último dia.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 311
momento como aparecerá ressurreto no dia final” 1 7 1 , e não uma ressurreição direto para a
vida eterna no Céu. A vivificação de Moisés não contraria nenhum princípio da Palavra de
Deus sobre Jesus ter sido o primeiro a ressuscitar gloriosamente para o Céu sem passar
novamente pela morte, porque não dizemos que Moisés ressuscitou gloriosamente para o
Céu sem passar novamente pela morte. Uma coisa é bem diferente da outra e elas não se
misturam para que uma anule a outra.

• Moisés viu a corrupção. Outra coisa que jamais foi negada por mim, visto que não
sabemos precisamente quando que Moisés foi ressuscitado por Miguel (a Bíblia relata este
fato de modo que podemos ter a convicção de que ocorreu, conquanto não saibamos
exatamente quando ocorreu). Moisés não ter visto a corrupção de modo algum é alguma
premissa necessária para o fato de que Moisés foi vivificado temporariamente e apareceu
com Cristo e Elias corporalmente no monte da transfiguração. Muitos dos que Cristo
ressuscitará no último dia terão visto a corrupção em seus túmulos, e obviamente não
deixarão de ressurgir por causa disso.

• A ressurreição de Moisés não se encontra nos atos dos heróis da fé . Esse


argumento é de todos o mais pobre, na prática se baseia em dizer que, se a ressurreição de
Moisés tivesse ocorrido, isso teria sido mencionado pelo a utor de Hebreus na descrição dos
heróis da fé em Hebreus 11, mas já que não foi então ela não ocorreu! Pasme que ainda
formulem argumentos assim, mas em resposta a isso temos que considerar que:

(a) Existem uma infinidade de fatos sobre os heróis da fé que também não aparecem na
lista. José, por exemplo, é até hoje lembrado por ter se tornado o governador do Egito, e o
segundo maior de toda a terra da época, atrás apenas do Faraó, e isso depois de ter sido
desprezado pelos seus irmãos, vendido aos egípcios, se tornado escravo, ser preso e passar
por toda uma reviravolta que o tornou aquilo que ele passou a ser. Mas nada disso é dito
em Hebreus 11, apenas que “pela fé José, no fim da vida, fez menção do êxodo dos
israelitas do Egito e deu instruções acerca dos seus próprios ossos” (cf. Hb.11:22), sem
mencionar nenhum dos acontecimentos grandiosos mencionados acima.

Em outras palavras, se um acontecimento importante na vida de um personagem bíblico


devesse necessariamente passar pela confirmação da descrição do autor de Hebreus,
teríamos que rejeitar todos esses grandes acontecimentos na vida de José e ficarmos
apenas com a instrução dos ossos! Ora, se muitas coisas importantes sobre José não foram
ditas, bem como muitas coisas sobre outros vários personagens bíblicos, por que com
Moisés deveria ter sido dito tudo? Quer dizer que nenhum fato bíblico importante realmente
aconteceu a não ser que tenha sido mencionado pelo autor de Hebreus? Não me parece um
método exegético confiável.

(b) Elias, que foi arrebatado ao Céu em vida e se encontra lá até hoje (sendo, portanto,
algo ainda mais significativo do que a vivificação temporária de Moisés) também não se
encontra na lista; aliás, este grande profeta nem sequer figura na lista dos heróis da fé!

(c) Daniel, um dos maiores nomes de todo o AT da Bíblia, sobre quem Deus faz diversas
vezes menção de Sua aprovação, e acerca de quem Ele se refere muitas vezes como o
“muito amado” (cf. Dn.9:23; 10:11; 10:19), também não aparece na lista.

171 CLARKE, Adam, apud CHRISTIANINI, Arnaldo. Sutilezas do Erro. Casa Publicadora Brasileira, 1ª
edição. São Paulo: 1965.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 312
(d) Sendo assim, a conclusão óbvia a que se chega é que o autor de Hebreus não tinha a
finalidade de listar todos os grandes nomes do AT nem mesmo todos os grandes
acontecimentos que marcaram aquele período, mas selecionou alguns pela sua própria
vontade e deixou outros de fora pela mesma razão, e é infantil considerarmos verdadeiro s
apenas os fatos que o autor de Hebreus “deixou na lista”. Este é um argumento do silêncio
que não prova nada, ou senão teríamos que reformular toda a Bíblia e só ficarmos com
aquilo que está escrito em Hebreus 11!

(e) É importante ressaltar que a Bíblia não diz que Moisés ressuscitou em corpo glorificado,
pois o primeiro que ressuscitou com corpo glorificado (i.e, para nunc a mais morrer) foi
Jesus Cristo. A ressurreição de Moisés se equipara aos vários casos de ressurreição
temporária na Bíblia, onde as pessoas ressuscitam para viver por algum tempo e depois
voltam a morrer. Moisés ressuscitou com o objetivo específico de aparecer no monte da
transfiguração, por causa de toda a importante representação que destacamos
anteriormente. Com efeito, é incoerente crer que o autor de Hebreus faria questão de
destacar a ressurreição temporária de Moisés, se ele não fez questão de fazer isso em
nenhum dos outros vários casos de ressurreição temporária descritas na Bíblia (cf.
1Rs.17:17-24; 2Rs.4:25-37; Lc.7:11-15; 8:41-56; Jo.11:11; At.9:36-41; 20:9-11). Por que
Moisés teria que ser a exceção?

(f) Finalmente, devemos considerar que o autor de Hebreus não estava registrando todos
os feitos importantes, mas vários daqueles que foram obtidos através da fé. É por isso que
no começo de cada menção a cada personagem bíblico é antec edido pelo “pela fé”, porque
ele estava ressaltando os feitos grandiosos que tais personagens obtiveram através de sua
fé, e não por algum outro meio. Ora, Moisés não ressuscitou por sua própria fé, pois os
mortos não tem “fé”. Moisés não foi ressurreto por ter exercido fé nisso, até porque estava
morto, mas porque Deus o ressuscitou dos mortos – não foi pela fé do próprio Moisés.
Consequentemente, o autor de Hebreus não poderia ter dito que “pela fé Moisés ressuscitou
para aparecer no monte”, pela simples razão de que não foi a fé do próprio Moisés que o
reviveu. Para exercer fé é preciso estar em vida, os mortos não tem fé – e esse ponto é de
consenso até mesmo entre os imortalistas mais sensatos.

• Miguel não poderia ressuscitar Moisés porque é Deus quem ressuscita os mortos.
Ora, se Deus usou pessoas como Elias, Eliseu, Pedro, Paulo e tantos outros seres humanos
para ressuscitar mortos, por que razão não poderia ter usado Miguel, um arcanjo (que,
portanto, está em posição acima dos próprios homens – cf. Hb.2:7) para isso? Ninguém diz
que Miguel ressuscitou Moisés, mas que Deus usou Miguel para ressuscitá-lo, da mesma
forma que Ele usou seres humanos em tantas outras ocasiões (cf. 1Rs.17:17-24; 2Rs.4:25-
37; Lc.7:11-15; 8:41-56; Jo.11:11; At.9:36-41; 20:9-11), e nem por isso significa que a
obra de ressurreição deixou de ser de Deus.

Em conclusão, considerando: (a) o próprio relato do monte da transfiguração que prova


que Moisés estava fisicamente presente, e não como um espírito incorpóreo ; (b) o fato de
Miguel brigar c om o diabo pelo corpo de Moisés; (c) o fato de Judas ter retirado isso do
livro da Assunção de Moisés que narra tal fato naquele mesmo contexto; (d) o fato de
judeus como Judas estarem familiarizados com a realidade da assunção de Moisés; (e) toda
a representação que envolvia a escolha direta de Moisés e Elias para estarem no monte; e:
(f) a pobreza do nível das contra-argumentações imortalistas; podemos considerar que crer
na vivificação de Moisés não apenas é o mais razoável diante dos fatos, mas é a única coisa
que explica os fatos.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 313


As almas do Apocalipse: Literal ou Simbólico? – Por fim, o último dos argumentos
imortalistas a ser refutado se encontra em Apocalipse 6:9-11, que os defensores da
doutrina da imortalidade da alma gostam de usá-lo como um acontecimento literal
daqueles que estavam no Céu pedindo a vingança dos seus inimigos. Eles se esquecem,
porém, que João não escreveu um livro literário e sim um livro simbólico. Todas as ações
místicas tem um exato sentido literal para ser identificado. Quando João escreve que o Sol
se escureceu refere-se às cidades pegando fogo com fumaça para todos os lados – veja se
você vai conseguir ver o Sol! Quando fala do mar virando sangue, jogue corpos e mais
corpos no mar e você vai ver no que vira.

Ninguém pensará que no Céu há cavalos brancos, bermejos, negros ou pálidos, montados
por ginetes belicosos; ninguém pensará que Jesus está no Céu na forma de um cordeiro
com uma ensanguentada ferida de faca, ou que está em forma de um leão (leão da tribo de
Judá). Os quatro seres viventes não representam criaturas aladas reais com características
de animais. Também não há ali "almas" que jazem na base de um altar. Toda a cena foi
uma representação gráfica e simbólica, de que aqueles que foram martirizados seriam
vingados por Deus, no dia do juízo final. Toda a simbologia apocalíptica tem um sen tido a
ser identificado.

Algumas passagens que são claramente simbólicas, dentre muitas outras que podemos
destacar são:

(1) Cristo no Céu em forma de cordeiro ensanguentado (cf. Ap.5:6).

(2) Criaturas dentro do mar falando e louvando a Deus (cf. Ap.5:13).

(3) Várias estrelas caindo sobre a terra (cf. Ap.6:13). Sabe-se que o tamanho das estrelas
é maior do que o do nosso planeta e se caíssem estrelas sobre a Terra esta acabaria no
mesmo instante e o Apocalipse teria fim.

(4) Cavalos com cabeças de leão (cf. Ap.9:17).

(5) Cavalos que soltavam de sua boca fogo e enxofre (cf. Ap.9:17) .

(6) Gafanhotos com coroa de ouro e rosto humano, cabelos como de mulher e dentes como
de leão (cf. Ap.9:7,8).

(7) Um dragão perseguindo uma mulher grávida no deserto (cf. Ap.12:13) .

(8) A mulher grávida no deserto tem asas e voa (cf. Ap.12:14).

(9) A terra abre a boca engolindo um rio que um dragão soltou com a sua boca (cf.
Ap.12:15,16).

(10) Os trovões falam (cf. Ap.10:3).

(11) O altar fala (cf. Ap.16:7).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 314


(12) Jesus tem sete chifres e sete olhos (cf. Ap.5:6).

(13) Duas oliveiras e dois candelabros soltam fogo devorador de suas bocas (cf.
Ap.11:4,5).

Diante de tudo isso, por que não crer que almas agonizando debaixo do altar em pleno
Paraíso clamando por vingança contra os seus inimigos seja uma cena simbólica? Tal como
não existia uma mulher grávida sendo perseguida por um dragão no deserto durante mil
duzentos e sessenta dias, mas esta mulher representa a Igreja e o dragão representa
Satanás perseguindo a Igreja, igualmente não existe alguém no Paraíso agonizando e
gritando por vingança, mas é de fato uma representação de que aqueles que foram
martirizados seriam vingados por Deus, no dia do juízo final.

Pressupor que existem literalmente almas no Céu agonizando, gritando “em alta voz” (cf.
Ap.6:10) em seus clamores por vingança contra os seus inimigos é ferir a todos quanto
pensam racionalmente e entendem as linguagens simbólicas do Apocalipse. Se até o trov ão
fala no Apocalipse (cf. Ap.10:3), e isso é claramente uma linguagem simbólica, por que as
“almas” gritando vingança no Céu tem que ser necessariamente literal? Afinal, João
escreveu um livro altamente simbólico: “Quando ele bradou, os sete trovões falaram. Logo
que os sete trovões falaram, eu estava prestes a escrever, mas ouvi uma voz do céu, que
disse: Sele o que disseram os sete trovões, e não o escreva” (cf. Ap.10:3,4). Dois pesos...
duas medidas!

O Paraíso não é um local onde as pessoas ficam agonizadas e atormentadas ao ponto de


clamarem em alta voz a vingança contra os inimigos, muito pelo contrário, é exatamente o
inverso: é o momento em que as pessoas recebem a sua merecida recompensa e entram no
conforto do Pai, no lugar no qual “Ele lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já
não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas
passaram” (cf. Ap.21:4).

Se não há mais dor, nem luto e nem lágrima na presença de Deus, então é totalmente
inconcebível que haja literalmente almas clamando por vingança contra os seus inimigos,
aos gritos! O Céu é exatamente o inverso disso: é o local onde encontraremos tanto
descanso de Deus que não iremos mais nos preocupar em nos vingar de nossos
adversários. Enquanto estamos aqui na terra, por várias vezes pensamos nisso, pois
estamos ligados às tensões e tribulações terrenas. O Paraíso, contudo, é chamado de local
do descanso (cf. Ap.14:13), precisamente porque não nos preocuparemos mais com isso,
mas desfrutaremos do máximo da comunhão com o Senhor.

Inconcebível pensar que, neste mesmo contexto em que desfrutam da plena paz que é
estar com Cristo, que descansam no Paraíso, que veem a Deus face a face, que podem
desfrutar de todos os galardões celestiais e onde nenhuma tribulação mais pode ter efeito,
ainda existam almas clamando, aos gritos, em “alta voz” (cf. Ap.6:10), suplicando por
vingança contra inimigos, aglomeradas debaixo de um altar, ao invés de estarem louvando
e glorificando a Deus como em toda a parte vemos no Apocalipse, e tudo isso de forma real
e literal!

A conclusão óbvia na qual podemos chegar é que tanto as almas debaixo do altar como os
trovões que falaram eram linguagem simbólica, e não um acontecimento literal, pois as
almas só revivem na ressurreição (cf. Ap.20:4), e naturalmente trovão nenhum emite fala

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 315


clara. Lemos neste mesmo livro que as almas permanecem mortas até o momento da
ressurreição:

“Então vi uns tronos; e aos que se assentaram sobre eles foi dado o poder de julgar; e vi as
almas daqueles que foram degolados por causa do testemunho de Jesus e da palavra de
Deus, e que não adoraram a besta nem a sua imagem, e não receberam o sinal na f ronte
nem nas mãos; e reviveram, e reinaram com Cristo durante mil anos” (cf. Apocalipse
20:4)

Ora, como pode alguma “alma morta” falar? É evidente que a linguagem do capítulo 6 é
claramente simbólica, pois as almas não revivem senão na ressurreição (cap.20), após
todos os acontecimentos apocalípticos tiverem término. O Céu não é um lugar onde almas
agonizam-se debaixo de um altar em seus gritos por vingança, mas sim o local onde somos
tomados da mais profunda alegria que jamais seria possível sentir nesta vida. Isso é estar
na presença de Deus!

As almas que clamavam em alta voz por vingança era uma representação daqueles mártires
que deram a sua vida pelo evangelho, daqueles que, enquanto vivos, clamavam em alta voz
contra os terrores daqueles que pronunciavam morte e perseguição a eles. O que é
ensinado simbolicamente em Apocalipse é que estas almas que clamavam em alta voz
enquanto eram martirizadas pelo Império Romano (pela “Babilônia” espiritual) seriam
vingadas, e para isso restaria mais algum tempo, até que se completassem o número dos
seus conservos e irmãos que deveriam ser mortos como eles.

Jamais estava ensinando que depois da morte dos mártires, depois deles sofrerem tanto
aqui nesta vida, eles sobem ao Paraíso e continuam agonizando deb aixo de um altar em
gritos por vingança! Prova maior ainda de que se trata de uma simbologia apocalíptica é o
fato de que as almas não ficariam gritando debaixo de um altar, sofrendo aflitas, clamando
em altos brados por vingança contra os inimigos.

Além de “incomodar” os outros moradores do Céu (que diferentemente daquelas “almas”


deviam certamente estar curtindo o Paraíso, e não clamando vingança) , isto nem é do
espírito cristão, que manda “amar os inimigos, e orar por eles” (cf. Mt.5:44). Desta
maneira, além de proferir que o Céu assim como a terra é um local de agonia e de
sentimentos de vingança, eles estariam descumprindo totalmente aquilo que o próprio
Cristo ensinou biblicamente sobre o que fazer com os seus inimigos.

Além disso, se fossem “espíritos” (i.e, seres imponderáveis, fluídicos e abstratos, como
querem os imortalistas), como se concede eles estarem trajando “vestes brancas” e
tivessem “palmeiras nas mãos”? Isso fica claro nessa passagem:

“Depois destas coisas olhei, e eis uma grande multidão, que ninguém podia contar, de todas
as nações, tribos, povos e línguas, que estavam em pé diante do trono e em presença do
Cordeiro, trajando compridas vestes brancas, e com palmeiras nas mãos; e um dos
anciãos me perguntou: Estes que trajam as compridas vestes brancas, quem são eles e
donde vieram? Respondi-lhe: Meu Senhor, tu sabes. Disse-me ele: Estes são os que vêm da
grande tribulação, e levaram as suas vestes e as branquearam no sangue do
Cordeiro” (cf. Apocalipse 7:9-14)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 316


Ora, se tal sucedesse, então a Bíblia seria totalmente confusa e contraditória, pois afirma
que só seremos dotados de corpos novamente após a ressurreição dos mortos (lembre -se
que para os imortalistas a ressurreição dá-se apenas para o corpo; portanto, um “espírito”
não poderia estar com “vestes brancas”). O imaterial não se veste de algo físico. E o que
dizer das “palmeiras”, que se levavam nas mãos? Eram palmeiras imateriais e não-físicas
também, igual o “espírito” que as segurava? Qual a base bíblica para uma palmeira
invisível?

Não, tratava-se de uma visão. Tudo era simbólico. Como a reputação dos mártire s tivesse
sido engrandecida por todos os seus méritos, então o simbolismo apocalíptico fez questão
de relatar a sua inocência com o símbolo das “vestes brancas”. O que representava este
simbolismo? Representava que eles (os mártires) eram pessoas dignas e santas, como
atesta o próprio livro do Apocalipse: “O linho fino são os atos justos dos santos” (cf.
Ap.19:8).

Deus vingaria aqueles que morreram em nome dEle. De maneira nenhuma deve ser
analisado como algo literal, com “almas” desfrutando dos “deleites” e dos prazeres do
Paraíso há dois mil anos e ainda reclamando com Deus do motivo de ainda não terem sido
julgadas. Também devemos lembrar que cada selo representava um espaço de tempo real
na história da terra, e as almas que apareceram no quinto selo representavam as pessoas
que foram mortas pelo cavalheiro denominado “Morte” (presente no selo anterior).

Noutras palavras, eles foram exterminados sob o selo precedente, dezenas ou centenas de
anos antes, e, consequentemente, os seus perseguidores já deviam estar mortos, e
supostamente já estariam queimando no fogo do inferno, exatamente como ensina a
doutrina da imortalidade da alma. Isso tornaria inteiramente inócuo e sem sentido os “gritos
de vingança”, pois os seus inimigos já estariam sendo castigados de acordo com a crença
dualista sobre a vida pós-morte.

O que Deus manda a seguir é “descansarem mais um pouco até que se complete o
número dos irmãos que deveriam ser mortos como eles” (cf. Ap.6:11). Deus mandou que
eles “descansassem” ou “repousassem” um pouco mais, no grego “anapano”, que significa
“repouso; descanso” 1 7 2 . Certamente que Deus não estava falando para os corpos
dormirem mas as almas continuariam acordadas. É para as próprias almas que Deus estava
dirigindo tal frase. Já vimos que, no conc eito bíblico, almas não dormem literalmente, mas é
uma alegoria apropriada para expressar o estado inconsciente do ser racional na morte , e
totalmente não apropriado para almas que conversam, e muito menos que gritam por
vingança contra inimigos!

Para ver se faz algum sentido, imagine alguém dormindo e gritando ao mesmo tempo. Aqui
os imortalistas não podem dizer que a alegoria do “dormir” refere -se apenas ao corpo, como
costumam objetar por falta de argumentos mais sólidos, pois o próprio texto bíblico em
questão deixa claro que Deus disse aquilo às almas (cf. Ap.6:11), até porque não faria
qualquer sentido Deus responder aos corpos das almas que clamavam e não às próprias
almas, sendo que eram as almas e não os corpos que pediam vingança! São os p róprios
imortalistas que se veem obrigados a alegorizar tal verso, ou a crença deles na imortalidade
da alma é ainda mais afetada do que a crença na mortalidade dela 1 7 3 .

172Léxico da Concordância de Strong, 373.


173Neste caso, também toda a interpretação deles de que o “dormir” se refere apenas ao corpo e não à
alma vai por água abaixo.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 317
E é exatamente isso o que a simbologia de Ap.6 estava retratando: que os que foram
martirizados seriam certamente vingados, entretanto isso só aconteceria no fim dos
tempos, até que todos os seus irmãos fossem martirizados como eles foram, pois aí sim os
ímpios iriam ser queimados e os justos finalmente vingados; afinal, o joio só será queimado
na “consumação deste mundo” (cf. Mt.13:40). Até lá, os justos permanecem “dormindo o
sono da morte”, repousando até que se c omplete o número de conservos até o final dos
tempos, quando despertarão para a vida ou para a condenação.

Conclusão – Por mais que muitos argumentos tenham sido levantados como suposta “base”
para confirmar a doutrina grega da imortalidade da alma, para “compensar” o fato de que
nunca a palavra “alma” na Bíblia é sucedida de “eterno” ou “imortal” ( que, ao contrário,
declara tanto que a alma morre), nenhum dos argumentos pró-imortalidade passam por
uma análise bíblica sem serem facilmente refutados por meio da própria Bíblia Sagrada,
mostrando que os textos que são levantados por eles são todos desco ntextualizados ou mal
interpretados diante do conteúdo total das Escrituras.

Pegar um versículo fora do contexto é fácil para fundamentar doutrina, ainda mais quando
tratamos de parábolas e simbolismos! Quando, porém, cada uma das passagens bíblicas
usadas pelos imortalistas passa por uma análise bíblica, cuidadosa ao contexto e aos
manuscritos originais, bem como ao conteúdo total das Escrituras, deixando o texto fluir
livremente, nenhuma permanece de pé. Um simples raciocínio lógico e bíblico desmente
inteiramente qualquer pretensão de colocar o dualismo grego dentro das Escrituras.

O fato é que nem Pedro, nem Tiago, nem João e nem Judas ou o autor de Hebreus
acreditava numa alma imortal presa dentro do nosso corpo. Em Hebreus, lemos que os
heróis da fé não obtiveram a concretização da promessa, que pelo contexto é a própria
entrada no Paraíso, na “cidade que tem fundamentos” (cf. Hb.11:10). A razão para isso
também é bem clara: eles estão esperando por nós (cf. Hb.11:39,40).

Na questão relativa ao juízo, os imortalistas têm de concordar que para sustentar a doutrina
antibíblic a da vida antes da ressurreição, os mortos lá estão sem nem ao menos serem
julgados! Isso é simplesmente o fruto que leva tentar conciliar a existência de um estado
intermediário com a questão bíblica relativa ao juízo. Pois a Bíblia é enfática ao declarar que
o juízo é único e que ele só ocorrerá na segunda vinda de Cristo à terra, para julgar os
vivos e os mortos, e não somente os vivos (cf. 2Tm.4:1; At.7:31; 1Pe.4:5).

Também nas epístolas de Pedro vemos que, apesar de descontextualizarem uma passagem
bíblica com o intuito de levar Jesus para o inferno e pregar para mortos que não poderiam
mais se salvar (o que diante do contexto bíblico não é nada disso), o próprio Pedro nega
toda e qualquer tentativa de pregarem a doutrina imortalista. Para Pedro, a esperança não
estava fundamentada em uma alma imortal no ser humano, mas sim “no último tempo...
na revelação de Jesus Cristo” (cf. 2Pe.1:3-7), e é somente neste momento que a coroa da
glória estará disponível aos crentes no Senhor Jesus Cristo (cf. 2Pe.5:1-4).

De igual modo, é digno de nota que o torment o dos ímpios é um acontecimento marcado
para o dia do juízo, e não algo que já esteja em atividade. Os ímpios estão “reservados para
serem punidos no dia do juízo” (cf. 2Pe.2:9), e não punidos no presente momento. É a
punição dos ímpios algo futuro, e não presente. Por isso, até o juízo os não-salvos não

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 318


estão sendo punidos, mas sim “reservados” [na sepultura - Jó 21:28-32] para o dia em que,
aí sim, serão castigados.

O apóstolo João vai ainda mais além afirmando que sem Cristo na há vida (cf. 1Jo.5:12), e
que apenas aquele que come do pão da vida viverá eternamente (cf. Jo .6:47-51). Não há
como imaginar que os ímpios também desfrut em deste mesmo pão da vida reservado para
os justos para viverem eternamente também em algum lugar! Ainda fica claro que a posse
da vida eterna é algo futuro, mais precisamente por ocasião da vinda do “mundo vindouro”
(cf. Mc.10:30), após a ressurreição e não antes dela.

A conclusão inequívoca a que chegamos é que não era apenas o apóstolo Paulo que
compartilhava seu total descrédito para com a imortalidade da alma, mas também todos os
demais apóstolos compartilhavam da mesma única esperança: o da volta de Jesus e
consequente ressurreição dos mortos, quando vivos e mortos finalmente obterão a
promessa da entrada no Paraíso. Até lá, passam todos pelo sono da morte, assunto que
passaremos a examinar a partir de agora.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 319


CAPÍTULO 6 – O SONO DA MORTE

“Ilumina- me os olhos, para que eu não durma o sono da morte” (cf. Salmos 13:3).

I–A Metáfora do Sono

A Bíblia Sagrada caracteriza a morte como um “sono”, daqueles que “estão dormindo”, em
mais de setenta e duas situações diferentes, dentro do Antigo e do Novo Testamento. Uma
listagem completa provavelmente nos faria superar os limites de escopo deste livro.
Primeiramente, contudo, teremos que ver o porquê da morte na Bíblia Sagrada ser tão
caracterizada como um “sono”. Qual era o objetivo dos escritores bíblicos e o porquê do uso
de tal metáfora para o estado dos mortos ser tão utilizada pelos escritores.

Em seguida, passaremos a contestar algumas das objeções por parte dos imortalistas que
defendem o ponto de vista contrário à morte como um sono. Importante é ressaltarmos que
o sono a qual todos os escritores bíblicos falam não é um sono como o que a gente dorme.
Eles se referem a um sono não literal indicando o estado inconsciente e não consciente do
ser racional quando morre. Porém, este estado é tão somente um intervalo da vida entre a
morte e a ressurreição.

O estranho mesmo seria usar o “dormir” como figura de linguagem para pessoas que estão
bem vivas, acordadas, dispostas e conscientes após a morte, que já estão com Deus ou que
estão gritando no inferno, ou que estejam intercedendo por nós, coisas que não fazem o
menor sentido com a figura de linguagem empregada pelos autores bíblicos para retratar o
estado dos mortos: sono.

Por que os autores bíblicos empregavam a metáfora do Sono? – Uma razão muito forte para
que os escritores bíblicos, inspirados pelo Espírito Santo, empregassem o sono como
caracterização da morte, é que este apresenta uma correspondência perfeita com o
despertar da ressurreição, como explica o Dr. Samuelle Bacchiocchi:

“Deixa implícita a seguranç a de um despertamento posterior. Ao ir uma pessoa dormir à


noite na esperança de despertar pela manhã, também o crente adormece no Senhor com a
garantia de ser despertado por Cristo na manhã da ressurreição [...] Assim como uma
pessoa que está dormindo pode ser erguida, também os mortos, como ‘adormecidos’, têm a
possibilidade de serem ressuscitados e viver novamente [...] A metáfora do sono é
frequentemente utilizada na Bíblia para caracterizar o estado dos mortos porque representa
adequadamente o estado inconsciente dos mortos e seu despertar no dia da vinda de
Cristo. Sugere que não há consciência do lapso de tempo entre a morte e a ressurreição. A
metáfora do ‘sono’ é verdadeiramente uma bela e terna expressão que indica que a morte
não é o destino humano final, porque haverá um despertar do sono da morte na manhã da
ressurreição”1 7 4

Os mortos que estão em estado de inatividade, inconsciência, ainda sem estarem despertos,
como que “dormindo”, serão despertados na manhã da ressurreição. Ora, não se desperta
pessoas já ativas e despertas. Afinal, como “despertar” alguém que já está justamente...

174 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 320
desperto?! O fato, porém, é que a linguagem bíblica do sono como caracterização da morte
(e não de despertamento ou de atividade) remete a um estado de inatividade,
inconsciência, em contraste com um estado ativo e consciente do ser humano na morte . A
esperança toda é centrada no despertar posterior da ressurreição dos mortos. Em termos
mais clássicos, já dizia Napoleão Bonaparte que “a morte é um sono sem sonhos” 1 7 5 – mas
na esperança de despertar.

Caracteriza perfeitamente o estado dos mortos – Além disso, a descrição bíblica dos mortos
como que “dormindo”, é uma caracterização perfeita do estado daqueles que aguardam a
ressurreição dos mortos: inconsciência.

Isso provém do fato de que os mortos não louvam a Deus (cf. Is.38:19; Sl.6:5), não sabem
de nada (cf. Ec.9:5), valem menos do que um cachorro vivo (cf. Ecl.9:4), sua memória jaz
no esquecimento (cf. Ecl.9:5), não tem sabedoria alguma e nem conhecimento (cf.
Ecl.9:10), não tem lembrança de Deus (cf. Sal.6:5), não confiam na fidelidade de Deus (cf.
Isa.38:18), não falam da sua fidelidade (cf. Sal.88:12), estão numa terra de silêncio - e não
de gritaria do inferno ou de altos louvores do Céu (cf. Sl.115:17), nã o podem ser alvos de
confiança (cf. Sl.146:3), não pensam (cf. Sl.146:4), já não existem (cf. Jó 7:21), não estão
no Céu (cf. Jo.14:2,3; At.2:34; Mt.13:30; Hb.11:39,40), não estão no inferno (cf.
Mt.13:40; 2Pe.2:9), só vão para a vida eterna a partir da re ssurreição (cf. Jo.5:28,29;
Rm.2:7) e nem sequer teriam uma vida póstuma caso não houvesse a ressurreição que
acontece no último dia (cf. 1Cor. 15:18,19,32).

Não há nenhuma metáfora mais bem adequada para definir a inconsciência dos mortos
senão isso: o sono. É por isso que ele é tão frequentemente utilizado na Bíblia, persistindo
em mais de setenta e duas vezes.

Setenta e dois a zero – Mais uma das características que não pode passar despercebida é o
uso tão frequente do “dormir” na Bíblia em contraste absoluto com uma vida consciente
após a morte daqueles que já morreram. É uso mais do que frequente a figura do sono na
Bíblia Sagrada para caracterizar os mortos. Por exemplo, ainda no Antigo Testamento,
lemos no livro de Jó:

“O homem, porém, morre e fica prostrado; expira o homem, e onde está?” (cf. Jó 14:10)

Sua resposta é:

“Como as águas do lago se evaporam, e o rio se esgota e seca, assim o homem se deita, e
não se levanta: enquanto existirem os céus não acordará, nem será despertado do
seu sono” (cf. Jó 14:11-12)

Após fazer a pergunta de onde o homem se encontrava após a morte, Jó em nada indica
que esse estivesse em algum mundo superior em perfeita atividade, muito pelo c ontrário,
não seria despertado (para alguém despertar tem que estar em inatividade) e nem
acordaria do seu sono até não haver mais céus. É evidente que a crença de Jó era que iria
dormir no sepulcro até que Jesus o chamasse na manhã da ressurreição (cf. Jó 17:13-16;
Jó 19:25-27).

175 http://pensador.uol.com.br/frase/MTM0NTE/
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 321
Em absolutamente todas as vezes em que um rei é morto no AT, é citado que ele “descansa
com os seus antepassados” (ver 1Rs.2:20; 1Rs.11:43; 1Rs.14:20; 1Rs.14:31; 1Rs.15:8;
1Rs.15:24; 1Rs.16:6; 1Rs.16:28; 1Rs.22:40; 1Rs.22:50; 2Cr.9:31; 2Cr.12:16; 2Cr.14:1;
2Cr.16:13; 2Cr.21:1; 2Cr.26:2; 2Cr.26:23; 2Cr.27:9; 2Cr.28:27; 2Cr.32:33; 2Cr.33:20;
2Cr.36:21, etc). No livro dos Salmos, também é constante a figura do sono como
caracterização do estado dos mortos, como expressamente colocado no Salmo 13:3 -
“Ilumina- me os olhos, para que eu não durma o sono da morte”.

Até Moisés (no Salmo 90) descreve a morte como um sono: “Tu os levas como uma
corrente de água; são como um sono; de manhã são como a erva que cresce” (cf. Sl.90:5).
O processo que Moisés descreve aqui no Salmo 90 é de um homem vivo que é “levado”
(morre) como uma corrente de água, se tornando “como um sono” (na morte), e
posteriormente, de manhã, como “a erva que cresce” (ressurreição). Esse estado entre a
morte e a ressurreiç ão não é descrito como um momento de vida assim como o estado
anterior, mas de sono, um estado inconsciente sem lapso de tempo entre a morte e a
ressurreição. Seria ridículo dizer aqui que Salomão não estava falando do destino humano
real, mas apenas de um corpo.

A analogia nos faz crer que, realmente, o “sono” não indica nenhum estado consciente do
ser racional na morte, porque ele diz no verso seguinte: “de madrugada floresce e cresce; à
tarde corta-se e seca” (v.6). O ser humano é como a erva que de madrugada floresce e
cresce e a tarde se corta e seca; ou seja, ele não permanece vivo eternamente em um
estado desencarnado, mas é como a erva que depois de algum tempo já não existe. A
analogia nos traz o “sono” como uma metáfora adequada para a inconsciência do ser
racional na morte.

O Novo Testamento segue a mesma linha do Antigo simplesmente porque apresenta


exatamente o mesmo ponto de pensamento holista do AT. O que muda no Novo é que a
esperança da ressurreição bem como sua realidade é mais expressa e fortalecida pelo fato
de que Cristo ressuscitou, sendo assim a primícia dos que dormem, dando -nos desta forma
a confiança e segurança de que a esperança da ressurreição dos mortos na qual os
apóstolos tanto esperavam e sustentavam não era vã (cf. At.26:6-8; 1Cor.15).

O estado dos mortos, porém, continuava o mesmo: dormindo. Paulo faz contínuas e
inúmeras referências ao sono como o estado dos mortos (ver 1Co.15:6; 1Co.15:20;
1Co.15:51; 1Ts.4:13; 1Ts.4:14; 1Ts.4:15; 1Co.11:30; 1Co.15:6; 1Co.15:18; Ef.5:14, etc).
Pedro também faz o mesmo uso da figura do sono, dizendo que “os pais dormem” (cf.
2Pe.3:4). Até Jesus Cristo classificou a morte como um sono inconsciente ao comparar com
o estado de Lázaro, já morto:

“Isto dizia e depois lhes acrescentou: Nosso amigo Lázaro dorme, mas vou para despertá-
lo do seu sono. Disseram-lhe, pois, os discípulos: Senhor, se dorme, estará salvo. Jesus,
porém, falara com respeito à morte de Lázaro; mas eles supunham que tivesse falado do
repouso do sono. Então, Jesus lhes disse claramente: Lázaro morreu” (cf. João 11:11-14)

Em nenhum momento é referido a qualquer pessoa morta que esta já esteja com Cristo, ou
com relação aos que “estão no Céu”, mas sempre é “os que dormem” (cf. 1Co.15:6;
15:20; 15:51; 15:6; 15:18; 11:30; 1Ts.4:13-15). A diferença entre essa terminologia e a
teologia imortalista é tão gritante que isso reflete até os dias de hoje. Nas igrejas cristãs de

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 322


hoje que adotam a doutrina da imortalidade da alma, o termo “dormir” (empregado por
todos os escritores bíblicos do AT e do NT) desapareceu absolutamente das pregações.
A moda é falar dos que “estão com Cristo” ou dos que “estão na glória”, mas nunca “dos
que dormem”, reflexo da influência que a doutrina pagã da imortalidade da alma exerceu
nos púlpitos.

Se você frequenta uma igreja que adota a doutrina da imortalidade da alma, responda
sinceramente: quantas vezes você já ouviu o pastor da sua igreja dizendo que os mortos
dormem? Eu posso responder perfeitamente a essa pergunta por experiência própria:
nunca! Preferem dizer que os mortos “estão na glória” ou que “estão com o Senhor”, nunca
dizem que “dormem”. Mas por que isso, já que tal termo é tão frequentemente utilizado na
Bíblia inteira? Simplesmente porque deixaria entender que os mortos estão realmente
inativos, inconscientes, como que “dormindo”! Melhor mesmo dizer que os mortos não estão
de modo algum dormindo! Muito mais fácil dizer que eles já estão na glória, certo?

Se isso é assim hoje, agora imagine naquela sociedade do primeiro século em que os
gentios recém-convertidos ainda não entendiam quase nada da doutrina recém criada dessa
nova religião chamada “Cristianismo”, você diria a esses recém-convertidos que os mortos
“dormem” se eles estivessem “bem acordados”? De jeito nenhum! Ninguém iria querer
passar tão tremenda confusão aos seus leitores recém “cristianizados”. Se hoje esse termo
bíblico desapareceu completamente nas igrejas que adotam a imortalidade é porque ele de
fato não condiz com um estado consciente do ser humano na morte.

O termo bíblico simplesmente foi extinto pelas igrejas cristãs dualistas simplesmente porque
não combina em absolutamente nada com o estado dos mortos que eles acreditam ser.
Por isso, faz muito mais sentido repetir constantemente que as pessoas já estão no Paraíso
como espíritos, ao invés de aplicarem o termo que a Bíblia insiste em aplicar sempre, que
se relaciona ao sono da morte, e não a um estado consciente. Os pregadores se
constrangem em pregar que os mortos “dormem”, porque sabem que esse termo sugere
muito mais fortemente um estado inconsciente do que um estado consciente do ser humano
na morte.

Ponderamos: se os escritores bíblicos também tivessem essa mesma mentalidade,


persistiriam em usar tanto a linguagem do “sono” para os mortos, referindo-se àqueles que
“dormem”, ao invés de fazerem uso do linguajar popular das igrejas de hoje? Iriam eles
escrever inclusive a desconhecidos e a recém-convertidos epístolas inteiras onde o sono
sempre é predominante na questão do estado atual dos mortos?

A total omissão de qualquer menção àqueles que apesar de mortos já estivessem vivos em
algum lugar no Céu ou no inferno, bem como a total omissão dos t ermos “estão com Cristo”
ou “estão na glória” (que poderiam ser perfeitamente utilizados e seria o mais aplicável
para a doutrina imortalista, mas não aparecem em lugar nenhum da Bíblia), ainda mais
quando vemos o foco da Igreja primitiva totalmente voltado à ressurreição dos mortos, nos
leva a crer que, de fato, os escritores bíblicos não tinham qualquer ciência de que os mortos
já estariam no Céu.

Se contarmos todas as vezes em que o “dormir” é aplicada com respeito ao estado dos
mortos em contraste com o número de vezes em que a linguagem é de já estar no Céu ou
de já estar com Deus, o placar arrasador é de 72 a 0. É difícil sustentar a ideia de que em
72 vezes eles se esqueceram de aplicar qualquer termo imortalista que é usado por todos

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 323


eles hoje, sem dizer em momento nenhum que os mortos já estavam no Céu, mas se
lembraram setenta e duas vezes do contrário.

II–O “dormir” é referência somente para o corpo?

Uma “saída” que os imortalistas conseguem achar para desqualificar o termo usado pelos
escritores bíblicos para com o estado dos mortos (de “sono”) é apresentarem a explicação
de que tal termo é referente somente para o corpo morto que jaz na sepultura. Tal teoria,
contudo, é falha por inúmeras razões, algumas das quais veremos a seguir:

Corpo, alma e espírito são conservados para o dia de Jesus Cristo – A partir da criação da
natureza humana, conferimos que o ser humano é um todo, e não um ser dividido. Vimos
no capítulo 3 que “formou o Senhor Deus o homem do pó da terra [corpo], e soprou em
suas narinas o fôlego de vida [espírito], e o homem tornou-se uma alma vivente [alma]”
(cf. Gn.2:7 – grifo meu). O apóstolo Paulo acentua que estes três (corpo, alma e espírito)
devem ser conservados irrepreensíveis até o dia de Jesus Cristo:

“E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo,
sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”
(cf. 1ª Tessalonicenses 5:23)

Os imortalistas interpretam essa passagem como se o apóstolo estivesse dividindo a


natureza em três partes distintas. Contudo, por esta mesma lógica, poderíamos então
presumir que Jesus queria dividir a natureza humana em quatro partes por declarar:

“Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o
teu entendimento e de toda a tua força” (cf. Marcos 12:30)

Ora, sabemos que a natureza humana não é dividida entre “alma, coração, entendimento e
força”, do mesmo modo que não é dividida entre corpo, alma e espírito como segmentos
separados e independentes entre si. Do mesmo modo, é nos dito com relação a Josias q ue
“nunca houve um rei como ele, que se voltasse para o Senhor de todo o coração, de toda a
alma e de todas as suas forças” (cf. 2Rs.23:25). Aqui é “dividido” entre “corpo, alma e
forças”. Obviamente tanto Jesus em Marcos 12:30 como Paulo em 1ª Tessalonicenses 5:23
e o autor de 2ª Reis em 23:25 estavam tão somente denotando características do ser
integral, e não dividindo a natureza humana.

Sobre a suposta validade desta passagem como “prova” de uma natureza humana
tripartida, o teólogo Gyordano Montenegro Brasilino fez importantes observações:

“Seria necessário provar que espírito, alma e corpo, em 1ª Tessalonicenses 5:23 são termos
técnicos, e não expressões acidentais. E como se faz isso? Mostrando outras vezes o mesmo
autor empregando a mesma expressão com o significado desejado. É por isso que é
perigoso interpretar um versículo isolado do que tudo aquilo que um determinado autor
escreveu em outros textos. Cada autor emprega palavras semelhantes com significados
diferentes; por exemplo, a palavra DIAKONOS, nas epístolas paulinas não-pastorais,
significa "ministro", uma expressão universal e acidental. Já nas epístolas pastorais (1ª e 2ª
Timóteo e Tito) e em Romanos 16:1; Filipenses 1:1, DIAKONOS significa não qualquer tipo
de ministro, mas é um termo técnico para um ministério eclesiástico específico: o serviço

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 324


material da Igreja. Assim, para provar que, em 1ª Tessalonicenses 5:23, alma e espírito são
realmente a totalidade da não-corporeidade humana em todo momento (e não apenas
acidentalmente, ou por força de expressão), seria preciso provar em outros textos do
mesmo autor o mesmo uso. Isto, porém, é impossível” 1 7 6

Tão impossível que o próprio Paulo afirmou em 1ª Coríntios 7:34 a mesma coisa que ele
disse aos tessalonicenses, sem, porém, mencionar a alma:

“Há diferença entre a mulher casada e a virgem. A solteira cuida das coisas do Senhor para
ser santa, tanto no corpo como no espírito; porém, a casada cuida das coisas do
mundo, em como há de agradar ao marido” (cf. 1ª Coríntios 7:34)

Paulo diz aos tessalonicenses para eles se santificarem no corpo, na alma e no espírito, e
aos coríntios diz a mesma coisa sobre as mulheres solteiras, para serem santas “ no corpo e
no espírito”, porém sem mencionar a alma. Isso significa que, quando Paulo escreveu
“corpo, alma e espírito” em 1ª Tessalonicenses 5:23, ele não estava dividindo a natureza
humana em três partes divisíveis, mas foi uma expressão acidental. Em 1ª Coríntios 7:34
ele disse a mesma coisa sem mencionar a alma, e em 2ª Coríntios 7:1 ele diz :
“purifiquemo-nos de tudo o que contamina o corpo e o espírito, aperfeiçoando a santidade
no temor de Deus”.

Fica patente, portanto, que Paulo não estava alistando os componentes estruturais da
natureza humana em 1ª Tessalonicenses 5:23, pois se fosse assim ele mesmo teria repetido
tal fórmula (“corpo, alma e espírito”) várias vezes em suas outras epístolas quand o falou do
mesmo assunto e no mesmo contexto sobre santificação. Contudo, Paulo nunca repetiu tal
fórmula em nenhuma de suas epístolas, o que mostra que a alegação imortalista é, mais
uma vez, baseada em textos isolados, da mesma forma que eles já estão ac ostumados a
formularem argumentos. Pois, como disse Bacchiocchi, Paulo “não está tentando dividir a
natureza humana em três partes mais do que Jesus quis dividir a natureza humana em
quatro partes quando declarou: ‘Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de
toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força ’ (Marcos 12:30)”1 7 7 .

Essa passagem não mostra que a natureza humana é tripartida, mas nos mostra que o ser
humano não é só corpo, nem só alma, nem só espírito, pois Paulo distingue os três, da
mesma forma que o faz em outras ocasiões quando diferencia outras características em um
mesmo texto bíblico. E o que isso nos mostra em relação ao sono da morte? Que elas não
podem se referir a uma parte do homem, senão ao homem completo. Ele, na verdade, nos
mostra que a natureza humana consiste de um todo onde o corpo, o fôlego de vida, e a
alma funcionam, não como entidades separadas, mas como características da mesma
pessoa. Ele mantém a sua visão bíblica de que corpo, alma e espírito não são entidades
separadas agindo interdependentemente entre si.

Note que o preparo a que Paulo se refere não é para o momento da morte, mas “para a
vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (cf. 1Ts.5:23), que é o momento da ressurreição. Paulo
mostra que isso se aplica não apenas ao corpo (que seria ressuscitado), mas também à
alma e ao espírito, todos estão preparados para este momento – da ressurreição dos

176 BRASILINO, Gyorgano Montenegro. A Bíblia ensina a Tricotomia? Disponível em:


<http://cristianismopuro.blogspot.com.br/2009/02/biblia-ensina-parte-4.html>. Acesso em: 20/08/2013.
177 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e

o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 325
mortos na segunda vinda de Cristo. Paulo contradiz a interpretação popular dos dualistas de
que a ressurreição é um fenômeno exclusivamente do corpo e por isso a esperança do
corpo é a ressurreição.

Ao contrário, a alma (como a pessoa total e como a “vida” e sede dos pensamentos) e o
espírito (como o fôlego de vida ou como a sede dos sentimentos) também estão focados e
centralizados para esta segunda vinda, porque é, de fato, apenas na ressurreição que o ser
humano vive. Não existe vida sem a combinação de corpo, alma e espírito, porque o ser
humano é um ser holista, e não dividido. Sem o espírito não existe vida; sem o corpo
não existe vida; sem a alma não existe vida.

O ser humano depende da conservação destes três elementos a fim de ganhar vida. Isso
explica o porquê que, para Paulo, tanto corpo, como a alma e o espírito estão aguardando a
ressurreição dentre os mortos (segunda vinda de Cristo), porque é este o instante em que o
ser racional volta a funcionar. É neste momento que tornamo -nos novamente em “almas
viventes”. Uma vez que o todo do ser humano é indivisível, segue -se que as referênc ias não
podem ser apenas ao corpo, mas evidentemente à pessoa integral como um todo.

Para que demasiada preocupação? – É totalmente inimaginável que os escritores do AT e do


NT estivessem tão excessivamente dispostos a narrar tanto a descrição de um simples
corpo morto ao invés de falar sobre a vida pós-morte espiritual. Com os escritores bíblicos
usando os termos relativos ao “sono”, em mais de setenta ocasiões diferentes ao longo de
toda a Bíblia, e esse termo estar sendo usado em todas as ocasiões relacionado apenas e
tão-somente ao corpo.

Esperaríamos justamente o contrário, isto é, que fizessem descrições da vida espiritual e


não de um corpo físico já decomposto que estivesse “dormindo”! Certamente que os
escritores bíblicos não iriam querer se met er em tão demasiada confusão em relatar em
tantas inúmeras vezes que os mortos “dormem”, algo que poderia passar uma “noção
errada” aos seus leitores que julgariam que a pessoa integral realmente estivesse
dormindo.

Os escritores não iriam querer passa tal confusão e ainda teriam a disponibilidade de narrar
a condição da alma e não somente do corpo, usando quantas palavras que quisessem para
indicar que os mortos já estão bem despertos atualmente. Como bem assinalou Basil
Atkinson: “Assim, os reis e outros, que morreram, são tidos por dormindo com seus pais.
Se seus espíritos estivessem vivos noutro mundo poderia possivelmente ser dito de forma
regular, sem qualquer pista, que a pessoa real não estava de modo algum dormindo?”1 7 8 . O
quadro abaixo ilustra bem isso:

Referêcias aos mortos como Referências aos mortos como


“os que dormem” “os que estão na glória” (ou
no Céu)
72 citações 0 (zero)1 7 9

178ATKINSON, Basil F. C. Life and Immortality. (Londres, n. d).


179Pelo contrário, existe ainda uma citação sobre Davi estar dormindo (cf. At.13:36) e de não ter subido
aos céus (cf. At.2:34), razão pela qual seria mais coerente se colocássemos “-1”, mas essa daremos
como “colher de chá”.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 326
Heresia não é pregar que os mortos “dormem” (como a Bíblia se refere inúmeras vezes),
mas pregar que os escritores bíblicos foram tão ingênuos ao ponto de que em
absolutamente todas as suas citações indiretas à eles referiram-se como “os que
dormem” (uma péssima figura para alguém que está muito desperto no Paraíso), e nunca
“os que estão na glória” ou “os que estão com Cristo”. O que é nos dito nas igrejas cristãs
da imortalidade da alma não tem qualquer respaldo bíblico e muda completamente o
“vocábulo dos primeiros cristãos”!

Referência à pessoa racional dormindo – No livro de Daniel, o próprio Deus chega a ele e
diz: “Tu, porém, vai até ao fim; porque descansarás, e te levantarás na tua herança, no fim
dos dias” (cf. Dn.12:13). Deus estava dizendo com indivíduo Daniel ou só com o corpo dele?
“Tu, porém” é uma referência à pessoa racional de Daniel, o “verdadeiro eu” dele, que os
imortalistas atribuem à alma, e não somente ao corpo dele! E Deus diz: “...porque
descansarás”. Quem descansará? O indivíduo Daniel ou só o corpo dele? Se fosse uma
referência ao corpo, Deus teria dito que “o teu corpo descansará, mas você Daniel estará
comigo desde agora”. Não, Deus não disse para Daniel: “teu corpo dormirá, mas você ficará
comigo”!

É ao próprio Daniel, à pessoa racional, a que são referidas todas essas coisas. É a Daniel
como pessoa, como alma, constituído de corpo (matéria) e fôlego da vida (espírito), e não
com uma parte em separada de Daniel. Não foi somente ao corpo de Daniel que Deus disso
que ele descansaria e só levantaria no fim dos dias e só aí receberia a sua herança (cf.
Dn.12:13). É como se eu dissesse para você: “descanse hoje e só depois se levante para
receber um presente”. Você, ao ouvir isso, pensaria que estivesse imediatamente recebendo
a sua herança ou que iria de fato “dormir” e somente depois que receberia a sua “herança”?
Você acha cabível ou com um mínimo de lógica e bom senso interpretar que eu não estava
falando com você, mas apenas com seu corpo?

Nenhuma pessoa com um mínimo de bom senso acharia que eu estaria falando apenas com
o corpo seu, mas sim com o ser racional. Se Deus quisesse induzir a Daniel que este estaria
com Ele no Paraíso imediatamente e só o corpo de Daniel que “dormiria”, De us de modo
algum diria que “descansarás, e te levantarás na tua herança, no fim dos dias” (cf.
Dn.12:13), deixando claro que ele como pessoa não iria encontrar-se com Deus para
receber a sua herança senão quando ele se levantasse “no fim dos dias”, algo que estava
longe de ser um acontecimento iminente antes da ressurreição.

Por tudo isso, sendo a natureza humana holista e não dualista, é a pessoa racional que
morre e a pessoa racional que ressuscita. Trata-se de indivíduos, e não de meros corpos. É
a pessoa integral que morre, é a pessoa integral que perecem os pensamentos e não tem
lembrança de Deus (cf. Sl.146:4; Sl.6:5). Deus não disse: “no dia em que vocês comerem
do fruto proibido, apenas os seus corpos morrerão, mas a sua alma imortal sobreviverá
num estado incorpóreo”. Antes, as referências ao “sono” dizem respeito ao próprio ser
humano como pessoa racional.

Não é de se estranhar que em mais de setenta citações bíblicas que dizem respeito ao sono,
nenhuma delas fala que vale só para o corpo. Paulo citou inúmeras vezes o sono como o
estado dos mortos, dizendo que “alguns já dormem” (cf. 1Co.15:11) ou que “Deus trará em
sua companhia os que dormem” (cf. 1Ts.4:14). Porém, ele nunca disse que “alguns corpos
já dormem”, ou que “Deus trará em sua companhia os corpos que dormem e não as almas”.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 327


Se a interpretação correta fosse de que o “dormir” é uma referência metafórica apenas para
o corpo, como dizem os imortalistas, teríamos que interpretar que Paulo, em 1ª
Tessalonicenses 4:14, estava dizendo que Deus trará em sua companhia apenas os corpos
dos ressurretos, e não a alma deles!

Pois se apenas o corpo é que “dorme”, então Deus trará em sua companhia “os corpos que
dormem”. Mas se a interpretação correta é a holista, então são pessoas, e não meros
corpos que Deus trará em sua companhia, pois são pessoas que dormem: “Deus trará em
sua companhia os que dormem” se relaciona à pessoa completa, ao ser integral, e não a
corpos sem vida. Aqui não é possível interpretar o “dormir” como sendo referência somente
ao corpo, ou senão seriam meros corpos que Deus traria em sua companhia na segunda
vinda de Cristo!

Portanto, as referências aos que “dormem” é ao ser humano completo, não a uma parte
dele. Paulo falava “com respeito aos que dormem” (cf. 1Ts.4:13) ao falar dos parentes
falecidos dos tessalonicenses. Seria incoerente dizer que Paulo não estava falando sobre os
próprios familiares deles, mas apenas sobre os corpos deles, “com respeito aos corpos que
dormem”. O que os tessalonicenses queriam saber era se os seus familiares em si já
estariam perdidos (“sem esperança” –cf. 1Ts.4:13) ou não, e não sobre o destino do corpo
de tais pessoas.

Ele não falava de simples corpos dormindo, mas a referência é propriamente dita àqueles
familiares dos tessalonicenses que já morreram, aos quais Paulo afirma que “dormem”,
referindo-se claramente ao estado em que eles se encontram. Paulo jamais pretendeu
afirmar que “nem todos os corpos dormirão”, mas falava do ser humano completo. De
acordo com a própria teologia imortalista (a alma como sede dos pensamentos), a alma é o
ser racional do homem. Portanto, quando Paulo fala dos parentes e amigos dos cristãos de
Tessalônica (cf. 1Ts.4:13) e quando Pedro afirma que “os pais dormem” (cf. 2Pe.3:4), ou
em várias outras situações, vemos claramente que a c olocação é relativa ao ser racional do
ser humano que “dorme”. É ao ser pensante, ao “verdadeiro eu”, e, portanto, a alma não
fica isenta de tais menções já que é a sede dos pensamentos e ser racional do ser humano.

Como se tudo isso não fosse suficiente, outra passagem que mostra o repouso da alma está
no Salmo 25, que assim reza: “Na prosperidade repousará a sua alma, e a sua
descendência herdará a terra” (cf. Sl.25:13). Aqui a referência não é a um estado em vida
onde o “repousar” está no sentido de conforto, porque o verso continua dizendo que a sua
descendência herdaria a terra, não ele. Logicamente o texto fala do “repouso” da alma na
morte, deixando sua herança para os que foram deixados com vida. Portanto, a alma
também “repousa”, não é só o corpo que “dorme”!

Diante de tudo isso, é um fato incontestável que os escritores bíblicos estavam fazendo
sempre referências à pessoa integral e racional na morte, uma vez que a Bíblia apresenta
tantas vezes não só a morte da alma, mas também a sua descida ao silêncio e à cova
(sepultura), bem como que a alma está “repousando” (cf. Jó 33:18,22,28,30; Is.38:17;
Sl.94:17; Sl.25:13). Além disso, vale a pena lembrar que não existe passagem bíblica
nenhuma em que qualquer escritor bíblico dissesse que é só um corpo que dorme, e nunca
qualquer deles faz qualquer questão de ressaltar que a única coisa que aparentemente
dorme é o corpo e não a alma. O motivo simples para isso é que, realmente, as menções
eram aos próprios indivíduos, e não a meros corpos.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 328


Conclusão – A conclusão inequívoca é que os escritores bíblicos aplicaram corretamente um
termo designado ao estado dos mortos, caracterizado como um “sono”, sendo uma
metáfora mais do que adequada indicando o estado inconsc iente e não consciente do ser
racional quando morre. Essa metáfora, empregada em mais de setenta vezes tanto no
Velho como no Novo Testamento, é uma referência à pessoa integral que dorme o sono da
morte, e não apenas ao corpo.

O estado entre a morte e a ressurreição é claramente indicado como um estado de sono:


“ilumina-me os olhos, para que eu não durma o sono da morte” (cf. Sl.13:3), estado do
qual eles irão despertar por ocasião da ressurreição dos mortos: “desperta, tu que dormes,
e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá” (cf. Ef.5:14). É uma conclusão
evidente à luz de todas as provas apresentadas que os escritores bíblicos inspirados não
acreditavam que as almas estivessem conscientes em forma incorpórea em algum lugar,
sendo despertadas para permanecer no Céu depois.

Antes, as pessoas que morrem permanecem adormecidas até o despertar da ressurreição,


como é indicado em Estevão: “E, pondo-se de joelhos, clamou com grande voz: Senhor,
não lhes imputes este pecado. E, tendo dito isto, adormeceu” (cf. At.7:20). Na morte,
ele não foi levado ao Paraíso ou arrebatado e levado ao Céu com Deus. Ele não “tendo dito
isso, foi para a glória”; ao contrário, Estevão entrou no sono da morte da qual nenhum dos
mortos está isento, até o momento do despertar da ressurreição, que, aliás, é o assunto do
próximo capítulo. O fato, contudo, é que em parte alguma da Bíblia há a referência popular
dos mortos que “estão com Cristo”.

Pelo o contrário, é repetido à exaustão que eles dormem o sono da morte (cf. 1Rs.2:20;
1Rs.11:43; 1Rs.14:20; 1Rs.14:31; 1Rs.15:8; 1Rs.15:24; 1Rs.16:6; 1Rs.16:28; 1Rs.22:40;
1Rs.22:50; 2Cr.9:31; 2Cr.12:16; 2Cr.14:1; 2Cr.16:13; 2Cr.21:1; 2Cr.26:2; 2Cr.26:23;
2Cr.27:9; 2Cr.28:27; 2Cr.32:33; 2Cr.33:20; 2Cr.36:21; Jó 14:11-12; 1Co.15:6;
1Co.15:20; 1Co.15:51; 1Ts.4:13; 1Ts.4:14; 1Ts.4:15; 1Co.11:30; 1Co.15:6; 1Co.15:18;
Ef.5:14; Mt.9:24; Mc.5:39; Lc.8:52; Ef.5:14; 1Ts.4:14; Jo.11:11-14; 2Pe.3:4; At.7:20;
Lc.8:52; Mc.5:39; Dn.12:13; Dn.12:12; 1Ts.4:13; 1Ts.4:14; 1Ts.4:15; At.13:36; 2Pe.3:4;
Sl.13:3; Is.14:18).

Para o cristão, “o sono é uma linguagem apropriada para a morte, pois o aspecto horrendo
e definitivo da morte dá lugar para a certeza da ressurreição dentre os mortos”1 8 0 .

180 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 329
CAPÍTULO 7 – A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS

“Pois da mesma forma como em Adão todos morreram, em Cristo todos serão vivificados.
Mas cada um por sua vez: Cristo, as primícias; depois, quando ele vier, o s que lhe
pertencem” (cf. 1 Coríntios 15:22,23)

Já comentamos que a ressurreição dos mortos está no centro do palco no Novo Testamento,
e é juntamente com a segunda vinda de Cristo a maior esperança viva dos cristãos, que
acontecerá na volta de Jesus e que é neste momento que os mortos ganham vida e entram
na vida eterna ou são condenados. Tudo isso já conferimos exaustivamente nos capítulos
anteriores, e por essa razão seria desnecessário repetirmos aqui tópicos como a importância
e o valor da ressurreição, quando ela acontecerá ou quais são as implicações dela. Por essa
razão, neste capítulo sobre a ressurreição tocarei em alguns outros pontos sobre o tema
que ainda não foram discutidos, e um deles é se existirá uma ressurreição física ou se essa
ressurreição é meramente espiritual.

Cabe ressaltar, antes de tudo, que sabemos que a grande maioria dos próprios imortalistas
creem em uma ressurreição física e podem subscrever o Credo Apostólico que diz “ creio na
ressurreição da carne”, e que tais pessoas que negam a ressurreição física, conhecidos por
gnósticos, fazem parte de uma pequena minoria que geralmente crê nessa doutrina por
associação, ou seja, que são forçadas a crerem que a ressurreição não é física em razão de
alguma outra crença pessoal delas que as obrigam a crerem assim. Os gnósticos originais,
que descriam na ressurreição física, foram severamente criticados pela Igreja cristã do
primeiro e secundo século, que sempre reafirmou a crença ortodoxa bíblica numa
ressurreição corporal no último dia.

Nestes últimos tempos, os neo-gnósticos tem repetido a alegação dos antigos gnósticos não
pelas mesmas razões, mas por outras motivações, dentre as quais destaca -se a crença no
preterismo completo, segundo a qual tudo acabou no ano de 70 d.C – a grande tribulação, a
volta de Jesus, o arrebatamento, a ressurreição, o novo céu e a nova terra, tudo isso já
chegou em 70 d.C na batalha entre Jerusalém e Roma. Preteristas se dividem entre parciais
e completos, sendo que os preteristas parciais creem em tudo isso (ressurreição, volta de
Jesus e arrebatamento) como acontecimentos futuros, crendo apenas que a tribulação
apocalíptica já tenha ocorrido, ao passo que os preteristas completos são adeptos dessa
teologia em que tudo já aconteceu, incluindo a ressurreição 1 8 1 .

Por isso, precisam sustentar a crença de que a ressurreição não é física (pois ninguém
ressuscitou fisicamente dos mortos em 70 d.C) e que é passada. É principalmente para
refutar tais neo-gnósticos que este capítulo é elaborado.

I-A Ressurreição é Física?

Refutando os neo-gnósticos que negam a ressurreição da carne – Se a crença na


ressurreição corporal fosse algo dispensável ou opcional, secundário, ou mesmo se
inexistisse, então os primeiros cristãos não teriam lutado tão ferozmente para defender a

181 Eles são forçados a chegarem a essa conclusão a partir de uma leitura equivocada de Mateus 24:34,
interpretando que tudo o que havia sido dito por Jesus em Mateus 24 já se cumpriu num passado
distante – o que inclui a segunda vinda de Cristo e a ressurreição dos mortos.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 330
crença na ressurreição da carne. Então o Credo Apostólico não diria claramente: “creio na
ressurreição da carne”. Então Taciano, o Sírio, um cristão do século II d.C, não teria
escrito um Discurso contra os Gregos 1 8 2 , onde ele argumenta a favor da crença na
ressurreição da carne que os gregos de sua época não criam. Então o ateniense Atenágoras
não teria feito questão de escrever um Tratado sobre a Ressurreição dos Mortos 1 8 3 para
refutar seus conterrâneos gregos que não criam nessa doutrina.

Então Teófilo de Antioquia, por esta mesma época, não teria escrito três livros a Autólico 1 8 4 ,
convencendo-o da crença na ressurreição corporal dos que já morreram. Então Irineu, o
famoso bispo de Lyon, não teria refutado, ainda no segundo século d.C, a crença gnóstica
que era contra a ressurreição da carne, em seu famoso tratado “Contra as Heresias” 1 8 5 .
Então cristãos influentes na igreja dos primeiros séculos, tais como Justino, Tertuliano,
Arnóbio, Policarpo, Inácio, Clemente... não teriam se esforçado sobremaneira para provar a
ressurreição física dos mortos no último dia. Seria vão, inútil, totalmente desnecessário.
Seria muito mais fácil e conveniente crer e ensinar da mesma forma que os pagãos d e sua
época criam: que os mortos não ressuscitavam fisicamente de jeito nenhum.

Mas os primeiros cristãos criam tão fortemente na ressurreição da carne que consideravam
ateísmo e blasfêmia a descrença neste ponto de fé, como fica claro em Atenágoras de
Atenas (133 – 190 d.C), que disse:

“Eles conseguirão demonstrar que a ressurreição não t em nenhuma garantia de verdade se


conseguirem provar que Deus não pode ou não quer unir e juntar de novo os corpos mortos
e até completamente desfeitos, para constituir os mesmos homens. E, se não podem
demonstrar isso, parem com essa incredulidade ateia e não blasfemem contra o que não
é lícito blasfemar”1 8 6

Justino de Roma (100 – 165 d.C) foi além e disse:

“Se vós vos deparais com supostos Cristãos que não façam esta confissão, mas ousem
também vituperar o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, e neguem a
ressurreição dos mortos, sustentando antes, que no ato de morrer, as suas almas
são elevadas ao céu, não os considereis Cristãos”1 8 7

Era nisso que os gnósticos que se consideravam “cristãos” criam. Os gnósticos a princípio
queriam tornar o Cristianismo mais aceitável a seus compatriotas alexandrinos,
especialmente os líderes e intelectuais do povo. Seu grande problema, porém, era que o
Cristianismo original, aquele pregado por Jesus e pelos apóstolos , chegava a ser patético
diante dos olhos do mundo grego de Alexandria. Ideias como encarnação, ressurreição física
e morte expiatória numa cruz não tinham boa receptividade entre os pagãos. Eram

182 Disponível em: <http://arminianismo.com/index.php/categorias/obras/patristica/153-taciano-o-


sirio/388-taciano-o-sirio-discurso-contra-os-gregos>. Acesso em: 21/08/2013.
183 Disponível em: < http://www.arminianismo.com/index.php/categorias/obras/patristica/154-atenagoras-

de-atenas/907-atenagoras-de-atenas-sobre-a-ressurreicao-dos-mortos>. Acesso em: 25/08/2013.


184 Disponível em: <http://arminianismo.com/index.php/categorias/obras/patristica/155-teofilo-de-
antioquia/959-teofilo-de-antioquia-primeiro-livro-a-autolico>. Acesso em: 21/08/2013.
185 Disponível em: <http://patristicabrasil.blogspot.com.br/2008/02/santo-ireneu-115-202.html>. Acesso

em: 21/08/2013.
186 Tratado Sobre a Ressurreição dos Mortos, Cap.2.
187 Diálogo com Trifão, Cap.80.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 331


rejeitadas antes mesmo de se iniciar um diálogo. Então o jeito foi adaptar o
Cristianismo para torná-lo mais aceitável e menos preconcebido.

Em outras palavras, o que fizeram foi modificar as doutrinas cristãs principais que o
diferenciavam do paganismo grego de sua época, criando um “novo evangelho”, onde não
existe ressurreição do corpo físico e onde o próprio Jesus não era um ser físico de c arne e
sangue. E pronto. Estava acabado o verdadeiro Cristianismo, que passava a dar lugar a um
“novo evangelho”, com carinha cristã, mas totalmente adaptado para agradar os pagãos,
tornando o evangelho mais elegante e aceitável aos gregos. Diante deste fa lso evangelho,
os verdadeiros cristãos resistiam bravamente. O próprio apóstolo Paulo chegou a ir a Atenas
na tentativa de convencê-los de que a ressurreição física era um fato:

“Alguns filósofos epicureus e estoicos começaram a discutir com ele. Alguns perguntavam:
‘O que está tentando dizer esse tagarela?’ Outros diziam: ‘Parece que ele está anunciando
deuses estrangeiros", pois Paulo estava pregando as boas novas a respeito de Jesus
e da ressurreição’” (cf. Atos 17:18)

Diferentemente dos gnósticos que modificavam o evangelho a seu bel prazer para fazê-lo
mais atrativo aos gregos e não entrar em confronto com eles, Paulo ensinava o verdadeiro
evangelho, sem medo de ser rejeitado pelos pagãos, não importava o preço que devesse
pagar por isso. É bem sabido que os gregos de sua época negavam a ressurreição física.
Então, Paulo foi a Atenas e pregou, em pleno Areópago e diante de todos os filósofos deles,
o seguinte:

“...estava pregando a respeito de Jesus e da ressurreição” (v.18)

Ora, se Paulo também não cresse em ressurreição física, estaria pregando à toa sobre
ressurreição. Afinal, ambos estariam de mãos dadas neste aspecto: negariam em conjunto
a ressurreição da carne e deste modo Paulo nem precisaria pregar algo sobre a ressurreição
para um povo que crê da mesma forma que ele sobre isso! A única forma de entendermos o
porquê que Paulo foi pregar sobre a ressurreição para um povo que não cria em
ressurreição é porque Paulo cria em ressurreição!

Isso é óbvio. Se eu vou pregar a um descrente, eu não vou instar com ele em um ponto
onde nós dois concordamos; ao contrário, eu vou pregar o evangelho sobre algo que nos
difere a fim de convencê-lo da verdade. É isso o que Paulo foi fazer em Atenas! Prova de
que Paulo não estava pregando uma doutrina uniforme com os gregos no que tange à
descrença de ambos na ressurreição é o próprio versículo seguinte, que diz:

“Então o levaram a uma reunião do Areópago, onde lhe perguntaram: ‘Podemos saber
que novo ensino é esse que você está anunciando? Você está nos apre sentando
algumas ideias estranhas, e queremos saber o que elas significam” (cf. Atos 17:18-19)

Para eles, o que Paulo estava pregando sobre a ressurreição era um ensino novo, algo que
eles não conheciam, certamente algo que eles eram contra. Convenhamos: se Paulo
negasse a ressurreição da carne assim como os gregos negavam, será que os gregos iriam
dizer que aquele ensino era “novo”? É claro que não. Só faz sentido se Paulo cresse na
ressurreição da carne! É por isso que eles diziam que as ideias de Paulo eram “estranhas”,
porque não satisfaziam os gregos, que nunca creram em ressurreição da carne , mas os

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 332


escandalizava. E esse foi o motivo da discórdia entre Paulo e os gregos: a ideia de
ressurreição da carne era um “escândalo” para eles:

“Quando ouviram sobre a ressurreição dos mortos, alguns deles zombaram , e


outros disseram: ‘A esse respeito nós o ouviremos outra vez’. Com isso, Paulo retirou -se do
meio deles’” (cf. Atos 17:32-33)

Os gregos zombavam de Paulo, porque eles sempre rejeitaram a ressurreição da carne,


achavam loucura, achavam impossível de acontecer. Quando Paulo tentou convencê -los de
uma ressurreição física, os gregos zombaram e o deixaram falando sozinho! Mas Paulo,
diferentemente, cria fortemente nessa ressurreição dos mortos. Bem distant e dos gregos
que achavam que era impossível que os mortos ressuscitassem fisicamente – pois lhes
parecia loucura – Paulo cria da seguinte maneira:

“Agora, estou sendo julgado por causa da minha esperança no que Deus prometeu
aos nossos antepassados. Esta é a promessa que as nossas doze tribos esperam que se
cumpra, cultuando a Deus com fervor, dia e noite. É por causa desta esperança, ó rei, que
estou sendo acusado pelos judeus. Por que os senhores acham impossível que Deus
ressuscite os mortos?” (cf. Atos 26:6-8)

Os gregos criam que era impossível Deus ressuscitar fisicamente os mortos e zombavam
dos que criam nisso; Paulo, contudo, tanto cria que era possível como também aceitava ser
julgado com base nessa esperança! É evidente que Paulo se referia a uma ressurreição
física, pois era a ressurreição da carne que os saduceus e os gregos de sua época
rejeitavam como sendo “impossível”, “loucura” e “escândalo”, e não uma “ressurreição
espiritual”. Paulo estava dizendo que aquilo que para os pagãos era impossível e impensável
– a crença em uma ressurreição corporal – era a sua maior esperança!

“Então Paulo, sabendo que alguns deles eram saduceus e os outros fariseus, bradou no
Sinédrio: ‘Irmãos, sou fariseu, filho de fariseu. Estou sendo julgado por causa da
minha esperança na ressurreição dos mortos!’ Dizendo isso, surgiu uma violenta
discussão entre os fariseus e os saduceus, e a assembleia ficou dividida ( os saduceus
dizem que não há ressurreição nem anjos nem espíritos, mas os fariseus admitem
todas essas coisas). Houve um grande alvoroço, e alguns dos mestres da lei que eram
fariseus se levantaram e começaram a discutir intensamente, dizendo: ‘Não encontramos
nada de errado neste homem. Quem sabe se algum espírito ou anjo falou com ele?’ A
discussão tornou-se tão violenta que o comandante teve medo que Paulo fosse
despedaçado por eles. Então ordenou que as tropas descessem e o retirassem à força do
meio deles, levando-o para a fortaleza” (cf. Atos 23:6-10)

Paulo, que, como já vimos, cria em ressurreição do corpo físico, se dizia fariseu, pois os
fariseus também criam em ressurreição da carne. Na verdade, esse era um dos pontos
principais que dividiam fariseus de saduceus: os fariseus criam em ressurreição física, os
saduceus não. E a assembleia onde Paulo estava sendo julgado estava repleta de fariseus e
saduceus, isto é, de pessoas que criam em ressurreição física e de pessoas que negavam a
ressurreição física. Que momento mais perfeito para Paulo se juntar aos saduceus
em sua descrença na ressurreição física, caso ele cresse que não há ressurreição
da carne!

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 333


Porém, para o desgosto e total ruína dos neo-gnósticos que hereticamente negam a
ressurreição da carne, Paulo, ao contrário, se juntou exatamente aos fariseus que criam na
ressurreição física! Ele disse: “sou fariseu, filho de fariseu. Estou sendo julgado por causa
da minha esperança na ressurreição dos mortos” (v.6). Que Paulo estava se referindo a
uma ressurreição física, isso fica óbvio a partir dos seguintes fatos:

1º Por Paulo ter se juntado aos fariseus neste assunto. Se a ressurreição de que o texto
trata não fosse a ressurreição física, mas somente uma “espiritual”, então ele teria se
juntado aos saduceus que negavam a ressurreição física, e não aos fariseus que criam em
ressurreição da carne. O fato de ele ter se juntado aos fariseus neste assunto prova de que
a ressurreição de que o texto se refere é realmente a fís ica, que os fariseus criam, e que
Paulo se posiciona favorável, em contraste e discordância com a crença dos saduceus
que negavam a ressurreição da carne.

2º Pelo fato dos saduceus terem reagido violentamente contra Paulo. Se a ressurreição de
que o texto trata não se refere a uma ressurreição física, mas Paulo a negasse, então os
saduceus não iriam reagir violentamente contra Paulo, pois estes creriam da mesma
forma que ele, ambos rejeitariam a ideia de uma ressurreição da carne! Por que os
saduceus tiveram tamanha reação contra Paulo, ao ponto de “se tornar tão violenta que o
comandante teve medo que Paulo fosse despedaçado por eles” (v.10)? A razão é óbvia:
Paulo estava se juntando aos fariseus em um ponto onde os saduceus criam completamente
diferente! Ou em termos mais simples: Paulo cria em ressurreição da carne e os
saduceus não!

3º O fato de Lucas, o escritor de Atos, ter feito o contraste entre ambas as crenças no verso
8: “os saduceus dizem que não há ressurreição nem anjos nem espíritos, mas os f ariseus
admitem todas essas coisas” (cf. At.23:8). Este contraste no que tange à crença de fariseus
e saduceus no quesito da ressurreição não pode ser outro senão o fato de que um grupo
cria em ressurreição física (fariseus), enquanto o outro não cria niss o (saduceus). Qualquer
outra interpretação que levasse o texto a dar entender uma “ressurreição espiritual”
entraria em confusão, tendo em vista que os fariseus não criam em uma ressurreição
meramente espiritual, mas física. O texto está claramente traçando um nítido contraste
entre um grupo que crê em ressurreição física e outro que não. A análise dessa explicação
de Lucas também evidencia de que a ressurreição que o texto trata é a ressurreição da
carne.

O que constatamos sem a menor sombra de dúvidas é o fato de que o texto está falando
da ressurreição da carne. E aí voltamos àquilo que Paulo declarou no verso 6:

“Irmãos, sou fariseu, filho de fariseu. Estou sendo julgado por causa da minha esperança
na ressurreição dos mortos!” (cf. Atos 23:6)

Paulo tinha a esperança de uma ressurreição física dos mortos, de que o texto trata! Os
saduceus, os gnósticos, os preteristas completos e outros grupos sectários não podem
suportar essa realidade, é um escândalo para eles, eles lamentavelmente “acham
impossível que Deus ressuscite os mortos” (cf. At.26:8). O próprio Senhor Jesus ensinou a
ressurreição física dos mortos no último dia:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 334


“Não fiquem admirados com isto, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem
nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e
os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados” (cf. João 5:28-29)

Incrivelmente, há pessoas que conseguem dizer que um texto tão claro como esse não diz
nada sobre ressurreição física! Contudo, é visível que:

1º O texto está falando daqueles que “estiverem nos túmulos” (v.28). Ora, o que é que
está no túmulo? Evidentemente um corpo físico1 8 8 .

2º Interessante também é o fato de Cristo ter dito que estes corpos físicos que estão nos
túmulos “sairão” (v.28). Mas sairão para onde, se não existe ressurreição da
carne? Ora, se o corpo físico que está no túmulo não vai ressuscitar nunca, mas a
ressurreição é “puramente espiritual”, então Jesus não teria dito que este corpo “sairia”;
muito pelo contrário, teria dito que ele continuaria por lá mesmo, no túmulo, para sempre,
até apodrecer e virar pó de novo, sem jamais ressuscitar.

3º Já vimos que a ressurreição é do corpo físico que está no túmulo e que tais corpos
físicos sairão para algum lugar. Agora resta responder: sairão para onde? Isso o próprio
Cristo responde logo na sequencia: “os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os
que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados” (v.29). Ou seja: os corpos físicos
que ressuscitarão sairão para a vida (os que tiverem feito o bem), e os corpos físicos
daqueles que praticaram o mal sairão para serem condenados. Ponto final. O texto diz
claramente:

-Que os corpos físicos que estão nos túmulos ouvirão a voz de Cristo.

-Que estes corpos físicos “sairão” para algum lugar.

-Que este lugar onde os corpos físicos ressurretos sairão será para a vida ou para
a condenação.

Ainda pior é a interpretação deles deste texto tão óbvio de Paulo:

“E, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vocês, aquele
que ressuscitou a Cristo dentre os mortos também dará vida a seus corpos mortais, por
meio do seu Espírito, que habita em vocês” (cf. Romanos 8:11)

Paulo está falando de um corpo mortal, está falando da carne, e ele diz que será
“vivificado” (“dará vida” – NVI). Por incrível que pareça, eles insistem em dizer que este
“vivificará seus corpos mortais” não é uma referência à ressurreição, mas sim a “dar uma
vida espiritual, uma nova vida”. Isso, como todos podem perceber, é uma grotesca
adulteração em todo o contexto, que:

1º Está traçando um paralelo, uma analogia com a ressurreição de Cristo. Será que Cristo
teve “uma nova vida espiritual”? É claro que não. Só nasce de novo para uma nova vida
aquele que pecou e por isso necessita nascer de novo (espiritualmente). Mas Cristo não
pecou. Portanto, o texto está falando de uma ressurreição física, como a ressurreição que

188 Quando falamos de corpo físico neste contexto, nos referimos ao ser humano completo, pois o corpo
é a alma visível.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 335
Jesus teve. Em lugar nenhum nas Escrituras est á escrito que Cristo “ressuscitou
espiritualmente”; ao contrário, a ressurreição de Jesus foi real, física, corporal ( cf. Lc.29:39-
43; At.2:30; Jo.1:19-21). Portanto, o texto está falando de uma ressurreição física, e
não de uma espiritual.

2º Já vimos que o texto está falando de uma ressurreição física, como a que Jesus teve. De
que forma que isso reforça o fato de que a nossa ressurreição, ressaltada neste texto, é
física também, da mesma forma que a de Cristo foi? Isso podemos presumir por duas
razões principais: primeiro, porque o texto está traçando uma analogia, um paralelo entre a
ressurreição de Cristo e a nossa. Paulo diz que o Espírito que ressuscitou Cristo também nos
ressuscitará. Se a analogia está sendo formada entre nós e Cristo, se presume que a nossa
ressurreição é do mesmo “tipo” da de Cristo.

Isso é reforçado, em segundo lugar, por causa do “também” que Paulo emprega
(“também vivificará a seus corpos mortais”). Este “também” mostra que Paulo estava
fazendo uma analogia, Deus ressuscitou fisicamente Cristo, também vivificará fisicamente a
nós. Corrobora com isso o fato de que vivificar, biblicamente, tem muitas vezes o mesmo
sentido de “ressuscitar” (o sentido de “conceder vida” a algo que está morto). Se a
“ressurreição” ou “vivificação” neste verso está em sentido figurado, então Paulo poderia
dar razões a quem cresse que a ressurreição de Cristo, neste mesmo contexto e em posição
análoga à nossa, fosse também figurada!

3º Paulo usa o termo “corpo” em sentido literal em todo o livro de Romanos (cf. 1:24,
4:19; 6:12; 7:4; 8:10, 11, 13, 23; 12:1); portanto, dizer que só aqui ele aplicou em
sentido distinto é ir contra a exegese do livro. Quando Paulo quis se referir a uma natureza
pecaminosa que passaria por transformação para uma nova vida espiritual,
ele nunca aplicou a palavra “corpo” (no grego, soma), mas sim “carne” (no grego, sarx).
No capítulo 6, ele fala do corpo (soma) em que reina o pecado (cf. 6:12), e o corpo (soma)
sujeito a morte (cf. 7:24). Se interpretarmos corpo-soma como sendo a “natureza
pecaminosa”, então Paulo estaria dizendo que a nossa natureza pecaminosa é morta por
causa do pecado, o que é um absurdo! Quando Paulo se referia à natureza pecaminosa, ele
aplicava sarx, e não soma, como por exemplo:

“Portanto, irmãos, estamos em dívida, não para com a carne (sarx), para vivermos
sujeitos a ela” (cf. Romanos 8:12)

“Quem é dominado pela carne (sarx) não pode agradar a Deus” (cf. Romanos 8:8)

“Quem vive segundo a carne (sarx) tem a mente voltada para o que a carne deseja; mas
quem, de acordo com o Espírito, tem a mente voltada para o que o Espírito deseja” (cf.
Romanos 8:5)

“Porque, aquilo que a lei fora incapaz de fazer por estar enfraquecida pela carne
(sarx)...” (cf. Romanos 8:3)

“A mentalidade da carne (sarx) é inimiga de Deus porque não se submete à lei de Deus,
nem pode fazê-lo” (cf. Romanos 8:7)

Os exemplos se multiplicam aos montões, provando que , quando Paulo queria se referir à
natureza pecaminosa que necessita de uma nova vida espiritual por meio de Cristo, ele

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 336


nunca aplicava “corpo” (soma), mas “carne” (sarx), que em certo sentido significa a
natureza pecaminosa do ser humano corrompida como um todo, ao passo que corpo -
soma é relacionado ao corpo físico que temos. Mas em Romanos 8:11 Paulo aplica
“corpo” (soma), e não “carne” (sarx), o que prova que ele estava se referindo de fato
ao corpo físico, e não a uma natureza pecaminosa necessitada de transformação espiritual.

4º Finalmente, deve-se ressaltar também que todos os crentes já ressuscitaram


espiritualmente, este não é um acontecimento futuro! Ora, o texto de Romanos 8:11
coloca a vivificação do corpo mortal como sendo um acontecimento lançado para o futuro,
ao dizer que Deus “dará vida a seus corpos mortais”. Dará vida ou vivificará são termos
no futuro, não se trata de algo que já tenha acontecido, mas de uma coisa que ocorrerá
futuramente, que ainda está para acontecer. O problema com a interpretação de que o
texto se refere a uma ressurreição espiritual é precisamente o fato de que
nós espiritualmente já ressuscitamos, como o próprio Paulo afirmou em outra c arta:

“Portanto, já que vocês ressuscitaram com Cristo, procurem as coisas que são do alto,
onde Cristo está assentado à direita de Deus” (cf. Colossenses 3:1)

Quando Paulo fala da ressurreição espiritual, ele diz que nós já ressuscitamos com
Cristo, pois a nossa ressurreição espiritual não é um acontecimento ou evento futuro, mas
algo que ocorre no momento da conversão de cada crente, que passa a crer em Cristo Jesus
como seu Senhor e Salvador pessoal. Ou seja, a ressurreição espiritual é um fato passado,
ao passo de que a ressurreição física é um acontecimento futuro, pois só ocorre na segunda
vinda de Cristo:

“Pois da mesma forma como em Adão todos morrem, em Cristo todos serão vivificados. Mas
cada um por sua vez: Cristo, o primeiro; depois, quando ele vier, os que lhe
pertencem” (cf. 1ª Coríntios 15:22-23)

Perceberam? A ressurreição espiritual é um acontecimento passado, enquanto que a


ressurreição física é algo futuro. Agora, cabe perguntar: qual o tempo verbal que Paulo
empregou em Romanos 8:11? Vejamos uma última vez:

“E, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vocês, aquele
que ressuscitou a Cristo dentre os mortos também vivificará a seus corpos mortais, por
meio do seu Espírito, que habita em vocês” (cf. Romanos 8:11)

Vivificará = Futuro!

Portanto, Paulo estava se referindo a uma vivificação futura, o que não condiz com a
ressurreição espiritual, que é passada, uma vez que Cristo já morreu pelos nossos pecados
e já ressuscitou para a nossa justificação (cf. Rm.4:25). Logo, se não é de ressurreição
espiritual que o texto se refere, só pode ser de ressurreição física!

E disso todas as provas que vimos nos evidenciam sem qualquer contestação séria, tais
como o fato de Paulo se referir à ressurreição de Cristo (que foi física e não espiritual) no
mesmo contexto, de fazer uma analogia com a nossa própria ressurreição (o que implica
que também será física), de empregar o termo grego para “corpo -soma” que aparece
sempre em sentido de corpo físico e não de natureza pecaminosa (que é “carne-sarx” e não
“corpo-soma"), e de empregar o tempo verbal no futuro, resolvendo decididamente a

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 337


questão, uma vez sendo que a a nossa ressurreição espiritual já aconteceu (no passado –
cf. Cl.3:1), enquanto a nossa ressurreição física acontecerá (no futuro – cf. 1Co.15:22,23;
1Ts.4:15; Rm.8:11; Jo.5:28,29).

No capítulo da ressurreição, em 1ª Coríntios 15, Paulo também teria perdido uma ótima
oportunidade de dizer que a ressurreição física não existe, mas apenas uma ressurreição
espiritual, confirmando a incredulidade dos próprios coríntios; mas, ao contrário, reiterou a
crença ortodoxa cristã na ressurreição física dos mortos. Isso porque alguns dentre os
coríntios estavam pensando que não existia ressurreição física:

“Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como dizem alguns dentre vós
que não há ressurreição de mortos?” (cf. 1ª Coríntios 15:12)

Como vemos, alguns falsos mestres na Igreja de Corinto estavam pervertendo a fé dos
outros, ensinando que a ressurreição física não existe, assim como criam os gregos de sua
época e posteriormente vieram as crer os gnósticos. Paulo passa, então, todo o capítulo
refutando tal visão deturpada que tais hereges tinham. Brian Schwertley fala sobre isso nas
seguintes palavras:

“Os versículos 35-58 indicam que os falsos mestres em Corinto aparentemente estavam
opondo-se ao aspecto corporal da ressurreição. Apesar de não sabermos o que
especificamente causou a rejeição de uma ressurreição corporal, é provável que seja por
causa da influência da filosofia grega, talvez juntamente com o seu conceito pervertido da
espiritualidade. À luz de 1ª Coríntios 6.13 é provável que eles consideravam a salvação do
corpo como desnecessária; que o corpo físico acabaria por ser destruído. Porque eles viam o
corpo físico como inferior e desnecessário, assim redefiniram a futura ressurreição de uma
maneira puramente espiritual. É por esta razão que 1ª Coríntios 15 é um texto bem
adequado para refutar o preterismo completo”1 8 9

Os neo-gnósticos são obrigados aqui a interpretarem a ressurreição de que Paulo fala como
sendo uma ressurreição meramente espiritual, como um “nascer de novo”, o que mutila
todo o contexto. Se a ressurreição aqui se tratasse meramente de uma espiritual, mas não
física, Paulo não teria usado o caso da ressurreição física de Jesus dentre os mortos para
basear a crença da ressurreição de que ele fala em todo o capítulo:

“E, se não há ressurreiç ão de mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não
ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé” (cf. 1ª Coríntios 15:13-
14)

Fica nítido que a ressurreição que o capítulo trata é a ressurreição física, e não uma
ressurreição meramente espiritual, ou senão a própria ressurreição de Jesus seria
meramente espiritual e não-física! Jesus nunca teria ressuscitado dos mortos! Quanto a
isso, Schwertley diz:

“Paulo mais uma vez vê o que os outros, aparentemente, não conseguiram ver: a
ressurreição, em geral, não pode ser negada sem finalmente avançar para uma negação
também da ressurreição de Cristo. Ambos permanecem e caem juntos (...) O argumento do
apóstolo seria inválido se a ressurreição dos santos fosse definida de uma maneira

189SCHWERTLEY, Brian, apud RAYMUNDO, César Francisco. Refutando o preterismo completo.


Santa Catarina: 2012, p. 95.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 338
completamente diferente da ressurreição do Redentor. Paulo está dizendo que se não há
plural A, então não pode haver singular A. Se definirmos a ressurreição dos santos como
meramente uma experiência espiritual ou uma metáfora para um avivamento do Israel
étnico, então Paulo está comparando maçãs com laranjas. Ele estaria dizendo que se não há
plural B, então não pode haver singular A”1 9 0

E Paulo segue o mesmo raciocínio nos versos 22 e 23:

“Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em
Cristo. Mas cada um por sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua
vinda” (cf. 1ª Coríntios 15:22,23)

Aqui ele claramente refuta a crença de que a ressurreição se refira a um acontecimento


espiritual e particular na vida de cada crente, porque situa a ressurreição de todos os que
estão em Cristo para a Sua segunda vinda. Mais uma vez Schwertley faz ótimas
observações a este respeito:

“Não é, então, uma liberdade muito ousada com a Palavra de Deus ao dizer que apenas
uma parte fracionária de ‘os que são de Cristo’ são aqui falados? Que haverá aos milhões de
‘os que são de Cristo’, que não serão ‘ressuscitados na sua vinda’, mas permanecem em
seu estado mortal e sem glória sobre a terra por pelo menos mil anos depois? Aqui, pelo
contrário, encontramos a geração toda do segundo Adão sendo vivificados juntos na sua
vinda”1 9 1

Corrobora com isso também o fato de que Paulo usou o termo grego tagmati, traduzido por
“ordem” no verso 23, que é uma metáfora militar, referindo-se a todo o corpo de uma
tropa. O que o apóstolo quis dizer com isso é que quando Jesus voltar “todos os corpos dos
crentes de toda a história humana ressuscitarão como tropas que saem juntos para assumir
uma posição adequada de ordem em torno de seu líder. A expressão ‘os que são de Cristo’
(hoi tou Kristou) é abrangente. Refere-se a todo o corpo dos eleitos” 1 9 2 . Não é, portanto,
um cenário de infindáveis ressurreições espirituais sucessivas para cada indivíduo em vários
momentos na história da humanidade que Paulo tinha em mente, mas sim de um momento
específico, a parousia (volta de Jesus), quando todos os mortos em Cristo ressuscitarão
num mesmo instante.

Ademais, Paulo prossegue o capítulo falando sobre com que tipo de corpos que os mortos
ressuscitarão (cf. 1Co.15:35). Isso seria incoerente se fosse apenas uma ressurreição não -
física, não-corporal, mas meramente espiritual. Nós somos ressuscitados espiritualmente
em vida, como disse o próprio Paulo (cf. Cl.3:1), então dizer com que corpos que os mortos
ressuscitarão no futuro é algo simplesmente sem qualquer sentido na visão gnóstica. Paulo,
em seguida, passa a refutar as objeções daqueles falsos mestres em Corinto que duvidavam
da ressurreição, chamando-os de “insensatos”:

“Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão?
Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer. E, quando semeias,
não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou de outra

190 ibid., pp. 96-97.


191 ibid., p. 99.
192 ibid., p. 98.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 339
qualquer semente. Mas Deus dá-lhe o corpo como quer, e a cada semente o seu próprio
corpo” (cf. 1ª Coríntios 15:35-38)

A palavra aqui traduzida por “insensato” vem do grego aphrosune, que, de acordo com a
Concordância de Strong, significa: “tolice, estupidez, insensatez”1 9 3 . Paulo chamou tais
falsos mestres de tolos, estúpidos ou insensatos não sem razão, mas porque eles estavam
colocando incredulidade acerca da realidade da ressurreição naquela igreja. E, na sua
descrença de que a ressurreição física pudesse acontecer, desafiavam com perguntas
difíceis, tais como a que Paulo teve que responder, sobre como ressuscitarão os mortos e
com que tipo de corpo virão. Como Paulo cria na ressurreição da carne, ele não apenas
respondeu a estes falsos mestres, como também criticou severamente a insensatez deles.

Isso lembra muito a discussão que o próprio Senhor Jesus teve sobre esse mesmo tema, a
ressurreição física dos mortos, quando os saduceus, que não creem na ressurreição,
tentaram lhe provar com uma pergunta difícil, dizendo-lhe:

“No mesmo dia chegaram junto dele os saduceus, que dizem não haver ressurreição, e
o interrogaram, dizendo: Mestre, Moisés disse: Se morrer alguém, não tendo filhos, casará
o seu irmão com a mulher dele, e suscitará descendência a seu irmão. Ora, houve entre nós
sete irmãos; e o primeiro, tendo casado, morreu e, não tendo descendência, deixou sua
mulher a seu irmão. Da mesma sorte o segundo, e o terceiro, até ao sétimo; por fim, depois
de todos, morreu também a mulher. Portanto, na ressurreição, de qual dos sete será a
mulher, visto que todos a possuíram? Jesus, porém, respondendo, disse -lhes: Errais, não
conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus. Porque na ressurreição nem casam
nem são dados em casamento; mas serão como os anjos de Deus no céu” (cf. Mateus
22:23-30)

Aqui obviamente o assunto era a ressurreição física, a qual não era c rida pelos saduceus,
mas era crida por Jesus. Este, ao invés de responder simplesmente que também não cria
em uma ressurreição da carne, lhes refuta, porque não compartilhava da descrença deles.
Não há espaço aqui para a crença de que a ressurreição se res ume a uma ressurreição
espiritual em vida, pois o assunto é a vida após a morte que se consuma na ressurreição, o
que fica nítido no versos 28 e 30. Os saduceus não criam nessa ressurreição física para uma
outra vida, mas Jesus sim. A resposta de Jesus contradizendo os fariseus foi tão forte ao
ponto que “a multidão ficou maravilhada com o seu ensino” (cf. Mt.22:33).

Paulo, da mesma forma que Jesus, foi desafiado por falsos mestres que não criam na
ressurreição da carne. Mas, dessa vez, o desafio foi outro: sobre com que tipo de corpo
virão. Ele, então, passa a fazer uma analogia apropriada com as sementes (vs. 36-39), que
não faria sentido caso não houvesse a ressurreição de um corpo físico, pois, como diz
Geisler, “a semente que vai para a terra produz mais sementes da mesma espécie, não
sementes imateriais. É nesse sentido que Paulo pôde dizer: ‘não semeias [não fazes morrer]
o corpo que há de ser’, já que ele é imortal e não pode morrer. O corpo ressuscitado é
diferente por ser imortal (1 Co 15:53), não por ser um corpo imaterial”1 9 4 .

Nem mesmo o verso 44, em que Paulo diz que ressuscitaria um “corpo espiritual”, serve de
apoio para as teses gnósticas, visto que por “corpo espiritual” ele não quis dizer “corpo

193Léxico da Concordância de Strong, 877.


194GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual popular de dúvidas, enigmas e 'contradições' da
Bíblia. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1999.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 340
imaterial”, mas sim um corpo sobrenatural. A mesma expressão grega aqui traduzida por
“espiritual” (pneumotikos) também é várias vezes usada por Paulo em suas epístolas para
se referir a coisas físicas, tais como a “rocha espiritual” (cf. 1Co.10:4) que seguia os
israelitas no deserto, que nada mais era senão uma rocha física, produzida de forma
sobrenatural – por isso “espiritual”. A Lei de Moisés foi chamada por Paulo de “lei espiritual”
(cf. Rm.7:14), embora fosse física, escrita em tábuas, e não imaterial. Paulo também falou
sobre o “homem espiritual” (cf. 1Co.2:15), que obviamente não é um homem não-físico,
mas alguém dirigido pelo Espírito Santo. Norman Geisler e Thomas Howe acrescentam:

“Um corpo ‘espiritual’ é um corpo imortal, não um corpo imaterial. Um corpo ‘espiritual’ é
aquele que é dominado pelo espírito, não um corpo desprovido de matéria. A palavra grega
pneumatikos (nessa passagem traduzida como ‘espiritual’) significa um corpo dirigido pelo
espírito, em oposição ao que está sob o domínio da carne. Ele não é governado pela carne
que perece, mas pelo espírito que permanece (1 Co 15:50-58). Assim, ‘corpo espiritual’ não
significa corpo imaterial e invisível, mas imortal e imperecível (...) Todo o contexto indica
que ‘espiritual’ (pneumatikos) poderia ser traduzido por ‘sobrenatural’ em contraste com
‘natural’. Isto fica claro pelos paralelos de ‘corruptível’ e ‘incorruptível’, ‘imortal’ e ‘imortal’.
Com efeito, esta mesma palavra grega (pneumatikos) é traduzida como ‘sobrenatural’ em 1
Coríntios 10:4, que fala de uma rocha sobrenatural ‘que os seguia’ no deserto”1 9 5

O verso 50 também é constantemente utilizado pelos gnósticos ao negarem que o corpo


ressurreto seja um corpo físico, pois diz que “carne e sangue não podem herdar o Reino de
Deus”. Todavia, tudo o que Paulo estava destacando aqui é exatamente a mesma descrição
que ele faz sobre o “corpo natural” e o “corpo espiritual”, que, como vimos, não deixa de
ser físico, mas é chamado de “espíritual” por estar inclinado à vontade de Espírito Santo, e
não à vointade carnal. Da mesma forma, Samuelle Bacchiocchi acrescenta sobre esse verso
50:

“É óbvio que ele aqui não está falando que o corpo da ressurreição será não -físico, porque,
escrevendo aos romanos, ele declara: ‘Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se
de fato o Espírito de Deus habita em vós’ (Rom. 8:9). Pela frase ‘não está na carne’ Paulo
logicamente não quis referir-se aos cristãos que haviam descartado seus corpos físicos.
Antes, ele quis dizer que já na vida presente foram guiados por valores espirituais, antes
que por mundanos (Rom 8:4-8). Se Paulo pudesse falar dos cristãos como não estando na
carne já na vida presente, sua referência à ausência de ‘carne e sangue’ no Reino de Deus
simplesmente significa a ausência de inclinações naturais, carnais e pecaminosas da vida
atual porque os remidos serão plenamente conduzidos pelo Espírito” 1 9 6

Finalmente, Paulo fulmina o gnosticismo nos versos 51 ao 53, dizendo:

“Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos
transformados; num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta;
porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos
transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e
que isto que é mortal se revista da imortalidade” (cf. 1ª Coríntios 15:51-53)

195ibid.
196 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 341
Como Paulo poderia não crer em uma ressurreição física, se ele cria que os mortos serão
transformados em imortais e incorruptíveis num momento, em um abrir e fechar de olhos, e
somente na última trombeta, no mesmo momento em que os salvos serão transladados
vivos? Se a ressurreição fosse meramente espiritual para cada crente e não existisse uma
ressurreição física geral dos mortos no último dia, tal coisa não ocorreria somente ao soar
da última trombeta, mas em diferentes épocas ao longo de toda a história da humanidade
para cada crente em particular, e não seria um evento único que ligaria os vivos e os
mortos por ocasião da parousia.

Além disso, não haveria o contraste entre os mortos e os vivos, pois todos os que
espiritualmente ressuscitariam teriam sua ressurreição consumada em vida. E nunca a
nossa natureza corruptível seria transformada em uma natureza incorruptível, nem a
mortalidade se revestiria de imortalidade, pois sendo essa ressurreição espiritual e
ocorrendo em vida quando o pecador se converte ele não se transforma em incorrupto e
imortal por causa disso e naquele mesmo momento. Tudo aquilo que Paulo dizia não
passaria de uma farsa, um engano, a maior mentira de todos os tempos.

A não ser que Paulo e os demais cressem que, de fato, Cristo ressuscitou fisicamente e que
isso garante a nossa própria ressurreição física, pois o que eles tanto pregavam era a
ressurreição da carne, e não uma fantasia inventada pelos gnósticos completamente
diferente daquilo que Cristo e os apóstolos ensinaram, e que “não é melhor do que a
doutrina dos modernistas, ateus ou filósofos gregos, negando a ressurreição por
redefinição”1 9 7 .

II–O que é a “Ressurreição”?

Consequências – O dualismo apresenta uma noção totalmente diferente sobre a realidade


da ressurreição. Como Deus supostamente colocou uma alma imortal no homem, sendo que
este teria “obtido” uma alma (que sempre era vivente e nunca morta), a ressurreição é na
verdade a religação da alma que sobrevive à parte do corpo no Céu, se religando ao corpo
por ocasião da ressurreição e retornando para a glória novamente. A ressurreição é
meramente de um corpo morto, o nosso “verdadeiro eu” já estaria vivo em algum lugar.
Caso não houvesse a ressurreição, nós ficaríamos no Céu do mesmo jeito só que em estado
incorpóreo.

Agora vamos para as conseqüências que esse ponto de vista leva, uma vez que é tão
diferente da verdadeira ressurreição que a Bíblia ensina, que é a ressurreição do ser
humano, e não de apenas uma parte dele. Em primeiro lugar, se a ressurreição é
meramente de um corpo morto, mas o nosso “verdadeiro eu” já está no Paraíso, então essa
ressurreição seria, antes de tudo, completamente desnecessária.

A doutrina da imortalidade da alma ignora como nulo e sem sentido a ressurreição e o juízo
final, uma vez que tudo já estaria definido com ambos os grupos já estando na glória
paradisíaca ou queimando no inferno, tornando assim inócuo ser julgado para permanecer
no mesmo lugar e ainda mais estranho alguém que morre hoje e já vai para o Céu em um
“estado intermediário” ter que, por ocasião da volta de Cristo, retornar ao corpo para ser

197SCHWERTLEY, Brian, apud RAYMUNDO, César Francisco. Refutando o preterismo completo.


Santa Catarina: 2012, p. 97.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 342
ressuscitado e voltar novamente para o Céu. É uma confusão que a Bíblia não sanciona e
nem faz qualquer tipo de menção. Como bem observou o professor Gilson Medeiros:

“Se as pessoas que morreram em Cristo já estão no Céu, então qual a necessidade da
ressurreição? Por que elas precisariam deixar o Céu, voltar para o corpo sepultado,
ressuscitar novamente e retornar para o Céu? Será que é por causa deste ‘dilema
doutrinário’, impossível de ser resolvido, que não se vê muita pregação sobre a ressurreição
nas igrejas cristãs que creem no estado consciente dos mortos? Pergunte ao seu pastor
pentecostal por que ele não prega sobre a ressurreição!” 1 9 8

Se a pessoa ao morrer fosse para o Céu ou para o inferno, que necessidade haveria de
Jesus voltar e nos ressuscitar, se já estivéssemos no Céu? Ora, é ilógico Jesus enviar nossa
alma para o Céu para depois volt ar para a sepultura e em seguida ter de ressuscitar. Como
harmonizar a doutrina da ressurreição com a doutrina imortalista? Se as pessoas que
morreram em Cristo já estão no Paraíso, então qual a necessidade da ressurreição ? Por que
elas precisariam deixar o Céu e voltar para o corpo que já se decompôs, ressuscitar e
novamente retornar à glória?

Em segundo lugar, se o nosso “verdadeiro eu” já está na “glória”, com a ressurreição sendo
apenas de um corpo morto, então este, se decompondo completamente na sepultura, faria
com que a ressurreição se limitasse a almas desincorporadas “ganharem” um corpo,
continuando no Céu do mesmo jeito e da mesma maneira que antes. Só isso. Pasme! E
pensar que os apóstolos falavam incansavelmente sobre a esperança de um dia
ressuscitarem dentre os mortos, sendo que essa “ressurreição” é minimizada a tal ponto
que se resume tão somente a um ato de espíritos descorpóreos ganharem um corpo.

Seria muito estranho que os apóstolos falassem mais de cem vezes sobre a ressurreição,
sendo que esta tem uma função tão limitada. A palavra “ressurreição” e seus derivados
aparecem na Bíblia centenas de vezes. Os escritores bíblicos não cansaram de explicar
detalhadamente sobre a ressurreição e de a colocar como uma das doutrinas mais básicas e
fundamentais da fé cristã, como o autor de Hebreus fez questão de dizer:

“Por isso, deixando os rudimentos da doutrina de Cristo, prossigamos até à perfeição, não
lançando de novo o fundamento do arrependimento de obras mortas e de fé em Deus, e da
doutrina dos batismos, e da imposição das mãos, e da ressurreição dos mortos, e do
juízo eterno” (cf. Hebreus 6:1,2)

Evidentemente a doutrina da ressurreição dos mortos não poderia deixar de ser relatada
como um dos palcos da fé cristã, apesar de absolutamente nada de “imortalidade da alma”
ou de “estado intermediário” ser mencionado! O foco era todo voltado à ressurreiç ão de
Cristo que nos antecedeu e à nossa própria ressurreição no último dia. Os líderes das
igrejas cristãs que creem na imortalidade da alma estão ignorando e desprezando um dos
maiores focos de toda a Igreja primitiva e de todo o Novo Testamento, que é a ressurreição
dentre os mortos no último dia.

Não vemos nenhum ensinamento tão importante e tão grandemente mencionado ser
totalmente abandonado nos dias de hoje, senão quando a questão se refere à ressurreição

198 MEDEIROS, Gilson. Jesus falou mais sobre o inferno do que sobre o Céu. Será? Disponível em:
<http://prgilsonmedeiros.blogspot.com.br/2009/07/cuidado-com-o-fogo-do-inferno.html>. Acesso em:
22/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 343
dos mortos! É evidente que quanto mais a mentira da imortalidade da alma foi invadindo o
Cristianismo puro e sincero ao longo dos séculos, mais a ressurreição foi sendo
abandonada, pois a imortalidade da alma simplesmente anula a ressurreição como nula e
sem sentido, como desnecessária e inútil, minimizando o seu valor e importância.

A única coisa que explica tamanha importância da ressurreição no Cristianismo apostólico é


porque eles não a viam como um simples ato de ganhar um corpo novo e permanecer no
Céu da mesma forma que já estava antes, o que seria uma diferença mínima, mas porque
eles criam que era na ressurreição que os que passaram desta vida ganhariam uma vida
póstuma, o que faz toda a diferença. Isso explica o porquê que era a ressurreição a grande
esperança de Paulo:

“Agora, estou sendo julgado por causa da minha esperança no que Deus prometeu aos
nossos antepassados. Esta é a promessa que as nossas doze tribos esperam que se cumpra,
cultuando a Deus com fervor, dia e noite. É por causa desta esperança, ó rei, que estou
sendo acusado pelos judeus. Por que os senhores acham impossível que Deus ressuscite
os mortos?” (cf. Atos 26:6-8)

III–A recompensa é no momento da morte ou somente na ressurreição?

A teologia imortalista prega que nós recebemos a nossa recompensa no momento da morte,
pois é o momento em que partimos dali para o Céu. Só o fato de estar no Céu já é uma
baita de uma recompensa! Entrar pelas portas do Céu é certamente aquele momento
glorioso em que todos os cristãos verdadeiros esperam, aguardando ansiosamente a
chegada deste momento, pois é a hora em que seremos recompensados por tudo aquilo que
passamos nesta presente vida.

A Bíblia nos deixa um claro ensinamento de quando é que isso acontecerá, e concorda com
tudo aquilo que já vimos até aqui. Algumas dessas partes já vimos anteriormente, mas vale
a pena revisarmos um pouco para passarmos um pleno entendimento de quando é que nós
receberemos a nossa merecida recompensa e a consequente entrada no Paraíso:

Apocalipse 22:12 - “Eis que venho sem demora, e comigo está o galardão que tenho para
retribuir a cada um segundo as suas obras” (cf. Ap.22:12). Aqui fica mais do que claro que
a retribuição a cada um será quando Cristo vier, sem demora, e com ele estará o galardão.
Os salvos não recebem o galardão antes disso e muito menos são retribuídos de acordo com
as suas obras porque tal feito só se dará quando Jesus voltar para retribuir a cada um.

Mateus 16:27 - “Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos
e então retribuirá a cada um conforme as suas obras” (cf. Mt.16:27). Novamente aqui é
retomado o fato de que a retribuição a cada um se dará por ocasião da vinda do Filho do
Homem na glória de seu Pai, fato que se concretizará pela solenidade da Volta Gloriosa de
Cristo. Até lá, os mortos permanecem ser terem a devida retribuição por suas obras, algo
que seria um absurdo caso já estivessem todos no Céu.

Mateus 25:31-34 - “Quando o Filho do homem vier em sua glória, com todos os
anjos, assentar-se-á em seu trono na glória celestial. Todas as nações serão reunidas
diante dele, e ele separará umas das outras como o pastor separa ao pastor separa as
ovelhas dos bodes. E colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda. Então o

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 344


Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham, benditos de meu Pai! Recebam como
herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo” (cf. Mt.25:31-
34). Os justos só recebem a herança do Reino de Deus quando “o Filho do homem vier em
sua glória, com todos os anjos”, ou seja, na segunda vinda de Cristo, que é o momento da
ressurreição dos mortos (cf. 1Co.15:22,23).

2 Pedro 5:4 - “Ora, logo que o Supremo Pastor se manifestar, recebereis a imarcescível
coroa da glória” (cf. 1Pe.5:4). De acordo com Pedro, a imarcescível coroa da glória só
estará disponível aos crentes por ocasião do segundo advento de Cristo, quando o Supremo
Pastor (Jesus Cristo) se manifestar. Este é o momento da ressurreição dos mortos, e não da
nossa morte. Se Pedro cresse que fôssemos para o Céu antes da ressurreição, teria dito que
o momento em que receberíamos a imarcescível coroa da glória seria na morte.

2 Timóteo 4:6-8 – “Porque eu já estou sendo oferecido por aspersão de sacrifício, e o tempo
da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.
Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará
naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda”
(cf. 2Tm.4:6-8). Aqui fica mais do que claro que a coroa da justiça que Paulo esperava
receber só estaria disponível a ele “naquele dia”, o dia da vinda de Cristo (v.8), e até este
momento ela lhe está “guardada” (v.7).

Daniel 12:13 - “Tu, porém, vai até ao fim; porque descansarás, e te levantarás na tua
herança, no fim dos dias” (cf. Dn.12:13). Daniel só iria entrar na sua herança “no fim dos
dias”, e até este momento ele estaria descansando, só levantando neste momento final
para finalmente entrar na sua herança prometida.

Lucas 14:14 – “Feliz será você, porque estes não têm como retribuir. A sua recompensa
virá na ressurreição dos justos” (cf. Lc.14:14). Mais uma vez, a clareza da linguagem de
que receberia a recompensa não quando as suas “almas imortais” deixassem o corpo
entrando direto na glória desfrutando das bênçãos paradisíacas que todas as pessoas
almejam, mas sim “na ressurreição dos justos”. A recompensa pelo nosso trabalho na terra
não vem com a morte em um estado intermediário das almas, mas com a ressurreição dos
mortos.

Raciocinando... – Seria por demais coincidência que sempre quando a Bíblia apresenta as
devidas recompensas, coroas, heranças e entradas no Reino, esteja em todas as vezes se
relacionando com o momento da segunda vinda de Cristo, que “coincidentemente” é o
momento da ressurreição dos mortos (cf. 1Co.15:22,23, 51-54; 1Ts.4:15). É só então
que nós receberemos a coroa da justiça. É só então que nós receberemos a incorruptível
coroa da glória. É só então que nós receberemos a nossa recompensa. É só então que nós
seremos galardoados. É só então que nós entraremos na nossa herança. É só então que nós
nos alegraremos exultando. É só então que nós entraremos no Reino.

Se existisse uma alma imortal presa dentro do corpo, liberta por ocasião da morte, então
nós já receberíamos a nossa herança no Paraíso, nós já receberíamos a recompensa, nós já
teríamos entrado no Reino, nós já iríamos nos exultar muito, nós já teríamos a incorruptível
coroa da glória (que, obviamente, representa a entrada na Glória), e nós já teríamos
recebido a coroa da justiça (Deus não “esconderia” ela de nós durante milênios!).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 345


IV–Morte – o maior inimigo

O que é a “morte”? – A morte (período entre o falecimento e a ressurreição) é classificada


pelos dualistas como um estado de bem-aventuranças no Céu (para os salvos), um período
de regozijo e exultação, de graça e de louvores. Outros acreditam também que haja
intercessões e orações na morte, com direito a lembrança de seus antepassados e em plena
consciência. Isso tudo é claramente negado pelas Escrituras pelo simples fato de que ignora
o que significa a “morte”. Ora, se tal período fosse de tamanha exultação, então ela seria
uma amiga, que nos ajudaria a levar para o Céu.

Contudo, a morte, em primeiro lugar, é descrita como um inimigo: “Pois é necessário que
ele reine até que todos os seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés. O último
inimigo a ser aniquilado é a morte” (cf. 1Co.15:25,26). A morte não é a nossa amiga
que nos leva imediatamente para o Céu, mas sim o poder destruidor que prende o ser
integral sem vida, jazendo à sepultura. Por isso, ela é descrita como um algoz, que tem que
ser tragado pelo milagre da ressurreição:

“Mas, quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se
revestir da imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrito: Tragada foi a
morte na vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?”
(cf. 1ª Coríntios 15:54,55)

Ora, só se “traga” (i.e, vencer, destruir, aniquilar) alguma coisa se essa coisa é ruim, se é
um inimigo. Tendo em vista tais fatos, crer na imortalidade da alma em um estado de
alegria e exultação na morte não é somente tornar a morte inócua, como também tirar do
mal o seu agulhão – e antes da ressureição! Como perspicazmente considera Emil Brunner:

“Daí, uma vez que essa forma de retirar do mal o seu aguilhão corre necessariamente
paralelo com deixar a morte inócua mediante o ensino a respeito da imortalidade, esta
solução ao problema da morte revela-se em irreconciliável oposição com o pensamento
cristão”1 9 9

E, realmente, é completamente irreconciliável. A imortalidade da alma anuncia bravamente


a morte como uma maravilha; aliás, é exatamente essa a base do dualismo platônico. Na
Bíblia, contudo, ela é descrita como um adversário, um inimigo a ser destruído, tragado,
aniquilado. Esse inimigo ainda possui os seus “aguilhões”, que só lhe serão retirados por
ocasião da ressurreição (cf. 1Co.15:54,55).

Alguém ainda poderia objetar alegando que Paulo achava que a morte era
incomparavelmente melhor para ele (cf. Fp.1:23)2 0 0 . Esta vontade, contudo, não decorre do
fato de ele subsistir desencorporado na morte, mas sim exatamente para passar dela e
alcançar a ressurreição. Embora a morte seja um inimigo cruel e um estado que tem que
ser tragado, ela é a única maneira de alcançarmos a vitória em seguida, na ressurreição.

É por isso que Paulo diz que na cidade celestial não se encontraria despido (cf. 2Co.5:3), e
não queria morrer para ser despido [sem corpo], mas sim revestido na sequencia (cf.
2Co.5:4), fato este que se concretiza na ressurreição, quando o mortal será absorvido pela
vida (cf. 2Co.5:4). Vemos, portanto, que assumir a posição de imortalidade da alma

199 BRUNNER, Emil. Eternal Hope. Filadélfia: 1954, p. 101.


200 Sobre isso já discorremos amplamente no capítulo 5.4 deste livro.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 346
significa negligenciar a morte como um inimigo, retirarando dela os seus “aguilhões” antes
do tempo. Como bem destacou Oscar Cullmann:

“Quem não entendeu o horror da morte não pode se unir a Paulo no hino da vitória: ‘Ó
morte, onde está a tua vitória? Ó morte, onde está o teu aguilhão? – Tragada foi a morte
pela vitória’! (1 Coríntios 15:54)” 2 0 1

V–O que acontece na Ressurreição?

Vimos até aqui que a ressurreição não significa religação nenhuma com almas imortais, e
que antes da ressurreição não existe vida, sendo que a ressurreição é para a pessoa
integral. Como podemos compreender exatamente essa ressurreição? É sobre isso que
veremos agora, para finalizarmos o contagiante tema da ressurreição dos mortos.
Primeiramente, vamos aos vários nomes que são dados a ela:

Ressuscitar – A palavra mais comumente usada para o momento em que os mortos sairão
de seus túmulos para herdarem a vida ou a condenação é propriamente a palavra
“ressurreição”, que é a mais usada pelos escritores bíblicos, apesar de não ser a única.
Sobre ela, Matthias Grunewald disse: “Ressurreição, em latim (resurrectione), no grego
(a.ná.sta.sis). Significa literalmente ‘levantar; erguer’. Esta palavra é largamente utilizada
com frequencia nas Escrituras bíblicas, referindo à ressurreição dos mort os. O seu
significado literal é voltar à vida, assim como o ato de devolver uma pessoa considerada
morta era chamada ressurreição”2 0 2 .

O léxico da Concordância de Strong dá a seguinte definição:

1815 εξαναστασις exanastasis


de 1817; TDNT - 1:371,60; n f
1) ato de levantar-se, voltar a viver.
2) ressurreição.

Despertar– Essa palavra é usada em pelo menos quatro vezes na Bíblia Sagrada a fim de
definir o acontecimento da saída dos santos da sepultura onde se encontram hoje, rumo à
cidade celestial através da ressurreição dos mortos . No Antigo Testamento é a mais usada,
e se encontra em três livros diferentes, em Daniel (cf. Dn.12:2), em Isaías (cf. Is.26:19) e
nos Salmos (cf. Sl.17:15), e no Novo Testamento Paulo usa o “despertar” em Efésios 5:14.
A palavra hebraica utilizada no Antigo Testamento é quwts, e, de acordo com a
Concordância de Strong, significa:

06974 quwts
uma raiz primitiva [idêntica a 6972 com a idéia de despertar subitamente do sono (veja
3364)]; DITAT - 904a,2019; v.
1) acordar, despertar.
1a) (Hifil) despertar, acordar, sair do sono, levantar.

201 CULLMANN, Oscar. Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos? Disponível em:
<http://www.mentesbereanas.org/download/imort-ressur_folheto.pdf>. Acesso em: 13/08/2013.
202 GRUNEWALD, Matthias. Ressurreição. Disponível em: <http://ensinoreligioso-
serafimjonas.blogspot.com.br/2009_12_01_arc hive.html>. Acesso em: 22/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 347
Já a palavra utilizada por Paulo é egeiro, e significa:

1453 εγειρω egeiro


provavelmente semelhante a raíz de 58 (pela idéia de estar em controle das próprias
faculdades); TDNT - 2:333,195; v
1) despertar, fazer levantar.
1a) despertar do sono, acordar.
1b) despertar do sono da morte, chamar de volta da morte para a vida.

Reviver – Essa palavra encontra-se no Apocalipse quando João descreve que “os restantes
dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos” (cf. Ap.20:5), e significa:

326 αναξαω anazao


de 303 e 2198; TDNT - 2:872,290; v
1) viver novamente, recuperar a vida.

Ressurgir – Essa palavra é utilizada em versículos como João 11:24, que diz:

“Disse-lhe Marta: Eu sei que há de ressurgir, na ressurreição do último dia” (cf. João 11:24)

No original grego a palavra aqui empregada é anistemi, que significa:

450 ανιστημι anistemi


de 303 e 2476; TDNT - 1:368,60; v
1) fazer levantar, erguer-se.
1a) levantar-se do repouso.
1b) levantar-se dentre os mortos.
1c) erguer-se, fazer nascer, fazer aparecer.

Vivificar – Essa outra palavra foi usada, por exemplo, pelo apóstolo Paulo ao falar da
ressurreição aos coríntios: “assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão
vivificados em Cristo. Mas cada um por sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de
Cristo, na sua vinda” (cf. 1Co.15:22,23). A palavra aqui utilizada no grego é zoopoieo, e
significa:

2227 ζωοποιεω zoopoieo


do mesmo que 2226 e 4160; TDNT - 2:874,290; v
1) produzir vida, gerar ou dar à luz a uma nova vida.
2) fazer viver, tornar vivo, dar a vida.

Todos estes termos usados pelos escritores bíblicos são perfeitamente relacionados com
uma Nova Criação de Deus com a realidade da ressurreição dos mortos. À vist a de tudo
isso, devemos concluir que, a partir da criação do homem relatada em Gênesis 2:7, o que
ocorreu foi que “formou o Senhor Deus o homem do pó da terra [corpo], e soprou em suas
narinas o fôlego de vida [espírito], e o homem tornou-se uma alma vivente [alma]” (cf.
Gn.2:7 – grifo meu). Com a morte, o espírito [o princípio de vida] volta para Deus (cf.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 348


Ec.12:7), e quem era “alma vivente” torna-se “alma morta” (cf. cf. Lv.19:28; 21:1, 11;
22:4; Nm.5:2; 6:6,11; 9:6, 7, 10; 19:11, 13; Ag.2:13).

O que acontece, então, na ressurreição? Simplesmente, Deus sopra novamente em nós o


fôlego de vida (espírito), como relatado figurativamente em Ezequiel, no vale dos ossos
secos:

“Assim diz o Senhor Deus a estes ossos: Eis que farei entrar em vós o espírito, e vivereis. E
porei nervos sobre vós e farei crescer carne sobre vós, e sobre vós estenderei pele, e porei
em vós o espírito, e vivereis, e sabereis que eu sou o Senhor” (cf. Ezequiel 37:5,6)

Ou seja, originalmente Deus sorpou o Seu espírito 2 0 3 (fôlego de vida) sobre Adão, tornando-
o uma alma vivente (cf. Gn.2:7), e na morte esse sopro de Deus volta à Ele e o homem
torna-se uma alma morta. Na ressurreição, ocorre que Deus sopra novamente esse espírito -
ruach em nós, ressuscitando-nos em corpos glorificados, como relatado em 1ª Coríntios
15:42-44:

“Assim será com a ressurreição dos mortos. O corpo que é semeado é perecível e
ressuscita imperecível; é semeado em desonra e ressuscita em glória; é semeado em
fraqueza e ressuscita em poder; é semeado um corpo natural e ressuscita um corpo
espiritual” (cf. 1 Coríntios 15:42-44)

E, desde modo, nós que éramos almas mortas tornamo-nos novamente almas viventes,
como relatado em Apocalipse 20:4.

“Então vi uns tronos; e aos que se assentaram sobre eles foi dado o poder de julgar; e vi as
almas daqueles que foram degolados por causa do testemunho de Jesus e da palavra de
Deus, e que não adoraram a besta nem a sua imagem, e não receberam o sinal na fronte
nem nas mãos; e reviveram, e reinaram com Cristo durante mil anos” (cf. Apocalipse
20:4)

Já fizemos uma exegese destes versos bíblicos no capítulo 3, que aborda os versos que
falam sobre a morte da alma e refutamos as objeções imortalistas quanto a este texto . O
foco de agora, porém, é o inverso. Lá mostramos que a alma morre, aqui que ela revive
na ressurreição. A posição de que é somente o corpo que revive nega inteiramente que em
Apocalipse 20:4-5 o “reviver” é clarissimamente relacionado às almas-psiquê, e não aos
corpos-soma. Na verdade, corpo-soma nem sequer é mencionado neste contexto. A
realidade bíblica nos mostra com clareza indiscutível que o corpo ressuscita e,
assim, a alma [que era morta] revive.

O momento em que as almas mortas revivem não vem senão depois da ressurreiç ão no fim
do mundo! Vemos, portanto, que esse é o ideal da ressurreição:

203 É importante fazer a correta distinção entre o espírito-ruach (sopro, ou fôlego da vida) que foi soprado
originalmente em Adão para tornar o ser humano uma alma vivente (cf. Gn.2:7) e o Espírito Santo, que é
uma pessoa que vem da parte de Deus somente aos salvos e que foi “soprado” por Cristo em João
20:22, sendo recebido pelos seus discípulos e que habita em todos aqueles que são de Cristo. Confundir
as duas coisas (o fôlego de vida que é soprado sobre todos os humanos para conceder vida e que é
chamado de “espírito-ruach” com o Espírito Santo, que é a terceira pessoa da divindade) pode levar a
grandes confusões teológicas e a uma não pequena heresia.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 349
Na ressurreição, Deus sopra novamente em nós o fôlego da vida [espírito], ressuscitando
um corpo [glorificado] e assim tornamo-nos novamente almas viventes.

Este é o ideal da ressurreição, que não tem parte nenhuma com religações de corpos com
almas ou com espíritos descorpóreos que já estivessem habitando no Céu em um “estado
intermediário” e tivessem que “despertar” para retornar novamente ao corpo, ser
ressuscitado e passar finalmente pelo juízo para continuar no Céu como já estavam antes.
Bacchiocchi também compartilha deste ponto de vista sobre a ressurreição, onde a alma
também está incluída no processo de vivificação do corpo:

“Na visão holística bíblica da natureza humana, o termo ‘corpo’ é simplesmente um


sinônimo de ‘pessoa’. Por exemplo, quando Paulo apela: ‘Rogo-vos, pois, irmãos, pelas
misericórdias de Deus que apresenteis os vossos corpos por sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus, que é o vosso culto racional’ (Rom. 12:1), ele claramente está pensando
na pessoa como um todo. Em vista deste fato, crer na ressurreição/trasladação do corpo
significa crer que o homem integral, o ser humano que ‘eu’ sou será restaurado à vida
novamente”2 0 4

O espírito que nos é soprado não é nós mesmos em um estado desencarnado, mas sim o
espírito do próprio Deus que nos é soprado novamente (cf. Ez.37:5,6; Ez.37:12-14;
Ap.11:11), e as almas não estavam vivas antes da ressurreição, mas realmente mortas e,
por isso, faz-se necessário que eles revivam nesta ocasião (cf. Ap.20:4). Algo semelhante
ocorre com as duas testemunhas do Apocalipse, que haviam sido mortas mas voltaram à
vida com o sopro de vida da parte de Deus:

“Mas, depois dos três dias e meio, entrou neles um sopro de vida da parte de Deus, e
eles ficaram de pé, e um grande terror tomou conta daqueles que os viram” (cf. Apocalipse
11:11)

Não é nos dito que as suas almas se religaram aos seus corpos; ao contrário, é nos referido
o sopro de Deus (que originalmente foi soprado nas narinas de Adão – cf. Gn.2:7) sendo
novamente soprado da parte dEle naqueles corpos a fim de ganharem vida novamente. Este
é o ideal da ressurreição.

Na criação humana Na morte Na ressurreição


- Deus sopra o fôlego - O sopro de Deus se vai (cf. - Deus sopra novamente
da vida no homem (cf. Ec.12:7) em nós o fôlego da vida
Gn.2:7) (cf. Ez.37:5,6; Ez.37:12-
14; Ap.11:11)

- Este torna-se uma - O homem torna-se alma morta - A alma revive (cf.
alma vivente (cf. (cf. Lv.19:28; 21:1, 11; 22:4; Ap.20:4)
Gn.2:7) Nm.5:2; 6:6,11; 9:6, 7, 10; 19:11,
13; Ag.2:13)

Conclusão – A doutrina da imortalidade da alma diverge completamente da esperança


bíblica da ressurreição. De que valeria uma ressurreição final a fim de conceder salvação ou

204 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 350
condenação, uma vez que os justos já estariam desfrutando as bem-aventuranças celestiais
e os infieis já estariam queimando inferno? Em outras palavras, todos os casos já teriam
sido decididos e não haveria necessidade de ressurreição e juízo finais. A morte reinou
em Adão (cf. Rm.5:14) e continuará reinando até o momento da ressurreição (cf.
1Co.15:54) sobre todos os que morrem. A morte obtém domínio total sobre Adão porque
ele desobedeceu a palavra de Deus de que no dia em que comesse da árvore certamente
morreria – o processo de morte teria início 2 0 5 .

Quando é que esse processo de morte será revertido? Logo quando morremos pois somos
“imortais”? Não, mas quando seremos vivificados em Cristo – na Sua Vinda! O processo
de morte iniciado em Adão, tendo ela legitimidade sobre todas as pessoas por meio da
mentira de que “certamente não morrerás” (cf. Gn.3:4), será revertido em Cristo Jesus,
nosso Senhor, por ocasião de Sua segunda vinda. O império da morte será tragado (cf.
1Co.15:54), e todos aqueles que hoje se encontram literalmente mortos, presos sob a
morte (cf. Sl.6:5; Sl.13:3), serão vivificados em Cristo. A morte que teve domínio sobre
Adão e sua descendência só será revertida em Cristo na Sua Volta. Não antes disso.

Cristo com sua morte “libertou aqueles que durante toda a vida estiveram escravizados pelo
medo da morte” (cf. Hb.2:15), porque a sua ressurreição foi penhor e garantia da nossa
própria superior ressurreição, de modo que hoje vivemos na esperança que essa
ressurreição chegue (cf. Hb.11:35), sem mais o medo da morte, pois sabemos que “aquele
que ressuscitou a Cristo também nos ressuscitará” (cf. 2Co.4:4), “para, de alguma forma,
alcançarmos a ressurreição dentre os mortos” (cf. Fp.3:11).

É somente então que a palavra que está escrita se cumprirá, “quando o que é corruptível se
revestir de incorruptibilidade, e o que é mortal, de imortalidade, então cumprir-se-á a
palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória” (cf. 1Co.15:54). Nenhuma
palavra, nem um “piu” de “grito de vitória” antes da ressurreição! Pelos escritos do Novo
Testamento, podemos afirmar categoricamente a crença deles de que:

Numeração Declarações relativas ao estado dos Base bíblica


mortos neotestamentária
1 Os mortos só entram na vida ou na João 5:28,29
condenação a partir da ressurreição
dentre os mortos
2 Os vivos não precederão os que 1 Tessalonicenses 4:15
dormem para a entrada no Reino
3 A entrada no Paraíso se dará por Mateus 13:39; 28-30
ocasião da “colheita” no fim do mundo
4 Até a ceifa (que acontece no fim do Mateus 13:28-30
mundo) justos e ímpios partilham o
mesmo lugar
5 Somente na consumação dos séculos Mateus 13:47-50
haverá a separação entre os justos e
os ímpios
6 A entrada no Reino é por ocasião da Mateus 25:31-34
revelação do Filho do Homem
7 Só entraremos nas nossas moradas João 14:2,3

205 No hebraico, o original traz moth tâmuth – “morrendo, morrereis”.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 351
quando Cristo voltar para nos levar
onde ele está
8 Davi não subiu aos céus Atos 2:34
9 Davi está morto na sepultura Atos 2:29
10 Os mortos só alcançam a misericórdia 2 Timóteo 1:16-18
da parte do Senhor no dia da Sua
Vinda
11 Os heróis da fé não obtiveram ainda a Hebreus 11:39,40
concretização da promessa
12 Os heróis da fé só obtém a Hebreus 11:39,40
concretização da promessa junto
conosco
13 A salvação do espírito é no Dia do 1 Coríntios 5:5
Senhor
14 Se não há ressurreição de mortos, 1 Coríntios 15:18
então os que dormiram em Cristo já
pereceram
15 Se não há ressurreição de mortos, 1 Coríntios 15:19
então a nossa esperança se limitaria
apenas a esta vida
16 Se não há ressurreição de mortos, 1 Coríntios 15:30
então Paulo esteve exposto a perigos a
toa
17 Se não há ressurreição de mortos, 1 Coríntios 15:32
então o melhor a fazer seria viver
hedonisticamente a vida, “comer e
beber, que amanhã morreremos”
18 Os mortos só serão vivificados na 1 Coríntios 15:22,23
segunda vinda de Cristo
19 A única esperança para os que hoje 1 Tessalonicenses
dormem é a ressurreição 4:13-15
20 Nós somos os únicos vivos 1 Tessalonicenses
4:16,17
21 A imortalidade tem que ser buscada Romanos 2:7
22 A imortalidade só é alcançada por Romanos 2:7
aqueles que “perseveram em fazer o
bem”
23 A imortalidade é um dom de Deus Romanos 6:23
24 A imortalidade é uma herança Lucas 18:18
25 A imortalidade é por meio do 2 Timóteo 1:10
evangelho
26 O único que possui a imortalidade é 1 Timóteo 6:16
Deus
27 O homem é um ser mortal e não Romanos 1:23; 1
imortal Timóteo 6:16
28 A imortalidade só é alcançada a partir 1 Coríntios 15:51-54
da ressurreição dentre os mortos
29 A imortalidade tem que ser revestida 1 Coríntios 15:53
(na ressurreição)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 352


30 O reencontro entre Paulo e os 2 Coríntios 4:14
Coríntios é somente na ressurreição
31 O momento em que Paulo irá orgulhar- 2 Coríntios 1:14
se deles é somente na ressurreição
32 O momento em que receberemos o 1 Coríntios 4:5
louvor de Deus é na ressurreição
33 A morte só é vencida na ressurreição 1 Coríntios 15:54,55
34 A morte é igualada a um estado de Jó 14:12
sono
35 A alma morre Tiago 5:20
36 A alma é exterminada Atos 3:23
37 A alma é destruída Mateus 10:28
38 A alma dos mortos é vivificada na Apocalipse 20:4
ressurreição
39 Existe um só juízo e ele é somente na Hebreus 9:27; 2
segunda vinda de Cristo Timóteo 4:1
40 O motivo pelo qual os mártires Hebreus 11:35
aceitaram a tortura foi visando uma
superior ressurreição
41 A exultação e regojizo é somente por 1 Pedro 4:12,13
ocasião da volta de Cristo
42 A imarcescível coroa da glória só 1 Pedro 5:1-4
estará disponível aos salvos por
ocasião da segunda vinda de Cristo
43 A ressurreição é somente na segunda 1 Tessalonicenses
vinda de Cristo 4:13-15; 2 Timóteo
2:18; 1 Coríntios
15:22,23
44 O assassino não tem uma vida eterna 1 João 3:15
permanente em si
45 Paulo só receberia a coroa da justiça 2 Timóteo 4:6-8
na ressurreição
46 Depois da morte vem o juízo e não o Hebreus 9:27
Céu ou o inferno
47 A vida é somente em Cristo e não há 1 João 5:12
vida fora dele
48 Apenas aquele que come do pão da João 6:51
vida viverá eternamente em algum
lugar
49 Existem 72 referências ao estado de Nenhuma referência
sono na morte mas nenhuma de que
estão acordados
50 Não existe nenhuma passagem bíblica Nenhuma referência
neotestamentária em um contexto que
não seja parabólico ou simbólico que
mostre que os justos já estão na glória
51 Nós só seremos recompensados na Mateus 16:27;
ressurreição dos mortos Apocalipse 22:12;
Lucas 14:14
52 Não existe passagem bíblica nenhuma Nenhuma referência

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 353


que mostre religação de corpo com
alma na ressurreição
53 A punição dos ímpios é algo futuro e 2 Pedro 2:9; 2 Pedro
não algo presente 2:6; 2 Tessalonicenses
27-10; Lucas 3:17
54 A condenação dos ímpios é somente João 12:48
no último dia
55 Os ímpios só sofrerão a punição na 2 Tessalonicenses 27-
manifestação do Senhor Jesus Cristo 10
56 A imortalidade está ligada unicamente 1 Coríntios 15; 1
à ressurreição de Jesus e a nossa Coríntios 15:57
própria ressurreição
57 Nós só entraremos no Paraíso se 2 Coríntios 5:13
estivermos constituídos de um corpo
58 O mortal só é absorvido pela vida na 1 Coríntios 15:51-54
ressurreição dentre os mortos
59 Deus é único possuidor de 1 Timóteo 6:16
imortalidade incondicional
60 Todos os heróis da fé morreram e não Hebreus 11:13
receberam a promessa
61 A herança e a salvação só é recebida 1 Pedro 1:5
na revelação de Cristo no último
tempo
62 A graça e a esperança é dada no 1 Pedro 1:13
momento da ressurreição/segunda
vinda de Cristo
63 Deus ainda não julgou os que 1 Pedro 4:5; 2 Timóteo
morreram 4:1
64 Jesus teve que apresentar muitas Atos 1:3
provas para mostrar que, mesmo
morto, ainda vive
65 O apóstolo Paulo teve que insistir na Atos 19:25
presença dos reis Agripa e Festo para
tentar provar que Jesus Cristo, mesmo
morto, estava vivo
66 Os filhos não foram revelados na glória Romanos 8:19
ainda
67 A nossa adoção como filhos é somente Romanos 8:23
na ressurreição
68 Nossas obras só serão reveladas no 1 Coríntios 3:13-17
dia do Juízo (também somente neste
momento que recebemos a
recompensa ou a condenação)
69 O primeiro homem é do pó da terra 1 Coríntios 15:47
70 Assentaremos nos lugares celestiais Efésios 2:6
em função da ressurreição
71 O orgulho de Paulo em ver que não Filipenses 2:16
correu inutilmente é no dia de Cristo
(momento da ressurreição)
72 A nossa cidadania nos céus irá se Filipenses 3:20,21

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 354


concretizar quando Cristo transformar
nossos corpos humilhados
semelhantes ao seu corpo glorioso (ou
seja, na ressurreição)
73 O momento em que seremos Colossenses 3:4
manifestados em glória é quando ele
[Cristo] se manifestar
74 O momento em que Paulo irá orgulhar- 1 Tessalonicenses 2:19
se e regozijar-se de seu trabalho é na
segunda vinda de Cristo
75 Na lista de seres no Céu, Paulo não 1 Timóteo 5:21
inclui espíritos humanos (inclui apenas
Deus e os anjos eleitos)
76 Contrasta-se “homens mortais” com Hebreus 7:8
aquele vive [atualmente] – Cristo
77 É possível perder a alma- psiquê por Mateus 10:39
causa de Cristo
78 Apenas na consumação do mundo que Mateus 13:43, 30, 39,
os justos brilharão como o sol no 40, 49
Reino de Deus
79 Os apóstolos só tomam os seus Mateus 19:28
assentos no Paraíso para julgar as
doze tribos de Israel “na regeneração
de todas as coisas”
80 Os servos fiéis só entram no gozo do Mateus 25:19-21, 23
Senhor quando o dono do vinha
[representação de Cristo] voltar,
“depois de muito tempo”
81 Também é somente nesta ocasião [da Mateus 25:30
segunda vinda de Cristo] que o servo
infiel é condenado
82 A separação entre justos e ímpios Mateus 25:31
ocorre na revelação do Filho do
homem
83 O momento em que o Filho do homem Marcos 8:38
irá se envergonhar dos pecadores é
quando ele vier na glória de seu Pai
com todos os santos anjos
84 Após a morte do corpo, o que sucede é a Lucas 12:4,5
destruição da alma no geena (segunda
morte, o estado final) e não a algum
“estado intermediário”

85 Até uma estátua de pedra recebe Apocalipse 13:15


espírito-pneuma para dar animação ao
corpo
86 Mesmo após entregar o espírito ao Pai, João 20:17
Jesus não havia retornado a ele depois de
três dias morto
87 O destino final dos ímpios não é uma Marcos 12:5-9; Atos

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 355


imortalidade mediante a posse de uma 3:23; 2 Pedro 3:7; 2
alma eterna, mas sim o extermínio, Pedro 2:6
destruição completa, fim de existência
e tornar-se-ão em cinzas
88 O fogo do Juízo há de devorar, Hebreus 10:26,27
consumir completamente os rebeldes
89 Em contraste com a vida eterna que só Gálatas 6:8; 2 Pedro
os justos desfrutam (através da 2:1; Tiago 4:12;
ressurreição), os ímpios serão Apocalipse 20:9; 1
destruídos repentinamente Coríntios 3:16,17
90 Jesus usou várias e inúmeras Mateus 13:30,40, 48;
analogias que retratam a destruição Lucas 13:2, 3, 7; Lucas
completa dos ímpios, e não a 20:16; 13:4, 5; Lucas
permanência eterna de vida 17:27; Mateus 15:13;
24:51; Lucas 17:27,
29; 19:14,27
91 Os ímpios pagarão no inferno-geena Apocalipse 22:12;
de acordo com as suas obras, e não Romanos 2:
“para sempre”
92 A punição pode ser de muitos ou de Lucas 12:48,49
poucos açoites
93 Os ímpios não ficarão no inferno- Lucas 12:59
geena para sempre, mas sim até
pagar o último centavo
94 Fogo eterno, na Bíblia Sagrada, não é Isaías 34:9,10;
porque o fogo não apaga nunca, mas Jeremias 17:27;
sim pelas conseqüências irreversíveis Ezequiel 20:47,48;
da destruição completa Judas 7
95 Quem crê em Cristo, ainda que morra, João 11:25
viverá – no futuro
96 Os que partirem desta vida serão Lucas 20:36
“filhos da ressurreição”
97 Nós nos tornaremos semelhantes aos Marcos 12:25
anjos quando “os mortos
ressuscitarem”
98 O momento em que os mortos serão Lucas 23:42
lembrados por Cristo é quando ele vier
em Seu Reino visível
99 Mesmo tendo entregue o espírito ao Atos 2:27; Efésios 4:9;
Pai na morte, a alma de Cristo passou Mateus 11:23; Mateus
os três dias em que esteve morto no 12:40
Sheol, que fica nas regiões inferiores
desta terra, e não no Paraíso
100 É anti-lógico os salvos terem que Apocalipse 22:2
comer da árvore da vida na
ressurreição para viverem
eternamente caso já possuíssem uma
alma imortal
101 A alma também descansa Apocalipse 6:11
102 Almas mortas são vivificadas na Apocalipse 20:4

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 356


ressurreição
103 Para onde Cristo partiria, os seus João 7:33,34; 13:37
discípulos não poderiam ir, nem
mesmo se dessem a própria vida para
isso
104 Nem Lázaro e nem qualquer das 1 Reis 17:17-24; 2
outras sete pessoas que foram Reis 4:25-37; Lucas
levantadas dentre os mortos tiveram 7:11-15; 8:41-56; Atos
qualquer experiência de vida fora do 9:36-41; 20:9-11
corpo para compartilhar
105 É anti-lógico crer que os mortos que já Nenhuma referência
estão queimando no inferno serão
ressuscitados, voltarão para os seus
corpos, serão julgados, e voltarão do
mesmo jeito para o inferno a fim de
continuar queimando infinitamente
106 A doutrina da imortalidade da alma Nenhuma referência
ignora como nulo e sem sentido
ressurreição e juízo finais, uma vez
que tudo já estaria definitivamente
definido com ambos os grupos já
estando queimando ou já estando na
glória paradisíaca
107 É anti-lógico crer que Cristo tirou João 11:17-27
Lázaro do conforto celestial para trazê-
lo a este mundo que jaz no maligno,
ou tê-lo dado uma segunda
oportunidade de salvação retirando-o
do inferno
108 A única fonte de consolação de Cristo João 11:23,24
às irmãs do falecido é baseada na
ressurreição do último dia, e não em
alguma bem-aventurança atual
109 O ser racional de Lázaro estava na João 11:43
sepultura, e não no Céu ou no inferno
110 A doutrina que Paulo pregava ia Atos 17:32
frontalmente contra a doutrina da
imortalidade da alma pregada pelos
gregos
111 O foco da Igreja Primitiva era Atos 16:6-8; Hebreus
completamente voltado à ressurreição 11:35; Atos 4:2;
dos mortos, assunto que praticamente 17:18; Atos 23:6;
foi extinto nas Igrejas cristãs da 24:15
imortalidade da alma
112 Ninguém que já está muito bem Efésios 5:14
acordado no Céu precisa ser
“despertado” para continuar no Céu do
mesmo jeito
113 O processo de morte que iniciou-se em Gênesis 2:17 com 1
Adão só será revertido em Cristo na Coríntios 15:22,23

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 357


Sua segunda Vinda
114 É anti-lógico Cristo fazer a promessa 1 João 2:25
de uma vida eterna caso já
possuíssemos uma alma imortal
115 Quem diz que a ressurreição já 2 Timóteo 2:18
aconteceu perverte a fé cristã
116 O homem com a morte não vai para o João 7:33,34
Céu
117 A morte não é descrita como um 1 Coríntios 15:26
estado de bem-aventurança e/ou
prêmios, mas sim como um inimigo
que tem que ser aniquilado
118 Só o que vence adquire a imortalidade Apocalipse 2:7, 11
(na ressurreição)
119 A esperança viva dos cristãos é a da 1 Pedro 1:3-7
“herança” reservada no Céu, e que
será desfrutada pelos filhos de Deus,
não quando morrem e suas almas vão
para o céu, mas sim “no último
tempo... na revelação de Jesus Cristo”
120 Os pecadores estão “reservados” para 2 Pedro 2:12-17
o castigo final, intitulado “negrume das
trevas”, para o dia do Juízo, ou seja,
não estão queimando ainda
121 Os heróis da fé ainda buscam uma Hebreus 11:13-16
pátria [celestial]

Há certas lendas que parecem verdade; outras, porém, são tão gritantemente falsas que
não é a toa que um livro tão grande – como é a Bíblia – possa armezenar tão gigantesco
arsenal (do início ao fim, do Gênesis ao Apocalipse) de centenas de provas e milhares de
versículos que condenam tal doutrina que, realmente, nenhum erudito bíblico sincero que
leia as Escrituras com a mente aberta e sem parcialidade daria qualquer crédito.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 358


CAPÍTULO 8 – A DOUTRINA DO INFERNO E DOS ACONTECIMENTOS FINAIS

I-Introdução ao Capítulo

Espantando os espantalhos imortalistas – Até aqui, nós nos reservamos a focar mais no
estado intermediário do ser humano entre a morte e a ressurreição, que, como vimos, não
é um estado de consciência em que a alma sobrevive à parte do corpo na morte, mas de
inconsciência caracterizado pela morte da alma e da inexistência de lapso de tempo entre a
morte e a ressurreição na visão de quem ressuscita. A este estado a Bíblia caracteriza
metaforicamente de “sono”, com a ênfase no “despertar” da ressurreição no último dia, o da
volta de Cristo, quando sairemos para a vida ou para a condenação.

Nessa segunda parte do livro, porém, nos reservaremos a comentar o que a Bíblia nos diz a
respeito dos acontecimentos finais, ou seja, sobre aquilo que acontece após essa
ressurreição dos mortos. Muita confusão tem sido feita neste sentido, principalmente
propagada por pessoas que criticam aquilo que não conhecem, disseminando mentiras que
nunca foram ditas pelos mortalistas, tais como:

• Os mortalistas não creem na existência do inferno. Mentira. Cremos na existência do


inferno, mas não segundo o conceito popular e pagão que ele ganhou com tempo, mas no
inferno bíblico, que é o geena que será inaugurado após a segunda vinda de Cristo, com a
ressurreição dos mortos. Sempre quando a Bíblia se refere a este geena, o apresenta como
um acontecimento futuro. Cristo, por exemplo, disse que “os súditos do Reino serão
lançados para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” (cf. Mt.8:12). O
tempo futuro – “haverá” – mostra claramente que este castigo aguarda os ímpios, não é
algo que já esteja em atividade. O mesmo é repetido por Cristo em Mateus 13:42, 13:50,
22:13, 24:51 e 25:30.

Absolutamente sempre o tempo verbal é posto no futuro, nunca no presente. Jesus nunca
disse que no inferno geena “está havendo choro e ranger de dentes”, mas que “haverá
choro e ranger de dentes”. Veremos mais adiante, também, que este inferno-geena não
será eterno pelo processo, mas existirá até que Deus faça novos céus e nova terra, onde “o
primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe” (cf. Ap.21:1), e “Deus
limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor,
nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas” (cf. Ap.21:4).

Portanto, cremos sim na existência do inferno, mas não no conceito popular antibíblico,
popularizado pela “Divina Comédia” de Dante e pela Igreja papal medieval, onde almas
incorpóreas são conduzidas a um local de tormento já em atividade e lá são torturadas
eternamente. Cremos no inferno bíblico, onde o castigo é proporcional aos atos de cada um
(cf. Lc.12:47,48) e subsistirá futuramente, após a ressurreição dos mortos (cf. Mt. 13:42;
13:50; 22:13; 24:51; 25:30; 8:12).

• Os mortalistas não fazem diferença de castigo entre os ímpios. Em um debate


televisivo sobre o tema, um dos proponentes da doutrina da imortalidade da alma afirmou:
“Os mortalistas colocam no mesmo pé de igualdade pessoas como Hitler, que cometeu
aquele grande genocídio e tantos outros déspotas e genocidas malucos com o ladrão de

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 359


frango – todos terão a mesma punição” 2 0 6 . Essa mentira é de todas a mais hilária, pois
quem prega que não há diferença de castigo entre os ímpios são justamente os imortalistas,
que ensinam que todos sofrerão eternamente no inferno.

Nós, ao contrário, ensinamos que há pessoas que serão castigadas no geena com “poucos
açoites” (cf. Lc.12:48), enquanto outras levarão “muitos açoites” (cf. Lc.12:47), antes de
serem aniquiladas no lago de fogo, que é a segunda morte ( cf. Ap.20:14). Nós, portanto,
fazemos diferença entre Hitler, que levaria “muitos açoites” e o ladrão de frango, que
levaria “poucos açoites”. Quem não faz diferença entre Hitler e o ladrão de frango são os
imortalistas, que dizem que ambos levarão “eternos açoites” para todo o sempre .

• Os mortalistas creem que os ímpios ressuscitarão sem razão, para serem


aniquilados novamente. Essa alegação é bastante repetida à exaustão no meio
imortalista, principalmente para rebater a falta de lógica do próprio imortalismo quando
dizemos que eles creem que os ímpios que estão no inferno terão que deixar o inferno para
serem julgados, condenados, ressuscitados e voltarem de novo para o mesmo lugar para
continuarem queimando eternamente do mesmo jeito que antes – o que é uma visão que só
não é ridícula porque ridículo é pouco pra isso.

Nós, porém, não cremos que os ímpios (que de fato estarão sem vida na sepultura)
ressuscitarão sem razão para serem aniquilados de novo logo em seguida. Se fosse assim,
estaria certo que eles nem mesmo precisariam passar por ressurreição alguma. Contudo,
nós não cremos que eles serão aniquilados sem mais nem menos, sem antes passarem pelo
justo castigo e retribuição pelos seus pecados cometidos em vida. Como já foi dito, eles
ressuscitarão para serem castigados com “poucos” ou “muitos” açoites no geena, e somente
depois serão eliminados na segunda morte, que é o lago de fogo. Por isso, a ressurreição
dos ímpios não é sem razão, como alegam os imortalistas, mas é para serem castigados,
fazendo justiça por aquilo que cometeram impiamente aqui na terra.

Tendo refutado os “espantalhos” criados pelos imortalistas, portanto, cabe a nós


mencionarmos o que exatamente creem ambos os grupos na questão do inferno e dos
acontecimentos finais que se dão após a ressurreição:

Holismo – Os justos ressuscitam com corpos imortais e incorruptíveis, e tomam parte na


árvore da vida reservada aos salvos no Paraíso (cf. Ap.22:2,14; Ap.2:7), vivendo assim
eternamente. Os ímpios também ressuscitam; porém, sem corpos incorruptíveis e imortais
como os justos para que possam viver eternamente também em algum lugar (cf. Gl.6:8;
Fp.3:20,21; 1Co.15:35-55). Pagam no geena de acordo com as suas obras (cf. c f.
Lc12:47,48; Lc.12:58,59; Mt.18:32-35; Ap.22:12; 2Tm.4:14; Rm.2:6; Mt.16:27) e por fim
são completamente eliminados (cf. Pv.10:25; Sl.37:22; Sl.37:9; 2Pe.2:6; Sl.37:10;
Sl.37:38; Sl.34:21; Sl.37:20; Rm.6:23; Sl.62:3; Sl.94:23; Sl.104:35; Sl.145:20; Pv.22:23;
Pv.1:29; Is.5:23,24; Is.11:4; Ob.1:16; Ml.4:1-3; Lc.17:27-29; Rm.8:13; 1Ts.5:3; Tg.1:15;
Ap.20:9; 2Pe.2:6). A punição é eterna pelos efeitos, e não pelo processo.

Dualismo – As almas imortais dos justos deixam o Céu, são julgadas, se religam a um corpo
que jaz na sepultura e voltam a se encontrar com Cristo nos ares de novo, para depois
ouvirem de Cristo que “recebam o Reino” (Mt.25:34) onde já estavam. Quanto aos ímpios,

206 Isso foi dito no debate do Programa Vejam Só do dia 22/08/2013 na RIT TV, pelo debatedor
imortalista Elias Soares. O debate completo pode ser conferido aqui:
<https://www.youtube.com/watch?feature= player_embedded& v= rglnoFY TNrA >.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 360
que tinham seus espíritos incorpóreos queimando em chamas de fogo físicas e reais, eles
deixam o inferno para serem finalmente julgados e então condenados para continuarem no
mesmo lugar que já estavam sem serem condenados, mas não antes de se religarem a seus
corpos que estavam na sepultura e sofrerem “de corpo e alma”, porque queimar apenas um
espírito não era suficiente. Os justos têm uma vida eterna no Céu com Deus e os pecadores
têm uma vida eterna no inferno com o diabo.

A morte nunca é destruída, pois Satanás e os ímpios estarão para sempre em processo
contínuo de morte no lago de fogo, que é a segunda morte. O pecado e a blasfêmia nunca
terão fim, pois para sempre haverão seres ímpios pecando e blasfemando contra Deus em
algum lugar do Universo onde se situe este “inferno”, e os justos estarão no Céu sabendo
que naquele exato momento seus amigos e parentes não-convertidos estão queimando e
sendo torturados horrivelmente em um lago de fogo eterno que arde com fogo e enxofre,
com c horo e ranger de dentes sem fim, até mesmo para aquele que foi condenado com 10
ou 12 anos.

O nosso próximo passo, a partir de agora, é descobrir qual dessas duas é a visão bíblica.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 361


CAPÍTULO 8.1 – INFERNO: TORMENTO ETERNO OU ANIQUILACIONISMO?

II–Conceitos errôneos sobre o Inferno

Um problema crônico que os tradutores bíblicos enfrentam é a tradução para a palavra


inferno a partir de palavras gregas. Isso porque a palavra inferno não vem nem do hebraico
do AT nem do grego do NT, mas vem do latim infernus, de séculos posteriores. Essa palavra
não existe originalmente na Bíblia, cabendo aos tradutores “identificarem” o inferno em
palavras gregas tendo por base as suas próprias convicções teológicas. Algumas palavras
que foram traduzidas por “inferno” são Sheol, Hades, Tártarus e Geena, sem que o sentido
real de algumas dessas palavras fosse realmente o infernus que ficou popularmente
conhecido como um local de tormento e castigo 2 0 7 .

O leitor humilde não tem como descobrir, então, o que é e o que não é inferno, por
traduzirem todas essas como “inferno” em diferentes ocasiões, conquanto que tenham
significados bem distintos entre si. O significado de Sheol ou Hades difere do Tártaro, que
por sua vez difere do Geena. É necessário voltamos aos originais se queremos descobrir
qual delas é que está no original, em cada citação distinta. Tendo em vista que, como
vimos, os ímpios não se encontram atualmente no inferno, então este é um lugar que está
para ser inaugurado. Mas de todas as palavras que vimos acima e que são traduzidas por
“inferno” em nossas Bíblias, qual delas seria realmente um local de punição futura aos
condenados? É isso o que veremos agora.

Sheol/Hades – Sheol (no hebraico) e Hades (transliterado grego) não era um lugar de
tormento, mas era puramente uma sepultura coletiva na concepção hebraica bíblica. Abraão
foi enterrar o seu filho do Sheol (cf. Gn.37:35). Os ossos vão para o Sheol (e não
“espíritos” – ver Salmo 141:7). O Salmo 49:14 nos indica que até as ovelhas descem para o
Sheol na morte. O Sheol é um local de escuridão, e não de fogo que remete à luminosidade
(cf. Sl.88:10-12; Jó 10:20,21; Lm.3:6). O Sheol é um lugar de silêncio, e não de gritaria do
inferno (cf. Sl.94:17; Sl.115:17). Não são “espíritos incorpóreos” que descem ao Sheol na
morte, mas sim a própria pessoa com sangue (cf. 1Rs.2:9). O Sheol seria onde o corpo
morto (cadáver) seria comido por larvas e estaria coberto de vermes, como diz Isaías
14:11.

É lugar de descanso e de repouso, e não de dor ou de tormento (cf. Jó 3:11,13,17). No


Sheol, não existe atividade e nem conhecimento ou sabedoria nenhuma (cf. Ec.9:10). Os
que lá estão não louvam a Deus (cf. Sl.6:5) e nem sequer tem lembrança dEle (cf. Sl.6:5)!
No Sheol não se escutam gritos (cf. Jó 3:18). O Sheol é um local de almas mortas (cf.
Nm.31:19; 35:15,30; Js.20:3, 9; Gn.37:21; Dt.19:6,11; Jr.40:14,15; Jz.16:30;
Nm.23:10), em estado de tot al silêncio (cf. Sl.115:17; 94:17), e em plena inconsciência (cf.
Sl.146:4; Sl.6:5; Ec.9:5,6; Ec.9:10).

Nunca Sheol é identificado como um local de tormento e jamais é mencionado o elemento


“fogo” nele, senão em contexto parabólico como metaforização. Po r tudo isso, o Sheol nada
mais é do que a figura da sepultura, em um sentido coletivo. É por isso que Jó iguala o

207 De minha parte, creio que seria mais prudente se os tradutores bíblicos mantivessem as palavras
originais como estão (Sheol, Hades, Tártaro e Geena) ao invés de traduzirem todas por “inferno”, mesmo
quando o significado real da palavra seja bem distante daquilo que entendemos por “inferno”.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 362
Sheol com o pó da terra: “Descerá ela às portas do Sheol? Desceremos juntos ao pó?” (cf.
Jó 17:16). O único lar para o qual Jó esperava ir era a sepultura (ver Jó 17:13).

Tártarus – Este lugar é mencionado apenas uma única vez em toda a Bíblia, e não é para
seres humanos, mas para anjos caídos. A Bíblia afirma que o diabo não está preso em
algum lugar ou sofrendo atualmente, mas está solto, “nos ares” (cf. Jo.1:7; Jo.2:2;
Ef.6:12), e por essa razão está “andando em derredor, bramando como leão, buscando a
quem possa tragar” (cf. 1Pe.5:8). Se o diabo estivesse no inferno, se divertindo a custa das
outras pessoas que lá estão, isso seria um prêmio para ele. Contudo, a Bíblia afirma que
Satanás e seus anjos só serão lançados no lago de fogo após o milênio (cf. Ap.20:10).

A referência ao tártarus se encontra unicamente em 2ª Pedro 2:4, que diz: “Porque se Deus
não poupou a anjos quando pecaram, mas lançou-os no inferno [tártarus], e os entregou
aos abismos da escuridão, reservando-os para o juízo” (cf. 2Pe.2:4). Sendo que a Bíblia
afirma categoricamente que o diabo não está preso, mas solto, então a referência de 2ª
Pedro diz respeito a outros anjos caídos, possivelmente os mesmos “filhos de Deus” que
pecaram em Gênesis 6:1-42 0 8 . Embora isso seja razão de debate, o fato é que o tártarus
não é um lugar onde almas humanas são lançadas após a morte, mas onde parte dos anjos
caídos estão atualmente, em prisão, e não soltos como os demais estão.

Geena – A vista de tudo isso, o que seria então o “inferno” bíblico? O geena. E esse lugar de
tormento ainda está para ser inaugurado. Quando Cristo fala do “inferno”, no original é
“geena” e se refere não a um inferno existente, mas ao local de castigo que existirá após a
ressurreição. Jesus perguntou aos fariseus: “Como vocês escaparão da condenação ao
inferno [geena]?” (cf. Mt.23:33). Também disse aos fariseus que eles faziam discípulos para
depois os tornarem “duas vezes mais filho do inferno [geena] do que vós” (cf. Mt.23:15), e
que “é melhor entrar na vida aleijado do que, tendo os dois pés, ser lançado no inferno
[geena]” (cf. Mc.9:45). Qualquer um que disser “louco” ao ser irmão, “corre risco de ir para
o fogo do inferno [geena]” (cf. Mt.5:22).

A passagem mais clara de que o verdadeiro inferno à luz da Bíblia (que é o geena) não é
um local para espíritos incorpóreos, mas para onde vão os corpos físicos dos ímpios, é
Mateus 5:29, onde Cristo diz que, “se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o
para longe de ti; pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que seja todo o
teu corpo lançado no inferno [geena]”. Mas o que era esse geena, de que Cristo tanto
falava? Geena era o nome dado ao Vale de Hinon, que se localizava ao sul de Jerusalém.
Era um verdadeiro “lixão público”, local onde se deixavam os resíduos, bem como toda a
sorte de cadáveres de animais e malfeitores, e imundícies de todas as espécies, recolhidas
da cidade.

Neste local, era aceso um “fogo que nunca se apagava”, pelo fato de que estava
constantemente aceso, tendo em vista que suportava todos os tipos de lixo e carniça que
eram ali despejados. Os dejetos que não eram rapidamente consumidos pela aç ão do fogo
eram consumidos pela devastação dos vermes que ali se achavam – um cenário muito típico
de um verdadeiro lixão público – que devoravam as entranhas dos cadáveres dos
impenitentes que lá eram lançados, em um espetáculo realmente aterrador.

208 Uma abordagem minha mais completa sobre isso você pode conferir em meu site, neste link:
<http://www.apologiacrista.com/index.php?pagina=1087202023>.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 363
Por isso mesmo, o fogo não podia ser apagado, para a preservação da saúde do povo que
viva naquelas redondezas. Este quadro histórico do “Vale de Hinon” ou “Geena” também é o
quadro espiritual do fim dos pecadores que, de acordo com a Bíblia, serão ali lançados. Este
é exatamente o mesmo quadro também relatado por Isaías, no último capítulo de seu livro:

“E sairão, e verão os cadáveres dos homens que prevaricaram contra mim; porque o seu
verme nunca morrerá, nem o seu fogo se apagará; e serão um horror a toda a carne”
(cf. Isaías 66:24)

Exatamente o mesmo cenário histórico é retratado por Isaías como o cenário do juízo
final2 0 9 . Isaías não contemplava “almas” ou “espíritos” vivos entre as chamas, mas sim
cadáveres, ou seja, pessoas mortas. Não existe vida eterna no geena. O geena era um
local de impurezas, e no Reino de Deus “não entrará nela coisa alguma que contamine, e
cometa abominação e mentira; mas só os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro”
(cf. Ap.21:27). Aquilo que era considerado impureza era lançado no geena para ser
completamente consumido e devorado pelo fogo e pelos vermes , o mesmo cenário do
destino final dos pecadores!

É evidente que tal quadro será completamente transformado por Deus para dar lugar aos
“novos céus e nova terra”, prometidos por Deus tanto em Isaías como no Apocalipse (cf.
Is.66:22; Ap.21:1). Nesta nova ordem não existe geena e nem algo que seja repugnante,
mas “Deus é tudo em todos” (cf. 1Co.15:28), e Ele fará novas todas as coisas (cf.
Ap.21:5), não havendo mais “morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga
ordem já passou” (cf. Ap.21:4).

III–O Repertório Bíblico de Aniquilamento

152 Versículos bíblicos aniquilacionistas – A Bíblia, do início ao fim, não cansa de


caracterizar o aniquilamento final dos ímpios, cujo destino final é a destruição completa.
São mais de 152 passagens designando tal fato, as quais selecionei apenas algumas, para
depois passar por um estudo sobre o destino final dos ímpios em contraste com o dos
justos, tanto no Antigo como no Novo Testamento.

NO ANTIGO TESTAMENTO

“No dia em que te manifestares farás deles uma fornalha ardente. Na sua ira o Senhor os
devorará, um fogo os consumirá” (cf. Salmos 21:9)

“Passada a tempestade o ímpio já não existe, mas o justo permanece firme para
sempre” (cf. Provérbios 10:25)

“Aqueles que o Senhor abençoa receberão a terra por herança, mas os que ele amaldiçoa
serão eliminados” (cf. Salmos 37:22)

209Trataremos mais extensivamente sobre essa passagem de Isaías e sua citação por Cristo em Marcos
9:44-48.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 364
“Pois os maus serão exterminados, mas os que esperam no Senhor receberão a terra por
herança” (cf. Salmos 37:9)

“Um pouco de tempo, e os ímpios não mais existirão, por mais que você os procure, não
serão encontrados” (cf. Salmos 37:10)

“Mas todos os rebeldes serão destruídos, futuro para os ímpios nunca haverá” (cf.
Salmos 37:38)

“A desgraça matará os ímpios, os que odeiam os justos serão condenados” (cf. Salmos
34:21)

“Mas os ímpios perecerão, os inimigos do Senhor murcharão como a beleza dos campos,
desvanecerão como a fumaça” (cf. Salmos 37:20)

“Até quando maquinareis o mal contra um homem? Sereis mortos todos vós, sereis como
uma parede encurvada e uma sebe prestes a cair” (cf. Salmos 62:3)

“E trará sobre eles a sua própria iniquidade; e os destruirá na sua própria malícia; o
Senhor nosso Deus os destruirá” (cf. Salmos 94:23)

“Sejam os pecadores da terra eliminados e deixem de existir os ímpios” (cf. Salmos


104:35)

“O Senhor guarda a todos os que o amam; mas todos os ímpios serão destruídos” (cf.
Salmos 145:20)

“Mas àqueles que o desprezam, retribuirá com destruição; ele não demora em retribuir
àqueles que o desprezam” (cf. Deuteronômio 7:10)

“Porque o Senhor defenderá a sua causa em juízo, e aos que os roubam ele lhes tirará a
vida” (cf. Provérbios 22:23)

“O homem que muitas vezes repreendido endurece a cerviz, de repente será destruído
sem que haja remédio” (cf. Provérbios 1:29)

“Dos que justificam ao ímpio por suborno, e aos justos negam a justiça! Por isso, como a
língua de fogo consome a palha, e o restolho se desfaz pela chama, assim será a
sua raiz como podridão, e a sua flor se esvaecerá como pó; porquanto rejeitaram a lei
do Senhor dos Exércitos, e desprezaram a palavra do Santo de Israel” (cf. Isaías 5:23,24)

“Mas julgará com justiça aos pobres, e repreenderá com eqüidade aos mansos da terra; e
ferirá a terra com a vara de sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará ao ímpio”
(cf. Isaías 11:4)

“Porque, como vós bebestes no meu santo monte, assim beberão também de contínuo
todos os gentios; beberão, e sorverão, e serão como se nunca tivessem existido” (cf.
Obadias 1:16)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 365


“Porque eis que aquele dia vem ardendo como fornalha; todos os soberbos, e todos os que
cometem impiedade, serão como a palha; e o dia que está para vir os abrasará, diz o
Senhor dos Exércitos, de sorte que lhes não deixará nem raiz nem ramo” (cf. Malaquias
4:1)

“E pisareis os ímpios, porque se farão cinza debaixo das plantas de vossos pés ,
naquele dia que estou preparando, diz o Senhor dos Exércitos” (cf. Malaquias 4:3)

“Aqueles que se opõem ao Senhor serão despedaçados. Ele trovejará do céu contra eles;
o Senhor julgará até os confins da terra. Ele dará poder a seu rei e exaltará a força do seu
ungido” (cf. 1ª Samuel 2:10)

“Todas as trevas são reservadas paro os seus tesouros; um fogo não assoprado o
consumirá, e devorará o que ficar na sua tenda. As rendas de sua casa ir-se-ão; no dia
da ira de Deus todas se derramarão. Esta, da parte de Deus, é a porção do ímpio; esta é a
herança que Deus lhe reserva” (cf. Jó 20:26-29)

“Pelo sopro de Deus são destruídos, pelo vento de sua ira eles perecem” (cf. Jó 4:9)

“Não é o caso dos ímpios! São como a palha que o vento leva. Por isso não resistirão
no julgamento, nem os pecadores na comunidade dos justos. Pois o Senhor aprova o
caminho dos justos, mas o caminho dos ímpios leva a destruição!” (cf. Salmos 1:4-6)

“Voltem os ímpios ao pó, todas as nações que se esquecem de Deus!” (cf. Salmos 9:17)

“Mas os ímpios perecerão; os inimigos do Senhor murcharão como a beleza dos campos;
desvanecerão como fumaça” (cf. Salmos 37:20)

“Os ímpios serão varridos antes que as suas panelas sintam o calor da lenha, esteja ela
verdade ou seca. Os justos se alegrarão quando forem vingados, quando banharem os
seus pés no sangue dos ímpios. Então os homens comentarão: De fato os justos têm a
sua recompensa, de fato há um Deus justo na terra” (cf. Salmos 58:9-11)

“Que tu dissipes assim como o vento leva a fumaça, como a cera derrete na
presença do fogo, assim pereçam os ímpios na presença de Deus” (cf. Salmos 68:2)

“Até que entrei no santuário de Deus, e então compreendi o destino dos ímpios. Certamente
os põe em terreno escorregadio e os fazes cair na ruína. Como são destruídos de
repente, completamente tomados de pavor! São como um sonho que se vai quando
acordamos, quando te levantares, Senhor, tu os farás desaparecer” (cf. Salmos 73:17-
20)

“Os ímpios que te abandonam sem dúvida perecerão; tu destróis todos os infiéis” (cf.
Salmos 73:27)

“O insensato não entende, o tolo não vê que, embora os ímpios brotem como a erva e
floresçam todos os malfeitores, eles serão destruídos para sempre” (cf. Salmos 92:6,7)

“Deus fará cair sobre eles os seus crimes, e os destruirá por causa dos seus pecados; o
Senhor, nosso Deus, os destruirá!” (cf. Salmos 94:23)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 366


“Sejam os pecadores eliminados da terra e deixem de existir os ímpios” (cf. Salmos
104:35)

“Pois o resgate de uma vida não tem preço. Não há pagamento que o livre para q ue viva
para sempre e não sofra decomposição” (cf. Salmos 49:8,9)

“O Senhor cuida de todos os que o amam, mas a todos os ímpios destruirá” (cf. Salmos
145:20)

“Quem obedece aos mandamentos preserva a sua vida, mas quem despreza os seus
caminhos morrerá” (cf. Provérbios 19:16)

“Pois não há futuro para o mau, e a lâmpada dos ímpios se apagará” (cf. Provérbios
24:20)

“Tema ao Senhor e o rei, meu filho, e não se associe aos dissidentes, pois terão repentina
destruição, e quem pode imaginar a ruína que o Senhor e o rei podem causar?” (cf.
Provérbios 24:21,22)

“Mas os ímpios serão eliminados da terra, e dela os infiéis serão arrancados” (cf.
Provérbios 2:22)

“Quem permanece na justiça viverá, mas quem sai em busca do mal corre para a morte”
(cf. Provérbios 11:19)

“Há uma severa lição para quem abandona o seu caminho; quem despreza a repreensão
morrerá” (cf. Provérbios 15:10)

“Sião será redimida com justiça, com retidão aos que se arrependerem. Mas os rebeldes e
os pecadores serão destruídos, e os que abandonam ao Senhor perecerão” (cf. Isaías
1:28)

“Por isso, assim como a palha é consumida pelo fogo e o restolho é devorado pelas
chamas, assim também as suas raízes apodrecerão, e as suas flores, como o pó, serão
levadas pelo vento: pois rejeitaram a lei do Senhor dos Exércitos, desprezaram a palavra
do Santo de Israel” (cf. Isaías 5:24)

“O opressor há de ter fim, a destruição se acabará e o agressor desaparecerá da terra.


Então, o amor será firmado em trono; em fidelidade um homem se assentará nele a tenda
de Davi, um juiz que busca a justiça e se apressa em defender o que é justo” (cf. Isaías
16:4,5)

“Erguida está a tua mão, mas eles não a vêem! Que vejam o teu zelo para com o teu povo,
e se envergonhem; que o fogo reservado para os teus adversários os consuma” (cf. Isaías
26:11)

“Mas os seus muitos inimigos se tornarão como o pó fino, as hordas cruéis, como palha
levada pelo vento. Repentinamente, num instante, o Senhor dos Exércitos virá com

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 367


trovões e terremoto e estrondoso ruído, como tempestade e furac ão e chamas de um fogo
devorador” (cf. Isaías 29:5,6)

“Naquele dia os surdos ouvirão as palavras do livro, e não mais em trevas e escuridão, os
olhos dos cegos tornarão a ver. Mais uma vez os humildes se alegrarão no Senhor, os
necessitados exultarão no Santo de Israel. Será o fim do cruel, o zombador desaparecerá
e todos os de olhos inclinados para o mal serão eliminados” (cf. Isaías 29:18-20)

“Ai de você, destruidor, que ainda não foi destruído! Ai de você, traidor, que não foi traído!
Quando você acabar de destruir, será destruído” (cf. Isaías 33:1)

“Todos os que o odeiam certamente serão humilhados e constrangidos; aqueles que se


opõe a você serão como o nada e perecerão. Ainda que você procure os seus inimigos,
você não os encontrará. Os que guerreiam contra você serão reduzidos a nada” (cf. Isaías
41:11,12)

“Sem dúvida eles são como restolho; o fogo os consumirá” (cf. Isaías 47:14)

“Vocês deixarão seu nome como uma maldição para os meus escolhidos; o Soberano, o
Senhor, matará vocês, mas aos seus servos dará outro nome” (cf. Isaías 65:15)

“Pois como o fogo e a espada o Senhor executará julgamento sobre todos os homens, e
muitos serão os mortos pela mão do Senhor” (cf. Isaías 66:16)

“Os que se consagram para entrar nos jardins indo atrás do sacerdote que está no meio,
comem carne de porco, ratos e outras coisas repugnantes, todos eles perecerão, declara o
Senhor” (cf. Isaías 66:17)

“Tu, porém, me conheces, Senhor; tu me vês e provas a minha atitude para contigo.
Arranca os ímpios como as ovelhas destinadas ao matadouro! Reserva-os para o dia da
matança!” (cf. Jeremias 12:3)

“Mas, se um ímpio se desviar de todos os pecados que comete u e obedecer a todos os meus
decretos e fizer o que é justo e é direito, com certeza viverá, não morrerá” (cf. Ezequiel
18:21)

“Teria eu algum prazer na morte do ímpio? Palavra do Soberano, o Senhor. Ao


contrário, acaso não me agrada vê-lo desviar-se dos seus caminhos e viver? Se, porém,
um justo se desviar de sua justiça, e cometer pecados e as mesmas práticas detestáveis
dos ímpios, ele deverá viver? Nenhum de seus atos de justiça será lembrado! Por causa
de sua infidelidade de que é culpado e por causa dos pecados que ele cometeu, ele
morrerá” (cf. Ezequiel 18:23,24)

“Se um justo desviar-se de sua justiça e cometer pecado, ele morrerá por causa disso,
por causa do pecado que ele cometeu ele morrerá. Mas, se um ímpio se desviar de sua
maldade e fizer o que é justo e direito, ele salvará a sua vida. Por considerar todas as
ofensas que cometeu e se desviar delas, ele com certeza viverá, não morrerá” (cf.
Ezequiel 18:16,28)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 368


“Por isso serão como a neblina da manhã, como o orvalho que bem cedo evapora, como
a palha que num redemoinho vai-se de uma eira, como a fumaça que sai pela chaminé”
(cf. Oseias 13:3)

“Embora estejam entrelaçados como espinhos e encharcados de bebida c omo bêbados,


serão consumidos como a palha mais seca” (cf. Naum 1:10)

“Nem a sua prata nem o seu ouro poderão livrá-los no dia do Senhor. No fogo do seu zelo o
mundo inteiro será consumido, pois ele dará fim repentino a todos os que vivem na
terra” (cf. Sofonias 1:18)

NO NOVO TESTAMENTO

“Aquele que cair sobre esta pedra será despedaçado, e aquele sobre quem ela cair será
reduzido a pó” (cf. Mateus 21:44)

“Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá -lo? Não servirá
para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens” (cf. Mateus 5:13)

“Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que
pode destruir no inferno tanto a alma como o corpo” (cf. Mateus 10:28)

“Faltava-lhe ainda um para enviar: seu filho amado. Por fim o enviou, dizendo: A meu filho
respeitarão. Mas os lavradores disseram uns aos outros: ‘Este é o herdeiro. Venham, vamos
matá-lo, e a herança será nossa’. Assim eles o agarraram, o mataram e o lançaram para
fora da vinha. O que fará então o dono da vinha? Virá e exterminará aqueles lavradores e
dará a vinha a outros” (cf. Marcos 12:5-9)

“Comiam, bebiam, casavam, e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na
arca, e veio o dilúvio, e os consumiu a todos. Como também da mesma maneira aconteceu
nos dias de Ló: Comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam; Mas no
dia em que Ló saiu de Sodoma choveu do céu fogo e enxofre, e os consumiu a todos” (cf.
Lucas 17:27-29)

“Ele, porém, lhes disse: Pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os
outros galileus, por terem padecido estas coisas? Não eram, eu vo -lo afirmo; se, porém,
não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis” (cf. Lucas 13:2,3)

“Ou pensais que aqueles dezoito, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, foram
mais culpados do que todos os outros habitantes de Jerusalém? Não, eu vos digo; antes, se
não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis” (cf. Lucas 13:4,5)

“Mas os seus concidadãos o odiavam e enviaram após ele uma embaixada, dizendo: Não
queremos que este reine sobre nós. Quanto, porém, a esses meus inimigos, que não
quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e executai-os na minha presença” (cf.
Lucas 19:14,27)

“Jesus olhou fixamente para eles e perguntou: Então, qual é o significado do que está
escrito? ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular’. Todo o que cair

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 369


sobre esta pedra será despedaçado, e aquele sobre quem ela cair será reduzido a pó”
(cf. Lucas 20:17,18)

“Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder a vida por minha causa,
este a salvará” (cf. Lucas 9:24)

“Pois que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, e perder-se ou destruir a si


mesmo?” (cf. Lucas 9:25)

“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu filho único, para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (cf. João 3:16)

“Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna. Em verdade, em
verdade vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna. Vossos pais comeram o maná no
deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que todo o que dele comer não
pereça. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá
eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne” (cf. João 6:47-
51)

“Eu lhes disse que vocês morrerão em seus pecados. Se vocês não crerem que Eu Sou, de
fato morrerão em seus pecados” (cf. João 8:24)

“Disse-lhes Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que
morra, viverá; e quem vive e crê em mim, não morrerá eternamente” (cf. João 11:28)

“Aquele que ama a sua vida, a perderá; ao passo que aquele que odeia a sua vida neste
mundo, a conservará para a vida eterna” (cf. João 12:25)

“Eu lhes dou a vida eterna, e eles jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da minha
mão” (cf. João 10:28)

“Pois Davi não subiu ao céu, mas ele mesmo declarou: O Senhor disse ao meu Senhor:
Senta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos como estrado para os teus
pés” (cf. Atos 2:34,35)

“Acontecerá que toda alma que não ouvir a esse profeta será exterminada do meio do
povo” (cf. Atos 3:23)

“Cuidem para que não lhes aconteça o que disseram os profetas: Olhem, escarnecedores,
admirem-se e pereçam; pois nos dias de vocês farei algo que vocês jamais creriam se
alguém lhes contasse!” (cf. Atos 13:40,41)

“Embora conheçam o justo decreto de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas
merecem a morte, não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles
que as praticam” (cf. Romanos 1:32)

“Todo aquele que pecar sem Lei, sem a Lei também perecerá, e todo aquele que pecar sob
a Lei, pela Lei será julgado” (cf. Romanos 2:12)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 370


“Não sabem que, quando vocês se oferecem a alguém para lhe obedecer como escravos,
tornam-se escravos daquele a quem obedecem: escravos do pecado que leva a morte” (cf.
Romanos 6:16)

“Que fruto colheram então das coisas das quais agora vocês se envergonham? O fim delas é
a morte!” (cf. Romanos 6:21)

“E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com
grande paciência os vasos da sua ira, preparados para a destruição?” (cf. Romanos 9:22)

“Porque, se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito mortificardes as


obras do corpo, vivereis” (cf. Romanos 8:13)

“Que fruto vocês colheram então das coisas as quais agora vocês se envergonham? O fim
delas é a morte!” (cf. Romanos 6:21)

“Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em
Cristo Jesus, nosso Senhor” (cf. Romanos 6:23)

“Pois a palavra da cruz é uma estultícia para os que perecem, mas para nós que somos
salvos é o poder de Deus” (cf. 1ª Coríntios 1:18)

“Entretanto, falamos de sabedoria entre os que já têm maturidade, mas não da sabedoria
desta era ou dos poderosos desta era, que estão sendo reduzidos a nada” (cf. 1ª Coríntios
2:6)

“Vocês não sabem que são santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vocês? Se
alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; pois o santuário de Deus, que são
vocês, é sagrado” (cf. 1ª Coríntios 3:16,17)

“Pois para Deus somos o bom cheiro de Cristo nos que são salvos e nos que perecem. Para
estes somos cheiro de morte; para aqueles, fragrância de vida” (cf. 2ª Coríntios 2:15,16)

“Ele nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do
Espírito; pois a letra mata, mas o Espírito vivifica” (cf. 2ª Coríntios 3:6)

“Se ainda um véu permanece sobre o nosso Evangelho, naqueles que perecem está o véu”
(cf. 2ª Coríntios 4:3)

“A tristeza segundo Deus não produz remorso, mas sim um arrependimento que leva à
salvação, e a tristeza segundo o mundo produz a morte” (cf. 2ª Coríntios 7:10)

“Quem semeia para a sua carne, da carne colherá destruição; mas quem semeia para o
Espírito, do Espírito colherá vida eterna” (cf. Gálatas 6:8)

“Sem de forma alguma deixar-se intimidar por aqueles que se opõe a vocês. Para eles isso
é sinal de destruição, mas para vocês, de salvação, e isso da parte de Deus” (cf. Filipenses
1:28)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 371


“Quanto a estes, o seu destino é a destruição, o seu deus é o estômago e têm orgulho do
que é vergonhoso; eles só pensam nas coisas terrenas” (cf. Filipenses 3:19)

“Ele punirá os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao evangelho de nosso
Senhor Jesus. Eles sofrerão a pena da destruição eterna, a separação da presença do
Senhor e da majestade do seu poder” (cf. 1ª Tessalonicenses 1:8,9)

“Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então lhes sobre -virá repentina
destruição, como as dores de parto àquela que está grávida, e de modo nenhum
escaparão” (cf. 1ª Tessalonicenses 5:3)

“E com sinais e com prodígios mentirosos e com toda a sedução da injustiça para aqueles
que perecem, porque não receberam o amor da verdade, a fim de serem salvos” (cf. 2ª
Tessalonicenses 2:10)

“Portanto, deixemos os ensinos elementares a respeito de Cris to e avancemos sem lançar


novamente o fundamento do arrependimento de atos que conduzem à morte” (cf. Hebreus
6:1)

“Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a destruição; somos, entretanto, da fé,
para a conservação da alma” (cf. Hebreus 10:39)

“Se continuarmos a pecar deliberadamente depois que recebemos o conhecimento da


verdade, já não resta sacrifício pelos pecados, mas tão-somente uma terrível expectativa de
juízo e de fogo intenso que há de devorar os rebeldes” (cf. Hebreus 10:26,27)

“Mas quando este sacerdote acabou de oferecer, para sempre, um único sacrifício pelos
pecados, assentou-se à direita de Deus. Daí em diante, ele está esperando até que os seus
inimigos sejam colocados como estrado dos seus pés” (cf. Hebreus 10:12,13)

“Há apenas um Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e destruir. Mas quem é você para
julgar o seu próximo?” (cf. Tiago 4:12)

“Saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador, salvará da
morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados” (cf. Tiago 5:20)

“Aquele que pratica o pecado é do diabo, porque o diabo vem pecando desde o princípio.
Para isso o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do diabo” (cf. 1ª João 3:8)

“Se alguém vir seu irmão cometer pecado que não leva à morte, ore, e Deus lhe dará vida.
Refiro-me àqueles cujo pecado não leva à morte. Há pecado que leva à morte; não estou
dizendo que se deva orar por este” (cf. 1ª João 5:16)

“No passado surgiram falsos profetas no meio do povo, como também surgirão entre vocês
falsos mestres. Estes introduzirão secretamente heresias destruidoras, chegando a negar o
Soberano que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição” (cf. 2ª Pedro
2:1)

“Em sua cobiça, tais mestres os explorarão com histórias que inventaram. Há muito tempo
a sua condenação paira sobre eles, e a sua destruição não tarda” (cf. 2ª Pedro 2:3)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 372


“Mas eles difamam o que desconhecem e são como criaturas irracionais, guiadas pelo
instinto, nascidas para serem capturadas e destruídas; serão corrompidos pela própria
corrupção. Eles receberão retribuição pela injustiça que causaram” (cf. 2ª Pedro 2:12,13)

“Ora, os céus que agora existem e a terra, pela mesma palavra, têm sido entesourados
para fogo, estando reservados para o Dia do Juízo e destruição dos homens ímpios” (cf. 2ª
Pedro 3:7)

“O Senhor não demora em cumprir a sua promessa, como julgam alguns. Pelo contrário, ele
é paciente com vocês, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao
arrependimento” (cf. 2ª Pedro 3:9)

“Também condenou as cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo-os as cinzas,


tornando-as como exemplo do que acontecerá com os ímpios” (cf. 2ª Pedro 2:6)

“Então a morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. O lago de fogo é a segunda
morte. Se o nome de alguém não foi encontrado no livro da vida, este foi lançado no lago
de fogo” (cf. Apocalipse 20:14,15)

“E subiram sobre a largura da terra, e cercaram o arraial dos santos e a cidade amada; e de
Deus desceu fogo, do céu, e os consumiu” (cf. Apocalipse 20:9)

“As nações se iraram; e chegou a tua ira. Chegou o tempo de julgares os mortos e de
recompensares os teus servos, os profetas, os teus santos e os que temem o teu nome,
tanto pequenos como grandes, e de destruir os que destroem a terra” (cf. Apocalipse
11;18)

Conclusão - Com todo o arsenal que a Bíblia usa retratando o destino final dos ímpios, até
um cego é capaz de notar todas as evidências: de que os ímpios serão eliminados (cf.
Pv.2:22; Sl.37:9; Sl.37:22; Sl.104:35; Is.29:18-20), destruídos (cf. 2Pe.2:3;
2Pe.2:12,13; Tg.4:12; Mt.10:28; 2Pe.3:7; Dt.7:10; Fp.1:28; Rm.9:22; Sl.145:20; Gl.6:8;
1Co.3:16,17; 1Ts.5:3; 2Pe.2:1; Sl.145:20; Sl.94:23; Pv.1:29; 1Ts.5:3; Jó 4:9; Sl.1:4-6;
Sl.73:17-20; Sl.92:6,7; Sl.94:23; Pv.24:21,22; Is.1:28; Is.16:4,5; Is.33:1; Lc.9:25;
Gl.6:8; 1Ts.1:8,9), arrancados (cf. Pv.2:22), mortos (cf. Jo.8:24; Jo.11:28; Jo.6:47-51;
Is.65:15; Rm.6:23; Is.11:4; Pv.11:19; Sl.34:21; Rm.8:13; Sl.62:3; Pv.15:10; Tg.1:15;
Rm.8:13; Pv.19:16; Is.66:16; Jr.12:3; Rm.1:32; Ez.18:21; Ez.18:23,24; Ez.18:16,28;
2Co.7:10; Rm.6:16; 2Co.3:6; Hb.6:1), exterminados (cf. Sl.37:9; Mc.12:5-9; At.3:23),
executados (cf. Lc.19:14,27), devorados (cf. Ap.20:9; Jó 20:26-29; Is.29:5,6; Sl.21:9),
se farão em cinzas (cf. 2Pe.2:6; Is.5:23,24; Ml.4:3), não terão futuro (cf. Sl.37:38;
Pv.24:20), perderão a vida (cf. Lc.9:24), serão consumidos (cf. Sf.1:18; Lc.17:27-29;
Is.47:14; Sl.21:9; Jó 20:26-29; Ap.20:9; Is.26:11; Naum 1:10; Sl.21:9; Lc.17:27-29),
perecerão (cf. Jo.10:28; Jo.3:16; Sl.37:20; Jó 4:9; Is.66:17; Sl.37:20; Sl.68:2; Sl.73:27;
At.13:40,41; Is.1:28; Is.41:11,12; 1Co.1:18; Rm.2:12; 2Co.4:3; 2Co.2:15,16; Lc.13:2,3;
Lc.13:4,5; 2Ts.2:10), serão despedaçados (cf. Lc.20:17,18; Mt.21:44; 1Sm.2:10),
virarão estrado para os pés dos justos (cf. At.2:34,35), desvanecerão como fumaça
(cf. Sl.37:20; Sl.68:2; Is.5:24), terão um fim repentino (cf. Sf.1:18; Pv.24:21,22;
Is.29:5,6; 1Ts.5:3; Is.29:18-20; 2Pe.2:1), serão como a palha que o vento leva (cf.
Sl.1:4-6; Is.5:24; Is.29:5,6), serão como a palha para ser pisada pelos que vencerem

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 373


(cf. Ml.1:1,3; Mt.5:13; Hb.10:12,13), serão reduzidos ao pó (cf. Sl.9:17; Is.5:24;
Is.29:5,6; Lc.20:17,18; Mt.21:44; 2Pe.2:6), desaparecerão (cf. Sl.73:17-20; Is.16:4,5;
Is.29:18-20), deixarão de existir (cf. Sl.104:35), serão apagados (cf. Pv.24:20), serão
reduzidos a nada (cf. Is.41:11,12; 1Co.2:6), serão como se nunca tivessem existido
(cf. Ob.1:16), serão evaporados (cf. Os.13:3), será lhes tirada a vida (cf. Pv.22:23;
Jo.12:25), e não mais existirão (cf. Sl.104:35; Pv.10:25).

Diante de tudo isso, apenas alguém bem mal entendido ou mal intencionado achará que
Deus condena pessoas a terem seus corpos (que, ao contrário dos justos, não serão
incorruptíveis – cf. Gl.6:8; Rm.2:7) queimando em um tormento eterno que não acaba
nunca, em um processo de destruição eterno e inconclusivo. A Bíblia nos mostra um quadro
claro de consumo total pelo fogo, não de um tormento eterno. A partir de agora
passaremos, então, a analisar as (quase) meia dúzia de versos bíblicos usadas por aqueles
que pregam a vida eterna no inferno. Por hora, basta respondermos a pergunta: os
incrédulos irão ficar de eternidade em eternidade sofrendo no inferno ou eles serão
completamente consumidos pelo fogo do inferno? Biblicamente, a segunda opção.

IV–Analisando as passagens utilizadas pelos imortalistas

Fogo Eterno - Haja visto que, como vimos acima e reforçaremos mais adiante, a destruição
completa dos ímpios (a qual denominamos “aniquilamento”) é um fato, o nosso próximo
passo é desvendarmos as passagens isoladas e descontextualizadas usadas por parte dos
defensores da doutrina da imortalidade da alma para sustentar a doutrina do tormento
eterno. Uma delas é a linguagem bíblica do “fogo eterno”. Os imortalistas argumentam que
ela implica necessariamente que os ímpios passarão de eternidade em eternidade
queimando em meio às chamas como em um processo infindável. Porém, a linguagem
bíblica acerca de fogo eterno é bem diferente disso. Biblicamente, fogo eterno é uma
linguagem aplicada para os efeitos irreversíveis da destruição, e não para um
processo literalmente sem fim.

Para explicar isso com exemplos práticos à luz da Sagrada Escritura, basta vermos aquilo
que Deus diz sobre Edom:

“Os ribeiros de Edom se transformarão em piche, e o seu pó, em enxofre; a sua terra se
tornará em piche ardente. Nem de noite nem de dia se apagará; subirá para sempre a
sua fumaça; de geração em geração será assolada , e para todo o sempre ninguém
passará por ela” (cf. Isaías 34:9-10)

Onde é que estão os edomitas? Já desapareceram há muitíssimo tempo e na sua terra o


fumo não está subindo nem queimando e muito menos o piche está ardendo até hoje. Mas
seria de se esperar que víssemos um fogo literalmente queimando até os dias de hoje como
em um processo sem fim na terra de Edom, no caso da linguagem de “fogo eterno” ( “nem
de noite nem de dia se apagará... subirá para sempre a sua fumaça... de geração em
geração será assolada”) implicasse naquilo que os imortalistas afirmam que implica.

Os ribeiros de Edom não estão queimando até hoje. O fogo que Deus enviou sobre Edom
não durou de “geração em geração” em sentido literal. Nem tampouco vemos alguma
fumaça subindo de lá em tempo contínuo e ininterrupto. Qualquer um poderia olhar p ara
essa descrição e pensar: “Deus mentiu! A Bíblia é uma farsa! Viva o ateísmo! Viva

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 374


Dawkins”! Não tão cedo. Só pensa que a profecia bíblica não se cumpriu se estiver com um
conceito errado daquilo que o “fogo eterno” signifique.

Se olharmos pela ótica imortalista, realmente, a profecia falhou e a Bíblia mente. Mas, se
olharmos exegeticamente, apenas constatamos que o fogo eterno é uma linguagem bíblica
para uma destruição irreversível causada pelo fogo. Em outras palavras, o fogo que
consumiu Edom a deixou em ruínas para sempre (“eterno”), não por estar queimando até
hoje, mas porque os efeitos da destruição são eternos (irreversíveis). Da mesma forma,
lemos Deus dizendo aos israelitas:

“Mas, se não me ouvirdes, e, por isso, não santificardes o dia de sá bado, e carregardes
alguma carga, quando entrardes pelas portas de Jerusalém no dia de sábado, então,
acenderei fogo nas suas portas, o qual consumirá os palácios de Jerusalém e não se
apagará” (cf. Jeremias 17:27)

Aqui vemos que Deus disse que, se o povo israelita deixasse de santificar o sábado, Ele iria
acender fogo nas portas da cidade que “não se apagará”. Lemos em 2ª Crônicas 36:19-21
que esta profecia se cumpriu. A cidade está queimando até hoje? É claro que não! Os
palácios antigos da cidade nem existem mais, muito menos estão em chamas até os dias
atuais, assim como as portas da cidade que também não estão queimando.

Então, o que aconteceu com a profecia bíblica? Não se cumpriu? Deus falhou? Pelo
contrário: a profecia se cumpriu perfeitamente, quando temos em vista o significado real do
termo “fogo eterno” ou “que não se apagará”. Como já vimos, este fogo eterno significa
uma destruição completa e irreversível, cujos efeitos são permanentes. No caso da profecia
acima, o fogo realmente destruiu completamente os palácios de Jerusalém, que
simplesmente deixaram de existir – não estão até hoje entre as chamas. No caso dos
ímpios, é a mesma coisa que acontecerá: serão consumidos completamente pelo fogo
eterno, isto é, serão completamente consumidos de modo irreversível.

Deus também disse sobre a floresta do Neguebe:

“Diga à floresta do Neguebe: Ouça palavra do Senhor. Assim diz o Soberano, o Senhor:
Estou a ponto de incendiá-la, consumindo assim todas as suas árvores, tanto as verdes
quanto as secas. A chama abrasadora não será apagada, e todos os rostos, do Neguebe
até o norte, serão ressecados por ela. Todos verão que eu, o Senhor, acendi, e não será
apagada” (cf. Ezequiel 20:47,48)

Notem que Deus diz que essa floresta seria “consumida” e que o fogo “não seria apagado”.
Essa linguagem é exatamente a mesma que Deus emprega para o destino final dos ímpios:
serão “consumidos” (cf. Sf.1:18; Lc.17:27-29; Is.47:14; Sl.21:9; Jó 20:26-29; Ap.20:9;
Is.26:11; Naum 1:10; Sl.21:9; Lc.17:27-29) pelo “fogo eterno” (cf. Mt.25:41; 18:8). Para
os imortalistas, essa linguagem bíblica de consumir pelo fogo eterno significa o
prosseguimento eterno de vida, queimando em meio às chamas de um inferno eterno. Já
pela Bíblia, vemos que essa mesma linguagem é expressa para tratar das florestas do
Neguebe, que seriam “consumidas” (cf. Ez.20:47) por um fogo que “não seria
apagado” (v.48). E as florestas do Neguebe estão queimando até hoje? Não! Mil vezes não!

Portanto, a linguagem bíblica de consumir por um fogo eterno que não é apagado não
implica no prosseguimento eterno de vida através de um processo infindável em meio às

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 375


chamas em algum lugar, mas sim na extinção completa do sujeito, com efeitos
eternos (permanentes), assim como ocorreu com a floresta do Neguebe ( cf. Ez.20:47,48),
com os palácios de Jerusalém (cf. Jr.17:27), com os ribeiros de Edom (cf. Is. 34:9-10) e
com Sodoma e Gomorra:

“De modo semelhante a estes, Sodoma e Gomorra e as cidades ao redor se entregaram a


imoralidade e a relações sexuais antinaturais, foram postas como exemplo, sofrendo a
pena do fogo eterno” (cf. Judas 7)

Judas chama o fogo que caiu sobre Sodoma e Gomorra (registrado em Gênesis 19:24)
de “fogo eterno”. Porém, será que Sodoma e Gomorra est ão entre chamas até os dias de
hoje? Certamente que não! No lugar, atualmente, encontra-se o Mar Morto. Não há fogo
eterno dentro do Mar Morto, e o fogo que caiu sobre Sodoma e Gomorra serviu
para consumir completamente as cidades e exterminar por completo os seus
habitantes, e não para deixá-los eternamente em meio àquelas chamas, embora Judas
tenha chamado de “fogo eterno”!

O que mais impressiona é que Judas diz que este fogo “eterno” que caiu sobre Sodoma e
Gomorra era uma figura (tipologia) do fogo eterno do dia do juízo, o que se deduz
claramente da frase que ele diz: “...foram postas como exemplo”. Em outras palavras,
aquilo que aconteceu com Sodoma e Gomorra será o mesmo que ocorrerá com os
pecadores no dia do juízo. Por acaso Sodoma e Gomorra sofrem entre as chamas até hoje?
Por acaso o fogo que caiu naquelas cidades serviu para exterminar por completo tudo e
todos, ou para continuar queimando para sempre?

A resposta é óbvia: o exemplo de Judas elucida bastante a questão e nos mostra com
clareza incontestável a verdade bíblica do aniquilamento dos ímpios pelo “fogo eterno”. O
resumo de tudo isso é o seguinte: o fogo eterno não é uma linguagem que
expressa tormento eterno, consciente e infinito como em um processo, mas sim uma
linguagem que denota claramente um aniquilamento (cessação completa de vida) com
efeitos eternos (irreversíveis) para aquele que sofrer este dano da segunda morte. Ou
seja, o fogo é eterno em seus efeitos, e não em seu processo.

Qualquer principiante de Bíblia consegue perceber isso quando se depara c om todas as


evidências bíblicas, que de modo categórico mudam o lado da moeda e lançam os
argumentos imortalistas como um bumerangue direto contra eles mesmos, pois provam que
os argumentos que supostamente “provam” o tormento eterno na Bíblia na verdade provam
exatamente o contrário, que os ímpios serão exterminados completamente, assim como
foi em todos os outros casos registrados at é hoje em que a linguagem do “fogo eterno”
entrou em cena nas Escrituras.

Concluindo este ponto, repasso um desafio que já faço há muito tempo e até hoje não
obtive resposta. Se o fogo eterno é eterno no processo e não há aniquilamento mas
continuação eterna de existência, que me tragam um único exemplo bíblico onde
comprovadamente um “fogo eterno” está queimando literalmente até os dias de
hoje como em um processo infindável de dias. Ficarei imensamente grato por isso!

O bicho que não morre – Outra passagem que os imortalistas costumam lançar mão na
tentativa de colocarem o horror do tormento eterno na Bíblia é a de Marcos 9:47 -48, que

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 376


diz: “E, se o teu olho te escandalizar, lança-o fora; melhor é para ti entrares no reino de
Deus com um só olho do que, tendo dois olhos, seres lançado no fogo do inferno, onde o
seu bicho não morre, e o fogo nunca se apaga” (cf. Mc.9:47,48). Já conferimos que a
linguagem do “fogo que não se apaga” em nada alude à ideia de um tormento eterno, mas
favorece incontestavelment e a tese bíblica do aniquilacionismo com efeitos eternos, como
ocorreu em absolutamente todas as ocasiões em que semelhante linguagem foi empregada
na Bíblia.

Mas e quanto ao “bicho que não morre”? Seria essa uma evidência bíblica da existência de
bichos imortais? Duas coisas temos que frisar aqui logo de cara. Em primeiro lugar, o
texto não diz que o bicho nunca morrerá, mas que “não morre”, o que não indica
necessariamente um processo eterno de existência, mas que não morre por um tanto
indeterminado de tempo, ou seja, até que seus corpos sejam completamente consumidos.

E, em segundo lugar, o sentido do texto é obviamente hiperbólico, pois nestes mesmos


versos Cristo afirma para arrancar os olhos ou cortar pernas e braços para entrar no Reino
dos céus. Será que por isso no Reino haverá caolhos, manetas e pernetas ? Será que a
vontade de Deus é de amputar membros do corpo físico, que é o templo do Espírito Santo
(cf. 1Co.6:19)? Logicamente Jesus estava apenas fazendo uso de hipérbole neste
contexto, e não sendo literal. Não existe um verme que seja imortal, da mesma forma que
não temos que amputar literalmente nossos membros para entrarmos no Céu.

Em terceiro lugar, é importante mencionar que não há qualquer referência bíblica de que
um “verme” ou “bicho” possa ganhar imortalidade. Se os seres humanos não possuem alma
imortal, os bichos muito menos. De fato, os próprios imortalistas reconhecem que os bichos
não são imortais, pois Salomão nos diz que eles morrem (cf. Ec.3:19) e voltam ao pó (cf.
Ec.3:20), e que seu espírito “desce” na morte (cf. Ec.3:21), indicando que não há
ressurreição futura para eles. Se o bicho não é imortal, como os imortalistas interpretam
essa passagem?

Boa parte deles entendem a expressão “o seu bicho” como se referindo “ao seu corpo”,
dizendo que o corpo humano dos ímpios não morreria, e não que existiriam “bichos
imortais”. Contudo, tal alegação esbarra no fato de que absolutamente nunca a Bíblia se
refere ao nosso corpo como sendo um “bicho” ou “verme”, como traduziram este verso. Em
outras palavras, os imortalistas querem colocar na Bíblia uma expressão que ela nunca diz
quando se refere ao corpo.

Se o corpo fosse de fato um “bicho” ou um “verme”, seria imprescindível que qualquer um


dos inúmeros escritores bíblicos tivesse expressado tal condição em qualquer um dos 66
livros da Sagrada Escritura, mas como nenhum deles em qualquer ocasião se referiu desta
forma fica óbvio que essa tentativa não passa de uma visão tendenciosa do texto bíblico,
quando os imortalistas tentam fazer eisegese e não exegese no texto, e quando se veem
desesperados ao ponto de terem que dizer que o verme não é verme e o bicho não é bicho,
mas que é o nosso corpo, mesmo que nunca a Bíblia tenha se referido ao nosso corpo
como sendo um verme!

Essa evidente contradição se vê ainda mais forte quando deparamos isso com o relato
bíblico de que o nosso corpo não é um “bicho” ou um “verme”, como se fosse uma coisa
desprezível qualquer, mas é o templo do Espírito Santo (cf. 1Co.6:19). O próprio Senhor
Jesus foi dotado de um corpo quando se fez homem e habitou entre nós (cf. Hb.10:5). Seria

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 377


absurdo alegar que aquilo que é considerado templo do Espírito Santo e que foi morad a do
próprio Cristo na terra fosse um “verme” ou um “bicho” qualquer. Essa visão despreza o
valor do corpo, que Paulo diz que deve ser apresentado a Deus (cf. Rm.12:1). O que deve
ser apresentado a Deus como um “sacrifício vivo, santo e agradável” não é um verme ou
um bicho qualquer, mas o templo do Espírito Santo, onde o próprio Deus faz morada.

Outros imortalistas vão ainda mais longe em suas imaginações férteis e afirmam que este
“verme” é a própria alma, como se Cristo estivesse igualando esse “bicho” à própria “alma”
em si e não soubesse diferenciar “bicho” e “alma” (como se fossem a mesma coisa), como
se Deus tivesse criado uma alma imortal para depois chamá -la de “verme”! O que detona
de uma vez por todas com essas interpretações malucas de que o “bicho” seja uma
referência ao próprio corpo ou à alma é o significado da palavra empregada originalmente
por Jesus, que é skolex, que, de acordo com o léxico da Concordância de Strong, significa:

4663 σκωληξ skolex


de derivação incerta; TDNT - 7:452,1054; n m
1) verme, espec. aquele tipo que depreda cadáveres.

O The NAS New Testament Greek Lexicon segue nessa mesma linha e define skolex como
sendo “um verme, especificamente aquele tipo que ataca os cadáveres” 2 1 0 . Como vemos, os
léxicos do grego não dão como significado possível para skolex o próprio corpo ou a alma, o
que nos ajuda ainda mais a refutarmos tal interpretação imortalista, que não é apoiada em
nenhum lugar das Escrituras e em nenhum léxico do grego – ou seja, é “apoiada” apenas
em suas próprias imaginações. O fato é que Cristo não apenas citou um verme, mas um
tipo específico de verme, especialmente ligado àqueles que depredam cadáveres, que
atacam corpos mortos. E isso nos leva ao quarto lugar: Cristo não falava de almas
humanas vivas, mas de meros cadáveres! E isso fica claro pelo fato de Jesus ter usado este
texto de Isaías, que originalmente disse:

“Sairão e verão os cadáveres dos que se rebelaram contra mim; o seu verme não morrerá,
e o seu fogo não se apagará, e causarão repugnância a toda a humanidade” (cf. Isaías
64:24)

Note que Isaías não contemplava almas imortais em meio às chamas, nem espíritos
incorpóreos queimando eternamente, mas cadáveres, ou seja, pessoas já mortas, que
perderam a vida! A palavra empregada por Isaías foi peger, que significa:

06297 peger
procedente de 6296; DITAT - 1732a; n. m.
1) cadáver, carpo morto, monumento, estela.
1a) cadáver (de homem).
1b) carpo morto (de animais).

Portanto, Isaías em nada falava de um tormento eterno para almas imortais com corpos
ressurretos incorruptíveis para serem eternamente refratários ao fogo, mas sim cadáveres,
isto é, corpos já mortos! E Jesus seguiu exatamente essa mesma linha, pois citou o texto
de Isaías, dizendo que “o seu verme não morrerá”. Esse verme em nada tem a ver com o
próprio corpo humano ou com a alma humana, mas diz respeito ao tipo de verme que
depreda cadáveres, porque o texto bíblico fala de cadáveres e não de almas!

210 Disponível em: <http://www.biblestudytools.com/lexicons/greek/nas/skolex.html>


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 378
Ora, o geena, como já vimos, era o nome dado ao Vale de Hinon, que se localizava ao sul
de Jerusalém. Era um verdadeiro “lixão público”, local onde se deixavam os resíduos, bem
como toda a sorte de cadáveres de animais e malfeitores, e imundícies de todas as
espécies, recolhidas da cidade. Neste local era aceso um “fogo que nunca se apagava”, pelo
fato de que estava constantemente aceso, tendo em vista que suportava todos os tipos de
lixo e carniça que eram ali despejados. Os dejetos que não eram rapidament e consumidos
pela ação do fogo eram consumidos pela devastação dos vermes que ali se achavam, que
devoravam as entranhas dos cadáveres dos impenitentes que lá eram lançados, em um
espetáculo realmente aterrador.

E é este cenário que Isaías contemplava como o juízo final, e de que Jesus fez menção. Não
era um cenário onde almas imortais com corpos incorruptos ressurretos eram atormentadas
eternamente em meio às chamas, mas onde cadáveres (i.e, corpos de pessoas já mortas,
aniquiladas) são lançados para serem devorados pelos skolex (tipo específico de verme que
ataca cadáveres). Essa visão, portanto, é totalmente condizente com o
aniquilacionismo, pois somente deste jeito que Jesus e Isaías estariam contemplando
cadáveres de pessoas já mortas, aniquiladas, e não almas imortais com corpos vivos e
incorruptíveis.

Um judeu da época de Cristo podia entender isso perfeitamente, pois conhecia o texto de
Isaías de onde Jesus fazia menção e sabia bem aquilo que era o geena, pois conviviam com
o Vale de Hinon ao sul de Jerusalém, mas um imortalista de séculos posteriores, que nada
sabe de nada disso, consegue facilmente contradizer o ensino claro de Cristo a este
respeito, através de uma exegese pobre e superficial que distorce completamente aquilo
que foi dito, conseguindo enganar os mais incautos.

Mateus 25:46 – Outro argumento famoso utilizado constantemente pelos imortalistas t rata-
se da frase de Jesus Cristo em Mateus 25:46, que assim reza:

“E irão eles para o castigo eterno, mas os justos irão para a vida eterna”

No grego:

“kai apeleusontai outoi eis kolasin aiônion oi de dikaioi eis zôên aiônion”

Os dualistas tem visto neste versículo uma suposta “prova” de que Jesus ensinava o
tormento eterno no inferno. Nada mais falso do que tal afirmação, pois Jesus aqui nada fala
de tormento, como faz uma versão adulterando a Bíblia 2 1 1 , mas de punição, como aponta o
léxico da Concordância de Strong:

Significado de kolasin:

2851 κολασις kolasis


de 2849; TDNT - 3:816,451; n f
1) correção, punição, penalidade.

211 De todas as versões consultadas por mim, a única que traduz erroneamente por “tormento” é a
Almeida Corrigida, Revisada e Fiel. Todas as outras versões bíblicas traduzem corretamente por
“punição” ou “castigo”.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 379
Portanto, uma tradução mais plausível do verso seria “punição eterna” (como traduz a King
James – “everlasting punishment”), e não “tormento eterno”. Se Cristo quisesse passar a
ideia de tormento, como creem os imortalistas, teria feito uso da palavra grega basanos,
que significa exatamente “tortura, tormento, dores agudas” 2 1 2 , de acordo com esse mesmo
léxico da Concordância de Strong. E se Mateus tivesse a intenção de passar tal ideia de um
tormento eterno sendo expresso aqui neste verso, ele teria essa opção pronta, a mão, que
poderia ter sido perfeitamente utilizada.

Porém, a “punição” que o texto se refere não está no sentido de tormento, que seria
basanos e não kolasin. Mas em qual outro sentido estaria? Ora, a pena de morte também é
uma punição. Quando alguém é condenado a pena de morte, isso de modo algum deixa de
ser uma punição a ele – se não é uma punição, o que mais seria? Uma recompensa? É
evidente que “punir” alguem não implica necessariamente em fazer que este alguém seja
atormentado, pois a morte também é tratada (tanto por Deus como pelos homens) como
sendo uma punição, uma penalidade, conhecida como “pena de morte”.

Sendo assim, o sentido do texto não seria de tormento eterno, mas de morte eterna. O
texto estaria contrastando aqueles que iriam para a morte eterna com aqueles que iriam
para a vida eterna, como a Bíblia faz frequentemente (cf. Dt.30:15; 19:2; 2Sm.15:21;
Pv.12:28; 13:14; 14:27; 18:21; Jr.8:3; 21:8; 52:34; Jo.5:24; Rm.5:10,17,21; 6:4,10;
7:10; 8:6,38; 2Co.2:16; 4:11,12; Fp.1:20,; 1Jo.3:14; 5:16), e não contrastando vida
eterna e tormento eterno, que não possui apoio bíblico. Corrobora com isso o sentido do
uso de kolasin na época de Cristo. O Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento dá o seguinte significado para kolasin:

“Kolasin = Castigo. Deriva-se de Kolos, ‘mutilar’, ‘cortar fora’; é usado figuradamente


para ‘impedir’, ‘restringir’, ‘punir’”

Como vemos, seu uso primário é de “mutilar” ou “cortar fora”, é neste sentido que ele é
usado como punição. O respeitado Dicionário de Grego Clássico, editado por Lidell e
Scott (que não são mortalistas) mostra o uso de kolasin nos mais diferentes escritos dos
primeiros séculos e concluiu que ele descreve “um método drástico de interromper o
crescimento da amendoeira” 2 1 3 . Como é perceptível, kolasin é uma punição não em um
sentido vago, mas especificamente uma figura de aniquilacionismo, exatamente como
fazem com as amendoeiras. A obra intitulada A Critical Lexicon and Concordance to the
English and Greek New Testament, de E. W. Bullinger, também dá este mesmo sentido
a kolasin:

“Kolasin. Restringir, cortar curto, podar, manter dentro de limites, interromper, punir... o
castigo futuro pelo pecado é claramente definido como morte e destruição”

O The Classic Greek Dictionary (16ª Edição, 1962), do PhD George Ricker Berry,
concorda com tudo isso e dá o seguinte significado a kolazo:

“Podar, cercear... metaforicamente: castigar, corrigir, punir”

212 Léxico da Concordância de Strong, 931.


213 Liddels and Scott, Greek -English Lexicon (Oxford na Clarendon Press, 1966), p. 971.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 380
O Theological Dictionary of the New Testament (Volume III, 1965), de Gerhard Kittel,
diz que o verbo significa fundamentalmente: “mutilar, decepar”. O Young’s Analytical
Concordance, do Dr. Young, define kolasin como: “podar, restringir”2 1 4 . A nota de rodapé
da versão The Emphatic Diaglott traz os seguintes significados para kolasin:

Kolasin, deriva-se de kolazo, que significa:


1) Decepar, como no truncamento de ramos de árvores, podar.
2) Restringir, reprimir.
3) Castigar, punir. Extirpar alguém da vida, ou da sociedade, ou mesmo restringir, é tido
como castigo.

Outro fato que corrobora com tudo isso que vimos sobre kolasin é que tal verbo deriva de
kolazo, que, de acordo com o léxico da Concordância de Strong, significa:

2849 κολαζω kolazo


de kolos (enfezar); TDNT - 3:814,451; v
1) podar ou debastar, como árvores e asas.
2) controlar, reprimir, restringir.
3) punir, castigar, corrigir.
4) fazer ser punido.

Novamente vemos que a punição está relacionada não a um tormento, mas a cortar fora,
decepar, mutilar, como se fazem com as árvores. O Léxico Grego do Novo Testamento
NAS define kolazo como sendo:

1) Cortar galhos ou podar, como árvores e asas.


2) Frear, verificar, coibir.
3) Castigar, punir, corrigir.
4) Fazer com que sejam punidos.

Mais uma vez, é acentuando que o significado primário de tal verbo é de cortar algo, e seu
sentido secundário deve estar relacionado ao seu sentido principal, e não a um que sequer
faça parte do significado primário ou secundário de tal palavra, como o “tormento” que
creem os imortalistas. Os Dicionário Vine do Antigo e Novo Testamento e o Thayer’s and
Smith’s Bible Dictionary também definem kolazo como cortar, e não c omo atormentar:

Dicionário Vine
2849 kolazo
1) Primariamente: aparar, podar, cortar curto.

Thayer’s and Smith’s Bible Dictionary


1) Cortar galhos, podar, como árvores, asas.

Vale ressaltar que todos estes léxicos famosos mostrados acima não foram escritos nem por
adventistas nem por testemunhas de Jeová; ao contrário, foram elaborados por eruditos
bíblicos de diferentes denominações evangélicas e tais léxicos são constantemente
utilizados pelos próprios imortalistas. Portanto, não estamos fazendo uso de dicionários
bíblicos tendenciosos ou manipulados propositalmente, mas de fontes cujos autores criam

214 Young’s Analytical Concordance, p.995.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 381
na imortalidade da alma mas em seus trabalhos mantiveram os significados reais de
kolasin.

Como vemos, kolasin era usado na época de Cristo, nunca para indicar um tormento
sem fim, mas sim para acentuar o caráter bíblico do aniquilamento dos ímpios [morte
eterna; segunda morte] que serão “mutilados”, “cortados fora” ou “despedaçados”, assim
como as árvores que tinham seus galhos cortados. Essa analogia é feita para ressaltar o
aspecto irreversível da destruição completa dos pecadores, mas nunca de um processo de
tormento infindável. Jesus estava acentuando o contraste entre a vida eterna dos justos e a
morte eterna dos ímpios, que serão mutilados e despedaçados (figuras de
aniquilacionismo), cortados fora do Seu Reino.

O contraste, portanto, era entre vida eterna e morte eterna, entre existência eterna e
inexistência eterna, e não entre vida eterna no Céu ou no inferno. Nenhum significado
primário ou secundário de kolasin designa tormento, mas a etimologia da palavra nos
demonstra que ela era usada nos tempos de Cristo não como um tormento sem fim, mas no
sentido de pena capital, isto é, o despedaçamento, a morte. Corrobora com isso toda a
hermenêutica bíblica, pois em toda a Escritura é precisamente esse o ensinamento expresso
tanto no Antigo como no Novo Testamento:

CONTRASTE ENTRE VIDA ETERNA E MORTE ETERNA NA BÍBLIA


“Quem obedece aos mandamentos preserva a sua vida, mas quem despreza os seus
caminhos morrerá” (cf. Provérbios 19:16)

“Quem permanece na justiça viverá, mas quem sai em busca do mal corre para a
morte” (cf. Provérbios 11:19)

“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu filho único, para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (cf. João 3:16)

“Porque, se viverdes segundo a carne, morrereis; mas, se pelo Espírito mortificardes as


obras do corpo, vivereis” (cf. Romanos 8:13)

“Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna
em Cristo Jesus, nosso Senhor” (cf. Romanos 6:23)

“Que fruto vocês colheram então das coisas as quais agora vocês se envergonham? O
fim delas é a morte! Mas agora que vocês foram libertados do pecado e se tornaram
escravos de Deus, o fruto que colhem leva à santidade, e o seu fim é a vida eterna”
(cf. Romanos 6:21,22)

“Pois para Deus somos o bom cheiro de Cristo nos que são salvos e nos que perecem.
Para estes somos cheiro de morte; para aqueles, fragrância de vida” (cf. 2ª Coríntios
2:15,16)

“Quem semeia para a sua carne, da carne colherá destruição; mas quem semeia para o
Espírito, do Espírito colherá vida eterna” (cf. Gálatas 6:8)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 382


Mateus 25:46 não foge à regra para falar de “tormento”, pois, como vimos, tormento nem
sequer é uma tradução secundária plausível para a palavra. Mateus 25:46 fala da punição
eterna no sentido de morte eterna. Talvez o texto mais claro sobre isso seja o de 2ª
Tessalonicenses 1:9, em que Paulo diz:

“Eles sofrerão a pena da destruição eterna, a separação da presença do Senhor e da


majestade do seu poder” (cf. 2ª Tessalonicenses 1:9)

A palavra aqui traduzida por “destruição” como sendo a sorte final dos ímpios é olethros,
que, de acordo com o léxico da Concordância de Strong, significa:

3639 ολεθρος olethros


de uma palavra primária ollumi (destruir, forma prolongada); TDNT - 5:168,681; n m
1) ruína, destruição, morte.
1a) para a destruição da carne, dito de males externos e problemas pelos quais as
concupiscências da carne são subjugadas e destruídas.

Se Paulo quisesse dar a entender que aqui o sentido era apenas de “perdição”, como
vertem algumas traduções, teria à sua disposição a palavra grega pipto, que significa “estar
perdido”2 1 5 , ou até mesmo apollumi que é a palavra geralmente utilizada quando a
referência é a perder-se:

“Qual de vocês que, possuindo cem ovelhas, e perdendo uma, não deixa as noventa e nove
no campo e vai atrás da ovelha perdida [apollumi], até encontrá-la? E quando a encontra,
coloca-a alegremente sobre os ombros e vai para casa. Ao chegar, reúne seus amigos e
vizinhos e diz: ‘Alegrem-se comigo, pois encontrei minha ovelha perdida [apollumi]’” (cf.
Lucas 15:4-6)

“Pois este meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido [apollumi] e foi achado”
(cf. Lucas 15:24)

“Mas nós tínhamos que comemorar e alegrar-nos, porque este seu irmão estava morto e
voltou à vida, estava perdido [apollumi] e foi achado” (cf. Lucas 15:32)

“Pois o Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido [apollumi]” (cf. Lucas
19:10)

Paulo, porém, ao invés de lançar mão da palavra grega que significa “perdido”, faz questão
de utilizar olethros, que significa destruição, sendo assim traduzida inclusive pela King
James (“everlasting destruction”) e pela Young’s Literal Translation (“destruction age-
during”). O apóstolo, portanto, diz que os ímpios padecerão de destruição eterna. Não se
pode conceber um processo de destruição incompleto que não termina nunca, em um
processo eterno e inconclusivo. É evidente que ele se refere a uma destruição
com resultados permanentes. Paulo não estava contradizendo Cristo ao dizer que os ímpios
padecerão de eterna destruição e não de tormento eterno, porque Jesus nunca falou sobre
um tormento eterno em Mateus 25:46, mas sobre morte, assim como Paulo. O eterno-
aionios em nada muda este fato, pois, como observa Bacchiocchi:

215 Léxico da Concordância de Strong, 4098.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 383
“É evidente que a destruição dos ímpios não pode ser eterna em sua duração, porque é
difícil imaginar um processo eterno e inconclusivo de destruição. A destruição pressupõe
aniquilamento. A destruição dos ímpios é eterna-aionios, não porque o processo de
destruição continua para sempre, mas porque os resultados são permanentes. De igual
modo [assim como nesse texto de 2ª Tessalonicenses 1:9], a ‘eterna destruição’ de Mateus
25:46 é eterna porque seus resultados são permanentes. É um castigo que resulta em sua
eterna destruição ou aniquilamento” 2 1 6

Em Hebreus 6:2, o autor fala de um “juízo eterno-aionios”. Isso evidentemente não significa
que o julgamento é um processo que tem início mas não tem fim, mas sim que este juízo é
de resultados irreversíveis. Em Marcos 3:29, Cristo fala do “pecado eterno-aionios”, o que
não significa que o pecado é eterno em processo (como se a cada segundo o mesmo pecado
fosse repetido sucessivamente), mas em efeito, ou seja, é um pecado que não tem mais
volta, para o qual não há perdão.

Da mesma maneira, a “punição” eterna que os ímpios sofrerão é uma punição de resultados
permanentes. Cristo está estabelecendo a antítese do destino final de salvos e perdidos, o
que evidentemente é um destino eterno (irreversível), definitivo para ambos os grupos. A
palavra “eterno-aion” está relacionada para ambos os grupos, mas não está igualada em
seu sentido pleno e absoluto. Ambos são “eternos”, mas com aplicações diferentes. Para os
salvos, a eternidade é no próprio processo; para os perdidos, a eternidade é nos
efeitos/consequências da condenação.

Quando a Bíblia fala de morte eterna, punição eterna, juízo eterno, pecado eterno ou
destruição eterna, ela não está falando de um juízo que tem início e não tem fim, de um
processo de morte infindável, de um pecado que se volta a cometer sempre ou de uma
destruição inconclusiva que não termina nunca, mas de resultados eternos. O juízo é eterno
por ser irrevogável. A morte é eterna porque alguém que morre na segunda morte nunca
mais voltará à vida. O pecado eterno é eterno porque não tem volta. A destruição é eterna
porque seus efeitos são permanentes. Como bem observa o respeitado erudito Basil
Atkinson:

“Quando o adjetivo aionios com o sentido de ‘eterno’ é empregado no grego com


substantivos de ação faz referência ao resultado da ação, não ao processo. Assim, a frase
‘castigo eterno’ é comparável a ‘eterna redenção’ e ‘salvação eterna’, ambas sentenças
bíblicas. Ninguém supõe que estamos sendo redimidos ou sendo salvos para sempre [como
um processo]. Fomos redimidos e salvos de uma vez por todas por Cristo, com resultados
eternos. Do mesmo modo, os perdidos não estarão passando por um processo de punição
para sempre, mas serão punidos uma vez por todas com resultados eternos. Por outro lado,
o substantivo ‘vida’ não é um substantivo de ação, mas um que expressa uma condição.
Assim, a própria vida é eterna” 2 1 7

Diante de tudo isso que vimos, devemos finalmente perguntar: qual é o sentido da
“punição” que Cristo se refere em Mateus 25:46 em contraste com a vida eterna?
A de tormento eterno, que não tem base nem nos significados do original grego e em léxico
nenhum, nem em nenhum outro lugar da Bíblia, ou a de uma morte eterna, que é
corroborada pelos sentidos expressos por todos os léxicos do grego, pelo significado

216 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
217 ATKINSON, Basil F. C. Life and Immortality.Taunton, Inglaterra, s/d), p. 101.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 384


etimológico da palavra e por toda a Sagrada Escritura que apresenta em todo momento o
contraste entre vida e morte como destinos finais? A resposta a essa pergunta pode ser
uma incógnita para os fanáticos que já estão tão presos na tese de um tormento eterno
baseado nessa passagem que não tem a mente aberta para a verdade, mas é fácil para
qualquer estudioso bíblico sincero.

O Apocalipse e o tormento eterno – Sem base bíblica nos 65 livros canônicos da Bíblia que
descrevem os acontecimentos de forma literal, os imortalistas se veem obrigados a
buscarem refúgio no alegórico livro do Apocalipse, o qual é considerado em grande parte
figurado, simbólico e hiperbólico por praticamente todos os teólogos e eruditos bíblicos na
história. Todos sabem o quão perigoso é fundamentar doutrinas bíblicas tendo por base
exclusivamente o Apocalipse, pois, como vimos, há diversas mensagens que João escreve
de modo enigmático, figurativo ou hiperbólico, como Cristo no Céu como cordeiro
ensanguentado (cf. Ap.5:6) e com sete chifres e sete olhos (cf. Ap.5:6), estrelas caindo
sobre a terra (cf. Ap.6:13), cavalos com cabeça de leão (cf. Ap.9:17) que soltam fogo e
enxofre pela boca (cf. Ap.9:17), gafanhotos com coroa de ouro na cabeça e com rosto
humano e dentes de leão (cf. Ap.9:7,8), um dragão perseguindo em um deserto uma
mulher grávida (cf. Ap.12:13) que tem asas e voa (cf. Ap.12:14), trovões falantes (cf.
Ap.10:3), altares falantes (cf. Ap.16:7), duas oliveiras que soltam fogo pela boca (cf.
Ap.11:4,5), dentre diversas outras linguagens claramente metafóricas, sem nada de literal.

Se é assim em todo o Apocalipse, por que razão a linguagem de um tormento eterno teria
que ser necessariamente literal? Os imortalistas demonstram completa falta de critério em
estabelecerem doutrinas em cima de livros que são abertamente não-literais. A maioria dos
eruditos bíblicos das mais diversas frentes escatológicas concordam que o Apocalipse é
literal do capítulo 1 ao 3, ao enviar as cartas para as sete igrejas em uma linguagem clara e
não-enigmática, passando a fazer amplo e rico uso de simbolismos durante todo o curso e
descrição da grande tribulação, do capítulo 4 até o capítulo 20, voltando a ser literal nos
últimos dois capítulos, com a descrição da nova ordem na nova terra. Não obstante, os
imortalistas pegam duas passagens em contexto alegórico para fundamentar sua tese no
tormento eterno dos ímpios, uma delas que inclusive nada fala de tormento eterno! Ela se
encontra em Apocalipse 14:9-11, no texto que diz:

“E seguiu-os o terceiro anjo, dizendo com grande voz: Se alguém adorar a besta, e a sua
imagem, e receber o sinal na sua testa, ou na sua mão, também este beberá do vinho da
ira de Deus, que se deitou, não misturado, no cálice da sua ira; e será atormentado com
fogo e enxofre diante dos santos anjos e diante do Cordeiro. E a fumaça do seu tormento
sobe para todo o sempre; e não têm repouso nem de dia nem de noite os que adoram a
besta e a sua imagem, e aquele que receber o sinal do seu nome ” (cf. Apocalipse 14:9-11)

Nestes versos, existem três coisas que eles destacam. São elas:

1º “...e será atormentado com fogo e enxofre” (v.10)

Este texto diz apenas que serão atormentados, não diz que o tormento será sem fim como
em um processo infindável. A Bíblia não diz que Deus irá deixar os ímpios sem castigo, mas
que esse castigo será respectivo e proporcional aos pecados de cada um, e não eterno a
todos indisc riminadamente. Foi por isso que o próprio Senhor Jesus disse:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 385


“Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que ele deseja, nem o
realiza, receberá muitos açoites. Mas aquele que não a conhece e pratica coisas
merecedoras de castigo, receberá poucos açoites” (cf. Lucas 12:47-48)

Cada um será castigado com o tanto proporcional aos seus pecados. Os justos herdarão a
vida eterna por graça através da fé, e não por merecimento. Os ímpios, contudo, que não
alcançaram a graça, serão castigos por aquilo que mereceram. É por isso que uns
levam “muitos açoites”, enquanto outros levam apenas “poucos açoites”. Note que
ninguém é castigo com “infinitos açoites”. Logicamente, o eterno não pode ser
considerado “pouco”. Sendo assim, o castigo aos pecadores é bíblico. O que não é bíblico é
o horror que é pregado em muitos lugares sobre um tormento eterno. Portanto, sim, os
ímpios serão atormentados, mas não: não será eternamente pelo processo, mas
pelos efeitos irreversíveis de sua destruição final e completa.

2º “...e a fumaça do seu tormento sobe para todo o sempre” (v.11)

Curiosamente, este texto fala da fumaça e não do fogo propriamente dito, e muito menos
do tormento daqueles que lá estariam. Como os eruditos bíblicos anglicanos John S tott e
David Edwards assinalam:

“O fogo mesmo é chamado ‘eterno’ e ‘inextinguível’, mas seria muito estranho se aquilo que
nele fosse jogado se demonstrasse indestrutível. Esperaríamos o oposto: seria consumido
para sempre, não atormentado para sempre. Segue-se que é o fumo (evidência de que o
fogo efetuou seu trabalho) que ‘sobe para todo o sempre’ (Ap.14:11)”2 1 8

Novamente, vemos que este texto, como os demais, está ressaltando os efeitos da
destruição, e não um processo eterno e sem fim de tormento. O que é et erno ou
inextinguível não é o tormento dos ímpios, mas sim o fogo que nos casos de Sodoma e
Gomorra causou a destruição completa e irreversível das cidades e seus habitantes,
condição esta que permanece para sempre (cf. Jd 7). Apocalipse 14:11 não descreve um
processo infinito, mas um ato cujos resultados serão permanentes, irreversíveis.

Compare, por exemplo, Apocalipse 14:11 com Isaías 34:9-10, que fala o seguinte sobre
Edom:

“E os seus ribeiros se tornarão em pez, e o seu pó em enxofre, e a sua terra em pez


ardente. Nem de noite nem de dia se apagará; para sempre a sua fumaça subirá ; de
geração em geração será assolada; pelos séculos dos séculos ninguém passará por ela” (cf.
Isaías 34:9,10)

Ambos os textos falam de condenações divinas, de fogo e enxofre e de uma fumaça que
sobe para sempre. Mas em Edom não há nenhuma fumaça literalmente “ subindo para
sempre” até os dias de hoje, e muito menos pessoas ímpias queimando até hoje naquele
lugar. Evidentemente, a descrição de Isaías e João é hiperbólica , relatando os efeitos
destrutivos irreversíveis do fogo, que é para sempre, e não de uma fumaça que literalmente
não apaga nunca ou de um fogo que literalmente está aceso para todo o sempre. Se com
Edom não existe nenhum fogo ou fumaça literalmente em atividade desde aqueles dias até

218STOTT, John; EDWARDS, David. Essentials: A Liberal-Evangelical Dialogue (London: Hodder and
Stoughton, 1988), p. 316.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 386
hoje, por que deveríamos pensar o contrário sobre o destino final dos ímpios, ainda mais
levando-se em conta que o Apocalipse é ainda mais alegórico que Isaías? 2 1 9

3º “...e não tem repouso nem de dia nem de noite” (v.11)

Essa frase (“não tem repouso”) tem sido interpretada como uma evidência para o tormento
eterno. Infelizmente, tal “evidência” só existe para aqueles que não sabem ou não querem
ler o contexto, pois dois versos depois o próprio João explica o que era esse “desc anso”
que ele se referia contextualmente 2 2 0 :

“E ouvi uma voz do céu, que me dizia: Escreve: Bem-aventurados os mortos que desde
agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das suas obras, e as
suas obras os seguem” (cf. Apocalipse 14:13)

Como vemos, para João o “descanso” do cristão é o descanso celestial, como ele deixa
claro nos versos seguintes a esse usado pelos imortalistas . Sendo assim, a descrição
apocalíptica acerca dos ímpios “não terem descanso” está no mesmo sentido exp resso em
Apocalipse 14:13 – do descanso das suas obras, a Jerusalém celestial. Se o sentido de “ter
descanso” é de descansar das suas obras no Paraíso celestial, então “não ter descanso” é
não descansar de suas obras (cf. Ap.14:13), precisamente porque as suas obras foram
más.

O texto bíblico está simplesmente refutando a crença na salvação universal (também


conhecida como universalismo) que ensina que todos os ímpios terão por fim o descanso
eterno do Paraíso, após sofrerem por certo tempo. Eles não terão esse descanso eterno do
Paraíso nem de dia nem de noite. O texto, portanto, não está tratando do tormento eterno,
mas sim de serem “eternamente banidos da face do senhor e da glória do seu poder” (cf.
2Ts.1:9). Portanto, absolutamente nada em Apocalipse 14:9-11 constitui uma prova
conclusiva a favor do tormento eterno dos ímpios. Vamos, então, para o outro texto
apocalíptico utilizado pelos imortalistas para sustentar essa doutrina:

“O diabo, que as enganava, foi lançado no lago de fogo que arde com enxofre, onde já
haviam sido lançados a besta e o falso profeta. Eles serão atormentados dia e noite, para
todo o sempre” (cf. Apocalipse 20:10)

Em primeiro lugar, uma importante observação deve ser feita sobre este versículo, que o
difere essencialmente dos demais: nele, não há qualquer menção aos não-salvos, mas
apenas ao diabo, a besta e ao falso profeta. Em outras palavras, ainda que
tomássemos esse verso literalmente e sem qualquer hipérbole ou alegoria
caracteristicamente apocalíptica, no máximo o que este texto poderia provar seria o

219 Na verdade, ao longo de todo o Apocalipse o apóstolo João faz menções indiretas a cenas descritas
no Antigo Testamento, tanto na condenação aos ímpios como da Babilônia ou “grande cidade”, e é bem
provável que ele tenha tomado empréstimo do texto de Isaias 34:9-10 ao falar sobre o destino final dos
ímpios assemelhando-o ao destino de Edom, assim como fez em várias outras ocasiões no livro,
inclusive na descrição de novos céus e nova terra que em todo o Antigo Testamento só é descrito em
Isaías (cf. Is.65:17). Se isso é verdade, deixa ainda mais claro que João não tinha a mínima noção de
um tormento eterno aos ímpios ao escrever isso em Apocalipse 14:9-11, mas tinha exatamente a mesma
ideia em mente que tinha Isaías em 34:9-10, ou seja, de uma destruição completa com efeitos eternos, e
não de um fogo ou fumaça que existe literalmente para todo o sempre. Isso fortalece indiscutivelmente a
doutrina aniquilacionista, e não a de um tormento eterno como ensinam os imortalistas.
220 O autor de Hebreus faz o mesmo em Hebreus 9:10-11.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 387


tormento eterno do diabo, mas não o tormento eterno de todos os humanos que foram
condenados. Usar este verso como “prova” do tormento eterno dos pecadores é não
observar o contexto óbvio da passagem – mais uma vez, a tirar de seu contexto.

Em segundo lugar, este texto nada mais é senão uma hipérbole empregada por João,
assim como outras várias que ele emprega ao longo de todo o livro. Hipérbole é “uma figura
de estilo que incide quando há exagero ou demasia propositada num conceiro, expressa de
modo a definir de forma dramática aquilo que se ambiciona vocabular, transmitindo uma
ideia aumentada do autêntico. Em palavras mais simples, hipérbole é ‘expressar uma ideia
de forma exagerada’” 2 2 1 . Em nosso cotidiano é muito comum expressarmos hipérboles,
como quando dizemos que “isso me matou de rir”, que “chorei rios de lágrimas”, que “estou
morrendo de fome” ou que “já te disse mil vezes para não fazer isso”. João, por estar
escrevendo um livro apocalíptico, não hesita em fazer amplo uso de hipérboles e alegorias,
como quando ele diz que uma estrela caiu na terra:

“E as estrelas do céu caíram sobre a terra, como quando a figueira lança de si os seus
figos verdes, abalada por um vento forte” (cf. Apocalipse 6:13)

Hoje em dia já se sabe que as estrelas possuem um tamanho maior que o do nosso planeta,
e se uma delas caísse na Terra era o fim da vida de todos que aqui vivemos, o Apocalipse
teria terminado neste capítulo 6 e nem existiria um capítulo 7 para contar outros
acontecimentos posteriores na tribulação! Se isso aconteceria com uma única estrela
caindo, imagine estrelas, no plural, como diz João! Obviamente essa é uma c lara hipérbole
empregada por ele, para algo que de fato vem a ser pequenos meteoritos ou mera alegoria
ou figura de linguagem.

Dificilmente também alguém pensaria que “o sol tornou-se negro como saco de cilício, e a
lua tornou-se como sangue” (cf. Ap.6:12) sem ser isso uma hipérbole, ou que “o Céu
retirou-se como um livro que se enrola; e todos os montes e ilhas foram removidos dos
seus lugares” (cf. Ap.6:14). Imagine o que aconteceria se o Céu fosse literalmente
“retirado” e se todos os montes que existem em todo o planeta fossem removidos dos seus
lugares! Por acaso seria possível existir vida na terra durante todo o restante da tribulação?
Lógico que não!

A questão aqui é simples. Se João pôde ser hiperbólico ao extremo ao tratar desses
acontecimentos, por que não teria sido ao falar sobre o destino do diabo em Apocalipse
20:10? Ainda mais se levássemos em consideração que nem sempre na Bíblia o termo aion
é utilizado para designar necessariamente algo sem fim – e isso até mesmo quando os
escritores bíblicos não estão usando hipérbole e não estão escrevendo livros alegóricos(!) –
como é que bem no Apocalipse, repleto de alegorias e hipérboles, aion deveria significar
literalmente um período sem fim?

Vemos, por exemplo, Davi descrevendo no Salmo 23:6 que “habitarei na casa do
Senhor para sempre”. Em linguagem semelhante, Jonas afirma: “Desci até à terra, cujos
ferrolhos se correram sobre mim para sempre, contudo fizestes subir da sepultura a minha
vida” (cf. Jn.2:6). Contudo, este “para sempre” não poderia ser mais breve: durou apenas
três dias! Também vemos que a lepra que atingiu a Geazi (servo do profeta Eliseu) “se
pegará a ti e à tua descendência para sempre” (cf. 2Rs.5:27). Será que nos dias de hoje

221 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Hip%C3%A9rbole_(figura_de_estilo)>. Acesso em:


27/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 388
existem leprosos sofrendo de tal enfermidade pelo fato de serem descendentes do
problemático servo do profeta? Se a lepra alcançaria “a ti... para sempre”, será que após
2900 anos Geazi continua leproso?

Ana relata ao seu marido Elcana: “Depois que o menino for desmamado, eu o levarei e o
apresentarei ao Senhor, e ele morará ali para sempre” (cf. 1Sm.1:22). Contudo, o “para
sempre” aqui duraria até o tempo de sua dedicação, ou seja, até o término de vida dele. O
Novo Testamento segue a mesma linha do Antigo, já que a palavra grega usada, “aion”,
nem sempre significa “eterno” no sentido absoluto da palavra, mas “perdurado por um
tempo”, tendo assim um sentido de tempo indeterminado, como aponta a Concordância de
Strong, um “período de tempo, idade, geração” 2 2 2 . Ou seja: não necessariamente eterno!

Em Mateus 13:40, o texto grego diz: “sunteleia tou aion”. A palavra sunteleia quer dizer
“consumação” – e logo em seguida vem o aion! É óbvio que o eterno (que não tem fim)
não pode ser consumado (ter um fim). A referência é simplesmente ao fim de uma era, o
mesmo que acontece com o destino final dos ímpios. Paulo escreve que “tudo isto lhes
sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso, para quem já são chegados os
fins dos séculos” (cf. 1Co.10:11). Aqui a palavra traduzida por “séculos” é a mesma
palavra grega aion, mas vemos que o aion pode chegar ao fim [katantao]!

A mesma linguagem é empregada pelo autor de Hebreus: “Mas agora na consumação dos
séculos uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (cf.
Hb.9:26). Novamente os tradutores verteram o aion por “séculos”, porque o texto diz que o
“aion” já foi chegado na primeira vinda de Cristo, então ele não é necessariamente eterno.
Aliás, o termo “consumação dos séculos”, originalmente sunteleia aionios, aparece bastante
nas Escrituras, sempre se referindo ao fim deste mundo, antes de chegar novos céus e nova
terra:

“Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste século
[sunteleia tou aiônos]” (cf. Mateus 13:40)

“Assim será na consumação dos séculos [sunteleia tou aiônos]: virão os anjos, e
separarão os maus de entre os justos” (cf. Mateus 13:49)

Nessas referências, fica claro que o aion tem um fim, que é no final desta era, ou no fim do
mundo, como vertem algumas traduções, dando lugar depois aos novos céus e nova terra.
Em outras palavras, o aion nestes textos se estende apenas até o fim desta terra, antes de
chegar a nova terra. Isso prova que o aion pode ser perfeitamente colocado quando a
referência diz respeito apenas até o fim desta terra, sem se prolongar à nova terra. Se é
assim em tantos exemplos bíblicos, por que o mesmo não poderia se re petir em
Apocalipse 20:10? Se em Mateus 13:40 e 13:49 o aion pode ter um fim com a criação da
nova terra, por que em Apocalipse 20:10 o aion também não pode ter um fim com a criação
da nova terra, ainda mais estando em contexto alegórico e hiperbólico?

Vemos que é frequente o uso do aion onde, de fato, existe um fim. O erudito bíblico Henry
Feyerabend faz as seguintes ponderações sobre o aion e suas durações:

“51 vezes no Novo Testamento, aionios se aplica à eterna alegria dos redimidos, o que, é
claro, não possui limitação de tempo. Pelo menos 70 vezes na Bíblia, essa palavra

222 Léxico da Concordância de Strong, 165.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 389
qualifica objetos de uma natureza limitada e temporária; assim, indica apenas
uma duração indeterminada. Quando lemos que Deus é ‘eterno’, isso é verdadeiramente
eterno, como entendemos o termo. Quando lemos que as montanhas são ‘perpétuas’,
significa que duram tanto quanto possível durar uma montanha” 2 2 3

Até mesmo o reconhecido apologista imortalista Norman Geisler reconhece isso, dizendo:

“A palavra hebraica correspondente a ‘para sempre’ (olam) com freqüência significa


simplesmente um longo período ou um tempo indefinido. Portanto, os versículos que falam
da terra como tendo uma duração ‘para sempre’ não precisam ser entendidos
necessariamente como referindo-se a uma duração sem fim”2 2 4

Isso porque a Bíblia fala sobre “colinas eternas” (cf. Gn.49:26), de “outeiros eternos” (cf.
Dt.33:15) e de “montes perpétuos” (cf. Hc.3:6). Evidentemente, as colinas, outeiros e
montes terrenos tem um fim de suas existências, não são absolutamente “eternos”, no
sentido mais pleno da palavra. Igualmente, o aspergir do sangue na festa da páscoa era
“ordenança eterna” (cf. Êx.12:24), tanto quanto era a herança de Calebe (cf. Js.14:9), a
lepra de Geazi (cf. 2Rs.5:27) e a duração do serviço de um escravo (cf. Êx.29:9; 40:15;
Lv.3:17). Todas essas coisas tinham, naturalmente, um fim temporal.

A Bíblia diz que Arão devia “queimar incenso diante do Senhor, para o servir e para dar a
bênção em seu nome, eternamente” (cf. 1Cr.23:13). Este “eternamente”, contudo, durou
menos de 123 anos, período de vida de Arão. Semelhantemente, o templo construído por
Salomão seria uma “eterna habitação” (cf. 1Rs.8:12,13) para Deus, que, todavia, durou
apenas alguns séculos antes de ser destruído pelos babilônicos. Davi relata que Deus o
escolheu para que fosse eternamente rei de Israel (cf. 1Cr.28:14). Isso foi equivalente a um
período de quarenta anos (cf. 1Rs.2:10,11). O apóstolo Paulo se refere ao escravo Onésimo
dizendo que este deveria voltar a servir a seu senhor “a fim de que o possuísseis para
sempre” (cf. Fm.15,16), ainda que esse “para sempre” significasse somente até o fim da
vida do escravo.

Onde queremos chegar com tudo isso? Simplesmente que, se o “para sempre” ( aion) é
muitas vezes empregado por escritores bíblicos em um contexto natural e não -alegórico e
em livros fundamentalmente literais, e mesmo assim tem um fim, por que João, ao escrever
um livro basicamente alegórico e em um contexto hiperbólico deveria dar um sentido pleno
e literal ao aion? Ora, à luz do contexto vemos que o fogo os consumiu: “E subiram sobre
a largura da terra, e cercaram o arraial dos santos e a cidade amada; e de Deus desceu
fogo, do céu, e os consumiu” (cf. Ap.20:9). Portanto, é totalmente compreensível que,
diante do contexto, o aion equivale até serem consumidos os seus corpos, que foram
“devorados” pelo fogo, conforme a própria descrição apocalíptica.

Assim como as montanhas, outeiros e montes são eternos até o dia em que “eles
perecerão” (cf. Hb.1:11) junto com a terra, que o reinado de um rei era eterno até o dia de
sua morte, que um escravo seria para sempre de seu senhor até o fim desta vida, que o
templo seria uma eterna habitação até a destruição futura pelos babilônicos, que o aspergir
do sangue era perpétuo até a celebração da páscoa cristã, dentre tantos outros exemplos

223 FEYERABEND, Henry. Um evangelista responde as 101 perguntas mais frequentes. 1ª Edição,
Editora Ver Curiosidades: 2000.
224 GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual popular de dúvidas, enigmas e 'contradições' da

Bíblia. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1999.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 390
semelhantes, igualmente o sofrimento de Satanás e dos ímpios será “eterno” ( aion) até que
os seus corpos sejam completamente consumidos pelo fogo (cf. Ap.20:9) e Deus fazer
novos céus e nova terra (cf. Ap.21:1), onde o mar já não existe (cf. Ap.21:1) – e,
presumivelmente, o lago de fogo também não!2 2 5

Em todos aqueles casos, eles são eternos “até que” se dê um outro acontecimento. No
caso de Apocalipse, o “eterno-aion” vai “até que” sejam criados novos céus e nova terra,
e “o mar já não existe” (cf. Ap.21:1) – nem o “lago de fogo”! Isso nos mostra claramente
que, aqui, o aion equivale até ao momento em que os seus corpos (que não são
incorruptíveis como os dos justos – cf. Gl.6:8; Rm.2:7) pereçam completamente até ao
ponto de virar cinzas (cf. Ml.4:1-3; 2Pe.2:6).

Embora na nossa língua possa parecer esquisito que exista um “para sempre... até que”
ocorra alguma outra coisa, isso não é incomum quando tratamos de língua grega e
hebraica: “O palácio será abandonado; a cidade populosa ficará deserta; Ofel e a torre da
guarda servirão de cavernas para sempre, até que se derrame sobre nós o Espírito lá do
alto: então o deserto se tornará em pomar e o pomar será tido por bosque” (cf.
Is.32:14,15). Aqui vemos o "para sempre" sendo imediatamente sucedido pelo "até
que", em contexto imediato. Portanto, o “para sempre” pode ter um fim, dependendo do
contexto em que está inserido, e vimos que Apocalipse 20:10 está em um contexto
hiperbólico.

Com efeito, basear a crença no tormento eterno em cima de uma hipérbole apocalíptica que
em si mesma não implica necessariamente em algo eterno, que o contexto descreve
aniquilamento e não prosseguimento eterno de vida e onde o autor frequentemente
emprega figuras de linguagem é no mínimo querer amputar a exegese. Outros ainda
argumentam baseados no texto de Apocalipse 19:20, que diz:

“Mas a besta foi presa, e com ela o falso profeta que havia realizado os sinais miraculosos
em nome dela, com os quais ele havia enganado os que receberam a marca da besta e
adoraram a imagem dela. Os dois foram lançados vivos no lago de fogo que arde com
enxofre” (cf. Apocalipse 19:20)

Aqui vemos que a besta e o falso profeta foram lançados no lago de fogo antes do milênio,
e, então, eles recorrem a Apocalipse 20:10 que, segundo eles, diz que a besta e o falso
profeta ainda estavam lá vivos depois do milênio, para assim “provar” que eles queimaram
durante mil anos. Contudo, o texto de Apocalipse 20:10 não diz que a besta e o falso
profeta continuavam vivos no lago de fogo, apenas diz que eles haviam sido lançados lá:

“O diabo, que as enganava, foi lançado no lago de fogo que arde com enxofre, onde já
haviam sido lançados a besta e o falso profeta. Eles serão atormentados dia e noite,
para todo o sempre” (cf. Apocalipse 20:10 - NVI)

O texto não diz que que a besta e o falso profeta estavam ainda com vida no lago de fogo,
apenas diz que eles haviam sido lançados lá antes do milênio, ou seja, que o diabo teria o
mesmo destino que a besta e o falso profeta já tiveram. A tese de que a besta e o falso
profeta ainda estavam vivos provém de uma má interpretação do texto que verte as

225 Ainda que o lago de fogo fosse um lago mesmo, real e literal, como pregam os imortalistas, mesmo
assim ele deveria chegar ao fim para dar lugar à nova terra prometida, onde já não há mar, não havendo
lugar para um real e literal lago de fogo queimando por toda a eternidade.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 391
Almeidas, que, ao contrário da NVI que traduz por “onde haviam sido lançados”, verte por
“onde estão”. Nem isso, porém, consegue provar que a besta e o falso profeta ainda se
encontravam com vida, pois veremos mais adiante que o lago de fogo não é um lugar físico
e real, mas uma condição de quem está morto, pois o lago de fogo é a segunda morte.

Portanto, o que podemos entender é que a besta e o falso profeta, que ali haviam sido
lançados antes do milênio, permaneciam no “lago de fogo”, isto é, que eles permaneciam na
“segunda morte”, na condição de mortos. Analisaremos o significado do lago de fo go, de
onde depende essa interpretação, mais à frente neste livro. Por hora, o que podemos inferir
dos acontecimentos relatados por João no capítulo 20 em seu contexto é que:

1º Os ímpios serão ressuscitados no último dia (cf. Ap.20:5).

2º O diabo irá reunir todos eles na marcha contra o Cordeiro e os Seus santos ( cf.
Ap.20:7,8).

3º Irá cair fogo do Céu até consumi-los completamente (cf. Ap.20:9).

4º Os efeitos dessa destruição duram eternamente (cf. Ap.20:10).

5º O tormento como um processo dura até que Deus crie novos céus e nova terra (cf.
Ap.21:1), pois este fogo consumidor se passa na superfície desta terra (cf. Ap.20:9) e logo
em seguida é dito que Deus criará uma “nova terra” (cf. Ap.21:1), sem qualquer menção de
os ímpios do verso 9 terem sido “transferidos” para outro ponto do Universo onde
continuariam a queimar eternamente.

6º Nessa nova criação de Deus já não mais haverá o “inferno” (lago de fogo), porque não
mais haverá morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, porque essas são coisas da criação
passada (cf. Ap.21:4), a que vivemos hoje.

7º Portanto, se não há morte, não pode haver um processo eterno de pecadores sofrendo
morte eterna consciente; se não há tristeza, não há parentes e amigos nossos que estarão
ardendo literalmente em um lago de fogo e enxofre, o que nos causaria no mínimo tristeza;
se não há choro, então o local de choro e ranger de dentes já chegou ao fim; e, se não há
dor, então não há pessoas queimando e sofrendo dores horríveis para sempre em um lago
de fogo.

Todas essas coisas – dor, morte, tristeza, choro e luto – são características presentes nesta
criação, mas não na nova criação de Deus. Essas novas promessas de Deus com o
estabelecimento de novo Céu e nova terra entram em direto cont raste com a “antiga
ordem” (cf. Ap.21:4), isto é, a ordem presente. A promessa de Deus é que nessa nova
criação, diferentemente desta criação atual, não haverá mais nada disso! Mas se existisse
inferno eterno, pecadores pecando eternamente, criaturas murmurando e blasfemando
contra Deus para todo o sempre, choro e ranger de dentes sem fim, tristeza e angústia da
parte daqueles que veem os seus amigos e parentes sendo torturados sem perdão e das
próprias pessoas que estão sofrendo horrivelmente... então nada de diferente em relação a
essa ordem presente existiria na prática.

Para sempre haveria um ponto negro no universo, para sempre haveria o mal, o pecado, os
pecadores, o diabo, a blasfêmia, a morte, a dor, o pranto, a tristeza, o sofrimento, o

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 392


inferno. A única forma de destruir o mal para estabelecer uma nova ordem que seja
totalmente diferente da atual é eliminando os que praticam o mal. Só assim teríamos uma
nova ordem repleta de paz e de harmonia. Só assim a natureza teria a gloriosa revelação
dos filhos de Deus. Só assim o bem teria uma vitória definitiva e conclusiva sobre o mal. Só
assim que o mal e o pecado seriam definitivamente e eternamente extintos da criação de
Deus. Em conclusão, Apocalipse 20:10 está em um contexto hiperbólico, onde o aion dura
até a criação da nova ordem de Deus, com novos céus e nova terra, onde o mar (e
o lago de fogo) já não existe, mas apenas os justos brilhando no Reino de Deus.

O destino final do diabo – Os demônios, assim como os seres humanos ímpios, serão
atormentados no geena pelo tanto correspondente aos seus pecados, e, em seguida,
aniquilados na segunda morte, que é o lago de fogo. Esse destino final do diabo, que inclui
o tormento por certo tempo e também o aniquilacionismo final, é evidente na fala do
próprio diabo em dois textos bíblicos, um relat ado por Mateus e outro por Marcos, onde os
demônios dizem:

“E eis que clamaram, dizendo: Que temos nós contigo, Jesus, Filho de Deus? Vieste aqui
atormentar-nos antes do tempo?” (cf. Mateus 8:29)

“Dizendo: Ah! que temos contigo, Jesus Nazareno? Vieste destruir-nos? Bem sei quem és:
o Santo de Deus” (cf. Marcos 1:24)

Isso nos mostra que o próprio diabo sabe que o destino final dele é tanto o tormento como
a destruição. “Destruição”, neste contexto, não pode se referir a uma mera “perdição”,
como vertem outras traduções, precisamente porque o diabo já está perdido, ele já não tem
volta, não tem mais possibilidade de conversão ou salvação. Portanto, esse acontecimento
futuro, de que trata o texto, não é destruição no mero sentido de “perdição” ou “ruína” (a
qual o diabo já está), mas no sentido completo de destruição, que é o aniquilamento, o qual
o diabo estará no futuro. Portanto, os textos de Mateus 8:29 e de Marcos 1:24 s ão
complementares, e nos evidenciam exatamente isso, de que os demônios serão
atormentados e finalmente completamente destruídos.

Esse destino final de Satanás também está claro no texto de Ezequiel 28:18-19, que em
primeira instância refere-se ao rei de Tiro, mas que a grande maioria dos teólogos concorda
que seja uma profecia de dupla referência, aplicada também ao próprio diabo, já que na
profecia há a menção de ele estava no Jardim do Éden (v.13), que era perfeito (v.12), que
era um querubim guardião (v.14), que estava no monte santo de Deus (v.14), que era
inculpável em seus caminhos até que se achou maldade nele (v.15) e que foi expulso do
monte santo de Deus (v.16), sendo atirado à terra (v.17). Todas essas coisas nunca
aconteceram com o rei de Tiro, que sempre havia sido pagão, que nunca esteve no Jardim
do Éden ou no monte santo de Deus, que não era um querubim e nem era perfeito, além de
já estar na terra e não ter sido “atirado” nela depois que pecou. Essas coisas não se aplicam
diretamente ao rei de Tiro, mas a Satanás.

E qual é o final que Deus diz que Satanás terá?

Ele não poderia ter sido mais claro. Além de em momento nenhum ter dito que passaria por
um tormento eterno, ainda afirma que sairá dele um fogo que o consumirá (v.18), que
será reduzido às cinzas (v.18), e, como se isso não fosse suficientemente claro, ainda

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 393


afirma no verso 19: “chegou o seu terrível fim, você não mais existirá” (v.19)! Ele não diz
que o diabo “não existe”, mas que “não mais existirá”, mostrando que a descrição em
tempo real retratava algo já presente na mente de Deus (que é eterno) , mas que somente
se consumaria de fato em aspecto temporal com o diabo no futuro. A descrição de ser
consumido pelo fogo, de se reduzir às cinzas no chão, de ter um fim completo e de n ão
mais existir não nos deixa a menor sombra de dúvida de que o diabo não subsistirá
eternamente (vivo) em um lago de fogo, mas que, realmente, “não mais existirá”!

A mesma coisa acontece em Isaías 14, na famosa descrição que diz: “Como você caiu dos
céus, ó estrela da manhã, filho da alvorada! Como foi atirado à terra, você, que derrubava
as nações!” (cf. Is.14:12). O que poucos notam, contudo, é que mais adiante vemos Deus
dizendo que ele se tornaria um “cadáver pisoteado” (v.19), e não alguém que viveria
eternamente. Assim, entendemos que as descrições bíblicas que tratam do destino do diabo
sem estarem ligadas a um único texto isolado e em um contexto apocalíptico hiperbólico
nos deixam clara a ideia de um aniquilacionismo do diabo, ao invés da exis tência eterna
dele.

O que é o lago de fogo? – Muita confusão tem sido feita em torno do “lago de fogo”,
mencionado em Apocalipse como sendo onde os ímpios terão a devida paga, a “segunda
morte” (cf. Ap.20:14). O lago de fogo não é um lugar onde as almas passam a eternidad e
queimando, o lago de fogo é a linguagem expressa por João para a morte final dos
pecadores, a morte definitiva e irreversível (cf. Ap.20:14).

Como diz Bacchiocchi:

“Para os salvos, a ressurreição marca o galardão de outra vida mais elevada, mas para os
perdidos marca a retribuição de uma segunda morte que é final. Como não há mais morte
para os remidos (Apocalipse 21:4), assim não há mais vida para os perdidos (Apocalipse
21:8). A ‘segunda morte’, então, é a morte final e irreversível. Interpretar a frase de outro
modo, como um tormento eterno e consciente ou separação de Deus, nega o significado
bíblico da morte como uma cessação de vida” 2 2 6

O lago de fogo é a segunda morte, é a morte física e espiritual, a morte final e irreversível.
O lago de fogo é a morte da própria morte!

“Então a morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. O lago de fogo é a segunda
morte” (cf. Apocalipse 20:14)

Será a morte da morte!

O lago de fogo não é um lugar onde pessoas não-salvas passam a eternidade entre as
chamas, mas é a morte da morte, é figurativamente a linguagem do completo fim a tudo:
incluindo o Hades (sepultura) e a própria morte. Ignorar isso para seguir a crença popu lar
de que o lago de fogo é um lugar que queima almas eternamente é desprezar o poder da
morte sobre a morte. Em outras palavras, se a morte e a sepultura são tragadas pela
“segunda morte” (lago de fogo), essa segunda morte tem que ser a morte final e definitiva,
e não um prosseguimento eterno de existência. João trabalhava com figuras de linguagem

226 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 394
no Apocalipse, e dentro dessa simbologia ele próprio nos dá alguns significados que nos
auxiliam na compreensão textual do livro, e dentre eles destaca que o lag o de fogo não é
um lugar, mas é a segunda morte, é onde a própria morte será lançada.

A morte, em si, não é um lugar, mas uma condição de quem está morto, sem vida. Se o
lago de fogo é a segunda morte, ele também não pode ser um lugar, mas deve ser uma
condição, assim como a primeira morte. Assim como a primeira morte foi personificada por
João no Apocalipse, como o “cavaleiro chamado morte” (cf. Ap.6:8), o que obviamente não
significa que a morte seja literalmente um homem montado em um cavalo, da mesma
forma a segunda morte foi personificada na imagem do “lago de fogo”, o que também
obviamente não implica que o lago de fogo seja literalmente um lugar físico que existirá na
terra.

Além disso, o fato de a morte ser lançada no lago de fogo prova que de fato este lago de
fogo não é um lugar físico ou real, pois a morte em si mesma não é um lugar, mas apenas
uma condição de quem está morto, e não há sentido em uma condição ser lançada em um
lugar real. É evidente que, se a primeira morte é uma condição e não um lugar físico real, a
segunda morte também é uma condição e não um lugar real, para dar sentido ao texto. Se,
portanto, o lago de fogo não é um local físico e real, mas uma alegoria que o próprio João
explica o significado e diz se tratar da segunda morte, é claro que os ímpios não passarão a
eternidade nele, como pensam os imortalistas.

Ademais, seria um absurdo acreditar que o Hades é o “inferno”, como vertem algumas
traduções 2 2 7 (já vimos ao longo de todo este livro que se trata apenas de uma figura da
sepultura), pois se o Hades fosse o inferno e o lago de fogo também, teríamos um inferno
sendo lançado dentro de outro inferno, um lago de fogo literal e físico sendo lançado dentro
de outro lago de fogo literal e físico! Isso é um completo absurdo, o texto só faz sentido se
de fato o Hades não é um lugar físico, mas uma figura simbólica da sepultura, e junto com
a morte (que também não é um local físico) estar sendo lançada no lago de fogo (que
também não é um lugar físico, mas a segunda morte).

Desta forma, tudo estaria sendo perfeitamente representado aqui. A “morte da morte” é na
verdade é demonstração de que a primeira morte não era irreversível e definitiva, por causa
da ressurreição futura para justos e ímpios. A segunda morte, por sua vez, é final e
conclusiva, pois não há mais volta nem ressurreição para quem morre outra vez. É um fim
completo, absoluto, irrevogável, sem volta, é para sempre. Isso explica perfeitamente a
linguagem de “a morte ser lançada no lago de fogo que é a segunda mort e”, isto é, da
“morte da morte”, pois não há mais vida ou existência para quem é lançado no lago de
fogo, mas apenas uma final, definitiva e irreversível morte.

Crer que o lago de fogo é um lugar para onde vão os não-salvos passar a eternidade é
negar o fato de o lago de fogo ser a segunda morte (se a primeira morte não é um lugar,
por que a segunda morte seria um lugar?), é negar o fato de ser a “morte da morte” (i.e,
uma morte final e irreversível, e não um tormento eterno com permanência de vida para
sempre) e é inferir também que nunca haverá uma morte final, a “morte da morte”, um
fim absoluto de existência para aqueles que sofrem o dano da segunda morte, pois para
sempre existiriam ímpios e demônios queimando conscientemente em vida neste lugar.

227 Tais como a Almeida Revista e Atualizada, a Almeida Corrigida, Revisada e Fiel e a Almeida
Revisada e Imprensa Bíblica.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 395
Isso sem mencionar o absurdo de se crer em um inferno literal sendo lançado dentro de um
lago de fogo igualmente real e literal, o que só faz sentido na imaginação fértil de alguns
imortalistas, que são obrigados a chegarem a essa conclusão por causa de se us conceitos
completamente errôneos e deturpados sobre o significado do Hades e do lago de fogo.

V–O Aniquilamento dos Ímpios

“Porque Deus amou ao mundo de tal maneira, que deu o seu filho único, para que todo
aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (cf. João 3:16)

Esse versículo que você acabou de ler é, provavelmente, a passagem mais conhecida de
toda a Bíblia. Mas talvez seja uma das menos bem compreendidas. Transmite exatamente a
realidade do amor de Deus até mesmo pelo maior dos pe cadores, ao ponto e dar o Seu
único filho pela redenção da humanidade. Além de ser um dos textos mais belos de toda a
Bíblia, ele nos apresenta uma realidade que veremos a partir de agora: A Realidade dos
dois Destinos.

Os dois destinos: Vida e Cessação de vida (não-vida) – Em João 3:16, Cristo afirma que
Deus o enviou para que todo aquele que crê não pereça, mas tenha uma vida eterna.
Aqui contrastam-se dois destinos finais, mas não entre vida eterna e tormento eterno, nem
tampouco entre vida eterna no Céu ou no inferno, mas entre vida e morte, entre perecer ou
viver eternamente. É evidente que o “perecer” não pode indicar aqui um prosseguimento
eterno de existência, porque está em contraste com uma vida eterna, ou seja, com uma
existência sem fim. Portanto, “perecer”, neste contexto, não está em um sentido
meramente espiritual, como “entrar em ruína” ou “perder-se”, queimando eternamente num
inferno, mas no sentido de cessação de vida, dando razão ao contraste que aqui é
estabelecido.

A realidade dos dois destinos é evidente, são dadas duas escolhas para a humanidade: ou
você tem uma vida eterna (imortalidade) que é por meio do evange lho (cf. 2Tm.1:10),
ou... você “perece”. O contraste é exatamente entre a vida e a morte, não como uma
simples morte espiritual com uma existência eterna e infindável, mas como literalmente
uma destruição completa na qual passam os ímpios em contraste com uma imortalidade
que é por meio do evangelho.

É morte como a cessação de vida, como a não-vida. Essa é a realidade entre os dois
destinos: imortalidade ou mortalidade. Isso explica o porquê que a imortalidade é por
meio do evangelho (cf. 2Tm.1:10) e o porquê dela ter que ser buscada (cf. Rm.2:7):
porque nem todos alcançam a imortalidade, mas somente aqueles que a atingem por meio
de Cristo se fazem dignos de receber este dom de Deus . Aqueles que desprezam o
evangelho não tem uma imortalidade e nem uma vida eterna em algum lugar, pois a
imortalidade é mediante o evangelho (cf. 2Tm.1:10).

O destino destes é “perecerem”, e não de “viverem eternamente” em algum lugar.


Evidentemente a destruição dos ímpios não pode ser eterna em duração porque é
impossível imaginarmos um processo eterno, infinito e inconclusivo de destruição. A
destruição presume aniquilamento, morte no sentido de cessação de vida. Apenas “aquele
que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (cf. 1Jo.2:17). Se alguém não faz a

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 396


vontade de Deus, não permanece para sempre, não obtém uma eternidade. Isso explica o
porquê da vida eterna ser considerada um dom de Deus (cf. Rm.6:23), e nenhum ímpio tem
um dom divino para viver eternamente em algum lugar.

Apenas aqueles que comem o pão da vida viverão eternamente (cf. Jo 6:51), e é
inconcebível pensar que todos os ímpios desfrutam abundantemente do pão da vida para
viverem eternamente em algum lugar herdando também o dom da imortalidade concedido
apenas por meio do evangelho. Os dois destinos que são apresentados em João 3:16 se
opõe contrastivamente entre a imortalidade concedida como um dom aos justos e a
destruição completa dos ímpios no juízo final, denotando a total cessação de existência.

O contraste é entre vida e não-vida, entre imortalidade e destruição, entre a vida


eterna e a cessação de vida. Tal contraste também é acentuado pelo próprio Deus no
livro de Ezequiel: “Ele não morrerá por causa das iniquidades do seu pai, certamente
viverá” (cf. Ez.18:17). Aqui a morte não é para essa vida, pois todos morrem para esta
vida, tanto justos como ímpios. Deus está falando, evidentemente, do destino final do
homem. Nem todos alcançarão a vida:

“Uma vez que o filho fez o que é justo e direito e teve o cuidado de obedecer a todos os
meus decretos, com certeza ele viverá. A alma que pecar é que morrerá” (cf. Ezequiel
18:19,20)

“Mas, se um ímpio se desviar de todos os pecados que cometeu e obedecer a todos os meus
decretos e fizer o que é justo e é direito, com certeza viverá, não morrerá” (cf. Ezequiel
18:21)

“Teria eu algum prazer na morte do ímpio? Palavra do Soberano, o Senhor. Ao


contrário, acaso não me agrada vê-lo desviar-se dos seus caminhos e viver? Se, porém,
um justo se desviar de sua justiça, e cometer pecados e as mesmas práticas detestáveis
dos ímpios, ele deverá viver? Nenhum de seus atos de justiça será lembrado! Por causa
de sua infidelidade de que é culpado e por causa dos pecados que ele cometeu, ele
morrerá” (cf. Ezequiel 18:23,24)

“Se um justo desviar-se de sua justiça e cometer pecado, ele morrerá por causa disso,
por causa do pecado que ele cometeu ele morrerá. Mas, se um ímpio se desviar de sua
maldade e fizer o que é justo e direito, ele salvará a sua vida. Por considerar todas as
ofensas que cometeu e se desviar delas, ele com certeza viverá, não morrerá” (cf.
Ezequiel 18:16,28)

Considerar nessas passagens a morte não como a cessação de vida, mas como uma
existência eterna, é ferir o texto bíblico que usa morte como antítes e de “vida”, que apenas
os justos obterão, ainda mais tendo em vista que o justo “salvará a sua vida” (cf.
Ez.18:17). Para alguém salvar a vida, consequentemente existe outra opção: a cessação de
vida. Se o sentido de vida é literal e é usada em contraste com a “morte”, então esta é
literal também. Qualquer coisa que seja usada em contraste com vida, não é uma vida!

A morte aqui não pode ser apenas uma “separação” ou uma meramente espiritual, mas com
uma existência eterna, pois isso seria ferir o texto bíblico que usa morte como antítese de
“vida”, que apenas os justos possuem. Se alguém não tem vida, chamamos isso
exatamente de “cessação de vida”. É o fim total da existência humana. Isso fica mais do

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 397


que claro em Ezequiel, no capítulo 18, do verso 17 ao verso 32, onde nitidamente o
contraste é entre vida versus não-vida (cessação de vida).

Também a “morte” e “vida” aqui mencionadas não podem tratar-se desta presente vida,
pelo simples fato de que todos os justos perecem e morrem para esta vida. É uma clara
referência entre os destinos finais oferecidos aos seres humanos entre a vida e a morte
como a cessação de vida. Também no verso 17 lemos que se um pecador se desviar de sua
maldade e fizer o que é direito, ele “salvará a sua... vida”. É evidente que para alguém
salvar a sua vida ele tem que ter a opção de não ter vida (não-vida). É a morte claramente
identificada como a cessação total da vida.

O mais importante dessas passagens, porém, fica por conta de que ela não expressa um
simples pensamento da época, mas é o próprio Deus vivo falando pela boca dos seus
profetas. Através do profeta Ezequiel, Deus desmonta com todas as pretensões dos
imortalistas, afinal, “porque deveriam morrer, ó nação de Israel? Pois não me agrada a
morte de ninguém! Palavra do Soberano, o Senhor! Arrependam-se e vivam!” (cf.
Ez.18:31,32). Israel já estava morto espiritualmente, o que fica nítido na descrição dos
ossos secos (cf. Ez.37:1), portanto a “morte” que aqui se refere não é uma morte
meramente espiritual, mas morte no sentido de cessação de vida, em contraste com a vida
eterna.

Os dois destinos no Antigo Testamento – O Antigo Testamente está mais do que repleto
dessa antítese característica entre os destinos de justos e ímpios. O contraste deixa sempre
claro a vida concedida aos justos e o aniquilamento dos ímpios. Do arsenal de passagens
bíblicas mencionadas há pouco neste capítulo, a alegação dos defensores do in ferno eterno
é que as menções dizem respeito apenas a esta presente vida e não a vida póstuma . Ou
seja, que os escritores bíblicos diziam apenas que os ímpios iriam morrer fisicamente nesta
vida (primeira morte), sem nada falarem a respeito de seu destino futuro na vida póstuma
(segunda morte).

Contudo, essa objeção é fraquíssima pelo simples fato de que os autores faziam um
contraste bem claro entre o destino de ambos: novamente, é a vida aos justos e a
destruição total e completa aos ímpios por ocasião do juízo final. O próprio fato de eles
focarem tanto que os ímpios seriam completamente destruídos e aniquilados só faria
sentido se considerarmos que realmente o aniquilamento dos ímpios não diz respeito
apenas a esta presente vida (já que todos são aniquilados para esta vida), mas como
também para a vida póstuma. E é exatamente aqui que entra em cena os dois destinos de
vida (eterna) aos justos e a linguagem de destruição completa dos ímpios:

“Passada a tempestade o ímpio já não existe, mas o justo permanece firme para
sempre” (cf. Provérbios 10:25)

Aqui fica muito bem claro que os justos terão uma vida eterna, “permanecendo firme para
sempre”, enquanto o ímpio por sua vez... já não existe! Ora, se os ímpios deixam de
existir, então eles não tem uma existência eterna e muito menos um tormento eterno. Essa
passagem não pode ser entendida dentro do prisma imortalista de que se refira apenas a
esta existência presente, porque tanto justos como ímpios tem o mesmo destino nesta vida
atual, todos morrem.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 398


Obviamente, o ímpio não existir e o justo permanecer para sempre é um contraste que só
faz sentido se o autor bíblico tivesse em mente o destino final de ambos os grupos, ou seja,
pós-ressurreição, quando o ímpio “já não existe” (será aniquilado) e o justo “permanece
para sempre” (terá uma vida eterna). Dizer que o ímpio continuará existindo mesmo com
o texto bíblico dizendo claramente que ele já não existirá, ainda mais com o contraste nítido
que aqui é estabelecido, é querer negar o óbvio. O mesmo autor também disse:

“Quem obedece aos mandamentos preserva a sua vida, mas quem despreza os seus
caminhos morrerá” (cf. Provérbios 19:16)

Aqui a referência não pode tratar-se a esta presente vida pelo simples fato de que até o
maior dos justos morre para esta vida. De todos os homens, os únicos que não morreram
fisicamente são Elias e Enoque, mas o texto bíblico diz claramente que “quem obedece aos
mandamentos preserva a sua vida”. Será que apenas Elias e Enoque obedeceram aos
mandamentos? Evidente que não, até o próprio Senhor Jesus passou pela morte. O texto
obviamente mais uma vez faz uma clara referência ao destino final de ambos os grupos,
sendo que apenas o justo “preserva a sua vida”.

Aqui a morte dos ímpios é claramente relac ionada com a cessação total de vida, que não
pode ser preservada em contraste com os justos. A “morte” aqui não pode estar no sentido
de permanência eterna de existência, porque se assim fosse os ímpios também
preservariam a sua vida assim como os justos, e não haveria o contraste que aqui é
estabelecido categoricamente. O livro dos Salmos continua com a antítese evidente entre os
destinos finais de ambos os grupos:

“Os ímpios serão varridos antes que as suas panelas sinta o calor da lenha, esteja ela
verdade ou seca. Os justos se alegrarão quando forem vingados, quando banharem os
seus pés no sangue dos ímpios. Então os homens comentarão: De fato os justos tem a
sua recompensa, de fato há um Deus justo na terra” (cf. Salmos 58:9-11)

“Aqueles que o Senhor abençoa receberão a terra por herança, mas os que ele
amaldiçoa serão eliminados” (cf. Salmos 37:22)

“Pois os maus serão eliminados, mas os que esperam no Senhor receberão a terra por
herança” (cf. Salmos 37:9)

Nestas outras três passagens, fica claro novamente a antítese: enquanto os justos
receberão a sua herança na nova terra prometida, os ímpios serão eliminados, destacando
o fim de sua existência, sendo que os justos “banharão os seus pés no sangue dos ímpios” e
isso seria completamente impossível caso os ímpios continuassem plenamente vivos
eternamente assim como os justos.

Inúmeras vezes é mostrada a antítese bíblica entre o destino de bons e maus por ocasião
do juízo, como é claramente relatado também em Isaías 29: “Naquele dia os surdos
ouvirão as palavras do livro, e não mais em trevas e escuridão, os olhos dos cegos tornarão
a ver. Mais uma vez os humildes se alegrarão no Senhor, os necessitados exultarão no
Santo de Israel. Será o fim do cruel, o zombador desaparecerá e todos os de olhos
inclinados para o mal serão eliminados” (cf. Is.29:18-20). Este texto também não pode
ser entendido pela ótica imortalista, pois “naquele dia” faz uma clara referência ao dia do

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 399


juízo, quando “os surdos ouvirão as palavras do livro” (v.18) e “os olhos dos cegos tornarão
a ver” (v.18), o que evidentemente não aconteceu ainda.

É, portanto, uma clara referência ao dia do juízo, quando os justos sairão para a vida e os
ímpios para a condenação, o que se dá através da ressurreição (cf. Jo.5:28,29). Enquanto
os justos ouvirão as palavras do livro e sairão para a vida, o que acontecerá com os ímpios?
Isaías não poderia ter deixado menos pistas no caminho. Ele diz que os ímpios terão um fim
de suas existências, desaparecerão, e, como se isso não fosse suficientemente claro, ele
termina dizendo que serão eliminados. A linguagem denominativa de aniquilamento é óbvia
e essas palavras em Isaías foram ditas pelo próprio Deus (v.13)! De acordo com o original
hebraico, a partir deste texto de Isaías podemos perceber que o destino final dos ímpios
corresponde a:

(1) Desaparecer, deixar de existir, ser reduzido a nada ['aphec ]2 2 8


(2) Perecer, ser consumido, ser totalmente destruído, expirar [kalah]2 2 9
(3) Ser cortado, eliminado, destruído, perecer [karath]2 3 0

Os ímpios desaparecerão, deixarão de existir, perecerão, serão consumidos e devorados ,


cortados e eliminados, totalmente destruídos e reduzidos a nada. Definitivamente um
estado de total e completo aniquilamento. Isaías também nos diz que neste dia os ímpios
virarão pó:

“Dos que justificam ao ímpio por suborno, e aos justos negam a justiça! Por isso, como a
língua de fogo consome a palha, e o restolho se desfaz pela chama, assim será a
sua raiz como podridão, e a sua flor se esvaecerá como pó; porquanto rejeitaram a lei
do Senhor dos Exércitos, e desprezaram a palavra do Santo de Israel” (cf. Isaías 5:23,24)

“Mas os seus muitos inimigos se tornarão como o pó fino, as hordas cruéis, como palha
levada pelo vento. Repentinamente, num inst ante, o Senhor dos Exércitos virá com
trovões e terremoto e estrondoso ruído, como tempestade e furacão e chamas de um fogo
devorador” (cf. Isaías 29:5,6)

A figura do pó é a mais perfeita linguagem que alguém poderia comparar a total eliminação
dos ímpios. Alguém que vira pó não grita, não sente dor, não é imortal, não é incorruptível,
não é consciente, não tem uma existência eterna. O que melhor para comparar o
aniquilamento dos ímpios senão com a figura do pó? No livro de Malaquias, o último
livro do Antigo Testamento, esse fato também fica mais do que evidente:

“Porque eis que aquele dia vem ardendo como forno; todos os soberbos, e todos os que
cometem impiedade, serão como a palha, e o dia que está para vir os abrasará , diz o
Senhor dos Exércitos, de sorte que lhes não deixará nem raiz nem ramo. E pisareis
os ímpios, porque se farão cinzas debaixo das plantas de vossos pés , naquele dia
que farei, diz o Senhor dos Exércitos” (cf. Malaquias 4:1-3)

Novamente, a figura do pó entra em cena: os ímpios se farão em cinzas “naquele dia”, o


dia do juízo, e ficarão debaixo da planta dos pés dos justos. Ora, será que os justos
pisariam em cima de alguém que (além de estar sendo queimado pelo fogo “eterno”) ainda

228 Léxico da Concordância de Strong, 656.


229 Léxico da Concordância de Strong, 3615.
230 Léxico da Concordância de Strong, 3772.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 400
estaria vivo, consciente e revestido de imortalidade? É claro que não! Os justos só irão pisar
nos ímpios porque os ímpios literalmente se farão em cinzas, caracterizando o total
desaparecimento e inexistência deles. Se isso não é aniquilamento, então sinceramente
seria impossível expressar uma linguagem mais próxima que isso – além, é claro, de
garantir “imortalidade” às cinzas!

Mais figuras de aniquilamento – São inúmeros os recursos usados pelos escritores bíblicos
para designar o aniquilamento dos ímpios, além da figura do pó. Outras várias figuras de
linguagem que foram frequentemente utilizadas pelos escritores bíblicos designando
perfeitamente o aniquilacionismo é os ímpios transformando-se em fumaça, em cinzas, em
palha, em restolho e em vento, como diz o salmista:

“Mas os ímpios perecerão, os inimigos do Senhor murcharão como a beleza dos campos,
desvanecerão como a fumaça” (cf. Salmos 37:20)

A utilização da “fumaça” como símbolo do destino dos ímpios é mais uma perfeita aplicação
prática daquilo que desaparecerá completamente. Ao invés do salmist a comparar o destino
dos ímpios com um material eterno, resistente, refratário ao fogo ou indestrutível, é nos
dito que os ímpios “desvanecerão... como a fumaça”. Assim como a fumaça desvanece
sendo levada pelo vento, assim também será o destino dos ímpios.

Importante também ressaltar que, neste mesmo Salmo, lemos que os ímpios “definharão
como a erva” (v.2), que “serão exterminados... já não existirá o ímpio” (vs. 9 e 10), que
“serão à uma destruídos” (v.38) e que “perecerão desvanecendo como a fumaça” (v.20),
sendo eliminados e não mais existindo (vs. 22,34,36). Não se trata de uma mera referência
a esta presente vida, uma vez que todas as pessoas, incluindo qualquer justo, é
exterminado e deixa de existir para esta vida.

O foco no aniquilamento dos ímpios deve-se ao fato de que os ímpios terão como destino
final a total cessação de vida, enquanto os justos, em contraste, herdarão a vida, como é
claramente indicado no próprio Salmo (cf. 37:3; 37:11; 37:17; 37:22; 37:26; 37:28;
37:29; 37:34). O capítulo inteiro é dedicado a um contraste entre o destino final dos
ímpios, que serão “exterminados... já não existirão” (cf. 37:9,10 ver também 37:20;
37:9,10; 37:38; 37:2; 37:28), e o destino final dos justos, a vida eterna: “Porque o
Senhor ama o juízo e não desampara os seus santos; eles são preservados para sempre;
mas a semente dos ímpios será desarraigada... os justos herdarão a terra e habitarão
nela para sempre” (cf. Sl.37:28,29).

A Bíblia deixa claro que os ímpios “serão como a neblina da manhã, como o orvalho que
bem cedo evapora, como a palha que num redemoinho vai-se de uma eira, como a
fumaça que sai pela chaminé” (cf. Os.13:3). Essa é uma descrição bem vívida do destino
dos homens maus: assim como a neblina da manhã que evapora, os perdidos se
desvanecerão, “evaporando-se”. Dito em termos simples: deixarão de existir. As
Escrituras não se cansam em comparar o destino final dos ímpios como um material
altamente perecível que não tem a capacidade de ser eternamente refratário ao fogo:

“Por isso, assim como a palha é consumida pelo fogo e o restolho é devorado pelas
chamas, assim também as suas raízes apodrecerão, e as suas flores, como o pó, serão

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 401


levadas pelo vento: pois rejeitaram a lei do Senhor dos Exércitos, desprezaram a palavra
do Santo de Israel” (cf. Isaías 5:24)

De acordo com este texto, o destino dos ímpios é o mesmo da palha que é consumida
pelo fogo. As suas raízes apodrecerão e as suas flores serão como o pó, levado pelo
vento. Nenhuma destas comparações faria sentido caso houvesse uma imortalidade
concedida também aos ímpios. As analogias bíblicas seriam nulas e sem sentido. É fato que
os ímpios, “embora estejam entrelaçados como espinhos e encharcados de bebida como
bêbados, serão consumidos como a palha mais seca” (cf. Naum 1:10). Novamente a
analogia entre o destino dos ímpios com a palha que é consumida pelo fogo, sem ter a
capacidade de ser eternamente refratária a este, mas sendo completamente consumida até
virar pó.

Isso explica o porquê de a Bíblia afirmar tanto que os ímpios serão consumidos pelo fogo
(cf. Lc.17:27-29; Sl.21:9; Jó 20:26-29; Is.26:11; Naum 1:10), sendo que não são
consumidos eternamente em um processo eterno e inconclusivo, ao contrário, são
completamente consumidos ao ponto de virar cinzas (cf. 2Pe.2:6; Is.5:23,24; Ml.4:3). O
fogo devorador há de consumir os ímpios até transformá-los em pó (cf. Is.29:5,6). Isso é
claramente indicado como a cessação total de vida. No salmo 49, vemos a seguinte
declaração:

“Pois o resgate de uma vida não tem preço. Não há pagamento que o livre para que viva
para sempre e não sofra decomposição” (cf. Salmos 49:8,9)

Aqui os dois destinos finais são claros: o resgate de uma vida implica em viver eternamente
em detrimento de sofrer decomposição. Isso fere frontalmente a doutrina da eternidade dos
ímpios, pois o salmista deixa claro que apenas os salvos viverão eternamente. Os ímpios
“sofrerão decomposição” simplesmente porque deixarão de existir.

“Que tu dissipes assim como o vento leva a fumaça, como a cera derrete na
presença do fogo, assim pereçam os ímpios na presença de Deus” (cf. Salmos 68:2)

O fogo do juízo final, quando os ímpios estarão na presença de Deus, há de consumi-los ao


ponto de serem completamente destruídos (aniquilados). O salmista faz duas comparações
no mesmo texto retratando como seria o destino dos ímpios: serão como o vento leva a
fumaça; e c omo a cera que derrete na presença do fogo. Ambas as figuras caracterizam o
total desaparecimento/eliminação dos ímpios, como também é claramente relatado em
diversas partes das Escrituras (cf. Sl.37:9; Sl.37:22; Sl.104:35; Is.19:18-20; Sl.73:17-20;
Is.16:4,5).

Como se isso não fosse suficientemente claro, o salmista continua dizendo que os ímpios
perecerão na presença de Deus. É mais do que óbvio que nenhum escritor bíblico imaginava
que o fogo que há de consumir os ímpios em seu destino final (cf. Ap.20:9) é um fogo que
continua consumindo as pessoas vivas e conscientes em um tormento que não tem fim. Ao
contrário, é um fogo que literalmente consumirá os ímpios reduzindo -os às cinzas (cf.
2Pe.2:6; Ml.4:1-3), causando a sua total destruição e aniquilament o (cf. Sl.145:20;
Sl.94:23; Pv.1:29; 1Ts.5:3; Jó 4:9; Sl.1:4-6; Sl.73:17-20; Sl.92:6,7; Sl.94:23;
Pv.24:21,22; Is.1:28; Is.16:4,5).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 402


Para compreender como os escritores bíblicos relatavam o destino final dos ímpios, basta
vermos como esse dia (do juízo final) era classificado: “Tu, porém, me conheces, Senhor; tu
me vês e provas a minha atitude para contigo. Arranca os ímpios como as ovelhas
destinadas ao matadouro! Reserva-os para o dia da matança!” (cf. Jr.12:3). Como
vemos, a referência bíblica ao destino dos ímpios é o “dia da matança”, daqueles que vão
para o “matadouro”. Tal referência reflete exatamente aquilo que pensavam os escritores
bíblicos: os ímpios terão o mesmo destino daquelas “ovelhas destinadas ao matadouro” (cf.
Jr.12:3), isto é, a morte literal como cessação de vida. Somente assim a analogia faria
sentido. Os ímpios serão mortos pela espada do Senhor, o que explica o nome de “dia da
matança”:

“Pois como o fogo e a espada o Senhor executará julgamento sobre todos os homens, e
muitos serão os mortos pela mão do Senhor” (cf. Isaías 66:16)

“Mas julgará com justiça aos pobres, e repreenderá com eqüidade aos mansos da terra; e
ferirá a terra com a vara de sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará ao ímpio”
(cf. Isaías 11:4)

Os ímpios hão de ter um fim sendo destruídos e desaparecendo da terra (cf. Is.16:4,5), pois
nem ao menos terão um futuro (cf. Sl.37:38; Pv.24:20). Serão como se nunca tivessem
existido:

“Porque, como vós bebestes no meu santo monte, assim beberão também de contínuo
todos os gentios; beberão, e sorverão, e serão como se nunca tivessem existido” (cf.
Obadias 1:16)

Evidentemente eles serão “como se nunca tivessem existido” em razão de sua c ompleta
eliminação, e alguém que é aniquilado é “como se nunca tivesse existido”. Se as almas
continuassem subsistindo eternamente, eles continuariam em suas existências por toda a
eternidade, tornando o que é dito pelo profeta como algo inteiramente sem s entido. Se os
ímpios serão como se nunca tivessem existido, então é porque eles não terão uma
imortalidade como os justos, mas desaparecerão completamente algum dia, inexistirão para
sempre. A Bíblia frequentemente contrasta a vida eterna para os justos em detrimento do
destino eterno dos ímpios que é serem aniquilados tornando-se em cinzas (cf. 2Pe.2:6;
Ml.4:1-3). Eles “serão como um sonho que se vai quando acordamos, quando o Senhor se
levantar, os fará desaparecer” (cf. Sl.73:20). Definitivamente serão como se nunca
tivessem existido.

O Novo Testamento muda o Antigo? – O Novo Testamento não altera e nem muda o Antigo,
pelo contrário, o confirma. É por isso que o apóstolo Pedro segue o mesmo passo de
Malaquias em definir o final dos ímpios:

“Também condenou as cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo-os as cinzas,


tornando-as como exemplo do que acontecerá com os ímpios” (cf. 2ª Pedro 2:6)

Ao apóstolo Pedro afirmar que o fim dos ímpios é exatamente virar pó, fazia assim uma
clara declaração do aniquilamento dos ímpios, uma vez que quem vira pó não grita, não
sente dor, não é imortal, não é incorruptível, não é consciente, não tem uma existência
eterna. O que melhor para comparar o aniquilamento dos ímpios senão com a

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 403


figura do pó? Dizer que os ímpios “serão reduzidos às cinzas” equivale a declarar a sua
total eliminação/desaparecimento. E de onde Pedro sabia que o destino final dos ímpios era
de transformar-se em pó? Exatamente dos escritos do Antigo Testamento que colocavam
isso de maneira bem clara:

“Porque eis que aquele dia vem ardendo como forno; todos os soberbos, e to dos os que
cometem impiedade, serão como a palha, e o dia que está para vir os abrasará , diz o
Senhor dos Exércitos, de sorte que lhes não deixará nem raiz nem ramo. E pisareis
os ímpios, porque se farão cinzas debaixo das plantas de vossos pés , naquele dia
que farei, diz o Senhor dos Exércitos” (cf. Malaquias 4:1-3)

Aos ímpios não será lhes deixada “nem raiz e nem ramo”, e nisso fica evidente que não
mais existirão, sendo completamente consumidos pelo fogo. Ademais, além de alguém que
se faz em cinza não possuir existência, o motivo dos justos poderem “pisar nos ímpios” é
exatamente porque estes viraram cinzas. Não mais existem. Ninguém vai pisar em cima de
alguma pessoa imortal, viva e consciente em meio às chamas de fogo eterno. É claramente
nos dito que o motivo dos justos pisarem nos ímpios é pelo fato destes últimos virarem
cinzas. Pedro conhecia o destino final dos ímpios e com certeza era instruído nos escritos do
AT que constantemente relatavam tal fato, explicitamente relatado (cf. Is.5:23,24; Ml.4:3;
Sl.9:17; Is.5:24; Is.29:5,6).

Se os ímpios tivessem corpos eternamente refratários ao fogo, também dotados de


imortalidade e de uma existência eterna e indestrutível, eles de modo algum seriam
reduzidos às cinzas a tal ponto dos justos pisarem em cima deles. Ademais, há um outro
ponto bem importante aqui na descrição de Pedro acerca do destino dos homens maus: eles
teriam o mesmo fim que tiveram as cidades de Sodoma e Gomorra, sendo reduzidos às
cinzas. Ora, perguntaremos: as cidades de Sodoma subsistem até hoje? É claro que não!
Elas já não existem há muito tempo e no local atual situa -se o “mar Morto”. Pedro deixa
claro que o destino dos ímpios é o mesmo que tiveram as cidades de Sodoma e Gomorra .
Essas cidades simplesmente deixaram de existir, foram reduzidas às cinzas
literalmente.

Dada a devida analogia do apóstolo com o destino final dos ímpios, é evidente que o destino
dos ímpios é o mesmo das cidades de Sodoma e Gomorra, isto é, deixar de existir virando
pó literalmente. Algo que vai contrário a isso é ferir completamente a clareza do texto
bíblico em pauta. Pedro jamais teve qualquer ideia de imortalidade concedida aos ímpios em
tormento. Considerando a sua segunda epístola, em que ele trata exa tamente do destino
final dos homens ímpios por ocasião do juízo (ou seja, um ótimo momento para ele afirmar
que seriam para sempre atormentados), ele nega que estes possuiriam uma eternidade, e
ainda confirma que eles trariam sobre si mesmos “repentina des truição”:

“No passado surgiram falsos profetas no meio do povo, como também surgirão entre vocês
falsos mestres. Estes introduzirão secretamente heresias destruidoras, chegando a negar o
Soberano que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição” (cf. 2ª Pedro
2:1)

Não tratava-se da calamidade física imediata (pois eles continuariam vivos após pregar as
heresias), mas sim da destruição que se dá de repente, após o juízo na segunda vinda do
Senhor. Na mesma epístola o apóstolo acentua que a retribuição pela injustiça que
causaram é a destruição (cf. 2Pe.2:12,13), e não um tormento eterno. Em seguida ele volta

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 404


a mencionar que após o dia do juízo os ímpios serão destruídos, e não que viverão
eternamente em algum lugar:

“Ora, os céus que agora existem e a terra, pela mesma palavra, têm sido entesourados
para fogo, estando reservados para o Dia do Juízo e destruição dos homens ímpios” (cf.
2ª Pedro 3:7)

E, para terminar, ele conclui dizendo que os ímpios terão o mesmo fim das cidades de
Sodoma e Gomorra, tornando-se em c inzas (cf. 2Pe.2:6). Tem como se pensar que o
apóstolo tinha alguma ideia de um tormento eterno aos ímpios? Não! Certamente que não!
O autor da epístola aos Hebreus escreve que o fogo do juízo há de devorar os rebeldes:

“Se continuarmos a pecar deliberadamente depois que recebemos o conhecimento da


verdade, já não resta sacrifício pelos pecados, mas tão-somente uma terrível expectativa de
juízo e de fogo intenso que consumirá os inimigos de Deus” (cf. Hebreus 10:26,27)

Como vemos, o que se seguirá ao juízo que trará condenação aos ímpios não é um
tormento eterno dentro de um lago de fogo, mas um fogo intenso que consumirá os
ímpios, dando um fim de existência a eles. Ela vem do grego esthio que significa “devorar,
consumir”2 3 1 . Não passa a menor noção de uma permanência eterna de existência em
algum lugar, mas da cessação de vida. Não há como se conceber uma eternidade de
destruição literal (esthio, devorar) inconclusiva, há de se tratar de um processo conclusivo
de destruição, que dará um fim aos ímpios.

O apóstolo Paulo também afirma que “vocês não sabem que são santuário de Deus e que o
Espírito de Deus habita em vocês? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o
destruirá; pois o santuário de Deus, que são voc ês, é sagrado” (cf. 1Co.3:16,17). Diante
do contexto, fica evidente que Paulo refere-se ao juízo final, dizendo poucos versos antes
que o dia do juízo revelará as obras de cada um (v.13), uns serões salvos (v.15), mas os
que destruírem o santuário de Deus, este os destruirá (v.17). Ele não irá preservá-los para
sempre em tormento.

Paulo não estava falando simplesmente da destruição do corpo físico por Deus [primeira
morte], porque seriam as próprias pessoas que destruiriam o santuário terreno (v.17). Diz
respeito ao que acontece depois da morte. Ele também afirma que os vasos da ira de Deus
estão preparados para a destruição (cf. Rm.9:22), faz várias vezes um contraste entre os
que serão salvos e os que perecerão (cf. 1Co.1:18; 2Co.2:15,16; 2Co.4:3), e acentua o
contraste entre vida e morte (cf. Rm.6:21-23; Rm.8:13; 2Co.7:10; 2Co.3:6; Rm.6:16). Em
outra epístola, o apóstolo Paulo confirma que o final dos ímpios é a destruição, em contraste
com vida eterna que só os justos possuirão:

“Quem semeia para a sua carne, da carne colherá destruição; mas quem semeia para o
Espírito, do Espírito colherá vida eterna” (cf. Gálatas 6:8)

Os ímpios colherão destruição e não uma vida eterna em algum lugar. Apenas aqueles que
semeiam para o Espírito colherão uma vida eterna! O contraste entre vida eterna e
destruição deixa nítido que esse “destruir” não é uma referência a uma existência eterna
em algum lugar do Universo queimando nas chamas de um inferno, mas está em oposição à
existência eterna, é destruir em seu sentido próprio de trazer fim à uma existência. Paulo

231 Léxico da Concordância de Strong, 2068.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 405
sempre discordou inteiramente da teologia de que Deus preservará em vida (eterna) os
homens ímpios em tormento. Por isso, 2ª Tessalonicenses 1:9 diz eterna destruição, e não
tormento eterno.

Evidentemente a destruição é eterna não como um processo eterno e infindável em uma


destruição infinita e inconclusiva que não termina nunca, mas sim pelos resultados (i.e,
efeitos, conseqüências) da completa destruiç ão no dia do juízo final que há de devorar os
rebeldes. Na própria continuação do verso ele ressalta o que é que ímpios terão de prejuízo,
que corresponde “a separação da presença do Senhor e da majestade do seu poder” (v.9),
e não a um tormento eterno com fogo. Para os imortalistas, o maior prejuízo que os ímpios
terão será o tormento eterno em um lago de fogo; para Paulo, porém, o único prejuízo por
ele citado é o de se ausentar da presença do Senhor e da majestade do Seu poder.

É claro que Paulo tinha a visão bíblica holista que mantemos, segundo a qual o maior
prejuízo que os ímpios terão é a ausência da vida eterna, ou seja, o fato de não existirem
eternamente e de ficarem para sempre longe do Senhor, e não a visão imortalista, que
propõe o tormento eterno do inferno como o castigo que os ímpios obterão. Impossível
pensar que Paulo simplesmente “se esqueceu” se mencionar o tormento eterno do inferno
ao fazer menção ao futuro castigo dos ímpios.

Tudo o que vemos por Paulo é que tais pecadores sofrerão a pena da destruição (olethros)
e não tormento (basanos) eterno, e que ficarão para sempre afastados do Senhor, ao
invés de mencionar que estarão para sempre queimando em um lago de fogo. Para os
imortalistas, a visão totalmente holista de Paulo, de que “eles sofrerão a pena da destruição
eterna, a separação da presença do Senhor e da majestade do Seu poder” (cf. 2Ts.1:9),
seria substituído por algo como: “sofrerão a pena do tormento eterno, o sofrimento em um
lago de fogo durante toda a eternidade”.

O próprio Senhor Jesus não deixou por menos e se utilizou amplamente de linguagem
denotativa de aniquilamento quando se referiu ao destino final dos homens ímpios.
Bacchiocchi destacou tal fato, dizendo:

“Jesus comparou a destruição dos ímpios a coisas tais como as ervas que são reunidas em
molhos para serem queimadas (Mat. 13:30,40), os maus peixes que são lançados fora
(Mat. 13:48), as plantas prejudiciais que são arrancadas (Mat. 15:13), a árvore infrutífera
que é cortada (Luc. 13:7), os galhos secos que são queimados (João 15:6), os servos
infiéis que são destruídos (Luc. 20:16), o mau servo que será despedaçado (Mat. 24:51),
os galileus que pereceram (Luc. 13:2, 3), as dezoito pessoas que foram esmagadas pela
torre de Siloé (Luc. 13:4, 5), os antediluvianos que foram destruídos pelo dilúvio (Luc.
17:27), as pessoas de Sodoma e Gomorra que foram destruídas pelo fogo (Luc. 17:29) e
os servos rebeldes que foram mortos quando do retorno do seu mestre (Luc. 19:14,
27)”2 3 2

Portanto, nem Jesus nem os seus apóstolos mudaram o pensamento predominante no


Antigo Testamento sobre o destino final dos pecadores. Assim como nunca vemos sequer
uma única vez algum escritor veterotestamentário dizer que os ímpios sofrerão
eternamente em algum lugar, mas sempre diziam que eles serão destruídos, eliminados,
exterminados e que deixarão de existir, da mesma forma os escritores neotestamentários

232 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 406
complementaram o pensamentos dos antigos e reiteraram a realidade da destruição
completa que os ímpios passarão após serem condenados no dia do juízo.

Destruição e extermínio da alma – Mais uma passagem que nos mostra de maneira clara a
cessação de vida da própria alma-psiquê no inferno se encontra na leitura do discurso de
Pedro em Atos 3: “E acontecerá que toda a alma que não escutar esse profeta será
exterminada dentre o povo” (cf. At.3:23). A palavra aqui usada no original grego para a
destruição da alma é exolothreuo, que, de fato, significa extermínio, uma “destruição
completa”2 3 3 . Se existe alguma palavra grega para denominar o total fim completo de
qualquer existência, essa palavra certamente é exolothreuo. O mais interessante nesta
passagem é que é uma referência direta ao próprio destino da alma -psiquê. Aquele que não
escutar ese profeta (Cristo) terá a sua alma exterminada-exolothreuo!

Mais figuras do Novo Testamento – Nosso Senhor Jesus Cristo afirmou que os ímpios serão
como os servos infiéis que foram executados com a chegada do seu senhor (cf. Lc.20:16).
Eles não foram castigados ou torturados para sempre, mas tiveram a cessação de vida.
Jesus comparou a destruição dos ímpios com ervas reunidas em molhos para serem
queimadas (cf. Mt.13:30,40), e o fogo consome completamente as ervas reunidas em
molhos até deixarem de existir. Tal comparação não faria sentido caso os ímpios, ao
contrário das ervas, continuassem subsistindo para todo o sempre. A analogia
simplesmente seria inválida, incoerente.

Ademais, os ímpios serão como o mau servo que será destruído (cf. Mt.24:51), os galileu s
que pereceram (cf. Lc.13:2,3) e as dezoito pessoas que foram esmagadas pela torre de
Siloé (cf. Lc.13:4,5). Todos estes tiveram literalmente a cessação de suas vidas e não a
permanência dela até os dias de hoje apesar de sua “destruição”. A destruição que caiu
sobre estes foi uma destruição de caráter aniquilacionista, reduzindo -os completamente até
o fim completo de suas existências.

O Dr. Bacchiocchi explica mais uma figura do AT que se aplica no NT relacionada ao destino
final dos ímpios na Bíblia:

“A separação que se procedia no Dia da Expiação entre israelitas impenitentes e penitentes


tipifica a separação que ocorrerá por ocasião do Segundo Advento. Jesus comparou essa
separação com a que tem lugar ao tempo da colheita entre o trigo e o joio. Os malfeitores
serão lançados ‘na fornalha de fogo’ e os ‘justos resplandecerão como o sol, no reino de seu
Pai’ (Mat. 13: 42, 43). As parábolas de Jesus e o ritual do Dia da Expiação ensinam a
mesma importante verdade: cristãos falsos e genuínos coexistirão até Sua vinda. Mas por
ocasião do juízo final uma separação permanente ocorre qua ndo pecado e pecadores serão
erradicados para sempre e um novo mundo será estabelecido. Como no serviço típico do
Dia da Expiação, os pecadores impenitentes eram ‘eliminados’ e ‘destruídos’, assim no
cumprimento antitípico do juízo final, os pecadores ‘sofrerão penalidade de eterna
destruição banidos da face do Senhor’ (2 Tes. 1:9)” 2 3 4

233Léxico da Concordância de Strong, 1842.


234 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 407
Nunca a penalidade era de sofrer uma tortura eterna, ou um aprisionamento para sempre,
mas sempre era o fim da vida da vítima, tipificando a destruição completa tanto do
pecado quanto dos pecadores:

“Os israelitas penitentes que se arrependiam de seus pecados eram pronunciados


‘purificados... perante o Senhor’ ao completarem-se os ritos de purificação. Os israelitas
impenitentes que pecaram desafiadoramente contra Deus (c f. Lev. 20:1-6) e não se
arrependiam, no Dia da Expiação eram ‘eliminados’ (Lev. 23:29, 30)” 2 3 5

Tal tipificação entre Antigo e Novo Testamento perderia completamente o seu sentido no
caso de acontecer justamente o inverso, ou seja, a tortura eterna e não a eliminação dos
ímpios. A Bíblia afirma que “a Lei é uma sombra daquilo que há de vir” (cf. Hb.10:1),
seguindo-se logicamente, então, que os pecadores terão o mesmo destino que tiveram os
israelitas impenitentes: a total e completa eliminação, pois “toda alma que não ouvir este
profeta será exterminada do meio do povo” (cf. At.3:23).

Nesta mesma passagem acima mencionada por Pedro em Atos ele faz referência a
Deuteronômio 18:15-19, o que nos mostra que, realmente, Pedro entendia a devida
tipificação entre a pena sofrida pelos israelitas no AT e a sorte final dos homens pecadores.
No Antigo Testamento era tipificado o aniquilamento dos ímpios que praticavam os atos
dignos de morte, e Pedro reafirma no Novo Testamento que o destino final dos ímpios é o
extermínio da alma. Um cumprimento perfeito da tipologia, que nos mostrar que tal figura
entre o Antigo e Novo Testamento é verdadeira e válida.

A ordem era: “eliminem o mal do meio de vocês” (cf. Dt.19:19), uma sombra da futura
eliminação dos ímpios. Como o mal era “eliminado”? Deixando os que o praticam vivos para
sempre sofrendo em algum lugar? Não, mas os executando. Era uma tipologia exata daquilo
que acontecerá com os ímpios. Deus prometeu que irá eliminar o mal, e como? Deixando os
ímpios vivos para sempre em um inferno? Isso não seria o cumprimento da tipologia, mas
uma fórmula diferente, diametralmente oposta. A eliminação do mal vem de uma só
maneira, tipificada no AT e reiterada pelo NT: a morte como a cessação de existência.

É evidente que a “eliminação” aqui relatada jamais supunha uma continuação de existência,
mas sim uma cessação de existência. O mal que tinha que ser eliminado do meio dos
israelitas tipifica o mal a ser completamente excluído e eliminado no dia do Juízo. Cristo
também disse: “Pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros
galileus, por terem padecido estas coisas? Não eram, eu vo-lo afirmo; se, porém, não vos
arrependerdes, todos igualmente perecereis” (cf. Lc.13:2,3).

Aqui o “perecer” não pode ser considerado como a permanência da vida, simplesmente
porque Cristo afirma de modo claro que seria “igualmente”, isto é, de igual modo ao que
sucedeu àqueles galileus, assim se daria com o fim daqueles que não se arrependessem. Os
galileus ali citados foram aniquilados, isto é, tiveram a cessação de suas vidas, foi uma
destruição completa. Jesus disse que a destruição final dos ímpios se dará de igual modo
daqueles galileus. Se é de igual modo, então também serão exterminados. Outra passagem
em que Cristo acentua tal realidade encontra-se no evangelho de Lucas:

“Jesus olhou fixamente para eles e perguntou: Então, qual é o significado do que está
escrito? ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular’. Todo o que cair

235 ibid.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 408
sobre esta pedra será despedaçado, e aquele sobre quem ela cair será reduzido a pó”
(cf. Lucas 20:17,18)

Assim como um vaso de barro é quebrado ao ser jogado contra uma pedra e assim como é
esmagado quando uma pedra cai sobre ele, assim também será o completo extermínio final
dos que rejeitarem a Jesus. O quadro não é de continuação eterna de vida, mas de sua total
cessação de existência, sendo despedaçada e reduzida até ao pó (v.18)! Por fim, em 2ª
Pedro 3:6-7 temos o paralelo traçado pelo apóstolo entre os que foram destruídos por
ocasião do dilúvio com os que perecerão ao final, segundo é decretado “pela mesma
palavra” (de Deus):

“E pela água o mundo daquele tempo foi submerso e destruído. Pela mesma palavra os
céus e a terra que agora existem estão reservados para o fogo, guardados para o dia do
juízo e para a destruição dos ímpios” (2ª Pedro 3:6,7)

Pedro traça aqui um paralelo interessante entre o fim do mundo antigo pelas águas do
dilúvio e o futuro destino dos ímpios após o juízo, o qual ele se refere como sendo
“destruição”. A evidente analogia que aqui é posta em cena não nos deixa dúvida se os
ímpios serão aniquilados ou terão um tormento eterno no inferno, pois os que foram
destruídos no dilúvio não ficarem eternamente dentro d’água, sofrendo tormentos
infindáveis, mas foram realmente destruídos por completo, aniquilado s.

Por essa mesma linha, o destino final dos ímpios, que é a “destruição”, não pode ser uma
destruição meramente espiritual e não real, deve ser igual a que sofreram os diluv ianos: o
aniquilamento. Tal tipificação com a sorte final dos ímpios perderia força em caso que o
fogo destruidor que lhes está reservado no dia do juízo não os consumisse completamente
tirando-lhes a existência, assim como o dilúvio os afogou completamente, tirando-lhes a
vida.

Contexto de vida versus não-vida – Em toda a Bíblia vemos o contraste entre vida versus
morte, entre vida versus destruição. Tal ensinamento é claramente colocado por Jesus no
evangelho de Lucas: “Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá; mas quem perder a
vida por minha causa, este a salvará. Pois que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, e
perder-se ou destruir a si mesmo?” (cf. Lc.9:24,25). Aqui é fortemente ressaltado o
aspecto de vida versus não-vida (destruição). Se os ímpios podem perder a vida, então
segue-se que eles ficam sem vida. Não existe existência humana sem Cristo, pois o homem
pode salvar a sua vida ou perder a vida em caso de não aceitá -Lo. O final do verso seguinte
confirma a idéia ao aplicar novamente o termo “perder-se ou destruir a si mesmo”.

Em suma, a ideia é que a vida pode ser perdida (resultando em não-vida, sem existência de
vida) o que resulta em destruição ao indivíduo, destruindo-se a si mesmo. É uma clara
descrição do destino final dos ímpios que terão as suas próprias vidas (existências)
perdidas, destruídas. O próprio Jesus afirmou que “quem acha a sua vida a perderá, e quem
perde a sua vida por minha causa a encontrará” (cf. Mt.10:39). Se você “perde a vida”,
então necessariamente tem que ficar “sem vida”. Aqui a morte é claramente relacionada
com o inverso de vida, isto é, a cessação de existência. Por isso, torna-se inaceitável que
Deus mantenha em vida bilhões de criaturas (ímpias) por toda a eternidade, uma vez que
elas deveriam perder a vida por não aceitarem a Cristo, e não ter a permanência dela em
algum lugar (ainda que seja em um inferno).

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 409


Outra abordagem interessante neste mesmo contexto é feita pelo autor da epístola aos
Hebreus, ao lermos:

“Nós, porém, não somos dos que retrocedem para a destruição; somos, entretanto, da fé,
para a conservação da alma” (cf. Hebreus 10:39)

Aqui nós vemos algo que vai muito além do fato de que os não -salvos serão destruídos,
pois ainda que o “destruir” aqui não fosse literal ou significasse mera “ruína”, o contexto
não nos deixa outra opção senão o aniquilamento dos ímpios. Isso porque apenas os salvos
é que conservarão a sua vida, sendo que no original grego a palavra utilizada pelo autor é
exatamente psuche – alma! Só os salvos que conservarão as suas almas em existência e,
uma vez que os não-salvos não terão as suas almas conservadas, segue -se logicamente
que eles terão a sua própria alma [vida] eliminada.

Assim podemos entender o nítido contraste entre os que serão destruídos e aqueles que
terão a conservação de suas vidas [alma-psuche]. A clareza do texto é evidente, pois se a
“destruição” ou “perdição” aqui mencionada não fosse exatamente a completa
eliminação/aniquilamento dos ímpios, então eles teriam também as suas almas conservadas
em vida! Contudo, a antítese nos deixa claro que tal fato é exclusividade dos justos,
seguindo-se, então, que nenhum ímpio terá a prorrogação eterna de suas vidas, mas sim o
fim delas.

No evangelho de Lucas, o Senhor Jesus declara:

“Disse Jesus: ‘Você respondeu corretamente. Faça isso, e viverá’” (cf. Lc.10:28)

Como é que Cristo pode dizer a quem o indagava que este teria que fazer algo para viver
(cumprir os mandamentos – vs. 26,27) senão porque tem como opção a cessação de
vida? Se ele tem que fazer algo para viver, então é porque ele pode ter a cessação de sua
vida. Nisso fica mais do que claro o contraste entre vida versus cessação de vida, e não de
vida em ambos os casos para justos e ímpios em lugares diferentes por toda a e ternidade.
Ele tem que fazer algo para viver porque ou ele tem a vida (eterna), ou... a cessação de
vida (não-vida).

Cristo também acentua no evangelho de João:

“Contudo, vocês não querem vir a mim para terem vida” (cf. João 5:40)

Se é preciso vir a Cristo para ter vida, então aqueles que não vêm a Cristo ficarão sem vida.
A verdade é que só tem vida aqueles que “comem e bebem da carne do Filho do homem”:
“Jesus lhes disse: Eu lhes digo a verdade: Se vocês não comerem a carne do Filh o do
homem e não beberem o seu sangue, não terão vida em si mesmos” (cf. Jo.6:53). E o
apóstolo reitera essa mesma verdade em sua primeira epístola: “Todo aquele que odeia a
seu irmão é assassino; ora, vós sabeis que todo assassino não tem a vida eterna
permanente em si” (cf. 1Jo.3:15).

O assassino não terá a vida (cf. Jo.6:53; Jo.6:58), não possuirá o dom da imortalidade
vivendo uma vida eterna. Até mesmo o pior dos assassinos teria vida eterna permanente
em si caso fosse detentor de uma alma eterna e imortal presa dentro de seu ser, ou se a

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 410


eternidade fosse para todos indistintamente. Outro ensinamento claro do Senhor Jesus é
que, para ser imortal, “vivendo eternamente”, deve-se comer do “pão da vida”:

“Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o
pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne” (cf. João 6:51)

Vemos que apenas aquele que dele comer, do pão vivo que desceu do Céu, pode ser imortal
vivendo eternamente. Ora, os ímpios também comem do pão da vida? É claro que não!
Então eles não serão imortais para viverem eternamente em algum lugar. Não é necessário
muito esforço para percebemos o nítido contraste bíblico entre a vida e a cessação de vida.
Só o que vence adquire a imortalidade (cf. Ap.2:7,11), e apenas aqueles cujos nomes são
achados no livro da vida possuem vida. Algumas versões, como a ARA 2 3 6 , trazem “livro
dos vivos” (cf. Sl.68:29).

Para uma pessoa ser mantida com vida, o seu nome tem que ser achado no livro dos vivos,
o livro da vida. As pessoas que cujos nomes não são encontrados neste livro não são
preservadas com vida. A vida é somente e unicamente aos salvos, àqueles que estão no
livro da vida, àqueles que estão em Cristo Jesus, àqueles que têm participação na árvore da
vida que está reservada aos salvos no Paraíso (cf. Ap.2:7,11), e quem tiver parte na
árvore da vida obterá a imortalidade (cf. Gn.3:22; Ap.22:2,14).

Apenas os justos tem corpos incorruptíveis – A Bíblia indica que somente os salvos terão
corpos incorruptíveis (cf. Fp.3:20,21; 1Co.15:35-55). Os ímpios, ao contrário, colherão
corrupção, em contraste com a “vida eterna”, fat o que é expressamente relatado em
Gálatas 6:8. A pergunta que fica é: como os corpos dos ímpios que ressuscitam têm
capacidade de serem eternamente refratários ao fogo, sendo que somente os remidos são
descritos como tendo corpos incorruptíveis?

Ora, alguém que tem corpo corruptível, em contraste com a incorruptibilidade e a vida
eterna dos justos, não pode ficar queimando vivo no inferno para sempre, pois se assim
fosse seria exatamente o inverso, isto é, incorruptível. Os imortalistas na tese do inferno
eterno têm uma imensa dificuldade em explicar como os ímpios que ressuscitam poderiam
ser lançados no fogo que jamais consome seus corpos que não são incorruptíveis.

Se os corpos ressurretos dos ímpios conseguissem ser eternamente refratários ao fogo do


inferno, tendo uma vida eterna naquele lugar sem ter jamais chegar o seu fim de
existência, seria exatamente o inverso disso: seria incorruptível. O fato de apenas os justos
terem corpos incorruptíveis (cf. Fp.3:20,21; 1Co.15:35-55) e dos ímpios serem corruptíveis
(cf. Rm.2:7; Gl.2:8), revela que eles não serão eternamente refratários a fogo, pelo
contrário, terá um momento em que serão completamente consumido s por ele, deixando de
existir, pois seus corpos ressurretos não são incorruptíveis para resistir aos danos do fogo
sem morrer, diferentemente dos justos que terão corpos incorruptíveis para viverem
eternamente.

VI–A Lei da Proporcionalidade

236 Almeida Revisada e Atualizada.


A Lenda da Imortalidade da Alma Página 411
Já dissemos aqui que o aniquilamento dos ímpios não é algo que anula o castigo no geena.
O aniquilamento não vem senão depois de cada um pagar de acordo com o que as suas
obras fizeram por merecer, ou seja, atua uma lei de justa retribuição (proporcionalidade),
cada um de acordo com as obras.

Esse ensinamento encontra uma clareza indiscutível nas Escrituras Sagradas, não apenas
nos ensinamentos relativos ao Antigo Testamento, mas também nos ensinos
neotestamentários. Novamente, o Novo Testamento não anula e nem altera o Antigo. Os
mortos serão castigados no geena de acordo com o que as suas más obras fizeram por
merecer, até perecerem completamente (virarem “cadáveres”, como diz Isaías e Jesus). O
geena, como um todo, terá fim quando esta presente terra der lugar aos novos céus e nova
terra, fato esse que veremos mais adiante.

Importante também é ressaltarmos que essa verdade não contradiz o ensinamento bíblico
de que o homem é justificado pela fé genuína. Uma coisa é bem diferente da outra: a
justificação vem pela fé, a retribuição vem de acordo com as obras de cada um (cf.
Ap.22:12). Ninguém é justificado por obras, mas é condenado pelas obras, ao passo que
aquele que crê em Cristo é salvo, não pelas suas próprias obras, mas pelos méritos de
Cristo, através da fé (cf. Ef.2:8,9).

Este capítulo também é importante porque algumas religiões, como as testemunhas de


Jeová, não creem que os ímpios serão castigados proporcionalmente às suas obras antes de
serem aniquilados (aliás, nem creem que eles ressuscitarão), passando assim uma noção
falsa daquilo que é a verdadeira doutrina do aniquilamento dos ímpios, que não anula de
forma alguma o caráter e a justiça de Deus, que não permitiria que um “ladrão de frangos”
tivesse exatamente o mesmo castigo de alguém como Hitler. Nesse ponto, o
aniquilacionismo sem castigo prévio se iguala com a antibíblica tese do tormento eterno,
pois enquanto um ensina que todos serão indistintamente condenados a um tormento
eterno, a outra ensina que todos serão indistintamente aniquilados sem serem castigados, e
nenhuma das duas daria sentido à justiça divina.

O Antigo Testamento – No Antigo Testamento vemos a crença clara de que a cada ímpio lhe
seria retribuído exatamente aquilo que é correspondente às suas obras. Tão certo como os
ímpios seriam por fim totalmente eliminados (cf. Sl.37:9; 2Pe.2:6; Is.5:23,24; Ml.4:3;
Pv.22:23; Sl.73:17-20; Is.16:4,5; Is.19:18-20; Sl.62:), certo também seria que cada um
pagaria de acordo com as suas obras (cf. Pv.24:12; Is.59:18; Is.65:5; Os.12:2; Sl.28:3,4;
Jr.25:14; Sl.62:12). Veremos algumas dessas citações que nos provam que a retribuição é
exatamente aquilo que cada um merece de acordo com as suas obras:

“Conforme o que fizeram lhes retribuirá: aos seus inimigos, ira; aos seus adversários, o
que merecem; as ilhas, a devida retribuição” (cf. Isaías 58:18)

Do início ao fim, o foco é na devida retribuição, de acordo com o que cada um fez e o que
cada um merece. Contudo, tormentos infinitos por pecados finitos não entram nessa lógica.
Pouco mais a frente também lemos:

“Vejam, porém! Escrito está diante de mim: Não ficarei calado, mas lhes darei a plena e
total retribuição” (cf. Isaías Is.65:5)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 412


Acerca de Israel, Deus também diz:

“O Senhor tem uma acusação contra Judá, e vai castigar Jacó de acordo com os seus
caminhos; de acordo com suas obras lhes retribuirá” (cf. Oseias 12:2)

Que a retribuição vem de acordo com as obras de cada um, e não um tormento eterno para
todos, isso fica ainda mais claro à luz do Salmo 28:3-4:

“Não me dês o castigo reservado para os ímpios e para os malfeitores, que falam como
amigos com o próximo, mas abrigam maldade no coração. Retribui-lhes conforme os
seus atos, conforme as suas más obras; retribui-lhes o que as suas mãos têm feito
e dá-lhes o que merecem” (cf. Salmos 28:3,4)

O castigo vem de acordo com os atos e as más obras de cada um individualmente


(evidentemente podendo variar de pessoa a pessoa), e não um mesmo castigo a todos de
forma geral. Essa mesma verdade é expressa por Davi no Salmo 62:

“Contigo também, Senhor, está a fidelidade. É certo que retribuirás a cada um conforme o
seu procedimento” (cf. Salmos 62:2)

O castigo varia de acordo com o procedimento de cada um, de acordo com o que cada um
fez por merecer pelo seu procedimento. Não se trata de um mesmo castigo para todos
indiscriminadamente, mas a castigos variados e proporcionais de pessoa a pessoa de acordo
com o que ela mesma fez por merecer em vida. Em Provérbios também lemos:

“Mesmo que você diga: Não sabemos o que estava acontecendo! Não o saberia aquele que
pesa os corações? Não o saberia aquele que preserva a sua vida? Não retribuirá ele a
cada um segundo o seu procedimento?” (cf. Provérbios 12:24)

A retribuição não é um tormento infinito, mas é conforme o procedimento de cada um.


Creio que não haja quem pense que seria “de acordo com o que cada um me rece pelas suas
obras” um tormento infinito por pecados finitos, por décadas de pecado (ou até menos!).
Isso é contradizer a Bíblia e a sabedoria divina. Dizer que o Antigo Testamento apregoava
um tormento eterno para todos é negar todas as evidências de retribuição conforme as
obras (cf. Is.59:18; Is.65:5; Os.12:2; Sl.28:3,4; Jr.25:14; Sl.62:12), bem como todo o
arsenal característico de aniquilamento final. Mais de 25 substantivos são usados no Velho
Testamento para descrever a destruição final dos ímpios, esgotando -se os recursos de
língua hebraica para denominar o aniquilament o final.

Contudo, embora chegue até a ser exaustivo ler todas as mais inúmeras passagens que
expressam que os ímpios serão “completamente destruídos... exterminados... se farão em
cinzas... deixarão de existir”, é notório que nunca é mencionado qualquer coisa sobre os
ímpios serem “atormentados para sempre”, ou “castigados para sempre”! A razão para isso
é simples: a crença do Antigo Testamento era de que, após cada um pagar o que lhes
correspondia às suas obras, seriam todos completamente destruídos. Três verdades
constantes que podemos destacar no ensino veterotestamentário a esse respeito são :

(1) A punição dos ímpios é um acontecimento futuro, e não algo que já esteja em
atividade.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 413


(2) Eles [os não-salvos] serão exterminados, eliminados, destruídos, e não “atormentados
para sempre”.

(3) Cada um pagará de acordo com o seu procedimento, pelo o que fez por merecer.

Quando os defensores da imortalidade da alma se deparam com as provas do terceiro ponto


apresentadas aqui (pelos vários versos que vimos acima), costumam dizer que o quadro
não apresenta um futuro aos ímpios no dia do juízo, mas uma relação apenas a esta
presente vida. Tal suposição, contudo, é negada por duas razões principais. A primeira é
que nem todos os ímpios tem a devida retribuição pelos seus atos aqui nesta terra, nesta
presente vida. Muitos deles desfrutam do bom e do melhor desta terra até a morte, o que
faria com que tais versos bíblicos não tivessem sentido, ou valessem apenas para alguns.
Em segundo lugar, é negada pelo próprio Paulo, que disse:

“Contudo, por causa da sua teimosia e do seu coração obstinado, você está acumulando ira
contra si mesmo, para o dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento.
Deus ‘retribuirá a cada um conforme o seu procedimento’. Ele dará vida eterna aos
que, persistindo em fazer o bem, buscam glória, honra e imortalidade” (cf. Romanos 2:5-7)

O quadro é do “dia da ira de Deus”, o dia do julgamento. O verso 6 é bem interessante


porque Paulo (como costumava fazer) cita uma passagem veterotestamentária que tem
uma correta aplicação no contexto: “Deus ‘retribuirá a cada um conforme o seu
procedimento’” (v.6). Essa é uma citação paulina de Provérbios 12:24 e do Salmo 28:2-3, o
que nos mostra que os próprios apóstolos sabiam que as afirmações veterotestamentárias
tinham uma correta aplicação prática ao destino final dos ímpios no dia do julgamento .

O Novo Testamento – O Novo Testamento segue o mesmo rit mo do Antigo afirmando a


mesma verdade apresentada de que os ímpios sofrerão no inferno até pagarem pelas suas
obras, fato esse que varia de pessoa a pessoa. Jesus é o primeiro a ensinar a clareza deste
ensinamento bíblico em Lucas 12:47-48. Analisaremos o contexto todo para vermos como
Cristo falava da punição do juízo final aos ímpios:

“Estejam também vocês preparados, porque o Filho do Homem virá numa hora em que não
o esperam; Pedro perguntou: ‘Senhor, estás contando esta parábola para nós ou para
todos? O Senhor respondeu: ‘Quem é, pois, o administrador fiel e sensato, a quem seu
senhor encarrega dos seus servos, para lhes dar sua porção de alimento no tempo devido?
Feliz o servo a quem o seu senhor encontrar fazendo assim quando voltar. Garanto -lhes que
ele o encarregará de todos os seus bens. Mas suponham que esse servo diga a si mesmo:
‘Meu senhor se demora a voltar’, e então comece a bater nos servos e nas servas, a comer,
a beber e a embriagar-se. O senhor daquele servo virá num dia em que ele não o espera e
numa hora que não sabe, e o punirá severamente e lhe dará um lugar com os infiéis.
Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que ele deseja, nem o
realiza, receberá muitos açoites. Mas aquele que não a conhece e pratica coisas
merecedoras de castigo, receberá poucos açoites. A quem muito foi dado, muito será
exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido” (cf. Lucas 12:40-48)

Note que Cristo, diante do contexto, não estava falando de algum castigo para esta vida,
mas para a vida póstuma. Ele se referiu à Sua segunda vinda (v.40), quando Ele voltar
(v.43). A condição de levar “muitos” ou “poucos” açoites só vem depois da Sua volta e de

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 414


quando Ele punir os ímpios lhes dando um lugar com os infieis (v.46). E, então, ao invés de
dizer que este castigo futuro que sobrevirá aos ímpios será um tormento eterno, com
“eternos açoites” ou de alguém que será “açoitado para sempre”, ele afirma
categoricamente que uns levarão “muitos açoites” (v.47) enquanto outros levarão
“poucois açoites” (v.48), anulando assim qualquer possibilidade de tormento eterno para
todo mundo.

Um tormento eterno, sem fim, que dura de eternidade em eternidade, pelos séculos dos
séculos para todo o sempre, nunca, jamais e em hipótese alguma pode ser
considerado como “pouco”! Se Cristo disse que uns levarão “poucos” açoites, é
obviamente porque não será atormentado para sempre, mas durante algum (pouco) tempo.
Ademais, o contraste entre aqueles que levarão poucos açoites e os que levarão muitos
açoites também nos deixa claro que esse castigo futuro não será o mesmo para todos
indistintamente (como um tormento eterno para todo mundo), mas irá variar de pessoa a
pessoa.

Os imortalistas não fazem tal distinção, pois, para eles, todos serão “açoitados
eternamente”, não existindo penalidades menores e penalidades maiores. Alguns tentam
contornar isso alegando que haverá graus de punição eterna diferentes no inferno, um local
com punição “mais dura” e outro com punição “mais branda”. Daí a ideia pagã de um
“quinto dos infernos”, ou seja, de um local do inferno ainda mais “infernal”. Tal noção é
completamente estranha à Bíblia, que em momento nenhum declara que o lago de fogo terá
um espaço “mais terrível” onde serão colocados os mais crueis e uma parte do lago de fogo
mais light, como se o fogo que queimasse alguém fosse mais terrível do que o fogo que
queimasse outra pessoa.

Parece piada, mas muitos pensam assim. Essa tentativa de “costurar” a Bíblia para encaixar
a doutrina imortalista nela fracassa ainda mais miseravelmente quando temos em mente
que a eternidade não pode ser “relativizada”, ou seja, que um tormento eterno não pode
ser maior ou menor do que outro tormento eterno. Sendo assim, a distinção do
“muitos” para o “poucos” açoites inexistiria caso o tormento infernal fosse eterno para
todos. Além disso, para que alguém leve “poucos” açoites, ele não pode ficar queimando
eternamente em um tormento infindável dentro de um lago de fogo e enxofre que jamais
chega a consumi-lo completamente. Isso não chega nem perto de ser considerado
“POUCOS” açoites!

A verdade que Cristo revela em Lucas 12:47-48 é que o tormento no inferno varia de
pessoa a pessoa e não vai existir alguém que vai queimar eternamente , pois se fosse assim
seria muitos açoites para todo o mundo; aliás, Cristo teria dito que alguém seria açoitado
eternamente, o que não disse, pois ninguém será castigado por toda a eternidade. A pena
não é de tormento eterno para todo mundo, pois uma pessoa pode levar muitos açoites ou
poucos açoites.

Deus não vai punir o ladrão de ovelhas que morreu sem aceitar a Jesus e Adolf Hitler que
foi responsável pelo assassinato de mais de seis milhões de judeus com a mesma pena:
“Tormento eterno para os dois”! Não. Hitler levaria “muitos açoites” e o ladrão de ovelhas
não seria punido tão severamente por tão pouco. Antes, este levaria “poucos açoites”. O
motivo de um levar muitos aç oites e o outro poucos é porque o tempo em que vão queimar
no inferno varia de pessoa a pessoa. Cada um paga de acordo com aquilo que as suas

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 415


próprias obras fizeram por merecer, é a Lei da Proporcionalidade ou “Justa Retribuição” em
ação!

O Novo Céu e a Nova Terra botam o ponto final no tormento dos ímpios com o
estabelecimento de uma “nova criação” em que reina a justiça e em que todas as outras
coisas [incluindo o lago de fogo e os ímpios] “são passadas” (cf. Ap.21:4), já ficaram para
trás. Embora o amor de Deus queira dar o dom da vida eterna a todos, a sua justiça e
retidão faz com que nem todos possam desfrutar de tal coisa, mas pagam de acordo com
aquilo que merecem.

Esse conceito também foi dito por Cristo aos fariseus, ao dizer que eles “devoram as casas
das viúvas e, para disfarçar, fazem longas orações. Esses homens serão punidos com
maior rigor!” (cf. Lc.20:47). Quando Cristo disse que os fariseus seriam “punidos com
maior rigor”, não estava dizendo que no inferno haverão caldeirões mais quentes e outros
menos quentes para os pecadores condenados, um para o ladrão de frangos e outro para
Hitler, mas que um será punido por mais tempo e outro por menos tempo. Essa
interpretação concorda com aquilo que Ele mesmo disse em Lucas 12:58-59:

“Quando algum de vocês estiver indo com seu adversário para o magistrado, faça tudo para
se reconciliar com ele no caminho; para que ele não o arraste ao juiz, o juiz o entregue ao
oficial de justiça, e o oficial de justiça o jogue na prisão. Eu lhe digo que você não sairá
de lá enquanto não pagar o último centavo” (cf. Lucas 12:58,59)

Alguns católicos interpretam este verso, que mostra um local de condenação temporário e
não eterno, como sendo uma referência ao purgatório, o que não pode ser verdade pelo
simples fato de que o purgatório não existe, da mesma forma que vimos que inexiste
qualquer estado intermediário entre a morte e a ressurreição, em forma de espírito
incorpóreo. Além disso, se “o sangue de Jesus nos purifica de todo o pecado” (cf. 1Jo.1:7),
e não apenas de alguns pecados, então não há qualquer necessidade de sobrar algum
pecado para ser purgado no purgatório, a não ser que o sangue de Cristo não tenha sido
suficiente para purificar tal pecador, mas o que o sangue de Jesus não pode faz er o
purgatório pode!

Temos que ressaltar que, na visão católica, o purgatório é um local reservado para pessoas
já salvas, mas não totalmente purificadas. Mas se a pessoa já é salva, já se presume que
ela esteja purificada, pois o sangue de Jesus nos purifica de todo pecado, e o salvo é
lavado e coberto nesse sangue de Cristo! Além disso, a afirmação católica de que o
purgatório é para as pessoas que, “tendo sido formalmente culpadas de pecados menores,
não deram plena satisfação deles a justiça divina” 2 3 7 , entra em conflito com a teologia
paulina, em que aqueles que praticam esses pecados menores, como “as inimizades, as
contendas, os ciúmes, as iras, as facções, as dissensões, os partidos, as invejas, as
bebedices, as orgias, e coisas semelhantes a estas, os que tais coisas praticam não
herdarão o reino de Deus” (cf. Gl.5:20-21).

Ele não afirma que tais pessoas que cometem esses e outros “pecados menores” entrarão
no Reino de Deus após passarem pelo purgatório, mas que não herdarão o Reino de
Deus, o que é totalmente diferente. Portanto, tais pessoas que não se arrependeram de
seus pecados menores não passarão pelo purgatório para entrarem depois no Céu, elas
simplesmente não serão salvas, conforme diz Paulo. Não são pessoas que herdarão o

237 Papa Pio IV, A Base da Doutrina Católica contida na Profissão de Fé.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 416
Reino de Deus depois de passarem pelo purgatório, são pessoas que não herdarão o Reino
de Deus!2 3 8

Sendo assim, fica claro que esse texto de Lucas 12:59 não se refere ao purgatório, mas há
algum outro lugar. Mas, se não é o purgatório, o que mais seria? Evidentemente não pode
ser uma referência ao Céu, pois o texto fala de perdidos, e não de salvos. O texto só pode
estar falando do inferno-geena. As pessoas não irão ficar lá para sempre, mas “até
pagar o último centavo” (v.59). Nitidamente o que Cristo estava ensinando aqui era uma
lição espiritual, com cada elemento tendo o seu devido significado: o juiz é Deus, que é o
nosso “legislador e juiz” (cf. Tg.4:12), que “está pronto para julgar os vivos e os mortos”
(cf. 1Pe.4:5).

Os que forem condenados serão encaminhados pelos “oficiais de justiça” (anjos) até o local
onde deverão ficar como punição, a “prisão” (geena). Não sairão de lá enquanto não
pagarem até o último centavo, sendo o “sair” aqui a segunda morte, o lago de fogo (cf.
Ap.20:14). O inferno (geena) não é um local onde todos vão queimar eternamente
independente de suas obras, mas que cada um ficará “até pagar o último centavo”, isto é,
até pagar de acordo com as suas obras o que cada um merece. Se o inferno fosse
eterno, Cristo teria dito que não sairia de lá nunca!

Outro ensinamento de Cristo sobre isso está em Mateus 18, em que ele diz:

“Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te
toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu
companheiro, como eu também tive misericórdia de ti? E, indignado, o seu senhor o
entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos fará,
também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas
ofensas” (cf. Mateus 18:32-35)

A palavra grega empregada no verso 34: “heos” – que significa: “até que” – ressalta o
término de um período, e não a continuidade eterna dele. Cada pecador pagará no inferno-
geena até pagar por tudo o que deve – até o último centavo – e não em um processo
eterno que não tem fim. É evidente que Cristo ali relatava outra verdade no Reino, como
mostra o v.35: “Assim vos fará, também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes,
cada um a seu irmão, as suas ofensas”. Tratava-se nitidamente da sorte final daqueles que
não demonstrarem perdão e compaixão pelo próximo. O ensinamento de Cristo não cond iz
com a doutrina do tormento eterno precisamente porque mostra que o tempo em que
passariam nas mãos dos “atormentadores” (v.34) teria um fim.

O “servo malvado” (v.32) representa os homens maus que serão condenados, o “senhor”
(v.34) representa o Senhor Deus que executa o juízo sobre estas pessoas, o “entregou aos
atormentadores” (v.34) é uma figura do futuro castigo dos ímpios, e portanto logicamente o
“até que pagasse tudo o que devia” (v.34) mostra o tempo que tal ímpio ficaria sendo
castigado, que não é para sempre, mas até pagar por todos os delitos que cometeu em
vida. Que esse é um quadro vívido real daquilo que de fato acontecerá com os ímpios no
juízo fica claro pela conclusão do próprio Senhor Jesus, que disse que “assim vos fará,

238 Uma análise minha mais completa sobre o purgatório, em que refuto outras interpretações de mais
textos usados pelos católicos que supostamente “provam” o purgatório na Bíblia você pode conferir aqui:
<http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2012/08/o-purgatorio-existe.html>.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 417
também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas
ofensas” (v.35). Não é um tormento eterno, mas um temporário!

O texto bíblico que mais ressalta a realidade de que Deus não punirá com uma eternidade
de tormentos aos não-salvos, mas apenas o correspondente aos seus pecados para que
apenas os justos herdam a imortalidade, se encontra na carta de Paulo aos romanos, em
que ele diz:

“Contudo, por causa da sua teimosia e do seu coração obstinado, você está acumulando ira
contra si mesmo, para o dia da ira de Deus, quando se revelará o seu justo julgamento.
Deus retribuirá a cada um conforme o seu procedimento. Ele dará vida eterna aos que,
persistindo em fazer o bem, buscam glória, honra e imortalidade” (cf. Romanos 2:5-7)

Aqui vemos, primeiro, que o julgamento de Deus é “justo”, o que por si só deveria ser
suficiente para anular a crença num tormento eterno por pecados finitos. Em seguida, a lei
da proporcionalidade entra em cena quando Paulo, ao invés de dizer que Deus retribuirá a
todos os ímpios com um tormento eterno, diz que retribuirá a cada um (individualmente)
conforme o seu procedimento, para em seguida dizer que só alcançará a imortalidade
aquele que a buscar, persistindo em fazer o bem. É óbvio que Paulo não tinha em mente
que todos os ímpios serão imortais sofrendo um tormento eterno no inferno, mas que a
imortalidade é apenas aos justos que a buscam e praticam o bem, e os ímpios terão um
julgamento justo em que serão retribuídos proporcionalmente às suas obras.

O próprio livro de Apocalipse revela a realidade de que Deus retribui a cada um de acordo
com as suas obras e não com tormento eterno para todos. Em Apocalipse 22:12, o próprio
Senhor Jesus afirma: “Eis que venho em breve! A minha recompensa está comigo, e eu
retribuirei a cada um de acordo com o que fez” (cf. Ap.22:12). A visão comum dos
defensores do tormento eterno é a de que apenas aos justos (que recebem a recompensa)
é lhes retribuído de acordo com o que fez. Contudo, o texto claramente diz “a cada um” e
não “a cada justo”! Deus retribui a todos – justos e ímpios – de acordo com as obras de
cada um. É evidente que a passagem em pauta não está falando de justificação, que é pela
fé (cf. Ef.2:8,9; Rm.3:28), mas de retribuição, retribuição essa que é de acordo com as
obras de cada um.

A vida eterna é um dom de Deus, que, mesmo ninguém merecendo tal coisa, a recebem
pela Sua graça, que por misericórdia Deus concede aos remidos. Aos ímpios, contudo, não
existe uma “graça ao inverso” com punição infinita por pecados finitos. A retribuição vem de
acordo com as suas obras (cf. Ap.22:12), até pagar o último centavo (cf. Lc.12:59 ;
Mt.18:32-35), sendo que cada um poderá então levar muitos ou poucos açoites (cf.
Lc.12:48,49). O apóstolo Paulo sabia muito bem disso, ao declarar que “Deus retribuirá a
cada um de acordo com as suas obras” (cf. Rm.2:6).

Se a punição no inferno fosse eterna para todos, em um tormento consciente num processo
de destruição eterno e inconclusivo, punindo infinitamente por pecados finitos, então de
maneira nenhuma seria retribuição de acordo com as obras de cada um. A pena do
adolescente de dezesseis anos de pecado e do diabo, o autor do pecado, seria a mesma:
tormento eterno para todos! Onde está aí a retribuição de acordo com as obras que cada
um merece pagar? Em lugar nenhum. O próprio Cristo afirmou não poucas vezes que “o
Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então retribuirá a cada
um segundo as suas obras” (cf. Mt.16:27), e também no Apocalipse:

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 418


“Matarei os filhos dessa mulher. Então, todas as igrejas saberão que eu sou aquele que
sonda mentes e corações, e retribuirei a cada um de vocês de acordo com as suas obras”
(cf. Apocalipse 2:23)

Paulo também escreve que “não é surpresa que os seus servos finjam que são servos da
justiça. O fim deles será o que as suas ações merecem” (cf. 2Co.11:15). Embora
pudesse dizer que o fim daquelas pessoas sera o tormento eterno e sem fim, ele novamente
relata em palavras a sua forte convicção de que cada um pagaria somente o correspondente
às suas obras, e, por isso, “o fim deles será o que as suas ações merecem”. Noutras
palavras, se as suas ações merecem pouco tempo de punição (poucos “açoites”), assim lhe
será; mas, se as suas ações merecem mais tempo de castigo (muitos “açoites”) assim lhe
será feito.

O fato é que existe uma lei de porporcionalidade, por isso o castigo é plenamente
correspondido com as obras, que deverão ser plenamente pagas pelo seu mal até o fim (até
o “último centavo”). O tormento eterno e consciente da pessoa no inferno é uma doutrina
simplesmente estranha à luz da Bíblia Sagrada, fato es te que fica gritantemente claro
quando deixamos de nos apegar a um ou outro texto descontextualizado e passamos então
a analisar o conteúdo total do que a Escritura nos diz. Tal “Lei da Proporcionalidade” ou
“Justa Retribuição” é ressaltada na Bíblia inteira (cf. Lc.12:47,48; Lc.12:58,59; Mt.18:32-
35; Ap.22:12; 2Tm.4:14; Rm.2:6; Mt.16:27), a se começar logo no Pentateuco, quando a
retribuição ao pecador tipificava o final dos próprios ímpios:

“Dêem-lhe a punição que ele planejava para o seu irmão. Eliminem o mal do meio de vocês”
(cf. Deuteronômio 19:19)

Ele não morria sem antes pagar pelo mal que fez, pois havia uma lei de Justa Retribuição:
“Não tenham piedade. Exijam vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão,
pé por pé” (cf. Dt.19:19). Deus jamais punia mais do que o pecador merecia (jamais, por
exemplo, era torturado incessantemente), mas pela Sua justiça ele retribuía a cada um de
acordo com o que ele mereceu, pois isso era uma tipificação do que aconteceria com os
ímpios no fim dos tempos.

Largos exemplos disso são encontrados: “Então todos os homens da cidade o apedrejarão
até à morte. Eliminem o mal do meio de vocês. Todo o Israel saberá disso e temerá” (cf.
Dt.21:21). Embora o mal fosse completamente eliminado (uma figura do fim da existência
dos ímpios), note que eles não ficavam sem castigo. Se Deus quisesse matá -los de uma vez
bastaria que alguém lhes desse uma lancetada no coração ou no fígado deles e já morreria
imediatamente.

Por que, então, os pecadores teriam que ser apedrejados durante algum tempo antes de
serem aniquilados? Porque isso tipificava corretamente o que o próprio Deus faria com os
perdidos no futuro. Tão certo como eles serão completamente eliminados, deixando de
existir, eles também não ficarão sem pagar pelo mal que cometeram. Essa prefiguração do
Antigo Testamento que tem o seu cumprimento exato no Novo é também destacada em
Deuteronômio 25:2, que diz:

“Se o culpado merecer açoitamento, o juiz ordenará que ele se deite e seja açoitado em sua
presença com o número de açoites que o seu crime merecer” (cf. Deuteronômio 25:2)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 419


Ninguém era açoitado para sempre até morrer, mas o número de açoites era sempre
proporcional ao crime cometido. Assim, uns eram castigados com muitos açoites, e outros
com poucos. Deus não dava o mesmo castigo para todos. Essa prefiguração é cumprida
plenamente no Novo Testamento (cf. Lc.12:47,48), onde o castigo final também não é
descrito como sendo o mesmo igualmente para todos, mas proporcional ao que cada um
merece receber. Devemos lembrar que a lei é uma “sombra do que há de vir” (cf. Hb.10:1),
ou seja, uma tipificação, uma figura, uma imagem daquilo que há de acontecer no futuro.

Por fim, Paulo afirma enfaticamente que “Alexandre, o latoeiro, me fez muito mal; o
Senhor lhe retribuirá segundo as suas obras” (cf. 2Tm.4:14). Novamente vemos aqui
acentuada a lei de Justa Retribuição (proporcionalidade), Deus retribuindo aos pecadores
segundo as obras e não com um tormento eterno. Paulo conhecia a verdade, ele sabia
muito bem que a punição do inferno vai até cada um pagar de acordo com as suas obras.

Embora pudesse perfeitamente dizer que o Senhor lhe retribuiria com o tormento eterno
(como qualquer imortalista diria), ele reafirma a sua convicção de que Alexandre pagaria o
que as suas obras fizeram por merecer, cada um pagando de acordo com as suas próprias
obras. Se o tormento eterno existisse, a retribuição aos ímpios não seria individual, mas
coletiva, ou seja, cada um pagaria de acordo com uma quantia que já está estipulada a todo
mundo indistintamente (o tormento eterno), não haveria proporção em relação às obras de
cada um, deixando textos como esses sem sentido.

O castigo varia de acordo com o procedimento de cada um, de acordo com o que cada um
fez por merecer pelas suas obras. Creio que não haja quem pense que seria “de acordo com
o que cada um merece pelas suas obras” um tormento infinito por pecados finitos,
retribuindo décadas de pecado por blocos intermináveis de bilhões e bilhões de anos de
tormento sem fim. Isso é contradizer a Bíblia e o senso de justiça divina. É isso que é o
inferno: um local de punição, não eterno para todos, mas onde cada um paga aquilo que lhe
é correspondente às suas obras.

O Deus da Bíblia é um Deus que retribui aos ímpios segundo as obras de cada um, e não
um deus que oferece o mesmo tormento infinito e eterno para todo mundo (incluindo o
ladrão de frangos do início do capítulo e os maiores genocidas da humanidade), onde não
há qualquer justiça ou proporcionalidade. A Lei da Proporcionalidade invade a Bíblia de tal
maneira que não há como alguém negar um ensinamento tão claro à luz das Sagradas
Escrituras.

VII-A Lei Moral

A Lei Moral - Uma simples questão de raciocínio lógico já nos mostra a impossibilidade do
tormento eterno. Por exemplo, você castigaria uma criação sua que pecou contra você
durante algum tempo por um tormento sem um fim? Seja sincero, independente do que ele
fez, você seria capaz de atormentá-lo no fogo em tempo sem fim? Não, eu diria que você
(como um pai natural) o puniria de acordo com aquilo que ele merece, isto é, aquilo que ele
fez por merecer pelas suas obras seria o tempo em que ele passaria sendo castig ado, e não
mais do que isso.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 420


Mesmo se o caso fosse de algum desconhecido, qualquer juiz justo e honesto (do mundo
natural) daria uma pena de tempo correspondente ao que ele fez por merecer. Por isso,
algumas pessoas ficam mais tempo presas do que outras, e nem mesmo fogo (tormento)
tem! Mas, se nem você mesmo seria capaz de punir completamente desproporcionalmente
deste jeito algum ser humano, será que Deus poderia dar tal castigo totalmente
desproporcional?

Se os pecados finitos exigiriam um tempo de c astigo finito e temporal, será que Deus
atormentaria uma alma eternamente? Logicamente, não! Mas, mesmo que assim fosse,
esbarraria seriamente em uma questão de lógica, uma vez que nós (que somos ímpios)
sabemos tratar com justiça proporcional aos atos, quanto mais então Deus (que é a
imagem perfeita do amor, da justiça e da misericórdia) muito menos ainda poderia
dar tal exemplo contrário!

Isso é contra a própria natureza divina, e, mais ainda que isso, ocasionaria que uma
natureza humana (ímpia) fosse mais justa do que uma natureza divina (perfeitamente
justa). Ora, isso é claramente uma contradição em primeira ordem, seguindo -se, portanto,
que o tormento eterno é totalmente incompatível com a justiça divina . O fato é que atua
nos seres humanos uma Lei Moral, lei esta implantada pelo próprio Deus. Isso é
reconhecido até mesmo pelos imortalistas Frank Turek e Norman Geisler, que disseram:

“Os seres humanos não determinam o que é certo e o que é errado; nós descobrimos o que
é certo ou errado. Se os seres humanos determinassem o que é certo ou errado, então
qualquer um poderia estar ‘certo’ em afirmar que o estupro, o homicídio, o Holocausto ou
qualquer outro mal não é realmente errado. Mas nós sabemos intuitivamente que esses
atos são errados por meio de nossa consciência, que é manifestação da lei moral [...] Essa
lei moral deve ter uma fonte mais elevada que nós mesmos, porque ela é uma prescrição
que está no coração de todas as pessoas [...] O padrão de retidão é a própria natureza
do próprio Deus — infinita justiça e infinito amor”2 3 9

Paulo fala sobre esta lei moral na epístola aos Romanos, da seguinte maneira:

“De fato, quando os gentios, que não têm a lei, praticam naturalmente o que ela ordena,
tornam-se lei para si mesmos, embora não possuam a lei; pois mostram que as exigências
da lei estão gravadas em seus corações. Disso dão testemunho também a consciência e os
pensamentos deles, ora acusando-os, ora defendendo-os” (cf. Romanos 2:14,15)

Em outras palavras, vemos que atua em nós uma Lei Moral (que pode ser seguida ou não),
e esta lei de consciência provém da essência do próprio Deus! Como foi colocado
anteriormente, “o padrão de retidão é a própria natureza do próprio Deus — infinita justiça
e infinito amor”. O que essa Lei Moral nos diz? Ela nos induz a uma outra lei: a Lei de Justa
Retribuição (proporcionalidade). Ninguém julgaria como “justo” e “amoroso” o ato de
condenar pessoas que cometeram décadas de pecado (ou menos ainda) a um tormento
eterno e infindável com fogo e enxofre, em um processo que não cessa nunca, pois isso não
é justa retribuição, mas exatamente injusta retribuição!

Isso faz parte da natureza de Satanás, e não de Deus. Levando em consideração que essa
lei da proporcionalidade provém da Lei moral que é a essência e natureza do próprio Deus,
fica muito claro que este próprio Ser não pode contradizer a si mesmo e condenar pessoas a

239 TUREK, Frank; GEISLER, Norman. Não tenho fé suficiente para ser ateu. Editora Vida: 2006.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 421
um eterno tormento. Isso é somente lógica, em que descobrimos facilmente que o
implantador da mentira do tormento eterno é exatamente aquele ser que te m exatamente a
natureza oposta de Deus: Satanás.

Este ser tem por natureza e essência o mal, a vingança, a tortura – se puder, eternizá-la!
Por isso, não é a toa que esta mentira tem sido implantada no mundo, pois um ser
naturalmente mal engana as pessoas com mentiras que estão naturalmente na essência
deste próprio ser que propaga as mentiras, indo frontalmente contra os ensinamentos
morais de Deus, a lei de consciência, a lei de proporcionalidade e a lei moral que é a
essência plena e natureza do próprio Deus vivo, que nega absolutamente a tortura eterna
da alma.

Outro fácil método de desenvolvermos o raciocínio é partirmos do sentido inverso. Se a


natureza divina incluísse a tortura eterna dos seres humanos, isso então se remeteria na
nossa própria Lei Moral (lei de consciência), pois ela reflete a essência do pró prio Deus. A
consequência disso seria desastrosa para os seres humanos, pois teríamos em nós mesmos
a consciência de que é certo pagar infinitamente mais do que aquilo que alguém realmente
merece, passando literalmente por cima da lei da proporcionalidade e justa retribuição.

Uma fácil conclusão disso seria que literalmente qualquer um estaria realmente certo em
afirmar que o estupro, o homicídio, o Holocausto ou qualquer outro mal não é algo errado,
mas certo, pois não existiria a lei de proporcionalidade e justa retribuição em nós, pois o
próprio Deus não seria assim! Vemos, portanto, que a Lei Moral é fatalmente contra a tese
imortalista do tormento eterno. A lógica é muito simples:

(1) Existe uma Lei Moral (lei de consciência) que atua no íntimo dos s eres humanos.

(2) Nessa Lei Moral é evidente o Princípio da Proporcionalidade.

(3) Essa Lei Moral que prega a Proporcionalidade é o reflexo da essência, caráter e
natureza do próprio Deus.

(4) Logo, Deus não pode punir infinitamente mais por pecados finitos, pois isso contrariaria
diretamente a sua própria natureza e ainda iria de frente ao próprio Princípio da
Proporcionalidade.

Outra maneira que podemos enumerar as premissas é a partir dos seguintes fatos abaixo
expostos:

(1) O ser humano, sendo ímpio, não é capaz de atormentar eternamente alguém por
pecados finitos e temporais, pois isso contraria o senso de ética, lei moral e justiça que o
próprio Deus colocou em cada um de nós.

(2) Se Deus (que é a imagem perfeita do amor e da justiça) atormentass e eternamente


com fogo alguém, seria um castigo desproporcional que nem sequer um ser humano
(ímpio) seria capaz de fazer.

(3) Deus não pode contradizer a sua própria lei moral imposta no coração de cada ser
humano (uma vez que foi ele mesmo quem a coloc ou) e, mesmo se fosse o caso, um ser
humano por ser ímpio jamais pode ser mais justo do que a natureza divina.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 422


(4) Deus não pode ir contra a Lei Moral imposta por ele próprio, porque essa Lei Moral é a
essência e natureza dele mesmo.

(5) Portanto, é incompatível a justiça divina, a lei moral e a proporcionalidade de pecados


em relação a imposição de um eterno tormento com fogo. Tal suposição absurda faria com
que o ser humano fosse mais justo do que Deus, o que é objetivamente inaceitável.

A ética da parte de Deus é demonstrada tanto no Antigo Testamento como no Novo, pois o
Antigo figura o Novo:

ANTIGO TESTAMENTO NOVO TESTAMENTO


“Se o culpado merecer açoitamento, o juiz “Aquele servo que conhece a vontade
ordenará que ele se deite e seja açoitado em sua de seu senhor e não prepara o que ele
presença com o número de açoites que o seu deseja, nem o realiza, receberá
crime merecer” (cf. Deuteronômio 25:2) muitos açoites. Mas aquele que não a
conhece e pratica coisas merecedoras
de castigo, receberá poucos açoites”
(cf. Lucas 12:47,48)

Apenas aquele que reconhece o princípio da proporcionalidade pode compreender o que o


salmista expressa no Salmo 98:9 – “Cantem diante do Senhor, porque ele vem, vem julgar
o mundo com justiça e os povos, com retidão”, e de Paulo aos Romanos: “E então, que
diremos? Acaso Deus é injusto? De maneira nenhuma!” (cf. Rm.9:14).

VIII–Conclusão

A Bíblia Sagrada, em sua totalidade, afirma que cada um pagará de acordo com o que as
suas obras fizeram por merecer:

Lucas 12:47,48 – “Aquele servo que conhece a vontade de seu senhor e não prepara o que
ele deseja, receberá muitos açoites. Mas aquele que não a conhece e pratica coisas
merecedoras de castigo, receberá poucos açoites. A quem muito foi dado, muito será
exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido”

Mateus 16:27 – “Pois o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos; e
então retribuirá a cada um segundo as suas obras”

Romanos 2:6 – “Deus retribuirá a cada um de acordo com as suas obras”

Lucas 12:58,59 – “Quando algum de vocês estiver indo com seu adversário para o
magistrado, faça tudo para se reconciliar com ele no caminho; para que ele não o arraste ao
juiz, o juiz o entregue ao oficial de justiça, e o oficial de justiça o jogue na prisão. Eu lhe
digo que você não sairá de lá enquanto não pagar o último centavo”

Mateus 18:32-35 – “Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo
malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente,
ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti? E, indignado,

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 423


o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia. Assim
vos fará, também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão,
as suas ofensas”

A retribuição é sempre de acordo com o que a pessoa fez, obviamente varia de pess oa a
pessoa, podendo levar muitos ou poucos “açoites”, até pagar o “último centavo”, mas Deus
não vai chegar para o ladrão de ovelha e dizer: “Você vai queimar pra sempre no inferno”;
em seguida chegar para Adolf Hitler e dar exatamente a mesma sentença. A passagem no
inferno varia de pessoa a pessoa, dependendo de suas obras. No fim, t odos os ímpios serão
eliminados, pois apenas os salvos herdarão a vida eterna que é pela graça de Deus, e não
por obras:

2 Pedro 2:6 – “Também condenou as cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo-os as


cinzas, tornando-as como exemplo do que acontecerá com os ímpios”

Salmo 21:9 - “No dia em que te manifestares farás deles uma fornalha ardente. Na sua ira
o Senhor os devorará, um fogo os consumirá”

Malaquias 4:1-3 - “Porque eis que aquele dia vem ardendo como fornalha; todos os
soberbos, e todos os que cometem impiedade, serão como a palha; e o dia que está para
vir os abrasará, diz o Senhor dos Exércitos, de sorte que lhes não deixará nem raiz nem
ramo [...] E pisareis os ímpios, porque se farão cinza debaixo das plantas de vossos
pés, naquele dia que estou preparando, diz o Senhor dos Exércitos”

Salmo 73:17-20 - “Até que entrei no santuário de Deus, e então compreendi o destino dos
ímpios. Certamente os põe em terreno escorregadio e os fazes cair na ruína. Como são
destruídos de repente, completamente tomados de pavor! São como um sonho que se
vai quando acordamos, quando te levantares, Senhor, tu os farás desaparecer”

Salmo 37:9,38 - “Pois os maus serão exterminados, mas os que esperam no Senhor
receberão a terra por herança [...] Mas todos os rebeldes serão destruídos, futuro para
os ímpios nunca haverá”

Há mais de cento e cinquenta passagens que descrevem do aniquilamento dos ímpios,


algumas das quais vimos no início deste capítulo. A inequívoca conclusão a qual podemos
chegar é que a punição é eterna pelos resultados irreversíveis, e não pelo processo que não
tem fim. O tormento varia em processo, dependendo da pessoa e de suas obras, tendo um
ponto final com a criação dos novos céus e nova terra na nova criação de Deus, onde reina
e habita a justiça, e morte e dor já não existem – eis que tudo se fez novo!

RESULTADO PROCESSO
É eterno pelas consequências da completa Varia de acordo com as obras de
destruição irreversível na qual passarão os cada um – muitos ou poucos açoites
ímpios. É como o “fogo eterno” de Sodoma e (cf. Lc.12:47,48), até pagar o último
Gomorra que não estão queimando até hoje (cf. centavo (cf. Lc.12:58,59), até pagar
Jd.7), dos palácios de Jerusalém que já não tudo o que deve (cf. Mt.18:32-35),
existem (cf. Jr.17:27), das florestas do Neguebe que não é eterno, mas de acordo
onde não mais há fogo (cf. Ez.20:47,48) e dos com o que cada um fez por merecer
ribeiros de Edom que não mais estão entre as até pagar por todos os seus pecados
chamas (cf.Is.34:9,10) (cf. Mt.16:27; Ap.22:12; Rm.2:6)

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 424


Os dois maiores atributos de Deus são o amor e a justiça. Por ser perfeitamente justo,
sendo a imagem exata da perfeição, Deus não puniria alguém em tormentos infinitos no
inferno pagando por pecados finitos. Nem o juiz mais implacável seria capaz de
“atormentar” um adolescente de 16 anos de pecado para uma eternidade (blocos infinitos
de bilhões de anos) queimando em meio às chamas de um fogo devorador.

Outro atributo de Deus, tão forte ou até maior do que a sua justiça, é o seu amor. É por
isso que “a misericórdia triunfa sobre o juízo” (cf. Tg.2:13). Por seu eterno amor até pelo
maior dos pecadores, da mesma forma é inconcebível pensar em um tormento eterno. Deus
é a imagem exata do amor. Deus não possui amor, ele é amor (cf. 1Jo.4:16)! Se algum
filho seu pecasse, e se desviasse dos seus caminhos, o que você faria? Atormentaria para
sempre ou o castigaria apenas de acordo com o que ele merece? Se você não teria coragem
de atormentar eternamente alguém assim, quanto menos Deus, que é a imagem exata e
perfeita do amor.

Se você, como um simples humano, que no máximo possui alguma quantidade de amor e
compaixão, não seria capaz de lançar a um tormento eterno num lago de fogo e enxofre um
pecador porque sabe que isso é horrível e cruel, como é que Deus, que é amor, e que sente
mais compaixão por qualquer ser da face da terra do que qualquer um pode ser capaz de
sentir, seria capaz de fazer tal coisa? O amor de Deus e a justiça dEle estão de mãos dadas.
Por isso, a justiça eterna de Deus precisa ser vista como fazendo parte do seu amor eterno.
Esperaríamos, pela sua justiça e pelo seu amor, que cada um pagasse exatamente aquilo
que merece de acordo com suas obras. Não mais do que isso, não menos que isso.

E é exatamente isso que a Bíblia nos mostra.

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 425


CAPÍTULO 8.2 – OS ACONTECIMENTOS FINAIS

I–Onde passaremos a eternidade?

Um dos maiores erros teológicos já propagados, que já ficou tão famoso e conhecido que
até parece que é bíblico, é a crença de que o crente passará a eternidade no Céu, o famoso
“morrer e ir para a glória”. Contudo, em lugar nenhum as Escrituras dizem ou deixam
entender que o salvo irá passar a eternidade no Céu. O que elas ensinam é que Deus fará
uma nova terra, que não servirá de enfeite, mas para ser habitada:

“E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra
passaram, e o mar já não existe” (cf. Apocalipse 21:1)

“Porque, eis que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá mais lembrança das coisas
passadas, nem mais se recordarão” (cf. Isaías 65:17)

“Porque, como os novos céus, e a nova terra, que hei de fazer, estarão diante da minha
face, diz o Senhor, assim também há de estar a vossa posteridade e o vosso nome” (cf.
Isaías 66:22)

“Mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a
justiça” (cf. 2ª Pedro 3:13)

Se a primeira terra Deus “não a criou sozinha, mas a formou para que fosse habitada” (cf.
Is.45:18), quanto mais a nova terra, que é a terra transformada para que seja a habitação
dos santos! Se o homem vive hoje na terra e Deus fará uma nova, só pode ser porque
viveremos na nova terra no futuro. Isso porque a cidade celestial de que tanto falamos de
fato está no Céu hoje, “preparada” para o dia em que será habitada pelos santos (cf.
Hb.11:16), mas descerá do Céu para ser habitada pelos remidos aqui na nova terra:

“Eu, João, vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus,
adereçada como uma esposa ataviada para o seu marido” (cf. Apocalipse 21:2)

Portanto, não somos nós que subimos e vamos habitar na cidade celestial, é a cidade
celestial que desce para a nova terra! E o verso 3 complementa essa ideia, dizendo:

“Ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia: ‘Agora o tabernáculo de Deus está com
os homens, com os quais ele viverá. Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com
eles e será o seu Deus’” (cf. Apocalipse 21:3)

Como vemos, não são os homens que estarão com Deus no Céu, é Deus quem estará com
os homens na terra! O tabernáculo de Deus, que hoje se e ncontra no Céu, futuramente
estará “com os homens”, isto é, aqui na terra. Foi por isso que Jesus disse que os pobres
herdarão a terra, e não o Céu:

“Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança” (cf. Mateus 5:5)

Jesus não disse que a herança futura dos justos será habitar no Céu, mas na terra! É
evidente que todas essas passagens não se aplicam apenas ao milênio, mas a todo o

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 426


período eterno. Apocalipse 21:1-3 é pós-milenar, e fala de coisas que acontecerão após o
milênio. Mateus 5:5 não é uma referência apenas a um período de mil anos, mas ao período
eterno, pois Jesus retirou tal citação do Salmo 37:29, que diz:

“Os justos herdarão a terra e nela habitarão para sempre” (cf. Salmos 37:29)

Não diz que os justos herdarão a terra por mil anos e depois irão para o Céu, ou que irão
para o Céu imediatamente após a morte, mas que herdarão a terra para sempre. Por
incrível que pareça, alguns imortalistas tem a ultrapassada ideia de que nós estamos hoje
na terra, vamos para o Céu após a morte, voltamos para a terra no milênio e depois
voltamos de novo para a eternidade no Céu! Essa confusão imortalista não tem base bíblica
alguma, pois as Escrituras são claras em relatar que a herança do justo é a terra, que será
transformada na criação da “nova terra” prometida por Deus.

A esperança dos judeus da época de Cristo sempre esteve baseada na crença do Reino de
Deus vindo, ou seja, de Deus um dia estabelecer Seu Reino de forma visível aqui na terra,
onde passaremos a eternidade. Isso fica claro quando vemos a esperança que José de
Arimateia tinha a este respeito:

“José de Arimatéia, membro de destaque do Sinédrio, que também esperava o Reino de


Deus, dirigiu-se corajosamente a Pilatos e pediu o corpo de Jesus” (cf. Marcos 15:43)

Os judeus estavam esperando o Reino de Deus vir a eles, e não que eles mesmos fossem ao
Reino de Deus na morte. É por isso que o próprio Senhor Jesus disse:

“Pois eu lhes digo que não beberei outra vez do fruto da videira até que venha o Reino de
Deus” (cf. Lucas 22:18)

Na oração modelo do Pai Nosso, ele nos ensinou a orar: “venha o teu Reino, seja feita a
tua vontade...” (cf. Mt.6:10). Quando oramos pedindo que “venha o teu Reino”, não
estamos pedindo a vinda apenas de uma pessoa (segunda vinda de Cristo), mas de um
Reino. Esse Reino que virá nada mais é senão aquele mesmo Reino que João viu descer dos
céus e se estabelecer na nova terra no Apocalipse (cf. Ap.21:2), que é chamado de “a nova
Jerusalém”. Jesus não orou para que ele voltasse, nem disse “venha o teu Filho”, mas que
viesse o próprio Reino, em sua forma física e visível, como viu João e como esperavam os
judeus.

Isso explica o porquê que vemos tantas vezes no Novo Testamento a menção de que “o
Reino de Deus está próximo” (cf. Lc.10:9; 10:11; 21:31; Mc.10:15), que quer dizer que
esse Reino de Deus está chegando, que já está perto a hora em que o Reino chegará e será
estabelecido aqui na terra. O Reino de Deus já havia chegado em sua forma espiritual (cf.
Lc.11:20), pois ainda não era o tempo de vir em sua forma visível (cf. Lc.17:20), uma vez
que em sua forma visível ele ainda não havia chegado, mas estava “próximo” (cf. Lc.10:9;
10:11; 21:31; Mc.10:15), sendo estabelecido somente após o milênio (cf. Ap.21:1-3).

Foi por isso que, ao chegar em Jerusalém, Jesus teve que “contar-lhes uma parábola,
porque o povo pensava que o Reino de Deus ia se manifestar de imediato” (cf. Lc.19:11).
Aquelas pessoas acreditavam que já estava na hora do Reino de Deus se manifestar em sua
forma visível, da Jerusalém celestial descer do Céu e do período eterno ter início, e por isso
Jesus teve que contar uma parábola em que dizia que somente iria voltar “depois de muito

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 427


tempo” (cf. Mt.25:19). A crença não era de morrer e ir para o Céu no momento da morte,
mas se baseava na expectativa do estabelecimento visível do Reino de Deus aqui na terra,
por toda a eternidade.

Quando Deus criou o homem originalmente, ele não o criou no Céu, mas na terra. Portanto,
seria mais condizente que, na restauração de todas as coisas (cf. Mt.19:28), o padrão
original de Deus para com a Sua criação fosse restabelecido com o homem em um Paraíso
terreno. Adão e Eva foram criados na terra em um lugar específico, chamado “Jardim do
Éden” (cf. Gn.2:15), mas foram expulsos de lá com a entrada do pecado no mundo, de
modo que hoje esse Paraíso se encontra com Deus no Céu (cf. Gn.3:23,24; Ap.22:2,17).

Então, o que acontecerá quando houver a restauração de todas as coisas, quando o pecado
for finalmente expulso do mundo? Esse Paraíso irá descer do Céu e voltar para a posse dos
seres humanos regenerados (cf. Ap.21:2), assim como eram Adão e Eva antes do pecado.
Seria incoerente que Deus tivesse criado o homem originalmente na terra para que na
restauração do modelo original fosse mudado para o Céu. Nenhum escritor bíblico jamais
expressou desejo de ir para o Céu, o que eles almejavam era uma vida eterna. O Reino dos
céus é o Paraíso celestial que hoje se encontra no Céu, mas que descerá para a terra após o
milênio (cf. Ap.21:1-3).

Ao partirmos desta vida, nos encontraremos com Cristo no juízo após sermos ressurretos, e
logo então ocorrerá o reencontro com os santos vivos arrebatados, junto a Jesus nos ares.
Cristo vem com os seus santos (cf. 1Ts.4:14) porque estes sa ntos foram ressuscitados
primeiro (cf. 1Ts.4:16). Então, após o encontro entre os santos vivos arrebatados e os
mortos ressurretos, o Senhor descerá à terra para estabelecer seu Reino milenar, quando a
terra desfrutará de mil anos de paz.

Em seguida, haverá a ressurreição dos ímpios (cf. Ap.20:5), que se reunirão e marcharão
contra o Cordeiro e os santos na cidade de Jerusalém (cf. Ap.20:8), e serão devorados pelo
fogo consumidor que cairá do Céu (cf. Ap.20:9). Neste momento, todo o Universo é
transformado pelo poder regenerador de Deus, novos céus e nova terra são feitos, e a
cidade celestial, o Paraíso que estava no antigo Céu, descerá para a nova terra, onde
habitaremos para sempre com o Senhor. Toda essa visão também é compartilhada até
mesmo por muitos pastores, que nem sempre tem coragem suficiente para admitir isso,
pois seria negar um mito histórico que é a crença de morrer e ir para o Céu, que não possui
qualquer respaldo bíblico.

Estar com Cristo é diferente de ir para o Céu, pois estaremos com Cristo ressurretos no
juízo, e não incorpóreos em um estado intermediário. Reino de Deus ou Reino dos céus
também não é a mesma coisa do Céu em si. Quando a Bíblia fala do Reino de Deus, ela
pode estar se referindo simplesmente ao Evangelho (cf. Mc.4:11; 4:26; Lc.4:43; 8:1; 8:10;
9:11; 9:60), ou também ao Reino dos céus, que se refere ao Reino que hoje está no Céu,
mas que descerá para a nova terra prometida após o milênio, quando a cidade celestial
descer do Céu e o próprio tabernáculo de Deus estiver com os homens (cf. Ap.21:3).

Sendo assim, quando Cristo disse em Mateus 5:3 que “bem-aventurados são os pobres em
espírito, pois deles é o Reino dos céus” (cf. Mt.5:3), ele não estava entrando em
contradição com aquilo que ele mesmo disse apenas dois versos depois, de que “bem-
aventurados são os humildes, pois eles receberão a terra por herança” (cf. Mt.5:5), nem
tampouco estava dizendo que os humildes teriam um destino eterno diferente do destino

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 428


dos pobres de espírito, porque o Reino dos céus de que ele falava descerá à terra para
habitarmos nela para sempre. Sendo assim, habitaremos na Jerusalém celestial (Reino dos
céus) estabelecida sobre a nova terra. É por isso que a nossa maior esperança, como diz
Pedro, não é de morrer e ir para o Céu, mas de que, “de acordo com a sua promessa,
esperamos novos céus e nova terra, onde habita a justiça” (cf. 2Pe.3:13).

E é por isso também que o apóstolo Paulo disse:

“Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus
Cristo” (cf. Filipenses 3:20)

Note que Paulo não disse que nós vamos para o Céu, mas que a nossa pátria está nos céus.
Essa cidade, que Paulo diz que está hoje no Céu, descerá por ocasião do fim do milênio,
como diz João (cf. Ap.21:2), se estabelecendo na nova terra. Paulo completa o pensamento
dizendo que de lá (do Céu) nós também esperamos o Salvador Jesus Cristo. Esse
“também” colocado aqui pelo apóstolo liga esses dois acontecimentos, a descida de Jesus à
terra e a descida da cidade celestial à terra. Não é apenas Jesus que irá vir à terra, mas
também Jesus.

Diante do contexto, esse “também” está relacionado à “nossa cidade que está nos céus”, a
nova Jerusalém celestial. Portanto, a crença de Paulo não era em morrer e ir morar no Céu
para sempre, mas era a expectativa da volta de Cristo e da descida de cidade santa na nova
terra prometida. Infelizmente, a partir do momento em que a mentira da imortalidade da
alma começou a ganhar força nas igrejas cristãs, essa realidade foi completamente
distorcida e deturpada. As pessoas de hoje em dia oram dizendo “venha o teu Reino” sem
saber o que isso significa.

Têm em mente aquela versão popular da vida após a morte, onde a expectativa do cristão é
baseada na ilusão de se estar no Céu em um estado incorpóreo entre a morte e a
ressurreição, e não na visão realista bíblica da vida corpórea e terrena após a ressurreição.
Toda uma teologia escatológica bíblica sólida foi destruída para dar lugar a um conto de
fadas, onde espíritos flutuam nas nuvens do Céu tocando flautas e conversando com os
anjos, ao invés do realismo bíblico onde a vida futura se dá através da ressurreição de um
corpo físico, para habitar em uma nova terra física, embora transformada do pecado e dos
pecadores.

II-Novos Céus e Nova Terra

Em 2ª Pedro 3:13 temos uma revelação importante que nos ajuda a compreender o caráter
da transformação completa do Universo por ocasião do estabelecimento do Reino de Deus
entre os homens:

“Naquele dia os céus serão desfeitos pelo fogo, e os elementos se derreterão pelo calor.
Todavia, de acordo com a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, onde
habita a justiça” (cf. 2ª Pedro 3:12,13)

Note que Pedro não diz que Deus fará novo céu e nova terra, mas novos céus, no plural.
Como o primeiro Céu é a atmosfera do nosso planeta, o segundo Céu é o espaço sideral
onde o sol, a lua e as estrelas estão situados, e o terceiro Céu é a dimensão espiritual onde

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 429


Deus habita, a menção a Deus criar novos céus, no plural, compreende todo o Universo
cósmico e todas as dimensões, abrangendo não apenas a atmosfera terrestre (primeiro
Céu), mas tudo (céus, no plural). Isso fica ainda mais claro quando vemos os léxicos do
grego traduzirem essa palavra utilizada por Pedro da seguinte f orma:

3772 ουρανος ouranos


talvez do mesmo que 3735 (da idéia de elevação); céu; TDNT - 5:497,736; n m
1) espaço arqueado do firmamento com todas as coisas nele visíveis.
1a) universo, mundo.
1b) atmosfera ou firmamento, região onde estão as nuvens e se formam as tempestades, e
onde o trovão e relâmpago são produzidos.
1c) os céus siderais ou estrelados.
2) região acima dos céus siderais, a sede da ordem das coisas eternas e consumadamente
perfeitas, onde Deus e outras criaturas celestes habitam.

Perceba a amplitude que essa palavra possui, abrangendo todo o mundo, o universo, todos
os “céus”. Ela abrange tanto o nosso mundo visível como o invisível, tanto a nossa
atmosfera terrestre como também a região acima dos céus siderais, onde Deus e outras
criaturas celestes habitam. Em outras palavras: tudo! Então, quando Pedro diz que Deus
fará novos céus (ouranos) e nova terra, ele não está dizendo aquilo que a concepção
popular acredita a este respeito, de que apenas a terra e a atmosfera da terra passarão por
transformação (se fosse assim, ele teria empregado a palavra ouranothen, com significado
bem mais modesto 2 4 0 ), mas se referia a todas as dimensões do Universo.

E quais são as implicações disso?

Muitas, em todos os sentidos. Em primeiro lugar, porque o próprio Pedro diz na sequencia
que nessa nova criação, com novos céus e nova terra, habitará a justiça (cf. 2Pe.3:13). Não
haverá iniquidade nessa nova criação, com ímpios blasfemando enquanto são a tormentados
para sempre em um lago de fogo e enxofre real e literal. João também completa o
pensamento de Pedro dizendo que nessa Nova Ordem já não haverá morte, nem tristeza,
nem choro, nem dor, porque essas são coisas da antiga criação (cf. Ap.21:4). Des ta forma,
é impensável crer que nessa nova criação haverá um lago de fogo queimando bilhões de
criaturas infieis a Deus, chorando, tristes, sofrendo horríveis dores, em processo contínuo
de morte, todas essas coisas que batem de frente com aquilo que João diz sobre essa nova
criação de Deus, que se refere a todo o Universo criado e não apenas aos justos.

Em segundo lugar, se o lago de fogo é um retrato real e literal de um “inferno” sobre a


terra, então para onde teriam sido levados os perdidos após a transformação total do
Universo? Ora, a descrição dos ímpios como sendo “devorados” pelo fogo que caiu do Céu
(cf. Ap.20:9) vem antes da descrição de novos céus e nova terra (cf. Ap.21:1), antes da
transformação total do Universo. Para os ímpios continuarem queimando em algum lugar, a
Bíblia deveria descrever que esse lago de fogo foi transferido para algum local do Universo
para ali continuar queimando eternamente, até porque na nova terra não haverá mar (cf.
Ap.21:1).

240 Essa palavra significa, de acordo com o léxico da Concordância de Strong, apenas “do Céu”, mais
nada além disso, sem ir além da atmosfera terrestre, e seria a palavra exata para Pedro usar caso ele
cresse que o que passará por transformação na Nova Ordem é apenas a terra e a atmosfera terrena, e
não todo o Universo.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 430
Contudo, não há nenhuma informação de que tal lago de fogo se transfira para outra parte
do Universo para ali continuar queimando eternamente ou que continue em funcionamento
após a criação de novos céus e de nova terra. A razão para isso é que eles não vão a lugar
algum, porque o lago de fogo é a segunda morte, a morte final e irreversível, e não um
lugar físico literal na superfície da terra.

Em terceiro lugar, o autor de Hebreus nos disse que a missão de expiatória de Cristo é de
“aniquilar o pecado” (cf. Hb.9:26). Mas como isso pode ser colocado em prática de fato, se
para sempre existirão ímpios e demônios subsistindo eternamente em um lago de fogo,
sofrendo e blasfemando contra Deus? Ora, só é possível aniquilar o pecado se aniquilar os
pecadores, pois o pecado não é como um objeto que se destrói, mas uma ação que provém
de uma pessoa. Portanto, para aniquilar o pecado, é necessário aniquilar os pecadores.
Doutra forma, para sempre haveria no mundo um “ponto negro” no Universo, onde bilhões
de criaturas dão gritos de angústia e dor, blasfemando contra Deus e o Cordeiro, se odiando
mutuamente e conservando todo tipo de mal em si mesmos. O pecado nunca seria
aniquilado, porque para sempre haveriam pecadores. Como diz Bacchiocchi:

“O propósito do plano de salvação é, por fim, erradicar a presença de pecado e pecadores


deste mundo. Apenas se os pecadores, Satanás e os anjos maus por fim forem consumidos
no lago de fogo e experimentarem a extinção da segunda morte é que verdadeiramente
podemos dizer que a missão redentora de Cristo foi uma vitória inigualável. O tormento
infindável lançaria uma sombra permanente de trevas sobre a nova criação” 2 4 1

Na nova criação, não haverá nem raiz e nem ramo do pecado, nem sequer um único átomo
ou parte de um átomo, de sofrimentos ou de vestígios do pecado em todos os recantos do
Universo restaurado sob a Nova Ordem, durante a eternidade. Essa visão bíblica está aliada
ao quadro de transformação da criação à sua perfeição original, longe do pecado e de
pecadores, enquanto a visão imortalista crê que para sempre haverá pecado e pecadores,
eternizando as blasfêmias e perpetuando o pecado, semelhante ao quadro atual em que
vivemos hoje.

Em quarto lugar, o apóstolo Paulo disse que “nele [em Deus] vivemos, e nos movemos, e
existimos” (cf. At.17:28). Tendo em vista que nós só existimos em Deus, é impossível
que o lago de fogo se refira não a uma morte real como cessação de existência, mas
meramente como uma morte espiritual como separação de Deus, pois ninguém pode
viver completamente separado de Deus e continuar existindo. Enquanto estamos
nesta vida, Deus mantém todos em existência, pois para todos ainda há possibilidade de
arrependimento para a vida eterna. Mas qual seria o sentido em manter bilhões de criaturas
em existênc ia se elas já foram condenadas?

Evidentemente, nenhuma. A existência somente em Deus é uma prova irrefutável de que


somente aqueles que estão em Cristo desfrutarão de uma existência eterna no futuro.
Sustentar que os ímpios também terão uma existência et erna é se contrapor à doutrina
bíblica de que somente em Deus existimos, apenas nEle podemos existir eternamente. Foi
por isso que Cristo disse que ele é “o caminho, a verdade e a vida” (cf. Jo.14:6), porque
não existe vida longe de Deus.

241 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 431
Em quinto lugar, essa nova criação ocorrerá “para que Deus seja tudo e em todos” (cf.
1Co.15:28). Note que a construção da frase está no futuro – para que Deus seja (ele não é
ainda!) tudo e em todos! Por que Deus ainda não é tudo e em todos? Por que isso somente
ocorrerá no futuro, como aponta Paulo neste verso? Porque enquanto existirem ímpios e
pecadores, demônios e homens maus, Deus não pode ser “em todos”, pois Ele não habita
nessas pessoas. Deus habita apenas naqueles que são seus filhos, através do seu Espír ito
Santo. Foi por isso que Jesus disse:

“E eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para sempre, o
Espírito da verdade. O mundo não pode recebê-lo, porque não o vê nem o conhece. Mas
vocês o conhecem, pois ele vive com vocês e estará em vocês” (cf. João 14:16,17)

Deus não habita nas pessoas “do mundo” (ímpios), mas habita em nós (Igreja) através do
Seu Espírito. Por essa razão Paulo deixa claro que Deus ainda não é em todos: porque Deus
não pode habitar em ímpios. Enquanto existirem ímpios, Deus não será em todos, mas
apenas em alguns, nos salvos. Futuramente, porém, quando os ímpios e o diabo forem
completamente aniquilados e perderem a existência, Deus será tudo e em todos! Não
existindo ímpios, mas apenas santos, Deus está em todos, sem exceção. Somente quando
os ímpios deixarem de existir Ele será em todos, porque apenas os salvos existirão, aqueles
em quem ele põe o seu Espírito Santo. A evidência de inexistência futura dos ímpios é
incontestável.

E aqui reside um sexto problema da visão imortalista: na ótica deles, a existência em si não
é um privilégio, nem um dom de Deus, mas algo natural, pois a alma é imortal e o tormento
dos ímpios é eterno. Ao invés de a obtenção de uma vida eterna ser um dom e um prêmio,
qualquer um vive eternamente, seja no Céu ou no inferno. Não é estar em Deus que
garante a existência, nem caminhar com Cristo que permite viver eternamente, a única
distinção é entre viver eternamente no Céu ou viver eternamente no inferno, em uma
existência contínua e ininterrupta.

A Bíblia, ao contrário, apresenta o fato de viver para sempre como sendo em si mesmo um
dom de Deus, porque o castigo natural pelo pecado do homem é a morte (cf. Gn.3:19).
Assim, ao invés de a eternidade ser algo natural, o que é natural é a morte como
consequencia do pecado. O próprio fato de poder viver eternamente, então, é um dom de
Deus, uma graça divina, um prêmio. É por isso que em todo o Novo Testamento vemos
sempre que o foco era em conseguir a vida eterna, e não em ir morar no Céu. O contraste
não era entre ter uma vida eterna no Céu e não no inferno, mas entre ter uma vida eterna
ou não ter uma vida eterna.

Por fim, ainda que se tentem elaborar argumentos da mais refinada retórica e tentativas de
explicações “lógicas” (muito mais baseadas na filosofia do que no amor e na justiça de
Deus), “não há como justificar que o Criador irá preservar a vida de bilhões de criaturas
com o único propósito de que vivam pela eternidade sofrendo por erros e faltas não
perdoados, cometidos durante algumas décadas de vida sobre a terra (ou menos)” 2 4 2 . E o
professor Azenilto Brito completa: “E há quem ensine que Deus ‘predestina’ alguns para se
salvar, enquanto os que se perderem é por não terem sido assim ‘escolhidos’! Nasceram

242 BRITO, Azenilto Guimarães. Um fogo eterno que não queima para sempre. É possível?
Disponível em: <http://www.c-224.com/Aa_FogoEterno.html>. Acesso em: 30/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 432
para mais tarde viver eternamente queimando... Não admira a imensa quantidade de ateus,
agnósticos e materialistas que têm povoado este planeta” 2 4 3 .

Qual a finalidade em deixar queimando eternamente bilhões e bilhões de criaturas, ainda


mais quando já pagaram por aquilo que merecem? Qual a finalidade em preservar a vida
nestes casos, o que também teria como consequência a não -erradiação do pecado (pois
haveria para sempre um “ponto negro” no inverso, cheio de pessoas blasfemando)? Se já
pagaram de acordo com os seus pecados, então por que não aniquilar de vez com o pecado,
mas, ao invés disso, manter em tormento eterno a alma de alguma pessoa sem qualquer
finalidade em si mesma, em um processo que nem sequer tem um fim? Estariam “pagando
a mais” pelo que? Por que perpetuar ao invés de colocar um fim completo no pecado e nos
pecadores? Como disse Bacchiocchi:

“A intuição moral que Deus implantou em nossas consciências não pode justificar a
insaciável crueldade de uma divindade que sujeita os pecadores ao tormento eterno. A
justiça divina nunca poderia requerer para pecadores finitos a infinita penalidade da eterna
dor, porque o tormento infindável não serve a qualquer propósito reformatório,
precisamente porque não tem fim” 2 4 4

Por tudo isso e muito mais, a noção de um inferno de fogo eterno, que nunca completará
sua obra destrutiva, é completamente incompatível com a noção de que Deus é amor e
justiça. Na nova criação, todo o pecado será completamente aniquilado, quando tudo se
fizer novo. Não haverá mais tristeza, nem choro, nem morte, nem luto, nem dor (cf.
Ap.21:4). Se até mesmo quando alguém querido daqui da terra morre e é sepultado,
pensando-se que foi para o Céu, já há luto, quanto mais sabendo que no exato momento
algum familiar seu está sofrendo e vai sofrer mais ainda para todo o sempre no inferno, sob
torturas colossais! Como não estar de “luto” ou “tristeza” numa circunstância dessas?

Felizmente, a mensagem bíblica é de que apenas os justos herdarão a imortalidade, pois


somente eles desfrutarão da árvore da vida no Paraíso de Deus:

“No meio da sua praça, e de um e de outro lado do rio, estava a árvore da vida, que produz
doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a saúde das
nações... Bem-aventurados aqueles que guardam os seus mandamentos, para que tenham
direito à árvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas” (cf. Apocalipse 22:2,14)

A árvore da vida é um símbolo de imortalidade (cf. Gn.3:22), que só será desfrutada pelos
remidos, e após a ressurreição dentre os mortos (cf. Ap.22:2,14). Neste momento, a árvore
da vida, símbolo do dom da imortalidade, estará disponível aos salvos novamente, que dela
comerão, e que reinarão com Cristo para todo o sempre.

“E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem
pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas; E o que
estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E disse -
me: Escreve; porque estas palavras são verdadeiras e fiéis” (cf. Apocalipse 21:4,5)

243ibid.
244 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 433
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a leitura deste livro, muitas pessoas podem estar se perguntando: “Se a imortalidade
da alma é uma doutrina tão claramente falsa à luz das Escrituras, por que é, então, que a
grande maioria dos evangélicos e dos eruditos bíblicos creem nela? Por que eles
simplesmente não abandonam também este ponto de vista errôneo da na tureza humana”?

Muitas coisas devem ser explanadas aqui. Em primeiro lugar, que uma doutrina nunca pode
ser considerada verdadeira ou falsa pelo seu número de adeptos, mas somente pela sua
correspondência com o conteúdo das Escrituras. Se uma doutrina precisasse de
unanimidade entre os teólogos para ser aceita, nenhuma doutrina seria aceita. Se uma
doutrina precisasse de maioria de apoio para ser considerada bíblica, Martinho Lutero nunca
teria feito a Reforma, pois era um monge católico e teria de tudo para continuar crendo e
seguindo as crenças católicas que eram a esmagadora maioria em seu tempo. Se a religião
verdadeira é aquela que tem mais adeptos, então todos deveríamos ser islâmicos, pois o
islamismo é hoje a maior religião do mundo e também a que mais cresce. Portanto, o fato
de uma doutrina possuir menos adeptos, seja entre teólogos ou entre leigos, em nada
implica em ela ser verdadeira ou falsa.

Em segundo lugar, muitas doutrinas que já foram maioria hoje são minoria, e muitas
doutrinas que já foram minoria hoje são maioria. Tome por exemplo a tese do
arrebatamento pré-tribulacional. Ninguém a cria nem a conhecia na época da Reforma, mas
começou a ser sistematizada por um reverendo anglicano chamado John Darby (1800-
1882), e em pouco mais de um século essa doutrina que não existia séculos antes passou a
ser a maioria dos dias de hoje. Ou tome como exemplo o caso da predestinação fatalista do
calvinismo. Na época da Reforma, praticamente todos os protestantes eram calvinistas,
criam na graça irresistível e que uma vez salvo é para sempre salvo. Armínio atraía apenas
uma minoria naqueles tempos. Hoje, contudo, a maioria dos evangélicos é arminiano na
forma de pensamento, e crê que a salvação pode ser perdida se não houver perseverança
até o fim da parte daquele que crê.

Longe de fazer juízo de causa sobre quem está certo ou quem está errado nestes exemplos
(e em muitos outros que poderíamos citar, tais como a confissão positiva, a teologia da
prosperidade, a teologia triunfalista, o dom de línguas e vários outros), estes casos nos
servem para mostrar que uma doutrina que hoje é minoria pode ser maioria ama nhã, e
vice-versa. Sendo assim, se a doutrina correta é aquela que é crida pela maioria dos
crentes ou pela maioria dos teólogos e pastores, a v erdadeira doutrina teria passado por
várias mudanças e alterações ao longo dos séculos, algo que é inadmissível, já que a
verdadeira doutrina bíblica é inalterável, ou seja, mantém-se a mesma através dos séculos.
A alma não pode ser mortal no século I e imortal no século XXI, da mesma forma que a
graça não pode ser resistível no século I e irresistível no século XXI. Portanto, se esse fosse
um critério válido para a aceitação de uma doutrina bíblica, as doutrinas seriam mutáveis e
inconstantes, o que não concordamos.

Em terceiro lugar, muitos teólogos nos últimos tempos tem estudo este tema mais a fundo
e mudado de postura em relação à vida após a morte. Nomes fortes e influentes, tais como
Oscar Cullmann, Clark Pinnock, John Stott, John William Weham, Edward Green, Philip
Hughes, David Edawrds, entre tantos outros, são alguns dos vários exemplos de eruditos e
teólogos respeitados que decidiram estudar este tema a fundo e mudaram a sua concepção
em relação à vida após a morte. E eles não tomaram essa decisão do dia para a noite, foi

A Lenda da Imortalidade da Alma Página 434


fruto de anos de estudo sobre o tema, pois nenhum teólogo abandona radicalmente uma
posição para adotar outra depois de anunciar um ponto de vista teológico durante décadas.

Por outro lado, inexistem exemplos de grandes teólogos que tenham abandonado a visão
mortalista e se tornado imortalistas após lerem a Bíblia, simplesmente porque isso seria
uma involução, um regresso. Quem estuda as Escrituras a fundo sobre este tema não pode
se conformar com uma dúzia de argumentos superficiais que são anunciados pelos
imortalistas, porque a evidência bíblica da mortalidade da alma é esmagadora.

O teólogo suíço Oscar Cullmann, uma das maiores autoridades em Novo Testamento que
este mundo já viu, escreveu o livro “Imortalidade da Alma ou Ressurreição dos Mortos?”,
após ter comprovado que a imortalidade da alma contradiz e anula o valor e importância da
ressurreição. O seu livro, que aborda estritamente o Novo Testamento da Bíblia, do qual
Cullmann é doutor, foi razão de ataques e ameaças por parte dos críticos, mas não com
argumentos sólidos que o refutassem, mas com apelações de ordem sentimental,
psicológica e emocional.

O respeitadíssimo clérigo anglicano John Stott, que foi conhecido como uma das maiores
lideranças mundiais evangélicas e um conhecido escritor devocional e defensor da ortodoxia
cristã, foi outro a abandonar a crença na imortalidade da alma a qual ele aprendeu por toda
a vida, após ouvir os argumentos bíblicos mortalistas por David Edwards, outro sacerdote
anglicano, que se tornou o capelão honorário da Catedral de Winchester. John Stott definiu
sua mudança de vista em relação à morte nas seguintes palavras:

“Sinto-me hesitante em ter escrito essas coisas, em parte porque te nho grande respeito
pela longa tradição que reivindica ser uma correta interpretação da Escritura, e não a ponho
de parte levianamente, e em parte porque a unidade da comunidade evangélica mundial
sempre significou muito para mim. Contudo, o assunto é por demais importante para ser
suprimido, e estou-lhe grato (a David Edwards) por desafiar-me a declarar meu atual modo
de pensar. Não dogmatizo a respeito da posição a que cheguei. Eu a mantenho
tentativamente. Mas eu apelo a diálogo franco entre os evangélic os com base nas
Escrituras”2 4 5

O teólogo anglicano John William Wenham, antes de morrer, escreveu um livro


(“Enfrentando o Inferno”) onde refuta a tese da imortalidade e do tormento eterno,
dizendo:

“Eu acredito que o tormento eterno é uma doutrina horrível e antibíblica, que tem sido um
fardo para a mente da Igreja durante muitos séculos e uma mancha terrível em sua
apresentação do evangelho. E eu serei realmente feliz se, antes de morrer, puder ajudar a
varrê-lo para fora”2 4 6

O livro foi publicado logo após a sua morte, e contém refutações às doutrinas da
imortalidade incondicional e à natureza temporal do inferno. O Dr. Samuele Bacchiocchi
expôs em seu livro “Imortalidade ou Ressurreição” trezentos dos mais respeitados teólogos
das mais diferentes denominações evangélicas que, lendo a Bíblia e estudando este tema a

245 STOTT, John Robert Walmsley; EDWARDS, David. Essentials, A Liberal-Evangelical Dialogue.
Londres: 1998, pp. 319-320.
246 Pode ser visto na biografia de John Wenham disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/John_Wenham>. Acesso em: 30/08/2013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 435
fundo, abandonaram suas crenças em um estado intermediário e em um tormento eterno e
passaram a crer no holismo e no mortalismo bíblico.

Aqui no Brasil, alguns nomes proeminentes também abandonaram a crença na imortalidade


da alma pelas Escrituras, como o caso do pastor Ed René Kivitz, da Igreja Batista de Água
Branca, que afirmou:

“Levei um tempo para me dar conta de que o cristão, ao contrário dos espíritas e hindus,
não credita na imortalidade da alma. O Cristianismo não ensina a imortalidade da alma,
ensina a ressurreição. A ideia da imortalidade da alma não é cristã, é grega. É a crença no
dualismo espírito-matéria que compreende o corpo como ‘prisão da alma’, como acreditava
Platão”2 4 7

E faz as seguintes considerações sobre a morte:

“A morte é a separação entre corpo e espírito e, justamente por isso, é a destruição da


pessoa. A Bíblia não considera que ‘o espírito é a pessoa’, e que quando o corpo morre a
pessoa continua viva, pois o espírito se desprende do corpo e atinge sua plenitude. A Bíblia
não considera que exista pessoa sem corpo. Na verdade, uma ‘pessoa sem corpo’ é um
defunto, está morta. A esperança cristã, portanto, não é a imortalidade da alma, mas a
ressurreição. A ressurreição é a vitória total, a reintegração perfeita das facetas humanas
que nunca deveriam ter sido separadas pela morte. Na ressurreição, a pessoa que estava
morta voltará à vida. E esta vida não será apenas ‘em espírito’, pois terá um corpo – não
existe pessoa sem corpo” 2 4 8

O pastor Hermes Fernandes, bispo consagrado pela International Christian Communion, foi
outro que abandonou a crença em um estado intermediário após estudar o tema a fundo
nas Escrituras, e disse:

“Não haverá um tempo em que viveremos fora do corpo. O homem é um ser


psicobioespiritual. A ideia de que o homem é apenas um espírito residindo em um corpo não
é bíblica”2 4 9

Entre os leigos, a quantidade de pessoas que tem estudado o assunto e mudado de ponto
de vista também é enorme. Muitas pessoas me escrevem dizendo que estudaram o assunto
e que passaram a crer no holismo bíblico, na vida após a ressurreição. Como já foi dito na
introdução deste livro, eu mesmo era imortalista, e ao estudar as Escrituras a fundo pude
compreender as verdades que estão aqui expostas. Mas isso só pôde ser possível após uma
análise honesta e sincera do tema, e não quando apenas estudava como refutar quem
pensava assim.

Os que continuam crendo na imortalidade da alma são, em sua grande maioria, aqueles que
nunca estudaram seriamente este tema a fundo, por melhores ou mais inteligentes que
possam ser para outros temas, ou que estudaram com uma mentalidade já pré-concebida,
não disposta a descobrir a verdade, mas a refutar um lado contrário. Quem abre um livro,

247 Disponível completo em: <http://ibab.com.br/guiasdeestudo/vinho_novo_odres_novos -06.pdf>.


Acesso em: 30/08/2013.
248 ibid.
249 FERNANDES, Hermes Carvalho. Kairosfera: Pra onde vamos ao morrer? Disponível em:

<http://www.hermesfernandes.com/2013/08/kairosfera-pra-onde-vamos-ao-morrer.html>. Acesso em:


30/08/1013.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 436
ouve uma palestra ou lê um site já com a mente pré-disposta a descrer, jamais irá crer, não
importando o tamanho das evidências. E isso nos leva ao quarto lugar: muit os não creem
por já estarem profundamente ligados a uma tradição religiosa denominacional.

Nem todos são como Cullmann ou Stott, que, mesmo respeitando a tradição da igreja deles,
puderam estudar o tema com a mente aberta ao ponto de honestamente admitirem que
estavam equivocados. Por orgulho, ou simplesmente por dar uma enorme autoridade à
tradição denominacional ou a uma confissão de fé histórica, eles preferem continuar crendo
que a alma é imortal a admitirem que estão errados. É, antes de tudo, necessário ser
humilde para reconhecer um erro próprio, ou mesmo um erro de toda uma denominação.
Se eu quisesse agradar pessoas continuaria sendo imortalista, pois a grande maioria no
meio evangélico ainda é imortalista, mas devemos antes de tudo buscar a glória de Deus, e
não a dos homens (cf. Jo.12:43), pois não estamos aqui para agradar a homens, mas para
pregar a verdade a qualquer custo, seja qual for o preço.

Muitas pessoas, porém, estão tão ligadas a laços denominacionais que, embora não
reconhecendo abertamente, creem nessa tradição como sendo uma “outra Bíblia”. Na
teoria, eles pregam Sola Scriptura, mas, na prática, eles condicionam esse ensinamento da
Escritura à interpretação da tradição, igual fazem os católicos. Desta forma, o diálogo franco
e aberto proposto por Stott e Edwards é praticamente impossível, pois tais pessoas já têm
em mente que a doutrina certa é essa porque a tradição da denominação deles diz isso, e
que apenas as seitas ou grupos sectários pregam o contrário. Como disse Bacchiocchi:

“Um diálogo franco entre evangélicos com base nas Escrituras pode ser muito difícil, se não
impossível, de materializar-se. A razão é simples: muitos evangélicos condicionam-se a
seus ensinos denominacionais tradicionais, assim como os católicos romanos e ortodoxos
orientais. Em teoria, eles apelam à Sola Scriptura; porém, na prática os evangélicos muitas
vezes interpretam as Escrituras de acordo com seus ensinos denominacionais tradicionais.
Se novas pesquisas bíblicas desafiam suas doutrinas tra dicionais, na maioria dos casos as
igrejas evangélicas preferirão apegar-se à tradição antes que à Sola Scriptura” 2 5 0

O próprio Senhor Jesus teve que lidar com esse tipo de pessoas que davam tal valor quase
“canônico” à tradição, ao ponto de ter que dizer que “este povo me honra com os lábios,
mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam
de regras ensinadas por homens. Vocês negligenciam os mandamentos de Deus para se
apegar às tradições dos homens” (cf. Mc.7:6-9). Ao analisarem a Bíblia “amarrada” à
tradição, eles cegam-se a si mesmos, e jamais poderão chegar ao pleno conhecimento da
verdade. Enquanto lerem a Bíblia já pré-dispostos a crerem que a alma é imortal por causa
da tradição e que apenas as seitas pensam o contrário, nunca irão abrir os olhos para
reconhecer as verdades bíblicas que entram em conflito com a tradição , mas somente os
terão abertos para descobrirem aquilo que a tradição lhes permite descobrir.

E, em quinto lugar, uma coisa que afasta muitas pessoas do conhecimento da verdade
sobre a vida após a morte é a argumentação hipócrita daqueles que julgam uma doutrina
como “herética” a priori, isto é, que assemelham determinada doutrina a uma determinada
religião considerada por muitos como “seita” ou c omo perigosa, e por isso julgam que essa
doutrina deve estar errada. Isso acontece muitos com evangélicos que pensam que, porque
as testemunhas de Jeová ou os adventistas do Sétimo Dia creem que a alma morre e já que

250 BACCHIOCCHI, Samuele. Imortalidade ou Ressurreição: Uma abordagem bíblica sobre a natureza e
o destino eterno. Unaspress, 1ª edição, 2007.
A Lenda da Imortalidade da Alma Página 437
a maioria das outras igrejas protestantes creem que ela sobrevive após a morte, então a
alma deve ser imortal.

Uma variante disso é quando um leigo ouve a vida inteira na igreja dele o pastor dizendo
que a alma é imortal, e toma isso como verdade absolut a mesmo sem ter estudado a fundo
o tema. Então, quando um dia estuda sobre isso, percebe que igrejas tidas por alguns como
“seita” ensinam o contrário, e logo descartam tal doutrina contrária como sendo falsa.
Nenhum exame crítico ou estudo complexo é feit o, mas uma doutrina é considerada falsa
por associação ou ligação com algum grupo religioso com o qual ela não se identifica.

Quando Clark Pinnock, um grande teólogo batista canadense e professor de Teologia


Sistemática passou a crer no aniquilacionismo, veio a ser alvo de uma série de críticas que
eram puramente táticas de pressão, utilizadas para associar tais eruditos com
denominações tidas por sectárias, e ele disse: “Parece que um novo critério para a verdade
foi descoberto, segundo o qual, se os adventistas ou os liberais mantêm algum ponto de
vista, esse deve estar errado” 2 5 1 .

O mesmo argumento poderia ser revertido contra eles mesmos, como, por exemplo: (1) os
espíritas creem na imortalidade da alma; (2) o espiritismo é tido por muitos como sendo
uma seita; (3) portanto, a imortalidade da alma é falsa. Ou então: (1) o catolicismo crê na
imortalidade da alma; (2) o catolicismo é tido por muitos como sendo uma seita; (3)
portanto, a imortalidade da alma é falsa. Ou mesmo: (1) os mórmons creem na
imortalidade da ama; (2) os mórmons são tidos por muitos como sendo uma seita; (3)
portanto, a imortalidade da alma é falsa. Ou até mesmo: (1) praticamente todas as
religiões pagãs creem na imortalidade da alma; (2) essas religiões pagãs são todas falsas;
(3) portanto, a imortalidade da alma é falsa.

Qualquer um poderia concluir facilmente que tais argumentos são falaciosos, mas é
exatamente isso o que eles fazem quando algum evangélico passa a crer ou pretende crer
na mortalidade da alma. Associam tais crenças a grupos tidos por alguns como sectários ou
“perigosos”, como se isso dissesse alguma coisa sobre a vida após a morte. Desta forma,
eles conseguem assustar e afastar os leigos da Bíblia, colocando medo nas pessoas para
que elas não estudem sobre isso ou que somente estudem com as lentes das tradições
interpretativas deles.

Ao mesmo tempo, atacam com ad hominem aqueles desafiam suas tradições históricas e
fazem um espantalho da doutrina mortalista, como se toda ela se resumisse apenas a
Eclesiastes 9:5, passando a “refutar” tal tese com no máximo uma dúzia de “argumentos”,
aqueles mesmos isolados, deturpados e facilmente refutados que vimos ao longo de todo
este livro, muitos deles que, quando são estudados exegeticamente, provam exatamente o
contrário do que eles propõem e coloca um fim no próprio ensino da imortalidade da alma.
Um diálogo franco, sincero, honesto e aberto entre os evangélicos sobre este tema é tudo o
que eles mais resistem, pois isso removeria os véus espirituais e libertaria multidões da
lenda imortalidade da alma, para proclamarem Cristo como a ressurreição e a vida.

Por Cristo e por Seu Reino,


Lucas Banzoli.

251
C. H. Pinnock, “The Conditional View”, in Four Views on Hell, W. Crockett, ed., (Grand Rapids,
1993), p. 161.

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