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O mito Nacional: a identidade que tanto produz como aprisiona um povo

Francine de Brito Santos/PG37749

“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.”
Darcy Ribeiro

A construção do mito nacional

Quando um estudante brasileiro da área de humanas pede ao seu professor a indicação de obras que
o ajudem a compreender a formação do Brasil, na esmagadora maioria das vezes terá sugerido o
livro “Casa Grande & Senzala”, publicado em 1933 por Gilberto Freyre. Tratando-se de um
estudante dedicado, é possível que continue suas pesquisas e busque também outros autores, mas se
assim for, descobrirá que esta é a obra que, em grande medida, fundamenta o campo da sociologia
dentro da academia brasileira.

Não significa, necessariamente, que Gilberto Freyre tenha feito uma narrativa irretocável, acima de
qualquer crítica. Na perspectiva de Jessé Souza (2015), o motivo da longevidade de “Casa Grande
& Senzala” é que a obra criou uma identidade de povo, um “mito nacional”, que não existia antes e
que foi e continua a ser útil para explicar o Brasil, na medida em que Freyre valorizou o que antes
era visto como o nosso maior defeito, a nossa mestiçagem, a mistura entre os povos que nos deixava
tão distantes do padrão europeu de civilização. Foi a partir de Freyre que surgiu a ideia do brasileiro
como um povo acolhedor, que vive bem com as diferenças, que é alegre e hospitaleiro.

Assim se torna possível explicar o subdesenvolvimento econômico e acadêmico do Brasil não como
resultados de interesses geopolíticos, mas pela própria constituição do povo brasileiro, cuja
“natureza” não favorece, por exemplo, as qualidades intelectuais. Claro que esse mito nacional não
possui base científica de ser, pelo contrário, mas, como diz Jessé Souza, o mito nacional não precisa
ser provado, ele precisa ser crível, e de tão partilhado e repetido, é hoje profundamente
naturalizado.

Em 1936, Sergio Buarque de Holanda, outro dos grandes sociólogos brasileiros e que bebeu na
fonte de Freyre, publicou o seu “Raízes do Brasil”, onde desenvolve a ideia do “homem cordial”.
Foi, por assim dizer, a criação da estrutura definitiva do homem brasileiro que passou a ser tomada
como verdade no discurso hegemônico das ciências sociais nacionais.
O homem cordial é o homem das paixões, da gentileza, do sensual, suas qualidades são do nível
“terreno”, o que o distancia, por exemplo, do homem norte americano, que já naquela época era
visto como eficiente e trabalhador.

Desta forma, é até lógico que se desenvolvesse nos corações e mentes brasileiros o que Nelson
Rodrigues chamou de “complexo de vira-lata”, ou seja, a naturalização para o brasileiro da sua
baixa qualidade, principalmente intelectual, mas também cultural e de caráter. Um povo que crê
verdadeiramente que o que é importado da Europa é melhor, desde produtos até ideias, que duvida
do que é nacional e desconfia dos próprios compatriotas.

Ressalte-se, por fim, que não se trata de considerar a existência de um mito nacional como ruim per
se, longe disso. O mito nacional tem como função dar identidade a um povo e é importante para
criar um senso de união e solidariedade entre os cidadãos de uma nação. Acontece que a sociologia,
como ciência que é, não pode trabalhar validando dogmas, é preciso questionar essas verdades
antigas, especialmente se o seu efeito, como o mito nacional do brasileiro, é o de apequenar e
subordinar todo um povo.

A instituição escravidão

No seu livro “A Tolice da Inteligência Brasileira” (2015), Jessé Souza discorre sobre o papel
fundamental que as instituições de toda sociedade exercem para fundar, manter e, por fim,
naturalizar ordens, ideias e percepções de mundo nas mentes das pessoas que nela vivem.

Essa ideia de Jessé fica clara no seguinte trecho:

(...) Além disso, como sabiam muito bem todos os pais fundadores das
ciências sociais, a ciência só nasce e se torna possível se construída “contra”
as ilusões e cegueiras da sociologia espontânea do senso comum. Uma das
cegueiras principais de nossa percepção espontânea do mundo social é a não
percepção da dimensão “institucional”. Afinal, excetuando-se situações
extraordinárias, como revoluções conduzidas por líderes carismáticos, as
quais são tão intensas quanto, necessariamente, passageiras, toda a nossa
ação cotidiana é comandada por imperativos institucionais que
internalizamos, de maneira a torná-los “naturais”. A vida cotidiana, ainda
que não percebamos por já estarmos “desde sempre” dentro de certo
horizonte institucional que naturalizamos – como o da disciplina escolar, da
autoridade familiar, dos limites da ação individual pela Lei, e pela polícia,
das regras de trânsito etc – é comandada por instituições. São as
expectativas e os estímulos e castigos institucionais que moldam nosso
comportamento e nossas escolhas ainda que, como as “naturalizamos”,
como o nascer do Sol ou o fato de termos dois braços e duas pernas, não
tenhamos consciência disso (p.40).

No caso do Brasil, último país do mundo a abolir a escravidão, em 1888, percebe-se a fragilidade
das construções sociológicas de Freyre e Buarque anteriormente apresentadas, bem como todas as
que se seguiram que também ignoram ou não consideram com a importância devida o capítulo da
escravidão na nossa história e todas as suas repercussões.

Para que as ciências sociais sejam respeitáveis e cumpram seu papel, elas devem se basear em fatos.
Não seria exagero entender a escravidão como a instituição mais influente para a construção da
identidade nacional do Brasil, seja pela sua duração, pelo seu alcance ou pela extensão dos seus
efeitos.

É fundamental entender a realidade atual do povo brasileiro como efeitos de sua história, e não
como consequência natural do “caráter” do povo, como faz o nosso mito nacional, pois essa é a
nossa chance de nos libertarmos desse reducionismo opressor que mantém de pé até hoje as
estruturas da casa grande e da senzala.

Minimizar o papel da escravidão na gênese do Brasil seria tão absurdo quanto se as ciências sociais
que buscam estudar a construção do povo sul africano não dessem a devida ênfase ao período do
apartheid, ou os sociólogos alemães considerassem que o período do nazismo não influenciou a
maneira como os cidadãos alemães percebem a si mesmo e as suas relações com os outros (Souza,
2015).

A escravidão e as classes sociais

Como foi explicado acima, são as instituições que dão forma a uma sociedade, que criam o
contexto, a lógica a partir da qual essa sociedade funciona. Podemos dizer, por exemplo, que o que
faz de uma pessoa russa ou chilena não é nascer nesses países, mas viver lá e operar dentro das suas
regras e valores, que são por sua vez criados a partir de instituições religiosas, de justiça, de
educação e etc. típicas dessa sociedade. Ao colocar a escravidão no lugar que lhe diz respeito para a
constituição da sociedade brasileira, Jessé Souza abre caminho para uma sociologia que é inovadora
na sua maneira de explicar o Brasil.
Como se sabe, a abolição da escravidão foi assinada não porque a sociedade havia atingido um
nível de civilidade que tornasse vergonhoso o crime contra a humanidade que é a escravidão, e sim
porque os países europeus, em especial a Inglaterra, estavam em plena revolução industrial e
precisavam expandir seus mercados consumidores. Os escravos, logicamente, não tinham renda e,
portanto, não consumiam.

Após a abolição, não houve por parte de nenhum governo, nem imperial nem republicano, qualquer
tipo de tentativa de reparação para com a população de ex-escravos e seus descendentes. Nem
mesmo o reconhecimento da dívida do país para com a população negra aconteceu.

Os escravos saíram de seus trabalhos forçados sem qualquer ajuda, sem qualificação e fadados a
buscar os postos de trabalho mais degradantes, e ainda carregando o estigma que vinha com serem
ex-escravos.

Como nunca houve nenhum tipo de reparação e como a nossa própria ciência social hegemônica
sempre tratou de invizibilizar ou minimizar o papel da escravidão, não é surpresa que a esmagadora
maioria da população pobre brasileira seja composta por pessoas negras.

Existe no Brasil contemporâneo uma clara divisão racial, que acompanha a divisão de classes
econômicas. O 1% mais rico é formado pelos grandes empresários e rentistas, que muitas vezes
nem mesmo, residem no país. O restante da população se divide entre classe média, classe
trabalhadora e, que é uma categoria inovadora que trazida por Jessé Souza (2009), a ralé.

A ralé seria aquele contingente populacional que é o mais precarizado da sociedade, que vive nas
piores condições e trabalha em funções que não exigem qualificação, mal pagas e, por vezes,
humilhantes. São em especial os trabalhadores braçais, para quem a classe média delega tarefas que
não lhe apetecem e paga um soldo de fome. São as empregadas domésticas, os trabalhadores rurais
das áreas mais profundas do país, são as pessoas que não seria exagero dizer que vivem em situação
análoga a escravidão (Souza, 2009).

É uma parte da população que vive à margem do Estado, para quem as perspectivas de mobilidade
social são praticamente inexistentes. É um grupo social que não tem tempo, todo o seu tempo é
dedicado ao ganha pão e, portanto, não tem condições de se informar e refletir.

Este é um ponto fundamental da construção teórica de Jessé Souza (2009) e que muda a perspectiva
que existia até então da formação e manutenção das classes sociais. O que o autor defende é que o
que diferencia a classe média da classe trabalhadora e, especialmente, da ralé, e que é o fator de
reprodução dessas classes não é tanto a condição econômica, ou seja, o capital financeiro, mas o
capital cultural.

A classe média é de onde provém a esmagadora maioria dos funcionários públicos, juízes, médicos,
professores universitários e etc. Isso é devido, segundo Jessé Souza (2009), aos estímulos precoces
que as crianças dessa classe recebem, desde o nascimento, e que são absolutamente inatingíveis
para as crianças da ralé. Tratam-se de estímulos, por exemplo, provenientes do ambiente familiar.
Desde cedo ela observa os pais lendo, escrevendo, discutindo.

Muitas habilidades de que dependem, por exemplo, o sucesso escolar, são desenvolvidas aí, como
as capacidades de concentração e de disciplina. Também frequentam aulas de línguas, instrumentos
musicais, fazem viagens e tem acesso a diferentes tipo de arte.

A criança da classe trabalhadora e da ralé tem muito menos chance de desenvolver essas qualidades
e chegam à escola como “alunos problema”, fadadas ao fracasso escolar. Após um período escolar
infrutífero onde muitas vezes a pessoa não foi nem mesmo alfabetizada satisfatoriamente, o
mercado de trabalho não oferece opções qualificadas, restando a essas pessoas o subemprego. O
ciclo social se repete, o filho do médico se torna médico e a filha da empregada doméstica não tem
outra opção que não tomar o lugar da mãe.

O lugar do Brasil no mundo contemporâneo

Sérgio Buarque, ao explicar a tendência do povo brasileiro para as qualidades do “corpo”, e não do
“espírito”, com a ideia de o brasileiro ser um homem à mercê das paixões, explica o Estado
brasileiro como intrinsecamente corrupto, pois este funcionaria sob a mesma lógica que o seu
cidadão, seguindo a famosa frase de autoria indeterminada, mas que nos identifica muito bem: “aos
amigos tudo, aos inimigos a letra dura da lei”.

O Brasil e a América Latina de modo geral possuem o “carinhoso apelido” de quintal dos Estados
Unidos. Somos conhecidos também como o celeiro do mundo. Realmente, não faria sentido um país
tão pouco inclinado ao trabalho intelectual aspirar ser muito mais que um exportador de
commodities.

Criou-se a ideia de que o Estado brasileiro é formado por uma casta de políticos invariavelmente
corruptos, que sugam os recursos do povo para alimentar os seus próprios privilégios.

No senso comum, impera a ideia de que só existe pobreza no Brasil porque os políticos roubam os
impostos, são corruptos. Como mostrou Jessé Souza, o Estado brasileiro não é significantemente
mais ou menos corrupto do que a média do resto do mundo. A nossa singularidade está exatamente
na nossa abissal desigualdade social, que só se mantém porque o pobre tomou o lugar do escravo.

A ralé brasileira é formada por pessoas que “precisam de menos”. A classe média acha suficiente
para o pobre condições de vida que não o seriam boas o bastante para os seus próprios animais de
estimação.

É importante apontar que o brasileiro não percebe todos os Estados nacionais do mundo assim.
Ainda existe a ideia da honestidade americana e europeia. Objetivamente, sabe-se que essas
virtudes não existem. Basta tomar como exemplo as eternas guerras dos EUA no Oriente Médio,
que não respondem a interesses de nenhum povo, mas de petroleiras e fabricantes de armas.

A dicotomia Estado/Mercado no contexto contemporâneo brasileiro coloca o primeiro como lugar


da corrupção, enquanto o segundo é limpo, impoluto e admirável. Como prova disso, vimos crescer
nas últimas eleições o número de candidatos que são provenientes do meio empresarial, que
carregam o título de “gestor” e prometem dirigir a máquina pública com a eficiência de um
financista.

Como diz Jessé, o próprio conceito de corrupção para a sociedade brasileira é confuso, pois, por
exemplo, “pedaladas fiscais” (o motivo alegado para o processo de impeachment da presidenta
Dilma Rousseff, em 2016) são qualificadas como corrupção, mas o lobby dos mercados
internacionais não é.

A partir do momento que conseguimos desacreditar a construção da identidade brasileira de Freyre


e Buarque e que entendemos a atual configuração que se formou na sociedade no período pós-
escravidão, podemos passar a pensar em quais são os reais interesses que mantém um país das
dimensões e riquezas do Brasil numa condição de baixa industrialização e pobreza sistêmica.

Podemos começar a fazer perguntas como: “a que interesses servem a criação e manutenção de um
mito nacional tão incapacitante para o seu povo como é o brasileiro?”, “como podemos nos
considerar uma democracia se a maioria da nossa população é impedida de qualquer ascensão
econômica ou cultural?” e também: “que função cumpre um Estado com uma imagem tão
deteriorada junto a sua população?”.

Não parece exagero pensar que esse papel subalterno do Brasil e de tantos outros países
economicamente pobres é exatamente o de servir à manutenção e ampliação da riqueza do grande
capital financeiro, na realidade, sabe-se que em nenhum lugar do mundo as empresas privadas
prosperam sem a ajuda de um Estado que lhes facilite a vida em vários momentos e lhes garanta
mercado consumidor.

A longevidade de um mito nacional tão negativo e sem base factual como é o nosso pode ser
explicada, assim, pela sua eficiência em desarmar a população brasileira, fazendo com que
recebamos com honras àqueles que ainda nos veem como colônia.

Conclusão: O Brasil que ainda não atingiu o seu destino

Qualquer pessoa sensível que conheça minimamente a realidade brasileira, que tenha uma pálida
noção de suas riquezas naturais e culturais e que tenha tido contato com o cotidiano da sua
população não demora muito a se questionar sobre como é possível um país tão rico, em todos os
sentidos da palavra, ser tão profundamente desigual e ter tantas pessoas do seu povo vivendo em
situação tão precária há centenas de anos.

Darcy Ribeiro, um antropólogo, escritor, político e incansável lutador pelas causas do povo
brasileiro, escreveu a obra “O Povo brasileiro” (1995), onde faz o seu estudo da gênese do Brasil,
desde o início distanciando-se de Gilberto Freyre ao não romantizar a miscigenação de povos, mas
ao reconhecer no processo de colonização toda a violência que de fato ocorreu, desde o genocídio
dos povos indígenas até a crueldade da escravidão.

É uma busca de explicação sobre a construção de uma sociedade cronicamente desigual que
movimenta a escrita de Darcy, sempre com um olhar carinhoso para as tantas qualidades dos
diferentes povos que compõem o Brasil.

É um livro que é também uma espécie de manifesto, pois incita a todos que o leem a se perceberem
como parte do povo brasileiro e, como tal, dono de qualidades sem par e responsável por tomar o
seu país para o seus cidadãos.

Darcy é o autor de uma frase histórica e que, ainda hoje, acalanta os corações dos militantes das
causas sociais, por vezes abatidos após tantas derrotas sofridas: “Fracassei em tudo o que tentei na
vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma Universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se
autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias, eu detestaria estar no lugar de
quem me venceu”.
Referências Bibliográficas

FREYRE, GILBERTO (1998), Casa-Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Editora Record, 34.ª
edição.

HOLANDA, SÉRGIO BUARQUE (2006), Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
Edição comemorativa 70 anos.

SOUZA, JESSÉ (2015), A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela
elite. São Paulo: LeYa.

SOUZA, JESSÉ (2009), A ralé brasileira: quem é e como vive. Colaboração de André Grillo et al.
Belo Horizonte: Editora da UFMG.

RIBEIRO, DARCY (1995), O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.

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