AO GRANDE MESTRE AO AMIGO QVERIDO

PROF ANTONIO AVGVSTO GONÇALVES

A QVEM PERTENCE O - MERITO E GLORIA DE SER

O PROMQTOR - E INICIADOR

DA - OBRA - DE - RESTAVRAÇÁO - DA SE VELHA • DE COIMBRA

E- QVE- FOI - A ALMA O • ORIENTADOR -O - DIRECTOR

DESSA - RESSVRREIÇÁO - MAGNIFICA

SEM - EXEMPLO • ENTRE - NOS

OFERECE - AFECTVOSAMENTE ESTE POBRE - LIVRO

O SEV- VELHO• DEDICADO • E• RECONHECIDISSIMO ADMIRADOR

ANTONIO - GARCIA - RIBEIRO - DE - VASCONCELOS

~. ~ Ott _
 PRA TIVNCVLA

A designa
Junta imprôpriamente
de frégue.sia a fràguesia
de Álnzedina, nome civil da
êste que
Sé-velha de coimbra, teve a amabilidade de me coiz
vidar, em princípios de Novembro de 192 z,parafalar
na solenidade que, no domingo 19 do mesmo inês,
queria realitar, e çfectivamente reali~ou, no claustro
da dita catedral, com assistência das Autoridades de
tódas as ordens, e de numerosa e selecta assembleia.
Era objectivo da festa a inauguração duma lápide
comemorativa da restauração daquele edifício, inan—
dada colocar no tópo da nave claustral de S. Miguel,
por felix lembrança e muito louvável iniciativa da
mesma Junta, composta dos cidadãos Tomás António
de Sousa, presidente, e ca;’los Ribeiro, António Ho
norato Perdigão, Joaquim Rasteiro Fontes, e Álvaro
Ferreira, vogais. A lápide com a inscrição foi deli
neada e executada pelo artista conimbrigense João
Machado, ora já falecido.
Ap:sar dos muitos trabalhos que então me embara
çavam, e da escasse~ do tempo, entendi que não devia Carvalho, que quere obsequiar-me dando-lhe as honras
declina,- aquele honroso convite. Sou eu um dos da publicidade, em edição ilustrada, que não merece.
poucos, que ainda restam, que acompanharam cOm Muito obrigado, por lamanha amabilidade.
muito amor e entusiasmo a obra restauradora da Coimbra, ~ de Janeiro de sg3o.
Sé-velha, desde o principio até ao fim. Pedia-se o meu
depoïmento, como testemunha de visu. ~ Poderia eu
recusá-lo? Não. Estava em consciência obrigado a
depor. Fui pois, e falei; o que fl~ com muito pra{er.
Não me ocupei do monumento sob o ponto de vista
artístico. A outros, que não a mim, é reservado êsse ANTONIO D~ VASCONCELOS,
aspecto. .Res(ringi4ne quase sàmente ao campo histá
rico, porque aí me achava um pouco a vontade.
O trabalho, que compus para recital- naquela me
morável solenidade, sofreu agora alguns reto ques e
muitos acrescentamentos, e foi documentado e am
pliado com bastantes notas comprovativas ou explica
tivas do que no texto se afirma.
Assim, nesta segunda forma, o deponho nas mãos
do meu prqadíssimo amigo e colega .1k. Joaquim de
Sê-VELHA DE COIMBkA

I>omus antem, quam aedificabat Salomon Domino,...

perfecta Cst iA omni Opere suo, CL tu uniuersis utensilibus
sois.
III Reg., C8~. VI.

Sacerdos magnos, qui tu uila sua suifulsil domum, cl tu

diebus suis corroboraoit templom. .. duplex ardificailo, et
excelsi parietes templi. .. Qui praeuaiult amplificare clui—
latem, eL adeptos eSL riorlam in conuersaLione gentis, (t
ingressum domus CL tini ampllficauii,
Ii’cdli., cap. 1..

Vir peritos muitos erudiuiL, cc anima sua suauis est. —

Vir saplens implebilur benedictionibus, et uidentes ilium
iaudabunt. — Sapiens tu populo heredinabit honorem, et no.
meis iliba erlt uiqens in aeiernum.
Ecfli., csp. XXXVII.
 “-7

rn~
Ëxárdio

A sua História de
LEXANDRE Portugal, onde
HERCULANO emtraça com IImão
o Livro
de Mestre a acção heróica de D. Afonso Henriques
da

na ndaçáo da nacionalidade portuguesa, termina

a sua narrativa com estas palavras: — ((Se uma
crença de paz e de humildade não consente que
Roma conceda ao fero conquistador a coroa que
pertence à resignação do mártir, outra religião
também veneranda, a da Pátria nos ensina que,
ao passarmos pelo pálido e carcomido portal da
igreja de Santa Gruz, vamos saüdar as cinzas da
quele homem, sem o qual não existiria hoje a nação
portuguesa, e, porventura, nem sequer o nome de
Portugal
No momento crítico, que actualmente atraves
samos, quando o sentimento da Pátria precisa de
ser exitado com fortes estímulos, para não su
cumbir, também devemos clamar bem alto: — «Por-
 Exór dia ‘7
‘6 Sé-velha de Coinzbra

tugueses! É preciso que venhamos de tempos a o que nos segre~iam, e o que nos dizem, e o que nos
contam, desperta em nossas almas de portugueses
tempos, em peregrinaÇãO religiosa, visitar a vetusta
aspirações elevadas, resoluções imensamente bené
catedral dc Coimbra, onde tudo nos fala da Pátria
ficas e salutares.
querida e da sua gloriosa história; onde não há
pedra que não seja um eloqüente pregão do que
fomos, um estimulante poderoso do que é preciso
,t._
que sejamos .-~

Não nos deixemos iludir com a aparência de

decrepitude dos silhares gastos e carcomidos, com
3,. -
-
—

a imobilidade das colunas e dos capitéis, com a LI

estabilidade pesada dos arcos e das abóbadas, com
a algidez marmórea das campas do pavimento, com - .1-»;

a gravidade ponderada que caracteriza os edifícios 1~fl ,_ -‘

.~ ‘-‘[~ : --
de estilo românico. Animado pela história que o -% :
ilustra, pelas tradições e lendas que o iluminam, /
1.~’•• ~‘ - T

pelas memórias singulares que o nobilitam, pelo —

A” ,‘4,.—
,-= o -- —?.-— _.~ ~__ .. 1

sentimento religioso que o santifica, êste admirável

‘-

templo, sob vários respeitos o mais interessante e

venerando que o nosso glorioso Portugal possui, Porta de Genicoca, ou Arco da Traição, da antiga muralha
de Coimbra.
enche-se de vida, palpita, espiritualiza-se e fala-nos
ao coração, dizendo-nos palavras boas -e salutares
de ensinamento, de estímulo, de entusiasmo. Obser
vadas com olhos cultos e esclarecidos, com vista
exaltada pela fé patriótica, essas velhas e corroídas
paredes vivem, estremecem de sentimentos nobres,
falam, cantam-nos canções belas de amor pátrio; e
 -o
‘1’
e’

LI

Is
J1.46169

Antiguidade da Sé-velha

A anteriores àdefundaçáo
SÉ-VELHA Coimbia daremonta
nossa nacionali
a tempos
dade. Baptizada com o sangue dos soldados do rei
leonês Fernando Magno, ao arrancarem Medina
-C’oli,nria do poder dos muçulmanos no ano de 1064,
a veneranda igreja de Santa itaria colimbriense viu
mais tarde nascer o reino de Portugal, e já invocou
sôbre o recemnascido as bênç~os do céu; emba
lou-o no berço infantil, amamentou-o, e amparou-o
nos seus primeiros passos; viu-o crescer, robustecer,
emancipar-se do rei estranho(i), dilatar o seu patri—~

(i) Nas expans&s de patriotismo, logo após a emancipaç5o de

Portugal 1a soberania leonesa, encontramos em diplomas portugueses
o rei de Leáo designado pela express5o — o rei estranho. Num, ema
nado da chancelaria de O. Afonso Ilenriques a 28 de Maio de i 120,
entre as maldiç6es do usual formulário, que costumava rematar os

20 Sé-velha de Coimbra
mónio territorial, afirmar bem alto, com as armas
na mão, a sua independência, e defendê-la com
heroicidade, derrotando os inimigos que vinham
para lhe lançar algemas. Viu em seguida o orga
nismo nacional, já livre de ataques hostis, revigo
rar-se na paz, e tornar-se próspero, e encher-se de
prestígio aos olhos das outras nações. Depois viu
os seus filhos navegarem através de mares desco
nhecidos com as velas pandas esmaltadas pela san
güínea cruz de Cristo, a descobrir novos mundos, a
rasgar novos horizontes, e a dilatar por tôdas as
documentos, fulminadas contra os violadores do contrato ou con
cessão, figura de novo uma, certamente alusiva ao rei leonês: — tSi
fihius ,iel nepos meus judicium ei maiidatum hujusmodi non obserpaverit.
sil ,naledictus ei exco,nmunicatus, ei ab extraneo rege sit coactus ci
subjugatus ÇAI.Ex. l-IEI&cut.ANo, Hisi. de Port ug., tôm. li, Øg. 299 da
cd. de 1846, nota 2). Note-se o entusiasmo que então havia pela mdc
pendéncia da pátria, a ponto de se eqUiparar esta maldiç5o de ser
sujeito ao rei estranho, às que eram do formulário usual — ser exco
mungado, e segregado do grémio cristão, e privado da participação
do Corpo do Senhor durante a vida, ter a morte abominável de Datan
e de Abiron, e no outro mundo ser sepultado com Judas traidor nas
profundezas do inferno, etc. etc. — Jâ um mês antes, em Abril do
mesmo ano, havia sido exarado um outro documento, que principia
assim: — « Ego Infans Alfonsus Henrici Co,niiis filius, ab otnni pres
sura alienus, & Coli,nbriensiu,n ac totius urbiu,n poriugalenSiu?n Dei
providentia do,ninus securus effectus, etc. (FR. Anr. BRANDaO, Monarq.
Lusitana, parte III, 1. ix, cap. i6, pág. 123). É a mesma preocupaç5o
da independência completa, da soberania certa e segura.
1—Sua antiguidade 2!
partes do orbe os domínios de Portugal e o reino
•& Jcsus.~ .. -
~..Quantas vezes da, a mais antiga~ a mais glo
riosa é afamada entre tôdas as nossas catedrais,— a
catedral portuguesa por excelência —, chorou dolo
rosamente ou exultou de alegria, acompanhando os
sentimentos dos seus generosos filhos, já nas horas
• amargas,;já nas ditosas, atravôs da sua lon~a his
tória! Quantas vezes, çoberta de crepes, deplorou
nas melodia~ plangentes do canto litúrgico e no
dobre funéreà dos sinos, os heróis lusíadas que,
no meio das épicas lides, caíam para não i-nais se
levantar! e quantas outras~ em dias de vitórià, ém
horas de triunfo, ela se vestiu de galas para, entri
nuvens de incenso, nas pompas das grandes sole- -
nidades litúrgicas, ao repicar festivo -~dos sinds,
cantar hossan~s festivos, hinos triunfai~ de acção
de graças a&Senhor Deus das vitáriãsf
E isto, e tudo isto, e muito mais do que isto, no
longo decorrer de mais de oito seculos e meio!
*
Tem-se ouvido dizer a gente crédula e de boa-fé,
que a Sé-velha de Coimbra remonta a idades muito
afastadas; que foi mesquita de mouros antes de ser
 Sé-velha de Coimbra
templo de cristãos; e não falta até quem afirme que,
antes de mesquita, já havia sido templo cristão visi
gótico. A esta antiguidade, afirmada pelas lendas,
opóem modernamente os entendidos nestes assuntos,
fundados no exame dos caracteres arquitectónicos
e esculturais, e na leitura de velhos pergaminhos de
autenticidade indiscutível, que isso não passa de
sonho desvairado, sem fundamento razoável, pois
se demonstra que a edificação desta catedral se
realizou na segunda metade do século XII. E os
que tal dizem téem razão, enquanto fixam a época
da construção do actual edifício; mas não a téem
quando repelem com desprezo essas velhas tra
diçóes legendárias, que não são destituidas de fun
damento.
Ressuscitando algumas nossas lendas ingénuas, e
dando-lhes forma romântica em estilo vivo e bri
lhante nas suas Lendas e Narrativas, Alexandre
Herculano, ao principiar a lenda de O Bispo negro,
que reporta ao ano de i i3o, escreveu o seguinte:
((Houve tempo em que a velha catedral conim
bricense, hoje abandonada dos seus bispos, era for
mosa; houve tempo em que essas pedras, ora tis
nadas pelos anos, eram ainda pálidas, como as
margens areentas do Mondego. Então, o luar,
batendo nos lanços dos seus muros, dava um re
1—Sua antiguidade 23
flexo de luz suavíssirna, mais rica de saüdadc que
os próprios raios daquele planeta guardador dos
segredos de tantas almas, que crêem existir nêle, e
só nêle, uma inteligência que as perceba.
«Então aquelas ameias e tôrres não haviam sido
tocadas das mãos de homens, desde que os seus
edificadores as tinham colocado sôbre as alturas;
e, todavia, já então ninguêm sabia se êsses edifica-
dores eram da nobre raça goda, se da dos nobres
conquistadores arabes.
cc Mas, quer filha dos valentes do norte, quer dos
pugnaciSsimos sarracenos, ela era formosa, na sua
~ngela grandeza, entre as outras sés das Espa
nhas» (i).
Para fazermos a história da catedral de Coimbra
desde os inícios, não podemos limitar-nos a ir apenas
até ao momento em que, no século XII, um bispo
cercado dos seus cónegos e de tôda a sua clerezia,
com a assistência provâvelmente do primeiro rei de
Portugal acompanhado da sua côrte, laliçou no ali
cerce com bênçãos rituais a pedra fundamental do
edifício, que felizmente ainda hoje admiramos. Não.
A igreja episcopal de Santa Maria Colimbriense já
existia neste mesmo sítio em tempos mais recuados;
(i) Lend~zg e Narrativas, vol. u, pág, ,nihi 5~.
24 Sd-velha de Coimbra a~.
os seus fundamentos mergulham ainda mais profun
damente nas camadas de estratificação dos séculos,
do que os alicerces da nacionalidade portuguesa.
Não foi no reinado de D. Afonso Henriques que
aqui, precisamente neste lugar, se constituiu e
fundou uma primitiva igreja, erguida à categoria
de sé episcopal, e que sempre, ininterruptamente ate
hoje, teve por titular a Virgem Maria: foi antes,
muito antes (i).
O conde D. Henrique, senhor de todo o Portugal,
e sua mulher a rainha D. Teresa, já vinham a esta
igreja orar, e, sõbre o altar principal do templo, de
punham diplomas, nos quais faziam, em honra de
Nossa Setfhora, ao bispo e aos cónegos desta sé,
doação de igrejas, propriedades e rendas, para sus-
tentação do culto e dos seus ministros (2); como já

(i) A mais antiga referencia documental, que tenho encontrado,

à igreja da santa sé episcopal de Coli,nbria, posteriormente à coa
quista de Fernando Magno, lê-se na carta de testamento de Sesnando
Zolémaz e de sua mulher Justa Martinz, feita no ano de io~o, a 24 de
Dezembro, portanto cêrca duma dezena de anos antes de entrar de
facto no govêrno da sua diocese o primeiro bispo de Coimbra, cidade
ha pouco ainda conquistada. Está publicado êste diploma nos Portu
galiae Munumenta Ristorica, vol. ‘ da secção Diplomata es Ckartae,
pág. 333, n. 548.
(z) Citarei, exempli grafia, a carta de doação do mosteiro de
Lorvão e suas pertenças, feita pelo conde D. Henrique e pela rainha
11 Teresa 5edi San çte Marie Colimbriensi, ao seu bispo 11 Gonçalo
4.1
o
1
e

1
1
1

ocidental e setentrional da SLvelba, depois da rnlacraØo

(igos).
VII
____________________________________________________
Porta especiosa, ‘ia r,chaia sowntrional ia Sc.~dH.a.
1— Sua antiguidade 25
anteriormente havia feito o conde D, Raimundo,
senhor de tôda a Galiza, e sua mulher a rainha
(irraca(i).
Recuemos um pouco mais, iluminados ainda pelo
sol da história. Aqui mesmo, na sé episcopal de
Santa Maria Colimbriense, já no século Xl pontifi
cava o bispo D. Paterno, que com D. Sesnando, o
primeiro governador que a cidade de Coimbra teve
d pois da sua conquista aos mouros, fundou neste
mesmo local, nas casas da crasta da sé, uma espécie
de seminário para educação literária e moral de
jovens entre os quais deviam ser recrutados os mi
nistros d igreja(2).
c aos clérigos da mesma sé, com autorizaç5o e confirmação de
1). bernardo, arcebispo e Toledo e legado do papa. Remata o texto
do di’ orna por êsces dizer — «Facta es? hec carta lestamenhi, ei
c nfirmata ai que super altare suprano;ninatc ecciesie ulrius que manu
obi ia, die 1111 Kalendas Augussi Jn Era . M• C XL VI1~ (29 fui
xi j). — (Livro Preto, fã). 28).
(t) Basta citar a carta oa 5o do mosteiro dc Vacariça e do
ue lhe pertencia, feita pe o conde D. Raimundo e pela rainha Ii Urraca,
numa ocasiáo em ue visitaram a cidade de Coimbra, ecciesie sancte
Iíarie supradicte sedis epzscopatis Colimbrie), sendo bispo IX Cres
dnio. E conclui aSsim o documento — .Facta es? kec carta testa-
menti, ei co;!firmai adque super aliare supranominate ecciesie saude
Maria utriusque manu oblata, die idüum Nouenbrium in Era O
XXXII -pau unam miliesirna • (x3 um’. 1094).— (Livro Prelo, 6. 40;
— Port. .dion. Ris!., vol. Dipi. ei Chari., pâg. 484, n. 8i3).
(t) Tenho prçs~r!;es as cópias de tras diplomas, todos do ano dç
3
26 Sé-velha de Coimbra
O que houve, no declinar do século XII, foi uma
reedificação, que nào pode, em face da história,
classificar-se de instituïção ou fundação. Ao edifício
reconstruído se refere a crítica dos modernos; à
antiga catedral, que precedeu essa reconstrução, se
reportam os factos históricos que acabo de apontar,
soS6, nos quais há referências à igreja da sé episcopal de Santa Maria
de Coimbra, ao seu primeiro bispo D. Paterno, e ao governador da
cidade e seu Jistrito, o conde D. Sesnando, não podendo restar dúvidas
sõbre a idenziftcaçáo desta igreja, situada precisamente no local onde
ainda hoje se ergue a Sé-velha. Por agora sõmente falaremos do
primeiro dêstes documentos, datado de i3 de Abril, que tem grande
importância histórica: é a carta de instituTçáo do cabido desta ca-
tedral, em que se faz a história da elevação de Coimbra recõm-con-
quistada à categoria de cidade episcopal pelo rei D. Fernando Magno
de Leão e pelo conde D. Sesnando, e se diz como foi pelos mesmos
convidado para primeiro bispo da sua sé D. Paterno, então prelado
de Tortosa, logo após a conquista da cidade do Mondego aos mu
çulmanos; conta-se a vinda mais tarde de D. Paterno para êste seu
bispado, a fundação, feita por €le e pelo conde, dum seminário para
educação de candidatos ao sacerdócio, a criação dum cabido na
catedral, que viveria era comunidade sob a presidência dum prior, e
finalmente a nomeação do primeiro prior, Martim Simões, e dos pri
meiros cónegos, cujos nomes são relacionados. Foi êste interessante
diploma publicado na integra em ‘854 pelo meu ilustrado parente o
doutor Miguel Ribeiro de Almeida e Vasconcelos, na 2~a parte do seu
estudo — Noticia historica do mosteiro da Vacariça, ... e da serie chro
nologica dos seus bispos, págs. 44 e segs.; depois apareceu nos Portu
galiae Jlfonuinenta Historica, vol. Diplomata ei Chartae, págs. 3ga e
seg.; ~ltimamente foi de novo transcrito no meu estudo Fragmento
precioso dum códice visigótico, in Eib(os? vol. v, pág. z6g, nota
1—Sua antiguidade 27
assim corno as aludidas tradições e lendas, que a
crítica hodierna recolhe e estuda com o máximo
cuidado e com carinhoso desvelo, cotejando-as entre
si e com os factos históricos colhidos em diversas
fontes, e por fim, rejeitando os elementos legendários
avariados e impróprios, aproveita os que reconhece
scientificamente como bons para a constituïção da
história.
*
Dizem—nos as antigas tradições, que já aqui assen—
tava a mesquita de .M~edina—Colimria, e que Fernando
Magno, rei de Leão, ao conquistar a cidade ao~
mouros nos fins de Julho de i 064, fez purgar o cdi—
fício muçulmano e consagrá—lo ao culto cristão, sendo
dedicado à Virgem Mãe de Deus; e nêle, acrescenta
a lenda, o rei leonês armou em seguida cavaleiros
muitos dos seus homens de armas, os que mais se
haviam salientado na conquista de Coimbra: entre
êstes se contava o Cid campeador(i).
~ Serão verdadeiras estas tradições? É incontes—
tável a sua verossimilhança; nos lineamentos gerais
elas condizem perfeitamente com os costumes da
(i) Vid. A. COELHO GAsco, Conquista, antiguidade e nobreja da
Cidade dc Çoimbra, cap. iii, na ed. de 1807 págs. zo e segs.
28 Sé-velha de Coimbra
época. Devia efectivamente ser esta a situação da
mesquita, a meio da cidade, afastada da muralha
contra a qual vinham quebrar-se os ataques do ini
migo, portanto mais a coberto das lides e dos ru•
mores, que doutra sorte perturbariam a quietação
do lugar santo.
Era êste o uso dos muçulmanos, ao escolherem
local para a mesquita; nem dentro da cêrca da
antiga almedina havia outra situação igualmente
apropriada. Um pavimento de argamassa, e uma
base de coluna de mármore, que se encontraram
abaixo do nível do primitivo piso do actual templo,
ao realizarem-se há anos as obras da restauração,
e que lá ficaram in dIu (t), são restos certamente
dêsse anterior edifício, que remonta, pelo menos, ao
período em que os muçulmanos eram senhores de
Medina-colimria, cidade de encanto e maravilha,
jóia preciosíssima por êles altamente estimada, a
mais linda, a mais amena, a mais fértil, a mais bem
(i) Foi uma ocasião única, e que devia aproveitar-se, para pesquisar
os vestígios que restavam dêsse antigo edifício, certamente a mes
quita, que as tradiç6es coimbrãs memoravam. Assim o desejou, assim
o propôs e defendeu com calor António Augusto Gonçalves, mas
debalde. 1Cometeu-se o crime de à pressa se encobrirem 6sses pre
ciosos vestígios com grossa camada de brita ou cascalho, dalguns
decímetros de espessura, para se acabar com a velejda4e dos arqueó
loços 1 Custa a acreditar, mas é verdade
1—Sua antiguidade 29
situada e defendida das suas cidades fronteiriças a
ocidente da península (i).
1nscriç~o trabe da sé dc Coimbra
(i) Não cito como vestígio do antigo edifício mourisco a lápide
co iflscriç~o em caracteres árabes, que se encontra na fachada seten—
trionaJ da Sé.velha, próximo da axila do transepto. Essa pedra foi
evidentemente aparelhada no século XII para este edifício, ao mesmo
t rnpó e~as outras: pedra extraida do mesmo jazigo, donde sairam
as r tantes cortada nas mesmas medidas, preparada com o mes
mínimo aparelho, assente na fiada exactamente como as que a cer
cam, etc. Na construção da sé devem ter trabalhado canteiros
muçulmanos cativos e can eiros cristãos mozárabes, e estes usavam
também a escrita árabe, mesmo quando escreviam palavras de
romance. Algum daqueles ou d€stes gravou ali aquela inscrição. —
~o que diz? Até hoje consi ro-a indecifrada, O primeiro que disse
w-Ia lido foi o olisipo as António Caetano Pereira, que traduziu:
— Honra e gl4ria em es ecial foi dada a êste lugar pela nossa
assistência nêle. Ex te o seja aquele que o tornou em lugar de asilo
para os que vieram guardá-lo e defendê-lo. — A seguir D. Pascual de
Gayangos interpretou, mas com’hesitaçóes: —... edificou-o co;,, solider
Ah,,, .Ben lsmael por mandado de..., declarando•a incompleta.—
Depois um mouro marroquino, de nome Hage Mohammed Ben Omar
Acalae, a e ido do sr. Jorge Colaço, por solicitação de A. Augusto
Gonçalves decifrou-a desta maneira: — Principiada a fabricar na
medida e seis, segundo o ofício da própria ~;jáo do autor, com grande

Sé-velha dc Coimbra
~E não seria já aqui a catedral dos bispos colim-
brienses no tempo que decorreu desde a repovoação
desta cidade, então chamada Emmnio, por Afonso III
cansaço dos mestres em cada hora no mes de ,,oa... (parecendo que
deve ser Novembro). Também a estudou o dr. Kayserling, consultado
pelo dr. Mendes dos Remédios, que lhe enviou um decalco muito
nítido; mas sinceramente respondeu: — l3udapest le 113 janvier igo~.
—Cher et honoré Monsieur.— ...Vous m’avez fait une grande joie
par votre lettre boa rée; et vous prie d’excuser le retardement de ma
réponse; mais le clichê de l’inscription arabe, hélas! ni moi, ni plu
sieurs arabistes renommés consultés par moi, comme Mr. N6ldecke,
nous sommes hors d’état dela déchiffrer, ou plutôt découvrir le sens».
— Note-se que Kayserling, assim como N6ldecke, o director da Poria
linguarum, s5o autoridades de primeira ordem. — i~Jltimamente um
perito de Alexandria, muito sabedor do árabe marroquino, estudou a
pedido do meu prezadissimo amigo dr. Manuel Monteiro, juiz do
Tribunal Mixto daquela cidade, um decalco da inscriç5o, que lhe foi
enviado por A. Augusto Gonçalves; disse ter lido, e traduziu assim:
—Pai agirá son attention SRI? ?IJCS doléances ci ii ,n’a comblé dc ses
bienfaits.—O sr. dr. David Lopes, cuja competGncia é por todos
reconhecida, também estudou a inscriç5o, mas confessa, em carta que
teve a amabilidade de me dirigir a i3 de Maio de igzg, nada ter
conseguido ler, mesmo depois de ver tantas e t~o variadas interpre-
taçóes. — Conclus5o: A inscrição árabe da Sé-velha ainda está por
decifrar; n~o se podendo prestar fé às supostas leituras até hoje
feitas. Venha porém, ou n5o venha, um dia a descobrir-se o verdadeiro
significado do que nela está esculpido, nunca aquela pedra poderá ser
apontada como resto dum anterior edilicio mourisco, pela raz5o já
exposta: — ela foi aparelhada no século Xli, e por isso a inscriØo
n~o pode ser anterior.
1—Sua antiguidade 31
de Leáo, no declinar do século IX, até à sua recon
quista por Al-Mançôr, decorrido mais dum século,
em 987?
Ninguém talvez o possa demonstrar, cabalmente,
m face de documentos directos de reconhecido
valor histórico: mas, no campo das hipóteses, é in
teiramente verossímil; mais do que verossímil, é
provável. Não eram só os cristãos que, ao apossa—
rem—se duma povoação mourisca, usavam aproveitar
a mesquita para a aplicarem ao seu culto religioso;
os muçulmanos nas suas conquistas faziam o mesmo
aos tem los dos cristãos. O caso de Santa Sofia
-
em Constantinopla repetia—se freqüentes vezes, com
grandes e pequenos templos. Em tal hipótese, que
nao é destitui a de indícios em que se apoie, os
—
nove bispos colimbnienses dêsse período neo-gótico,
de ujos nomes resta memória —Nausto, Froarengo,
s. Gonçalo Ossório, Diogo, 5. Froarengo, Gomaldo,
ondesindo, Viliulfo e Pelágio—já aqui teriam a
sua sé episcopal, neste mesmo assento se ergueria
o seu trono litúrgico. Nem we parece se possa ex—
plicar doutra sorte o a~ o de, no último quartel do
século Xl, ser esta igneja Hesignada já pela denomi—
nação — «a velha Sé e Coimbra,) (i).
(i) Depara-se-nos efectivamente um documento do ano ,oSG, com
 32 Sé-velha de Coimbra
Mas, deixando o campo das hipóteses, embora
muito verossímeis, muito prováveis, quase certas,
entremos em pleno domínio da história, e acompa
nhemos as vicissitudes da catedral de Coimbra, erecta
data de ia de Ju o, em que a igreja de S)’ Maria é chamada a sé
velha de Coimbra. Velha! a porquê e em quê? — Se houvesse sido
construída depois da conquista de Fernando Magno (1064), achar-se
hia apenas acabada de poucos anos, estaria com a frescura e o po
lido da infdncia, as suas paredes não teriam ainda sido mordidas pelo
perpassar do tempo.—Se a tivessem edificado os mouros para lhes
servir de mesquita, também mal lhe caberia o epíteto, pois que, to
mada Coimbra por Al-Mançâr, havia agora quase um século (987),
só sete anos mais tarde começou a ser reedificada e povoada pelos
mouros, e por isso a mesquita não tinha ainda foros para poder ser
apelidada de velho edifício, porque, com oitenta anos de existência
ou ainda menos, nem era, nem podia parecer velha. — Resta pois a
hipótese de ser um edifício da Coimbra neo-gótica, a catedral dos
bispos colimbrienses dos séculos IX e X. Neste caso sim, já merecia
com justificada razão chamar-se a velha sé de Lia Ma,-ia Colim
briense, por ter a ancianidade de dois séculos.
O diploma, a que faço referência, é uma carta de doação, feita por
Martim Iben-Atumad e sua mulher Múnia Zulemen, os quais pró
ainore Dei, beate que Marie, omniwn que Sanciorum, pró animabus
parentum suorun,, ei pró suis, donauerunt beate Marie sedi ucieri (o
li,nbrie terrjtoj-iu,n, etc. — Foi esta carta escrita quarto idus h,lii do,ni
nica die... existente Adefonso rege (vi de Leão), Paterno episcopo,
Sesnando consule, in ei-a Ala Ca XXI!iIa. — Efectivamente neste ano
de ioSG, cuja letra dominical era», e 40 áureo número, caiu a Páscoa
a 5 de Abril; o dia ‘2 de Julho portanto coincidiu com o domingo vit
depois do Pentecostes. — (Encontra-se êste documento registado no
Livro Preto, II. 42 v.°, e está publicado in Port. Alon. llist., vol. Dipi.
ei Chart., pág. 398, n. 666).
1—Sua antiguidade 33
sempre sôbre êste mesmo rochedo; consideremo-la
desde que principiam a aparecer documentos e
provas positivas.
Quando, aí por cêrca de 1080, veio tomar conta
da sua diocese o bispo D. Paterno, encontrou já a
velha igreja de Santa Maria, aqui existente, erguida
ás honras catedralícias; nela é que teve a sua sede
episcopal. Logo a seguir, êle e o governador de
Coimbra D. Sesnando, instituíram na mesma igreja
catedral um cabido, que foi dotado com rendas sufi
cientes, havendo também nela um seminário, a que
acima aludi (i).
O bispo e os seus cónegos viviam em casas pró
ximas da sé, fazendo vida comum segundo a regra de
Santo Agostinho.
1~alecendo em 1091 D. Sesnando, o seu cadáver
foi sepultado no adro da sé(2), que se alargava a
(i) Vid. pág. 25 e respectiva nota 2.
(i) «Septimo Calendas Septembris... Anno a Natiuitate Domini
illesimo nonagesimo (primo,). Obitus Domini Sesnandi Aluazil, qui
fuit populator hujus civitatis sub regibus Domno Ferdinando, et Domno
Alfonso. Qui iacet in monumento lapideo egregie sculpto, et eleuato
sub arcu lapideo supra quem arcum incipit appendicium, quod pro
tenditur usque ad portam medianam». — (Livro das Cal endas, antigo
Obituário da sé de Coimbra, ad diem 26 Augusli; duma cópia do
34 Sé-velha de Coimbra
norte e ocidente do templo, compreendendo o adro
actual, a largura darua que sobe para a das Covas,
e ainda algum espaço no declive, onde assentam as
casas fronteiras à fachada setentrional da igreja.
Foi provâvelmente o bispo-conde D. Jorge de Ai
n-ieida, quem, nos fins do século XV, mandou trasladar
--
li
e
__
L~e:;
1’
Epitáfio de D. Sesnando, no frontal do seu túmulo
os ossos de D. Sesnando e de seu sobrinho D. Pedro
do túmulo onde se encontravam, sob um. arco en
costado ao edifício, e os guardou numa nová urna
de pedra, que com a sua inscrição se vê elevada na
parede norte da sé, pelo lado de fora (i). A legenda
referido Livro, existente na biblioteca geraL da Universidade de Coim
bra, pág. 370).— A Chronica Gothorum porém refere o óbito ao dia
25 de Agôsto de 1091 — (Port. Mon. Hist., vol. Scriptores, pág. ‘o).
(i) Enterrado no adro da antiga sé, com simples campa, ou tendo
um marco lapídeo à cabeceira, escapou aos vandalismos dos muçul
manos em iii~; destruindo o edifício da catedral, êles não andaram
1—Sua antiguidade 35
-
do túmulo diz assim: Áquy ja~ húu que. em•
— . . -
outro tenpo .foy- grande. barom sabedo,. e muito
- .
a desenterrar os defuntos, sepultados nos adros. Assim deve ter sido
conservada a modesta sepultura primitiva de D. Sesnando, que conti
nuou a ser tida em respeito, até que foi edificada a nova se, no mesmo
sítio da antiga. Houve depois uma trasladaç5o para cúmulo honorifico
esculpido, que foi colocadq junto da fachada setentrional da sé, co
berto por um arco encostado à parede, havendo um «pendido ou
alpendre, que abrigava ~sce arco e outros monumentos funerúrios,
estendendo-se até ao portal do meio, portal a que D. Jorge de Almeida
mais tarde adaptou a chamada porta speciosa. Esse túmulo, segundo
o registo transcrito em a nota antecedente, era eleuato, o que na lin
guagem eclesiástica apenas indica que não tinha a campa rasa com
o solo, mas tôda a arêa tumular se salientava sôbre o pavimento.
Refere mais aquele registo que o antigo túmulo era ornamentado com
lavores notáveis — egregie sculpto e, acrescentamos nós, provàvel
mente n€le se lia uma inscrição latina, de que é simples traduçáo
a exarada na arquem actual. Efectivamente, a redacção desta última
parece não ser composição originàriamente portuguesa, mas vers5o do
latim, como já fez notar Jo~o PEDRo RIBEIRO (Dissertações chronolo
gicas, t. 1, pág ig3, nota). Do arco que o cobrira, não restam ves
tígios, mas do apcndicio, que protegia o arco e os outros monumentos
sepulcrais que ali existiram, ainda se ~em sinais nos pontos onde se
inseriam as vigas que o sustentavam. Ali estava pois, encostado à fa
chada, o monumento funerário no século XIII, e ali se conservou, creio
eu, até ao último quartel do século XV. Nessa época o referido bispo-
-conde li Jorge de Almeida fez grandes obras no adro da sé, desobs
truindo-o e ampliando-o, para o que celebrou, entre outros, um con
trato com a vereação municipal em 1498, cedendo-lhe esta para
acreçentar o tauoleiro diante da porta prinçipall da dita see ct’ o fazer
grande & espaçosso ., lula casa da audiencia que a dita cidade tem
diante da dita porta prinçipall da dita see para se deribar e farei- eu
dIa o dito tauolleiro. [Arquivo da Camara Municipal de Coimbra,
36 Sê-velha de Coimbra 1—Sua antiguidade 37

eloquente auondado e rico e agora he pequena

- -
cin{a ençarada em este moimento
. e com ele
ja~ huum seu sobrinho dos quaes h~iit * era
ja velho e outro. mancebo e o nome do. tio ses
. .
nando e pedro avia nome. o sobrinho.
. .
Dêsse edifício sagrado, erguido precisamente neste
lugar, e que já era, como acabamos de ver, a cate
fício actual. Descobriu-se, quando se procedia às
. . obras de restauração; foi então arrancado do massiço
. de alvenaria que sustenta um dos pilares da nave,
- o terceiro contando da porta principal, ao lado do
-~..Evangelho Ali se encontrava, casualmente com as
• letras para fora, e está hoje no museu de Machado
de Castro(T). -

Êsse antigo edifício da catedral de D. Paterno

i- i
MARIAE, ;~v 1RG1NlS~I
- ~-~r - ~ (to8o-io8S) manteve-se durante os episcopados de
D. Crescónio (1092-1098), de D. Maurício (iogg
~-J-- ~_IIç ~. ~— • -1109), e ainda parte do de D. Gonçalo Páiz (1109-
Fragmento de inscriç5o do século Xl —1128).
Deu-se em tempo dêste último a invasão muçul
dral de Coimbra antes da ftindação da nacionalidade
• mana de 1.1 17, que foi terrível para Coimbra e seus
portuguesa, ainda resta, felizmente, uma relíquia: o
arredores. Os mouros, tendo no ano antecedente
fragmento duma inscrição em calcáreo branco, que
tomado e destruído os castelos de Miranda, Mon
diz «. .MARIAE VIRGINIS», o qual fôra empregado
.
te-mór e Soure, que formavam uma linha de anteparo
como material dc alvenaria nos fundamentos do cdi
e defesa a ésta cidade, puderam aqui chegar sem
serem pressenti4os. Coimbra estava desprevenida,
Documentos avulsos (e;npergaminhq), doc. n. C.] —. Fo, de certo, por
ocasiào destas obras no adro que o bispo-conde IX Afonso fez remover pbrque as tropas da sua guarnição tinham ido, sob
os túmulos que por ali havia, tanto no adço setentrional como em
frente da porta principal, e bem assim o tal arco e apendicio; mas os (í) É um pedaço de pedra calcórea pouco dura, que deve ter

05505 de IX Sesnando e os de seu sobrinho D. Pedro mereceram-lhe o
respeito e cuidado de mandar esculpir uma nova arquem de pedra
com larga inscriçào, onde os recolhesse, alçando-a para não estorvar,
e colocando-a onde ainda se conserva. Esta arquem, tanto pelos
ornatos como pela inscriçilo em leu-a alem5 minúscula, acusa sem
dúvida o séc. XV.
sido colocado no edificio muçulmano em lugar bem evidente, quando
éste foi consagrado ao culto crist5o, para atestar a todos que o templo
fóra dejicado. a Jesus Cristo, em honra de sua Màe Santissima a
Virgem Maria. As letras tSem a forma capital, com a feiçào particular
que apresentam nos títulos de livros ou de capitulos, cujo texto foi
çsdrito em letra minúscula visi8ótica, no século XI.
38 Só-velha de Coimbra
o comando do conde D. Fernão Pérez de Trava,
para o norte, numa emprêsa bélica.
Conseguiram os mouros cair sôbre Coimbra tão
súbita e inesperadamente, na ante-véspera do dia de
S. João, a 22 de Junho do referido ano de 1117,
que entraram pela poria dc Almedina de roldão com
os moradores do arrabalde. Foram dias de grande
aflição e lutuosas lágrimas, os que se seguiram. A
rainha D. Teresa, o bispo D. Gonçalo e outros,
ainda conseguiram refugiar—se precipitadamente no
castelo, que era seguro. Senhores, durante vinte
dias, da cidade, e vendo que não podiam conquistar
o castelo, os mouros, não contentes com a abundante
pilhagem em almedina, no arrabalde e nos campos,
vingaram-se em matar e destruir. Houve grandes
perdas. A catedral, e certamente as casas, onde
viviam o bispo e os cónegos, ficaram arrasadas
quando os invasores retiraram. Coimbra estava
agora sem igreja catedral(i).
(i) oJn era . C” L . V . obsedit rex ali colimbriam x’ Ka
lendas iulii, eL fuit ibi peç tres ebdomadasa — (Chronicon Conimbri
cense, in l’ort. ?i’fonu,n. Hist., vol. Scriptores, pág. 2, co!. i. — oEra
MCXLV. (alias MCLV) Colimbria obsessa est ah Heli Aben Joseph
Rege Transmarino, cuius copie innumerabiles sob Deo cognite; sed
xx~ diebus grauissime expugnata capi non potuit..— (Chronica Go
thorum, ia Port. Monum. 111sf, vol. cit., pág. ii, co!. 2).— O DR. PE
pnÁLvARfl Noc~uEIRA, cónego da sé de Coimbra, perfeito conhecedor
1— Sua antiguidade
*
O bisRo D. Gonçalo tratou de meter ombros à
emprêsa da sua reconstrução, e consta-nos das
o cartório da sua corporação, clue nesse tempo se achava bem or
ganizado e completo, escreveu no século XVI um Catálogo dos Bispos
de Coimbra com grande erudição e conhecimento do assunto, não se
afastando das noticias dos documentos. Falando do bispo D. Gon
çai , refere a ir~vas5o que no seu pontificado fizeram em Coimbra os
mouros, ue 4e mistura enlra,-áo em a cidade com os moradores, que
se recdlIfWo, a qual estava neste tempo com pouca gente, porque o
Conde a tinha leuado a uma empresa .. e na cidade matarao muita
gente, e derribarão muitos edfflcios, e poseram esta See quase por
terra... a qual o Bis o D. Gonçalo niandou fayer as suas custaa —
(PÓg. zB do ais. aut6grafo, existente no arquivo da Universidade de
Coimbra). — O Da. GUE Risamo os VA5CONcELOS, que bem conhecia
a probidade indiscutível do PEDRILVAREZ, e que também manuseou
com familiaridade os documentos d cartório capitular, reproduz a
n ticia que êste nos deu, com a qual concorda, usando a fórmula —
c ;no di~ (com bons fundamentos) Pedráivares. — (Noticia histórica
cic., z.’ parte, pág. 21)—O Da. EBWE Sm6Es porém contesta, per.
suadido de que nem bons nçm maus fundamentos teria o autor do
Catálogo dos Bispos; mas n~o aponta as razâes em que fundamenta
a sua opinião. — (Reliquias da Arquitectura cit., pág. iv). — É certo
que nem o Chronicod Coni,nbricense, nem a Chronica Gothorum, ao
referirem o ataque 4os mouros, mencionam expressamente que éles
entrassem em Coimbra, parecendo indicar que apenas cercaram a
cidade; chegando a dizer a Chronica cit. que esta, uiginti diebus gra
uissime expugnata, capi nonpotuit. Mas note-se que Coimbra, embora
entrada pelos mouros, não chegou realmente a ser conquistada, pois
r istiu o castelo, reducto onde se concentrou a defesa, que 6les não
 VIII

40 Sé-velha de Coimbra

memórias coevas, que algum dinheiro principiou a

dispender para isso. Entretanto, cêrca de 40 anos
decorreram, sem que a obra se realizasse.
Não eram propícias, para tão grandc emprêsa, as
condições dos tempos que decorriam.
O consciencioso bispo de Coimbra havia-se desa
possado voluntâriamente duma boa parte dos ren
dimentos da mitra, que êle cedera com grande
abnegação ao mosteiro laurbanense, que agora se
reconstituia; a êste haviam pertencido, e por sua ex
tinção tinham sido doados ao bispo e aos cónegos
pelo conde D. Henrique(i); D. Gonçalo dera também

puderam vencer, tendo de retirar. — PEDIÂLvAIEz seguramente en

controu documentos, que nós n5o conhecemos, os quais que lhe forne
ceram aquela informação. Temos porém uma leve referência a esta
mesma catástrofe num diploma coevo, dimanado da chancelaria do
bispo de Coimbra D. Gonçalo, no qual êste diz: — sEgo igitur gundi
-saluus colimbriensis episcopus, dignitatem sedis sancte marie colim
brie antiquitus honorifice funda tom, meis vero temporibus, inoabitarum
crudeli opressione irrue,ue, minus potentem, annuente dei miseri
cordia reformare cupiens ... » — (Lipro Preto, ti. 240).
(i) jActo de admirável abnegação, que muito nobilita a memória
dêste santo prelado! O mosteiro achava-se extinto, embora ainda la
vivessem alguns poucos monges, que não se encontravam em condições
de manter a disciplina monástica, quando o conde D. Henrique e sua
mulher a ráinha D. Teresa o doaram, com tudo quanto lhe pertencia,
à sé de Coimbra (vid. nOta 2 à pág. 24). Foi esta doação aprovada e
confirmada pelo legado da Santa-Sé IX Bernardo, arcebispo de To
ledo, e pelo papa P~scoql II: as grandes rendas ç propriedades dQ
1~
Fachada oriental da Sé velha, com as suas úhside e absidtola,
depois de demolida a sacristia.
lace cyler”a do topo settnlrioiial do transepLo, com aportada Santa Clara,
depois da rcsIauraç~o

Retrato do bi,po onde D Jorge de Alji,eida, existente no museu de Machado dc Castra
(Copia de A. A. Goncalpes.
1—Sua antiguidade 41
aos seus cónegos, depois da destruïção da catedral e
das casas capitulares À ela anexas, a têrça parte de
tôdas as rendas do bispado, para que êles pudessem
agora viver sôbre si, onde quer que arranjassem aco
modação (i); teve de sustentar graves pleitos em
Roma com o bispo do Porto D. Hugo, o que lhe
absorveu certamente grossos capitais (2); houve
grandes contrariedades, causadas pelo prior de
mosteiro opulentissimo ficaram pois sendo inquestionâvelmente desta
st Mas decorrem sete anos, mudam as circunstâncias tornando-se
favoráveis à restauração do mosteiro em condições regulares de vida
monákica, aparecem monges para constituir a nova comunidade, e
IX Gonçalo, longe de contrariar a restauraçáo do convento, acolhe
com simpatia o plano, elege abade, para governar a comunidade se
gIm o a regra monástica, um monge de nome Eusébio, e, convocando
4’ sua o óab~do da catedral, resolve-o à cedência ao novo mos
teiro de Lor6o de grande parte dos bens que haviam pertencido ao
antigo, e agora ertenciam mui legitimamente à sé. O diploma desta
concessão ue principia pelas palavras Placuit, inspirante divina ele
nsentia, comili Henrico ei uxori sue domine Tarasie, e tem a data . xiv
Kal. Apr . E a •.. LtV• (i~ de Março de ii ‘6, sábado antes do
do ingo Paixão) acha-se registado no Livro-preto, fôl. 3o v., e foi
pbblicado por . Ribeiro de Vasconcelos in op. cit., fasc. 2°, pág. 53-56.
(4) O diploma, pelo qual o bispo fez esta reforma do seu cabido,
rincjpia pelas palavras San clipatres cathohcefidei colupne mar?noree;
nao tem data, mas é com certeza posterior a junho de ii 57, pois nêle
se faz referência à invasão de Coimbra ocorrida neste mês. Encon
tra-se registado ao Livro-preto, fôl. 240, e está publicado por M. R.
DE VASC0NCEL0S in loc. cit., págs. 56 e seg. ; a êle aludimos na pág. 40,
no fim da nota à pág. 38.
(2) DR. MIouEb R. DE VAscoNcELos, loc. cit., psígs. i8 e seg.
4
 Sé-velha de Coimbra
Viseu D. Odório, anti-canónicamente eleito bispo
daquela diocese, que se acha~a então anexada pela
Santa Sé à de Coimbra(i); foi em peregrinação á Pa
lestina, e a tratar negócios da sua diocese a Roma (2):
— ora tudo isto o preocupou, lhe absorveu muito
tempo, muitos cuidados, muito dinheiro, não po
dendo por isso realizar o propósito, que formara
com tôda a sua boa-vontade, de reerguer a catedral.
A seguir, os sucessores D. Bernardo (i 128-1146)
e D. João de Anaia (1148-1154) viveram sempre en
redados em mil preocupações e trabalhos no govêrno
do bispado, e também tiveram de dispender grandes
sornas, exactamente quando as rendas iam dimi
nuindo. Espe~ialmente as lutas que um e outro
tiveram de sustentar com õ metropolita bracarense
D. João Peculiar, foram famosas, e ficaram regis
tadas em letras de fogo nos anais da diocese. D. João
de Anaia também teve grandes desavenças com o
mestre provincial dos Templários D. Gualdim Páiz,
que o desgostaram e preocuparam muito, obrigan
do-o àlém disso a avultadas despesas(3). E depois
vivia-se em sobressaltos constantes, nas guerras com
os leoneses e com os mouros, as quais absorviam
(c) lvi. R. DE VASC0NCEL0S, págs. cits.
(2) INd., pág. ‘9.
(3) lbid, págs. zi—3t.
1—Sua antiguidade 43
muita energia e devoravam grandes capitais. Conti
nuavam pois os tempos pouco ajustados à execução
e obra tão importante, como a construção da ca
tedral.
Onde é que durante êsse período, em que a
idade não teve sé, se realizaram as funções ponti
ficais? ~Onde é que residiram o bispo e os cónegos?
Os cónegos haviam deixado a vida regular em
comunidade, sendo., como fica dito, as rendas da sé
divididas entre o bispo, que ficou com duas têrças,
e êles, que epartiram entre si a outra têrça, passando
cada um viver onde e como lhe aprouve. As fun
ões do culto exercer-se hiam a princípio — ou em
qualquer das igrejas mozárabes ao tempo existentes,
a de 5. Pedro em Almedina, a de 5. Bartolomeu no
arrabalde, etc.,— ou nas .ue se haviam construído
ainda no século Xl, a de 5. Miguel, a do Salvador e
a de 5. João, tôdas n arte alta da cidade, pois os
mouros, ao que parece, pouparam mais êsses templos
do que a catedral. A igreja, pprém, que em breve
encontramos a serv~r p.ermanentemente de sé provi
sória, é a de S. João, vivendo o bispo no presbitério
anexo, do qual mos ainda hoje, felizmente, um
trecho milito interessante: parte da arcada claustral,

44 Sé-velha de Coimbra
que suponho ser do século XI, piedosamente reco
lhida no museu de Machado de Castro (i).
(i) Serviu provisõriamente, durante bastantes anos, de sé episcopal
a igreja de 5. João dè Almedina: mas nunca houve lembrança de a
erigir em catedral. As honras catedralícias continuaram a ser atri
buidas àqueles muros arruTnados, àquele sitio veperando e sagrado,
onde estivera erguido o templo de Santa Maria Colimbriense. O bispo,
o cabido, os fiéis, vinculados por laços insolúveis às tradições glo
riosas dessa antiga igreja, pensaram sempre com amor e dcv ção ca
rinhosa na sua futura reconstrução, e jámais lhes perpassou pelo
espírito a idéa de a repudiarem, trocando-a por qualquer outro
templo, o que reputariam um crime. A sua catedral de direito estava
ali, onde sempre fôra, representada pelas rumas da igreja de Santa
Maria. — Conheço muitos documentos dos séculos Xl e XII, em que a
catedral de Coimbra é sempre denominada sedes episcopalis Sanciar
Manar Colimbriar: uns anteriores à destruïção do templo, outros do
período em que êle se conservou em ruínas, outros finalmente dos
anos em que iam correndo as obras de reconstrução; o local da sé
de direito, é sempre o mesmo, nunca ela foi trasladada, embora de
facto os actos do culto catedralicio se realizassem noutra igreja, por
ali não poderem exercer-se, facto de que aliás não se fez registo es
pecial. A titulo de exemplo apenas, vou citar alguns diplomas, co
piados no Livro-preto, em que vem expressa referência à sé episcopal
de Santa Maria. — Anterior à vinda pira Coimbra do primeiro bispo,
IX Paterno, há o documento de (070, já atrás referido na pág. 24,
nota i. — Do tempo de D. Paterno citarei um de 1084 (Livro-preto,
foI. ii t°), outro de ioS6 (L. P. 42) e um terceiro de io8~ (L. P223).
—Do episcopado de D. Crescónio conSeço dois de 1094 (L. P. 40, e
i6 vG) e um de iog6 (L. P. 22 v.i—- Sendo bispo D. Maurício há
um de iio3 (L. P. 21), outro de (104 (L. 1’. 34 vY) e ainda um ter~
ceiro de r 109 (L. P. 28).— Dos tempos de D. Gonçalo, antes da des
truïção da igreja, conhecemos um d 115 (L P. 5,) e outro de i ((9
(L- 1’. 3o v.G). — Depois de destruído o templo pelos mouros, continua
1—Sua antiguidade 45
Foi S. João de Almedina, sé provisória, e a con
tígua residência episcopal, o teatro das selvajarias
nos documentos a figurar a sedes episcopalis Saneia, Maria., como
pode ver-se nos diplomas que passo a citar. — Ainda do tempo de
D. Gonçalo, um de 1121 (L. P. Si) e outro de iiz6 (L.P. iz).—Do
episcopado de D. Bernardo um de ii33 (L. P. 20 v°), outro de 1137
(L. P. 3z), mais de 1139 (L--P. 46) e de 1146 (L. P 53 v.°). — Do de
1). João de Anaia registou-se um de i iS: (L- P~ :3 v.°), e outros de ii 56
~L. P. 45 v.°) e de i ,58 (L. P. :3).— Do de D. Miguel Salomão
temo-los de i ‘63 (L. P. ~6 v.°), de :167 (L. P. 33), de i :6g (L. P.
36 v.°), etc., etc.
Também nunca deixaram de se abrir sepulturas nos adros que
rodeavam a igreja de Santa Maria, para ali se sepultarem os cadáveres
tanto dos benfeitores do bispo como dos do cabido, que desejavam
dormir o seu último sono à sombra desta igreja, visto então não se per
mitirem sepulturas dentro dos templos. Assim se fez ainda mesmo du
rante o tempo de mais de meio século, em que ela esteve reduzida a
çuínas ou andou em obras, isto é, desde ii 17 até c&ca de , t8o. Para
nos convencermos disto, basta relancear os olhos pelo quadro seguinte,
organizado em face do registo das sepulturas dos benfeitores da sé,
enterrados nos adros setentrional e meridional, registo feito no Livro
das Calendas, donde me dei ao cuidado de extrair estas notas. Advir
ta-se qu~ a indicação no adro se refere ao largo fronteiro às fachadas
setentrional e ocidental do edifício, e a expressão no claustro se re
porta ao adro que se estendia em frente da fachada meridional, onde
depois se construíu o actual claustro.
Sepulturas sinaladas, de que temos registo,
abertas até ao fim do século XII em volta da catedral
de Santa Maria Colimbriense
a) Diu-ante o priorado de D. Mantim Siniôes, sede vacante:
1091 —D. Sesnando no adro
46 Sé-velha de Coimbra
e violências sacrílegas, que se deram por parte do
arcebispo de Braga D. João Peculiar, após a morte
de D. Gonçalo, quando empunhava o báculo pas
toral de Coimbra o bispo-negro D. Bernardo; lutas
sôbre que se entreteceram lendas curiosas e muito
b) No episcopado de D. Bcrnardo:
1142— Martim Joanes, presbítero . . .
c) No de D. J0~0 de Anaia:
,,49—Lázaro, presbítero
d) No de D. iluiguel Salomáo:
i cós — Jo5o Balsamon, presbítero
tc66 — Maria Páiz
a,68 — Telo, cónego, presbítero
1172— 1). Belida, mulher de Domingos Feitor
1175— Mendo Carpinteiro
TI76D. Feirol
e) No de D. Bermudo:
1177 — Marfim Pérez Vivas
1177— Daniel Martinz, presbítero
1177— Elvira Bretona
1178— Gonçalo, presbítero
ic78—Múnia
tcyS—D.Ormiga
1182—Cipriano
J) No de D. Martim Gonçálveç:
ic84—Pedro Viegas
t8~—Jo~o Rodrigues, cónego
g) No de D. Pedro Soáreç:
1192 — João, c° mestre-escola do cabido
1195 — Meado Martinz, arcediago
1— Sua antiguidade 47
interessantes, que se não hesitou em classificar de
puras invenções da fantasia popular, mas que téem
o seu fundamento perfeitamente histórico. D. Ber
nardo era o bispo-negro, assim chamado, não pela
escuridão da tez, mas pela côr do hábito benedi
titio que usava; em contraposição com o indigitado
bispo-branco D. Telo, cujo hábito de cónego regrante
no claustro de Santa Cruz era de alva lã. Essas lutas, que se
tornaram épicas depois que assumiu nelas o papel
de protagonista o metropolita bracarense D. João,
também cónego regrante, duraram, como fica dito,
»
» através dos pontificados de D. Bernardo e de D. João
» de Anaia (i).
no adro
no claustro
no adro
(c) Encontra-se o texto dos documentos, relativos a esta apaixo
no claustro
nada questâo, registado no Livro-preto, fôls. z3o v.°, 234 v?, 246,
no adro
246 v~ e 247, que o Da. MIGUEL RwEIao DE VAscowcELos publicou
pela ordem cronológica na sua Noticia, várias vezes já citada, Casc 2.,
no claustro
págs. 5g-63. Note-se que um duplicado do texto original da queixa,
por êle publicada sob o n.° de ordem li, págs. 6o-6t, existia no cartório
do cabido, gaveta 12, onde o erudito publicista o viu. Eu também
»
vi, ai por 1892, numa das gavetas do mesmo cartório, um longo
pergaminho, contendo os depoimentos de várias testemunhas sóbre
no adro a queixa de D. Jo5o de Anaia. Não tive oportunidade de o copiar, e
no claustro vinte anos mais tarde, quando Coram recolhidos os livros e docu
mentos daquele cartório ao arquivo da universidade, já lá náo existia.
Esteve a saque aquele importante cartório, antes 4e ser entresue ê
»
no adro universid4de!
48 Sé-velha de Coimbra
É
tempo de concluirmos êste capítulo, resumindo
o que fica dito e demonstrado.
A igreja de Santa Maria de Coimbra é antiqüís
sima, bem mais antiga do que a nação portuguesa, a
ponto de, antes mesmo desta existir, já dia ser deno
minada a velha sé de C’oim&a. Assente sôbre um
rochedo, a meio da cidade, esta igreja remonta ao
tempo em que os bispos de Coimbra, no último
quartel do século IX, estabeleceram aqui, em Aenzi
niu;n, a sua residência, e probabilissirnamente neste
mesmo templo a sua sé. Aqui foi a mesquita dos
muçulmanos desde o último quartel do século X até
à reconquista cristã em 1064, sendo por esta ocasião
novamente consagrado o edifício ao culto católico,
em honra de Santa Maria. Demolida em 1117 pelos
mouros, a velha sé foi, passado meio século, recon
struída precisamente no mesmo local e sob a invo
cação do mesmo titular, a Santíssima Virgem Maria.
~Gloriosíssimas são pois as origens, nobilíssimos
os pergaminhos da Sé-velha de Coimbra!
II
Reconstrução do templo
no século XII
E lomão
RA prior(ii55-ii58), quando
do cabido da o bispo
catedral D. JoãoSa
D. Miguel de
Anaia largou o govêrno da diocese, e se exilou, cheio
de desgostos, retirando para Zamora, e ficando en
carregado do govêrno o seu arcediago D. Domingos.
Pouco depois D. Miguel renuncia o priorado, ale
gando doença, e recolhe-se como cónego regular ao
mosteiro de Santa Cruz, onde se demora até 1162.
É então D. Miguel eleito e confirmado bispo de
Coimbra, diocese que se achava vaga desde a re
núncia do bispo D. João, o qual continuava a viver
no exílio, -onde veio a morrer cêrca do ano 1169.
Apenas de posse da sé colimbriense, o novo bispo
dá desde logo grande impulso à obra de construção
da catedral.
Parece que D. Miguel Salomão ardia em desejos