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Fortaleza/CE - 16 a 18/05/2019
Autoria
Luiz Gustavo Alves de lara - luizusf@hotmail.com
Resumo
Os desdobramentos da virada linguística nas ciências sociais fizeram com que a linguagem
se tornasse um campo fértil de pesquisas em Estudos Organizacionais. Por conta disso, esse
campo tem demonstrado uma diversidade não apenas de procederes de análises de discurso,
mas também, de entendimento do que é considerado como ‘discurso’ em uma análise
(ALVESSON; KARREMAN, 2000). Este ensaio problematiza o uso livre do termo quando
articulado sem um claro alinhamento entre o que o pesquisador considera ser discurso e o
aporte teórico utilizado. Para tanto, promovemos uma reflexão sobre aspectos
onto-espistemo-metodológicos da ideia de discurso no pensamento social, a partir de uma
referência reflexiva devedora da perspectiva hermenêutica.
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Resumo
Os desdobramentos da virada linguística nas ciências sociais fizeram com que a linguagem se
tornasse um campo fértil de pesquisas em Estudos Organizacionais. Por conta disso, esse
campo tem demonstrado uma diversidade não apenas de procederes de análises de discurso,
mas também, de entendimento do que é considerado como ‘discurso’ em uma análise
(ALVESSON; KARREMAN, 2000). Este ensaio problematiza o uso livre do termo quando
articulado sem um claro alinhamento entre o que o pesquisador considera ser discurso e o
aporte teórico utilizado. Para tanto, promovemos uma reflexão sobre aspectos onto-espistemo-
metodológicos da ideia de discurso no pensamento social, a partir de uma referência reflexiva
devedora da perspectiva hermenêutica.
Palavras-chave: Análise de Discurso; Estudos Organizacionais; Linguagem; Crítica; Ensaio.
Introdução
No sentido polissêmico das palavras em uso no contexto social atual (Matitz; Vizeu,
2012), o termo ‘discurso’ tanto pode denotar situações de falas quanto conotar regularidades
estruturantes dessas falas. No primeiro caso, o termo está mais ligado a um uso popular e
cotidiano, quase sempre, com o seu sentido denotando um monólogo ou proferimento de uma
mensagem (em uma conferência ou em um comício eleitoral, por exemplo). O segundo
sentido diz respeito ao modo de uso presente em estudos que abordam teorias de análise de
discurso que, embora tenham constructos variados, estão geralmente associados às descrições
estruturais e condições sociais de falas e interações linguisticamente mediadas, seja
expressando condições para significação de algo (ORLANDI, 2009), normatizações dos
significados (DUNKER; PAULON; MILÁN-RAMOS, 2016) e estruturas e manifestações de
uma regularidade semântica de termos (FIORIN, 2008).
Este sentido ontológico da prática social dado ao discurso pelas teorias de análise de
discurso assume um caráter especial nas chamadas Análises de Discurso Críticas – ADCs.
Estas incorporam uma nova premissa em seu arcabouço analítico, aquele devedor da tradição
crítica do pensamento social contemporâneo. Mesmo assim, vemos uma grande diversidade
presente nas diferentes manifestações dessa abordagem. Ou seja, em ADCs, o discurso pode
ser compreendido e apreendido sob múltiplos níveis.
A partir de abordagens mais próximas do pensamento estruturalista, sua manifestação
estará ligada ao processo de subjetivação em massa a partir de hegemonias discursivas. Nesse
sentido mais macro, analisar um discurso significa se debruçar sob um corpus que exprima
diferentes formas de construção social: i) historicidades que formaram os discursos
dominantes (FOUCAULT, 2008); ii) as condições de formação de consenso ou obtenção de
êxito por meio da comunicação (HABERMAS, 1984); iii) as estruturas que se formam na
dinâmica de produção e consumo de mensagens de massa (FAIRCLOUGH, 2001); entre
outros olhares macro sociais. Por outro lado, as estratégias metodológicas que dialogam com
teorias de autores que se situaram no pensamento pós-moderno, é possível analisar discursos
a partir de situações contextuais, seus lugares de fala e na dinâmica de poder que deles se
estabelecem (ALVESSON; KARREMAN, 2000), a exemplo dos escritos tardios de Foucault.
Neste texto, o leitor não deve alimentar expectativas de encontrar protocolos práticos
para proceder a análise de discurso crítica, ou mesmo uma suposta verdade definitiva do que é
ou não ADC; na verdade, pretendemos dar um passo anterior a estes propósitos: o presente
ensaio buscou resgatar a importância de alinhamento onto-epistêmico-metodológico como
uma forma de construir um saber sobre a unidade da análise, ou seja, o Discurso (ou, como
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discurso deve ser preservado para ser utilizado conforme o sentido construído pelas teorias
que amparam o estudo.
Se partimos de uma definição de discurso já consolidada, dele denotam premissas
importantes para se empreender a ADC. Por exemplo, no marxismo, o conceito de discurso
está ligado à ideia de materialização da ideologia como falsa consciência (ORLANDI, 2009;
RICOEUR, 2013), sendo uma expressão da ideologia da classe dominante. Ao analista de
discurso afiliado ao materialismo histórico caberá o papel de compreender de que forma este
discurso, enquanto parte da superestrutura social – a aparência –, se manifesta e se
reconfigura através de diferentes mecanismos, tais como novas plataformas de comunicação,
técnicas retóricas, textos, falas, etc. Assim, o uso coerente do termo neste recorte teórico
específico circundará à compreensão de que o discurso burguês está associado ao processo de
formação de uma falsa consciência do real. Ou seja, ao considerar que textos e comunicações
são produto da ideologia burguesa – que, por sua vez, oculta os mecanismos perversos que
mantém o sistema capitalista em funcionamento – estamos nos referindo ao discurso como
um produto da ideologia em si mesma, enquanto um instrumento de restrição para
interpretação do real. Neste sentido, a teoria marxista sugere que, com esse processo em
curso, a expressão de visão de mundo de sujeito dominado pelo sistema de capital carregará
consigo os interesses da burguesia (FARIA, 2009).
A partir de outras epistemologias, outros pressupostos sobre o discurso se apresentam,
fornecendo distintas possibilidades para a ADC. Esse é o caso da hermenêutica crítica
(RICOEUR, 2013), onde o pesquisador pode iniciar uma análise de discurso sem,
necessariamente, partir de uma condição de esclarecido sobre o discurso presente no seu
fenômeno de interesse (como parece ser a posição da epistemologia do materialismo
histórico). Analisar discurso, nesse sentido, consiste em interpretar e delinear suas
características, retratando especialmente como os sujeitos usam a linguagem ou como a
linguagem usa os sujeitos (ALVESSON; KARREMAN, 2000). Assim, dentro da perspectiva
da hermenêutica, torna-se necessário encontrar o lugar de fala dos sujeitos e compreender os
interdiscursos pelos quais eles constroem sentidos para suas narrativas (DUNKER; PAULON;
MILÁN-RAMOS, 2016). Esta tarefa se torna mais frutífera para pesquisadores que, dentro de
um continuum, estão um pouco mais próximos(as) dos pensadores pós estruturalistas. Isso
porque dificilmente irá se admitir a existência de apenas um discurso estruturante da
sociedade (como ocorre no marxismo), ou ainda, que um discurso seja apreensível pelas
estruturas sociais apenas.
Nessa direção, os estudos foucaultianos tardios tendem a explorar melhor as
interdiscursividades, considerando a ordem social como disputa entre vários discursos
(FOUCAULT, 2000). É assim que uma análise de discurso afiliada a este autor pode seguir
no caminho da desconstrução de explicações e saberes totalitários, quebra de hegemonias,
disputas pela fixação do sentido e pela verdade. Entre os caminhos viabilizados por esse
olhar, o discurso por ser acessado pela regularidade dos enunciados proferidos por sujeitos,
pelas curvas de visibilidade e de invisibilidade que produz, pela compreensão da dinâmica
estabelecida para permissões e das interdições, e pela inscrição do discurso nos corpos
(FOUCAULT, 1979).
Os exemplos da visão marxista, hermenêutica e pós-estruturalista foucaultiana foram
aqui tomados não para indicar um melhor caminho para se empreender ADC, mas sim, para
ilustrar a estrutura de diferentes vias possíveis, mas principalmente, a necessidade de se
compreender bem quais premissas sobre o discurso se assume ao se escolher determinada
literatura de base. O que percebemos no campo de EOR é um uso pouco reflexivo sobre a
relação entre a forma em que se concebe o ‘discurso’ e as premissas onto-epistemológicas da
teoria de base utilizada para se empreender a ADC. O que defendemos aqui é que os
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parece ser possível se referir à uma Análise ‘do’ Discurso, uma vez que já se parte de um
saber consolidado sobre sua existência ou manifestação.
Este posicionamento implica também em consequências no proceder analítico.
Sabendo qual é o discurso presente no contexto investigado, o pesquisador possivelmente vai
se ater às suas formas de manifestação e respectivas consequências. Tomemos como exemplo
um estudo de epistemologia derivada do marxismo, cuja teoria de base oferece um robusto
diagnóstico sobre a estrutura e a infraestrutura social. Lara e Oliveira (2017) buscaram
identificar as manifestações ideológicas do crescimento econômico em um discurso
específico, o da sustentabilidade. A partir de teorias de base que apontavam o delineamento
do discurso da sustentabilidade, buscou-se entender os aspectos ideológicos da economia que
participavam da ordem discursiva hegemônica que normatizava sentidos sobre os impactos de
hidroelétricas estatais no meio ambiente. Como nesse caso partiu-se da suposição teórica de
que o discurso capitalista é a hegemonia no contexto investigado, os pesquisadores buscaram
compreender suas manifestações, atualizar os meios pelos quais ele se manifesta, ou ainda,
ratificar a denúncia deste como forma de dominação, no intento de viabilizar vias para
emancipação em relação às contradições da realidade que a hegemonia do discurso capitalista
oculta ou suprime.
Esses exemplos revelam que, a partir de um discurso teorizado, é provável que o
proceder investigativo do pesquisador irá convergir para busca de manifestações
confirmatórias, ou mesmo de versões que são, na verdade, roupagens distintas de um mesmo
discurso, a partir de um mesmo centro de significação. Desse modo, a análise carrega um
sentido mais descritivo da formação e/ou da manifestação discursiva. Ou seja, mesmo o
discurso sendo o objeto de análise, a própria concepção do pesquisador é, em si mesma, um
discurso particular.
O pesquisador pode também buscar a historicidade de um discurso hegemônico, e
nesse sentido, os escritos de um Foucault mais estruturalista em que ele utilizava sua
arqueologia do saber (FOUCAULT, 2008) pode ser frutífero para EORs (como tem sido, de
fato.). Assim, o desdobramento metodológico induzido por essa perspectiva leva o
pesquisador a perceber as micro-estruturas do poder formadas pelo discurso, a formação
contingente dos lugares de fala, as manifestações do desejo de verdade que originam a
normatização dos sentidos do que é dito. Por este caminho, o corpus de análise pode ser
formado por entrevistas de profundidade, registros de interações comunicativas de grupos,
estudos de caso, etc. É por meio deste nível que vai se construir um saber sobre o discurso que
se manifesta pelo corpus, mas não se confunde com ele próprio. O discurso pode ser
apreendido, por exemplo, a partir da compreensão de sua manifestação na formação das
subjetividades daquele contexto, das dinâmicas das micro-estruturas sociais, sob o
entendimento de que os discursos são jogos de poder que atuam como linhas de força no
processo de subjetivação (FOUCAULT, 1979). O mais importante neste momento, é
compreender que o material coletado para formação do corpus deve ser coerente com o nível
de análise na qual a teoria de base do estudo é desenvolvida.
A escolha do nível de manifestação do discurso leva a desdobramentos metodológicos
exigidos para manutenção da coerência epistêmico-metodológica que nos é tão cara no campo
acadêmico. As pesquisas que articulam teorias sociais de grande amplitude devem buscar
compreender quais são as unidades de análise destas teorias que permitam explorar as
macroestruturas sociais. Por outro lado, ao articular teorias que valorizam a singularidade, as
subjetividades e os discursos em seus micro contextos, deve-se buscar a formação de um
corpus de análise que seja capaz de revelar tais singularidades.
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está relacionado à investigação histórica sobre a construção dos discursos, sob uma
perspectiva mais estruturalista. A genealogia, presente em uma segunda fase dos escritos do
autor, está ancorada em um proceder inspirado em Nietzsche e tem como objeto central o
poder. A exemplo da Microfísica do Poder (FOUCAULT, 1979), esta perspectiva leva um(a)
pesquisador(a) inspirado(a) nessa abordagem a olhar para as singularidades, as relações de
poder nas práticas discursivas contextuais dos grupos sociais (ALVESSON; KARREMAN,
2000). Note-se que se tratando de teorias sobre dois níveis distintos, macro e micro, o corpus
de análise deve corresponder à busca de acesso desses respectivos níveis.
Talvez a correspondência entre corpus e nível de análise seja um dos aspectos que
mais merecem atenção nas análises de discursos no campo de EORs. Com alguma frequência,
notamos estudos que articulam teorias de amplitude macro, com uma teoria metodológica que
remete à aspectos macro do discurso, mas com um corpus formado por textos singulares,
entrevistas, entre outros materiais representam um lugar de fala muito específico para os quais
as teorias macrossociais acabam se tornando limitadas. É importante ressaltar que, apesar
desta ressalva, não significa que aqui esteja sendo sustentado a impossibilidade. Deve-se
buscar inteligibilidade argumentativa de como se deu a mobilidade entre o micro contexto de
entrevistas e textos selecionados para o nível das macroestruturas teóricas que embasam o
estudo.
Esse problema de inconsistência entre o nível de análise e a natureza do corpus parece
acontecer com alguma frequência quando são empreendidas análises de discurso a partir da
abordagem de Fairclough (2001), cuja obra também é bastante influente em nosso campo. Sua
teoria é de nível macro e meso social e, a partir dela, se constrói um elo entre a prática social e
o texto. A aderência dos procederes vinculados a esse autor dependem de uma análise que
responda como práticas sociais se formam e se transformam a partir da produção, distribuição
e consumo dos textos que compõe o corpus, pois este, mais do que um indicativo de
procedimento, é um fundamento estruturante da teoria de Fairclough (2001) sob a qual ele
constrói uma abordagem metodológica – não um esquema analítico – como possibilidade.
Entretanto, muitas vezes Fairclough (2001) é enunciado como inspiração
metodológica, mas aplicado sob um corpus formado apenas por entrevistas, registros de fala
ou textos e que são analisados forma como se apresentam para seu público alvo. Nesse
sentido, salvo sejam feitas as construções e desenvolvimentos necessários para transições
inteligíveis entre níveis de análise, as ADCs inspiradas na obra de Fairclough podem se
revelar muito mais um proceder elaborado utilizando livremente os termos articulados por
aquele autor do que a apropriação da teoria analítica contida na obra.
Em EORs também encontramos estudos que se inspiram na obra de Michel Pêcheux,
cuja disseminação no Brasil se deve, em parte, aos trabalhos metodológicos de Eni Peruceli
Orlandi (ORLANDI, 2003, 2009). A partir de uma perspectiva crítica ao estruturalismo
linguístico de Saussure, Pechêux (1995) teorizou criticamente sobre o discurso como sendo
produto de determinações socio-históricas. Sua teoria do discurso herda fundamentos do
marxismo e entende que a ideologia se revela uma forma de dominação que se materializa no
discurso, que, por sua vez, se manifesta nos dizeres de sujeitos (PÊCHEUX, 1995). Nesse
sentido, Pêcheux se aproxima também da psicanálise, assumindo que o sujeito não é senhor
de sua consciência, mas que se trata de um ser assujeitado do discurso socio-histórico de seu
contexto (ORLANDI, 2009).
Notemos que sob esta perspectiva, podemos tanto formar um corpus de análise a partir
de um conjunto de textos de massa, como também a partir de falas de sujeitos obtidas por
meio de entrevistas ou transcrições contextuais de interação comunicativa. A unidade de
análise é o discurso e o nível de análise é social ou societal. Portanto, independentemente da
natureza do material analisado, texto ou fala, serão investigadas as condições sociais e
históricas que conferem sentido delas como produtos do discurso dominante. Desse modo,
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fica mais claro compreender que, para Pêcheux, discurso não é a fala ou o texto produzido por
um sujeito; ao tomarmos textos ou entrevistas para formação de um corpus, interrogamos os
aspectos socio-históricos que aprisionam tantos outros sentidos possíveis para o dito em favor
da hegemonia hermenêutica. Esse percurso pode nos levar à compreensão de processos
estruturais de dominação social decorrentes de uma ideologia.
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