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E s p a n h o l • F r a n c ê s • I n g l ê s • I t a l i a n o • P o r t u g u ê s

A função social da Por que eu creio Luz na Resultados científicos


educação adventista em Deus? escuridão por conveniência?
REPRESENTANTES REGIONAIS CO NTE Ú DO
DIVISÃO AFRICANA CENTRO - ORIENTAL
P.O. Private Bag 00503 Mbagathi, Nairobi, QUÊNIA
Andrew Mutero muteroa@ecd.adventist.org
Magulilo Mwakalonge
mwakalongem@ecd.adventist.org
ARTIGOS
DIVISÃO EURO -ASIÁTICA
A FUNÇÃO SOCIAL DA
Krasnoyarskaya Street 3, 107589 Moscou, RÚSSIA
Vladimir Tkachuk, vtkachuk@esd.adventist.org
Kasap Gennady, esd.adventist.org
06 EDUCAÇÃO ADVENTISTA
A função social da escola adventista tem
tanto um aspecto conservador quanto
DIVISÃO INTER AMERICANA revolucionário. O surgimento desses dois
P.O. Box 830518, Miami, FL 33283-0518, EUA
Gamaliel Florez, florezga@interamerica.org papéis habilita o aluno em desenvolvimento
Al Powell, powellal@interamerica.org a estar no mundo, mas não ser do mundo.
Hiram Ruiz, ruizhi@interamerica.org George R. Knight
DIVISÃO INTEREUROPEIA
Schosshaldenstrasse 17, 3006 Bern, SUÍÇA
Marius Munteanu, POR QUE EU CREIO
marius.munteanu@eud.adventist.org
Stephan Sigg, stephan.sigg@eud.adventist.org 10 EM DEUS?
Por que eu creio em Deus?
DIVISÃO NORTE-AMERICANA
12501 Old Columbia Pike, Silver Spring, MD Por que acredito em algo? Por que
20904-6600, E.U.A. existe algo para crer, ou mesmo,
Larry Blackmer, larry.blackmer@nadadventist.org por que existe uma consciência
Armando Miranda, subjetiva que me possibilite crer?
armandomiranda@nadadventist.org
Tracy Wood, tracywood@nadadventist.org Clifford Goldstein
DIVISÃO NORTE-ASIÁTICA DO PACÍFICO
P.O. Box 43, Koyang Ilsan 411-600, COREIA
Richard Sabuin, Richard.sabuin@nsdadventist.org
LUZ NA ESCURIDÃO
Nak Hyujg Kim, nhkim@nsdadventist.org

DIVISÃO SUL-AMERICANA
14 Para refletir a luz, você deve estar
na luz. Você não pode dar o que não
recebeu. Você não pode compartilhar o
Caixa Postal 02600, Brasilia, 70279-970 DF, BRASIL que não tem. É impossível refletir a luz,
Edgard Luz, edgard.luz@adventistas.org
Carlos Campitelli,
a menos que tenha um relacionamento
carlos.campitelli@adventistas.org pessoal com a Fonte de luz.
DIVISÃO DO PACÍFICO SUL
John Wesley Taylor V
Locked Bag 2014, Wahroonga, N.S.W. 2076,
AUSTRÁLIA
Carol Tasker, caroltasker@adventist.org.au RESULTADOS CIENTÍFICOS
Nick Kross, nkross@adventist.org.au

DIVISÃO SUL-AFRICANA E DO
18 POR CONVENIÊNCIA?
Como adventistas, somos culpados
OCEANO ÍNDICO
P. O. Box 4583 Rietvalleirand 0174, ÁFRICA DO SUL por escolher somente os resultados
Mozecie Kadyakapita, kadyaskapita@gmail.com científicos que se encaixam com as
Busi Khumalo, khumalob@sid.adventist.org nossas necessidades religiosas?
DIVISÃO SUL-ASIÁTICA Sven Östring
P. O. Box 2, HCF Hosur, 635 110 Tamil Nadu, INDIA
R. N. Prabhu Das,
prabhudasrna@sudadventist.org
Mohan Bhatti, mmbhatti@rediffmail.com
Ramesh Jadhav, rameshjadhav3383@gmail.com
DIVISÃO SUL-ASIÁTICA DO PACÍFICO
P.O. Box 040, 4118 Silang, Cavite, FILIPINAS 3 EDITORIAL 29 LOGOS
Lawrence Domingo, ldomingo@ssd.org Os Santos: sua identidade, Vida real: lições de Nicodemos
Jobbie Yabut, jyabut@ssd.org endereço e vocação Ikechukwu Michael Oluikpe
DIVISÃO TR ANSEUROPEIA John M. Fowler
119 St. Peter’s St., St. Albans, Herts, AL13EY,
INGLATERRA
32 LIVROS
Daniel Duda, dduda@ted-adventist.org 22 PERFIL Educating for Eternity: A
Zlatko Musija, Zmusija@ted.adventist.org Robert Mwanga Seventh-day Adventist
Tihomir Lazic, tlazic@ted.adventist.org Entrevistado por Israel M. Kafeero Philosophy of Education
Revisado por Lisa Beardsley-Hardy
DIVISÃO AFRICANA CENTRO - OCIDENTAL
22 Boîte Postale 1764, Abidjan 22, 26 PRIMEIRA PESSOA
Canonical Theology: The biblical
COSTA DO MARFIM A alegria da fé e o
desafio da ciência canon, sola Scriptura, and
Juvenal Balisasa, balisasa@icloud.co
Ugochukwu Elems, elems@wad.adventist.org Ricardo Ruiz Baier theological method
Revisado por Aleksandar S. Santrac

2 DIÁLOGO 29 • 1 2017
E D ITO R I A L

Esta revista internacional de fé, pensamento e

OS SANTOS: SUA IDENTIDADE,


ação é publicada três vezes ao ano, em cinco
edições paralelas (português, espanhol, francês,
inglês e italiano), sob o patrocínio da Comissão de
Apoio a Universitários e Professionais Adventistas

ENDEREÇO E VOCAÇÃO
(Caupa), organismo da Associação Geral dos
Adventistas do Sétimo Dia.
Volume 29, Número 1
Copyright © 2017 pela CAUPA.
Todos os direitos reservados.

E
Diálogo Universitário afirma as crenças
fundamentais da Igreja Adventista do
ntre as várias introduções que Paulo empregou ao escrever suas Sétimo Dia e apoia a sua missão. Entretanto,
Epístolas, uma delas significou muito para mim: “... aos santos e fiéis os pontos de vista publicados na revista
em Cristo Jesus que estão em Éfeso” (Efésios 1:1). Essa saudação me representam o pensamento independente
dos autores.
confere, como seguidor de Jesus, identidade, endereço e vocação,
indicando quem eu sou, de quem eu sou e para que eu sirvo. Editorial
Editora-Chefe: Lisa M. Beardsley-Hardy
Primeiro, a minha identidade: santo. Paulo usa a palavra com bastante Editores Associados: John M. Fowler,
frequência em suas epístolas. Das 61 vezes em que o Novo Testamento Hudson E. Kibuuka
usa a palavra, 39 são paulinas. A história e a tradição da Igreja criaram Coordenadoras da Área Editorial: Valérie
Moorooven e Susan Araya,
uma aura em torno da palavra santo, como se ela denotasse uma elite, uns Roberto Iannó (Italiano)
poucos supersantos dentro da igreja. Revisora: Karina C. Deana (português)
Beverly Rumble (inglês)
A Igreja Católica Romana criou um edifício eclesiástico inteiro no qual Editor da Resenha de Livros: Aleksandar Santrac
uma pessoa pode ser declarada santa após a sua morte, depois de a igreja Diagramadora: Claudia Suzana R. Lima
concluir uma lista de atividades da vida dessa pessoa, verificando a santi- Correspondência Editorial
dade do ministério, os milagres realizados e a capacidade de ouvir e tra- Diálogo
duzir a oração de pessoas comuns para um Deus todo-poderoso e iniciar 12501 Old Columbia Pike
Silver Spring, MD 20904-6600 U.S.A.
uma resposta com sucesso. Mas o conceito bíblico de quem é santo não Telefone 301-680-5073/5065
conhece tal processo de beatificação. Fax 301-622-9627
E-mail: mooroovenv@gc.adventist.org
A palavra mais comumente usada para santo nos textos do Novo Testamento (Inglês e Francês)
é hagioi, que significa separado para ser “fiel em Cristo Jesus”, os que “obe- arayas@gc.adventist.org
decem aos mandamentos de Deus e permanecem fiéis a Jesus” (Apocalipse (Espanhol e Português)
14:12). Ser santo não se limita à perfeição moral. Nem é um resultado do Comissão CAUPA
caráter pessoal, embora o caráter seja importante. A definição-chave de um Presidente: Thomas L. Lemon
Vice-presidentes: Abner de los Santos,
“santo” é um pecador salvo por Cristo Jesus. Um santo não é uma pessoa boa, Geoffrey G. Mbwana, Ella S. Simmons
mas uma pessoa que, pela fé, tem experimentado e testemunhado da bondade Secretário: Mario E. Ceballos
Secretarios Asociados: Lisa M.
de Deus. Um santo não é uma pessoa sem pecado, mas um pecador que pro- Beardsley-Hardy, Gilbert R. Cangy
vou a “excelsa graça de Deus” e deixou de ser um “pária” que estava perdido, Secretários Associados: Jiwan S. Moon
mas que foi achado; que estava cego, mas agora pode ver. Assistente Legal: Thomas E. Wetmore
Membros: Ganoune A. Diop, Falvo Fowler,
Nenhuma permanência de status está ligada à palavra, apenas a possi- Hudson E. Kibuuka, Linda Mei Lin Koh, Peter
bilidade de que, enquanto a pessoa permanece em Cristo é um dos santos N. Landless, Faith-Ann A. McGarrell, Anthony
Kent, Anthony Bowman, Tracy Wood, Lydia
de Deus. Essa pessoa vê, ouve, come, vive, pensa, ama e espera – tudo no Muwanga, Valérie Moorooven, Justin Kim,
contexto de Deus. Susan Araya, Clinton L. Wahlen, Gabriel Begle
O segundo, o meu endereço: os “que estão em Éfeso”. Na época do após- Correspondência sobre circulação: Deve
tolo, Éfeso era considerada a quarta maior cidade do Império Romano, ser dirigida ao Representante Regional da
Caupa na região em que reside o leitor. Os
seguida de Roma, Alexandria e Antioquia da Pisídia. A maior atração da nomes e endereços desses representantes
cidade não era a sua filosofia grega, a sua jurisprudência romana ou a sua encontram-se na página 2.
riqueza econômica, mas Diana, a deusa da fertilidade. A adoração a Diana Website: http://dialogue.adventist.org
e a grandeza física de seu templo eram uma grande fonte de riqueza para a Website para o italiano http://educazione.
cidade. A essa cidade, absorvida tão apaixonadamente pelo culto à deusa da adventista.it/dialogue/
fertilidade (Atos 19:24, 25), foi Paulo proclamar que “deuses feitos por mãos Impressão e Acabamento: Casa Publicadora
humanas não são deuses” (Atos 19:26). A mensagem do apóstolo atingiu o Brasileira 9519/34896
próprio fundamento do sistema de crenças e estilo de vida de Éfeso. Referências Bíblicas: Salvo outra indicação,
Cristo ou Diana? A questão é tão antiga quanto o grande conflito entre os textos bíblicos citados na Diálogo foram
extraídos da Nova Versão Internacional.
Cristo e Satanás. De um lado está o Criador e, do outro, uma criatura.

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Entre o Criador e a criatura, a quem manteremos nossa Éfeso significa “desejável”. Antes de Paulo e seus com-
lealdade? A astúcia de Satanás criou Dianas de muitas panheiros chegarem à cidade, ela era desejável e notável
formas e maneiras, e nós as encontramos em cada curva pelo culto a Diana. Era desejável para o pecado e suas
da estrada da vida. Nós as encontramos em nossos variadas seduções. Mas a entrada do evangelho tornou
lares, onde a santidade do matrimônio é frequente- a cidade desejável por uma razão totalmente diferente.
mente mantida com desprezo, onde a Palavra de Deus Um sistema de crenças construído em torno de Diana
é negligenciada, onde as crianças são deixadas sozinhas seria confrontado pelo Deus da criação, que habita “nos
e onde a centralidade de Cristo é trocada pela elevação lugares celestiais” e agora Se revelaria através de Jesus
de nós mesmos. Nós as vemos em muitas escolas e Cristo. Uma cidade marcada pelas divisões de raças,
faculdades onde a educação visa a desenvolver a pessoa línguas, cultura e status econômico iria experimentar a
ideal que abraçará e viverá os valores do humanismo; maravilha da unidade e da união. Onde está Cristo, há
elas desenvolvem um sentido de pluralismo onde a fé, mudança – da falsidade para a verdade, da superstição
o amor e a esperança são deixados aos caprichos sub- para a realidade, do estilo de vida corrupto e perverso ao
jetivos de cada indivíduo e conduzem a uma vida cujo chamado para ser santo e santificado, e da divisão para
objetivo é alcançar os céus com fé no potencial do eu a unidade. Com essa mudança, Éfeso se tornou uma
para conquistar tal façanha. Nós as encontramos nos cidade verdadeiramente desejável e deu à luz uma igreja
negócios, na política e no ethos social, onde o sucesso sobre a qual o Senhor Jesus, depois de ter ascendido ao
define os valores e as normas, onde a mentira não é Céu, diria através de João: “conheço as suas obras, o seu
mais uma mentira, mas apenas uma declaração feita no trabalho árduo e a sua perseverança. Sei que você não
interesse de escapar da responsabilidade, onde a viola- pode tolerar homens maus”. (Apocalipse 2:2).
ção do sétimo mandamento é vista em termos de se o Aquela cidade desejável, aquela cidade transformada
ato foi feito com ou sem consentimento. – conhecida por suas boas obras, pela paciência de sua
Assim, as Dianas não se limitam aos ídolos. Tudo o perseverança e pela sua distância da maldade da vida – é
que compete ou substitui o Deus que nos criou e Se o meu endereço como cristão. Confirmar esse endereço
revelou em Jesus Cristo é uma Diana que se interpõe como meu lugar para viver é ver a obra de Cristo sob uma
no caminho do evangelho, afetando completamente a perspectiva cósmica e mostrar ao mundo inteiro e às gera-
vida humana. Não é preciso procurar uma Diana nos ções vindouras que Jesus Cristo é o Senhor do Cosmos.
sistemas religiosos; ela está dentro e não muito longe Que melhor lugar para mostrar isso do que Éfeso,
do coração e da mente de cada um. Contra todas essas uma cidade que acreditava que Diana saiu de Júpiter e,
Dianas está o evangelho de Jesus Cristo que Paulo intro- portanto, merecia toda a adoração e louvor! Em com-
duziu em Éfeso. paração com esse falso sistema, Paulo queria mostrar

Um santo não é uma pessoa boa,


mas uma pessoa que, pela fé, tem
experimentado e testemunhado
da bondade de Deus. Um santo
não é uma pessoa sem pecado, mas
um pecador que provou a “excelsa
graça de Deus” e deixou de ser um
“pária” que estava perdido, mas
que foi achado; que estava cego,
shutterstock

mas agora pode ver.

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aos Efésios e, através deles, a toda a comunidade cristã,
que Jesus Cristo não saiu de nenhum planeta, mas veio
da morada de Seu Pai, nas “regiões celestiais” (Efésios
1:3), a fim de unir “em Cristo todas as coisas, celestiais
ou terrenas” (1:10). A Terra, unida em graça e justiça,
é o meu endereço. Física e literalmente, posso viver em
Délhi, Bruxelas, Moscou, Nova Iorque, Sidney, Tóquio,
Lima ou Singapura, mas, na dimensão mais importante
para se viver – a do discipulado espiritual, Paulo me
sensibiliza a viver em um endereço muito mais exaltado:
o dos “santos e fiéis em Cristo Jesus que estão em Éfeso”.
Terceiro, a minha vocação: “Fiel em Cristo Jesus” – Um
santo é um cristão com dois endereços. Um é em Éfeso,
que é temporário; e o outro é “em Cristo”, que é per-
manente. O primeiro pode mudar de vez em quando,
mas o segundo nunca deve mudar, pois é a lealdade ao ASSINE DIÁLOGO
segundo que garante para sempre o nosso status de san-
tos – no âmbito pessoal, ele indica a minha identidade, Você quer ser um pensador e não mera-
o meu endereço e a minha vocação, marcando assim mente um refletor do pensamento de
quem eu sou, de quem eu sou e para que sirvo. outras pessoas? A Diálogo continua-
O que faz com que um cristão seja fiel? É porque ele rá a desafiá-lo a pensar criticamente,
é uma pessoa honesta, uma pessoa boa, ou uma pessoa como um cristão. Fique em contato
com o melhor da ação e do pensamento
agradável em relação aos outros? Um cristão deve ser
adventista ao redor do mundo. Se você
tudo isso e muito mais. Não é possível ser cristão sem se deseja solicitar a assinatura da Diálogo,
manter seguro pela inabalável âncora da fé. Essa fé deve, seja em espanhol, francês, inglês ou
antes de tudo, estar firmada na Pessoa e obra do Senhor português, escreva para Linda Torske:
Jesus. Sem uma fé inabalável no sacrifício feito na cruz e torskel@gc.adventist.org
na ressurreição de Cristo, como é possível alguém ser um
santo fiel? Sem uma total entrega às reivindicações de ENTRE EM DIÁLOGO!
Cristo para viver como Ele viveu, falar como Ele, andar
como Ele, relacionar-se como Ele, pode alguém ser fiel a
Ele? Quem eu sou, de quem eu sou e para que sirvo são
questões que devem ser claramente respondidas, e com
base nesta descrição final: “santos e fiéis em Cristo Jesus”.
Essa necessidade de lealdade absoluta a Cristo precisa
ser enfatizada constantemente, pois vivemos em um
mundo em que muitos tomam o Seu sagrado nome
em vão. Temos aqueles que usam esse precioso nome
para tirar alguma vantagem econômica. Temos os que
encontram na sua adoção pela igreja uma forma de
subir socialmente. E temos ainda os cristãos que são ESCREVA-NOS!
aspergidos ou mergulhados na água do batismo, depois
recebem uma chuva de confetes no casamento e, por Seus comentários, reações
fim, do pó da terra na sua morte. Para esses, o cristia- e perguntas são bem-vindos.
nismo tem significado somente quando entram para a Escreva para:
igreja, quado se juntam com outros, e quando acabam
sendo excluídos. Contra tudo isso, o apóstolo pede aos Susan Araya (espanhol ou português)
crentes, aos que confiam, que venham e sejam “santos e arayas@gc.adventist.org
fiéis em Cristo Jesus”. Valérie Moorooven (francês ou inglês)
mooroovenv@gc.adventist.org

John M. Fowler
Editor da Diálogo

DIÁLOGO 29 • 1 2017 5
A RTI GO

A FUNÇÃO
SOCIAL DA
EDUCAÇÃO
ADVENTISTA
GEORGE R. KNIGHT

shutterstock
A função social da
escola adventista tem
tanto um aspecto

A
ntes de nos aprofundarmos nos detalhes
conservador quanto da função social da educação adven-
tista, precisamos considerar a função
revolucionário. O da transmissão cultural da educação.
Encontramos essa função na Bíblia.
surgimento desses dois Abraão foi escolhido porque Deus viu
papéis habilita o aluno que ele iria ser fiel no ensino de sua casa (Gênesis 18:19);
Deus, através de Moisés, deu aos israelitas um sistema
em desenvolvimento a educacional que tocou cada fase da vida deles, e as pala-
vras de despedida de Jesus foram: “... ensinai todas as
estar no mundo, mas não nações” (Mateus 28:19, 20, ARC).

ser do mundo. O PAPEL ESTRATÉGICO DA EDUCAÇÃO


A educação ocupa uma posição estratégica em toda
sociedade, pois todos os jovens precisam passar por

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algum tipo de experiência educacional, a fim de se Bíblia através do tempo, e revolucionária como agente de
prepararem para preencher posições responsáveis na mudança de um Deus justo em um mundo pecaminoso.
vida. O futuro de qualquer sociedade será moldado por Nessa última função, procura-se mudar o status quo,
sua juventude atual. E a direção que eles tomarão na em nível individual, através da conversão dos seres huma-
sociedade será, em grande medida, determinada pela nos, deixando o seu velho modo de viver para adotarem
sua educação. Assim, o controle das instituições educa- o estilo de vida cristão. Transformação, conversão, morte e
cionais e o conteúdo a ser ensinado nessas instituições renascimento são algumas das palavras que a Bíblia aplica
têm sido uma questão social permanente. à dinâmica do cristianismo, à medida que transforma a
George S. Counts observou que “moldar a política vida das pessoas, movendo-as de uma postura de egocen-
educacional é proteger o caminho que leva do presente trismo para um serviço centralizado em Deus, tanto para
ao futuro. […] Ao longo dos séculos, desde a criação das com Ele como para com as outras pessoas.
agências educacionais especiais, a posição estratégica da No entanto, a mudança em nível individual é apenas
escola foi apreciada por reis, imperadores e papas, por um aspecto do papel revolucionário da igreja. Ela deve
rebeldes, reformadores e profetas. Portanto, entre as for- ser também um agente para que haja uma mudança
ças opostas encontradas em todas as sociedades comple- mais ampla na luta contínua pela justiça social em um
xas, uma luta pelo controle da escola está sempre eviden- mundo cheio de pecado. Faz parte do ideal de Deus
te. Cada grupo ou seita se esforça para transmitir aos seus não só alimentarmos os pobres (Mateus 25: 31-46), mas
próprios filhos e aos filhos de outros o tipo de cultura que também ajudarmos a tornar a Terra um lugar melhor
valoriza; e toda classe privilegiada busca perpetuar sua para viver, por meio da reforma social.
posição favorecida na sociedade por meio da educação”.1 Entretanto, mais uma vez, esse papel revolucionário
Do mesmo modo, Counts ressaltou que o fracasso das não deve parar por aí. De acordo com a Bíblia, a reforma
revoluções tem sido um testemunho de sua incapacidade social, em todos os seus pontos positivos, é insuficiente
de colocar a educação a serviço da causa revolucionária. para endireitar um mundo pervertido, que é regido pelas
As corporações revolucionárias não teriam maior perma- forças do pecado e da ambição humana. A única solu-
nência que os pequenos grupos de idealistas que os conce- ção real e final para o problema do pecado, conforme
beram, se os filhos da próxima geração não pudessem ser retratado na Bíblia, é o Segundo Advento. Ao mesmo
persuadidos a abraçar os valores da revolução. Portanto, a tempo em que os evangelhos estabeleçem essa verdade
história dos soviéticos e dos nacionais socialistas demons- (ver Mateus 24), ela está especialmente evidente no livro
trou que uma das primeiras medidas tomadas pelos gover- de Apocalipse. Esse livro, em particular, indica a solução
nos revolucionários foi colocar todas as agências educacio- divina para as desgraças da Terra. Assim, o ponto alto da
nais sob o controle direto do Estado e dar às escolas um função revolucionária da igreja não é meramente trans-
papel central na construção da nova sociedade.2 formar as pessoas, fazendo-as deixar seu egoísmo peca-
Uma lógica semelhante, naturalmente, estimulou a for- minoso e levá-las a uma vida de serviço ou organizá-las
mação dos sistemas educacionais americanos e de outros para se tornarem agentes de uma reforma terrena, mas
sistemas democráticos. E, nessa lógica, encontramos a pregar uma mensagem que ajude a preparar o mundo
gênese do interesse adventista pela educação em todas para o fim da sua história e o estabelecimento de uma
as suas formas. Ellen White retomou esse pensamento nova Terra, construída com base nos princípios divinos.
quando escreveu que “com tal exército de obreiros como Essa nova Terra, a Bíblia nos diz, não será estabelecida
o que poderia fornecer a nossa juventude devidamente através do esforço humano, mas como resultado do ato
preparada, quão depressa a mensagem de um Salvador de Deus entrando na história humana, por meio da
crucificado, ressuscitado e prestes a vir poderia ser levada segunda vinda de Cristo. Esse evento é o Evento dos
ao mundo todo! Quão depressa poderia vir o fim – o fim eventos na história mundial. É a revolução final.
do sofrimento, tristeza e pecado! Quão depressa, em lugar O adventismo do sétimo dia, desde o seu início, é
desta possessão aqui, com sua mancha de pecado e dor, visto como um agente divino nessa revolução final. Em
poderiam nossos filhos receber a sua herança onde ‘os particular, o movimento viu ser sua vocação a pregação
justos herdarão a Terra e habitarão nela para sempre’”.3 da mensagem apocalíptica dos três anjos, que está no
coração do livro de Apocalipse (Apocalipse 14:6-12);
OS PAPÉIS CONSERVADORES E uma mensagem ordenada por Deus para que fosse pre-
REVOLUCIONÁRIOS DA EDUCAÇÃO gada imediatamente antes do Segundo Advento (versos
ADVENTISTA 14-20). É uma mensagem mundial que chama as pes-
O ideal de Deus para a educação adventista do sétimo soas de volta à sua fidelidade para com Deus, à medida
dia reflete tanto uma função social conservadora como que as sociedades humanas se movem em direção ao seu
uma função revolucionária. Conservadora no sentido final. É uma mensagem da vinda de Cristo, que não só
de que pretende transmitir as verdades imutáveis da vai alimentar os pobres, mas também vai abolir a fome;

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shutterstock
que não só irá confortar os enlutados, mas erradicar costumes culturais da sociedade em geral. A atmosfera
a morte (Apocalipse 21:1-4). O adventismo tem sido em que essas atividades acontecem é projetada para que
chamado para pregar a última Esperança a um mundo a transferência da cultura adventista para a geração mais
perdido que, ao ser comparada, faz esmaecer todas as jovem seja dirigida de forma propícia. Pais e membros da
outras formas de esperança. O propósito central do igreja estão dispostos a apoiar financeiramente esse tipo
adventismo é pregar a última Esperança. E a principal de educação porque reconhecem que ela difere filosofica-
razão para o estabelecimento de escolas adventistas é mente do ambiente cultural da sociedade como um todo
preparar as pessoas para esse evento e para a missão de e acreditam que a cosmovisão adventista é a correta em
divulgar as boas-novas da vinda do Salvador. termos de metafísica, epistemologia e axiologia.
Dentro desse contexto apocalíptico revolucionário, a Vista por este ângulo, a função primária da escola
função conservadora da educação adventista é dupla: (1) adventista não é ser uma agência evangelística para
transmitir o legado das verdades bíblicas e (2) propor- converter incrédulos (embora esse possa ser um resul-
cionar uma atmosfera protetora na qual essa transmis- tado secundário), mas sim ajudar jovens vindos de lares
são possa ocorrer e em quais valores cristãos ela pode ser adventistas a conhecerem Jesus verdadeiramente e a
transmitida aos jovens em seus anos de formação, por entregarem sua vida a Ele. Implícita nessa função está
meio do currículo formal e dos aspectos informais do uma percepção distinta de que, se a maioria do grupo
programa educacional, como as tarefas de grupos e as estudantil em uma escola denominacional não adotar os
atividades extracurriculares. valores adventistas, então, a missão espiritual da escola,
A igreja cristã e seus adeptos têm o papel singular de provavelmente, não será cumprida. A função conserva-
estarem no mundo, sem serem do mundo (João 17:14- dora da educação adventista, portanto, proporciona uma
18). A forma de alcançar essa posição aparentemente atmosfera protegida para a educação da juventude da
contraditória continua sendo um desafio para a igreja igreja e um ambiente no qual todos os valores, habilida-
desde o tempo de Cristo. des e aspectos do conhecimento possam ser ensinados a
A vertente separatista do paradoxo levou a igreja a partir da perspectiva filosófica adventista.
estabelecer ambientes protegidos para a sua juventude Além da função conservadora da educação adventista
durante seus anos formativos, como escolas religiosas está o seu papel revolucionário. No início da Era Cristã,
e grupos juvenis. Tais agências servem como refúgios por meio da grande comissão evangélica, Cristo enviou
onde os jovens de famílias adventistas podem aprender Seus discípulos a todo o mundo para fazer discípulos de
habilidades, bom comportamento, valores e conhecimen- todas as nações e ensinar às pessoas tudo o que Ele havia
tos sem serem dominados pela visão do mundo e pelos ordenado (Mateus 28:19, 20). E, no final da Era Cristã,

8 DIÁLOGO 29 • 1 2017
com a mensagem do amor de Jesus e desempenhem o seu
papel individualmente no contexto da igreja de Deus na
A igreja cristã e seus adeptos Terra. Edward Sutherland escreveu que, no plano de Deus,
têm o papel singular de estarem no “a escola cristã deveria ser o berçário em que os reforma-
dores nascem e são criados – reformadores que saem das
mundo, sem serem do mundo. nossas escolas cheios de entusiasmo para, com zelo ardente,
(João 17:14-18) assumirem seus lugares como líderes nessas reformas”.4
Em síntese, a função social da escola adventista tem
tanto um aspecto conservador como revolucionário.
O surgimento desses dois papéis habilita o aluno em
Cristo ordenou que as boas-novas da salvação, do Segundo desenvolvimento a estar no mundo, mas não ser do
Advento e do juízo vindouro sejam também pregadas mundo. Em sua essência, a função da escola adventista
“a toda nação, tribo, língua e povo” (Apocalipse 14:6). é educar a juventude da igreja para o serviço a Deus e
Embora a comissão evangélica de Mateus 28 tenha soado aos seus semelhantes, ao invés de treiná-los para o servi-
por toda a cristandade, a igreja negligenciou a ordem impe- ço em favor de si mesmos, pela aquisição de um “bom
rativa de Apocalipse 14. É essa última comissão que forma trabalho” e uma renda confortável. Esses resultados, é
a base para a existência do adventismo do sétimo dia. claro, podem ser subprodutos da educação adventista,
Desde a sua fundação, a igreja tem acreditado que mas não são pontos fundamentais para o seu propósito.
recebeu uma comissão única para pregar a tríplice men- O serviço em prol dos semelhantes era a essência da
sagem angélica de Apocalipse 14:6-12 em toda a Terra, vida de Cristo e é, portanto, o objetivo final da educa-
antes do Segundo Advento (versos 14-20). A mensagem ção adventista. Em harmonia com a Bíblia, a educação
do adventismo é um chamado para a fidelidade a Deus, adventista desenvolverá cristãos que possam se relacio-
à medida que a história terrestre avança em direção aos nar bem com os outros neste mundo. Mais importante
dias finais de sua história. O imperativo evangelístico ainda, as escolas adventistas irão educar os alunos para
de Apocalipse 14, literalmente, levou o adventismo a serem cidadãos do reino dos Céus.
todas as partes do Globo.
* Este artigo foi publicado originalmente como um capítulo na
A EDUCAÇÃO ADVENTISTA COMO AGENTE mais recente publicação de George R. Knight, Educating for Eternity:
A Seventh-day Adventist Philosophy of Education (Berrien Springs,
DE MUDANÇA MI: Impresso pela Universidade Andrews, 2016). Reproduzido com
As igrejas cristãs (inclusive a Adventista do Sétimo Dia) permissão do editor. Veja também a revisão do livro na seção de
têm sido, com demasiada frequência, bastiões conserva- Revisão de Livros deste número da Diálogo.
dores da sociedade, quando deveriam funcionar como
agentes de mudança. A vida de Jesus, tal como retratada George R. Knight
na Bíblia, pode ser vista como um modelo de mudança, foi professor de Filosofia da Educação
em vez de conservadorismo. Ele era o Reformador dos e História da Igreja na Universidade
reformadores. E chamou um povo para se tornar agente Andrews, Berrien Springs, Michigan,
de mudança em Sua missão, a ser levada avante. EUA, por 30 anos. É autor e editor
As funções conservadoras de uma escola cristã são de aproximadamente 90 livros. Seus
importantes porque desempenham um papel essencial principais títulos relacionados à área
na tarefa revolucionária da igreja de preparar seus jovens educacional são: Early Adventist
para se tornarem obreiros evangélicos. Isso não signi- Educators (1983), Philosophy and
fica, e deve ser enfatizado, que todos os alunos serão Education: An Introduction in
educados para fazerem parte do quadro de pessoas que Christian Perspective (4ª ed., 2006), e
realizam as atividades da igreja. Cada um, no entanto, Myths in Adventism (1985, 2009).
será treinado para ser uma testemunha do amor de Deus
em um mundo marcado pelo pecado, independente- 1. J. Crosby Chapman e George S. Counts, Principles of Education
mente de seus objetivos de carreira.
NOTA S E RE FE RÊ NCIA S

(Boston: Houghton Mifflin, 1924), p. 601, 602.


Como tal, a escola adventista pode ser vista como uma 2. Ver George S. Counts, The Soviet Challenge to America (New York:
base para o ativismo cristão e para a obra missionária. Ela John Day, 1931), p. 66, 67.
proporciona, tanto quanto possível, não apenas o conheci- 3. Ellen G. White, Educação (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
mento fundamental ao imperativo evangelístico da igreja, 1996), p. 271.

mas também atividades práticas dirigidas a toda a comu- 4. E. A. Sutherland, Studies in Christian Education: Educational
Experiences Before the Midnight Cry Compared With Educational
nidade, que garantem aos alunos o desenvolvimento das Experiences Before the Loud Cry (Leominster, Mass.: Eusey Press
habilidades necessárias para irem ao encontro das pessoas [1952]), p. 72.

DIÁLOGO 29 • 1 2017 9
A RTI GO

POR QUE EU CREIO


EM DEUS? CLIFFORD GOLDSTEIN

freepik

Por que eu creio em Deus? Por que acredito


em algo? Por que existe algo para crer, ou
mesmo, por que existe uma consciência
subjetiva que me possibilite crer?

10 DIÁLOGO 29 • 1 2017
C.
S. Lewis escreveu sobre alguém que lhe Além disso, se este artigo fosse intitulado “Por que eu acre-
era bem conhecido, como “o mais fanático dito que Deus não existe?”, aquele que acredita no elemento
de todos os ateus que já tinha visto”,1 o subjetivo não estaria infiltrado lá, de qualquer maneira?
“cínico dos cínicos, o mais duro entre os
duros”2; no entanto, foi ele quem disse ALGO COMO “NADA”
a Lewis que, com relação à fé, “a historicidade dos Por que eu creio em Deus? Por que acredito em algo?
evangelhos era, na verdade, surpreendentemente boa.”3 Por que existe algo para crer, ou mesmo, por que exis-
Apesar de agnóstico, Lewis estava chocado. Se os evan- te uma consciência subjetiva que me possibilite crer?
gelhos eram historicamente precisos, então milagres Como o filósofo alemão racionalista Gottfried Wilhelm
ocorriam; e, se milagres ocorriam, então, seu próprio Leibniz, e outros, muitos têm feito a memorável pergun-
ateísmo, sua Weltanschauung (cosmovisão) materialista ta: Por que existe algo em vez do nada?
estava simplesmente equivocada. A resposta, obviamente, deve ser encontrada em algu-
Eu uso essa explicação, não como uma introdução a ma versão das metanarrativas acima mencionadas (você
um evangelho apologético, mas como introdução ao não pode ser mais “meta” do que a criação).
que têm representado, desde a antiguidade, as duas O Universo veio à existência, quer através de origens
originadoras de todas as metanarrativas: a priori mate- naturais ou sobrenaturais. Neste último caso, o Universo
rialista e a cosmovisão ateísta, apoiadas pelos atomistas foi feito por um Ser (ou seres) maior(es) que e anterior(es)
pré-socráticos, através da ala radical dos filósofos, hoje a ele. Caso contrário, a criação deveria ter ocorrido natu-
mais vigorosamente proclamadas pelos novos ateus; em ralmente, fora de si mesma. Isso leva à pergunta: Como
contraste, é claro, está a crença em algum tipo de ser(es) foi que ele [o Universo] surgiu de si mesmo? A única saída
sobrenatural(is), a partir da Ahura Mazda de Zoroastro aparente é um Universo eterno, aquele que sempre exis-
até o deísmo de Voltaire e o predestinarismo calvinista tiu, um conceito que leva a um paradoxo difícil.
(e tudo o mais também). Cada metanarrativa (de qual- Conhecido como o argumento cosmológico de Kalam,
quer versão) que Lewis conhecia negava a outra. ele afirma que um Universo infinitamente antigo é
Este artigo, tal como o título sugere, não defende impossível, porque isso implicaria em uma quantidade
essa posição. infinita de tempo que deve ter passado, para ter chega-
do a este (ou qualquer outro) momento (presente). Mas
CREDO UT INTELLIGAM como poderia uma quantidade infinita de tempo (quanto
Uma justificativa para a existência de Deus foi propos- a esse assunto ou qualquer outro) já haver sido concluído?
ta por Anselmo (1033-1109). Na sua forma mais simples, Em outras palavras, se o Universo existiu infinitamente
o argumento ontológico é este: Deus é Aquele em que no passado, então, um número infinito de momentos
ninguém maior que Ele pode ser concebido. Para algo ser deve ter se cruzado, a fim de chegar onde estamos agora.
aquilo que nada maior pode ser concebido, significa que Mas se não podemos contar o infinito até mesmo em
Ele deva existir, porque o que existe é maior do que o que nossa cabeça, como poderia, na realidade, um número
não existe. Portanto, Deus existe. infinito de momentos estar concluído?
Possivelmente, por esse argumento em geral não bas- Seja qual for a validade (ou fragilidade) desse argumento,
tar para a transição de um ateu para o que os cristãos a cosmogonia do Big Bang fez de tudo, menos debatê-la,
chamam de “novo nascimento”, Anselmo cunhou a de qualquer forma. O Universo, que antes não existia, veio
famosa frase: “Credo ut intelligam” (“Creio para enten- à existência. Embora os cosmologistas tenham retrocedido
der”)4. Os argumentos em favor da existência de Deus no tempo e especulado sobre o primeiro milionésimo de
tendem a ser mais efetivos depois que alguém acredita, segundo, e assim por diante até o surgimento do Universo,
e esse poderia ter sido o ponto defendido por Anselmo as implicações quanto a ele ter esse milionésimo foram
com o argumento ontológico para começar com ele – e científica e metafisicamente revolucionárias.
não para provar a existência de Deus, mas, em vez disso, Essa ideia de que o Universo teve um começo ajudou
começar com a crença, e então retroceder, a fim de a convencer “o ateu mais famoso do mundo”5, Antony
defendê-la e compreendê-la. Flew, da existência de um Criador. Embora ele tivesse
Essa é a abordagem deste artigo. O título, “Por que simplesmente considerado “o Universo e suas caracterís-
eu creio em Deus?”, implica, a priori, numa abordagem ticas mais fundamentais como fato consumado”6, já não
diferente, caso fosse intitulado “Por que Deus existe”. O podia mais, não em face da cosmogonia do Big Bang.
primeiro introduz, automaticamente, um elemento subje- Enquanto isso, ao descobrir que o argumento du jour de
tivo pessoal, até mesmo experimental (fundamental, talvez que o “nada” criou o Universo era menos que satisfató-
por crer em Deus, de qualquer maneira). Um elemento rio, Flew passou a acreditar, como dizia ele, em algum
subjetivo não desnuda e torna falso um argumento da ver- tipo de “mente divina”.7 (A afirmação de Bill Bryson –
dade mais do que uma antipatia pessoal para com o espaço “Parece impossível que se possa obter algo do nada, mas
cilíndrico da geometria de Riemann. o fato de que antes não havia nada e agora existe um

DIÁLOGO 29 • 1 2017 11
Universo, é prova evidente de que é possível”8 – é tão Deus, a ciência se tornou uma espada de dois gumes,
absurda quanto parece). com o corte mais afiado contra a evolução ateísta.
Esse argumento, naturalmente, não tem nada de novo. Enquanto a ciência a respeito de como, ou mesmo se, a
Ele só tem o benefício do senso comum, e agora um pouco mutação aleatória e a seleção natural poderiam ter cria-
de astrofísica para começar. Não é uma prova de álgebra do a complexidade da vida é contenciosamente debati-
da existência de Deus, nunca foi. É precisamente quando da, na verdade, o que não é contenciosa, ou debatida, é
o “nada” – que, por definição, não existe – é colocado no a sua própria complexidade.
lugar de Deus como a força criativa por trás das origens A ironia não deve ser deixada de lado: quanto mais
cósmicas, que se deve questionar sobre a lógica daqueles complexidade a ciência encontra na vida, menos pro-
que buscam algo, qualquer coisa, até mesmo o nada, em váveis se tornam os meios que a ciência reivindica para
oposição a Deus como a Fonte de nossa existência. Deus, as suas origens. Tal complexidade foi outro fator que
o fundamento de toda existência, sendo substituído pelo ajudou a converter Antony Flew, que citou o fisiolo-
“nada”, a negação de toda a existência? Talvez a linha de gista ganhador do Prêmio Nobel George Wald: “Nós
pensamento de Tennyson, em seu poema In Memoriam a escolhemos acreditar no impossível: Que a vida surgiu
A. H. H. (1849): “Acreditar no que não podemos provar”, espontaneamente, por acaso.”12
que, embora o tivesse destinado aos cristãos, errou seu alvo Não tão preparados assim para admitir o impossível,
completamente? alguns, ao contrário, postulam o improvável. Admitindo
que a complexidade da vida torna as suas origens por meio
O CÉREBRO DE STEPHEN HAWKING do acaso improváveis (“impossíveis”) em nosso Universo,
A despeito do pronunciamento de sua morte em 1779, alguns cosmologistas argumentaram que existem muitos
depois de um longo e distinto histórico, o argumento teleo- universos, talvez até mesmo um número infinito deles, o
lógico ainda se alastra hoje. “David Hume efetivamente der- que significa que as chances de um (o nosso) acidentalmen-
rubou”, escreveu Terrence W. Tilley, “o argumento moderno te ser biofílico (ligado ao instinto de conservação da vida)
do design em seu “Dialogues Concerning Natural Religion” aumentam consideravelmente. Quem necessita, mesmo
(1779).”9 Hume não fez tal coisa. Ele, de maneira articulada, que seja de um único Deus, quando um número infinito
revelou os limites do argumento, mas, nada de especial. Dizer de universos (quando não há a menor prova da existência de
que o argumento não dedutivo não tem limites? O design é mais de um) irá necessitar?
uma inferência, não uma prova. E, mesmo que se aceite a Teoria do Multiverso, ela
Embora admitindo certa complexidade e design na só traz o argumento de volta, assim como fizeram os
natureza (pela boca de uma pessoa envolvida no diá- “Diálogos de Hume.” Um número infinito de universos
logo) “indo um grau além daquilo que os sentidos e as simplesmente torna a questão da sua origem infinitamente
faculdades humanas podem traçar ou explicar”10 (isso maior causadora de pressão que a existência de apenas um.
foi escrito na era da “célula simples”, o Pleistoceno, nos Olhe para os extremos que há aqui: a vida surgiu do
termos da ciência biológica), Hume rejeitou a ideia da “nada”, ou a partir de um número infinito de universos.
existência de um Criador por trás de tudo. Finalmente, Não seria a explicação de um Criador sobrenatural
porém, ele teve que argumentar que “a matéria pode muito mais razoável que qualquer uma das outras?
conter a fonte ou nascente da ordem originariamente, Richard Dawkins, é claro, não concorda com nada
dentro de si mesma, […] para que os vários elementos, disso. Em meio a todo o exagero em torno de Deus,
a partir de uma causa interna desconhecida possam um Delírio, o seu ataque ao argumento teleológico, pelo
arranjar-se da maneira mais elaborada.”11 menos dentro da metafisica, foi surpreendentemente
Os “Diálogos de Hume” simplesmente trouxeram a pueril. Há um motivo que ecoa através da violenta sátira:
discussão à tona, nada mais. Quem criou Deus? “Um Deus projetista”, afirmou ele,
Onde está a importância de obter as informações e a “não pode ser usado para explicar a complexidade orga-
capacidade de organizar esse “arranjo mais elaborado” nizada porque qualquer deus capaz de projetar qualquer
(que, em comparação com o que nós conhecemos hoje, coisa teria que ser complexo o suficiente para exigir o
iria parecer grosseiro)? É mais fácil imaginar papel e mesmo tipo de explicação para si mesmo.”13 Mas Deus,
tinta, a partir de algo inerente em si mesmo, criando a um Deus eterno por definição, não tem um criador, Ele
“Guerra e Paz”, de Tolstoi, do que imaginar carbono, é o Criador; um Universo decorrente e tudo o que nele
água e proteínas se organizando em uma simples célula, há, em contrapartida, tem. Assim tão confinado pelo
e muito menos os processos que os conduziram ao cére- naturalismo, Dawkins não pôde entender a diferença
bro de Stephen Hawking. qualitativa entre o ser criado e o Criador. Guernica, e não
A ciência tem, supostamente, dado a resposta de Picasso, é que precisava de um pintor (eu disse “pintor”,
como o carbono, água e proteínas foram conduzidos não Criador, uma diferença sutil, mas crucial).
àquele cérebro: a mutação aleatória e a seleção natural, Tudo, desde a fisiologia da membrana celular à toranja
é claro. Embora esse não seja o lugar para se debater o e à sexualidade humana, torna Deus muito mais provável
neodarwinismo, com relação à questão da existência de do que a explicação dada, devido à sua funcionalidade,

12 DIÁLOGO 29 • 1 2017
beleza e finalidade, que qualquer explicação baseada no juntamente com as profecias bíblicas, cujas realizações só
acaso de uma confluência de partículas e forças que, em exigem um Deus como suas mais lógicas explicações, as
si mesmas, exigem uma causa suficientemente fora delas, profecias que estão, em alguns casos, enraizadas em um
superior e anterior a elas. fundamento tão firme quanto amplo e, tão imutável quan-
Além do mais, o que é mais provável que tenha existi- to a história do mundo (como em Daniel 2) – foram dadas
do sem fonte de origem: o Universo ou Deus? a nós boas razões para a fé. Não infalíveis, é claro, mas e
daí? Nada epistemológico é.
EXIGIR UM MILAGRE “Se nós não podemos sequer provar a coerência da
Como parte da humanidade, nós possuímos proprie- aritmética”, escreveu o físico John Polkinghorne, “pare-
dades morais. Mas como poderiam os componentes da ce um pouco demais esperar que com a existência de
existência (quarks, elétrons, força da cor), todos amorais Deus seja mais fácil de lidar.”17
em si mesmos e fora de si mesmos, emergir não somente Não é mais fácil, talvez, mas, mesmo assim, também
na vida, mas no interior da consciência, uma consciência possível de ser administrada.
em conflito com os atributos morais? A possibilidade
parece absurda. Não é de admirar que o apologista ateu
Clifford Goldstein
J. L. Mackie tenha argumentado que “as propriedades
MA em Línguas Semíticas Antigas pela
morais constituem um conjunto de qualidades e relações
Universidade Johns Hopkins, é o editor
tão estranho que é altamente improvável que tenha surgi- da Lição da Escola Sabatina para os
do no curso ordinário dos acontecimentos, sem um Deus adultos. Escreveu mais de 20 livros, entre
todo-poderoso para criá-los.”14 eles, 1844 Made Simple (1988), A Pause
Mackie resolveu o seu problema negando as propriedades. for Peace (1992), Graffiti in the Holy
Outros que não estão preparados para essa mudança veem of Holies (2003) e Life Without Limits
nessas propriedades as provas da existência de Deus. (2007), estão entre os mais conhecidos.
E, embora o tema da falta de sentido para a vida em
face da morte tenha sido abordado ao longo da História,
no século 20, Bryan Magee escreveu que, por causa da
morte, sua vida foi condenada à nulidade, e que “não 1. C. S. Lewis, Surprised by Joy (New York: Harcourt Brace
Jovanovich, 1984), p. 223.
NOTA S E REFERÊNCIA S

havia nenhum sentido, nenhum propósito; e, no final, 2. Ibid., p. 224.


tudo não era nada.”15 No entanto, pense nisto: O polegar 3. Ibid., p. 223.
tem um propósito, o ouvido tem um propósito, o coração 4. Ansel of Canterbury, Proslogion, p. 1078.
5. Antony Flew, There Is a God: How the World’s Most Notorious
tem um propósito, o Sol tem um propósito e ainda estes e Atheist Changed His Mind (New York: HarperCollins, 2007).
incontáveis outros “proprósitos” tão fina e majestosamente 6. Ibid., p. 135.
tecidos, vão culminar em algo sem propósito? É como adi- 7. Ibid., p. 121.
cionar números positivos e obter um número negativo. Se 8. Bill Bryson, A Short History of Nearly Everything (New York:
Broadway Books, 2003), p. 13.
o Universo e toda forma de consciência que há nele estão 9. Terrence W. Tilley, “The Problems of Theodicy: A Background
condenados à extinção, então, a nossa existência não tem Essay,” in Physics and Cosmology, Nancy Murphy, Robert John
Russell, and William R. Stoeger, eds. (Vatican City State: Vatican
propósito – uma conclusão que contradiz tudo sobre a Observatory Publications, 2007), p. 37.
própria existência, que – desde o nível celular – clama com 10. David Hume, Dialogues Concerning Natural Religion (London:
Penguin Books, 1990), p. 53.
um propósito. Não é de admirar que Auden tenha escrito: 11. Ibid., p. 56.
“Nada nos pode salvar do que é possível; nós, os que deve- 12. Citado em Flew, There Is a God, p. 131.
mos morrer, exigimos um milagre.”16 13. Richard Dawkins, Deus, um Delírio (New York: Houghton Mifflin
Company, 2006), p. 122.
E um milagre exige uma Divindade, o que leva de volta ao 14. J. L. Mackie, The Miracle of Theism (Oxford: Clarendon, 1982), p. 116.
dilema de C. S. Lewis. Como seu amigo ateu afirmou, existe 15. Bryan Magee, Confessions of a Philosopher (New York: Random
uma poderosa evidência para a historicidade dos evangelhos, House, 1997), p. 252.
16. W. H. Auden, “For the Time Being: A Christmas Oratorio,” Part 3, in Religious
o que inclui o milagre da ressurreição de Cristo. Assim como Drama 1, Marvin Halverson, ed. (New York: Meridian, 1957), p. 17.
a descoberta de um cisne negro anula qualquer cosmovisão 17. J. C. Polkinghorne, The Faith of a Physicist: Reflections of a
Bottom-up Thinker (Minneapolis: Fortress, 1996), p. 57.
que declare que “todos os cisnes são brancos”, até um mila-
gre como esse anula qualquer cosmovisão que negue um William Lane Craig, ed. Philosophy of Religion: A Reader and a Guide.
Deus que poderia fazê-los. Claro, provar milagres é outra
ES T U DO A DICION A L

(Piscataway, New Jersey: Rutgers University Press, 2002). Veja espe-


questão, mas, para aqueles que neles acreditam, ou tenham cificamente Craig, “The Kalām Cosmological Argument,” (Eugene,
Oregon: Wipf & Stock Publishers, 2000) p. 92-113.
experimentado um milagre por si mesmos, a prova da exis- Paul Davies, Cosmic Jackpot: Why Our Universe Is Just Right for Life
tência de Deus se torna evidente, pelo menos parcialmente, (Boston, Massachusetts: Houghton Mifflin Harcourt, 2007).
em certos casos, como na música, usar somente a lógica é Richard Dennis, ed. The Book of the Cosmos (Cambridge: Perseus
Publishing, 2000).
como aplicar alicates cheios de graxa em uma pequena falha
William J. Wainwright, ed. The Oxford Handbook of Philosophy of
de software. Religion (London: Oxford University Press, 2005).
Entre a poderosa evidência para a ressurreição de Jesus, N. T. Wright, Surprised by Hope (New York: Harper Collins, 2008).

DIÁLOGO 29 • 1 2017 13
A RTI GO

LUZ NA ESCURIDÃO
JOHN WESLEY TAYLOR V

shutterstock
Para refletir a luz, você
deve estar na luz. Você

É
meia-noite, literalmente, para o seu povo,
não pode dar o que não como nação. Um vasto exército de 120 mil
robustos soldados enche o vale, dormindo
recebeu. Você não pode tranquilamente e sonhando os sonhos daque-
les que não esperam resistência.
compartilhar o que não No cume, no entanto, onde há apenas um punhado
de homens aparentemente impotentes, o ar crepita cheio
tem. É impossível refletir a de tensão e suspense. É agora ou nunca!
luz, a menos que tenha um Havia começado algum tempo antes, na verdade,
vários anos antes, sete, para ser exato. Durante aque-
relacionamento pessoal les sete anos, na época de cada colheita, os inimigos
tinham invadido e saqueado o fruto de seu trabalho
com a Fonte de luz. como uma praga devoradora, deixando o povo em
uma condição cada vez mais crítica. Agora eles tinham
vindo novamente.

14 DIÁLOGO 29 • 1 2017
No início, alguns tinham resistido e sofrido as con- aposento, as luzes estão brilhando. Como você descreve-
sequências. O terror e o pânico enchiam a pequena vila ria esse segundo aposento? Iluminado, brilhante, alegre?
de Ofra. Muitos, consumidos pelo medo, esconderam-se Em pé, nessa sala cheia de luz, você caminha até a
nas cavernas e nas fendas das montanhas. Quanto tempo porta que conduz para o aposento escuro e abre a porta.
mais duraria essa tortura? Quanto tempo mais eles pode- O que acontece?
riam suportar? A escuridão reúne suas forças, invade a sala iluminada
Vários dias antes, em Ofra, um homem temente a e a luz escapa através das janelas! Não é o que acontece?
Deus tinha pensado em tudo isso, enquanto tentava Claro que não! Pelo contrário, a luz penetra na sala
trilhar um pouco de grãos. Era um dia no final de maio, escura e a escuridão… se desfaz!
e o Sol já estava quase a pino. Dava para perceber como Na vida, há momentos em que você sente que está
seria o calor do verão. cercado por densa escuridão – incredulidade, supersti-
Por que as coisas estavam indo de mal a pior? Onde ção, resistência, perversão. Você sente que a escuridão é
estavam os milagres de que seus antepassados haviam muito profunda. Antes de desistir, antes de se desesperar,
falado? Por que aquelas maravilhosas promessas de pros- lembre-se: A luz é mais poderosa do que a escuridão.
peridade e grandeza se desvaneceram de uma hora para
outra? Por que ele tinha que ficar escondido naquele lagar TAMANHO NÃO É A CHAVE
abandonado, tentando debulhar um pouco de trigo ainda Às vezes, sentimos que nossa luz é muito pequena e
bastante tenro? Por que ele tinha que criar Jéter, seu pri- quase insignificante. Que efeito ela pode ter em meio a
mogênito, em condições tão miseráveis? Por quê? tanta escuridão? Oh, como desejaríamos poder ser uma
Em dado momento, ele ergue os olhos e fica con- brilhante estrela, um grande luminar.
gelado. Lá, debaixo do carvalho, havia um estranho Você já olhou para o céu em uma noite clara? O que é
olhando diretamente para ele! Será que o encontraram? mais impressionante? As estrelas? Não! A Lua. Quando
Então o homem falou, e desde aquele dia a sua vida é Lua cheia, você esqueçe as estrelas!
tomou um rumo totalmente diferente. O que são estrelas? Grandes sóis ou mesmo galáxias
Vários dias depois, na escuridão da noite, ele se vê no inteiras. Em comparação, a Lua é muito pequena. Ela
topo do Monte Moré com um grupo de 100 homens não tem luz própria e reflete muito pouco a luz do nosso
corajosos e comprometidos. Ele olha para o Sul, do Sol, sendo ele mesmo uma das menores estrelas. Por que
outro lado do vale, onde dois outros grupos estão escon- então a Lua é tão impressionante? Porque está perto.
didos nas montanhas, esperando o seu sinal. Portanto, não se preocupe ou se aflija se a sua luz é
Lá embaixo, no acampamento inimigo, foi feita a pequena. Mesmo uma pequena luz pode servir de guia,
troca da guarda. As novas sentinelas acabavam de assu- pode iluminar e pode abençoar. De fato, quanto maior
mir seus postos. É meia-noite. for a crise, mais densas as trevas e mais profundas as
De repente, uma explosão de trombetas quebra o sombras, maior diferença a luz irá fazer.
silêncio, um grito agita as encostas, e centenas de tochas
rompem a escuridão. DISSIPANDO AS SOMBRAS
No vale, ainda envolto em trevas, tudo é confusão! Os Às vezes, começamos a nos preocupar com as sombras.
soldados inimigos atacam em todas as direções quem Talvez você tenha encontrado áreas cinzentas – aquelas
quer que encontram, na maioria das vezes atingindo regiões nebulosas, cheias de incertezas, onde você se per-
suas próprias tropas, pois não podem distinguir os com- gunta: “O que devo fazer, isso ou aquilo? Que caminho
panheiros na escuridão. Os homens gritam e morrem! devo tomar? Qual é a escolha mais correta?”
O que parecia ser uma interminável noite de angústia e Qual é a solução para essas áreas cinzentas? Ficar lá
opressão transforma-se no glorioso alvorecer de um novo dia lutando contra as sombras? Não. A solução para as áreas
– um dia de vitória para Gideão e sua nação (Juízes 6 e 7). cinzentas é caminhar em direção à luz. À medida que
A luz triunfou sobre a escuridão! você se aproxima da Fonte de luz, as áreas cinzentas
simplesmente começam a desaparecer. As coisas entram
A ESCURIDÃO SE DISSIPA no foco. A vida se torna mais claramente definida,
Gostaria que você imaginasse dois aposentos, ambos tomando nova cor e novo significado. O que antes eram
do mesmo tamanho, com uma parede entre eles. Nessa pedras de tropeço tornam-se trampolins. O que era ape-
parede há uma porta. nas um mistério torna-se um caminho aplainado diante
O primeiro aposento não tem janelas e nenhuma forma de seus pés (Salmo 27:1).
de luz artificial. A porta está fechada. Como você descre- Talvez você tenha notado, no entanto, que mesmo
veria esse aposento? Escuro, triste, talvez assustador? quando está perto da fonte de luz, pode haver sombras.
O outro aposento tem as janelas abertas e o Sol está Se der as costas para a luz, por exemplo, estará olhando
brilhando lá fora. Como se isso não bastasse, em todo o para uma enorme e até chocante sombra de si mesmo!

DIÁLOGO 29 • 1 2017 15
Em outras vezes, algo se interpõe entre você e a fonte Talvez você tenha notado o que acontece quando coloca
de luz, fazendo sombra. Quando isso acontece, há várias roupas pretas e fica sob o Sol; quando a luz é só absorvida
possibilidades. Uma alternativa é acabar com a luz. Isso, e retida, a temperatura dos objetos começa a aumentar. Os
claro, não é exatamente uma ideia brilhante. É verdade objetos começam a se superaquecer, e às vezes se derretem
que quando você apaga a luz não há mais sombras, mas ou até mesmo são destruídos. A segunda possibilidade,
também não há luz. Você está totalmente no escuro. quando a luz cai sobre a superfície de um objeto, é que
Outra opção é fechar os olhos e afirmar que não este reflita a luz. No entanto, duas condições devem estar
há luz nem sombra. Que absurdo! Se fizermos isso, reunidas. A primeira, para refletir a luz, você deve estar na
estamos enganando a nós mesmos. Mais do que isso, luz. Você não pode dar o que não recebeu. Você não pode
também é perigoso. Se fecharmos os olhos e rejeitarmos compartilhar o que não tem. É impossível refletir a luz, a
a luz, acabaremos não podendo perceber a luz. Nós nos menos que tenha um relacionamento pessoal com a Fonte
tornaremos como as criaturas das cavernas profundas, de luz. A segunda é que o objeto que irá refletir a luz deve
cujos olhos não podem mais enxergar, totalmente cegos. ser polido. Um pedaço de metal áspero e enferrujado não
A melhor alternativa é tirar o que quer que esteja oca- consegue refletir a luz, mas, depois de ser polido até ficar
sionando a sombra. Se você não pode mover o objeto, semelhante a um espelho, que diferença!
saia de trás dele. Há, entretanto, mais uma possibilidade relacionada ao
O fato é que, se você não quer estar na sombra, deve que pode ocorrer quando a luz atinge um objeto. É aquela
se colocar em linha direta com a luz. Deve estar ligado em que esse objeto deve refletir a luz. A luz que é refleti-
por meio de um relacionamento próximo com a Fonte da entra e passa através do objeto, como em um prisma,
de luz. A luz então brilhará na escuridão, e as trevas não criando um arco-íris de cores. Para refletir a luz, no
serão capazes de resistir à luz (João 1:5). entanto, você deve ser transparente – genuíno e autêntico.
As Escrituras declaram: “Vocês são a luz do mundo”
A LUZ DEVE SER COMPARTILHADA (Mateus 5:14). Note que ela nos diz: “Vocês são.” Isso
Quando a luz cai na superfície de um objeto, uma dessas não está sugerindo que você deveria ser, ou que algum
três coisas pode acontecer. A primeira possibilidade é que dia talvez você seja. Em vez disso, diz que hoje você é.
a luz seja absorvida. É o que acontece, por exemplo, com Alguém pode dizer: “Mas eu sou apenas um iniciante,
um objeto preto. A razão porque parece preto é que o obje- estou apenas começando. Quando chegar à meia-idade,
to está absorvendo e retendo toda a luz para si mesmo, e quando me estabelecer, quando me tornar famoso,
nenhuma luz está sendo refletida de volta para seus olhos. então começarei a brilhar.”

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16 DIÁLOGO 29 • 1 2017
Quando você acende uma vela, quanto tempo espera velas, cada uma iluminando um rosto. Ali ficaram durante
para que ela comece a brilhar? Até que a metade dela seja toda aquela noite, no dia seguinte e na noite seguinte.
queimada? Claro que não! Deve brilhar imediatamente, Na madrugada de domingo, 17 de dezembro, a polí-
assim que você a acender. Além do mais, não é necessário cia secreta abriu fogo. Dezenas de pessoas morreram e
dizer a uma vela acesa que ela deve começar a brilhar. uma enorme quantidade de feridos foi levada para os
Assim que a chama for acesa, é natural que a luz comece a hospitais. Entre elas, Daniel Gavra.
brilhar. Sucesso na vida não depende de quanta cera você No entanto, nem mesmo as metralhadoras, nem as
tem, mas se: Você está em chamas? Você está brilhando? granadas, nem os tanques podiam extinguir a chama
Jesus, no entanto, identificou um problema. “Não que tinha sido acesa. Em 25 de dezembro, uma semana
acenda uma vela”, disse Ele, “e a coloque sob um depois, o mundo inteiro ficou surpreso com os resulta-
alqueire, mas em um candelabro.”1 O alqueire era dos. A Romênia estava livre!
um grande recipiente de barro usado para armaze- Passados alguns dias, o pastor Dugulescu abriu a
nar grãos. Obviamente, se alguém esconder uma luz porta do quarto do hospital. Daniel ainda estava em
debaixo de um alqueire, a luz não cumprirá a sua fina- estado grave, e as bandagens cobriam o coto do que
lidade de fornecer luz aos que estão na casa. tinha sido sua perna esquerda, mas o bom espírito de
Há, entretanto, outra mensagem essencial aqui. Se Daniel não havia sido atingido.
você esconder a sua luz sob um vaso de barro, como “Pastor”, disse ele, “realmente, não tem muita impor-
se estivesse envergonhado, sua própria luz ficará mais tância o fato de eu ter perdido a perna. Afinal de contas,
fraca e com menos brilho até que, finalmente, ela se fui eu que acendi a primeira vela.”2
apagará e você também ficará no escuro.
Para manter sua luz sempre acesa, você deve com- CONCLUSÃO
partilhar luz, e a maneira mais sublimea de comparti- No princípio, Deus ordenou: “Haja luz” (Gênesis 1:3),
lhar a luz é usar a sua chama para alcançar e iluminar e as trevas desapareceram. Ao final do relato da história
a vida de outras pessoas. Dessa forma, você amplia e deste mundo, no livro de Apocalipse, vemos uma cidade
multiplica a sua luz. gloriosa, banhada de luz, onde não haverá mais noite
porque o próprio Deus será a sua luz (Apocalipse 22:5).
ACENDA A VELA A longa noite acabou. Raiou um novo dia!
Era a noite de 15 de dezembro de 1989. A cidade, “Levante-se, refulja!” (Isaías 60: 1). Hoje você deve se
Timisoara, na Romênia. Laszlo Tokes, pastor da Igreja levantar e brilhar. Brilhe onde quer que Deus o chamar – em
Reformada e muito amado por sua congregação, havia sua profissão, em sua família, sua igreja e em sua comunida-
pregado fervorosamente o evangelho de Cristo. de. Independentemente do sacrifício, você deve fazer a sua
As autoridades consideravam ser esse um ato grave, luz brilhar para dissipar as trevas deste mundo.
e alguns dias antes já lhe haviam enviado um aviso Com Jesus em sua vida, você é a luz do mundo.
de que seria expulso dali. Ao ficarem sabendo disso, Então, brilhe! Brilhe! Brilhe sempre!
membros da igreja e outros simpatizantes reuniram-se
no templo, naquele dia. Quando os agentes do gover-
no chegaram para cumprir a ordem, encontraram um John Wesley Taylor V
escudo humano em frente à igreja e em torno do apar- PhD pela Universidade
tamento onde Tokes morava com sua família. Andrews, é diretor associado
Confusos, os agentes recuaram, esperando a noite cair, do Departamento de Educação
e uma chama de esperança nasceu no coração dos fiéis. da Associação Geral dos
Mais e mais pessoas começaram a se juntar a eles, à medi- Adventistas do Sétimo Dia,
da que a luz do dia diminuía; entre elas estavam Peter Silver Spring, Maryland, EUA.
Dugulescu, pastor de outra igreja na cidade, e Daniel Você pode entrar em
Gavra, um estudante universitário de sua congregação. contato pelo e-mail:
Ao cair da noite, Daniel aproximou-se do pastor e taylorj@gc.adventist.org
abriu silenciosamente o casaco. Da maneira como as
coisas estavam indo, seu pastor quase que esperava ver
algum tipo de arma de fogo, mas o pacote era um saco 1. Paráfrase feita pelo autor sobre Mateus 5:15.
RE FE RÊ NCIA S

de papel cheio de velas. 2. Adaptado de C. Colson com E. Santilli Vaughn, The Body: Being
Light in the Darkness (Dallas: Word Publishing, 1992), p. 51-61, em
Naquela noite, quando o pastor Tokes olhou para entrevistas direcionadas pelo autor.
baixo, lá da janela de seu apartamento, seus olhos se
encheram de lágrimas ao ver, logo abaixo dele e ao redor
da igreja, uma constelação de luzes; eram centenas de

DIÁLOGO 29 • 1 2017 17
A RTI GO

shutterstock
RESULTADOS CIENTÍFICOS
POR CONVENIÊNCIA?
SVEN ÖSTRING

A
Igreja Adventista do Sétimo Dia abra-
çou com entusiasmo muitos aspectos da
Como adventistas, ciência. A igreja opera 733 instituições
de saúde, tornando-a a maior rede inte-
somos culpados por grada de hospitais e clínicas evangélicas
em todo o mundo.1 Frequentemente,
escolher somente os abrimos o caminho aderindo ao uso dos mais recentes
procedimentos e equipamentos médicos. Temos tam-
resultados científicos que bém adotado entusiasticamente as mais recentes tecno-
logias na área das telecomunicações para a propagação
se encaixam com as nossas do evangelho. Começando com a Página Impressa,
necessidades religiosas? passamos rapidamente para as ondas curtas do rádio,
televisão, satélite, internet e mídias sociais, tão logo
essas tecnologias se tornaram disponíveis.

18 DIÁLOGO 29 • 1 2017
No entanto, parece que temos uma abordagem incon- e pela qual devemos ser genuinamente gratos. No
sistente para com a ciência. Adotamos as descobertas entanto, a ciência tem suas limitações, e é possível que o
científicas ou conclusões que nos ajudarão em nosso método científico produza explicações naturalistas que
ministério de saúde e trabalho evangelístico, no entan- sejam objetivamente falsas. Consideremos essas razões.
to, rejeitamos outras descobertas significativas, ampla-
mente aceitas pela comunidade científica. O exemplo 1. SUPOSIÇÕES NÃO VERIFICÁVEIS
mais óbvio é a Teoria Geral da Evolução, com seus A primeira razão pela qual o método científico pode
mecanismos neodarwinistas e ancestralidade biológica chegar a uma conclusão falsa é que as suposições inviáveis,
comum. Nossa rejeição da evolução biológica é muitas sobre as quais a conclusão se baseia, podem ser falsas. No
vezes acompanhada de um cepticismo generalizado, e caso da pesquisa das origens, os pressupostos que precisam
até mesmo de rejeição, tanto da cosmologia padrão do ser feitos em um modelo científico incluem:
Big Bang, como da idade geológica do planeta Terra.
Essa rejeição é justificada, como será demonstrada neste Condições iniciais: Para qualquer modelo científico,
artigo. No entanto, algumas pessoas sentem que isso precisam ser feitos pressupostos sobre as condições ini-
demonstra uma abordagem inconsistente para com a ciais do sistema.
ciência. Somos nós culpados por escolher somente os Ritmo das mudanças: Suposições precisam ser feitas
resultados científicos que se encaixam com as nossas com base no ritmo das mudanças que ocorrem nos pro-
necessidades religiosas? cessos dentro do sistema.
O eminente teísta-evolucionista Howard van Till Sistema aberto ou fechado: Ao modelar um siste-
pensa assim. Ele observa: “A inconsistência de atitudes ma, as suposições precisam ser feitas dependendo se o
agora exibidas por muitos cristãos em relação às ciências sistema é aberto ou fechado, com respeito às entradas
é muito intrigante. Os cristãos agem normalmente de ou saídas.
uma forma que implica numa grande dose de confiança Para um estudo científico específico, alguns ou todos
na competência e integridade profissional das ciências esses pressupostos podem ser falsos, o que significa que
naturais: confiança nas suas hipóteses de trabalho, em a conclusão do estudo será falsa também.
sua metodologia, colheita e interpretação de dados,
formulação e avaliação de teorias sobre a natureza e fun- 2. EVIDÊNCIA FINITA
cionamento do Universo hoje. […] Mas, o que acontece Embora a grande quantidade de dados que os seres
quando essa mesma comunidade de cientistas naturais, humanos têm coletado sobre o mundo natural seja ver-
empregando os mesmos pressupostos e metodologia, e dadeiramente astronômica e crescente, a realidade é que
aplicando os mesmos princípios de formulação teórica e sempre haverá apenas uma base finita de provas da qual
evolução, dedica parte de sua atenção à reconstrução da as conclusões científicas são derivadas. Sempre existe a
história formativa do Universo? […] Surpreendentemente, possibilidade de que mais evidências derrubem o atual
uma grande parte, especificamente no que diz respeito ao consenso científico em qualquer área. Galileu demons-
campo criacionista de uma Terra jovem, escolhe rejeitar trou isso quando girou seu telescópio caseiro em direção
a conclusão a que chega a vasta maioria dos cientistas a Júpiter e descobriu que havia luas orbitando ao redor de
naturalistas, com base em crenças anteriores, procedentes nosso vizinho gasoso gigante. Destaca-se aqui o caráter
de uma leitura em particular do texto bíblico.”2 provisório das conclusões científicas.
Van Till continua: “Percebo que essa atitude incon-
sequente é totalmente indefensável.” Em seus escritos, 3. SUBDETERMINAÇÃO CIENTÍFICA
quase que se pode ver toda a sua exasperação. Ainda mais fundamental é a realidade de que as
A questão crítica, porém, é se o método científico evidências disponíveis são insuficientes para indicar
sempre chega a conclusões objetivamente verdadeiras. se devemos adotar uma determinada teoria científica.
Se algumas teorias científicas são objetivamente falsas, Esse problema foi identificado pelo filósofo alemão
então é apropriado escolher as conclusões científicas Gottfried Leibniz, desde o século 17, quando ele apon-
verdadeiras e rejeitar as falsas. Isso, no entanto, levanta tou, em sua correspondência com o matemático suíço
uma pergunta: O método científico chega sempre a Jacob Bernoulli, que havia um número infinito de
conclusões objetivamente falsas? E como podemos saber curvas que poderiam caber em um conjunto finito de
onde realmente está a verdade? observações no trajeto de um cometa.3
Há uma série de razões pelas quais o método cientí- Quando ocorrem explicações rivais empíricamente
fico não necessariamente tira conclusões objetivamente equivalentes, as evidências sobre as quais essas explicações
verdadeiras. Deve-se enfatizar que a ciência tem sido são baseadas não identificam a objetividade da verdadeira
incrivelmente bem-sucedida em nos permitir compre- explicação e, portanto, banem as explicações rivais para
ender como Deus normalmente sustenta o Universo, a pilha de resíduos científicos. Isso é particularmente sig-

DIÁLOGO 29 • 1 2017 19
nificativo quando a Bíblia tem explicações sobrenaturais necessárias e/ou suficientes para que algo possa ser con-
que também podem explicar as evidências disponíveis. siderado ciência. Ninguém jamais foi capaz de traçar tal
O problema da subdeterminação científica significa que linha de demarcação, e tal coisa não existe”.7
as evidências disponíveis não apontam inequivocamente Isso significa que o método científico, quando está
para a explicação naturalista padrão. Portanto, não se restrito ao naturalismo metodológico, pode produzir
pode dizer que o peso da evidência aponta para a conclu- uma falsa explicação naturalista. Isso seria assim no
são científica amplamente aceita. Assim, pode ser possível caso de ocorrer um milagre sobrenatural.
que um estudo científico promova uma explicação natu-
ralista que explique grande parte da evidência disponível, 5. PRESSÕES SOCIOLÓGICAS
mas ainda assim ela continue sendo falsa. Embora a pressão do grupo pareça ser apenas um
problema relacionado aos adolescentes, existem pressões
4. NATURALISMO METODOLÓGICO sociológicas dentro da comunidade acadêmica. Há pres-
É de vital importância notar que a maioria das sões para se conformar aos paradigmas prevalecentes a
pessoas dentro da comunidade científica acredita que serem considerados no caso da promoção acadêmica e
a ciência deve ser comprometida com o naturalismo para a obtenção de subsídios de financiamento dos proje-
metodológico. Isso significa que elas acreditam que um tos de investigação. J. P. Moreland observou: “Mas todos
estudo científico deve prosseguir sem recorrer a Deus, a nós sabemos que um grupo de profissionais de algum
milagres sobrenaturais ou a um livro religioso. campo pode ser cegado em uma das duas maneiras:
Por exemplo, se um psicólogo estivesse estudando primeiro, o seu curso de estudos pode doutriná-los tão
padrões de saúde mental dentro da população estu- completamente para verem algum fenômeno de certa
dantil da Universidade de Sydney e todo um segmento maneira, que eles simplesmente não podem considerar
dessa comunidade sofresse repentinamente um surto de outras formas de ver os dados, nem podem ouvir outros
pensamento delirante e de comportamento irracional, que apresentam interpretações alternativas. Em suma,
seria improvável que qualquer revista de psicologia acei- um grupo homogêneo pode ser cegado pela força social
tasse um artigo desse psicólogo propondo que houve de sua uniformidade e desenvolver mentes fechadas para
uma manifestação de possessão demoníaca entre essa a sugestão de que suas opiniões podem ser inadequadas.
população de estudantes. Em segundo lugar, isso ocorre quando o fenômeno em
No entanto, só porque a ciência não apela rotineira- discussão está no cerne das questões religiosas e éticas,
mente para milagres sobrenaturais, isso não significa e a visão da maioria faz um trabalho importante para a
que os milagres nunca acontecem. De fato, o naturalis- comunidade de profissionais, ao justificar seu estilo de
mo metodológico fica sem resposta diante das explica- vida ético e religioso.
ções sobrenaturais.4 Isso ocorre porque o naturalismo “Nenhum desses fatores implica em que a opinião
metodológico assume que devemos desenvolver uma da maioria seja falsa ou irracional, mas se vê claramen-
explicação naturalista em todos os estudos científicos te que há perigos aqui e que a aceitação científica da
sem confirmar que uma explicação sobrenatural não é evolução se encaixa em ambos os critérios. Devido a
a explicação objetivamente verdadeira numa determi- isso, e porque simplesmente não é verdade que a teoria
nada situação. Stephen Dilley identificou o problema evolucionista tem sido cada vez mais confirmada pela
com precisão quando observou que é logicamente evidência, ou proveitosamente empregada para reunir
incoerente sustentar que o naturalismo metodológico novas descobertas empíricas que não podem ser expli-
pode desconfirmar milagres sobrenaturais simplesmen- cadas sem a teoria evolucionista, então não há inconsis-
te assumindo que eles não ocorrem.5 tência quando as pessoas confiam em seus médicos ou
Alguns cientistas podem objetar dizendo que a ciên- especialistas em informática para serem aconselhadas
cia está comprometida com o naturalismo metodológi- em medicina e softwares, mas não confiam em cientis-
co por definição. No entanto, como enfatizou humoris- tas evolucionistas para descreverem os mecanismos que
ticamente o principal filósofo analítico Alvin Plantinga, geraram os seres vivos”.8
“é difícil ver a maneira em que qualquer coisa, como o Tendo em vista que a maioria dos cientistas seculares
caso de uma disputa razoavelmente séria sobre o que é e pode ser cegada por essas pressões, eles também podem
o que não é ciência, poderia ser resolvida apenas apelan- ser incapazes de discernir o que é objetivamente verdadei-
do para uma definição.”6 ro. Assim, o consenso científico sobre a melhor explica-
Os filósofos J. P. Moreland e William Lane Craig ção das origens pode ser falso e pode ter de ser rejeitado.
esclarecem por que esse é o caso. Eles observam que o
naturalismo metodológico “depende de uma linha de COMETENDO UMA FALÁCIA GENÉTICA
demarcação entre ciência e não ciência, ou pseudociên- Com a preocupação de que os adventistas do sétimo
cia que consiste em indicar um conjunto de condições dia possam ser inconsistentes, por serem seletivos em

20 DIÁLOGO 29 • 1 2017
relação às conclusões científicas, realmente, se comete ter certeza de que tudo o que a Bíblia ensina é verdade,
uma falácia lógica informal, conhecida como a falá- mesmo quando as conclusões científicas tentam nos
cia genética. Uma falácia genética ocorre sempre que levar a acreditar de outra forma.
alguém afirma que devemos aceitar uma ideia simples- Escolher dados é inadequado, se realizado de forma
mente com base na fonte da ideia ou do processo pelo arbitrária e injustificável. Nosso objetivo, como adven-
qual ela foi desenvolvida. Nesse caso, os evolucionistas tistas do sétimo dia, porém, é acreditar no que é clara-
teístas afirmam que devemos aceitar as teorias cientí- mente verdadeiro sobre o mundo que Deus criou. Isso
ficas com base no fato de que elas foram produzidas significa que não estamos, em última análise, interessa-
pelo método científico e foram adotadas pelo consenso dos no consenso científico sobre nossas origens. Ao con-
científico. Isso compromete uma falácia genética. É o trário, estamos buscando a verdade objetiva sobre nossas
inverso do que Natanael disse quando Filipe exclamou, origens. Uma vez que a Palavra de Deus é a verdade, e
cheio de entusiasmo, que haviam encontrado o Messias Jesus prometeu que o Espírito Santo nos guiará em toda
– era Jesus de Nazaré! Ao invés de dizer: “Nazaré? Pode a verdade, estamos autorizados a aceitar a verdade bíbli-
vir alguma coisa boa de lá?” (João 1:46), os evolucionis- ca sobre nossas origens, mesmo quando isso significa
tas teístas estão dizendo: “Pode alguma coisa digna de rejeitar quaisquer conclusões científicas que conflitem
rejeição sair da ciência?” com os ensinamentos da Bíblia.
Naturalmente, não queremos rejeitar arbitrariamente
algumas teorias científicas enquanto adotamos muitas
outras. Então, por que razão rejeitamos as teorias cien-
Sven Östring
tíficas sobre as origens? Isso nos leva à natureza muito
PhD pela Universidade de
especial do Livro inspirado que Deus nos deu tão gene- Canterbury, Nova Zelândia,
rosamente. Não só os autores bíblicos foram inspirados é diretor do Movimento do
pelo Espírito Santo quando escreveram as Sagradas Discipulado para a Associação
Escrituras, há milhares de anos, mas o Espírito Santo Australiana da Igreja Adventista
também confirma diretamente a verdade dos ensi- do Sétimo Dia na Grande Sydney,
namentos bíblicos em nosso coração quando lemos a Epping, New South Wales,
Palavra de Deus hoje. Na noite anterior à morte de Jesus Austrália. Completou o pós-
na Cruz, em favor da nossa salvação, Ele prometeu: doutorado em Otimização de Rede
“Mas, quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a em Anéis Ópticos. Seu e-mail:
toda a verdade” (João 16:13). SvenOstring@adventist.org.au.
João Calvino descreveu a Bíblia como “autoautentica-
dora”: “Que este ponto permaneça, pois: aqueles a quem
o Espírito Santo ensinou interiormente descansam ver- 1. http://press.adventist.org/en/.
N O TA S E R E F E R Ê N C I A S

dadeiramente sobre a Escritura, e que a Escritura é, de 2. Howard J. van Till, “The Fully Gifted Creation (‘Theistic
Evolution’)”, em Three Views on Creation and Evolution (Grand
fato, autoautenticada.”9 Rapids, Mich.: Zondervan, 1999), p. 182, 183.
Ellen White confirma a natureza essencial dessa 3. Hacking Ian, The Emergence of Probability: A Philosophical Study of
obra autenticadora do Espírito Santo: “O Espírito Early Ideas About Probability, Induction and Statistical Inference, (2a
Ed. London: Cambridge University Press, 2006), p. 164.
Santo sempre conduz à Palavra escrita. O Espírito
4. Robert Larmer, “Is Methodological Naturalism Question-
Santo é uma pessoa, pois dá testemunho com o nosso Begging?” Philosophy Christi 5 (2003): 1:113–130. Disponível em:
espírito de que somos filhos de Deus. Uma vez dado http://epsociety.org/library/articles.asp?pid=80.

esse testemunho, traz consigo mesmo sua própria evi- 5. Stephen Dilley, “Philosophical Naturalism and Methodological
Naturalism: Strange Bedfellows?” Philosophia Cristi 12:1 (2010): p. 128.
dência. Em tais ocasiões acreditamos e estamos certos 6. Alvin Plantinga, “Methodological Naturalism? Parte 2”, Origins &
de que somos filhos de Deus.”10 Design 18:2 (1997): p. 22-34 (itálico no original). Ambas as partes
do artigo estão disponíveis em: http://www.arn.org/docs/ode-
Além disso, Alvin Plantinga, filósofo analítico sign/od181/methnat181.htm (Parte 1); e http://www.arn.org/
influente, tem aberto o caminho a fim de chamar a docs/odesign/od182/methnat182.htm (Parte 2).
atenção da comunidade acadêmica para a natureza 7. J. P. Moreland and William L. Craig in Philosophical Foundations for a
Christian Worldview (Downers Grove, Ill.: Intervarsity Press, 2003), p. 359.
da autoautenticação dos ensinamentos bíblicos. Ele
8. J. P. Moreland, “Response to Howard J. van Till,” em Three Views
observou que as verdades bíblicas “têm suas evidências on Creation and Evolution, p. 231, 232.
imediatamente, isto é, não por meio de evidências 9. John Calvin, Institutes of the Christian Religion, I.vii.5.
proposicionais. Elas não obtêm suas evidências ou 10. Ellen G. White, Ms. Release No. 20 (1906), p. 68. Citado parte em
justificações por acreditar na base das evidências de E Recebereis Poder, p. 120, e parte em Evangelismo, p. 616 (Tatuí,
SP: Casa Publicadora Brasileira, 1997/1999).
outras proposições”.11 11. Alvin Plantinga, Warranted Christian Belief (Oxford: Oxford University
Com base no que dissemos até agora, podemos afir- Press, 2000), p. 262. A análise completa de Plantinga sobre a garan-
tia das crenças cristãs encontra-se nos capítulos 6 a 9, p. 167-323.
mar que, por meio da obra do Espírito Santo, podemos

DIÁLOGO 29 • 1 2017 21
PERFIL

ROBERT MWANGA
Diálogo com um
pesquisador agrícola
em Uganda
ENTREVISTADO POR ISRAEL M. KAFEERO

R
obert Mwanga cresceu em Kamuli, uma realizações em Kampala, a escalada tem sido longa
pequena vila em Iganga, Uganda oriental. e árdua. Mas, com inabalável fé em Deus, com um
Além do trabalho que havia disponível na propósito constante de uma vida que flui dessa fé e
aldeia, a maior vocação do pai de Robert uma excelência acadêmica que aguça a mente e a pro-
estava guardada em seu coração e diri- fissão, Robert Mwanga caminhou por toda essa longa
gia a sua mente: com a Bíblia aberta e uma grande estrada, áspera e fatigante. Como estudioso, nunca se
paixão pelo evangelismo, Mwanga foi evangelista cansou e concluiu essa jornada com uma persistência
voluntário durante toda a sua vida. Esse trabalho não que finalmente o levou a receber o prestigiado Prêmio
trouxe nenhuma compensação financeira, mas lhe Mundial de Alimentos por suas realizações em uma
proporcionou um campo aberto para testemunhar pesquisa focada na humilde batata-doce.
de sua fé. Os pais de Robert não eram ricos em bens Como primeiro estudioso e pesquisador adventista
materiais, mas eram ricos nas “inesgotáveis miseri- de Uganda a receber uma homenagem em nível glo-
córdias” de Deus e enchiam sua casa, que abrigava bal como essa, o Dr. Mwanga é testemunha de sua fé
os nove irmãos, com essas riquezas, compartilhando em Deus e compromisso com a pesquisa e erudição
as bênçãos que recebiam em sua aldeia e nas comu- que transformou o que pode parecer uma das mais
nidades vizinhas. Devido a essa paixão pelo evange- simples e humildes criações de Deus – a batata-doce
lismo e pela conquista de mais pessoas para Cristo, – em um maravilhoso símbolo de força e crescimen-
o pai de Robert não queria que seu filho deixasse to. Além de cientista agrícola, o Dr. Mwanga é ancião
de receber as bênçãos de poder conhecer e servir na igreja adventista local, em Kasozi. É casado com
a Deus. Assim, Robert Mwanga obteve de seu pai o Rose Mukumbi, formada em Ciências Tecnológicas
impulso inicial: ele começou a entender e abraçar as pela Universidade de Kyabmbogo, em Kampala. Ela
riquezas e os desafios da fé adventista. A educação atua como pesquisadora-técnica e trabalha em expe-
adventista foi o primeiro degrau de Robert na escada rimentos feitos com a batata-doce no campo, como
do conhecimento e da compreensão do mundo. também no laboratório de cultura de tecidos do
Desde aquele simples começo na aldeia de Iganga Centro Internacional da Batata, em Uganda. O casal
até os portais do conhecimento e das renomadas tem dois filhos pré-adolescentes.

22 DIÁLOGO 29 • 1 2017
 Dr. Mwanga, vamos começar com o reconhecimento Depois de haver trabalhado como associado de pes-
mundial que o senhor recebeu no ano passado, por sua quisa por seis meses, concentrando-me na reprodução da
pesquisa na produção de alimentos. Obviamente, isso é de batata-doce, o International Research Development Center
grande interesse para estudantes e professores adventistas ao (IDRC), em Ottawa, Ontário, no Canadá, ofereceu-me
redor do mundo. Conte-nos algo sobre isso. uma bolsa de estudos para o Mestrado em Ciências,
Há alguns anos, dei início ao processo de reprodução de na Universidade das Filipinas, em Los Baños (UPLB),
batatas-doces ricas em betacaroteno, uma excelente fonte Laguna, onde cursei Agronomia e Reprodução de Plantas.
de vitamina A. Meus esforços pela pesquisa ao longo da Voltei para Uganda em 1986 e fui chamado para trabalhar
vida foram recompensados no ano passado, quando eu na Namulonge Research Station, a fim de dar início a um
e outros três colegas fomos homenageados por termos Programa de Culturas de Raiz. Minha carreira de pesqui-
desenvolvido uma batata-doce alaranjada que demons- sador e de professor levou-me a uma ampla variedade de
trou ter grande potencial na melhoria do estado de saúde programas de pesquisa, bolsas e treinamento nas áreas de
e nutrição de milhões de pessoas em todo o mundo, espe- Biotecnologia para cientistas africanos no IITA, Ibadan;
cialmente em regiões onde a desnutrição é um problema. Reprodução de Plantas no International Agriculture
Como resultado desse projeto, meus colegas (Dra. Maria Center (IAC), Wageningen, na Holanda (1989); e Técnica
Andrade, Jan Low e Howarth Bouis) e eu fomos premia- de Cultura de Tecidos e Métodos de Mutagênese, no
dos com o World Food Prize pela Fundação do Prêmio Institute of Genesis and Plant Breeding, pela Universidade
Mundial de Alimentos, no Capitólio do Estado de Iowa, de Agricultura de Varsóvia, na Polônia (1990).
em Des Moines, Iowa, EUA, em 13 de outubro de 2016. Em 1995, recebi uma proposta, financiada pela
Fundação McKnight, focada na reprodução e aumento
 Louvado seja Deus por essa realização extraordinária. do betacaroteno na batata-doce. O financiamento foi
Conte-nos um pouco de sua infância. de 15 anos, período durante o qual fiz a minha pesquisa
Embora meus pais não fossem ricos em posses terrenas, de doutorado em Reprodução de Plantas e Genética
tinham um grande sonho para seus três meninos e seis na Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos
meninas. Acreditavam na educação cristã e queriam que EUA (1996-2001), e no Centro International de la Papa
tivéssemos o melhor que a educação adventista pode dar. (CIP), em Lima, Peru.
Dessa forma, tive a bênção de estudar em uma escola
adventista desde o início. Naquela pequena escola de nível  Uau! Foi um longo caminho acadêmico, e com
fundamental, perto de nossa aldeia, aprendi muito sobre o excelência. Em sua jornada, que tipo de desafios o senhor
que moldou a minha vida: conhecer Jesus como um Amigo, enfrentou, particularmente no que diz respeito a situações
relacionar-me com meus professores e colegas como mem- que testavam sua fé?
bros de minha família e encontrar um desafio para a mente Enfrentei muitos desafios, especialmente durante meus
e para o coração em tudo o que estudamos e fazemos. estudos de graduação. Durante toda aquela época, Idi
Embora desejasse terminar o Ensino Médio na Escola Amin, o presidente de Uganda, declarou a sexta-feira como
Secundária Adventista de Bugema, circunstâncias além um dia de não trabalho e o sábado como um dia de traba-
de meu controle conduziram o meu acesso à Faculdade de lho. Na Universidade Makerere, onde eu estava estudando,
Jinja e, mais tarde, fui para a Faculdade de Namilyango, a maioria das aulas agendadas para sexta-feira foram sim-
para assim terminar minha educação de nível A com plesmente transferidas para o sábado. Lembro-me de meu
as bolsas de estudos do governo. Ao concluir Biologia, professor de botânica dizendo que eu me arrependeria por
Química, Geografia, Artes Plásticas e Sub-matemática faltar aos exames no sábado, o meu sábado. Eu teria repro-
com classificação A, inscrevi-me para uma bolsa de vado se não fosse a intervenção divina. Tirei notas muito
estudos do Governo na Universidade Makerere, pres- altas nos testes e exames. Assim, sempre que os professores
tigiada universidade nacional de Uganda. Depois de calculavam as médias, eu acabava entre os melhores. Foi
concluir meu bacharelado em Ciências (com louvor), em assim que Deus cuidou de mim. Na Universidade Estadual
Botânica, Zoologia e Geografia, no ano de 1978, come- da Carolina do Norte, uma professora observou que eu
cei a trabalhar na Kawanda Research Station, próxima a estava faltando às aulas no sábado. Quando lhe expliquei
Kampala, capital de Uganda. Isso foi na época em que o porquê, ela me disse que eu deveria ter falado sobre
o país tinha sido devastado pelo regime de Idi Amin. isso com antecedência. Outro professor previu que eu me
Não havia fundos para pesquisa, então procurei um meio arrependeria de não participar de suas aulas e trabalhos de
de ir estudar no Exterior. Depois de tentar por cinco laboratório no sábado. “Fungos e bactérias”, ele me disse,
anos, tive a oportunidade de fazer um treinamento no “não conhecem o sábado”. Mas eu sei que Deus conhece o
International Institute for Tropical Agriculture (IITA), sábado, e finalizei o curso muito bem.
em Ibadan, na Nigéria. Lá, meu foco foi dirigido para a Em toda a minha vida, nunca me arrependi de estar
tecnologia na produção de raízes e tubérculos. do lado de Deus. Esse é o único lado que temos, e Ele

DIÁLOGO 29 • 1 2017 23
nunca perde. Se somos fiéis, Deus luta as nossas bata- através da provisão de alimentos nutritivos, especialmente
lhas, uma após a outra. para essa região, que, apesar do seu potencial natural, tem
grandes segmentos de populações que sofrem de desnu-
 Como o senhor classificaria e descreveria seu cresci- trição. Fazendo o que faço, sinto que estou ajudando a
mento e desenvolvimento na área profissional? comunidade a viver melhor. Também estou feliz por Deus
“Tenham fé no Senhor, o seu Deus, e vocês serão ter me proporcionado tantas oportunidades para prosseguir
sustentados; tenham fé nos profetas do Senhor, e terão na minha educação, cumprindo assim os desejos do meu
a vitória” (2 Crônicas 20:20). Durante toda a minha coração, e que não são contrários à Sua vontade para com
vida, eu me senti ligado a essa promessa. Não há nada Seu povo. Saber que estou engajado no trabalho de tornar
mágico para o sucesso; nem a sorte tem nada a ver com melhor a vida das pessoas me traz alegria e satisfação.
isso. Desde os meus primeiros anos, descobri que para
ter sucesso na vida, não há substituto para a confiança  Alguns cristãos acham que os cientistas são anticris-
em Deus – e trabalho árduo. tãos. Algum comentário, em particular, no contexto dos
Depois dos meus estudos de graduação, trabalhei OGMs (Organismos Geneticamente Modificados)?
como pesquisador na Organização Nacional de Pesquisa Nem todos os cientistas são anticristãos. Eu não sou.
Agropecuária (NARO), em Uganda, de 1978 a 2009. Você é anticristão se você tenta fazer o que é contrário ao
Eu produzia batata-doce. Então, quando o International que Deus diz. Muitos cientistas acreditam em Deus, e posso
Potato Center (CIP) abriu um escritório em Kampala, fui dizer simplesmente que a ciência não é oposta a Deus. A
convidado a me juntar a eles. Tornei-me o CIP Country batata-doce alaranjada não é um OGM. No entanto, os
Manager em 2011. Além de supervisionar as operações OGMs são usados para resolver problemas onde os meios
diárias do escritório do CIP, eu era o responsável pela convencionais falharam. Sendo assim, os OGMs ajudam a
produção de batata-doce na África Oriental e Central. salvar pessoas cuja vida estaria perdida devido à desnutrição.
Juntamente com meus colegas do CIP em todo o mundo,
bem como os parceiros nacionais da região, redigimos  Como adventista do sétimo dia, que oportunidades
propostas para os governos e doadores solicitando seu especiais o senhor tem ao testemunhar suas prioridades de fé?
apoio ao trabalho de pesquisa e desenvolvimento. Onde quer que eu vá, tenho a oportunidade de lembrar
Esse é um trabalho que eu gosto porque não só provê a as pessoas a respeito do sábado. Elas são lembradas do
minha subsistência, ao fazer a pesquisa que eu amo, mas regime alimentar que Deus santifica. Ao planejar um car-
também porque é uma forma de cumprir a minha respon- dápio para eventos, os organizadores se lembram de que os
sabilidade cristã, promovendo o melhoramento da sociedade adventistas não comem porco. Eles se lembram desse deta-

24 DIÁLOGO 29 • 1 2017
O Dr. Mwanga não
somente ama o
grande livro de Deus
– a Natureza – mas
também partilha os
mistérios e maravilhas
desse livro com seus
alunos e pesquisadores.

lhe e também ajustam a programação para facilitar a obser- Deus. A Bíblia nos assegura: “O Senhor fará de vocês
vância do sábado. Essas ocasiões me dão a oportunidade de a cabeça das nações e não a cauda; se obedecerem aos
testemunhar da minha fé. Quando nós quatro (os laurea- mandamentos do Senhor [...], vocês estarão sempre por
dos) fomos convidados a ir para o Iowa, a fim de receber o cima” (Deuteronômio 28:13).
Prêmio Mundial de Alimentos 2016, os organizadores nos Viva contente com o que você tem até que Deus lhe
fizeram assinar contratos para as atividades em que espera- dê mais, de acordo com a Sua vontade. Lembre-se tam-
vam que participássemos (por exemplo, talk shows, visitas a bém de que a educação é cara e que o mercado de tra-
alguma escola e passeios). Quando recebi o contrato, eu me balho diminuiu. Então, vá, passo a passo. Em qualquer
certifiquei de que não estava agendada qualquer atividade nível, faça algo. Procure também oportunidades para
para o sábado. Se o evento principal fosse programado se autopatrocinar. Nem todos conseguem ter a sorte de
para o sábado, eu não participaria. Mesmo se o presidente receber um patrocínio, mas isso não significa o fim do
dos Estados Unidos estivesse presente em tal evento e esse caminho. Mesmo que isso signifique esperar por alguns
evento fosse agendado para o sábado, eu não iria. A fé tem anos, faça algo enquanto espera. Não subestime o traba-
seus desafios e não está para compromissos ou à venda. lho manual. Eu me lembro de que trabalhei duro com
minha mãe, na fazenda da família, plantando algodão.
 Eu entendo que o senhor é um participante ativo na
igreja local. Como consegue fazer isso e como sua fé é afeta-  Qual é o seu conselho para os jovens profissionais? E
da por suas atividades atuais na igreja, no que diz respeito qual é o seu comentário final?
às suas responsabilidades profissionais? Para os jovens profissionais, quero dizer que a edu-
A igreja tem sido parte da minha vida desde criança. Fui cação, de certa maneira, faz você se sentir no topo do
criado na igreja. Embora grande parte da minha escolari- mundo. Por favor, vá devagar. Não dei relevância a isso
dade não tenha sido em instituições adventistas, a forma- na minha educação. Aprenda com os outros. Aproveite
ção que recebi da minha família e na escola primária foram todas as oportunidades. Você pode não encontrar uma
muito importantes. Participar das atividades da igreja me colocação de trabalho após o término de seu curso.
dá forças para realizar o meu trabalho profissional. Eu não Tente criar o seu próprio trabalho, e “pense fora da
posso comprometer essa questão, mesmo quando o chefe caixa”, isto é, seja criativo. Certamente, haverá outras
de Estado está para vir ao nosso local de trabalho. Todos os oportunidades proporcionadas pelo avanço tecnológico,
meus colegas sabem que não programo qualquer trabalho como trabalhar usando a Internet. Não desista, mesmo
do CIP para o sábado. Também gosto de participar das que você tenha que fazer centenas de inscrições até ser
atividades da igreja – não como um dever, mas como parte aprovado. Seja persistente. E concluindo, não queira
do meu louvor, serviço e adoração a Deus. ficar rico em pouco tempo. As pessoas ricas trabalha-
ram duro antes. Confie sempre em Deus e coloque-O
 Como o senhor encontra tempo para sua família? em primeiro lugar em tudo o que faz.
Na verdade, esse é um desafio real, pois eu viajo
muito. A pesquisa também tem a tendência de tirar de Israel M. Kafeero
nós a maior parte do tempo. No entanto, procuro com- PhD pela Universidade Andrews,
pensar esse tempo, sempre que estou em casa. Envolvo Berrien Springs, Michigan, EUA,
minha família em atividades ao ar livre e no trabalho é o Secretário Executivo da
escolar, mas ainda assim sinto muita falta de casa. União-Missão dos Adventistas
do Sétimo Dia de Uganda,
 Que conselho o senhor daria aos jovens adventistas Kampala, em Uganda. Seu
que estão envolvidos ou que desejam assumir uma profissão e-mail: ikafeero@hotmail.com.
como a sua?
Faça cursos relevantes. Aposte alto. Seja muito foca- E-mail de Robert Mwanga:
do. O trabalho duro garante o sucesso. Acredite em R.Mwanga@cgiar.org.

DIÁLOGO 29 • 1 2017 25
PR I M E I R A PE S SOA

A ALEGRIA DA FÉ E O
DESAFIO DA CIÊNCIA
RICARDO RUIZ BAIER

Como podemos enfrentar


os desafios da ciência, até
mesmo quando procuramos
nos apegar à alegria da fé?

E
u cresci no campus da Universidade Adventista
do Chile, no sul do país, tendo diante de mim
as magníficas paisagens do vulcão Nevados,
de Chillán. Naquela época, a área era povoada
exclusivamente por adventistas. Os únicos pro-
fissionais que conhecia eram professores, pastores e enfer-
meiras. Embora acreditasse ter mente bem aberta, meu
modo de pensar, bastante racional, me levou a concluir
que, quando eu crescesse, deveria me tornar um deles.
Além disso, a lembrança constante do conselho de meu
pai, de que “a carreira (e a esposa) que você escolhe perma-
necerá por toda a vida”, me manteve sempre pensando em
meu futuro profissional desde muito cedo. A simples ideia
de ser um advogado ou engenheiro adventista, um arqui-
teto ou veterinário adventista, ou um músico adventista
em tempo integral estava completamente fora de cena.
Tão cedo quanto me lembro, tive inclinação para o
raciocínio intuitivo e quantitativo. Provavelmente, isso
era devido a muitos fatores, mas minha mãe talvez atri-
buísse essa inclinação a um forte estímulo musical que
tínhamos em casa. Eu sempre gostei da riqueza que há na
harmonia, onde uma gama completa de características,
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como simetria, lógica, gráficos (como os representados em


partituras musicais) e outros elementos a ela ligados são
evidentes. Também é possível que os incontáveis empregos
temporários de verão em que meus irmãos e eu, cheios

26 DIÁLOGO 29 • 1 2017
de entusiasmo, estivemos engajados, tenham ajudado em (desde as escalas subatômicas até as interações interga-
minha decisão. Trabalhamos como apicultores, agriculto- lácticas) e cada tentativa de descrevê-las pelas leis físicas
res, produtores de conservas caseiras, aviários, auxiliares e eventualmente traduzi-las em linguagem matemática,
de biblioteca, colportores, jardineiros, funcionários de clama como evidência os desígnios de Deus. Embora haja
supermercados, bem como em muitas outras ocupa- beleza em nossa visão teórica do Universo, ela é meramente
ções. No final do Ensino Médio, tive a oportunidade de um pálido reflexo de Sua perfeita criação. Ou, nas palavras
conhecer outros profissionais cristãos e, pouco a pouco, do salmista Davi: “Os céus declaram a glória de Deus; o
comecei a ver muitas oportunidades mais de carreira firmamento proclama a obra das Suas mãos” (Salmo 19:1).
abrindo-se diante de mim. No entanto, já era tarde, pois, Mesmo que o mundo considere a ciência e a fé antagôni-
na metade do Ensino Médio, percebi o meu interesse pela cas, tenho conhecimento de que há um grande número
Matemática e, ao mesmo tempo, compreendi verdadeira- de matemáticos (e também um grupo significativo de
mente que odiava outras áreas, como a da Química. outros cientistas) que veem as maravilhas deste mundo
Depois de pensar por um bom tempo, resolvi ir à por um escopo diferente, que envolve espiritualidade e um
Universidade de Concepción, uma grande institui- forte relacionamento com Deus. Cabe a nós, envolvidos
ção secular (historicamente maçônica), localizada a no diálogo “ciência e fé”, lembrar à sociedade moderna
quase duas horas da minha casa. Para ser honesto, foi as maravilhas que testemunhamos dia a dia. Como disse
realmente um grande desafio começar uma vida tão Immanuel Kant, o filósofo alemão: “Duas coisas enchem
emocionante. Estava cercado por uma grande variedade minha alma de assombro e reverência cada vez maiores,
de novas tentações, e eu caí nelas repetidamente, quase quanto mais frequente e intensamente me detenho a refle-
desistindo, muitas vezes. Mas, apesar dos repetidos con- tir sobre elas: o céu estrelado acima de mim e a lei moral
tratempos, percebi que Deus estava constantemente ao dentro de mim.” * A voz interior e o testemunho ao nosso
meu lado, guiando-me em cada passo. redor podem manter o diálogo entre a fé e a ciência.
Então, eu me formei em Matemática, em seguida em Então, como você vai compartilhar, realmente, a sua
Engenharia e, finalmente, graduei-me com um PhD fé no local de trabalho? Em primeiro lugar, acredito
em Matemática Aplicada. Atualmente, dedico a maior que uma estratégia clara é tentar maximizar a alegria de
parte do meu tempo à pesquisa em Análise Numérica, fazer o seu trabalho todos os dias com o melhor de sua
uma disciplina matemática fascinante, que envolve a capacidade e profissionalismo. No contexto do trabalho
teoria e a prática de métodos construtivos, com a finali- científico, não há melhor maneira de alcançar esse obje-
dade de obter soluções para problemas (como equações tivo que manter o foco em um assunto que você mais
diferenciais parciais), usando uma combinação particu- aprecia. Posso assegurar que um cientista que tenha
lar de matemática abstrata, algoritmos especializados paixão e fervor pelo Espírito Santo não passará desper-
e computação científica. Sendo um assunto altamente cebido. O testemunho fluirá naturalmente, permitindo
prático, também requer conhecimento bastante avan- que se torne um missionário bem-sucedido onde estiver,
çado da aplicação específica à mão (por exemplo, os não importam as circunstâncias.
que surgem na biomecânica, na física dos fluidos, na Se um colega está precisando de uma palavra de encora-
dinâmica populacional, na morfogênese, etc.). jamento ou conforto, não tenha medo de oferecê-la. Não
importa o seu passado ou de onde você é, sua experiência
COMPARTILHANDO A FÉ ou sua área de conhecimento, pois uma boa palavra é sem-
Durante minha busca e prática educacionais, des- pre bem-vinda. E o que de melhor você pode dizer, a maior
cobri que, em muitos círculos sociais e profissionais, notícia que pode dar, é que, independentemente do seu
falar abertamente sobre a fé pode fechar portas para passado distante ou recente, o principal objetivo de Jesus
compartilhar a mensagem de Cristo e que, enfim, ser é prover todas as suas necessidades, incluindo a paz de
um pastor, uma enfermeira ou um professor não vai, espírito e a felicidade. O poder desse evangelismo pessoa a
necessariamente, ajudar. No entanto, os profissionais pessoa é que ele é simples e acessível a todos em seu círculo.
cristãos de todos os tipos são um trunfo importantíssi-
mo para a propagação do evangelho em todos os cantos
do mundo, e agora mais do que nunca. Embora haja beleza em
Olhe ao redor, e você vai notar uma crença popular
cada vez maior de que a ciência e a fé têm pouco terreno nossa visão teórica do
em comum ou diálogo para compartilhar e que podem até Universo, ela é meramente
ser opostas uma à outra. Meu ponto de vista é de que isso um pálido reflexo de Sua
não pode estar mais longe da verdade, particularmente nas
ciências naturais. Nesse caso, cada passo que se dá para a perfeita criação.
compreensão das estruturas complexas que nos rodeiam

DIÁLOGO 29 • 1 2017 27
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PENSE NISTO... Quarto, um relacionamento saudável com seu supervi-
Como alguém que sobreviveu ao curso de pós-gradua- sor/mentor é grande parte de uma avaliação bem-sucedida.
ção, permita-me dar alguns conselhos. Primeiro, se você Avalie o que é exigido de você desde o início e mantenha-se
quer ficar em um ambiente acadêmico, uma carreira ligada alerta com relação às suas próprias expectativas. Adote
à ciência pode ser árdua. Aptidão excepcional pode apenas uma atitude proativa sempre que possível, seja persistente
levá-lo mais longe. O resto é de muito trabalho duro. Dito na programação de reuniões regulares para avaliar o traba-
isso, as preciosas habilidades desenvolvidas ao longo de sua lho a ser incrementado e aproveite ao máximo (vá prepara-
carreira (especialmente durante a sua dissertação), como do para apresentar novos desafios, perguntas, ideias, etc).
persistência, foco, organização e capacidade de se refazer Finalmente, se você está seguindo uma carreira científi-
depois de bater de frente com uma parede, irá proporcionar ca e está se perguntando: “O que estou fazendo aqui? Eles
uma grande força para outros aspectos de sua vida. cometeram um erro terrível em me deixar entrar! Estou
Em segundo lugar, tente se conectar e discutir sua pesqui- aterrorizado por não estar à altura do trabalho”, não entre
sa com outros alunos, pós-doutores e professores. Trabalho em pânico. A experiência é comum a todos os estudiosos,
colaborativo é fundamental para o avanço da ciência, especialmente no início, e até mesmo periodicamente, ao
mas uma conversa informal, apenas com seus colegas longo dos anos. Deixe-me dizer-lhe, não há erro.
(mesmo aqueles mais distantes de seu campo específico), Vocês todos são extraordinariamente especiais e
também pode ajudar a colocar suas ideias em perspectiva. foram escolhidos a dedo para seguir esse caminho.
Além disso, não esqueça o escopo maior do seu trabalho.
É extremamente fácil desistir diante de uma frustração * Immanuel Kant, Critique of Practical Reason (Cambridge
quando as coisas não andam conforme o esperado. Anote University Press, 1997).
seus pensamentos e esmere-se em seu trabalho científico
deixando-o bem documentado por meio de várias iterações
melhoradas. Isso vai esclarecer as coisas para você e, para a
comunidade relevante, você está visando ao impacto. Ricardo Ruiz Baier
Em terceiro lugar, certifique-se de que está dedicando PhD em Ciências Aplicadas
tempo suficiente para desvendar os desafios mais difí- pela Universidade de
ceis de sua pesquisa – aqueles que realmente tornam seu Concepción, Chile, é professor
trabalho valioso. A concentração é fundamental; tente assistente em Análise
evitar distrações que possam aparecer disfarçadas de Numérica no Instituto de
trabalho. Por outro lado, realizar pesquisas e ler as des- Matemática da Universidade
cobertas feitas por outros é algo muito importante, mas de Oxford, UK. Seu e-mail é:
não deve ser o foco principal de seus esforços. ruizbaier@maths.ox.ac.uk.

28 DIÁLOGO 29 • 1 2017
LOGO S

VIDA REAL:
LIÇÕES DE NICODEMOS
IKECHUKWU MICHAEL OLUIKPE

A
conversa entre Jesus e Nicodemos (João 3:1-
21) é uma das mais profundas e significativas
do Novo Testamento. Um estudo cuidadoso
Realmente, o viver sobre Nicodemos, de como ele surge nessa
conversa, proporciona lições claras sobre o
começa com o tipo de vida que Deus deseja que todos nós vivamos.
renascimento espiritual Nicodemos teria passado nos registros da igreja hoje
como um adventista do sétimo dia “certificado”, em
e continua com a entrega situação regular e boa. Como fariseu, deve ter orado e
jejuado regularmente, devolvido o dízimo de tudo o que
total e constante ao ganhava e guardado estritamente o sábado de acordo
com a lei. Como Paulo, poderia dizer que nas questões
poder e à Pessoa divina da lei ele era irrepreensível (Filipenses 3:6). Na verdade,
Nicodemos tinha uma vida religiosa que deixaria enver-
do Espírito de Deus. gonhado um típico adventista de nossos dias.
Nicodemos parecia vivo e ativo, mas, aos olhos do
Céu, estava preso à rotina religiosa como um cadáver
ambulante. Vivia de acordo com letra da lei e não no
espírito da lei (2 Coríntios 3:6). Impulsionado por uma
religião baseada na lei, estava simplesmente andando
como morto. Não estava vivendo, realmente.
Nicodemos tinha ouvido falar de Jesus – talvez por
causa do milagre em Caná (João 2:1-11), pelas notícias que
corriam sobre Seus ensinamentos, ou por Seu ousado ato
de purificação do templo (João 2:12-25). Apesar de viver
uma vida de rigoroso formalismo religioso, Nicodemos
sabia que algo lhe faltava. Ele se perguntava se Jesus tinha
a resposta para sua inquietação interior. Mas, como fari-
seu, não queria ser visto na companhia do jovem pregador
itinerante de Nazaré, que já estava Se tornando polêmico
por Seus sermões ousados e penetrantes. Queria então que
seu encontro com Jesus fosse o mais secreto possível, assim,
achou por bem encontrar-se com Ele à noite.
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DIÁLOGO 29 • 1 2017 29
FÔLEGO DE VIDA era, usou uma narrativa familiar do Antigo Testamento
Embora Nicodemos tenha começado sua conversa para mostrar a Nicodemos qual era a sua necessidade (João
com um discurso cordial, as primeiras declarações de 3:14). Depois de uma vitória maravilhosa contra os cana-
Jesus ignoram a aparente lisonja e protocolo, e Ele vai neus, Israel continuou sua jornada para a terra prometida,
direto ao ponto: “Ninguém pode ver o Reino de Deus, mas se esqueceu do significado daquela vitória que veio
se não nascer de novo” (João 3:3). do Senhor. Em vez disso, “falou contra Deus e contra
Isso pareceu absurdo para Nicodemos, assim, ele desa- Moisés”, lamentando: “Por que vocês nos tiraram […],
fiou a afirmação de Jesus: “Como alguém pode nascer, para morrermos no deserto?” A sua murmuração resultou
sendo velho? É claro que não pode entrar pela segunda vez em uma invasão de serpentes, e os filhos de Israel enfren-
no ventre de sua mãe e renascer!” (João 3: 4). Jesus reitera taram a morte no deserto (ver Números 21:1-8). O seu
a qualificação para entrar no reino de Deus como um novo sofrimento fez com que voltassem para Deus novamente. A
começo, criado pelo próprio Deus. A resposta que Jesus resposta de Deus foi que Moisés devia erguer uma serpente
deu contém dois elementos presentes na cena da Criação: de bronze e dizer ao povo que quem olhasse para ela viveria
a água e o Espírito de Deus (Gênesis 1:1, 2; João 3:5). Da e não morreria (Números 21:9).
mesma forma que a criação da vida é milagrosa em seu Ellen White assim escreveu: “Os que haviam sido
início, assim também é a transformação positiva que a vida mordidos pelas serpentes poderiam haver demorado a
eterna traz ao colocar uma pessoa no reino celestial. olhar. Poderiam ter posto em dúvida a eficácia daquele
Embora Nicodemos pudesse se vangloriar de seu nas- símbolo metálico. Poderiam haver pedido uma expli-
cimento, de sua vida na carne, devido à sua ascendência cação científica. Nenhuma explicação lhes era dada,
abraâmica e zelo pela lei, Jesus lhe apontou que precisava porém. Deviam aceitar a palavra que Deus lhes dirigia
mais do que ancestralidade e boas obras: ele precisava do através de Moisés. Recusar-se a olhar era morrer.
nascimento divino por meio do Espírito Santo (João 3:6). “Não é por meio de debates e discussões que a alma é
Para que Nicodemos passasse por essa experiência, precisa- iluminada. Devemos olhar e viver. Nicodemos recebeu
va entregar-se ao “sopro” do Espírito Santo. Para vir à vida a lição e levou-a consigo. Examinou as Escrituras de
e nascer como um novo ser, sob a perspectiva de Deus, maneira nova, não para a discussão de uma teoria, mas a
precisava estar cheio do Espírito Santo, como foi o sopro fim de receber vida para a alma. Começou a ver o reino
de Deus nas narinas de Adão (Gênesis 2:7). “Nicodemos de Deus, ao submeter-se à direção do Espírito Santo.”3
fora ter com o Senhor pensando em entrar com Ele em Jesus usa o incidente da serpente no deserto para dizer
discussão, mas Jesus expôs-lhe os princípios fundamentais a Nicodemos que viria o dia em que o Filho do Homem
da verdade. Disse a Nicodemos: Não é tanto de conheci- seria erguido (na Cruz) e que todo aquele que olhasse para o
mento teórico que precisas, mas de regeneração espiritual. crucificado não pereceria, mas teria a vida eterna (João 3:15,
Não necessitas satisfazer tua curiosidade, mas ter um novo 16). Assim como os israelitas moribundos encontraram vida
coração. É mister que recebas nova vida de cima, antes de e cura ao olhar, através da fé, para a serpente de bronze,
te ser possível apreciar as coisas celestiais.”1 Vivendo como Nicodemos encontraria vida verdadeira, genuína, aceitando
um “cadáver ambulante” formal e hipocrítico, Nicodemos a provisão de Deus para a sua salvação, ao crer em Jesus.
precisava do toque vital do Espírito Santo para capacitá-lo Crer em Jesus não é apenas um assentimento mental
a realmente começar a viver. ou uma crença doutrinária. É uma total aceitação e
O viver começa com o renascimento espiritual e con- entrega a Ele como Salvador e Senhor de sua vida. Crer
tinua com a entrega total e constante ao poder e à Pessoa em Jesus não deve ser um acontecimento único na vida,
divina do Espírito de Deus. Assim diz David Steen: “O mas de momento a momento, uma dependência contí-
renascimento espiritual não é uma mudança fisiológica, nua dEle para a vida – um viver contínuo pela fé nEle
mas sim uma decisão deliberada e bem pensada de trans- (Gálatas 2:20). Realmente, o viver é centrado em um
formar a própria vida por causa dAquele que foi levanta- relacionamento contínuo de fé permanente em Jesus.
do na cruz em nosso favor. […] Trata-se de morrer para o
eu, percebendo que todo o bem que temos feito tentando VIVENDO NA LUZ
alcançar o Céu não tem valor algum, que temos que Essa conversa que ocorreu de madrugada entre Jesus e
mudar e passar a confiar plenamente em Deus. Com ale- Nicodemos termina com o tema da luz e da escuridão. Jesus
gria, temos que convidar o Espírito Santo para trabalhar faz uma clara distinção entre aqueles que amam a escuri-
em nosso coração. […] Uma mudança total, de uma vida dão e aqueles que vivem na luz (João 3:19-21).4 Jesus viu
dirigida por si mesma para uma vida dirigida por Deus.”2 Nicodemos pelo que ele era: dentro dele havia uma centelha
de busca genuína pela verdade, mas isso competia com seu
A VIDA SOB UM OLHAR DE “FÉ” ASCENDENTE status, por ser um dos principais fariseus, um “governante
Nicodemos não parecia entender a imagem do novo nas- dos judeus” (João 3:1). Entre o desejo de conhecer a verda-
cimento (João 3:10). Então, Jesus, como bom professor que de do reino que Jesus ensinava e a atração de permanecer

30 DIÁLOGO 29 • 1 2017
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um fariseu, um governante do templo, houve uma luta e religiosas, mas sem um relacionamento permanente de
uma batalha: luz ou escuridão, verdade divina ou tradição fé com Jesus. É comum viver uma vida regida pela letra
humana, Jesus ou eu? Nicodemos viu em si mesmo como da lei, e não pelo poder do Espírito. Uma vida banal,
essas características concorrentes muitas vezes se desenro- de rotina religiosa e formalismo não leva à vida eterna.
lavam, e encontrava-se no vale da decisão. Ao fazer essa A história de Nicodemos é um chamado para nos ren-
distinção entre os atos das trevas e as exigências da luz, Jesus dermos totalmente ao poder transformador e à direção do
estava perguntando indiretamente a Nicodemos: “A qual Espírito Santo – Aquele que cria e inspira uma vida a ser
desses grupos você escolhe pertencer?” vivida em amorosa obediência a Jesus. Essa é a vida do reino
Jesus chamou Nicodemos para deixar de ser um discí- de Deus, uma vida apta para a eternidade, aqui e agora.
pulo secreto – para sair e andar na luz da vida (João 8:12).
Viver na luz é viver realmente. A reação de Nicodemos a
essa entrevista noturna não é registrada como parte da Ikechukwu Michael Oluikpe
narrativa em João 3. “Durante algum tempo, Nicodemos PhD pelo Adventist
International Institute of
não reconheceu a Cristo, mas observava-Lhe a vida,
Adventist Studies, Filipinas, é
e ponderava-Lhe os ensinos.”6 Três anos mais tarde,
professor na Escola de
Nicodemos saiu finalmente das sombras para o brilho Teologia e Estudos Religiosos
da luz que emanava da cruz (João 19:38-40). Ele não da Universidade de
era mais um seguidor secreto de Jesus. “Quando, afi- Bugema, Uganda.
nal, Jesus foi erguido na cruz, Nicodemos relembrou
[…]. A luz daquela secreta entrevista iluminou a cruz
do Calvário, e Nicodemos viu em Jesus o Redentor do 1. Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações (Tatuí, SP: Casa
N O T A S E RE FE R Ê NCIA S

Publicadora Brasileira, 1990), p. 171.


mundo.”6 Depois da ascensão de Cristo, ele apoiou a igre-
2. David A. Steen, God of Wonders (Hagerstown, Md.: Review and
ja primitiva e sofreu perseguição juntamente com aqueles Herald, 2012), p. 115.
que O seguiam. “Tornou-se pobre em bens deste mundo; 3. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 175.
todavia, não vacilou na fé que tivera seu início naquela 4. O Evangelho de João contém surpreendentes contrastes entre
conferência noturna com Jesus.”7 Depois de se render os dois lados do conflito cósmico: Céu/Terra, acima/abaixo (3:12,
31), luz/escuridão (3:19-21; 8:12; 9:4, 5), crer/não crer (3:18,
à direção do Espírito Santo e colocar sua fé em Jesus, 36), vida/morte (5:24, 28, 29), Espírito/carne (3:6; 6:63) e Deus/
Nicodemos estava então realmente vivendo. homem (1:12, 13).
É possível que sejamos como Nicodemos, uma pessoa 5. __________, O Desejado de Todas as Nações, p. 176.
religiosa, totalmente comprometida com os rudimentos 6. Ibid.
da religião e ativamente envolvida em muitas funções 7. Ibid., p. 177.

DIÁLOGO 29 • 1 2017 31
LI V RO S

A terceira área dos fundamentos filosóficos – a axiolo-


gia – aborda a questão dos valores. Knight afirma que “a
educação dos valores é a razão central para a existência
das escolas adventistas” (pág. 43). Os valores levam ao
estudo de como se deve comportar (ética) e do que é belo
(estética). No capítulo 2, Knight traz a distinta perspec-
tiva epistemológica adventista do sétimo dia para apoiar
o quadro bíblico cristão da realidade (metafísica), isto é,
que “há um grande conflito em andamento na área da
epistemologia, assim como há uma tensão semelhante na
natureza. As forças do mal estão continuamente buscando
minar a Bíblia, distorcer o raciocínio humano e convencer
as pessoas a confiarem em si mesmas, ainda que sejam seres
inadequados e caídos na busca da verdade” (pág. 36). A
figura 1 (pág. 20) retrata com elegância como os determi-
nantes filosóficos (crenças metafísicas, axiológicas e episte-
mológicas) se combinam para estabelecer os objetivos da
educação. Esses objetivos são ainda moldados por fatores
EDUCATING FOR ETERNITY: modificadores contextuais, como a dinâmica política, as
forças sociais, as condições econômicas e as expectativas da
A SEVENTH-DAY ADVENTIST família imediata ou da comunidade. Juntos, esses objetivos
PHILOSOPHY OF EDUCATION e fatores definem questões educacionais, como a natureza
dos alunos, o papel do professor, a ênfase no currículo, as
George R. Knight (Berrien Springs, metodologias de ensino e, em última instância, a função
Michigan: Gráfica da Universidade Andrews,
2016; 150 páginas; brochura). social das instituições educacionais. Com isso, o mapa dos
fundamentos de Knight chega ao ponto final das bases
filosóficas: a própria prática educacional.
Revisado por Lisa Beardsley-Hardy Os professores e os pais provavelmente irão diretamente

G
para a Parte II, onde as implicações da filosofia começam
eorge Knight lecionou Filosofia da Educação com “A Natureza do Aluno e a Razão da Educação
e História da Igreja na Universidade Andrews Adventista” (capítulo 3). Knight identifica a filosofia
por 30 anos. Como profícuo escritor, ele é educacional de Ellen White e, portanto, dos adventistas
autor e editor de aproximadamente 90 livros. do sétimo dia, como decorrente da compreensão bíblica
Seus principais títulos relacionados à área edu- da natureza humana na Criação, do propósito original de
cacional são: Early Adventist Educators (1983), Philosophy Deus na criação da humanidade, da mudança na natureza
and Education: An Introduction in Christian Perspective (4ª humana como resultado do pecado e do plano de Deus
ed., 2006), e Myths in Adventism (1985, 2009). para redenção. O objetivo de tal filosofia teocêntrica da
Esse último livro, Educating for Eternity, é dividido educação, Knight ressalta, é que os alunos “reflitam” mais
em duas partes: Fundamentos Filosóficos e Implicações plenamente na “glória do Criador” e se preparem para a
da Filosofia na Educação Adventista. Por que estudar a alegria do serviço nesta vida e na vida futura. Portanto,
Filosofia da Educação? Essa é a questão que abre o capí- no capítulo 4, “O papel do professor e os objetivos da
tulo 1. Knight aborda primeiro as questões centrais da educação adventista”, o professor adventista não é apenas
filosofia: metafísica, epistemologia e axiologia. Para o um transmissor de conhecimento, como em um currículo
cristão, enquanto a metafísica (a natureza da realidade) secular, mas também um agente de redenção.
está fundamentada na crença de que Deus existe e Assim é apresentada a poderosa conclusão de Knight:
está envolvido nos assuntos humanos, a epistemologia Ensinar é um ministério. Objetivos secundários, tais
segue o mesmo exemplo revelando que, em revelações como aquisição de conhecimento e formação profissional,
especiais, temos uma fonte confiável e válida de conhe- são compartilhados por todos os professores e escolas,
cimento, através da qual obtemos as informações. Além religiosas ou não, mas a meta redentora não é algo que a
disso, a epistemologia cristã considera o empirismo (a educação adventista pode se dar ao luxo de minimizar ou
revelação geral), a razão, a autoridade (como os peritos negligenciar. No capítulo 5, Knight ressalta que a Bíblia
ou os livros didáticos) e a intuição como fontes válidas tem um papel estratégico no currículo como fundamento
para a compreensão da realidade. Tal posição leva o e contexto para o aprendizado em todas as áreas de estudo,
autor a enfatizar que a Bíblia não só tem um lugar no estendendo-se desde a sala de aula até os aspectos informais
currículo, mas também que uma cosmovisão bíblica e extracurriculares de uma escola, a fim de promover um
exerce o seu papel para moldar cada área do assunto. desenvolvimento integral e equilibrado.

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LI V RO S

O capítulo 6, “Considerações Metodológicas”, aborda


o papel da disciplina para estimular o pensamento e o
autocontrole – autogoverno e maturidade moral. Esse
capítulo aborda o “ambiente educacional total” descrito
no Antigo Testamento, extraindo lições significativas das
festas nele registradas, anos sabáticos, memoriais históri-
cos e o ensino doméstico e público das Escrituras para
moldar a aprendizagem ao longo da vida. Os métodos de
ensino de Jesus também são revistos, tais como o uso de
parábolas, ilustrações, lições práticas, linguagem simples
e perguntas instigantes para despertar a investigação.
A função social da educação adventista é discutida no
capítulo 7 como uma “base para o ativismo cristão e o
trabalho missionário” (pág. 128). Embora esse objetivo
seja compartilhado por outras escolas cristãs, a educação
adventista tem um papel revolucionário de transferência
para a geração adventista mais jovem, com relação à cul-
tura e à missão apocalíptica única de Apocalipse 12-14.
Knight conclui sua brilhante exposição dos
Fundamentos Filosóficos e suas Implicações para a CANONICAL THEOLOGY: THE
Educação Adventista afirmando (capítulo 8): “Um minis- BIBLICAL CANON, SOLA SCRIPTURA,
tério educacional adventista que perdeu o controle sobre a AND THEOLOGICAL METHOD
visão apocalíptica falhou – não apenas parcialmente, mas
totalmente. [...] A educação adventista só é importante se for John C. Peckham (Grand Rapids, Michigan, USA:
verdadeiramente adventista” (pág. 134, itálico no origi- Wm. B. Eerdmans, 2016; 295 páginas, Brochura).
nal). Essa afirmação é suficiente para justificar o título
do livro: Educando para a Eternidade. Revisado por Aleksandar S. Santrac
Cada capítulo termina com “Pontos a Ponderar”,
adequado como um quiz, que destaca os pontos prin-

N
cipais do capítulo. O livro de Knight é rápido, claro este importante volume, e no momen-
e envolvente. Leva o leitor diretamente ao ponto de
to certo, John C. Peckham (professor
cada assunto discutido. Ele argumenta que a educação
associado de Teologia e Filosofia Cristã
shutterstock

adventista do sétimo dia merece existir somente quando


no Seminário Teológico Adventista do
é cristã e adventista. Seu fundamento filosófico bíblico
Sétimo Dia da Universidade Andrews,
determina quem deve ensinar, por que os estudantes
Berrien Springs, Michigan) aborda o papel exercido
estão lá e o que devem aprender. Essa educação conserva
apreciados valores que vão produzir alunos capazes de pelo cânon bíblico e/ou comunidade de fé na articula-
mudar a sociedade, qualquer que seja sua vocação, e vão ção da doutrina cristã. Como pode a igreja ser o árbitro
compartilhar “a mensagem da vinda de Cristo, que não final da teologia e prática cristã? Por haver uma divisão
só alimentará os pobres, mas abolirá a fome; que não só entre os cristãos em relação à autoridade teológica do
consolará o aflito, mas erradicará a morte” (pág. 126). cânon e da comunidade, este trabalho tenta responder à
Eu, pessoalmente, apreciei muito este livro e o reco- questão sobre até que ponto os árbitros teológicos extra-
mendo insistentemente aos educadores, pais, pastores e canônicos podem se tornar a regra de fé e de prática.
membros do conselho escolar. Aos alunos que não estão Os três primeiros capítulos do livro tratam da defini-
em uma escola adventista do sétimo dia, ele proporciona ção e do papel intrínseco do cânon versus a autoridade
uma ferramenta de autoaprendizagem direcionada para o da comunidade na determinação da regra teológica de
que é a educação adventista: é uma filosofia, um estilo de fé, da definição e do escopo do cânon bíblico e da ina-
vida e o compromisso com a eternidade, e não apenas uma dequação da abordagem comunitária (ou determinada
escola com um curso para o aluno ser aprovado. pela comunidade) para o cânon, baseado no fato de
que o cânon bíblico funciona profeticamente e aborda
inconsistências em várias comunidades de fé.
Lisa Beardsley-Hardy Nessa seção (págs. 7-14), págs. 13 e 14, atenção especial
PhD pela Universidade do Havaí, é dada às redefinições contemporâneas de sola Scriptura
em Manoa, EUA, é Diretora do (somente a Escritura), onde Peckham aborda algumas das
Departamento de Educação da nuances da compreensão teológica contemporânea desse
Associação Geral dos Adventistas do princípio. A sola Scriptura, de acordo com essa interpre-
Sétimo Dia e editora-chefe da Diálogo. tação, não endossa uma visão isolacionista da Escritura

DIÁLOGO 29 • 1 2017 33
e nem uma interpretação privada. Por um lado, a teo- sais e abstendo-se de conclusões prematuras (pág. 257).
logia precisa levar em consideração que o cânon requer O livro é extremamente útil na definição de métodos
interpretação, porém, no âmbito do tota e da analogia e termos teológicos complexos, à luz das interpretações
Scriptura (princípios hermenêuticos básicos). Por outro cristãs divididas e conflitantes do processo de fazer
lado, o princípio sola Scriptura não pode ser comprometido teologia e interpretar a doutrina. Preenche uma neces-
pelas autoridades extracanônicas. Os proponentes da sola sidade há muito sentida por uma articulação teológica
Scriptura ainda argumentam, porém, até que ponto esses eficaz que fizesse uma análise profunda do método
recursos extracanônicos podem ser vistos como sendo ade- teológico canônico, em contraste com os métodos
quados para fazer teologia e construir a regra de fé. comunitários. O próprio Peckham afirma que seu obje-
Os capítulos 4 e 5 tratam do problema da abordagem tivo foi “estabelecer uma abordagem canônica plausível
comunitária do método teológico e da definição da e viável da teologia sistemática, que possa ser praticada
“regra de fé”. Peckham apresenta uma visão geral das por outros em toda a vasta gama de comunidades cristãs
diferentes abordagens comunitárias denominacionais que reconhecem o núcleo canônico comum e possam
e confessionais para a construção da teologia, incluin- desenvolver o diálogo com base em um ponto de partida
do algumas tendências evangélicas pós-modernas que comum e de abordagem preliminar” (pág. 259).
exigem a renovação do papel da tradição, da razão e da Essa tentativa de oferecer uma alternativa de teologia
cultura no processo. Falando sobre a regra de fé, a partir canônica viável é a força óbvia do trabalho de Peckham,
da perspectiva cristã primitiva, Peckham reconhece, com mas, ao mesmo tempo, pode ser uma fraqueza também.
razão, o problema da ambiguidade de diferentes con- Parece que não há um ponto de partida comum e uma
textos de regras de fé na tradição e a relevância da regra abordagem preliminar com os quais começar em dife-
comum da fé bíblica canônica para se fazer teologia. rentes comunidades cristãs. É muito difícil extrair o
Retomando o princípio sola Scriptura, novamente, princípio canônico (a Escritura e somente a Escritura) de
no Capítulo 6, Peckham defende o princípio contra as uma variedade de construções teológicas multipolares.
acusações de autoderrota, isolacionismo e culpabilidade Como o próprio Peckham oberva, é impossível eliminar
para o pluralismo teológico e subjetivismo. A teologia a diversidade hermenêutica porque nenhuma leitura
sistemática canônica depende do reconhecimento da das Escrituras é considerada perfeitamente adequada
suficiência e da supremacia epistemológica da Escritura. (pág.134). Sempre que o cânon exige interpretação,
Nos últimos capítulos do livro (7-10), Peckham tra- existe um risco potencial de interpretações e teologias
balha em estudos de casos, aplicando o princípio básico subjetivas. Por essa razão, o único intérprete normativo
da teologia canônica na doutrina da Trindade (Capítulo perfeito do intrínseco cânon é o próprio Deus, por meio
7), na teologia sistemática em geral (Capítulo 8), na e através do Espírito Santo (princípio profético). Devo
linguagem hermenêutica (Capítulo 9) e no exemplo da concordar que Peckham chega o mais próximo possível
expressão doutrinária do amor divino (Capítulo 10). desse método interpretativo singular, que não tem medo
Diferentemente dos teólogos da abordagem comunitá- de se expor aos desafios extracanônicos tradicionais,
ria, que apreciam a tradição mais do que a interpretação culturais ou filosóficos e aos métodos comunitários,
bíblica, Peckham acredita que a Escritura não é deficiente mas sua aliança final é com a Palavra de Deus, por
em abordar essa importante doutrina, apesar do subjeti- meio do Espírito de Deus. Quinhentos anos depois de
vismo teológico, embora, tendo a Escritura como regra Martinho Lutero exclamar: “sola Scriptura”, o chamado
de fé, devamos abordar a doutrina humildemente, não para essa lealdade torna-se novamente relevante.
afirmando que podemos resolver todos os debates.
Além disso, a única candidata para a teologia sistemá-
Aleksandar S. Santrac
tica construtiva é a Escritura, sendo ela mesma a regra
DPhil pela Universidade de
de fé final, devido à sua coerência e fidelidade ao texto,
Belgrado, Sérvia; PhD pela
dentro da espiral hermenêutica. O exemplo da lingua-
Universidade de North-West,
gem teopática de Deus (Capítulo 9) serve como evidên-
África do Sul, é professor de
cia canônica, tanto que a linguagem hermenêutica e a Ética, Religião e Filosofia, e
teológica não precisam depender de expressões extra- presidente do Departamento
canônicas e podem confiar, com segurança, em dados de Religião da Universidade
canônicos sem ter o orgulho de compreender a comu- Adventista de Washington,
nicação divina exaustivamente. Depois de explorar o Takoma Park, Maryland, EUA.
caso epitomizado do amor divino pelo método teológico
canônico, Peckham concorda que a estrutura conceitual
canônica requer humildade, leitura ética, derivação
mínima dos elementos e dados confiáveis, passando dos
detalhes da revelação divina para as concepções univer-

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