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O eixo público-privado da sociabilidade.

Geraldo M. G. FARIA
(Excerto de Voix publiques – voies publiques. Critique de la sphère publique au Brésil: figures,
configurations, spatialités. Tese de doutorado, Capítulo 2 – Introdução e item 1. Université de Paris
I, Panthéon-Sorbonne, 2002.)

Nós nos acostumamos a considerar como valores de uma existência civilizada e moderna a
sua compartimentação em duas esferas: uma pública e outra privada. Mais do que isso,
acostumamo-nos a considerar essas duas esferas como dois âmbitos que se opõem e, tal como a
água e o óleo, impermeáveis um em relação ao outro, mas, também, cuja passagem ou contato
entre um e outro, constitui fonte permanente de conflitos morais e éticos que, não raramente,
assumem proporções catastróficas do ponto de vista da ordem social ou pública.
Que essa clivagem existe e é tida como algo positivo na organização da existência, isso é
fato, banal e inegável, mesmo que a usurpação de suas fronteiras, os pequenos ou grandes delitos
de etiqueta — ou de civilidade —, constituam fatos corriqueiros da vida coletiva. Concebê-la,
porém, como uma separação radical entre esferas da existência é um fenômeno antigo. Ela já
aparecia dessa forma desde quando essas esferas foram institucionalizadas pela primeira vez, na
história do Ocidente, no surgimento da polis, na Grécia das cidades-Estado, como nos sugere
Hannah Arendt (1958) na sua filosofia da história. Mas, essa separação das esferas pública e
privada nem sempre foi assim, tão evidente. Durante o longo período de hegemonia da
sociabilidade feudal essas esferas praticamente se sobrepunham, o que parece ser uma
característica desse modo social de produção e também das formações sociais organizadas no
princípio da vassalagem ou das relações de sangue. A clivagem público-privado voltou novamente
a configurar-se com nitidez e, também, como atributo de valor ético e moral com a formação dos
Estados-nações, com o desenvolvimento do modo de produção capitalista e da sociedade
burguesa. Nas formações sociais em que essas formas sociais são hegemônicas, a ampliação da
separação entre as esfera pública e privada torna-se algo mais evidente em determinadas
circunstâncias, principalmente quando são tratadas questões relacionadas à gestão do bem
comum, do interesse geral e dos fundos do tesouro público, ou seja, mais explicitamente dos
problemas que dizem respeito às ações empreendidas por indivíduos ou grupos particulares em
nome de toda a coletividade. De um modo geral, no entanto, com maior ou menor evidência essa
clivagem também aparece em praticamente todos os aspectos da existência, sempre nas
circunstâncias em que por alguma razão nós somos instados a assumir posições com relação aos
problemas postos pelas contradições fundamentais da vida social.
Neste capítulo e nos que lhe dão seqüência nós procuraremos desenvolver um
entendimento do fenômeno da recorrência — da reprodução — dessa clivagem e de seus
desenvolvimentos concretos. Dito de outra maneira, nós procuraremos demonstrar quais os
fundamentos da gênese dessa clivagem, porque razão essa clivagem é continuamente posta e
reposta de diferentes maneiras e significados, pelos indivíduos e pelos grupos sociais e que papel
ela desempenha no interior dos complexos de relações orientadas para a reprodução da
sociedade. Para fixarmos um horizonte factível de ser alcançado no escopo deste trabalho e assim
produzirmos um entendimento operacional dessa problemática, nós nos limitaremos à análise de
apenas três aspectos a ela concernentes: primeiro, aqueles que dizem respeito à gênese
ontológica do ser “público” enquanto forma particular do ser social; segundo, à caracterização das
instâncias que configuram a esfera da publicidade; terceiro, aos problemas relacionados à suas
configurações concretas no plano da existência real, ou seja, no interior das formações sociais
concretas, em especial o problema da “espacialidade” da esfera pública.

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I.2.1. A oposição público-privado no contexto da reprodução social.

Parece-nos que a posição mais apropriada para se iniciar a análise da clivagem público-
privado no âmbito de uma formação social é aquela que permite que nos situemos num plano de
observação abrangente, isto é, de onde nós podemos observar essa oposição por inteiro como
uma das formas nas quais a totalidade da existência social se segmenta, desenvolvendo-se em
esferas complementares que, em determinadas situações, aparecem como irredutíveis uma à
outra. A conformação social assim observada corresponderia ao modo mais elementar e
fenomênico de sua categorização. Porém, sendo uma segmentação da totalidade social, essas
esferas devem necessariamente representar, no global, uma das possíveis sínteses, ou seja,
categorizações concretas que se pode fazer de uma determinada sociedade.
Desse ponto de vista elas podem, em princípio, ser entendidas como uma das modalidades
de organização da existência social, como de fato o são, porém não na condição de idealizações
abstratas cujo significado só se torna compreensível como representação gnosiológica da
sociedade. Trata-se na verdade de algo muito mais concreto do que uma representação. Elas são
instâncias concretas da reprodução social e, como veremos mais adiante, elas correspondem a
formas concretas do ser social alçadas à consciência como representações de partes ou aspectos
de si mesma. De um ponto de vista ontológico, nós podemos dizer que elas correspondem às
formas limiares da “publicidade” e da “privacidade”, ambas na qualidade de instâncias da
reprodução social. Em outros termos, elas correspondem a dois dos “momentos” ou — para utilizar
as categorias da ontologia do ser social, depois de Lukács (LESSA, 1995: 37 et passim) —, a dois
“complexos parciais” da reprodução social(1).
Os complexos da publicidade e da privacidade, assim como os demais complexos parciais,
esferas ou instâncias da reprodução social — como a economia, o direito, a política, a arte —,
constituem-se como instâncias de mediação e resolução de contradições ontológicas fundamentais
e inelimináveis postas para a existência concreta dos indivíduos. Por contradições fundamentais
nós temos sempre em mente aquelas que são as mais universais e, também, as que põem em
cheque a totalidade do ser social. Elas se desenvolvem, por uma parte, nas relações entre a
reprodução biológica e a reprodução social — isto é, entre as determinações da natureza e
aquelas específicas das relações sociais dominantes na sociedade. Por outra parte, elas
aparecem, também, nas relações que se desenvolvem entre as posições definidas pelos dois
atributos ou condições limites ou polares de todo membro de uma coletividade socialmente
constituída, ou seja, a de ser “indivíduo” e a de ser “social”.
Vendo-se a segmentação público e privado no conjunto das demais segmentações ou
complexos da reprodução social que também se desenvolvem na forma de esferas da existência,
umas mais outras menos específicas com relação às contradições fundamentais — isto é, mais ou
menos próximas das posições limites que definem as condições liminares da existência que são
aquelas definidas pelos eixos natureza-sociedade e indivíduo-coletividade —, nós podemos
perceber que o complexo da segmentação público-privado difere das demais no sentido de que ela
tem a propriedade de situar, dentro do campo definido por seus termos, todas as práticas sociais
que se desenvolvem nas demais instâncias da reprodução social. Desse modo, não há qualquer
relação de externalidade entre as instâncias público-privado e os demais complexos da reprodução
social. Pelo contrário, eles se explicitam mutuamente. Veja-se, por exemplo, as relações de
produção capitalista: o seu sentido histórico-social e também o de suas contradições são em
grande parte explicitados pelas contradições entre produção e apropriação dos frutos do trabalho

1. É necessário ressalvar que Lukács não se dedicou extensivamente a uma reflexão crítica particular sobre as esferas
do público e do privado. As apropriações e extensões aqui realizadas de conceitos lukácsianos são de nossa exclusiva
responsabilidade, consciente dos limites de uma tal empreitada.

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humano-social. Em algum momento do desenvolvimento das relações sociais essas contradições
passam por uma explicitação de suas posições face à oposição público-privado, posto que esta,
conforme dissemos, expressa as posições ontológicas fundamentais e universais do ser social.
Como as demais instâncias da reprodução social, as contradições entre as posições do
público e do privado são derivadas de práticas individuais e coletivas que indivíduos particulares
desenvolvem em situações históricas concretas. Suas resoluções concretas explicitam de modo
mais ou menos evidente o sentido de distanciamento ou de proximidade que tomam as práticas
dos indivíduos em relação às polaridades ontológicas do ser humano. Isso nos leva a crer que esta
é a razão pela qual as configurações dos espaços público e privado das formações sociais
particulares vêm sendo crescentemente tomadas como referências mais ou menos explícitas para
se aferir os avanços e retrocessos nos processos de sociabilização(2), entendendo-se o mesmo
como avanços significativos nas formas de integração social. No caso brasileiro, por exemplo, as
relações puramente econômicas pouco explicitam sobre o estágio de desenvolvimento das
relações capitalistas de produção. Do mesmo modo também o direito formal, posto que, como se
sabe, pouca relação ele acaba tendo com as práticas sociais concretas. O que não é o caso das
configurações do espaço público que, ao contrário, parecem tornar bastante explícitas as
contradições fundamentais da formação social e das alternativas historicamente postas ou
assumidas pelas diferentes classes e segmentos sociais. O caráter ambíguo que porventura essa
segmentação venha assumir nas formações sociais menos industrializadas não nega, de forma
alguma esse alcance explicativo da segmentação público-privado, mesmo quando
metaforicamente definida pelos espaços comuns de vida como a “rua” e a “casa” (DA MATTA, 1985:
25 et passim).
Seja no plano das ações coletivas, seja no plano das ações individuais, o sentido
apreendido e internalizado das conseqüências últimas das práticas sociais com relação às
posições polares do ser social — recordemos: natureza-sociedade e indivíduo-comunidade — é o
elemento que determina a maior ou a menor oposição entre as duas esferas. Essa oposição é,
portanto, uma elaboração da consciência dos indivíduos. Em princípio, ela não é apreensível na
sua imediaticidade senão quando explicitada através da fala, na forma de um discurso, ou seja,
como expressão racional e politicamente orientada de um entendimento acerca das contradições
sociais, o qual, atribuindo sentido e significado às ações e às coisas, categoriza-as, em última
instância, em relação às polaridades do ser social, ou seja, em relação às contradições
fundamentais do processo de reprodução social. Uma conseqüência importante desse fato é que,
ao mesmo tempo em que re-instaura continuamente a clivagem indivíduo-sociedade pelo viés das
contradições público-privado, a fala das contradições deve também, designar tanto a forma
particular como a forma genérica e idealizada do ser social à qual ela se refere, ou seja, o público
ouvinte e a sociedade em sua totalidade.
Dessa maneira, nós podemos considerar que os significados e as implicações ontológicas
engendrados pela oposição entre as esferas público e privado da reprodução social são sempre o
resultado de uma síntese da totalidade social, não obstante ela possa ser parcial. Síntese que, em
situações historicamente determinadas, revela o grau de contradição e de conflito que assumem as
ações dos indivíduos e dos grupos sociais. Com o desenvolvimento de formas cada vez mais
complexas de sociabilidade, a irredutibilidade e o distanciamento cada vez maior entre as esferas
pública e privada tendem a ser fenômenos verificáveis com intensidade maior, especialmente nas
sociedades mais industrializadas. As práticas de publicidade, enquanto definidoras de um
complexo mediador da existência social, nunca estiveram tão presentes em toda a sua
radicalidade nas diferentes formações históricas como nas formações hegemonicamente

2. De certo modo esse é um dos aspectos centrais da reflexão de Hannah Arendt ( 1958) sobre a vita activa, o retraimento
da esfera pública e a emergência da esfera social. Do mesmo modo pode-se ver uma preocupação semelhante em
Bruno Lautier (1992: 6 et passim), quando analisou o ressurgimento nos anos 80 das demandas de “cidadania” na
América Latina e as limitações concretas do espaço público.

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capitalistas. Apenas com o desenvolvimento da divisão social e técnica do trabalho na escala da
grande indústria e com a hegemonia das relações capitalistas de produção, que revolucionaram as
formas sociais primitivas de reprodução social, é que a publicidade passou a ter uma importância
cada vez mais crucial como instância mediadora das contradições e dos conflitos sociais. O
desenvolvimento de formas sociais cada vez mais “puras” e cada vez menos determinadas pelas
leis da reprodução natural — isto é, o processo de afastamento da barreira natural, no dizer de
Lukács — faz com que se tornem gradativamente mais complexas as contradições e os conflitos
na processualidade da reprodução social e, por extensão, também as formas de suas mediações.
Com isso, cada vez mais vão se desenvolvendo formas mais complexas de publicidade e de
privacidade assim como os meios técnicos e sociais de realizá-la vão se tornando mais
sofisticados passando, como dissemos acima, a balizar o funcionamento das demais instâncias de
reprodução social(3).
Nesse sentido, a autonomia relativa e cada vez mais estratégica da publicidade enquanto
instância de mediação da reprodução social passa a ser uma realidade cada vez mais evidente. As
formações sociais que atingiram um avançado processo de individuação parecem cada vez menos
suportar a instrumentalização dos meios sociais de publicização. Note-se a respeito, a freqüência
crescente com que a imprensa e os meios de comunicação são alvos de crítica em razão do seu
“poder” de influenciar a formação da consciência social através da possibilidade de que dispõe de
manipulação da opinião pública(4). Pode-se citar também a intensidade com que se vaticina o
papel estratégico que o acesso à informação — à publicidade — pode vir a desempenhar nas
práticas individuais e sociais contemporâneas, em particular nos processos que envolvem relações
de poder e de domínio econômico e político entre as classes sociais(5). Não se pode ter ilusão
quanto ao fato de que as formas de relacionamento social contemporâneo passam de alguma
maneira pela mediação da publicidade. O aprofundamento do processo de sociabilização e o
conseqüente desenvolvimento de formas de existência cada vez mais sociais parecem implicar na
necessidade cada vez mais crescente da publicidade.

3. A propósito, a referência que se tornou clássica no que diz respeito ao desenvolvimento das formas e das estruturas
da publicidade nas formações sociais do Ocidente europeu é a tese de filosofia da histórica, Jürgen Habermas ( 1962).
4. Veja-se, a propósito, a coletânea de análises sobre o papel da imprensa nas eleições brasileiras de 1989, publicada
pela revista Hermès (CNRS, Paris, nº 8-9, 1991). Um dos mais contundentes críticos da mídia é sem dúvida alguma Noam
Chomski. Ademais, o fato da imprensa de notícias ser um dos principais objetos de estudo da disciplina de análise do
discurso só faz confirmar o papel estratégico do espaço público como instância das lutas sociais.
5. A chamada “Lei da Mordaça”, projeto de lei de 1997 de iniciativa do Governo Federal brasileiro — já aprovada na
Câmara de Deputados e esperando votação no Senado Federal — que impõe a proibição a funcionários públicos e
membros do poder judiciário de “prestar informações, por qualquer meio de comunicação, sobre investigação, inquérito
ou processo ou, ainda, revelar ou permitir que cheguem ao conhecimento de terceiros fatos ou informações” é um
exemplo inquestionável. Uma vez aprovada, somente após a sentença judicial as informações poderão ser divulgadas. O
objetivo claro é limitar a publicidade através da imprensa. Uma outra iniciativa nesse sentido, mais recente, a Medida
Provisória 2.008-35, baixada pela Presidência da República, que fixava multas no valor de até R$ 151.000 —
aproximadamente US$ 76.000 — para penalizar procuradores que formalizassem denúncias sem a prova do ilícito.

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