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Introdução às Relações Internacionais I

Conceitos Elementares de Relações Internacionais


Introdução às Relações Internacionais I

Introdução ao curso

Cada vez mais o estudo das Relações Internacionais adquire relevância,


sobretudo diante do processo de globalização e do crescimento do
intercâmbio de informações, bens, pessoas e serviços entre os entes
internacionais. Nesse contexto, o Brasil necessita ampliar sua atuação em
diferentes áreas da Política, do Direito e da Economia Internacional.

O Poder Legislativo, em virtude de suas atribuições e competências


constitucionalmente previstas, ocupa papel de destaque nas ações de
Política Externa. Daí a importância da preparação de seus quadros no
tocante a fundamentos das Relações Internacionais e questões
internacionais contemporâneas.

Assim, o Instituto Legislativo Brasileiro e a Consultoria Legislativa do


Senado Federal promovem, dando continuidade ao Programa de Educação
a Distância para os quadros do Poder Legislativo, o presente “Curso de
Introdução às Relações Internacionais”. O objetivo é instruir os cursistas a
respeito de relações internacionais, permitindo-lhes a eficiente aplicação
em suas atividades de assessoria parlamentar ou governamental.

O público-alvo do curso é constituído por servidores públicos, com


destaque para aqueles que atuam no assessoramento de tomadores de
decisão nos três Poderes. Além dos servidores, podem realizar o presente
curso todas as pessoas interessadas em relações internacionais e questões
internacionais contemporâneas: profissionais liberais, membros do corpo
diplomático, estudantes, entre outros.

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

O cursista contará com o apoio dos tutores, que estarão disponíveis


para esclarecimentos e orientações. O contato com os tutores do
curso é feito por meio da Plataforma de Educação a Distância
do ILB.

Lembramos, finalmente, que este é um curso introdutório. Há muito a


ser explorado no estudo das Relações Internacionais. Esperamos que o
presente curso sirva para despertar o interesse sobre essa temática tão
intrigante.

Logo abaixo do texto da aula, você encontrará dois ícones: um lhe


permite avançar para a aula seguinte, o outro, recuar para a aula
precedente. São eles:

Avançar

Recuar

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

As questões objetivas que aparecem nas conclusões de cada módulo e que


têm por objetivo reforçar as aprendizagens propostas são indicadas pelo

ícone:

Ao final de cada módulo, exercícios de fixação propostos por meio do ícone

permitirão ao cursista avaliar seu avanço na apropriação do conteúdo


proposto. Estas atividades deverão ser encaminhadas aos tutores e sua
abordagem é importante para que o aluno avance no curso com segurança
e embasamento.

Ao final de cada unidade, o cursista deverá responder a questões de


avaliação dos conhecimentos construídos no curso. Tais avaliações, a
serem acessadas por meio da Plataforma de Educação a Distância do ILB,
serão encaminhadas aos tutores do curso.

Desejamos que você tenha excelente aproveitamento neste curso


introdutório às Relações Internacionais!

Bom proveito!

A equipe organizadora do curso.

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Guia do Estudante

As orientações abaixo ajudarão o estudante a distância a utilizar


melhor os recursos didáticos do nosso curso. Estas instruções visam a
auxiliá-lo durante todo o seu percurso, levando-o a um maior
aproveitamento e sucesso em seus estudos.

O Material didático, elaborado conforme os preceitos da Educação a


Distância, é auto-instrucional e está dividido em três unidades, cujos
conteúdos são colocados de maneira clara e compreensível. O material
contém as informações e exercícios necessários ao aluno para o
cumprimento dos objetivos propostos.

O fórum é um valioso instrumento de integração possibilitando


que todos os participantes se conheçam e compartilhem
conhecimentos.

A tutoria é um importante sistema de ajuda pedagógica ao aluno


a distância, oferecendo orientação e atendimento às dúvidas sobre os
conteúdos. Nossa tutoria é composta de especialistas que atendem a
todos os alunos, durante o período do curso. Esse é seu canal direto de
comunicação com o Tutor, onde você deve postar todas as dúvidas,
inclusive as referentes à utilização da Plataforma.

Esse é o canal de comunicação do Tutor e da Coordenação com


você. Quando há mensagem, o ícone muda de cor, fica vermelho.
Fique de olho!

Calendário obrigatório - acompanhe o calendário do curso


diariamente e fique em dia com os prazos de envio das atividades,
período de participação no fórum e datas importantes.

Observação: O não cumprimento dessas atividades, no prazo


determinado, implicará o cancelamento de sua matrícula e
conseqüente impedimento por 6 meses de nova pré-matrícula nos
cursos do ILB.

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Atividades de estudo

Diversas atividades irão auxiliá-lo, funcionando como reforço na


aprendizagem. Após o estudo do conteúdo de cada módulo e unidade,
você deverá executar:

Auto-avaliação - Esta atividade foi desenvolvida para você


mesmo verificar o seu progresso ao longo do percurso. As auto-
avaliações não serão corrigidas pelos tutores, e sim automaticamente
pelo sistema.

Exercícios de fixação - São atividades criadas para auxiliá-lo a


entender e refletir melhor sobre os conteúdos apresentados ao longo
do curso. Estes exercícios serão corrigidos pelos tutores. Ele poderá
recomendar que a questão seja refeita, se julgar necessário. Nesse
caso, o ícone ficará azul.

Avaliação Final de unidade – são exercícios subjetivos, disponíveis


ao final de cada unidade que serão corrigidos pelos tutores. Espera-se que
o aluno demonstre capacidade de análise e domínio dos temas estudados.
Evite reproduzir material de terceiros. Sua resposta pode conter trechos
de citação, desde que a fonte seja informada.

Avaliação
Serão considerados aprovados os alunos que efetuarem todas as atividades
propostas: exercícios de fixação, avaliações das unidades e fóruns temáticos,
com conceito "Excelente", "Bom" ou "Regular". O aluno que obtiver conceito
"Insuficiente" em qualquer das unidades, terá, a critério do professor-tutor,
a opção de fazer uma avaliação final.

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Certificação Eletrônica
Conseguindo desempenho suficiente nas atividades programadas, você estará
apto à CERTIFICAÇÃO. Decorridos 10 dias após a data de conclusão do curso,
entre com seu nome de usuário e senha e clique no ícone do certificado ao
lado do nome do curso. Você terá a opção de imprimir o CERTIFICADO e uma
DECLARAÇÃO com o conteúdo programático. Poderá também salvar o arquivo,
para posterior impressão. (Os certificados não mais serão enviados pelos
Correios). Caso deseje uma impressão especial, bastará utilizar papel com
gramatura ou textura diferenciada.
Sugestões para um bom estudo:

As atitudes do estudante a distância, traduzidas em hábitos de estudo,são


fatores que ajudam o aluno a persistir e permanecer no curso, determinando
o sucesso final. Nossas sugestões para que você tenha um bom aproveitamento
são as seguintes:

- administre bem seu tempo - assegure-se de que terá disponibilidade para


se dedicar ao estudo;
- consulte com regularidade o cronograma do curso - o não cumprimento
de algumas das datas implicará no cancelamento de sua matrícula;
- procure realizar as atividades dentro dos prazos previstos - eles são
planejados de forma a otimizar os resultados pretendidos e a pontualidade
demonstra seu compromisso com o processo de aprendizagem;
- execute as atividades propostas em seqüência de módulos/unidades - os
exercícios respondidos fora da ordem ficam aguardando a vez para serem
corrigidos e você corre o risco de se esquecer de retomá-los;
- sempre que acessar a plataforma, navegue pelos ambientes de estudo
para ver se algo novo foi acrescentado;
- a plataforma é o melhor canal de comunicação com a tutoria e a coordenação
recorra preferencialmente ao tutor para sanar suas dúvidas de conteúdo;
- participe dos fóruns e debates - são itens valiosos de interação com o grupo,
além de integrarem a avaliação;
- elabore suas respostas num editor de texto, para, posteriormente, copiar e
colar no local apropriado da plataforma - essa prática permite que você
estruture melhor seus textos e evita que, em caso de problema no sistema,
você perca seu trabalho.

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Apresentação
Este curso visa a apresentar conceitos elementares de Relações
Internacionais, as principais teorias que buscam explicá-las e, ainda, a
evolução histórica da Sociedade Internacional, desde a Idade Moderna.

O presente curso é preparatório para o curso de Introdução às Relações


Internacionais II (REL II) e para cursos futuros que envolvam questões
internacionais contemporâneas de utilidade para o Parlamento
Brasileiro.

Este curso está dividido em 3 unidades com 4 módulos cada uma. Cada
um dos módulos requer sua atenção e dedicação com relação à
apreensão do conteúdo proposto. Apesar de ser um curso apenas
introdutório aos aspectos das relações internacionais, o tema é complexo,
o que exige aprofundamento pessoal dos assuntos tratados.

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Créditos

O Curso de "Introdução às Relações Internacionais" é uma


iniciativa do Instituto Legislativo Brasileiro e da Consultoria
Legislativa do Senado Federal.

Coordenação do Projeto: Meyre Malena Alves Rodrigues (ILB)

Conteudista: Joanisval Brito Gonçalves, Consultor Legislativo do


Senado Federal, Mestre em História das Relações Internacionais,
Doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília.

Colaboradores e Professores-tutores: Tiago Ivo Odon e Dario


Alberto de Andrade Filho, Consultores Legislativos do Senado Federal.

Concepção e programação pedagógica: Gilberto Lacerda Santos

Programação visual e lógica: Hélvia Moreira e Ravi Passos

Revisão lingüística: Emília Manuela Rodrigues Moutella

Equipe do ILB:
Diretora da Subsecretaria de Pesquisa e Desenvolvimento,
Estudos e Projetos: Denise Zaiden Santos

Diretora-Executiva do ILB: Denise Ramos de Araújo Zoghbi

Equipe técnica - SSPDEP/ILB:


Espedito Marques de Azevedo
Marcelo Azevedo Larroyed
Simone Dourado Guimarães
Walter Falleiros Júnior
Claudia Pohl
Valéria Maia e Souza
Meyre Malena Alves Rodrigues

Produção: Omni3 Soluções em Comunicação e Educação Ltda.

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Sumário

Apresentação, 7

UNIDADE I

Módulo I - As Relações Internacionais no Mundo Contemporâneo:


Dilemas e Perspectivas, 10
Módulo II - Conceitos Fundamentais de Relações Internacionais, 20
Módulo III - Correntes Teóricas das Relações Internacionais, 35
Módulo IV - O Realismo, 52

UNIDADE II

Módulo I - A Sociedade Internacional – Aspectos Gerais , 62


Módulo II - As Relações Internacionais da Era Moderna – da Guerra dos
Trinta Anos (1618-1648) ao Congresso de Viena (1815), 75
Módulo III - A Nova Ordem Internacional do Século XIX, 97
Módulo IV - A Primeira Guerra Mundial e o Entre-Guerras, 120

UNIDADE III

Módulo I - A Segunda Guerra Mundial, 143


Módulo II - O Sistema Internacional Pós-1945, 158
Módulo III - O fim da Guerra Fria e a Nova Ordem da Década de 1990, 175
Módulo IV - O Sistema Internacional no Século XXI: Perspectivas, 186

Bibliografia Básica, 197


Referências na Internet, 200

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade I
Módulo I – As Relações Internacionais no Mundo
Contemporâneo: Dilemas e Perspectivas

Objetivos do Módulo

Ao final do Módulo, o aluno deverá estar apto a:


• identificar os principais pontos da agenda de relações
internacionais contemporâneas;
• estabelecer o conceito e as características da Globalização;
• estabelecer a importância das Relações Internacionais para o
Brasil;
• assinalar a evolução histórica e a importância de Relações
Internacionais como disciplina acadêmica.

As Relações Internacionais no Mundo Contemporâneo

As últimas décadas do século XX foram marcadas pela intensificação das


relações entre os povos, de uma maneira como nunca havia ocorrido
anteriormente. Cada vez mais, as distâncias estão menores, tempo e
espaço perdem o significado que tinham para nossos pais e avós, e as
pessoas de diferentes locais do globo tomam consciência de que “a
menor distância entre dois pontos é uma tecla”.

O século XXI chega trazendo grandes conquistas: o mundo está menor,


globalizado, interligado física e eletronicamente; pode-se tomar café em
Londres e almoçar em Washington; as fronteiras perdem sua
importância; o sistema internacional vê-se cada vez mais integrado; a
tecnologia alcança milhões de pessoas, e não há limite ao conhecimento
humano. O último século do segundo milênio presenciou uma evolução
tecnológica inimaginável!

10

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

O Processo de Globalização

O termo globalização pode ser entendido como fenômeno de aceleração


e intensificação de mecanismos, processos e atividades, com fins à
promoção da interdependência global e, em última escala, da integração
econômica e política em âmbito mundial. Trata-se de conceito
revolucionário, envolvendo aspectos sociais, econômicos, culturais e
políticos.

Um dos aspectos mais importantes da globalização envolve a idéia


crescente do mundo sem fronteiras. Isso é perceptível no uso de
expressões como “aldeia global” e “economia global”. Poucos lugares do
mundo estão a mais de dez dias de viagem, e a comunicação através
das fronteiras é praticamente instantânea.
Em nossos dias, com as economias interligadas, blocos se formam, com
conseqüências que ultrapassam os benefícios econômicos, pois as
conquistas sociais e políticas de um membro do bloco logo deverão
chegar aos territórios de todos os outros. Princípios, como democracia e
prevalência dos direitos humanos, podem ser defendidos e argüidos em
troca de benefícios econômicos. Cite-se, como exemplo, o caso de
países como Grécia, Portugal e Espanha, que, para serem aceitos na
então Comunidade Européia tiveram que promover importantes
mudanças econômicas, sociais e políticas. O mesmo se aplica à Turquia,
que agora aspira a tornar-se parte da moderna Europa.
Assim, o atual processo de globalização envolve a integração econômica
mundial em diversos níveis, com a redução das distâncias em virtude do
desenvolvimento de mecanismos de produção e distribuição de bens em
escala global e do fortalecimento dos meios de comunicação. Nesse
contexto, novos Atores, como a opinião pública e a mídia, ganham
destaque ao influenciarem a conduta dos Estados.

Dilemas da Globalização

A globalização, entretanto, também é marcada por problemas em escala


global. Nesse sentido, tem-se a criminalidade, que ultrapassa as
fronteiras dos Estados, com organizações criminosas exercendo
atividades ilícitas de maneira organizada e internacional. Crimes como o

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

narcotráfico, o tráfico de armas, o tráfico de pessoas e de animais e a


pirataria há muito não são problemas exclusivos de um ou outro país –
são questões globais, que devem, portanto, ser encaradas globalmente.
A base desse crime organizado é a lavagem de dinheiro, que movimenta
cerca de um trilhão de dólares por ano no mundo, cerca de 4% do
Produto Interno Bruto (PIB) mundial.

Assim, ao lado das grandes conquistas, há novos desafios: parte


significativa da população mundial ainda permanece no século XIX.
Nações ricas e prósperas convivem com Estados que comportam
milhões de miseráveis. Alguns locais do globo ainda não saíram da
Idade Média! Novas e antigas doenças afligem milhões pelo globo. Cite-
se, ainda, parte significativa da raça humana que sofre com a fome, a
pobreza, as guerras. A sociedade internacional presencia crises
econômicas, políticas, culturais e sociais. E o destino da humanidade
permanece uma grande incógnita.

Meio Ambiente, Direitos Humanos, Conflitos Internacionais

Outro importante tema das relações internacionais, neste mundo


globalizado, envolve os problemas ambientais. Cada vez mais, a
humanidade toma consciência de que as questões ambientais não
podem ser tratadas como assuntos internos dos Estados, e de que os
danos ambientais ultrapassam as fronteiras. A terra é um corpo único, e
os recursos ambientais são patrimônio de todos os seres humanos e das
futuras gerações. Logo, os males causados ao meio ambiente afetam
toda a humanidade.

A proteção ao meio ambiente passou a ser uma das grandes


preocupações da comunidade internacional, não só na área
governamental, mas também entre todos os habitantes da terra. A
Conferência do Rio de Janeiro de 1992 exerceu essa salutar influência e,
a partir de então, multiplicam-se os tratados sobre todos os aspectos
ambientais. Calculam-se em mais de mil os tratados internacionais
assinados sobre meio ambiente.

Também a proteção aos direitos humanos é um assunto em voga,


sobretudo a partir do momento em que as notícias de violações a esses
direitos nos chegam de todas as partes do planeta. No moderno sistema
internacional, violações contra uma pessoa devem ser consideradas
crimes contra toda a humanidade. O intenso trabalho das cortes
internacionais de direitos humanos na Europa e no continente americano
refletem essa nova realidade.
12

I II III IV I II III IV I II4 III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Sem embargo, à medida que nos aproximamos uns dos outros, surgem
também os conflitos, outra característica marcante das relações
internacionais. E, no extremo dos conflitos, temos a guerra, sob suas
diferentes formas. Nesse sentido, o século XX foi marcado por uma
grande quantidade de guerras pelo globo, inclusive com dois conflitos
que envolveram praticamente toda a sociedade internacional.

Uma das grandes certezas do século XXI é que nele ainda


presenciaremos o fenômeno da guerra. Entretanto, alguns cogitam
mesmo que a guerra no século XXI não será mais entre países, mas
entre civilizações1.

Importância de conhecer as Relações Internacionais

Eis, portanto, o grande “paradigma” global: ao lado de grandes


conquistas, grandes desafios! E é nesse contexto que se percebe a
necessidade de conhecimentos, no mínimo, elementares, sobre relações
internacionais. Atualmente, quem não estiver informado sobre o que
ocorre no mundo poderá perceber-se bastante limitado, pessoal e
profissionalmente.

Hoje, a sociedade internacional está tão interligada, integrada em um


processo de globalização, que situações ocorridas na China podem
afetar a nós, brasileiros, do outro lado do planeta. O problema do outro
passa a ser também um problema nosso, e o bem-estar de cada homem
passa a significar o bem-estar de toda a humanidade. Nesse contexto,
se você não é parte da solução, é parte do problema!

Assim, ninguém mais pode se furtar ao conhecimento, ainda que


elementar, das relações internacionais.

O Brasil e as Relações Internacionais

Como quinto maior país do globo em população e dimensão territorial,


15a economia mundial, condições e pretensões de se tornar uma Grande
Potência, o Brasil não pode se furtar a ter um papel de destaque nas

1
Samuel Hunttington, O Choque de civilizações.
13

5
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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Relações Internacionais2. As relações internacionais no mundo


globalizado, cada vez mais, farão parte de nosso dia-a-dia.

Pouco significativa frente a suas potencialidades é a atuação brasileira


no cenário internacional. Apenas nas últimas décadas do século XX é
que começamos a nos fazer mais presentes. Isso coincide com o
surgimento e o desenvolvimento dos primeiros cursos de Relações
Internacionais no País e com o aumento do interesse nas questões
internacionais por parte de diversos setores da nossa sociedade.

É premente a necessidade de os brasileiros terem algum conhecimento


de Relações Internacionais. Na Administração Pública, essa necessidade
é mais evidente; no Poder Legislativo, é fundamental que aqueles que
assessoram os legisladores conheçam as principais linhas da política
internacional e da política interna brasileira. Afinal, política interna e
política externa estão estreitamente relacionadas: as ações de política
interna afetam e são afetadas pela política internacional e vice-versa.

As relações internacionais e a Constituição Brasileira

A importância das Relações Internacionais também pode ser constatada


nos dez incisos do art. 4º da Constituição Federal, nossa Lei Maior,
ainda no Título I – “Dos Princípios Fundamentais”, que estabelecem os
princípios das relações internacionais do Brasil:

• Independência nacional;
• Prevalência dos Direitos Humanos;
• Autodeterminação dos povos;
• Não-intervenção;
• Igualdade entre os Estados;
• Defesa da paz;
• Solução pacífica dos conflitos;
• Repúdio ao terrorismo e ao racismo;
• Cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade;
• Concessão de asilo político.

2
Estamos estrategicamente localizados, com fronteiras com praticamente todos os países sul-americanos e
com o Atlântico como principal via para a Europa e a África. Ademais, somos uma nação tida como pacífica e
respeitadora do direito internacional e com incontestáveis atributos de liderança regional. Finalmente, não
devemos desconsiderar nossas maiores riquezas: os recursos naturais e um povo multiétnico, empreendedor,
e, nos dizeres de Gilberto Freyre, com suas peculiares “características antropofágicas”.
14

I II III IV I II III IV I II6 III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Também os direitos e garantias fundamentais estão intimamente


relacionados às experiências vivenciadas pela comunidade das nações
ao longo de sua história. Foi graças às Revoluções em países como
França, EUA e Rússia, e à difusão desses princípios para além de suas
fronteiras, que o mundo foi moldando uma cultura de direitos
fundamentais que, hoje, são inquestionáveis em qualquer lugar do
planeta! E a violação a esses direitos gera repulsa da comunidade
internacional.

O Poder Legislativo e as Relações Internacionais

As relações internacionais do Brasil passam efetivamente pelo Poder


Legislativo. Em nosso sistema jurídico-político, quaisquer tratados que o
Brasil celebre com outras nações ou com organizações internacionais
devem necessariamente obter o aval do Congresso Nacional antes de
serem ratificados.

O art. 49 da Constituição Federal de 1988 é claro ao estabelecer, logo


em seus primeiros incisos, as competências exclusivas do Congresso
Nacional:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou


atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

II – autorizar o Presidente da República a declarar


guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras
transitem pelo território nacional ou nele permaneçam
temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei
complementar;

O Senado Federal tem atribuições mais específicas, pois é a Casa


Legislativa que avalia e aprova a indicação de nossos embaixadores,
autoridades máximas das missões diplomáticas brasileiras, designados
para representar o País no Exterior. Também cabe ao Senado autorizar
as operações externas de natureza financeira dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.

Cada Casa Legislativa possui Comissões encarregadas dos temas de


relações exteriores e defesa nacional. No Senado Federal, por exemplo,
a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), composta 15

I II III IV I II III IV I II6 III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

por 19 membros titulares e 19 suplentes, é competente para tratar das


questões que envolvam as relações internacionais do País.

A legislação brasileira deixa clara a importância do Poder Legislativo nos


destinos das relações internacionais do País. Quanto mais o Brasil
busque integrar-se na comunidade das nações e ocupar o seu devido
papel de destaque, mais importante se faz o conhecimento, na esfera do
Legislativo, dos principais temas de relações internacionais.

O Estudo das Relações Internacionais

Antes de concluirmos o Módulo I, convém apresentar algumas


considerações gerais sobre o estudo das relações internacionais como
disciplina, as áreas de atuação do profissional de relações internacionais
e a realidade brasileira.

O estudo das relações internacionais envolve conhecimentos gerais de


direito, economia, administração, história, filosofia, sociologia,
antropologia, estatística e, sobretudo, de questões internacionais
contemporâneas.

O interesse por temas de relações internacionais aumentou mais ainda


após os fatídicos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Ao
assistirmos àqueles dramáticos acontecimentos, em tempo real, alguns
véus foram retirados, e aos poucos, tomamos consciência de que as
distâncias físicas se estreitavam ao mesmo tempo em que as distâncias
culturais e sociais aumentavam. O terrorismo passa também a ser uma
questão global, que afeta países dos hemisférios Norte e Sul.

No campo profissional, as relações internacionais alcançam diversas


áreas. No Brasil, há profissionais de relações internacionais atuando em
setores variados da Administração Pública e da iniciativa privada.

Em termos de carreira, uma das mais conhecidas é a diplomacia. O


diplomata é o legítimo representante do Governo e da nação junto a
outros povos e organizações internacionais. Para se tornar um diplomata
no Brasil, é necessário o ingresso na carreira por meio de concurso
público, promovido pelo Instituto Rio Branco (IRBr) do Ministério das
Relações Exteriores. Aprovado no concurso, e após um período de
treinamento no IRBr – para aqueles que não dispõem de título de
Mestre ou Doutor –, o diplomata inicia uma carreira como Terceiro
Secretário, podendo chegar a Embaixador.
16

I II III IV I II III IV I II8 III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

No serviço público, além da Chancelaria, o profissional de relações


internacionais tem diante si alternativas de trabalho nos vários órgãos
da Administração Federal, Estadual e Municipal. Afinal, sempre há uma
“assessoria internacional” em cada ministério, secretaria, autarquia e
empresas públicas. E o perfil do internacionalista se destaca. Constata-
se a presença de profissionais de relações internacionais nas principais
carreiras de Estado.

Na iniciativa privada, outro leque de alternativas se abre ao profissional


de relações internacionais. Além das grandes corporações multinacionais
e transnacionais, as empresas brasileiras de médio e grande porte já
percebem a necessidade de atuarem em uma economia globalizada.
Assim, em um mundo cada vez mais integrado econômica e
financeiramente, as empresas precisam de profissionais que as auxiliem
a se integrarem e a permanecerem no sistema internacional. Aquelas
que desconsideram essa percepção acabam por sucumbir.

Além disso, há a possibilidade de trabalho do profissional de relações


internacionais nas centenas de Organizações Internacionais e
Organizações Não-Governamentais que atuam no globo: ONU, OEA,
OIT, OMC, OPEP, UNESCO, FAO, Greenpeace, WWF etc. Brasília tem
representação da maior parte dos organismos internacionais dos quais o
Brasil é membro, o que amplia o mercado do profissional de relações
internacionais na Capital Federal.

Relações Internacionais como Disciplina Independente

Até o início do século XX, as Relações Internacionais não eram


estudadas como disciplina independente. O estudo do tema estava
sempre sob a égide de outras ciências, como o Direito, a Economia, a
Sociologia e a Ciência Política.

À medida que sociedade internacional tornava-se mais complexa e as


relações entre os Estados mais diversificadas - relações que envolviam
conflito e cooperação e que, muitas vezes, culminavam em situações
com interferência direta no quotidiano das pessoas e na política interna
das nações -, percebeu-se a crescente necessidade de teorias que
explicassem a conduta dos Atores em um cenário internacional.
Verificou-se que essas teorias e seu estudo deveriam constituir uma
nova área do conhecimento, independente e com autonomia para gerar
suas próprias percepções da realidade. Daí o aparecimento das
primeiras cátedras de Relações Internacionais pelo mundo.
17

I II III IV I II III IV I II9 III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Os cursos de relações internacionais surgiram na primeira metade do


século XX, nas principais universidades européias e norte-americanas.
Foram constituídos com o objetivo de produzir conhecimento que
explicasse como se desenvolviam as relações entre os Estados. Naquele
contexto, as perguntas que impulsionariam o estudo estavam
intimamente relacionadas ao grande trauma da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918), conflito sem precedentes, que envolvera diversas nações
do globo e causara pesadas perdas, sobretudo no território europeu.
Assim, os temas centrais eram:

• O que havia conduzido o mundo a uma situação de


conflito tão drástica?
• O que leva Estados à guerra?
• É possível se evitar o conflito entre os povos?
• Como agem os Atores internacionais e quais as forças
que interferem na conduta desses entes?

Claro que, com o decorrer do século XX, o estudo das Relações


Internacionais diversificava-se à medida que os laços entre os povos
tornavam-se mais complexos e novos temas, como cooperação,
desenvolvimento, integração, paz, direitos humanos e globalização,
vinham à baila. Atualmente, a disciplina é ampla, alcança as mais
diferentes áreas de estudo e evolui à medida que evolui a complexidade
da sociedade internacional.

O primeiro curso de relações internacionais no Brasil foi instituído na


Universidade de Brasília, na década de 1970, fazendo da capital da
República o referencial brasileiro em estudos internacionais. Até meados
da década de 1990, havia apenas dois cursos de Relações Internacionais
no Brasil – na Universidade de Brasília e na Universidade Estácio de Sá
(Rio de Janeiro). Hoje, são dezenas de instituições que oferecem a
graduação em Relações Internacionais por todo o País. Trata-se,
portanto, de carreira de grata expansão. Mesmo assim, a contribuição
brasileira para as relações internacionais ainda é muito incipiente,
sobretudo para um País que tem potencial para se tornar uma Grande
Potência entre seus pares.

Feitas essas primeiras considerações acerca do tema de nosso curso,


passemos às teorias e aos principais conceitos utilizados pelos
profissionais e estudiosos das Relações Internacionais.

18

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Auto-avaliação
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique no
seguinte ícone: AV

1) Sobre o problema epistemológico que surge na teoria das Relações


Internacionais na década de 1990, assinale a alternativa verdadeira:

a) Necessidade de deixar de trabalhar com o conceito


de interesse nacional.
b) Tendência de Atores não-Estatais de atuarem contra
o Estado.
c) Substituição do conceito de dependência pelo de
globalização.
d) Necessidade de analisar a Economia em espaços não
mais nacionais.

2) No que concerne ao fenômeno da Globalização, assinale a alternativa


incorreta:

a) O termo globalização pode ser entendido como


fenômeno de aceleração e intensificação de mecanismos,
processos e atividades, com fins à promoção de uma
interdependência global e, em última escala, a integração
econômica e política em âmbito mundial.
b) A globalização envolve aspectos sociais,
econômicos, culturais e políticos.
c) Em virtude da globalização, novos Atores, como a
opinião pública e a mídia, ganham destaque ao influenciarem a
conduta dos Estados.
d) A questão ambiental deixa de ser problema, uma vez
que Sociedade internacional tem cooperado e resolvido a maior
parte das questões relacionadas ao tema.

Exercício de fixação

1. Discorra, em um texto entre 5 e 15 linhas, sobre a importância


das relações internacionais para o Brasil.
19

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade I
Módulo II – Conceitos Fundamentais

Objetivos do Módulo

Ao final do Módulo, o aluno deverá estar apto a identificar e


definir os seguintes conceitos fundamentais de relações
internacionais:
• Sociedade Internacional;
• Atores;
• Forças Profundas;
• Sistema Internacional;
• Potência;
• Hegemonia.

CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Essencial para o desenvolvimento de nosso curso é a compreensão de


conceitos fundamentais de Relações Internacionais. Nesse sentido, seria
complicado tentar iniciar qualquer análise de Relações Internacionais
sem as noções desses conceitos essenciais.

Os conceitos elementares de Relações Internacionais sobre os quais se


tratará neste curso são os de:

• Sociedade Internacional;
• Atores;
• Forças Profundas;
• Sistema Internacional;
• Potência;
• Hegemonia.

20

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Sociedade Internacional

Um dos primeiros aspectos com o qual se depara aquele que inicia o


estudo de Relações Internacionais refere-se à temática que envolve a
Sociedade Internacional. Mas como definir Sociedade Internacional?
Quais os elementos constitutivos desse conceito?

Num primeiro momento, podemos relacionar Sociedade Internacional à


evolução histórica das relações entre os grupos, povos e, mais tarde,
Estados-nações organizados em âmbito espacial determinado. Podemos
identificar a evolução da Sociedade Internacional a partir das relações
entre os grupos primitivos da Antigüidade, passando pelos reinos e
impérios, e chegando à Idade Contemporânea, com a ascensão do
Estado nacional e soberano nos séculos XVIII e XIX, e o seu declínio, no
século XX, frente a um sistema cada vez mais globalizado e
interdependente.

Podemos falar em Sociedade Internacional antes mesmo da formação


dos Estados nacionais, que só se deu, nos moldes como os concebemos
hoje (compostos de povo, território e soberania), há dois séculos.
Mesmo que não houvesse consciência dos povos a esse respeito, não há
como negar a existência “de fato” de uma Sociedade Internacional na
Antigüidade. Afinal, a partir do momento em que surgem os primeiros
grupos independentes e diferenciados, exercendo relações políticas,
culturais ou comerciais entre si, tem-se uma Sociedade Internacional
embrionária. Das tribos passaram-se aos reinos, às cidades-estados e
aos impérios, e estes, vistos em um contexto macro e nas relações
entre si, formavam a Sociedade Internacional do mundo antigo.

Claro que o primeiro modelo de Sociedade Internacional, inserido em


um Sistema Internacional da Antigüidade, refletia mais um conjunto de
sociedades regionais localizadas, muitas vezes sem qualquer contato
entre si e até sem consciência da existência das outras sociedades. Era
uma época em que as forças naturais limitavam a comunicação entre
Oriente e Ocidente, em que a “Sociedade Internacional do sistema
grego” mantinha pouco contato com a “Sociedade Internacional do
extremo oriente” – na qual o império dinástico chinês era o principal
ator.

Somente com as grandes navegações e o expansionismo europeu pelo


planeta é que se estrutura uma Sociedade Internacional global. Assim,
desde o século XVI, o mundo vai-se tornando cada vez mais integrado,
21

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

seja pela força da economia e do comércio, seja pela força dos canhões
e das conquistas coloniais européias. Paul Kennedy, em sua obra já
clássica “Ascensão e Queda das Grandes Potências”3, analisa, com
clareza, como o extremo oeste do continente euroasiático, conhecido
como Europa, com uma diversidade de povos e reinos autônomos e
marcado por conflitos regionais e fratricidas, consegue expandir-se pelo
mundo e, em pouco mais de dois séculos, tornar-se o centro de uma
sociedade global, subjugando impérios tradicionais como a China e o
Império Otomano.

O termo “internacional” foi utilizado pela primeira vez em 1780, pelo


filósofo inglês Jeremias Bentham, em sua obra “Princípios de Moral e
Legislação”. Essa é a época do apogeu dos Estados nacionais, com o
início do declínio do absolutismo no continente europeu. Era um período
em que a idéia de nação ainda estava muito ligada à figura do soberano.
A Sociedade Internacional representava, para os europeus, a
“Cristandade”, com seus paradigmas e princípios seculares. O Estado
soberano era o principal Ator internacional.

Foi com a Revolução Francesa que o conceito de nação deixou de ter


caráter puramente simbólico e passou a relacionar-se diretamente à
questão da soberania. A soberania passou a residir essencialmente na
nação, onde o súdito tornava-se cidadão, e as relações entre os
Estados, até então simbolizados e conduzidos pelos monarcas,
estenderam-se às relações entre os povos. O século XX esclarece essa
nova perspectiva: as relações entre nações não são necessariamente
relações entre os Estados, muito pelo contrário.

Não pode haver dúvida de que essa Sociedade Internacional é dinâmica


e tem sua evolução diretamente relacionada à evolução dos grupos,
povos, reinos, Estados, Impérios e nações, enfim, de todos os Atores
que a compõem ou a compuseram e das forças que influenciam a sua
conduta.

Qual o conceito de Sociedade Internacional? A resposta para essa


pergunta é percebida de maneira diferenciada pelos teóricos das
Relações Internacionais, que podem ser reunidos em três grandes
grupos (Cervera, 1991). Para os teóricos do primeiro grupo, é
simplesmente impossível definir Sociedade Internacional. Limitam-se,
assim, ao estudo dos componentes da Sociedade Internacional e à

3
Paul Kennedy. Ascensão e Queda das Grandes Potências : transformação econômica
e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1989.
22

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Introdução às Relações Internacionais I

evolução das relações entre eles. Os teóricos do segundo grupo


dedicam-se a analisar a Sociedade Internacional em contraposição a
outros grupos sociais. Por essa ótica, a pergunta que se busca
responder é “Como é a Sociedade Internacional?” É irrelevante,
portanto, para esses autores a formulação de um conceito teórico para
Sociedade Internacional. De qualquer maneira, eles não deixam de
apresentar sua definição de Sociedade Internacional, mas apenas para
instrumentalizar suas explicações, como veremos adiante.

O terceiro grupo, majoritário, afirma não só ser possível mas também


necessário proceder à definição do termo “Sociedade Internacional”,
para que se possa tratar com mais propriedade o estudo dos fenômenos
internacionais e das relações que se desenvolvem em seu meio. Uma
vez que concordamos com essa percepção, apresentaremos nosso
conceito de Sociedade Internacional. Antes, porém, vejamos alguns
conceitos de autores renomados.

Colliard (1978) afirma que Sociedade Internacional é o “conjunto de


seres humanos que vivem sobre a terra”. Percebemos uma definição
genérica e abrangente, que põe completamente de lado as estruturas
em que os seres humanos estão agrupados, como as nações ou os
Estados nacionais. Para o autor, o conceito de Sociedade Internacional
confunde-se com o de “humanidade”. Chega-se a perceber mesmo uma
concepção idealista, pois a Sociedade Internacional teria em primeiro
plano o indivíduo, independentemente de suas origens e do grupo ou
povo a que pertence.

Hedley Bull (1984), com base em uma análise sistêmica, definiu


Sociedade Internacional como um “grupo de comunidades políticas
independentes que não formam um sistema simples”. Definição mais
precisa e completa de Sociedade Internacional é de Juan Carlos Pereira:
“um âmbito espacial e global em que se desenvolve um amplo conjunto
de relações entre grupos humanos diferenciados, territorialmente ou
geograficamente organizados e com poder de decisão.” O autor acredita
que a Sociedade Internacional estaria evoluindo para uma Comunidade
Internacional.

Rafael Calduch Cervera define Sociedade Internacional como “aquela


sociedade global (macrossociedade) que compreende os grupos com um
poder social autônomo, entre os quais se destacam os Estados, que
mantêm entre si relações recíprocas, intensas, duradouras e desiguais
sobre as quais é assentada certa ordem comum”.
23

I II III IV I II III IV I II III IV


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Introdução às Relações Internacionais I

Por fim, cabe apresentar nossa própria conceituação de Sociedade


Internacional, que é baseada na corrente historiográfica, pela qual
buscamos reunir elementos que consideramos essenciais para a
compreensão do termo e de sua evolução desde a Antigüidade. A nosso
ver, Sociedade Internacional pode ser definida como “o conjunto de
entes que interagem de maneira sistêmica em uma esfera internacional
sob a influência de forças profundas”. Desmembremos esse conceito
para melhor compreensão.

Ator Internacional

A primeira parte de nosso conceito de Sociedade Internacional trata de


“um conjunto de entes”. Esses entes nada mais são do que os Atores
internacionais. Ator internacional é toda autoridade, organização, grupo
ou pessoa que representa ou pode vir a representar um papel de
destaque no Sistema Internacional. A percepção desses Atores varia
conforme o tempo e a corrente teórica que os identifica, mas podemos
destacar aqueles que, na atualidade, podem ser considerados os mais
importantes: os Estados nacionais, os atores governamentais
interestatais (as organizações internacionais), os atores não -
governamentais interestatais (i.e., organizações não-governamentais e
empresas multi e transnacionais, entre outros) e os indivíduos. Esses
Atores vão conduzir-se no âmbito internacional, de acordo com seus
interesses.

Não podemos identificar quaisquer pessoas, grupos ou organizações


como Ator Internacional. Para nossa classificação, é necessário que a
atuação desses entes tenha destaque internacionalmente. Uma
associação, por exemplo, estabelecida dentro de um Estado nacional e
voltada em suas atividades e interesses prioritariamente para o âmbito
interno daquele país não é um Ator internacional.

Não obstante, qualquer grupo, organização ou indivíduo pode vir a


tornar-se Ator internacional. Grandes empresas transnacionais de hoje
foram, no passado, pequenas organizações comerciais que atuavam
exclusivamente no interior de seu país de origem, não sendo à época
Atores internacionais. À medida que essas empresas cresceram,
expandiram-se para além das fronteiras de seus Estados de origem e
começaram a atuar e influir no Sistema Internacional, foram se
tornando Atores internacionais.

24

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Introdução às Relações Internacionais I

Sistema Internacional

O segundo aspecto de nosso conceito de Sociedade Internacional refere-


se à “atuação sistêmica na esfera internacional”. Sistema pode ser
conceituado como “conjunto de elementos e instituições entre os quais
se possa encontrar alguma relação” ou, ainda, “conjunto ordenado de
meios de ação ou de idéias, tendente a um resultado”.

As primeiras considerações a respeito do modelo sistêmico para explicar


as Relações Internacionais tomaram por base referências da Biologia e
da Química. Nesse sentido, pode-se associar a noção de sistema ao
corpo humano, no qual vários subsistemas – circulatório, nevrálgico etc.
– são compostos de órgãos que se relacionam e dependem uns dos
outros. A idéia de sistema, portanto, está relacionada a um
ordenamento nas relações entre componentes e à interdependência
entre esses componentes.

Raymond Aron, em sua obra clássica “Paz e Guerra entre as Nações”,


recorreu ao conceito de sistema para evocar a dinâmica das relações
internacionais. Assim, a Sociedade Internacional tem características
suficientemente estáveis para que possamos percebê-la como um
sistema onde os Atores conduzem suas relações dentro de certa(s)
ordem(ns). Afinal, “sociedade” implica algum tipo de organização, de
confluência de vontades dos Atores no plano internacional.

Caberia apresentar um conceito de Sistema Internacional, de acordo


com Frederic S. Pearson e J. Martin Rochester (2000:641):

“Sistema Internacional. Conjunto de relações em âmbito


mundial nas áreas política, econômica, social e tecnológica, em
torno do qual ocorrem as relações internacionais em um dado
momento.”

Há ainda autores que separam as noções de Sociedade Internacional e


de Sistema Internacional para identificar certos períodos históricos. Por
exemplo, Sociedade Internacional teria como substrato a idéia de
concerto e harmonia internacional, que alguns defendem corresponder,
por exemplo, à Europa do pós-1815. Em contrapartida, Sistema
Internacional traduziria a existência de vários pólos de poder que
interagem entre si e não necessariamente se harmonizam no todo, o
que alguns autores defendem corresponder ao mundo pós-1945.
25

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Forças Profundas

Finalmente, de acordo com a nossa concepção de Sociedade


Internacional, o terceiro elemento fundamental são as “forças
profundas”. A idéia de “forças profundas” origina-se da corrente
historiográfica das Relações Internacionais, cujos principais expoentes
foram Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle4. De acordo com
esses historiadores, as forças profundas nada mais seriam que
determinados fatores que influenciariam nas condutas das coletividades:

“As condições geográficas, os movimentos demográficos, os


interesses econômicos e financeiros, os traços da mentalidade
coletiva, as grandes correntes sentimentais, essas forças
profundas formaram o quadro das relações entre os grupos
humanos e, em grande parte, lhes determinaram o caráter. O
homem de Estado, nas suas decisões ou nos seus projetos, não
pode negligenciá-las; sofre-lhes a influência e é obrigado a
constatar os limites que elas impõem a sua ação. Todavia,
quando ele possui, quer dons intelectuais, quer uma firmeza de
caráter, quer um temperamento que o levam a transpor
aqueles limites, pode tentar modificar o jogo de semelhantes
forças e utilizá-las para seus próprios fins (p. 6).”

Juan Carlos Pereira denomina tais forças profundas de “fatores


condicionantes” (Pereira, op. cit.:44). Identifica alguns desses fatores:
fator geográfico, fator demográfico, fator econômico, fator tecnológico,
fator ideológico/sistema de valores, fator político-jurídico e fator militar-
estratégico.

Portanto, a Sociedade Internacional é composta de entes – Estados,


organizações internacionais, organizações não-governamentais,
empresas transnacionais, indivíduos, entre outros – que são
influenciados pelas forças profundas – fatores geográficos, demografia,
migrações, política, economia e finanças, ideologia, religião, tecnologia
etc. – em suas condutas sistêmicas na esfera internacional.

4
Além do clássico “Histoire des rélations internationales”, obra-mestra da
historiografia francesa das relações internacionais, caberia destacar dois livros de
Renouvin e Duroselle já traduzidos para o português: “Introdução à História das
Relações Internacionais” – de ambos, publicada em 1967 pela Difusão Européia do
Livro, de São Paulo – e “Todo Império Perecerá” – um dos últimos grandes trabalhos
de Duroselle, lançado recentemente, pela editora da Universidade de Brasília em
parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
26

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Além dos conceitos já tratados, caberiam, em nosso curso introdutório,


algumas observações – ainda que sem aprofundamento – a respeito de
outros conceitos essenciais para viabilizar nosso entendimento dos
temas tratados em todos os módulos do curso. Passemos a eles.

Potência

O Sistema Internacional é composto por uma diversidade de Atores.


Nesse contexto, o Estado ocupa papel de destaque. Mas existem
diferenças marcantes entre os Estados na esfera internacional e o grau
de influência (poder) que eles exercem. Assim, importante para a
compreensão das Relações Internacionais é a idéia de Potência e das
diferentes gradações dessa classificação.

Há inúmeras definições para Potência. Segundo Martin Wight (1985),


Potência é “um Estado moderno e soberano em seu aspecto externo, e
quase pode ser definido como a lealdade máxima em defesa da qual os
homens hoje irão lutar”. Rafael Calduch Cervera, por sua vez, cita o
conceito de Potência Internacional segundo C. M. Smouts, ou seja, como
aquele Estado “mais ou menos poderoso segundo sua capacidade de
controlar as regras do jogo em um ou mais âmbitos-chaves da disputa
internacional e segundo sua agilidade de relacionar tais âmbitos para
alcançar uma vantagem”.

Ao tratar da capacidade dos Estados de influenciarem a Sociedade


Internacional, Martin Wight relaciona Potências Dominantes, Grandes
Potências, Potências Mundiais e Potências Menores. Potências
Dominantes e Potências Mundiais seriam subdivisões do gênero Grande
Potência, uma vez que ambas as categorias se referem a Estados com
interesses globais e capacidade de influência significativa no Sistema
Internacional. Em última análise, a diferenciação poderia ser restringida
a Grandes Potências e Potências Menores.

Wight define Potência Dominante como aquela capaz de medir forças


contra todos os rivais juntos. E cita exemplos ao longo dos séculos,
como Atenas, à época das Guerras do Peloponeso, o Império Romano, a
Espanha de Carlos V e de Filipe II, a França de Luís XIV, a Grã-Bretanha
no século XIX, e os EUA no século XX.

Outro termo muito utilizado e cujas características vão além da Potência


Dominante, conforme definida por Wight, é o de Superpotência. Esse
termo, cunhado com o advento da Guerra Fria, e tinha como objetivo
designar exclusivamente a URSS e os EUA. Esses países, em virtude de
27

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
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suas capacidades nucleares – com poder de destruição global –,


inúmeras vezes associadas ao poderio militar convencional e à influência
político-ideológica mundial, tinham status único na comunidade das
nações. Gounelle indica quatro características das Superpotências:

• têm capacidade de intervir em qualquer parte do globo;


• dispõem de amplo arsenal, capaz de causar danos diferenciados
dos armamentos convencionais e composto tanto de armas
nucleares quanto de outros meios de destruição em massa;
• assumem a liderança de uma aliança militar (os EUA da OTAN e a
URSS do Pacto de Varsóvia);
• pretendem oferecer um modelo universal de sociedade.

Convém lembrar que a idéia de Superpotência ultrapassa em muito o


potencial exclusivamente militar. De fato, a capacidade de destruição
massiva do planeta é o elemento central do conceito de Superpotência,
mas o aspecto de liderança de um bloco de nações e de pretensões de
estabelecimento de uma sociedade universal em seus moldes político-
econômico-ideológico-sociais não pode ser desconsiderado.

Atualmente, com o colapso da URSS, restou no planeta apenas uma


Superpotência: os EUA. Alguns autores vislumbram a possibilidade da
China vir a ocupar, na segunda metade do século XXI, o lugar da URSS.
De qualquer maneira, os EUA, considerados os vencedores da Guerra
Fria, são hoje o único Estado com as características básicas da
superpotência e, de fato, essa nação tem se tornado tão poderosa que
já se cunha o conceito de hiperpotência, algo sem precedentes na
história.

A hiperpotência dispõe de um aparato bélico superior aos das demais


Potências juntas. Esse aparato não se resume ao potencial das armas de
destruição em massa, mas envolve armamento convencional
significativo. Ademais, trata-se de uma Economia de peso diante do
sistema, e sua influência na política internacional é marcante.

Assim, os EUA não encontram, no século XXI, adversários militares à


altura e são a Grande Potência econômica e a liderança mundial. Do
ponto de vista econômico, por exemplo, apenas a coalizão das grandes
economias européias pode fazer frente aos EUA, o mesmo acontecendo
com as economias asiáticas. A projeção de poder dos norte-americanos
no mundo não encontra precedentes, e alguns analistas já começam
analisar a Política Externa estadunidense como uma política de Império.
28

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

De qualquer maneira, o conceito de hiperpotência ainda encontra-se em


desenvolvimento.

O conceito de Wight para Potência Dominante tem grande proximidade


com a idéia de hegemon, ou seja, uma potência tão poderosa que seria
necessária uma coalizão de todas as demais nações para contê-la. A
concepção de hegemon ultrapassa a esfera exclusivamente político-
militar, de modo que o Estado que detém esse título influencia a
Sociedade Internacional em esferas diversas, como a cultura, a
estrutura social interna, a Economia e até o Direito. Além disso, essa
influência do hegemon não ocorre necessariamente de maneira
impositiva. De fato, a hegemonia, como veremos a seguir, envolve um
misto de coerção e consenso. Finalmente, convém lembrar que o
hegemon continua influenciando a Sociedade Internacional mesmo após
perder esse status.

Além da potência hegemônica, há outros atores estatais com capacidade


significativa de influência no Sistema Internacional. Esses são as
Grandes Potências, as quais, inclusive, disputam a hegemonia entre si e
aspiram tornar-se a potência dominante, chegando, muitas vezes, a
alcançar esse objetivo. De fato, as Relações Internacionais seriam um
grande palco onde essas Potências realizariam sua disputa pelo Poder.
Como exemplos atuais de Grandes Potências, teríamos a China, a
França, a Rússia, a Alemanha, o Japão e a Grã-Bretanha.

As potências menores constituem a maioria. Seu grau de influência no


sistema varia significativamente. Nesse grupo, poderiam ser
relacionadas desde as Potências Mundiais menores – como Espanha e
Índia – até as Potências Regionais – Argentina e Egito, por exemplo.
Vale destacar que uma Potência Menor hoje pode vir a tornar-se uma
Grande Potência, e até, a Potência Dominante. Os EUA são um bom
exemplo disso.

Max Gounelle5 comenta que, à medida que dispõe de capacidade de


influenciar de maneira significativa os outros entes da Sociedade
Internacional em prol de seus interesses particulares, um Estado pode
ser classificado como Microestado, Potência Local, Potência Média,
Grande Potência ou Superpotência.

5
As observações feitas acerca da classificação das Potências tomaram por base o livro
de Max Gounelle, Relations Internationales, publicado pela Dalloz, em Paris, 1992,
associadas às concepções de Martin Wight, op. cit.
29

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Os microestados são aquelas pequenas soberanias que persistem em


nossos dias e que, em sua maioria, tiveram origem na formação
histórica dos Estados nacionais europeus ou no processo de
descolonização. Encontram-se constantemente sob amplo grau de
dependência frente a uma Potência e integram-se a grupos de Estados
organizados no seio de organizações internacionais. Conviria
exemplificar nessa categoria países como o Principado de Mônaco e a
República de San Marino, diversos Estados-arquipélagos no Pacífico ou
até algumas Repúblicas da América Central e Caribe. Apesar de
minimamente influentes no Sistema Internacional, esses entes ganham
forças quando se associam e se fazem representar em organismos
internacionais onde tenham poder de voto igual ao de outros Estados.

As Potências Locais são as mais numerosas. Participantes das atividades


comuns da vida internacional, esses entes têm como objetivos principais
sua própria sobrevivência e a defesa de sua soberania territorial. De
maneira geral, não têm grandes pretensões internacionais de projeção
de poder e acabam também associados às Grandes Potências ou a
Potências Regionais. Como exemplos para essa categoria, teríamos
países como Bolívia, Paraguai, Camboja, Albânia e Moçambique.

São classificados como Potência Regional ou Potência Média aqueles


Estados aptos a representarem certo papel de destaque em grandes
áreas geopolíticas. Egito, Síria, Nigéria, Brasil, Argentina e Irã são
exemplos de Potências Regionais ou Médias. Esses países exercem
influência em virtude de suas aptidões de liderança sob certos limites
geográficos, fundadas em seus potenciais materiais ou demográficos,
suas envergaduras ideológicas ou seu peso militar, econômico e até
social.

Gounelle, no entanto, diferencia Potências Regionais de Potências


Médias ao afirmar que estas últimas têm ambições mundiais restritas às
suas próprias capacidades. Tais pretensões poderiam ser limitadas a
domínios específicos (nuclear, cultural, econômico, diplomático). A
França, a Alemanha, a China e o Japão estariam nessa categoria. De
fato, o que Gounelle relaciona como Potências “Médias” seria o que se
costuma chamar mais apropriadamente de Grandes Potências, ou seja,
Potências com interesses globais e capacidade de influenciar a
Sociedade Internacional em diferentes domínios. Ao chamar Potências
como China e Grã-Bretanha de Potências Médias, Gounelle o faz
comparando-as às Superpotências – à época, URSS e EUA.

30

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Hegemonia

Hegemonia6, em grego, significa “liderança”. Em sentido amplo,


portanto, em Relações Internacionais, o hegemon é o líder – ou o
Estado líder – de um grupo de nações.

Para que os conceitos de hegemonia e de hegemon sejam aplicáveis,


presume-se que haja uma certa ordem na Sociedade Internacional. Daí
que, entre os Estados que compõem a Sociedade Internacional, o
hegemon, ou líder, é o Estado mais poderoso. Não pode haver
hegemonia, portanto, sem a existência de relações de poder entre entes
em um meio internacional.

Hegemonia consiste, então, no exercício de uma liderança ou comando


em uma sociedade, com base em recursos de poder. Esses recursos
fundamentam-se em dois aspectos: coerção e consenso. Assim, toda
relação de poder tem por base os graus de coerção e consenso
exercidos por um ente ou mais de um sobre os demais. À medida que se
altera essa relação, muda também a liderança no grupo.

Para o exercício da hegemonia, o Estado deve poder atuar com base nas
esferas de consenso e coerção. Uma relação que se baseie apenas na
coerção – por meio de recursos de força militar ou econômica – não
poderia ser verdadeiramente hegemônica, da mesma maneira que é
impossível a liderança da comunidade internacional baseada apenas no
consenso dos demais Atores.

As relações internacionais têm sido marcadas pela disputa, por parte


das Potências, da hegemonia na Sociedade Internacional. Essa
hegemonia, além de política, pode ser militar, econômica, cultural ou
ideológica. Pode ser regional ou global. Um Estado que seja a Potência
hegemônica em uma dessas áreas muito provavelmente o será na
maioria das outras. É claro que essa liderança pode ter diferentes
gradações e que uma grande Potência econômica em nossos dias pode
não ter o mesmo poder de influência cultural ou até militar no cenário
internacional.

O Sistema Internacional será sempre marcado por um hegemon, cujo


interesse é manter o status quo no sistema, diante de outras Potências
interessadas em se tornarem o hegemon e que, portanto, atuam nesse
sentido. De acordo com a teoria da estabilidade hegemônica, o hegemon
6
Tomamos como base para o conceito de Hegemonia a obra International Relations:
the Key Concepts, de Martin Griffiths e Terry O’Callaghan (Routledge, London, 2002). 31

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

tem que ter capacidade de garantir a ordem do sistema, e essa ordem


deve ser percebida pelos demais entes da comunidade como positiva
para seus interesses. Para isso, na visão dos partidários da Escola
Realista das Relações Internacionais, o hegemon deveria dispor de
alguns atributos: liderança em um setor econômico ou tecnológico e
poder político baseado no poder militar. Podemos acrescentar a esses
atributos a capacidade de obter consenso sobre sua liderança frente à
maioria da Sociedade Internacional.

As Potências hegemônicas são as Grandes Potências na concepção de


Wight e o hegemon, nada mais que a Potência Dominante. A hegemonia
político-ideológica no planeta, por exemplo, era disputada pelas
Superpotências no contexto da Guerra Fria, mas a URSS dificilmente
poderia ser caracterizada como ameaça à hegemonia econômica dos
EUA.7

Essas observações introdutórias são suficientes para a compreensão dos


módulos seguintes e para a discussão dos temas tratados neste curso.

7
Deve ser esclarecido, todavia, que, durante a maior parte da Guerra Fria, imaginava-
se que a União Soviética se tornaria uma grande potência econômica. Isso é
especialmente válido para os anos 30: enquanto as economias ocidentais agonizavam
por causa da Crise de 1929, a economia soviética crescia a taxas espantosamente
altas.

32

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Auto-avaliação
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique no
seguinte ícone: AV

1) Sobre o sistema internacional e as forças profundas, julgue as


assertivas indique a alternativa correta:

I – Forças profundas podem ser definidas como os fatores que


influenciam a conduta dos Atores no sistema internacional. Exemplos de
forças profundas são a Economia, a Tecnologia e as Migrações.
II – Barreiras geográficas, como montanhas e desertos, são exemplos
de forças profundas naturais.
III- Ideologia e religião podem ser caracterizadas como forças
profundas.

De acordo com os enunciados acima:

a) Apenas a alternativa I está correta.


b) Apenas a alternativa II está correta.
c) Apenas as alternativas I e II estão corretas.
d) Todas as alternativas estão corretas.

2) Sobre os conceitos básicos de relações internacionais, julgue as


assertivas e, a seguir, indique a alternativa correta:

I – A Sociedade Internacional pode ser definida como o conjunto de


entes que interagem em uma esfera internacional sobre a influência de
forças profundas.
II – Não podem ser considerados Atores internacionais as Organizações
Internacionais e os indivíduos.
III – O Estado soberano é o principal Ator internacional.

De acordo com os enunciados:

a) Apenas a alternativa I está correta.


b) Apenas as alternativas I e II estão corretas.
c) Apenas as alternativas I e III estão corretas.
d) Apenas as alternativas II e III estão corretas.

33

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Exercício de fixação

1) “Conjunto de entes que interagem de maneira sistêmica em uma


esfera internacional sob a influência de forças profundas”. A que se
refere esse conceito? Comente, de maneira breve (entre 5 e 15
linhas), cada um dos elementos que o compõem.

34

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade I
Módulo III – Correntes teóricas das Relações
Internacionais

Objetivos

Ao final do Módulo, o aluno deve ser capaz de:

• apresentar as principais correntes teóricas das Relações


Internacionais no Século XX;
• identificar os principais debates teóricos da disciplina.

TEORIAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O objetivo material de qualquer ciência se define pela parcela de


realidade que se pretende conhecer mediante a formação de teorias e a
utilização de um método científico (Cervera, 1991). A teorização sobre
as Relações Internacionais surgiu quando se buscou explicar a
existência e as condutas dos entes internacionais. É na Grécia Antiga,
com a obra de Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, que se tem
a primeira manifestação embrionária de uma teoria de Relações
Internacionais.

A Teoria do Equilíbrio de Poder

Na era moderna, com o surgimento e desenvolvimento do Estado


Nacional, estruturam-se também as teorizações a respeito das Relações
Internacionais. Em um contexto de anarquia internacional e de conflito
entre os Estados, as práticas dos agentes e dos Atores na Sociedade
Internacional constituíram uma doutrina que pode ser considerada a
precursora da análise convencional realista das Relações Internacionais:
a chamada Teoria do Equilíbrio de Poder.

35

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

A Teoria do Equilíbrio de Poder percebe o cenário internacional em uma


situação de equilíbrio, na qual o poder é distribuído entre os diversos
Estados. Quando um Estado começa a destacar-se e a buscar aumentar
seu poder frente os demais, há uma perturbação no equilíbrio, e faz-se
necessária uma coalizão das Potências para conter o Estado
“pretensioso” e restaurar a ordem. A Teoria inspirou as Relações
Internacionais nos quatro séculos compreendidos entre a Guerra dos
Trinta Anos (1618-1648) e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foi
útil para justificar as condutas dos Estados e orientar ações de
governantes em um contexto anárquico e conflituoso em que as
Relações Internacionais eram as relações entre as soberanias européias.

Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as conseqüentes mudanças no


cenário internacional e no equilíbrio de forças, em virtude dos traumas
causados pelo conflito e do desenvolvimento do discurso pacifista junto
à opinião pública internacional, a Teoria do Equilíbrio de Poder foi
questionada. Sob o argumento de que essa doutrina não poderia mais
perdurar em um sistema em que a guerra deveria ser evitada a
qualquer custo, o imediato pós-guerra foi marcado por novas
concepções para as Relações Internacionais, baseadas em uma nova
teoria, a qual se fundamentava no Direito Internacional, na solução
pacífica das controvérsias e na busca de uma estrutura supranacional
que garantisse a paz: a Teoria Idealista das Relações Internacionais.

Foi, portanto, na primeira metade do século XX, que os primeiros


teóricos de Relações Internacionais começaram a desenvolver suas
explicações sobre o tema em um contexto de disciplina autônoma. Claro
que, em virtude de um objeto de estudo tão complexo, diversas foram
as correntes teóricas instituídas nas últimas décadas. Como não é este
um curso de teoria, pretendemos apresentar apenas as linhas gerais das
correntes mais reconhecidas.

A fase idealista

O Idealismo, como ficou conhecida a primeira grande corrente teórica de


Relações Internacionais, surge em um contexto de final de um conflito
marcante, a Primeira Guerra Mundial, e reflete a crescente preocupação
daqueles que então começavam a teorizar sobre as Relações
Internacionais: como se poderia buscar a paz na Sociedade
Internacional, ou melhor, como evitar conflitos entre os Estados?

No que concerne ao contexto internacional, lembra Arenal (1984), o


clima nunca poderia ter sido mais favorável ao Idealismo. A Grande
36

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Guerra havia demonstrado aos estudiosos a fragilidade da tradicional


diplomacia européia como meio para assegurar a ordem e a paz
internacional. As enormes perdas humanas e materiais produzidas pelo
conflito foram responsáveis também pelo advento de uma opinião
comum universal segundo a qual a guerra deveria ser erradicada como
instrumento de política dos Estados. Pregava-se, ademais, o
estabelecimento de um modelo de segurança coletiva capaz de evitar
novas contendas.

Assim, sob os auspícios do discurso idealista e moralizante do


presidente Wilson, dos EUA, foi criada a Sociedade (ou Liga) das Nações
(SDN), com o objetivo de ser ela a organização central de um sistema
de segurança coletiva e um fórum em que os Estados pudessem
resolver suas contendas de maneira pacífica. A SDN, portanto,
contribuía para acentuar o otimismo frente ao futuro da Sociedade
Internacional e estabelecia os fundamentos de um sistema dirigido para
preservar a paz. Nesse contexto, a teoria internacional dominante se
orientava pelos caminhos do Idealismo, dos projetos de organização
internacional, do estabelecimento de mecanismos tendentes à solução
pacífica e de propostas de desarmamento. Importância significativa foi
dada pelos idealistas ao Direito Internacional e às instituições jurídico-
normativas que garantissem a ordem nas relações entre os Estados.

O Idealismo partia do princípio de que as Relações Internacionais


encontram-se em estado de natureza, de anarquia internacional. As
nações devem buscar, destarte, superar essa anarquia e estabelecer um
contrato social em âmbito internacional que ordene as relações entre os
povos. Os Estados, acreditavam os idealistas, deveriam portar-se de
acordo com os mesmos princípios morais que guiam a conduta do
indivíduo. Para estimular ou obrigar esses Estados a seguir tais
princípios, seria fundamental que se institucionalizasse, em escala
mundial, o interesse comum de todos os povos em alcançar a paz e a
prosperidade. O estudo das Relações Internacionais, como disciplina
autônoma, correspondia a uma ciência da paz. Edward Hallett Carr,
autor do clássico Vinte Anos de Crise: 1919-1939 (Carr, 1981) cuja
primeira edição foi lançada logo após o desencadeamento da Segunda
Guerra Mundial, em 1939, resume bem a maneira dos idealistas verem
as Relações Internacionais e os argumentos que utilizavam ao tratarem
das interações entre os povos:

“O aspecto teleológico da ciência da política internacional tem estado


evidente desde o princípio. Surgiu de uma grande e desastrosa
guerra; e o objetivo mestre que inspirou os pioneiros da nova ciência
37

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

foi o de evitar a recidiva desta doença do corpo internacional. O


desejo passional de evitar a guerra determinou todo o curso e
direção iniciais do estudo. Como outras ciências na infância, a ciência
política internacional tem sido marcadamente e francamente utópica.
Ela se encontra no estágio inicial, no qual o desejo prevalece sobre o
pensamento, a generalização sobre a observação, e poucas
tentativas são efetuadas de uma análise crítica dos fatos existentes e
dos meios disponíveis. Neste estágio, a atenção está concentrada
quase exclusivamente no fim a ser alcançado.”

Carr refere-se, ainda, ao discurso do presidente Wilson – que refletia o


pensamento idealista geral, e que continha a resposta de Wilson quando
indagado se aquele modelo moralizante e pacifista funcionaria, que “se
não funcionar, teremos que fazê-lo funcionar!”, quando indagado se
aquele modelo moralizante e pacifista funcionaria – e esclarece:

“O advogado de um plano para uma força de polícia internacional, ou


para a ‘segurança coletiva’, ou de algum outro projeto para uma
ordem internacional, geralmente responde à crítica, não com um
argumento destinado a mostrar como e por que ele pensa que seu
plano funcionaria, mas sim, ou com uma declaração de que ele tem
que ser posto a funcionar porque as conseqüências de sua ausência
de funcionamento seriam desastrosas, ou com a demanda por
alguma panacéia alternativa.”

A fase realista

A década de 1930, entretanto, caracterizada por uma crescente


instabilidade internacional, conseqüência de comoções políticas,
econômicas e ideológicas, internas e internacionais, e pelo fracasso do
sistema da Sociedade das Nações e da política de apaziguamento das
democracias européias, marca a decadência da perspectiva idealista
clássica para a teoria das Relações Internacionais. Nesse período, tem-
se o debate entre o Idealismo e uma nova corrente que ganhava força,
o Realismo Político.

Os acontecimentos internacionais novamente foram essenciais para a


mudança no aporte teórico. O Realismo representou, em um primeiro
momento, a reação dos especialistas às insuficiências teóricas e práticas
dos idealistas, no contexto de convulsões internacionais dos anos trinta
e da própria Segunda Guerra Mundial. Para os realistas, o apelo à
opinião pública e à razão humanista, preconizada pelos idealistas,
mostraram-se incapazes de prevenir a guerra, fazendo-se necessário
retomar as idéias de segurança nacional e de força militar como
38

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

suportes da diplomacia. Apenas por meio de um poder efetivo,


acreditavam, os Estados poderiam assegurar a paz internacional e a
solução pacífica das controvérsias. Carr assinalava que o significado
último da crise internacional era “o colapso da total estrutura do
utopismo baseado no conceito de harmonia de interesses”.

A pragmática nova geração de estudiosos do pós-Segunda Guerra


Mundial baseava-se nos pensamentos maquiavélico e hobbesiano e via
na defesa dos interesses nacionais, em termos de poder, o grande eixo
da conduta dos Estados soberanos no meio internacional. O Realismo
encontrou maior respaldo nos EUA. Daquele país, a doutrina realista
difundiu-se pelo globo, tornando-se a corrente teórica mais relevante
para explicar as Relações Internacionais.

Behavioristas e Pós-behavioristas

A terceira fase da teoria das Relações Internacionais desenvolveu-se


também nos EUA como “resposta aos excessos do Realismo”. Trata-se
de uma aproximação dessa teoria das Relações Internacionais com a
vertente behaviorista da Sociologia. Essa corrente ficou conhecida como
behaviorista ou científica.

No início dos anos cinqüenta, alguns especialistas norte-americanos


em política de segurança nacional repensam os postulados do
realismo político, com base no caráter impreciso e intuitivo dos
mesmos para a análise da realidade internacional, e buscam um
enfoque de caráter científico capaz de dar resposta à complexidade
das Relações Internacionais. O impacto dos métodos de pesquisa e
os modelos das ciências físico-naturais são notados com força nas
pesquisas que começam a pôr em marcha. A partir desse momento,
uma onda de cientificismo, que trata de desenvolver uma ciência das
Relações Internacionais, com base na aplicação de métodos
quantitativo-matemáticos, invade as Relações Internacionais,
impondo-se o que se denominou perspectiva behaviorista ou
conducista (Arenal, op. cit., p. 82).

Para os behavioristas, o objeto das Relações Internacionais é o


comportamento dos Atores. O estudo desse objeto deve atentar para
parâmetros que envolvam fases como a coleta e a elaboração de dados,
o tratamento quantitativo desses dados e, finalmente, a produção de
modelos dentro do rigor científico das ciências exatas. Para os
behavioristas, os estudos devem estar sempre voltados para os casos
concretos, a partir dos quais uma linguagem científica das ciências
sociais deve ser elaborada com base em dados empíricos, rejeitando-se
39

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

análises provenientes do Direito, da História ou da Filosofia. Entre os


vários enfoques da corrente behaviorista, convém destacar a teoria da
tomada de decisões, a teoria sistêmica das Relações Internacionais e a
teoria dos jogos. Os autores científicos mais renomados são Morton
Kaplan, David Singer e G. T. Allison.

Do ponto de vista das correntes tradicionais de pensamento


internacional, enquanto os idealistas tomam por base o pensamento de
Immanuel Kant, e os realistas buscam fundamentar suas teses nas
idéias de Maquiavel e Hobbes, os behavioristas teriam como precursor
clássico, segundo Arenal, o jurista francês Hugo Grócio, pois negavam a
especificidade das Relações Internacionais com respeito à sociedade
estatal, rechaçando a tese da anarquia internacional. O desenvolvimento
da corrente “científica” gerou um grande debate nos anos sessenta
entre os tradicionalistas filosófico-intuitivos (idealistas e realistas) e os
científicos (behavioristas).

Finalmente, Arenal identifica uma quarta fase, motivada pelo que David
Easton (1969) chamou de “nova revolução da ciência política”, e que se
convencionou chamar de pós-behaviorismo. Essa nova revolução ter-se-
ia produzido devido a uma profunda insatisfação com a pesquisa política
e os ensinamentos behavioristas, sobretudo por quererem converter o
estudo da política em uma ciência segundo o modelo físico-natural. As
bandeiras levantadas pelos pós-behavioristas são ação e relevância. O
novo movimento, sem abandonar o enfoque científico do behaviorismo,
dirige sua atenção à conduta humana enquanto tal e aos problemas
reais do mundo, às motivações e aos valores subjacentes a toda
conduta. Busca-se uma pesquisa com ênfase ao caso concreto, dando
atenção a um objeto de análise que difere dos objetos das ciências
exatas.

O Pós-Behaviorismo apresentou, portanto, a síntese do debate entre as


concepções tradicionalistas e as científicas. Mas os debates
continuaram, a partir de então, com uma preocupação acerca da
relevância e da abstração das análises, com novos componentes
acrescentados em virtude das transformações das últimas décadas do
século XX.

A partir da década de 1970, as transformações no Sistema Internacional


deram ensejo ao debate entre neo-realistas e globalistas. Enquanto os
neo-realistas buscavam ampliar os parâmetros da teoria realista
clássica, adaptando-a às novas realidades do último quartel do século
XX, os globalistas almejavam, com argumentos fortes, uma análise das
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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Relações Internacionais diferenciada, dado que percebiam o paradigma


clássico como insuficiente em virtude da complexidade a que chegara o
Sistema. O referido debate alcançou nossos dias e permanece
inconcluso.

Pluralismo

Os anos mais recentes deram força à corrente teórica conhecida como


Pluralismo, que veio para desafiar as proposições do Realismo.
Atualmente, a doutrina reconhece três grandes correntes teóricas das
Relações Internacionais: o Realismo, o Globalismo e o Pluralismo. O
Realismo trabalha mais com os conceitos de poder e equilíbrio de poder,
o Globalismo com dependência, e o Pluralismo, por sua vez, com os
conceitos de processo de tomada de decisão e transnacionalismo.

Segundo os pluralistas, as relações internacionais estão baseadas em


quatro proposições principais:

1) Atores não-estatais, como organizações internacionais e empresas


multinacionais, são importantes na política mundial;

2) o Estado, por conseqüência, não é um Ator unitário, uma vez que é


composto pela competição entre indivíduos, grupos de interesses e
agências burocráticas;

3) o Estado não é um Ator racional, devido ao cenário doméstico de


choque de interesses, barganhas, necessidades de compromissos e
anseios eleitorais dos agentes políticos;

4) a Agenda internacional é extensa, não sendo as preocupações com


segurança e defesa as mais importantes, pois se encontram ao lado de
outras questões não menos fundamentais, como as relativas à
economia, à sociedade e ao meio ambiente.

Passemos aos principais debates que envolvem a Teoria das Relações


Internacionais no século XX.

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

OS GRANDES DEBATES TEÓRICOS

Idealismo X Realismo

O debate entre realistas e idealistas iniciou-se na década de 1930. Não


obstante, conforme acentua Arenal, trata-se “de um debate que está
presente, com maior ou menor força, em toda a história da teoria
internacional, inclusive tendo recobrado força com novas perspectivas
em nossos dias”. De acordo com John Herz8, o Idealismo é um tipo de
pensamento político que “não conhece os problemas que surgem do
dilema da segurança e poder”, ou que o faz “somente de uma forma
superficial”. O Realismo, por sua vez, tem em consideração as
implicações para a vida política dos fatores de segurança e poder
inerentes à sociedade humana.

Arenal relaciona as características essenciais do Idealismo e do Realismo


na tabela apresentada a seguir:

IDEALISMO REALISMO
1) Crença no progresso: diante da 1) Pessimismo antropológico: nega a
suposição de que a natureza humana possibilidade de evolução para uma
pode ser compreendida não como sociedade mais humanista. A política
imutável, mas como potencialidade de poder sempre foi e será o cerne das
que se atualiza progressivamente ao Relações Internacionais.
longo da História.
2) Visão não-determinista do mundo: 2) Visão determinista do processo
a fé no progresso careceria de sentido histórico: a ordem internacional
se não fosse acompanhada de uma dificilmente pode ser modificada pela
similar crença na eficácia da mudança ação humana. É possível compreender
por meio da ação humana. o processo histórico, mas não alterá-
lo.

8
John H. Herz. Political Realism and Political Idealism: A Study in Theories and
Realities. Chicago: 1951, p. 8.

42

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

3) Racionalismo: considera que uma 3) Distinção entre os códigos de


ordem política é racional e possível no conduta moral do indivíduo e do
Sistema Internacional e que, como os Estado: a ética pública é diferente da
indivíduos são bons e racionais, da ética na vida privada. O homem de
mesma maneira os Estados são Estado, enquanto defensor da
capazes de comportarem-se de forma comunidade nacional, não está
racional e moral em suas relações. É a limitado em sua atuação pelas normas
racionalidade que conduz ao éticas e morais que regem os
progresso. particulares. Daí o conceito de “razão
de Estado”, em virtude do qual
condutas inaceitáveis em âmbito
interno do Estado seriam plenamente
aceitáveis na política internacional.
4) Harmonia natural de interesses: os 4) Ausência de harmonia natural de
Estados teriam interesses mais interesses: os Estados encontram-se
complementares que antagônicos. Daí em uma competição constante, uma
a idéia de que é possível a cooperação vez que é difícil se obter a confiança
entre os povos por um fim último de entre os entes estatais que lhes
paz e integração. permita escapar dessa situação.

Como se observa, para os idealistas, a política é a arte do bom governo,


e o poder político não se constitui em um fenômeno natural, uma lei
imutável da natureza. A Sociedade Internacional, em um primeiro
momento, poderia até se encontrar em um estado de natureza, mas a
anarquia internacional seria naturalmente substituída não por um
sistema baseado em um equilíbrio de poder, mas por uma ordem
fundamentada na lei internacional e na cooperação entre os povos.
Assim, a conduta racional dos Estados os levaria à constituição de um
poder supranacional, uma confederação de nações, que garantiria a
segurança e a paz no Sistema (a “paz perpétua” de Kant).

Os realistas, por sua vez, consideram a política internacional uma


constante e interminável luta pelo poder, definido em capacidade de
influência. Negam o otimismo idealista. Atuar racionalmente significa
agir em favor dos próprios interesses; ou seja, de aumentar o poder, a
capacidade ou habilidade de controlar os outros entes internacionais.
Partindo do princípio de que o homem não é naturalmente bom e que se
reúne em sociedade apenas porque é a melhor maneira que descobriu
para garantir a segurança essencial à sua sobrevivência diante da
guerra de todos contra todos, o Realismo percebe o Estado como um
gladiador envolvido em um combate perpétuo pela sobrevivência na
Sociedade Internacional anárquica na qual as relações de força
predominam.
43

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

O Realismo não considera a moral ou a ética como limites da ação do


Estado, mas, a prudência e o senso de oportunidade. Essa consideração
explica o pragmatismo e a falta de credulidade em organizações
internacionais como instituições que não sejam apenas meros
instrumentos de alguns Estados no jogo de poder internacional. Um
governo mundial baseado na Razão, no Direito e no desejo global de paz
é inconcebível para o Realismo.

Tradicionalistas X Científicos

O debate entre os enfoques clássico e científico ou entre tradicionalistas


e behavioristas ultrapassa, na ótica de Arenal, o debate entre realistas e
idealistas. Afinal, ensina o mestre, tanto os partidários da análise
clássica quanto os da perspectiva científica podem inscrever-se nas
visões realista ou idealista. O debate entre tradicionalistas e
behavioristas tem caráter metodológico, envolvendo a teoria normativa
e a teoria empírica. Faremos apenas algumas breves considerações
introdutórias a esse respeito.

Luciano Tomassini (1989), ao relacionar as principais diferenças entre os


dois debates, lembra que, enquanto o primeiro debate (idealistas x
realistas) tem sua origem específica no âmbito das Relações
Internacionais, o segundo (tradicionalistas x científicos) refere-se à
totalidade das ciências sociais, tendo ocorrido em virtude da “revolução
behaviorista”. Os científicos buscavam chegar, nas ciências sociais, a um
nível de exatidão semelhante ao das ciências exatas. Daí a tentativa de
adoção de técnicas semelhantes às utilizadas nas ciências naturais –
como as da química, da física e até da biologia – e a busca de “leis
naturais” para explicar as relações sociais.

Uma segunda distinção, segundo Tomassini, repousa no fato de que,


enquanto o primeiro debate referia-se a questões substanciais –
aspectos da natureza humana, dos fundamentos do Sistema
Internacional, da essência do poder –, o segundo debate teve cunho
metodológico. Nesse sentido, tanto pensadores realistas quanto teóricos
idealistas poderiam assumir uma perspectiva científica em suas análises.

Finalmente, Tomassini assinala que, se o debate entre idealistas e


realistas, por tratar de questões substanciais, faz com que as duas
correntes sejam eternamente irreconciliáveis, o segundo debate
estabelece uma paulatina aproximação das colocações e um
entendimento final, dando origem aos pós-behavioristas. Os neo-
realistas são o melhor exemplo desse resultado. 44

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Os behavioristas criticavam os tradicionalistas pelo fato destes últimos


dissociarem o Sistema Internacional do Sistema Nacional, e também
porque os tradicionalistas ignoravam as variáveis internas – como, por
exemplo, o processo de tomada de decisão no âmbito interno –, as
quais seriam, na concepção científica, fundamentais para a
compreensão da política exterior. Ademais, os behavioristas não davam
atenção a questões filosóficas e morais, como a busca da paz, a
moralidade do Sistema Internacional, ou quais seriam os melhores
mecanismos para estabilidade internacional baseada no crescimento e
na cooperação entre nações.

A resposta tradicionalista às críticas behavioristas fundamentava-se no


fato de que o Sistema Internacional é complexo demais para que se
chegue a “leis” que expliquem o Sistema e a conduta dos Atores com
base na análise de variáveis isoladas. Lembravam, ainda, que o método
qualitativo não permitia a compreensão de situações chaves –
fundamentadas em aspectos intuitivos. Finalmente, assinalavam que,
devido ao sigilo, em Relações Internacionais, é longo o tempo até que
se tenha acesso a determinadas informações que seriam essenciais para
“quantificar a análise científica”. Na resolução de questões urgentes no
Sistema Internacional, não é possível, outrossim, esperar até que se
consigam os dados estatísticos ou a conclusão das várias análises de
casos em que os científicos querem basear-se.

Certamente foi de grande relevância a contribuição behaviorista para a


análise das Relações Internacionais. Afinal, foi possível aperfeiçoar os
métodos da teoria e sistematizar as análises sob uma perspectiva mais
empírica. Não obstante, o aspecto intuitivo das ciências sociais jamais
poderá ser desprezado. Nesse sentido, não se pode querer atribuir às
ciências humanas equivalência em relação às ciências naturais, exatas.
Em Relações Internacionais, assim como em qualquer ciência social, o
homem – seja sob seu aspecto individual, seja por meio de suas
relações coletivas – é o objeto central de estudo. Tentar explicar as
relações humanas com base nos critérios exclusivamente quantitativos
utilizados para a compreensão das ciências exatas tenderá a conduzir o
analista ao erro.

A Teoria Sistêmica das Relações Internacionais

Segundo Tomassini, o enfoque sistêmico para explicar as Relações


Internacionais encontra-se “entre os aspectos substantivos que
dividiram os realistas e idealistas durante o primeiro pós-guerra e as
45

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

questões metodológicas que foram objeto das disputas entre


tradicionalistas e científicos” após a Segunda Guerra Mundial. Há,
entretanto, aqueles que situam a corrente sistêmica na escola científica.

A escola sistêmica encontra suas origens na década de 1950, quando se


começou a aplicar conceitos de análise de sistemas ao estudo das
Relações Internacionais. Sua principal diferença frente ao enfoque
convencional consistia no fato de que, enquanto os tradicionalistas
concebiam as Relações Internacionais como um conjunto de interações
entre unidades independentes e soberanas – os Estados –, não sujeitas
a pautas nem a qualquer previsibilidade, as análises sistêmicas
percebiam as Relações Internacionais influenciadas ou determinadas
pela estrutura ou pelas tendências de uma unidade mais ampla, que
seria o Sistema Internacional em seu conjunto.

Um sistema geral pode ser definido como algo substantivado em um


conjunto de elementos ou partes interconectados. Essa conexão entre
os diversos elementos ocorre por meio de um princípio claramente
identificável ou, mais simplesmente, por um rol de interação hipotético
entre seus distintos componentes. Pode-se dizer, portanto, que um
sistema é um conjunto de unidades que interagem entre si de acordo
com padrões relativamente regulares e perceptíveis, alguns dos quais
podem configurar subsistemas que se relacionam com o conjunto,
seguindo o mesmo tipo de padronizações, e cujos limites ou parâmetros
também são reconhecíveis, mas que, em geral, permanecem abertos a
influências de um meio ambiente externo.

A maior preocupação dos sistêmicos está na interação entre os


componentes de um Sistema Internacional e nos efeitos que ele tem
sobre a conduta dos Atores. Daí a preocupação maior com os
mecanismos e com a estrutura do conjunto do que com as partes
específicas.

Tomassini conclui que os enfoques sistêmicos têm permitido conhecer e


melhor compreender as relações existentes entre as distintas unidades
nacionais, o Sistema Internacional em seu conjunto e os diversos
subsistemas que operam em seu interior, abrindo-se o caminho para
uma visão mais dissociada da realidade internacional em que o Estado
deixaria de ser o único protagonista e começaria a atuar dentro de uma
estrutura transnacional integrada por uma multiplicidade de
subsistemas. O enfoque também é importante para: a percepção das
funções que desempenham as estruturas e sua influência sobre o
comportamento das distintas unidades; a necessidade de trabalhar com
46

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

diferentes níveis de análise, com os limites entre um Sistema


Internacional e seus elementos contextuais; a natureza fechada ou
aberta do sistema diante desse contexto, e a interação observável entre
o sistema e os diferentes segmentos que o integram.

Entre os principais expoentes da escola sistêmica nas Relações


Internacionais estão Morton Kaplan, Karl Deutsch, e Richard
Rosecrance.

Realistas X Pluralistas

Outro debate relevante é o que se dá entre realistas e pluralistas. Os


pluralistas colocam o caráter anárquico do Sistema Internacional e a
importância da segurança em segundo plano, o que é fortemente
criticado pelos realistas, para os quais nenhuma análise das relações
internacionais será completa sem se considerar a estrutura anárquica do
Sistema e o dilema da segurança. Para os pluralistas, dada a complexa
interdependência do Sistema Internacional, o uso militar da força tende
a ter menos utilidade na resolução de conflitos.

Os pluralistas nem sempre usam os conceitos de sistema e de equilíbrio


nas relações internacionais, dado que não concebem Atores autônomos
e predeterminados no cenário internacional. Eles criticam as previsões
baseadas em análises de balança de poder dos realistas por serem
demasiado genéricas.

Ao contrário do mundo idealizado pelos realistas, os pluralistas vêem


indeterminação e imprevisibilidade, dado que não há separação entre
política externa e política interna, sendo aquela mera extensão desta,
pois não deixa de ser influenciada por fatores como a opinião pública, a
indústria do lobby e processos de barganha entre os atores internos
(políticos, agências burocráticas etc.). A noção de Estado-nação dos
pluralistas, ao contrário do que concebem os realistas, é difusa,
irracional e altamente permeável.

Neo-Realistas X Globalistas

O último debate que merece referência em nosso curso introdutório é o


que se dá entre neo-realistas e globalistas. Surgido no último quartel do
século XX, reflete as teorizações que se fizeram necessárias para
explicar as significativas mudanças nas Relações Internacionais
produzidas pelo processo de globalização e pelo aumento da
interdependência entre os Atores. 47

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

A corrente neo-realista surge com o objetivo de desenvolver uma


análise mais precisa das Relações Internacionais, baseada nos
pressupostos realistas clássicos, mas com adaptações que tinham que
considerar a nova realidade internacional mais complexa, na qual
estavam presentes novos Atores, diferentes dos Estados, e na qual a
interdependência entre os entes do Sistema havia aumentado
significativamente em diversas áreas, e a questão econômica adquiria
maior relevância.

O principal autor neo-realista é Kenneth Waltz. Waltz abre o terceiro


debate com sua obra Theory of International Politics, na qual busca
produzir uma percepção realista fundamentada em aportes sistêmicos.
Waltz começa por reafirmar a perspectiva tradicional: o princípio da
soberania estatal confere ao Sistema Internacional características
próprias e limita os domínios da cooperação internacional, prejudicando
qualquer integração durável. O autor dá ênfase também à teoria do
equilíbrio de poder diante do Sistema Internacional anárquico, no qual
os Estados competem e atuam em defesa de seus interesses, que
podem ser percebidos como, no mínimo, a sua própria preservação, e,
no máximo, a dominação universal.

Os neo-realistas percebem, portanto, um Sistema Internacional em que,


apesar da existência de outros Atores distintos dos Estados, estes
últimos continuam sendo os entes principais e atuam de forma unitária
buscando preservar seus interesses9. Para Waltz, no Sistema
Internacional, o equilíbrio origina-se de ações não-coordenadas dos
Estados. O equilíbrio resulta, então, de condições de funcionamento do
Sistema Internacional, ou seja, da dinâmica do conflito de interesses
entre os Atores estatais.

Portanto, os neo-realistas dão mais ênfase ao sistema em sua análise,


apesar de ainda considerarem o Estado como o principal Ator, por meio
do qual os demais Atores poderão agir. A Economia é importante em
virtude de seus aspectos políticos. Finalmente, para os neo-realistas, as
relações domésticas não têm relevância para o estudo das Relações
Internacionais.

9
A comparação do Sistema Internacional com a estrutura do mercado capitalista é
utilizada por Waltz, o qual lembra que as empresas devem desenvolver sua própria
estratégia para sobreviver em um meio competitivo, sendo difíceis ações coletivas que
otimizem o lucro a longo prazo.
48

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

O Globalismo, por sua vez, surge como uma corrente alternativa à


disputa entre realistas e idealistas, e seus sucessores. Fortemente
influenciada pelo pensamento marxista, busca explicar as Relações
Internacionais não em virtude de cooperação ou conflito, mas sob a
ótica do subdesenvolvimento de vários países. Os globalistas buscam
analisar as Relações Internacionais dentro de um contexto global e
geral, não se concentrando, portanto, em uma determinada área
geográfica10. Acreditam que o que deve ser explicado são as relações
de dominação, ou seja, como a minoria consegue dominar a maioria,
doméstica ou internacionalmente. Como essa dominação encontra na
Economia seu aspecto central, para se analisarem as Relações
Internacionais devem-se utilizar, sobretudo, ferramentas e processos
econômicos.

Para os globalistas, os Atores principais das Relações Internacionais não


são os Estados ou as Organizações Internacionais, mas, sim, as classes
sociais, ou Atores sociais. Assim, uma vez que existem classes
dominantes e classes dominadas, as relações deixam a esfera doméstica
e alcançam as Relações Internacionais. As classes dominantes dos
países teriam fortes vínculos entre si e conduziriam as Relações
Internacionais, o mesmo devendo fazer as classes dominadas para se
unir contra o subdesenvolvimento.

Um outro elemento importante na análise globalista é a idéia de


economia global. O mundo é um sistema econômico fechado (fechado
no sentido de que é completo em si), e, por meio da dominação, o
sistema capitalista consegue sobreviver a todas as crises, evoluindo e se
tornando mais dominante. A dinâmica do Globalismo é, portanto, a
inevitável mudança que ocorre por meio do conflito entre as classes
sociais.

10
Existe uma influência marxista no globalismo, principalmente nas análises sobre o
padrão de evolução histórica das relações de dominação (o conflito seria o motor da
dinâmica entre as classes sociais). Existe também um enfoque na totalidade, ou seja,
não é possível entender o capitalismo sem entender as relações de exploração.
Afirmam também, nessa perspectiva global, que qualquer solução localizada deve ser
vista apenas como uma etapa da solução global. Miguel Burnier. Debate
Interparadigmático Das Relações Internacionais. In: Caderno Pet Jur n. IV.
49

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

AUTO-AVALIAÇÃO
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique no
seguinte ícone: AV

Questões objetivas

1) Sobre as correntes teóricas das Relações Internacionais, assinale V


para as assertivas verdadeiras e F para as falsas:

( ) A teoria do equilíbrio de poder é conflitante com a noção de uma


sociedade internacional anárquica.
( ) O Idealismo defende a busca pela solução pacífica das controvérsias
e a criação de estruturas supranacionais de garantia da paz, como a
ONU.
( ) O presidente norte-americano que refletiu o discurso idealista geral,
ao final da I Guerra Mundial, foi Franklin Roosevelt.
( ) O fracasso do sistema da Sociedade das Nações e da política de
apaziguamento das democracias européias fortaleceram o Idealismo.

Assinale a alternativa que apresenta a seqüência correta:

a) F-V-F-F d) V-V-V-V
b) V-V-F-V e) F-V-F-V
c ) V-F-F-V

2) Marque a alternativa falsa:

a) O Realismo, tradicionalmente, tem encontrado mais respaldo nos


EUA.
b) O conceito de balança de poder não é relevante para as análises
do Pluralismo.
c) A preocupação com a interação dos Estados e de outras forças no
Sistema Internacional e os efeitos que este tem sobre a conduta de
cada um deles é típica da teoria sistêmica das relações
internacionais.
d) O Globalismo é a única corrente teórica a valorizar a Economia
como força profunda.

3) A frase “A queda do Vietnã em mãos soviéticas tende a provocar uma


perturbação do equilíbrio das forças na Ásia, demandando por parte dos
EUA uma necessidade de recomposição da ordem, atitude que precisa
50

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

ser alcançada mesmo que por meio do uso de poder militar não
convencional” foi provavelmente dita por um:

a) realista
b) pluralista
c) globalista
d) nenhum dos anteriores

Exercício de fixação

1) O debate entre duas grandes correntes marcou a Teoria das Relações


Internacionais ao longo do século XX. Que correntes eram essas?
Identifique as principais características de ambas. (Resposta entre 5
e 15 linhas)

51

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade I
Módulo IV – O Realismo

Objetivos

Ao final do Módulo, o aluno deverá ser capaz de:

• identificar as características da principal corrente teórica das


Relações Internacionais e as críticas a essa corrente;
• descrever a evolução do pensamento realista nas Relações
Internacionais ao longo do século XX;
• discorrer sobre a validade do Realismo no século XXI.

O REALISMO

A tentativa mais notória do século XX para explicar as Relações


Internacionais foi conduzida por um grupo de pensadores que
contemplavam a realidade internacional com base nas relações de força,
poder e dominação. Esses autores foram os representantes da corrente
teórica conhecida como Realismo Político ou, simplesmente, Realismo.
Trata-se da doutrina mais clássica e amplamente aceita das Relações
Internacionais, chegando-se a ponto de muitos a considerarem o tronco
central do estudo teórico do tema. Devido a essa peculiaridade, optamos
por dedicar um módulo específico de nosso curso a essa corrente.

Entre os fundamentos do Realismo, buscaremos analisar as idéias que


mais se destacam, a saber:

• a percepção de uma Sociedade Internacional anárquica, sem


uma autoridade central superior aos Estados e titular legítima do
uso da força;
• o caráter praticamente exclusivo do Estado como o único ou, ao
menos, o principal Ator internacional;

52

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

• a percepção de que os Estados são entes unitários e racionais


ao conduzirem sua política externa;
• a heterogeneidade desses Atores, quanto a aspectos
econômicos, políticos, culturais etc;
• o predomínio da competição e da dimensão conflitiva sobre
todas as formas de relações entre os Atores internacionais;
• a busca da racionalidade na conduta dos Estados, que atuam
na esfera internacional perseguindo sempre seu interesse
nacional;
• o interesse nacional definido com base no poder, que conduz a
uma paradoxal ordem internacional no sistema anárquico, ordem
esta imposta pelas Potências hegemônicas aos demais Estados e
em benefício das primeiras;
• a preocupação com a segurança como umas das grandes
orientadoras da conduta dos Atores;
• a idéia de equilíbrio de poder na ordem internacional,
estabelecido pelas Potências.

Os realistas tiveram por objetivo inicial definir as características que


fariam do campo de estudo das Relações Internacionais uma ciência
própria. Daí buscarem distinguir, preliminarmente, a política
internacional da política interna dos Estados. Desenvolveram, então, a
percepção anárquica da Sociedade Internacional.

Assim, os realistas percebem a Sociedade Internacional como uma


sociedade anárquica, na qual não existe poder central ou superior dos
Estados soberanos. Portanto, para os realistas, os Estados não
reconhecem e não se submetem a qualquer autoridade que não a sua
própria, também não estando, em última análise, internacionalmente
sujeitos nem mesmo às regras do Direito. Nesse sentido, os Estados
“são livres para fazer sua própria justiça e podem recorrer à força para
defender seus interesses nacionais” (Sanarclens, 2000:16).

O pensamento realista inspira-se nas concepções de Thomas Hobbes


sobre o “estado de natureza” e, reproduzindo a visão hobbesiana sobre
o homem, percebe os Estados numa situação de guerra permanente –
não necessariamente de conflito armado permanente –, na qual
perseguem seus interesses nacionais.

Nesse contexto anárquico, o Estado é visto internacionalmente como um


ente unitário e atua em política externa de maneira racional, sendo o
cálculo estratégico essencial para garantir sua sobrevivência. Nesse
sentido, o interesse nacional guiará a conduta dos Estados, e, em meio
53

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

à guerra de todos contra todos, essencial para a sobrevivência de


qualquer ente é a garantia de sua segurança.

Em âmbito interno, segundo Hobbes, os homens associam-se e abrem


mão de parte de sua independência para garantir sua segurança,
transferindo uma parcela de seu poder para um soberano – o Estado –
que, tornando-se o único e legítimo titular do uso da força (coerção),
protege-os e garante a ordem. Na esfera internacional, entretanto,
declaram os realistas, não há uma autoridade superior à qual os Estados
estejam dispostos a transferir parcela de seu poder ou soberania em
troca de segurança.

Para garantir sua segurança, os Estados irão buscar aumentar seu poder
– definido pela capacidade de influenciar os demais Estados e de ser
influenciado o mínimo por eles –, projetando-o no Sistema
Internacional. Esse poder relaciona-se intimamente com o uso da força
– sobretudo de poderio político-militar. Atualmente, contudo, o poder
econômico não pode ser desconsiderado. Em outras palavras, quanto
mais forte for um Estado frente a seus pares, menos sujeito a ser
subjugado por estes ele se encontra.

Paradoxalmente, uma vez que é impossível a coexistência em um


Sistema Internacional caótico, os realistas acreditam que há uma ordem
internacional estabelecida pelas Potências – Estados mais poderosos –,
que a impõem aos demais Atores. A ordem se fundamenta em um
equilíbrio de poder instituído pelas relações entre as Potências. Quando
uma Potência aumenta sua esfera de poder, entrará em atrito com as
demais – que não aceitarão ver sua capacidade de influência diminuída.
Dessa maneira, o Sistema poderá ser levado ao desequilíbrio, chegando-
se ao conflito entre os Estados poderosos, que culminará, por sua vez,
em uma nova ordem imposta pelos vencedores.

Os realistas não acreditam em uma ordem internacional instituída por


princípios morais e fraternos. Qualquer forma de cooperação
internacional será conduzida pelos Estados enquanto estes perceberem
que a cooperação garantirá mais segurança que a não-cooperação. As
instituições internacionais são frágeis e somente prevalecem enquanto
for mais conveniente para as Potências. No meio internacional, o Direito
acaba quando a força começa.

Destarte, para os realistas, os Estados só seguirão e defenderão o


direito internacional enquanto isso lhes for interessante. Caso as
instituições jurídicas internacionais contrariem interesses de um Estado,
54

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

este não se furtará a violá-las, desde que tenha capacidade –


potencialidade de uso da força – para fazê-lo e para suportar as reações
dos outros Estados que defendam aqueles institutos. Periodicamente, os
governos recorrem à força e violam os princípios de Direito
Internacional, inventam, inclusive, argumentos jurídicos para ocultar
sua política de agressão.

Outro aspecto importante do pensamento realista é a percepção do


Estado como o único, ou, no mínimo, o principal Ator nas Relações
Internacionais. Nessa perspectiva, os demais Atores –
reconhecidamente as organizações internacionais – não seriam mais que
instrumento de manobra das Potências para garantir sua hegemonia na
Sociedade Internacional:

De fato, as grandes potências definem as condições da segurança


internacional e se arrogam em uma boa margem de manobra na
interpretação dos princípios da Carta das Nações Unidas. Elas
dominam as organizações internacionais; as utilizam continuamente
para servir aos seus próprios fins [das grandes Potências],
notadamente para efetivar suas ambições políticas e seu desejo de
hegemonia. (...) Para os realistas, (...) o direito e a moral nas
Relações Internacionais não fazem mais que exprimir a
racionalização dos interesses dos principais Estados que dominam a
política mundial.

(...) Definitivamente, as normas jurídicas e as instituições são


frágeis; sua implementação é frágil, uma vez que os Estados
interpretam a seu bel prazer as obrigações que elas impõem; [os
Estados] as transgridem invocando a defesa de seus interesses
nacionais. Contrariamente ao que ocorre na esfera estatal interna,
não há [no meio internacional] um poder legítimo capaz de instaurar
e assegurar uma ordem política impondo sua arbitragem frente aos
conflitos entre os Estados; nenhuma autoridade é capaz de produzir
um conjunto de normas jurídicas universalmente reconhecidas como
legais. Não existe uma corte internacional capaz de julgar de maneira
sistemática e coerente as diferenças entre os Estados, nem forças
policiais [internacionais] que possam coibir agressões a fim de
estabelecer a paz. O indivíduo que viole a lei dentro de um Estado é
passível de sanção. O Estado que transgrida o direito internacional
em geral não é punidO (Senarclens, op. cit., p. 18).

Assim, a liberdade de ação dos Estados na esfera internacional estará


relacionada à força que cada um deles tenha frente aos demais. Em Paz
e Guerra entre as Nações, Raymond Aron, partindo do pressuposto de
que os Estados são soberanos – e, portanto, livres para perseguir sua
55

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

própria justiça –, admitiu que o direito desses entes de recorrer à força


constitui uma das especificidades das Relações Internacionais.

No que concerne ao meio internacional heterogêneo, os realistas


afirmam que, apesar de os Estados serem juridicamente idênticos e
terem direitos iguais de pronunciar-se perante o concerto das nações,
na prática, a capacidade de exercerem sua soberania varia
consideravelmente. Em outras palavras, não adianta se argüir o
artigo11 segundo da Carta das Nações Unidas para que se imponha o
princípio da igualdade entre os Estados nas Relações Internacionais. É
incontestável o fato de que os Estados são distintos uns dos outros
quanto a grandeza territorial, populações, localização geográfica,
capacidade militar, níveis de desenvolvimento em que se encontram,
recursos econômicos, capacidade de explorar esses recursos.

O que os realistas buscam deixar claro é que não se pode querer igualar
a China a Liechtenstein, ou o Brasil à Somália, ou, ainda, os EUA ao
Afeganistão. Nesse sentido, observam que são essas diferenças que
fazem que uns Estados sejam mais ou menos influentes na Sociedade
Internacional e consigam melhor defender seus interesses. A política
internacional de cada Estado deverá ser conduzida, portanto, levando-se
em consideração as potencialidades desse Estado e as daqueles com os
quais vai relacionar-se. A heterogeneidade – econômica, política, militar,
cultural, ideológica, social – é a regra na Sociedade Internacional, e não
levar isso em consideração pode ser tremendamente desastroso para
qualquer ator.

Aspectos chave para a compreensão do Realismo são a idéia de conflito


e a percepção de segurança. É o que veremos a seguir.

O conflito e a questão da segurança

A política internacional, como toda política, tem por base os conflitos


relacionados à distribuição do poder e dos recursos econômicos. E os
governos não devem ter objetivos maiores que os da defesa de seus
“interesses nacionais”, entre os quais o mais importante é assegurar sua
sobrevivência. É exatamente a conduta dos Atores internacionais em
uma persecução, muitas vezes desordenada, por seus interesses
nacionais que leva à situação de conflito e caos.

11
Esse artigo dispões que a Organização é “fundada sobre o princípio da igualdade
soberana de todos os seus Membros”.
56

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Assim, há diferentes maneiras de os Atores buscarem sua segurança.


Para assegurar a independência, e de acordo com a posição e o status
internacional, buscam a proteção de uma grande Potência, a
participação em sistemas de segurança coletiva ou em alianças políticas
ou militares. De qualquer maneira, a maioria dos Estados dispõe de
forças armadas para garantir sua segurança. Aqueles que renunciaram a
elas (a Costa Rica é o caso mais notório), deverão necessariamente
confiar sua defesa à proteção de uma Potência hegemônica.

A política internacional, portanto, deverá refletir a preocupação de cada


Estado em atuar em um Sistema Internacional sem governo central, em
constante estado de conflito, de disputa por poder com os outros
Estados. Hans Morgenthau, o principal teórico realista, afirmava, em sua
célebre obra Politics Among Nations, que:

A política internacional, como toda política, é uma luta pelo poder.


Quaisquer que sejam os fins últimos da política internacional, o poder
é sempre o fim imediato.

Philippe Braillard, em sua obra Teoria das Relações Internacionais


(Braillard, 1990:115), resume bem os principais conceitos do
pensamento de Morgenthau:

Para Morgenthau é o poder (power) e, mais precisamente, a procura


pelo poder, que é o fundamento de toda a relação política e que
constitui, assim, o conceito chave de toda a teoria política. Esta
procura do poder está inscrita profundamente na natureza humana
onde tem a sua origem, natureza que não é essencialmente boa já
que ela confere a todos os homens um ardente desejo de poder ou
animus dominandi, e os faz, com freqüência, agir como uma ave de
rapina, pelo menos ao nível das relações dos grupos sociais entre si.
Temos, por isso, no fundamento da teoria política de Morgenthau,
uma visão filosófica do homem, uma antropologia, marcada pelo
pessimismo, que é fortemente inspirada pela obra do teólogo
Reinhold Niebuhr, um dos mestres do pensamento da escola realista
americana.

No que respeita particularmente à política internacional, a aspiração


ao poder por parte das diversas nações, cada uma procurando
manter ou modificar o status quo, conduz, necessariamente, a uma
configuração que constitui o que chamamos de equilíbrio [de poder]
(balance of power) e as políticas que visam conservar esse
equilíbrio’. Ao estabelecer uma ligação necessária entre a aspiração
das nações ao poder e as políticas de equilíbrio, Morgenthau
pretende evitar o erro cometido pelos que acreditam que podemos
57

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

escolher entre a política fundada no equilíbrio e uma política, de um


gênero melhor, esquecendo que todos os Estados procuram os seus
interesses, exprimidos em termos de poder.

Claro que o Realismo tem sofrido pesadas críticas ao longo de décadas.


Por exemplo, afirma-se que a teoria negligencia aspectos sociais,
culturais ou mesmo econômicos, dando valor exacerbado a aspectos
político-militares. Outros afirmariam que “o conceito de poder está mal
definido e seu emprego é demasiado vago, porque o poder pode ser, ao
mesmo tempo, um fim, um meio, um motivo e uma relação”.

Há, ainda, os críticos ao Realismo que lembram que o interesse nacional


definido em relação a poder é discutível uma vez que é complicado
determinar e quantificar esse interesse. Ademais, o Estado jamais
poderia ser considerado um Ator unitário e racional, e as decisões e
ações de política externa são fruto de um complexo conjunto de
interesses de forças em diferentes níveis da sociedade interna. Daí que
interesse nacional seria um conceito bastante subjetivo, tanto em
virtude da diversidade das forças do interior do Estado que estabelecem
quais são as prioridades e os interesses da nação quanto devido à
heterogeneidade do Sistema Internacional.

Finalmente, tem-se a crítica de que a teoria realista assenta-se numa


visão das Relações Internacionais limitada à configuração dessas
relações no século XVIII e XIX, ou mesmo da primeira metade do século
XX, sendo inadequada ao Sistema Internacional contemporâneo,
marcado pela diversidade de Atores e de grupos que se relacionam
internacionalmente.

Apesar de todas essas críticas, o Realismo continua sendo a principal


corrente teórica. Certamente as análises sob uma ótica realista das
Relações Internacionais do século XXI têm que considerar diferentes
fatores e novos Atores. Não obstante, esses novos elementos não
conduzem à decadência da teoria, mas, sim, a novos paradigmas a ela
relacionados. De fato, com as mudanças na política internacional que
vêm ocorrendo neste início de milênio, motivadas pelas pretensões
hegemônicas de projeção de poder da hiperpotência norte-americana,
nunca o mundo pareceu tão realista.

58

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Auto-avaliação
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique no
seguinte ícone: AV

1) Qual das características abaixo não faz parte do Realismo?

a) Estados como entes unitários e racionais


b) Predomínio da competição
c) Preocupação com a segurança
d) Percepção de uma Sociedade Internacional equilibrada

Exercícios de fixação

1) Qual a maior preocupação dos realistas quanto a ações no sistema


internacional? Justifique sua resposta. (Entre 5 e 15 linhas)

59

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade I

Avaliação 1

Estas atividades de avaliação constituem parte importante do curso e


devem ser enviadas aos tutores, o que deve ser feito por meio da
Plataforma de Educação a Distância do ILB.

1) Leia o texto abaixo e identifique qual corrente teórica das relações


internacionais se aproxima do pensamento do autor. Justifique sua
resposta (entre 15 e 20 linhas).

Em um mundo com ameaças menores mas, em


alguns aspectos, mais mortais, a capacidade de
defender-nos e de defender nossos amigos contra
ataques de mísseis e outras armas terroristas pode
fortalecer nossa estratégia nuclear e fornecer
complemento importante às capacidades puramente de
retaliação. Além disso, a capacidade de proteger nossas
forças é essencial para preservar nossa liberdade de
ação em uma crise. Com este propósito, deve-se
alcançar defesa eficaz com mísseis (não apenas defesa
doméstica, mas também a capacidade de defender as
forças norte-americanas no exterior, nossos aliados e
amigos) da maneira mais eficaz em relação ao custo
que ofereça a moderna tecnologia.

Donald Rumsfeld
-- Discurso de Abertura, Audiência de Confirmação
perante aComissão das Forças Armadas do Senado, 11 de
janeiro de 2001 IN: Revista Eletrônica da USIA, Vol. 6, Nº 1,
Março de 2001

2) Conceitue Ator internacional. Apresente cinco tipos de Atores


Internacionais, exemplificando cada um deles. (Entre 15 e 20 linhas)

60

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

3) O que se entende por forças profundas? Dê dois exemplos de forças


profundas na sociedade internacional, comentando-os. (Mínimo 7 e
máximo 15 linhas)

4) Discorra, entre 10 e 15 linhas, sobre a importância da globalização


em nossos dias.

5) Discorra, entre 15 e 20 linhas, sobre o debate entre neo-realistas e


globalistas nas Relações Internacionais .

61

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade II
Módulo I – Sociedade Internacional: Aspectos
Gerais

Objetivos

Ao final do módulo, o aluno deverá estar apto a:

• apresentar os aspectos gerais que caracterizam a Sociedade


Internacional;
• assinalar as subestruturas que compõem a Sociedade
Internacional e sua importância na compreensão da mesma.

SOCIEDADE INTERNACIONAL: EVOLUÇÃO HISTÓRICA E


CONCEITO

Em um primeiro momento, podemos relacionar a Sociedade


Internacional à evolução histórica das relações entre os grupos, povos e
Estados-nações organizados em âmbito espacial determinado. Assim,
podemos identificar a evolução da Sociedade Internacional a partir das
relações entre os grupos primitivos da Antigüidade, passando pelos
reinos e impérios e chegando à Idade Contemporânea, com a ascensão
e o declínio do Estado-nação frente a um sistema cada vez mais
globalizado e interdependente.

Portanto, pode nos auxiliar em nossas observações acerca da Sociedade


Internacional a análise histórica, definida como o estudo do grande
número de eventos ou fatos que transcenderam as fronteiras entre os
Estados e que relacionaram entre si as nações e os povos, de forma
pacífica ou conflituosa.

Deve estar claro, então, que a Sociedade Internacional sempre teve em


seu cerne as relações de poder, as quais evoluíram ao longo dos
séculos. Entenda-se, aqui, o poder como capacidade de influenciar

62

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

outros Atores, ou, no mínimo, de não ser diretamente influenciado por


eles. Destaca-se, na Sociedade Internacional, quem tem poder
econômico, político, cultural, militar-estratégico. Uma Potência vive
constantemente ameaçada por outras, que buscam também seu espaço
no cenário internacional. A luta pelo poder, portanto, tem caracterizado
a evolução da Sociedade Internacional.

Conceito de Sociedade Internacional

Uma vez que já tratamos do conceito de Sociedade Internacional no


módulo II da Unidade I, apresentamos nossa definição apenas a título
de fixação. Dissemos que a Sociedade Internacional pode ser
definida como “o conjunto de entes que interagem de maneira
sistêmica em uma esfera internacional sob a influência de forças
profundas”. Passemos, agora, aos elementos fundamentais da
Sociedade Internacional.

Elementos Fundamentais e Estrutura da Sociedade Internacional

Rafael Calduch Cervera (1991, PP. 64-65) nos apresenta algumas de


suas reflexões a respeito de Sociedade Internacional. Para ele, “a
Sociedade Internacional é uma sociedade global de referência”, ou seja,
constitui “um marco social de referência, um todo social em que estão
inseridos todos demais grupos sociais, quaisquer que sejam seus graus
de evolução e poder”. Para o autor, portanto, a Sociedade Internacional
é uma “sociedade de sociedades, ou macrossociedade, em cujo seio
surgem e se desenvolvem os grupos humanos, desde a família às
organizações intergovernamentais, passando pelos Estados.”

Podemos, então, perceber que a Sociedade Internacional é um conjunto


de sociedades, sendo, portanto, heterogênea. Comentaremos essa
percepção mais adiante, bem como a de que a Sociedade Internacional
é dinâmica e evolui com o tempo. Vale ressaltar que apenas há cerca de
três séculos é que a Sociedade Internacional vem adquirindo
características “globais”, uma vez que, até recentemente, pouco contato
havia entre as diversas “sociedades” dentro da Sociedade Internacional.

Outro ponto a que Calduch chama a atenção é que “a Sociedade


Internacional é distinta da sociedade interestatal”. Mesmo sendo o
Estado principal Ator internacional, compreender a Sociedade
Internacional apenas com base nas relações interestatais nos conduziria
a uma percepção obscura e, portanto, deficiente da realidade. Não há
como desconsiderar, sobretudo nos dias atuais, a presença e influência 63

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

cada vez maior de grupos diferentes dos Estados soberanos no Sistema


Internacional. Ademais, convém lembrar que a doutrina aceita a
existência de uma Sociedade Internacional antes do surgimento dos
Estados nacionais.

Calduch afirma, ainda, que não é possível considerar a existência de


uma Sociedade Internacional em seu sentido estrito, sem que seus
membros mantenham relações mútuas intensas e duráveis no tempo.
Com isso, o mestre espanhol assinala que a mera ocorrência de ações
esporádicas e ocasionais não basta para se considerar a existência de
uma Sociedade Internacional.

Discordamos dessa percepção de Calduch. Afinal, o que não se pode


conceber, nos termos apresentados, é uma sociedade global,
interdependente, como a dos dias atuais. Entretanto, Sociedade
Internacional sempre houve, mesmo que sua principal característica
fosse a falta de interação entre as sociedades/civilizações que a
compunham.

A Sociedade Internacional pode ser percebida na dicotomia “anarquia x


ordem comum”. Evidente que é anárquica por não possuir uma
autoridade superior que, legítima titular do uso da força, que controla ou
impõe conduta a seus membros. Não existe um governo mundial.
Assim, os Atores conduzem suas relações internacionais de acordo com
seus próprios interesses e, ao menos no que concerne aos Estados
soberanos, não aceitam, de maneira geral, qualquer autoridade superior
no Sistema.

Todavia, anarquia internacional não é sinônimo de desordem. Há uma


ordem comum no meio internacional, estabelecida pelos próprios Atores
para viabilizar suas relações. Nesse sentido, o papel das grandes
Potências é essencial, pois são elas verdadeiramente que definem os
rumos do Sistema. Não poderiam existir “relações internacionais” sem
um ordenamento mínimo na Sociedade Internacional.

Essa ordem internacional emana da correlação de forças e poderes entre


os Atores internacionais. Pode-se dizer que esse ordenamento é
estruturado com base em elementos como extensão espacial,
diversificação estrutural, estratificação e hierarquia, polarização, grau de
homogeneidade ou heterogeneidade e de institucionalização. São os
chamados “elementos da estrutura internacional”12. Variam
12
Esses elementos foram apresentados pelo professor Calduch, e as observações que
faremos a respeito são provenientes do estudo de sua obra. 64

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

conforme o tempo e as diferentes sociedades, podendo ser identificados


em todas elas.

A extensão espacial

Para o mestre espanhol, “a Sociedade Internacional é uma sociedade


territorial”. Daí considerar-se essencial para a análise de qualquer
Sociedade Internacional o conhecimento do “marco espacial” em que a
referida sociedade se encontra assentada.

A Sociedade Internacional sofrerá transformações em sua estrutura e


dinamismo sempre que sua dimensão espacial for alterada, ou, ainda,
quando algum de seus membros principais experimentar mudanças em
seus limites fronteiriços ou, mais recentemente, em sua zona de
influência territorial direta – como ocorreu no Leste Europeu para a
URSS. Vale lembrar que, sendo o Estado o principal Ator internacional,
as mudanças territoriais nos mesmos e as reações a essas mudanças
têm marcado as diferentes sociedades internacionais.

Portanto, da mais remota Antigüidade aos dias atuais, a constante


expansão geográfica da Sociedade Internacional gerou conflitos e
mudanças nos Atores e nas relações de poder entre eles. O que deve
ficar claro é que, até o século XX, a característica da Sociedade
Internacional era exatamente a composição espacial de diferentes
sociedades internacionais, ainda que com espaços definidos e com
crescentes intercâmbios culturais, comerciais, sociais e políticos, mas
com características distintas e espaço geográfico delimitado.

O século XX marca o limite espacial da Sociedade Internacional. Esse foi


um problema que surgiu quando a Sociedade Internacional alcançou
dimensões planetárias. Com o desenvolvimento tecnológico, a idéia de
“globalização” apresenta uma Sociedade Internacional não mais
espacialmente limitada ao continente europeu, ao Ocidente ou ao
“mundo civilizado”, mas às dimensões do planeta Terra.

Não se pode mais buscar soluções para problemas locais sem um


pensamento global. Os problemas da Sociedade Internacional
globalizada terão efeitos em todo o território do planeta. Entre esses
“desafios”, estão o fenômeno do esgotamento dos recursos naturais, o
crescimento exponencial da população mundial, a deterioração
ambiental ocasionada pela contaminação da terra, do ar e das águas, o
uso crescente da energia nuclear para fins civis ou militares, a utilização
do espaço estratosférico e das profundezas oceânicas. Acrescente-se a
65

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

significativa disparidade de renda na esfera internacional, marcada por


uma minoria da população do globo com alto padrão de vida, em
contrapartida à maioria que vive em condições subumanas, na miséria
absoluta, sob regimes autoritários e sem quaisquer perspectivas de
futuro digno. Essas condições implicam necessariamente em uma
reestruturação da Sociedade Internacional, em que a questão
geográfica, isoladamente, cai para segundo plano.

A diversidade estrutural

A Sociedade Internacional é composta de distintas subestruturas, cuja


correlação configura a ordem internacional imperante. Cada uma dessas
subestruturas corresponde a uma das áreas imprescindíveis para a
existência da Sociedade Internacional em seu conjunto.

Cite-se, então, a subestrutura econômica, na qual está a base material e


produtiva indispensável para a existência dos grupos humanos. Inclui-se
aí tanto o conjunto dos fatores e forças de produção quanto as inter-
relações associadas ao processo econômico (produção, comércio e
consumo). A subestrutura econômica não pode ser descartada para a
compreensão da Sociedade Internacional, uma vez que a Economia é
uma das “forças profundas” mais influentes na conduta internacional dos
Atores.

A segunda subestrutura a ser considerada é a político-militar. Compõe-


se das comunidades políticas e organizações internacionais, bem como
das relações de autoridade e dominação que elas mantêm entre si em
virtude de normas jurídicas ou mediante o exercício do poder militar até
o extremo da guerra. O homem é um animal político, já dizia
Aristóteles; natural, portanto, a relevância dessa subestrutura para a
correta análise da Sociedade Internacional.

Como terceira subestrutura apontada por Calduch está a cultural-


ideológica. Forma-se por “atores e relações internacionais desenvolvidas
a partir da existência de conhecimentos, valores ou ideologias comuns a
distintas sociedades humanas e dos processos de comunicação que
deles derivam”. A subestrutura cultural-ideológica, tão importante como
as anteriores, desempenha um papel de mediadora entre a dimensão
político-militar e a econômica, como foi testemunhado, por exemplo,
nos anos da Guerra Fria.

Naturalmente, cada uma das subestruturas está conformada de maneira


particular, em virtude das características exclusivas de cada um de seus
66

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

componentes. Suas respectivas evoluções seguem ciclos e ritmos de


diferentes intensidade e duração, provocando tensões, desajustes e
crises, tanto entre os grupos que as capitalizam quanto ao conjunto da
Sociedade Internacional.

A estratificação hierárquica

É evidente a percepção de que a Sociedade Internacional constitui uma


realidade complexa, cujos membros ocupam níveis ou estratos, segundo
a desigualdade de poder – político, econômico, militar, social,
cultural/ideológico – que possuam. Uma vez que há diferentes graus de
influência nos assuntos internacionais, existe uma hierarquia “de fato”
entre os Atores na Sociedade Internacional. Daí o conceito de Calduch
para essa estratificação: “conjunto das diferentes e desiguais posições
ocupadas pelos atores internacionais em cada uma das estruturas
parciais que formam parte da Sociedade Internacional.”

Uma primeira observação a ser feita a respeito da estratificação é que a


hierarquia internacional não é única e imutável em cada Sociedade
Internacional e muito menos homogênea para cada subestrutura. Assim,
a posição ocupada por um Estado no Sistema Econômico Internacional
poderá não ser a mesma no Sistema Político-Militar, ou vice-versa. Para
exemplificar, a influência atual do Brasil na economia internacional é
bastante diferente de sua influência na política ou de seu poder militar,
e, mais ainda, de seu papel cultural-ideológico internacional.

Calduch lembra, também, que, junto aos Estados soberanos, “deve-se


considerar aqueles grupos internacionais cujo protagonismo fica limitado
a certas áreas da vida internacional, por exemplo, o Fundo Monetário
Internacional, para a subestrutura econômica; o [extinto] Pacto de
Varsóvia, para a política; a Agência de notícias Reuters, no plano
cultural”. Claro que esses outros membros da Sociedade Internacional
não podem ser desconsiderados, pois é inquestionável sua influência nas
diferentes subestruturas, em alguns casos muito superior à da maior
parte dos Estados-nacionais.

Acrescentemos a relevância no papel de alguns indivíduos na Sociedade


Internacional contemporânea, os quais exercem, efetivamente,
influência como Atores internacionais. Inegável que Bill Gates, George
Soros ou o Papa João Paulo II, só para citar alguns nomes mais
conhecidos, exercem ou exerceram mais influência nas relações
internacionais, sejam políticas, econômicas ou até culturais, que muitos
Estados soberanos da África ou da Oceania. Portanto, na Sociedade
67

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Internacional contemporânea, o indivíduo, entendido como Ator


internacional, também ocupa um estrato dessa hierarquia.

Assim, a estratificação hierárquica em cada uma das subestruturas


internacionais pode realizar-se atendendo às diferentes características
de Atores (Estados, Organizações Internacionais, Organizações Não-
Governamentais, Empresas Multinacionais, Opinião Pública, Indivíduos,
entre outros) ou, ainda, considerando cada um dos grupos com
capacidade de participação nas diferentes subestruturas.

A polarização

Na Sociedade Internacional, ao se falar em hierarquia internacional,


naturalmente se chega à conclusão de que alguns Atores atraem para si
outros, em virtude da capacidade de influência daqueles no Sistema e
da desigualdade entre os diferentes protagonistas do cenário
internacional. Introduzimos, aqui, um dos elementos essenciais para a
compreensão da estrutura do Sistema Internacional: a idéia de
polarização.

Podemos definir “polarização” como a capacidade efetiva de um ou


vários Atores internacionais para adotar decisões, comportamentos ou
normas internacionais que sejam aceitos pelos demais Atores e, por
meio dos quais alcançam ou garantem uma posição hegemônica na
hierarquia internacional. Para os Atores que ocupam essa posição de
destaque, a manutenção da estrutura imperante mostra-se questão de
sobrevivência, pois qualquer sinal de mudança pode significar que outro
pólo está a se estruturar, com a conseqüente – e, às vezes, fatal –
alteração no equilíbrio de poder no Sistema.

Ressalte-se que, enquanto a estratificação considera o conjunto dos


Atores, a polarização – ou polaridade – contempla somente aqueles que
dominam as relações básicas de cada subestrutura internacional.
Portanto, ao tratarmos de polarização, consideramos os membros da
Sociedade Internacional nas posições superiores da estratificação
hierárquica.

Um fato que afeta a polarização, segundo Calduch, é que os Atores à


frente de cada subestrutura internacional se vêem obrigados a intervir
de modo crescente e constante nas relações internacionais, com o
objetivo de perpetuar sua hegemonia. A longo prazo, haverá uma
drenagem tão grande de seus recursos e capacidades para projetos e
atuações exteriores, que esses Atores terão seu poder debilitado, tanto
68

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

interna quanto externamente. Um bom exemplo disso é o que ocorreu


com a URSS na década de 1980, que culminou no desaparecimento
daquele Estado no início dos anos de 1990.

O caso da URSS é, como dito, apenas um exemplo. A “ascensão e queda


das grandes potências”, para usar os termos de Paul Kennedy, é um
fato que pode ser constatado em diversos momentos da evolução
histórica da Sociedade Internacional, sempre relacionado à incapacidade
de manutenção da hegemonia internacional nas diferentes subestruturas
ao longo do tempo. A evolução é fatal: um Ator hegemônico surge ainda
quando outro(s) está(ao) polarizando o sistema e; aos poucos, vai
ocupando o vazio de poder, fruto do enfraquecimento desse ou desses,
até adquirir capacidade suficiente para afetar o Sistema. Entretanto,
depois de determinado tempo – anos, décadas ou séculos –, a única
certeza é que surgirá um novo Ator para ocupar seu espaço no Sistema
Internacional. Assim como ocorre na natureza, numa lógica
darwiniana13, ocorre também na Sociedade Internacional.

Podemos assinalar três tipos de polarização internacional: a


monopolaridade, a bipolaridade e multipolaridade. Por monopolaridade
ou unipolaridade entende-se a situação em que um só Ator é capaz de
dirigir, de modo decisivo, a dinâmica de uma determinada subestrutura
internacional. No seu auge, o poder de influência desse Ator é
incontestável, em contraposição à incapacidade de outro Ator fazer-lhe
frente.

O exemplo clássico de unipolaridade político-militar está no Império


Romano, entre a derrota de Cartago (136 a.C.) e seu desmembramento
(476 d.C.), no contexto da Sociedade Internacional mediterrânea. Um
exemplo atual poderia ser a condição dos EUA, ao menos na estrutura
militar, com o fim da Guerra Fria e o colapso da URSS. Alguns autores,
entretanto, discordam e vislumbram um sistema multipolar no contexto
geral nos dias atuais.

A bipolaridade apresenta-se quando dois Atores dividem a hegemonia


de uma subestrutura. Os demais componentes do Sistema migrarão
naturalmente para a esfera de influência de um dos dois Atores
principais, sendo que é comum ainda uma política pendular por parte
dos outros Atores, tendendo para uma ou para outra esfera de influência

13
Entenda-se lógica darwiniana como a capacidade de um ente se adaptar a
determinado ambiente. É importante observar que um ente muito adaptado a
determinado ambiente e, portanto, bem-sucedido, pode desaparecer se as condições
se modificam. 69

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

conforme interesses específicos e, ao mesmo tempo, “jogando” com


essa disputa. Exemplos de sistemas bipolares no plano político são
vários na evolução histórica da Sociedade Internacional, dentre os quais
citamos: Esparta e Atenas, na Grécia clássica; Cartago e Roma, no
mundo antigo; EUA e URSS, mais recentemente.

Finalmente, quando o domínio de uma subestrutura internacional é


disputado por mais de dois Atores, tem-se a multipolaridade. Como na
bipolaridade, a hegemonia na multipolaridade não tem uma direção
única, o que obriga os distintos pólos a considerar em suas condutas
internacionais os interesses e condutas de seus pares. Quanto maior o
número de Atores polarizando o Sistema, mais complexas e aleatórias
são as relações internacionais.

Como exemplo de multipolaridade na subestrutura político-militar tem-


se o Concerto Europeu, estabelecido em 1815, com a derrota de
Napoleão, e que perdurou por cerca de 100 anos na ordem européia. Já
para exemplificar a multipolaridade econômica, apresentamos a
Sociedade Internacional de nossos dias, uma vez que, junto às Grandes
Potências econômicas (EUA, Japão, Alemanha), surgem também
organizações intergovernamentais e blocos econômicos (União Européia,
NAFTA, APEC, Mercosul etc.) e ainda empresas multinacionais ou
transnacionais (Exxon, General Motors, IBM, Citicorp), algumas das
quais com capacidade para influenciar o Sistema de forma muito
superior à da maior parte dos Estados soberanos do globo.

O grau de homogeneidade e heterogeneidade

A Sociedade Internacional encontra-se condicionada também pela


presença ou ausência de um índice de homogeneidade entre seus
membros. Uma vez que, na Sociedade Internacional, existem Atores
com diferentes naturezas, composições, poder e objetivos, só
poderemos estudar o grau de homogeneidade/heterogeneidade se
compararmos Atores pertencentes a uma mesma categoria. Não
podemos, portanto, comparar Estados soberanos com Organizações
Internacionais, se desejamos medir o grau de homogeneidade de
determinada subestrutura.

Existe homogeneidade internacional quando são observadas


“identidades ou similitudes internas fundamentais entre os Atores que
pertençam a uma mesma categoria e participem de uma mesma
subestrutura internacional, principalmente entre os Atores estatais”. Já

70

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

a heterogeneidade é constatada com a “existência de divergências


internas básicas entre os referidos Atores.”14

Portanto, para uma análise das relações internacionais sob o enfoque do


grau de homogeneidade/heterogeneidade da Sociedade Internacional,
devemos considerar, primeiramente, que a comparação deve ser feita
entre Atores da mesma categoria; em segundo lugar, que não existe
categoria com grau de homogeneidade absoluto. Sempre haverá
diferenças entre os Atores, uma vez que a diversidade é uma
característica inata das sociedades que compõem a Sociedade
Internacional.

Um terceiro aspecto que deve ser considerado é que um elevado índice


de homogeneidade em uma subestrutura internacional não se transfere
automaticamente às outras subestruturas. Assim, há casos em que
vislumbramos relações políticas homogêneas em contraposição à
heterogeneidade econômica e sociocultural em um mesmo grupo de
Atores.

Finalmente, vale observar que, para alguns autores, os sistemas


homogêneos tendem a ser mais estáveis (Aron, 1962). Afinal, a
homogeneidade permite maior grau de previsibilidade na conduta
internacional dos Atores. Trata-se, entretanto, de uma tendência que
não pode ser considerada de maneira categórica, visto que ao próprio
conceito de estabilidade são atribuídas diferentes interpretações15.

Muitas vezes, os Atores fazem uso dessa dicotomia


homogeneidade/heterogeneidade para conduzir seus interesses
internacionais e influenciar a conduta de outros Atores. Exemplos são os
grupos que se formam sob a égide de bandeiras como “nações
civilizadas”, “países desenvolvidos, em desenvolvimento e
subdesenvolvidos”, “capitalistas, socialistas e não-alinhados”, só para
citar alguns. Enquanto, em alguns casos, o caráter
homogeneidade/heterogeneidade, realmente se faz presente, em
outros, nada mais se tem que uma forma de apresentação internacional
pouco condizente com a realidade.

O grau de institucionalização

14
James, P. “Structure et conflit en politique internationale: Une analyse séquentielle des crises
internationales, 1929-1979”. In: Etudes internationaux, vol. XX, n. 4 (dez 1989), pp. 791 e ss.
15
Por exemplo, estabilidade pode ser vista como a capacidade do Sistema Internacional para manter sua
estrutura ao longo do tempo; ou ainda a capacidade desse Sistema em manter a paz entre seus membros.
71

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

O último elemento fundamental para o estudo das Relações


Internacionais identificado por Calduch é o grau de institucionalização,
que, por sua vez, resumiria todos os anteriores. Para o mestre espanhol,
“o grau de institucionalização de uma Sociedade Internacional é
formado pelo conjunto de órgãos, normas e valores que,
independentemente de seu caráter expresso ou tácito, são aceitos e
respeitados pela generalidade dos Atores internacionais de uma mesma
subestrutura, permitindo, dessa maneira, a configuração e a
manutenção de determinada ordem internacional.” (Calduch, op. cit.,
p.74)

O referido conceito traduz o entendimento e o consenso social que deve


imperar entre componentes de uma Sociedade Internacional ao
estabelecerem ou modificarem suas relações mútuas. O mestre defende
que não se pode analisar o grau de institucionalização apenas com base
nas normas jurídicas. Para o autor, há normas que não estariam
envolvidas pelo Direito Internacional, ainda que este sintetize a maior
parte das instituições fundamentais da Sociedade Internacional.

Ao estudar as instituições internacionais e suas transformações, o


analista depara-se com a estrutura da ordem internacional, os
interesses dos Atores e as forças que influenciam as condutas dos
membros da Sociedade Internacional ao longo do tempo. As instituições
estão relacionadas aos valores, às normas e aos objetivos dos membros
de uma sociedade e, mesmo, à essência de suas subestruturas.

As mudanças nas instituições vão refletir, portanto, as transformações


da própria sociedade em que se encontram, suas formas de cooperação
e seus antagonismos. E as novas instituições emergentes refletem um
novo paradigma, que marcará aquela sociedade. Isso naturalmente
também se aplica à Sociedade Internacional.

Finalmente, Calduch afirma que a diplomacia, o comércio e a guerra são


formas de relações internacionais presentes em diversos tipos de
instituições internacionais. Daí não ser cabível, lembra o autor, a
exclusão de valores com normas que emanem diretamente da existência
de conflitos bélicos para a análise do grau de institucionalização de uma
sociedade.

Portanto, compreendendo as instituições de uma sociedade, pode-se


compreender seus membros, as forças que nela interferem e os reflexos
das relações entre os Atores.
72

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Um exemplo recente de dificuldades geradas em modelos institucionais


críticos é a guerra em áreas menos desenvolvidas do globo. Enquanto o
conflito entre as Potências busca seguir determinadas “leis”16 de
conduta, um confronto em áreas menos desenvolvidas foge a qualquer
padrão. Muitos oficiais ocidentais ficaram perplexos ao combater em
2001 no Afeganistão porque as milícias afegãs “desconheciam os usos e
costumes do direito de guerra das nações civilizadas”. Não havia nada
parecido com as instituições da guerra clássica no cenário da Ásia
Central, o que levou à violência exacerbada de ambos os lados no
combate.

Assim, as instituições refletirão as subestruturas e a maneira como as


mesmas estão ordenadas. Pode-se, portanto, analisar as relações
internacionais sob a ótica das instituições que se manifestam no Sistema
Internacional. É essencial, portanto, ao internacionalista, conhecer as
instituições que regem as estruturas da sociedade objeto de seu estudo.

Concluímos os aspectos teóricos de nosso curso introdutório.


Nos módulos seguintes, será apresentado um breve resumo da
evolução histórica da Sociedade Internacional a partir da era
moderna.

16
Cite-se entre as principais as Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos
Adicionais, que regulamentam as condutas dos combatentes.

73

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Auto-avaliação
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique no
seguinte ícone: AV

1) É (são) elemento(s) fundamental(is) para a compreensão e análise


da Sociedade Internacional:

a) A polarização
b) A extensão espacial
c) A diversidade estrutural
d) O grau de homogeneidade e heterogeneidade
e) Todas as anteriores

2) Sobre a Sociedade Internacional Contemporânea, julgue as assertivas


e, a seguir, indique a alternativa correta:

I – A esta sociedade tem se incorporado um número cada vez menor de


Atores ou protagonistas de relações internacionais, os quais competem
com o principal Ator, a organização não-governamental (ONG).
II – Na Sociedade Internacional Contemporânea não existe um poder
central supremo, o poder é descentralizado, distribuindo-se entre grupos
que o disputam no cenário internacional.
III – A Sociedade Internacional é homogênea e estática, não evoluindo
ao longo do tempo.

De acordo com os enunciados:

a) Apenas a alternativa I está correta.


b) Alternativas I e II são corretas.
c) Alternativas I e III estão corretas.
d) Apenas a alternativa II está correta.
e) Todas as alternativas estão corretas.

Exercícios de fixação

1) O que significa “polarização”? Quais os três tipos de polarização


internacional? Apresente exemplos de cada um deles. (Resposta
entre 5 e 15 linhas)

74

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade II
Módulo II – As Relações Internacionais na Era
Moderna

Objetivos

Ao término deste módulo, o aluno deverá ser capaz de identificar os


principais aspectos da evolução histórica da Sociedade Internacional, do
início da Idade Moderna (século XV) ao fim das Guerras Napoleônicas
(século XIX). Deverá, portanto, estar apto a discorrer sobre:

• As grandes navegações;
• as lutas entre católicos e protestantes;
• a Guerra dos Trinta Anos;
• a Paz de Westfália (1648);
• a Europa no século XVIII e a ascensão da França como Potência
hegemônica.

A SOCIEDADE EUROPÉIA DA ERA MODERNA

O período que vai do ano 1000 até 1800 corresponde à transição do


feudalismo para o capitalismo. Assim a sociedade européia feudal –
rural, fragmentada no nível nacional, unida pela religião e marcada
pelos vínculos de vassalagem – transformou-se em outra
completamente distinta, a sociedade capitalista. Nesta, o importante era
a vida urbana, influenciada pelas transações comerciais e fundada nas
relações de trabalho assalariados.

Quatro momentos são especialmente importantes nesse processo: o


renascimento, as grandes navegações, a criação dos Estados nacionais
absolutistas e a Reforma. Vamos a cada um deles.

75

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

O Renascimento

Marvin Perry observa que “o termo Renascimento foi cunhado em


referência à tentativa de artistas e filósofos de recuperar e aplicar a
antiga erudição e modelos da Grécia e de Roma”. O movimento surgiu
na Itália, aproximadamente em 1350 e se estendeu até meados do
século XVII. Não surgiu na Itália por acidente. No século XIV, aquela era
a região mais dinâmica da Europa: inúmeros centros comerciais, como
Gênova, Veneza, Florença e Milão se desenvolviam com vigor. Essas
cidades italianas dominavam o comércio com o Oriente e, com isso,
destacavam-se no contexto europeu como Potências comerciais e,
algumas vezes, militares.

O período é um ponto de inflexão. Os contemporâneos tinham a


percepção que davam início a um novo tempo. Tanto é assim que, para
se diferenciarem, criaram o termo “Idade Média” para se referirem aos
seus predecessores.

O Renascimento é especialmente marcado pelas mudanças ocorridas


nas artes – destacadamente na pintura, escultura e arquitetura – e nas
ciências. Na Idade Média, as artes tinham o propósito fundamental de
servir à religião cristã, vinculando-se, muitas vezes, às determinações
da Igreja. Na Renascença, o importante era a valorização do Ser
Humano – era o antropocentrismo, que se contrapunha ao teocentrismo
da Igreja de Roma.

Essa percepção de mundo antropocêntrica não significa, todavia, que


houvesse uma rejeição à religião, mas que, sem se afastarem dela,
tinham o Homem como o centro das preocupações. A ciência, da mesma
forma, foi afetada pelas investigações de Copérnico, Kepler e Galileu.
Copérnico, por exemplo, foi o criador da teoria heliocêntrica, que
estabelecia o Sol como o centro do universo. Isso era uma revolução,
porque tirava da Terra a primazia sobre os demais corpos celestes.

O Mapa 1 ilustra o desenvolvimento do Humanismo na Europa e a


expansão renascentista da Itália para todo o continente.

76

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 1: O Humanismo e a Renascença na Europa


(Séculos XV e XVII)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm30.html

Interessante notar nos círculos vermelhos e verdes os principais pontos


de florescimento do Renascimento na Itália e em toda a Europa,
respectivamente. O quadrado rosa marca o local do surgimento da
imprensa e os principais focos artísticos estão assinalados pelos pontos
negros, de fato, importantes cidades européias. Já as setas representam
a difusão do renascimento italiano.

Sugere-se pesquisa mais aprofundada a respeito da importância do


Renascimento na formação da sociedade européia. Uma fonte
importante é A Evolução da Sociedade Internacional, de Adam Watson
(Brasília: editora UnB, 2004)17.

17
De fato, o livro de Watson é referência importante para todo o conteúdo a ser estudado a partir deste ponto.
Trata-se de obra clássica da Escola Inglesa de Relações Internacionais.
77

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

As Grandes Navegações

As Grandes Navegações, iniciadas no final do século XV, são um marco


na evolução histórica da Sociedade Internacional. Por meio delas, os
europeus aventuram-se além dos limites tradicionais de seu continente
e, de maneira generalizada, lançam-se pelos oceanos e seguem para os
“quatro cantos do mundo”, entrando em contato com as sociedades
asiática, africana e americana como nunca ocorrera antes. Com as
Grandes Navegações, tem início um processo que culminaria na
hegemonia européia no mundo e na supremacia da chamada “civilização
ocidental” sobre outros povos – muitas vezes, com resultados fatais
para as civilizações não-européias.

Alguns autores consideram as Grandes Navegações como o primeiro


processo de globalização da era moderna. De fato, a partir das Grandes
Navegações, o comércio internacional se desenvolve e são estabelecidos
os vínculos entre as diversas sociedades internacionais que existiam na
época. Ademais, graças ao estabelecimento dos vínculos mercantilistas
com o Novo Mundo – as Américas –, com a África e com o Extremo
Oriente, a Europa se desenvolve, o modelo capitalista se estrutura e os
recém-estabelecidos Estados-nacionais europeus se tornam Grandes
Potências. Chega-se ao ponto que os conflitos entre os Estados
europeus repercutiam pelo planeta.

Existem três fatores que levaram às grandes navegações do século XV e


seguintes. O primeiro foi o surgimento de um vívido interesse pelas
vantagens que poderiam ser obtidas por meio do comércio. Para
alcançarem a Europa, os produtos do Oriente ou da África subsaariana
passavam por uma quantidade significativa de intermediários. Tal fato
encarecia substancialmente os produtos tão desejados pelos europeus,
como cravo, canela, pimenta, gengibre, noz-moscada, seda ou
porcelana. A Economia, como força profunda, impulsionaria os europeus
para as Grandes Navegações.

Em segundo lugar, havia que se considerar a escassez de metais


preciosos na Europa. Sem eles, era muito mais difícil a compra de bens
da Ásia ou da África. Isso também dificultava o desenvolvimento das
relações comerciais e, conseqüentemente, das relações sociais e
políticas entre as diversas regiões da Europa.

Em terceiro lugar, o século XV foi um momento de grandes melhorias na


construção de navios, nos conhecimentos geográficos e nas habilidades
78

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

navais. Nesse sentido, a tecnologia passa a ser outra força profunda que
produzirá uma mudança na conduta dos Atores internacionais do
período. Vale lembrar que o conhecimento, tanto de construção de
embarcações quanto de técnicas de navegação, era considerado um
bem de extremo valor e cuja proteção era questão de Estado,
fundamental para países como Portugal e Espanha.

Assim, foram os portugueses que primeiro se lançaram em busca de


novas rotas de comércio, desafiando não só a realidade do desconhecido
oceano, mas também as idéias e temores do desconhecido gerados pelo
imaginário medieval. Apesar dos custos e dos riscos altíssimos, as
viagens compensavam pelos também altíssimos lucros obtidos. As
viagens geravam, muitas vezes, lucros de até 6.000%.

Os lucros serviam, pois, de motor que levara às incursões no litoral da


África e à posterior circunavegação desse continente, bem como às
viagens até a Índia e à descoberta, pelos europeus, da América. E não
tardou para que os europeus – primeiro, os portugueses e espanhóis e,
depois, holandeses, franceses e ingleses – instalassem feitorias em
locais da Ásia, África e América, que, posteriormente, se transformaram
em colônias.

O Mapa 2 ilustra os impérios coloniais português (em vermelho) e


espanhol (em verde) em seu apogeu. Destaque-se a linha divisória do
mundo estabelecida por Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas
(1494), por meio do qual, com o assentimento do Papa, os dois Estados
católicos buscavam legitimar seus direitos sobre as terras “descobertas”.
Claro que nem os povos que viviam nessas terras e nem os demais
monarcas europeus foram consultados, de modo que logo Inglaterra,
França e Holanda questionariam essa hegemonia luso-espanhola,
inclusive com a irônica requisição do “testamento de Adão” que
garantira aos ibéricos a herança do mundo.
O fato é que logo as principais potências européias se lançariam em
busca de novas terras e novas rotas e uma nova era se iniciaria nas
Relações Internacionais.

79

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 2: Impérios Coloniais do Século XV (Portugal e Espanha)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm36.html

Como observa Perry (1999:280), “num desenvolvimento sem


precedentes, uma pequena parte do globo, a Europa ocidental, tornara-
se a senhora das vias marítimas, dona de muitas terras em todo o
mundo e o banqueiro e recebedor de lucros numa economia mundial
que começava a despontar”. O pequeno continente dava sinais de seu
poder18 e da dominação que exerceria nos séculos seguintes sobre
povos e impérios de todo o globo.

Os efeitos para as outras regiões do mundo foram profundos:


populações inteiras – especialmente nas Américas – foram dizimadas;
outras tantas, particularmente na África, foram reduzidas à condição de

18
Sugerimos a leitura da obra de Paul Kennedy, “Ascensão e Queda da Grandes
Potências”, em que o autor comenta, entre outras coisas, como os povos de um
continente fragmentado, com sociedades atrasadas em relação a outras sociedades do
planeta, consegue se lançar nos oceanos e conquistar o mundo e as sociedades mais
prósperas e desenvolvidas.
80

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

escravas; plantas, animais e doenças foram espalhadas pelos quatro


cantos do mundo e, principalmente, dava-se início a um tipo de
economia global nunca visto antes. Aí também são duas as forças
profundas que merecem atenção: a tecnologia, dado o aprimoramento
das capacidades bélicas dos europeus; e a religião uma vez que, junto
com os conquistadores, iam os catequizadores e a idéia de “obrigação”
que tinham os europeus de “difundir o cristianismo aos povos mais
atrasados”.

Mapa 3: As Grandes Navegações e as “Descobertas” Européias

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm34.html

O Mapa 3 ilustra a época das grandes navegações e da expansão


européia. A partir das terras conhecidas pelos europeus na Idade Média
(trecho em laranja), há a expansão por terra (com as viagens de Marco
Pólo que apresentaram a Europa ao Império Chinês) e por mar (graças a
intrépidos navegadores como Cristóvão Colombo - que descobriu a
América -, Vasco da Gama - o qual, ao dobrar o “Cabo das Tormentas”,
passando a chamá-lo de “Cabo da Boa Esperança”, estabeleceu a rota
marítima para as Índias, garantindo a Portugal a hegemonia no
81

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

comércio com a Ásia -, e Fernando de Magalhães com a primeira viagem


ao redor do mundo: um Novo Mundo surge diante do europeu
renascentista. Pode-se citar, ainda, as viagens do inglês John Cabot
que, em 1497, chega à Nova Inglaterra e do francês, Jacques Cartier,
que, em 1534, chega à foz do rio São Lourenço e “toma as terras do
Canadá para a Coroa Francesa”. O mapa revela as terras conhecidas
pelos europeus no fim do século XVI (em marrom).

O Estado Absolutista

A partir do século XIII, vive-se o fenômeno do fortalecimento do rei e da


monarquia. Por intermédio de guerras, alianças e casamentos, os reis se
fortaleceram e foram decisivos nos processos de construção dos Estados
nacionais. Os Estados nacionais se formaram, então, como uma cunha
entre o poder local da nobreza e das cidades e o poder universal da
Igreja. Alguns, como Espanha, França e Inglaterra, foram bem-
sucedidos. Outros, como Itália e Alemanha, não conseguiram constituir-
se em módulos nacionais até a última metade do século XIX. O mapa 4
revela a divisão da Europa no século XIII.

No processo de fortalecimento da monarquia, foram importantes as


criações de algumas instituições. A primeira delas foi a do imposto
nacional, que se diferenciava da cobrança de tributos feita pelos
senhores feudais. Enquanto estes se fundavam nas relações pessoais de
vassalagem, o imposto moderno baseava-se na idéia de que a
contribuição era feita para a construção de um bem comum.

A segunda importante instituição foi a de exércitos nacionais. Se, antes,


os reis dependiam das relações pessoais com a nobreza, pois
precisavam dos senhores feudais e de seus exércitos particulares,
agora, tinham uma força militar própria, a qual era mantida com os
novos impostos arrecadados.

O terceiro aspecto importante para o desenvolvimento do Estado


absolutista foi a criação de uma administração civil ligada ou ao rei ou
ao Estado. De mais uma forma, o soberano se desligava das relações
particulares com a nobreza para poder governar. Ademais, tinha-se aí o
embrião do que seria a burocracia estatal, essencial para o governo dos
Estados modernos.

82

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 4: A Europa no Século XIII

Fonte: http://perso.wanadoo.fr/alain.houot/index.html

Os Estados absolutistas eram, pois, Estados em que o poder se


encontrava concentrado, em razão das instituições acima informadas,
nas mãos do rei. A figura do Estado se fundia com a do soberano. Daí as
palavras atribuídas a Luís XIV, soberano absolutista francês: “L’Etat
c’est moi!” (o Estado sou eu!).

Outro ponto importante a considerar era a preocupação dos Estados


absolutistas com a economia nacional, especialmente com o comércio.
Essa preocupação se dava porque visava à arrecadação de fundos,
especialmente sobre a forma de metais preciosos e impostos. Nesse
sentido, uma nova classe, cada vez mais próxima do soberano, se
estruturava: a burguesia, formada pelos comerciantes e outros
profissionais liberais das cidades, que ganhavam força frente à nobreza
ao contribuir para o financiamento do Estado moderno.
83

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Por fim, o aparecimento dos estados absolutistas provocou uma grande


mudança no sistema internacional. Hélio Jaguaribe (2001:481) observa
que “o século XVII se caracterizou na Europa pela emergência de
grandes potências, contrastando com o mundo do Renascimento,
quando as cidades-estado da Itália desempenhavam os principais papéis
na arena internacional, cercadas por países potencialmente poderosos,
como a França, a Espanha e a Inglaterra, que, no entanto, viviam em
condições medievais. No princípio do século XVII, esses países tinham
conseguido em grande parte alcançar sua integração nacional, e
começavam a ter um papel internacional importante.”

A Reforma

No século XVI iniciou-se um amplo movimento de reforma religiosa, o


qual marcou o fim do monopólio religioso da Igreja Católica Romana
sobre a Europa Ocidental. Mais que isso, a Igreja tinha um domínio
cultural, político, econômico e espiritual únicos. Cada aspecto da vida
era rigidamente controlado. A força do Papa, tanto política quanto
religiosa, sobre a Europa Ocidental, era tamanha que, no século XIII, a
Igreja podia proclamar que cada pessoa, praticamente em todo o oeste
europeu, adorava a Deus de acordo com sua doutrina e seus
sacramentos.

Esse controle, no entanto, acabou por se voltar contra a própria


instituição. Como observa Perry (1999:231), “obstruído pela riqueza,
viciado no poder internacional e protegendo seus próprios interesses, o
clero, do papa abaixo, tornou-se alvo de um bombardeio de críticas”. De
um lado, criticava-se a supremacia da igreja sobre os reis. De outro, a
corrupção, o nepotismo, a busca de riqueza pessoal por parte dos bispos
e do papa, o relaxamento do cumprimento das obrigações espirituais e a
venda de indulgências. Inúmeros cristãos passaram a criticar
abertamente as práticas da Igreja e do clero. O mais famoso e mais
importante crítico da Igreja foi o monge Martinho Lutero.

A Reforma se iniciou em 1517, com as críticas de Lutero à venda de


indulgências. As indulgências eram obras que os cristãos fariam, em
vida, para reduzir o seu tempo, após a morte no purgatório. A maior
parte dessas obras era constituída de doações à Igreja. Lutero
questionava a validade moral da venda de indulgência e a possibilidade
de que elas poderiam redimir o homem pecador. Lutero defendia que o
84

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

homem, apesar de ser intrinsecamente condenado pelo pecado original,


poderia obter a redenção por meio da fé, do arrependimento pessoal, do
arrependimento pelos pecados e pela confiança na piedade de Deus.

A principal conseqüência das teses de Lutero é que, em última instância


ele acabava por dispensar a necessidade da própria Igreja. As
conseqüências dessas teses de Lutero ultrapassavam a esfera religiosa,
pois ameaçavam a dominação político-ideológica que a Igreja exercia
sobre os reinos europeus e seus soberanos.

Lutero, ao contrário de outros que atacaram a Igreja, obteve proteção.


Mais especificamente, foi protegido de Frederico, príncipe da Saxônia,
na Alemanha. Posteriormente, Lutero deixou claro que não desejava de
forma alguma ser uma ameaça às autoridades políticas dos príncipes
alemães. Além disso, declarou que o bom cristão era aquele que
obedecia às leis e à ordem.

Martinho Lutero obteve a simpatia de príncipes e de cidades em toda a


Alemanha. As razões foram simples. Ao desqualificar a Igreja, abria-se a
possibilidade de confisco das terras dessa e do fim dos pesados tributos
que a ela eram pagos. Além disso, os príncipes alemães sentiam-se
livres para resistir ao Sacro Império Romano, do católico Carlos V. Este,
pressionado por ameaças externas, no caso a França, a oeste, e os
turcos, a leste, acabou por assinar a Paz de Augsburgo, em 1555. Esse
acordo basicamente definia que cada príncipe poderia determinar a
religião de seus súditos.

No Mapa 5 tem-se a Europa nos século XVI, dividida entre os diferentes


grupos de protestantes (em verde) – calvinistas, luteranos e anglicanos
– católicos fiéis a Roma (em rosa) e ortodoxos (em salmão). Cite-se,
ainda, a constante pressão do Império Otomano, baluarte do mundo
islâmico e um Ator muito relevante no cenário europeu da época. Claro
que as disputas da cristandade centravam-se em católicos X
protestantes, mas alianças com Constantinopla muitas vezes eram
consideradas.

85

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 5: A Europa à Época da Reforma: a Divisão da Cristandade

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm32.html

É importante observar que o descontentamento com a Igreja era grande


em boa parte da Europa. O protestantismo, não só da linha luterana,
espalhou-se com muita rapidez por todo o norte da Europa. A reação
católica, a Contra-Reforma, deu-se sob diversas formas. A primeira
delas foi no campo da atuação religiosa. Como observa Perry
(1999:242), “a princípio, a energia para a reforma veio do clero comum,
bem como de leigos como Inácio de Loyola”. Loyola foi o fundador da
famosa Companhia de Jesus. Como fora treinado como soldado, ele
organizou os jesuítas de forma rígida e altamente disciplinada.

A Contra-Reforma também enfatizava a pregação, a reconversão dos


que se afastaram da Igreja, a construção de igrejas, a censura, a
perseguição a protestantes e a outros hereges. Também é importante
ressaltar que a Igreja, por intermédio do Concílio de Trento, de 1545 a
1563, modificou ou eliminou muito dos pontos criticados pelos
protestantes, como, por exemplo, a venda de indulgências. Por outro
lado, o Concílio não fez quaisquer concessões ao protestantismo.
86

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

A Reforma significou o enfraquecimento da Igreja e o conseqüente


fortalecimento dos Estados. Além disso, a Europa se viu dividida em
duas, uma protestante, no norte, e outra, católica, no sul do continente.
Essa tensão permaneceria e seria especialmente sentida no século
seguinte.

De fato, as disputas entre católicos e protestantes teriam um importante


reflexo nas relações internacionais européias durante mais de dois
séculos, em especial porque estavam associadas também às rivalidades
entre as Potências européias. Do ponto de vista das relações
internacionais, os novos Estados protestantes aliavam-se para se
contrapor à dominação hegemônica da Igreja e de seu principal
defensor político, a dinastia dos Habsburgos, que tinha em um império
que englobava a Espanha e a Áustria, o grande hegemon europeu.
Essas rivalidades religiosas e políticas culminariam na Guerra dos Trinta
Anos.

A GUERRA DOS TRINTA ANOS (1618-1648)

A Guerra dos Trinta anos, de 1618 a 1648, primeiro grande conflito


armado dos tempos modernos, envolveu grande parte da Europa. Esse
grande conflito do século XVII poria termo a um período de mais de
séculos de disputas entre católicos e protestantes e daria início a um
novo sistema europeu de relações internacionais cujos fundamentos
alcançariam o século XXI.

O sistema internacional no século XVII foi marcado inicialmente pela


preponderância da Espanha. Seus concorrentes, porém, não tardaram a
ocupar o seu lugar de destaque. A França surgiu como um país
importante enquanto a Inglaterra preparou o terreno, especialmente nas
últimas décadas do século, para se tornar hegemônica no século
seguinte. A perda da hegemonia espanhola esteve ligada a vários
fatores. Como observa Hélio Jaguaribe (2001:486), a decadência
espanhola “resultou da combinação de quatro causas principais: certas
debilidades institucionais; estruturas sociais predatórias; compromissos
ideológicos utópicos; e a adoção de políticas equivocadas”.

Não podemos esquecer que a Espanha, católica, era a potência


hegemônica no início do século XVII. Os domínios de Felipe III (1598-
1621) abrangiam toda a Península Ibérica, as colônias da América,

87

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
incluindo o Brasil, o sul da Itália, Milão, ilhas no Mediterrâneo, Filipinas e
enclaves na África.

Especialmente equivocada foi a decisão espanhola de ser defensora da


fé católica. Isso não apenas fez ressurgir, em grau muito maior, as
guerras religiosas do século anterior, mas também levou a Espanha a
perder a sua condição de principal potência do continente europeu.

O século XVII, como observa Hélio Jaguaribe (2001:485), “foi marcado


pelos conflitos religiosos mais agudos já ocorridos no ocidente. Herdados
do século precedente, eles culminaram na Guerra dos Trinta Anos
(1618-1648)”, que foi, pois, a tentativa militar dos católicos de conter o
protestantismo. O mapa 6 ilustra a Europa em 1600, dividida entre
reinos católicos e protestantes.

Mapa 6: A Europa em 1600

Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr7.html

88

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Antes de entramos diretamente na Guerra dos Trinta Anos, convém um


rápido parêntese. Em 1556, o Imperador Carlos V, após ter assinado a
Paz de Augsburgo, abdicou e dividiu em dois os seus domínios: de um
lado, a Espanha, Países Baixos, colônias americanas e Itália ficaram
para seu filho Felipe II; de outro, a Áustria, que ficou com seu irmão
Fernando. Bem, com essa divisão, a família Habsburgo ficou dividida em
dois ramos, ambos católicos e, freqüentemente, aliados.

A Guerra

A chamada Guerra dos Trinta Anos começou em 1618 como conflito


religioso entre católicos e protestantes na Boêmia e adquiriu caráter
político em torno das contradições entre Estados territoriais e
principados. Envolveu a Alemanha, Áustria, Hungria, Espanha, Holanda,
Dinamarca, França e Suécia.

Importante para o início da Guerra dos Trinta Anos foi a ascensão de


Fernando II ao trono austríaco, em 1619. Na época, Fernando II,
imperador do Sacro Império Romano-Germânico era também rei da
Boêmia. Os rebeldes negaram-lhe esse título e entronizaram o príncipe
eleitor calvinista Frederico do Palatinado.

“A Guerra dos Trinta Anos começou quando os boêmios (...) tentaram


colocar no seu trono um rei protestante. Os Habsburgos austríacos e
espanhóis reagiram, mandando um exército ao reino da Boêmia; de
súbito, todo o império foi forçado a tomar partido dentro de linhas
religiosas. A Boêmia sofreu uma devastação quase inimaginável: três
quartos de suas cidades foram saqueadas e queimadas e sua
aristocracia foi praticamente exterminada” (Perry, 1999:266).

O resultado foi o envolvimento de outros príncipes protestantes. Os


mais importantes na primeira fase da Guerra, que vai até 1632, foram o
rei da Dinamarca e o rei da Suécia, Gustavo Adolfo, que foi morto em
batalha em novembro de 1632. A possibilidade de paz entre Fernando II
e os príncipes alemães leva à cena um novo Ator, a França, preocupada
com a excessiva força que poderia ter a Áustria.

Sob o comando do cardeal Richelieu, a França, apesar de católica como


os austríacos, se posicionou contra esses. Primeiro de forma encoberta,
depois de forma aberta. Richelieu estava convencido de que a
continuidade da França como grande poder internacional dependia da
guerra contra os Habsburgos. Assim, a França financiava ou apoiava
todos os que se opusessem ao domínio austríaco ou espanhol ou,
89

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
quando necessário, guerreava diretamente contra eles. A França, aliás,
derrotou o até então imbatível exército espanhol na batalha de Rocroy
em 1643. Para a Espanha, o custo dessa derrota foi altíssimo porque
significou o fim da invencibilidade de seu poderoso exército e a vida de
15 mil soldados.

A maneira como Richelieu se comportou politicamente influenciaria o


sistema internacional pelos próximos séculos. Richelieu criou ou ajudou
a criar conceitos como o de “Razão de Estado” e “Equilíbrio de poder”.
Henry Kissinger (1999:60) analisa que “de início, ele [Richelieu] queria
impedir a dominação dos Habsburgos sobre a Europa, mas ao final
deixou um legado que por dois séculos provocou seus sucessores a
tentarem o primado francês na Europa. Do fracasso destas tentativas,
brotou o equilíbrio de poder, primeiro como um fato da vida, depois
como forma de organizar relações internacionais” e, continua esse
autor, “...quando a guerra terminou, em 1648, a Europa Central fora
devastada e a Alemanha perdera quase um terço de sua população. No
tumulto desse conflito trágico, o cardeal Richelieu enxertou o princípio
da raison d´état (razão de estado) na política externa francesa, princípio
que os outros estados europeus adotaram nos cem anos seguintes”.

Vale a pena reproduzir mais algumas das conclusões de Kissinger


(1999:63): “o objetivo de Richelieu era romper o que ele considerava o
cerco da França, exaurir os Habsburgos e impedir a emergência de uma
grande potência nas fronteiras da França – especialmente na fronteira
alemã. Seu único critério para alianças era que elas atendessem aos
interesses da França, aplicado primeiramente aos estados protestantes,
mais tarde até ao Império Otomano muçulmano”.

Assim, a conduta da França refletia a maneira racional e pragmática


como as grandes Potências atuam no cenário internacional. Apesar de
católica, a França não hesitou em aliar-se aos protestantes para se
contrapor à hegemonia espanhola. Essa conduta garantiria o
fortalecimento da França nos anos seguintes, de modo que, com o fim
da Guerra e o declínio do poder espanhol, o Estado francês assumiria o
papel de nova Potência hegemônica no continente.

Portanto, a Guerra dos trinta Anos chegaria a termo por meio da Paz de
Westfália e uma Nova Ordem seria estabelecida no cenário europeu e,
conseqüentemente, nas relações internacionais da Era Moderna.

90

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

A Paz de Westfália (1648)

A paz foi alcançada porque a guerra, após as suas várias fases, se


mostrou impossível de ser vencida de maneira efetiva. Como observa
Jaguaribe (2001:483), “se foi possível chegar finalmente a um acordo
negociado, depois de disputas ferozes, isso se deveu à incapacidade dos
Atores em conflito de impor pela força os seus respectivos dogmas”.

O primeiro dos tratados, assinado em janeiro de 1648, pôs fim à guerra


entre a Espanha e Holanda. Em outubro do mesmo ano, pressionada por
seus aliados alemães, a Espanha também selou a paz com os franceses.

Os tratados de Westfália significaram o fim das ambições dos


Habsburgos austríacos e espanhóis e a vitória da política externa
francesa, iniciada com Richelieu. Os franceses, além de acabarem com
as pretensões dos seus adversários, ainda tiveram algumas importantes
conquistas territoriais e, ao mesmo tempo, o fantasma de uma
Alemanha unificada, ameaça à França pelo leste, manteve-se afastado
por duzentos anos.

Como anotam Carpentier e Lebrun (1996:229) a Europa era


“politicamente muito diferente da de 1560 ou 1600. A Casa da Áustria já
não era um perigo para a paz européia.(...) A Espanha, enfraquecida e
amputada, já se não contava entre as potências de primeira plana. A
Inglaterra, saída do isolamento em que havia ficado a seguir à guerra
civil(...), as Províncias Unidas [Holanda], independentes e aumentadas,
a Suécia, dominadora do Báltico, eram já grandes potências(...). O facto
essencial era, todavia, a situação de preponderância adquirida pela
França. O reino (...) não só era mais vasto e mais bem defendido como
também dispunha de uma clientela em que se contavam quase todos os
países europeus. De resto, o prestígio intelectual e artístico da França
não cessava de crescer. Começara a era da preponderância francesa na
Europa”.

No Mapa 7, pode-se perceber a nova configuração de poder no


continente europeu, com destaque para as fronteiras nacionais e os
limites assegurados pelo Tratado de Westfália. A maior parte dessas
fronteiras acabaria modificada nos séculos seguintes.

91

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 7: A Europa em 1648

Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr9.html

A Nova Ordem Internacional a partir de Westfália

A história européia após o tratado de Westfália é a contínua busca, por


parte da França, da obtenção da hegemonia européia e a resistência,
por parte dos demais Atores europeus, a essa idéia. Na busca desses
objetivos, imperam as relações pragmáticas e as alianças de ocasião. No
século após a Paz de Westfália de 1648, que encerrou a Guerra dos
Trinta Anos, “a raison d’état [razão de estado] passou a ser o princípio
orientador da diplomacia européia”, como observa Kissinger (1999:66).

Esse período pode ser dividido em três fases. A primeira vai de 1648 a
1740 e é de preponderância francesa. A Áustria recuou de suas
pretensões na Alemanha e conquistou, gradativamente, vastas regiões
92

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

ao longo do rio Danúbio. A Espanha lentamente se retirava do papel de


potência de primeira ordem. A Inglaterra, a partir da Revolução
Gloriosa, de 1688, tornou-se uma monarquia em que o Parlamento tinha
papel preponderante. A França, especialmente sob Luís XIV “...esforçou-
se (...) por reforçar o absolutismo monárquico na França e por impor,
mais ou menos diretamente, a sua lei à Europa. Falhou, porém, nesta
sua última pretensão perante a coligação dos Estados europeus –
enquanto, na Europa Central e Oriental, a Prússia começava a salientar-
se e Pedro, o Grande, procurava conseguir que a Rússia saísse do seu
isolamento” (Carpentier e Lebrun, 1993:233). Essa Europa do início do
século XVIII encontra-se no mapa 8.

Mapa 8: A Europa no Início do Século XVIII

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr11.html

A segunda fase vai de 1740 a 1792 e se caracteriza pela preponderância


marítima da Inglaterra e pelo equilíbrio das potências continentais. “A
luta, no mar e nas colônias, entre a Inglaterra – onde, a despeito das
tendências de poder pessoal de Jorge III, prosseguia a evolução para o
93

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

regime parlamentar – e a França – onde o absolutismo de Luís XV e Luís


XVI enfrentava dificuldades cada vez maiores – veio a dar a vantagem à
Inglaterra, que se tornou a primeira potência mundial graças à sua
superioridade marítima e ao avanço resultante dos começos da
revolução industrial. Na Europa Central e Oriental, a Prússia de
Frederico II, a Áustria de Maria Teresa e José II e a Rússia de Isabel e
de Catarina II eram concorrentes entre si, mas equilibravam-se e
chegaram a acordo para crescer à custa do Império Otomano e da
Polônia, que foi totalmente desmembrada” (Carpentier e Lebrun,
1993:247).

O último período vai de 1792 a 1815 e se caracteriza por ser o momento


do apogeu e do fracasso do projeto de uma Europa francesa. “Entre
1789 e 1815, a Europa respirou ao ritmo da França. A ‘Grande Nação’
impôs-se, primeiro, pela força das idéias e, depois, pela das armas. De
1792 até 1815, a guerra opôs permanentemente a França às
monarquias européias. Napoleão Bonaparte, herdeiro dessa guerra,
tentou construir uma Europa Continental francesa. Mas a obstinação
britânica, que inspirava e financiava as diversas coligações das coroas,
acabaria por vencer o Grande Império. A França foi, então, vítima não
só dos reis como também dos povos, cujos sentimentos ajudara a
despertar” (Carpentier e Lebrun, 1993:277).

Sobre o prisma das Relações Internacionais, convém observar a


importância da Potência hegemônica em um sistema e o grau de
influência que sofrem os outros Atores. Na Nova Ordem estabelecida a
partir de Westfália, a França ascendeu à condição de Potência
hegemônica, que havia sido da Espanha sob os Habsburgos. O século
que se seguiu à Guerra dos Trinta Anos foi um século francês, no qual a
sociedade internacional era influenciada pela sociedade francesa. Assim,
verificamos a expansão do iluminismo pela Europa e Américas, os
costumes e até o idioma francês influenciando outros povos ou gerando
reações nacionalistas, como ocorre hoje com a língua inglesa e o
american way of life.

Assim, o sistema passou a gravitar em torno da França. E essa Ordem


começa a ruir quando muda o equilíbrio de poder no continente,
causado por transformações radicais no interior do hegemon. A maior
dessas transformações foi a Revolução Francesa, que abalou a estrutura
de poder no interior da Potência hegemônica e acabou repercutindo em
todo o continente – chegando logo ao Novo Mundo – com as guerras
napoleônicas. Esse será o próximo tema.

94

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Auto-avaliação
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique no
seguinte ícone: AV

1) As transformações religiosas do século XVI, comumente conhecidas


pelo nome de Reforma Protestante, representaram no campo espiritual
o que foi o Renascimento no plano cultural; um ajustamento de idéias e
valores às transformações sócio-econômicas da Europa. Assinale a única
alternativa correta acerca das conseqüências da Reforma:

a) a expansão do poder político do papado devido à extrema


importância atribuída à Bíblia.
b) o rompimento da unidade cristã, expansão das práticas capitalistas e
fortalecimento do poder das monarquias.
c) a diminuição da intolerância religiosa e fim das guerras provocadas
por pretextos religiosos.
d) a criação pela igreja protestante da Companhia de Jesus em moldes
militares para monopolizar o ensino na América do Norte.

2) Sobre a PAZ DE WESTFÁLIA, julgue os itens a seguir e marque a


alternativa correta:

I – A Paz de Westfália (1648) põe fim à Guerra dos Trinta Anos, na


qual protestantes e católicos disputavam o poder na Europa.
II – A partir de Westfália, tem-se o fortalecimento do poder temporal
da Espanha e dos Habsburgos, com os católicos passando a
dominar todo o continente europeu.
III – Com o término da Guerra dos Trinta Anos, a França passou a
destacar-se como principal Ator no continente.

Com base nos enunciados apresentados, assinale a alternativa correta:


a) Apenas o enunciado I está correto.
b) Apenas os enunciados I e II estão corretos.
c) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
d) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
e) Nenhum dos enunciados está correto.

95

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Exercícios de fixação

1. Qual a importância da Guerra dos Trinta Anos para as relações


internacionais da Era Moderna? (Resposta entre 5 e 15 linhas)

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I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade II

Módulo III – A Nova Ordem Internacional do


Século XIX

Objetivos

Ao concluir o estudo deste Módulo, o aluno deverá ser capaz de


discorrer sobre os principais aspectos das relações internacionais do
século XIX, particularmente sobre:
• Os antecedentes da Nova Ordem do século XIX: a Revolução
Francesa e as Guerras Napoleônicas;
• o Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu;
• as Revoluções do século XIX;
• os nacionalismos e as unificações da Itália e da Alemanha;
• a ascensão da Alemanha unificada como Grande Potência;
• o neocolonialismo;
• os novos Atores entre as Grandes Potências fora da Europa.

A Nova Ordem Internacional do Século XIX -


Antecedentes

A Revolução Francesa

A Revolução Francesa (1789) foi um evento que marcou profundamente


a sociedade européia. Foi inspirada pelos ideais iluministas e liderada
pela burguesia com apoio popular. O movimento tinha por lema
"Liberdade, Igualdade, Fraternidade" e ressonou em todo mundo, da
Europa ao continente americano, pondo abaixo regimes absolutistas e
ascendendo os valores burgueses. A Revolução Francesa constitui-se em
marco e referência para grandes transformações sociais e políticas que
aconteceriam pelo mundo nos séculos seguintes.

97

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

O mapa 9 revela a configuração política da Europa à época da Revolução


Francesa. Note-se como a França Revolucionária estava cercada pelas
potências absolutistas defensoras do Antigo Regime. Apesar disso, os
ideais revolucionários se expandiriam para muito além das fronteiras do
Reino da França.

Mapa 9: A Europa à época da Revolução Francesa

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr13.html

Essa ressonância da Revolução Francesa foi tanto prática quanto


simbólica. A Revolução assustou ou animou por ter atingido a principal
monarquia européia e o maior e mais populoso - excluída a Rússia -
país europeu. De fato, as transformações que marcariam a Europa e a
civilização ocidental no século XIX seriam influenciadas diretamente por
aquelas mudanças ocorridas no âmbito doméstico da França, então a
Potência Hegemônica no continente. Nesse sentido, podemos perceber

98

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

como transformações nas Grandes Potências acabam afetando todo o


sistema internacional, proporcionalmente ao grau de influência que essa
Potência tenha no sistema19.

Assim, para os defensores da ordem, a Revolução era perigosa porque


retirava os alicerces do Antigo Regime20. Só no ano de 1789, por
exemplo, uma Assembléia Nacional fora eleita e abolira o feudalismo e
seus privilégios. Além disso, a Bastilha, o símbolo do poder real fora
tomada de assalto, palácios foram saqueados e o campo se encontrava
sublevado. Como se não bastasse, uma Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão foi proclamada como preparativo para uma
Constituição, e a Igreja foi subordinada ao Estado. Eram mudanças que
afetavam o cerne de uma Ordem doméstica tradicional e poderiam –
como realmente aconteceu – acabar afetando as estruturas da Ordem
Internacional.

Não tardou, pois, a reação. As Potências Européias promoveram ataques


contra o território francês na tentativa de restabelecer o trono de Luís
XVI e o Antigo Regime (vide mapa 10). As cabeças coroadas da Europa
não poderiam arriscar que um de seus membros mais importantes fosse
derrubado por um levante popular.

Nesse contexto, Luís XVI tentou fugir para o exterior. Preso no meio do
caminho, foi levado de volta a Paris e guilhotinado. A República foi
proclamada e a França se viu, externamente, em um estado quase
permanente de guerra. Internamente, a Revolução mergulhou no Terror
– aproximadamente 40 mil pessoas morreram – e na luta entre as
diversas facções. Após um período de contra-revolução e de
agravamento dos conflitos internos, o poder passou para as mãos dos
generais. Um deles Napoleão Bonaparte, assumiu o controle do governo
em novembro de 1799.

19
Exemplo recente disso são as mudanças ocorridas nos EUA após o 11 de setembro
de 2001 e seus efeitos em todo o globo.
20
Denominou-se Antigo Regime à ordem estabelecida na Idade Moderna, na qual a
monarquia absolutista harmonizou-se com as principais forças políticas da sociedade:
por meio do Mercantilismo, a monarquia aliou-se à burguesia e ao mesmo tempo
manteve-se unida à nobreza e ao alto clero, concedendo privilégios a esses dois
últimos grupos, muitas vezes em detrimento da burguesia e sempre às custas dos
impostos cobrados do povo.
99

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 10: A Revolução Ameaçada (1792-1794)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/Rev_Emp/revemp3.html

Napoleão Bonaparte

Como observa Perry, Napoleão “na verdade pertencia à tradição do


despotismo esclarecido do século XVIII. Da mesma maneira que os
déspotas reformadores, admirava a uniformidade e a eficiência
administrativas, era avesso ao feudalismo, à perseguição religiosa e à
desigualdade civil e defendia a regulamentação governamental na
indústria e no comércio” (Perry, 1999:339).

Apesar de Napoleão não se identificar com o republicanismo e com a


democracia das fases mais radicais da Revolução, ele era visto, pelos
demais países europeus como seu continuador.

Isso se deu, em grande parte, porque Napoleão estendeu “com


diferentes graus de determinação e sucesso (...) as reformas da
100

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Revolução a outras terras. Seus funcionários instituíram o Código


Napoleão, organizaram um serviço civil efetivo, abriram carreiras de
talento e nivelaram os encargos tributários. Além de abolir a servidão,
os pagamentos senhoriais e as cortes da nobreza, eliminaram os
tribunais clericais, fomentaram a liberdade religiosa, autorizaram o
casamento civil, exigiram que se concedessem direitos civis aos judeus
e combateram a interferência do clero na autoridade secular. (...)
Napoleão dera início a uma revolução social de amplitude européia, que
atacou os privilégios da aristocracia e do clero – que se referiam a ele
como o ‘jacobino coroado’ – e beneficiou a burguesia”(Perry, 1999:344).

Vejamos como se deu a influência das idéias e das novas instituições:

As zonas ‘assimiladas’, anexadas ao território do grande Império, ou


estreitamente vassalas (reino da Itália): aí, os direitos feudais foram
suprimidos, a igualdade estabelecida perante a lei, o código napoleônico
adotado e a administração calcada sobre a da França.

As zonas de ‘influência’, onde a anexação foi indireta, mas onde o Antigo


Regime foi eliminado pelas autoridades francesas. É o caso da maior
parte da Alemanha entre o Reno e o Elba, do grão-ducado de Varsóvia,
do reino da Sicília e do Reino de Nápoles.

As zonas de ‘resistência positiva’ – essencialmente a Prússia, onde os


dirigentes (...) calcularam que o melhor meio de encerrar a luta contra a
França era pôr em prática extensas reformas sociais (abolição da
servidão, dos direitos feudais).

As zonas de ‘resistência passiva’ – essencialmente a Áustria e a Rússia –


, onde a luta contra a França não se fez acompanhar de nenhuma
reforma profunda: o sistema senhorial foi mantido na Áustria, a servidão
e o Tchin (nobreza ligada à função púbica) na Rússia.

Enfim, a Inglaterra – depois de 1800 chamada de ‘Reino Unido da Grã-


Bretanha e Irlanda’ –, por um lado, jamais havia sido conquistada e, por
outro, já possuía um regime suficientemente liberal para que tivesse a
tentação ardente de imitar a França”. (Duroselle, 1976:8).

Assim, a Era Napoleônica foi marcada por uma série de conflitos


armados ocorridos entre 1799 e 1815, quando a França enfrentou várias
alianças de Potências européias. O principal motivo das campanhas
francesas, após 1789, era defender e difundir os ideais da Revolução
Francesa, mas, com a ascensão de Napoleão, o objetivo passou a ser a
101

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

expansão da influência e do território franceses. O império napoleônico


chegou a dominar parte significativa de Europa21. Nessas regiões, as
sementes dos ideais revolucionários de 1789 foram plantadas e
germinariam nas décadas seguintes. Para a contenção do
expansionismo francês, foram necessárias várias coalizões das Grandes
Potências. No mapa 11 pode-se ter a idéia da dimensão do Império
Napoleônico em seu apogeu.

Mapa 11: O Império Napoleônico em seu Apogeu (1810-1811)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/Rev_Emp/revemp4.html

Em 1812, Napoleão conduziu uma campanha vitoriosa contra os russos


chegando até Moscou. Entretanto, a vitória logo se converteu em grande
derrota. Os russos simplesmente abandonaram Moscou, depois de
destruir os campos cultivados e de incendiar a cidade. Sem abrigo ou
provisões, o exército francês, enfrentando o rigoroso inverno, foi
obrigado a deixar a Rússia sobre o intenso fogo do exército russo,

21
Napoleão sonhava com uma Europa em que, sob a hegemonia francesa, não
houvesse mais espaço para as estruturas absolutistas do Antigo Regime.
102

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

perdendo cerca de 95% de cerca de 600 mil homens que participaram


da desastrosa campanha.

Aproveitando-se do enfraquecimento de Napoleão, Áustria, Prússia,


Rússia, Inglaterra e Suécia formaram a 6.ª Coalizão e declararam
guerra à França. Napoleão derrotou os exércitos da Rússia e da Prússia,
enquanto os exércitos franceses estavam sendo derrotados na península
Ibérica por forças espanholas e inglesas. Após a Batalha de Leipzig, a
Batalha das Nações, em 1813, os exércitos de Napoleão abandonaram
os principados alemães. A rebelião contra o império se estendeu à Itália,
Bélgica e Holanda.

Em 1814, um grande exército da 6.ª Coalizão invadiu a França e ocupou


Paris. Napoleão foi obrigado a renunciar, foi exilado na Ilha de Elba
(próxima da Córsega, sua terra natal), e a monarquia foi restaurada
com Luís XVIII, irmão de Luís XVI, que tinha sido guilhotinada durante a
Revolução Francesa. Os membros da Coalizão reuniram-se, então, no
Congresso de Viena para restaurar as monarquias na Europa.

No entanto, enquanto era traçado o novo mapa europeu, Napoleão fugiu


de Elba, voltou à França, em março de 1815, e iniciou a formação de um
novo exército. O rei enviou uma guarnição de soldados para prendê-lo,
mas estes aderiram a Napoleão. Luís XVIII fugiu para a Bélgica.

Contra Napoleão foi rapidamente formada uma 7.a Coalizão, composta


por Inglaterra, Áustria, Prússia e Rússia. Sem tempo para preparar um
exército, Bonaparte enfrentou novos combates, mas foi derrotado
definitivamente na Batalha de Waterloo (18 de junho de 1815).
Napoleão foi mantido prisioneiro na Ilha de Santa Helena, no Atlântico
Sul, onde morreu em 1821. Luís XVIII reassumiu o trono francês com o
apoio do Congresso de Viena. Chegaram ao fim as Guerras
Napoleônicas.

Apesar da derrota definitivamente em 1815, a ação de Napoleão e os


ideais revolucionários atingiram, de forma irreversível, o Antigo Regime
em boa parte da Europa e aceleraram o processo de modernização do
continente. Seus efeitos alcançaram o continente americano,
repercutindo nos processos de independência de toda a América Latina e
nos princípios jurídicos e políticos que regeriam os novos governos na
região.

103

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

O Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu

O fim das guerras napoleônicas marcou o início de um sistema


internacional baseado no equilíbrio de poder entre as Potências
européias que durou cem anos até a Primeira Guerra Mundial. Foi o mais
longo período de paz da história da Europa ou, pelo menos, o período
em que não houve nenhuma guerra que envolvesse, de forma
generalizada as Potências européias. Durante 40 anos, isto é, entre o
Congresso de Viena e a Guerra da Criméia (1854), não houve uma
guerra sequer entre as grandes Potências e, nos 60 anos seguintes,
exceto pela Guerra Franco-Prussiana de 1871, nenhum conflito
importante ocorreu.

O Congresso de Viena foi marcado pelo medo e pelas lembranças


trazidas pelos 25 anos anteriores. Os homens que reconstruíram o mapa
da Europa em 1815 o fizeram preocupados em evitar que a Ordem
sofresse novos abalos. Apesar de todos os negociadores serem
adversários da Revolução, estavam perfeitamente conscientes de que a
Europa de 1815 não poderia voltar a ser aquela de 1792. Não obstante,
estavam determinados a evitar novas catástrofes. Para isso, seriam
utilizados dois princípios: o da legitimidade e o do equilíbrio europeu.

“Primeiro, restabelecer a ‘legitimidade’ – dos soberanos. Mas ‘na ordem


das combinações legítimas, ligar-se de preferência àquelas que podem
com maior eficácia concorrer para o estabelecimento e conservação de
um verdadeiro equilíbrio’. Serão, então, utilizados com flexibilidade e em
proveito dos grandes Estados os dois princípios, um moral e jurídico, o
da legitimidade, outro, puramente prático, o do equilíbrio europeu”.
Duroselle (1976:4). Como resultado dos debates de Viena, o mapa da
Europa está bastante simplificado. A Alemanha, por exemplo, passa de
300 Estados para 38 (vide mapa 12).

Um fato, porém, não pode ser deixado de lado. Na conformação do novo


sistema de equilíbrio europeu, a França é a grande preocupação. Sua
condição hegemônica tinha sido excessivamente danosa para as outras
Potências européias. O Congresso de Viena é realizado sob o signo de se
evitar que ela ameace novamente o resto do continente.

Dois tratados pós-Congresso merecem ser destacados. O primeiro é o


Tratado da Santa Aliança, firmado entre o czar da Rússia, o imperador
da Áustria e o rei da Prússia (26 de setembro de 1815). O segundo é o
tratado conhecido como o da Quádrupla Aliança, entre os Quatro
104

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Introdução às Relações Internacionais I
Grandes: Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia (20 de novembro de
1815).
O Tratado da Santa Aliança deseja a restauração na Europa da ordem
religiosa e monárquica, fundamento do Antigo Regime que a Revolução
Francesa quis derrubar. Fundando-se no mundo cristão, exclui o sultão
otomano, apesar de o czar desejar que o sistema abarque a França e a
Espanha. Como observa Duroselle (1976:5), “Na realidade,(...) ‘Santa
Aliança’, produto dos sonhos do czar tinha pouca consistência, e que a
verdadeira realidade era a ‘Quádrupla Aliança’, assinada secretamente a
20 de novembro de 1815 entre a Rússia, a Inglaterra, a Áustria e a
Prússia, contra a França.”

Mapa 12: O Congresso de Viena (1815)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix1.html

Até 1830, o equilíbrio europeu foi assegurado graças aos entendimentos


entre a Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia – os quatro grandes – e à
estabilização política da França. Como resultado de habilidosa
diplomacia, já em 1818, os franceses conseguiram associar-se à política
105

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
de garantia da ordem na Europa. Estava estruturado o Concerto
Europeu, por meio do qual as Grandes Potências européias conduziriam
o continente por décadas. O equilíbrio de forças entre Inglaterra, Rússia,
Áustria, Prússia e França garantia a estabilidade, uma vez que nenhum
desses Estados ou qualquer outro país europeu era suficientemente
poderoso para enfrentar sozinho uma coalizão formada pelos demais.
Assim, estabelecia-se um verdadeiro consórcio entre as Grandes
Potências européias que lhes permitiu projetarem seu poder sobre toda
a Europa e pelo mundo. O século XIX seria o século da Paz na Europa e
da hegemonia européia sobre todo o planeta.

Assim, a partir de 1815, a ação dos países europeus se dá em escala


mundial. A Inglaterra, por exemplo, identifica-se mais e mais com o
liberalismo político e econômico porque existe, também, um interesse
para que esses temas rejam a política externa inglesa no século XIX,
como no caso, por exemplo, na independência das colônias espanholas
na América. Da mesma forma, os russos cada vez mais se preocupam
com a decadência e o fatiamento territorial do Império Otomano. Isso
explica, em grande parte, a concorrência e a inimizade que irão marcar
as relações entre Inglaterra e Rússia em boa parte do século XIX.

A Europa que emerge do Congresso de Viena é ansiosa pela eliminação


dos traços da Revolução Francesa. É uma Europa, pois, legitimista,
clerical, desigual, aristocrática e, principalmente, reacionária. Não se
pode esquecer, no entanto, que o fantasma de 1789 não desaparecera.
Intelectuais, trabalhadores, liberais, democratas, burgueses estão todos
descontentes. Sob diversos matizes ideológicos, o século XIX verá um
longo desenrolar de revoluções.

A Era das Revoluções

A Europa pós-Congresso de Viena foi marcada pelo equilíbrio de poder


entre os Estados europeus, o que permitia certa estabilidade no cenário
internacional. Apesar desse quadro de tranqüilidade, o século XIX foi
tempo de revoluções tanto políticas quanto econômicas.

Politicamente, houve três grandes ondas revolucionárias: 1820, 1830 e


1848. O período entre 1817 e 1850 é época de crise econômica e baixa
de preços, ou seja, é momento de tensão. As grandes ondas
revolucionárias de 1830 e 1848, bem como as investidas contra-
revolucionárias, estão descritas nos mapas 13 a 15.
106

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 13: As revoluções de 1830

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix4.html

De 1850 até pelo menos 1873, no entanto, é tempo de prosperidade.


Como observa Duroselle (1976:21), “a prosperidade, interrompida por
alguns recessos, rompe o ímpeto revolucionário. Este só voltará a
ressurgir na França em 1869, aproximadamente. Com um nível de vida
momentaneamente acrescido, as massas toleram mais facilmente o
jugo, se tiverem a impressão de que o poder favorece a expansão.”

Em termos gerais, em 1850, a ameaça revolucionária está encerrada.


Por toda parte, os partidários da ordem estabelecida saíram vitoriosos.
Em parte, o fracasso revolucionário de 1848 se dá em razão do ‘perigo
vermelho’. É o tempo de ascensão ao poder de Napoleão III22, na
França.

22
Napoleão III (1808-1873) foi o criador do Segundo Império francês na metade do
século XIX. Governou entre 1852 e 1870, até sua derrota na Guerra Franco-Prussiana.
Carlos Luís Napoleão Bonaparte era sobrinho de Napoleão I. Eleito presidente da nova
República Francesa, deu um golpe de estado em 1851, que lhe permitiu assumir
107

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 14: As Revoluções de 1848

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix5.html

A outra grande revolução européia é de natureza econômica. É a


chamada Revolução Industrial. Após 1850, a economia européia se
expande com rapidez. Novas máquinas e novas tecnologias aparecem
por toda parte. A Revolução Industrial modifica toda a sociedade
européia. Se na sociedade pré-industrial do século XVIII, a agricultura
ainda era o centro das atividades humanas, no século XIX, a vida se
desloca progressivamente para as cidades e para as indústrias.
Simultaneamente, o poder, a influência e os valores da aristocracia
perderam força. Em seu lugar, ganharam importância o dinheiro e a
capacidade individual. A modernização da sociedade colaborou,
também, para a progressiva universalização do voto e para a

poderes ditatoriais e transformar a Segunda República no Segundo Império. Entre as


ações de política externa de Napoleão III, estão a intervenção na Guerra da Criméia, o
apoio ao Piemonte nas guerras que enfrentou como conseqüência da unificação italiana
e a promoção e instalação de um efêmero Império no México, na pessoa de seu
sobrinho, Maximiliano da Áustria. Em 1870, por ocasião da Guerra Franco-Prussiana, a
derrota do Exército francês na batalha de Sedan provocou o aprisionamento do
Imperador, cujo regime foi derrotado.
108

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
secularização da sociedade. Por fim, a tecnologia ampliou a diferença
entre o Ocidente e as demais regiões do mundo.

Mapa 15: A Contra-Revolução de 1848

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix6.html

O mapa 16 ilustra a Europa do século XIX sob plena efervescência da


revolução industrial. O mapa destaca as minas de carvão (em marrom),
em torno das quais desenvolveram-se centros siderúrgicos (em
vermelho) e industriais (em rosa). Também na base da revolução
industrial encontrava-se a indústria têxtil, cujos centros estão
destacados em azul. O mapa registra, ainda, as principais cidades
industriais e os centros financeiros (quadrados verdes).

109

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 16: A Europa Industrial no Século XIX

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix3.html

Divisão da Europa – Nacionalidade versus legitimidade

A Europa de 1815 foi construída sobre o princípio de que era essencial


preservar o continente de uma possível ameaça francesa. Assim, no
redesenho do mapa continental, o princípio da nacionalidade é deixado
freqüentemente em segundo plano. Nem por isso, no entanto, deixa de
existir a afirmação da nacionalidade, apesar dos freqüentes fracassos.
Parte dessa nova Europa surge dos escombros do Império Otomano23,
o qual, nas palavras do czar, é o enfermo da Europa.

23
O Império Otomano existiu aproximadamente de 1300 a 1922 e, no período de
maior extensão territorial, abrangeu três continentes: da Hungria, ao norte, até Aden,
ao sul, e da Argélia, a oeste, até a fronteira iraniana, a leste, embora centrado na
região da atual Turquia. Por meio do Estado vassalo do janato da Criméia, o poder
otomano também se expandiu na Ucrânia e no sul da Rússia. Seu nome deriva de seu
fundador, o guerreiro muçulmano turco Osman (ou Utman I Gazi), que fundou a
dinastia que governou o império durante sua história.
110

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
Progressivamente, o Império Otomano foi perdendo terras para
austríacos, russos e para nações que iam surgindo de suas fraquezas. A
primeira delas é a Grécia, cuja independência foi tema de preocupação
durante toda a década de 1820. Finalmente independente em 1830,
serviu como exemplo para muitos outros: a Sérvia, alguns anos depois,
conquista autonomia, e, em 1856, Romênia e Bulgária se tornam
independentes.

No restante da Europa, no entanto, apenas a Bélgica se torna


independente da Holanda (1830). Para isso, assume o caráter de nação
neutra, com aval das Grandes Potências. Outras tentativas de
independência fracassam. A Polônia não conseguiu ser autônoma em
relação à Rússia (1830) e a Hungria alcançou uma semi-independência
em relação à Áustria (1867). Dos movimentos nacionais os mais
importantes são os da Itália e da Alemanha, países que se unificaram a
partir da segunda metade do século24.

A Unificação da Itália

A unificação da Itália foi resultado de uma habilidosa política externa e


do aproveitamento das oportunidades quando elas surgiram. O artífice
desse processo foi Cavour25. Primeiro-ministro do Estado do Piemonte
(norte da península itálica), conseguiu, graças às alianças com Napoleão
III, um aliado contra os austríacos que ocupavam o norte da Itália. A
sua primeira vitória se deu em 1858. Em troca da cessão da cidade de
Nice e da região de Sabóia, os franceses apoiaram os piemonteses em
uma possível guerra contra a Áustria. Em um primeiro momento, o
apoio dos franceses foi menor do que o esperado e Napoleão III,
receoso das possíveis implicações que uma aliança contra a Áustria
poderia ter, retirou seu apoio antes do esperado. Mesmo assim, o
Piemonte se viu vencedor e aumentou seu território com a conquista da
Lombardia.

24
Os processos de unificação da Itália e da Alemanha podem ser percebidos no mapa
17.
25
Camillo Benso, conde de Cavour (1810-1861), político italiano, foi Presidente do
Conselho em 1852. Aliou-se a Napoleão III contra a Áustria, porém este firmou a paz
em 1859 sem consultá-lo. Cavour demitiu-se quando Victor Emanuel II, Rei da
Sardenha, aceitou as condições do Imperador francês. No início de 1860, ajudou
Giuseppe Garibaldi na conquista do Reino Das Duas Sicílias. Conseguiu a proclamação
do Reino da Itália em 17 de março de 1861 e de Vítor Emanuel II como seu primeiro
soberano.

111

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Posteriormente, pequenos Estados italianos – Parma, Módena, Toscana


e Romanha – votaram pela união com o Piemonte. Com as conquistas
do sul da península, é proclamado o reino da Itália (1861). Faltavam,
porém, a cidade de Roma e o Vêneto. Este é anexado em 1866, como
recompensa pelo apoio dos italianos aos prussianos durante a guerra
contra a Áustria. Roma, por fim, é ocupada em 1870, quando franceses
retiram os seus soldados da cidade em razão da Guerra Franco-
Prussiana.

A Unificação da Alemanha

A unificação da Alemanha (1871) é, muito provavelmente, após o


Congresso de Viena, o evento mais importante da política internacional
do século XIX. A unificação alemã desmorona com os fundamentos do
equilíbrio internacional surgidos em 1815 e faz a política internacional
retornar às lutas irrestritas do século XVIII.

O principal temor dos franceses do século XVII era a unificação alemã.


Richelieu, por exemplo, via uma Alemanha unificada como a ameaça
potencialmente mais perigosa para a França. A unificação, entretanto,
somente foi possível porque a Prússia conseguiu, ao longo de 150 anos,
construir um Estado forte o bastante para que pudesse, no fim do século
XIX, almejar a preponderância entre os Estados alemães.

Também não se pode esquecer a ação de Bismarck26, primeiro-ministro


prussiano que soube, por meio de uma política interna autoritária e uma
política externa cuidadosa e pragmática, unificar a Alemanha. A maneira

26
Otto von Bismarck (1815-1898), o “Chanceler de Ferro”, foi o grande artífice e
primeiro chanceler do segundo império alemão. Seu pai era um latifundiário de origem
nobre, e sua mãe pertencia à burguesia. Em sua personalidade, fundiam-se a sutileza
intelectual e o provincianismo da aristocracia conservadora. Entrou na política em
1847. Como delegado da primeira Dieta prussiana, destacou-se como um dos mais
férreos conservadores. Quando eclodiu a Revolução de 1848, foi para Berlim e pediu
que o rei Frederico Guilherme IV reprimisse a sublevação. Seu conselho não foi levado
em consideração, mas sua lealdade foi recompensada ao ser nomeado representante
prussiano na Confederação Germânica, a liga dos 39 estados alemães, em 1851.
Passou a ser embaixador na Rússia em 1859 e foi designado para a França em 1862.
Designado Chanceler prussiano no mesmo ano, procedeu com uma série de reformas
internas e deu início à sua Realpolitik, que garantiria a vitória sobre Grandes Potências
européias, como a Áustria e a França, e conduziria à unificação alemã. Em 1890,
desentendeu-se com o Kaiser em virtude do direcionamento da Política Externa do
Reich, sendo demitido e deixando a vida pública.

112

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

racional, pragmática e calculada como Bismarck conduzia a política


alemã ficou conhecida como Realpolitik.

Assim, externamente, o Chanceler prussiano foi bem-sucedido em três


guerras. Junto com a Áustria, atacou e conquistou territórios da
Dinamarca, em 1864. Dois anos depois, a luta pelos espólios dessa
conquista fez com que os austríacos declarassem guerra à Prússia.
Vencedores, os prussianos conseguiram afastar a Áustria dos assuntos
alemães. Continuando com a sua Realpolitik e derrotada a Áustria,
Bismarck conquistou territórios e forçou os Estados alemães menores a
se aliarem a ele.

Em 1871, sabedor de sua vantagem militar, Bismarck provocou os


franceses. Estes declararam guerra e foram rapidamente derrotados.
Como vitória, Bismarck conseguiu o apoio suficiente de que necessitava
para que os outros Estados alemães aceitassem se unificarem à Prússia,
formando o Império Alemão, ou Segundo Reich.

Mapa 17: Unificação da Itália e da Alemanha no Século XIX

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix7.html

113

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Depois da unificação, a Alemanha se preocupou em se desenvolver


industrial e militarmente. Em três décadas, o país já se mostrava a
principal Potência do continente em desenvolvimento industrial e
tecnológico, superando a França. Ademais, com uma intensa política de
construção naval, logo as marinhas mercante e de guerra alemãs
ameaçavam a hegemonia britânica no mundo. Na virada do século, os
alemães já deixavam claro que desejavam ocupar seu lugar de destaque
entre as Grandes Potências, sendo fundamental para isso o
estabelecimento de um império colonial e a conquista de novos
mercados pelo planeta. Entretanto, as pretensões do Reich acabariam
chocando-se com os interesses das Grandes Potências tradicionais – em
especial, Grã-Bretanha e França –, o que levaria a Europa à Primeira
Guerra Mundial, em agosto de 1914.

Expansão colonial

Outro aspecto importante da Sociedade Internacional do século XIX é o


desenvolvimento do neocolonialismo. Durante o todo o século, mas
sobretudo em sua segunda metade, desenvolveu-se um processo de
conquistas européias sobre a África e Ásia, denominado
Neocolonialismo. Praticamente todo o continente africano foi
conquistado pelas Potências européias, à exceção da Etiópia e da
Libéria.

O Neocolonialismo foi a principal expressão do imperialismo, forma


assumida pelo capitalismo a partir da Segunda Revolução Industrial. O
domínio das potências européias não foi apenas econômico, mas
também militar, político e social, impondo à força um novo modelo de
organização do trabalho que pudesse garantir, principalmente, a
obtenção de matéria-prima para as indústrias européias. À violência
militar e à exploração do trabalho, somam-se as imposições sociais,
incluindo a disseminação do cristianismo entre os povos nativos, num
processo de aculturação, sob a justificativa de que se estaria levando os
valores ocidentais da “civilização” aos povos primitivos.

Nesse processo mercantil-civilizador, a África é conquistada e dividida, o


mesmo acontecendo com parte da Ásia. Impérios tradicionais como a
China sucumbem à hegemonia européia. Paralelamente ao fornecimento
de matéria-prima pelas colônias, os europeus buscavam mercados
consumidores para seus produtos em outras partes do mundo, por
114

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
exemplo, no continente americano. E esses mercados eram disputados
pelas Grandes Potências.

A partir da segunda metade do século XIX, portanto, as preocupações


européias se tornam mundiais. O teatro de ações, antes concentrado em
uma área delimitada, adquire novos ares. As rivalidades se projetam
nos outros continentes. “O século XIX é extraordinariamente dinâmico:
vai assistir-se à expansão da Europa pelo mundo, tanto pela ação
política dos seus Estados, pelos fluxos migratórios, pelo escoamento das
suas economias, como pela sua influência civilizadora.” (Pellistrandi,
2000:115). As Grandes Potências européias cuidavam de estabelecer
seus impérios coloniais subjugando os povos dos outros continentes,
particularmente da Ásia e da África. O quadro de 1914, conforme ilustra
o mapa 18, seria de um mundo partilhado entre as Potências Européias,
com a Grã-Bretanha e França sendo as detentoras dos maiores impérios
coloniais.

Mapa 18: Impérios Coloniais em 1914

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix8.html

115

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Introdução às Relações Internacionais I
Especialmente importante é o Congresso de Berlim, em 1885. As razões
políticas do imperialismo de final do século XIX são tão ou mais
importantes que as razões econômicas. Para as nações recém-unificadas
– Itália e Alemanha – a obtenção de territórios na África e na Ásia
significava prestígio e auto-reconhecimento. Para a França,
profundamente traumatizada após a derrota de 1871, as conquistas
coloniais eram um meio de readquirir respeito.

As novas Potências – Estados Unidos e Japão

A segunda metade do século XIX vê também o aparecimento de dois


Atores importantes no jogo político internacional: Estados Unidos da
América (EUA) e Japão.

Os Estados Unidos se consolidam após a violenta Guerra Civil, travada


para impedir a separação dos estados do sul do país. Pouco antes, os
norte-americanos haviam consolidado o seu processo de expansão
colonial às expensas do México. Além disso, em 1867, compram da
Rússia o Alasca e, após derrotarem a Espanha, em 1898, adquirem
Porto Rico, Filipinas e um virtual controle sobre Cuba. Da mesma forma,
o Oceano Pacífico torna-se uma área de projeção de poder dos EUA.

Internamente, os Estados Unidos iniciam um vigoroso processo de


industrialização graças a um mercado doméstico crescente, uma
estrutura tarifária protecionista para afastar a concorrência estrangeira,
uma estrutura estável de comércio e um grande número de inovações
tecnológicas. Em 1914, às vésperas da Primeira Guerra, o país já era,
de longe, a principal Potência industrial do planeta.

O Japão é outro exemplo de rápido crescimento econômico. Até 1854,


mantivera-se fechado ao exterior. Nesse ano, uma esquadra americana
forçou o país a abrir-se e aceitar o comércio com o exterior. “Decidido a
preservar a independência do país, um grupo de samurais (...) tomou o
governo. A Restauração Meiji de 1867, como ficou conhecido esse
episódio, devolveu o poder ao imperador” (Perry, 1999:473).

Inspirado por uma forte ideologia nacionalista, o governo Meiji iniciou


um importante conjunto de reformas: os privilégios sociais foram
eliminados, o serviço militar obrigatório foi implantado, uma
Constituição foi elaborada e passou a existir um parlamento. Além disso,
a economia foi rapidamente modernizada. Fábricas foram instaladas,
tecnologia européia foi comprada, ferrovias, portos, estradas e
116

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
telégrafos foram instalados. Em menos de 20 anos, o novo poder
japonês dava sinais de existência: em 1894, derrota a China e, em
1905, os russos.

O período de 1815 a 1914, quando comparado com os séculos


anteriores e com o século XX, é de relativa paz para a Europa.
Excetuando-se a Guerra da Criméia (1854), não existiram grandes
conflitos entre as principais potências. O sistema de equilíbrio de poder
estabelecido no Congresso de Viena mostrou-se bastante bem-sucedido
e só foi destruído a partir do momento em que Bismarck conseguiu
unificar a Alemanha.

Após 1871 e especialmente após 1890, a Europa vive tempo de


incerteza. A guerra, volta a ser uma alternativa cada vez mais provável
e, por fim, torna-se uma quase-certeza. A França e Alemanha não
poderiam se reconciliar por causa da Alsácia-Lorena, território que a
primeira perdera para a segunda na Guerra Franco-Prussiana de 1870.
França e Inglaterra estavam envolvidas em um grande processo de
divisão colonial na África. A Inglaterra e a Rússia, por causa da Índia e
da Ásia Central, estavam em permanente estado de tensão. Na Ásia,
uma nova Potência surge: o Japão.

Além disso, o pior dos pontos de conflito não pode ser esquecido: os
Bálcãs. Ali, os interesses contraditórios de Áustria-Hungria, Rússia,
Sérvia, Império Otomano irão dar início à Primeira Guerra Mundial, que,
por sua vez, dará fim à “Era dos Impérios”.

117

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
Auto-avaliação
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique
no seguinte ícone: AV

1) Sobre o Concerto Europeu, e a evolução do sistema internacional ao


longo do século XIX, julgue os itens a seguir, assinalando V, para
verdadeiro, e F para falso:

( ) O Concerto Europeu é estabelecido em 1815, no Congresso de


Viena, pondo fim às guerras napoleônicas.
( ) A principal Potência vencedora das Guerras napoleônicas foi a
França que, juntamente com Grã-Bretanha, Prússia e Rússia,
restabelecem o equilíbrio de poder no continente europeu.
( ) O concerto europeu garantiu um período de relativa paz na
Europa. Graças a essa estabilidade, as nações do continente
puderam desenvolver-se ao longo do século XIX, inclusive
expandindo sua influência por outros continentes, em busca de
mercados para seus produtos industrializados.
( ) Na segunda metade do século XIX, uma nova potência começa a
se destacar no concerto europeu: é a Rússia, sob o comando de
Bismarck, que, após sucessivas guerras com outras potências
européias, é unificada e começa a ameaçar os interesses dos
Estados Unidos da América.

Assinale a alternativa que apresenta a seqüência correta:

a) V-F-V-F d) V-V-V-V
b) F-F-V-F e) V-V-F-V
c) V-F-F-V

2) Nas últimas décadas do século XIX, na Europa, dois países ainda


lutavam pela unidade e pela consolidação de um Estado Nacional. Esses
países são:

a) França e Itália.
b) França e Alemanha.
c) Itália e Espanha.
d) Alemanha e Itália.

118

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Exercícios de fixação

1. Discorra, de maneira sucinta (entre 5 e 15 linhas) sobre a


importância do Congresso de Viena para as Relações Internacionais
no século XIX.

119

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade II

Módulo IV – A I Guerra Mundial e os Entre-


Guerras

Objetivos

Ao final do Módulo, o aluno deverá ser capaz de:

• identificar os principais fatos que levaram à deflagração da I


Guerra Mundial;
• descrever a dinâmica de desenvolvimento da I Guerra Mundial;
• explicar o período conhecido como “Entre-Guerras” e discorrer
sobre os eventos marcantes dessa época.

A I GUERRA MUNDIAL

Para os estudiosos das Relações Internacionais, o século XX não se


inicia em 1901, mas, em 1914, quando teve início o maior de todos os
conflitos que o mundo presenciara até então: I Guerra Mundial. Durante
muito tempo chamado de a Grande Guerra, esse conflito, que durou de
1914 a 1918, iniciou-se na Europa e acabou envolvendo outras nações
do globo, inclusive novas Potências emergentes e que não pertenciam
ao continente europeu, com destaque para os EUA e o Japão.

Nunca se havia tido um conflito tão destrutivo e arrasador como a I


Guerra Mundial. Trata-se do primeiro grande confronto internacional da
era industrial. Foi maciço o uso das ferrovias, e “os caminhões se
tornaram tão importantes quanto os cavalos no abastecimento de
soldados no campo” (Roberts, 2001: 681). Pela primeira vez, foram
empregados de maneira efetiva novos equipamentos de combate, como
o avião e o tanque de guerra. Também foram utilizados, por ambos os
lados em luta, gases letais, responsáveis por milhares de baixas.

120

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Ao final do conflito, a Sociedade Internacional havia mudado


definitivamente. A Europa havia sofrido intensa destruição, os impérios
coloniais começavam a ruir e a hegemonia européia no mundo dava
seus últimos suspiros. A Sociedade Internacional estava mais complexa
e com novos Atores não-europeus a ditar suas regras. A belle époque
era apenas nostalgia.

Causas da Grande Guerra

Crise e incerteza. Esses eram os sentimentos que dominavam a Europa


após 1890. Essa data não é aleatória. É o ano em que Bismarck deixa
de ser o chanceler alemão. Bismarck sabia muito bem o que queria:
manter a França permanentemente enfraquecida e sem chances de
revanche27, além de afastada das preocupações territoriais. Seus
sucessores, especialmente o kaiser Guilherme II, não tinham planos
nesse sentido ou, se os tinham, eram confusos, erráticos e provocativos.
A isso se somava o fato de que cada país europeu tinha a sua lista de
reivindicações.

A França não esquecia a perda da Alsácia-Lorena para a Alemanha. Tal


fato era o motor do nacionalismo francês. Além disso, preocupada em
recuperar prestígio, a França lançou-se, com todas as suas forças, para
a corrida colonial.

A Rússia buscava expandir-se na Ásia Central, no Extremo Oriente e nos


Bálcãs. Como resultado dessa política, atritou-se com os Ingleses na
disputa pelo Afeganistão, com o Japão (Guerra, em 1905) e permanecia
em constante estado de tensão com os austríacos e com os otomanos
pela hegemonia da península balcânica.

Os ingleses, por sua vez, temiam as ambições russas na Ásia Central e


as ambições coloniais francesas na África. Passaram, também, a temer
cada vez mais, os alemães, principalmente depois que estes iniciaram
uma política de construção naval em 1897. Além disso, a Alemanha
unificada mostrou-se um formidável concorrente econômico, superando
os ingleses em áreas como química, siderurgia e energia. Por fim, a
Alemanha pós-Bismarck revelou-se, mais e mais, interessada em

27
Convém lembrar que a França havia sido derrotada na Guerra Franco-Prussiana,
duas décadas antes. Entre outras conseqüências, havia perdido o território da Alsácia-
Lorena para os alemães. As décadas que se seguiram à derrota francesa foram
marcadas por um profundo sentimento revanchista, pela baixa-estima francesa e pelo
desejo de ver a Alemanha subjugada a qualquer custo.
121

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
estabelecer um império colonial e disputar espaço com outros países
europeus na África e Ásia.

A Áustria-Hungria era percebida, assim como a Rússia e o Império


Otomano, como as Potências decadentes da Sociedade Européia.
Cercados por todos os lados, os austríacos tinham interesses
conflitantes com os russos e os eslavos da península balcânica. Além
disso, sendo um país multiétnico, o Império Austro-Húngaro tinha que
se defrontar com pressões domésticas das minorias internas que
desejavam maior autonomia. Cada vez mais, a Áustria-Hungria apoiava
a sua sobrevivência no apoio da Alemanha. Tratados de não-agressão e
assistência recíproca foram celebrados entre os dois Estados germânicos
nos anos anteriores à I Guerra Mundial.

Se o temor de Bismarck era ver uma Alemanha ameaçada nas frentes


oriental e ocidental, isso se tornou realidade, em grande parte, a partir
da política externa de Guilherme II. Preocupado em mostrar-se forte e
influente, mas sem a habilidade política de Bismarck, o kaiser acabou
voltando para si todos os inimigos. Inglaterra, França e Rússia se
aliaram, principalmente, para se protegerem do poderio alemão.

Para agravar a situação, as políticas governamentais nas Potências


européias eram ditadas por ânimos nacionalistas e não havia nenhuma
instituição internacional que pudesse mediar conflitos. O Congresso de
Viena há muito deixara de ter importância e nada de significativo surgira
em seu lugar. É verdade que existia, desde 1899, a Corte Internacional
de Justiça de Haia. Infelizmente, no entanto, ela se mostrou ineficaz. A
paz anterior a 1914 era obtida pelas ameaças mútuas, e não, pelas
decisões da Corte de Haia. A guerra, por sua vez, era articulada por
meio de alianças secretas entre as Potências: era a diplomacia secreta
que marcava as relações internacionais da Europa até a I Guerra
Mundial.

Acrescente-se a isso o recrudescimento dos discursos nacionalistas,


como o pan-germanismo e o pan-eslavismo, que pregavam a reunião
dos povos de etnia germânica e eslava, respectivamente em uma só
nação ou a coalizão dos Estados de uma etnia contra ameaças de outras
nacionalidades. Esses movimentos também questionavam a existência
de impérios multiétinicos como o Otomano, o Austro-Húngaro e mesmo
o Russo, e defendiam a independência dos povos sob o jugo de Viena,
Constantinopla e São Petersburgo. Outra forma de nacionalismo era o
francês, com forte viés revanchista contra a Alemanha e desejoso de

122

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

recuperar a “grandeza da França”. As minorias nacionais como se


encontravam na Europa de 1914 estão descritas no mapa 19.

Mapa 19: A Europa de 1914 – Minorias Étnicas

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix9.html

Assim, as relações internacionais às vésperas da I Guerra Mundial eram


marcadas pela disputa entre as Grandes Potências por mercados e pelo
interesse das novas Potências, em especial a Alemanha e a Itália, em
possuírem impérios coloniais e se equipararem às principais Potências
coloniais européias – destacadamente Grã-Bretanha e França. Também
caracterizava as relações internacionais anteriores à Grande Guerra uma
significativa corrida armamentista entre os principais Atores europeus,
com rivalidades que afloravam entre eles e refletiam-se em um sistema
de alianças estabelecidas, na maior parte das vezes, por meio da
diplomacia secreta.

As diferenças entre as Potências eram, ademais, significativas. Na arena


internacional, havia, no cenário europeu, novas Potências, como a
Alemanha e a Itália, que desejavam ampliar seu poder e tinham
interesses conflitantes, muitas vezes, com as Grandes Potências
tradicionais e ainda poderosas, Grã-Bretanha e França, que buscavam
manter-se na liderança da Sociedade Internacional a qualquer custo.
123

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Havia, ainda, os grandes impérios em decadência – o Império Russo, o


Império Austro-Húngaro e o Império Otomano – que, em virtude das
dificuldades domésticas, em especial dos movimentos nacionalistas
separatistas em seu interior, viam-se enfraquecidos demais para
permanecerem ainda durante muito tempo, em condição de igualdade a
Grã-Bretanha, a França e a Alemanha.

No início do século XX, a estrutura do Concerto Europeu fora


definitivamente substituída pela política de alianças. De um lado, ainda
sob a articulação de Bismarck, as chamadas Potências Centrais –
Alemanha e Áustria – assinaram com a Itália, em 1882, o Tratado da
Tríplice Aliança, que dava a cada parte garantia de assistência das
demais em caso de ataque por uma Potência externa. Como resposta à
Tríplice Aliança28, franceses, britânicos e russos constituíram a Tríplice
Entente29, a qual reuniria as Potências aliadas na Grande Guerra.

A Europa, antes de 1914, viu-se, pois, em uma série de crises. Após


sobreviver a duas ou três realmente graves, o assassinato do
Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, foi
o estopim que iniciou o conflito30. A Áustria considerou o assassinato a
oportunidade ideal para resolver, de forma definitiva, os problemas com
a Sérvia. Sob a alegação de que o governo sérvio era responsável, pelo
assassinato, fez uma série de exigências. Para se postar dessa forma,
contava com o apoio irrestrito do Kaiser alemão.

A Sérvia, por outro lado, como país eslavo, acreditava que contaria com
o apoio da Rússia. Como em um dominó, o sistema de alianças fez com
que a guerra entre austríacos e sérvios atingisse, também, alemães e
russos. Estes últimos, por sua vez, graças à outra aliança, atraíram para
o conflito os franceses. Os ingleses, por fim, entraram na guerra para

28
Se algum dos três países declarasse guerra a um Estado qualquer, os outros dois
permaneceriam neutros. Caso a França atacasse a Itália, esta seria socorrida pela
Alemanha e pela Áustria. Se os franceses atacassem a Alemanha, os alemães seriam
socorridos pela Itália, mas não, pela Áustria. Finalmente, no caso de uma agressão de
duas Potências européias contra um dos membros da Tríplice Aliança, os demais viriam
em seu auxílio. No início da Grande Guerra, a Itália deixou a Tríplice Aliança, aliando-
se aos inimigos de Alemanha e Áustria. O império Otomano, por sua vez, apoiou as
Potências Centrais, restabelecendo o equilíbrio de forças.
29
França e Rússia se comprometiam a assistir-se mutuamente, em caso de ataque por
parte dos países da Tríplice Aliança, de se mobilizarem caso as Potências Centrais os
fizessem e de não concluírem paz em separado. As cláusulas desse tratado eram
secretas.
30
Em 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa foram
assassinados por um nacionalista sérvio quando visitavam a cidade de Sarajevo, que
se encontrava em uma região conturbada do Império Austro-Húngaro.
124

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

defender a Bélgica, país que fora invadido pelos alemães. Assim, um


sistema de alianças rígido e um sistema de mobilização militar
conduziram os europeus para a Guerra31. De um lado, estavam
Inglaterra, França, Rússia e Sérvia. De outro, Alemanha e Áustria-
Hungria. Durante o desenrolar do conflito, muitos outros países se
envolveriam. O mapa 20 retrata essas alianças às vésperas da I Guerra
Mundial.

Mapa 20: A Europa de 1914 – As Alianças

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix10.html

31
As hostilidades se iniciaram quando, diante da ineficácia das gestões diplomáticas, a
Áustria declarou guerra à Sérvia, em 28 de julho de 1914. A Rússia, aliada dos sérvios,
mobilizou-se contra a Áustria, e a Alemanha, aliada do Império Austro-Húngaro,
declarou guerra à Rússia em 1.º de agosto. As tropas alemãs cruzaram a fronteira de
Luxemburgo, em 2 de agosto, e, no dia seguinte, 3 de agosto, a Alemanha declarou
guerra à França, a qual era aliada da Rússia. O governo britânico declarou guerra à
Alemanha no dia 4 de agosto, em virtude de os alemães terem violado a neutralidade
belga, da qual os ingleses eram garantes. A Itália permaneceria neutra até 23 de maio
de 1915, quando, então, declarou guerra à Áustria-Hungria. O Japão declarou guerra à
Alemanha em 23 de agosto de 1914 e, em 6 de abril de 1917, os Estados Unidos
fizeram o mesmo.
125

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

A Guerra

Inicialmente, os que iam para o front acreditavam que a guerra


terminaria em poucas semanas. Não é falso dizer que os soldados, de
ambos os lados, iam para a guerra entusiasmados pelo fervor
nacionalista, acreditando que alcançariam vitória fácil e rápida.
Infelizmente, no entanto, o conflito acabou por ser longo e penoso.

As operações militares na Europa se desenvolveram em três frentes: a


ocidental ou franco-belga, a oriental ou russa e a meridional ou sérvia.
Posteriormente, surgiriam novas zonas de combate, com a intervenção
do império otomano, da Itália e da Bulgária.

Durante décadas, cada um dos países fez planos detalhados. Os


alemães, por exemplo, tinham o famoso Plano Schlieffen. Elaborado
pelo general de mesmo nome, previa o pior cenário possível: uma
guerra em dois fronts: um, contra a França, outro, contra a Rússia. Para
o sucesso do plano, era necessária uma rápida vitória contra os
franceses, para, depois, vencer os russos. Temerário, arriscado e de
difícil execução, o plano acabou por fracassar. A almejada rápida vitória
contra os franceses acabou transformando-se na estática guerra de
trincheiras, que durou a maior parte dos quatro anos de conflito.

Os russos assumiram a ofensiva, na frente oriental, no início da guerra,


mas foram detidos pelos exércitos austríacos e alemães. Em 1915, as
Potências Centrais haviam conseguido expulsar os russos da Polônia e
da Lituânia e tinham tomado todas as fortalezas limítrofes da Rússia,
que ficou sem condições de empreender ações importantes por falta de
homens e de suprimentos. O fracasso na guerra contribuiria para o
aumento da crise político-institucional interna da Rússia, que culminaria
na deposição do czar, no estabelecimento de um governo republicano e
na Revolução bolchevique de outubro de 1917.

O Império Otomano entrou na guerra em 29 de outubro de 1914, ao


lado dos alemães e austríacos. Os turcos iniciaram a invasão da zona
russa da cordilheira do Cáucaso em dezembro. O governo russo pediu
auxílio aos britânicos, que tentaram tomar o Estreito de Dardanelos.
Porém, a Campanha de Gallípoli, como ficou conhecida a ação, resultou
em fracasso total para as tropas aliadas, que foram tenazmente
derrotadas pelos turcos.

Nos Bálcãs, em 1915, os austríacos, com apoio dos búlgaros,


conseguiram derrotar e ocupar a Sérvia. Eclodiram duas lutas na região
126

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

em 1916: o ataque conjunto de sérvios e italianos às forças búlgaras e


alemãs e uma ofensiva aliada sobre a Macedônia.

Mapa 21: A Guerra em Agosto de 1914

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun7.html

O triunfo obtido pelos alemães contra os russos e sérvios, em 1915,


deu-lhes condições de concentrarem suas operações na frente ocidental.
Desencadearam a batalha de Verdun em 21 de fevereiro, mas não
conseguiram conquistar esta cidade devido à contra-ofensiva do general
francês Henri Philippe Pétain. Os aliados contra-atacaram, por sua vez,
na batalha do Somme, iniciada em 1.º de julho e na qual os britânicos
usaram pela primeira vez carros de combate modernos. Os franceses
empreenderam nova ofensiva em outubro, restabelecendo a situação
que existia antes de fevereiro.

Essas batalhas de 1916 já revelavam quão assustadoramente mortífera


seria a Grande Guerra: nos cinco meses da batalha de Verdun, “os
127

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

exércitos franceses e alemães sofreram mais de seiscentas mil baixas


(mortos, feridos e desaparecidos) e, no primeiro dia da batalha do
Somme (...), o exército britânico (...) teve vinte mil mortos e quase
quarenta mil feridos. No monumento em Thiepval, dedicado aos
soldados britânicos mortos em pouco mais de um ano em Somme, há
mais de setenta mil nomes, exclusivamente daqueles cujos corpos
nunca foram encontrados” (Roberts, 2001: 682).

Em 1917, os aliados tiveram um revés: a Rússia saiu da guerra. Em


março daquele ano, uma revolução culminou na implantação de um
governo provisório e na abdicação do czar Nicolau II. Em novembro
(outubro no calendário russo), uma nova revolução, liderada pelos
bolcheviques, derrubou o governo provisório e tomou o poder. As
autoridades russas propuseram à Alemanha a cessação das hostilidades.
Representantes da Rússia, Áustria e Alemanha assinaram o armistício
em 15 de dezembro, cessando, assim, a luta na frente oriental. Os
alemães puderam redirecionar suas forças para o front ocidental.

Se saíra vitoriosa contra a Rússia, a Alemanha fracassara em seu


intento de provocar a rendição da Grã-Bretanha por meio da destruição
da frota aliada. Em janeiro de 1917, a Alemanha declarava guerra
submarina generalizada e anunciava que afundaria qualquer
embarcação que encontrasse em uma vasta área do Atlântico Norte,
considerado zona de guerra, não importando se fosse navio de guerra,
mercante ou de passageiros. Com isso, muitas embarcações foram
torpedeadas, causando milhares de baixas, inclusive entre civis de
países neutros, como os EUA e o Brasil.

A política de neutralidade norte-americana mudou com a guerra


submarina promovida pelos alemães. Em 3 de fevereiro de 1917, os
Estados Unidos romperam relações diplomáticas com a Alemanha,
declarando-lhe guerra em 6 de abril. Uma força expedicionária foi
enviada para a Europa. A sorte mudara novamente em direção dos
aliados.

Várias nações latino-americanas, entre elas, o Peru, o Brasil e a Bolívia,


apoiariam a ação dos EUA. O afundamento de alguns navios levou o
Brasil, em 26 de outubro de 1917, a participar da guerra, enviando uma
divisão naval em apoio aos aliados. Aviadores brasileiros participaram
do patrulhamento do Atlântico, navios do Lóide Brasileiro transportaram
tropas norte-americanas para a Europa e uma missão médica foi
enviada para a França.

128

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Apesar da entrada dos EUA no conflito, os primeiros meses de 1918 não


foram favoráveis às Potências aliadas. Em 3 de março, a Rússia assinou
o Tratado de Brest-Litovsk, com a qual punha oficialmente um fim à
guerra com os impérios centrais. Em 7 de maio, a Romênia, derrotada,
assinou o Tratado de Bucareste com a Áustria-Hungria e a Alemanha, às
quais cedia diversos territórios.

No entanto, a luta nos Bálcãs, no ano de 1918, foi catastrófica para os


impérios centrais. Uma força de cerca de 700.000 soldados aliados
iniciou uma grande ofensiva contra as tropas alemãs, austríacas e
búlgaras na Sérvia. E os búlgaros, totalmente derrotados, assinaram um
armistício. Além disso, os aliados obteriam a vitória definitiva na frente
italiana entre outubro e novembro. A comoção da derrota provocou
rebeliões revolucionárias no Império Austro-Húngaro, que se viu
obrigado a assinar um armistício em 3 de novembro. O Imperador
Carlos I abdicou oito dias depois, e, em 12 de novembro, foi proclamada
a República da Áustria.

A frente turca também caiu. As forças britânicas tomaram o Líbano e a


Síria, ocupando Damasco e outros pontos estratégicos. A Marinha
francesa, por sua vez, ocupou Beirute, e o governo otomano solicitou
um armistício.

Após a paz em separado com a Rússia, a Alemanha tentou uma ofensiva


final contra a França. Nesse momento derradeiro, porém, os alemães
tiveram que enfrentar as recém-chegadas tropas americanas. Cansados
e com parcos recursos materiais, os germânicos fracassaram em seus
ataques finais. Depois de quatro anos, a exaustão atingira a todos os
países combatentes, enquanto os EUA acabavam de entrar no conflito.
Em fins de 1918, os principais aliados da Alemanha – Áustria-Hungria,
Turquia e Bulgária – pararam definitivamente de lutar. Áustria-Hungria e
Turquia simplesmente se desmancharam depois de quatro anos de
combate.

A Alemanha, sob pressões internas e externas, pediu a paz. O kaiser


Guilherme II abdicou, e o país se transformou em república. A
Alemanha, ao contrário de seus aliados, não se desintegrou, e o
armistício foi feito antes que o seu território fosse invadido. Isso teria
grandes implicações simbólicas posteriormente.

129

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 22: A Grande Guerra em 1918

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun8.html

O saldo da guerra foi a morte de 8 milhões de pessoas. Outras 10


milhões de pessoas ficaram inválidas. Economicamente, o trauma foi
profundo. A França gastou 30% da riqueza nacional e a Inglaterra, 22%.
A produção industrial caiu entre 30 e 40%. Além disso, enormes dívidas
foram contraídas para pagar a guerra. Terminado o conflito, que deveria
ter sido rápido e fácil, a Europa estava em situação lamentável e não
mais teria forças para estar à frente da Sociedade Internacional. O
mundo já dava sinais de deixar de ser eurocêntrico. A Primeira Guerra
Mundial foi a grande tragédia européia.

130

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

O ENTRE-GUERRAS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL

A Conferência de Paris, O Tratado de Versalhes e o Advento de


uma Nova Ordem Internacional

Em janeiro de 1919, 25 países se reuniram em Paris para as discussões


de paz. Os derrotados e a Rússia, entretanto, não participaram dos
debates.

Os norte-americanos, guiados pelo idealismo do Presidente Wilson,


desejavam a criação da Sociedade de Nações, entidade que pudesse
resolver amigavelmente as questões internacionais. Também conhecida
como Liga das Nações, essa organização internacional deveria servir de
foro no qual os Estados poderiam resolver suas animosidades sem
recorrer à guerra, que deveria ser definitivamente banida das Relações
Internacionais. A paz seria assegurada por meio de um mecanismo de
segurança coletiva, e o direito internacional, a autodeterminação e a
democracia deveriam prevalecer nas relações entre os povos.

A Grã-Bretanha e a França, todavia, buscavam defender seus interesses


de forma mais incisiva. Os franceses desejavam a reintegração da
Alsácia-Lorena a seu território, o desarmamento alemão e o pagamento
de indenizações de guerra. Os ingleses, por sua vez, queriam controle
sobre a frota e sobre as colônias alemãs.

O Tratado de Versalhes, principal convenção de paz da Grande Guerra,


continha termos bastante duros para os vencidos. A Alemanha perdeu
vários territórios e todas as suas possessões coloniais. Além da Alsácia-
Lorena, devolvida para a França, perdeu territórios para a Lituânia e,
principalmente, para a Polônia. Como resultado das perdas territoriais
para esta última, a Alemanha foi fisicamente dividida, com a Polônia
separando a Prússia Oriental do restante do país. Isso foi um dos
motivos que animou os nacionalistas alemães no período anterior à
Segunda Guerra.

Militarmente, a Alemanha foi desarmada. O exército foi reduzido para


100 mil homens e 4 mil oficiais. Não teria marinha, aviação, tanques ou
artilharia pesada. Também não poderia fabricar material bélico. Por fim,
o país se viu obrigado a pagar uma grande indenização financeira para
os vencedores.

131

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Outros tratados de paz foram firmados entre 1919 e 1923. Como


resultado, inúmeros países surgiram da desintegração do Império
Austro-Húngaro, do Império Otomano e do Império Russo: Finlândia,
Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria e
Iugoslávia. Um novo mapa político da Europa era desenhado, com novas
nações constituídas do esfacelamento das colchas de retalho étnicas que
eram os citados velhos impérios. O mapa 23 ilustra a nova configuração
política européia do pós-I Guerra.

Mapa 23: A Europa em 1924

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun12.html

Uma Nova Ordem Internacional

A Europa que saíra da guerra era bastante diferente daquela que a


iniciara. Para muitos, o impacto foi ainda maior do que o da Segunda
Guerra. Sangrada e traumatizada, a Europa não conseguiu se recuperar
por meio dos Tratados de Paz. Ao contrário de uma paz duradoura,
132

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

conseguiu-se, apenas, por intermédio de tratados impiedosos, deixar os


alemães desejosos de uma revanche. Diferentemente do Congresso de
Viena (1815), que fora um exemplo de como se obter a paz, Versalhes
foi a expressão de raiva dos vencedores. O resultado é que, vinte anos
depois, se iniciava a Segunda Guerra.

Novas Potências não-européias: EUA e Japão

Quais foram os verdadeiros vencedores da Primeira Guerra Mundial?


França e Grã-Bretanha saíram em frangalhos do conflito. Perderam
milhões de vidas e tiveram uma geração inteira traumatizada. Perderam
recursos industriais, econômicos e financeiros. Para ganhar a guerra,
tiveram que se aliar e se endividar junto aos EUA. Esses, se já eram um
país importante antes de 1914, tornaram-se, após o fim da guerra, a
principal Potência mundial. Se a vitória foi possível, foi apenas porque os
norte-americanos enviaram um contingente significativo para a França a
partir de 1917. Os EUA foram o fiel da balança na Grande Guerra: não
apenas impediram que as ofensivas alemãs fossem bem-sucedidas como
também mostraram para os alemães que a continuidade da guerra era
inútil.

O Japão, mesmo com papel secundário na I Guerra Mundial, soube tirar


proveito do enfraquecimento das Potências européias. Conseguiu ocupar
as possessões alemãs na China e na Oceania. Além disso, como se
envolvera apenas marginalmente no conflito, encontrava-se pronto para
as suas aventuras militares nas décadas de 20 e 30 e, posteriormente,
na II Guerra Mundial.

Idealismo na política internacional e a Liga das Nações

A Grande Guerra havia sido demasiadamente traumática. Nunca o


mundo presenciara tanta carnificina e destruição em um conflito entre
“nações civilizadas”. Os europeus, que haviam comemorado o início do
ansiado conflito, concluíam-no exaustos e dispostos a fazer daquela a
derradeira guerra. Esse era o sentimento mundial e, sobretudo,
europeu, ao fim da Grande Guerra: não se poderia tolerar mais que os
povos se dizimassem em um conflito armado, e a Sociedade
Internacional deveria empreender todos os esforços no intento de
garantir um mundo pacífico e regido pelo Direito, e não, pela força.

O presidente americano Woodrow Wilson foi o idealizador do programa


chamado Quatorze Pontos. Esse programa previa um acordo de paz sem
anexações territoriais ou indenizações de guerra e baseava-se no
133

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

princípio da autodeterminação dos povos, isto é, cada nacionalidade


teria direito de ter a própria independência, caso, por exemplo, da
Hungria, Polônia e Sérvia. Além disso, o programa wilsoniano previa a
criação de uma Sociedade das Nações, para assegurar que o mundo não
entrasse novamente em guerra.

A Sociedade das Nações, ou Liga das Nações, foi fundada em 28 de abril


de 1919. Apesar das pretensões de Wilson, ela acabou sendo bastante
limitada. Um Conselho Permanente, formado por Estados Unidos,
Inglaterra, França, Japão e Itália, serviria como árbitro nas questões
internacionais. Caso não fosse bem sucedido, a Assembléia Geral,
composta por todos os membros, poderia votar sanções morais,
econômicas ou militares.

Para fins práticos, os efeitos trazidos pelo advento da Sociedade das


Nações foram desprezíveis. Como exercia, na realidade, pouco poder,
quando votava algum tipo de sanção ou de agravo, o país atingido
simplesmente se retirava da Liga. Ademais, a organização já começara
enfraquecida, pois a principal Potência mundial e pátria do idealizador
da Liga, os EUA, acabaram não aderindo à mesma, por decisão do
Congresso norte-americano.

A Revolução Russa

A Revolução Russa foi um dos eventos mais importantes do século XX,


como fora a Revolução Francesa no século XVIII. Surgiu diretamente
dos escombros da I Guerra Mundial e da incapacidade do governo
czarista de ouvir os anseios populares.

A entrada russa na guerra, como ocorrera em outros países, fora


celebrada pelo povo. O governo russo imaginava que a sua
superioridade numérica em homens seria suficiente para derrotar os
alemães. Isso não se mostrou verdadeiro. Apesar de estar em
inferioridade numérica, a Alemanha soube lidar com a incompetência
militar e com os problemas logísticos russos. As derrotas militares não
tardaram a surgir e, rapidamente, transformaram-se em desastres.
Além disso, a guerra pressionou, de modo exagerado, a economia
russa: os camponeses foram retirados de suas terras para lutar no front,
empresas e indústrias faliam, a inflação corroía o poder de compra e não
havia comida suficiente para abastecer as principais cidades. Em fins de
1916, a Rússia czarista estava à beira do colapso.

134

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Apesar disso, o czar, preso aos compromissos de guerra com a França e


com a Grã-Bretanha, não dava sinais de que desistiria do conflito.
Pressionado, em março de 1917, abdica. O governo passa às mãos de
um governo moderado sob o comando de Alexander Kerenski.
Entretanto, o novo governo não elimina o principal problema do país: a
guerra. Em outubro do mesmo ano, Lênin, líder bolchevista que
retornara do exílio32, prepara a tomada do poder. Kerenski,
abandonado pelo exército, foge. Lênin assume o governo. Os
bolchevistas eram guiados pelas idéias de Marx. Assim, tinham o
objetivo de, uma vez tomado o poder, realizar profundas mudanças na
sociedade. De acordo com Marx, a história se funda na luta de classes e
essa seria superada pela classe mais revolucionária e de vanguarda, o
proletariado.

Uma das primeiras medidas de Lênin foi a retirada da Rússia da guerra.


Por meio do armistício de Brest-Litovsk, entregou parte importante do
território e dos recursos industriais e econômicos russos na Europa para
os alemães em troca da paz. Mesmo arriscado, foi um lance bem-
sucedido. Junto com isso, implantou um regime de partido único
apoiado na polícia política e no exército. Depois de três anos de guerra
civil, inclusive com a invasão do território russo por forças estrangeiras,
a vitória e o controle do país foram definitivamente alcançados.

Dos escombros do império dos czares, surgia um novo país, a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), primeira nação do mundo sob
um regime marxista e que se tornaria a única Potência do planeta capaz
de rivalizar com os EUA. O governo revolucionário enfrentaria ainda
grandes crises políticas e econômicas, mas conseguiria superar esses
obstáculos e retomar o processo de industrialização e de crescimento
iniciado pela Rússia czarista. Entretanto, essas transformações
acarretariam a morte de milhões de pessoas, não só em virtude da
insuficiência de alimentos, mas também por causa de decisões
desastrosas em termos de política econômica – tomadas por burocratas
do Partido Comunista – e, ainda, como resultado de perseguições e
expurgos contra toda e qualquer pessoa suspeita de ser contrária ao
regime. Nesse contexto, a figura de Josef Stálin, que assumiu o poder
após a morte de Lênin, em 1924, e governou ditatorialmente a URSS
até a sua própria morte, em 1953, teve um papel central.

32
Lênin consegue retornar do exílio e chegar à Rússia para promover a Revolução
graças ao auxílio dos alemães, com os quais o líder bolchevista comprometera-se a pôr
fim à participação de seu país na guerra, assim que tomasse o poder.

135

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

A Crise de 1929
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, os EUA tornaram-se a principal
potência econômica do mundo. A década de 1920 foi um tempo de
grande crescimento econômico. Empolgados com a possibilidade de
lucro rápido, milhares de pessoas puseram-se a investir na bolsa de
valores, inclusive comprando ações a crédito. Esse movimento de
especulação fez com que os preços das ações fossem muito maiores do
que elas realmente valiam.

Em outubro de 1929, a “bolha” da Bolsa explodiu. Em poucas semanas,


bilhões de dólares se evaporaram. Empresas reduziram a produção,
milhões ficaram desempregados, agricultores tiveram que entregar as
suas terras para os bancos e centenas de bancos fecharam as portas. O
índice de produção americano, que era de 100, em 1929, caiu, em
pouco tempo, para 60.

Externamente, os efeitos também foram devastadores. Como sempre


ocorre, a crise na principal Potência repercutiu rapidamente no restante
da Sociedade Internacional. O desemprego, a inflação e a quebra de
empresas atingiram praticamente todos os outros países do mundo,
exceto, talvez, a União Soviética, que não dependia do sistema
econômico internacional por ter sido isolada pelas Potências, em virtude
da Revolução de 1917.

Fascismo e Nazismo

Após a I Guerra Mundial, a Europa foi tomada por uma onda de


radicalização política. Regimes totalitários, à esquerda e à direita,
apareceram por todo o continente. Os antigos regimes liberais foram,
pouco a pouco, substituídos por regimes onde imperava a força. E isso
ocorreu com o apoio popular, que, em diversos países, tinha grande
descrédito na democracia.

O comunismo, que já havia tomado o poder na Rússia em 1917,


apresentava-se, para muitos europeus, como a saída possível da
esquerda. À direita, foi o fascismo que surgiu como o grande adversário
dos regimes democráticos.

A Itália é o primeiro país em que um regime fascista toma o poder e


adquire importância. Benito Mussolini, antigo militante socialista,
catalisa em torno de si toda a insatisfação do povo italiano com o
resultado da Primeira Guerra. Os italianos pouco poderiam comemorar.
136

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Apesar de oficialmente vitoriosos, as baixas em vidas foram altíssimas.


Além disso, a Itália não conseguiu obter o prestígio que há tanto tempo
desejava. Para as outras potências européias, a Itália ainda era uma
nação de segunda categoria.

Também, não se pode esquecer que a Itália chega à década de 1920 em


grave crise econômica: o desemprego grassa, empresas estão
quebradas, a inflação é alta e os trabalhadores perdem renda. É um
cenário bastante promissor para soluções de força. Mussolini aproveita-
se da oportunidade. Funda o Partido Fascista em 1921. Em 1922, realiza
a Marcha sobre Roma, dizendo-se defensor da ordem contra o caos e a
anarquia. Inicialmente, mantém um aspecto de normalidade, mas, em
1925, toma, definitivamente, o poder.

O Fascismo, copiado depois por muitos outros países, tinha entre seus
princípios: a existência do Estado totalitário, baseado na figura do chefe
e no partido único; a preponderância do coletivo – ou das massas –
sobre o indivíduo; o Estado como o árbitro nas relações entre patrões e
empregados; a exaltação da guerra e da grandeza nacional.

Muitos outros países adotaram regimes similares ao italiano ou


inspirados nele: Espanha, Portugal, Polônia, Hungria, Iugoslávia, Grécia,
Bulgária, Lituânia, Estônia, Letônia e Áustria, para citar os Estados
europeus. Até no Brasil, em 1937, com o Estado Novo de Getúlio
Vargas, é estabelecido um regime fortemente influenciado pelas idéias
fascistas. O principal discípulo de Mussolini não apenas o supera como o
radicaliza: é Adolf Hitler, que estabelece o nacional-socialismo na
Alemanha.

Surgimento do nazismo

O nacional-socialismo, ou nazismo, como é também chamado, surge de


algumas crises. A primeira é o perene revanchismo alemão da I Guerra
Mundial. Simbolicamente, os alemães não se sentiam derrotados porque
o território alemão não fora invadido em 1918. Ademais, quando os
combates foram suspensos por meio de um armistício – e não de uma
capitulação –, parecia haver um equilíbrio entre os lados combatentes,
pois ambos estavam exauridos. A culpa para o armistício era jogada
sobre as costas do poder civil, os ‘entreguistas’, supostos responsáveis
pelo fracasso.

Em segundo lugar, as condições do Tratado de Versalhes para a


Alemanha foram muito mais duras do que o Presidente Wilson sugerira.
137

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Os alemães foram declarados culpados pela guerra, obrigados a pagar


uma reparação gigantesca e impedidos de terem um exército de
tamanho considerável. Por fim, as crises econômicas da década de 20 –
primeiro, em 1923, quando o país passou pela hiperinflação, depois, em
1929, resultado da quebra da bolsa de Nova York – se mostraram
fundamentais para criar um caldo simbólico de ódio, rancor e de raiva.

Aos ingredientes do fascismo, os nazistas juntaram o racismo –


especialmente contra judeus, eslavos e ciganos. Também aprofundaram
o totalitarismo fascista, ao resumirem o Estado a um chefe único, o
Führer. Eram, simultaneamente, antimarxistas e anticapitalistas: o
marxismo, para os nazistas, seria obra dos judeus, e o capitalismo era
desigual. Ademais, defendiam um sistema de partido único,
hierarquizado e presente em todas as etapas da vida do indivíduo – o
indivíduo não existia fora do partido – e pregavam um nacionalismo
levado às últimas conseqüências.

Uma vez no poder, alcançado por meio de eleições democráticas, os


nazistas iniciaram profundas reformas: instituíram um modelo de
partido único, dominaram o Judiciário, estabeleceram a censura,
promoveram expurgos no serviço público e nas universidades e criaram
os campos de concentração, para onde eram enviados os elementos
indesejados. Também conseguiram o rápido rearmamento do Exército.
Ao lado dessas ações práticas, os nazistas agiram com muita força no
campo simbólico. Uma palavra alemã resume esse processo:
propaganda.

Nos três anos que se seguiram à nomeação de Adolf Hitler chanceler da


Alemanha, em 30 de janeiro de 1933, o governo nacional-socialista
promoveu transformações que já haviam reconduzido o país ao seleto
clube das Grandes Potências. Em 1936, o III Reich, como ficou
conhecida a Alemanha nazista, já era uma das maiores economias do
mundo, havia reduzido o desemprego em quarenta por cento já em
1934, inúmeras obras públicas estavam sendo feitas e a indústria alemã
se recuperara, de modo que o país já se mostrava internacionalmente
competitivo. Como acontecera na União Soviética, é inegável que a
opção totalitária reerguera o país.

Recuperada do ponto de vista doméstico, a Alemanha se lançaria em


uma nova empreitada de Política Externa. Como sempre prometera,
Hitler desejava conduzir os alemães à retomada do orgulho nacional,
por meio do repúdio às imposições estabelecidas pelo Tratado de
Versalhes e da busca do “espaço vital” a leste, indispensável para a
138

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
sobrevivência do III Reich. Com ações calculadas que jogavam com a
capacidade de reação das Grandes Potências, a Alemanha foi, aos
poucos, derrubando cada imposição do acordo de paz de 1919 e
anexando novos territórios ao Reich.

Grã-Bretanha e França, ainda traumatizadas pelos efeitos da Primeira


Guerra, evitaram agir para impedir o avanço da política externa nazista.
Era a política do apaziguamento, da paz a qualquer preço, que se fez ao
custo da entrega da Áustria e da Tchecoslováquia para a Alemanha.
Havia também a expectativa, por parte das democracias européias, de
que, em seu avanço para o leste, logo o III Reich toparia com a URSS.
Assim, Grã-Bretanha e França contavam com o conflito entre os dois
grandes Estados totalitários, o que seria demasiadamente interessante.

Entretanto, Grã-Bretanha e França não poderiam contar com o


improvável: em agosto de 1939, Alemanha e URSS assinam um tratado
de não-agressão. Para desespero das democracias ocidentais, os dois
inimigos figadais aliavam-se. Estava pronto o quadro que levaria à
Segunda Guerra Mundial.

139

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Auto-avaliação
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique no
seguinte ícone: AV

1) Sobre a I Guerra Mundial (I GM), julgue os itens a seguir,


assinalando V, para verdadeiro, e F para falso:

( ) O conflito, ocorrido entre as principais potências industrializadas,


durou de 1914 a 1918, culminando com a vitória da Alemanha
sobre os aliados Grã-Bretanha e França.
( ) Entre os antecedentes da I Guerra Mundial estão o fortalecimento
da Alemanha, que passou, após a unificação, a disputar a
influência no sistema internacional com França e Grã-Bretanha.
( ) A I GM foi uma guerra dinâmica, marcada pela chamada “guerra
de trincheiras”. No campo da tecnologia bélica, não houve grandes
avanços com referência as guerras anteriores. De fato, não houve
“grandes invenções” em termos de armamentos.
( ) Em 1917, dois eventos importantes marcaram a I GM mundial: a
entrada dos Estados Unidos da América e a saída da Rússia do
conflito.

Assinale a alternativa que apresenta a seqüência correta:

a) F-V-V-F d) V-V-V-V
b) V-V-F-V e) F-V-F-V
c) V-F-F-V

2) No que concerne aos chamados “20 anos de crise” (1919-1939),


julgue os enunciados a seguir:

I – O Tratado de Versalhes (1919) é o documento que põe fim à I


Guerra Mundial, estabelecendo a paz entre os beligerantes, com
severas penas impostas aos derrotados no conflito.
II – A Alemanha, que vence a I Guerra Mundial, impõe severas
reparação aos países derrotados, e passa por um período de
crescente desenvolvimento econômico e social, com uma
estabilidade política sob um regime democrático, o que vai garantir
o progresso do país mesmo durante as crises do sistema
internacional naquelas duas décadas.
III – O período é marcado pela criação da Liga (ou Sociedade) das
Nações, organização internacional de caráter universal, que tinha
como objetivo principal servir de fórum no qual os Estados
140

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

poderiam dirimir pacificamente seus conflitos, evitando-se, assim,


o recurso à força e uma nova guerra mundial. A Liga das Nações
fracassou em seus intentos, praticamente desaparecendo com a
eclosão da II Guerra Mundial.

Com base nos enunciados apresentados, assinale a alternativa correta:

a) Apenas os enunciados I e II estão corretos.


b) Apenas os enunciados I e III estão corretos.
c) Apenas os enunciados II e III estão corretos.
d) Nenhum dos enunciados está correto.

Exercícios de fixação

1. Discorra, de maneira sucinta (entre 5 e 15 linhas), sobre as


conseqüências da Grande Guerra para o equilíbrio de poder no
sistema internacional.

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I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade II

Avaliação 2

1. Discorra sobre o significado da Paz de Westfália para as Relações


Internacionais. (Resposta entre 15 e 25 linhas)

2. Apresente, em linhas gerais, as Relações Internacionais da Europa às


vésperas da I Guerra Mundial. Comente, necessariamente, sobre os
Atores, as Alianças e as Forças Profundas do período. A resposta
deverá ter entre 20 e 30 linhas.

3. Disserte sobre as transformações da sociedade internacional no


entre-guerras. (Resposta entre 25 e 35 linhas)

142

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade III

Módulo I – A II Guerra Mundial

Objetivos

Ao final do Módulo o aluno deverá estar apto a:

• discorrer sobre os principais antecedentes da II Guerra Mundial;


• indicar os principais fatos que marcaram cada uma das fases do
conflito.

A II GUERRA MUNDIAL

Apesar de a Segunda Guerra Mundial ter-se estendido de 1939 a 1945,


o seu legado só se torna claro para as relações internacionais a partir de
1947, momento que marca o fim da balança de poder do século XIX e
do período de transição do entre-guerras. Os anos de 1939-1947
marcam uma nova era nas relações internacionais, bastante distinta do
período anterior, 1914-1939. Quantitativamente, ao contrário da
Primeira Guerra Mundial, a Segunda foi, de fato, travada entre
praticamente todos os povos e culturas do planeta, ampliando
expressivamente o raio de ação das relações internacionais
contemporâneas. Qualitativamente, a guerra colocaria um fim à
supremacia européia, retiraria da França e da Inglaterra a condição de
Potências Hegemônicas, deixaria a Alemanha e a Itália sem os espaços
internacionais conquistados à força, e o processo de expansão e
construção do mundo liberal seria substituído pelo surgimento de uma
nova ordem internacional, bipolarizada, com a emergência de
Washington e Moscou.

A doutrina internacional costuma dividir o período da Segunda Guerra


Mundial em duas fases: 1939-1941, fase em que os países europeus
ainda tentam manter a condução dos destinos das relações

143

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

internacionais, e 1941-1945, fase em que o conflito é mundializado,


surgem novos atores, como Estados Unidos da América (EUA), União
Soviética (URSS) e Japão, e se prenuncia uma nova ordem
internacional. Outros autores apontam para uma terceira fase, 1945-
1947, em que se dá a regulamentação da paz e o surgimento da
bipolaridade ideológica e militar entre EUA e URSS.

Antecedentes

A Chegada de Hitler ao Poder na Alemanha

A ascensão de Adolf Hitler ao governo alemão em 1933 significava uma


nova concepção de relações internacionais: ardente nacionalismo que
rejeitava tanto a igualdade dos povos como a dos indivíduos,
desprezava os tratados e buscava o expansionismo por meio do
rearmamento, anexação de territórios onde houvesse alemães e
aquisição de espaço vital para a construção da Grande Alemanha –
Gross Deutschland. Em 1934, as ditaduras nacionais, ou nacional-
socialistas – como eram chamados os regimes nazistas e fascistas –,
dominavam a Europa Central e Oriental. Em 1939, a Europa
democrática era minoria. Inaugura-se a era da “diplomacia espetáculo”,
por meio da qual a propaganda de Estado constrói a imagem dos outros,
e da diplomacia secreta de apaziguamento, por meio da qual se buscava
a conciliação com os grandes e a ação contra os pequenos. Assim, Hitler
movia-se para dominar o Leste, e Mussolini, o Adriático e o
Mediterrâneo.

Aumentava a descrença com relação à Sociedade das Nações. A França


passou a buscar alianças a Leste, mirando a Polônia e a
Tchecoslováquia. A Itália e a Alemanha se aproximaram. A Grã-
Bretanha buscava fugir de engajamentos militares na Europa,
considerando justa a reivindicação alemã por mudanças ao mesmo
tempo em que investia no reforço da coesão no âmbito do
Commonwealth e da zona esterlina. A opinião inglesa endossou o
pensamento de Keynes de reduzir as reparações alemãs porque
prejudicavam as exportações britânicas.

144

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

EUA e URSS

A estratégia hitleriana de dominação do Leste forçou a URSS a


aproximar-se do Ocidente, fazer alianças e aderir à Sociedade das
Nações em 1934. Todavia, os objetivos soviéticos de política exterior
apresentavam uma dualidade: formar uma frente antinacional-socialista
ou atuar como o fiel da balança entre os “dois campos burgueses do
capitalismo”. O fato foi que os ocidentais se recusaram a fechar um
pacto, para a decepção dos soviéticos, e acabaram deixando soltos
Hitler na Europa, Mussolini na Etiópia e o Japão na China. A partir daí, a
URSS reforça o seu isolacionismo político, comercial e financeiro,
renunciando ao ideal do internacionalismo proletário. E, por incrível que
pareça, aproximou-se da Alemanha, que, durante certo tempo, também
fora isolada pelas Potências européias. Essa associação entre as duas
Grandes Potências autoritárias da Europa, Alemanha e URSS, que
culminaria no pacto de não-agressão entre os dois países, de 23 de
agosto de 1939, gerava preocupação nos países do continente.

Os EUA possuíam política parecida com a da URSS, no que se refere ao


isolacionismo, mas, como já escreveu Amado Cervo, ao invés de
desejarem ser uma “reserva da balança”, viam-se como uma “reserva
das democracias”. Além disso, o projeto político-comercial pan-
americano dos EUA os mantinha longe da Europa. De fato, mesmo após
o início da Segunda Guerra Mundial, a opinião pública norte-americana
permanecia disposta a não se envolver no conflito – Roosevelt se
reelegeu com um discurso de que os EUA não participariam da guerra
na Europa – e, caso isso tivesse que acontecer, encontrava-se divida
sobre qual lado apoiar.

Assim, a Sociedade das Nações começava a se apresentar como um


pacto vão: os EUA, seus idealizadores, acabaram não aderindo à
organização por decisão do Congresso, a URSS foi jogada no
ostracismo, a França e a Grã-Bretanha ofereceram apenas apoio formal
e a Alemanha, Itália e Japão começaram a operar por fora dos princípios
estabelecidos pelo pacto.

Hitler e seu projeto de hegemonia

1934 foi o ano do rearmamento alemão: após se retirar da Sociedade


das Nações no ano anterior, Hitler rompe unilateralmente com os
acordos de Versalhes e Locarno, assina pacto de não-agressão com a
Polônia (aliada tradicional da França) e encontra-se com Mussolini para
evitar choques de interesses na área do rio Danúbio. A França, em
145

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

reação, se aproxima da URSS e propõe, em vão, um pacto geral sobre o


Leste europeu. A Itália, em resposta, propõe um Pacto dos Quatro
Grandes (Grã-Bretanha, França, Alemanha e a própria Itália), que havia
sido tentado no âmbito da Sociedade das Nações, com o fim de rever
tratados e liderar a Europa, o que não foi aceito pelos países menores.

Na Conferência de Stresa, em abril de 1935, Itália, França e Grã-


Bretanha recusaram a denúncia unilateral alemã dos tratados. A Grã-
Bretanha, todavia, celebrou um acordo naval em junho do mesmo ano
com a Alemanha, considerado uma traição política pelos franceses,
italianos e até pelos soviéticos. Em outubro, a Itália invadiu a Etiópia,
membro da Sociedade das Nações, e não recebeu qualquer condenação
ou sanção. A segurança coletiva européia desmoronava.

O clima esquenta em 1936, com a Guerra Civil Espanhola, iniciada com


o golpe do general Franco. Era o primeiro experimento de uma guerra
civil verdadeiramente européia, uma vez que nela confrontaram-se
militarmente as correntes ideológicas de direita e esquerda, com
fornecimento de armas de ambos os lados (da URSS para os
republicanos e da Itália e da Alemanha para os franquistas). Fenômeno
semelhante só voltaria a ser visto na época da Guerra Fria. Em 1939,
caem definitivamente as forças republicanas e ergue-se a ditadura
apoiada pelo nacional-socialismo. Assim, consolidou-se o entendimento
ítalo-alemão e Mussolini declarou oficialmente, em novembro de 1936, a
existência do Eixo Roma-Berlim.

Hitler, então, dá continuidade a seu projeto de hegemonia alemã sobre


a Europa centro-oriental. Em 1938, com base no princípio de que todos
os povos alemães deveriam estar unidos sob um único governo, o III
Reich anexa a Áustria e partes da Tchecoslováquia – esta última com o
consentimento formal da Grã-Bretanha, França e Itália, na Conferência
de Munique. Também nesse final de década, a Hungria e a Romênia
aliam-se à Alemanha e, em 1939, Adolf Hitler aproxima-se da URRS e
negocia a partilha da Polônia com Stalin.

Os regimes democráticos só buscaram unidade de ação contra Hitler


quando este ameaçou tomar toda a Polônia. De fato, franceses e
britânicos foram pegos de surpresa pela aliança germano-soviética e,
percebendo que não seria mais possível – pelo menos naquele momento
– o tão esperado confronto entre os dois Estados totalitários, tiveram
que deixar de lado a política do apaziguamento. Logo depois de
divulgado o pacto germano-soviético, Grã-Bretanha e França ofereceram

146

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
garantias para a Polônia, e os EUA solicitaram a Hitler que, por dez
anos, não atacasse 29 nações, cuja lista lhe fizeram chegar.

Objetivos da política externa alemã

Às vésperas da guerra, os seguintes objetivos da política externa alemã


pareciam claros:

• reduzir os espaços de influência da França sobre o continente;


• buscar a neutralidade da Grã-Bretanha;
• instaurar um império germânico a Leste, incluindo o território
russo.

Outro fato estava claro ao final dos anos de 1930: Hitler estava
determinado a usar a via militar para atingir seus objetivos. A URSS,
tradicionalmente desconfiada das democracias, celebrou o acordo de
não-agressão com a Alemanha em agosto de 1939, e Hitler,
desconsiderando as ameaças das democracias, invadiu a Polônia em 1.º
de setembro. Grã-Bretanha e França declararam guerra à Alemanha. A
URSS invadiu a Polônia e, graças ao acordo com os alemães, rompeu
com o “cordão sanitário” (Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia)
– para usar expressão de Flávio Sombra Saraiva –, criado pelo Ocidente
ao final da Primeira Guerra Mundial para isolá-la, ao impor tratados de
assistência mútua a esses países, o que resultou em perda total de suas
soberanias e a entrega de suas bases aéreas e navais aos soviéticos. Em
novembro, Moscou invadiu a Finlândia. Teve início, assim, a cadeia de
eventos hoje conhecida por Segunda Guerra Mundial.

A GUERRA

A Primeira Fase: 1939-1941

Os primeiros passos da guerra foram lentos. Cerca de dez milhões de


soldados esperavam, na estratégia da estática, os primeiros
movimentos do inimigo. Os líderes políticos franceses e ingleses
decidiram retardar ao máximo as ofensivas. Até maio de 1940, quando
os alemães iniciam a grande ofensiva militar sobre a França, não tinha
havido praticamente embates entre as Grandes Potências –
praticamente nada tinha acontecido na frente ocidental.

147

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

As forças mobilizadas pareciam favoráveis aos alemães. Apesar da


manifesta superioridade, no mar, de franceses e britânicos, os alemães
possuíam, em setembro de 1939, 3.228 aviões de guerra contra os
1.377 da Grã-Bretanha e os 1.254 da França. Em terra, os canhões e
tanques alemães também eram numericamente superiores. Construída,
ainda entre 1930 e 1935, a linha Maginot, no nordeste do país, era o
símbolo da insegurança francesa (Saraiva, 1997:209). Nos primeiros
meses, Grã-Bretanha e França planejavam vencer a Alemanha por meio
dos bloqueios em terra e pelo cerceamento dos mares, pela ruína
econômica criada pelo isolamento imposto, uma vez que toda a
economia alemã pendia para a guerra e já estava sufocada pela
insuficiência de matérias-primas.

Conforme Saraiva, reforçava a percepção de supremacia da Grã-


Bretanha e da França o fato de também contarem com forças extra-
Europa, como a venda de armas norte-americanas no sistema cash-and-
carry (pagamento à vista) no Atlântico, a partir de novembro de 1939,
ao passo que Hitler estava reduzido aos seus próprios recursos e, no
máximo, aos recursos continentais. Ademais, os ingleses estavam
seguros de que seu vasto império colonial garantiria a resistência contra
a agressão nazista, ainda que as Ilhas Britânicas caíssem sob o domínio
alemão, o que, de fato, nunca veio a acontecer.

Hitler propôs a paz em 6 de outubro de 1939. Grã-Bretanha e França


não aceitaram, pois só lhes interessava a paz se a influência franco-
britânica fosse retomada sobre todo o continente europeu. Por outro
lado, para os franceses, a guerra era a oportunidade para arruinar
definitivamente a Alemanha. Assim, diante do posicionamento estático
dos dois países e das hesitações da França, que testemunhava amplos
debates internos entre a anglofilia e a anglofobia, a Blitzkrieg, a guerra-
relâmpago alemã, preparou o caminho para a invasão da França em 10
de maio de 1940.

Tentativas de combate ao avanço de Hitler

Em pouco mais de trinta dias, após o início da invasão, Paris já era dos
alemães. O êxodo de 8 milhões de franceses enterrava o moral francês.
Em 22 de junho de 1940, a França passou a ser o único país vencido a
concluir um armistício. Bélgica e Holanda optaram pela rendição militar,
e seus governos foram transferidos para Londres. Um governo francês
pró-alemão se estabeleceu na cidade de Vichy, para onde fugira o
parlamento.

148

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

O divórcio intelectual e estratégico franco-britânico já havia se


concretizado com a evacuação das tropas aliadas, em especial da Força
Expedicionária Britânica, em Dunquerque, no nordeste francês. Dois dias
antes de se iniciar a evacuação de Dunquerque, em 24 de maio, Hitler
ordenou a contenção do avanço das vanguardas em direção à cidade.
Boulogne, Calais, Dunquerque e Ostende eram os quatro portos no lado
oposto da parte estreita da Mancha (cabeças-de-ponte para os ingleses
no continente europeu) que, em 23 de maio, ainda não haviam sido
capturados pelos alemães. Acreditava-se, nesse momento, que a grande
tarefa da Luftwaffe estava começando: o aniquilamento dos ingleses no
norte da França pelo ar. Todavia, a concretização da evacuação provou
para os ingleses a falta de eficácia da Luftwaffe ou, como acreditam
alguns historiadores, que Hitler não estava disposto a aniquilar os
ingleses, de quem espera que se tornassem aliados do Reich.

Churchill, que se tornara primeiro-ministro após o início da guerra, quis


evitar a qualquer custo que os navios franceses se rendessem aos
alemães nos portos e acabou por afundar alguns deles, o que agravou a
anglofobia francesa. Ao final, a libertação de 340 mil soldados britânicos
e franceses seria fundamental para os andamentos posteriores da
guerra, tendo particular importância política para o duelo entre Churchill
e Hitler.

A batalha com a Grã-Bretanha iniciou-se em 13 de outubro de 1940. A


Luftwaffe iniciou os bombardeiros sobre Londres. Todavia, foi
testemunhada, naquelas semanas, uma das maiores ondas patrióticas
da história britânica, que, somada ao “espírito de Dunquerque”, fez com
que Hitler, ao final do mês, encerrasse a batalha para poupar aeronaves
para o seu principal objetivo: a destruição da URSS. É importante
observar que o general De Gaulle e parte da elite moderada francesa
imigrou para Londres.

A derrota francesa significou uma ruptura da velha ordem internacional


do século XIX. A balança de poder que havia moldado a sociedade
européia, com valores e regras de conduta comuns, ruiu de vez. No
Ocidente, a Itália e a Alemanha julgavam-se capazes de formular uma
nova ordem internacional. No Oriente, a política japonesa de
substituição das potências ocidentais na Ásia – “Ásia aos asiáticos” –
levou aos privilégios econômicos sobre portos aéreos e marítimos. A
ocupação alemã da França deixara o Japão livre no sudeste asiático. O
Japão acreditava no nascimento de um novo império, não mais contra a
URSS ou a China, mas a favor de uma esfera de prosperidade

149

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

econômica, que, não obstante a derrota ao final da guerra, pode ser


sentida até os dias de hoje.

Mapa 24: A Primeira Fase da II Guerra Mundial


As Vitórias Alemãs e Soviéticas na Europa

Fonte:
http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux11.html

A instabilidade européia ocasionada pela guerra criou o ambiente para


as independências afro-asiáticas nas décadas seguintes e para que
Stalin começasse a dar a sua contribuição para a modificação do mapa
político europeu: agiu sobre os países bálticos, sobre a Grécia e
comandou várias anexações na Romênia e na Bessarábia (transformada
em Moldávia).

150

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

A Segunda Fase: 1941-1945

Introdução

Em 1941, termina o que o século XIX construiu e o período de transição


iniciado na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Havia um vazio de
poder no mundo com a França invadida e a Grã-Bretanha falida. A crise
do mercado financeiro comandado por Londres e, portanto, o fim da
zona esterlina fizeram ruir a ordem liberal criada pelos ingleses, que até
precisaram começar a usar reservas monetárias para pagar pelos
produtos norte-americanos (cash-and-carry), o que começou a
preocupar os EUA.

Mapa 25: A II Guerra Mundial – O Mundo em 1942

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux15.html

As práticas comerciais começaram a mudar e a ter um novo articulador


quando, a partir de março de 1940, os EUA iniciam o sistema do lend-
151

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

lease (empréstimo e arrendamento) com os países que apresentassem


interesse à defesa vital dos EUA (Saraiva, op. cit., p. 220). Plantavam-
se as sementes do que viria a ser o Plano Marshall e de um Sistema
Internacional sob a égide de uma Superpotência, novo conceito em
relações internacionais. O ataque japonês à base norte-americana de
Pearl Harbor, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941, que fazia parte do
projeto japonês da Grande Ásia, passo importante para a ulterior
anexação das Filipinas, da Malásia e de Hong Kong, comoveu a opinião
pública dos EUA, o que conduziu o país para a Segunda Guerra Mundial
e acarretou a união das duas guerras paralelas, a da Ásia e a da Europa,
numa só. A política da Grande Potência do continente americano,
rompido o isolacionismo, tinha uma característica peculiar: raio
planetário.

Outro significativo ponto de inflexão na Segunda Guerra Mundial foi o


ataque alemão à URSS, em 22 de junho de 1941: a necessidade alemã
de espaço vital choca-se com a mesma necessidade soviética de espaço.
Os EUA apóiam a resistência russa, e a URSS é incluída na aliança
ocidental já em outubro daquele ano. É em território russo que Hitler
perde, pela primeira vez, uma Blitzkrieg, mais devido ao despreparo das
forças alemãs diante das péssimas condições das estradas soviéticas e
do terrível inverno russo do que em virtude da capacidade de reação de
Stalin.

No período de maio de 1942 a meados de 1943, a guerra caracterizou-


se por movimentos marcantes. A contenção do avanço japonês pelos
aliados, o desembarque das tropas anglo-americanas na Argélia e no
Marrocos, neutralizando a expansão nacional-socialista no norte da
África, e a capitulação das tropas alemãs em Stalingrado anunciaram a
reação aliada e a mudança do curso da guerra a seu favor.

Em 1944, o rolo compressor dos soviéticos forçou o recuo gradual das


tropas alemãs na Ucrânia, na Bielo-Rússia e na Polônia. Enquanto
Tóquio perdia seus satélites, Moscou aumentava os seus, por um erro
estratégico das forças aliadas: desde janeiro de 1943, Stalin denunciava
o abandono do flanco oriental, o que, no final das contas, tornou a luta
contra o Eixo – como ficara conhecida a aliança entre Alemanha, Itália e
Japão – uma forma de sobrevivência do modelo planificado e socialista
de Estado. Isso lhe custou a vida de vinte milhões de russos, quase dois
quintos do total da guerra.

152

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
O dia D

Em 6 de junho de 1944, conhecido como “Dia D”, se dá a invasão dos


aliados na Normandia, região da França atlântica – considerada a maior
operação militar aeronaval da História. Naquela data, 155 mil homens
dos exércitos dos EUA, Grã-Bretanha e Canadá, muitos dos quais
haviam evacuado Dunquerque três anos antes, após o erro tático
alemão, lançaram-se nas praias da Normandia, ocupando 80km da costa
ao norte do país. A invasão deu início à libertação européia do domínio
nacional-socialista. Transportados por uma frota de 14.200 barcos,
protegida por 600 navios e milhares de aviões, as tropas aliadas
asseguraram uma sólida cabeça-de-praia no litoral francês e dali
partiram para expulsar os alemães de Paris e, em seguida, marchar em
direção à fronteira da Alemanha. Era o primórdio do colapso final do III
Reich, o império que, segundo a propaganda nazista, deveria durar mil
anos.

Mapa 26: O “Dia D” – 6 de junho de 1944


O Desembarque Aliado na Normandia

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux25.html

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I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Simultaneamente ao desembarque do lado ocidental, a URSS, no Leste


da Europa, lançou uma poderosa ofensiva contra os alemães. Onze
meses depois, a 8 de maio, a Alemanha de Hitler rendia-se. O Japão a
seguiu quatro meses depois. Hitler suicidou-se em 30 de abril de 1945.
Ao final de agosto do mesmo ano, após as bombas atômicas norte-
americanas terem arrasado Hiroshima e Nagasaki, todas as ações
militares já haviam sido suspensas. Terminava a maior e pior guerra
que a humanidade jamais travara.

A Terceira Fase: 1945-1947

A destruição atômica de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, simboliza o


ocaso da velha ordem internacional do século XIX, o surgimento de um
vácuo de poder na Europa, o fim dos sonhos de uma terceira grande
potência (Alemanha) para substituir a antiga balança anglo-francesa, o
fim da condução européia das relações internacionais e o surgimento de
duas Superpotências com raios políticos de alcance planetário (EUA e
URSS) (Saraiva, op. cit., p. 229).

Antes da definição da polaridade EUA-URSS, que só fica clara a partir de


1947, houve uma tentativa de concerto anglo-americano, em março de
1943, momento em que já se procurava por uma nova era das relações
internacionais e em que foi discutido, em Washington, o futuro da
Alemanha e as reivindicações territoriais dos soviéticos. Na ocasião,
Roosevelt propôs um diretório de quatro: EUA, Grã-Bretanha, URSS e
China, idéia que lembrava o Concerto Europeu do século XIX e as idéias
do Congresso de Viena de 1815. Surgiu também a idéia de um projeto
federativo para a Europa, proposto pela Polônia, que Moscou
prontamente recusou, temendo a reconstrução do “cordão sanitário” do
período pós-1918 e já vislumbrando as possibilidades de projeção da
URSS na região. De Gaulle reclamou da ausência da França no diretório.

As conferências internacionais de Moscou, Cairo e Teerã, no segundo


semestre de 1943, mostraram a fragilidade da aliança entre as
Potências ocidentais e a URSS: os EUA recolocaram as teses idealistas
wilsonianas de estabelecimento de um organismo internacional de
segurança coletiva para resolver problemas territoriais; a Grã-Bretanha
preocupava-se com a expansão soviética; e a França, com governo
exilado em Londres, já não tinha voz. A Declaração de Moscou não
incluiu nada a respeito de renúncias a sistemas de zonas de influência e
se resumiu a três pontos: a capitulação total da Alemanha, a ocupação
de seu território pelos três aliados e o desarmamento completo. A
Declaração do Cairo adicionou o Japão, exigindo a devolução de todas as
154

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

conquistas japonesas do projeto da Grande Ásia, especialmente dos


territórios tirados da China (como Manchúria e Taiwan).

Mapa 27: A Guerra na Europa de 1942 a 1945

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux23.html

Por fim, em Teerã, a Grã-Bretanha propôs a criação de três


organizações regionalizadas (na América, na Europa e na Ásia), mas os
EUA recusaram, pois insistiam numa instituição de raio mundial, que,
por meio de um diretório composto entre os quatro grandes, atuaria
como a “polícia do mundo”. Os EUA também recusaram a tese do
federalismo europeu. Como se observa, EUA e URSS já ensaiavam,
nessas discussões, políticas de Superpotência.

A Conferência de Yalta, em fevereiro de 1945, apenas consagrou todo


esse quadro: o multilateralismo das negociações cedeu diante do
unilateralismo do poder soviético na Europa Oriental. O tempo das
relações internacionais já era outro: a política das áreas de influência na
155

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Europa se tornaria o modelo da política mundial nas décadas seguintes.


Esse foi o primeiro grande legado da Segunda Guerra Mundial. O
segundo foi a materialização bipolarizada desse modelo, que será
melhor explorada no módulo seguinte.

Os aliados, nas reuniões de São Francisco, entre abril e junho de 1945,


e em Potsdam, entre julho e outubro de 1945, tinham como projeto a
criação de instrumentos para o gerenciamento da paz no pós-guerra. A
lógica das alianças e da diplomacia secreta cederia lugar ao esforço de
reconstrução das relações internacionais com base no compromisso e no
diálogo.

As reuniões de São Francisco criaram a Organização das Nações Unidas


(ONU), materializando o sonho wilsoniano, e deixaram evidente a perda
de importância da Europa no Sistema Internacional que então se
delineava, apesar de ter sido garantida a participação da Grã-Bretanha e
da França no Conselho de Segurança da Organização. A Carta de São
Francisco, assinada em 25 de junho de 1945, tornou-se um dos grandes
instrumentos de regulação da nova era das relações internacionais:
firmava-se o primado do Realismo sobre o Idealismo que marcara a
Sociedade das Nações. O sistema do veto do Conselho de Segurança,
que substituía o sistema da unanimidade anterior, construía um diretório
dos cinco grandes vencedores de 1945 (EUA, URSS, China, Grã-
Bretanha e França), para garantir o congelamento do poder e um
compromisso de controle da segurança mundial.

Conforme escreveu Saraiva, o Tratado de Paz de Paris, de fevereiro de


1947, encerrou simbolicamente os turbulentos anos nas relações
internacionais iniciados em 1939. O gerenciamento da paz ficou
dependente do consórcio entre as duas Superpotências, e as decisões de
reparações de guerra impostas à Alemanha, os mecanismos das zonas
de influência, a limitação de armas e o remanejamento do mapa
europeu foram os últimos movimentos do ocaso do eurocentrismo.

156

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Auto-avaliação
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique no
seguinte ícone: AV

1) Sobre a Segunda Guerra Mundial, assinale a alternativa correta:

a) Foi um conflito basicamente europeu, estendendo-se


apenas a algumas poucas áreas fora do continente. Pouco
significado teve, portanto, para o sistema internacional.
b) Como a Primeira Guerra Mundial, a Segunda foi uma
guerra estática, apresentando poucos avanços em termos de
tecnologia bélica.
c) Tem-se um confronto entre regimes democráticos,
como a Itália e a Grã-Bretanha, contra governos autoritários,
como a União Soviética e a França.
d) Praticamente as populações civis não foram afetadas
pelos confrontos entre as Potências na II Guerra Mundial.
e) A Guerra termina com a derrota do Eixo, constituído
pela Alemanha, Japão e Itália.

Exercícios de fixação

1) Discorra sobre as causas da II Guerra Mundial e os principais


Atores envolvidos no Conflito. (Resposta entre 5 e 15 linhas)

157

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade III

Módulo II – O Sistema Internacional Pós-1945

Objetivos

Ao final do módulo, o aluno deverá ser capaz de

• assinalar as características principais do Sistema Internacional


pós-Segunda Guerra Mundial;
• discorrer sobre os fatores da gestação da Guerra Fria;
• identificar os principais fatos e fases da Guerra Fria.

A GUERRA FRIA

Muitos autores defendem que, após o fim da Segunda Guerra Mundial,


não vigorava mais a idéia de Sociedade Internacional européia, criada a
partir de 1815. A instabilidade internacional nos anos de 1919-1939,
que culminou na Segunda Guerra, corroeu um estado de equilíbrio de
quase 100 anos. A Europa entra numa profunda crise de valores e
testemunha o retorno dos egoísmos nacionais, como ocorrera no
período pós-Westfália (século XVII). Volta-se à noção anterior a 1815 de
Sistema Internacional em substituição à noção de Sociedade
Internacional.

O prenúncio dessas mudanças já era sentido desde 1917: a Revolução


de Outubro anunciava o rompimento da URSS com a Sociedade
Internacional européia e, em seguida, o Tratado de Versalhes trazia uma
visão pouco realista da balança de poder – não criou um diretório, como
havia no Concerto Europeu do século XIX, e levou a Europa a um
período de desequilíbrio e instabilidade. A própria democracia entra em
crise. Na década de 1930, havia poucas democracias na Europa, sendo a
principal a Grã-Bretanha. Em 1941, desmontam-se de vez as regras do
jogo estabelecidas no século XIX e, em 1945, põe-se fim à hegemonia
coletiva européia no mundo.

158

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Um novo sistema jurídico-econômico internacional é erigido. Nasce a


Organização das Nações Unidas (ONU), que procura corrigir os erros de
Versalhes e com a qual renasce o ideal da segurança coletiva. Nasce
também o sistema de Bretton Woods, que cria o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD) – ambos com sede em
Washington –, para reconstruir o mundo destruído pela guerra e fazer
com que a ordem liberal-capitalista anterior retomasse seus passos.

Mapa 28: A Europa em 1946

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel1.html

O chamado “sistema Bretton Woods” tornou-se um modelo de


determinado ordenamento monetário que vigorou durante uma fase
circunscrita da história econômica mundial (1946-1973): o esquema de
paridades cambiais fixas (mas ajustáveis) baseado no padrão ouro-
dólar. O sistema também incluía as políticas econômicas aplicadas pelo
FMI e pelo BIRD, que, na década de 1980, ficariam conhecidas como
“consenso de Washington”: uma espécie de orientador global das
políticas econômicas domésticas.
159

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

No pós-1945, tem-se novos Atores fundamentais nas relações


internacionais (EUA e URSS) e um novo modelo de política
internacional: o sistema de zonas de influência de raio planetário,
característico do novo tipo de Ator – a Superpotência. O mundo seria,
portanto, dividido em zonas de influência soviética e estadunidense.
Como exemplo, o continente americano constituiu-se em zona de
influência dos EUA, ao passo que o Leste Europeu deveria estar sob
hegemonia soviética.

Um dos legados mais relevantes da Segunda Guerra Mundial foi o fato


de ter trazido algumas soluções para o caos em que as relações
internacionais se encontravam desde a Primeira Guerra, época que não
havia logrado criar um mundo pacífico e democrático: o conflito armado
foi transferido para o Terceiro Mundo e os velhos impérios coloniais
desapareceram.

A Gestação da Guerra Fria

"A Guerra Fria foi um período em que a guerra era improvável, e a paz,
impossível." Com essa frase, o pensador Raymond Aron definiu o
período em que a opinião pública mundial acompanhou o conturbado
relacionamento entre os Estados Unidos e a União Soviética. O termo
“Guerra Fria” deve-se ao fato de nunca ter ocorrido um enfrentamento
bélico direto entre as duas Superpotências, o qual poderia acabar
repercutindo na utilização dos arsenais nucleares e na conseqüente
destruição massiva do planeta.

A Guerra Fria substituiu o jogo da hegemonia coletiva da Europa sobre


as relações internacionais. Há muitas teorias sobre em que momento a
ordem internacional da Guerra Fria foi gestada. Alguns defendem ter
sido na Revolução Bolchevique e no cerceamento internacional da Rússia
nos primeiros anos da Revolução, outros no “cordão sanitário” do entre-
guerras e há os que defendem ter sido gerada nos anos finais da
Segunda Guerra Mundial. O fato é que, após a liberalização recente dos
documentos, arquivos e memórias antes proibidos para pesquisas, os
fatos que cercam a Guerra Fria passaram a ganhar novas
interpretações, reforçando a tese da sua gestação ao final da Segunda
Guerra Mundial e como obra do erro estratégico dos aliados com relação
ao flanco oriental a partir de 1943 e da rejeição da URSS à ajuda do
Plano Marshall, promovido pelos EUA.
160

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

O Realismo nas relações internacionais parece ter tido mais influência na


política soviética do que a ideologia propriamente dita. Num primeiro
momento, a URSS não tinha intenção, como temia o embaixador norte-
americano em Moscou, George Kennan (um dos criadores da carga
ideológica anticomunista que circunda a Guerra Fria), de promover a
revolução comunista pelo mundo. O país estava mais preocupado em
proteger a sua periferia próxima. Não havia indícios de qualquer
extensão maior do avanço soviético do que se supõe houvesse sido
combinado nas conferências de cúpula de 1943-1945. Sequer os
regimes satélites da URSS estavam comprometidos em erguer Estados
segundo o modelo soviético, como observou Eric Hobsbawm, mas
economias mistas sobre democracias parlamentares multipartidárias.

Stalin, com seus mais de 20 milhões de mortos na guerra, ensaiava a


reconstrução do país com base nas reparações de guerra e na política de
zona de ocupação. As ações do líder soviético acabaram por confundir os
formuladores da política externa dos EUA, que associaram os
movimentos de Moscou à ótica de um projeto expansionista. A
assistência norte-americana para a reconstrução soviética, acertada na
conferência de Teerã de 1943, nunca aconteceu. O bloqueio de Berlim,
em 1948, que marcou o início da tensão, foi feito por Stalin ao perceber
o desenvolvimento da doutrina anti-soviética por parte dos EUA
(Doutrina Truman).

Para os EUA, o conceito de Superpotência correspondia à conjugação da


capacidade econômica de exercer forte multilateralismo econômico com
a vontade de construção de uma grande área sob a influência dos
valores do capitalismo, ou seja, a fusão dos interesses da indústria e do
comércio norte-americanos com a busca da hegemonia mundial. Para a
URSS, correspondia à conjugação da necessidade de sobrevivência do
modelo político-econômico planificado e centralista com a necessidade
de compensar sua fraqueza diante do Ocidente com a criação de uma
área sob a influência dos valores do socialismo. Os EUA tinham claros
interesses de hegemonia mundial. Muito se discute se esse tipo de
interesse se aplicava à URSS nos primeiros anos da Guerra Fria.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, os países beligerantes haviam-se


tornado um campo de ruínas habitado por povos muito propensos à
radicalização e à revolução contrária ao sistema da livre empresa, do
livre comércio e investimento. O primeiro-ministro da França foi a
Washington advertir que, sem apoio econômico, era provável que se
inclinasse para os comunistas. Assim, assustados com o aumento dos
161

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
votos para os comunistas nas eleições européias no imediato pós-
guerra, os norte-americanos desenvolveram a versão econômica da
Doutrina Truman: o Plano Marshall, que visava orientar a presença dos
EUA na reconstrução econômica da Europa Ocidental, o que seria uma
maneira de reverter o quadro de debilidade das democracias ocidentais
e do capitalismo diante da penetração soviética.

A ajuda do Plano Marshall33 foi oferecida aos países da Europa


envolvidos na Segunda Guerra Mundial, inclusive à URSS. Stalin rejeitou
o dinheiro americano e denunciou o Plano Marshall como uma
declaração de guerra econômica à URSS. Ademais, impediu os países
ocupados pela URSS (Polônia, Países Bálticos, Tchecoslováquia,
Romênia, Hungria, Bulgária e Alemanha Oriental) de aceitá-lo. E, como
resposta ao Plano Marshall, a URSS criou o Conselho de Assistência
Econômica Mútua (COMECOM), com o objetivo de organizar
economicamente o bloco socialista.

As duas décadas que ligam o ano de 1947 ao de 1968, no âmbito das


relações internacionais, foram ditadas pela supremacia de duas
Superpotências sobre o planeta – EUA e URSS. A doutrina internacional
costuma dividir esse período em três fases: a fase “quente”, que vai de
1947 a 1955, a fase da coexistência pacífica, de 1955 a 1979, e a fase
da “nova guerra fria”, de 1979 a 1991. Todavia, há os que separam a
segunda fase em duas, com a fase conhecida como détente (distensão),
de 1969 a 1979, que marca a fundação de um concerto americano-
soviético e o início da decomposição ideológica do conflito Leste-Oeste.

A Fase “Quente”: 1947-1955

Caracterizaram a primeira fase da Guerra Fria as seguintes ações:

1) Por parte dos EUA:

• George Kennan formula a “política da contenção”.


• Plano Marshall: garantia de presença norte-americana na Europa
Ocidental e de sua reconstrução segundo os valores
democráticos e capitalistas. Acompanha o Plano Marshall o
estabelecimento da Organização Européia de Cooperação
Econômica (OECE), instituição que se encarregaria de aplicar a

33
De US$ 13 bilhões na época, o que seria equivalente a cerca de US$ 100 bilhões em
2002.
162

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

ajuda estadunidense e servir de foro para novas iniciativas de


cooperação européia34.
• Reforma da organização militar: extensão a um sistema mundial
unificado de defesa e a instituições de coordenação
internacionais – criação da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN) em 1949, composta por EUA, França, Grã-
Bretanha, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Irlanda, Itália,
Luxemburgo, Países Baixos, Noruega e Portugal.
• Criação doméstica da Lei de Segurança Nacional, do
Departamento de Defesa, da Agência Central de Inteligência
(CIA) e do Conselho de Segurança Nacional: alimentação do
sistema político norte-americano em suas ambições de “polícia
do mundo”.
• Investimento de grandes quantidades de capital na Alemanha
Ocidental ao final da década de 1940: fazer da Alemanha
Ocidental a vitrine do capitalismo, solidificando a idéia da área
como fronteira das democracias capitalistas.

2) Por parte da URSS:

• Reinício do processo de militarização das fronteiras, o


recrudescimento da política de espaços na Europa Oriental e a
aceleração do projeto de desenvolvimento da bomba atômica:
resposta à política anti-soviética adotada pelos EUA.
• Sovietização da Europa Oriental: fim das democracias populares
multipartidárias.
• Criação do Kominform em 1947: propagação da revolução
comunista no mundo e controle ideológico dos partidos
comunistas no Leste por Stalin, momento em que ficou clara a
liderança soviética sobre os movimentos de organização dos
comunistas franceses, italianos, iugoslavos, tchecos, poloneses,
húngaros, romenos e búlgaros.
• Criação do Conselho Econômico de Ajuda Mútua (COMECOM), para
estruturar as relações econômicas entre os membros do bloco
socialista e contrapor-se ao Plano Marshall35.
34
A OECE estaria na origem do que viria a ser o projeto de integração européia que
acabaria culminando no Tratado de Roma, de 1957, com a criação da Comunidade
Econômica Européia, a qual hoje é a União Européia.
35
O COMECOM simboliza o internacionalismo soviético na Economia. Composto
inicialmente por seis países – Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia e a
própria URSS –, o COMECOM teria a adesão da Alemanha Oriental em 1950. Em 1962,
o ingresso da Mongólia representou um primeiro passo para uma estruturação do
COMECOM para além da Europa. Entre 1956 e 1968, Coréia e República Democrática
do Vietnã obtiveram o status de observadores junto ao COMECOM. Em 1964, foi
163

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

• Primeiro experimento da bomba atômica soviética em 1949:


demonstração de equilíbrio atômico entre as duas
Superpotências.
• Apoio à Revolução Chinesa de 1949: o país é reorganizado nos
moldes comunistas, com a coletivização das terras e o controle
estatal sobre a economia.
• Criação do Pacto de Varsóvia em 1955, em resposta à expansão
da OTAN (que, em 1952, incorporava a Grécia e a Turquia):
estabelecia-se o guarda-chuva de Moscou sobre a Europa
Oriental, com o Pacto de Varsóvia integrado por URSS, Albânia,
Bulgária, Tchecoslováquia, Hungria, Polônia e Romênia.

Mapa 29: A Expansão Da URSS No Leste Europeu


no Pós-II Guerra e a Cortina de Ferro

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel3.html

assinado acordo com a República Federativa Socialista da Iugoslávia e, em 1972, Cuba


ingressou na organização.
164

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

A Guerra da Coréia

Estavam, portanto, definidos os dois “condomínios” internacionais de


influência. Entre 1950 e 1953, as duas Superpotências jogaram todos os
seus esforços na demonstração de poder mundial na Guerra da Coréia.
Com a proclamação da República Popular Democrática da Coréia pelos
revolucionários comunistas, os EUA desembarcam tropas no sul do país
e estabelecem um governo de notáveis anti-revolucionário. A ONU
reconheceu a divisão do país em dois pelo paralelo 38 e uma guerra se
iniciou em 1950, quando os norte-coreanos invadiram o território ao sul
do paralelo em resposta ao envio norte-americano de esquadras para
Taiwan e para a Coréia do Sul. Foi o maior conflito armado desde a
Segunda Guerra Mundial.

A ONU enviou tropas multinacionais sob o comando dos EUA e os norte-


coreanos recuaram de volta ao paralelo 38. Migs soviéticos sobrevoaram
e bombardearam a Coréia do Sul e, com o apoio de tropas chinesas,
impuseram vitória sobre as tropas norte-americanas, que, por meio da
“operação killer”, jogaram bombas de napalm e ameaçaram a China
com o uso de bombas atômicas. Só se chegou a um equilíbrio militar ao
final de 1951, quando as tropas dos EUA se retiram e se inicia uma
política de acomodação. Em 1953, foi assinado o armistício de
Panmunjom, por meio do qual se criou uma zona de segurança
separando as duas Coréias, compreendendo uma área de quatro
quilômetros ao longo do paralelo 38, sob a vigilância da ONU. Convém
lembrar que o armistício apenas suspendeu os embates bélicos, de
modo que, tecnicamente, a guerra continua até nossos dias. As duas
Coréias se tornaram um monumento dos anos quentes da Guerra Fria
(Saraiva, op. cit., pp.256-257).

Outro país a se dividir foi o Vietnã, em 1954: Vietnã do Norte,


comunista, e o do Sul, capitalista. A posição dos EUA na Ásia estava
fragilizada, e os norte-americanos mais que nunca temiam o risco do
“efeito dominó”, ou seja, o risco de que o que acontecera na China, na
Coréia e no Vietnã acabasse repercutindo por toda a Ásia, com o
estabelecimento de regimes comunistas de influência soviética pelo
continente e a conseqüente perda de poder estadunidense na região.
Em virtude dessa ameaça, os tomadores de decisão nos EUA concluíram
que o país deveria envidar todos os esforços possíveis para conter o
avanço do comunismo pelo mundo. Essa decisão teria grandes
repercussões pelas décadas da Guerra Fria, entre as quais a entrada dos

165

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

EUA na guerra do Vietnã e o apoio estadunidense a regimes capitalistas


do extremo oriente – Japão, Coréia do Sul e Taiwan, por exemplo.

A fragilidade dos EUA em relação à hegemonia global também começava


a acontecer em outras regiões do planeta. A Comunidade Econômica
Européia foi instituída, em 1957, pelo Tratado de Roma, tendo como
núcleo o módulo franco-germânica, e se apresentou como alternativa ao
plano norte-americano de integração do continente. Na incontestável
zona de influência norte-americana, a América Latina, o estabelecimento
de um regime comunista pró-soviético em Cuba, em 1959, com o
fracassado desembarque na Baía dos Porcos36, revela que as
estruturas da Guerra Fria não eram tão absolutas quanto se desejava e
que era claro o risco da perda da influência norte-americana em
quaisquer regiões do planeta.

A percepção dos EUA de que grandes volumes de bombas e maciços


investimentos na indústria do policiamento mundial não eram suficientes
para construir a legitimidade internacional, somada à percepção de
ambos os lados da capacidade destrutiva que carregavam com seus
arsenais atômicos, deu início a uma fase de coexistência pacífica.

A Fase da Coexistência Pacífica: 1955-1968

Alguns autores conjugam as fases da coexistência pacífica com a da


détente. Outros, porém, consideram que essa segunda fase marca o
início da flexibilização da ordem bipolar, e a terceira, mais tardia, marca
um momento de deliberada atitude das duas Superpotências de pôr fim
à era de diferenças. Por motivos didáticos, adotamos essa posição.

Caracterizaram a segunda fase (1955-1968) os seguintes


acontecimentos:

• recuperação econômica e política da Europa Ocidental: tentativa


de retorno da Europa ao centro das relações internacionais, após
a reconstrução proporcionada pelo êxito dos investimentos e
doações norte-americanas por intermédio do Plano Marshall. A
Europa deixa de ser um centro de poder alinhado
automaticamente aos EUA.

36
Trata-se de uma fracassada tentativa de cubanos contrários à Revolução de
desembarcarem na ilha e porem fim ao regime de Fidel Castro. Os anticastristas
encontravam-se nos EUA e tiveram apoio da CIA e do governo norte-americano para
realizar a ação armada contra o regime de Castro.
166

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

• Flexibilização da política externa dos EUA e da URSS: Eisenhower


substitui Truman no governo dos EUA e Krushev substitui Stalin
no governo da URSS.
• Início da desintegração do bloco comunista: a ruptura chinesa
(com a disputa sino-soviética no início dos anos de 1960) e o
casamento de crenças divergentes de alguns partidos comunistas
com o nacionalismo (Albânia, Bulgária, Romênia e
Tchecoslováquia) começavam a descaracterizar o módulo
comunista na Europa Oriental. O condomínio comunista não deu
sinais de expansão significativa entre a Revolução Chinesa e a
década de 1970.
• Descolonização das nações afro-asiáticas: a multiplicação
repentina de Estados soberanos e o discurso de igualdade
jurídica modificam o quadro dos organismos internacionais, como
a ONU. Traziam-se aos foros internacionais novas reivindicações
por parte do chamado “Terceiro Mundo”.
• O não-alinhamento dos novos Estados pós-coloniais: a maior parte
dos novos Estados não era comunista em sua política interna e
considerava-se “não alinhada” em sua política externa
(Movimento dos Países Não-Alinhados, que conjugará seu
discurso com o Grupo dos 77, criado pelos países do Terceiro
Mundo, por uma nova ordem econômica internacional na década
de 1970).
• Articulação independente e própria dos países mais
industrializados da América Latina: Brasil e Argentina
começaram a construir seus próprios interesses na inserção
internacional do período. A noção de “quintal” dos EUA é
substituída pela noção moderna de alinhamento negociado.
• A crise dos mísseis em Cuba (1962): tentativa de Krushev, por
meio da alocação de mísseis na ilha de Cuba, de fazer a balança
de poder internacional inclinar para o seu lado, tendo em vista o
avanço do projeto de Mísseis Antibalísticos (ABMs) dos EUA e a
nova doutrina militar da OTAN na Europa (nuclearização).
• O declínio gradual das armas nucleares nas contendas da balança
de poder mundial: após a crise de Cuba, criou-se um acordo
tácito entre a Casa Branca e o Kremlin e iniciaram-se os
processos de negociações de acordos para controle e limitação
das armas nucleares, como os SALT I e II e o acordo sobre
ABMs.
• Surgimento de um novo Ator importante: a China de Mao Tsé-
Tung. Ao explodir sua primeira bomba atômica, em outubro de
1964, a China mudava a correlação de forças no cenário
internacional.
167

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

• O Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), de


1968: a ONU conclamava os países não-nucleares a não fazerem
experimentos e os países nucleares a congelarem os seus
arsenais.

Mapa 30: Os Dois Blocos em 1955

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel8.html

A Fase da “Distensão”: 1969-1979

Muitos autores defendem que só se pode falar em Guerra Fria até o final
dos anos de 1960, uma vez que a fase que se segue é apenas um
concerto entre as duas Superpotências. Outros preferem chamar essa
fase de “Segunda Guerra Fria”, pois é o momento em que as duas
Superpotências transferem sua competição para o chamado Terceiro
Mundo (Vietnã, Angola, Afeganistão, Líbia, entre outros).

168

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
Se a década de 1960 fez transparecer uma perda de poder dos
soviéticos, a década de 1970 apontava para uma perda do domínio
norte-americano e seu relativo isolamento: na Guerra do Vietnã (1959-
1975) e na Guerra do Yom Kippur (1973), os EUA não receberam ajuda
européia. A crise do petróleo parecia sugerir um enfraquecimento no
domínio internacional dos EUA, enquanto fez os preços das jazidas de
petróleo e gás natural da URSS quadruplicar. Entre 1974 e 1979,
regimes na África, na Ásia e na América Latina começaram a ser
atraídos para o lado soviético. Além disso, o escândalo de Nixon
(Watergate) causou uma certa desordem na presidência dos EUA.

Quatro fatos são relevantes nessa fase:

1) O concerto americano-soviético, que anunciava a flexibilização


deliberada no relacionamento das duas Superpotências:
• os planos SALT (Strategic Arms Limitation Talks)
congelaram por cinco anos o desenvolvimento e a produção
de armas estratégicas e o controle sobre mísseis
intercontinentais e lançadores balísticos submarinos;
• os encontros pessoais, entre 1972 e 1974, dos dois
chefes de Estado reativaram fluxos comerciais e financeiros
estagnados, como aqueles entre a URSS e os países
capitalistas ocidentais (de 1970 a 1975, as exportações
ocidentais para a URSS quadruplicaram).

2) Consciência da diversidade de interesses no Sistema


Internacional:
• a confirmação da vocação integracionista da
Europa: a Europa dos Seis de 1957 (França, Alemanha,
Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) passa a ser a
Europa dos Nove em 1973 (com a adesão da Grã-Bretanha,
Dinamarca e Irlanda), matriz do que viria a ser, duas
décadas depois, o núcleo de poder da União Européia:
criava-se uma alternativa ao sistema bipolar, mas não da
forma harmônica e autônoma que qualificara a hegemonia
coletiva européia do século XIX;
• a América Latina aproveita o clima da détente
para a sua reinserção internacional: há uma crise da
liderança norte-americana na região; as relações
internacionais são desideologizadas em seus países mais
importantes, como Brasil, México e Argentina, que passam a
adotar linhas de condutas próprias nos negócios
internacionais;
169

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

• quatro grandes Atores na Ásia desenvolvem


capacidades de defesa de interesses próprios na agenda
internacional: Vietnã, Índia, China e Japão. Destaque para a
China, que rompe com o seu isolacionismo e retorna ao
Sistema Internacional nos anos de 1970 (volta ao Conselho
de Segurança da ONU em 1971), recusando a hegemonia
soviética e ensaiando uma aproximação com os EUA, e para
o Japão, que iniciava sua caminhada para se tornar a
segunda economia do mundo;

3) esforço de construção de uma nova ordem econômica


internacional pelos países do Terceiro Mundo para a redução da
dependência com relação aos centros hegemônicos de poder:
• reforço das ilusões igualitaristas dos países
afro-asiáticos: irrompem tentativas dos países do Sul de
estabelecerem um diálogo sólido com o Norte;
• a África como um todo e parte da América
Latina e da Ásia buscam afirmar o conceito de Terceiro
Mundo nas relações internacionais;
• as dificuldades de diálogo encontradas na
década de 1960, no âmbito das sessões da Conferência da
ONU para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad),
levaram o Terceiro Mundo a propor a Declaração e o
Programa de Ação sobre o Estabelecimento de uma Nova
Ordem Econômica Internacional (NOEI), convertida em
Resolução da ONU em 1979.

4) crise energética e financeira, que testou o grau de


adaptabilidade do capitalismo:
• os choques do petróleo em 1973 e 1979 tornam o
Sistema Internacional da détente vulnerável e abalam os
componentes da produção, do comércio e das finanças
internacionais;
• a crise de conversibilidade do dólar, pondo fim ao sistema
monetário de Bretton Woods: diminuição da importância da
economia dos EUA e elevação das taxas de juros
internacionais, anunciando o desastre para as economias
que haviam orientado a sua inserção nas relações
econômicas internacionais pela via do endividamento
externo, como o Brasil, o México e a Argentina;
• os países árabes surgem como novos Atores no Sistema
Internacional, passando a reivindicar posições chaves no
planejamento das atividades econômicas em escala global;
170

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

• aceleração do processo de globalização dos mercados: as


empresas, em reação à estagnação da produção de bens, à
inflação dos preços e ao custo energético, desenvolvem
novos processos de produção de bens e de organização do
mundo do trabalho e do consumo, o que acabará por
provocar uma revisão dos próprios papéis dos Estados
nacionais na política internacional; o surgimento de uma
nova economia sustentada na concentração de inteligência e
na robótica, criando um novo paradigma tecnológico-
industrial.

O Fim da Guerra Fria

A década de 1980 marca o que muitos autores chamam de “Nova


Guerra Fria”. Marca esse período, a exacerbação anticomunista do novo
presidente norte-americano, Ronald Reagan, estabelecendo-se um
retorno ao Realismo nas relações internacionais (em substituição ao
Idealismo de Carter): substituição das concessões unilaterais efetuadas
pelo governo anterior por uma política de confrontação diplomática e de
endurecimento econômico, com bloqueio econômico e tecnológico aos
países do sistema soviético.

O aumento das despesas com elementos bélicos resultou em acúmulo


de déficits orçamentários para ambos os lados. No entanto, os EUA
possuíam uma clara vantagem nesse processo: os norte-americanos
podiam financiar sua dívida pública por meio de emissão de uma moeda
que era o principal meio de reserva internacional ou pela colocação de
títulos do Tesouro no mercado – mecanismos impossíveis de serem
utilizados pela URSS, dada a sua tradicional separação da economia
mundial. Assim, segundo Paulo Roberto de Almeida, o ocaso final do
modo de produção socialista teve início quando os EUA adotaram o
programa armamentista conhecido como Guerra nas Estrelas, forçando
a URSS a tentar reproduzir o “keynesianismo militar” do governo
Reagan, que se revelava oneroso demais.

171

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 31: O Colapso do Bloco Socialista (1987-1990)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel20.html

A década de 1980 testemunhou um amplo processo de conversão das


economias planejadas em economias de mercado: reformas econômicas
introduzidas na República Popular da China pela equipe de Deng Xiao-
Ping; liberalização do regime soviético a partir de 1985, com a adoção
da Perestroika por Gorbatchev, que alcançou o Vietnã a partir de 1986,
espalhou-se pela Europa Oriental a partir da queda do Muro de Berlim,
em 1989, e culminou na conversão para a economia de mercado de
praticamente todas as ex-repúblicas socialistas que apareceram após a
desintegração da URSS, concluída em 1991. Do período que vai de 1917
a 1991, algo ficou claro para o mundo: o capitalismo mostrava-se muito
mais adaptável ao Sistema Internacional do que o socialismo.

172

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mapa 32: A Desintegração da URSS e do Bloco Socialista (1991)

Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel19.html

173

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Auto-avaliação
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique no
seguinte ícone: AV

1) Sobre o período conhecido como Guerra Fria, julgue as assertivas e,


a seguir, indique a alternativa correta.

I – A Guerra Fria é o período entre o final da década de 1940 e o final


dos anos 1980, marcado por uma nova Ordem Internacional multipolar,
onde efetivamente o mundo tornou-se palco das disputas de poder entre
EUA, URSS e Alemanha.
II - A disputa entre estadunidenses e soviéticos apresentava-se de
várias maneiras e nas mais diferentes áreas. Além do debate ideológico,
tinha-se o conflito, por exemplo, entre dois sistemas econômicos, o
capitalismo – que tinha os EUA à frente – e o sistema socialista, de
economia planificada – com a URSS liderando o bloco.
III – Apesar do termo “guerra fria”, em diversos momentos houve o
conflito armado direto entre as superpotências, EUA e URSS.

De acordo com os enunciados:

a) Apenas a alternativa I está correta.


b) Alternativas I e II são corretas.
c) Alternativas II e III estão corretas.
d) Apenas a alternativa II está correta.
e) Todas as alternativas estão corretas.

Exercício de fixação

1. Conceitue Guerra Fria e relacione as principais características dos dois


pólos do conflito. (Resposta entre 5 e 15 linhas).

174

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
1

Introdução às Relações Internacionais I

Unidade III
Módulo III – O Fim da Guerra Fria e a Nova
Ordem da Década de 1990

Objetivos

Ao final do módulo, o aluno deverá ser capaz de:

• Discorrer sobre o surgimento de um mundo multipolar após o fim


da Guerra Fria;
• apresentar as principais características da nova ordem
internacional pós-Guerra Fria.

O FIM DA GUERRA FRIA E A NOVA ORDEM DA DÉCADA


DE 1990

Antecedentes: as transformações da década de 1980

A década de 1980 foi, para muitos, uma década de ruptura. Começaram


a aparecer, na doutrina internacional, expressões como: “queda dos
impérios”, “fim do Estado-nação”, “fim do Estado-territorial” e ascensão
do “Estado-comercial”, “fim do Terceiro Mundo”, “fim das ideologias”. A
década marca o fim do dualismo econômico entre socialismo e
capitalismo e o aprofundamento da diferenciação entre países pobres e
países ricos, com as crises da dívida externa nos países em
desenvolvimento.

Do ponto de vista das relações internacionais, o período está claramente


marcado pela superação do conflito Leste-Oeste e pela fragmentação do
Terceiro Mundo. Surge um sistema pós-hegemônico, no qual vários
grandes Atores mundiais passam a reger coletivamente os negócios

175

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

internacionais (multipolaridade estratégica). Um desses novos Atores,


que funciona numa espécie de consórcio informal, é o Grupo dos Sete
(G7) – EUA, Japão, Alemanha, França, Itália, Grã-Bretanha, Canadá e, a
partir de 1992, a Rússia (passando o grupo a ser chamado de G8).

A tentativa de Gorbatchev de reforma do regime soviético, com a


Perestroika37 e a Glasnost38, e o rápido abandono do comunismo nos
países da Europa Central e Oriental, seguido pelo desaparecimento da
própria União Soviética39, em 1991, introduziram uma expressiva
transformação no sistema das relações internacionais desde o final da
Segunda Guerra Mundial. Acabava definitivamente a Guerra Fria e uma
Nova Ordem Internacional começava a estruturar-se.

37 A Perestroika, ou reestruturação econômica, é iniciada em 1986, logo após a


instalação do governo Gorbatchev. Constituía-se em um projeto ambicioso de
reintrodução dos mecanismos de mercado, renovação do direito à propriedade privada
em diferentes setores e retomada do crescimento, tendo, entre seus objetivos, o de
liquidar os monopólios estatais, descentralizar as decisões empresariais e criar setores
industriais, comerciais e de serviços em mãos da iniciativa privada nacional e
estrangeira. O Estado continuava como principal detentor dos principais meios de
produção, mas foi autorizada a propriedade privada em setores secundários de bens
de consumo, comércio varejista e serviços não-essenciais. Na agricultura, foi permitido
o arrendamento de terras estatais e cooperativas por grupos familiares e indivíduos. A
retomada do crescimento seria projetada por meio da conversão de indústrias militares
em civis, voltadas para a produção de bens de consumo, e pelo ingresso de
investimentos estrangeiros.
38 A Glasnost, ou transparência política, desencadeada paralelamente ao anúncio da
Perestroika, tinha por objetivos alterar a mentalidade social, liquidar a burocracia e
criar uma vontade política nacional de realizar as reformas. Incluía o fim da
perseguição aos dissidentes políticos, marcada simbolicamente pelo retorno do exílio
do físico Andrei Sakharov, em 1986, e envolveu campanhas contra a corrupção e a
ineficiência administrativa, realizadas com a intervenção ativa dos meios de
comunicação e a crescente participação da população. Avançou também na abertura
cultural, com a liberação de obras proibidas, a permissão para a publicação de uma
nova safra de obras literárias críticas ao regime e a liberdade de imprensa, o que
provocou o surgimento de um número crescente de jornais e programas de rádio e TV,
que abriam espaço às críticas ao regime.
39
Após a perda de controle do bloco socialista, em virtude das rápidas transformações
nos antigos regimes do Leste Europeu, a URSS viu sua influência declinar no cenário
internacional. No início da década de 1990, começou o que seria praticamente
inconcebível dez anos antes: a desintegração da própria URSS. As primeiras Repúblicas
a se separarem foram os Estados bálticos – Letônia, Estônia e Lituânia –, que haviam
sido incorporados à URSS no início da Segunda Guerra Mundial. Após uma grave crise
institucional em agosto de 1991, marcada pela vitória popular liderada por Boris
Yeltsin sobre uma tentativa de golpe da linha dura soviética, o governo de Gorbatchev
perdeu a legitimidade e, em 25 de dezembro de 1991, o último líder soviético
anunciava formalmente o fim da URSS.
176

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Um novo paradigma para as Relações Internacionais

Após o fim da Guerra Fria, foi colocado ao mundo o desafio de produzir


um novo paradigma para as relações internacionais. A doutrina
internacional não entra num consenso a respeito da natureza das
relações internacionais ao final do século XX. Alguns voltam a falar em
Sociedade Internacional, apesar do convívio entre regras velhas e regras
novas; outros preferem falar em Sistema Internacional, defendendo que
a ordem bipolar de poder foi substituída por uma ordem multipolar de
poder; outros preconizam ainda que sequer se pode continuar a falar
em balança de poder; por fim, há os que defendem ser a década de
1990 apenas um período de transição nas relações internacionais.

Todavia, pode-se dizer, numa perspectiva realista, que o Sistema


Internacional dos anos de 1990 ainda traz consigo a natureza anárquica,
que já se sentia na década de 1960, a hierarquia das Potências, a
prevalência de relações hegemônicas, a estrutura capitalista e liberal de
conformação e os conflitos de interesses. Não obstante, o mundo passa
a buscar novos princípios e regras de conduta, mudanças na estrutura
do Sistema Internacional, o que ficou claro a partir de meados da
década de 1980.

A década de 1980 testemunhara uma evolução generalizada da


democracia, movimento que se estendeu ao Leste europeu após a
queda do muro de Berlim, em 1989, e aos novos Estados independentes
oriundos da ex-URSS, fenômeno que elevou dois fatores à condição de
papel fundamental nas relações internacionais contemporâneas: o
Direito Internacional e a proteção aos direitos humanos. Houve
significativa redução nos gastos com Defesa no mundo inteiro.

Incertezas e complexidades na Nova Ordem Internacional

Contudo, o novo mundo tornava-se mais incerto, mais complexo e mais


imprevisível:

• surgiram zonas de conflito em áreas de dissolução da URSS, nos


Bálcãs, no Oriente Próximo e em alguns países africanos
(Somália, Chade, Congo, Angola e Libéria);
• o Terceiro Mundo desintegrou-se com as crises da dívida externa,
pondo-se fim à unidade do discurso da década de 1970;
• alastraram-se novas levas de imigrantes das zonas pobres para o
Primeiro Mundo;
177

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

• fim do diálogo Norte-Sul, que se iniciara na década de 1960: as


Grandes Potências desviam o interesse no desenvolvimento dos
países mais pobres para focar as políticas ecológicas e de
migrações indesejáveis;
• a quantidade de armas que havia no mundo, fruto da lógica da
Guerra Fria, somada à formação de vazios de poder e de leis em
muitos países, estimulou o aparecimento de redes internacionais
de crime e de organizações político-terroristas;
• refluxo das políticas de segurança em alguns Estados, como foi o
caso da França, que passou a realizar uma série de testes
nucleares nos anos de 1995 e 1996;
• redução da coesão entre as Grandes Potências, pela ausência de
um inimigo comum: os pólos ocidentais (EUA, Europa e Japão)
passam a ser guiados por percepções de interesses
especificamente nacionais;
• tendências introspectivas na Europa, com a materialização da
União Européia (UE), a nacionalização da segurança e o
protecionismo;
• os EUA como única Superpotência global, mas sem condições de
estruturar por si uma nova ordem internacional: sua política
externa passa a orientar-se para (1) a criação de um duopólo
com a Rússia (ao alargar o G7 para G8), com o intuito de não ter
que arcar sozinho com a ordem a construir; (2) o papel de
“Estado catalisador” de uma ordem que seria também construída
com aliados, como na Guerra do Golfo e na Guerra da
Iugoslávia; (3) ser garante de uma ordem inspirada na sua
própria estrutura de Estado – liberalismo econômico, democracia
política e direitos humanos;
• a Rússia, após o fim da URSS e o estabelecimento da Comunidade
dos Estados Independentes (CEI), emerge com sua antiga
autonomia sem perder de vista os desígnios de influência a
exercer sobre a Europa Oriental, sendo que, dessa vez, com
apoio dos EUA, interessados em mantê-la como potência singular
no Oriente;
• contestação dos valores do Ocidente pela dinâmica região formada
no Oeste Asiático: direito-dever de ingerência, liberalismo,
democracia e direitos humanos, negando sua universalidade;
• dualidade entre modelo de desenvolvimento asiático e modelo de
desenvolvimento do “consenso de Washington” (FMI e BIRD);
• a América Latina reaproxima-se da Europa e dos EUA;
• a dificuldade para regular a nova ordem anárquico-multilateral
conduz à crise de credibilidade da ONU, do Conselho de
178

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Segurança, do FMI, do BIRD, da Organização Mundial do


Comércio (OMC), do G7;
• criação de blocos regionais: União Européia (UE); Cooperação
Econômica da Ásia-Pacífico (APEC); Acordo de Livre Comércio da
América do Norte (NAFTA), Associação Latino-Americana de
Integração (ALADI), Associação das Nações do Sudeste Asiático
(ASEAN), Mercado Comum do Sul (Mercosul);
• conflitos de transição entre Grandes Potências, como China e
Rússia, que ainda mantêm riscos de confronto com a
Superpotência EUA;
• conflitos de balança regional de poder entre Estados que buscam
uma hegemonia regional, como Coréia do Norte, Iraque e Irã,
considerados inimigos pelos EUA pelo fato de sua ascensão
perturbar a ordem vigente;
• Conflitos entre comunidades e identidades nacionais (islamismo,
identidades nacionais na Rússia, identidades étnicas, religiosas
ou lingüísticas nos Bálcãs, na África e na Ásia).

Globalização e regionalização

Há um consenso, na doutrina internacional, de que o mundo que surge


na década de 1990 caracteriza-se pelos seguintes aspectos:
globalização; regionalização; mudança de papel do Estado-nação e
inexistência de uma administração racional para os principais interesses
coletivos da humanidade. São aspectos que não vieram de forma
abrupta, mas já se delineavam nas relações internacionais desde, pelo
menos, a década de 1970.

Na década de 1990, o fenômeno da globalização já se mostrava


irreversível. O mundo se integrava cada vez mais em virtude da
abertura democrática em diversas regiões, da queda de barreiras
comerciais e políticas, das novas estruturas de mercados financeiros
transnacionais e do desenvolvimento tecnológico, sobretudo o de
telecomunicações. Nesse sentido, o fenômeno da Internet não encontra
precedentes e, definitivamente, passou a unir pessoas por todo o
planeta e a transmitir informações em tempo real.

Entretanto, à medida que se globalizava, o mundo presenciava o


recrudescimento de nacionalismos em várias regiões do planeta, o que
repercutia tanto em conquistas políticas e sociais de alguns grupos
dentro de nações quanto em processos de independência – uns
pacíficos, a maioria nem tanto. Também associado a alguns movimentos
179

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

nacionalistas, ganha força o terrorismo, processo facilitado pelo vazio de


poder do fim da Guerra Fria e pela oferta de mão-de-obra especializada
e de equipamentos oriundos do esfacelamento do sistema socialista.

Paralelamente também ao processo de globalização, percebia-se um


incremento da regionalização. Por todo o planeta, países se
aproximavam e estabeleciam acordos de comércio, cooperação e
aproximação política. Na Europa, países que até cinqüenta anos eram
inimigos figadais, tornavam-se parceiros e aquilo que fora tentado pelas
armas, diversas vezes, ocorria, finalmente, por via pacífica: a formação
de uma União Européia.

Apesar de mais notório, o caso europeu não era isolado. Em todos os


continentes ocorriam processos de integração, fortalecendo
organizações e uniões regionais. Na América do Sul, a criação e o
desenvolvimento do Mercosul é um bom exemplo. Quem poderia supor,
há algumas décadas, que Brasil e Argentina teriam um no outro seu
principal parceiro e que as rivalidades militares entre os dois
desapareceriam?

180

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Mudanças na Teoria das Relações Internacionais

Conforme ensinamentos de Amado Luiz Cervo, a teoria das Relações


Internacionais passou a enfrentar um problema epistemológico, uma vez
que estava acostumada a trabalhar com os conceitos de Estado
nacional, soberania, território nacional, interesse nacional, entre outros.
Alguns autores identificam, na década de 1990, a ramificação das
escolas da teoria das Relações Internacionais em três direções: o
Realismo, nos EUA; o Pluralismo, na Europa e na literatura mais recente
da América Latina; o Globalismo das interpretações de esquerda ainda
presente na América Latina e em outros países do Hemisfério Sul.

O Realismo passou a sofrer várias críticas devido à dificuldade do Estado


em administrar forças transnacionais. O Globalismo se enfraqueceu com
a crise do socialismo real. O Pluralismo se revelou inadequado, uma vez
que as suas preocupações com as questões sociais teriam sido
desprezadas pela nova política internacional (Cervo In: Saraiva, op. cit.,
pp. 361-362). Os seguintes movimentos passaram a ter relevância para
a análise das relações internacionais contemporâneas:

• soma de fluxos transnacionais como fator que afeta o cotidiano


das pessoas e leva à crise do Estado-nação, cujo universalismo e
soberania são questionados;
• relativização do conceito de soberania, surgindo expressões, nos
meios diplomáticos, como “soberania operacional”;
• atores não-estatais não necessariamente agem contra o Estado,
mas exigem mudanças de sua conduta – em termos de política
interna e externa;
• atores não-estatais forçam o Estado a levar em conta a
Comunidade Internacional, uma vez que a interdependência
torna-se fato e os problemas globais (ecologia, migrações,
epidemias, narcotráfico, direitos humanos, terrorismo) passam a
ser de responsabilidade de todos;
• o Sistema Internacional passa a ser composto de sistemas
confederados, o que solapa a identidade tradicional;
• a economia desliga-se do espaço nacional e das regulamentações
do Estado, funcionando para o exterior.

A transição da bipolaridade para a globalização ocorreu, no entanto,


sem que a nova ordem internacional demonstrasse capacidade para
superar problemas globais, como o endividamento internacional, a
hegemonia do mercado financeiro, o arrocho econômico mundial
181

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

requerido para o ajuste de economias centrais e o desemprego


estrutural.

Novos temas na Agenda Internacional

Não obstante, três grandes conferências pareciam anunciar uma era de


responsabilidades e consensos transnacionais com os grandes temas
que marcariam a agenda internacional na década:

• a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992): difundiu as noções de
desenvolvimento sustentável, de incompatibilidade entre
crescimento demográfico ilimitado e planeta finito, de
subordinação da tecnologia à ecologia, de poluição e pobreza
provocadas pelo consumo incontido, de necessidade de medidas
locais e globais para a proteção do meio ambiente;
• a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos
(Viena, 1993): difundiu a implementação de medidas nacionais, a
interação e a ação conjunta dos órgãos e agências da ONU e de
órgãos globais e regionais para o fomento de uma cultura comum
e universal sobre direitos humanos;
• a Rodada Uruguai do GATT – Acordo Geral de Comércio e Tarifas
(1994), que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC):
regulamentação dos fluxos de bens, serviços e propriedade
intelectual entre os países e a solução de controvérsias a respeito.

Direitos humanos, meio ambiente e comércio internacional eram


questões-chave nos anos 1990. São temas que afetam não a um Estado
isoladamente ou a um grupo específico de pessoas. De fato, são
assuntos que dizem respeito à humanidade como um todo.

A Questão da Segurança

Houve aumento considerável na demanda por serviços de garantia e


manutenção de paz junto à ONU, expresso no número crescente de
resoluções do Conselho de Segurança, apesar de esse fato não ter sido
acompanhado de vontade política para a sua implementação.

Pequenas e grandes operações de paz, com baixos ou nulos índices de


sucesso, como no Camboja, na Somália, em Ruanda, na ex-Iugoslávia,
começaram a lançar dúvidas sobre a sua real capacidade operacional. O
custo relativamente reduzido dessas operações em comparação com os
orçamentos nacionais de segurança demonstrava que não se tratava de
182

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

um óbice financeiro, mas, de um impasse político nas relações


internacionais.

A Guerra do Golfo, de 1991, pareceu anunciar um retorno do velho


imperialismo ocidental sob cobertura da ONU, o que contribuía para
tornar mais difícil um consenso internacional de aprovação às novas
operações de paz. O que parecia para o mundo na década de 1990 era
que a ONU estava falhando em sua missão de prevenção (e os países
ocidentais não estavam incrementando seus intuitos de fiscalizar os
resultados dos conflitos regionais, a não ser quando afetassem seus
interesses essenciais ou de segurança imediata). Aumentava a
descrença em resultados duradouros de intervenções maciças e
multilaterais, como ocorreu no Oriente Médio durante a Guerra do Golfo
e na ex-Iugoslávia, e, já no início do século XXI, com o Iraque. O fato é
que restrições políticas, econômicas e, muitas vezes, eleitorais
conjugavam-se para impedir a construção de um sistema de segurança
global, o que reforça a tendência das relações internacionais
contemporâneas para a adversidade de sistemas de segurança e para a
regionalização.

A Europa da década de 1990 busca a fórmula do concerto do século XIX


mais do que a construção de uma nova balança de poder. A Rússia, por
sua vez, após extinguir o Pacto de Varsóvia e opor-se à extensão da
OTAN ao Leste, reivindica papel especial nesse concerto, ao mesmo
tempo em que a Inglaterra reforça a sua inclinação para a OTAN e para
os EUA, e a França busca caminhos independentes, como a retomada do
desenvolvimento de uma força nuclear própria.

O Oriente Médio tornou-se um barril de pólvora após o fim da Guerra


Fria ter “descongelado” o ambiente litigioso que se formara desde 1948,
com a criação do Estado de Israel, na Palestina, pela ONU. A questão
palestina tornou-se um dos principais motivos de instabilidade na
região, contribuindo para o desenvolvimento de núcleos terroristas –
alguns supostamente apoiados por países islâmicos – que viam não só
em Israel e nos EUA, mas também nos valores ocidentais um inimigo
contra o qual se justificaria uma “guerra santa”. A Guerra do Golfo
evidenciou a divisão dos mundos árabe e muçulmano e uma
comunidade de segurança ao estilo europeu ainda está longe do
horizonte regional.

O Nordeste Asiático tornou-se um complexo regional em que se


confrontam os interesses de três Grandes Potências (Japão, China e
Rússia) e da Superpotência (EUA), os quais têm raízes na questão das
183

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

duas Coréias, na questão de Taiwan e na rivalidade entre EUA e Japão


relativa às políticas de comércio exterior e a outras questões
econômicas, além da rivalidade econômica já sinalizada para o século
XXI: EUA e China. A Associação das Nações do Sudeste Asiático
(ASEAN)40 e a América Latina compõem o que se denomina de
“comunidade pluralista de segurança”, para usar expressão de Karl
Deutsch: as duas regiões permaneceram à margem dos confrontos
Leste-Oeste mais importantes e criaram instituições de controle da
segurança, o que tornou o grau de tensão e de conflitos potenciais em
seus territórios muito baixo. Já o Caribe e a América Central
continuaram a ser, depois da Guerra Fria, zonas de intervenções
unilaterais dos EUA, como demonstraram as operações no Panamá e no
Haiti e a política de embargo ao regime de Cuba.

A Pax Americana, por seus métodos e imposições unilaterais, vem sendo


cada vez mais contestada pelo Ocidente, principalmente pelos países da
Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União Européia. O
papel dos EUA como principal agente do policiamento mundial, segundo
muitos autores, tem pouca chance de vingar como novo paradigma
geopolítico mundial, em virtude da sua visão unilateral e introspectiva
da ordem internacional, da baixa capacidade de diálogo, do peso do
xenofobismo (principalmente em períodos eleitorais) e da dificuldade em
tolerar os interesses de outros povos e comunidades em jogo nas
relações internacionais.

40
Associação estabelecida em 1967, atualmente composta por 10 países (Brunei,
Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Miamar, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietnã).
Entre seus objetivos, incluem-se acelerar o crescimento econômico e social na região,
e o de garantir a paz e a estabilidade entre seus membros por meio da cooperação
184
entre eles.

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Auto-avaliação
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique no
seguinte ícone: AV

1) Sobre a Guerra Fria e a Nova Ordem Mundial, julgue as assertivas e


indique a alternativa correta:

I – Dois eventos importantes que marcam o fim da guerra fria são a


reunificação da Alemanha e a Primeira Guerra do Golfo.
II – A última década do século XX é de grandes transformações na
sociedade internacional. Com o fim da disputa bipolar, novos conflitos
regionais se desenvolvem, muitos com a presença de fortes
características nacionalistas. Exemplos desses conflitos são as guerras
civis na Ex-Iugoslávia e em Ruanda/África.
III – A Guerra Fria chega a seu término no final da década de 1980, com
o colapso dos EUA e a conseqüente vitória da URSS, hoje chamada
Comunidade dos Estados Independentes (CEI).

De acordo com os enunciados acima:

a) Apenas a alternativa I está correta.


b) Apenas a alternativa II está correta.
c) Alternativas I e II estão corretas.
d) Alternativas II e III estão corretas
e) Todas as alternativas estão corretas.

Exercício de fixação

1. Discorra sobre as incertezas e complexidades das relações


internacionais a partir da década de 1980. (Resposta entre 5 e 15 linhas).

185

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Unidade III
Módulo IV – O Sistema Internacional no Século
XXI: Perspectivas

Objetivo

Ao final do módulo, o aluno deverá ser capaz de identificar os aspectos


principais da agenda internacional para o século XXI, temas estes que
serão aprofundados no Curso de Introdução às Relações Internacionais
II.

O SISTEMA INTERNACIONAL NO SÉCULO XXI:


PERSPECTIVAS

Observações iniciais

Com o presente módulo, chegamos ao término do Curso de Introdução


às Relações Internacionais I. Nos módulos anteriores, você pôde ter um
contato inicial com aspectos importantes do estudo das Relações
Internacionais, em especial aspectos teóricos e históricos, os quais lhe
darão base para entender e discutir pontos importantes da Agenda
internacional, que serão abordados. Lembramos sempre que não
esgotamos o assunto nos dois cursos41.

41
Atenção: Convém ter em mente que este é um curso introdutório, com o objetivo de
possibilitar ao cursista, por meio de noções básicas da disciplina e da discussão de
alguns temas, a inserção, com mais segurança, no estudo das Relações Internacionais.
186

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
Assim, ao longo deste curso, você foi apresentado a conceitos
importantes de Relações Internacionais, como Sociedade Internacional,
Sistema Internacional, Ator Internacional, Forças Profundas,
Hegemonia, Potências. É importante que tenha fixado esses conceitos,
pois serão constantemente empregados no REL II.

Por meio deste curso, você teve, também, noções das principais
correntes teóricas que buscam entender e explicar as Relações
Internacionais. Dessa maneira, você já sabe que há diferentes maneiras
de se perceber o complicado mecanismo das relações entre os povos,
inclusive com explicações antagônicas e conflitantes, mas bem
fundamentadas.

Nesse sentido, já sabe, ademais, que Relações Internacionais só


passaram a existir como disciplina autônoma a partir do século XX e que
as primeiras escolas foram estruturadas na Europa e nos EUA,
garantindo um forte caráter ocidentalista na percepção do cenário
internacional nesses primeiros estudos. Antes de existir como disciplina
independente, estava vinculada aos estudos de Direito, Economia,
Sociologia, Ciência Política, entre outros. Daí seu caráter altamente
interdisciplinar.

Entre as grandes correntes teóricas de Relações Internacionais, você


deve ter em mente que os dois grandes eixos teóricos baseiam-se no
Realismo e no Idealismo. Ao longo do século XX, as correntes e
doutrinas de Relações Internacionais se desenvolveram em torno do
debate entre essas duas percepções de como funcionavam as relações
entre os povos. Sugerimos que recapitule os principais aspectos dessas
correntes, suas atualizações e, finalmente, aquelas correntes que
buscaram desenvolver-se contestando ambas ou tentando sintetizá-las.

Uma vez que o Realismo continua sendo a corrente teórica mais


importante das Relações Internacionais, um módulo especial foi
destinado a essa corrente. Mesmo que você se sinta mais propenso a
aderir a outras escolas, é conveniente conhecer os aspectos principais
do Realismo, sua perspectiva e as críticas à corrente, uma vez que
parece ser ela a imperante no processo decisório das Grandes Potências.
Ademais, ainda que não estejamos de acordo com a maneira pragmática
– para alguns até inescrupulosa – como os realistas tentam explicar e
conduzir as relações internacionais, é importante conhecê-la bem, pois
aqueles que forem de alguma maneira atuar no cenário internacional
irão deparar-se constantemente com condutas realistas, sobretudo com 187
relação aos temas mais sensíveis.

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Outro importante tema objeto deste curso foi a Sociedade Internacional


e sua evolução ao longo dos séculos. Após lhe serem apresentados os
conceitos e as características gerais da Sociedade Internacional, foi-lhe
fornecida uma breve noção de como evoluiu essa Sociedade do século
XVI ao século XX. Convém ressaltar que foram tratadas apenas
informações gerais sobre alguns aspectos relevantes da História da
Civilização Ocidental, que são necessários à compreensão do Sistema
Internacional de nossos dias.

Importante recapitular, por exemplo, a estruturação do Sistema


Internacional em unipolar, bipolar ou multipolar em diferentes épocas e
subestruturas. Vale ter em mente eventos importantes que marcaram
as Relações Internacionais da Era Moderna, entre os quais, convém
destacar:

•a Conferência de Westfália (1648);


•a Revolução Francesa (1789);
•o Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu;
•a Revolução Industrial e o Neocolonialismo, a partir do século XIX;
•a Primeira Guerra Mundial;
•a Revolução Russa e o surgimento da União Soviética;
•o período entre-guerras (1919-1939), tão relevante para nossa
disciplina;
• a Segunda Guerra Mundial;
• a Guerra Fria;
• o colapso do bloco soviético e a Nova Ordem Internacional da
década de 1990.

Com base no que foi apreendido neste curso, você estará capacitado,
portanto, a compreender melhor as grandes questões de Relações
Internacionais do século XXI. Algumas dessas questões serão objeto do
do REL II, bem como aspectos de assuntos internacionais que afetam
diretamente o Brasil e os brasileiros. Também será objeto de um
módulo do próximo curso a recente Política Externa Brasileira e a
inserção do Brasil no contexto internacional. Finalmente, teremos
também um módulo dedicado às Relações Internacionais na Constituição
Federal brasileira e ao Poder Legislativo, com seus vínculos com o tema.
Apresentaremos a seguir uma breve introdução a esses temas.

188

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

A Agenda Internacional do Século XXI

Nunca vivemos em um período tão complexo da Sociedade Internacional


quanto nos últimos cem anos e, em especial, no novo século que se
inicia. Com a Sociedade Internacional globalizada, cada vez mais,
questões nacionais e regionais acabam influenciando todo o Sistema
Internacional. O século XXI se inicia com uma agenda internacional42
complexa, conflitante e diversificada.

Assim, temos que buscar analisar e entender o Sistema Internacional


por meio de suas subestruturas – política, econômica, social, jurídica,
cultural, militar-estratégica –, dos Atores envolvidos no processo – há
muito deixaram de ser apenas os Estados nacionais e hoje englobam
organizações internacionais, organizações não-governamentais, a
opinião pública, partidos políticos, empresas multinacionais e, claro, os
indivíduos –, das forças profundas que afetam as condutas dos Atores –
a Economia, mas também aspectos ideológicos, culturais e estratégicos
– e, finalmente, da maneira como se dão as interações nessas
subestruturas – ou subsistemas – e entre elas.

A Questão da Segurança

Há muito que a Ordem Internacional não parecia tão insegura. Com o


colapso da URSS e o fim da Guerra Fria, acreditava-se que, finalmente,
o planeta chegaria a uma Ordem em que a paz seria norteadora e as
relações internacionais não teriam mais na guerra um de seus aspectos
centrais. A década de 1990 provou que essas aspirações continuavam
uma utopia. Conflitos regionais, guerras civis, crises institucionais em
diversas partes do globo revelavam o que os realistas sempre
afirmaram: não pode existir vazio de poder – onde as forças da Guerra
Fria e do sistema bipolar não mais operavam, sem que nada as
substituísse, o caos imperou. O século XX acabou muito mais
conturbado e complexo do que começara.

O século XXI se inicia com a questão da segurança internacional como


uma das temáticas centrais. Isso se deve, sobretudo, à nova política
externa dos EUA após os atentados de 11 de setembro de 2001. A
prioridade da Potência hegemônica seria a defesa de seus interesses e a
segurança de seus cidadãos, onde quer que estivessem ameaçados. E o

42
Quando tratamos de agenda internacional, nos referimos aos grandes temas objeto
da atenção da comunidade das nações.
189

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
Governo de George W. Bush deixou claro que, na cruzada internacional
que os EUA empreenderiam, quem não estivesse com eles estaria contra
eles.

As Novas Ameaças passaram a ser uns dos aspectos mais importantes


da Agenda internacional. Os problemas do crime organizado
transnacional e do terrorismo internacional foram catalisados pelos
novos recursos da Sociedade Internacional globalizada pós-Guerra Fria.
Para muitos, são novas forças que interferem na conduta dos Atores.

Ao lado da guerra contra essas Novas Ameaças, persiste o conflito


interestatal em algumas partes do planeta. A diferença reside na
assimetria entre os combatentes e nas novas tecnologias empregadas
na guerra. As ações armadas contra os talibãs do Afeganistão e a
Segunda Guerra do Golfo refletem esse novo modelo de conflito. Apesar
das vitórias rápidas, as forças de ocupação ainda terão que enfrentar,
durante muito tempo, as mais tradicionais formas de resistência nos
territórios ocupados.

Sem dúvida, a problemática da segurança marcará a Agenda


internacional ainda durante muito tempo. E esse é o aspecto do qual
não podemos descuidar ao estudarmos Relações Internacionais, mesmo
que o Brasil aparente ser um País muito distante desses temas.

Processos de Integração

Os processos de integração – econômica, sobretudo, mas também


política – são outro fenômeno marcante dessa virada de milênio. Em
diversas regiões do globo, blocos se estruturam para garantir a
competitividade de seus membros no mercado internacional. Barreiras
caem, a cooperação é estabelecida e muitos Atores passam a unir-se
com antigos adversários para melhor defender seus interesses.

Nesse fantástico fenômeno da economia global, os processos de


integração econômica conduzem a outras formas de integração e
aumentam a tolerância e compreensão “do outro” na Sociedade
Internacional – ao menos dentro de alguns blocos. Estudaremos alguns
desses processos no curso de REL II.

Novos foros internacionais são estruturados para discutir as questões


econômicas entre os países. A Organização Mundial do Comércio ganha
força. E, ao lado desses foros para se debater a economia global, seria
190

I II III IV I II III IV I II III IV


Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
impossível que não se estruturassem outros, para tratarem de questões
sociais e até políticas.

Superpopulação e Subdesenvolvimento

Apesar das grandes conquistas tecnológicas e do alto padrão de vida em


algumas partes do globo, uma porção significativa da humanidade ainda
vive em nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento. O problema
do subdesenvolvimento, em alguns setores da Sociedade Internacional,
torna-se cada vez mais relevante para os países desenvolvidos,
sobretudo com relação aos problemas causados pelas migrações e pelo
crescimento populacional nos países mais pobres.

A escassez de recursos e a distribuição das riquezas continuam sendo


temas relevantes no século XXI. Esses problemas são agravados com os
riscos de esgotamento dos recursos naturais em virtude do crescimento
demográfico mundial e dos efeitos do modelo produtivo e de consumo
da Sociedade Internacional globalizada no meio ambiente. De fato, caso
a população mundial continue crescendo no ritmo atual, calcula-se que,
por volta de 2050, já serão doze bilhões de seres humanos sobre a face
da terra, de modo que atender a demandas básicas de todas essas
pessoas – concentradas nos países menos desenvolvidos – será um dos
grandes dilemas da Sociedade Internacional. Isso sem falar na
degradação do planeta, que caminha a passos largos.

Questões ambientais

Meio ambiente é outro tema importante que merecerá atenção dos


membros da Sociedade Internacional do século XXI. Afinal, o planeta
inteiro tem sofrido os efeitos da atividade humana moderna. Questões
como o desmatamento, a poluição, a extinção de diversas espécies de
plantas e animais, o processo acelerado de desertificação em diversas
fases do globo e a escassez de água potável, as mudanças climáticas –
com catástrofes a elas associadas – e o efeito estufa marcarão a agenda
internacional desse primeiro século do terceiro milênio.

Ao interferir, modificar e destruir ecossistemas inteiros, o homem


prepara sua própria sepultura. E a questão ambiental deve merecer a
atenção de toda a comunidade internacional, pois os efeitos da
degradação do meio ambiente não reconhecem fronteiras. Ademais, a
preservação do planeta para as futuras gerações envolve ações
concertadas dos países ricos e pobres, uma vez que dificilmente nações
191

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

com dificuldades de desenvolvimento econômico e social poderão


atentar sozinhas para a utilização sustentável dos recursos naturais.

Democracia e Direitos Humanos

A Sociedade Internacional do início do século XXI é marcada pela defesa


da Democracia e dos Direitos Humanos em todo o planeta. Apesar de
ainda existirem governos autoritários e ditatoriais em diversas partes do
globo, acredita-se que esses regimes caminhem rumo à extinção,
parecendo ser a Democracia a opção definitiva de regime político. Esse é
um fenômeno que muito tem influenciado as relações internacionais,
também sendo por elas influenciado. Veremos como isso se tem dado
no curso de REL II.

Como já foi dito no módulo anterior, o Direito Internacional e a proteção


aos Direitos Humanos têm ganhado destaque nas últimas décadas.
Apesar de muitos acreditarem que uma Sociedade Internacional
baseada no Direito seja impossível, houve, nas últimas décadas,
significativa evolução quanto à relevância dos princípios jurídicos para
as relações internacionais. A violação aos Direitos Humanos, por
exemplo, apesar de ainda muito praticada, é condenada por todas as
nações do planeta. Cortes Internacionais de Direitos Humanos43 já
existem em alguns continentes, e uma agressão aos direitos
fundamentais de uma pessoa passa a ser vista como uma agressão a
toda a humanidade.

Os novos Atores Internacionais – e outros não tão novos

Outro ponto que será tratado no curso de REL II diz respeito aos Atores
de destaque no Sistema Internacional no século XXI, aí incluídos os
Atores não-estatais – organizações não-governamentais e empresas
multinacionais, entre outros – e aqueles Estados – ou blocos – que se
destacarão como alternativa ao pólo hegemônico dos EUA – por
exemplo, a União Européia e a China. O papel desses Atores, no cenário
internacional, será, portanto, tema da Agenda internacional do século
XXI.

Com 1,3 bilhão de habitantes e o maior nível de crescimento econômico


da década, a China volta a chamar a atenção da Sociedade

43
Com destaque para a Corte Européia de Direitos Humanos e para Corte
Interamericana de Direitos Humanos, que foi presidida pelo brasileiro Antônio Augusto
Cançado Trindade, nosso maior especialista no tema e um dos mais renomados em
todo o globo. 192

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Internacional, sobretudo por sua penetração na economia global e por


seu poder político e militar. Tem a China reais possibilidades de ocupar,
no século XXI, a posição que fora da União Soviética frente à hegemonia
estadunidense no século anterior? Como os EUA têm percebido essa
questão? E os Estados vizinhos dos chineses, entre eles, Potências como
a Rússia e o Japão, quais os interesses desses Atores relacionados à
projeção internacional chinesa? Quais as possíveis conseqüências da
projeção de poder da China no cenário internacional?

A União Européia tem sido vista por alguns como alternativa ao


unipolarismo dos EUA. Quanto a aspectos econômicos, a Europa
conseguiu reerguer-se após duas Guerras Mundiais e integrar-se,
rivalizando com os EUA. O euro – atualmente mais valorizado que a
moeda estadunidense – já é considerado moeda alternativa ao dólar,
como reserva internacional. Politicamente, a Europa tem passado,
sobretudo com o advento da guerra contra o Iraque, por divergências
entre seus membros. Em 2004, com a incorporação de mais dez países
do antigo bloco socialista, a União Européia passou a compor-se de 25
Estados, muitas vezes, com mais diferenças que similitudes. O destino
dessa Europa unificada e suas relações com outros países e blocos – e aí
incluímos o Mercosul – é outro tema importante da Agenda internacional
do século XXI.

O Brasil e as Relações Internacionais

Finalmente, parte do próximo curso será dedicada às relações


internacionais do Brasil e ao papel do Parlamento brasileiro na Política
Externa do País. Nesse sentido, convém relembrar que, como um dos
maiores e mais populosos países do globo, com uma das maiores
economias do planeta e com pretensões de liderança internacional, é
fundamental que o País não se descuide de temas de Relações
Internacionais.

Entre os temas da Agenda internacional importantes para o Brasil,


encontram-se a consolidação do Mercosul, a aproximação com outros
países na América Latina, na África e na Ásia, a manutenção das boas
relações com os EUA e com a Europa. Ademais, não se pode esquecer a
relevância da participação brasileira no estabelecimento da Área de Livre
Comércio das Américas (Alca), as negociações comerciais com a União
Européia, e a atuação do País em diversos foros e organismos
internacionais, como a ONU, a OMC e a OEA.

193

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
O Congresso Nacional tem papel importante nas relações internacionais
do Brasil. Nesse sentido, dispõe de Comissões, tanto na Câmara como
no Senado, encarregadas de garantir a participação do Poder Legislativo
em temas como a escolha de embaixadores e a aprovação de qualquer
tratado internacional assinado pelo País. Daí a importância de se ter
quadros no Poder Legislativo capacitados a entender os complexos
mecanismos do Sistema Internacional.

A manutenção de quadros com conhecimentos de relações


internacionais também é importante no âmbito dos Governos e das
Assembléias estaduais, sobretudo porque os Estados-membros da
Federação também têm interesses que ultrapassam as fronteiras do
Brasil. Esses assuntos serão tratados no próximo curso.

Este curso permitiu a você familiarizar-se com aspectos relevantes do


estudo de Relações Internacionais. Esperamos que tenha aproveitado
essa primeira parte. Sugerimos, novamente, a revisão dos módulos
estudados, lembrando que há tutores habilitados a esclarecer suas
dúvidas.

Uma última indicação é que explore as sugestões bibliográficas, em


especial as acessíveis por meio da Internet, ferramenta que é um dos
maiores trunfos da globalização e da integração entre os povos do
mundo.

No próximo curso, o REL II, trataremos de questões específicas


de Relações Internacionais. Até lá!

194

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I
Auto-avaliação
Para acessar as questões objetivas, retorne à Plataforma e clique no
seguinte ícone: AV

1) Qual das assertivas a seguir não se aplica às perspectivas do Sistema


Internacional para o século XXI:

a) A prioridade de política externa da Potência


hegemônica é a defesa de seus interesses e a segurança de seus
cidadãos.
b) O crime organizado transnacional e o terrorismo
internacional como novas forças que interferem na conduta dos
Atores tradicionais, os Estados.
c) Confirmação da tendência de separação entre
Estados tradicionalmente adversários nos processos econômicos
de regionalização.
d) A necessidade de atuação concertada entre países
dos hemisférios Norte e Sul para minimizar os efeitos da
degradação do meio ambiente.

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Introdução às Relações Internacionais I

Unidade III

Avaliação 3

1. Disserte sobre a importância da II Guerra Mundial para as


Relações Internacionais do século XX. (Resposta entre 20 e 30
linhas)

2. Como se deu o fim da Guerra Fria e quais as características da


Nova Ordem Internacional dos anos 1990? (Resposta entre 20 e
30 linhas)

3. Que Ator(es) poderá(ão) representar uma alternativa à hegemonia


estadunidense neste primeiro século do terceiro milênio? Justifique
sua resposta. (Resposta entre 10 e 15 linhas)

196

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Unidade I Unidade II Unidade III
Introdução às Relações Internacionais I

Bibliografia Básica

ACCIOLY, Hildebrando & Silva, G. Estado do Nascimento. Manual de


Direito Internacional Público. 14.a ed., São Paulo: Saraiva, 2000.
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Introdução às Relações Internacionais I

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http://users.erols.com/mwhite28/20centry.htm

Atlas histórico e geográfico (em francês):


http://perso.wanadoo.fr/alain.houot/index.html

Banco Mundial: http://www.worldbank.org/

Camada dos Deputados: http://www.camara.gov.br/

Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul (Representação Brasileira):


http://www.camara.gov.br/mercosul/

Comunidade Andina: http://www.comunidadandina.org/

Consultoria Legislativa do Senado Federal:


http://www2.senado.gov.br/conleg/artigos.htm

Cooperação Economia Ásia-Pacífico (em inglês):


http://www.apec.org/apec.html

Corte Interamericana de Direitos Humanos (em inglês e espanhol):


http://www.corteidh.or.cr/index.html

Corte Penal Internacional (em inglês e francês): http://www.icc-cpi.int/

Country Reports (em inglês): http://www.countryreports.org/

Delegação da Comissão Européia o Brasil: http://www.delbra.cec.eu.int/

Fundo Monetário Internacional (em inglês e francês):


http://www.imf.org/

História Internacional do projeto da Guerra Fria (em inglês):


http://wwics.si.edu/index.cfm?topic_id=1409&fuseaction=topics.home

História por Voltaire Schilling: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/

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Instituto Rio Branco do Ministério das Relações Exteriores:


http://www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm

Mercado Comum do Sul: www.mercosul.gov.br

Ministério das Relações Exteriores: http://www.mre.gov.br

O Lugar da História (em inglês): http://www.historyplace.com/

Organização das Nações Unidas: www.un.org

Organização dos Estados Americanos: http://www.oea.org

Os grandes conflitos mundiais do século XX:


http://grandesguerras.com.br

Paulo Roberto de Almeida:


http://www.pralmeida.org/flashPortugues.html

Políticas da Guerra Fria 1945-1991: (em inglês):


http://history.acusd.edu/gen/20th/coldwar0.html

Presidência da República: https://www.planalto.gov.br/

Presidência dos Estados Unidos (em inglês): http://usinfo.state.gov/

Relações Internacionais por Fagundes Vicentini:


http://educaterra.terra.com.br/vizentini/

Senado Americano (em inglês) http://www.senate.gov/

Senado Federal: http://www2.senado.gov.br/sf/

Sistema de Informação sobre Comércio Exterior:


http://www.sice.oas.org/ftaa_p.asp

Tribunal Penal Internacional para a ex-Ioguslávia:


http://www.un.org/icty/index.html

União Africana: http://www.africa-union.org/

União Européia: http://europa.eu.int/index_pt.htm

201

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