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Coleção PASSO-A-PASSO

Clarice Cohn
CIÊNCIAS SOCIAIS PASSO-A-PASSO

Direção: CensoCastra

FILOSOFIA PASSO-A-PASSO

Direção: Denis L. Rosen$etd

PSICANÁLISE PASSO-A-PASSO

Direção: Marco Antonio Coutitlho Jorre


L
Antropologia da criança

Jorge ZAHAR Editor


Ver!isto de títulos tlo final do volume Rio de Janeiro
Antropologia da criança
Sumário

Copyright © 2005, Clarice Cohn Introdução 7


Copyright desta edição © 2005:
11
Jorge Zahar Editor Ltda. Estudos pioneiros em antropologia
rua léxico 31 sobreloja
20031-144Riode Janeiro,RJ 18
Uma nova antropologia da criança
tel.:(21) 2240-0226/ fax:(21) 226215123
e-mail: jze@zahar.com.br
site: vrww.zahar.com.br A criança e a infância 21

Todos os direitos reservados.


A criança atuante 27
A reprodução nã'o-autorizada desta publicação, no todo
arte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.6 10/98)
A criança produtora de cult ura 33
Composição eletrânica: TopTextos EdiçõesGráficas Ltda.
Impressão: Cromosete Gráfica e Editora Educação e aprendizagem 36

Capa: Sérvio Campante.


Uma palavra sobreinterdisciplinaridade
41
e aplicação da pesquisa
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. 45
Metodologias e técnicas de pesquisa
Cohn, Clarice
Conclusões: as crianças daqui e de lá 48
C629a Antropologia da criança / Clarice Cohn. -- Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005
(Passo-a-passo;57) 51
Referências efontes
Incluibibliografia 54
ISBN 85-71 10-855-2 Leituras recomendadaS

1. Crianças -- Pesquisa. 2. Educação de crianças.- Sobrea autora 58


Pesquisa. 3. Aprendizagem - Pesquisa. 1. Título. 11. Série.

CDD657
05-1475 CDU657
Introdução

O que é a criança? O que é ser criança? Como vivem e pensam


as crianças? O que significa a infância? Quando ela acaba?
PergLultasnada simples de responder. Pelo contrário,
elas podem esconder ullaa armadilha. Afinal, as crianças
estãoem toda parte, todos fomos criançasum dia, todos
temos, desejamos ou não desejamos ter crianças. A literatu-
ra nos oferecetextos de autoresfamososque nos contam
sua infância, poetas românticos falam com nostalgia de seu
tempo de criança. É como se tudo já fossesabido, como se
não houvesseFspaço para dúvidas.
Mas não é bem assim.Mesmo se fâsselnosrecolher
todas essasinformações sobre a infância e as crianças, Vería-
mos que um punhado de idéias diferentes se apresentam. A
criança pode ser a tábula rasa a ser instruída e formada
moralmente, ou o lugar do paraísoperdido, quando somos
plenamente o que jamais seremos de novo. Ela pode ser a
inocência(e por isso a nostalgia de um tempo quejá passou)
ou um demoniozinho a ser domesticado (quantas vezes não
ouvimos dizer que "as crianças sãocruéis"?). Sejacomo for,
en] todas essasidéias o que transparece é uma ínzízgenze/n

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Clarice Cohn Antropologia da criança 9
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seushorizontes de estudo,não deixou de se definir como


negativo dà criança: quando falamos assim, estamos usan-
do-a como.um contraponto para falar de outras coisas, uma ciência social com certas particularidades.
.como â vida em sociedadeou as responsabilidades da idade Fazer antropologia é tentar entender um fenómeno em
seu contexto social e cultural. É tentar entendê-lo en] seus
adulta. E, pior,.com isso afirmamos uma cisão,uma grande
divisão entre d mundo adulto e o das crianças. próprios termos. Desdecedo,os antropólogos têm insistido
Portanto, se quisermos realmente responder àquelas na necessidadede abordar as culturas e as sociedadescomo

questões,precisamos nos desvencilhar das imagens pre' sistemas,o que significa dizer que qualquer evento, fenóme-
concebidas e abordar esseuniverso e essarealidade tentando no ou categoria simbólica e social a ser estudado deve ser
entender o que há neles,e não o que esperamos que nos ofe- compreendidopor seuvalor no interior do sistema,no
I'eçam. Precisamos nos fazer capazes de entender a criança e contexto simbólico e social em que é gerado.Por isso, não
seu mundo a partir do seu próprio ponto de vista. E é por podemos falar de crianças de um povo indígena sem enten-
isso que uma antropologia da criança. é importante. Ela não der como essepovo pensa o que é ser criança e sem entender
é a única disciplina cientí6lca que elege esseobjeto de estudo: o lugar que elas ocupam naquela sociedade-- e o mesmo
a psicologia, a psicanálise.e a pedagogia têm lidado com es- vale para as cri.onças nas escolas de uma metrópole. E aí está
sas questões há muito tempo. Mas é aquela que, desde seu a grande contribuição que a antropologia pode dar aos
nascimento, se dedica a entender o ponto de vista daqueles estudos das crianças: a de fornecer um modelo analítico que
sobre quem e com quem fala, seus objetos de estudo. permite enteQdê-las por si mesmas; a de permitir escapar
A antropologia se firma como um ral-no do conheci- daquela imagem em negativo, pela qual falamos menos das
mento em fins do século XIX e começo do XX, como a criançase mais de outras coisas,como a corrupção do
ciência social responsável pelo estudo de outras sociedades
homem pela sociedadeou o valor da vida em sociedade.
e culturas. Ao longo do século, essa sua definição é cada vez
A antropologia oferece ainda outra coisa: uma meto-
menos precisa, e antropólogos passam a se interessar (tam-
dologia de colegade dados. Atualmente, diversos estudiosos
bém) pelo estudo de nossa própria sociedade. Sem deixar
de estudar outros modos de viver em sociedade, cada vez das criançastêm utilizado o método da antropologia, espe-
mais se dedicam a fenânaenos sociais que nos são próximos. cialmente aquele conhecido como etnografia, entendendo
ser esseo melhor meio de entendê-lasem seuspróprios
Hoje, portanto, uma antropologia da criança pode ser desde
aquela que analisao que significa ser.criançaein outras termos porque permite uma observaçãodireta, delas e de
culturas e sociedades até aquela que fala das que vivem em seusafazeres,e uma compreensãode seu ponto de vista
um grandecentro urbano. Sea antropologia ampliou assim sobre o mundo em que se inserem.
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10 Clarice Cohn Antropologia da criança

A etnografia,para falar muito brevemente,é'um mé- sociedade ou estrutura e agência, são revistos e reformula-
todo em que o pesquisador participa ativamente da vida e dos.Além disso, algo que não é menos importante: come-
do mundo social que estuda, compartilhando seusvários çou-sea perceber na criança um sugeitosoda/. A partirdegsa
momentos, o que ficou conhecido como obter açãoparfící- reformulação, que apresentaremos a seguir, novos estudos
pa/lfe. Ele também ouve o que as pessoasque vivem nesse vêm sendo propostos e realizados, e com eles novas desco-
mundo têm a dizer sobre ele, preocupando-se em entender bertas sobre o mundo das crianças têm surgido. Este livro
o que ficou conhecido como o ponto de l,ísfa do /hfív'o, ou traz um mapeamento dasvárias abordagens antropológicas
seja, o modo como as pessoas que vivem nesse ;universo sobreo tema,além de uma discussão.
sobreos limites e as
social o entendem. Portanto, usando-se da etnografia, um possibilidades de uma antropologia da criança.
estudioso das crianças pode observar diretamente o que elas
fazem e ouvir delas o que têm a dizer sobre o Inundo.
Mas estudar as crianças tem sido um desafio para a Estudospioneiros em antropologia
antropologia. As razõessão muitas, e a principal pareceser
justanaente a dificuldade em reconhecer na criança um Os estudos mais famosos na antropologia que têm as crian-
objeto legítimo de estudo. Aâlnal, em várias esferas,que vão çascomo foco principal são, ainda hoje, os realizados nas
do senso comum às abordagensdo desenvolvimento infan- décadasde 1920 e 30 por antropólogos norte-americanos
til, pensa-Ée nelas como seres incompletos a serem formados ligados à Escola de Cultura e Personalidade, especialmente
e socializados. Por diversas vezes foram propostas aborda- os de Margaret Mead. Essesantropólogos, formados na
gens antropológicas das crianças.No entanto, os esforços escolaculturalista ft)ndada por Franz.Boas,preocupavam-
pareciam morrer e sefecharein si mesmos,e elasforam por se em entender o que significa ser criança e adolescenteem
longos períodos abandonadas pelos estudos antropológi- outras realidades socioculturais, tomando freqüentemente
cos.Até que, nas últimas décadas,acontece uma reviravolta, a sociedade norte-americana da época como um contra-
e elas ganham espaço e legitimidade ein uma variedade de ponto. Definindo a cultura como aquilo que é transmitido
estudos. entre as gerações e aprendido pelos membros da sociedade,
Essamudança diz respeito aos conceitos e pressupostos essesantropólogos se vêem caiu a questão de delimitar o
da própria antropologia como disciplina. É como se a an- que é propriamente cultural, e portanto particular, e o que
tropologia, revendo-se, tornasse possível a abordagem deste é natural, e portanto universal, no comportamento huma-
universo em seus próprios termos. Desde a década de 1960, no. Essassão asbases de um debate famoso, o que diferencia
conceitos fundamentais da antropologia, como cultura e nafzzre e nurfure, ou o que é inato e o que é adquirido.
Antropo\og\a da cr\anca \3
12 Clarice Cohn

É com essasquestões que Mead, psicóloga e antropó- tempo suficiente em Samoa e entre os adolescentes,e, pior,

loga em sua formação, parte pára fazer um estudo da ado- teria levado suasinformantes a dizer o que ela tanto queria
lescência em Samoa, nas ilhas norte-americanas do Pacífico. ouvir. Sua crítica Ihe dá notoriedade, e inicia Lmlapolêmica,
Tendo sido encaminhada por seuprofessor Franz Boas para pela qual se afirma que ele exagerou em suas considerações.
verificar. se os dilemas e a rebeldia vividos pelos adolescentes Justiça seja feita: antes mesmo de sequer saber que rece-
norte-americanos eram uma facetauniversal dessemomen- beria essascríticas, Mead foi refinando seus métodos de co-

to do ciclo de vida, Mead analisa ascondições e a experiência leta de dados, em trabalhos sobre as crianças menu e bali-
nesas.Entre os Manu da Nova Guiné, Mead estudou as
da adolescênciaem Sam.oae conclui que os conflitos e as
criançasle o modo como vão aprendendo as competências
rebeldias juvenis americanas sãodados culturais, não expli-
necessárias para a vida adulta. Em seu livro Growing aP in
cáveispor .iinlacondição biológica. Para éla, a própria idéia New GuÍnea, ou "Crescendona Nova Guiné': elademonstra
de adolescência não é universalizável, e deve ser de6lnida em
uma fina capacidade de observar e descrever as crianças
contexto. Além disso, demonstra que, em Samoa, esseé um manu.
período de liberdade e que, vivendo em uma cultura homo- Em Bala,em companhia de seu marido, o antropólogo
gênea, as men-mas precisam fazer menos encolhas, e por isso britânico Gregory Bateson,elabora um método fotográfico
vivem menos conflitos. de análise do cotidiano das crianças e de suas interações.
O livro em que publica seus achados,em 1928 Enquanto ela tomava notas,Bateson tirava fotos, que abran-
Comi/zgafaga ín mamoa(ou, em uma tradução livre, "Vi- giam desde asbrincadeiras das crianças até os modos como
rando adulto em Samoa") --, torna-se um best-se/Zer,
o que eram ca:rregadas por suas mães e as interações com a antro-
ela explica pelo fato de ter sido escrito "em inglês': ou seja, póloga.Essetrabalho saipublicado, em 1942,como um livro
sem grandes tecnicismos e debates especializados.No en- de fotografias chamado .BaZínese
C/zaracfer:A Photographíc
tanto, recebe,décadasdepois, uma dura crítica de seuspares, .Anal'sí$, ou. "A personalidade balinesa: uma análise fotográ-
quando outro antropólogo, Derek Freeman,vai às ilhas e fica't Suas conclusões principais versavam sobre o modo de
não reconhece no que vê o que havia lido nos trabalhos de aprendizado dos balineses,que o casal de antropólogos
Mead. Sua crítica pode ser resumida em dois pontos: o definiu como visual (pela observação) e cinestético (porque

primeiro, de que ela estaria tão ofuscada pela vontade de os movimentos de danças,por exemplo,eram aprendidos
demonstrar a particularidade cultural da adolescência e o com o professor-tutor movimentandoo corpo de seu
contraste coh os Estados Unidos que .teria exagerado na aprendiz), concluindo seresseum tipo de aprendizadoque
liberdade e liberalidade das adolescentesde Samoa; o se- ensinaria a passividade e uma consciência particular do
corpo.
gundo é metodológico, e afirma que ela não teria passado
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Clarice Cohn Antropologia da criaríça
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diferencial cultural como a formação de padrões de perso-


A ênfasena formação da personalidade expressabem
nalidades, essa corrente da antropologia corre o risco de
uma das preocupações dessaescola:a relação do indivíduo
ssaros estudos na questão de como a criança é formada
com a sociedadeein termos de suaformação como um tipo
e como adquire competências culturais esperadaspara a vi-
especí6lco de personalidade. O estudo de Ruth Benedict,
da adulta. Essesestudos estão marcados pala cisão entre a
Padrões de cuZzlura,apresentava exatamente isso: como as
vida adulta e a da criança, e remetem a uMa idéia dé imatu-
culturas conformam os comportamentos humanos em ter-
ridade e desenvolvimento da personalidade madura. Assim,
mos de uln ideal, ilustrando-o a partir de três tipos de
personalidade encontrados em povos diversos. A própria supõem um fim último do processo de desenvolvimento,. o
adulto ideal da sociedade em questão, seja ela balinesa,
Mead fez também esseexercício em Sexo e temperamento,
francesaou norte-americana =-- adulto esseque é, em últi-
discutindo os papéisde gêneroem três sociedades,e de-
ma instância, definido no e pelo estudo científico.
monstrando que todos elesdivergiam em pontos importan-
tes daquelesencontrados nos EstadosUnidos. Outros an- Um segundomomento dos trabalhos nessa.
áreaédado
pelas pesquisas dos antropólogos britânicos marcados pelas
tropólogos dessaescola abordaram a questão, cunhando o
termo "caráter nacional" para designar as personalidades preocupações da escola estrutural-funcionalista fundada

ideais e típicas às nações, como o japonês "disciplinado" eo por RadcliKe-Brown. Essavertente de análise se firma em
contraposição às americanas, negando o psicologismo que,
russo "esquentado': É interessante que, com inspirações
como afirmam em suas críticas, as definiriam. A eles, não
psicanalistas, essesantropólogos estudam a primeira infân-
interessa a formação da personalidade ideal, mas situ as
cia e, por exemplo, modos de ninar e embalar as crianças,
de ensinar a higiene pessoale de disciplinar os comporta- práticas e o processo de socializaçãodos indivíduos. Não é
mentos como definidores de padrões culturais, como deter- uma questão de aquisição de cultura e competências, afir-
mam, mas de delimitação dos papéis e relaçõessociais
minantes na formação da personalidade ideal, adulta, de
suas sociedades. envolvidas nessesprocessos e que embasam e realizam essas

Seessestrabalhos têm a inegávelimportância de dar práticas.


No estrutural-funcionalismo, ak sociedades são enten-
visibilidade aos estudos da criança e sugerir métodos e
didas como um sistema de papéis e relaçõessociaisque
temasdeobservação,colegae análisededados,demonstran-
do que a experiência das crianças é cultural e só pode ser podem ser observados, descritos e analisados pelo pesqui-
entendida em contexto, elesnão obstante sobem com al- sador. Essespapéis definem o lugar do indivíduo na socie-
dade, e estão ligados a outros, conformando assim uma
guns de seus pressupostos analíticos. Tomando a cultura
totalidade social a ser reproduzida inde6lnidamente.As ge-
como aquilo que é adquirido e transmitido e o grande
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16 Clarice Cohn Antropologia da criança

rações se sucedem, e cada qual vai assumindo um papel os trabalhos desenvolvidossobre ela são também menos
social que Ihe antecedee de6lne seu status e posição na comuns. Mas a questão do choro (ou da "birra") infantil e
sociedade.Com essespressupostos,a criança dos estudos daspráticas socializadoras a elerelativas, exploradas em um
estrutural:funcionalistas sevê relegadaa protagonizar um estudo de Bárbara Ward sobre Hong Kong, pode ser bem
papel que não define. Suasaçõese representações simbólicas ilustrativa. A começar, porque, como diz a própria autora,
não precisam ser estudadas, portanto, para que se defina seu essaquestão foi incidental em sua pesquisa, voltada que era
lugar no sistema:são dadasbelo próprio sistema.O que se ao sistema socioeconómico. Mas, observando quando e por
e.studa,então, são os grupos de mesma faixa etária (os que as crianças choram, e qual a reação dos mais velhos, ela
pares), as categorias de idade, as passagensentre categorias nos mostra como a agressividadee a falta de controle são
de idade e status sociais,e seu papel funcional. As interações desencorajadas por essasociedade, e como o choro não é,
sociais 'estudadas limitam-se àquelas com o que se define lá, e relativamente, uma estratégiabem-sucedida de chamar
como "agentesde socialização': sejam elesadultos ou mem- a atenção e buscar cuidados. Sua explicação, porém, não é
bros mais Velhos de um grupo de jovens. Quando falam de dada pela formação da personalidade ideal em Hong Kong,
aquisição de competências, referem-se àquelas necessárias mas pela inserção da criança e do adolescente no sistema
para que.se realize um determinado papel social. E, coeren- estrutural e pelo valor da agressividadena definição de
tes com o pressuposto da sociedade como um sistema, papéis sociais. O que ela nos diz é que o esvaziamento do
quando falam de socialização,falam de práticasque têm choro como um recursode garantiade cuidadospelas
como objetivo a iíiserção dos indivíduos em categorias crianças hão significa falta de cuidados em geral, e deve ser
sociais que conformam um sistema, o qual deve ser articu- entendida)em seucontexto social. E essecontexto é o de uma
lado ênaliticamente pelo pesquisador. Recusa-seàscrianças, inserção gradativa na sociedade (pouco problemática por-
po.rtanto, uma parte atava na consolidação e definição de seu que sem grandes rupturas e sem exigências de que se faça
lugar na sociedade: elas são vistas como um receptáculo de mais do que se é capaz),de uma consciênciado papel
papéis funcionais que desempenham, ao longo do processo exercido e de uma valorização do autocontrole em detri-
de socialização,nos momentos apropriados. mento dà agressividadenos papéis de liderança.
f''ara ilustrar essacorrente, vejamos como a socializa- Os É)ressupostose as técnicas de pesquisa que vimos
ção é exploradano trabalho de uma antropóloga filiada a nessasduas correntes,a culturalista e a estrutural-funciona-
ela. A escolha do tema não foi aleatória, mas sim para lista, estão presentes também nas análises feitas no Brasil
permitir uma comparação com as análises que descrevemos nessemesmo período. Elas dizem respeito à educação,como
acima. Como a socialização é menos central a essacorrente, chamam os autores, em sociedadesindígenas brasileiras, e
18 Clarice Cohn 19
Antropologia da criança

versam sobre a inserção dos indivíduos na sociedade e a Novas formulações para conceitos centrais ao debate antro-
formação de uma personalidade ideal. Nos estudos pionei- pológico surgem, permitindo (jue se estude a. criança de
ros de Egon Schaden (sobre as crianças guarani) e Florestan maneirasinovadoras. Dentre eles,o conceito de cultura, de
Fernandes (sobre a socialização entre os Tupinambá), esses sociedade e de agência, ou de ação social. Essasrevisões
pressupostosculturalistas e funcionalistas são reencontra- serão apresentadasaqui de modo sistemático, e certamente
dos. Ambos falam de uma personalidade ideal, do valor da não exaustivo, apenas para que possamos entender a virada
repetição, da homogeneização cultural e da certezasobre o que aconteceunessecampo dos estudos antropológicos.
papel social que ocupam como sendo determinantes para Na revisão do conceito de cultura, os antropólogos, ao
entender o lugar dos "imaturos" nessassociedades. invés de toma-la como algo empiricamenteobservávele
As contribuições de todos essesestudos para a análise delimitado, cada vez mais abdicam de falar em costumes,
das crianças em seu contexto sociocultural são inúmeras, e valores ou crenças para frisar que o que de fato interessa está
certamente seria um erro renega-los como um todo. Porém, mais embaixo. Ou seja, não são os valores ou ascrenças que
seus pressupostos limitavam seu alcance. Dentre eles, o de são os dados culturais, mas aquilo que os confonna. E o que
que às crianças é inculcada a cultura, ou o de que elas são os conforma é uma lógica particular, uin sistemasimbólico
socializadas, ou seja, inseridas por agentes e práticas socia- acionado pelos atires sociais al.cada momento para dar
lizadoras na sociedademais ampla. Enfatizando ora a cul- sentido a suasexperiências. Ele não é mensurável, portanto,
tura, a aquisição de competências e a formação de persona- e nem detectável em um lugar apenas é aquilo que .faz
lidades, ora a inserção na estrutura social, essasanálises com que as pessoaspossam viver em sociedade comparti-
pressupunhamum fim último e uma imutabilidade do Ihando sentidos, porque eles são formados a partir de um
processo estudado e conhecido pelo pesquisador, marcado mesmo sistema simbólico. Sequisermos .tentar uma analo-
que estavapela reprodução social e transmissãocultural. gia, pensemos os valores como as palavras em uma frase, e
Era necessário dar um passo adiante, e sé fazer capaz de a cultura como o sistemalingüístico que .permiteque as
abordar as crianças e suas práticas em si mesmas. pessoas articulem as palavras, as frases e as idéias de um
modo que faça sentido para si e para os outros. Utilizamo-
nos dessesistema simbólico todos os dias, embora não o
Uma nova antropologia da criança conheçamos por inteiro, nem tenhamos consciência de o
fazer.É como a gramática que permite que articulemos uma
A partir da década de 1960, os antropólogos engâjaram-se fala pode ser conhecida; mas não precisa ser retomada
em un] grande esforço de avaliar e rever seus conceitos. conscientemente pelo falante.

a
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Clarice Cohn Antropologia da criança
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Tomando a cultura dessemodo, entendemos melhor intérpretes de um papel que não criaram, mas por criarem
seu funcionamento e também gua mudança. Isso porque a seus papéis enquanto vivem em sociedade.
Essassão revisões de conceitos-chave da antropologia.
cultura não está nos artéfatos nem nas frases,mas na sim-
E, por isso, permitem que se vejam as crianças de uma
bologia e nas relações sociais que os conformam e lhes dão
maneira inteiramente nova. Ao contrário de seresincom-
sentido. Assim, um texto, uma crença ou o valor da vida em
família podem mudar, sem que isso signifique que a cultura pletos, treinando para a vida adulta, encenando papéis so-
mudou ou se corrompeu. A cultura continuará existindo ciais enquanto são socializados ou adquirindo competên-
cias e formando sua personalidade social, passam a ter um
enquanto consistir essesistema simbólico. Nessesentido,
papel ativo na definição de sua própria coíidição. Seres
está sempre ein formação e mudança.
O mesmo ocorre com a sociedade. O contexto cultural sociais plenos, ganham legitimidade como su)eltos nos es-
tudos que sãofeitos sobre elas.Vejamos como essasmudan-
de que falamos.até aqui, e que é imprescindível para se
entender o lugar da criança segundo os novos estudos, deve ças afetam os estudos antropológicos em três aspectos:a
ser tomado como sendo essesistema simbólico. Ele é estru- criança como ator social, a criança como produtor de cul-
tura, e a definição da condição social da criança.
turado e consistente,e por isso permite que. sentidose
significadossejamformados e reconhecidos.O contexto
social legue o mesmo percurso: sem abdicar de sua condi-
ção estruturada, o conceito de sociedade se abre para dar
A criança e a infância
conta de uma produção contínua das relaçõesque a formam.
Falamosaqui de uma antropologia da criança e não da
Não se trata .mais de pensar uma totalidade a ser reprodu-
zida, mas de um conjunto estruturado em constante produ- infância. Isso porque a infância é um modo particular, e não
universal, de pensar a criança. O estudo histórico de Phi-
ção de relações e interações.
lippe Ariês sobre .A criança e a vídajamiZÍar no .Anfigo Regime
Rever'a sociedadeimplica rever também o papel do
indivíduo dentro dela.' Se a sociedade é constantemente mostra que a idéia de infância é uma construção social e
histórica do Ocidente. Ela não existe desdesempre, e o que
produzida, ela não poderá sê-lo se não pelos indivíduos que
a'constituem. Portanto, ao invés de receptáculos de papéis hoje entendemos por infância foi sendo elaborado ao longo
do tempo na Europa, simultaneamente com mudanças na
e funções, os indivíduos passam a ser vistos como atores
sociais.Seantes eleseram atires no sentido de atuar em um composição familiar, nas noções de maternidade e paterni-
dade, élno cotidiano e na vida das crianças, inclusive por sua
papel, agora eles o são no sentido de atuar na sociedade
institucionalização pela educação escolar. O que Ariês nos
recriando-a a todo momento. São atores não por serem
22 Clarice Cohn Antropologia da criança 23

mostra é a construção histórica do que denomina um sen- formação do corpo, Idas situ uma formação contínua.
f;mento dzzínl/anciã. Este não deve ser entendido, vale dizer, Como mais de um homem pode contribuir para essafor-
como uma sensibilidade maior à infância, como um sen- mação,o bebê pode ter mais de uln pai, quê será reco-
timento que nasceonde era ausente,mas como uma for- nhecido e reconhecerá sua paternidade, participando de um
mulação sobre a particularidade da infância em relação ao ritual público quando do nascimentodo bebê.A fonnação
mundo dos adultos, como o estabelecimento de uma cisão do corpo durante a gestação cria .um laço corpóreo entre o
entre essas duas experiências sociais. Portanto, contem- bebê e seus genitores que não se encerra com o nascimen-
poraneanlente, os direitos das crianças e a própria idéia de to; pelo contrário, durará a vida toda. Quando o bebê tem
menoridade não podem ser entendidos senão a partir dessa ainda o corpo em formação, "mole': como eles dizem, os
formação de um sentimento e de uma concepçãode in- genitores devem respeitar cuidados com seu próprio corpo
fância. que, se infringidos, causariam mal ao corpo do bebê; essa é
Em outras culturas e sociedades,
a idéia de infância uma fasecruclial, mas a ligação fundada na gestação perdura,
pode não existir, ou ser formulada de outros modos. O que e se revelará com toda força em situações.de crise, como
é ser criança, ou quando acaba a infância, pode ser pensado doenças.
de maneira muito diversa em diferentes contextos sociocul- Mas a formação do corpo não basta para gerar uma
turais, e uma antropologia da criança deve ser capaz de nova pessoa xikrin. Para eles, o ser humano é construído por
apreenderessasdiferenças. outros elementos, um dos quais é o karon,-algo imaterial que
Para isso, a análise antropológica deve abranger outros normalmente glosamos por "alma" ou "duplo': Como ne-
campos que, a cada caso, serão fundamentais para ie enten- nhuma dessas glosas é adequada, continuarei aqui a usar a
der o que significa ser -- e deixar de ser -- criança nesses palavra na língua mebengokré,tentando porém descrever
contextos. Por exemp]o, a concepção da pessoa]lumana e seu sentido. O karon parece já estar presente desde a gesta-
de sua construção pode ser imprescindível para entender ção, e é a parte da pessoaque perdurará após a morte.
como se compreende e vivenda o período da vida em que Durante a vida, ele transita, deixando o corpo e retornando
se é criança. Podemos ilustrar essa afirmação com o caso dos a ele é isso que permite às pessoassonhar, e o que se
Xikrin, ui-na etnia indígena de língua jê que mora no Para e sonha, dizem os Xikrin, são as experiências do karon en-
se autodenomina À4ebengokré, para quem o corpo de um quanto deixa o corpo adormecido e passeia. Porém, essas
novo ser humano vai sendo criado durante a gestação, ausênciastrazem um grande risco: o do karon não retornar
gradativamente, por meio das relações sexuais; não há, ao corpo, o que significará sua morte. Esserisco é tão maior
portanto, um momento único de concepção,seguido da quanto mais vulnerável estáo corpo e é particularmente
24 Clarice Cohn Antropologia da criança 25

grande para criançaspequenas,que têm um corpo menos esseperíodo é marcado. Isso pode ser visto, literalmente,
capaz de reter o karon. Por isso, os Xikrin tomam cuidado pela ornamentação corporal, algo muito sério para os Xikrin.
em não deixar as crianças se zangaram: uma criança embur- Realizado continuamente, comunica sobre a situação social
rada está vulnerável, seu karon pode sair vogando e não daquele que é pintado e ornado: fase da vida, gênero, situa-
voltar mais. A situação é complexa, e combina uma maior ção cotidiana ou ritual, nascimento de filhos ou de netos,
vulnerabilidade corpórea, do próprio kízron, ainda pouco saúde ou doença, tranqüilidade ou luto, paz ou guerra...
conhecedor dos caminhos e sujeito a se perder, e uma maior Algumas fasespor que passam a criança são assim marcadas,
probabilidade de atender aos chamados dos outros karon, como por exemplo o momento em que conquista uma
os daqueles que morreram e, saudosos dos vivos, buscam primeira autonomização, quando começa a falar e a andar,
trazê-los cara perto.de si.Vê-se que, em uma situação assim locomovendo-se sozinha. E a modalidade de pintura que
complexa, os cuidados.devem ser redobrados e, caso uma passaareceber nessemomento, feita por sua mãe ou irmãs,
criança se zangue e se afaste chorando, os Xikrin se desdo- será a mesma até uma derradeira vez, quando gestar por si
bram em mantê-la atenta ao mundo dos vivos, falando com uma criança. Desdeentão,a mulher sepintara conamotivos
ela, evitando assim que o karon se ausente em definitivo. do gênero e da idade, junto às outras mulheres, e o homem
Corpo e karon, porém, não esgotam a formação de uma passará a ser pintado por sua esposa,usando também novos
nova pessoa: ela deve receber nomes e prerrogativas que Ihe motivos. Poderíamos, portanto, concluir que um ou uma
forneçam uma identidade social, a serexpostanos momen- Xikrin será criança até o momento em que pensaa ter uma
tos do ritual. Esses nomes e essas prerrogativas são-lhe criança queésua equeéo momento em queocasamento
dados por pessoasque não contribuíram com a formação é consolidado, em que o casalganha um espaçopróprio na
de seu corpo, ampliando assim sua rede de relações sociais casa,faz sua própria roça e caça e pesca o que irá comer e
para além daquelaspessoascom quem estáligada pelo compartilhar, ganhando também um lugar na produção
corpo. A importância dos nomes e das prerrogativas pode economica.
ser vista em um momento dramático, o da morte de um Desde cedo, a criança participará de grup.os formados
bebê: apenasaqueles que receberam nomes terão um trata- pelo que os antropólogos chamam de categorias de idade;
mento ftlnerário digno de uma pessoaplena.Vê-se,assim, quando ganha seu primeiro filho, continuará a fazer parte
que a plenitude da pessoasó é alcançadaquando ela é dessesgrupos, mas agora daquele que é denominado "pais
compbÉta por corpo, karon e nomes/prerrogativas rituais. de um único 6llho'l Será a quantidade de filhos .que levará
Não obstante, isso vai fazer do novo bebê uma pessoa essesnovos adultos a mudar de categoria de idade, até a ve-
xikrin. Resta-nossaber até quando ela será criança, e como lhice, que os Xikrin dizem ser o momento em que não setem
27
Antropologia da criança
26 Clarice Cohn

a vida humana podem ser diversas IÚesmonos nossosarre-


mais filhos ou, de uln modo poético que lhes é peculiar,
dores. Muitos se espantam com casoscomo infanticídio, ou,
quando seus filhos (e netos) passam a ter filhos por eles
para aproveitarmos o exemplo acima, o tratamento funerá-
Essailustração, mesmo que breve,teve como intuito rio diferenciado para os bebêsxikrin que não receberam
revelar a complexidade envolvida em compreender essafase
nomes. Pensemos,porém, nas polêinicas contemporâneas
da vida em outros contextos socioculturais, na qual elemen-
sobre o aborto. Muitas são as posições, e aqueles que são
tos aparentemente tão dísparesquanto a construção de um contrários ou favoráveis ao aborto podem sê-lo pelas razões
novo corpo, a relação com o choro da criança e os sonhos, mais diversas. Há as posições baseadas em argumentos
a íntima ligação de corpo e karon que se desenvolvem religiosos, como a vertente católica que prega que a criança
correlacionados --, a pintura corporal e as categorias de já tem alma desde a concepção; há asbaseadaseh argumen desde
idade têm que ser trazidas à tona e esmiuçadaspata que se ;" s biológicos, ou biomédicos, que tentam inferir
comece a compreender o que significa, para um Xikrin,
e
ser quando o bebê sente dor, negando o aborto a part:.desse
criança. momento; há a discussão jurídica, do direito de nascer e do
Porém, tTãodevemos esquecerque, mesmo nRSsocie- direito à vida. Não falamos aqui daquelesque sefundamen-
dadesde tradição ocidental, a história continua, e essaidéia tam na liberdade de escolha ou no risco à mãe: estamos, e
de infância tem sofrido modi6lcações. Ariês nos apresenta apenas como um exercício, elencando algumas postçoes
como essaidéia surge; outros estudostêm tentado entender gene'ricas qtiéíocam no feto para basear a decisão contrária
l

as mudanças contemporâneas da experiência e da concep' ou favorável. Por eles, podemos !er que o quê se debate, no
uln
ção de infância no Ocidente. Portanto, mesmo umaantro- fundo, é o estatuto de uma novo vida humana --. é
pologia da criança que sejafeita em uma realidade sociocul- debatede quando a vida seforma, e desdêquando ó feto é
tural muito próxima à do antropólogonãopode prescindir su)eito pleno, seja em alma, corpo ou direitos. Exemplo forte
de uma reflexão sobre o que é ser criança nessecontexto, e que demonstra que, embora se possa pensar q\ie haja lama
de que infância se estáfalando. Afinal, como já dizia Mar- q'-' ição ocidental de6inidora da infância, seu eitatulo pode
garet Mead; crianças existem em toda parte, e por isso ser um debate contemporâneo e.às vezes acirrado.

podenaos estuda-las comparando suasexperiências e vivên-


cias; mas essasexperiências e vivências são diferentes para
A criança atuante
cadalugar, e por isso temos que entendê-las em seu contexto
sociocultural.
A criança atuante é aquela que tem um papel ativo na
Como exercício, pensemos em um caso impactante,
constituição das relações sociais em que se engata, nao
rico para nos lembrar que as definições de quando começa
29
28 Clarice Cohn Antropologia da criança

sendo,portanto, passivana incorporação de papéis e com- com sua posição genealógica,sejam enquadradasem um
portamentos sociais.Reconhecê-lo é assumir que ela não é mesmo tipo de categoria de parentesco. Assim, para dar
um "adulto em miniatura': ou alguém que treina para a vida apenas um exemplo, os Xikrin estendem aos 'irmãos (ho-
adulta. É entender que, onde quer que esteja,ela interage mens) doipai o uso do termo equivalentea pai; às irmãs
ativamente cóm os adultos e as outras crianças, com o (mulheres) da mãe o uso do termo equivalente a "mãe': Isso
mundo, sendo parte importante na consolidação dos papéis não queridizer que eles confundam os papéis, e muito
que assumee de suasrelações. menos que não saibam quem de fato os concebeu-- quer
Em meus estudos sobre as crianças xikrin, tento de- dizer que eles classiâcamdo mesmo modo o pai e seus
monstrar que elas não simplesmente aprendem as relações irmãos. De fato,a todos a que chama "pai" a criança deverá
sociais em que têm e terão que se engajar ao longo da vida, reservar um certo tipo de tratamento considerado adequa-
mag atuam emsua configuração. Vejamos que isso é feito, do a essarelação,o queos torna, aparentemente,indistintos.
como tudo que temos apontado aqui,.com uma relativa Mas será que todos os irmãos do pai de uma criança serão
autonomia. Certamente, haverá relações possíveis a elas, tidos por ela como se fossem pais e portanto terão a mesma
outras impossíveis; umas dadas e inevitáveis, outras mais importância em sua vida? Não necessariamente, e é aí que
abertas à construção. No entanto, e de acordo com a mar- a margem de manobra de que falamos acima se manifesta.
gem de manobra que lhes é dada culturalmente, as crianças Como, além de tudo, depois do casamento o homem
xikrin constroem grande parte das relações sociais em que vai morar na casada família de sua esposa,essesirmãos do
se engajarão durante a vida. Deve-se entender que falamos pai que podem ser mais próximos ou mais distantes na
en] margem de manobra não como uma subversãoou genealogia (porque o pai também chama de irmão várias
manipulação do sistema,mas como algo que é inerente a
pessoasque não são seus irmãos uterinos, criando uma
ele; a6lnal, como dissemos acima, a criança não é apenas
espéciede efeito dominó) -- provavelmente morarão em
alocada efn um sistema de relações que é anterior a ela e
outra casaque não aquela onde crescea criança. Sendo
reproduzido eternamente, mas atua para o estabelecimento
assim, a relação social é apenas potencialmente próxima --
e a efetivação de algumas das relações sociais dentre aquelas
mas ela o será, ou não, de acordo com a relação que efetiva-
que o sistema Ihe abre e possibilita.
mente se cria entre essaspessoas.Ou seja, ela poderá se
Para entendê-lo, temos antes que entender o sistema de
conformar como uma relação próxima, mas isto vai depen-
parentesco xikrin. Outras .culturas, outras noções de paren'
der dos laços que sevão criando entre essehomem e essa
tes e parentesco. Os Xikrin têm um sistema de parentesco
criança. Isso quer dizer que, embora a relação sejapossível,
classificatório que faz com que várias pessoas,de acordo
31
30 Clarice Cohn Antropologia da criança

ela só será realizada de fato na prática, e de acordo com o isso de diversas maneiras: esvaziando seu signiâcado e di-

tipo de laços criados e mantidos ao longo da vi(ja. E, por- zendo que é só uma brincadeira, ou atribuindo-lhe um
tanto, de acordo com uma atuaçãoda criança no sentido de significado e dizendo que essesmeninos estão treinando
fortalecer ou não esseslaços. A criança não apenasaprende para a vida adulta, colho um ensaio para o momento em
como se deve tratar uin pai classificatório; ao lado. disso, que trarão caça às suas esposas. Gostaria de sugerir aqui,
como fiz em outro trabalho, que elesestão fazendoalgo
dentre as várias pessoasque ela chamará de pai, algumas se
muito mais sério: estabelecendo relações sociais que valerão
tornarão mais próximas e importantes na sua vida que
para a vida toda. Não estão tratando suas irmãs, reais ou
outras. Portanto, cada criança criará para si uma rede de
classificatórias, como se fossem esposas;tratam-nas.como-
relações que não está apenas dada, mas deverá ser colocada
irmãs, e assim efetivam uma relaçãosocial que perdurará
em prática e cultivada. Elas não "ganham"ou "herdam"
pela vida, e que consiste em uma modalidade importante de
simplesmente uma posição no sistema de relaçõessociais e
troca. Afinal, nãa são só as esposasas bene6lciáriasde sua
de parentesco, mas amuamna criação dessasrelações.
caça, mas as irmãs também. Com''algumas,. essa relação de-
Uma o.utra modalidade de relação social, aduela com
troca pode ser efetivada desde quando crianças, ea mulher
as irmãs, é uma ilustração interessante disso. Pela mesma adulta receberá seü irmão para comer a carne processada
lógica do sistema de parentesco que vimos acima, um me- assimcomo o fez quando criança, quando tratou o passari-
nino pode chamam de "irmã" uma pluralidade de pessoas, nho que ele Ihe ofereceu. Parte da brincadeira, sim; mas u nla
mais próximas ou mesmo distantes na genealogia, e que brincadeira com consequência,ç que inaugura uma relação
podena crescer mais ou menos junto com ele. São sitas irmãs de troca que será importante para toda a Vida. Ê a criação
não só aquelas que compartilham dos mesmosgenitores, de uma relação social onde antes havia só a promessa, ou a
mas todas as filhas daqueles a que o menino chama de mãe possibilidade dessa criação.
e pai. De novo, porém, a relação com essasmeninas pode se Podemos ilustrar essepapel ativo das crianças de outro
tornar mais ou menos afetiva, próxima e de cumplicidade, modo, tomando como exemplo os "meninos de rua'lde São
de acordo com os laços que cria com elas. Vejamos como. Paulo. Sabemos que a própria idéia de menino de rua
As vezes,grupos de meninos saem pelos arredores da como aquela, anterior, de menor abandonado ou delin-
aldeia para caçar passarinhos. Brincadeira, sim, mas que qüente, e a mais contemporânea de crianças em situação de
ganha ares de seriedade quando, retornando à aldeia, eles risco é socialmente construída. Uma pesquisa etnográfi-

oferecena .os passarinhos às meninas, como os homens en- ca realizada em São Paulo por Mana Filomena Gregori, ob-
f

servando e entrevistando essascrianças nas ruas, nas insti-


tregam às mulheres o produto da caça.Podemos interpretar
Antropologia da criança 33
32 Clarice Cohn

sociais em todos os espaços pelos quais circulam. Isso inclui


tuições, e nas suas relações com a família e com outros amores
da realidade urbana comerciantes, policiais, traficantes desde a constituição de "agrupamentos" de composição
-- demonstrouque elastêm um papel ativo não só na cons- diversa e particular mas que obedecem a códigos e regras

tii:uição de .laços e relações sociais como 'na elaboração de e estabelecempara si um local definido e deâlnidor ,
uma imagem, uma identidade, para si e para os outros. passando pela família e as instituições nas quais buscam
))
O livro que resultou dessapesquisaé rico ecomplexo. alguns recursos e que freqüentemente usam colmo "bases
Dentre outras coisas, demonstra que, ao se atentar mais de para depositar documentos, por exemplo , até os outros
perto para as .relações dessas crianças com suas famílias, atoresda realidade urbana em que se inserem. Mais: não
descobre-se qüe elas são muito mais diversas e diversificadas sendo, em termos absolutos, nem vítimas nem algozes,
do que dita o sensocomum, ou o discurso sobreelas;na fazem, no entanto, uso dessasimagens estereotipadaspara
realidade, muitas vezes as crianças mantêm um vínculo estabelecer
um discurso que funda uma identidadetão
familiar, e a família constitui um dos vertentesde uma fluida como é sua circulação.
"circulação"que tem a rua e as instituições como outros
pontos de paradas temporárias e transit(árias. O que define
essascrianças não é necessariamente a falta de família ou de
A criança produtora de cultura
vínculo familiar, mas a circulação, o não se luar em lugar
nenhum. Isso não deve diminuir a gravidade de algumas
Quando a cultura passaa ser entendida como um sistema
experiências familiares traumáticas, mas significa que, antes
simbólico, a idéia de que as crianças vão incorporando-a
de seassumiaque estãonas ruas porque não têm família
gradativamente ao aprender "coisas" pode ser revista. A
(ou: "elas.nãopodem ter família, ou sua família é desestru-
questãodeixa de ser apenascomo e quando a cultura é
tura'da, porque senão não estariam nas ruas..."), deve-se ver
transmitida em seusartefatos (sejam elesobjetos, relatos ou
de perto, e a partir da criança, que relação estabeleceou
deixa de estabelecer com sua família, e como êla se constitui. crenças),mas como a criança formula um sentido ao mun-
do que a rodeia. Portanto, a diferença entre as crianças e os
Pode-sedescobrir que o vínculo nem sempreé quebrado,
adultos não é quantitativa, mas qualitativa; a criança não
mas às vezesde6lnido a.partir de uma lógica da circulação
sabemenos, sabeoutra coisa.Isso não quer dizer que a
que, lembra a autora, pode pautar a família mesmo,e não
antropologia da criança recente se confunda com análises
apenas a criança.
Por essa pesquisa, vê-se que essascrianças engatam-se do desenvolvimento cognitivo; ao contrário, dialoga com
ativamente na constituição de laços afetivos e de relações elas. A questão, para a antropologia, não é saber em que
35
Clarice Cohn Antropologia da criança
34

condição cognitiva a criança elaborasentidos e significados, social, expressando o que os adultos não verbalizam. Toren

e sim a partir de que sistema simbólico o faz. sugere mesmo que estudar as crianças é mais do que um -
Os estudos mais interessantessobre isso são os da novo ramo da antropologia é importante nãó sõ.para
entendê-las, mas também fundamental paramelhor e.nten:
antropólogabritânica Christine Toren.Psicólogaãe forma-
der asculturas que os antropólogos estudam.
ção, ela é capaz como poucos de fazer dialogar essesdois
Estudos desse. tipo nos mostram, portanto, que as
campos de conhecimento para entender o modo colllo as
crianças não são apenas produzidas pelas culturas mas tam-
crianças nlji, com quem trabalha, atribuem sentido ao inun-
do. Toren utiliza-se mesmo de instrumentos da psicologia, bém produtoras de cultura. Elas elaboram sentidos para o
mundo e suas experiências compartilhando plenamente de
como a confecção de desenhos temáticos pelas crianças, ao
uma cultura. Essessentidos têm uma particularidade, e não
lado dos métodos antropológicos. E sua análise demonstra
se confundem e nem podem ser reduzidos àqueles elabora-
aquilo que dizíamos acima: que os significados elaborados
pelas crianças são qualitativamente diferentes dos adultos, dos pelos adultos; as crianças têl-n autonomia cultural em
reconhecida,
sem por isso serem menos elaborados ou erróneos e par- relação ao adulto. Essaautonomia deve ser ' . .;
mas também relativizada: digamos, portanto, que elas têm
ciais. Elas não elltendem menos, mas, como afirma, explici-
uma relativa autonomia cultural. Os sentidos que elaborada
tam o que os adultos também sabem mas não expressam.
Tomemos um exemplo disso para entendermos me- partem de um sistema simbólico compartilhado com.os
adultos. Nega-lo seria ir de um extremo ao outro; seria
lhor. Toren nos l-mostraque, em Piji, há um sistema hierár-
afirmar a particularidade da experiência infantil sob o custo
quico que perpassatodas as esferasde sociabilidade, e que
de cunhar uma nova, e dessavez irredLltívêl, cisão entre os
é expresso principalmente pela ocupação do espaço: pessoas
mundos. Seria tornar essesmundos incomunicáveis
de status mais alto sentam acima, mesmo que esseacima
nem sempre sejasituado en] uln eixo vertical, mas freqüen- Alguns estudos atuais falam de uma cultura infantil, ou
culturas infantis. Sugiro que essestermos sejam entendi-
temente simbólico. O que as crianças de Fiji fazem é inverter
dos e adotados tendo em vista as ressalvasque fiz acima. Ou,
a formulação dos adultos: enquanto eles dizem "fulano üma
senta acima porque é superior hierarquicamente': elas di- mais propriamente, que reconheçamos que falar de
cultura infantil é um retrocesso em todo o esforço de fazer
zem "fulano é de status superior porque senta acima': Toren
nos dirá que isso não é uma percepçãofalha ou incompleta uma antropologia da criança: é universalizar,negandoas
das crianças, mas um modo diferente de falar a mesma coisa. particularidades socioculturais. Mais ainda: é refazer a cisão
entre o mundo dos adultos e o das crianças, e, dessavez, de
A formulação da criança é completa,e explicita com acui-
modo mais radical. Lembremos mais uma vez a máxima da
dade a relação entre a ocupação do espaço físico e o status
Antropologia da criança 37
36 Clarice Cohn

são as modalidades, os lugares e as relações envolvidas nesse


antropologia: entender .os fenómenos sociais em seu con-
processo; como se insere e é inserida nele a criança; e de que
texto. Falar de culturas infantis, portanto, é mais adequado;
criança se trata.
Ras devemos,ainda assim, fazê-lo com c'uidado,para não
Obviamente, há uma diversidade de experiências cul-
incompatibilizar o que as criançasfazem e pensamcom
turais de ensino e aprendizagem. Freqüentemente, elas são
aquilo que outros, que compartilham com ela uma cultura
diferenciadas em sua formalização: haveria o "ensino for-
mas não são crianças, fazem e pensam.
mal" e o:«informal': distinguindo-se assim espaços mais
É verdade que muitos estudos têm mostrado a impor-
ou mentis segregadosde instrução e conhecimentos mais ou
tância da transmissão cultural entre crianças. Isso acontece,
menos abstratos e aplicáveis em contextos descolados da-
por exemplo, com brincadeiras infantis, aprendidas não
quele em que foram aprendidos. Se em alguns casos essa
com os adultos, mas com outras crianças. Acontece mesmo
distinção pode ser interessantee analiticamenteprodutiva,
na escola, nas brincadeiras no pátio, fora das salas de aulas,
sua abrangência deve ser relativizada, sob o risco de se
em que cançõese brincadeiras -- às vezesdesconhecidas
estabelecerque alguns conhecimentos podem ser transmi-
dos .adultos que com elas convivem -- se fazem e refazem.
tidos em situação, enquanto outros, por sua qualidade in-
Embora objeto interessantede observttçãoe análise,isso
trínseca, necessitam de uma formalização para serem
também não deve ser entendido como uma áreacultural
aprendidos que se estendeao processo ]nesmo de aprendi-
exclusivamenteocupada pelas crianças,mas uma das mo-
zagem. Isso seria deixar de reconhecer na escola, ou na
dalidades de produção cultural empreendida por elas.Sere-
instituição escolar e no modelo pedagógico que ela traz, seu
mos menos capazesde entender o que elas fazem nessas
caráter histórico e de construção social. Afinal, espaços
brincadeiras se não entendermos a simbologia que as em-
especializados de aprendizagem podem ser encontrados ao
basam,.e essasimbologia extrapola o mundo das crianças.
redor do mundo, transmitindo conhecimentos os mais di-
versos, êm modalidades as mais diversas. '
Dolmesmo modo, faz-seàs vezesuma distinção entre
Educaçãoe aprendizagem transmissão oral e escrita, como se elasignificasse,por si só,
uma modalidade de conhecimento ou (re)produção. Nova-
Para se fazer uma boa antropologia da criança enfocando a
mente, gostaria de lembrar que estudos realizados em so-
educação e os processos de aprendizagem, devemos, nova- ciedadesorais revelam uma ênfaseora em criatividade e
mente, começar do começo -- ou seja,.nos perguntando o
inventividade,. ora em reprodução e memorização, assim
que significa educar e aprender nos casosque pesquisamos;
como sepode esperar uma maior 6ldelidadeao texto escrito
como se .concebe o conhecimento e sua transmissão; quais
39
Antropologia da criança
38 Clarice Cohn

conhecimentos e os modelos de ensino e aprendizagem,


ou, inversamente, valorizar as competências de ..elaborar .ii
devemos observar contextualizadamente concepçoes,
sobre o texto. Sendo assim, o caráter de oralidade (iu escrita
meios e processos: em cada caso, uma concepção de pessoa,
não implica direta e necessariamenteem uma maior habi-
lidade ou ênfasena criatividade ou memorização;o que criança,e aprendizagemconformara um modelo específico
de transmissão e apropriação de conhecimentos.
fundará essadiferença são as ênfasesculturais e os processos
Concepções'de transmissão e permanência, por exem-
específicos que elas engendram, independente de se a cul-
tura ein questão, ou o conhecimento, é gravado. plo, Podem ser as mais variadas. O .antropólogo americano
Indo além, devemos lembrar que alguns estudos têm Richard Prece apresenta, para os Saramaka, um povo do
Suriname, a importância do conhecimento do First Filme,
sededicado ainda a demonstrar que, em sociedadesas mais
ou dos tempos primordiais, para a constituiçãode uma
diversas, as crianças podem ser concebidas como mais ou
memória e uma identidade. Assim, o aprendizado das his-
nlellos atuantes na elaboração dos conhecimentos de que se
tórias que tratam dessetempo é muito valorizado, e deveser
apropriam, numa distinção que, de novo, não pode ser
buscada por todo saramaka -- mas, como ele nos conta, isso
tipologizada em termos de sociedades ágrafas versus da
deveser realizadopor cadaum individualmente, formando,
escrita, ou "complexas" versus "simples': "primitivas" ou
ao final, um campo de conhecimento múltiplo.e diferencia-
"tradicionais'l El-n diversas esferas, essas tipologias já se
do, e não uma memória canónica e igualmente dominada
provaram menos produtivas e definidoras do que se espe'
uva que fossem,quando de suaformulação. Aqui também, por todos. Embora haja momentos e relaçõesem que se
no que diz respeitoà produção de sentidossobre o que se pode aprender sobre essetempo, cada saramaka deve cons-
truir seu conhecimento sobre ele; dessa maneira, o que se
aprende, são mais enganadoras do que úteis, já que nos
enfatiza nessecaso, ensina-nos Price, é uma "transmissão
fazem pressupor que umas sociedadesestariam fadadas a
transmitir um corpo de conhecimentofechado,sobreo qual fragmentada': como estratégia mesmo de produção do co-
nhecimentoe da memória do grupo Ou seja,ao contrario
o "aprendiz" não tem papel ativo, enquanto outras, ao
contrário, produziriam sujeitos críticos e inventivos. Análi- do que poderia parecer, a fragmentação das informações e
ses de sociedades consideradas "tradicionais" revelam que a constituição de um conhecimento múltiplo e variado são
as crianças e os jovens podem ser mais que meros receptores condições da reprodução da memória histórica e da cons-
de conhecimentos, sendo ativos na construção de sentidos trução daidentidade do grupo.
e de conhecimentos no processo de aprendizagem. Concepções de conhecimento também podem ser
muito diversas. Para os Piaroa, povo indígena da Venezuela
O que se sugere aqui é que, ao invés de se estabelecer
uma apreciação generalizante e universalizante sobre os segundo nos conta Joanna Overing --, o conhecimento
40 Clarlce Cohn Antropologia da criança 41

deve ser adquirido e armazenado como "contas de conhe- Uma palavra sobre interdisciplinaridade
cimento'\ tornando-se parte constitutiva da pessoa.Sendo e aplicação da pesquisa
para eleso ãutocontrole valorizado, e os conhecimentos
potencialmente perigosos, cada pessoa deve tomar para si A criança e a infância têm sido foco de análisede vários
tantas "contas" quanto for capaz de dominar. Com isso, campos do conhecimento. Sendo assim, devemos nos per-
cohstittii-se lml processo em que o domínio pessoal dita sua guntar sobre os possíveis diálogos das pesquisas antropoló-
extensão e abrangência. gicas com essas diversas áreas. Há bons exemplos de tra-
Assim também, apreciaçõesculturais sobre as capaci- balhos antropológicos que dialogam com a psicanálise,a
dades de aprendizagem e as competências são diversas e psicologia especialmente aquela voltada ao desenvolvi-
devem ser levadas em conta. Os Xikrin dizem que se adquire mento infantil , apedagogia e asciências da educação. No

conhecimento por meio dos sentidos da visão e da audição, primeiro caso, como nos trabalhos de Toren, técnicas e
teorias sobre as crianças podem informar as pesquisas dos
ou seja,dos olhos e dos ouvidos. Por isso, a6irmanaque suas
criançaspodem sabertudo, uma vez que podem testemu- antropólogos, e prover um bom campo de diálogo e debate.

nhar as mais variadas esferas da sociabilidade;-porém, res- No segundo, pesquisasantropológicas têm auxiliado a en-
tender o: engajamento (ou a falta dele) das crianças em
guardara a elas o direito de nada saber, já que essascapa'
cidades devem ser desenvolvidasem consonância com o propostas pedagógicas, dando à revisão contemporânea dos
modelos pedagógicosnova luz e novos parâmetros, tanto
desenvolvimento dos órgãos sensoriais que as possibilitam.
em experiências de reflexão sobre a educação como na
Cona isso, abrem às crianças a possibilidade ampla de apren-
aplicação de resultados de pesquisa.
dizagem, sem implicar uma expectativa de domínio, que
A escola,portanto, também deveser abordada em umtt
lhes pareceria precoce, de tudo o que podem testemunhar.
pesquisatantropológica tendo a criança como utn ator social
Por outro lado, valorizam a vontade e a iniciativa de apren-
importante e relevante. Afinal, e pelo que vimos até agora,
der, enfatizando o pedido para que outros lhes ensinem algo
as crianças não apenasse submetem ao ensino, mesmo em
que dominam como um motor do aprendizado. Portanto, suas faces mais disciplinadoras e normatizadoras, como
ecom os vários exemplos xikrin, vemos que concepçõesdo criam constantemente sentidos e atuam sobre o que viven-
que é ger criança, do desenvolvimento e da capacidade de ciam. Desse modo, análises do que as crianças fazem e
aprender devem ser enteirdidas de maneira interligada. S6 pensam que estão fazendo, do sentido que elaboram sobre
assimse pode compreender o que significa para elesapren- a escola,das atividades que nela desenvolvem,das relações
der e a aprendizagem, e os processos pelos quais os realizam. que estabelecem com colegas,professores e outros proas'
43
42 Clarice Cohn Antropologia da criança

sionais do ensino, e da aprendizagempodem ser muito uma educação escolar em sociedades que delas prescindi-
enriquecedoras para melhor compreender as escolas e as ram. Uma abordagem antropológica pode iluminar razões
pedagogias. para se enganar e valorizar a aprendizagem estiolar, de modo
Desse modo ganha-se, como recentemente a própria a se entender inclusive o insucesso escolar contanto,
antropologia ganhou, com o reconhecimento da criança novamente,que se cuide para.não deslizar para um argu-
como sujeito social ativo e atuante,produtor mais que mento biologizante, de desigualdade ein ca15acidades e
receptor dé cultura. Porém, temos que reconhecer alguns competências.
limites. Se relativizarmos em excesso,podemos chegar ao Também para as ciências da saúde a antropologia da
ponto de estabelecerque processoscognitivos e de desen- criança pode contribuir. Afinal, diagnósticos e tratalaaentos
volvimento infantil são culturalmente dados, tomando di- de doenças que acometem a criança estão embasados, como
ferenças culturais como desigualdades internas à humani- tudo o mais, em concepções de infância, criança, corpo e
dade.Portanto, devemos semprelembrar que estáno campo corporalidade, relações e comportamentos "saudáveis" e
da cultura a'diversidade de elaboraçãoe utilização de capa- "normais': família... Abre-se aqui um rico campo de pesqui-
cidades humanas universais ou seja, que, se cada cultura sa, que pode abranger desde as concepçõesculturais que
pensa o desenvolvimento da criança a partir de seus pró- fundamentam diagnósticos e procedimentos até processos
prios termos, isso não quer dizer que a criança se desenvolva de anamnese -e tratamento.
diferentemente, mais ou menos, mais rapidamente ou com Um outro ramo de diálogo interdisciplinar é possível
maior vagar a depender de onde cresce.Por outro lado, se com pesquisasinauguradas pelo livro de Ariês, comentado
universalizarmos demais, tornamo-nos incapazes de perce- anteriormente, e que florescem hoje no Brasil: a chamada
ber as especificidades dadas pelos contextos socioculturais. "história da infância': Por ela, torna-se possívelexplorar a
Ê como se coubesse à psicologia estabelecer se os modelos variação de uma concepção de infância no tempo, correla-
de Piaget ou Vygotski valem para além da Europa de seu cionando-a a variações históricas nos modos de tratar, de se
tempo, e aos antropólogos, dado o pressuposto da unidade relacionar e de vivenciar a infância. Tais mudanças podem
humana, identificar os modos de elaboraçãocultural e his- ser observadasem textos sobre a criança ou voltados para
toricizada dessascapacidades e competências. ela, nas artes plásticas, nos tratados de educação e pedago-
O mesmo vale para as ciências da educação, centradas gia. Neste momento da ciência, em que se valoriza a inter-
que estão na pedagogia escolar. Muitos de seus pesquisado- disciplinaridade, essesestudos, realizados por historiadores
restêm tido que sehaver com a diversidadecultural interna de formação, revelam-se freqüentemente uma antropologia
à escola, e tem-se cada vez mais discutido a implantação de voltada para tempos passados,e são extremamente valiosos
Clarice Cohn Antropologia da criança 45
44

no debate das imagens sobre as crianças e sua atuação no dele: a incapacidade de se comunicar com as crianças, de
mundo. vê-las como sujeitos sociais.
Por fim, não podemos esquecerque freqüentemente
um diálogo com asciênciasjurídicas pode serfrutífero ao
estudo antropológico. Como já se apontou, só podemos Metodologias e técnicas de pesquisa
entender o Estatuto da Criança e do Adolescente vigente
hoje no Brasil, assim como as polêmicas que o rodeiam, se Como se viu, o campo daéanálises antropológicas que têm
compreendermos a concepção de criança e infância que o a criança como foco é amplo e variado. Sendo assim, cada
embasa.Por outro lado, as legislações afetam, em maior ou pesquisaparticular terá que se decidir por uma metodolo-
menor grau, as crianças, e uma boa compreensão desse gia. A observaçãoparticipante, que tanto marcou a antro-
contexto jur.ídico como do institucional que Ihe é corre- pologia, e que consiste em uma interação direta e contínua
lato, seja escolar, de assistência o u punitivo -- pode freqüen- de quem pesquisa com quem é pesquisado, é certamente
temente ser revelador na pesquisa que tem como foco as uma alternativa rica e enriquecedora,que permite uma
crianças. abordagem dos universos das crianças em si. Para tanto, seu
Uma análiseantropológica da criança pôde,por Rim, caráter dialógico, de interação, terá que ser enfatizado, per-
ter uin valor' propositivo ao elucidar facetasda relaçãodas mitindo ao pesquisador tratar as crianças em condições de
políticas públicas.e das práticas educativas, auxiliando na igualdade e ouvir delas o que fazem e o que pensam sobre
compreensão dé falhas. Essa é uma questão polêmica, e são o que fazem, sobre o mundo que as rodeia e sobre ser
diversas as'opiniões sobre o valor da pesquisa na formulação criança, e evitando que imagens "adultocêntricas" enviesem
de políticas voltadas às crianças; freqüentemente, os antro- suas observações e reflexões. Significa lembrar, desde a rea-

pólogos são criticados porque fariam estados que em nada lização da pesquisa (e não apenas na análise dos dados), que
colaborariam para modificar as situações que analisam. Se a criança é um sujeito social pleno, e como tal deve ser
é certo que a pesquisa antropológica, como toda pesquisa considerado e tratado. Evita-se assim que o reconhecimento
científica, não deve l;er unicamente pautada pelas questões da criançacomo um sujeito ativo e produtor de sentido
sociais, ela no entanto pode ser realizada para dar conta de sobre o mundo seja apenasum postulado, esvaziando-lhe
problemas específicos ou mesmo, tendo respondido a seu significado.
suasinquietações de conhecimento, informar remodelações A observaçãoparticipante pode ainda ser complemen-
tada com outros recursos, tais como coletas de desenhose
de políticas e atendimento à criança: Afinal, costumam
revelar aquilo que é o maior nó nessas relações e.as razões histórias elaboradas pelascrianças e registros audiovisuais.
47
46 Clarice Cohn Antropologia da criança

As opções são muitas, e abrem-se à criatividade, aos interes- sãogarantia de uma maior objetividade ou imparcialidade:
sese recursos do pesquisador, além das necessidades espe- de um lado, a escolha do que .registrar é informada pelos
cíficasda pesquisa.Pode-se,por exemplo, optar por coletar interesses e pelo foco do pesquisador; de outro, as crianças
desenhos realizados pelas crianças com um mínimo de de algum modo irão interagir com câmeras e gravadores,.
intervenção, seja nos materiais, no local de realização, no tornando esta uma das modalidades possíveis dé exercício
conteúdo; pode-se, ao contrário, pedir que as crianças fa- de sua fala e ação. Feita essaressalva,tais registros podem
çam desenhos a partir de um determinado tema de interesse ser muito produtivos e ricos, e podem, como foi o caso
da pesquisa,como, digamos, a família ou a escola.Ou ainda daqueleestud(i pioneiro, fornecer uma narrativa própria'
fornecer material, como recortes de imagens de revistas, mente visual, relativamente autónoma ao texto e àsexplica-
para uma colagem. Pode-se, ainda, trabalhar alguns dese- ções analíticas.
nhos esquemáticos e temáticos com as crianças, de modo a As combinações tornam esseelenco de metodologias e
melhor entender uma questão específica como, por técnicas potencialmente infinito. Podemos dar asasà ima-
exemplo, fez Toren, quando buscou entender a relação que ginação, e pensar no registro audiovisual realizado pelas
as crianças de Fiji faziam entre hierarquia e espacialização, criançassobre o seu mundo, eM atividades escolhidaspor
pedindo a elas que comentassem alguns esquemasde posi- elas... O essencial, em todos essescasos, é aproveitar desses
cionamento de pessoaselaborados pela pesquisadora. meios e dessastécnicas o que elas podem oferecer do conto
Tendo os desenhos em mãos, o pesquisador pode pedir de vista das crianças sobre o mundo e Sua inserção nele.
às criançasque os comentem, ou mesmo que:elaborem Uma antropologia que trata das crianças,porém, não
histórias a seu respeito. Assim, terá em mãos;materiais precisa ser feita apenas ao toma-las. como sujeitos privile-
diversos, mas correlacionados, com os quais trabalhar. His- giados de interlocução. Por exemplo, un] estudo feito em
tórias elaboradas pelas crianças e dramatização de situações, uma escola,ou em um abrigo para crianças em situação de
mais ou menos dirigidas, têm também sido utilizadas por risco, pode ganhar muito ao se debruçar sobre o que os
antropólogos que buscam entender o ponto de vista das profissionais que lidam com as crianças pensam sôbre elas
crianças. e sobre sua atividade, assim como sobre o quç eles próprios
Os registros audiovisuaistêm-seprovado de grande (e também elas) fazem, deixam de fazer ou deveriam fazer.
valia para a pesquisa, desde os estudos pioneiros de Marga- Mais que isso, a pesquisa pode .ser realizada sem o
ret Mead e Gregory Bateson. Como sempre, os interessese advento da observação participante e da interlocução direta
pressupostos da pesquisa ditam, de alguma forma, os regis- com as crianças. Retomando as provocações do início do
tros tomados e sua interpretação. Vale lembrar que elesnão texto, podemos pensar em uma pesquisarealizadaa partir
Antropologia da criança 49
48 Clarice Cohn

dé textos literários sobre as memórias "dos tempos de me- Tampouco as técnicas de pesquisa são definidoras, por

nino'\ discutindo a partir deles a imagem de infância que si só, de um estudo antropológico. Como já afirmamos
criam. Literatura, cinema, textos jurídicos e legislação,do- acima, uma pesquisa pode ser realizada por meio de análises
de documentos ou de um conjunto de filmes, continuando
cumentos de instituições de assistência à criança, e muitos
mais, podem ser fontes ri'cas para a reflexão sobre o que é a ser antropologia apesarde prescindir da observaçãopar-
ser criança e sobre sua ação no mundo em contextos es- ticipante, tão freqüentementeconsideradadefinidora da
inserção de uma pesquisa nesse ramo do conhecimento.
pecíficos.
Uma análise de fenómenos localizados na história, ou em
um tempo passado,pode resultar em uma reflexão mais
Conclusões: as crianças daqui e de lá antropológica que histórica ou historiográfica, a depender
das questões que levanta, do debate que efetua, do campo
de conhecimento em que se insere.
Se os campos de interesses e temas de uma antropologia da
Por 6lm: a antropologia da criança nãÓse limita ao
criança são muitos e variados, devemos concluir refletindo
sobre o que faz de um estudo que tenha a criança como foco estudo das crianças "de lá'! de outras culturas e sociedades.
Como no que diz respeito a diversos outros temas, os an-
"antropologia': Porque, como dissemos já de início, são
muitas as especialidades acadêmicas e científicas que têm tropólogos têm realizado pesquisassobre fenómenos e te-
refletido sobre a criança, sobre a infância e sobre suas ações mas próximos de seu próprio meio social, e com sucesso.
Eles têm, porém, de lidar com uma dificuldade que aqueles
einterações.
Podemos começar a responder a essaquestão negati- que viajam para terras distantes e culturas a êles estranhas
vamente: nãb serão os métodos ou as técnicas e instrumen- não enfrentam. Na realidade, é como se as dificuldades

tos de pesquisaque tornarão um estudo sobre a criança fossemsimetricamente opostas:se ao se transportar a ou-
tros mundos e culturas o antropólogo tem que reaprender
pfopiiámente antropológico. Por exemplo, um pedagogo
tudo, do modo de se sentar à mesa ao valor definidor da
pode se utili;ár da observação participante e da interação
com as crianças para realizar um estudo que é pautado pelos humanidade, aquele que pesquisa em suas vizinhanças tem
de evitar a ilusão do conhecimento prévio, do pré-conheci-
interesses e pelo campo de conhecimentos das ciências da
do. Para um, tudo é estranho e deveser aprendido e apreen-
educação. Para que seja antropologia, portanto, esseestudo
deverá se inserir no campo de conhecimento, nos prfssu' dido de modo amplo para começar a fazer sentido; para
outro, tudo parece normal e conhecido, e ele deve ser capaz
stos analíticos e no arcabouço conceitqal próprio a essa
de rever e re-aprender o que Ihe parece tão natural.
disciplina o campo que temos apresentadoaqui.
50 Clarice Cohn

Ambas as situações apareceram diversas vezes neste Referências e fontes


livro, tendo sido pontuadas mais ou menos diretamente.
Como vimos, para responder a uma questãoaparentemente
simples, como o que é ser criança para os Xikrin;jtivemos
que lançar m.ão de elementos que leãosaberíamos relevantes
de antemão, como a pintura corporal e sua expressão do
encerramento do período de vida que pudemos reconhecer e Os textos clássicosde Margaret Mead têm diversas edições
como relativo à criança. Mas já se sugeriu também que só em inglês.Alguns livros foram traduzidos pala o espanhol,
podemos entender os códigos legais relativos à infância se com algumasmodificaçõesno título, como Ádo/escencía y
nos referirmos à concepção de infância que a baseia. É essa
ct.iltLlta en Satt20a e Educacion y cultura etl Nova Gtlinea.
concepção, decorrente do advento do "sentimento da infân-
cia': que leva à idéia difundida nas leis e no senso comum
e O estudo de Bárbara Ward sobre o choro e as práticas
de que cabe à criança brincar e se divertir, em oposição
socializadorasem Hong Kong estápublicado em uma Im-
direta ao trabalho. Obviamente, não se trata de afirmar que
portante coletâneaque reúne aspesquisasbritânicas sobre
as crianças devem ser inseridas no mercado de trabalho
o tema, intitulada SocíaZízafion;
rhe Ápproac;z
.P'omSacia/
desde cedo, ou desconhecer a importância das conquistas
,4nfhropo/ogy,organizadapor Phillip Mayerem 1973 (Lon-
legais relativas a elas. Cabe apenas, como uma provocação,
dres: Tavistock Publications).
mostrar que algo já naturalizado, ou seja, tomado sem
maiores reflexões como um dado da natureza essaidéia
de que cab.e à criança brincar, se divertir e aprender é na e Os textos antropológicos de autores brasa'leirospioneiros
realidade construído social e historicamente, e assim deve são muito instigantes, e valerão sempre a leitura. De Egon
ser tomado pelo pesquisador. Schaden, há o artigo "Educação indígena': publicado na
Como já se disse, deve-se sempre começar do começo, revista Proa/CalasBrasa/eí/os(ano X]V. n. ] 52, pp.23-32) de
por naais óbvio que pareça o que se observa ou talvez 1976. De Florestan Fernandes, "Aspectos da educação na
possa se dizer que, quanto mais óbvio parecer o que se vê e sociedadeTupinambá': publicado em uma coletâneaorga-
ouve, mais se deve desconfiar e buscar desatar as tramas. nizada por Schaden no mesmo ano, l,eíz?tímsde ermo/ogü bra-
Porque não há imagem produzida sobre a criança e a infân- sa/eira(São Paulo: Companhia Editora Nacional, pp.63-86).
cia, ou pela criança, que não seja,de algum modo, produto
de ul-n contexto sociocultural e histórico específico, do qual e Os exemplos que trago sobre os Xikrin provêm de minha
o antropólogo deve darconta. pesquisa entre eles, realizada desde 1993, e abordar-n temas

51
P

53
52 Clarice Cohn Antropologia da criança

que discuto em textos e artigos?como por exemplo "Cres- ciprocidade'; que teve uma tradução recentemente publica
cendo como um Xikrin. Uma análise da infância e do de- da pela revista Cadernosde Campo (vol. lO).
senvolvimento infantil entre os Kayapó-Xikrin do Bacajá':
publicado em 2000 pela Revista de Anfropo/agia (v. 43, n'2, . Há uma coletânea publicada em Cadernos Cedem(vo1.18,

PP.195-222). ne43,Campinas, dez 1997) que discute, do ponto de vista da


antropologia, as ligações possíveisem teoria e pesquisa entre

e Mead a6lrma'a possibilidade de se comparar as crianças e a antropologia e a educação.


a simultânea necessidade de estuda-las em seus contextos
socioculturais específicosem um interessantelivro que or- e O Núcleo de Estudose Pesquisasde Educaçãode 0 a 6
anos, da Universidade Federal de Santa Catarina, tem reali-
ganiza em 1955 com Manha Wolfenstein, intitulado Chí/d-
hood in ConfemporaO' Culturas (University of Chicago Press). zado pesquisas e debatesque reúnem as reflexões e meto-
dologias de pesquisa das ciências da educação e antropolo-
e A pesquisade Mana Filomena Gregori estápublicada em gia, disponibilizando textos em seu site: http://ced.uísc.br/
%7EneeOa6/
Viraçãoi acpêríências de men;tios de rzzíz(São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 2000).
e O texto de Eunice Nakamura, publicado na compilação
e A obra de Christine Toren é ampla. Recomendamos, para médica sobre depressãoinfantil Tratado de psiq ífarría da
uma introdução, o artigo "Making History: the Signiâicance í?ll/anciãe da ado/essência(São Paulo: Atheneu, 2003), orga-
of Ch.ildhoodCognition for a ComparativeAnthropology nizada por F.B.Assumpção Jr. e E. Kuczynski, oferece uma
of Mind"(in: ]\4a?z
28,pp.461-78,1993). boa discussão sobre a interdisciplinaridade da antropologia
com as ciências da saúde

e O livro de Richard Prece,intitulado Firsf Time, traz os


relatos sobre essetempo primordial, além de uma introdu-
ção do autor sobre sua importância na constituição de uma
identidade social e sobre a transmissão desseconhecimento.

e Joanna Overing demonstra a relação entre o autocontrole


e a aquisição de "contas de conhecimento" em diversos
textos;' veja=se por exemplo I'Estruturas elementares da re-
Antropologia da criança 55

Essestrês livros trazem estudos da história da infância e


Leituras recomendadas
das crianças no Brasil, compondo um conjunto amplo
que trata de concepções e experiências. Não sendo an-
tropologia no sentido estrito do termo, serão especial-
mente úteis .para os pesquisadores que trabalham em
realidades sociais diretalnente oriundas dessa história,
ARiÊS,Philippe. Á criança e a vidczjamíZíar no An figo Regime. sejaem áreasrurais ou urbanas do país,permitindo-lhes
(Lisboa: Relógio D'Agua, 1988.) contextualizar seus casos específico$ e marcar com
maior precisão sua particularidade histórica e social.
Esselivro inaugura uin campo de pesquisa e reflexão, o
da história da infância, e deve ser conhecido por todo
LoPKS DA SiLVo, Aracy; MACEoo, Alia Verá da Sirva topes &
estudioso que trabalha com crianças.Para o que trabalha
NuNES, Ângela (orgs.). Crianças índ@enas. Ensaios an-
com aquelas próximas de seu meio social, é valioso para
rropo/ógícos.(São Paulo: Global/Maxi/Fapesp, 2002.)
lembrar que a infância não é natural e universal,mas
unia construção histórica, aberta a mudanças e a varia- Livro pioneiro da áreano Brasil,reúnei:esultados
de
ções que tievem ser abordadas. Para aquele que trabalha pesquisíls com diversas etnias indígenas.brasileiras,
com crianças de outros contextos socioculturais, não abrangendo temas diversos; traz ainda ensaiossobre a
será menos instigante e inspirador, e poderá lançar luzes produção bibliográ6lca relativa ao tema. É leitura impor-
à compreensão da concepção do que vem a ser criança tante especialmente para aqueles que realizam pesquisas
no caso específico com que trabalha. nas quais têm que lidar com concepçõese vivências das
criançasem outros contextos socioculturais.
FREIRAS,
Mancos Cezar de (org.). História socía/da ílzjáncia
/zoBrasii. (São Paulo: Cortez, 1997.) NuNES, Ângela. .A sociedade das cr;ancas .A'uwê-Xavanfe. Por
DKI, PRIORE, Mary (org.). -História das criançczs rzo Brasa/. ma arzrropo/agiada criança. (Lisboa: Instituto de Ino-
(São Paulo: Contexto, 1999.) vação Educacional, 1999, Temas de Investigação 8.)
FREirAS,Marcos Cezar de e Moisés Kuhlmann Jr. (orgs.). Os
Resultado de pesquisa de mestrado realizada no Depar-
ínfeZecfuais /la /zisfórííz da irl@ncia. (São Paulo: Cortez,
tamento de Antropologia da Universidade de São Paulo,
2002.)
esselivro traz, além de uma revisão bibliográfica, uma
análise das crianças xavante (grupo indígena de língua

54
56 Clarice Cohn
Antropologia da criança 57

jê, do Mato Grosso) em seu cotidiano, com atenção RizziNI, Irene. Á criança e a /e{ no Brasa/ revísírando a
especial às suas brincadeiras.
/zístória (]822-2000). (Brasília-Rio de Janeiro: Unicef-
Edusu,2002.)
GREGORI,Mana Filomena. Viração. .Experíérzciasde merzfnos
Essetrabalho comenta e analisa os principais momentos
de rua. (São Paulo: Companhia das Letras, 2000.)
da assistênciajurídica à criança no Brasil, permitindo
Esselivro é a publicação da tese de doutorado da autora, que se entenda o tratamento do direito e o estatuto legal
e traz um estudo amplo e abrangente dos meninos de da infância na história do país desdeo Império, bem
rua de São Paulo, a partir de uma etnografia. Aborda sua como seus pressupostos e motivações.
circulação por vários espaços, acompanhando-os nas
ruas, .nas instituições, e discutindo suas relações com a
família, outra vertente desseir-e-vir. Aborda, ainda, a
identidade que essesmeninos criam para si, em diálogo
direto com a imagem criada sobre eles. É de grande
interesse para aqueles que buscam um estudo aprofun-
dado e crítico sobre uma experiência de infância a res-
peito da qual muito se fala e que nem sempre se conhece.

AtviM, Mana Rosilene Barbosa e Lúcia do Prado Valladares.


"Infância e sociedade no Brasil: uma análise da literatu-
ra". (in: BIB Boletim Informativo e Bibliográ$tco de
Ciências Sacia;s nQ26, 1988.)

Levantamento pioneiro da produção científica que tem


confio toma a infância no Brasil até a décadade 1980.Esse
artigo contextualiza o debate nas ciências sociais, e apre-
senta como os temas foram se connlgurando, com espe-
cial ênfase na infância pobre
Coleção PASSO-A-PASSO
Sobre a autora
UoZumesrecentes: Filosofia ana]ítica [45],
Danilo Marcondes
CIÊNCIASSOCIAIS PASSO-A-PASSO
Maquiavel & O Príncipe [46],
CapitalsocialE25], Alessandro Pinzani
Mana CelinaD'Arauto A Teoria Crítica [47], Marcos Nobre
Clarice Cohn nasceue se criou em São Paulo. Durante a Hierarquia e individua]ismo [26] Filosofia da mente [52],
Piero de Camargo Leirner Claudio Costa
graduação en] ciências sociais na Universidade de São Paulo, Sociologia do trabalho [39], Espinosa & a afetividade humana
fez,em 1993,sua primeira visita aosMebengokré-Xikrin do JoséRicardo Ramalho e [53], MarcosAàdré G]eizer
Marco Aurélio Santana
rio Bacajá, no Para. Desde então, vai sempre quç pode, Kant & a Crítica da RazãoPura .[S4]
O negócio do social [40], Vinicius de Figueiredo
realizando col-nelessuas pesquisasde mestrado e doutora- Joana Garcia
Bioética [55], Dar]ei Da]]'Agno]-
do, no Departamento de Antropologia daquela Universida- Origens da linguagem [41],
Bruna Franchetto e Yonne Leite PSICANÁLISEPASSO-A-PASSO
de (para o que bolsas e auxílios à pesquisa da Fapespe do
Literatura e sociedade [48].
CNPq foram de grande ajuda). : Freud & a re]igião [20],
Adriana Facina
Sérgio Nazar David
Trabalha com a antropologia da criança desde essa
Sociedade de consumo [49], Para que serve a psicanálise? [21],
primeira experiência, e fez dela o tema de seu mestrado (.A Lívia Barbosa Denise Nlaurano
criamça indígena. A concepçãode itljância e aprendizado entre Antropologia da criança [57], Depressão e me]anco]ia [22],
Clarice Cohn Urania lourinho Peres
osKayapó-Xíkrí/l do Bacdá, defendido em 2000). Participou
A neurose obsessiva [23],
da equipe de pesquisa "Antropologia, História e Educação" FILOSOFIA PASSO-A-PASSO
Mana AnimaCarneiro Ribeiro .
do Mari Grupo de Educação Indígena da Unijrersidade Filosofia medieval [30],
Mito e psicaná]ise [36],
Alfredo Storck AI)a Vicentini de Azevedo
de São Paulo, financiada pela Fapesp, de 1995 a 2000.
Fi[osofia da ciência [31],
Atualmente, dedica-se aos temas da antropologia da Alberto Oliva
O adolescente e o Outro [37],
Soda Alberti
criança (especialmente no debate de Etnologia Indígena) e Heidegger [32], Ze]jko Loparic
A teoria do amor [38],
educação escolar indígena, tendo diversos artigos publica- Kant & o direito [33]. kicardo Terra Nadiá P.Ferreira
Fé [34],J.B.Libânio
dos a respeito. É também professora de antropologia, na O conceito de sujeito [50]
Ceticismo [35]. P]ínio Junqueira Smith Luciano Ena
graduação e no curso de pós-graduação /afo senso "Socio- Schiller & a cultura estética [42], A sub]imação- [51], Or]ando Cruxên
psicologia': ambos da Fundação Escola de Sociologia e Po- Ricardo Barbosa
Lacan,o grande freudiano [56],
lítica de São Paulo. Derrida[43]. EvandoNascimento Marco Antonio Coutinho Jorge e
Amor [44], Mana de Lourdes Borges Nadiá P.Ferreira
E-mail para contato: clacohn@uol.com.br
S

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