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Algumas frases aterradoras contidas no

livro de Thomas Piketty

economia

Robert P. Murphy

sexta-feira, 30 0aio 2014

Vários artigos, inclusive na grande mídia, já foram escritos comentando os


vários erros teóricos, bem como as flagrantes manipulações de dados,
encontrados no livro-sensação do momento, Capital no Século XXI, do francês
Thomas Piketty.
O Financial Times, por exemplo, descobriu que o livro contém dados que
foram deliberadamente adulterados.

Juan Ramón Rallo decidiu testar empiricamente a tese central propagandeada


pelo livro — a de que a riqueza dos bilionários aumenta quase que por inércia,
a uma taxa maior que a do crescimento da economia — e também descobriu
que ela não se sustenta.
E Hunter Lewis mostrou que os dados utilizados por Piketty não apenas
foram erroneamente interpretados por ele como também, e ainda pior, são
baseados em extrapolações criadas pelo próprio autor.

Meu intuito aqui é outro: quero chamar a atenção para o estupefaciente ódio
à propriedade privada e aos básicos direitos à privacidade financeira que
permeia todo o livro. A maneira mais rápida de fazer isso é simplesmente
reproduzindo algumas das mais aterradoras frases contidas no livro, as quais
vão logo abaixo.

À medida que você for lendo as frases abaixo, lembre-se de que o livro de
Piketty vem sendo celebrado por toda uma gama de intelectuais
progressistas, os quais, mesmo quando eventualmente o criticam
pontualmente — como fez Larry Summers, ex-secretário do Tesouro de Bill
Clinton —, fazem questão de ressaltar que o livro é simplesmente
maravilhoso.

O motivo de tais intelectuais estarem dispostos a relevar os vários erros


metodológicos, teóricos e empíricos encontrados no livro é simplesmente
porque eles endossam o espírito do livro. E quando você finalmente entender
qual é exatamente esse espírito, você ficará extremamente preocupado
quanto ao futuro. Apenas leia o material coletado.

"Impostos não são uma questão técnica. Impostos são, isso sim, uma questão
proeminentemente política e filosófica, talvez a mais importante de todas as
questões políticas. Sem impostos, a sociedade fica destituída de um destino
comum, e a ação coletiva se torna impossível." (p. 493)

"Quando um governo tributa um determinado nível de renda ou de herança a


uma alíquota de 70 ou 80%, o objetivo principal obviamente não é o de
aumentar as receitas (porque essas altas alíquotas nunca geram muita
receita). O objetivo é abolir tais rendas e heranças vultosas, as quais são
socialmente inaceitáveis e economicamente improdutivas..." (p. 505)

"Nossas descobertas [de Piketty e de seus co-autores] possuem importantes


implicações para o grau desejável de progressividade tributária. Com efeito,
elas indicam que impor alíquotas confiscatórias sobre as altas rendas não
apenas é possível como também é a única maneira de acabar com os aumentos
observados nos altos salários. De acordo com nossas estimativas, a alíquota
ótima de imposto de renda para os países desenvolvidos é provavelmente uma
maior que 80%." (p. 512)

"Uma alíquota de 80% aplicada a receitas maiores que US$500.000 ou US$1


milhão por ano não traria ao governo muito em termos de receita, pois ela
rapidamente alcançaria seu objetivo: reduzir drasticamente as remunerações,
mas sem reduzir a produtividade da economia, de modo que os salários
subiriam a níveis menores". (p. 513)
"O propósito primário dos impostos sobre ganhos de capital não é o de financiar
programas sociais, mas sim o de regular o capitalismo. A meta é, em primeiro
lugar, acabar com o contínuo aumento na desigualdade de renda, e, em segundo
lugar, impor uma regulação efetiva sobre os sistemas bancário e financeiro
para evitar crises." (p. 518)

"[A transparência financeira associada ao imposto global proposto por Piketty]


iria gerar preciosas informações sobre a distribuição de riqueza. Os governos
nacionais, as organizações internacionais, e os institutos de estatística ao redor
do mundo iriam pelo menos ser capazes de produzir dados confiáveis sobre a
evolução da riqueza global... [Os cidadãos] teriam acesso a dados públicos sobre
fortunas, cujas informações seriam fornecidas por lei. Os benefícios para a
democracia seriam consideráveis: é muito difícil ter um debate racional sobre
os grandes desafios enfrentados pelo mundo atual — o futuro do estado de bem-
estar social, os custos da transição para novas fontes de energia, o tamanho do
estado em países desenvolvidos, e muito mais — porque a distribuição global de
riqueza continua muito opaca." (pp. 518-519)

"Um imposto de 0,1% sobre o capital não seria apenas mais um imposto; ele
teria, acima de tudo, o intuito de ser uma lei que obriga o relato compulsório de
informações pessoais. Todos seriam obrigados a divulgar informações sobre a
natureza de seus ativos para as autoridades financeiras mundiais. Só assim
poderão ser reconhecidos como os proprietários legais daquilo que possuem..."
(p. 519)

Referindo-se à necessidade de se abolir todos os paraísos fiscais por meio da


obrigatoriedade de especificar todos os seus ativos às autoridades globais:
"Ninguém tem o direito de determinar suas próprias alíquotas de impostos. Não
é certo que indivíduos enriqueçam por meio do livre comércio e da integração
econômica, obtendo lucros à custa de seus vizinhos. Isso é roubo puro e
descarado." (p. 522)

"Se, amanhã, alguém descobrir em seu quintal um tesouro maior do que toda a
riqueza existente em seu país, seria correto aprovar uma emenda constitucional
para que esta riqueza seja redistribuída de uma maneira mais sensata (é o que
devemos desejar)." (p. 537)

"Na África, a saída de capitais sempre excedeu o influxo de ajudas


estrangeiras. Não há dúvidas de que foi algo bom vários países ricos terem
impetrado medidas judiciais contra líderes africanos que saíram de seus
respectivos países com grandes fortunas. Porém, seria algo ainda mais
proveitoso criar uma instituição de âmbito global voltada para a cooperação
tributária e para o compartilhamento de dados com o objetivo de permitir que
os países da África e de outros continentes descubram essas pilhagens de
maneira mais sistemática e moderna, especialmente quando se leva em conta
que empresas internacionais e acionistas de todas as nacionalidades são, no
mínimo, tão culpados quanto as inescrupulosas elites africanas. De novo, a
transparência financeira e um imposto global e progressivo sobre o capital são
a solução correta." (p. 539)

"Do ponto de vista do interesse geral e do bem comum, é preferível tributar os


ricos a tomar emprestado deles." (p. 540)

Essas frases revelam que Piketty na realidade não tem nenhum interesse em
apenas aumentar as receitas dos governos com seus esquemas tributários; o
que ele realmente quer é acabar de uma vez por todas com a formação de
fortunas.

Para finalizar, um alerta a todos que ainda prezam valores ultrapassados


como privacidade financeira e estado de direito: preocupem-se. Piketty e
todos aqueles que estão tecendo louvores a seu livro não têm a mais mínima
consideração pela maneira como uma pessoa construiu sua fortuna. Não
importa se você trabalhou duro, poupou e foi um corajoso
empreendedor. Tudo será confiscado. Eles, aliás, nem sequer têm "planos
nobres" para como irão utilizar toda a propriedade que pretendem confiscar
— o objetivo é apenas o de garantir que uma pessoa rica deixe de ser rica.

Se você for razoavelmente rico, é melhor se tornar amigo de Piketty e sua


turma, e bem rápido. Talvez assim eles permitirão que você mantenha pelo
menos uma fatia de suas propriedades.

Thomas Piketty e seus dados improváveis

economia

Hunter Lewis
sexta-feira, 28 nov 2014

O principal livro de Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda,


está repleto de teoria econômica. Há apenas duas páginas contendo dados, e
Keynes ainda desqualifica esses dados dizendo que são "improváveis".
Em contraste, o novo livro do francês Thomas Piketty, O Capital do Século XXI,
que é a sensação mundial do momento, é recheado de dados. Ironicamente,
Piketty se considera um sucessor daquele mesmo economista cujos dados
Keynes descartou como improváveis: Simon Kuznets. Quase todas as pessoas
que realmente leram o livro admitem que o argumento teórico de Piketty é
fraco. No entanto, seus defensores prontamente contra-argumentam: "Mas
veja todos esses dados! Não dá para argumentar contra todo esse volume de
evidências históricas!"

O principal argumento de Piketty é que a riqueza (que tende a se concentrar


em poucas mãos) cresce mais rapidamente do que a economia, de modo que
aqueles que já possuem muita riqueza vão se tornando cada vez mais ricos
em relação a todos os outros. Supostamente, esta seria uma característica
inevitável do capitalismo.

(Se essa tese lhe soa familiar, é porque ela realmente é: a teoria de Piketty é
apenas uma repetição mais atualizada do que Marx e Keynes já haviam dito,
embora seja válido lembrar que Keynes zombou da maioria das coisas ditas
por Marx, classificando-as como "embuste").

Mas qual seria então a prova de que a riqueza cresceu mais rápido do que a
economia?

Analisemos o gráfico abaixo, que foi adaptado do livro de Piketty. A linha roxa
é o retorno sobre o capital e a linha amarela é a taxa de crescimento da
economia mundial. A linha roxa supostamente mostra como os ricos estão se
saindo e a linha amarela, como o cidadão médio está progredindo. Observe
que as partes de ambas as linhas localizadas na extrema direita do gráfico são
meramente uma projeção de Piketty, e não dados históricos.
Este gráfico é espantoso por várias razões. Em primeiro lugar, ele sugere que
o capital apresentou um retorno de 4,5% ou mais, por ano, no período que vai
do ano 0 ao ano 1800. Este valor é insano. Por exemplo, se toda a raça
humana houvesse começado o ano 1 com uma riqueza total de apenas US$10,
um crescimento composto de 4,5% ao ano durante 1.800 anos faria com que,
atualmente, fossemos mais de um trilhão de vezes mais ricos do que
realmente somos — lembrando que a riqueza total do mundo foi estimada
pelo Credit Suisse em US$241 trilhões de dólares.

Esse valor de 4,5% de retorno sobre o capital também é insano porque o


próprio Piketty argumenta, e muito corretamente, que todo o crescimento
econômico ocorrido antes da Revolução Industrial foi insignificante, o que
significa que retornos tão altos para os ricos simplesmente não são
compatíveis com um crescimento tão ínfimo. A verdade é que, durante boa
parte desse período, os ricos estavam mais interessados em gastar ou em
esconder suas riquezas a investi-las, pois, naquela época, expor suas riquezas
significava se tornar suscetível a ser roubado — ou por bandidos ou pelo
governo.

Por fim, se analisarmos mais atentamente a parte mais atual do gráfico (1913
a 2012) e ignorarmos a projeção feita para o futuro, veremos que as linhas
também não dão sustentação à tese de Piketty. A ideia de que, no capitalismo,
os ricos sempre necessariamente se tornam mais ricos em relação a todos os
outros simplesmente não é corroborada pelos dados que ele apresenta.

Já o gráfico seguinte mostra a fatia da riqueza nas mãos dos 10% mais ricos
da Europa ao longo do tempo (linha azul-escura), a fatia de riqueza nas mãos
dos 10% mais ricos dos EUA (a linha verde clara), a fatia da riqueza nas mãos
do 1% mais rico da Europa (linha azul-clara) e a fatia da riqueza nas mãos do
1% mais rico dos EUA (a linha verde-escuro).

Este gráfico também não corrobora a tese de Piketty. Sim, a fatia dos ricos
cresceu desde 1970, mas só depois de ter caído acentuadamente antes.

Finalmente, o próximo gráfico mostra a renda dos 10% mais ricos dos EUA ao
longo do tempo em termos da porcentagem da renda total do país.

Renda, neste caso, inclui também os ganhos de capital, que, em termos


práticos, não representam renda verdadeira, mas sim apenas uma troca de
um ativo por outro. E exclui as transferências de renda feitas pelo governo,
exclusão essa gera uma grande alteração nos resultados. Ainda assim, mais
uma vez, não se observa nenhum aumento inexorável na renda dos mais ricos
ao longo do tempo. Longe disso.

O que realmente vemos no gráfico acima são dois picos para as pessoas de
maior renda: um imediatamente antes da crise de 1929 e o outro
imediatamente antes da crise de 2008. Ambos os picos ocorreram justamente
durante as duas maiores bolhas econômicas da história americana, nas quais
o Banco Central americano, em conluio com o sistema bancário, estimulou a
expansão do crédito e criou muito dinheiro, o que gerou uma falsa e
insustentável prosperidade. Ambas também foram eras que representaram
o ápice do capitalismo corporativista — também chamado de "capitalismo de
compadrio" —, no qual aquelas pessoas ricas que tinham conexões com os
governos utilizaram o dinheiro criado pelo sistema bancário para se tornar
ainda mais ricas ou simplesmente se beneficiaram de outras políticas
governamentais que as favoreciam.

Infelizmente, após a crise de 2008, o ativismo dos bancos centrais ao redor do


mundo inflou outra bolha nos mercados de capitais. Isso elevou a fatia da
renda dos mais ricos novamente para o patamar de 50% da renda total em
2012, baseando-se em dados foram disponibilizados após a publicação do
livro. Só que essa nova bolha também irá estourar, o que derrubará a fatia da
renda dos mais ricos de volta ao patamar dos 40% observados em 1910, início
do período analisado pelo gráfico.
Talvez a afirmação mais surpreendente do livro de Piketty é a de que as
burocracias governamentais terão de ser reformadas para que possam fazer
um uso mais eficiente de toda a receita adicional que será gerada pelos novos
impostos sobre renda e sobre a riqueza que ele recomenda. A suposição é a
de que o controle governamental quase que completo sobre a economia seria
o melhor arranjo, ainda que esse mecanismo necessite de alguns ajustes para
ser definitivamente implantado.

Ludwig von Mises demonstrou, há quase 100 anos, que uma economia
gerenciada pelo estado simplesmente não tem como funcionar, pois, entre
outros problemas, ela não é capaz de estabelecer preços racionais. Só uma
economia guiada pelos consumidores pode fazer isso. Os socialistas têm
tentado refutar a tese de Mises desde então, mas nunca conseguiram. Piketty
deveria ao menos ler Mises.

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Para ver outro artigo que refuta, com fatos e dados empíricos, a tese central
de Piketty, leia este:

O Jardim da Inveja de Piketty

economia

Theodore Dalrymple

sexta-feira, 13 jun 2014


O ressentimento é a única emoção que pode durar a vida inteira e que nunca
desapontará você. Em comparação, todas as demais emoções são passageiras
e falíveis. Eu tentei odiar alguém por anos; isso, contudo, revelou-se
impossível: o ódio desaparece como as cores das flores prensadas. Mas o
ressentimento! Ele é a solução perfeita para o seu fracasso na vida. E, graças
a Deus, todos nós cometemos falhas em algum sentido ou outro, pois nada
seria tão insuportável, causando tanto ressentimento, quanto o sucesso total.
O sucesso dos outros fomenta o ressentimento, especialmente o sucesso em
uma área na qual você gostaria de ser bem-sucedido. Sempre que eu leio um
trecho de prosa maravilhosa, eu experimento o prazer dessa leitura, é claro;
mas ele, muito antes, mistura-se com a irritação e, por fim, com o
ressentimento. Por que o meu semelhante é capaz de escrever algo mais
elegante, mais perspicaz, mais poético e mais conciso do que eu? O que ele fez
para merecer o seu talento? A sorte dos escritores de língua inglesa é que
Charles Dickens, por exemplo, tinha muitos e graves defeitos, pois, caso
contrário, a genialidade autoevidente e transcendente de alguns dos seus
parágrafos os paralisaria, minando a sua vontade de pegar caneta e papel ou
de mexer os dedos no teclado.

Como se costuma dizer nos romances russos, chega de filosofia. Vamos agora
descer da atmosfera rarefeita da abstração e nos deslocar para a realidade
sórdida de um fenômeno real — neste caso, o fenomenal sucesso de um livro
chamado Capital no Século XXI, do francês Thomas Piketty. Ele está vendendo
tão rápido que as impressoras não conseguem acompanhar a demanda. Não
se encontra a obra nas livrarias, mesmo (nas palavras de Lane, o mordomo do
personagem Algernon em The Importance of Being Earnest, de Oscar Wilde)
com dinheiro vivo.

Isso é realmente impressionante, uma vez que Thomas Piketty não é Dan
Brown, o qual vende tolices abertamente supersticiosas escritas em prosa
abominável para os crédulos pós-religião. Não: o livro de Piketty é grande,
com centenas de páginas, e está recheado de dados misteriosos, que agora
temos de chamar de fatos. Felizmente, eu comprara uma cópia desse livro
quando ele apareceu pela primeira vez na França; e, em razão da sua rápida
ascensão ao status de ícone internacional, eu tenho a esperança de que a
minha edição original seja, no momento oportuno, considerada uma preciosa
relíquia sagrada com propriedades curativas.

Obviamente, ter comprado um livro e tê-lo lido não são a mesma coisa.
Infelizmente, apesar do seu tamanho e do seu peso, eu o perdi. Mas eu o
carregava comigo por um tempo, assim como, há muitos anos, quando era um
estudante de medicina, eu carregava comigo um livro de patologia, na
esperança de que eu aprenderia o seu conteúdo por meio de um processo de
osmose através das capas. No entanto, concluí que tinha de abri-lo e aprender
apenas o suficiente para passar nos exames. Desnecessário dizer, eu esqueci
tudo desde então.

Eu não costumo escrever sobre livros que não li; e eu suponho que, em minha
vida, devo ter analisado pelo menos uns 500 livros. Seria falsa modéstia negar
que eu li todos eles, incluindo muitas vezes as notas de rodapé, bem como
negar a minha solidariedade e a minha empatia com os autores, até mesmo
com os autores de livros tão ruins que eu considerava apenas ético fazê-lo —
e isso apesar do fato de que não é preciso comer o pote inteiro de manteiga
para saber que ela está estragada.

Todavia, duas ideias da obra de Piketty parecem ter sido discutidas com
maior vigor em todas as análises que li sobre o seu livro; assim, eu suponho
que elas devem representar o cerne daquilo que ele escreveu.

A primeira ideia é a de que há, em relação ao valor do capital, uma tendência


de longo prazo a aumentar mais rapidamente do que o ritmo de crescimento
da economia como um todo; e, já que a maioria das pessoas depende, para a
sua sobrevivência, do seu trabalho em vez do seu capital, a desigualdade de
riqueza só pode aumentar, chegando ao ponto de se tornar social e
politicamente insustentável. Isso pode ser colocado em termos malthusianos:
o valor do capital aumenta geometricamente, ao passo que o valor do
rendimento do trabalho aumenta aritmeticamente. Ou, de novo, em termos
marxistas: "Em uma determinada fase de desenvolvimento, as forças
produtivas materiais da sociedade entram em conflito com as relações de
produção existentes. (...) Em seguida, começa uma era de revolução social."

Mas Piketty não é um revolucionário; muito sensatamente, ele deseja evitar


uma agitação violenta. Os meios através dos quais ele propõe isso é a sua
segunda ideia: um imposto global sobre o capital — presumivelmente, para
atingir realmente o seu desejado fim de uma maior igualdade, um imposto
substancial.

Em primeiro lugar, analisemos a primeira ideia. Eu hesito em expor o meu


próprio caso mais uma vez diante do público, mas alego a atenuação de que,
pelo menos, trata-se de um assunto sobre o qual sou relativamente
especialista. Como me prejudica o fato de que a proporção entre a riqueza de
Bill Gates e a minha excede o quociente entre a minha riqueza e a de alguém
que se encontra sob os cuidados do assistencialismo estatal? Eu me considero
uma pessoa afortunada: eu nunca passei por quaisquer privações e
dificuldades, pelo menos por nenhuma que não fosse a consequência do meu
próprio comportamento ou das minhas próprias escolhas. Já fui pobre, mas
não passei fome. Jamais sofri injustiça flagrante, exceto algumas detenções
injustas em países da má fama (foi culpa minha tê-los visitado, embora, é
claro, eu os tenha adorado).

A fortuna de Bill Gates só me prejudica se eu deixar o ácido da inveja e do


ressentimento corroer a minha mente. Isso não significa dizer que algumas
fortunas não possam ter sido adquiridas de maneira imoral e ilícita: por
exemplo, as fortunas de muitos oligarcas russos. Há algo de errado com essas
riquezas não porque elas são muito maiores do que a minha, mas sim porque
elas foram adquiridas de forma imoral e ilícita. Não há dúvida de que existem
muitas áreas cinzentas entre a legitimidade completamente branca e a escura
negritude da desonestidade absoluta, mas as óbvias incertezas da vida devem
ser suficientes para refrear e conter o nosso ressentimento.

Quanto ao imposto sobre o capital, Piketty está certo ao dizer que ele tem de
ser global, pois, caso contrário, haveria fugas de capitais ou restrições locais
muito severas sobre os movimentos de capitais — e isso não seria
economicamente produtivo ou propício à igualdade. Um imposto global sobre
o capital, porém, exigiria uma autoridade mundial para estabelecê-lo,
arrecadá-lo e impingi-lo — com efeito, uma espécie de União Europeia
gigante. Sinto-me feliz porque não estarei vivo para ver isso ocorrer, mas eu
duvido que alguém, nascido ou não nascido, chegará a ver isso acontecer, pelo
simples motivo de que os chefes supremos desse governo mundial
precisariam de um paraíso fiscal no qual colocar o seu próprio dinheiro.

Eu suspeito que o enorme sucesso desse livro de Piketty seja uma


homenagem ao nível de ressentimento que impera no mundo — e não o
resultado de uma sede por conhecimento, especialmente entre aqueles
indivíduos suficientemente ricos para comprá-lo, usando-o, em grande
medida, como um reles acessório. A verdade, como Edward Gibbon nos
ensina, raramente encontra uma recepção tão favorável no mundo. Eu posso
estar errado, pois ainda não li a obra. Entretanto, posso invejar o seu sucesso.

As “descobertas” de Piketty estão invertidas


economia

George Reisman

sexta-feira, 27 jun 2014

Thomas Piketty, um professor neomarxista francês, escreveu um livro de


quase 700 páginas, publicado pela Harvard University Press. Seu título
é Capital no Século XXI,em homenagem a Das Capital, obra de Karl Marx
escrita no século XIX. Foi recebido com aplausos delirantes da esquerda
intelectual e já consta nas listas de mais vendidos do The New York Times e da
Amazon.
Embora seu livro seja ostensivamente dedicado ao estudo do capital e de
sua taxa de retorno, Piketty aborda o assunto sem aparentemente ter lido
uma única página de Ludwig von Mises ou de Eugen von Böhm-Bawerk, os
dois principais teóricos deste assunto. Não há uma única referência a
qualquer um destes indivíduos em seu livro. Existem, no entanto, setenta
referências a Karl Marx.

Em seu livro, Piketty argumenta que a poupança e a acumulação de capital


feita pelos capitalistas geram apenas a redução dos salários dos
trabalhadores. Segundo Piketty, o capital acumulado não tem nenhuma
ligação com o aumento da produção; o capital acumulado em nada contribui
para o aumento da produção. Tudo o que ele faz é, supostamente, aumentar
a fatia da renda nacional que vai para os lucros ao mesmo tempo em que
reduz, de maneira equivalente, a fatia que vai para os salários dos
trabalhadores.

Logo, dado que o capital acumulado não gera nenhuma produção adicional, o
efeito de uma mudança nestas duas fatias é uma correspondente mudança em
termos absolutos — ou seja, um aumento nos lucros reais dos capitalistas e
uma diminuição nos salários reais dos trabalhadores.

Para evitar esta infindável e destrutiva acumulação de capital, bem como sua
consequente "espiral de desigualdade", Piketty defende um imposto de renda
progressivo, cuja alíquota pode chegar a 80% "sobre rendas acima de
US$500.000 ou US$1 milhão por ano", acompanhado por um imposto
progressivo que incide diretamente sobre o próprio capital acumulado, cuja
alíquota pode chegar a 10% ao ano.

As alegações de Piketty sobre as fatias da renda nacional que vão para os


salários dos trabalhadores e para os lucros dos capitalistas podem ser
refutadas simplesmente ao imaginarmos as consequências de um aumento na
poupança e nos investimentos dos capitalistas, e então observarmos as
consequências disso, tanto nos salários pagos quanto na quantidade de lucro
no sistema econômico. Será possível observar que os salários pagos
necessariamente aumentarão e a quantidade de lucro necessariamente
diminuirá, resultados diametralmente opostos às alegações de Piketty.

Assim, suponha que, inicialmente, a quantidade total de lucro no sistema


econômico seja de 200 unidades de dinheiro. Suponha também que o capital
acumulado no sistema econômico seja de 2.000 unidades de
dinheiro. Consequentemente, a taxa média inicial de lucro é de 10%.

E, finalmente, suponha que os capitalistas, que até agora vêm consumindo


seus 200 de lucro, decidam poupar e investir metadedeste lucro de 200. Eles,
portanto, passam a fazer agora um gasto adicional com bens capitais e com
mão-de-obra no valor de 100.

Muito bem. Qualquer fatia destes 100 que seja usada para pagamentos de
salários irá necessariamente aumentar o total de salários pagos no sistema
econômico. Ao mesmo tempo, o gasto adicional de 100 com bens capitais e
com mão-de-obra representa um acréscimo de 100 aos custos agregados do
sistema produtivo, custos esses que, por uma mera questão de contabilidade,
terão de ser deduzidos das receitas, desta forma reduzindo de maneira
equivalente os lucros agregados.

Esse aumento nos custos pode ocorrer imediatamente ou ao longo de muitos


anos, dependendo de em quê estes 100 serão gastos. Em um extremo, se eles
forem gastos inteiramente com itens que não representam investimentos —
como, por exemplo, despesas administrativas —, eles aparecerão nos
balancetes imediatamente como custos adicionais.

Em outro extremo, se eles forem gastos inteiramente em investimentos em


bens de capital — como, por exemplo, a construção de fábricas ou de
instalações (ativos) cuja vida depreciável seja de quarenta anos —, eles
levarão quarenta anos para ser computados integralmente como custos
adicionais equivalentes de produção.

De uma maneira ou de outra, estes 100 aparecerão como custos adicionais


equivalentes e, portanto, reduzirão de maneira equivalente a quantidade de
lucro no sistema econômico.

Isso é regra contábil pura, algo que aparentemente o professor desconhece.

Assim, as tão reverenciadas "descobertas" de Piketty estão, na realidade,


invertidas. A poupança e os investimentos dos capitalistas — que aumentam
a proporção entre capital acumulado e renda — aumentam a fatia da renda
nacional que vai para os salários dos trabalhadores e diminuia fatia que vai
para os lucros.

No que mais, essa maior oferta de bens de capital — resultante de uma maior
acumulação de capital, possibilitada por mais poupança e mais investimentos
— faz aumentar a produtividade da mão-de-obra e aumentar o total de bens
e serviços que podem ser produzidos, incluindo uma oferta ainda maior de
bens de capital.

Por outro lado, a tributação desta poupança e deste capital acumulado — que
é o que defende Piketty — irá gerar efeitos exatamente opostos: menos
investimentos, menos salários, menos produção, mais escassez de bens e
serviços, mais carestia.

O programa de Piketty é um programa de total destruição econômica, bem ao


gosto de seu mentor do século XIX. O mundo e, acima de tudo, os assalariados
do mundo necessitam é da abolição de impostos e de regulamentações que
obstruem o acúmulo de capital e o aumento da produção.

As bases sólidas para um aumento no padrão de vida geral e, mais


especificamente, nos salários reais são a acumulação de capital e o aumento
da produção, e não o igualitarismo e suas teorias e programas insensatos
(quando não homicidas). Tributação e confisco de renda geram apenas
prolongamento da escassez, sendo positivos apenas para os burocratas que
comandam esse confisco.

A moral de Piketty - por alguém que


realmente leu todo o livro
filosofia

João César de Melo

sexta-feira, 16 jan 2015

Segundo a Amazon, fui um dos poucos compradores de O Capital do Século


XXI, de Thomas Piketty, que realmente leram o livro.
Seu programa Kindle registra que, dos mais de 80 mil cópias vendidas, a
grande maioria dos leitores não passa da página 26, considerando que o livro
possui quase 700 páginas. Isso me lembra muitos socialistas que se dizem
influenciados por Marx, apesar de nunca terem lido seus livros; e que também
odeiam o liberalismo sem ter a menor noção do que se trata.

Um amigo, ao me flagrar com o tal livro, não vacilou em fazer piada: "Lendo a
nova bíblia da esquerda?!". "Pois é... Sou liberal exatamente por saber o que
os marxistas pensam", respondi.

Mesmo não sendo da área econômica, política ou do direito, sinto-me


obrigado a ler essas "coisas", já que me interesso pelo assunto.

O Capital do Século XXI é apenas mais uma reedição de alguns devaneios


marxistas, com o autor tentando relacionar dados selecionados com crendices
ideológicas impregnadas com uma das piores fraquezas humanas: a inveja.
Entre tantos gráficos, Piketty não esconde sua interpretação moral sobre a
riqueza e, principalmente, sobre a herança. Chega a ser engraçado suas
recorrentes citações aos romances de Balzac para ilustrar e "comprovar" as
distâncias entre trabalhadores e herdeiros.

Seu livro tem um único objetivo: julgar moralmente o direito de uma pessoa
guardar para si o fruto de seu próprio trabalho e decidir, por si mesma, qual
o destino desse fruto. A "moralidade" de Piketty chega ao nível de condenar
os herdeiros pelo sucesso dos pais!

Seu raciocínio é muito simples: quanto mais rico, mais imoral. Exercendo a
arrogância típica dos socialistas, Piketty ignora completamente a história, os
esforços e os talentos de indivíduos, enlatando-os como se formassem uma
única e homogênea massa de pessoas de caráter condenável pelo simples fato
de terem enriquecido.

Piketty tenta inúmeras vezes nos fazer crer que questiona Marx, aquele que
"...escreveu tomado por grande fervor político, o que muitas vezes o levou a
se precipitar e a defender argumentos mal embasados", em suas palavras,
mas em seguida enaltece a coerência de algumas ideias do pai do comunismo.

Logo no começo, o neomarxista francês dá o tom do livro:

"...o capitalismo produz automaticamente desigualdades insustentáveis,


arbitrárias, que ameaçam de maneira radical os valores de meritocracia sobre
os quais se fundam nossas sociedades democráticas".

Oi? Um socialista que defende taxações e confiscos dizendo que o sistema de


trocas voluntárias entre indivíduos e empresas é arbitrário? Pois é... Ouço e
leio coisas parecidas todos os dias no Facebook, ditas e escritas por pessoas
que nunca leram nada além de panfletos da esquerda.

Piketty, em sua tentativa de desmerecer a melhoria na qualidade de vida da


população mundial promovida pelo capitalismo, reduz o aumento da
expectativa de vida a um... "fato biológico"! Insiste, o tempo todo, que a
desigualdade é algo terrível por si mesma, ignorando, portanto, as diferenças
entre os diversos países do mundo no que se refere a estas
"desigualdades". Fica bem claro que sua preocupação não é com a pobreza,
mas sim com a riqueza. Eis um socialista.

Em seu esforço para distorcer a realidade, Piketty chega a citar o caso chinês
do que seria um exemplo de desenvolvimento social promovido pelo
estado. Cita os investimentos em educação e em infraestrutura, mas se
"esquece" de que nenhuma escola ou ponte é construída sem dinheiro, e que
esse dinheiro vem da arrecadação de impostos, e que a quantidade de
impostos arrecadada depende do poder e da liberdade econômica da
sociedade como um todo.
Ou seja: ignora que centenas de milhões de chineses se livraram da extrema
pobreza simplesmente porque o estado deu um passo para trás, lhes dando a
liberdade para empreender negócios visando o lucro, com direito de
propriedade e com a possibilidade de ficarem ricos.

Piketty se "esqueceu" de muitas coisas. Esqueceu-se de falar sobre o papel do


estado nos problemas sociais e econômicos dos países atrasados. Esqueceu-
se de falar sobre os desajustes fiscais, sobre a emissão irresponsável de
moeda, sobre as arbitrariedades dos bancos centrais, sobre as concessões de
créditos e de subsídios a determinados setores, empresas e até pessoas
ligadas aos governos, o que sempre prejudica os mais pobres. Sua única
referência pejorativa ao estado se dá ao afirmar que foi graças à corrupção do
governo mexicano que Carlos Slim se tornou um dos homens mais ricos do
mundo.

Sua facilidade em tecer julgamentos morais sobre a "riqueza excessiva" de


empresários, executivos e herdeiros é proporcional à sua indiferença com o
enriquecimento de políticos e ditadores mundo a fora.

Tentando desmoralizar a natureza do capitalismo, Piketty faz uma pergunta:


"Podemos ter a certeza de que o 'livre' funcionamento de uma economia de
mercado, fundamentado na propriedade privada, conduz sempre e por toda
parte a esse nível ótimo, como que por magia?".

Pelo que sei, quem defende a "magia" nas soluções dos problemas do mundo
são os socialistas, com seus planos sempre muito poéticos no púlpito e muito
trágicos na realidade. Economistas liberais afirmam que todo e qualquer
desenvolvimento depende de um longo período de liberdade econômica, o
que possibilita o aperfeiçoamento espontâneo das interações entre mercado
e sociedade, sem milagres.

A propósito, o mesmo Piketty que ignora os autores liberais mais


importantes, tais como Milton Friedman, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek
e Carl Menger, faz questão de enaltecer Paul Krugman, o pai da bolha
imobiliária norte-americana, defensor da inflação como ferramenta de
crescimento, palestrante em evento da revista Carta Capital. Nessa altura do
livro, não me surpreendeu ler que, na prática, a "mão invisível" descrita por
Adam Smith não existe porque "o mercado sempre é representado por
instituições específicas, como as hierarquias corporativas e os comitês de
remuneração". De onde ele tirou isso?

Como todo "bom socialista", Piketty não deixaria de mirar seu furor
ideológico na cultura norte-americana, citando meia dúzia de séries de TV
como exemplos do culto à "desigualdade justa". O francês se empolga:
"A sociedade meritocrática moderna, sobretudo nos Estados Unidos, é muito
mais dura com os perdedores, pois baseia a dominação sobre eles na justiça, na
virtude e no mérito, e, portanto, na insuficiência de sua propriedade".

Isso é o que chamo de cretinice e desonestidade intelectual, por ignorar os


mais estridentes dados de melhoria de qualidade de vida e de inclusão social
registrados ao longo dos últimos 150 anos. Não por acaso, Cuba não é citada
uma única vez no livro.

Também me provocou espécie alguns termos utilizados pelo economista, tais


como "extremismo meritocrático", "fortunas indevidas" e "arbitrariedade do
enriquecimento patrimonial".

Sua motivação ideológica, sempre ancorada em sua própria interpretação


moral do mundo, nos oferece frases dignas de líderes estudantis:

"O problema é que a desigualdade (...) conduz frequentemente a uma


concentração excessiva e perene da riqueza (...) as fortunas se multiplicam e se
perpetuam sem limites e além de qualquer justificação racional possível em
termos de utilidade social".

No mundo de Piketty, a maioria das fortunas de hoje estão nas mesmas


famílias há séculos e continuarão assim para sempre caso o estado não
intervenha taxando-as progressivamente, para que assim, só assim, prevaleça
o "interesse geral em detrimento do interesse privado" — Luciana Genro diria
o mesmo.

Todavia, nada me provocou mais espasmos do que ele confessando que não
gosta do termo "ciência econômica" por lhe parecer "terrivelmente
arrogante". Ele prefere a expressão "economia política". Acredito!

"Impostos não são uma questão técnica", afirma Piketty; "Impostos são, isso
sim, uma questão proeminentemente política e filosófica, talvez a mais
importante de todas as questões políticas." Piketty ignora completamente o
que diz a história política da galáxia: taxações e confiscos beneficiam
principalmente os burocratas que vivem de arbitrar essas mesmas taxações e
esses mesmos confiscos. Piketty ignora também o resultado de todas as
experiências socialistas: quanto mais se arbitra sobre a riqueza privada, mais
se intimida o indivíduo comum a tentar enriquecer, provocando, assim, uma
desmotivação coletiva. A produtividade cai.

De fato, a desigualdade diminui, afinal, a sociedade deixa de ser dividida entre


ricos e pobres e passa a ser formada apenas por pobres, vide Cuba e Coreia do
Norte, sociedades tragicamente igualitárias.

Piketty não aprendeu que, em vez de rechaçarmos os ricos, deveríamos tentar


mantê-los voluntariamente junto de nós, para que eles possam gastar sua
fortuna consumindo nossos produtos e serviços, não dos outros. Piketty
parece que não enxergou sequer o que aconteceu em seu próprio país quando
o governo decidiu sobretaxar as maiores fortunas: seus donos simplesmente
foram embora, foram gastar seus bilhões noutros países.

O The Guardian referiu-se a Thomas Piketty como o "rock star da economia".


O The Economist o chamou de "ícone pop". Bem coerente. Mas eu prefiro
minha descrição: Piketty é o economista que faz os ignorantes se sentirem
cultos, os idiotas se sentirem inteligentes e os socialistas se sentirem
honestos.

________________

Os três principais erros de Piketty

economia

Juan Ramón Rallo

quarta-feira, 21 jan 2015

Sem dúvidas, o economista francês Thomas Piketty foi a revelação de 2014 no


âmbito das ciências sociais. Seu aclamado livro O Capital no Século XXI se
converteu em uma obra de referência para a esquerda e para a direita,
chegando ao ponto de se transformar em um livro que é comprado mas não é
lido. E, quando é lido, raramente é lido de maneira crítica.
Isso explica por que os incondicionais seguidores de Piketty se limitam
apenas a utilizar trechos de suas entrevistas e não de seu livro. E explica
também por que os entrevistadores de Piketty se rebaixam ao papel de
apenas lhe estender um tapete vermelho para que ele lhes desfile suas
platitudes em vez de fazerem qualquer pergunta desafiadora a respeito dos
problemas básicos encontrados em seu livro.

E tais problemas existem e deveriam ser evidentes para aqueles que se


dispõem a analisar seu livro com um mínimo de cuidado.

Primeiro problema

O fundamento teórico do livro não é correto. Segundo Piketty, os ricos se


tornam cada vez mais ricos porque os capitalistas são capazes de obter,
automaticamente, uma taxa de retorno sobre seu capital investido maior que
a taxa de crescimento de todo o conjunto da economia. Isso significa,
portanto, que os ricos vão abocanhando uma fatia cada vez maior do bolo.

A realidade, no entanto, é que a minha riqueza atual não depende


essencialmente do passado, mas sim do futuro: eu não sou rico porque meus
pais fizeram bons investimentos; eu sou rico porque sou capaz de continuar
investindo sabiamente as propriedades que meus pais me legaram. Se meus
pais me legarem uma fortuna, mas eu não souber administrá-la corretamente,
poderei ficar pobre em pouco tempo. Não há nada de automático ou de
garantido na perpetuação de minha riqueza.

Ao contrário do que afirma Piketty, nenhum ativo — real ou financeiro —


possui uma rentabilidade automática ou garantida (nem mesmo títulos da
dívida do governo). Ser rico hoje não é garantia de continuar sendo rico no
futuro. Mais ainda: ser rico hoje não é garantia nenhuma de que você será
ainda mais rico no futuro. Que o digam os ricaços da década de 1980: todos
eles perderam mais de 50% do seu patrimônio desde então.

O fato é que, quanto mais capital você possui, menor é a sua capacidade de
torná-lo rentável: a capacidade de investi-lo bem, de evitar erros e de
encontrar oportunidades lucrativas de investimento que ninguém mais
conseguiu encontrar é tanto menor quanto maior a quantidade de fundos que
você tem de gerenciar.

Segundo problema

A análise histórica do livro é equivocada. Segundo Piketty, deveríamos estar


vivenciando no Ocidente um aumento extremo da desigualdade provocado
pela crescente concentração de capital. No entanto, a evidência empírica que
Piketty utiliza em seu livro é exatamente oposta — e não irei aqui abordar as
várias críticas feitas a Piketty pelo fato de ele haver manipulado seus dados
(ver aqui e aqui) com o claro objetivo de fazer com que eles se encaixassem
em sua teoria.

Em primeiro lugar, a maior parte da desigualdade observada no Ocidente


durante as três últimas décadas não adveio da rentabilidade do capital, mas
sim das rendas salariais. Mais especificamente, a maior parte da desigualdade
foi originada pelo surgimento dos super-salários pagos às pessoas mais
altamente qualificadas de uma economia. (Todos os dados e detalhes aqui).

Em segundo lugar, a desigualdade gerada pela propriedade do capital está


hoje em mínimos históricos: segundo os dados do próprio Piketty, a
desigualdade gerada pela propriedade do capital é hoje inferior a todas já
registradas em qualquer outro período de nossa história anterior a
1970. Essa redução histórica na desigualdade sobre o capital adveio, segundo
o próprio Piketty, de uma das façanhas mais relevantes do século XXI: o
surgimento de uma classe média que se tornou proprietária de suas próprias
moradias, o que aumentou sobremaneira seu patrimônio.

Em terceiro lugar, Pikkety não inclui no seu cômputo aquele outro grande
investimento feito pelas classes médias: o investimento em educação (capital
humano). Se ele houvesse feito isso, a desigualdade na propriedade do capital
seria ainda menor.

Terceiro problema

As propostas políticas do livro são erradas. Segundo Piketty, a desigualdade


deve ser combatida punindo os ricos com impostos mais
altos. Especificamente, tributos com alíquotas de 80 a 90% sobre as rendas
mais altas, e taxas de 10% sobre o patrimônio.

Ao sugerir isso, Piketty demonstra ignorar que a única forma de fazer com
que cada vez mais pessoas vivam melhor não é punindo a geração de riqueza,
mas sim permitindo que todos sejam livres para enriquecer. Se os últimos 40
anos podem ser caracterizados como o período mais igualitário em termos de
distribuição do capital em toda a história da humanidade não foi porque os
ricos foram arruinados, mas sim porque as classes médias começaram a
acumular algum patrimônio.

O segredo para se ter uma sociedade com menos disparidades na propriedade


do capital é justamente permitir que os cidadãos comuns tenham acesso ao
capital: ao capital real, ao capital financeiro e ao capital humano. Punir os
ricos não fará com que os mais pobres tenham mais capital real, mais capital
financeiro e mais capital humano.

[Nota do IMB: estimular o empreendedorismo desregulamentado todos os


setores da economia, desburocratizando, desestatizando, permitindo
importações baratas e tendo uma moeda forte é a única maneira de permitir
que os mais pobres possam empreender, possam adquirir produtos baratos
até então acessível apenas os mais ricos, e com isso ter capital sobrando para
formar algum patrimônio]

Até mesmo aqueles estados interventores tidos como bem-sucedidos na


redução das desigualdades — os estados nórdicos — não se caracterizam por
uma agressiva e progressiva tributação sobre os ricos, mas sim por uma
economia razoavelmente desregulamentada e desburocratizada e pelo acesso
universal a um capital humano de qualidade.

[Nota do IMB: acesso "gratuito" à educação é algo que o Brasil tem desde há
muito, do ensino básico à universidade. Portanto, assim como os nórdicos,
temos "educação gratuita"; mas ao contrário dos nórdicos, não temos uma
economia livre e desburocratizada.

Segundo o site Doing Business, nas economias escandinavas,você demora no


máximo 6 dias para abrir um negócio (contra mais de 130 no Brasil); as tarifas
de importação estão na casa de 1,3%, na média (7,9% no Brasil); o imposto
de renda de pessoa jurídica é de 25% (34% no Brasil); o investimento
estrangeiro é liberado (no Brasil, é cheio de restrições); os direitos de
propriedade são absolutos (no Brasil, grupos terroristas invadem fazendas e
a justiça os convida para um cafezinho); e o mercado de trabalho é
extremamente desregulamentado. Não apenas pode-se contratar sem
burocracias, como também é possível demitir sem qualquer justificativa e
sem qualquer custo. E tudo com o apoio dos sindicatos, pois eles sabem que
tal política reduz o desemprego. Não há uma CLT (inventada por Mussolini e
rapidamente copiada por Getulio Vargas) nos países nórdicos.]

Consequentemente, nem mesmo dentro de uma retórica estatizante as


políticas propostas por Piketty parecer ter alguma justificativa — como, aliás,
acabam de nos recordar seus próprios conterrâneos franceses.

Conclusão

Em suma, Piketty erra em seu modelo teórico, em sua análise histórica e em


suas propostas políticas. Mas nada disso fará com que ele deixe de ser
venerado como uma invencível referência intelectual em cada um desses três
campos, especialmente por aqueles que nem sequer se dignaram a ao menos
lê-lo.

Piketty está errado: mercados não


concentram riqueza
economia

Louis Rouanet

segunda-feira, 14 dez 2015

O velho e apocalíptico temor marxista da crescente desigualdade nas sociedades


capitalistas não pára de aumentar. A elite capitalista, dizem eles, se beneficia de uma
dinâmica de infinita acumulação de riqueza e, com isso, brevemente será capaz de
comprar tudo e a todos, inclusive o governo.
Este temor de ilimitada acumulação de riqueza nas mãos de poucos foi o principal tema
do livro O Capital no Século XXI, do francês Thomas Piketty, publicado em 2013. Em seu
livro, Piketty escreve:

Seria um erro negligenciar a importância do princípio da escassez para a compreensão da


distribuição mundial da riqueza no século XXI — para se convencer disso, basta substituir,
no modelo de David Ricardo, o preço das terras agrícolas pelo dos imóveis urbanos nas
grandes capitais [...]

Sem dúvida, existe um mecanismo econômico bem simples que permite equilibrar o
processo: o mecanismo da oferta e da demanda. Se a oferta de qualquer bem for
insuficiente e o preço estiver exageradamente elevado, a procura por esse bem deve baixar,
o que permitirá uma redução do preço. Em outras palavras, se os preços dos imóveis nas
grandes cidades ficarem muito altos e o custo do petróleo aumentar, as pessoas podem
decidir morar em áreas mais afastadas ou até andar de bicicleta (ou, quem sabe, os dois
ao mesmo tempo). No entanto, além de desagradáveis e complicados, tais ajustes podem
levar várias décadas para ocorrer; nesse ínterim, os proprietários de imóveis e os donos
dos poços de petróleo podem acumular créditos tão volumosos em relação ao restante da
população que poderão facilmente vir a possuir tudo o que houver para possuir, inclusive
as terras no interior e as bicicletas. (Piketty 2013)

Deixemos de lado o tolo exemplo envolvendo uma bicicleta como resposta de mercado
para a escassez (tal exemplo implica um choque tecnológico negativo, sendo que
vivemos hoje em um mundo extremamente inovador). O fato é que Piketty realmente
acredita que uma única pessoa ou entidade se tornando proprietária de "tudo" é algo
possível de ocorrer em um capitalismo de livre mercado. De acordo com Piketty, se r >
g (ou seja, se a taxa de retorno sobre o capital investido é maior do que a taxa de
crescimento econômico), haverá uma "infinita espiral de desigualdade".

Se Piketty houvesse lido os economistas seguidores da Escola Austríaca, e estivesse a


par do debate sobre o cálculo econômico, ele já teria percebido que, em um mercado
livre e desimpedido [no qual não há privilégios e subsídios estatais, tarifas
protecionistas e agências reguladoras protegendo empresas], não há como surgir uma
situação de acumulação de riqueza na qual há apenas um único indivíduo ou cartel
dominando tudo. Com efeito, uma situação em que há um único e poderoso cartel ou
um único e poderoso proprietário é o equivalente a um completo socialismo e, portanto,
a uma situação em que uma alocação racional de recursos seria impossível, como Mises
explicou clara e profundamente.

Foi Murray Rothbard quem brilhantemente demonstrou que a capacidade do cálculo


econômico decresce à medida que aumenta o tamanho da empresa. Só que esse
argumento pode ser igualmente aplicado à concentração de propriedades nas mãos de
um só indivíduo. Como demonstrou Rothbard:

O livre mercado impõe limites definidos sobre o tamanho da empresa, isto é, determina os
limites da possibilidade de cálculo no mercado. Para calcular os lucros e os prejuízos de
cada departamento, uma empresa tem de ser capaz de comparar suas operações internas
aos mercados externos para cada um dos vários fatores de produção e produtos
intermediários. Se qualquer um desses mercados externos desaparecer, pois todos foram
absorvidos e se tornaram parte de uma única empresa, a capacidade de cálculo econômico
desaparece, e não mais há nenhuma maneira de uma empresa racionalmente alocar
fatores para aquela área específica. Quanto mais esses limites são transgredidos, maior
se torna a esfera da irracionalidade econômica, e mais difícil será evitar prejuízos. Um
grande e único cartel não seria capaz de alocar racionalmente fatores de produção, e isso
faria com que fosse impossível evitar prejuízo severos. Consequentemente, tal arranjo
jamais poderia realmente ser estabelecido; e, ainda que fosse, jamais poderia ser
mantido. Rapidamente ele se desintegraria.

Logo, e contrariamente ao que Piketty e outros defensores do igualitarismo pensam,


uma ilimitada concentração de riqueza é tecnicamente impossível em uma economia de
mercado. É por essa razão que "um único e grande cartel" controlando toda a economia
jamais surgiu em um livre mercado, e é por essa razão que a concentração de riqueza
sempre será limitada.
A falta de rigor teórico no livro de Piketty é alarmante. Embora ele supostamente seja
um estudioso da dinâmica da desigualdade de renda nas sociedades capitalistas, Piketty
praticamente não analisa o papel do empreendedorismo; e, nas raras vezes em que o
faz, não fornece absolutamente nenhuma definição sobre o que seja
empreendedorismo. Essa total falta de rigor o permite liderar uma batalha ideológica
contra os ricos, os quais ele considera serem "imerecedores". Similarmente, seja
Piketty, seja Anthony Atkinson, nenhum desses modernos adeptos do igualitarismo
menciona o papel da divisão do trabalho na distribuição de riqueza.

Mas sabemos, no entanto, que a divisão do trabalho é uma característica crucial (e


necessária) da economia de mercado. Com efeito, a própria existência de capitalistas
ricos não é uma questão de herança ou de sorte imerecida, mas sim o resultado da "lei
das vantagens comparativas". Um capitalista é alguém que possui uma vantagem
comparativa em alocar capital — ou seja, ele tem uma capacidade superior aos outros
neste quesito — e, consequentemente, é especialista nesta tarefa. Em um mercado livre
e desimpedido, aqueles que tendem a ser os mais ricos também tendem a ser os mais
eficientes na alocação do capital. Se sua capacidade de alocação for ruim, então os
consumidores irão puni-los. Se sua capacidade de alocação for boa, os consumidores
irão recompensá-los.

Frédéric Bastiat, em seu leito de morte em Roma, e não obstante estar severamente
doente, deixou muito claro para o seu amigo Prosper Paillottet que os economistas
deveriam se concentrar majoritariamente no consumidor. O consumidor, disse ele, é a
fonte primária de quaisquer fenômenos econômicos. A principal falha do livro de
Piketty é que ele explica a desigualdade começando não pelas escolhas dos
consumidores, mas sim pela propriedade do capital. Os proprietários do capital, diz
Piketty, se beneficiam de uma taxa de retorno sobre o capital e, quando esta taxa é maior
que a taxa de crescimento econômico, ela intensifica as desigualdades de renda.

Para Piketty, a taxa de retorno sobre o capital é como se fosse um mítico fluxo de renda
que depende não da capacidade dos proprietários do capital, mas sim de quanto capital
você detém. Só que a distribuição de riqueza não é tão arbitrária quanto Piketty gosta
de imaginar. O consumidor detém a palavra final na decisão sobre quem deve ser o
proprietário dos fatores de produção. Como explicou Mises em Ação Humana, os ricos
"não são livres para gastar um dinheiro que os consumidores não estão dispostos a lhes
fornecer continuamente ao pagarem mais pelos produtos".

No mercado livre e desimpedido, os ricos só conseguem acumular mais riqueza se eles


foram eficientes na tarefa de alocar capital, para o benefício de todos os consuidores. Há
de se admitir que não há nada de moralmente errado nisso. Ao contrário: devemos
aplaudir esse arranjo.

Dado que a teoria econômica que fundamenta a tese de Piketty é fraca, suas explicações
não batem com as evidências empíricas. Com efeito, o próprio Piketty teve de admitir
que "não vejo r > g como a única, ou mesmo a principal, ferramenta para se considerar
alterações na renda e na riqueza no século XX, ou para prever o caminho da
desigualdade no século XXI". E, de fato, r > g não é um ferramenta útil para a discussão
sobre a crescente desigualdade na renda do trabalho. Surpreendentemente, o próprio
Piketty admitiu a debilidade de seu modelo perante o fato de que o aumento da da renda
dos mais ricos nos EUA durante o período 1980—2010 deveu-se majoritariamente a
uma crescente desigualdade nos salários, e não à taxa de retorno do capital.

Adicionalmente, deve-se ressaltar que, tanto em termos teóricos quanto empíricos,


quanto mais rico é um indivíduo, mais volúvel é a riqueza dele: todos os bilionários da
lista da Forbes da década de 1980 deixaram de sê-lo atualmente. Sendo assim, se a
riqueza é tão instável para o 1% mais rico, podemos concluir que a infinita concentração
de riqueza é um mito que não ocorre em uma economia de mercado. Ao contrário,
sociedades capitalistas são mais tendentes a uma mobilidade inter-geracional, tanto
para cima quanto para baixo.

Consequentemente, embora a desigualdade de renda, em um determinado momento,


em sociedades capitalistas possa ser maior do que em economias mais socialistas, a
economia de mercado pode perfeitamente oferecer mais igualdade se considerarmos a
evolução das disparidades de renda entre indivíduos ao longo de um grande período de
tempo.

Mais de 100 anos atrás, um economista Frances publicou um livro sobre


desigualdade. Assim como o livro de Piketty, aquele livro foi celebrado nos EUA. Porém,
ao contrário de Piketty, Paul Leroy Beaulieu tentou explicar em seu livro, Essai sur la
Répartition des Richesses (1881), por que ele acreditava que a desigualdade, sem ser
erradicada, diminuiria nas sociedades capitalistas. A radical diferença de tom entre os
dois livros é uma boa ilustração da falência intelectual tanto dos EUA quanto da França
desde a Belle époque. Do liberalismo clássico, sucumbimos à ilusão do igualitarismo; e
do otimismo liberal quanto à ordem de livre mercado, degeneramos para o pessimismo
socialista e igualitário.

Atualmente, a grandes desigualdades econômicas se devem à violenta intervenção do


governo no mercado (ver aqui, aqui e aqui). Por isso, deveríamos repensar se não seria
mais sábio dar mais atenção a Paul Leroy Beaulieu do que a Thomas Piketty.

Até mesmo o “Pokémon Go” refuta


Thomas Piketty

economia

Juan Ramón Rallo


sexta-feira, 5 ago 2016

O economista francês Thomas Piketty foi a revelação de 2014 no âmbito das ciências
sociais. Seu aclamado livro O Capital no Século XXI se converteu em uma obra de
referência para a esquerda e para a direita, chegando ao ponto de se transformar em
um livro que é comprado mas não é lido. E, quando é lido, raramente é lido de maneira
crítica.

Isso explica por que os incondicionais seguidores de Piketty se limitam apenas a utilizar
trechos de suas entrevistas e não de seu livro. E explica também por que os
entrevistadores de Piketty se rebaixam ao papel de apenas lhe estender um tapete
vermelho para que ele lhes desfile suas platitudes em vez de fazerem qualquer pergunta
desafiadora a respeito dos problemas básicos encontrados em seu livro.

A tese essencial da obra de Piketty é que as desigualdades mundiais estão aumentando


em consequência da própria dinâmica do sistema capitalista: dado que os poupadores
são capazes de reinvestir obtendo taxas de retorno superiores ao crescimento
econômico, os capitalistas serão cada vez mais ricos em relação aos trabalhadores.

Em outras palavras, os ricos se tornam cada vez mais ricos porque os capitalistas são
capazes de obter, automaticamente, uma taxa de retorno sobre seu capital investido
maior que a taxa de crescimento de todo o conjunto da economia (sua famosa
desigualdade r > g). Isso significa, portanto, que os ricos vão abocanhando uma fatia
cada vez maior do bolo.

Nas palavras do próprio Piketty: "A desigualdade r > g implica, em certo sentido, que o
passado tende a devorar o futuro: a riqueza originada no passado cresce
automaticamente mais rápido do que a riqueza derivada do trabalho, mesmo quando o
rentista opte por não trabalhar".

Ou seja, uma pessoa é rica hoje não em função da riqueza que gerou hoje, mas sim da
riqueza que tinha ontem graças à capitalização rentista dos juros.

Em primeiro lugar, a falsidade dessa afirmação é patente. A realidade é que a minha


riqueza atual não depende essencialmente do passado, mas sim do futuro: eu não sou
rico porque meus pais fizeram bons investimentos; eu sou rico porque sou capaz de
continuar investindo sabiamente as propriedades que meus pais me legaram. Se meus
pais me legarem uma fortuna, mas eu não souber administrá-la corretamente, poderei
ficar pobre em pouco tempo. Não há nada de automático ou de garantido na
perpetuação de minha riqueza.

Ao contrário do que afirma Piketty, nenhum ativo — real ou financeiro — possui uma
rentabilidade automática ou garantida. Ser rico hoje não é garantia de continuar sendo
rico no futuro. Mais ainda: ser rico hoje não é garantia nenhuma de que você será ainda
mais rico no futuro. Que o digam os ricaços da década de 1980: todos eles perderam
mais de 50% do seu patrimônio desde então.

O fato é que, quanto mais capital você possui, menor é a sua capacidade de torná-lo
rentável: a capacidade de investi-lo bem, de evitar erros e de encontrar oportunidades
lucrativas de investimento que ninguém mais conseguiu encontrar é tanto menor
quanto maior a quantidade de fundos que você tem de gerenciar.

Embora Piketty supostamente seja um estudioso da dinâmica da desigualdade de renda


nas sociedades capitalistas, a falta de rigor teórico em seu livro é alarmante. Piketty
praticamente não analisa o papel do empreendedorismo; e, nas raras vezes em que o
faz, não fornece absolutamente nenhuma definição sobre o que seja
empreendedorismo. Essa total falta de rigor o permite liderar uma batalha ideológica
contra os ricos, os quais ele considera serem "imerecedores".

Surge o Pokémon Go

No início de julho, empresa japonesa de videogames Nintendo lançou um


aplicativo gratuito para smartphones chamado Pokémon Go, dando continuidade à
popular franquia Pokémon.

O êxito deste aplicativo gratuito tem sido estrondoso: em poucos dias, superou os
usuários ativos do Twitter e apresentou mais minutos de uso diário do que o
WhatsApp. Isso permitiu ao aplicativo veicular uma potencialmente lucrativa
publicidade dentro do jogo (como fazem todos os aplicativos gratuitos de smartphone).

O resultado econômico mais imediato foi uma explosão na valorização das ações da
Nintendo, que mais do que duplicaram em poucos dias.

Alguns dias mais tarde, quando a própria Nintendo divulgou um comunicado alertando
que o impacto financeiro gerado pelo Pokemón Go nas receitas da empresa seria menor
do que o precificado pelos investidores, as ações desabaram (vide gráfico acima).
Hoje, no entanto, ainda são 33% maiores do que eram antes do lançamento do jogo.

Tracemos agora um paralelo entre este súbito aumento na riqueza da Nintendo com a
teoria de Piketty. Em que sentido a riqueza originada no passado
cresce automaticamente sem necessitar de engenho, criatividade, dedicação, satisfação
dos consumidores e criação de valor? Em nenhum.

Se a Nintendo não houvesse investido e criado, junto com a empresa Niantic, o aplicativo
Pokémon Go, sua capitalização na bolsa não teria explodido e a empresa não estaria hoje
33% mais rica. Ou se, por sua vez, a Nintendo houvesse criado um aplicativo desastroso
que ninguém quisesse usar, seu valor de mercado não teria aumentado em nada — com
efeito, poderia até desabar, pois a empresa teria gasto dinheiro no desenvolvimento,
mas não teria obtido receita nenhuma, o que significa que ela queimou capital.

Como é possível dizer, então, que a riqueza passada gera automaticamente a riqueza
futura? Por acaso aplicativos como Pokémon Go (ou ferramentas de busca como Google,
ou redes sociais como Facebook, ou aparelhos de celular como o iPhone) são criados
automaticamente?

Não, o que cria a riqueza futura é o uso sábio dos fatores de produção atuais. O que cria
riqueza futura é saber utilizar corretamente os fatores de produção existentes (mão-de-
obra, cérebros humanos, recursos físicos e tecnológicos, inteligência, ideias) e
direcioná-los a projetos empreendedoriais que maximizam a criação de valor para os
consumidores.

E esses projetos empreendedoriais não são nem conhecidos a priori e nem são fáceis de
ser descobertos.

Neste exato momento, ao redor do globo, há dezenas de milhões de cabeças pensandoem


como melhorar a vida das pessoas de uma maneira mais eficiente que o resto da
concorrência. Somente aquelas que tiverem êxito em descobrir, criar e comercializar os
produtos mais estimados pelos consumidores conseguirão acumular uma grande
riqueza (isso em um mercado livre; em um mercado regulado e protegido pelo estado,
irão enriquecer aqueles com as melhores conexões políticas e que forem mais hábeis
em espoliar a riqueza gerada pelos demais).

E, como bem mostra aquela recente queda nas ações da Nintendo, que ninguém pense
que esta enorme riqueza gerada pelo lançamento de um aplicativo de celular seja algo
permanente e irreversível (como também afirma Piketty). A valorização de 33% da
Nintendo reflete, pura e simplesmente, o valor presente de todos os lucros que se espera
que o Pokémon Go gere no futuro. Esse aumento da riqueza da Nintendo não decorre
dos ganhos passados que ela acumulou até hoje, mas sim os ganhos que são esperados
no futuro em decorrência de um bom desempenho da empresa.

Por isso, se nos próximos dias, meses ou anos o Pokemón Go não se mostrar à altura das
expectativas que se formaram hoje a seu respeito — se seus usuários não mais o
utilizarem por tanto tempo como o fazem hoje, se surgirem outros aplicativos mais
interesses para os consumidores, se as receitas de publicidade não se mostrarem
suficientes etc. —, então o valor das ações da Nintendo desabarão. Ou seja, esse
crescimento de 33% em sua riqueza serão inteiramente revertidos.

Em suma, a riqueza que a Nintendo acumulou estes dias não dependeu em quase nada
da riqueza que ela acumulou no passado (o Pokemón Go teve um custo de
desenvolvimento inferior a 30 milhões de dólares, os quais foram captados de diversas
fontes), mas sim de como a empresa foi sábia em investir esse capital no presente e do
como o seguirá investindo no futuro.

A riqueza não olha para o passado, mas sim para o futuro: aqueles que não sabem
utilizar produtivamente seu capital em prol dos consumidores ficarão, na melhor das
hipóteses, estagnados e com um patrimônio volúvel (a menos, é claro, que o estado os
proteja mediante o esbulho do resto da população). De novo, que o digam os ricaços da
década de 1980: todos eles perderam mais de 50% do seu patrimônio desde então.

Já aqueles que utilizarem produtivamente sua poupança em prol dos consumidores e de


uma maneira mais eficaz que os demais — e que saibam como continuar fazendo isso
no futuro — verão seu patrimônio se multiplicar em pouco tempo, por mais escasso que
tenha sido seu capital inicial.

A desigualdade de riqueza não é fruto de sua distribuição passada, como erroneamente


afirma Piketty, mas sim de como ele utilizada visando ao futuro.

Quanto a Piketty, como já dito, em seu livro ele desconsidera o papel do empreendedor
e nem sequer menciona o papel da divisão do trabalho na criação de riqueza. Mas a
divisão do trabalho é uma característica crucial (e necessária) da economia de
mercado. Com efeito, a própria existência de capitalistas ricos não é uma questão de
herança ou de sorte imerecida, mas sim o resultado da "lei das vantagens
comparativas". Um capitalista bem sucedido é alguém que possui uma vantagem
comparativa em alocar capital — ou seja, ele tem uma capacidade superior aos outros
neste quesito — e, consequentemente, é especialista nesta tarefa.

Em um mercado livre e desimpedido, aqueles que tendem a ser os mais ricos também
tendem a ser os mais eficientes na alocação do capital. Se sua capacidade de alocação
for ruim, então os consumidores irão puni-los. Se sua capacidade de alocação for boa,
os consumidores irão recompensá-los.

A Nintendo que o diga — por enquanto.

Um breve comentário sobre Thomas Piketty

É realmente
impressionante como acadêmicos marxistas conseguem sempre — sempre! —
enganar a mídia e os incautos: eles são vistos como possuidores de um alto
padrão moral ao mesmo tempo em que defendem a ideologia responsável que
prega a chacina e a obliteração da civilização humana, e que foiresponsável direta
pela morte de centenas de milhões de pessoas ao longo do último século.

O mais recente “herói” entre os acadêmicos marxistas é Thomas Piketty, um


economista marxista francês que escreveu aquele que ele próprio considera ser
uma versão atualizada de Das Kapital, de Karl Marx. Seu livro, O Capital no
Século XXI, recebeu elogios rasgados de ideólogos esquerdistas de todos os
cantos do mundo, especialmente de seu fã mais delirante, Paul Krugman.

O roteiro é sempre, e inacreditavelmente, o mesmo: a “desigualdade” de renda é


horrível, e por isso o estado deve confiscar mais dinheiro da classe produtiva para
redistribuí-lo à classe parasítica — ao mesmo tempo em que, obviamente, deve
pagar polpudas comissões a consultores econômicos como Piketty, que fazem o
trabalho de “justificar” a necessidade de todo esse esbulho.

As ideias de Piketty podem ser resumidas no seguinte silogismo:

1) O socialismo sempre se revelou um colossal desastre em todos os locais do


globo em que foi implantado;

2) praticamente todas as pessoas do mundo sabem disso;

3) por isso, precisamos de ainda mais socialismo, pois o socialismo que foi tentado
não foi o correto.

Piketty diz que o “problema” do capitalismo é que o capital investido gera retornos
mais altos do que os ganhos do trabalho. Se esse é o problema, eis então uma
solução libertária para esse “problema”: corte radical de impostos, desestatização,
abolição de tarifas protecionistas e desregulamentação de todos os setores da
economia. Essas quatro medidas imediatamente criariam mais liberdade
econômica, mais liberdade de entrada, mais concorrência e, por conseguinte,
menores lucros e uma menor taxa de retorno sobre o capital investido.

Haveria mais liberdade para que trabalhadores comuns se tornassem


empreendedores e capitalistas, gerando uma necessária concorrência para os
setores já estabelecidos.

Se o mundo for inundado por mais empreendedores capitalistas, a taxa de retorno


do capital — que é o grande pecado do capitalismo, segundo Piketty — seria
instantaneamente diminuída.

Quando isso ocorrer, pode contar com o futuro surgimento de um novo Thomas
Piketty, que agora escreverá um livro de mil páginas sobre como os malefícios do
capitalismo levaram a uma diminuição da taxa de retorno dos empreendedores,
que agora estão com dificuldades para ter lucro. E como o governo deve intervir
para aumentar a taxa de retorno dos empreendedores.
Nota do IMB: o governo francês recuou e aboliu a recém-implementada alíquota de
75% do imposto de renda após as receitas adicionais — contrariamente ao que foi
previsto por Piketty — terem se revelado ínfimas. Não prenda a respiração na
expectativa de que isso abalará a credibilidade de Piketty.

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Por Thomas DiLorenzo| 04 janeiro,2015

Por que Economia importa?

[Este artigo é uma seleção de uma apresentação de 19 de junho em uma reunião


de almoço do Grassroot Institute em Honolulu no Pacific Club.]
Primeiro, deixe-me dizer que o que hoje chamamos de “Economia Austríaca” parte
do grande legado da economia clássica, com a modificação muito importante que
os economistas chamam agora de “revolução marginalista”. A economia austríaca
é também um termo que descreve uma saudável e vibrante (embora muitas vezes
opositora) escola moderna do pensamento econômico. Ela se originou de gigantes
intelectuais como Carl Menger e Ludwig von Mises, nomes que eu tenho certeza
que muitos de vocês estão familiarizados. Esses economistas eram da Áustria, daí
o termo.

Houve uma conferência histórica em South Royalton, Vermont em 1974 – em que


participaram pessoas como Murray Rothbard e Milton Friedman – e que revitalizou
o movimento austríaco e ajudou a recuperar a proeminência na última parte do
século XX. Milton Friedman participou e foi lá que ele comentou que “há apenas
uma economia boa e uma economia ruim”.

E é claro que isso é verdade. Escolas de pensamento não devem ser rígidas ou
dogmáticas ou muito estreitamente definidas. Mas, classificar vários economistas e
teorias em grupos ou árvores genealógicas realmente nos ajuda a ter uma noção
da economia. Isso nos ajuda a entender como chegamos em um momento e lugar
em que Ben Bernanke, Paul Krugman, Thomas Piketty e Christine Lagarde são
vistos como pensadores mainstream modernos ao invés de radicais como o são
quando comparados a toda a história da área.
Nós fornecemos algumas fotocópias que traçam rudemente a história do
pensamento econômico. Note a divisão na década de 1930, não coincidentemente
durante a Grande Depressão, entre Mises e John Maynard Keynes. Até então,
desde 1850 em diante, a economia Austríaca eraa economia mainstream. Mas,
como você pode ver, a maioria dos economistas mainstream de hoje está debaixo
da sombra de Keynes e eles tendem a focar em variações das ideias de Keynes
sobre a demanda agregada.

Mas pelo menos eles se concentram em algo!

Ignorância em economia não é uma benção

O que me leva ao meu assunto de hoje: “Por que qualquer assunto de economia
importa?”. Eu digo “qualquer” porque neste momento o assunto inteiro parece
estar perdido para o americano médio. Economia não é um tópico popular entre a
população em geral, é o que aparenta. De qualquer modo, quando a economia é
discutida, é no contexto da política – e a política nos dá somente os chavões mais
suaves, seguros e insignificantes sobre assuntos econômicos.

O Bernie Sanders ou a Hillary Clinton simplesmente não vão falar muito em termos
econômicos ou apresentar “planos” econômicos detalhados. Pelo contrário, eles
vão assumir certamente que a maioria dos americanos apenas não tem qualquer
interesse além dos slogans como “1%”, “justiça social”, “ganância”, “pagando a sua
parcela justa”, e coisas semelhantes.

Candidatos à direita não serão muito melhores. Eles vão preferir falar sobre outros
assuntos, mas quando eles abordam economia, eles são aparentemente
protecionistas como o Donald Trump ou terrivelmente estúpidos. Quem se importa
com propostas de corte de taxas?

Americanos simplesmente não estão muito interessados em detalhes nem mesmo


na precisão dos pronunciamentos econômicos da classe política. Nós queremos o
pão e o circo.

Considere o que as pessoas falam no Facebook: muitas postagens sobre família.


Muitas postagens sobre celebridades e esportes. Muitas postagens sobre
alimentos, saúde e exercícios. Algumas postagens sobre política, cultura, raça e
sexo, mas geralmente apenas para apoiar um lado ou criticar o outro.

Nada muito, senhoras e senhores, no caminho da economia. E eu afirmo que pode


ser uma coisa muito saudável, afinal, somos ricos! Apenas uma sociedade rica não
precisa se concentrar nas preocupações de nível de subsistência – de alimentos e
abrigos adequados, de água quente corrente, de roupas, de eletricidade e de
similares.

Então não vamos ser muito duros com as pessoas por não gastarem o seu tempo
livre lendo economia. O lazer em si é uma atividade muito importante e representa
uma forma de escolha econômica.

Mas a economia importa muito e nós ignoramos isso a nosso próprio risco.
Economia é como a gravidade, a matemática ou a política – talvez não
entendamos, ou nem pensemos muito a respeito, mas nos afeta profundamente
gostemos ou não.

A economia como um tema foi capturada pela academia, e os acadêmicos como


Krugman não são tão sutis quando implicam que os leigos devem deixar essas
coisas para os especialistas. É como esportes em equipe – podemos ser
apresentados quando somos jovens, mas somente os profissionais fazem isso
para viver como adultos.

No entanto, uma vez que entendemos que todas as ações humanas são ações
econômicas, nós entendemos que não podemos escapar ou abrir mão da nossa
responsabilidade de entender ao menos o básico de economia. Pensar de outra
forma é evitar a responsabilidade pelas nossas próprias vidas.

Enquanto achamos ruim quando jovens de vinte anos na faculdade não


conseguem ler ou entender álgebra simples, não ligamos muito se eles nunca
ligaram para economia. Nós ficamos alarmados se os nossos filhos não
conseguissem aprender matemática básica para saber o quanto de troco eles
deveriam receber de uma caixa registradora, mas nós enviamos eles para o
mundo muito mais suscetíveis a serem enganados por políticos. Por que nós
queremos que nossos filhos aprendam ao menos o básico de geografia, química e
física? E gramática, ortografia, literatura, história e educação cívica? Nós
queremos que eles saibam essas coisas para que eles possam dirigir suas vidas
propriamente como adultos.

Mas, de alguma forma, nós fomos levados a acreditar que economia deve ser
deixada para os acadêmicos e os políticos. E, ainda pior, nós nem reclamamos
quando as crianças crescem e se tornam adultos com pouco ou nenhum
conhecimento em economia, ainda que possuam fortes opiniões sobre questões
econômicas.

A ignorância de economia básica é tão generalizada que deveríamos ter uma


palavra específica para isso, como temos o analfabetismo e a inumerabilidade.

O anteriormente mencionado, Murray Rothbard, tinha isto a dizer:

“Não é crime ser ignorante em economia, que é afinal uma disciplina


especializada e que a maioria das pessoas consideram ser uma
“ciência sombria”, mas é totalmente irresponsável ter uma opinião
forte e vociferante sobre temas econômicos enquanto se permanece
neste estado de ignorância.”

Estou certo de que estamos todos familiarizados com o fenômeno nas mídias
sociais, que parece perfeitamente adequada para as opiniões vociferantes
infundadas.

Vamos considerar a questão do salário mínimo, como um exemplo que esteve em


voga recentemente:
Salários não são nada mais do que preços por trabalho. Quando o preço por algo
sobe, a demanda cai – e você tem mais pessoas desempregadas do que deseja.
Economia pura e simples.

No entanto, qual o percentual de americanos hoje que viram um gráfico de


demanda negativamente inclinado em uma escola ou faculdade?

É essa grande e generalizada ignorância em economia que aflige o nosso grotesco


cenário político. Isso permite aos políticos atacar o capitalismo e fazer demagogos
de empresários. Isso permite que os políticos culpem o livre mercado pelos
problemas econômicos em primeiro lugar causados pelo estado e o seu banco
central – como o a bolha da internet, como a bolha imobiliária, como o Crash de
2008, como os preços insustentáveis de ações comandados pelos mercados de
ações dos EUA hoje.

Em resumo, a ignorância em economia permite que grandes falácias sejam aceitas


como fato por um grande número de pessoas. E isso só vai piorar à medida que
as eleições presidenciais se desenrolarem.

Artigo Original
Versão completa

Tradução de Bruno Cavalcante

Revisão por Larissa Guimarães

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Por Jeff Deist| 27 agosto,2018

As quatro causas da desigualdade brasileira

O texto abaixo está presente no livro Guia Politicamente Incorreto da Economia


Brasileira, recém-lançado pela Editora LeYa.
Que o Brasil é
um dos países
com maior
desigualdade
social todo
mundo já
sabe.
Passamos a
juventude
ouvindo isso
do professor
de geografia
ou durante a
propaganda
eleitoral na TV.
O que se
discute um pouco menos é por que o país é assim. Qual a origem de tanta
concentração de renda no Brasil?

A resposta a essa pergunta costuma vir em tom moralizante. Culpamos a nós


mesmos — a nossa história, a nossa sociedade — por irmos tão mal no ranking da
igualdade. “A opressão das elites patriarcais”, “a manutenção de terríveis
arcaísmos”, “os baixos salários pagos pelas grandes empresas” são explicações
que atribuem a algum inimigo imaginário — geralmente os ricos — a culpa pela má
situação dos pobres.

Na verdade, as origens da desigualdade de renda no Brasil estão muito longe das


“crueldades” do capitalismo ou das maldades de uma classe social. Nem todos os
motores de concentração de renda no Brasil são evitáveis — dois deles (os dois
primeiros, abaixo) são até mesmo motivo de orgulho para os brasileiros.

1. O Brasil é desigual porque é livre

Se você perguntar a um sociólogo ou economista da Unicamp quais são as causas


da desigualdade no Brasil, ele vai despejar automaticamente frases sobre a “a
ação do livre mercado” e “a exclusão causada pelo capital”. Essa visão, na
verdade . . . está correta.

É claro que o capitalismo e o mercado causam desigualdade. O que os


economistas chamam de mercado nada mais é do que a reunião de pessoas
interessadas em trocar bens entre si. E as pessoas têm interesses, preferências e
necessidades diferentes. Essa diversidade de preferências faz a renda se
concentrar.

Isso fica claro num exercício de imaginação. Suponha que, de repente, todo o
dinheiro do Brasil seja dividido igualmente entre todos os brasileiros. De um dia
para o outro, nos tornamos um país mais igualitário que a Noruega; o coeficiente
de Gini cai a zero.[1] O banqueiro Joseph Safra e o cobrador de ônibus acordam
com o mesmo patrimônio.

Agora imagine que, no dia seguinte a essa revolução igualitária, surge na internet
um canal de humor chamadoPorta dos Fundos. Os humoristas do Porta dos
Fundosescrevem roteiros geniais; os vídeos que eles lançam logo geram
comentários e milhões de visualizações. Ao clicar tantas vezes em links do Porta
dos Fundos, os brasileiros dão mais dinheiro a esse grupo de humoristas que a
outros, criando a desigualdade no mercado de humor pela internet. O Porta dos
Fundos ficaria com a maior parte da verba destinada a canais de comédia do
YouTube, sem falar nos anunciantes que, por vontade própria, decidirão usar sua
parte da renda dividida igualmente entre os brasileiros para contratá-los como
garotos-propaganda.

A situação inicial, em que todos os brasileiros tinham a mesma renda, terá


desaparecido.

Os humoristas do Porta dos Fundos não oprimiram ninguém ao aumentar a


desigualdade no país. Pelo contrário, eles tornaram a vida mais divertida e foram
remunerados justamente por seu talento. Deveriam os brasileiros, para preservar a
igualdade nacional, serem proibidos de assistir a tantos vídeos do Porta dos
Fundose obrigados a assistir a alguns de A Praça é Nossa? Não, os brasileiros
são livres para assistir ao que quiserem, e essa liberdade concentra a renda.

Do mesmo modo, o mais comunista dos fãs de Música Popular Brasileira está
disposto a pagar um bom punhado de reais para assistir a um show do Chico
Buarque. Mas não iria ao show “Leandro Narloch canta os grandes sucessos de
Kelly Key” nem que lhe pagassem dez reais para isso. Ao escolher pagar a uns
artistas mais que a outros, o mais comunista dos apreciadores de MPB está
aumentando a desigualdade no mercado da música. Deveríamos proibi-lo de
tomar essa decisão?

Deveria o governo obrigar o rapaz a pagar por um show do Chico Buarque o


mesmo que pagaria a mim tentando cantar “Baba, baby, baba”? Eu até gostaria,
mas isso seria injusto. As pessoas são livres para tomar decisões que aumentam a
desigualdade — mesmo as decisões mais absurdas e disparatadas, como pagar
caro para assistir a um show do Chico Buarque.

Nesses exemplos acima, eu peguei emprestado o “argumento Wilt Chamberlain”


que o filósofo Robert Nozick formulou no livro Anarquia, Estado e Utopia, de 1974.
O caso é o similar: imagine que todo o dinheiro do país é dividido igualmente entre
os cidadãos, e imagine que o jogador de basquete Wilt Chamberlain assina um
contrato para jogar numa partida cobrando mais que os outros jogadores. Como
Wilt Chamberlain é um gênio do basquete, muitas pessoas exerceriam seu livre
direito de escolha e aceitariam pagar mais para assisti-lo ao vivo. A situação inicial,
de igualdade total entre os cidadãos, não seria estável numa sociedade livre, pois,
como Nozick arrematou, liberty upsets patterns. A liberdade perturba padrões.

A livre-iniciativa torna o Brasil e todos os países do mundo desiguais, mas ela não
é suficiente para explicar por que somos campeões mundiais nessa modalidade. A
concentração de renda tem causas além das forças do mercado.

2. O Brasil é desigual porque é diverso

A história do livro A Jangada de Pedra gira em torno de um episódio descomunal:


o território de Portugal e Espanha se separa do resto da Europa e passa a vagar
pelo oceano Atlântico. “A Península Ibérica se afastou de repente, toda por inteiro
e por igual (…) abriram-se os Pireneus de cima a baixo como se um machado
invisível tivesse descido das alturas”, conta José Saramago.

É interessante imaginar uma continuação desse estranho fenômeno. Digamos que


a Península Ibérica, pairando sobre o Atlântico, comece a atrair o território de
outros países. A Dinamarca é o primeiro. A ponte que liga Copenhague à Suécia
de repente se rompe; o território dinamarquês se desprende também do norte da
Alemanha, atravessa o mar do Norte e encontra portugueses e espanhóis no
Atlântico. Na costa oriental da África, Quênia e Tanzânia têm o mesmo destino. Os
dois países se desprendem da África, contornam o cabo da Boa Esperança,
sobem o Atlântico e se fundem aos três outros separatistas. Teríamos assim um
novo país, que agruparia no mesmo território mais de 150 milhões de habitantes
da Dinamarca, Espanha, Portugal, Quênia e Tanzânia.

Se os dinamarqueses, sempre atentos à concentração de renda, começassem a


medi-la nesse novo país, constatariam estar vivendo numa sociedade muito mais
desigual. Não apenas teriam, entre seus conterrâneos, quenianos e tanzanianos,
alguns dos cidadãos mais pobres do mundo, como também 400 mil novos
milionários espanhóis e portugueses, bem mais endinheirados que o dinamarquês
médio. A taxa de desigualdade iria às alturas, ainda que fosse meio injusto
lamentar esse efeito estatístico, pois sociedades obviamente diferentes haviam
sido agrupadas de supetão no mesmo território. No meio desse novo país, um
grupo só dos dinamarqueses continuaria tão igualitário quanto antes. E as cidades
que concentrassem todos os tipos de moradores seriam as mais desiguais.

Um fenômeno como esse — não o movimento acelerado de placas tectônicas,


mas a mistura de povos diversos num grande país — explica boa parte da
desigualdade de renda do Brasil. Uma causa importante da desigualdade brasileira
é uma das qualidades que nos dá orgulho: a mistura de povos e culturas.

O fato de tribos indígenas e imigrantes suíços donos do Burger King conviverem


dentro das mesmas linhas imaginárias empurra a estatística para cima.

Se eu estiver certo, preciso provar que há uma Dinamarca incrustada no território


brasileiro. Pois ela existe, fica no Rio Grande do Sul. Das quinze cidades mais
igualitárias do Brasil, doze são gaúchas de origem alemã.

AS
CIDADES
MAIS
IGUALITÁR
IAS DO
BRASIL
1. São José
do
Hortêncio
(RS) 0,28

2. Botuverá
(SC) 0,28

3. Alto Feliz
(RS) 0,29

4. São
Vendelino
(RS) 0,29

5. Vale Real
(RS) 0,29

6. Santa
Maria do
Herval (RS)
0,30

7. Tupandi
(RS) 0,31

8.
Campestre
da Serra
(RS) 0,31

9. Nova
Pádua (RS)
0,32

10. Córrego
Fundo (MG)
0,32

11. Santa
Rosa de
Lima (SC)
0,32

12. Picada
Café (RS)
0,32
13.
Presidente
Lucena (RS)
0,32

14. Vila
Flores (RS)
0,32

15. Morro
Reuter (RS)
0,32

A cidade com a renda mais distribuída do país, São José do Hortêncio, tem um
índice de Gini de 0,28, abaixo dos 0,29 da Dinamarca. Não houve nessas cidades
nenhuma política pública de redução de desigualdade, nenhum imposto sobre
fortunas ou coisa parecida. O que explica a igualdade por lá é simplesmente a
semelhança entre os cidadãos. Asemelhança entre os moradores explica a
igualdade escandinava. Assim como os dinamarqueses, quase todos ali têm a
mesma origem cultural, o mesmo nível de educação. E muitos têm origem
luterana, como os dinamarqueses, o que historicamente contribuiu para a
igualdade.

“Comunidades protestantes trabalharam para difundir educação que garantiria que


todos pudessem ler a Bíblia, o que tanto aumentou o nível de educação quanto
diminuiu sua variação”, diz o economista Edward Glaeser.

Portanto, se você procura igualdade, pense em locais onde a população é


homogênea: cidades habitadas somente por sertanejos pobres ou somente por
descendentes de alemães. Pessoas com a mesma origem e cultura. Caatiba, na
Bahia, é tão igualitária quanto Portugal ou o Japão (Gini 0,39), pois Caatiba reúne
só um tipo de moradores – famílias pobres de pequenos criadores de gado.

Em contrapartida, para achar os locais com maior desigualdade de renda, é


preciso mirar nas cidades em que grupos bem diferentes moram juntos. É o caso
das capitais, que atraem tanto o João Paulo Diniz, herdeiro da rede de
supermercados Pão de Açúcar, quanto o ex-boia-fria que sonha em ganhar mil
reais por mês como jardineiro do João Paulo Diniz.

Mesmo Florianópolis e Curitiba, as duas capitais mais igualitárias do Brasil, estão


acima da média nacional de desigualdade.
No entanto, por causa da classe média expressiva, as capitais não são as
campeãs nesse quesito. As cidades mais desiguais são aquelas que reúnem um
pedaço da Dinamarca, outro do Quênia e só. É o caso de São Gabriel da
Cachoeira, no Amazonas, a cidade brasileira mais desigual. Com um índice de
Gini de 0,80, ela supera de longe Seychelles, o país com renda mais concentrada
no mundo (0,65).

O motivo? Em São Gabriel da Cachoeira há apenas dois tipos de moradores: mais


de 400 tribos indígenas, que formam 74% da população e não têm renda formal, e
militares, médicos e outros agentes federais muito bem pagos. De fronteira com a
Venezuela e a Colômbia, São Gabriel da Cachoeira é sede de batalhões e órgãos
federais de vigilância. A cidade prova, como nenhuma outra, o impacto da
diversidade cultural sobre a desigualdade econômica.

“Em países particularmente igualitários, como os da Escandinávia, a população é


geralmente bem-educada e a distribuição de qualificação bem compacta”, afirma o
economista Edward Glaeser. “Já países particularmente desiguais e em
desenvolvimento, como o Brasil, são enormemente heterogêneos nos níveis de
qualificação entre elites urbanas bem-educadas e trabalhadores do campo pouco
educados.”

Talvez a miscigenação atue ainda de outra maneira. Provavelmente por vantagens


evolutivas da lealdade de grupo, as pessoas tendem a contribuir mais com quem
se parece com elas ou pertence à mesma identidade coletiva. Palmeirenses ficam
mais contrariados com o dinheiro público gasto no Itaquerão que os corintianos.

O economista Erzo Luttmer mostrou, em 2001, que, nos Estados Unidos, o valor
dos programas de redistribuição de renda é menor nos estados onde a população
é mais diversa. “Se indivíduos preferem contribuir para sua própria raça, etnia ou
grupo religioso, eles optam por menos redistribuição quando membros de seu
grupo constituem uma parte menor dos beneficiários”, diz Luttmer. “Com o
aumento da diversidade, a porção de beneficiários que pertencem a um grupo
diminui em média. Então o apoio médio para redistribuição cai se a diversidade
aumenta.”

Isso leva a uma conclusão impressionante. Não foi o estado de bem-estar social
que possibilitou a igualdade da Dinamarca, mas o contrário: a semelhança entre os
cidadãos escandinavos possibilitou o estado de bem-estar social.

Quem quer um Brasil com um índice escandinavo de igualdade precisa torcer para
que algum fenômeno a la Saramago divida o país em diversos territórios. Uma
alternativa é deixar de ligar tanto para a estatística de desigualdade — e desfrutar
a diversidade e a miscigenação que definem o Brasil.

3. O Brasil é desigual porque as famílias pobres tinham muito mais filhos que
as ricas

Um motor importante (e pouco lembrado) da desigualdade e da miséria no Brasil é


a demografia.
O fato de, por um longo período, mulheres pobres terem tido mais filhos que
mulheres ricas elevou a estatística da desigualdade. Nos anos 1970, a diferença
era enorme: cada mulher pouco escolarizada tinha, em média, 4,5 filhos a mais
que as escolarizadas. Em 2005, o motor tem uma potência menor (diferença de
1,6), mas continua ligado.

“Os pobres não apenas têm menores salários que os ricos, mas também dividem
esse salário entre mais indivíduos, resultando em maior desigualdade de renda per
capita”, dizem os economistas Ricardo Hausmann e Miguel Székely em um estudo
sobre fecundidade e desigualdade na América Latina.

Trata-se de simples aritmética. A renda per capita, como diz o nome, é calculada
pelo número de cabeças. Um casal que ganha 1.400 reais e tem três filhos resulta
numa renda per capita de 280 reais. Se o mesmo casal tivesse cinco filhos, a
renda per capita cairia para 200 reais.

Isso, é claro, se o casal continuar ganhando 1.400 reais. Infelizmente, há muitas


chances de a renda diminuir com o aumento da família. Filhos exigem tempo —
tempo que os pais poderiam gastar trabalhando. Mais filhos significam menos
chances (sobretudo entre as mães) para trabalhar e ganhar dinheiro. Esse efeito é
maior em mulheres com salário baixo, que têm menor custo de oportunidade (ou
seja, perdem pouco se decidirem largar o trabalho para ficar em casa cuidando
das crianças).

Além disso, mais filhos significam mais gastos — e menos dinheiro para investir na
educação de cada um. “O número de filhos que um casal decide ter possui forte
relação com o nível de educação que os pais conseguirão fornecer aos filhos”,
dizem Hausmann e Szekely. Cada criança começará a vida com uma parte menor
da renda dos pais e com menor escolaridade. Um estudo de 2014 mostra que até
40% da queda da desigualdade de renda são explicados pela queda na
desigualdade de escolaridade.

Fica ainda pior. Crianças com pouca escolaridade, quando crescerem, vão
concorrer no mercado por vagas de pouca qualificação, aumentando a oferta de
trabalhadores não qualificados. Uma vez que salários, assim como qualquer
preço, são definidos pela oferta e procura, o salário de pessoas não qualificadas
vai cair, aumentando a diferença de renda entre pouco e muito qualificadas. O
maior número de filhos ainda resulta em uma poupança menor — e um país com
menos economias tem menos capacidade de investimento.

Por outro lado, se você tem menos filhos, pode investir mais na educação de cada
um deles, quem sabe pagar um intercâmbio para a Inglaterra quando o rapaz
chegar à adolescência. Se menos jovens bem qualificados aparecem no mercado,
cai a oferta de empregados para vagas mais qualificadas; devido à oferta e à
procura, o salário nessas áreas sobe. Em 1973, o economista Carlos Langoni
mostrou que, se a economia cresce muito rápido, a baixa educação dos cidadãos
se torna um motor potente de desigualdade. Com muitas empresas à procura de
funcionários, os poucos candidatos qualificados viram uma mercadoria tão
escassa quanto casa de praia durante a temporada. O salário deles sobe muito
mais que o dos menos educados, aumentando a desigualdade.
Resumindo: pobres, em geral, dividem a renda com mais indivíduos e educam
menos os filhos, contribuindo para oferta maior (e menores salários) de
trabalhadores pouco qualificados; ricos dividem a renda com menos filhos e
conseguem dar uma melhor educação a eles, contribuindo para não aumentar a
oferta (e garantindo maiores salários) de pessoas bem qualificadas.

O poder dessa máquina de desigualdade já foi calculado. Em 2010, 45,2% dos


brasileiros eram donos de apenas 10% da renda do país, enquanto 5,9% dos
brasileiros ficavam com 40% da renda.

Como seriam esses números se a fecundidade de 1980 tivesse permanecido


estável até 2010? Teríamos mais pobres dividindo os mesmos 10% e menos ricos
desfrutando os 40% da renda nacional. “Se a natalidade não tivesse caído, as
proporções comparáveis seriam de 62% e 4,1%, respectivamente”, diz a
pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Ipea.

O demógrafo Jerônimo Muniz, da UFMG, tem estudos similares. Ele calculou o


que aconteceria com a desigualdade social no Brasil entre 1990 e 2000 se todas
as variáveis, com exceção da demografia, ficassem constantes. Em 1990, a
diferença de fecundidade entre mulheres pobres e ricas era bem menor que nas
décadas anteriores, mas ainda existia. “Se a demografia fosse o único componente
do cálculo, a proporção de pobres aumentaria 28% entre 1990 e 2000. Isso
corresponderia a 42% da população. Já a desigualdade seria até 40% maior”, diz
Muniz.

Por causa da estabilidade da moeda e o crescimento (ainda que pequeno) da


economia, houve um movimento modesto na direção contrária: a pobreza caiu 9%
entre 1990 e 2000.

Estaria eu culpando a vítima ao dizer que as mulheres de classe baixa são


responsáveis pela alta desigualdade do Brasil? Nunca me esqueço de uma vizinha
da minha mãe que pagava menos de um salário mínimo para a empregada e não
se cansava de dizer que os pobres eram pobres porque nada faziam além de ter
filhos. Não: culpa não é um conceito que funciona bem em economia. Os pobres
provavelmente ficaram presos numa armadilha: sem dinheiro e informação,
tiveram muitos filhos, o que os deixou com ainda menos dinheiro e informação.
Não é correto culpar os pobres nem os ricos pela desigualdade. Basta entender
que é a demografia, e não tanto a opressão das grandes empresas e do
capitalismo, que explica boa parte da concentração de renda no Brasil.[2]

4. O Brasil é desigual porque o estado esculhamba o país

Uma opinião comum nas discussões sobre economia é que, se o governo deixar,
as grandes corporações vão avançar sobre os pequenos empresários e os ricos
concentrarão toda a renda do país.

Não, é o contrário.

Grandes empresas recorrem a políticos para se tornarem monopólios.


Empresários já estabelecidos em um negóciopressionam o governo para aumentar
regras e exigências, dificultando a vida de possíveis concorrentes. Leis
urbanísticas protegem o patrimônio dos ricos contra a desvalorização. E os
brasileiros de classe A são quem mais recebe dinheiro público.

Quem diz isso é um cara de esquerda, o economista Joseph Stiglitz, prêmio Nobel
de 2001. No livro O Preço da Desigualdade, Stiglitz dedica todo um capítulo sobre
ações do governo que deixam os pobres mais pobres e os ricos mais ricos. Seu
principal alvo é o rent-seeking — a arte de conseguir benefícios e privilégios não
pelo mercado, mas pela política.

“O rent-seeking tem várias


formas: transferências ocultas
ou abertas de subsídios do
governo, leis que tornam o
mercado menos competitivo,
leniência com as leis de
proteção da competição, e
regras que permitem às
corporações tirar vantagem dos
outros ou transferir custos para
a sociedade”.

Stiglitz diz que a América Latina


é rica em privilégio a grandes
empresas — e ele está
certíssimo. Dos casos recentes
da política brasileira, o exemplo
mais bem-acabado é o da
Braskem, a maior petroquímica
brasileira. A Braskem é a única
fabricante nacional de diversas
resinas plásticas usadas na
fabricação de brinquedos,
embalagens, cadeiras de
plástico, carpetes, seringas,
peças de carros e
eletrodomésticos, tubos, canos
— enfim, de quase tudo. Na
média mundial, o imposto de importação de resinas é de 7%. No Brasil, era de
14%, mas em 2012 a presidente Dilma elevou a taxa para 20%.

Na época, o aumento causou revolta, pois reverberaria em toda a cadeia de


produtos plásticos made in Brazil. “A iniciativa beneficiará somente um monopólio
instalado no país, o da Braskem, prejudicando toda uma cadeia produtiva e, o que
é mais grave, os consumidores pagarão a conta”, escreveu José Ricardo Roriz
Coelho, então presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico.

Com os concorrentes estrangeiros fora do páreo, a Braskem pôde cobrar mais


pelas resinas que vendia a 12 mil fábricas brasileiras. Entre janeiro de 2013 e
fevereiro de 2014, o aumento dos produtos da empresa foi de 27,6%. Agora,
adivinha quem controla a Braskem? Nada menos que a Odebrecht, empresa
envolvida até a alma em escândalos de corrupção e propinas para o partido no
poder.

Durante a operação Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o


doleiro Alberto Yousseff disseram que a Braskem pagava propina em troca
maiores lucros em contratos com a Petrobras.

Outros motores estatais de desigualdade não são tão fáceis de perceber. As leis
urbanísticas, por exemplo. Em muitas cidades brasileiras, a prefeitura impõe um
limite de área construída em relação à área do terreno. É por isso que o Brasil não
tem prédios com mais de cem andares, como em qualquer lugar civilizado. A
regulação urbanística cria uma escassez artificial de espaço urbano, empurrando o
preço para cima.

Esse fenômeno não é exclusividade do Brasil. Leis que dificultam a construção de


prédios aumentam o preço dos imóveis em 800% na cidade de Londres e em
300% nas metrópoles Paris e Milão.

A principal tese do francês Thomas Piketty, autor de O Capital no Século 21, é que
o retorno sobre o capital vem crescendo em relação ao retorno sobre o trabalho.
Está valendo mais a pena viver de renda que do trabalho. Por que isso acontece?
Para o norte-americano Matthew Rognlie, estudante de economia de 26 anos que
virou o anti-Piketty, as leis de zoneamento são um dos motivos. “Quem está
preocupado com a distribuição de renda precisa ficar atento aos custos de
moradia”, escreveu ele. Com a escassez artificial de espaço, quem tem imóveis
fica ainda mais rico, enquanto os que estão lutando para comprar um imóvel
precisam contrair uma dívida maior para realizar o sonho da casa própria. O de
cima sobe e o de baixo desce, como dizia aquele axé da banda As Meninas.

Há ainda a inflação. Quando as notas de real se desvalorizam, ricos correm para


aplicações bancárias atreladas ao reajuste dos preços. Quanto mais dinheiro,
melhor a proteção, já que investimentos de grande volume costumam ser
remunerados com taxas melhores. Já os pobres não conseguem se proteger tão
bem. Alguns não se protegem nada: 55 milhões de brasileiros nem sequer têm
uma simples caderneta de poupança. Quando o governo descuida da estabilidade
da moeda, atinge em cheio os mais pobres.
O leitor já deve estar assustado com o poder do governo de concentrar a renda —
e olha que ainda nem chegamos ao principal motor de desigualdade do Brasil. É
este aqui: a aposentadoria integral de funcionários públicos e as pensões
especiais. Um estudo recente e enfático sobre isso é “Gasto Público, Tributos e
Desigualdade de Renda no Brasil”, de Marcelo Medeiros e Pedro Souza,
pesquisadores do Ipea [comentado aqui]. Eles analisaram todas as
movimentações financeiras do governo brasileiro e calcularam o impacto de cada
tipo de transação no coeficiente de Gini brasileiro. A conclusão é de assustar:

Cerca de um terço da desigualdade total pode ser


diretamente relacionado às transferências de renda e
aos pagamentos feitos pelo Estado aos indivíduos e
às famílias, mesmo depois de considerarmos os
efeitos progressivos dos tributos diretos e das
contribuições.

Como é possível o estado aumentar a desigualdade se toda hora vemos na TV o


Bolsa Família e outras ações públicas de assistência aos pobres? A resposta é
que, ao mesmo tempo em que propagandeia a transferência de dinheiro para os
pobres, o governo brasileiro mantém Bolsas Famílias ao contrário: programas que
tiram dos pobres para dar aos ricos e ao governo.

A famosa foto da desigualdade social esconde uma excelente notícia


Não há livro didático ou reportagem sobre concentração de renda que não exiba a
foto da favela de Paraisópolis ao lado de um prédio de apartamentos de luxo no
Morumbi, em São Paulo. A foto ilustra, como nenhuma outra, o fato de tantos
terem tão pouco e tão poucos terem tanto. Mas esconde, na verdade, uma
excelente notícia.

Quando jornalistas ou autores de provas do ENEM escolhem a foto de


Paraisópolis para retratar a desigualdade social, costumar comparar a riqueza dos
apartamentos com a miséria da favela. No entanto, a comparação mais adequada
é a dos moradores da favela hoje e no passado, antes de se mudarem para a
metrópole. Não foram os moradores dos apartamentos do Morumbi que criaram a
miséria de Paraisópolis — pelo contrário, eles ajudaram a diminuí-la, e muitos
deles próprios são netos ou bisnetos de gente miserável.

“A pobreza urbana não deveria ser comparada à riqueza urbana”, diz o economista
Edward Glaeser, professor de Harvard e o mais celebrado especialista em
economia das cidades. “As favelas do Rio de Janeiro parecem terríveis se
comparadas a bairros prósperos de Chicago, mas os índices de pobreza no Rio
são bem menores que no interior do Nordeste brasileiro.”

Quem mora em Paraisópolis vive muito melhor do que se houvesse permanecido


no sertão nordestino, nas lavouras de boias-frias do Paraná ou entre os escombros
do Haiti. Não importa se a miséria está mais aparente ou mais próxima; o principal
é que, para os miseráveis, ela tenha diminuído.

Como arremata o economista Glaeser: “A pobreza urbana não deveria


envergonhar as cidades. As cidades não criam pobres. Elas atraem pobres. Elas
atraem pobres justamente porque fornecem o que eles mais precisam —
oportunidade econômica.”

________________________

Leituras complementares e indispensáveis:

Cinco medidas do governo que aumentam a concentração de renda

Em vez de culpar a desigualdade, pense em criar mais riqueza

[1] Índice mais usado para medir a desigualdade, o coeficiente de Gini vai de 0
(igualdade total) a 1 (desigualdade total).

[2] Não estou, aqui, defendendo que as famílias tenham menos filhos. Bom mesmo
seria se o crescimento de economia e da produtividade fosse maior que o da
população brasileira. Como isso não aconteceu, a natalidade se tornou uma
máquina de pobreza e desigualdade no país.

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Por Leandro Narloch| 27 novembro,2015


As origens filosóficas da Economia Austríaca

A Escola
Austríaca de economia surgiu em oposição à Escola Historicista Alemã; e Carl
Menger desenvolveu suas posições metodológicas em combate ao grupo rival.
Assim, eu desejo primeiro discutir os ensinamentos filosóficos da Escola
Historicista, uma vez que isso irá aprofundar nossa compreensão da contrastante
posição austríaca.

Em seguida, eu irei examinar algumas das influências filosóficas dos fundadores


da Escola Austríaca, em particular Franz Brentano e seus seguidores. Brentano foi
o principal filósofo austríaco do fim do século XIX. Ele era a favor de um retorno a
Aristóteles e eu irei enfatizar as raízes aristotélicas da Escola Austríaca.

Eugen Böhm-Bawerk, a segunda grande figura da Escola Austríaca depois de


Menger, foi influenciado por uma escola de filosofia bem diferente, os nominalistas.
Eu irei examinar brevemente sua ênfase em clareza conceitual.

Ludwig von Mises, o maior economista austríaco do século XX, se viu alvo de um
ataque filosófico. O movimento do positivismo lógico colocou seu método dedutivo
ou praxeológico sob severa análise. Os filósofos do Círculo de Viena
argumentavam que a ciência é empírica. A dedução não pode nos dar novo
conhecimento sobre o mundo sem o uso de premissas não-dedutivas. Nós
examinaremos a força da crítica positivista.

Antes de iniciar a discussão sobre os austríacos, eu acho essencial notar que na


história intelectual é normalmente muito difícil estabelecer quem influenciou um
autor em particular. Frequentemente, é possível mostrar paralelos entre escolas de
pensamento, mas exceto em casos especiais, não se consegue mais do que uma
hipótese sugestiva. Se um autor declara diretamente que ele foi influenciado por
alguém, obviamente que se pode ir além da adivinhação; mas, infelizmente, os
pensadores que temos a considerar aqui foram raramente explícitos a respeito de
suas fontes intelectuais. O relato apresentado abaixo aspira, na melhor das
hipóteses, plausibilidade. Não podemos afirmar que determinada interpretação
histórica pode ser de fato verdadeira.

A Escola Historicista Alemã

A Escola Historicista Alemã incluiu, entre outros, Adolf Wagener, Karl Knies e
Gustav Schmoller. Apesar de a maioria das pessoas pensar nesse grupo como
confinado ao século XIX, ele durou por muito mais tempo. Werner Sombart, o
membro mais importante da Escola Historicista mais recente, morreu em 1939.
Sombart, incidentalmente, era um conhecido de Mises e professor de Ludwig
Lachmann. Outro economista, Othmar Spann, que era bastante simpático à Escola
Historicista, viveu até 1951. Por um curto período, Spann foi professor de Friedrich
Hayek, mas Hayek foi expulso do seminário de Spann.

Os pontos de vista da Escola Historicista em economia diferiam não apenas da


Escola Austríaca, mas também da economia clássica. Os membros do grupo
rejeitavam as leis da economia, mesmo princípios básicos tais como a lei da oferta
e demanda. Eles consideravam a economia como uma disciplina histórica e
prática.

Um pouco à maneira de Aristóteles, que caracterizava a economia como o estudo


do gerenciamento do domicílio, eles pensavam em economia como a ciência do
gerenciamento estatal. Aqui eles continuaram a tradição dos mercantilistas
alemães dos séculos XVII e XVIII, os chamados Cameralistas. Eles eram menos
interessados em teoria econômica do que no avanço do poder do estado, em
particular do estado prussiano, ou, após 1871, do Império Alemão, do qual a
Prússia era o principal constituinte.

Esses pontos de vista dificilmente soariam como se fossem baseados em filosofia.


Entretanto, como me parece, fortes correntes filosóficas ajudaram a produzir as
doutrinas características da Escola Historicista. Em particular, os membros desta
escola foram influenciados, em certo grau, pelo mais influente e importante filósofo
alemão do início do século XIX, G.W.F Hegel.

Hegel era bastante informado em economia. Ele leu cuidadosamente os


economistas britânicos, incluindo Adam Smith; Sir James Steuart era um de seus
favoritos. Ele não rejeitava o mercado: muito pelo contrário, ele achava que a
propriedade e o direito de participar de trocas livres eram constituintes muito
importantes de uma boa sociedade.[1]

Hegel considerava o essencial desenvolvimento de autonomia para cada indivíduo


na sociedade; nesse respeito ele não divergiu de Immanuel Kant. Para se tornar
auto-determinante, uma pessoa precisa ter propriedade, através do seu
desenvolvimento, a sua personalidade tomará forma. Além disso, ela precisa tomar
decisões. Trocas dão às pessoas as oportunidades que elas precisam.[2]

Entretanto, Hegel não pode ser considerado um apoiador do livre-mercado, seja no


completo sentido austríaco ou na forma mais atenuada da maioria dos
economistas americanos. A liberdade de troca existe dentro da sociedade civil,
mas a sociedade civil está sujeita ao controle do estado.
Ao elaborar o seu conceito de ordem adequada da sociedade, Hegel fez uso de
uma das mais importantes de suas doutrinas filosóficas. O ponto de vista em
questão influenciou os principais sucessores de Kant – Johann Fichte e Friedrich
Schelling, bem como Hegel. Esta é normalmente chamada de doutrina das
relações internas.

De acordo com esse princípio, tudo que existe está ligado em uma íntima unidade.
Sendo mais preciso, se duas substâncias são relacionadas, nenhuma delas seria a
mesma substância se a relação fosse alterada. A relação gera uma propriedade
relacional que é parte da essência de seu possuidor.[3]

Um exemplo talvez tornará isso mais claro. Suponha que eu não conheço o
presidente Bill Clinton. Se eu fosse conhecê-lo, eu continuaria a mesma pessoa.
Ser conhecido de Bill Clinton não é parte da minha essência. Pelo menos é o que
diz o senso comum.

O adepto das relações internas nega isso. Ele acha que todas as propriedades de
uma entidade são essenciais a ela. Meu encontro com o presidente Clinton afeta
cada uma das minhas outras propriedades. A pessoa que conheceu o presidente é
uma pessoa diferente daquela que não o conheceu, independente do quão
parecidos possam ser.

Ademais, as relações de cada substância cobrem todo o universo. Tudo está


relacionado a todas as outras coisas.

A doutrina das relações internas tem drásticas consequências para a ciência. Uma
vez que todas as coisas estão conectadas, conhecimento total de algo requer
conhecimento de tudo. O método característico da economia procede pelo uso de
teorias e modelos. Estes consideram um grupo particular de fatores em isolamento
do resto do mundo.

Adeptos das relações internas consideram esse método ilegítimo. Considerar


certos fatores separados de todo o resto é garantir um cenário falacioso. Ao invés
disso, o economista deve chegar o mais próximo que puder do cenário total de
tudo que é relacionado à economia.

Assim, a economia não deve ser separada drasticamente de outras disciplinas


conectadas à sociedade. Ela deve ser estudada com história, ciência política,
ética, etc. Cada sistema econômico existe como uma entidade concreta
incorporada a uma sociedade particular. Não há leis econômicas universais, uma
vez que elas pressupõem que a economia pode ser estudada separadamente do
resto da sociedade. No máximo, leis econômicas estão confinadas a tipos
particulares de sociedade.

A visão de que a economia está intimamente interconectada com outras


instituições sociais é uma aplicação de uma categoria da lógica de Hegel: a
unidade orgânica.[4] Em um animal, as partes funcionam em relação com as
outras, subordinadas ao organismo como um todo. É exatamente dessa forma que
a economia funciona, de acordo com a Escola Historicista.
De forma alguma Hegel pensava que a unidade orgânica fosse a mais alta
categoria. Ela era, contudo, o mais longe que se podia chegar nas ciências.
Apesar de eu ter concentrado a discussão na unidade orgânica em economia,
Hegel aplicou essa noção extensamente em outras áreas. Em seu raramente
estudado Filosofia da Natureza, Volume II da Enciclopédia, ele critica Sir Isaac
Newton. Kant via Newton como o ideal de conhecimento na física; mas para Hegel,
as teorias de Newton sofriam de um defeito fundamental. Newton separava
drasticamente a física das outras áreas do conhecimento; seu sistema dependia
apenas de um declarado conjunto de premissas. Pelo contrário, Hegel elogiava
Johannes Kepler, que tentou colocar as leis da astronoma em correspondência
com doutrinas místicas sobre os números.

Hegel tentou aplicar na prática o que ensinava na teoria. Em sua dissertação de


doutorado, ele procurou mostrar que o número de planetas no sistema solar era
necessariamente sete. O número de planetas simplesmente não era sete: o que
contradizia a doutrina das relações internas. Logo após sua dissertação aparecer,
outro planeta foi descoberto, o que deixou a situação ainda mais incômoda.
Mesmo assim, Hegel nunca reformulou sua visão de que todas as relações são
necessárias.

Entretanto, há outra parte da filosofia de Hegel que impede o caminho da ciência


econômica. Uma vez que a economia e as outras ciências atuais são concebidas
por meio de leis, elas se aplicam tanto no futuro quanto no passado. Por exemplo,
de acordo com a lei da demanda, um aumento na quantidade demandada de uma
mercadoria irá resultar em um aumento em seu preço, todo o resto constante. A lei
não se aplica apenas a aumentos passados na demanda, mas também a futuros
aumentos.

Hegel duvidava que o futuro fosse previsível, pelo menos em aspectos


importantes. O filófoso pode apenas resumir o passado: ele não pode revelar o
progresso futuro do espírito absoluto. Como em sua famosa fala no prefácio de
Filosofia do Direito, “a Coruja de Minerva levanta voo apenas com a chegada do
crepúsculo.”

Pode-se objetar que o próprio Hegel, mais claramente em Filosofia da História,


tentou chegar a leis do desenvolvimento histórico. De fato, exatamente por essa
razão, Karl Popper o estigmatizou como “historicista”.[5] Mas, de fato, sua visão da
história concorda exatamente com o ceticismo sobre o futuro atribuído a ele.

A lei da história de Hegel como o crescimento da liberdade era uma descrição do


passado. Ele não tentou prever desenvolvimentos futuros. Sem dúvida que se
pode dizer que o futuro, qualquer que seja, será governado pelo Espírito do
Mundo. É também verdade que o estágio final da dialética é a Ideia Absoluta
atingindo a plena auto-consciência. Isso, contudo, não permite que certos padrões
ou eventos sejam previstos.

O paralelo com a Escola Historicista aqui é aparente. Sombart e outros membros


da Escola Historicista também tentaram elucidar os estágios do desenvolvimento
histórico. Suas tentativas foram muito consistentes com a rejeição de leis
universais.
O retrato do sistema de Hegel tentado aqui deve encontrar uma forte objeção.
Dado que Hegel sustentava posições filosóficas, i.e., relações internas e a
inabilidade de prever o futuro, que são hostis à ciência da economia, não segue
que ele pensava que toda ciência fosse governada por tais premissas. Elas eram
teorias filosóficas, não científicas.

É certamente correto que a filosofia de Hegel não é logicamente inconsistente com


uma ciência da economia. Mas na extensão que essa filosofia chegou a circulação
geral, suas premissas fundamentais tenderam a inibir o desenvolvimento da
economia científica. A evidência para isso consiste nas distintas doutrinas da
Escola Historicista e seus paralelos hegelianos. As críticas ao “método de
isolamento” de Sombart e outros são particularmente sugestivas da doutrina das
relações internas.

Uma interpretação potencialmente equivocada precisa ser notada. Eu não afirmo


que membros da Escola Historicista se consideravam hegelianos. Após a morte de
Hegel, em 1831, sua filosofia foi tomada por um eclipse. Mesmo assim, as
premissas fundamentais de seu pensamento foram abrangentes na vida intelectual
alemã.

Os paralelos entre Hegel e a Escola Historicista se extendem além da filosofia.


Doutrinas econômicas específicas professadas pela escola ecoavam as visões de
Hegel. Uma das críticas principais que a Escola Historicista direcionou ao
capitalismo dizia respeito à agricultura. Devido à ênfase excessiva na eficiência
econômica, os métodos tradicionais de agricultura estavam em perigo de cair em
desuso. Por causa disso, a agricultura pode sofrer um declínio absoluto se a
pressão do mercado induzir fazendeiros e trabalhadores a entrarem para a
indústria.

Ganhos em eficiência eram de pouco interesse à Escola Historicista. Ao invés


disso, a agricultura era para eles a espinha dorsal da sociedade e necessitava ser
preservada. Exatamente a mesma posição encontrada em Filosofia do Direito de
Hegel. A agricultura conta como um “patrimônio” que precisa ser protegido: ela
recebe representação como um corpo corporativo na legislatura.

De forma mais geral, Hegel via o estado como o diretor da economia. A “sociedade
civil”, apesar de não ser parte do estado, estava sob a sua autoridade. Permitir
escopo irrestrito das supostas leis da economia clássica era subordinar uma
entidade mais elevada, o estado, a uma mais baixa, a economia. Ao invés disso, a
economia deveria ser manipulada para reforçar o poder do estado.

Não é acidente, sugiro eu, que a Escola Historicista era exatamente a favor das
mesmas ideias. Mises, em Omnipotent Government, descreveu em detalhe a
forma como os economistas alemães antes da Primeira Guerra Mundial
advogavam o uso da economia como meio de avançar o poder do estado. O
comércio não deve ser livre, mas controlado pelo estado para seus próprios
propósitos.[6]

Franz Brentano
A Escola Austríaca colocava-se diametralmente oposta à Escola Historicista
Alemã.[7] Em vista da vasta divergência em economia entre as duas escolas,
pode-se esperar diferenças substanciais em suas bases filosóficas. Isto é
exatamente o que se encontra. O principal filósofo que influenciou Carl Menger foi
Franz Brentano. Ele resolutamente rejeitava a doutrina das relações internas,
juntamente com o restante do sistema hegeliano.

Brentano, que era professor de filosofia na Universidade de Viena durante o fim do


século XIX, era um colega e amigo de Menger. Brentano foi pela maior parte de
sua vida um padre católico romano; mas após uma desavença teológica, ele
abandonou a Igreja e foi forçado a resignar sua posição de professor.

Seu treinamento escolástico contribuiu para o seu forte interesse em Aristóteles.


Ele tinha desdém por Kant e Hegel, que via como figuras retrógradas. Mais
importante para o nosso presente propósito, ele rejeitava a doutrina das relações
internas.

Ele não acreditava que tudo era tão internamente ligado com todo o resto que
nada poderia ser estudado de forma separada. Muito pelo contrário, a mente era
claramente separada do mundo externo. Ademais, Brentano estendeu sua
abordagem analítica e separada à própria mente. Ele distinguia entre atos da
consciência e seus objetos.

O estudo da mente de Brentano, Psychology from an Empirical Standpoint, foi


provavelmente o seu trabalho filosófico mais famoso e faz uma contribuição vital
ao entendimento da teoria austríaca do valor. Brentano aplicou sua noção geral de
mente ao conceito de valor neste e em muitos outros trabalhos menores. Sua
abordagem da mente desbancou a noção de comum mental predominante a quase
todos os filósofos desde René Descartes. A posição a qual ele se opunha era
especialmente característica dos empiricistas britânicos.

Filósofos como John Locke e David Hume pregavam que, de forma simples, ideias
são imagens impressas na mente pelos objetos externos. Pelo menos enquanto
recebe as impressões, a mente é passiva. Os empiricistas reconheciam poderes
ativos da mente até certo ponto. Mas a fim de que os poderes ativos pudessem
funcionar, a mente tinha que primeiro ter ideais impressas em si. (Ideias inatas são
uma complicação que, para os nossos propósitos, podem ser ignoradas.)

O trabalho da mente na percepção, de acordo com Locke e Hume, era, em


essência, automático. Se alguém avista um objeto particular, uma ideia entraria em
sua mente. As várias ideias que se acumularam em sua mente são conectadas por
leis de associação. Há pouquíssimo espaço para que a mente opere de forma
autônoma. De fato, Hume negava que existia uma ideia separada de ser: tudo o
que ele podia identificar era um fluxo de percepções.

Brentano rejeitava totalmente a posição esboçada acima. As “ideias” dos


empiricistas, de fato, não designavam atividades mentais: pelo contrário, até o
ponto em que existiam, elas eram objetos da atividade da mente. Se, por exemplo,
eu penso em uma cadeira, minha ação mental não é uma imagem de uma cadeira
que se encontra em minha mente. O que a minha mente faz é pensar em um
objeto. Pensar é uma ação, como se fosse um “ato” mental. O termo de Brentano
para ação mental era intencionalidade: seu famoso slogan era a “marca do
mental”.

Em vista da importância da intencionalidade, arrisquemos elaborar uma opinião.


Uma intenção é uma ação da mente exteriorizando ou alcançando um objeto: pode
ser representada por um diagrama de uma seta indo da mente ao objeto.

Falando de “objeto”, eu sou responsável por uma ambiguidade. Um objeto de uma


intenção pode ser um objeto mental, e.g., as ideias dos empiricistas, ou um objeto
físico. O ato intencional se estende “para fora” da mente a fim de fazer contato
direto com o mundo real? Essa é uma questão difícil de responder, uma vez que o
sistema de Brentano é um tanto obscuro nesse ponto.[8]

Menger e Böhm-Bawerk

Menger aplicou o conceito de intencionalidade ao valor econômico. Ele não tomou


valor como sendo um sentimento de prazer ou dor que automaticamente vinha à
mente quando se percebe um objeto. Muito pelo contrário, uma preferência no
sistema de Menger é um julgamento: eu gosto de X (ou desgosto de X). O
julgamento em questão é um ato de preferência: assim como a intencionalidade do
pensamento compreende um objeto, também um julgamento de preferência se
“move” rumo a um fim. Em termos ligeiramente diferentes, preferir algo é avaliá-lo:
posicioná-lo em sua escala de valores.

Em contrapartida, William Stanley Jevons tinha uma noção de valor totalmente


diferente. Ele igualava valor com utilidade ou prazer, mensurável em unidades. Ele
pensava que um objeto criava um certo número de unidades de satisfação na
mente de uma pessoa quando ela atingia a forma apropriada de contato com o
objeto. A pessoa como tal realmente tem muito pouco a ver com relação à
avaliação. Qualquer coisa que criasse mais unidades de satisfação, uma questão
estritamente objetiva, era ipso facto a coisa mais valiosa.

A história da economia convencional classifica Jevons e Menger juntamente com


Léon Walras como os co-criadores da “revolução subjetivista”. Mas, de fato,
Menger não deve ser colocado no mesmo grupo dos outros dois. (Walras não será
discutido em detalhe aqui: ele tendia a ver o valor como uma medida arbitrária
ou numeraire.) Apenas Menger tinha a noção de valor como julgamento, uma ideia
que refletia a análise de Brentano nesse tópico.

Obviamente, Menger não foi o único austríaco a ser influenciado pela filosofia. Seu
discípulo Eugen von Böhm-Bawerk também mostrava temáticas filosóficas em seu
trabalho. Assim como Menger, ele rejeitava a alegação da Escola Historicista de
que não existiam leis da economia universalmente válidas. Em um ensaio incisivo,
“Control or Economic Law”, ele critica a afirmação de que o estado tem a
habilidade de assegurar uma economia próspera em soberano desprezo às leis
econômicas. Ao tomar essa posição, ele implicitamente rejeitou a posição de que
todas as relações são internas; como já havíamos enfatizado, essa visão exclui a
possibilidade de leis científicas.

Ao contrário de Menger, a principal inspiração filosófica de Böhm-Bawerk não foi


Brentano, e através dele Aristóteles; foi, ao invés dele, o filósofo medieval William
de Occam. A doutrina que Böhm-Bawerk tomou de Occam, contudo, não era
exclusiva dele, mas se mantinha na tradição aristotélica.

A posição em questão era que conceitos precisam ser seguidos às suas origens
na percepção, sua fonte final. Se, e.g., Hegel se refere ao Espírito Absoluto, um
analista na tradição de Böhm-Bawerk perguntaria: de onde vem essa noção?
Poderia-se mostrar como se chegaria a ela através da abstração da experiência?
Se não se pode, o conceito deve ser rejeitado como não tendo significado.

Como essa questão nos envolverá consideravelmente mais adiante, um ponto de


esclarecimento se faz necessário. Böhm-Bawerk não sustentava que cada
conceito deveria se referir diretamente a algo perceptível pelos sentidos.
Claramente, sua fonte, Occam, nunca teria sustentado tal posição, uma vez que
Deus não é perceptível e Occam era um cristão devoto. Pelo contrário, a posição é
ainda mais limitada. Conceitos que não se refiram a algo perceptível devem ser
derivados dos conceitos de coisas perceptíveis.

Ao usar o seu método de análise, Böhm-Bawerk demoliu os confusos esforços da


Escola Historicista de descrever o espírito de uma era e postular “leis” únicas para
culturas particulares. O objetivo de Böhm-Bawerk em sua análise era prático. Ele
desejava saber qual o uso científico que poderia ser feito de conceitos. Dessa
forma, ainda que não em um alicerce filosófico, seu procedimento lembrava a
busca por definições operacionais na moderna filosofia da ciência.

Böhm-Bawerk não se deteve ao conceito em seus esforços hercúleos para atingir


clareza. Ele dedicou minuciosa atenção à análise de argumentos particulares
propostos por outros economistas. Ao descobrir erros lógicos neles, a falsa
doutrina seria derrubada e a causa da análise correta seria avançada. O mais
famoso exemplo desse procedimento é seu exame devastador da economia de
Karl Marx.

Ele devotou dois importantes trabalhos à crítica de Karl Marx: um capítulo


em Capital and Interest e um livrete publicado separadamente, Karl Marx and the
Close of His System. Pelo trabalho de precisão e detalhe característicos, Böhm-
Bawerk abalou o princípio-chave da economia marxista, a teoria do valor-trabalho.
Como se tornou famoso, ele mostrou que Marx era incapaz de explicar preços de
produção ao usar preços de trabalho. Mas como era característico, isso não foi o
suficiente para ele. Apesar da dificuldade mencionada há pouco, o chamado
problema da transformação, suficiente para arruinar a economia marxista, Böhm-
Bawerk não confinou sua discussão a esse problema. Ele criticou praticamente
todas as frases na derivação de Marx de sua teoria de valor.

Até então nós descrevemos a forma pela qual ideias filosóficas afetaram o
tratamento de várias questões dentro da teoria econômica por Menger e Böhm-
Bawerk. Mas a filosofia também os influenciou em questões mais abrangentes. A
visão austríaca do método em economia manifesta doutrinas filosóficas distintas.

Por um lado, tanto Menger quanto Böhm-Bawerk enfatizaram muito que apenas
indivíduos agem, uma posição que novamente os colocou em oposição à Escola
Historicista, com suas raízes hegelianas. De acordo com o princípio do
individualismo metodológico, estados, classes e outras entidades coletivas são
reduzidos a indivíduos em relações entre si. Declarações tais como “a França
declarou guerra contra a Alemanha em 1870” é uma forma abreviada para
declarações sobre pessoas particulares. Essa posição pode parecer óbvia: parece
estranho pensar no estado agindo de uma forma não-redutível às ações das
pessoas que o compõe.

Mesmo assim, durante o século XIX esse ponto não era de forma alguma dado
como verdadeiro. A Escola Historicista rejeitava o individualismo metodológico e,
nessa rejeição, a eles se uniu o principal historiador legal alemão do período, Otto
von Gierke. Mesmo muito depois disso, o economista austríaco Othmar Spann
sustentava posições holísticas similares.

Spann, o qual nos referimos anteriormente de forma breve, achava que considerar
indivíduos como agentes separados era o cúmulo da tolice. Indivíduos existem nas
relações que formam seus caráteres. Deve-se tomar essas relações como
completas, incapazes de subsequente análise. Poucos economistas hoje
sustentam tais posições, mas o fato de que elas nos parecem bobas se origina, em
parte, da campanha bem sucedida dos austríacos pelo individualismo.

Quais são as raízes filosóficas do individualismo metodológico? Aqui, eu sugiro,


que nós devemos mais uma vez retornar a Aristóteles. Em Ética a Nicômaco, ele
enfatiza a ação humana individual. De forma mais especulativa, pode-se apontar
para o papel das substâncias individuais na Metafísica, mas o desenvolvimento
dessa posição nos levaria longe demais.[9]

Ciência Dedutiva

Outro tema aristotélico exerceu grande influência sobre os austríacos; e esse,


felizmente, é mais fácil de documentar. O método característico da economia
austríaca, levado ao seu ponto mais alto por Mises, é a dedução. Se inicia com um
axioma auto-evidente (“o homem age”) e com a ajuda de alguns postulados
secundários, se deduz toda a ciência da ação humana.

Onde se originou essa noção de ciência? Apesar de, como mencionado


anteriormente, ser muito difícil demonstrar influência direta na história intelectual,
eu acho que não é acidente que a ideia de ciência dedutiva seja encontrada
no Posterior Analytics de Aristóteles. Aristóteles argumenta que uma ciência
completa deve começar com um axioma auto-evidente e, pelo uso da dedução,
desabrochar toda uma disciplina. Frequentemente, as condições forçam o uso de
meras hipóteses empíricas, mas esse é um mero recurso.[10]

A ciência empírica existe como um substituto para a verdadeira ciência, que deve
funcionar através da dedução. Quando Brentano e outros reviveram o estudo de
Aristóteles, essa visão de método se tornou disponível para estudos em
universidades austríacas.

Aristóteles discutiu também a necessidade de princípios auto-evidentes em Ética a


Nicômaco. Ele nota que para justificar uma proposição, normalmente se procederia
citando outra proposição. Mas se as coisas são deixadas assim, a tarefa não está
cumprida. O que, por sua vez, justifica a proposição proposta em apoio ao
argumento original? Obviamente, se pode citar ainda outra proposição, mas esse
procedimento não pode continuar para sempre.
É preciso começar com um ou mais axiomas auto-evidentes dos quais a
justificação procede. A não ser que isso seja feito, as razões propostas em apoio a
um argumento não têm fundamento. Ou se empilha justificações indefinidamente
ou se argumenta em círculo. Mais uma vez o paralelo com o procedimento
austríaco é preciso. A praxeologia se origina do axioma da ação, que não requer
nada mais em seu apoio.

Um erro comum precisa ser notado aqui. Não segue do argumento do regresso
sobre a justificação que argumentos têm que sempre ser rastreados a apenas um
axioma. Tudo o que o argumento mostra é que pelo menos um princípio auto-
evidente é necessário para iniciar uma cadeia de justificação. Mas nada no
argumento limita o número desses princípios.

Se fossemos argumentar que para evitarmos um regresso infinito de justificação,


teríamos que chegar a um único axioma, o argumento seria falacioso. O
argumento, em resumo, seria que uma vez que toda a proposição que não requer
justificação, deve haver uma proposição básica que é a fonte da qual todas as
outras são justificadas. Isso é equivalente ao “argumento” que uma vez que todos
têm um pai, alguém é o pai de todos. Obviamente, isso está errado.

Quando se argumenta que uma proposição é auto-evidente, isso não significa que
se esteja apelando para uma experiência psicológica de certeza em apoio à
proposição. Fazer isso seria precisamente argumentar que a proposição não é
auto-evidente, uma vez que sua evidência aqui depende de outra coisa – a
experiência psicológica. Se alguém tem uma experiência “Aha” no estilo da
psicologia Gestalt em vir a perceber a auto-evidência de uma proposição é
irrelevante.

Esse ponto é importante pois hermeneuticistas contemporâneos às vezes mantêm


que os axiomas auto-evidentes da praxeologia são na verdade princípios aceitos
por uma comunidade particular. Essa abordagem é simplesmente uma variante da
falácia psicológica que nós já consideramos. Se um grupo particular aceita a
proposição como um axioma difere da questão de se o axioma é auto-evidente.

Até então eu tenho afirmado que o método dedutivo da economia austríaca se


origina em Aristóteles. Mas uma objeção óbvia vem à mente. Quando se volta para
a terceira grande figura da Escola Austríaca, Ludwig von Mises, Aristóteles parece
estar fora de cena. Ao invés dele, Mises faz uso de uma distinta terminologia
neokantiana: em particular, em relação às proposições da economia austríaca
como verdades sintéticas a priori. O axioma da ação assume livre escolha, mas
isso é um postulado para Mises. Mises não presume legislar para o mundo
noumenal. Não se pode, pensava ele, excluir a possibilidade de que a ciência irá
demonstrar que o determinismo rígido é verdadeiro. (Um tanto estranho, aqui
Mises contraria Kant, que pensava que éramos fenomenologicamente
determinados mas noumenalmente livres.)

Tendo levantado essa objeção, não devo perder muito tempo com ela. Apesar de
Mises de fato fazer uso da linguagem kantiana, nada em seu argumento depende
do sistema kantiano. Quando Mises emprega a expressão “proposição sintética a
priori”, por exemplo, ela simplesmente designa que seja necessariamente
verdadeira e não uma tautologia. Aqueles que preferem uma abordagem
aristotélica podem facilmente traduzir os termos de Mises para o seu uso preferido.
A grande importância de Mises para os nossos propósitos não está na sua fachada
kantiana. Pelo contrário, está em um grupo de filófosos, os positivistas lógicos, que
surgiram nos anos 1920, e desenvolveram doutrinas que ameaçaram abalar o
sistema austríaco. Suas posições, até o ponto em que colidiam com o sistema de
Mises, não desafiavam a sua economia; ao invés disso, era seu método dedutivo
que levou os positivistas a protestar. Para Mises, então, nosso foco não é os
filósofos que o influenciaram, mas aqueles que o atacaram. Em sua resposta a
esses ataques, Mises desenvolveu e esclareceu ainda mais a posição austríaca.

Os positivistas lógicos ou Círculo de Viena se encontravam sob a liderança de


Moritz Schlick, um professor de filosofia na Universidade de Viena. Apesar de
Schlick liderar o grupo, as posições dele não eram em todos os aspectos
características do Círculo. Como um exemplo, ele acreditava que ética era uma
ciência, enquanto a maioria dos positivistas lógicos viam asserções éticas como
empiricamente desprovidas de significado.[11]

Provavelmente, o membro do grupo mais importante filosoficamente foi Rudolf


Carnap, nascido alemão, mas residente em Viena. Ironicamente, o irmão de
Ludwig von Mises, Richard von Mises, fazia parte do Círculo, assim como Karl
Menger, o filho do fundador da Escola Austríaca. Outro membro, Felix Kaufmann,
foi também um participante dos seminários de Ludwig von Mises. Apesar disso,
assim como todos os membros do Círculo, ele se opunha fortemente à abordagem
dedutiva de Mises ao método econômico.

O grupo não era muito influente em seu início. Eric Voegelin, que estava em Viena
nos anos 1920 e 1930, uma vez me falou em uma conversa que os positivistas
lógicos eram normalmente vistos como excêntricos e loucos. A visão negativa de
Voegelin sobre o grupo talvez tenha dado mais cor às suas memórias, mas seu
testemunho é significante apesar disso. O Círculo se tornou muito mais influente
após a ascensão de Adolf Hitler ao poder em 1933. A situação política européia,
culminando na anexação da Áustria pela Alemanha em março de 1938 forçou a
maioria dos positivistas lógicos ao exílio. Muitos deles acabaram nos Estados
Unidos e garantiram posições em grandes universidades. É amplamente devido à
influência dos positivistas lógicos na filosofia americana que a maioria dos
economistas americanos rejeitam a praxeologia. Eles vêem o método de Mises
como fora de moda e escolástico, que supostamente não seguia as direções da
filosofia científica.

A essência do positivismo lógico pode, para os nossos propósitos, ser definida de


forma bastante simples. Todos os enunciados empíricos, i.e., enunciados sobre o
mundo, devem ser testáveis. Se um enunciado não podem ser testado, então ele
não tem significado empírico. Por “testável” ou “verificável” os positivistas queriam
dizer “capaz de ser percebido pelos sentidos.” Esse é o famoso critério de
verificabilidade de significado, o princípio mais reconhecido do Círculo de Viena.

Pode-se ver imediatamente que a estrutura da economia austríaca está com sérios
problemas se o critério de verificabilidade é aceito. De acordo com Mises, as
proposições da economia são necessariamente verdadeiras. Mas verdades
necessárias não podem fornecer informação sobre o mundo, na visão positivista
lógica. Apenas proposições que podem ser tanto verdadeiras quanto falsas,
dependendo das circunstâncias, fornecem informação. Proposições que devem
sempre ser verdadeiras ou sempre ser falsas não fornecem informação. A
conclusão então parece inevitável: a economia austríaca não fornece nenhuma
informação sobre o mundo.

Os positivistas lógicos não negavam que algumas proposições tem que ser
verdadeiras. Mas, como sugerido acima, isso não ajuda em nada a economia
austríaca. Verdades logicamente necessárias são apenas tautologias, i.e.,
enunciados que não fornecem nenhuma nova informação sobre o mundo.[12] Um
exemplo fundamental de tautologia é uma definição. No exemplo clássico banal, o
enunciado “um solteiro é um homem que nunca casou e já tem uma certa idade”
não fornece nenhuma informação sobre o mundo. Ele meramente oferece uma
definição. Uma definição nos diz que duas expressões podem ser substituídas
uma pela outra em uma frase enquanto o valor verdade é preservado. De forma
semelhante, uma proposição necessariamente falsa é a negação de uma
tautologia. Se eu fosse afirmar que alguns solteiros são casados, eu não estaria
fazendo uma falsa asserção sobre a realidade. Eu estaria usando a expressão
“solteiro” de forma inadequada.

Teria a economia austríaca tomado um golpe fulminante por essas considerações?


Mises certamente achava que não. Em The Ultimate Foundation of Economic
Science, ele considera a afirmação de Karl Popper que proposições científicas
podem ser falseáveis. Apesar de Popper não ser um positivista, ele tinha em
mente o critério de falsificação para separar enunciados científicos de não-
científicos.

O comentário de Mises foi desdenhoso: “se aceita-se a terminologia do positivismo


lógico… uma teoria não é científica se ela não pode ser refutada pela experiência.
Consequentemente, todas as teorias a priori, incluindo a matemática e a
praxeologia não são científicas. Isso é meramente uma disputa verbal que não
leva a nada.”[13]

É fácil ver que a reação de Mises ao critério da verificabilidade seria a mesma. A


praxeologia chega à verdade pela dedução. Se alguém deseja definir “significado”
de forma que as conclusões da praxeologia são empiricamente desprovidas de
significado, deveria ele se preocupar? A isso uma réplica se apresenta. Os
positivistas lógicos não viam seu critério de significado como uma proposta
arbitrária, para ser ignorada por qualquer um que não compartilhasse das
afinidades do Círculo. Pelo contrário, eles alegavam que sua posição era bem
sustentada. Eles estão corretos?

Eu acho que não. De fato, o critério é inútil, uma vez que todo enunciado se torna
verificável sob ele. Suponha que “p” seja um enunciado verificável livre de
controvérsia, e.g., “há uma cadeira nessa sala.” Tomemos “q” como um enunciado
que os positivistas lógicos rejeitam como desprovido de significado. Um bom
exemplo seria um que Rudolf Carnap tomou para ridicularizar quando ele clamou
pelo fim da metafísica. Ele citou o seguinte trecho de Ser e Tempo (1927) de
Martin Heidegger: “O nada nega a si mesmo”. Eu não vou tentar explicar isso:
pode-se ver por que Carnap o apresentou como um exemplo de paradigma de um
enunciado desprovido de significado.

O princípio da verificação o elimina? Surpreendentemente não. De p, nós


deduzimos p ou q. (Esse passo não é controverso.) Assumindo que a
consequência lógica de uma proposição verificável é ela mesma verificável , (p ou
q) é verificável. Ademais, se p é verificável, então a negação de p é verificável;
esse princípio parece ser difícil de questionar. Agora, considere esse argumento:

 p ou q
 não-p
 q

Esse argumento é válido e cada uma das suas premissas é verificável. Então, q é
uma consequência lógica de proposições verificáveis, e ela é, também, verificável.
Claramente, se o critério de verificação não pode eliminar “o nada nega a si
mesmo”, ele não tem muito valor.

O critério de falsificação não se sai muito melhor. Se p é falseável, então (p e q) é


falseável. Mais uma vez, não-p deveria ser falseável se p é, ainda que Karl Popper
tenha, de forma não plausível, negado isso. Por um argumento paralelo aquele
para a verificação, concluímos que q é falseável.

Pode-se pensar que isso é um mero truque, prontamente evitável através de uma
pequena modificação do princípio. Tem havido muitas tentativas de formular um
critério que produz os resultados “corretos”, mas até agora todos falharam em
resistir a críticas.

Entretanto, algumas pessoas irão persistir em pensar que o princípio é


basicamente adequado. Para elas, nos podemos propor uma objeção mais
profunda, ainda que mais estúpida, do que a referida previamente: por que alguém
deveria aceitar o critério da verificabilidade? Certamente que seus proponentes
nos devem algum argumento que enunciados que eles desejam eliminar como
desprovidos de significado realmente são desprovidos de significado. Eles, de fato,
não fornecem nenhum. Talvez o melhor relato do critério de um ponto de vista
simpático é encontrado em Aspects of Scientific Explanation (1965), de Carl
Hempel. Hempel descreve de forma elaborada as modificações e complicações do
critério nas décadas em que tem sido discutido. Mas ele não oferece nenhum
argumento a seu favor. Mises estava totalmente certo. O princípio da verificação é
uma formulação arbitrária que não tem nenhuma reivindicação em nosso apoio.

Antes de deixarmos o principio da verificabilidade, eu deveria mencionar outra


crítica proposta contra ele. Muitos oponentes do positivismo lógico argumentam
que ele se auto-refuta. O fenomenologista polonês Roman Ingarden foi
provavelmente o primeiro a propor esta crítica e ela tem sido avançada de forma
bastante efetiva por Hans Hoppe. Eu não irei discutir essa objeção com detalhes
aqui: é suficiente dizer que se usado cuidadosamente, essa crítica cumpre seu
objetivo.[14]

Para mim, as considerações mencionadas acima descartam o positivismo lógico,


pelo menos para os nossos propósitos. Contudo, por causa da grande influência
de Karl Popper na metodologia econômica contemporânea, eu acho aconselhável
fazer algumas observações sobre a sua variante do positivismo.

Popper tem tido algum efeito na economia austríaca, em grande parte devido ao
fato de Friedrich Hayek, seu amigo próximo, ter, em parte, abandonado a
praxeologia e adotado o falsificacionismo. Ao fazer isso, Hayek reenfatizou uma
força positivista em seu pensamento que tem estado presente desde os seus dias
de universidade. Ele ficou profundamente impressionado pelo físico e filósofo Ernst
Mach, cujas posições, em muitos aspectos, lembram o positivismo lógico. Mach
rejeitava conceitos em física que não podiam ser derivados dos sentidos. Por
exemplo, ele se recusava a aceitar a doutrina do movimento absoluto de Newton,
pois, em sua opinião, ela carecia de referência empírica. Ele rejeitava também o
atomismo: átomos não existem e são uma mera hipótese.

As tendência machianas de Hayek emergem com força total em The Sensory


Order, seu estudo da percepção. Popper não pode ser culpado ou reconhecido
pelo positivismo de Hayek. O que ele fez foi trazer a extensão do positivismo de
Hayek para a economia. Mas isso foi uma digressão. Voltando a Popper, sua
doutrina básica modifica o critério de verificabilidade. Ao invés de dizer que um
enunciado com significado sobre o mundo deve ser empiricamente verificável,
Popper afirma que um enunciado científico deve ser falseável. Popper rejeita
totalmente qualquer associação com os positivistas: ele enfatiza que seu critério de
falsificação é um teste para enunciados científicos, não um critério de significado.
Pelo menos em seus primeiros anos, contudo, ele dava pouca importância a
enunciados não-científicos; e apesar de nos últimos anos ele estar cada vez mais
disposto a apoiar enunciados “metafísicos”, ele não os considera verdadeiros ou
falsos. Não é surpresa que Carnap e Herbert Feigl classificavam Popper como um
aliado.

Falar que uma proposição deve ser “falseável” ao invés de “verificável” parece
trivial a princípio. Se uma proposição é verificada, sua negação é falsificada; se
uma proposição é falsificada, sua negação é verificada. Considere, e.g., “A curva
de demanda tem inclinação negativa e para a direita.” Sempre que isso for
verificado, sua negação, “a curva de demanda falha em ter inclinação negativa e
para a direita” é falseável.

Ademais, uma vez que qualquer proposição é verificável (como mostrado acima), a
negação de qualquer proposição é falseável. Uma vez que a negação é idêntica à
proposição da qual nós começamos, concluímos que qualquer proposição é
verificável e falseável.

Então por que todo o alvoroço? O critério de falsificação de Popper é, de fato,


muito mais do que uma trivialidade. Ele mantém que confirmar uma proposição
não aumenta a probabilidade que seja verdadeira, uma vez que ele rejeita indução.
Não importa quantas vezes uma curva de demanda seja encontrada com
inclinação negativa e para a direita, as chances de que esse enunciado seja
verdadeiro não aumentaram. Mises mostrou seu bom senso característico a não
querer nada com o ceticismo de Popper.

Em todos os estágios de desenvolvimento da economia austríaca, a filosofia tem


sido presente, ainda que não de forma dominadora. Ação, o tema central da
praxeologia, tem recebido uma distinta análise aristotélica na tradição austríaca. A
economia austríaca e a filosofia realista parecem ter sido feitos um para o outro.

Ensaio Bibliográfico

Minha discussão das doutrinas econômicas da Escola Historicista Alemã se baseia


principalmente em dois trabalhos de Ludwig von Mises: The Historical Setting of
the Austrian School of Economics (Auburn: Ludwig von Mises Institute, 1984),
e Omnipotent Government(New Haven: Yale University Press, 1944). Erich
Streissler argumenta que os escritos de Mises sobre a Escola Historicista Alemã
se aplicam apenas ao final da Escola Historicista. O início da Escola Historicista
era muito mais simpático à teoria econômica. Veja o ensaio de Streissler em B.
Caldwell, ed. Carl Menger and His Legacy(History of Political Economy, Annual
Supplement to Volume 22, Durham, N.C.: Duke University Press, 1990), pp. 31-68.
“The Influence of German Economics in the Work of Menger and Marshall”
(Glencoe, Ill.: Free Press, 1951).

Sobre Werner Sombart, veja a discussão por Mortin J. Plotnick, Werner Sombart
and His Type of Economics (New York: EcoPress, 1937). A abordagem de
Sombart pode ser avaliada nos seus The Jews and Modern Capitalism (New York:
EcoPress, 1962) e The Quintessence of Capitalism (London: T. F. Unwin, Ltd.,
1915). Estes combinam uma vasta quantidade de dados históricos com
pouquíssima análise. Sombart acabou se tornando um apoiador de Hitler: veja A
New Social Philosophy (Princeton: Princeton University Press, 1937).

Muito pouco de Othmar Spann está disponível em inglês; mas o seu History of
Economics (New York: Norton 1930) deixa claro o quanto ele foi influenciado pelo
pensamento romântico alemão, especialmente por Adam Mueller. A relação de
Hegel com o Romantismo é uma questão complicada não discutida nesse ensaio.
Para um tratamento importante, o capítulo “Expressionism” em Charles Taylor,
Hegel (Cambridge: Cambridge University Press, 1975) deve ser consultado. Lewis
Hinchman, Hegel’s Critique of the Enlightenment (Gainesville: University Presses
of Florida, 1984) também é excelente.

Para um estudo de Hegel em economia, Laurence Dickey, Hegel: Religion,


Economics and the Politics of Spirit 1770-1807 (Cambridge: Cambridge University
Press, 1987) é um relato documentado muito minucioso. Ele enfatiza a tentativa de
Hegel de ajustar suas crenças filosóficas e religiosas às suas investigações
econômicas e históricas.

Sobre a doutrina das relações internas, H. H. Joachim, The Nature of


Truth (Oxford: Clarendon Press, 1906) apresenta uma forte defesa da teoria. G.E.
Moore “Internal and External Relations” em seu Philosophical Studies (New York:
Harcourt, Brace, 1922) é uma crítica muito importante. Moore argumenta que a
posição das relações internas se baseia numa falácia: falar que algo será diferente
se ele carece de alguma propriedade que ele de fato tenha é uma verdade trivial.
Disso não segue que uma coisa sem alguma de suas propriedades relacionais
seria alguma outra coisa. Brand Blanshard, Reason and Analysis (La Salle, Ill.:
Open Court, 1973), defende a doutrina contra todos os detratores.

A doutrina das relações internas está intimamente relacionada à noção de unidade


orgânica. Sobre a unidade orgânica na filosofia de Hegel, um dos melhores
tratamentos é por J.M.E. McTaggart, um filósofo de mérito excepcional por seus
próprios atributos. Veja o seu Studies in the Hegelian Dialectic(Cambridge:
Cambridge University Press, 1922) e Studies in Hegelian Cosmology(Cambridge:
Cambridge University Press, 1901). Eu devo alertar o leitor que a minha admiração
por McTaggart como comentador de Hegel não é universalmente compartilhada.
Uma forte defesa do uso da unidade orgânica por Hegel por um escritor
extremamente familiarizado com a lógica moderna é Errol Harris, Formal,
Transcendental, and Dialectical Logic(Albany, N.Y.: State University of New York
Press, 1987). Eu fiz uma resenha desse trabalho no International Philosophical
Quarterly 30 (December 1990): 503-507. Harris a respondeu em “Reply to Gordon:
Formal and Dialectical Logic,” International Philosophical Quarterly 31 (1991); para
não ser superado, eu respondi em “Reply to Harris: On Formal and Transcendental
Logic,” International Philosophical Quarterly 32 (1992). Esse diálogo cobre um
grande número de questões importantes em disputa entre proponentes de uma
abordagem “orgânica” à lógica e seus oponentes. O excelente Cosmos and
Anthropos de Harris (Atlantic Highlands, N. J.: Humanities Press, 1991) deve
também ser consultado por sua análise hegeliana da ciência.

Conforme mencionado no texto, Karl Popper oferece uma interpretação divergente


da filosofia da história de Hegel a qual eu apoio. Em seu The Poverty of
Historicism (New York: Harper, 1964), ele tenta demonstrar que nós não podemos
“prever o curso futuro da história” (p. vii). Na minha opinião, o argumento dele
falha: ele se baseia no equívoco “o futuro resulta da ciência.” Ainda assim, o livro é
altamente recomendado. De longe, o melhor trabalho sobre a influência de Hegel
na filosofia alemã do século XIX é John Toews, Hegelianism (Cambridge:
Cambridge University Press, 1980). Herbert Marcuse avalia a influência de Hegel
de um ponto de vista “hegeliano de esquerda” em Reason and Revolution: Hegel
and the Rise of Social Theory (Boston: Beacon Press, 1960). Apesar de o livro ter
alguns insights valiosos, sua constante repetição de “o poder do pensamento
negativo” em Hegel é muito próximo de ser obsessivo. Karl Löwith, From Hegel to
Nietzsche (New York: Anchor, 1967) é um trabalho de profundo aprendizado.

O trabalho de Hegel em política e economia tem despertado enorme interesse nos


últimos anos. William Maker, ed. Hegel on Economics and Freedom(Macon, Ga.:
Mercer University Press, 1987) apresenta um grande número de diferentes
interpretações. Uma das mais interessantes contribuições ao volume é de Richard
Dien Winfield; em seu Reason and Justice (Albany, N.Y.: State University New
York Press, 1988) ele apresenta uma defesa exaustiva da economia hegeliana.
Apesar de Winfield não ser um apoiador do livre mercado, ele simpatiza muito
mais com o capitalismo do que o normal entre os hegelianos contemporâneos; e
ele desenvolve algumas excelentes críticas a Marx. Harry Brod, Hegel’s
Philosophy of Politics (Boulder, Colo.: Westview Press, 1992) argumenta que
Hegel oferece um “meio termo” entre marxismo e liberalismo. Steven
Smith, Hegel’s Critique of Liberalism (Chicago: University of Chicago Press, 1989)
é um livro cuidadosamente produzido. George Armstrong Kelly, Hegel’s Retreat
from Eleusis(Princeton: Princeton University Press, 1978) contrapõe Hegel com
pensadores políticos posteriores.

Apesar de no texto eu não poder fazer mais do que mencionar “sociedade civil,” o
leitor deve estar ciente que esse se tornou um “assunto da moda” em filosofia
política contemporânea. Um trabalho gigantesco sobre esse assunto é Andrew
Arato e Jean Cohen, Civil Society and Political Theory(Cambridge, Mass.: MIT
Press, 1992). Outro amplo trabalho, como Cohen e Arato escrito de um ponto de
vista socialista, é John Keane, Democracy and Civil Society (London: Verso, 1988).
Z.A. Pelczynski, ed., The State and Civil Society: Studies in Hegel’s Political
Philosophy(Cambridge: Cambridge University Press, 1984) defende Hegel de
forma geral contra a crítica de apoiar um estado todo-poderoso. Norbert
Waszek, The Scottish Enlightenment and Hegel’s Account of ‘Civil
Society’ (Boston: Kluwer, 1988) é valioso não apenas para o tópico anunciado em
seu título, mas também para o estudo de Hegel dos economistas clássicos.

Quando vamos de Hegel para Brentano, a atmosfera filosófica muda para melhor,
na minha opinião. Os trabalhos principais de Brentano estão disponíveis em
tradução para o inglês: Franz Brentano, Psychology from an Empirical Standpoint,
trans. A.C. Rancurello et al., (London: Routledge, 1973). A discussão de Brentano
de julgamentos de valor “corretos” e “incorretos” está em Franz Brentano, The
Origin of Our Knowledge of Right and Wrong, R.M. Chisholm and Elizabeth
Schneewind, trans., (Atlantic Highlands, N. J.: Humanities Press, 1969). G.E.
Moore escreveu uma resenha da teoria do valor de Brentano em International
Journal of Ethics Vol. 14 (1903), pp. 115-123. A crença de Brentano na
objetividade de valores influenciou fortemente Moore e, por um tempo, Bertrand
Russell. Thomas L. Carson, The Status of Morality (Dordrecht: D. Reidel, 1984)
defende uma teoria do valor brentanista. Ludwig von Mises tinha uma opinião
diferente nesse tópico: em Theory and History (Washington, D.C.: Ludwig von
Mises Institute, 1985) p. 36, n.1, ele rejeita a teoria de Brentano. Infelizmente,
Mises não discutiu os argumentos de Brentano. A doutrina da intencionalidade de
Brentano, provavelmente a sua principal contribuição à filosofia, é discutida em
detalhe em David Bell, Husserl (London: Routledge, 1990).

As posições de Locke e Hume sobre a teoria do conhecimento são, eu temo,


grosseiramente simplificadas no texto. Para uma correção, ver H.H. Price, Hume’s
Theory of the External World (Oxford: Clarendon, 1940). Esse trabalho mostra
como Hume construiu um mundo a partir de dados dos sentidos: é um livro
belamente escrito e um dos meus favoritos. Interpretações muito diferentes da
epistemologia de Hume dada por Price, que eu sigo no texto, são dadas por John
Wright, Hume’s Skeptical Realism(Manchester: Manchester University Press,
1983) e Galen Strawson, The Secret Connexion: Causation, Realism and
Hume (Oxford: Oxford University Press, 1989). Michael Ayres, Locke, Volume I:
Epistemology (London: Routledge, 1991) é de longe o melhor livro sobre a teoria
do conhecimento de Locke. Junto do volume que o acompanha, Ontology, é um
grande tratado filosófico. Ayres defende posições lockeanas contra muitas
posições atualmente aceitas.

Eu não estou ciente de nenhum relato abrangente da filosofia de W.S. Jevons. Seu
trabalho mais importante em teoria do conhecimento é The Principles of Science 2
vols. (London: MacMillan, 1874). Suas posições sobre utilidade estão em The
Theory of Political Economy (London: MacMillan, 1871). Um trabalho vital para
entender o empiricismo britânico do século XIX é John Skorupski, John Stuart
Mill(London: Routledge, 1989). Skorupski defende muitas das teorias
características dos empiricistas. Um livro muito útil que contrapõe os empiricistas
britânicos com os alemãs românticos em teoria do conhecimento é Hans
Aarsleff, From Locke to Saussure (Minneapolis: University of Minnesota Press,
1982).

Como sugerido no texto, a crítica de Böhm-Bawerk a Marx fornece um dos


melhores exemplos de seu método analítico. Críticas posteriores à teoria do valor-
trabalho de Marx devem muito a Böhm-Bawerk, como pode ser visto em um dos
melhores resumos de trabalhos recentes sobre essa teoria: Jon Elster, Making
Sense of Marx (Cambridge: Cambridge University Press, 1985). No
meu Resurrecting Marx (Rutgers: Transaction Books, 1990), eu discuto os
argumento de Böhm-Bawerk em mais detalhes do que aqui.

O individualismo metodológico é, obviamente, uma das doutrinas-chave da


economia austríaca. Alan Garfinkel, Forms of Explanation (New Haven: Yale
University Press, 1981) é uma discussão importante, mas não aceita a posição
individualista. J.W.N. Watkins, “Ideal Types and Historical Explanation” em Alan
Ryan, ed., The Philosophy of Social Explanation (Oxford: Oxford University Press,
1973) defende o individualismo metodológico; da mesma forma faz Jon Elster,
in Making Sense of Marx, op. cit. Um tanto estranho, Elster argumenta que Marx
era um individualista metodológico. Margaret Gilbert, On Social Facts (London:
Routledge, 1989) desenvolve uma posição original sobre essa questão: ela
argumenta que os fenômenos sociais envolvem “sujeitos plurais.” Ver também
Robert Nozick, The Examined Life (New York: Simon and Schuster, 1989, p. 73).

Terence Irwin, Aristotle’s First Principles(Oxford: Oxford University Press, 1988) é


um guia extraordinariamente detalhado das posições de Aristóteles sobre o
método adequado em filosofia e ciência. As noções de Irwin de “dialética fraca e
forte” são especialmente úteis para entender Aristóteles. Duas das melhores
discussões recentes de Nicomachean Ethicssão Sarah Broadie, Ethics with
Aristotle(Oxford: Oxford University Press, 1991) e Richard Kraut, Aristotle on the
Human Good(Princeton: Princeton University Press, 1989). Douglas Rasmussen e
Douglas Den Uyl, Liberty and Nature (La Salle, Ill.: Open Court, 1991) aplica ideias
aristotélicas à filosofia política moderna. Para uma discussão de economia
aristotélica e austríaca, Barry Smith, “Aristotle, Menger, Mises: An Essay in the
Metaphysics of Economics” em B. Caldwell, op. cit. (pp. 263-88) é uma leitura
essencial.

Minha observação na página 23 sobre proposições auto-evidentes derivam de


G.E. Moore, Principia Ethica (Cambridge: Cambridge University Press, 1903).
Michael Williams, Groundless Belief (Oxford: Oxford University Press, 1977)
argumenta contra proposições auto-evidentes. Do ponto de vista da hermenêutica,
ver o grande trabalho dessa escola: Hans-Georg Gadamer, Truth and
Method (New York: Seabury Press, 1975).

Minha afirmação de que Mises não rejeitou o determinismo (p. 23) pode parecer
surpreendente, mas é na verdade um eufemismo. Mises era um determinista,
contudo, ele pensava que a ciência não estava, naquele momento, numa posição
de descobrir as leis pelas quais o pensamento humano opera. Assim, existe
espaço para a praxeologia, uma disciplina que toma os seres humanos como
agentes racionais. Ver Theory and History, op. cit. Para um relato excelente da
filosofia de Kant, ver Paul Guyer, Kant and the Claims of Knowledge(Cambridge:
Cambridge University Press, 1987). As observações de Mises sobre as categorias
do pensamento humano não o envolvem nos complexos argumentos de Kant.

De acordo com J. Alberto Coffa, The Semantic Tradition from Kant to


Carnap(Cambridge: Cambridge University Press, 1991), a filosofia do positivismo
lógico surgiu em oposição ao argumento de Kant que o conhecimento a priori é
baseado em pura intuição. O relato mais famoso do princípio da verificação dos
positivistas é A.J. Ayer, Language, Truth and Logic, rev. ed. (Oxford: Oxford
University Press, 1946). A edição revisada do livro deve ser consultada para a
reformulação de Ayer do princípio em respostas a críticas. Ayer sustentou esse
princípio até o fim de sua vida: ver “Reply to Dummett” em Lewis Hahn, ed., The
Philosophy of A.J. Ayer (LaSalle, Ill.: Open Court, 1992), pp. 149-156. O ensaio de
Michael Dummett que está no mesmo volume, “The Metaphysics of
Verificationism,” pp. 129-148, deve ser também consultado. Minha crítica à posição
positivista no texto deve muito Alvin Plantinga, God and Other Minds(Ithaca, N.Y.:
Cornell University Press, 1967).

No texto, eu argumento que a posição de Karl Popper quanto ao significado não é


melhor do que a dos positivistas. Para um vigoroso argumento do contrário, ver
W.W. Bartley, III, Unfathomed Knowledge, Unmeasured Wealth (La Salle, Ill.: Open
Court, 1990). O seu “racionalismo crítico” me parece permitir que se acredite no
que quiser: a crítica a qual essas crenças estão sujeitas se baseia em padrões
arbitrários.

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Tradução de Daniel Chaves Claudino | Artigo original aqui.

Notas

[1] Richard Dien Winfield, The Just Economy(New York: Routledge, 1988) discute
e defende as doutrinas econômicas hegelianas.

[2] Jeremy Waldron, The Right to Private Property (Oxford: Oxford University
Press, 1988) analisa de forma elaborada o argumento de Hegel para a propriedade
privada.

[3] Brand Blanshard, Reason and Analysis(La Salle, Ill.: Open Court, 1973, p. 475.

[4] Para uma defesa da unidade orgânica por um hegeliano contemporâneo, ver
Errol Harris, The Foundations of Metaphysics in Science (New York: Humanities
Press, 1965), pp. 279-84.

[5] Karl Popper, The Open Society and Its Enemies, vol. II (New York: Harper,
1967), pp. 27-80.

[6] Ludwig von Mises, Omnipotent Government (New Haven: Yale University Press,
1944).

[7] O tratamento da Escola Historicista Alemã dado acima foi influenciado por
Ludwig von Mises, The Historical Setting of the Austrian School of
Economics (Auburn: Ludwig von Mises Institute, 1984). Eu não lidei com as
diferenças entre as Escolas Historicistas do período inicial e final. Meus
comentários se aplicam principalmente à última.
[8] As posições de Brentano são muito bem analisadas em David
Bell, Husserl(London: Routledge, 1990).

[9] Para uma excelente introdução a Aristóteles, ver Henry Veatch, Aristotle: A
Contemporary Appreciation (Bloomington: University of Indiana, 1974).

[10] Aristóteles acreditava que através da indução se pode chegar a verdadeiros


primeiros princípios. Esses formariam a base da ciência. Isso é discutido em
Terence Irwin, Aristotle’s First Principles(Oxford: Oxford University Press, 1988), p.
35.

[11] Essa posição envolve a notória “teoria emotiva da ética.”

[12] J. Albert Coffa, The Semantic Tradition From Kant to Carnap: To the Vienna
Station(Cambridge: Cambridge University Press, 1991) fornece um relato
abrangente da filosofia do positivismo lógico.

[13] Ludwig von Mises, The Ultimate Foundation of Economic Science. (Kansas
City: Sheed Andrews and McMeel, 1977), p. 70.

[14] A crítica pressupõe que o primeiro argumento dado acima pode ser esquivado.
De outra forma, o critério é verificável, uma vez que todos os enunciados são
verificáveis. O positivista não irá achar essa “defesa” do seu gosto.

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Por David Gordon| 07 julho,2016

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