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No Brasil das reformas,

Retrocessos
Nº 535 | Ano XIX | 29/4/2019
no mundo
do trabalho

Maria Lúcia Lopes da Silva


José Dari Krein
Valdete Souto Severo
Josué Pereira da Silva
Pedro Rossi
Álvaro Roberto Crespo Merlo

Leia também
Marcos Pires ■ ■ Norma Breda dos Santos
EDITORIAL

No Brasil das reformas, os retrocessos


no mundo do trabalho

O
dia dos trabalhadores e das trabalha- Pedro Rossi, professor do Instituto de Eco-
doras deste ano se dá sob o impacto da nomia da Universidade Estadual de Campinas
reforma trabalhista, da Emenda Consti- - Unicamp, chama as reformas trabalhista, pre-
tucional nº 95 que limita, por 20 anos, os gastos videnciária e a emenda constitucional que es-
públicos, a proposta em andamento completa o tabelece teto de gastos nas políticas sociais de
tripé do retrocesso, que joga as conquistas das “três irmãs”. “A reforma previdenciária vem
populações mais vulneráveis em uma espécie de para viabilizar o teto de gastos, porque a Previ-
triângulo das bermudas dos direitos sociais e da dência ocupa um espaço importante nos gastos
assim chamada reforma da Previdência. do governo federal”, explica.
A presente edição da revista IHU On-Line Para o professor médico-assistente do Hospi-
debate o avanço do processo de desestrutura- tal de Clínicas de Porto Alegre Álvaro Rober-
ção do mercado de trabalho, em que as pessoas to Crespo Merlo, “a desproteção social pro-
estão submetidas a uma condição de maior vul- posta levará, certamente, a um maior número
nerabilidade e insegurança com pesquisadores de acidentes e de doenças do trabalho”.
e pesquisadoras.
2 Complementam a edição as entrevistas com
Para Maria Lúcia Lopes da Silva, assisten- Marcos Cordeiro Pires, professor da Univer-
te social e professora da Universidade de Brasi- sidade Estadual Paulista - Unesp, sobre como a
lia, não existem reformas, mas contrarreformas, China vem impulsionando todo o continente
pois reduzem os direitos que foram conquista- asiático como novo carro-chefe da economia
dos pela mobilização de trabalhadores e decre- mundial, e Norma Breda dos Santos, pro-
tam “o fim da seguridade social no país”. fessora do Instituto de Relações Internacionais
José Dari Krein, professor do Instituto de da Universidade de Brasília - UNB, sobre as re-
Economia da Universidade de Campinas - Uni- lações diplomáticas entre Brasil e Israel.
camp, aborda os retrocessos impostos pelas re- A todas e a todos uma boa leitura e uma exce-
formas, em que sustenta que atualmente há um lente semana!
“processo continuado de deterioração do mer-
cado de trabalho, com a explosão do desempre-
go aberto e oculto, fazendo com que no começo
de 2019 haja 27,9 milhões de brasileiros e brasi-
leiras na condição de subutilização”.
Juíza do TRT-4 e doutora em Direito do Tra-
balho pela Universidade de São Paulo, Valdete
Souto Severo discute o destino dos trabalha-
dores com as reformas trabalhista e previden-
ciária, ainda em curso. “Estamos atualizando a
CLT para deixá-la adequada aos parâmetros do
século XVIII”, critica.
Josué Pereira da Silva, professor na Uni-
versidade de Campinas - Unicamp, propõe a
renda básica universal como uma resposta ao
capitalismo avançado. “Parte da tendência do
capitalismo contemporâneo de expandir a ló-
gica da mercantilização para esferas até então
Xilogravura que retrata a rotina de trabalhadores de uma
relativamente protegidas”, assevera. fábrica de sopas no século XIX | Imagem: Wikimédia-
Communs]

29 DE ABRIL | 2019
REVISTA IHU ON-LINE

Sumário
4 ■ Temas em destaque
6 ■ Agenda
8 ■ Tema de capa | Maria Lúcia Lopes da Silva: As (contra)reformas aumentam a exploração
e ameaçam a vida dos trabalhadores
13 ■ Tema de capa | José Dari Krein: As reformas são a falsa promessa de modernização
e crescimento
20 ■ Tema de capa | Valdete Souto Severo: Reforma trabalhista e proposta de reforma
da Previdência levam trabalhadores ao limite da sobrevivência

24 Tema de capa | Josué Pereira da Silva: A renda básica universal como resposta à
radicalização do capitalismo

28 Tema de capa | Pedro Rossi: As três irmãs do apocalipse social contra o Estado de Bem-Estar
33 ■ Tema de capa | Álvaro Roberto Crespo Merlo: Reformas levam a retrocessos e promoverão a
“quebra” dos trabalhadores
38 ■ Marcos Cordeiro Pires | China impulsiona o continente asiático na “maratona”
pela hegemonia
43 ■ Norma Breda dos Santos | “O Brasil sempre enfatizou a internacionalização de Jerusalém”
46 ■ Publicações | Márcio Antônio de Almeida: Franciscus Non Cantat: um discurso, alguns
percursos e ressonâncias acerca da música litúrgica pós-conciliar

47 Outras edições 3

Diretor de Redação Juliana Borgmann, Amanda Bier e


Inácio Neutzling Liege Barcelos.
(inacio@unisinos.br)
Coordenador de Comunicação - IHU
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Jornalistas
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A IHU On-Line é a revista do Institu-
to Humanitas Unisinos - IHU. Esta Projeto Gráfico Instituto Humanitas Unisinos - IHU
publicação pode ser acessada às segun- Ricardo Machado
das-feiras no sítio www.ihu.unisinos.br e Av. Unisinos, 950 | São Leopoldo / RS
no endereço www.ihuonline.unisinos.br. Editoração CEP: 93022-000
Gustavo Guedes Weber Telefone: 51 3591 1122 | Ramal 4128
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Atualização diária do sítio
A versão impressa circula às terças-fei- Inácio Neutzling, César Sanson,
ras, a partir das 8 horas, na Unisinos. O Patrícia Fachin, Cristina Guerini, Diretor: Inácio Neutzling
conteúdo da IHU On-Line é copyleft. Evlyn Zilch, Stefany de Jesus Rocha, Gerente Administrativo: Nestor Pilz
Wagner Fernandes de Azevedo, (nestor@unisinos.br)

EDIÇÃO 535
TEMAS EM DESTAQUE

Entrevistas completas em www.ihu.unisinos.br/maisnoticias/noticias


Confira algumas entrevistas publicadas no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU na última semana.

Páscoa: festa da alegria, do triunfo da


mensagem de Jesus sobre o destino humano
“Deus não quis a morte de Jesus. Deus quis a fidelidade de Jesus, mesmo
que implicasse a morte”.
Leonardo Boff, doutor em Teologia pela Universidade de Munique. Foi professor de teologia sistemáti-
ca e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis e, depois, professor de ética, filosofia da religião e
de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http://bit.ly/2VvqIFD.

Reforma tributária como alternativa à


reforma da Previdência
A reforma tributária pode ser uma alternativa à reforma da Previdên-
cia. Cálculos demonstram como mudanças no atual sistema tributário
podem aumentar mais a receita do governo federal do que a proposta da
reforma previdenciária.
Eduardo Fagnani é doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e
atualmente leciona no Instituto de Economia da Unicamp. Disponível em: http://bit.ly/2XC7sn8

4 Desterro, dano social e psíquico: o custo


invisível dos megaempreendimentos
Barragens, grandes hidrelétricas, autoestradas e mesmo condomínios
ou complexos de hotéis causam imensos impactos que vão muito além do
meio ambiente.
Carmem Regina Giongo é doutora em Psicologia Social e Institucional, pós-doutoranda em
Psicologia Social e Institucional pela UFRGS e é docente do curso de Psicologia da Universidade
Feevale. Disponível em: http://bit.ly/2W5wU4j

Pacote Anticrime. “Naturalizamos violências


radicais em favor de uma senha de ocasião”
O projeto anticrime do governo federal, que visa enfrentar a corrupção,
o crime organizado e crimes violentos, “é demagógico e principalmente
irresponsável”.
Augusto Jobim do Amaral é doutor em Altos Estudos Contemporâneos pela Universidade de
Coimbra, Portugal, e doutor, mestre e especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universida-
de Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, onde leciona. Disponível em: http://bit.ly/2Vuav3i

Se o governo quiser resolver os problemas do


Nordeste, terá que enfrentar a indústria da seca
A expectativa de que a nova gestão do governo federal pudesse tratar as pau-
tas históricas do semiárido, como a gestão dos recursos hídricos do Nordeste e
a seca foi frustrada até o momento.
João Abner Guimarães Júnior é doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento e professor
titular aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Disponível em http://
bit.ly/2IV3zWs

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Textos na íntegra em www.ihu.unisinos.br/maisnoticias/noticias


Confira algumas notícias públicas recentemente no sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU

O recorde do Papa propõe um abalo Indígenas em Brasília:


desemprego e da radical na Cúria Romana “Desta vez, não
subutilização da força de trouxemos nem as
trabalho no Brasil crianças e nem idosos”

A taxa de ocupação diminuiu As reformas do Papa Fran- O concreto modernista de


no país em um momento de cisco na Cúria Romana con- Brasília abriu espaço para
estagnação da produtividade, tarão com a criação de um centenas de barracas e lonas
queda da renda e aumento da novo “superministério” de- que formaram o 15º Acam-
pobreza. Sem trabalho, o Bra- dicado à evangelização, que pamento Terra Livre (ATL),
sil não tem futuro. terá precedência sobre o ou- realizado anualmente na ca-
Artigo de José Eustáquio Diniz Alves, trora poderoso órgão dou- pital federal para chamar a
publicado por EcoDebate, reproduzido trinal vaticano? atenção para as pautas indí-
nas Notícias do Dia de 24-04-2019,
Reportagem de Christopher Lamb, genas.
disponível em http://bit.ly/2vjgUje.
publicada em The Tablet, reproduzida Reportagem de Marina Rossi, publi-
nas Notícias do Dia de 23-04-2019, cada por El País, reproduzida nas Notí-
disponível em http://bit.ly/2L0MZHe. cias do Dia de 25-04-2019, disponível
em http://bit.ly/2voHZkU.

‘’Vocês não agiram ‘’Até Jesus usava A ciência versus


a tempo’’: o discurso os tuítes (para o Bolsonaro
de Greta Thunberg ao bem).’’ Entrevista com
Parlamento britânico Gianfranco Ravasi

Publicamos o texto com- O cardeal Gianfranco Ra- A campanha política de


pleto do discurso proferido vasi, ministro da Cultura do Jair Bolsonaro foi impulsio-
aos deputados das Casas do Vaticano, diz: “Os escombros nada, entre outras questões,
Parlamento Britânico por do nosso tempo são a estu- por um discurso abertamen-
Greta Thunberg, a sueca de pidez e a vulgaridade”. Ele te anticientífico. Durante a
16 anos que está protagoni- também mostra como Jesus campanha política de 2018
zando o movimento global utilizava os tuítes (“Dai a Cé- e durante os primeiros cem
pelo clima. sar..., 52 caracteres”) e quais dias de seu governo, profes-
O discurso de Greta Thunberg foi são as principais armas do sores, universidades e ins-
traduzido ao português por Moisés Papa Francisco. E indica os tituições de pesquisa foram
Sbardelotto e reproduzido nas Notí- exames de consciência que a sistematicamente ameaça-
cias do Dia de 25-04-2019, disponível
em http://bit.ly/2ZvFZ8B.
Igreja deve fazer. dos e assediados pelo presi-
A reportagem publicada em Corriere dente e seus aliados.
della Sera e reproduzida nas Notícias Artigo de Luiz Marques, publicado por
do Dia de 28-04-2019, disponível Jornal da Unicamp e reproduzido nas
http://bit.ly/2PDubwn. Notícias do Dia de 26-04-2019, dispo-
nível em http://bit.ly/2DwmAuz.

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AGENDA

Programação completa em ihu.unisinos.br/eventos

O mito da mãe Cine-Debates IHU. A China e o mundo.


perfeita e outras Exibição e debate do A (re)configuração
formas (in)visíveis de filme Hannah Arendt geopolítica global
violência contra as (Direção de Margarethe
mulheres von Trotta, 2013)

02/mai 04/mai 07/mai


Horário Horário Horário
17h30min às 19h 9h às 12h 8h30min às 17h30min
Conferencista Conferencista Conferencistas
Profa. Dra. Denise Regina Profa. Dra. Márcia Junges José Eustáquio Diniz - IBGE
Quaresma da Silva – – Unisinos Luis Antônio Paulino -
Feevale Unesp
Local Marcos Cordeiro Pires -
Local Salas TEDU 803 e 804 Unesp
Sala Ignacio Ellacuría e Campus Unisinos
Companheiros – IHU Porto Alegre Local
Campus Unisinos Sala TEDU 616 Unisinos
São Leopoldo Campus Porto Alegre

6
A China e o mundo. Atividades Culturais Transformações
A (re)configuração Ecofeira Unisinos especulativas: da
geopolítica global — Oficina sobre os ontologia à xenologia,
Direitos do Consumidor da antropologia à
entropologia

07/mai 08/mai 08/mai


Horário Horário Horário
19h30min às 22h 12h30min 19h30min às 22h
Conferencistas Local Conferencista
Prof. Dr. José Eustáquio Campus Unisinos Prof. Dr. Fernando Silva
Diniz Alves São Leopoldo e Silva – Associação de
Pesquisas e Práticas em
Local Humanidades – APPH
Sala Ignacio Ellacuría e
Companheiros – IHU Local
Campus Unisinos Sala Ignacio Ellacuría e
São Leopoldo Companheiros – IHU
Campus Unisinos
São Leopoldo

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Oficina Introdução à A crise financeira EaD — Ciclo de


Metodologia de Análise internacional e o Estudos do Livro “O
de Conteúdo retorno da política Capital no Século XXI“
econômica de Keynes A Estrutura da
Desigualdade -
2ª. Edição
09/mai 13/mai 13/mai
Horário Horário Semana 3 de 6 -
16h30min às 19h 19h30min às 22h De 13/05 a 25/05
Conferencista Conferencista A desigualdade da renda
Ms. Bibiana Martins Prof. Dr. Luiz Fernando do trabalho e da apro-
dos Santos de Paula – UERJ priação do capital
Local Local Leitura: “Terceira Parte: a
Unisinos Campus Sala Ignacio Ellacuría e estrutura da desigualda-
Porto Alegre Companheiros – IHU de”, do livro O Capital no
Campus Unisinos Século XXI, de Thomas
São Leopoldo Piketty

7
EAD - Ciclo de Filmes Oficina de bases de Atividades Culturais
e Debates: Crise do dados educacionais Ecofeira Unisinos –
Capitalismo - dez anos Oficina de Plantas
depois - 2ª edição Medicinais

14/mai 14/mai 15/mai


A grande aposta (The big Horário Horário
short, Adam McKay, EUA, 13h30min 12h30min às 13h30min
2015, 131min.)
Local Local
Sala de Informática Sala Ignacio Ellacuría e
B09 009 Companheiros – IHU
Unisinos Campus São Campus Unisinos
Leopoldo São Leopoldo

EDIÇÃO 535
TEMA DE CAPA

As (contra)reformas aumentam a
exploração e ameaçam a vida
dos trabalhadores
Maria Lúcia Lopes da Silva detalha por que os projetos de alteração nas
leis trabalhista e previdenciária devem ser chamados de contrarreforma
Wagner Fernandes de Azevedo

A
s reivindicações da classe traba- tos em favor do desmonte dos direitos
lhadora organizada pela amplia- previdenciários, sob a alegação de que o
ção de direitos trabalhistas eram seu financiamento é insustentável”.
compreendidas como reforma. Para a Segundo Maria Lúcia, a contrarrefor-
professora e assistente social Maria Lú- ma da Previdência, da forma como está
cia Lopes da Silva, o neoliberalismo se tramitando no Congresso, pelo Projeto
apropriou do termo para “escamotear de Emenda Constitucional 06/2019,
suas intenções de restringir direitos da acaba com a contribuição coletiva e o
classe trabalhadora”. orçamento único da Previdência e, por
No Brasil de hoje, as chamadas “re- consequência, “significará o fim da se-
formas”, seguem esse roteiro. Em en- guridade”. Essa sucessão de projetos
8 trevista por e-mail à IHU On-Line, a afeta, de forma direta e indireta, as áre-
assistente social afirma que as altera- as da saúde e da educação públicas e a
ções nas leis trabalhista e previdenci- assistência social para desempregados
ária se constituem “no máximo da ex- e pessoas em situação de rua.
ploração”, causando até “risco de vida”. Maria Lúcia Lopes da Silva é gra-
Portanto, Maria Lúcia aponta que o que duada em Serviço Social pela Univer-
está tentando ser posto em vigor no sidade Federal do Maranhão - UFMA,
Brasil são “contrarreformas”. mestra e doutora em Política Social
A assistente social aponta que essas pela Universidade de Brasília - UnB, e
contrarreformas se potencializam, pois realizou estágio pós-doutoral em Pla-
o orçamento da Seguridade Social tem nejamento e Gestão de política social e
como “base fundamental as contribui- serviços sociais (Pianificazione e Ges-
ções dos empresários e trabalhadores”. tione delle Politiche e Servizi Sociali
Desse modo, como a contrarreforma - Progest) na Universidade de Milão -
trabalhista aumentou o desemprego e o Bicocca, na Itália. Atualmente é profes-
trabalho informal sobre o formal, “tudo sora da UnB e pesquisadora do Grupo
isso, associado à renúncia tributária de Estudos e Pesquisas em Seguridade
das empresas, impacta o financiamento Social e Trabalho - GESST/UnB.
da seguridade e serve como argumen- Confira a entrevista.

IHU On-Line — Por que a se- Maria Lúcia Lopes da Silva seus teóricos e estrategistas se
nhora compreende as alte- — Historicamente, os trabalhado- apropriaram da palavra “reforma”
rações nas legislações traba- res sempre lutaram por reformas, para escamotear suas intenções de
lhista e previdenciária como compreendendo-as como amplia- restringir direitos da classe traba-
“contrarreformas”? Poderia ção de direitos. A partir da déca- lhadora. Essa estratégia funcio-
descrever alguns pontos que da de 1970, com o surgimento e na como mistificação ideológica,
reforçam esse entendimento? expansão do projeto neoliberal, como disse o saudoso Carlos Nel-

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“Segundo a OIT, entre 1981 e


2018, 30 países optaram por
este modelo de previdência
privada, porém 18 já desistiram”

son Coutinho 1, em seu texto “A de direitos aos trabalhadores. Cito balhadores trabalhando mais, evi-
hegemonia da pequena política”, exemplos. Antes da Lei, a quem tra- tam-se novas contratações.
de 2010. Por isso, se uma medida balhava 8 horas era assegurado um
A lei criou mais duas formas de
amplia direitos eu a chamo de re- intervalo de almoço entre 1 e 2 duas
contratação prejudiciais à classe tra-
forma, reforçando a compreensão horas. A mudança reduziu o interva-
balhadora. A contratação do autôno-
histórica da classe trabalhadora; lo para 30 minutos. Isso é regressão
mo, com ou sem exclusividade, de
se restringe direitos eu a deno- de direito e aumento da exploração.
forma contínua ou não sem que este
mino de “contrarreforma”, como o
Outro exemplo é a liberação irres- seja considerado empregado, com
faz, desde 2003, Elaine Behring 2,
trita para a terceirização. Antes da todas as garantias. Essa situação tem
em seu livro, Brasil em contrar-
lei, a terceirização era permitida para levado à demissão de milhares de
reforma 3. As mudanças ocorridas
algumas áreas consideradas não es- trabalhadores para que esta figura
na legislação trabalhista e previ-
senciais, como a segurança e limpe- “ falseada do autônomo contratado” 9
denciária nos últimos anos são
za dos ambientes de trabalho. Com a assuma seus lugares. Isso favorece
restritivas de direitos, por isso são
lei, esta e outras formas precárias de os patrões e prejudica os trabalhado-
contrarreformas. Citarei exemplos.
trabalho (trabalho parcial, temporá- res, pois os autônomos não possuem
rio etc.) foram intensificadas e libe- contrato de trabalho registrado em
A contrarreforma traba-
radas para as áreas essenciais, o que carteira e vários direitos previstos
lhista
tem reduzido as contratações por no artigo 7º da Constituição Federal,
A lei 13.467, que passou a vigorar, tempo indeterminado, com todos os como férias, décimo terceiro salário,
em novembro de 2017, após 120 dias direitos assegurados pelo artigo 7º salário mínimo, jornada máxima de
de sua publicação no Diário Oficial, da Constituição Federal. Segundo o trabalho, entre outros. Além disso,
é o mais importante instrumento de Departamento Intersindical de Es- sua aposentadoria segue regras di-
contrarreforma trabalhista no go- tatística e Estudos Socioeconômicos ferenciadas, sem a participação do
verno Temer. Modificou mais de 100 - Dieese4, o salário de trabalhadores empregador na contribuição.
artigos da Consolidação das Leis do terceirizados é 24% menor do que o
Isso é redução de direitos, é con-
Trabalho - CLT e cerca de 400 dispo- dos empregados formais; o índice de
trarreforma. O trabalho intermiten-
sitivos legais que regulam as relações rotatividade no mercado de traba-
te é uma nova modalidade de tra-
de trabalho no Brasil. No conjunto, lho é quase o dobro dos empregados
balho criada pela Lei 13.467/2017,
as mudanças impõem grande perda diretamente contratados; os tercei-
definida como o contrato de traba-
rizados trabalham 3 horas a mais
lho no qual a prestação de serviços,
por semana, em média, do que os
1 Carlos Nelson Coutinho: filósofo brasileiro, livre do- com subordinação, não é contínua,
cente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e do- contratados diretamente. Tudo isso
cente nesta instituição. Organizou as obras Ler Gramsci, o trabalhador só trabalha quando
entender a realidade (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, são prejuízos e regressões de direitos
2003) e Antonio Gramsci, Escritos políticos (Rio de Janei- é chamado pela empresa e só será
sendo estendidos a um número cada
ro: Civilização Brasileira, 2004). Traduziu para o português pago pelo tempo que trabalhar. As-
os Cadernos do cárcere, lançados pela editora Civilização vez maior de trabalhadores. Sem
Brasileira. É autor de, entre outros, Marxismo e Política. A sim, não terá garantia de jornada
dualidade de poderes e outros ensaios (São Paulo: Cortez, falar que essa grandiosa exploração
nem de renda mínimas. Ademais, o
1996). (Nota da IHU On-Line) dos trabalhadores terceirizados ter-
2 Elaine Rossetti Behring: é assistente social, mestra e pagamento de direitos como 13º sa-
doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do mina por alimentar o desemprego,
Rio de Janeiro. Atualmente é professora associada da Uni- lário, férias, Fundo de Garantia por
versidade do Estado do Rio de Janeiro, no Departamento na medida em que, com menos tra-
de Política Social da Faculdade de Serviço Social, onde
Tempo de Serviço - FGTS e repouso
coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas do Orçamento semanal remunerado será sempre
Público e da Seguridade Social. (Nota da IHU On-Line)
3 BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma: 4 Informações disponíveis em: https://www.dieese.org.br/ proporcional às horas trabalhadas.
desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: notatecnica/2017/notaTec172Terceirizacao.pdf (Nota da Esse trabalhador ficará à disposição
Cortez, 2003. entrevistada)

EDIÇÃO 535
TEMA DE CAPA

do empregador, porém, na hora, dia, enormes prejuízos aos trabalha- deficiências, todas com renda fami-
mês (conforme seja o contrato) que dores. Elas apontam para a eleva- liar per capita inferior a ¼ do salário
este precisar dele, e se não estiver ção do tempo e dos percentuais de mínimo. Sem estes benefícios, estas
disponível, pagará uma multa cor- contribuição, associados à redução pessoas não teriam como garantir
respondente a 50% do valor que ga- do tempo de usufruto e dos valores sua sobrevivência. Assim, o BPC é
nharia. É o máximo da exploração. dos benefícios. Um exemplo disso um importantíssimo instrumento de
No mesmo nível, até de risco de vida, é a proposta de elevar de 15 para redistribuição de renda que, além de
encontra-se o fim da proibição para 20 anos o tempo de contribuição reduzir a pobreza extrema e as desi-
que mulheres gestantes ou lactan- da mulher trabalhadora rural, as- gualdades sociais, garante a vida de
tes possam trabalhar em condições sociado à elevação de sua idade de milhões de pessoas. Os benefícios
insalubres. Assim, esses exemplos 55 para 60 anos, para poder alcan- previdenciários cobrem, atualmen-
de reduções de direitos nos levam a çar uma aposentadoria, no valor de te, cerca de 30 milhões de pessoas.
falar em contrarreforma, e não em um salário mínimo. É uma proposta Cerca de 86% destes benefícios pos-
reforma trabalhista. desumana. A maior parte dos traba- suem o valor de até 2 salários míni-
lhadores e trabalhadoras rurais nem mos e possuem importância vital à
A contrarreforma da Previ- alcançarão essa idade. Além disso, a classe trabalhadora.
dência forma de contribuição desses traba-
lhadores será modificada.
Na área de Previdência Social são
inúmeros os prejuízos já estabeleci- Atualmente, se trabalham em regi- “Não será fácil
dos, desde a década de 1990, como
a substituição da aposentadoria por
me de economia familiar, a contri-
buição será de 2.1% sobre a comer-
assegurar
tempo de serviço pela aposentadoria
por tempo de contribuição ocorrida,
cialização dos produtos do grupo
familiar. Se estes não forem suficien-
qualidade no
em 1998. Pela primeira modalidade,
bastava o trabalhador apresentar a
tes para a comercialização, basta que
o tempo de trabalho seja comprova-
ensino tendo
10
carteira assinada ou contrato de tra-
balho para que o tempo de serviço
do. Mas, se passar a PEC 06/2019,
este grupo familiar deverá pagar um
professores
fosse computado para fins de apo-
sentadoria. Na segunda modalidade,
valor mínimo, que corresponderá com 60 ou
a 600 reais, imediatamente após a
o tempo de recolhimento também aprovação da PEC e depois será re- mais anos
precisa ser comprovado; se a empre-
dando aulas
ajustado.
sa o fez, mas não repassou à Previ-
Assim, não ficam dúvidas sobre as
dência Social, quem se prejudica é o
trabalhador, que não poderá contar
razões pelas quais estas mudanças
são consideradas contrarreformas e
para crianças e
este tempo.
Outro exemplo é o fim do valor da
não reformas! adolescentes”
aposentadoria correspondente ao úl-
timo salário ou remuneração, como IHU On-Line — Qual o papel Contrarreforma ataca tam-
foi estabelecido na Constituição da Seguridade Social no Brasil bém a saúde
Federal de 1988, substituído pelo hoje?
A Saúde, como um direito de todos
cálculo por meio do fator previden- Maria Lúcia Lopes da Silva — e dever do Estado, apesar do proces-
ciário, que reduz até 40% o valor da A Seguridade Social como um siste- so de privatização que tem sofrido,
aposentadoria em relação ao último ma para viabilizar direitos relativos tem no Sistema Único de Saúde o
salário ou remuneração, em 1999. à Saúde, Previdência e Assistência único meio de acesso aos serviços
Mais um exemplo foi a obrigatorie- Social é a maior conquista da classe de saúde para a ampla maioria da
dade para que os servidores públicos trabalhadora no campo das políti- população brasileira. Assim, a Se-
aposentados, a partir de 2003, con-
cas sociais. Os benefícios previden- guridade Social, ainda que restrita
tinuassem a contribuir com a Previ-
ciários e assistenciais constituem a à Saúde, Previdência e Assistência
dência Social, sobre o valor de seus
principal renda das famílias que vi- Social, é de fundamental importân-
proventos de aposentados que supe-
vem com até dois salários mínimos cia para a sociedade brasileira, espe-
rem o teto dos benefícios previdenci-
no Brasil. De acordo com os dados cialmente para a classe trabalhadora
ários do Regime Geral de Previdên-
oficiais, o Benefício de Prestação que depende dos serviços públicos.
cia Social. Isso também é regressão
Continuada - BPC atualmente é a É o mais importante instrumento de
de direitos. É contrarreforma.
renda de três milhões e 600 mil pes- redistribuição de renda e redução de
As propostas em debate, na atuali- soas, destas dois milhões são pessoas desigualdade social. Se aprovada, a
dade, por meio da PEC nº 06/2019, idosas, com idade acima de 65 anos, PEC nº 06/2019 irá destruí-la, como
se aprovadas também significarão e um milhão e 600 são pessoas com falarei adiante.

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REVISTA IHU ON-LINE

IHU On-Line — Em recente emprego formal, melhores salários, uma das áreas é possível cobrir re-
artigo, a senhora escreveu que maior estabilidade no emprego, a manejando de outra. É também por
as reformas trabalhista e previ- cobertura previdenciária melhora e isso que é possível manter os cerca
denciária “são intrínsecas e se também o financiamento da Segu- de seis milhões de benefícios previ-
potencializam”. Qual é essa re- ridade Social. Essa é uma pequena denciários aos trabalhadores rurais,
lação existente entre elas? amostra da vinculação intrínseca en- cujos beneficiários possuem uma
tre as contrarreformas trabalhista e diminuta participação no custeio,
Maria Lúcia Lopes da Silva —
previdenciária. pelas dificuldades decorrentes da
Ainda que a Previdência Social seja
natureza de seu trabalho, em geral,
financiada pelo orçamento único da
em regime de economia familiar, e
Seguridade Social, constituído por
de peculiaridades da produção ru-
fontes de bases diversificadas (con-
tribuição dos trabalhadores, dos “A Seguridade ral, como a sazonalidade de alguns
produtos comerciáveis. O fim do or-
empresários, dos importadores de
bens e serviços do exterior, um per- Social é o mais çamento único significará o fim da
seguridade.
centual sobre as receitas dos jogos
de loterias, as contribuições sobre o importante Outra proposta que se for apro-
lucro líquido das empresas e os orça-
mentos da União, dos Estados, Dis-
instrumento de vada impedirá que milhões de tra-
balhadores tenham acesso à Pre-
trito Federal e Municípios), a base
fundamental desse orçamento são
redistribuição vidência Social é a implantação do
sistema previdenciário de capitali-
as contribuições dos empresários e
trabalhadores.
renda e zação individual. Isso significa que
cada pessoa deve contribuir indivi-

O fim dos direitos trabalhis-


redução de dualmente para a sua Previdência,
criando uma espécie de poupança
tas deteriora a Previdência desigualdade que será gerida por instituições fi-
nanceiras. Como, de acordo com a
Se ocorre desemprego, rotatividade
no trabalho, se os salários são redu-
social” PEC 06/2019, a única forma pos-
sível de contribuir será a partir de
11
zidos, isso impacta diretamente o uma contribuição definida, esta fi-
financiamento da Seguridade Social, cará sujeita ao mercado (inflação,
especialmente na Previdência Social, IHU On-Line — O projeto de crises das instituições gestoras etc.)
uma vez que as contribuições sobre a reforma da Previdência como e o benefício futuro do poupador
folha de pagamento são vinculadas, tramita hoje no Congresso, corresponderá, em valor e tempo de
pela Constituição Federal, ao paga- caso aprovado, atinge quais po- duração, ao que for possível, a par-
mento de benefícios previdenciários. líticas sociais? tir do volume de recursos acumula-
Temos presenciado, após a contrar- dos com as contribuições definidas.
reforma trabalhista, o aumento do Maria Lúcia Lopes da Silva —
desemprego. Atualmente, são mais A PEC nº 06/2019 é muito ampla e Pensando na realidade brasileira,
de 13 milhões de desempregados, e o afetará diretamente toda a Segurida- atualmente, quantos trabalhado-
trabalho informal, segundo os dados de Social (Saúde, Previdência e As- res poderão fazer uma contribuição
sistência Social), além das relações mensal para esse sistema? Se for pe-
do Instituto Brasileiro de Geografia
de trabalho. Indiretamente afetará quena a contribuição, não resultará
e Estatística - IBGE, amplamente di-
outras políticas, como a educação. em nada no futuro, se for elevada,
vulgados, superou o trabalho formal,
Vejamos algumas propostas que pouquíssimos poderão arcar e ainda
a massa salarial teve uma grande
confirmam o que estou dizendo. assim estarão sujeitos às intempéries
queda na participação no PIB, a rota-
do mercado. Segundo a Organização
tividade no trabalho aumentou com
a adoção das novas modalidades de As áreas afetadas pela con- Internacional do trabalho - OIT, em
contratação precárias, e tudo isso, trarreforma da Previdência documento divulgado em dezem-
bro de 2018, entre 1981 e 2018, 30
associado às renúncias tributárias A primeira proposta que destaco é países optaram por este modelo de
das empresas, impacta o financia-
a que pretende fazer uma segregação previdência privada, porém 18 já
mento da seguridade e serve como
contábil do orçamento da Seguri- desistiram. O modelo só beneficiou
argumentos, em favor do desmonte
dade Social, reforçando a natureza o capital financeiro, provocou maior
dos direitos previdenciários, sob a
contributiva da Previdência. Essa desigualdade social, maior desigual-
alegação de que o seu financiamento
proposta, se aprovada, destruirá dade de gênero, prejudicando prin-
é insustentável.
a forma de contribuição solidária cipalmente as mulheres, os valores
O contrário também é verdadei- que sustenta a seguridade até hoje. dos benefícios caíram muitíssimo e
ro: se ocorre uma melhoria nos in- É porque o orçamento é único, sem milhões de pessoas deixaram de ter
dicadores gerais do trabalho, mais segregação, que se faltar recurso em acesso à Previdência. Portanto, isso

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TEMA DE CAPA

será o fim da Seguridade Social no pela idade de 70 anos. as em situação de rua, com limites,
Brasil e da Previdência Social. Isso ainda acessam alguns serviços e be-
A proposta de vinculação da idade
afetará milhões de trabalhadores e, nefícios de saúde e assistência social,
de 60 anos a 30 anos de contribuição,
consequentemente, outras políticas como o BPC, o Bolsa Família, o be-
com atividade somente na docência,
sociais no país. nefício De volta pra casa, os serviços
para que professores e professoras de atenção básica da saúde, os CRE-
alcancem a aposentadoria, além de
Precarização dos professores AS PoP. Se a contrarreforma passar,
inibir o acesso a este direito, poderá
é precarização da educação parte desses serviços e benefícios
afetar a qualidade da educação. Não deixarão de existir.
A PEC ainda propõe mudanças drás- será fácil assegurar qualidade no en-
ticas em relação ao BPC destinado aos sino tendo, fundamentalmente, pro-
idosos, de modo que este seja acessado fessores com 60 ou mais anos dando IHU On-Line — Deseja acres-
apenas para as pessoas em condições aulas para crianças e adolescentes. centar algo?
de miserabilidade (renda familiar per Maria Lúcia Lopes da Silva —
capita inferior a ¼ do salário mínimo Sim, que nem tudo está perdido. É
IHU On-Line — Qual a situa-
e patrimônio inferior a 98 reais) e te- preciso que trabalhadores e traba-
ção de seguridade social para
nha 70 anos ou mais. A partir dos 60 lhadoras resistam e lutem em defesa
as pessoas em situação de rua,
anos, idosos com estas características de seus direitos, com todas as forças
desempregados e trabalha-
poderão ter acesso a 400 reais. Sem e instrumentos de luta que puderem
dores informais hoje? O que
muitos comentários, é possível per- utilizar (atos públicos, greves, pres-
muda com o projeto de reforma
ceber que o BPC será completamente são junto aos parlamentares etc.).
da Previdência?
descaracterizado e milhões de pessoas Eu continuarei lutando em defesa
não terão acesso a esse benefício, seja Maria Lúcia Lopes da Silva dos direitos sociais e da seguridade
pelos critérios de “miserabilidade” ou — Hoje os desempregados e pesso- social. Só a luta garante a vida!■

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As reformas são a falsa promessa


de modernização e crescimento
José Dari Krein apresenta dados e argumentos que revelam os
ataques aos trabalhadores e o retrocesso representado
pelas reformas trabalhista e previdenciária
João Vitor Santos e Wagner Fernandes de Azevedo

O
capitalismo historicamente monte do sistema previdenciário que
se reinventa, mas mantém a a reforma trabalhista “já arruinou”.
perspectiva de perversidade Krein argumenta que há “a possibi-
sobre os trabalhadores. No atual ca- lidade de [a reforma da Previdência]
pítulo da história brasileira, as mu- ter efeitos perversos sobre as bases de
danças no Trabalho e na Previdência arrecadação, pois pode contribuir para
assumem esse papel. Para o filósofo e uma desestruturação ainda maior no
economista José Dari Krein, as políti- mercado de trabalho”.
cas de austeridade começadas em 2015
representam um “processo continuado Desse modo, o capitalismo segue na
de deterioração do mercado de traba- “sua busca sem limites por acumula-
lho, com a explosão do desemprego ção”. Dari então alerta para a ofensi-
aberto e oculto, fazendo com que no va de “novas rodadas de reformas na
começo de 2019 haja 27,9 milhões de perspectiva de ampliar o grau de mer- 13
brasileiros e brasileiras na condição de cadorização da força de trabalho”, e
subutilização, que continua refirman- diz que o que está em jogo “não pode
do as discriminações históricas”. se limitar à questão fiscal, pois está em
jogo o tipo de sociedade que se preten-
Segundo Krein, a reforma trabalhista
foi implantada com falsas promessas, de construir”.
pois, um ano e meio depois, a econo- José Dari Krein é graduado em
mia apresenta índices ainda piores. “O Filosofia pela Pontifícia Universida-
ministro da Fazenda ‘profetizou’ que de Católica do Paraná - PUC-PR, tem
ela iria criar 6 milhões de empregos. mestrado e doutorado em Economia
Por enquanto, o desemprego aberto em Social e do Trabalho pela Universidade
março está pouco acima do de outubro Estadual de Campinas - Unicamp, onde
de 2017”, afirma o economista, na en- atualmente é professor no Instituto de
trevista a seguir, concedida por e-mail Economia e pesquisador do Centro de
à IHU On-Line. Estudos Sindicais e de Economia do
Da mesma forma, o projeto de refor- Trabalho - Cesit.
ma da Previdência intensifica o des- Confira a entrevista.

IHU On-Line — Como observa do mercado de trabalho com a inter- a formalização dos contratos e uma
a situação do trabalho e dos tra- rupção de uma tendência que vinha melhora dos rendimentos do traba-
balhadores no Brasil nesse con- desde o começo do século XXI, em lho, especialmente para os que esta-
texto de crise anterior à refor- que, mesmo com movimentos con- vam na base da estrutura social.
ma trabalhista, entre os anos traditórios, havia uma tendência de É uma tendência com contradições,
2014 e 2017? diminuição do desemprego, de ele- pois continua ocorrendo um proces-
José Dari Krein — O ano de 2015 vação do número de ocupados pro- so de flexibilização das relações de
significa uma inflexão na trajetória tegidos pela seguridade social com trabalho, de terceirização e de uma

EDIÇÃO 535
TEMA DE CAPA

“Não podemos aceitar a lógica


de uma sociedade ‘cada um
por si e Deus para todos’”

crescente polarização nas ocupações Em síntese, avança o processo de trabalhista no cotidiano do tra-
geradas, em que parte expressiva desestruturação do mercado de tra- balho e dos trabalhadores no
das pessoas trabalham em ativida- balho, em que as pessoas estão sub- cenário brasileiro?
des com baixa remuneração. Apesar metidas a uma condição de maior
José Dari Krein — A reforma
dos avanços, o mercado de trabalho vulnerabilidade e insegurança. É im-
trabalhista não entregou o que pro-
continuou apresentando caracte- portante destacar que todas as ini-
meteu. O então ministro da Fazenda,
rísticas bastante desfavoráveis, tais ciativas ultraliberais (por exemplo,
Henrique Meirelles, “profetizou” que
como um alto índice de pessoas tra- Emenda Constitucional do congela-
ela iria criar 6 milhões de empregos.
balhando na informalidade (próxi- mento do gasto público1, as privati- Por enquanto, um ano e meio após
mo de 42%), inserção em ocupações zações, a redução do gasto público, a sua implementação, os resultados
precárias, prevalência de baixo po- a reforma trabalhista e as mudanças mostram que o desemprego aber-
der de compra dos salários e de desi- políticas do governo com o golpe to em março está pouco acima do de
gual distribuição e alta rotatividade. institucional contra a Dilma) defen-
14 outubro de 2017 (12,2 para 12,4% em
No entanto, havia um movimento didas como redentoras da retomada março 2019). A experiência concreta
que podemos chamar de estrutura- do crescimento econômico e, conse- brasileira recente mostra, mais uma
ção do mercado de trabalho, com quentemente, do emprego não trou- vez, que não há relação direta entre a
geração de empregos e aumento da xeram os resultados esperados. Pelo geração de emprego e legislação traba-
formalização, ainda que grande par- contrário, a desestruturação do mer- lhista. As novas modalidades de con-
te destes fossem precários. cado de trabalho é uma das causas tratação inseridas pela reforma apre-
da dificuldade de retomada do cres- sentam baixa incidência. Os contratos
Desestruturação do trabalho cimento, pois contribuiu para con- intermitentes e parciais representam
trair a demanda e também restringir menos de 1% do total dos empregos
A partir de 2015, com a adoção os circuitos de crédito. formais. Por enquanto, esses contra-
das políticas de austeridade, há um tos precários não pegaram.
processo continuado de deteriora-
ção do mercado de trabalho, com IHU On-Line — Um ano de-
As falsas promessas da re-
a explosão do desemprego aberto e pois da entrada em vigor, como
forma
oculto (por desalento e por inserção avalia os impactos da reforma
precária, subocupado), fazendo com O que vem crescendo, segundo da-
1 Emenda Constitucional Nº 95: a EC 95 limita por 20
que no começo de 2019 haja 27,9 anos os gastos públicos. Os senadores aprovaram a pro- dos do Cadastro Geral de Emprega-
milhões de brasileiros e brasileiras posta (PEC 241/16) em 13/12/2016. Foi encaminhada pelo dos e Desempregados - Caged, são os
presidente Michel Temer – quando ele ainda estava na
na condição de subutilização, que condição de interino – ao legislativo com o objetivo de empregos tipicamente terceirizáveis.
equilibrar as contas públicas por meio de um rígido me-
continua reafirmando as discrimi- canismo de controle de gastos. Chamada de PEC do teto Também houve incremento na ocu-
nações históricas, com as mulheres dos gastos, determina que, a partir de 2018, as despesas pação dos autônomos, como estra-
federais só poderão aumentar de acordo com a inflação
negras estando fortemente alocadas acumulada conforme o índice nacional de preços ao con- tégia de sobrevivência. Por exemplo,
sumidor amplo (IPCA). É considerada umas das maiores
nesta condição de vulnerabilidade. mudanças fiscais em décadas. Uma das principais críticas vendedores indefinidos, vendedor a
A renda do trabalho continua baixa refere-se ao fato de que a PEC limita gastos que histori- domicílio, vendedores de quiosques,
camente crescem todos os anos acima da inflação, como
e os efeitos distributivos do salário educação e saúde. Outra crítica incide no congelamento motoristas autônomos (fundamen-
dos gastos com programas sociais. Especialistas e entida-
mínimo deixam de ocorrer, pois des setoriais avaliam que a medida prejudica o alcance e talmente Uber), crescem, respectiva-
praticamente não há mais aumento a qualidade dos serviços públicos oferecidos. A EC pode mente 87%, 40%, 37% e 25% depois
resultar na redução de R$ 12 bilhões em repasses para a
real. Cresce também a informalida- área da saúde em dois anos. Para saber mais sobre a PEC de um ano da reforma. Além disso
241, acesse a entrevista com Grazielle David, intitulada
de e, consequentemente, um núme- PEC 241/16: uma afronta à saúde, aos direitos sociais e à houve um incremento de 7,4% dos
ro de pessoas sem acesso aos bene- Constituição, publicada nas notícias do dia de 11-7-2016, subocupados (por horas insuficien-
no sítio do IHU, disponível em http://bit.ly/2azeqgl. (Nota
fícios sociais. da IHU On-Line) tes trabalhadas) e uma elevação de

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500 mil trabalhadores sem carteira da reforma, tal flexibilização se Por exemplo, as opções de cresci-
de trabalho. reverteu em aumentos de ativi- mento com inclusão social tendem a
dade econômica? Por quê? ter efeitos mais positivos na geração
Ou seja, a reforma também não
de ocupações. Isso é evidente nas ex-
cumpriu outra promessa, de promo- José Dari Krein — A experiência
periências recentes da América Lati-
ver a formalização, mesmo com o re- empírica brasileira mostra que não
na. O crescimento da Colômbia, por
baixamento do marco legal com a in- há relação entre o arcabouço legal e
exemplo, foi maior do que o do Bra-
trodução dos contratos mais atípicos o nível de emprego tanto no século
sil no mesmo período, no entanto os
e precários. Em síntese, as tendên- XX quanto nos anos recentes. O pro- efeitos sobre o mercado de trabalho e
cias de desestruturação do mercado cesso de assalariamento veio com a a proteção social foram menores do
de trabalho iniciadas com a crise industrialização, tendo como refe- que a experiência brasileira, pois foi
econômica e política em 2015 não rência o marco legal consolidado na um crescimento baseado na exporta-
foi revertida. A vida de quem precisa CLT, que não foi empecilho para o ção de produtos primários. Em sínte-
trabalhar para sobreviver continuou Brasil ter uma economia com grande se, estamos refutando o argumento
piorando e cresceu o número de pes- dinamismo econômico entre 1930 e de que a reforma em si seja capaz de
soas excluídas dos benefícios da se- 1980. O dinamismo não foi influen- gerar emprego, pois este depende de
guridade social. ciado pelo arcabouço legal, mas sua muitos fatores combinados.
baixa efetividade apresenta relação,
por um lado, com a existência de Muitos conservadores têm noção
de que a reforma não cria emprego,
“A experiência um excedente estrutural de força
de trabalho (dada a não realização mas ela é defendida na perspectiva
de construir uma sociedade em que
entre 2004 da reforma agrária e o estímulo à
migração), que é fundamental para os indivíduos sejam submetidos à

e 2014 reafirmar as características do nosso


mercado de trabalho com baixos e
concorrência com os outros, tiran-
do-lhes os direitos e as proteções so-

mostrou que desiguais salários, alta informalida-


de, ausência de proteção social e a
ciais. É a busca constante – faz parte
da luta social – por parte do capital

o crescimento inserção de uma parte expressiva das


pessoas em ocupações precárias. Por
de ampliar a sua liberdade em deter-
minar as condições de contratação,
15

econômico e outro lado, o processo foi agravado


pela interrupção da democracia no
uso e remuneração do trabalho. Por
isso, vemos e vamos continuar ven-
o processo de momento em que o país apresentou
do ofensivas de novas rodadas de
reformas na perspectiva de ampliar
maior dinamismo na geração de em-
formalização prego, com o controle e a repressão
o grau de “mercadorização da força
de trabalho”.
contribuíram dos sindicatos.

muitíssimo Reforma trabalhista é para


a retirada da proteção social
IHU On-Line — Dentro das es-
tratégias das reformas liberais,
para viabilizar A experiência entre 2004 e 2014
como compreender a questão
de fundo que une as reformas
o superávit no mostrou que o dinamismo do mer-
cado de trabalho e a sua explicação
trabalhista e da Previdência?

regime geral da foi na contramão dos argumentos


dos defensores da reforma. Nos anos
José Dari Krein — As duas refor-
mas fazem parte de um mesmo ideá-

Previdência” 1990 já estavam colocados os mes-


mos argumentos de que a flexibiliza-
rio ultraliberal de derrogar os direi-
tos e a proteção social na perspectiva
ção seria a condição para combater de submeter as pessoas à concor-
a informalidade e criar emprego. A rência, deixando-as em condição de
IHU On-Line — Entre os ar- vida real mostrou o contrário. Agora, vulnerabilidade e insegurança, no
gumentos de defesa da refor- pós-reforma, também temos a com- intuito de reafirmar que não “há al-
ma trabalhista, está o de que o provação de que as mudanças legisla- ternativa” e todos se sujeitem, como
arcabouço legal que embasa a tivas não estão trazendo os resultados afirma Byung-Chul Han2, na Socie-
regulação do mercado de tra- esperados. A questão da geração de
2 Byung-Chul Han (1959): pensador sul-coreano, teórico
balho produz efeitos negativos emprego é algo muito mais comple- cultural e professor da universidade de artes de Berlim. É o
sobre a atividade econômica. xo, que depende fundamentalmente autor de 16 livros, dos quais os mais recentes são tratados
sobre o que ele chama de “sociedade do cansaço” (mü-
Daí a defesa para flexibilização da dinâmica econômica, em que o digkeitsgesellschaft ), uma “sociedade da transparência”
(transparenzgesellschaft ) e seu conceito neologista de
de diretrizes da CLT, com vis- crescimento é um pressuposto, que shanzhai , que procura identificar modos de desconstru-
tas a aumentar o volume total pode ser maior gerador de emprego, ção nas práticas contemporâneas do capitalismo chinês. O
trabalho atual de Han se concentra na transparência como
de ocupados. Um ano depois dependendo de suas características. uma norma cultural criada pelas forças do mercado neo-

EDIÇÃO 535
TEMA DE CAPA

dade do Cansaço3, ao excesso de feito em forma de bens e serviços e em outra etapa de desconstrução dos
trabalho e desempenho, em que a por produção. direitos e de proteção social, buscan-
liberdade e coação coincidam como do viabilizar uma situação em que,
Ou seja, em uma amostra com mé-
forma mais eficiente de exploração nas palavras do presidente, preva-
dias e grandes empresas, em 2016
do outro. Acrescento, na perspectiva leça um arcabouço legal muito pró-
(continua a mesma tendência), evi-
de viabilizar uma sociedade de mer- ximo da informalidade. Ou seja, faz
dencia-se que 30% dos rendimentos
cado, voltada para produção de mais parte da disputa social de viabilizar
anuais do trabalhador não são con-
valor. Como são reformas sem apelo um sistema de regulação do trabalho
siderados como salário e, portanto,
popular e os discursos de sua legiti- cada vez mais próximo da selvageria
não incidem sobre o valor de arreca-
mação estão desgastados, caminha- do mercado.
dação para a seguridade social. Além
se para reformas liberalizantes com
disso, no contexto atual, de elevado
viés autoritário. Como as reformas Retrocesso em verde
desemprego e altíssima subutiliza-
anteriores no mundo real são consi- e amarelo
ção da força de trabalho, a estratégia
deradas insuficientes, novas rodadas
mais utilizada pelos empregadores Essa perspectiva se expressa na
são propostas, dentro das disputas
não é, por enquanto, as novas mo- proposta de combinar um sistema
políticas se sociais sobre os rumos
da sociedade. dalidades oferecidas, mas a infor- de capitalização na Previdência com
malidade, o que piora ainda mais a “carteira verde amarela”. O siste-
Reforma trabalhista já afe- as bases de arrecadação. Por exem- ma de capitalização, além de gerar
ta a Previdência plo, 38% dos ocupados, fora os de- uma oportunidade de negócio para
sempregados, não contribuem para o mercado financeiro, traz a lógica
Em termos concretos, a reforma Previdência. Em síntese, a reforma da individualização das regras tra-
trabalhista de 2017 já implicou em trabalhista de 2017 já arruinou o sis- balhistas, pois cada um seria res-
uma reforma da Previdência, em tema previdenciário construído na ponsável por ser previdente. Assim,
termos formais. Por um lado, a efe- Constituição de 88. a “carteira verde amarela” – que
tivação do mundo do trabalho dese- formalmente seria opcional, mas na
nhado pela reforma trabalhista irá
“A reforma
prática tende a tornar-se impositiva
16 dificultar imensamente aos ocupa- – abre a possibilidade de o empre-
dos conseguirem preencher os re-
quisitos exigidos para ter acesso aos tende a gador contratar sem que os direitos
inscritos na CLT e nas convenções
benefícios da seguridade social, tais
como tempo de contribuição para minar fontes coletivas sejam considerados, pois o
conteúdo do contrato seria negocia-
importantes de
Previdência e o seguro-desempre- do diretamente pelo trabalhador e
go. Por outro lado, a reforma ten- pelo patrão.
de a minar fontes importantes de
financiamento da seguridade social financiamento É a volta ao período anterior à
vinculadas ao registro em carteira,
por estimular a adoção de novas da seguridade Organização Internacional do Tra-
balho - OIT, pois suprime dois dos
modalidades de contratação precá-
rias, tais como: social seus princípios fundantes: que há
uma relação desigual entre capital e
1) autônomos permanentes, em vinculadas trabalho; e que o trabalho não pode
ser considerado como uma mercado-
que assalariados são substituídos
de forma fraudulenta por Microem- ao registro ria qualquer. Por isso, ela significa o
esforço contínuo de alterar as regras
preendedores Individuais, que têm
uma contribuição muito baixa para em carteira” legais em uma perspectiva de fazer
com que as relações de trabalho se-
a Previdência;
jam a imagem e semelhança do mun-
2) os contratos atípicos (intermi- do idealizado pelo capital, em que o
tente temporário e tempo parcial), IHU On-Line — Caso aprova- trabalhador é uma mera engrenagem
que são mais precários e instáveis. da, como a reforma da Previ- no processo de acumulação.
Mas também por admitir que o pa- dência proposta pelo governo
de Jair Bolsonaro deve impac- A reforma da Previdência também
gamento pelo serviço prestado seja
tar as relações de trabalho? Po- tem a finalidade de deixar o traba-
liberal, que ele entende como o impulso insaciável para a demos conceber alternativas a lhador em uma condição menos se-
divulgação voluntária que beira o pornográfico. Segundo
esses impactos? Como? gura, forçando-o a adaptar-se na sua
Han, os ditames da transparência impõem um sistema
totalitário de abertura à custa de outros valores sociais, luta pela sobrevivência.
como vergonha, sigilo e confiança. (Nota da IHU On-Line) José Dari Krein — A proposta
3 Publicação original: HAN, Byung-Chul. Müdigkeits-
gesellschaft. Berlim, Alemanha: Matthes & Seitz Berlin do governo Bolsonaro embute uma
Verlag, 2010; Publicação brasileira: HAN, Byung-Chul.
Sociedade do cansaço. Tradução de Enio Paulo Giachini.
nova rodada de flexibilização das re- IHU On-Line — O avanço tec-
Petrópolis: Vozes, 2015 lações de trabalho, pois se constituiu nológico tem não só reconfi-

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gurado as relações de trabalho redução do tempo de trabalho diá- relações podemos estabelecer
como também reduzido os pos- rio, anual e até da vida, possibilitan- entre essas fragilizações e a
tos de trabalho. Por outro lado, do que as pessoas pudessem viver proposta de reforma da Previ-
a proposta de reforma da Pre- em plenitude todas as dimensões da dência e a fragilização da segu-
vidência do governo Bolsona- vida. Assim, a proposta de elevação ridade pública?
ro quer, entre outras medidas, da idade e da contribuição partem de
José Dari Krein — A viabilização
manter as pessoas mais tempo uma outra lógica, fundamentalmen-
de um padrão de regulação flexível
no mercado de trabalho. Mas, te fiscalista e de individualização do trabalho traz consigo uma tentati-
num mundo em que o emprego dos riscos sociais. É claro que seria va continuada de desconstrução das
parece cada vez mais restriti- necessária uma mudança social pro- instituições que têm algum poder de
vo, como assegurar postos de funda, em que as referências para colocar limites à liberdade do capital
trabalho para novas gerações e reformar a Previdência precisariam em determinar as condições de con-
manter trabalhadores por mais ser construídas sobre outras bases, tratação, uso e remuneração do tra-
tempo na ativa? outros princípios e diretrizes. balho, especialmente na perspectiva
José Dari Krein — Estamos E essa posição leva à necessidade de reduzir custos do trabalho. Neste
em um momento muito desfavo- de construir um contexto e espa- sentido, a reforma foi mais uma ini-
rável em que as soluções apresen- ços adequados para uma discussão ciativa nessa direção.
tadas pelos governos de plantão substantiva sobre como resolver
não contribuem para pensar uma os problemas de garantir uma vida A fragilização da ação cole-
sociedade com inclusão social. digna para as pessoas que precisam tiva dos trabalhadores
Pelo contrário, o capitalismo, es- trabalhar e que têm o direito de viver
pecialmente o desregulado, tende Não é sem razão que, por exem-
em plenitude todas as fases da vida.
a produzir desigualdade e exclusão plo, a Justiça do Trabalho, o Mi-
social. O crescimento da desigual- nistério Público do Trabalho e
dade tende a produzir ocupações sistema de fiscalização são cons-

“A experiência
mais serviçais, em que os de baixo tantemente atacados na perspecti-
trabalham para atender as crescen- va de limitar o seu papel de afirmar
17
tes necessidades das outras pesso-
as, especialmente dos mais ricos. empírica o direito vigente. Um exemplo: a
reforma reduziu imensamente o
Essa tendência ocorre em um mo-
mento em que há uma nova etapa brasileira número de novos processos tra-
balhistas (-37%) até o momento,
de inovações tecnológicas, que são
economizadoras de trabalho. Hoje,
mostra o que está sendo “comemorado”
pelas entidades patronais e pela
diferentemente do que ocorreu de-
pois da 2ª Revolução Industrial, as
que não há mídia como um efeito positivo da
reforma. No entanto, a pergun-
inovações estão sendo utilizadas
na luta social para justificar novas
relação entre ta que deveria ser feita é outra: a
redução de reclamatórias traba-
rodadas de reformas, que respon-
sabilizam as pessoas pela sua situ-
o arcabouço lhistas melhorou as condições de
trabalho? A resposta é não, pois
ação no mercado de trabalho e na
sociedade, por não terem emprega-
legal e o nível cresceu o número de trabalhado-
res sem carteira de trabalho e di-
bilidade, empreendedorismo e não de emprego minuiu o número de reclamantes
que tiveram direitos sonegados.
serem previdentes para assegurar o
seu futuro. Neste sentido, pode-se tanto no século Como, por exemplo, no primei-
ro trimestre de 2018, 2,4 milhões
XX quanto nos
dizer que o capitalismo é historica-
mente, na sua livre manifestação, de empresas não depositaram o
destruidor de pessoas – subjugan-
do-as como mercadoria – e da na- anos recentes” Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço - FGTS, mas somente em
tureza, pois não aceita limites na torno de 300 mil fizeram uma re-
sua insana busca de acumulação. clamação desse direito sonegado.
Mas o avanço tecnológico poderia,   O mesmo raciocínio vale para o
caso houvesse outra correlação de IHU On-Line — Em que me- movimento sindical. A lógica da
forças, levar a sociedade a pensar dida podemos afirmar que, no reforma é fragilizar a capacidade
outras formas de organização social, que diz respeito à proteção ao de ação coletiva dos trabalhado-
como, por exemplo, discutir quais trabalhador, a reforma tra- res e descentralizar a definição das
são as ocupações socialmente dese- balhista promove uma fragi- regras para o âmbito da empresa
jáveis, que incluiria uma redistribui- lização de instituições públi- e até os indivíduos. Os resultados
ção do trabalho, possibilitando uma cas e do sindicalismo? E que da reforma parecem confirmar a

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TEMA DE CAPA

sua intencionalidade de fragiliza- tem a finalidade de estrangular fi- zar o superávit no regime geral da
ção, com um certo esvaziamento nanceiramente os sindicatos exata- Previdência. O crescimento econô-
das instâncias de segundo e tercei- mente no período de tramitação da mico, em que proporcione gera-
ro grau do sindicalismo, especial- reforma da Previdência. Ela apre- ção de emprego com formalização
mente das Centrais sindicais, que senta muita perversidade, pois, dos contratos, seria uma primeira
perderam muita receita e enxuga- sem nenhuma transição, afeta to- forma de reforçar o financiamen-
ram as suas estruturas. Do ponto das as formas de arrecadação, in- to do sistema atual de repartição
de vista organizativo, há muitas clusive a mensalidade associativa. baseada na solidariedade inter-
discussões sobre alternativas, mas Sempre na lógica de individualizar geracional. Em segundo lugar, o
o que se consegue identificar até o todas as relações. Como no caso de aprimoramento do sistema de fis-
momento são as ações adaptativas a proposta, que tem alguma pro- calização para combater a ilegali-
de redução de custos, de enxuga- babilidade, mesmo em tempos de dade nas formas de contratação e
mento da máquina sindical e da exceção como estamos vivendo, de dívidas previdenciárias. Em tercei-
redefinição de serviços. O resul- não prosperar – dadas as negocia- ro lugar, temos que pensar em uma
tado pós-reforma das negociações ções em curso e as decisões judi- reforma tributária para diminuir a
coletivas são mais desfavoráveis ciais iniciais –, poder “cumprir” o desigualdade e cobrar tributos dos
aos trabalhadores com a queda do desejo de deixar os sindicatos sem que ganham mais na sociedade.
número de instrumentos celebra- recursos para mobilizar os traba- Em quarto lugar, ampliar as bases
dos. Em relação ao conteúdo, as lhadores e a sociedade no momen- atuais de financiamento, em que o
negociações constituem ao mesmo to da tramitação da resposta. peso da folha salarial tenha menos
tempo um espaço de alguma resis- peso, dadas as mudanças no mun-
tência às novas normas (buscando   do do trabalho.
atenuar seus efeitos) e de legitima-  IHU On-Line — Como conce-
ber alternativas para enfren- É preciso c0nsiderar que a re-
ção das temáticas inseridas na re- forma da Previdência tem grande
forma. Ademais, a prevalência do tar os problemas fiscais brasi-
leiros, sem necessariamente possibilidade de ter efeitos perver-
negociado sobre o legislado em um sos sobre as bases de arrecadação
contexto de mercado de trabalho passar por essa proposta de
18 reforma da Previdência e es- e pode contribuir para uma deses-
desfavorável e mudanças na recon- truturação ainda maior no mercado
figuração das classes trabalhadoras trangulamento da seguridade
de trabalho, em razão da queda do
está mostrando que serve para ne- pública, levando ainda em con-
poder de compra dos aposentados
gociar o rebaixamento de direitos. ta que se vive a realidade pós
e pensionistas, o que afetará ne-
-reforma trabalhista?
A lógica da fragilização do movi- gativamente o nível de atividade
mento ficou ainda mais evidente José Dari Krein — A experi- econômica, especialmente para as
com a edição da Medida Provisória ência entre 2004 e 2014 mostrou regiões mais pobres. Por último,
873/194, em que o atual governo que o crescimento econômico e o a referência não pode se limitar à
processo de formalização contri- questão fiscal, pois está em jogo o
4 Medida Provisória 873/19: altera a Consolidação das buíram muitíssimo para viabili- tipo de sociedade que se pretende
Leis do Trabalho - CLT para dispor sobre a contribuição
sindical, e revoga dispositivo da Lei nº 8.112, de 11 de de- construir.  Não podemos aceitar a
zembro de 1990, que determinava o desconto em folha,
sem ônus para a entidade sindical a que for filiado, o valor
bleia geral da categoria. A partir da MP 873, a contribuição
sindical deve ser feita pelo próprio trabalhador, se for do
lógica de uma sociedade “cada um
das mensalidades e contribuições definidas em assem- seu interesse (Nota da IHU On-Line). por si e Deus para todos”. ■

Leia mais
- ‘A MP não alivia o conteúdo da Reforma Trabalhista’. Entrevista com José Dari Krein pu-
blicada pelo portal EPSJV/Fiocruz e reproduzida nas Notícias do Dia de 05-04-2018, no sítio
do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em: http://bit.ly/2V2r9aT
- Na era da terceirização, o predomínio do trabalho como ‘labor’, e não como ‘opus’. En-
trevista especial com José Dari Krein, publicada nas Notícias do Dia de 18-04-2017, no sítio
do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em: http://bit.ly/2L2inVF
- As conquistas sindicais: “um movimento com sinais trocados”. Entrevista especial com
José Dari Krein, publicada nas Notícias do Dia de 30-04-2012, no sítio do Instituto Humani-
tas Unisinos – IHU, disponível em: http://bit.ly/2voPk4k

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REVISTA IHU ON-LINE

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Reforma trabalhista e proposta de reforma


da Previdência levam trabalhadores
ao limite da sobrevivência
Segundo Valdete Severo, outro problema são os ataques à CLT.
“Estamos atualizando a CLT para deixá-la adequada aos
parâmetros do século XVIII”, dispara
João Vitor Santos

U
m ano depois de sancionada plo, disse que o empregador pode pagar
pelo governo de Michel Temer, prêmio por produção e não considerá-lo
a chamada reforma trabalhista salário, e sim indenização. Isso prova a
promove verdadeiros atos de terroris- falácia do argumento de que é necessá-
mo contra o trabalhador. É o que ob- ria a ‘reforma’ da Previdência em razão
serva a juíza do Tribunal Regional do de um suposto déficit de arrecadação”,
Trabalho da 4ª Região, em Porto Alegre analisa. Mas os efeitos ainda mais per-
- RS, Valdete Severo. “Não houve um versos devem ser sentidos ao fim da
estímulo ao cumprimento dos direitos vida do trabalhador e da trabalhadora,
trabalhistas, mas sim um verdadeiro pois, sem alcançarem a aposentadoria,
terrorismo contra o ajuizamento de de- terão de seguir no mercado para terem
20 mandas, pelo temor do trabalhador de assistências básicas. “Em resumo, pelo
finalizar um processo devendo para o sistema de capitalização, apenas quem
empregador”, observa, ao apontar que contribui tem direito a algum benefício,
muitas pessoas, com medo, deixaram se tudo der certo (se o fundo de pensão
de buscar seus direitos junto à Justiça não quebrar, se tiver contribuição por
do Trabalho. Esse é um dos efeitos ne- tempo suficiente etc.). Quem adoecer
fastos dessa reforma. ou quem tiver condição que impossibi-
Além disso, na entrevista a seguir, lite o trabalho, não terá recursos míni-
concedida por e-mail à IHU On-Li- mos para sobreviver”, pontua.
ne, a magistrada destaca que a tese de Valdete Souto Severo é doutora
muitos defensores da reforma como em Direito do Trabalho pela Universi-
uma atualização da Consolidação das
dade de São Paulo - USP e mestra em
Leis do Trabalho - CLT é um engodo.
Direitos Fundamentais pela Pontifícia
“Estamos atualizando a CLT para dei-
Universidade Católica do Rio Grande
xá-la adequada aos parâmetros do sé-
do Sul - PUCRS. Atualmente é juíza do
culo XVIII”, ironiza. “A CLT precisa
trabalho no Tribunal Regional do Tra-
ser modificada, é verdade, mas apenas
balho da 4ª Região (RS) e leciona na
para fazer valer o texto constitucional.
Fundação Escola da Magistratura do
As regras sobre despedida por justa
Trabalho do RS - FEMARGS. Também
causa, por exemplo, não atendem ao
é integrante do Grupo de Pesquisa Tra-
parâmetro constitucional de paridade,
balho e Capital da USP e da Rede Na-
de ampla defesa ou de proteção contra
cional de Pesquisa e Estudos em Direito
a dispensa”, completa.
do Trabalho e Previdência Social - RE-
Para Valdete, a situação poderá ser NAPEDTS.
ainda pior, caso a proposta de reforma
A entrevista foi publicada original-
da Previdência defendida pelo governo
mente nas Notícias do Dia de 10-04-
de Jair Bolsonaro seja posta em prática.
“Será terrível, por isso desejo sincera- 2019, no sítio do Instituto Humanitas
mente que não seja aprovado. A ‘re- Unisinos – IHU, disponível em http://
forma’ trabalhista retirou contribuição bit.ly/2GpD5uD.
para a Previdência quando, por exem- Confira a entrevista.

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“O que se viu, de fato, foi a


migração de trabalhadores que
tinham vínculo de emprego para
as modalidades mais precárias de
trabalho intermitente ou temporário”

IHU On-Line – Desde a apro- da dispensa. Também precariza esse exatamente para que o juiz possa
vação da reforma trabalhista, momento tão delicado na vida de fixar a chamada sucumbência, ou
quais as principais mudanças uma trabalhadora ou de um traba- seja, o valor de custas e de honorá-
ocorridas no que diz respeito à lhador, ao terminar com a exigência rios de advogado sobre os pedidos
relação de trabalho? de que o pagamento das verbas resi- improcedentes. Essa indicação de
litórias seja feito na presença de um valor no mais das vezes é impossí-
Valdete Severo – Na prática das
representante do sindicato. vel de ser feita, porque o emprega-
relações de trabalho pouca coisa
do não tem acesso aos documentos
mudou. Os trabalhadores que não A criação da possibilidade de uma
do contrato. Outras tantas vezes, o
tinham seus direitos reconhecidos, comissão de empregados no âmbito
cálculo torna a demanda inviável,
como aqueles que trabalham como da empresa também gerou problemas
porque a lesão é grave e o alto valor
“chapa”, que trabalham em estéticas em determinadas categorias, na medi- 21
que resulta do pedido faz com que o
ou como “free lance”, todas situações da em que dividiu trabalhadores, fra-
trabalhador tenha medo de discutir
de burla à legislação trabalhista que gilizando o poder do sindicato.
essa lesão em juízo.
a “reforma” de certo modo prometeu
“consertar” com modalidades pre- Pensemos, por exemplo, na situa-
cárias de trabalho, como o trabalho IHU On-Line – A partir de ção de um trabalhador que não re-
intermitente. O que se viu, de fato, sua experiência no Tribunal do cebeu horas extras, foi assediado no
foi a migração de trabalhadores que Trabalho, podemos falar que ambiente de trabalho e entende que
tinham vínculo de emprego para as desde a aprovação da reforma estava em condição de dano efetivo
modalidades mais precárias de tra- há um novo padrão nas ações a sua saúde, porque o ambiente era
balho intermitente ou temporário, trabalhistas? Por quê? úmido. E admitamos que ele tenha
situação que implica, em regra, per- Valdete Severo – Em relação às mantido um vínculo de emprego de
da de qualidade do trabalho e redu- ações trabalhistas, a mudança foi cinco anos. O valor de cada um des-
ção do salário. drástica e extremamente nociva. A ses pedidos será necessariamente
Lei 13.467, chamada “reforma” tra- alto, em razão do tempo de trabalho
Também é importante mencionar a
balhista, permite que sejam cobradas e a depender do salário praticado
mudança em relação à proteção con-
custas e honorários de advogado do durante o vínculo.
tra a despedida, que já era ínfima na
trabalhador, em relação a todos os
realidade das relações de trabalho, Todos os pedidos, porém, depen-
pedidos sobre os quais ele não conse-
em razão da dificuldade que temos dem de prova que ou não está em
guir produzir prova e convencer o juiz
em reconhecer o dever de motivar a poder do trabalhador (registros de
de que tem razão. É quase como equi-
despedida, que está lá no inciso I do horário e recibos de salário), ou que
parar a improcedência de um pedido
artigo 7 da Constituição. Isso signi- deve ser obrigatoriamente produzi-
à litigância de má-fé. E, de acordo
fica dizer que, apesar do texto cons- da (insalubridade) ou que é de difí-
com a “reforma”, mesmo trabalhado-
titucional, até hoje se admite que cil comprovação (assédio). Isso tem
res sabidamente pobres, que tenham
alguém seja despedido sem sequer feito com que muitos trabalhadores
direito à assistência judiciária gratui-
saber a razão pela qual foi “descarta- não ajuízem demanda nem discutam
ta, podem ser penalizados.
do”. A “reforma” piora essa situação em juízo lesões que realmente ocor-
ao prever a possibilidade de extinção De outra parte, a “reforma” altera reram. Então, isso significa um cla-
por comum acordo entre as partes, a Consolidação das Leis do Trabalho ro estímulo ao descumprimento dos
algo que reduz pela metade o valor - CLT para determinar que todos os direitos fundamentais dos trabalha-
de algumas verbas devidas em razão pedidos tenham indicação de valor, dores, pois não desestimula a lesão

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TEMA DE CAPA

e sim a reparação da lesão, mediante Valdete Severo – Essa nunca Previdência quando, por exemplo,
demanda trabalhista. foi a lógica, simplesmente porque o disse que o empregador pode pagar
argumento é ilógico. É a circulação prêmio por produção e não conside-
de riqueza que fomenta a economia rá-lo salário, e sim indenização. Isso
IHU On-Line – Defensores
e apenas uma economia “aquecida”, prova a falácia do argumento de que
da reforma trabalhista tam-
para usar os termos dos economis- é necessária a “reforma” da Previ-
bém alegavam que havia uma
tas, permite a geração de empregos. dência em razão de um suposto dé-
judicialização nas relações de
Portanto, não é preciso muito para ficit de arrecadação. Aliás, a CPI do
trabalho e que essa mudança
compreender que retirar dinheiro Senado já desfez esse equívoco.
diminuiria o volume de ações
de circulação, pela redução dos salá-
trabalhistas. Isso de fato ocor- O problema é que a “reforma” da
rios, pelo incentivo à terceirização e
reu? E o que está intrínseco Previdência, que assim como a tra-
nesse discurso que fala em às formas precárias de contratação, balhista não se trata de reforma
“judicialização das relações de pela facilitação da despedida, apenas e sim de desmanche, vai além da
trabalho”? retira dinheiro de circulação e, por precarização promovida pela Lei
consequência, dificulta a economia. 13.467 e praticamente torna impos-
Valdete Severo – Ocorreu [di- Se a intenção fosse abrir novos pos- sível a aposentadoria, por exemplo.
minuição do número de ações tra- tos de trabalho, o caminho sequer A PEC 06 exige idade mínima de 62
balhistas] em função do que foi passaria pela retirada de direitos anos para mulheres e 65 para ho-
dito na resposta anterior. Não hou- trabalhistas. mens (60 para professores) mais
ve um estímulo ao cumprimento
40 anos de contribuição, para a
dos direitos trabalhistas, mas sim
possibilidade de aposentadoria in-
um verdadeiro terrorismo contra o
tegral. Em uma lógica de trabalhos
ajuizamento de demandas, pelo te-
mor do trabalhador de finalizar um “Não houve precários, como o intermitente ou o
temporário, ou ainda o terceirizado,
processo devendo para o empre-
gador. E não porque a ação tenha um estímulo ao isso significa a condenação das tra-
balhadoras e trabalhadores a traba-
22
sido interposta injustamente ou de
má-fé, mas simplesmente pela di-
cumprimento lharem até a morte, e não se trata de
um sentido figurado.
ficuldade de comprovação das ale-
gações, na medida em que – repito
dos direitos O que mais espanta é que isso nem
– o trabalhador não tem acesso aos
documentos que instruem a rela-
trabalhistas, é o pior da PEC 06. O pior é a des-
constitucionalização da Previdência,
ção de trabalho. mas sim um relegando à lei complementar a pos-
sibilidade de instituir um regime de
Então, efetivamente a “reforma”
impôs a diminuição no número de verdadeiro capitalização que simplesmente aca-
ba com o sistema de solidariedade
ações trabalhistas, mas não por-
que havia uma demasiada judicia- terrorismo social. Em resumo, pelo sistema de
capitalização, apenas quem contri-
lização das relações de trabalho
e sim porque a lei penaliza quem
contra o bui tem direito a algum benefício, se

ajuizamento de
tudo der certo (se o fundo de pensão
vai à justiça, pelo simples fato de
não quebrar, se tiver contribuição
não convencer o juiz, mesmo que
tenha razão e mesmo que as cir-
cunstâncias (como sempre ocorre
demandas” por tempo suficiente etc.). Quem
adoecer ou quem tiver condição que
impossibilite o trabalho, não terá re-
na relação de trabalho) lhe sejam
cursos mínimos para sobreviver.
adversas, pela impossibilidade de
ter acesso aos documentos que ins-
truem a relação de trabalho e por IHU On-Line – Relacionando IHU On-Line – Como avalia a
estar em uma relação absoluta- a reforma trabalhista com a re- proposta da “carteira de traba-
mente assimétrica. forma da Previdência proposta lho verde e amarela”, defendi-
pelo atual governo, qual imagi- da pelo ministro da Economia
na que deva ser o impacto so- Paulo Guedes?
IHU On-Line – Como com-
bre a vida do trabalhador caso
preender a lógica que está por Valdete Severo – Avalio como
esse projeto do governo Bolso-
trás das propostas da redução ridícula. Em primeiro lugar, porque
naro seja aprovado?
dos direitos dos trabalhadores absolutamente inconstitucional e
como forma de desonerar em- Valdete Severo – Será terrível, ilegal. Essa “proposta” desafia o pa-
presas, supondo que com isso por isso desejo sinceramente que râmetro constitucional de garantia
possa haver a abertura de no- não seja aprovado. A “reforma” tra- do direito fundamental à relação de
vos postos de trabalho? balhista retirou contribuição para a emprego (art. 7, I, da CF) e os artigos

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REVISTA IHU ON-LINE

2 e 3 da CLT. Não há como classificá brevivência física, considerando da constitucional 95, que congelou
-la de outro modo, pois a pretensão a deterioração do planeta por cir- gastos sociais por 20 anos, tem sem
declarada é a de que os trabalhado- cunstâncias que seriam facilmente dúvida alguma o objetivo de tornar
res não tenham direito algum e tudo enfrentadas, se não fosse a forma impraticável a justiça do trabalho.
seja “negociável”, o que significa re- de produção, circulação e distribui-
tornar à lógica do século XVIII que, ção de riqueza, ou seja, se não fosse
diga-se de passagem, provou histori- o modelo capitalista de produção. A
camente sua inviabilidade, inclusive
sobre a perspectiva econômica.
CLT não é, portanto, nosso verdadei-
ro desafio; na realidade, a CLT é bem
“O e-social é
mais contemporânea e eficaz do que
se imagina. Se houvesse realmente
apenas um
IHU On-Line – Outra defesa
sempre feita à reforma traba-
uma preocupação em promover de-
senvolvimento econômico, a questão
sistema que
lhista é a de que atualizaria a
CLT. Isso de fato aconteceu?
seria inversa; estaríamos preocupa- burocratiza
dos em fazer valer as regras traba-
Valdete Severo – Bom, a respos- lhistas e em aumentar os salários, ainda mais
a relação
ta está no texto da CLT, que mantém para fazer circular o dinheiro e, com
a expressão “juntas de conciliação” isso, fomentar a economia interna.
em vários artigos, como o 39 ou o
486, por exemplo, ou no texto da IHU On-Line – Em alguma
entre capital
“reforma”, que autoriza que a mu-
lher gestante ou lactante trabalhe em
medida, diante da atual con-
juntura, podemos afirmar que
e trabalho.
condição insalubre, ou seja, em con-
dição de prejuízo efetivo à saúde. Se
a Justiça do Trabalho e o Mi- Nada auxilia no
nistério Público do Trabalho
isso for atualização, estamos atuali-
zando a CLT para deixá-la adequada
estão ameaçados de extinção? cumprimento
Por quê?
aos parâmetros do século XVIII.
Valdete Severo – Estão! Sem
dos direitos 23

IHU On-Line – Quais os desa-


dúvida! E isso fica claro quando o
novo governo adota, como uma de
trabalhistas”
fios para se conceber uma CLT suas primeiras medidas, a extinção
que, de fato, dê conta das trans- do Ministério do Trabalho, pas-
formações do mundo do traba- sando parte de suas atribuições ao IHU On-Line – Está havendo
lho no século XXI? Ministério da Justiça. O fato de a a implementação do chamado
Valdete Severo – Não há trans- Justiça do Trabalho ser alvo, exa- eSocial. Que alterações nas ro-
formação que comprometa o texto tamente porque funciona e, em al- tinas e relações de trabalho –
da CLT. A CLT precisa ser modifi- guma medida, dá voz à classe traba- empregado e empregador – de-
cada, é verdade, mas apenas para lhadora e recompõe o dano causado vem ocorrer?
pelo capital, de uma tentativa de
fazer valer o texto constitucional.
extinção fica muito claro com a lei Valdete Severo – O e-social é
As regras sobre despedida por justa
orçamentária de 2016, que ao con- apenas um sistema que burocratiza
causa, por exemplo, não atendem ao
trário do que faz com outras instân- ainda mais a relação entre capital e
parâmetro constitucional de parida-
cias do poder judiciário, suprime trabalho. Nada auxilia no cumpri-
de, de ampla defesa ou de proteção
90% dos gastos com investimento mento dos direitos trabalhistas. Não
contra a dispensa.
e 50% dos gastos já previstos para é negativo, mas sem dúvida não au-
Os desafios do século XXI di- 2016. Essa lei, que foi considerada xilia o cumprimento dos direitos tra-
zem com redistribuição de renda constitucional pelo Supremo Tribu- balhistas porque burocratiza ainda
e de propriedade, dizem com a so- nal Federal - STF, aliada à emen- mais os pagamentos.■

Leia mais
- Fim do acesso à gratuidade judiciária e a perversidade da reforma trabalhista. Entre-
vista especial com Valdete Souto Severo, publicada nas Notícias do Dia de 03-05-2018, no
sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em http://bit.ly/2InTzWi.

EDIÇÃO 535
TEMA DE CAPA

A renda básica universal como resposta


à radicalização do capitalismo
De acordo com Josué Pereira da Silva, a instituição de
uma renda básica universal aumentaria o poder de
barganha dos trabalhadores assalariados
João Vitor Santos | Edição Patricia Fachin

A
reforma trabalhista, que entrou necessariamente resultar em geração
em vigor no final de 2017, e a re- de novos empregos.
forma da Previdência, que está Josué Pereira da Silva é bacharel
tramitando no Congresso, são “parte em Ciências Econômicas pela Univer-
da tendência do capitalismo contem- sidade de São Paulo – USP, mestre em
porâneo de expandir a lógica da mer- História pela Universidade Estadual de
cantilização para esferas até então re-
Campinas – Unicamp e doutor em So-
lativamente protegidas”, adverte Josué
ciologia pela New School for Social Rese-
Pereira da Silva, na entrevista a seguir,
arch, Nova Iorque, Estados Unidos. Atua
concedida por e-mail para a IHU On
como professor na Unicamp. Desde 2011
-Line. Segundo ele, a proposta de re-
coordena, junto com Sílvio Camargo, o
forma da Previdência sugerida pelo
grupo de pesquisa Teoria Crítica e Socio-
novo governo demonstra a radicaliza-
24 logia. De sua produção bibliográfica, des-
ção de uma tendência que visa “ampliar
tacamos André Gorz. Trabalho e política
as áreas à disposição do mercado, em
(São Paulo: Annablume/Fapesp, 2002),
especial aos setores que vendem ‘previ-
André Gorz e seus críticos (São Paulo:
dência privada’”.
Annablume, 2006) e Por uma sociologia
Defensor de uma política pública que do século XX (São Paulo: Annablume,
garanta a distribuição de uma renda 2007). Ele esteve no Instituto Humani-
básica universal a todos os cidadãos, tas Unisinos – IHU na quinta-feira, 25-
Silva argumenta que a crise atual “não 04-2019, ministrando a palestra “Renda
diminui em nada a importância do básica em tempos difíceis”, a qual integra
debate”, porque embora as condições o Ciclo de debates – Políticas Públicas no
a curto prazo não favoreçam essa dis- atual contexto brasileiro. Esta entrevista
cussão, “não dá para dizer o mesmo em foi originalmente publicada na Entrevis-
relação aos prazos médio e longo, por- ta do Dia, no sítio do IHU.
que a dinâmica das mudanças, sociais e
políticas, é muito rápida e não se pode A entrevista foi publicada original-
prever como estarão essas condições mente nas Notícias do Dia de 25-04-
daqui a três ou quatro anos”. Ele lem- 2019, no sítio do Instituto Humanitas
bra, em particular, que as mudanças Unisinos – IHU, disponível em http://
geradas pela revolução tecnológica po- bit.ly/2vq47vj.
dem gerar crescimento econômico sem Confira a entrevista.

IHU On-Line - Diante da atual Josué Pereira da Silva - A con- ções de curto prazo não nos pare-
conjuntura, como conceber o juntura atual no Brasil, caracteri- cem favoráveis, não dá para dizer o
debate acerca da importância zada por reformas socialmente re- mesmo em relação aos prazos médio
de uma renda básica universal? gressivas, não me parece das mais e longo, porque a dinâmica das mu-
De que forma, mesmo num país favoráveis para uma proposição danças, sociais e políticas, é muito
que prega reformas para cobrir desse tipo. Mas isso não diminui em rápida e não se pode prever como es-
o déficit fiscal, esse assunto nada a importância do debate sobre tarão essas condições daqui a três ou
pode ser trazido à pauta? renda básica universal. Se as condi- quatro anos. Claro que em razão dos

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REVISTA IHU ON-LINE

“Em razão dos graves problemas


sociais seria preferível que
a renda básica universal
fosse implantada agora”

graves problemas sociais seria pre- arranjar um emprego. Se contassem trabalhista já em andamento, o im-
ferível que a renda básica universal com uma renda básica que lhes ga- pacto combinado de ambas para o já
fosse implantada agora. Mas estou rantisse as condições materiais de precário campo do trabalho não me
certo de que se trata de um objetivo uma vida digna, teriam mais possibi- parece nada alvissareiro.
que justifica plenamente um esforço lidade de escolher empregos melho-
de longo prazo, como, aliás, acon- res em termos de condições de tra-
teceu com a maioria das conquistas balho e mesmo de remuneração; a IHU On-Line - Que relação
sociais. E creio, ademais, que essa renda básica lhes permitiria recusar podemos estabelecer entre as
expectativa é partilhada por muitas empregos ruins com salários aviltan- questões de fundo dessa propos-
pessoas e por movimentos que lutam tes para não morrerem de fome. ta de reforma da Previdência e
pela renda básica universal. a ideia de renda mínima? Pode-
mos afirmar que essa proposta
IHU On-Line - Como o senhor vai diametralmente no sentido
IHU On-Line - Em momentos analisa a proposta de reforma oposto das lógicas de renda mí- 25
de crise, por que uma renda bá- da Previdência feita pelo go- nima universal? Por quê?
sica universal pode assegurar verno de Jair Bolsonaro? Quais Josué Pereira da Silva - A ques-
uma possibilidade de reação? devem ser seus impactos no tão de fundo que move os defenso-
campo do trabalho no futuro? res da reforma da Previdência não é
Josué Pereira da Silva - Não sei
se ela asseguraria uma possibilidade Josué Pereira da Silva - Ela propriamente a vontade de comba-
de reação, mas estou certo de que nada mais é que a radicalização de ter eventuais privilégios ou desigual-
seria uma importante âncora de pro- uma tendência, que já estava pre- dade entre as aposentadorias do Ins-
teção social, sobretudo para as par- sente nas reformas anteriores de tituto Nacional de Seguridade Social
celas mais vulneráveis da população, FHC e de Lula, de ampliar as áreas - INSS e dos funcionários públicos;
que são as mais atingidas pelas ad- à disposição do mercado, em espe- isto será no máximo um subproduto
versidades da atual conjuntura. cial aos setores que vendem “previ- da dita reforma. A despeito da retó-
dência privada”. Mas não se limita a rica um tanto fundamentalista so-
isso. Embora tardia e mais perver- bre a imprescindibilidade da refor-
IHU On-Line - Como a ins- sa que as duas anteriores, ela parte ma da Previdência, seus defensores
tituição de uma renda básica de um conjunto maior, que envolve omitem informações importantes a
pode fortalecer as proteções ao privatizações – geralmente finan- respeito não só do chamado déficit
trabalho, inclusive melhoran- fiscal, mas também sobre as caracte-
ciadas com dinheiro do próprio Es-
do as condições e aumentando rísticas de cada um dos dois sistemas
tado via BNDES, além do desmonte
os postos de trabalho? de aposentadoria, do INSS e do fun-
da legislação social e da legislação
trabalhista. Em sentido geral, ela é cionalismo público. Qual o interesse,
Josué Pereira da Silva - Como
parte da tendência do capitalismo por exemplo, em confundir a seguri-
disse na resposta à pergunta an-
contemporâneo de expandir a lógica dade social, que é uma questão am-
terior, a renda básica beneficiaria
pla de sociedade, com a previdência,
principalmente as parcelas mais da mercantilização para esferas até
que pode mais facilmente ser com-
vulneráveis da população, mas elas então dela relativamente protegidas.
preendida a partir de uma relação
não seriam as únicas beneficiadas Uma reforma da Previdência cujo
contributiva?
pela renda básica universal. Ela au- objetivo é reduzir as perspectivas de
mentaria sobremaneira o poder de uma aposentadoria decente para a Por outro lado, nunca se ouve dos
barganha dos trabalhadores assala- população só pode desestimular as defensores da reforma que os fun-
riados, reais ou potenciais, na hora pessoas a contribuírem para a Pre- cionários públicos com altos salários
de negociar salários ou mesmo de vidência. Assim, somada à reforma contribuem sobre o total do salário

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TEMA DE CAPA

recebido (mesmo após se aposen- va o posicionamento do atual políticas muito conservadoras que
tarem), enquanto os empregados governo diante desses desafios? tentam dar vida nova ao neoliberalis-
do sistema INSS, incluindo aí altos mo decadente do pós-crise de 2008.
Josué Pereira da Silva - Tradi-
executivos de empresas, lobistas, Por outro lado, deve-se acrescentar
cionalmente, tanto entre os econo-
jornalistas, atletas, entre outros, a isso o atual descrédito de signifi-
mistas que apostam na intervenção
contribuem com o INSS apenas até cativas parcelas da população em
do Estado quanto os que dão prio-
alcançar o teto de 10 salários míni- relação aos partidos de esquerda em
ridade ao mercado, as sugestões
mos, quando não se transformam razão dos conhecidos envolvimentos
para criar empregos e renda passam
eles próprios em pessoas jurídicas em casos de corrupção, sobretudo,
sempre pelo crescimento econômi-
que pagam proporcionalmente me- quando no poder. Os desafios à nos-
co. Sabemos, porém, que hoje em
nos impostos que as pessoas físicas. sa frente são grandes, mas creio que
dia esta não é uma equação simples,
Claro que eles devem ter seus pró- recuperar a credibilidade das políti-
primeiro, porque em contexto de
prios planos de aposentadoria pri- cas de esquerda seja um primeiro e
revolução tecnológica, o crescimen-
vada. Seus interesses e das empresas necessário passo para se voltar a ter
to econômico não necessariamente
que representam coincidem eviden- esperança. Mas isso também passa
resulta em geração de empregos;
temente com os interesses dessa en- por uma profunda autocrítica das
segundo, porque se tornam cada vez
tidade mais ou menos abstrata e im- esquerdas em relação a suas práticas
mais claros os limites ambientais ao
pessoal chamada mercado. Expandir crescimento econômico. Dito isso, políticas e éticas.
as áreas à disposição desse último é vejo ambiguidade na retórica dos
o verdadeiro motivo dessa reforma. membros do atual governo, já que o
Isto não que dizer que não haja in- IHU On-Line - Quais os de-
discurso ultraliberal do ministro da safios para compreender a
justiças a serem corrigidas, mas a Economia não parece se encaixar na
intenção principal não me parece ser centralidade que o trabalho
visão aparentemente mais estatista assume nas sociedades con-
essa. Mas, por falar em injustiça, o do próprio presidente e de seus as-
que dizer das renúncias fiscais, que temporâneas? Em que medida
sessores militares. No entanto, todos o pensamento de Herbert Mar-
ficaram conhecidas como “bolsa em- eles parecem estar de acordo sobre
presário”? cuse2 pode nos auxiliar diante
26 a irrelevância da questão ambiental. desses desafios?
Em relação à segunda parte da per-
gunta, é preciso diferenciar “renda Josué Pereira da Silva - Creio
mínima” de “renda básica”, porque
a primeira, enquanto política foca-
“A renda básica que falar em centralidade do traba-
lho é, hoje em dia, cabível, sobretudo
da e limitada, em alcance e valores,
não está necessariamente em con-
é, a meu ver, se entendermos tal centralidade no
sentido normativo. Porque a revolu-
tradição com as reformas neolibe- diferente ção tecnológica e o desemprego dela
decorrente tornaram essa centrali-
rais. Basta lembrar a proposta de
imposto de renda negativo de Milton porque é dade uma ficção para muita gente
que vive à margem ou mesmo exclu-
universal,
Friedman1, que também foi pensado
ída de um mercado de trabalho que,
como política compensatória e, nes-
conforme escreveu Claus Offe3 em
se sentido, tem o mesmo espírito da
renda mínima. Já a renda básica é, a incondicional e seu livro Capitalismo desorganiza-
do, mostra-se incapaz de cumprir a
meu ver, diferente porque é univer-
sal, incondicional e permanente; por permanente” contento suas funções de integrar as
pessoas por meio do trabalho assala-
isso mesmo, ela objetiva fortalecer
riado. Em outras palavras, embora o
a cidadania plena, ao contrário das
mercado de trabalho não seja capaz
atuais contrarreformas, que preten- IHU On-Line - Na sua pesqui- de integrar os trabalhadores reais ou
dem destruir direitos sociais. sa atual, o senhor trabalha na potenciais, garantindo-lhes empre-
construção de uma teoria críti- gos decentes com salários dignos, a
IHU On-Line - Quais os maio- ca da justiça social que corres- crença na capacidade emancipatória
res desafios do Brasil de hoje ponda às realidades do mundo do trabalho assalariado continua for-
atual. Quais os maiores desa- te, tanto à direita quanto à esquerda
para a geração de emprego e
fios para discutir justiça social
renda? E como o senhor obser-
na atualidade? 2 Herbert Marcuse (1898-1979): sociólogo alemão natu-
ralizado estadunidense, membro da Escola de Frankfurt.
1 Milton Friedman (1912-2006): economista, estatístico
e escritor norte-americano que lecionou na Universidade
Josué Pereira da Silva - A prin- Estudou Filosofia em Berlim e Freiburg, onde conheceu os
filósofos e professores Husserl e Heidegger e se doutorou
de Chicago por mais de três décadas. Recebeu o Prêmio cipal dificuldade que vejo atualmen- com a tese Romance de artista. Algumas de suas obras:
de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel de Razão e Revolução, Eros e Civilização, O Homem Unidi-
1976 e é conhecido por sua pesquisa sobre a análise do te na luta por justiça social é o con- mensional. (Nota da IHU On-Line)
consumo, a teoria e história monetária, bem como por sua
demonstração da complexidade da política de estabiliza-
texto adverso marcado, de um lado, 3 Claus Offe: sociólogo político alemão e professor na
Universidade de Humboldt, de Berlim, Alemanha. (Nota
ção. (Nota da IHU On-Line) pela ascensão ao poder de vertentes da IHU On-Line)

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do espectro político. Quanto a Mar- ocupa um espaço crescente em suas de manter a posição anterior. Essa
cuse, a despeito de sua ambiguidade reflexões até os últimos escritos em mudança fez também com que ele
em relação ao conceito de trabalho, 2007. Durante esse tempo, porém, reconsiderasse o lugar da renda in-
ele foi um dos primeiros a contribuir sua posição passou por uma impor- condicional no espectro político que
para repensarmos essa alegada cen- tante mudança, ocorrida entre 1996 vai da direita à esquerda, incluindo
tralidade do trabalho; além disso, e 1997, quando ele adere à ideia de -a, então, no rol das chamadas “re-
ele também antecipou temas que só uma renda universal e incondicio- formas revolucionárias”. Com isso, a
mais tarde passaram a frequentar a nal, conforme deixa claro em seu renda de existência, forma como ele
agenda da pesquisa social-científica, livro Misérias do presente, riqueza nomeia a renda básica, pode em sua
a exemplo do debate sobre a emer- do futuro6. concepção ser também considerada
gência do imaterial. uma proposta política de esquerda.
Entre 1980 e 1996, Gorz defendia
a ideia de que o trabalho consistia
IHU On-Line - Como a ideia de em um direito político de participar IHU On-Line - Que experiên-
renda básica aparece nos escri- da produção social, por isso ele não cias de políticas de transferên-
tos de André Gorz4? No que con- concordava com a incondicionalida- cia de renda postas em prática
sistem as transformações pelas de da renda. Para ele, a renda a ser podem servir de inspiração
quais o autor vai passando ao distribuída precisava ser desvincu- para discutir o tema diante da
longo dos anos quando trata de lada do tempo de trabalho, já que realidade brasileira?
transferência de renda? tal renda devia funcionar como um
meio de financiar a redução do tem- Josué Pereira da Silva - Em
Josué Pereira da Silva - Gorz po de trabalho sem redução de salá- princípio qualquer experiência de
começou a escrever sobre o tema do rio; mas ela não devia ser desvincula- transferência direta de renda pode
que denomino aqui transferência de da do trabalho pura e simplesmente, ser inspiradora, desde que ela faça
renda no final de 1980, em um tex- que precisava ser exercido ainda que parte de uma estratégia que objetive
to que acabou se transformado em em curta duração. sua universalização. Neste sentido,
prefácio à segunda a edição de seu acho pertinente a posição defendida
livro Adeus ao proletariado5. Des- Nesse período, ele considerava de em certa época por Eduardo Suplicy,
de então, podemos ver que o tema direita a transferência incondicional 27
em seu livro Renda de Cidadania: a
de renda e de esquerda aquela que resposta dada pelo vento, de 2006,
4 André Gorz (1923-2007): filósofo austríaco. Escreveu vá- insistia no vínculo entre trabalho e que acreditava na universalização
rios livros, entre eles Adeus ao proletariado (Rio de Janeiro: renda. Seu intercâmbio intelectual
Forense Universitária, 1982), Metamorfoses do trabalho. do Bolsa Família como um caminho
Crítica da razão econômica (São Paulo: Annablume, 2003) com os defensores da renda bási- para se alcançar a renda básica de ci-
e Misérias do Presente, Riqueza do Possível (São Paulo:
Annablume, 2004). Realizamos uma entrevista com André ca universal certamente contribuiu
dadania. Só acho que era de fato um
Gorz, publicada parcialmente na 129ª edição da revista para sua mudança de posição, mas
IHU On-Line, de 2-1-2005, e na íntegra no número 31 dos caminho possível, embora imprová-
Cadernos IHU Ideias, com o título A crise e o êxodo da so- foi principalmente seu diagnósti-
ciedade salarial, disponível em https://bit.ly/2joRAT7. So- vel já que não parecia estar nos pla-
co de época que chamava a atenção
bre André Gorz também pode ser lido o texto Pelo êxodo nos do então governo do PT dar esse
da sociedade salarial. A evolução do conceito de trabalho para a emergência do imaterial que
em André Gorz, de autoria de André Langer, pesquisador passo decisivo em direção à renda
do Cepat, publicado nos Cadernos IHU n.º 5, de 2004, dis- o convenceu da impossibilidade
ponível em https://bit.ly/2I54YJR. (Nota da IHU On-Line) básica. Creio que o mesmo raciocínio
5 GORZ, André. Adeus ao proletariado: para além do
socialismo. Rio de Janeiro: Forense, 1982. (Nota da IHU 6 GORZ, André. Misérias do presente, riqueza do futuro.
vale para outros experimentos, desde
On-Line) São Paulo: Annablume, 2004. (Nota da IHU On-Line) que haja vontade política para tal.■

Leia mais
- Renda Básica de Cidadania, universal e incondicional. Um direito. Revista IHU On-Line,
Nº. 333, disponível em https://bit.ly/2IDXqyo.
- Cidadania, autonomia e renda básica. Artigo de Josué Pereira da Silva. Cadernos IHU
Ideias Nº. 149, disponível em https://bit.ly/2vm9knX.
- O desafio de compreender e buscar uma renda básica. Entrevista especial com Josué
Pereira da Silva, publicada nas Notícias do Dia de 29-04-2017, no sítio do Instituto Humani-
tas Unisinos – IHU, disponível em https://bit.ly/2L398ou.
- Renda básica: uma proposta que permite desfrutar da igualdade. Entrevista especial
com Josué Pereira da Silva, publicada nas Notícias do Dia de 05-06-2014, no sítio do Insti-
tuto Humanitas Unisinos – IHU, disponível em https://bit.ly/2L419Hx.

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As três irmãs do apocalipse social


contra o Estado de Bem-Estar
Para Pedro Rossi, as reformas trabalhista, da Previdência e a Emenda
Constitucional que limita o teto de gastos devem ser compreendidas
num mesmo contexto de ataques a direitos
João Vitor Santos e Wagner Fernandes de Azevedo

O
conto infantil de Cinderela, es- Previdência é absolutamente necessá-
crito pelo francês Charles Per- ria para esse projeto e a reforma traba-
rault em 1697, pode ser ilustra- lhista vem complementar pelo lado do
tivo para compreender a conjuntura do mercado de trabalho”.
Brasil de hoje. Na historinha, a jovem O professor ainda reconhece que
Cinderela perde o pai e, além de sofrer esse Estado de Bem-Estar concebido
nas mãos da madrasta má, é atazanada na Carta Magna de 1988 não levou em
por duas irmãs. Seu calvário só pode conta de forma mais eficaz o finan-
ser entendido a partir da inveja e dos ciamento dessas políticas. O que não
ciúmes que as rivais nutrem contra a
quer dizer que a solução seja extermi-
jovem. Segundo o economista Pedro
nar tais políticas. “O que nós gostarí-
Rossi, no Brasil dos tempos de refor-
amos é que a Previdência Social fosse
mas na área econômica também há três
28 reformada no sentido de ampliar sua
irmãs que, juntas, buscam destituir um
cobertura, mas o que ela propõe é uma
conceito de Bem-Estar Social. “São três
redução da cobertura, e nesse sentido
reformas irmãs: a Emenda Constitu-
é uma reforma que não serve. Ela vai
cional 95, que institui o teto de gastos,
servir para ampliar a desigualdade que
a reforma trabalhista e a reforma da
há no Brasil”, dispara.
Previdência. Elas se complementam e
apontam para um modelo de organi- Pedro Rossi é professor do Instituto
zação social que é completamente dife- de Economia da Universidade Estadual
rente da Constituição de 1988”, aponta. de Campinas - Unicamp, trabalha com
os aspectos macroeconômicos do de-
Na entrevista a seguir, concedida por
senvolvimento brasileiro, com os im-
telefone à IHU On-Line, Rossi chama
pactos sociais da política fiscal e com
atenção para o fato de que o mundo do
trabalho vem sofrendo ameaças que o tema da taxa de câmbio e da política
vão além da reforma trabalhista, im- cambial. Formado em Economia pela
posta há cerca de um ano. “A questão Universidade Federal do Rio de Janeiro
do teto aponta uma redução do Estado - UFRJ, possui mestrado e doutorado
por 20 anos, uma redução muito forte pela Unicamp, e ainda é pesquisador
do tamanho do Estado, e com isso to- do Centro de Estudos de Conjuntura
das as políticas que ele carrega, como e Política Econômica - Cecon da Uni-
a Previdência Social”, analisa. “A refor- camp e coordenador do conselho edi-
ma previdenciária vem para viabilizar torial do Brasil Debate. Autor do livro
o teto de gastos, porque a Previdência Taxa de Câmbio e Política Cambial no
ocupa um espaço importante nos gas- Brasil (São Paulo: FGV, 2016) e co-or-
tos do governo federal. Portanto, se ela ganizador do livro Economia para Pou-
não for reformada fortemente, o teto cos: impactos sociais da austeridade e
esmagará os outros gastos de uma ma- alternativas para o Brasil (São Paulo:
neira que inviabilizará a máquina pú- Autonomia Literária, 2018).
blica”, completa. Por fim, “a reforma da Confira a entrevista.

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“O problema brasileiro é o arranjo


macroeconômico que tem
levado a um aumento da dívida”

IHU On-Line — Como pode- muito grande de uma geração para um aumento da dívida. Qual a con-
mos compreender o sistema financiar a aposentadoria de outros, tribuição do déficit primário? É pe-
previdenciário brasileiro no portanto é natural que a sociedade quena. Nos últimos três anos ele de
que diz respeito a sua forma de discuta a maneira que vamos finan- fato contribuiu para o aumento da
financiamento? ciar a Previdência e quais são os re- dívida, mas não se compara o im-
tornos que ela vai dar para a geração pacto que têm os juros nominais,
Pedro Rossi — O financiamento
que trabalha e para a geração que por exemplo, ou a queda do cresci-
do sistema previdenciário, como na
está aposentada. mento econômico com o problema
maioria dos países que tem sistema
de déficit primário, no qual a Previ-
de previdência pública, é triparti-
dência está incluída. Discutir a re-
te, ou seja, três esferas financiam IHU On-Line — E no que resi- forma da Previdência é correto. Mas
a Previdência Social: empresários, de o argumento de que a “Pre- dizer que é preciso reformar porque
trabalhadores e governo. A forma vidência precisa ser ‘reforma- senão a economia brasileira vai co-
como se analisa esse financiamen- da’ porque estamos diante de lapsar é mentira. 29
to pode dar diversas contas sobre um colapso”?
o chamado déficit da Previdência.
Algumas pessoas acham que a parte Pedro Rossi — Não estamos IHU On-Line — De que forma
do governo não vai ser contabilizada diante de um colapso fiscal; esse ar- a reforma trabalhista impacta
para zerar o déficit. Em alguns paí- gumento é falso. Tenho acompanha- – e especialmente tem impacta-
ses não há contribuições específicas do os dados. O problema fiscal bra- do neste último ano – a geração
de empresas e trabalhadores, em sileiro não vem por déficit primário de recursos e financiamento da
outros o governo financia colhendo ou déficit da Previdência. O déficit Previdência Social?
impostos normais, não voltados à fiscal é uma dívida que aumenta, é
exponencialmente crescente. Esse é Pedro Rossi — Ainda é cedo para
Previdência Social.
o problema fiscal. analisar os impactos da reforma
É um regime de repartição, em que trabalhista, porque é uma reforma
uma parte dos trabalhadores ativos O que faz crescer a dívida brasilei- estrutural. É uma reforma que vai
financia a outra parte que está ina- ra? É essencialmente um nó macro- começar a modificar as relações de
tiva. Há uma solidariedade interge- econômico, uma política monetária trabalho principalmente quando
racional que sustenta o sistema, ou inadequada com padrões de juros houver dinamismo no mercado de
seja, é uma transferência de renda internacionalmente fora da linha, trabalho, o que ainda não há, isto
entre gerações. Essa é a forma de articulada com uma política cambial é, ela vai começar a impactar forte-
financiamento do regime tripartite que não consegue conter a volatili- mente quando o Brasil voltar a gerar
brasileiro. dade da moeda brasileira, que é uma emprego de fato.
das mais voláteis do sistema, e tudo
Essa forma de financiamento pode Ainda assim, na minha opinião,
isso tem um custo fiscal imenso. Os
ter problemas, e recorrentemente as essa reforma deteriorará muito as re-
juros nominais que pagamos con-
variáveis econômicas e demográfi- lações de trabalho e o financiamento
tribuem para o aumento da dívida.
cas mudam. Então, é natural que a da Previdência Social. Quando dis-
E uma variável fundamental para a
Previdência seja reformada no sen- cutimos formas de financiamento
sustentabilidade da dívida é o cres-
tido de pensar essas formas de fi- da Previdência Social, os impostos
cimento econômico, que nos últimos
nanciamento, em particular porque sobre a folha são muito importantes,
anos não tem ajudado na queda des-
a população envelhece e o mercado e esses impostos podem se reduzir
sa dívida.
de trabalho muda. Assim, algumas muito se houver um processo cha-
formas de financiar se tornam obso- O problema brasileiro é o arranjo mado de pejotização – quando o tra-
letas e, às vezes, é preciso o esforço macroeconômico que tem levado a balhador, em vez de trabalhar como

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TEMA DE CAPA

um assalariado formal, abre uma tamente necessária para esse projeto que entraram em um sistema dife-
empresa, uma pessoa jurídica para e a reforma trabalhista vem com- rente? O custo disso é enorme.
prestar serviços iguais ao de um as- plementar pelo lado do mercado de
salariado, mas sem contribuir com a trabalho.
Previdência. Em nosso artigo Refor- IHU On-Line — Muito se fala do
ma trabalhista e Financiamento da sistema chileno de capitalização,
Previdência Social: simulação dos IHU On-Line — Quais os ris- que gerou muitos idosos pobres.
impactos da pejotização e da for- cos de se converter o regime Quais outros países podem ser
malização1, trabalhamos com cená- de repartição da Previdência exemplo desse sistema?
rios a partir desse processo chamado Social de hoje num sistema de Pedro Rossi — Há vários exem-
pejotização. Nosso argumento cen- capitalização? plos de países que retrocederam,
tral é o de que a reforma trabalhista Pedro Rossi — São lógicas saíram da capitalização e voltaram
vai desfinanciar a Previdência Social completamente diferentes. A Pre- para repartição. No Chile há uma
a partir desse processo. vidência Social, da maneira como confusão enorme. Há uma mobiliza-
está colocada, é um regime base- ção social enorme contra os fundos
ado na solidariedade intergeracio- gestores desses recursos, porque, no
IHU On-Line – O senhor fim das contas, isso vai para as mãos
nal, que dá direito a um recurso de
concorda com o argumento do sistema financeiro privado. E as
aposentadoria pública. O regime
do governo de que a reforma pessoas estão se aposentando com
de capitalização tem outra lógica.
trabalhista sem a reforma da a metade de um salário mínimo. O
Ele está fundado num sistema em
Previdência não é suficiente custo disso é enorme, é inviável, não
que o indivíduo monta sua pou-
para movimentar o mercado faz nenhum sentido.
pança, a qual será sua aposenta-
de trabalho e impulsionar a
doria no futuro.
economia?
Qual o problema desse regime? IHU On-Line — E no caso do
Pedro Rossi — Acho que são três Brasil, as contas e os dados que
O primeiro problema é que não se
reformas irmãs: a Emenda Cons- tem garantia de que esse indivíduo embasam a reforma estão em
30 titucional 95, que institui o teto vai conseguir montar uma poupan- sigilo. Como o senhor encara
de gastos, a reforma trabalhista e ça que lhe dê sustentação no futu- essa situação?
a reforma da Previdência. Elas se ro. E segundo: quem vai gerir e de
complementam e apontam para um Pedro Rossi — No Brasil, nin-
que forma vai gerir essa poupança? guém apresentou conta nenhuma.
modelo de organização social que é Pode ser que essa pessoa acumule o
completamente diferente da Consti- O regime de capitalização é um che-
suficiente para se aposentar aos 65 que em branco que o governo quer
tuição de 1988. anos e viver confortavelmente até os que passe com essa Proposta de
A questão do teto aponta uma re- 75 anos, mas e se ela viver mais 10 Emenda Constitucional - PEC para
dução do Estado por 20 anos, uma anos? O que vai acontecer com esse ajustar como lei complementar,
redução muito forte do tamanho do indivíduo? Ou seja, é um sistema porque não tem nenhuma conta fei-
Estado, e com isso todas as políticas em que se individualiza o risco, não ta sobre isso. Esse regime pode que-
que ele carrega, como a Previdência se garantem direitos, e cada um vai brar a Previdência Social. E ainda
Social. A reforma previdenciária vem depender da sua capacidade de gerar surgiu a ideia de que a parte patro-
para viabilizar o teto de gastos, por- e acumular renda para o futuro. Da nal não contribua no regime de ca-
que a Previdência ocupa um espaço forma como está instituído, isso tem pitalização, porque poderá investir
importante nos gastos do governo um risco fiscal enorme. mais. Então, a aposentadoria dessas
federal. Portanto, se ela não for re- As pessoas hoje trabalham e con- pessoas será menor ainda. Isso tira
formada fortemente, o teto esmaga- tribuem para os que estão aposenta- a possibilidade de o empresário uti-
rá os outros gastos de uma maneira dos, é uma transferência de dinhei- lizar a Previdência.
que inviabilizará a máquina pública. ro. Então é impossível a Previdência Além disso, a análise depende do
Então são reformas irmãs. Não quebrar, não existe esse risco porque recorte que você faz. Se levar em
dá para pensar a reforma da Previ- não tem um fundo que quebrou ou consideração um jovem de 18 anos,
dência sem o projeto instituído pela acabou o dinheiro. Ele está em fluxo, vai poder se empregar numa nova
Emenda 95, de desconstrução do circulando de uma geração à outra, e modalidade em que a empresa não
Estado e das suas políticas sociais. o que se pode fazer é ajustes. Agora, contribui para a previdência dele. A
A reforma da Previdência é absolu- imagine as novas gerações que vão empresa vai achar ótimo e vai em-
deixar de contribuir para a geração pregar esse menino de 18 anos, mas
1 O artigo foi escrito pelo entrevistado em parceria com aposentada e ir para o regime de ca- um jovem que tiver 22 anos vai es-
Arthur Welle, Flávio Arantes e Guilherme Mello e compõe
o livro Dimensões Críticas da Reforma Trabalhista no Brasil pitalização. Vai quebrar a Previdên- tar no regime antigo. Esse segundo
(Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2018), organizado por
José Dari Krein, Denis Maracci Gimenez e Anselmo Luis
cia Social. Quem vai pagar a aposen- vai ter dificuldades para se recolocar
dos Santos. (Nota da IHU On-Line) tadoria dos inativos e dessas pessoas no mercado de trabalho. Como faz?

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Esse sujeito de 22 anos vai ser levado a versa com os mais pobres. Quanto Passada, ou mesmo não passada,
querer entrar no regime de capitaliza- mais pobre, menor é a média de con- essa reforma, virão outras refor-
ção. E, com isso, vai se jogando a idade tribuição e participação. mas, mais cortes de gastos para
para cima e, no fundo, se está acaban- precarizar ainda mais o mundo do
do com o regime de Previdência. Essa trabalho e a população mais pobre.
é a natureza da proposta. A natureza IHU On-Line – Gostaria que o Nós definimos, no Brasil, a cons-
da reforma da Previdência é acabar senhor também avaliasse essa trução do Estado de bem-estar so-
com o regime de contribuição. questão de assistência previ- cial, mas não definimos muito bem
denciária para o trabalhador como financiá-la. Então, o gasto
que hoje está na informalidade. social aumentou ao longo do tem-
IHU On-Line – Um outro eixo Em que medida essa reforma po, independentemente do gover-
central desse projeto de refor- pode ser ainda mais perversa no, e a arrecadação foi aumentada
ma que foi apresentado pelo com essas pessoas? de uma forma ruim, com impostos
governo é o aumento do tempo muito ruins, sobre a produção, so-
Pedro Rossi – A verdade é que a
de contribuições. Em que medi- bre serviços. Isso explica por que
Previdência Social não cobre a po-
da, especialmente para os mais o governo dá com uma mão e tira
pulação do jeito que gostaríamos.
pobres, isso significa aumento com a outra por meio dos impos-
Uma parte do território, pessoas
do trabalho informal e do su-
muito pobres, estão fora da Previ- tos. As reformas que estão sendo
bemprego?
dência Social porque justamente feitas demonstram que o gover-
Pedro Rossi – Isso representa não conseguem contribuir com o no continua a tirar com uma das
a negação do acesso à aposentado- sistema e não vão conseguir contri- mãos, com os impostos que não
ria a uma população mais pobre. buir com essa proposta de reforma. foram mexidos e não há perspec-
Quanto mais pobre a população, A pessoa que trabalhou no mercado tivas de uma reforma tributária
maior a dificuldade de cumprir o de trabalho informal não tem aces- progressiva, mas para de dar com
mínimo exigido pela Previdência. so à Previdência no regime parcial e a outra mão, que é a mão do gasto
A população mais pobre tem difi- vai tentar o Benefício de Prestação social. Isso num país onde o grau
culdade de contribuir por 15 anos Continuada. O que nós gostaríamos de desigualdade é enorme.
31
e, se começar a contribuir por 20 é que a Previdência Social fosse re-
A minha avaliação é que isso não
anos, uma boa parte dessa popula- formada no sentido de ampliar sua
vai dar certo. Nós vamos viver com
ção não vai conseguir cumprir esse cobertura, mas o que ela propõe é
a explosão da desigualdade no Brasil
tempo, em particular as mulheres. uma redução da cobertura, e nesse
com esse conjunto de medidas que
Isso porque essas pessoas têm uma sentido é uma reforma que não ser-
estão sendo colocadas.
rotatividade maior no mercado de ve. Ela vai servir para ampliar a de-
trabalho, entram e saem da infor- sigualdade que há no Brasil e ainda
malidade, entram e saem do de- não vai resolver o financiamento da IHU On-Line – O senhor tem
semprego, e não conseguem atingir própria Previdência. uma projeção de em quanto
esse tempo de contribuição. tempo o país poderia entrar
Essas pessoas, principalmente os em colapso em função das re-
IHU On-Line – Com as refor-
mais pobres, serão excluídos do formas?
mas trabalhista e previdenci-
acesso ao direito. Elas sequer vão ária, podemos afirmar que as Pedro Rossi – Esse processo já
ter acesso ao direito de se aposentar relações de trabalho chegaram está ocorrendo. Nós escrevemos um
pelo regime de contribuição compar- ao fundo do poço? Que desafios livro que se chama Economia para
tilhada. Esse contingente vai acabar ainda podem vir a ser enfrenta- poucos – pactos sociais da austeri-
sendo jogado para políticas sociais, dos no mundo do trabalho? dade e as alternativas para o Bra-
pois são pessoas que não vão conse- sil3, em que mostramos que essas
guir manter um salário. E o Estado Pedro Rossi – Sempre no fundo no
políticas de cortes de gastos sociais
vai ter que remediar isso com a as- poço tem um alçapão em que se pode
já estão surtindo efeito. O Brasil
sistência social, prevista na Consti- descer mais um pouco. As reformas
passou mais de 15 anos reduzindo
tuição, como o Benefício de Presta- não vão parar por aqui; virão mais re-
a mortalidade infantil, mas ela vol-
ção Continuada - BPC2, por exemplo, formas. A Emenda 95, que é a regra do
tou a aumentar nos últimos anos. O
ou com outras políticas sociais. Mas teto de gastos, vai impor mais precari-
Brasil passou dez anos reduzindo o
vão tirar esse direito dessas pessoas, zação. É uma desconstrução constante
desmatamento da Amazônia, o qual
o que torna essa medida mais per- da Constituição de 1988. Então, a re-
voltou a aumentar nos últimos anos
forma da Previdência é só uma etapa.
ao mesmo tempo em que houve cor-
2 Benefício de Prestação Continuada - BPC: é previsto Uma etapa crucial, como coloquei:
na Lei Orgânica da Assistência Social e assegura um salário te de gastos com o meio ambiente.
mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com não dá para sustentar o teto sem uma
65 anos ou mais que comprovem não possuir meios de
prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por
reforma da Previdência muito forte. E 3 São Paulo: Autonomia Literária, 2018. (Nota da IHU On
sua família. (Nota da IHU On-Line) é por isso que ela vem muito forte. -Line)

EDIÇÃO 535
TEMA DE CAPA

Assim como a saúde deteriora e ao IHU On-Line – Deseja acres- ano. Ele tira, de 24 milhões de brasi-
mesmo tempo houve corte de gastos centar algo? leiros trabalhadores, em torno de 6%
em saúde, saneamento básico, além da renda, isso entre trabalhadores
Pedro Rossi – Outro ponto muito que ganham entre um e dois salários
do corte de gastos com a renda bá-
sica que a população recebe e que é perverso da reforma da Previdência mínimos. Estes vão perder o direi-
fundamental para uma alimentação é a questão do abono salarial. Pouca to de abono salarial, ou seja, são 24
adequada. Há, no Brasil, um proces- gente fala nisso, mas ele tem um im- milhões que vão perder 6% da renda
so de desconstrução do ideal social pacto de curto prazo muito grande. anual. Portanto, é um impacto dis-
extremamente perverso, levando a É um impacto distributivo e macro- tributivo muito forte e um impacto
uma deterioração social. E esse pro- econômico muito grande. Nós fize- macroeconômico pelo crescimento
cesso tende a continuar se não rever- mos os cálculos e esse impacto gira dessa demanda também muito forte.
termos essa direção de reformas. em torno de 17 bilhões de reais por E isso não está sendo discutido.■

Leia mais
- A reforma tributária tem que considerar a distribuição de renda e o financiamento dos
serviços sociais. Entrevista especial com Pedro Rossi, publicada nas Notícias do Dia de 01-
08-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível em http://bit.ly/2URWe0V.
- Neoliberalismo e democracia são incompatíveis. Em 2018, se houver eleição, o discur-
so neoliberal será enterrado nas urnas. Entrevista especial com Pedro Rossi, publicada
nas Notícias do Dia de 15-03-2017, no sítio do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, disponível
em http://bit.ly/2W2KiGg.

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REVISTA IHU ON-LINE

Reformas levam a retrocessos e


promoverão a “quebra” dos trabalhadores
Para Álvaro Roberto Crespo Merlo, tanto a trabalhista como a previdenciária
visam apenas adequar o trabalho a lógicas de produção, destituindo a
dimensão como forma de acessar direitos
Wagner Fernandes de Azevedo | Edição: João Vitor Santos

O
médico Álvaro Roberto Crespo pois são “os assalariados sentinelas,
Merlo defende o Estado for- que, de repente, descompensam. E é
te, pois acredita que somente fundamental se interessar sobre o que
esse organismo é capaz de nos livrar da se passa com essa equipe de trabalho”.
selvageria. É por isso que lamenta as Para Merlo, as resistências a essas ló-
reformas trabalhista e previdenciária gicas que estão sendo impostas devem
propostas no Brasil hoje, pois querem passar por um processo que repensa o
diminuir dispositivos de proteção sobre próprio sindicalismo. “É necessário que
os trabalhadores. “O trabalho é um fa- os principais interessados – os próprios
tor de produção, mas é também um ele- trabalhadores – consigam reconstruir
mento que permite o acesso a direitos seus instrumentos de luta (sindicatos,
e a salário. Isso virá a contrabalançar centrais sindicais etc.), que foram mui-
o aspecto negativo do trabalho fator de to esvaziados por vários motivos nos
33
produção, do trabalho fator flexível de últimos anos”, sugere.
produção”, observa. Assim, tais refor-
Álvaro Roberto Crespo Merlo é
mas visam retroceder essas conquistas médico do Trabalho, especialista em
do século XIX, com um único objetivo: Saúde Pública pela Université Paris
“se propõe, basicamente, a adequar o I (Panthéon-Sorbonne), doutor em
trabalho no Brasil às novas exigências Sociologia pela Université Paris VII
do capital financeiro”. (Denis Diderot). Atualmente é profes-
Na entrevista a seguir, concedida sor titular da Universidade Federal do
por e-mail à IHU On-Line, o médico Rio Grande do Sul - UFRGS, atua na
ainda aponta que “a desproteção so- Faculdade de Medicina, no Programa
cial proposta levará, certamente, a um de Pós-Graduação em Psicologia So-
maior número de acidentes e de doen- cial e Institucional da UFRGS e é pro-
ças do trabalho”. Ou seja, levando em fessor médico-assistente do Hospital
conta apenas a questão numérica e da de Clínicas de Porto Alegre. Entre os
produção, vai-se corroendo a saúde dos livros que publicou e ou organizou,
trabalhadores, levando a casos extre- destacamos Trabalho & Sofrimento:
mos de esgotamento. “O que faz as pes- práticas clínicas e políticas (Curitiba:
soas sofrerem atualmente é a execução Juruá Editora, 2014), Atenção à Saúde
do trabalho com velocidade excessiva e Mental do Trabalhador: sofrimento e
sem os meios adequados. Então, as pes- transtornos psíquicos relacionados
soas voltam para casa à noite, cansadas, ao trabalho (Porto Alegre: Evangraf,
gastas, mas, ainda por cima, com a im- 2014) e O Sujeito no Trabalho: entre
pressão de terem feito mal o trabalho”, a Saúde e a Patologia (Curitiba: Juruá
analisa. E alerta: “aquele que ‘quebra’ Editora, 2013).
é um pouco a parte visível do iceberg”, Confira a entrevista.

EDIÇÃO 535
TEMA DE CAPA

IHU On-Line – O senhor atua -office. Em seu conjunto, como Portanto, há duas dimensões no
no campo da Psicodinâmica isso impacta a saúde dos traba- trabalho. Tem a dimensão de seu ca-
do Trabalho. Em que consis- lhadores? ráter penoso, fator de produção, de
te essa abordagem? A partir se adaptar à produção, ser flexível. E
Álvaro Roberto Crespo Merlo
dela, como se traçam relações há a dimensão de tudo que está liga-
– A reforma trabalhista se propõe,
entre o trabalho e a saúde dos do ao emprego, a proteção social e o
basicamente, a adequar o trabalho no
trabalhadores? direito do trabalho.
Brasil às novas exigências do capital
Álvaro Roberto Crespo Merlo financeiro, que se tornou hegemôni-
– A Psicodinâmica do Trabalho - PDT co em todo o mundo, que se pode re-
tem origem em várias disciplinas: sumir em uma palavra: globalização. “O que as
Medicina do Trabalho, Ergonomia,
pessoas
Tem-se a impressão, com todas as
Psicologia do Trabalho, Sociologia do políticas econômicas e de emprego,
Trabalho e Psicanálise. Ela entende
que o trabalho tem um papel funda-
de que é um mal necessário a prio-
ri e que se deve obrigatoriamente esperam
mental na construção da identidade
e, a partir daí, na construção da saú-
ter mais flexibilidade. É importante
lembrar que o trabalho tem várias é que se
de mental dos indivíduos. Compre-
ende que a relação com o trabalho é
dimensões. A primeira dimensão, a
mais evidente, é que o trabalho é um reconheça
estabelecida na relação com o outro e
pelo fato de que o trabalhador aporta
fator de produção. E que, enquanto
fator de produção, evidentemente,
a qualidade
uma contribuição, que, por sua vez,
repousa sobre uma mobilização de
ele vai evoluir, vai ser flexível, vai se
adaptar à produção. Na construção
do trabalho
recursos bastante profunda. do capitalismo industrial, em espe-
cial no século XIX, o trabalho era,
realizado”
As pessoas aportam essa contribui-
ção porque, em troca, elas esperam antes de mais nada, um fator de pro-
uma retribuição que é moral e simbó- dução, que permitia aos trabalhado- Limites da flexibilização
34 lica. O que as pessoas esperam é que res o acesso aos bens de consumo e
se reconheça a qualidade do trabalho a capacidade de viver, de comer etc. Quando se fala em política de fle-
realizado. As pessoas trabalham por xibilidade que permita diminuir o
Mas como ele tinha apenas essa di-
esse reconhecimento, que precisa desemprego, o déficit e a competiti-
mensão, o trabalho foi se tornando
passar por avaliações de julgamento, vidade das empresas, a proposição
cada vez mais penoso, mais fracio-
que são proferidos por atores bem que é feita é simplesmente diminuir
nado, mais difícil para os trabalha-
precisos, com os quais nós estamos esta segunda dimensão de proteção
dores, principalmente nas grandes
em interação devido ao trabalho. social e do direito do trabalho, para
fábricas. Como contrapartida, em
Esse reconhecimento terá um papel voltar ao trabalho unicamente como
oposição a esta dimensão, desenvol-
fundamental sobre a construção da fator de produção. É uma volta atrás
veu-se no final do século XIX e no
identidade. em relação a tudo que foi construído
início do século XX, principalmente
ao longo do século XX.
De reconhecimento em reconheci- a partir das lutas sindicais, uma se-
mento, o indivíduo ultrapassa etapas, gunda dimensão do trabalho. O tra- Quando se fala de uma necessária
com as quais ele transforma a si mes- balho é um fator de produção, mas é política estrutural para lançar o cres-
mo. Essa transformação se dá pelo também um elemento que permite o cimento, é sempre o direito do tra-
olhar dos outros como alguém que acesso a direitos e a salário. Isso virá balho e a proteção social, que é ne-
progride ao longo de uma vida que se a contrabalançar o aspecto negativo cessário diminuir, que se deve tornar
realiza. De tal forma que, após o tra- do trabalho fator de produção, do mais leve ou mesmo suprimir. As
balho, pelo reconhecimento do outro, trabalho fator flexível de produção. políticas estruturais visam suprimir
aquela pessoa adquire um status me- a segunda dimensão do trabalho,
Ao longo do século XX, construiu-
lhor do que o que tinha antes. E uma que é a dimensão do direito e das ga-
se um enquadramento, que será
dignidade também que, talvez, ele rantias coletivas.
chamado de direito do trabalho e,
não tivesse até este momento. Tudo
também, de proteção social. Um en- Resumindo, pode-se dizer que a
isso vai no sentido da construção da
quadramento que virá limitar o fator saúde do trabalhador ficará muito
saúde mental.
de produção e contrabalançar, dar mais exposta. Com a diminuição das
IHU On-Line – A reforma uma contrapartida ao fato de que ele formas organizadas de defesa sindi-
trabalhista aprovou medidas é penoso. Por exemplo, uma contra- cais, o assalariado deverá buscar de
como o aumento da jornada de partida evidente será a aposentado- forma individual tentar proteger a
trabalho de 12 horas, a redução ria. A pessoa vai penar no trabalho sua saúde e a sua aposentadoria. O
do intervalo para 30 minutos, o toda a sua vida, mas em contraparti- que, na prática, todos sabemos que é
trabalho intermitente e o home da terá direito a uma aposentadoria. muito difícil.

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REVISTA IHU ON-LINE

IHU On-Line – Como a flexi- a subjetividade dos trabalhado- mental se interessar sobre o que se
bilização da legislação traba- res? E em que medida afetam a passa com essa equipe de trabalho.
lhista afeta as políticas de saú- saúde mental do trabalhador?
de dos trabalhadores? E qual o
Álvaro Roberto Crespo Merlo
peso das lógicas da austeridade
no acompanhamento e vigilân-
– Como foi dito antes, saúde mental
no trabalho depende das condições e
“A desproteção
cia da saúde do trabalhador?
Álvaro Roberto Crespo Merlo
das relações nos ambientes laborais.
Para a proteção da saúde mental é
social proposta
– Muitas medidas já foram tomadas fundamental que existam coletivos levará,
de trabalhadores, que se reconhe-
certamente,
no sentido da desproteção do traba-
lhador. O exemplo mais evidente é a çam como pares e não como con-

a um maior
extinção do Ministério do Trabalho. correntes/inimigos, que é o que pro-
É importante lembrar que pratica- põem os novos modelos de gestão.
mente toda a legislação trabalhista
foi construída ao longo do século XX
É importante lembrar, também,
que não são os mais frágeis que so-
número de
a partir e como resposta às lutas dos
trabalhadores. Lutas que se iniciam
frem mais. É claro que tem assala-
riados que não estão em bom estado,
acidentes e
ainda no período anarco-sindicalista
dos primeiros vinte anos do século
que, às vezes, têm dificuldades em
sua vida privada. De fato, contra-
de doenças
e que serão formalizadas na primei-
ra versão da Consolidação das Leis
riamente ao que se pode pensar é do trabalho”
o assalariado mais autêntico, que
do Trabalho - CLT, sancionada por tem mais vínculo com a execução
Getúlio Vargas em 1943. Ali estão do trabalho em boas condições, com
colocadas respostas à maioria das IHU On-Line – Uma das pro-
bons meios, aquele que valoriza o
reinvindicações do período anarco- trabalho executado nas regras da postas do projeto de reforma
sindicalista. E que, evidentemente, profissão, que vai descompensar. E, da Previdência em trâmite no
foi sendo ampliada e aprimorada ao seguidamente, é o que é a referência Congresso é a de estender o 35
longo dos anos. A desproteção social na equipe, é aquele sobre o qual as tempo mínimo de contribuição
proposta levará, certamente, a um pessoas se apoiam, ao que lhe pedem para 35 anos para os homens
maior número de acidentes e de do- conselho. É o que está na linha de e 30 para as mulheres, e idade
enças do trabalho. frente, que recebe toda a carga pelo mínima de 65 anos para apo-
fato de que destroem seu trabalho. sentadoria. Dado o panorama
da população idosa de hoje,
IHU On-Line – Diante do ce- O que faz as pessoas sofrerem como projeta a saúde física e
nário da reforma trabalhista, atualmente é a execução do traba- mental do trabalhador nessa
em que há um enfraquecimen- lho com velocidade excessiva e sem idade?
to de órgãos como Ministério os meios adequados. Então, as pes-
Público e Justiça do Trabalho, soas voltam para casa à noite, can- Álvaro Roberto Crespo Merlo
quais os desafios para garantir sadas, gastas, mas, ainda por cima, – As perspectivas são muito ruins.
as condições adequadas de saú- com a impressão de terem feito Pelo menos metade da população
de para os trabalhadores? mal o trabalho. Não o trabalho fei- economicamente ativa brasileira
to dentro das normas, que faz com não tem contrato de trabalho e está,
Álvaro Roberto Crespo Merlo que, mesmo se foi difícil, você pode portanto, em uma situação de vul-
– A perspectiva não é animadora. É colocar isso na construção de sua nerabilidade muito grande. O papel
necessário que os principais interes- identidade, ter orgulho de si mes- do Estado deveria ser o de proteger
sados – os próprios trabalhadores mo e do que você aportou para a os mais vulneráveis e de ter um pa-
– consigam reconstruir seus instru- obra coletiva. Saiamos da ideia de pel ativo na diminuição das desi-
mentos de luta (sindicatos, centrais que são os assalariados frágeis e gualdades.
sindicais etc.), que foram muito es- lembremo-nos de que são os assa-
vaziados por vários motivos nos úl- A retração que é proposta pela re-
lariados mais ligados ao trabalho forma da Previdência e a reforma
timos anos. que “quebram” primeiro. trabalhista vai no sentido de um
E não esquecer, também, que aque- desmonte do Estado, que terá como
IHU On-Line – Em que me- le que “quebra” é um pouco a parte consequência um aumento da po-
dida a falta de segurança nas visível do iceberg. É interessante breza e da violência social. Sou dos
relações de trabalho e de segu- ver que, talvez os outros não vão tão que pensam que um Estado forte é
ridade do Estado, vindas a par- mal, ainda não vão tão mal, e que são o que permite nos afastar das leis da
tir da proposta de reforma da os assalariados sentinelas que, de selva pura e simples, onde os mais
Previdência, podem impactar repente, descompensam. E é funda- fortes/ricos vencem.

EDIÇÃO 535
TEMA DE CAPA

IHU On-Line – A expectati- de metade da PEA no Brasil não pos- dorias? Quais fatores deveriam
va de vida no Brasil hoje é, em sui contrato de trabalho e está coloca- ser levados em conta, que hoje
média 75 anos, porém, pelas di- da, portanto, em piores condições de ainda são descartados?
ferenças regionais, em alguns trabalho, onde há mais riscos e mais Álvaro Roberto Crespo Mer-
estados chega a 67 anos e em insalubridade não controlada. Em lo – Uma parte da resposta a essa
algumas cidades abaixo dos 65 que condições físicas e de saúde esses questão já está colocada nas respos-
anos. Qual a condição de saúde trabalhadores chegarão se as idades tas anteriores. Cabe acrescentar que
física e mental dessas pessoas mínimas para aposentadoria forem o papel do Estado em sociedades
que são obrigadas a trabalhar alongadas? minimamente civilizadas é oferecer
sem a perspectiva de chegarem
proteção e assistência às populações
à aposentadoria?
mais desprotegidas. Uma política
Álvaro Roberto Crespo Mer- “Saúde mental que não tente combater as desigual-
lo – É fundamental lembramos
no trabalho
dades crescentes como vemos no
que as médias sempre escondem as Brasil hoje, trará, obrigatoriamente,
particularidades. E no caso brasilei-
ro essas particularidades tem uma depende das mais sofrimento, adoecimento e vio-
lência.
enorme dimensão. Basta buscarmos
os resultados do próprio IBGE para condições e A construção de um Estado prote-
tor foi uma conquista da humanida-
vermos que são justamente as popu-
lações mais pobres e desassistidas das relações de, que se inicia depois da crise eco-
nômica de 1929 e vai se aprofundar
que estão expostas às piores con-
dições de trabalho, seja no campo
nos ambientes no pós-Segunda Guerra Mundial.

laborais”
Em um país onde os direitos míni-
como nas cidades.
mos de cidadania ainda não foram
No Brasil, a População Economica- conquistados, tais como, acesso a
mente Ativa soma aproximadamente uma educação de qualidade, de as-
79 milhões de pessoas ou 46,7%, índi- IHU On-Line – O debate sobre sistência de saúde, de segurança pú-
36 ce muito baixo, uma vez que o restan- a Reforma da Previdência é ma- blica para todos e todas, os riscos da
te da população, cerca de 53,3%, fica joritariamente feito pela pers- construção de uma política de Esta-
à mercê do sustento dos economica- pectiva da economia. Entretan- do elitista, excludente e preconceitu-
mente ativos. Em diversos países, o to, como a Medicina, e outras osa, como ocorre nesse momento, é
índice é superior, aproximadamente ciências da saúde podem auxi- de se caminhar para uma maior de-
75% atuam no setor produtivo. Cerca liar na projeção das aposenta- sagregação social.■

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EDIÇÃO 535
ENTREVISTA

China impulsiona o continente asiático


na “maratona” pela hegemonia
Para Marcos Pires, a China pode se tornar o “epicentro da região
de maior dinamismo econômico no mundo”, mas para uma
hegemonia mundial existem etapas a percorrer
Wagner Fernandes de Azevedo

E
m apenas 20 anos, a China de- de imperialismo europeu”. Hoje, sete
senvolveu uma política econô- das 15 maiores economias do mundo
mica que alavancou o Estado estão no continente. Para Pires, a Chi-
para disputar a liderança dos merca- na se consolida hoje como “o motor da
dos no mundo. A região do sudeste economia da região”.
asiático é estratégica para consolidar e
Marcos Cordeiro Pires possui gra-
espalhar a relevância dos projetos chi-
duação em História, mestrado em His-
neses pelo mundo. Para Marcos Cor-
tória Econômica, doutorado em Histó-
deiro Pires, em entrevista concedida
ria Econômica, todos pela Universidade
por e-mail à IHU On-Line, o princi-
de São Paulo - USP, e livre docência
pal projeto chinês, a Iniciativa Cintu-
em Economia Política Internacional
rão e Rota (Belt and Road Iniciative),
pela Universidade Estadual Paulista -
pode “colocar a China como o epicen-
38 Unesp. É professor na Unesp – Facul-
tro da região de maior dinamismo eco-
dade de Filosofia e Ciências – Campus
nômico no mundo”.
de Marília, nos cursos de graduação em
Esse crescimento acende aos olhos Relações Internacionais e pós-gradua-
do Ocidente uma luz de alerta, em- ção em Ciências Sociais e no Programa
bora para a China a estabilidade das de Pós-Graduação em Relações Inter-
relações internacionais seja “condição nacionais “San Tiago Dantas” – Unesp,
essencial para o seu projeto de desen-
PUC-SP e Unicamp.
volvimento econômico”. Pires destaca
que os EUA, ao travarem uma guerra Marcos Cordeiro Pires proferirá a pa-
comercial, pretendiam “conter o cres- lestra Século XXI. O século da Chi-
cimento chinês”, mas a atual conjun- na e da Ásia, atividade que compõe o
tura pode resultar em dois cenários Ciclo de Estudos A China e o mun-
extremos: “A Armadilha de Tucídides, do – A (re)configuração geopolí-
desembocando em uma guerra; ou um tica global, promovido pelo Instituto
‘Mundo Harmonioso’, como definem Humanitas Unisinos, que ocorre no dia
os chineses, de cooperação para en- 07-05-2019, das 8h30min às 17h30min
frentar os desafios globais”. na Unisinos Campus Porto Alegre, e en-
cerra às 19h30min às 22h na Unisinos
Enquanto a disputa global depende de
Campus São Leopoldo, com a palestra
várias etapas – “é uma maratona e não
uma corrida de tiro” –, a Ásia, que já Do BRICS ao RIC. Desafios ao Brasil
“foi o centro da economia mundial até o e ao mundo frente a uma nova geopolí-
começo do século XIX”, faz a sua reto- tica global, com o Prof. Dr. José Eustá-
mada depois de ser levada “a uma situ- quio Diniz Alves.
ação catastrófica” devido a “um século Confira a entrevista.

IHU On-Line — Quais seme- o crescimento e o desenvolvi- crepantes entre Brasil e China seja
lhanças e diferenças nos proces- mento econômico de cada país? necessário observar a atuação de
sos de urbanização da China e do Marcos Cordeiro Pires — Creio cada Estado na conformação de seus
Brasil são cruciais para entender que para compreender os rumos dis- processos de crescimento econômi-

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REVISTA IHU ON-LINE

“Mantidas as tendências atuais, em


que o país asiático cresce duas vezes
mais rápido que os Estados Unidos,
é uma questão de tempo para que se
torne a maior economia do mundo”

co. Nesse sentido, reforma agrária é po, migraram sem controle para as a China é o maior parceiro comer-
uma variável que deve ser observa- grandes cidades. Isso explica a ocor- cial para a maior parte dos países
da com atenção. Ao distribuir terras rência de cinturões de miséria em da Asean3 assim como para Japão,
para os camponeses, o governo chi- todas as grandes cidades brasileiras. Índia, Coreia do Sul e Taiwan. Para
nês criou um colchão de estabilidade É justamente nessas áreas onde pro- além das questões comerciais, é im-
social que garantiu condições bási- lifera a pobreza, a violência, adequa- portante observar o papel desem-
cas para a sobrevivência de 80% da da oferta de transporte e os piores penhado pela Iniciativa Cinturão e
população e criou os meios para o indicadores de saúde e escolaridade. Rota (Belt and Road Iniciative), que
seu processo de industrialização. vem construindo grandes projetos
Ao confrontar a estrutura de cida-
de infraestrutura na Ásia Central
Quando se iniciou o processo de des como Pequim, Wuhan ou Xangai
(Cinturão) e no Oceano Índico (Rota
Reforma e Abertura1, em 1978, o e São Paulo, Rio de Janeiro ou o Dis-
marítima) até a costa oriental da
deslocamento campo-cidade ocor- trito Federal, vemos estampados nas
África. O sucesso dessa iniciativa irá
reu de forma organizada, em grande suas ruas a organização e o progres- 39
colocar a China como o epicentro da
parte devido ao sistema de registro so nas primeiras e o fracasso e a de-
região de maior dinamismo econô-
domiciliar, o Hukou2, que limitava a sorganização urbana das segundas.
mico no mundo.
migração desenfreada. Esta ocorreu
de forma paulatina na medida em
que a indústria demandava novos IHU On-Line — É correto afir-
IHU On-Line — Qual é o limite
trabalhadores e possibilitou que as mar que o crescimento chinês
a que a economia chinesa pode
cidades se organizassem para ofere- impulsiona o crescimento do
chegar, dadas as suas contradi-
cer condições sociais adequadas aos continente asiático?
ções internas?
novos habitantes. Marcos Cordeiro Pires — A res-
Marcos Cordeiro Pires — É di-
No Brasil, assim como na maior posta é afirmativa, mas antes é pre-
fícil responder a esta questão, pois as
parte da América Latina, os proces- ciso considerar que a própria China
variáveis a se considerar são inúme-
sos de industrialização ocorreram ingressou no processo de globaliza-
ras. Mas uma questão é evidente: o
sem planejamento e tampouco com ção ao se ajustar às cadeias de valor
sistema político chinês confere um
a adoção de políticas de reforma estruturadas pelos Estados Unidos,
maior grau de autonomia ao Estado
agrária, deixando a população rural Europa Ocidental e pelo Japão no
para manejar as principais variáveis
à míngua. Na medida em que os sa- começo da década de 1980.
socioeconômicas do que em países
lários e a oferta de serviços públicos Nesse período, a China escalou os
aumentavam nas áreas urbanas, os diversos degraus da agregação de 3 Asean ou Ansea: Associação de Nações do Sudeste Asi-
ático (em inglês: Association of Southeast Asian Nations;
trabalhadores avulsos, meieiros e valor, começando com atividades Ansea/Asean) é uma organização regional de Estados do
pequenos sitiantes, sem conseguir de baixa produtividade e intensi- Sudeste asiático criada em 8 de agosto de 1967 através
da Declaração de Bangkok. A Asean engloba 12 nações:
sobreviver adequadamente no cam- vas em mão de obra, como têxteis, dez delas são países-membros e duas são observadores
em processo de adesão ao grupo. Em sua formação ori-
confecções, calçados e brinquedos, ginal, a organização era composta por Indonésia, Malá-
1 Reforma e Abertura: foi o processo de mudanças na sia, Filipinas, Singapura e Tailândia. Desde então, Brunei,
política econômica, iniciado na China por Deng Xiaoping, passando pela subcontratação de Myanmar, Camboja, Laos e Vietnã uniram-se à organiza-
em 1978, quando este assumiu o poder do Partido Comu- diversos componentes e bens de ção. Os principais objetivos são acelerar o crescimento
nista Chinês. (Nota da IHU On-Line) econômico e fomentar a paz e a estabilidade regional.
2 Hukou: é um sistema de registro doméstico na China consumo, até atingir o atual estágio Nos anos recentes, a Asean estendeu seus laços políticos
continental e em Taiwan, embora o sistema em si seja mais ao mundo ocidental e aos demais países asiáticos não
propriamente chamado de “huji” e tenha origens na China de criador de novas tecnologias e de membros; estabeleceu um fórum conjunto com o Japão,
antiga. Um registro domiciliar identifica oficialmente uma marcas próprias. uma das maiores potências do continente, e um acordo
pessoa como residente de uma área e inclui informações de cooperação com a União Europeia. Devido à diversi-
de identificação como nome, pais, cônjuge e data de nas- dade cultural de seus membros, a organização adotou o
cimento. Um hukou também pode referir-se a um registro Hoje a China se estabeleceu como inglês como idioma oficial. A sede oficial e o secretariado
familiar e geralmente inclui os nascimentos, óbitos, casa-
mentos, divórcios e movimentos de todos os membros da
o motor da economia da Ásia. As es- da organização estão na cidade de Jacarta, capital e maior
cidade da Indonésia, considerado o país-fundador. (Nota
família. (Nota da IHU On-Line) tatísticas de comércio mostram que da IHU On-Line)

EDIÇÃO 535
ENTREVISTA

onde vigora sistema de competição Concluindo, para a China, ao invés Em meio a isso, se colocam os inú-
eleitoral. da confrontação, é mais importante meros interesses econômicos e po-
uma acomodação nos termos de um líticos que podem amenizar as dife-
Adicionalmente, é preciso conside-
Novo Modelo de Relacionamento renças entre as percepções de cada
rar o grau de coesão que se verifica
entre as Grandes Potências, que pre- ator nesse complexo cenário.
na própria sociedade chinesa, que
ze mais pela cooperação, algo que
confere grande legitimidade política
ao Partido Comunista, cujo principal envolve não apenas os Estados Uni-
dos, mas a Rússia, a União Europeia, IHU On-Line — Qual a pro-
mérito está sendo o de retirar um jeção de crescimento do con-
país da desorganização social herda- o Japão e a Índia.
tinente asiático? Quais são os
da do colonialismo e colocá-lo como principais motores da econo-
a segunda maior economia do mun- IHU On-Line — Diante do en- mia asiática?
do (ou a primeira, se considerarmos frentamento comercial de Chi-
a paridade de poder de compra). Marcos Cordeiro Pires — Se
na e EUA, quais os cenários
olharmos em perspectiva histórica,
possíveis nas relações entre os
tal como indicam as estimativas de
IHU On-Line — Qual é o limite dois países? Seria possível um
Angus Maddison6, a Ásia foi o centro
que as relações internacionais, reordenamento da economia
da economia mundial até o começo
isto é, conflitos e/ou coopera- internacional em uma disputa
do século XIX. Então, China e Índia
ção com outros países, apre- por zonas de influências entre
concentravam mais de 50% da eco-
sentam ao crescimento chinês? esses países, ou como alguns
nomia mundial. Um século de im-
analistas sugerem, uma Nova
Marcos Cordeiro Pires — O perialismo europeu na região levou
Guerra Fria?
governo da China considera a es- o continente asiático a uma situação
tabilidade das relações internacio- Marcos Cordeiro Pires — Tal catastrófica.
nais como condição essencial para como mencionei na resposta anterior,
A China, por exemplo, viu seu PIB
o seu projeto de desenvolvimento há muitas indefinições sobre o futuro
se reduzir de 30%, em 1820, para
econômico. das relações internacionais, em geral,
menos de 5%, em 1950. Naquela
40 O país não é desafiante da ordem
e das relações China-Estados Unidos. década, a maior parte dos países da
Há dois cenários extremos nas quais região ainda ressentia dos traumas
liderada pelos Estados Unidos, mas a nova ordem pode se conformar:
busca a sua democratização focan- dos processos de descolonização e
do o tema da multipolaridade e, ao O primeiro seria o da “Armadilha arduamente iniciaram políticas para
mesmo tempo, busca um papel in- de Tucídides4”, tal como o define a reconstrução nacional. Isso sem
ternacional condizente com as suas Graham Allisson5, em que Esta- mencionar a destruição e a ocupação
capacidades materiais. Não interes- dos Unidos, a potência estabeleci- dos Estados Unidos no Japão.
sa aos chineses uma disputa hege- da, iriam confrontar a potência em Em 2018, das 15 maiores econo-
mônica e nem iniciar uma corrida ascensão, a China, desembocando mias do mundo, em paridade de
armamentista como ocorreu durante numa guerra, não apenas “fria”. poder de compra, sete são asiáticas:
a Guerra Fria. Porém esta não é uma China, Índia, Japão, Rússia, Indoné-
Do outro, o “Mundo Harmonioso”,
variável que os chineses controlam, sia, Turquia e Coreia do Sul. A título
como definem os chineses, em que a
pois muito dessa estabilidade de- de exemplo, a Indonésia superou o
confrontação seria substituída pela
pende de como a elite dos Estados PIB brasileiro e o Vietnã já expor-
cooperação para enfrentar os inú-
Unidos irá lidar com a ascensão de
meros desafios globais, como a crise ta mais do que nós. A região conta
uma nova potência que poderá lhe
ambiental, a pobreza, o terrorismo e com amplos recursos naturais, um
fazer sombra.
outras ameaças. imenso mercado interno, crescente
Nesse sentido, a guerra comercial capacitação tecnológica, maior in-
iniciada pelo governo de Donald 4 Armadilha de Tucídides: expressão popularizada por tegração e ainda, para a maior parte
Graham Allison em 2012 e extraída de uma passagem da
Trump parece ser parte de uma estra- “História da Guerra do Peloponeso”, da autoria do próprio dos países, estratégias nacionais de
Tucídides. A “armadilha” fica caracterizada quando o cres-
tégia maior de contenção da China, cimento do poder de uma potência emergente passa a
desenvolvimento.
não apenas em termos econômicos, ameaçar os interesses da potência hegemônica, a ponto
de causar uma guerra. Atualmente, a expressão está sendo Outro indicador interessante é o
mas também em termos tecnológicos empregada para descrever a situação entre a China e os
Estados Unidos, como potências emergente e hegemôni- “Financial Times Top 100 Global
e, por consequência, militares. No ca, respectivamente. (Nota da IHU On-Line) Brands, 2018”, que lista 21 marcas
entanto, há variáveis novas a serem 5 Graham T. Allison: nasceu na Carolina do Norte, em
1940. É cientista, escritor, político e professor na Escola de asiáticas entre as 100 marcas mais
consideradas, pois a China também é Governo John F. Kennedy, na Universidade Harvard. Seu li-
uma potência nuclear, também está vro Reaking Foreign Policy: The Organizational Connection,
coescrito por Peter Szanton, foi publicado em 1976 e teve 6 Angus Maddison: nasceu na Inglaterra em 1926, foi
pareando com os Estados Unidos em muita influência sobre a política externa da administração um economista, especialista em macro-história mundial.
do presidente Jimmy Carter, que assumiu o cargo no início Maddison foi professor emérito da Faculdade de Econo-
termos tecnológicos e, diferentemente de 1977. Desde a década de 1970, Allison também foi um mia da Universidade de Groningen, na Holanda, também
da antiga União Soviética, está umbili- dos principais analistas da política nacional de segurança
e defesa dos Estados Unidos, com especial interesse nas
foi condecorado pela realeza da Holanda como Comen-
dador da Ordem de Nassau. Faleceu em 2010. (Nota da
calmente ligada à economia mundial. armas nucleares e no terrorismo. (Nota da IHU On-Line) IHU On-Line)

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REVISTA IHU ON-LINE

valiosas do mundo, das quais 14 são e científica em diversos campos, a poucos frente à grande massa de des-
chinesas. Isso é um feito importan- base do sistema financeiro interna- locados. Isto não aconteceu, gerando
te, já que 20 anos atrás a China não cional e, não menos importante, a he- um forte descontentamento social
constava dessa relação. gemonia cultural do mundo. Assim, com a perda de poder aquisitivo e
para que a China assuma a liderança status social. Tal situação tem piora-
há ainda muitas etapas para percor- do nos últimos anos com os impactos
IHU On-Line — Uma obra de rer. É uma maratona, não uma corri- disruptivos da Quarta Revolução In-
grande relevância para com- da de tiro. dustrial, que está precarizando ainda
preender o crescimento chinês mais um mercado de trabalho já satu-
é “Adam Smith em Pequim”, de rado e concentrando a renda a níveis
Giovanni Arrighi7. Nela, Arrighi IHU On-Line — Alguns autores
similares ao feudalismo (ou talvez
busca explicar a transição do Ci- projetam o século XXI como o
piores, já que o camponês dispunha
clo de Acumulação para o Leste século asiático. O senhor con-
ao menos de um pedaço de terra para
Asiático, tendo a China como corda com essas projeções? Elas
lavrar).
um centro gravitacional. Uma se expressam em números ab-
década depois da publicação do solutos, isto é, pelo crescimento Este mal-estar acabou se refletindo
livro, que evidências podemos constante da economia da re- no cenário político, com a emergência
compreender dessa transição gião, ou relativos, devido ao en- de políticos xenófobos, nacionalistas
da hegemonia norte-americana fraquecimento das economias e, por consequência, protecionistas,
para a chinesa? ocidentais? colocando em xeque este processo de
Marcos Cordeiro Pires — Creio globalização em que os países ricos
Marcos Cordeiro Pires — Como
que já respondi essa questão ante- estão perdendo as rédeas.
se sabe, o capitalismo busca mercan-
tilizar todos os aspectos da vida ma- riormente, mas gostaria de acrescen-
terial e também busca ocupar o maior tar duas informações.
espaço possível. O capital sempre se IHU On-Line — Qual a rele-
Em primeiro lugar, a opção das em- vância da economia brasileira
movimenta em busca de oportunida- presas multinacionais do Ocidente de
des de lucro. Assim, tanto a China em diante desse cenário? A retórica
buscar baixos salários e outras van-
ofensiva à China, pronunciada
41
1978, como a ex-União Soviética, a tagens comparativas nas economias
Índia ou o Vietnã, em 1991, se cons- pelo atual governo, é prejudicial
asiáticas se baseava em premissas
tituíram novos espaços para a expan- para a ascensão do país no Sis-
estanques, como a de que se crista-
são do capital. tema Internacional?
lizaria uma divisão internacional do
Em princípio, a China foi incorpo- trabalho em que o Ocidente criava Marcos Cordeiro Pires — In-
rada apenas como espaço para a ob- tecnologia, design e marcas e a Chi- felizmente, para nós brasileiros, o
tenção de vantagens comparativas. na, por exemplo, se conformaria com lugar da economia brasileira no ce-
Posteriormente, na medida em que as externalidades de ser a ‘fábrica do nário internacional continuará a ser
avançava em seus processos de indus- mundo’, sendo essas sociais e am- periférico por muitos anos, baseando
trialização e agregação de valor, pas- bientais. nossa inserção na exportação de bens
sou também a ser um polo de acumu- No entanto, ao fazer uma leitura intensivos em terra, água e irradia-
lação de capitais e um grande mercado correta do processo de globalização, a ção solar. Além disso, estamos longe
consumidor para as empresas mul- China soube tirar vantagem de uma das cadeias industriais de agregação
tinacionais. Mantidas as tendências posição originalmente subalterna, de valor, não investimos suficiente-
atuais, em que o país asiático cresce como já frisamos. A sua renda per mente em Ciência, Tecnologia & Ino-
duas vezes mais rápido que os Estados capita está se elevando e também vação, não possuímos marcas com
Unidos, é uma questão de tempo para está emergindo uma classe de consu- prestígio mundial e, o que é pior: não
que se torne a maior economia do midores similar aos dos países mais temos uma estratégia nacional e tam-
mundo. Entretanto, ser grande econo- ricos. pouco elites que compreendam as po-
micamente é muito importante, é uma tencialidades de nosso país.
condição necessária mas não suficien- Em segundo lugar, houve um erro
de percepção sobre as implicações de A primarização da pauta exporta-
te para garantir a hegemonia mundial.
longo prazo acerca da globalização dora e a diminuição da participa-
Os EUA ainda possuem o maior ar- por parte dos países ocidentais avan- ção da indústria de transformação
senal militar, a liderança tecnológica çados. Ao deslocar ou terceirizar suas no PIB são notícias desalentadoras.
empresas e empregos, as elites desses Adicionalmente, as opções polí-
7 Giovanni Arrighi: nasceu em Milão, na Itália, em 1937. países imaginavam que sua popu- ticas e as estratégias econômicas
Foi um economista político italiano, cátedra da Universi-
dade Estadual de Nova Iorque, em Binghamton, e geren- lação trabalhadora se ajustaria em anunciadas pelas novas autoridades
te do Instituto para Estudos Globais em Cultura, Poder e
História da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. empregos de baixa produtividade no brasileiras não indicam a reversão
Arrighi é uma das principais referências da teoria de sis- setor de serviços, já que os empregos dessas tendências. Pelo contrário,
tema-mundo. Faleceu em Baltimore, nos EUA, em 2009.
(Nota da IHU On-Line) criativos e de alta qualificação seriam ao considerar a política externa vo-

EDIÇÃO 535
ENTREVISTA

calizada pelo Ernesto Araújo8, atual Quando se observa a participação sem que o Brasil deixasse de ter um
chanceler. É preciso lembrar que pa- do Brasil em instituições interna- relacionamento de alto nível com os
íses não possuem amigos, mas inte- cionais nos últimos 20 anos, pode- EUA e a União Europeia, com o qual
resses. Por conta disso, dado o perfil mos verificar que quadros brasilei- compartilhamos muitos valores. In-
de nossa inserção internacional, é do ros passaram a liderar importantes ternamente, quem mais se benefi-
interesse do Brasil se posicionar de instituições multilaterais, como a ciou dessa postura pragmática foram
forma pragmática e não dogmática, Conferência das Nações Unidas so- os exportadores brasileiros de bens e
tal como fizeram no passado outros bre Comércio e Desenvolvimento serviços. Hoje em dia, a inclusão do
presidentes de forte matiz ideológi- - UNCTAD11, a Organização Mun- dogmatismo e do alinhamento au-
ca, como Getúlio Vargas9 e Ernesto dial do Comércio - OMC12 e a Or- tomático na política externa tende a
Geisel10, para não contaminar nosso ganização das Nações Unidas para provocar mais danos do que frutos,
raciocínio com as paixões do mo- Alimentação e Agricultura - FAO13. uma vez que pode atrair para o Bra-
mento. Só conseguimos isso por conta de sil problemas políticos internacio-
uma grande articulação com outros nais que não lhe afetam e dificultar o
8 Ernesto Henrique Fraga Araújo: nasceu em Porto Ale- países em desenvolvimento, como acesso a mercados consumidores até
gre, em 1967, é um diplomata brasileiro e foi nomeado
chanceler do governo Bolsonaro em 2019. O diplomata
recentemente com o G-7714, o BRI- aqui consolidados. Aparentemente,
foi sugerido para o cargo por Olavo de Carvalho, por sua CS15 e o IBAS16. Porém, isso ocorreu ao menos até aqui, os interesses eco-
crítica à esquerda, ao globalismo, ao marxismo cultural e
aos ambientalistas. (Nota da IHU On-Line) nômicos têm se sobressaído frente
9 Getúlio Vargas: nasceu em São Borja, Rio Grande do
Sul, em 1882. Foi deputado estadual (1909-1917), deputa- 11 UNCTAD: é a Conferência das Nações Unidas sobre
às questões dogmáticas.16
do federal (1924-1926), presidente do Rio Grande do Sul Comércio e Desenvolvimento, criada em 1964 para pro-
(1928-1930), ministro da Fazenda do Brasil (1926-1927), mover a integração dos países em desenvolvimento na
senador da República (1946-1951) e duas vezes presidente economia mundial. (Nota da IHU On-Line)
do Brasil (1930-1945 e 1951-1954). Seu primeiro mandato 12 Organização Mundial do Comércio (OMC): organiza- IHU On-Line — Qual a sua ava-
como presidente foi chamado de Era Vargas considerada ção internacional que supervisiona um grande número de
como um divisor de águas na história brasileira, vai de 1930 acordos sobre as “regras do comércio” entre os seus estados-
liação sobre um alinhamento
a 1945. Após os 15 anos de governo getulista, o País e o membros. Foi criada em 1995 sob a forma de um secretaria- do governo brasileiro aos EUA
povo brasileiro nunca mais seriam os mesmos. Foi marcada do para administrar O Acordo Geral de Tarifas e Comércio
pelo populismo, o investimento na indústria, a valorização (GATT). Atualmente inclui 150 países. A sua sede localiza-se nesse cenário?
do trabalho e por atos totalitários e despóticos de seu go- em Genebra, Suíça. O diretor-geral atual, eleito em 2005, é
vernante. Sobre Getúlio Vargas, conferir o primeiro dos Ca- Pascal Lamy. (Nota da IHU On-Line) Marcos Cordeiro Pires — O
dernos IHU em formação, intitulado Populismo e trabalho. 13 FAO: sigla em inglês para a agência da Organização das
Getúlio Vargas e Leonel Brizola, bem como o 30º número Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Food pragmatismo seria um melhor negó-
42 dos Cadernos IHU Ideias, intitulado Getúlio, romance ou and Agriculture Organization of the United Nations), que
cio, em todas as acepções da palavra
biografia, escrito por Juremir Machado da Silva. A edição tem como objetivo a articulação de políticas para a erra-
112 da IHU On-Line, de 23-8-2004, intitulou-se Getúlio, e dicação da fome e combate à pobreza no mundo. (Nota “negócio”.■
pode ser acessada no link http://bit.ly/ihuon112. O Instituto da IHU On-Line)
Humanitas Unisinos – IHU promoveu, em 2004, o Seminário 14 G-77: é um grupo de coalizão dos países em desenvol-
Nacional Era Vargas. Suicidou-se quando era presidente da vimento das Nações Unidas, criado para uma maior arti-
República, em 1954. (Nota da IHU On-Line) culação política nas negociações por esses países. (Nota
10 Ernesto Geisel (1908-1996): ditador militar e político da IHU On-Line)
brasileiro. Foi adido militar no Uruguai, comandante da 15 BRICS: um acrônimo que se refere aos países membros
XI Região Militar em Brasília, chefe do gabinete militar da fundadores de um grupo político de cooperação: Brasil, Rús- aliança, e assim converter seu crescente poder econômico
presidência da República no governo Castelo Branco, mi- sia, Índia, China e à África do Sul. Os membros estão todos em uma maior influência geopolítica. Desde 2009, os líderes
nistro do Superior Tribunal Militar e presidente da Petro- em um estágio similar de mercado emergente, devido ao seu do grupo realizam cúpulas anuais. (Nota da IHU On-Line)
bras (1969-1973). Eleito presidente da República por um desenvolvimento econômico. Apesar do grupo ainda não ser 16 IBAS: fórum fundado em 2003, organizado por Ín-
Colégio Eleitoral (1973), indicado pelos militares, tomou um bloco econômico ou uma associação de comércio for- dia-Brasil-África do Sul para diálogo e aproximação dos
posse em 15 de março de 1974, como penúltimo ditador mal, como no caso da União Europeia, existem fortes indi- países nas matérias econômicas, políticas e estratégicas.
militar depois do golpe de 1964. (Nota da IHU On-Line) cadores de que os cinco países têm procurado formar uma (Nota da IHU On-Line)

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“O Brasil sempre enfatizou a


internacionalização de Jerusalém”
Norma Breda dos Santos avalia a reedição na diplomacia
brasileira de uma política a favor de Israel
Luiz Antônio Araujo

A
pontada como um movimento em favor da polêmica resolução que
inédito na diplomacia brasileira, classificava o sionismo como racismo,
a virada pró-Israel do governo em 1975. Breda dos Santos recorda que
de Jair Bolsonaro segue uma longa tra- o Brasil sempre se pronunciou a favor
dição de aproximações e afastamentos dos processos de paz no Oriente Médio,
entre os dois países. A professora as- chegando a comandar missões de paz e
sociada do Instituto de Relações Inter- segurança na região.
nacionais da Universidade de Brasília
Norma Breda dos Santos é for-
- UNB Norma Breda dos Santos, dou-
mada em Direito pela Universidade
tora em Relações Internacionais pelo
Federal de Santa Catarina e mestre em
Institut Universitaire de Hautes Études
Direito pela Universidade Federal de
Internationales de Genebra, Suíça, e
Santa Catarina. Doutora em Relações
uma das principais pesquisadoras das
Internacionais - Institut universitai-
relações entre Brasil e Israel, lembra
re de hautes études internationales,
que o posicionamento brasileiro costu-
atualmente é professora associada no 43
ma ter como pano de fundo o conflito
Instituto de Relações Internacionais
israelense-palestino, para o qual o Bra-
(Irel), da UNB. Em 2000, Breda dos
sil chegou a se propor como mediador
Santos organizou a coletânea Brasil e
durante o governo do presidente Luiz
Israel: diplomacia e sociedade (Bra-
Inácio Lula da Silva.
sília: EdUnB, 2000), na qual diversos
A pesquisadora prepara-se para come- autores faziam um balanço de 52 anos
çar uma pesquisa de pós-doutorado so- de relações bilaterais.
bre duas décadas críticas para os laços
brasileiro-israelenses, que vão da Crise A entrevista é do jornalista Luiz Antô-
de Suez, em 1956, ao voto brasileiro na nio Araujo e foi cedida à IHU On-Line.
Organização das Nações Unidas - ONU Confira a entrevista.

IHU On-Line – O fato de o pre- tabelecida pela ONU após a Crise de contribuição à paz entre Israel e os
sidente Jair Bolsonaro ter de- Suez1, em 1956. Essa missão ficou es- países árabes vizinhos e sua memó-
monstrado um alinhamento tão tacionada na Península do Sinai, se- ria tem sido honrada pelos brasilei-
automático a Israel tem algum parando egípcios e israelenses. O Ba- ros. Desde 2011, a Marinha do Brasil
efeito sobre a posição da diplo- talhão de Suez2 deu uma importante comanda uma força-tarefa marítima
macia brasileira como um todo? da Força Interina das Nações Unidas
1 Crise de Suez: também conhecida como Guerra de Suez no Líbano - Unifil, criada pela ONU.
Norma Breda dos Santos – (ou ainda Guerra do Sinai), foi uma crise política que teve
Com relação ao governo Bolsonaro, início em 29 de outubro de 1956, quando Israel, com o
apoio da França e Reino Unido, que utilizavam o canal para bro de 1956, foi parte da Força de Emergência das Nações
creio que ainda é cedo para ter acesso ao comércio oriental, declarou guerra ao Egito. Unidas (UNEF I), em operação no Egito, ao longo do Canal
O presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser havia nacio- de Suez, durante aquele conflito e nos anos posteriores. A
nalizado o canal de Suez, cujo controle ainda pertencia à Força de Paz foi criada após a nacionalização do canal pelo
saber quais os efeitos do que você Inglaterra. Em consequência, o porto israelense de Eilat presidente egípcio Gamal Abdel Nasser em 26 de julho de
qualifica como um alinhamento au- ficaria bloqueado, assim como o acesso de Israel ao mar 1956, o que levou à reação de França e Reino Unido, ad-
Vermelho, através do estreito de Tiran, no golfo de Acaba. ministradores da região do canal, que armaram Israel para
tomático com Israel. E penso tam- (Nota da IHU On-Line) invadir a Península do Sinai, levando ao conflito denomi-
2 Batalhão Suez: foram 20 contingentes do Exército Brasi- nado Guerra de Suez. A Força de Emergência começou
bém que vale a pena lembrar que o leiro enviados ao Oriente Médio como parte das Forças de suas atividades na região visando ao cessar-fogo entre as
Brasil enviou contingentes militares Paz da ONU no conflito existente entre o Estado de Israel, partes em conflito, sendo integrada por forças do Canadá,
o Egito, e seus vizinhos árabes a partir de 1956. Criado por Brasil, Colômbia, Dinamarca, Finlândia, Índia, Indonésia, Iu-
durante dez anos à missão de paz es- decreto do Congresso Nacional do Brasil em 22 de novem- goslávia, Noruega e Suécia. (Nota da IHU On-Line)

EDIÇÃO 535
ENTREVISTA

Essa força-tarefa monitora o litoral Oswaldo Aranha4, que presidiu relações brasileiro-israelenses
libanês e visa à manutenção da segu- a reunião, do que às instruções podem ser divididas em vários
rança na região. Mais um exemplo do do Itamaraty. Isso significa que períodos. Poderia enumerá-los?
comprometimento do Brasil com a não havia consenso na represen-
Breda dos Santos – Na verdade,
ONU e a manutenção da paz. Espero tação brasileira sobre a questão?
essa periodização das relações brasilei-
que o Brasil mantenha esse compro-
Breda dos Santos – Como mos- ro-israelenses tem em conta o conflito
metimento.
traram os pesquisadores Tullo Vige- e os processos negociadores de Israel
vani5 e Alberto Kleinas6, a percepção com os países árabes vizinhos ou com
IHU On-Line – Uma das gran- dos diplomatas brasileiros que esta- os palestinos, dependendo do momen-
des preocupações da diplomacia vam em Nova York e eram liderados to. Apesar das várias imprecisões e do
brasileira em relação à região por Oswaldo Aranha era bastante di- reducionismo em que se incorre no es-
desde os anos 1940 foi o status ferente da percepção de quem estava forço de periodizar, creio que é possível
de Jerusalém. Isso tinha a ver no Rio de Janeiro. E talvez seja mais dividir esses 70 anos em cinco períodos.
com o fato de ser uma questão justo especificar que era diferente da
No primeiro, que vai de 1947 até me-
particularmente delicada para percepção do chefe do Itamaraty na
ados da década de 1970, a diplomacia
outros países de maioria católica época, Raul Fernandes7. Curiosamen-
brasileira apoiou soluções conciliató-
e para o Vaticano? te, Fernandes havia sido delegado do
rias e buscou o que o Itamaraty deno-
Brasil na Liga das Nações (organismo
Breda dos Santos – Os diploma- minou de “equidistância” nos confli-
multilateral que antecedeu à ONU),
tas e os analistas de política interna- tos trazidos à Organização das Nações
onde tinha uma excelente reputação.
cional em geral costumam afirmar Unidas entre Israel e os países árabes.
Apesar de ter familiaridade com o am-
que o direito internacional é mais im- No segundo, de meados nos anos 1970
biente de uma organização interna-
portante para os países de menor po- até a segunda metade dos anos 1980,
cional, seu forte anticomunismo fazia
o Brasil deu maior apoio à causa pa-
der relativo no sistema internacional. com que não compreendesse que, na
lestina, que ganhou então muita visi-
Isso porque, com menos recursos ma- ONU, as duas superpotências podiam
bilidade internacional, e Israel passou
teriais, como poderio bélico, as regras concordar pragmaticamente sobre
a ter menor importância relativa para
44 estabelecidas internacionalmente são vários temas. Uma iniciativa soviéti- o Brasil. No terceiro período, os Esta-
fundamentais para salvaguardar seus ca, ou que beneficiasse topicamente dos Unidos assumiram grande prota-
direitos e interesses. A resolução da os soviéticos, poderia ser apoiada pe- gonismo no processo de paz de Israel
ONU que aprovou o Plano de Partilha los Estados Unidos, e vice-versa. Mas com os países vizinhos árabes e com
da Palestina3 em 1947 inclui o estatu- Raul Fernandes era terminantemente os palestinos, processo ao qual o Brasil
to internacional de Jerusalém, que é contra o Brasil votar “a favor da União sempre deu seu apoio.
um cidade sagrada para cristãos, ju- Soviética”. Era uma situação curiosa.
deus e muçulmanos. O quarto período coincide com os dois
mandatos do presidente Lula, de 2003
O Brasil sempre enfatizou o dever de IHU On-Line – Apenas a título a 2010, com uma diplomacia de perfil
todos os membros da ONU de respei- de exemplo, o Plano de Partilha alto. No quinto, tem-se um movimento
tar a internacionalização de Jerusalém. da Palestina foi apoiado tanto em sentido inverso: uma diplomacia de
Embora a posição do Vaticano e a sen- pelos Estados Unidos quanto perfil baixo. Abrange os governos de
sibilidade dos brasileiros católicos não pela União Soviética, desafian- Dilma Rousseff e Michel Temer.
devam ser desconsideradas, trata-se de do o horizonte binário de Fer-
um tema que deve ser pensado sobre- nandes. A senhora afirma que as
tudo a partir dos compromissos jurídi- IHU On-Line – Quais foram as
cos assumidos na ONU pelos Estados. 4 Osvaldo Euclides de Sousa Aranha (1894-1960): foi um características de cada uma des-
político, diplomata e advogado brasileiro, que ganhou desta-
que nacional em 1930 sob o governo de Getúlio Vargas. Ele é sas etapas?
conhecido na política internacional por fazer lobby pela cria-
IHU On-Line – Em Brasil-Is- ção do Estado de Israel como chefe da delegação brasileira Breda dos Santos – É importante
à ONU e presidente da Assembleia Geral da ONU em 1947.
rael: diplomacia e sociedade Como chefe da delegação brasileira, ele foi presidente da pri- ter em mente os princípios seguidos
meira sessão especial da Assembleia Geral das Nações Uni-
(2000), a senhora afirmou que das em 1947 durante a votação da UNGA 181 sobre o plano
historicamente pelo Itamaraty, como o
a aprovação da Partilha da Pa- de partição das Nações Unidas para a Palestina, no qual ele respeito ao direito internacional, prin-
adiou a votação por três dias para garantir sua aprovação.
lestina pela Assembleia Geral Por seus esforços na situação palestina, ele foi nomeado para cípios que se combinam com doses va-
o Prêmio Nobel da Paz em 1948. (Nota da IHU On-Line)
da ONU em 29 de novembro de 5 Tullo Vigevani: doutor em História Social pela Universida-
riáveis de realismo. Evidentemente, as
1947 deveu-se mais à ação do de de São Paulo, professor titular de Ciência Política da Uni- mudanças ocorridas no sistema inter-
versidade Estadual Paulista (Unesp). (Nota da IHU On-Line)
então embaixador do Brasil, 6 Alberto Kleinas: possui graduação em Ciências Sociais pela nacional sempre tiveram peso, assim
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e mestrado em como o relacionamento do Brasil com
Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos. Atual-
3 Plano de Partilha da Palestina: (ou, mais exatamente, mente é assessor técnico da Secretaria Municipal de Desenvol- os Estados Unidos. Nos dois primei-
daquilo que restava da Palestina, pois uma parte já havia vimento, Trabalho e Empreendedorismo da Prefeitura Munici-
sido separada para constituir a Transjordânia, em 1922) pal de São Paulo. Tem experiência na área de Ciência Política, ros períodos, ou seja, de 1947 a 1980,
foi um plano aprovado em 29 de novembro de 1947 pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, através da sua Reso-
com ênfase em Ciência Política. (Nota da IHU On-Line)
7 Raul Fernandes (1877-1968): foi um advogado, político
a ONU foi um fórum muito importante
lução 181. (Nota da IHU On-Line) e diplomata brasileiro. (Nota da IHU On-Line) para Israel.

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De 1947 até meados da década de voluntarismo do governo brasileiro, co Azeredo da Silveira10 chefiava o Ita-
1970, a ausência de interesses ime- que buscou exercer o papel de media- maraty, e Henry Kissinger11, o Depar-
diatos do Brasil no Oriente Médio o dor no conflito israelense-palestino. O tamento de Estado. O Brasil teria seu
leva a apoiar posições conciliatórias período seguinte, que abrange os go- status de potência reconhecido pelos
nas diversas questões trazidas a de- vernos de Dilma Rousseff e de Michel Estados Unidos. O que os documentos
bate na ONU envolvendo Israel e os Temer, como mencionado, é o de uma mostram é que Geisel estava disposto
países árabes. É nesse período que o diplomacia brasileira de perfil baixo. a mudar a posição brasileira para abs-
Plano de Partilha da Palestina é apro- tenção quando a resolução fosse votada
vado na Assembleia Geral presidida no plenário da Assembleia Geral.
por Osvaldo Aranha. IHU On-Line – Um aspecto pou-
co conhecido da política brasilei- Entretanto, houve uma forte reação
No segundo período, a partir de me- ra em relação à região é o fato de dos Estados Unidos ao voto brasilei-
ados da década de 1970, a diplomacia o Brasil ter se abstido em relação ro dado ao projeto de resolução sobre
brasileira na ONU foi mais pragmá- à admissão de Israel na ONU, em sionismo e racismo, que se tornou pú-
tica, o que pode ser compreendido 1948. Isso significou uma revira- blica. Como conta o embaixador Vasco
pelo projeto desenvolvimentista do volta em relação a 1947? Mariz12 em suas memórias, os jornais
Brasil e a sua vulnerabilidade no pla- brasileiros e norte-americanos noticia-
no energético. O governo brasileiro Breda dos Santos – Não. Ao con- ram que, a pedido ou por pressão nor-
passou a ter uma percepção mais trário: essa abstenção era consistente te-americana, o Brasil mudaria o seu
instrumental da ONU, onde os países com o voto favorável dado pelo Brasil voto. Geisel e Azeredo da Silveira pas-
em desenvolvimento passaram a ter à Resolução 181 da Assembleia Geral saram, então, a considerar praticamen-
um peso muito maior na Assembleia que havia aprovado o Plano de Partilha te impossível recuar e mudar o voto
Geral e, entre eles, os países exporta- e a internacionalização de Jerusalém. brasileiro, o que impediria o diálogo
dores de petróleo. É importante lem- Ao final da guerra de 1948-1949, Israel equilibrado com os Estados Unidos. O
brar que depois da Guerra dos Seis havia ocupado o lado ocidental de Je- embaixador Vasco Mariz foi escolhido
Dias (1967)8, a política israelense de rusalém, enquanto a Jordânia (então por Geisel para ocupar a embaixada do
não sair dos territórios ocupados fez Transjordânia) ocupava o oriental. O Brasil em Tel Aviv, em 1977, onde ficou
com que Israel se isolasse cada vez Brasil preocupava-se com a implemen- durante cinco anos. Sua missão prin-
tação da Resolução 181 e das demais 45
mais internacionalmente. cipal era explicar aos israelenses o que
resoluções relativas à internacionaliza- motivou o voto do Brasil na ONU. Con-
Ao final da Segunda Guerra Mun- ção de Jerusalém. Além disso, o Brasil ta Mariz que o ressentimento judaico
dial, havia uma grande simpatia da demonstrava grande preocupação com no Brasil e de Israel era muito grande.
comunidade internacional com re- o destino dos refugiados palestinos.
lação à criação do Estado israelense. Quando visitou pela primeira vez
Depois de 1967, o apoio da comuni- Moshe Dayan13, ministro das Relações
dade internacional a Israel diminuiu IHU On-Line – Depois de 1947, Exteriores, explicou-lhe por que não
significativamente, e a causa do povo um dos momentos de maior pro- foi possível para o Brasil mudar seu
palestino ganhou visibilidade e maior eminência do Brasil na ONU foi voto. Conta que Dayan ouviu-lhe com
apoio internacional. O terceiro perí- o voto, em 1975, em favor da de- muita atenção e disse: “Que pena! Eu
odo vai da metade dos anos 1980 até finição do sionismo como racis- entendo a posição do seu presidente e
2003. A ONU passou a ter menor peso mo. Qual foi a motivação desse eu teria agido da mesma maneira que
com relação ao conflito entre Israel voto e como repercutiu na po- ele”.■
e os países árabes e os palestinos. O sição brasileira em relação ao
Brasil voltava à democracia, e a Guer- Oriente Médio? 10 Antonio Francisco Azeredo da Silveira (1917-1990):
ra Fria terminava. Os Estados Unidos foi um diplomata brasileiro, ministro das Relações Exterio-
Breda dos Santos – O voto brasi- res no governo de Ernesto Geisel, de 15 de março de 1974
voltaram a ter grande proeminência a 15 de março de 1979. Sua gestão foi marcada pela nova
leiro a favor dessa resolução deve ser orientação da política externa brasileira, o dito “pragmatis-
no mundo e continuaram a liderar os
compreendido no contexto das rela- mo responsável e ecumênico”, o que resultou em ser o Bra-
processos de paz de Israel com os paí- sil o primeiro país a reconhecer o novo governo português
ções do Brasil com os Estados Unidos. que pôs fim à ditadura de Salazar, bem como na afirmação
ses árabes e com os palestinos. Basica- da postura em relação à descolonização e à abertura para
Durante o governo de Ernesto Geisel9, novos mercados, estabelecendo relações diplomáticas com
mente, o Brasil sempre se pronunciou
foram feitos esforços para a construção os Emirados Árabes Unidos e o Omã países exportadores
a favor desses processos de paz. de petróleo, portanto indispensáveis na nova conjuntura in-
de uma agenda positiva entre o Brasil ternacional de aumento de preços. (Nota da IHU On-Line)
11 Henry Alfred Kissinger (1923): é um diplomata esta-
O quarto período, que abrange os e os Estados Unidos. Antonio Francis- dunidense, de origem hebraica, que teve um papel impor-
dois mandatos do presidente Lula, foi tante na política externa dos Estados Unidos da América
(EUA), entre 1968 e 1976. (Nota da IHU On-Line)
marcado pelo proativismo e provável 12 Vasco Mariz (1921-2017): foi um historiador, musicólo-
9 Ernesto Geisel (1908-1996): ditador militar e político go, escritor e diplomata brasileiro. (Nota da IHU On-Line)
brasileiro. Foi adido militar no Uruguai, comandante da 13 Moshe Dayan (1915-1981): foi um militar e político
XI Região Militar em Brasília, chefe do gabinete militar da israelense (português brasileiro) ou israelita (português
8 Guerra dos Seis Dias: conflito armado que opôs Israel a presidência da República no governo Castelo Branco, mi- europeu), responsável pelas mais importantes vitórias
uma frente de países árabes: Egito, Jordânia e Síria, apoia- nistro do Superior Tribunal Militar e presidente da Petro- de Israel nas guerras contra seus vizinhos árabes, Dayan
dos pelo Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Argélia e Sudão. bras (1969-1973). Eleito presidente da República por um foi também um dos principais arquitetos dos acordos de
O crescimento das tensões entre os países árabes e Israel, Colégio Eleitoral (1973), indicado pelos militares, tomou paz de Camp David, os primeiros que se firmaram entre
em meados de 1967, levou ambos os lados a mobilizarem posse em 15 de março de 1974, como penúltimo ditador o governo de Israel e um país árabe (o Egito). (Nota da
as suas tropas. (Nota da IHU On-Line) militar depois do golpe de 1964. (Nota da IHU On-Line) IHU On-Line)

EDIÇÃO 535
PUBLICAÇÕES

Franciscus Non Cantat: um discurso,


alguns percursos e ressonâncias acerca
da música litúrgica pós-conciliar

O
Cadernos Teologia Pública, na sua edição de número 141, traz o arti-
go de Márcio Antônio de Almeida, intitulado “Franciscus Non Can-
tat: um discurso, alguns percursos e ressonâncias acerca da música
litúrgica pós-conciliar”. “O Congresso Música e Igreja: culto e cultura aos 50
anos da Musicam Sacram, ocorrido em Roma, de 2 a 4 de março de 2017,
reuniu argumentos acerca da música sacra, no âmbito pós-conciliar. Entre
as convergências, reproduções e dissensos de implementação, o Congresso
representou um espaço oficial de par-
tilha de modos de conceber a música
em chave eclesial. Ocorrido durante o
pontificado de Francisco, em come-
moração aos 50 anos da aprovação
da Instrução Musicam Sacram, espe-
rava-se que, de modo representativo,
46 diferentes vozes do culto e da cultura
dessem conta de relatar as constru-
ções próprias no âmbito da música
sacra em diferentes contextos”, ob-
serva o autor.
Márcio Antônio de Almeida é
doutor em Música pelo Instituto de
Artes da Universidade Estadual pau-
lista - Unesp. Também é membro da
presidência do International Study
Group for Liturgical Music (Universa
Laus), do Centro de Liturgia Dom Cle-
mente Isnard, da Equipe de Reflexão
de Música Litúrgica da CNBB. Atua
como professor de pós-graduação lato
sensu e no ensino básico, regente do
Coral do Hospital Santa Catarina e do
Coral da Associação de Advogados de
São Paulo.
A versão completa do Cadernos
Teologia Pública está disponível em
http://bit.ly/2UGy9VV.
Estas e outras edições dos Cadernos
Teologia Pública também podem ser obtidas diretamente no Instituto Hu-
manitas Unisinos - IHU, no campus São Leopoldo da Unisinos (Av. Unisi-
nos, 950), ou solicitadas pelo endereço humanitas@unisinos.br. Informa-
ções pelo telefone (51) 3590-8213.

29 DE ABRIL | 2019
REVISTA IHU ON-LINE

Outras edições em www.ihuonline.unisinos.br/edicoes-anteriores

A volta da barbárie? Desemprego,


terceirização e precariedade
Edição 484 – Ano XVI – 2-5-2016

Por ocasião do 1º de Maio, Dia do Trabalhador e da Trabalhadora, a


revista IHU On-Line, desde a sua criação debateu os mais variados as-
pectos do mundo do trabalho e da luta da classe trabalhadora. No entan-
to, nunca o panorama do mundo do trabalho foi tão difícil, complexo e
sombrio.

‘Reforma da Previdência Social e o declínio


da Ordem Social Constitucional’ 47

Edição 480 – XVI – 7-3-2016

Em meio à tremenda crise política, econômica e institucional do País, os


rumos da seguridade social e o futuro de milhões de brasileiros e brasile-
iras são tratados nos balcões de negócio do Estado com o sistema finan-
ceiro. A assim denominada reforma da Previdência, possivelmente em
pauta, por iniciativa do Executivo, no Congresso Nacional, é o tema em
discussão na edição dessa semana da revista IHU On-Line.

A ‘uberização’ e as encruzilhadas do mundo


do trabalho

Edição 503– Ano XVII – 24-4-2017

A Revolução 4.0, a internet das coisas, a inteligência artificial e a im-


pressão 3D já impactam e cada vez mais abalarão a organização do
mundo do trabalho. Esta grande mutação significará um avanço civili-
zatório ou radicalizará a barbárie? Por ocasião do 1º de Maio, Dia dos
Trabalhadores e das Trabalhadoras, o debate assume maior urgência
e densidade em um momento de regressão civilizatória delineada na
proposta da reforma previdenciária e da reforma trabalhista.

EDIÇÃO 535
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