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O capitalismo unifica

o mundo
Francisco ] osé Calazans Falcon
Professor Titular de História Moderna e Contemporânea
da Universidade Federal Fluminense
PRÓLOGO - NÓS E O CAPITALISMO

Não foram poucas as dúvidas, tampouco os nossos receios, diante do com-


promisso assumido para a elaboração deste texto. Dúvidas tanto teóricas
como didáticas, receios quanto aos leitores e suas leituras. As dúvidas, tentei
resolvê-las da maneira que considerei a mais exeqüível; já os receios, para
que possa exorcizá-los, exigem, logo de início, recordar a resposta de J.
Schumpeter, em 1942, à pergunta: "Poderá sobreviver o capitalismo?"

•oo ponto de vista da prática imediata e do objetivo de previsões a curto pra-


zo - e, nesses casos, séculos são realmente curtos prazos -, tudo que ocorre
na superfície pode até ser mais importante do que a tendência para uma nova
civilização, que lentamente evolui nas profundezas" (1961, p. 204).

Dadas as conhecidas sim atiaue. Schumpete pelo sistema capitalista,


não fosse ele o autor que mais exaltou o papel do empresário na história do
capitalismo, não poucos esitam, ainda hoje, quanto ao sentido das palavras
acima, esquecendo-se, talvez, que elas complementam uma longa análise da
"tendência à autodestrui ão inerente ao ca · · ,, so da gual
Schumpeter reconheceu que "a visão de Marx [neste particular] foi correta".
HOJc, parece que a História desmentiu tais reflexões. época em que
~umpeter as formulou, a "Nova Ordem" nazi-fascista parecia vitoriosa e
trresistível; na época atual uma "Nov em Mundial"" ancorada na
=~lobaliza_ç_ão", parece ta~bém vitoriosa. Mais uma vez proclama-se o
F1D1 da História" e o "Triunfo do capitalismo".
Que não se tome, pÕrém, a história que se segue como sendo a consagra-
~º ou mesmo o reconhecimento de tal "triunfo". Quer assim o desejem ou
nao seus coveiros, a História continua, e ·este trabalho constitui uma aposta,
no~aposta, na natureza histórica do capitalismo - da maneira entrevista
Por humpefer há mais de meio século.

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O stCULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

INTRODUÇÃO: CONCEITOS, ESPAÇOS E TEMPOS


Embora a "teoria dos mercados" enquanto com~o~ente fundamen~al
d hamadas abordagens substantivas, ou antropologicas, da economia,
as c ele as variedades e complexidades dos mercados, basta-nos aqui con-
a) Os conceitos oos
.de rev
ar 0 mercado em sua acepção mo d ema associa · d a a• h'istona
, · europeia
,. a
51
~ do fim da Idade Média. Nesta acepção específica, '! mercado, como
Nosso trabalho seria muito mais simples caso as palavras possuíssem sempre instituição, é o centro d as trocas, e ai, " comercio
parnr , . ,, s1.gnil.ica a " troca rea l" o
um significado claro e distinto, ou seja, se suas relações com as coisas fossem ue "moeda" (dinheiro) é o "meio" que permite ou facilita essa troca.
9asso q , . , d
unívocas e imutáveis. Neste caso, convenhamos, não haveria maiores dúvidas Reunindo-se agora, comércio e moeda, constata-se que o comercio e eter-
com palavras como "capitalismo", "mercado", "mundo" etc. Bastaria ao lei- minado pelos "preços" (expressos em val~res monetários), enqu~to estes,
tor ler qualquer uma delas para, imediatamente, apreender-lhes a significação. ncebidos como "função do mercado", sao resultantes das relaçoes que se
Todavia, como sabemos, são muitos os problemas existentes nessa esfe- :Ubelecem, a cada passo, entre as ofertas e as demandas de quantidades
ra. A relação entre as palavras e as coisas é aleatória e, na verdade, as pala- variáveis de bens e serviços (Polanyi e Arensberg, 1975).
vras remetem ãõüuas p_alavras, e não propriamente às coisas em si. Além o mercado genérico é então algo como um "sistema" de dimensões
disso, quando precisamos lidar com os conceitos os termos que os desig_nam variáveis que articula todo um conjunto de mercados concretos, de produtos
correspon em ai éias gerais e abstratas que condensam e organizam aspec- destinados ao consumo ou a novos negócios, ou de fatores de produção (ter-
tos múftiplos de objetos de reflexão segundo os pressupostos teóricos de ra, capitais, trabalho). Será, no entanto, que tal mercado se apresenta como
quem elabora esses conceitos. Explicitar o sentido de termos de caráter con- auto-regulado?
ceitual já implica, portanto, algum tipo de comprometimento teórico. Na concepção econômica "clássica", o conceito de mercado pressupõe o
Tais problemas até que poderiam ser deixados de lado neste texto não mecanismo auto-regulador. Seria assim que se poderia explicar por que as
fora a circunstância de precisamente os conceitos de "capitalismo" e "mer- ações individuais, egoístas e contraditórias, de múltiplos indivíduos, como
cado" constituírem, hoje em dia, os divisores de águas entre as "novas abor- compradores ou vendedores, em busca da obtenção do maior lucro ao menor
dagens" e as mais "antigas", ou clássicas, como logo iremos ver. custo ossível, não degeneram riUm verdadeiro caos mas, ao contrário, pro-
Comecemos, então, pela idéia de "mercado". duzem o progresso e o "maior benefício possível para o maior número". A.
Smith atribuiu esse funcionamento perfeito e imprevisível, que lembra o
É claro que todos nós conhecemos um mercado: trata-se de um lugar
mecanismo de um relógio, à "mão invisível da Providência".
onde se realizam compras e vendas. Nosso dia-a-dia está repleto de alusões a
Não viria ao caso discutirmos, aqui e agora, a natureza de tal mecanis-
variados tipos de mercados, quer do ponto de vista de suas especialidades -
mo ou a qualidade real do seu automatismo. É uma crítica que já foi feita há
de peixe, de hortigranjeiros, de automóveis etc., quer das suas dimensões:
muito tempo e continua de pé. Interessa-nos, sim, delimitar histo~icamente )>
minimercados, supermercados, hipermercados etc. Entretanto, também esta-
- no espaço e no tempo - a existência de um "merca o mtemacional .
mos acostumados à idéia de mercados cujo "lugar", se é que existe corno tal, Conforme a maioria dos historiadores, é no mínimo problemática a
é indefinido: mercado financeiro, mercado imobiliário, mercado de ações, hipótese da existência, do século XV ao XIX, de um verdadeiro e amplo sis-
mercado cambial, e tantos outros. Temos neste caso algo assim corno um tema de mercado auto-regulado, ainda que somente no âmbito europeu.
campo de atividades, mais ou menos institucionalizadas, distribuídas por Haveria nessa época um conjunto de mercados distintos, ora mais próximos,
variados tempos e/ou lugares, segundo objetivos e regras aceitos por todos ora mais distanciados do "mecanismo auto-regulador", a exemplo do mer-
aqueles que delas participam. A novidade no caso é introduzida quando se cado de capitais, para os mais próximos.
admite, como premissa, que o acionamento do mercado constitui ~ .. Ora, é precisamente nesse passo que se torna necessária uma alusão às
espécie de .mecanismo automático e independente áas ações e intenções dos novas abordagens" no âmbito do nosso tema, quer em rela ão ao conceito
indivíduos que dele participam. histórico de_:' mercado", quer a respeito do conceito e "capitalismo~

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O HCULO XX O CAPI T ALI S MO UNIFICA O MUNDO

Essas novas abordagens, produzidas na década de 1970, trabalham com • _ A história da constitui ão do mercado intemac:ional tem sido tra-
1
a hipótese de que se estruturou, já no século XVI, uma "economia-mundo dicionalmente entendida como um processo ue ~lve o~Estados moder-
européia" (Braudel, 1976), o "sistema mundial moderno"(Wallerstein, 1974) europeus, enquanto formações sociais diferentes umas das outras e que
- em ases nitidamente "capitalistas". A admitir-se tal hipótese, não se trataria nos
dis utam entre si os 1ucros mercantis· e f'mance1ros
· resul tantes da exp 1oraçao-
de fazer aqui uma síntese da história da "constituição do mercado internacio- do ~omércio colonial con~o~~e as idéias e práticas mercan:ilista~ comun~ ~os
nal" mas, quando muito, de seu desenvolvimento, do século XVI ao XIX. • antigos sistemas coloma1s . Resultam dessa concepçao dois corolanos
No entanto, é em relação ao conceito de "capitalismo" que os problemas essenciais: primeiro, os séculos que antecederam a Revolução Industrial são,
se acentuam. par definição"' pré-cqpita)isJas, logo, o mercado internacional é dominado,
Para que se possam compreender as bases e implicações teóricas dessas ao longo desses séculos, pelo capital comercial; segundo, cada formação
novas abordagens, deve-se ter em vista que os seus autores, como Wallers- social então existente, inclusive aquelas das áreas coloniais, constitui uma
tein, as apresentam como baseadas em Marx. De fato, há alguns textos de espécie da totalidade histórica específica, ou seja, com características estru-
turais próprias, até mesmo em relação à acumulação primitiva do capital.
Marx que, à primeira vista, parecem compatíveis com tais abordagens,
como, por exemplo:
2ª - A história do mercado internacional abordada em termos da análi-
se do "sistema mundial moderno" , capitalista e europeu parte da constitui-
"Não há dúvida de que as grandes revoluções dos séculos XVI, XVTI, que as
ção de tal mercado já em princípios da Era Moderna e seu objetivo é a "arti-
descobertas geográficas provocavam no comércio e que impulsionavam o de-
culação, pelo mercado, de vários modos de produção", ou seja, formas dife-
senvolvimento rápido do capital mercantil, constituem um fator essencial, ten-
renciadas de "recrutar e remunerar a mão-de-obra", tais como o escravismo,
do acelerado a passagem do modo de produção feudal ao modo capitalista"
a servidão, a encomienda, a parceria, o arrendamento e o assalariamento.
(Le Capital, IIl,1, 341 ).
Nesta perspectiva, portanto, há somente uma totalidade - o mercado mun-
dial-, sistema que integra e hierarquiza regiões e modos de produção dis-
"Se bem que os primeiros esboços da produção capitalista tenham se realizado tribuídos por três zonas ou blocos: centro, periferia e semiperiferia. Temos,
desde cedo em algumas cidades do Mediterrâneo, a era capitalista data somen- então, três coro arios: há apenas uma transição, precisamente aquela que deu
te do século XVI"(Le Capital, l, 3,155/6). -- origem ao "sistema" (século XVI); a acumulação é um processo único, em
escala mundial {Frank, 1977); e Revolução Industrial e capitalismo são coi-
Assim, descontextualizadas e tomadas ao pé da letra, estas e outras pas- sas distintas.
sagens parecem insinuar efetivamente a existência do "capitalismo" e do
"mercado mundial" (capitalista) já no século XVI - o "sistema mundial
capitalista europeu" de Wallerstein. Neste caso, não é apenas a noção de b) Os espaços e tempos
"Capitalismo comercial" que se legitima teoricamente, mas é o conceito mes-
mo de capitalismo como "modo de produção" que está em jogo. Substituin- As histórias que costumamos ler em muitos compêndios, centradas na
do este último, temos então o capitalismo como "produção para lucro num Europa, quase nada nos dizem da existência de outros "mundos", ou civili-
mercado" ou, ainda, a "busca ~lização do lucro através da comerciali-
zação e mercadorias" .
:ções contemporâneas, por exemplo, do mundo europeu medieval. O peso
0 ~urocen trismo é de tal monta que tendemos a absorver acriticamente

Chegando agora ao que realmente nos interessa aqui, vejamos, rapida- n~oes como " descobrimentos", "descobertas" etc. Aliás, embalados pelo
mente, as principais implicações possíveis dessas divergências conceituais discurso
"'E dom·mante, sequer nos lem - b-ramos
- d e que a propna
' · 1·d eia
' · de
para a nossa exposição: uropa" é algo recente e historicamente construído.

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O SÉCULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

Os territórios que chamamos de "Europa" constituíam, para os seUs Marrocos, e uma lenta penetração do islã em direção às regiões sul-saa-
habitantes medievais, uma comunidade espiritual - a cristandade - tecida
ao. as do centro e sudoeste. Q uanto ao restante d o " contmente
. negro ,, , um
pelas instituições e agentes da Igreja Católica Romana e chefiada pelo papa. :ilhar de tribos, reinos e impérios, fazendo-se e desfazendo-se em lutas
Se a Igreja constituía a face visível da Cidade de Deus, outra, bem diversa dêmicas. Para leste, o índico e o subcontinente indiano - uma cconomia-
era a Cidade dos Homens, governada por poderes seculares múltiplos ; enundo rica e articulada envolvendo árabes, persas, indianos e malaios-,
rivais. Dividida em duas pelo Grande Cisma do Ocidente (1066), que sepa- :Odus e muçulmanos. Em 1526, o Sultanato de Délhi (Déli) foi substituído
rara do Império Bizantino, sediado em Constantinopla, as regiões do Antigo pelo Império Grão-Mogol, um poder islâmico em geral tolerante para com o
Império Romano do Ocidente, a cristandade defendia-se, nas suas fronteiras hinduísmo e cuja presença, até à primeira metade do século XVIll, assinala
orientais, das incursões dos cavaleiros mongóis e magiares, ao passo que, nas uma época de grande prosperidade e paz relativa. Mais adiante, os reinos do
fronteiras ocidentais, os reinos cristãos ibéricos davam prosseguimento à Sudeste Asiático, como o Sião, mas principalmente a hegemonia de uma
cruzada da Reconquista, só concluída em 1492 com a conquista do reino cidade mercantil - Malaca - estrategicamente situada e favorecendo a
mourisco de Granada. rápida islamização da Insulíndia - Sumatra, Java, Celebes, Banda, Molucas
Para além de seus limites, a cristandade convivera, desde o século VII -e se estendendo a Mindanao (ao sul das futuras Filipinas). A dissolução do
com os muçulmanos. Convivência difícil, marcada por ódios ou desconfian-' Império do Majopahit, hinduísta, no arquipélago que viria a ser a Indonésia
ças de ambos os lados, mas também por intensas relações comerciais e cultu- atual, criou vários outros centros de poder, rivais em termos políticos e reli-
rais de um extremo a outro do Mediterrâneo. Pirataria, guerras, comércio, giosos. Ainda mais adiante, a China, o Celeste Império, onde, desde 1368, a
este, sobretudo, em proveito de venezianos, genoveses e comerciantes de dinastia Ming havia liquidado o jugo mongol. Uma China que incorporou
outras cidades italianas ou não. A expansão dos turcos otomanos, ao longo territórios desde a Coréia ao atual Vietnã, como tributários do poder impe-
do século XIV, acelerou-se nos dois séculos seguintes e ergueu em face da cris- rial, uma outra economia-mundo, na verdade.
tandade a grande muralha do Império Otomano, conquistador de Constanti- Logo, mesmo deixando de lado a maior parte da África e a totalidade da
América, existiam, no começo do século XVIl três grandes impérios - tur-
nopla (1453), dos panos do Levante (Síria e Egito), e em avanço constante
co, indiano e chinês - e uma economia-mundQ- no índico-, aos quais se
pela península balcânica, rumo a Viena.
er1a acrescentar a Moscóvia (Rússia), império em rápido processo de
Através de relatos de via' antes árabes, ou das narrativas de alguns euro-
expansão para o oriente (Sibéria) e para o sul - a expensas dos domínios
peus que haviam atingido o Oriente cruzando as estepes e passos montanho- turcos e mongóis.
sos da Ásia Central, como fora o caso de Marco Polo (século XIII), os cris- Em face do tamanho e da riqueza desses impérios, ou economias-mun-
tãos possuíam vagas noções a respeito da existência de outros povos, não dos, a "economia-mundo européia" compreendia apenas as regiões que se
propriamente infiéis, como os seguidores de Maomé, mas cenamente pagãos ~diam das costas do Mar Oceano (Atlântico) ao Elba ou, no máximo, ao
ou gentios. Mas o desconhecimento quase total propiciava rédeas soltas à V1StUla; em sentido sul-none elas se estendiam do litoral do Mediterrâneo ao
imaginação, fonte inesgotável de visões maravilhosas e perigos assombrosos.
Levaríamos muito tempo caso quiséssemos acompanhar os passos desses
cristãos mundo afora, "descobrindo" e conquistando, conquistando e explo-
:a:
~do None e partes do Báltico. Rotas terrestres e marítimas ligavam entre
do~s p~los econômicos de então: o centro-none da Itália e os Países
os, 1Sto e, Veneza, Gênova, Bruges e Antuérpia.
Aco n~t1tu1çao
· · - do mercado internacional pelos europeus teve como pon-
rando, do século VI ao XIX. Imaginemos ponanto qual teria sido a visão de
um extraterreno que houvesse chegado ao nosso planeta no fim do século co ~a urna expansão espacial mas não se esgotou aí. Para realmente
XV ou começo do XVI. Havia, claro, a "Europa cristã" e o Império Turco, ~reende-la precisamos dimensioná-la temporalmente. Este dimensiona-
mas, e além deles? Caso o tal marciano observasse o continente africano, por das 0 . t~p~ral compreende a delimitação de períodos e a caracterização
Prtncipa1s conjunturas.
exemplo, perceberia, na sua parte setentrional, domínios islâmicos, do Egito

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O HCULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

Aten~o a motivos didáticos, mas também em função de razões teóri-


cas, éste trabalh_o<está dividido em duas grandes épocas - a pré-caitalista e -a•
......-
eh
par arruaçasi~m
.
da dos refugiados das áreas rurais, a ordem pública é ameaçada
s revoltas, protestos contra os açambarcadores etc ... A cnse se
do campo à cidade na medida em que o comércio declina e
a capita1ista. Tais épocas nao em uma de11m1taçao cronológica precisa e ga, as ' .
pa
ptofic1nas. paralisam suas atividades, ao mesmo tempo que as aatondades se
sobretudo, homogênea em termos de formações sociais concretas. Optamos' . .
en ao, por considerar pré-capitalistas os séculos XV!XVI ao e capita~ as 0 am com as desordens e a queda das rendasJ1sca1s. Uma outra carac-
\\ itasos~sXIXeX~ p~u dessas crises é seu caráter regional mais ou menos extenso e cheio de
Ao tratar de periodizações no interior dessas épocas dispomos, é cJaro teriSfJCél es entre regiões relativamente próximas. As condições das estradas e
conuast . · bastante a mov1mentaçao
· - de gran des quan n·d a-
das tradicionais divisões referidas às hegemonias sucessivas das grandes' . d uansporte llDlltam
sneios e d - d . . , ., 1
potências marítimas. Entretanto, hoje em dia, as preferências recaem sobre eles de cereais de um lugar para outro. A uraçao e tais cnses e var.1ave e,
as conjunturas com suas alternâncias de eríodos de ros erid e e de cri- al elas terminam aos poucos, com o retomo das boas colheitas e a
CID gcr , d . d , f.
se, mais a equa as, me us1ve, aos õõSsos objetivos. eda mais ou menos acentuada o contmgente emogra 1co.
qu
A fim de compreendermos melhor essa perspectiva conjuntural é neces- Já 0 novo regime econômico, contem~o~aneo, tiptco d,º.capitaI'ismo
A , ' o

sário lembrar que as variações conjunturais dependem das relações entre os · d~bancário, possui como caractenst1cas: 1. PredoIDiruo da produ-
movimentos demográficos e os da produção, consumo, moeda e crédito. JD m usuial em termos de valor e importâncíã} a in ústria pesada prepon-
0
Convém ainda ter presentes as diferenças entre os dois "regimes econômi- economicamente, sobre as indústrias leves, ou seja, mineração, siderur-
cos" chama os, por E. Labrousse, de 'antigo" e "novo", ou contemporâ- jia, ~gia, qu' 'ca, eletricidade e máquinas são as indústrias dominan-
neo, na realidade pré-capitalista e capitalista, respectivamente. ~sporres ferecem, cada vez mais, rapidez e capacidade de car-
O "antigo regime econômico" possui três características estruturais bási- ga, a custos decrescentes, do que resultam, primeiro, a unificação do merca-
cas e um mecanismo específico de desencadeamento e propagação das suas ClõDacional e, logo a seguir, a ~gração, em nível mundial, de mercados
l crises. Como características observa-se: 1. Predominância da agricultura; 2. regionais, com a conseqüente especialização da produção - "divisão inter-
Precariedade dos transportes; e 3. Indústria e bens oe consumo. A importân- nactonal do trabalho"; e 3. O mecanismo das crises periódicas se modifica,
- eia decisiva da agricultura se verifica de diversas maneiras: mais de 80% da pcf em lugar das crises de subsistencía tem-se, agora, s crises de superpro-
população vivem nas áreas rurais, a produção agrícola supera em va ora ro- o e de baixa dos preços.
duçao m ustrial, a produtividade agrícola é baixa e se cultivam basicamente As crises econômicas estão na origem de diversos tipos de flutuação ou
cereais e forragens. Os transportes são caros e insuficientes, pois as estradas ciclos" cujas durações variáveis geraram várias classificações e denomina-
são poucas e mal conservadâ$,"ficando impraticáveis no inverno~ sobretudo ções. Grosso modo, distinguem-se os ciclos longos e os curtos, dos quais os
ao trânsito de carroças. Ríos, lagos e mares oferecem menos problemas mas mais interessantes para a história econômica são os movimentos de longa
não reso vem as limitações devidas à lentidão, baixa capacidade de car"ga e duração, interdecenais, ditos movimentos Kondratieff, que François Simiand
dependência de fatores climáticos. A indústria, dividida entre cidade e campo, dividiu em duas "fases": A ros eridade) e B (deEressão). Teríamos, assim:
produz sobretudo artigos destinadosao vestuário, construção e atividades
agrícolas. As manufaturas, concentradas ou dispersas, apesar de importantes, a) 1350-1450- fase B; crise do final da Idade Média.
não fogem à regra do predomínio absoluto dos bens de consumo. b) 1450-1620/50 - fase A; "revolução comercial" e dos preços.
O mecanismo responsável pelo desencadeamento e propagação das cri- e) 1620/50-1720/30- fase B; "crise do séc. XVII".
ses nesse "antigo regime econômico" obedece, em geral, a um mesmo esque-
d) 1720/30-1810/17 - fase A; "pro.speridade do Setecentos".
ma: uma sucessão de más colheitas reduz drasticamente a produção de grãos .e) 1810117-1850/51- fase B; crise de passagem do "antigo" ao "novo
e eleva rapidamente o preço do pão - é a "crise das subsistências", tornan- regime econômico".
do a fome, agora, epidêmica. A mortalidade aumenta, as cidades incham

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O stCULO XX

. mudanças de perspectivas foram, ou têm sido, mais evidentes em


f) 1850/51-1873-fase A; prosperidade da primeira industrialização.
Tais s· econônuco-soc1a
· · l1 o po l'mco
· e o cu 1tura l.
g) 1873-1896 -fase B; "grande depressão do século XIX ~ uts Aserore .0 . /d - f' , .
) 1896-1929/30- fase A; prosperidade "fim de século", até à crise d história econômica e soc1a a exp_ansao 1Dcou .p~, por~ mwto temp~,
1929 (Bouvier, 1961). e c1o7femas: a tipologia dos empreend1IDentos coloma1s e a enfase no cara-
15
Clll d ndente das áreas coloniais. No primeiro caso, preponderam os inven-
Desenhados, portanto, os grandes contornos dos espaços mundiais e des. tei'. e das diferenças entre as "colônias propriamente ditas" e os "enclaves"
cáriOS tis (feitorias, entrepostos, possessoes - terntona1s
. .. restntas
. ); a seguir,
. a
critos os mecanismos conjunturais, a começar pela cronologia da prosperida-
de e depressão, podemos agora passar à história da unificação do mundo 111
C:::ciação, hoje "clássica'', entre as colônias de povoamento e as de
pelo capitalismo. locação - de plantação ou de mineração. No segundo caso, ~álise da
~tura e de funcionamento do "antigo sistema colonial" enfatiza o caráter
depen ente, "voltado para fora", da economia colonial, isto é, o papel deci-
e) A historiografia da expansão sivo c:Ias relações metrópole-colônia no âmbito do "capitalismo comercial".
- - -ase=-- últimas décadas, no entanto, não somente vêm sendo relativizadas
À primeira vista, talvez o tema do presente texto possa ser classificado como
as diferenças entre "povoamento" e "exploração" como, principalmente,
de história econôrnica. Na realidade, ele é muito mais abrangente. Abordá-lo
dlll-se multiplicado pesquisas, estudos e debates que questionam ou relativi-
apenas do ponto de vista econôrnico seria algo bastante reducionista e empo-
zam algumas das implicações da ~ tradicional do sistema colonial, quer
brecedor. De fato, a história da constituição do mercado internacional envol-
acerca dos "modos de produção coloniais", quer, sobretudo, a respeito do
ve e articula economia, pofítica e cultura em torno de um eixo comum ao
qual se poderia chamar, de maneira simplificada, a "expansão européia"- •mercado interno" colonial o papel nos núcleos urbanos, a im ortância
comercial e colonial. comercial dos contrabandos e o peso sócio-econômico dos grandes comer-
A noção de "expansão européia" soa hoje em dia como um objeto histo- aantes e traficantes de escravos coloniais. Na Ásia, por outro lado, vem sen-
riográfico algo "dataáo". Com efeito, sua historiografia caracteriza-se (sécu- do evidenciada a importância dos circuitos mercantis regionais para os negó-
lo XIX e primeira metade do XX) pelas narrativas de viagens e conquistas e cios dos comerciantes europeus, a exemplo do country trade indiano.
vicissitudes dos estabelecimentos europeus "fora da Europa". Aventura, A história política da expansão, superando--;s-crônicas das ações milita-
coragem, decisão caracterizam as personalidades e a ões dos heróis "civiliÍa- res e negociações d iplomáticas, vOha-se ara dois tó icos: as formas de resis-
~os" em ace do desconhecido representado por paisagens e seres "exóti- thcia e as práticas de cooptação ou interpenetração social. Resistência dos
..ÇQS", bárbaros ou não, mas, sobretudo dife . Embora variem, confor- CO oruzados indígenas e negros sobretudo mas também de colonos; coopta-
me a época que se considere, os argumentos e pretextos europeus, o "direi- ção ou mterpenetração entre muitos colonizadores (autoridades civis e mili-
to" ou "dever" da conquista e colonização são vistos em geral como "natu- tares) e e tes coloniais em função de interesses comuns. O quase-silêncio
rais" e necessários e capazes de beneficiar colonizadores e colonizados. sobre as formas variadas de resistência, assim como a tradicional dicotomia
O ro d scoloniza ão afro-asiática após a Segunda Guerra
Estado (Coroa) versus sociedade (elites coloniais), ficaram para trás.
Mundial, fez cair no esquecimento as antigas "histórias da colonização",
substituídas por histórias de regiões e países hors Euro e. Histona ores oci-
!ambém quanto à África e Ásia, novas abordagens e questionamentos modi-
caram substancialmente a visão e o conhecimento da natureza de suas
dentais e afro-asiáticos amp aram as pesquisas sobre a história "antes dos
europeus"; o período colonial, encarado como uma espécie de interregno, foi estruturas políticas e sociais e das suas atitudes diante dos comerciantes
investigado em busca das perspectivas e comportamentos dos colonizados - europeus e suas companhias de comércio.
ou "vencidos". Erifim, a : m iga perspectiva de uma expansão passivamente "sofrida"

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O HCULO XX
O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

pelos não-europeus é coisa do passado. Tal mutação historiográfica é ainda


PRESSUPDSTOS POLÍTICOS, SOCIAIS E CULTURAIS
mais perceptíve na es er~ história cultural. Aqui, com efeito, a expansão
/+) ANSÃO PRÉ-CAPITA LISTA
passou a ser encarada, no âmbito da história das mentalidades e da história DAEXP
intelectual ou das idéias, tanto do ponto de vista dos europeus como das
culturas ultramarinas. As "visões do outro", em diferentes épocas e circuns-
tâncias, especialmente na cultura européia, ocupam lugar de destaque na 1. O quadro político
historiografia recente, marcando os "encontros, e desencontros, de culturas
l 'ttico europeu, até o final do século XVIII, caracteriza-se pelo pre-
e civilizações". 0 lll8Pª po
dõriifi@ f lí .
õo 1:stado monárquico a so utista. Enquanto orma po nca, esse
Apenas para exemplificar, vejamos a mutação que se opera nas atitudes 0
":J responde ao resultado de um processo plurissecular que marcou a
mentais européias em relação à Índia e China por volta de 1800J ou seja, na "'ºcor , . - d
do Estado feudal ao moderno, atraves da centralizaçao do po er
época em que chegam ao término o "antigo sistema colonial" e a era do capi- ~gemtm'torial como administrativa) e de sua concentração em mãos de um
(gutO e
talismo comercial. pnna , ungido pelo direito clivino e per~etuado pela sucessao
- h d' , .
.er~ i~a:_1a.
No caso da Índia, observa-se claramente como a visão idealizada das alização e concentração se fizeram a custa dos poderes e 1~1scliço~s
suas instituições, popularizada por Raynal, começa a ser substituída por senhoriais da nobreza e do clero, isto é, da "domesticaçã.o" da ~1~to~rac1a
apreciações negativas dos hindus e do hinduísmo: o sistema de castas, os cos- civil e eclesiástica, e das limitações impostas às autonorruas muruc~pa1s ?~s
tumes "bárbaros". A pobreza e a ignorância são atribuídas à religião hindu, •burgueses". Seus instrumentos decisivos foram tanto de natureza ideolog1-
no momento mesmo em que a Revolução Industrial inglesa desarticulava e ca e jurídica como de caráter prático: a imposição, p~l~ pr.íncip~, ei:n. ~~me
destruía a produção indiana de tecidos de algodão para exportação. da sua autoridade suprema e absoluta, do seu monopoho fiscal, iuclinano e
Quanto à China, modelo de monarquia esclarecida para os filósofos da elo uso da força. Poder tributar e taxar livremente os súclitos, impor a sobe-
Ilustração, sua resistência aos ocidentais leva estes últimos a substituírem a rama dã justiça régia, controlar o uso das armas - "vigiar e punir", como
antiga admiração pela civilização dos mandarins por uma crescente impa- analisa Foucault (1975) - , são as peças essenciais do poder absolutista.
ciência ou irritação diante do "imobilismo" e "atraso" da China. Sedas, por-
O Estado absolutista representa, em termos históricos, a manutenção da
l!!m![lQIJi'a aristocrática embora, simultaneamente, em função da sua dinâ-
celanas, chá, chinoiseries, encantavam os europeus mas os chineses despreza-
mica política econômica e financeira, ele tenha favorecido, em escala variá-
vam os produtos ocidentais - apenas a prata Lhes interessava. A China era
vel, o desenvolvimento mercantil e manufatureiro e, portanto, a efil>ansão
um gigantesco mercado potencial para as indústrias em expansão na Europa dos setores burgueses. Ao fim e ao cabo, as dificuldades cada vez maiores
- por que não "abri-la" ao comércio e à civilização? para liarmonizar as perspectivas e interesses contraditórios da aristocracia e
da burguesia levaram o Estado absolutista à crise, isto é, a Revolução Liberal
<Koselleck, 1972).
PARTE 1-A ERA DO CAPITAL(ISMO) COMERCIAL Tanto os Estados absolutistas como as "Repúblicas" - antigas, ou urba-
nas, como Veneza e Gênova, ou "modernas", como as Provírlcias Unidas
Conhecida também como a época do surgimento do "capitalismo moder- (Palcón, 1994) - empenharam-se, em maior ou menor grau, no estabeleci-
no", esta é a era marcada pelo domínio do capital mercantil. mento ~ entrepostos mercantis e/ou conquistas territoriais em regiões extra-
européias, do século XVI ao XVIII. Tais empreenclimentos foram realizados,
na maior pane dos casos, l?_Or companhias de comércio organizadas, quase
=re, lo Estado e com a sua partici~- financeira em muitas delas,
dos "privilégios" (monopólios e isenções fiscais) concedidos a essas

24
25
O HCULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

empresas mercantis. Decorrem de tais características algumas das idéias e prá- ruração do Antigo Re · e, no final do século xvm, pode ser
~~anto como a conseqüência tanto do esvaziamento ou esgota-

=
ticas mais típicas do chamado "Antigo Sistema Colonial", a começar por sua ·
estreita vinculação aos interesses e decisões dos governos absolutistas - ou eosoo1~' rb:= e~:s de ~ustentação dessa sociedade quanto da crítica sistemáti-
republicanos, no caso holandês. Compreender-se-á assim por que a expansão _-ro das as J XVI , aos pnnc1p1os
. , . 1 ..
..--·- d desde fins do sécu o que a eg1nmavam - e
marítima, comercial e colonial, além de econômica, é tam ítiCa1 daí ca a, bsolurista (Koselleck, 1972) -, crítica esta centrada nas várias
estarem nela envolvidos comerciantes, militares, burocratas e missionários. ao ~= idéia de "liberdade", como referida ao indivíduo - cidadão -

2. As estruturas sociais

Designa-se, em geral, como Antigo Regime a sociedade da maioria dos paí- 3• Os dados culturais
ses europeus anterior à Revolução. Tal designação, produzida durante a Nl se uata, claro está, de retomar, neste passo, aqueles aspectos mais
Revolução Francesa por aqueles que queriam justamente liquidá-lo, indica ~ecidos da história g_eral da cultura ocidental na época moderna
um tipo de sociedade onde imperavam a desigualdade e o privilégio. Uma (llen•scimentol Reforma, Revolução Científica, Ilustração). Interessam-nos
sociedade cujas representações se baseavam em noções como as de "estado" IQJDellte alguns aspectos dessas manifestações, precisamente aqueles mais
e "ordem", ou seja, uma sociedade dividida em estamentos e ordens tendo diretamente ligados à expansão ultramarina - viagens, descobrimentos,
e'm vista deveres e direitos distintos de acordo com o nascimento, funçã o e conquistas.
posição hierárquica de cada um no seu grupo social. Nessa sociedade, há As viagens transoceânicas, tanto nas suas origens como nos seus resulta-
uma linha que separa o nobre do plebeu e outra que marca as diferenças ou doÍ(e continuidade}, constituem uma prática, ou conjunto de práticas, onde
distâncias entre os grupos detentores de algum tipo de privilégio e aqueles ae asociaram estreitamente teorias e experiências ora conflitantes, ora com-
totalmente destituídos. Pode-se, é claro, sublinhar as diferenças entre "socie- plementares. Barreto (1987), ao estudar a marinharia lusa, refere-se a uma
dade rural" e "urbana'', ou discutir, como já foi moda, a "realidade" ou não •sabecforia do mar" produzida a partir das observações e experiências das
dos estamentos e classes sociais. Atualmente, tende-se a utilizar o conceito de pr6prias viagens. Tratava-se então, e seria assim até o século XVIlI, de resol-
"Sociedade de Corte" (Elias, 1987) na medida em que alguns historiadores_o ftl' problemas concernentes à construção naval, à orientação em alto-mar e
consideram bem mais preciso para descrever e explicar as características fun- ao mapeamento preciso de rotas e lugares visitados. Inicialmente, a bússola,
damentais das sociedades européias anteriores à Revolução. OU •agulha de marear", o astrolábio e o quadrante náutico possibilitaram,
Interessam-nos mais aqui, no entanto, dois aspectos: o crescimento da(s) lllpeaivamente, conhecer o "rumo" e estabelecer a latitude, pois a determi-
burguesia(s), isto é, de seus negócios, no interior dessa sociedade e a oposi- lllÇlo da longitude foi problema só resolvido no século XVIII. Quanto às
ção ao absolutismo. Quer ocupando, cada vez mais, posições no aparelho embarcações, os portugueses utilizaram as velas em suas caravelas e naus,
do Estado, quer buscando o seu próprio enobrecimento, pela compra de ter- ~tiam navegar inclusive contra o vento; holandeses e ingleses, nos
ras e títulos ou uniões matrimoniais, a burguesia afirma sua presença e in-
, troduz sua visão de mundo nessa sociedade, ao mesmo tempo que seus seto-
res mercantis e financeiros atuam à sombra da proteção do Estado ou
çio:
al6nos XVI e~, introduziram novos tipos de embarcações, mais ligeiras,
suc~s1vos aperfeiçoamentos nas técnicas .de constr~ção e de utiliz~­
l'OI b madeiras, cordoalha, alcatrão etc. Por mais de um seculo, os estale1-
lucram com os apertos financeiros deste. E, não menos importante, em ·~lan~eses abasteceram praticamente quase toda a Europa.
alguns países ou regiões são elementos ou setores aristocráticos que adotam foraiii Otei~" e portulanos portugueses, ciosamente mantidos em sigilo,
concepções e práticas de "empresas" (capitalistas) em relação à exploração Dlies, ;ompan?ados de mapas-múndi os mais variados, de italianos e ale-
dos seus bens fundiários. esde 0 seculo XVI. Também os espanhóis e, a seguir, os holandeses

26 27
O stCULO XX
O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

fizeram dos mapas e "roteiros" segredos de Estado. Afinal, numa ép0ca e eia da experiência sensível sobre o saber livresco abriu
que o monopólio mercantil era, ao mesmo tempo, política estatal e exigênc· b) A suprema rpecnvas acerca do homem e d o mun d o e a• eosst"bºlid
1 a-
econômica, não se poderia admitir o acesso às informações sobre o além- as Pe - ::.L . D " . .
.a.. de ~sar em bases inteiramente novas.º co1rnecimento. o ~xpen~c1a-
ª quaisquer concorrentes. O desconhecimento, mais até do que o temor ~ • uneiros navegadores emergm aos poucos o exper101enta mo
represálias luso-espanholas, manteve os competidores afastados da "rota d 05
pr 0 base da ciência moderna. Copérnico, Tycho-Brahe, Bacon,
Cabo" até as duas últimas décadas do século XVI. cieDdfico
.
com d .
Descartes, Newton, cada um deles de acor o com sua~ cir~uns~~-
A

Por último, mas não menos decisivo, o poder de fogo dos europeus, es Ga)ileu, b tanciam as tendências no interior de uma Revoluçao C1entíf1ca
c:iaS, consu s .
cialmente nos mares. A supremacia européia impôs-se em função da s~ri ~vel sem a exJ?ansão ulttamanna.
ridade da sua artilharia naval (Cipolla, 1967). Se, na América, canhões, mÕ
quetes e cavalos dizimaram os exércitos indígenas, na Ásia o poderio eur
peu foi essencialmente marítimo. Incapazes de desafiar, em terra, os exércit
locais, os europeus limitaram suas posições, por muito tempo, ao perím
c a
) As ecessidades práticas dos viajantes em termos de observar, descre-
com exatidão os fenômenos observados contribuíram poderosa-
- e ara 0 desenvolvimento da mentalidade científica moderna centrada
protegido por sua artilharia naval. mente!mento matemático dos dados. Medir o tempo, por exemplo, tomou-
Primeiros dos ocidentais a chegarem ao Índico, os portugueses fora 80essencial, que levou ao aper feiçoamento mcessante
• das ta'buas astrono- A

0
também pioneiros na moderna tática de guerra naval; em face dos ataques ~ e relógios. Estes, aliás, constituem uma história à p~e nos sécul.os
centenas de embarcações árabes, indianas, malaias e chinesas, substituíram a xvn xvm,
e associados que estão ao deslumbramento de entao pelos varia-
abordagem pela destruiç_ão dos barcos inimigos a tiros de canhão. Suas frotas, dos mecanismos conhecidos por "autômatos".
pequenas quando comparadas às dos adversários, eram mais ágeis e possuíam
oder de fogo avalassador. Entende-se assim por ue a chegada dos portu~e­ d) Nessa mesma linhagem, de um universo concebido como um imenso
ses.haveria de ficar associada na memória coletiva à violência física e à into- ID"C'"ismo "escrito em lin uagem matemática" (Galileu), pode-se situar o
- lerância religiosa, mas também à fumaça e à pólvora (Panikk~ 1956). imeresse vez maior ela estatística, do qual William Petty (século XVII)
Canhões e velas estiveram também presentes nas inúmeras explorações um pioneiro em termos da sua aplicação aos fatos sociais.
empreendidas nos séculos XVII e XVIII pelo Pacífico e Insulíndia, em busca
e) Enfim, mas não menos decisivo, o pa el da im rensa. O crescimento
de um novo continente "austral". Aos poucos, as motivações mercantis
wrtiginoso da produção de livros impressos e, a se · de ·offiãis e revistas
foram cedendo espaço às viagens e expedições científicas ou "filosóficas•,
"!~~m~iivas totalmente novas para a difusão de informações, fantasias
típicas do Setecentos, quer no Pacífico, quer no continente americano.
•reflexões acerca das viagens e dos costumes de outros povos. Investigar essa
A história cultural da Europa moderna está intimamente ligada às expe-
itorial, conhecer leitores, tentar perceber leituras constituem,
riências empíricas e à revolução intelectual, cujas origens se acham na pró- hoje, setores de ponta da história cultural (Damton, 1996).
pria expansão européia. Difícil, portanto, estabelecer-se com precisão os per·
cursos e mecanismos de relações múltiplas e mutantes entre as notícias e ÍlJlJ"
gens de seres e coisas diferentes e novos e os desenvolvimentos intelectuais e
mentais europeus. Quando muito, em função de nosso tema, poder-se-á leJ11· l>AEXPANSAo MERCANTIL
brar aqui um pequeno elenco de aspectos dessas relações.
O~cesso de unificação do mundo: do capital(ismo) comercial ao capitalis-
a) A crise do prestígio e autoridade dos "antigos". Viagens e descobri· lllO llldustriat. .
mentos jogaram por terra verdades teológicas e filosóficas assentadas na
autoridade dos textos bíblicos e greco-romanos.
eon!ru~ória da unificação do mundo, tendo como um dos seus pilares a
çao do mercado mundial em bases capitalistas, abrange o período
~<>
28 29
O S~CULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

situado entre os séculos XV/XVI e o século XIX. Há, evidentemente, muit . merciais: mercados intra-europeus
(lrcUltOS CO -
maneiras de se abordar este processo histórico, isto é, de delimitar suas et
pas e colocar em destaque tais ou quais características. Trata-se aí, na ver~ ,....
2. -euro eus
---~

de, d~inhar o desenvo,lv~ento dos .mercados eurol'~us e e~ra-euroP.eua . da gigantesca expansão realizada nos séculos XV e XVI, expans.ão
de acordo com as caractensricas do capital e tendo em vista os c1Icuitos mer A parnr d 5 operações mercantis, o capital comercial deu um verdade1ro
cantis, a expansão colonial, as práticas mercantilistas e livre-cambistas, e os -do CSPaçofle a0 da_prata e do ouro americanos,- - d
os gran es carregamentos e
progressos tecnológicos. ~O~ . · " demais merca donas · VID
. das do "O nente
. "foram acompanh a-
«Tecianas e , · d
Utilizaremos aqui dois enquadramentos gerais para o efeito de periodiza. -r "revolução os preços que repercutiu sobre os mve1s e pro-
ção: ca ital e conjuntura. Do ponto de vista do capital consideraremos as
êfôS por urna - -
duçio e consumo europeus. . . -
fases tradicion mente enominadas de: capital(ismo) comercial, capitalismo ita comercial expandrn-se com rapidez em funçao das novas e
O cap . ~ · 1
industrial e capitalismo financeiro. Em termos de conjunturas, localizaremos: teS oportunidades geradas pela rotas mercantis transoceamcas e pe a
a "revolução comercial" do século XVI, a "crise" do século XVII, a prosperi- ciesc:ta e e ção das terras do Novo Mundo, a começar p~lo ~en-
dade do século XVIII, e as oscilações de crise e prosperidade do século XlX. vialento 0 comércio de escravos africano:,; Na Europa, um capital fIDan-
CClfO incipiente movimenta as primeiras ."?o Isas" (Ant~érpia, Londres,
Lyoo) favorece práticas especulativas, prop1c1a o desenvolv1Inento dos segu-
1. Antecedentes medievais ros m:u.ítimos e ao mesmo tempo faz emergir uma verdadeira "mania de
~". Mais importantes, no entanto, são as conexões cada vez mais
Nos séculos XI e XIl, uma "revolução econômica" impulsionou a produção ampiãS entre comerciantes-banqueiros e principes, a exemplo dos Fuggers de
agrícola e artesanal e as trocas mercantis na Europa Centro-Ocidental, Augsburgo e o impera or Carlos V, na primeira metade do século XVI. Em
levando ao chamado "renascimento urbano". Prosperaram sobretudo as certos pa1Ses, como a Inglaterra, o capital comercial aproveitou as oportuni-
cidades do centro-norte a ta 1a, su dos Países Baixos e cercanias do dades de lucro e investimento resultantes das secularizações dos bens ecle-
Báltico, favorecidas pelo crescimento do comércio "a longa distância". !i,útig>s - terras, prédios, objetos preciosos:::..... promovidas pela Reforma
Acumulação de capital, maior circulação monetária, novos instrumentos de te.
crédito, empréstimos aos príncipes e instituições eclesiásticas, circulação Dos séculos XV/XVI ao século xvm, em linhas gerais, a história do capi-
intensa de mercadorias tanto no Mediterrâneo como entre a Itália setentrio- cal(ismo) comercial compreende dois grandes circuitos ou complexos de rotas
nal e o Mar do Norte, pelo vale do Reno, caracterizam então esse primeiro etroc:as mercantis: o intra-europeu e o extra-euro eu.
surto ex ansionista do capital mercantil. Os abalos e prejuízos causados pela O circuito intra-europeu ..Predominou até os arredores de 1750 e com-
crise dos séculos XIV e XV", apesar de graves, não impediram uma recupe· preende quatro complexos regionais: Mediterrâneo. ~tiç_q,_ Báltico e
ração relativamente rápida no século XV e, principalmente, contribuíraJD l!uro Centro-Oriental, sendo basicamelll_e marítimos os três primeiros e
para o deslocamento parcial de rotas comerciais e capitais para os port<?S de • · o. Influenciados pelas diferenças regionais (geografia, clima) e
atlânticos 16éncos. natureza econômico-social entre as várias regiões euro éias, os circuitos
A partir dos séculos XV e XVI, expansão marítima, comercial e colonia__h US trans ortavam rinci almente cereais, vinhos, sal lã, peixe salga-
e construção do mercado mundial caminham de mãos dadas, como observou ~eira estanho cobre ferro,, sabão e produtos "novos" como relógios,
Marx: "O comércio mundial e o mercado mundial inauguram, no século J>lpe~ livros e artigos de luxo - em couro metal, vidr , louça - produzi-
XVI, a biografia moderna do capitalismo." ra em a gumas poucas regiões já famosas. o ~do deslocava-se "em pé" pa-
Vejamos então, se_paradamente, as características principais dos rne~~­ ~ grandes centros urbanos e certos artigos, como a madeira para os na-
dos, na(era do capital comercial, as etapas da expansão colonial europeia· a cordoalha, os panos das velas e os canhões, eram extraídos ou fabri·

30 31
O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO
O HCULO XX
ram do século XVI ao XVIIl: novos _padrões ar.quitetô-
cados em locais específicos - como os países escandinavos (Suéci se ace1era
ra!l ' A•

...- 0 luxo o conforto e a privacidade; houve a transferenc1a


Ocorreu assim uma relativa especialização no âmbito de cada um dos cir enfatizaram , nh 1
, . bretudo feminino, da supremacia da moda espa o a para a
tos regionais. Os portos do Atlântico, por exemplo, tornaram-se gran yestUàl'IO, SO anh d d . . .
o século XVII), acomp a a as pnmeiras revistas espe-
importadores e reexportadores de mercadorias vindas das regiões ultr ~ (mea d o S d

nas. Até 1750, Bristol (Inglaterra) e Nantes (França) foram os principais ...r..Hzadas (Paris). . . , l XVIII b
"-" . 'tos extra-europeus atmgiram o auge no secu o e a ran-
rosde cÕmércio com as Américas e dos barcos empregados no tráfico n Os arcu1 bd .. - . . A , .
::--eãs principais e algumas su 1v1soes reg1ona1s: mencas,
ro; a partir daí, Liverpool e Bordéus assumiram a liderança. ..;.m ues ar di IA . . l d
r..""":::: ,, China. A área americana compreen a as co ornas mg esas a
O comércio dessas regiões com as transoceânicas compreendia -riiidUIS ; Norte as colónias ibéricas e as ~índias Ocidentais", ou seja, as
pequeno leque de exportações e uma apreciável e cada vez maior quantida :W:anas e do Caribe . . "índias: incluíam~ subco~t~n~nte indiano,
':s
de importações, em geral reexportadas para outras regiões por alguns ...__ 111..dia (Indonésia), as reg1oes da penmsula malaia e as Fihpmas. Quanto
des portos conectados ao ultramar. As exporta ões consistiam em manufa ::;o.---r~c:::10 chinês, odemos incluir na mesma área o Japão e o Sudeste
r~ panos de lã artigos de meta , ferro, couro, madeira (mobiliário) ao com • esta ainda o continente a fr icano. Este, no litora 1oc1·denta1, art1cu-
·
vidro,)pape e seda; vinho, trigo, cerveja. Armas de fogo, panos de algodão ~!!!~com as éricas {as suas três áreas) em função do tráfico de escravos
ugigangas eram enviadas para o comércio de escravos na costa afric atravfs do Atlântico; já a costa oriental, no índico, estava inserida nas trocas
Todavia, desde sempre, o comércio com as regiões asiáticas consumia q comerciais realizadas com a Índia, Mar Vermelho e Golfo Pérsico.
tidades sempre crescentes de prata (Minchiton, 1981). desenvolvimento de cada um desses circuitos obedeceu a fatores e cir-
As grandes feiras mercantis, permanentes, eram Antuérpia, depois s amstâncias mais ou menos específicos, ligados às características próprias de
tituída por Amsterdã, Londres, Paris, Lyon, Nantes, Frankfurt (substituí .... formas de inserção no mercado internacional e também às variações con-
por Leipzig, a partir de 1648), Copenhague, Hamburgo. Diferenciaram junturais deste último, como veremos ao tratarmos da ex ansão colonial
aos poucos os comerciantes atacadistas desses grandes empórios e os reta ..IUl'OJ)éia. Pnr ora, no entanto, é oportuno assinalar o papel dominante desem-
lhistas espalhados por toda parte. Nos começos do século XVIII, apar penhado nesse comércio por alguns grandes centros liierêãiitis e manceiros
as primeiras "lojas" (Londres, Paris), decoradas e com vitrines, mas os mas-
cates ou bufarinheiros continuaram a ser numerosos e essenciais. O mo ·
-e' com~Antuérpia (até 1580), Árnsteraã (século XVII e metade do
'XVIII), Londres (a partir de fins do XVII), Gênova (na passagem do século
meato comercial em alta favoreceu o aprimoramento dos serviços post · para o XVII), bem como alguns centros mais regionais ou especializados,
ainda no século XVII, quando apareceram também os primeiros jornais, co como Marselha e Hamburgo, Genebra, Frankfurt, Nantes e Bordéus, Bristol
informações, anúncios de compra e venda, calendários de eventos mercan e , além, é claro, de Lisboa e Sevilha (depois Cádiz).
e listas de "preços correntes". Em contraste com esses progressos, porém,
melhoramentos introduzidos nos transportes, terrestres sobretudo, for
poucos e lentos em termos de velocidade e de capacidade de carga. 3 Expansão geográfica e hegemonia mercantis
Por volta de 1750 o(s) mercado(s) europeu(s) ainda deixava(m) bastan na Europa mercantilista
a desejar em termos de articulação. A economia monetária convivia com v .
tos bolsões de "economia natural"; havia enorme variedade de pesos em !:...~ância marítima ibérica e hegemonia flamenga -
das, milliares de postos de cobrança de direitos sobre a passagem de merca ---,,ia (séculos XV e XVI)
dorias e, sobretudo, uma enorme disparidade de rendas. O povo compra
alimentos, bebidas, roupas e materiais de construção mas, exceto quanto avegações oceânicas, descobrimentos, conquistas e colonização consti-
consumo de bebidas, esse mercado acompanhava os rítmos demográficoS etapas sucessivas da "empresa mercantil" ibérica, uma empresa marca-
conjunturais da economia. Em compensação, entre as classes abastadas,

33
32
O S~CULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

do transporte das especiarias das índias para Lisboa; já a transferência das orruguesas, sobre os roteiros marítimos, portos, condições políticas
mercadorias de Lisboa para Antuérpia, bem mais simples (e os seus lucros), naus. Pdescerraram os veus
, do nusteno
· , · so bre a " rota das espec1ar1as
· · ".
ficava com os flamengos, seus redistribuidores na Europa setentrional e cen.
tocais,
tro-ocidental. Hegemonia holandesa - e desafios anglo-franceses.
No caso da Espanha os problemas eram outros, mas os mecanismos não 32
A,,,sterda (1550-1715)
eram muito diferentes. A Coroa espanhola era rica, imensamente rica, não se
podendo supor que os custos da exploração da América e das frotas consti- O éculo XVIl associa-se, historicamente, ao oderio e riqueza da "Holan-
a (República d~s Províncias Unidas dos País~ Baixos). Tal as~ociação,
5
tuíssem algo tão significativo para o tesouro real como o eram no caso lusi-
tano. Todavia, as guerras e o luxo consumiam quase tudo, produzindo suces- bora válida, nao deve ser encarada de manetra exagerada. Afmal, esse
sivos e crescentes déficits - do tesouro e do consumo - , que conduziram à e?1ulo foi também o de Cromwell na Inglaterra, com seus "Atos (Leis) de
tomada de empréstimos com banqueiros alemães - como os Fuggers, de ~~o", e .Q._de Luís XIY, na França. "O Grande Século", segundo Vol-
Augsburgo - , genoveses e flamengos. Assim, alta dos preços, entrada de taire· século do Barroco roas também do Classicismo; do auge das idéias e
mercadorias importadas e bancarrotas do Estado, arruinaram a burguesia pra;cas mercantilistas mas também da "Revolução Filosófica e Científica",
mercantil e os empresários das manufaturas configurando o processo ao qual de Galileu, Descartes, Spinoza, Leibniz e Newton.
Vicens Vives (1964) denominou de "meteoro burguês". t também habitual aludir-se à "crise do século XVIl", mas, ainda desta
Antes de concluirmos esta síntese relativa ao século XVI, é necessário vez, relativizar é preciso, pois, dependendo do país cuja economia se co~si­
relativizar, um pouco pelo menos, a idéia de que os demais países europeus, dere, a "crise" muda de feição, ou de sinal. Afinal de contas, se tem sentido
excluídos da partilha do mundo, apenas presenciaram, conformados, à "he- a noção de "crise" a propósito de Espanha, Portugal e cidades italianas,
gemonia ibérica". Na realidade, o oposto é bem mais verdadeiro. Durante a como aplicá-la às Províncias Unidas, Inglaterra, Suécia, ou mesmo à França?
primeira metade do século, ingleses e franceses financiaram expedições des- A união ibérica (1580) expulsou holandeses e flamengos dos portos por-
tinadas, em princípio, a encontrar as chamadas passagens do Noroeste e do tugueses. Com o quase-bloqueio do estreito de Gibraltar pelos espanhóis, tor-
N ordeste para o Oriente, tentativas estas das quais resultaram, por exemplo, nou-se problemático o acesso às mercadorias do Oriente. Restava apenas a
a exploração do bacalhau da Terra Nova e do comércio de peles no "rota do Cabo". Daí, em 1602, a fundação da Companhia Unida das índias
Labrador, bem como os primeiros contatos com a Moscóvia. Na segunda Orientais, em Amsterdã, empresa particular mas ligada aos Estados Gerais,
metade do século, desfeitas as expectativas quanto às "passagens", novas cir- que lhe concederam poderes extensos, inclusive políticos e militares. Iniciou-
cunstâncias políticas impulsionaram franceses, ingleses e holandeses a desa· se assim o ataque às posições portuguesas na índia e Insulíndia. Tiveram os
fiar diretamente o monopólio ibérico. Novas circunstâncias políticas: lutas holandeses, no entanto, que competir com os ingleses da Companhia das ín-
religiosas na França; rivalidade e conflito anglo-espanhol; revolta das pro· dias Orientais, fundada em Londres, em 1600. Ao findar as quatro primeiras
víncias setentrionais dos Países Baixos contra a soberania espanhola. Novos décadas do século, os holandeses haviam assumido o controle da Insulíndia e
desafios: Villegaignon e sua França Antártica (Rio de Janeiro); Hawkins do comércio com Nagasaki Uapão), transformando Batávia no centro de seu
introduzindo mercadorias e escravos africanos nas Antilhas; Drake e outros poder no Oriente. Enquanto isso, expulsos das Molucas (Amboine, 1623), os
corsários atacando navios espanhóis; primeiras companhias de comércio ingleses estabeleceram-se na Índia, a expensas dos portugueses, os quais con-
com a Índia organizadas pelos holandeses (1595), logo seguidos pelos ingle· seguiram manter apenas Goa, Damão, Diu e Bassain, mesmo assim a duras
ses (1600). penas, tal como Timor, Solar e Flores, na Insulíndia.
Assim, se a viagem de circunavegação realizada por Drake (1577-79) Na América, no entanto, a Companhia Holandesa das índias Ocidentais,
revelara a fraqueza das posições portuguesas no Oriente e suas dificuldades fundada, em 1621, em Amsterdã, conseguiu somente êxitos temporários -
políticas, as informações de ingleses e holandeses, que haviam servido ern Salvador, 1624-25; Pernambuco e Nordeste - 1630-54, Nova Amsterdã,

36 37
O StCULO XX
O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO
16~8-54. Apenas Curaçao e a Guiana ficaram em seu poder, assim como, na
Áfnca, o Cabo (1652) e alguns estabelecimentos no Senegal, pois Angola por último, uma breve referência às novas navegações. Espanhóis e por-
tomada em 1641, foi reconquistada pelos luso-brasileiros em 1648. ' rugueses, nos sé~ulos XVI e ~' ~ocaram no litoral setentrional da Nova
A ~eja como f~r, ~ Holand~ consolidou-se como a grande otência hege- Guiné e descobnram alguns arqmpelagos, como os das Salomão e das Mar-
momca do comerc10 e das finanças internacionais. Através do chamado quesas, alé~ de es~a~~ecerem uma ligação re~lar entre Acapulco e Manila .
.. comércio de comissão", os "carreteiros do mar" dominaram por várias Todavia, a Austrália permaneceu desconhecida, embora, em 1606, Torres
décadas o comércio dos países ocidentais, assim como o do Báltico renha cruzado o estreito entre ela e a Nova Guiné, o qual só viria a ser redes-
Alemanha, Rússia e parte do Mediterrâneo. Açúcar, especiarias, chá, artigo~ coberto em 1770, por Cook (o relatório de Torres ficou trancado a sete cha-
de luxo e panos do Oriente, cereais dos países bálticos, bem como a madeira ves em Manila, até 1762, quando os ingleses o encontraram) (Parry, 1959).
e os metais, eram o forte desse comércio, que também incluía os navios cons- O século XVII foi o dos navegadores holandeses. Vários destes percorre-
truídos nos seus estaleiros, canhões e mosquetes. Fundado em 1608, 0 ramascostas ocidentaise setentrionais da "Austrália" (Nova Holanda),
Banco de Amsterdã era então o centro financeiro europeu. redescobriram as Salomão e descobriram Taiti, Novas Hébridas, Tonga etc.
Os rimeiros abalos inflig!dos a essa supremacia neerlandesa resultaram O maior desses navegadores, Abel Tasman, descobriu, em 1642, a Tasmânia
das derrotas impostas em duas guerras, 1652-54e1663-64, pelos ingleses, mas e a Nova Zelândia, mas não se deu conta das dimensões da "Austrália", cujo
que se originaram na reação holandesa às Leis de Navegação ecretadas por litoral oriental permaneceu esconhecido - entre a Tasmânia e a Nova
Cromwell (1654) e confirmadas pela Restauração (1660 e 1663) para a prote- Guiné (região na qual Swift, em 1726, situaria Lilliput) (Leithauser, 1956).
çã~ do comércio inglês. Não tardaram, também, as guerras empreendidas por
L~1s XIV con~a a República das Províncias Unidas - em defesa do protecio- 3.3 Duelo anglo-francês: apogeu e crise
msmo colbemsta mas, também, contra um "foco de libertinos" antiabsolutis- do "antigo sistema colonial mercantilista" (1715-1815)
tas. Restou então aos holandeses, a partir de 1688-89, estabelecer sólida alian-
ça com a Inglaterra contra as ameaças francesas, urna aliança, aliás, que está Mais conhecido como o Século da Ilustração e da Revolução, o século XVIlI
nas origens financeiras da fundação do Banco da Inglaterra, em 1694. possui também uma es ecial importância na história do mercado internacio-
Nas índias Ocidentais (Antilhas), iniciou-se a colonização, através de nal. C-om efeito, ao auge do "antigo sistema colonial" segue-se, no último
companhias de comércio - francesa e inglesa-, das ilhas não ocupadas pela quartel desse século, a crise desse mesmo sistema em conexão com a do An-
Espanha: St. Kitt's, Martinica, Guadalupe, Barbados, onde se cultivou o taba- tigo Regime e o início da Revolução Francesa. Ao mesmo tempo, as idéias e
co e, a seguir, a cana-de-açúcar, primeiro com mão-de-obra de brancos e endi- praticas mercantilistas são postas em questão, primeiro pelos fisiocratas
vidados e, depois, de escravos africanos. Os holandeses foram os maiores ~ance~es, como ~uesnay e Turgot, e, logo a seguir, por Adam Smith, cujo
bene~ciários do comércio de exportação e importação das ilhas, especialmen- - ~Salo sobre a Riqueza das Nações" (1776) assinalaJb nasçimento do libe-
te apos sua expulsão do Brasil, pois foi então que se deu a introdução da ratismo econômico Enfim, sobredeterminando em profundidade as transfor-
lavoura açucareira no Caribe. Simultaneamente, os holandeses intensificaram ações das sociedades ocidentais, a Revolução Industrial na Inglaterra
cada vez mais o contrabando nos portos sob controle espanhol na Terra _!!.Presenta a progressiva supremacia do capitalismo industrial, ou seja, da
produção capitalista e da industrialização.
Firme. Em 1634, eles ocuparam Curaçao, a partir daí uma base naval e entre-
posto comercial holandês. Até 1670, bucaneiros, flibusteiros e piratas infesta- Contrapondo-se à lógica ou ao sentido desse panorama geral das gran-
vam ~ região antilhana, sob olhares tolerantes da Inglaterra e França; reco- d;s ~ransformações do Setecentos, algumas tendências demonstram a persis-
nhecida pela Espanha a ocupação das ilhas, inclusive a da Jamaica tcnc1a das antigas idéias e práticas. Tal é o caso, por exemplo, das políticas
(Inglaterra), ingleses e franceses empenharam-se em acabar com os bucaneiros ~ercantilistas "tardias" dos Estados absolutistas periféricos, como Portugal,
e piratas, de modo que, por volta de 1700, eram poucos os que sobreviviam. Pélnha, Áustria, Prússia, Rússia, à época do "despotismo esclarecido" ou
reformismo ilustrado. Em termos mais pontuais, pode-se observar a sobrevi-

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39
O SÉCULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

da das companhias de comércio privilegiadas inglesas e francesas e a sua . outras ilhas um ativo comércio de contrabando com a Terra Firme
"recriação", como no caso português, entre outros. Jadl81'.ª eespanholas) carreava para o Banco da Ing1aterra as preciosas
· ·
p1as-
O mercado internacional do século XVIII desenvolveu-se em função (cotôruas , · no comercio
exicanas, tão ute1s ' · com a Ch ma. · An tes mesmo d a
111
principalmente das disputas anglo-francesas, cujos cenários decisivos foram uas - Industrial as mercadorias britânicas já penetravam nos mercados
1 0
Retouça · 'metropoles
, ' de contra ban do e assun
· se paga-
as Américas e a Índia, envolvendo colônias, entrepostos comerciais, rotas e · ·5 ibéricos via ou atraves
tráficos.
1
co º:1necessidades inglesas de materiais de construção naval importados da
Até 1748, os ingleses lograram poucos avanços na América do Norte (no
vaso , .
'ão do Ba1t1co.
Canadá) enquanto que, na índia, as duas companhias, a inglesa e a francesa, regi finalmente, é bom termos presente o grande crescimento do comércio
alternaram vitórias e derrotas. As disputas concentravam-se, então, nas "Ín- das olônias inglesas da América da Norte. As do sul, exportadoras de pro-
dias Ocidentais" (Antilhas) e no comércio ibero-americano. Apesar da posi- ~ agrícolas, consumidoras de manufaturas e escravos, estavam ligad.as
ção francesa na Espanha ser preponderante, os comerciantes ingleses haviam djretamente à Grã-Bretanha. As da Nova Inglaterra e do centro c?merc1a-
conseguido o contrato do asiento (fornecimento de escravos africanos às a111 com as Antilhas e África - açúcar, melaço, rum, escravos - e unporta-
colônias espa o as) e o navío de pemii~o (um navio inglês podia aportar a :a111 manufaturas britânicas em troca de açúcar, navios e madeiras. Navios
cada ano em Cartagena). Ao mesmo tempo, em posição vantajosa em coloniais dominavam esse comércio das Antilhas, ao contrário do que ocor-
Portugal, graças ao Tratado de Methuen (1703 ), os comerciantes ingleses ria nas rotas européias.
aproveitaram-se da Colônia do Sacramento, devolvida aos portugueses para De 1748 a 1763, a Grã-Bretanha não somente conseguiu expulsar a
a partir dali contrabandearem suas mercadorias para Buenos Aires e o Alto França da América do Norte (Canadá, Louisiana, Flórida) e expandir-se nas
Peru, obtendo assim a prata necessária às transações no Oriente. Nessa mes- Antilhas - Domínica, S. Vicente, Granada e Tobago - como, principalmen-
ma época, aliás, boa parte do ouro e diamantes das minas brasileiras fluiu te, barrar as manobras de Dupleix (da companhia francesa) e, eventualmen-
para Londres, diretamente ou não, reforçando a posição dos bancos ingleses. te, derrotar os partidários do Mogol em Plassey (1757), e os franceses e alia-
A expansão do comércio com as Antilhas levou a uma autêntica "ameri- dos em M adras (1760) e Pondichéry (1761). Sob o comando de Clive, a East
canização do comércio francês", a partir de Marselha, Saint-Malo, Nantes e India Co. assumiu o controle sobre Bengala e o Decã, dando início à expa11=
Bordéus. Açúcar, café, escravos, mas também índigo e algodão, são reexpor- são territorial na Índia. Desde 1740, por sinal, era a Índia, e não mais a
tados para todo o Mediterrâneo, Holanda, cidades hanseáticas e Báltico. A América, o símbolo da riqueza para os europeus (Bergeron, 1983).
prosperidade das colônias francesas - S. Domingos (Haiti), Martinica e Para as companhias de comércio européias, desde o século XVII, os
Guadalupe - fez a fortuna de empresários e plantadores. negócios da ln.dia envolviam três setores básicos: tecidos de algodão (tecelões
Várias rotas correspondem então à intensificação do chamado "comér- indianos das áreas rurais), chá (da China) e especíarias (da fusulíndia). A ten-
cio triangular": Europa-África (escravos)-Antilhas (escravos por açúcar)-Eu- dência, que logo se tornou uma prática dominante, foi a de "asiatizar" o
;c;pa (ou, África-Brasil-Europa); havia também o comércio direto: Anti- country trade (comércio regional), isto é, deixar cada vez mais aos elementos
lhas/Brasil-África-Antilhas/Brasil; as colônias inglesas da América do Norte locais as variadas rotas mercantis, centralizando em Calcutá, Madras, Surat,
também comerciavam com as Antilhas e, aos poucos, participavam do tráfi- Bombaim e Cochin as operações de compra e venda. Tecidos de algodão,
co de escravos (Bergeron, 1983 ). café, açúcar e pimenta circulavam de um lugar para outro, assegurando a
Do lado inglês, Bristol, Wbitehaven e sobretudo Liverpool são os gran- Pane do leão nos lucros para os ingleses mas deixando suas migalhas a mer-
des portos de importação e reexportação de açúcar, tabaco, café, além de sua cadores árabes, indianos, armênios e malaios, competindo entre si. A prata
participação no tráfico de escravos. Barbados, Jamaica, Tobago e Granada era enviada em grandes quantidades à Lídia, especialmente para comprar o
são as grandes produtoras de açúcar e café, enquanto tabaco e arroz provi- _chá em Cantão, o qual, em parte, era usado na compra de especiarias, ao
nham das colônias do sul da América do Norte (Virgínia, Maryland). Da l ado dos tecidos indianos, da lnsulíndia. As conexões entre os comerciantes

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O S~CULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

judeus de Londres, Amsterdã e Hamburgo facilitavam o fornecimento da · da a prata e o ouro carreados para a Índia e a China pelas compa-
prata de que a companhia da lndia Oriental necessitava. A maior parte, po. ou, am ' di
phias holandesa, francesa e, sobretudo,,pe.la East ln. a Co.? , .
rém, tanto do chá como dos tecidos mê.Iíanos era consumida na Inglaterra, Por último, as companhias de comerc10. Na Ásia, ao contrario das suas
_ França e Alemanha setentrional, se bem que, ao que tudo indica, as peçaa . - americanas, tais companhias deviam, em princípio, abster-se de con-
mais finas indianas ficassem no Oriente Médio e na Insulíndia. A partir de irfllSS .. lº d N
· tas territoriais, sempre onerosas e politicamente comp ica as. a pratl-
, .
1730, come~a o comércio do ópio na Insulíndia e, após 1750, os ingleses ini. qUJSfoi tudo diferente. Na Insulíndia, a companhia holandesa entrou em
~ua venda em Cantão, em substituição à prata, conforme a East lndia 'ª' essivos conflitos com sultanatos "re beldes " ou host1s,
. apo1an
. do os .. arm-.
Co. estabelece seu monopólio sobre a principal região produtora de ópio -
suc d , . . ..
s" e estendendo cada vez mais seus omm1os terntona1s em ava e
J
Bibar (Índia). Cobre, estanho e salitre são também importantes itens desse go fº .
surnatra, mas despendendo enormes recursos mancelios. . .
comércio "intra-indiano", que envolvia o Japão, Malásia e a lndia. Na lndia, as lutas anglo-francesas pelos entrepostos comerc1a1s cederam
Até 1780, pelo menos, as exportações britânicas em prata e ouro para a lugar, após a batalha de Plassey (1 :757), à t~rritori.alização da companhia
lndia foram consideráveis; as importações de mercadorias indianas e orien. inglesa: primeiro em Bengala, a segmr no D~ca, e a.ss_im, p~uco. a pouco, tod?
tais superavam as exportações. Os lucros, enormes, provinham do comércio subcontinente. Do comércio passou-se a admm1straçao fiscal e desta a
0
intra-indiano e de Cantão, onde o número de embarcações anglo-indianas administração total, direta e indireta.
superava o das britânicas (Butel, 1983). Antes de concluirmos esta primeira parte, vale lembrar aqui uma outra
Esta descrição do mercado internacional no século XVIII, apesar de bas· face da expansão européia no século XVIII - a das grandes viagens e dos
tante simplificada, evidencia a existência de conexões mercantis e financeiras descobrimentos marítimos realizados por navegadores ingleses e franceses.
que ultrapassavam em muito os espaços regionais. Trata-se efetivamente de Do lado francês, o mais famoso foi Bougainville que fez a volta ao mun-
uma economia-mundo cujos centros se encontram na Europa. Ao mesmo do de leste para oeste (1766-68), reconhecendo Taiti- "Nova Citera" - , as
tempo, esse quadro permite-nos perceber nas suas entrelinhas certas práticas Samoa, Novas Hébridas e Salomão, já descobertas pelos holandeses, no
mercantis capazes de relativizarem em parte nossas noções habituais acerca século XVII, e pelos ingleses Wallis e Carteret, no XVIII. A diferença, porém,
do mercantilismo, tais como, por exemplo, as de "exclusivo", "metalismo", foi o sucesso do relato de Bougainville - "Voyage autour du monde" (1771)
"companhias de comércio", quando analisamos, também, o comércio do - , que levou um entusiasmado Diderot a escrever um "Suplemento à viagem
"Oriente". de Bougainville", numa leitura "filosófica" de outras culturas, diferentes da
Veja-se, para começar, o "exclusivo", peça fundamental do "antigo sis· curopéia. Outro viajante, La Perouse, desapareceu misteriosamente em
tema". Bem, os portugueses até que tentaram impô-lo ao comércio das Vanikovo (1788).
lndias a ferro e fogo, mas sua viabilidade logo se revelou impossível. Não Dos muitos viajantes ingleses, o mais importante foi James Cook, patro-
basta, porém, acusar os competidores europeus por esse fracasso. Na verda· cinado pela Royal Society, o qual, em suas três viagens, entre 1768 e 1779,
de, esses concorrentes, holandeses e ingleses, perceberam a imensa complexi· reconheceu o litoral oriental da Austrália e cruzou o estreito de Torres, pela
dade das relações comerciais já existentes no Índico, na Malásia, Insulíndia e primeira vez depois de 164 anos d~ua descoberta (1606), conservada em
nos mares da China. Assim, em vez de coibi-las, preferiram tirar delas o ~edo pela Espanha; descobriu a Nova Caledônia, o estreito entre as duas
maior proveito possível, ora participando diretamente, ora organizando os ilhas da Nova Zelândia - estreito de Cook - , as ilhas Havaí, onde morreu
fluxos de mercadorias para seus entrepostos comerciais. num ataque de nativos (Parry, 1959).
Em segundo lugar, o "metalismo", que alguns manuais associam, ainda Se acrescentarmos a essas viagens as dezenas de expedições ou "viagens
hoje, à "natureza" ou "essência" do mercantilismo. Ora, se assim fosse, filosóficas" empreendidas no continen"te americano, como as de La Conda-
como então explicar, por exemplo, o Galeão de Acapulco, a transportar, ano rnine e de Von Humboldt, mas também aquelas patrocinadas pelas Acade-
após ano, seus carregamentos de prata mexicana para Manila (Filipinas)? mias das Ciências de Lisboa e de Madri, teremos uma visão do quanto a

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O stCULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

Euro_pa ilustrada_procurou ampliar o conhecimento e a classificação da natu. . dígenas e transportando, da África para as Américas, milhões de escravos.
10
reza dos países exóticos, de acordo com perspecrivas científicas. Toda uma tradição historiográfica houve por bem designar o conjunto
Difundidas amplamente através de livros com grande sucesso de público dessas ações como_:_Antigo_Siste~a ACo~on_ial"~ e~~ora as análi~es d~ ~al sis-
leitor, algumas dessas narrativas influíram muito, ao que tudo indica, sobre ma se apliquem com mais perrmencia as Amencas do que as at1v1dades
as mentalidades letradas de então. Obras filosóficas e de ficção apropriaram. t:ropéias na As ia. Seja como for, parece indiscutível que esse "Antigo
se dessas informações e sobre elas criaram mundos maravilhosos ou estra- ~istema " não resistiu à crise e derrocada do "Ancien Régime" europeu no
nhos e tipos humanos moral ou intelectualmente superiores. Swift e fun do século XVIII, tanto assim que, nas antigas histórias da colonização
Stevenson, Rousseau e Voltaire, Diderot e Raynal, em claves muito diversas, -européia, os empreendimentos europeus, britânicos sobretudo, já surgiam no
são somente alguns exemplos dessas tomadas de consciência das djversida- século XIX como o "Novo Sistema Colonial".
des culturais, através de uma geografia que, aos poucos, traz consigo os pro- A desestruturação do Antigo Regime político, social e econôrnico reali-
blemas de uma nova antropologia. zou-se no bojo de uma '~dupla revolução" (Hobsbawm, 1977): econômica-
a Revolução Industrial - e política, social e ideológica - a Revolução
Liberal, ou revoluções democrático-burguesas - , cujo carro-chefe é a
Revolução Francesa (1789-1815).
PARTE li - A ERA DO CAPITALISMO INDUSTRIAL A Revolução Industrial, fenômeno inglês, iniciado nas últimas décadas do
Setecentos, significou a arrancada do "capitalismo industrial", isto é, da pro-
dução capitalista. A partir daí, a indi..strialização passa ao primeiro plano das
INTRODUÇÃO preocupações das burguesias nacionais continentais, uma vez que é a máquina,
como expressão emblemática da nova ordem econôrnica nascente, que concen-
Na história geral do desenvolvimento do capitalism~ é habitual considerar· tra em si rodas as atenções empresariais e políticas. Maravilha suprema, ou
se o séct.ilo XIX como o período em que a produção capitalista emergiu, afir· danação infernal, é a máquina g_ue produz o "vapor do diabo", que sobe aos
mou-se e expandiu-se mundo afora, a partir basicamente de alguns países "céus das cnaminés das fábricas e provoca entusiasmos e condenações.
europeus, pois a entrada no cenário mundial de novas potências, como os "Prometeu desacorrentado" (Landes, 1994) desencadeia transformações
Estados Unidos e o Japão, só se verifica realmente na última década do que ao mesmo tempo deslumbram e assustam. Capital- máquinas - fábri-
Oitocentos. cas-especialização e controle do trabalho. Desintegram-se as corporações, já
Por vários motivos, é costume também dividir-se essa história do capita- não há maislugar_para o artesão independente. O trabalhador é agora um
lismo oitocentista em duas fases ou períodos: 1 - do final do século xvm assalariado, metido na fábrica durante 12, 14, 16 horas, submetido a rígida
até mais ou menos 1870; 2 - de 1870 a 1914. Enquanto à primeira corres- disciplina, vigiado, cronometrado - time is money. A máquina a vapor libera
ponderia proQriamente a denominação de "Era do capitalismo industrial", à o empresário da "servidão hidráulica": agora, as fábricas se multiplicam nas
segunda se aplica em geral a designação de "Era do capitalismo monopolis- periferias urbanas e atraem levas e levas de operários, cujas moradias miserá-
ta e imperialista". Tais denominações não são, como é sabido, "teoricamen- veis se amontoam nas proximidades. Logo, serão as "Duas Cidades" (Disraeli,
te.neutras", muito pelo contrário. Todavia, discutir-lhes os pressupostos teó- 1861) que se desconhecem e se desprezam, ou odeiam, reciprocamente.
ricos é algo fora de cogitação neste passo do nosso texto. Esses começos da era capitalista - e da sociedade liberal, burguesa -
Velas e canhões, expressões maiores da sua supremacia tecnológica, per· f?ram vividos como um tempo novo e confuso, um tempo que teve seus entu-
mitiram aos europeus conquistar o domínio dos oceanos e mares, construir siastas mas também seus adversários. ·como em todo tempo novo, nele se
fortalezas e entrepostos comerciais nas costas africanas e asiáticas e apro· pode observar a lenta e difícil construção de uma sociedade diferente em meio
priar-se dos territórios americanos, dizimando e escravizando as populações ao muito que ainda sobrevive da anterior - a sociedade do "antigo regime".

44 45
O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO
O HCULO XX

Na esfera intelectual e anística, o Romantismo ou, melhor, os romantismos


expressam o desgosto, a insatisfação, diante das mudanças em curso e dã
. que sentem por "Um mundo que perdemos" (Lasletto
re' deas a' nosta 1gta
:0
• reressarn os casos de industrializações frustradas ou adiadas, pois a expan-
capitalista é tanto extra-européia quanto intra-euro.eéia e o esquecimen-
desta última, freqüente em manuais e compêndios, torna incompreensíveis
~istórias de muitos Estados europeus no século XIX (Dreyfus, 1983 ).
1969). No plano político e social, velhas forças e interesses lutam para conser:
Uma das dificuldades que apresenta a historiografia do século XIX é ocos-
varo possível da antiga ordem em nome da "tradição" (Mayer, 1987).
tulJ1C de dividir o processo histórico em compartimentos especializados e inco-
"Ordem" e "movimento", "tradição" e "revolução", autoridade versu
. , 1 s 01unicantes: aqui a economia, ali a política, acolá a sociedade e a cultura, sem
ª.
anarq~1a, eis at gu~as das oposições dicotômicas comuns nessa época.
esquecer, é claro, as relações internacionais - incluindo-se nestas as "questões
:ostenorm_:nte, his.t onadores e sociólogos tenderam a associar ao "campo",
coloniais". Ao mesmo tempo, a velha distinção entre "fatos" e "idéias" produz
a~ p~p"ul~çoes,,rura~s, as forças e atitudes resistentes às mudanças, em oposi-
novas subdivisões e o resultado são visões unilaterais, incompletas.
çao a cidade , epicentro da "modernidade". Daí a oposição, tomada clás-
Veja-se, a título de exemplo, a maneira mais comum de historiar o
sica, entre "cidade" e "campo" como expressões antinômicas de "moderno"
Oitocentos: um período denominado "Restauração e Revolução" (1815-50)
versus "tradicional" ou "arcaico" (Giddens, 1991). Apesar das muitas críti-
e o outro Realismo e Nacionalismo" (1850-1914). Protestos dos historiado-
cas já dirigidas a este modelo, observa-se ainda hoje sua sobrevida.
-res da economia para os quais são decisivas as conjunturas: de crise (1815-
Muito mais interessante do que essas dicotomias problemáticas vem a
53 >prosperidade (1853-73), depressão (1873-96) e de expansão (1896-
ser, nesse período, o processo de tomada de consciência da modernidade. A
1929). Política num caso, economia no outro; onde ficam aí as estruturas e
partir da assimilação da nova idéia de História - como "singular coletivo"
movimentos sociais, mentalidades, correntes artísticas, visões de mundo?
- e de sua temporalização, torna-se evidente para muitos que a História é
Assim, é compreensível que a historiografia recente venha subvertendo qua-
uma realidade existente por si mesma, em processo de constante aceleração.
se tudo isso através de propostas centradas em novas abordagens e na pro-
Não há mais o "tempo" como algo distinto da "História". A sucessão dos
moção de termos ou objetos até aqui ignorados.
acontecimentos, a ruptura com o passado, conduzem ao progressivo estreita·
Felizmente, porém, não temos a tarefa de escrever essa história, mas uni-
mento do "espaço da experiência", ou seja, da função da história corno
camente apresentar em linhas gerais as características de uma sociedade
"mestra da vida". Em compensação, alarga-se o "horizonte de expectativas"
constituída de Estados-nações que são os agentes da expansão capitalista.
e o futuro se torna algo a ser vivido no próprio presente. A "Revolução" é
Acredito que seja possível partirmos da noção de que uma "nova socie-
cada vez mais, um horizonte inerente à própria História (Koselleck, 1985).'
dadC'" constituiu-se aos poucos em função da "dupla Revolução" já mencio-
nada. Vejamos, então, algumas características políticas dessa nova socieda-
de, embora o político seja sempre também social, como se sabe.
A) PRESSUPOSTOS POLfTICOS, SOCIAIS E CULTURAIS DA EXPANSÃO
Admiradores e adversários da "Revolução" debatem, a partir de 1815,
seu sentido ou natureza: liberdade e igualdade, ou somente a primeira? É a
A expansão capitalista no século XIX é inseparável das determinações resul·
época da "liberdade bem entendida" e das associações entre igualdade/de-
tantes do fato de se tratar de um processo vinculado estreitamente à existên·
mocracia e "anarquia". Ninguém melhor que Tocqueville Uasmin, 1997)
eia ~e uma constelação ou sistema de Estados-nações. Alguns desses Estados
soube captar então os dilemas inerentes a liberalismo e democracia.
reahz~ram s~a . própria industrialização, outros não, mesmo na Europa.
Para simplificar, pode-se admitir que, na primeira parte do século XIX, é
Cada mdustnalização teve suas especificidades e obedeceu a ritmos próprios;
a questão da liberdade que se destaca. Tratava-se aí de conquistá-la ou
defendê-la, contra seus adversários tradicionalistas e reacionários. C~mo
algumas conduziram a um "desenvolvimento auto-sustentado" outras fica-
ram no meio do caminho. Do nosso ponto de vista, interessam ;obretudo as
?bie~vo primordial, lutam os liberais por uma constituição na qual sejam
industrializações bem-sucedidas, uma vez que os respectivos Estados são os
lDscntos, ou "positivados", direitos e liberdades individuais. Apesar de dife-
que lideram a expansão colonial e financeira do capital. Mas também nos

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O CAPITAL I SMO UNIFICA O MUNDO
O HCULO XX

Na esfera intelectual e artística, o Romantismo ou, melhor, os romantismo ~am os c~sos de industrializ~~ões frustr~das ou adi~_das, pois a e~an­
expressam o desgosto, a insatisfação, diante das mudanças em curso e d' s siO capitalista e tanto extra-europeia quanto mtra-europe1a e o esquec1men-
re' deas a' nosta 1g1a
. que sentem por "Um mundo que perdemos" (Laslett ªº ôesta última, frequente em manuais e compêndios, torna incompreensíveis
1969). No plano político e social, velhas forças e interesseslutam para conser: ~órias de muitos Estados europeus no século XIX (Dreyfus, 1983).
varo possível da antiga ordem em nome da "tradição" (Mayer, 1987). as Uma das dificuldades que apresenta a historiografia do século XIX é ocos-
"Orde~" e_"movimento", "tradição" e "revolução", autoridade versics tu111e de dividir o processo histórico em compartimentos especializados e inco-
anarq~1a, eis a1 a_lgu~as das oposições dicotômicas comuns nessa época. inunicantes: aqui a economia, ali a política, acolá a sociedade e a cultura, sem
:ostenorm:nte, his_tonadores e sociólogos tenderam a associar ao "campo", esquecer, é claro, as relações internacionais- incluindo-se nestas as "questões
a~ P~~~l~çoes ,,rura~, as forças e atitudes resistentes às mudanças, em oposi. coloniais". Ao mesmo tempo, a velha distinção entre "fatos" e "idéias" produz
çao a cidade , epicentro da "modernidade". Daí a oposição, tornada clás. novas subdivisões e o resultado são visões unilaterais, incompletas.
sica, entre "cidade" e "campo" como expressões antinômicas de "moderno" Veja-se, a título de exemplo, a maneira mais comum de historiar o
versus "tradicional" ou "arcaico" (Giddens, 1991). Apesar das muitas críti- Oitocentos: um período denominado "Restauração e Revolução" (1815-50)
cas já dirigidas a este modelo, observa-se ainda hoje sua sobrevida. e o outro Realismo e Nacionalismo" (1850-1914). Protestos dos historiado-
Muito mais interessante do que essas dicotomias problemáticas vem a -res da economia para os quais são decisivas as conjunturas: de crise (1815-
ser, nesse período, o processo de tomada de consciência da modernidade. A 53 prosperidade (1853-73), depressão (1873-96) e de expansão (1896-
partir da assimilação da nova idéia de História - como "singular coletivo" 1929). Política num caso, economia no outro; onde ficam aí as estruturas e
- e de sua temporalização, torna-se evidente para muitos que a História é movimentos sociais, mentalidades, correntes artísticas, visões de mundo?
uma realidade existente por si mesma, em processo de constante aceleração. Assim, é compreensível que a historiografia recente venha subvertendo qua-
Não há mais o "tempo" como algo distinto da "História". A sucessão dos se tudo isso através de propostas centradas em novas abordagens e na pro-
acontecimentos, a ruptura com o passado, conduzem ao progressivo estreita· moção de termos ou objetos até aqui ignorados.
mento do "espaço da experiência", ou seja, da função da história como Felizmente, porém, não temos a tarefa de escrever essa história, mas uni-
"mestra da vida". Em compensação, alarga-se o "horizonte de expectativas" camente apresentar em linhas gerais as características de uma sociedade
e o futuro se toma algo a ser vivido no próprio presente. A "Revolução" é1 constituída de Estados-nações que são os agentes da expansão capitalista.
cada vez mais, um horizonte inerente à própria História (Koselleck, 1985). Acredito que seja possível partirmos da noção de que uma "nova socie-
dadê" constituiu-se aos poucos em função da "dupla Revolução" já mencio-
nada. Vejamos, então, algumas características políticas dessa nova socieda-
A) PRESSUPOSTOS POLITICOS, SOCIAIS E CULTURAIS DA EXPANSÃO de, embora o político seja sempre também social, como se sabe.
Admiradores e adversários da "Revolução" debatem, a partir de 1815,
A expansão capitalista no século XIX é inseparável das determinações resul- seu sentido ou natureza: liberdade e igualdade, ou somente a primeira? É a
tantes do fato de se tratar de um processo vinculado estreitamente à existên· época da "liberdade bem entendida" e das associações entre igualdade/de-
cia de uma constelação ou sistema de Estados-nações. Alguns desses Estados mocracia e "anarquia". Ninguém melhor que Tocqueville Qasmin, 1997)
realiz~ram s~a - própria industrialização, outros não, mesmo na Europa. soube captar então os dilemas inerentes a liberalismo e democracia.
Cada mdustnalização teve suas especificidades e obedeceu a ritmos próprios; Para simplificar, pode-se admitir que, na primeira parte do século XIX, é
algumas conduziram a um "desenvolvimento auto-sustentado" outras fica- ªquestão da liberdade que se destaca. Tratava-se aí de conquistá-la ou
ram no meio do caminho. Do nosso ponto de vista, interessam ;obretudo as defendê-la, contra seus adversários tradicionalistas e reacionários. C~mo
industrializações bem-sucedidas, urna vez que os respectivos Estados são os ?bje~vo primordial, lutam os liberais por uma constituição na qual sejam
que Lideram a expansão colonial e financeira do capital. Mas também nos Ulscntos, ou "positivados", direitos e liberdades individuais. Apesar de dife-

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O S~CULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

renças quanto às relações entre os "poderes", havia um relativo consenso arar-se-ia de "unificar politicamente" a nação dividida entre vários
quanto à necessidade de garantias contra o poder arbitrário através de algu. o cas<>d'~Alemanha, Itália -, ou de emancipar nações dominadas por um
ma forma de "representação" da Nação, eleita e permanente. No entanto, ao ~- os
""..,.... E tado - nos impenos, · d a Austna, · R uss1
, ·a e O tomano - , ou por
definir quem seriam os "cidadãos" eleitores e elegjyeis, os lib~ fixavam ÚflÍCO s A •

. _caso da Poloma.
exigências de tal ordem qüe'Somente uma minoria Qodia participar do pro. vári~ ovUnentos nacionais constituíam portanto urna ameaça direta à
cesso político. ~ncia de alguns dos mais poderosos Estados europeus, bem maior,
Aqueles que não preenchiam esses requisitos "censitários ", e que consti- ~de, que os :n~virn.~nt~s liberais, pois, s~ e.c m esr:~ os "co.~prornis­
tuíam a maioria, ficavam marginalizados, como "cidadãos de segunda cate- .. raro em princ1p10, v1ave1s, com aqueles a uruca poht1ca admitida era a
goria". Quase por toda parte, porém, "liberais radicais" lutam pela igualda- SOS e ' . .
re ressão poltc1al.
de de todos os cidadãos agitando a bandeira do "sufrágio universal" (mascu- Após 0 insucesso das revoluções de 1848 - a frustrada "primavera dos
lino). Tratava-se aí da exigência de democracia (política), à qual seus adver- vos" -, o panorama político europeu encaminhou-se lentamente para a
sários contestavam com os perigos do "jacobinismo" dos desordeiros e mise- ~nsolidação de instituições liberais, a partir de 1870, se entendermos o
ráveis que "nada possuíam de seu", ou seja, as "classes perigosas"e ignoran- ~o 0 de 1850-70 como uma es~éci~ de.pas~agem da_ "feb~e re~olucio~~­
tes que precisavam ser vigiadas e controladas pelas autoridades. ria" às "revoluções pelo alto", ou a cnstahzaçao de regimes liberais cens1ta-
A industrialização avançava rapidamente, desestruturando corporações nos e oligárquicos. Os acontecimentos de 1848-50 assinalam com bastante
e oficinas artesanais, produzindo levas e levas de "proletários" a se acumu- C1ãfCi3 um momento histórico decisivo: aquele no qual as burguesias libe-
larem nos centros urbariõ;, em condições subumanas de existência. A litera- nus, em sua maioria, abandonaram de vez o ideal da "revolução ", na rnedi-
tura romântica, os primeiros inquéritos "sociológicos", o conhecido texto de aãeiii que esta se tornava, cada vez mais, uma ameaça à ordem burguesa ao
Engels (1844) constituem testemunhas da progressiva tomada de consciência agitar a bandeira da "democracia social", ou "socialismo" . Alianças e com-
burguesa da existência de uma grave "questão social". Nessa mesma época promissos entre diferentes setores das classes dominantes asseguraram, a
(anos 20-30) multiplicam-se as propostas dos chamados "socialistas utópi- partir de então, o jogo político liberal: alternância de partidos políticos (libe-
cos", objeto das críticas de Marx e Engels no Manifesto Comunista, de 1848. rais x conservadores), liberalismo econômico, direitos e liberdades dos
Essa "Europa romântica" da primeira metade do Oitocentos foi também "cidadãos".
uma Europa agitada pelos movimentos nacionais. Trata-se de movimentos Uma Europa de cabeças coroadas, é bom notar-se. Salvo nos casos fran-
cujo denominador comum é a luta em prol da afirmação e libertação de cês (ID República) es uíço, os Estados europeus são monarquias constitucio-
todas as "naÇÕes" européias, daí existir sempre um componente político as- nais(alguns, como a Rússia, nem isto) com graus muito var iados de poder
sociado ao cu tura . O político constitui de certo modo uma extensão natu· efetivo dos príncipes em relação aos parlamentos. A idéia de "república" ain-
ral do credo liberal, se bem que a recíproca nem sempre fosse verdadeira, da atemorizava a muitos Liberais, ao passo que a monarquia representava a
pois havia "nacionalistas" antiliberais. Com efeito, se muitos, como Maz· estabilidade assentada na tradição hereditária. Monarquias parlamentares,
zini, entendem "nação como produto de uma vontade coletiva, consciente cujos partidos, "liberais" ou "conservadores'', alternam-se no poder, embo-
portanto, há aqueles que identificam a "nação" como ser orgânico, com ra, em alguns países, já se observe o rápido crescimento dos partidos social-
existência própria e independente de vontades e consciências subjetivas - a democratas filiados à II Internacional Socialista. Os debates políticos giram
nação, neste caso, é maior que a soma dos indjvíduos que a integram. O pro· em torno da ampliação do direito de voto, das liberdades sindicais, começan-
blema era ainda mais complicado, porém, tanto cultural como politicamen· do pelo di reito de greve e, em alguns países, da conquista de "direitos
te. Culturalmente complicado, pois, em vários casos, era preciso restaurar a sociais" (ou de segunda geração). .
língua nacional, resgatar uma literatura - ou produzi-la, recuperar a cultu- As semelhanças existentes entre as instituições políticas dos Estados euro-
ra popular e a história nacional. Mas também politicamente, pois, conforme J>eUs ocultam diferenças sensíveis em termos de representação política e role-

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O HCULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

rância para com os dissidentes. A representação é ainda limitada por várias cerfsticas do mercado internacional, relativizando a própria noção de "bege-
restrições legais e práticas eleitorais corruptas e/ou controladas pelos detento. ·a européia", capitalista e burguesa, pois, de fato, é sempre ne~essário
moru
indagar-se acerca d e qua l e, a "Europa ,, que se tem em mente.
res do poder. A tolerância é ambígua: real quando se trata de setores e ideolo.
gias de "direita", contrários à democracia ou à "secularização" e ao "mate.
rialismo" do liberalismo burguês; inexistente em relação à "esquerda" sobre.
tudo quanto ao anarquismo, anarcossindicalismo, feminismo, assim como em
relação aos nacionalistas contrários aos "nacionalismos oficiais". B)A EXPANSÃO CAPITALISTA OITOCENTISTA
_Nessa Europa "fim de século", o nacionalismo expansionista ou irnpe.
rialista exacerba a xenofobia e justifica a "paz armada". O "caso Dreyfus"
exemplar em vários sentidos, traz à tona o anti-semitismo presente em mui: t. Características gerais
tos setores sociais, sobretudo na Europa Centro-Oriental. Em_plena euforia
causada pelos rápidos progressos científicos e tecnoló_gicos, o cientificismo Num livro, hoje clássico, sobre a expansão da burguesia capitalista européia
dõmmante, eivado de darwinismo social, produz também teorias geopolíti· durante o século XIX, institulado Les bourgeois conquérants (traduzido
cas e racistas que justificam o imperialismo e a superioridade européia, mas, como A burguesia à conquista do mundo), Charles Morazé (1965) traçou o
irônica e retrospectivamente, o pensamento conservador e saudosista houve perfil Cfa7c>nquista o planeta por uma burguesia empreendedora e suma-
por bem chamar de "Belle Époque" a essa época da cultura ocidental... mente eficiente, dada a competência que revelou para colocar ao seu serviço
Habituados como estamos a pensar essa Europa capitalista e liberal os recursos econômicos capitalistas e o instrumental científico e tecnológico
como "burguesa", raras vezes nos damos conta das suas enormes diferenças em rápida expansão. Aliás, já em 1848, no Manifesto Comunista, Marx e
econômicas e sociais. Poucas eram então, na realidade, as nações capitalistas, Engels haviam sublinhado, em termos precisos, a importância histórica des-
industrializadas, e muitas>- a maioria, nas quais enclaves capitalistas convi· sa burguesia "conquistadora".
viam com estruturas pré-capitalistas basicamente agrárias. Basta aqui men· Nada é mais impressionante, talvez, como expressão das transformações
cionar dois exemplos ou casos típicos, Espanha e Rússia, tão distantes entre operadas por essa burguesia em expansão, do que uma comparação entre a
si geograficamente!.é!!. amb_os"' é o problema fundiário- terra e campesina· produção industrial, meios de transporte e de comunicação, urbanização e
to - a grande questão não resolvida. tecnologia em 1815 e 1914. Anos-luz separam a "Europa romântica" da
O termo "burguesia", noção eternamente vaga, nada nos diz~ nem acer· •Beue É_poque"I
ca das burguesias dos países capitalistas nem tampouco do seu_peso numéri· A expansão capitalista ao longo do século XIX pode ser interpretada, em
co, econômico e político em países ainda dominados pela velha aristocracia termos quer de continuidade, quer de ruptura, em relação à expansão dos
civil e eclesiástica de grandes proprietários de terras. Aí, na Europa Central e ~ séculos anteriores. Continuação de um processo jamais interrompido,
Oriental, e em vastas zonas do Mediterrâneo, a "agitação" principal está mclusive na época das "guerras da Revolução e do Império", essa expansão
localizada nos campos, nos movimentos do campesinato, em seus enfrenta· a_sswne agora, aos poucos, novas características do ponto de vista dos obje-
mentos com as forças policiais e os grupos paramilitares armados pelos pro· tl~os, métodos e motivações que a comandam. Todavia, tais características
prietários. É ainda nesses países (Europa Oriental) que as autoridades culri· na~ se mostram uniformes nos espaços e tempos do Oitocentos, justificando
vam o anti-semitismo difuso das massas rurais e o avivam periodicamente ass~, em parte pe1o menos, a tradicional partição dessa expansão em dois
com os pogroms. penodos, separados por uma espécie de corte, ou mutação, situado em tomo
Estas alusões bastante sumárias às características políticas, sociais e cul· os anos 1870-80. .
turais da "Europa" oitocentista tiveram apenas a finalidade de introduzir o Esta divisão da expansão em dois períodos, antes e após 1870-80, apre-
tema da "expansão capitalista", em conexão com o exame das novas carac· senta hoje em dia alguns problemas, em que pesem suas vantagens didáticas.

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O HCULO XX
O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

Um primeiro problema reside nos pressu_Eostos teóricos que a embasam: a


'd além de outras, empenharam-se em arrecadar fundos destinados à
concepção de "capitalismo" e de sua história enquanto constituída de duas 05
UD1 lização das .Populações africanas, asiáticas e da Oceania.Âs voltas
fases- a do capitalismo liberal, ou da livre concorrência, e a do capitalislllo evange merciantes mescrupu
. 1osos, mili'tares pragrnaucos
, . e, so bretu do, com a
monopolista, ou imperialista e protecionista. Tal interpretação, na medida coPl co 1. d , lh'd . . ár' .
em que ficou associada ao marxismo, sofreu incessantes críticas e contesta. osrilidade de chefes e e ires as areas esco_ 1 as, e:~es ~ss10n, .1os con~t~-
ções de fora do campo marxista, agravadas, na última década, pela implosão ~' não rar~, motivo ou p:erexro para _mt~rven5oes diplomancas. e rruli-
do "socialismo real" e o subseqüente agravamento da "crise do marxismo'\
-----=:éS das potências que se sennam responsavelS por sua segurança e liberda-
a ponto de, na atualidade, o próprio termo "imJ?.erialismo" ser considerado
~mo na "Indochina", China, Japão e ilhas da Oceania. _
' Dos ~ilitares · emos tratar mais adiante; afinal de contas, as histórias da
or muitos historiadores como " ré-histórico''.
Ionização os países europeus nada mais são, num certo sentido, do que
Um segundo problema, bem mais relevante para nós, é a dificuldade que
'~erias dos feitos bélicos e administrativos de grandes "heróis coloniais"
enfrenta o liistoriador da expansão ao tentar estabelecer distinções radicais gque derrotaram as (( res1stenc1as
' b'ar baras ,, ou (( selvagens ", orgamzaram
'
A '
uma
entre o "antes" e o "após" 1870-80. Quer se trate de objetivos, métodos ou
administração e abriram caminho à "civilização" e ao "progresso". -
motivações, salvo, talvez, quanto a aspectos mais ou menos pontuais, não há Enfim, os empresários Grandes ou pequenos, eles estão sempre resen-
como descrever-se diferenças qualitativas profundas entre as duas "é ocas". tes e atuantes. Ãs vezes são os pioneiros, aqueles que chegaram primeiro e se
O que se pode observar, na realidade, é a aceleração do proces~o_expansio­ estabeleceram com seus negócios, comprando e vendendo aos "nativos". Em
nista em diversos sentidos, em conexão, provavelmente, com dois fatores: os outras ocasiões, chegam com os m 1tares ou uscam tirar proveíto do traba-
efeitos da "grande depressão" (1873-96) do século XIX; a enrradaerrtcena lho missionário. Os mais ricos, porém, tentam negociar diretamente com os
de novas potências - Alemanha, Bélgica, Itália, Japão, Estadas.. Unidos e gõvemantes locais, fornecendo-lhes armas, munições, navios e empréstimos,
l!lesmo a Rússia - subvertendo inteiramente os dados de uma competição em troca, às vezes, de "concessões" ou contratos vantajosos. Suas conexões
até então quase exclusivamente anglo-francesa. políticas e financeiras na "mãe párriã"~guram-Ihes ~ ação de lobbies
Seja como for, essa expansão proporciona ao historiador a visão de um poderosos nos parlamentos e na imprensa. Mobilizar a opinião ública, a
cenário de dimensão planetária em cujo palco contracenam alguns tipos de diplomacia as forças armadas, se necessário, eis como se fecha então o cir-
atores bem definidos: exploradores, missionários, militares e empresários. cuito das disputas coloniais (Guillaume, 1974).
Os exploradores, mistura de aventureiros e cientistas, internam-se em A expansão colonial oitocentista, contemplada à distância de quase um
regiões praticamente desconhecidas à cata de conhecimentos geográficos, século, apresenta-se assim como uma curiosa mistura de aventura, espírito
botânicos, zoológicos e etnográficos. Em lugar das viagens marítimas, típicas científico, fé missionária, conquista militar e ambição ou sede de lucro.
dos séculos anteriores, preponderam agora as expedições terrestres, sobretu- Mistura esta que adquire unidade e consistência em função de uma idéia
do pelo continente africano, sudeste da Ásia e América do Sul. Alémdo valor amplamente partilhada: a natureza intrinsecamente benéfica da expansão
de seus achados científicos, essas expedições forneceram importantes subsí- ~ara os povos por ela atingi os, Em nome dõ "progresso", a ropagação da
dios a alguns governos em termos do mapeamento de territórios. Sociedades "civiliZaçao" constitui uma "missão" e um "direito"; suas dificuldades, a
científicas inglesas, norte-americanas e alemãs financiaram não poucas des- começar pêla "incompreensão" de muitos dos seus "beneficiários", são e?(a-
sas expedições e, por outro lado, graças à importância da imprensa periódi- tamente "o fardo do homem branco" a que se referiu Kipling.
ca, muitos exploradores-aventureiros tornaram-se "notícia", conquistando
notoriedade e prestígio.
A ação dos missionários católicos e p.mtestantes, bem menos sensacio- 1. Colonialismo e anticolonialismo
nal, foi no entanto muito mais ampla e persistente. Tanto Roma como as
organizações protestantes sediadas na Grã-Bretanha, França e Estados Em 1815, em Viena, a Grã-Bretanha é a grande vencedora, senhora dos ocea-
nos e mares, dona de todos os territórios coloniais afro-asiáticos, antilhanos

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O S~CULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

e sul-americanos (Guianas). Generosa, ela devolve urna parte desses territó. "d d ,, Contra certas restrições políticas e tarifas alfandegárias
rios a seus antigos donos em troca do reconhecimento de seus direitos sobe. ...... an1 a e . . d d "li , . ,,
" b..... r · -se necessário negociar trata os e vre-comerc10 entre as
1 vas razia . d ·ai
ranos sobre a outra pane. Maior potência colonial, a Grã-Bretanha não tern ~ · u· adas" Fora da Europa, porém, além da liberda e comerei ,
competidores; nem a França, nem a Holan a, muito menos -Portugal e • óeS CIV lZ • . . 'd
naç. que sega rantir as vidas e os bens de comerciantes e mvestt_ ores euro-
Espanha, são concorrentes de peso em matéria de domínios coloniais. A. baVIª , 1 ro também dos missionários - através da obtençao de garan-
hegemonia britânica caracterizará, na verdade, oa parte do século XIX. -us _e, e c a , · 1 -
r- d
A vitória marítima e colonial não produziu, no entanto, entre os liberais ·as e a eve ntual aplicação .de sanções no caso de ameaças ou vio açoes
ti 'das contra pessoas ou interesses europeus.
britânicos, manifestações de euforia, muito pelo contrário. O liberalismo colII~ tava dito porém, que a segurança e o empenho britânicos em
inglês proclamou e preconizou, como doutrina e como política, o "anticolo- Nao es ' , . . A •d
livre-câmbio assentavam-se na propna hegemorua economica a
nialismo". Surgiu assim a ideologia que constitui a expressão oficial da polí- d
fa!OI o a ou se ·a no fato de que, por muito . tempo am. da, slffip
. 1esmen-
Gri-Br etanh ' 1' ·
tica britânica até além da década de 1880. Uma ideologia bastante curiosa, - h · nem haveria concorrentes capazes de ameaçar a supremacia
pois, ao mesmo tempo que oculta um não-dito, é negada na _prát~. te nao avia, ', . A . •

industrial, financeira e mant1ma bntaruca. . A • , " ,,

O "anticolonialismo" britânico resultou da combinação de argumentos ampouco se proclamava abertamente que as res1stencias a abertur~
teórico-práticos com preocupações éticas. Teoricamente, desde Adam Smith ia! e a garantia ou defesa de súditos da Coroa e de seus bens, assrm
os economistas da "escola clássica" do pensamento econôrnico (Bentham, comercdos investimentos dos capitalistas lon dr inos, 1egmmavam
.. iliz -
a ut açao
0
Ricardo, Mill) vinham criticando a posse de colônias como contrária à racio- :~ressões diretas sobre os re~al~itra.nte:: o .poder de fogo das, ca~oneiras _e
R.alidade econômica e manifestação típica dos pressupostos errôneos nos
0 desembarque de tropas, em ultima mstanc1a, sempre em carater tempora-
quais se baseava o "Sistema Mercantil" (mercantilismo). Na prática, os rio", convém frisar. .
exemplos históricos do seu sentido da colonização não faltavam: a indepen- A fim de melhor organizar nossa exposição da expansão colomal, vamos,
dência das Treze Colônias, a rebelião negra em S. Domingos (Haiti), os a partir de agora, dividi-la em função de seus respectivos "c:nário~: ~eopolí­
rnovimenros autonomistas das colônias ibero-americanas. Simultaneamente, ticos - o Império Otomano, a África sul-saariana, as regzoes a_si_aticas e as
políticos radicais e associações religiosas lutavam contra a escravidão nas "Américas. Daremos especial atenção, em cada caso, às diferenças entre as
colônias (abolida, nas britânicas, em 1833-34) e o tráfico transatlântico - co oruas de povoamento" e os outros tipos de colonizaç_ão geralmente englo-
(proibido ao norte do Equador, em 1815), empenhando-se, ainda, em __proje- bã os sob o rótulo de "colônias de exploração" aí incluídos os protetorados
tos de retorno de escravos à África - origem de Serra Leoa e, mais tarde, da e zonas de influência. Entretanto, não deixaremos de sublinhar algumas das
Libéria. pCCüliaridades típicas desse "im_perialismo do livre-câmbio" (SeIT1IDel, 1970),
Os partidários do anticolonialismo fizeram muito baru lho através de
associações, jornais e debates parlamentares, até meados do século, propug-
nando sempre a "devolução" de colônias ou a "abstenção" de novas con-
--
já que foram governos "liberais" que, no caso ntamco, mais o praticaram.

quistas. Antes de abordar suas contradições, vale a pena explorar um pouco 2. Império Otomano
seus não-ditos.
A liberdade de comércio entre povos e nações - o chamado "livre-câm- Em 1815 (Viena), o Império Otomano - a "Sublime Porta", como então se
bio;;-- constituía enrão a principal bandeira do anticolonialismo. Só a livre- dizia - há muito havia perdido aquele poderio militar que o havia caracte-
circulaç_ão de mercadorias e capitais traria reais benefícios a todos os envol- rizado, do século XV ao XVII, e que semeara na cristandade um constante
~os, vendedores e compradores, fazendo prevalecer, no mercado interna- receio diante do " perigo turco". O que agora existia era um Estado em fran-
cional, a raciona lidade da "divisão internacional do trabalho". Abrir os por- ca decadência, ao qual ogo os diplomatas europeus passariam a se referir
tos (mercados) é um objetivo necessário e legítimo que interessa a toda a como "o homem doente da Europa".

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O HCULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

Embora "doente", o Império Otomano compreendia ainda territôri de Mohamet-Ali- gastos com investimentos, obras e consumo suntuá-
imensos e de grande importância estratégica: dos Bálcãs à Península Arábi°' ~ ropiciando intensa competiçao entres capitalistas ingleses e franceses. A
e Meso ot~mia (lra_gue); da atual Turquia e Síria setentrional à fronteira: no, ~rução do Canal de Suez (1854-69) pela companhia organizada por
Marrocos, me urnâo portanto Egito, Tripolitânia (Líbia), Tunísia e Argé!iQ. 'º ps com capitais franceses, acabou por favorecer a Grã-Bretanha quando,
Entende-se então por que as chancelarias européias ocuparam-se tanto co
a "' uestão do Oriente" (designação dada aos problemas do Impér~
USS:s1s, 0 governo inglês (Disraeli), antecipando-se ao francês, comprou as
eDlõeS da Companhia do Canal em poder do endividado "Khediva" Ismail.
Otomano) durante todo o século XIX, pois ela envolvia considerações po)j. aÇ A partir de 1876, a situação de bancarrota do tesouro egípcio levou Grã-
ticas e interesses coloniais. Breranliª e França a estabelecerem uma espécie de "condomínio" sobre as
oliticamente, do ponto de vista britânico, apoiado geralmente pela 6nã;ças do Egito, com o objetivo de assegurar o pagamento da dívida exter-
França, a "integridade" do Império Otomano constituía princípio funda.
na. o agravamento da crise econômica e social deu sustentação à reação
mental de política externa, a fim de preservar intacta a barreira turca às
iiãcionalista de coronéis, como Arabi-Paxá, hostil aos estrangeiros.
ambições expansionistas de uma Rússia em contínuo movimento !'ara sul e
Demonsuações navais anglo-francesas foram seguidas de desembarque de
leste. Havia porém um complicador formidável: o domínio turco sobre as
uopas britânicas (1881-82), já que a França preferiu se abster. Vencidos os
populações cristãs dos Bákãs. As afinidades e simpwas russas pelos "irmãos
militares nacionalistas, seguiu-se a ocupação de todo o Egito, em três meses.
eslavos e ortodoxos" inquietavam ingleses e franceses, obrigando-os, por
A ocupaçao ritânica foi anunciada como "temporária" e necessária
diversas vezes, a intervir em favor dos cristãos por meio de pressões cautelo-
para garantir a defesa das "pessoas e bens estrangeiros". O "temporário"
sas sobre o sultão. Entretanto, a movimentação das nacionalidades balcâni·
cas, as simpatias russas e as complicadas manobras anglo-francesas inquieta· tomou-se permanente, minando as relações anglo-francesas até 1904, quan-
vam sempre o Império Austríaco (depois Austro-Húngaro , onde outras do a entente cordiale consignou, afinal, a "desistência" da Fran a aos seus
populações eslavas, inclusive dos Bálcãs setentrionais, viviam sob o jugo ger· •diréltos" no E ito em troca o a oio inglês à resen a francesa no Magreb
manico ou magiar. Nessa complicada partida de xadrez, ocorreram, é claro, e sobretudo no Marrocos. Somente em 1914 a Grã-Bretanha proclamaria,
sucessivas conjunturas de conflitos mais aguçados, inclusive bélicos - as afinal, seu protetorado sobre o Egito.
chamadas "crises orientais" (sic), que se.multiplicaram até 1914, quando o ~ossa narrativa do caso egípcio justifica-se por se tratar de um dos
"incidente de Sarajevo" detonou o mecanismo que desencadearia a Primeira exemplos mais expressLvos de colonialismo em plena época de "anticolonia-
Guerra Mundial (Easton, 1964 ). lismo" liberal. Mas seu caráter exemplar não termina aí. Os métodos utiliza-
Se bem que a história dessa Questão do Oriente tenha quase tudo a ver os pefa Grã-Bretanha e França no Egito são típicos da expansão colonialis-
com a expansão colonialista do capitalismo europeu, limitaremos aqui nos· ta: penetração econômica, facilidades financeiras, demonstrações navais,
so estudo a apenas dois casos: Egito e Argélia. negociações diplomáticas entre as potências, à revelia dos maiores interessa- (
aos- os colonizados! As diferen as entre colônias propriamente ditas, pro- .i
2.1 Egito tetorados e zonas de influência tinham menos a ver com a realidade colonial
o que com as sutilezas do jogo diplomático entre as potências européias
Governando o Egito em nome do sultão, como paxá, Mohamet-Ali (1805-49 (Garden, 1983; Easton, 1964).
promoveu o início de uma "modernização" apoiada em técnicos e emprésti-
mos anglo-franceses. A tentativa e incorporar a Síria deflagrou as "crises 2.2 Argélia
egípcias" (1832-33e1839-40), com intervenções russas e anglo-francesas cul·
minando, em 1840, nas "demonstrações" das canhoneiras do comodoro ~Regência de Alger, domínio do Império Otomano, constitui outro exemplo
Napier, que forçaram o paxá a um recuo definitivo e puseram em perigo a ~~ressante de colonialismo. Sob alguns aspectos sua história recorda a do
entente franco-britânica. O endividamento cresceu cada vez mais sob os suces· gito e, sob outros, a da África do Sul, como iremos ver adiante.

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O HCULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

A conquista francesa de Argel, em 1830, justificada corno urna "operação ca sul-saariana


de polícia" contra a pirataria, também deveria ser "temporária". Alguns anos 3. }Jri
depois já se falava em "ocupação restrita"; porém, com o rápido crescimento ida tradicionalmente pela denominação de "África negra", esta par-
da imigração européia, começaram os conflitos com a população islâmica Conhecontinente africano tornou-se, no sec
, uio XIX , area
' d e d.1sputas entre as
te doc .
Soo a liderança de Abd-el Kader, os argelinos foram à luta conta os invasor~ ,.. das colonialistas interessadas não mais apenas nos entrepostos co~te1-
e, assim, "forçado pelas circunstâncias", o governo francês passou à "conquis. Po~as na ocupação efetiva e exploração da totalidade dos espaços t1dos
ta total", realizada sob o comando de Bugeaud, de 1840 a 1847. ros, "disponíveis" para a colonização. Praticamente, como única exceção à
0
Paralelamente, avançava a imigração: 109.000 colonos em 1847 (47.000 fran. com a Africa do Sul oferece-nos então o exemplo de uma colônia de povoa-
ceses e 31.000 espanhóis); logo, na década de 1860, seriam mais de 200.000. regra, cuja história const1tw
dlento . . um capim
'1o a' parte nesse processo de expansao
-
Declarada "parte integrante do território francês", pela Il República, a Argélia
caracterizou-se, desde sempre, pela estreita separação entre europeus (colo. colonial.
nos) e muçulmanos (colonizados), uma das origens do apartheid, do qual se
3.1 Africa O cidental Atlântica
origina a Revolução Argelina, nos anos 50 do nosso século.
Contada assim, de forma sucinta, a história da colonização francesa da
Nessa região, a expansão européia seria por muito tempo um assunto anglo-
Argélia omite urna infinidade de eventos que nada têm a ver com o nosso tex-
Erancês. Em meio a possessões territoriais remanescentes dos antigos impé-
to, mas tampouco permite ao leitor perceber a "exemplaridade" acima men-
rios ibéricos, os franceses e ingleses foram ampliando suas posições, algumas
cionada. Dado o significado histórico desta última, talvez seja oportuno indi-
car-lhe os principais aspectos. A Argélia constituiu para a França o grande
delas também antigas, podendo-se observar aí que, no conjunto, a estratégia
laboratório de um novo tipo de gueua- a '~guerra colonial"; suas experiên: francesa mostrou-se mais dinâmica e eficaz no sentido de estabelecer, pro-
~essivam ente, a ligação, pelo interior, das suas colônias litorâneas, num
cias produziram um tipo específico de oficial - o "oficial colonial"-, mis·
to de chefe militar e administrador. A guerra colonial obrigou os militares movimento que acabaria por isolar as posições britânicas umas das outras.
1ranceses a adotarem táticas e estratégias pouco ortodoxas: unidades meno· A colonização francesa teve como bases iniciais a Costa do Marfim e o
res com grande mobilidade no terreno; razias sistemáticas e impiedosas a fim Gabão (1842), Daomé (1863) e o Senegal. Neste último realizaram-se os
de cortar os abastecimentos do inimigo e aterrorizar seus simpatizantes; avanços mais significativos (antes de 1878) sob a direção do coronel
espionagem; negociações com lideranças religiosas; recrutamento de trop~s Faidherbe (1854-65), um "oficial colonial" típico. A pretexto de "pacificar"
entre os próprios colonos - como os zuavos - e, a seguir, entre as popula· o interior, expandiu-se o território da colônia, os soldados franceses enfren-
ções argelinas - como os spahis. As lições argelinas, uma vez assimiladas, tmdo os militantes seguidores do "profeta" EI Hadj-Omar. Vencidas as
foram utilizadas em muitas outras operações coloniais na África e Ásia. -reststências", iniciou-se a efetiva exploração econômica, acompanhada da
Mas a conquista e "pacificação" da Argélia possibilitou também a cria· modernização do principal porto - St.-Louis.
ção de um cenário propício à carreira militar - promoções, medalhas, pres· Os avanços territoriais franceses compreendem uma série de expedições
tígio. A oficialidade superior, temperada no cadinho argelino, ocupou postos de reconhecimento, estabelecimentos religiosos e atividades mercantis de
de destaque na metrópole, tanto militares como políticos. Nomes coroo comerciantes-aventureiros. Litígios com os ingleses, a propósito de limites e
Bugeaud, Lamoricére, Changarnier, Cavaignac, Saint-Arnaud, ficaram para bacias flu viais, foram mais ou menos constantes. Tratava-se, a bem dizer, de
sempre associados ao esmagamento das barricadas parisienses, em junho de uma "corrida" na qual os mapas e os acordos com chefes tribais representa-
1848, ao golpe do "18 Brumário de Luís Bonaparte'', às guerras do II vam sempre as vantagens decisivas.
Império e à repressão da Comuna de Paris (1871). Aliás, Victor Hugo, em La ScrrQuanto aos britânicos, suas posiÇões eram constituídas pela Gâmbia,
légende des siecles, imortalizou alguns desses generais (Tersen, 1950; a Leoa, Costa do Ouro (Gana) e o delta do Níger (Nigéria), onde anexa-
Guillaume, 1974). ramª cidade de Lagos, em 1861.

58 S9
O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO
O HCULO XX
. tes do distrito de Kimberly (1867), no território dos gréquas, prote-
A denominada "partilha da África", em geral associada aos princípioa
estabelecidos pelas potências coloniais no Congresso de Berlim (1878), con.
cJiatll; (1 842) ao sul da Bechuanalândia (Botswana), esta depois também
0
tora 'da em protetorado (1885). A política britânica consistiu em subme-
sistiu, de fato, no equacionamento de algumas disputas anglo-francesas e1 converti'bos guerreiras e estabelecê-las em grandes reservas " protegi'das " -
principalmente, no reconhecimento das reivindicações alemãs (Camarões1 ter as trlâindia (1871), Zululândia (1879) e Swazilândia (1885). Todavia, esta
Togo, Sudoeste Africano) e dos empreendimentos do rei da Bélgica1 BaSutO· algumas vezes auxiliada mas em outras pre1u ' dicad a pe los IDlSsiona-
. . ,
Leopoldo II, na bacia do Congo (futuro Congo Belga, depois Zaire). As decj. Po lí
. oca,restantes, obrigou os ingleses a campanh as mil'irares contra tn'b os d e
sões tomadas em Berlim tiveram sua maior influência no caso da África nos pro b' , 1
Oriental e dos planos portugueses de ligação entre Angola e Moçambique1 bantOS - basutos ' zulus - e contra os bôeres, tam em as votas com os
gréquas basutos e zulus. . .
confrontados e derrotados pelos projetos de Cecil Rhodes no sentido de esta.
belecer uma ligação britânica "do Cabo ao Cairo". Tais disputas, no entan.
o N atal teve uma evolução própria, em relação ao Cabo, mc~usive em
lutas com os zulus e, como especificidade, a importação de mJlhares de
to, já pertencem efetivamente à época do imperialismo, tema de outro texto suas
· dianos para trabalharem na lavouras d e cana-de-açucar. ,
desta coleção (Tersen, 1950; Hobsbawm, 1977). m o Estado Livre de Orange (1836), reconhecido como independente em
1852 (Convenção de Bloemfontein), após quatro anos de lutas com os ingle-
3.2 África do Sul ses em troca da abolição da escravidão em seu território, teve que lutar anos
a flo contra basutos (leste) e gréquas (oeste), de modo .qu~, durant~ a~os, ~
Desde o século XVII, colonos holandeses estabeleceram-se na região do única fronteira aberta era a do Transvaal (1844), cu1a 10dependenc1a fo1
Cabo (1652), sob o controle da Companhia das Índias Orientais. Os colo· reconhecida por Londres, também em 1852 (Convenção de Sand River).
nos, inclusive huguenotes franceses, avançaram aos poucos para o interior, A partir de 1874, sob Disraeli, a política irnpe~ialista britânica ~onduziu
anexando terras, entrando em luta com os chamados hotentotes e com os a uma tentativa frustrada de anexação que termmou na derrota mglesa e
bantos, escravizando aqueles e despossuindo estes de suas terras. De 1795 a confirmação da autonomia do Transvaal (1881). Logo depois, contudo, co~
1814 os ingleses ocuparam o Cabo e, afinal, o obtiveram em caráter definiti· a descoberta das minas de ouro do Transvaal, (1885), reacendeu-se o confli-
voem Viena (1814) por 6 milhões de libras. to, agora personificado no duelo entre Krüger, presidente do Transvaal, ideó-
Sempre expandindo suas fazendas de plantio e criação, os bôeres (colo· logo de um país agrícola, auto-suficiente, e Cecil-Rhodes, primeiro-ministro
nos livres das zonas rurais, calvinistas) travaram várias guerras contra os -do Cabo (1890), envolvido com grandes empresas capitalistas de mineraç~o
cafres !! se irritaram quando as autoridades inglesas iniciaram uma política eierrovías, cujos planos contemplavam o domínio de toda a África, pois,
de imigração (1820), introduziram um regime de propriedade e um sistema como ele mesmo afirmou, "conquistaria os planetas, se pudesse".
fiscal, e implementaram a abolição da escravidão (1834). Como resposta, ~s Começava, também na África do Sul, a Era do Imperialismo, e permane-
bôeres empreenderam o Groot Trek (Grande Migração). Em levas sucess1· ciam, como heranças do período anterior, um apartheid de fato e o problema
vas, eles avançaram para o interior, chegando às margens do Limpopo, da expropriação sistemática das tribos africanas da maior e melhor parte de
Orange e Vaal (1834-9), em constantes choques com os zulus, cujas terras suas terras de agricultura e criação (Easton, 1964; Guillaume, 1974).
iam sendo por eles apropriadas. A tentativa dos bôeres de ocupar a região do
Natal (1838) foi repelida pelos britânicos que ali estabeleceram uma nova
colônia (1843), forçando-os a uma retirada (1846). 4. Regiões asiáticas
Na história da colonização européia na África do Sul, o período de 1834
a 1881 caracteriza-se pelos freqüentes conflitos entre tropas britânicas, colo· Incluímos neste tópico a índia, os pa!ses do Sudeste da Ásia, a China e o
nos bôeres e tribos bantos, paralelamente à evolução mais ou menos autôno· Japão; por extensão, poder-se-iam incluir neste grupo também a Austrália, a
ma do Cabo, Natal, Orange e Transvaal. O Cabo progrediu com certa rapi· Nova Zelândia e a Oceania.
dez, em termos políticos e econômicos, especialmente após a descoberta dos

61
60
O HCULO XX O CAPI T ALISMO UNIFICA O MUNDO

4.1 Índia decisões administrativas e policiais contrárias a costumes hin-


~~ e~~ - soc10- .
~ . d s "bárbaros" ou "arrasados" aumentam as tensoes
ns1dera o · d
Não nos seria possível, é obvio, narrar a história da Índia. A uma parte dela duS co . cabam por explodir no "motim" de 1857-58, a partu o
já nos referimos, ao tratarmos do século XVTII. Entre o Tratado de Alaha bad -·ª ª ·
(;"'tu ra1s que ;....,entos de sipaios - tropas de hmdus e muçu lmanos so b o
te dos reguu . Índ. c 1
(1765) e a extinção total da autoridade da Companhia das Índias (1858) le\'811 d de oficiais ingleses. Propagando-se com rapidez pela 1a entra
após a revolta dos sipaios (1857-58), quando o governador-geral foi prorno. coiiiàOdº G oges a revolta, apesar das adesões que recebeu e da surpresa e
vido a vice-rei, a expansão britânica prosseguiu sempre, inexorável. Ao lado e vale
0
ª ' ·
'dão das reações inglesas, acabou doffilDa d a gr~ç,:is. a' f'd
1 elºd
1 ad e d. e uma
da Índia Britânica, alguns Estados hindus e muçulmanos conservaram uma (eotl das uopas indianas, à chegada de reforç.o~ ~ntarucos e ~o a~o10 pres-
certa autonomia, controlada pelo vice-rei. ~ l ·khs e afegãos à Coroa de S. M. Bntamca, o que nao detxa de ser
ta O pe OS St
Conquistas territoriais, sucessivas reformas fiscais e administrativas1 bastallte irônico. . _ .~ . .
começos da "modernização" econômica, lutas com os sikhs (Lahore) e loração imperialista é a marca da dommaçao bntaruca a partlf de
A exp
afegãos caracterizam as administrações de uma vasta galeria de governado- . Grandes obras de infra-estrurura são então empreen d i'd as a f'lffi de
5
res-gerais, como W. Hastings, Wellesley, Lord Minto, Lord Dalhousie, entre S r as exportações e facilitar as importações. Investe-se em grandes
baratea d · , · A
outros. Dominado o subcontinente, voltaram-se as atenções britânicas para p ta ões de algodão, chá, café e anil, e na exploração e DllOenos. o mes-
as fronteiras do noroeste e nordeste. Para garantir a primeira, tentaram, por tempo 0 sistema fiscal esmera-se em assegurar o pagamento dos custos
duas vezes, os britânicos colocar um aliado no trono do Afeganistão, em IDO
dessa '
modernização pelos próprios indianos. Recursos f'maoce1·ros e tropas
1839/41e1878/80; derrotados em ambas, de maneira humilhante, o pesade- dãífíldias garantiram uma grande parte das ações britânicas no Sudeste da
lo de Cabul permaneceria por longos anos na memória militar inglesa. A Asia e albures. Embora ausente de muitos estudos acerca da "Época do
nordeste, a expansão foi mais fácil; do Assam, os ingleses avançaram pela Imperialismo", pois não se trata de uma "nova" conq~s~, a ~d~a represen-
costa da Birmânia (Myanmar) e ocuparam Rangum (1852) após o que se ta talvez 0 exemplo mais impressionante de exploraçao 1mpenalista em lar-
seguiu um período de guerras intermitentes com os soberanos birmaneses, ga escala (Parükkar, 1956). .
afinal encerrado com o estabelecimento do protetorado britânico (1867). As práticas inglesas de dominação e controle coloniais, no caso da Índia,
A importância da dominação britânica pode ser resumidamente analisa- constituem formas e dimensões pioneiras e exemplares. Em nenhum o utro
da de acordo com duas ordens de aspectos: o impacto sobre a sociedade espaço colonial, com as dimensões do subconfinente indiano, uma potência
indiana e as práticas de dominação e controle adotadas pelos ingleses~ melou tamanha habilídade e competência políticas para manobrar e se ser-
O impacto colonialista compreende dois processos sucessivos: a desarti- ~ vir das rivalidades entre príncipes, das diferenças e conflitos étnicos e religio-
culação da economia artesanal, rural sobretudo, e a exploração imperialista s6s, e da babel de línguas. No âmbito administrativo, o civil service da Índia
sistemática. cnou suas próprias estruturas e vedou aos "nativos" o acesso aos postos
A desarticulação do artesanato indiano dá seus primeiros sinais na pas- intermediários e superiores, tornando-se a grande escola-modelo de forma-
sagem do século XVIII ao XIX. A chegada de carregamentos de tecidos mais ção de funcionários coloniais. Na esfera militar, o princípio de assegurar o
baratos produzidos nas fábricas inglesas compromete as tradicionais expor- dõmínio e manter a ordem através do recrutamento dos próprios " nativos"
tações de tecidos indianos ao mesmo tempo que a matéria-prima, o algodão, sofisticou-se ao máximo na índia em função da utilização das inúmeras dife-
é cada vez mais açambarcada pelos compradores ingleses e enviada para o renças e rivalidades em que a Índia é tão pródiga.
Lancashire. Em 1833, quando cessa o monopólio comercial da Companhia Pairando acima de todos esses mecanismos e práticas, estava um senti-
das Índias, inicia-se verdadeira invasão de mercadorias inglesas.l..que acelera mento de superioridade cultural, às vez:es também social, que se traduzia no
a desintegração da indústria artesanal e provoca desemprego e miséria no distanciamento e na ênfase nas diferenças: a etiqueta oficial, a língua inglesa,
Decã e outras regiões, sobretudo nas áreas rurais. O aumento das exigências OS círculos e espaços de sociabilidade restritos, a religião cristã. Para os bri-

62 63
O stCULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

tânicos, a Índia era seu orgulho e sua missão, difícil mas necessária, embor França e Grã-Bretanha dividiram entre si, mais uma vez, outra impor-
nem sempre "bem compreendida" (Hobsbawm, 1977). a 11@ "fatia do bolo asiático" (Terseu, 1950; Easton, 1964).
can~ fndias Orientais Holandesas (Indonésia) não constituem exatamente
4.2 Sudeste da Ásia caso de "expansão colonial". Colonizadas desde o século XVII pela
~ panhia das Índias Orientais (holandesa), estiveram sob domínio francês
111
Podemos resumir a expansão colonial nessa parte da Ásia em três atos: a (t795-1811) e inglês (1811-19), quando foram devolvidas à Holanda tendo,
con~ista britânica, a ocidente; a francesa, a oriente; e a divisão da principal 'á então, a sua economia (baseada no cultivo de especiarias) em franca deca-
área intermediária - o Sião (Tailândia). ~ência, em meio a revoltas de alguns sultões e conflitos dos comerciantes
oeste, do norte para o sul, _os ingleses na Birmânia, passaram do pro. locais com os chineses, que, em grande número, os estavam deslocando.
retorado (1867} à anexação à Índia (1885). Na outra extremidade (sul), 08 Na verdade, há dois períodos a se considerar, quanto aos métodos de
" sta lecimentos dos Estreitos", Cingapura, Malaca, Penang, fruam.sepa- exploração dos recursos locais: antes e após 1870. O primeiro período está
ra os a ndia e elevados à condição de "colÔmas da Coroa" (1867). A associado ao governo de J. Van cfen ~osch (1830-39), que introduziu o cha-
seguir, manobrando em seu favor as rivalidades entre os sultanatos malaios mado "sistema de culturas", isto é, o trabalho compulsório dos "nativos"
a Grã-Bretanha criou, sob sua proteção, a Federação de Estados Malaio: 005 cultivos de exportação: índigo~ cana-de:açúcar, café e tabaco. O "siste-
(1895). Capitais europeus, imigrantes chineses e indianos implementaram 0 ma;, foi considerado um sucesso pelos colonizadores mas levou à drástica
plantio da hévea (borracha) e a extração de estanho. Ao lado de Hong Kong redução das culturas de subsistência, a começar pela do arroz. Em conse-
(China), Cingapura tornou-se peça-chave do imperialismo britâniç0J1a..A.sia. 9üêocia, ocorreram sucessivos períodos de fome, sobretudo em 1848-50,
A leste, do sul para o norte, a expansão colonial francesa avançou pelas seguidos de revoltas populares contra corvéias e impostos excessivos.
"estradas" abertas, desde o século XVIII, por suas missões católicas. A hos- Em H aia, o novo governo constitucional, diante das denúncias veicula-
tilidade do novo reino do Vietnã (Cochinchina, Anã e Tonquim) aos cristãos, das pela imprensa, promoveu uma investigação parlamentar que teve como
nas primeiras décadas do Oitocentos, justificou o envio de um esquadrão resultado a abolição do "sistema" de cultivo obrigatório e reformas fiscais e
naval por Luís Felipe. Sob Napoleão m, pressões católicas e interesses eco· comerciais.
nômicos favoreceram os pnmeiros passos da conquista territorial: demons· A partir de 1870, a nova "Lei Agrária" abriria as ilhas a empresas priva-
- tração de um esq adrão naval franco-espanhol (1858), ocupação de Saigon das capitalistas, as quais introduziram o sistema das grandes plantações
(1859) e conquista da Cochinchina (1863/67). Assim, se a Argélia era uma (plantage) para exportação. Um forte afluxo de capitais, sobretudo ingleses,
"coutada_,, do exército, a Indochina logo se transformou em área exclusiva permitiu grandes obras de infra-estrut"Urã e a intensificação da exploração
da marinha. Em lugar de coronéis ou generais, são os almirantes que gover· das minas de estanho e de carvão (e, mais tarde, de jazidas de petróleo). A
nam e ex~aodem as conquistas. O Camboja foi feito protetorado, em 1863, "iiiõaernização" econômica não trouxe, no entanto, melhoria sensível no
mas a conquista do Anã e Tonquim ficou para a política imperialista de Jules padrão de vida da população em geral Tampouco foi ela suficiente para
Ferry (1882-85), já nos primórdios do imperialismo da m República. encerrar de vez as revoltas regionais em alguns sultanatos, como o de
As rivalidades anglo-francesas nessa região retardaram o estabelecimen· ~im, que exigiram custosas operações militares até começos do século
to do protetorado francês no Laos (1887-93) e determinaram para o Sião a hX (Guillaume, 1974).
condição de "Estado-tampão" (1893-96), no qual se assegurou a sobrevivên·
eia da monarquia tailandesa, dividindo-se o país em duas "áreas de influên· 4.3 Extremo Oriente
eia" - francesa e inglesa.
Assim, preocupados apenas com seus próprios objetivos militares e co· I'anto na China como_no Japão, a exp~nsão do mercado capitalista defron-
merciais (os franceses, no caso, buscavam uma rota de acesso ao sul da Chi· tou-se com sociedades fechadas, por princípio, aos intercâmbios com os

64 65
O StCULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

estrangeiros, o que incluía não apenas os comerciantes mas também os mis.


rrunrão dos próprios funcionários chineses. Em 1839, um decre·
sionários ocidentais. Esse fechamento traduziu-se na limitação, ao núnirno era.o da co :r:"S"
. 1 reiterou lº d
e ampliou severas punições a serem ap ica as tanto a
possível, dos contatos com os "bárbaros'', do que resultou, na prática, que to unp~nates como a consumidores chineses de ópio. Logo a seguir, pondo
apenas Cantão, na China, e Nagasaki, no Japão, permaneceram relativamen. CO
111erc1an . d
, • essas determinações, o novo supenntendente o porto e antao
d c -
te abertos a partir dos séculos XVIYXVIII. Em Cantão, o comércio europeu _.. praoca fi · d
~ · u a prisão de centenas de infratores e o con sco e a quelIDa os
estava sob o controle do Cohong, corporação de comerciantes autorizados c1eternunº d . , . ,
esroques de ópio existentes nos armazéns. Foi o suficiente para ar llllClO a
pelo governo. Em Nagasaki, somente os holandeses podiam aportar uma ou chamada "guerra do ópio" (1839-42). , .
duas vezes ao ano. e flitos com os comerciantes ingleses provocaram, como de habito, a
Em Cantão, os funcionários chineses exigiam elevadas comissões aos intll'V~:ção ãas canhoneiras britânicas. Bombardeios, pequenos dese~bar-
comerciantes em troca de autorizações e favores; o superintendente, conheci-
do por hoppo, era em geral o mais corrupto - e o mais poderoso. Havia ali
ques, esten dendo -se a outros portos ' acabaram. _por convencer
_ as autondades
chinesas de que a única saída eram as negoc1açoes. A Gra-Bretanha, p:lo tra-
cerca de 13 feitorias de comerciantes ingleses e norte-americanos, os quais d de Nanquim {1843), obteve várias concessões, a começar pela ilha de
compravam sobretudo chá, além de sedas, brocados, porcelanas, bronzes e °
~ Kong. s demais vantagens logo foram estendidas à França, Estados
ong , d " - . f ºd ,,
_pedras preciosas. ...-rr.;•:.r. e'"Rússia {1844-5) graças à clausula a naçao mais avorec1 a .
uruuos . b l" - d
Até 1820, pagava-se tudo com a prata {do México, via Filipinas, do Basicamente, a China viu-se obrigada a consentir n_a ~ o içao ?
Japão, obtida pelos holandeses, e da índia, levada pela Companhia das Ín- Cohong; abenura de mais cinco portos; rebaixamento dos dir~itos a~uanei­
dias). Como os chineses não compravam quase nada, o saldo comercial era ros ao limite de 5%; extraterritorialidade jurídica dos estrange_iros residentes
favorável à China, que podia continuar a entesourar prata em grandes quan- em portos chineses; e permissão de navios de guerra estrangeiros atracarem
tidades. Por volta daquele ano, no entanto, o ópio, que já vinha sendo intro-
em qualquer porto da China. , . "
---duzido de contrabando, em pequenas quantidades, passou a ser a mercadoria Os tratados de 1842/45 foram os primeiros de uma longa sene de trata-
principal dos ingleses, que o obtinham na índia {Bengala), e dos americanos, dos desiguais" impostos à China no século XIX, em detrimento da sua sobe-
que o compravam aos turcos. A.J?.esar das severas proibições já existentes na rania. Logo após esses primeiros tratados, os europeus iniciara~.º processo
China contra o comércio e consumo de ópio, seu contrabando quadru licou- de ampliá-los em seu favor. Um dos seus primeiros passos consistm em ~azer
se-emmenos de vinte anos, pois, com a conivência de funcionários chineses, de suas "concessões" (áreas urbanas destinadas à residência de estran~e~ro~)
ele entrava clandestinamente através de mais de dez portos litorâneos. autênticos "enclaves" conforme ali estabeleceram instituições mumcipais
O contrabando de ópio e a difusão de seu consumo, sobretudo entre próprias, inclusive milícias à européia. Logo viria também o controle por in~-
bu;Qcràtas e militares, inquietou o governo chinês, além de se constituir tam- -petores europeus das receitas das aduanas, começando pelo port? de Xangai.
bém em ameaça à própria autoridade imperial. O estancamento do afluxo da Pressionado pelos estrangeiros e tendo que enfrentar suc.es~iv~s revolt~s
prata e a completa inversão que o contrabando do ópio determinou - a pra· internas, como a dos Taipings e dos Nian-Nian, o governo chmes vm-se obr~­
ta começou a sair do país em quantidades cada vez maiores - provocaram gado a recorrer à ajuda militar britânica e francesa em alguns momentos cn-
grave crise monetária e social. A prata valorizou-se e a tradicional relação ticos, ao mesmo tempo que crescia o número de missionários protestantes .e
entre ela e as moedas de cobre a1terou-se com rapidez - o dinheiro perdeu católicos, sobretudo estes, em diversas províncias, gerando freqüentes confli-
em poder de compra, isto é, os preços dispararam. Logo, descontentamentos tos, já que estavam proibidos de viajar ao interior do país. . .
populares explodiram por toda parte, favorecendo grupos e sociedades secre· Até 1860 o comércio ocidental não se expandiu como se imagmara
tas tradicionalmente hostis à dinastia Manchu {Chesneaux e Bastid, 1972). antes da "abe~ura". O mercado era limitado às imediações dos portos, pois,
De acordo com a interpretação dada pelas autoridades, era imprescindí· ?º interior, a produção artesanal local resistia co_m sucesso aos tecidos
vel impedir-se o contrabando de ópio, mas, segundo elas, o problema maior unponados. Os ingleses apropriaram-se da navegaçao de cabotagem e, por

66 67
O S~CULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

outro lado, obtiveram grandes lucros com a exportação dos coolies para 0 taro política e militarmente o país. Seu governo - Bakufu - , _em Edo,
trabalho nas plantações de Cuba, Peru e Austrália, guase como ooavos. O contr?do em nome do impera or, Mikado (Kioto), baseia-se numa hierarquia
que prosperou de fato foi o tráfico de ópio, agravando-se seus efeitos negati- ~de fid elidades feudais d~gum aos daimios (grandes vassalos) e seus
vos sobre a balança comercial, circulação monetária e preços. r(gídos - han, e destes aos guerreiros - samurais.
Conflitos intermitentes entre ingleses e milícias locais, especialmente em ~sde 1639, o Bakufu havia isolado o país ~o.exterior. Ape~as e~
Cantão, e a má vontade de alguns mandarins mais hostis aos estrangeiros i eram permitidas a chineses e holandeses atividades mercantis estn-
Nagasak
levaram os ocidentais a apresentar novas exigências, em 1854, mas o novo nte regulamentadas. Todavia, lentamente, processou-se uma certa
imperador Xianfeng (1850) apoiou firmemente os "intransigentes", embora tame d. . , . . d
bilidade social, ex pan m-se a economia monetana, ennquecen o os
1110
o próprio centro do poder estivesse cada vez mais dividido pelos antagonis- erciantes e empobrecendo os samurais.i e daimios e o próprio Bakufu.
mos entre chineses e manchus. França e Grã-Bretanha, aproveitando-se de ~:outro lado, as influências ocidentais penetraram através dos livros,
tais divisões, empreenderam, em 1856-60, uma série de operações militares apas, instrumentos científicos e armas de fogo, "fuzis e canhões", bem
111
- a "segunda guerra do ópio". Cantão foi bombardeada e tomada (1858); mo a literatura sobre estratégia e tática militares ocidentais. O impacto da
as tropas tomaram e saquearam Pequim (1860), inclusive o Palácio de Verão, ~T>erwra" repercutiu intensamente sobre a sociedade. Havia uma coesão
e a Corte teve que negociar. Os tratados de Tientsin (1858) e Pequim (1860) muito forte em torno de valores comuns, e as divergências diziam respeito
ampliaram consideravelmente as concessões aos ocidentais: abertura de mais aos meios e não aos fins, isto é, a questão jamais se colocou para os grupos
11 portos; acesso dos navios ocidentais aos principais rios chineses; direito dirigentes como sendo a de aceitar ou rejeitar a modernização, mas sim como
de circulação .Eelo interior do país para comerciantes e missionários; legali- escolher a estratégia menos prejudicial ao país.
zação da importação do ópio; livre-circulação das mercadorias ocidentais Em julho d 1853, o comodoro Perry chegou a Edo com uma frota de
pelo interior do país, isentas de taxas, salvo um acréscimo de 2,5%; indeni- guerra a fim de entregar ao xogum uma carta do presidente dos Estados
zações de guerra em favor da França e Grã-Bretanha; reconhecimento, pelo U-mdos (Fillmore), pedindo a abertura dos portos e anunciando que retorna-
governo de Pequim, das missões diplomáticas estrangeiras. Enquanto isso, a na no ano seguinte para receber a resposta. Em agosto, porém, navios russos
Rússia, que se aproveitou da crise para chegar ao Pacífico, obteve o reconhe- cllegaram a Nagasaki com idêntica petição. Apesar de algumas resistências,
cimento da conquista da margem setentrional do rio Amur e da oriental do a maioria dos daimios consultados pelo xogum pronunciou-se contra uma
Ussuri (onde fundaram Vladivostok), em 1860. guerra imediata. Em fevereiro, Perry retornou, com um quarto da iro ta nor-
A partir de 1860, a penetração ocidental avançou com r.apidez, com- te-americana, e em março foi assinado o tratado de Kanagawa que abria dois
preendendo praticamente todos os setores da vida chinesa. O processo de PõnOs - Hakodate e Ximoda - e aceitava a presença de um cônsul. Logo
"modernização" acelerou-se, gerando mudanças profundas no plano econô- sese uiram tratados análogos com a Grã-Bretanha (1854) e Rússia (1855).
mico e social. A intensificação das atividades missionárias e a crise das estru- Outras negociações, a seguir, culminaram, em1_858, num tratado de comér-
turas~dicionais piOVõcaram freqüentes manifestações xenófobas e movi- .à_o entre Estados Unidos e Japão. Novos portos foram abertos até 1863, e,
mentos de re eifüa em algumas províncias. Dividido entre a conciliação com tal como na China, ficaram asseguradas a extraterritorialidade jurídica e a
o Ocidente e assimilação dos seus recursos técnicos e científicos, e a defesa redução das tarifas aduaneiras. Em troca, os japoneses receberiam barcos,
intransigente das formas tradicionais, o mandarinato foi presa fácil das _armas e técnicos. Na esteira do tratado, logo a Holanda, Rússia, Grã-Bre-
novas e sempre maiores exigências ocidentais (Chesneaux e Bastid, 1972). tanha e França obtiveram tratados equivalentes.
Assim, muito antes da época identificada como "imperialis~' pela his· , A Partir dessas concessões aos estrangeiros, desencadeou-se uma compli-
torio rafia ....à China_iá era alvo do imperialismo ocidental. cada luta interna envolvendo o Bakufu, os feudos a ele fiéis e os que se lhe
- ~o caso do Japão, o impacto ocidental repercutiu sobre uma sociedade º~unham, sob a liderança dos daimios de Satsuma e Xoxu. Entre o ir e vir de
bem diferente da chmesa. Desde 1603, os Tokugaw~ detêm o xogunato e alianças e choques armados, agita-se a bandeira do sentimento nacional,

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o stcuLO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

contrário aos estrangeiros e por extensão ao Bakufu. Aos poucos, o impera. a "preeminência britânica" (Manchester, 1973) é bastante
. No Brasil, . . h'
dor se torna o centro dos projetos dos setores que aspiram à conquista da 111'0 • 'd dos historiadores· nos países h1spano-amencanos tampouco a
õnheci a '
poder. A""Corte Imperial estimüla a resistência e os ataques aos estrangeiros e ' . es diferenças (Donghi, 1972).
seus aliados, respondendo os ocidentais - norte-americanos, franceses
-a1or -
...- ta é claro de recontar a história dessa " preemmencia
· A •
. Trat a-
"

Nao se tra , ' • fun -


ingleses - com bombardeios navais e desembarques de tropas contr~ ro lembrete. O importante mesmo do lembrete e a sua çao no
-- de UD1 Dlde ste trabalho: a de assinalar que as teias
. d oco loma . 1·ismo nao -
Satsuma e Xoxu. Ao final, em 1867, já enfra11uecido, o Bakufu, quase com.
contexto e , . l - d " IA . ,,
pletamente isolado, entrega o poder polfrico ao novo imperador - Mut. 'das apenas com "partilhas~ tendentes a msta açao e co oruas
foral11 teCJ dA •
suhito. A batalha final foi travada em janeiro de 1868~ tomada do palácio --= ·do estrito. Mas há também outra razão: refutar a ten encia que, em
CIP seno . os paises• 1atmo-amenca·
· ·
imperial pelos inimigos do xogum e proclamação da Restauração do Un· de supostas diferenças "essenciais", imagma
pério. Embora os partidários do xogum teriham resistido ainda por um ano nome um caso à parte à margem do colonialismo ou, quem sabe, alvos
nos como , .
o Bakufu fora liquidado. Em abril de 1868, o imperador leu o "Jurament~ ae UD1 "neocolonialismo" (sic) avant la lettre o_u retrospect1vo. .
dos Cinco Artigos", embrião de código constitucional do novo regime, sen. Se a presença britânica é então o fato dommante, su~ formas de ~tuali·
do a ca_gital transferida _para Edo e rebatizada como Tóquio. - foram naturalmente diferentes conforme se tenham em vista o
zaça 0 Am' . L .
O movimento que devolveu o poder ao imperador e as transformações CãílaÓá~os Estados Unidos ou, finalmente, a e~1c~ atma. . .
políticas, sociais e econômicas subseqüentes são chamados Meijii-ishin -O Canadá, no início do século XIX, era consutuido por .um~ JUStaposi-
(renovação de Meiji). Mutsuhito reinou sob o nome de Meiji (governo ilumi- çio de colôruas diferentes entre ~i,_ esp:Cialment~ ~s. de colomzaçao francesa
nado). A chamada RevolüÇao""Meiji, compreendendo a restauração imperial e 85 de colonização inglesa. A uruficaçao do temtono atual proces~ou-se p~r
e a época que se lhe seguiu, marca o início do processo acelerado de "moder- etapas e sua integração deveu-se sobretudo à construção de ferrovia.s~ culmi·
nização" do Japão. De 1868 a 1881, aceleram-se as transformações das ins· nando na Cana ian J>acific Railway (1886). Mais difícil, po~é~~ f01 a ~ar~fa
tituições e da economia, apesar de dificuldades e crises, inclusive sublevações de reunir em uma federação as diferentes províncias e temt~n~s, O~Jetlv?
de camponeses e samurais, agravadas também pela inflação. A-partir de alcançado, em 1867, pelo British North America Act. Áiea de ~graçao bn·
1880, desenhou-se o perfil do novo Japão, um país que, apesar de tudo, não tinica e de afluxo de capitais, o Canadá, tal como a Austr;il.ia e ~ ~~va
caiu nas malhas do "imperialismo" - empréstimos, investimentos, depéÍÍ· 'Zelândia, ocupou um lugar privilegiado no âmbito do .~peno Bntamco,
dência - e converteu-se já em 1894/5, na única potência imperialista não- tendo sido fundamentais suas conexões com o grande vizinho do sul - os
ocidental. Seria bom se pudéssemos analisar esse "milagre oriental" que tan· 'fudos Unidos (Guillaume, 1974). , .
tas dores de cabeça viria a dar aos ocidentais, mas, infelizmente, temos que Os Estados Unidos aumentaram continuamente seu comercio com a
deixar o assunto para outro texto (Coquin, 1972). antiga metrópole, de onde afluíram imigrantes e cap_it~is e~ Aq~antidades
crescentes já na primeira metade do século XIX. c .ap1tais bn~am~os foram
não raro decisivos na construção de ferrovias e canais, modernizaçao de por·
5. Américas tos, criação de bancos, financiamento de exportações - a com~a~ pel?
ãlgodão e tabaco. Qualquer tabela estatística do movimento dos capitais bn-
Muito embora não seja habitual a inclusão do continente americano em his- tânicos nesse século evidencia seu direcionamento predominante para os
tórias da expansão capitalista no século XIX, acreditamos que seriam opor· Estados Unidos.
tunas algumas referências a fim de completarmos o desenho deste texto, dei· Do ponto de vista da expansão territorial, os Estados Unidos interessa-
xando de lado tradicionais divisões disciplinares. ram-se, primeiro, pelos imensos territórios situados a oeste e.ª sul. Tal ex·
O continente americano durante o século XIX não constitui exceção à Pansão compreendeu a "conquista do Oeste", aquisições mediante compras
regra vigente em outras partes do globo: a hegemonia do capitalismo brirâ· e anexações decorrentes de guerra.

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O S~CULO XX O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO

O Oeste foi conquistado pelos pioneiros à custa de quase-extermínios A guerra hispano-americana propiciou aos Estados Unidos a posse vir-
dos peles-vermelhas e de uma política de concessão de terras que favoreceu a ai da ilha de Cuba e a incorporação da ilha de Porto Rico. Tratava-se de
iniciativa e as ambições dos recém-chegados. Decorreu desse processo toda --:Zer frente à posição dominante da Grã-Bretanha nas Antilhas, senhora da
uma tradição histórica e sociológica que tem na "fronteira" e no tipo huma. amaica, Bahamas, Trinidad, Tobago, Santa Lúcia, Domenica, e outras
no a efa associado o tema central de suas análises sobre a formação da socie- J enores. Havia ainda Belize, na Guatemala, e a Guiana (a parte tomada aos
dade norte-americana. :olandeses em 1815). A questão da constru5ão de~ canal interoceâni~o já
Compras e acordos resultaram na aquisição da Louisiana (à França, em se constituía então, nessa última década do Oitocentos, como centro de mte-
1803), da Flórida (à Espanha, em 1819), do Alasca (à Rússia, em 1867) do resses e manobras de americanos, ingleses e franceses (Garden, 1983 ).
Oregon, em 1848 (objeto de tratado com a Grã-Bretanha).
A Guerra com o México iniciou-se depois que o Texas, em 1845, decidiu
incorporar-se à União americana, prolongando-se o conflito até 1848. Além
do Texas, foram então incorporados os territórios do Novo México, Arizona CONCLUSÃO
e Alta Califórnia. Bem a tempo, aliás, pois se iniciava então a "corrida"
Ao término desta longa exposição, queremos sublinhar alguns dos pontos
rumo ao ouro californiano.
essenciais a respeito de, pelo menos, dois aspectos: o que se excluiu e a for-
Durante a Guerra de Secessão (1861-65), as relações americanas ficaram
ma que se imprimiu ao texto como um todo.
um tanto estremecidas com a Grã-Bretanha e a França. Com os britânicos,
Excluir é uma tarefa sempre difícil, especialmente quando ditada por
por causa da recusa do governo inglês em reconhecer o bloqueio dos portos
motivos de economia de páginas.
sulistas, grandes fornecedores do algodão consumido pelas fábricas britâni- Na realidade, realizamos dois tipos de exclusão: dos assuntos a serem
cas. Com a França, porque esta, apesar de favorável a Washington, aprovei- desenvolvidos em outros textos desta coleção e, em segundo lugar, de temas
tou-se do ~o pretexto colonialista de cobrar dívidas não pagas para inva- 'l!:le, embora pertinentes, não consideramos fundamentais. Pertencem ao pri-
dir o México (1861) e ali instalar, corno imperador, o príncipe Maximiliano. meiro tipo "os vários caminhos nacionais de emergência do capitalismo", a
Uma aventura trágica: após a saída do exército francês (1866), as tropas de "Segunda Revolução Industrial~ e a "expansão imperialista", embora, quan-
Juarez prenderam e executaram o "Imperador do México". to a esta última, nem sempre tenha sido possível respeitar-se 1870-80 como
Os Estados Unidos, no entanto, não estavam ausentes do cenário das dis- data limite. No segundo grupo, lamentamos não ter sido possível incluir as
putas coloniais. Vimos como o comodoro Perry apareceu no Japão em 1853; coloniza_ções da Austrália e Nova Zelândia e a complicada partilha dos
os interesses americanos em Cu a o ngavam a uma constante vigilância, arquipélagos da Oceania.
assim como as disputas pelas ilhas e arquipélagos da Oceania. Desde meados Quanto à forma que imprimimos à narrativa, optamos por informar o
do século, desenvolveu-se em certos círculos intelectuais e políticos a ideolo- leitor, e não apenas apresentar-lhe análises gerais e abstratas. Tal opção tal-
gia do "Destino Manifesto", cujas metas eram as Antilhas e Õs territórios ao vez tenha acarretado uma sobrecarga, quem sabe excessiva, de "dados empí-
"sul do Rio Grande", visando afirmar nessas áreas a presença americana. Na ricos" ou "factuais". Pensamos, porém, que seria útil ao leitor não especiali-
última década do século, a política americana se afirmaria no Extremo zado situar com precisão uma série de acontecimentos decisivos, hoje prati-
Oriente: na China, defendendo o princípio da a-porta aberta" contra as camente esquecidos, como forma de distinguir o texto histórico dos seus con-
manobras europeias tendentes a fragmentar o mercado chinês em concessões gêneres sociológicos ou econômlcõs, mais ou menos imprecisos e genéricos.
fecha das à concorrência; nas Filipinas, obtidas após urna guerra com a A preocupação com o espaço-tempo esteve assim sempre presente.
Es anha 1898-99), como ponta-de-lança em relação aos portos chineses e Enfim, as questões teóricas. Adotamos uma perspectiva que irá certa-
japoneses e à expansão russa a partir da Sibéria oriental. rnente parecer a alguns um tanto antiquada. Mencionamos, mas não traba-

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O CAPITALISMO UNIFICA O MUNDO
O HCULO XX

preyíus. f. et alii. 19~3. "Os países indusrr!a~dos tardi~s". ln Léo~ P. (di.r_.) História
~amos ~ºn:1 elas, as intef.Pretações baseadas no conceito de "sistema mu11• Econômica e Social do Mundo, v. 3. lnemas e revoluçoes. T. II. Lisboa, Sa da Costa.
dia! capitalista europeu", ou na "acumulação mundial". Assim o fizemos Ea,ston, S. C. 1964. The rise and fali of Western colonialism. Nova York, F. A. Praeger.
fim de evitar longas discussões teóricas que contrariam o espírito desta cole~ EJias, N. A.1987. Sociedade de Corte. Lisboa, Estampa, 1987. Trad. de Ana Maria Alves.
ção. Não deixamos, porém, passar a oportunidade de relativizar a visão tra. Eagds, f. 1961. La situation de la classe labourieuse en Angleterre. Paris, Ed. Sociales.
dicional acerca de ~postas rupturas, no seio da expansão capitalista, quer Trad. de J. Badia e J. Fréderic. Auant-propos de E. J. Hobsbawm.
entre um "antigo" e um. '~ovo" sistema colonial, quer entre a expansão ./ falcón, F. J. Calazans. 1994. O imaginário republicano no século XVIIl e Tiradeotes. ln
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