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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
NÍVEL MESTRADO

Juliane Conceição Primon Serres

“NÓS NÃO CAMINHAMOS SÓS”: O HOSPITAL COLÔNIA ITAPUÃ E


O COMBATE À LEPRA NO RIO GRANDE DO SUL (1920-1950)

São Leopoldo, RS, Brasil.


2004
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Juliane Conceição Primon Serres

“NÓS NÃO CAMINHAMOS SÓS”: O HOSPITAL COLÔNIA ITAPUÃ E


O COMBATE À LEPRA NO RIO GRANDE DO SUL (1920-1950)

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado


do Programa de Pós-Graduação em História,
área de Concentração: Estudos Históricos
Latino Americanos, da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos - UNISINOS, como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
História.

Orientadora: Profª Drª Marluza M. Harres

São Leopoldo, RS, Brasil.


2004
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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
NÍVEL MESTRADO

A dissertação intitulada “Nós não caminhamos sós”: O Hospital Colônia


Itapuã e o combate à Lepra no Rio Grande do Sul (1920-1950) foi julgada
adequada e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, para a
obtenção do título de MESTRE EM HISTÓRIA.

São Leopoldo, março de 2004.

Prof. Dr Werner Waltmann


Coordenador do Programa do Pós-Graduação em História

Apresentada à Banca integrada pelos seguintes professores:

Presidente: Profª Drª Marluza Marques Harres/UNISINOS

Membro Profª Drª. Beatriz Teixeira Weber/UFSM

Membro Prof. Dr. Paulo Moreira Staudt/UNISINOS


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Aos “moradores usuários” do Hospital Colônia Itapuã


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Agradecimentos

À Profª Dr.ª Marluza Marques Harres pela orientação e pelo incentivo.


Aos professores do Pós Graduação em História da Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
em especial à Heloísa Capovilla, à Ieda Gutfreind, a Flávio Heinz e a Paulo Moreira, pelas
aulas cujas discussões de alguma forma contribuíram para a feitura desta Dissertação.
A professora Beatriz Teixeira Weber por me “introduzir” nesse universo da pesquisa e pela
generosidade no decorrer de minha formação acadêmica.
À Arselle de Andrade da Fontoura pelas “aulas iniciais” sobre o Hospital Itapuã e a História
da Lepra e também pela amizade.
Aos meus amigos, em especial a Everton Quevedo, companheiro de jornada e aos meus
“colegas amigos.”
Produzir um trabalho em História é tarefa difícil. Mas seria impossível se os vestígios do
passado não tivessem sido armazenados, por isso, agradeço também a todas as pessoas que
trabalham para preservar a memória. Em especial aos profissionais do CEDOPE/HCI.
Ao Arquivo Histórico de Rio Grande do Sul, ao CEDOP da Santa Casa de Misericórdia, ao
MCSHJC.
Ao Centro da Memória do Hospital Partenon,
À Biblioteca da Faculdade de Medicina. Ainda, ao pessoal da Dermatologia Sanitária, em
especial à Rita Camello, pelas informações, disponibilidade e ajuda.
E por motivos menos acadêmicos, mas não menos importantes, a minha mãe, sempre, por
tudo e ao Rafael.

Muito obrigada!
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Resumo

A presente pesquisa aborda a Campanha contra a Lepra no Rio Grande do Sul com
ênfase no seu principal desdobramento, o Hospital Colônia Itapuã. Buscou-se, ao longo do
trabalho, reconstituir o combate a esta doença no Estado, inserindo as práticas desenvolvidas
em relação à Lepra em um contexto mais abrangente, a Campanha Nacional contra a Lepra.
Nesta perspectiva, procurou-se analisar as medidas profiláticas adotadas entre 1920, período
identificado com o início do combate à doença no Estado, até a década de 50, quando ganhos
terapêuticos contribuíram para que fosse repensado o modelo segregacionista adotado até
então. Neste período teve-se o fim do isolamento compulsório para os doentes de Lepra no
país. Partiu-se do princípio que, exceto em períodos de epidemias, a saúde da população não
era uma preocupação dos poderes públicos até meados da década de 1920, quando se
organizou no Brasil um Departamento Nacional de Saúde Pública. Entretanto, a criação deste
órgão não resultou uma atuação imediata em todo o território, sobretudo no Rio Grande do
Sul, Estado que conservou forte autonomia em relação à Federação, e durante boa parte da
chamada Primeira República esteve guiado pela perspectiva positivista de não intervenção dos
poderes públicos nas questões ditas de caráter privado, entre elas a saúde. A Lepra foi uma
moléstia que pouca atenção recebeu dos serviços sanitários até 1920, entregue à caridade leiga
ou religiosa, quando despertou interesse governamental configurava-se em um problema
nacional. A Campanha Nacional contra a Lepra, iniciada a partir da década de 1930,
encontrou um contexto favorável, de centralização política e de expansão do aparato Estatal,
que possibilitou a organização e a expansão do combate à moléstia a todo o país. Buscou-se
compreender quais elementos associaram-se para que ocorresse o combate à Lepra neste
período e quais seus resultados. Ao mesmo tempo em que se procurou reconstruir a trajetória
do combate à Lepra, resgatou-se a trajetória das próprias Instituições sanitárias nacionais. De
modo semelhante, ao resgatar as histórias de vida dos “moradores-usuários” do Hospital
Colônia Itapuã, recuperou-se um pouco da história do próprio Leprosário.

Palavras-chave: História, Lepra, Campanha Nacional, Leprosário.


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Abstract

The following research approaches the campaign against leprosy in Rio Grande do Sul
emphasizing its main result, the “Hospital Colônia Itapuã”. The main purpose along the report
was to rebuild the fight against this sickness in the state, introducing the developed practice
for leprosy fight in a more general context, the national campaign against leprosy. From this
perspective was aimed to analyze the prophylactic measures adopted between 1920, period
identified as the beginning of the fight against the sickness in the state, until the 50’s, when
therapeutic acquisitions contributed to the rethinking of the segregationist model adopted up
to that moment. In that period happened the end of the compulsory isolation for the patients of
leprosy in the country. The population’s health was not a concern for the government until the
20’s, except in an epidemical period, when it was organized in Brazil a public health national
department. Notwithstanding, the creation of this organ did not result in an immediate
actuation all over the country, mainly in Rio Grande do Sul, a state that kept a strong
autonomy from the government and during some time in the period called “first republic” was
guided by the positivist perspective of non-intervention of the government in private
characteristic matters, among them, health. The leprosy was a sickness that had little attention
from the medical services until 1920, left to the lay charity or religious, when it awoke the
governmental concern was actually a national problem. The national campaign against
leprosy that started since the 30’s found a favorable context, of political centralization and
expansion of the state, which enabled the organization and expansion of leprosy fight all over
the country. It was aimed to understand which elements in that period joined in the fight
against leprosy and what their results were. At the same time it was aimed to rebuild the fight
against leprosy’s trajectory, it was also retaken the trajectory of the national medical
institutions themselves. In an analogous way, while retaking the life histories of the resident-
users of the “Hospital Colônia Itapuã”, it was also recovered a little part of the leprosarium
itself.

Key words: History, leprosy, National Campaign, leprosarium.


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Lista de figuras

Figura 01 Epidemias e Endemias ............................................................................. 56


Figura 02 Acampamento de doentes ......................................................................... 69
Figura 03 Nomadismo de leprosos no Estado de São Paulo ..................................... 69
Figuras 04 e 05 Famílias de doentes .................................................................................. 69
Figura 06 Combate à Lepra em Minas Gerais .......................................................... 70
Figura 07 Asilo Colônia “Santo Ângelo”, Mogi das Cruzes .................................... 70
Figura 08 Amparo Santa Cruz, Rio Grande do Sul ................................................... 70
Figura 09 Pontos examinados para localização do Leprosário ................................. 93
Figuras Hospital de Emergência para Leprosos, Porto Alegre, RS ....................... 110
10,11,12
Figura 13 Organização do Departamento Estadual de Saúde ................................... 114
Figura 14 Planta do Leprosário Itapuã ...................................................................... 124
Figura 15 Visita ao Leprosário Itapuã em 07 de janeiro de 1942 ............................. 132
Figura 16 Colônia Itapuã – Grupo de internados em frente ao refeitório geral ........ 135
Figura 17 Colônia Itapuã – Residência do Capelão .................................................. 136
Figura 18 Colônia Itapuã – Residência do Diretor ................................................... 137
Figura 19 Colônia Itapuã – Residência das Irmãs ..................................................... 137
Figura 20 Colônia Itapuã – Pavilhão da Administração ........................................... 138
Figura 21 Colônia Itapuã – Avenida Getúlio Vargas cortada pelo portão que
separa a zona sadia da dos doentes ........................................................... 138
Figura 22 Colônia Itapuã – Pavilhão do tipo Carville na Praça Cordeiro de Farias . 139
Figura 23 Colônia Itapuã – Rua Gustavo Capanema, casas geminadas para casais
leprosos ..................................................................................................... 139
Figura 24 Colônia Itapuã – Vista do Leprosário ....................................................... 140
Figura 25 Colônia Itapuã. À esquerda lavanderia e à direita oficina dos doentes .... 144
Figura 26 Operários leprosos construindo o Pavilhão da sua Colônia ..................... 145
9

Figura 27 Colônia Itapuã – Igreja Católica em frente à Praça Cordeiro de Farias ... 148
Figura 28 Colônia Itapuã – Gruta Nossa Senhora de Lourdes existente no jardim
da Casa das Irmãs .................................................................................... 148
Figura 29 Festa de Casamento .................................................................................. 151
Figura 30 Colônia Itapuã. Edifício da Cadeia mandado construir pelo Governo
Federal ...................................................................................................... 156
Figura 31 Colônia Itapuã. Uma das Enfermarias ...................................................... 159
Figura 32 Enfermaria ................................................................................................ 159
Figura 33 Gráfico do declive da Lepra na Noruega ................................................ 165
Figura 34 Moedas de circulação interna no Leprosário Itapuã ................................. 169
Figura 35 Jornal “A Razão”, órgão oficial, Colônia Itapuã, domingo 24 de
setembro de 1950, nº 341 ......................................................................... 173
10

Lista de Quadros

Quadro 01 Serviço de Lepra de 1939-1946 .................................................................... 126


11

Lista de Tabelas

Tabela 01 Número de doentes por município ................................................................... 100


Tabela 02 Movimento da Enfermagem no período de 1940 a 1943 ................................. 157
12

Lista de Abreviaturas

AHBFM – Acervo Histórico da Biblioteca da Faculdade de Medicina


ANM – Academia Nacional de Medicina
ARM – Archivos Rio-Grandense de Medicina
BALRGS – Biblioteca da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul
BLN – Boletim Nacional da Lepra
CAR – Centro Agrícola de Reabilitação
CEDOPE/HCI – Centro de Documentação e Pesquisa do Hospital Colônia Itapuã
CPDOC/ SCMPA – Centro de Documentação e Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de
Porto Alegre
DES – Departamento Estadual de Saúde
DNAMS – Departamento de Assistência Médico Social
DNS – Departamento Nacional de Saúde
DNSP – Departamento Nacional de Saúde Pública
HCI – Hospital Colônia Itapuã
IPLDV- Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas
JE – Jornal do Estado
MCSHJC – Museu da Comunicação Hipólito José da Costa
MES – Ministério da Saúde e Educação
Mesp – Ministério da Educação e Saúde Pública
RSENIE – Relatório da Secretaria de Estado de Negócios do Interior e Exterior
SENIE - Secretaria de Estado de Negócios do Interior e Exterior
SNL – Serviço Nacional de Lepra
13

Sumário

Introdução ............................................................................................................................ 14
CAPÍTULO I – A Lepra está na moda ................................................................................ 26
1.1 Que doença era a Lepra ................................................................................................. 26
1.2 A Lepra na agenda sanitária nacional ............................................................................ 38
1.3 A Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas ............................................ 46
1.4 Quando a Lepra se tornou um problema nacional ........................................................ 51
1.5 A Campanha Nacional ................................................................................................... 55
CAPITULO 2 – O Desfile macabro ................................................................................... 72
2.1 Os doentes de Lepra no Rio Grande do Sul ................................................................... 72
2.2 Um local para o mal: polêmicas e controvérsias ........................................................... 80
2.3 Doentes em busca de cura .............................................................................................. 94
2.4 Era chegado o momento. O combate à Lepra no Rio Grande do Sul ............................ 106
2.5 O “armamento anti-leprótico” no Estado ...................................................................... 115
2.5.1 O Dispensário ............................................................................................................. 115
2.5.2 O Preventório .............................................................................................................. 117
CAPITULO 3: Uma cidade para os Lázaros ....................................................................... 121
3.1 O Hospital Colônia Itapuã ............................................................................................. 121
3.2 A Nova vida no Degredo ............................................................................................... 133
3.2.1 Dias de Trabalho ......................................................................................................... 142
3.2.2 Dias de Purificação ..................................................................................................... 145
3.2.3 Dias de festas .............................................................................................................. 149
3.2.4 Dias de castigo ............................................................................................................ 152
3.2.5 Dias de tratamento ...................................................................................................... 156
3.2.6 Hora de Partir .............................................................................................................. 160
3.3 Considerações em torno do “mundo dos internados” ................................................... 167
CAPITULO 4: “Nós não caminhamos sós” ........................................................................ 176
4.1 Estávamos todos na mesma situação ............................................................................ 176
4.2 “A trajetória do desterro” ............................................................................................. 182
Considerações finais ............................................................................................................ 252
Fontes Consultadas .............................................................................................................. 258
Bibliografia .......................................................................................................................... 271
Apêndice .............................................................................................................................. 283
14

Introdução

Em janeiro de 2000, um ano antes de terminar o curso de História, na Universidade

Federal de Santa Maria, uma oportunidade me colocaria frente ao Hospital Colônia Itapuã, um

antigo Leprosário construído na década de 40 do século passado para abrigar doentes de

Lepra do Estado do Rio Grande do Sul. Tratava-se de um projeto de organização do CEDOPE

– Centro de Documentação de Pesquisa – do Hospital. Até aquele momento, a referência que

eu tinha sobre Lepra eram passagens bíblicas de leprosos ora mendigando, ora sendo curados

por Jesus Cristo. Tinha lido que, na Idade Média, os leprosos ficavam à margem das cidades,

usavam matracas e panos para cobrir suas feridas. Sobre Lepra, no Brasil, nada sequer ouvira

falar, no Estado, menos ainda; talvez essa doença pudesse ter existido no período colonial

entre os escravos que viviam em condições subumanas.

A mesma surpresa que tomou conta de mim quando ouvi falar desse Leprosário

revelava-se cada vez que eu dizia para alguém qual era minha pesquisa. Ainda existe essa

doença? Um Leprosário? Quem eram esses doentes? Como eram esses doentes? Lepra pega?

Tu não tens medo? E seguia a pergunta inevitável: Porque (alguém da História) pesquisar esse

tema? Se ao final deste trabalho eu tiver respondido pelo menos esta última questão, terá

valido à pena. Agora, é preciso voltar a janeiro de 2000.

Depois de uma viagem de aproximadamente 2 horas saindo de Porto Alegre,

cruzando bairros afastados, campos, vales, chegamos ao Hospital Itapuã. Era de manhã e

estávamos entusiasmados. O grupo de estudantes do qual eu fazia parte havia trocado o verão

(talvez no litoral) pela aventura de desvendar os mistérios que podiam abrigar um Leprosário.

Para um estudante de História, isso era perfeitamente possível. Eu havia conhecido o Hospital
15

algumas semanas antes, em uma rápida visita onde foram tratados os pormenores de nossa ida

para lá. O lugar era fascinante.

Tudo estava pronto para nossa chegada. O “pavilhão 14” ganhou pintura nova para

nos receber, a cozinha do pavilhão ganhou copos e panelas, os quartos, lençóis. Sem perder

tempo fizemos um passeio de reconhecimento do lugar, em seguida fomos orientados para o

que viria a ser nosso trabalho naqueles dias na Instituição. Havia caixas com papéis para

classificar e descrever, pilhas de fotografias para catalogar e “moradores-usuários” para

entrevistar. Assim chamavam-se os “ex-doentes” que continuavam residindo no Hospital, na

sua maioria velhinhos que estavam ali há muito tempo.

Os primeiros dias no Itapuã foram dedicados a reuniões, a grupos de estudo, à

discussão de textos, a planejamento do trabalho. Aos poucos, fomos nos dividindo por

“afinidades”. Um colega ficaria trabalhando com papéis, outros dois com fotografias, eu e

outro colega com as entrevistas. Todos coordenados pela historiadora do local. Nestes

primeiros dias ficamos basicamente indo de lá para cá, do pavilhão 14 à antiga Casa das Irmãs

onde ficava o CEDOPE. Transitávamos, geralmente, sob olhos curiosos dos moradores, a

quem também lançávamos olhares perscrutadores. Finalmente, uma reunião promovida pela

Assistência Social desfazia o mistério (ao menos para os poucos “moradores-usuários” que

compareceram) de quem éramos e o que estávamos fazendo no Hospital. Foi nosso primeiro

contato direto com aquelas pessoas.

Os dias se seguiram até transcorrer pouco mais de um mês, período que durou nosso

estágio. Realizamos nossos trabalhos, trocamos experiências, ora uns ajudando nas tarefas dos

outros, ora conversando sobre nossas impressões. Aos poucos fomos interagindo no cotidiano

da Instituição. Começamos a participar das festas, dos “jogos de bocha” e, principalmente nós

que ficamos com o trabalho de entrevistas, da vida das pessoas. O trabalho era intenso, tinha

tudo por fazer, mas ainda sobrava tempo para as aventuras de conhecer cada canto daquela
16

Instituição construída no modelo de uma pequena cidade. Acredito que a vivência no Itapuã,

naquele verão, tenha ensinado para nós cinco muito mais que organizar arquivos.

No ano seguinte, daquela equipe, voltamos eu e outro colega, pois queríamos

conhecer mais sobre o Hospital. Ficamos hospedados no “pavilhão 14” por alguns dias, dessa

vez dirigindo nossa atenção para a documentação existente no CEDOPE, para os livros e as

revistas sobre Lepra. Trabalhamos intensamente para copiar tudo o que pudesse um dia

interessar. Ali, eu já sabia que o contato com o Hospital e com os seus moradores, ao menos

para mim, estava apenas começando.

Em primeiro lugar é preciso fazer uma ressalva. Neste trabalho, adota-se o vocábulo

Lepra simplesmente porque no período recortado para fazer a pesquisa, anos 20 aos 50, esse

era o termo usado para designar a doença, mais tarde denominada Hanseníase.247A

substituição do nome da doença não se deu por questões semânticas, antes pretendeu livrar a

moléstia de seu milenar estigma. Se por um lado a troca obteve êxito, por outro resultou um

problema, hoje poucos sabem o que é Hanseníase248 e conservam as representações sociais da

Lepra praticamente inalteradas. Resultado: Lepra e Hanseníase são duas doenças

desconhecidas para a população.

247
Em homenagem a Amauren Hansen que em 1873 descobriu o bacilo micobacterium leprae causador da
doença. Nos anos 70, foi iniciada uma campanha em São Paulo que defendia a mudança da nomenclatura de
lepra para hanseníase, o governo federal aderiu a esta proposta através do dec. 76.078, de 4 de agosto de 1975,
determinando que a Divisão Nacional da Lepra e a Campanha Nacional Contra a Lepra passassem a ser
denominadas, respectivamente, Divisão Nacional de Dermatologia Sanitária e Campanha Nacional Contra
Hanseníase. No Brasil, foi proibido o uso oficial dos termos Lepra e seus derivados pela lei 9.010, de 29 de
março de 1995.
248
A Hanseníase é uma doença crônica, causada pelo Mycobacterium leprae ou Bacilo de Hansen, que afeta,
principalmente, a pele, os nervos e a mucosa nasal. A doença é contagiosa, transmitida para o homem pelas vias
aéreas, possivelmente pela eliminação do bacilo por doentes em fase contagiante. A primeira dose do
medicamento específico é capaz de eliminar 99,99% da carga bacilar do indivíduo, impedindo, assim, o
contágio. Sabe-se que este bacilo pode infectar um grande número de pessoas, mas poucos adoecem devido a sua
baixa patogenicidade. O período de incubação da doença é em média de 5 a 10 anos. A doença pode se
manifestar de três formas: a hanseníase tuberculóide, forma evolutiva menos grave, a lepromatosa ou
virchowiana, forma progressiva, generalizada e mais grave da doença, e a hanseníase dimorfa, que ocupa
posição intermediária entre as duas formas citadas. O tratamento é feito em ambulatório por poliquimioterapia
(PQT). A cura, dependendo do tipo da doença, pode ser obtida a partir de uma dose ou até 18 meses de
administração dos medicamentos. Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde. Guanabara Koogan, Rio
de Janeiro, 1999.
17

No transcorrer da pesquisa analisa-se a Campanha contra a Lepra no Rio Grande

do Sul e o papel do Leprosário de Itapuã na profilaxia249 da doença. O período abordado

refere-se a política do governo em relação à Lepra, especialmente nos anos de 1920/50. São

marginalizados, desse trabalho, o Dispensário, ambulatório destinado a tratar da Lepra, e o

Preventório, instituição construída para abrigar os filhos sadios dos doentes. Os doentes

investigados são os que estiveram internados; os doentes “não-internados”, que fizeram

tratamento nos Dispensários, não são tratados neste texto. Pretende-se responder nesta

pesquisa como ocorreu o combate à Lepra no Rio Grande do Sul e qual o papel do Hospital.

Antes de encerrar esta sessão, apresenta-se uma discussão sobre as fontes utilizadas

nesta pesquisa e sobre alguns trabalhos que tematizaram a Lepra como objeto de estudo.

Primeiro aborda-se as fontes, depois a produção bibliográfica.

Sem perder a noção do todo, cada parte desta dissertação tem suas fontes

privilegiadas. Esta abundância torna-se possível às custas de muito trabalho e, por que não

dizer, sorte. Sem dúvida as fontes não falam por si, é necessário estabelecer um diálogo com

dezenas de papéis, contrastar documentos, selecionar, comparar, questionar. No caso das

fontes orais, é preciso criá-las.

Essa pluralidade de fontes, se por um lado ajuda e é imprescindível, por outro

complexifica o trabalho, dificultando fazer um recorte, escolher uma entre as tantas

abordagens possíveis.

Partindo das bibliografias das mais gerais, há os livros médicos produzidos na época,

muitos deles laudatórios, que procuraram registrar os detalhes do combate à Lepra, não raro,

citando documentos inteiros, atas, pronunciamentos, discussões. Entre eles, destaca-se a

produção de Souza Araújo, Flávio Maurano e Ernani Agrícola. Estes médicos não apenas

249
No texto, a palavra “profilaxia” será tomada no sentido restrito utilizado na época: aplicação de meios
tendentes a evitar doenças. De pro e filake, proteção, defesa. DICIONÁRIO de Termos Médicos. Pedro A.
Pinto, 7ª edição. Ed. Científica – Rio de Janeiro: 1958, p. 391.
18

exerceram suas profissões voltadas para a Leprologia (especialidade que tratava da Lepra),

bem como, escreveram sobre o tema e assumiram posições importantes no combate à doença.

Souza Araújo teve sua carreira profissional ligada ao combate da Lepra, foi

pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, através do qual publicou cerca de 210 trabalhos

científicos, tendo chefiado o Laboratório de Leprologia entre 1927 e 1956. Pesquisador

reconhecido nacional e internacionalmente, teve participação de destaque na criação da

Sociedade Internacional de Leprologia, ocupando o cargo de vice-presidente entre 1932 e

1956. Dedicando-se às pesquisas sobre a hanseníase e ao estudo de sua profilaxia e seu

tratamento, teve ainda atuação importante ora como formulador, ora como crítico das políticas

e iniciativas públicas voltadas para a sua área de especialização. Visitou as principais

instituições envolvidas no estudo e no combate à doença no Brasil e no exterior, tendo

publicado 3 volumes sobre a “História da Lepra no Brasil”. Utilizou-se, nessa pesquisa,

sobretudo o Tomo III, onde o autor escreve sobre a doença no período Republicano. Souza

Araújo chefiou a profilaxia da Lepra nos Estados do Paraná e Pará, sendo que neste último foi

fundador do Leprosário “Lazarópolis do Prata”, referido como a primeira colônia-agrícola

para leprosos no país.250

Visando incentivar e desenvolver a pesquisa sobre a Lepra no Brasil, o Ministério da

Educação e Saúde, através do Serviço Nacional da Lepra, lançou, nos anos 40 do século

passado, um concurso de “monografias” sobre o tema. Nossa pesquisa se utiliza de uma

destas “monografias” de autoria de Flávio Maurano, médico da Profilaxia da Lepra de São

Paulo e pesquisador, cuja obra “Tratado de Leprologia: História da Lepra e sua Distribuição

Geográfica no Brasil” deve ser uma referência para aqueles que se propõem a estudar o

assunto. O trabalho de Ernani Agrícola, intitulado “Campanha Nacional contra a Lepra”,

também pode ser considerado uma referência. Nesta publicação, Agrícola reuniu dezenas de

250
http://www.coc.fiocruz.br/areas/dad/guia_acervo/arq_pessoal/heraclides_araujo.htm. Acesso em 19/12/2003.
19

palestras por ele proferidas no Rádio entre 1944 e 1945. Expressando o ponto de vista oficial,

visto que ocupava o cargo de diretor do Serviço Nacional de Lepra, o autor discute aspectos

importantes da Campanha que são abordados ao longo do texto, tal como políticas oficiais,

rumos da Campanha, orientações internacionais.

Seguindo a mesma linha, especificamente sobre o Rio Grande do Sul, há a tese de

Maya Faillace, “Do conceito atual de profilaxia da Lepra”, talvez o mais completo registro

sobre o combate à Lepra no Estado. E, ainda, algumas teses da Faculdade de Medicina de

Porto Alegre, alguns artigos e discussões médicas publicadas em diferentes lugares, como nos

“Archivos Riograndense de Medicina” e nas “Revistas dos Cursos”, ambas publicações da

Faculdade de Medicina.

A documentação produzida pelos órgãos públicos responsáveis pela saúde no Estado

ajuda a compor um quadro sanitário da época, fornecendo informações pontuais de como

eram tratadas as questões envolvendo a Lepra. Os Relatórios da Secretaria de Negócios do

Interior e Exterior, encarregada durante a década de 20 das questões relacionadas à saúde,

através da Diretoria de Higiene também são alvos de pesquisa. Ainda sobre a mesma década,

tem-se algumas informações nas Mensagens dos Presidentes do Estado (governadores).

Os conturbados anos 30 refletem, também, na documentação, pois percebe-se uma

lacuna entre 1930 e 1935. Essa ausência de registros (ao menos encontrados) talvez indique

um período de inércia em relação às questões de saúde devido as transformações políticas

pelas quais passava o país. Em nível federal, estas oscilações políticas e a precária situação

econômica se refletiram no recém criado Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp).

Durante os três primeiros anos do Ministério, ocuparam a pasta respectivamente: Francisco

Campos, Belisário Penna, Washington Pires, o que demonstra o período de instabilidade. No

Estado, os Relatórios trazendo informações sobre saúde foram retomados de 1935 em diante.
20

A reorganização dos serviços sanitários no Estado, com a criação do Departamento

Estadual de Saúde em 1938, conferiu ao período seguinte uma farta documentação,

confirmada pelos Relatórios dos Interventores, dos Secretários e pelos “Arquivos do

Departamento Estadual de Saúde”, estes últimos abrangendo toda a década de 40.

Acompanha-se, ainda, alguns anos de jornais (1936-41), especialmente, A

Federação, depois transformada em Jornal do Estado. Este Jornal representava a posição

oficial do Estado no combate à Lepra e foi lido como tal.

O CEDOPE do Hospital Itapuã possui uma série de documentos produzidos pela

Instituição, além de revistas, de boletins e de demais publicações sobre a Lepra, destaca-se os

regulamentos internos, alguma documentação da “prefeitura dos internados”, alguns relatórios

das atividades do Hospital, que incluem informações sobre o tratamento da doença, o

movimento de pacientes, a administração do estabelecimento e as informações técnicas.

Utiliza-se, ainda, ao longo do trabalho, algumas imagens e fotografias, não como fontes, mas

com o caráter ilustrativo.

A documentação produzida pelos religiosos que trabalharam na Instituição constitui

uma das fontes mais ricas, sobretudo durante os primeiros anos de funcionamento da

Instituição, quando os registros leigos eram mais esparsos. Registravam os nascimentos, os

falecimentos, as fugas, as festas religiosas, os batismos, os casamentos, enfim, toda a vida

diária da Instituição. Esses registros cobrem o período de 1940 a 1944. Depois foram

encontrados os Diários das Irmãs, dos anos de 1946/48/49, que acompanham a movimentação

diária do Hospital, destacando apenas os acontecimentos “mais significativos”.

Sobre o cotidiano da Instituição, além das entrevistas, que sem dúvida são a melhor

fonte para tentar reconstituir o que foi viver no Itapuã, um inesperado material ajudou na

tarefa. Trata-se de um Jornal denominado “A Razão”, que circulou internamente no Hospital.

Nas entrevistas é citado várias vezes, mas nunca se teve acesso a nenhum exemplar. Uma
21

senhora, antiga moradora da Instituição, soube que havia pessoas interessadas na história do

lugar. Em visita aos antigos compadres (um deles é um dos entrevistados), resolveu trazer os

4 exemplares que havia guardado. Ela nos confiou os jornais porque, segundo ela, talvez

pudessem interessar! Retirou os exemplares “velhinhos e amarelos” de uma sacola de

plástico, onde também carregava uma foto de toda sua família. Tinha medo de que depois que

ela morresse jogassem os jornais fora por não saberem do que se tratava. A passagem dela e

de seu marido pelo Hospital é um segredo compartilhado com poucos.

Esse contato com pessoas que falam de outros tempos talvez seja a experiência mais

rica de se trabalhar com História. E são, principalmente, as fontes orais as mais capazes de

fazer isso. Vê-se um mundo que já não existe mais através dos olhos dos entrevistados, não de

seus olhos da época, mas de seus olhares retrospectivos.

Uma série de entrevistas com vários moradores-usuários, totalizando 14 entrevistas,

contribuem para o crescimento da pesquisa. Ora ou outra, quando necessário, surgem trechos

de depoimentos, mas duas entrevistas são escolhidas para serem melhor trabalhadas nesta

pesquisa. Trata-se do depoimento de uma senhora que está no Hospital desde a inauguração e

o de um senhor internado também na década de 40, que deixou a Instituição e depois

retornou.

As entrevistas revelam o momento mais prazeroso desta pesquisa, mas talvez o mais

difícil. Primeiro, pela preparação para ouvir o que os entrevistados têm a dizer, saber ouvir e

saber perguntar. Segundo, porque nem sempre se consegue compreender o que eles querem

dizer, e aqui entra a maior dificuldade, o uso da entrevista, a transformação da palavra falada

em palavra escrita. Assim, aprofunda-se esta discussão no último capítulo. De antemão, pode-

se dizer que os entrevistados se reconheceram nas narrativas.

Em relação à produção bibliográfica, excetuando a “especializada”(médica), há

alguns trabalhos que abordam a Lepra/Hanseníase como objeto de estudo. Entre eles
22

destacam-se as pesquisas ligadas à área da saúde que têm procurado explorar os aspectos

culturais e sociais da Hanseníase, buscando, através dos estudos das representações sociais da

doença, compreender a experiência subjetiva dos pacientes, visando contribuir para o

desenvolvimento de programas de saúde mais eficazes.

Lenita Claro (1995) parece ter sido pioneira, estudou as representações que os

pacientes com hanseníase têm nos dias atuais sobre a doença, para isso fez uma revisão nas

concepções populares acerca da moléstia. Seguindo nesta linha, Marcos de Souza Puntel e

Maria Angélica de Queiroz (1997) promoveram um debate interdisciplinar. Embora tenham

partido da experiência do indivíduo, procuraram remetê-la a um nível sociológico mais amplo

de análise. Criticaram a posição muitas vezes adotada pela medicina, que tende a perceber a

doença do ponto de vista puramente fisiológico, sem levar em conta os fatores externos, como

a cultura e a sociedade. Outros autores, como Letícia Maria Eidt (2000), Prisla Ücker Calvetti

(2000), Sônia Lessa (2001), enveredaram por este caminho. Todos estes trabalhos utilizaram

entrevistas.

Um outro caminho foi seguido pelo historiador Ítalo Tronca (1985; 2000). O autor

procurou analisar como se constrói o discurso sobre a doença e o doente de Lepra. No

primeiro trabalho, estudou a Lepra em São Paulo, procurando articular a experiência dos

doentes e o discurso coletivo sobre a doença. No segundo, analisou como se constrói o

discurso (permeado de representações sociais e literárias) sobre duas “moléstias sagradas”: a

Lepra e a AIDS. Criticou a “desqualificação” da Lepra pela historiografia, o que poderia

contribuir para o fato de persistirem na atualidade representações antigas sobre a doença.

Beatriz Anselmo Olinto (2002) seguiu a trilha aberta por Tronca. Analisou os discursos de

deterioração identitária em relação aos doentes de Lepra, em especial os discursos construídos

pelos médicos, também procurou articular o “contraponto” na fala dos doentes, através da

análise da construção de suas subjetividades. Ambos trabalham com análise de discurso.


23

Dentro de linhas mais gerais estão os trabalhos de pesquisa histórica de Leila

Gomide (1991) sobre as instituições preventorias no Brasil, onde analisou o papel da

cooperação dos setores privados no combate à Lepra e o trabalho na área da saúde de Ana Zoé

Schilling da Cunha (2000), que pesquisou a história da hanseníase em Santa Cruz do Sul e sua

relação com a imigração alemã. A primeira autora, a partir de um olhar específico, o cuidado

com os filhos dos doentes, reconstituiu a organização do combate à Lepra no país, indicando

as atitudes de horror e de preconceito associadas, principalmente, às ações caritativas.

Recentemente, a Manguinhos lançou um suplemento de sua revista “História,

Ciências e Saúde” (vol.10, 2003) exclusivamente sobre a Hanseníase, onde encontrou-se

artigos de vários pesquisadores. Merecem destaque os trabalhos de Cassandra White, sobre

um comparativo entre hospitais do Brasil e EUA; Thomas Hunter, sobre o combate a Lepra

no Rio de Janeiro no período anterior à República; o estudo de Laurinda Rosa Maciel, sobre a

memória e história da hanseníase, onde a autora trabalhou com testemunhos de pessoas que

estiveram envolvidas no combate à doença, e os artigos de Jaime Larry Benchimol, sobre o

drama médico social enfrentado por um doente de Lepra e a controvérsia sobre a transmissão

da doença por mosquitos. As discussões propostas nestes textos não serviram como base de

análise para este trabalho, entretanto, julga-se necessário referi-los como produção

bibliográfica, principalmente porque fornecem informações pontuais sobre alguns aspectos

envolvendo a temática da Lepra.

Ainda que exceda as pretensões desta pesquisa pode-se, a partir da discussão trazida

no volume por Yara Nogueira Monteiro sobre a profilaxia da Lepra em São Paulo, constatar

pontos semelhantes entre o combate à moléstia nos dois Estados, São Paulo e Rio Grande do

Sul, sendo que o ‘modelo paulista’ teria sido pioneiro na implantação de políticas de combate

à doença no país. O modelo de Leprosário adotado naquele Estado foi referência para a

construção dos demais estabelecimentos no Brasil, entretanto, a autora diz que em São Paulo
24

as políticas de combate à doença foram mais ‘repressivas’ do que em qualquer outro lugar da

Federação.

Nessa pesquisa, ao abordar a “Campanha” contra a Lepra, faz-se uma opção por

privilegiar o ponto de vista oficial, as políticas de combate adotadas pelo Estado, o objetivo é

analisar como se organizaram estas práticas de combate à Lepra no Rio Grande do Sul e qual

o papel do Leprosário Itapuã na profilaxia da doença. Procura-se, ao longo do texto,

problematizar a Campanha, mostrando as controvérsias, as dúvidas e as incertezas que

rondaram a implantação destas políticas, que em última análise não impediram que fossem

tomadas as medidas na época julgadas necessárias pelos envolvidos na Campanha.

No primeiro capítulo trabalha-se a organização das políticas de combate à Lepra,

ainda nos anos 20, com a criação no Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) da

Inspetoria da Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas (IPLDV) como a primeira tentativa dos

poderes públicos de combater a doença no país. Em seguida, adentrando na década de 30 do

século passado, analisa-se a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (Mesp) como

propulsor da Campanha Nacional contra a Lepra, enfoque desta pesquisa. Vários elementos

permearam a idealização e a realização da Campanha no Brasil, desde o conhecimento

científico “melhor informado” na época até elementos ligados às representações e ao

imaginário social que envolveram a doença ao longo dos tempos. Esta discussão surge na

primeira parte deste trabalho.

O segundo capítulo busca compreender como ocorreu a Campanha contra a Lepra no

Rio Grande do Sul. Para atingir este objetivo é necessário, por um lado, conhecer a

organização sanitária existente no Estado, por outro, conhecer a situação em que viviam os

doentes ao longo dos anos 20 até meados dos anos 30, período que antecedeu o combate

“oficial” à doença. As controvérsias e as polêmicas sobre a escolha do local do Leprosário,


25

trazidas nesta seção, tencionam mostrar as dificuldades que rondaram a implantação das

políticas contra a doença, que por fim foram executadas seguindo o modelo nacional.

O terceiro capítulo refere-se ao Hospital Colônia Itapuã, trata-se do momento em que

se faz possível acompanhar o “modelo” nacional de segregação imposto aos doentes de Lepra

sendo posto em prática. O Leprosário de Itapuã foi a peça fundamental da Campanha contra a

Lepra no Rio Grande do Sul. Buscou-se reconstituir alguns aspectos da vida da Instituição,

sua concepção, finalidades e organização interna. Embora nesta seção tenham sido traçadas

“considerações em torno do mundo dos internados”, foi no quarto e último capítulo, através

da fala de pessoas, que foram segregadas pela Campanha, que foi possível compreender o

drama médico-social vivido pelos doentes de Lepra no Rio Grande do Sul internados no

Leprosário de Itapuã.
26

Capítulo 1: “A Lepra está na moda”

Em geral, o povo não acredita ser a morféia muito contagiosa, embora lhe
tenha o maior receio: “Lepra não pega à-toa”.5 (grifo do autor)

1.1Que doença era a Lepra

As práticas desenvolvidas em relação à Lepra e ao leproso ao longo do tempo, em

todas as sociedades, indicam como ponto de partida que a Lepra nunca foi apenas uma

doença.6 Coabitando com a moléstia enquanto fenômeno biológico, criaram-se imaginários e

representações sociais, formando quase uma “entidade nova, uma outra doença.”251 Portanto,

ao buscarmos compreender que doença era a Lepra no período enfocado na pesquisa,

devemos tomá-la enquanto fenômeno não apenas biológico, mas social.

Ainda que não seja o objetivo desta pesquisa fazer um estudo ou inventário do

imaginário ou das representações sociais sobre a Lepra, o que mereceria uma pesquisa à parte,

algumas considerações são indispensáveis devido ao papel preponderante que estes elementos

ocupam na concepção da doença.

5
OLIVEIRA, Martins de. Sangue Morto. Rio de Janeiro, 1934. Citado por MAURANO, Flávio. História da
Lepra em São Paulo. (3ª Monografia dos Arquivos do Sanatório Padre Bento). Serviço de Profilaxia da Lepra.
São Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, vol. 1, 1939, p.249.
6
CLARO, Lenita. Hanseníase: Representações sobre a doença. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1995. A autora cita
inúmeros estudos em sociedades ocidentais e orientais, onde são atribuídos vários significados à Lepra, que
transcendem a condição patológica. Entre outros, a doença é vista como um “carma”, “impureza do sangue e da
alma”, etc. p.p. 20-22.
251
TRONCA, Ítalo. As Máscaras do Medo. Lepra e AIDS. São Paulo: Ed. Unicamp, 2000, p. 15.
27

As representações sociais não são simples reflexos da realidade,252 tampouco como

supõe Le Goff (1994), traduções mentais de uma realidade exterior percebida,253 o que

também sugere reprodução da realidade. A maneira como os homens percebem sua realidade,

como a compreendem, sua visão de mundo condicionada, sem dúvida, pelos componentes

físicos, materiais, culturais, formam suas representações e estas também passam a fazer parte

da própria realidade. As representações do mundo social podem assumir a forma de

classificações através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes

grupos que compõem a sociedade. As disputas pelas representações seriam tão importantes

quanto outras disputas, pois estaria em jogo a própria organização e o poder de impor uma

visão de mundo social.254

Portanto, partimos do pressuposto que as representações e os imaginários sociais

fazem parte da própria realidade social, fato que, como afirma Baczko (1991), foi por muito

tempo relegado por uma tradição intelectual cientificista que buscava compreender os agentes

sociais desnudados, o que quer dizer livre de seus imaginários e de suas representações, tal

qual a ciência os construía.255

As representações da Lepra, embora partam de uma realidade, a doença fenômeno

biológico, são permeadas por outros elementos, como a idéia de impureza, sujeira, pecado,

castigo. Os discursos sociais emitidos sobre a Lepra e os leprosos sempre estiveram urdidos

pelo imaginário social.256

O mais tradicional discurso instituidor de um imaginário sobre a Lepra foi, sem

dúvida, a Bíblia. No livro do Levítico, onde o Senhor ditou “as leis” a Moisés, a Lepra

252
BACZKO, Bonislaw. Los imaginarios sociales. Memorias y esperanzas coletivas. Buenos Aires: Ed. Nueva
Visión, 1991, p. 16.
253
LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, p. 11.
254
CHARTIER, Roger. A Beira da Falésia. A História entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Ed. UFRGS,
2002, p.73. BOURDIEU, Pierre. Linguagem e Poder Simbólico. In: Economia das trocas lingüísticas: o que falar
quer dizer. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. (Clássicos; 4) p.113.
255
BACZKO, Bonislaw. Los imaginarios sociales. Op. cit., p 13
256
O uso da palavra “social” designa a inserção da atividade imaginante individual em um fenômeno coletivo.
BACZKO, Bonislaw. Los imaginarios sociales...Op. cit. p. 27.
28

aparece como sinônimo de imundície, de sujeira, de impureza e o doente referido nos termos

“limpo-sujo”. Nestas passagens bíblicas, duas referências chamam a atenção, uma sobre o

tratamento que deveria ser imposto ao doente, viver fora do acampamento/comunidade; outra

sobre a doença ser enviada pelo Senhor como praga/castigo.257 Estas “prescrições” iriam

acompanhar os doentes de Lepra durante muitos séculos. Nelas estavam inscritas a

necessidade do afastamento do leproso, de forma talvez instintiva, por “razões sanitárias”,

mas, principalmente, seu banimento ocorria por motivos religiosos, o doente era considerado

pecador e impuro, a doença fazia esta revelação.

Durante a Idade Média, a Lepra foi, ou continuou sendo, a doença ideológica e

simbólica por excelência. Profundamente marcado pela doutrina cristã, o período em

referência reatualizou muitas concepções religiosas, entre as quais a relação corpo-alma. O

corpo era a expressão da alma, a “graça” exprimia-se através da beleza física, vide as imagens

dos santos, o pecado, ao contrário, manifestava-se através de uma tara física ou doença. O

aspecto mutilante da Lepra evidenciava uma alma corroída pelo pecado.258 Entre as causas da

Lepra figuravam adoração de ídolos, falta de castidade, profanação, blasfêmia. Também era

associada a “pecados sexuais” como desejos excessivos ou concepção durante o período

menstrual.259 Estas causas “coincidiam” com os tabus impostos pela Igreja. A Lepra

representava uma punição por falha moral, o leproso era identificado com um pecador.

A Sociedade Medieval, por suas estruturas econômicas, sociais e ideológicas era

grande produtora de marginalizados. Entretanto, estes “marginais” tinham uma “utilidade

social.”260 Se por um lado os leprosos representavam símbolos vivos da desobediência às

257
Bíblia Sagrada: Ed. Pastoral Paulus. São Paulo, 1990. Levítico 13, pp.128-132.
258
LE GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval ...Op. cit. p.146. LE GOFF, Jacques. O maravilhoso e o cotidiano
no ocidente medieval. Lisboa: Edições 70, 1983, p.60
259
BÉNIAC, Françoise. O medo da lepra. In: As doenças têm história. Jacques Le Goff (org.) Lisboa: Terramar,
1985, p.132. RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1993, p.162.
260
A idéia de “utilidade” social dos marginais – aspas do autor – foi desenvolvida por Jean-Claude Schmitt.
História dos marginais. In: A História Nova. Jacques Le Goff (org.) p.285-287. Também sobre “utilidade social”
29

prescrições religiosas, servindo de alerta para o que poderia acontecer com quem não

respeitasse os preceitos da Igreja, por outro lado, eram instrumentos vivos da caridade. Para a

Igreja, fundar ou manter uma leprosaria justificava a acumulação de riquezas.261 O leproso era

um marginalizado social, mas não era um excluído, porque, sendo cristão, participava da

comunhão da Igreja262. A Lepra era sempre considerada uma manifestação de Deus, de sua

cólera ou bondade.263

As Leprosarias deveriam localizar-se fora da cidade para preservar a comunidade da

impureza representada pelos leprosos, mas também para evitar o perigo de contágio. Jeffrey

Richards (1993) afirma que, embora não entendesse como funcionava o contágio, o homem

medieval tinha idéia do que fosse a infecção. As medidas impostas aos leprosos

demonstravam estes temores, eles não podiam tocar em nada que pudesse ser tocado por

pessoas sadias, muitas vezes exigiam-lhes o uso de luvas e de roupas distintivas, deviam

anunciar sua presença com o som da matraca para que as pessoas pudessem escapar a sua

passagem, eram proibidos de falar a pessoas sadias sem encobrir a boca, de transitar por

alamedas estreitas, de tocar nos objetos que desejassem comprar.264

A Sociedade Medieval encontrava dificuldade em diferenciar a Lepra de outras

doenças de pele. Dificuldade, diga-se de passagem, que persistiu até o século XX. Os médicos

evocavam sob o nome de Lepra todo um conjunto de afecções dermatológicas. Portanto,

ver GEREMEK, Bronislaw. A piedade e a forca: História da Miséria e da Caridade na Europa. Lisboa: Terramar,
1986.
261
RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação... Op. cit. p. 157. O crescimento da rede de leprosarias na
Europa nos séculos XII e XIII correspondeu à expansão dos Hospitais Gerais e ao aumento do número de
leprosos, proporcional ao crescimento da população. Entretanto, os cuidados com os leprosos tornaram-se
principalmente resultado da ação caritativa por parte dos indivíduos, um aspecto do desenvolvimento, do
individualismo religioso e da reação positiva aos ensinamentos articulados pela Igreja sobre a acumulação de
riqueza, justificada se fosse gasta em atividades de caridade.
262
SCHMITT, Jean-Claude. História dos marginais...Op. cit. p.p. 272-273.
263
FOUCAULT, Michel. História da Loucura. 6ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2000, p. 6.
264
RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação...Op. cit. p.p. 155-156.
30

identificar alguém como leproso não era tarefa fácil. No início da Idade Média não havia

nenhuma garantia de que a investigação envolvesse a participação de algum médico. As

autoridade locais, civis ou religiosas, geralmente motivadas por alguma denúncia,

acompanhadas por júris compostos de leprosos, executavam o julgamento sobre os casos

suspeitos. Aos poucos a identificação de casos de Lepra foi se tornando prerrogativa dos

médicos.265

A situação do leproso no Ocidente Medieval era muito ambígua, ao mesmo tempo

que despertava compaixão, através da publicidade de sua enfermidade, despertava medo e


266
horror. Em tempos de calamidade, a situação dos leprosos, ou identificados como tal,

ficava muito instável. Depois da grande fome do século XIV na Europa, judeus e leprosos

foram perseguidos e queimados em toda a França, suspeitos de terem envenenado, com o

apoio dos muçulmanos, os poços de água e as fontes da cristandade, com a finalidade de

matar ou de tornar leprosas as pessoas saudáveis.267

Com o “desaparecimento” da endemia268 de Lepra do mundo ocidental, ao final da

Idade Média, seja em função da Peste Negra, da segregação dos doentes, ou da ruptura dos

contatos com os focos orientais da infecção com o fim das Cruzadas, permaneceram os

valores e as imagens que tinham aderido à figura do leproso: mendicante, deformado, sujo,

265
RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação...Op. cit. p.p. 151-154.
266
LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval. Vol. 2, Lisboa: Editorial Estampa, 1983, p. 76.
HUIZINGA, Johan. O Declínio da Idade Média. Braga: Editora Ulisseia, 1996, p. 9. Na Idade Média todas as
coisas tinham uma orgulhosa ou cruel publicidade. “Os leprosos faziam soar seus guisos e passavam em
procissão...”
267
DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
Capítulo sobre as tipologias dos comportamentos coletivos em tempo de peste. A sociedade buscava “bodes
expiatórios” para lançar a culpa pelas desgraças. p. 138. LE GOFF, Jacques. A civilização do ocidente medieval.
Vol. 2, Lisboa: Editorial Estampa, 1983, p.82; RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação...Op. cit. p. 164.
Observe a composição dos conspiradores: judeus, leprosos e muçulmanos – inimigos internos e externos da
cristandade.
268
Endemia refere-se a uma doença que existe constantemente em uma região/país e ataca um número de
vítimas “previamente” esperado, diferente de epidemia que se refere ao aparecimento e difusão rápida e
passageira de uma doença (surtos) que atinge um grande número de pessoas ao mesmo tempo. BERTOLLI
FILHO, Cláudio. História da Saúde Pública no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 1998. (História em
movimento)
31

impuro, pecador, inclinado à perversidade e ao mal.269 Estas “idéias-imagens” ultrapassaram

aquelas fronteiras e chegaram até nós através da cultura cristã, da qual somos herdeiros.

Françoise Laplatine (1991) analisa que a apreensão da doença como punição, conseqüência

necessária por uma falta ou transgressão, deve-se essencialmente à cultura cristã, que

impregnou nossos comportamentos médicos, mesmo que estes tenham se laicizado e

aparentemente se emanciparam do religioso.270

O próprio discurso médico utiliza estas representações e imaginários existentes da

figura do leproso. Através da noção de circularidade cultural expressa por Carlo Ginzburg

(2001), podemos compreender a dinâmica cultural que possibilita a “incorporação” das

representações, presentes na “cultura popular” acerca do leproso, ao discurso científico. Ao

mesmo tempo, a noção de “circularidade” permite que façamos o caminho inverso, a

apreensão de elementos do “discurso científico” pela cultura popular. Em relação à Lepra

geralmente ocorre uma “sobreposição” dos discursos médico e social, fazendo com que se

forme uma visão do doente intercruzada por elementos médicos-sociais.271A “perversidade

natural”, que aderiu à personalidade dos doentes, pode ser um exemplo disso. Tomemos dois

casos. O primeiro exemplo foi retirado de um texto literário, o segundo, de um texto médico:

Às vezes eles vão pela estrada. Quando aparece de longe um automóvel e


estão em lugar que tem um mato, um leproso deita-se no chão, finge-se de
morto, os outros se escondem. O automóvel aproxima-se e por caridade os
viajantes param para verificar se é ferido ou é cadáver. Ah! Os outros
morféticos avançam e pegam os viajantes com aquelas mãos horríveis para

269
FOUCAULT, Michel. História da Loucura. Op. cit. p. 6.
270
LAPLATINE, Françoise. Antropologia da doença. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 229
271
No livro “O queijo e os vermes”, Carlo Ginzburg utiliza essa noção de “circularidade cultural” para explicar a
concepção de mundo do moleiro Menochio, permeada de noções de diferentes universos culturais. Esta hipótese
da existência da “circularidade cultural” foi proposta também por Mikhail Bakthin ao estudar a cultura popular
na Idade Média. Bakhtin analisa os elementos da cultura popular presentes na obra do erudito Rebelais. Entre as
culturas haveria um movimento circular de influências recíprocas, de baixo para cima, bem como de cima para
baixo.GINZBURG, Carlo. O queijo e os Vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
inquisição. Companhia das Letras, 2001. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no
Renasciemto. O contexto de Françoise Rebelais. São Paulo: HUCITEC; Brasília: Ed. UnB, 1993. Do mesmo
modo, o caminho inverso é possível, a incorporação do discurso científico ao discurso social, evidentemente
sofrendo “leituras” de acordo com o contexto. De qualquer forma, esta circularidade possibilita que, em
determinados momentos, predomine uma, ou outra noção do leproso, mas geralmente ocorre uma
“sobreposição” dos discursos médico e social, fazendo com que se forme uma visão deste doente intercruzada
por elementos destes discursos.
32

passar o mal. Eles acreditam que ficam curados se passarem a lepra a sete
pessoas, e às vezes mordem, principalmente crianças (...).272

Se se denuncia a existência de um leproso em tal rua e tal número, visto


cercado de crianças às quais distribuía doces, corre o funcionário ao livro de
registros e volta radiante com ele dizendo: Cá está o bicho! Já o conhecemos
e recenseamos. Chama-se fulano de tal, tem tantos anos, é brasileiro nascido
em tal lugar, etc. etc. Está isolado em domicílio. Como vê, é perfeito nosso
serviço.
- Mas, doutor, como isolado, se eu vi o leproso em plena rua a distribuir
doces às crianças, e fui informado que ele sai quando quer e vai para onde
lhe apraz?273

Ítalo Tronca (1985) destacou que as concepções “profanas” da doença são

inseparáveis do desenvolvimento da medicina. Tanto o discurso médico, quanto o discurso

social, estariam imersos em uma mesma estrutura, em um mesmo universo de significantes,

cuja partitura é um imaginário central. Este imaginário criaria, nas palavras do autor,

“derivações históricas, instituições asilares, imagens estéticas, teorias científicas – todas

tecendo uma rede simbólica que produz e reproduz o fato lepra, dotado, não de sentidos

idênticos, mas homólogos – mal divino, degradação biológica, destruição estética, perigo

interno e permanente sempre a ameaçar o mundo dos sãos...”274

Ao tentar definir que doença era a Lepra e que doente era o leproso, o discurso

médico “mobilizou” este imaginário, algumas vezes de forma intencional, usando o medo

para “fins profiláticos”, outras vezes, evocou estas representações para refutá-las,

denunciando a ignorância “popular” em relação à doença. Em algumas narrativas médicas, do

final do XIX início do XX no Brasil, os leprosos geralmente eram apresentados como

promíscuos, desordeiros, renegados, perigosos, desobedientes, mendicantes, andarilhos, à

272
GRAÇA ARANHA, Viagem Maravilhosa...apud MAURANO, Flávio. A História da Lepra...Op. Cit. p. 169.
273
PENNA, Belisário. O Problema Brasileiro da Lepra. In: Archivos Rio Grandense de Medicina, Faculdade de
Medicina de Porto Alegre: Acervo Histórico, ano 8, jan. 1929, p. 13. Acervo Histórico da Biblioteca da
Faculdade de Medicina da UFRGS - AHBFM
274
TRONCA, Ítalo. História e doença: a partitura oculta (A lepra em São Paulo, 1904-1940). In: Recordar
Foucault. Renato Janine Ribeiro (org.). São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985, p. 141.
33

beira das cidades, vivendo em “bandos”, ora resignados com a “sentença” da doença, ora

prontos para buscar vingança.

Descrevendo a situação dos leprosos no Brasil, anteriores às ações oficiais do

Estado, Maurano (1939) relata que eles formavam aldeamentos à margem das estradas, onde

viviam em completa ociosidade à espera de esmolas, não raro exigidas brutalmente.

Nestes “aldeamentos”, segundo o autor, ocorriam todas as cenas desmoralizadoras

que a embriaguez era capaz de produzir. Alguns doentes até automóveis chegavam a possuir,

escondendo-os quando esmolavam, para não “desencantar a piedade” dos transeuntes.275 Este

modus vivendi, descrito pelo médico, retoma e reforça algumas representações incorporadas à

figura do leproso.

Sandra Pesavento (2001) afirma que as representações sociais são dotadas de um

poder de convencimento e de credibilidade tal, mesmo que os excluídos reais e concretos não

confirmem o modelo enunciado, nem correspondam ao estereótipo difundido.276

A despeito dos conhecimentos adquiridos em relação à Lepra, a partir da descoberta

do agente causador da doença, o micobacterium leprae, as representações do leproso iriam

permanecer inalteradas por muito tempo. Estas “permanências” eram fruto de um imaginário

social mais antigo, que se “alimentava”, muitas vezes, das incertezas que pairavam sobre a

doença. Embora a ciência fosse capaz de identificar o bacilo da Lepra, era incapaz de afirmar

como ele se desenvolvia e se propagava. As dúvidas em relação à transmissibilidade e à

ausência de cura, faziam com que a Lepra permanecesse quase um “mistério”.

As investigações sobre a moléstia no Brasil iniciaram pari passu aos estudos

internacionais, que datam, sobretudo, da segunda metade do século XIX.277 Deteremo-nos

275
MAURANO, Flávio. História da Lepra em São Paulo. Op. Cit. p. 180-1.
276
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma Outra Cidade. O Mundo dos excluídos no final do século XIX. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, Brasiliana Novos Estudos. V.5, 2001, p.18-9.
277
Ver SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol. 1. Período Colonial e
Monárquico. (1500-1889) Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946. SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de.
34

entretanto, às pesquisas “modernas” sobre a Lepra do início do século XX, que viriam a

orientar o combate à Lepra no Brasil.

Na Academia Nacional de Medicina (ANM), em 1915, foi criada uma “Comissão”

para organizar um plano geral de combate à Lepra. Reuniram-se vários médicos que

trabalharam até 1919 discutindo questões referentes à doença. Os relatórios apresentados pela

comissão, composta de nomes ilustres no cenário médico nacional, como Eduardo Rabelo,

Belmiro Valverde, Juliano Moreira, Silva Araújo e Adolfo Lutz, forneceram as diretrizes para
278
a profilaxia dos anos vindouros. Os debates na Academia podem ser inseridos num

contexto mais amplo, relacionado às chamadas Conferências Internacionais de Lepra.

Além de fóruns científicos, estas Conferências definiam as linhas gerais de atuação no

combate à moléstia. Quando a Lepra “ganhou” a ANM, havia sido realizadas duas

conferências.

A I Conferência Internacional de Berlim (1897) foi presidida por Virchow, baseada

na idéia de contagiosidade e de incurabilidade da doença, indicava o isolamento dos doentes

como melhor forma de evitar a propagação da moléstia, além disso, os conferencistas

destacavam como importante a notificação obrigatória e o estudo das situações de cada país

ou região no que tangia à Lepra. Nesta Conferência o Brasil não enviou nenhum

representante. A II Conferência Internacional, realizada em Bergen, na Noruega (1909), foi

presidida pelo próprio Hansen, que anos antes havia descoberto o bacilo da Lepra. Esta

Conferência reafirmou as conclusões de Berlim e acrescentou a exclusão dos leprosos de

determinadas profissões, a separação dos filhos dos doentes, o exame das pessoas de seu

convívio, a necessidade de formular estudos sobre a transmissibilidade da Lepra e, um ponto

História da Lepra no Brasil. Vol.3. O período Republicano (1890-1952) Rio de Janeiro: Departamento de
Imprensa Nacional, 1956. Capítulo 1.
278
SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol.3. Op. cit. p.123-160.
35

de extrema importância, esta Conferência anunciou que o estudo clínico da Lepra levava a

crer que esta doença não era incurável, embora não fosse conhecido medicamento seguro.279

De modo geral, depois da descoberta do bacilo (1874), os médicos compartilhavam

da opinião que a Lepra era uma doença contagiosa. Porém, havia dúvidas sobre o grau de

contagiosidade da moléstia e suas formas de transmissão. Este debate empolgou a Comissão

da Profilaxia da Lepra da ANM.

A comunicação de Adolfo Lutz, na Academia de Medicina, sobre a

transmissibilidade da Lepra gerou muita polêmica. O médico defendia que a doença era

transmissível em determinadas condições. Haveria a necessidade de que um mosquito sugasse

o sangue de um doente em estado “febrificante” da Lepra – situação em que seriam

eliminados bacilos vivos da doença – e infectasse outro indivíduo. Entretanto, somente uma

pequena proporção de mosquitos seria capaz de se infectar e, desta, uma fração menor ainda

capaz de transmitir a doença. Se não fosse assim, os bacilos expelidos diariamente, em grande

número, pelos doentes, através das mucosas ou das ulcerações da pele, infectariam um

número muito maior de pessoas, fato que não era observado. Outro ponto de seu parecer que

causou alvoroço referia-se ao isolamento. Discordava das posições que julgavam que em

qualquer lugar ou época todos os doentes tenham sido isolados. A diminuição dos casos de

Lepra na Europa, na opinião do médico, não podia ser atribuída ao isolamento, que, ao

contrário, fazia com que os doentes e suas famílias tivessem o interesse em esconder a

moléstia. Considerava o isolamento sem a profilaxia contra o mosquito uma medida

imperfeita.280

279
ROCHA, Raul. Da Lepra o essencial. Rio de Janeiro: Livraria Atheneu, 1942, p.397-399.
280
LUTZ, Adolfo apud SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol.3. Op. cit. p.
124-127. Entre os médicos “de fora” da ANM que defendiam a baixa contagiosidade da Lepra encontramos o
Dr. Emílio Gomes, que ocupou o cargo de bacteriologista por vinte e cinco anos no Hospital de Lázaros da
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária: “Uma coisa imediatamente me impressionou, foi que um
leproso, que elimina por todas as excreções, por todas as ulceras de que por ventura seja atacado, milhares de
bacilos, não contagie com freqüência os que o rodeiam, como felizmente se dá, porque a lepra é dificilmente
contagiosa.” GOMES, Emílio. Methodo de propagação da Lepra, p.363. Annaes do 9º Congresso Medico
Brasileiro. Medicina Social, 3º volume, Officinas Graphicas da Escola de Engenharia, Porto Alegre, 1926. LUTZ
36

As idéias do médico foram contestadas pelo colega de Academia (e de Comissão), o

médico Belmiro Valverde, sob o argumento que a transmissão da Lepra pelo mosquito não era

aceita por diversos autores. Para encerrar a discussão que iria gerar polêmica em torno das

idéias do “ilustre cientista”, um outro médico da Comissão sugeriu que o parecer da

Academia fosse de acordo com as idéias do “professor” Lutz. Entretanto, a questão não se

encerrou sem o embate entre os médicos. Na reunião seguinte da Comissão, Valverde

apresentou uma comunicação sobre a transmissibilidade da Lepra, onde discordava da posição

de Lutz. Argumentava que se o mosquito fosse responsável pela transmissão da Lepra, pela

quantidade de leprosos e de mosquitos existentes no mundo, este seria transformado em um

imenso Leprosário, ironizava. A partir de pesquisas realizadas em diversos lugares do mundo,

o autor afirmava não ter encontrado relação entre a existência do Culex fatigans – espécie de

mosquito transmissor para Lutz – e os casos de Lepra. Mesmo no Brasil, os maiores focos de

Lepra não correspondiam aos pontos mais habitados pelos mosquitos. O médico tocou em

outro ponto do parecer de Adolfo Lutz do qual discordava: o isolamento. Na história da

Lepra, desde os tempos imemoriais, o isolamento foi praticado e em tempos “atuais”, de luta

“anti-leprosa”, o isolamento era providência incontestável, básica e radical.281

Mais que embates acadêmicos a respeito da Lepra, o que estava em disputa era a

forma de combater a doença. O parecer da Comissão de Lepra da Academia iria fornecer as

diretrizes para a Profilaxia da Lepra no Brasil. Se fosse admitida a transmissão pelo mosquito

e a baixa contagiosidade da Lepra, a profilaxia não poderia basear-se exclusivamente no

isolamento do doente, neste caso, a segregação não encontrava justificativa. Se confirmada a

sustentou a transmissão da Lepra por mosquitos até sua morte em 1940. BENCHIMOL, Jaime; SÁ, Magali
Romero. Adolpho Lutz and controversies over the transmission of lerosy by mosquitoes. In: História Ciência e
Saúde, Manguinhos, vol. 10, suplemento 1, 2003. p.p.49-87.
281
VALVERDE, Belmiro. SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol.3. Op. cit.
p.p. 131-137.
37

facilidade do contágio e admitida a ignorância quanto as formas de transmissão da Lepra, a

segregação tornava-se a única medida de controle da doença.282

As conclusões da Academia, depois de quatro anos de intensos debates, viriam

mostrar que haveria um longo caminho pela frente no combate à Lepra. As dúvidas e

incertezas sobre a doença fizeram com que o parecer da Comissão fosse favorável, entre

outros pontos, ao isolamento obrigatório dos doentes, em colônias/asilos/leprosários, só

excepcionalmente este poderia ser feito em domicílio; ao cuidado com a descendência dos

leprosos, a restrição do exercício profissional por indivíduo contaminado, a notificação

compulsória e a vigilância a fim de evitar as “peregrinações de leprosos e a disseminação da

moléstia no país.”283

No meio médico-científico não havia um consenso sobre a Lepra, sabiam que se

tratava de uma infecção geral crônica, contagiosa, causada pela penetração e proliferação, no

organismo, de um agente específico, o mycobcterium leprae, que causava uma variedade de

lesões específicas da pele, das mucosas, dos nervos, resultando no aparecimento de

deformações e de processos destrutivos, também era indiscutível que o doente era fonte de

contágio.284 Em relação às formas de transmissão da doença, pouco se sabia,285 o que fazia

com que os métodos de profilaxia fossem baseados na tradição do isolamento. Estas práticas

em relação ao leproso estiveram inscritas no conjunto de representações sociais existentes,

uma delas, a da incurabilidade da Lepra, desfeita tão logo iniciaram as pesquisas sobre a

282
Entre os médicos da Comissão que defendiam a baixa contagiosidade da Lepra encontravam-se, além de Lutz,
Henrique Aragão – “ao contrário do que antigamente se acreditava, hoje está estabelecido que o contágio se
faz com dificuldade e tão somente após prolongado contato, permanente coabitação e mercê de condições
precárias de higiene.”; Eduardo Rabello e Silva Araújo: - embora seja a lepra pouco contagiosa, seremos
forçados, pela ignorância em que estamos, dos meios em que se opera a transmissão, a tomar contra ela
medidas relativamente rigorosas a fim de evitar sua propagação, mesmo a um número reduzido de indivíduos.”
SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol.3. Op. cit. p.p. 139 e 153,
respectivamente.
283
SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol.3. Op. cit. p. 159.
284
ROCHA, Raul. Da Lepra o essencial. Op. cit. p. 14.
285
As formas de transmissão da doença discutidas no meio médico eram o contágio de forma direta, de homem
para homem, a forma indireta, através de algum veículo como o mosquito ou a transmissão hereditária. Também
não descartavam a possibilidade de algum alimento ou vestimenta serem responsáveis pela transmissão da Lepra.
LIMA, Lauro de Souza. Relatório. Revista Brasileira de Leprologia, vol. 6, 1938, p. 204. - AHBFM
38

doença.286Contudo, o “dogma” demorou para ser derrubado. As dúvidas que rondavam os

decanos científicos, entre a população, tornava-se a certeza de que a Lepra era um terrível

mal, uma punição divina.

286
Conclusões da Conferência de Bergen(1909): O estudo clínico da Lepra leva a crer que esta doença não é
incurável. Não possuímos ainda um medicamento seguro. É desejável que se continue a procurar um remédio
específico. ROCHA, Raul. Da Lepra o essencial. Op. Cit. p. 399.
39

1.2 A Lepra na agenda sanitária nacional

O problema da Lepra no Brasil vinha de longa data. Nos tempos coloniais, os

doentes eram entregues à filantropia leiga ou religiosa ou à própria sorte. No Rio de Janeiro,

no século XVI e XVII, a população mostrava-se alarmada com o aumento da doença e

clamava por medidas de defesa de sua saúde.287

Durante o Império, a questão da Lepra continuava inquietando as províncias.

Algumas medidas foram tomadas, como a construção dos primeiros Lazaretos para servir de

asilo aos “leprosos”. No Rio de Janeiro foi construído um Hospital para abrigar os doentes,

porém, desde cedo, o estabelecimento se mostrou insuficiente, não havia espaço e recursos

para isolar tantos doentes e o problema continuava:

Embora a questão mais importante de assistência aos leprosos e defesa


contra a lepra, a fundação de hospitais adequados, aspiração de muitos dos
presidentes de províncias, não lograsse a menor solução, procurava o
governo remediar a triste situação e infelicidade dos leprosos, quer
consignando dotações especiais para doentes em liberdade ou para os asilos
então existentes, quer fazendo reverter em seu benefício multas por
transgressões às leis e posturas, quer concedendo-lhes loterias. Se tudo isso
nada adiantasse para atalhar o mal, ao menos visava socorrer, nas
necessidades mais preementes, aqueles, infelizes, constituindo isto, aliás,
título de benemerência e humanidade.288

Ainda que fossem tomadas algumas medidas, combater a Lepra continuava sendo

uma obra mais de caridade do que propriamente um problema sanitário. Com o advento da

República, as questões de saúde foram aos poucos sendo assumidas pelo Estado. Algumas

considerações talvez nos ajudem a compreender porque a Lepra despertou interesse dos

poderes públicos somente no século XX.

A Constituição de 1891 estabelecia a autonomia dos Estados em matéria de saúde

pública, cabendo aos governos estaduais solucionar seus problemas sanitários. Houve uma

287
TERRA, Fernando. Lepra no Rio de Janeiro. Seu aparecimento, freqüência e formas. Brazil Medico, A.
XXXIII, n.º5, de 1/2/1919, p.p. 33-36.
288
MAURANO, Flávio. História da Lepra. Op. Cit. p. 154.
40

separação entre saúde pública, encargo do Estado, e higiene, encargo dos municípios. Este

descompasso fazia com que a situação sanitária do país se tornasse cada vez mais grave.

Alguns Estados promoviam ações em prol da saúde da população, enquanto outros nada ou

pouco realizavam.

O Departamento Geral de Saúde Pública (DGSP), criado em 1897, tinha como

atribuições dirigir os serviços sanitários dos portos, fiscalizar o exercício da medicina, estudar

as doenças infecto-contagiosas e organizar estatísticas sanitárias. Com a reforma de 1904, o

DGSP ampliou sua atuação incluindo serviço de higiene defensiva, polícia sanitária,

profilaxia geral e higiene domiciliária da Capital Federal.289 Afora estes casos previstos, os

serviços ficavam basicamente restritos a situações emergenciais, como no caso de epidemias.

Em relação à Lepra, algumas medidas foram pensadas nesta reforma sanitária de

1904. A moléstia foi incluída entre as doenças passíveis de intervenção dos poderes públicos

e decretada de notificação compulsória, exigindo-se o isolamento domiciliar dos doentes

enquanto não fossem estabelecidas Colônias.290 Oswaldo Cruz, então à frente da Diretoria

Geral da Saúde Pública, defendia:

A lepra, entre nós, está a merecer cuidados especiais.(...) Carecemos de


dados estatísticos que nos possam orientar sobre a cifra real dos leprosos,
que vivem em nossa cidade e daqueles que se encontram nos Estados do
Brasil. Em alguns destes, há cidades que são verdadeiras gafarias: rara é a
família que não tenha pago doloroso tributo à horrível moléstia. Incompletos
e insuficientes são nossos conhecimentos acerca da transmissão da lepra.
Importa isso em dizer que nos falece base cientifica para constituir a
profilaxia específica da moléstia. Não é essa razão, entretanto, para que
fiquemos à moda dos muçulmanos: de braços cruzados diante do flagelo que
aos poucos, se expande e alastra. O que é positivo é que a moléstia se
transmite. O como, não o sabemos. Mas o leproso é, ao menos, um dos
depósitos do vírus (sic). Isto está provado. Daí a necessidade de isolá-lo da
comunidade. (...) A seqüestração do morfético só é prática quando feita nas
colônias de leprosos.291 (grifo nosso)

289
HOCHMAN, Gilberto. Regulando os Efeitos da Interdependência: sobre as relações entre saúde pública e a
construção do Estado (Brasil 1919-1930). In: Estudos Históricos, n.º 11, vol. 6, FGV, 1993, p.48
290
Decreto 5.156 de 08 de março de 1904. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides Cesar de. História da Lepra no
Brasil. Vol. 3 Op. Cit. p.p. 115-126. Com o regulamento da Diretoria Geral da Saúde Pública as orientações para
o combate à lepra permaneceram as mesmas, Dec. 10.821 de 18 de março de 1914. Idem, p. 121.
291
CRUZ, Osvaldo. Uma questão de higiene social: lepra In: O Imparcial, Rio de Janeiro, n.211, p.2, jul. 1913.
41

A Lepra era uma endemia presente em determinadas regiões do país. Medidas

voluntárias e emergências, como a criação de Lazaretos para asilar doentes, mantidos através

da filantropia, eram insuficientes para pôr fim à marcha desta doença que cobrava importantes

tributos sociais. Calculavam de 30 a 50 mil o número de doentes no Brasil. E, embora, como

admitiam os médicos, faltasse base científica para conduzir a profilaxia, entendiam que algo

precisava ser feito. Não havia consenso se deveriam construir um Leprosário nacional ou

vários Leprosários regionais, defendiam porém, que o combate à Lepra deveria ser

permanente e estendido a todo o país, pois se assim não fosse, os doentes iriam migrar de um

Estado a outro, “fugindo” das medidas profiláticas. Deste modo, a doença não iria ser

eliminada, pois sempre surgiriam novos focos. 292

Por estes fatores, quando a Lepra surgiu como um problema sanitário na

República, ela já assumiu um caráter de “problema nacional”. Entretanto, os Estados eram

autônomos nas questões de saúde. Não havia uma agência sanitária nacional que organizasse

ou coordenasse a profilaxia da Lepra. A ausência de uma política sanitária nacional foi um

problema colocado pelo chamado “movimento sanitarista”,293 reunido em torno da Liga Pró-

Saneamento a partir de 1918. Este “movimento” lançou uma nova interpretação para o

292
PENNA, Belisário. O Problema Brasileiro da Lepra. In: Archivos Rio Grandense de Medicina, Faculdade de
Medicina de Porto Alegre: Acervo Histórico, n.º 8 e 9, agosto e setembro , 1928, p.48. O médico criticava a
construção de leprosários estaduais, ou mesmo regionais, dizia que esta prática iria multiplicar os focos da Lepra.
Diaia-se herdeiro da idéia de Oswaldo Cruz, de construir uma colônia na Ilha Grande para isolar todos os
doentes do país. (AHBFM)
293
Formado por médicos voltados para as questões da saúde pública, comprometidos, na primeira década do XX,
com o saneamento urbano dirigido às capitais, aos centros urbanos e ao combate às epidemias e, na segunda
década do XX, reunidos sob a Liga Pró-Saneamento do Brasil, preocupados com os problemas que assolavam o
interior do país, principalmente as chamadas endemias rurais, estes médicos não apenas propunham reformar o
Estado para torná-lo mais atuante nas questões de saúde pública, como estavam dispostos a ocupá-lo como
técnicos. Ver CASTRO SANTOS, Luiz A. de. O pensamento Sanitarista na Primeira República: uma ideologia
de construção da nacionalidade. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Ed. Campus, vol. 28,
n.º 2, 1985; HOCHMAN, Gilberto, FONSECA, Cristina M. O. O que há de Novo? Políticas de Saúde Pública e
Previdência 1937-45. In: Repensando o Estado Novo. Dulce Pandolfi (org.). Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999
p.49; 75-76. O “movimento sanitarista” ainda pode ser inserido num contexto internacional dos Movimentos
Nacionalistas de Defesa. HOCHMAN, Gilberto. A Era do Saneamento. São Paulo: Ed. Hucitec/Anpocs, 1998, p.
66.
42

“atraso” do país, não mais a raça, embora houvesse nuanças do discurso eugênico na fala dos

médicos, mas as doenças nos impediam de entrar nos caminhos do progresso.294

Figura 1: Epidemias e Endemias.In: PENNA, Belisario. Saneamento do Brasil, 2ª ed. Rio


de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1923.

O movimento tentava conscientizar as elites políticas da gravidade dos problemas

sanitários nacionais, principalmente as endemias que assolavam o interior do país, entre elas a

Lepra, trazendo a saúde pública para o debate político. Reivindicavam que o Estado se

voltasse para além das capitais ou principais cidades, e aconselhavam a criação do Ministério

da Saúde para coordenar e orientar as atividades em todo o território. A proposta levada ao

294
CASTRO SANTOS, Luiz de A. O Pensamento Sanitarista. Op. Cit. p.194-197. A recuperação do “homem do
interior” era uma das correntes de pensamento sobre os rumos que o país devia tomar para atingir o progresso,
outras correntes filiam-se à idéia do branqueamento, ou “europeização”, como alternativa para o
desenvolvimento nacional.
43

Congresso, em 1918, foi vetada. Razões: um Ministério poderia burocratizar ou desrespeitar

as competências estaduais.295

Em relação ao combate às endemias, a resposta foi dada através da criação, pelo

então presidente Wenceslau Brás, do Serviço de Profilaxia Rural, que combateria, através de

convênios com os Estados, essencialmente as três grandes endemias, a uncinariose, o

impaludismo e a doença de Chagas. Quanto à Lepra, respondeu o presidente quando

questionado: os Estados que cuidem da lepra!296

Para a eliminação das doenças contagiosas havia a necessidade de ações mais

coordenadas e conjuntas. A vida em sociedade colocava os homens em contato um com o

outro, estes vínculos, que Gilberto Hochman (1993; 1998) chamou de “interdependência

humana” geravam “efeitos negativos”. As doenças contagiosas seriam um destes efeitos

negativos da interdependência social.

A medida que a sociedade se tornava mais complexa, estas interdependências

aumentavam e por conseqüência os efeitos negativos também. As soluções locais, individuais

ou soluções voluntárias, não resolveriam os problemas gerados por estes vínculos.297

Ultrapassando fronteiras municipais e estaduais, as doenças contagiosas

denunciavam a ineficácia das soluções localizadas e evidenciavam a dependência das

unidades federativas. Solucionar os “efeitos negativos da interdependência” exigia ações

supra-locais, coletivas e coordenadas. O problema da Lepra era um destes “efeitos negativos”

a serem combatidos, tornando-se também um “paradigma da interdependência”, à medida que

295
HOCHMAN, Gilberto. Regulando os Efeitos da Interdependência...Op. cit. p.49.
296
SOUZA ARAÚJO, Heraclides Cesar de. História da Lepra no Brasil. Vol. 3 Op. Cit. p.260. O impaludismo
também conhecido como malaria é uma doença infecciosa, provocada pelo hematozoário Plasmódium,
inoculado no homem pela picada dos mosquitos, da variedade Anopholes, o doente apresenta febres em
intervalos regulares e anemia. A doença de chagas foi o nome que recebeu a enfermidade descoberta pelo Dr.
Carlos Chagas, caracterizada pela presença do Tripanossoma Cruzi, um protozoário transmitido ao homem por
vários insetos chamados vulgarmente de barbeiros. Estes insetos ao ingerirem o sangue humano expelem fezes
contaminadas que caem na corrente sangüinea ocasionando a infecção, os sintomas incluem febre alta
prolongada e aumento do tamanho do coração. BERTOLLI FILHO, Cláudio. A História da Saúde Pública no
Brasil. op.cit.
297
HOCHMAN, Gilberto. A Era do Saneamento. Op. cit. p. 27; 99.
44

a moléstia atingia populações de todas as regiões do país. Nos Estados Unidos, a Lepra foi a

primeira doença a ser “nacionalizada”.298

Esta análise, embora pareça querer justificar as ações, muitas vezes repressivas, do

Estado, em nome da saúde coletiva, aponta para interessantes constatações. Uma de que a

sociedade havia se tornado complexa a ponto de medidas voluntárias e isoladas serem

insuficientes, outra, de que ao mesmo tempo que o combate à doença representava um

problema para o Estado, por outro lado, ao intervir na saúde pública (regulando os efeitos

negativos da interdependência), o Estado estaria fortalecendo e ampliando seu campo de

atuação. Em outras palavras, estava encontrando justificativas que legitimariam sua

existência, já que era o único com recursos e com capacidade de atuar.

Neste sentido, o “mal público” impulsionaria a necessidade de produção do “bem

público”. Não necessariamente o Estado teria o monopólio desta função, mas ele seria a forma

mais acabada de promotor do bem-estar coletivo.

Quando Epitácio Pessoa foi eleito presidente, em 1919, a proposta da criação de um

Ministério voltou a ser discutida no meio político. Colocada em votação, outra vez a proposta

foi rejeitada, a negativa foi feita através dos mesmos argumentos, da burocratização, das

autonomias estaduais, das liberdades individuais.299

Mas os “efeitos negativos da interdependência” viriam falar mais alto, com destaque

para a gripe espanhola de 1918, os mesmos deputados que rejeitaram a criação de um

Ministério, que poderia ferir as autonomias estaduais, propuseram a criação de um substituto,

para agir em nível nacional, o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP),

subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios do Interior.

O Departamento teria por funções executar os serviços de higiene no Distrito

Federal, realizar os serviços sanitários nos portos e a profilaxia rural nos Estados. No que se

298
Idem. p. 154.
299
Ibidem. p. p.127-143.
45

referia à Lepra, o decreto estabelecia um Serviço de Profilaxia contra a Lepra e contra as

Doenças Venéreas em todo o país.300 As despesas com a assistência aos morféticos que

fossem isolados nas leprosarias a serem construídas pela União, correriam por conta dos

governos dos Estados de onde estes doentes proviessem. Nenhum destes serviços seria

executado sem prévio acordo com os governos.

Este regulamento recebeu severas críticas, entre elas da Revista Brazil-Médico, um

dos mais tradicionais periódicos médicos do país. A Revista argumentava que as providências

do regulamento a respeito da Lepra eram insuficientes e pouco rigorosas, que o isolamento

devia ser obrigatório a todos os leprosos, criticava o isolamento domiciliar para doenças

crônicas, devido ao tempo de duração do mesmo. Por fim, condenava a aplicação condicional

das medidas do regulamento aos Estados que acordassem com o governo federal na execução

da profilaxia.301

Eduardo Rabelo, nomeado diretor do DNSP, foi à Academia Nacional de Medicina

para responder aos “ataques” que a Brazil-Médico fez ao regulamento. Sobre a crítica feita ao

isolamento domiciliar, o médico respondia que as Conferências Internacionais de Lepra

recomendavam o isolamento misto: hospitalar para doentes indigentes e os que não pudessem

se manter (lembramos que aos doentes ficavam interditadas à maioria das profissões) e

domiciliar, em condições excepcionais, quando o doente dispuser de recursos e quando

houver organização sanitária eficiente, de modo a permitir vigilância assídua e rigorosa.302

Citava os modelos da Alemanha, da Noruega, da Islândia, da Suécia, como lugares onde o

isolamento em domicílio conseguiu resultados.

E ainda:

300
Dec. 3897, de 2 de janeiro de 1920.Coleção das Leis, vol. 1, 1920.
301
Brazil Medico, ano 34, 1920, editorial de 24 de julho de 1920. p. 481. SOUZA ARAÚJO, Heraclides Cesar
de. História da Lepra no Brasil. Vol. 3 Op. Cit. p.p. 264-265.
302
Eduardo Rabelo na Sessão da ANM de 12-8-1920. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da
Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. Cit. p. p. 269
46

Em primeiro lugar só em tempos mais antigos foi eficiente o isolamento


nosocomial forçado do leproso, por que só então se conseguiria isolar se não
todos, pelo menos um número considerável de doentes, a ponto de se obter
resultado profilático. Isso foi possível em primeiro lugar pelo horror que
causava a lepra (...) em segundo lugar porque eram muito menores as
franquias individuais. Com o evolver dos tempos, menos propagável foi se
tornando a lepra e maiores foram aqueles direitos e franquias e a consciência
pública já recebida pela sonegação (sic), e até pela revolta, as medidas de
reclusão absoluta nos hospícios. Foi quando o exemplo de leis liberais,
principalmente a da Noruega, veio trazer a solução atual para o problema.303

Quanto aos acordos com os Estados para a execução da profilaxia, outro

aspecto criticado pela Revista, Rabelo respondeu que, “embora não sendo muito versado em

questões de leis, mas me parece que não poderíamos discricionariamente intervir nos

Estados para fazer a profilaxia sem que houvesse uma lei que isso determinasse”.304 A

construção de leprosarias pela União nos Estados por si só não resolveria o problema, as

outras medidas como a notificação ou a vigilância dependeriam dos serviços dos Estados, a

não ser que o Governo federal instalasse todo um Serviço de profilaxia. Ou seja, a atuação

federal nos Estados, mediante acordos, mais que uma previsão constitucional, era necessária

para dividir os custos da profilaxia.

A argumentação de Rabelo explicou, mas não convenceu seus pares, que seguiram

publicando críticas na Revista, sobretudo em relação ao isolamento domiciliar. Baseada na

opinião de tropicalistas, defendiam que a profilaxia da Lepra só poderia ser eficiente com o

isolamento obrigatório de todos os doentes em Leprosários.305 A posição do DNSP ficou

muito aquém das expectativas dos médicos reunidos em torno da revista Brazil-Médico, entre

eles sanitaristas históricos como Belisário Penna, eugenistas e higienistas, favoráveis da

intervenção arbitrária do Estado no combate à doença.306

303
Eduardo Rabelo na Sessão da ANM de 12-8-1920. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da
Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. Cit. p, p.270.
304
Eduardo Rabelo na Sessão da ANM de 12-8-1920. Idem. p, p.271.
305
Brazil Médico, 21 de agosto de 1920, vol. 34, p. 553. Ibidem. p.271-272.
306
Os colaboradores da Brazil Médico procuraram destacar a necessidade da atuação médica para os destinos da
nação. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil –
47

1.3 A Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas

O regulamento do DNSP, de 2 de janeiro de 1920, que motivou celeumas no meio

médico, foi retirado de circulação meses após sua promulgação e substituído por outro

decreto, mais rigoroso em relação à Lepra. Pelo novo decreto, ficava criado dentro do DNSP

uma Inspetoria da Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas.307 A finalidade da Inspetoria era

de supervisionar e orientar o serviço de combate à doença em todo o território nacional,

através de acordos com os governos, organizar a instalação e funcionamento de leprosarias,

hospitais e dispensários e fazer cumprir o regulamento do Departamento.

De acordo com o regulamento, a profilaxia da Lepra se realizaria através: da

notificação compulsória; do isolamento do doente; da vigilância sanitária; da propaganda e

educação sanitária; do censo dos leprosos.308

Qualquer caso suspeito de Lepra devia ser notificado. A notificação compulsória

cabia não apenas ao médico comunicar às autoridades sanitárias casos confirmados ou

suspeitos, mas a qualquer pessoa que residisse ou convivesse com o suspeito. O não

cumprimento deste dispositivo acarretaria multas, em dinheiro para as pessoas em geral, em

dinheiro mais sanções para os médicos. O médico que infringisse o regulamento seria

considerado “suspeito” pelo DNSP, sendo que todos os doentes por ele visitados e óbitos por

ele atestados seriam sujeitos à verificação por parte das autoridades sanitárias. Caso o

“infrator” fosse funcionário do DNSP, seria imediatamente demitido.

O isolamento, medida profilática adotada em relação aos doentes de Lepra, podia ser

de dois tipos: nosocomial, em colônias agrícolas para doentes capazes de fazer pequenos

1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. Cap. 6: As Faculdades de Medicina ou como sanar um país
doente, p.p. 189-238.
307
Dec. 14.354 de 15 de setembro de 1920, aprovado pelo Dec. 16.300 de 31 de dezembro de 1923 – constam
pequenas modificações, a maioria de redação.
308
Dec. 14.354 de 15 de setembro de 1920. Biblioteca da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do
Sul. - BALRGS
48

trabalhos ou em asilos para os doentes inválidos; domiciliar para os doentes que tivessem

condições de respeitar a vigilância sanitária e de obedecer rigorosamente as prescrições

médicas, tais como possuir cômodo e pertences de uso exclusivo, manter rigoroso asseio

corporal e da habitação, não manusear nenhum objeto que pudesse ser manuseado por outrém,

ficando o doente livre para levá-lo a efeito como lhe conviesse.

A vigilância sanitária seria exercida sobre os doentes isolados em domicílio e sobre

as pessoas suspeitas. Esta vigilância poderia durar anos e apenas cessar com o

desaparecimento dos motivos da “suspeição.” Aos suspeitos seria vedado desempenhar

qualquer função que os colocasse em contato com o público. O exame que confirmaria o

diagnóstico seria rigoroso, com a presença de médicos funcionários do Departamento, sendo

permitida a presença, se solicitado, de médico da confiança do suspeito. A conclusão do

exame poderia ser contestada pelo doente. Assim, caberia ao DNSP nomear uma comissão

para avaliar o diagnóstico, indício da dificuldade de identificar a doença. Se confirmado, o

doente ficaria obrigado a submeter-se ao isolamento, nosocomial ou domiciliar.

A propaganda sanitária seria executada no sentido de tornar conhecidas as condições

de contágio da doença, os meios de prevenção. Do mesmo modo, as faculdades de Medicina

seriam incentivadas a ampliar seus estudos em Leprologia. E, por fim, o censo, que teria por

objetivo conhecer todos os doentes e suspeitos a fim de estabelecer um inquérito sobre a

doença e suas condições epidemiológicas e realizar a profilaxia.

Tão logo foram iniciadas as atividades do DNSP no combate à Lepra, as críticas

foram retomadas. O tema foi longamente debatido na ANM ao logo dos anos 20. A maior

polêmica dava-se em torno da figura de Belisário Penna, que atacava com virulência o DNSP

no que ele referia como o (não)combate à doença. O problema, segundo ele, estaria na própria

formulação do regulamento do DNSP, “encarando o problema no seu aspecto afetivo, eles

esquecem que o doente é uma fonte perigosa de contaminação,” o regulamento, “foi


49

confeccionado não pela mentalidade de um higienista, mas de um clínico, não atuou o

espírito de um brasileiro, mas de um escandinavo, por sugestão.”309

As críticas do médico não ficavam restritas ao meio científico, meses antes de ir


à Academia, o ilustre Doutor publicou vários artigos sobre a Lepra na imprensa leiga,
conforme demonstra esta “explicação” que ele deu a seus pares:
Sr. Presidente, parecerá estranho a muita gente trazer para este recinto o
problema sanitário mais grave do Brasil, qual o da Lepra, depois de havê-lo
discutido seis meses pela imprensa leiga. No entanto, é fácil a explicação do
meu procedimento e estou certo de que esta douta Academia justificará os
meus intuitos, de despertar previamente a opinião pública, de cientificá-la da
aterrorizante realidade, de fazer renascer o pânico que provocava outrora “a
filha mais velha da morte”, e que era a única arma natural de defesa, que
entravava até certo ponto a sua marcha, pânico, hoje amortecido e quase
extinto, tal a abundância de leprosos, o hábito de sua presença em toda a
parte, em todas as camadas da sociedade, em todos os recantos do país (...);
foi por estes motivos que não procurei uma revista de medicina ou de
higiene de leitores limitados, onde teria de versar o assunto noutros termos,
ou a tribuna de uma das associações médicas que tenho a honra de
pertencer.310

O médico recomendava a instauração do pânico como forma de profilaxia e

denunciava o descaso criminoso com a Lepra, “doença de países atrasados.” Para médicos

como Belisário Penna, o isolamento domiciliar, criticado anteriormente pela Brazil-Médico,

era inconcebível. Chamava-o de pseudo-isolamento, partidário da segregação de todos os

doentes de Lepra, sugeriu a criação do município de “São Lázaro” para este fim:

O município que proponho começa pela cidade com todos os requintes


da higiene, instalado no continente (...) Não sou partidário de Ilha para
não dar ao doente idéia de degredo, além de não possuirmos uma
bastante salubre (...) oferecerá todas as condições (...) pequeno mundo,
onde se distraíam e se esqueçam quase da moléstia, por não sentirem o
pavor e a repulsa de ninguém (...) a cidade terá um bairro afastado 300
ou 400 metros para a administração sanitária, médicos e funcionários,
estabelecimento para recolher os filhos dos leprosos, hotel para
visitantes, etc. A outra parte será a cidade propriamente dita, dividida
em bairros para ricos, remediados e pobres ... 311

309
PENNA, Belisário. O Problema Brasileiro da Lepra. In: Archivos Rio Grandense de Medicina, Faculdade de
Medicina de Porto Alegre: Acervo Histórico n.º 8 e 9, agosto e setembro , 1928, p.12-38. Alusão à Noruega,
referência na profilaxia baseada no isolamento misto, hospitalar e domiciliar, adotado pela Inspetoria.- AHBFM
310
Belisário Penna na Sessão da ANM de 17/6/1926. Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol. 3.
Op. cit. p. 414. Publicado no Boletim da Academia Nacional de Medicina, Ano 98, nº9, 1926, p.p.211/223.
SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. cit. p.414.
311
PENNA, Belisário. O Problema Brasileiro da Lepra. In: Archivos Rio Grandense de Medicina, Faculdade de
Medicina de Porto Alegre: Acervo Histórico n.º 8 e 9 agosto e setembro , ano 1928, p. 42. - AHBFM
50

Belisário foi “combatido” na Academia, por colegas como Eduardo Rabelo e Oscar

Silva Araújo (Inspetor da Profilaxia da Lepra). Aos poucos foram se delineando duas

“correntes” dentro do meio médico, os defensores de uma política “radical” de combate à

Lepra, baseada no isolamento compulsório de todos os doentes, independente de classe social

e os mais “moderados”, defensores de um isolamento mais humanitário, podendo ser

domiciliar em alguns casos. A segregação de todos os leprosos, posição defendida por

Belisário Penna, era contestada, como também a sugestão do médico para a criação do

município ou da instauração do pânico como forma de profilaxia. Eduardo Rabelo, na mesma

Academia, defendia uma posição mais moderada que a do sanitarista, dizia que a segregação

forçada dos doentes não deu resultado em nenhum dos países onde foi adotada, citando o

exemplo das Filipinas. A posição de Rabelo era que:

Penso que devemos ter leprosários, porque com eles conseguiremos isolar
grande e apreciável quantidade de leprosos, pobres ou necessitados, que
precisam do isolamento, e, principalmente, de um lugar em que morem,
durmam e comam. Não há dúvida que devemos isolar os leprosos, mas não
temos o direito de, em uma moléstia pouco contagiosa, como é a lepra,
pôr essa prática em condições estritas, sem podermos sequer garantir a cura.
Procederíamos anti-cientificamente contra todas as legislações do mundo, e
seria um absurdo voltarmos atrás neste momento.312(grifo nosso)

Para sustentar sua posição, Belisário Penna afirmava que se não fossem isolados

todos os doentes em leprosários, independente da classe social, em poucos decênios teríamos

uma população de leprosos: “a lepra se dissemina de uma maneira quase igual à tuberculose,

caminhando numa proporção fantástica.”313 Rabelo rebatia as idéias do colega dizendo que a

lepra era pouco transmissível, sendo absurda a comparação com a tuberculose, a única forma

de combater a lepra seria o isolamento em leprosário, unido às medidas do isolamento

312
RABELO,Eduardo. Sessão da ANM de 24/6/1926. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da
Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. cit. p. 427.
313
PENNA Belisário.Sessão da ANM de 17/6/1926. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da
Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. cit. p. 417.
51

domiciliar e à instalação de dispensários.314 Diante deste embate de posições, Belisário não

cessando de tocar no tema que ele denominava “O Problema Brasileiro da Lepra”, passou a

dirigir suas críticas à Inspetoria, que denominava “Inspetoria de Propagação da Lepra”. Ao

instalar dispensários nos municípios dizia que contribuiria para a propagação, não para o

combate à doença. Acusava estes estabelecimentos de “verdadeiros chamarizes de

leprosos.”315 O problema não era “atrair” os doentes, mas não isolá-los.

Defensor inconteste da necessidade da União, encarregara-se dos serviços sanitários,

Belisário Penna criticava a atuação do Departamento Nacional de Saúde Pública, dizia que,

“apesar do título pomposo com a palavra nacional ali intercalada”, não tinha atuação efetiva

no território. A dependência dos acordos com os Estados, que organizavam os serviços “à

vontade sem nenhum respeito ao Departamento”, tornava este órgão ineficiente e

dispendioso, sugeria ainda que nestas condições devia se chamar “Departamento Negativo de

Saúde Pública”, movido pela “politicalha” na nomeação dos cargos (que considerava a

Lepra moral do Brasil), criticava as oligarquias como um entrave aos progressos sanitários

devido a dificuldade de “entrar na mentalidade desta gente”, a necessidade primordial do

zelo pela Saúde Pública.316

Das primeiras atitudes do médico, quando foi nomeado Diretor do DNS em 1930, foi

providenciar a extinção da Inspetoria.317 No ano seguinte, Belisário se tornou Ministro da

Saúde, indicativo de que posições menos “moderadas” estavam ascendendo ao poder.

314
RABELO, Eduardo .Sessão da ANM de 05/8/1926. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da
Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. cit. p 431.
315
PENNA,Belisário. Sessão da ANM de 05/8/1926. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da
Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. cit. p. 430.
316
PENNA, Belisário. O Problema Brasileiro da Lepra. In: Archivos Rio Grandense de Medicina, Faculdade de
Medicina de Porto Alegre: Acervo Histórico, ano VIII, n.º 2, fev. 1929, p. 9 -13. - AHBFM
317
Esta Inspetoria foi extinta em 1930 pelo Dec. 19.398 de 11 de novembro, por orientação de Belisário Penna
então diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública. SOUZA ARAÚJO. História da Lepra no Brasil. Vol.
3. Idem. Op. cit. p.598.
52

1.4 Quando a Lepra se tornou um problema nacional

Os anos 30 indicavam mudanças significativas na Saúde Pública pari passu às

mudanças políticas do período. A Revolução de 30 apontou para uma centralização do Estado

rompendo com os regionalismos. Tivemos a criação do Ministério da Educação e Saúde

Pública (Mesp) no mesmo ano de 30, assegurando, em tese, ações mais coordenadas nesta

matéria.318

Examinemos as mudanças indicadas pela criação do Mesp. Castro Santos (1985)

afirma que, em relação ao “movimento sanitarista”, atuante durante os anos da República

Velha, a criação do Ministério representou um efeito paralisante. A atuação de combate às

endemias no interior esvaziaram-se e as políticas de Vargas voltaram seu centro de atuação

para as grandes cidades.319

Gilberto Hochman (1993), ao contrário, diz que a Saúde dos anos 30 não representou

uma ruptura, o Mesp incorporou o projeto de Saúde Pública da República Velha, manteve na

sua agenda o combate às eventuais epidemias e às grandes endemias rurais, incorporou o

DNSP, e avançou ao longo dos anos 30, buscando a tão desejada centralização e

uniformização dos serviços. O Estado Novo atualizou a herança sanitarista da primeira

República.320

O período Vargas herdou um modelo concebido, durante os anos 20, de centralização

e uniformização dos serviços sanitários. As idéias autoritárias dos sanitaristas da intervenção

da União nas questões de saúde, sobrepujando as liberdades individuais (e regionais) em

318
Dec.19.402 de 14 de novembro de 1930. O Ministério teria além da Secretaria de Estado, sete repartições
ligadas ao ensino e quatro departamentos na área da saúde: Departamento Nacional de Saúde, Departamento de
Medicina Experimental, Departamento Nacional de Assistência Pública e Inspetoria de Águas e Esgotos.
319
CASTRO SANTOS, Luiz A. de. O pensamento Sanitarista na Primeira República: uma ideologia de
construção da nacionalidade. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Ed. Campus, vol. 28, n.º
2, 1985, p.p.193-210.
320
HOCHMAN, Gilberto, FONSECA, Cristina M. O. O que há de Novo? Op. cit. p.p.73-93.
53

nome da “coletividade”, encontrou efetividade num Estado forte e autoritário, como se forjou

o Estado brasileiro pós-30.

Porém, as oscilações políticas e a precária situação econômica dos anos 30 refletiram

no Mesp, atrasando a tão adiada agenda sanitária no Brasil. Durante os três primeiros anos do

Ministério ocuparam a pasta respectivamente: Francisco Campos, Belisário Penna,

Washington Pires. Durante o Ministério deste último, foi criada a Diretoria Nacional de Saúde

e Assistência Médico Social (DNSAMS), através da qual o governo federal atuaria nos

Estados, subvencionando as atividades e coordenando as diretorias estaduais de saúde. Entre

os recursos distribuídos pela DNSAMS encontrava-se uma verba para o combate à Lepra.

Ao longo dos anos 30, as agências burocráticas tenderam a acompanhar as mudanças

políticas, tornaram-se mais centralizadoras e autoritárias. No período de Capanema à frente do

Mesp, pasta que ocuparia de 1934 à 1945, um conjunto de reformas transformou o Ministério

em um órgão ainda mais centralizado.

A “Reforma Capanema”, como ficou conhecido o conjunto de ações empreendidas

pelo ministro em 1937, alterou a estrutura da Saúde Pública no País. Entre outras medidas, o

Mesp passou a denominar-se Ministério da Educação e Saúde (MES), o Departamento

Nacional de Saúde (DNS) foi reorganizado, tudo visando uma maior centralização e

uniformização das atividades sanitárias. Foram criadas as Delegacias Federais de Saúde, os

Serviços Nacionais de Saúde e as Conferências Nacionais de Saúde.321

Nas palavras de Capanema:

A reforma proposta em 1935 buscou, a este respeito [saúde pública],


nacionalizar o Ministério, mercê da firme decisão assentada por V. Excia.
No sentido de ampliar a atuação federal para abranger, de maneira
sistemática, todo o território nacional, foram tomadas iniciativas e
providências, notadamente a partir da vigência do regime de 10 de
novembro, destinadas, por um lado, a transferir à administração municipal da
Capital da República os encargos de natureza local e, por outro lado, a
instituir e desenvolver serviços que fossem alcançar os mais distantes pontos
do país. São, sobretudo, dignos de nota, os esforços empreendidos em

321
Lei n. 378 de 13 de janeiro de 1937. - BALRGS
54

matéria de organização sanitária e de combate às grandes endemias (a lepra,


a tuberculose, a febre amarela, a malária e a puueste).322

As disposições do MES, conforme a lei de janeiro de 1937, se comparadas as do

antigo DNSP, que previam a execução de serviços mediante convênios e somente com a

autorização dos governos, demonstram que o Ministério ganhou uma maior capacidade

intervencionista:

A União exercerá ação supletiva em qualquer ponto do país, onde se faça


necessária por deficiência de iniciativa ou de recursos, e, observadas as
disposições constitucionais, o fará, quer de maneira direta, instituindo,
mantendo ou dirigindo serviços de educação ou saúde, quer de maneira
indireta, concedendo aos Estados ou às instituições particulares,
respectivamente, o auxílio ou a subvenção federal.323

Dentre as propostas da reforma de 37, ficou estabelecida a criação de Serviços

Nacionais de Saúde, com o objetivo de combater as doenças nos Estados e a reorganização

dos Serviços Estaduais de Saúde, através da criação dos Departamentos Estaduais de Saúde

(DES), submetidos ao DNS. O Serviço Nacional da Lepra, proposto por esta reforma de 37,

foi efetivamente sistematizado pela nova mudança executada no MES em 1941.324O

Ministério de Capanema passou por sucessivas mudanças, as reformas lançavam as diretrizes

da Saúde Pública no Estado Novo, através de projetos nacionais para organização sanitária

dos Estados e dos municípios, sempre evidenciando o caráter centralizador das políticas.

A saúde pública, ao mesmo tempo em que representava um problema para o

governo, sua promoção – vista neste período como “defesa da nacionalidade” – servia para

legitimar o Estado, principalmente durante o período ditatorial do Estado Novo que buscou

legitimar-se pela eficiência, sobretudo na área social, visto que não foi legitimado pelo voto.

Pode-se dizer que a Saúde Pública no Estado Novo não representou ruptura.

322
CAPANEMA apud HOCHMAN, Gilberto, FONSECA, Cristina M.O. O que há de novo? Op. cit. p.84.
323
Dec. 378 de 13 de janeiro de 1937. Atos do Legislativo, vol.3, Rio de Janeiro Imprensa Oficial, p.16. –
BALRGS.
324
HOCHMAN, Gilberto, FONSECA, Cristina M. O. A I Conferência Nacional de Saúde: reformas, políticas e
saúde pública em debate no Estado Novo. In: In: Capanema: O Ministro e seu Ministério. Ângela Castro Gomes
(org.) Rio de Janeiro: FGV, 2000, p.181.
55

Antes, atualizou a agenda dos anos anteriores, qual seja, a efetivação do combate às

endemias rurais e às epidemias. A mudança pode ser marcada pelo intenso processo de

centralização das atividades de saúde e de saneamento, de organização, de profissionalização

e de burocratização dos serviços. O Estado conseguiu forças para atuar em todo o território,

sobrepondo-se a interesses e a autonomias regionais através da extensão do aparato

governamental.
56

1.5 A Campanha Nacional

A Lepra está na moda, dizia o deputado Gama Rodrigues, de São Paulo. Com esta

observação fazia uma espécie de crítica ao tratamento que a doença vinha recebendo nos

meios políticos e sociais, em detrimento, talvez, de outras doenças, como a tuberculose.325

No final do século XIX, início do século XX, tivemos uma expansão da rede de

Leprosarias em vários países do mundo. Entre os mais conhecidos destacamos: Carville

(1894) nos EUA, Molokai (1865) no Havaí, e Cullion (1906) nas Filipinas.326 Neste contexto,

moléstias como a Lepra não tardaram a adquirir novos significados. A doença passou a ser

sinônimo de atraso, “semi-civilização”, em oposição à modernidade e ao progresso que

buscavam desenfreadamente os países na virada para o século XX.

Estes “novos” significados atribuídos à moléstia ecoaram no Brasil, conforme indica

uma fala proferida por Gustavo Capanema, por ocasião da inauguração de um Leprosário no

Espírito Santo:

É fora de dúvida que de todos os problemas de Governo com que nos


defrontamos no Brasil, nenhum é mais inquietante que o da lepra. Em todos
os países, e em todos os tempos, essa doença encheu de amargura as
populações, e contra ela as medidas mais decisivas foram tomadas. E, assim
dela se livraram, ou vão se livrando os povos de cultura adiantada.327

Os problemas relativos à Lepra vinham sendo discutidos nos meio médicos e

políticos, sobretudo, em função das denúncias dos sanitaristas. Estes médicos diziam que

nosso atraso era resultado, não da nossa formação racial, embora houvesse nuanças do

discurso eugênico na fala destes profissionais, mas das doenças contagiosas que afetavam

325
IYDA, Massako. Cem anos de Saúde Pública. A cidadania negada. São Paulo: Ed. da UNESP, 1994, p. 63.
326
SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. A Lepra – estudos realizados em 40 países (1924-1927). Trabalho
do Instituto Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro. Tipografia do Instituto Oswaldo Cruz, 1929. Estes leprosários
tornaram-se referência no combate à lepra no mundo. O surgimento da Lepra no “Novo Mundo”, bem como a
expansão da moléstia na segunda metade do XIX em vários países, podem ser imputados a colonização e
imperialismo, respectivamente, mas esta discussão foge ao interesse desta pesquisa.
327
AGRÍCOLA, Ernani. Campanha Nacional Contra a Lepra. Palestras proferidas ao microfone da PRA-2 do
Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação e Saúde. Rio de Janeiro, 1946. p. 125.
57

nossa população, constatavam que o homem brasileiro, sobretudo do meio rural, era um

personagem doente.328

No pós-30 estava se constituindo um “Novo Estado” no Brasil, com aspirações de

modernidade econômica e social. O país precisava integrar o “elemento nacional” nesta

política. A Saúde Pública, atrelada ao Estado, contribuiu decisivamente para a construção

deste “Homem Novo”.329 A Campanha contra a Lepra se revestiu deste ar de “nacionalidade”

e de progresso. Conforme evidencia esse discurso:

A lepra, que de maneira insidiosa se espalha e às vezes invade


inexplicavelmente lares, ferindo entes queridos, deverá ser intensamente
combatida por todos os meios que a ciência colocou ao nosso alcance e é um
dever sagrado a colaboração de todos nesta grande obra de reivindicação
social para a nossa querida Pátria. 330

Um outro fator que “empurrou” a Lepra para a “agenda sanitária nacional” foi a

descoberta do bacilo causador da doença. Se por um lado esta descoberta representou um

importante passo para a medicina, por outro lado veio confirmar a contagiosidade da moléstia,

fazendo com que houvesse um recrudescimento dos temores antigos e, sobretudo, munindo a

medicina de justificativa científica para as práticas de segregação impostas aos doentes.

Por fim, combater a Lepra significava “regular os efeitos negativos da

interdependência”. A criação de aparatos estatais capazes de atuar em todo o território

nacional nos anos 30 do século passado, apontados anteriormente, permitiram que o governo

levasse adiante um plano de combate à Lepra proposto nas primeiras décadas da República.

Embora a Inspetoria da Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas tivesse tido uma

atuação limitada durante seu período de existência, justificada, entre outros elementos, pela

burocratização dos Serviços e pela dependência dos acordos com os governos estaduais, seu

legado foi estendido ao período seguinte. A Campanha incorporou, em parte, as bases

328
BERTOLLI FILHO, Cláudio. História da Saúde Pública no Brasil. Op. cit. p. 21.
329
BERTOLLI FILHO, Cláudio. A História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950. Rio de Janeiro:
FIOCRUZ, 2001. (Coleção Antropologia e Saúde) p.p.11-112.
330
AGRÍCOLA, Ernani. Campanha Nacional contra a Lepra. Op. Cit. p. 110.
58

propostas pela Inspetoria, herdando um modelo mais ou menos estruturado para a profilaxia

da Lepra, como o projeto da instalação de Leprosários e Dispensários – espécie de

ambulatórios especializados.

O plano nacional de combate à Lepra foi elaborado em 1935 pelos médicos João de

Barros Barreto, diretor Geral da Saúde Pública, Ernani Agrícola, diretor dos Serviços

Sanitários nos Estados e Joaquim Mota, médico do Departamento Nacional de Saúde e

Assistência Médico Social.331 Compreendia as seguintes medidas: 1) Construção pela União

de Leprosários nos Estados do tipo colônia agrícola; 2) Extensão e melhoramento dos

leprosários já existentes; 3) Hospitalização de todos os pacientes de Lepra aberta ou mutilante

e também mendigos e indigentes, ainda que não sofressem de forma contagiante. Em

contrapartida, os Estados deveriam: a) Instalar um número suficiente de Dispensários; b)

ceder a área para a instalação de leprosários; c) garantir a manutenção de metade dos

pacientes isolados; d) adotar a legislação federal relativa à Lepra e subordinar-se à orientação

técnica do Serviço Federal.332

Para levar adiante a Campanha, três estabelecimentos foram planejados: o

Leprosário, o Dispensário e o Preventório. Respectivamente para atender os doentes

internados, os doentes não- internados e os filhos sadios dos doentes.

O Leprosário do tipo colônia-agrícola seguia uma orientação internacional. A III

Conferência Internacional, realizada em Estrasburgo (1923), aconselhava que as pessoas que

não pudessem ser isoladas em domicílio deviam fazê-lo em estabelecimentos hospitalares, em

sanatório ou em colônia agrícola, segundo o caso dos países.333 O modelo de colônia-agrícola

estava ligado à idéia de trabalho. O doente segregado se tornaria antieconômico para o

Estado, obrigado a sustentá-lo no isolamento. A idéia do doente peso para o Estado e para a

331
AGRÍCOLA, Ernani. Campanha Nacional contra a Lepra. Op. Cit. p.p. 10-11. Antes dos anos 30, sob os
auspícios da Inspetoria da Lepra do DNSP, foram construídos alguns leprosários federais através de convênios
com os Estados, são exemplo o Lazarópolis do Prata (1924) no Pará, Colônia São Roque (1926) no Paraná.
332
ROCHA, Raul. Da lepra o essencial. Op. Cit. p. 497.
333
AGRÍCOLA, Ernani. Campanha Nacional contra a Lepra. Op. Cit. p.16.
59

economia ganhou expressão num período em que a ideologia do trabalho era bandeira política

no país. Se era necessário o isolamento, ao menos que os doentes produzissem alguma coisa.

A colônia-agrícola sanaria ambos os problemas: a ameaça social do contágio, pela

segregação, e o econômico, pela organização de um tipo de estabelecimento que permitiria e

incentivaria o doente a trabalhar. A idéia era de que as colônias tivessem a forma de cidades

autônomas, auto-suficientes.

O primeiro Leprosário deste tipo fundado no Brasil foi o “Lazarópolis do Prata”, em

1924, projeto do médico sanitarista Souza Araújo. Neste estabelecimento, dizia o médico,

todos teriam suas obrigações e o ócio seria desaconselhado.334 Comissionado pelo Instituto

Oswaldo Cruz e a Fundação Rockefeller, Souza Araújo, realizou o estudo sobre a Lepra em

vários países, a fim de aperfeiçoar este modelo de Instituição.335 De regresso, em 1933, o

médico percorreu o Brasil a pedido do Governo Provisório para avaliar a situação da Lepra

nos Estados. Em seu relatório, entregue ao Ministro da Saúde, concluiu a necessidade da

fundação de dispensários e de sanatórios, determinou quais Leprosários deveriam ser

remodelados, bem como quais deveriam ser construídos.336

Os Leprosários foram pensados para segregar completamente o doente do meio

saudável pelo tempo que fosse necessário, se a doença era muito ou pouco contagiosa, se o

isolamento era a melhor forma de profilaxia, se solucionaria o problema da Lepra, não seria

aquele o momento para querelas acadêmicas entre os médicos, que “aproveitaram” a “boa

vontade” do governo e levaram adiante um plano que vinha sendo gestado há muitos anos.

A orientação era de que as áreas escolhidas para os Leprosários fossem em locais

situados de 6 a 30 Km de uma capital ou cidade grande, de clima salubre, área de terreno


334
SOUZA ARAÚJO. Lazarópolis do Prata. A 1ª Colônia Agrícola de Leprosos fundada no Brasil.
Departamento Nacional de Saúde pública. Serviço de Saneamento e Profilaxia Rural do Pará. Empreza Graphica
Amazonia: Belém, 1924, p. 57.
335
O livro: A Lepra – estudos realizados em 40 países. Op. cit. foi resultado desta “viagem de estudo”.
336
FAILLACE, J. Maya. Do conceito atual da profilaxia da Lepra. Contribuição à campanha contra a Lepra no
Rio Grande do Sul. Tese apresentada a Faculdade de Medicina de Porto Alegre. Porto Alegre: 1933, p. 107.
Biblioteca do Instituto de Pesquisas Biológicas Jandyr Maya Faillace Laboratório Central do Estado do Rio
Grande do Sul - IPB/LACEN-RGS
60

apropriado para a construção de edifícios, deveria possuir terras para a agricultura de modo a

dar trabalho remunerado aos doentes capazes. Este sistema, segundo seus ideólogos,

beneficiaria “moral e materialmente os doentes” e poderia reduzir notavelmente o custo da

manutenção dos estabelecimentos.337 O Leprosário seria dividido em três áreas: a zona

contaminada ou “suja”, onde ficariam os doentes, a zona intermediária, onde ficaria o pessoal

da administração e a zona saudável ou “limpa”, onde morariam médicos e funcionários. 338

Para cuidar dos filhos sadios dos doentes, em colaboração com a sociedade, o

Governo iria instalar Preventórios. A idéia da sociedade “amparar” os filhos dos leprosos

tinha sido levantada em 1926, quando foi fundada em São Paulo a Sociedade de Assistência

aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, formada por um grupo de senhoras da elite paulistana.

No ano seguinte, foi fundada uma congênere no Rio de Janeiro. A finalidade destas

associações era estudar a Lepra, fundar Leprosários para doentes indigentes e abastados e,

sobretudo, proteger e educar os filhos dos leprosos, longe dos focos de contágio. 339

Em fevereiro de 1928, a Sociedade de Assistência aos Lázaros, do Rio de Janeiro,

organizou a “Semana do Lázaro” com o objetivo de angariar fundos para a realização do

programa desta entidade. O evento contou com a participação e apoio de médicos e

autoridades políticas. Os donativos, entre outras finalidades, serviriam para ajudar famílias de

doentes isolados e iniciar a construção de Preventórios.340

Mesmo depois da Sociedade assumir este “compromisso” com a “descendência

sadia” dos doentes, havia quem defendesse medidas mais “definitivas” para acabar com o

“problema”, que seria cuidar de tantas crianças com pais isolados em função da Lepra.

Em 1933, um médico bacteriologista da Colônia Santa Isabel (de Santa Catarina)

apresentou uma “solução” para a situação dos filhos dos doentes. Ele defendia: “a

337
ROCHA, Raul. Da lepra o essencial. Op. Cit. p. p. 500-501.
338
AGRÍCOLA, Ernani. Campanha Nacional contra a Lepra. Op. Cit. p. 40.
339
SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. cit. p. 488-496
340
Idem, p. 488-496
61

esterilização é um poderoso agente eugênico e terapêutico, destinado a melhorar a qualidade

da raça e revigorar a saúde do indivíduo (...) a esterilização dos leprosos é forma eficiente de

diminuir a expansão do mal, impedindo a procriação. 341

Longe de ser voz isolada, o prezado doutor encontrava simpatizantes na Academia,

Raul Rocha, médico do Distrito Federal, referendava as idéias do colega acrescentando

argumentos que talvez nos ajudem compreender melhor a questão:

Duas eventualidades, já previstas, orientam o destino do filho de leprosos:


ficar em contato com os pais e expor-se a sofrer o infortúnio da
contaminação em holocausto de expiação do crime de ter nascido de ventre
leproso, se escapar a transmissão hereditária do mal; ser condenado a
separar-se imperativamente de seus pais, logo ao nascer, para fugir do
contágio, se não herdar a tara funesta, pois a infância é o período mais
susceptível da lepra.
A esterilização atende, ainda, à necessidade de reduzir os encargos do Estado
e das Associações privadas com a manutenção de preventórios, maternidades
e outras obras de assistência social aos filhos dos leprosos.342

No discurso dos dois médicos, as razões para a esterilização seriam de três ordens:

eugênica, profilática e social. Do ponto de vista eugênico,343 visando preservar a raça, a

esterilização não encontrava respaldo porque a doença não era hereditária. Todavia,

imputava-se aos filhos dos doentes predisposições a serem “enfermeriços, achacados,

pecos”.344 No aspecto profilático, a separação dos recém nascidos resolveria o problema. Em

relação à esterilização com justificativa social, a colaboração da sociedade e o

desenvolvimento de certas atividades em benefício da instituição que os abrigasse345

341
Comunicação de Paulo Cerqueira Pereira apresentada na Conferência de Uniformização da Campanha contra
a Lepra, rio de Janeiro, 1933. ROCHA, Raul. Da lepra o essencial. Op. Cit. p. 479. Comunicação de Paulo
Cerqueira Pereira.
342
ROCHA, Raul. Da lepra o essencial. Op. Cit. p. 478.
343
A eugenia era mais uma teoria cientificista européia que procurava explicar a diferença entre os homens
através de causas naturais, era mais uma noção difusa que uma teoria coerente. Lembremos que neste período
havia a preocupação com a formação do povo brasileiro, considerando que a população era tida como doente, a
atuação da medicina na sociedade visava a redenção da raça através de um projeto médico-eugênico.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870-
1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993; MARQUES, Vera Regina Beltrão. A medicalização da Raça:
médicos, educadores e discurso eugênico. São Paulo: Unicamp, 1994.
344
ROCHA, Raul. Da lepra o essencial. Op. Cit. p. 478.
345
BATISTA, Luiz; BECHELI, Luiz Marino : “Symposium” sobre o problema da esterilização dos doentes de
Lepra. In: Revista Brasileira de Leprologia. Órgão Oficial da Sociedade Paulista de Leprologia. São Paulo: vol.
10, 1942, p.167. - AHBFM
62

contrabalançariam as despesas que o governo teria com a assistência social aos filhos dos

leprosos.

A Campanha colocou-se contrária à idéia de esterilização, que além de “ferir os

sentimentos religiosos da maioria de nossos doentes de Lepra”, não encontrava justificativa

científica. Também havia o temor de que os doentes esterilizados, na certeza da

impossibilidade da procriação, se tornassem promíscuos, possibilitando o aumento da

propagação de doenças venéreas. Não havia leis que os impedissem de casar, e do ponto de

vista profilático, o casamento até era prática indicada, pois fixaria mais o doente nas

colônias.346

A participação das Sociedades de Defesa contra a Lepra exerceu forte influência nos

rumos da Campanha. Além da responsabilidade pela proteção dos filhos dos Lázaros,

passaram a executar uma Campanha junto à sociedade através da publicação do “Boletim da

Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra”, de distribuição gratuita em

todo o país, onde convocavam a sociedade para a “humanitária cruzada contra a Lepra”,

divulgavam artigos médicos (Belisário Penna foi um dos grandes colaboradores da

publicação) e incentivavam a fundação de outras associações.347

Os resultados foram profícuos. Houve mais de 50 entidades fundadas no país com o

fim de colaborar na Campanha. Em 1932, algumas das principais Sociedades fundaram uma

“Federação” cuja principal reivindicação era: que a Campanha de combate à Lepra fosse

estendida a todo o país.348 A idéia de “Federação” surgiu em São Paulo com o objetivo de

ligar, direta ou indiretamente, todas as Associações do país envolvidas de algum modo no

combate à Lepra. A maioria delas uniformizaria a denominação, passando a chamar-se

346
AGRÍCOLA, Ernani. Campanha Nacional contra a Lepra. Op. Cit. p. 27-28
347
GOMIDE, Leila Regina Scalia. Discurso Médico e ação profilática: a hanseníase em questão. In: História e
Perspectivas, Uberlândia, (8), jan./jun. 1993, p. 80. O Boletim foi publicado de abril de 1929 a março de 1930
sendo depois substituído pela Revista de Combate à Lepra, publicada de 1936 até 1944. Não tivemos acesso a
esta fonte, mas sabemos de sua localização: Sede da Federação Eunice Weaver no Rio de Janeiro.
348
Em 1937, a federação foi considerada de utilidade pública pelo governo federal (Decreto n. 1.473 de 08 de
março de 1937), em 1942 foi oficialmente integrada à Campanha contra a Lepra pelo decreto 4.827.
63

“Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra”. Sob a influência da

Federação, a proposta era fundar novas Sociedades em todo o país, para levar adiante o

programa federal contra a Lepra e, sobretudo, contribuir através da criação de Preventórios

para abrigar os filhos dos doentes. 349

Os doentes não isolados nos Leprosários,350 seriam tratados em Dispensários. Estes

estabelecimentos deveriam ser instalados em pontos acessíveis, de acordo com a incidência da

doença. Seriam responsáveis pelo tratamento dos doentes não segregados, pela educação e

pela vigilância sanitária, pela fiscalização e pelo controle dos “comunicantes”, como eram

chamadas as pessoas que residiam com os doentes.

Embora a segregação fosse a medida indicada para combater a Lepra, experiências

internacionais, como no Leprosário de Cullion nas Filipinas, mostravam que o combate

baseado unicamente no isolamento não resolveria o problema. Os envolvidos na Campanha

naquele país admitiam o fracasso daquele sistema de isolamento e sugeriam como forma de

profilaxia:

Levar a efeito o programa de uma campanha extensiva e intensiva de


educação do povo, realizando inspeções nas áreas epidêmicas e trabalhos
persistentes entre os comunicantes, tendo em vista preservar e controlar os
casos iniciais, incipientes ou abertos. Não se pode duvidar que isso seja um
dos melhores, senão o mais importante fator de extermínio da lepra.351

349
MAURANO, Flávio. Tratado de Leprologia. Vol. 1. História da Lepra no Brasil e sua distribuição geográfica.
Ministério da Educação e Saúde. Departamento Nacional de Saúde. Serviço Nacional de Lepra. Rio de Janeiro,
1944. p.p.165-166.
350
Yara Nogueira Monteiro afirma que São Paulo foi o Estado do país que mais enviou doentes para o
Leprosário, enquanto nos demais Estados do país o isolamento era seletivo, São Paulo isolava todos os doentes
diagnosticados. Profilaxis and exclusion: compulsory isolation of Hansen´s disease patients in São Paulo.
MONTEIRO, Yara Nogueira. In: História, Ciências e Saúde, Manguinhos. Leprosy: a Long History of Stigma,
vol. 10, 2003. No Rio Grande do Sul, do período de 1933 a 1960, dos 3.625 casos detectados, 1.960 estiveram
isolados no Leprosário Itapuã. FONTE: Arquivos da Dermatologia Sanitária do Rio Grande do Sul.
351
TOLENTINO, José. “ Porque o actual systema de isolamento fracassou na extinção da Lepra, nas Philipinas”
In: Revista Brasileira de Leprologia. Vol. 4, n.º 3, 1936, p. 378. - AHBFM
64

A III Conferência Internacional de Estrasburgo (1923), entre suas resoluções,

determinou que o isolamento apenas deveria ser aplicado aos doentes contagiantes,352 aos

doentes vagabundos e indigentes. Os doentes não-contagiantes, em particular os casos

incipientes, deviam ser tratados em Dispensários. Esta idéia de “atenuar” o rigor do

isolamento, foi pauta principal da IV Conferência Internacional do Cairo (1938). Na reunião

surgiram duas correntes profiláticas, uma, preconizava o tratamento de leprosos em

Dispensários, abandonando o isolamento, outra, recomendava o isolamento, aplicado de modo

mais humano.353

Paradoxalmente, enquanto as orientações científicas internacionais prescreviam uma

“suavização” no tratamento dos doentes de Lepra, valorizando a busca da terapêutica, no

Brasil tínhamos um recrudescimento das práticas em relação aos leprosos. A expansão da

rede de hospitais colônias e o isolamento compulsório confirmam esta “tendência”.

Podemos fazer algumas considerações sobre a questão. Primeiro, o caráter de

combate à Lepra teve um cunho extremamente repressivo, como ocorreu em relação a outras

tantas doenças contagiosas no país. O momento da consolidação do combate à doença

coincidiu com a ascensão de um Estado autoritário, onde os interesses do indivíduo deviam

submeter-se aos da coletividade, portanto, concorriam para a justificativa da segregação dos

leprosos não apenas elementos médicos, como o contágio, mas sociais, como o bem comum.

Isso foi bem expresso na seguinte passagem, destinada a “justificar” as ações no

combate à doença: “São conhecidos os sofrimentos dos doentes de lepra, a sua imensa

tragédia atingindo toda sua família e, por isso mesmo não temos o direito de, por

352
Por formas contagiantes entendia-se aqueles doentes das formas lepromatosas e mixtas(sic), tipos mais graves
da doença, responsáveis por 95% dos contágios, não-contagiantes eram os doentes da forma tuberculóide, que
não eliminam bacilos da doença. ROCHA, Raul. Da lepra o essencial. Op. Cit. p.p. 499.
353
ROCHA, Raul. Da lepra o essencial. Op. Cit. p. 401.
65

sentimentalismo ou por quaisquer outros motivos, prejudicar a coletividade para não

sacrificar uma família.”354

Neste período, temos um recrudescimento do próprio discurso médico. As incertezas

que pairavam no meio científico, como o contágio, a transmissibilidade, o tipo de isolamento,

foram “sufocadas” em nome da possibilidade de extirpar a Lepra do país, mesmo que o preço

fosse a segregação de milhares de pessoas.

Os médicos, sobretudo os sanitaristas, que desde a República Velha vinham

cobrando a intervenção do Estado nas questões de saúde, podiam ver suas ambições

alcançadas. O Estado, através de leis, do poder econômico, da força, da ideologia e amparado

na ciência, podia imprimir aos doentes medidas coercitivas de tratamento.

O evento que marcou o início da Campanha Nacional foi a Conferência de

Uniformização da Campanha contra a Lepra, realizada em 1933, no Rio de Janeiro. Esta

Conferência inaugurou uma nova fase no combate à doença, traçando as orientações gerais

para a execução do plano nacional, que atribuía à União a responsabilidade pela instalação de

Leprosários, à sociedade civil, auxiliada pelo governo, a incumbência dos preventórios e aos

Estados a criação de Dispensários.355 A participação da sociedade na Campanha foi marcada

por outro evento, a Conferência Nacional de Assistência Social aos Leprosos, realizada em

1939, no Rio de Janeiro, e organizada pela Federação das Sociedades de Assistência aos

Lázaros e Defesa contra a Lepra com o objetivo de coordenar a ação das Sociedades filiadas à

Federação no combate à Lepra. Nos 8 dias do encontro, que contou com a participação do

ministro Capanema, de 58 delegados (médicos e “filiados”) de todos os Estados, debateram

temas como a assistência aos doentes e a suas famílias, a criação de Preventórios e a

propaganda sanitária.356

354
AGRÍCOLA, Ernani. Campanha Nacional contra a Lepra. Op. Cit. p. 138.
355
Idem. p. 41.
356
Revista Brasileira de Leprologia de São Paulo, vol. 7, 1939. p.p. 425-435. - AHBFM
66

Contudo, foi a I Conferência Nacional de Saúde de 1941, também realizada no Rio

de Janeiro, que iria definir a organização e a sistematização da Campanha Nacional contra a

Lepra no Brasil. Na ocasião duas correntes discutiam sobre os planos que deveriam orientar a

Campanha no país e sobre o papel do Serviço Nacional da Lepra na execução destas políticas.

Uma “corrente” não admitia que o Serviço Nacional da Lepra tivesse autonomia na

direção do combate a esta moléstia nos Estados. Defendia que a orientação destes serviços

deveria continuar sob a direção dos Departamentos Estaduais de Saúde, organizados em todo

o país através das reformas do MES. A “corrente” formada por médicos do Serviço Nacional

da Lepra era favorável à orientação técnica especializada; o SNL deveria coordenar a

Campanha Nacional contra a Lepra, a ser executada pelos Departamentos Estaduais. Esta

também era a proposta do Ministério, desse modo a União poderia orientar, coordenar e

fiscalizar todas as atividades da Campanha através do SNL.357

Esta Conferência foi uma expressão do “sanitarismo clássico”, caracterizado pela

ênfase na técnica, em grandes Campanhas de saúde e em políticas centralizadoras. Algumas

proposições aprovadas nesta Conferência revelaram a combinação histórica da agenda dos

sanitaristas e das características estado-novistas, como a centralização e a uniformização dos

serviços de saúde pública. Em relação a Campanha contra a Lepra, os Estados e municípios

seriam braços executivos do SNL,358 que teria por funções: organizar, em todo o país, o plano

de combate à Lepra, constituindo-se em centro orientador, coordenador e fiscalizador das

atividades dos serviços públicos e privados empenhados nessa Campanha; realizar estudos,

inquéritos e investigações sobre a Lepra; prestar assistência técnica e material às organizações

públicas e privadas, delimitando-lhes o campo de atuação; opinar sobre a organização de


357
Revista Brasileira de Leprologia de São Paulo, vol. 9, 1941, p.p. 415-416. - AHBFM
358
Sinais de discordância manifestaram-se ante este ímpeto uniformizador e centralizador dos representantes do
governo federal durante a Conferência. A diversidade existente no país impunha que muitos advogassem uma
autonomia nas políticas de saúde, entre eles os delegados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em
tom de crítica ao MES, ainda apresentaram uma plano nacional, cuja proposta central era a criação de uma pasta
ministerial exclusiva para a saúde, sonho acalentado pelos sanitaristas desde a República Velha só realizado em
1953, no segundo governo de Vargas. HOCHMAN, Gilberto, FONSECA, Cristina M. O. A I Conferência
Nacional de Saúde. Op. Cit. p.175-189.
67

quaisquer serviços de combate à Lepra no país e sobre regulamentos e regimentos que cuidem

do assunto; e procurar padronizar, respeitadas as características regionais, as organizações

públicas e privadas de luta contra a Lepra em todo o país, uniformizando-lhes os trabalhos e

modelos de serviços, elaborando para isso as necessárias instruções. 359

Por fim, antes de analisarmos como se realizou a Campanha contra a Lepra no Rio

Grande do Sul, vamos examinar um outro elemento, que embora não fizesse parte do

chamado “tripé do armamento anti-leprótico”, composto por Leprosário, Preventório e

Dispensário, teve insofismável relevância: a propaganda.

À medida que a Campanha foi sendo sistematizada, os agentes encarregados do

combate à Lepra foram percebendo que a doença não poderia ser caso de polícia; a

cooperação era indispensável, principalmente para a realização do diagnóstico precoce da

moléstia. Para que o tripé funcionasse, era preciso identificar os doentes no tecido social. Isso

poderia ser feito através da busca direta dos doentes, de casa em casa, o que dificultaria o

trabalho da saúde pública, através da apresentação espontânea do doente, na maioria dos casos

pouco provável, ou através da denúncia. A propaganda deveria convencer a população,

inclusive os doentes, sobre os benefícios da profilaxia e o perigo do contágio.

A Campanha tinha que alertar a sociedade para o “perigo” que representava a Lepra,

sem causar pânico a ponto de afugentar o leproso. Houve quem defendesse que esta

propaganda devia fazer revigorar o pânico que outrora causava a Lepra e que era “ a única

arma natural de defesa.”360 Entretanto, a orientação da Campanha indicava um caminho

diferente do acima proposto:

Espíritos menos avisados diriam ser contraproducente eliminar o pavor à


lepra, em vista de conseguirmos por meio dele conservar os leprosos
afastados dos sãos(...) diminuindo o pavor, menores seriam os sofrimentos
morais dos doentes; estes não mais se esconderiam; procurariam
espontaneamente o diagnóstico, tratamento, isolamento eficaz(...) Não nos

359
Revista Brasileira de Leprologia, vol.12, 1944, p.163.
360
Belisário Penna na Sessão da ANM de 17/6/1926. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da
Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. cit. p. 414.
68

devemos esquecer que é altamente prejudicial a essa campanha, a maneira


pela qual são, às vezes, tratados pelos jornais assuntos referentes aos
leprosos e à lepra(...)361

De modo geral, a imprensa, escrita e radiofônica, foi utilizada pela Campanha,

principalmente esta última, que além de atingir os analfabetos, tinha “um grande poder

sugestivo”.362A idéia era promover a “boa propaganda”, que visasse difundir,

principalmente, que a Lepra era curável, e, apesar de contagiosa, evitável. Somente uma

modificação na atitude do público para com a doença poderia coroar o sucesso da Campanha.

Fundamentalmente, os princípios da propaganda seriam orientados de acordo com a opinião

científica melhor informada, levando em consideração os costumes e as condições locais.

Dentre os objetivos da propaganda estavam o de dissipar o temor excessivo da Lepra, acentuar

a necessidade de diagnóstico precoce e preparar médicos, enfermeiros, visitadores e

educadores sanitários para tratar adequadamente o diagnóstico da doença.363

Durante os meses de novembro de 1944 a agosto de 1945, foram proferidas 37

palestras no microfone da Pra-2 do Serviço de radiodifusão do Ministério da Educação e

Saúde, reunidas posteriormente pelo Dr. Ernani Agrícola e publicadas com o título Campanha

Nacional contra a Lepra. Estas palestras eram dedicadas, sobretudo, a informar a população

da grandiosa obra de Getúlio Vargas no combate à doença Embora evitassem fazer

associações pejorativas ligadas à figura dos doentes, continuavam apresentando-os como

párias e ameaças sociais. A dificuldade de fazer a “propaganda” residia exatamente em

realizar este convencimento de maneira que, por um lado, incentivasse a população a

denunciar os suspeitos, por outro, convencesse o doente a se apresentar. Os limites eram

muito tênues:

361
XAVIER, Alvorino Mercio. MENDES, Pessoa; MANGEON, Gilberto. Da propaganda contra a lepra e os
meios de realizá-la. Arquivos do Departamento Estadual de Saúde, Vol. 1, 1940, 153. CEDOPE/HCI
362
Idem. p. 154. O Rádio foi um instrumento largamente empregado durante o Estado Novo, este meio de
comunicação era visto como “um instrumento de educação e de cultura com vista à integração nacional.”
CAPELATO, Maria Helena. Propaganda Política e controle dos meios de comunicação. In: Repensando o
Estado Novo. Dulce Pandolfi (org.) Rio de Janeiro: FGV, 1999.
363
SOUZA LIMA, Lauro de. Relatório. Departamento de Profilaxia da Lepra do Estado de São Paulo. Revista
de Leprologia, vol. 6, 1938, p. 207. - AHBFM
69

Um leproso internado ou isolado em domicílio, quando possível,


provavelmente já contaminou a uma ou mais pessoas, de modo que, não se
exercendo sobre os que com ele conviveram, constante vigilância por
pessoal competente, novos casos provavelmente surgirão e só serão, em
geral, descobertos quando estes por sua vez já tiverem contaminado outros
(...)364

As “Palestras de Higiene” na rádio Tupi não eram diferentes. As representações

“clássicas” da figura do leproso eram apresentadas em tom emocional, principiava com um

“Amáveis ouvintes”, seguia a exaltação da grande obra que representava o combate à Lepra e

o papel da mulher nesta cruzada, terminava com uma descrição da doença: “um belo dia o

mal aparece e começa sua obra de destruição. Mutila. Deforma. Caem-lhes os dedos, as

mãos, os braços, as orelhas, o nariz. O desgraçado torna-se uma ruína viva. Conheci, há

tempos, um leproso reduzido ao tronco.” 365

Esta visão “assustadora” da doença, embora condenada pela Campanha, era

repassada para a sociedade. Alguns médicos criticavam esta forma de abordá-la, entretanto,

pouco faziam para dissipar estas representações, sendo que o medo não apenas podia, como

foi utilizado em benefício da Campanha. Com o passar dos anos esta atitude viria a ser um

problema.

Estas imagens indicam o “antes” e o “depois” da Campanha contra a Lepra. O

“contraste” era uma forma de justificar/convencer sobre a necessidade das ações profiláticas.

364
AGRÍCOLA, Ernani. Campanha Nacional contra a Lepra. Op. Cit. p. 103.
365
GASPARINI, Savino. Palestras de Higiene na rádio Tupi. MES: Serviço de Educação Sanitária, 3ª série –
1941, Rio de Janeiro: 1945. P.p.68-70.
70

Figura 2 e 3: Nomadismo de leprosos no Estado de São Paulo -


Acampamentos de doentes. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César
de. História da Lepra no Brasil. Vol.2. O período Republicano (1890-
1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948.
Álbum das organizações anti-leprosas.Estampa 52
71

Figura 4 e 5: Famílias de doentes.In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César


de. História da Lepra no Brasil. Vol.2. O período Republicano (1890-1946)
Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum das
organizações anti-leprosas.Estampa 161.

Figura 6: O combate à Lepra em Minas Gerais In: SOUZA ARAÚJO,


Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol.2. O período
Republicano (1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa
Nacional, 1948. Álbum das organizações anti-leprosas. Estampa: 158.
72

Figura 7: Asilo Colônia “Santo Angelo”, Mogy das Cruzes, São Paulo
(considerado o Leprosário modelo) In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de.
História da Lepra no Brasil. Vol.2. O período Republicano (1890-1946) Rio de
Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum das organizações
anti-leprosas. Estampa: 49

Figura 8: Amparo Santa Cruz, Rio Grande do Sul. In: SOUZA ARAÚJO,
Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol.2. O período Republicano
(1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum
das organizações anti-leprosas. Estampa: 360
73

Capítulo 2: “O Desfile Macabro”

Impele-os a animadora ilusão de que a cidade opulenta, cérebro e coração de


sua terra, não lhes recusará, por certo, os auxílios dos recursos da ciência e o
consolo de sua piedade cristã. Mas cedo se desvanece a miragem que os
atraiu e os alentava. Apenas reconhecida a natureza do mal que os corrói,
hospitais e asilos fecham-se aos seus apelos. E, dada a absoluta falta de
organização sanitária e institutos particulares a eles destinados, nada mais
lhes resta senão o regresso desolador, na plena consciência da
irremediabilidade do infortúnio que os avassala.366 (grifo do autor)

2.1 Os doentes de Lepra no Rio Grande do Sul

Este era o quadro dos doentes de Lepra no Rio Grande do Sul, pintado em 1933 pelo

Dr. Maya Faillace. Nesta época, alguma atenção já haviam despertado os leprosos que

acorriam à Capital, mas o “desfile macabro”, expressão usada pelo médico, havia iniciado

anos antes.

Até o começo do século passado, os casos de Lepra “conhecidos” no Estado eram

considerados raros.367 Transcorrida pouco mais de uma década, o médico J. Athayde da Silva

apresentou sua tese na Faculdade de Medicina de Porto Alegre – “A propósito de alguns casos

de Lepra” – onde discordava da raridade atribuída à doença no Estado. Limitando-se à

Capital, o médico denunciava a presença de leprosos na rua dos Andradas trabalhando em

hotéis, como entregadores de leite e, fato que o deixava muito impressionado, um antigo

porteiro da Santa Casa era reconhecidamente atacado pela doença.368

366
FAILLACE, J. Maya. Do Conceito Atual de Profilaxia da Lepra. Op. Cit. p.p.5-6.
367
BEM, Baltasar P. de. Geografia Médica no Rio Grande do Sul. Tese. Livraria do Globo, Porto Alegre, 1905,
p. 89. - AHBFM
368
SILVA, J. Athayde da. Propósito de alguns casos de lepra. These inaugural. Typografia de Carlos Echenique.
Porto Alegre, 1915. - AHBFM
74

De passagem pelo Estado em 1918, Souza Araújo registrou que, ao desembarcar no

porto de Rio Grande, viu no cais um carregador leproso. Chegando à Santa Casa de

Misericórdia daquela cidade, o médico encontrou uma mineira, com Lepra mutilante,

internada há 7 anos. Entretanto, disseram-lhe que não sabiam o que a “preta” tinha. Havia

outros leprosos na cidade e foi informado sobre outros doentes residentes no interior. O

médico narra um caso de um leproso de Rio Pardo que esteve internado por 4 anos no

Hospital de Lázaros do Rio de Janeiro, o qual abandonou por não ter encontrado melhoras

para seu estado. Desesperado com a doença, o homem submeteu-se por sua “livre e

espontânea” vontade à mordedura de uma cascavel no consultório de um cirurgião daquela

cidade, 24 horas depois de mordido pela cobra, após sofrimentos atrozes, o homem faleceu.369

Enviar doentes para o Rio de Janeiro, ao que parece, era uma medida tomada por

alguns Estados. A Capital Federal possuía o “Hospitais de Lázaros” desde o século XVIII,

mantido, primeiramente, pela caridade e, na década de 20, assumido pelos poderes públicos.

A maioria dos doentes internados naquela cidade, segundo Clementino Fraga, diretor do

Departamento Nacional de Saúde (1926 – 1930), provinham de Estados vizinhos, muitas

vezes sem autorização das autoridades sanitárias. Para solucionar o problema, sugeria o

médico, o governo deveria obrigar os Estados a desenvolverem políticas de combate à Lepra,

como construir Leprosários para evitar o trânsito de doentes pelo território nacional.

Souza Araújo também discordava da opinião geral dos membros da Sociedade

Brasileira de Dermatologia de que o Rio Grande do Sul estava livre do “grande flagelo

nacional.” O fato da Lepra existir em menores proporções nos Estados do Sul, não era

argumento, segundo o médico, para não se tomar medidas de defesa, não iniciar a profilaxia

no Estado.370

369
SOUZA ARAÚJO. Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. cit. p. p. 351-352.
370
Idem. p. 352.
75

A reduzida presença de leprosos registrada no Estado, até o começo dos anos 20, e o

conseqüente descaso com a moléstia podem ser atribuídos, entre outros fatores, à dificuldade

de diagnosticar a doença na sua fase inicial e mesmo em fases adiantadas, como o exemplo,

citado por Souza Araújo, da mineira internada há 7 anos na Santa Casa.

Os índices de mortalidade provocados pela doença não eram base para calcular a

população de doentes existente, pela própria natureza da moléstia, crônica e de baixa

letalidade, as causas mortis ocorriam por doenças intercorrentes. Se comparada, por exemplo,

à tuberculose, que em um ano chegava a matar 2.257 pessoas no Estado, no mesmo período a

Lepra vitimava apenas cinco, número praticamente insignificante.371 A Lepra sequer era

doença de notificação compulsória no Estado, as autoridades sanitárias não ficavam obrigadas

a comunicar o eventual aparecimento de casos.372

Segundo Beatriz Weber (1999), as doenças que preocupavam os governos gaúchos,

de 1895 até 1928, eram praticamente as mesmas: difteria, peste bubônica, febre tifóide,

varíola, varicela, sífilis, tuberculose.373 A Lepra despertava a atenção dos poderes públicos

pela ausência de um isolamento para os doentes. Alguns partiam para a Capital em busca de

tratamento:

Condenamos anúncios de tratamento, curas, etc. de lepra publicados em


folhas da Capital, sem primeiramente a existência de um isolamento, de um
leprosário. Acontece que, com tais anúncios, doentes de tão terrível mal,
ansiosos, procuram a cura do mesmo, vindo do interior do Estado, colônias,
quer por via férrea, quer por via marítima, sem família, procuram
hospedagem em habitações coletivas, hotéis, pensões, etc. Os mesmos
anúncios que se publicam na capital, isto é, anúncios sobre o mesmo assunto,
são também publicados em jornais da região colonial, proclamando curas e
sanatórios para estes enfermos.374

371
Relatório apresentado ao Presidente do Estado pela Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Exterior
em 4 de setembro de 1922. Oficinas Graphicas d’ A Federação, Vol. 1, 1922. (RSENIE) -AHRS
372
A notificação da Lepra foi estabelecida pelo dec. 3.471 de 12 de maio de 1925. RSENIE, em 01 de agosto de
1926. Oficinas Graphicas d’ A Federação, 1926, p. 417. -AHRS
373
WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: Medicina, Religião, Magia e Positivismo na República Rio-
Grandense, 1889-1928. Santa Maria: Ed. UFSM, Bauru: Ed. EDUSC, 1999. p. 62-63.
374
RSENIE, em 24 de agosto de 1925. Officinas Graphicas d’ A Federação, 1925, p. 327 - AHRS
76

O problema da Lepra tinha chamado alguma atenção dos poderes públicos,

provavelmente em função destes doentes que acorriam à Capital. No interior, vivendo

dispersos, muitos passavam despercebidos, exceto em cidades como Santa Cruz do Sul, onde

era denunciada a presença de muitos casos.375 Foi desta cidade que partiu a iniciativa de

construir um Leprosário no Estado.

Diante da ausência de ações do Estado para combater a Lepra, na data comemorativa

do centenário da colonização alemã no Rio Grande do Sul (1924), o “Volksverein” lançou em

Santa Cruz a idéia da construção de um Leprosário.376 Através da fundação da “Sociedade

Pró-Leprosário Rio-Grandense” seriam arrecadados fundos para a construção de um hospital

tipo colônia-agrícola para abrigar os doentes da Lepra, que, segundo o Rev. Pe. J. Rick, um

dos idealizadores do projeto e secretário da “Volksverein”, castigava muitos colonos alemães

no Estado, sobretudo naquele município.377

Esta Sociedade procurou mobilizar os poderes públicos estaduais para a “causa”.

Uma das primeiras medidas tomadas pela Sociedade foi mostrar os planos da construção do

Leprosário ao Major Alberto Bins (então deputado estadual), que parece ter sido o

intermediário da negociação para conseguir apoio do governo do Estado.378

Em consonância com a legislação federal do DNSP, Borges de Medeiros autorizou

que fossem tomadas providências para “entravar a disseminação do mal”. O governador

375
RSENIE, em 4 de setembro de 1922,. Oficinas Graphicas d’ A Federação, 1922, p. 64. - AHRS
376
A Sociedade União Popular, o “Volksverein” era uma das mais importantes organizações associativas das
comunidades teuto-brasileiras do sul do Brasil. Criada pelas lideranças católicas, leigas e religiosas, tinha por
objetivos: promover o bem-estar material e espiritual dos católicos de origem alemã; abrir novas fronteiras de
colonização; desenvolver iniciativas de natureza assistencial e de beneficência; promover escolas e educação,
etc. RAMBO, Arthur B. A Sociedade União Popular. In: Perspectiva Econômica, vol. 27, nº79, Série
Cooperativismo, nº32, 1992, p. 31-56.
377
Kolonie (Jornal de Santa Cruz do Sul), s.d. (possivelmente entre os anos de 1924-25) Biblioteca do Colégio
Mauá. Santa Cruz do Sul. Tradução livre de Roberto Steinhaus. Encontramos ainda referência em: Crônica das
irmãs Asilo Colônia Itapuã. 1940, p.1 CEDOPE/HCI. Outras referências em: SOUZA ARAÚJO, Heraclides
César de. História da Lepra no Brasil. Vol. 3, Op. Cit. p. 595. CUNHA, Ana Zoé Schilling da. Hanseníase: a
história de um problema de saúde pública. Série Conhecimento 1. Teses e Dissertações. Santa Cruz do Sul:
EDUNISC, 2000.
378
O Major Bins foi nomeado presidente de honra da Sociedade em retribuição ao apoio. Crônica de Asilo
Colônia Itapuã em Porto Alegre, p.1. MANGEON, Gilberto. MENDES, Pessoa. A Profilaxia da Lepra no Rio
Grande do Sul. Op. Cit. p. 01.
77

encarregou a Diretoria de Higiene de indicar as medidas julgadas indispensáveis para iniciar a

campanha profilática no Estado. Além da notificação compulsória, a Diretoria aconselhou o

isolamento obrigatório de todos os doentes, a centralização de todo o trabalho de combate, a

criação de uma Leprosaria tipo colônia-agrícola e de um regulamento sanitário para a

Lepra.379

O Estado iria amparar, “moral e financeiramente”, a construção do Leprosário,

“coadjuvando” a iniciativa da Sociedade Pró-Leprosário, para o governo isso seria uma

questão de honra.380 Entretanto, o isolamento não seria obrigatório, estender-se-ia aos

leprosos que o quisessem.381 Duas questões podem ser levantadas a partir desta posição dos

poderes públicos frente à Lepra. A primeira, de que a doença era considerada um problema

quase exclusivamente social, entregue à caridade, não fazendo parte nem da agenda médica,

nem dos interesses dos serviços públicos. O Estado aparece como “coadjuvante” da iniciativa

da Sociedade, auxilia, porém não toma para si a responsabilidade.382

Uma outra questão refere-se ao tratamento e isolamento destinado aos doentes que o

“queiram”, ou seja, o Estado não iria obrigar o isolamento de todos os doentes como queria a

Diretoria. A posição adotada pelo governo positivista de “não intervenção” nas questões

privadas – como o tratamento das doenças, ainda mais no caso da Lepra, que não figurava

entre as epidemias – deixava a critério do enfermo submeter-se ou não ao isolamento.

379
RSENIE, em 1 de agosto de 1926. Oficinas Graphicas d’ A Federação, 1926, p. 416. Ofício 345 de
29/04/1925. AHRS
380
Kolonie (Jornal de Santa Cruz do Sul), s.d. (possivelmente entre os anos de 1924-25) Tradução livre de
Roberto Steinhaus.
381
Mensagem enviada à Assembléia dos Representantes do Rio Grande do Sul pelo Presidente do Estado
Antônio Augusto Borges de Medeiros, na sessão ordinária da 10ª Legislatura, em 23 de setembro de 1926, p. 11-
12.- BALRGS
382
A administração estadual, em relação à saúde pública, voltava-se principalmente para o saneamento das
cidades e à assistência pública – casos de emergência – os serviços de saúde durante boa parte da década de 1920
não eram responsabilidade do governo. WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar. Op. Cit. p. 54-60. Em
relação à Lepra a iniciativa partir da sociedade sempre foi regra, vide estudos de Souza Araújo sobre a Lepra no
Brasil. SOUZA ARAÚJO, Heraclides Cesar de. História da Lepra no Brasil, vol. 1 e 3. Op. Cit.
78

A solução do problema da Lepra, bem como as demais ações sanitárias no Rio

Grande do Sul, também barrava na ineficiente organização existente. Vamos nos ater um

pouco nesta questão.

Até 1929 – em conformidade com a legislação federal em vigor desde a Constituição

de 1891, a qual delegava autonomia regional às questões de Saúde – a organização sanitária

que vigia no Rio Grande do Sul era regida pelos Regulamentos do Serviço de Higiene de

1895 e da Diretoria de Higiene de 1907, conforme Beatriz Weber (1999):

Ambos se referem à organização dos serviços sanitários do Estado, devendo


atender a todas as questões relativas à higiene, moléstias endêmicas,
epidêmicas e transmissíveis, condições sanitárias da população e das
habitações coletivas. Também compreendem a organização de socorros de
assistência pública em casos de moléstias contagiosas que se podiam tornar
epidêmicas, a fiscalização dos trabalhos de utilidade pública (distribuição de
águas, cemitérios, remoção de imundícies e outras obras de saúde pública) e
a organização da estatística demógrafo-sanitária.383

O regulamento de 1907, conforme analisa a autora, apresentava uma maior adaptação

à perspectiva positivista adotada no Estado após a proclamação da República, que entendia

que não era atribuição dos poderes públicos regulamentar a Medicina, as casas de cura e as

práticas de saúde, interferir nas habitações e nas decisões particulares sobre o uso ou não da

vacina. O Estado não deveria intervir em assuntos privados, apenas em casos extremos de

doenças contagiosas.384

Embora contagiosa, a Lepra não podia ser considerada um “caso extremo”. Prova era

o baixo índice de mortalidade atribuído à moléstia. A justificativa de ameaça social garantia

ações repressivas do Estado, como as práticas de isolamento e de desinfecções. Entretanto, a

perspectiva positivista de não-intervenção parece não ter sido contraditória com o isolamento

promovido pelos poderes públicos em casos de doenças contagiosas.385

383
WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar. Op. Cit. p. 50.
384
Idem p. 53.
385
GARCIA, Paulo César Estaitt. Doenças contagiosas e hospitais de isolamento em Porto Alegre – 1889/1928.
(Dissertação de Mestrado) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002, p 164.
79

Este aparente paradoxo pode ser compreendido devido a apropriação das idéias

positivistas, que embora servindo de ideologia para o Partido Republicano Rio-Grandense –

no caso da medicina traduzida em “não intervenção” – não eram uma doutrina homogênea,

permitindo diversas apropriações de acordo com os interesses que estivessem em questão.386

Desse modo, como analisa Beatriz Weber, também foi possível combinar no Brasil

perspectivas aparentemente incompatíveis como o positivismo, que acreditava no progresso

da humanidade, e a eugenia, leitura radical da teoria evolucionista, que preconizava a

degenerescência racial e social caso não houvesse um controle rigoroso das procriações.387

As pressões para a intervenção dos poderes públicos nas questões de saúde, iniciadas

com a criação do Departamento Nacional de Saúde, no Rio Grande do Sul, estiveram

condicionadas à interpretação dos governos locais para o que era ou não objeto passível de

ingerência do Estado. Perspectiva que foi modificando-se sobremaneira ao final dos anos 20

com a ascensão de Vargas ao governo. A mudança em relação à saúde no Estado, como

destaca Beatriz Weber (1999), insere-se num contexto da “regeneração da república” (aspas

da autora), onde mesclam-se discursos eugênicos – a formação de uma raça brasileira, e

discursos nacionalistas – a necessidade de inserir o Brasil na “civilização” e nos caminhos do

progresso.

Neste sentido, em 1929 foi proposta uma reorganização dos serviços sanitários no

Estado visando uma maior intervenção do governo nas questões de saúde pública. A higiene

(encargo dos municípios) e a saúde pública ficariam sob única direção de uma Repartição

Central. Seriam instaladas Delegacias nos municípios para cumprir o programa que consistia

em: zelar pela saúde da população, combater as endemias reinantes (entre elas a Lepra),

386
Sobre a difusão e apropriação do positivismo no Brasil e especialmente no Rio Grande do Sul ver: BOEIRA,
Nelson. O Rio Grande de Augusto Comte. In: RS: Cultura e Ideologia (org.) José Dacanal e Sergius Gonzaga.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. CARVALHO, José Murilo de. O positivismo brasileiro e a importação de
idéias. In: Revisitando o Positivismo. Cleusa Maria Gomes Graebin e Elisabete Leal (orgs.) Canoas: La Salle.
1998.
387
WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar. Op. Cit. p. 69.
80

promover a defesa sanitária, combater as epidemias, fiscalizar as condições de higiene e o

exercício da medicina (ainda não regulamentada no Estado).388

A conjuntura político-econômica de 30 não contribui para execução das medidas

previstas pela reforma.389 Entre elas, a construção de um Leprosário tipo colônia-agrícola.

Neste caso, outros fatores como a escolha do local dificultaram ainda mais a execução do

projeto.

388
Para não ferir as autonomias municipais, o Estado firmaria convênios com os municípios para a execução dos
serviços de higiene. Além das referidas Repartição Central e Delegacias, a nova organização contaria com
Inspetorias, Centros e Postos de Saúde, os Institutos de Higiene e Instituto Pauster e o Curso de Higiene e Saúde
Pública. Nos Centros de Saúde da Capital (no interior as Delegacias agiriam como Centros) ficavam os
Dispensários e sob a direção da Delegacia Central de Porto Alegre ficava o Hospital de Isolamento do Estado.
No ano de 1929 oito municípios firmaram convênios com o Estado. In: Revista dos Cursos da faculdade de
Medicina de Porto Alegre; “Organização Sanitária do Brasil e reforma dos Serviços Sanitários do Rio Grande do
Sul” por Fernando de Freitas e Castro, Ano XIX, n. 19, 1933. Officinas Graphicas de Livraria do Comercio. –
AHBFM.
389
O programa foi aprovado pelo I Congresso das Municipalidades. Os municípios iriam contribuir com 3% de
suas receitas para a execução dos serviços pelas Delegacias. Entretanto, até 1935, das 80 Delegacias planejadas,
tinham sido instaladas apenas 11, o que permite relativizar o alcance das reformas. Relatório apresentado ao
Exmo. Sr. Dr. Getúlio D. Vargas, Presidente da República, pelo Interventor Federal Gal. Flores da Cunha, em 15
de abril de 1935. Oficinas Graficas Livraria do Globo, 1935, POA, p, 34 - AHRS
81

2.2 Um local para o mal: polêmicas e controvérsias

Em um contexto onde as questões sanitárias eram gradativamente assumidas pelos

poderes públicos, não foi muito difícil para a Sociedade Pró-Leprosário conseguir o apoio do

Estado para sua “causa”. Ainda mais porque a Lepra vinha sendo discutida nos foros

nacionais e internacionais especializados, onde eram cobrados dos poderes públicos medidas

de combate à doença.

A maior dificuldade encontrada para a instalação do Leprosário esteve em convencer

as populações vizinhas dos locais examinados, que o estabelecimento não oferecia risco de

contágio. Esse foi o primeiro problema que o combate à Lepra no Estado teve que enfrentar.

Vamos examinar os locais “escolhidos” e acompanhar quais implicações geraram.

Nas discussões acerca do lugar estão inscritas questões como os desentendimentos entre os

médicos da Faculdade de Medicina e a Diretoria de Higiene e questões mais profundas como

as representações sociais sobre a doença e o doente.

Antes de “adentrarmos” pelos locais, algumas considerações são importantes. Em

primeiro lugar, precisamos entender que um Leprosário não era um hospital comum. Nele os

doentes iriam ser isolados por tempo indeterminado, enquanto representassem perigo à

população. Por isso, além de locais “seguros”, contando com uma distância suficiente para

manter o isolamento, mas não muito, para não dar idéia de degredo, os Leprosários deveriam

ser espaçosos, para abrigar tantos doentes quanto fossem necessários. Nestes

estabelecimentos, os doentes deveriam desenvolver atividades em benefício próprio e da

sociedade.
82

Nova Camalduli foi o primeiro local oficialmente visitado.390 (vide n.º 1 no mapa

anexo) Situada no segundo distrito de São Francisco de Paula, município bastante atingido

pela Lepra, a idéia de instalar ali o Leprosário foi descartada após vistoria realizada pelo Dr.

Fernando de Freitas e Castro. O terreno, segundo o médico, não oferecia condições por ser

muito acidentado, situado a 950 metros de altitude, com uma área de 62 hectares de difícil

acesso e clima inconveniente.391

Poucos dias depois, o Estado ofereceu como alternativa a Ilha de Francisco Manoel

(vide n.º 2 no mapa). Acompanhado pelo Dr. José Flores, o Dr. Fernando de Freitas e Castro

foi inspecionar o local. Em seu parecer, concluiu que a Ilha, apesar de um pouco afastada da

terra e de acesso “mais ou menos difícil” em dias de temporal, se prestava para a construção

de uma pequena Leprosaria. O governo do Estado enviou um ofício determinando que a

Diretoria de Higiene e a Associação Pró-Leprosário entrassem em entendimento. Mas antes,

desejava ouvir a opinião da Sociedade de Medicina de Porto Alegre.392

Na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, o tema da Lepra vinha sendo pouco

debatido.393 Na sessão do dia 03 de setembro de 1926, na Sociedade de Medicina, Dr. Heitor

Annes Dias levou aos colegas o desejo do governo de ouvir a Sociedade sobre a escolha

definitiva do local para ser construído um Leprosário no Estado. No ofício era solicitado que a

Sociedade nomeasse uma comissão “com a máxima urgência”, para conjuntamente com a

Diretoria de Higiene escolher o local.394

390
A primeira possibilidade foi erguer a construção entre Santa Cruz e Soledade (na época faziam divisa), o
município estava disposto a dar de presente 10 colônias para a Sociedade. O local não oferecia condições, área
muito “ingrata”, cheia de cerros, não poderia ser ocupado por um leprosário, justificou a Sociedade para
descartar o local, que não chegou a ser visitado oficialmente. Kolonie (Jornal de Santa Cruz do Sul), s.d.
(possivelmente entre os anos de 1924-25) Tradução livre de Roberto Steinhaus.
391
RSENIE, em 1 de agosto de 1926, Oficinas Graphicas d’ A Federação, 1926, p. 417 - AHRS
392
RSENIE, em 1 de agosto de 1926, Oficinas Graphicas d’ A Federação, 1926, p. 417 e RSENIE, em 24 de
agosto de 1927, Oficinas Graphicas d’ A Federação, 1927, p. 354. -AHRS
393
Durante a década de 20, a Lepra foi tema de pouco destaque na Faculdade de Medicina de Porto Alegre. De
1898 até 1930 apenas três teses foram defendidas versando sobre o assunto: J. Athayde (1915), Sarmento Barata
(1923), Basil Sefton (1927) Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Teses e Dissertações, vol. II, Catálogo
1898-1987, Porto Alegre: Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFRGS, 1988.
394
ARM, ano V, n. 2, outubro de 1926, p. 59. Foram nomeados para compor a comissão os Drs. Guerra
Blessmann, Sarmento Leite, Ulysses Nonohay e Hugo Ribeiro Pinto - AHBFM
83

Para atender o pedido do governo sobre a consulta da escolha do local, os médicos

encomendaram ao colega Dr. Von Bassewitz um estudo sobre a doença no Rio Grande do Sul.

No relatório, o médico denunciava a falta de dados estatísticos sobre a Lepra, dizia conhecer

no Estado 116 doentes, que foram por ele examinados, não acreditava na fácil

transmissibilidade da doença e era confiante na possibilidade de cura. Sobre a profilaxia no

Rio Grande do Sul, sentenciava que esta não existia, reduzida a internação compulsória de

“meia dúzia de morféticos vagabundos no Hospital de Isolamento.”Defendia o isolamento de

todos os doentes como forma de evitar a transmissão da doença.395

O parecer da comissão foi de que, embora concordassem com os membros da

Sociedade Pró-Leprosário, a Ilha se prestaria para a instalação do Leprosário, julgavam que

mais próprio seria um local de fácil acesso, mais próximo às regiões onde houvesse o maior

número de “lázaros”.396 A Ilha em apreciação tinha uma área de terra pequena de 21 hectares,

de propriedade do Estado, localizada ao sul de Porto Alegre, distante aproximadamente 5

horas da cidade (de acordo com a velocidade compatível com os barcos do começo do século

XX). Desde o final do século XIX a Diretoria de Higiene do Estado esteve às voltas com a

Ilha, onde foi instalado um posto de desinfecção para a realização de quarentenas dos

suspeitos de doenças contagiosas, possivelmente também tenha sido instalado nesta Ilha um

lazareto.397

A profilaxia da Lepra estabelecia o isolamento como forma de combater a

propagação da doença. O “fetichismo da Ilha” – expressão usada pelo Dr. Maya Faillace –

395
ARM, ano VI, out. nov. dez. nos. 10, 11, 12, 1927, p.p. 01-12. Observe a contradição: doença difícil de ser
transmitida versus necessidade de isolar todos os doentes, presente no estudo apresentado pelo médico
demonstra que o isolamento obedecia antes a uma prática tradicional que propriamente científica, pois se a
doença era pouco contagiosa, porque isolar todos o doentes? - AHBFM
396
RSENIE, em 24 de agosto de 1927. Officinas Graphicas d’A Federação, 1927, p. 534. - AHRS
397
GARCIA, Paulo César Estaitt. Doenças contagiosas e hospitais de isolamento...Op. cit. p. 137-142. O termo
Lazareto surgiu no século XV designando um tipo do Hospital para isolar pessoas suspeitas de peste bubônica, o
termo também passou a designar, de modo retroativo, as gafarias e os dispensários para os doentes de lepra. Os
leprosários serviram de modelo para os lazaretos, porém cada um preservou suas características, os primeiros se
ocupariam de uma classe de enfermos, os lazaretos eram associados a quarentenas para moléstias contagiosas em
geral. ANTUNES, José Leopoldo Ferreira. Hospital. Instituição e História Social. São Paulo: Editora Letras &
Letras, 1991, p. 86-87.
84

sempre rondou os meios médicos envolvidos com as discussões sobre os locais para erguer

Leprosarias. A Ilha Grande mesmo, no Rio de Janeiro, foi cogitada para abrigar a grande

Leprosaria Nacional. Muitos leprólogos, como o próprio Souza Araújo, a princípio eram

partidários do isolamento em Ilhas, sugeriam que somente se estas não “dessem conta”

deviam ser instaladas leprosarias terrestres, obedecendo a uma distância mínima de 6 Km

dos centros populosos: “de preferência à margem dum rio, o isolamento poderia ser feito por

meio de cercas duplas de arame farpado, de valos profundos ou aléas de cactus ou de

bambu.” 398

O isolamento em Ilhas segregaria completamente o doente, medida que foi tornando-

se desaconselhada pela profilaxia (Conferência de Estrasburgo 1923). Emílio Ribas, pioneiro

na campanha contra a Lepra em São Paulo, era contrário ao isolamento em Ilhas:

O melhor é não indicar ilha alguma, porque todas elas, mesmo as de fácil
acesso, mostrarão aos doentes a intencional idéia de prisão, dificultando por
isso a profilaxia. O degredo deve ser absolutamente condenado, porque
representa uma perseguição ao leproso e um perigo para a saúde pública.
Uma perseguição, por ser completamente desnecessário diante dos
conhecimentos atuais sobre a lepra, e um perigo constante para a sociedade,
por causa da inevitável disseminação dos focos ocultos.399

Prevendo que o caminho para a construção do Leprosário seria longo, a Diretoria de

Higiene mandou que fossem adaptados dois pavilhões do Hospital de Isolamento do Estado

“para neles serem recolhidos os doentes indigentes”. A adaptação consistiu em colocar tela

de arame nas janelas e portas para evitar insetos hematófagos. Durante 1926 foram recolhidos

àquele Hospital 9 doentes.400

Antes da retomada das inspeções dos lugares para a instalação do Leprosário, a

preocupação manifestada pelos poderes públicos era de que as populações vizinhas aos locais

398
SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. cit. 191-192.
399
FAILLACE, J. Maya. Do Conceito Atual de Profilaxia...Op. Cit. p. 150.
400
RSENIE, em 24 de agosto de 1927. Officinas Graphicas d’A Federação, 1927, p. 1927, p. 534. - AHRS
85

planejados, temendo o contágio, representassem empecilho ao projeto.401 Preocupação

legítima como mostrariam os anos que se seguiram. Como expressava Maya Faillace:

As numerosas dificuldades surgidas sempre que se tem cogitado da escolha


de local apropriado para o projetado “Leprosário Rio-Grandense” reflete
expressivamente o terror irreprimível que a lepra ainda inspira na
imaginação popular. Demostram também ser este problema um dos mais
árduos obstáculos a vencer na organização da luta racional contra a mesma
doença, sobre cuja origem, curabilidade e contágio ainda perduram aqui e
alhures, as mais contraditórias opiniões e preconceitos.402

As dificuldades, quando se tratava da instalação de um Leprosário, fizeram parte da

trajetória do combate à doença em muitos Estados. No Pará, a instalação de “Lazarópolis do

Prata” despertou uma “batalha” que chegou às instâncias federais, além do medo do contágio,

temiam – sociedade, Igreja, deputados –a mácula que um Leprosário traria ao Estado.403Aqui

é interessante fazer uma ressalva, no período que antecedeu a Campanha (estes protestos

referem-se principalmente à década de 20) a construção de um Leprosário significava algo

negativo para os Estados, pois admitiriam que a doença representava um problema sanitário,

perspectiva que vai modificar-se radicalmente nos anos 30, quando temos a ação da

Campanha contra a doença, onde o Leprosário não mais significa atraso, mas sinal de

progresso e de modernidade, visto que representa uma forma de controle sobre a

doença/doente. Na Bahia, a justificativa para tentar impugnar a construção de um Leprosário

esteve por conta do medo que o estabelecimento fosse prejudicar o futuro abastecimento de

água da Capital.404 Este medo que o Leprosário inspirava na população era mais uma razão

para que o isolamento em Ilhas, embora contra indicado pela profilaxia, fosse tão aclamado

pela sociedade. A esperança era de que a Ilha pudesse manter os doentes e a doença afastados,

determinando um espaço geográfico para a Lepra.

401
RSENIE, em 24 de agosto de 1927. Officinas Graphicas d’A Federação, 1927, p. XXV. - AHRS
402
FAILLACE, J. Maya. Do Conceito atual de Profilaxia. Op. Cit. p.141.
403
SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. Lazarópolis do Prata. Op. Cit. p.p. 25-50.
404
AGRÍCOLA, Ernani. Campanha Nacional contra a Lepra. Op. Cit. p. 121
86

A comissão designada pela Sociedade de Medicina permanecia hesitante em

descartar por completo a possibilidade da Ilha, mesmo que isto significasse a impossibilidade

de acomodação de todos os doentes calculados (em torno do 500) no Estado e também a

dificuldade do acesso dos médicos ao local, que afinal não poderiam agir como durante os

primeiros anos de Molokai, abandonando os doentes na Ilha à própria sorte.405

Diante da titubeante situação, o governo do Estado ofereceu novo local para a

instalação do Leprosário. Linha Pinheiral foi o terceiro local considerado (vide n.º 3 no

mapa). Situado no 2º distrito do município de Rio Pardo, na divisa com os municípios de

Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires. Vistoriado pela Diretoria de Higiene, o local era de fácil

acesso, apesar de “convenientemente” isolado, clima favorável, não apresentando nenhum

inconveniente para os doentes nem prejuízo para a população vizinha “que além de escassa

esta muito afastada”, podendo ainda contar com os recursos da cidade de Santa Cruz “em

caso de absoluta necessidade”. Tão logo descobriram o projeto, os moradores de Rio Pardo,

seguidos pelos de Santa Cruz, levantaram-se contra a indicação. O Relatório da Secretaria do

Interior e Exterior indicava que de nada havia servido a “prudência da Diretoria”, os

protestos causavam embaraços à realização da Campanha.406 Será que esta “prudência” seria

“discrição” quanto às intenções?

Outra vez o governo do Estado quis ouvir a Sociedade de Medicina. Em 1928 foi

nomeada uma nova comissão de médicos com a “missão” de estudar a instalação do

Leprosário na Linha Pinheiral. Ao que parece, a Sociedade demorou para fazer a avaliação, o

que resultou em críticas por parte da Diretoria de Higiene, que condenou a demora como

prejudicial à solução do problema da Lepra.407

405
TRONCA, Ítalo. As Máscaras do Medo. Op. Cit. p. 67. Molokai era uma “ilha-leprosário” no Havaí para
onde os doentes eram mandados ficando ao completo abandono.
406
RSENIE, em 25 de agosto de 1928, vol. I, Officinas Graphicas d’A Federação, 1928, p.81. - AHRS
407
SENIE, caixa 4, documentação avulsa. Processo de 1/6/28.- AHRS
87

A Sociedade Médica não reprovou o terreno, entretanto, sugeria um local com não

menos de 600 hectares (maior que a área do terreno em questão) e julgava ainda que estas

instalações poderiam ser localizadas nas proximidades da Capital, conforme ofício enviado ao

Presidente (governador) do Estado em 19 de junho daquele ano.408

Três dias depois, o relator do parecer, Dr. Ulysses Nonohay, em discurso apresentado

na sessão da Sociedade, reverenciou a iniciativa da Sociedade Pró-Leprosário, chamando

atenção para a necessidade do Estado solucionar o problema e mencionou a dificuldade da

escolha do local:

Todos nós [referindo-se a Sociedade de Medicina] o lemos [referindo-se ao


parecer], bem como o memorial ilustrado do colega Dr. Pedro Borba
[intendente de Rio Pardo (...) da mesma forma embora não julguemos que a
proximidade de uma colônia de leprosos traga possibilidade de contágio, não
podemos ocultar que é muito difícil vencer a ignorância e vencer um pavor,
embora injustificado, e que traria durante muito tempo a suspensão das
atividades daqueles numerosos agricultores, que fazem uma das maiores
riquezas do município.409

Até que ponto a intercessão do “colega e intendente” de Rio Pardo influenciou a

posição da comissão em relação ao parecer sobre o local torna-se difícil julgar, mas podemos

levantar a questão, pois quando da redação do parecer, os médicos já tinham conhecimento

dos protestos.

Embora as posições da Diretoria de Higiene e da Sociedade de Medicina não fossem

antagônicas, ambas queriam solucionar o problema da Lepra, havia uma questão de

prioridades. Para a Diretoria, que respondia no Estado pela saúde pública, a imediata

instalação de um Leprosário solucionaria o problema da Lepra. Para a Sociedade de Medicina,

embora o combate à Lepra pudesse vir a ser um espaço de visibilidade e de atuação da

categoria, a construção de um Hospital de Clínicas era considerado mais importante do que

408
ARM, ano VII, agosto e setembro, 1928, n. 8 e 9, p. 3. - AHBFM
409
Idem, p. 5
88

um Leprosário, conforme indica uma discussão que se seguiu na sessão da Sociedade de

Medicina, de 3 de julho de 1931.

Nesta sessão, foi discutido a destinação do dinheiro arrecadado entre a população do

Estado pela campanha denominada “Mil Réis Ouro pela Pátria”. O Dr. Freitas e Castro,

diretor da Higiene do Estado, defendeu o emprego do dinheiro na construção imediata do

Leprosário: “300 e tantos contos do ‘mil réis ouro’ e quase 300 que possua a Sociedade

Leprosário Rio-Grandense, podia-se adiantar muito a construção da leprosaria, orçada em

cerca de mil contos”. Sua proposta não foi aceita por um grupo de médicos que defendiam

que o dinheiro deveria ser aplicado na construção imediata de um Hospital de Clínicas, idéia

unanimemente aprovada pela Sociedade.410 Entretanto, a solução do problema da Lepra era a

preocupação mais premente do Estado, os médicos teriam que esperar para ter seus interesses

atendidos.

Dois outros terrenos foram “oferecidos” pelos proprietários para a construção do

Leprosário, o primeiro junto à povoação de Itapuã (não consta no mapa), o outro, denominado

Fazenda do Pontal (vide n.º 4 no mapa), na margem da Lagoa dos Patos. A inspeção de ambos

foi feita pela Diretoria de Higiene que se manifestou contrária à instalação do Leprosário nos

terrenos apresentados. O local próximo à Itapuã, segundo a Diretoria de Higiene, contava de

uma faixa de terra apertada, entre o Guaíba e uma estrada de rodagem, de área exígua e

alagadiça, não oferecia possibilidade de oferecer “zona de defesa” – distância necessária para

o isolamento. A Fazenda do Pontal foi considerada de difícil acesso, com área pequena e

terras impróprias para a agricultura, demasiado isolado e inóspito, “incidindo no defeito de

dar impressão de degredo aos doentes.” 411

Estes dois locais, possivelmente por terem sido descartados em absoluto pela

Diretoria de Higiene, não foram apresentados para a avaliação da Faculdade de Medicina,

410
ARM, ano X, nº 1, agosto de 1931, p.p.31. AHBFM. Discussão apresentada no Correio do Povo, Ano
XXXVII, nº 156 de 05/7/31, p. 12. Museu da Comunicação Hipólito José da Costa - MCSHJC
411
FAILLACE, J. Maya. Do Conceito Atual de Profilaxia. Op. Cit. p. 143.
89

convocada para opinar apenas sobre os locais “possíveis” de instalar um Leprosário. Do

mesmo modo, a Ilha do Curral (vide n.º 5 no mapa), situada no rio Jacuí, apresentada pelo

Rotary Club, mostrou-se completamente imprópria, não indo a julgamento “das autoridades

competentes”.412

Em busca de uma opinião pública favorável, a instalação do Leprosário começou a

ganhar visibilidade na imprensa escrita ao longo dos anos 30. Assim manifestava-se um

médico:

A consecução de um estabelecimento apropriado e capaz de barrar a


expansão do mal que simboliza a ira de um monstro (...) os que combatem
pela implementação de uma muralha que divida para todo o sempre a
humanidade em duas partes: de um lado o leprosário, mansão talvez do
infortúnio, da desgraça, do desconhecido, da destruição, do horrível e do
tétrico – e do outro lado a contínua luta pela existência, a incessante
renovação dos costumes pelo progresso da civilização, o domínio da saúde
(...).413

Os doentes, embora excluídos do meio social, pela determinação de um lugar próprio

(o Leprosário), também deveriam ser integrados pela inclusão deste lugar de isolamento na

dinâmica do espaço urbano, o Leprosário deveria ser próximo a algum centro. A tensão

pairava nos limites entre exclusão/inclusão. A instalação do Leprosário nas proximidades da

Capital permitiria essa exclusão do doente e ao mesmo tempo a inclusão do espaço, o doente

passaria a viver neste local isolado, mas esse local seria “incorporado” pela dinâmica urbana.

Além da facilidade de transporte, o Leprosário perto de Porto Alegre permitiria uma

“instrução especial” aos alunos da Faculdade de Medicina.414 Porém, um dos obstáculos

enfrentados para a concretização deste projeto ficava por conta dos preços excessivos dos

412
Idem. p. 146. Em determinado momento o Rotary se envolve na construção do Leprosário, esta participação
merece ser melhor explorada, porém foge dos objetivos deste trabalho.
413
Correio do Povo, Ano XXXVII, nº.169, 21/7/31: Mal de Hansen: Dr. Maximiliano Cauduro (especial para o
Correio) p. 3. - MCSHJC
414
ARM, nos. 8 e 9, agosto e setembro de 1928, p. 2.- AHBFM
90

terrenos e da dificuldade de adquiri-los de um grande número de proprietários, conforme

relatava a Diretoria de Higiene.415

Em 1933, um novo local foi apresentado para a instalação do Leprosário: o Instituto

de Zootecnia e Experimental de Agricultura da Universidade Técnica de Viamão (vide n.º 6

no mapa). O terreno, pertencente ao Estado, foi demoradamente examinado pela Diretoria de

Higiene e pela Faculdade de Medicina.416 O Dr. Maya Faillace, médico da Diretoria, que

despontaria no cenário científico gaúcho durante os anos 30 como um dos nomes mais

envolvidos nas questões referentes à Lepra, procedeu um minucioso exame do local.

A área onde situava-se o terreno era localizada a mais de 3 Km além de Viamão,

distante 26 Km da Capital e ocupava 460 hectares. Os dois institutos, de Zootecnia e o

Experimental de Agricultura, possuíam vários edifícios construídos, de material e de madeira,

água canalizada, fossas biológicas, energia elétrica, terras próprias para agricultura. Pela

extensa área, topografia favorável, distância suficiente das localidades mais próximas, eram

fatores que permitiriam estabelecer “adequada e segura” zona de proteção. O local parecia

adaptar-se perfeitamente à instalação do Leprosário.417

Entretanto, mais uma vez os protestos das populações vizinhas se fizeram sentir

através de um memorial enviado pelos moradores de Viamão ao governo estadual. Os

signatários do protesto alegavam que a estrada geral, partindo de Porto Alegre e atravessando

a vila de Viamão, cortava os terrenos em que se acham os estabelecimentos em apreço,

colocando inevitavelmente a população saudável em contato com os doentes internados.

Outro argumento alertava para o risco da contaminação das águas do arroio Vigário, pois este,

cruzando os terrenos, desaguaria no Guaíba, que serve no abastecimento dos moradores de

Gravataí e de Porto Alegre. A distância de 3.000 metros de Viamão viria a prejudicar o

415
RSENIE, em 25 de agoato de 1928, p. 81. - AHRS
416
A Faculdade nomeou uma terceira comissão para dar um parecer sobre o local. Composta pelos médicos
Martins Gomes, Tomaz Mariante, Valdemar Castro e Pereira Filho. ARM, ano XII, nos. 8, 9,10 (out/dez.), 1933,
p.509. - AHBFM
417
FAILLACE, Maya. Do conceito atual de Profilaxia. Op. Cit. p 147-148.
91

desenvolvimento desta Vila, afugentando não só os veranistas, como os próprios habitantes.

Aconselhavam, portanto, que o local adequado para a construção deveria ser num ponto

distanciado das populações e de difícil acesso, uma ilha.418

Outros locais escolhidos já haviam enfrentado protestos, entretanto, desta vez o

governo parecia estar disposto a levar adiante a instalação do Leprosário. A Diretoria de

Higiene opinou que a instalação do Leprosário não traria perigo nenhum àquela população, a

sessão dos doentes ficaria completamente localizada na parte central do terreno, distante 500

metros da estrada geral, seria construída uma zona neutra entre a estrada e esta sessão, o que

evitaria o contato entre os doentes e as pessoas sadias. Por precaução, os leprosos

febricitantes ficariam isolados em pavilhões protegidos contra mosquitos. Quanto à

contaminação das águas, julgava infundada, devido a distância entre o terreno e as localidades

vizinhas.419

Na sessão do dia 15 de setembro de 1933, foi discutido, pela Sociedade de Medicina,

o parecer encomendado ao engenheiro sanitário Antônio Siqueira e ao bacteriologista

Waldemar de Barros, parecer que pautaria a resposta da comissão da Faculdade à consulta do

Secretário da Fazenda do Estado sobre a instalação do Leprosário. Antes de iniciar a leitura

do relatório, o Dr. Leônidas, presidente da sessão, pediu aos colegas “que resolvessem o

assunto com calma e isenções de ânimo”. As conclusões do parecer eram de que o imóvel e

sua localização “não satisfaziam” as finalidades senão depois de passarem por grandes

modificações. As condições sanitárias do local necessitavam de obras dispendiosas para que o

Leprosário viesse a ter condições técnicas perfeitas, somente com estas obras de saneamento

não haveria perigo de contágio às populações vizinhas.420

Talvez tenham sido os gastos previstos para a adaptação do local para instalar o

leprosário que tenham feito o governo desistir do projeto, pois mesmo sob protestos pediu que

418
Idem. p.147.
419
FAILLACE, Maya. Do Conceito Atual de Profilaxia. Op. Cit. p. 149-151.
420
ARM, ano XII, nos. 8,9,10, out.-dez., 1933, p. 510. - AHBFM
92

a Secretaria da Fazenda avaliasse os gastos. De qualquer modo, a questão se enrolou por mais

3 anos até que um novo terreno fosse apresentado para o Leprosário.

Depois de tantas tentativas frustradas (as quais fizemos questão de descrever), o

governo do Estado adquiriu, sem muito “alarme”, um terreno nas proximidades de Viamão.

Em 1936, foi autorizada a liberação de 450:000$000 (quatrocentos e cinqüenta contos de

réis) para a compra de um terreno de 3 mil hectares em Itapuã para a construção do Hospital-

Colônia.421 A fazenda “Santa Clara”, antigo “Potreiro Grande e das Pombas”, com área de

2.991 hectares de campo e de mato, servida da Lagoa Negra de um lado e uma estrada de

rodagem de outro, situada no 4º distrito de Viamão, distante 67 Km da Capital, iria abrigar o

futuro Hospital-Colônia Itapuã.422

Entre as informações que levantamos da tramitação da compra e venda do terreno,

apuramos que o Dr. Ernani Agrícola, diretor dos Serviços Sanitários do Ministério da

Educação e Saúde Pública (Mesp), esteve na Capital e visitou o local em apreço, o terreno foi

colocado à disposição pelo Estado ao governo federal, responsável pelo plano nacional de

combate à Lepra.423 A escolha do terreno foi orientada pelas “autoridades sanitárias” locais,

com a ajuda do Dr. Theófilo de Almeida, diretor do Leprosário de Curupaity do Rio de

Janeiro. Parece ter havido consenso na escolha, embora o terreno fosse muito afastado em

relação ao que prescrevia a profilaxia, entretanto, não podiam desperdiçar um terreno

“oferecido” pelo proprietário.424

Na Assembléia Legislativa a idéia foi bem recebida, como foi publicado no jornal “A

Federação”, os deputados discutiram questões relacionadas à Lepra, como os números da

421
Lei n º 575 de 01/4/36, publicada em; Leis, Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
Oficina Gráfica da Imprensa Oficial, Porto Alegre, vol. 36, 1941. - BALRGS
422
Cartório de Registros de Imóveis e títulos e Documentos, Viamão. Fls. 102, do livro 3-G, no. 1.867.
CEDOPE/HCI.
423
Pequena nota no jornal sobre a vinda de Ernani Agrícola ao Estado. A Federação, ano LIII, no. 170, 29/7/36,
p.3. - MCSHJC
424
A Federação, Ano LIII, no. 172, 31/7/36, p.6 - MCSHJC
93

doença e a ausência de um censo “confiável”, entretanto, saudaram os poderes públicos e os

demais envolvidos na campanha pela construção do Leprosário.425

Mesmo antes da efetivação da compra, o mesmo jornal da Capital anunciava que o

problema da Lepra no Rio Grande do Sul teria “finalmente sua solução radical e definitiva”.

A aquisição do terreno por Flores da Cunha e a imediata construção do Leprosário Itapuã,

dentro de pouco tempo, poderiam isolar “toda a população afetada do mal”, calculada em

torno de 1000 no Estado.426

425
A Federação, Ano LIII, nº. 172, 31/7/36, p.6 - MCSHJC
426
Idem nº. 66, 19/03/1936, p.01 - MCSHJC
94

Figura 09: Pontos examinados para localização do Leprosário. In: FAILLACE, J. Maya. Do conceito
atual de profilaxia da Lepra.
95

2.3 Doentes em busca de cura

Enquanto discutiam a escolha do local, como a Nau dos loucos descrita por Foucault,

os doentes de Lepra aportavam em Porto Alegre oriundos de várias partes do Estado.427 Ao

chegar na Capital, quando vinham de outros municípios, os doentes eram acolhidos pela Santa

Casa de Misericórdia. Em várias cidades brasileiras as Santas Casas, desde o século XIX,

fundavam ou mantinham Asilos para leprosos.428 Não era o caso da instituição de Porto

Alegre, que sequer possuía um isolamento especial, acolhia os doentes de Lepra somente até a

confirmação do diagnóstico.429 Segundo os relatórios dos provedores, passaram pela Santa

Casa de 1919 até 1950 um total de 137 casos de Lepra.430

Procurando seguir o rastro destes doentes, buscamos informações nos livros de

registro das enfermarias de isolamento, enfermarias de sífilis (doença com a qual a Lepra era

por vezes confundida) e de moléstias tropicais, encontramos 48 casos que deram entrada com

o diagnóstico Lepra, entre os anos de 1920 a 1947. A dificuldade do diagnóstico pode ser

constatada através destes registros, dos 48 diagnósticos pairava incerteza sobre 12 deles (ou

seja, ¼), ao lado do nome Lepra era colocado um ponto de interrogação (?). Entre os doentes,

encontravam-se agricultores, operários, domésticas, um comerciante, uma professora, uma

lavadeira.431

427
FOUCAULT, Michel. História da Loucura....Op. Cit. Cap. 1. Na “Nau dos Loucos” seriam barcos que
levavam uma “carga insana de uma cidade para outra”.
428
MAURANO, Flávio. Tratado de Leprologia. Op. Cit. p.118-119. Destaca a atuação de várias Instituições no
país.
429
O pio estabelecimento reivindicava a construção de um pavilhão de isolamento para observação dos suspeitos
de doenças contagiosas, construção que foi efetivada em 1922, conforme Relatórios da Santa Casa de
Misericórdia de POA. Officinas Graphicas d’A Federação, Porto Alegre. 1922, apresentado pelo Cel. Antenor
Barcellos de Amorim (vice-provedor) p. 05. Centro de Documentação e Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia
de Porto Alegre. CEDOP/SCMPA. Para saber mais sobre o funcionamento da Instituição ver: WEBER, Beatriz
Teixeira. As Artes de Curar... Op. cit. Capítulo 3.
430
Relatórios da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre de 1919-1921 até 1950, apresentados pelos
provedores. Officinas Graphicas d’ A Federação, Porto Alegre e Oficinas Gráficas da Livraria do Globo. -
CEDOP/SCMPA
431
Livro de Registro de enfermos: Santa Casa. Consultamos os registros de entrada de pacientes nas salas de
isolamento, na sala de isolamento das moléstias infecto-contagiosas, enfermaria de sífilis e moléstias de pele,
clínica de moléstias tropicais, enfermarias de homens e de mulheres.- CEDOP/SCMPA
96

A Santa Casa era um lugar de passagem para os doentes de Lepra, cujo destino era o

retorno para suas localidades de origem. Nos registros das enfermarias encontramos a saída

destes doentes de Lepra, através das “altas a pedido”. Essas altas podem ser lidas de duas

formas, ou o doente, ciente de sua situação e diante do pouco que a instituição poderia fazer

por ele (lembremo-nos que não era conhecida cura), realmente pedia para ir embora, ou a

instituição, não dispondo de isolamento, mandava estes doentes para casa. Com a adaptação

de dois pavilhões do Hospital de Isolamento do Estado, em 1926, os doentes começaram a ser

transferidos para lá.432

Foi o que aconteceu em 1926 com pai e filho atacados de Lepra, vindos de Caxias, e

com um outro doente vindo do Paraná. A Santa Casa não aceitou recebê-los, tendo a Diretoria

de Higiene os encaminhado ao Hospital de Isolamento do Estado. Dias depois foram enviados

de volta aos seus locais de origem, conduzidos por um funcionário da higiene num vagão de

trem especial separado dos demais.433

O Hospital de Isolamento São José (ou Hospital de Isolamento do Estado)

funcionava desde 1908 no Rio Grande do Sul, tendo sido construído com a finalidade de

isolar os doentes acometidos por varíola, sucessivamente abrigou doentes de varicela, de

alastrim, de sarampo, de tuberculose, de peste, entre outras moléstias. Situado no Arraial do

São José, na estrada do Mato Grosso (atual Av. Bento Gonçalves, Bairro Partenon), o

Hospital mantinha uma “distância considerável” da cidade por isolar doenças infecto-

contagiosas.434

O tipo de isolamento sugerido para a Lepra não seguia o mesmo padrão do indicado

para outras doenças contagiosas, que compreendiam surtos mais ou menos longos. A

cronicidade da Lepra exigia um bom tempo de internação, quiçá toda uma vida, dado o

limitado horizonte terapêutico da época. O isolamento do São José, neste sentido, era algo

432
RSENIE, Em 24 de agosto de 1927, p. 534. Officinas Graphicas d’A Federação, 1927. - AHRS
433
RSENIE. Em 1 de agosto de 1926, p.417-418. Officinas Graphicas d’A Federação, 1926.- AHRS
434
GARCIA, Paulo César Estaitt. Doenças Contagiosas e hospitais de isolamento...Op. cit. p.150-163.
97

paliativo, apenas “esconderia” o problema do centro da cidade enquanto não fossem tomadas

medidas “definitivas” para o controle da doença.

No período de isolamento, os doentes recebiam injeções intra-musculares de

Antileprol, medicamento à base de chalmoogra, planta terapêutica mais utilizada na época.

Alguns apresentavam melhoras, outros chegavam ao Hospital em fase adiantada da doença,

dificultando o tratamento. Encontramos uma referência de um doente que chegou ao Hospital

cego, pouco restando em termos de tratamento, sendo recolhido por estar em total

desamparo.435

O tratamento era, por diversas vezes, abandonado pelos doentes ou feito com

irregularidade, provavelmente nos primeiros sintomas de melhora (ou na ausência completa

de melhora) os doentes abandonavam o Hospital. Entretanto, os médicos consideravam

positiva a simples passagem pelo internamento, que poderia significar alguns dias de cuidado

e de repouso, mesmo que acomodados de forma provisória, em dois pavilhões de madeira que

de adaptação possuíam apenas telas nas janela e nas portas.436

Se a situação dos doentes que acorriam à Capital era precária, a situação dos que

ficavam no interior não deixava nada a desejar. Em algumas localidades (desconhecemos as

referências exatas) o tratamento com medicamentos de chalmoogra, fornecido pela Saúde

Pública não chegava, obrigando os doentes a se submeterem aos “tratamentos” disponíveis.

O Dr. Von Bassewitz, dermatologista em Alegrete e Santa Vitória do Palmar, relatou

que empregava o ferro de engomar nos doentes, de acordo com a técnica desenvolvida por

Unna. Reconhecia que o tratamento era bastante doloroso, entretanto, dizia ser muito útil,

aquecia o ferro de engomar e passava por cima dos lepromas (nódulos), protegidos por

camadas de flanela para evitar queimaduras, o calor irradiado, em conjunto com a pressão

435
RSENIE, em 25 de agosto de 1928, vol. 1, p.82. Officinas Graphicas d’A Federação, 1928.- AHRS
436
FAILLACE, J. Maya. Do Conceito Atual de Profilaxia. Op. Cit. p. 85-86.
98

exercida pelo instrumento, fazia com que os nódulos volumosos desaparecessem.437 O

desaparecimento dos sintomas não significava em absoluto a cura, no entanto, era o resultado

esperado por ambos, pelos doentes para evitar o estigma,438 pelos médicos como um sinal da

possibilidade de agir sobre a doença.

Se diagnosticar a Lepra em sua fase latente, ou seja, onde os sintomas ainda não

haviam se manifestado, era tarefa difícil até mesmo para os profissionais – os sintomas inicias

geralmente eram a coriza (secreção nasal), as manchas ou os nódulos insensíveis na pele e a

presença de bacilos na mucosa nasal, que não necessariamente estavam presentes em todos os

infectados439 – para os doentes, mais difícil ainda. Podemos supor que a Lepra convertia-se

num problema, provavelmente na fase adiantada, quando tornava-se mutilante ou quando os

sinais apareciam em regiões do corpo muito notadas, como no rosto.440

Conforme estudo de Lenita Claro (1995), a idéia de doença, especialmente para as

camadas populares, está associada de um modo geral a distúrbios no estado geral do indivíduo

que dificultem o uso habitual do corpo, por exemplo, para o trabalho e para as atividades

cotidianas. Nesse caso, uma simples mancha na pele – um dos sintomas mais característicos

da Lepra – dificilmente causavam maiores preocupações. 441

Imputar a demora na procura de tratamento ao medo do diagnóstico e do preconceito

derivado de tal – que sem dúvida existia – seria limitar muito a questão. A Lepra em suas

fases iniciais, possivelmente, nem despertava a atenção daqueles que sofriam seus sintomas.

437
ARM, ano VI, out. nov. dez. nos. 10, 11,12, 1927, p. 09.- AHBFM
438
Goffman define estigma como um sinal exterior que inabilita o sujeito para a aceitação social plena. Estigma
seria um atributo profundamente depreciativo, que comprometeria a identidade social do sujeito. Os estigmas
podem ser classificados em três tipos: 1) os do corpo (deformidades físicas), 2) as culpas de caráter individual
(prisão, vício...) 3) os estigmas grupais (raça, religião, nação). A Lepra estigma está diretamente associada a
estes atributos negativos que comprometem a identidade social, seja ela percebida por sinais físicos (1), seja
sentida através da culpa (2) que pode também ser revestida em “auto-estigma”. No caso da lepra, a própria
doença se transforma em estigma. GOFFMAN, Erving. Estigma. Notas sobre a manipulação da identidade
deteriorada. 4ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988, p.13-14.
439
ARM, ano XII, no. 5, julho de 1934, p. 227-235. - AHBFM
440
CLARO, Lenita B. Lorena. Hanseníase....Cita um estudo de um autor sobre a Lepra na China. Para a
população a calamidade era o aparecimento da doença onde os sinais não podiam ser escondidos, gerando
inevitavelmente a segregação social. p. 21 e 90.
441
CLARO, Lenita B. Lorena. Hanseníase. Op. Cit. p. 41. Ver: BOLANTSKI. L. As classes sociais e o corpo.
Rio de Janeiro: Graal, 1984.
99

Mais tarde, a demora na busca do diagnóstico também podia ser atribuída ao medo do

tratamento, que consistia na segregação.

Alguns casos eram descobertos acidentalmente. Ao fazer uma consulta comum o

indivíduo se via diante do diagnóstico de Lepra. O Dr. Mário Bernd foi procurado em seu

consultório ginecológico por uma moça de 24 anos, ao examiná-la pensou que se tratava de

sífilis, fez os exames, não era sífilis. Poderia ser Lepra, pensou o médico. Ao fazer uma

“anamnese” da paciente descobriu que ela provinha de São Sebastião do Caí, região muito

afetada pela Lepra, ao indagá-la sobre a doença, a moça confessou que havia trabalhado

muitos anos na casa de leprosos. O médico diagnosticou a doença e apresentou uma

comunicação à Faculdade de Medicina na qual destacava a importância do médico clínico

conhecer a Lepra, pois muitas vezes era este profissional o primeiro a topar com a doença. A

paciente não voltou ao consultório do médico, que relatou tê-la visto nos bondes da cidade e

ter descoberto que ela trabalhava no “Café João Pessoa” onde foi procurá-la, não encontrando

vestígio da doente, ameaçou o dono da “espelunca” com as penalidades do código

sanitário.442

Havia doentes em praticamente todos os municípios. Os dois primeiros censos

oficiais realizados no Estado, o primeiro em 1923 pelo Serviço de Profilaxia de Lepra e

Doenças Venéreas e o segundo realizado pela Diretoria de Higiene em 1926, apontavam,

respectivamente, 164 e 102 doentes, assim distribuídos:

442
ARM, ano XII, nº. 4, junho de 1933, p.181-186. - AHBFM
100

Serviço Profilaxia Diretoria de Higiene do


MUNICÍPIOS Lepra e Doenças Venéreas Estado
Ano de 1923 Ano de 1926
Alegrete 2 0
Antonio Prado 3 2
Bagé 0 2
Bom Jesus 16 3
Cachoeira 9 10
Cangussú 1 9
Caxias 4 0
Cruz Alta 3 0
Dom Pedrito 4 0
Encruzilhada 1 1
Estrela 0 3
Gravataí 3 0
Guaporé 1 0
Itaqui 2 3
Lagoa Vermelha 0 1
Montenegro 2 0
Nova Trento 0 Uma família
Novo Hamburgo 1 0
Palmeira 8 0
Passo Fundo 3 0
Pelotas 6 0
Pinheiro Machado 0 14
Piratini 2 0
Porto Alegre 27 18 (55 em 1928)
Quarai 1 0
Rio Grande 4 0
Santa Cruz 12 8
101

Serviço Profilaxia Diretoria de Higiene do


MUNICÍPIOS Lepra e Doenças Venéreas Estado
Ano de 1923 Ano de 1926
Santa Maria 4 0
Santo Antônio 1 5
São Borja 4 0
São Francisco de Assis 0 Duas famílias
São Francisco de Paula 23 0
São Gabriel 1 0
São Jerônimo 2 0
São João do Camaquam 0 1
São Leopoldo 3 2
São Sebastião do Caí 2 2
Soledade 1 0
Taquara 0 1
Taquari 1 0
Triunfo 2 0
Uruguaiana 3 3
Vacaria 2 20
Venâncio Aires 0 2
TOTAL 164 TOTAL APROX 102
Tabela 01 – Número de doentes por município.
Retirado do livro: FAILLACE, J, Maya. Do conceito Atual de Profilaxia da Lepra.

Os números, como podemos constatar, variavam bastante, podendo significar desde a

ausência de uma sistematização do censo até a migração destes doentes, que saiam de suas

cidades em busca de cura ou para escapar da vigilância sanitária.

Em 1929, a Diretoria de Higiene já calculava em 500 o número de doentes do

Estado, embora não soubesse ao certo “por falta de elementos necessários”.443 Em 1930, a

443
RESNIE, em 28 de agosto de 1929, vol. 1, p. 220. Officinas Graphicas d’ A Federação, 1929.- AHRS
102

informação era que o número de doentes não era maior que seiscentos.444 As estatísticas não

pararam de subir e, dentro de poucos anos, os doentes passariam a ser contados aos milhares.

Desde que a Lepra havia se tornado uma doença de notificação compulsória, a Diretoria de

Higiene do Estado vinha recebendo denúncias, em 1924:02; 1925:02; 1926:12; 1927:26;

1928:14; 1929:20; 1930:15; 1931:23; 1932:20; 1933:12; 1934:15; 1935:20. 445

Até o final dos anos 30, o Rio Grande do Sul não ainda não possuía nenhum censo

organizado, conforme Maya Faillace, médico assistente da Diretoria de Higiene, era preciso

contar mais com as observações pessoais para calcular o número de doentes do que com as

informações dos censos da Diretoria, cujas Delegacias – instaladas em alguns municípios –

não tinham serviços especializados para realizar um censo metódico e científico dos leprosos

existentes no Estado.446

Nem todos os doentes buscavam a Capital naturalmente, aqueles que o faziam, na

maioria das vezes, eram recusados pelos Hospitais. Chegavam “fonogramas” de Caxias, de

Guaporé, de Bento Gonçalves, ora solicitando auxílio das autoridades sanitárias estaduais, ora

enviando doentes para Porto Alegre; o Hospital de Isolamento, além de não possuir as

condições necessárias, não tinha capacidade para “recolher” todos os infectados pela

doença.447 Estes doentes, rejeitados pelos Hospitais sem ter a quem recorrer, acabavam

hospedando-se em pensões, em hotéis, em casas de parentes, provavelmente sendo os

responsáveis pelo “Desfile Macabro” que se referiam os médicos. A instalação de serviços

nos municípios, junto às Delegacias, visava exatamente manter os doentes longe da Capital.448

Entretanto, muitos doentes acorriam para a Capital na esperança de encontrar alento

para sua situação. Algum movimento deve ter gerado a promessa de cura preconizada por um

444
Mensagem do Presidente do Estado do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, em 20 de setembro de 1930, p 93.
University of Chicago: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u813/000001.html (23/12/02)
445
PRIMIO, Raul di. Algumas epidemias e endemias no Rio Grande do Sul. - ARM, Ano XV, no.3, março de
1936. - AHBFM
446
FAILLACE, J. Maya. Do Conceito Atual de Profilaxia. Op. Cit. p. 123.
447
SENIE, documentação avulsa, caixa 04, processo de 01/6/1928.- AHRS
448
FAILLACE, J. Maya. Do Conceito Atual de Profilaxia. Op. Cit. p. 126.
103

certo Max Rosenberg. O proponente escreveu de Livramento ao então Secretário do Interior,

Oswaldo Aranha, oferecendo seus serviços para curar casos de Lepra. Dizia ter atendido

inúmeros doentes no Estado e garantia ter curado 15 pessoas na Província de Corrientes, no

Uruguai. Pedia ao secretário que fossem indicados alguns doentes pela Saúde Pública para

que pudesse fazer uma demonstração. O pedido foi encaminhado pela Secretaria do Interior à

Diretoria, que embora colocasse em dúvida a habilidade do reclamante se dispôs a conferi-la,

desde que fossem expressos seus métodos e acompanhada por médicos daquela Diretoria. Os

doentes “cedidos” seriam os que se encontravam no Hospital de Isolamento.449

No interior, os casos aumentavam e as denúncias chegavam à Diretoria de Higiene.

No município de Santo Antônio da Patrulha foi comunicado pelo delegado de estatística, “em

caráter particular”, a existência de duas pessoas “acometidas de uma moléstia que consta ser

Lepra”. O primeiro caso denunciado tratava-se de um homem chamado Antônio, ferreiro de

profissão, que residia com a família “nos subúrbios” da Vila, a família também estava sob

suspeita de Lepra, sendo que a filha do ferreiro freqüentava o grupo escolar. O outro caso

tratava-se de uma anciã, viúva, vista “seguidamente de porta em porta a esmolar,

acariciando crianças em plena rua”. O delegado José Ramos concluía que seu espírito de

“patriotismo” impunha que ele realizasse essas denúncias.450

O médico auxiliar da Diretoria, Dr. Piaguaçú Correa, foi enviado à localidade para

apurar as denúncias, “sempre que surgem casos de lepra, esta Diretoria sente-se embaraçada

para resolver como há de isolá-los” – ressentiam-se.451 Examinando os casos denunciados, o

médico não encontrou no ferreiro e nem em sua família qualquer sinal de moléstia que

pudesse ser “incriminada” como Lepra. Quanto ao segundo caso, tratava-se mesmo de Lepra

449
SENIE, documentação avulsa, caixa 04. Processo de 09 de junho de 1928. - AHRS
450
SENIE, documentação avulsa, Caixa 04, Ofício enviado a Diretoria de Higiene pelo Delegado de estatística
de Santo Antônio da Patrulha em 27/4/1928. - AHRS
451
SENIE, documentação avulsa, Caixa 04. Ofício ao Secretário do Interior e Exterior do Diretor de Higiene em
24/5/1928.- AHRS
104

em fase bastante adiantada, com perdas de sensibilidade e mutilações. O Hospital de

Isolamento do Estado não tinha lugar para abrigar mais doentes, o médico pediu ao intendente

da cidade que procurasse conservar a “infeliz leprosa Rufina” isolada em sua moradia.452

Algumas considerações podem ser feitas a partir do exposto. O caráter “particular”

da denúncia podia estar associado às características estigmatizantes da Lepra, que concorriam

para que uma “acusação” deste tipo fosse considerada grave, portanto, devia ser mantida em

sigilo; seguindo, temos a primeira informação sobre os “suspeitos”, moradores dos

“subúrbios”. A informação localiza social e espacialmente estes indivíduos, ambos tratavam-

se de pessoas pobres. A suspeita que recaiu sobre o ferreiro se estendia a toda sua família,

sendo que sua filha, ao freqüentar os bancos “escolares”, estava colocando em risco “a

infância” do município. Do mesmo modo que a velha Rufina representava ameaça, pois,

“acariciava crianças em plena rua”. Perversidade “natural” ou ignorância? Confirmado o

diagnóstico de Rufina, o que teria provocado a denúncia do ferreiro Antônio? Algum sinal

físico? Destarte bem “incaracterístico”, porque parece não ter provocado muita dúvida ao

médico, quanto a negativa do diagnóstico.

Fica evidente, também, e este ponto gostaríamos de chamar atenção, que a Diretoria,

com seus 3 médicos – o diretor, o auxiliar e o assistente – pouco podia fazer pelos doentes.

Quando acionada, enviava médicos aos pontos denunciados para examinar os suspeitos e

prescrever o isolamento.

O médico Piguaçú, nesta mesma época, a serviço da Diretoria percorreu alguns

distritos rurais de dois municípios apontados “pela opinião pública” como sendo focos de

Lepra: Santa Cruz e Venâncio Aires. Em Santa Cruz identificou rapidamente 11 casos e após

inquérito constatou que havia falecido um ano antes 14 doentes vítimas da Lepra, 9 doentes

452
SENIE, documentação avulsa, Caixa 04. Parecer do Médico auxiliar Dr. Piaguaçú ao Diretor da Higiene em
exercício. Porto Alegre, 19/5/1928.- AHRS
105

no 2º distrito daquele município e 5 no 5º distrito, calculando, assim, 25 doentes existentes na

localidade no ano anterior. Em Venâncio identificou 8 casos.453

Dos casos observados nos dois municípios, o médico apontava alguma relação entre

eles, tratando-se na sua maioria de pessoas que conviveram entre si, no mesmo meio familiar

ou social, ou ainda que confessavam ter convivido com algum doente, constatação que nos

permite pensar que a Lepra talvez não inspirasse todo o pavor como costuma-se supor,

principalmente em uma comunidade onde ela, “teoricamente”, era bem conhecida. Dos casos

estudados pelo médico havia o de um sujeito condenado, que ao cumprir pena na cadeia de

Santa Cruz adquiriu Lepra; casos da doença em família; casos na vizinhança. Encontramos na

investigação o caso de uma mulher que havia sido enfermeira na Santa Casa de Porto Alegre

em uma época que trabalhava na Instituição um “porteiro leproso” (provavelmente o referido

na tese do médico J. Athayde), esta mulher freqüentava a casa de dois irmãos que se tornaram

também doentes.454

Quanto ao número de mortes provocadas pela doença, só em Santa Cruz

encontramos no relatório médico 14 durante 1927, podemos contrapor os dados oficiais da

Diretoria de Higiene do mesmo ano, que apontavam 2 casos de óbitos pela doença em todo o

Estado.455 A discrepância nos números pode estar relacionada à inexistência de uma

uniformização dos atestados de óbito, problema referido pela própria Diretoria, além disso,

como nunca é demais dizer, os doentes de Lepra geralmente morriam por outras doenças

intercorrentes.

Conhecer o número e onde estavam os doentes no Estado era o primeiro passo para a

profilaxia. Os Dispensários tinham o papel de realizar o inquérito epidemiológico.

Funcionavam em 1928, seis Dispensários ou Postos de Profilaxia da Lepra, nas seguintes

453
FAILLACE, J. Maya. Do Conceito Atual de Profilaxia. Op. Cit. p. 126-7.
454
Idem. p. 127-8.
455
RSENIE, em 25 de agosto de 1928, vol. II , p.67. Officinas Graphicas d’A Federação, 1928. - AHRS
106

localidades: Capital (Eduardo Rabelo), Taquara, São Jerônimo, Cachoeira, Cruz Alta e

Caxias. Com a reforma de 1929, pretendia-se estender os serviços a todos os municípios.456

Os anos de 1920 terminavam sinalizando alguma preocupação no Estado em relação

à Lepra, contudo, foi nos anos 30 que ações mais coordenadas e agressivas foram tomadas por

parte da Saúde Pública para debelar a moléstia.

456
SENIE, documentação avulsa, caixa 04; Informações solicitadas pela Secretaria ao Dispensário Eduardo
Rabelo.- AHRS
107

2.4 Era chegado o momento. O combate à Lepra no Rio Grande do Sul

O cuidado com a Lepra, que por muito tempo esteve restrito às ações voluntárias da

caridade leiga ou religiosa, num dado momento tornou-se uma das principais pautas dos

meios médicos-científicos e, sobretudo, políticos. Primeiro, porque as ações voluntárias não

podiam mais dar conta do problema da Lepra, como vinham fazendo até então, através da

criação de alguns asilos e Hospitais para recolher os doentes; segundo, porque o Estado, com

o desenvolvimento dos aparatos públicos, podia intervir de forma mais sistemática na saúde

das populações através da criação de aparatos como o Departamento Nacional de Saúde,

Serviços de Profilaxia, Ministério.

As razões para este “volver-se” para a Lepra, como já foi referido ao longo do texto,

mas nunca é demais lembrar, estavam inseridas num contexto de expansão e de consolidação

dos poderes públicos republicanos, no qual o cuidado com a saúde ganhava relevância,

destarte a erradicação da Lepra (sinônimo de atraso) garantiria o lugar do país entre as

“nações civilizadas”.

Era chegado o momento do Rio Grande do Sul ingressar na Campanha Nacional que

teve início nos anos 30 em todo o país. A construção do Hospital Itapuã, que lançaria o Estado

na “Campanha Nacional”, foi retardada pela dificuldade da escolha do local e dos impasses

então advindos. A situação tornava-se urgente à medida que surgiam notícias de doentes em

todos os pontos do Estado. Os Hospitais comuns não ofereciam internamento aos acometidos

de Lepra. A Santa Casa não tinha um isolamento para acolhê-los. O Hospital de Isolamento

do Estado, que recebia alguns doentes, tinha capacidade limitada.

Como medida emergencial, em 1933, enquanto discutia-se a escolha do terreno para

construir o Leprosário, foi construído, por iniciativa filantrópica, um pavilhão anexo ao


108

Hospital de Isolamento São José e reformados outros dois para isolar os leprosos indigentes

que existiam na Capital.457

Vinha de muito tempo, a caridade encarregar-se dos cuidados com a Lepra. No

Brasil, muitos abrigos para doentes foram construídos e mantidos pela caridade, entretanto,

estava se delineando um outro tipo de filantropia que agiria em conjunto com os poderes

públicos. As senhoras que auxiliaram o médico na construção do pavilhão formariam, no ano

seguinte, a “Sociedade Rio-Grandense de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra”,

que com o apoio e o envolvimento dos médicos, dos políticos e da sociedade, impulsionariam

a Campanha no Estado.

Conforme destaca Massako Iyda (1994), a partir dos anos 30, dentro da estratégia

federal, de centralização do poder, a Saúde Pública passou a ocupar um maior espaço

institucional através da ampliação da esfera de atuação governamental. A atuação dos poderes

públicos, ao tomar a si os cuidados com a Lepra, historicamente tratados em caráter privado,

procuram não excluir, mas incorporar os sujeitos envolvidos, de alguma forma, com a

assistência aos doentes, procurando destinar-lhes recursos iniciais e estruturá-los em

organizações burocráticas mais complexas.458

Foi o que ocorreu com as “Sociedades Protetoras dos Lázaros”. Surgiram de forma

voluntária e foram aos poucos sendo burocratizadas através de estatutos e de criação de

cargos administrativos, como presidente, vice, secretários e tesoureiros. De promotoras,

passaram a coadjuvar as ações em prol do combate à Lepra. Reunidas em uma “Federação”,

finalmente, foram incorporadas ao Estado, mantendo, entretanto, seu caráter de associação

privada.

A própria “Sociedade Pró-Leprosário” acabou sucumbindo à “Sociedade Rio-

Grandense de Assistência aos Lázaros”, filiada à Federação de Assistência aos Lázaros e

457
MANGEON, Gilberto; MENDES, Pessoa. A Profilaxia da Lepra. Op. Cit. p. 81. CESOPE/HCI
458
IYDA, Massako. Cem anos de Saúde Pública. Op. Cit. p. 60-61.
109

Defesa Contra a Lepra. Enquanto os poderes públicos não acenavam soluções “definitivas”

para o combate à doença no Estado, o problema vinha ganhando visibilidade nos meios

médicos e, sobretudo, sociais.

Esta mesma Sociedade, que havia ajudado a angariar fundos para a construção do

pavilhão anexo ao Hospital de Isolamento do Estado em 1933, colaborou com a “campanha

relâmpago”, realizada em 1936 pelo Dr. Raul di Primio, para construir o “Hospital de

Emergência”, anexo ao mesmo Hospital de Isolamento, no bairro Partenon. No dia 22 de

janeiro de 1936, o jornal “A Federação” anunciava “Uma casa exclusivamente para os

Lázaros”. Na matéria, o periódico saudava a idéia do médico que, em “pouco mais de um

mês”, conseguiu doações suficientes para levantar o Hospital. Seria uma construção modesta,

de caráter emergencial, mas que obedecia “as modernas prescrições científicas.”459

As doações de material de construção foram conseguidas junto às firmas comerciais

da Capital. Com a arrecadação, foi possível construir dois pavilhões, com 20 leitos cada um,

um refeitório com pequena cozinha e despensa, um pavilhão de serviços médicos, uma

lavanderia, 3 residências particulares, uma capela e um forno de incineração de lixo.460

Na inauguração, que ocorreu no dia 21 de janeiro de 1936, na presença do Secretário

da Educação e Saúde Dr. Otelo Rocha, dos médicos Fábio Barreto e Fernando Castro,

respectivamente Diretor e Vice da Higiene, além de Gastão Engier, representante da

“Sociedade Pró-Leprosário” e demais convidados, foram entregues os prédios do Hospital.

Dois deles “batizados” com os nomes de “Luiza de Freitas Aranha” e “Carolina Annes Dias”,

em homenagem ao empenho destas “senhoras” no combate à Lepra.461

459
A Federação, ano LIII, nº.15, 22/01/36; p. 03. MCSHJC
460
MANGEON, Gilberto; MENDES, Pessoa. A Profilaxia da Lepra. Op. Cit. p.82.
461
A Federação, Ano LIII, nº. 15, p 3. MCSHJC
110

Aos poucos este Hospital de Emergência foi sendo ampliado para abrigar um maior

número de doentes. Além dos prédios já referidos, o estabelecimento ganhou mais um

pavilhão, cinco casas particulares, um armazém, dois chuveiros coletivos, dois jardins, um

deles “batizado” de “Raul di Primio” e uma horta. A capacidade de internamento do Hospital

era para cerca de 100 pacientes, distribuídos pelos 3 pavilhões; aos doentes com alguns

recursos era permitida a construção de casas particulares e para atender a estes doentes “mais

exigentes” foi instalado um pequeno armazém no Hospital, cuja moeda aceita não era o

dinheiro corrente, mas fichas com valor equivalente.462

O objetivo do Hospital de Emergência era isolar os doentes “que perambulavam”

pela Capital enquanto o Hospital para leprosos definitivo não estivesse pronto. Estes doentes,

que já vinham sendo recolhidos nos pavilhões de isolamento, a partir de então, contariam com

“dependências próprias”, não seriam tratados em enfermaria comum junto com outros

portadores de doenças infecto-contagiosas, como provavelmente vinha ocorrendo.

462
MANGEON, Gilberto; MENDES, Pessoa. A profilaxia da Lepra. Op. Cit. p.85. A inauguração das novas
construções, acompanhada por missa e homenagens, foi anunciada na A Federação, Ano LIII, nº. 163 de 20 de
julho de 1936, p.2.- MCSHJC
111

Figuras 10, 11 e 12: Hospital de Emergência para leprosos,


Porto Alegre, RS.In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de.
História da Lepra no Brasil. Vol.2. O período Republicano
(1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa
Nacional, 1948. Álbum das organizações anti-leprosas. Estampa
347.

Como funcionava a vida dentro deste Hospital nestes primeiros anos nos escapa

quase completamente, não foram deixados registros. Podemos imaginar que nos aproximados

1km², área ocupada pelas construções anexas ao Hospital de Isolamento do Estado, muitos

destinos foram marcados de forma indelével em função da doença, não apenas “indigentes”,

como era a idéia inicial do isolamento, mas famílias se internaram no Hospital.

A presença das Irmãs Franciscanas e a eventual ida de um capelão à Igrejinha,

erigida no pátio do estabelecimento, permite supor que eles tinham atividades religiosas

constantes; assim como realizavam pequenos trabalhos na horta e desenvolviam alguma

atividade esportiva, pois tinham cancha de bocha e campo de futebol. A maioria dos doentes,
112

provavelmente, era composta por pessoas pobres, para quem a caridade olhava em datas

festivas como o Natal, quando apareciam no Hospital “damas distintas” da sociedade para

levar aos doentes pequenos presentes, doces, roupas ou alimentos.463

O Hospital contava com um médico-chefe, um oftalmo-otorrinolaringologista, um

dentista, 2 enfermeiros sadios e 2 enfermeiros doentes, que com o auxílio das irmãs e de

outros doentes que exerciam pequenas atividades remuneradas, como copeiros, lavadeiras,

pedreiros ou jardineiros.464

Enquanto alguns doentes eram recolhidos no Hospital de Emergência, era lançada a

“pedra fundamental” do Leprosário de Itapuã. O local era “perfeito”, assinalavam os presentes

na cerimônia de lançamento da pedra, “de um lado altos cerros (...) do outro, uma grande

lagoa denominada Lagoa Negra”, ou seja, o isolamento seria completo, mesmo contrariando

as orientações internacionais de tirar dos Leprosários a idéia de degredo. Estimavam em 1.500

os doentes do Estado, a construção do Hospital “purgaria” o Rio Grande do Sul da “terrível

infecção”. Nas palavras de Flores da Cunha, governador do Estado:

Inaugurando esta obra não posso esconder minha satisfação, pois nutro o
desejo de consagrar os últimos anos de minha existência à prática do bem.
Eu não vejo outra prática melhor, qual seja a de erguer um leprosário. Isso
assinala perfeitamente a íntima comunhão que se estabeleceu aqui entre o
povo e o poder. O governo sente desejos de coletividade e vem
generosamente ao encontro das justas e elevadas aspirações populares.465

No discurso do governador elementos cristãos e políticos mesclam-se. De um lado,

solucionar o problema da Lepra era apresentado como uma prática do bem, de outro, uma

competência do Estado como catalisador das “vontades” populares. Além da construção do

Leprosário, a Campanha de combate à Lepra no Estado ganharia novo impulso com a criação,

463
Jornal do Estado, Ano II, nº. 321, p.02. - MCSHJC
464
MANGEON, Gilberto; MENDES, Pessoa. A profilaxia da Lepra. Op. Cit. p.86.
465
A Federação, ano LIII, no. 286, 17/12/36, p. 01.- MCSHJC
113

em 1938, do Departamento Estadual de Saúde (DES) em substituição à antiga Diretoria de

Higiene.466

Com a centralização política que passou a ocorrer no pós 30, com o apogeu durante o

Estado Novo, não apenas foram nomeados “interventores” para os Estados, a fim de garantir a

fidelidade política ao governo central, como “interventores” para a saúde. Em 1939, os

diretores de saúde ou assistentes de diretores em 13 Estados eram técnicos do Departamento

Nacional de Saúde.467 Para o cargo de Diretor da Saúde Pública no Estado foi nomeado o

técnico do Departamento Nacional de Saúde (DNS), o Dr. José Bonifácio Paranhos da Costa,

com a incumbência de executar esta remodelação na Saúde Pública, fazendo cumprir as

orientações do DNS.468

A reorganização dos Serviços Sanitários no Rio Grande do Sul correspondia às

transformações na Saúde Pública que vinham ocorrendo no país, com o objetivo de ampliar a

esfera de atuação estatal, através da burocratização e da racionalização dos serviços de saúde.

O DES ficou submetido à Secretaria da Educação e Saúde Pública,469 criada em 1935, e teria

por função coordenar, administrar e executar todas as atividades relacionadas à saúde pública

no Estado através de um sistema misto: órgãos centrais e distritais. Foram instalados Centros

de Saúde em Porto Alegre, no número de três, um em Rio Grande e um em Pelotas. Os Postos

de Higiene seriam instalados nos municípios (divididos em Postos de 1ª e 2ª Classe) com a

mesma função: executar os serviços distritais de Higiene e Saúde Pública, atendendo aos

problemas relacionados à higiene pré-natal, à criança, à higiene dentária, às doenças venéreas,

466
Decreto 7.481.de 14.09.38. - Jornal do Estado de 25.11.38. Ano II, Nº 296 - BALRGS
467
IYDA, Massako. Cem anos de Saúde Pública.Op. Cit. p. 58.
468
Jornal do Estado, Ano II, nº. 422, 02/5/39. - MCSHJC
469
As atividades de Educação e Saúde Pública submetidas à Secretaria dos Negócios do Interior e Exterior
(SENIE) passaram a ter uma Secretaria própria. Mensagem enviada à Assembléia Legislativa pelo Dr. Darcy
Azambuja.Secretário dos Negócios do Interior e Exterior, no exercício do cargo de governo do Estado em 1 de
julho de 1936. Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1936. p. 63.- AHRS
114

à tuberculose, à lepra, às doenças transmissíveis agudas, às endemias rurais, à higiene da

alimentação, do trabalho, à polícia sanitária e ao saneamento.470

Interessa-nos, particularmente, o que o regulamento do DES dizia sobre a Lepra.

A profilaxia da Lepra foi regulamentada em pouco mais de 20 artigos, seguindo mais

ou menos o “padrão” nacional: notificação obrigatória; isolamento compulsório; vigilância

sanitária; tratamento obrigatório; educação e propaganda sanitária e medidas complementares,

como a participação de associações privadas, sobretudo prestando auxílio junto aos filhos e às

famílias dos doentes internados. Pelo decreto, seriam considerados casos confirmados de

Lepra, pessoas que os exames de laboratório tenham sido positivos ou que, embora tivessem

resultados negativos em seus exames, apresentassem “sintomas característicos da

doença.”471

A organização da profilaxia da Lepra compreenderia, no Estado, uma Direção Geral,

que coordenaria dois grandes grupos: a Divisão Técnica, responsável pela propaganda, pela

educação sanitária e pelo recenseamento, estariam ligados a esta repartição os Dispensários

Central e os do interior, os Centros de Saúde, os Postos de Higiene, todos responsáveis pela

vigilância, pelos exames e pelo tratamento dos doentes; e a Divisão de Assistência Médico

Social, que, auxiliada pela cooperação privada (Sociedade de Assistência aos Lázaros e

Defesa contra a Lepra), ficaria responsável pelo isolamento dos doentes e pelo cuidado com

os filhos e as famílias dos doentes internados.472 Conforme a figura 13.

470
Secretaria da Educação e Saúde Pública. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Cel. Osvaldo Cordeiro de Farias,
Interventor Federal no Rio Grande do Sul, pelo Dr. J. P. Coelho de Souza, Secretário da Educação e Saúde
Pública, compreendendo o período administrativo de 21/10/37 a 31/12/39. Publicado em 1940, Officinas
Graphicas do Instituto Técnico Profissional. - AHRS
471
Decreto 7558 de 11.11.38. Jornal do Estado, 25.11.38, nº 296. - BALRGS
472
MANGEON, Gilberto. MENDES, Pessoa. A Profilaxia da Lepra. Op. Cit. p.p. 87-88.
115

Figura 13: Organização do Departamento Estadual de Saúde.


Arquivos do Departamento Estadual de Saúde, vol. 1, 1940.

Estava assim organizada a profilaxia no Estado. A nova organização buscava

oferecer uma “racionalidade técnica” aos serviços da Lepra, que amiúde, porém sem muita

sistematização, vinham sendo executados no Estado.


116

2.5 O “armamento anti-leprótico” no Estado

Os promotores da Campanha de combate à Lepra no Brasil usavam expressões como

“armamento anti-leprótico”, “peças basilares” ou “tripé” para se referirem ao aparato criado

para realizar a profilaxia da doença. O “armamento” era composto por Leprosário,

Dispensário e Preventório.

Delinearemos aqui algumas considerações sobre duas “peças basilares” do combate à

Lepra: o Dispensário e o Preventório. O Leprosário, “peça mais valorizada”, será tratado no

próximo capítulo. Os outros elementos que compunham a Campanha contra a Lepra no Rio

Grande do Sul – censo, vigilância, educação e propaganda sanitária – serão trazidos ao longo

do texto, inseridos no próprio desenvolver da Campanha.

2.5.1 O Dispensário

Em Porto Alegre funcionava, desde 1923, o Dispensário “Eduardo Rabelo” para

profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas, instalado pelo Departamento Nacional de Saúde

Pública (DNSP). Este Dispensário funcionou até o começo dos anos 30, não encontramos

registros de quando foi extinto. A ausência de referência ao tratamento da Lepra prestado pelo

Dispensário e o elevado número de atendimentos à sífilis fazem supor que este

estabelecimento ocupava-se basicamente desta doença.473

Em relação à Lepra, o Dispensário realizou parcamente um levantamento dos

doentes da Capital.474 A instalação de Dispensários ou de Postos de Profilaxia da Lepra nos

municípios, até o final dos anos 20, foi bastante limitada. O Rio Grande do Sul possuía

473
Mensagem enviada à Assembléia dos Representantes do Rio Grande do Sul pelo Presidente do Estado
Antônio Augusto Borges de Medeiros, na sessão ordinária da 10ª Legislatura, em 23 de setembro de 1926, p. .10.
- AHRS
474
FAILLACE, J. Maya. Do Conceito Atual de Profilaxia. Op. Cit. p.123.
117

Dispensários nas seguintes localidades: Capital (Eduardo Rabelo); Taquara; São Jerônimo;

Cachoeira; Cruz Alta e Caxias.475

Com a criação do Departamento Estadual de Saúde foi estabelecido na Capital um

Dispensário Central de Doenças da Pele, primeiramente instalado junto ao Centro de Saúde

n.º 2, enquanto não fosse construído o Centro de Saúde Modelo – que ficou pronto no ano

seguinte ao da criação do DES.476 Este Dispensário era responsável por examinar e

diagnosticar casos de Lepra, por encaminhar para o isolamento domiciliar ou hospitalar, pela

vigilância e pela educação sanitária.477 No interior, os Dispensários funcionariam anexos aos

Postos de Higiene, de modo que os doentes não precisassem procurar tratamento nas grandes

cidades, sobretudo na Capital.

A centralização dos serviços contra a Lepra em um único Dispensário na Capital

seria suficiente para atender os doentes, que na sua maioria seriam “drenados para a

Leprosaria de Itapuã”. Além do que, pensavam os responsáveis pela Saúde Pública, a

instalação de Dispensários “anti-lepróticos”, em diversos pontos da Capital, “atrairia

numerosos doentes do interior, e dada a impossibilidade de alojá-los todos (...)

contribuiríamos tão somente para pontilhar a cidade de novos focos infectantes.”478 Ou seja,

antes de atrair os doentes, era preciso ter como isolá-los.

Os Dispensários de Lepra herdaram um modelo adotado em relação à Tuberculose,

aliás, os modelos de combate às duas moléstias tiveram muitos pontos comuns: pautados nas

Conferências Internacionais, executados em Hospitais especiais estiveram preocupados com a

proteção aos filhos dos doentes, contaram com a participação de Sociedades Assistências,

475
Sobre o Dispensário Eduardo Rabelo – informações solicitadas por determinação do Secretário dos Negócios
do Interior e Exterior, 9/4/1928, SENIE, doc. avulsa, caixa 04 - AHRS
476
Jornal do Estado, ano II, num. 470, 28/6/39. Localizado na Avenida João Pessoa com a Euclides da Cunha.
MCSHJC
477
MANGEON, Gilberto. MENDES, Pessoa. A Profilaxia da Lepra. Op. Cit. p. 82-84.
478
Jornal do Estado, ano II, no. 165, p.5, 14/6/38 - MCSHJC
118

entre outros.479 Considerado uma conquista da profilaxia, o Dispensário teria papel

fundamental ao longo da Campanha.

2.5.2 O Preventório

À medida que os doentes fossem isolados, criava-se um outro problema para a

Campanha. Como aconteceu em todo o país, no Rio Grande do Sul não foi diferente. As

“damas da caridade” reunidas em torno da “Sociedade de Assistência aos Lázaros” se

empenharam em angariar fundos para a construção do Preventório “Amparo Santa Cruz”.480

Oficialmente, a Campanha movida pela Sociedade em prol das crianças começou em

maio de 1938. Neste mesmo mês foi lançada a pedra fundamental do Amparo Santa Cruz,

localizado em uma área de 25 hectares em Belém Velho, 6º distrito de Porto Alegre.481

Reunidas no salão do “Grande Hotel”, na Capital, as senhoras que compunham a

“Sociedade de Assistências aos Lázaros”, na presença das “companheiras”, Sras. América

Xavier e Olga Teixeira, representantes da Federação das Sociedades de Assistência aos

Lázaros, de visita ao Estado, delinearam o plano de ação da Sociedade. Divididas em

comissões, as senhoras – Cordeiro de Farias; Tostes; Loureiro da Silva; Barata; Barcellos; di

Primio; Pilla; Coelho de Souza; Ygartua; Freitas e Castro e Luizinha Vale Aranha (mãe de

Oswaldo Aranha), entre outras – iriam percorrer Palácios do Governo, secretarias, bancos,

ruas, colégios, etc., em busca de contribuições para sua causa.482

479
BERTOLLI FILHO, Cláudio. História Social da Tuberculose...Op. Cit.. Do mesmo modo o combate à Sífilis
estabeleceu organizações semelhantes. CARRARA, Sérgio. Tributo a Vênus. A Luta contra a Sífilis no Brasil,
da Passagem do Século aos Anos 40. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.
480
O Amparo Santa Cruz recebeu o nome em homenagem a cidade de Santa Cruz do Sul, onde havia sido
fundada a Sociedade Leprosário Rio-Grandense. O terreno onde foi edificado o Amparo possivelmente foi doado
por esta Sociedade, que havia adquirido um terreno alguns anos antes “em segredo” para a instalação da
Leprosaria. Crônica das irmãs, 1940, p. 1. - CEDOPE/HCI
481
Sobre o lançamento da Pedra Fundamental: Jornal do Estado, ano II, n. 141 de 16/5/38; n.142 de 17/5/38. -
MCSHJC
482
Jornal do Estado, ano II, n.143, 18/5/38, p.4.- MCSHJC
119

A “pequena cruzada”, como denominavam a ação da Sociedade no Estado, teve

apoio de médicos e de políticos, muitos dos quais tinham suas esposas ou mães envolvidas na

Campanha, como pudemos observar através dos sobrenomes das senhoras. O envolvimento

destes grupos, entretanto, não se limitava em apenas apoiar a Campanha em prol do Amparo.

Os médicos contribuíam com a “orientação técnica”, prescrevendo a necessidade do

isolamento das crianças e como deveria ser realizado. Os políticos, como foi a caso de

Cordeiro de Farias, realizavam uma Campanha junto aos prefeitos dos municípios para que

apoiassem a iniciativa de dar um lar ao filho são do lázaro.483

Durante o mês de maio, a imprensa da Capital divulgava diariamente o andamento

das atividades da Sociedade. As arrecadações obtidas pelas comissões de senhoras eram

recebidas com entusiasmo nas costumeiras reuniões que ocorriam no salão do “Grande

Hotel”. Em cada reunião, o grupo que apresentasse a maior quantia de arrecadação era

presenteado com uma “bandeira brasileira”.484

A filantropia das Sociedades de Assistência aos Lázaros, como destaca Leila Gomide

(1991), conjugava no seu discurso preceitos médico-científicos da época (com destaque para a

eugenia), o papel da mulher na sociedade e o nacionalismo485. Mais que um discurso de

caridade, o discurso das Sociedades se fez em torno das noções de raça, de pátria e de

família. A oferta de uma “bandeira brasileira”, símbolo máximo do país, a alguém/algum

grupo indicava que “relevantes” serviços estavam sendo prestados à pátria, neste caso à

“infância do país”.

Ao mesmo tempo que promovia a Campanha, a Sociedade reforçava os valores

sociais. A mulher era apresentada pela Campanha, “a guardiã da instituição familiar”, deveria
483
Jornal do Estado, ano II, n. 148, 24/5/38, p.6. (MCSHJC) No Rio Grande do Sul, além de médicos e de
políticos, alguns setores sociais apoiaram a campanha como escolas, grupos de escoteiros, Rotary e Lions
Clube, maçonaria. De modo geral, nos locais onde eram instaladas as Sociedades, elas congregavam em seus
quadros as elites sociais. GOMIDE, Leila Regina Scalia. Órfãos de pais vivos. A lepra e as instituições
preventoriais no Brasil: estigmas, preconceito e segregação. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo: 1991.
484
Jornal do Estado, ano II, n. 148, 24/5/38,p.6; n.151, 27/5/38, p.5. - MCSHJC
485
GOMIDE, Leila Regina Scalia. Órfãos de pais vivos. Op. Cit.
120

proteger não apenas a sua família, mas a família brasileira, a família do Lázaro. As

referências ao Preventório situam-no como “lar” dos pobrezinhos infelizes. Dona Luizinha

Aranha, que viria a dirigir Amparo, “mãe dedicada e cheia de carinho para aos pobrezinhos

sem pai e sem mãe”, Dr. Raul di Primio, “pai e amigo dedicado.”486

Entre as atividades promovidas pela Sociedade esteve a propaganda nas escolas, feita

através de “cartazes contendo desenhos e dizeres alusivos, facilmente acessíveis à

compreensão infantil sobre a Lepra,”487 e os “chás” em prol do Amparo. Estes “chás” logo se

tornariam um disputado evento social da Capital, devido ao destaque que recebiam na

imprensa, tendo os nomes e as fotos dos participantes estampados no Jornal do Estado, na

sessão “Vida Social”. O primeiro chá beneficente, bem ao gosto dos grã-finos, foi organizado

pela Exma. Sra. Avani Cordeiro de Farias, esposa do interventor, como uma “elegante e

altruística reunião.”488 Iniciaram em julho daquele ano e ocorriam diariamente os

concorridos chás, “verdadeiros acontecimentos sociais e caritativos”, recebiam “a alta

sociedade porto-alegrense,”489 nesse clima prosseguiam arrecadando dinheiro para construir

o Preventório, com capacidade prevista para mais de 100 crianças.

O Amparo deveria ficar pronto tão logo o Leprosário começasse a funcionar, pois os

doentes de Lepra quer estivessem internados no Hospital, quer estivessem isolados em

domicílio, teriam seus filhos recém nascidos retirados do seu convívio:

Os filhos de doente de lepra, logo após o nascimento, embora um só


dos progenitores seja doente, serão deles separados e mantidos até a
adolescência, quer em vigilância em domicílio, quer em preventórios
especiais que, quando localizados na área do estabelecimento, ficarão
anexos à zona de habitação das pessoas sãs, não podendo em caso
algum ser nutridos no seio de uma ama, nem amamentados pela
própria mãe, se esta estiver doente de lepra.490
486
Poliantéia Comemorativa ao 75º aniversário da chegada das Irmãs Franciscanas ao Rio Grande do Sul.1872 –
1947. Imprimitur, Porto Alegre, 21 de julho de 1947, p. 146.
487
Jornal do Estado, ano II, n.151, 27/5/38, p.5. O Colégio Paula Soares da Capital se ofereceu para receber um
“núcleo para o combate à Lepra”, conforme foi divulgado neste jornal.- MCSHJC
488
Jornal do Estado, ano II, n. 170, 21/6/38, p.3.- MCSHJC
489
Jornal do Estado, ano II, n. 183, 7/9/38, p. 3; n. 184, 8/7/38, p. 3; n. 190, 15/7/38, p. 3. Principalmente no mês
de julho eram divulgadas notícias sobre os chás, depois passaram a ser divulgadas notas de convite.- MCSHJC
490
Decreto nº 7558 de 11 de novembro de 1938, artigo 94, letra f. - BALRGS
121

Em síntese, procurou-se discutir o período que antecedeu e como foi organizada a

Campanha contra a Lepra no Brasil e, mais especificamente, no Rio Grande do Sul. No

capítulo seguinte vamos tratar do Leprosário de Itapuã, um dos desdobramentos mais

importantes da Campanha.
122

Capítulo 3: Uma cidade para os Lázaros

Mas admitamos que se estabeleçam os dois municípios, um no Norte e


outro no Sul. Teríamos de transportar para lá todos os doentes (...)
Como consegui-lo? Só com um exército de sítio, pois não conheço
outro meio. Convidar o leproso para ir para lá? Só quem nunca
procurou asilar leprosos é que não sabe o que isso é (...) Nada se
poderá fazer se não à força, mas então voltaríamos à época da Idade
Média, de segregação forçada.491

3.1 O Hospital Colônia Itapuã

Nos anos 20, quando o médico pronunciou estas palavras, a segregação forçada dos

doentes de Lepra era uma medida pouco cogitada no meio médico, exatamente em função da

dificuldade que iria gerar tal prática e da falta de respaldo científico. Havia muitas incertezas

sobre a contagiosidade e a transmissibilidade da doença. Neste período, aqueles médicos que

eram partidários ao isolamento compulsório eram posição vencida na Academia.

Com o passar dos anos, a revelia do conhecimento científico que caminhava em

direção a esclarecer mais sobre a Lepra, as práticas em relação aos doentes foram se tornando

mais rígidas. Um aparente paradoxo, levantado no capítulo anterior. Aqueles grupos

favoráveis a uma “solução radical” para o problema da Lepra, viram nos anos 30, durante a

consolidação de um Estado centralizado e intervencionista, a possibilidade de submeter esses

doentes à segregação forçada, justificada em função do perigo social que representavam.

O Leprosário de Itapuã foi um destes locais de isolamento, uma instituição total, que,

na definição de Goffman (2003), significa um local de residência e de trabalho onde um

491
Eduardo Rabelo na Sessão da ANM de 24/6/1926. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da
Lepra no Brasil. Vol. 3. Op. cit. p. 427.
123

grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla

por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.492

A construção do Leprosário, do ponto de vista médico-profilático, significou a

inserção do Rio Grande do Sul no movimento nacional de combate à Lepra representado pela

Campanha. O tempo de isolamento dos doentes, incerto naquele período – estamos nos

referindo aos anos 30 e 40 – contribuiu para que se pensasse num modelo “ideal” de

estabelecimento, uma “Cidade para os Lázaros”, aonde os doentes pudessem ficar

segregados, não representando ameaça à ordem sanitária e estética das cidades.

As obras do Leprosário de Itapuã foram acompanhadas pelo Jornal do Estado, um

periódico a serviço dos poderes públicos, que costumava informar diariamente as ações

governamentais que envolviam interesses ditos sociais, entre eles a saúde. Através de

publicações diárias de pequenas notas, eram divulgadas notícias sobre os avanços das

construções do Leprosário, contratações de servidores para a execução das obras, informações

dos engenheiros, entre outras.493

O ritmo dos trabalhos era intenso para que, o mais rápido possível o Hospital pudesse

receber os doentes de todo o Estado. Durante a consecução das obras, o Leprosário recebeu

algumas visitas, entre elas destacamos a vinda do Dr. João de Barros Barreto, Diretor Geral

do Departamento Nacional de Saúde. Barros Barreto declarou ao jornal estar diante de “um

dos melhores Leprosários que se tem feito presentemente no Brasil.”494 Esta observação,

provavelmente, encheu de orgulho os envolvidos na Campanha no Rio Grande do Sul. A

autoridade do emissor “Diretor do DNS” conferia um status para o Leprosário Itapuã: um dos

melhores do país!

492
GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Ed. Perspectiva, 7ªed., 2003, p.p. 11-17.
493
Jornal do Estado, Porto Alegre, 7/5/38, ano II, n.º 134, p. 03: construção da Usina; Jornal do Estado, Porto
Alegre, 4/4/38, ano II, n.º 111, p. 02: serviços de eletricidade e saneamento, Jornal do Estado, Porto Alegre,
26/4/38, ano II, n.º 125, p. 01: serviços de água e esgotos - MCSHJC
494
Jornal do Estado, Porto Alegre, 22/6/38, ano II, n.º 171, 22/6/38, p.5. - MCSHJC
124

O engenheiro responsável pela fiscalização do projeto dizia que o Leprosário era

uma obra de vastas proporções, uma verdadeira cidade em miniatura “de maneira que os

enfermos reunidos ali não tenham a impressão de serem indivíduos para os quais se volta o

desprezo e a repugnância de seus semelhantes, mas que, ao contrário, se sintam inteiramente

à vontade, dentro dos limites do Leprosário (...).” 495

Este “sentir-se à vontade” dentro do Leprosário exigia que se redefinissem papéis

sociais. A instituição esperava que os doentes obedecessem as “regras da casa”. Qualquer

fuga a estes princípios potencializaria medidas punitivas e evidenciaria os limites desta

“liberdade”. O Hospital foi construído obedecendo um modelo nacional, inspirado na

Leprosaria Modelo nos Campos de Santo Ângelo, no Estado de São Paulo. Dividido em “três

zonas”: a zona sadia, a intermediária e a zona dos doentes.

Na “zona sadia” havia uma residência para o médico diretor, uma para o

administrador, casas geminadas para os funcionários, uma usina geradora de eletricidade,

garagem e moradia para motorista. Na “zona intermediária” encontravam-se os prédios da

administração, da padaria, a casa das Irmãs, o pavilhão de observações e a futura casa do

capelão. Na “zona suja” ficavam os 14 pavilhões “Carville”, as 11 casas geminadas, cozinha,

refeitório, hospital com ambulatórios, enfermarias (mulheres e homens), lavanderia, capela,

forno de incineração, necrotério, oficinas, cemitério. À entrada da “zona suja” ficariam o

parlatório e o expurgo. O Hospital ainda contaria com uma área rural.496

495
Jornal do Estado, ano I, n.º 17, 08/12/37, p.1. - MCSHJC
496
Relatório apresentado ao Exmo. Snr. Cel. Osvaldo Cordeiro de Farias, M. D. Interventor Federal, pelo Dr.
José Bonifácio Paranhos da Costa, Diretor Geral. DES, Officinas Graphicas da Imprensa Oficial, Porto Alegre,
1941, p.45 - AHRS
125

Figura 14: Planta do Leprosário Itapuã. Arquivos do Departamento Estadual de Saúde, vol.
1, 1940.
A esta planta foram acrescentadas algumas construções nos anos seguintes. Como o
pavilhão das diversões, a cadeia, mais alguns pavilhões e casas. Arquivo do Departamento
Estadual de Saúde, 1940.

Cada pavilhão tipo “Carville” (inspirado no modelo do Leprosário de Carville nos

Estados Unidos) possuía 9 quartos com capacidade para até 3 doentes cada um. Ou seja, um

pavilhão poderia abrigar 27 doentes. No total poderiam ser abrigados em torno de 400 doentes

apenas nos pavilhões. Nas 11 casas geminadas seriam internados os doentes casados. Cada

casa se dividia em duas moradias distintas, portanto 22 residências.


126

Na “página da saúde” do “Jornal do Estado” do dia 6 de julho de 1939, dedicada à

Lepra, aconselhava-se que “todo doente para sua felicidade e daqueles com quem convive”

deveria procurar o Leprosário de Itapuã, pois ali poderia “tratar-se e gozar de todo conforto

material e moral que se possa imaginar”, e orientava “por isso a menor suspeita do mal

todos os indivíduos devem se dirigir a um médico ou a um posto de saúde do DES.”497

Nesta data o Leprosário nem havia sido inaugurado, as obras estavam em vias de

conclusão, entretanto, prevendo que a campanha para “chamar” os doentes – que pareciam

não ceder aos encantos da bela cidadezinha que era só deles – seria longa, davam início ao

chamamento.498

A orientação geral, como vimos, era de que a Campanha fizesse uma boa

propaganda, procurando identificar e convencer os doentes a se submeterem ao tratamento.

No Rio Grande do Sul muitos doentes já haviam sido recenseados, entretanto, neste momento,

o objetivo de localizar os doentes era para enviá-los para o Leprosário:

Já se foi o tempo em que fundavam hospitais por simples espírito de


caridade, sendo o doente considerado apenas um infeliz digno de
comiseração. Hoje, sabemos que o enfermo de moléstia contagiosa ou
transmissível, além de merecedor de assistência e proteção, é um elemento
perigoso, comparável, em geral, a um fabricante e distribuidor de venenos,
contra o qual, mesmo a sua revelia, tem a sociedade o direito e o dever de se
defender.499

O DNS desenvolvia o censo dos doentes com base nos dados enviados pelos

Dispensários, que em 1940 estavam instalados em 2 Centros de Saúde e 43 Postos de Higiene

497
Jornal do Estado, ano II, n 477, 06/7/39, p 10. - MCSHJC
498
Calculavam em torno de 800 a 900 doentes no Estado, confirmados havia 350, presentes em 45 dos 86
municípios do Estado, o censo, entretanto, estava sendo realizados, dos confirmados: Alegrete 2 casos; Bom
Jesus 4; Cachoeira 3; Caí 12; Candelária 4; Carazinho 9; Caxias 6; Cruz Alta 18; Dom Pedrito 1, Estrela 1;
Farroupilha 2; General Câmara 1, Guaporé 2, Ijuí 6; Itaqui 6; Jaguarão 1; José Bonifácio 12; Júlio de Castilhos5;
Lajeado 2; Lagoa Vermelha 14; Montenegro 1; Novo Hamburgo 10; Osório 6; Palmeira 18; Passo Fundo 7;
Pelotas 4; Porto Alegre 61; Prata 10; Quaraí 1, Rio Grande 2; Sanata Cruz 11; Santa Maria 6; Santa Rosa 2;
Santiago 5; Santo Ângelo 15; Santo Antônio 3; São Borja 4; São Francisco de Assis 1; São Francisco de Paula
10; São Jerônimo 1; São Leopoldo 5; São Luiz Gonzaga 5; Soledade 5; Taquara 8, Vacaria 28. Distribuição
Geográfica da Lepra no Rio Grande do Sul em 1939, pelo Dr. Leônidas Soares Machado, trabalho apresentado
no IX Congresso Nacional de Geografia, Florianópolis, Dezembro de 1940, p.112 - AHBFM
499
PENNA, Belisário. O Problema Brasileiro da Lepra. In: ARM, n.º 8 e 9, agosto e setembro , 1928, p. 26. -
AHBFM
127

do interior. Haviam fichados no Estado até 1939, 421 doentes e 2.645 comunicantes. O DES

ainda possuía um serviço de vigilância, busca e detecção, realizado pelas educadoras

sanitárias através de visitas.500

Os médicos realizavam um serviço de itinerante no Rio Grande do Sul, movidos por

denúncias, partiam para confirmar casos ou suspeitas de focos de Lepra. Sobre este tipo de

procedimento, a única referência que encontramos foi um relato de um médico da Profilaxia

da Lepra de Santa Catarina. O médico dizia que ao viajar para o interior em busca de doentes,

os médicos recebiam o apoio das autoridades locais e, se preciso, reforço policial, para o caso

de ter que remover doentes à força. Os doentes fugiam, “apavorados com as notícias

divulgadas distorcidas de que o governo ou a polícia estavam à cata delas para interná-los,

prendê-los e até liquidá-los”.501 O médico lamentava que houvesse tanto exagero por conta

da ignorância popular...

Os serviços de Lepra no Rio Grande do Sul durante os primeiros anos da década de

1940 foram intensos:

Ano 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1946

1°exame 894 2.888 2.974 3.852 2.620 2.992 2.601

Casos confirmados 192 230 153 108 82 98 118

Visitas educadoras 338 570 398 237 312 - -

Quadro 01 – Serviço de Lepra de 1939-1946


Fonte: Administração Sanitária do RGS 1938 a 1943: CEDOPE/Partenon. Para os anos de 1944 e
1946 vide Arquivos do Departamento Estadual de Saúde anos de 1945 e 1947.

O apelo para que os doentes se apresentassem, o investimento na propaganda para

atrai-los e a força foram recursos usados pela profilaxia da Lepra. Iludiram-se os médicos ao

supor que os apelos ao Leprosário, apresentado como a salvação para os pobres infelizes,
500
A obra de saúde do Governo Getúlio Vargas – O Combate a Lepra no Rio Grande do Sul; por Bonifácio
Paranhos da Costa. Diretor do DES. Jornal do Estado, ano III, n. 688, 23/3/40, p. 6 - MCSHJC
501
SÃO THIAGO, Polydoro Ernani de. A Medicina que aprendi, exerci e ensinei. Florianópolis: Ed. da UFSC,
1996. p.88-89.
128

iriam despertar a busca massiva por estes estabelecimentos. Tampouco os apelos ao

“patriotismo” para que os doentes se apresentassem aos Dispensários e de boa vontade se

internassem em Hospitais-Colônias funcionava.

No primeiro ano de funcionamento do Leprosário de Itapuã centenas de doentes

foram removidos para lá. Entretanto, o isolamento no Leprosário continuava representando

uma tarefa difícil, por que na maioria dos casos o doente procurava “esconder sua

desgraça.”502 Nas situações onde os estigmas denunciavam a presença da doença, a

segregação era quase inevitável. Estavam internados no Hospital de Emergência do Partenon

aproximadamente 100 doentes quando a notícia da transferência para o Hospital Itapuã

chegou. A capacidade do Leprosário seria muito maior, de 600 a 800 doentes com

possibilidades de abrigar até 1.000. 503

As obras do Hospital não haviam terminado quando as Irmãs Franciscanas chegaram

ao Leprosário. O acordo tinha sido feito em 1939 com o governo do Estado, elas iriam

empregar suas vidas em favor dos prediletos de São Francisco, os leprosos.504 Para fazer

funcionar a engrenagem do Leprosário foram contratados: 1 médico diretor, 1 médico

auxiliar, 2 enfermeiros, 2 auxiliares de dispensário, 1 almoxarife, 1 escriturário, 1

administrador, 1 eletricista, 1 capataz, 4 guardas, 2 trabalhadores e 2 serventes. Deveria contar

ainda com o concurso de um cirurgião, um oftalmo-otorrinolaringologista, um radiologista e

um dentista, especialistas do DES. Nove Irmãs, auxiliadas por onze moças e um Capelão,

completariam o quadro.505

O contrato firmado entre o DES e a “Sociedade Caritativa e Literária São Francisco

de Assis”, com sede em São Leopoldo, previa que, ressalvadas as atribuições do Médico

chefe, o Hospital seria dirigido pelas irmãs, responsáveis pela administração, vigilância sobre

502
Jornal do Estado, ano III, n.º 630, p. 1, 10/1/1940 - MCSHJC
503
Jornal do Estado, ano III, n. º 633, p. 1, 13/1/1940 - MCSHJC
504
POLIANTÉIA comemorativa aos 75º aniversário da chegada das Irmãs Franciscanas ao RS, 1872-1947.
Imprimatur, POA, 21 de julho de 1947, p. 143
505
MANGEON, Gilberto. MENDES, Pessoa. A Profilaxia da Lepra no Rio Grande do Sul. Op. Cit. p. 90.
129

a economia, conservação dos prédios, moralidade e disciplina em geral da Instituição. O

contrato ainda previa que as Irmãs e suas ajudantes teriam uma casa própria no

estabelecimento e caso alguma contraísse Lepra teria uma habitação própria no Asilo. Em

troca dos serviços receberiam uma remuneração.506

A ida para o Leprosário era um sacrifício pelo qual as Irmãs esperavam ser

recompensadas, como escreveram: “Que entusiasmo reinou entre as irmãs. Quantas

voluntárias enviaram o seu nome para ser inserido na lista das privilegiadas. Deus que

também recompensa os desejos generosos, há de guardar essa lista no livro da vida.”507

Entre as mais de 100 voluntárias para a “missão”, oito foram escolhidas: a Irmã

Techilda; as irmãs Maria e Élia, ambas enfermeiras; a irmã Siegfrida, costureira; irmã

Zulmira, farmacêutica; irmãs Ambrósia e Áurea, para a casa e irmã Sebastiana para a cozinha.

As Irmãs chegaram ao Hospital no dia 4 de abril de 1940, quase à noite,

acompanhadas pelo Frei Pacífico de Belleveaux, o Capelão Capuchinho que assumiria a vida

religiosa no Leprosário.

Havia muito o que fazer para preparar a chegada dos primeiros doentes, que já

estavam recolhidos no Hospital de Emergência do Partenon. Todos os pavilhões e casas ainda

estavam como os operários tinham deixado.508 O Frei instalou-se numa casa em frente à Usina

e dividia seu tempo entre as missas que eram rezadas todas as manhãs e o aprendizado da

língua alemã, “que será necessária para atender muitos doentes que não conhecem a língua

portuguesa.”509

As obras do Hospital e as do Amparo caminhavam juntas. As duas instituições

tinham previsões de iniciar o funcionamento simultaneamente: “apenas isolar os doentes

506
Contrato entre DES e as Irmãs Franciscanas. Doc. Avulsa, CEDOPE/HCI.
507
POLIANTÉIA comemorativa aos 75º...Op. Cit. Ao estudar as minorias na Idade Média, Jeffrey Richards
(1993) destaca que uma das marcas particulares de santidade que a Igreja reconhecia era o cuidado com os
leprosos, era a própria repugnância da doença que confirma a santidade dos santos ao enfrentá-la.
RICHARDS, Jeffrey Sexo, desvio e ... Op. Cit. p.160.
508
Irmãs Franciscanas: Crônica do Asilo Colônia Itapuã, 1940, p. 2. Datilografado - CEDOPE/HCI
509
Caderno do Frei Pacífico, Livro Tombo, março de 1940, p.p. 3-4. Manuscrito - CEDOPE/HCI.
130

pouco significaria; era preciso também atender os filhos dos leprosos, a fim de que eles não

se transformem, amanhã ou depois, em agentes propagadores do terrível mal (...) nestas

condições o Rio Grande do Sul iniciará o ano de 1940 completamente aparelhado.”510

A inauguração do Leprosário e do Amparo estiveram marcadas para fevereiro e abril

de 1940, respectivamente. Entretanto os atrasos nas obras protelaram em mais alguns meses a

execução das solenidades. Era anunciada a vinda do presidente da República para a cerimônia

de inauguração do Itapuã, indicação da importância do evento.511

Neste interim, o Hospital de Isolamento do Estado passou por uma série de reformas.

Os antigos pavilhões de madeira, que compunham o Hospital de Emergência para leprosos,

ganharam pinturas novas, houve uma ampliação de salas e foi construído um novo pavilhão

para abrigar os doentes. Com o funcionamento do Itapuã, o Hospital de Emergência

continuaria funcionando, seria uma espécie de enfermaria de triagem, onde os doentes fariam

exames e ficariam isolados antes de ir definitivamente para o Leprosário.512

No dia 11 de maio, os principais periódicos da Capital anunciavam a inauguração do

Leprosário de Itapuã. No Jornal do Estado, a cobertura da notícia ocupou toda a capa e contra

capa. Além de historicizar o combate à Lepra no Rio Grande do Sul, a matéria reproduzia os

discursos das autoridades presentes na cerimônia.

Estavam presentes na inauguração: o Interventor do Estado, Cordeiro de Farias; os

Drs. Heitor Guimarães, representante do MES, Bonifácio Paranhos, diretor do DES, Hugo

Pinto Ribeiro, presidente da Sociedade de Medicina; Coelho de Souza, Oscar Carneiro e

Ataliba Paz, Miguel Tostes e Meireles Leite, respectivamente secretários da Educação,

Fazenda, Agricultura, Interior e Obras Públicas; o prefeito de Porto Alegre, Loureiro da Silva;

510
Jornal do Estado, ano III, n. º 635, p. 3, 16/1/1940 - MCSHJC
511
Idem, p. 1, 19/3/1940
512
Jornal do Estado, ano III, n.º 691, p. 1, 27/3/1940 e n.º 692, p. 1, 28/3/1940 - MCSHJC
131

o Sr. Arcebispo D. João Becker e demais convidados, médicos, irmãs, representantes da

Sociedade de Assistência aos Lázaros, membros da imprensa.513

A comitiva partiu de Porto Alegre em direção a Itapuã na manhã do dia 11, a

inauguração estava marcada para as 10 horas. Participaram da solenidade em torno de 500

pessoas. Após o corte da fita simbólica pelo Interventor do Estado tiveram início os discursos

das autoridades presentes.514

Em nome de Capanema, que não pode comparecer, falou o Dr. Heitor Guimarães.

Saudou o governo “fortemente realizador do grande Presidente Getúlio Vargas” e

parabenizou o Interventor pela “obra grandiosa, destinada ao combate sem tréguas, vivo e

cientificamente dirigido, ao mais antigo mal que aflige a humanidade”.515 Após historicizar

as origens da doença e sua disseminação no Estado, pontuando a criação do Dispensário, do

Preventório, do Hospital de Emergência e finalmente do Leprosário, conclui seu discurso com

as seguintes palavras referindo-se ao Hospital: “obra de tão imperiosa necessidade, onde o

pobre hanseniano, à sombra dum (sic) teto que é seu, descansará ao abrigo das injúrias do

tempo e da maldade dos homens, que querem ver nele o criminoso, em vez de vítima,

expiando uma pena da qual não é culpado.”516

Afora o elogio ao governo Vargas, presente em todos os discursos, queremos

destacar nesta fala do Dr. Guimarães uma inversão. O “hanseniano” – atenção para o termo –

sempre visto como mal a ser exterminado, como um perigo para a sociedade, é apresentado

como vítima. O homem saudável é apresentado como um malvado que quer ver no doente o

culpado. O Leprosário é o local onde o doente pode se refugiar deste malvado, porque é um

lugar que é seu, um lugar onde ele pode ficar à vontade, lugar de leprosos é no Leprosário.

Assim configura-se a diferença entre o doente isolado, convertido em vítima, a quem se volta

513
Idem, n.o 729, 11/5/1940, p 1
514
Caderno do Frei Pacífico, Livro Tombo, março de 1940, p.3. Manuscrito.- CEDOPE/HCI.
515
ARM, ano XIX, n.o 6, junho de 1940, p. 181. - AHBFM
516
Jornal do Estado, ano III, n.o 729, 11/5/1940, p 1.- MCSHJC
132

a caridade, e o doente “solto”, criminoso, verdadeira ameaça social. O leproso historicamente

viveu uma situação limítrofe.517

Outros discursos referendaram a solenidade. Dr. Coelho de Souza, expressando o

Governo Estadual, enfatizava a ação dos poderes públicos no combate à Lepra. Os gastos com

os Leprosários no Brasil, no quinquênio 1935-1940, segundo o médico, chegaram a

34.430:000$000. Somente no Itapuã o Governo Federal investiu 2.035:983$, de um total de

4.209:346$000. O Secretário agradeceu a todos os envolvidos no combate à doença no

Estado, em especial aos religiosos que iriam tomar conta do Hospital: “Uns participaram da

Campanha como discípulos, jogaram moeda e pão aos leprosos, outros como Cristo que

beijou a boca chagada dos doentes.” 518

Nestes discursos da inauguração, como em outros discursos proferidos em nome da

“Campanha contra a Lepra”519, ocorria o que Beatriz Olinto (2002) chama de “monopolização

do que seria a verdade coletiva”, onde o porta voz anula-se em benefício da coletividade a

qual pretende representar e com isso reveste-se da autoridade de tal ausente coletivo.520 A

Campanha torna-se um ente abstrato que justifica as atitudes tomadas em nome do coletivo.

Não são os médicos, a sociedade, os poderes públicos e a Igreja que segregam os doentes,

517
GINZBURG, Carlo. História Noturna. Decifrando o Sabá. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.p.43-
67. Ao analisar a condição do leproso no ocidente medieval, o autor aponta a fragilidade em que estes doentes
viviam, incorporados à cristandade ao mesmo tempo eram excluídos, de vítimas a criminosos era a situação
limítrofe.
518
Jornal do Estado, ano III, n.o 729, 11/5/1940, p 1 e 16.- MCSHJC
519
O evento da inauguração do Amparo também foi noticiado pelos principais jornais da Capital com direito à
reprodução dos discursos, das entrevistas e das fotografias. Em fala “emocionada”, o prefeito de Porto Alegre,
Moisés Velhinho, declarou: O Amparo Santa Cruz começa hoje mesmo a cumprir sua alta finalidade social sob a
benção de Deus. (...) Crianças que seriam lançadas ao abandono e à desgraça – os filhos sãos dos lázaros
recolhidos, órfãos de pais mortos em vida – recebem aqui o aconchego de um teto cristão e aqui encontram a
ternura de corações que sabem mitigar a miséria dos pequeninos (...).Jornal do Estado, ano III, nº 763,
01/7/1940, p. 6. MCSHJC. Em sua fala chamam a atenção dois aspectos, um que ele sentencia que estas crianças
seriam lançadas ao abandono e à desgraça não fosse o Amparo, a Instituição surge como salvadora da prole
sadia do lázaro, em momento algum sugere a violência da retirada dos filhos das famílias, outro aspecto de seu
pronunciamento dá a conhecer o status dos pais das crianças: mortos em vida. Antes da morte física, o doente era
considerado socialmente morto.
520
OLINTO, Beatriz Anselmo. Pontes e Muralhas. Diferença. Lepra e Tragédia (Paraná, início do século XX).
Tese de Doutorado em História. UFSC. Florianópolis, 2002, p. 199.
133

mas é a Campanha, os sujeitos da profilaxia se diluem, desfazem-se do papel de co-

produtores das ações do combate à Lepra.

Figura 15: Visita ao Leprosário Itapuã, em 7 de janeiro de 1942: A contar da esquerda em


pé: Raul di Primio, Souza Araújo, Bonifácio Costa, Frei Pacífico, Antônio Feijó,
Gruenewald, Gilberto Mangeon, Alvorino Xaviere, Pessoa Mendes. In: SOUZA ARAÚJO,
Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. Vol.2. O Período Republicano (1890-1946)
Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum das organizações anti-
leprosas. Estampa: 348.
134

3.2 A Nova vida no Degredo

Os primeiros chegaram no dia 2 de julho de 1940. Vieram cem no


mesmo dia. Tinha duas ambulâncias para lá e para cá. Os primeiros
vieram assim, bem chatinhos, bem quietinhos. Os últimos, de noite, já
era quase sete horas, vieram com gaita e tocaram música a torto e
direito e ficaram faceiros mesmo, e diziam: “Agora vamos ter uma
casa, aonde nós podemos dizer que é a nossa casa.”521

O relato trata da chegada ao Hospital Colônia Itapuã dos primeiros doentes vindos do

Hospital de Emergência onde encontravam-se isolados aguardando a transferência para o

Leprosário. Parece-nos estranho que pessoas levadas para o isolamento compulsório, retiradas

de suas famílias e comunidades em função de uma doença tão grave como era considerada a

Lepra no período, pudessem estar satisfeitas (quase eufóricas) em ir para o degredo.

Esta versão sobre a chegada dos doentes ao Leprosário encontra-se vinculada à visão

oficial da Campanha de combate à Lepra que pretendia forjar a idéia do Leprosário como uma

cidade, uma casa para os Lázaros, um lugar onde os doentes pudessem viver entre seus

semelhantes, ao abrigo da sociedade que tendia a ver neles uma ameaça social. Deste modo,

retirando da instituição seu caráter de degredo e apresentando a Campanha como salvadora

dos doentes.

A irmã foi uma agente da Campanha, embora mais vinculada a um discurso

religioso, que via nos leprosos os “prediletos de São Francisco”, sua visão foi influenciada

pela interpretação oficial do que consistia segregar os doentes nos Leprosários, considerados

verdadeiros oásis no triste e angustiante deserto que é a existência de um leproso, para livrá-

los da exposição pública e integrá-los a um “meio que é seu, pois os demais moradores

521
Irmã Sebastiana. Entrevista concedida a Arselle de Andrade da Fontoura. Santa Cruz do Sul, outubro de 1999.
135

também são doentes”, o Leprosário era apresentado como um ambiente capaz de suavizar as

dores físicas e morais dos doentes.522

Neste ambiente idealizado é possível “lembrar” dos doentes chegando felizes. O

discurso que os sujeitos da profilaxia – médicos, políticos, Igreja, sociedades assistências –

veiculam deve ser interpretado como o ponto de vista oficial; suas falas procuram formular

uma versão oficial sobre a Campanha de combate à Lepra, e sempre devem ser lidas como tal.

Entretanto, é possível que para muitos doentes, que provavelmente conviviam com a doença

por muitos anos, realmente a ida para o Leprosário representasse uma possibilidade de

sobrevivência. De qualquer modo, se a frase foi pronunciada pelos doentes ou “imaginada”

pela Irmã, tratava-se de uma nova significação que estava se forjando para o Leprosário: o

novo lar.

Era inverno, começo de junho de 1940. Depois de uma viagem de 4 a 5 horas em um

carro do Departamento de Saúde, os primeiros doentes chegaram ao Leprosário Itapuã. Foram

transferidos em “turmas” compostas de tantos doentes quantos coubessem na ambulância.

Ao alcançar a entrada do Hospital, depararam com um grande pórtico anunciando a

proximidade do “futuro lar”. As primeiras construções apontavam entre a vegetação, à direita

de dentro da ambulância podiam ver três ou quatro casas todas iguais e uma casa que se

destacava das demais, àquela devia pertencer a alguém importante. O veículo não parou para

que pudessem ver melhor, seguiram na estrada deixando para trás as casas.

O carro seguiu mais alguns metros passando por outras construções, quando

finalmente, contornando o caminho sempre à direita, adentraram numa estrada mais larga que

as outras, logo em frente erguia-se imponente um conjunto de prédios brancos distribuídos

simetricamente dos dois lados de uma avenida. A ambulância diminuiu a velocidade e

avistaram, em frente, mulheres vestidas de hábito marrom. Na crônica daquele ano, as Irmãs

522
AGRÍCOLA, Ernani. Campanha Nacional contra a Lepra. Op. Cit. p.p. 23 e 25
136

registraram que não era possível descrever o sentimento, a emoção que havia se apoderado de

suas almas com a chegada dos doentes, quando se apresentou diante de seus olhos tanto

sofrimento e tanta miséria.523

Figura 16: Colônia Itapuã. Grupo de internados em frente ao Refeitório Geral. In: SOUZA ARAÚJO,
Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período Republicano (1890-1946) Rio de
Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum das organizações anti-leprosas. Estampa:
348

Desceram da ambulância no portão de entrada do que mais parecia uma pequena

vila, mas logo a aparência se desfez. Portando apenas bagagens de mão, pois o Hospital

forneceria tudo o que precisassem, e trazendo o exame que confirmava o diagnóstico, foram

encaminhados ao expurgo para deixar seus pertences pessoais, de roupas a pequenas

fotografias que registravam dias mais felizes, tudo ficaria ali para ser desinfectado.

Alguns doentes não chegaram sós, vieram com um ou mais membros de suas

famílias. Aos casais foram destinadas as casas geminadas, morariam duas famílias em cada

casa e a princípio os filhos do casal poderiam ficar morando com os pais. Os homens e as

mulheres que internaram sozinhos foram morar nos pavilhões, devidamente separados por

523
Irmãs Franciscanas: Crônica do Asilo Colônia Itapuã, 1940, p.3. Datilografado.- CEDOPE/HCI
137

sexo. As crianças doentes que foram para o isolamento sem as famílias ficaram em pavilhões

especiais.

O pavilhão das meninas, denominado “Grupo de Santa Inês”, estava sob os cuidados

de uma irmã doente de Lepra, a irmã Perpétua. O pavilhão dos meninos, denominado “Grupo

São Luiz”, primeiro esteve sob cuidado de um doente internado que era professor, depois foi

assumido por um padre também doente de Lepra, o irmão Floriano. Os pacientes com idade

avançada ou muito doentes, necessitando de cuidados especiais, ficavam nas enfermarias.524

Aquelas primeiras casas que os doentes viram ao chegar no Hospital pertenceriam ao

médico e aos funcionários, era a chamada “zona limpa”.

Figura 17: Colônia Itapuã, Residência do Capelão. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César
de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período Republicano (1890-1946) Rio de Janeiro:
Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum das organizações anti-leprosas.
Estampa 353

524
Irmãs Franciscanas: Crônicas do Asilo Colônia Itapuã, 1940,p.4. Datilografado. - CEDOPE/HCI
138

Figura 18: Colônia Itapuã. Residência do Diretor. In: SOUZA ARAÚJO,


Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período Republicano
(1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum
das organizações anti-leprosas. Estampa 356.

Em seguida, as outras construções que avistaram, incluindo a administração, a

padaria e a casa das irmãs, seriam a “zona intermediária”,

Figura 19: Colônia Itapuã. Residência das irmãs. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides
César de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período Republicano (1890-1946)
Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum das organizações
anti-leprosas. Estampa: 355
139

Figura 20: Colônia Itapuã. Pavilhão da Administração, seguido da Padaria. In: SOUZA
ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período
Republicano (1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948.
Álbum das organizações anti-leprosas.: Estampa: 353

Diante deles, estava a ala que lhes pertencia, da qual jamais poderiam sair sem

autorização, separada por cercas das demais áreas do Leprosário, erguia-se a “zona suja”.

Figura 21: Colônia Itapuã. Avenida Getúlio Vargas, cortada pelo portão que separa a zona sadia da
dos doentes. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O
Período Republicano (1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948.
Álbum das organizações anti-leprosas.: Estampa: 350.
140

Figura 22: Colônia Itapuã. Pavilhão do tipo Carville na praça Cordeiro de Faria. In: SOUZA
ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período Republicano (1890-
1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum das organizações anti-
leprosas. Estampa: 350

Figura 23: Colônia Itapuã. Rua Gustavo Capanema, casas geminadas para casais de “leprosos”.. In:
SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período Republicano
(1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum das organizações anti-
leprosas. Estampa: 351.
141

A Avenida principal foi batizada de “Getúlio Vargas”, nela localizavam-se os

pavilhões, o refeitório, a entrada lateral do Hospital propriamente dito (enfermaria e

ambulatório). A outra Avenida, onde localizavam-se as casas geminadas, foi batizada de

“Gustavo Capanema”. As ruas paralelas também receberam os “nomes de ilustres”: a Rua

Luís Osmundo de Medeiros e a Coelho de Souza. A pequena praça, circundada de um lado

pelas enfermarias, do outro pelos pavilhões e em frente pela Capela, foi batizada de “Cordeiro

de Farias”.525

Figura 24: Colônia Itapuã. Vista do Leprosário. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História
da Lepra no Brasil. vol.2. O Período Republicano (1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de
Imprensa Nacional, 1948. Álbum das organizações anti-leprosas. Estampa: 357.

A transferência dos doentes do Leprosário de Emergência para o Itapuã demorou

poucos dias, quando o último grupo chegou às instalações do Hospital ainda não estavam

completas. Faltavam alguns prédios, como o “Pavilhão das Diversões”, que iria localizar-se

em frente à praça de esportes, na Av. Getúlio Vargas. Ao lado desta mesma praça iriam

construir um prédio para instalar os “poderes públicos” do Leprosário: Prefeitura, Delegacia e

Cadeia. A Capela também estava em construção.

A política que norteou a construção dos hospitais-colônias baseava-se na idéia de

trabalho e foi sob esta égide que nos primeiros dias de internamento os doentes já foram

525
DES 1940: Relatório apresentado ao Exmo. Snr. Cel. Osvaldo Cordeiro de Farias pelo Dr. José Bonifácio
Paranhos da Costa. Oficina Gráfica da Imprensa Oficial, 1941, p. 50. - AHRS
142

convocados, de acordo com suas possibilidades, a desenvolver atividades remuneradas no

interior do Leprosário. O almejado pelo DES era contar com o menor número de empregados

saudáveis trabalhando no interior do estabelecimento.

As disposições que regulavam o funcionamento do Hospital obedeciam o decreto

do DES, que previa os seguintes pontos: os doentes seriam mantidos em rigoroso asseio,

devendo trazer as feridas sempre cobertas; os domicílios seriam protegidos de insetos e

sofreriam expurgos constantes; o trabalho dos doentes seria remunerado; só em casos

especiais os doentes poderiam se ausentar por período limitado do Hospital; as altas e

transferências obedeceriam as determinações da Divisão Técnica do DES; os artigos e

utensílios manuseados ou manufaturados pelos doentes não seriam objeto de comércio, dádiva

ou uso, fora da área destinada aos doentes; a moeda corrente não poderia circular entre os

doentes no interior do estabelecimento, devendo ser providenciada uma outra; as visitas

seriam regulamentadas pela direção; ocorreria sempre que possível a separação dos casos,

segundo o grau de contagiosidade; haveria nos estabelecimentos um pavilhão de observação

para os doentes que a critério das autoridades sanitárias devessem se submeter a novos

exames antes da internação definitiva; os casamentos entre os doentes deveriam contar com a

assentimento da administração; os filhos dos doentes seriam retirados logo após o

nascimento.526

Além destas disposições gerais, o Leprosário contaria com um regulamento

interno. Encontramos dois regimentos internos do Hospital, um datado dos anos 70, outro

sem data, pelo conteúdo mais “moralizante”, pouco “técnico”, com maior presença da

autoridade religiosa, supomos que seja anterior. Este regimento trata da disciplina dos

internados através de onze artigos que regulamentam as relações cotidianas do Leprosário.

526
Regulamento do DES, decreto n.º 7558 de 11 de novembro de 1938, artigo 94, p.p. 25-26. - BALRGS
143

Os doentes não poderiam afastar-se do “perímetro urbano” (na área do Hospital tinha

mato, chácara, Lagoa Negra) sem autorização superior. As senhoras só poderiam fazê-lo com

licença especial, as moças menores de 20 anos só poderiam sair acompanhadas de pessoas

declaradamente idôneas e sob nenhuma hipótese os doentes poderiam sair do terreno do

Hospital. Estas regras referiam-se aos direitos de ir e vir dentro do Leprosário. Quanto ao

comportamento, os internados eram obrigados a conservar-se de modo decente em todas as

dependências, obedecer rigorosamente a todas as ordens do Diretor, da Madre e das Irmãs –

observe a hierarquia. O doente devia tratar com respeito todas as autoridades da Colônia, não

alterar a voz, gritar ou fazer qualquer barulho que pudesse incomodar os demais, não

perturbar o silêncio depois das 21h., cumprir rigorosamente as prescrições dos médicos e das

irmãs relativas à medicação, à higiene e à conduta moral. Ainda, pessoas de sexo diferente só

poderiam passear juntas quando fossem casadas ou quando noivos oficiais, com permissão

superior, às terças e quintas à tarde e Domingo até às 18h. A desobediência incorria em

penalidades: “Todo o prejuízo material ou moral causado por desleixo e mau caráter

resultaria em pena disciplinar”. As penas seriam de repreensão à reclusão por certo número

de dias, a juízo do Diretor.527

3.2.1 Dias de trabalho

O trabalho dos doentes era indispensável para o funcionamento do Leprosário,

contratar funcionários saudáveis e dispostos a trabalhar em tal estabelecimento, além de ser

527
Regulamentos. Regimento Interno dos doentes. Caixa 01.- CEDOPE/HCI.
144

contra-indicado, oferecia uma certa dificuldade. Mas, talvez, o benefício mais importante do

trabalho era organizar os doentes no ambiente hospitalar.

Ao ingressar no Hospital o doente teria que construir novas referências de vida, visto

que rompia com seus vínculos de vida anteriores, teria que se adaptar à nova situação; o

trabalho definiria o lugar e o papel do internado na Instituição. Também havia os benefícios

econômicos do emprego do doente, recebiam pequenas gratificações, que não chegavam a ser

salários, em troca de trabalho.

A maioria dos doentes internados era de origem rural. As atividades ligadas à lavoura

eram as mais incentivadas, a idéia era que o Leprosário se tornasse auto-suficiente. Durante o

primeiro ano de funcionamento o rendimento da agricultura foi precário, dada a necessidade

de alimentar tanta gente.528 Outros serviços, como a padaria, a chácara, o refeitório, a

jardinagem, a copa, a carpintaria, a olaria, a lavanderia, a limpeza, também eram realizados

por doentes; a própria enfermaria contava com internados “enfermeiros”.

Dentro da área dos doentes raramente entravam pessoas saudáveis. As irmãs que

entravam vez ou outra, o Frei apenas para as cerimônias religiosas – missas, batismos,

casamentos, extrema-unção –, o médico quando precisava resolver algum problema. O

contato entre o pessoal doente e o saudável era mínimo. As irmãs coordenavam todas as

atividades, mas eram principalmente os doentes que executavam os trabalhos.529

Em 1950, quando o Hospital contava com mais de 500 doentes internados, a

produção da chácara foi de 60.248 litros de leite, 244 cabeças de gado. Na padaria se produziu

64.535 Kg de pão. O refeitório que atendia uma média de 400 doentes era coordenado por

528
DES 1940: Relatório apresentado ao Exmo...Op. Cit. p. 48.- AHRS
529
Alguns doentes puderam manter suas antigas profissões, relatam no Hospital que lá chegou a morar um
fotógrafo responsável por grande parte dos registros fotográficos da época, um violinista que animava as
cerimônias religiosas, um artesão a quem atribuem os trabalhos em mosaico no chão da entrada do Hospital e em
frente a Igreja Luterana.
145

uma única irmã com a ajuda dos doentes, a sala de costura fabricava roupas para os doentes

indigentes – que, segundo consta, eram a maioria.530

Tampouco as crianças escapavam da rotina de trabalho, obedeciam uma série de

afazeres. As meninas, de “madrugada”, em fila se dirigiam para a Igreja onde faziam suas

orações e recebiam a comunhão, depois do café começavam a trabalhar na limpeza dos

quartos, na lavagem de roupa, na costura, no bordado, no crochê. As meninas menores

dirigiam-se para os estudos. Os meninos revezavam-se entre o trabalho e o estudo e

cultivavam uma pequena chácara.531

Os doentes, indesejáveis na sociedade “extra-muros”, dentro do Hospital eram

imprescindíveis. Além dos evidentes benefícios econômicos e de pessoal, o trabalho tinha por

objetivo fixar o doente no Leprosário.

Figura 25: Colônia Itapuã. À esquerda lavanderia e a direita oficina dos doentes. In: SOUZA
ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período Republicano (1890-
1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum das organizações anti-
leprosas. Estampa: 352.

530
Relatório Anual HCI, 1950 pelo Diretor do HCI Honório Ottoni ao Dr. João Pessoa Mendes, Chefe do
Serviço de Profilaxia da Lepra, em 16/01/1951. Documentação Avulsa. - CEDOPE/HCI.
531
Irmãs Franciscanas: Crônica do Asilo Colônia Itapuã, 1943. Datilografado. - CEDOPE/HCI
146

Figura 26: Operários “leprosos” construindo o Pavilhão da sua Colônia. In: SOUZA
ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período
Republicano (1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional,
1948. Álbum das organizações anti-leprosas. Estampa: 358.

3.2.2 Dias de purificação

Enquanto o trabalho deveria disciplinar o corpo, a religião deveria moralizar a alma

dos internados. Como o trabalho, a religião visava garantir a ordem, a disciplina, a

moralidade, o bom funcionamento do Leprosário. Estes lugares de sofrimento representados

pelos Hospitais eram também terrenos férteis para a pregação da fé.

Ao analisar a participação das Irmãs Franciscanas na administração da Santa Casa de

Misericórdia, Beatriz Weber (1999) destaca que embora geralmente houvesse colaboração

entre os médicos e as irmãs, algumas vezes as relações eram marcadas por conflitos. Na

perspectiva religiosa das irmãs, a doença era vista como um castigo divino e momento de
147

expiação dos pecados, e a morte como libertação, não como um fracasso terapêutico, visão

que se contrapunha à perspectiva dos médicos.532

Acreditamos que a situação de colaboração entre médicos e freiras no Itapuã também

deva ter sido tensa. A Lepra era uma moléstia sobrecarregada de conotações religiosas. Ao

mesmo tempo em que era identificada como castigo divino, sinal exterior de uma alma

corrompida pelo pecado, a Lepra oferecia um grande poder de purificação, dado o sofrimento

que impunha aos seus portadores.

Neste sentido, o Leprosário seria o local por excelência para a expiação dos pecados.

A cura era a recompensa pela redenção, e a morte a libertação dos sofrimentos. Esta

perspectiva “religiosa” da Lepra era muito presente no Hospital, principalmente porque as

irmãs eram praticamente as únicas funcionárias com quem o estabelecimento podia contar.

A doença, para as Irmãs, era apresentada como uma “oportunidade” de salvação. Não

raro esta “redenção” era representada pela conversão do internado à “Santa Igreja”. Em suas

palavras: “Graças a Deus, não poucas almas perdidas, andando num caminho errado, já

voltaram ao redil do Bom Pastor”, ou ainda: “assim essa via dolorosa será para muitos, que

talvez lá fora não se lembraram de sua alma imortal, o caminho para a salvação e felicidade

eterna.”533

Os dias de passagem pelo Leprosário, na concepção das Irmãs, poderiam marcar um

reencontro de doente com a Igreja. Entretanto, havia aqueles doentes que conservavam suas

confissões religiosas anteriores à entrada no Hospital, foi o caso dos Evangélicos Luteranos

não tocados pelo “milagre da conversão”. Os doentes praticantes desta religião puderam se

532
WEBER, Beatriz Teixeira. As Artes de Curar..Op. Cit. Analisa a atuação das irmãs na Santa Casa. p. 155-
163.
533
Irmãs Franciscanas: Crônicas do Asilo Colônia Itapuã.- CEDOPE/HCI
148

organizar na Colônia e manter sua “liberdade de culto”. Em dezembro de 1948 inauguraram

sua própria Igreja.534

A presença das Irmãs não se restringia apenas ao campo religioso, elas eram as

administradoras do Hospital. Os doentes que não o desejassem poderiam se esquivar do jugo

católico, mas não poderiam fugir às regras que organizavam a vida no Leprosário,

determinadas em muitos casos pelas religiosas.

Guardiãs da moralidade e da ordem, praticamente tudo que ocorria no Hospital

passava por elas. Um exemplo contundente era a distribuição dos doentes no Leprosário. O

regulamento do DES previa, sempre que possível, que os doentes fossem separados segundo o

grau de contagiosidade da doença.535 Esse critério nosológico era ofuscado pelo critério da

moralidade imposto pelas Irmãs, os doentes eram divididos por sexo, estado civil, idade,

somente eram separados os casos mais graves que necessitassem ficar na enfermaria.

A Capela do Hospital ficou pronta um ano depois da chegada dos primeiros doentes,

quando os últimos operários saíram da obra, os doentes puderam se aproximar. Aos

domingos, o soar dos sinos chamava os fiéis para a missa, o sino marcaria as horas santas do

Leprosário, as três badaladas diárias dedicadas à ave-maria, as badaladas para os nascimentos

e as mortes. Também um relógio foi colocado na torre da Igreja para marcar o tempo comum,

o tempo não litúrgico, o tempo dos homens, a cada 15 minutos durante o dia, altas badaladas

indicariam as horas. A Igreja controlava o tempo.536

534
A Igreja dos Evangélicos construída no Hospital foi a última obra no Estado do renomado arquiteto Theo
Wiederspan. Catálogo. Biblioteca Pública do Estado. A questão religiosa é um tema que merece ser melhor
explorado, entretanto, foge aos objetivos deste trabalho.
535
Decreto n. º 7558, art. 94, letra s. - BALRGS
536
Irmãs Franciscanas: Crônica do Asilo Colônia Itapuã, 1941. Datilografado. - CEDOPE/HCI
149

Figura 27: Colônia Itapuã. Igreja Católica em frente a praça Cordeiro de Faria. In:
SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período
Republicano (1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948.
Álbum das organizações anti-leprosas. Estampa: 355.

Figura 28: Colônia Itapuã. Gruta Nossa Senhora de Lourdes, existente no jardim da Casa
das Irmãs. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. vol.2.
O Período Republicano (1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional,
1948. Álbum das organizações anti-leprosas. Estampa: 356.
150

3.2.3 Dias de Festas

A administração do Hospital procurava organizar atividades que sociabilizassem os

doentes e tornassem menos árduos os dias de internamento. As diversões foram pensadas

neste sentido, intensificar a convivência dos doentes, mas delimitar os espaços e a forma

como elas deveriam acontecer.

A Igreja funcionava como núcleo de sociabilidade dentro do Hospital, constituíam

verdadeiros eventos sociais as datas e as cerimônias litúrgicas. Estar fora da Igreja era,

praticamente, estar à margem da vida comunitária do Leprosário. As Festas de Natal, por

exemplo, eram a oportunidade que muitos doentes tinham de receber algum produto diferente

daqueles fornecidos pelo Hospital, algum presente que poderia ser guardado para si, ou servir

de “moeda” de troca mais tarde.537

Em uma destas datas festivas (Natal de 1946) foi inaugurado no Leprosário o

“Pavilhão de Diversões”. Construído com o apoio financeiro dos municípios do Estado e o

auxílio da cooperação privada. O “Pavilhão” era um local destinado à recreação dos doentes.

Funcionaria como uma espécie de Clube, oferecendo diversões como: cinema, cassino de

jogos, biblioteca, teatro, bar, etc.538 Todas as atividades eram rigorosamente controladas pelas

537
No ano de 1942, o interventor Cordeiro de Farias acompanhado dos Drs. Bonifácio Paranhos, Diretor do
DES, Mércio Xavier, Delegado do DNS, além de outros médicos e autoridades, foram pessoalmente no Itapuã.
Após percorrer as dependências da “zona sadia”, os visitantes entraram na zona dos doentes e foram recebidos
com “Noite Feliz”. Reza a crônica que um doente discursou expressando a “satisfação e o agradecimento” de
todos. Diante de comovida recepção, o interventor dirigiu palavras de “paternal benevolência” aos doentes. As
senhoras esposas das autoridades passaram a distribuir presentes a todos, as crianças ganharam brinquedos,
uniformes e doces, as mulheres receberam “fazenda” para um vestido, meias e sabonetes e os homens ganharam
uma camisa, meias e cigarros. Irmãs Franciscanas: Crônica do Asilo Colônia Itapuã, 1942. Datilografado. -
CEDOPE/HCI
538
Sobre a colaboração das prefeituras dos municípios ver DES, 1942. Relatório apresentado ao Gal. Cordeiro de
Farias M. D. Interventor Federal pelo Dr. José Bonifácio Paranhos da Costa, Diretor Geral. Oficina Gráfica da
Imprensa Oficial, Porto Alegre, 1943, p. 27. AHRS. Os equipamentos que iriam aparelhar este edifício foram
entregues ao interventor federal no dia da inauguração do Hospital. Rotary, Associação Comercial e Clube do
Comércio doaram diversos jogos, incluindo uma mesa de bilhar francêsa e uma inglesa e um aparelho
151

Irmãs. No ano de 1943, as freiras “interceptaram” um carregamento de livros espiritas

endereçados à biblioteca dos doentes, “graças a Deus foi-nos possível inutilizá-los”. 539

O esporte desempenhava um papel importante na sociabilização dos doentes, além de

poder tornar-se um “cartão de visitas” do Leprosário, indicativo de que, apesar de doentes, os

internados podiam se indivíduos fortes e competitivos. Num interessante registro, as Irmãs

relatam a vinda das “delegações esportivas” de dois outros Leprosários para competir com os

doentes de Itapuã, dos Hospitais São Roque do Paraná e Santa Teresa de Santa Catarina.540

Em uma destas competições esportivas, realizada em um “7 de setembro”, uma

“caravana de atletas” levou o fogo simbólico até os internados, premiando com uma medalha

o desportista mais dedicado da Colônia.541 Embora excluídos do projeto nacional, os doentes

eram levados a comemorar as festas cívicas, acompanhadas de banda de música, de marchas,

de esportes, de manifestações de amor à Pátria.542

Os dias de visita eram datas aguardadas entre os internados, embora fossem,

provavelmente, os momentos onde a segregação se fazia mais presente. Estas ocasiões eram

quando as famílias se reencontravam, pais conheciam os filhos que haviam sido levados

recém-nascidos, filhos conheciam os pais, amigos se reviam. Também deviam ser os dias em

que a certeza de se estar isolado ficava mais evidente. Os visitantes e os doentes eram

separados por uma cerca dupla, que impossibilitava qualquer contato.543

cinematográfico. Um médico fez a doação de mais de 1000 livros, uma vitrola e 50 discos. Correio do Povo, Ano
XLVI, n.º 110, 12/5/1940, p. 9.- MCSHJC
539
Irmãs Franciscanas: Crônica do Asilo Colônia Itapuã, 1943. Datilografado. - CEDOPE/HCI
540
Diário das Irmãs, 1948, 08/12/48. - CEDOPE/HCI
541
Diário das Irmãs, 1949, 07/9/49. - CEDOPE/HCI
542
Irmãs Franciscanas: Crônica Asilo Colônia Itapuã, 1942. Datilografado.- CEDOPE/HCI
543
Tivemos oportunidade de entrevistar um senhor que esteve no Leprosário visitando um amigo. Ao recordar a visita,
descreve-a como “uma pouca vergonha”, na entrada tinha uma espécie de balcão de madeira, umas tábuas e tinha um buraco
(vala) separando os doentes de um lado e os visitantes de outro, “vários metros de distância”. Relata que estranhou aquele
isolamento todo, porque em Santa Cruz, município de onde provinha, todos eram acostumados com a presença de doentes e
desconfiavam (inclusive ele mesmo) que a doença fosse contagiosa. E desabafa: “tu já imaginou uma pessoa que tantas vezes
tu tomou chimarão junto, agora de repente tu tem que ficar numa área limpa, a gente nem tanto quanto eles, para eles foi
pior...esse isolamento lá foi violento (...) falavam de um lado para o outro...segredinhos não podia ter.”, Juliane
Conceição Primon. Entrevista com Roberto Stainhaus. Santa Cruz do Sul, 16 maio de 2003.
152

Funcionava desde 29 de junho de 1940 o Amparo Santa Cruz, destinado a receber os

filhos sadios dos doentes, não somente aqueles que nasciam no Hospital, mas aqueles cujos

pais estivessem isolados.544 Em 1942 encontravam-se internadas no Amparo 84 crianças. Em

datas marcadas as crianças eram levadas para visitar os pais no Leprosário, algumas delas iam

para conhecê-los. Até 1947 dez crianças haviam manifestado a doença, essas puderam ir

morar com os pais.545

A ilusão do Leprosário como uma cidadezinha se desfazia assim que os doentes

ingressavam no portão. Todo o discurso construído pelos agentes da profilaxia sobre o

Leprosário como refúgio para os males, sobre o combate à Lepra como gesto de humanidade,

assim como esta “normalidade” que se tentava constituir dentro do ambiente hospitalar

estiveram investidos da tentativa de formular uma representação do Leprosário como símbolo

da vitória da civilização, do controle do adverso, afastando a representação do Leprosário

como símbolo da falibilidade do progresso médico na medida em que só precisou existir

enquanto o conhecimento científico foi incapaz de encontrar a cura para a doença.

544
Com capacidade para abrigar mais de 100 crianças, esse preventório contava com um edifício principal de
três pavimentos. No térreo ficariam a cozinha, os depósitos, a lavanderia, a padaria, os banheiros, no segundo
andar, os refeitórios, as salas de aula, a capela, os dormitórios, no terceiro ficariam mais dormitórios, enfermaria
e residência das irmãs. Um pavilhão em anexo serviria para casos em observação. Arquivos do Departamento
Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul de 1940, vol. 1, Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1940, p. 90. -
CEDOPE/HCI
545
Arquivos do Departamento Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul de 1947, vol. 8, Porto Alegre: Imprensa
Oficial, 1948, p.108.
153

Figura 29: Festa de Casamento. CEDOPE/HCI.

3.2.4 Dias de Castigo

Havia um interesse comum entre os doentes e os sujeitos empenhados na Campanha:

a cura da moléstia. Para os primeiros por razões óbvias, para os segundos por motivos

também conhecidos, desde evitar a propagação da doença, livrar o Brasil do flagelo da Lepra,

recuperar a saúde dos contaminados, pode-se dizer que nesta ordem. Entretanto, foram os

doentes que pagaram o preço pelos interesses de todos.

Enquanto os internados estavam (sobre)vivendo no Leprosário, a Campanha

intensificava as buscas por “novos doentes”. Os resultados foram promissores, segundo os

registros do Serviço de Arquivo Médico (SAME) na primeira década de funcionamento do

Hospital entraram mais de 1.200 doentes.546 Eles não estiveram internados todos ao mesmo

546
SAME, Caixa 03, documentação avulsa: Relação da entrada dos pacientes. - CEDOPE/HCI.
154

tempo, a média anual devia ser superior a 500 doentes isolados, número que podia elevar-se

bastante.547

Imaginamos a dificuldade que seria fazer 500 pessoas cumprirem as normas

draconianas impostas pelo regimento interno do Hospital.548 As Irmãs, os médicos, o Frei e

os demais funcionários viviam fora da “zona dos doentes”, portanto, não podiam manter a

vigilância constante. Não poderiam contratar funcionários para fazer a segurança, pois não era

permitido que pessoas saudáveis ficassem entre os doentes. A única forma de fazer funcionar

o regulamento era estabelecer uma organização interna no Leprosário, com a “cooperação”

dos doentes.

O Hospital contava com uma “autoridade” dentro da zona dos internados. A direção

indicaria um doente para servir de “prefeito dos leprosos” ele seria o representante dos

internados. O cargo seria exercido com o auxílio de um “conselho” formado por outros

doentes.549

Sobre o exercício do mandato dos prefeitos, suas atribuições e poderes durante os

primeiros anos do Leprosário, não foi encontrado nenhum registro. Entretanto, a “prefeitura”

foi um órgão de longa duração no Hospital. Examinado a documentação dos anos 70 (as

únicas sobre a “prefeitura dos internados”) podemos ter “noção” das funções do cargo.550

547
Relatórios DES: 1940 – 348 internados; 1941 – 500; 1942 – 439; 1943 – 455; 1944 – 455; 1945 – 502; Estes
números indicavam o total de internados no dia 31 de dezembro de cada ano, não o total de doentes passados
pelo Hospital durante o ano. - CEDOPE/HCI. A planta do Leprosário foi modificada em 1950 aumentando a
rede de serviços de água e esgotos para assistir uma população que chegava a 850 pacientes. Relatório Anual do
Hospital Colônia Itapuã, 1950, folha 10, documentação avulsa. - CEDOPE/HCI
548
Regulamentos. Regimento Interno dos doentes. Caixa 01. Op. Cit. - CEDOPE/HCI.
549
A idéia era que houvesse uma eleição para escolher o prefeito, mas na prática era a direção que indicava.
Sobre este “conselho” era formado por um “um corpo de guardas”, também doentes aliciados entre os
internados. O prefeito era um funcionário do Hospital subordinado ao Diretor e às Irmãs. DES 1940: Relatório
apresentado ao Exmo. Snr. Cel. Osvaldo Cordeiro de Farias pelo Dr. José Bonifácio Paranhos da Costa. Oficina
Gráfica da Imprensa Oficial, 1941, p. 49. - AHRS
550
Sem dúvida devemos considerar que as transformações pelas quais passou o Hospital ao longo dos anos
alteraram a configuração das relações internas da Instituição, modificando as “prerrogativas” da prefeitura que
entrou os anos 80 em pleno funcionamento. Ver: Caixa da Prefeitura. - CEDOPE/HCI. Temos, por exemplo, nos
anos 80 “licenças” concedidas a internados pelo prefeito, sem dúvida que nos primeiros anos isto era uma
atribuição somente do diretor. Consideramos estas mudanças ao tentar, a partir desta documentação dos anos 70,
reconstituir quais seriam as funções exercidas pela prefeitura. Um estudo sobre as relações sociais e de conflito
dentro do Hospital merece um estudo.
155

O prefeito era um intermediário entre os doentes e a administração do Hospital, seu

papel era garantir a ordem, a disciplina, o funcionamento do trabalho dentro da zona dos

doentes, repassando toda a informação para a Direção. Era também o prefeito que levava as

“reivindicações” sociais dos internados à administração.551

De todas as funções do prefeito talvez a principal fosse no que se referia à ordem. O

artigo do regimento que dita o que é permissivo de pena disciplinar é muito amplo “todo o

prejuízo material e moral.”552 A desobediência a qualquer um dos artigos era passível de

pena, o que incluía uma gama imensa de comportamentos, sendo o prefeito o responsável pela

execução das penas. De todas as “contravenções” possíveis, que iam desde pessoas do mesmo

sexo passearem juntas, até levantar a voz para alguma autoridade, uma era rigorosamente

punida: a fuga.

A situação do internado era a seguinte: primeiro vinha a recusa de ir para o Hospital,

a tentativa de se esconder ou burlar os serviços sanitários, “não raro alguns doentes

conhecedores do seu mal, procuram iludir o médico para evitar a confirmação do

diagnóstico apavorante.”553 Confirmado o diagnóstico de lepra contagiante, ou

impossibilidade de executar o tratamento a domicílio para os casos não-contagiantes, o

doente era obrigado a ir para o Leprosário. Imaginamos que muitos doentes foram forçados a

ir para o isolamento.

Depois de estar no Leprosário, o doente passaria por um período de observação de no

mínimo 12 meses, no qual era submetido a constantes exames. Indicada a inatividade da

doença em todos os exames, o doente poderia obter a alta hospitalar, dando prosseguimento

551
Encontramos na documentação da prefeitura pedidos dos doentes encaminhados à Direção via prefeitura,
comunicados de falecimentos, de casamentos. Caixa da Prefeitura. - CEDOPE/HCI
552
Regimento Interno dos doentes. Caixa 01.- CEDOPE/HCI
553
SANTOS, Juvenal. Considerações em torno do diagnóstico precoce da Lepra. In: ARM, ano XIII, no. 5,
junho de 1934, p. 231. - AHBFM
156

no tratamento em Dispensário.554 Caso isso não acontecesse, o doente apenas poderia deixar o

hospital em situações especiais, com o consentimento do diretor, eram as chamadas licenças.

O doente só obteria licença se seus exames permitissem, ou seja, se ele não representasse

perigo de contágio e, sobretudo, se fosse garantido seu retorno.

Afora estes casos “especiais”, os doentes eram condenados a permanecer na

Instituição até não representarem mais perigo à saúde pública. Neste caso, a fuga era a

maneira encontrada por muitos doentes que não estivessem dentro dos critérios sanitários para

deixar, mesmo que temporariamente, o Hospital. Em função disso, as fugas fizeram parte do

cotidiano dos internados.

Embora seja difícil precisar o movimento das fugas, pois os dados são parciais,

incompletos e também não sabemos se as fugas não eram computadas sob outras

classificações como “não retornou da licença”, ou mesmo registradas como “alta”, os

números oficiais são bastante significativos: Foram constatadas 3 fugas em 1940, 36 em 1941,

22 em 1944, 114 em 1945, 80 em 1946.555

Examinando os dados no que tange as fugas, podemos perceber que muitas

aconteciam num mesmo dia. Os períodos festivos eram as principais datas para deixar o

Leprosário, pois a movimentação possibilitava um deslocamento maior escapando à

vigilância.556 Caso o doente fosse infeliz na sua tentativa, ou se dias depois voltasse ao

Leprosário, era severamente punido com detenção na cadeia do Hospital, que contava com 6

celas gradeadas para receber os “infratores”. As fugas eram uma ameaça ao funcionamento do

isolamento, denunciavam as falhas na vigilância, a incapacidade de controle por parte da

direção.

554
Regulamento de Altas do Departamento de Profilaxia da Lepra de São Paulo. (Adotado no Rio Grande do
Sul). Cópia. DES, 25/3/45. Documentação Avulsa. - CEDOPE/HCI.
555
Para os anos de 1940-1 Ver: Relatórios do DES, correspondentes aos mesmos anos. Para os anos seguintes
ver os Arquivos do Departamento Estadual de Saúde dos anos de 1944 e 1947. - CEDOPE/HCI.
556
Cadernos das irmãs, anos de 1946, 1948 e 1949. - CEDOPE/HCI.
157

Além da detenção e da repreensão havia outras formas de punição não previstas no

regulamento, como nos relatou uma moradora, quem desobedecesse as determinações do

Hospital sofreria a ameaça de ficar temporariamente sem receber visitas. Outra forma de

punição consistia em ser excluído do “sistema de privilégios”.557 Em uma instituição como o

Leprosário, onde a maioria dos doentes vivia em condições elementares de sobrevivência,

podemos deduzir que estes “privilégios”, na maioria das vezes infinitamente pequenos, como

talvez uma porção “extra” de refeição ou um sabonete, podiam adquirir um caráter muito

significativo. Da mesma forma que era a direção que estipulava o lugar de cada um no

Leprosário, um trabalho ou uma moradia melhor poderiam ser incentivo a muitos internados

para se comportar como queria a administração. A desobediência explícita ao regulamento era

passível de punição, mas havia modos de burlar as regras do leprosário de forma mais sutil,

através de “táticas cotidianas”558, que escapavam ao controle e à disciplina impostas pela

direção.

557
Ao analisar o funcionamento de algumas instituições totais, Goffman observou que pequenos privilégios
funcionam como prêmios àqueles internados que respeitam as regras da Instituição. GOFFMAN, Erving.
Manicômios, Prisões e Conventos. Op. Cit. p.50.
558
Por “táticas cotidianas”, Michel de Certeau compreende procedimentos minúsculos e cotidianos que jogam com os
mecanismos da disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los, são “maneiras de fazer” que garantem a
vitória do “fraco” sobre o mais “forte”, pequenos sucessos, golpes, astúcias. CERTEAU, Michel. A invenção do Cotidiano. 1.
As artes de Fazer. 6ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1994, p.p. 35-53. Em nosso trabalho, embora considerando esta expressão
conceitual muito semelhante a de “ajustamentos secundários” de Goffman, vamos preferir o uso desta última por ter seu uso
diretamente ligado a estas “táticas” desempenhadas pelos sujeitos em situação de confinamento nas Instituições. Goffman,
Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. Op. Cit.
158

Figura 30: Colônia Itapuã. Edifício da Cadeia mandado construir pelo Governo Federal. In:
SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período
Republicano (1890-1946) Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1948.
Álbum das organizações anti-leprosas. Estampa: 350.

3.2.5 Dias de tratamento

O Leprosário era também local de tratamento embora esta “finalidade essencial”

pareça menor diante da especificidade deste tipo de Hospital, construído, sobretudo, para

segregar os doentes diante da pouca eficácia dos medicamentos conhecidos.

Entre muitos “medicamentos” testados para combater a Lepra, ganhou notoriedade

uma planta de origem indiana cultivada no Brasil denominada chalmoogra, da qual eram

extraídos ésteres usados no preparo de medicamentos. No Itapuã eram administradas doses

consideráveis de injeções de chalmoogra aos doentes, além de “injeções secundárias” e

“aplicações elétricas”. Sobre estas “aplicações” não encontramos nenhuma referência nos

livros e nos relatórios oficiais da Saúde pesquisados, embora nas crônicas das irmãs

estivessem registradas como uma técnica largamente empregada, sendo que em 1941 foram

1.828 aplicações; em 1941: 6.067; 1942: 6.218; 1943: 6.283 e em 1944: 5.184. Podemos
159

supor que, como a doença “atacava” o sistema nervoso, tal “técnica” estivesse associada ao

estímulo destes tecidos.559

O movimento da enfermaria dos primeiros anos do Leprosário registrava:

Ano 1940 1941 1942 1943


Injeções de Chalmoogra 18.304 43.861 49.314 38.750

Curativos 56.058 115.173 82.476 42.371

Fórmulas aviadas 5.344 8.101 13.286 8.555

Pequenas intervenções 20 42 26 41
cirúrgicas
Grandes intervenções cirúrgicas 4 3 17 11

Tabela 02 – Movimento da Enfermaria no período de 1940 a 1943.


Fonte: Administração Sanitária do Rio Grande do Sul de 1938 a 1943. Doc. PARTENON. Idem: DES
Relatório apresentado ao Cordeiro de Farias, M.D. Interventor Federal pelo Dr. José Bonifácio
Paranhos da Costa, Diretor Geral, Oficina Gráfica da Imprensa Oficial, POA, 1943.

A chalmoogra, durante a segunda metade dos anos 40, foi sendo abandonada,

substituída por outros medicamentos derivados da sulfona, um antibiótico capaz de combater

com maior eficiência o bacilo da doença. No V Congresso Internacional de Lepra em Cuba

(1948) as sulfonas foram saudadas como os medicamentos de eleição para o tratamento da

Lepra.560

Introduzida no Brasil em 1944, depois de experimentos realizados em Carville nos

Estados Unidos, a sulfona passou a ser utilizada no Hospital Itapuã quatro anos depois,

através de medicamentos como o promim e a diazona. Nos anos 50 o uso da sulfonoterapia se

generalizou e uma enxurrada de remédios derivados desta droga passaram a ser usados no

Itapuã. O tratamento consistia numa espécie de “coquetel” composto pela combinação de

559
Havia muito de experimental em relação à Lepra, além dos medicamentos feitos a base de chalmoogra, como
um tratamento realizado “pelo oxigênio sob pressão.” AGRÍCOLA, Ernani. Campanha Nacional contra a Lepra.
Op. Cit. p. 67
560
Conclusões do V Congresso Internacional de Lepra, reunido em Cuba, abril de 1948. Revista Brasileira de
Leprologia, vol. 16, 1948, p.p. 225-243.
160

vários medicamentos: Diamitim, Liosulfone, Aflosulfona, Sulfonazina, Neo-sulfonazina,

Diaminoxil, Dileprone.561

Os êxitos atribuídos à chalmoogra foram interpretados a posteriori como

desconhecimento das formas clínicas da Lepra, que em suas formas tuberculóide ou

indeterminada (mista) podem, em alguns casos, evoluir para a cura espontânea. O mesmo não

se observava em relação à forma clínica lepromatosa, combatida unicamente pelo uso de

antibiótico sulfônico.562

O “engano” em relação ao tratamento com chalmoogra teve como resultado mais

extraordinário a segregação de milhares de doentes nos Leprosários e apesar do uso

generalizado da sulfona em fins dos anos 40, os registros de entrada de pacientes no Hospital

Itapuã apontam, somente para o final dos anos 50, uma diminuição significativa nos

internamentos: 1940: 361; 1941: 146; 1942: 66; 1943: 66; 1944: 89; 1945: 81; 1946: 91; 1947:

78; 1949: 81; 1950: 64; 1951: 71; 1952: 88; 1953: 108; 1954: 120; 1955: 88; 1956: 90; 1957:

63; 1958: 32; 1959: 44; 1960: 55 doentes.563

Durante os anos 50 também as fichas dos pacientes internados passaram a ser

revisadas para o encaminhamento dos doentes para o tratamento em Dispensários.564 A

sulfona libertaria os doentes da condição de isolamento nos leprosários, não do estigma que

envolveria os leprosos ainda por muitos anos.

561
Relatório das atividades do HCI – Movimento do Hospital. Documentação Avulsa. - CEDOPE/HCI.
562
LIMA. Lauro de Souza. Estado Atual da Terapêutica da Lepra. Ministério da educação e Saúde.
Departamento Nacional de Saúde. Serviço Nacional da Lepra: São Paulo: 1953.
563
Dados do SAME registros de entrada de pacientes. Caixa do SAME. - CEDOPE/HCI.
564
Relatório das atividades do HCI – Movimento do Hospital. Documentação Avulsa. - CEDOPE/HCI.
161

Figura 31: Colônia Itapuã. Uma das Enfermarias. In: SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de.
História da Lepra no Brasil. vol.2. O Período Republicano (1890-1946) Rio de Janeiro:
Departamento de Imprensa Nacional, 1948. Álbum das organizações anti-leprosas. Estampa:
354.
162

Figura 32: Enfermaria. CEDOPE/HCI

3.2.6 Hora de Partir

As altas começaram a ocorrer durante os primeiros anos de funcionamento do

Hospital Itapuã. Em 1941 tiveram alta os 12 primeiros doentes. Por ocasião da partida destes

internados realizou-se no Leprosário uma “missa de ação de graças” da qual participaram, o

Interventor Federal, Cel. Cordeiro de Farias, o Secretário de Saúde Dr. Bonifácio Paranhos, o

médico do Serviço de Profilaxia da Lepra, Dr. Mércio Xavier.565

A “cura” era apresentada como resultado da ação da “aliança profilática” entre os

poderes públicos, os médicos e a Igreja sendo todos eles representados na cerimônia, em

outros termos, da técnica, da ciência e da fé, foi o que perpassou o discurso dos presentes.

565
Irmãs Franciscanas: Crônica do Asilo Colônia Itapuã, 1941. Datilografado. - CEDOPE/HCI
163

Enquanto o Frei saudou a ação do governo, o Interventor dirigiu palavras de conforto para os

internados, dizendo que abrigava a esperança de ver algum dia aquele Leprosário fechado, por

ter cumprido sua “grande missão”. O acontecimento foi noticiado pelos jornais e utilizado

como uma propaganda a favor do internamento.566 Durante os anos de 1940 a 1943, 254

doentes deixaram o Leprosário para prosseguir tratamento em Dispensário, provavelmente

acometidos pelas formas menos graves da doença.567

Mas, foi somente com o advento da sulfona que passaram a ocorrer altas “em massa”

do Leprosário. Após um período de tratamento com o medicamento, os doentes que se

tornavam não-contagiantes eram transferidos para ambulatórios, no caso Dispensários, onde

seguiam fazendo o tratamento até a alta definitiva.568

Se por um lado a possibilidade de fazer o tratamento independente da segregação,

representava uma vitória sobre a doença, por outro causava uma série de problemas para a

Campanha.

Em primeiro lugar, o aparelhamento “anti-leprótico” tinha sido pensado para

executar a tradicional segregação do doente. A maioria dos recursos materiais e técnicos tinha

sido empregado nos Leprosários. Com a substituição do isolamento pelo tratamento

ambulatorial, os Dispensários teriam que dar conta dos serviços. Rotberg, médico do

Departamento de Profilaxia da Lepra de São Paulo, chamou atenção para “o possível colapso

do Dispensário” que não conseguiria atender a demanda, problema que segundo o médico

tenderia a aumentar com a descoberta de medicamentos ainda mais ativos no combate à

Lepra, que acabariam por aumentar o número de altas nos Leprosários. Como solução sugeria

um aumento do número de Dispensários e da capacidade funcional dos já existentes devido a

566
Jornal do Estado, Porto Alegre, 23/8/41, p. 1 e 4.
567
Administração Sanitária no Rio grande do Sul 1938/43.- CEDOPE/PARTENON.
568
Em SP as altas Hospitalares passaram a vigorar a partir de 1941. Os tipos de alta são classificados em:
hospitalar para doentes não contagiantes, devendo estes continuar tratamento em ambulatório, alta condicional
que seria um período de observação, entre a alta hospitalar e a definitiva, que somente seria obtida após 5 anos
de vigilância dispensarial. São Paulo, Vol. 10, 1941, p.p. 309-312.- AHBFM
164

dificuldade das clínicas especializadas fazerem atendimentos sabendo da “origem da

clientela”.569

A nova orientação determinava que os antigos Leprosários continuassem a atender as

emergências clínico-cirúrgicas dos doentes de Lepra e asilassem os antigos doentes

“deformados e incapazes”, sem possibilidade alguma de recuperação. Todavia orientava para

que a hospitalização não esgotasse os recursos e não prejudicasse a eficiência dos

Dispensários, “núcleos de controle da Lepra”.570

Apesar das experiências com a sulfona e seus derivados durante todos os anos de

1940 e 50 e o desenvolvimento de medicamentos cada vez mais eficazes a partir de então, os

Leprosários no Brasil foram instituições “ativas” até os anos 80, atendendo desde casos novos

da doença até reinternamentos de pacientes, que por razões econômicas ou sociais voltaram

para o Hospital.

Mas, de modo geral com o fim do isolamento compulsório, garantido por algumas

determinações legais, alguns direitos dos doentes foram assegurados. Um decreto federal de

1962 garantia aos doentes de forma contagiante o “direito de movimentação” e revogava a lei

610/49 que obrigava o isolamento em Leprosários de todos os doentes de formas contagiantes

e daqueles não-contagiantes que, “por insubmissão às medidas sanitárias”, representassem

perigo social.571

A exemplo do que aconteceu na Europa com o fim da endemia de Lepra, no século

XIV, a loucura, “nova encarnação do mal”, herdou os espaços que pertenciam aos leprosos.572

Em 1972, o Hospital Colônia Itapuã recebeu cerca de 180 pacientes egressos do Hospital

Psiquiátrico São Pedro, de Porto Alegre. No Itapuã objetivavam promover a reabilitação

569
ROTBERG, A; BECHELLI, L. M. O dispensário na profilaxia da lepra: sua importância crescente e
modernização. Revista Brasileira de Leprologia, vol. 19, n.º 2, São Paulo, junho de 1951 p. 71-72.
570
BOLETIM do Serviço Nacional de Lepra, ano XXVI, n.º 3 e 4 - jul./dez. Ministério da Saúde. Departamento
Nacional de Saúde, Rio de Janeiro, 1967, p .96.
571
Dec. 968 de 7 de maio de 1962.Boletim do Serviço Nacional de Lepra, Ano XXVI, nº 3 e 4, Jul-dez, 1967,
DNS, Rio de Janeiro: 1967, p.95 - BALRGS
572
FOUCAULT, Michel. História da Loucura...Op. Cit. p. 3-9.
165

social destes pacientes através da laborterapia praticada nas atividades agrícolas. O Centro de

Reabilitação Agrícola (CAR), como foi posteriormente denominada esta “unidade de

tratamento psiquiátrico”, passou a dividir o espaço da Instituição com os doentes hansenianos

que permaneceram internados.

Um rearranjo no espaço hospitalar foi promovido para comportar esta nova situação,

primeiramente marcada por conflitos573, depois por aceitação. Os pavilhões que haviam ficado

desocupados pela saída dos hansenianos foram reutilizados para abrigar estes novos

moradores. A vinda destes pacientes para o Itapuã pode ser lida como um reforço no caráter

de exclusão do Hospital, pois ambos doentes eram profundamente estigmatizados.

Um outro problema gerado com o fim do isolamento foi a respeito da inserção social

dos egressos dos Leprosários. Uma pesquisa realizada nos anos 60 a pedido do Serviço

Nacional da Lepra, visando a reintegração dos hansenianos na comunidade, exemplifica a

situação.

O “inquérito” que vamos acompanhar foi efetuado junto ao Centro de Saúde n.º2, em

Porto Alegre, no ano de 1969. Neste Centro encontravam-se registrados 103 doentes, dos

quais apenas 56 foram entrevistados, sendo que dos 57 restantes, 24 não foram encontrados e

os outros 23 não deram entrevistas por diversos motivos, desde não comparecimento até

recusa de dar depoimento.

O questionário tinha uma série de perguntas, destacaremos apenas as relacionadas à

reintegração social. Dos 56 entrevistados, quando perguntados se seus vizinhos sabiam que

eram portadores da doença, 47 disseram que ninguém sabia. Entre os entrevistados que

trabalhavam 23 dos 56, 20 disseram que nenhuma pessoa do trabalho sabia que eram doentes.

Na pesquisa, a equipe observou casos em que o doente ocultava a enfermidade “até do

próprio cônjuge, com receio de ser abandonado”, enquanto outros ocultavam de pais, de

573
Histórico do CAR. Unidade de Internação Psiquiátrica, S/D. Arquivo do CEDOPE. Os hansenianos a
princípio rechaçaram completamente a idéia da ida dos pacientes psiquiátricos para o Itapuã. - CEDOPE/HCI
166

irmãos, de filhos, de noras e de genros, “com a intenção de não lhes causar desgostos,

constrangimento e prejuízos em sua vida social.”574

A dificuldade da reintegração social foi algo que acompanhou os doentes, não apenas

quando a doença deixava alguma seqüela física, mas quando – como no caso da maioria dos

entrevistados pela pesquisa – a reintegração passava por omitir (ou mentir?) o passado,

principalmente quando vivido no Leprosário. Como preencher a lacuna dos anos em que se

viveu fora da sociedade? A solução encontrada por muitos foi fixar residência em locais

distantes de suas antigas comunidades, como também revelou a pesquisa: “grande número de

doentes deixava seu local de origem com receio de ser identificado como hanseniano.”575

Dos 56 entrevistados, 31 haviam passado pelo Itapuã. De modo algum podemos

tributar o estigma e o preconceito social existentes em relação à Lepra e ao Leprosário, mas

não podemos negar que passar pela Instituição estigmatizava o doente e a segregação era um

indício de que a doença e seu portador representavam um perigo social.

Por fim, quando foi decretada a falência dos Leprosários, muitos envolvidos na

Campanha foram os primeiros a reconhecer o “grande equívoco” cometido em nome da

profilaxia, esta idéia foi muito bem sintetizada na seguinte passagem lida na sessão da

Associação Brasileira de Leprologia:

As gerações futuras sorrirão à história dos enormes “leprosários”, instalados


em áreas incrivelmente extensas, escolhidas a dedo, longe, muito longe das
cidades e dos centros médicos de tratamento e investigação, mas lamentarão
que tantos sofrimentos e malefícios tenham ocorrido por simples mal-
entendido de uma observação realizada na Noruega.576

O “mal-entendido” refere-se ao internamento compulsório como forma de eliminar a

doença. Mal-entendido que, diga-se de passagem, tinha sido denunciado quase 30 anos atrás
574
Relatório do inquérito realizado em hansenianos visando estudar a reintegração dos mesmos em sua
comunidade. Boletim do Serviço Nacional da Lepra. Ano XXVIII. n.º 3, setembro de 1969. Ministério da Saúde,
Rio de Janeiro: 1969. p.p.96-121.
575
Idem, p. 112. (Boletim, 1969)
576
Boletim do Serviço Nacional da Lepra, ano XXVI, n.º 3 e 4 Jul. Dez., 1967, Ministério da Saúde,
Departamento Nacional de Saúde, Rio de Janeiro, p. 88.
167

com o caso das Filipinas. Estudos posteriores indicaram que o declínio dos casos de Lepra na

Noruega foram conseguidos a partir da instituição de medidas elementares de higiene

domiciliar pelos “Comitês de Saúde”(1854). A lei de isolamento (1885), que serviu de modelo

para vários países, entre eles o Brasil, atingia somente os doentes em estado muito avançado

da doença e apenas uma minoria de leprosos latentes ou seja, que não manifestavam as

características mais evidentes. Quando essa lei foi promulgada na Noruega, a doença já estava

em queda evidente.

Figura 33: Gráfico do declínio da Lepra na Noruega. Boletim do Serviço Nacional de


Lepra, Ano XXVI, nº 3 e 4, Jul-dez, 1967, DNS, Rio de Janeiro, 1967.
168

O internamento compulsório em Leprosários, do ponto de vista médico profilático,

pode ser saudado a posteriori como um fracasso. Os resultados obtidos por tal método no

Brasil foram considerados insatisfatórios, houve um ocultamento de grande número de

enfermos por temor à internação, houve a desintegração e a estigmatização da família do

doente, um aumento da discriminação e do preconceito em relação aos doentes, apresentados

como perigo e ameaça social, fora os elevados gastos para o erário público.577

Walter Benjamin (1993) enunciou que: “Nunca houve um monumento da cultura que

não fosse também um monumento à barbárie.”578 Eis uma das lições dos enormes

Leprosários, construídos nos anos 30 e 40 para colocar o Brasil entre os países realmente

civilizados...

577
Conclusões neste sentido foram formadas nos Seminários e Congressos Internacionais de Lepra realizados no
final dos anos 50 e 60. Vide Seminário realizado em Belo Horizonte em 1958, onde o isolamento obrigatório em
leprosários foram apontados como obstáculos no combate à lepra (Boletim do SNL, no. 3 e 4, 1967, p. 94). Ou
ainda, os resultados da II Jornada Brasileira de Estudos de Educação em Saúde em Salvador, onde o Diretor da
Divisão Nacional da Lepra avalia que o diagnóstico tardio dos casos da lepra se deve ao fato que os doentes procuram
esconder o diagnóstico temendo a condenação da segregação total (Boletim do SNL, n.º. 3 e 4, 1971, p. 110-
111).
578
BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas, 5ª ed., São Paulo: Ed. Brasiliense,
1993. “Sobre o conceito da história”, p. 225.
169

3.3 Considerações em torno do “mundo dos internados”

Ao ingressar no Leprosário, além de um sistema formal estabelecido a partir das

regras impostas pela Instituição, muitas vezes o doente passava a participar de um outro

sistema de regras não escritas, o qual chamaremos de informal.

O sistema formal visava ajustar o indivíduo a sua nova condição de internado, exigia

que ele se comportasse de uma maneira “adequada”, cooperando com a organização e o

funcionamento do Hospital. Goffman (2003) chamou este comportamento exigido do

indivíduo de “ajustamentos primários”. O doente não faria nem mais, nem menos do que

esperavam que ele fizesse.

Paralelo ao sistema formal funcionava um sistema informal, forjado no cotidiano da

Instituição com a finalidade de “amenizar” essa nova condição do internamento. Na

informalidade, o internado procurava fugir ao controle completo que o Hospital tentava

impor, este comportamento Goffman (2003) chamou de “ajustamentos secundários”. O

doente empregaria os meios que dispunha para se isolar do papel que a Instituição exigia dele.

Muitos internados devem ter permanecido dentro destes “ajustes primários”,

obedecendo as “regras da casa”, por convicções pessoais, por necessidades íntimas, pela

posição ocupada dentro do isolamento – um cargo “importante” por exemplo – ou mesmo por

ingressarem em algum sistema de privilégios. Entretanto, acreditamos que muitos doentes

tenham recorrido aos “ajustamentos secundários”, seja por um “instinto” de preservação da

individualidade ou simplesmente por alguma necessidade momentânea.

Em todas as entrevistas que realizamos, não encontramos uma pessoa que algum dia,

por algum motivo, não tenha burlado alguma regra do Hospital, fora àqueles que o faziam de

modo deliberado. Com isso não queremos dizer que os doentes passavam o dia inteiro

pensando estratagemas para obter vantagens pessoais ou para o grupo, mas, conhecedores do
170

funcionamento do Hospital, procuravam tirar algum proveito para garantir um destino melhor

no isolamento.

Quando falamos de “ajustamentos secundários” nos referimos a pequenas atitudes, e

“práticas cotidianas” para conseguir fins não-autorizados pela Instituição.579 Dentre elas é

possível destacar as orações mais demoradas que encurtassem a jornada de trabalho, os

encontros às escondidas, a diminuição do ritmo das tarefas diárias. Os meios empregados,

observados por alguém de fora, também podem parecer infinitamente pequenos, como aquele

internado que presenteava com laranjas a Irmã responsável pelo pavilhão das meninas com a

intenção de um dia obter licença para namorar uma das internadas.580 Ou ainda, a troca de

“bilhetinhos” dentro do refeitório onde a conversa entre os moradores solteiros de sexo oposto

era proibida.581

Outras vezes estes “ajustamentos secundários” assumiam formas mais ardilosas,

como a falsificação da moeda que circulava internamente no Hospital.

O trabalho, ou qualquer transação, era paga nesse “latão” que fora do Hospital não

tinha valor nenhum. A moeda tornou-se um empecilho a mais à liberdade dos doentes, que

não poderiam fugir do Leprosário sem dinheiro. Um dos internados começou a falsificá-las, e

os doentes que pudessem destruí-las o faziam, até que o DES foi obrigado a retirá-la de

circulação.582

579
Certeau desenvolveu a idéia de práticas cotidianas como operações através das quais os indivíduos fundam
micro-resistências. Todo o sistema por mais vigilante e disciplinar que seja apresenta espaços de movimentação,
brechas , onde se instauram estas atividades táticas que visam sobretudo fugir da massificação e da passividade.
CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Op. Cit.
580
. P. F. H. Entrevista concedida a Juliane Conceição Primon Serres. Hospital Colônia Itapuã, 25 de janeiro de
2000. “Seu Chico”. - CEDOPE/HCI.
581
.C.L. Entrevista concedida a Viviane Trindade Borges. Hospital Colônia Itapuã, 21 de março de 2001.-
CEDOPE/HCI.
582
A.T.B. Entrevista concedida a Viviane Trindade Borges. Hospital Colônia Itapuã, 09 de janeiro de 2001. -
CEDOPE/HCI.
171

Figura 34: Moedas de Circulação interna no Leprosário Itapuã. CODOPE/HCI

Essa moeda, feita de latão, substituía entre os interessados a moeda corrente. A

justificativa para sua adoção era de ordem profilática, evitar que o dinheiro tocado por doentes

saísse da Colônia.

Os “ajustamentos” diziam respeito à relação dos doentes com a Instituição, faziam

parte do “sistema informal”. Porém, este sistema abrangia outros tipos de relações. Vamos

passar agora a examinar a relação dos doentes entre si.

Tomemos um caso particular, a moradia. Os critérios formais de divisão entre os

doentes eram sexo, idade (criança/adulto) e estado civil. Quando um “novato” chegava ao

Hospital, antes mesmo da direção lhe destinar um lugar, havia um acerto entre os internados

para ver quem iria ficar com aquele companheiro. Os moradores dos pavilhões davam

preferência a “colegas” da mesma origem étnica, o que em tese assegurava costumes comuns,

ou aqueles que estivessem em boas condições físicas, garantia de que o companheiro poderia

“se virar sozinho”. Entre as mulheres, pareceu-nos que este segundo “critério” era mais

brando, ao invés dele, primavam pela higiene e moralidade da companheira.

Mas nem sempre era possível levar adiante este arranjo. O problema da moradia

aparece constantemente na fala dos moradores. Encontrar um “companheiro” de quarto ideal

significava a possibilidade de constituir uma rede de apoio e de solidariedade, indispensável

naquele universo tumultuado. Algumas vezes estas redes eram formadas por doentes que

provinham das mesmas regiões, religiões e, talvez, entre doentes que desfrutavam de
172

condições econômicas semelhantes, embora a maioria dos internados fosse pobre.

Destacaríamos estas “redes” como um segundo aspecto importante da “cultura dos

internados”.

Sob estas “redes de solidariedade” informais pairava uma tensão constante. Enquanto

os internados estivessem se auxiliando mutuamente no sentido de promover os ajustamentos

primários à Instituição, ou seja, a aceitar o isolamento e seguir as normas, tudo funcionava

bem. Entretanto, às vezes alguns doentes se apoiavam nos outros para realizar pequenas

contravenções (ajustamentos secundários) como o consumo de álcool, a ausência no trabalho,

ou mesmo a tentativa de fuga.

Nestes momentos, a “lealdade” do companheiro era testada e para o bem do

“contraventor” era bom que a rede que o ligasse ao colega fosse sólida, do contrário poderia

ser muito fácil para a direção acionar o sistema “prêmio-castigo”, obrigando um doente

alcagüetar o outro. No geral, acreditamos que funcionava a regra de um doente “acobertar” o

outro, visto que a dependência era um laço que envolvia a todos.

Mas nem sempre os internados eram solidários com seus “companheiros”. O direito

ao cultivo da terra era uma moeda de troca entre os doentes, conforme denunciou o jornal dos

internados.583 Do mesmo modo que ocupar um cargo de poder dentro do Leprosário podia

assumir formas autoritárias.584

Havia também uma organização “formal” de auxílio aos doentes dentro do

Leprosário, a “Caixa Beneficente”. Esta “Associação” da qual poderiam fazer parte todos os

internados, mediante uma contribuição mensal mínima, intermediava os negócios realizados

entre o Hospital e os doentes. Parte do que era produzido pelos internados era vendido para o

583
Jornal A Razão, Colônia Itapoã, nº343 de 8 de outubro de 1950, p.2. Esse jornal denunciava com repúdio o
comportamento de alguns internados que vendiam o direito ao cultivo terra para outros internados.
584
.E.M.de C. Entrevista concedida a Juliane Conceição Primon Serres. Hospital Colônia Itapuã, 15 de outubro
de 2003. “Dona Telma”, referiu-se aos guardas que às vezes prejudicavam seus companheiros, “abusando” do
cargo que tinham.
173

Leprosário. O dinheiro que a Caixa ganhava nestas “transações” era usado em benefício dos

doentes necessitados e para fomentar a vida social dentro da Colônia.585

Oferecer distrações aos internados era uma forma atrativa de convencê-los a aceitar

isolamento. Procurava-se construir uma idéia de “normalidade”, os doentes tinham uma rotina

de trabalho, uma vida religiosa, constituíam uniões entre si, tinham uma vida social.

Entretanto, a situação era muito ambígua, a qualquer momento esta idéia de “normalidade”

podia se desfazer. Apenas o cerceamento do direito de ir e vir podia denunciar a

“artificialidade” da vida construída dentro do Leprosário.

Feita essa ressalva, podemos dizer que também os internados procuravam

(sobre)viver do modo mais normal possível diante da “inevitabilidade” do seu destino. A vida

social na Colônia é, em geral, a recordação mais feliz que os moradores guardam. Alguns

ficam horas falando dos bailes, dos filmes, dos passeios. Selecionam estes momentos,

possivelmente, para suportar as lembranças de situações mais tristes que viveram.

Os eventos sociais tentavam integrar os doentes no cotidiano da Instituição,

procurando estabelecer este princípio da “normalidade”. Circulava no Leprosário um Jornal

denominado “A Razão”, este semanário, de propriedade da Caixa Beneficente, fundado em

1943, dedicava-se basicamente a noticiar os eventos sociais da Colônia e a informar sobre

pequenos acontecimentos envolvendo os internados.586

Anúncios de cinema: “O sinal de Perigo, com Z. Scott”, “Você devia ser artista de

Cinema, foi exibido na Quarta”; “De amor também se morre, com Joan Fontaine”; ou ainda:

“Jornadas Heróicas, com Garry Cooper”; “Devoção, com Ida Lupino e Olivia Haviland”.

585
Ajudava uma média de 100 doentes por mês. DES 1940, Relatório apresentado ao Exmo. Snr. Cel. Cordeiro
de Farias, Interventor Federal, pelo Dr. José Bonifácio Paranhos da Costa, Diretor Geral. Officinas Graphicas da
Imprensa Oficial, POA, 1941, p. 49.
586
O Jornal se anunciava como “órgão oficial”. Em 1950 a tiragem era de 70 exemplares de 4 páginas, impressos
em uma tipografia caseira. Esta tiragem pode ser considerada bastante significativa, em um universo de
aproximadamente 500 moradores, com cerca de 50% de analfabetos. O que não quer dizer que os analfabetos
estivessem excluídos do consumo do semanário, pois podia haver leituras públicas entre os internados.
Calculamos os analfabetos com base nos dados de 1941 onde em uma população de 456 doentes, tínhamos 225
analfabetos. DES, 1941, Relatório apresentado...Op. Cit. p. 25.
174

Notícias de esportes: “Em emocionante embate Wolleybolístico (sic) defrontaram-se,

domingo último, às 15h30min, o ‘six’ do internado São Luiz e um selecionado local”; “Os

amantes do esporte das multidões terão, na tarde de hoje, no gramado terminal da avenida

Getúlio Vargas, a oportunidade de assistir a um sensacional embate entre os dois quadros que

se defrontaram, empatando, na semana da Pátria”.587

Em um primeiro olhar se esta publicação fosse deslocada do local onde ela circulava,

dificilmente poderíamos imaginar que se tratava de um lugar de isolamento. Em um segundo

momento, um aspecto chama a atenção do olhar. O diretor do jornal era apresentado como

Paulo R., o secretário como N. G., os aniversariantes, Augostinho P., Cláudio C., Eugênio S.,

Dionísia R., o juiz das partidas de vôlei, Nilo P., o falecido Ernesto P., a viúva Hilda P., o

presidente da Caixa Beneficente, Henrique F., o tesoureiro Alcides M., o padre, Cipriano do

Vale, o médico Dr. Honório Ottoni.588

Os doentes eram apresentados pelo primeiro nome, seguido de um sobrenome

abreviado, não porque todos se conheciam no Hospital e o sobrenome era dispensável, o

padre e o médico tinham seus nomes completos estampados nas páginas, a “técnica” era para

que não fosse possível por alguém que não fizesse parte da comunidade reconhecer os

internados. Denunciava-se, assim, mais uma vez aquela “normalidade” aparente.

O jornal reservava um espaço discreto denominado “notas administrativas” para

informar sobre a chegada, as licenças e os regressos de licenças de internados. Sobre as

chegadas, além do nome e da inicial do sobrenome, constava a procedência dos internados.

Uma outra “coluna” do jornal denominava-se “miscelânea”, como o nome indica, ali eram

reunidos escritos sobre vários temas. Esta seção nos pareceu muito interessante.

587
Estas referências foram extraídas dos exemplares do jornal “A Razão”, Colônia Itapoã, dos dias 17 e 24 de
setembro e 1º e 9 de outubro de 1950, correspondente aos números 340,341, 342 e 343 respectivamente, ano 7.
588
Idem.
175

Como o próprio jornal se intitulava, ele era um “órgão oficial” da Colônia,

financiado pela Caixa Beneficente, organização formal constituída no Leprosário. Apesar de

produzido pelos internados, a forma como este jornal veiculava as notícias ficava bem ao

agrado do Hospital, procurava sempre engrandecer as atividades desenvolvidas na Colônia

deixando transparecer uma satisfação dos internados com a vida social que levavam. O estilo

do redator contribuía muito para isso, as frases são recheadas de palavras como “grandioso”,

“extraordinário”, “sensacional”.

Na seção “miscelânea” o tom das

informações mudava um pouco. Com um

ar de humor e de deboche, usavam este

espaço do jornal para tecer críticas e

divulgar “mensagens”, compreensíveis

apenas para aqueles que compartilhavam

do universo “íntimo” dos internados.

Poderiam estar excluídos deste universo

inclusive alguns doentes e provavelmente a

própria direção do Hospital.


176

Figura 35: Jornal “A Razão”, “Órgão Oficial”, Colônia Itapuã. domingo, 24 de setembro de 1950, nº

341.

Pessoas que não pertenciam ao “mundo dos internados” não poderiam compreender

informações como: “anteriormente a lei áurea havia um cargo que depois desapareceu, era o

cargo de capitão do mato! ... senhor! Mas porque essa recordação agora?... Caprichos da

imaginação?...589 Ou ainda: “Ele voltará! Mas não foi só ele o chefe de trinta!...O outro ‘ele’

desta Colônia também voltou...Voltou ao ninho antigo....e já foi visto em companhia

‘dela’!...Quem foi ‘rainha’, sempre tem majestade!...”590

Certamente, referiam-se a acontecimentos ligados ao cotidiano dos internados. A

forma de escrever, através de “códigos”, servia para endereçar as mensagens, algumas pessoas

iam entender. Outras mensagens eram mais diretas, como uma que possivelmente se referia a

eleição para prefeito dos internados: “O direito à cidadania e ao voto foi negado aos

internados. Apesar disso, em nossa Colônia temos verdadeiros comitês políticos (...) Quanta

vocação política perdida...Que pena!...” 591

A seção “sociedade” era a mais destacada no jornal. O título de “Rainha da

Primavera” de 1950 foi uma conquista que a dona Terezinha B. (naquela época senhorita) não

pôde compartilhar com sua família. Ela teria motivo para se orgulhar do título, não fosse ele

conseguido em “situação tão especial” como a de um isolamento.

No dia 1º de outubro de 1950, o jornal anunciava:

De brilhantismo sem ar revestiu-se o grandioso Baile da Primavera levado a


efeito na noite de Domingo último no confortável salão de bailes do
Pavilhão de Diversões. Pela extraordinária concorrência, pela grande
animação reinante e pelo ambiente de franca cordialidade pode-se classificar
esta festa, página de ouro acrescida ao “carnet” social de nossa cidadezinha,
como uma verdadeira noitada de gala. Às 20 e 30 horas deu entrada no salão
de bailes (...) a senhorita Terezinha B., Rainha da Primavera eleita no

589
Jornal A Razão, Colônia Itapoã, n.º 341, 24 de setembro de 1950, p.2.
590
Idem , n.º 343, 8 de outubro de 1950, p. 2.
591
Jornal A Razão, Colônia Itapoã, n.º 341, 24 de setembro de 1950, p.2.
177

sensacional concurso patrocinado pela “A Razão” em colaboração com o


Departamento Esportivo da Caixa Beneficente, acompanhada de suas aias,
senhoritas Gladys H. e Ely S., dirigindo-se para o artístico trono, levantado
em uma das extremidades do salão, saudada por uma salva de palmas.

Hoje, com mais de 70 anos, dona Terezinha, que deixou o Hospital pouco tempo

depois de ganhar o concurso, ainda fica visivelmente emocionada ao recordar aquela época.

Mostrou-nos no jornal um anúncio onde um internado sob o pseudônimo de “Édico” lhe

dedicou um “bilhete”, saudando-a como “rainha da cidade-esperança”. Ela nunca soube quem

foi o autor, entretanto publicou no jornal seguinte uma nota de agradecimento na qual

prometia guardar o “bilhete” por toda a vida. Eis porque estes jornais chegaram até nós.

Histórias bonitas e tristes como a de dona Terezinha povoam o Leprosário. Cada

morador conserva suas lembranças de outros tempos, reveladas, às vezes, de modo

romantizado, estereotipado, dramatizado. Em geral todos tentamos ser heróis da nossa própria

história, primeiro convencendo a nós mesmos, depois tentando convencer aos outros. Nem

todos os doentes partiram quando as portas do Leprosário foram abertas, muitos ficaram.
178

Capítulo 4: “Nós não caminhamos sós”:

Como está o mundo, tinha perguntado o velho da venda preta, e a mulher do


médico respondeu: Não há diferença entre o fora e o dentro, entre o cá e o lá,
entre os poucos e os muitos, entre o que vivemos e o que teremos que viver
(...)
José Saramago - Ensaio sobre a Cegueira.

4.1 Estávamos todos na mesma situação...

Foi pelos idos de 1950 que ergueram um portão onde antes havia uma cerca para

separar a zona dos doentes do resto do Leprosário e sob ele escreveram: “Nós não

caminhamos sós.”592 O “lema” escrito à entrada do Hospital podia abrigar ao menos dois

sentidos: aqueles doentes não viveriam sem ajuda, “não caminhavam sós”, ou a frase traduzia

uma afirmação de que os doentes não estavam sós, contavam com a ajuda, do Estado, da

Caridade, da Igreja, dos companheiros. De qualquer modo, o lema pretendia conferir um

caráter mais humano ao isolamento, oferecer palavras de conforto não apenas aos internados,

mas aos visitantes. Realmente aquelas pessoas ali não caminhavam sós, não se encontravam

abandonadas.

O mundo do internado talvez seja um dos aspectos mais interessantes de nossa

pesquisa. Através das fontes oficiais (produzidas pela Instituição) este mundo dos doentes

parece desbotado. Estes documentos registraram a ordem, a regularidade, a disciplina. A

dinâmica das relações que foram tecidas no interior do isolamento não se dão a conhecer ao

primeiro olhar. Somente vamos percebendo que existe uma vida própria e significativa no

592
Foi organizado no Leprosário um concurso para escolher uma frase para ser escrita sob o portão de entrada,
vários moradores participaram, sendo escolhida a frase de um internado, marido de uma de nossas entrevistadas.
Ela relembra a ocasião da “inauguração” do portão, onde o marido recebeu um prêmio por ter vencido o
concurso. E.M.de C. (Dona Telma) Entrevista concedida a Juliane Conceição Primon Serres. Hospital Itapuã.
Outubro de 2003. No Leprosário Modelo nos Campos do Santo Ângelo em São Paulo, tinha na entrada do
Hospital a frase “Aqui renasce a esperança”. SOUZA ARAÚJO, Heraclides César de. História da Lepra no
Brasil. Op. Cit. vol.3, p. 245.
179

Leprosário à medida que nos aproximamos dela. Goffman (2003) sugere que a melhor forma

de conhecer este universo é submeter-se à companhia de seus participantes.593

Estamos buscando compreender como viveram os internados em outra época, um

mundo que em grande parte se desfez. Todos esses velhinhos que circulam hoje na

Instituição, com seus passos trôpegos, auxiliados por bengalas, há 40 ou 50 anos atrás, eram

jovens. As irmãs não existem mais, as visitas de domingos separadas pela cerca não existem

mais, a cadeia está com as suas grades corroídas pelo tempo, o cinema não exibe mais filmes,

sequer possui cadeiras. As Igrejas estão desmoronando, sobraram poucos jardins. Os

pavilhões e as casas estão sendo fechados por falta de moradores. O silêncio invade os dias e

as noites do Hospital. Às vezes é possível percorrer as ruas sem encontrar viva alma.

Embora aquele universo que buscamos seja tão diferente deste que hoje se apresenta,

conviver com os “participantes” nos ajudou a “imaginar melhor” o que era aquele lugar há 50

anos. Algumas vezes temos a impressão de que o passado emerge com toda sua força naquele

lugar e não nos referimos somente às construções, às ruas e às praças que revelam a

antigüidade do local, mas às relações construídas naquele isolamento. O tempo no Leprosário

tem um ritmo diferente. Os moradores falam de “colegas” que partiram há 30 anos, como se a

cadeira que eles ocupavam à mesa do café ainda estivesse quente.

Neste universo de relações, também tiveram aquelas que nos envolveram. Os

internados geralmente procuravam estabelecer um distanciamento inicial com “os de fora”,

com “as pessoas de saúde”. Nós éramos os diferentes. Embora curados, na maioria das vezes

referiam-se a si mesmos como “nós os doentes”, identidade que lhes foi imposta durante toda

uma vida, difícil de ser rejeitada, ainda mais residindo na Instituição e carregando no corpo

marcas da doença. Não raro alguns se escondiam ao nosso olhar, talvez com medo de nosso

593
GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos...Op. Cit. p.8.
180

medo. As pessoas mais seqüeladas eram as mais arredias e solitárias. Algumas delas nunca

chegamos a ver.

Os participantes daquele universo, com quem convivemos, eram pessoas cujos sinais

externos da doença eram menos evidentes. Possuíam algumas seqüelas, conseqüência de um

período que o tratamento contra a doença era pouco eficaz, mas nada que os impossibilitaria

de ter uma vida “normal” fora do Leprosário, sem despertar nenhuma suspeita sob seu

diagnóstico pregresso.

Alguns passeiam fora do Hospital com freqüência, como o caso de Dona Telma, que

semanalmente vai a Porto Alegre na casa de uma amiga (cuja mãe esteve também internada

no Hospital), mas subsiste sempre com ela aquele medo de ser descoberta.594 Esta senhora

tem as mãos perfeitas, um símbolo de distinção entre os doentes, que na maioria dos casos

ficavam com as mãos e os pés mutilados.

Um aspecto interessante que pudemos observar durante o convívio com os internados

refere-se justamente às mãos. Aqueles que as conservavam perfeitas faziam questão de

oferecê-las para o aperto, uma, duas, três vezes durante o mesmo encontro. Do mesmo modo

que aqueles que as tinham estragadas, como costumam dizer, procuram escondê-las do olhar

do outro.

Entre os próprios internados há um sistema informal de hierarquia quanto à

aparência. Os mais mutilados são vistos pelo grupo, na maioria dos casos, como desleixados,

engraçados ou esquisitos, poucas vezes consideram o tipo da doença e suas características.

Esta observação foi possível durante o convívio na Instituição, principalmente a partir da fala

de uma moradora.

594
E.M. de C. Entrevista concedida a Juliane Conceição Primon Serres. Hospital Colônia Itapuã, 15 de outubro
de 2003.
181

Dona Anita nunca quis que suas palavras fossem gravadas, disse que não sabia falar

ao gravador e que tinha pouco a contar sobre sua vida. No entanto, foi nas conversas

informais com ela que muitos aspectos da “cultura dos internados” foram revelados.595

Trata-se de uma senhora de mais de 70 anos, baixinha e franzina, com um olhar

meigo como poucos. Foi para o Leprosário ainda menina e passou sua vida lá. Ao contrário de

seu marido, um de nossos entrevistados, não gosta muito de falar, seu passado lhe causa

imensa tristeza. Com mãos e pés mutilados pela doença, não se sente bem na companhia de

estranhos, sempre pensa que está sendo observada. Dona Anita “optou” por viver à margem

da vida social do Hospital, não vai à Igreja, às festas, raramente sai de casa. Por muito tempo

insistia em dizer que não gostava de estar no “movimento” porque o barulho a deixava

aborrecida. Um dia confessou que não participava das reuniões sociais porque sentia-se

constrangida.

A princípio, este comportamento de dona Anita era compreensível, tratava-se do que

Goffman (1988) chamou de “auto-estigma”. Porém, no desenrolar da conversa explicou que

muitos internados iam às missas para rir dos “pépes”. Pausa, tratava-se de outro fenômeno.

“Pépes”, nos esclareceu, era como chamavam na Colônia as pessoas aleijadas, muitas vezes

motivo de riso e de escárnio. Ela se considerava uma “pépe”, portanto evitava o contato com

os demais moradores, exceto com aqueles que tinha intimidade. Por sua vez, dona Anita

demonstrava-se reticente em relação a outros moradores que não cuidavam de suas

aparências.596 A partir de então, começamos a observar as relações de um outro modo e

595
A expressão “cultura dos internados” foi criada por Goffman para designar um sistema informal mais ou
menos organizado do qual participam os moradores de instituições totais. GOFFMAN, Erving. Manicômios,
Prisões e Conventos...Op. Cit.
596
Dona Anita não quis dar entrevista, entretanto autorizou que fossem divulgadas nossas conversas. Depois de
um encontro com ela partíamos para escrever tudo que fosse possível lembrar, como um caderno de campo.
182

perceber algumas diferenças, muitas vezes sutis, que compõem a cultura dos internados, entre

elas a distinção pela aparência. Esta distinção parece fundamental na construção das relações,

as pessoas de boa aparência gozam de um status diferente entre os doentes.

Um outro elemento da cultura dos internados refere-se aos ganhos secundários

dentro da Instituição.597 Se por um lado o Leprosário segregava os doentes, por outro

representava uma possibilidade de sobrevivência.

Na Instituição ganhariam, além de tratamento, moradia e alimentação. Pudemos

perceber que estes ganhos eram muito valorizados pelos internados. As próprias relações que

se constituíam no internamento, como as uniões entre os casais, por exemplo, passavam por

estes ganhos. Além de ter um companheiro, o internado que casasse tinha alguns benefícios,

como a moradia e um rancho mensal. Não precisaria mais morar em um pavilhão com mais

vinte e tantos internados, nem fazer as refeições no refeitório. Os casais, moradores das

casinhas, conseguiam manter uma vida relativamente privada dentro do Leprosário.

O convívio com os moradores, não apenas com aqueles que nos deram entrevistas,

mas com os outros com quem nos relacionamos de modo menos “oficial”, nos ajudou a

pensar o Hospital e as relações de modo não tão homogêneo como à primeira vista.

Quando olhado de fora, de longe, com um olhar distraído ou “viciado” (de quem vê,

o que quer ver), o Leprosário pode deixar a impressão da homogeneidade, do conformismo,

da submissão. Se tomarmos os regulamentos, tanto do DES, quanto os do próprio Hospital,

podemos pensar que os doentes viviam como “sonâmbulos” a obedecer ordens da direção.

Entretanto, lançamos um olhar sobre o mundo dos internados e esse nosso olhar busca a

diferença, a vida que surge e se desenvolve sempre forçando os limites impostos pela

Instituição.

Quando decidimos utilizar esta fala, procuramos D. Anita. As anotações foram lidas para ela conferir se o
conteúdo estava de acordo e pedimos sua autorização para utilização das informações.
597
GOFFMAN. Erving. Estigma. Op. Cit. cap.1 .
183

Procuramos construir um pouco desta “trajetória do desterro”598 pela qual passaram

muitos doentes de Lepra, como (sobre)viveram à segregação e muitas vezes a transformaram.

Conhecendo a vida de muitos internados observamos que os homens são capazes de (re)fazer

suas vidas sob circunstâncias adversas e percebemos que não há muita diferença entre o “fora

e o dentro”. Aquele microcosmo reproduz tanto quanto possível as relações e os valores que

se estabelecem na sociedade externa – solidariedade, submissão, egoísmo, resistência,

conformismo, jogo de interesses, compaixão – e como todo sistema possui brechas, às vezes

espaços mínimos que garantem aos indivíduos alguma movimentação.

598
Expressão tomada a Bertolli Filho quando estuda os caminhos percorridos pelos doentes de
tuberculose. BERTOLLI FILHO, Cláudio. A História Social da Tuberculose e do
Tuberculoso. Op. cit.
184

4.2 “A trajetória do desterro”

Hoje sobraram alguns moradores no Leprosário, a maioria partiu quando foram

abertas as portas do isolamento. Entre os que ficaram, dispostos a falar têm poucos. A maioria

dos internados prefere que suas histórias se percam para sempre, gostariam que suas histórias

fossem outras e se reservam o direito ao silêncio.

Entretanto, existem aqueles que querem ser ouvidos, como se falar de seu passado

fizesse parte do processo de “cura”. Walter Benjamim (1994) pergunta “se não seriam todas

as doenças curáveis se apenas se deixassem flutuar para bem longe – até a foz – na

correnteza da narração.”599

Todos os moradores-usuários do Hospital que nos deram entrevistas são pessoas que

a seu modo superaram o “trauma” causado pela doença e pela segregação. Eles conseguem

olhar para si mesmos e formular explicações e sentidos para suas vivências, mesmo que para

isso eventualmente distorçam falas, omitam informações, fantasiem situações, estabeleçam o

que chamaríamos de um “distanciamento”, ou seja, falem de si mesmos como se estivessem

falando de outra pessoa.

Esses “recursos” são usados pelos narradores na busca de estabelecer uma coerência

pessoal satisfatória entre passado e presente e ao contrário de representar um problema,

consideramos estas “distorções” da memória um recurso a mais na pesquisa.600

Buscamos com a história oral conhecer e compreender as experiências dos nossos

entrevistados. O acesso que temos a estas vivências ocorre através de suas lembranças,

599
BENJAMIN, Walter. Rua de mão única (Obras Escolhidas II) 4 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.269.
600
MORAES, Marieta. História Oral: um inventário das diferenças. (?) p. 10. THOMSON, Alistair; FRISH
Michael; HAMILTON, Paula. Os debates sobre memória e História: alguns aspectos internacionais. In:
FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína. (orgs.) Usos e Abusos da História Oral. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
185

construídas ao longo dos anos, trazidas por suas falas, portanto, não temos acesso ao passado

como ele foi, mas ao passado como nossos narradores recordam.

A história oral revela menos sobre os eventos do que sobre os significados, o que não

implica que ela não tenha validade fatual, mas privilegia a subjetividade do expositor, o que

eles selecionaram para nos contar, a maneira como narram, e, principalmente, o papel que

atribuem a si mesmos na história que estão narrando é muito pessoal. Na história oral, o

narrador é empurrado para dentro da narrativa e se torna parte da história, ele é um das

personagens e o contar da história se torna parte da história que está sendo contada. 601

Alistair Thomson (1997) recorre à noção de composição para descrever o processo

de ‘construção’ de reminiscências. Nossas reminiscências variam com as alterações sofridas

por nossa identidade pessoal, a memória gira em torno desta relação passado-presente e

envolve um processo contínuo de reconstrução e transformação das experiências relembradas.

Há uma necessidade de compor um passado com o qual possamos conviver, nesse sentido,

nossas reminiscências sobre o passado são trabalhadas durante toda a vida.602

Considerando todos estes pressupostos, qual sejam subjetividade, relação passado-

presente, seletividade da memória, distorções, que ao nosso ver não prejudicam o trabalho, ou

são “compensados” pela riqueza da fonte oral, realizamos catorze entrevistas, obedecendo o

modelo história de vida, das quais escolhemos duas para trabalharmos. A escolha não foi

fortuita.

Uma de nossas entrevistadas, a quem vamos chamar Dona Branca, além de ter uma

memória fantástica, é daquele tipo de pessoa que gosta de falar, mas apenas para aqueles que

ganham sua confiança, e isso é um caminho lento e árduo. Fomos várias vezes procurá-la sem

sucesso, às vezes dizia não estar se sentindo bem, estar indisposta, com sono ou cansada e

601
PORTELLI, Alessandro. Forma e Significado em História Oral. A pesquisa como experimento de igualdade.
Projeto História, São Paulo (14), fevereiro, 1997, p.31-37.
602
THOMSON, Alistair. Recompondo a Memória: Questões entre a História Oral e as memórias. Projeto
História, São Paulo (15), abril 1997, p.p.54-59.
186

pedia que passássemos em seu quarto outro dia. Quando estávamos quase desistindo, ela

aceitou dar a entrevista. Contrariando as “boas regras” da história oral, em uma tarde ela nos

falou por mais de 3 horas sem parar.

Dona Branca é uma das moradoras mais antigas do Hospital, está entre os cem

primeiros pacientes transferidos do Partenon para o Itapuã, ela é uma referência entre os

internados, justamente porque ela conserva a memória “mais antiga” do grupo. De opiniões

fortes, entre todos os entrevistados, ela nos pareceu aquela que tem menos receio de dizer o

que pensa, talvez porque alimente a certeza de que dentro de pouco tempo vai morrer. Sua

entrevista, além de ser rica em informações factuais graças a sua capacidade de memória e de

inserção no mundo dos internados, é reveladora dos tipos de relações que se desenvolviam no

Hospital, relações de solidariedade, de companheirismo, de interesses. Relata experiências de

preconceito, de solidão, de despedidas.

Portelli (1997) escreveu que cada pessoa é um amálgama de grande número de

histórias em potencial, 603 estar diante de Dona Branca é compreender isto. Um dos aspectos

que mais nos fascinou em sua entrevista foram as pessoas que iam brotando na sua narrativa,

que passaram a ter vida a partir da sua fala. Entramos em contato com tantos internados que

não existem mais, que morreram, que deixaram o Hospital. Uma primeira leitura poderia

supor que ela nos falava tanto dos outros para evitar falar de si mesma, mas aos poucos fomos

percebendo que não era este o caso. Aquelas pessoas faziam parte de sua vida, aquele

amontoado de nomes, de situações, de lugares, eram sua vida.

Seu Francisco, como vamos chamar nosso segundo entrevistado, também é um

homem forte, de fala mansa e pensada, tem uma auto-imagem bem construída. Como poucos,

conseguiu tirar “proveito” da situação de isolamento. Considerado por todos uma liderança,

seu Chico faz questão de participar de todas as atividades do Hospital, procurando garantir

603
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral.
Projeto História, São Paulo, (15), abril, 1997, p. 17.
187

que suas opiniões sejam ouvidas. A diferença entre a sua entrevista e a de Dona Branca é

bastante nítida, ele não estava apenas dando uma entrevista, mas falando para o público.

Nos primeiros contatos que tivemos com nosso entrevistado, ele explicitou que

nunca havia sofrido nenhum tipo de preconceito, sempre foi bem aceito pela comunidade de

fora do Hospital, o isolamento não tinha representado nenhuma grande mudança na sua vida,

era como se ele não tivesse passado pela experiência da segregação. Essa versão sempre era

colocada em xeque por sua mulher, que assistia às entrevistas; ela relembrava episódios que

questionavam a fala do marido.

Sua entrevista foi uma das mais laboriosas, não por ele não gostar de falar – gosta e

como! – mas em função da dificuldade de ir além dessa versão pronta de sua trajetória, de

aprofundar o relato que ele já contou dezenas de vezes para si mesmo e para os outros, do

qual sempre procurou excluir os elementos de conflito que pudessem colocar em risco sua

identidade atual.604

Seu Chico se reconhecia como personagem de sua história e sabia o que estávamos

fazendo, sabia que suas memórias seriam registradas e poderiam, no futuro, ser lidas por

outras pessoas, ele queria se apresentar da melhor forma possível. Às vezes, no meio da

entrevista, antes de falar “a palavra” perguntava se poderia dizê-la e então pronunciava em

baixo som, como se estivesse cochichando: “lepra”.

A entrevista dele é, sob muitos aspectos, representativa. Seu Chico, como a maioria

dos entrevistados, passou por experiências comuns, muitas delas “traumáticas”, entretanto,

construíram suas reminiscências de modo a eliminar os conflitos pessoais vividos durante o

período de internamento. Nas narrativas, procuravam transmitir a idéia de harmonia com o

ambiente hospitalar, através de “frases-chaves” como: “foi melhor assim”, “aqui é a nossa

604
HALL, Michael M. História Oral: os riscos da inocência. In: O Direito à memória. Patrimônio Histórico e
cidadania. São Paulo: DHP, 1992.
188

casa”, “as irmãs eram muito boas para nós”, “havia muito respeito naquele tempo”, “como era

bom”.

A palavra “lepra”, quando pronunciada em alguma entrevista, é marcada por uma

“pausa-chave” ou uma mudança de ritmo na narrativa que permite ao entrevistado dramatizar

a situação narrada.605 Mas, em geral, os entrevistados preferem evitar o nome “lepra” usando

“a doença”, “a nossa doença”, o que diminui o conflito entre a identidade dos internados e as

representações sociais que o nome da doença evoca.606

Um outro motivo da escolha da entrevista de seu Chico se deve ao fato de que ele

morou, com alta, alguns anos fora do Hospital e depois reinternou, vivenciando duas situações

distintas: a de internado e a de egresso de um Leprosário. Situações semelhantes a de seu

Chico aconteceram com outros doentes que deixaram temporariamente a Instituição para

“tentar a vida fora”.

Ao ingressar no Leprosário, o indivíduo era reduzido à condição de doente, mais

especificamente de leproso. Dentro da Instituição, todos compartilhavam esta “nova”

identidade, reconhecidamente estigmatizante, porém, o fato de viver entre “iguais” reduzia a

tensão que pesava sobre os sujeitos.607

605
Pausas-chaves e frases-chaves seriam características presentes nas histórias de vida estudadas pela
pesquisadora Marie-Françoise Chanfrault-Duchet. FRASER, Ronald. História Oral, História Social. Historia
Social, n.º 17, otoño 1993, p.p. 131-139.
606
L.K. Entrevista concedida a Juliane Conceição Primon Serres. Hospital Colônia Itapuã, 15 de outubro de
2003. “Dona Branca”. A entrevista de Dona Branca neste aspecto se diferenciou das outras, ela fala “lepra” sem
a menor “ cerimônia”.
607
Estamos partindo do ponto de vista da Instituição. Por certo que a maneira como os sujeitos lidavam com a
identidade que o Leprosário tentava impor variava de um caso a outro, como bem destacou Goffman “quando o
indivíduo compreende pela primeira vez quem são aqueles que de agora em diante ele deve aceitar como seus
iguais, ele sentirá pelo menos uma certa ambivalência, porque estes serão não só pessoas nitidamente
estigmatizadas e, portanto, diferentes da pessoa normal que ele acredita ser, mas também poderão ter outros
atributos que, segundo a sua opinião, dificilmente podem ser associados a seu caso”. GOFFMAN, Erving.
Estigma. Notas sobre a Manipulação da Identidade deteriorada...Op. Cit. p. 46.
189

No convívio com as pessoas de fora da Instituição, ou seja, com “não-doentes”608,

esta tensão podia irromper a qualquer instante, denunciando a condição do sujeito

estigmatizado. Goffman (1988) chamou de “manipulação da informação” ou “manipulação

do estigma” quando um sujeito, ciente de sua condição estigmatizante, usa subterfúgios para

esconder os elementos que o tornariam desacreditado.609

O “encobrimento” de algum aspecto da identidade que poderia desacreditar o

indivíduo é uma atitude que poderíamos chamar de “defensiva”. No caso de egressos de

Leprosário, ou o doente “assume” sua doença e o conseqüente estigma dela advindo,

enfrentando as situações sociais difíceis que provavelmente sejam resultado desta

identificação, ou o doente esconde sua situação e tem que lidar com a manipulação de suas

informações pessoais.

Em nossas entrevistas predominou a segunda situação. No contato com “pessoas de

fora”, os doentes omitiam informações sobre a própria identidade para evitar

constrangimentos e rejeição social. Entretanto, convém destacar que esta situação de contato

social com “não-doentes” geralmente se apresentava tensa, como relata uma senhora:

Nesse tempo que ficamos lá em Passo Fundo, fizemos tratamento no posto,


nunca contamos para os vizinhos sobre a doença, eles sempre eram bons
para nós, não sei, de certo eles nunca ficaram sabendo, nunca...Lá no posto
eles não espalhavam isto e eu nunca falei para ninguém. Tínhamos medo,
meu falecido velhinho queria colocar uma bodeguinha, eu era contra, eu não
tinha a mão boa, temia que as pessoas me perguntassem o que eu tinha na
mão, e quem sabe um dia a gente se enrola e ficam sabendo de onde nós
somos, não iríamos vender mais nada...então eu não queria (...) Nunca
ninguém soube...neste ponto fomos até felizes...610

608
A identidade é uma construção social de certa maneira sempre em devir, no quadro de uma relação dialógica
entre o eu e o outro. Candau, Joël apud CATROGA, Fernando. Memória e História. PESAVENTO, Sandra
Jatahy. Fronteiras do Milênio. Porto Alegre. Editora Universidade, 2001, p. 50. No caso, a identidade do “não-
doente” é construída em relação a do doente.
609
Segundo Goffman, o estigmatizado pode encontrar-se diante de duas situações: uma, sua “característica
distintiva” já é conhecida, neste caso ele seria uma pessoa desacreditada; outra, quando sua “característica
distintiva” não é conhecida, neste caso ele seria uma pessoa desacreditável. Na primeira situação a pessoa
desacreditada tem que manipular as situações sociais difíceis, no segundo caso, a pessoa desacreditável tem que
manipular as informações para não se tornar desacreditada. GOFFMAN, Erving. Estigma. Op. Cit. p.p. 51-52
610
C.L. Entrevista concedida a Viviane Trindade Borges. Hospital Colônia Itapuã, 21 de março de 2001.-
CEDOPE/HCI.
190

Do diagnóstico, passando pelo tratamento/segregação e cura, estas pessoas foram

marcadas de forma indelével, condenadas, se não a viver para sempre no Hospital, a esconder

das pessoas de seu convívio uma parte significativa de sua história. O tempo que conviveram

com a doença, para a grande maioria, foi relativamente curto em relação ao tempo que

viveram, entretanto, parece que não houve um antes ou um depois da doença. Temos a

impressão que só existiu a LEPRA e a organização dos destroços de antigas identidades que

se construíram em torno dela. Mas, enfim, são todos (sobre)viventes...

Para acompanhar a trajetória desses sujeitos, objetivo que ora perseguimos, optamos

por trazer o texto da entrevista de forma integral, somente assim podemos acompanhar a

dinâmica da vida dos nossos entrevistados.

Normalmente, encontramos nos trabalhos que utilizam história oral o uso de

fragmentos das entrevistas, ora como exemplificadores de alguma situação, outras como base

para alguma análise. A opção pelo texto inteiro foi inspirada em grande parte pelo trabalho de

Ecléa Bosi (1994), “Memória e Sociedade”, onde a autora faz um estudo sobre a memória dos

velhos de um espaço delimitado, a cidade de São Paulo.611

Embora a autora não explicite seu procedimento com as entrevistas – no final dos

anos 70, quando o trabalho foi publicado, as discussões metodológicas sobre história oral

eram incipientes no Brasil – Ecléa apresenta ao leitor um “texto limpo”, uma narrativa direta

em primeira pessoa.

Esta forma de apresentar a entrevista não garante que o entrevistado fale por si,

como pode parecer à primeira vista. Ao contrário, o trabalho do pesquisador é ainda maior,

ele trabalha a entrevista para apresentá-la em forma de texto. E aqui temos um ponto a ser

discutido.

611
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade. Lembrança de Velhos. 3ªed., São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
191

A forma mais corrente de acesso ao documento oral é a transcrição escrita, entretanto

ainda não foi encontrada uma solução satisfatória para a forma de transcrição.612 Entre os

historiadores que trabalham com história oral é praticamente consenso que a transcrição

implica mudanças e interpretações, uma recriação, pois nenhum sistema de escrita é capaz de

reproduzir o discurso com absoluta fidelidade. A escrita representa a linguagem por traços,

mas há outros elementos constituintes da linguagem que não podem ser reproduzidos na

escrita, como o volume, o ritmo, a entonação, o gesto.613

A transcrição, portanto, vai além da passagem da fita para o papel, ela exige

interpretação. Aquilo que criamos é um texto dialógico de múltiplas vozes e múltiplas

interpretações, as interpretações dos entrevistados, as nossas e a dos leitores.614

A fonte oral trabalha com subjetividades, não estamos diante dos acontecimentos,

mas da interpretação que os sujeitos fazem destes acontecimentos, interpretação mutável pela

dinâmica de suas memória e identidades. Desse modo, ela pode ser considerada uma fonte

que já vem “trabalhada.” Não que as fontes escritas sejam mais objetivas (neutras!) e isentas

de interpretações, mas a diferença destas, a fonte oral tem “a priori um status de fonte”, ela

foi inventada com esta finalidade.615

Mercedes Vilanova (1997) diz que não importa quem entrevistamos, sempre haverá

uns cinqüenta por cento nosso na fonte que ajudamos a criar.616 Com isso não quer dizer que o

pesquisador pode inventar o depoimento, tampouco ele pode “colocar palavras na boca do

612
JOUTARD, Philippe. El tratamiente del documento oral. Debats, nº 19, Valencia. Ed. Instiució Alfonsos el
Magnanim, Instituició Valenciana d’estudis i invertigació. S/d., p.72.
613
PORTELLI, Alessandro. Forma e Significado em História Oral. A pesquisa como experimento de igualdade.
Projeto História, São Paulo (14), fevereiro, 1997. TOURTER-BONAZZI, Chantal de. Arquivos Propostas
Metodológicas. Cap. 19, in: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína. (orgs.) Usos e Abusos da
História Oral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998.
614
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na História Oral.
Projeto História, São Paulo, (15), abril, 1997. Op. Cit.
615
VOLDMAN, Danièle. A invenção do depoimento oral. Cap. 20. in: FERREIRA, Marieta de Moraes e
AMADO, Janaína. (orgs.) Usos e Abusos da História Oral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
1998.
616
Vilanova, Mercedes. La Historia sin adjetivos com fuentes orales y la historia del presente.... p. 32.
192

entrevistado”. Ele inventa a fonte, no sentido de que cria um material para pesquisa que antes

não existia.

A história oral oferece ao pesquisador uma certa margem de liberdade para trabalhar

com a fonte. Podemos utilizar fragmentos de entrevistas, recortando a fala dos entrevistados,

uma frase deslocada sempre carrega o risco de modificar o sentido que ganharia no conjunto

do texto. Do mesmo modo que a apresentação de um texto que foi concebido a partir de um

diálogo (perguntas e respostas), quando transformado em texto direto (apenas respostas), sofre

modificações, além das decorrentes da própria transcrição. O uso que se faz das entrevistas,

além de seguir algumas reflexões esboçadas por autores que trabalham com história oral,

obedece, sobretudo, a um comportamento ético do próprio pesquisador. São as possibilidades

e as implicações de se trabalhar com este método.

As entrevistas que fizemos obedeceram a um roteiro “flexível”, seguiram uma pauta

de assuntos e de questionamentos que considerávamos relevantes, mas à medida que as

conversas fluíam deixávamos que nossos entrevistados conduzissem a narrativa. Como

constatou Maria Isaura de Queiroz (1987) “embora o pesquisador subrepticiamente dirija o

colóquio, quem decide o que vai relatar é o narrador.”617 O entrevistado que determina o que

e como vai narrar.

Trabalhamos com histórias de vida porque o conjunto das experiências de nossos

entrevistados nos interessavam, com isso pudemos acompanhar suas trajetórias mesmo antes

do diagnóstico da doença. Todavia, os relatos se “concentraram” mais sobre a vida depois do

internamento, primeiro porque a maior parte do tempo nossos entrevistados viveram dentro da

Instituição, segundo porque o objetivo da pesquisa enfocava este período. As entrevistas não

obedeceram a um questionário único, procuramos explorar em cada entrevista os aspectos

mais significativos das experiências de cada entrevistado.

617
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. Relatos Orais: do “indizível” ao “dizível”. Ciência e Cultura 39 (3), março,
1987.
193

Apresentamos nossas entrevistas em forma de texto “limpo”. O procedimento

adotado partiu da transcrição literal da entrevista, realizada logo após a gravação, no qual

procuramos, da forma mais rigorosa possível, transformar o documento auditivo em visual,

palavras faladas em palavras escritas. Nesta fase, buscamos registrar não apenas o que o

entrevistado falou, mas o modo como disse.

Este tipo de registro possibilitou que pudéssemos perceber, por exemplo, a inflexão

da voz quando o entrevistado falava de algum assunto que provocava lembranças

“perturbadoras”. O momento da descoberta do diagnóstico era uma destas situações, a

separação dos filhos nas entrevistas com as mulheres era outra, mesmo que depois o

entrevistado se resignasse a dizer “foi melhor assim”.

Num segundo momento, procuramos corrigir as incorreções gramaticais, as

repetições e as palavras sem valor semântico. Sem nos descuidarmos da preservação do

sentido, buscamos promover estas alterações para tornar a entrevista mais legível. Nesta fase

também suprimimos as perguntas. Esta operação poderia comprometer o texto se tivéssemos

seguido um questionário rigoroso, que não foi o caso.

Tínhamos uma pauta de assuntos e de perguntas que iam sendo colocadas ao ritmo

da narrativa do entrevistado, se queríamos saber sobre as reuniões sociais que os internados

participavam no Hospital, introduzíamos esta pergunta quando o entrevistado estivesse

discorrendo sobre o cotidiano. Em alguns casos isso não era possível, ou porque o

entrevistado não tocava em certos assuntos, ou porque a nossa lógica de raciocínio e do

entrevistado não eram a mesma, fazendo com que algumas perguntas ou respostas

emergissem aparentemente “deslocadas”.

Um caso ilustrativo foi quando perguntamos para Dona Branca sobre os primeiros

dias de internamento e ela nos narrou sobre a cozinha do Hospital, sobre os pães que as irmãs

faziam, aparentemente ela “fugia” do assunto. Mas, uma análise na sua trajetória permite
194

perceber que ela havia passado por períodos de carestias derivados da falta de condições

econômicas, portanto, os primeiros dias de internamento representavam para ela a

possibilidade de “fartura”. Aquela resposta era perfeitamente natural, fazia sentido.618

Entretanto, ao eliminarmos as perguntas corremos o risco de tornar a narrativa menos

clara nos casos que julgamos estritamente necessário, introduzimos a pergunta no próprio

texto, mas de modo geral isso não foi preciso. Apesar destas pequenas alterações que

promovemos no texto a fim de torná-lo mais compreensível, nosso trabalho não chegou a

fazer uma transcriação.619

O texto final, que ora apresentamos, procurou ser o mais fiel possível à fala dos

entrevistados, não estabelecemos nenhum tipo de “agrupamento temático”620, de organização

cronológica, ou de sistema explicativo. Procuramos respeitar a lógica da narrativa

estabelecida pelo entrevistado. Como resultado, obtivemos um texto que às vezes fica num

“vai e vem”, onde determinados assuntos e épocas aparecem mais “freqüentados” que

outros.621Optamos, também, por não “enxugar” o texto, julgando que todos os eventos da vida

de uma pessoa são significativos por menores que pareçam.

618
L.K. (Dona Branca).Entrevista concedida a Juliane Conceição Primon Serres. Hospital Colônia Itapuã, 15 de
outubro de 2003.
619
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. 4ªed. São Paulo: Edições Loyola, 1996, p. 232-240.
Neste método o pesquisador torna-se autor do texto à medida que ele recria a entrevista com a finalidade de
conferir clareza e força expressiva ao texto. A transcriação passaria por 3 etapas: 1) transcrição absoluta, onde as
palavras são mantidas em estado “bruto”; 2) textualização, onde são feitas algumas alterações como a retiradas
das perguntas e eliminação de erros gramaticais; 3) transcriação, que seria a forma final, onde a entrevista foi
recriada.
620
GATTAZ, André Castanheira. Lapidando a fala bruta: a textualização em História Oral. (Re) introduzindo a
História Oral no Brasil. MEIHY, José Carlos Sebe Bom.(org.). São Paulo, Ed. da USP, 1996, p.p. 133-140. No
processo de transcriação descrito pelo autor, o primeiro passo seria uma transcrição literal, depois uma primeira
textualização a partir da qual seria elaborado um índice classificando cada parágrafo com uma combinação de
letras e números, de acordo com uma lista pré-estabelecida representando os temas tratados nas entrevistas. Com
base neste índice, seria realizada uma nova textualização, onde seriam definidos os grupos temáticos e um
conseqüente enxugamento da entrevista.
621
POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n.10, 1992, p.
201. Apesar das características da memória, flutuante, mutável, o autor destaca que existem pontos
relativamente invariantes. Em entrevistas de história de vida muito longas, os entrevistados voltam várias vezes
aos mesmos acontecimentos, isto seria parte do trabalho de solidificação da memória, alguns destes elementos
passariam, com o tempo, a fazer parte da própria essência da pessoa. Neste sentido, julgamos improcedente fazer
“correções” na narrativa dos entrevistados, seria quase como fazer “correções” em suas memórias.
195

A versão que apresentamos foi submetida aos entrevistados que autorizaram e

aprovaram sua publicação sem muitas modificações. Seu Chico foi mais “cuidadoso”,

retomando alguns pontos do texto para esclarecer melhor. Sugeriu que usássemos seu nome

verdadeiro, porque alguém tinha que se assumir como “portador” da hanseníase. Não fizemos

isto por questões legais, a Instituição tem uma política de preservação da identidade dos

internados. De qualquer modo, a atitude dele foi importante e esperamos que em sua

“autobiografia”, empreendimento que ora nosso entrevistado realiza, ele possa identificar-se.

Dona Branca aprovou o texto, apenas ressaltou que ficaram faltando mais coisas, que ela teria

muito mais para contar, que poderia ficar falando o resto da vida... Não temos dúvida disso,

mas, por enquanto, ficamos por aqui.

Dona Branca

Nasci em Novo Hamburgo, em 4 de fevereiro de 1926. Tenho um irmão que foi

criado com minha avó materna, era para ele ter ido para o Amparo Santa Cruz, onde ficavam

os filhos de leprosos. Lá no Amparo, as crianças estudavam, tinham irmãos que davam aula

para eles, saiam formados e podiam se empregar na rua. Mas a Vó não quis que ele fosse, ela

quis criá-lo. Quando eu e meus pais fomos para o outro Leprosário, deixamos o Cléo com a

Vó, ele tinha 9 anos.

A nossa doença, sabe como foi? Quando meu irmão nasceu eu tinha 3 anos e meio,

ele é de 2 de junho, no parto a Mãe ficou doente porque a parteira deixou um pedaço da

placenta na barriga dela. O Cléo foi criado guacho, não podia mamar por causa da febre da

mãe. Imagina, naquele tempo não tinha penicilina nem nada. O médico que cuidava dela era

alemão da Alemanha, ele foi muito judiado, “Shinder” era o sobrenome, ele foi muito judiado

no tempo da última guerra, botaram ele em uma ilha, onde ele tinha que trabalhar, ele foi

preso aqui no Brasil.


196

Depois dessa febre apareceu uma mancha na Mãe, e no Pai começou nos olhos, em

todos os médicos que eles foram, até em Porto Alegre e por tudo, todos perguntaram se

alguma vez ela não tinha tido uma febre muito forte e ela contou que quando ganhou meu

irmão, a parteira deixou a placenta... não sei como a Mãe se salvou. Esse Dr. Shinder disse

que a única coisa que ela podia fazer era colocar bolsa de gelo na barriga e gelo, da onde

naquele tempo! Tinha que vir gelo de Porto Alegre, não tinha nada aquele tempo, não tinha

antibiótico, não tinha nada aquele tempo, imagina...

Meu irmão nasceu depois de mim, eu tinha 3 anos, e ali foi tudo, nós gastamos o que

podíamos e o que não podíamos e foi aquela coisa, assim começou a doença, eu peguei e o

Cléo não, eu não tinha nada, nada, só umas manchinhas assim nas minhas coxas arroxeadas,

assim, só aqui no braço adormecido, não tinha nenhuma outra coisa.

Depois esse mesmo médico atendia o Pai e a Mãe meio escondido para ninguém

saber que eles tinham a lepra, ele fazia injeção neles. Eu e o meu irmão saímos de casa, eu fui

para a avó paterna, e o meu irmão foi nessa avó materna que criou ele. O médico disse que era

melhor tirar as crianças de casa, foi a pior coisa para a minha mãe. No sábado a minha tia

levava o meu irmão lá para a mãe ver ele, e eu fiquei na colônia em Ivoti. Moramos com os

avós enquanto a Mãe e o Pai fizeram tratamento.

Esse Dr. Shinder fez tratamento na Mãe e no Pai. Mandou buscar injeção lá da

Alemanha, “Camistrol”, não tinha aqui, só na Alemanha, era um tratamento bom, depois de

um tempo esse médico disse para minha mãe que podia buscar os filhos que ela e o Pai

estavam curados. Passou 5 anos e a doença apareceu na mãe de novo, ela começou a perder a

força das mãos, ela não devia ter parado o tratamento. Era “Camestrol” davam em

comprimidos e injeção, eles faziam injeção, foi nesse tempo que acharam melhor tirar as

crianças de casa, depois voltamos, mas vou lhe dizer, a coisa mais triste...
197

Então, no Sábado, a minha tia, irmã mais velha da Mãe levava o meu irmão para a

Mãe, ela podia ver o Cléo mas não podia pegar assim, a Mãe dizia que foi muito triste para

ela. Eu não fiquei muito tempo lá na minha outra avó e assim foi indo, no fim tivemos que

vender nossa casa, fomos morar com um tio meu e viver do aluguel da casa, depois nós

vendemos, tivemos que vender, para procurar recursos.

Para fazer injeção, esse Dr. Shinder nem cobrava, ele foi muito judiado no tempo da

última guerra. E depois, sabe o que esse médico fez? Tinha o pai dele que também morava em

Novo Hamburgo, médico também, da Alemanha. Ele chamou o pai dele e mostrou as

manchas da Mãe e o pai dele logo conheceu que era lepra, ele não sabia bem ao certo, mas

chamou o pai dele e mostrou a mancha da Mãe, é isso aí mesmo, conheceu logo. Ele fazia

injeção na Mãe e no Pai, ele dizia assim... ele era tão bom para eles... ele dizia para eles irem

pelos fundos para fazer injeção, para os outros não desconfiar, não entravam pela frente da

casa dele, onde dava consulta, eles iam pelos fundos, ele nem cobrava, tinham medo que as

pessoas desconfiassem, faziam o tratamento meio escondido, as injeções vinham da

Alemanha, ele não cobrava nada, nada... como é que ia cobrar se nós não tínhamos nada?!

Eu cheguei a fazer umas injeções, depois que reapareceu a doença na Mãe, fiz umas

injeções daquelas mesmas que sobraram da Mãe e do Pai, até inflamou uma no braço da Mãe

e em mim inflamou uma na nádega, pois estavam vencidas, o médico aplicava no Pai e na

Mãe, em mim quem aplicava era uma enfermeira que ele tinha, me parece, faz tantos anos...

Esse médico foi judiado por causa da guerra, não podia falar alemão, levaram ele

para uma Ilha, não sei como era o nome, Ilha das Flores, das Cobras, parece que era no Rio,

levaram ele para uma Ilha onde tinha que trabalhar no pesado, e quando ele saiu de lá, até o

diploma tiraram dele; quando ele saiu de lá começou a beber, beber até morrer, até o diploma

tiraram dele.
198

Nós fomos morar com um tio meu, alugamos nossa casinha e depois fomos para o

Partenon. O Pai foi antes, fomos por causa da prefeitura de Novo Hamburgo. Lá no Partenon

as casas eram particulares, quem podia tinha que fazer a casa, a nossa foi um tio da Mãe que

fez. Lá neste Leprosário tinha um pavilhão que foi a mãe do Oswaldo Aranha que fez, se

chamava, Luizinha, eles fizeram uma placa com o nome dela, e colocaram na porta, todos os

pavilhões eram de madeira.

Mas nós sofremos tanto, sabe o que tinha lá, como se chamam...percevejos. Nossa

senhora, entravam nas ripinhas da madeira para dentro, mas vou lhe dizer, nós ficávamos

isolados lá no hospital, não podíamos sair. As visitas vinham quintas e domingos, as visitas

naquele tempo podiam chegar perto, o diretor mandou fazer uma casinha para receber as

visitas por causa da chuva.

Quem nos mandou para lá foi um médico que ia em todos os Estados, em todos os

lugares, Dr. Escobar, ele vinha assim com a agulha e fincava na gente, enfiou a agulha assim

para dentro da pele e eu nem sentia. Ele fazia exames em todos os lugares, por todo Novo

Hamburgo, ele ia nas casas, lá em casa ele foi, de lá nós fomos para o Partenon. O Pai foi

primeiro, nossa casinha não estava pronta, casinha pequena, de duas peças. No Partenon,

pavilhão vazio não tinha, estava tudo cheio, até na capelinha tinha gente, todos com esta

doença. Quando tinha missa tinham que tirar as camas todas para fora, uma vez por mês o

padre ia lá, tinha que tirar as camas para fora para rezar a missa, era uma capelinha pequena.

Naquele hospital não tinha cerca, nós íamos até lá em cima, digo lá em cima porque

tinha uma subida até o sanatório. Nós caminhávamos depois do jantar; nos fundos tinha um

riacho, não era muito vigiado, tinha dois enfermeiros, um enfermeiro e uma enfermeira. Tinha

o Dr. Raul di Primio, este tinha até uma afiliada lá, uma doente que ele ficou padrinho, ele

batizou, não sei se ela era protestante ou não era batizada, ele foi bom para nós, esse foi um

dos que fundou aquele hospital. Tinha o Dr. Raul, o Dr. Xavier e o Dr. Bonifácio, esse três
199

que eram leprólogos. Nos domingos e nos dias de Natal eles iam lá com a gente, com as irmãs

da Santa Casa, levavam cada presente para nós, cada pacote de fazenda que as irmãs pediam

nas lojas, como eram boas as irmãs para nós, da Santa Casa, ali tinha não sei quantas irmãs.

Quando foi inaugurado aqui já tinham as irmãs, 11 de maio de 1940 foi inaugurado e

2 de junho nós viemos, a primeira turma, viemos na camioneta, não podiam vir todos de uma

vez, eram tantos doentes...uma velhinha vinha deitada, ela estava quebrada, tinha caído, ela

tinha que ficar deitada na maca, o Dr. até escolheu a minha mãe para cuidar dela durante a

viagem e o Pai era o único homem entre as mulheres, ele passou muito mal na viagem, ele

não podia viajar.

Nós sabíamos onde era o hospital, porque um tempo antes o Dr. Pessoa Mendes

arrumou uma turma para vir para conhecer, até eu fui escolhida. Fizemos um piquenique ali

na casa das irmãs. Nós trouxemos coisas para comer, isso foi uns meses antes de nós virmos

para cá, viemos de manhã cedo e de tardezinha saímos daqui, estava querendo escurecer,

viemos conhecer esse lugar, veio uma camioneta cheia, ele escolheu e nos trouxe aqui. Depois

nós voltamos e contamos para os outros.

Mas a viagem para cá eu nunca me esqueço, esta que nós viemos definitivos. Saiu

uma ambulância, essa com a vovózinha, ela era da Itália, ela era italiana mesmo, falava pouco

brasileiro, mas coitadinha, uns dias antes de vir para cá ela se quebrou, vieram duas

camionetes e essa ambulância que trouxe a vovózinha, veio uma turma de doentes na frente à

esquerda e à direita, à esquerda e à direita não tinha uma casa, só campo, campo, campo,

campo...

Nós saímos de lá era 2h30min, era chão batido, chegamos aqui era quase 6 horas, as

irmãs já sabiam, elas estavam nos esperando. Quando cheguei aqui, estava contente por causa

das irmãs, estava pronto o jantar e tudo, nós ganhamos uma casa, o primeiro casal a ganhar
200

casa foi meus pais, primeiro era assim a numeração 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, a 5ª, número cinco era a

nossa, agora eles mudaram.

Fomos morar juntos os 3, o Pai e a Mãe ficaram no quarto da frente e eu nos fundos.

Barbaridade, nunca me esqueço dessa viagem. Meu Deus do céu, quando nós entramos no

primeiro portão lá em cima, as mulheres... eu era criança tinha 14 anos, todos começaram a

chorar... cada um pensou uma coisa de certo, quem sabe Deus quando nós vamos sair daqui...

mas depois com as irmãs estava muito bom. Quando eu vim para cá não pensava nada, fiquei

contente porque lá eram as casa de madeira com esses bichos, os percevejos, que coisa

horrorosa.

Alguns dos nossos antigos vizinhos souberam para onde nós viemos, outros não. A

mãe não queria mais ficar em Novo Hamburgo não, lá não, não, não. Não queriam vender

mais nada para nós, de medo de pegar o dinheiro, de pegar a doença, já pensou uma coisa

dessas... Coisa horrível, algumas pessoas sabiam de nós.

Eu fui muito judiada. No colégio então... Depois, proibiram a Mãe de ir na missa,

isso foi a pior coisa, porque a Mãe era muito católica, mas meu Deus do céu... o padre

proibiu. Um dia a Mãe disse para meus avós: - Pelo menos digam para o padre trazer a santa

comunhão; nós morávamos perto dos meus avós. Eles falaram para o padre e ele disse que

levaria às nove da manhã, naquele tempo os padres andavam a cavalo. A Mãe aprontou a

salinha e rezou bastante antes da comunhão, dali a pouco ele chegou a cavalo, em cima da

batina tinha um guarda pó, ele não tirou o guarda pó, eu acho que ele tinha medo...

Ele tirou da pasta o cálice e tudo, e nós já havíamos rezado bastante antes da

comunhão. O cálice estava enrolado num jornal antigo, me lembro tão bem, não era o Correio

do Povo, era o Diário de Notícias. Ele desenrolou o cálice e abriu todo o jornal na mesa e não

rezou um pai-nosso, nada, nada, nem nos cumprimentou, chegou deu a comunhão, deixou o
201

jornal em cima da mesa e se mandou. O guarda pó ele não tirou. O hábito dele era preto, dos

jesuítas parece. Aí ele se foi.

Um dia o Pai estava tão desesperado que foi lá na casa desse padre. Nós não

tínhamos nada para comer, nada, nada, era só aquele aluguelzinho da casa e aí o Pai disse que

ia lá no padre ver o que ele iria dizer. Ele foi na casa paroquial do lado, bateu, e contou, o Pai

se abriu com ele. O Pai disse que tinha lepra, assim, assim, e não tinha mais nada para comer.

Sabe qual foi o consolo que ele deu? Sabe o que ele disse? Nada..., fez o sinal da cruz na em

cima da cabeça do Pai e disse que essa doença não tinha cura. Foi só o que ele disse, depois

proibiu o Pai e a Mãe de ir na missa.

Desde que a Mãe casou ela comprava do mesmo armazém, o sobrenome era

“Knipel”. As sextas-feiras ele vinha, tomava nota do que a Mãe queria e aos sábados ele trazia

a cavalo. Um dia, quando nós não morávamos mais na nossa casa, estávamos morando perto

da Vó, um dia ele chegou, cada fim do mês que a Mãe pagava ela dava um pacotão de balas

para nós, e daí um dia ele chegou e disse: - Olha dona Martina, não posso vender nada para

vocês. Aí a Mãe disse: - Mas porque? Eu sempre paguei todos os meses. Não, ele disse, é por

causa dos meus fregueses, tão sabendo que vocês estão doentes e não querem comprar mais

nada de mim. E corriam as lágrimas dos olhos do homem, não querem mais comprar por

causa do dinheiro, por mim eu venderia sempre para vocês, mas os fregueses estão se

retirando por causa de vocês... Tu já pensou? Mas ele chorou...., o homem chorou, desde que

a mãe casou sempre daquele mesmo armazém, comprando sempre dele, a Mãe coitada disse:

Está bem então, vou pagar o que estou devendo e não quero prejudicar o senhor. Nós não

podíamos comprar mais nada.

Minha avó morava meio perto, ela comprava as coisas e levava lá para nós. A Vó

coitada a cada dois anos tinha um filho, a Mãe era a mais velha, eram 4 filhas mulheres e 6

homens, ela ajudava um pouquinho com o que podia, ela fazia pão, ela nos dava leite, tinha
202

umas vaquinhas, ela tinha que comprar as coisas para dar para nós, desconfiavam do dinheiro.

Até meu avô trabalhava num açougue, onde matavam só porcos para fazer morcela, essas

coisas; até do meu avô eles tinham medo, não queriam dar mais serviço para meu avô, já

imaginou como eles tinham medo dessa doença. Eu já lhe contei que me chamavam até de

leprosa. Não contei?

Tinha um senhor, nosso vizinho, que já estava internado lá no Partenon, às terças e

quintas, ou quintas e domingos eram as visitas, a Mãe pediu para eu ir lá na casa da mulher

dele que tinha ido visitá-lo para saber notícias do meu Pai que já estava internado, eles tinham

armazém e tiveram que fechar o armazém e tudo, ninguém comprava mais nada deles, daí a

mãe disse: - Tu vai lá com teu tio Oswaldo. Ele era três meses mais velho do que eu, então

nós fomos lá, ele tinha 10 anos eu acho, e nós fomos para saber notícias do Pai. Estava

querendo escurecer e a mulher não vinha, não vinha. Dissemos: vamos para casa, e na beira

da estrada tinha um campo cheio de maricá, ela floresce no verão, eu ia indo com meu tio para

casa, íamos para casa porque a mulher não apareceu. Aí, de repente, uma pedra em cima de

mim, Ô leprosa! e se escondeu atrás daquele maricá, uma árvore grossa, não vimos nada, ele

se escondeu. De repente outra pedra, Ô leprosa! daí ele espiou assim, era um rapaz de 15

anos, eu reconheci, era o irmão de uma íntima amiga minha, aliás, primo dela.

Não se via nada em mim, só que andava o boato que nós éramos doentes, vou te

dizer, tratamos de sair de lá. O Pai já tinha saído, fomos para o Partenon, para a nossa casinha

lá que um tio da Mãe mandou fazer. Nos fomos para lá em 1938, 39 e em 40 nós viemos para

cá, 2 de junho, eu tinha 14 anos, lá quando internei lá tinha 13, ficamos um ano e pouco lá.

Aqui, vim morar com meus pais, mas tinha o internato das gurias. Depois vieram

umas irmãs doentes da nossa doença que cuidavam o internato das gurias e tinha um irmão

lassalista de Canoas, que cuidava dos guris. Como era bom aqui, tinha quase oitocentos

doentes e tinha uma irmã que cozinhava para todos esses doentes. Nas casinhas ganhavam
203

ranchos, nós ganhávamos rancho, era a irmã Sebastiana que cozinhava para todos, todos os

casais das casinhas ganhavam rancho, e que rancho, mas nem vencia comer tudo.

Quem podia, trabalhava. Havia poucos aposentados, todos davam um jeitinho. Tinha

sapataria, faziam sapato, tinha oficina, todos trabalhavam e quando vinha doente de fora as

mulheres iam perto da camionete para pegar roupas para lavar, não tinham ganho nenhum,

uma vez por semana vinha a camionete, iam lá no Partenon de lá eles vinham para cá,

primeiro faziam exames lá, no mesmo hospital que nós estávamos, e depois a camionete

trazia, as mulheres já esperavam para pegar roupas para lavar.

Mais tarde vieram uns conhecidos nossos morar aqui. Até, ele faleceu agora de

câncer na bexiga. Ele internou com 6 anos e ficou até os 18, os pais estavam aí junto. Não faz

nem um mês que vieram me dizer que ele tinha falecido, ele casou com uma moça de saúde,

ele não tinha nada, o Geraldino, ele só tinha uma manchinha de nada, ela que desconfiou que

era doença, a mulher, e pediu para o médico para ele vir para cá.

Morei com meus pais até que a Mãe faleceu, então era obrigado a entregar a casa. A

casa era só para o casal, os filhos podiam morar nos fundos, mas foi só eu que morei com os

pais, as outras crianças foram morar com as irmãs, no internato Santa Inês. Minha mãe

faleceu de “albumina”, o sangue virou todo em água, moramos ali 17 anos, depois tivemos

que entregar a casinha. Tinham filas para as casas, vinham tantos casais, a primeira casa que

desocupava aquele casal ganhava. Quando a Mãe morreu, nós viemos para o pavilhão, eu e o

Pai.

As irmãs ficaram muito contentes quando nós viemos, nós éramos católicos, a Mãe e

o Pai como rezavam, minha nossa... e a Mãe nunca ficou revoltada. Depois, eu ainda fiquei

cega e o Pai também não enxergava nada. A doença logo começou nos olhos do Pai e a Mãe

só tinha as manchas, mas nunca deu positivo, ela tinha o tipo nervosa pura como chamavam,

essa não dá positivo. Engraçado, é a doença e não dá positivo.


204

Eu fiquei cega quando eu tinha 19 anos. Naquela foto ali em cima eu tinha 18, mas

eu sofri tanta dor nestes olhos, naquela época morava com a Mãe e o Pai. Depois a Mãe ainda

faleceu... Olha, eu fiquei doente, magra, seca, então um dia o nosso diretor me chamou, era o

Dr. Ari, lá de Pernambuco, onde não faz frio, ele estranhou muito o frio aqui, ele era noivo,

ele disse: - Branca, tu vai passear e tira essa roupa preta. Naquele tempo era luto, ele disse

que era para eu ficar lá com a minha avó, mas eu me arrependi tanto de ter ido, os meus tios

choravam porque eles me viram quando eu ainda enxergava, saí de lá perfeita.

Para vim passear aqui, vinha ônibus nos domingos às oito horas; só nos domingos,

vinham às 8 e às 11 ia embora. Tinha cerca e cerca aí na frente, não podia ter contato, duas

cercas, de um lado os nossos guardas cuidavam, do outro lado os guardas de saúde, não podia

passar nada um para o outro. Os pacotes que as visitas traziam ficavam ali na enfermaria e

depois as irmãs entregavam para as pessoas. Às vezes passava alguma coisa, tinham uns

guardas muito bons, eles fingiam não ver. Quando queríamos escrever uma carta, nós

atirávamos nos pés das visitas, mas Deus o livre se alguém visse. As cartas tinham que passar

na estufa quando saiam. Ficávamos conversando na cerca, longe assim, mais ou menos meio

metro de distância, depois o Dr. Mangeon mandou fazer um abrigo, pois ficavam assim, no

relento do sol, mandou fazer um telhado.

Nos primeiros dias, quando vim para cá, não tinha aquele portal “ Nós não

caminhamos sós”, colocaram depois. As irmãs eram muito boas para nós, que comida boa

faziam, que pães bons e sabe quantos tinham na cozinha no tempo das irmãs? Era essa irmã

Sebastiana, agora esse mês vai fazer um ano que ela é falecida, ela morreu lá em Santa Cruz,

ela era uma irmã bem alta, na cozinha tinha um fogão à lenha enorme, era a irmã, duas moças

e um homem, para cozinhar para toda essa gente, e férias nada, que férias, e hoje quantos têm

lá, e que comida boa faziam.


205

Depois que a Mãe faleceu eu fui morar com um casal em uma outra casa porque

quando ela estava morrendo ela falava muito em uma tal de Aldinha, Alda, ela achava que a

Mãe queria pedir para ela me cuidar, a Mãe não sabia para quem que ela ia me dar, no fim ela

me entregou para a irmã Élia. Ela dizia: - O Cléo está bem, está lá com a avó. Ela falou até o

fim da vida dela, o Pai ia no pavilhão dos homens, era o pavilhão dez, ficaria muito bem. O

pavilhão era cuidado por uma irmã e duas moças, elas eram doentes, a irmã não, a irmã se

chamava Maria, era da Alemanha, cuidou muito bem os velhinhos, no fim não deu mais,

estava muito velhinha e um dia ela soube que iam levar ela daqui lá para São Leopoldo, todas

as irmãs estão enterradas lá, daí ela se escondeu embaixo da cama, não queria sair daqui.

Ela contava coisas da guerra barbaridade, ela passou a primeira guerra cuidando dos

doentes, dos feridos lá na guerra. Depois, na última guerra nós já estávamos aqui, durante a

segunda guerra quem tinha rádio, quem escutava alemão tiravam o rádio, o diretor mandou,

não podia escutar nada da Alemanha, nenhum noticiário, tiravam o rádio, tinham muitos

descendentes de alemães aqui dentro, mas o nosso diretor era francês, Mangeon, Gilberto

Mangeon, nosso padrezinho também era francês, esse irmão lassalista que cuidava os guris

também era francês.

Eu fiquei com essa tal de Alda, ela era muito relaxada. Um dia uma irmã doente

disse: - Branca, tu não pode ficar aqui. Ela tinha um papagaio que botava no meu quarto,

aquela coisa azeda comida e tudo, isso faz mal para ti, Branca! Ela disse que ia dar um jeito,

que eu tinha que sair de lá, mas não disse perto dela, não tinha capricho. Aí arrumaram uma

senhora para cuidar de mim, a dona Velma, ela até foi minha madrinha de casamento. Ela era

enfermeira, todos os enfermeiros aqui dentro eram doentes, a irmã Élia que ensinava, parteiras

tinham duas que a irmã ensinou.

Quando nasciam os nenéns, ali onde é nossa copa da enfermaria era a sala de

operação e do lado de cá nasciam os nenens, às vezes vinha uma mulher grávida, ou


206

engravidava aqui dentro, a irmã já deixava tudo pronto. Do lado de lá ficava o berçinho, tinha

uma moça que cuidava do nenén durante toda noite, dava um banho nele e trazia vestidinho e

arrumadinho de manhã. Vinham mostrar para a mãe se despedir e de lá levavam para o

Amparo Santa Cruz, só traziam aqui para visitar e de longe, bem longe e quando era

pequinininho não traziam, depois de mocinho estudava tirava um curso, podia sair de lá e se

empregar em Porto Alegre. Os partos eram feitos pela irmã Élia e essas duas enfermeiras que

ela ensinou. Todos doentes, todos doentes, enfermeiros não tinham de saúde, só as irmãs, só

as irmãs de saúde e os médicos.

Então eu fui morar com a dona Velma até eu casar. Casei aqui ceguinha, este rapaz

gostava de mim quando eu era perfeita, ele era de Santa Cruz. Ele sempre, sempre dizia que

gostava de mim, eu ia nos bailes, mas ele não podia ir porque tinha um pé machucado, quando

ele dançava um pouco sangrava. Até, depois ele perdeu a perna abaixo do joelho, tiveram que

cortar. Eu contei para a dona Velma que ele gostava muito de mim, mas eu não queria namoro

firme.

Fazia sete anos e meio que ele estava fora, morando com um amigo dele. Naquele

tempo vinha um médico do Rio, fazia exame e se o exame dava bom tinha que ir embora, ele

não tinha onde morar, os pais dele já eram falecidos. Um amigo dele daqui ofereceu a casa

para ele, era lá para a serra, nos matos, longe, ele foi lá no amigo dele. E um dia, chegou a

dona Velma, que era enfermeira, naquele tempo eles davam consulta cedo, os médicos

moravam aqui, lá naquele sobrado onde é a creche, os diretores eram obrigados a morar aqui,

um dia a dona Velma chegou lá na janela do meu quarto, ela bateu assim e disse: - Branca, tu

nem sabe quem reinternou aqui... sete anos e meio parece que ele estava lá fora... ele logo

perguntou por ti. Eu disse: - Mas quem será? Ela disse: - O Valmor. Meu Deus do céu, depois

de tantos anos ele voltou... teve que voltar por causa da perna, ele baixou a enfermaria. A

dona Velma disse que qualquer dia ia me levar para visitá-lo, eu disse que não queria saber,
207

ela disse que ia me levar. Um dia ela me arrumou e eu fui lá conversar com ele, ficou tempo

na enfermaria e depois o irmão dele deu uma perna mecânica de presente para ele.

Eu gostava dele como amigo. Antes eu tinha outro namorado, se chamava Arlo,

namorei ele um ano, ele era muito miserável, pão-duro, nunca me dava presente, eu não

gostava dele. Freqüentava a nossa casa, aos sábados de noite e domingos ele ia lá em casa.

Um dia eu desmanchei o namoro no baile, a Mãe depois me xingou, disse que eu devia ter

desmanchado na nossa casa, eu estava vendo que estava ficando cega, o baile era ali no

refeitório, não existia lá o Cassino, foram os doentes que construíram o Cassino, tinha olaria

aqui, todos trabalhavam aqui.

Daí, no baile ele me convidou para ir na mesa. Eu fui e disse: - Hoje eu vou

desmanchar o namoro. Estava ficando cega, não dava. Aí ele mandou trazer uma bebida e

coisa e nós conversamos, daí disse para ele: - Olha Arlo, vamos desmanchar meu namoro.

- Mas porque Branca? - Eu acho que eu vou ficar cega e não vai dar. Daí ele ficou tão

chateado, ele me pegou na mão e disse assim: - Mas porque Branca? - Eu vou ficar cega e

coisa assim. Ele pegou na minha mão e disse: Olha, nem que tu fique em cima de uma cama,

eu quero casar contigo. Mas eu disse não, eu não quero mais. Eu sai do baile ele não dançou

mais com ninguém e foi embora.

Depois reencontrei o Valmor quando ele voltou, antes dele ir embora, quando ele se

despediu lá de casa eu já não enxergava, então ele pediu uma foto minha para a mãe, era essa

ali do leque, só muito menor, então a Mãe deu para ele. Enquanto ele esteve lá fora ele sempre

tinha a foto na cabeceira, aquela foto minha, sete anos e meio, ele voltou, ele pediu para o Pai

para casar comigo e o Pai negou três vezes, esse caso até é engraçado.

Ele foi pedir para o Pai dar licença para me namorar e o Pai negou três vezes. Dizia:

- Não, mas vocês vão passar trabalho, a Branca não enxerga. Ele tinha razão. O Valmor não

era aposentado nada. Como é que vocês vão viver? aí a dona Velma, essa que foi minha
208

companheira de quarto e depois minha madrinha de casamento, daí ela disse: - Branca, ela

varria a Igreja, nós íamos juntas, eu e uma outra guria, ela varria a Igreja porque ela era muito

católica, lá na Igreja tinha a Santa Rita, a dona Velma disse: - Branca nós vamos fazer uma

novena para Santa Rita para o teu Pai dar licença para ti casar.

A coisa mais engraçada, começamos a novena, essa Santa Rita foi uma promessa que

uma senhora fez, essa Santinha depois sumiu da Igreja. Começamos a novena, 9 dias para a

Santa Rita pedindo para o Pai me deixar casar. Por um lado eu queria, eu pensava, nas

casinhas a gente ganhava tudo... mas eu não ganhei. Primeiro fiquei morando no pavilhão,

tinha muita gente que queria casa, três vezes ele pediu, depois disse que ia desistir, meu Pai

não deixava. O Valmor era protestante, e aí começamos a novena, no 4º ou 5º dia da novena

para a Santa, o Pai estava esperando a dona Velma que dava as fichas para a consulta, o Pai

chamou a dona Velma, - A senhora vem cá, diz para a Branca que ela pode casar, no 5º dia

da novena! Então ela voltou correndo lá no meu quarto, no pavilhão, aquele defronte o 10,

que era das senhoras, ela foi lá me dizer: - Olha o teu pai deixou! Nem tínhamos terminado a

novena... coitado do Pai, chorou tanto o dia que eu casei.

Meu casamento estava bonito, foi lá na Igreja. Depois fizemos uma festinha lá no

pavilhão, não foi grande coisa, nós não tínhamos nada, só uma janta com café, salgados e

doces. Ah, antes tinha que falar com o diretor, ele é que dava licenças. O Dr. Ari, um morenão

bonito, já está morto também, mas então o Valmor foi lá, tinha que pedir licença para o

diretor para namorar, ele foi lá pedir e o diretor disse que me queria muito bem. - Ela não tem

mais Mãe, disse, tem só o Pai que também não enxerga. E eu não quero que tu judie dela, se

eu souber que tu judiou dela, não sai casamento. Eu casei, na Igreja e no civil, ele já era

católico, quando cortaram a perna dele aqui, ele quis ficar católico, por causa das irmãs, ele e

o seu Valentino ficaram católicos juntos, os dois eram protestantes.


209

Fomos para o pavilhão, não tinha jeito, tinha uma fila para ir para as casas, faleceu

um doente que morava em uma casinha, mas tinham três casais na minha frente. O Valmor foi

falar com o diretor, não podíamos fazer nada, tinham três casais na nossa frente. O Dr. Ari

disse que ele podia tudo, o Valmor disse que não queria casa porque tinham esses na nossa

frente, mas o Dr. disse: - Não, com o casal de velhinhos eu já falei, eles não querem casa, dos

outros dois casais, um deles tem uma mulher que é muito relaxada, eles não vão ganhar casa.

O Dr. fazia as consultas de manhã depois saia para ver a limpeza das casas, ele ia em todas as

casas todos os dias, então ele disse que um dia ele foi no quarto dessa mulher e não gostou,

era dez e meia, onze horas e tinha um pinico em baixo da cama com xixi.

Fomos para o pavilhão doze, ganhamos um quarto lá, depois desocupou a casinha e

nós fomos para lá. Fiquei 21 anos casada, depois ele ficou mal e eu tive que vir com ele aqui

para a enfermaria. Nesse quarto aqui do lado ele morreu, com câncer no esôfago, de tanto

fumar. Meu casamento foi muito bonito, mas triste porque não tinha a minha Mãe, os anos

que ficamos casados foram muito bons, ele foi muito bom para mim, depois ele se aposentou,

até a roupa ele lavava e passava. Eu nunca tive alta, ele saiu, mas depois que voltou não saiu

mais, morreu aqui neste quarto do lado.

Nós nunca saímos lá fora nem para passear, eu só fui aquela vez que a Mãe faleceu,

que o diretor mandou eu ir passear um pouco lá com minha Vó, mas eu não devia ter ido,

meus tios choravam, eu saí de lá perfeita, depois não enxergava, eles não se conformavam que

eu não enxergava. Fiquei um mês lá, logo no princípio eu me conformava em não enxergar,

eu tinha a Mãe e tudo, mas agora, cada vez mais velha, cada vez mais revoltada, agora não me

conformo mais, já pensou...dá um livro, não dá?

Primeiro ele queria muito uma filha. Ficava tão triste, todo mês ele perguntava se eu

não estava grávida, uma vez atrasou 8 dias a minha menstruação, 8 dias passou do prazo, ele

ficou tão faceiro, ele dizia, - “Miúda”, ele me chamava de “Miúda”, tu está grávida. Eu quero
210

uma menina, os guris são muito marotos. Eu também queria, a guria a gente cria como quer.

Se nós tivéssemos um filho ele não iria para o Amparo, nós íamos dar para a irmã dele de

Santa Cruz, ela não segurava os filhos que ela tinha, ela perdia, ela tinha o útero infantil, era

uma moça tão bonita, ela ficava grávida mas perdia, ia até 4 meses e perdia, depois ela se

matou.

Um dia o marido dela veio para casa, ele era viajante, eles jantaram e se deitaram, de

repente ela ouviu um ronco tão engraçado, acendeu a luz e o marido dela estava morrendo, ela

ficou bem louca... sabe o que ela começou a fazer? Dizia que não era para morar ninguém

com ela, se chaveava em casa às seis horas e começava a beber, foi assim até morrer. Não se

conformou com a morte do marido, o sangue dela virou todo em água, não queria ninguém

que morasse com ela, tinha um marido muito bom, vou lhe dizer.

Quando meu marido morreu eu disse para a senhora madre que eu ia ficar morando

na enfermaria, porque para onde é que eu iria, o meu lugar era aqui, e a madre disse: - Aí não,

aqui, não é lugar de morar. Então fui morar lá no 10, ali na esquina, era de mulher. Essa que

me cuidou até o fim da vida dela, essa senhora que perdeu as duas pernas, a dona Dilda, ela

morava no pavilhão 10, ela era a chefe do pavilhão, ela limpava, queria que visse aquele

pavilhão, aquilo brilhava. Em outubro ela começava a fazer limpeza, as camas todas para a

rua, olha que ela era caprichosa, barbaridade, depois ela veio na enfermaria perdeu a perna, eu

tinha esperança que ela voltasse para o pavilhão, mas um dia a madre disse: - Branca tu tem

que trazer tuas coisinhas que a Dilda não vai mais para o pavilhão.

Essa coitada sofreu... mas me cuidou até que ela não pode mais, Deus nos livre,

caprichosa, minha nossa, começou a enfeitar meu quarto lá embaixo, e eu dizia que não queria

mais nada, eu dava os vasos e os enfeites todos de presente e ela dizia: - Não dá Branca.

Vamos enfeitar teu quarto de novo bonitinho. Começou a fazer guardanapos de croché, eu

fiquei com ela até... Esses guardanapos aqui foi uma outra senhora que fez, ela morava lá
211

conosco, dona Almerinda, ela ganhou alta, às vezes ela vinha fazer visita, depois nunca mais

ela veio.

Muita gente ganhou alta. Naquele tempo tinha que ir embora, vinha um médico do

Rio, fazia exames, se dava bom tinham que ir embora, uma vez foram 50 embora, nessa turma

o meu marido foi junto. Tinham os que fugiam, mas iam para a cadeia quando voltavam, tinha

cadeia bem lá embaixo perto do Cassino, cadeia mesmo, nossa até parece um sonho todas

essas coisas. Vê o que passei na minha vida, ainda bem que peguei marido bom. A primeira

vez que os doentes fugiam ganhavam 7 dias de cadeia, depois eram 15, depois até um mês.

Fugiam porque não ganhavam licença para passear, no começo não deixavam ninguém sair,

depois do tratamento começaram a dar licenças.

Tinha um fazendeiro de Lagoa Vermelha, pegaram ele no campo assim e

empurraram para dentro da camioneta, ele até perdeu o juízo depois. Ele se matou aqui

dentro, quem pegava era o médico, aquele que fazia exame em nós, em todo o Rio Grande

eles se meteram, buscavam parentes que tinham a doença, esse homem estava no campo

quando foi pego, pediu para se despedir da mulher ao menos, não deixaram. Um outro, esse

também perdeu o juízo, queimaram a casinha dele, não sei quem fez isso, acho que foram os

da prefeitura, ele perdeu o juízo barbaridade, vou lhe dizer.

Meu marido mesmo, veio por conta dele, diz que de lá os doentes vinham em vagão

onde vinham os bichos, os bichos... No tempo do trem, traziam os cavalos, lá eles botavam os

leprosos, uns sentavam em cima da mala porque tinha sujeira dos animais. Lá de Santa Cruz

eles vinham assim, lá eles pegavam as pessoas desse jeito... Meu marido veio na frente, ele

sabia que tinha que vir naquele trem ali, ele estava fichado, aí ele veio na frente por conta

dele, nesse vagão vinham os doentes que eram mandados, nesse vagão sujo...Conheci um

casal e uma senhora que vieram assim, o Valmor veio antes, por conta, para evitar...muito

triste...
212

Eu ando muito revoltada com minha vida agora, eu não vou viver mais muito tempo,

não me sai mais da cabeça esse sofrimento. Agora, depois de velha, está me fazendo mal,

porque eu penso muito, lembro de tudo isso... mas aqui era muito bom no princípio, tinha

cinema três vezes por semana, teatro, baile, dois times de futebol, o Juventude azul e branco e

o União vermelho e branco. O nosso diretor que apitava o jogo, o Dr. Gilberto Mangeon. Não

podia entrar outros de saúde, só entrava ele e as irmãs, apenas no Natal vinham outras pessoas

de fora.

No Natal era muito bonito aqui, vinha o governador com a esposa e a secretária dela,

lá no refeitório tinha um pinheiro bonito e os presentes que nos ganhávamos das irmãs eram

muito bonitos! Uma vez, o governador era o Ernesto Dorneles e a sua mulher era a Fabíola....

eu sempre fui vestida pobrezinha, eles fizeram um círculo no refeitório, no centro ficava o

pinheirinho, de um lado as mulheres, do outro os homens, eles estavam ali dando os pacotes

que as irmãs já tinham feito e essa dona Fabíola tinha um pregador tão lindo. Ela sempre

olhava para mim e sorria, ali tinha uma turma de gurias todas bem arrumadas, a mais

pobrezinha era eu, de blusinha branca e de saia preta, e ela olhava para mim e sorria, de

repente ela tirou o broche dela e deu para a secretária me entregar, depois me roubaram o

broche, sumiu da minha casa, mas era tão bonito, todo com rosinhas, parecia uma louça, tinha

botõezinhos, muito bonito. Essa história esta escrita no livro das irmãs, não me diga!

Os pacotes vinham com tanta coisa dentro, tudo bem feito, uma vez o Dr. Mangeon

arrumou sombrinhas para todas as mulheres, os homens chapéus, ele ia nas lojas em Porto

Alegre pedir e ganhava, ele era muito sério, para ele rir era difícil, mas ele era muito bom, ele

gostava que nós nos divertíssemos, tinha bastante diversão. Tinham dois times, o Juventude

ganhou todas as taças, tinha lá no Cassino um armário com vidro na frente, ali estavam todas

as taças dentro. Pra onde foi isso eu não sei. Só os doentes jogavam, os de fora não, não

tínhamos contato com ninguém de fora, só os médicos e as irmãs.


213

O prefeito era nosso vizinho, chegava os domingos, nós tínhamos um rancho na

Lagoa, nós íamos para lá, ele se chamava Valdomiro, era de Santa Maria, ele até se casou

aqui. Naquele dia foram realizados três casamentos, a noiva dele foi vestida de branco e as

outras duas foram de cor de rosa, eu não achei bonito casar de cor de rosa, não, não, noiva tem

que ser de branco. Se precisava lenha tinha que pedir para ele, a lenha já vinha cortada,

entregavam nas casas, naquele tempo só tinha fogão à lenha, para tomar banho tinha que

esquentar a água, não tinha chuveiro elétrico nada.

Ele morreu muito cedo, barbaridade, começou assim com febre, e não sabiam o que

ele tinha, ele morava ali onde mora a Telma agora, depois nós moramos naquela casa,

começou com aquela febre e cada vez mais alta. Nós viemos visitá-lo aqui na enfermaria,

eram marcados os dias, não podia entrar a qualquer hora, eram as terças, quintas e domingos,

das 2 até ás 3, e se alguém estava mal para morrer, colocavam um quadro negro ali na frente

na entrada escrito, visita proibida, a gente já sabia que tinha alguém mal para morrer, não

deixavam entrar visitas. Só os enfermeiros entravam a qualquer hora na enfermaria, mas tinha

umas colchas tão bonitas nas camas, faziam colchas com saco de farinha de trigo, desfiavam e

com os fios faziam linha, nos lugares desfiados faziam um croché, eram as irmãs que faziam,

eram bonitas, essas elas guardavam para o Natal e dias de festa, durante a semana eram

colchas mais simples.

Como estava dizendo, o prefeito cuidava a limpeza das ruas, as ruas eram saibradas,

parecia que eram calçadas, era tudo limpinho, todos os dias varriam e ninguém atirava nada

na rua, era tudo com respeito, obedeciam tudo, o que o Dr. Mangeon dizia nós fazíamos.

Tinham concursos de jardins, os mais bonitos eram premiados. O Dr. Mangeon passava nas

casas com uma comitiva formada pelo prefeito, o administrador, que também se chamava seu

Valdomiro, esse já estava aqui quando nós viemos, ele morava aqui com a mulher e duas

filhas, eles escolhiam o jardim mais bonito.


214

Quando morria alguém todos iam no cemitério, todos, colhiam flores para levar, os

parentes de fora não podiam entrar, mas aqui de dentro todos iam. Agora, no velório do seu

Toni, aquele senhor que morava aqui na enfermaria e também não enxergava, ele faleceu

domingo lá fora, às nove e meia da noite e segunda trouxeram e enterraram ele logo, diz que

tinha pouca gente no velório, a irmã dele ainda mora aqui.

Quase todos os doentes que vinham para cá tiveram que passar ali no Partenon. Meu

marido também era para vir num desses vagões que traziam animais, onde veio um casal e

uma senhora, e o meu marido veio antes para Porto Alegre, os doentes paravam ali no

Partenon, ali ficou um pavilhão para os doentes baixar e fazer os exames, nosso antigo

leprosário, se dava ruim eles vinham para cá, toda sexta vinha a camioneta de lá, trazia os

“novatos” como se dizia, os doentes novos. Quando chegava a camioneta as irmãs esperavam,

a irmã Maria era encarregada para dar quartos, os quartos eram cheios, com 3 camas, queriam

começar a colocar 4 camas, e eram todos os pavilhões só da nossa doença, cheio, cheio.

Tinha uma irmã que trabalhava na padaria, ela mesmo contou depois que tinha muito

medo de nós, o mais perto que ela vinha era da padaria até a cozinha, levar algum cesto com

pão, que era distribuído toda a manhã junto com o leite pela irmã Sebastiana. A cozinha era o

mais perto que esta irmã chegava de nós, se chamava irmã Áurea, e de repente a irmã Áurea

saiu da padaria, foi transferida, depois de anos não é que ela internou doente, foi então que ela

contou como tinha de medo de nós, o mais perto que ela chegava era da padaria até a cozinha,

e ficou doente.

Ela ficou cuidando dos velhinhos, no pavilhão 10, depois ela foi embora e morreu lá

fora, as outras irmãs não tinham nenhum medo, nunca, nunca, essa irmã Élia trabalhava sem

luva, mexia nas feridas, limpava tudo, a irmã Élia era da Alemanha também, ela faleceu com

35 anos parece, lá em São Leopoldo onde era o lugar delas, luva da onde?!
215

O Dr. Ari sentava em cima da cama dos doentes nas enfermarias e filava cigarros,

fumava muito, depois morreu de câncer no pulmão, pegava cigarro dos doentes e fumava,

jogava cartas com os doentes. Tinham uns funcionários do lado de lá, mas estes não entravam

aqui dentro, só os médicos e as irmãs.

Antes, então, eu contava do nosso prefeito, o seu Valdomiro que era de Santa Maria,

um dia ele começou com aquela dor de cabeça enjoada e foi indo que ele baixou a enfermaria,

terça-feira eu e a Mãe viemos visitá-lo, estava lendo jornal, sentado em cima da cama, e

quarta ele morreu, trouxeram ele aqui onde nasciam os nenéns para ele não ficar no meio dos

outros doentes com aquela febre. Não sabiam do que era aquela febre, depois que ele morreu,

o Dr. Mangeon, nosso diretor, disse assim: - Dona Marta, era o nome da mulher dele, que

depois acabou casando com outro aqui dentro, todos são falecidos. O Dr. perguntou se ela

deixava abrir a cabeça do marido, veio outro médico de Porto Alegre, um cirurgião, a mulher

deu licença, abriram a cabeça, ele tinha meningite, e não abriram mais o caixão, como devem

ter enfaixado aquela cabeça, meningite ele tinha, único caso, não sabiam de onde vinha a

febre. A lepra é difícil matar, ela judia, mas tem que ter outra doença para matar.

Meu pai faleceu com 84 anos, quando ele faleceu a Mãe já era falecida há 22 ou 23

anos, eles estão juntos no cemitério. Esses tempo mexeram no túmulo, da mãe só encontraram

a alça do caixão, mais nada, foi enterrada na terra, não nessas carneiras que fazem agora, eu

vou na terra também já está pronto lá, eu vou te dizer... o que eu já sofri, minha nossa senhora.

Além dessa nossa doença, eu tive uma outra, o Valmor ainda estava lá fora, não tinha

casado ainda. Comecei esse tratamento forte com Promim, então eu fiquei fraca do pulmão,

eu fiquei mal, mal, estavam esperando toda hora eu morrer, mas vou lhe dizer, a irmã Élia foi

lá nas casinhas ver a pressão de uma senhora que sofria da pressão alta, então eu disse para a

Mãe chamar a irmã Élia, ela era uma doutora, inteligente que vou te dizer, eu disse para a Mãe

marcar os exames, todos eram realizados aqui, tinha um laboratório, Dr. Jandir era o médico.
216

Eu custei, mas fui, depois ela veio e disse o resultado para a minha mãe, cochichava, eu só

ouvi que ela disse assim: - Tem que passar água fervendo em todas as colheres que ela usa...

A minha mãe não se revoltava com nada, nunca vi, dizia que tinha que ser assim,

fiquei couro e osso, muita tosse eu não tinha, eu fiz tratamento, barbaridade, acho que tomei

um ano aquela Estreptomicina, remédio para o pulmão, uns comprimidos do tamanho de um

botão, e fortificante e vitamina, isso e aquilo, tomei tudo, injeção fazia de manhã e de tarde.

Depois comecei a engordar, fiquei gorda, não havia comida que chegasse, tinha mais uma

moça que era fraca do pulmão, aquela diz que já tinha até buraco no pulmão. Tivemos que ir

para fora fazer exames, o meu deu bom, o da moça não deu bom, depois ela morreu lá fora.

Quando o meu marido foi para se casar comigo, eu já estava forte, mas disseram

assim para o Valmor: - Tu vai casar com essa moça? Ela é tuberculosa. Ele disse: Ah, é? Ele

foi lá no Dr. Ari e disse: - Olha eu quero casar com a Branca. É verdade que ela é

tuberculosa? Quem é que disse isso? Me contaram por aí. Daí ele disse: - Olha Valmor, sobre

isso tu não precisa mais ter medo, ela está curada, eu tenho a ficha dela aqui na minha

gaveta, olha o raio x dela, ela está curada, por isso tu não precisa te preocupar. Até isso

disseram para ele... fazia tempo que eu já estava boa, também, Estreptomicina de manhã e de

noite por um ano.

Nós fomos para o Partenon fazer o exame, não sei direito onde nós fomos, eu andei

de camioneta, mas eu não enxergava, lá tiraram radiografia do meu pulmão, dessa moça e de

um outro senhor, fomos os três, aí o Dr. disse: - Olha Valmor, quanto a isso tu não precisa ter

medo, ela está curada mesmo, pode casar, por causa disso não. Foram os fofoqueiros aqui de

dentro que contaram para ele, os doentes, mas naquele tempo era diferente, nós éramos mais

unidos, muito unidos, mas mesmo assim, às vezes surgia uma conversinha. O Dr. Ari disse

para o Valmor: - Não precisa ter medo. Olha se tu tem intenção de casar, mas tu não judia

dela, porque ela não enxerga, não tem mais mãe, só o pai que também não enxerga, o dia que
217

eu souber que tu judiou dela, aí de ti. O Valmor me contou, o Dr. chamou ele lá no gabinete

dele e disse isso.

Todos os dias ele vinha, dava consulta e depois ia nos quartos dos pavilhões todos os

dias, quarto por quarto ver as limpezas, e daí ele foi lá ver o meu quarto, ele sempre entrava lá

e sentava para conversar, era um quarto só. Tinha essa que queria a nossa casa, a relaxada, o

Dr. disse assim para ela: - Vai lá ver o quarto do Valmor, depois olha o teu. Nosso quarto era

bem limpinho, ele arrumava bem, passava todos os dias um pano no piso, ele era caprichoso.

Ele ia muito ao cinema, gostava muito do cinema, três vezes por semana tinha

cinema. Um dia ele foi, eu chaveei a porta da frente, - Mas eu não posso lhe deixar sozinha.

Eu disse: - Pode ir. Ele gostava muito de cinema, não demorou ele voltou, eu disse: - Porque

tu voltou? - Eu me lembrei que tu não podia ver o filme, eu também não quero saber. Veio

para casa. Tu não pode ver, eu também não me interesso. Nunca mais foi no cinema, como ele

era bom para mim, 21 anos eu fui casada.

Desses tratamentos que eu fazia, então, tinha o Promim, esse que me deixou fraca

dos pulmões, o “100%” era uma injeção, um líquido branco grosso, nós fazíamos no

músculo, esse Promim era sulfa, depois veio um mais forte. Eu não me arrependo nada que eu

sofri, de tudo que eu sofri, o pior foi perder a visão, esse que foi o pior, e ainda casar

ceguinha... ele gostava de mim quando eu era ainda perfeita, ele dizia para os outros: - Aquela

baixinha há de ser minha, ela tem os olhos muito travessos. Ele dizia para os outros e eles

vinham me contar, coitado, não chegou a dançar comigo, por causa do pé dele. Uma vez diz

que ele estava pronto para ir ao baile, chegou ali perto do cinamomo sangrou o pé dele e ele

voltou.

O momento mais triste da minha vida foi quando eu perdi a minha mãe, ela morreu

ali onde está o Altino, ali era o lado das senhoras, ela ficou só 15 dias aqui na enfermaria e

morreu, esse dia nunca me esqueço, faz mais de 40 anos que ela é falecida, e eu não contei
218

para o meu irmão até hoje o que ela pediu para eu dizer para ele. Ele estava com a Vó, ela

passou o braço no meu pescoço e disse assim: - Olha tu diz para o Cléo que não é para fazer

nada errado, andar sempre direitinho, não roubar nem nada. Isso foi a última coisa que ela

falou.

E a senhora sabe que ela apareceu para a minha vó lá em Novo Hamburgo? A Vó

estava se aprontando para deitar, o meu avô estava lendo jornal na salinha, a Mãe morreu às 9

da noite num sábado, ela se aprontando para deitar, bem na hora que a Mãe morreu aqui,

depois contaram para nós, ela apareceu lá na janela e ainda falou com a Vó, disse assim:

- Mãe eu vou morrer, estou sofrendo muito, eu vou morrer, estou sofrendo muito. Naquela

noite a Vó teve um derrame, ela não contou para o Vô, ela não contou para ninguém que a

Mãe tinha aparecido na janela. Chamaram um médico, ela vomitou muito, perdeu a visão de

uma vista, mas não ficou aleijada do derrame, só perdeu a visão de um olho, as pernas e os

braços ficaram normais.

Fazia 15 dias que tinham enterrado a Mãe, a Vó tinha 6 noras, que chamavam ela de

mãe, elas disseram: - Vamos ter que contar para a mãe que a Alvina faleceu. Ninguém queria

dizer, então uma tia disse que ela contaria, ela tem que saber, a Vó ainda estava na cama por

causa do derrame, então ela disse assim: - Mãe, a senhora sabe que a Alvina faleceu? Ela

respondeu: - Eu sei, ela me apareceu na janela, ela me disse...

No mesmo instante que a Mãe morreu aqui, o meu irmão estava trabalhando num

bar, sábados e domingos num bar e dias de semana numa fábrica de calçados, ele também se

sentiu mal na mesma hora, uma coisa ruim que deu nele, aí o dono do bar perguntou se ele já

queria ir, na mesma hora, ele disse, eu quero.

Quando a Mãe faleceu avisaram meus parentes, no velório ninguém veio, vieram

antes e depois que ela tinha morrido, eles são muito de chorar, naquela época já podiam entrar

no hospital, mas só num caso destes, mas não deu tempo de virem. Na hora do enterro chovia,
219

o velório foi lá em casa, chovia, chovia, bem na hora que nós íamos saindo para o cemitério,

fomos igual eu e o Pai. Isso era muito triste, os outros doentes ficaram no velório toda a noite,

eu nem me deitei, o Pai não saía de perto do caixão dela, ficou a noite toda sentado perto dela.

Quando ela morreu, aqui, o quarto era cheio de gente, a hora que ela morreu todo

mundo chorava barbaridade. Depois eu não enxergava, nem o Pai e ela falando, dizendo tudo

isso, dizendo isso, rezou todo o terço junto bem alto, o terço inteiro, quando ela começou a se

despedir de mim e do pai, a irmã Élia saiu correndo, diz que foi chorar lá na sala de operação,

não pode ficar mais ali.

Agora que estou velha, eu penso em tudo isso, não posso mais acreditar em nada,

não, não, é muito sofrimento, agora eu não enxergo e estou ficando..., capaz de ficar paralítica

das minhas pernas, nas minhas mãos não tenho sensibilidade, só as coisas grossas eu sinto, eu

tinha as mãos perfeitas... eram perfeitas as minhas mãos... eu tinha uma mãe que se

conformava com tudo, com tudo, para ela era para ser assim, uma coisa que eu nunca vi, coisa

igual eu nunca vi...

Bem no princípio, eu tive momentos felizes aqui, com 18 anos, ali naquela foto eu

tinha 18, com 19 eu fiquei cega, barbaridade... Mas momento feliz depois de cega... Eu

gostava de ir nos bailes, nos jogos, tinha todos os domingos jogo de futebol, cinema eu não

cheguei a ir.

Nós tínhamos um jornalzinho também, chamava-se A Razão, o diretor era um

ceguinho muito inteligente, ele tinha um secretário que escrevia. Não sei se ainda existe

algum, trazia notícias da sociedade. Ali saiam as fofocas, os namoros, saía todo o Domingo,

anunciavam os jogos, cinema, teatro, as brigas, eram duas folhas grandes, às vezes era bem

bonzinho de dar risada. O jornalzinho era escrito lá no Cassino, esse senhor ditava, o

secretário escrevia, depois que ele morreu, se não me engano, parou de circular. Esse senhor

casou aqui dentro, era de Itaqui, a esposa dele morreu, depois foi ele. Não sei de onde ele
220

descobria tanta coisa para colocar no jornal, o nome era o mesmo de um jornal de Santa

Maria, A Razão.

Tinham até músicos aqui, uma senhora de idade era professora de música, ela

ensinava os rapazes a tocar gaita e violão, ela se chamava, se não me engano, dona Emília, ela

era lá de Taquara. Um aluno dela era o Gentil, o ensinou a tocar gaita.

O seu Nelvor tocava violino, ele era inteligente, depois ele foi nosso dentista, vinha

um dentista de fora, mas ele tinha um medo, Deus o livre, ele olhava só de longe, ele não

atendia, ele olhava só de longe, era o seu Nelvor que atendia, ele ensinou o seu Nelvor a ser

dentista, ele se parava assim de longe... se fantasiava todo para entrar aqui, puxava as calças,

não podia encostar a bainha no chão, não tocava em nós, de medo, de medo... Depois ficou o

seu Nelvor até entortarem as mãos dele e já não deu mais, um homem muito inteligente,

tocava violino, a coisa mais triste para ele foi quando teve que deixar de tocar violino.

Na Igreja tocavam o órgão, tinha dois coros na missa, depois veio um padre de São

Paulo doente, ele não queria que soubessem que ele era doente e veio para cá, ele era daqueles

que usam as meias vermelhas, ia ser bispo, depois ele voltou para São Paulo e morreu muito

triste lá, o corpo dele ficou coberto de feridas, ele ficou internado aqui um tempo, ele morava

ali no colégio, ali depois da Igreja Católica, o colégio que tem o nome do Dr. Mangeon, nosso

diretor.

Meu Deus do céu, a gente não pensava que estava num hospital de tanta diversão que

tinha, sábados, domingos e terças vinham de fora passar filmes, um homem de saúde vinha,

esse o Dr. Mangeon deixava entrar, um mil réis era a entrada. Tinham teatros bonitos, tinha

uma professora de bailado, parece que se chamava Margarida, depois ela foi com alta, ela era

casada há pouco tempo. Poucas pessoas que iam com alta voltavam. Eu não pude sair, o que

eu podia fazer... Agora estou muito revoltada por causa da minha cegueira, as outras coisas
221

não me queixo mais, não posso me conformar, agora estou ficando com as pernas duras, não

posso mais caminhar direito, por causa da coluna eu acho.

Sabe de que lugar vinham a maioria dos doentes, de Santa Cruz, de lá que tinha mais

gente, todos descendentes de alemães, iam até fazer leprosário lá, depois queriam botar a

gente entre as duas lagoas, já pensou, nas conversas daqui o pessoal comentava, botar todos

lá na ilha, mas lá não deu por causa da areia não dava para fazer o alicerce, imagina, no meio

das duas lagoas, Deus nos livre...

Esse hospital foi muito bem feito, assim, a casa das irmãs, os pavilhões, os lugares

que eu me refiro, quem será que fez essa coisa assim? A diretora quer reformar o Cassino, a

parte de cima, quando nós viemos para cá aquilo ali era um campo, muito bonito, depois

escolheram aquele lugar para fazer o Cassino. Eu não cheguei a ir nos bailes ali, já não

enxergava, primeiro era no refeitório, tiravam as mesas do lado de lá, de manhã tinha que

estar tudo arrumado, quando o pessoal vinha tomar o café.

Fiz muitos amigos aqui dentro, a maioria são falecidos, senti muito a morte desse que

era nosso prefeito que eu falei, morreu muito cedo. Era nosso prefeito aqui de dentro, quando

faltava uma coisa tinha quer pedir para ele, ele transmitia lá para a direção, a administração,

tinham uns empregados de saúde lá.

As nossas coisas de Novo Hamburgo ficaram lá, fomos para o Partenon só com

nossas roupas, viemos para cá sem nada também, o Dr. Mangeon dizia que tinha que passar

na estufa, ele não queria os percevejos para cá, foi tudo numa estufa, botaram desinfetante

parece. Os caminhões trouxeram nossas mudanças, tinha os nomes nas caixas de cada um, só

trouxemos as roupas, nem sei se trouxemos louça, acho que não, depois as irmãs davam as

louças, davam roupas também.

No Natal um casal ganhava tanta coisa, um pacote de bolacha, com aquele açúcar

colorido em cima, bolacha de Natal, roupas, ali tinha de tudo para o casal, era algodão não sei
222

quantos metros, era toalha de mesa, as mulheres ganhavam fazenda para vestido, os homens

tecidos para fazer calças, tinha a sala de costura, tinha uma chefe que só cortava, ficava ali

onde é a lavanderia, lá embaixo, ali onde está tudo abandonado, de um lado ficava a

lavanderia, do outro a sala de costura.

Vinha muita gente de fora que não tinha uma roupa para mudar, tudo gente pobre.

Uma vez veio um caminhão cheio de gente, cheio, cheio, não tinham uma roupinha para

mudar, a madre vinha e tomava nota do número ia lá para a sala de costura, então eles

ganhavam roupas, era de brim, mas eram roupas boas, uma cortava, outra costurava e duas

moças pregavam só os botões. Eram pagas, todos queriam trabalhar.

Essas pessoas que vinham no caminhão, vinham todas em pé, coisa mais triste, o

caminhão era aberto atrás, todos em pé parados, era cheio, cheio. No caminhão, uma vez veio

um com os cabelos compridos, pensaram que fosse mulher e trouxeram para o salão das

mulheres, depois os enfermeiros, nossos enfermeiros doentes, deram banho nele e viram que

ele era homem. Coitado! Em casa quem é que ia cortar seus cabelos, era muito triste, não sei

se ele ficou internado, ele não caminhava, ele faleceu depois. Nós viemos na camioneta, esse

caminhão não sei, acho que passou lá por Lagoa Vermelha, Vacaria, não sei por onde, ia

juntando os doentes.

Essa camioneta que eu vim era fechada, nós entrávamos por trás e sentávamos do

lado, um carreiro de bancos aqui e outro ali. O Pai vinha mal, gemendo e vomitando. Uma

hora nós paramos num riacho, aquela água tão limpinha, a Amélia, uma senhora já falecida,

que acabou casando com o irmão do seu Nelvor, ela disse: - Vamos parar um pouco, molhar

uma toalha e pôr no rosto do seu Dilerme, o Pai se chamava Dilerme. Ela desceu e molhou a

toalha e passaram no rosto dele, ele vinha mal mesmo, parou a camioneta, quando batia assim

no vidro, o motorista parava. Saíamos pelos fundos da camioneta, aí quando o motorista

fechou, vieram dois cavaleiros sabe, acho que eram fazendeiros por ali, uns cavalos bonitos,
223

eram dois a cavalo, quando fecharam aquela porta da camioneta atrás, eles espiaram assim

para dentro e disseram assim: - Olha a mudança dos leprooosos! disse para nós, esses

cavaleiros, olha a mudança dos leprooosos, e uma mulher ficou tão brava, ela disse para eles

até um nome tão feio, ela disse para eles, saiam daí filhos das putas, ela disse para eles, ela era

muito desbocada, a Leontina.

Esses deviam andar lá pelos campos, porque não se via casa, lá longe se via uma

casa, diz que era um tal de, não lembro mais o nome dele, morava lá para os fundões, um

fazendeiro, depois sumiram daí. Vizinhos por aqui eram muito poucos quando nós viemos

para cá. À direita e à esquerda era só campo, antes de nós chegar no hospital longe assim

tinha uma casa, de certo eram esses fazendeiros não sei, diziam que iam se mudar quando nós

viemos. Quando nós chegamos essa Igreja nossa não estava pronta, mas olha fizeram tão

ligeiro e se mandaram de medo, os de saúde.

Os doentes fizeram umas canoas, uns caíques para andar na água, aos domingos nós

não parávamos em casa, íamos lá na Lagoa Negra. Nós ia de manhã na missa, bem cedo,

íamos com esse vizinho que depois abriram a cabeça, quando estava querendo clarear o dia

nós já íamos indo, jogávamos a rede, pescávamos cada peixe, nós levamos só o arroz, lá tinha

um rancho feito de junco, essas plantas que crescem na água, daquilo era feito um rancho, só

as portas e janelas eram de madeira, era do seu Valdomiro.... Nós fazíamos um ensopado de

peixe e assim passávamos o dia lá, era muito bom. Agora liberaram a Lagoa, aqui no nosso

canto, mas não pode pescar, liberaram para fazer piquenique na Lagoa Negra, aquela água é

preta. Uma vez atravessamos a Lagoa Negra, desembarcamos na Ilha e fomos até a Lagoa dos

Patos, aqueles montes de areia tão limpinhos, nós fomos com essa canoa que construímos, era

nosso passatempo.

As primeiras missas eram lá no refeitório, queria que visse as procissões de Corpus

Christi, eram muito bonitas. Blocos de carnaval, tinham duas sociedades, essa vermelha e
224

branca e a nossa era azul e branca, a do Juventude. Eu participava do carnaval, nós fazíamos

as fantasias bonitas, uma vez nós fizemos de marinheiro, todos de marinheiro, coisa mais

linda, a gola era azul e a camisa branca, a calça era branca com uma lista azul e um chapéu

igual ao de marinheiro. Desfilávamos na rua depois íamos para o salão, tinha duas orquestras,

cada qual queria ser mais caprichoso, o outro bloco, do União, tinha outra fantasia, vermelha e

branca.

Uma vez fizeram um bloco, “bando da lua” e os versos de carnaval foram escritos

por um doente, os versos para cantar, faziam ensaio e tudo. As pessoas escolhiam para qual

sociedade pertencer, então tinha aquela rivalidade, por exemplo, como o Colorado de Porto

Alegre e do Grêmio, até a amizade já ficava diferente por causa da rivalidade. As moças

pertenciam mais ao nosso, ao Juventude, as moças bonitas e tudo, tinha bastante moça do

nosso lado, cada baile coisa mais linda.

Cada clube tinha suas orquestras, as duas eram boas, tinham violão, gaita, violino,

pandeiro, completa, completa, tinha baile na roça, as pessoas vinham fantasiadas, até carroça

de boi vinha no baile, mas era bonito aquele baile, até o Dr. Mangeon ia lá olhar de noite, mas

tinha hora para terminar, tinha que deixar arrumado, por que a irmã vinha de manhã, se tinha

coisa fora do lugar, as mesas, ela ficava brava, de manhã cedo os que promoviam o baile

levantavam para arrumar tudo, agora no Cassino não cheguei a ir.

Os bailes não eram no mesmo dia, eles tinham os deles, nós os nossos, uns não iam

nos bailes dos outros, havia rivalidade grande. Tinha concurso de rainha da primavera, eu fui

a primeira rainha, a mais feia e a primeira! Os votos eram vendidos e abertos na hora, alguns

torciam para esta, outros para aquela e na última hora entrou uma lista de votos só para mim,

daí eu ganhei! Foi um enfermeiro nosso que comprou, ele nos acompanhou desde o Partenon.

Ele foi enterrado aqui, ele quis ser enterrado com os doentes, era o desejo dele. Ele teve que

pedir licença para o Jair Soares, que era o governador para ser enterrado aqui, porque ele era
225

de saúde, desde rapazinho novo era nosso enfermeiro. Ele fez a sepultura dele antes e

escreveu na lápide assim: “Aqui jaz meus ossos esperando os vossos!”, ele era o seu Mário,

“Aqui jaz meus ossos esperando os vossos”, ele está lá esperando! Como ele era dos doentes,

ele era muito bom para nós...

Fui coroada rainha da primavera, meu irmão tem a foto, esses tempos ele trouxe. Nos

vestíamos todas de branco, as moças botavam flor na cabeça, as casadas não. Eram muito

bonitos os bailes, mas a rivalidade era grande, eles tinham a rainha deles, nós as nossas, tudo

separado. Tinha domingo que era baile nosso, o outro deles, quando tinha baile deles, nós

íamos espiar na janela, lá no refeitório, nenhuma das nossas moças entravam nos bailes deles,

nós tínhamos a maioria das moças. Todos os anos tinha esse baile da primavera, na última

hora veio a lista, eu nem pensava em ser rainha, tinham as candidatas, onde eu ia pensar que

era eu, isso foi esse seu Mário que votou tudo em mim...

Essa história da Santa Rita que sumiu que eu ia contar foi assim, internou uma

senhora que era esposa de um sargento, muito bonita. Essa mulher chorava tanto, tanto,

quando internou, ela tinha medo que entortasse as mãozinhas dela, ela não tinha nada, era

bonita, ela fez a promessa, se ela saísse daqui com as mãos perfeitas, ela ia dar a Santa Rita

para Igreja, aquela Santa que eu fiz a novena para casar! Um dia essa Santa sumiu da Igreja,

depois eu soube que uma irmã deu para uma pessoa aí de fora, mas não podia, pois foi a

mulher que fez a promessa, se ela saísse com os dedos perfeitos, ela ia trazer a Santa, e

trouxe, bem grande, toda vestida de preto, conhece a história dessa Santa? Ela era casada,

depois que ela perdeu os filhos, foi para o convento. O marido dela bebia muito e foi morto,

ela tinha dois guris, esse filhos disseram para ela que iam vingar a morte do pai, eu li uma vez

essa história e também passou uma vez na novela, no tempo das novelas do rádio, ela pediu

para Deus que levassem eles antes, para não se vingarem da morte do pai. Os filhos
226

morreram, ela foi para o convento, lá ela ganhou câncer na cabeça e era desprezada pelas

irmãs por causa do mau cheiro de sua cabeça, ela morreu no convento.

Aquela outra Santa que tem ali na capelinha foi doação de um casal que morou aqui

e depois foi para o leprosário de Santa Catarina, ainda existe essa capela? O nome da mulher

era Migalina, mas nós chamávamos de Miga. Ela já morreu também, ela foi muito boa para

mim, a Santa que ela colocou na capela parece que era Nossa Senhora de Lourdes. Foi esse

casal que fez a gruta, eles eram catarinenses estavam lá no leprosário depois vieram para cá,

eram tão caprichosos... O marido dela parece que ainda está lá naquele hospital, ele bebia

muito, ela era muito minha amiga, às vezes meu marido machucava as mãos, não parava de

trabalhar, não podia lavar louça, ela vinha lá, todos os dias, ela me ajudava muito.

Uma vez também tinha um São Roque aqui, agora eu não sei onde ele está, uma vez

ele ficava numa gruta, mas este Santo não é de gruta, de gruta é Nossa Senhora de Fátima,

aquela que apareceu para as crianças. O Jacinto e o Francisco eram irmãozinhos, eles

faleceram, a irmã Lúcia ainda esta viva, tem os segredos naquela carta, os segredos de Fátima.

A Nossa Senhora de Lourdes apareceu para a Bernardete, uma vez essa moça estava colhendo

lenha no mato e a Santa apareceu para a menina. Esse São Roque tinha um cachorrinho de um

lado e um pãozinho na mão e uma úlcera na perna, naquele tempo eu enxergava, ele estava lá

na Igreja, agora ele sumiu, como a Santa Rita, sumiu.

Não acredito em outra vida depois desta, não tem, aonde que é esta vida? Aonde?

Ninguém vem dizer como é que é ou não é, quando morrer é o fim da vida, eu acho sim e eu

tenho muito receio que me carreguem lá para fora, eles levam já meio morto, não viu o seu

Toni? Ele estava mais morto que vivo, tenho medo dos estranhos, ele disse para uma

funcionária daqui que ele estava muito bem tratado e que estava com muita saudade de nós, o

seu Toni, o ceguinho que enterraram ontem.


227

Tenho medo de sair daqui e me levarem em outro hospital. Eles fazem isso sabia, lá

as enfermeiras tem medo da gente, que a gente é torto, eu não enxergo e tudo... como é que

vou comer, aqui eu estou acostumada com o lugar, tem a mesinha, e lá aonde não posso nem

me lembrar, isso me ataca os nervos, não posso mais ficar nervosa por causa do coração, e

agora minhas pernas estão ficando paralíticas, que coisa, meus joelhos estão duros. Não sei se

vou ficar bem, eu tenho uma saudade das irmãs, elas não vem mais para cá...

Vou lhe dizer, dá para escrever um livro da minha vida, sabe qual é o título que vou

botar no livro, “Nasci para sofrer”... o título mais certo, até tinha uma psicóloga que queria

escrever um livro da minha vida, eu disse o título, ela não gostou, no fim eu não quis mais,

não queria que a minha vida se transformasse em livro, eu ia recordar tudo, desde o princípio

o que eu sofri, eu disse: - Até faço um livro, mas tem que ser esse título “nasci para sofrer”, o

mais certo que tem, o mais certo. Depois resolvi que não queria mais escrever o livro. Essa

história que te contei virar um livro? Se eu pudesse ler podia ser! Não precisa me agradecer,

só vem me visitar.

Seu Chico

Sou Chico, filho de João e Joana, nascido em Boa Vista do Erechim, hoje Aratiba,

sou do ano de 1924. Meu pai era de Santa Cruz, minha mãe de Caxias, foram para a colônia

de Rio Novo, em Erechim, trabalhar com madeira. Lá eles se conheceram e casaram, depois

vieram embora. Tudo era muito difícil naquela época, éramos três irmãos, um é falecido.

Éramos uma família de agricultores.

Dá para dizer que eu nasci e me criei na lavoura, estudei até o quarto ano. Eu só

falava alemão, aprendi português simplesmente porque o finado pai tinha um livro em

português. Fui dois anos na escola, depois viemos para Ijuí procurar recursos para meu pai,

que também era doente. Quando saímos de lá, eu deveria ter uns onze anos, meu irmão não
228

falava ainda, lembro de uma passagem quando ele estava brincando no pátio e começou a

apontar para o chão, era uma aranha grande, ele ainda não falava, devia ter uns quatro anos.

Outra vez, nessa época, nós estávamos andando em um burro, um agarrado no outro, quando

o burro pisou em uma lata nós caímos, éramos crianças naquela época.

Trabalhávamos em nossa terra quando o finado pai resolveu procurar recursos por

causa da doença. Ele vendeu a terra e nós saímos de lá, meu pai era um homem muito

marcado por causa da doença, não tanto fisicamente, mas a comunidade sabia que ele tinha

uma doença, não sabiam o que era, podiam desconfiar, mas ninguém podia afirmar, provar

como? A vizinhança dizia que era aquilo, mas era tudo imaginação de quem convivia, nem o

médico, um clínico que tratava de sarampos, gripes e coisinhas assim, tifos, varíola, varicela,

nem ele sabia o que era. Meu pai saiu de lá para procurar recursos e nós viemos com ele,

saímos de Ijuí e viemos para Porto Alegre.

Esses vizinhos que falavam que o pai era doente, eu reencontrei uns 25 anos depois e

eu, para não dar razão para eles, disse que o pai até morreu desgostoso por causa daquilo que

falavam, das fofocas, alguns na vizinhança falavam, mas nunca souberam. Essa doença não

era comum na região, mas as pessoas desconfiavam por que a cidade era pequena e o pai saia

para ir no médico e ele demostrava assim os pés inchados.

Viemos todos, pai, mãe, e três irmãos. Chegamos num anexo da Santa Casa, onde o

meu pai..., ficamos ali, mandados pelo médico de Ijuí. O primeiro médico que nos entrevistou,

que entrevistou o Pai com a gente junto foi o doutor Faillace, me lembro bem o nome dele.

Foi a primeira marcação sobre este nome feio..., ele chegou e disse assim..., ao invés de

chegar de outro modo, ao invés da saúde procurar o doente, o Pai veio procurar recursos e o

médico disse..., me lembro da reprimenda até hoje, ele disse: - Como é que o senhor ficou até

hoje vivendo com sua família? O senhor não podia viver com sua família, o senhor tem

lepra..., assim repreendendo ele. Todos nós estávamos juntos com o Pai. O médico disse: - O
229

senhor tem que ir imediatamente para o Partenon, e não demorou muito veio um carro e o

levou, nós ficamos ali. Ficamos uma semana ali fazendo exames, fizemos uma visita para ele

no Partenon e voltamos para Ijuí. O doutor não deixou mais ele ir embora. Ele ficou no

Partenon até fundar este hospital aqui, até fundar o Itapuã, ele foi um dos primeiros que

vieram. E nós voltamos para Ijuí e continuamos na agricultura, tínhamos notícias dele através

das cartas que ele nos escrevia.

Uma vez ele fugiu do Partenon para nos visitar, ele queria saber como nós

estávamos, não que ele não acreditasse que nós estávamos bem, mas queria ver. Quando ele

voltou, como as vagas eram poucas, ou às vezes nem tinham lugares, o médico não quis mais

aceitá-lo por que já tinham outros doentes esperando, então a comunidade do hospital, dos

internados, foram buscá-lo e o trouxeram para dentro do Partenon, decerto o médico não

contrariou.

Um vizinho, que era nosso parente, foi uma vez visitar o pai lá no Partenon. Nós não

tínhamos condições de viajar, nosso vizinho veio e nos trouxe notícias dele, que já contava

que viria para Itapuã. Nós não sabíamos onde era, depois o pai veio para a Colônia e

continuamos nos correspondendo.

Os parentes todos sabiam, a comunidade suspeitava, não tinham preconceito em

relação a nós em função do pai estar internado. Comigo algumas vezes deu para notar uma

pequena diferença, quando eu sai daqui e fui visitar pessoas que a gente não via há tempos,

deu para perceber que não era aquilo que era antes, não é que tratassem diferente, mas davam

um pouco de demonstração. Primeiro, como se diz, a gente ficava na roda, depois não se

juntavam junto com os outros, eu não me lembro de nenhum exemplo, só sentia, mas até pode

ser que era eu que não queria chegar muito.

Uma vez aconteceu com um parente. Quando nós éramos guris nós andávamos

sempre juntos e em uma ocasião, depois que eu estava aqui, encontrei com ele na rua e ele
230

não me cumprimentou, ele não veio me cumprimentar. Na época ele não devia saber, mas

depois deve ter ficado sabendo que ele era casado com uma mulher que tinha parentes doentes

aqui, de certo ele não estava sabendo naquele tempo e no fim ele deu uma demonstração em

relação a mim. Quando eu sabia através dos parentes que os amigos tinham perguntado, se

tinha especulação sobre mim eu já não procurava, deixava de lado, como o médico me disse

lá uma vez, o Dr. Schmidt, ele disse: - 50% te aceitam e os outros 50% tu não precisa! É

lógico.

Quando eu estava com dezessete anos minha mãe faleceu, ficamos só os três irmãos,

o Pai não foi no velório da Mãe, não sei se ele pôde sair daqui, mas aquele tempo a

comunicação era por carta, levava uma semana. Eu comecei a perceber que não estava bem,

fui ao médico do posto e constataram que eu também estava doente. Eu nunca imaginava,

tinha feito aqueles exames quando eu era guri, imaginava que seria para toda vida, tinha 22

anos e também foi rápido.

Me deu tipo uma erisipela na perna, também me deu uma infecção no braço, fiquei

baixado quatro dias no hospital. Fui consultar com o médico que tratava a Mãe, era nosso

amigo, de certo ele desconfiou, ele sabia que o Pai estava aqui em Porto Alegre. Ele era um

médico dos olhos, nariz e garganta, então ele fez um receituário para me encaminhar para o

médico do posto de Ijuí, que se chamava Solon, este médico me encaminhou para Cruz Alta,

onde tinha um posto mais central de Porto Alegre, tinha um médico que viajava para São

Paulo e atendia em Cruz Alta e toda a região da serra, de lá fui encaminhado para cá.

Vim de trem, parei em Santa Maria, na estação tinham uns representantes

anunciando os hotéis, eles ofereciam hotéis se tu queria ficar hospedado, os trens ficavam

parados um tempo ali, a viagem não foi muito boa porque vim com infecção, embarquei ao

meio dia e cheguei no outro dia de manhã em Porto Alegre. Eu já estava um pouco

desesperado, pois estava parando na casa de pessoas que não eram meus parentes, fiquei dois
231

anos com eles, posso dizer que foi minha segunda família. Quando eles souberam que eu

vinha para cá, a reação deles foi como a minha, eu sai chorando, eles ficaram chorando.

Eles não se informaram muito sobre mim, sabiam que o Pai estava em Porto Alegre

doente, mas nunca perguntaram porque nem nada. Agora quando o médico constatou lá em

Ijuí que eu teria que viajar, eu cheguei em casa e tive que explicar. Eu também não sabia bem,

quer dizer, é uma coisa que nós não conhecíamos muito a fundo, então eu expliquei para eles

e disse que estava muito desesperado. O patrão – eles eram meus patrões – me disse para eu

não me desesperar, quem sabe tu vai gostar de lá e vai ficar por lá mesmo, nem queira voltar

para cá.

Eu não imaginava bem como ia ser, imaginava um pouco porque quando o Pai estava

no Partenon nós fomos visitá-lo, com aquela turma, aquela gente. Quando ele escrevia nos

contava que em Itapuã tinha bastante gente, muito mais que no Partenon, então quando

cheguei no portão vi aquela montoeira de gente. A camioneta fazia o transporte para cá tinha

os dias marcados, era aquela recepção grande, vinham esperar a gente. Entrei aqui em 1947,

internei com 22 anos, foi em setembro, a data não lembro.

Vim sozinho para Porto Alegre, passei pelo Partenon, onde havia tipo uma

hospedagem, aqueles que vinham do interior ficavam ali, ao lado tinha um ambulatório,

alguns já vinham com exame, outros faziam o exame ali, eu fiz neste ambulatório do

Partenon. Era um médico e um enfermeiro que vinham fazer o exame, enfiavam um ferro no

nariz da gente, era um exame de muco, muito primitivo, mas naquela época era assim. Fiquei

uma semana lá, demoraram uns dois dias para fazer o exame, depois eu fiquei esperando a

transferência.

Cheguei no Itapuã um pouco preparado, eu não era o primeiro da família, o Pai

estava internado desde 1936, uma porção de anos. Eu já sabia que não vinha aqui para morrer,

o médico lá de Cruz Alta, o Dr. Guido me disse que não era como no tempo do meu pai, havia
232

um tratamento novo, isso eu sabia. Este médico tinha a mania de dizer para todo mundo que o

internamento iria durar dois anos, dois anos e meio, era o mínimo que ele dava para encorajar

um pouco! Depois vim conhecer aqui pessoas que ele atendeu. Em Ijuí era Posto de Saúde,

nós chamávamos de Posto de Higiene, em Cruz Alta já era Departamento de Saúde era um

centro.

Quando cheguei aqui encontrei o meu pai, ele estava bastante mutilado. Ele não

esperava que um filho ficasse doente, tinha um ressentimento. Eu até escrevi para ele quando

fui me alistar, que eu fui fazer inspeção de saúde e passei, que eu iria servir. Fiquei um mês

no quartel em Ijuí e fui dispensado, eles mandaram todos que eram colonos embora, gostaria

de ter servido, pessoas que tinham menos estudos que eu faziam cursos de cabos e sargentos,

queria servir como voluntário, mas logo eu fiquei doente, foi surpresa para mim e para o Pai

eu vir para cá. A mãe morreu sem saber da minha doença. Quando recebi o diagnóstico, foi

uma confirmação, porque o pai já estava aqui, tinha que me conformar.

Da última vez que eu tinha visto ele para o nosso reencontro, ele estava muito

diferente, a princípio quando ele veio para cá ele melhorou muito, trabalhava por aqui e tudo,

plantava, era faxineiro de rua, depois não pôde mais. As vistas dele começaram a enfraquecer,

no encontro ele já não me enxergava, ele não me viu, o Pai estava muito abatido da doença,

ele não chegou a fazer o novo tratamento, com a sulfa. Naquele tempo muita gente esperava

só morrer, a sulfa para muitos foi a salvação.

Depois que internou, o Pai saiu aquela vez fugido do Partenon e daqui nunca saiu.

Eles não davam licença, tinha que fazer exames, e os dele não permitiam que ele saísse.

Também eu não sei se aqui em Itapuã eles eram de dar muita licença, o Dr. Mangeon era

enérgico nestas coisas, até para POA ele negava as licenças. Daqui o Pai não chegou a fugir,

depois que ele internou aqui ele retrocedeu muito na doença.


233

Para dizer a verdade, o primeiro encontro meu e do Pai ele já estava sabendo, quando

eu cheguei no portão, o pessoal de certo foi contar para ele. Eu não fui lá na enfermaria direto,

me levaram lá na recepção, aquele tempo tinha horário de visitas, era das duas em diante,

tomei café, depois me levaram lá com ele. Nosso encontro foi normal. Ele era sempre muito

preocupado, ele não enxergava mais, ele se preocupava muito com o futuro. Naquele tempo

aconteciam muitas coisas por aqui, coisas normais da vida, muitas mulheres que não tinham

marido pegavam outros, de certo ele pensava que eu ia cair naquilo, ele se preocupava muito

com essa parte social. Quando ele ficou viúvo já estava muito abatido.

Quando cheguei arrumaram um quarto no pavilhão para mim, cada quarto tinha duas

pessoas morando e estavam esperando a terceira, então como eu era mais novo, me preferiam,

queriam que a gente fosse morar, porque quem sabe vem um estranho ou outro muito doente,

ou porque era preto, ou porque era branco. A pessoa estranha às vezes não se acerta, meu pai

era conhecido por aí, então me disputaram para ir morar com eles.

Depois de um mês, mais ou menos, a irmã achou que eu teria que morar com meu

pai, ele estava na enfermaria, julgaram que eu tinha obrigação de cuidar dele, então eu vim

morar com ele. Mas eu precisava trabalhar, gostava de trabalhar para ganhar alguma coisa.

Depois de uns quinze dias já tinha passado a infecção, comecei a trabalhar, trabalho tinha a

vontade. Nos primeiros dias fiquei no pavilhão, depois tive que cuidar do meu pai, era um a

menos para eles cuidar. Como tinham muitos que não podiam fazer serviço fora dos

pavilhões, eu pagava um para atender o pai enquanto eu trabalhava, e assim ia indo. Morei

com meu pai um ano, depois foi ficando lotado aquele pavilhão que nós morávamos, era uma

segunda enfermaria, então pediram minha vaga, meu Pai continuou lá, um outro doente se

encarregou de cuidar dele, ficou lá até falecer.

Comecei fazendo capinas, outros plantavam, doentes mesmo, alguns tinham suas

propriedades, chegava a época de plantar, eles precisavam de alguém para ajudar, comecei
234

por aí. Depois quebrei brita para essa igreja Luterana que estava no alicerce, quebrei aquelas

pedrinhas que estão ali no chão, na entrada. Depois uma hepatite me impediu de continuar

trabalhando, fiquei alguns meses sem trabalhar, quando voltei, comecei a trabalhar na horta

do hospital.

Todas as verduras de consumo interno do hospital eram plantadas pelos doentes, nós

tínhamos hortas particulares, cada um tinha um quadrinho, era tudo vendido por intermédio da

caixa beneficente, ela vendia para o hospital para serem usadas no refeitório. Essas verduras

não passavam para a cozinha, eram feitas no refeitório, no nosso lado, naquele tempo nada do

lado de cá passava para o lado de lá, naquele tempo era rígido, só passava de lá para cá!

Também trabalhei no refeitório de garçom. Todo o trabalho interno era feito pelos doentes, o

quadro de funcionários aqui dentro era só de doentes, só os chefes não, as irmãs, tinha uma

irmã que era farmacêutica, ela fazia muitos produtos.

Quando a produção da horta começou a retroceder, eles começaram a comprar

produtos de fora do hospital, fui trabalhar na olaria, comerciando tijolos para o hospital.

Fiquei lá uns dois anos, depois fui trabalhar com a apicultura, um senhor que morava aqui e

criava abelhas foi embora e me vendeu as caixas, trabalhei uns cinco anos fornecendo mel

para o hospital, tudo para o hospital, vendíamos para a caixa e a caixa vendia para o hospital.

Quando eu cheguei já tinha a caixa, ela era uma intermediária entre os doentes e o

hospital, indiretamente ela ganhava 50%, se ela me pagava 10 por um pé de alface, ela vendia

por 20, diretamente com o hospital não tinha negócio. Tinha um presidente que controlava a

caixa, este presidente não era eleito, quando ele saia, ele indicava um sucessor, às vezes era o

diretor que indicava. Estive na posse de uma das diretorias, da terceira, eu tinha interesses, eu

trabalhava com apicultura na época. Deram muitas mancadas por aí, primeiro não tinham nem

documentos, nenhum registro.


235

A caixa era uma associação dos internados, ela tinha muitas atividades, galpão,

olaria, criação de porcos, cavalos, tinha uma representação de roupas da Renner. O hospital

dava roupas de brim comum, azulão, os que queriam podiam comprar. O escritório da caixa

funcionava no Cassino, lá também tinha uma biblioteca, um salão de bailes. Os bailes eram

feitos pelos clubes, o Juventude era bem exigente, o outro um pouco menos, para ir lá tinha

que entrar de gravata.

Quando eu internei já havia as licenças para passear, conforme o estado de saúde,

tinha que ter exames bons, dar negativo, depois de um ano e meio eu também consegui uma

licença. Tinha data marcada para voltar, podia ficar fora no máximo um mês, quando tu tinha

algum problema para resolver, mas licença de passeio era por dez dias. Para a pessoa sair

tinha que pegar uma roupa e tudo o que queria levar e colocar na estufa, agora, quando tu

voltava não, a estufa ficava lá na frente. Quando as coisas saiam passavam na estufa, quando

entravam, passavam normalmente. Chegava lá e entregava a mala com as coisas que ia levar,

tinha que ser no dia anterior, no outro dia ia lá e pegava. A primeira vez que saí levei a mala,

a segunda fugi, e a terceira não passava mais na estufa!

Eu morei no pavilhão com o Pai, depois a irmã perguntou se eu não podia ceder

minha vaga para outros dois velhos, que ficariam melhor lá, cedi, eles se comprometeram em

cuidar dele. Aí eu fui morar no pavilhão, morava com outros, podia escolher, naquele tempo

tinha um pouco mais de vagas, tinha que ver se aqueles que moravam no quarto aceitavam,

também tinham mais estas coisas por aqui... Fui para o pavilhão dezessete, junto com um

senhor que se dava com o Pai, ele era da fronteira, achavam ele muito chato, ele gostava do

que é meu é meu, o que é teu é teu, e tinham uns mexeriqueiros, então diziam que ele era um

cara que não dava para morar, me contaram a maneira dele e eu pensei, então me serve. Fui lá

falei com ele, ficou faceiro, um filho do João, então estava tudo bem, me dei bem com ele. Eu

ia trabalhar na olaria e ficava descansado, ninguém mexia no que era meu.


236

Morava um rapaz por ali que se viciou no jogo, não trabalhava nem nada, com tanto

serviço por aí... Uma vez ele viu que eu tinha dinheiro, cheguei em casa, tinha pagado a

lavadeira, ele me pediu emprestado, não podia me pagar depois, eu sei que guardei meu

dinheiro no bidê com chave, quando cheguei em casa o bidê estava longe da parede, tinham

mexido, levou dez, eu tinha 30, sobrou vinte, então eu falei para o velho que meu bidê havia

sido mexido, este rapaz estava roubando fumo também me disse o velho. Ele era um

companheiro bom, foi embora com alta.

Havia algumas brigas por aqui, não demais, mas dentro de refeitório era um lugar

que se brigava bastante. Ali todos se juntavam, eram obrigados a se juntar o povo, no

refeitório não havia desvio, às vezes ocorriam encontros entre pessoas que não se davam bem,

uma vez assisti uma briga de faca lá dentro. Tinham guardas aqui, mas eles não desarmavam

as pessoas, mais tarde mataram um doente, depois, se matou um delegado.

Morei nos pavilhões até novembro de cinqüenta e um, depois eu e Anita casamos,

ficamos mais um tempo nos pavilhões, tinham uns três ou quatro casais que moravam

separados por falta de lugar, quando nós casamos abriram um pavilhão para os casais.

Podíamos namorar aqui dentro, primeiro o Dr. Mangeon deixou bastante liberdade,

mas dava muito incomodo, os encontros clandestinos, vamos dizer assim, estava ficando uma

coisa viciosa, nem se escondiam mais. Às vezes internava uma mulher séria, mas o tempo e a

separação do marido iam calejando, às vezes uma necessidade de sexo, a ocasião faz o

ladrão... Então, se deram muitos casos assim, ele deu liberdade e a liberdade foi demais, isso

eu não assisti, conto porque os outros contavam, o meu pai mesmo contava. De repente o

diretor pôs um freio, então a coisa foi feia, mudou de repente, muitos tinham construído

ranchinhos onde faziam encontros, no fim ele mandava desocupar ou desmanchar, alguns não

queriam, teve um que ele botou fogo, teimaram, ele botou fogo. Até tinha um sargento

internado aqui que disse que queria ver se o diretor queimava o rancho dele, ele foi lá e
237

queimou, ele era peitudo mesmo, não tinha medo, daí terminou que aquele sargento foi

embora, não queria mais se encontrar com ele e fugiu.

Acontecia que se eu quisesse namorar por exemplo a Anita, tinha que pedir licença

para ele, se ele achava que dava, tudo bem, se ele achava que tinha condições de saúde, não se

importava. Teve um caso que a pessoa foi pedir para casar, namorar e casar e ele disse:

- Olha, esta moça não vai ficar boa, ela não vai mais poder caminhar. E não deu outra, logo

ela não caminhou.

No nosso tempo para namorar era só na avenida, se encontravam lá no Cassino, o

presidente da caixa mandava os guardas vigiar, depois que começava a namorar firme ia falar

com o diretor, as irmãs intermediavam, mas elas não mandavam, as irmãs mandavam no

internato onde as meninas estavam.

Aconteciam muitos casamentos, quando eu cheguei para arrumar, já tinham casado

uns dez por aí. Eu e a Anita começamos a nos olhar no cinema, o teatro que sempre tinha ali,

os homens sentavam de um lado, as mulheres de outro, os casais sentavam onde queriam, os

namorados oficiais sentavam juntos, nós sentávamos e ficávamos olhando um para o outro,

nos bailes aconteciam os encontros, mas as gurias não iam. Elas ficavam no internato, as

irmãs não deixavam elas ir nos bailes. Depois que nós éramos casados entrou outra irmã ali,

as antigas sociedades dos clubes de futebol não existiam mais e nós fundamos uma liga dos

casais da qual eu era o presidente, então fui falar para as irmãs deixarem as gurias participar

dos bailes, eu me responsabilizaria por elas, a irmã permitiu.

Bem, nós namoramos, noivamos e depois achamos que dava para casar, tínhamos

licença, no tempo do Dr. Ari era mais fácil, nos encontrávamos em qualquer lugar, mas não

podia namorar pesado, tinham guardas por aí que não deixavam, não podia ficar escondido,

não dava. Alguns namoravam escondidos, os que eram casados namoravam de forma

clandestina, encontravam um jeitinho.


238

Naquele tempo não tinha luz a noite inteira, terminava às onze e trinta, os bailes

tinham que começar cedo, com muito custo nos dias de baile nós conseguíamos uma hora a

mais, dependendo de quem cuidava da usina, antes de apagar a luz de vez ele dava um sinal

de 15 minutos, apagava a luz e acendia, já sabíamos, mais quinze minutos. Depois que falei

com a madre, eu tinha que buscar as gurias no pavilhão e depois levar de volta.

Para nos casarmos fizemos uma ficha na prefeitura com os nomes e escolhia a data,

no dia vinha um escrivão, geralmente era durante os dias da semana, ele vinha de Itapuã. Nós

marcamos para quarta feira, 28 de novembro, tinha mais dois casais que estavam pensando

em casar, mas se desentenderam, depois que nós demos os nomes eles vieram perguntar se

não dava para incluir os deles juntos, eu disse que podia. Uma outra pediu que nós

esperássemos porque ela não tinha completado dezoito anos ainda e precisava de licença dos

pais, eles queriam que nós segurássemos porque sairia mais barato e não sei mais o que, estes

que a moça era menor teve que esperar, nós e os outros dois casais marcamos todos naquele

mesmo dia.

Começaram a cerimônia com padre e escrivão casando o outro casal, eles disseram

que nós iríamos ter pouca sorte por que estávamos casando por último, não tem nada a ver,

afinal os outros morreram e nós estamos aqui... eles foram antes de nós em tudo! Depois

quando foi para entrar na fila para ganhar casa eles queriam ser os primeiros também e foram

os primeiros, a segunda casa foi dada para nós, os outros não tinham nem dado o nome. Eles

colocaram o nome nesta lista com segundas intenções, mas como eu não podia dizer que eu

não queria, eu não mando nada, daí fomos morar no pavilhão, fazíamos as refeições no

refeitório, naquele tempo não existia cozinha nos pavilhões, havia dois banheiros nos

pavilhões, era um pouco difícil, às vezes eu levantava às 4 e meia, cinco da manhã para ficar

mais a vontade. As camas eram duas de solteiro encostadas, depois algumas mulheres foram

falar com o diretor, pedir camas de casal, logo o pavilhão encheu.


239

Nós tínhamos números quando internávamos, não chegou a ter oitocentas pessoas

aqui dentro, muito saíam com alta. Quando veio o tratamento novo, a sulfa, a gente do tutu foi

embora, se sentiram bem. Tinham alta condicional, seguiam fazendo o tratamento fora do

hospital, tratamento de dispensário. Tinha gente de muito dinheiro, tinha gente rica aqui,

donos de fábricas de calçados, não tinha outro jeito, vinham para cá, mas depois quando veio

o tratamento podiam conseguir comprando, então eles iam embora, então quer dizer que o

hospital não deve ter tido internadas seiscentas pessoas, dá para calcular pelas moradias, 19

pavilhões e 29 casas.

Em cada casa moravam duas famílias, uma cozinha para os dois. Não era nada fácil

para um casal morar aqui, o casal mais antigo tinha mais direitos, tinham aqueles que

procuravam ficar o menor tempo em casa para evitar conflitos, aqueles que não queriam

outros juntos, que tinham ciúmes, por aí. Nas casas sempre moravam dois casais os que

ficavam na frente se achavam com mais direitos, o banheiro e a cozinha usavam juntos, então

para ficar mais a vontade uns faziam uns ranchinhos para passar as horas lá, era livre, os

desparceirados também faziam para não dar na vista por aí. Um casal que queria se encontrar,

como é que ia no quarto, tinha mais duas pessoas. Em uma casa como essa morava duas

famílias. Tinha algum privilégio, tinha gente que morava sozinha. As crianças em geral não

moravam junto com os pais.

Também havia privilégios nas casas, eu não fui dos privilegiados, um casal foi

embora e a preferência ficava para mim, mas tinha um doente que era enfermeiro e ele foi

falar com o prefeito e tirou nossa preferência, ficou morando na casa, ele perguntou se nós

queríamos morar com ele, eu não quis, a casa era para mim, se eu não quisesse aceitar ele...

aquele se antecipou, assumiu como se tivesse mais direito que a gente. Eu não confiei mais

em prefeito, até nem mais em diretor. Tinha um casal que estava indo embora, fui falar com o
240

diretor, fomos morar com eles, mas comemos fogo, ela não nos deixava ir na cozinha, queria

fazer comida e fazia comida ruim de propósito.

Meu irmão veio morar com a gente, ele ficou aqui um ano, desconfiavam que ele

tinha a doença, mas não tinha, fez os doze exames, cada mês um e foi embora. Ele bebia

muito e o médico acho que tinha um palpite, às vezes as pessoas ficavam com olhos

vermelhos, bebedeira, não sei se desconfiaram, ou ele falou alguma coisa, sei que mandaram

ele para cá, internaram ele, naquele tempo tinha que ficar um ano em observação, mas ele não

precisava ter vindo.

Saímos do hospital em 56, ficamos doze anos fora, no interior. Muitos saíam com

alta, a Anita tinha alta há dois anos, eu trabalhava, tinha minha criação e pensava que fora eu

teria mais espaço para expandir, eu queria criar porcos.

Nós saímos daqui e fomos morar em Iraí, não queria voltar para a minha antiga

região porque estava sabendo que as terras por lá tinham se desgastado, não tinha humus e

também um pouco porque a curiosidade era demais. Até fui procurar lugar em Ijuí, mas lá as

propriedades eram muito caras e disputadas, era quase tudo minifúndio, lá só podia trabalhar

de meeiro e meeiro não vai para frente de jeito nenhum, dar metade para o dono da terra sobra

pouco...

Lá em Iraí nós não conhecíamos ninguém, por um lado isso era bom, por outro ruim.

Pode ser bom no começo, mas com o tempo... tudo pode acontecer no tempo que a gente vive

fora, a gente sempre acha que vai bem, não tem pessimismo, às vezes pode dar ao contrário, e

como a gente está num lugar estranho e a gente está sempre acobertando uma coisa, a doença

por exemplo, e se a gente piora e depois aparece, fica pior porque a gente estava ocultando

antes, isso a gente tem que pensar, isso a gente não pensou.

Como disse aquele médico, vem em nosso meio que tem 50% que te aceita e outros

50% tu não precisa, eu fiz o contrário, fui para um meio desconhecido, onde ninguém sabia.
241

Lá em Iraí ninguém sabia que nós tínhamos a doença, as pessoas eram muito desorientadas,

não “atiravam longe”, nós nunca falamos para ninguém.

Só tinha uns compadres que moravam lá que sabiam, eles foram para lá primeiro,

eles também eram daqui, esconderam a doença por muito tempo, hoje em dia parece que

sabem deles, não deu para acobertar mais. Como é que foi mesmo Anita? A filha deles

trabalhava..., assim num Posto, as enfermeiras viram o nome dos pais dela e não deram mais

chimarrão para ela, isso aconteceu há uns 25 anos atrás, os pais nunca contaram para ela,

nunca disse para os filhos, foi uma surpresa, as noras dela não sabiam. Eles sempre tinham,

aquilo é errado, não avisar nem os filhos, se aceitar eles não se comprometem, os filhos

ficaram chocados.

Quando saí, antes de ir para Iraí, andei por todo o Alto Uruguai, até encontrei um

parente meu por lá, ele queria muito que eu fosse morar lá perto dele, era para nós combinar

de comprar uma coisa juntos, lá por Santa Rosa, só que não tinha Posto lá, eu tinha que vir

para Santo Ângelo, só que em Santo Ângelo o pessoal da saúde era muito rígido, queriam

tudo, casa bem feita, todas as condições, eu não podia, não me agradei, por causa daquilo não

deu.

Nós tínhamos que continuar o tratamento fora, se eu fosse para Santa Rosa, por

exemplo, e quisesse me tratar em Ijuí, dependia daqui, mas eles diziam que não, que era para

me tratar em Santo Ângelo que tinha posto mais perto, e Santo Ângelo, não me agradou o

tratamento deles.

Lá em Iraí comecei a fazer o tratamento em Palmeiras, a Anita não fazia mais o

tratamento, ela foi uma vez. Palmeiras era o mais perto que tinha. Um dia eu fui lá e disseram

que eu não precisava mais vir em Palmeiras, era para continuar no Posto de Frederico

Westphalen e depois o Posto foi para Iraí mesmo. Então, primeiro me tratei em Palmeiras,

depois Frederico, por último Iraí.


242

Nós íamos no Posto e também tinham fiscais que iam nas casas. Lá em casa ele não

chegou nenhuma vez, ele até foi expedicionário da guerra, ele procurou chegar mas não

chegou, o fiscal da saúde ia ver as condições da gente. Era muito ruim por causa da

curiosidade, o que esse cara quer ali? Uma vez quase veio à tona, tinha um açougueiro que foi

quem me ajeitou para morar lá, o fiscal da saúde foi fazer inspeção no açougue dele e

perguntou por mim, onde eu morava, o cara queria saber porque ele estava me procurando,

naquelas alturas quase veio à tona, ele não disse porque, mas quase veio à tona. Nós

ficávamos sempre com medo, era perigoso, quase, quase. Ele foi lá fiscalizar a carne, ele

perguntou onde eu morava e o homem queria saber porque, de certo ele pensou que eu ia

botar açougue!

Em Iraí dei aula em uma escola municipal perto de casa, dava aula de manhã até

meio dia, fiz isso dois anos, eu pedi para o Dr. se eu podia, ele me perguntou se quando eu saí

daqui me deram alguma exigência, não, então não tem problema nenhum, o que tu vais fazer

é contigo. Depois de dois anos ali, uns achavam que eu ganhava por mês e começaram a ficar

descontentes, o presidente daquela comunidade mandava os filhos dele na aula a metade do

tempo, faltavam muita aula, o professor anterior havia colocado aquelas crianças no 3º ano

sem eles saberem fazer conta, fui me aborrecendo depois não quis mais.

Nós saímos de lá porque meu irmão, que foi morar conosco, chegou lá e não gostou,

não sei o que ele queria, tinha terra para trabalhar, tinha casa para morar, ele dizia que era

ruim, eu dizia todo mundo mora aqui, porque tu não pode morar aqui. Foi o seguinte, quando

eu fui acertar para morar lá, o dono queria vender toda a propriedade e eu sozinho não tinha

condições comprar, eu disse: - Eu venho aqui para trabalhar e depois a gente vê se dá para

comprar. Chamei meu irmão, ele queria, ele ficaria com a metade e eu com a outra, ele

chegou lá e não gostou, não queria trabalhar, perdeu o crédito, e eu não podia comprar
243

sozinho e a metade ele não vendia, ficou difícil, depois o proprietário vendeu para o filho, eu

saí, tive que procurar outro lugar.

Depois saímos de lá e fomos para a segunda morada, também em Iraí, em um

distrito, ficamos só um ano nesse lugar, eu tinha comprado mal e apareceu um negócio,

troquei esta terra por outra, foi nossa terceira morada, tudo ali por perto. A vantagem deste

segundo lugar é que estavam fundando ali um colégio de irmãs, mas a minha filha tinha recém

nascido, até que ela crescesse...

Quando nos mudamos fui lá no Posto e expliquei, tinha mudado o fiscal de saúde

era um tal de Paulo, então eu disse para ele, se por acaso fosse fazer a visita, era para dizer

que era nosso amigo, ou vinha trazer recomendação, ele foi só uma vez, depois não foi mais,

disse que não precisava. Fomos visitados só uma vez, uma única vez.

Eles estavam concorrendo, os Postos de Frederico e de Palmeiras, eles estavam

fazendo disputa de visitas, eu disse para eles: - Olha vão me desculpar, mas deixem essas

disputas entre vocês, mas não nos coloquem no meio, vocês não sabem o que isso pode

prejudicar a gente, se vocês começam vir aí a cada 15 dias, um mês, vai dar algum problema,

é demais. Depois parou, nessa época eu já tinha uma casa regular.

Depois, fazia uns 3 anos que nós estávamos aqui, o Jair Soares, que era Secretário da

Saúde, fez um balanço do que os postos tinham. Veio da delegacia lá de Iraí esse Paulo fazer

um curso, ele ficou chefe de uma delegacia, daí o prefeito aqui pediu para eu levar esse

pessoal nas casas, cicerone, eu cheguei para perguntar por onde nós começávamos, e ele

disse: - Chico, tu não me conhece mais? Reencontrei esse fiscal aqui!

Quando saímos daqui nos tratamos em Palmeiras, lá tinham pessoas que se tratavam

depois que saiam daqui, tinham duas irmãs que eram lá de Palmeiras, do interior, meio

fazendeiras, então quando nós íamos no posto buscar o tratamento, nós vimos as duas irmãs e

um outro homem também, não sei se era parente delas ou conhecido, estava lá também, aqui
244

nós chamávamos de Patacão. Nós estávamos lá para ser atendidos e eles apareceram, mas eles

não vieram nos cumprimentar, de certo não queriam dar demonstração para os outros que nos

conheciam, ficaram olhando, eu fiz a mesma coisa também, eu já estava ali, eram eles que

deviam vir cumprimentar, não vieram... Foi esses que nós encontramos. Acho que foi lá em

Frederico que tinha um rapaz que estava se consultando, eu vi que ele era doente, e passou.

Muitos anos depois vim ver esse rapaz aqui.

Às vezes os Postos de hansenianos eram separados dos outros. Esse de Palmeiras era

separado, o de Frederico parece que tinha tudo junto, mas tinha um consultório separado,

chamavam só de Posto. Depois que vim para Iraí, alí tinha muita gente, atendiam todas as

doenças, por pobreza, ali encontrei uma porção de gente, alguns conhecidos, tinha um que

morava na chamada vila operária. No Posto nós chegávamos cedo para conseguir ser atendido

depois do meio-dia, ali era Posto mesmo, tudo junto, misturado, esses que iam buscar o

tratamento tinham preferência.

O medicamento que nós buscávamos chamavam de 100%, mas aquele foi por pouco

tempo, depois foi sulfona-lafi, que até achei muito boa, era escrito assim, tratamento para...

- não tem problema dizer o nome antigo?... tratamento para a ... lepra. Nós raspávamos “a

palavra”, era uma latinha, raspávamos muito até sair o nome, se alguém visse não tinha nada,

podiam pensar que era fortificante, vitamina! Fazia isso aí, porque no interior a pior coisa que

existe é a curiosidade, uma coisa muito forte, tudo é estranho, então raspávamos, chegávamos

em casa e raspávamos, porque às vezes deixávamos em cima da mesa, uma hora a gente

esquece! Se fosse outra embalagem, de papel, ficaria ruim, se riscava podia dar desconfiança,

nós raspávamos a latinha dos dois lados! E não carregávamos nenhuma ficha com a gente.

Logo que tinha trocado a terra, ainda faltava eu pagar uma promissória que eu devia,

tive uma erisipela, e não sei, acho que foi lá no meu compadre mesmo que saiu a conversa

que nós íamos voltar para cá, não para o Hospital, mas para Porto Alegre e chegou nos
245

ouvidos desse que eu devia, então ele achava que eu ia fugir do meu compromisso e veio me

cobrar, eu já estava na terra que eu tinha trocado, faltava pagar a terra que eu tinha comprado,

eu troquei sem terminar de pagar.

A mulher desse com quem eu tinha trocado a terra andou fazendo umas conversas,

que eu tinha uma doença ruim, ela disse que eu tinha alguma doença, porque eu fiquei de

cama, pé inchado, a erisipela é uma infecção que incha, dizia que eu tinha uma doença ruim,

ela espalhou por lá, quase deu problema, aí eu fui no Posto lá de Palmeira e contei para o Dr.

Mário, ele disse: - Vou te dar um atestado de saúde, se ela te falar qualquer coisa tu me

escreve e eu vou convidar ela para fazer exame aqui, ele me deu uma proteção muito grande.

Cheguei lá e mostrei para ela. - Se a senhora não acreditar nisso aqui, então vão lhe convidar

para a senhora ir lá no Posto e a senhora vai fazer exame para saber se está boa de saúde,

eu disse. Sei que terminou com aquilo. Ela podia pensar qualquer coisa, mas já mexeu com a

vizinhança, já começaram a comentar.

Quando comecei a me tratar em Frederico, inclusive eu mesmo ensinei eles a me

fazer exames. Disseram para mim em Palmeiras que eu ia passar a me tratar em Frederico

Wesphalen, abriram um Posto lá, ficava mais perto. Para ir para Palmeiras eu tinha que posar

em Iraí para no outro dia ser atendido de manhã. Uma vez eu e a Anita fomos de ônibus, então

tinha a hora certa, outra vez fui a cavalo. Um dia veio uma carta para mim do Posto de

Frederico, aí eu não fui, fazia pouco tempo que eu tinha me apresentado em Palmeiras, era

para ir a cada três meses, mas dali uns dias veio outra carta, eu disse para a Anita, vamos ir.

Ela pensava que estava grávida, ela aproveitaria e faria uma consulta e assim

fizemos. Cheguei lá e me identifiquei e o Dr. disse assim: - Porque não veio antes? Eu

respondi que recém fazia um mês que tinha me apresentado no outro Posto, que valia aquela

visita, mas lá não te falaram que eu queria falar contigo, não falaram nada, eu disse, só me

transferiram para cá, ele disse:- Não, é que nós temos todos os materiais para fazer exames e
246

nenhum de nós sabe fazer, me disse o médico, nós não fizemos curso, assumimos o posto sem

fazer curso nenhum e nos disseram que tu sabia bem. Bom, eu sei como se faz, faziam em

mim, a gente fica sabendo como é que é, mas eu nunca fiz, mas se tem material vamos tentar.

Era o médico e uma enfermeira assistente, daí eu mostrei, isso aqui é assim, assim,

assim, perguntei se tinha lâmina, ele disse que tem, bom, então estou a sua disposição para

começar. Tinha tipo uma canetinha para rasgar a pele, embaixo da pele nós não temos sangue,

mas uma espécie de um líquido e de muco também, disse para ele que não era preciso enfiar

muito para dentro do nariz para tirar o muco, introduzir muito machuca e não precisava, e foi

indo, fui ensinando, e às vezes os dois não se acertavam, brigavam, e eu tinha que rir!

Depois nós éramos as cobaias ali, não tinha ninguém, nem um outro doente, eles

estavam nos esperando para ensinar eles! Eu contei para muitos por aí e eles não acreditavam,

mas é a pura verdade, eu perguntei para ele: - Tu não foi fazer curso lá em Porto Alegre,

Itapuã? – Não, ele disse, de repente veio uma ordem dizendo que eu tinha qualificação. -

Muito bonito, eu disse! Até acertar quantos erros vai dar. Tinha que dar muita demonstração!

Ainda bem que naquele tempo que faziam lá, não estavam mais internando gente assim, isso é

de 57 por aí. Senão quanta gente enganada!

Tivemos dois filhos fora do Hospital, o João e a Francisca, então tentei me enraizar,

pensando no bem da família. Depois veio o problema do colégio, a filha estava terminando os

estudos nas escolas que tinham lá por perto, nós não tínhamos condições de mandá-la para um

internato. Os filhos me ajudavam, mas eu não queria aquela vida para eles, achei melhor vir

para Porto Alegre, eles tinham cabeça boa para estudar. Quando nós voltamos em 68 o

Amparo, onde ficavam as crianças estava em crise, então eles ficaram uma semana aqui no

Hospital conosco, o Dr. Ari autorizou.

Primeiro quando eles vinham nos visitar eles ficavam lá no portão, depois veio um

outro diretor que deixava entrar os grupos. As primeiras visitas foram meio constrangedoras,
247

eles estavam acostumados com a gente, eles não esperavam a separação. Quando o diretor de

lá veio aqui a primeira vez com os nossos filhos, demorou pouco mais de um mês, ele me

disse assim: - Todas as crianças do Amparo são boazinhas, mas estas são a “nata”, quer

dizer, até ali criamos bem eles, se não foi bem, foi depois! Teve mais gente na situação dos

nossos, de ir crescidos para lá.

Naquele tempo não aceitavam os filhos aqui dentro e nós nem queríamos. Aqui eles

ficariam praticamente isolados. A filha estudou o científico lá no Nossa Senhora da Glória, o

filho no colégio Padre Caladre, fez curso de impressor, está aqui na parede o certificado. Eles

não podiam falar mal do Amparo, tinham alguns diretores de lá que eram bons, outros eram

variáveis, uma vez entrou um que não era muito agradável com as crianças!

De saída as crianças não entendiam porque tinham que ficar lá, mas depois de certo

foram sabendo. Algumas pessoas de lá foram assustando as crianças para eles não contar nada

dos castigos ou sobre os banhos de álcool que elas tinham que tomar depois de vir nos visitar.

Isso que eles ficavam longe, que nós nem chegávamos perto, não era para eles contar nada...

Isso quem diz é a Anita, que nossas crianças não podiam falar nada, só que estava bom.

Depois a Francisca foi morar com a prima da Anita, nós ficávamos meio assim por causa do

João, ele ficou no Amparo, até os 18 também, eles eram muito unidos, quando eles foram para

lá a filha tinha que dormir com ele, ela tinha 10 e ele 8 anos!

E isto que nós pegamos uma época melhor, as anteriores eram mais difíceis,

conforme o hospital ia evoluindo, as pessoas iam se conscientizando e o Amparo

acompanhava estas coisas também. Mas nossos filhos não puderam mais voltar, o primeiro

que pode morar aqui foi este rapazinho filho da Matilde, ele nasceu e cresceu aqui.

O hospital tinha suas leis, a Secretaria de Saúde tinha as normas dela. Tinha uma

cadeia para o pessoal que brigava, com lesão corporal aí dava cadeia, desacato e fugas

também. Nos primeiros tempos havia muitas fugas, eu fugi uma vez, voltei e fui para a cadeia,
248

dois dias, era para ser mais, mas eu tinha trabalho, se a pessoa trabalhava para a caixa, o

presidente dizia que precisava dela, ficava registrado na cadeia, mas o presidente usava a

desculpa do trabalho e tirava da cadeia.

Eu fui para a cadeia porque quando eu cheguei, justamente na noite anterior, a

mulher do delegado tinha fugido dele, fugiu mesmo, ele estava uma fera, quando eu me

apresentei ele me deu cadeia dura. Isso foi nos anos 50, tentei tirar licença, passei quase um

mês lutando, ele não quis me dar, eu não tinha os exames bons, estavam me enrolando e eu

precisava sair para resolver um inventário, me aborreci com aquilo e fui para Ijuí.

A gente se comunicava aqui, um estava com vontade de sair, quando dava uma

lotaçãozinha num carro a gente mandava vir a saia lá pelo morro. Quando sabíamos que o

outro queria ir, nós nos juntávamos para sair mais barato, na volta cadeia. Tinha um internado

aqui que tinha taxi, combinavam e saiam, nós saíamos pelo morro, três, quatro pessoas

acompanhavam para ajudar a levar as malas. A direção ficava sabendo depois, quando a

pessoa não aparecia, nós íamos lá em cima e nos esperavam lá, fugíamos à noite, alguns saiam

durante o dia.

A cadeia era normal, ficava fechado lá, às vezes tinha mais de um dava para ficar

conversando. Aconteceu um crime aqui, um rapaz foi baleado, ele tinha dezoito anos e devia

para a justiça, ficou doente, saiu da cadeia para vir para cá, às vezes ele fugia da cadeia lá

fora, aqui ele não estava na cadeia, ele parecia assim, louco, se ele tinha vontade de andar de

carro, pegava um carro para dar umas voltas, acho que não tinha crime até. Aqui dentro ele

não cometeu nenhum, agora alguma coisa tinha, ele era valente, não tinha medo, por isso

aconteceu, ele foi baleado e esse que fez isso ameaçou outras pessoas aqui dentro. Houve

outro caso no tempo em que eu não estava mais aqui, este decepou a mão do outro com um

facão, o que decepou eu não conheci, o outro sim, esta vivo no Hospital em Santa Catarina.
249

Onde funcionava a cadeia ficava a prefeitura, no mesmo prédio, o prefeito era

nomeado pelo diretor. Os guardas internos eram doentes, os guardas sadios ficavam cuidando

as entradas e saídas. Quando tinha uma vaga ou convidavam, eles se tornavam guardas. A

função deles começava em cuidar a separação dos homens e das mulheres. Os guardas

trabalhavam com o delegado que também era doente.

As irmãs sempre estiveram aqui, trabalhei no refeitório de garçom uma época, tinha

contato com três irmãs, uma era a irmã Sebastiana, uma das fundadoras, tinha outras duas a

Arlinda e a Julieta, mortas as duas. As irmãs Maria e a Élia trabalhavam na enfermaria e

cuidavam dos doentes, depois quando nós voltamos algumas não estavam mais aqui.

A madre geral não trabalhava assim, mas ela determinava tudo que era do hospital,

quem queria pedir alguma coisa, quem queria mudar de quarto, era tudo com ela. As irmãs

eram necessárias aqui, tinha a irmã Lídia que era como uma médica. Mas havia diferença

entre eles, os médicos davam a consulta e os remédios, as irmãs ficavam mais com o serviço

braçal, vamos supor, cuidavam dos doentes, tinham enfermeiros também, nos primeiros

tempo eram os próprios doentes.

Havia duas igrejas aqui, aquela que fica lá fora era dos funcionários, as irmãs não

paravam nunca, falecia alguém, elas faziam o enterro, sempre tinha uma mão forte delas. A

princípio o padre fazia os enterros, tinha um padre que era paciente aqui, ele era de São Paulo,

teve um outro jesuíta, tinham dois, um irmão marista e um jesuíta, até este era meu parente.

Nos primeiros anos nós não mantivemos praticamente nenhum contato com a

comunidade de fora, nenhum mesmo, as coisas que vinham de fora do hospital, por exemplo,

para o armazém era uma senhora que comprava e mandava o caminhão do Estado buscar, ela

trabalhava muito. No começo não tínhamos nenhum contato, para dizer a verdade começamos

a ter quando voltamos para cá em 68. Um doente fez uma cancha de carreira então começou a

haver um pouco de contato. Aí foi indo, as primeiras vezes até se a gente queria botar um
250

barzinho lá tinha que ser separado, tudo dividido, depois ficou um só, aquilo ajudou muito.

Antes, de fora eu só conhecia alguns que trabalhavam na cozinha e três rapazes, dos guardas,

deles nós tínhamos conhecimento, mas comunidade assim não, muito raro, eles não vinham

fazer nada aqui para dentro, a gente também não ia para lá.

Esses do refeitório não tinham nenhum preconceito, nós até começamos a negociar

com eles, tipo contrabando, por baixo do pano! Eu tinha a criação de abelha, mel quase não

vendi por que era muito pesado para levar, não valia à pena, então a gente matava porcos,

muita gente criava porcos, nós vendíamos banha, eles vinham buscar ou nós levávamos. Este

comércio era proibido, não podíamos vender, mas sobrava muita coisa e o que sobrava a gente

vendia. Às vezes tinha três, quatro, cinco encarregados que subiam o morro com as latas nas

costas, nós nos encontrávamos lá na casa deles, lá na casa de uma pessoa de saúde que nos

recebia, tomávamos vinho com ele, então nós até tropeávamos porcos vivos pelo morro, um

atrás do outro!

Uma vez tratei a venda de uns porcos com uns que tinham aí, eles viriam buscar os

porcos de carreta, o guarda ia permitir que eles passassem pelo portão, quando foram passar o

guarda não quis deixar. A primeira surpresa que tive quando eu voltei aqui foi que teve um

que negociou direto, nós tínhamos que tropear escondidos de noite pelo morro, esse veio e

comprou porco direto, o hospital já estava permitindo, de repente entrou aquele homem com

uma condução e pegou os porcos... foi uma coisa surpreendente.

A nossa aceitação às vezes tinha algumas barreiras, não eram todos, alguns, a Anita

diz que sentia, que as pessoas no ônibus não sentavam no mesmo banco quando sabiam que a

gente era daqui. Esta visão foi mudando, ainda tem hoje, mas são pessoas que eu acho que são

incertas consigo mesmas, não vou achar a palavra, mas são pessoas que têm medo de tudo,

medo até da noite, da noite escura, então isso aí não tem cura.
251

Aconteceu casos assim, por exemplo um senhor daqui foi com licença, então

encontrou um meio vizinho que tinha muito medo dele, e este vizinho vinha vindo justamente

com um padre lá daquele lugar, ele disse para o padre “esse aí tá no leprosário”, este senhor

chegou a ouvir. Esse que fez o comentário, que não ia nem visitar o outro com medo, levou

uns três anos e ele estava internado aqui! Esse que tinha medo, acontece.

Eu não fiquei tão marcado assim pela doença, não poderia dizer o que teria sido do

meu futuro se tivesse ficado lá fora, a gente sempre dá um jeito na vida, eu não posso dizer

como eu iria ser... Eu vim internar aqui e me acostumei, eu construí minha vida aqui. O

hospital apenas me beneficiou, se a gente continuasse sem tratamento, a gente não existia

mais, hoje estou com 75 anos e estou vivo.

Hoje eu não teria mais condições de sair daqui, não daria para fazer outra vida, às

vezes se tem algum passeio, eu vou. Tem lugar que eu gostaria de ir, Rolante, minha mãe

passou um tempo da vida dela neste lugar, ela sempre falava. Queria conhecer lugares que a

gente ainda não conhece, no Rio Grande aqui, no Brasil inteiro, muitos vão para o estrangeiro,

nós aqui temos tanta coisa bonita para ver, não acha?

Eu vejo o hospital como uma cidadezinha do interior, tem os trabalhos, tem lazer,

nós somos considerados moradores, o hospital é apenas lá onde existe a enfermaria. É como

uma comunidade, agora moram aqui os pacientes do São Pedro. Tiveram a iniciativa de trazer

estes pacientes para cá. Na época vieram dois médicos psiquiátricos para conversar, contar

como é que era, como é que ia funcionar.

Primeiro a gente estava muito assustado, achávamos que eles iam pegar uma turma

toda e trazer, contavam umas histórias, às vezes muito diferente do que era, ou quem sabe era

assim lá no São Pedro, não sei. Então nos primeiros tempos a gente não queria aceitar, porque

nós também éramos discriminados pelo pessoal do São Pedro, a gente achava que ia ser muito

ruim, dá para dizer que foi ao contrário.


252

A direção pegou aquela área do pavilhão de baixo que nós estávamos morando,

estavam reformando outros dois aqui em cima, eles botaram os casais neste pavilhão aqui de

cima, tiraram os outros que não eram casais de lá e colocaram aqui no lado de cima da

avenida e fecharam ali com tela de fora a fora.

Para nós irmos para o Cassino, nós tínhamos que fazer uma volta grande lá pelo

refeitório, eles quiseram fechar antes dos pacientes do São Pedro chegar. Eles ainda

recomendaram, não estraguem a tela, não cortem a tela para querer passar. Então foi ali que

eu pensei... fiz uma cova para passar por baixo da tela, atingi a terra, não a tela! Comecei a

passar por ali para ir para o outro lado, depois os outros achavam que era melhor para eles

também e começaram a passar por baixo da tela e assim continuou por uns dois meses, para

não danificar a tela!

As relações com eles começaram aos poucos, porque eles ficaram também assim

estranhos, começaram a sair devagar, os que estavam melhores começaram a vir ali no

armazém, uns até chegavam e pegavam as coisas sem comprar, eles eram estranhos aqui, de

certo nunca viram o armazém, pegavam as coisas, os atendentes às vezes não conseguiam

acompanhar... Eles andavam pelas ruas, mas nunca fizeram nada, não dá para se queixar.

Aos pouco foram se entrosando, para falar a verdade a nossa situação ficou melhor

que a deles, a situação deles não faz muito tempo que estão melhorando, a causa dos pacientes

do São Pedro é muito mais difícil. Ainda começou a melhorar depois de uns dois anos para cá,

antes viviam uns dez ou vinte na porta do armazém pedindo, viam os outros comprar coisas e

ficavam pedindo. Hoje não, todos ganham, tem sempre algum trocado, uns ainda trabalham,

todos ganham pensão vitalícia, então eles têm seu dinheirinho. São bem corretos, pagam suas

continhas direitinho e tudo.

Hoje estão administrando o hospital como podem, acho que não existe dinheiro em

nenhum Hospital antigo, pude notar isso no São Pedro. Tive no Jardim Botânico e, também,
253

só há conservação, não tem novidade, acho que é crise do Estado mesmo. Este trabalho que

vocês estão fazendo é gratificante, não havia acontecido ainda e com o tempo não vai mais

haver internados aqui. Estão saindo ou morrendo, com o tempo isso não vai existir, vão ficar

só estas histórias, que fizeram nossa.


254

Considerações Finais

Quando se chega ao final de uma jornada, tem-se a impressão que ficaram muitas

coisas pelo caminho. Há um sentimento de incompletude avassalador. Perguntas que não

foram feitas, livros que não foram consultados, pessoas que não foram ouvidas, tantos outros

trajetos possíveis... E se houvesse privilegiado aqueles aspectos? E se tivesse feito daquele

modo? Certamente haveria outro trabalho, não este. Mas ainda assim faltaria... Nos limites do

que foi proposto fazer, foi-se bem sucedido. Escrever esta dissertação além de uma prática de

pesquisa, foi um exercício de alteridade.

A História pode e deve se interessar por problemáticas como a doença, fenômeno

que afeta profundamente os indivíduos em sociedade, despertando comportamentos e práticas

específicas. A Lepra foi a enfermidade escolhida para promover estas reflexões, moléstia

pouco visitada pelos pesquisadores da área de História, fato que contribui para que persistam

na atualidade as representações sociais antigas sobre a Lepra.622 Espera-se que este trabalho

venha contribuir de alguma forma para pensar algumas questões referentes ao tema.

O combate à Lepra no Brasil foi fruto de um somatório de fatores, qualquer análise

que não parta deste pressuposto corre o risco de empobrecer a questão. Por um lado, teve-se o

que poderia se chamar de uma “pressão externa” para combater a doença. As questões

referentes à Lepra ganhavam notoriedade no cenário internacional à medida em que ocorriam

descobertas científicas que pareciam lançar luz sobre uma moléstia tão antiga, quanto

desconhecida. Os países assolados pela endemia se viram impelidos a tomar medidas contra a

doença identificada como sinônimo de atraso. Lepra e progresso não combinavam.

622
Esta idéia é sugerida por Ítalo Tronca, a relação entre a “desqualificação” da Lepra pela historiografia e o
vigor das persistências das representações em relação à Lepra. TRONCA, Ítalo. As máscaras do Medo. Op.
Cit.p. 23
255

Por outro lado, teve-se uma “pressão interna”. A filantropia, que historicamente

cuidava do problema da Lepra no Brasil, mal estava conseguindo abrigar alguns doentes nos

asilos existentes, que dirá contribuir para pôr fim à marcha da moléstia. A criação da

Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas (1921) acenava como uma resposta do

governo aos apelos que vinha recebendo, sobretudo, dos setores médicos e sociais. O governo

trazia, assim, a questão da Lepra para a alçada estatal. Entretanto, esta Inspetoria foi pouco

eficaz, entre outros fatores, devido a dificuldade do Estado em estender sua atuação a todas

regiões do país, limitada pelo federalismo constitucional.

Com a ascensão do autoritarismo no pós 30, favorecendo a emergência da atuação

governamental em caráter nacional, foi possível ao Estado empreender uma Campanha contra

a Lepra em todo o território, dispondo dos recursos necessários e dos mecanismos jurídicos

legais para levar adiante o combate à endemia. Combater a Lepra no período estudado, além

de um imperativo humanitário, tornou-se um “dever patriótico”, pois na visão dos

contemporâneos a doença colocava em risco o progresso, o destino nacional, os cônscios de

país civilizado.

Procura-se, ao longo do texto, compreender as formas como foram implementada as

diretivas nacionais de combate à Lepra no Estado e quais seus desdobramentos. Foi possível

perceber que ao lado dos pressupostos científicos caminharam representações sociais sobre a

doença, presentes não apenas na fala da população, como no caso da discussão sobre a

escolha do local do Leprosário, ocasião em que o medo social ficou evidente, mas na fala dos

próprios médicos que apresentavam os doentes como ameaças sociais.

A situação de desamparo em que viviam os doentes no Rio Grande do Sul não

deixava de ser preocupante. Entregues à própria sorte, centenas de pessoas vagavam em busca

de ajuda. Algo precisava ser feito, essa foi a compreensão dos homens daquela época.

Entretanto, a profilaxia da Lepra se preocupava menos com os doentes do que com a


256

sociedade. Era preciso segregar os leprosos não porque a medicina tivesse condições de

oferecer-lhes a cura ou qualquer tratamento minimamente eficaz, mas para evitar que

contagiassem a população.

O Hospital Colônia Itapuã foi um destes locais de isolamento, desempenhando as

funções previstas pela Campanha. Mostrou-se ao longo do trabalho como se constituiu a vida

na Instituição, primeiro do ponto de vista do Hospital, depois sob o olhar dos internados. Se,

por um lado o Leprosário representou para muitos doentes a possibilidade de sobrevivência,

diante da tragédia social que era ser doente de Lepra, por outro lado reforçou o preconceito e

o estigma social em relação à doença. A simples existência do Leprosário conferia um

“caráter perigoso” à doença.

Embora fosse o único meio conhecido na época para conter a propagação da Lepra, a

segregação foi muito contestada, primeiro porque pairavam dúvidas sobre o quanto a moléstia

era contagiosa, segundo porque experiências internacionais denunciavam que a prática nem

sempre obtinha resultados satisfatórios, como foi o caso das Filipinas. O fracasso do sistema

de isolamento neste país foi apresentado ao mundo científico brasileiro na Revista de

Leprologia do ano de 1936, portanto, quando a Campanha no Brasil estava no “auge”. O

motivo do fracasso era simples, certos de que seriam segregados, os doentes se escondiam das

autoridades sanitárias.623

Mas parece que o “aviso” vindo daquele país não ressoou por aqui. Foi preciso

transcorrer muitos anos – até a descoberta da sulfona! – para que as autoridades sanitárias

nacionais se convencessem de que a segregação compulsória nos Leprosários não extinguiria

a Lepra no Brasil. O Hospital Colônia Itapuã foi fruto deste (mal)entendimento, que a

segregação purgaria o país da moléstia.

623
Op. cit.
257

Ainda que baseadas em motivações legítimas, as atitudes da Campanha no combate à

Lepra foram arbitrárias, amparadas mais no poder do Estado autoritário capaz de fazer

cumprir suas deliberações do que propriamente na eficácia da prática de isolamento. Como

resultado, constata-se centenas de pessoas que ainda residem nos Leprosários espalhados pelo

Brasil, purgando um passado, muitas vezes doloroso. Poderiam ter tido um destino menos

amargo se não tivessem sido segregadas? Provavelmente não, porque iriam cair no

desamparo. Algo tinha que ter sido feito, o problema reside na forma como foi realizado.

As medidas repressivas contra a Lepra, tanto no Brasil quanto na Noruega, nas

Filipinas ou em qualquer outro lugar, não surtiram os efeitos desejados, como admitiram a

posteriori as autoridades competentes. Enquanto alguns indivíduos, a maioria em fase

adiantada da doença, estavam sendo isolados, a Lepra se disseminava entre a população,

sobretudo a carente. Esse parece ter sido um aspecto pouco discutido entre os envolvidos na

Campanha.

Por certo a Campanha não cumpriu seus objetivos iniciais, eliminar a Lepra do

Brasil. Tão logo foi descoberto um tratamento eficaz contra a doença, a segregação, ou o

Leprosário perdeu sua funcionalidade. Entretanto, o fantasma do isolamento obrigatório dos

doentes pode ter representado um empecilho para a detecção de novos casos, cientes da

segregação, em algumas situações, ao suspeitar do diagnóstico, o doente procurava esconder-

se das autoridades sanitárias, em outras situações, ao ser identificado, o doente procurava

esconder as pessoas que tinham uma convivência íntima com ele (comunicantes), de modo

que não fossem procuradas pelos serviços de saúde. Neste sentido, esta prática pode ser

saudada como um fracasso, segregava apenas os casos “abertos” da doença, ou seja, quando

os sinais da Lepra eram evidentes, não tendo praticamente nenhuma atuação sobre os casos

“fechados” ou incipientes da doença.


258

A região Sul foi uma das menos afetadas pela moléstia no Brasil. Em 1938, eram

estimados pouco mais de 4 doentes para dez mil habitantes, enquanto a média nacional era de

10 casos para cada dez mil habitantes, ou seja, em cada mil brasileiros um era doente.624 Nas

últimas décadas do século XX a situação continua não muito animadora. Para se ter uma

idéia, em 1985 eram registrados 19 doentes para cada dez mil habitantes, ou seja, em cada mil

brasileiros, quase dois eram doentes. Comparando os números, em 1985 o país tem a média

de casos maior do que tinha em 1938. Em 2000 este número sofre uma redução considerável,

4,68 casos para dez mil.625

A saúde pública enfrenta vários problemas para a eliminação da moléstia no Brasil, o

primeiro é a dificuldade do diagnóstico. A Hansenologia (antiga Leprologia) não é uma

disciplina estudada nos cursos de Medicina, o que contribui para que muitos profissionais

desconheçam a doença. Quando indivíduos apresentando os sintomas característicos da

doença chegam a seus consultórios, muitas vezes, os médicos pedem exames sofisticados,

realizam cirurgias, enxertos, e sequer desconfiam de Hanseníase. Outro problema enfrentado

é a busca tardia por parte dos doentes de tratamento médico, visto que na sua fase inicial,

caracterizada geralmente por uma mancha na pele, a Hanseníase não desperta preocupação,

principalmente entre as pessoas de condição sócio-econômica mais baixa. 626

Como resultado desta “marcha da doença”, há 88 mil pacientes em tratamento no

Brasil no ano de 1997, quase 10% do total mundial que era de 890 mil doentes. Estes números

624
BARRETO, Barros. Organização Moderna da luta contra a Lepra: a campanha no Brasil. Arquivos de
Higiene, Rio de Janeiro, 1938, 8 (2) : 245. In: MAURANO, Flávio. Tratado de Leprologia. Op. Cit. p. 37-39.
625
Guia para controle da Hanseníase. Cadernos de Atenção Básica, n.º10, Ministério da Saúde. Brasília, DF,
2002, p.9
626
Em um curso sobre “Prevenção das incapacidades em Hanseníase”, oferecido pela Secretaria da Saúde do
Estado, realizado no Hospital Itapuã, ouvimos relatos sobre a situação atual dos doentes em algumas regiões do
Estado. Muitas pessoas chegam ao serviço de saúde quando a doença já provocou lesões mais sérias, algumas em
estado grave, com mutilações e cegueira. Em alguns casos, os doentes procuram tardiamente os serviços de
saúde, em outros, procuram a tempo, mas são mal diagnosticadas. Como foi o caso relatado sobre uma moça de
Erechim, com 22 anos, doente desde os 7 anos, que era tratada à base de pomadas e o caso de um outro senhor
doente há 40 anos, ele teve os vinte dedos amputados pelo diagnóstico de osteomelite ... Mesmo que estes casos
apresentem tratamento e cura, as seqüelas são irreversíveis. Curso de “Prevenção às incapacidades em
Hanseníase”, dias 29 e 30/10/2002, Hospital Colônia Itapuã. Profissional responsável: Rita Sosnoski Camello,
chefe da seção de dermatologia sanitária, coordenadora do controle da Hanseníase, SES/RS.
259

podem ser considerados constrangedores. Somos o 2º país no mundo em casos da doença,

atrás apenas da Índia. E a estimativa é de 44 mil novos casos por ano.627

Ainda não se pode saber ao certo qual foi a contribuição da Campanha, mais

precisamente do Hospital Colônia Itapuã, para a profilaxia da Lepra no Rio Grande do Sul,

não se sabe sequer se houve uma contribuição. Se forem comparadas as estatísticas, em 1938

havia 4 casos para 10 mil habitantes, em 1991 havia 3,96 casos da doença para 10 mil.628

Entretanto, estes dados devem ser interpretados com cuidado, este estudo se limitou até a

década de 50, quando as políticas em relação ao combate a Lepra sofreram consideráveis

modificações através do uso de medicamentos. Não se sabe como se desenvolveu o combate

ou o “não-combate” à doença no período posterior, ou seja, não se pode tributar

exclusivamente à Campanha o fracasso que houve na erradicação da Lepra.

A única avaliação que se pode fazer com relativa segurança diz respeito ao papel do

Hospital em relação aos doentes segregados. Confinadas a viver no isolamento, centenas de

pessoas tiveram seus destinos modificados, exigindo que se adaptassem a nova condição. Esta

“adaptação” demandou um abandono de antigos papéis e identidades sociais. A maioria dos

doentes, ao menos os que ficaram morando no Leprosário, romperam praticamente com todos

os vínculos externos. Reconstruíram suas vidas (re)significando aquele lugar. Criado para

isolá-los do mundo, o Leprosário acabou por tornar-se o próprio mundo daqueles internados,

abrigando muitas histórias, como a de Dona Branca e de Seu Francisco.

627
Como os gestores Municipais de Saúde vão acelerar a Eliminação da Hanseníase no Brasil, Brasília,
CONASEMS, 1999.
628
A eliminação da Hanseníase vem sendo uma preocupação da Organização Mundial de Saúde e dos governos
dos países atingidos. O tratamento no Brasil é gratuito e fornecido pelas Unidades Básicas de Saúde. No Rio
Grande do Sul, nos últimos 10, anos tivemos uma redução drástica do número de casos: 1991: 3628 casos; 1992:
2580; 1993: 2247; 1994: 1305; 1995: 861; 1997: 514; 1998: 464; 1999: 409; 2000: 413; 2001: 177; 2002: 231.
Fonte: DS/SES/RS
260

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Dr. José Bonifácio Paranhos da Costa, Diretor Geral. Oficina Gráfica da Imprensa Oficial,
Porto Alegre, 1943.- AHRS.

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Negócios do Interior e Exterior, no exercício do cargo de governo do Estado em 1 de julho de
1936. Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1936. -AHRS

Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio D. Vargas, Presidente da República, pelo
Interventor Federal Gal. Flores da Cunha, em 15 de abril de 1935. Oficinas Gráficas Livraria
do Globo, 1935, POA. - AHRS

Relatório Anual do Hospital Colônia Itapuã. documentação avulsa. Folha 10. CEDOPE/HCI,
1950.
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Relatório apresentado ao Presidente do Estado pela Secretaria de Estado dos Negócios do


Interior e Exterior em 4 de setembro de 1922. Oficinas Graphicas d’ A Federação, Vol. 1,
1922. RSENIE - AHRS

Relatórios da Santa Casa de Misericórdia de POA. Officinas Graphicas d’A Federação, Porto
Alegre. 1922, apresentado pelo Cel. Antenor Barcellos de Amorim (vice-provedor). Centro de
Documentação e Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. CEDOP/SCMPA

Relatórios da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre de 1919-1921 até 1950,


apresentados pelos provedores. Officinas Graphicas d’ A Federação, Porto Alegre e Oficinas
Gráficas da Livraria do Globo.CEDOP/SCMPA

Relatório apresentado ao Exmo. Snr. Cel. Osvaldo Cordeiro de Farias, Interventor Federal no
Rio Grande do Sul, pelo Dr. J. P. Coelho de Souza, Secretário da Educação e Saúde Pública,
compreendendo o período administrativo de 21/10/37 a 31/12/39. Publicado em 1940,
Officinas Graphicas do Instituto Técnico Profissional. -AHRS

Relatório das atividades do HCI – Movimento do Hospital. Documentação Avulsa,


CEDOPE/HCI.

RSENIE, em 04 de setemb de 1922, Oficinas Graphicas d’ A Federação, 1922.-AHRS

RSENIE, em 24 de agosto de 1925, Officinas Graphicas d’ A Federação, 1925.-AHRS

RSENIE, em 01 de agosto de 1926, Oficinas Graphicas d’ A Federação, 1926. –AHRS

RSENIE, em 24 de agosto de 1927, Oficinas Graphicas d’ A Federação, 1927. –AHRS

RSENIE, em 25 de agosto de 1928, Officinas Graphicas d’A Federação, 1928. –AHRS

RSENIE, em 28 de agosto de 1929, Officinas Graphicas d’ A Federação, 1929. -AHRS


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Jornais

A Federação, Porto Alegre, ano LIII, nº15, 22/01/36. -MCSHJC

A Federação, Porto Alegre, ano LIII, nº 66, 19/3/36. -MCSHJC

A Federação, Porto Alegre, ano LIII, nº 163, 20/07/36. -MCSHJC

A Federação, Porto Alegre, ano LIII, nº. 170, 29/7/36. -MCSHJC

A Federação, Porto Alegre, ano LIII, nº. 172, 31/07/36. -MCSHJC

A Federação, Porto Alegre, ano LIII, nº. 286, 17/12/36. -MCSHJC

Correio do Povo, ano XXXVII, nº 156, 05/07/31- MCSHJC

Correio do Povo, ano XXXVII, nº.169, 21/7/31.- MCSHJC

Correio do Povo, ano XLVI, nº 110, 12/5/1940.- MCSHJC

Jornal A Razão, Colônia Itapoã, nº 340, 17/09/50. Ano 7

Jornal A Razão, Colônia Itapoã, nº 341, 24/09/50. Ano 7

Jornal A Razão, Colônia Itapoã, nº 342, 1º/10/50. Ano 7

Jornal A Razão, Colônia Itapoã, nº 343, 9/10/50. Ano 7

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano I, n.º 17, 08/12/37 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 111, 04/04/38- MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 125 26/04/38 –MCSHJC


267

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 134, 07/05/38 -MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº. 321, 24/12/38 – MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº. 141, 16/5/38 – MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 142, 17/05/38 – MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 143, 18/05/38 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 148, 24/05/38- MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II nº 151, 27/05/38 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 165, 14/06/38 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 170, 21/06/38 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 171, 22/06/38 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº. 183, 07/09/38–MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº. 184,08/07/38 – MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº. 190,15/07/38 – MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 422, 02/05/39 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 470, 28/06/39 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano II, nº 477, 06/07/39 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano III, nº 630, 10/01/40-MCSHJC


268

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano III, n.º 633, 13/1/40 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano III, n.º 635, 16/1/40 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano III, n.º 686, 19/3/40 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano III, nº. 688, 23/3/40 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano III, nº 691, 27/3/40 –MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano III, nº 692, 28/3/40 – MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano III, n.o 729, 11/5/40- MCSHJC

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano III, nº 763, 01/7/40 -MCSHJC.

Jornal do Estado, Porto Alegre, ano IV, 23/8/41 -MCSHJC

Kolonie (Jornal de Santa Cruz do Sul), s.d. (possivelmente entre os anos de 1924-25)
Biblioteca do Colégio Mauá. Santa Cruz do Sul. Tradução livre de Roberto Steinhaus.

Entrevistas

BORGES, Viviane Trindade. Entrevista com a Sra. C. L. Hospital Colônia Itapuã, 21 de


março de 2001.CEDOPE/HCI.

________. Entrevista com o Sr. A. T. B. Hospital Colônia Itapuã, 09 de janeiro de 2001.


CEDOPE/HCI.

FONTOURA, Arselle de Andrade da. Entrevista com Irmã Sebastiana. Santa Cruz do Sul,
outubro de 1999.
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SERRES, Juliane Conceição Primon. Entrevista com Roberto Stainhaus. Santa Cruz do Sul,
16 maio de 2003.

______. Entrevista com o Sr. P. F. H. Hospital Colônia Itapuã, 25 de janeiro de 2000. “Seu
Chico”. CEDOPE/HCI.

______. Entrevista com a Sra. E. M. de C. Hospital Colônia Itapuã, 15 de outubro de 2003.

______. Entrevista com o Sr. P. F. H. Hospital Colônia Itapuã, 15 de outubro de 2003.

______. Entrevista com a Sra. L.K. Hospital Colônia Itapuã, 15 de outubro de 2003.

Legislação

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do Brasil de 1920. Vol. 1, Actos do Legislativo (jan. dez.) Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
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Dec. 14.354 de 15 de setembro de 1920.Coleção de Leis, vol. 4, tomo 1; p.244-485-BALRGS

Dec.19.402 de 14 de novembro de 1930 Coleção das Leis de 1930, vol. II, atos do Governo
Provisório. Rio de janeiro -BALRGS

Dec. 378 de 13 de janeiro de 1937. Atos do Legislativo, vol.3, Rio de Janeiro Imprensa
Oficial, p.16-BALRGS

Decreto n. 1.473 de 08 de março de 1937, em 1942 foi oficialmente integrada à Campanha


contra a Lepra pelo decreto 4.827. (SOUZA ARAÚJO)

Decreto 7.481 de 14 de setembro de 1938. – Jornal do Estado, 25.11.38. Ano II, nº 296 -
BALRGS

Decreto 7558 de 11 de novembro de 1938. Jornal do Estado, 25.11.38. Ano II, nº 296 -
BALRGS
270

Dec. 968 de 7 de maio de 1962.Boletim do Serviço nacional de Lepra. Ano XXVI, nº 3 e 4,


jul-dez, 1967, DNS, Rio de Janeiro: 1967, p.95.
Lei n º 575 de 01/4/36, publicada em Leis, Decretos e Atos do Governo do Estado do Rio
Grande do Sul. Oficina Gráfica da Imprensa Oficial, Porto Alegre, vol. 36, 1941 -BALRGS

Outros:

Arquivos da Dermatologia Sanitária do Rio Grande do Sul.

Caderno do Frei Pacífico, Livro Tombo, março de 1940. Manuscrito. CEDOPE/HCI.

Caixa do SAME. CEDOPE/HCI.

Caixa da Prefeitura. CEDOPE/HCI.

Cartório de Registros de Imóveis e títulos e Documentos, Viamão. Fls. 102, do livro 3-G, no.
1.867. CEDOPE/HCI.

Contrato entre DES e as Irmãs Franciscanas. Doc. Avulsa, CEDOPE/HCI.

Diários das Irmãs, 1946. CEDOPE/HCI

Diário das Irmãs, 1948. CEDOPE/HCI

Diário das Irmãs, 1949. CEDOPE/HCI.

Guia para controle da Hanseníase. Cadernos de Atenção Básica, n.º10, Ministério da Saúde.
Brasília, DF, 2002, p.9 Como os gestores Municipais de Saúde vão acelerar a Eliminação da
Hanseníase no Brasil, Brasília, CONASEMS, 1999.

Histórico do CAR. CEDOPE/HCI

Irmãs Franciscanas: Crônica do Asilo Colônia Itapuã, 1940. Datilografado. CEDOPE/HCI

Irmãs Franciscanas: Crônicas do Asilo Colônia Itapuã, 1940-4. Datilografado. CEDOPE/HCI


271

Irmãs Franciscanas: Crônica do Asilo Colônia Itapuã, 1941. Datilografado. CEDOPE/HCI


Irmãs Franciscanas: Crônica do Asilo Colônia Itapuã, 1942. Datilografado. CEDOPE/HCI

Irmãs Franciscanas: Crônica do Asilo Colônia Itapuã, 1943. Datilografado. CEDOPE/HCI

Livro de Registro de Enfermos: Santa Casa. Consultamos os registros de entrada de pacientes


nas salas de isolamento, na sala de isolamento das moléstias infecto-contagiosas, enfermaria
de sífilis e moléstias de pele, clínica de moléstias tropicais, enfermarias de homens e de
mulheres. -CEDOP/SCMPA

Poliantéia Comemorativa ao 75º aniversário da chegada das Irmãs Franciscanas ao Rio


Grande do Sul. 1872 – 1947. Imprimitur, Porto Alegre, 21 de julho de 1947, p. 146.

Regulamento de Altas do Departamento de Profilaxia da Lepra de São Paulo. (Adotado no


Rio Grande do Sul). Cópia. DES, 25/3/45. Documentação Avulsa. CEDOPE/HCI.

Regulamentos. Regimento Interno dos doentes. Caixa 01. CEDOPE/HCI.

Relatório Anual HCI, 1950 pelo Diretor do HCI Honório Ottoni ao Dr. João Pessoa Mendes,
Chefe do Serviço de Profilaxia da Lepra, em 16/01/1951. Documentação Avulsa.
CEDOPE/HCI.

SAME, Caixa 03, documentação avulsa: Relação da entrada dos pacientes. CEDOPE/HCI.

SENIE, documentação avulsa, Caixa 04, ofício enviado a Diretoria de Higiene pelo Delegado
de estatística de Santo Antônio da Patrulha em 27/4/1928. AHRS

SENIE, documentação avulsa, Caixa 04. Parecer do Médico auxiliar Dr. Piaguaçú ao Diretor
da Higiene em exercício. Porto Alegre, 19/5/1928. AHRS

SENIE, documentação avulsa, Caixa 04. Ofício ao Secretário do Interior e Exterior do Diretor
de Higiene em 24/5/1928. AHRS

SENIE, documentação avulsa, caixa 04, processo de 01/6/1928. AHRS

SENIE, documentação avulsa, caixa 04. Processo de 09/6/1928. AHRS


272

SENIE, documentação avulsa, caixa 04; Informações solicitadas pela Secretaria ao


Dispensário Eduardo Rabelo. AHRS
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Apêndices

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