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Cadernos Comarca n. 1
IMAGENS DA EUROPA
NA LITERATURA BRASILEIRA
USP – UNIVERSID
UNIVERSIDADE ADE DE SÃO P PAAULO
Reitor: Prof. Dr. Jacques Marcovitch
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FFLCH – F ACULD
FA CULDADE ADE DE FILOSOFIA,
LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
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Cadernos Comarca n. 1
Flávio Aguiar / Sandra Guardini T. Vasconcelos
(Organizadores)
IMAGENS DA EUROPA
NA LITERATURA BRASILEIRA
2001
ISBN 85-7506-049-X
CDD 869.909
HUMANITAS FFLCH/USP
e-mail: editflch@edu.usp. br
Telefax.: 3818-4593
Editor Responsável
Prof. Dr. Milton Meira do Nascimento
Coordenação Editorial
Mª. Helena G. Rodrigues – MTb 28.840
Projeto de Capa
Diana Oliveira dos Santos
Revisão
Sandra Guardini T. Vasconcelos
SUMÁRIO
Apresentação ................................................................................ 9
7
NOTA DO EDITOR
8
IMAGENS DA EUROPA NA LITERATURA BRASILEIRA
APRESENTAÇÃO
Desde sua formação, a literatura brasileira tratou a Europa de
modo ambivalente e contraditório. De um lado, o chamado “velho
mundo” aparece como modelar e modelador do “novo”; de outro,
aparece como um sorvedouro que, por provocar a imitação ou a ad-
miração servis, pode subtrair à América sua originalidade. Mesmo o
primeiro aspecto, o modelar ou modelador, pois de “lá” derivam as
instituições “daqui”, tem consigo o signo da ambigüidade: se de “lá”
vieram as instituições, e entre elas a vida literária, vieram também a
exploração e a cobiça predatórias. Dentro desses marcos de confron-
to, a Europa seria inconteste como “imagem civilizatória” na litera-
tura brasileira até aproximadamente os desenvolvimentos do movi-
mento modernista, sobretudo a antropofagia e o mundo macunaímico.
A partir daí, uma nova baliza começa a disputar o “cetro civilizatório”
com a velha Europa, qual seja, o modelo norte-americano, além da
entrada em cena das utopias revolucionárias. Mais recentemente, num
contexto de crise de valores sem precedentes na história da civiliza-
ção, muitos de nossos escritores e seus perosnagens têm revisitado o
cenário europeu.
Os artigos que publicamos a seguir examinam como a presen-
ça e a herança européias são trabalhadas, incorporadas e problemati-
zadas por quatro grandes escritores brasileiros em quatro momentos
distintos de nossa vida literária. O primeiro artigo discute os proce-
dimentos paródicos utilizados por Machado de Assis, na crônica “A
Cena do Cemitério” (Gazeta de Notícias, 03 de junho de 1894), numa
releitura da cena dos coveiros em Hamlet. O segundo detém-se so-
bre dois livros de Monteiro Lobato, Onda Verde e Mr. Slang e o
Brasil, e seu personagem Mr. Slang, cientista e crítico britânico cuja
9
APRESENTAÇÃO
OS ORGANIZADORES
10
IMAGENS DA EUROPA NA LITERATURA BRASILEIRA
HAMLET À BRASILEIRA:
MACHADO LÊ SHAKESPEARE
11
VASCONCELOS, Sandra. HAMLET À BRASILEIRA: MACHADO LÊ SHAKESPEARE
1
A expressão é de Sonia Brayner em “Metamorfoses machadianas”. In: BOSI, Alfredo
et al. Machado de Assis. São Paulo: Ática, 1982, p. 432.
2
ASSIS, Machado. O folhetinista. In: Obras Completas. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1992, vol. 3, p. 958.
3
HUGO, Victor. Do Grotesco e do Sublime. Tradução do “Prefácio de Cromwell”.
São Paulo: Perspectiva, 1988, p. 25.
12
IMAGENS DA EUROPA NA LITERATURA BRASILEIRA
que os mais vulgares têm várias vezes acessos de sublime, os mais ele-
vados pagam freqüentemente tributo ao trivial e ao ridículo” 4.
Onde estaria então a singularidade do traço machadiano? Como
se daria essa química dos contrários em suas crônicas? Só para ficar
num exemplo do trânsito entre o sério e o cômico, o elevado e o bai-
xo, tomemos a crônica de 28 de maio de 1885, que, por acaso, diz
respeito ao próprio Victor Hugo, e na qual Machado comenta, com
seu peculiar senso de humor, o tratamento sensacionalista dado pelos
jornais à morte do escritor francês, comparando-o com a sensação
criada em torno dos preços baixos da Alfaiataria Estrela do Brasil.
Se, por um lado, a imprensa noticia os dois fatos como se se equiva-
lessem, Machado não perde a oportunidade de apontar esse procedi-
mento, tão comum nos jornais. Dessa forma, o verso “Rien n’est sacré
pour un sapeur!” 5, citado no início da crônica, é adulterado logo em
seguida, transformado em “Rien n’est sacré pour un [...] tailleur! ”
Nessa troca, que é igualmente uma troça, discurso poético e discurso
comercial também passam a se equivaler, num movimento evidente
de dessacralização do primeiro.
Gostaria de argumentar, portanto, que a associação insólita entre
duas notícias tão heterogêneas se constituiria num traço de composi-
ção de que Machado lança mão para produzir um efeito crítico sem
precedentes a respeito do mundo da informação. Nesse processo,
traz para o interior do jornal a literatura, principalmente a estrangei-
ra, que trata com irreverência, através do recurso ao lúdico e ao hu-
mor. Se, de modo geral, os autores brasileiros fizeram da literatura
européia um modelo a seguir e obedecer, Machado preferiu brincar
com ela, incorporando a herança literária e repropondo-a por meio
da paródia.
Sabemos todos quão abundantes são os exemplos da presença de
autores estrangeiros na obra machadiana. Interessa-me aqui, no entanto,
discutir esse modo particular de incorporação, através do estudo de uma
4
Idem, ibidem, p. 45.
5
“Nada é sagrado para um sapador”.
13
VASCONCELOS, Sandra. HAMLET À BRASILEIRA: MACHADO LÊ SHAKESPEARE
6
A colaboração de Machado no jornal Gazeta de Notícias, fundado em 1875, se esten-
deu de 1883 a 1897. A série A Semana cobre o período de 1892 a 1897.
7
Só para mencionar alguns exemplos: a expressão “To be or not to be” dá nome a um
conto de 1876, enquanto que os versos “There are more things in heaven and earth,
Horatio,/ Than are dreamt of in our philosophy”. (Hamlet, ato I, cena 5, ll.166,167)
aparecem, em geral alterados, em Quincas Borba, cap. CLXVIII (“Sem conhecer
Shakespeare, ele emendou Hamlet: “Há entre o céu e a terra, Horácio, muitas coisas
mais do que sonha a vossa vã filantropia.”) e cap. CLXIX (“D. Fernanda não entendeu
esta palavra. Creio que mais, porque eu o adoro! Em verdade, a conclusão não parecia
estar nas premissas; mas era o caso de emendar outra vez Hamlet: “Há entre o céu e a
terra, Horácio, muitas coisas mais do que sonha a vossa vã dialética.”); no conto “A
Cartomante” (“Hamlet observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que
sonha a nossa vã filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo,
numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera
consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras”.); e em inúme-
ras crônicas, como as de 2 de julho de 1893 (“Esta impossibilidade de esconder o que se
passa, no segredo das deliberações, faz-me crer no ocultismo. É ocasião de emendar
Hamlet; “Há entre o Palácio do Conde dos Arcos e a rua do Ouvidor muitas bocas
mais do que cuida a vossa inútil estatística.”); 11 de fevereiro de 1894 (“Há duas
astronomias, a do céu e a da terra; a primeira tem astros e algarismos; a segunda dispensa
os astros e fica só com os algarismos. Mas há também entre o céu e a terra, Horácio,
muitas coisas mais do que sonha a vossa vã filosofia. Uma dessas coisas, como vos
digo, é a vertigem dos números.”); 10 de janeiro de 1895 (“... os bookmakers,
14
IMAGENS DA EUROPA NA LITERATURA BRASILEIRA
apesar do nome nunca escreveram livros, e que há entre uma casa e outra mais frontões
do que sonha a minha vã filologia.”); 27 de outubro de 1895 (“Abre-se um capítulo de
mistérios, de fenômenos obscuros, e concordávamos todos com Hamlet, relativamente
à miséria da filosofia”.); 20 de dezembro de 1896 (“Há mais coisas entre o céu e a terra
do que sonha nossa vã filosofia. É velho este pensamento de Shakespeare; mas nem por
velho perde.”).
8
Há algumas controvérsias sobre essa data. Enquanto Eugênio Gomes e Lúcia Miguel
Pereira dão-na como certa, Jean-Michel Massa afirma que em 1870 Machado ainda
não lia inglês fluentemente e que a tradução de Oliver Twist, de Charles Dickens, teria
sido feita através da versão em francês.
9
Apud GOMES, Eugênio. Machado de Assis. In: Shakespeare no Brasil. Rio de Ja-
neiro, Ministério da Educação e Cultura, s.d., p. 160.
10
Eugênio Gomes se refere a dois atores italianos, cujas companhias andaram pelo Rio
de Janeiro na década de 1870.
11
Idem, ibidem, p. 160.
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VASCONCELOS, Sandra. HAMLET À BRASILEIRA: MACHADO LÊ SHAKESPEARE
Seja através da encenação das peças nos palcos cariocas, seja atra-
vés das inúmeras referências, comuns entre os poetas românticos, seja
através da leitura, Machado manteve contato constante com a drama-
turgia de Shakespeare, o que fica patente na sua obra. No entanto,
longe de transformá-la em modelo, Machado vai utilizar-se dela como
elemento de mediação, através do qual penetra nos fatos da semana,
colhidos no jornal. É este o caso da crônica de 03 de junho, em que ele
relê, numa chave paródica, a cena dos coveiros de Hamlet.
Mestre nas associações paradoxais, Machado abre a crônica
em questão com um conselho ao leitor, que vai na contramão do re-
curso adotado pelo próprio escritor – “Não mistureis alhos com
bugalhos”. A advertência vem a propósito da experiência desagradá-
vel, vivida pelo narrador, de combinar a leitura de jornal e de Hamlet,
antes de dormir. O resultado é um pesadelo, provocado pela “mistu-
ra de poesia e cotação de praça, de gente morta e dinheiro vivo” 12.
Tendo como pano de fundo a memória, ainda muito fresca, do
descalabro financeiro provocado pelo Encilhamento13, nos anos de
1890 e 1891, e as notícias das oscilações da Bolsa de Valores que
acabara de ler no jornal, Machado mescla ficção, teatro e História e
incorpora, num mesmo texto, o discurso comercial dos pregões de
títulos e debêntures e a fala rebaixada do narrador e de seu “fiel cria-
do” José Rodrigues, travestidos de Hamlet e Horácio.
Machado aproveita-se, de forma magistral, da suspensão das
leis naturais que a atividade onírica possibilita para colocar lado a
lado duas ordens diversas de experiência. Segundo diz o próprio nar-
rador, “Nos sonhos há confusões dessas, imaginações duplas ou in-
12
ASSIS, Machado. A Cena do Cemitério. In: GOMES, Eugênio. Machado de Assis.
Crônicas. Rio de Janeiro, Agir, 1963, p. 56.
13
Os anos de 1890 e 1891 foram um período de grande agitação financeira conhecido como
Encilhamento, durante o qual o desenfreado movimento da Bolsa e a febre especuladora
levaram à criação de grandes fortunas assim como provocaram grandes falências. A depres-
são econômica deste início da década de 1890 atingiu todo o país. Entre 1891 e 1897, o mil-
réis perdeu metade de seu valor, causando pânico. Grande parte da nação mergulhou num
mar de estagnação econômica e empobrecimento crônico.
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VASCONCELOS, Sandra. HAMLET À BRASILEIRA: MACHADO LÊ SHAKESPEARE
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you to my lady’s chamber, and tell her, let her paint an inch thick, to this favour she
must come. Make her laugh at that.”
15
ARRIGUCCI Jr., Davi. Fragmentos sobre a Crônica. In: Enigma e Comentário. En-
saios sobre Literatura e Experiência. São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 58.
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VASCONCELOS, Sandra. HAMLET À BRASILEIRA: MACHADO LÊ SHAKESPEARE
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in whiskey veritas...
1
Para Lobato as virtudes da monarquia estariam firmadas na possibilidade de um sistema
de representação mais estável. A república, por outro lado, através da reposição períodica
promovida por eleições geraria uma representatividade duvidosa.
21
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. MR. SLANG, UM INGLÊS NA TIJUCA...
22
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2
Monteiro Lobato, J. B. Mr. Slang e o Brasil, Obras Completas, São Paulo, Editora
Brasiliense, 1964, p. 6.
23
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. MR. SLANG, UM INGLÊS NA TIJUCA...
3
O apoio que Lobato dava a Washington Luiz baseava-se na formulação de uma nova
política financeira que visava à estabilização cambial que implicava a substituição do
mil-réis pelo cruzeiro
4
Idem, p. 109.
24
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absoluta tolice que é em nossa terra dar atenção à pobre dama nua
que mora no poço5.
5
Idem, p. 8.
6
Idem, p. 10.
7
Idem, p. 110.
8
Edgard Cavalheiro explora o contexto da viagem de Lobato aos Estados Unidos exi-
bindo o contexto temático de suas opiniões políticas em Monteiro Lobato, vida e obra,
vol. 1, Editora Brasiliense, São Paulo, 1962, p. 279.
25
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. MR. SLANG, UM INGLÊS NA TIJUCA...
26
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10
Idem, p. 46.
11
Idem, p. 42
12
Idem, p. 49.
27
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. MR. SLANG, UM INGLÊS NA TIJUCA...
elite. Não há leite, por magro que seja, que não dê creme sobrena-
dante 13. Depois, quando subitamente Mr. Slang resolve ir para a
China, cansado do Brasil – de onde precisava tirar férias intermi-
tentemente –, o interlocutor nacional resolve reagir mostrando que
nós também temos pessoas honestas e, enfim, uma elite. Mediante
a fraqueza dos argumentos do brasileiro contradito por exemplos
que, na rua, espontaneamente negavam as falas do ofendido, ouve
as contemplativas palavras do inglês ao dizer que acreditava na exis-
tência de uma elite moral no Brasil. Apenas admito que está arre-
dada da sua função orgânica. Está à margem, à espera de que a
chamem. Uma reserva por enquanto – mas uma bela reserva, creia14.
Os argumentos de Mr. Slang progridem no sentido de mostrar,
positivamente, que no Brasil haveria uns trinta homens e que o
modelo deles seria Belizário Pena15.
No segundo caso, Mr. Slang exalta a vinda e o valor da imi-
gração. Não faltam preconceitos para o contorno das idéias do in-
glês sobre os brasileiros não pertencentes à elite. O exemplo mais
eloqüente se dá quando o estrangeiro conta que certa feita, ao fazer
uma viagem para Minas Gerais, num trem da Central, encontrara
um funcionário da empresa que cumpria o estranho – e inexplicável
– ritual de, com um martelo, bater no eixo do trem de ferro. Per-
guntado sobre o porquê disto dá-se a seguinte situação descrita por
Lobato:
28
IMAGENS DA EUROPA NA LITERATURA BRASILEIRA
17
Idem, p. 63.
18
Idem, p. 32.
19
Idem, p. 31.
20
Idem, p. 89.
29
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. MR. SLANG, UM INGLÊS NA TIJUCA...
21
Idem, p. 28-29.
30
IMAGENS DA EUROPA NA LITERATURA BRASILEIRA
– Olhe, disse ele, apontando para certa ilha. Veja que lindo qua-
dro forma aquele veleiro, a estampar a brancura de suas lonas de
encontro aos verdes do morro!...
Respeitei-lhe a discrição e desconversei 24.
22
Idem, p. 37.
23
Idem, p. 35.
24
Ibidem.
31
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. MR. SLANG, UM INGLÊS NA TIJUCA...
25
Idem, p. 51.
26
Idem, p. 85-86.
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MEIHY, José Carlos Sebe Bom. MR. SLANG, UM INGLÊS NA TIJUCA...
28
Nunes, Cassiano, O último sonho de Monteiro Lobato: o Georgismo, s/e, São Paulo,
1983.
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IMAGENS DA EUROPA NA LITERATURA BRASILEIRA
A CASA ASSASSINA OU
A INGLATERRA VISTA DA AMERICALATÍNDIA
Ligia Chiappini
1
Refiro-me ao romance Zero, publicado em 1975, no Rio de Janeiro, anos depois da
primeira edição italiana.
2
Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989.
3
Por esse motivo, aqui, será necessário utilizar mais a paráfrase do que o faríamos se o
romance fosse mais conhecido.
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CHIAPPINI, Ligia. A CASA ASSASSINA OU A INGLATERRA VISTA DA AMERICALATÍNDIA
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uma crônica dessa guerra, cuja presença apenas se faz sentir por uma
ou outra alusão a aviões alemães ou a alarmes ameaçando a vida quo-
tidiana das pessoas. As guerras que se narram aí são outras, de que
participou e participa até morrer, o heróico paraguaio Facundo
Rodríguez, figura épica, trágica e grotesca ao mesmo tempo: num
primeiro momento, a guerra do Chaco (de 1932-1935), continuada
na paz por nacionalistas fascistas, contrários aos ideais dos mártires
de outra guerra maior – a Guerra do Paraguai. Esta, a guerra que
liquidou quase literalmente esse País, com a Tríplice Aliança tendo a
Inglaterra por trás, sustentando e insuflando. Facundo é um mártir,
cuja existência é preciso borrar da história para evitar a todo o custo o
perigoso culto aos heróis que o povo inventa e segue, capaz de infla-
mar ânimos e ressuscitar ideais revolucionários a tanto custo sepulta-
dos com o corpo do herói martirizado.
Mártires há em Callado desde o início da sua obra ficcional,
começando pelo protagonista de Madona de Cedro que, feito Cristo
redivivo, sofre o martírio de carregar a cruz, ladeira acima, purgando
seus pecados. O mito da paixão perpassa a trajetória de Nando, em
Quarup, de Beto em Reflexos do Baile, de Quinho, em Sempreviva.
E sempre ele se choca com a repressão que não apenas quer destruir
concretamente os homens que lutam pelos ideais de justiça social e
democracia, como quer destruir a matriz de onde brota a força para
essa luta: o imaginário, a lenda, o mito facilmente reencarnável em
novas utopias e novos heróis.
Facundo é salvo das garras da polícia política por amigos de
sua mulher, Isobel, uma inglesa apaixonada, princípio feminino
semprevivo que, como Lucinda e como Francisca, está sempre pron-
ta a renascer das cinzas para apoiar a luta do seu homem. Facundo,
não por acaso, atualiza o arquétipo do bárbaro caudilho de Sarmiento,
e Isobel, por sua vez, atualiza um dos arquétipos mais poderosos da
cultura branca e cristã, retomado por Joyce no FinnegansWake. Tra-
ta-se, mais uma vez, da dualidade entre barbárie e civilização, tão
recorrente nas literaturas latino-americanas e aqui revivida de forma
nova, a um só tempo lírica e irônica, como veremos.
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CHIAPPINI, Ligia. A CASA ASSASSINA OU A INGLATERRA VISTA DA AMERICALATÍNDIA
“uma sólida casa de dois andares, com seu perfil de chaminés con-
tra o céu, seu vasto telhado em rampa até as colunas do pórtico. A
cada lado do telhado, dois torreões encimados por telheiros pon-
tudos de duas águas, e, mais alta que eles, à esquerda, uma torre,
quase um campanário, de onde subia a longa flecha de ferro em
que se empoleirava, dourado, um galo-cata-vento.” (p. 66)
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Flávio Aguiar
I’m wandering
round and round
nowhere to go...
[...]
While my eyes
are looking for
flying saucers
in the sky...
Caetano Veloso,
no exílio em Londres.
51
AGUIAR, FLÁVIO. ALGURES, ALHURES, NENHURES. MEDIAÇÕES ENTRE A EUROPA...
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AGUIAR, FLÁVIO. ALGURES, ALHURES, NENHURES. MEDIAÇÕES ENTRE A EUROPA...
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AGUIAR, FLÁVIO. ALGURES, ALHURES, NENHURES. MEDIAÇÕES ENTRE A EUROPA...
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AGUIAR, FLÁVIO. ALGURES, ALHURES, NENHURES. MEDIAÇÕES ENTRE A EUROPA...
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AGUIAR, FLÁVIO. ALGURES, ALHURES, NENHURES. MEDIAÇÕES ENTRE A EUROPA...
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IMAGENS DA EUROPA NA LITERATURA BRASILEIRA
se reconhecia como fonte arcana, a natureza, está cada vez mais cer-
cada por uma civilização que a agride e com isso a si própria. O
mundo dito primeiro voltou em parte, ainda que em sua franja, a ser
palco de guerras intermináveis e de extermínio. O futuro foge dos
pés de todos, a viagem começada parece perder a visão de seu come-
ço, sem ter visível qualquer fim.
A estrutura ainda está de pé, mas parece não ter ponto de apoio.
Flutua, à deriva.
A literatura, com sua palavra de resgate, mantém-nos de certo
modo, pelo menos com o objetivo de permanecer à tona e de quem
sabe arribar a alguma parte. Mais ou menos como dizia Isidoro de
Sevilha a propósito da fé:
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NOTA DO EDITOR
Ficha técnica
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NOTA DO EDITOR
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